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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
A AUTONOMIA DA ESCOLA PÚBLICA:
um complexo movimento entre a outorga
e a construção
LUIS CARLOS MARQUES SOUSA, scj
NATAL/RN
2006
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2
LUIS CARLOS MARQUES SOUSA, scj
A AUTONOMIA DA ESCOLA PÚBLICA:
um complexo movimento entre a outorga
e a construção
Tese de Doutorado em Educação
apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Orientador: Antonio Cabral Neto
NATAL/RN
2006
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3
DEDICATÓRIA
A você,
Marianita
e, por extensão,
aos milhões de alunos e alunas
das sucateadas escolas públicas brasileiras
que, por meio da tua voz, estão a dizer, clamar, denunciar e reivindicar
para toda a sociedade brasileira:
“...aqui o que ta faltando é aquelas comidas gostosas. Eu não quero
dizer que as comidas da nossa maravilhosa merendeira seja ruim;
mais está faltando alguma coisa por que agora é sopa direto e o
banheiro as portas estão todas se quebrando é só agente tocar e a
porta se quebra o telhado é cheio de cupim e quando chove fica
pingando dentro da sala então n
n
os queremos uma escola melhor nos
crianças estamos pedindo uma escola muito melhor” (aluna da 3ª.
Série, 11 anos de idade, de uma escola pública de Pernambuco).
Luis Carlos Marques Sousa, scj
4
A ESCOLA
Escola é...
o lugar onde se faz amigos
não se trata só de prédios, salas, quadros,
programas, ho
rários, conceitos...
Escola é, sobretudo, gente,
gente que trabalha, que estuda,
que se alegra, se conhe
ce, se estima.
O diretor é gente,
O coordenador é gente, o professor é gente,
o aluno é gente,
cada funci
onário é gente.
E a escola será cada vez melhor
na medida em que cada um se comporte como colega, amigo
, irmão.
Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’.
Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir que não tem amizade a ninguém
nada de ser como o tijolo que forma a parede, indiferente, frio
, só.
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,
é também criar laços de amizade,
é cria
r ambiente de camaradagem,
é conviver, é se ‘amarrar nela’!
Ora , é lógico...numa escola assim
vai ser f
ácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz..."
Paulo Freire
5
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que, de uma forma ou outra, nos acompanharam na realização
de um longo percurso educativo – do domínio das primeiras letras (A, B, C... Z) até a presente
obtenção do título de doutor em educação. Entre tantas pessoas, gostaríamos de ressaltar a
contribuição:
- dos nossos pais – Edith e José Manuel – os quais, em meio à pobreza de
recursos financeiros sabiamente definiam (após a alimentação) como segunda prioridade, as
despesas com os estudos dos seus filhos Luisinho, Carrinho, Mariinha e Lulu;
- de dona Carmem e dona Carmozina, nossas primeiras professoras,
continuadoras da iniciação doméstica de leitura e entendimento da palavra escrita. Com estas
educadoras queremos expressar nossa gratidão a todos professores e professoras com os quais
estudamos (muitos dos mais de 50 temos presente na mente e no coração): no Grupo Escolar
Eugênio de Barros (no bairro do Lira, na capital maranhense), na Escola Comercial do
SENAC (também em São Luís), na Escola Normal Colegial Nossa Senhora da Conceição
(Viana/MA), na Universidade Católica de Pernambuco, no Instituto de Teologia do Recife e
na Universidade Federal da Paraíba;
- do padre Vitório Lucchesi (que o Senhor o tenha em sua glória!) cuja
convivência ao longo dos anos 1969, 1970 e 1971 no inesquecível Seminário São José foi
uma decisiva aprendizagem em direção ao desafio de vivenciar a autonomia, com
responsabilidade, em nossa vida pessoal;
- do padre Pedro Neefs por confiar que poderíamos dar alguma contribuição
para a causa do Reino no Nordeste brasileiro e, assim, nos recebeu na Congregação dos
Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus.
- da professora Emilia Maria da Trindade Prestes pelo seu apoio e competência
no processo de elaboração da nossa primeira produção acadêmica, em nível de pós-graduação,
sobre o instigante tema da autonomia da escola (Dissertação de Mestrado, 2002);
- do Prof. Antonio Cabral Neto pelo estímulo para ingressar no Programa de
Pós-graduação em Educação da UFRN, pela apreciação positiva ao nosso projeto de tese, pela
competência no exercício da função de Orientador e, juntamente a esta qualidade profissional,
pela atenção especial que nos concedia nos momentos de orientação
6
- do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRN que, ao nos acolher
como aluno, ampliou nossa “cidadania nordestina” para mais um Estado desta desafiadora
Região (sintam-se incluídos, aqui, a Coordenação, os Professores e Funcionários bem como
os colegas da nossa base de pesquisa aos quais registramos o nosso “muito obrigado” pelas
correções e sugestões dadas nos vários momentos de análise do nosso trabalho);
- de Severina Ramos da Silva (Vivi) por fazer da sua casa a infra-estrutura
necessária para termos “onde reclinar a cabeça” nas idas à “Noiva do Sol”;
- de Aldo, Romildo, Ricardo e Aureny (respectivamente, diretores das escolas
Assis Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco) que deram aval para a
investigação empírica nas escolas sob sua administração (com estes nomes sintam-se
incluídos os 527 outros atores sociais – professores, alunos, pais de alunos e funcionários –
que emprestaram suas vozes para que fosse possível analisarmos o movimento de construção
da autonomia em cada uma destas instituições educacionais).
- enfim... Àquele de quem não passamos de servo inútil (Lc 17, 10): o Deus de
Abraão, Jacó, Isaac... de MARIA ASSUNTA AO CÉU, Agostinho, Tomás de Aquino,
Francisco de Assis, João Leão DEHON, João XXIII, Margarida Alves, Oscar Romero,
Jósimo, Hélder Câmara, Doroty, Elenir, Sandro, Tia Sofia, Sandra, Ademir & Luiza, Emilse
& Luis Cairo, Betty & Rick... - mais um TE DEUM!
Aos quinze dias do mês de outubro do ano de dois mil e seis, na comemoração
do trânsito de Tereza d’Ávila (primeira Doutora da Igreja),
Luis Carlos Marques Sousa, scj
7
RESUMO
O presente trabalho aborda as configurações que vêm sendo dadas à autonomia
da escola, notadamente a partir da década de 1990. Para a realização da pesquisa foi dada
ênfase à implementação do princípio da autonomia escolar no sistema público de ensino do
Estado de Pernambuco e, especificamente, em quatro unidades escolares sediadas nos bairros
de Brasília Teimosa e Casa Amarela, ambos localizados na capital pernambucana.
Verificando-se que a implementação da autonomia da escola está circunscrita no processo de
reestruturação produtiva, foi constatado que a inclusão deste princípio nas políticas
educacionais – nos âmbitos nacional e estadual – obedeceu à dinâmica de retraimento que, no
contexto neoliberal, caracteriza a atuação do Estado em relação à educação e à escola
públicas, com conseqüente impacto nas escolas investigadas. A partir da investigação
empírica foi identificada a ocorrência de um movimento encetado pelos atores sociais das
escolas pesquisas em direção à construção da autonomia escolar; movimento este
apresentando vários limites e fragilidades. Foi constatado ainda que este movimento variou de
intensidade na medida em que os atores sociais das escolas desenvolveram níveis de
processos participativos (em maior ou menor grau) relacionados com as diversas expressões
de gestão democrática que pode ocorrer no interior da escola, tais como: elaboração do
Projeto Político-Pedagógico, instituição e funcionamento do Conselho Escolar etc. O conjunto
das análises realizadas possibilitou que fosse concluído que no contexto neoliberal, e
delimitado ao tempo e espaços investigados, a implementação da autonomia da escola vem se
dando em meio a um complexo movimento de outorga e de construção.
PALAVRAS-CHAVE: Neoliberalismo, Estado neoliberal, Política educacional, Autonomia
da escola e Participação.
8
ABSTRACT
The present research to explorer the configurations that come being given to
the autonomy of the school, since the decade of 1990. We investigate the implementation of
the principle of the autonomy in the public system of education of the State of Pernambuco
and, specifically, in four school units and this schools its in the quarters of Stubborn Brasilia
Teimosa and Casa Amarela, both located in Recife. We try to know if the implementation of
the autonomy of the school is circumscribed in the process of productive reorganization, it
was evidenced that the inclusion of this principle in the educational politics - in the scopes
national and state - obeyed the dynamics of retraction that, in the neoliberal context, the
performance of the State in relation to the public education and the school characterizes, with
consequence impact in the investigated schools. From the empirical inquiry it was identified
to the occurrence of a movement realized for the social actors of the schools research in
direction to the construction of the pertaining to school autonomy; this movement presenting
some limits and fragilities. It was evidenced despite this movement varied of intensity in the
measure where the social actors of the schools had developed levels of dinamics processes (in
greater or minor degree) related with the diverse expressions of democratic management that
can occur into the school, such as: elaboration of the Politician-Pedagogical Project,
institution and functioning of the Pertaining to school Advice, etc. The set of the carried
through analyses made possible that it concluded that, in the context neoliberal and delimited
to the investigated time and space, the implementation of the autonomy of the school comes if
giving in way to a complex movement of construction.
WORDS KEY: Neoliberalism, neoliberal State, educational Politics, Autonomy of the school
and Participation.
9
SUMÁRIO
p.
CAPITULO 1
RUMO À CONSTRUÇÃO DE UM CONHECIMENTO SOBRE A
IMPLEMENTAÇÃO DA AUTONOMIA EM ESCOLAS DA REDE
ESTADUAL DE ENSINO DE PERNAMBUCO .......................
01
1.1 INTRODUÇÃO SOBRE O ESTUDO DO AUTONOMIA DA ESCOLA E
RESGATE DAS RAZÕES E MOTIVAÇÕES DA PESQUISA............... 01
1,2 PARÂMETROS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA . ..... 07
1.3 DETALHAMENTO DE UM PERCURSO INVESTIGATIVO................. 12
1.4 ESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO................................................... 20
CAPÍTULO 2 NEOLIBERALISMO: UMA NOVA CONFIGURAÇÃO PARA O
ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS .............................................
23
2.1 DÉCADA DE 1970: UMA NOVA CRISE ESTRUTURAL DO
CAPITALISMO VEM À TONA ........................................ 23
2.2 O NEOLIBERALISMO: UM PROJETO IDEOLÓGICO EM RESPOSTA À
CRISE CAPITALISTA ECLODIDA NA DÉCADA DE 1970 ............... 31
2.3 O ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS NEOLIBERAIS ...................... 44
2.4
A IMPLEMENTAÇÃO E OS EFEITOS DO NEOLIBERALISMO NA
AMÉRICA LATINA ..............................................................................
54
2.5 A IMPLEMENTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL E A
CONFIGURAÇÃO NEOLIBERAL DO ESTADO BRASILEIRO ............. 63
2.6 A REFORMA DO ESTADO EM PERNAMBUCO .................................... 70
CAPÍTULO 3 OS NOVOS DIRECIONAMENTOS DADOS À POLÍTICA
EDUCACIONAL BRASILEIRA NO CONTEXTO NEOLIBERAL ...
76
3.1 A EDUCAÇÃO NEOLIBERAL: CONCEPÇÕES, PRINCÍPIOS E
CARACTERÍSTICAS ................................................................................. 76
3.2 DE 1990 AOS NOSSOS DIAS: A NEOLIBERALIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA ....................................................................... 89
10
3.3 O MONITORAMENTO EXTERNO DO SISTEMA EDUCACIONAL
BRASILEIRO .... ................................................................................... 104
3.3.1 O Banco Mundial: financiador e monitor de políticas sociais e educacionais 104
3.3.2 De Jomtien a Dakar: eventos internacionais de debates sobre a educação
e seus impactos nas políticas educacionais brasileiras ................................ 112
3.3.3 PROMEDLAC: um projeto educacional para a América Latina
e o Caribe........................................................................................................ 119
3.3.4 A participação da CEPAL no processo de monitoramento das políticas
educacionais latino-americanas ...................................................................... 112
CAPÍTULO 4 A ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA E SUA INSERÇÃO NO
PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA .............................................................................................. 133
4.1 DA ESCOLA PÚBLICA AUTORITÁRIA E EXCLUDENTE À ESCOLA
PÚBLICA DEMOCRÁTICA: UM PERCURSO AINDA EM PROCESSO
............................................................................................. 133
4.2 MESMO EM TEMPOS NEOLIBERAIS, A LUTA CONTINUA! – DIZEM
OS EDUCADORES E OS SETORES SOCIAIS
PROGRESSISTAS........................................................................................... 163
CAPÍTULO 5
AUTONOMIA DA ESCOLA: UM MANIFESTO EM ATUALIZAÇÃO
(DOS PIONEIROS DE 1932 AOS NOSSOS DIAS)
184
5.1 OS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA E A AUTONOMIA DA
ESCOLA ................................................................................................... 185
5.2 AUTONOMIA DA ESCOLA: COMPREENSÕES E SIGNIFICADOS
PROGRESSISTAS ................................................................................ 188
5.3 A AUTONOMIA DA ESCOLA E SUA VISIBILIZAÇÃO NO PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO ...................................................................... 193
5.4 A PARTICIPAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS DA ESCOLA:
UM PROCESSO MEDIADOR PARA A CONSTRUÇÃO DA
AUTONOMIA DA ESCOLA ..................................................................... 206
CAPÍTULO 6 A OUTORGA DA AUTONOMIA DA ESCOLA NO SISTEMA DE
ENSINO PÚBLICO DE PERNAMBUCO ...............................................
218
6.1 PERNAMBUCO: PERFIL DE UM “LEÃO DO NORTE"............................ 219
6.2 REALIDADE EDUCACIONAL PERNAMBUCANA ................................ 226
11
6.3 A AUTONOMIA DA ESCOLA DESENHADA NAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS DE PERNAMBUCO E IMPLEMENTADA NO
SISTEMA EDUCACIONAL PERNAMBUCANO..................................... 243
CAPÍTULO 7 A OUTORGA DA AUTONOMIA NAS ESCOLAS ASSIS
CHATEAUBRIAND, LUIS DE CAMÕES, DOM VITAL E DOM
BOSCO......
266
7.1 RECORTES DE UM CENÁRIO I: BRASÍLIA TEIMOSA E AS
ESCOLAS ASSIS CHATEAUBRIAND E LUIS DE CAMÕES .................. 26
7.1.1 Brasília Teimosa, uma comunidade que diz: “este chão é nosso”................... 266
7.1.2 Escola Assis Chateaubriand: traços e retalhos de uma trajetória de 40 anos . 271
7.1.3 Escola Luis de Camões: traços e retalhos de uma trajetória de 24 anos ......... 254
7.2 RECORTES DE UM CENÁRIO II: CASA AMARELA E AS
ESCOLAS DOM VITAL E DOM BOSCO................................................... 288
7.2.1 Casa Amarela, uma comunidade-movimento pelas “terras de ninguém” ....... 288
7.2.2 Escola Dom Vital: traços e retalhos de uma trajetória de 61 anos ................. 294
7.2.3 Escola “Dom Bosco”: traços e retalhos de uma trajetória de 39 anos ............. 301
7.3 O MOVIMENTO DE OUTORGA DA AUTONOMIA NAS ESCOLAS
ASSIS CHATEAUBRIAND, LUIS CAMÕES, D.VITAL E D.BOSCO...... 308
CAPÍTULO 8 O MOVIMENTO DE CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DESEJADA
E ENSAIADA PELOS ATORES SOCIAIS DAS ESCOLAS ASSIS
CHATEAUBRIAND, LUIS DE CAMÕES, DOM VITAL E DOM
BOSCO ...................................................................................................
313
8.1 AUTONOMIA, DEMOCRATIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA
ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND ......................................................... 313
8.2 AUTONOMIA, DEMOCRATIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA
ESCOLA LUIS DE CAMÕES ...................................................................... 325
8.3 AUTONOMIA, DEMOCRATIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA
ESCOLA DOM VITAL ................................................................................. 333
8.4 AUTONOMIA, DEMOCRATIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA
ESCOLA DOM BOSCO .............................................................................. 349
8.5 POR UMA OUTRA AUTONOMIA ESCOLAR: O DESEJO DOS ATORES
SOCIAIS DAS ESCOLAS ASSIS CHATEAUBRIAND, LUIS DE
CAMÕES, DOM VITAL E DOM BOSCO .......................................... 364
CAPÍTULO 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
372
REFERÊNCIAS
378
ANEXOS
12
CAPÍTULO 1 – RUMO À CONSTRUÇÃO DE UM CONHECIMENTO SOBRE A
AUTONOMIA DA ESCOLA NO CONTEXTO NEOLIBERAL
Ao longo da sua existência, quer na dimensão pessoal quer na dimensão
coletiva, o sujeito humano é constantemente desafiado a conhecer. Este processo, que
acontece ora fruto do acaso, do fortuito, ora de um laborioso empreendimento sistematizado,
se constitui garantia para a sobrevivência e continuidade da própria espécie humana.
Compartilhando dessa dinâmica, nos debruçamos na tarefa de construir um conhecimento a
respeito de um fenômeno que - por conta de uma atuação profissional ocorrida há algum
tempo e, de certa forma, ainda continuada (como trabalhador na educação pública do Estado
de Pernambuco) – vem sendo objeto de nossa reflexão: a autonomia da escola.
Após um percurso de quase três anos (junho de 2003 a junho de 2006),
conseguimos dar por concluído (e, ao mesmo tempo, abertos para novas incursões) o
empreendimento ao qual nos lançamos uma vez que e, dentro de um determinado contexto,
com muitas idas e vindas, apreendemos o objeto de estudo que havíamos escolhido para se
constituir em matéria de investigação em vista da obtenção do título de doutor em educação,
no Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte/UFRN.
Este capítulo inicial consta, pois, de uma descrição acerca do mapeamento que
foi elaborado para nos servir de guia no percurso em direção à apreensão do objeto sobre o
qual quisemos construir um conhecimento, ou seja, a autonomia da escola pública no contexto
neoliberal com um recorte na realidade do sistema público de ensino de Pernambuco e, mais
especificamente, em quatro escolas estaduais, localizadas na capital desta unidade federativa.
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO INTRODUTÓRIA AO FENÔMENO DA AUTONOMIA DA
ESCOLA E RESGATE DAS RAZÕES E MOTIVAÇÕES DA PESQUISA
No decorrer da história da educação brasileira, a escola pública tem se
caracterizado, predominantemente, por reproduzir o autoritarismo e a exclusão social
existentes no contexto mais amplo do modelo de sociedade capitalista do qual, enquanto
instituição, ela é parte integrante. Entretanto, mesmo com esta caracterização, muitos
educadores, aliados aos setores sociais progressistas, têm defendido e lutado por uma escola
13
democrática o que, entre outros aspectos, significa dizer que esta instituição educativa é
acessível aos que a procuram-, nela permaneçam de forma exitosa e, ainda, a sua gestão é
norteada por princípios e processos participativos.
Para a concretização desse anseio, os educadores e os setores sociais
progressistas têm compreendido que a escola necessita de autonomia e, assim, fizeram disso
uma bandeira de luta ao longo dos últimos setenta anos da história da educação brasileira.
Neste sentido, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, publicado no ano de 1932, se
sobressai, pois, como um marco no qual, pela primeira vez, de modo explícito e segundo os
entendimentos que aquele momento histórico permitiu que fossem feitos, foi reclamada
autonomia para a escola pública brasileira. Juntamente a este fato, a autonomia escolar
começou a fazer parte da agenda das reivindicações históricas que os educadores brasileiros
tem feito, aliada a outros setores sociais progressistas
1
.
Após o Manifesto, por algum tempo, a reivindicação dos Pioneiros pareceu ir
para o ostracismo ou, ainda, não ter conseguido suscitar mobilizações em sua defesa em vista
de possível incorporação na legislação e no sistema educacional como um todo. Muito
provavelmente, esse esquecimento ou esfriamento ocorreu por conta de outras necessidades
da escola pública terem sido julgadas como mais urgentes. Neste sentido, as estatísticas
sempre evidenciaram que uma substancial parcela da população brasileira, na condição de
analfabetos e/ou de “evadidos” do sistema educacional, havia sido excluída dos benefícios
proporcionados pela educação escolar.
1
Qem são estes setores? Dentro do corte temporal da década de 1930 aos nossos dias, consideramos como tais
os homens e mulheres que, dos mais diversos estratos da sociedade brasileira, em nome pessoal e, sobretudo,
congregados em associações ou movimentos, diante de um projeto republicano desencontrado da sua matriz
original e, mais ainda, ao constatarem que, em nosso país, a democracia se apresenta como estando num
longínquo horizonte, se comprometeram com a luta por uma efetiva democratização da sociedade brasileira no
sentido de tornar esta uma pátria-nação para todos os que aqui nascem, moram ou vêm para cá.
Para por em marcha o processo democratizador que às vezes avança, às vezes recua, ou, ainda, há momentos em
que é bruscamente barrado (como aconteceu nos períodos ditatoriais de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985), tais
setores têm utilizado os mais diversos instrumentos e ocupado os mais diferentes espaços, ou sejam: usando a
palavra oral e escrita para contestarem a ordem ideologicamente estabelecida, realizando marchas de protestos,
mobilizando as massas populares, deflagrando greves, apresentando propostas e projetos alternativos.
No que diz respeito a “lugares” de atuação, estes setores tem se utilizado ou podem ser encontrados na imprensa,
no púlpito, na tribuna, nos movimentos associativos dos trabalhadores, nos âmbitos educacionais formais e
informais, nos partidos políticos comprometidos com a transformação do projeto capitalista, no anonimato das
comunidades e assim por diante. A estes, que cognominamos de setores sociais progressistas podemos,
fundamentalmente, reconhecê-los como tais na medida em que expressam um compromisso com a
democratização da sociedade e, para o concreto caso da realidade brasileira, assumem a causa da emancipação
da classe trabalhadora, ou seja, a totalidade dos assalariados que, estando na condição de não- proprietários dos
meios de produção, vivem da venda de sua força de trabalho sob condições de exploração.
14
No reboque do processo de redemocratização da sociedade brasileira, ocorrido
nas décadas de 1970 e 1980, novas reivindicações, iniciativas e experiências foram feitas em
prol da democratização e autonomia da escola. Na década de 1990, com a promulgação da
atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) aconteceu a primeira
incorporação da autonomia da escola num texto legislativo do porte deste importante
documento de política educacional. Em todo caso, ao longo dos anos de 1970 até aos nossos
dias, ainda que possuindo variadas compreensões e entendimentos, o princípio da autonomia
da escola tem se revestido de considerável importância na pauta das questões que suscitam
intensos e calorosos debates na educação brasileira.
Na atualidade, sem desmerecer a importância e mesmo a urgência de outras
questões da educação e da escola brasileiras, a autonomia escolar vem se sobressaindo como
uma relevante temática sobre a qual se deve refletir e investigar, notadamente no âmbito das
políticas educacionais. Por outro lado, como será visto no decorrer deste trabalho, sob a
autonomia da escola podemos encontrar dois diferentes projetos político-sociais em disputa.
A seu turno, tais projetos estão escudados em duas também distintas perspectivas, ou seja, a
progressista e a conservadora. O desvelamento destes projetos e perspectivas, por si só,
constituiu-se também em motivação atualizadora para o desencadeamento da presente
pesquisa.
Nosso interesse pela investigação do fenômeno da autonomia da escola, num
primeiro momento, está relacionado à experiência de quase vinte anos como profissional da
educação da rede estadual de ensino de Pernambuco, tanto em funções docentes como em
funções técnico-administrativas (supervisão e direção escolar). No período em que foi
realizada, outubro de 1980 a abril de 1998, tal atuação foi desenvolvida em dois diferentes
momentos da vida nacional, ou seja: em parte, no último qüinqüênio do autoritarismo civil-
militar ao qual a nação brasileira foi submetida a partir do golpe de 1964; a outra parte
transcorreu quando a sociedade brasileira marchou em direção ao restabelecimento da ordem
democrática que, abruptamente, havia sido interrompida por esse mesmo golpe.
No decorrer dessa experiência, integrando as fileiras dos movimentos que
várias parcelas da população brasileira apresentaram em termos de resistência e de oposição
ao regime vigente, juntamente com outros educadores, à luz das reflexões de Neidson
Rodrigues e Paulo Freire, enfrentamos diversos embates contra os estilos de administração
autoritária e centralizada que eram praticados no interior das unidades escolares nas quais
trabalhávamos. Em meio a tais embates, coletivamente, também foi possível a realização de
algumas ações na perspectiva da gestão democrática da escola, tais como: um esforço de
15
exercício de uma gestão colegiada, através da implantação de um Conselho Escolar e na
construção de um Projeto Político-Pedagógico, respectivamente, no Colégio Samuel Mac
Dowell e no Colégio Francisco de Paula, ambos situados na cidade de Camaragibe
2
.
Num segundo momento, nosso empenho em investigar sobre a autonomia
escolar decorreu dos estudos do curso de mestrado em educação (Universidade Federal da
Paraíba, anos de 2001 e 2002) no qual realizamos uma pesquisa sobre a implementação da
autonomia da escola no sistema público de ensino do Estado de Pernambuco e, de modo mais
específico, nas políticas educacionais que foram formuladas no período de 1995 a 2002. Tal
trabalho, de natureza documental, resultou na dissertação conclusiva do Mestrado em
Educação (SOUSA, 2002) e, de certa forma, significou “ouvir” a fala e o discurso das gestões
de governo que administraram Pernambuco no período de 1995 a 2002 (Miguel Arraes, de
1995 a 1998; Jarbas Vasconcelos, de 1999 a 2002). Estes governos, um menos, outro mais,
outorgaram um modelo de autonomia da escola bastante identificado com as diretrizes das
políticas educacionais de corte neoliberal que, no decorrer da década de 1990, foram
desenhadas e implementadas no cenário nacional. Assim sendo, o presente trabalho manteve
uma linha de continuidade com o que realizamos no mestrado.
Entrementes, juntamente com a retomada de algumas temáticas refletidas no
trabalho anterior (SOUSA, 2002), intentando aprofundá-las, a presente investigação tomou
um novo direcionamento na medida em que nos deslocamos para o espaço da escola pública
de Pernambuco para, ali, a partir da fala dos seus atores sociais, investigarmos como estava
ocorrendo a implementação da autonomia, com ênfase a partir do ano de 2000 quando, então,
tal princípio passou a se constituir em diretriz de política educacional nesta unidade
federativa, mediante sua inclusão no Plano Estadual de Educação 2000-2009. Como
analisamos na dissertação (SOUSA, 2002), cumpre salientar que as formulações de autonomia
da escola, neste Plano Estadual de Educação, estão revestidas de conotações neoliberais indo,
portanto, na contramão das históricas compreensões dos educadores brasileiros bem como de
expressivos setores sociais progressistas, unidos pela defesa de uma autonomia que torne
possível a gestão democrática da escola.
Pelo desencadeamento das questões suscitadas a respeito da autonomia da
escola e das respostas obtidas, acreditamos que, de alguma forma, este trabalho possa
contribuir para alimentar o debate sobre a configuração neoliberal que foi dada ao Estado
brasileiro e que ainda se encontra presente nesta instância política. Juntamente a isto,
2
Camaragibe, com uma população de 128.702 habitantes, integra o conjunto dos catorze municípios que fazem
parte da chamada “Região Metropolitana do Recife”.
16
justificamos o investimento feito nesta investigação por estar inscrita no quadro das
preocupações dos educadores e dos pesquisadores em relação à ressignificação que as
políticas educacionais vêm conferindo à autonomia escolar. Ainda do ponto de vista
educacional, consideramos que este trabalho tenha se revestido de relevância social na medida
em que serviu de instrumento a serviço da fala dos atores sociais das escolas
3
pesquisadas.
Integrando o processo de acercamento do objeto de estudo - e tendo presente a
realidade da escola pública do sistema pernambucano de ensino que, a partir do Plano
Estadual de Educação - o PEE/PE 2000-2009 (GOVERNO ESTADUAL DE
PERNAMBUCO, 2001) - passou a ser pensada sob a perspectiva de uma escola autônoma -
levantamos as seguintes indagações que serviram de guia para o desencadeamento desta
pesquisa, a saber: a) No cenário educacional brasileiro, notadamente a partir da
década de 1990, que configurações o princípio da autonomia da escola tem assumido?
b) Nas diretrizes educacionais formuladas para o sistema público de ensino do
Estado de Pernambuco, tendo como referência a LDB 9394/96 e o Plano de Estadual de
Educação/2000-2009, como a autonomia da escola tem sido apresentada?
c) Nestes últimos anos, tomando-se como referência a promulgação do atual
Plano Estadual de Educação/2000-2009, como o princípio da autonomia vem sendo
implementado em escolas da rede estadual de ensino de Pernambuco, localizadas nos bairros
de Brasília Teimosa e Casa Amarela, na cidade do Recife?
3
O que entendemos por atores sociais da escola? De forma extensiva, por atores sociais da escola
compreendemos aqueles e aquelas que, em variados lugares ou funções sociais, estão circunscritos no espaço
concreto de uma escola, a saber: Professores, Alunos, Pessoal Técnico-admistrativo (Diretor, Vice-Diretor,
Supervisor Escolar/Educador de Apoio, Secretário, Biliotecário...), Funcionários (agentes administrativos,
merendeiras, pessoal de serviços gerais...), Pais e membros da comunidade ao entorno da escola, notadamente os
que estão organizados em associações representativas. Mais do que do ponto de vista funcional, consideramo-los
como atores sociais da escola por serem aqueles e aquelas que, de modo mais direto, no dia-a-dia, estão
coligados na e pela comum tarefa de transmitir o saber historicamente acumulado e, a partir do saber do qual o
aluno é portador, buscam reconstruí-lo criticamente. Assim, estes sujeitos fazem acontecer o processo educativo
no âmbito institucional da escola.
Apesar de estarem coligados em torno da tarefa da construção do saber, os atores sociais da escola, por conta de
processos ideológicos desenvolvidos pelas classes dominantes, também podem estabelecerem relações sociais
conflitivas entre si a ponto de, inclusive, reproduzirem no espaço escolar (muitas vezes, sem se darem conta
disso) a relação antagônica que se dá no espaço mais amplo da sociedade, ou seja, reproduzindo as relações de
dominador/dominado, superior/inferior. Neste sentido, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que o saber se
constitui em amálgama convergente da ação dos atores sociais da escola, sobre ele pode se estabelecer uma
relação dicotômica entre estes mesmos atores, ou seja: os que sabem (professor, diretor, especialistas...) e os que
não sabem (alunos, pais, funcionários...), entre os que ensinam e os que aprendem e assim por diante. Não
obstante tal possibilidade, mediante processos participativos, poderá ocorrer a superação de tal dicotomia e,
assim, todos os atores sociais da escola, independente da função que desempenham, ou mesmo do grau de
instrução que possuem, poderão chegar ao comum patamar de “eternos aprendizes da vida”, pois somente de um
trabalho comum e solidário de esclarecimento, de persuasão e de educação recíproca é que pode nascer uma
nova e concreta ação construtiva (GRAMSCI, 2004, p. 245).
17
Em conseqüência dos questionamentos que levantamos, foram delineados os
seguintes objetivos de pesquisa:
a) Discutir as configurações que vem sendo dadas ao princípio da autonomia da
escola no cenário educacional brasileiro, notadamente, a partir da década de 1990;
b) Analisar as diretrizes de autonomia escolar que, a partir do Plano Estadual
de Educação de Pernambuco/2000 2009, têm sido propostas para a rede estadual de ensino de
Pernambuco;
c) Analisar como vem sendo implementada a autonomia em escolas da rede
estadual de ensino de Pernambuco, localizadas nos bairros de Brasília Teimosa e Casa
Amarela, na capital pernambucana.
Para formularmos a tese que defendemos no presente trabalho, partimos da
constatação de que, decorrente do complexo processo de reestruturação produtiva que vem
ocorrendo no mundo capitalista, ao longo da década de 1990, o Estado brasileiro recebeu uma
configuração neoliberal. Conseqüentemente, a partir desta nova configuração, resultou que a
formulação e a implementação das políticas públicas passaram a ser regidas pela ótica
neoliberal. Nesse contexto, a formulação e a implementação das políticas públicas
caracterizaram uma diminuição da atuação do Estado na promoção e garantia do bem-estar
social, incluindo a educação. No conjunto das políticas educacionais neoliberais, a autonomia
escolar foi eleita como uma das principais diretrizes a serem implementadas nas várias esferas
do sistema educacional nacional (níveis federal, estadual e municipal) e, conseqüentemente,
nas unidades escolares que integram este mesmo sistema.
No sistema público de ensino de Pernambuco, a partir do Plano Estadual 2000-
2009, vem sendo implementada a autonomia da escola sintonizada com a matriz neoliberal
que, desde a década de 1990, vem configurando as políticas educacionais brasileiras,
caracterizando-se num movimento de outorga. Entretanto, em escolas localizadas em
comunidades que, historicamente, são reconhecidas pela sua capacidade de organização,
mobilização e participação popular, poderá ocorrer um movimento de busca e construção de
autonomia escolar diferenciado do modelo outorgado pelos órgãos superiores de
gerenciamento da rede escolar, também, em virtude de os atores sociais de estas escolas
possuírem anseios e concepções de autonomia da escola que resultem de processos
participativos. Esta é, pois, a tese sobre a qual construímos o presente trabalho.
A tese que defendemos fundamenta-se na observação histórica de que, mesmo
com os esforços e as tentativas realizadas pelos detentores do poder para terem e manterem a
escola pública sob suas rédeas, melhor dizendo, a serviço da exploração e dominação
18
capitalista, os atores sociais desta instituição educativa (ainda que isto nem sempre se
constitua em algo claro ou formalmente explícito), possuem um projeto diferenciado no qual é
atribuída à escola uma outra função social, ou seja, a formação do cidadão em vista da
edificação de uma sociedade enraizada na justiça e na solidariedade e, conseqüentemente, a
escola é vista pelos seus atores como um espaço democrático a ser construído. Ademais,
especificamente em relação aos atores sociais da rede estadual de ensino de Pernambuco,
historicamente falando, por várias vezes estes têm formulado anseios e concepções de
autonomia escolar numa perspectiva progressista, ou seja, como um princípio e uma prática
que possibilite a democratização da escola pública.
Em decorrência da íntima relação existente entre autonomia da escola e
participação, a pesquisa foi conduzida sob o pressuposto
4
de que a participação dos atores
sociais da escola púbica de Pernambuco constitui-se em fator determinante para que, mediante
processos participativos, possam ser elaboradas concepções e anseios coletivos de autonomia
escolar.
1.2 PARÂMETROS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Instados a construir um conhecimento a partir da realização de um processo
investigativo surgiu, de imediato, diante dos nossos olhos a indagação a respeito dos
fundamentos epistemológicos que postos para o empreendimento que nos propúnhamos
realizar. Tal indagação levou-nos a, entre várias possibilidades, escolhermos o norte
epistemológico, sucintamente abaixo delineado, sobre o qual foi cimentada a construção do
presente trabalho.
Apropriando-nos do posicionamento de Lukacs (1974, p. 23), entendemos que
para tornar possível o conhecimento, é fundamental que os diferentes fatos da vida social e da
realidade devessem ser considerados numa perspectiva de totalidade. A totalidade foi,
portanto, o horizonte e a categoria epistemológica fundamental na qual procuramos captar o
fenômeno da implementação da autonomia em escolas da rede estadual de ensino de
Pernambuco. Deste ponto de vista foi que tecemos um arcabouço teórico para nos servir de
referencial analítico tanto para o entendimento do objeto da investigação em si como para os
19
dados que foram coletados ao longo da pesquisa de campo e, ainda, para a análise final das
informações que foram obtidas ao longo do processo de investigação.
Ponderando, também, que o conhecimento tem como ponto de partida as
manifestações por meio das quais o fenômeno se manifesta no real, cumpre observarmos que
tais manifestações não podem ser vistas como independentes em si mesmas; ao contrário, os
fenômenos carregam consigo a marca e as determinações do contexto socioeconômico no
qual estão inseridos. Como é sabido, em nosso caso concreto, tal contexto configura-se como
sendo de sociedade capitalista quanto ao modo de produção o qual, por sua vez, encerra uma
contradição fundamental por ser assentada na geração e manutenção de classes sociais
antagônicas. Entretanto, como é observado por Lukacs (1974, p. 24), as contradições não se
constituem numa apreensão imperfeita da sociedade capitalista; ao contrário, elas pertencem,
de maneira indissolúvel, à essência deste tipo de sociedade e, ainda, são necessárias em tal
ordem de produção para que, a partir delas, possa ser desencadeado um movimento que tenha
como objetivo a superação desse mesmo tipo de sociedade.
Como, em outro momento, é afirmado por Lukacs (1993, p. 37), a sociedade
deve ser vista como uma totalidade concreta, determinada pela organização da produção, num
determinado nível de desenvolvimento social e pela divisão de classes, que nela ocorre. Tendo
presente que a construção do conhecimento ocorre em um contexto socialmente determinado,
apoiando-nos em Marx (1998, p. 18), salientamos que tal contexto não se constitui num dado
petrificado, mas, sim, num organismo passível de mudança, pois, constantemente, está
submetido a processos de transformação resultando, portanto, numa dinamização da realidade
social.
Considerando que o nosso objeto de estudo foi visto como estando circunscrito
num processo mais amplo – o processo educativo –, na condução da pesquisa levamos em
consideração que este processo pertence à ordem das práticas sociais que resultam de
determinações econômicas, sociais e políticas, portanto, atuando na reprodução da ideologia
dominante. Porém, por outro lado, entendemos que a educação, enquanto prática social,
portanto em processo e passível de mudanças, também seja portadora da possibilidade de
reproduzir as contradições que dinamizam as mudanças e, assim, as ditas contradições podem
propiciar a gestação de novas formações sociais. Ademais, em virtude de ser realizado por
4
Apoiando-nos em Minayo (1997, p. 95), optamos por usar o termo pressuposto em lugar de hipótese por
considerá-lo como mais apropriado para a caracterização de pesquisa qualitativa com a qual configuramos o
presente trabalho de investigação.
20
sujeitos humanos históricos e concretos, encaramos o fenômeno educacional como fazendo
parte de uma totalidade social sem a qual ele é destituído de significação e, por outro lado,
como sinaliza Goldman (1979, p. 44), ele também se constitui em expressão visível dessa
mesma totalidade.
No que diz respeito à escola, enquanto espaço privilegiado da mediação do
processo educativo formal, compreendemos esta instância educativa como estando inserida no
contexto de sociedade capitalista e, por conta disso, contemplamo-la como uma instituição
que, além de participar da manutenção das relações de classe existentes nessa configuração
produtiva, também acentua tais relações (SNYJDERS, 1981, p. 101). Mas,
contraditoriamente, concebemos a escola como, também, sendo o espaço da luta, da
conquista, da mudança e da transformação.
O fato de nos atermos a um fenômeno específico – o da autonomia escolar –
constituiu-se, na verdade, num recurso metodológico que nos possibilitou chegarmos à
compreensão de uma realidade mais ampla, a da escola pública, a partir das mediações
escolhidas, ou seja, as instituições que foram campo empírico de investigação. Entretanto,
como uma espiral ascendente, esta instituição educativa integra um sistema mais amplo: o
educacional. Deste movimento chegamos à dimensão de totalidade, ou seja, a realidade social
em suas múltiplas determinações na qual o fenômeno da autonomia da escola não somente
está inserido como, ainda, estabelece uma relação de reciprocidade com essa mesma
totalidade.
Tendo em mira o objetivo de analisarmos como vem se dando o processo de
implementação da autonomia escolar na escola pública de Pernambuco, em meio a possíveis
concepções e prática diferenciadas, a presente investigação foi desenvolvida sob a abordagem
qualitativa. Além da natureza do próprio objeto da nossa investigação, a opção por esta
abordagem decorreu do entendimento de que ela se constituía no caminho investigativo que
melhor nos possibilitaria a compreensão do fenômeno a partir do contexto no qual ele foi
construído, numa perspectiva de integração com as várias dimensões que constituem a história
humana bem como por se constituir numa estratégia na qual os dados são coletados a partir de
interações sociais ou interpessoais. Ademais, além da riqueza em dados descritivos que
proporciona, a pesquisa qualitativa focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada
e, ainda, possui um plano aberto e flexível (LUDKE, ANDRÉ, 1986, p. 18) permitindo,
assim, a utilização de técnicas e instrumentos complementares em vista de um melhor
entendimento do fenômeno.
21
Dentre as diversas características de uma pesquisa qualitativa, apresentadas por
Bogdan & Biklen (1991: 47 et seq.), em três delas, de modo especial, encontramos suporte
para o delineamento metodológico deste nosso trabalho:
1
a
) a utilização do ambiente natural no qual está situado o nosso objeto de
estudo como fonte direta para obtenção de dados - neste caso, sendo a escola esse ambiente
natural;
2
a
) a descrição dos dados que foram coletados, pois
a abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado
com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma
pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do
nosso objeto de tudo (Ibid., p. 49);
3
a
) atribuição de importância vital para o significado que diferentes atores
sociais atribuem a um fenômeno uma vez que “ao apreender as perspectivas dos participantes,
a investigação qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é
freqüentemente invisível para o observador exterior” (Ibid., p. 51).
A exemplo dos demais fenômenos sociais, a implementação da autonomia
escolar não se apresenta como um dado cuja essência possa ser imediatamente apreendida no
processo de investigação. Para captá-lo, foi necessária a realização de um movimento de
aproximação em relação ao mesmo através de categorias abstraídas do próprio mundo
histórico e concreto no qual o fenômeno existe e é produzido.
Para este trabalho, estabelecemos, pois, como categorias de análise as
seguintes: Democratização, Autonomia e Participação, assim compreendidas:
Democratização – em sentido amplo, esta categoria diz respeito à um
movimento existente na sociedade para que todos os seus membros possuam livre acesso e
usufruto aos bens (materiais ou não) e serviços que nela são produzidos. Paralelamente a isso,
a democratização também está relacionada com o exercício do poder que, ultrapassando o
aspecto representativo, deve possibilitar que os membros dessa mesma sociedade, livremente
e em condições de igualdade, participem ativamente dos processos de discussão e de tomada
de decisões necessários à organização, manutenção e desenvolvimento do corpo social.
No âmbito escolar e, mais especificamente, no da escola pública, a
democratização abrange um amplo processo que vai da acessibilidade aos serviços e
benefícios que são proporcionados pela educação escolar, o que pressupõe gratuidade em sua
22
prestação e usufruto; passa pela garantia da permanência, com sucesso, daqueles que buscam
tais serviços e benefícios. A democratização escolar também se traduz pela existência de
instituições, dinâmicas e processos através dos quais a comunidade escolar não somente possa
estar representada como, também, exerça uma participação direta nos debates e nas tomadas
de decisões relacionadas com a vida da escola e, ainda, na busca, adoção e implementação de
mecanismos que tornem os serviços educacionais oferecidos pela escola acessíveis a todos os
que buscam e necessitam dos mesmos (FERNANDES, 1966; RODRIGUES, 1996, 36 et
seq.).
Autonomia: é a condição de uma instituição social, conservando uma relação
de integração com o sistema social mais amplo no qual está inserido, de poder autogovernar-
se em vista da consecução dos seus objetivos e finalidades.
No âmbito escolar, esta autonomia significa a possibilidade de a escola,
enquanto unidade de um sistema sociopolítico com o qual mantém relação de dependência,
poder mover-se nas dimensões administrativa, pedagógica e financeira bem como elaborar e
implementar um projeto político-pedagógico em vista da consecução dos seus objetivos e
finalidades educacionais e, ainda, possibilitar a gestão democrática da escola (TEIXEIRA,
1976, p. 127; BARROSO, 2000, p. 18; LIBÂNEO, 2001, p. 16; SOUSA, 2002).
Participação: é o processo no qual os membros de uma unidade social
vivenciam as diferentes etapas que antecedem e sucedem a uma tomada de decisão e, assim,
responsabilizam-se pela sua execução e avaliação.
No espaço escolar, a participação diz respeito aos processos por meio dos quais
os atores sociais que integram a comunidade escolar exercem um efetivo poder de influência e
interferência na dinâmica de funcionamento da escola, tornando-a um espaço democrático.
Num efetivo processo de participação democrática, os atores sociais da escola, ainda que
desempenhando papéis diferenciados, constituem-se como tais na medida em que opinam,
discutem, decidem, executam e avaliam sobre as coisas que dizem respeito a essa instituição
educacional (CURY, 1993, p. 65; BOBBIO, 2000; LUCK, 1998, p.17; PARO, 2002, p. 79;).
Por fim, esclarecemos que priorizamos tais categorias de análise tanto em
virtude da dimensão de historicidade com que elas estão revestidas, como pela compreensão
antinômica que temos sobre elas, ou seja: por um lado, elas são os conceitos ou princípios
sobre os quais o modelo de Estado neoliberal norteia as políticas sociais e educacionais; por
outro lado, tais categorias integram um projeto de democratização da sociedade que se
constitui no horizonte sobre o qual e no qual se fundamenta a construção de um novo tipo de
23
relação entre Sociedade e Estado, pressuposto básico para a postulação da gestão democrática
da escola e, conseqüentemente, da autonomia escolar.
1.3 DETALHAMENTO DO PERCURSO INVESTIGATIVO
Para investigarmos o processo de implementação da autonomia em escolas da
rede de ensino de Pernambuco, dentre o amplo e complexo universo de quase mil unidades
escolares que integram esta mesma rede, optamos por fazer um recorte espacial, ou seja, por
escolas que estivessem circunscritas num determinado espaço sociogeográfico.
Concretamente, esta escolha recaiu sobre os bairros de Brasília Teimosa e de Casa Amarela,
situados em distintas áreas geográficas da cidade do Recife: o primeiro, na área sul e o
segundo na área norte. A escolha por estas localidades deveu-se, fundamentalmente, ao
reconhecimento de que se constituem em bairros-comunidade cuja história e desenvolvimento
foram marcados pelo signo da luta, da mobilização, organização, resistência e,
conseqüentemente, da participação popular na luta pelo direito à moradia como sendo um dos
componentes básicos para a efetivação do direito à vida. O fato de se constituírem em
unidades sócio-geográficas e a facilidade de acesso também foram considerados na escolha
pela realização da pesquisa de campo em Brasília Teimosa e Casa Amarela. Em outro
momento, mais precisamente, no Capítulo VII, estes bairros serão analisados.
Com esta escolha, foram incluídas as escolas Assis Chateaubriand e Luís de
Camões, localizadas em Brasília Teimosa, e as escolas Dom Vital e Dom Bosco, localizadas
em Casa Amarela.
No início do mês de maio de 2002, fizemos, por telefone, contato com os
diretores das referidas escolas no sentido de obtermos uma prévia aceitação para a realização
do nosso trabalho, agendamento de contato pessoal e, ainda, algumas informações
preliminares que considerávamos como fundamentais para a realização da pesquisa, de modo
especial, quanto à existência do Projeto Político-Pedagógico da unidade escolar tendo, em
todas quatro escolas consultadas, obtida resposta afirmativa. Depois, nos dirigimos às
referidas escolas para as devidas apresentações aos diretores. Nesta ocasião, além da nossa
apresentação pessoal, também expusemos, com maiores detalhes, nosso plano de trabalho e
objetivos. Ao lado da necessária autorização, procuramos obter uma adesão cooperativa dos
dirigentes escolares para a realização da nossa pesquisa coisa que, no geral, foi conseguido.
24
Na fase inicial da pesquisa de campo, paralelamente ao desenvolvimento de
atividades de observação visando a ambientação e familiarização com as escolas, sobretudo
com o corpo docente, procuramos levantar alguns dados estatísticos sobre as escolas,
sobretudo, os relacionados com matrícula e rendimento escolar do ano anterior.
Entendendo o Projeto Político-Pedagógico como sendo a “carta de identidade”
de uma unidade escolar, uma das nossas primeiras preocupações ao chegarmos às escolas foi
conhecer e analisar o seu Projeto Político-Pedagógico, sobretudo pelo fato de
compreendermos que a sua elaboração e execução constituem-se em elemento central para a
definição de autonomia da escola. Entretanto tal acesso demandou algum tempo (variando de
um a dois meses) uma vez que, em um caso, o Projeto havia ido para o orgão de
gerenciamento imediato ao qual as escolas estaduais estão subordinadas (GERE - Gerência
Regional de Educação) e, em outro caso, estava digitado no computador, porém, incompleto
e, por várias razões técnicas, demorou que uma cópia chegasse em nossas mãos. A não
disponibilidade de cópia do Projeto Político-Pedagógico, na escola, para o conhecimento de
quem dele quisesse tomar, inclusive por membros da própria unidade escolar, foi para nós um
dado indicador de que, entre a reflexão existente sobre a necessidade e importância do Projeto
Político-Pedagógico existente na literatura e a realidade das escolas pesquisadas, há uma certa
distância.
Outro importante documento que nos subsidiou para um conhecimento
retrospectivo sobre as escolas foi o Livro de Atas da Unidade Executora/Conselho Escolar,
ainda que de forma irregular no que diz respeito à periodicidade das reuniões. Através das
Atas houve sinalização do prejuízo que tal fusão gerou para a democratização da gestão da
escola, uma vez que quase todo o conteúdo das reuniões e dos registros que foram feitos
giravam em torno de aplicação de verbas recebidas e, ainda, de procedimentos para manter a
composição do quadro de diretoria da UEx, exigido pela legislação em vigor. Em nenhuma
das quatro escolas encontramos completo o quadro de membros da diretoria da UEx/Conselho
Escolar. A irregularidade das reuniões do Conselho Escolar contribuiu para que não
pudéssemos acompanhar a dinâmica das escolas em tão importante espaço da prática
democrática do debate e da participação como gostaríamos de ter acompanhado e analisado.
Outra dificuldade para a realização da pesquisa de campo foi a deflagração de
uma greve na rede estadual de ensino, no dia 1º. de agosto de 2005, cujo término ocorreu no
dia 26 deste mesmo mês, durando, portanto, vinte e seis dias corridos e vinte dias letivos.
Com a greve e o conseqüente fechamento das escolas, tivemos que suspender as atividades de
pesquisa de campo. Quando as aulas foram, efetivamente, retomadas, tivemos que aguardar
25
um certo tempo para que o clima de normalidade escolar fosse restabelecido e, assim,
pudéssemos prosseguir na pesquisa. Entretanto, no período pós-greve que, de certa forma,
esteve conturbado pelo sentimento de insegurança dos docentes quanto ao cumprimento do
que fora acordado com o governo do Estado e pelos debates a respeito da reposição dos dias
letivos, mesmo assim continuamos com a realização de algumas atividades “in loco”.
Considerando a diversidade de realidades das escolas a “escuta” das vozes dos
seus atores também teve que ser de forma diferenciada, a saber:
a) Escola Assis Chateaubriand
Quadro I – Sujeitos da pesquisa e instrumentos de escuta das vozes dos atores sociais da
Escola Assis Chateaubriand:
Sujeitos
Quantia
Instrumento
Diretor e Vice
2
Entrevistas, semi-estruturadas
Professores
23
Questionário semi-aberto (22) e entrevista com o representante deste segmento no Conselho Escolar
(1)
Alunos
82
Questionário semi-aberto com os Representantes de Turma (29), Questionário semi-aberto com o
representante deste segmento no Conselho Escolar (1) e questionário semi-aberto com alunos de várias
turmas (52)
Funcionário
1
Questionário, com o representante deste segmento no Conselho Escolar
Pais de alunos
24
Questionário com o representante deste segmento no Conselho Escolar (1) e questionário semi-aberto
(23)
Rep. Comunitário
1
Questionário com representante da Associação que integra o Conselho Escolar
TOTAL
132
26
Questionários (129) e entrevistas (3)
No Assis Chateaubriand, não foi possível coletar dados junto ao educador de
apoio (terminologia utilizada para designar o profissional que desempenha a função de
Supervisor Escolar na rede estadual de ensino de Pernambuco), por tal função estar vacante,
há mais de dois anos.
b) Escola Luís de Camões
Quadro II - Sujeitos da pesquisa e instrumentos de escuta das vozes dos atores sociais da
Escola Luís de Camões:
Sujeitos Quantia Instrumento
Diretor 1 Entrevista semi-estruturada
Professores 20 Questionário semi-aberto
Alunos 51 Questionário semi-aberto com alunos de várias turmas
TOTAL 72 Questionários (71) e entrevista (1)
No Luís de Camões, por duas vezes, tentamos coletar dados junto aos pais
enviando-lhes o questionário, por meio dos seus filhos. Entretanto, dos 48 formulaários
enviados, só apenas um quêstinario foi devolvido sendo, então, desconsiderado. Por
inexistência de profissional exercendo a função de educador de apoio (há mais de 3 anos),
também não foi possível a coleta de dados com este profissional. Em relação aos funcionários
foram feitas duas tentativas para entrevista, porém houve recusa em participarem sob a
alegação de que “nada sabiam sobre a escola”. Por outro lado, a dificuldade de coletar dados
junto a funcionários deveu-se ao fato de serem poucos na escola e, ainda assim, grande parte
destes serem terceirizados.
Valendo para as duas escolas de Brasília Teimosa, foi entrevistado o Presidente
do Conselho de Moradores desta localidade.
c) Escola Dom Vital
Quadro III – Sujeitos da pesquisa e instrumentos de escuta das vozes dos atores sociais
da Escola Dom Vital:
Sujeitos
Quantia
Instrumento
Diretor e Vice-Diretor
2
Entrevistas semi-estruturadas
27
Equipe ténico-administrativa
1
Entrevista semi-estruturada, com o Educador de Apoio
Professores
21
Questionário semi-aberto (8), Entrevista coletiva (12) e Entrevista individual (1)
Alunos
109
Questionário semi-aberto com alunos de várias turmas (52), Questionário semi-aberto com questões
específicas sobre gestão democrática e autonomia da escola (42) e Análise de um texto sobre gestão
democrática e autonomia da escola (15)
Pais de alunos
18
Questionário semi-aberto
Total
151
Questionários (147 ), Entrevistas (4) e Outro (15)
Também na Escola Dom Vital persistiu a dificuldade de serem coletados dados
junto aos funcionários pelas mesmas razões mencionadas na escola anterior. Ainda em relação
a este estabelecimento de ensino, foi entrevistado o Presidente do Conselho de Moradores do
Alto de Santa Izabel (o Dom Vital está situado nas proximidades do Bairro Alto Santa Izabel)
que, inclusive, já fez parte do Conselho Escolar desta unidade educacional.
d) Escola Dom Bosco:
Quadro IV – Sujeitos da pesquisa e instrumentos de escuta das vozes dos atores sociais
da Escola Dom Bosco:
Sujeitos
Quantia
Instrumento
Diretor e Vice-Diretor
2
28
Entrevistas semi-estruturadas
Equipe Tec-Administ.
1
Entrevista semi-estruturada com uma das Coordenadoras da Biblioteca Escolar
Professores
5
Questionário semi-aberto (4), Entrevista com um professor representante dos seus pares no Conselho
Escolar e, ainda, presidente do mesmo (1)
Alunos
149
- Questionário semi-aberto com alunos de várias turmas (120), Questionário semi-aberto com questões
específicas sobre gestão democrática e autonomia da escola (17), Análise de um texto sobre gestão
democrática e autonomia da escola (11) e Entrevista semi-estruturada com o Presidente do Grêmio
Estudantil (1)
Pais de alunos
18
Questionário semi-aberto (18)
Rep. Comunitário
1
Entrevista com um representante da comunidade externa no Conselho Escolar (1)
Total
176
Questionário (159), Entrevista (6), Outros (11)
Para os docentes desta unidade escolar, foram entregues, pessoalmente, 28
questionários abrangendo os três turnos da Escola, porém, como acima indicado, apesar de
várias solicitações e estratégias utilizadas, apenas 4 professores devolveram o questionário
devidamente respondido. Não foram coletados dados junto ao educador de apoio em virtude
de a profissional que exercia a função encontrar-se na iminência de ter que deixar a escola. O
fator terceirização da maior parte dos funcionários fez com que estes não fossem envolvidos
diretamente na pesquisa.
29
Tendo presentes os Quadros I, II, III e IV, podemos visualizar a distribuição
dos atores sociais das escolas que se constituíram em sujeitos na tabela a seguir:
Tabela I – Demonstração do quantitativo de atores sociais das escolas pesquisadas que,
de modo mais direto, foram considerados como sujeitos
Tipos de Atores Sociais
Assis Chateaubriand
Luís de Camões
Dom Vital
Dom Bosco
TOTAL
%
Diretores
2
1
2
2
7
1,3
Equipe técnico-administ.
-
-
1
1
2
0,3
Professores
23
20
21
5
69
30
13,0
Alunos
82
51
109
149
391
74,0
Funcionários
1
-
-
-
1
0,2
Pais de alunos
23
-
18
18
59
11,0
Represent. Comunitário
1
-
-
1
2
0,2
TOTAL
132
72
151
31
176
531
100%
Fonte: Dados obtidos na pesquisa, anos 2005 a 2006
As observações, totalizando cerca de 220 horas, foram feitas em diversos em
momentos da vida escolar, tais como: início das atividades escolares, intervalo para o lanche,
funcionamento da Secretaria e da Biblioteca, atendimento realizado pela Direção, reuniões
pedagógicas, reunião do Conselho Escolar e nas salas de professores. Dentre os citados,
destacamos este último momento (nas salas dos professores) por terem contribuído para uma
aproximação interpessoal com os docentes e, ainda, por serem ocasiões a partir das quais
obtivemos bastantes subsídios, quer em relação à realidade de cada escola – seus problemas,
dificuldades e acontecimentos prazerosos (se bem que estes, em menor monta) – quer em
relação à escola pública em geral e, de modo mais intenso, à insatisfação do trabalhador em
educação para com os rumos que vêm sendo dados à escola pública bem como as condições
de trabalho a que este profissional se encontra exposto.
No que diz respeito a reuniões nas escolas (com docentes ou pais), apesar de
termos desejado acompanhar um número bem maior, só conseguimos participar de duas
reuniões na Escola Assis Chateaubriand (uma para debate sobre a reposição dos dias letivos e
um encontro/debate aberto entre o candidato a diretor e a comunidade escolar), três reuniões
na Escola Luís de Camões (duas com professores dos turnos da manhã e da noite para
conversar sobre algumas medidas administrativas e uma, por sinal, no período de férias, com
professores e funcionários que foram convidados pela nova diretora para um posicionamento
a respeito da continuidade ou não da fusão da Unidade Executora e o Conselho Escolar). Na
Escola Dom Vital participamos de uma reunião que fazia parte da chamada “Semana
Pedagógica” sendo, nesta reunião, realizada a entrevista coletiva com os 12 docentes
presentes. Na Escola Dom Bosco participamos de uma reunião do Conselho Escolar.
Em relação às atas do Conselho Escolar (ou da UEx/Conselho Escolar) foram
analisadas 82 atas assim distribuídas por escolas: 5 do Assis Chateaubriand, 25 do Luis de
Camões, 20 do Dom Vital e 32 do Dom Bosco. Como será visto em momento oportuno, a
análise destas atas, sobretudo quando diziam respeito especificamente ao Conselho Escolar
(separado da UEx) nos proporcionaram bastantes subsídios para identificarmos a presença (ou
32
não) de um movimento realizado no interior de cada unidade escolar em direção à construção
da sua autonomia.
Dependendo de cada realidade escolar, os questionários (cf. modelos em
anexo) foram elaborados com o intuito de serem canais através dos quais os atores sociais das
escolas pudessem externar seus pontos de vistas relacionados com as questões que lhes foram
propostas. Para possibilitar um maior espaço possível da expressão da subjetividade dos
atores sociais, grande parte das questões destes instrumentos foram do tipo abertas. Em geral,
as entrevistas foram realizadas no recinto da própria escola em horário previamente agendado
com os entrevistados que, no geral, demonstraram um bom nível de cooperação, tanto no
sentido de se disponibilizarem para a realização da atividade em si como, também, não se
esquivando em responder as perguntas que lhes foram dirigidas. Apenas duas entrevistas
foram realizadas nas residências dos entrevistados.
O uso dos instrumentos utilizados nas escolas Assis Chateaubriand, Luís de
Camões, Dom Vital e Dom Bosco para a obtenção de dados podem ser visualizados na tabela
a seguir:
Tabela II: Distribuição dos instrumentos de coleta de dados que foram utilizados
na pesquisa e as escolas nos quais estes foram aplicados
Assis Chateaubriand
Luís de Camões
Dom Vital
Dom Bosco
Total
Entrevista
3
1
4
6
14
Questionário
129
71
132
159
491
Outros
15
11
26
33
Total
132
72
151
176
531
Fonte: Dados obtidos na pesquisa, anos de 2005 a 2006
Em consonância com os objetivos que foram estabelecidos para este trabalho,
de modo especial no que diz respeito às diretrizes de autonomia escolar que, a partir do Plano
Estadual de Educação de Pernambuco/2000 2009, têm sido propostas para a rede estadual de
ensino desta unidade federativa, foram realizadas duas entrevistas com funcionários da
Secretaria de Educação: uma com a responsável pela Divisão de Monitoramento da Rede
Escolar (na qual está incluído o acompanhamento ao Projeto Escola Democrática) e outra com
um representante da Equipe Técnica que coordena a implementação do Projeto de Melhoria
da Qualidade da Educação (EDUQ) sob o qual, do ponto de vista do financiamento, se
abrigam vários outros programas desta Secretaria. Ainda na Secretaria de Educação,
recorremos a outras divisões em vista da obtenção de informações (notadamente, dados
estatísticos) sobre a rede estadual de ensino.
Além dos que já foram mencionados, também analisamos outros documentos,
sobretudo os de política educacional que ora regem o sistema de ensino público de
Pernambuco, tais como: o Plano Estadual de Educação/2000-2009; os Decretos-lei que
normatizam o Conselho Escolar (Lei 11.014 de 28/12/93 e Lei 11.303 de 26/12/95); o
Decreto-lei 27.928, de 17/05/05 que regulamenta o processo para provimento na função de
representação de diretor junto às escolas públicas estaduais e o Projeto de Melhoria da
Qualidade da Educação (financiado pelo Banco Mundial);
A utilização de documentos como fonte para a coleta de dados deveu-se ao
entendimento de que eles
constituem uma fonte não-reativa, as informações neles contidas
permanecem as mesmas após longos períodos de tempo. Podem ser
considerados como uma fonte natural de informações na medida em que, por
terem origem num determinado contexto histórico, econômico e social,
retratam e fornecem dados sobre esse mesmo contexto (GODOY, 1995, p.
22).
Ao analisarmos os documentos, procuramos ter presente o fato de que eles
resultam de uma produção humana e, como tal, expressam uma comunicação. Este
34
pressuposto fez com que levássemos em consideração a existência de um conteúdo latente
naquilo que estava sendo dito, escrito ou representado, pois “um documento é sempre
portador de um discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente”
(CARDOSO e VAINFAS, 2000, p. 377). Assim sendo, realizamos a análise interpretativa do
material documental na perspectiva de ser captado o sentido que estava “escondido” por trás
do conteúdo comunicacional que o material apresentava.
No processo da interpretação dos dados, procuramos ter presente o arcabouço
que foi esboçado ao longo do marco teórico (Capítulos II a V), o qual serviu de referencial
para que, a partir dele, fossem confrontados, analisados e compreendidos os dados que foram
coletados. Na elaboração do referencial teórico, resultante de várias redações, frutos de
leituras e releituras, de novos achados e descobertas bem como de intuições, não tivemos
receio em tomar emprestado os trabalhos, as reflexões e análises dos autores aos quais
reconhecemos como possuidores de domínio em áreas e conteúdos muitos dos quais, até
então, tínhamos um conhecimento pouco aprofundado. Esta apropriação, fundada numa
relação de diálogo com os autores, também nos possibilitou a experiência de que estávamos
realizando um empreendimento coletivo de busca e investigação.
No processo de análise dos dados, que é também interpretativo (GOMES,
2000, p. 68), procuramos ter presente a compreensão de que os discursos e as falas dos atores
sociais que foram ouvidas ao longo da pesquisa de campo possuem um sentido a ser
desvendado (BARDIN, 1977, p. 14) e, portanto, são portadores de um rico significado que
elucidam o objeto sobre o qual se expressaram o qual, por sua vez, deverá ser contemplado
como sendo parte integrante da totalidade (MINAYO, 1997, p. 12).
O processo de pesquisa, de certa forma, caracterizou-se como um longo
período no qual, de forma simultânea e com múltiplas interações, realizávamos atividades de
preparação para o empreendimento a ser realizado e de ações de pesquisa propriamente dita.
Neste movimento foram valiosas as contribuições dadas pelo Orientador bem como as que
foram prestadas pelos participantes dos vários seminários da base de pesquisa “Política e
Práxis da Educação”, realizados ao longo do período de estudos que realizamos no Programa
de Pós-graduação em Educação da UFRN.
Estando, pois, se não de todo, mas, pelo menos, munidos das ferramentas e dos
instrumentos que julgamos necessários para adentrar no empreendimento ao qual nos
propusemos, lançamo-nos à aventura de percorrer um caminho rumo à construção de um
conhecimento sobre a implementação da autonomia no contexto neoliberal fazendo
35
delimitações para o sistema público de ensino de Pernambuco e, mais especificamente, para
as escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco.
1.4 ESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO
Após este capítulo inicial segue-se o Capítulo 2 o qual configura-se como um
estudo sobre o fenômeno da reestruturação produtiva para cuja ocorrência se fez necessária a
elaboração de um suporte ideológico: o neoliberalismo. Ainda neste capítulo, juntamente com
as reflexões analíticas sobre tal suporte, abordamos a caracterização neoliberal assumida pelo
Estado e, em conseqüência, as políticas sociais.
Sendo vista como um importante processo para contribuir na implementação e
solidificação da forma de vida societal subjacente ao neoliberalismo, a educação foi alvo (e
continua sendo) de intensos questionamentos e direcionamentos os quais, por sua vez,
resultaram na elaboração de uma proposta educacional, ou seja, a educação com feições e
neoliberais. Decorrente deste revestimento feito à educação, novos direcionamentos foram
dados às políticas educacionais no intuito de implementação de tal proposta. No contexto
brasileiro, deu-se, pois a neoliberação do nosso sistema educacional registrando-se, entre
outros fenômenos, a intensificação de um monitoramento externo sobre as nossas políticas
educacionais tendo como principais atores o Banco Mundial, o PROMEDELAC, a CEPAL e
os eventos que, de Jomtien a Dakar, predominantemente, recolocaram a educação na agenda
dos debates nacionais. Estas são as questões e conteúdos que compõem o Capítulo 3 deste
trabalho.
Mesmo reconhecendo que, na década de 1990, a educação pública brasileira foi
neoliberalizada, por outro lado entendemos que há um movimento, desde várias décadas,
empreendido pelos educadores e suas entidades representativas, aliados a setores sociais
progressistas, em vista da possibilidade de superação do caráter autoritário e excludente que,
predominantemente, tem caracterizado a educação e a escola pública brasileiras. Este resgate
é, pois, o conteúdo do Capítulo 4, justificado, também, pela necessidade de ser reavivada a
memória de que, apesar das suas contradições, a educação e a escola pública brasileiras têm
contribuído para o processo de democratização da sociedade brasileira.
No Capítulo 5, tendo como referência o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, sistematizamos as compreensões que os educadores e os pesquisadores têm feito, numa
perspectiva progressista, a respeito da autonomia da escola com ênfase nos processos e
36
mecanismos que se constituem em mediações para sua construção, ou seja: o Projeto Político-
Pedagógico e os processos efetivamente participativos, dentre os quais sobressaem-se os que
são realizados, de forma institucional, pelo Conselho Escolar.
Precedidas de um conjunto de considerações sobre variados aspectos que
integram a realidade do Estado de Pernambuco, enfatizando-se o cenário educacional, o
Capítulo 6 contém as análises que fizemos a respeito da incorporação do princípio da
autonomia escolar no sistema de ensino público de Pernambuco.
Direcionando para o âmbito das escolas nas quais a investigação empírica foi
realizada, no Capítulo 7 expomos as análises que fizemos sobre a implementação da
autonomia que, na perspectiva da outorga, vem sendo feita nas escolas Assis Chateaubriand,
Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco. A exemplo do que fizemos no capítulo anterior,
precedemos estas análises de um conjunto de reflexões a respeito dos contextos
sociogeográficos nos quais as referidas escolas estão situadas e, ainda, de um resgate da
trajetória percorrida por estas mesmas unidades escolares.
No Capítulo 8, sob a baliza das categorias que foram eleitas para a análise dos
dados coletados – autonomia da escola, democratização da escola e participação escolar –,
estão sendo expostos os “achados” empíricos e as análises que realizamos em termos da
existência de um movimento de construção da autonomia a partir da dinâmica interna das
escolas pesquisadas e, de modo especial, a partir das vozes dos seus atores sociais.
No Capítulo 9, o das considerações finais, após um rápido balanço sobre o
empreendimento investigativo que realizamos, voltamos nosso olhar para a especificidade da
realidade de cada uma das escolas pesquisadas (também espraiando o olhar para o restante das
unidades escolares que integram a rede estadual de ensino de Pernambuco) e nos permitimos
compartilhar nossas inquietações de pesquisador-educador em relação aos limites existentes
em cada uma delas os quais podem obstaculizar a edificação da autonomia escolar e, ainda,
resgatamos as possibilidades que nelas encontramos e que podem contribuir para a retomada
ou continuidade da caminhada em direção à construção que as escolas Assis Chateaubriand,
Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco, enquanto organismos vivos, porque formados por
atores e sujeitos sociais, poderão realizar em vista da conquista da autonomia escolar que
esteja em consonância com seus sonhos e projetos.
Após as referências, estão sendo apresentados, em anexo, modelos de vários
instrumentos que foram utilizados no processo de coleta de dados.
37
CAPÍTULO 2 – NEOLIBERALISMO: UMA NOVA CONFIGURAÇÃO PARA O
ESTADO E PARA AS POLÍTICAS SOCIAIS
Em meio aos diversos fatos e fenômenos, das mais diferentes ordens e
naturezas, que marcaram a vida da humanidade no final do século XX, a implementação do
neoliberalismo constituiu-se num dos mais importantes acontecimentos que causaram fortes
impactos, de modo especial, sobre o mundo capitalista ocidental. Tal implementação
ocasionou intensas transformações que atingiram os mais diversos setores da vida societal, ou
seja, a economia, a política, a cultura etc. No conjunto dos impactos gerados pelo
neoliberalismo, o Estado foi e vem sendo alvo de um intenso processo de debates e
questionamentos, sobretudo no que diz respeito ao papel que deve desempenhar na economia.
Deste processo, resultou uma nova configuração para o Estado, ou seja, o Estado neoliberal.
Neste capítulo, sem pretensões de fazer uma abordagem exaustiva, faremos, no
entanto, uma discussão sobre o neoliberalismo, destacando os principais elementos do seu
arcabouço teórico, o seu processo de implementação nas sociedades capitalistas – quer nos
países centrais, quer nos países periféricos (e nestes, a América Latina e o Brasil) e
analisaremos o processo de reforma do Estado que foi desencadeado com base na ideologia
neoliberal. Do ponto de vista do objeto de estudo deste trabalho, a discussão sobre essa nova
38
ideologia se justifica pelo fato de, com a configuração neoliberal dada ao Estado ter sido
desencadeada uma série de impactos sobre os sistemas educativos nacionais que, obviamente,
repercutiram no espaço micro das unidades escolares. No conjunto destas repercussões, a
autonomia da escola também foi atingida sendo, então, resignificada, ou seja, passou a
apresentar compreensões diferentes daquelas que historicamente lhe foram – e estão sendo -
dadas pelos educadores e pelos setores sociais progressistas.
2.1 DÉCADA DE 1970: UMA NOVA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITALISMO VEM À
TONA
No contexto de mudanças que sacudiram o mundo ocidental no início da
década de 1970 - e prolongando-se pelas décadas seguintes - o sistema capitalista conheceu
mais uma crise
5
caracterizada, entre outros aspectos, pelo “excesso de mercadorias e estoque,
um excedente de capital-dinheiro e um nível elevado de desemprego, de caráter estrutural”
(ALVES, 1996, p. 114)
6
. Foi, na verdade, uma crise que desestruturou não apenas as
economias dos países do Terceiro Mundo, mas, também, os chamados países pós-capitalistas
do Leste Europeu. Aliás, nem mesmo o próprio núcleo central do sistema capitalista,
representado pelas nações ricas, deixou de ser afetado. Mais ainda: os países asiáticos que, na
década de 1980, haviam conhecido um notável desenvolvimento econômico, na década
seguinte também passaram por momentos e situações de desequilíbrio econômico. Em nossa
realidade nacional, essa crise ganhou contornos específicos em decorrência da sua condição
de país integrante da porção periférica do mundo produtivo capitalista. Foi, portanto,
decorrente desta condição que, na década de 1990, o Brasil foi forçado a realizar vários
ajustes estruturais os quais, entretanto, não foram capazes de promover o equilíbrio
5
Se, para efeitos de localização histórico-temporal, nos referimos à crise capitalista da década de 1970 como
“mais uma crise”, seja esclarecida que, na verdade, tal crise decorre da própria natureza deste modo produtivo
pois faz parte da sua dinâmica a existência de um crescimento à custa da exploração dos que necessitam vender
sua força de trabalho para que, assim, possam garantir a sua sobrevivência. Destarte, este dado configura o modo
produtivo capitalista como um sistema gerador da marginalização e da exclusão social. Também integrando o
caráter conflitivo que permeia o sistema produtivo capitalista, há um outro dado que merece ser destacado: ao
mesmo tempo em que o trabalhador é obrigado a exercer uma função de “colaboração” na manutenção de tal
sistema, por outro lado, como historicamente tem ocorrido, via processos de conscientização, organização e de
mobilização, a classe trabalhadora tem se rebelado contra tal condição.
6
No Brasil, do ponto de vista econômico, a crise atingiu o auge no ano de 1979, quando o País sofreu fortes
cortes no crédito internacional devido à incapacidade de pagar a dívida externa e os banqueiros internacionais se
sentiram em situação de risco por conta da elevação da taxa de juros e da recessão que ocorria nos Estados
Unidos da América.
39
econômico; ao contrário, as dívidas externa e interna aumentaram e a inflação foi acelerada.
Conseqüentemente, a esfera social também foi afetada.
Passadas três décadas da eclosão da crise que se abateu sobre o modo
produtivo capitalista, tal crise ainda não está superada; ao contrário, apresenta-se de forma
bastante intensa suscitando novos direcionamentos e estratégias de natureza econômica e
política no afã de sua debelação. Ademais, a crise se apresenta como uma dinâmica que
permeia não somente o modo produtivo capitalista como a própria vida societal – em seus
múltiplos aspectos – assentada neste modo produtivo.
Com a desestabilização ocorrida no sistema capitalista instaurou-se um
complexo processo de reestruturação produtiva
7
que pode ser visto como uma nova etapa do
capitalismo mundial, ou seja, a mundialização do capital de cujo processo resultou um novo
tipo de acumulação capitalista
8
. Esta mundialização, com Amin (2001, p. 17)
9
, não é por
demais recordarmos que, diferente de outras experiências ocorridas no passado, é por natureza
polizadora, ou seja, tal fenômeno repousa sobre uma lógica na qual a expansão mundial do
capitalismo produz uma relação de desigualdade entre os membros participantes desse
processo produtivo. Como que tentando mascarar a assimetria intrínseca à mundialização os
países que estão em situação de inferioridade são, por parte daqueles, eufemisticamente,
chamados de “parceiros”.
A respeito desse movimento expansionista do capital e, conseqüentemente, do
sistema sobre ele estruturado, acompanhando a análise de Meszáros (2002, p. 252 et seq.),
entendemos sua existência em função de uma tendência histórica que tem possibilitado sua
ocorrência de maneira até irresistível, no sentido de, para poder se expandir, o capital ter
buscado superar qualquer tipo de barreira ou obstáculo que se interponha em seu caminho,
7
Ainda que estejamos falando de reestruturação produtiva no singular, todavia, isso não significa dizer que que o
mesmo seja um processo homogêneo. Ao contrário, como apontam Leite e Rizek (1997), dentre outros
pesquisadores e autores, existem diferentes caminhos buscados e trilhados pelos setores produtivos. Tal
diversificação deve ser compreendida à luz da própria dinâmica da história e da cultura de cada país no qual o
processo de reestruturação produtiva esteja ocorrendo. Talvez, o que se possa apontar como sendo um dado
convergente na reestruturação – além da salvaguarda do capital – seja a conjugação de esforços e tentativas feitas
pelos detentores do capital para tentarem anular as conquistas históricas obtidas pela classe trabalhadora.
8
Ao invés de globalização, Chesnais (1996, p. 24), prefere utilizar o termo mundialização por considerá-lo como
possuindo melhor nitidez conceitual, ou seja, ser um termo que melhor retrata o fato de a economia ter se
tornado mundial e, conseqüentemente, ter conferido direito aos países do chamado Grupo dos Sete - o G-7
exercerem um vantajoso poder de direção e domínio das forças econômicas e financeiras, desencadeadas pela
liberalização. Da nossa parte, mesmo concordando com a observação deste autor, estamos usando ambos os
termos para nos referirmos ao novo cenário econômico que foi configurado nas últimas décadas do século
passado.
9
Para este autor, a mundialização ocorrida há tempos remotos (como na Europa, no período de 1200 a 1500)
oferecia chances para que as regiões menos avançadas pudessem equiparar-se às outras.
40
quer sejam obstáculos naturais ou fronteiras culturais e nacionais. Entretanto, se por um lado
esse movimento é inexorável, por outro lado, não podemos deixar de identificá-lo como sendo
um processo que também, intrinsecamente, se sustenta em “pés de barro” uma vez que essa
“invasão universal” (na expressão usada por Meszáros) se torna insustentável com o
esgotamento dos domínios a invadir e subjugar.
Tendo em vista que esta nova etapa do capitalismo está bastante sintonizada
com o projeto de globalização temos, pois, a chamada globalização neoliberal. Nesta união
“el neoliberalismo es la teoria y la política que sintetiza os intereses de la fracion dominante
del capital transnacional” (MARTINEZ, 2006, p. 9) uma vez que tal globalização, na verdade,
significa globalização econômica, assentada numa desigual integração econômica dos países
sem que seja alterado o clássico fosso existente no mundo capitalista: países ricos,
desenvolvidos versus países pobres, subdesenvolvidos. Tal fosso é aprofundado mais ainda na
medida em que um grupo restrito de países – visibilizado no G-7 (Estados Unidos, Canadá,
Inglaterra, Japão, França, Itália e Alemanha) - usurpa para si o direito de ter nas mãos a
condução dos rumos sociais, políticos, econômicos e culturais do “concerto das nações”. É,
ainda, um tipo de globalização em cujo interior se esconde uma dramática realidade de
relações de assimetria econômica e de poder entre os países que integram o mundo produtivo
capitalista e que resulta em uma nova divisão na “ordem mundial”: países centrais X países
periféricos. Para melhor compreendermos a dimensão dessa assimetria, basta, a título de
exemplo, verificarmos (a partir dos dados apresentados por Dupas, 2005, p. 21 et seq.) que
enquanto, de um lado, os seis grandes países do núcleo central capitalista (Estados Unidos,
Japão, Alemanha, Inglaterra, França e Itália), no ano de 2004, geraram um PIB na ordem de
mais de um trilhão de dólares, por outro lado, os 204 países que integram a porção capitalista
periférica produziram um PIB de apenas 100 bilhões de dólares. Por sua vez, como veremos
de modo mais detalhado em outro momento, o delineamento deste tipo de globalização,
assentada na ideologia neoliberal, resultou em profundos impactos na educação bem como
nos sistemas que regem o processo educativo.
Integrando a reestruturação produtiva, vem ocorrendo um processo de
transição do fordismo para o toyotismo. Nesta nova modalidade produtiva, a produção é
pautada diretamente pela demanda para que ela seja variada, diversificada e pronta para suprir
o consumo. É, pois, o consumo quem determina o que deve ser produzido. Terminado o
estoque mínimo, a produção é retomada para atender às exigências do mercado, no menor
tempo e com melhor qualidade (ANTUNES, 1997, p. 26). Ainda a respeito desta recente
modalidade produtiva ressalte-se que, além dos seus aspectos técnicos e econômicos, ela tem
41
gerado fortes impactos no seio da classe trabalhadora ao obscurecer a sua perspectiva de
classe e, ainda, capturar a sua subjetividade à lógica do capital (ALVES, 2000, p. 39 et seq.).
Nesta captura, em função da necessidade de o trabalhador garantir o seu posto de trabalho, dá-
se uma diminuição e até mesmo perda da sua identidade como membro de uma classe
socialmente explorada; ainda: sua identidade de classe é convertida em identidade
corporativa, ou seja, o trabalhador se atém mais à empresa da qual depende a venda da sua
força de trabalho. Tal transmutação constitui-se, pois, num elemento desafiador para a
perspectiva da luta pela emancipação da classe trabalhadora e aqui se pode encontrar uma das
razões de o movimento sindical, de algum tempo, ter entrado em crise, o que pode ser
visibilizado na queda da taxa de sindicalização, dificuldades em mobilização dos
trabalhadores para a luta contra o capital e no decréscimo no número de greves.
Da reestruturação produtiva também fazem parte: a introdução de novos
padrões de gestão e de organização do trabalho e a nova política de relações entre os
sindicatos dos trabalhadores e o patronato, com conseqüente flexibilização do trabalho.
Analisando as transformações ocorridas no mundo capitalista, Harvey (1999, p. 140)
identifica a existência de um processo de transição do fordismo para a chamada acumulação
flexível. Para Harvey, este tipo de acumulação se apóia na flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organização.
Tendo em vista que a máxima obtenção de lucro e a acumulação se constituem
em dinâmicas fundamentais para a manutenção do capitalismo, podemos dizer que, em última
análise, a reestruturação produtiva é, na verdade, uma ação agressiva deste modo produtivo na
busca de sua recomposição. Conseqüentemente, para esta recomposição ser alcançada faz-se
necessário que a exploração da força de trabalho seja realizada no máximo grau possível para
que também, assim, sejam obtidas maiores margens de lucro. Parafraseando Meszáros (2002,
p. 44), podemos dizer que, desta maneira, perpetua-se a subordinação estrutural do trabalho ao
capital.
Refletindo sobre os impactos provocados pela acumulação flexível no mundo
do trabalho, dos quais sobressaem-se os altos níveis do desemprego estrutural, Harvey (1999,
p. 144) sinaliza que este tipo de acumulação ocasionou uma radical separação entre os
trabalhadores ao dividi-los em dois grupos distintos: o centro e a periferia. O primeiro é
composto por um número cada vez menor de trabalhadores que, para garantirem o emprego,
42
devem atender à expectativa de serem adaptáveis, flexíveis e geograficamente móveis. Por
sua vez, o segundo grupo desdobra-se em dois sub-grupos: (i) o dos empregados em tempo
integral, com habilidades facilmente disponíveis para o mercado de trabalho e, ainda,
passíveis de alta rotatividade e (ii) o dos empregados em tempo parcial, empregados casuais,
pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, sub-contratados e treinados com
subsídio público, tendo ainda menos segurança de emprego do que aqueles que integram o
primeiro subgrupo periférico.
Como podemos inferir, juntamente com a diversificação dos tipos de
trabalhadores há um grande impacto sobre a classe trabalhadora, ou seja, o solapamento da
sua organização e a transformação da base objetiva da luta de classes (Ibid., p. 145)
10
uma vez
que esta classe laboral terminou sendo diluída e enfraquecida e, assim, teve diminuído o seu
poder de força no enfrentamento com o poder do capital.
Para a análise da reestruturação produtiva convém situarmos que ela não se fez
de forma homogênea em todos os países que integram o mundo capitalista. Ao contrário, a
sua ocorrência adquiriu feições específicas tendo em vista as peculiaridades sociais,
econômicas, culturais e políticas dos países nos quais ela aconteceu.
Fazendo um pequeno aparte sobre o processo de reestruturação produtiva na
realidade brasileira
11
, constata-se que este processo tem sido implementado sob o discurso da
modernização da economia nacional e da necessidade premente de articulá-la à economia
internacional. Entretanto, a exemplo de outros projetos modernizadores que resultaram em
benefícios apenas para os donos do capital, este projeto de modernização, por um lado, tem
proporcionado ganho de produtividade para o capital industrial, por outro lado, ele tem
concorrido para o aprofundamento da precarização do trabalho. Dentre outras expressões,
esta precarização tem resultado em altíssimos níveis de desemprego que, obviamente, tem
gerado profundos impactos sociais. Tais impactos, em última instância, acentuaram o
histórico fosso da divisão social que tem permeado a sociedade brasileira de tal modo que
hoje convivemos com um quadro de exclusão social formado por um exército industrial de
reserva, sem mínimas perspectivas de que, novamente, possam ser readmitidos, como
cidadãos, à vida societal.
10
No entendimento de Harvey (1999, p. 141), a acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos
de desemprego estrutural, rápida destruição e construção de habilidades, ganhos salariais modestos (quando há!)
e o retrocesso do poder sindical.
11
Para a reestrutura produtiva em nosso país, Leite (1997) chama a atenção para a ocorrência de uma
especificidade que deve ser levada em consideração que, sobretudo, está relacionada com o próprio contexto
político e econômico vivido pelo Brasil ao longo das décadas de 1970 e 1980.
43
No Brasil, diferente de períodos anteriores à década de 1990, quando a
reestruturação produtiva estava circunscrita quase que apenas à renovação tecnológica do
setor industrial (e mais especificamente ao setor automobilístico), este processo reorganizador
tem se caracterizado pela adoção de novas estratégias produtivas de caráter sistêmico e
interligadas entre si, incluindo a implantação de estratégias de gestão do processo produtivo.
Na análise de Alves (2000, p. 202 et seq.), a descentralização produtiva configurou-se como
sendo uma das principais estratégias, sobretudo no setor industrial, através das quais ocorreu a
reestruturação produtiva em nosso país e, do ponto de vista de vista da classe trabalhadora, ela
tem suscitado preocupações em decorrência dos impactos gerados por um dos “braços” dessa
descentralização, ou seja, a terceirização caracterizada como um tipo de descentralização
produtiva, centrado na lógica da focalização da produção, isto é, a empresa tende a concentrar
seus esforços e se especializar na produção daquelas mercadorias sobre as quais ele detém
evidentes vantagens competitivas (ibid., p. 205).
Se por um lado, a terceirização é vantajosa para o capital por, entre outros
fatores, possibilitar sensível redução nos custos da produção e da administração, por outro
lado, ela se constitui em algo prejudicial para a classe trabalhadora, uma vez que, ao mesmo
tempo em que esta classe fica mais vulnerável ao controle que os detentores do capital
procuram exercer sobre ela, também fica mais enfraquecida no processo de participação da
histórica luta entre as forças sociais que representam o capital e o trabalho.
No processo de mudança de gestão da produção, desencadeado pela
reestruturação produtiva ocorrida em nosso país, novamente podemos identificar um caráter
conservador do empresariado nacional uma vez
que mesmo com a implementação de técnicas e métodos japoneses no
processo de modernização tecnológica, em especial no setor mais
internacionalizado da indústria, a postura avessa à negociação com
trabalhadores e sindicatos permanece prática corrente (RAMALHO, 2002, p.
87).
Exemplificando em que consiste a posição conservadora do empresariado
brasileiro, este autor diz que tal postura se expressa de variadas maneiras, tais como: (i)
desconsideração da organização sindical dos trabalhadores bem como das suas reivindicações
(ii) e realização de tentativas visando a inibir a organização sindical ao demitir militantes
sindicais, proibir o acesso destes ao ambiente de trabalho e, até mesmo, não admitir
trabalhadores nos quadros de suas empresas pelo simples fato de serem sindicalizados.
Ainda em relação ao Brasil, podemos apontar como resposta à reestruturação
produtiva o caminho adotado, por adesão deliberada e, mais ainda, por estratégia de
44
sobrevivência, por um considerável número de empresas nacionais de se associarem ao
capitalismo internacional e, com esta associação, por um lado, o capital se põe a salvo. Em
contrapartida o mesmo não se pode dizer em relação ao trabalho e, mais especificamente, aos
trabalhadores cujo destino, quase sempre, é a perda do seu posto de trabalho, o desemprego
ou, quando muito, sujeição a novas formas de exercício da atividade laboral em condições
diferentes (para pior) da situação anterior.
Retomando a análise que vínhamos desenvolvendo sobre a reestruturação
produtiva em âmbito mundial, identificamos que, diante do cenário da nova crise, o sistema
capitalista procurou alternativas para se reestruturar, de modo defensivo, através da busca da
recomposição dos mecanismos de reprodução do capital pela exacerbação da exclusão social
12
e, para dar suporte político e ideológico a tal reestruturação, serviu-se do neoliberalismo.
Entretanto, podemos adiantar que, de acordo com o estágio do desenvolvimento capitalista
dos países nos quais foi implementado, o neoliberalismo apresentou e apresenta variadas
versões e materializações.
Neste novo estágio da reprodução e acumulação capitalista, os países
periféricos não somente estão excluídos da possibilidade de exercerem um controle sobre a
dinâmica da economia neoliberal como, também, estão privados de circularem livremente por
ela, uma vez que há um forte controle exercido pelos países centrais. Ademais, como
podemos inferir das palavras de Santos (2002a, p. 31), no processo de implementação do
neoliberalismo, os países periféricos e semi-periféricos, praticamente, não tiveram liberdade
para optarem ou recusarem tal implementação uma vez que as agências financeiras
multinacionais colocaram como condição para renegociação da dívida externa a adoção dos
chamados programas de ajuste estrutural que integram o projeto neoliberal.
Em síntese, o ajuste estrutural contempla as seguintes medidas ou
recomendações: redução dos gastos públicos, privatização através das vendas de empresas
estatais, desenvolvimento de mecanismos de desregulação para, assim, ser reduzida
intervenção do Estado no mundo produtivo. Ainda no que diz respeito ao Estado, o ajuste
estrutural recomenda que esta instância política reduza sua atuação na promoção dos
chamados serviços sociais – tais como: saúde, educação, moradia, transporte público,
aposentadorias etc. – para que sejam assumidos pelo mercado, ou melhor dizendo, sejam
privatizados.
12
Seja observado que o processo de ajuste para a reconstrução do capitalismo, apesar de fortemente calcado no
viés econômico, também envolve outros aspectos, tais como: políticos, educacionais e culturais.
45
Como será abordado na próxima seção, podemos dizer que, ao ser utilizado
como suporte ideológico para a reorganização capitalista, o neoliberalismo também favoreceu
a expansão capitalista, uma vez que ampliou a adesão de outras nações que, pelas mais
diversas razões, ainda, não haviam adotado o modo produtivo capitalista como, por exemplo,
a Rússia e a China.
2.2 O NEOLIBERALISMO: UM PROJETO IDEOLÓGICO EM RESPOSTA À CRISE
CAPITALISTA ECLODIDA NA DÉCADA DE 1970
Retomando o antigo discurso econômico do liberalismo do início do
capitalismo, e agora em novas condições históricas, os primeiros passos de elaboração do
neoliberalismo foram dados na década de 1920, após o desfecho da Primeira Guerra Mundial,
quando Friedrich August von Hayek (1899 – 1992) começou a propor a renovação do
liberalismo e do livre mercado em vista do combate ao socialismo. Após isso, em Londres,
nos ano de 1930, ensinando na Lond School of Economics, aquele economista deu
continuidade ao seu pensamento contra o avanço do socialismo e contra o intervencionismo
do Estado e, de forma mais sistematizada, expôs suas idéias na obra “O caminho da servidão”,
publicada em 1944. Neste trabalho, Hayeck, identificou a intervenção estatal na economia
como sendo uma ação coercitiva que fatalmente conduziria à servidão e a restrição da
liberdade humana, e defendia que “o Estado deveria limitar-se a estabelecer regras que se
aplicassem a tipos gerais de situações e deixassem os indivíduos livres em tudo que depende
das circunstâncias de tempo e de lugar” (HAYECK, 1977, p. 72).
Por um bom tempo, devido ao sucesso do Estado de bem-estar, de inspiração
keynesiana, as idéias de Hayek foram consideradas como extravagantes, sobretudo pela
afirmativa de que “o novo igualitarismo, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a
liberdade dos cidadãos e a atividade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de
todos” (ANDERSON, 1998, p. 10). Endossando a análise de Melo (2004, p. 46), podemos
encontrar em Hayek a defesa da livre concorrência como sendo a dinâmica decisiva para o
desenvolvimento e o fortalecimento da sociedade humana e, para que esta dinâmica aconteça,
a liberdade individual é vista como sendo um valor a ser defendido e preservado, acima dos
interesses e das necessidades coletivas. Na análise de Imen (2005, p. 22), “el individuo es
46
resaltado como juez supremo de sus fines e el lugar de la libertad – libertad definida desde el
punto de vista do consumidor – es puesta en el punto culminante de la escala de valores
neoliberais”.
Nessa direção corroboram as palavras do próprio Hayek (1977, p. 35) quando,
para realçar a supremacia da concorrência, afirma que
é necessário primeiramente que haja liberdade de vender e comprar no
mercado a qualquer preço que possa encontrar um interessado na transação,
e que todos sejam livres de produzir, vender e comprar qualquer coisa que
possa ser produzida ou vendida (...). Qualquer tentativa de controlar os
preços ou as quantidades desta ou daquela mercadoria priva a concorrência
da sua capacidade de proporcionar uma efetiva coordenação dos esforços
individuais.
Ao nome de Hayek, que costuma ser apresentado como um dos principais
representantes da chamada Escola Austríaca, deve ser associado o de Milton Friedman,
representando a “Escola de Chicago”
13
, como sendo os principais mentores do neoliberalismo.
Friedman, partindo da idéia do mercado como sendo a arena na qual os indivíduos podem agir
livremente, também considerava como nefasta a ação ou intervenção do Estado na economia.
Para este economista (1985, p. 12), o Estado teria como função principal a manutenção da
ordem contra toda violência, a preservação da lei e da ordem, o reforço dos contratos privados
(cuja centralidade estava na propriedade privada) e a promoção de mercados competitivos.
Porém, mesmo nestes casos, Friedman considerava a ação estatal como sendo algo de muito
perigoso e contra ela o setor privado deveria representar um limite para que a liberdade dos
indivíduos estivesse protegida. Mais ainda: somente o mercado garantiria liberdade
econômica uma vez que nele
o consumidor é protegido da coerção do vendedor devido a presença de
outras vendedores com quem pode negociar. O vendedor é protegido da
coerção do consumidor devido à existência de outros consumidores a quem
pode vender. O empregado é protegido da coerção do empregador devido
aos outros empregadores para quem pode trabalhar, e assim por diante.
(FRIEDMAN, 1985, p. 23).
Diante desta compreensão chama-nos a atenção o ofuscamento feito à realidade
uma vez que, numa economia de mercado, compradores e empregados não se encontram em
13
Diferenciando as correntes da Escola de Austríaca da Escola de Chicago, Negrão (1998, p. 32) caracteriza a
primeira como sendo “um neoliberalismo mais sofisticado, dedutivo – a partir de princípios gerais sobre o
homem, conclui pelo caráter indesejável da sociedade planejada -, empírico e algo irracional, já que não
considera cognoscíveis as leis que movimentam a sociedade, restando ao mercado premiar, a posteriori, as ações
eficientes e punir as ineficientes” e a segunda como “positivista, menos sofisticada intelectualmente e, no
entanto, mais influente em políticas econômicas concretas”.
47
igual nível de poder com os vendedores e os empregadores e, ainda, possuem interesses e
necessidades divergentes.
Mesmo possuindo acentuações particulares em suas teorias, Hayek e Friedman
aliaram-se no combate ao modelo do Estado Benfeitor que, inspirado na teoria econômica de
Keynes, possui como um dos seus pilares básicos a idéia de que o Estado deve intervir na
economia de mercado com o fim de diminuir o desemprego involuntário e aumentar a
produção e, ainda, implementar políticas sociais para compensar as desigualdades geradas
pelo sistema capitalista. Entretanto, devemos ver nessa intervenção a efetivação de um pacto
entre o capital e o trabalho que redundou em prejuízo para a classe trabalhadora uma vez que,
endossando a análise de Antunes (2002, p. 38), em troca dos ganhos sociais e da seguridade
oferecidos pelo “welfare state” esta classe deveria abandonar o seu projeto histórico social e
relegar a utopia do socialismo para um futuro a perder de vista. Como é sabido, esta
protelação também encontrava justificação na sensação de que a classe trabalhadora estava
exercendo um atuante papel democrático na medida em que ela era reconhecida como
portadora de um poder de força que lhe possibilitava participar do jogo de negociações com a
classe empresarial.
De acordo com a perspectiva de Hayek e Friedman, o intervencionismo estatal
foi visto como anti-econômico e anti-produtivo por, conforme analisa Laurell (1997, p. 162),
provocar uma crise fiscal do Estado e, mais ainda, porque estaria desestimulando o capital a
investir e, por outro lado, os trabalhadores a trabalhar. Com o intervencionismo, o Estado teria
sido ineficaz e ineficiente, ou seja, por tender ao monopólio econômico estatal e depender dos
interesses particulares dos grupos de produtores organizados ao invés de responder às
demandas dos consumidores espalhados no mercado (aspecto da ineficácia). Além de não
conseguir eliminar a pobreza, o Estado estaria provocando o aumento deste tipo de
contingente populacional ao substituir as formas tradicionais de proteção social que, outrora,
eram exercidas pela família e pela comunidade. Desta forma, os pobres estariam sendo
dependente do paternalismo estatal. Tudo isso, como também analisa Laurell (Id.), se
constituiria numa violação à liberdade econômica, moral e política que só poderia ser
proporcionada e garantida pelo capitalismo.
Tendo presente a realidade norte-americana, Apple (2003, p. 222) aponta que
as forças políticas dos movimentos conservadores utilizaram a chamada crise do Estado de
“forma cínica e manipuladora” (Id.) ao considerarem que o Estado estaria negando aos
consumidores a oportunidade de fazerem escolhas e, ainda, estaria logrando os cidadãos (isto
é, os contribuintes que pagavam impostos) ao desvirtuar o dinheiro público para gente (os
48
pobres) que não assumia a responsabilidade pelos seus atos. Desta maneira, os que, na
verdade, eram vítimas da exploração capitalista passaram a ser vistos como os vilões da
história.
Com o processo de reconstrução do mundo após a Segunda Guerra Mundial, o
comércio internacional conheceu um notável surto de desenvolvimento. Porém, em 1973, com
o início da grande crise econômica do pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo capitalista
avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas
de crescimento com altas taxas de inflação (ANDERSON, 1998, p. 10), resultando num
processo de estagnação que refletiu a existência de problemas estruturais no padrão de
acumulação e de crescimento capitalista.
Diante da chamada crise do Estado – na verdade, do Estado do Bem-estar – o
que propuseram os neoliberais? A reconstituição do mercado, a competição e o
individualismo para, desta forma, ser redimensionada a intervenção do Estado na economia e,
ainda, serem reduzidas, para o mínimo possível, as funções por ele desempenhadas em
relação à promoção do bem-estar social. Em relação à atuação do Estado, é defendido que
o Estado deveria limitar-se a estabelecer regras que se aplicassem a tipos
gerais de situações e deixassem os indivíduos livres em tudo que depende
das circunstâncias de tempo e lugar, porque só os indivíduos interessados em
cada caso podem conhecer plenamente essas circunstâncias e a elas adaptar
suas ações (HAYEK, 1977, p. 72).
Com a instalação desse novo cenário, as lideranças políticas e econômicas do
mundo capitalista dirigiram-se à Sociedade “Mont-Pèlerin”
14
, na Suíça, para debaterem sobre
a situação então reinante e, ali, foi repetida a velha acusação de que os responsáveis pela crise
tinham sido os movimentos operários que, com o poder de força conquistado pelas suas
organizações sindicais, além de terem conseguido substanciosos aumentos salariais, haviam
feito crescer os encargos sociais do Estado. Cumpre salientar que tal atribuição de culpa à
classe trabalhadora é um dado que perpassa toda a ideologia neoliberal e, assim, em última
análise, esta classe se constitui o alvo central de ataque dos neoliberais. Como analisa Fiori
(1997, p. 215), é como se fosse uma espécie de vingança selvagem do capital contra a classe
trabalhadora pelas suas conquistas e avanços obtidos no “welfare-state”.
Com o desencadeamento da crise do sistema capitalista e em vista da
reorganização deste modo produtivo, o neoliberalismo ganhou terreno e passou a ser adotado
por países que detêm forte liderança no cenário capitalista, de modo especial: a Inglaterra, os
49
Estados Unidos e a Alemanha nos governos, respectivamente, de Margaret Tatcher (eleita em
1979), Ronald Reagan (eleito em 1980) e Helmut Khol (eleito em 1992). Em seguida, o
neoliberalismo foi adotado em outros países do norte europeu
15
.
Tendo os Estados Unidos assumido um papel de destaque na disseminação
neoliberal, esta ideologia passou a ser revestida de um caráter conservador a partir do qual,
entre aspectos, o neoliberalismo caracterizou-se por fazer valer a idéia de uma íntima conexão
entre capitalismo e democracia o que, de certa forma, contribuiu para a expansão mundial do
projeto neoliberal. Com este destaque também queremos realçar que, ao longo da sua
trajetória de gestação, implementação e consolidação, o neoliberalismo tem assumido
variadas matizes na qual, por um lado, ainda que tenha mantido os pilares que estiveram na
base da sua gestação, por outro lado, ele tem procurado ajustar-se às novas contingências em
função de salvaguarda do capital. Esta é uma dinamicidade que não podemos perder de vista
no processo de entendimento e de análise do neoliberalismo na atualidade.
Avançando o neoliberalismo, graças às novas configurações políticas que
foram sendo desenhadas, ele próprio se transformou num projeto político a ponto de, com o
passar do tempo, ter tido um alcance planetário e, ainda, ter definido uma clara agenda de
diretrizes políticas e econômicas a serem implementadas nos países que o adotaram. Desta
forma, o neoliberalismo apresentava-se como sendo um caminho inevitável, o que parecia
confirmar a visão de Hayeck quando afirmava que
a menos que queiramos matar grande parte da população, não temos
alternativa senão aderir àqueles princípios morais básicos que tornaram
possível a economia de mercado, ou seja, os princípios da propriedade
privada, do mercado competitivo, da concorrência e tudo mais (HAYECK
apud MORAES, 2001, p. 87).
As novas configurações políticas também contribuíram para que fossem postas
as condições políticas necessárias para a implementação do neoliberalismo de modo que, de
acordo com a análise feita por Vale (2002, p. 127), levando em conta o que havia de
específico nas políticas empreendidas por cada um dos novos adeptos do neoliberalismo, ao
mesmo tempo estes cuidaram que fosse preservado aquilo que os unia como um amálgama,
14
Nome da sociedade fundada em abril de 1947, a partir de um encontro convocado por Frederich v. Hayek, um
dos principais ideólogos do neoliberalismo.
15
Na análise de Fiori (1997, p. 216), esse novo momento representou uma terceira etapa da evolução do
neoliberalismo a qual se caracteriza como uma passagem do campo da teoria para o campo da política. Ainda
para este autor, após as experiências realizadas na Inglaterra, sob o governo de Margaret Tatcher, baseadas na
desregulação, na privatização e na abertura comercial, “estas mesmas idéias foram consagradas por várias
organizações multilaterais que se transformaram, na prática, no núcleo duro de formulação do pensamento e das
50
ou seja, a defesa, a propagação e a implementação do projeto neoliberal como sendo a
alternativa que garantiria a manutenção do poder. Como analisa Gentili em sua tese de
doutorado (1998, p. 17), o neoliberalismo afirmou-se como um projeto hegemônico na
medida em que se constituiu em uma alternativa de poder por uma série de estratégias
políticas, econômicas e jurídicas apresentadas como saída dominante para a então crise do
capitalismo. Por outra parte, a hegemonia neoliberal assentou-se na construção e difusão de
um novo sentido comum o qual, como uma espécie de amálgama, conferiu sentido, coerência
e legitimidade para as propostas de reformas de cunho neoliberal. Em conseqüência,
el neoliberalismo se ha transformado en um verdadero proyecto hegemónico
ya que ha conseguido imponer uma intensa dinámica de cambio material y,
al mismo tiempo, una no menos intensa dinámica de reconstruccion
discursiva ideológica de nuestras sociedades; processo este último derivado
de la enorme fuerza persuasiva que han tenido los discursos, los diagnósticos
y las estratégias argumentativas elaboradas y difundidas por sus principales
exponentes intelectuales (en un sentido gramsciano, por sus intelectuales
orgânicos). El neoliberalismo debe ser comprendido em la dialectica
existente entre tales esferas, las cuales se articulan cobrando mutua
coherencia (Ibid.).
A aplicação das idéias neoliberais na economia e na política dos países centrais
do capitalismo deu início a uma conquista hegemônica deste sistema e, ainda, se transformou
num arcabouço ideológico capaz de consolidar a reestruturação produtiva capitalista no
contexto de globalização. Disto resultou uma combinação sobre a qual Santos (2002b, p. 30)
considera que correspondia a um novo regime para garantir a acumulação do capital; porém,
um regime mais intensamente globalizado do que aqueles que anteriormente haviam
acontecido e, ainda, com duas novas feições: ou seja, por um lado, liberar o capital de todos
os vínculos sociais e políticos que, no passado, haviam garantido alguma distribuição social –
a dessocialização do capital. Por outra parte, neste novo regime, um novo intento seria o de
submeter à sociedade no seu todo a lei do valor, sob o pressuposto de que toda a atividade
social estaria bem mais organizada e, conseqüentemente, teria mais eficácia se regida e
moldada pelo mercado.
Prosseguindo em sua análise, Santos também acrescenta os efeitos do enlace
entre o neoliberalismo e o modelo de globalização que está sendo posto, ou seja:
a conseqüência principal desta dupla transformação é a distribuição
extremamente desigual dos custos e das oportunidades produzidos pela
globalização neoliberal no interior do sistema mundial, residindo aí a razão
do aumento exponencial das desigualdades sociais entre países ricos e países
políticas neoliberais voltadas para ‘ajustamento econômico’ da periferia capitalista e também, é obvio, da
América Latina”.
51
pobres e entre ricos e pobres no interior do mesmo país (SANTOS, 2002b,
p. 30).
O modelo de globalização ao qual o neoliberalismo se associou, também
podemos considerá-lo como um empecilho para a proposta de um mundo integrado por
nações interdependentes e solidárias entre si na medida em que os países centrais, em
conjunção com os organismos multilaterais a serviço do capital, impõem aos países
periféricos um direcionamento das suas políticas econômicas (como também em outras
esferas) fazendo, assim, com que estes tenham diminuído a soberania necessária para serem
considerados como nações-membro da comunidade mundial com iguais direitos para
participarem da tomada de decisões que dizem respeito aos destinos da humanidade. De
acordo com várias análises já realizadas a respeito da globalização (IANNI, 2001; DRUCK,
1999, dentre outras) devemos entender este fenômeno como sendo um processo que abrange
variados aspectos ou dimensões nas quais estão incluídas a economia, a política, a cultura etc.
Desmistificando a mensagem salvacionista apregoada pelos arautos da
economia neoliberal, os dados citados por Dupas (2001, p. 432) mostram que, de 1980 a
1998, houve um crescimento médio do desemprego nos 13 países que integram a União
Européia, passando de 7,5 para 11,0%.
Gray, que inicialmente havia demonstrado entusiasmado com as idéias
neoliberais, após um processo de revisão da sua postura, ao se referir ao principal centro do
projeto neoliberal, apresenta um depoimento que nos leva a pensar quando diz que
nos Estados Unidos, os mercados livres contribuíram para problemas sociais
numa escalada desconhecida em qualquer outro país desenvolvido. As
famílias estão mais frágeis na América do que em qualquer outro país. Ao
mesmo tempo, a ordem social sustenta-se com uma política de prisões em
massa. Nenhum outro país industrializado avançado, à parte a Rússia pós-
comunista, utiliza o encarceramento como meio de controle social na mesma
proporção dos Estados Unidos. Os mercados livres, a devastação de famílias
e comunidades inteiras e o uso das sanções das leis criminais como último
recurso contra o colapso social caminham juntos (GRAY, 1999, p. 10).
Contribuindo para um melhor entendimento da análise feita por esse autor,
podemos nos valer, aqui, dos dados apresentados por Martinez (2006), por ocasião da IV
Conferencia Latino-americana y Caribena de Ciencias Sociales, realizada no período de 20 a
25 de agosto de 2006, os quais atestam a deteriorização social ocorrida nos Estados Unidos:
no ano de 2004, o número de pobres foi elevado para 36 milhões ocorrendo, então, um
acréscimo de 1,3 milhões a mais que o ano anterior; cerca de 45 milhões de norte-americanos,
correspondendo a 15,6% da população, não possuem seguro médico; em 2005 a perda de
52
emprego foi quase o dobro do ocorrido em 2001; atualmente, cerca de 9 milhões de pessoas
estão buscando emprego por durante 20 semanas enquanto outras estão fazendo essa mesma
atividade há mais de 6 meses; calcula-se em 12 milhões o número de pessoas que padecem de
fome crônica e desnutrição; sendo o 5º. maior país do mundo em termos de população,
entretanto, os Estados Unidos detém 25% da população mundial na condição de encarcerados.
Por estes e outros dados, Martinez (2006, p. 13) conclui que
es evidente que bajo el esplendor de la especulación financiera y el vértigo
de fortunas faciles em la Bolsa, la socied norte-americana muestra profundas
fallas sociales que han crecido em los años de magia del mercado.
Levando-se em conta que a gestação do neoliberalismo encontra-se entre os
países que compõem o núcleo central do sistema capitalista, como então explicar sua presença
expressiva na porção periférica desse mesmo sistema? A este respeito, aventamos que, com o
desenvolvimento da mundialização financeira, criando um único mercado de dinheiro, o
sistema capitalista transnacionalizou-se provocando uma redução da autonomia e soberania
dos Estados nacionais no que diz respeito à formulação das suas políticas econômicas e
sociais.
16
Entretanto, convém salientar que esta redução foi e tem sido mais considerável para
os Estados nacionais que integram a porção periférica do capitalismo uma vez que os Estados
nacionais que integram o núcleo central deste modo produtivo assumiram uma posição de
comando sobre o conjunto do sistema capitalista. Desta forma, dependendo do poder de força,
centrado na capacidade produtiva, os países capitalistas conheceram diferentes tipos de
inserções na nova ordem que foi sendo posta. Dito de outro modo, dependendo das realidades
nacionais para onde foi ocorrendo a expansão e a consolidação do neoliberalismo, houve
países nos quais as condições políticas e sociais facilitaram tais processos bem como, por
outro lado, houve países onde a expansão e a consolidação neoliberal se deparam com
dificuldades, inclusive, o retardamento da sua adoção. Para o caso brasileiro, vale atentarmos
para a observação de Barreto (2000, p. 184) quando afirma que a nossa forma de inserção no
cenário internacional, quer no plano financeiro quer no plano tecnológico, continua sendo
condicionada pelo signo da assimetria que, historicamente, tem marcado as relações entre os
países desenvolvidos e os países do terceiro mundo.
16
A respeito do declínio da soberania dos Estados nacionais Ianni (2001, p. 15) adverte que “parece reduzir-se o
significado da soberania nacional, já que o estado-nação começa a ser obrigado a compartilhar ou aceitar
decisões e diretrizes provenientes de centros de poder regionais e mundiais (…). Se por um lado, o estado-nação
é levado a limitar e orientar os espaços de cidadania, por outro lado, as estruturais globais de poder são levadas a
limitar e orientar os espaços da soberania nacional”.
53
Ainda em relação à indagação anteriormente apresentada, podemos responder
que a presença do neoliberalismo na porção periférica do capitalismo também tenha sido
decorrente do fato de os seus postulados teóricos terem um alcance prático e, assim, ter
gerado e disseminado estratégias políticas que pareciam ser a resposta adequada para a
resolução dos problemas econômicos e sociais existentes nos países em desenvolvimento. A
este respeito, pensando na especificidade da realidade latino-americana, Gentili (1998, p. 18)
analisa que os governos neoliberais desta porção sociogeográfica não somente transformaram
materialmente a realidade econômica, política, educativa e jurídica de nossas sociedades
como conseguiram que a dita transformação fosse aceita como a única saída possível (ainda
que, às vezes, dolorosa) para a crise. Entrementes, para o caso da realidade brasileira, seja
recordado que a imposição do direcionamento neoliberal deparou-se com um movimento de
resistência empreendido por vários setores da população, sobretudo pelo movimento sindical
o que, de certa forma, contribuiu para retardar a implementação do neoliberalismo em nosso
país.
O neoliberalismo também se configurou como um projeto que possui um
programa específico de ação para o qual necessita de atores e de certas instâncias políticas por
meio dos quais possa ocorrer a sua consolidação. Ele é, ainda, um projeto de classe que
orienta, ao mesmo tempo e de forma articulada, um conjunto de reformas a serem
implementadas nos mais abrangentes âmbitos, ou seja, nos planos político, econômico,
jurídico e cultural.
Para favorecer a implementação do neoliberalismo, seus defensores utilizaram-
se de um intenso apoio da mídia para apregoarem méritos, virtudes e benefícios sociais que
iriam ser gerados para os países que executassem suas orientações
17
. Todavia, os dados e os
resultados práticos não confirmaram o que fora propagado e aqui nos valemos da análise de
Ianni para identificarmos o desemprego estrutural como sendo a grande chaga social gerada
pelo neoliberalismo, uma vez que ela implica a expulsão, mais ou menos permanente, das
atividades produtivas de incontáveis parcelas da população que vive do trabalho. Por outro
lado, é importante diferenciarmos que enquanto o desemprego conjuntural está associado ao
metabolismo regulador da economia, o desemprego estrutural
17
Para Gentili (1998, p. 25 et seq), também foi decisiva a contribuição dada por muitas instituições formadas por
intelectuais, tanto em países do Primeiro como do Terceiro Mundo, em favor da propagação do neoliberalismo,
os chamados “think tanks”. Para este autor, tais instituições “se han vuelto verdaderos partidos de la reforma
neoliberal, cuyas ideas y propuestas han conseguido penetrar capilarmente en el poder politico y económico, así
como en una buena parte de la opinion pública mediante la implementación de ambiciosas y costosas campanãs
publicitárias” (Ibid., p. 25)
54
decorre principalmente da contínua e generalizada tecnificação dos
processos de trabalho e produção. Decorre da crescente potenciação da
capacidade produtiva da força de trabalho, pela adoção de tecnologias
eletrônicas e informáticas. E isto tudo acelerado e generalizado pelos
processos de contínua concentração e centralização do capital, em escala
mundial. As freqüentes associações de capitais, bem como as reiteradas
reinversões dos ganhos no mesmo empreendimento ou em outros, agilizam a
força do capital e fragilizam a força de trabalho. Assim o desemprego se
mundializa (IANNI, 2001, p, 226.).
Na década de 1990, o projeto econômico neoliberal adquiriu conotação de
política globalizante ao redefinir, de forma hegemônica, as relações econômicas, políticas e
ideológicas entre os países centrais e os países periféricos que compõem o mundo capitalista.
O fortalecimento dessas relações refletiu-se na centralização da vida social apoiada no
mercado, alterou o padrão e as idéias de cooperação e solidariedade entre as pessoas, reforçou
a visão privativista da sociedade e fez com que chegasse a ser afirmado que (de acordo com a
conhecida expressão do então vice-diretor da equipe de planejamento do Ministério do
Exterior dos Estados Unidos, no ano de 1989, Francis Fukuyama) a humanidade havia
chegado ao “fim da história”
18
! Utilizando a metáfora feita por Ianni (2001, p. 226), talvez o
que se possa dizer é que com a instalação e a difusão do neoliberalismo a geografia do mundo
tenha sido modificada, pois,
o que há é um novo mapa do mundo, atravessado pelos fluxos do capital, da
tecnologia e da mercadoria, envolvendo a produtividade, a reengenharia, a
engenharia genética, a qualidade total e, principalmente, a lucratividade
sempre em benefício da grande corporação transnacional.
Com o estímulo dado pela política monetarista de Thatcher e Reagan, ao longo
da década de 1990, foi consolidada a adesão das nações ao processo de globalização
fortalecendo, assim, a reconstituição do capital financeiro. Juntamente com tal política, o fim
do socialismo soviético também pode ser apontado como tendo sido um fator que contribuiu
para a “vitória” do novo projeto econômico e político mundial assentado em bases
neoliberais. Concordando com Paulo Netto (1995) e Teixeira (1996), podemos afirmar que,
unido à crise do modelo social-democrático de produção, o fim do chamado socialismo real
provocou um grande vazio permitindo, assim, a instalação de um clima de descrédito em
relação às políticas do Estado interventor. Conseqüentemente, foi aberto espaço para que
18
Diante do que chamou de “visão repetitiva do mundo”, na qual o neoliberalismo e a globalização aparecem
como irreversíveis, vale a pena resgatarmos aqui o legado deixado por Milton Santos quando, esperançosamente,
declarou que “ao contrário do que tanto se disse, a história não acabou; ela apenas começa”... (SANTOS, 2000,
p. 170).
55
valessem as idéias daqueles que propunham a liberdade de mercado como a única alternativa
para enfrentar os problemas de emprego, seguridade, saúde, educação, transporte etc. Com a
queda do socialismo real, a investida neoliberal sentiu-se fortalecida para apontar as relações
capitalistas como a única forma de relações sociais historicamente possíveis. Entretanto,
observando-se a crise, tanto do capitalismo como do socialismo real, vale registrar, com Paulo
Netto (1995, p. 66), que, na verdade, deveria se falar de uma crise global da sociedade
contemporânea, a qual deveria ser motivadora da busca por novos caminhos e não de
endeusamento do capitalismo.
Em relação à classe trabalhadora, a implementação do neoliberalismo lhe
trouxe sérios impactos e conseqüências a ponto de, como registra Antunes (2002, p. 61), ter
sido atingida tanto em sua forma de ser como em sua organização sindical, seus ideais e
valores. Todavia seja lembrado que, ao mesmo tempo em que estes impactos se tornaram um
fenômeno mundial, eles não aconteceram de maneira uniforme dada a especificidade das
diferentes realidades nas quais o neoliberalismo foi implementado. É o caso, por exemplo, do
distanciamento que há entre os países de industrialização avançada (p. ex., a Inglaterra) e os
países de industrialização tardia (p. ex., os países latino-americanos). Como sabemos,
enquanto nestas nações o Estado de bem-estar foi praticamente inexistente, naquelas nações,
por conta da expansão do emprego, da extensão dos direitos sociais e da força de organização
da classe trabalhadora, foi possível o desenvolvimento de uma integração do Estado de bem-
estar com a estrutura social e política de tais sociedades. Olhando por outro ângulo, tal
distanciamento também diz respeito ao fato de o discurso da proteção social ter se realizado
na forma de ações setoriais nos países de industrialização tardia e não na forma de uma rede
integrada de ações, como aconteceu nos países de industrialização avançada (MELO, 2004,
p. 65).
Do conjunto das orientações e medidas políticas e econômicas neoliberais que
provocaram fortes impactos sociais, podemos extrair uma concepção de mundo e de homem
que contrasta com o projeto de uma nova sociedade coletiva e de um novo Homem solidário.
Na verdade, o modelo de Homem subjacente ao neoliberalismo caracteriza-se por preocupar-
se em resolver suas necessidades de modo individualista, em atender seus interesses privados
desvinculado dos interesses coletivos e, ainda, desempenhar o papel que lhe foi reservado no
palco social sem provocar questionamentos.
No neoliberalismo não há espaço para as ações coletivas de solidariedade. Ao
contrário: o individualismo é acentuado e, assim, a sociedade civil passa a ser atomizada uma
vez que passa ser vista como indivíduos, famílias e não como classes, partidos, movimentos
56
coletivos, o que, provavelmente, dificultará a participação e a própria representação política
(MARTINS, 1998, p. 67). Como aponta Moraes (2001, p. 45), no projeto hegemônico
neoliberal está contida uma nova moral na qual o socorro à miséria absoluta está desvinculado
da noção de seguridade uma vez que a ação de ajuda é vista como um fenômeno privado,
investimento e capitalização.
De acordo com a observação de Imbernón (2000, p. 181), sob os neoliberais se
esconde um paradigma utilitarista calcado na busca da satisfação individual e a partir do qual
fica valendo a lei do mais forte o que, na verdade, significa dizer, a lei do mercado em cujo
âmbito só há lugar para quem pode comprar e pagar instalando-se, assim, uma “cidadania às
avessas”.
A partir de um horizonte ético, podemos detectar, ainda, o grande desafio que
está sendo posto pela reestruturação produtiva quando o capitalismo globalizado apropriou-se
dos avanços e das conquistas tecnológicas feitas ao longo das últimas décadas do século XX,
orientando-as, fundamentalmente, para a criação de valor econômico e, assim, as imensas
maiorias das populações ficaram à margem dos benefícios trazidos por tais avanços e
conquistas. Como afirma Dupas (2001, p. 434), a automização da técnica, sob a égide da
economia capitalista globalizada, “afeta desde o aumento da concentração de renda e da
exclusão social até o desequilíbrio ecológico e o risco da manipulação genética”.
Os impactos do neoliberalismo também ocorrem na dinâmica da vida familiar,
na saúde dos indivíduos, na forma de lidar com as adversidades do presente (sobretudo em
situações de desemprego e/ou ameaça de perda do posto de trabalho), bem como no
posicionamento diante do futuro que passa a ser visto como algo sombrio para o qual não há
esperança. Como aponta Petras (1999), o neoliberalismo resultou em negativos impactos
sobre a vida cotidiana ao gerar um incontável número de homens e mulheres que caíram na
escala social.
Indo à contramão do avanço da consciência da humanidade que, na atualidade,
redescobre a necessidade de pautar suas ações e decisões a partir de critérios éticos fundados
na dignidade do sujeito humano e na solidariedade, o neoliberalismo centraliza o mercado
como o instrumento regulador da vida societal, dando-lhe um caráter quase que imutável e,
por isso, isento de contestações. Tal centralização pode ser percebida pelos efeitos que são
causados pelas decisões políticas que são tomadas pelos centros de poder do capitalismo e
pelas instituições financeiras internacionais que não somente se constituem em seus
representantes para a interlocução com os países periféricos - o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio – como também, no
57
dizer de Ianni (2001, p. 218), se tornaram guardiões dos ideais e das práticas do
neoliberalismo ou, ainda, a “santíssima trindade” guardiã do capital em geral. Na análise de
Santomé (2003, p. 19), tais organizações se constituem no “verdadeiro cérebro das políticas
neoliberais, construindo uma grande trama de redes para obter o consentimento da população
com relação às suas propostas”.
Nesse contexto, aquelas instituições passaram a desempenhar um poder
supranacional de tal porte como se fossem um Estado supranacional, independente e separado
dos Estados nacionais. Acolhendo a análise de Santos (2002a, p. 37), há um agravante a ser
destacado, ou seja, o poder de intervenção dessas instituições (aliadas às multinacionais)
sobre os Estados nacionais economicamente mais fracos tem sido bem maior que o dos
Estados nacionais economicamente mais poderosos.
Por outro lado, os estados nacionais se deparam com o poder das corporações
transnacionais as quais, pela força do capital que possuem, continuamente se utilizam da
capacidade instrumental de dizerem “não”, ou seja, “saio, não entro, não fico mais” (DUPAS,
2005, p. 41). Como também observa este autor, tal decisão constitui-se num ato político por
excelência a partir do qual são originados imensos traumas para os países dos quais a saída foi
vista pelos investidores internacionais como sendo a melhor alternativa para salvaguardar o
capital.
Como, por várias vezes, ao longo deste capítulo, fizemos referência, o
neoliberalismo conseguiu afirmar-se como um projeto a respeito do qual pareceu que nada
restava a fazer senão aceitá-lo como o caminho necessário para a efetivação do processo de
reestruturação produtiva e, assim, as nações de economia capitalista (sobretudo dos ditos
países em desenvolvimento) deveriam adotá-lo de forma consensual, especificamente suas
orientações e diretrizes políticas e econômicas. Neste contexto, pelo que analisamos, o
neoliberalismo conseguiu se apropriar de tal força a ponto de chegar ao século XXI com
bastante vitalidade. Para o nosso país, isto se apresenta como algo para o qual muitos fatos
servem de atestados de que o neoliberalismo ainda orienta grande parte das decisões políticas
e econômicas tomadas para a sociedade brasileira.
Entretanto, em que pese as considerações nas quais, por um lado,
reconhecemos o poder hegemônico assumido pelo projeto neoliberal, por outro lado,
entendemos que ao longo destas duas últimas décadas também vem sendo produzido um
discurso e práticas na perspectiva de gerar um movimento de dissensão em relação ao
consenso neoliberal o que, de certa forma, encontra-se em sintonia com o horizonte a partir do
qual elaboramos a tese que norteia o presente trabalho, ou seja, nada na vida humana deve ser
58
visto de forma linear dada a existência de movimento dinâmico na sociedade, possibilitador
de reações às idéias e propostas defendidas por um determinado segmento social, mesmo
quando este se encontra em posição dominante.
Portanto, paralelamente ao consenso do pensamento único que,
ideologicamente, foi construído em torno do neoliberalismo, podemos, a título de exemplo,
citar os fatos e acontecimentos seguintes como sendo expressões visibilizadoras de um
processo de construção contra-ideológica e de dissensão ao pretenso caráter consensual do
neoliberalismo
19
: a rebelião zapatista, os encontros internacionais contra o neoliberalismo
(1996 e 1997, na cidade de Barcelona, Espanha), a Ação Global dos Povos, as várias
manifestações contra a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional
e o Banco Mundial notadamente as ocorridas em Seattle (1999), Davos (2000), Nápoles
(2001) e Nova York (2003), os Fóruns Sociais Mundiais (em várias edições nas cidades de
Porto Alegre, no Brasil, e Mubai/ex-Bombaim, na Índia), etc. Aliando-se ao conjunto destas
manifestações que adquirem visibilidade pelo acompanhamento midiático que recebem, não
podemos, também, deixar de mencionar o movimento gerado e construído no cotidiano das
classes subalternas na medida em que elas se organizam e, mesmo às vezes à custa de duras
penas, colhem pequenas, mas expressivas conquistas sinalizando, assim, que um outro
mundo, uma outra globalização e uma outra sociedade são possíveis. Contemplando tal
dramaticidade, não seria o caso de identificarmos a continuidade da ferrenha luta de classes
que, no célebre Manifesto, Marx e Engels (2000) tornaram pública a sua existência?
2.3 O ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS NEOLIBERAIS
Como vimos na seção anterior, para o neoliberalismo o mercado constitui-se no
eixo modulador da vida social e é apresentado como a dinâmica a partir da qual e tão somente
nela dá-se a garantia das regras sociais (PETRAS, 2004, p. 14). Ao mercado é atribuída a
capacidade de a tudo conduzir e, conseqüentemente, ter o poder de organizar o planejamento
e coordenar a economia em nível global. Mas tal atribuição deve ser vista com cautela uma
19
Apoiando-nos em uma reflexão feita por Sader (2005, mimeog.), consideramos que seja útil destacar que, até
meados da década de 1990, os movimentos sociais tinham diante de si um quadro bastante desfavorável para
assumirem um posicionamento anti-neoliberal em virtude de os governos neoliberais (Fernando Henrique
Cardoso, no Brasil; Carlos Menen, na Argentina, Salinas de Gortari, no México e outros...) terem tido êxitos na
estabilização financeira em seus países, mediante a aplicação drástica de planos de ajuste fiscal. Desta maneira,
os protestos de até então pareceram como injustificados e, conseqüentemente, encontravam bastante dificuldade
59
vez que, como a experiência tem demonstrado, o mercado não se interessa por atividades que
não lhe proporcionem um retorno imediato e vantajoso de lucro. Ao contrário: ele corre célere
em direção aos setores da economia que apresentam taxas de lucros mais rendosas.
No que diz respeito à dimensão social da vida humana, devemos ser bastante
cautelosos diante dessa atribuição dada ao mercado uma vez que sua lógica de constituição,
organização e funcionamento em muito difere da lógica social que tem como perspectiva a
pessoa humana portadora de direitos inalienáveis para se afirmar como tal. Sob a perspectiva
neoliberal são formuladas políticas sociais e educacionais assentadas no entendimento de que
o mercado proporciona eqüidade e justiça e é visto como o melhor mecanismo possível para
gestar um futuro melhor para todos e, ainda, distribuir os recursos de maneira eficiente e justa,
de acordo com os méritos de cada um (APPLE, 2003, p. 51). No contexto do relocação do
mercado, vale mencionar, aqui, a análise de Boneti (2003, p. 15) por chamar a atenção de que
tal processo se ampara em uma nova racionalidade, a racionalidade instrumental
concorrencial.
No neoliberalismo também houve deslocamento para o mercado de algumas
das funções que, outrora, eram assumidas pelo Estado, sobretudo as relacionadas com o
crescimento da produção e do consumo de massa, bem como o investimento em setores como
educação, saúde, transporte etc. Neste contexto, o mercado aparece como sendo o horizonte a
partir do qual e no qual devem ser reguladas atividades humanas e fora dele não há salvação.
Para justificar a ocorrência desse deslocamento, dentre outros, foram usados os
seguintes argumentos: (i) há uma (suposta) superioridade do mercado sobre a ação estatal e
(ii) todos os indivíduos podem ter livre acesso ao mercado.
Todavia, tais proposições não se sustentam uma vez que, em relação ao
primeiro argumento, tem havido situações e experiências nas quais a ação estatal tem se
mostrado portadora de eficiência e de qualidade na prestação de serviços públicos.
A julgar pela experiência brasileira de privatização dos serviços cuja produção,
outrora, estavam nas mãos do Estado, os dados não confirmam a presumida superioridade do
mercado. No que diz respeito ao segundo argumento, seja recordado que, no modelo
capitalista de produção, os compradores e os vendedores da força de trabalho se apresentam
em condições extremamente desiguais. Corroborando esta nossa compreensão vale incluir
aqui a observação de que
para conseguirem adesão da população. Com o desmascaramento das promessas neoliberais foi que as
manifestações de protestos passaram a contar com maior número de adesões.
60
freqüentemente são desproporcionais ou, melhor, descomunais as diferenças
entre as condições sob as quais os compradores e os vendedores de força de
trabalho se defrontam no mercado. A empresa, a corporação ou o
conglomerado dispõe de poderes excepcionais de barganha, quando
comparadas com o sindicato, a união operária ou a confederação (IANNI,
2001, p. 221).
Ainda questionando a força e o poder atribuídos ao mercado, como se este
fosse possuidor de uma dimensão redentora para os problemas humanos e sociais, é
importante apontar, à luz da análise de Ramos (2003, p. 104), que essa fé cega no mercado faz
com que o Estado se sinta desobrigado da tarefa de intervir na vida social com efetivas
políticas geradoras de emprego e de renda.
Na perspectiva neoliberal, o Estado é levado a reformular o seu papel em
relação ao setor econômico e produtivo bem como a diminuir suas funções relacionadas com
o bem-estar social. É assim que, em consonância com tal concepção, os governos neoliberais
trilham e implementam os caminhos da privatização do financiamento e da produção dos
serviços, promovem a descentralização do nível macro para o nível local, efetuam cortes nos
gastos sociais e, ainda, reduzem os benefícios e as conquistas que, historicamente, a classe
trabalhadora conseguiu obter. Com o postulado da diminuição da ação estatal na economia
temos, assim, uma caracterização do chamado Estado Mínimo o qual, na verdade, se
configura como um Estado-mini-max, ou seja, mínimo para o trabalho e as políticas sociais e
máximo para o capital. Como diz Apple (2005, p. 8):
é o Estado mínimo para o trabalhador na medida em que, juntamente com o
desmonte dos serviços públicos, está relacionado com o fim das conquistas
sociais e trabalhistas, asseguradas por leis e instituições, serviços e
conquistas arrancados pela luta de classe em cada país e pela força da
revolução mundial durante o século XX.
No caso da educação, que na perspectiva neoliberal, é vista como uma
mercadoria, conseqüentemente instala-se um processo de mercantilização e a partir deste
processo é alterado o papel do Estado, ou seja, o Estado se desvencilha do histórico papel que
lhe foi atribuído, no sentido de possibilitar a redistribuição dos bens para que houvesse (pelo
menos, em teoria) uma universalização dos bens socialmente produzidos. Com a
mercantilização da educação, o Estado deixa de ser visto como a instância responsável pela
oferta e manutenção do direito à educação pública. Diante do vazio gerado por tal retração do
poder estatal, o mercado assume, então, o espaço deixado livre.
Ainda sobre o papel que o Estado passa a desempenhar nessa nova
configuração podemos observar a existência de uma contradição no discurso neoliberal, pois,
61
na verdade, ao invés da apregoada redução da intervenção do Estado na economia o que
ocorre é uma reformulação do intervencionismo estatal. Exemplificando esta reformulação,
temos os casos da intervenção do Estado na administração do câmbio, da dívida externa e dos
juros, os subsídios dados às multinacionais bem como as próprias privatizações das empresas
estatais que foram promovidas pelos governos que seguiram as diretrizes políticas do
neoliberalismo. Nesse sentido, é importante que seja levada em consideração a observação
feita por Anderson (1998) quando detecta a existência da contradição neoliberal, pois ao
mesmo tempo em que foi apregoada a reformulação da intervenção do Estado na economia e
o seu desvencilhamento dos encargos sociais, o peso do Estado do bem-estar não diminuiu
muito em decorrência do aumento dos gastos sociais que ele teve que assumir frente ao
desemprego provocado pelas drásticas medidas econômicas impostas pelas políticas
neoliberais. No tocante a estes últimos efeitos, Magalhães (2000, p. 29) registra que
nos países da OCDE, entre 1978–1982 e 1991-1995, os gastos públicos
aumentaram de 37,3% para 40,7% do PIB, a carga tributária de 34,3% para
37,0%, a dívida pública de 42,0% para 66,6% e o déficit público de 2,9%
para 3,7%.
Cessada a fase de euforia da implementação do neoliberalismo (década de
1990) na qual destacava-se o postulado da reformulação da intervenção do poder estatal na
economia, podemos constatar que tal implementação foi cercada de contradições.
Corroborando este entendimento, com base nos registros de Santos (2004, p. 117), podemos
observar que, no governo de Margareth Thatcher, a economia britânica viu acontecer o
aumento da participação do Estado na ordem de 2,0% e, por ocasião do governo de Ronald
Reagan, o mesmo aconteceu nos Estados Unidos. Em relação a este segundo país, Santos
também afirma que, desde a década de 1980, o Estado norte-americano vem realizando
intervenções diretamente não só na fixação da taxa de juros como, também na política de
emprego, aumentando sua proteção aos setores econômicos que se sentiram ameaçados pela
competição externa. Os Estados Unidos, ainda, determinou políticas educacionais, de
formação, de treinamento e recolocação de mão-de-obra. Diante deste quadro
intervencionista, este autor conclui que “dificilmente pode-se encontrar no mundo uma
regulação estatal tão rigorosa de quase todos os aspectos da vida econômica, social e política”
(Ibid., p. 122).
Para um entendimento mais completo a respeito do Estado neoliberal,
consideramos como sendo interessante fazer um retorno ao momento em que o grupo de
Hayek, Friedman e Popper foi consultado, em Mont Pélerin, para opinar acerca da crise
62
capitalista do início da década de 1970. Após diagnosticar que a causa principal de tal crise
residia no poder excessivo que os sindicatos e os movimentos operários haviam obtido e,
assim, haviam pressionado o Estado para que aumentasse os encargos sociais, este grupo
propôs como remédio uma nova formatação do Estado com os seguintes contornos:
1) um Estado forte para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos
operários, para controlar os dinheiros públicos e cortar drasticamente os
encargos sociais e os investimentos na economia;
2) um Estado cuja meta principal deveria ser a estabilidade monetária,
contendo os gastos sociais e restaurando a taxa de desemprego necessária
para formar um exército industrial de reserva que quebrasse o poderio dos
sindicatos;
3) um Estado que realizasse uma forma fiscal para incentivar os
investimentos privados e, portanto, que reduzisse os impostos sobre o capital
e as fortunas, aumentando os impostos sobre a renda individual e, portanto,
sobre o trabalho, o consumo e o comércio;
4) um Estado que se afastasse da regulação da economia, deixando que o
próprio mercado, com sua racionalidade própria, operasse a desregulação;
em outras palavras, abolição dos investimentos estatais na produção,
abolição do controle estatal sobre o fluxo financeiro, drástica legislação anti-
greve e vasto programa de privatização (CHAUÍ, 2000, p. 212).
Após este “retorno histórico”, para que melhor seja compreendida a
reordenação neoliberal do papel do Estado, destacaremos, a seguir, as duas principais
estratégias que são usadas para tal, ou seja, a privatização e a descentralização, as quais não
devem ser vistas como independentes, pois, ao contrário, constituem-se em estratégias que
estão conectadas entre si e quase sempre uma conduz à outra. Como afirma, Soares (2000, p.
78), “a privatização total ou parcial dos serviços constitui-se em estratégia que, de modo
geral, acompanha a descentralização”.
Antes de caracterizarmos a estratégia da privatização, vale recorrer a Petras
(1999, p. 38) para compreendê-la muito mais do que uma estratégia operacional através da
qual é combatida a própria democracia. Como tem ocorrido no cenário nacional, o processo
de privatização tem se revelado como uma opção e ação política que desconsidera as
organizações e os movimentos sociais quando estes questionam tal processo ou mesmo
expressam um posicionamento em contrário ao anteverem os custos sociais que terão que ser
pagos (pelas camadas economicamente desfavorecidas, é claro)
20
.
20
Ilustrando o desencontro entre a sociedade e os defensores da privatização, Cardoso (2003, p. 43), recorda que,
no ano de 1990, portanto, no início da década neoliberal no Brasil, apenas 30% dos brasileiros eram favoráveis à
venda de empresas estatais, 30% eram desfavoráveis e 36% diziam não ter opinião sobre a privatização das
estatais. Praticamente no final da dita década neoliberal, em 1998, a taxa de rejeição à privatização das estatais
havia aumentado para 52% e apenas 36% apoiavam tal ação. Em uma outra pesquisa, desta vez limitada à
população eleitoral do Estado de São Paulo, no ano de 2000, 65% dos pesquisados se declararam em contrário às
privatizações em geral.
63
Com a estratégia de privatização, dá-se, no Estado neoliberal, a transferência
para a iniciativa privada de uma série de atividades ou ações que outrora eram consideradas
como sendo pertinentes à ação estatal. Para a implementação desta estratégia são utilizados,
dentre outros, dois argumentos ideológicos: (i) que o setor público é ineficiente e (ii) por meio
da privatização das empresas estatais, seria possível ocorrer o resgate da dívida social para
com os empobrecidos e os desafortunados.
Todavia, como já analisamos em outro momento e a experiência tem mostrado,
tais raciocínios se constituem em falácias uma vez que os serviços públicos, quando dotados
de suficiente e necessários recursos humanos, materiais e financeiros, têm se mostrado
eficientes na prestação dos serviços aos quais se destinam. Por outro lado, e aqui temos bem
presente na mente o caso brasileiro, a onda de privatização de empresas públicas que ocorreu
ao longo da década de 1990 não apresentou impactos positivos na redução da pobreza e da
desigualdade social em nosso país. Ao contrário, como apresenta Boito Júnior. (1999, p. 51),
as grandes empresas do setor bancário, do setor industrial e da construção civil foram os
grandes beneficiários da política neoliberal de privatização das empresas públicas, ocorrida ao
longo da década de 1990.
No processo de implementação da privatização há um dado que não podemos
deixar de registrar aqui, ou seja, a privatização necessita de condições objetivas para poder ser
implementada, pois sem tais condições ela não teria sucesso. E que condições são essas?
Entre outras, consistem, fundamentalmente na existência de um mercado consumidor que
aumenta cada vez mais em virtude do desmantelamento dos serviços públicos. De modo mais
claro, podemos verificar isso em relação ao ensino superior brasileiro no qual, praticamente,
para cursos de graduação, têm estagnado a oferta de vagas em instituições públicas e, em
contrapartida, a rede privada deteve, no ano de 2004, 86,7% do total de matrículas neste nível
de ensino.
21
.
A privatização neoliberal deve ser vista como uma nova forma de prevalência
do privado sobre o público. Acolhendo a crítica de Santos (2004, p. 116), convém destacar,
aqui, que enquanto a implementação do neoliberalismo induziu que grande parte da produção
capitalista fosse deslocada para o setor de serviços, ao mesmo tempo foi sendo formada ou
ampliada a rede privada para a prestação de serviços de forma terceirizada. Por outro lado, na
medida em que coube ao Estado fazer a contratação dessas redes resultou, então, que o poder
21
Fonte: Sinopse Estatística do Ensino Superior Graduação 2004 - INEP/MEC
64
estatal viesse a atuar na economia. Ainda como expressão da privatização feita pelo poder
estatal, há um patrimônio público do qual o Estado se desfaz e o transfere para o setor
privado.
A descentralização também se constitui numa estratégia política sobre a qual se
configura a ação do Estado neoliberal. A respeito deste procedimento, Draibe (1993, p. 97)
diz que ele é concebido
como um modo de aumentar a eficiência e a eficácia do gasto (...). Com a
descentralização, aumentam as possibilidades de interação, no nível local,
dos recursos públicos e dos não-governamentais, para o financiamento das
atividades sociais.
Entretanto, fazendo-se uma análise crítica sobre a proposta neoliberal de
descentralização, verifica-se que, na verdade, ela encerra um processo de desconcentração
22
.
Com efeito, um efetivo processo de descentralização concorreria para o desencadeamento de
um movimento de recuperação do poder de decisão, diferente, portanto, da desconcentração,
que se constitui em mero deslocamento de atribuições das instâncias centrais para as
instâncias locais, sem modificações significativas na estrutura do sistema. É importante que
tenhamos em conta esta diferenciação, uma vez que ela contribui para a compreensão do
porquê da tendência dos governos em privilegiarem as ações administrativas de caráter
desconcentrador, uma vez que, a descontração objetiva o asseguramento da eficiência do
poder central e reflete um movimento descendente (de cima para baixo), enquanto que, por
sua vez, a descentralização, gera um deslocamento ao fortalecer o poder local e, neste sentido,
realiza um movimento ascendente (de baixo para cima).
A descentralização neoliberal não tem por objetivo tornar democrática a ação
pública e, sim, permitir a introdução de mecanismos gerenciais e incentivar os processos de
privatização para que fique a cargo das instâncias locais apenas a decisão de como financiar e
administrar os serviços. A descentralização decorrente da configuração neoliberal do Estado
esconde um engodo em relação ao qual devemos estar atentos, uma vez que
à primeira vista, ela sugere uma dimensão de democratização. Entretanto, é
preciso ficar atentos a essa conotação positiva da descentralização. Os
mecanismos da ação governamental nem sempre são estimuladores de
democratização, funcionando, muitas vezes, apenas como uma forma mais
produtiva de controle do gasto público (CABRAL NETO, 2000, p. 35).
22
Herrera (2000, p. 263), tendo presente o contexto latino-americano, explica que a dificuldade de um efetivo
processo de descentralização também se encontra na própria história das nações deste Continente que, em sua
grande maioria, possuem escassos níveis de democratização e que, em muitos casos, o que acontece são
processos desconcentradores e não descentralizadores.
65
Consideramos também como importante mencionar que a descentralização
neoliberal favorece a acumulação de poder para as instâncias centrais na medida em que
ficam reservados a estes espaços a competência da concepção e elaboração das políticas
públicas e para as instâncias periféricas nada mais resta senão a execução do que foi pensado
e elaborado no topo da pirâmide do sistema.
No que diz respeito às políticas públicas, historicamente, o Estado capitalista
tem assumido a tarefa de planejá-las e executá-las. Desta forma, através destas mesmas
políticas, dá-se, pois, a materialização e visibilização do poder estatal. Como afirma Oliveira
(2000, p. 94), as políticas públicas podem ser definidas como sendo “o Estado em ação”.
Concordando com a análise de Boneti (2003, p. 15), também podemos afirmar que, mesmo
nascendo no contexto social, estas políticas devem ser vistas como tendo passagem pela
esfera estatal e, assim, expressam uma “decisão de intervenção pública numa realidade, quer
seja ela econômica ou social”.
Na perspectiva do Estado neoliberal, as políticas públicas visam a atingir duas
grandes finalidades: (i) assegurar as condições para a reprodução ampliada do capital e da
força de trabalho e (ii) obter legitimidade para que o Estado continue aparecendo como
"representante de todos", ao mesmo tempo em que a primeira finalidade é assegurada.
Entrementes, as políticas públicas também expressam a materialização do
caráter ambivalente do Estado quando este,
por um lado, dispõe de medidas imediatas às manifestações sociais mais
patentes e, por outro, tenta compatibilizar o atendimento das demandas com
uma política de contenção dos gastos públicos sem, contudo, abrir mão da
direção do processo de mudanças (Id., p. 95).
Ainda que com os condicionamentos e controles ideológicos acima apontados,
entendemos que, mesmo expressando um projeto de determinado grupo ou classe social, as
políticas públicas refletem a dimensão de arena de confrontos existentes no Estado e elas
mesmas se apresentam como caixa de ressonância das tensões, contradições, acordos,
desacordos políticos da sociedade civil.
No complexo campo das políticas públicas do Estado, as chamadas políticas
sociais, que se constituem no “conjunto de medidas e instituições que têm por objeto o bem
estar e os serviços sociais” (LAURELL, 1997, p. 153), também encerram o caráter
contraditório do jogo das forças do poder na medida em que, por um lado, estão situadas no
campo das estratégias de consolidação de um modelo de Estado capitalista e, por outro lado,
66
elas representam a capacidade das classes sociais reivindicarem atendimento aos seus anseios
e necessidades, para que possam ser inseridas na pauta de respostas do poder público.
A respeito desse caráter contraditório das políticas sociais, com Romão (2000,
p. 210), podemos afirmar que, por um lado, sob a perspectiva das classes dominantes, elas
funcionam como concessão ou doação aos que são incapazes de se proverem pelo próprio
talento, esforço ou sorte, dos bens necessários à sobrevivência. Entretanto as políticas sociais
devem ser vistas por outros ângulos ou perspectivas. Nesta mesma linha podemos situar o
posicionamento de Bonetti (2000, p. 231) quando afirma que, também, no contexto neoliberal
e globalizado, é impossível pensar que as políticas públicas resultem apenas de uma
determinação jurídica e, ainda, de um Estado apenas a serviço de uma classe dominante. Para
este autor, é mister considerar o poder de força política dos outros segmentos sociais que não
pertencem à dita classe dominante. Em suma, no complexo processo de formulação e
implementação das políticas públicas, não se pode negar “a possibilidade do aparecimento de
uma dinâmica conflitiva, envolvendo uma correlação de forças entre interesses de diferentes
segmentos sociais ou classes” (Ibid.).
Na ótica da classe trabalhadora, as políticas sociais significam mecanismos de
redistribuição de riqueza e recuperação de direitos que lhes é subtraído, daí porque devem ser
reconhecidos e estimulados os esforços e as lutas empreendidas pela classe explorada para
participar da formulação de políticas sociais que atendam aos seus interesses e às suas
necessidades. Ainda que este entendimento signifique um avanço na compreensão das
políticas públicas, entendemos que seja necessário ir mais longe, ou seja, encará-las como
estando inseridas na intrincada, complexa e, por vezes, camuflada trama da luta de classes. É
o que podemos inferir a partir da compreensão de Marx quando, tomando como exemplo a
regulamentação da jornada de trabalho, apresenta as conquistas da classe trabalhadora não
como concessões beneméritas dos detentores do capital mas, sim, como “resultado de uma
longa guerra civil de longa duração, mais ou menos oculta, entre a classe capitalista e a classe
trabalhadora” (MARX, 1977, p. 340).
No Estado neoliberal, as políticas sociais são vistas como responsáveis pelas
crises que perpassam a sociedade e, por conta disso há um retraimento do Estado em promover
as atividades sociais que, por dever, lhe cabem (AZEVEDO, 1997, p. 12). Todavia, as
políticas sociais não podem ser desprezadas, dado o papel que exercem para equilibrar a
correlação de forças existentes na forma de organização capitalista e, por outro lado, estas
políticas
67
expressam a capacidade das forças sociais de transformar suas demandas em
questões políticas a serem inscritas na pauta das respostas governamentais às
necessidades sociais que canalizam” (RAICHELIS, 1998, p. 86).
Em consonância com os ditames neoliberais, muitas dessas políticas sociais
caracterizam-se por serem "compensatórias", uma vez que se destinam a reduzir os efeitos
negativos da dinâmica econômica (exclusão ou desigualdade social, miséria) e têm como
público-meta as pessoas não necessariamente inseridas no processo produtivo (crianças,
idosos, desempregados etc.). Esta dimensão compensatória está presente na concepção de
programas voltados para o atendimento de demandas de clientelas específicas, considerando o
impacto do benefício potencial “per capita” que tal atendimento poderá proporcionar
(VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2002, p. 58). Com esta configuração, que possui alvos bem
precisos e delimitados, as políticas sociais também passam a se caracterizar como ações
focalizadas constituindo-se numa substituição do acesso universal aos direitos sociais e aos
bens públicos por um acesso seletivo que permite o selecionamento dos receptores dos
benefícios sociais
23
.
Do ponto de vista ético, a perenização do caráter focalizante das políticas
sociais é algo passível de questionamento por favorecer um tipo de percepção incompleta por
parte dos beneficiários destas mesmas políticas, ou seja, os benefícios que lhe são prestados
passam a ser vistos mais como uma dádiva do que um direito que, por natureza, lhes compete.
Visto por outro ângulo, no caráter focalizador das políticas sociais neoliberais
há um outro sério problema na medida em que, atendendo à lógica da racionalidade fiscal
(EZCURRA, 1998, p. 103), ele mascara uma dramática realidade social ao reduzir o número
daqueles que são vistos como merecedores da assistência proporcionada pelo poder estatal o
que, por conseqüência, vai implicar na redução do gasto público social. Neste sentido, é
relevante acompanharmos, aqui, a observação feita por esta autora a respeito da existência de
diferentes medições utilizadas para definir “quem são pobres” e “quem não são pobres”
resultando, então, em dados e entendimentos bastante diferentes: no ano de 1990, por
exemplo, enquanto que, para o Banco Mundial, a incidência de pobreza na América Latina e
no Caribe era de 25,2%, para a CEPAL o índice era de 45,9%, e para o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) os pobres nesta região chegava a 61,8%. Como
podemos verificar, entre a avaliação do Banco Mundial e a da CEPAL há uma diferença de
23
De acordo com o entendimento de Draibe (1993, p. 97), a tese central da focalização, ou seja, a seletividade
dos que são escolhidos por apresentarem maior necessidade e mais urgência, é justificada na idéia friedminiana
de que, no setor social, o Estado deve entrar apenas de forma residual e, ainda, na idéia de que, em geral, os mais
necessitados não são, em principio, os que efetivamente se beneficiam do gasto social.
68
20,7% no número de pobres; entre a avaliação do Banco Mundial e o PNUD a diferença
aumenta para 36,6%. Como, então, considerarmos benéficas as políticas sociais que, de
formas desencontradas, visam apenas a atender os “deserdados da sorte”?
Em vista da superação do caráter com que as políticas sociais neoliberais são
revestidas, faz-se necessário que sejam formuladas estratégias políticas que articulem medidas
econômicas com um efetivo projeto de desenvolvimento, concentrado no ataque às
desigualdades sociais por meio de políticas de emprego e de renda para que, assim, seja
garantido um efetivo combate aos problemas relacionados à fome e à pobreza. Em outras
palavras, postulamos que seja dado um passo a mais no processo de definição das políticas
sociais, pois, elas não podem restringir-se a medidas ou estratégias curativas. Ao contrário,
deveriam ser preventivas no sentido de irem às raízes dos problemas que assolam as camadas
sociais que, então, ficam a mercê do amparo de tais políticas. Somente nesta perspectiva é que
se pode vislumbrar a possibilidade de um caráter emancipatório das políticas sociais.
A respeito das políticas sociais, podemos apreender que o mesmo pode ser
aplicado em relação à política educacional, sobretudo no que diz respeito à diminuição da
intervenção do Estado na educação pública, o que contraria o histórico dado de o Estado
moderno ter assumido como sua a tarefa da promoção da educação pública – noção de dever –
através da expansão e manutenção da educação escolar, de forma universal e,
conseqüentemente, gratuita. Na perspectiva neoliberal, a partir da qual se dá uma redução do
poder estatal na educação temos, de imediato, o favorecimento do surgimento de um mercado
e/ou de mecanismos mercantis sob os quais a educação passa a ser oferecida. Neste caso, dada
a dimensão intrinsecamente privatista do mercado, em muito fica comprometida a
possibilidade da democratização da educação, uma vez que o acesso ao mercado está em razão
diretamente proporcional ao poder aquisitivo dos que necessitam dos “produtos” que ele
disponibiliza. Além do mais, “a educação é um bem público comum que se deve decidir em
um debate democrático aberto entre pessoas e grupos, que são algo mais que compradores e
vendedores de serviços” (SACRISTÁN, 1999, p. 262), o que é algo impensável acontecer no
mercado.
2.4 A IMPLEMENTAÇÃO E OS EFEITOS DO NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA
LATINA
Na América Latina, o Chile foi o país que, na década de 1970, sob o regime
ditatorial do general Augusto Pinochet, serviu de campo experimental para a implementação
69
do neoliberalismo. De modo mais preciso, isso ocorreu no ano de 1975, quando Pinochet
confiou a condução da política econômica do país a um grupo de jovens economistas da
Escola de Economia da Universidade Católica Chilena, sob a liderança de Sérgio de Castro,
que haviam sido formados em Chicago. Este grupo elaborou um programa econômico que foi
implementado no decorrer da ditadura imposta pelo general Pinochet. Estavam assim, abertas
as portas para a aplicação no continente latino-americano de um chamado programa de ajuste
estrutural que, entre outras medidas, consistia na diminuição do déficit fiscal em vista da
redução do gasto público, na aplicação de uma política monetária restritiva para assim serem
combatidos os altos índices inflacionários que envolviam quase todas as economias dos países
desta região e, ainda, na liberalização comercial e financeira.
Depois do Chile, o neoliberalismo também foi implementado na Bolívia a
partir de um programa econômico preparado por Jeffrey Sachs, em 1985. Posteriormente,
seguiu-se o México, em 1988, na presidência de Carlos Salinas de Gortari; a Argentina, em
1989, a partir da presidência de Carlos Menem; neste mesmo ano, a Venezuela quando Carlos
Andrés Perez iniciou um segundo mandato presidencial e o Peru, no ano de 1990, com a
ascenção de Alberto Fujimori à presidência da República.
Analisando o entusiasmo dos governos da América Latina ao implementarem o
Estado neoliberal em seus países, Comblin (2001, p. 52 et seq.), diz que tal euforia deve ser
compreendida à luz das características peculiares da história latino-americana, da sua cultura e
da sua estrutura social. Estas características podem ser sintetizadas na existência de uma
cultura de dependência, largamente fomentada pelas elites deste Continente. Ainda para este
autor, diante da defasagem entre os desejos pelo consumo de bens e serviços que atendessem
às suas necessidades e a capacidade da produção regional, as elites latino-americanas
adotaram o caminho do apelo às multinacionais para importarem bens e tecnologias e, assim,
facilitaram a transposição da ideologia neoliberal que, na década de 1980, estava sendo
exitosa na Inglaterra e nos Estados Unidos. Desta maneira,
a ideologia neoliberal (...) foi recebida como o mais novo dos produtos
culturais, a última moda do Primeiro Mundo. Não receber esta última
ideologia seria como vestir-se na moda do ano passado. Antes de ser objeto
de estudo e reflexão, o neoliberalismo foi acolhido como a novidade do
Primeiro Mundo, aquilo que não se pode perder, a última receita da
felicidade. Quiseram aplicá-la tal qual muito mais perfeitamente do que nos
países de origem (...). Aplicaram-na sem discernimento, tomando
literalmente todos os seus preceitos. Queriam ser os alunos perfeitos que
aprenderam integralmente a lição dos mestres (COMBLIN, 2001, p. 54).
70
É evidente que essa análise não esgota toda a compreensão sobre a adoção do
ideário neoliberal no sub-continente latino-americano. Há, também, o assentimento que as
massas populares deram às propostas neoliberais em virtude do desencanto que elas tiveram
em relação ao Estado de bem-estar praticamente inexistente no Continente, bem como pelo
temor gerado pela fragilidade das economias nacionais. Não devemos esquecer que, para o
acolhimento das propostas neoliberais, também em muito contribuiu o poder de persuasão da
mídia, tão bem explorado para fazer valer a idéia de que o neoliberalismo se constituía na
alternativa que viria a resultar em benefícios para todos, inclusive para a classe trabalhadora.
Um decisivo passo na consolidação do projeto neoliberal, na América Latina,
ocorreu em novembro de 1989, quando em Washington, o Institute for International
Economics
24
promoveu um encontro do qual resultou um relatório intitulado “Latin American
Adjustment: How Much has Happened? (Ajuste latino-americano. Quanto foi realizado?). À
convocação feita por este Instituto compareceram diversos economistas latino-americanos de
perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), bem como do governo norte-americano
para avaliarem as reformas econômicas em curso na América Latina.
Naquele evento foi constatado que, enquanto quase todas as nações centrais do
capitalismo já haviam aderido ao modelo neoliberal, havia países da periferia do sistema que,
mesmo detendo um certo peso econômico, ainda estavam de fora da roda neoliberal. De
passagem, seja dito que o peso econômico da periferia do sistema capitalista consistia apenas
em ser vista como um potencial mercado consumidor, bem como por possuir matéria-prima e
mão-de-obra a serem compradas a baixo custo. Para possibilitar uma convergência mundial às
novas idéias e programas econômicos, foi elaborado um plano de medidas de ajuste das
economias periféricas a ser implantado em mais de 60 países. Este plano, sob a chancela do
governo dos Estados Unidos, juntamente com o FMI, o Banco Mundial e o BID, passou a ser
conhecido pelo nome de “Consenso de Washington”. A pauta do programa de reajuste e
estabilização do Consenso de Washington constava de dez tipos de reformas específicas, a
saber: disciplina fiscal; redefinição das prioridades do gasto público; reforma tributária;
liberalização do setor financeiro; manutenção de taxas de câmbio competitivas; liberalização
comercial; atração das aplicações de capital estrangeiro; privatização de empresas estatais;
24
O Institute for International Economics foi fundado no ano de 1981 pelo German Marshall Fund of the United
States, um dos vários fundos e comissões norte-americanas, de natureza privada, que estimulam e investem em
estudos, discussões e pesquisas sobre análise econômica e economia internacional e, em especial sobre a
América Latina (MELO, 2004, p. 111).
71
desregulação da economia; proteção de direitos autorais”
25
. Em todo caso, com Imen (2005, p.
40), convém assinalar que
de todos estos mandatos, assistimos a cumplimientos parciales,
cumplimientos que ocurren en favor del capital y en detrimentos de los
sectores mayoritarios. Este recetario, cabe agregar, fue diseñado y propuesto
para los paises subordinados, no para los paises desarrollados.
Especificamente para o setor educacional, a redefinição das prioridades do
gasto público dizia respeito à estimulação de “políticas de educação (...) seletivas para as
massas, para os que estão em desvantagem” (MELO, 2004, p. 117).
Ainda que as medidas de caráter econômico tenham tido prevalência no
Consenso de Washington, não podemos perder de vista a existência de um viés também
político na formulação deste consenso uma vez que a sua execução necessitou de aliança com
as forças políticas e os governos dos países (notadamente, os governos de caráter
conservador) nos quais as medidas de ajuste foram aplicadas.
Com o Consenso de Washington, as idéias neoliberais foram fortalecidas de
forma globalizada ao contemplar a reestruturação produtiva, promover a privatização em
níveis cada vez mais acelerados, enxugar o Estado, estabelecer políticas fiscais e monetárias
sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital como o Fundo Monetário
Internacional (ANTUNES, 2002, p. 40).
Refletindo sobre a especificidade do neoliberalismo na América Latina e
compartilhando da opinião de Sader (1999, p. 22), lembramos que sua adoção foi
acompanhada de um concentrado combate à inflação (por sinal, um fenômeno de longa data
neste sub-continente) em decorrência do entendimento (aliado às prescrições do FMI e do
Banco Mundial) de que os gastos estatais seriam a principal causa da inflação, vista como
impedimento à retomada do crescimento e à modernização. Diante deste diagnóstico, os
governos nacionais da América Latina associaram o combate à inflação com a diminuição dos
gastos estatais, sobretudo no setor social. Endossando a análise de Fiori (1977, p. 217 et seq.),
também seja recordado que, por ocasião da negociação da dívida externa dos países latino-
americanos, os governos destas nações eram obrigados a adotar as políticas e reformas
econômicas de corte neoliberal solidificando-se, assim, os caminhos econômicos e políticos
25
Mesmo reconhecendo que o Consenso de Washington originariamente diz respeito às políticas de ajuste
econômico, Gentili (1998, p. 16) identifica a existência de um “Consenso de Washington na educação latino-
americana” “que poderia ser definido como a forma neoliberal de pensar e delinear a reforma educacional na
América Latina dos anos noventa”.
72
através dos quais foi feito o processo de implementação do neoliberalismo nesta porção
continental.
Considerando que a América Latina, a começar pelo Chile, foi o primeiro
continente no mundo a adotar o neoliberalismo, é importante destacar que a sua
implementação veio marcada pelo signo da contradição uma vez que, enquanto por um lado
induzia os diferentes países a adotarem a liberalização comercial, como um remédio salutar
para a saída rumo ao crescimento econômico, por outro lado, os países centrais utilizaram um
forte esquema protecionista do qual resultou uma distribuição desigual dos frutos do
progresso técnico e dos custos sociais das políticas de ajuste e reestruturação. Desta maneira,
os custos sociais gerados pela implementação do neoliberalismo foram e têm sido pagos,
primordialmente, pela classe laboral dos países periféricos reproduzindo-se, assim, a dinâmica
da exploração capitalista que é feita sobre os que, para terem garantida a sobrevivência, são
obrigados a vender sua força de trabalho.
Reafirmando a contradição acima apontada, relembramos que a política
neoliberal não produz efeitos idênticos em todos os países ou regiões. Se, por um lado, o
neoliberalismo tentou restringir ou suprimir os direitos sociais tanto nos países centrais como
nos países que integram a periferia do capitalismo, por outro lado, há uma diferença: por
conta da existência de um sistema de proteção social menos desenvolvido, as diretrizes
políticas fundadas no neoliberalismo puderam avançar muito mais nos países que compõem a
periferia do capitalismo do que nos países que fazem parte do núcleo central deste modo
produtivo.
Na América Latina, que do ponto de vista produtivo, historicamente, foi uma
região assentada num projeto de desenvolvimento dependente, concentrador e excludente, a
implantação do neoliberalismo serviu para enquadrar as economias nacionais
subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento às novas exigências do capitalismo e,
conseqüentemente, serviu para ampliar a exploração financeira nesta região, o que estava em
conformidade com a condição periférica que ocupa no sistema capitalista. O propalado
discurso da inserção das economias dos países periféricos no sistema capitalista global serviu
para, na verdade, escamotear a exploração capitalista. Em outras palavras, podemos analisar a
dinâmica da inserção capitalista como sendo algo que os países periféricos nada podem
apresentar de próprio a não ser a sujeição às normas e determinações oriundas do poder
central capitalista e, ainda, deixar que o capital privado internacional, por meio das suas
empresas, tenha livre trânsito nas economias destes mesmos países periféricos.
73
Integrando um panorama mais amplo – o da nova divisão internacional do
trabalho a partir da qual cabe a esta região a função de fornecer matérias-primas para as
economias do centro do capitalismo e ser mercado de desaguamento dos produtos
manufaturados nos países economicamente avançados – a implementação do neoliberalismo
na América Latina resultou de um “agravamento do movimento geral de concentração de
riqueza e da propriedade” (BOITO JR., 1999, p. 41) que já vinha ocorrendo desde períodos
anteriores e, por outro lado, “inaugurou um amplo processo de transferência de renda e de
propriedade do setor público para o setor privado” (ibid., 42)
26
.
Fazendo uma breve incursão sobre a educação na América Latina no contexto
neoliberal constatamos o desencadeamento de uma série de reformas nos sistemas
educacionais nacionais que, de acordo com a análise de Casassus (2001, p. 13), tiveram os
seguintes objetivos: (i) situar a educação e o conhecimento no centro da estratégia de
desenvolvimento por sua contribuição tanto no aspecto econômico como no social, (ii) iniciar
uma nova etapa de desenvolvimento educacional mediante mudanças na gestão e (iii) buscar a
melhora dos níveis de qualidade de aprendizado por meio de ações no nível macro e micro.
Neste segundo nível a escola passou a ser vista como tendo um lugar de centralidade no
sistema e, conseqüentemente, foi dada ênfase à gestão escolar e a implantação de graus de
autonomia para a escola. Todavia, considerando-se a análise feita por Gentili et all, a
implementação dessas reformas causaram fortes impactos nos sistemas educacionais dos
países latino-americanos quase sempre desestruturando estes mesmos sistemas. Como
afirmam estes autores:
en casí todos los paises de la región, se llevaron adelantes intensos
programas de reformas de los sistemas escolares, a la vez que se redefinían
las incumbências políticas, fiscales y administrativas del Estado en matéria
educativa. La desvinculación del Estado nacional de las responsabilidades de
financiamiento y gestión de los estabelecimientos escolares, avalada por los
principios de la “calidad, equidad y eficiência”, introdujeron modificaciones
radicales que interpelaron directamente a las instituciones educativas y a los
distintos atores involucrados (GENTILI et al., 2005, p. 121).
As reformas educacionais pensadas para a América Latinas nestas duas últimas
décadas, utilizaram como princípio a descentralização, vista como uma solução para serem
resolvidos os problemas de qualidade do ensino, existentes em quase todos os sistemas
educacionais subnacionais. Este mecanismo, de acordo com a análise de Souza (2003, p. 19),
tornou-se uma espécie de padrão que uniformizou as reformas educacionais que ocorreram ao
26
Ilustrando a ocorrência desse processo no setor industrial latino-americano, Boito Júnior. (1999, p. 41)
discorre sobre a existência dos fenômenos de desindustrialização e de desnacionalização os quais convergiram
74
longo destas últimas décadas nos países latino-americanos e caribenhos. Todavia, em
consonância com a perspectiva neoliberal, tal descentralização quase sempre configurou-se,
na verdade, em desconcentração, algo que vemos como muito parecido com a centralização
uma vez que, em ambos processos ocorre apenas a delegação de tarefas e, por outro lado, o
poder (no sentido de efetivamente serem tomadas decisões) não é repartido entre as unidades
do subsistema. No contexto destas reformas, calcadas na descentralização, a autonomia da
escola foi apontada como uma estratégia a ser implementada, também em vista da otimização
dos sistemas educacionais para que estes apresentassem melhores resultados, em termos de
eficiência e produtividade para, em última análise, a educação escolar ser adequada às
exigências postas pelo novo contexto produtivo.
Sobre os efeitos causados pelo direcionamento neoliberal aos sistemas
educacionais dos países latino-americanos e caribenhos, a análise da Reunião Paralela da
Sociedade Civil no encontro do Grupo de Alto Nível da Educação Para todos (GAN/EPT)
27
,
contida em seu documento final é bastante preocupante quando aponta a educação neste
continente como sendo um direito que se encontra em risco uma vez que
os sistemas educativos enfrentam inúmeras dificuldades para dar respostas
efetivas às demandas de uma sociedade cada vez mais complexa e desigual,
não garantindo o acesso devido às diferentes etapas e modalidades da
educação nem a permanência e o direito à aprendizagem para a gigantesca
maioria de alunos e alunas, sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos.
Apesar dos avanços em relação à educação primária nas últimas décadas, na
América Latina persistem graves problemas de acesso ao conjunto da
educação pública, especialmente na educação infantil, nos ensinos médio e
superior, bem como na educação de jovens e adultos. Além disso, a baixa
qualidade da educação reproduz as inequidades e aprofunda a exclusão
social, política, econômica e cultural no Continente, afetando de forma
perversa as populações mais marginalizadas. Além do mais, os indicadores
hoje assumidos pelos organismos internacionais não aferem os graves
problemas da educação no Continente, limitando-se às questões de acesso e
não captando permanência nem sucesso (REUNIÃO... 2006, p. 6).
Tomando-se por base os estudos do CONADU (1994), de Fuentes (1994),
Feijóo (1997), Arellano (1997), Cohn (1997), Tetelboin (1997), Toledo (1997) e outros
autores a respeito dos impactos provocados pela implementação do projeto neoliberal em
diferentes países latino-americanos e, de modo especial, sobre os setores econômico,
para um gradativo controle do capital estrangeiro sobre PIB industrial da região.
27
O CAN (em inglês, HLG, High Level Grioup) é uma instância internacional destinada ao monitoramento das
metas internacionais pactuadas nas conferências mundiais de educação de Jomtien e Dakar. Por sua vez, a
Reunião Paralela está inserida no amplo movimento internacional pelo direito à educação e foi coordenada pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Além de procurar influenciar a reunião do CAN/EPT, sua
realização também objetivou a discussão de diferenças e pontos comuns nos vários caminhos que estão sendo
percorridos, no mundo inteiro, pelo direito à educação.
75
educacional, saúde, trabalhista e previdenciário, podemos identificar que tal processo foi
danoso para as já empobrecidas populações deste continente agravando-se, assim, o já
histórico fenômeno da desigualdade social latino-americano. Neste sentido, Soares (2000, p
49) afirma que
a maioria dos países latino-americanos sofreu retrocesso muito pronunciado
em matéria de equidade durante a chamada crise dos anos 80 e os posteriores
processos de ajuste estrutural, de modo que no início dos anos 90 sua
distribuição de renda era ainda mais concentrada que no final dos anos 70
(....). O aumento da desigualdade torna-se mais disruptivo do nosso ponto de
vista social quando, ao mesmo tempo, se expande a capacidade de consumo
dos estratos mais altos da população e se reduz a dos mais baixos,
especialmente quando os recursos destes últimos já eram insuficientes para
adquirir bens de consumo básicos.
Tomando-se como exemplo uma das unidades nacionais – a mexicana – que
mais seguiram à risca as orientações políticas e econômicas do neoliberalismo, a ponto de
poder ser considerado como um caso paradigmático, tanto por conta do sucesso das políticas
econômicas ali realizadas como, por outro lado, devido ao fracasso dessas mesmas políticas
(DRUCK, 1999, p. 20 et seq.), podemos ver que, neste específico caso, este país
cortou gastos públicos, promoveu um profundo processo de privatização,
abriu sua economia às importações e ao capital estrangeiro, tendo como
resultado um fluxo intenso de recursos externos e o retorno de taxas de
crescimento positivas que pareciam confirmar o sucesso das políticas, apesar
da intensificação da pobreza. Mas a vulnerabilidade do modelo se mostrou
rapidamente com o crescimento acelerado dos déficits comerciais, a redução
das reservas e a brusca fuga de capitais do país no final de 1994 (SOARES,
1996, p. 25).
Utilizando-nos de dados mais recentes (Dupas, 2005, p. 65 et seq.), estes
apontam que, no período de 1994 a 2004, praticamente todos os indicadores sociais pioraram
no México. Se por um lado, houve um acréscimo de 500 mil postos de trabalho no setor
manufatureiro, por outro lado, na agropecuária (setor no qual trabalha quase um quinto da
população mexicana), houve perda de 1.300.000 empregos. Ainda: tem aumentado a
imigração clandestina de mexicanos para os Estados Unidos a ponto de o número de 700.000
imigrantes, em 1994, ter aumentado para 1.300.000 no ano de 2001. Há uma estimativa de
quase 5 milhões de mexicanos vivendo na ilegalidade na terra do “Tio Sam
28
.
28
Comentando o desastre ocorrido na economia mexicana, em dezembro de 1994, no qual a Bolsa de Valores
deste país teve uma perda estimada de 70 bilhões de dólares no valor das ações das corporações mexicanas, Gray
(1999, p. 35), analisa que, mais do que um colapso na moeda e na economia daquela nação, a crise foi, na
verdade, de todo um modelo de desenvolvimento econômico, pois, antes da desvalorização, a experiência
mexicana era apontada como um modelo a ser copiado pelos demais países em desenvolvimento.
76
Fazendo uma avaliação a respeito dos efeitos do neoliberalismo na América
Latina, o sociólogo chileno Jaques Chonokol, observa que
el crescímiento econômico no se ve por ningún lado. Entre 1990 y 1999 la
tasa promedio de crescimento de la economía fue para la región de 3,2%,
inferior aun a la tasa histórica de crescímiento de los anos 1945-80 que fue
de 5,5%. En el ano 2000 se observa una cierta recuperación de esta tasa
alcanzando a 4,1% y en 2001 cae a apenas un 0,5%. Para el 2002 los
pronósticos de CEPAL señalan una tasa de crescímiento del 1,1%, tasa muy
poco alentadora. Durante los anos 2001-2002, América Latina experimenta
la tercera desaceleración fuerte de su actividad productiva en menos de una
década, gracias a su mayor integración a la economía capitalista globalizada
(CHONOKOL, 2002, p. 4).
Complementando esse sombrio quadro da realidade latino-americana
desenhado a partir da condução neoliberal das suas economias e das suas políticas, observe-se
que este subcontinente herdou, da década de 1990, o record de ser a região mais desigual do
mundo e assim chegou ao segundo ano do século XXI com os seguintes dados (LEFCOVIC,
2002, p. A 14): 21% da população Argentina, em meio a uma caótica crise política e social,
estava desempregada e o PIB deste país decresceu 11%; na Bolívia, seis em cada dez pessoas
viviam na pobreza; a Colômbia detinha o segundo maior índice de desemprego na região –
16% da população; no Equador, devido às condições sócio-econômicas do país, 300 mil
pessoas haviam emigrado nos últimos três anos; no Peru, cerca de 55% da população vivia
com menos de U$ 2 ao dia; no ano de 2002, o sistema financeiro uruguaio foi fortemente
abalado e o governo teve que tomar várias medidas, inclusive feriado bancário, para evitar
evasão fiscal e 16,4% da população uruguaia encontrava-se abaixo da linha de pobreza; o PIB
da Venezuela decresceu 7% no ano de 2002 e quase 10 dos 24 milhões de venezuelanos
estavam abaixo da linha de pobreza e em nosso País, entre 1995 a 2002, o desemprego
cresceu 155%.
Baseando-se em dados do Relatório da CEPAL, do ano de 2002, o editorial do
Diário de Pernambuco, datado de 18/01/03, colocava o Chile e o México como sendo os dois
países que haviam escapado das circunstâncias desfavoráveis que tornaram 2002 um ano
ingrato para os países desta região, porém, logo em seguida, o editor lembrava que “mesmo
em países que puderam ostentar o confortável cenário da estabilidade financeira e econômica
– Chile e México -, o desemprego foi elevado, burlando as melhores expectativas”
(AMÉRICA.., 2003, A2).
Em editorial posterior (25/04/04), esse mesmo periódico voltava a questionar a
realidade latino-americana e considerava como preocupante a ameaça que reinava (reina,
77
dizemos nós!) sobre a democracia na região diante dos resultados de uma pesquisa realizada
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Nesta pesquisa, 55%
dos 18.643 entrevistados haviam declarado que apoiariam governos de força em seus países
se eles melhorassem a economia nacional (DEMOCRACIA..., 2004, p. A2). Vale
salientarmos que, dos 18 países latino-americanos e caribenhos aos quais os entrevistados
pertenciam, 15 deles haviam experimentado as amarguras das ditaduras que reinaram na
região ao longo das décadas de 1970 a 1980. E que realidade econômica os entrevistados
queriam que fosse melhorada? A esta indagação assim responde este mesmo editorial:
Em 1990, a América Latina abrigava 190 milhões de miseráveis. Em 2001,
o numero chegou aos 209 milhões. Dois anos mais tarde, subiu para 225
milhões. Os desníveis de renda também se agravaram. Há sete anos, os 20%
dos cidadãos mais ricos abocanhavam 55% da riqueza regional. Os 20%
mais pobres sobreviviam com miseráveis 4,8%. Mais: nos últimos quinze
anos, aumentaram o desemprego e a informalidade. A população jovem é a
maior vítima da falta de perspectiva que se espalha da Patagônia ao Rio
Grande (Ibid.)
Todos esses dados e outros mais, que colocam em xeque o receituário
neoliberal, certamente foram levados em consideração por John Williamson para reconhecer,
ainda que tardiamente, “o que ficou conhecido como Consenso de Washington falhou!”
29
(o grifo é nosso).
Fazendo um indagação a respeito do estado do neoliberalismo na região latino-
americana e caribenha, Leyton (2006), por ocasião da IV Conferencia Latino-americana y
Caribena de Ciencias Sociales (Rio de Janeiro, 20 a 25 de agosto de 2006), analisava que se,
por um lado, se podia afirmar que o neoliberalismo não gozava de boa saúde na região,
todavia, por outro lado, não se podia considerá-lo como um enfermo em estado terminal uma
vez que não está sendo substituído por um modelo de desenvolvimento capitalista alternativo,
liderado por outras frações do capital e, ainda, por conta do capitalismo regional continuar sob
o controle do capital financeiro e mercantil internacional. Considerando as especificidades da
implementação do neoliberalismo na América Latina, este autor apresenta três diferentes tipos
de situações, a saber; (i) sociedades neoliberais triunfantes (casos do Chile, Brasil, Argentina,
Uruguai, México e Peru (ii) sociedades neoliberais precárias (casos do Equador, Paraguai,
29
Afirmação feita pelo próprio John Williamson em entrevista dada à Revista Veja (cf. Páginas Amarelas –
VEJA, 06/11/02).
78
Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras e Costa Rica) e (iii) sociedades liberadas do
neoliberalismo (casos da Venezuela e Bolívia)
30
.
2.5 - A IMPLEMENTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL E A
CONFIGURAÇÃO NEOLIBERAL DO ESTADO BRASILEIRO
Entendendo que qualquer tentativa de análise sobre o processo de implantação
do Estado neoliberal em nosso país deva ter como um dos seus principais pressupostos a
compreensão de que, no conjunto do sistema produtivo capitalista, o Brasil ocupa uma
posição periférica, iniciamos esta secção lembrando que também são válidas para o nosso país
a observação que, a este respeito, fizemos na seção anterior, ou seja: no subcontinente latino-
americano, o projeto neoliberal serviu para enquadrar as economias desta região às novas
exigências da mundialização do capital. Neste sentido, convém recordarmos que,
historicamente, o desenvolvimento econômico brasileiro foi regulado por determinações
externas, ou seja, pelos países centrais do sistema capitalista. Com isto, podemos considerar o
atual processo de inserção do nosso país na economia globalizada como uma atualização
dessa histórica submissão.
Ainda que, na América Latina, o neoliberalismo tenha sido implantado desde a
década de 1970, em nosso país sua chegada ocorreu duas décadas após. Dentre outros fatores
que contribuíram para este adiamento, podemos destacar o posicionamento da sociedade civil,
sobretudo na década de 1980, que, por meio dos seus movimentos e organizações sociais,
apresentou uma expressiva capacidade de mobilização e de resistência em relação às
propostas neoliberais.
Entretanto, no final da década de 1980 e início da década seguinte, houve
diminuição da capacidade de organização da sociedade civil e dos seus movimentos sociais, o
que possibilitou um enfraquecimento da resistência em relação ao neoliberalismo. Ademais,
nesse mesmo período, resultante da conjugação das novas investidas do capital internacional e
o poder de força das elites nacionais, aconteceu a vitória da candidatura de Fernando Collor
30
Como explicado por Leyton (2006), há uma subdivisão no chamado tipo de sociedades neoliberais triunfantes:
aquelas sociedades nas quais o neoliberalismo é dominante e hegemônico (Chile e, talvez, Colombia) e as
sociedades nas quais o neoliberalismo só é dominante (os demais países acima citados neste tipo). As sociedades
neoliberais precárias são constituídas por aqueles países nos qual o neoliberalismo cuja realização se encontra
em um estado de crise. Por sua vez, as sociedades liberadas do neoliberalismo se caracterizam como estando em
79
de Melo à presidência do Brasil e em seu governo foi intensificado o processo de inserção do
Brasil na nova ordem internacional com a conseqüente abertura do mercado nacional aos
produtos internacionais, incentivo à privatização das empresas estatais e defesa da reforma do
Estado. Também sob este governo, intensificou-se a ingerência de organismos internacionais
(sobretudo do Banco Mundial e da UNESCO) no encaminhamento das políticas educacionais
e foi aberto o caminho para a reforma da Constituição de 1988 que, desde o governo anterior,
já vinha sendo responsabilizada pela ingovernabilidade do país.
31
Destarte, ao mesmo tempo
em que deu início à reorganização do Estado brasileiro, o governo Collor responsabilizou o
Estado pelos problemas do país e, ainda, considerou as reivindicações dos direitos
econômicos e sociais como sendo contrários aos interesses gerais da sociedade. Assim, em
meio aos acontecimentos e situações, ora mencionadas, começaram a se criar as condições
para que (sobretudo no mandato presidencial seguinte) fosse desencadeado um processo no
qual ocorreu um intenso processo de reformulação do papel e atuação do Estado brasileiro em
vários e importantes setores da vida nacional.
Estando desenhado, com maior nitidez, o cenário da globalização, o presidente
Collor buscou inserir o Brasil na nova conjuntura de economia globalizada resultando numa
profunda crise recessiva para o nosso país fazendo aumentar, de maneira extremamente
rápida, os níveis de desemprego. Ainda: com suas políticas econômicas, este presidente
forçou as empresas a acelerarem seus processos de reestruturação produtiva (LEITE, 1997, p.
17) e atendeu às pressões do capitalismo financeiro internacional para a adoção da política de
liberalização comercial sem a qual o país ficaria desvinculado do já posto fenômeno da
mundialização do capital, tido como algo irreversível e inquestionável. Para ilustrar o quanto
a integração neoliberal trouxe repercussões negativas para a economia nacional, podemos nos
utilizar do registro de Santos (2004, p. 427) quando mostra que, no final da década de 1990, a
participação nacional no comércio mundial diminuiu de 1,2% para 0,8%, de modo que “a
política de abertura irresponsável, em vez de globalizar-nos, como nos prometia, só conseguiu
nos desglobalizar” (Ibid.).
Com a deposição de Fernando Collor, ocorrida no dia 20 de dezembro de 1992,
a economia brasileira continuou a ser atrelada ao cenário neoliberal através dos governos que
processo de substituição por um novo modelo social, econômico e político. Neste mesmo trabalho de Leyton, o
leitor poderá encontrar maiores detalhamentos a respeito destes três estados do neoliberalismo latino-americano.
31
Para o então presidente José Sarney era preciso a realização de mudanças constitucionais para que pudessem
ser atendidos os direitos sociais julgados justos, de modo que este governo insistia na necessidade de modificar a
Constituição para adequá-la a um Estado comprometido com o pagamento da dívida externa, enormemente
elevada com a crise do começo da década de 1980.
80
se seguiram (Itamar Franco
32
e Fernando Henrique Cardoso/FHC), resultando numa alteração
no padrão das relações entre o Estado brasileiro e o sistema financeiro internacional,
chegando a ponto de as contas públicas passarem a ser monitoradas pelo FMI. Tendo
transcorrido quase uma década de acentuação da submissão da economia brasileira ao capital
internacional, Conceição Tavares (TAVARES, 2000, p. 485) alertava para a situação de
impasse em que o país iria entrar quando dizia que a nossa inserção, no contexto da
globalização financeira, tornava-nos reféns de uma situação de endividamento externo que
não seria facilmente resolvida, dada a impossibilidade de que os credores, no caso, todos os
países do G-7, pudessem ser substituídos.
Mesmo com a intensificação da dependência da economia brasileira à
economia globalizada e a consolidação de um modelo societal de cunho neoliberal no governo
FHC, seja lembrado que tal processo foi realizado não sem dificuldades. Chegando ao Brasil,
o neoliberalismo teve de enfrentar um movimento operário e popular mais ativo e se deparou
com os partidos reformistas e revolucionários que, de certa maneira, obstacularizam a sua
implementação (BOITO JUNIOR., 1999, p. 85).
No primeiro mandato de FHC, de 1995 a 1998, foi elaborado um discurso e
executadas práticas econômicas e políticas que preconizavam a reforma do Estado que,
gradativamente, foram assumidas pelas unidades da federação. Do ponto de vista
institucional, esta reforma também pode ser considerada como uma das principais expressões
da intensificação do processo de reformulação do papel e atuação do Estado brasileiro.
Impelida pelos ditames do paradigma neoliberal que considerava como sendo
um processo urgente para ser realizado, a reforma do Estado brasileiro foi empreendida pelo
então criado Ministério da Administração e Reforma do Estado, tendo à frente deste órgão o
ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Todavia, vale destacarmos que, mais do que uma
necessidade interna do sistema estatal, aliado ao fenômeno da mundialização do capital, esta
reforma foi empreendida para atender às exigências e determinações externas, bem como para
atender a ditames de organizações supranacionais, sobretudo de caráter financeiro, tais como
o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Assim, esta reforma representou a
aplicação de uma terapia centrada na “drástica redução do tamanho do Estado, paralelamente
ao esforço para restaurar a primazia do livre mercado nas decisões relativas à alocação de
recursos” (DINIZ, 1997, p. 178). Enfatizando o que já dissemos há pouco, com esta reforma,
32
Em seu “mandato tampão”, o presidente Itamar Franco pareceu querer atenuar o processo iniciado pelo seu
antecessor de modo que, colocando-se em defesa do Estado Nacional e das empresas estatais, o seu governo
contribuiu para uma sensível diminuição no ritmo das privatizações (ARELARO, 2000, p. 98).
81
o governo FHC avançou no processo de inserção do Brasil à globalização da economia que
estava sendo configurada no cenário mundial.
Ao desconsiderar as opiniões e posicionamentos dos setores sociais que iriam
ser atingidos fazendo com que suas manifestações de descontentamento e de repúdio
parecessem soar no deserto
33
, a reforma do Estado preconizada pelo governo FHC foi
realizada de forma autoritária, a saber, sem um amplo debate com a sociedade. Salientamos
que, por ocasião do desencadeamento do processo da Reforma do Estado, o Brasil se
encontrava em avançado processo de consolidação da dimensão político-institucional da
democracia. Entretanto, o que se viu foi a edição de uma nova faceta do caráter autoritário das
elites que se apropriam do poder. Também apoiando-nos em Diniz (Id., p. 181 et seq.)
podemos dizer que, no afã de implantar a reforma do Estado, do presidente Collor ao
presidente Cardoso, o poder executivo central optou pela proliferação de decisões tomadas,
sem consulta e sem transparência, por um pequeno número de tecnocratas que se pautavam
apenas pelos critérios da eficiência e eficácia da ação estatal. Em outras palavras, a elaboração
e implementação da reforma do Estado no governo FHC foi marcada pela ausência de um
paradigma democrático, ou seja, sem um debate mais amplo envolvendo a sociedade e, mais
ainda, para desencadear um processo de democratização do próprio Estado. A respeito desse
paradigma, Fleury (2001, p. 19) diz que
esta orientación teórica para la reforma del Estado se encuentra menos
sistematizada y divulgada, pero reúne diferentes contribuciones voltadas a la
búsqueda de la transformación de la gestión pública a partir de la necessidad
de democratizar el próprio Estado y adecuar la función gerencial a una
realidad cada vez más compleja y cambiante.
O paradigma democrático possibilitaria que a reforma do Estado fosse mais
além de uma reforma do aparelho estatal, pois abarcaria a própria democratização do Estado e
desencadearia um processo de revisão na relação Estado-Sociedade, um tema ou assunto que
os neoliberais parecem considerar como intocável. Neste sentido, cumpre recordar que,
integrando o conjunto do processo de redemocratização, o tema da reforma do Estado também
fez parte da pauta dos setores progressistas da sociedade para que tornasse possível a
democratização dos processos decisórios que dizem respeito à vida da nação e, assim, ao
invés de se criminalizar o Estado (como os neoliberais fizeram), esta instituição política se
33
Estranhamente, um dos grandes mentores da Reforma do Estado, quando exerceu o cargo de Ministro da
Administração, Bresser Pereira participando do Seminário “Reforma do Estado e Sociedade”, realizado no
período de 16 a 18 de maio de 1998, em São Paulo, apresentava a tese de que a sociedade civil deve ser o
principal agente da mudança social e mais especificamente da reforma do Estado. (PEREIRA, 1999, p. 73).
82
fortalecesse “como ambiente democrático de mediação política, pactuação e integração
social” (NOGUEIRA, 2004, p. 49).
Na perspectiva progressista, a descentralização deveria fazer parte da agenda
da reforma do Estado desde que revestida de um caráter de redistribuição do poder que, em
última análise, diz respeito à participação da sociedade civil no processo de elaboração e
implementação das políticas públicas. A partir deste olhar, podemos constatar um desencontro
entre a proposta de reforma do Estado do governo FHC e o movimento encetado por setores
progressistas da sociedade brasileira.
Apresentada à sociedade como necessária para aquele momento, os ideólogos
da reforma do Estado prometeram a organização de um “Estado moderno” em substituição à
uma estrutura estatal burocrática e pesada, anteriormente vigente. Para este empreendimento,
diziam, era necessária a redução dos gastos sociais com as políticas públicas, a transferência
de atividades da esfera pública para a esfera privada e um reordenamento do aparelho estatal
com medidas desburocratizantes e descentralizadoras, introduzindo-se novas formas de gestão
nos serviços e novas formas de relações de trabalho, incluindo as que se estabelecem entre o
Estado e os trabalhadores da administração pública.
Ao invés da instalação da modernidade, prometida pelos ideólogos e artífices
da reforma do Estado, na verdade, o que houve foi apenas um processo de modernização.
Apoiando-nos em Marrach (2000, p. 44), afirmamos que a modernidade decorre de um
movimento espontâneo da sociedade, capaz de modificar o papel dos atores sociais e de
revitalizar a vida social, econômica, cultural e política dos indivíduos, grupos e classes sociais
enquanto que, por sua vez, a modernização “é uma reforma do alto, implementada por um
grupo ou classe dirigente que procura adequar a sociedade, vista como atrasada, ao modelo
dos países avançados. Tem um caráter voluntarista, uma certa dose de imposição” (Ibid.).
Seguindo a linha de pensamento desta mesma autora, entendemos que, assim como em outros
processos de modernização historicamente acontecidos na realidade brasileira (passagem de
Colônia a Império, abolição da escravatura, transição do Império à República), a
modernização neoliberal não tocou na estrutura piramidal da sociedade; ao contrário, ela
apenas ampliou sua verticalidade.
Visando dotá-lo de um caráter progressista, para ser mais facilmente aceito, o
modelo bresseriano de reforma do Estado foi apresentado como sendo uma proposta de
gerenciamento do Estado na perspectiva do cidadão, o que se constituiu numa tergiversação,
83
na medida em que “o indivíduo é visto menos como cidadão e mais como consumidor, como
cliente” (KALVAN, 1999, p. 8). Disto decorre uma compreensão do indivíduo apenas como
portador de necessidades a serem satisfeitas (pelo mercado) e não como detentor de direitos
sociais os quais o Estado é responsável por garantir o atendimento. Como nos lembra este
autor, o problema não está em satisfazer o cidadão enquanto consumidor, mas em torná-lo tão
somente isso, pois ao não se falar de direitos, mas em necessidades a serem satisfeitas, os
direitos cedem seu lugar para necessidades e a questão social passa a ser tomada, quando
muito, como matéria de filantropia e benemerência (Id., p. 10).
Seguindo a tendência neoliberal do momento, essa reforma também se
constituiu num processo de subordinação do Estado à lógica do mercado na medida em que
procurou (e, em parte, conseguiu) anular muitos dos direitos sociais que a classe trabalhadora
havia conquistado após muitas lutas e, juntamente a isso, deslocou para o setor privado a
oferta e a promoção de vários serviços e benefícios sociais que outrora eram realizados pelo
poder estatal. Há, inclusive, no próprio texto do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado, várias sinalizações para que setores de reconhecida caracterização social, como o de
saúde e o de educação, fossem explorados pela iniciativa privada cabendo ao Estado apenas o
subsidiamento das atividades inerentes a tais setores. A título de exemplo, temos a seguinte
proposição:
(...) através de um programa de publicização, transfere-se para o setor
público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos
de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade
para seu financiamento e controle. Deste modo, o Estado abandona o papel
de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto, no
papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente dos
serviços sociais como educação e saúde (...). Como promotor destes
serviços, o Estado continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo tempo, o
controle social direto e a participação da sociedade (BRASIL, 1995, p. 18).
Foi, assim, que, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso, a reforma do Estado assumiu a descentralização como estratégia para a formalização
da adesão do Brasil ao contexto de mundialização do capital e a transferência de atribuições
públicas para os setores privados. O projeto foi apresentado como uma necessidade para a
melhoria da qualidade e da eficiência do gasto público estatal e, a partir disso, o Estado
passou da postura de interventor para a de regulador dos processos econômicos e produtivos,
e as atividades que ainda ficaram sob sua tutela foram vistas como devendo ser realizadas de
forma descentralizada, o que claramente podemos ler no texto do Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado, do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
(MARE), quando é afirmado que
84
nesta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das funções de regulação e
de coordenação do Estado, particularmente em nível federal, e a progressiva
descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções
executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infra-estrutura
(BRASIL, 1995, p. 32).
Com a extinção do MARE e a sua transformação em Secretaria de Estado da
Administração e Patrimônio, no ano de 1999, o que se pode observar é que a Reforma não
conseguiu atingir a essência do Estado brasileiro, pois, do ponto de vista normativo e
democrático não ocorreram mudanças substantivas; o empreendimento reformista do Estado
brasileiro esteve voltado quase que exclusivamente para um processo de ajuste do Estado às
determinações e exigências da ordem neoliberal globalizada, então em curso.
Dentre outros fatores, Gandini e Riscal (2002), consideram que à herança
patrimonialista, que acompanha a formação e o desenvolvimento do Estado brasileiro, deva
ser atribuída grande parte da responsabilidade por tal inoperância. Ficou, portanto, um espaço
em aberto para que, num projeto mais amplo de debate sobre a sociedade e o país que
coletivamente desejamos e queremos construir, o tema da reforma do Estado venha a fazer
parte de uma pauta democraticamente discutida a partir da qual, certamente, esta reforma
deixará de ser compreendida como um empreendimento reducionista que signifique
“transferir para a esfera privada as atividades que podem ser controladas pelo mercado”
(BRASIL, 1995, p. 17).
No modelo de reforma do Estado brasileiro, a educação passou a ser vista
como instância na qual era preciso ajustar a gestão dos sistemas de ensino e das escolas ao
modelo gerencial, conforme divulgado pelo poder central, em consonância com o discurso das
agências externas de cooperação e financiamento. Aliás, como entre outros pesquisadores,
Aguiar (2002) analisa que a educação foi um dos setores sobre o qual mais intensamente
foram aplicadas as diretrizes emanadas da dita reforma do Estado tendo, inclusive, atingindo o
próprio Ministério da Educação visando à reestruturação da sua máquina burocrática para que,
no âmbito educacional, fosse instaurado um novo parâmetro de relacionamento entre o poder
federal e os poderes estaduais e municipais, ou seja, a centralização do poder na esfera federal
não obstante o discurso da descentralização assumido pelo governo FHC.
Foi, assim, no contexto da reforma do Estado que emergiu a temática da
autonomia da escola. Há uma relação direta entre ambas, uma vez que a reforma do Estado,
pautada pelo neoliberalismo, além de implicar na redução da atuação do Estado na esfera
social, também foi dimensionada para a transferência a âmbitos menores, da responsabilidade
85
na execução das políticas que fazem funcionar a sociedade sendo, desta forma, considerado
como outorga de autonomia (BRASIL, 1995, p. 22).
2.6 A REFORMA DO ESTADO EM PERNAMBUCO
Tendo sido elaborado e intentado um projeto de reforma do Estado em nível
federal, conseqüentemente, as unidades federativas tiveram que desencadear o mesmo
processo em sua realidade subnacional. Nesta seção, faremos, pois, uma pequena incursão
para, ainda que rapidamente, verificarmos como se deu em Pernambuco o processo de
reforma do Estado. A respeito deste processo seja dito, de início, que ele ocorreu de forma
tardia em decorrência do posicionamento de oposição e de distanciamento adotado pelo
governo Miguel Arraes/PSB (gestão de 1995 a 1998) em relação ao governo Fernando
Henrique Cardoso. Ademais, o retardamento do processo da reforma do Estado em
Pernambuco também se deveu à existência de um movimento de resistência desencadeado
pelas forças sociais desta unidade federativa que entendiam o projeto do governo FHC como
sendo um obstáculo para a consolidação do processo democrático.
Com a eleição de Jarbas Vasconcelos (PMDB) para um mandato executivo
(1999 a 2002), passou a ocorrer a reforma do Estado em Pernambuco. Dentre diversos outros
fatores, do cenário local, que favoreceram o desencadeamento dessa reforma destacamos os
seguintes: (i) os resultados das urnas deram um grande respaldo político para Jarbas
Vasconcelos não só por ter derrotado o governador Miguel Arraes, que havia se candidatado
para a reeleição como, também, pelos resultados eleitorais em si. Com uma diferença de
1.100.000 votos a mais em seu favor, Jarbas Vasconcelos recebeu 64,14% dos votos válidos,
enquanto Miguel Arraes obteve apenas 26,38% da votação e (ii) a crise financeira na qual
Pernambuco se encontrava que, de passagem, seja esclarecido que também havia sido
decorrente do isolamento que este Estado sofreu dada à postura de confronto assumida por
Miguel Arraes em relação ao Governo Federal e que, por outro lado, gerou retaliações
político-administrativas
34
para a gestão de Miguel Arraes.
34
O caso da privatização do Banco do Estado de Pernambuco/BANDEPE destacou-se como sendo um
“estopim” para o acirramento das relações entre o Governo Estadual e o Governo Federal. Com o dinheiro
apurado na venda do BANDEPE, Miguel Arraes utilizou parte desse dinheiro em operações diferentes das
estabelecidas pelo governo central (por exemplo, em pagamento dos servidores públicos) inclusive em operações
que, na época, deixaram margem de dúvidas quanto à sua legalidade (o rumoroso caso dos “precatórios”).
Demonstrando poder de força, o governo central intensificou a retaliação a Pernambuco, o que contribuiu para
agravar a crise financeira em que esta unidade federativa se encontrava.
86
Dessa forma, com o projeto de reforma do Estado iniciado no governo de
Jarbas Vasconcelos, Pernambuco iria se alinhar ao que estava sendo realizado no âmbito
federal.
Juntamente com as argumentações bastante localizadas para ser desencadeada
a reforma do Estado em Pernambuco, vistas anteriormente, devemos acrescentar, de acordo
com as análises de Cavalcanti (2003, p. 39), a existência de um respaldo ao mesmo tempo
teórico e pragmático. Como justificativas para esta reforma, foram utilizados os argumentos
de que o modelo de intervenção estatal havia sido esgotado e era necessário que Pernambuco
se tornasse competitivo para, assim, responder às exigências do novo momento da economia
globalizada. Assim sendo, a reforma do Estado em Pernambuco encontrou a munição que
necessitava para ser vista e acolhida pela população como sendo uma necessidade imperiosa
e, assim, os poucos movimentos de reações que foram esboçados contra sua implementação
tornaram-se como que, a exemplo do que aconteceu em âmbito nacional, isoladas vozes no
deserto.
Apresentando como bandeira de frente a necessidade da recuperação do Estado
que, por ocasião da campanha eleitoral para o governo estadual, era traduzido por “tirar
Pernambuco do atraso”, o governo de Jarbas Vasconcelos, tão logo se instalou no poder,
iniciou o processo de reforma do Estado enviando uma mensagem à Assembléia Legislativa
que tratava da reestruturação do aparelho do Estado (Mensagem 005/99, de 04/01/99) e
elaborando um contrato com o governo federal em vista da aprovação de um programa de
reestruturação e de ajuste fiscal.
Dando continuidade ao seu projeto, o governo Jarbas Vasconcelos instituiu um
grupo de trabalho, a “Comissão da Reforma do Estado” que, posteriormente, elaborou o Plano
Diretor da Reforma do Estado em Pernambuco, foi completada com um total de 87
instrumentos legais abrangendo os níveis de “Gestão de pessoal”, “Redução de Custeio” e
Modernização Administrativa”, assim distribuídos:
Tabela III – Quantitativo de instrumentos legais complementares ao Plano Diretor da
Reforma do Estado em Pernambuco
Decretos
Leis
Leis Complementares
Emendas Constitucionais
Gestão de
Pessoal
26
87
11
3
1
Redução de
Custeio
15
-
-
-
Modernização
Administrativa
16
12
1
2
TOTAL
57
23
4
3
Fonte: Documento “Reforma do Estado: Ações e Resultados”, 2001
Diante desse expressivo número de instrumentos legais, dos quais 73,5% foram
produzidos em apenas um ano (1999), podemos perceber a força da intencionalidade do
governo Jarbas Vasconcelos para empreender a reforma do Estado em Pernambuco, na ótica
neoliberal.
Nos seus princípios, o Plano de Reforma do Estado em Pernambuco, em muito
foi semelhante ao Plano Diretor da reforma bresseriana. Como registra Fittipaldi (2002, p.
95), os reformadores pernambucanos encontraram no modelo do Ministério da Administração
e Reforma do Estado a roupagem institucional para a reforma administrativa que pretendiam
implementar no Estado e, assim, tinham como grandes metas a serem alcançadas obter a
reversão da crise financeira que havia se abatido sobre Pernambuco, juntamente com o
enxugamento da máquina pública. Tal enxugamento, diziam, possibilitaria um melhor
desempenho do aparelho estatal.
A partir da avaliação oficial feita pela própria Comissão (após um ano da
implantação da reforma) é possível ser verificado que a redução de custos – incluindo os dos
serviços públicos – assumiu um lugar de centralidade na Reforma com tal força que não só
esse objetivo aparece como uma constante ao longo de todo o texto avaliativo como, também,
88
a sua consecução é vista como um ponto de honra a ser alcançado. Desta forma, em relação à
especificidade da redução de despesa com pessoal os reformistas assim se pronunciaram: “foi
travada no exercício de 1999 uma verdadeira batalha para diminuição das despesas com
pessoal, constituído um dos maiores esforços de ação deste governo (GOVERNO
ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2001a, p. 18 – o grifo é nosso). Traduzindo em números,
essa batalha significou demitir 1.282 servidores, desligar outros 1.014 funcionários (via
Programa de Demissão Voluntária) e, ainda, reduzir 25% dos contratos de prestação de
serviços temporários (serviços estes não reassumidos pelo poder público).
Como ocorre no conjunto do projeto neoliberal, podemos identificar nesse
“enxugamento” uma séria contradição na proposta e prática da reforma neoliberal implantada
em Pernambuco, pois com a redução nos custos dos gastos públicos (pessoal e de custeio),
como seria possível que o Estado pernambucano desse resposta a uma das quatro questões
consideradas como urgentes
35
, ou seja, a
defasagem na Quantidade e na Qualidade dos Serviços Públicos: os quais
não conseguem universalizar seu atendimento e melhorar seu padrão de
qualidade, para acompanhar as novas exigências sociais e os processos
produtivos modernos, resultando na redução da competitividade sistêmica do
Estado e no agravamento das condições de vida de grande parte de sua
população (GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2001a, p. 3)?
Com o passar do tempo, as inúmeras expressões de insatisfação da população
pernambucana em relação à quantidade e à qualidade dos serviços públicos, notadamente nas
áreas da saúde, segurança e educação, bem como os constantes movimentos de reivindicação
feitos pelos servidores destas mesmas áreas atestaram que a resposta do Estado foi de
incapacidade.
Na base do Plano, a exemplo da matriz bresseriana, encontrava-se a reprodução
da clássica divisão entre as atividades exclusivas do Estado (arrecadação tributária, segurança
pública) e as atividades não-exclusivas do Estado (educação, saúde, meio ambiente etc),
respectivamente, correspondentes aos chamados “Núcleo das Atividades Exclusivas” e o
“Núcleo dos Serviços não Exclusivos ou Competitivos”. No primeiro núcleo foi prevista a
flexibilização da gestão do Estado, direcionada para a descentralização. Para que isto
acontecesse, foi prevista a existência de entidades descentralizadas, as quais seriam
controladas a partir da consecução dos objetivos propostos e, evidentemente, pelos resultados
que viessem a desempenhar. Por sua vez, no segundo núcleo foram pensadas as “organizações
35
As outras questões foram: necessidade do ajuste fiscal, mudança nos padrões de governo e controle do Estado
pela sociedade.
89
sociais” que poderiam realizar a prestação de serviços que antes estavam sob o encargo do
poder público mas que, agora, poderiam realizar cobrança pela prestação de tais serviços, fato
este que apontava para a adoção da privatização.
Como podemos inferir, com esta divisão, bastante sintonizada com o
receituário neoliberal, estavam sendo abertas as portas tanto para a privatização explícita
(como efetivamente ocorreu com as companhias de fornecimento de energia elétrica e de
água, respectivamente, a CELPE e a COMPESA) como para o estabelecimento de parcerias e
de contratos de gestão. Em consonância com estes direcionamentos, também podemos
identificar uma mudança paradigmática do papel do Estado passando, portanto, de Estado
desenvolvimentista para Estado regulador.
No que diz respeito ao setor educacional, tais delineamentos foram traduzidos
em redução de gastos públicos que atingiram setores que já eram carentes como, a título de
exemplo, o pessoal técnico-administrativo e o próprio professorado, contribuindo, assim, para
o agravamento da crise de qualidade que ora permeia o sistema público de ensino de
Pernambuco.
No rol das instituições amparadas ou mantidas pelo poder estatal que vieram a
ser extintas, entraram a Casa do Estudante de Pernambuco e a Escola de Saúde Pública.
Posteriormente, dentro do esquema das organizações sociais, o poder público estadual se
destituiu da responsabilidade pela manutenção do Conservatório de Música, mesmo sendo
esta uma instituição educacional. Numa medida que também expressava o entendimento
neoliberal do governo de Jarbas Vasconcelos em relação à educação, posteriormente, a
Universidade de Pernambuco, sem um mínimo de debate com a sociedade, foi transferida da
Secretaria de Educação para a Secretaria de Ciência e Tecnologia deixando no ar uma grande
indagação a respeito da missão e do papel – aliás, do seu futuro como um todo – desta
instituição de ensino superior, cuja maioria dos cursos que oferece está voltada para a
educação e, mais precisamente, para a formação de professores (Faculdades de Formação de
Professores nas cidades interioranas de Garanhuns, Nazaré da Mata e Petrolina e, ainda,
outros cursos de graduação localizados no próprio “campus” central, em Recife). O mesmo
destino foi dada à Escola Técnica “Agamenom Magalhães” (ETEPAM) que, até então, era
uma escola de ensino médio na qual os alunos da rede estadual podiam ali encontrar uma
qualificação profissional considerada como de boa qualidade e chegava a atender quase 3.000
estudantes. Passados quatro anos dessa transferência, o ETEPAM encontra-se, hoje, numa
situação bastante diferente do seu passado e com um reduzido número de apenas 800 alunos
(várias salas de aulas sem funcionarem, maquinário enferrujado, professores da parte
90
profissionalizante sem poderem ministrar aulas, quase todo o prédio necessitando de uma
nova pintura etc)
36
.
Em consonância com as diretrizes neoliberais, a reforma do Estado em
Pernambuco veio dar ênfase à autonomia da escola não no sentido desta instituição poder ter
assegurada a condição fundamental para a implementação da sua gestão democrática mas,
sim, num modelo de autonomia no qual o Estado vai se retraindo na tarefa de promoção e
sustentação da educação pública. Neste contexto é que, então, a autonomia da escola foi
incorporada no atual Plano Estadual de Educação, o PEE/2000–2002. Ainda que tenha se
constituído numa inovação, tal inclusão, todavia, expressou um direcionamento neoliberal
para a autonomia da escola como já analisamos em outro trabalho (SOUSA, 2002) e, em outro
momento, retomaremos no presente trabalho.
Em linhas gerais, a autonomia escolar, decorrente da Reforma do Estado em
Pernambuco e incorporada no PEE/2000-2002, tem sido traduzida em diminuição de recursos
humanos e financeiros às escolas da rede estadual de ensino com um conseqüente
comprometimento da qualidade dos seus serviços educacionais prestados à população
(notadamente oriunda das camadas populares) e, ainda, delegação de atribuições e
responsabilidades para os gestores das unidades escolares sem o adequado e necessário
acompanhamento das condições objetivas para o cumprimento dos encargos que lhes têm sido
atribuídos.
A partir das análises realizadas no decorrer deste capitulo evidenciou-se, pois,
que nas três últimas décadas do século passado, em vista da reorganização do capitalismo, foi
sendo tecida e disseminada uma ideologia cuja aplicação, dentre outros setores, resultou que o
Estado passasse a ter uma nova caracterização: o Estado neoliberal. Em conseqüência a este
formato, o Estado redimensionou a sua forma de atuação em relação às políticas sociais e,
neste contexto, para com a educação pública, o Estado também retraiu-se deixando, assim, um
campo aberto para ser regido pelo mercado.
CAPÍTULO 3 - OS NOVOS DIRECIONAMENTOS DADOS À POLÍTICA
EDUCACIONAL BRASILEIRA NO CONTEXTO NEOLIBERAL
36
Este retrato atual do ETEPAM está baseado na reportagem transmitida pelo noticiário local da TV Globlo
(Programa “NE TV”), datado de 08/02/06.
91
Com a implementação do neoliberalismo nas sociedades capitalistas, de cujo
processo resultou numa nova configuração para o Estado, a educação foi impelida a adequar-
se às novas exigências e necessidades advindas de tal projeto. Com esta adequação, a
educação passou a ter novas concepções que, então, refletiram-se nas políticas educacionais e,
em conseqüência, nas diretrizes para a autonomia da escola que foram elaboradas nesse novo
contexto. Destarte, integrando o contexto produtivo capitalista, a educação brasileira foi alvo
das novas configurações que foram traçadas, passando, por conseguinte, a sofrer um processo
de neoliberalização.
No presente capítulo, analisaremos, pois, a caracterização neoliberal que foi
dada à educação, quer em seus aspectos gerais quer, também, em relação à especificidade da
realidade educacional do nosso país. Tendo em vista esta especificidade, também refletiremos
sobre o processo de condução das políticas de educação nacionais, a partir da configuração
neoliberal do Estado brasileiro e, neste contexto, discutiremos os novos direcionamentos que
foram dados à autonomia da escola.
3.1 A EDUCAÇÃO NEOLIBERAL: CONCEPÇÕES, PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS
Como vimos no capítulo anterior, em meio às mudanças que, nos últimos trinta
anos, vêm ocorrendo no cenário internacional e nacional, o processo de reestruturação
produtiva ocupou um lugar de destaque no mundo capitalista. A partir deste processo de
reorganização, a educação foi e tem sido objeto de intensos questionamentos, debates e
procedimentos reformistas em vista de sua adequação ao novo momento político e econômico
que foi determinado a partir da implementação do neoliberalismo. Com isto, a educação
passou a ser pensada e organizada na perspectiva de adequação à nova ordem neoliberal que
assumiu uma posição hegemônica no mundo capitalista e, assim, foi sendo delineado um
projeto educacional neoliberal a ser implementado nos sistemas educativos nacionais e
regionais. Desta feita, no contexto neoliberal que impregnou o mundo ocidental, a
coordenação da implementação do projeto educacional neoliberal nos países periféricos do
mundo capitalista deixou de ser da total responsabilidade dos Estado-nacionais para, em boa
92
parte, depender da atuação de agentes externos a tais Estados. Na realidade brasileira, como,
de modo mais detalhado, veremos na seção seguinte, os eventos internacionais (Jontiem,
Dakar etc), o Banco Mundial, a CEPAL e o PROMEDLAC constituíram-se em novos atores
os quais, externos à realidade nacional, intentaram exercer um processo de monitoramento das
nossas políticas educacionais.
Para ser um projeto hegemônico, o projeto educacional neoliberal utiliza uma
racionalidade apoiada numa retórica a partir da qual os valores e propostas por ele anunciados
e apregoados parecem inquestionáveis para, conseqüentemente, se tornarem objeto de fácil
aceitação. Em conseqüência, essa racionalidade assume um caráter de verdade de modo que
os valores e as propostas do discurso educacional neoliberal passam a ser vistos como uma
versão atualizada dos valores e das propostas defendidas pelos setores sociais progressistas e
democráticos o que, na verdade, corresponde a mais um processo de cooptação das bandeiras
de lutas empunhadas e defendidas pelos setores sociais progressistas.
Tomando-se como exemplo a categoria “qualidade da educação” será preciso
um certo esforço para que a mesma seja diferenciada de diversas matrizes discursivas. De
acordo com a análise de Enguita (1998), na perspectiva neoliberal a qualidade da educação
tem sido vista como eficácia do processo de modo que possa ser conseguido o máximo
resultado com o menor custo possível. Para desmistificar uma possível conotação democrática
que se queira atribuir à qualidade educacional neoliberal, vale recordarmos que esta tem um
significado contrário uma vez que, em última instância, representa “não o melhor (em vez do
mesmo ou de menos) para todos, mas uns poucos e igual ou pior para os demais” (Ibid., p.
107).
Em decorrência do nexo existente com o contexto no qual ela ocorre, a
educação foi vinculada a um projeto internacional, ou seja, o da globalização e
transnacionalização do capital resultando, assim, na reconfiguração da educação como
instrumento fundamental para o crescimento econômico. Ainda, a própria educação passou a
ser considerada como um bem de consumo em torno do qual há um mercado, vendedores e
compradores/clientes. Entretanto, como é analisado por Sacristan, a metáfora do mercado não
se coaduna com a educação, pois esta instância e este processo são regidos por lógicas
diametralmente opostas. De fato,
o mercado opõe-se à educação pela lógica interna de ambos os processos:
enquanto a finalidade do mercado é a obtenção de máximos benefícios
econômicos possíveis, a educação tem como função fazer avançar e
disseminar o conhecimento ao maior número de pessoas possível. A
motivação determinante do mercado é satisfazer os desejos daqueles que têm
meios para adquirir bens, a educação persegue a compreensão do mundo, da
93
ciência, etc., seja demandada ou não. O mercado vende e compra coisas, a
educação procura fazer com que todos, de forma autônoma, apropriem-se
daquilo que os beneficia e cuja duração será maior quanto melhor for a sua
apropriação. Os critérios de excelência de funcionamento do mercado
encontram-se naquilo que se vende, a educação é boa segundo a
profundidade desinteressada das aquisições e os frutos da educação social,
moral, estética etc (SACRISTAN, 1999, p. 247).
Para a ocorrência dessa nova configuração - na qual a educação é pensada em
função do crescimento econômico - foi decisiva a atribuição dada à educação de que o seu
atendimento é fator que contribui para gerar a estabilidade política e, conseqüentemente,
ajudar na salvaguarda da governabilidade. Desta maneira, na medida em que a educação é
ofertada de forma extensiva (bem como outros bens sociais) para o atendimento das
demandas, a governabilidade não é ameaçada. Por outro lado, esta dinâmica de
reconfiguração da educação também foi fortalecida pela compreensão de que a educação é um
processo fundamental para servir de suporte tanto para a implementação como para a
solidificação da forma de vida societal subjacente ao neoliberalismo, predominantemente
fundada no individualismo. Como pode ser inferido, estas duas intencionalidades
caracterizam-se como uma atualização da histórica instrumentalização que tem sido dada para
a educação no contexto de sociedade capitalista. No caso específico da educação escolar, o
fato de esta ter sido objeto de atenção dos neoliberais decorre da compreensão de que as
instituições escolares, devido às suas elaborações ideológicas, são um dos espaços
privilegiados para a construção das novas subjetividades econômicas (SANTOMÉ, 2003, p.
31) necessárias para a formação de indivíduos com habilidades mecânicas e técnicas que
atendam às exigências e necessidades do mercado.
A exemplo do que ocorre nos demais projetos ou propostas educativas, a
educação neoliberal também é construída sobre uma concepção de homem e de sociedade.
Assim sendo, a concepção antropológica da educação neoliberal postula uma distorcida
relação entre Homem e trabalho, fundamentada no entendimento do sujeito humano a serviço
da ação laboral e do mundo produtivo o que, para uma concepção humanística, representa
uma inversão de valores. Na perspectiva educacional neoliberal, ao mesmo tempo em que é
negada a dimensão coletiva da existência humana há uma concepção do indivíduo como
sendo portador de uma liberdade inalienável que o leva ao mercado para satisfazer suas
necessidades e, enfim, ser responsável pela condução da sua própria vida desde que tenha
acumulado méritos para tal. Como observa Silva (1998, p. 264), diferentemente do projeto
educacional moderno, o projeto educacional neoliberal postula uma troca de identidade do
94
sujeito educativo, ou seja, correspondendo à reorganização pós-fordista do trabalho, na qual o
sujeito deve ser formado para a perspectiva da competitividade, flexibilidade, adaptabilidade e
mutabilidade.
O entendimento educacional neoliberal retira quase que por total a dimensão de
autonomia que historicamente tem sido compreendido como algo inerente ao sujeito humano
(pelo menos, enquanto uma tendência) uma vez que sua liberdade, como analisa Rigal (2000,
p. 181), encontra-se rendida às determinações do mercado e seu horizonte mental fica
reduzido ao imediato.
Em termos de caracterização da educação neoliberal – fundamentalmente
pensada e organizada na perspectiva do mercado – podemos, com Silva (1998, p. 12 et seq.),
apontar como sendo seus principais objetivos: atrelar a educação institucionalizada aos
objetivos estreitos de preparação para imediata para o mercado de trabalho; utilizar a
educação como veículo de transmissão de idéias que proclamam as excelências do livre
mercado e usar a escola como um mercado-alvo para os produtos e meios da cultura de massa
e, ainda, canal de transmissão da doutrina neoliberal.
Estes e outros objetivos correlatos tornam possível que a educação seja
consubstanciada num processo no qual os indivíduos são induzidos a aceitar os princípios
reprodutivos dominantes na própria sociedade, em consonância com a posição que ocupam na
ordem social para, então, realizarem as tarefas reprodutivas que lhes foram atribuídas. Desta
forma, dá-se a ocorrência da dinâmica a qual Meszaros (2005, p. 44) cognomina de
internalização da ideologia educacional capitalista.
No neoliberalismo, a educação se constitui uma mercadoria e,
conseqüentemente, os seus usuários (alunos, pais etc) são encarados e tratados como clientes
aos quais devem ser disponibilizados um produto com qualidade. Tal concepção e prática
alinham-se com a orientação de Friedman e Friedman (1980, 185) quando defendem que
“faça-se com que as escolas públicas cobrem anuidades, cobrindo o custo pleno dos serviços
educacionais que proporcionam e, assim, concorram em igualdade de condições com as
escolas privadas”. Com esta visão mercantilista da educação dá-se, pois, uma radical mudança
na compreensão que, historicamente, nas sociedades democráticas, tem sido feita sobre a
educação, ou seja, que ela é um direito universal a ser usufruído por todos. Nesta perspectiva
dá-se, também, a reconversão da noção do serviço público para o de mercado, para a
prestação de serviços a clientes que, obviamente, receberão um tratamento diferenciado,
dependendo do poder aquisitivo que possuem e/ou da classe social à qual pertencem. Partindo
desta visão, instalam-se, pois, dois diferentes tipos de “consumidores”: os que podem,
95
efetivamente, comprar os serviços educacionais e os que, não podendo fazer tal ação, se
contentam apenas em “consumir a imagem” destes mesmos serviços (APPLE, 2004, p. 47).
Mesmo sendo desnecessário, convém explicitarmos que estes segundos virtuais consumidores
constituem a maioria da população.
Endossando a reflexão de Santomé (2003, p. et seq.), destacamos que, por trás
do esforço realizado pelos neoliberais em vista da mercantilizacão da educação, estão
presentes os interesses do setor privado em querer se apoderar de um “mercado” para, assim,
se apropriarem de novas fontes de lucro e, conseqüentemente, a própria ampliação do capital.
É importante que tenhamos em mira os objetivos não explicitados pelos neoliberais para não
sermos seduzidos pelo discurso que estes proferem, centrados na defesa das liberdades
(individuais, do mercado).
Sob o fenômeno da mercantilização da educação - a educação apropriada pelo
mercado - há uma substancial alteração, relacionada com o papel do Estado, que necessita ser
desnudada: o Estado redimensiona o histórico papel que lhe foi atribuído, ou seja, viabilizar a
redistribuição dos bens para que pudesse ocorrer a universalização dos bens socialmente
produzidos (pelo menos, em teoria). Com a reestruturação do Estado em relação à sua
responsabilidade pela oferta e manutenção do direito à educação pública e o mercado
assumindo o seu lugar, podemos dizer que, de certa forma, possa estar ocorrendo (ou virá
acontecer) um novo ciclo no que diz respeito à instância que, historicamente, tem assumido o
controle da educação. No passado, tendo saído da tutela da Igreja e passado para o domínio do
Estado, hodiernamente estaria havendo (ou haverá) uma nova troca de senhorio, ou seja, o
mercado tomando o lugar da Igreja e do Estado na condução da educação?
Na perspectiva neoliberal, a exemplo das demais políticas sociais, as políticas
educacionais também se caracterizam como sendo políticas de caráter instrumental e, neste
caso, tais políticas são subordinadas à lógica econômica e são utilizadas para exemplificar
como o Estado procura produzir uma aparência de igualdade de oportunidades e neutralidade.
Entretanto, os argumentos de igualdade de oportunidades e de neutralidade tornam-se uma
falácia uma vez que, no Estado neoliberal, as políticas educacionais estão ligadas ao
movimento de uma economia regulada pelo lucro e, portanto, se caracterizam como desiguais
e excludentes. Ademais, na perspectiva de subordinação à lógica econômica, as políticas
educacionais também passaram a ser utilizadas como estratégias por meio das quais se revela
a “intervenção de um Estado submetido aos interesses gerais do capital na organização e na
administração da ‘res pública’ e contribuem para assegurar e ampliar os mecanismos da
cooptação e controle social” (SHIROMA et al., 2000, p. 8).
96
Mesmo na perspectiva neoliberal, também podemos contemplar a presença da
dimensão da contradição nas políticas educacionais. Com efeito, se por um lado, elas são
utilizadas como um instrumento de reforço e sedimentação do caráter neoliberal do Estado,
por outro lado, elas revelam os confrontos e as contradições sociais e culturais que estão
subjacentes em várias dimensões da prática educacional, tais como: no currículo, na relação
professor-aluno, no processo avaliatório, na gestão educacional e/ou formulação dos projetos
políticos-pedagógicos das unidades escolares.
Com o direcionamento dado à educação, em função primordial para o mercado,
também ocorreu o reforço da vinculação ideológica da educação com a reprodução da força
de trabalho necessária para a manutenção e desenvolvimento do sistema capitalista no qual
estão inclusas as relações de exploração e submissão como algo que lhe são inerentes. Nesta
vinculação podemos encontrar uma reedição velada da teoria do capital humano que
fortemente impregnou a educação brasileira ao longo das décadas de 1960 a 1970
37
e, assim,
foi introduzido o conceito de empregabilidade no qual o indivíduo é instado a se
responsabilizar pela aquisição de “competências” e “habilidades”, ou de suas “necessidades
básicas de aprendizagem” para sua formação profissional em vista do atendimento às
exigências do mercado de trabalho, ou para um posto transitório neste mesmo mercado
(MELO, 2004, p. 146). Por outro lado, como analisa Oliveira (2000, p. 226), este conceito de
empregabilidade constitui-se em algo prejudicial para o trabalhador na medida em que, caindo
na condição de desempregado, recai sobre ele a culpa pela falta de emprego uma vez que não
mais atenderia às demandas do mercado de trabalho, por não possuir maiores níveis de
escolaridade ou de especializações.
Em decorrência do enquadramento da educação à lógica do mercado, a própria
educação pública passa a sofrer um processo de privatização sob diferentes níveis e
modalidades. Em seu conjunto, a privatização da educação pública, se constitui numa
dinâmica específica que, associada a outras dinâmicas, também contribui para “o progressivo
desmantelamento do Estado como agência produtora de bens e serviços e como aparelho
institucional orientado a garantir e promover os direitos da cidadania” (GENTILI, 1998, p.
73). Também a partir desta lógica deu-se a geração do preocupante fenômeno do
“encorajamento do mercado” que, para Barroso (2005, mimeo.),
37
A Theodore Schultz, Prêmio Nobel de Economia do ano de 1979, é atribuída a paternidade da Teoria do
Capital Humano. As idéias deste economista começaram a ter impacto no pensamento educacional brasileiro
sobretudo a partir dos escritos de Carlos Geraldo Langoni que obteve grau de PhD, em economia, na
Universidade de Chicago. Baseando-se nas idéias de Schultz, Langoni publicou duas obras através das quais, em
97
traduz-se, sobretudo, na subordinação das políticas de educação a uma
lógica estritamente econômica (“globalização”); na importação de valores
(competição, concorrência, etc) e modelos de gestão empresarial, como
referentes para a “modernização” do serviço público de educação; na
promoção de medidas tendentes à sua privatização.
Sem desmerecermos a importância que os elementos acima mencionados
possuem para a consideração do fenômeno do “encorajamento do mercado” como algo
preocupante, destacamos o da “modernização” pelo caráter sedutor nele contidos uma vez que
pode ser endossado como elemento justificador para a aceitação e acolhimento das propostas
educacionais de cunho neoliberal.
Decorrente da vinculação da educação aos ajustes macroeconômicos do
sistema capitalista, os sistemas públicos de ensino passaram a ser afetados pela realização de
contínuas e intensivas reformas na perspectiva de que venham a apresentar um desempenho
mais eficaz e, ao mesmo tempo, exerçam um menor impacto possível nos gastos do setor
público. Neste sentido, como observa Cabral Neto (2004, p. 25), na medida em que as
reformas educacionais possuem uma clara orientação focalizadora e centralizadora, elas estão
desvinculadas de um projeto progressista e, assim, se constituem em estratégias
antidemocráticas. É o caso de se poder dizer que tais reformas expressam um projeto político
de natureza conservadora o que se coaduna com a dinâmica do projeto neoliberal.
Tendo presente o objeto de estudo deste nosso trabalho, analisamos que as
reformas educacionais neoliberais, mesmo quando se propuseram a outorgar autonomia à
escola, em sua raiz, desconsideraram que a escola, tomada em sua totalidade institucional e/ou
em sua concreta materialização em uma unidade, é um organismo complexo e, como tal, é um
espaço no qual se operam inúmeros processos de tomadas de decisões os quais abrangem
múltiplos aspectos. Em síntese: as reformas não levaram em conta a existência de uma
específica cultura em cada unidade escolar. Ademais, tomando-se por base o elenco dos 14
itens apresentados por Paraskeva (2001, p. 83)
38
como norteadores para a realização de um
verdadeiro processo de reforma em um sistema educativo e analisando os empreendimentos
nosso país, foram disseminadas as idéias da Teoria do Capital Humano, a saber: “As causas do crescimento
humano” e “A economia da transformação”, respectivamente, publicadas nos anos de 1974 e 1975.
38
Os itens apresentados por Paraskeva são: “um compromisso com a igualdade, a defesa de níveis elevados a
serem atingidos por todos os alunos; o reconhecimento das reais necessidades da sala de aula, centrando-se nas
verdadeiras necessidades dos alunos e de professores; as parcerias entre alunos, professores, pais e comunidade;
o currículo como um continuum de tomada de decisões; a melhoria da formação profissional dos professores; a
criação de condições para a colegialidade e inovação; a reforma da administração; a defesa da escola como um
bem público; a reformulação não só da forma mas também dos conteúdos escolares; a valorização da diversidade
cultural existente; a coragem de manter o que está bem e melhorar apenas o que está mal; o processo
98
reformistas que têm sido realizados no sistema educacional (obviamente, aqui nos prendemos
ao caso brasileiro), somos levados à constatação de que tais empreendimentos, na verdade,
podem ser configurados como pseudo-reformas o que, em outras palavras, equivale a dizer
uma não ocorrência de efetivas mudanças na educação pública, na perspectiva da sua
universalização e democratização.
Vendo-se por outro ângulo, a partir das reformas educacionais de natureza
neoliberal, a questão educacional passou a ser despolitizada uma vez que ficou reduzida a
uma questão de governo e de engenharia de gestão. Nesta perspectiva, a própria escola e os
segmentos que dela fazem parte passam a ser vistos como responsáveis pela má gestão dos
recursos humanos e materiais e, conseqüentemente, pela baixa produtividade do sistema
escolar. Como assinala Silva (1998, p. 19), a partir desta análise, a qualidade e a gerência da
qualidade total são apresentadas como sendo estratégias salvacionistas para a escola.
O projeto neoliberal tem justificado a idéia da necessidade de realização de
reformas no sistema educacional visando a um redirecionamento das suas agendas para que o
sistema seja adequado aos impactos e às exigências do mercado e esta adequação apela para
“a excelência, a eficácia, a competitividade e a outros aspectos do campo da racionalidade
econômica” (MARTINS, 2002, p. 94). Neste contexto, não podemos perder de vista que,
como aponta Melo, as reformas educacionais fazem parte de um projeto neoliberal de
educação que se realiza no sentido de uma uniformização da integração global e também da
instituição de novas condicionalidades para empréstimos e doações para o setor educacional,
no processo histórico de mundialização do capital (Id., 2005, p. 165). Entretanto, destacamos
que as reformas que vêm sendo implementadas não devem ser vistas como sendo um rolo
compressor cuja aplicação se dê de forma imediata a integral uma vez que, desde as instâncias
sistêmicas mais altas até as que estão na base, ocorrem diferentes níveis de compreensões,
reações e, conseqüentemente, de “tradução” das diretrizes contidas em tais reformas.
Em consonância com o modelo de Estado gestado do projeto neoliberal, as
reformas que foram operadas no sistema educacional também tiveram como finalidade (ou
pelo menos, visavam a servir para tal) a efetivação da redução da atuação do poder estatal no
setor educacional atingindo, conseqüentemente, tanto a provisão como a administração deste
serviço. No tocante à administração do serviço educacional escolar, a gestão passou a ser
regida pela lógica da produção industrial e da competência do mercado que “privilegia a visão
dos que têm o controle e reforçam as estruturas de dominação” (RIGAL, 2000, p. 183).
participativo; a luta pela defesa de um padrão cultural e ideológico comum mínimo que crie espaço à alteridade”
(PARASKEWA, 2001, p. 83).
99
Afirma este autor, ainda que, tais lógicas causam fortes impactos no terreno cotidiano da
escola e, conseqüentemente, pelo que entendemos, afetam a autonomia desta instância
educativa.
Num esforço para esconder as verdadeiras causas que geram a ineficiência do
sistema público de ensino, a partir da ótica neoliberal, defende-se um padrão de
gerenciamento eficiente e os problemas existentes na educação e na escola passam a ser
reduzidos a uma perspectiva tecnicista. Desta forma, a gestão da escola é apontada como
sendo a alternativa determinante para a obtenção de eficiência e da qualidade da produção
escolar. Com a intensificação desta compreensão, a gestão apresenta-se como tendo uma
finalidade em si mesma e não como um instrumental a serviço da escola para que ela possa
cumprir os seus objetivos e finalidades educacionais.
No conjunto das reformas educacionais que tem sido engendrado sob a
perspectiva neoliberal, o ensino fundamental é interpretado como já sendo atendimento da
educação básica
39
. Esta interpretação, baseada na preocupação em proporcionar um mínimo
de conhecimentos à população trabalhadora para que ela seja integrada ao processo produtivo,
tem como objetivo último o ajuste entre a oferta de mão-de-obra qualificada e a demanda do
mercado de trabalho
40
. Tal minimização da educação escolar configura-se, na verdade, como
um forte e sério retrocesso no movimento que, em nível mundial, vem sendo empreendido em
favor da democratização do ensino entendida como sendo garantia de acesso e de
permanência gratuitos e com sucesso, em todos os níveis de ensino, para que, então, se possa
falar em efetiva cidadania. Considerando-se que a educação básica, como o próprio termo já
está dizendo, constitui-se no mínimo que o indivíduo deva receber para, efetivamente, tornar-
se um cidadão, como, então, se admitir que lhe seja dado apenas um mínimo do mínimo?
Aqui, faz-se necessário diferenciarmos a generalização da educação proposta pelos
neoliberais pela democratização educacional defendida pelos setores sociais progressistas para
que não sejam vistas como equivalentes.
Com efeito, a generalização neoliberal da educação tem como escopo principal
proporcionar ao educando o domínio de conhecimentos mínimos para que possa manejar os
equipamentos produtivos existentes no atual estágio de desenvolvimento tecnológico. Para as
atividades mais complexas, sobretudo nos setores industriais, a educação passa a ser oferecida
39
Aqui referimo-nos, especificamente, à realidade brasileira.
40
Ao fazermos essa análise não ignoramos que, por outro lado, a expansão e a extensão do ensino fundamental
e/ou da educação básica também decorrem de um processo de mobilização das classes populares para que suas
necessidades de escolarização sejam atendidas pelo poder estatal.
100
àqueles que forem considerados mais inteligentes e mais capazes. Sob o prisma progressista, a
democratização da educação, entre outros aspectos também importantes, está fundada no
entendimento de que o acesso ao saber e ao conhecimento historicamente acumulados e em
processo de produção é um direito ao qual todos devem ter acesso.
No projeto neoliberal, a educação pública é considerada e apresentada como
sendo ineficiente e portadora de baixa qualidade. Entretanto, ao invés de sua avaliação
redundar na injeção de mais recursos no setor educacional, tais análises são utilizadas como
justificativas para a expansão da privatização do ensino tanto por conta da iniciativa dos
proprietários da rede particular de ensino como pela colaboração prestada pelo próprio poder
público que, de uma forma ou outra, passa a investir na rede escolar privada
41
. Por outro lado,
os fenômenos da baixa qualidade e da ineficiência do ensino público são atribuídos à
incapacidade estrutural do Estado em administrar as políticas educacionais e gerenciá-las
adequadamente. Neste sentido, a exemplo do que ocorre com as demais categorias de
trabalhadores do serviço público, os trabalhadores na educação e, de modo especial, na escola
pública são apresentados como, também, sendo ineficientes e os mais diretamente
responsabilizados pelos problemas ocorrentes neste setor de ensino.
Tomando como referência a realidade educacional brasileira e, de modo mais
específico, o ensino público no âmbito da escola básica, é bem verdade que, ao olharmos os
ainda altos níveis de reprovação, repetência e evasão escolares existentes não podemos deixar
de admitir que há um problema a ser enfrentado e resolvido. Todavia, não podemos atribuir
tal estado de coisas apenas a uma função de incapacidade administrativa dado que, neste caso,
está sendo desconsiderada a existência de toda uma problemática produzida pelo próprio
modo produtivo capitalista. Como é sabido, o sistema capitalista em nada é generoso para
dotar à educação pública dos recursos humanos, materiais e financeiros necessários para o seu
bom funcionamento. No que diz respeito ao financiamento da educação pública, ainda
estamos bastante distantes de um aumento substancial de verbas para acompanhar, pelo
menos na mesma proporção, a sua expansão, na totalidade dos seus diferentes e diversos
níveis de ensino, bem como para corrigir as distorções e os déficits que historicamente foram
construídos e vêm sendo acumulados.
41
Aqui, como exemplo, acreditamos que podemos situar o PROUNI (Programa Universidade para Todos), do
governo federal brasileiro, destinado para garantir o ingresso de estudantes pobres em instituições de ensino
superior, pertencentes à rede privada mediante abatimento de impostos devidos por estas instituições. Como se
pode perceber, ao invés de investir em sua própria rede de ensino superior, o poder público investe, de certa
forma, na rede privada ajudando esta mesma rede a resolver o seu problema da ociosidade de vagas.
101
Indo mais além, não devemos esquecer que o sistema produtivo capitalista se
sustenta da máxima exploração possível da força de trabalho daqueles cujos filhos,
majoritariamente, se constituem em porção predominante da escola pública. Estes alunos
chegam à escola com vários déficits que, em muito, comprometem a aprendizagem escolar.
Todavia, por outro lado, cada vez mais, tem aumentado o número dos filhos da classe
trabalhadora que não conseguem ser atendidos de forma satisfatória pela escola pública, ou
seja, recebem um ensino com baixo nível de qualidade escolar. Ademais, mesmo em um
momento no qual há um forte apelo para a produção e a difusão do conhecimento, até mesmo
para satisfazer as necessidades do atual estágio produtivo capitalista, há um dado que vem
sendo cada vez mais acentuado, ou seja, o ingresso dos filhos da classe trabalhadora na escola
pública (cujo fato é explorado como sendo um feito notável em termos de tendência à
universalização do ensino), mas não significa que lhes seja dada garantia de permanência e
conclusão bem sucedida na escola pública.
Com Gentili (1998, p. 19), também consideramos que a avaliação do sistema
educacional, sempre visto como negativo em termos de resultados, serviu de suporte para
transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado e, assim, negar sua
condição de direito social e transformá-la numa possibilidade de consumo individual, variável
segundo o mérito e a capacidade dos consumidores. Desta forma, com outras palavras, o
projeto educacional neoliberal objetiva, paulatinamente, a tirar a responsabilidade e o controle
do poder público sobre a educação institucionalizada para atrelá-la ao controle e à gerência
das empresas privadas (SILVA, 1996, p. 260).
No âmbito específico da educação escolar, a conseqüência mais imediata da
concepção neoliberal é que o processo educativo é direcionado para o desenvolvimento de
atitudes e habilidades em vista da inserção do indivíduo no mercado de trabalho como se os
objetivos e interesses do indivíduo humano pudessem ser determinados apenas pelas leis que
regem o mercado. A própria organização da escola passa a ser feita na perspectiva da
dinâmica da produtividade que, no contexto social capitalista, corresponde aos critérios de
eficiência com apresentação de resultados que possam ser medidos e avaliados como
satisfatórios ou não, na medida em que atendam às necessidades do mercado. Neste sentido,
muito deve nos fazer pensar a observação a respeito da feição que a escola, na perspectiva
neoliberal, vem assumindo, ou seja:
a escola deixou de ser o tempo da socialização, do aprender, do dividir, do
construir afetos, desejos, sonhos, valores e alegria, para ser o templo do
mercado, lugar para fabricar objetos humanos ajustados para servirem ao
mercado (SILVA, 1996, 298).
102
Decorrente da importância que a descentralização ocupa na política
educacional neoliberal, inclusive vista como um dos principais eixos das reformas que têm
sido implementadas no setor educacional, convém tecermos, aqui, algumas considerações a
respeito de tal diretriz. Inicialmente, entendemos que se faça necessário desqualificar a
descentralização emanada da política educacional neoliberal como sendo sinônima de
autonomia devido ao fato de que, na perspectiva neoliberal, ela tem sido uma diretriz política
que não contempla uma efetiva distribuição do poder e sim em delegação de tarefas e
atribuições que, como já analisamos em outro momento, constitui-se na verdade, em
desconcentração. Tal delegação possui um agravante: ela se faz desacompanhada dos recursos
(financeiros, materiais e humanos) necessários para que as tarefas e atribuições sejam
cumpridas de modo satisfatório. Observando-se que, cada vez mais, o poder público destina
menos recursos financeiros para a educação, sob a falácia de que eles são suficientes, porém
mal administrados, os gestores escolares passam a serem vistos pela população como sendo os
responsáveis imediatos por tais dificuldades. Como analisa Santomé (2003, p. 45), esta
atribuição de responsabilidade se deve ao fato de o Estado se tornar menos visível e,
conseqüentemente, mais difícil de ser culpado. Quando muito, o Estado aparece, via
propaganda nos meios de comunicação social, como já tendo feito a sua parte e, assim, a
escola aparece em débito com aqueles a quem deve prestar um serviço com qualidade e
eficiência.
Na política educacional, a descentralização neoliberal também gera um
processo contraditório na medida em que, de acordo com a análise de Popkewitz (1997, p.
176), ao promover medidas descentralizadoras o Estado retém para si a função de centralizar
importantes mecanismos através dos quais se dá a materialização da prática escolar como no
caso do currículo, dos calendários, da avaliação e outros. Nesta direção, este mesmo autor
(Ibid.) constata que, se por um lado, via descentralização, as políticas educacionais neoliberais
objetivam tornar a escola mais atenta às exigências da sociedade, por outro lado, a escola fica
impossibilitada de corresponder às exigências que lhes são postas devido aos processos
descentralizadores serem guiados pela lógica do raciocínio instrumental e do individualismo
possessivo que se contrapõem a efetivos mecanismos participativos. Na análise de Gentili
(199, p. 135), a centralização do controle pedagógico e a descentralização dos mecanismos de
financiamento e gestão do sistema educacional constituem-se numa combinação de duas
diferentes lógicas, efetuada pelos neoliberais, como sendo a saída adequada e necessária para
o que foi identificado como sendo crise da educação.
103
Apresentada como uma necessidade para que possa ocorrer a qualidade do
serviço educacional, a descentralização neoliberal contradiz o discurso oficial na medida em
que a retenção dos recursos (e aqui muito se aplica ao setor educacional) provoca justamente
o efeito contrário do discurso apregoado.
No projeto da educação neoliberal, a autonomia escolar, escudada sob o nome
de descentralização, é algo estrategicamente acolhida sob o pretexto de propiciar mais
eficiência e eficácia ao sistema de ensino, tornando-se, então, uma concessão do poder
político que, porém,
delimita seu sentido à autonomia financeira – para cobrança de taxas,
mensalidade e constituição de parcerias – e administrativas – para imprimir
agilidade e flexibilidade às tarefas cotidianas (...). Trata-se, portanto, de uma
autonomia limitada, uma vez que diz menos respeito à liberdade das
instituições e mais à responsabilidade sobre o que fizeram e o que deixaram
de fazer (SHIROMA et al, 2000, p. 119).
Por outro lado, de acordo com a análise de Gonçalves (1995), a proposta de
autonomia restrita à dimensão da eficiência consubstancia a idéia neoliberal de Estado, ou
seja, o Estado mínimo através do qual se dá a relativização da forma pública de educação.
Em relação à dimensão pedagógica da autonomia, esta tem sido permitida,
desde que seja condicionada aos critérios de produtividade definidos pelos órgãos centrais do
sistema educacional
42
. Entretanto, esta não pode ser considerada como expressão da
autonomia necessária para que a escola seja democrática. Como podemos perceber, a
autonomia da escola, na perspectiva neoliberal, em muito se distancia da compreensão de que
a escola necessita de uma real autonomia a partir da qual seja possível a sua condução
democrática e, por conseguinte, a consecução dos seus objetivos e finalidades educacionais.
Concluindo esta seção, ressaltamos que a caracterização neoliberal da
autonomia da escola, aqui apresentada, em muito difere da concepção e da prática defendida e
ensaiada pelos educadores e pelos setores sociais progressistas, como veremos em outras
partes deste trabalho. Em síntese, a resignificação da autonomia da escola, no Estado
neoliberal, não contribui para a democratização da sociedade em decorrência de escamotear a
desresponsabilização do poder estatal para com a educação pública; ela descentraliza tarefas e
atribuições, mas não o poder, e, ainda delega para a comunidade escolar e em seu entorno a
42
Analisando a implementação da autonomia nas escolas públicas do município de Maringá (Paraná), Gonçalves
(1995) identificou que, ao contrário de contribuir para a democratização da gestão da escola, a experiência ali
realizada ao mesmo tempo em que induziu a uma velada privatização do ensino, também foi portadora de um
significado autoritário na medida em que estava sendo retomada a lógica empresarial no trato das questões de
organização escolar, em detrimento da própria natureza do processo pedagógico.
104
resolução dos problemas que afetam a escola pública, os quais vão desde as instalações físicas
deficientes dos prédios escolares, passam pelas precárias condições de trabalho dos
educadores e se estendem pelos altos índices de baixo rendimento e evasão escolar. Enfim, é
uma autonomia que não convém à democratização da educação e da escola por favorecer a
perda do caráter público da educação e da escola que devem ser mantidas pelo poder público.
3.2 DE 1990 AOS NOSSOS DIAS: A NEOLIBERALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
Ao mesmo tempo em que o início a década de 1990 parecia dar
prosseguimento à consolidação da democratização política da sociedade brasileira (expressa,
entre outros fatos, no restabelecimento do direito de eleger o presidente da República, após 26
anos sem poder exercer este direito), também estava começando o processo de implementação
do neoliberalismo e a conseqüente configuração neoliberal do Estado brasileiro. Do ponto de
vista educacional, o início dessa década também sinalizou que a educação brasileira
conheceria uma nova formatação com a implementação de diversas ações governamentais por
meio das quais seriam veiculadas as necessidades de competitividade e de produtividade
requeridas pela forma de vida societal subjacente ao neoliberalismo. Neste sentido, podemos
compreender a ênfase que foi dada às políticas educacionais voltadas para a educação
profissional, formuladas no final do governo do presidente José Sarney (1985 a 1990) e nos
primeiros quatro anos da década de 1990.
Recordando que, com o efêmero e conturbado governo do presidente Fernando
Collor de Melo (março de 1990 a dezembro de 1992), o Brasil começou a integrar o cenário
neoliberal, podemos identificar que, nesta gestão governamental, a educação brasileira não foi
objeto de um debate democrático para que, a partir de processos participativos, fosse encetado
um processo de redução dos problemas que, historicamente, vinham sendo acumulados neste
setor e, assim, a educação nacional entrasse em um novo patamar. Quando muito, bem ao
estilo populista do presidente Collor, a educação foi alvo de algumas ações (como por
exemplo, o dos CIACs, o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania). Além de sua
inconsistência, tais ações serviam muito mais para espetacularizar a figura do Presidente na
mídia, sobretudo televisiva, e, mais ainda, denotavam a ausência de um projeto educacional
mais amplo. Neste sentido, Vieira (2000a, p. 89) avalia que, em relação à educação na era
Collor, este governo foi um “tempo de muito discurso e pouca ação”.
105
Analisando o “Programa Setorial de Ação do Governo Collor na área de
Educação/1991-1995”, França (2004, p. 145) identificou que este governo intensificou a
compreensão de que os problemas do sistema educacional brasileiro eram de ordem
qualitativa e, em conseqüência, sua resolução se daria por meio da “descentralização dos
processos decisórios com a participação de todos os segmentos da sociedade, que devem
contribuir, controlando e avaliando as ações implementadas e a utilização dos recursos
públicos na política educacional”, portanto, uma questão, fundamentalmente, de
gerenciamento.
Após a inicialização dada no governo Collor para a implementação do
neoliberalismo no país, seguiu-se a sua consolidação ao longo dos oito anos do governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002). Com o cenário político que estava
sendo positivo em seu favor, este governo elegeu a educação como um dos principais suportes
para o projeto neoliberal direcionando o sistema educacional para assumir a tarefa de preparar
mão-de-obra em vista ao atendimento às demandas empresariais da modernidade (NEVES,
1997, p. 83). É neste sentido que o governo FHC deu um destaque à universalização da
escolarização básica (entendida como restrita ao ensino fundamental) para que, através dela,
às novas gerações de trabalhadores desqualificados fossem propiciadas instrução e
qualificação mínimas, necessárias para a elevação do nível de racionalidade do trabalho
simples (ibid.). Nesta mesma direção caminha a análise de Boneti (2000) quando, a partir dos
estudos que realizou em áreas rurais em processo de mudança da base técnica produtiva, este
autor constatou uma diferenciação no processo de disseminação do conhecimento tecnológico
por parte do poder estatal. Aliás, mais que uma diferenciação, tal disseminação teria
provocado uma seletividade entre os sujeitos sociais, ou seja, o repasse dos conhecimentos foi
feito de acordo com o espaço que os sujeitos sociais ocupavam nos espaços da produção.
Mesmo com o referido direcionamento, é importante lembrarmos que também,
ao longo da década de 1990, houve um forte movimento na sociedade brasileira em favor da
universalização da educação básica como um direito inerente aos indivíduos para poderem,
assim, participar da condição de cidadania.
Em consonância com os ditames e análises feitos sob a ótica neoliberal, ao
longo de toda a década de 1990, a educação brasileira foi alvo de um intenso processo de
reformas para adequá-la às exigências da economia globalizada e, assim, se coadunar ao
cenário então dominante. Para a implementação de tal processo foi dada a justificativa de que,
uma vez tendo sido avaliado como atrasado e ineficiente, o sistema educacional carecia ser
modernizado. Desta forma, o sistema educacional brasileiro deveria demonstrar excelência e
106
eficácia em seus resultados e, ainda, endossar os parâmetros da competitividade que integra a
racionalidade econômica.
No âmbito das reformas que foram realizadas no sistema educacional do nosso
país, o ensino fundamental foi interpretado como já sendo atendimento da educação básica, o
que contraria a própria legislação maior do ensino nacional, a LDBEN 9394/96. Esta
interpretação, entre outros fatores, decorreu da preocupação em proporcionar um mínimo de
conhecimentos à classe trabalhadora para que a mesma estivesse a serviço dos processos
produtivos. Por outro lado, tal minimização da educação escolar configura-se, na verdade,
como um forte e sério retrocesso no movimento em prol da democratização do ensino que,
cada vez mais, vem sendo empreendido pelos educadores, aliados a setores sociais
progressistas, como sendo garantia de acesso e de permanência gratuitos e com sucesso para
que, então, possamos falar de efetiva cidadania. Para atingir as finalidades que lhe foram
reservadas pelo neoliberalismo, a educação brasileira, sobretudo na formulação das políticas
educacionais, passou a ser regida pelas principais estratégias que integram o programa
ideológico neoliberal: a descentralização, a privatização e a focalização.
No que diz respeito à implementação da descentralização na educação
brasileira, convém situarmos que, na década de 1980, encetando o processo de
redemocratização, o país ainda se encontrava envolto no histórico cenário de centralização
que marcou, em múltiplos aspectos, a sociedade brasileira incluindo, obviamente, o setor
educacional. Fazendo este destaque queremos ressaltar que as propostas de descentralização
encontraram um clima favorável tanto para o seu acolhimento como para a sua efetivação,
pois pareciam coincidir com os anseios dos educadores e dos setores sociais progressistas que
reivindicavam mais e maior poder de decisão e de autonomia para os espaços locais.
Entretanto, de acordo com a análise feita por França (2005, p. 34), a descentralização
apresentada nos documentos governamentais e defendida pelos empresários, se constituía, na
verdade, como uma estratégia a partir da qual seriam ampliados os interesses do capital
privado para o setor educacional e, assim, ser implementado um novo paradigma na gestão
escolar, “denominado de gestão da qualidade total” (Ibd.).
Assim, já no ano seguinte à posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, o
Ministério da Educação encaminhou uma série de medidas descentralizadoras na perspectiva
neoliberal. Estas medidas, de acordo com Draibe (2001, p. 69), agrupavam-se nos seguintes
planos ou níveis:
107
1
o
) no plano pedagógico, destacando-se como sua principal materialização a
elaboração e edição dos Parâmetros Curriculares;
2
o
) redimensionamento dos recursos e gastos financeiros com a
institucionalização do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF);
3) montagem de um sistema de regulamentação e supervisão do ensino sendo
criado, para tal, o Sistema Nacional de Avaliações Educacionais que, posteriormente, gerou a
criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) e o Exame Nacional de Cursos, mais conhecido como “Provão”
43
.
4) radicalização da descentralização dos programas federais de apoio ao ensino
fundamental envolvendo os programas de “Dinheiro na escola”, merenda escolar, capacitação
docente e outros.
Mesmo concordando com esta autora a respeito da existência de ganhos do
ponto de vista da eficácia e da eficiência, trazidos pelos programas analisados, consideramos
que, numa perspectiva progressista da autonomia da escola, tais medidas não expressaram
uma efetiva descentralização que possibilitasse aumento de poder de decisão às unidades
escolares para, entre outros aspectos, gerirem os recursos recebidos e, ainda, estabelecerem
metas e prioridades coletivamente discutidas
44
. Ainda sobre a elaboração e implantação de
tais programas, podemos lembrar a ocorrência de um estilo não democrático uma vez que
(sobretudo no caso dos PCNs) pouco espaço foi dado aos educadores e suas entidades
representativas para que exercessem uma efetiva participação nos debates sobre os mesmos
programas.
Ainda que, por força de um dispositivo constitucional e da resistência da
sociedade em se opor à privatização da educação básica, não exista uma privatização do
43
Coerente com o modelo neoliberal adotado, o governo de Fernando Henrique Cardoso, através do seu
Ministério da Educação, sem uma discussão ampla com os educadores, decretou e implantou um sistema de
avaliação para o ensino fundamental, o SAEB, e outro para o ensino superior por meio da análise dos resultados
do chamado Exame Nacional de Cursos, o Provão que, no atual governo do presidente Lula, foi substituído pelo
Exame Nacional de Cursos. Como sabemos, de acordo com os resultados de tais avaliações é estabelecido um
“ranking” institucional definindo as instituições que passam a ser consideradas como centros de excelência. A
respeito destes procedimentos avaliativos é bastante comum entre os pesquisadores a opinião de que eles
expressam “uma avaliação que não avalia as condições de produção dos processos de ensino e não envolve
diretamente o corpo docente, portanto não é avaliação e sim uma mensuração” (FRIGOTO & CIAVATA, 2003,
mimeog.).
44
Detendo-se especificamente no programa do FUNDEF, Rodrigues (2001) analisa que a sua implementação,
além de uma fratura no sistema de educação básica (desorganizando os sistemas estaduais e grande parte dos
sistemas municipais de ensino), também resultou em grande número de efeitos perversos no interior da política
de financiamento do setor educacional exemplificado na retirada de recursos dos níveis de ensino pré-escolar,
supletivo e superior que não são contemplados por tal programa.
108
ensino público brasileiro (leia-se da escola básica) devemos ficar atentos para uma forma
disfarçada com que esta estratégia está sendo implementada, ou seja, através do
estabelecimento de parcerias com instituições que não integram o corpo estatal e, nitidamente,
compõem a esfera privada – empresas comerciais, industriais, bancárias e outras – dando,
assim, uma nova versão à secular ingerência do setor privado na esfera pública
45
. Ao que
indica, é nesta direção que parecia caminhar a proposta bresseriana de institucionalização da
híbrida figura da esfera do público não-estatal (BRASIL, 1995, p. 17 et seq).
Para que melhor seja compreendido o fenômeno da privatização da educação
brasileira, sobretudo no que diz respeito à educação básica, é importante que sejam levadas
em consideração dois importantes registros feitos por Gentili (2000, p.106ss): primeiro, a
privatização da escola pública não se processa da mesma forma como ocorre em outras
entidades ou setores nos quais o aparelho estatal desempenha um papel monopolista ou quase
monopolista; segundo, é necessário ser superada a compreensão de que a privatização seja
restrita a um processo de compra e venda. Apenas nesta compreensão, jamais se poderia
responsabilizar o Estado brasileiro – ou alguma outra instância administrativa pública em
esfera menor – por ter vendido alguma escola (ou, ainda, estar cobrando mensalidades
escolares na educação básica). Num sentido mais amplo, a privatização no setor educacional
ocorre quando este processo beneficia a poucos e prejudica a muitos.
Constituindo-se numa disfarçada privatização do setor educacional brasileiro
seja lembrado, também, que, no governo FHC foi delegada considerável parte de
responsabilidade à iniciativa privada pela execução da política científica e tecnológica em
cujo bojo a capacitação profissional estava incluída. De acordo com o registro de Neves
(1997), ao longo da década de 1990, foi sendo ampliada a participação do empresariado no
setor educacional, quer seja no sentido de oferecer o ensino em seus diferentes níveis
(obviamente, pago) como também no sentido de interferência na elaboração das políticas
educacionais. Neste sentido podemos registrar uma contradição por parte dos donos do capital
quando, por exemplo, é dito que “os empresários sabem muito bem que não podem cuidar
45
Para ilustrar a concretização de tal tipo de estratégia no cenário educacional de Pernambuco, trazemos aqui
um exemplo envolvendo um tradicional estabelecimento de ensino público deste Estado, localizado na capital
pernambucana, o “Ginásio Pernambucano”. Para fazer deste estabelecimento de ensino uma “escola modelo”, o
governo do Estado realizou parceria com uma empresa privada para que a mesma financiasse parte da
restauração física desta escola. No acordo firmado, constou que uma das condições para que o “Ginásio
Pernambucano” iniciasse sua nova fase, tanto os antigos alunos como os professores teriam que se submeter a
um processo seletivo para que nele pudessem permanecer. Nesta mesma linha de privatização disfarçada também
se encaixa a utilização da estratégia da terceirização dos trabalhadores encarregados dos chamados “serviços
gerais” nos estabelecimentos da rede pública de ensino deste Estado.
109
melhor das escolas do que o governo ou ao invés do governo. Essa não é sua
responsabilidade, sua missão e, muito menos, sua intenção” (INSTITUTO HERBERT LEVY,
1993, p. 7). Entretanto, neste mesmo texto que contém as propostas do empresariado
brasileiro para o ensino público, é reconhecido que
existem no Brasil um expressivo número de iniciativas de empresas na área
do ensino fundamental. As razões para essas iniciativas são as mais variadas,
indo desde a pura filantropia, até o envolvimento pessoal do empresário na
rotina das escolas ou na própria política educacional (Ibid., 105, o grifo é
nosso).
Inclusive, em outro momento, ao ser admitida a existência de variados modos
de participação das empresas na educação é reconhecido que existe um terceiro tipo no qual
“a empresa vai mais longe e toma conta de algumas escolas” (Ibid., 106).
A respeito de como pode ocorrer a ingerência do setor privado sobre a
educação pública, Oliveira (2000, p. 156 et seq.) exemplifica o caso de Minas Gerais no qual
a Federação das Indústrias deste Estado chegou a instituir um conselho educacional
específico, ou seja, o Conselho de Educação do Sistema da FIEGM. No intuito de “ajudar” a
escola, este Conselho apresenta um elenco de ações e atividades que poderia realizar. Dentre
outras, a título de exemplo, destacamos os seguintes: proporcionando treinamento para os
membros do colegiado escolar; ajudando o desenvolvimento pessoal e profissional de
professores através de palestras e cursos; premiando os melhores alunos; ministrando aulas e
palestras especializadas em suas dependências; ajudando alunos ‘problemáticos’ e
‘desasjustados (apud OLIVEIRA, 2000, p. 166).
Como uma outra forma de privatização da educação, também podemos lembrar
a que se dá por meio da produção e venda de serviços educacionais (o caso, por exemplo, do
telecurso da Fundação Roberto Marinho vendido e implementado em vários sistemas
estaduais de educação).
Que a iniciativa privada também possa prestar serviços educacionais é algo
que, em princípio, consideramos como não se constituindo um problema em si uma vez que,
numa sociedade efetivamente democrática e plural, tal forma de oferta de serviço educacional
pode ser legítima para viabilizar o direito de liberdade de escolha das famílias que possam
e/ou queiram arcar com o ônus de uma educação e de uma escola que lhes pareçam mais em
consonância com suas convicções e necessidades e, ressaltamos, livremente queiram abdicar
do direito de uso da escola pública possuidora de qualidade igual ou superior à escola privada.
O que se torna inadmissível é a desobrigação do Estado para com a educação
110
disponibilizando-a para ser explorada pelo mercado e, conseqüentemente, gerando uma
incontrolável expansão da educação privatizada e uma inquietante estagnação da rede pública
como estamos vendo acontecer em nosso país, sobretudo em relação ao ensino superior.
Diante de tal quadro, o que resta às camadas empobrecidas? Parece-nos que sejam poucas as
alternativas: (i) conformar-se em permanecer na escola pública desprovida dos recursos
necessários para um ensino de qualidade ou (ii) sobrecarregar-se com o ônus financeiro do
ensino particular mesmo que isso implique em sensível sacrifício no orçamento familiar ou,
então, valer-se do populismo do poder estatal que induz a uma disfarçada e imoral
inadimplência.
Os próprios dados oficiais podem ser invocados para que se visibilize a
ocorrência do fenômeno da privatização no Ensino Fundamental. Vejamos: enquanto o Plano
Nacional de Educação, datado de 09/01/01, querendo acentuar a universalização do ensino
público, no nível fundamental, afirma que “em 1998, o ensino privado absorvia apenas 9,5%
das matrículas” (BRASIL, 2001, p. 59), três anos depois o Ministério da Educação divulgava
que a rede privada detinha 10,9% das matrículas havendo, portanto não uma redução e nem
mesmo uma estagnação, mas, sim, um aumento de 1,4% de matrícula na rede privada (MEC,
2004, p. 8). Diante de um provável argumento de que esse seja um número pequeno, vale
salientar que, na verdade, os 10,9% de matrículas na rede particular significam nada mais,
nada menos que 425.232 alunos. Mesmo não dispondo de dados sobre a procedência destes
alunos, todavia, não se pode pensar que sejam todos eles oriundos de classes sociais
economicamente abastadas, haja vista um considerável número de pais que, mesmo tendo um
baixo poder aquisitivo, fazem um grande esforço para matricularem seus filhos em escolas
particulares em decorrência da situação de fragilidade e abandono em que se encontra a rede
pública.
A partir do processo de redirecionamento da ação do Estado na educação
pública, podemos apreender que, em relação ao financiamento da educação nacional, esta
ação tenha sofrido mais um aspecto neoliberalizador. Com efeito, contrariando o movimento
que foi realizado pelos mais diversos setores sociais progressistas em favor do aumento e da
garantia de recursos para a educação pública, na década neoliberal (1990) não houve um
substancial aumento do financiamento para este setor educacional. Ao contrário, em três
importantes ocasiões nas quais a legislação poderia incorporar os anseios da sociedade por
mais verbas para a educação, mais uma vez o poder estatal retraiu-se. Como no-lo aponta
Pinto (2002, mimeog.), isto ocorreu por ocasião da aprovação da LDB 9394/96, na
promulgação da Emenda Constitucional de número 14 que, entre outras medidas, criou o
111
FUNDEF e, ainda, no ensejo da aprovação do Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de
09/01/01).
Diante das metas estabelecidas para os próximos 10 anos no PNE,
fundamentalmente voltadas para a universalização da educação básica que iriam requerer um
investimento na ordem de 10% do PIB nacional, como se entender que o presidente FHC
tenha vetado o artigo que elevava os gastos públicos em educação para até 7,0% do PIB
nacional
46
? Para respondermos a esta indagação recordamos que os cortes ou mesmo a
estagnação de recursos para a educação pública não estão desvinculados da análise neoliberal
de que os recursos existentes e disponíveis para a educação são suficientes e, portanto,
necessitam apenas ser melhor gerenciados. Entretanto, como os pesquisadores têm
demonstrado, este argumento não tem sustentação real. Tomando-se, por exemplo, a análise
apresentada por ocasião do 5º. Congresso Nacional de Educação, promovido pelo Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública (Recife, 2 a 5 de maio de 2004), no cenário latino-
americano, o Brasil se destacava como sendo um dos países que menos investia no setor
educacional (V. CONED, 2005, p. 12 et seq.). De uma listagem de nove países desta região,
no período de 2000 a 2001, o Brasil ocupou o 7º. lugar em gasto público, do PIB com
educação, só chegando a ganhar apenas do Peru e do Uruguai
47
.
No que tange à estratégia da focalização neoliberal, podemos identificar a sua
aplicação no setor educacional brasileiro com a paulatina diminuição (sobretudo, no que diz
respeito à promoção e sustentação financeira) da ação do poder estatal em relação à educação
pública e, ainda, em sua retração na oferta do ensino gratuito cada vez mais limitado ao
Ensino Fundamental, uma vez que, apenas este não contempla a educação básica. Lembrando
o caso da educação infantil
48
e da educação de jovens e adultos que não são contemplados por
verbas federais e que as unidades federativas declaram não possuir suficientes recursos para o
seu financiamento, não podemos ver nisto a materialização de uma focalização excludente na
política educacional? Por outro lado, este tipo de estratégia ainda pode ser visualizado na
46
Confirmando o parâmetro privatista que dominou a política educacional na década de 1990, vale salientar que,
na exposição de motivos para o veto, foi explicitado que havia sido decorrente de orientações da área econômica
do governo, através dos Ministérios do Planejamento e da Fazenda.
47
Por ordem de gasto público (PIB) no setor educacional, os países latino-americanos selecionados foram: Cuba
(8,5%), Bolívia (5,5%), Paraguai (5,0%), Argentina (4,6%), Chile (4,2%), México (4,4%), Brasil (3,8%), Peru
(3,5%) e Uruguai (2,8%).
48
Convém mencionarmos que, no ano de 2002, os dados oficiais do próprio Ministério da Educação apontavam
para a existência de quase 13 milhões de crianças que, até 6 anos de idade, ainda não estavam sendo beneficiadas
pela educação infantil na rede escolar.
112
concentração feita pelo poder público sobre a gestão da escola como se esta questão fosse o
único fator determinante para a melhoria da aprendizagem e sucesso do sistema educacional.
Na ênfase dada à gestão da escola, diferentemente das propostas dos
educadores e dos setores sociais progressistas, que apostavam na democratização, a política
educacional neoliberal enveredou pelos caminhos do compartilhamento da gestão. Como
afirma Melo (2000, p. 247), basicamente, este compartilhamento consiste em “envolver
pessoas e buscar aliados de boa vontade que se interessem em salvar a escola pública” e
aponta o programa “Amigos da Escola” e o Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE) como
exemplos deste compartilhamento da gestão. Com os “Amigos da Escola” a solução dos
problemas da unidade escolar (mormente na ordem de recursos materiais e financeiros) passa
a ser assumida pelos envolvidos neste programa e, por sua vez, o PDE trata-se “de um plano
de metas, calcado no pragmatismo de resultados estatísticos e na paranóia da otimização, da
eficiência a qualquer custo” (Ibid.). Como podemos ver, tal compartilhamento constitui-se, na
verdade, num reducionismo ideológico.
Diferentemente dos anseios dos educadores e de outros segmentos da
sociedade brasileira que reivindicavam a democratização da política educacional nacional
(que pressupõe uma efetiva participação da sociedade nos processos de elaboração das
diretrizes educacionais), no transcorrer da década de 1990 a elaboração e implementação das
nossas políticas educacionais seguiram, justamente, outro curso, ou seja, com menor
participação da sociedade.
É bem verdade que não foi apenas em relação ao setor educacional que os
governos dessa década tiverem uma relação desencontrada com a sociedade, sobretudo com
os educadores e as suas entidades representativas, mas nesta área, de modo especial nas duas
gestões do governo FHC, muitos foram os embates travados entre a área governamental e os
educadores. Neste sentido, destaca-se o que ocorreu em relação com o chamado “Pacto pela
Valorização do Magistério e Qualidade da Educação” que havia sido objeto de debate e
discussão entre o governo federal e as entidades representativas dos educadores – estes,
representados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) – ao
longo dos primeiros anos da década de 1990 e, mais especificamente, em função da
Conferência de Jomtien (1990) e da Conferência Nacional de Educação para Todos (setembro
de 1994), portanto, nas gestões de governo dos presidentes Fernando Collor de Melo e Itamar
Franco. Mesmo em meio a vários dissensos, foi possível que, no dia 19 de outubro de 1994,
fosse firmado o chamado Acordo Nacional de Educação para Todos no qual, entre outros,
constavam os seguintes pontos:
113
(...) 7. Fortalecimento da instituição educacional como unidade pedagógica,
administrativa e financeira, dotada de condições para a realização de próprio
projeto, em consonância com as diretrizes nacionais, estaduais e municipais.
(...)
9. Garantia de Estatuto do Magistério, Plano de Cargos e Salários e piso
salarial profissional nacional, negociados com entidades representativas do
pessoal docente e de outros setores da sociedade.
(...)
14. Participação dos diversos segmentos da sociedade civil nos processos de
elaboração e implementação de políticas e avaliação da educação básica,
com a conseqüente co-responsabilidade pelos seus resultados
(PROPOSTA..., 1993, p. 259).
Integrando os chamados “programas de emergências”, através dos quais seriam
mediadas a universalização, a equidade e a qualidade da educação básica, na perspectiva da
“Educação para Todos”, ficou estabelecido no Pacto que
para obter equidade e qualidade na educação, faz-se imprescindível a
implantação de um piso salarial, profissional nacional do magistério de, no
mínimo, R$ 300,00 (trezentos reais), com garantia de seu poder aquisitivo
em 1º. de julho de 1994 (Id., p. 266)
49
.
Entretanto, no ano seguinte, por parte do governo FHC o pacto foi rompido e a
partir disso o confronto entre o governo e os educadores foi intensificado. Sem sombra de
dúvidas, este acontecimento representou um divisor de águas na história da educação pública
brasileira, pois os educadores – não obstante o discurso participacionista que a sociedade civil
e política havia construído desde a década de 1980 – foram rechaçados da possibilidade de
também serem parceiros do processo de elaboração e edificação de políticas educacionais
possibilitadoras da democratização da educação pública em nosso país.
Nessa mesma década, em consonância com a diretriz adotada para a política
geral, ou seja, de ajuste às demandas do capital internacional, a política educacional nacional
foi definida de forma centralizada e, conseqüentemente, dispensando o concurso da sociedade
organizada. Como exemplos desta condução, destacamos os seguintes:
a) a criação do Conselho Nacional de Educação (CNE), através do Decreto-lei
9.131, de 24/11/95. A criação deste órgão foi realizada na contramão dos anseios
democráticos dos setores sociais progressistas que também haviam proposto um organismo
desse tipo, porém autônomo em relação ao executivo e sua composição seria feita por
representantes das entidades dos docentes, do Ministério da Educação e da Câmara Federal,
49
Valor válido para professor, em início de carreira, com habilitação mínima em nível de 2º. Grau e
que estivesse no exercício de atividade técnico-pedagógica em unidade escolar.
114
em três proporções iguais. Seria ainda, um Conselho de caráter consultivo e deliberativo.
Entretanto, o governo FHC instituiu o Conselho Nacional de Educação atrelado ao Ministério
da Educação e dos Desportos para colaborar na formulação e avaliação das políticas nacionais
de educação. Na verdade, este Conselho não conseguiu passar da condição de mero
colaborador do poder executivo dada à relação de dependência que possui com este poder.
Aliás, no texto da LDBN 9394/96, o dito Conselho é concebido como apenas um órgão “com
funções normativas e de supervisão e atividade permanente” (inciso 1º., art. 9º.).
Como exemplo patente dessa função mínima do Conselho Nacional de
Educação temos o caso da inversão ocorrida por ocasião da elaboração de dois importantes
documentos de política nacional: os Parâmetros Curriculares primeiramente foram elaborados
pelo Ministério da Educação e só depois foi que o Conselho Nacional de Educação elaborou
as Diretrizes Curriculares Nacionais. Dada a abrangência dos Parâmetros Curriculares, era de
se esperar que a sua elaboração fosse realizada pelo Conselho Nacional de Educação. Em
síntese, como aponta Leher (2004, p. 33), ao invés de um órgão de Estado, o Conselho
Nacional de Educação tornou-se um órgão de governo diferente, portanto, da proposta do
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
b) A aprovação, em 21/12/95, do Decreto-lei N. 9.129 que dispõe sobre o
processo para a escolha dos dirigentes universitários. Nesta lei, apesar da reivindicação dos
estudantes, a sua participação nos processos eletivos para dirigentes universitários (bem como
dos funcionários) foi reduzida para apenas 30% do peso do número de votos.
c) A alteração do artigo 60 das disposições transitórias da atual Constituição
quando, pela emenda número 14, de 12/09/96, o governo FHC instituiu o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério/FUNDEF. Concordando com Arelaro (2000, p. 104), esse dispositivo legal
modificou substancialmente as concepções expressas na Constituição Federal de 1988 ao: (i)
priorizar o atendimento do ensino fundamental de forma quase que exclusivista, (ii)
desobrigar a União pelo atendimento da educação infantil, (iii) reformular o papel da União e
das outras esferas administrativas em relação à garantia da educação básica e (iv) alterar a
concepção de autonomia universitária e, nela, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão.
Também em relação àquilo que deveria se constituir num novo processo
participativo envolvendo a sociedade brasileira em torno da discussão da “Carta Magna” da
115
educação nacional – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – o governo FHC
pressionou o Congresso Nacional para que aprovasse o projeto de lei elaborado pelo senador
Darcy Ribeiro; praticamente este foi um novo texto que, assim, desconsiderou quase todo o
projeto anterior, elaborado pelos educadores, que estava em discussão e que havia suscitado
intensos debates na sociedade. Ao fazer isso, o governo FHC encerrou
o processo de luta pela promulgação de uma nova LDB que refletisse as
conquistas sociais garantidas pela Constituição de 1988, no qual as entidades
representativas dos educadores, organizadas no Fórum, tiveram um papel
preponderante (MENDONÇA, 2000, p. 114).
Além da demonstração do poder de hegemonia do Executivo sobre o
Legislativo, a aprovação da LDB 9394/96 serviu para confirmar a análise feita por Diniz
(1997, p. 178) do monitoramento da agenda do poder legislativo, por parte do poder executivo
que vinha ocorrendo desde o início da chamada “Nova República” (1985 a 1990).
No tocante aos anseios por uma efetiva gestão democrática da educação e da
escola, como defendido pelos educadores e entidades agregadas no Fórum Nacional em
Defesa da Escola Pública, entendemos que a aprovação da LDB concebida por Darcy Ribeiro
também significou uma outra perda na medida em que seu texto apenas aponta o princípio da
gestão democrática, trata-o isoladamente, em poucos artigos e, ainda, de uma maneira muito
vaga e ambígua.
Diante da demonstração do poder de força do governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso sobre os educadores e as forças sociais progressistas que se empenharam
por uma nova LDBEN que melhor correspondesse aos anseios democráticos da sociedade
organizada, restou a estes lutarem para que, não obstante as mutilações sofridas pelo projeto
que fora aprovado, os avanços que foram possíveis ser incorporados na nova lei educacional
sejam efetivamente implementados.
Em relação ao caráter descentralizador impresso às políticas educacionais na
década neoliberal podemos, a exemplo de Dourado et al. (2003), registrar que, por trás de
todo um aparato de medidas descentralizadoras, foi sendo tecido um movimento de
recentralização na medida em que as decisões de política nacional foram tomadas no âmbito
central (no MEC) de modo especial em três estratégicos setores, o do currículo, do
financiamento e da avaliação. Especificamente em relação a este último setor, vale frisar que
a recentralização foi acentuada pelo fato de os processos de avaliação externa, estabelecidos
para serem aplicados nos vários níveis do sistema educacional nacional, terem obedecido a
116
parâmetros pensados em contextos bastante diferentes da realidade brasileira indo, assim, em
direção contrária à possibilidade de um efetivo exercício de autonomia por parte da escola.
Ainda em relação à realidade brasileira, lembramos que, fazendo parte do
conjunto das reformas que, ao longo da década de 1990, foram feitas no sistema educacional
nacional, a escola passou a ocupar um lugar de centralidade no sistema e, mais precisamente,
passou a ser vista como núcleo da gestão. Em função deste nucleamento é que foi incentivada
a outorga da autonomia para a escola que, no contexto do Estado neoliberal, ficou restrita a
alguns aspectos de descentralização administrativa e financeira. Vale salientar que na década
anterior (1980), na ótica dos movimentos sociais e da dinâmica em vista da democratização da
sociedade brasileira, a escola havia sido reconhecida como um espaço social importantíssimo
a ser democratizado daí, como veremos no capítulo seguinte, ser desencadeada uma série de
ações e experiências em vista da democratização do espaço escolar bem como dos processos
educacionais mais amplos.
Mesmo que breve, a referência feita as duas décadas acima (1980 e 1990) nos
ajuda a supor um pouco do impacto que o direcionamento neoliberal provocou na educação e
no conseqüente lugar e função social atribuídos à escola. Sobre estes dois diferentes
momentos e posicionamentos, convém enfatizar que essa aparente convergência não resultou
de um efetivo consenso nascido de uma relação de diálogo entre atores portadores de
diferentes compreensões. Em verdade, a centralidade dada à educação e à escola, nesses dois
diferentes momentos, representou mais uma prática de cooptação das idéias e propostas
expressas pelos educadores e pelos setores sociais progressistas ao longo da década de 1980,
por parte dos defensores do projeto neoliberal na década de 1990.
Na perspectiva do modelo de gestão adotado pela política educacional de cariz
neoliberal, foi conferido ao Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) um papel e uma
função estratégicas para visbilizar tal modelo. Entretanto, além de representar uma oposição
às propostas dos educadores que defendiam o Projeto Político-Pedagógico como sendo o
instrumento mediador da gestão democrática da escola, o PDE (como podemos inferir a partir
das recomendações do Programa de Pesquisa e Operacionalização de Políticas Públicas
(1997, p. 52 et seq.), ainda que seja apresentado como um instrumento participativo, possui
um direcionamento gerencialista, ou seja, calcado no gerenciamento dos recursos financeiros
a serem destinados às escolas.
Integrando um processo que Shiroma et alii (2000, p. 75) chamam de
interlocução nacional e Silva (2002) cognomina de consentimento aos ditames da intervenção
do Banco Mundial, houve, na década de 1990, diversas outras medidas e ações para
117
congregar interesses do capital em torno da educação a ponto de os empresários ligados ao
setor industrial (bem como de outros setores, incluindo o educacional) reeditarem o discurso
da educação como capital humano e, conseqüentemente, desenvolverem iniciativas para a
geração e aperfeiçoamento da força de trabalho que o mercado produtivo estava a exigir.
Nessa linha de congraçamento dos interesses do capital, podemos destacar o
encontro realizado, no ano de 1995, entre representantes de vários ministérios do governo
FHC, algumas centrais sindicais e organizações empresariais, resultando na publicação de um
documento intitulado “Questões Críticas da Educação Brasileira” no qual podem ser
encontradas antecipações das orientações da LDB que viria a ser promulgada no ano seguinte.
O documento também aponta para a clara intenção de realizar “a adequação dos objetivos
educacionais às novas exigências do mercado internacional e interno e, em especial, à
consolidação do processo de formação do cidadão produtivo” (Id., p. 78).
Foi, portanto, em meio ao contexto e acontecimentos acima descritos, com a
promulgação da LDBEN 9394/96, que a autonomia escolar foi institucionalizada no sistema
educacional brasileiro. Entretanto, seja enfatizado que esta institucionalização não significou
o reconhecimento de uma necessidade de a escola possuir autonomia para que pudesse
cumprir suas finalidades e objetivos educacionais e se constituir num novo parâmetro do
relacionamento entre Estado e sociedade. A institucionalização da autonomia da escola, nos
moldes como aconteceu, foi feita em observância aos ditames e monitoramentos externos
contando, também, com a aquiescência interna configurando-se, assim, por analogia, um
processo de reelaboração dos sonhos dos educadores e dos setores sociais progressistas por
uma escola democrática e autônoma.
Todavia, a “autonomia outorgada” é apenas um lado da moeda ou apenas um
“capítulo” de uma longa história. A autonomia da escola faz parte da história, dos sonhos e
dos anseios dos educadores progressistas e de todos aqueles que encaram a educação numa
perspectiva emancipatória, ou seja, um processo educativo que tenha
na democratização da escola o seu eixo central, do qual deriva o
compromisso político com a viabilização de um intenso processo
participativo, para concretizar um ensino de qualidade social, vinculado à
realidade e articulado com o projeto de desenvolvimento do Estado
(CAMINI et al., 2001, p. 45).
Num esforço de identificarmos o surgimento histórico da autonomia escolar, de
cunho neoliberal, nas políticas educacionais do nosso país, podemos localizar que tal ocorreu
no governo Collor. Mais precisamente, a defesa da autonomia escolar, de cariz neoliberal,
118
começou a tomar corpo por ocasião da realização de um seminário nacional, nos dias 17 a 19
de novembro de 1991, na cidade de Pirenópolis (Estado de Goiás).
Promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) tendo por
“finalidade apresentar ao Ministério da Educação propostas de reformulação de políticas de
educação básica, em face dos consensuais problemas que afetam o ensino fundamental: má
qualidade, ineficiência e tratamento díspar de iguais” (RELATÓRIO... apud GOMES e
AMARAL SOBRINHO, 1992, p. 5), este Seminário teve suas atenções concentradas em
quatro temáticas, a saber: políticas e estratégias governamentais na perspectiva da qualidade,
relações entre atores e gestores do sistema educacional, fontes de financiamento e gestão
educacional. Integrando esta quarta temática, a professora Guiomar Namo de Mello
apresentou uma reflexão de sua autoria, intitulada de “Autonomia da escola: possibilidades,
limites e condições” (Mello, 1992, p. 175 - 206).
A partir da reapresentação do texto de Mello em outro trabalho (Id., 1994),
podemos analisar que, ao mesmo tempo em que a autonomia escolar é apresentada com
características progressistas (como por exemplo, em função da gestão democrática da escola e
mediada pelo projeto pedagógico), este princípio é considerado como sendo uma estratégia
possível e negociável em vista da apresentação de resultados educacionais os quais, por sua
vez, seriam auferidos por um sistema de avaliação externo à escola. Tal avaliação constituiu-
se numa tônica constante no texto de Mello a ponto de poder ser vista como uma
contrapartida indispensável para a unidade escolar que quisesse assumir a dimensão de
autonomia. Vale destacarmos que, em obra anterior ao Seminário de Pirenopólis, Mello
(1990) já advogava a necessidade da institucionalização “de mecanismos de avaliação dos
resultados – aferidos pela aprendizagem do alunado – que permitam responsabilizar, cobrar,
fiscalizar, incentivar” (Ibd., p. 26).
Mesmo que tenha sido apresentada como uma segunda alternativa para o
cálculo do financiamento da escola, não podemos deixar de passar despercebida a indução
feita por Mello para “alguma participação dos pais ou da comunidade no financiamento das
despesas escolares” (1994, p. 150). Para a compreensão desta indução é importante salientar a
consideração feita, por esta autora, de que “os pais, os próprios alunos e membros da
comunidade, no contexto de uma escola autônoma, são os clientes efetivos dos serviços por
ela prestados” (Ibid.). Como podemos inferir, esta racionalidade esconde uma inversão, ou
seja: a educação pública deixa de ser um direito a ser proporcionado ao cidadão para se
converter num serviço a cobrado aos seus usuários.
119
Dando margem para que o Estado reduzisse sua atuação na promoção e
manutenção da educação pública, sem meias palavras, Mello indagava:
Por que cada escola pública estatal com sua equipe não pode ser entendida
como uma unidade autônoma, cujos “donos” seriam pais e professores que
receberiam recursos para administrá-la e seriam recompensados pela
melhoria de seu desempenho? Melhoria esta avaliada pela administração ou
por entidades idôneas com critérios objetivos e imparciais. Por que não
pensar num regime de promoção e remuneração dos professores que leve em
conta o mérito? Por que não delegar competência e responsabilizar pelos
resultados, premiando os que se saiam melhor? Não é isto que fazem as
escolas particulares, em última instancia? A escola particular tem dono e
cobrança dos usuários. Não seria um caminho saudável para a escola
pública? (Ibid.).
Como os fatos, posteriormente
50
, iriam confirmar, sutilmente estava sendo
disseminado um modelo de autonomia da escola alinhado à ideologia neoliberal.
3.3 O MONITORAMENTO EXTERNO DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO
Para que melhor se compreenda a formatação neoliberal com que a educação
brasileira foi revestida, ao longo da década de 1990, há um fenômeno a ser analisado à parte,
pois, a partir dele, as políticas educacionais nacionais passaram a sofrer interferências
externas em seus processos de formulação e implementação a ponto de se constituir num
verdadeiro monitoramento destas políticas. Por meio deste monitoramento também ocorreu
uma das expressões de materialização da diminuição da autonomia nacional (dos países
periféricos, diga-se de passagem) que, como já vimos em outro momento, é uma dinâmica que
integra o projeto globalizante e neoliberal. Desta maneira, nesta secção será analisado como
se deu o monitoramento externo do sistema educacional nacional por meio do Banco
Mundial, dos grandes eventos – de Jontiem a Dakar – nos quais a educação foi objeto de
intensos debates e formulações, do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o
Caribe (PROMEDLAC) e, por fim, da Comissão Econômica para a América Latina/CEPAL.
3.3.1 O Banco Mundial: financiador e monitor de políticas sociais e educacionais
50
Dentre outros fatos, subtenda-se a ascensão do PSDB à presidência da república (governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso) em cuja fundação, organização e identidade política Mello (1990, p. 14) atuou.
120
O Banco Mundial, com sede em Washington, fundado no ano de 1944, no final
da Conferência de Bretton Woods foi, originariamente, instituído para ajudar na reconstrução
física e econômica da Europa, no pós-Segunda Guerra Mundial. Logo depois, incluiu em seus
objetivos a tarefa de ajudar no desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo
51
. O Banco
Mundial é, na verdade, um organismo multilateral de crédito, formado por cinco instituições
financeiras: o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) voltado
para a restauração das economias devastadas pela Segunda Guerra Mundial; a Agência
Internacional de Desenvolvimento (AID – 1960); a Corporação Financeira Internacional (CFI,
1956); a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA, 1960) e o Centro
Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID, 1962).
Com o passar do tempo, de instituição prestadora de financiamento e
assistência técnica a projetos econômicos e sociais específicos, deu-se uma evolução na forma
de atuação do Banco Mundial quando esta instituição passou a prestar serviços de créditos e
de empréstimos, bem como apoiar políticas de desenvolvimento, de segurança e de combate à
pobreza dos países pobres ou em vias de desenvolvimento. Entretanto, endossando o
posicionamento de Silva (2003, p. 291), faz-se necessário dizer que, na medida em que estes
países contraíram mais e novos empréstimos, foi aprofundada a sua dependência em relação
aos países credores, por conta das exigências feitas pelo Banco Mundial que redundavam em
benefícios para o capital. Destarte, como resultados da ação desta instituição financeira,
ocorreu a execução de políticas sociais insuficientes, compensatórias, fragmentadas e
focalizadas que aprofundaram as desigualdades sociais, quer no nível interno das nações quer
no nível da inter-relação dos países entre si. A respeito da atuação do Banco Mundial no
campo social, Soares (1996, p. 17) apresenta uma avaliação bastante negativa sobre a mesma
uma vez que, após cinqüenta anos de operação e empréstimos de mais de 250 bilhões de
dólares, esta instituição financiou um tipo de desenvolvimento econômico que, além da
concentração de renda, também foi gerador da exclusão social. Deste tipo de desenvolvimento
excludente, a existência de mais de 1,3 bilhão de pessoas vivendo em estado de pobreza
absoluta constitui-se na sua visibilização mais dramática.
A prestação de serviços de créditos e de empréstimos foi intensificada na
gestão de Robert MacNamara (1961-1968) quando a educação passou a receber uma atenção
51
O primeiro empréstimo do Banco Mundial, ao Brasil, para o setor educacional, na ordem de 75 milhões de
dólares, data de março de 1946, durante a presidência de Eurico Gaspar Dutra, durante a implementação da Lei
Orgânica do Ensino Industrial de 1942.
121
especial
52
em decorrência da chamada teoria do capital humano. Como é sabido, nas décadas
de 1950, 1960 e 1970, esta teoria exerceu grande influência na América Latina quando, em
grande parte dos seus países, predominava o modelo econômico nacionalista-
desenvolvimentista. Esta teoria tem como pressuposto básico a existência de uma íntima
relação entre educação e desenvolvimento humano, ou seja, quanto maior for o grau de
educação de um povo ou sociedade tanto maior será o seu desenvolvimento econômico. Deste
entendimento derivou o direcionamento da educação tendo como finalidade principal a
formação de recursos humanos para o setor produtivo passando, portanto, a ser considerada
como um investimento econômico. De acordo com o que diz um texto do próprio Banco
Mundial,
la educación, especialmente la educación básica, contribuye a reducir la
pobreza, al aumentar la productividade de los pobres, reducir la fecundidad y
mejorar la salud, y dotar a las personas de las aptitudes que necessitan para
participar plenamente em la economia y em la sociedad (BANCO
MUNDIAL, Prioridades y estrategias para la educación: Examen del Banco
Mundial apud TORRES, 1997, p. 84).
Aos poucos, pelos serviços que realizava, a partir do final da década de 1960, o
Banco Mundial foi adquirindo um poder político a ponto de passar a “intervir e a formular
políticas educacionais para a América Latina, menos pelo montante de empréstimos
aprovados e mais pela sagacidade de manipular os benefícios retirados das políticas sociais”
(SILVA, 2002, p. 58).
Com o discurso de que a educação é um investimento do qual sempre resulta
um retorno positivo de ordem cultural, social, econômica e, no início da década de 1970,
tendo ocorrido a expansão das matrículas nos sistemas educacionais dos países latino-
americanos, o Banco Mundial começou a intervir diretamente na formulação de políticas e
estratégias a serem acatadas por esses países quando eles contraíssem novos empréstimos e/ou
renegociassem suas dívidas. Desta forma, caía por terra o pretenso caráter de cooperação,
assistência ou mesmo de solidariedade com que se apresentava a ajuda realizada pelo Banco
Mundial aos países periféricos do sistema capitalista. Mais ainda: foi desvelada a sua real
intencionalidade que é de exercer um poder de intervenção nas políticas públicas no
continente latino-americano. Para o caso específico das políticas educacionais, Fonseca (2001,
52
Na trajetória do envolvimento do Banco Mundial com o setor educacional, o ano de 1963 aparece como um
marco referencial por, neste ano, ter sido feito o primeiro financiamento desta instituição financeira no setor
educacional, mais precisamente na Tunísia. Como registra Torres (1997, p. 79), “desde entonces y hasta 1990, el
Banco Mundial había concedido créditos por cerca de 10 billones de dólares, intervinieno em 375 proyectos
educativos em 100 países del mundo. Los préstanos han cubierto todos los niveles, desde la educación primaria
hasta la post-universitaria, incluyendo educación vocacional y no-formal”.
122
p. 26) observa que “o carro-chefe dessas políticas é a necessidade de incorporar o setor
educacional ao processo de ajuste econômico, que supõe a diminuição do papel do Estado”.
Acompanhando o processo de reestruturação produtiva, desencadeado a partir
da década de 1970, o Banco Mundial, além de apregoar a diminuição dos encargos
financeiros do Estado no setor educacional, vem direcionando a prioridade de concessão de
empréstimos para uma cesta de insumos educacionais que, na ótica dos seus técnicos, seriam
determinantes para a melhoria do desempenho escolar em países de baixa e média renda, tais
como bibliotecas, material instrucional, livros-texto (Id., 1997, p. 56). Também nessa mesma
década, quando ficou mais evidenciado o fenômeno da pobreza nos países periféricos, o
Banco Mundial concentrou suas atenções nesse fenômeno e passou a implementar ações e
estratégias visando a reduzi-lo. Com este intento, foi considerado que investir na educação se
constituiria numa das estratégias mais viáveis para a redução da pobreza.
Na década de 1980, intensificou-se um novo avanço no processo de
intervenção do Banco Mundial nas políticas educacionais dos países dependentes,
particularmente do Brasil, com a prática da elaboração das políticas sociais e educacionais
feitas em conjunto por técnicos brasileiros com técnicos deste Banco.
No que diz respeito especificamente às políticas educacionais brasileiras,
podemos destacar como interferência do Banco Mundial a aprovação da LDBEN 9394/96,
oriunda do texto do senador Darcy Ribeiro e a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), uma
vez que os técnicos do Banco Mundial teriam manifestado desagrado para com o projeto
elaborado pelos educadores e o Banco ter sugerido que o ensino fundamental fosse objeto,
prioritário, de atenção e da ação do Estado brasileiro. Outro exemplo dessa interferência
podemos encontrar no processo de avaliação adotado para aferir a qualidade do ensino
nacional (referimo-nos aqui especificamente ao SAEB) quando, até 1994, a avaliação era
feita de forma mais descentralizada e com significativa participação das secretarias estaduais
de educação, no que o Banco Mundial discordava. Somente com a retirada das secretarias de
educação, no ano de 1995, é que o Banco Mundial passou a financiar o SAEB. Cumpre frisar
que, com a saída destas instâncias político-administrativas, o sistema de avaliação do SAEB
passou a ser centralizado e, ainda, várias atribuições operacionais foram terceirizadas.
Concordando com a análise de Silva (2002), na década de 1990, quando houve
um substancial aumento do percentual de empréstimos, passando de 5% nos anos de 1980
para 29% entre 1991 a 1994, configurou-se, a partir de então, o processo, de “intervenção
consentida” significando a existência de uma intervenção sistemática do Banco Mundial nas
123
políticas e estratégias da educação básica pública do nosso país, com o consentimento do
governo federal, de parte dos governos estaduais e do aval das elites dirigentes nacionais que
se subscreveram e se alinharam às políticas estabelecidas pelo modelo neoliberal de
desenvolvimento econômico. Além de expressar um enfraquecimento da soberania nacional,
esta intervenção foi agravada pela ausência de um mecanismo de controle que a sociedade
civil pudesse utilizar para vigiar e decidir sobre a aplicação dos recursos financeiros tomados
por empréstimo ao Banco Mundial bem como pela existência de uma auréola de mistério
sobre os documentos através dos quais são firmados os contratos entre o Banco Mundial e as
autoridades governamentais do Brasil (SILVA, 2002, p. 103 et seq.). Neste sentido, podemos
entender a recomendação feita pelos Secretários de Educação das capitais brasileiras quando,
em reunião ocorrida no Recife (27 a 28 de julho de 1994), em preparação à Conferência
Nacional de Educação para Todos, se queixavam, na chamada “Carta do Recife”, de que
não tem havido a devida transparência na negociação de projetos com o
Banco Mundial. Especificamente, em relação ao Projeto de Educação Básica
do Nordeste, recomenda-se a participação dos dirigentes municipais no
processo de negociação (MEC, 1994, p. 811).
Ainda que possamos compreender a recomendação dos Secretários de
Educação como, também, sendo um questionamento sobre a forma de atuação do Banco
Mundial, por outro lado, não podemos deixar de identificarmos uma, ainda, certa timidez
destas autoridades ao recordarmos que, em contrapartida, os técnicos deste Banco exerciam
uma considerável atuação decisória na elaboração dos projetos voltados para o setor
educacional, do nosso país. Ademais, de acordo com a análise de Torres (1997, p. 96), o
modelo educativo proposto pelo Banco Mundial, notadamente um modelo educativo escolar,
configura-se como sendo um modelo escolar no qual registram-se duas incompreensíveis
ausências: os professores/educadores e a pedagogia. Nas palavras desta pesquisadora, é um
modelo escolar configurado en torno a variables observables y cuanticables,
en el qual no caben los aspectos propriamente cualitativos, es decir, aquellos
difíciles de medir y que constituyen, no obstante, la essência de la
educación. Un modelo educativo, em fin, que tiene poço de educativo
(Ibid.).
Do ponto de vista político, pagamos um preço muito alto em troca da
cooperação técnico-financeira do Banco Mundial, uma vez que tal ajuda reduz a capacidade
dos governos nacionais em tomarem decisões autônomas e, de certa forma, delega aos
gestores do Banco Mundial o poder de fazer as prescrições políticas (SILVA, 2002, p. 68).
124
Diante do envolvimento de uma instituição, do nível e do porte do Banco
Mundial, em financiar o setor educacional dos países periféricos, desponta uma indagação:
quais as razões que levaram essa instituição financeira a realizar tal ação? Além do que já
dissemos anteriormente, com Fonseca respondemos que
o fato decorreu dos prognósticos internacionais sobre o crescimento
acelerado da pobreza no Terceiro Mundo, considerado como fator direto de
transtornos sociais locais, com sérias conseqüências para a estabilidade dos
países mais desenvolvidos. Por essa razão, o Banco e outras agências
internacionais de fomento passaram a destinar créditos para o
desenvolvimento do setor social (incluindo educação, saúde e
desenvolvimento rural) para atingir predominantemente determinados
segmentos populacionais que se encontravam fora dos limites aceitáveis de
pobreza, denominados grupos emergenciais ou de risco (FONSECA, 2001,
p. 15).
Na década de 1990, acolhendo as recomendações da Conferência de Jomtien,
da qual foi um dos financiadores, o Banco Mundial concentrou suas atenções na educação
básica para uma perspectiva chamada por Silva de “credencialista-utilitarista”, isto é,
direcionada à metodologia do ensino, ou seja, como ocorre a aprendizagem e como se pode
expandir o conhecimento, mais do que como transmiti-lo, com o propósito de que aqueles que
têm acesso à escola pública adquiram maiores rendimentos econômicos (Id., 2002, p. 82).
Reafirmando sua análise sobre o monitoramento do Banco Mundial nas
políticas educacionais brasileiras, Fonseca (2003, p. 287) apresenta uma lista de várias
características de tal monitoramento as quais podem ser sintetizadas na necessidade de adesão
e abertura do mercado nacional ao capital internacional (bem ao gosto do discurso neoliberal
e da globalização financeira), no tratamento da educação sob a ótica mercantil e empresarial e
concentração de investimento público apenas no ensino fundamental (erradamente chamado
de educação básica) para que os demais níveis de ensino sejam ofertados pela rede privada. A
respeito deste direcionamento dado para a educação – sob a ótica e tutela do mercado –
fazemos nossa a análise de Coraggio (1997, p. 45) que considera que a proposta do Banco
Mundial consiste
en (hasta donde sea posible) dejar liberada la actividad educativa al mercado
y a la competencia, de modo que seja la interación de demandantes y
oferentes de servicios educativos la que defina cuánta educación, con qué
contenidos y pedagogias, estructurada de qué maneras, en qué ramas y a qué
precios debe oferecer-se.
No novo cenário globalizado e neoliberal que foi desenhado ao longo da última
década do século XX, configuramos a intervenção e o monitoramento realizado pelo Banco
Mundial no sistema educacional brasileiro como algo que integra um projeto político mais
125
amplo que tem como meta-alvo a manutenção e a reprodução da ordem capitalista, atualizada
na versão neoliberal. Como sabemos, neste direcionamento é dada uma nova formatação ao
Estado que integra a periferia do capitalismo, sobretudo no que diz respeito à sua
descaracterização de Estado-nacional com conseqüente diminuição da soberania e
autodeterminação. Reforçando o destaque que aqui está sendo feito, é importante recordar que
a atuação do Banco Mundial no financiamento de políticas sociais e educacionais é feita em
parceria com o Fundo Monetário Internacional. Estas instituições financeiras, nunca é demais
lembrar, são controladas pelos países centrais do mundo capitalista
53
.
Considerando-se que, em sua grande maioria, os governos dos países em
desenvolvimento não apresentam o menor receio em estenderem as mãos ao FMI e ao Banco
Mundial em busca de financiamento para os seus projetos, é importante termos presente que,
se em alguns casos, a busca de tais recursos possa ser justificada, por outro lado, esse
processo é feito sem questionamentos por parte da sociedade em decorrência de tais
instituições supranacionais, além do forte poder econômico que possuem, como analisa
Santomé (2003, p. 18), também realizam um trabalho muito grande para elaborar e promover
um discurso a partir do qual a população fique convencida de que elas estão fazendo um
trabalho desinteressado e em nome de um compromisso com o bem comum. Entretanto, além
de esconderem as próprias condições em que os empréstimos são efetuados, o FMI e o Banco
Mundial não revelam, pelo menos para o grande público, as conseqüências da ajuda que
prestam bem como os riscos dos “conselhos desinteressados” dados aos países que solicitam
ajuda.
Integrando um quadro mais amplo de diretrizes, a intervenção do Banco
Mundial nas políticas educacionais brasileiras também incluiu a questão da gestão da
educação na medida em que passou a recomendar a reestruturação administrativa e
organizacional do sistema escolar, do nível micro ao nível macro, a indução do encolhimento
do Estado na aplicação de recursos na educação bem como a orientação em prol da
“descentralização financeira e recentralização dos controles os quais constituem os pilares
desta política” (FONSECA, 2001, p. 88).
53
A este respeito, como o é lembrado por Silva (2002, p. 50), “as instâncias decisórias do Banco Mundial são
compostas pelo Conselho de Governadores, num total de 21 representantes, dos quais, 5 são nomeados pelas
potências dominantes, geralmente ministro ou diretor do Banco Central e os outros 16 são eleitos pelos países-
membros por proximidade geográfica (...). As decisões sobre macropolíticas econômicas são tomadas por 50%
dos votos controlados por cinco países: Estados Unidos 20,0% e direito ao veto; Inglaterra 8%; Alemanha 5,5%;
França 5,5%; Japão 7,5%; Canadá, Itália e China 3,1%”. Como que um prêmio de consolo para o Terceiro
Mundo, o Brasil participa desse seleto grupo deliberativo com 1,7% dos votos.
126
Com a eleição da autonomia da escola como um dos eixos condutores das
reformas que vêm sendo realizadas no sistema educacional brasileiro, podemos inferir a
existência de uma proposta de descentralização de acordo com as orientações do Banco
Mundial em função do uso mais racional dos insumos educacionais. Por outra lado, como
analisa Souza (2002, p. 92 et seq.), fazia parte do receituário desta instituição financeira a
outorga de mais autonomia administrativa à escola pública resultando, assim uma diminuição
da ação estatal nesta instituição que, logo depois, induzia a escola a ter que buscar outras
fontes para o financiamento das suas atividades. Ilustrando esta análise, Souza transcreve um
trecho do relatório do Banco Mundial, do ano de 1996, no qual é afirmado que
a autonomia pode melhorar a eficiência da aprendizagem e o rendimento
escolar, o financiamento local pode ser uma forma de diminuição dos gastos
educacionais e de aumento das responsabilidades da comunidade para com a
educação” (Ibid.).
Em outro trecho desse mesmo relatório (apud IMEN, 2005, p. 76), novamente
o Banco Mundial deixa a entrever o seu posicionamento a respeito da autonomia da escola ao
dizer que
la calidad de la educación puede mejorar cuando las escuelas tienen la
autonomia necessária para usar los insumos educacionales de acuerdo com
las condiciones locales e de la comunidad, y son responsables ante los
padres y las comunidades (...). Se puede alentar la autonomia y la
responsabilidad de las instituciones por meios administrativos y financieros.
A partir da perspectiva do Banco Mundial, a autonomia escolar é reduzida às
questões materiais e sua ocorrência fica vinculada ao repasse de pequeno fundo financeiro à
unidade escolar, com vistas a estimular o quadro administrativo a tomar decisões que afetem
materialmente a escola e a responsabilizar-se pelos resultados de suas decisões. Com estes
direcionamentos, ao invés de a comunidade escolar exercitar a sua autonomia mediante a
elaboração do seu projeto político-pedagógico, ela passa a trabalhar na construção do
chamado Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), nivelando, assim, a gestão escolar ao
modelo gerencial do planejamento estratégico o que se constitui num retrocesso em relação às
históricas compreensões dos educadores e dos setores sociais progressistas sobre a
democratização da educação e da gestão democrática da escola. Juntamente a isto, como
registra Fonseca (2003, mimeog.), o PDE tem como meta-alvo a modernização da gestão e o
fortalecimento da autonomia escolar, mediante a adoção do planejamento estratégico que se
apóia na racionalização e na eficiência o que, em outras palavras, implica redução do gasto
educacional.
127
3.3.2 De Jomtien a Dakar: eventos internacionais de debates sobre a educação e seus
impactos nas políticas educacionais brasileiras
54
A Conferência Mundial de Educação Para Todos, também conhecida como
“Conferência de Jomtien” por ter acontecido nesta cidade, localizada na Tailândia, foi
realizada no período de 5 a 9 de março de 1990, congregando cerca de 1.500 participantes,
entre delegados de 155 países das mais diversas qualificações, a saber: autoridades e
especialistas em educação, técnicos e especialistas de outras áreas ou setores, representantes
de organizações intergovernamentais e de organizações não governamentais (vinte daquelas e
cento e cinqüenta destas). Ao final do encontro, foram produzidos dois documentos: a
“Declaração Mundial sobre Educação para Todos” e o “Plano de Ação para Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem”.
A realização da Conferência de Jomtien deve ser vista como um fato marcante
para o setor educacional, pois nunca, antes, havia sido realizado um evento de tal porte e
magnitude para debater sobre a educação no mundo. Entretanto, a despeito desta importância,
uma boa dose de cautela faz com que nos perguntemos sobre as reais intenções que estavam
por trás da convocação e realização deste evento. Nesse sentido, e levando em consideração o
que foi refletido na seção anterior, seja lembrado que o Banco Mundial esteve presente na
organização da Conferência de Jomtien e, ainda, foi o principal financiador da mesma. Com
esta lembrança queremos alertar para a compreensão de que tal evento não esteve isento de
conotações ideológicas que tornaram-no mais uma estratégia a serviço de uma nova fase do
processo de internacionalização do capital.
A partir de um registro feito por Gadotti (s/d), lembramos que, anterior ao
encontro de Jomtien, foram realizadas diversas reuniões preparatórias, em nível continental,
com o intuito de promover uma grande mobilização envolvendo os governos e as sociedades
nacionais e, no bojo deste movimento, sensibilizá-los para os alarmantes índices de
analfabetismo que estavam sendo constatados no final da década de 1980 (aliás, diga-se de
passagem, a situação de analfabetismo no mundo inteiro se constituiu, também, fator
desencadeador para a convocação da Conferência de Jomtien). Dessas reuniões, o Brasil
54
Para ampliar o conhecimento e compreensão de outras influências de agências e eventos
internacionais na formulação das políticas educacionais dos países do Terceiro Mundo ou em vias de
desenvolvimento, sugerimos a consulta ao trabalho de Oliveira (2000: 105 et seq.).
128
participou da que foi realizada na capital do Equador (final de 1989 e início de 1990) e, ali, a
nossa delegação defendeu a proposta de que os países com economia em situação de
desequilíbrio por conta da divida externa, deveriam ter parte do débito convertido em
programas de alfabetização e educação básica. Tendo sido aprovada a proposta
“imediatamente, os representantes do Banco Mundial e seus aliados colocaram-se contra, e
embora fossem derrotados em plenário, cuidaram para descaracterizá-la no relatório que foi
encaminhado à Conferência Mundial” (GADOTTI, s/d, p. 2). Desta feita, a proposta apareceu
bastante esmaecida no final do relatório.
Para o Brasil e os outros oito países
55
que, na época, apresentavam as maiores
taxas de analfabetismo do mundo, a Conferência de Jomtien é considerada como um marco
importante na definição das suas políticas educacionais
56
, pois nesse evento foi firmado o
compromisso de serem desencadeadas ações em vista da efetivação dos princípios
estabelecidos na Declaração Final da Conferência, com destaque para o asseguramento de
uma educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos. A satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem foi a idéia central de Jomtien e, a partir daí, os países
signatários desta Conferência comprometeram-se com a universalização do acesso à educação
básica. Juntamente com os demais países que participaram da Conferência de Jomtien, o
Brasil também assumiu o compromisso da educação para todos no qual estava inclusa “a
proposição de criar novos modelos de gerenciamento capazes de universalizar a educação
básica com qualidade e equidade” (CABRAL NETO, 2000, p. 39).
Com a Conferência de Jontiem, podemos assinalar que, em nosso país, foi dado
início a uma política educacional que, seguindo as concepções do Banco Mundial, priorizou o
ensino fundamental, em detrimento dos demais níveis de ensino, e defendeu a relativização do
dever do Estado para com a educação, respaldada no entendimento de que a tarefa de
assegurar a educação compete a todos os setores da sociedade. Vale destacar que os efeitos
destas novas determinações nas políticas educacionais do Brasil só não foram maiores graças
à mobilização das entidades ligadas à educação que, a título de exemplo, conseguiram que,
por ocasião da Semana Nacional de Educação para Todos (Brasília, 10 a 14 de maio de 1993),
fosse aprovado um Compromisso Nacional em cuja agenda constava o empenho para o
55
Os outros países eram: Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.
56
Em termos de incidência explícita da Conferência de Jomtien nos documentos de políticas públicas podemos
encontrá-la, por exemplo, no Plano Decenal de Educação para Todos (p. 11), no Plano Nacional de Educação
(BRASIL, 1993, p. 39), no Plano Estadual de Educação de Pernambuco/2000-2009 (GOVERNO ESTADUAL
DE PERNAMBUCO, 2001, p. 6)
129
asseguramento da aplicação dos recursos constitucionalmente definidos para garantir a
conclusão do ensino fundamental de, pelo menos, 80% da população em cada sistema de
ensino, no prazo de 10 anos.
Em se tratando de um setor de fundamental importância para a vida humana,
era de se esperar que, sobretudo em Jomtien, a educação fosse alvo de uma reflexão e um
programa de ação mais amplo. Entretanto, muito certamente em consonância com o projeto
educacional neoliberal, o que ocorreu foi a educação ter sido vista de forma restritiva,
focalizada, centrada em necessidades básicas de aprendizagem, sendo estas, em outras
palavras, dizendo respeito apenas à provisão do instrumental mínimo e necessário para
aqueles que vão atuar na base do processo produtivo capitalista e, assim, contribuírem para a
reprodução e ampliação do capital. Em conseqüência, nesta restrição, não havia lugar para ser
pensado, tampouco defendida, a educação para todos que contemplasse os estudos em nível
superior.
Sem desmerecermos a importância da Conferência de Jontiem, entendemos que
a sua realização também serviu de instrumentalização para a difusão e expansão de um
projeto educacional, estruturado no neoliberalismo. Com efeito, a partir deste evento,
disseminou-se pelos países periféricos a idéia de estabelecimento de parcerias a serem feitas
entre os Estados e entidades sociais e econômicas em vista da resolução dos problemas
existentes nos sistemas educacionais nacionais, diminuindo, paulatinamente, ação do Estado
em relação às suas obrigações para com a oferta universal do ensino e com a qualidade social
que Camini et al (2001, p. 46) defendem como sendo
a capacidade da sociedade em providenciar educação com padrões de acesso
à escola pública, recursos tecnológicos, infra-estrutura, organização,
funcionamento, gestão dos espaços e instituições públicas, processos de
ensinar e aprender, adequados aos interesses da maioria da população.
As definições das políticas educacionais traçadas em Jomtien também foram
refletidas no Brasil, no Plano Decenal de Educação para Todos, elaborado no ano de 1993,
destacando-se, como expressão desse reflexo, o compromisso contido no Plano de que o
Brasil asseguraria “à sua população o direito à educação (...) e, dessa forma, colaboraria para
os esforços mundiais na luta pela universalização da educação básica” (BRASIL, 1993, p. 11).
A partir do Plano Decenal, e segundo os acordos firmados na Conferência, foram traçadas as
metas locais coerentes com as propostas educacionais “sugeridas” pelos organismos
financiadores.
130
Todavia, passado o período de vigência desse plano, podemos constatar que a
universalização da educação básica não se concretizou em nosso país uma vez que, apesar da
quase universalização do ensino fundamental, ainda é grande o número de adolescentes e
jovens que estão excluídos do Ensino Médio que, também, integra a chamada Escola Básica.
Aliás, no que diz respeito ao acesso ao Ensino Fundamental, a sociedade não pode se dar por
satisfeita, pois, em âmbito nacional, atualmente, há uma dívida social a ser paga às 1.500.000
crianças
57
que ainda não tiveram acesso à educação.
Tendo como objetivo dar continuidade aos debates sobre a política de
Educação para Todos, no período de 13 a 16 de dezembro de 1993
58
, desta vez na Índia,
patrocinada pela UNESCO, pelo Fundo das Nações para Atividades da População (UNFPA) e
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), foi realizada a Conferência de
Nova Delhi congregando os nove países que integram o chamado grupo EFA-9 (Education for
All
59
), ou seja, os nove países mais populosos do mundo e em desenvolvimento que
apresentam problemas de analfabetismo e universalização da educação básica. Nesta ocasião,
estes nove países, juntos, detinham mais de 90% da população mundial no que estavam
incluídos 71% do total global de adultos analfabetos e mais da metade das crianças que se
encontravam fora da escola.
Os resultados dessa Conferência foram apresentados numa declaração final que
representou uma fonte de inspiração para a formulação da política educacional no período
subseqüente. Deste documento destacam-se os compromissos assumidos para garantir a toda
criança uma vaga na escola, eliminação das disparidades de acesso à educação básica,
melhoria da qualidade de nível de escolarização e a convocação para um aumento substancial
da colaboração internacional em vista da expansão e melhoria dos serviços de educação
básica. Apesar das promessas emanadas desta Conferência, observamos que há uma
significativa diferença entre as suas intenções e as efetivas realizações em prol da
57
Informação prestada pelo ex-ministro da educação do governo Lula, senador Cristovam Buarque, ao ser
entrevistado no “Programa do Jô”, em 22/09/05.
58
Do ponto de vista de mobilização da sociedade brasileira e do setor governamental em torno da educação
brasileira, o ano de 1993 foi marcado por vários eventos, destacando-se a Semana Nacional de Educação para
Todos, realizada em Brasília, no período de 10 a 14 de maio, cujos estudos e debates subsidiaram a elaboração
do Plano Decenal de Educação para Todos/ 1993-2003.
59
No ano de 2000, na cidade do Recife, foi realizada uma das reuniões ministeriais que foram acordadas para
avaliarem os progressos alcançados em relação as metas da “Educação para Todos”. As outras reuniões foram
realizadas na Indonésia (Jacarta, 1995), no Paquistão (1997) e na China (Pequim, 2001).
131
universalização da escola básica e de qualidade, ou seja, passada a década de 1990 a exclusão
escolar ainda persiste.
Por ocasião da Conferência de Nova Delhi, o Brasil, por meio da sua
delegação, presidida pelo então Ministro da Educação e dos Desportos – prof. Murilio de
Avellar Hingel – apresentou o Plano Decenal de Educação para Todos (1993 – 2003) que
havia sido elaborado no mesmo ano desta Conferência. Comparando-se o texto do Plano com
o texto da Declaração Final da Conferência de Nova Delhi, observa-se um consenso entre os
mesmos no que diz respeito à defesa de que às populações dos países integrantes do EFA-9
fossem proporcionados conhecimentos básicos. Entretanto, esta ênfase aparece menos como
um direito de tais populações à educação mas, ao contrário, mais em função dos processos
produtivos.
No tocante à autonomia da escola, ao mesmo tempo em que Nova Delhi
contempla este princípio como sendo uma medida que deverá possibilitar eficiência do
sistema educacional, ela também é concebida como um instrumento de responsabilização da
escola pelo seu desempenho perante a comunidade o que, de certa forma, sinaliza para um
retraimento da atuação do Estado em relação à educação pública.
Dez anos depois da Conferência de Jomtien, no período de 26 a 28 de abril do
ano 2000, em Dakar, no Senegal, foi realizado o “Fórum Mundial da Educação para Todos”
60
,
também conhecido pelo nome de “Fórum de Dakar” em cujo final foi emitida uma Declaração
reiterando os compromissos de Jomtien. Ainda neste evento, foi feito um balanço sobre os
resultados educacionais dos últimos anos quando, então, reconheceu-se que, apesar de ter
havido progressos significativos em relação à extensão da educação, viu-se como inaceitável
que
no ano 2000, mais de 113 milhões de crianças continuem sem acesso ao
ensino primário; que 800 milhões de adultos sejam analfabetos; que a
discriminação de gênero continue a permear os sistemas educacionais; e que
a qualidade da aprendizagem e da aquisição de valores e habilidades
humanas não satisfaçam às aspirações e necessidades dos indivíduos e das
sociedades (DAKAR, 2001, p. 8).
60
Em preparação ao Fórum de Dakar, os Ministros de educação da América Latina e do Caribe realizaram uma
nova reunião em Santo Domingo (10 a 12 de fevereiro de 2000) da qual se destaca a renovação do compromisso
em prol da educação para todos. Em relação à gestão da educação, o documento emitido neste encontro endossa
a posição já outras vezes afirmada de que “a melhoria da qualidade e da equidade da educação está estreitamente
relacionada à melhora da gestão em todos os níveis do sistema educacional” (MARCO REGIONAL DA
EDUCAÇÃO PARA TODOS NAS AMÉRICAS, n. 12).
132
Diante desse quadro, o Fórum Mundial de Educação estabeleceu seis objetivos
para serem alcançados nos próximos anos intentando, assim, ser concretizada a chamada
“Educação para Todos”. Foram estas metas:
I. Expandir e melhorar o cuidado e a educação dirigida à primeira infância,
especialmente as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem;
II. Assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e
crianças em circunstancias difíceis, tenham acesso à educação primaria
obrigatória, gratuita e de boa qualidade, até o ano 2015;
III. Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e
adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada,
às habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania;
IV. Alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos
até 2015, especialmente para mulheres, e acesso eqüitativo à educação
básica e continuada para todos os adultos;
V. Eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até
2005 e alcançar a igualdade na educação até 2015, com enfoque ao acesso e
ao desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de boa
qualidade;
VI. Melhorar todos os aspectos da qualidade na educação e assegurar
excelência para todos, de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e
mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades
essenciais à vida (DAKAR. 2001, p. 8)
61
.
A Conferência de Dakar, além de apresentar novos e solenes compromissos em
favor da educação para todos, atribuiu a si o poder de determinar que “todos os Estados
deverão desenvolver ou fortalecer planos nacionais de ação até, no máximo, 2002” (Ibid.),
voltados para o combate dos problemas educacionais mais graves. Aos países que não
possuíssem recursos para realizar as propostas da universalização da educação num “prazo
aceitável”, foi sugerido que recorressem ao Banco Mundial e aos Bancos regionais de
desenvolvimento para obterem recursos financeiros. O setor privado também foi convocado
para prestar tal socorro. No documento conclusivo desta Conferência, foi recomendado aos
países participantes que, no prazo máximo de até o ano de 2002, elaborassem ou
fortalecessem planos nacionais de ação. No caso brasileiro, esta recomendação foi
consubstanciada no Plano Nacional de Educação/PNE, promulgado no ano de 2001 sobre o
qual podemos registrar a seguinte contradição: a despeito das diretrizes emanadas das
instituições e dos eventos internacionais que recomendavam um maior envolvimento da
sociedade na formulação das políticas educacionais, este Plano deixou de considerar grande
61
A respeito do cumprimento de tais metas, as análises não se mostram nada animadoras como a que,
recentemente, foi feita por Zarco (2006, p. 13) quando registra que “quando começamomos a analisar os dados
exatos, percebemos que os avanços são simbólicos em relação à magnitude dos problemas existentes em nossos
países. Se continuarmos no mesmo ritmo, pelo menos 35 países do mundo ainda não terão cumpridos as metas
até 2015. Na América Latina, somente cerca de quatro países atingirão os objetivos”.
133
parte das propostas democráticas que a sociedade civil organizada havia apresentado para
serem incorporadas em tão importante documento de política educacional.
Concluindo esta secção, podemos indagar a respeito do que os eventos que
aqui, ainda que rapidamente, foram analisados (bem como outros que, por questão de limite
deste trabalho, não foram contemplados
62
) significaram para a educação em geral e para as
políticas educacionais do nosso país.
Inicialmente, podemos dizer que tais eventos tiveram o mérito de reporem a
educação na ordem do dia e, assim, refletirem e analisarem as grandes questões e desafios
que, no findar do século XX e no limiar do século XXI, envolvem o setor educacional. De
certa forma, Jontiem, Nova Delhi, Dakar e os outros grandes eventos internacionais
contribuíram positivamente para que a educação constasse na agenda internacional como um
problema para o qual devam ser buscadas urgentes e eficazes soluções. Entretanto, não
devemos nos extasiar com essa recolocação dada à educação e, sim, tecermos um olhar crítico
sobre tal dado para, então, percebermos que por detrás de toda essa movimentação ocorrida,
ao longo da década de 1990, em torno da educação, houve uma intencionalidade muito
pertinente ao sistema produtivo capitalista, ou seja, fazer com que a educação novamente
pudesse ser utilizada em seu benefício, o que equivale a dizer, em função da reprodução e
expansão do capital. Considerando a crise vivida por este modelo produtivo, ao longo das três
últimas décadas do século passado, não há como deixarmos de considerar que as atenções
dispensadas pelo capitalismo ao setor educacional assim ocorreram em virtude do
entendimento de que, partir da sua especificidade de processo formativo, a educação poderia
contribuir para a superação de tal crise.
Do ponto de vista das políticas educacionais brasileiras que vêm sendo
formuladas e implementadas a partir do início da década de 1990, fica evidenciado que, com
Jontiem, Nova Delhi, Dakar e os outros grandes eventos educacionais de âmbito
internacional, foi se configurando um enfraquecimento do Estado nacional e, juntamente a
isso, pouco espaço ficou reservado para fazer valer o enfrentamento assumido pela sociedade
brasileira no sentido de pensar, elaborar e propor uma educação de forma autônoma. Por outro
lado, como que sinalizando um gesto de acatamento aos anseios dos educadores e da
sociedade organizada, as autoridades governamentais produziram planos e documentos cuja
62
Para a recolocação da educação como objeto de debate e reflexão internacional também podem ser incluídos: a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (novembro de 1989), o Encontro Mundial de Cúpula
pela Criança (Nova Iorque, setembro de 1990) e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura) que encabeçou a formação de uma Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI da qual resultou o chamado “Relatório Delors, publicado em 1996.
134
letra chegava a empolgar pelas propostas e idéias apresentadas, mas que, quase sempre, eram
destituídas de vontade política para que fossem implementadas.
3.3.3 PROMEDLAC: um projeto educacional para a América Latina e o Caribe
No período de 4 a 13 de dezembro e 1979, na capital mexicana, convocados
pela UNESCO e contando com a parceria da CEPAL e da OEA, os ministros de economia e
de educação da América Latina e do Caribe realizaram um encontro para tratarem de questões
relacionadas a estes dois importantes setores da vida humana e, nessa ocasião, foi fundado o
Comitê Regional Intergovernamental do qual resultou o Projeto Principal de Educação para a
América Latina e o Caribe/PROMEDLAC.
Na declaração, emitida no final do encontro, os ministros apresentaram um
cenário econômico e educacional inspirador de preocupações e, de certa forma, justificador
para a institucionalização do Projeto. Além do aspecto histórico, também para possibilitar um
confronto com a realidade contemporânea (ao que nos parece, não muito diferente do
momento atual), vale transcrevermos aqui o que constataram os ministros há mais de vinte
anos:
La Conferencia, después de comprobar el tenaz esfuerzo que los países de la
región han realizado en la última década en favor del desarrollo de la
educación, con logros muy señalados em la expansión cuantitativa de los
sistemas y en el mejoramiento de los contenidos y los procesos educativos,
reconoce, sin embargo, que subsisten graves carencias, tales como la
extrema pobreza
de vastos sectores de la población en la mayoría de los países, así como la
persistencia de una baja escolarización en algunos; la presencia en la región
de 45 millones de analfabetos sobre uma población adulta de 159 millones;
una excesiva tasa de deserción en los primeros años de escolaridad; sistemas
y contenidos de enseñanza muy a menudo inadecuados para la población a la
cual se destinan; desajustes en la relación entre educación y trabajo; escasa
articulación de la educación con el desarrollo económico, social y cultural y,
en algunos casos, deficiente organización y administración de los sistemas
educativos, caracterizados aún por una fuerte centralización en los aspectos
normativos y funcionales (DECLARAÇÃO Final, Conferencia Regional de
Ministros da Educação e da Economia dos Estados-membros da América
Latina e do Caribe, 1979).
Intentando formular uma proposta de educação para esta região, as autoridades
participantes do evento estabeleceram uma pauta de encontros bienais para tratarem dos seus
problemas educacionais a partir dos quais foram realizados diversos fóruns, conhecidos como
PROMEDLAC. Destes eventos, destacamos os de Quito/Equador, ocorrido no período de 6 a
10 de abril de 1991 (PROMEDLAC IV), o de Santiago/Chile, realizado no período de 8 a 11
de junho de 1993 (PROMEDLAC V) e o último, acontecido em Cochabamba, entre os dias 5
135
a 7 de março de 2001 (PROMEDLAC VII)
63
quando, no ano seguinte, o projeto foi
reformulado e passou adotar o nome de “Projeto Regional de Educação para a América Latina
e o Caribe/PRELAC”.
No encontro de Quito, os ministros de educação coletivamente assumiram, pela
primeira vez, que o problema da educação na região era menos conjuntural e mais uma
expressão do esgotamento das possibilidades de um modo de conceber e fazer educação
(HERRERA, 2000, p. 150). Já naquela época, os participantes do PROMEDLAC IV
incluíram como linha de transformação das ações o chamado “ponto de vista institucional”.
Esta linha de trabalho foi direcionada para a adoção de processos de descentralização e
regionalização, tendo como suporte um modelo de administração e gerência associado a
níveis maiores de autonomia a partir dos quais se atribuíam mais responsabilidades aos
gestores dos sistemas educativos para com os resultados apresentados por estes mesmos
sistemas.
Casassus, comentando o PROMEDLAC IV, destaca os aspectos abaixo como
sendo as características do novo tipo de gestão educacional que, nesse evento, foi visto como
possibilidade para que os sistemas educativos da região passassem a uma nova etapa do
desenvolvimento da educação:
1) a abertura do sistema, terminando com sua auto-referência para
responder às demandas da sociedade;
2) o estabelecimento de novas alianças, abertura do sistema de
participação e tomada de decisões a novos atores e novos aliados;
3) um vasto processo de descentralização, pondo fim ao centralismo
histórico;
4) a passagem da ênfase na quantidade para a ênfase na qualidade
(CASSASUS, 2001, p. 11).
Por sua vez, o documento final do PROMEDLAC V, realizado no Chile
(Recomendações da V Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal
da Educação da América Latina e do Caribe), expressou uma visível sintonia com o cenário
da economia globalizada, já em fase de avançada consolidação, ao estabelecer uma relação de
dependência dos sistemas educacionais à modernização em vista da inserção competitiva dos
países da América Latina e do Caribe na economia mundial (cf. Recomendação, No. 2). Neste
documento também foram apresentadas orientações para implantação ou desenvolvimento de
63
O Comitê realizou sete encontros/reuniões, a saber: PROMEDLAC I (México, novembro de 1984);
PROMEDLAC II (Bogotá, março de 1987); PROMEDLAC III (Guatemala, junho de 1989); PROMEDLAC IV
(Quito, abril de 1991); PROMEDLAC V (Santiago, junho de 1993); e PROMEDLAC VI (Kingston/Jamaica,
maio de 1996) e PROMEDLAC VII (Cochabamba/Bolívia, março de 2001).
136
“um modelo de gestão responsável pelos resultados e conquistas de seu próprio desempenho”
(PROMEDLAC V, 1993, p. 14) bem como “o reconhecimento da capacidade das escolas para
decidir sobre seus projetos de desenvolvimento pedagógico e institucional” (ibid., p. 15). O
PROMEDLAC V ainda defendeu a necessidade de serem estabelecidos “padrões nacionais e
sistemas de avaliação de resultados do processo educativo” (Ibd., No. 24) cuja versão
brasileira foi materializada no SAEB e no “Provão”.
Em relação à gestão educacional, o PROMEDLAC V enfatizou que a
comunidade educativa fosse fortalecida
através do estabelecimento de funções na gestão e orientação da escola para
a participação dos membros da comunidade; estabelecimento de quotas de
responsabilidade e de participação dos pais e mães, em relação ao processo
de aprendizagem e seus resultados; promoção de estruturas de participação
institucional” (Id., p. 21).
A partir dos destaques feitos acima, podemos perceber a existência de
elementos e diretrizes que, posteriormente, foram incorporados pelas políticas educacionais
do nosso país, tanto em nível federal como em nível local, ou seja, na LDB 9394/96 e no
Plano Estadual de Educação de Pernambuco/2000-2009 e em outros documentos congêneres.
No PROMEDLAC VI, a temática da autonomia da escola foi retomada e
apresentada como sendo algo outorgado pelo poder público em vista da possibilidade de ser
realizada uma educação de qualidade e mesmo assim cercada de advertências para que não
ocorresse o risco de atomização das unidades escolares em relação ao sistema educacional.
Como podemos analisar, ainda que neste novo encontro do PROMEDLAC tenha sido feita
uma relação entre a autonomia escolar e a melhoria da qualidade da educação, este princípio
não chegou a ser visto como resultante de uma conquista que também devesse ser feita pelos
atores sociais da escola mas, ao contrário, como resultante apenas de uma “benévola” outorga
feita pelo poder estatal.
A Declaração Final do encontro do PROMEDLAC VII, realizado em
Cochabamba, em meio a um monótono refrão, repetiu a constatação de que “não se garantiu a
educação fundamental para todos, pois algumas crianças não são matriculadas e persistem
taxas significativas de repetência e evasão” (DECLARAÇÃO de Cochabamba, 2001, p. 1).
Em meio ao arrazoado de reafirmações aos compromissos de Jomtien e Dakar, destaca-se
como aspecto positivo desse encontro a ênfase dada de que “a educação não pode por si
mesma eliminar a pobreza, nem é capaz de criar as condições necessárias para o crescimento
econômico sustentado ou o bem-estar social” (Ibid., p. 2).
137
Sintonizando-se com as diretrizes neoliberais traçadas para o cenário
educacional dos países latino-americanos e caribenhos, o PROMEDLAC VII retomou a
temática da gestão escolar postulando que seria
essencial que as escolas fossem mais flexíveis e altamente sensíveis aos
desafios, e que tivessem uma efetiva autonomia pedagógica e administrativa.
A elas deve ser dado o apoio suficiente que as capacite a organizar e
desenvolver seus próprios projetos educacionais (Ibid., p. 3).
A despeito da contemplação dos aspectos administrativo e pedagógico neste
enunciado não podemos deixar de questionar tal compreensão sobre a autonomia da escola
por lhe faltar o aspecto financeiro sem o qual a concretização desta autonomia fica
inviabilizada. Pelo enunciado, podemos evidenciar uma limitação ao conceito de autonomia
da escola, pois exclui o aspecto financeiro.
Apelando mais uma vez para a cooperação internacional em prol da efetivação
dos objetivos previstos nas Conferências de Jomtien a Dakar, o PROMEDLAC VII
desconsiderou que, na realidade latino-americana e caribenha, a “solidariedade” internacional
para com a promoção educacional tem sido desviada para os caminhos de intervenção e
monitoramento das políticas sociais da região.
Tendo presentes as configurações que foram dadas às políticas educacionais da
América Latina e do Caribe, no decorrer da década de 1990, e continuando até o presente,
podemos identificar que o PROMEDLAC realizou um efetivo direcionamento a estas
políticas, destacando-se a defesa e a execução de reformas nos sistemas educacionais da
região para que, estando “modernizados”, eles contribuíssem para o processo de inserção dos
países latino-americanos e caribenhos na economia mundial globalizada e neoliberalizada.
De igual maneira, o PROMEDLAC também influenciou nas políticas
educacionais do nosso país como podemos observar pelas variadas reformas que foram feitas
no sistema educacional brasileiro por toda a extensão da década de 1990 (notadamente, ao
longo das gestões de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, 1995 a 2002).
Também resultantes dos direcionamentos do PROMEDLAC podemos apontar os processos
avaliativos que, nesta mesma década, foram implementados para verificarem os resultados do
sistema educacional brasileiro, a ênfase no gerenciamento escolar como estratégia que
possibilitaria melhor desempenho do sistema educacional e, ainda, a incorporação da
autonomia da escola como diretriz possibilitadora da descentralização.
Como dissemos no início desta seção, após o encontro realizado em
Cochabamba (PROMEDLAC VII), o PROMEDLAC foi reformulado a partir da aprovação da
138
UNESCO, em sua 31ª. Conferência Geral, ocorrida no ano de 2001, de um novo projeto
educacional para a Região, quando então passou a ser chamado de “Projeto Regional de
educação para a América Latina e o Caribe”.
Institucionalmente, o PRELAC começou a ser desenvolvido com a primeira
reunião, ocorrida no período de 14 a 16 de novembro de 2001, na cidade de Havana, capital
de Cuba, com extensão prevista para até o ano de 2015. Propondo-se a
promover câmbios em las políticas educativas, a partir de la transformación
de los paradigmas educativos vigentes para assegurar aprendizajes de
calidad, tendientes al desarrollo humano, para todos a lo largo de la vida
(PRELAC, 2002, p. 3),
o PRELAC estabeleceu cinco estratégias para serem desenvolvidas ao longo do seu período
de vigência, a saber: (i) os conteúdos e práticas da educação, (ii) o fortalecimento do
protagonismo dos docentes na mudança da educação, (iii) a cultura da escola, (iv) a gestão e
flexibilização dos sistemas educativos e (v) e a responsabilidade social para com a educação.
Após constatar a persistência da centralização nos sistemas educacionais
latino-americanos e caribenhos e a descentralização de algumas responsabilidades que não
foram acompanhadas de aportes de recursos, apoio técnico, administrativo e pedagógico que
possibilitassem escolas autônomas, o documento da primeira reunião do PRELAC repõe o
tema da autonomia da escola como condição fundamental para a mudança da cultura escolar
e, por várias vezes, enfatiza a necessidade de ocorrerem efetivos processos participativos
envolvendo professores, pais, alunos e a comunidade em torno à escola para que, neste espaço
educativo, seja implantado um clima institucional autônomo.
Em que pese o fato de boa parte das propostas e idéias progressistas defendidas
pelos educadores e pesquisadores latino-americanos e caribenhos terem sido contempladas no
documento do PRELAC (responsabilização do Estado para com o financiamento da educação
pública, protagonismo da comunidade educacional na tomada de decisões de questões que lhe
dizem respeito, crítica à cultura centralizada e burocrática ainda existente nos níveis
intermediários dos sistemas educacionais, maior poder de autonomia para a gestão da escola,
etc.), podemos encontrar no decorrer deste a presença de orientações e diretrizes pertencentes
à matriz do projeto educacional neoliberal. A título de exemplo, vejamos as seguintes: a
apresentação da formação contínua centrada na competitividade (ao lado da equidade, (p. 22);
concepção da articulação entre educação e trabalho na perspectiva de satisfazer às
necessidades do mercado de trabalho ( p. 22); manutenção da chamada “cultura de avaliação”
com ênfase nos resultados e não nos processos de realização da aprendizagem (p. 24);
integração entre empresas e escolas, vista na perspectiva daquelas instituições dizerem a estas
139
o tipo de profissionais e trabalhadores que desejam (p. 24); velada defesa de que há
suficientes investimentos públicos na educação e que estes apenas precisam ser melhor
utilizados (p. 25).
3.3.4 A participação da CEPAL no processo de monitoramento das políticas
educacionais latino-americanas
A Comissão Econômica para a América Latina/CEPAL
64
, criada em 25 de
fevereiro de 1948, compõe o organograma da Organização das Nações Unidas como uma
organização intergovernamental e, ao lado de outras comissões similares
65
, integra o conjunto
das organizações por meio das quais a ONU trata das questões econômicas do mundo inteiro.
Especificamente em relação à América Latina e ao Caribe, a CEPAL tem como missão
institucional coordenar as políticas de desenvolvimento, incluindo a dimensão social dos
países que integram tais regiões.
Além da consecução dos seus objetivos institucionais, a criação da CEPAL
também deve ser encarada no contexto do surgimento do tema do desenvolvimento como uma
preocupação da economia mundial, no sentido da “incorporação ao mercado mundial de uma
série de nações pobres e atrasadas” (OLIVEIRA, 1997, p. 68). Dessa concepção resultou que
a CEPAL viesse a se constituir numa agência de difusão da teoria do desenvolvimento,
reinante nas décadas de 1940 e de 1950.
Em sua primeira fase de atuação (1948 a 1949), a CEPAL esteve voltada para
o debate de problemas e questões de caracteres especificamente econômicos. Entretanto, a
partir do encontro de Havana (1949) nasceram projetos políticos, orientações e subsídios
voltados para a idéia do desenvolvimento gradual e harmonioso que foram utilizados pelos
governos da região em suas políticas econômicas.
Centrada na industrialização como um caminho pelo qual se daria o
desenvolvimento do continente latino-americano, a proposta da CEPAL alcançou grande
receptividade na região, tanto por parte da classe empresarial, como da classe trabalhadora e,
ainda, da burocracia estatal que incorporou a proposta cepalina em seus planos econômicos e
64
A partir do ano de 1984, a região do Caribe foi incluída como área de abrangência da atuação da CEPAL.
65
As outras comissões são: a Comissão Econômica para a África, a Comissão Econômica para a Europa, a
Comissão Econômica para a Ásia Oriental e Pacífico, e a Comissão Econômica para a Ásia Ocidental.
140
políticos. Em nosso país, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros/ISEB foi, na ocasião, um
dos mais destacados centros de difusão do pensamento cepalino.
Na década de 1960, a proposta cepalina desenvolvimentista incorporou a
emergente teoria do capital humano e
desde ese momento empezó a configurar-se paulatinamente y de manera
discontinua lo que podríamos llamar formación discursiva de la ‘educación
para el desarrollo; ello debido a los vínculos cada vez más estrechos que
emergían entre los supuestos del desarrollo y las potencialidades de la
educación. Vínculos que fueron generando una simbiosis en la que la
educación pasó a convertirse en factor y pre requisito para el desarrollo y la
que hablar de educación implicava hablar de desarrollo y viceversa
(ALPIZAR, 1999, p. 79).
Praticamente, o modelo cepalino de desenvolvimento perdurou na América
Latina até a década de 70 quando começou a dar mostras de esgotamento e a CEPAL, aos
poucos, foi perdendo o prestígio que havia conquistado
66
.
Iniciando a década de 1990, a CEPAL fez uma autocrítica em relação ao
modelo de desenvolvimento que havia disseminado na região e, tendo como marco referencial
o documento “Transformación productiva con equidad. La tarea prioritária del desarollo de
América Latina e Caribe em los anos noventa”, passou a defender um conceito de equidade
com ênfase em alguns aspectos econômicos desenvolvidos nesta região; porém, por outro
lado, as condições de vida da grande maioria da população latino-americana e caribenha,
vivendo em situações de subdesenvolvimento, contrastavam com o ideal de desenvolvimento
apresentado. Considerando que, no campo educacional, a eqüidade diz respeito “à igualdade
de oportunidades de acesso à educação – quer dizer, com iguais oportunidades de ingresso – e
à distribuição das possibilidades de obter uma educação de qualidade” (OLIVEIRA, 1997, p.
89) este tema deixou em aberto uma indagação: como se falar de eqüidade num mundo e
numa sociedade regulada pelo mercado e que, a partir de tal regulação, o fosso da divisão
social tem sido cada vez mais acentuado?
Nessa reformulação, a CEPAL também passou a insistir para que os países da
América Latina e do Caribe cuidassem de sua inserção no mercado mundial através do
desenvolvimento de “condições de competitividade assentada na incorporação, deliberada e
sistemática, do progresso técnico ao processo produtivo” (Ibid., p. 81). Nota-se, aqui, um
desencontro entre o atual pensamento cepalino com um dos seus antigos intelectuais e
colaborador, Celso Furtado quando este economista afirma que “colocar a competitividade
66
Nesse período, o Banco Mundial passou a desenvolver uma atuação mais intensa entre os países latino-
americanos e caribenhos.
141
internacional como objetivo estratégico ao qual tudo se subordina é instalar-se numa situação
de dependência similar à da época pré-industrial” (FURTADO, 2000, p. 75).
Como se falar de inserção bem sucedida, dos países latino-americanos e
caribenhos quando a América Latina e o Caribe sempre ocuparam (e ao que tudo indica, por
muito tempo ainda ocuparão) uma posição periférica no mundo capitalista? Ainda: como se
falar de inserção diante da explicação cepalina de que a competitividade das nações tem a ver,
sobretudo, com a construção e o aperfeiçoamento de suas capacidades e, ainda, pressupõe
efetivas políticas de integração e coesão que permitam aproveitar essas capacidades em
função de uma inserção internacional bem-sucedida? Como analisamos no capítulo anterior, e
a história tem confirmado, no contexto de economia globalizada e neoliberal, praticamente
tem restado aos países periféricos apenas o ônus do pagamento da conta negativa (aumento da
dívida externa, crescimento do desemprego, caos social...), gerado por tal (des)ordem.
Outro forte direcionamento desta nova fase cepalina foi a defesa da
necessidade de reformas no Estado e em seus aparelhos (incluindo o escolar) para que esta
instituição política, da condição de administradora e provedora, passasse a ser avaliadora,
incentivadora e geradora de políticas, utilizando os mecanismos da descentralização.
No espírito do documento “Transformacion productiva con equidad. La tarea
prioritária del desarollo de América Latina e Caribe em los anos noventa”, no ano de 1992, a
CEPAL, em colaboração com a UNESCO, publicou um novo documento no qual apresenta a
educação e o conhecimento como sendo dois setores sobre os quais os países latino-
americanos e caribenhos devem ter como alvos prioritários de atenção para que possam ser
acelerados o progresso e a competitividade e, assim, possam se inserir no cenário da
economia globalizada que estava sendo consolidada naquele momento.
A respeito da redação deste documento - “Educação e conhecimento: eixo da
transformação produtiva com equidade” - chama a atenção do leitor a titulação e/ou a
qualificação das cerca de 120 pessoas que foram consultadas para sua elaboração: 27 pessoas
com declarada pertença ao setor econômico e à esfera empresarial; 30 representantes de
organizações que, pelo menos no seus títulos tinham pouca ou nenhuma identificação direta
com o setor educacional; 7 representantes do Banco Mundial e outras instituições financeiras
internacionais; apenas 5 ministros de educação. No conjunto dos consultados conseguimos
identificar apenas 33 pessoas como estando diretamente ligadas ao mundo escolar, sendo estas
categorizadas como autoridade educacional (17) ou simplesmente educador (16). Apesar de,
num certo sentido, ser compreensível, também se sobressai a ausência de nomes de
educadores brasileiros com entendimentos e práticas progressistas. Aliás, de passagem, seja
142
dito que o único nome de professor/pesquisador brasileiro que consta na lista dos envolvidos
com a elaboração do documento é o de Guiomar Namo de Mello, conhecida pelo seu recuo
em relação ao pensamento educacional progressista
67
. A partir, pois, dessa representatividade
podemos identificar que foi desproporcional a participação dos educadores e das suas
entidades de classe em relação a outros segmentos bem menos envolvidos com a questão
educacional.
No documento “Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva
com equidade”, apesar da inclusão de algumas temáticas de cunho progressista, como a da
cidadania, são nítidas e até mesmo explícitas as orientações direcionadas às políticas
educacionais da América Latina e do Caribe eivadas de conotações neoliberais. Neste sentido,
destacamos as seguintes:
A insistência sobre a necessidade dos sistemas educacionais serem reformados
em decorrência da avaliação feita dos seus resultados, os quais são vistos como
ineficientes. Conseqüentemente, os sistemas educacionais latino-americanos e caribenhos
são considerados como ineficazes para responderem aos desafios do modelo competitivo
da globalização neoliberal. Tanto é assim que o documento da CEPAL afirma que
o objetivo central da estratégia proposta é contribuir, durante os próximos
dez anos, para a criação de condições educacionais, de capacitação e
incorporação do progresso científico-tecnológico que tornem possível a
transformação das estruturas produtivas da América Latina e Caribe num
referencial de progressiva igualdade social (CEPAL/UNESCO, 1995, p.
179).
Em vista da operacionalização das estratégias propostas, a CEPAL recorre à
descentralização e a apresenta como um componente necessário para a execução das
reformas institucionais a serem levadas a cabo nos sistemas educacionais da Região.
Entretanto, além de não enfatizar o caráter político desta estratégia, ou seja, sua
possibilidade de visibilizar a distribuição do poder e garantir uma efetiva participação da
sociedade, o documento não faz a menor cerimônia em considerá-la como sendo
autonomia da instituição escolar. Em nome de uma pretensa “interação com o meio” (Ibid.,
223), a proposição cepalina de autonomia da escola deixa margem para uma conversão
deste princípio em elemento favorecedor da diminuição da atuação do Estado em relação
67
Na obra “Social democracia e educação: teses para discussão”, publicada no ano de 1990, encontramos
variados posicionamentos da autora que corroboram a nossa análise. A título de exemplo destacamos a defesa
feita por Mello (1990, p. 47) de que a obtenção da eficiência e da equidade poderia ser feita sem a gestão direta
143
ao financiamento da educação e da escola públicas. Com efeito, a autonomia da escola,
expressa no pensamento cepalino, em nada se difere da concepção neoliberal uma vez que
direciona-a para a “responsabilidade das unidades de ponta para que executem os
programas educacionais com pertinência e eficácia na alocação de recursos (Ibid., p. 200).
Como observa Imen (2005, p. 91), a autonomia a escola é a primeira das
medidas da CEPAL que apresenta convergência com as idéias difundidas pelo Banco
Mundial sob o argumento de que devessem ser superados os controles minuciosos,
detalhados e uniformes existentes sobre a rede escolar para que, então, cada unidade
escolar possa ter uma administração local autônoma.
Mesmo quando, em outro momento, a autonomia da escola é contemplada com
a possibilidade da participação da comunidade, imediatamente, o documento parece querer
advertir que há um preço a ser pago “a responsabilidade pelos resultados” (Ibid., p. 209).
Desta forma, podemos identificar uma indução para que, ao invés de efetiva participação
envolvendo compartilhamento no poder e na tomada de decisões, a comunidade escolar tão
somente se contente em opinar sobre o que externamente a ela já foi previamente decidido.
Conferindo competência e um poder de decisão ao setor empresarial, o texto do
documento (Ibid., p. 292) em apreço é categórico em defender a institucionalização de
mecanismos para aferirem a eficácia dos estabelecimentos de ensino explicitando, ainda, que
assim possa ser verificada sua capacidade de atender aos usuários e empresas.
A gestão educacional, do nível macro ao micro, é encarada neste documento
cepalino como uma questão fundamental para o desencadeamento das soluções dos problemas
existentes nos sistemas educacionais o que, como já afirmamos em outro momento, expressa
um caráter de focalização nas políticas educacionais. No que diz respeito ao gerenciamento
das unidades escolares, o documento (Ibid., p. 301) afirma que é necessário que os diretores
sejam capacitados nas modernas técnicas de gestão de organização e manejo de sistemas o
que, sem sombra de dúvidas, representa um reducionismo da função gestora.
Em relação à elaboração das políticas educacionais, uma das fortes orientações
da CEPAL para os países que estão sob sua jurisdição é que seja estabelecido um processo de
entendimento e cooperação
entre diversos agentes econômicos e políticos, visando garantir as mudanças
institucionais no sistema educacional, a provisão dos recursos necessários
do Estado e, ainda, que “instituições podem ser públicas sem serem estatais e receber dinheiro público para
oferecer ensino gratuito de qualidade (Ibd.).
144
aos sistemas educacionais capazes de assegurar os valores éticos e
comportamentais contemporâneos” (Ibid.).
À luz das orientações da CEPAL, o sistema educacional latino-americano e
caribenho tem recebido um forte impulso para a privatização, na medida em que é atribuído
ao Estado a responsabilidade apenas pela oferta da educação básica. Muito provavelmente,
entre outros fatores, esta atribuição é decorrente de este nível de ensino trabalhar com os
conteúdos gerais básicos e necessários para a qualificação da mão-de-obra requerida pelos
setores produtivos.
Em relação ao ensino superior é nítida a orientação da CEPAL para que o
mesmo seja privatizado dada a sua recomendação ao Estado para não financiá-lo, sob o
argumento de que
a autonomia universitária pressupõe que, no futuro, as instituições estejam
em condições de obter proporções consideráveis de seus recursos
mediante venda de serviços, contratos de pesquisa e até cobrança de
mensalidades ou atuação como unidade produtiva. Em particular, as
relações com o setor produtivo poderiam ensejar a criação de importante
fonte de financiamento universitário, sempre que fossem observadas as
devidas precauções quanto ao valor dos serviços prestados
(CEPAL/UNESCO, 1995, p. 30).
A respeito das interferências e intervenções dos organismos aqui refletidos na
educação brasileira e no processo de definição das políticas deste setor, com Vieira e
Albuquerque podemos constatar a configuração de uma “globalização das agências
educativas” sobre a qual devemos ter uma atitude crítica, pois “há muito mais em comum
entre as definições de política educacional para os diferentes países do que seria de se esperar,
considerando suas peculiaridades que, por certo, emanam respostas específicas” (Id., 2002, p.
62.). Tal configuração deixa em aberto um desafio aos educadores e pesquisadores para que
busquem compreender a lógica dessa “globalização educacional” como uma condição
necessária para propiciar a identificação da interferência desses organismos e eventos nos
cenários macro e micro da educação brasileira e, assim, poderem ser pensadas alternativas e
estratégias por meio das quais a educação possa ser recolocada como um efetivo patrimônio a
ser democraticamente partilhado. Aliás, é importante ser frisado que, sem desconhecermos o
poder de interferência dos organismos e eventos aqui analisados na formulação e no
encaminhamento das políticas educacionais brasileiras, por parte dos educadores também foi
realizado um processo de mobilização e de oposição frente às interferências externas no setor
educacional. Neste sentido, com Boneti (2000, p. 233), podemos registrar a ocorrência da
145
dinâmica de correlação de forças no processo de definição e elaboração de políticas públicas
voltadas para o setor educacional.
Como analisamos no decorrer deste capítulo, a educação brasileira tem passado
por um processo de adequação à formatação neoliberal do Estado bem como para contribuir
no processo de implementação e solidificação do projeto neoliberal. Com isso, a nossa
educação passou a ter uma configuração específica que, entre outros aspectos, distanciou-se
bastante das compreensões e das práticas dos educadores e dos setores sociais progressistas e,
ainda, das necessidades e dos anseios de emancipação da classe trabalhadora brasileira. No
tocante à autonomia da escola, podemos identificar a repetição de mais uma atitude de
cooptação do poder e das classes dominantes dando a este princípio um desvirtuamento das
proposições que historicamente foram pensadas em vista da democratização da educação e da
escola. Entretanto, cumpre salientar que, desde a década de 1970, a sociedade brasileira, entre
recuos e avanços, vem realizando um significativo processo de redemocratização que,
certamente, contribuiu para que os esforços e os empreendimentos em vista da
neoliberalização da nossa educação encontrassem obstáculos e resistências.
Juntamente com essa cooptação, também foi prejudicial para o
desencadeamento de uma efetiva construção contra-ideológica – tanto em relação à
neoliberalização da educação brasileira como em relação à própria implementação do projeto
neoliberal – a produção de um consenso no qual parecia que a educação carecia de mudanças
e, ainda, que as estratégias e as medidas adotadas seriam as mais adequadas para a melhoria
do sistema educacional como um todo. Este consenso, na verdade, constituiu-se numa falácia
uma vez que, ao longo da década de 1990 e início da década seguinte, foi extremamente
assimétrico o poder de decisão entre os governos neoliberais e a sociedade organizada
(notadamente os educadores e suas entidades representativas) em relação aos direcionamentos
a serem dados à política educacional.
Posto para ser visto como o projeto educacional adequado e necessário para
atender às novas exigências do novo momento da globalização neoliberal, parecia, então, que
outro caminho não se teria senão o de, consensualmente, acolher o ideário e as diretrizes
geradas e emanadas de tal projeto educativo. Entretanto, a exemplo do que ocorreu com a
própria matriz ideológica no qual foi inspirado, também, aqui e alhures, vem sendo tecida
uma proposta educacional contra-hegemônica forjada no compromisso e nos trabalhos
realizados por educadores e pesquisadores, bem como pelas suas entidades representativas.
Em diferentes realidades geográficas e culturais e por diferentes focos de reflexões, tem sido
instaurado um movimento no qual, por um lado, são levantados questionamentos a respeito do
146
nivelamento mercantilista dado à educação. Por outro lado, este mesmo movimento procura
recolocar a educação, notadamente a educação pública, como um direito universal ao qual
toca diretamente ao Estado a promoção dos meios e recursos necessários para que ela se torne
democraticamente acessível a todos os cidadãos.
Juntamente com os esforços e os empreendimentos feitos nas mais diversas
áreas político-culturais, nas perspectivas progressistas vistos anteriormente, é que
consideramos como sendo expressão articulada de um movimento de resistência e contra-
hegemonia no campo educacional a ocorrência dos chamados Fóruns Mundiais de Educação,
já realizados em três edições, nos anos de 2001, 2003 e 2005, no emblemático espaço urbano
de Porto Alegre (Estado do Rio Grande do Sul) e mais uma edição, no ano de 2006, na cidade
de Nova Iguaçu (Estado do Rio de Janeiro)
68
.
Neste último Fórum, dentre outros repúdios expressos no documento final
(CARTA..., 2006, mimeog.), destacamos o que foi dado à “intromissão dos organismos
financeiros internacionais na definição dos rumos e do sentido das políticas educacionais
desenhadas por nossos governos” por expressar o desejo e a necessidade dos educadores e da
sociedade civil para que, também no campo educacional, as nações sejam soberanas e
autônomas contrapondo-se, assim, ao fenômeno da diminuição da soberania que, no contexto
da globalização neoliberal, vem atingindo os países periféricos.
Dos textos conclusivos de tais fóruns destacamos como sendo o principal ponto
de confronto com o projeto educacional a defesa da “educação pública, gratuita e de qualidade
para todos os homens e mulheres de todas as idades, orientações sexuais e pertencimentos
étnicos, religiosos e culturais da Terra” (CARTA..., 2001, mimeog.). Por conseqüência,
também em oposição ao ideário educacional neoliberal, o repúdio pela mercantilização da
educação e a defesa de que o Estado deve garantir e financiar a educação pública tem sido a
tônica constante nos debates e nos manifestos dos Fóruns Mundiais de Educação. Neste
sentido, por ocasião do primeiro esboço do que está sendo considerado como uma Plataforma
Mundial de Educação, os participantes do 3º. Fórum rechaçaram “qualquer forma de
privatização e mercantilização da educação, da ciência e da tecnologia” (CARTA..., 2003,
mimeog.) bem como colocaram na agenda de lutas (por sinal, a primeira) “defender,
intransigentemente, a educação pública em todos os âmbitos e a obrigação intransferível do
Estado de garanti-la” (Ibid.).
68
Em oposição à cidade de Davos na qual foram realizados vários encontros para debater a economia
globalizada.
147
Para o específico fenômeno da autonomia da escola é verdade que, num
primeiro momento, as diretrizes neoliberais a seu respeito produziram um arrefecimento entre
os educadores a ponto de este princípio ser visto como uma causa sobre a qual não se deveria
mais lutar. Porém, num segundo momento, a partir da redescoberta de que sua matriz,
originariamente, integra as históricas lutas e causas progressistas, a defesa da autonomia da
escola foi retomada passando, então, a ser compreendida como uma condição fundamental
para que a gestão democrática possa, efetivamente, acontecer no chão da escola pública.
Portanto, diferente das diretrizes neoliberais de autonomia escolar, os educadores e os demais
atores sociais da escola, ainda que, em muitas vezes, nem sempre com um entendimento
explícito, possuem concepções e ensaiam passos em direção a uma prática contra-hegemônica
de autonomia da escola.
Assim sendo, a construção contra-hegemônica que vem ocorrendo no campo
educacional em geral e particularmente em relação à autonomia da escola alicerçam a tese que
norteia o presente trabalho na medida em que essa construção visibiliza a possibilidade de um
movimento tanto de resistência como de formulação de propostas diferenciadas ao
pensamento e às práticas elaboradas pelos setores dominantes e, assim, no caso do setor
educacional, poder ser pensada, como no dizer de Meszáros (2005), a educação para além do
capital.
148
CAPÍTULO 4 – A ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA E SUA INSERÇÃO NO
PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
Integrando o contexto de sociedade capitalista no qual está inserido e dele
sofrendo determinações e condicionamentos, a escola pública brasileira, em grande parte da
sua trajetória histórica, tem se caracterizado por reproduzir este mesmo contexto em sua
organização, funcionamento e práticas cotidianas.
Entretanto, como historicamente pode ser apreendida, tal realidade não tem
sido uma única forma de ser e de funcionamento da nossa escola pública. Ao contrário, tem
ocorrido um intenso e contínuo movimento empreendido pelos educadores e outros segmentos
progressistas da sociedade brasileira para que o setor educacional público seja envolvido pela
perspectiva de democratização que, de acordo com a dinâmica da histórica nacional, ora
aparece com mais, ora com menos intensidade, porém, sobretudo, a partir da década de 1980,
tem se constituído num processo em marcha. No âmbito deste movimento se insere, pois, a
defesa e a luta pela autonomia da escola pública.
No presente capítulo, abordaremos, de forma histórico-analítica, como tem
ocorrido um processo de democratização da escola pública brasileira a partir das lutas
desenvolvidas pelos educadores e suas entidades representativas refletindo, assim, o processo
mais amplo de luta em favor da democratização da sociedade brasileira.
4.1 DA ESCOLA PÚBLICA AUTORITÁRIA E EXCLUDENTE À ESCOLA PÚBLICA
DEMOCRÁTICA: UM PERCURSO AINDA EM PROCESSO
Investigando sobre a autonomia da escola, que tem se constituído num debate
que já possui mais de 70 anos de existência, observamos que, por um lado, ela parece ser uma
luta relativamente pequena, quando comparada com outras tantas batalhas que a maioria da
população brasileira é obrigada a travar em busca de satisfação das suas necessidades básicas,
149
tais como: por comida, por saúde, por moradia etc. Entretanto, o empenho pela autonomia da
escola passa a ter grande significação social na medida em que ele integra a luta por uma
escola pública democrática e, muito mais ainda, também por se circunscrever no horizonte a
partir do qual todas as outras lutas sociais adquirem sentido e justificativa: o da
democratização da sociedade brasileira.
Fundamentando as históricas lutas ocorridas no cenário educacional brasileiro
em direção à democratização da educação e, no bojo desta, a democratização da escola e do
ensino, entre os educadores e os setores sociais progressistas, tem sido uma constante o
entendimento de que os processos democratizadores, ao mesmo tempo em que constituem em
requisito da ordem social democrática, também devem ser vistos como fator de
aperfeiçoamento desta mesma ordem (FERNANDES, 1966, p. 124). Mesmo tendo
presente esta perspectiva de democratização, por outro lado, não podemos olvidar que,
historicamente, a trajetória dessa mesma escola também foi marcada por uma dinâmica de
reprodução do autoritarismo e da exclusão social existentes no contexto mais amplo do
modelo de sociedade capitalista no qual ela está inserida.
No que diz respeito ao autoritarismo, o mesmo foi visibilizado na estruturação
hierárquica que moldou a nossa organização escolar, desde a dimensão macro do sistema
educacional à dimensão micro da unidade escolar. A hierarquização foi, pois, responsável
pela manutenção de um distanciamento entre os que estavam no topo e os que estavam na
base da pirâmide do sistema escolar, bem como pelo estabelecimento de relações sociais
conflitivas no interior das unidades escolares (direção x funcionário/professor; professor x
alunos etc). A própria administração da escola pública contribuiu para fortalecer a
diferenciação hierárquica dos trabalhadores em educação, ou seja, alimentou o distanciamento
destes profissionais em relação aos momentos e fases do planejamento educacional e, assim,
era relegado aos professores o papel de meros executores de práticas educativas.
Certamente obedecendo à dinâmica da contradição que também rege a vida
social – e nesta, o setor educacional – podemos registrar que, mesmo com a caracterização
predominantemente autoritária e excludente da escola pública brasileira, aqui e acolá,
sobretudo no seio da própria comunidade educativa, aliada a setores progressistas da
sociedade, sempre houve esforços tanto para denunciar tal realidade bem como para encetar
iniciativas visando à diminuição desta caracterização. Neste sentido, podemos destacar a
década de 1970 como sendo um efervescente período no qual foram tecidos sérios
questionamentos sobre a prática administrativa que regia a escola pública brasileira.
Juntamente aos questionamentos feitos, foram buscadas novas perspectivas conceituais e
150
analíticas e, ainda, foram intentadas “as possibilidades de uma prática administrativa
democrática, comprometida com a transformação social e a melhoria da qualidade da
educação” (SANDER, 1995, p. 141)
69
. A este movimento, ainda não concluído, podemos
considerar como tendo sido um fator desencadeador de uma mudança paradigmática na gestão
da escola pública brasileira que tem sua razão de ser na medida em esteja comprometida e em
sintonia com os interesses e os objetivos da classe trabalhadora que, via de regra, se constitui
em clientela predominante da escola pública. Nesta perspectiva, a gestão da escola estará
assumindo o componente político que lhe é inerente uma vez que
passar de uma administração autoritária a uma gestão democrática da
educação implica num compromisso sócio-político, com o enfrentamento
concreto e objetivo das questões da exclusão, da reprovação e do não-acesso
que reforçam, pela escola, a marginalização das classes populares
(MARTINS, 1998, p. 58).
Mais ainda: desde a década de 1960, muitas lutas e iniciativas foram
empreendidas para que o acesso à escola pública se tornasse democrático e, assim, os
benefícios culturais proporcionados pela educação escolar fossem universalizados. Aliás, a
universalização da escola constituiu-se, pois, na primeira compreensão do significado da
democratização da educação e da escola, uma vez que expressivas parcelas da população não
tinham acesso aos seus benefícios culturais. Posteriormente, como uma conseqüência natural
dessa compreensão, veio o entendimento da necessidade de a educação e a escola serem
pautadas por parâmetros e práticas democráticas e, para tal, foi decisiva a organização e
mobilização da sociedade.
A expansão do ensino
70
começou a ocorrer tardiamente em nosso país, mais
precisamente, a partir da década de 1930, em função de atendimento ao novo modelo
econômico que estava sendo implantado. Como podemos perceber, este primeiro tipo de
expansão do ensino público brasileiro não esteve associado à compreensão de que a educação
pública é um direito decorrente da cidadania ao qual os filhos da classe trabalhadora também
são detentores (para as classes economicamente abastadas e dominantes havia a escola
particular, nos níveis dos ensinos elementar e secundário, normalmente confessional, e o
69
Para o desencadeamento de tal mudança paradigmática na administração escolar certamente em muito
contribuíram as reflexões advindas das chamadas teorias críticas (desenvolvidas por Althusser,
Bourdieu/Passeron e outros) que fortaleceram a necessidade de ser feito um processo de revisão das práticas
educacionais e pedagógicas brasileiras. .
70
Como observa Tollini (2002), dentro da necessidade premente para o momento, a expansão do ensino
começou com a construção de prédios escolares. Entretanto, esta ação não significou um aumento quantitativo
do numero de vagas, pois muitos dos prédios construídos na área rural (área que recebeu maior número de
construção) possuíam apenas uma sala de aula.
151
ensino público em nível superior). Por conseguinte, podemos apontar que a verdadeira razão
da promoção da escolarização no Estado Novo residiu nas mutações ocorridas na infra-
estrutura econômica e na diversificação da produção. É que, diferentes da produção açucareira
e a cafeeira, que não requeriam qualificação da mão-de-obra, com a industrialização veio a
necessidade de, via educação escolar, ser feito o treinamento da força de trabalho exigido por
este setor produtivo. Foi, pois, da classe trabalhadora e, mais especialmente, dos trabalhadores
urbanos que foi recrutada a mão-de-obra necessária para a formação do contingente de reserva
que aquele momento da industrialização nacional requeria.
Vale destacar que, somente no ano de 1930 a educação pública passou a fazer
parte de um embrionário sistema nacional de ensino quando, então, foi criado o Ministério de
Assuntos da Educação e Saúde e somente quatro anos depois, pela primeira vez, a educação
fundamental passou a figurar num texto constitucional (Constituição de 1934), sendo
declarada como direito de todos, compulsória, gratuita e extensiva aos adultos e, ainda, foi
determinada a elaboração de um plano nacional de educação para, então, orientar a
implementação das prescrições contidas no texto constitucional.
Ao longo do chamado “Período da Redemocratização” (1946 a 1964), a
população escolar apta para iniciar o então ensino primário registrou um crescimento na
ordem de 140% (de 5,8 milhões de matrículas, no ano de 1946, passou para 14 milhões, no
ano de 1964) o que correspondia a uma substanciosa demanda que o Estado procurou atender;
porém, seja dito que este atendimento sempre ficava em déficit. Aprofundando este quadro,
com o passar do tempo foi sendo acentuada a baixa qualidade do ensino fundamental por
diversos fatores, destacando-se os das poucas horas de ensino-aprendizagem, a falta de
formação para a docência em grande parte do professorado, as precárias condições das
instalações físicas das escolas, bem como de material de apoio pedagógico etc.
Como um aspecto da histórica situação de negação da democracia escolar,
podemos destacar que, nesse período, a seletividade na escola era bastante acentuada, como
indicam os seguintes dados: (i) no ano de 1961, de cada 100 crianças que iniciava a primeira
série, apenas 24 delas chegava à 4
a
. série (ano de conclusão do então curso primário); (ii) dos
que concluíam o curso primário, somente 15 estudantes conseguiam completar o ensino
secundário (hoje, equivalente aos estudos de 5 à 8
a
. série do Ensino Fundamental); (iii) quanto
ao analfabetismo, os dados de 1960 (ROMANELLI, 1996, p. 75) indicavam a existência
47,64% de brasileiros analfabetos. No ano anterior, de acordo com Tollini (2002, p. 97), o
país estava numa situação de empate, ou seja, para cada brasileiro escolarizado um outro
brasileiro era analfabeto.
152
De uma outra maneira, podemos identificar a não democratização da educação
nacional, no final da década de 1950, com a ocorrência de fortes disparidades de matrícula na
rede escolar, quer nos ensino primário, no ensino médio e no ensino superior, a partir de
dados apontados por Fernandes (1966, p.127). A título de exemplo, por ser naquele momento
o nível de ensino com maior visibilização no cenário educacional brasileiro, vejamos o que
ocorria em termos de percentuais de unidades escolares e de matrícula inicial no ensino
primário: (i) unidades escolares por região: Norte, 3,4%, Nordeste 24,6%, Leste 29,2%, Sul
39,0% e Centro-Oeste 3,6%; (ii) matrícula inicial por região: Norte, 3,1%, Nordeste 16,6%,
Leste 34,4%, Sul 42,3% e Centro-Oeste 3,4%;
Enfatizando a desigualdade regional na distribuição de percentual de unidades
escolares e de matrícula inicial no ensino primário, em ambos os casos, a região Leste detinha
uma considerável vantagem em relação às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
71
.
Diante desses e de outros dados relacionados com a educação nacional após
várias décadas de regime republicano, Florestan Fernandes concluía que
a República não conseguiu alterar profundamente a situação educacional
brasileira, não obstante os consideráveis avanços realizados. A educação
continua a ser um privilégio, embora não estejamos mais na era da sociedade
escravocrata e senhoril e apesar disso ser uma aberração, em face ao regime
político pelo qual optamos e dos progressos que desejamos atingir na esfera
econômica, cultural e social (FERNANDES, 1996, p. 128).
Em meio aos muitos problemas existentes na educação brasileira no chamado
período da redemocratização (1946-1964) sobressaíram-se como positivas as lutas encetadas
por trabalhadores, estudantes e intelectuais (nestes incluíam-se os Pioneiros da Educação
Nova de 1932, acrescidos de outros intelectuais de uma nova geração) que expressaram uma
significativa participação no debate sobre a questão educacional
72
. Destas lutas podemos
apontar como sendo seus reflexos as seguintes conquistas: (i) a inclusão da educação como
um dos capítulos da Constituição Federal de 1946; (ii) a promulgação da Lei Orgânica do
71
Dispensando comentário, de acordo com dados oficiais, mais de 50 anos depois, a desigualdade ainda se
mantém. Neste sentido, o registro oficial diz que “...apesar do expressivo aumento de 9 pontos percentuais de
crescimento entre 1991 e 1998, as regiões Norte e Nordeste continuam apresentando as piores taxas de
escolarização do País” (BRASIL, 2003, p. 64, o grifo é nosso).
72
Ainda que possam ser feitas diversas ressalvas apontando pontos frágeis do chamado período da
redemocratização, não podemos deixar de destacar que em tal período ocorreu um intenso debate sobre uma
educação mais comprometida com a superação da situação de dominação da classe trabalhadora, consignada nos
movimentos de educação de adultos e de educação popular. Neste aspecto, cumpre observar que o Nordeste
sobressaiu-se como pioneiro na realização de diversas experiências educacionais numa perspectiva
emancipatória na medida em que objetivou contribuir para a organização e a conscientização dos trabalhadores e
das massas populares. A titulo de exemplo, lembramos aqui a experiência do Movimento de Educação Popular,
em Pernambuco, liderado pelo professor Paulo Freire.
153
Ensino Primário (ano de 1946) na qual ficou estabelecida a extensão do ensino fundamental
(antigo curso primário) para crianças de 7 a 11 de idade; (iii) a promulgação de uma primeira
lei de diretrizes e bases para a educação nacional, a LDB de 1961, que foi precedida de 13
anos de discussões e debates.
Como registra a história, além da ampliação do número de outros segmentos
sociais envolvidos na luta pela escola pública, laica e gratuita (movimentos sindicais,
estudantes secundários e universitários, lideranças políticas etc), este processo foi muito rico
no sentido de ter trazido à tona diversos projetos educacionais e de sociedade existentes no
interior da sociedade brasileira. Especificamente em favor dos educadores e dos estudantes
(secundários e universitários) destaca-se o fato de terem defendido a bandeira de que
competia ao Estado a responsabilidade pela educação e escola públicas, como algo inerente à
missão educativa desta instância política.
Destacando o empenho e a contribuição dos estudantes na campanha em favor
da escola pública Cunha (1981, p. 31) diz que a participação destes foi intensa e, neste
sentido, este autor recorda que muitas teses foram defendidas nos congressos da União
Nacional dos Estudantes(UNE) e da União Estadual dos Estudantes (UEE), nos comícios-
relâmpagos realizados em lugares e horários de concentração (sobretudo no Rio de Janeiro).
Os estudantes ainda apoiaram as convenções que foram realizadas por sindicatos paulistas
com o objetivo específico de debaterem a educação e a escola pública brasileiras. Ainda que
tenha como foco o período do autoritarismo civil-militar de 1964, em Fávero (1994),
encontramos um significativo resgistro sobre a atuação da UNE tanto nas lutas em defesa da
educação pública brasileira (de modo especial, a educação superior) como em questões e
problemáticas mais amplas que, nas décadas de 1940 a 1970, permeavam a sociedade
brasileira. Nesta segunda direção, são valiosas as reflexoes feitas pelos estudantes nos
memoráveis documentos Declaração da Bahia (maio de 1961) e a Carta do Paraná (março de
1962).
Dando subsídios para o entendimento da existência do fenômeno dos “dois
brasis”, os estudantes analisaram que
apesar de apresentar uma unidade política e territorial, o Brasil se apresenta,
do ponto de vista econômico, como um bloco descontínuo, onde coexistem
ao mesmo tempo fases históricas de desenvolvimento sócioeconômico não
contemporâneas. Podemos distinguir uma área geográfica ocupando 2/3 do
território nacional, formada por um imenso vazio econômico. A terça parte
restante seria constituída por dois sistemas bastantes diferenciados: o
154
“sistema nordestino” e o “sistema sulino” (UNE apud FÁVERO, 1994a, p.
iv).
Ampliando as compreensões expostas na Declaração da Bahia, os estudantes
analisaram que o desenrolar histórico da sociedade brasileira havia sido realizado
sob a égide da dominação externa, quer através do colonialismo, quer, como
ainda em nossos dias, através do imperialismo, nota permanente da realidade
brasileira. De tal forma que, condicionada por todas as características de país
subdesenvolvido, onde a propriedade dos meios de produção está
iniquamente distribuída, nossa estrutura social, ao longo da história, vem
sendo marcada por um conjunto de contradições multiformes, dentre as
quais, na atualidade, avultam a seguintes: a) a dominacao da ncao brasileira
pelos países desenvolvidos da esfera capitalista, tendo como conseqüência
uma exploração do país pela metrópole; b) exploração capitalista – luta de
classe; c) o latifúndio” (UNE apud FAVERO, 1994b. p. XLVI).
Apesar do desgaste natural provocado pelo excessivo tempo de discussão,
aliás, um desgaste decorrido muito mais por conta do jogo de manobras realizado por grupos
com interesses ideológicos, o debate sobre esta LDB teve o mérito de trazer à tona e
intensificar a discussão sobre uma questão ainda válida para os nossos dias e que também
perpassa a esfera educacional: o público e o privado. Por trás das discussões sobre questões de
caráter jurídico, houve uma questão de fundo que permeou as discussões sobre a nova LDB,
sobretudo na última fase dos debates: o uso das verbas públicas para a educação. De um lado,
em nome da liberdade de ensino, se posicionaram os proprietários das escolas da rede
particular advogando a concessão de tais verbas para seus estabelecimentos, o que pode ser
“compreendido” pelo fato que , de acordo com os registros feitos por Cunha (1981, p. 28), no
ano de 1945, esta rede detinha 77% das matrículas no Ensino Médio e, ainda, os proprietários
das escolas particulares viam como ameaça o crescimento da rede pública escolar, neste nível
de ensino que, naquele momento, estava em fase de expansão por conta das demandas e
reivindicações feitas pela sociedade por uma escola pública e gratuita. Por outro lado, em
vista de o Estado poder cumprir sua função de proporcionar a educação escolar para o maior
número possível da população, posicionaram-se os educadores e os setores sociais
progressistas defendendo a destinação das verbas públicas para a expansão e manutenção da
rede escolar pública.
Inicialmente para tentar barrar o processo de aprovação do projeto da lei de
diretrizes e bases que estava em discussão nas casas legislativas (Câmara dos Deputados e
Senado Federal) foi instituída uma “Campanha em Defesa da Escola Pública”, centralizada na
Universidade de São Paulo. A razão deste posicionamento contrário ao dito projeto deve-se ao
155
fato de o mesmo ter sido visto como “insatisfatório, incongruente e pernicioso”
(FERNANDES, 1966, p. 357) e, ainda, por não atender às necessidades educacionais da
sociedade brasileira que estava em nítido processo de transformação de modo que “suas
principais disposições já nasceram obsoletas ou estão variavelmente condenadas à rápida
obsoletização” (Id., p. 364).
Entretanto, logo depois, os organizadores desta campanha direcionaram-na
para um objetivo mais amplo, ou seja, a defesa da escola pública numa perspectiva
democrática, ou seja, por, diferentemente da escola particular, ser a escola que “oferece
condições mais propícias (...) de produzir bom ensino e de proporcioná-lo, sem restrições
econômicas, ideológicas, raciais, sociais ou religiosas, a qualquer indivíduo e a todas as
camadas da população” (Id., p. 356).
Ainda que não tenha conseguido atingir o alcance nacional, como havia sido
desejado pelos seus idealizadores, desta Campanha resultaram intensas atividades de debates,
publicação de artigos na imprensa escrita bem como o estabelecimento de parcerias com
movimentos sindicais, notadamente o Sindicato dos Metalúrgicos tanto da capital paulista
como do próprio Estado de São Paulo os quais, em sinal de adesão à luta pela educação
pública, promoveram, entre outros eventos, várias convenções em defesa da escola pública
73
.
Como podemos ver, diferentemente do início da década de 1930 quando os
Pioneiros praticamente se apresentaram sozinhos advogando a causa educacional, nesse novo
cenário, foi conseguida a ampliação das forças e segmentos progressistas reivindicando
demandas que, apesar de terem sido formuladas há cerca de 60 anos, possuem uma atualidade
como podemos inferir das falas, abaixo transcritas, sobre as quais convém adiantarmos que
não foram pronunciadas por educadores propriamente ditos e sim por escritores, ao final de
um encontro específico desta categoria profissional:
...(4) que contribuam por todos os meios de que possam dispor, e, portanto,
com suas críticas, propostas e sugestões para a reestruturação do sistema
nacional de educação e de suas instituições escolares, em todos os graus de
ensino, com espírito e em bases democráticas; 5) que, em particular,
procurem promover e prestigiar tais medidas, fragmentárias ou constituídas
em sistemas, e destinadas a facilitar seus diversos graus e a participação
maior das massas na cultura como, entre outras, a gratuidade do ensino em
todos os graus, a expansão quantitativa das escolas, o desenvolvimento do
ensino rural, as missões culturais e técnicas, a multiplicação de bibliotecas
públicas, fixas ou circulantes, as bolsas de estudos, e os cursos de férias, de
73
Segundo registro feito por Gadotti (1990, p. 29), na segunda quinzena de fevereiro de 1961, na capital paulista,
foi realizada a Ia. Convenção Operária em Defesa da Escola Pública a partir da qual foi retomada a inclusão da
escola pública na pauta das reivindicações trabalhistas.
156
conferências ou de extensão universitária (1o. CONGRESSO BRASILEIRO
DOS ESCRITORES apud CUNHA, 1981, p. 22).
74
Especificamente da parte dos educadores e da intelectualidade, o momento foi
visto como propício para a edição de um novo manifesto, o Manifesto ao Povo e ao Governo
o qual
sem abandonar sua linha de pensamento original, deixava um pouco de lado
a preocupação de afirmar os princípios da Escola Nova, para, acima de tudo,
tratar do aspecto social da educação, dos deveres do Estado Democrático e
da imperiosa necessidade de não só cuidar o Estado da sobrevivência da
escola pública, como também de efetivamente assegurá-la a todos
(ROMANELLI, 1996, p. 179).
Paralelamente às inúmeras lutas e empreendimentos pela universalização da
educação escolar – e, conseqüentemente pela sua gratuidade – não podemos deixar de
registrar que, no final da década de 1950 e início da década seguinte, foi intensificado o
questionamento a respeito da consonância de tal educação com os interesses e as necessidades
da classe trabalhadora, enfatizando-se a possibilidade de a educação escolar estatal contribuir
para a conscientização e emancipação desta mesma classe. A partir deste questionamento
foram geradas várias experiências das quais, muitas delas, mesmo sem terem saído do âmbito
e da modalidade escolar formal tiveram o mérito de contribuir para um repensar do processo
educativo na perspectiva dos interesses e necessidades emancipatórias da classe trabalhadora
o que, em última análise, diz respeito à própria democratização da sociedade. Considerando o
caráter exploratório do capitalismo e mais especificamente do capitalismo brasileiro,
lembramos que, naquele momento, o sistema produtivo capitalista nacional apenas se
contentava em ter o trabalho braçal disponível para sua operacionalização o que, por
conseqüência, redundava na existência de uma imensa massa de trabalhadores analfabetos,
melhor dizendo, de homens e mulheres desprovidos dos benefícios da escolarização.
No espaço regional do Nordeste, o Movimento de Cultura Popular/MPC
(criado no mês de maio de 1960, na cidade do Recife
75
), a Campanha “De pé no chão também
se aprende a ler” (surgida no ano de 1961, na cidade de Natal) e o “Movimento de Educação
de Base/MEB”
76
(oficialmente instituído no dia 21 de março de 1961, porém sua gestação
74
O aludido Congresso, realizado no período de 22 a 26 de fevereiro de 1945, na cidade de São Paulo, teve
grande importância também do ponto de vista educacional pela preocupação apresentada para com o ensino
nacional, sobretudo o ministrado na escola pública.
75
A sede do MPC estava localizada no Bairro de Casa Amarela, uma das duas áreas que escolhemos para a
realização da pesquisa de campo.
157
pode ser assinalada no final da década anterior a partir das experiências que já vinham sendo
realizadas nas arquidioceses de Aracajú e Natal) apresentam-se como experiências
emblemáticas a partir das quais podemos vislumbrar “o caráter de um movimento prático e
teórico de implantação e implementação da escola pública” (GOÉS, 1989, p. 60), o que
acrescentamos, voltada para os interesses e necessidades emancipatórias da classe
trabalhadora, a partir do prisma da cultura popular. Em relação ao Movimento de Cultura
Popular originado no Recife, destacamos que este serviu de embrião para o surgimento dos
chamados Centros Populares de Cultura que, sob a batuta da UNE, foram disseminados por
quase todo o país.
Tendo exercido um importante papel na defesa da democratização da educação
pública brasileira, perpassando as décadas de 1930 a 1970, Anísio Teixeira também se
notabilizou por ser um persistente crítico da centralização que regia a educação nacional que,
na sua visão, se constituía na raiz de muitos males que padecia a educação brasileira. Para
superar tal problema, este educador defendia a descentralização coordenada com uma
conseqüente outorga de poder para os municípios e a autonomia da escola. Em que pese a
distância do tempo em que foi pronunciada, vale “ouvir” a voz deste renomado educador em
defesa da autonomia da escola quando diz que:
cumpre dar a cada estabelecimento o máximo de autonomia possível e esta
regra é a grande regra de ouro da educação. Tudo o que puder ser
dispensado, como controle central, deverá ser dispensando (....). As escolas
só voltarão a ser vivas, progressivas, conscientes e humanas, quando se
libertarem de todas as centralizações impostas, quando seu professorado e
pessoal a ela pertencerem, em quadros próprios da escola, constituindo seu
corpo de ação e direção, participando de todas as suas decisões e assumindo
todas as responsabilidades. O princípio da autonomia consagrado quanto à
universidade tem de se estender a todas as escolas como o princípio
fundamental de organizações de ensino (TEIXEIRA, 1976, p. 127).
Mesmo que tenha sofrido um desgastante processo de burocratização e se
desviado das intenções pelas quais foi institucionalizado no espaço escolar, pouco tempo
depois do seu surgimento (a partir do ano de 1958
77
), vale incluir os chamados “Conselhos de
Classe” como sendo uma das mais antigas experiências institucionais do exercício do espírito
coletivo na escola. Endossando o posicionamento de Romão (1997, p. 29), os conselhos de
76
Como lembra Paiva (1987, p. 230 et seq.), além desses, os Centros Populares de Cultura (sob a liderança da
UNE) também desempenharam um expressivo e significativo papel na promoção da cultura popular, ao longo
dos primeiros anos da década de 1960.
77
De acordo com o registro feito por Romão (1997, p. 29), os conselhos de classe teriam sido trazidos por um
grupo de educadores brasileiros que haviam estudado na França (país pioneiro na criação e implantação dos
conselhos de classe) e realizaram sua primeira experiência no Colégio de Aplicação, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
158
classe apareceram como uma inovação na medida em que confrontavam o poder de apenas o
professor ter em suas mãos o destino do aluno em relação à aprovação ou reprovação
discente.
Na configuração do Estado autoritário, ao longo dos anos de 1964 a 1985, foi
acentuado o caráter autoritário da educação brasileira, evidenciado no controle exercido sobre
ela, por parte desse mesmo Estado, quer seja utilizando a repressão física, quer seja usando a
submissão ideológica.
Nesse contexto, o ensino superior, por meio da Lei 5.540, de 28/11/68 e do
Decreto-lei 464, de 11/02/69, também foi objeto de uma reforma que, sob o pretexto de
modernização técnico-administrativa do sistema de ensino universitário intentava, na verdade,
atingir dois alvos: (i) amordaçar uma significativa parcela da população – a comunidade
universitária – uma vez que, dada a sua peculiaridade de instância de formação e geração do
pensamento crítico, representava uma natural ameaça ao poder ditatorial dos militares e (ii)
adequar a educação superior às necessidades do modelo produtivo capitalista e ao crescimento
econômico que, naquele momento, foi possível ser obtido.
Do ponto de vista político-ideológico, o controle por parte da ditadura civil-
militar sobre a educação foi exercido, também, na política educacional desse período,
destacando-se a Lei 5.692/71 que regulamentava o então ensino de 1º. e 2º. graus. Com esta
lei, o ensino foi direcionado para a formação de mão-de-obra, em nível técnico, para o
atendimento imediato das necessidades do mercado de trabalho. Inserido nesta lei, o currículo
escolar foi arquitetado para difundir a ideologia da ditadura civil-militar por meio, de modo
especial, das componentes curriculares de Educação Moral e Cívica, no primeiro e segundo
graus, e de Estudos de Problemas Brasileiros, no ensino superior, sendo matérias obrigatórias.
O currículo escolar, sobretudo pelos conteúdos das disciplinas Educação Moral e Cívica,
Organização Social e Política Brasileira e Estudos de Problemas Brasileiros, serviu de elo de
transmissão da Doutrina de Segurança Nacional, o arcabouço ideológico de sustentação e
justificação do regime militar. Por sua vez, os livros didáticos não só faziam apologia ao
regime como condenavam veementemente as teorias consideradas alheias ao cristianismo e à
democracia. Ademais, enfatizando o que já dissemos anteriormente, por meio da educação
escolar, os governos militares possibilitaram a disponibilização desta modalidade de educação
para o modelo econômico adotado para tal momento que exigia imediata qualificação técnica
da mão-de-obra. Da mesma forma, com o discurso pró-educação e a efetivação de algumas
medidas para o desenvolvimento do setor educacional, o governo militar buscava alargar as
159
bases para conquistar e/ou procurar obter a legitimidade da qual o regime necessitava para sua
manutenção.
A despeito da extensa e intensiva forma de autuação do Estado militar no setor
educacional, via considerável lista de instrumentos legais e outras iniciativas, visando o seu
controle e instrumentalização, a educação pública desse momento experimentou uma das mais
profundas marcas de elitização quando, com a reforma do ensino de 1
o
. e 2
o
. graus, a lei
5.692/71, os alunos oriundos das camadas populares foram ideologicamente induzidos a não
pensarem em prosseguir os estudos, ou seja, não tentarem ingressar no ensino superior. Por
trás desta “indução”, havia um dado concreto: estes estudantes não possuíam condições de
preparo nos estudos para participarem da concorrência de uma vaga na universidade, pois,
também, saíam do 2º. Grau com um certificado de curso profissionalizante que não
correspondia à formação profissional requisitada pelo mercado de trabalho industrial, na
época em expansão, uma vez que as escolas públicas não possuíam as necessárias condições
para proporcionarem tal formação.
Com essa diretriz política, evidentemente bastante camuflada, a ditadura
militar resolvia um outro “problema”: a falta de vagas no ensino superior, já que as camadas
populares naturalmente deixavam de exercer pressão por este nível de ensino. Para termos
uma rápida idéia sobre a realidade de exclusão social no ensino superior, em muito nos
ajudam os dados constantes no trabalho de Freitag (1986, p. 111). Como demonstra esta
autora, no ano de 1972, do número de 416.662 candidatos inscritos no vestibular, a quantia de
vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior (rede pública e privada) era apenas de
223.009. Desta forma, as instituições de ensino superior ofereciam apenas um pouco acima
de 50% de vagas para a demanda (mais precisamente 53,52%) o que, por outro lado, resultava
em disputa de quase dois candidatos para cada uma das vagas disponíveis
78
.
Para que melhor se compreenda a gravidade da situação, da totalidade de vagas
oferecidas, subtraíamos 160.713 (157.993 vagas oferecidas pela rede privada mais 2.720 não
identificadas quanto à sua dependência administrativa). Teremos, assim, apenas 62.296 vagas
existentes na rede pública. Dividindo-se estas pelo número de candidatos, teremos uma
relação de 6,7 candidatos para cada uma das vagas oferecidas por esta rede. Considerando-se
que, via de regra, a opção dos candidatos oriundos das classes alta e média é pelos cursos
78
Os últimos dados (ano de 2004), de acordo com o INEP, apontam para a existência de uma relação entre
candidato e vagas na ordem de 9,2 no ensino superior brasileiro.
160
mantidos pela rede pública, podemos inferir o quanto em desvantagem estavam os candidatos
oriundos das camadas populares.
Juntamente com o esforço para obtenção da adesão da sociedade brasileira à
ideologia do regime militar, a política educacional de então, como sinaliza Freitag (1986, p.
127), serviu para garantir à educação a sua funcionalidade em relação ao capitalismo
dependente brasileiro e, ainda, para contribuir na consolidação deste modo produtivo, pois a
escola foi
reestruturada e definida para funcionar em toda a sua eficácia nas várias
instâncias como divulgadora da ideologia dominante, como reprodutora das
relações de classe, como agente a serviço da nova estrutura de dominação e
como instrumento de reforço da própria base material, possibilitando a
reprodução da força de trabalho (Id., p. 129).
Dentro desse cenário autoritário, repressor e centralizador, foi quase
impensável falar de gestão democrática da escola e de autonomia escolar.
Nesse processo de instrumentalização ideológica da educação e da escola
podemos entender a atenção dada pelos governos militares para a expansão do ensino dos
então chamados ensinos de 1
o
. e 2
o
. graus, sobretudo no que diz respeito ao número de
matrículas
79
. Mesmo concordando com o posicionamento de Romanelli (1996, p. 79) de que a
expansão da matrícula na rede escolar brasileira, tomando como base o período de 1964 a
1973, derivou da demanda efetiva existente, por outro lado, entendemos que para tal
expansão, nesse mesmo período, muito mais decisivo do que essa demanda foi a compreensão
dos ideólogos do regime civil-militar de que a educação se constituía num importante
instrumento para, através dela, entre outras razões, ser inculcada a ideologia de sustentação
para tal regime.
Como observa Rodrigues (1982, p. 84), com a adoção de um modelo de Estado
que não apenas participava, como norteador, do processo de acumulação, mas se tornava
parceiro do sistema na acumulação capitalista, os governos militares empreenderam
uma reforma da educação, visando à expandir a escolaridade, em função das
necessidades da produção, levando à constituição de amplos programas de
alfabetização de adultos (MOBRAL), ampliando o alcance da escola de 1
o
. e
2
o
. graus e reformando-a com o objetivo de adequá-la ao projeto de
79
Para que a apregoada expansão da rede escolar não seja vista com ufanismo, valemo-nos, aqui, da informação
prestada por Shiroma et alii (2000, p. 44) quando observam que “em meados da década de 1980, o quadro
educacional era dramático: 50% das crianças repetiam ou oram excluídas ao longo da 1
a
. série do 1
o
. grau; 30%
da população eram analfabetos, 23% dos professores eram leigos e 30% das crianças estavam fora da escola.
Além disso, 8 milhões de criança no 1
o
. grau tinham mais de 14 anos, 60% de suas matrículas concentravam-se
nas três primeiras séries que reuniam 70% das reprovações”.
161
desenvolvimento, buscando a formação de recursos humanos necessários ao
desenvolvimento industrial planejado (Ibid.).
A despeito de extensa lista de leis educacionais e de projetos setoriais e
específicos voltados para a educação, o regime civil-militar de 1964 efetivamente não
demonstrou muito apreço pela educação quando, sob sua autoria e responsabilidade, foi
promulgada a Constituição de 1967 e nesta, a despeito dos reclamos dos educadores, não
foram estabelecidos percentuais mínimos a serem alocados, obrigatoriamente, pelo poder
público com a educação (SHIROMA et al 2000, p. 35).
Pela intensidade com que o regime militar interveio no setor educacional vale
também ser ressaltado que se confirmou, pois, a análise de Althusser (1985) de que a detenção
do poder do Estado por parte das camadas dominantes, ou de frações delas, vem logo
acompanhada da dominação sobre e nos aparelhos ideológicos do Estado. Em conseqüência, a
ostensiva intervenção do regime militar no aparelho escolar, em todos os níveis de ensino,
também decorreu da compreensão da insuficiência do uso dos aparelhos repressivos do
Estado para subjugar os educadores e a juventude estudantil partindo, então, para a dominação
ideológica. Porém, como a história testemunhou, os estudantes souberam demonstrar uma
heróica atitude de contestação e de resistência ao regime militar e sempre foram uma voz
contundente a clamar pela redemocratização política da nação.
Em relação ao desenvolvimento do processo de democratização da escola ao
longo do período da ditadura militar, vale salientar que, mesmo com todo o esforço para fazer
silenciar a população, o regime civil-castrense não conseguiu impedir com que os educadores,
os setores sociais progressistas bem como os segmentos organizados e politizados das classes
populares empunhassem a bandeira de luta pela escola pública, gratuita, universal e
democrática. Dentro do cenário autoritário e repressor de então, também foi possível a
realização de experiências de educação escolar fora da tutela do Estado, como foi o caso da
criação das chamadas “escolas comunitárias” que também tiveram o mérito de ser uma forma
de resistência contra a burocracia estatal e vislumbrarem alguns ensaios de autogestionamento
educacional.
Integrando o movimento em favor da reconstrução da democracia no país, em
meados da década de 1970, mais precisamente no mês de maio de 1975, um grupo de
cientistas sociais brasileiros conseguiu realizar um seminário, tendo como título “História e
Ciências Sociais” contando com a participação de vários intelectuais estrangeiros, a exemplo
de Eric Hobsbawn, Guilhermo O’Donnel e outros. Além da ligação dos promotores do
162
evento com o setor educacional (quase todos professores universitários), creditamos a este
seminário uma importante contribuição para a redemocratização da sociedade brasileira na
medida em que nele o autoritarismo foi colocado em questão e ainda possibilitou a discussão
de alternativas para a superação da situação vigente.
Três anos depois, a mesma cidade de Campinas sediou outro evento que teve
um grande significado tanto pela sua realização em si – o I Seminário Brasileiro de Educação
– como pelo desdobramento que a ele se seguiu. Com efeito, a partir da segunda edição deste
seminário, em 1980, foi ressuscitada, em novos moldes, uma antiga experiência de debate
nacional sobre a questão educacional, ou seja, as chamadas Conferências Brasileiras de
Educação. A respeito do significado e da importância deste Seminário, com Pino (1995, p.
18), podemos afirmar que o mesmo
pode ser considerado como um marco na reorganização do movimento dos
educadores e do campo educacional (...) como também por constituir um
novo espaço de resistência, oriundo da ação dos educadores, expressa no
primeiro encontro de profissionais da educação, após 1964, que deu
visibilidade ao primeiro momento de reflexão coletiva sobre educação.
Identificando um estabelecimento de parceria com setores sociais
progressistas, vale mencionar a adesão feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC) em, também, participar na luta pela defesa da educação pública ao incluir,
por exemplo, juntamente com a Ciência, a Educação como uma dinâmica necessária para a
construção de uma sociedade democrática. “Ciência e Educação para uma sociedade
democrática” foi, pois, o tema central do encontro anual da SBPC, no ano de 1980. Muito
provavelmente a inclusão da educação como temática de um encontro desta entidade deveu-se
à compreensão de que a educação se constitui num processo necessário e indispensável para a
ocorrência do progresso científico. Aliás, como registram Cunha et al (1980, p. 4), desde o
encontro anual realizado no ano de 1974, na cidade do Recife, foi crescente o número de
simpósios, conferências, comunicações, painéis e outras atividades correlatas sobre questões e
temáticas educacionais na SBPC e, de certa forma, a ênfase dada na reunião anual de 1980
pode ser vista como um desaguar do envolvimento desta entidade com a educação.
Resultante de um processo de reflexão e de práticas inovadoras, mesmo com os
limites impostos pelo autoritarismo dominante chegou-se à década de 1980
80
com a clareza da
80
Entretanto, de acordo com o registro feito por Azanha (1987, p. 154), o ano de 1967 pode ser visto como uma
importante data para a democratização da escola e do ensino quando, no Estado de São Paulo deu-se a
institucionalização do ensino básico, com duração de oito anos e, para que tal ocorresse, foi eliminado o antigo
divisor que existia entre o ensino primário e o curso ginasial, o chamado “exame de admissão”. Apesar de
constituir importante passo para a democratização do ensino, até mesmo porque estava sendo antecipada a
163
necessidade da democratização da escola, sintetizada por Rodrigues (1996, p. 36 et seq.) em
três direções, a saber:
1
a
) democratização dos aspectos administrativos com ênfase na eleição dos
dirigentes educacionais e no âmbito da escola;
2
a
) democratização do acesso à escola, ou seja, a universalização de sua
capacidade de responder às demandas populares. Pouco depois, constatando-se o elevado
índice de evasão escolar, este aspecto foi completado com a defesa do princípio da
permanência do aluno na escola;
3
o
) democratização dos processos pedagógicos implicando haver maior
possibilidade de participação dos agentes educacionais nas decisões do conteúdo e da forma.
Neste sentido, o Conselho ou Colegiado Escolar foi visto como sendo a melhor expressão de
participação dos vários segmentos que integram a comunidade escolar – direção, professores,
funcionários, alunos, pais – nos vários processos de decisão a respeito da atividade
educacional e escolar.
Mesmo que apresentados em direções diferenciadas, Rodrigues insistia em
observar que não se podia pensar na democratização da escola limitando-se a apenas uma
delas e, ainda, defendia a tese de que a democratização da escola é um aspecto de
democratização de toda a sociedade a partir do que se estabelecia uma via de mão dupla, de
recíprocas interferências e benefícios.
No que tange à mudança paradigmática que estava sendo operada na
administração da educação e da escola podemos identificar que tal movimento também esteve
materializado em várias experiências que, ao longo da década de 1980, foram realizadas em
diversos sistemas públicos de ensino do país, sobretudo na esfera municipal, na perspectiva da
democratização da educação e da escola. Acompanhando o trabalho de Cunha (1999), no qual
resgata as lutas dos movimentos sociais pela democratização da escola pública e, ainda, as
inovações visando à participação popular na gestão educacional, mencionamos as
experiências feitas nos municípios de Lages/SC, de Boa Esperança/ES, em Piracicaba e São
Paulo/SP (nos anos 1976 a 1980) e no sistema público de ensino do Estado de Minas Gerais
(no quadriênio 1980 a 1984).
Ainda que não tenham tido abrangência no nível macro do sistema educacional
nacional e, desta forma, apresentando um certo limite, isso em nada diminui o mérito daquelas
prescrição da LDBEN 5.692/71, na qual foi fixada a obrigatoriedade da escola de oito anos (o antigo Ensino de
1º. Grau), vale ser mencionado que tal proposta não encontrou fácil acolhida tendo, inclusive, encontrado
resistência no seio do próprio magistério público da capital paulista.
164
experiências, pois se constituíram em “ensaios” por meio dos quais estava sendo concretizado
o que os educadores e os setores sociais progressistas sonhavam e idealizavam em termos de
democratização da educação e da escola e, assim, possibilitaram a participação da sociedade
na elaboração das políticas educacionais bem como da gestão democrática da escola.
Conseqüentemente, elas também contribuíram para o início de uma ruptura com a secular
cultura de elitização e exclusão que tem marcado a trajetória da educação brasileira.
No contexto da reconstrução democrática brasileira, acentuada na década de
1980, o Congresso Mineiro de Educação, realizado no período de agosto a setembro de 1983,
deve ser visto como um marco no processo de debate participativo sobre a democratização da
educação e da escola o que pode ser comprovado pelo quantitativo da participação de “5.553
escolas estaduais, cerca de 9.200 escolas municipais e a quase totalidade das 620 escolas
privadas de 1º. e 2º. graus do Estado de Minas Gerais” (CUNHA, 1999, p. 169), além da
representação de variadas entidades educacionais dos mais diferentes níveis e instâncias
administrativas, sob a coordenação de inúmeras comissões que foram formadas para
coordenarem os trabalhos nas bases das unidades escolares
81
. Além disto, como um dos seus
resultados que mais se destacaram a partir deste evento começou a ser disseminado pelo país
o surgimento e a implantação dos Conselhos ou Colegiados Escolares para, assim, poder ser
visibilizada a gestão democrática da escola.
Na realidade educacional brasileira, os Estados de Minas Gerais, São Paulo e o
Distrito Federal podem ser apresentados como sendo pioneiros na institucionalização do
Conselho ou Colegiado Escolar, uma vez que diversos dispositivos legais, datados do ano de
1977, deram-lhe existência e atribuíram-lhe competências
82
. Entretanto, ressaltamos que,
anterior à institucionalização desta instância de participação, houve todo um movimento que
possibilitou que as experiências que estavam sendo realizadas na base escolar viessem
posteriormente a ser reconhecidas pelo poder público. Desta forma, com esta e outras
modalidades de colegialidade foi desencadeado um processo de reaprendizagem do exercício
81
Entrementes, baseando-nos na análise de Oliveira (2000, p. 245 et seq.), podemos encontrar a existência de um
direcionamento neoliberal no sistema público de ensino de Minas Gerais ao longo década de 1990 (mais
precisamente, no período de 1991 a 1998) quando, então, foi implementada uma reforma neste sistema, centrada
na autonomia da escola, de cunho neoliberal. Tal caracterização, entre outros fatores, deve-se ao fato de a
autonomia escolar ser entendida e apresentada como apenas uma concessão dada pelo poder público o que, como
sabemos, se constitui num reducionismo do princípio da autonomia da escola.
82
Maiores detalhamentos sobre o surgimento histórico do Conselho Escolar pode ser encontrado no texto de
Mendonça (2000, p. 269).
165
da participação social também nos aparelhos do Estado e, ao mesmo tempo, uma valiosa
contribuição para a organização da sociedade civil (BONETI, 2000, p. 237).
83
Na perspectiva da continuidade, perseverança e sintonia com a construção da
democratização da sociedade brasileira, retomamos o esforço empreendido pelos educadores
brasileiros em vista da concretização desse projeto com a realização das chamadas
Conferências Brasileiras de Educação
84
, promovidas e coordenadas pela Associação Nacional
de Educação (ANDE), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação
(ANPEd) e pelo Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES).
A I Conferência ocorreu no período de 31 de março a 3 de abril de 1980,
congregando cerca de 1.400 participantes
85
, provenientes de 18 Estados da federação, tendo
como tema central “Política educacional”. Num ambiente marcado por um grande esforço
para haver espaço para a divergência de pontos de vistas e de posicionamentos, entretanto, ao
longo dos quatro dias da Conferência os participantes demonstraram coesão para fazerem suas
as palavras da Comissão Organizadora de que rejeitavam o papel de simples executores de
uma política educacional sobre a qual não haviam sido consultados (ANAIS.., 1981, p.10).
Tanto pela natureza do evento como pela abrangência do tema escolhido,
muitas foram as questões tratadas, envolvendo os vários níveis de ensino que integravam o
sistema educacional nacional de então. Entretanto, nesta Conferência, foi dada ênfase à
necessidade da democratização da educação e da escola, na perspectiva de haver uma efetiva
participação da sociedade na elaboração e implementação das políticas educacionais. Desta
83
A título de ilustração da repercussão do espírito de colegialidade que envolveu a base escolar, no sentido de
engendrar uma nova correlação de forças no interior da escola, mencionamos aqui a experiência relatada por
Santos (1989, p. 99 a 105) o qual descreve um movimento de mobilização e de resistência assumido por
professores e estudantes contra o direcionamento centralizador e autoritário dos órgãos de gerenciamento do
sistema educacional da cidade de São Paulo. Sem deixar de reconhecer a existência de limites da experiência que
acompanhou (sobretudo, pelo baixo envolvimento dos pais), Santos sinaliza para a existência de avanços gerados
pela mobilização afirmando que a ação social dos professores e alunos da Escola ‘Prof. Ayres de Moura, que se
mobilizaram questionando as relações de poder e a rígida hierarquia existente no interior da escola e da
sociedade, produziu neste microcosmos novas relações sociais e educativas (SANTOS, 1989, p. 105).
Contribuindo para corroborar que a contradição permeia as relações sociais e, conseqüentemente, podem estar
presentes nas instituições sociais, consideramos como sendo interessante destacarmos que, na experiência
investigada por Santos (1989), grande parte da mobilização foi assumida pelo Centro Cívico da referida escola,
ou seja, por uma organização que, segundo os moldes do regime autoritário de então, nada mais tinha a fazer
senão desenvolver o senso de “patriotismo” entre os estudantes, reverenciar os “heróis nacionais” e entoar loas à
“revolução gloriosa de 1964”.
84
Este tipo de mobilização e de organização já havia ocorrido em períodos anteriores à década de 1980 e, mais
precisamente, durante o período imperial e nas primeiras décadas republicanas. Os diversos eventos desse
gênero, mesmo partindo da iniciativa do poder estatal, visando a cooptar os educadores progressistas, tiveram o
mérito de terem sido utilizados pelos educadores como um espaço para expressarem suas concepções e propostas
em prol de uma educação não-elitista.
166
forma, a Ia. Conferência Brasileira de Educação fazia eco aos anseios de participação que,
naquele momento, a sociedade brasileira, sobretudo via movimento populares e sindicais,
expressava em vista da reconstrução democrática da nação.
A segunda Conferência, realizada nas dependências da Universidade Federal
de Minas Gerais, no período de 10 a 13 de junho de 1982, teve como tema principal
“Educação: perspectivas da democratização da sociedade” e contou com 2.000 inscritos.
Aliada à questão dos profissionais da educação, a participação popular e a pedagógica, a
gestão da educação constituiu-se num dos eixos agregadores desta Conferência. Vistos de
forma articulada, a discussão sobre tais eixos contribuiu para o fortalecimento da proposta da
edificação democrática necessária para a reconstrução da vida nacional – numa perspectiva
totalmente oposta ao contexto autoritário e excludente de então – na medida em que a
educação fosse reconhecida como um fundamental direito de cidadania.
No contexto da discussão sobre a gestão da educação, foi dada ênfase à
temática da descentralização que, naquele momento, estava sendo apresentada como o
direcionamento sobre o qual a educação brasileira deveria seguir. Entretanto, como é
registrado no documento de encerramento desta Conferência, a descentralização possuía
diferentes versões entre os setores e partidos políticos que participavam do processo de
redemocratização da sociedade brasileira, naquele quase final da década de 1980
(DOCUMENTO..., 1982, p. 317 et seq.). Mesmo sem ter chegado a um consenso em torno
desta temática, os educadores expressaram um receio em relação ao encaminhamento que
estava sendo dado para a configuração da descentralização, ou seja, na perspectiva da
municipalização. Este receio, sem sombra de dúvidas, não era infundado uma vez que,
historicamente, no cenário político-administrativo nacional, o município não foi possuidor do
entendimento e de uma prática de que nele repousa uma base de poder.
Seguindo o calendário estabelecido, dois anos depois, de 12 a 15 de outubro de
1984, desta vez na cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, nas dependências da
Universidade Fluminense, com um notável aumento de 3.000 inscritos, portanto, com 5.000
inscritos, acontecia a III Conferência Brasileira de Educação.
O tema central “Da crítica às propostas de ação” expressava um compromisso
dos educadores brasileiros em contribuírem com o programa político que, naquele momento,
estava sendo delineado pelos segmentos sociais progressistas. A despeito das contradições das
forças que empunhavam tal programa bem como de algumas de suas lideranças,
85
Para a quantificação do número de participantes das Conferências, optamos por adotar o registro feito por
Cunha (1999, p. 94-95).
167
fundamentalmente, ele dizia respeito ao direcionamento a ser dado à vida nacional, assentada
em bases democráticas, na justiça e igualdade social. Neste contexto, podemos compreender o
poder de força com que a Conferência estava revistada (certamente, respaldada na força das
anteriores) a ponto de Tancredo Neves ter enviado uma mensagem (datada de 11/10/84) aos
seus participantes. Esta mensagem, certamente, deve ter lhes causado um grande alento, tanto
pela pessoa do emitente que naquele momento histórico aparecia como o grande articulador
de um novo momento republicano como, ainda, pelo teor da mesma missiva que expressava
um reconhecimento (“quae sera tamem”?) de que os educadores possuíam um importante
papel a desempenhar na formulação da política educacional da Nação brasileira. Aos
educadores, o articulador da “Nova República”, entre outras coisas, dizia que
(...) gostaria de receber de todos, através deste fórum e de outros que se
organizem, as sugestões que haverão de embasar a ação do futuro governo
(....). O momento inicial nos desafia a uma participação coletiva na busca e
na implementação de uma política nacional de educação que possa ser
elaborada a partir do verdadeiro laboratório da educação – as escolas – e não
a partir de idéias geradas, de forma centralizada nos gabinetes tecnocráticos.
Os princípios democráticos que motivam nossos compromissos com a
educação asseguram amplas condições para a promoção de um grande
debate nacional, capaz de incluir todos os segmentos da sociedade,
instituições e organizações sociais, culturais, cientificas e políticas para a
formulação de uma verdadeira política nacional de educação (NEVES, 1984
apud REVISTA da ANDES, 1984, p. 69).
Declarando terem se sentido sensibilizados pela mensagem que lhes fora
enviada, os participantes da III Conferência Brasileira de Educação responderam a Tancredo
Neves, em documento datado de 30/10/84 e entregue em mãos no dia 22/11/84. Após fazerem
um sucinto resgate da trajetória de luta do movimento docente “por uma política nacional de
educação orientada pelo compromisso com a democratização das oportunidades de acesso à
educação e à cultural” (RESPOSTA..., 1984, p. 64), os educadores também declararam que
“estavam com disposição de participar ativamente da formulação e implementação da política
educacional do novo governo” (Ibid.).
Tendo presente a crise econômica na qual o país estava envolto (com
conseqüentes desdobramentos sociais e políticos), a III Conferência esteve atenta a tal
realidade e, no final dos seus trabalhos expediu um “Manifesto à Nação”.
De 2 a 5 de setembro de 1986, desta vez na capital goiana, nas instalações da
Universidade Federal de Goiás, reunindo 6.000 participantes, foi realizada a IV Conferência
Brasileira de Educação. Em sintonia com o clima social e político que a nação estava
vivenciando – o anúncio da realização de uma Assembléia Nacional Constituinte -, esta nova
168
Conferência adotou o seguinte tema: “Educação e Constituinte”. Resultando de intensas
reflexões e debates foi produzido um documento cujo teor certamente fará com o que o
mesmo possa ser inscrito na lista dos documentos memoráveis que têm sido gestados ao longo
da história da educação brasileira apontando uma nova direção para a educação nacional: a
Carta de Goiânia. Nesta missiva, após constatarem que, no âmbito da Educação, o país
continuava convivendo com problemas crônicos referentes à universalização e qualidade do
ensino, à gratuidade escolar, às condições de trabalho do magistério e à escassez e má
distribuição das verbas públicas, os educadores pontuaram alguns dados estatísticos que
corroboravam a denúncia que estavam realizando (CARTA.., . 1994, p. 226 et seq.).
Após isto, mesmo reconhecendo que as expectativas de mudança nos crônicos
problemas da educação nacional apresentadas na Conferência anterior (1984), não haviam se
realizado, os educadores renovaram sua disposição de luta e apresentaram 21 propostas para
serem inseridas no texto constitucional. Destas, destacamos as seguintes: (i) educação escolar
nos estabelecimentos públicos em todos os níveis de ensino, gratuita e laica, como um direito
de todos os brasileiros; (ii) o direito à educação pública básica comum, gratuita e de igual
qualidade, sem distinção para ninguém; (iii) ensino fundamental obrigatório, com 8 anos de
duração; (iv) a promoção do ensino fundamental para todos os jovens e adultos que foram
excluídos da escola ou a ela não tiveram acesso na idade própria como um dever do Estado;
(v) ensino de 2
o
. grau como segunda etapa do ensino básico e como um direito de todos; (vi)
autonomia e democratização da Universidade; (vii) destinação dos recursos públicos
unicamente para os sistemas públicos de ensino, quer sejam federal, estadual ou municipal e
(viii) garantia à sociedade civil do controle de execução da política educacional em todos as
esferas administrativas do país (Ibid.).
Dirigindo-se aos participantes da Conferência, a Carta de Goiânia fez uma
justa e honrosa menção aos profissionais da educação que nos últimos anos haviam assumido
postos de lideranças nas Secretarias estaduais e municipais de educação em várias partes do
país colocando “em práticas formas de democratização das decisões dentro do aparelho
administrativo, com correlato movimento no sentido de reordenar o sistema de ensino a partir
das bases” (Ibid.).
Também neste documento foi explicitado o entendimento sobre a
democratização da educação defendida pela Conferência, assim expresso:
a democratização da educação não passa apenas pela ampliação quantitativa
das oportunidades de acesso e permanência na escola e pela sua eficiência na
transmissão de conhecimentos. Ela diz igualmente respeito à administração
global do sistema e à vida da escola em particular (Ibid.).
169
Ainda que pudessem estar contagiados pelo clima de efusão gerado pela
democratização política, os educadores mantiveram uma postura crítica a tal fenômeno e
disseram que
à democratização política deve corresponder a democratização da educação
nos termos que ela é entendida nos anos 80, enquanto participação dos
professores, pais, alunos, profissionais da educação, forças organizadoras da
sociedade e membros da comunidade a todos os níveis de decisão; enquanto
resgate de experiências historicamente valiosas, não para repeti-las, mas
assumindo-as como patamar a partir do qual possamos propor novas formas
de ação, novos métodos e novas políticas (Ibid.).
Mantendo praticamente o mesmo número de inscritos na anterior, desta vez na
capital federal, no período de 2 a 5 de agosto de 1988, aconteceu a V Conferência Brasileira
de Educação, na Universidade de Brasília, centralizada no tema “A lei de diretrizes e bases da
educação nacional”. Tendo em mira a elaboração da nova LDB, os trabalhos deste encontro
concentraram-se na discussão e produção de propostas para a nova lei máxima da educação
nacional, destacando-se a defesa dos princípios da “destinação exclusiva das verbas públicas
para o ensino público e o da gestão democrática da escola de qualquer tipo ou grau” (V
CONFERÊNCIA..., 1988, p. 5) como uma condição fundamental para a democratização da
educação.
Diante da importância que a descentralização estava recebendo nos debates em
torno da nova LDB e percebendo a possibilidade de desvirtuamento da concepção que esta
diretriz possui na perspectiva progressista, em seu documento final, a V Conferência adotou o
seguinte posicionamento:
a aspirada descentralização do ensino deve fundamentar-se numa efetiva
distribuição de poderes a serem exercidos a partir de legítima representação
democrática, acompanhada de adequada destinação de recursos,
imprescindíveis ao cumprimento dos encargos educacionais. Não pode
caracterizar-se pelo descompromisso de diferentes instâncias administrativas
com a educação, como freqüentemente tem ocorrido nas tentativas de
municipalizar o ensino do 1º. grau. Nem pode traduzir-se na privatização do
ensino nos diferentes níveis, como tem acontecido na Velha e na Nova
República (V CONFERÊNCIA..., 1989, p. 65).
Ainda neste documento os educadores declararam reconhecer que a luta pela
transformação da escola para que se constituísse em efetivo espaço democrático e popular
não poderia estar dissociada de um compromisso de luta mais amplo, ou seja, um
engajamento em vista da provocação de profundas mudanças na sociedade brasileira como
um todo para que pudesse ocorrer distribuição mais equânime dos bens e benefícios sociais
170
sem o que as mudanças nas políticas educacionais e nas normas legais não passariam de
propostas formais e de meros paliativos para as múltiplas desigualdades existentes no
interior dessa mesma sociedade (Ibid.).
Por variadas razões, a programação da realização bienal das conferências não
pôde ser realizada no ano de 1990 de modo que a VI Conferência só pode ser realizada no ano
seguinte, no período de 3 a 6 de julho, no campus da Universidade de São Paulo (USP), tendo
como tema “Política nacional de educação”.
Muito provavelmente em decorrência da complexidade da temática adotada,
esta nova Conferência, entre outros aspectos, caracterizou-se por estabelecer uma ampla
parceria com intelectuais e profissionais de outras áreas (economistas, cientistas sociais,
filósofos etc.) para responder às múltiplas interpelações que estavam contidas no processo de
contribuição para a elaboração de uma política educacional, capaz de responder aos desafios
impostos pela profunda crise em que, naquele específico momento, a educação brasileira
estava mergulhada. Neste sentido, os educadores denunciaram que
o nosso já frágil sistema público de ensino tem sido alvo de políticas que em
vez de responderem aos seus problemas, enfraqueceram-no ainda mais e
contribuem para a sua desintegração (...). Políticas traçadas em nome da
sociedade, mas que ameaçam o ensino público porque pensam a esfera
pública a partir de interesses privados. Políticas elaboradas em nome de um
novo modelo econômico, supostamente capaz de tirar o Brasil da crise
estrutural que o afeta e de incluí-lo no atual reordenamento político-
econômico internacional, mas que põem em risco a sobrevivência daquelas
instituições de cuja existência e vigor muito depende a construção de uma
sociedade democrática, porque pensam desenvolvimento sem justiça social
(MENSAGEM..., 1992, p. 17).
Na elaboração de uma política educacional que atendesse, de forma
democrática ao momento de então, os educadores foram enfáticos em defender que cabe ao
Estado o papel indivisível de financiamento e gestão da educação pública, porém, compete à
sociedade civil, democraticamente organizada no interior e no entorno à escola, a tarefa de dar
as coordenadas das políticas educacionais capazes de efetiva e ampla penetração social o que,
de certa, forma se constitui num aceno à dimensão de autonomia que deve circunscrever a
instituição escolar.
Sobre o que significaram as Conferências Brasileiras de Educação, endossamos
a análise de Pino (1995, p. 21) para dizer que elas não somente representaram um foco de
resistência ao Estado autoritário de então, bem como às suas políticas educacionais e, ainda,
expressaram o desejo e o compromisso em favor de uma educação democrática que, por sua
vez, pressupões o estabelecimento de um Estado democrático.
171
Recordando que, em momentos passados da história do nosso país já haviam
sido realizados outros eventos para discussão e debate da educação nacional
86
, porém, a partir
de iniciativa do poder governamental, também vale ser destacado que as conferências, aqui
refletidas, se constituíram numa inversão da prática até então vigente, ou seja, as políticas
educacionais que antes eram definidas a partir do “alto”, passaram a representar um
movimento participativo vindo das bases, das mãos, pés, corações e mentes daqueles que
também possuem autoridade para proporem rumos e direcionamento a serem dados à
educação – os educadores, homens e mulheres envolvidos com a construção do conhecimento
desde as primeiras séries da escola básica até às cátedras da pós-graduação.
No ensejo da elaboração e promulgação da Constituição Federal de 1988, um
novo tempo e cenário abriu-se para a luta pela democratização da escola. Com efeito, na tarde
do dia 5 de outubro de 1988, o Congresso Nacional Brasileiro realizou a histórica sessão da
promulgação da nova Constituição Federal. O texto constitucional exibido pelo deputado
Ulysses Guimarães, então presidente do Congresso e da Assembléia Nacional Constituinte,
equivalia a um troféu que representava a conquista de um grande feito - o que não deixava de
ser verdade. Por trás do gesto apoteótico do deputado Ulysses Guimarães, “estava presente”
um sem número de lutas e de ações que foram realizadas por milhões de brasileiros para que o
país voltasse à normalidade do Estado de direito. Assim, com a promulgação da Constituição
de 1988 – cognominada de “Constituição Cidadã” - o Estado brasileiro, do ponto de vista
político e institucional, restabelecia a sua normalidade democrática e parecia colocar em
marcha o processo de redemocratização do país, após 21 anos de ditadura civil-militar.
O processo de redação da nova constituição – a Assembléia Nacional
Constituinte – foi visto pelos educadores como ocasião e espaço importantes para
contribuírem em favor da redemocratização da sociedade brasileira. Tanto foi assim que,
analisando o registro feito por Gadotti (1990, p. 108), no qual constam os nomes das 74
entidades que foram ouvidas pela subcomissão de Educação, Cultura e Esporte, encarregada
de elaborar o anteprojeto básico sobre tais setores, identificamos a existência de 23
representantes de entidades diretamente ligadas ao setor educacional os quais apresentaram
centenas de propostas para serem incorporadas ao texto constitucional. Destas, a citada
subcomissão, em seu anteprojeto, deu destaque a cinco questões temáticas, a saber:
vinculação de recursos à educação, ensino gratuito e universal nas escolas públicas,
86
Como exemplo elucidativo do envolvimento e da capacidade dos educadores em, coletivamente, pensarem a
política educacional brasileira, quer seja contestando ou mesmo propondo, apontamos as 13 Conferencias que,
no período de 1927 a 1967, foram promovidas pela Associação Brasileira de Educação.
172
fiscalização do ensino pela comunidade, aposentadoria especial para profissionais do ensino e
intervenção federal nos Estados que não cumprissem a determinação constitucional de
aplicação de um percentual mínimo da receita de impostos.
Em vista da canalização de recursos e de energias e, ainda, porque se sentiam
irmanadas pela causa comum da democratização da sociedade, diversas entidades
educacionais se uniram para a criação do Fórum de Educação na Constituinte em Defesa do
Ensino Público e Gratuito, instalado no dia 9 de abril de 1987. Entretanto, pouco tempo
depois, em virtude de divergências internas em relação à destinação das verbas públicas para a
educação, esta agremiação tomou o nome de Fórum em Defesa da Escola Pública, o
FNDEP
87
.
O surgimento do FNDEP, centrado na reivindicação de um projeto para a
educação nacional como um todo, deveu-se à existência de uma vontade política dos
educadores e de parcelas da intelectualidade brasileira, engajadas na luta pela
redemocratização do país e ainda apresentou-se como uma das novas formas de agregação dos
interesses da sociedade civil, principalmente através da atuação de entidades, aglutinando
coletivos socialmente organizados (GOHN, 2001, p. 79). Sendo assim é que o fórum, com
menos de três meses de sua instalação (de abril a junho de 1987), conseguiu protocolar uma
emenda assinada por 279.103 eleitores de todo o país, englobando as lutas históricas dos
trabalhadores em educação, inclusive a democratização do acesso ao ensino e da sua gestão
88
.
Como observa Mendonça (2000, p. 103), a defesa do tema da gestão
democrática do ensino, por parte do Fórum, era sinal de que a idéia de democratização da
educação já superava o conceito de escola para todos e, assim, avançava-se na compreensão
da escola como espaço de vivência democrática e de administração participativa.
Corroborando esta afirmação, transcrevemos, abaixo, os artigos da Proposta do Fórum da
87
Foi de 14 o número de entidades que compuseram o Fórum: Associação Nacional de Educação (ANDE),
Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), Associação Nacional dos Profissionais de
Administração Educacional (ANPAE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd), Confederação dos Professores do Brasil (CPB), Central Geral dos Trabalhadores/CUT, Centro de
Estudos “Educação e Sociedade” (CEDES), Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Federação das Associações
de Servidores das Universidades Brasileiras (FASUBRA), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF), União
Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Federação Nacional
de Orientadores Educacionais (FENOE).
88
Constituindo-se num espaço plural e contemplando a diversidade ideológica existente na sociedade brasileira,
observamos que proposições de caráter conservador também foram levadas ao debate constituinte destacando-se
as da Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino/FENEN e as de alguns setores da Igreja Católica
visando, estes, a manutenção do ensino religioso na escola pública e o subvencionamento financeiro às
instituições educacionais católicas, sobretudo as de nível superior de ensino.
173
Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público que explicitamente contemplam tal
compreensão:
Art. 18 – A lei regulamentará a participação da comunidade escolar
(professores, estudantes, funcionários e pais) na comunidade científica e nas
entidades representativas da classe trabalhadora em organismos
democraticamente constituídos para a definição e o controle da execução da
política educacional em todos os níveis (federal, estadual e municipal).
Art. 19 – A gestão acadêmica, científica e financeira de todas as instituições
de ensino de todos os níveis e das instituições de pesquisa, além de todos os
organismos públicos de financiamento de atividades de pesquisa, extensão,
aperfeiçoamento do pessoal docente e desenvolvimento científico e
tecnológico deverá ser democrática, conforme critérios públicos e
transparentes.
Parágrafo 1
o
. – As funções de direção e coordenação nas instituições de
ensino em todos os níveis e nas instituições de pesquisa serão preenchidas
através de eleições pela comunidade da instituição respectiva, sendo
garantida a participação de todos os segmentos dessa comunidade.
Parágrafo 2
o
. – A produção, a seleção, a edição e a distribuição de material
didático sob a responsabilidade do poder público devem ser submetidas ao
controle social e democrático da comunidade, garantindo-se a
representatividade dos diferentes pontos de vista, respeitadas as
especificidades regionais e culturais
89
(FÓRUM..., 1990, p. 112 et seq.).
Analisando a existência e atuação do FNDEP, endossamos de Gohn (2001, p.
82) o registro de que, diferentemente do quadro dos anos 70 no qual o Estado era visto pelos
movimentos sociais como sendo seu principal antagonista, este organismo apresentou a
singularidade de ser um movimento que buscava manter a atuação estatal na sociedade,
entendida tal atuação no sentido de preservação e promoção dos direitos da maioria dos
cidadãos e, ainda, por buscar preservar o Estado do desvirtuamento que ocorre em seu interior
quando, por exemplo, as verbas públicas são apropriadas por lobbies particulares, em função
de interesses privados e não públicos. Nesse sentido, mesmo com divergências em seu
coletivo sobre diversas questões, a destinação das verbas públicas unicamente para a escola
pública foi uma das principais bandeiras de lutas empunhada pelo FNDEP.
Destarte, constituindo-se num reflexo do campo mais amplo das lutas em prol
da redemocratização brasileira, desde o final da década de 70 e ao longo da década seguinte,
os educadores e pesquisadores e suas entidades representativas vinham se
empenhando na luta por uma educação pública, gratuita e universal com
qualidade, com garantia de acesso para todos e conclusão da escolaridade
como um direito social (em oposição ao cenário escolar reinante...).
Aprofundando o compromisso com a educação e deparando-se com o caráter
excludente da escola resultante da freqüente repetência, a expressão do
autoritarismo da estrutura escolar, o movimento social passou a reivindicar
mais democracia na gestão da escola (OLIVEIRA, 2001, p. 161).
89
O texto completo da Proposta pode ser encontrado em Gadotti (1990, p. 112 et seq.)
174
Cessados os trabalhos de elaboração da nova Constituição e sendo esta
promulgada, podemos localizar no texto constitucional vários avanços em relação à educação,
tais como: (i) a inclusão da educação como um direito social (art. 205); (ii) a
responsabilização do Estado na promoção da educação e como seu dever (art. 205 e art. 206);
(iii) a gestão democrática como um princípio pelo qual o ensino público deve ser regido (art.
206, VI); (iv) a extensão da gratuidade ao ensino médio (art 208, II); (v) o atendimento
educacional especializado para os portadores de necessidades especiais (art. 208, III) e (vii) a
caracterização da universidade como instituição autônoma (art. 207). Vale destacar que esta
caracterização constituiu-se, na verdade, uma inovação, pois foi a primeira vez que um texto
constitucional contemplou o tema da autonomia universitária.
Paralelamente à movimentação em torno da Constituinte, os educadores
começaram a se envolver numa outra importantíssima frente de luta: a elaboração da nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cujo debate iniciou-se no ano de 1987,
encabeçado pela Associação Nacional dos Profissionais de Administração Educacional
(ANPAE), por ocasião da sua X Reunião Anual, realizada na cidade de Salvador, no período
de 11 a 15 de maio de 1987, sob o tema “Educação Brasileira: dos dispositivos constitucionais
às diretrizes e bases”
90
. Já neste evento foi contemplada a questão da gestão democrática do
ensino público sendo, então, elaboradas várias propostas para integrarem o corpo da futura
LDBEN. No que tange à gestão democrática do ensino público os participantes do encontro
da ANPAE enfatizaram a necessidade de serem instituídos mecanismos que possibilitassem a
participação dos segmentos que compõem a comunidade escolar, tanto na condução de tal
comunidade como no processo de formulação e execução da política educacional o que, neste
entendimento, poderia ocorrer a democratização da educação e da escola.
No ano seguinte, sob a liderança de Demerval Saviani já estava pronto um
texto-base que foi apresentado à Câmara Federal, através do Deputado Octávio Elísio
(PMDB/MG) ficando, depois, como relator o deputado Jorge Hage (PDT/BA)
91
. Porém, no
ano de 1992, o senador Darcy Ribeiro (PDT/RJ) apresentou um projeto de sua própria autoria.
Três anos depois, portanto em 1995, este mesmo senador apresentou um novo substitutivo que
90
De acordo com os registros feitos por Tavares (2003, p. 64 et seq.), nas reuniões anuais da ANPEd dos anos
de 1988 e 1989 foram retomados os debates relacionados com a nova LDB.
91
Dentre os vários estudos sobre o processo de elaboração da atual LDB, o texto de Pino (2003) apresenta-se
como elucidativo, tanto pelo detalhamento dos acontecimentos em torno do processo como pela análise de que o
mesmo se constituiu numa verdadeira batalha envolvendo frentes antagônicas possuidoras de diferenciadas
concepções de sociedade e de Estado.
175
foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Fernando Henrique
Cardoso, sem nenhum veto. Esta aprovação deveu-se à nova composição de forças políticas
que havia sido instalado com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995) e se
caracterizava como sendo, predominantemente, conservadora. A despeito de algumas
formulações de cunho progressista existentes no texto da LDBEN, no geral, esta lei
educacional se apresentava como adequada para o projeto de educação neoliberal que estava
sendo implantado no país.
Como podemos ver, mais uma vez os educadores e as forças sociais
progressistas foram derrotados na correlação de forças com as elites conservadoras. Todavia,
dentro da perspectiva de resistência histórica que tem assinalado a marcha dos educadores, os
espaços de possibilidades para a instauração de um projeto educacional, pautado pela
objetivação da emancipação social, foram aproveitados e, assim, entre outras, foi dado
continuidade à já histórica luta pela democratização da educação e da escola.
No movimento de luta dos educadores e dos setores sociais progressistas em
vista da democratização da educação e da escola não podemos deixar de registrar um
significativo fato e processo que envolveu os profissionais que atuam na escola pública
brasileira, ou seja, o desencadeamento da consciência de que também são trabalhadores e,
como tais, estão submetidos à exploração capitalista. Tal consciência possui a singularidade
de que, atuando na escola pública, os profissionais da educação estão em conflito com o
Estado que é o seu empregador. Por sinal, a grande maioria da categoria docente, sobretudo
da educação básica, vende a sua força de trabalho para o Estado que se vê obrigado a expandir
a rede pública de ensino não somente em virtude do aumento populacional, mas, muitas
vezes, de modo mais forte, por conta da pressão da sociedade ao clamar pela universalização
do ensino. Entretanto, se, por um lado, no jogo de correlação de forças, o poder estatal acede
às demandas educacionais que lhe são dirigidas pela sociedade organizada, notadamente à
classe trabalhadora; por outro lado, esse mesmo poder procura neutralizar sua “derrota”
através de uma “política de abandono da educação pública mediante o achatamento salarial
dos professores e as escassas verbas destinadas ao ensino” (SPOSITO, p. 18, 1984a). Nessa
dinâmica conflitiva, a sociedade civil e os movimentos populares assumem o desafio de
empreenderem novas lutas.
Rompendo com uma histórica trajetória de desmobilização enquanto categoria
profissional, no ano de 1960 foi conseguido que os professores primários se organizassem
numa associação representativa de âmbito nacional surgindo, então, com fundação acontecida
na cidade do Recife, a chamada Confederação dos Professores Primários do Brasil, a CPPB.
176
Após o momento fundacional desta entidade, seguiu-se um período de organização e
consolidação, o qual se prolongou até a década seguinte quando, em vista de um maior
congraçamento dos educadores numa entidade com maior peso político, a CPPB modificou os
seus estatutos a partir do que surgiu a Confederação dos Professores do Brasil, a CPB, no ano
de 1979. Muito provavelmente, a ampliação da representatividade da CPP, aliada à própria
conjuntura de questionamento à “ordem” vigente (a ditadura civil-militar de 1964) contribuiu
para que a esta entidade assumisse uma postura de caráter combativo posicionando-se
contra a política educacional do governo e a política econômica
concentradora de renda, assim como pelo fim do regime autoritário. Sua
forma de atuação deixou de ser exclusivamente o encaminhamento de
moções às autoridades educacionais e entrevistas à imprensa, para promover
a pressão política por meio de grandes congressos, do apelo à greve e da
unificação dos movimentos reivindicatórios em todo o país (CUNHA, 1999,
p. 74).
Com as novas disposições estabelecidas pela Constituição Federal de 1988,
destacando-se o reconhecimento de o trabalhador do serviço público poder organizar-se em
entidade sindical, no ano de 1989, deu-se a fundação da Conferência Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) cuja trajetória tem se caracterizado em, dando
continuidade à caminhada do Fórum Nacional em Defesa da Educação, defender a escola
pública para que, efetivamente, seja universal e gratuita.
Juntamente com o fortalecimento da organização dos trabalhadores em
educação, este movimento associativo também possui o mérito de proporcionar o exercício
democrático da participação política do trabalhador, via movimento sindical. Como recorda
Souza (1997), o movimento sindical docente também realizou um importante feito que foi o
aprofundamento do debate sobre a questão da esfera pública e esfera privada. Ao fazer isto, o
movimento sindical docente (bem como o de outras categorias profissionais) contribuiu para
que a organização sindical brasileira, aos poucos, viesse se desfazer da sua antiga
caracterização de subordinação e conciliação ao poder estatal que predominou nas antigas
associações de caráter sindical, anteriores à Constituição de 1988, na quais os trabalhadores
do setor público – e, nelas, os profissionais da educação – estavam congregados. Desta forma,
com avanços e recuos, tem se registrado uma nova configuração do movimento sindical
brasileiro, ou seja, a de combatividade.
É assim, pois, que creditamos à organização sindical dos trabalhadores em
educação uma imprescindível contribuição na luta pela democratização da educação e da
escola na medida em que, mediante os instrumentos de reivindicação que podem utilizar, eles
177
visibilizam para a população as condições de exploração a que estão submetidos, bem como
expõem as precárias condições materiais, pedagógicas, administrativas e financeiras nas
quais, via de regra, a escola pública brasileira está sendo submetida.
Como também não considerarmos como sendo fruto e reflexo do movimento
sindical dos trabalhadores em educação as propostas, conquistas e experiências de gestão
democrática no âmbito educacional bem como as de autonomia escolar, realizadas em várias
áreas do território nacional? Ademais, no conjunto das muitas lutas que têm sido travadas em
vista da democratização da educação brasileira, certamente, muito mais baixas e perdas teriam
acontecido se o movimento associativo docente não tivesse marcado presença ativa e efetiva
nas linhas de frente de tais batalhas.
No processo de luta, ainda bastante atual em nossos dias, é evidente que o
movimento sindical docente se depara com uma vasta gama de desafios a serem enfrentados
e, dentre tantos outros que possuem igual importância, destacamos os seguintes como sendo
os mais urgentes: (i) a realização de um trabalho de educação política no seio dos
trabalhadores em educação para que estes cresçam e avancem na consciência da necessidade
de uma efetiva militância sindical
92
e (ii) o desenvolvimento de estratégias adequadas para
conquistar o apoio e a adesão da sociedade, de modo especial, dos alunos e dos pais, em suas
lutas e ações reivindicatórias.
Dessa forma, poderemos ter, no primeiro caso, uma retomada da filiação
sindical, maior visibilização da organização sindical, efetiva participação nas lutas e maior
poder de mobilização e resistência da categoria nos inevitáveis confrontos com o poder do
Estado e do capital. No segundo caso, provavelmente, em muito poderá ser reduzido o
distanciamento entre os pais/alunos e os profissionais da educação que impede aos primeiros
enxergarem que as lutas destes trabalhadores têm uma relação direta com sua condição de
classe subalterna que, em vista da sua emancipação, necessita da educação e do ensino
públicos pautados pelos parâmetros da democratização do acesso, da permanência e da gestão
bem como o da qualidade social.
Dada a especificidade da década de 1990 que resultou em novos
direcionamentos para o movimento dos educadores em favor da democratização da educação
e do ensino (que será objeto de análise na seção seguinte), vale condensar a reflexão de
92
De acordo com um estudo promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, tendo por
base a realidade de 10 estados brasileiros (AL, ES, GO, MG, MT, PI, PR, RN, RS e TO, totalizando 737.170
profissionais da educação), no ano de 2001, apenas 55% possuía filiação sindical.
178
Saviani (1995, p. 51 et seq.) a respeito de como ser considerada a década de 1980 do ponto de
vista educacional.
Desvelando a existência de uma avaliação ideológica de que a década de 1980
teria sido uma década perdida para os países em desenvolvimento – e nestes, o Brasil –
Saviani aponta que, ao ser realizada tal avaliação, calcada no viés econômico, foi sendo
projetada uma imagem negativa no campo educacional fazendo uma indevida transposição a
este setor e, assim, impediu ser olhado que do “ponto de vista da organização do campo
educacional, a década de 1980 é uma das mais fecundas da nossa história, rivalizando apenas
com a década de 1920, mas, ao que parece, sobrepujando-a” (Id., p. 52). Ainda para este
autor, a organização dos educadores, ao longo da década de 1980, estruturou-se em dois
distintos vetores, a saber: (i) o da preocupação com o significado político e social da educação
a partir do qual foi encetada a luta pela escola pública de qualidade, universal e em sintonia
com as necessidades das camadas que majoritariamente são seus usuários: os alunos oriundos
da classe trabalhadora e (ii) a preocupação com o aspecto econômico-corporativo a partir do
qual os educadores, no reconhecimento de sua condição de força de trabalho explorada,
realizaram intensas mobilizações na tentativa de sustar o processo de degradação que,
enquanto profissionais da educação, estavam sofrendo (expressa nos baixos salários e nas
péssimas condições de trabalho).
Contestando o ponto de vista defendido por alguns de que à intensa
mobilização dos educadores e da sociedade em geral em defesa da educação o Estado teria
respondido com um refluxo da sua atuação no campo educacional, Saviani, a partir de
diversos exemplos de experiências inovadoras nos âmbitos estadual e municipal, aponta para
a existência de um efervescente processo e movimento educacional nos quais os educadores –
quer nas instâncias administrativas destes dois níveis, quer nos espaços locais das unidades
escolares – atuaram ativamente e conclui que a década de 1980 também foi “um período em
que a área de educação conquistou espaço decisivo no âmbito da sociedade e do Estado,
constituindo-se num dos setores mais dinâmicos e atuantes da chamada sociedade civil”
(Ibid., p. 54).
Integrando, pois, o amplo movimento de lutas em vista da democratização da
sociedade brasileira que, notadamente, ocorreu por toda a extensão da década de 1980 a
autonomia foi retomada pelos educadores, suas associações representativas e vários setores da
sociedade civil organizada como um princípio fundamental para que a escola pudesse exercer
a capacidade de tomar decisões em vista da elaboração de um projeto educacional
179
coletivamente construído, implementado e avaliado e, ainda, a gestão democrática da escola
se tornasse possível.
4.2 MESMO EM TEMPOS NEOLIBERAIS, A LUTA CONTINUA! – DIZEM OS
EDUCADORES E OS SETORES SOCIAIS PROGRESSISTAS
Como já analisamos em outros momentos, no início da década de 1990 o
Estado brasileiro foi moldado à formatação neoliberal, a exemplo do que estava ocorrendo em
grande parte do mundo capitalista. Com o desenrolar dos anos e dos acontecimentos políticos
que marcaram esta década, grande parte da vida nacional passou a ser regulada pelos ditames
do neoliberalismo. Todavia, a implementação do neoliberalismo em nosso país teve que
confrontar-se com um movimento de resistência encetado pela sociedade organizada o qual –
ainda que não tenha conseguido impedir tal implementação – também externou a existência
de uma sociedade portadora de inúmeras propostas participativas que sinalizavam um projeto
de cidadania que se contrapunha ao ordenamento neoliberal promovido pelas elites
dominantes.
Do ponto de vista educacional, podíamos encontrar, em tal contexto, a
existência de dois distintos projetos, ou seja: (i) de um lado, o projeto educacional neoliberal
engendrando um consenso de que a educação deveria sair do âmbito das políticas públicas
para o âmbito do mercado e, assim, poder se ajustar às exigências postas pelo neoliberalismo
no sentido de formar indivíduos competitivos e empreenderes e, (ii) do outro lado, intentando
expressar um movimento contra-hegemônico, os educadores e as forças sociais progressistas
defendiam um projeto tendo como foco central a bandeira de que a educação se constituía
direito de todos e dever do Estado e, para o cumprimento deste direito e deste dever, seria
necessária uma escola pública, gratuita, democrática e de qualidade.
Diante do desafio que estava sendo posto, os educadores, aliados a outros
setores sociais progressistas, novamente se sentiram impelidos a enfrentarem novas batalhas
na expectativa de barrarem o projeto educacional neoliberal e, conseqüentemente, fazerem
valer o projeto educacional contra-hegemônico que defendiam por considerarem que somente
este poderia possibilitar a conquista da plena cidadania para todos os brasileiros. O momento
era bastante propício, pois o governo FHC estava mostrando com mais clareza a sua opção
por um projeto neoliberal editando medidas provisórias, projetos-lei e emendas
constitucionais para o setor educacional eivados de conotações neoliberais e, ainda, com o
180
agravante de dispensar a participação da sociedade e, mais especificamente, das entidades
representativas dos educadores brasileiros.
Foi, pois, nesse contexto, que, sem esmorecer na realização de outras ações e
compromissos, os educadores e os setores sociais progressistas enveredaram pela realização
de congressos nacionais de educação (I CONED, II CONED, III CONED, IV CONED e o V
CONED) que, de certa forma, mantiveram uma linha de continuidade com as Conferências
Brasileiras de Educação, realizadas ao longo da década de 1980. A realização destes eventos
tem se constituído num expressivo movimento empreendido pela sociedade brasileira em
defesa da escola pública tanto pela visibilidade da realização dos mesmos, como pela adesão
quantitativa do número de participantes que sempre fez com que todos os Estados da
Federação e o Distrito Federal marcassem presença em seus eventos. Juntamente com a
realização destes Congressos, os educadores, mediante a realização de intensos debates,
análises e compreensões também conseguiram fazer uma articulação dialética da questão
educacional com a realidade mais ampla, indo do nível local/nacional ao nível mundial e,
ainda, fazendo o percurso inverso. Vejamos, pois, de forma sintética a trajetória de luta,
mobilização, avanços e conquistas que têm sido realizadas ao longo dos cincos CONEDs.
O I CONED foi realizado no período de 31 de julho a 3 de agosto de 1996, na
cidade de Belo Horizonte, reunindo mais de 5.000 participantes. Na raiz das motivações da
convocação deste evento pode ser contabilizado o fato de que, no ano anterior, sem ter havido
uma ampla discussão com a sociedade e as entidades representativas dos educadores, o
governo havia enviado ao Congresso Nacional um considerável número de medidas
provisórias, projetos de lei e emendas constitucionais na área educacional parecendo um rolo
compressor. Diante disso, não obstante as múltiplas dificuldades para organizar um evento de
tal porte (nestas incluindo dificuldades internas que, inclusive, obstaculizaram a continuidade
das Conferências Brasileiras de Educação), os educadores reagiram e tomaram a decisão de
organizar e fazer acontecer o dito Congresso. Aliás, esta decisão teve seu nascedouro no XXV
Congresso Nacional dos Trabalhadores em Educação no qual, constando do seu Plano de
Lutas, foi definida a realização de uma Conferência educacional, em âmbito nacional.
Falando na sessão de abertura, o professor Carlos Augusto Abilid, então
presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), anunciava
que o Congresso expressava a capacidade da sociedade brasileira em elaborar um projeto
educacional fundado na democracia e na qualidade social (CNTE, 1996). Como que
parecendo dizer que tais palavras não se constituíam num efeito de retórica, o referido
181
educador apontava nove direcionamentos ou encaminhamentos a serem dados e assumidos
pelos educadores para serem defendidos e implementados, ou seja:
a) com a gestão democrática que desprivatize o Estado em todos os níveis e
atravesse as instâncias desde a unidade escolar até as instâncias superiores
do sistema;
b) com a garantia de que nenhuma criança seja privada da escola pública de
qualidade;
c) com a erradicação do analfabetismo e a universalização do ensino
fundamental;
d) com a extensão da universalização ao ensino médio e a expansão
socialmente qualificada da formação profissional e tecnológica públicos;
e) com a melhoria das condições de acesso e permanência nas escolas das
periferias urbanas e das áreas rurais;
f) com a garantia de um piso profissional nacional para os trabalhadores em
educação que restitua condições melhores de vida e de exercício digno da
profissão;
g) com a formação permanente viabilizada por estruturas de carreira e
jornada de trabalho que considerem a profissionalidade do trabalho
educativo em todos os níveis;
h) com a garantia de investimentos públicos que dêem condições de
realização de um plano nacional de educação resultado de um amplo
compromisso político guindado num projeto de nação soberana, solidária,
justa e igualitária;
i) com a ampliação dos tempos e espaços públicos que atualizem a educação
como direito da sociedade e dever do Estado (CNTE, 1996, p. 18).
Neste I CONED, por meio de diversos grupos de trabalhos e das produções
compartilhadas e construídas ao longo do evento, foi possível chegar à conclusão de que,
além de representar uma efetiva resposta às políticas governamentais, quer gerais quer
especificamente educacionais, de caráter neoliberalizante, excludente e fragmentador, os
educadores estavam em condições de dar mais uma contribuição histórica para a causa da
educação nacional e, assim, adiantarem-se na elaboração do Plano Nacional de Educação,
previsto no artigo 87, parágrafo 1º. da LDB 9394/96.
“Promessa feita, promessa cumprida”! De fato, no ano seguinte (de 6 a 9 de
novembro de 1997), novamente na capital mineira, os educadores, acompanhados de
significativa representação estudantil, voltaram a se reunir fazendo, então, acontecer o II
CONED. Nesta ocasião, foi discutido e aprovado o Plano Nacional de Educação – Proposta
da Sociedade Brasileira (PNE-PSB) o qual, posteriormente, para seguir a devida tramitação
política, foi convertido em Projeto de Lei, recebendo o número de 4.155-98, tendo como
relator o deputado Pedro Valente, do PT-MG.
Sobre o PNE-PSB é importante ser destacado, inicialmente, o valor da sua
construção por se tratar de uma prática pouco usual na história da educação brasileira bem
como no conjunto global da nossa sociedade. Diferentemente do tradicional processo de
182
elaboração das leis, confiado a um grupo de especialistas ou produzido nos gabinetes
governamentais, o PNE-PSB resultou de um amplo processo participativo envolvendo
estudantes (UNE, UBES, UEE/MG etc), educadores (ANDE, CNTE, SINPRO/MG etc.),
entidades sindicais (CUT, CUT/MG, MST, etc.), outras entidades da sociedade civil (SBPC,
CEDES etc.) bem como diversos espaços político-administrativos, sobretudo prefeituras
municipais em mãos de partidos políticos com tendência progressista. Neste último tipo de
espaço institucional é interessante observar a sua variação que ia de cidades de pequeno porte
a cidades de grande porte que, a título de exemplo, respectivamente, eram representadas pela
capital gaúcha (Porto Alegre) e pela desconhecida cidade de Icapuí, no Estado do Ceará.
Independentemente da distância e tamanho geográfico ou de peso sóciopolítico e econômico,
tais cidades e prefeituras, naquele momento, tinham em comum o esforço em prol da
instauração de um processo administrativo pautado pela possibilidade da população exercer a
democracia de forma participativa e cidadã.
Lendo-se e analisando-se o PNE-PSB fica evidenciado que este documento foi
tecido a partir do horizonte da democratização da sociedade brasileira, visto tanto como ponto
de partida e de chegada de uma trajetória a ser diuturna e paulatinamente construída. Assim,
podemos entender a contundência do registro de dados que, quantitativa e qualitativamente
falando, desvelam a caracterização de exclusão social que também permeia o setor
educacional brasileiro.
Entrando no campo propositivo, o PNE-PSB resgata a proposta que de algum
tempo os educadores e pesquisadores vinham fazendo:
a instituição de um Sistema Nacional de Educação para o Brasil, concebido
como expressão institucional do esforço organizado, autônomo e permanente
do Estado e da sociedade brasileira pela educação, tendo como finalidade
precípua a garantia de um padrão unitário de qualidade nas instituições
educacionais públicas e privadas em todo o país (PNE-PSB, 1997,
mimeog.).
Com esta proposta, o PNE-PSB visa a dar um direcionamento radicalmente
diferente do que até agora a educação nacional tem sido conduzida, ou seja, caracterizada pela
fragmentação e pulverizações dos processos educacionais que, inclusive, comprometem até a
idéia da existência de um sistema nacional de ensino.
Ainda no campo propositivo, o PNE-PSB foi enfático em apontar a gestão
democrática da educação como sendo o grande eixo a partir do qual e no qual poderá ocorrer
a construção e a conquista da qualidade social da educação. Tal questão constitui também
183
uma das mais expressivas maneiras de tornar visível a democratização da educação e da
escola.
Constituindo-se um dos eixos temáticos do II CONED, a gestão democrática da
educação foi objeto de um amplo debate no qual a autonomia foi apresentada como uma
necessidade para todas as instituições educacionais e, ainda, foi reivindicado o asseguramento
das condições materiais e de financiamento a estas mesmas instituições.
Dois anos depois, no período de 1 a 5 de dezembro de 1999, desta vez na
cidade de Porto Alegre (capital do Rio Grande do Sul), acontecia o III CONED, no qual
foram centrados os debates em vista da implementação do PNE-PSB. Neste evento, ficou
evidenciado aos educadores que eles estavam enfrentando uma batalha desproporcional dado
o governo federal ter ignorado o PNE-PSB e simplesmente ter apresentado nas duas Casas do
Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal) um projeto próprio para ser debatido e
aprovado. Além de revelar-se uma manobra que, claramente, contradizia o discurso
democrático do governo Fernando Henrique Cardoso, o texto do executivo federal sinalizava
a existência de um plano global de implementação de políticas educacionais de cariz
neoliberal, que já vinham acontecendo na prática.
Não obstante as denúncias de que as entidades dos educadores estavam
encontrando para defenderem o PNE-PSB nos competentes espaços de debates políticos-
representativos, o III CONED não se deixou intimidar com tal expressão de autoritarismo do
governo federal. Mais ainda: deu um significativo avanço ao apontar como estratégia de luta
para os próximos anos a dinamização dos fóruns estaduais e municipais em defesa da escola
pública com uma tarefa: a elaboração dos planos municipais e estaduais de educação
referenciados no PNE-PSB, tanto em relação ao seu processo de construção democrática
como em relação ao seu conteúdo
93
. No documento final, a chamada “Carta de Porto
Alegre”, a este respeito, os participantes do III CONED declararam que
entendemos que a partir daqui nosso desafio é dinamizar os Fóruns
Estaduais e Municipais em Defesa da Escola pública, rearticular os que já
existiram e organizá-los onde eles ainda não existem. Tais organismos
devem chamar para si a tarefa de elaborar Planos Municipais e Estaduais de
Educação, à semelhança do PNE – Proposta da Sociedade Brasileira, em
termos do processo democrático de sua construção e do seu conteúdo”
(CNTE, 2000).
93
Após dois anos de estudos, reflexões e debates, o Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública, do Estado de
São Paulo conseguiu elaborar o Plano Estadual de Educação/SP – Proposta da Sociedade e vem lutando para a
sua aprovação na Assembléia Legislativa paulista. Desta maneira, os profissionais da educação de São Paulo
tornaram-se pioneiros na concretização da decisão tomada no III CONED, no sentido da elaboração dos planos
estaduais de educação feitos pela sociedade civil organizada.
184
Configurando-se num expressivo acontecimento que contribuiu para tornar
pública a realidade escolar brasileira e, conseqüentemente, democratizar o debate sobre a
mesma, não podemos deixar de registrar que o III CONED foi precedido pela realização de
algo inédito na luta em favor da educação brasileira, ou seja, a Marcha Nacional em Defesa e
Promoção da Educação Pública. Esta marcha, cujo ápice foi o dia 6 de outubro de 1999, na
capital federal, na verdade durou mais que um dia, pois, desde o mês de abril deste mesmo
ano, ela começou a acontecer nos mais diferentes rincões do país com a aplicação de uma
consulta, feitas nas bases, para que fosse traçado um “Retrato da Escola Brasileira” o qual foi
convertido em forma de documento, entregue ao Congresso Nacional e ao Ministério da
Educação, no dia do encerramento da Marcha.
Sem sombras de dúvidas, o “Retrato da Escola Brasileira” é um documento que
merece bastante atenção por parte de toda a sociedade brasileira, notadamente pelos que estão
à frente da administração pública, tanto pelo seu caráter de representatividade (17 Estados da
Federação nele estão contemplados) bem como pela complexa gama de aspectos que nele são
abordados, variando da questão da organização curricular, das condições das instalações
físicas das escolas, passando pela questão da relação entre escola e Estado e incluindo,
também, a realidade de violência nas escolas e o perfil dos trabalhadores em educação.
No que diz respeito à gestão da educação, o documento analisa que vem
ocorrendo um significativo aumento da consciência crítica da população brasileira relacionada
ao caráter público da educação a partir do qual se vê estimulada a corresponder à necessidade
de participar do acompanhamento e do controle social deste mesmo setor. Neste sentido é
que, a despeito das muitas denúncias de falta de autonomia das escolas, do resquício de
autoritarismo e inexistência de projetos políticos-pedagógicos, as respostas dadas à consulta
sinalizam a existência de processos de gestão democrática e mecanismos de participação no
interior da escola pública brasileira.
Além do impacto causado pela realização da Marcha em si, inclusive porque
havia sido uma atividade inédita no país, também estamos destacando este evento pelo caráter
democratizador da sua construção, uma vez que possibilitou aos educadores, alunos e pais que
exercessem o direito de cidadania de participar opinando, debatendo e avaliando e, assim,
esta estratégia participativa da Marcha contribuiu para despertar ou alimentar nas “bases” da
população brasileira a prática da democracia participativa.
No período de 23 a 26 de maio de 2002, na capital paulista, aconteceu o IV
CONED congregando mais de 4.000 participantes oriundos de todos as unidades federativas
do país (estados e distrito federal). Com a consolidação da implementação da economia
185
neoliberal em nosso país e de suas conseqüências trazidas para a população brasileira, tudo
contribuía para que houvesse um retraimento dos setores sociais combativos e progressistas,
incluindo-se nestes os educadores brasileiros e suas entidades representativas
94
. Para o caso
desta categoria profissional havia mais um agravante que poderia contribuir para a geração de
um sentimento de perda e de derrota: é que, no final do ano de 2002 (portanto, após a
realização do CONED anterior), o governo FHC havia conseguido aprovar a sua proposta de
Plano Nacional de Educação e, assim, no dia 9 de janeiro de 2001, a Lei 10.172 (número da
lei do PNE) era sancionada, com vigência de 10 anos.
Mesmo com a recomendação para que fosse acolhido “como um plano de
Estado mais do que um plano de governo”, tal PNE não pode deixar de ser visto e identificado
como o plano de um governo que optou pela adoção dos caminhos e prescrições neoliberais e,
como sabemos, em tais direcionamentos cada vez mais fica acentuado o distanciamento
político entre Estado e Sociedade. Inclusive, a própria promulgação do atual PNE constituiu-
se um indicador evidente deste distanciamento uma vez que grande parte das proposições
progressistas dos educadores, contidas no “Plano Nacional de Educação: Proposta da
Sociedade Brasileira”, simplesmente foram ignoradas pelo governo. Endossando a análise de
Valente e Romano (2002), podemos afirmar que os dois planos se constituem na tradução de
dois projetos conflitantes de país, ou seja, um projeto democrático e popular que contempla a
efetiva participação da sociedade na elaboração da sua política educacional e, de outro lado,
uma capitulação em relação aos ditames do capital financeiro internacional e à ideologia das
classes dominantes com uma conseqüente negação do direito de os setores sociais
organizados participarem ativamente na formulação de um projeto educacional que esteja em
consonância com os anseios das camadas populares.
Especificamente em relação à autonomia da escola, os dois Planos também se
apresentam bastante divergentes. Com efeito, enquanto no Proposta da Sociedade Brasileira
tal princípio, compreendendo aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros, é
reconhecido e defendido na perspectiva da elaboração e implementação do projeto político-
pedagógico que atenda às características e necessidades da comunidade e, ainda, concorra
para a descentralização do Estado, no PNE aprovado pelo governo FHC a autonomia da
94
De acordo com o registro feito por Bollmann (2003, p. 203 et seq.), um outro fato adverso para a realização do
IV CONED foi a conjuntura política tanto do Estado como da própria capital São Paulo. Em nível estadual,
ainda ressoavam os impactos dos assassinatos dos prefeitos petistas de Campinas e de Santo André o que, por
sua vez, implicou mudanças de pessoas nas secretarias de educação de tais cidades, as quais haviam participado
da organização de CONDED’s anteriores. Em relação à capital, destacava-se a redução de 30% dos
investimentos municipais na educação efetuada na gestão da então prefeita Marta Suplicy medida esta que era
temida pelos educadores por poder vir a ser adotada em outras cidades brasileiras.
186
escola é apresentada de forma bastante parcimoniosa e nada mais é dito senão a já conhecida
compreensão neoliberal de que o “repasse de recursos diretamente às escolas para pequenas
despesas de manutenção e cumprimento da sua proposta pedagógica” (BRASIL, 2001, p. 167)
se constitua expressão ampliada da dimensão financeira da autonomia escolar.
Ainda que num contexto marcado pela adversidade, o IV CONED aconteceu
num clima de renovação de esperanças e de decisão em continuar o percurso iniciado desde
meados da década de 1970 e, ainda, em estabelecer novas estratégias de lutas e linhas de ação
em favor de uma intransigente e inegociável defesa da educação e da escola pública das quais
destacamos o empenho pela “constituição do Fórum Nacional de Educação como instância
deliberativa máxima da política nacional de educação, com ampla representação dos setores
sociais envolvidos na área educacional (IV CONED, 2002, mimeog.) e “exigir a gestão
democrática das instituições e sistemas educacionais, por meio de órgãos colegiados
democráticos” (Ibd.).
Muito provavelmente serviu de “lenha” para tornar mais acesa a fogueira de
luta dos educadores os diversos movimentos de resistências sociais que nos últimos dois anos
havia ocorrido, tanto no espaço local-nacional como no internacional, tais como: as
mobilizações anti-neoliberais nos EUA, as manifestações da população Argentina contra a
grave crise econômica e social na qual o país fora envolto (diga-se de passagem, resultante da
implementação das prescrições neoliberais e dos ditames do FMI e do Banco Mundial), a
independência política do Timor Leste, as reações de Seattle, Genova e Davos contra a
globalização neoliberal, as duas edições do Fórum Social de Porto Alegre e outras.
Embalado pela idéia-força de que “uma outra educação é possível”, o IV
CONED apresentou um significativo avanço ao retomar a idéia da necessidade da existência
de um Sistema Nacional de Educação para que possa ser superado um dos maiores problemas
da educação nacional: a fragmentação, a justaposição e a desarticulação entre os atuais níveis
de sistemas públicos de ensino que atuam na realidade educacional brasileira (federal,
estadual e municipal). Ainda deste CONED vale ser ressaltada a ênfase que mereceu o
conceito de que “a educação fundamental, universal, inalienável e constitui um dever do
Estado” (IV CONED, 2002, mimeog.) a quem, obviamente, “cabe a responsabilidade de
assegurar a cada cidadão o direito de exigir educação de qualidade social, igualitária e justa”
(Id.). Como pode ser inferida, esta compreensão em muito se distancia da compreensão
neoliberal sobre a educação que havia sido afirmada ao longo das gestões de governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso, através das quais se consolidou a implementação do
projeto neoliberal.
187
Saindo do eixo centro-sul do país, no período de 2 a 5 de maio de 2004, na
capital pernambucana, aconteceu a quinta edição do CONED, reunindo 2.642 participantes.
Se levarmos em consideração que este CONED foi precedido pela realização de 10
seminários estaduais, a saber: no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pará,
Paraná, Pernambuco, Minas Gerais, Ceará, Amapá e São Paulo podemos, de certa forma,
dizer que em muito o envolvimento dos educadores superou o número dos 2.642 inscritos.
Além disso, a realização destes fóruns regionais, congregando educadores do próprio Estado
ou de Estados vizinhos, fez com que este CONED desse continuidade à prática de fazer com
que a realização de evento desta natureza expressasse uma verdadeira convergência de
estudos, reflexões e debates para, assim (sem se falar no aspecto quantitativo de mais pessoas
terem sido envolvidas) se tornar uma construção democraticamente tecida.
Reconhecendo como tendo diante de si como um grande desafio avaliar as
políticas educacionais implementadas no País (por sinal, ainda embebidas das matrizes
neoliberais da era FHC), o V CONED espraiou-se em quatro eixos temáticos, a saber:
Organização da Educação Nacional, Gestão Democrática da Educação, Financiamento da
Educação e Trabalhadores/Trabalhadoras da Educação. Sempre tendo o PNE-PSB como
referencial, estes eixos foram vistos a partir de três “olhares”:
o da informação e análise das questões educacionais amplas, de pesquisas e
de trabalhos e experiências de cunho inclusivo; constatação e denúncia das
políticas educacionais vigentes que apresentam teor não-inclusivo;
definição, proposição e articulação de políticas e ações para garantir o
direito de todos a uma educação de boa qualidade (APRESENTAÇÃO...,
2005, p. 1).
Mesmo já sendo uma prática metodológica utilizada em eventos congêneres, o
fato de estar na emblemática cidade do Recife
95
, de cujo porto, simbolicamente, o escritor
Mário Pena Filho dizia ver o mundo, fez com que o V CONED também articulasse suas
análises, reflexões e debates para além dos arrecifes da capital pernambucana e, assim, grande
parte dessas atividades teve como pano de fundo o processo em curso, sob a égide da
Organização Mundial do Comércio/OMC, no qual a educação passa a ser classificada como
95
Com este nosso entendimento a respeito da capital pernambucana, queremos sinalizar para o fenômeno da
contradição social que esta cidade se apresenta. A título de exemplo: numa mesma área residencial considerada
como “área nobre”, estão localizados os novos templos do consumo (shopping center, hotéis de 5 estrelas, um
moderníssimo aeroporto) e em torno deles estão localizadas muitas favelas. Integrando tal realidade, cada vez
mais no Recife vêm aumentando assustadores índices de desemprego e de violência, acentuados pela economia
neoliberal. Não é à toa que a cidade do Recife está sendo considerada como detentora do título de capital
nacional da desigualdade social.
188
um serviço, o que equivale a fazer valer a idéia de que ela deve ser regida pelas leis e regras
do mercado e, assim, ser sacramentalizada a mercantilização da educação.
96
Muito provavelmente, o interesse da OMC pelo setor educacional, por trás do
qual se escondem os interesses dos países que compõem o núcleo central do capitalismo,
deve-se ao fato de este setor movimentar um capital nada desprezível que, obviamente, na
lógica capitalista, não poderia passar despercebido em vista da acumulação capitalista
97
.
Também contribuindo para a mercantilização da educação, os países em desenvolvimento
possuem um mercado com grande demanda para ser atendida, sobretudo na área do ensino
superior, o que se constitui em alvo para as empresas e grupos estrangeiros que prestam
serviços educacionais privados.
A respeito dos riscos que decorrem do enquadramento da educação no enfoque
comercial da OMC vale transcrever parte da análise de Siqueira (2004, p. 155) quando diz
que:
corre-se o risco da sua transformação em um processo de simples
comercialização, onde grupos internacionais ou grupos nacionais a eles
coligados seriam os vendedores, enquanto os paises, principalmente os em
desenvolvimento, passariam a ser meros compradores de pacotes de serviços
diretos (por exemplo, cursos profissionalizantes, de graduação,
aperfeiçoamento e pós-graduação, etc.) e complementares (por exemplo,
sistemas de avaliação e certificação), além de bens de consumo educacionais
(por exemplo, livros e materiais didáticos, cadernos, lápis, mapas,
equipamentos cientifico, uniformes, ect.). Tal perspectiva fere a soberania e
a autonomia das nações, num caminho que pode levar à perda da diversidade
cultural e dos valores locais.
Fazendo uma leitura analítica sobre a Agenda Política discutida no final do V
CONED, fica evidenciado que as lutas dos atuais educadores brasileiros muito pouco diferem
das bandeiras empunhadas pelos seus companheiros de há várias décadas. Por outro lado, não
deixa de ser surpreendente a capacidade de os educadores em resistirem, em se mobilizarem e
de continuarem a lutar. Sinal disso é o fato de acolherem novos desafios buscando a
consecução da concretização dos sonhos e dos anseios por uma educação pública, gratuita,
laica e de qualidade social e, conseqüentemente, na perspectiva de uma escola democrática e
autônoma.
96
Analisando o enquadramento do setor educacional no enfoque comercial da OMC, Siqueira (2004, p. 153)
registra a existência de uma feira anual para a promoção do “negócio educacional” – a World Education Market
– que funciona como tal, ou seja, com paises vendedores e paises compradores de serviços educacionais, estando
o Brasil neste segundo grupo.
97
Segundo dados apontados por Haddag e Graciano (2004, mimeog), há uma estimativa de que a educação, no
mundo, movimente cerca de U$ 2.2 trilhões e, no ano de 2001, o setor educacional chegou a empregar cerca de
5% da mão-de-obra mundial.
189
Representando mais uma frente de luta dos educadores aliados aos setores
sociais progressistas, podemos acrescentar mais uma batalha que vem sendo travada, de forma
institucional, desde outubro de 1999, mais precisamente, lançada no dia 5 quando, em nível
internacional, é considerado como “Dia Internacional do Professor”: a Campana Nacional
pelo Direito à Educação. Esta campanha, articulada a um movimento mais amplo, em nível
mundial (Campanha Global pela Educação) e latino-americano (Campanha Latino-Americana
pelo Direito à Educação) tem como principal escopo, no caso brasileiro, contribuir para que se
tornem efetivos os direitos educacionais inscritos na Constituição Federal de 1988, mediados
por uma educação e uma escola públicas de qualidade. A Campanha é coordenada por um
Comitê Diretivo do qual fazem parte a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação, a “Ação Educativa”, o Centro de Cultura “Luís Freire”, o Centro de Defesa da
Criança e do Adolescente do Ceará, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do
Adolescente, o Movimento Interfórum de Educação Infantil do Brasil, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e
a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação. Também integrando a Campanha
estão integradas mais de duzentas organizações (sindicatos, ONG’s, grupos comunitários e
fundações) e já totaliza 15 regionais, nos seguintes Estados da federação: Alagoas, Ceará,
Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, São Paulo (com dois sub-regionais: um na capital e outro em Ribeirão Preto) e
Tocantis.
Para a consecução dos seus objetivos, a Campanha tem se valido de variadas
estratégias sobressaindo-se ações de mobilização social, lobbys, comunicação e pesquisa
98
.
Também trabalhando em cima de pautas concretas e imediatas, a Campanha tem se
debruçado, entre outras ações e intentos, na luta pela derrubada dos vetos feitos pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso, especialmente o que impede o comprometimento do
poder público de elevar para 7% do PIB o investimento em educação e, ainda, o cumprimento
do artigo 6º. da lei que regulamenta o FUNDEF, ou seja, um cálculo mais justo para o valor
mínimo anual a ser investido por aluno. A gestão democrática da educação também tem sido
objeto de atenção da Campanha e, concretamente, a coordenação tem engendrado esforços
para que o Ministério da Educação retome a Conferência Nacional de Educação “como
espaço ampliado de participação comprometida com a revisão da burocrática
98
Neste nível da pesquisa há um trabalho intitulado “O impacto do FMI na educação brasileira” o qual pode ser
acessado no site www.acaoeducativa.org ao qual recomendamos consulta.
190
institucionalidade participativa e de controle cidadão vigente e a construção das bases do
Sistema Nacional de Educação” (CARREIRA, 2006, p. 39).
Na linha da valorização dos espaços possíveis, vistos não como concessões de
um modelo produtivo, mas, sim, como algo que vem sendo lenta e diuturnamente
conquistado, não podemos deixar de lembrar que, em meio aos memoráveis eventos dos
CONEDs, e por toda a extensão da década de 1990, vem sendo construído um processo que
aponta na direção de uma reinvenção da escola pública que, de certa forma, expressa e projeta
elementos e subsídios para a elaboração de uma política educacional de cunho progressista,
necessária para uma sociedade que definitivamente quer assentar-se em bases democráticas.
Trata-se, na verdade, da existência de diversos projetos e realizações espalhados ao longo do
país os quais, de diferentes modos, mas com objetivos convergentes, intentam concretizar
uma educação e uma escola efetivamente democráticas e autônomas. Dentre tantas outras,
podemos mencionar as experiências do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra/MST e a da
Escola Cidadã. Geradas em momentos e contextos diferentes, no entanto, estas experiências
expressam um mesmo dinamismo, ou seja, o resgate da cidadania que passa pelo direito à
educação pública de qualidade social, universal, gratuita e democrática.
Acreditamos que cometeríamos uma injustiça se neste resgate sobre a inserção
da escola pública brasileira no processo de democratização da sociedade brasileira não
incluíssemos, aqui, a contribuição dada por duas instituições em favor da democratização da
educação e da escola: o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME). Entretanto, esta inclusão não
ignora a existência de uma realidade permeada de contradições no que diz respeito ao próprio
surgimento destas instituições, bem como o papel e o posicionamento que assumiram em
determinados momentos da recente história da educação brasileira fazendo com que ora se
apresentassem como portadoras de propostas progressistas e ora estivessem alinhadas e
compartilhando das posturas e práticas conservadoras. Nesta segunda direção, de modo
específico em relação ao CONSED, Aguiar (2002) analisa que esta instituição, na década de
1990, tornou-se o parceiro principal do Ministério da Educação na operacionalização das
medidas de política educacionais que apresentaram uma nova configuração ao sistema
educacional brasileiro.
Os primeiros passos de surgimento do CONSED datam de agosto de 1981
quando o Ministério de Educação e Cultura convocou os secretários de educação, cultura e
esporte de todo o país para um encontro, em nível nacional, do qual resultou a constituição do
Conselho de Secretários de Educação do Brasil (CONSEB). Porém, devido ao que pareceu ser
191
uma crise de identidade (dado o descompasso ideológico entre as lideranças do MEC e do
CONSEB), no ano seguinte, o CONSEB foi desativado. Somente no ano de 1986 esta
instituição veio a ressurgir, por ocasião do XIV Fórum Nacional de Secretários de Educação
quando, então, tomou o nome de Conselho Nacional de Secretários de Educação/CONSED.
Além disto, a nova entidade passou a assumir uma configuração progressista em decorrência
da vitória das forças oposicionistas ao regime militar que venceram as eleições para
governadores em muitos dos Estados da federação. Em conseqüência a esta nova
configuração política, muitos educadores e técnicos educacionais com posicionamentos
progressistas passaram a ocupar postos de direção nas secretarias estaduais de educação.
Por sua vez, a UNDIME nasceu a partir da realização do Io. Encontro Nacional
dos Dirigentes Metropolitanos de Educação, no período de 12 a 14 de março de 1986, na
capital pernambucana, organizado pelo então existente “Coletivo dos Dirigentes Municipais
de Educação do Grande Recife”. Mesmo tendo sido convocado pelo MEC, os organizadores
do Encontro, bem como os próprios secretários que dele participaram, conseguiram imprimir
uma direção mais progressista ao Encontro gerando, então, o que Romão (1993, p. 19)
considerou “um tiro dado pela culatra”, ou seja, o setor mais conservador do aparelho estatal,
visibilizado no MEC, havia criado a oportunidade histórica para o nascimento de uma
entidade que, ainda que possuísse uma certa relação de dependência com tal aparelho, era
capaz de se posicionar de forma autônoma em questões nas quais divergia do pensamento
oficial. Neste Encontro foi elaborada a chamada “Carta do Recife” cujo teor principal foi a
defesa da necessidade de realização de um Fórum Nacional congregando os dirigentes
municipais de educação. A proposta ganhou adesão e sete meses depois (outubro de 1986),
também na capital pernambucana, realizava-se o Io. Fórum Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação, de cujo evento resultou a fundação da União dos Dirigentes
Municipais de Educação (UNDIME).
Para um melhor entendimento do surgimento do CONSED e da UNDIME
lembramos que naquele momento (meados da década de 1980), era intenso o discurso da
descentralização o qual, em diversas áreas, resvalava para o estabelecimento do processo de
municipalização. Juntamente a isto, vale salientar que a criação do CONSED e da UNIDIME
resultou de provocações feitas por entidades representativas dos educadores como podemos
inferir de Neves (1999, p. 42) quando recorda que a ANDES concorreu para a realização do
Io. Fórum Nacional de Secretários de Educação e, por sua vez, a realização do Coletivo de
Dirigentes Municipais de Educação do Recife (UNIDIME) deveu-se à nova configuração
política ocorrida na Região Metropolitana do Recife (RMR) quando, pelas eleições 1982,
192
todos os prefeitos da RMR pertenciam a partidos oposicionistas. Conseqüentemente, à frente
das secretarias municipais da RMR foram colocados educadores que possuíam uma postura
progressista e, assim, foi possível avançar no rumo da democratização da educação e da
escola.
Sobre o alcance da contribuição dessas duas entidades no processo de
democratização da educação e da escola
99
é imprescindível que se tenha em mente que elas
possuem uma dependência institucional ao aparelho do Estado. Desta forma, deveriam se
pautar pelas diretrizes oficiais do aparelho responsável por tal setor, no caso, o Ministério da
Educação, quase sempre centralizadoras e subservientes ao monitoramento externo que
analisamos no terceiro capítulo deste trabalho. Entretanto - uma mais, outra menos e em
momentos diferenciados – o CONSED e o UNIDIME
100
caracterizaram-se por se
apresentarem em espaços de contestação e de formulação de propostas progressistas para o
setor educacional e, repetindo, a partir da condição de pertinência com o aparelho estatal.
Para uma melhor compreensão deste fenômeno é mister levarmos em consideração as análises
de Poulantzas (1985, p. 151 et seq.) quando falam do caráter não monolítico do Estado. Como
afirma este pensador, o Estado também está permeado de contradições internas as quais não
podem ser consideradas como simples acidentes disfuncionais.
Ao resgatarmos de forma analítico-crítico o percurso histórico empreendido
pelos educadores e pelos setores sociais progressistas em vista da democratização da
educação e da escola pública brasileira e, nesta luta, a busca pela conquista da autonomia
escolar, esperamos ter externado ao leitor que tal trajetória não foi realizada sem o concurso
das bases da escola pública brasileira, pois sem a participação desta instituição – enquanto
“locus” privilegiado de mediação do processo educacional - todo o esforço realizado perderia
sua razão de ser e sua significação. Ainda que se constitua numa divisão artificial, salientamos
que o esforço pela democratização da educação e da escola foi realizado tanto no âmbito
externo desta instituição como no seu interior e, sem sombra de dúvidas, muitas vezes de
forma articulada entre tais distintos e ao mesmo tempo complementares “lócus” de luta.
Ressaltando que, historicamente, em sua grande maioria, por meio dos seus
discursos e de suas práticas, a escola pública brasileira tenha dado razão para ser vista como
aparelho ideológico do Estado por excelência (de acordo com a perspectiva althusseriana) ou
99
A respeito disso sugerimos ao leitor a consulta aos textos de Mendonça (2000, p. 121 et seq.) ou de Neves
(1999, p. 42 et seq.) nos quais as contribuições do CONED e da UNIDIME são analisadas de modo mais amplo.
100
Para aprofundamento sobre o dilema experienciado pelo UNDIME pelo fato do seu atrelamento ao poder
estatal e, por outro lado, em intentar apresentar-se de forma progressista diante da sociedade, sugerimos a leitura
do texto de Romão (1993, p. 11 et seq.).
193
como espaço institucional de exercício da violência simbólica (utilizando-se o olhar de
Bourdieu e Passeron), não podemos perder de vista que, contraditoriamente, ela também tem
sido o espaço de aprendizagem e de conquista de relações e práticas democráticas, tanto no
seu âmbito interno como em relação com a sociedade “extra-muros”
101
. Neste sentido, a partir
da análise do texto de Penin (1989) e, ainda, do acompanhamento pessoal a outras
experiências, podemos considerar a escola como também sendo o espaço da insurgência e do
protagonismo das mudanças, ainda que possam aparecer como pequenas.
Ainda que, em sua origens e grande parte do seu desenvolvimento histórico, a
escola brasileira – como locus privilegiado de realização do processo educativo – tenha sido
marcada pelo estigma da não-democratização, abrangendo desde a dinâmica de seleção ao seu
interior até as relações entre seus diversos segmentos componentes, não podemos deixar de
reconhecer que, por outro lado, essa mesma escola tem sido palco de diversas tentativas e
esforços em vista do estabelecimento de relações mais democráticas em seu interior. É o caso,
por exemplo, das experiências e ensaios realizados em vista do estabelecimento de relações
menos autoritárias, sobretudo entre professor e aluno, a partir da difusão do ideário da Escola
Nova, nas décadas de 1930 e seguintes. Entretanto, endossando a análise de Saviani (2002), o
modelo educacional escolanovista não conseguiu dar conta da problemática da marginalidade
social sobre a qual a educação deve olhar como um desafio para a qual deve ser dada uma
resposta.
101
Como que representando uma contraposição aos limites da análise de Althusser e, muito mais ainda,
vislumbrando a materialização do fenômeno cognominado por Lima (2001, p. 54) de “infidelidade normativa”
(significando uma postura de oposição ao normatismo emanada dos centros de decisão do sistema educacional
que, na verdade, expressa a fidelidade dos atores sociais da escola às suas concepções, objetivos, interesses e
estratégias de ação), temos em mente duas experiências de exercício democrático-participativo no âmbito
escolar, ou seja, em duas escolas da rede pública de ensino de Pernambuco, sediadas no Município de
Camaragibe e das quais participamos diretamente (na primeira, exercendo a função de diretor escolar e, na
segunda, atuando como supervisor educacional).
A primeira experiência se deu no Colégio “Conselheiro Samuel MacDowell”, na qual a demissão do seu diretor
resultou num intenso processo de mobilização da comunidade escolar em vista da revogação da demissão.
Mesmo não tendo sido vitoriosa em seu intento, esta unidade escolar conseguiu dar continuidade ao trabalho de
organização democrática liderada pelo ex-diretor. A partir deste fato, foi desencadeado um processo de
mobilização político-partidário que, posteriormente, possibilitou que Camaragibe conseguisse ser o primeiro
município da Região Metropolitana do Recife a ser administrado pelo Partido dos Trabalhadores.
A segunda experiência, no Colégio “Francisco de Paula”, destacou-se pelo processo de elaboração do seu
Projeto Político-Pedagógico, no ano de 1994. Como destaques especiais deste processo, recordamos que, para
aquele momento, falar e elaborar um Projeto Político-Pedagógico também era algo de inovador e, ainda, o fato
de não ter recebido apoio das autoridades intermediárias do sistema público de ensino do Estado de Pernambuco
não obstante as solicitações feitas para prestar apoio técnico-metodológico ao processo de elaboração do Projeto
Político-Pedagógico.
194
A partir da década de 1970, após os questionamentos advindos das chamadas
teorias crítico-reprodutivistas, os educadores e pesquisadores passaram a elaborar diferentes
propostas educativas buscando “democratizar o conhecimento, isto é, buscar uma adequação
pedagógico-didática à clientela majoritária que (...) freqüenta a escola pública (LIBANEO,
1984, p. 12).
Dentre as diversas propostas, inspiradas na sistematização iniciada por Saviani
(2002), destacou-se a “pedagogia crítico-social dos conteúdos” como, a partir de diversos
eixos estruturadores - papel da escola, conteúdos de ensino, métodos de ensino, relação
professor-aluno e pressupostos da aprendizagem - sendo uma abordagem pedagógica
propiciadora da
democratização da escola pública (...) entendida como ampliação das
oportunidades educacionais, difusão dos conhecimentos e sua reelaboração
crítica, aprimoramento da prática educativa escolar visando à elevação
cultural e científica das camadas populares, contribuindo, ao mesmo tempo,
para responder às suas necessidades e aspirações mais imediatas (melhoria
de vida) e à sua inserção num projeto coletivo de mudança da sociedade
(LIBÂNEO, 1984, p. 12).
Para além do espírito e de uma prática não-democratica a escola pública tem
procurado se redefinir e fazer emergir uma nova cultura da qual, entre tantos outros aspectos,
sobressai-se um novo estilo de gestão – a gestão democrática - possuidora de um forte
componente político na medida em que rompe com toda uma trajetória alicerça no
autoritarismo e na seletividade que, em última instância, tornava privado (já que era acessível
apenas às classes sociais economicamente abastadas) um espaço social que deveria ser
acessível a todos. Por outro lado, o caráter político da gestão democrática da escola também
decorre de um esforço coletivamente realizado no interior desta agência educativa pela
eliminação dos obstáculos que impedem o acesso dos filhos da classe trabalhadora bem como
a superação dos inaceitáveis índices de reprovação e de repetência que se constituem em
fortes expressões (enquanto persistem) de que a democratização ainda não se arranchou
completamente no espaço escolar.
Fruto das aspirações e das lutas democráticas que a sociedade brasileira
expressou e realizou, ao longo das décadas de 1970 e 1980, em vista da democratização do
ensino público foi possível que a atual Constituição Federal incorporasse no seu texto a gestão
democrática da escola com o seguinte teor: “Art.206 - O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios (...): VI - gestão democrática do ensino público, na forma da
lei;”(BRASIL, 1988).
195
Posteriormente, a atual LDBEN, no artigo 14º., normatizou tal dispositivo
constitucional estabelecendo que:
(...) os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades
e conforme os seguintes princípios:
I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II – participação das comunidades, escolar e local em conselhos escolares
ou equivalentes. (BRASIL, 1996).
É evidente que a inclusão do princípio da gestão democrática da escola no
texto constitucional não pode ser encarada como já tendo uma imediata e plena aplicação na
totalidade do sistema educacional brasileiro bem como nas concretas realidades nas quais se
dá sua “mediação existencial”, neste caso, as unidades escolares. Porém, esta incorporação
não deixa de representar um significativo ganho para a democratização educacional pelas
seguintes razões: (i) de certa forma, reconheceu a validade das experiências de gestão
democrática da escola pública que haviam sido feitas em várias unidades da federação, tais
como, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso e (ii) deu suporte legal para que fossem
desencadeadas outras lutas em favor da conquista de espaços para a participação da
sociedade, quer seja na elaboração e implementação da política educacional, quer seja no
espaço micro das unidades escolares.
Em meio à trajetória de projeção e efetivação da gestão democrática da escola
pública deu-se também o resgate do tema da autonomia da escola, visto como um princípio e
condição fundamental para a efetivação dessa gestão. Desta forma, também foi possível a
incorporação desse tema na atual LDB, artigo 15º, quando estabelece que
os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de
educação básica que os integram, progressivos graus de autonomia
pedagógica, administrativa e de gestão financeira, observadas as normas
gerais de direito financeiro público (BRASIL, 1996)
102
.
Recordando que essa formulação integra um texto (de autoria de Darcy
Ribeiro) brotado da intenção do governo FHC em minimizar a participação dos educadores e
dos setores sociais progressistas, no processo de escrita de uma nova lei educacional,
consideramos que seja importante salientar que, não obstante os percalços ocorridos, ela
102
A respeito dessa formulação, há uma crítica que começa a ganhar corpo entre os educadores: trata-se da
limitação que o texto da LDB impõe para a autonomia da escola apenas à escola pública. Em relação a esta
questão, podemos utilizar a observação de Paro (2000, p. 84) sobre a “desobrigação” de a escola particular ser
regida pela gestão democrática quando diz que isso aconteceu devido ao assentimento dos legisladores diante da
ânsia do lucro representada nos “lobbies” dos interesses privados e a permissão para que a lógica do mercado se
sobrepusesse à razão e aos interesses da sociedade.
196
corresponde, na íntegra, à redação feita pelas entidades congregadas no Fórum Nacional em
Defesa da Escola Pública, em sua proposta de LDB (PROJETO..., 1999, ). Desta maneira, a
manutenção da formulação do Fórum deve ser vista como um sinal de que a bandeira da
autonomia da escola não mais poderia ser ignorada em texto legislativo de porte e importância
como o da LDB e, ainda, como uma sinalização de que os esforços feitos pelos educadores
não foram em vão.
Como já mencionamos em outro momento, é evidente que a incorporação da
gestão democrática do ensino e da autonomia da escola nos textos da Constituição Federal e
da LDBEN, por si só, não é uma garantia para a sua efetivação
103
. Existe necessidade de
serem, conseqüentemente, implementadas. Todavia, na medida em que o ordenamento
jurídico representou um avanço das forças ativas e das idéias progressistas existentes na
sociedade civil, reconhecemos nisso uma contribuição positiva na perspectiva da garantia e da
efetivação dos direitos sociais. Neste sentido, transcrevermos a análise de que
todo texto legal, ainda quando eivado de interesses ideológicos, é
atravessado pela contradição, tornando-se, por isso mesmo, referência
necessária e instrumento eficaz para a ação e a interação dos segmentos
sociais envolvidos. Impõe-se reconhecer que o texto final da LDB
104
é o
resultado histórico possível frente ao jogo de forças e de interesses, em
conflito, no contexto da atual conjuntura política da sociedade brasileira
(SEVERINO, 1999, p. 67).
As pautas da gestão e da autonomia da escola se inserem, pois, no quadro
dessas contradições. Em todo caso, não podemos deixar de considerar que o acolhimento de
tais temas nos dispositivos legais (Constituição, LDBEN e outros) também sinalizam que, nos
embates travados em torno deles, houve ganhos para os educadores e setores sociais
progressistas que conseguiram que parte dos seus anseios fossem registrados. Visto por outro
ângulo, a “conquista possível” poderá e deverá ser aproveitada para servir de estímulo e
103
- Sobre esse assunto, o posicionamento de Silva (1996) é bastante expressivo, pois aponta para uma nova
perspectiva quando diz que a autonomia da escola não pode ser encarada na ótica da “coisificação”, ou seja,
como se a sua materialização dependesse tão somente da legislação ou da ação governamental. Para este autor,
com o que plenamente concordamos, “o que cria e mantém uma instituição autônoma é o sujeito que a institui e
garante a sua existência. Sem sujeito, uma estrutura não tem vida e pode, quando muito, ser algo a facilitar ou
dificultar a ação dos seres humanos concretos que a utilizam”(Ibid., p. 69). Mais adiante, Silva especifica o seu
pensamento para a temática da autonomia escolar dizendo que “a autonomia da escola pública, à luz da
constatação da existência do sujeito humano na criação e manutenção da instituição escolar, passa,
necessariamente, a ter que levar em conta esse mesmo sujeito, pois será ele a garantia da autonomia da unidade
escolar” (Ibid., p. 79).
104
O que também pode se aplicar ao texto da Constituição Federal..
197
encorajamento para a continuidade das outras lutas que possibilitem a ampliação das
conquistas já obtidas.
Pelo que foi exposto no decorrer deste capítulo, podemos afirmar que, ao longo
de várias décadas da história nacional, notadamente a partir da década de 1980, no mesmo
momento em que a sociedade brasileira buscava reencontrar um direcionamento democrático,
foi sendo tecida a compreensão e realizadas diversas experiências de democratização da
educação e da escola pública em nível crescente, ou seja, partindo do seu primeiro patamar –
o da universalização do ensino em todos os níveis – sob a ótica da gratuidade, laicidade e
qualidade social – até chegar ao patamar da gestão também exercida pela sociedade sobre os
diversos ambientes, instâncias e espaços educativos mediante efetivos processos, mecanismos
e instrumentos participativos. Explicitando este último patamar, salientamos que a gestão
democrática da educação implica em efetiva participação da sociedade na elaboração,
implementação e elaboração das políticas educacionais e, ainda, nos conseqüentes momentos
ou etapas de definição dos projetos a serem implementados. Tendo em vista a realidade
educacional brasileira é obvio que há muito ainda a ser feito para que possamos considerá-la
como já sendo efetivamente democrática, o que não só não desmerece os passos e as
conquistas já realizados mas, ao contrário, sinalizam para novas possibilidades a serem
atingidas.
O esforço realizado neste capítulo – em analisarmos como se deu a
participação da escola pública no processo de democratização da sociedade brasileira – não
ignora que esta mesma escola e com ela o próprio sistema educacional do nosso país, desde os
seus primórdios, têm sido fortemente envoltos pelas determinações do modelo produtivo
capitalista que acompanha a formação e o desenvolvimento da sociedade brasileira. Como
expressões de tais determinações é que, em síntese, podemos caracterizar a educação da
escola pública como sendo, predominantemente, elitista, seletiva, excludente e,
conseqüentemente, não democrática. Estas nuanças refletem o poder da ideologia capitalista
sobre a educação a ponto de instrumentalizá-la em vista da sua conservação e reprodução.
Entretanto, como historicamente pode ser observado e tentamos explicitar ao
longo das análises feitas no presente capítulo, as determinações capitalistas sobre a escola
pública ocorreram não sem confrontos, resistências e alternativas diferenciadas (estas, quer no
nível teórico, quer no nível da prática) tornando possível que o cenário educacional brasileiro
se desenvolvesse em meio a embates nos quais, fundamentalmente, estavam situados, de um
lado, a classe capitalista (com os seus representantes e aliados: o Estado, as classes
dominantes, os defensores da educação privada e outros...) e, de outro lado, a classe
198
trabalhadora (esta também com os seus representantes e defensores: os trabalhadores, os
educadores, as forças sociais progressistas e outros). A exemplo da antagônica luta mais
ampla travada nas sociedades regidas pelo sistema capitalista, esta pugna tem sido realizada
de forma desigual chegando, muitas vezes, a parecer como um jogo de cartas marcadas com a
vitória já definida em favor de um dos contendores (neste caso, para o “time” dos
capitalistas).
Refletindo sobre a realidade conflitiva que também envolve a educação
pública, podemos constatar que, na atual configuração de reestruturação produtiva do
capitalismo, tal realidade permanece em sua essência, ainda que, evidentemente, sejam
diferentes os contextos nos quais, contemporaneamente, ocorre o embate entre o capital e o
trabalho. Desta forma, o processo de democratização da escola pública – integrando o campo
mais amplo da democratização da sociedade – vem sendo realizado não sem dificuldades,
obstáculos e até mesmo com perdas uma vez que, sobretudo pela apropriação do poder do
Estado, as forças opostas a tais processos são poderosas. Todavia, também como foi
analisado, os educadores e as forças sociais progressistas que têm se comprometido com a
democratização da escola pública – e ao mesmo tempo, com a defesa desta mesma escola –
se, por um lado, não foram totalmente vitoriosos em seus intentos, porém, por outro lado,
conseguiram pôr em marcha um movimento que fez menor a vitória dos detentores do capital
no que diz respeito ao propósito de mercantilizar e privatizar a educação pública.
Por fim, o resgate que fizemos de parte do movimento, das lutas e resistência
dos educadores e das forças sociais progressistas em direção à democratização da educação e
da escola pública brasileira contribui para corroborar um dos elementos que integram a tese
que orientou este trabalho, ou seja, assim como em torno da democratização da educação e da
escola pública os educadores expressaram anseios e concepções divergentes dos defensores
do projeto hegemônico neoliberal, os atores sociais da escola – tendo como referência as
unidades escolares escolhidas como campo de investigação – poderão possuir anseios e
concepções de autonomia da escola opostas às concepções presentes nas diretrizes de política
educacional, de cariz neoliberal, formuladas para a rede estadual de ensino de Pernambuco.
199
CAPÍTULO 5 – AUTONOMIA DA ESCOLA: UM MANIFESTO EM ATUALIZAÇÃO
(DOS PIONEIROS DE 1932 AOS NOSSOS DIAS)
Do ponto de vista institucional, a condução da educação de forma
excessivamente centralizada tem se constituído num dos maiores problemas com que a escola
pública brasileira, historicamente, vem enfrentando. Em conseqüência desta condução têm
sido desencadeados outros tantos problemas que, em última análise, fazem com que a escola
não se configure num efetivo espaço democrático. Visando, pois, a opor-se a tal estado de
coisas foi que, no ano de 1932, um grupo de educadores e outros renomados intelectuais
brasileiros apresentaram um documento à nação intitulado de “A reconstrução educacional no
Brasil. Ao povo e ao governo. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Configurava-
se, assim, a possibilidade de serem estabelecidas as bases para a edificação de uma política
educacional para a nação brasileira.
Representando um marco referencial através do qual um determinado
segmento da sociedade brasileira intentava exercer uma participação ativa na definição dos
rumos que a educação iria tomar naquele momento, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova” também se destacou por, pela primeira vez na história da educação nacional,
explicitamente, reivindicar a autonomia da escola sem que isso redundasse em prejuízo para a
unidade do sistema educacional. Portanto, desde o Manifesto dos Pioneiros, a autonomia
escolar tem sido uma bandeira de luta empunhada pelos educadores e a partir da luta pela sua
efetiva implementação e, ainda, em vista da democratização da escola vem sendo
desencadeado um processo reflexivo a respeito de tais temáticas, não certamente dissociado
de práticas e de experiências. Neste capítulo será reservado, pois, um espaço aos educadores e
pesquisadores para que eles possam compartilhar suas compreensões e entendimentos acerca
200
da autonomia da escola e, ao mesmo tempo, estabelecermos um diálogo com os mesmos.
Como veremos, tais compreensões e entendimentos expressam um dinâmico movimento
através dos quais os educadores e pesquisadores se insurgem contra a proposta neoliberal de
autonomia escolar e, ainda, contribuem para suscitar nos atores sociais que integram a base do
sistema educacional concepções e anseios de autonomia na perspectiva da gestão democrática
da escola.
5.1 OS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA E A AUTONOMIA DA ESCOLA
O que fez com que Fernando Azevedo, Antonio de Sampaio Dória, Anísio
Teixeira, Cecília Meireles e os demais signatários
105
do “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova”, há 74 anos, se pronunciassem em favor da
necessidade de uma ampla autonomia technica, administrativa e economica,
com que os technicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem ter,
por isto, a direcção e administração da funcção educacional, tenham
assegurados os meios materiaes para poderem realizá-la?
106
(MANIFESTO..., 1994, p. 61.)
Para respondermos a esta indagação, cumpre lembrar que a nação brasileira
estava inaugurando um novo período da sua história e nela estavam ocorrendo profundas
transformações sociais, políticas e econômicas a ponto de ser pensado um “Estado Novo”.
Desta forma, se fazia necessário refletir e discutir o papel da educação naquele novo
momento. Nos parece, então, que foi isso que os Pioneiros tentaram fazer, ainda que com um
certo otimismo exagerado, ao situarem a educação como sendo o problema nacional “número
um” a ser equacionado. Descontado o otimismo pedagógico que, desde a década anterior
havia impregnado o pensamento educacional brasileiro, a ênfase dada pelos Pioneiros à
educação teve o mérito de apontar a existência de uma problemática envolvendo tal setor e
para a qual se fazia urgente dar respostas novas e adequadas.
105
A lista completa dos signatário do Manifesto é composta pelos nomes de Fernando de Azevedo, Afranio
Peixoto, A. de Sampaio Doria, Anisio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G.
Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de
Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivaquia,
Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão, Cecília Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armando Álvaro
Alberto, Garcia de Rezende, Nóbrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Rodrigues Gomes.
106
Mantivemos a grafia como se encontra no original, transcrito no texto de Ghiraldelli Júnior (1994)
201
Apresentando subsídios para a elaboração de uma política educacional – uma
ação que se apresentava como sendo algo inovador na história da educação brasileira – os
Pioneiros entenderam que, dentro da proclamação da educação como sendo um dever do
Estado
107
, se fazia necessário que essa atribuição dada ao poder estatal não redundasse, em
nome da unidade da função educacional, numa opressiva centralização ou num controle
excessivo por parte de facções sociais, pois, assim, resultaria em ameaça à implantação do
sistema escolar público que, naquele momento histórico, estava sendo intentado. Contra o fato
de ser praticamente inexistente um sistema educacional em nosso país, os Pioneiros
observaram que
depois de 43 annos de regime republicano, se dér um balanço ao estado
actual da educação pública, no Brasil, se verificará que (...) não lograram
ainda crear um systema de organização escolar, á altura das necessidades
modernas e das necessidades do paíz (Id., p. 65.)
A respeito do significado do memorável documento assinado pelos
“Pioneiros”, também, podemos dizer que o Manifesto teve a virtude de expressar uma
preocupação com a educação no sentido de esta desempenhar um papel decisivo no projeto de
modernização que estava sendo posto para a nação brasileira no início da década de 1930.
Entretanto, como os fatos iriam demonstrar, o sistema educacional encontrava-se bastante
fragilizado para poder corresponder aos desafios que lhe estavam sendo postos por alguns
segmentos sociais. A razão desta fragilidade do setor educacional, naquele momento,
decorria, fundamentalmente, de ser um benefício cultural ao qual a maioria da população
brasileira não podia desfrutar, ou seja, a educação escolar, naquele contexto, era
acentuadamente elitista e excludente
108
. Esta caracterização da educação escolar, naquele
momento, fez com que os Pioneiros defendessem que competia ao Estado a organização de
um plano geral de educação, organicamente estruturado, que tornasse a escola acessível “em
todos os graus, aos cidadãos a quem a estructura social do paiz mantém em condições de
inferioridade economica para obter o máximo de desenvolvimento de accôrdo com as suas
107
“Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o
reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como
uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as
instituições sociais” (MANIFESTO..., 1994, p. 61.)
108
A respeito de tal caracterização, são eloqüentes os dados educacionais apresentados pelo próprio governo
central, no qual de cada 1000 candidatos ao Ensino Fundamental (antigo “curso primário”), 513 não estavam
matriculados; 110 estavam matriculados, mas não freqüentavam a escola; 178 freqüentavam a escola, mas não
eram capazes de aprender a ler bem; 85 freqüentavam a segunda série e liam superficialmente; 84 conseguiam ir
adiante mas não concluíram a quarta série e 30 conseguiam concluir o primário (MENSAGEM...., 2002, p. 43).
202
aptidões vitaes” (Id., 1994, p. 62.). Juntamente a isso, como, também, apontaram os Pioneiros,
do ponto de vista institucional, a educação nacional estava fragmentada e desarticulada.
Enfaticamente os Pioneiros também defendiam uma descentralização no
sistema educacional para que as propostas por eles apresentadas se adequassem às realidades
regionais e municipais uma vez que
a organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do
Estado, no espírito da verdadeira communidade popular e no cuidado da
unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se
opõem as condições geográficas do paíz e a necessidade de adaptação
crescente da escola aos interesses e ás exigências regionais. Unidade não
significa uniformidade. A unidade pressuppõe multiplicidade. Por menos
que pareça, á primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na applicação
da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de
levar a cabo, em toda a Republica, uma obra methodica e coordenada, de
accordo com um plano commum, de completa efficiência, tanto em
intensidade como em extensão (Id., p. 64.)
A preocupação dos Pioneiros para com a centralização da condução do sistema
público de ensino justificava-se pela natural conseqüência que advinha de tal processo, ou
seja, serem ignoradas as peculiaridades das diferentes características das regiões geográficas e
culturais que compõem a nação brasileira bem como as especificidades existentes em cada
unidade escolar, ainda que esta seja parte de um sistema mais amplo.
Mesmo não tendo conseguido se fazer ouvir pelos mesmos que haviam
solicitado sua colaboração
109
, no dia 1º. de julho de 1959, novamente os Pioneiros voltaram à
baila e publicaram um novo documento intitulado “Manifesto dos educadores: mais uma vez
convocados - manifesto ao povo e ao governo”
110
, o qual se destaca por apresentar um
número bem maior de signatários, um total de 161 educadores e intelectuais (e desta vez a
participação feminina saltou de três para 42 signatárias) e, sobretudo, por expressar um sério e
contundente debate sobre o público e o privado na educação. Ainda que a autonomia para a
escola não tenha sido explicitamente mencionada, consideramos que ela estava presente neste
109
Como registra Pagni (2000), o Manifesto também teria resultado de solicitação feita por Getúlio Vargas,
chefe do governo provisório que havia se estabelecido com a deflagração da Revolução de 1930 e de Francisco
Campos, primeiro ministro do recém-criado Ministério da Educação e da Saúde, por ocasião da IV Conferência
Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro, em dezembro de 1931. Originariamente redigido por
Fernando de Azevedo, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova - a reconstrução educacional no Brasil -
ao povo e ao governo” foi publicado na grande imprensa do eixo Rio–São Paulo entre os dias 19 e 26 de março
de 1932.
110
Analisando diversos manifestos que têm sido publicados em defesa da educação brasileira, Xavier (2003, p. 9
et seq.) considera os dois manifestos dos Pioneiros como sendo emblemáticos na luta em prol da democratização
do ensino e, ainda, como sendo dois documentos possuem em comum o fato de terem sido formulados para dar
respostas e/ou apresentar soluções para o problema da educação nacional em contextos nos quais a mudança
social e política era acenada.
203
novo documento na medida em que os novos Pioneiros declararam que “não renegamos
nenhum dos princípios por que nos batemos em 1932, e cuja atualidade é ainda tão viva, e
mais do que viva, tão palpitante que êsse documento, já velho de mais de 25 anos, se diria
pensado e escrito nestes dias” (MANIFESTO..., 1994b, p. 141.). Ademais, não há como
pensar que a autonomia da escola tenha sido esquecida pelos “Pioneiros” uma vez que neste
novo documento, com mais ênfase, eles defendiam uma educação e uma escola democrática
que, como entendemos, repousa nos postulados da liberdade de pensamento e da igualdade de
oportunidades para todos. Por outro lado, os “Pioneiros”, novamente, apresentaram o
“excesso de centralização” como um dos males da educação nacional naquele momento.
Deste novo documento dos Pioneiros também merecem ser destacados:
i) A defesa da escola pública que, naquele momento, estava sendo
depreciada para, então, a escola particular ser apresentada como não só devendo ter liberdade
para existir como, ainda, devendo ser subsidiada pelo Estado. Contra tal possibilidade, os
Pioneiros se posicionaram dizendo que a campanha, então desencadeada em favor da escola
privada,
é praticamente uma larga ofensiva para obter maiores recursos do Estado, do
qual se reclama não aumentar cada vez mais os meios de que necessita o
ensino público, mas dessangrá-lo para sustentar, com o esgotamento das
escolas que mantém, as de iniciativa privada (Id., 146).
ii) A denúncia contra o descaso do poder estatal para com a educação pública,
juntamente com o quadro caótico em que a escola pública se encontrava (despreparo do
professor primário, baixos salários recebidos pelos docentes, métodos de ensino arcaicos e
deficientes, etc.), os Pioneiros também incluíram no rol das causas da situação da educação
pública
(...) em vez de se ampliar, se reduziu a ação coordenadora do poder público
federal e estadual (...). Não foi, portanto, o sistema de ensino público que
falhou, mas os que deviam prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de
escolas na medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às
suas instalações, preparar-lhe cada vez mais solidamente o professorado e
aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas
múltiplas atividades (Id., p. 142)
Com estas manifestações dos Pioneiros, podemos dizer que estava sendo posto
um movimento que iria ter continuidade pelas décadas seguintes, também presente em nossos
dias, representando um manifesto em defesa da escola pública, incluindo a autonomia escolar,
que, de acordo com as circunstâncias históricas, foi tendo variadas compreensões. Mesmo
204
com as variações de entendimentos, o certo é que a autonomia da escola se tornou um tema
suscitador de debates olhado por diferentes perspectivas.
5.2 AUTONOMIA DA ESCOLA: COMPREENSÕES E SIGNIFICADOS
PROGRESSISTAS
É possível pensar, sonhar em autonomia da escola e, mais precisamente, da
escola pública? Sem sombra de dúvidas, indagar sobre tal possibilidade é o caminho inicial a
ser feito sobre a autonomia da escola. A tal indagação Silva responde de modo afirmativo
lembrando que a escola é, antes de tudo, um espaço humano, e ao dizer que a escola é um
espaço humano, este autor também afirma que
entre os diversos atributos que se pode predicar à escola, um certamente, é
aceito por todos os que a conhecem: a escola é um lugar de esperança, de
desejo. Dizer que a escola é um lugar de esperança significa considerá-la
como um lugar essencialmente humano, uma vez que a esperança é
qualidade só possível aos homens” (SILVA, 1996, p. 52).
Portanto, sendo a escola constituída por sujeitos humanos, consideramos que
este dado deva ser visto como um elemento fundamental para a defesa da luta pela autonomia
escolar, pois não existe uma autonomia da escola de forma abstrata, fora da ação organizada
dos seus membros (BARROSO, 2000, p. 18). A partir desta ótica antropológica, com Nóvoa
(1999, p. 15) podemos caracterizá-la como uma instituição onde também são tomadas
importantes decisões relacionadas com as várias esferas que constituem-na enquanto espaço
organizacional, ou seja, as esferas curriculares, pedagógicas, administrativas, etc.
Consubstanciando-se no enfoque principal do seu trabalho sobre a autonomia
da escola pública, Silva (1996) defende a efetivação deste princípio pelo fato de a escola ser
formada por sujeitos coletivos que se caracterizam como tais na medida em que,
coletivamente, buscam realizar a tarefa de adequar o ambiente às suas necessidades e aos seus
desejos o que, em última análise, deve ser encarado na perspectiva de modificação da
realidade e, assim, afirma que “uma escola autônoma só acontecerá quando existirem,
responsabilizando-se por ela, sujeito ou sujeitos autônomos” (Ibid., p. 99). Nesta consideração
há um importante componente a ser ressaltado: a autonomia pressupõe o reconhecimento da
existência de sujeitos plurais e, conseqüentemente, diferentes. Desta maneira, a construção da
autonomia escolar deve se constituir num processo no qual as diferenças, ao invés de negadas
ou camufladas, devem ser reconhecidas.
205
Olhando por um outro ângulo, a busca da autonomia para a escola, bem como
os conseqüentes debates sobre tal tema, não pode ser vista e tratada como sendo um modismo
uma vez que, como alerta Gadotti (1997, p. 35), juntamente com a gestão democrática da
escola, a autonomia escolar faz parte da própria natureza do ato pedagógico. Por sua vez,
Barroso (2000, p. 18) recorda que
a autonomia das escolas não constitui, portanto, um fim em si mesma, mas
um meio de a escola realizar, em melhores condições, as suas finalidades,
que são, como se sabe, mas convém lembrar, a formação das crianças e dos
jovens que freqüentam as nossas escolas.
Enfatizando o que dissemos anteriormente, é nesta direção que a autonomia
escolar encontra uma de suas maiores fundamentações, ou seja, para que a escola possa
cumprir as suas finalidades educativas que, em última instância, dizem respeito à gestação de
homens e mulheres autônomos. Falar de homens e mulheres significa, de acordo com Gohn
(2005, p. 33), dizer que sejam pessoas que tenham adquirido a capacidade de serem sujeitos
históricos, que sabem ler e re-interpretar o mundo mediante a aquisição de uma linguagem
que lhes possibilitem participar de fato, compreender e se expressarem por conta própria. São
considerados sujeitos autônomos os que vêem e aceitam as diferenças e as singularidades do
outro e de outras realidades e, por conseguinte, buscam dialogar com o diferente e as
diferenças sem ter como meta aniquilá-los ou vencê-los a qualquer custo mas, sim, a
construírem consensos a partir dos quais possam conviver. Diante dessa finalidade última da
prática educativa - a gestação de homens e mulheres autônomos – torna-se imprescindível
que, para cumprir tal tarefa, a escola deve ser um espaço social grávido de autonomia.
A inquietação com a autonomia da escola possui relação direta com uma das
questões sociais mais atual e necessária para os nossos dias, ou seja, o da cidadania que, entre
outros aspectos, pressupõe a participação popular, a ampliação do espaço público, a melhoria
permanente do acesso à comida, à habitação, à saúde, ao vestuário, ao lazer e conseqüente
ampliação dos direitos sociais (CABRAL NETO, 2004, p. 21). Nesse contexto, a utopia da
cidadania, sinônimo de efetiva democracia, inclui-se a construção urgente da escola cidadã,
uma proposta educacional que tem sido objeto de reflexão, luta e compromisso dos teóricos e
educadores que apostam e investem num modelo educativo emancipatório. A este respeito
Gadotti recorda que
cidadania e autonomia são hoje duas categorias estratégicas de construção de
uma sociedade melhor em torno das quais há freqüentemente consenso.
Estas categorias se constituem na base de nossa identidade nacional tão
desejada e ainda tão longínqua, em função do arraigado individualismo tanto
de nossas elites, quando das fortes corporações emergentes, ambas
dependentes do Estado paternalista (GADOTTI, 1997, p. 39).
206
Ainda para este autor, cada vez mais perde sentido nas sociedades
democráticas a concepção centralizadora da educação, pois, em tais sociedades, o pluralismo
é defendido como valor universal e fundamental para o exercício da cidadania e, como
sabemos, a possibilidade da vida democrática e cidadã tem na autonomia do homem, da
educação e da sociedade um dos seus principais suportes. Sendo assim, consideramos como
sendo inadequadas as argumentações em favor da autonomia da escola aquelas que
direcionam este princípio apenas em função de melhoria do desempenho do sistema
educacional, em função da racionalidade administrativa e outras que se seguem nessa direção.
Enfatizando o que dissemos anteriormente: a autonomia escolar decorre da própria natureza
da ação educativa que deve ser realizada por sujeitos autônomos e, ao mesmo tempo, em vista
da construção de sujeitos – homens e mulheres, educandos e educadores – autônomos.
Noutro sentido, a autonomia da escola também pode ser alicerçada no
entendimento segundo o qual cada unidade escolar, ainda que possua características às demais
unidades congêneres, é portadora de uma singularidade e de uma especificidade próprias.
Destes caracteres resulta, pois, o desafio de que, ao mesmo tempo em que sejam adotadas
medidas semelhantes para unidades distintas, a unidade do sistema educacional seja
preservada e, ainda, sejam conciliadas as dinâmicas da diversidade e da unidade, existentes
em um sistema educativo.
Machado, após lembrar que, na LDBEN 9394/94, a autonomia escolar aparece
não como uma recomendação, mas como uma determinação impositiva, chama a atenção para
a existência de um risco sobre um aparente consenso que há em relação a este princípio
dizendo que
ao analisar-se os diferentes discursos, é possível constatar, por exemplo, que
a questão da autonomia da escola está sendo considerada quase
exclusivamente sob o prisma financeiro: o dinheiro deve chegar diretamente
à escola, sem desperdícios ou desvios, como se costuma destacar. Mas a
autonomia da escola não pode se restringir a este ponto. Outros aspectos
precisam ser considerados (MACHADO, 1997, p. 172).
Entre os autores há um certo consenso de que a autonomia da escola contempla
três grandes vertentes ou dimensões: administrativa, financeira e pedagógica. Entretanto, vale
ressaltar, são três aspectos constitutivos de uma mesma realidade e, ainda, devem ser vistos e
trabalhados de forma integrada. A partir de explicitações feitas por Neves (1996, p. 102 et
seq.), Paro (2000, p. 58) e Veiga (1998, 18 et seq.), tais eixos podem ser mediatizados pelas
seguintes ações ou competências:
207
Autonomia administrativa da escola: consiste na possibilidade de elaborar e
gerir seus planos, programas e projetos. Refere-se à organização da escola como um todo,
destacando-se o estilo e a forma de gestão da unidade escolar. Neste aspecto, também, estão
compreendidas as ações de administração do pessoal (discente, docente e demais
trabalhadores da escola), dos recursos materiais e os necessários controles normativos para
que possam ser utilizados de forma mais adequada aos fins educativos.
Autonomia financeira: trata da gestão dos recursos patrimoniais, da aplicação
das transferências feitas pelo sistema educacional, da possibilidade de dispor de orçamento
próprio e da capacidade de negociar e atrair parcerias e recursos externos (sem que isto
redunde em desresponsabilização financeira do poder público). Nesta dimensão, a escola
controla e presta contas e, ainda, remaneja diferentes rubricas de elementos ou categorias de
despesas.
Autonomia pedagógica: consiste na liberdade de ensino e pesquisa. Está
estreitamente ligada à identidade, à função social, à clientela, à organização curricular, à
avaliação, portanto, à essência do projeto pedagógico da escola. Nesta dimensão,
autonomamente, a escola cuida da seleção e organização dos conhecimentos curriculares,
introduz metodologias inovadoras, avalia desempenhos docente e discente, estabelece
cronogramas, calendários e horários, articula-se com outras instituições educativas, científicas
e culturais, enfim, exerce um poder decisório em relação à melhoria do processo ensino-
aprendizagem.
Ainda que apresentados em “momentos” diferenciados, os aspectos
administrativos, pedagógicos e financeiros da autonomia escolar devem ser considerados de
forma integrada e interdependente. A escola não pode prescindir de nenhum deles, sob pena
de comprometer a construção da sua autonomia. Neste sentido, Luck (2000, p. 21) adverte
que nem mesmo o aspecto financeiro da autonomia pode ser considerado como se fosse o
mais significativo. Todavia, cabe aqui mencionarmos a análise de França (2005, 90) para
quem “o delegar autonomia à escola, ao diretor ou ao colegiado, só funciona quando isso é
acompanhado de outras medidas, inclusive da descentralização de todos os recursos
financeiros”.
Na verdade, esses três aspectos apontam para a existência de uma unidade que
é a dimensão política da autonomia escolar. Tal dimensão existe na medida em que a
autonomia da escola signifique capacidade de tomar decisões em conjunto e comprometidas e
uso dos talentos e competências coletivamente organizados e articulados entre si, em vista do
enfrentamento dos problemas e dos desafios que são postos à escola no desempenho da sua
208
missão e tarefa educativa. Além disso, tais aspectos possuem uma relação direta com a
racionalidade entendida como o uso dos meios apropriados para se chegar a um determinado
fim. Porém, como é apontado por Paro (2001), a racionalidade no espaço escolar deve superar
a concepção empresarial que a relaciona apenas com a eficiência na utilização dos recursos
para, então, ser associada, mediata e imediatamente, com o alcance dos objetivos inerentes ao
processo educativo mediado pela escola.
Tendo presentes as políticas educacionais neoliberais que foram
implementadas no Brasil ao longo da década de 1990, Paro (2000, p. 70) também chama a
atenção para que a autonomia administrativa não seja confundida com desconcentração de
tarefas, de atividades e procedimentos de cunho meramente executivo. Em relação à
autonomia financeira, enfatizando o que já dissemos em outro momento, este aspecto não
deve ser instrumentalizado para respaldar e escamotear o afastamento do Estado em relação à
oferta e manutenção do serviço educacional gratuito e com qualidade social.
A respeito das razões pelas quais o princípio da autonomia escolar deve ser
buscado e defendido há, entre os educadores e os pesquisadores, uma compreensão que
consideramos como sendo o elemento que, de modo mais efetivo, confere um caráter
progressista à autonomia escolar, ou seja: a autonomia da escola é um suporte necessário para
que possa ocorrer uma efetiva democratização da gestão da educação e da escola. Como
afirma Cury (1993, p. 66), “sem autonomia fica difícil imaginar por onde se pode
implementar uma gestão democrática” e ainda para Lima (2001, p. 75), “uma escola (mais)
democrática é, por definição, uma escola (mais) autónoma, em graus e extensão variáveis e
sempre em processo”.
Entendendo-se a autonomia escolar como um processo que deve ser
conquistado e apesar de, nesta compreensão já estar contida a necessidade do compromisso de
todos os atores sociais da escola, entretanto, ressaltar que, em tal processo, os educadores
possuem um importantíssimo papel a desempenhar o que, por outro lado, requer que os
mesmos estejam imbuídos de compromisso político e sejam administrativa e
pedagogicamente competentes. Neste sentido, é mister ressaltarmos que esta competência,
pressupõe o conhecimento radical da escola, do processo educativo que
acontece no seu interior, no seu cotidiano bem como o conhecimento das
relações entre os fenômenos que se passam no interior da escola e o
movimento social mais amplo em sua mútua determinação e
interdependência (SCHAFFER, 1980, p. 10).
209
Em vista da possibilidade de, no âmbito escolar, acontecer o processo ao qual
Barroso (1996) cognomina de passagem da autonomia outorgada para a autonomia
construída, portanto, constituindo-se num processo a ser eticamente edificado, não pode ser
olvidado que este empreendimento requer que ele seja realizado num horizonte ético-político
o qual, por sua vez, irá requerer que os atores sociais da escola estejam munidos de
responsabilidade e competência. Neste sentido, Rios (1993, p. 18) afirma que
construir ética e politicamente a autonomia não teria significado se não se
aliassem à perspectiva ético-politica a dimensão técnica, o domínio seguro
de conhecimentos específicos, a utilização de uma metodologia eficaz, a
consciência crítica e o propósito firme de ir ao encontro das necessidades
concretas de sua sociedade e de seu tempo.
Um outro elemento que se destaca como sendo consensual entre os autores e
pesquisadores é a dimensão de relatividade existente na autonomia da escola. Esta afirmação
fundamenta-se na compreensão de que a escola é uma instituição social que integra um
contexto mais amplo de sociedade e possui uma relação de dependência a um sistema
sociopolítico. Sobre este assunto, Libâneo (2001, p. 116) afirma que “certamente trata-se de
uma autonomia relativa. As escolas públicas não são organismos isolados, elas integram um
sistema escolar e dependem das políticas públicas e da gestão pública”.
Diante de um possível entendimento inadequado a respeito da dimensão de
relatividade existente na autonomia da escola, como se fosse algo de menor em tal dinâmica,
Rios (1993, p. 16) chama a atenção para que se tenha em vista a dinâmica da interdependência
que também envolve as instituições sociais e, por conseguinte, a instituição escolar. Neste
sentido, esta autora afirma que “a autonomia não significa solidão, impossibilidade de
relacionamento ou determinação de nossas leis à revelia daqueles com quem nos
relacionamos” (Ibid.).
Esta perspectiva se reveste de fundamental importância para o devido
entendimento sobre a autonomia escolar, pois, a partir dele, são desfeitos os temores de que a
autonomia escolar sirva como estratégia para justificar ou favorecer o abandono do Estado em
relação à escola pública. Opondo-se ao fenômeno do distanciamento do Estado neoliberal em
relação à educação pública Mendonça (2000, p. 367) se posiciona afirmando que
a autonomia da escola pública não pode estar associada a uma situação de
afastamento do Estado de suas obrigações como provedor das necessárias
condições infra-estruturais. Não existe, portanto, autonomia da escola
pública sem o indispensável custeio do Estado.
210
Ao contrário do projeto neoliberal que induz à privatização dos serviços
educacionais, cabe ao Estado desprivatizar e publicizar a função da escola, promover políticas
públicas dotadas dos necessários recursos humanos, financeiros e materiais para a sua
implementação expressando, assim, um projeto educacional de qualidade. Desta forma,
atenua-se ou, melhor ainda, dissipa-se o temor de que a outorga de autonomia à escola, por
parte do poder estatal, represente uma disfarçada desobrigação do Estado em deixar de
cumprir com suas atribuições constitucionais que, entre outras, diz respeito à oferta de uma
escola democrática e de qualidade social. Neste sentido, ressaltamos que o caráter relativo da
autonomia da escola em nada diminui o seu valor e sua importância, e nem mesmo deve
arrefecer a defesa pela sua conquista uma vez que, mesmo na circunscrição de relatividade, há
um potencial a ser explorado, ou seja, a possibilidade de a escola “se constituir em instância
auto-organizada para a produção de regras e a tomada de decisões políticas” (LIMA, 2001, p.
166).
Cumpre frisar que a autonomia da escola deve ser adequadamente
compreendida a partir de uma visão sistêmica, ou seja, que a escola possui uma relação de
interação com outras instâncias sociais e, obviamente, está relacionada com a totalidade do
sistema nacional de educação da qual faz parte e este, por sua vez, está subordinado a um
contexto maior de sociedade. Nesta compreensão depreende-se que se estabeleçam relações
de interação entre a unidade o sistema. Sem isso, qualquer projeto de autonomia escolar
perderá o seu significado a ponto de nos arriscarmos a dizer que, quando a escola está
encerrada em si mesma e subjugada a rígidas diretrizes emanadas de um poder ou instância
central, ela fica empobrecida em relação à sua funcionalidade educativa e, da mesma forma, o
próprio sistema não somente sofrerá empobrecimento como, também, perderá sua própria
razão de ser.
Tendo presente a caracterização concentradora da sociedade capitalista da qual
a escola também faz parte, a relação periferia-centro, via de regra, é permeada por um estado
de tensão entre ambas instâncias. Tal estado, per si, não deverá representar um campo no qual
sejam abafados, desestimulados ou anulados os empreendimentos em direção à construção da
autonomia escolar. Ao contrário, na medida em que os atores sociais da escola coletivamente
assumam um projeto de democratização, dimensionado localmente e com articulações com
um horizonte mais amplo, eles poderão ver nessa tensão um estímulo para desenvolverem
uma capacidade estratégica que, como aponta Lima (2001, p. 168), extrairá benefícios da
centralização do poder de decisão uma vez que “a capacidade organizacionalmente ancorada
211
para iludir, resistir ou contrariar as directivas centrais, ao nível das organizações educativas
parece ser tanto mais quanto mais centralizado for o poder de decisão”.
A respeito da relação entre o centro e a periferia do sistema educacional, Silva
(1996) apresenta uma outra contribuição. Tendo em vista que a escola se constitui uma
unidade orgânica singular e, ao mesmo, tempo, existe um nível supra-escolar, este autor
defende que a relação entre tais níveis deve ser regida pelos princípios de complementaridade
e subsidiaridade, ou seja, nenhuma destas duas instâncias deve executar ações concorrentes e
tudo o que puder ser efetuado pelo nível local – no caso, a unidade escolar – não deverá ser
atribuição do sistema (Id., p. 103). Assim sendo, nesta perspectiva defendida por este autor,
devemos concluir que escola e sistema educacional devem se constituir em parceiros e
colaboradores.
Explicitando a dimensão de tensão subjacente à relação entre periferia e centro
que, respectivamente diz respeito à relação entre o espaço escolar local e as instâncias de
administração do sistema educacional em nível macro, com conseqüentes repercussões para a
autonomia escolar, Nóvoa (1999, p. 20) enfatiza que esta instituição educativa deve ser
encarada como um território intermediário de decisão no domínio educativo, que não se limita
a reproduzir as normas e os valores do sistema-macro, mas que também não pode ser vista
como um micro-universo dependente, exclusivamente, do jogo e do poder dos seus atores
sociais.
Em meados da década de 1980, Silva (1985) apresentava algumas
recomendações que, por ainda manterem um sabor de atualidade, valem ser resgatadas aqui.
Para esta autora, no processo de debate e implementação do princípio da autonomia da escola,
os órgãos centrais e intermediários das Secretarias de Educação teriam como papéis a serem
desempenhados os seguintes: (i) possibilitar a mobilização e a organização dos educadores
nas instâncias em que atuam; (ii) possibilitar a articulação dos educadores entre si e a
sociedade; (iii) fornecer recursos materiais, financeiros e técnicos que assegurem a realização
de uma proposta educacional desenvolvidas a nível das escolas; (iv) estabelecer diretrizes
básicas construídas a partir do conhecimento historicamente produzido, da sociedade escolar e
do contexto em que ela se situa e com a participação possível dos que atuam nas escolas; (v)
divulgar diretrizes em tempo hábil para que haja condições de adequação à realidade das
escolas e (vi) trabalhar junto aos professores no sentido de re-elaborar uma proposta curricular
que atenda efetivamente às necessidades e especificidades dos alunos das escolas,
organizando e sistematizando elementos culturais relevantes à formulação de um Projeto de
Ensino Democrático (SILVA, 1985, p. 2).
212
Considerando-se que o sistema educacional brasileiro ainda é permeado por um
forte caráter burocrático, a defesa da autonomia escolar encontra aqui mais um ponto de apoio
na medida em que ela contribui “para que a escola se torne mais ágil em suas ações, pois o
seu fortalecimento leva a uma diminuição significativa da burocracia” (LIMA, 1999, p. 208).
Sendo um projeto a acontecer mediante processos participativos, a conquista da
autonomia por parte da escola é vista como algo que poderá resultar em um novo tipo de
relacionamento entre o sistema educacional e a escola, o que equivaleria a uma revolução
coperniciana no cenário educacional (CABRAL NETO, 1997, p. 194) dado que iria exigir “a
transformação das estruturas dos sistemas no sentido de alterar um relacionamento político-
administrativo que trata a escola como periferia do sistema, sem poder de decisão”
(MENDONÇA, 2000, p. 15). Desta forma, espera-se que ocorra
uma mudança de postura da administração pública central e intermediária de
ensino, que deixe de tutelar as escolas, baixando continuamente normas
sobre métodos de trabalho a serem seguidos, para assumir uma atitude de
liderança, de estímulo às inovações e de apoio aos estudos e projetos de
pesquisa realizados para a renovação educacional (BARBOSA, 1999, p.
224).
Na ótica progressista podemos considerar a autonomia da escola como
descentralização na medida em que esta estratégia supere o entendimento de apenas significar
a transferência de tarefas ou encargos de uma esfera administrativa de nível superior para
outra de nível inferior (como é postulado no neoliberalismo) mas, sim, possa se constituir no
deslocamento do poder do Estado para a sociedade civil o que, por sua vez, possibilitaria a
participação dos cidadãos nas decisões políticas (ABRANCHES, 2003, p. 14). Como afirma
esta autora, a descentralização só se torna possível pela participação e ela se esvazia quando
não se faz acompanhar de efetivo poder decisório bem como quando não se criam
instrumentos de controle à disposição de todos os interessados (Id., p. 18). A este respeito
acrescentamos que
para que se constitua num princípio que, de fato, expresse a autonomia
escolar e contribua para a gestão democrática da escola, a descentralização
deve ser pensada numa perspectiva de mudanças nas relações estruturais do
sistema educacional (SOUSA, 2002, p. 72).
Cumpre salientar, com Santomé (2003, p. 40), que, cronologicamente falando,
o entendimento progressista da descentralização é anterior à concepção neoliberal. Na ótica
progressista, a descentralização resulta do compromisso e das lutas em vista da conquista de
um maior nível de democratização e, ainda, é fruto das demandas de uma comunidade que
213
considera que as formas locais de governo oferecem uma participação mais ativa e um maior
controle democrático das intervenções operadas na sociedade.
Apresentando um conceito de autonomia escolar, que nos parece bastante
expressivo por contemplar variados aspectos pertinentes a este princípio, Costa (1997, p. 22)
diz que:
por autonomia da escola, entende-se o reconhecimento ou a construção da
sua identidade institucional; em outras palavras, é a capacidade de elaborar e
executar um projeto educacional, único, referido a uma clientela específica,
pautado na participação de todos os atores e direcionado para objetivos que
têm significado para a comunidade. Pressupõe, também, a ampliação da
liberdade de gestão de recursos materiais, humanos e financeiros, bem como
o aumento de controle sobre a aplicação destes últimos
.
A autonomia da escola ultrapassa os limites do próprio espaço institucional no
qual ela deva acontecer. Sua efetivação está impregnada de forte impacto social, pois
lutar por uma escola autônoma é lutar por uma escola que projete, com ela,
uma outra sociedade. Pensar numa escola autônoma e lutar por ela é dar um
sentido novo à função social da escola e do educador que não se considera
um mero cão de guarda de um sistema iníquo e imutável, mas se sente
responsável também por um futuro possível com eqüidade (GADOTTI,
2000, p. 47).
A luta pela autonomia escolar constitui-se, também, numa estratégia que
contribui para uma luta mais ampla, ou seja, o empenho por uma escola pública democrática e
de qualidade social. Ademais, como que numa espiral ascendente, na medida em que este tipo
de escola se concretiza é possível resultar em pequenas, mas necessárias, contribuições para a
modificação da realidade social mais ampla no qual a escola está inserida.
Imersos em múltiplos processos e situações de dependência, às vezes beirando
ao servilismo, certamente a construção da autonomia escolar não será um caminho fácil a ser
percorrido por aqueles que são chamados a realizar tal empreendimento – os atores sociais da
escola. Há, inclusive, a possibilidade destes atores não buscarem conquistar a autonomia
escolar por medo do assumir as responsabilidades que decorrem de tal conquista. As
dificuldades para a construção da autonomia da escola poderão, ainda, derivar dos
entendimentos inadequados a respeito do que consiste tal princípio quando, por exemplo, é
extrapolado para o sentido de independência ou soberania absolutas.
Saindo da esfera psicossocial, há outros entraves para a construção da
autonomia da escola, tais como: a histórica dependência política da sociedade brasileira à
metrópole portuguesa (1500 a 1822), a cultura patrimonialista que, ainda hoje, impregna a
relação Estado e Sociedade, os estilos coronelista e clientelista, derivados de tal cultura,
214
bastante entranhada nas nossas relações sociais e, ainda, as traumáticas experiências de
autoritarismo que ocuparam grande parte da nossa história republicana (sobretudo, no período
de 1964 a 1985). Entretanto, em que pese a existência de dificuldades e entraves para a
conquista da autonomia escolar, consideramos que esta seja uma tarefa à qual os atores sociais
da escola não podem furtar-se em assumi-la até mesmo porque só poderão se reconhecer e
serem reconhecidos como tais na medida em que - respeitada a especificidade dos seus
diversos segmentos - estiverem comprometidos, afetiva e efetivamente falando, com tal
processo de construção.
Como que para desmanchar a impressão da existência de um clima romântico a
respeito da autonomia da escola, Barroso (2000, p. 17) chama a atenção de que o processo de
conquista deste princípio é permeado de uma dinâmica conflitiva na medida que ele resulta da
confluência de várias lógicas e interesses (políticos, gestionários, profissionais e pedagógicos)
que é preciso saber gerir, integrar e negociar. Conseqüentemente, a autonomia deve ser vista
como um campo de forças no qual se confrontam e equilibram diferentes focos de influência
(externos e internos).
Complementando as compreensões, aqui expostas, sobre a autonomia escolar,
pareceu-nos oportuna a abordagem feita por Luck (2004, p. 24) a respeito deste princípio,
apontando os seguintes elementos, considerados isoladamente, como não favorecendo a
construção da autonomia da escola: (i) a transferência de responsabilidade do sistema de
ensino para a escola, o que corresponderia à desresponsabilização do sistema quanto aos
destinos da escola e suas condições de atuação; (i) a pulverização do sistema de ensino, pela
crescente diferenciação entre as escolas, em decorrência de sua ação autônoma, o que
inviabilizaria a unidade do sistema e, portanto, o princípio da equidade, que o sistema deve
promover; (iii) a transferência de recursos financeiros e a cobrança de sua aplicação, sem
transformação das relações de poder e criação de práticas participativas bidirecionais; (iv) a
eleição de diretores, sem o comprometimento coletivo da comunidade escolar com a
implementação de um projeto pedagógico e (v) o aligeiramento, diluição e enfraquecimento
das responsabilidades do Estado na educação, em vez de sua redefinição e fortalecimento.
Por fim, consideremos com Barroso (2000, p. 23), que “a autonomia também
se aprende, e esta aprendizagem é o primeiro passo para ela se tornar uma necessidade” (o
grifo é nosso).
215
5.3 A AUTONOMIA DA ESCOLA E SUA VISIBILIZAÇÃO NO PROJETO POLÍTICO-
PEDAGÓGICO
A autonomia não constitui num processo descomprometido. Ao contrário: ela
está diretamente relacionada e vinculada a um projeto político-social que pressupõe um
caminho a ser buscado e seguido. Em se tratando da autonomia escolar, esta relação diz
respeito à elaboração e implementação de um Projeto Político-Pedagógico. A partir disto,
como apontam os autores (COSTA 1997, p. 22; MACHADO 1997, p. 173; MARTINS 1998;
VEIGA, 1998, p. 13; PARO 2000 e SOUSA, CORRÊA, 2002, p. 52), resulta uma interseção
bastante estreita entre a autonomia escolar e a construção e solidificação da identidade
institucional da escola. Juntamente com a organização da escola vinculada aos interesses da
comunidade, a visibilização dessa identidade ocorre por meio da construção do seu projeto
político-pedagógico, uma vez que “com seu projeto, o caminho escolhido tem a sua marca, a
escola assume feição própria, adquire personalidade” (MARTINS, 1998, p. 71). A autonomia
da escola começa, pois, a acontecer no próprio momento em que, coletivamente, ela
desencadeia a construção do seu projeto político-pedagógico, o que pressupõe que a escola
seja entendida como uma unidade organizacional de decisão.
Confirmando a mediação da autonomia da escola por meio do seu Projeto
Político-Pedagógico, Cavagnari (1998, p. 99) afirma que é ele o elemento balizador da
autonomia administrativa, pedagógica, financeira e jurídica; é o instrumento que orienta e
possibilita operacionalizar a autonomia na escola. Assim, o Projeto Político-Pedagógico e
autonomia são processos indissociáveis. Ainda a este respeito, é defendido que
a capacidade de elaborar e executar com independência e efetivo apoio infra-
estrutural do Estado um projeto pedagógico próprio é (...) um dos melhores
indicadores da autonomia da escola e da democratização do sistema, pois
indica, ao mesmo tempo, a faculdade de a escola governar-se por si mesma e
a habilidade político-administrativa do sistema de reorganizar-se para
concentrar suas energias no atendimento das necessidades da escola
(MENDONÇA, 2000, p. 393).
A vinculação entre a autonomia escolar e o Projeto Político-Pedagógico da
escola, pressupõe o desencadeamento de uma política educacional que tenha compromisso
com a maioria da população que, como sabemos, corresponde às camadas que compõem a
classe trabalhadora. No entendimento de Shaffer (1980, p. 10), faz-se necessário que tal
política esteja baseada no princípio da democratização.
216
O processo de construção do Projeto Político-Pedagógico sinaliza que foram
dados passos em direção à conquista da autonomia escolar na medida em que traduz um
assumir de responsabilidades por parte dos atores sociais que atuam na escola (VEIGA, 1998,
p. 13). Na perspectiva de um empreendimento a ser coletivamente assumido, Cabral Neto
(1997, p. 198) postula que “a autonomia sugerida não é autonomia individual para cada
especialista ou para cada professor fazer o que lhe der ‘na cabeça’. Trata-se da autonomia
para gerir coletivamente uma proposta de trabalho que se situe em um novo patamar”.
A partir da análise feita por Marques (2000, p. 30), de que o Projeto Político-
Pedagógico pode possibilitar a continuidade das ações educativas desenvolvidas pela escola,
resguardando-a da descontinuidade administrativa que tanto caracteriza a gestão pública
brasileira, podemos apreender a existência de um potencial político-administrativo na
elaboração e implementação do Projeto Político-Pedagógico, uma vez que, desta forma, a
escola encontrará elementos que favoreçam a sua caminhada institucional e educacional.
Na construção e implementação do Projeto Político-Pedagógico também está
contemplada a dimensão de participação, pois a sua elaboração “é co-responsabilidade dos
professores, dos pais, dos alunos, do pessoal técnico-administrativo e dos segmentos
organizados da sociedade local, contando ainda, com a colaboração e a assessoria efetivas de
profissionais ligados à educação” (VEIGA, 1998, 31).
Mesmo que o papel de liderança do processo de construção do Projeto
Político-Pedagógico caiba ao corpo técnico e diretivo da escola, por outro lado, a sua
elaboração deve ser resultado do real exercício da co-responsabilidade de todos os atores
sociais da escola, bem como dos segmentos organizados da sociedade, contando ainda com a
colaboração e a assessoria efetivas de profissionais ligados à educação. Por conseguinte,
torna-se simplesmente inconcebível que a elaboração do projeto político-pedagógico de uma
unidade escolar seja realizado apenas por alguns dos segmentos que dela fazem parte (a
equipe técnico-administrativa, por exemplo) e, muito menos ainda, sua elaboração seja feita
por encomenda, ou seja, confiada a pessoas ou grupo de pessoas que não fazem parte da
comunidade escolar.
Realçando a importância e a necessidade da participação de toda a comunidade
escolar nos processos de elaboração, implementação e avaliação do Projeto Político-
Pedagógico podemos dizer que sua legitimidade está intrinsecamente relacionada com os
processos participativos que foram desenvolvidos para sua gestação. Nesta direção Gadotti e
Barcello (1993,p. 37) afirmam que
217
é preciso dar muita atenção à forma como conduzi-lo. O procedimento
essencial é a participação de todos os envolvidos no e com o trabalho
escolar, em iguadade, na condição de parceiros interagindo desde a decisão,
passando pela operacionalização até a avaliação do que se propõe, realiza e
aprende.
Relacionando a ação docente com o Projeto Político-pedagógico, Sousa e
Corrêa (2002, p. 60) defendem que os profissionais da educação devem estar munidos de
competência tanto técnica quanto política para atuarem na elaboração do projeto político-
pedagógico. Contemplando outros aspectos complementares, Santiago (1998, p. 163), além de
lembrar que os docentes devem dominar um corpo teórico, atualizado pela reflexão coletiva,
afirma que estes devem ser considerados como gestores das suas práticas pedagógicas para
que possam se comprometer e co-responsabilizar pela ação educativa intencionalmente
conduzida pela escola e, assim, se constituam em verdadeiros agentes históricos, intelectuais e
profissionais com relevante responsabilidade social. Por sua vez, Rossi (2004, p, 29) afirma
que
quando os educadores com as comunidades fazem opções por instrumentos
de tomada de decisões mais autônomas, abrem espaços de negociação e de
participação decisória, o que quer dizer uma pequena, porém significativa
contribuição da escola para exercitar a democracia e lutar pela transformação
social.
Destacando a participação dos alunos na elaboração do projeto político-
pedagógico, Sousa e Corrêa (2002, p. 60) apresentam uma compreensão bastante interessante
pelo seu aspecto educativo ao afirmarem que “o corpo discente não pode ser encarado apenas
como o beneficiário da ação de construção do projeto pedagógico, mas também como
participante da sua elaboração”.
Discutindo o aspecto participativo na elaboração e implementação do Projeto
Político-Pedagógico, Veiga (1998, p. 13) vislumbra em tais momentos a possibilidade do
desencadeamento de uma participação democrática no interior da escola ao afirmar que
o projeto pedagógico, ao se constituir em processo participativo de decisões,
preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico
que desvele os conflitos e as contradições, buscando eliminar as relações
competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando
pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no
interior da escola.
Para que o Projeto Político-Pedagógico se constitua em efetivo mecanismo a
partir do qual a escola avance na edificação da sua de autonomia, como preconizam Cabral
Neto e Silva (2004), é importante que a sua elaboração seja precedida de um intenso e
218
diversificado trabalho de sensibilização dos atores escolares, predispondo-os para o necessário
convencimento da importância do Projeto Político-Pedagógico, coletivamente construído.
Sem esta sensibilização, o processo de elaboração deste instrumento de mediação da
autonomia escolar poderá ficar comprometido uma vez que, tanto do ponto de vista
quantitativo como do ponto de vista qualitativo, irá faltar a qualificada participação que se faz
necessária para a ocorrência da ação coletiva da qual deverá brotar o Projeto Político-
Pedagógico. Em defesa da sensibilização, estes autores argumentam que ela “possibilita ao
individuo tomar decisões, seguir caminhos, procurar formas mais condizentes de ser, frente ao
mundo; um indivíduo capaz de pensar, criticar e refletir sobre as ações” (Ibid., p. 16).
Explicitando a dimensão política existente na elaboração do Projeto Político-
Pedagógico, Veiga (1998, p. 17) afirma que tal processo “exige dos educadores, funcionários,
alunos e pais, a definição clara do tipo de escola que intentam (...) e o tipo de sociedade que
pretendem formar”. Em outras palavras, o Projeto Político-Pedagógico deve expressar uma
intencionalidade, ou seja, apontar para um caminho coletivamente buscado e assumido, o que
pressupõe um forte espírito de solidariedade entre os atores que participam da sua construção.
Para esta autora,
todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar
intimamente articulado ao compromisso sóciopolítico com os interesses
reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de
compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade (Ibid.,
p. 13).
A respeito da dimensão política do Projeto Político-Pedagógico, Sousa e
Corrêa (2002, p. 56) afirmam que este instrumento “corresponde a um posicionamento da
escola frente ao horizonte e às possibilidades que ela pode alcançar, a partir do envolvimento
dos seus atores”.
Diante de possíveis ilusões ou expectativas exageradas que possam ser feitas a
respeito da eficácia do Projeto Político-Pedagógico, como se a sua simples elaboração
garantisse, por si própria, a conquista dos objetivos traçados, Moreira (1998) adverte que o
Projeto Político-Pedagógico inscreve-se numa visão de conjunto, articulando as dimensões da
intencionalidade com as de efetividade e possibilidade. Dito de outra maneira, o projeto tem
que ser viável; colocado em prática, deve ser exeqüível e assumido coletivamente pelo grupo,
ou seja, pelos vários segmentos da comunidade escolar.
A elaboração de um projeto político-pedagógico implica enfrentamento de uma
série de dificuldades, tanto de natureza organizacional como metodológica, conceptual e
técnica. Isso, de certa forma, é compreensível pelo fato de, na realidade educacional
219
brasileira, a construção do Projeto Político-Pedagógico não ser uma prática habitual. Há
também as dificuldades de ordem psicossocial, expressas no espírito de acomodação de parte
dos atores sociais da escola quando optam pela delegação de responsabilidades a outrem.
Ademais, inspirando-nos na observação feita por Gadotti, podemos vislumbrar que, muito
provavelmente, ainda levaremos um bom tempo para que ocorra a reaprendizagem da
“escrita” de um Projeto Político-Pedagógico, uma vez que não estamos muito distantes do seu
entendimento e da sua prática
como sendo um conjunto de objetivos, metas, procedimentos, programas e
atividades ‘a priori’ determinados e, explicitamente pensados e propostos,
tecnicamente bem organizados e explicitamente bem fundamentados em
uma teoria eleita como a mais adequada à prática de educação desejada e
posta como a ideal a todas as escolas (GADOTTI, 1993, p. 32).
Em vista de uma efetiva eficácia do Projeto Político-Pedagógico consideramos
que seja por demais importante evitar o risco de, uma vez concluída a elaboração formal deste
documento, a comunidade escolar se considerar como já tendo feito tudo. Ao contrário, o
processo de implementação do Projeto Político-Pedagógico requer que os atores sociais da
escola exerçam um processo constante de reflexão e debates sobre o Projeto elaborado (o que
já se constitui no desencadeamento da importante etapa avaliativa) para, sobretudo, ser
explicitado os liames existentes entre o Projeto e as práticas educativas cotidianas. Sem isso, o
Projeto Político-Pedagógico estará fadado a ser converter em mero instrumento burocrático ou
mesmo em peça decorativa.
Tendo em vista a incorporação da autonomia da escola num documento de
porte como a LDBEN 9394/96, não podemos deixar de analisar que o amparo legal para que a
escola construa o seu Projeto Político-Pedagógico ou sua proposta pedagógica (conforme é
utilizado pela LDBEN ) não deve se constituir numa nova forma de cooptação e, assim,
provoque esvaziamento do seu sentido, objetivos, importância e necessidade e,
conseqüentemente, se transforme em mais um documento de duvidosa eficácia. Na análise de
Veiga (2003, p. 272), esta possibilidade se constitui em uma inovação de caráter regulatório e
técnico e pode ser visualizado no chamado Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) o qual
“concretiza-se por meio de uma crescente racionalização do processo de trabalho pedagógico,
com ênfase nem aspectos como produtividade, competência e controle burocrático”
111
.
111
Realizando um trabalho investigativo sobre a implantação do FUNDESCOLA, no Estado de Goiás,
FONSECA (2003) faz uma análise comparativa entre as concepções de gestão escolar do Projeto Político-
Pedagógico (PPP) e do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). A partir dos dados obtidos, esta
pesquisadora ao mesmo tempo em que conclui que “a concepção de gestão disseminada pelo FUNDESCOLA se
contrapõe à proposta do Projeto Político-Pedagógico” também constata “que é a proposta burocrática que vem se
220
A possibilidade de esvaziamento de sentido do Projeto Político-Pedagógico,
quando encarado apenas como um documento formal ou resultante de uma imposição
normativa, constitui-se num sério problema para uma comunidade educativa uma vez que,
além de estar se privando do imprimir um ritmo singular e autônomo à sua identidade,
facilmente se deixará levar para um improdutivo caminho de confecção de uma das diversas
caricaturas de Projeto Político-Pedagógico as quais Costa (2003, mimeog.) rotula de projecto-
plágio
112
, projecto-do-chefe, projecto sectário, projecto manutenção, projecto ficção, projeto
ofício e outros. Ainda que possuindo características específicas, tais caricaturas têm em
comum o fato de expressarem “uma certa retórica gerencialista e de um discurso político-
normativo que intenta sustentar e legitimar mudanças anunciadas” (Ibid.). Impõe-se, portanto,
que seja superado o reducionismo que pode ocorrer na elaboração do Projeto Político-
Pedagógico, ou seja, que a sua confecção seja realizada apenas para a escola estar quite com
as exigências do sistema educacional ou da legislação vigente. Anterior a isto, a elaboração
desse documento, deve ter como motivação fundamental um compromisso que a escola, por
meio dos seus variados segmentos sociais, assume consigo mesma no sentido de desenhar,
traçar as grandes coordenadas da sua trajetória.
Tendo presente a possibilidade acima é importante que, dentre outros cuidados,
a elaboração do Projeto Político-Pedagógico deva caracterizar-se por ser um processo
democrático na medida em que
preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico
que supere os conflitos, buscando eliminar as relações competitivas,
coorporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mundo impessoal e
racionalizado da burocracia que permeia as relações no interior da escola,
diminuindo os efeitos fragmentários da divisão do trabalho que reforça as
diferenças e hierarquiza os poderes de decisão (VEIGA, 1998, p. 13).
Contrapondo-se ao Projeto Político-Pedagógico, de cariz neoliberal, voltado
para a burocratização da escola e transformando-a em mera cumpridora de normas técnicas,
Veiga (2003, p. 272 et seq.) defende que o Projeto Político-Pedagógico seja de natureza
emancipatória na medida em que enfatiza mais o seu processo de construção e expressão da
singularidade e da particularidade da instituição educativa de modo que seja
fortalecendo nas escolas, visto que o Plano de Desenvolvimento da Escola se sobrepõe ao Projeto Político-
Pedagógico, instituindo uma forma de gestão que descarta a base política inerente ao PPP e fortalece o viés
tecnicista do PDE. Ao fazermos este registro, inquietamos-nos com a possibilidade de que tal sobreposição não
se restrinja às nove escolas dos três municípios que serviram de campo de investigação mas, sim, para outros
âmbitos sistêmicos da educação brasileira.
112
Foi mantida a redação original de acordo com a ortografia do idioma português.
221
um meio de engajamento coletivo para integrar ações dispersas, criar
sinergias no sentido de buscar soluções alternativas para diferentes
momentos do trabalho pedagógico-administrativo, desenvolver o sentimento
de pertença, mobilizar os protagonistas para a explicitação de objetivos
comuns definindo o norte das ações a serem desencadeadas, fortalecer a
construção de uma coerência comum, mas indispensável, para que a ação
coletiva produza seus efeitos (VEIGA, 2003, 275).
Considerando que a realidade sociopolítica brasileira ainda se encontra
enlaçada pelos tentáculos do projeto neoliberal e, conseqüentemente, incidindo sobre a
educação nacional, torna-se apropriado o desafio posto por Silva (2003, p. 299) quando
conclama para que, ao contrário do estado de hibernação no qual o Projeto Político-
Pedagógico vem sendo relegado, ele seja colocado na ordem do dia, recolocado como centro
de discussões e práticas, dada a sua condição de instrumento singular para a edificação da
gestão democrática e, acrescentamos nós, para a construção e conquista da autonomia da
escola.
Mesmo que possa estar subjacente às reflexões aqui expostas, a respeito do
Projeto Político-Pedagógico, consideramos que deva ser explicitado que a construção, a
existência e a implementação desse instrumento de mediação da autonomia da escola estão
circunscritas a um nível macro da sociedade que por sua vez está radicado num projeto social-
político a partir do qual esteja desenhado um horizonte democrático e emancipador. Neste
contexto é que a edificação do Projeto Político-Pedagógico ultrapassa o próprio espaço e
ambiente escolar de uma vez que “ele se forja na luta política que se trava, diuturnamente, na
sociedade, nas fábricas, nos sindicatos, no partido, nas associações” (SCHAFFER, 1980, p.
11).
Em vista do fortalecimento da necessidade e da decisão de elaboração do
Projeto Político-Pedagógico não é demais lembrar que os atores sociais da escola possuam
uma perspectiva utópica, ou seja, a existência de um horizonte que, ainda não sendo
experienciado, por outro lado, é algo passível de ser atingido. Sem este horizonte,
provavelmente, será difícil que aconteça a elaboração do Projeto Político-Pedagógico dadas às
inúmeras dificuldades, limites e condicionamentos que rodeiam o ambiente escolar. Estes, por
muitas vezes, se apresentam como sendo uma realidade imutável diante da qual pouco ou
nada poderá ser feito no sentido de mudá-la, transformá-la. Vale salientar ainda, que a
perspectiva utópica deve, perpassando pelo processo de elaboração, acompanhar as fases
subseqüentes (execução e avaliação) para, também, ajudar os atores sociais da escola a não
222
desanimarem diante de possíveis obstáculos que poderão ser encontrados na implementação
do Projeto Político-Pedagógico.
5.4 A PARTICIPAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS DA ESCOLA: UM PROCESSO
MEDIADOR PARA A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA ESCOLAR
Ainda que possua uma dimensão social, a participação não pode ser
desvinculada da compreensão de uma dinâmica circunscrita na própria condição humana, pois
ela é o “próprio processo de criação do homem ao pensar e agir sobre os desafios da natureza
e sobre os desafios sociais” (SOUZA, 2000, p. 81). Como também afirma esta autora, ao
mesmo tempo em que ela é importante e necessária para a realização do indivíduo humano, a
participação também é uma exigência fundamental para o seu desenvolvimento social na
medida em que ele participa das definições e decisões da vida societal. Neste sentido, torna-se
pertinente a observação feita por Martins (2001, 187) quando diz que os processos
participativos também envolvem o aspecto individual, pois
se a necessidade de participação é o desejo que move o ator a praticar a
ação, o sentido de sua participação num empreendimento coletivo pode ser
altamente positivo. Se, ao contrário, a participação é delegada por normas,
vigora a ausência do desejo como motor fundante da ação. Neste caso,
dificilmente o ator imprimirá o mesmo sentido a ações sociais, a projetos
coletivos, a empreendimentos de mudança institucional.
No entendimento de Bobbio (2000, p. 32), o caráter decisório constitui-se em
condição determinante para que, efetivamente, possa ocorrer a participação, daí ser necessário
“que aqueles que são chamados a decidir ou eleger os que deverão decidir sejam colocados
diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra” e,
assim, possa resultar um legítimo procedimento democrático. A respeito desta questão, Santos
e Avritzer (2002b, p. 59) também enfatizam que a participação ampliada de atores sociais na
tomada de decisão constitui um elemento comum que possibilita os processos de libertação e
de democratização.
Num contexto de sociedade cujo tecido está dividido em classes sociais
antagônicas, via de regra, os grupos privilegiados utilizam mecanismos para que os seus
interesses e preocupações sejam assumidos como sendo de todos os segmentos sociais o que,
na verdade, expressa uma ação realizada em vista de uma posição hegemônica para o
exercício do poder.
223
Deste modo, como nos é recordado por Demo (1998, p. 8 et seq.), a
participação também deve ser considerada como um processo, o que equivale dizer que ela é
um constante vir-a-ser. Conseqüentemente, ela não pode ser tutelada, cooptada ou encarada
como uma concessão dada ou outorgada por outrem
113
e, sim, como uma conquista que se
opõe à dominação social que historicamente foi construída e, conseqüentemente, pode e deve
ser desmantelada.
Explicitando o que seja a participação, Luck (1998, p. 17), diz que
em seu sentido pleno, ela caracteriza-se por uma força de atuação
consciente, pela qual os membros de uma unidade social reconhecem e
assumem seu poder de exercer influência na determinação da dinâmica dessa
unidade social, de sua cultura e de seus resultados, poder esse resultante de
sua competência e vontade de compreender, decidir e agir em torno de
questões que lhes são afetas.
Por sua vez, Cury (1993, p. 65), afirma que “participação é a capacidade de
decidir sobre determinados rumos onde os interessados possam estar presentes”. Estas
compreensões de Luck e de Cury, nos levam a encarar como sendo caricaturas de participação
as práticas que ainda são bastante comuns nas organizações sociais (inclusive na escola), nas
quais as pessoas são apenas convidadas a emitir um pronunciamento a favor ou contra ou
exercitarem o direito de voto sobre questões que já foram previamente estabelecidas e
definidas, portanto, sem o concurso dos que deveriam estar envolvidos nas etapas e momentos
anteriores à tomada de decisão final. Nessa modalidade caricaturizada da participação
incluem-se, também, as concepções e as práticas em que ela é adotada como uma mera
técnica de gestão em vista da redução ou atenuação dos conflitos decorrentes da estrutura
social e grupal assentada na divisão de classes que aparece como um dado natural e necessário
a ser mantido. Nesses casos, como aponta Lima (2001, p. 133), a participação é falseada de
“integração e colaboração e não repartição e intervenção política, com vencidos e vencedores,
numa luta democrática entre distintos projetos e interesses”.
Para Teixeira (2001), participação e cidadania estão intimamente associadas a
ponto de se poder falar em “participação cidadã” que deve ser compreendida como sendo a
utilização
não apenas de mecanismos institucionais já disponíveis ou a serem criados,
mas articula-se a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo
113
Considerando os processos de perversão e de cooptação a que as aspirações revolucionárias de participação
democrática do século XIX foram submetidas ao longo do século XX, Santos e Avritzer (2002b, p. 74) chamam
a atenção para as novas vias de perversão que podem ocorrer, a saber: “pela burocratização da participação, pela
reintrodução de clientelismo sob novas formas, pela instrumentalização partidária, pela exclusão de interesses
subordinados através do silenciamento ou da manipulação das instituições participativas”.
224
processo social. Não nega o sistema de representação, mas busca aperfeiçoá-
lo, exigindo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o
controle social e a transparência das decisões (prestação de contas, recall),
tornando mais freqüentes e eficazes certos instrumentos de participação
semidireta, tais como plebiscito, referendum, iniciativa popular de projeto de
lei, democratização dos partidos (Ibid., p. 30).
Para este autor, a participação cidadã, contempla tanto o “fazer” quanto o
“tomar parte” num processo político-social no qual devam estar presentes “as dimensões de
universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidade e deveres” (Ibid., p. 32).
Ainda endossando o posicionamento de Teixeira (Ibid., p. 30), encaramos a participação
social como sendo detentora de uma forte dimensão política na medida em que ela “é um
instrumento de controle do Estado pela sociedade, portanto, de controle social e político:
possibilidade de os cidadãos definirem critérios e parâmetros para orientar a ação pública”.
Corroborando esta compreensão, Azevedo (1999, p. 310) também afirma que “a participação
popular redefine o conteúdo político do velho Estado privativo das elites, transformando-o em
instrumento dos interesses da cidadania”.
Estabelecendo uma tipologia sobre participação Lima (1999, p. 77) acrescenta-
lhe a adjetivação de ativa, caracterizando-a por atitudes e comportamento de elevados
envolvimentos, individual e coletivo, na organização social. Traduz capacidade de
mobilização para a ação, conhecimento profundo de direitos, deveres, possibilidades de
participação, atenção e vigilância em relação a todos os aspectos pertinentes: afirmação,
defesa e alargamento das margens de autonomia dos atores e da sua capacidade de influenciar
as decisões.
Desvelando um caráter de educação política existente no processo de
participação, afirma-se que
o exercício da participação em assuntos públicos põe os indivíduos em
contato com a estrutura burocrática do poder público, suas dinâmicas e
estratégias de atuação nas políticas sociais, e com a realidade dos recursos
disponíveis e as suas possibilidades. Permite, ainda, a vivência da correlação
de forças e a identificação da necessidade de organização e articulação
política para a conquista de espaços no grupo (ABRANCHES, 2003, p. 82).
Diferentemente do propalado discurso no qual o povo brasileiro é apresentado
como socialmente apático, vale fazer uma breve menção sobre a falácia de tal afirmação uma
vez que, historicamente, mesmo à revelia de um Estado e de uma sociedade autoritários,
podemos encontrar inúmeras situações e experiências de participação social incluindo as que
foram e continuam sendo feitas pelas parcelas da população socialmente marginalizadas, ou
225
seja, os negros, indígenas, donas-de-casa, portadores de necessidades especiais,
desempregados..., nos mais variados estilos e níveis, a saber: reivindicações, resistências e
recusa da tutela do poder do Estado. Sem sombra de dúvidas, podemos vislumbrar a nem
sempre perceptível contribuição que foi dada pelos segmentos socialmente desqualificados e
excluídos em prol da gestação de uma cultura participativa que, em nossa realidade brasileira,
ainda precisa dar passos maiores para que a democracia participativa se constitua numa
efetiva partilha do poder de gestão da sociedade.
Entrementes, não podemos deixar de reconhecer a existência de um movimento
no qual são utilizados os mais variados mecanismos ou estratégias (o populismo, a cooptação,
o assistencialismo etc.) para que o povo se contente em desempenhar o papel de mero
expectador e não o de ator social que protagoniza a sua própria história. Como pode ser
inferido, ao invés de gerar ou mesmo estimular a participação popular, este movimento
constitui-se num processo obstaculizador da participação. Neste contexto, apresenta-se como
pertinente a observação de Dias (2004, p. 104) quando identifica, no espaço escolar, as
expressões de resistência dos diretores e dos professores em relação à participação dos pais na
escola bem como a própria delegação de poder que este segmento faz àqueles.
Em relação à escola, enquanto espaço institucional e educativo, o primeiro
entendimento que deve ser explicitado sobre a participação é que esta dinâmica é o fio
condutor para qualquer um dos caminhos pelos quais se queira fazer acontecer a
democratização da escola
114
. Com efeito,
a democratização vai acontecer quando a participação nos processos
decisórios no âmbito escolar ou no próprio sistema educacional sofrer a
participação de outros elementos, hoje excluídos. Para se democratizar a
escola é necessário que ela seja aberta à participação de amplos segmentos
da sociedade, para que estes tenham voz e voto e sejam capazes de tomar
decisões sobre o que acontece no âmbito da escola (RODRIGUES, 1996, p.
45).
No âmbito educacional-escolar, lembramos que existe uma íntima relação entre
a participação e a gestão democrática da escola de tal maneira que os processos participativos
são compreendidos “como fonte da gestão” (Cury, apud em MENDONÇA, 2000, p. 132). Na
perspectiva de uma íntima relação existente entre o ambiente educacional e a participação
Faundez (1993, p. 32) afirma que é através de uma participação ativa, criativa e crítica,
114
Num texto, datado de 1987, Neidson Rodrigues (1995) enfatizava como sendo prementes para aquele
momento histórico os seguintes aspectos da democratização da escola: democratização dos processos
administrativos, universalização do ensino (com oferta de vagas para todos na escola e garantia da permanência
do aluno na escola) e democratização dos processos pedagógicos.
226
fundada na democracia e voltada para a democracia, que a educação se constitui num
processo de criação do conhecimento
Especificamente para o espaço escolar, Paro (2000) considera a participação
como sendo um processo fundamental para que esta instituição também se veja como um
núcleo de pressão política, pois,
na medida em que se conseguir a participação de todos os setores da escola –
educadores, alunos, funcionários e pais – nas decisões sobre seus objetivos e
seu funcionamento, haverá melhores condições de pressionar os escalões
superiores a dotar a escola de autonomia e de recursos (Ibid., p. 12).
Ainda para este autor, a participação também deve ser vista como um direito
de a sociedade exercer um controle democrático sobre os serviços do Estado (Ibid.) dentre os
quais, obviamente, inclui-se o serviço educacional.
O entendimento da escola como um espaço de participação pressupõe que
estejam superadas as relações competitivas e autoritárias, pois estas impedem a vivência
democrática, bem como a resolução das tensões e dos problemas de forma criativa.
Na medida em que é constituída por indivíduos e grupos com diferentes visões,
necessidades, valores, interesses, em síntese, com diferentes racionalidades (Bussman, 1996,
p. 46) a escola é, também, um espaço no qual ocorrem relações de poder. Em todo caso, sendo
constatada a existência de conflitos em tais relações, o importante é que eles sejam analisados
e discutidos para que não se transformem em obstáculos à participação efetiva e afetiva dos
diferentes atores sociais que integram a comunidade educativa.
Alertando sobre a existência de conflitos no interior da escola, Paro (2000, p.
20 et seq.) enfatiza a necessidade de ser superada a concepção ingênua desta instituição como
sendo uma “grande família”, o que nos parece uma preocupação bastante pertinente e ao que
acrescentamos a necessidade de os atores sociais da escola serem capazes de buscar - através
do debate, da discussão e de práticas correlatas - uma unidade em torno de objetivos comuns
os quais, dentre tantos outros, devem dizer respeito a uma escola autônoma e democrática. É
o caso, também, de ser lembrado com Spósito (2001, p. 52), que o consenso não deve ser
visto como ponto de partida para que possa ser desencadeado um processo de construção de
um empreendimento, mas, sim, como algo resultante de uma trajetória na qual haja espaço de
liberdade para o debate, a discussão e, conseqüentemente, as diferenças possam ser
externalizadas para, somente assim, acontecer o desejado e buscado consenso.
Considerando-se que o processo ensino-aprendizagem ocupa uma posição de
centralidade na vida escolar é importante, também, que a participação seja pensada em função
227
desse binômio. Desejando-se, e mais do que um desejo, querendo-se que a educação escolar
seja exitosa, não podemos pensar que tal desejo e vontade possam acontecer se ela própria, a
escola, não se constitui num espaço participativo. Como diz Azevedo (1999, p. 3l7):
ao estimular a participação de todos os segmentos, a escola está
potencializando a sua ação pedagógica, assumindo a articulação das
responsabilidades de cada sujeito para o sucesso da aprendizagem. Ao
mesmo tempo em que gerencia a produção do conhecimento, a escola
estabelece, educativamente, os diversos papéis (do professor, do funcionário,
do aluno e da família, como sujeitos com ações de natureza distintas, mas
com contribuições indispensáveis ao sucesso escolar).
No que diz respeito à participação dos educadores, após contextualizar que a
principal função da educação é a formação da cidadania e da democracia, Barbosa faz dois
interessantes registros:
i) é preciso que os educadores se vejam como participantes da construção da
sociedade e do conhecimento, ou seja, se vejam como pessoas capazes de
criar ou mudar a ordem social;
ii) ao serem capazes de participar ativamente na sociedade, os educadores
terão condições de converter a escola no primeiro espaço público do aluno,
criando possibilidades desta perceber, viver e atuar, interagindo com as
múltiplas relações que perpassam toda a sociedade (BARBOSA, 1999, p.
221).
Já em relação aos alunos, que normalmente são encarados como produtos,
pacientes ou objetos do processo educativo, Barroso (1999, mimeog.) faz uma contundente
defesa em favor deste segmento escolar para que tenha espaço garantido de participação na
escola, incluindo na gestão desta instituição, em virtude de considerar o educando como
sujeito da sua formação, co-produtor de saberes e, ainda, por entender que “a participação dos
alunos na gestão da escola é uma condição essencial para a própria aprendizagem” (Ibid.).
Em que pese a existência de uma prática secular que dificulta e até mesmo
impede aos pais o exercício do direito de participarem da vida da escola dos seus filhos,
devido a fatores como falta de tempo, horários desencontrados, baixo nível de escolarização
etc., entretanto, a participação dos pais é vista como uma exigência na organização e gestão
da escola e, ainda, como algo que corresponde a novas formas de relações entre escola,
sociedade e trabalho (LIBÂNEO, 2001, p. 190). Pensando na participação dos pais, Barroso
(1999, mimeog.) e Paro (2000, p. 13) invocam a necessidade da existência de condições
propiciadoras da participação deste segmento na vida escolar. Dentre várias condições, Paro
(Ibid., p. 14) aponta para a possibilidade da
228
liberação do trabalhador com filho em idade escolar de um determinado
número de horas de trabalho, sem prejuízo dos seus vencimentos, nos dias
em que tivesse que comparecer á escola para participar de assembléias ou
tratar de problemas relacionados com a escolarização dos filhos
115
.
Insistindo na necessidade do desenvolvimento de uma cultura de participação
na escola, Barroso pleiteia a necessidade de aumento da participação dos pais na gestão da
escola pelo fato de serem os responsáveis legais pelos alunos e os seus primeiros educadores.
Neste sentido, este educador argumenta que
se queremos desenvolver nas escolas uma cultura de participação que
abranja os pais, devemos criar condições para que um número cada vez
maior e diversificado de pais possa ter um papel de relevo e intervenção no
regular funcionamento e vida da escola. Só assim eles farão parte de uma
mesma comunidade educativa, e só assim será possível encontrar
representantes qualificados para integrarem as diversas estruturas de decisão
(BARROSO, 2000, p. 46).
Para Gohn (2006, p. 33) a participação dos pais na vida da escola se dará de
forma qualificada na medida em que eles sejam sujeitos participativos nos vários espaços da
sociedade civil externos à escola, ou seja, os movimentos sociais comunitários. Desta maneira
poderia estar sendo realizada a desejada articulação entre os chamados âmbitos formal e não-
formal do processo educacional. Juntamente com a dimensão de sonho e de utopia, esta
articulação é também “uma urgência e uma demanda da sociedade civil”(Ibid., p. 36).
Mesmo reconhecendo-se como necessária a participação e o envolvimento de
todos os segmentos que compõem a chamada “comunidade escolar”, é evidente que não pode
deixar de ser reconhecido o fato de existirem papéis e funções a serem cumpridos de forma
diferenciada pelos segmentos desta comunidade. Neste caso, como afirmam Puig et al. (2000,
p. 28), o importante é que haja um clima aberto que possibilite a todos tomarem parte na vida
da instituição (...) de maneira que possam coordenar os respectivos pontos de vista – desejos,
objetivos, obrigações e responsabilidades -, tudo convergindo em projetos em que se
reconheçam o sentido que tem o conjunto das tarefas escolares.
Na perspectiva da classe trabalhadora, a participação no contexto da educação
escolar diz respeito para que, em última instância, a escola seja desvencilhada do caráter
115
Mesmo tendo simpatia por tal proposta, não podemos deixar de pensar em sua difícil implementação em
sociedades como a nossa que, do ponto de vista da sua organização e produção, tem como meta primeira e última
o lucro imediato. Juntamente a esta consideração, há uma outra que corrobora nossa preocupação: a própria
realidade dos estudantes da escola pública, destacando-se os do Ensino Médio (e aqui, de modo especial, temos
presentes as unidades nas quais a pesquisa de campo foi realizada) que são obrigados a abandonar a escola para
garantirem a sobrevivência e/ou contribuírem com o orçamento familiar, em troca de emprego temporário
gerando, então, o fenômeno da evasão escolar que se acentua no último trimestre do ano.
229
elitista e excludente que, historicamente, a têm acompanhado. Neste sentido, como registra
Campos (1989), ao lado das lutas por melhores condições de trabalho e de salário, a luta pela
expansão e melhoria do serviço escolar – público e gratuito – tem feito parte da agenda da
classe laboral. Ao fazer isto, a classe trabalhadora tem contribuído para que o Estado se torne
menos posse e propriedade da classe detentora do capital o que, dito de outra forma, equivale
a dizer em desprivatização do pode estatal.
Considerando que, também em nossos dias ainda podemos encontrar a escola
como que envolta por um invisível cordão de isolamento e, conseqüentemente, à comunidade
ao seu entorno seja negado o direito de participação, não podemos perder de vista que há toda
“uma vida lá fora” que não encontra eco nem ressonância entre os muros da escola e, em
conseqüência, não é convidada a participar da vida, do cotidiano da escola (sobretudo nos
conteúdos escolares) por ser considerada como não científica. Sem negarmos que,
fundamentalmente, a escola tenha como função social a transmissão do saber sistematizado é
necessário, como no-lo aponta Carvalho (1989, p. 70), que a escola saiba valorizar o
conhecimento que se constrói fora dela – pelos seus alunos e seus pais – se se quiser que
estes, efetivamente, participem da sua organização e funcionamento para, assim e tão somente
assim, serem reconhecidos como também atores sociais que são.
A participação também está subjacente à temática da autonomia escolar
apresentando-se, pois, como uma exigência básica para a sua efetivação, uma vez que “o
conceito de participação se fundamenta no de autonomia” (LIBÂNEO, 2001, p. 80). Desta
forma, entre tais conceitos e práticas se estabelecem uma relação de interdependência.
Para que a participação não se constitua numa peça de retórica, convém
lembrar que a sua materialização requer a existência de canais de manifestação, pois as
pessoas só participam quando podem afirmar-se, manifestar-se, estabelecer trocas de idéias e
ações o que, por outro lado, pressupõe a criação de vínculos entre indivíduos autônomos,
capazes de influir nas decisões que dizem respeito à vida coletiva.
Dentre as diversas possibilidades existentes para garantir a gestão democrática
da escola e a participação dos atores sociais da comunidade educativa, o Conselho Escolar,
mesmo em meio às dificuldades encontradas para a sua implementação e funcionamento, tem
se constituído numa experiência (evidentemente a ser aperfeiçoada) que possibilita o exercício
da democracia no cotidiano da escola. Conseqüentemente, ele tem contribuído para que
diferentes atores sociais aprendam a conviver e a lidar tanto com as diferenciadas concepções
de mundo/sociedade/homem como com os naturais conflitos que emergem de tal pluralidade
230
de sujeitos e perspectivas (PARO, 2000, p. 79). A diversidade que, por natureza, caracteriza o
coletivo do Conselho Escolar é, sem sombra de dúvidas, um elemento portador de grande
riqueza para a democracia participativa na medida em que, não obstante a heterogeneidade de
histórias de vidas, de concepções de mundo e de sociedade e de funções, os membros deste
corpo colegial saibam aproveitar a experiência de se encontrarem como pares no debate e no
diálogo.
Apontando para o que chama de instrumentos de democracia participativa
Chauí (1993, p. 238) inclui os órgãos colegiados das escolas como sendo, no âmbito
educacional, um desses mecanismos.
Na análise de Rodrigues (1985), institucionalmente falando, o Colegiado, ao
congregar todos os segmentos existentes no interior da escola e ao seu entorno, funciona
como um órgão eminentemente político na medida em que contribui para a superação dos
interesses segmentados ou corporativos (que também existem no espaço escolar) e possibilita
a coesão em torno do projeto da escola (Ibid., p. 78). Ainda para este educador, o Colegiado
possui uma importante tarefa a desempenhar, ou seja, “elevar o nível de formação intelectual,
técnico e político não só de professores mas, também, dos alunos e dos pais, a fim de que
todos assumam o seu papel de co-responsáveis na tarefa da educação” (Ibid., p. 79).
Num contexto cultural e político ainda marcado pelo autoritarismo,
clientelismo e patrimonialismo, como o é o caso brasileiro, cabe, certamente, ao Conselho
Escolar uma cota de participação na tarefa que Paz (2004, p. 21) atribui à instituição do
Conselho em geral, ou seja, como uma instância que se constitui em mecanismo coletivo para
o gestionamento democrático das políticas públicas e, ainda, para a construção de uma nova
cultura cidadã da qual deverá resultar o estabelecimento de um novo padrão de relações entre
o Estado e a Sociedade.
Lembrando-nos do enfoque de Silva (1996), acerca da ausência do sujeito
coletivo nos debates e investigações sobre a autonomia da escola e do entendimento que ele
tem sobre tal sujeito,
116
poderemos identificar o Conselho Escolar como expressão ou
materialização do sujeito coletivo, uma vez que se espera que esta instituição funcionalmente
se caracterize por possuir um juízo comum sobre a realidade.
116
O sujeito coletivo é definido como sendo “um grupo de pessoas que possui uma identidade comum, um juízo
comum sobre a realidade e reconhece-se participante do mesmo ‘nós-ético’, ou seja, percebe-se fazendo parte de
uma mesma realidade comportamental, que é, por assim dizer, extensão de suas próprias pessoas” (SILVA,
1996, p. 94).
231
Ainda que em moldes diferentes das atuais concepções e formas de existência,
podemos localizar, de forma embrionária, o surgimento do Conselho Escolar, enquanto
espaço de participação e de envolvimento da comunidade na escola, nas propostas de
Associação de Pais e Mestres, acontecidas nas reformas educacionais empreendidas na década
de 1930 por Lourenço Filho (em São Paulo) e por Fernando de Azevedo (no Distrito Federal),
para, mais tarde, reaparecer na década de 1950 com a instituição dos órgãos de Cooperação
Escolar
117
e, finalmente, adquirir sua atual formatação logo após o Congresso Mineiro de
Educação, realizado no ano de 1983. Convém frisar que, naquele momento (década de 1980),
o Brasil vivenciava um amplo debate em torno da sua redemocratização política buscando,
assim, superar a traumática experiência de um regime político e de um Estado autoritário,
implantados pelo golpe civil-militar de 1964.
Dessa mesma década (1980), no cenário educacional pernambucano, nossa
memória resgata a existência de experiências “clandestinas” de institucionalização do
Conselho Escolar em várias escolas públicas da Região Metropolitana do Recife numa das
quais, pessoalmente, tomamos parte. Nascidas das bases, tais experiências certamente
contribuíram para que o governo estadual
118
, quase uma década depois, legislasse sobre tal
assunto oficializando a criação dos Conselhos Escolares nas escolas da rede estadual de
ensino através do Decreto-lei 11.014, de 20/12/93. Posteriormente, em 1995, esse dispositivo
legal foi alterado pelo Decreto-Lei 11.303, de 26/12/95
119
, o qual trouxe como modificação
básica a presidência do Conselho Escolar que passou a ficar a cargo de qualquer um dos seus
membros e não mais apenas do diretor da escola, como rezava o estatuto anterior. Em nosso
entendimento, esta mudança significou um expressivo avanço, uma vez que possibilitou a
expansão da partilha do exercício da liderança em tal espaço institucional.
Mesmo com as ressalvas
120
que podem ser feitas sobre as eleições para
diretores de escola, não podemos deixar de considerar este mecanismo como sendo também
importante para a mediatização da participação no âmbito escolar. No cenário educacional
117
Considerando-se que, na prática, essas associações serviam para captar recursos para ajudarem no sustento
das escolas, é evidente que não se justificava a paulatina redução do dever do Estado em relação ao
financiamento educacional. Entretanto, vendo por outro ângulo, a existência e o funcionamento de tais entidades
não deixaram de contribuir para o despertar, na comunidade em torno à escola, o senso de que esta instituição
educativa também lhes pertencia e, assim, podia exercer um certo gerenciamento da mesma.
118
A lei foi promulgada pelo governador de então, Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti, pertencente ao PFL.
119
Tal lei foi assinada pelo então governador Miguel Arraes de Alencar, do PMDB. A alteração aí mencionada
resultou de intensos debates liderados pelo SINTEPE (Sindicatos dos Trabalhadores em Educação de
Pernambuco).
232
brasileiro em geral, bem como na especificidade do contexto pernambucano, esta inovação
possui um significado político bastante forte na medida em que representa um corte profundo
com a prática tradicional de provimento da função de diretor escolar como se esta função
fosse um privilégio dos detentores do poder político e/ou econômico para, então, colocarem
na escola um representante dos seus interesses pessoais ou, ainda, como se fosse uma prenda a
ser loteada com os apadrinhados, algo tão bem a gosto da cultura patrimonialista que ainda
impregna a administração pública brasileira.
Ademais, a eleição para diretor escolar integra um movimento que, ao longo da
década de 1980, foi intensificado em vista da democratização da sociedade brasileira, na
época subjugada ao autoritarismo da ditadura civil-militar de 1964. Desta maneira, por ser um
espaço público de forte significação social, a escola foi desafiada a conviver com a dinâmica
do processo eletivo para, por meio deste, poder haver “um controle democrático por parte da
população, no sentido do provimento de serviços coletivos em quantidade e qualidade
compatíveis com a obrigação do Poder Público e de acordo com os interesses da sociedade”
(PARO, 2003, p. 26).
A eleição para diretor de escola pode possibilitar que a comunidade escolar, em
torno do processo eletivo do seu futuro dirigente, desenvolva um significativo processo
participativo e, entre outros aspectos, (re) aprenda a conviver com a pluralidade de idéias, de
pontos de vista diferentes e, uma vez que for definido pelo voto aquele que pareça ser o
melhor candidato para a coletividade, seja desenvolvido um intenso processo de colaboração
em torno de um programa ou de uma proposta que esteja acima dos interesses segmentados.
Sem sombra de dúvidas, insistimos, esta possibilidade de aprendizagem não deve ser
desperdiçada para, dentre outras razões, contribuir no processo de efetivação da gestão
democrática da escola e, em última análise, possibilitar o exercício da autonomia e da
soberania tanto do individuo, do cidadão como do grupo social do qual ele faz parte. Para tal,
faz-se necessário que, como afirma Dourado (2000, p. 85), a eleição para diretor não deva ser
vista como uma ação terminal, mas, sim, como um momento que possui desdobramentos
sobretudo no que diz respeito ao exercício do mandato para que este seja envolvido de um
clima e dinâmicas participativas.
Como expusemos no decorrer deste capítulo, a autonomia da escola não
somente tem sido um princípio cuja defesa vem integrando o conjunto das históricas
bandeiras de luta assumidas pelos educadores brasileiros em favor da educação pública, na
120
Para Dutra, “isoladamente, as eleições não têm força transformadora porque não modificam a estrutura, a
organização e as relações entre os vários atores escolares” (1999, p. 24).
233
perspectiva da sua democratização, como, ainda, o seu entendimento, dos Pioneiros aos
nossos dias, tem experimentado um processo evolutivo no sentido de ter se constituído numa
reivindicação para que seja possível acontecer a gestão democrática da educação e da escola
pública o que, assim, confere um caráter progressista à autonomia escolar.
Por fim, vale ressaltar que as compreensões dos educadores a respeito da
autonomia da escola, bem como dos temas a ela correlatos (gestão democrática da educação e
da escola, projeto político-pedagógico, participação, dentre outros) ultrapassaram, em muito,
o nível do apenas desejos ou sonhos. Elas também são resultantes das práticas, iniciativas,
experiências e compromissos gestados no interior da escola – quando esta se entendeu e/ou
lhe foi dada condição para ser compreendida como uma unidade organizacional de decisão - e
dos sistemas educativos sub-nacionais (estaduais e municipais) nos quais foram dados espaços
de abertura para o ensaio de um projeto educativo emancipador e, conseqüentemente,
democrático
121
.
CAPÍTULO 6 – A OUTORGA DA AUTONOMIA DA ESCOLA NO SISTEMA DE
ENSINO PÚBLICO DE PERNAMBUCO
Como vimos em capítulos anteriores, no contexto da reestruturação produtiva,
os sistemas educacionais foram submetidos a um intenso processo de reforma para, assim,
fazer com que a educação se adequasse às exigências e necessidades desta nova fase
produtiva. Em nosso país, tal reformulação, do ponto de vista legislativo, teve seu ápice com a
promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a LDBEN
9394/96 – na qual foi institucionalizado o preceito constitucional da gestão democrática da
educação para o âmbito da escola. Também nesta mesma lei, foi instituído o princípio da
autonomia escolar, porém numa concepção bastante distanciada daquela que, historicamente,
121
A título de exemplo, citamos as seguintes experiências, projetos e realizações que, sobretudo a partir do início
da década de 1980, foram realizadas na perspectiva de uma escola autônoma: a “Escola Balaia” (Belém, do
Pará), “Escola Candango” (Distrito Federal), “Escola Plural” (Belo Horizonte), “Escola Cidadã” (Porto Alegre) e
o Projeto Inajá (Mato Grosso).
234
foi defendido pelos educadores e pelos setores sociais progressistas, ou seja, como suporte
necessário para a gestão democrática da escola.
No sistema público de ensino do Estado de Pernambuco, a adequação às
prescrições da nova LDBEN concernentes à autonomia da escola, enquanto diretrizes de
política educacional, vem acontecendo em duas diferentes gestões de governo: (i) no governo
de Miguel Arraes (1995 a 1998), aliás, mais especificamente no penúltimo ano desta gestão
(janeiro de 1997) e (ii) no governo de Jarbas Vasconcelos, mais precisamente, em duas
gestões (a primeira, de 1999 a 2002 e a segunda de 2003 a 2006). Em conseqüência, a
implementação do princípio da autonomia da escola no sistema de ensino público de
Pernambuco deve ser vista à luz das diferentes orientações políticas que caracterizaram estas
mesmas gestões governamentais.
Tendo presente o novo contexto que caracterizou o final do século passado e
vem sendo continuado neste início do século XXI, no presente capítulo, será analisado como
– na perspectiva da outorga - vem acontecendo a implementação da autonomia no sistema
educacional de Pernambuco, notadamente na rede estadual de ensino, a partir das diretrizes de
autonomia escolar contidas nas políticas educacionais desta mesma unidade federativa.
Considerando-se que esta implementação não está dissociada de um contexto mais amplo, a
referida análise será precedida de um “olhar” reflexivo sobre múltiplos aspectos da realidade
pernambucana, com ênfase no setor educacional.
6.1 PERNAMBUCO: PERFIL DE UM “LEÃO DO NORTE".
A exemplo do restante da realidade brasileira da qual é parte integrante, o
Estado de Pernambuco também se caracteriza por possuir um legado histórico permeado pela
contradição. Por mais de três séculos, esta unidade federativa também foi alvo da marca da
colonização e dominação portuguesa que envolveu o nosso país. Em sua história há, também,
um período de invasão diferente da portuguesa, ou seja, no período de 1630 a 1654, durando,
portanto, 24 anos, os holandeses aqui se estabeleceram e fizeram desta porção do Brasil-
Colônia uma base da exploração capitalista de então. Por outro lado, Pernambuco foi palco de
vários movimentos intentando a emancipação política local e/ou nacional. Alguns desses
movimentos foram: a Batalha dos Guararapes (1649), a Insurreição Pernambucana (1817), a
Confederação do Equador (1824) e a Revolução Praieira (1848-1849). Tais movimentos,
235
aliados à índole bravia do povo pernambucano no enfrentamento à inclemência do clima
sertanejo, fizeram com que este Estado chegasse a ser cognominado de “Leão do Norte”.
No passado recente, aqui também foram experimentadas as amarguras da
ditadura civil-militar que, nos anos de 1964 a 1985 se abateu sobre o Brasil com uma
atrocidade a tal ponto que chegou a ser dito que aconteceu “em Pernambuco a mais violenta e
generalizada repressão que no restante do País” (COELHO, 2004, p. 189). Sem
desmerecermos a importância das ações, processos e movimentos que foram realizados nas
demais unidades federativas, podemos dizer que, por outro lado, este Estado, destacou-se em
ser um foco bastante intenso de mobilização e de resistência contra tal ditadura.
A realidade socioeconômica deste Estado é marcada pela dominação interna,
da qual resulta um nítido fosso social que divide a sociedade pernambucana em
instransponíveis barreiras socioeconômicas. Simbolizando tal fosso, as imagens da “casa
grande & senzala” se apresentam como apropriadas para tal simbolização, uma vez que
retratam a velada exploração capitalista sobre a classe trabalhadora que se expressa, de modo
bastante forte, na realidade campesina dos imensos canaviais que cobrem grande parte do
território pernambucano.
Ocupando uma área de 98.526,6 km
122
, aproximadamente correspondente a
1,16% do território nacional e possuindo uma população de 7.918.344 habitantes (Censo de
2000) espalhados pelos seus 185 municípios, Pernambuco integra a Região Nordeste do
Brasil. Desta mesma região, Pernambuco possui a quinta maior extensão territorial e detém o
segundo lugar em termos populacionais.
Seguindo uma tendência já consumada na distribuição demográfica nacional, a
população pernambucana encontra-se concentrada na zona urbana, 76,51%.
Conseqüentemente, na zona rural a população corresponde a 23,49% do total dos habitantes
do Estado. A densidade demográfica estadual é de 80,54 h/k2, porém, na área da Região
Metropolitana do Recife
123
, o número de habitantes por km2 chega a atingir 1.198,95
concentrando, assim, cerca de 42,15% da população estadual. Por esta concentração humana,
122
Salvo as menções explícitas, os dados numéricos e estatísticos desta seção foram tirados das seguintes fontes:
Planos Plurianuais 1996-1999, 2000-2003 e 2004-2007, o Plano Estadual de Educação de Pernambuco 2000-
2009, Pernambuco em Dados - ano 2002/CONDEPE, os Censos Escolares de 2001 e 2002 e a Diretoria
Executiva de Informações e Avaliação da Secretaria de Educação/PE.
123
Juntamente com a capital, a Região Metropolitana do Recife é formada por um total de 14 municípios dos
quais 6 possuem mais de 100.000 habitantes. A população da capital pernambucana é de 1.422.905 habitantes,
correspondente a 17,97% da população estadual (Censo de 2.000).
236
em apenas 2,8% do território pernambucano, já se pode supor a existência de toda uma
problemática social.
Pernambuco também partilha dos seculares problemas naturais e sociais que
afetam a região nordestina, destacando-se as condições climáticas adversas
124
e a pobreza
social. Do ano 2002, como expressões visíveis desta pobreza, podemos apontar os seguintes
dados (PERNAMBUCO EM DADOS, 2002): (i) taxa bruta de mortalidade de 8,90 (2,0
pontos acima da taxa nacional) e 1,20 acima da taxa da região Nordeste); (ii) taxa de
mortalidade infantil igual a 58,20 (superior em 23,60 à taxa nacional e 5,20 maior que a taxa
regional); (iii) esperança de vida ao nascer equivalente a 63,40 (5,0 pontos inferiores à taxa
nacional e menor em 2,10 pontos que a taxa regional). Neste item, em relação aos demais
estados nordestinos, Pernambuco perde apenas para Alagoas que é a unidade que apresenta a
mais baixa expectativa de vida ao nascer; (iv) 70,53% dos domicílios permanentes são
atendidos pela rede geral de abastecimento de água (no país, esta taxa é de 77,82% e na região
Nordeste é de 66,39%). Entretanto, enquanto a Região Metropolitana detém 43,69% desta
taxa, a segunda mais próxima é a Região do Agreste Central com 12,54%. Há, ainda, regiões
com apenas 1,79% e 1,29% (respectivamente, a Região do Sertão Central e a Região do
Sertão Itaparica) e (v) taxa de desemprego na ordem de 20,3%.
No que diz respeito à estrutural realidade de desigualdade social existente na
sociedade brasileira, Pernambuco chegou ao final do ano de 2003 com a inquietante
constatação de estar com mais da “metade da sua população em situação de miséria, ou seja,
53% dos moradores do Estado sobrevivem com menos de R$ 2,6 por dia, o que totaliza
menos de R$ 79,00 por mês” (ESTADO..., 2004, p.B 9). Ainda de acordo com a pesquisa
“Mapa do Fim da Fome II”, realizada conjuntamente pela Fundação “Getúlio Vargas” e a
“Ação Cidadania contra a Fome, Miséria e Exclusão”, há um município pernambucano –
Mairi – no qual 90,41% dos seus moradores são miseráveis.
No ano de 2004, Pernambuco recebeu mais um nada honroso primeiro lugar:
ser o Estado brasileiro cuja população tem a menor proteção social. Ou seja, de acordo com
levantamento feito pelo próprio Ministério da Assistência e Previdência Social (MPAS) 1,3
milhão de pernambucanos estão sem cobertura previdenciária (PERNAMBUCO..., 2004, p.
B-8).
Com os novos cenários que conduziram o mundo para a globalização, na
realidade pernambucana também tem ocorrido a intensificação do desemprego, altos índices
124
- Cerca de 63,7% do território pernambucano abriga a chamada zona sertaneja que apresenta solos pouco
permeáveis, reduzido solo freático e rios temporários.
237
de criminalidade e violência e aceleração do êxodo rural resultando em concentração urbana e
o crescimento da economia informal. Antecipando os dados de uma pesquisa realizada pelo
Fundo das Nações Unidas/UNICEF para a Infância sobre crianças e adolescentes no semi-
árido brasileiro, ano de 2003, envolvendo 1.421 municípios que estão localizados em tal área
geográfica, na edição de 24/11/04, o Diário de Pernambuco, noticiava as seguintes
informações sobre esta unidade federativa:
Pernambuco encontrava-se entre os três Estados do semi-árido brasileiro
(Pernambuco, Piauí e Maranhão), considerados como os piores em matéria de desigualdade e
renda mensal familiar. Nestes parâmetros, cabe a uma cidade pernambucana - Manari - deter
o título de pior cidade com renda per capita (igual a R$ 30,43). Aliás, este título de Manari é
extensivo para o âmbito nacional.
Pernambuco detinha o título de campeão nacional da mortalidade infantil até
um ano de idade e, novamente, Manari ostentava o índice de 109,67 mortes por mil
habitantes. Juntamente com a Bahia, Pernambuco estava sendo o pior Estado nordestino em
matéria de não proporcionar educação infantil para as crianças de 5 a 6 anos de idade.
Fazendo parceria com Alagoas, Pernambuco dividia os dois primeiros lugares de Estados da
região Nordeste nos quais ocorrem o trabalho infantil e, novamente, uma cidade
pernambucana (Calçados) era considerada como sendo a pior cidade de região. Localizada no
agreste, 46,99% da população desta cidade, compreendida na faixa etária de 10 a 14 anos, foi
identificada como exercendo trabalho infantil.
Em todo o Estado, no ano de 2004, ao longo do período de janeiro a setembro,
a totalização de 3.061 assassinatos, da qual resulta uma média diária de 11,33 homicídios,
assinalava a existência de uma dramática realidade de violência com o agravante de a grande
maioria das vítimas pertencer à população juvenil. No ano de 2006 novamente Pernambuco
foi destaque nacional em relação a violência sendo o líder entre os Estados brasileiros com
uma taxa de homicídio na ordem de 42,2 por cada 100.000 habitantes. Juntamente a isso,
dentre as 10 cidades com maiores taxas de homicídios no Brasil, quatro cidades são
Pernambucanas: Camaragibe (a primeira da lista), Jaboatão dos Guararapes (segunda da lista),
Cabo de Santo Agostinho (quinta da lista) e Olinda (sexta da lista). Por sua vez, a cidade do
Recife aparece no “ranking” de 2005 como o 17º município mais violento do Brasil e no
conjunto das capitais de estado como sendo a terceira mais violenta
125
. Diante do quadro de
violência existente no Estado a Secretaria de Defesa Social implementou a chamada “Lei
125
Levantamento feito pelo Ministério da Justiça e publicado nos jornais da capital pernambucano nas edições
do dia 23/09/06.
238
Seca” (proibição de venda de bebidas alcoólicas no horário das 23 às 5 horas) em várias
localidades do Estado (sobretudo na Região Metropolitana do Recife). Desde a
implementação desta “Lei” (21 de novembro de 2005) os resultados em termos de diminuição
do número de assassinatos não parecem confirmar a eficácia de tal medida.
Quando nos debruçamos sobre os números que sinalizam um verdadeiro caos
social em Pernambuco, há dois importantes fenômenos a serem destacados: o da concentração
e da desigualdade interna que se conjugam entre si.
Exemplificando: ao mesmo tempo em que Pernambuco possui um importante
pólo médico o qual, inclusive, responde por 15% da demanda por serviços de saúde de outros
Estados nordestinos, não são poucos os municípios pernambucanos que mal dispõem de um
posto médico funcionando em precárias condições, resultando em deslocamento de pacientes
do interior para o Recife que concentra tal pólo. A respeito do pólo médico existente no
Recife, ressalte-se que 80% da rede hospitalar deste pólo pertence à iniciativa privada
constituindo-se, pois, num evidente indicativo da desresponsabilização do poder público em
relação à saúde e, ainda, numa condução neoliberal das políticas públicas relacionadas a este
setor, ou seja, deixadas a cargo do setor privado para serem exploradas.
Um outro exemplo dessa desigualdade pode ser visto no setor educacional,
uma vez que, enquanto a Região Metropolitana do Recife apresenta a menor taxa de
analfabetismo, 5,9%, na Região do Agreste esta taxa é de 19,6%.
Em termos de Índice de Desenvolvimento Humano, Pernambuco vem
apresentando um desempenho inferior às outras unidades federativas da região Nordeste tidas
como economicamente mais pobres, tais como Sergipe e Rio Grande do Norte.
Contrastando com os dados vistos anteriormente, desde o primeiro mandato
do atual governo de Jarbas Vasconcelos (1999-2002) tem sido apregoada a existência de um
rápido processo de modernização e elevação da renda pernambucana. Essas mudanças,
porém, como os próprios documentos governamentais reconhecem, não foi “suficiente para
melhorar, no mesmo ritmo, a qualidade de vida da maioria da população, persistindo níveis
elevados de pobreza e desigualdades sociais em Pernambuco” (GOVERNO ESTADUAL DE
PERNAMBUCO, 2000, p. 21). Corroborando esta observação, na pesquisa do UNICEF,
anteriormente mencionada, o Rio Grande do Norte aparece como sendo um dos melhores
Estados nos seguintes itens: em desigualdade e renda mensal familiar (ao lado da Paraíba), em
mortalidade infantil até um ano de idade (ao lado de Minas Gerais), em educação infantil para
crianças de 5 a 6 anos (ao lado do Ceará) e trabalho infantil de 10 a 14 anos (ao lado da
Bahia).
239
No passado, devido ao parque industrial que possuía e, de modo especial, pela
sua produção açucareira, Pernambuco chegou a deter posição de liderança econômica e
política sobre os demais Estados nordestinos. Porém, aos poucos, foi perdendo tal posição
para outras unidades federativas da Região, sobretudo para a Bahia e o Ceará. No ano de
2000, a participação de Pernambuco no Produto Interno Bruto do Nordeste foi de 20,21% e
para o PIB nacional foi de 2,64%. No ano seguinte, a renda “per capita” pernambucana (R$
4.396,20) ficou um pouco acima da média regional (R$ 3.255,00), porém, bem inferior à
média nacional (R$ 6.954,00).
No setor agrícola, as três maiores produções são de cana-de-açúcar, uva e
banana que, respectivamente, correspondem a 49,96%, 9,92% e 9,42% da produção
econômica total do Estado. A produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade,
feijão, milho e arroz, respectivamente, alcança o sexto (4,55%), nono (1,31%) e o décimo
segundo lugar (0,78%) da referida produção agrícola. Considerando-se estes produtos como
sendo básicos para a alimentação das camadas economicamente desfavorecidas, podemos
supor o problema de escassez em tais famílias.
Com a normalização política ocorrida no ano de 1985, Pernambuco foi também
um dos Estados brasileiros no qual a população confirmou nas urnas o rechaço dado ao
autoritarismo civil-militar de 1964. Nas eleições de 1986, entre o ex-governador que havia
sido destituído do cargo para o qual, democraticamente, havia sido eleito e o usineiro José
Múcio Monteiro Filho, candidato pelo PFL e representante das forças conservadoras de
Pernambuco, o eleitorado manifestou clara opção por Miguel Arraes dando a este (candidato
pelo PMDB) a vitória já no primeiro turno reconduzindo, assim, Miguel Arraes ao governo do
Estado de Pernambuco com os seguintes resultados: 1.587.726 votos para Miguel Arraes e
1.018.800 votos para José Múcio.
Desde então, rompendo uma histórica hegemonia político-partidária, o governo
estadual de Pernambuco vem se revezando em diferentes gestões administrativas,
capitaneadas por partidos políticos com também diferentes orientações ideológicas. Nos anos
de 1991 a 1994 o governo estadual ficou em mãos do Partido da Frente Liberal/PFL, através
do governador Joaquim Francisco. No período de 1995 a 1998, a administração estadual
passou para um partido de “esquerda” – o PSB – tendo à frente o sr. Miguel de Arraes
Alencar (conseguindo o memorável feito de eleger-se como governador pela terceira vez). Já
na gestão de 1999 a 2002, o governo do Estado passou a ser regido pelo PMDB tendo à frente
o sr. Jarbas Vasconcelos, o qual, nas eleições de 2001, foi reconduzido a um novo mandato
240
(2002 a 2006)
126
. Tal alternância no poder político estadual, ao mesmo tempo em que
possibilita a realização de diferentes olhares sobre a realidade política estadual, por outro
lado, vem concorrendo para que se repita, neste estado, um fenômeno bastante comum que sói
acontecer na administração pública nacional: o da descontinuidade administrativa.
Grande parte das prefeituras pernambucanas é administrada por prefeitos
pertencentes aos quadros do PFL e do PMDB. Entretanto, a partir das quatro últimas eleições
municipais, algumas das principais prefeituras, sobretudo na Região Metropolitana do Recife,
passaram a ser governadas por prefeitos pertencentes a partidos de “esquerda”: em 2004, o
eleitorado recifense reelegeu o ex-metalúrgico, do PT, João Paulo para administrar a capital;
em Camaragibe houve troca do PT pelo PCB e Olinda também reelegeu a prefeita Luciana
Santos, do Pc do B.
Especificamente no que diz respeito à capital do Estado – Recife – os dados do
Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife
127
(resultante de uma pesquisa realizada pela
ONU em parceria com a Prefeitura local), apontam para a existência de uma complexa
realidade social. Considerando que seja uma fala que apropriadamente sintetiza a realidade
social da cidade do Recife, apresentada ao longo de várias matérias jornalísticas ora como
“uma cidade com dois mundos”, “a Namíbia brasileira” e, ainda, como “a campeã nacional da
desigualdade social”, transcrevemos o texto abaixo:
Recife é uma cidade que impõe à maioria dos seus habitantes dificuldades
para uma vida longa, digna e saudável, excluindo socialmente a maioria dos
indivíduos. Mas, de todos os indicadores apresentados no trabalho, um
revela a face mais cruel da cidade: a distribuição de renda. Recife é uma das
capitais de estado mais desiguais situada num dos países mais desiguais do
mundo. É uma cidade dividida entre um mundo composto por uma minoria
de muitos ricos e outro formado por um exército de muitos pobres.
São dois mundos – o dos ricos e o dos pobres – opostos mas paralelos. Isso
porque, uma peculiaridade do Recife é que estes dois universos, separados
por um imenso abismo social, convivem juntos do ponto de vista geográfico.
Na capital pernambucana, diferente de outras grandes metrópoles brasileiras,
num mesmo bairro, às vezes numa mesma rua, disputam espaços mansões e
sobrados. Por onde se passa, a paisagem é dominada pelo contraste. “A
moderna e cosmopolita Boa Viagem – que abriga a minoria rica – contrasta
com o Coque, abrigo dos pobres e esquecido pelo poder público”, constata o
Atlas” (UM RECIFE..., 2005, Caderno Especial, p. 3).
126
Por ocasião das eleições de 2006, representanto uma frente oposicionista, o candidato do PSB, Eduardo
Campos (neto do falecido governador Miguel Arraes), em segundo turno, foi eleito governador de Pernambuco
para o período de 2007 a 2010.
127
Parte da pesquisa foi divulgada pela imprensa local ao longo do período de 11 a 17 de dezembro de 2005.
Aqui, utilizaremos as matérias que foram publicadas pelo jornal “Diário de Pernambuco”.
241
Para melhor ser compreendida a extensão da desigualdade social acima
apontada, seja dito que os 20% recifenses mais ricos (cerca de 300 mil pessoas) detêm,
sozinhos, 72,58% da renda “per capita” enquanto que, para o restante da população recifense
(1.422.905 habitantes, segundo o Censo de 2000) resta apenas 27,42% da renda “per capita”.
A respeito da extensão da desigualdade social certamente nos ajudará a análise de que a
capital pernambucana possui
(...) áreas onde a população de alto poder aquisitivo convive de perto com os
bolsões de pobreza. O medo faz com que o recifense rico passe a encarar o
“primo pobre” não como um cidadão desfavorecido, mas como um
usurpador de suas liberdades individuais. Ao invés de cobrar ações que
diminuíssem a distância entre as classes sociais, o interesse imediato das
elites é sempre de exigir o reforço do poder de polícia (Ibid., p. 2).
Considerando-se que na capital pernambucana esteja concentrada grande parte
da população da chamada Região Metropolitana do Recife, podemos localizar nesta cidade a
existência em maior quantidade do nível de desemprego que, com o quantitativo de 254.000
desempregados, no mês de abril de 2006, fazia esta região ocupar o primeiro lugar entre as
regiões metropolitanas do país. De acordo com os dados publicados na imprensa local
(DESEMPREGO..., 2006, p. B 1), em relação à média nacional de desemprego (10,4%), a
Região Metropolitana do Recife apresentava 6,1% a mais (portanto, 16,5%) e em relação à
região que apresentava o nível mais baixo de desemprego (a Região Metropolitana de Porto
Alegre com índice de 8,3%) a diferença consistia em, praticamente, no dobro (16,5% - 8,3% =
8,2%).
Dentre outros tantos problemas que integram o cotidiano dos grandes centros
urbanos, na capital pernambucana vem se agravando o preocupante fenômeno da violência
urbana portadora de insegurança para a população, de modo especial a de baixa renda
econômica. Nesse contexto vem se destacando o fenômeno do assalto a ônibus que, só no
período de 1º. de janeiro a 15 de agosto de 2004 chegou à marca dos 1.158 assaltos
resultando, assim, numa média de 4,76 ônibus assaltados, diariamente (AUMENTA..., 2004,
p. A 8). A tal ponto a violência tem assolado a cidade do Recife e as urbes do seu entorno que,
visando reduzir o número de homicídios, a Secretaria de Defesa Social do Estado
implementou a chamada “Lei Seca” (proibição da venda de bebidas alcoólicas das 23 às 05
horas) em 96 localidades da Região Metropolitana do Recife.
242
Comparando com outras cidades da região sobre a qual ainda exerce uma
expressiva influência política, econômica e cultural, não podemos deixar de reconhecer que a
capital pernambucana possui um forte potencial. Entretanto, a desigualdade social chega a tal
ponto que, num trabalho realizado pela Prefeitura Municipal, foi constatado que “nenhum
bairro da cidade do Recife se situa a uma distância superior a 1,2 km de uma favela” (UM
RECIFE..., 2005, Caderno Especial, p. 4).
A dramaticidade da questão social nesta cidade também pode ser visibilizada
no setor moradia uma vez que uma considerável parte da população recifense reside em áreas
consideradas de risco, ou seja, nos morros ou às margens dos rios, dos riachos e dos canais
que cortam a cidade ou mesmo nos mangues contíguos ao mar. Desta forma, ao mesmo tempo
em que a água é motivo de encantamento para os turistas ou mesmo para os que vivem nos
arranha-céus do bairro de Boa Viagem (considerado bairro “nobre”) a água é motivo de
sobressalto e pânico e possui um significado (anualmente renovado) de sofrimento, perda e
morte para os que “moram nos altos” do Pinho, do Bonifácio, da Besta, da Foice..., nos
“córregos” do Deodato, do Abacaxi ou nas favelas (situadas nos mangues) do Coque, do
DETRAN e outras.
6.2 REALIDADE EDUCACIONAL PERNAMBUCANA
A administração do sistema educacional de pernambucano está a cargo da
Secretaria de Educação e Cultura/SEDUC que realiza tal ação através de 17 órgãos
intermediários de gestão, ou seja, as chamadas Gerências Regionais de Educação (GERE)
128
.
A rede estadual de ensino é formada por 1.107 escolas na qual estão matriculados 948.842 de
alunos nos ensinos fundamental e médio atendida por 42.810 trabalhadores distribuídos entre
36.640 professores (atividades especificamente de docência e atividades técnico-pedagógicas)
e 6.170 funcionários administrativos. Quanto ao número de escolas, a rede estadual detém
9,68% do total de 11.425 unidades escolares existentes em Pernambuco e 33,91% do total de
2.797.813 estudantes matriculados nas escolas mantidas pelas esferas administrativas públicas
e pela iniciativa privada.
128
Tradicionalmente, tais órgãos eram chamados de “Departamentos Regionais de Educação” (DEREs). A partir
do ano 2000 foi mudado para a atual nomenclatura que, de certa forma, reflete a caracterização neoliberal que
vem sendo dada à política educacional pernambucana.
243
No conjunto das unidades federativas que integram a região Nordeste,
Pernambuco se apresenta com uma posição favorável no que diz respeito ao setor
educacional, uma vez que sua população acima de 10 anos possui 5,1 anos médios de estudos,
portanto acima da média regional que é de 4,7 anos (ano de 1999). Também neste mesmo ano,
entre a população pernambucana de 25 ou mais anos, 8,9% possuía o ensino fundamental
completo, 14,4% o ensino médio completo e 4,5% o ensino superior. Ainda:
na medida em que se avança no grau de ensino, Pernambuco vai aumentando
sua liderança na região, consolidada claramente no segmento científico e
tecnológico. De 1997 a 2002, mais do que dobrou o número de
pesquisadores ativos no estado, saltando de 1.006 para 2.336, no final do
período, apresentando hoje o maior número de pesquisadores de todos os
Estados do Nordeste (GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2003,
p. 71).
Entretanto, esse ufanismo governamental é passível de questionamentos e
contestações como podemos inferir a partir dos dados a seguir.
Segundo dados do próprio Plano Estadual de Educação/PEE-2000-2009, no
ano de 1999,
a taxa de atendimento da população de 7 a 14 anos atingiu um percentual de
95, 4%, o que foi considerado como uma tendência à universalização no
Ensino Fundamental e no ano de 1998 a taxa de atendimento no Ensino
Médio chegou a 76% em 1998 (GOVERNO ESTADUAL DE
PERNAMBUCO, 2001, p. 18).
Todavia, recentemente, de acordo com os dados da pesquisa do UNICEF,
referida em momento anterior, “Pernambuco ocupa o terceiro lugar com 7,9%, entre os
Estados do Nordeste que mais apresentam alunos entre 7 e 14 anos fora da escola”
(EDUCAÇÃO..., 2004, p. B 6).
Ainda em relação ao ensino médio, podemos constatar que Pernambuco detém
o primeiro lugar de, na região Nordeste, ser o Estado que apresentou o menor percentual de
aumento no número matrículas, compreendidas no período de 1996 a 2004. No ano de 1996, o
ensino médio registrou 259.081 matrículas e no ano de 2004 chegou a 42.867 matrículas. O
segundo e o terceiros lugares em menores percentuais de matrícula couberam,
respectivamente, aos Estados da Paraíba (96,26%) e do Rio Grande do Norte (101,94%). Por
outro lado, os Estados que apresentaram maiores percentuais de matrículas, no mesmo
período, foram: Piauí (212,33%), Maranhão (141,40%) e Alagoas (133,45%).
Apesar do aumento quantitativo registrado no PEE/2000-2009, este mesmo
documento reconhece que o sistema público de ensino de Pernambuco vem apresentando um
244
baixo desempenho através da existência de problemas de distorção entre idade e série
129
, altos
índices de repetência, reprovação
130
, evasão e abandono
131
. No ano de 2001, coube ao ensino
médio da rede estadual apresentar a maior taxa de distorção idade/série, tanto no conjunto
deste nível de ensino como em cada uma das suas três séries. De acordo com depoimento
dado pelo próprio Secretário Estadual de Educação, há um problema no Ensino Médio uma
vez que, por conta da repetência escolar, a distorção série/idade neste nível de ensino, no ano
de 2001, chegou a 70% (ENSINO..., 2001, p. A 8). Entretanto, dados mais recentes apontam
que a taxa de distorção série/idade, no ano de 2005, teve uma diminuição para 63,22%. Muito
provavelmente, esta diminuição deve ter sido decorrente da implantação do chamado Projeto
“Avançar”
132
no qual o estudante do Ensino Médio, utilizando o material didático do
Telecurso 2.000 (da Rede Globo de Televisão), pode realizar e concluir este nível de ensino
em 18 meses.
Se, por um lado, o Projeto “Avançar” contribuiu para a redução da distorção
série/idade, todavia, não podemos deixar de registrar uma preocupação no que diz respeito ao
perfil acadêmico dos seus alunos por, de forma acelerada, concluírem o Ensino Médio em,
praticamente, metade do tempo gasto na modalidade regular em que este tipo de ensino é
realizado. Inclusive, do ponto de vista financeiro, também, pode ser feito um questionamento
quando se considera que o Projeto atingiu a apenas 21.600 alunos com um custo de R$
35.088.509,00 (trinta e cinco milhões, oitocentos e oitenta e oito mil, quinhentos e nove reais
e cinco centavos). Ainda: a sua execução pedagógica esteve a cargo da Fundação “Roberto
Marinho” e da Fundação “Getúlio Vargas”, portanto, entidades estranhas ao sistema
educacional pernambucano e, conseqüentemente, à própria Secretaria de Educação.
Os resultados dos exames do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB), ano de 1997, e também o PEE/2000-2009 apontaram que “Pernambuco
obteve resultados abaixo da média de proficiência do país, ficando próximo à média da
129
No ano de 2001 este tipo de distorção chegou a 40,3% na 1
a
. série do ensino fundamental e na 5
a
. série atingiu
68,7%.
130
Em termos de rendimento escolar, no ano 2001, a primeira série do fundamental apresentou o preocupante e
alto índice de reprovação na casa dos 25,4%.
131
Com veremos em outro momento, nas escolas em que a pesquisa de campo foi realizada, a realidade não é
diferente. A título de adiantamento: numa escola, no ano de 2004, as quintas séries lograram aprovação final de
apenas 59%; em uma outra escola, de uma turma de 45 alunos na 7ª. Série, apenas 36% lograram aprovação. Em
um e outro caso, significou dizer que (entre reprovados e evadidos), houve substancial perda no trabalho escolar.
132
No Estado de Pernambuco o Projeto foi implantado no ano de 2001, 2003 e 2003 resultando em cerca de
60.000 estudantes terem concluído o Ensino Médio. Neste ano, 2006, a partir do mês de maio, o Projeto foi
retomado com a perspectiva de atingir novos 17.100 estudantes em todo o Estado.
245
Região Nordeste”. Logo, mesmo com uma média ligeiramente superior ao do Nordeste, em
Língua Portuguesa, na 8
a
. série, a média de Pernambuco foi de 242, enquanto que a do Brasil
foi de 250 e a do Nordeste 241. Em Matemática, também na 8
a
. série, a média brasileira foi de
250, a nordestina atingiu 237 e a pernambucana 237.
Em relação aos anos médios de estudos da população, apesar de Pernambuco
contar com melhores índices que os demais Estados nordestinos, existem distorções no
próprio interior do Estado. No ano de 1999, por exemplo: enquanto que na Região
Metropolitana do Recife a média de escolaridade foi de 5,96, nas regiões da Mata Norte e Sul
(que se limitam com a Região Metropolitana do Recife) as taxas de escolaridade foram,
respectivamente, de 2,77 e 2,5. Especificamente em relação à escolarização dos “chefes de
domicílio”, o Plano Plurianual 2004-2007 admite existir uma disparidade no interior do
Estado quando registra que, na Região Metropolitana do Recife chega a 26,0% o índice de
chefes de domicílio com menos de 4 anos de estudos, a Região do Araripe chega a apresentar
72,0%, seguida do Agreste Meridional com 69,6% e o Agreste Setentrional com 67,2% com
“chefes de família” com baixa escolaridade. Em outras palavras, enquanto a Região
Metropolitana do Recife ficava abaixo da média estadual – correspondente a 48% - as
Regiões aqui citadas em muito se distanciaram da média estadual.
No ano de 1999, a taxa de analfabetismo na população de 15 anos em diante
estava situada na casa dos 24,50% e no ano de 2003 foi reduzida para 18,99% (5,51% a
menos). Entretanto, a despeito desta diminuição, observe-se que o sistema público de ensino
de Pernambuco continua a manter uma enorme dívida social para com expressiva parcela da
sua população que integra os que são considerados economicamente ativos e, no entanto, este
segmento se encontra despossuído de instrumental básico necessário para atender às
exigências de um mercado de trabalho cada vez mais exigente de escolaridade
133
. Conforme
podemos inferir do Plano Plurianual 2004-2007, não se pode esperar que, neste quadriênio,
possa ocorrer uma mudança em tal realidade haja vista que os investimentos a serem feitos
objetivam que a redução da taxa de analfabetismo diminua apenas para 15%, portanto, uma
queda de apenas 3,99%. Vale destacar que é de aproximadamente 1.200.000 pessoas o
quantitativo da população pernambucana que compõe tal segmento.
Também servindo para aferir o rendimento do sistema estadual de ensino e
apontando para a existência de uma realidade de debilidade, vejamos o que nele ocorreu ao
133
Especificamente para a população de 15 a 24 anos que, no ano de 2001, correspondia a 20,3% da
população pernambucana, os dados do IBGE apontavam para a existência de 350.509 que estavam
fora da escola o que, por sua vez, correspondia a 48,1% da população desta faixa etária.
246
longo dos anos de 2000 a 2005 em relação a rendimento e movimento escolar no ensino
fundamental (Tabela II) bem como em relação a rendimento e movimento escolar no ensino
médio (Tabela III):
Tabela IV - Taxa de rendimento escolar (aprovação, reprovação, evasão escolar)
no Ensino Fundamental, em Pernambuco, no período de 1999 a 2004
Ano
Aprovação
Reprovação
Evasão
1999
70,30%
14,90%
14,80%
2000
68,90%
15,90%
15,20%
2001
70,22%
16,23%
13,55%
2002
71,36%
15,49%
13,15%
2003
71,85%
15,47%
12,88%
2004
69,59%
16,59%
13,88%
Média
70,37%
15,76%
13,91%
Fonte: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco
Superintendência de Tecnologia da Informação
247
Pela Tabela IV depreende-se que, ao longo do período seccionado, tem havido
uma constante baixa produtividade no Ensino Fundamental de Pernambuco. Somando-se,
pois, os índices de reprovação com o de evasão, a perda do sistema beira ao considerável
índice de 30%, numa variação que vai da menor perda (28,35%, no ano de 2003) ao maior
quantitativo de perda (30,47%, no ano de 2004).
Pela Tabela seguinte, relacionada com o Ensino Médio, pode ser verificado
que, se por um lado diminui os índices de reprovação (comparados com os do Ensino
Fundamental), entretanto, de outra parte, aumentam os índices de evasão. Somando-se, pois
os índices de aprovação com os de reprovação, também neste nível de ensino, no período
seccionado, registra-se uma considerável perda no sistema educacional de Pernambuco,
variando da menor perda na ordem de 22,20%, no ano de 1999, para a maior perda, na ordem
de 27,38%, no ano de 2004.
TABELA V - Taxa de rendimento escolar (aprovação, reprovação, evasão escolar) no
Ensino Médio, em Pernambuco, no período de 1999 a 2004
Ano Aprovação Reprovação Evasão
1999 77,80% 4,90% 17,30%
2000 75,60% 5,70% 18,80%
2001 76,67% 5,87% 17,46%
2002 75,18% 6,18% 18,64%
2003 75,18% 6,78% 18,05%
2004 72,62% 7,41% 19,97%
Média 75,50% 6,14% 18,37%
Fonte: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco
Superintendência de Tecnologia da Informação
Muito mais do que o quadro de improdutividade do sistema - que já é grave por
si mesmo – encaramos que tais resultados, também, sejam preocupantes por apresentarem
uma nítida negação da democratização do ensino, da escola e da educação. Por trás da frieza
de tais números há, pois, um dado social bastante inquietante: a rede escolar pública de
Pernambuco, num primeiro momento, “acolhe” os filhos da classe trabalhadora para, em
seguida, expulsá-los do seu seio. Observe-se que este “acolhimento” é aproveitado pelos altos
escalões governamentais e pelas autoridades educacionais para veicularem a idéia de que o
poder público está em dias com a sua obrigação para com a universalização da educação
escolar.
248
Em relação ao fenômeno da distorção série/idade, visualizado na próxima
Tabela, no período de 1999 a 2005, para o Ensino Fundamental, e no período de 2001 a 2005,
para o Ensino Médio, podemos constatar que no primeiro caso, ao longo de 7 anos o sistema
pernambucano de ensino conseguiu obter uma redução na ordem de 19,91%, resultando,
portanto, numa média anual de redução em termos de 1,84%. Entretanto, para o caso do
Ensino Médio, cuja grande maioria do atendimento é feita pela rede estadual de ensino, a
redução obteve apenas 4,59% resultando, assim, numa média anual de diminuição de 0,76%.
Tabela VI - Taxas de distorção série/idade nos Ensinos Fundamental e Médio, em
Pernambuco, no período de 1999 a 2005
Ano Ensino Fundamental Ensino Médio
134
1999 55,80% ---
2000 53,90% ---
2001 52,50% 67,50%
2002 50,05% 67,55%
2003 47,14% 67,17%
2004 43,65% 63,22%
2005 42,89% 62,91%
Média 49,41% 65,67%
Fonte: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco
Superintendência de Tecnologia da Informação
Ainda para os ensinos Fundamental e Médio, podemos constatar uma
incapacidade do sistema público de ensino de Pernambuco em proporcionar escolarização
gratuita uma vez que, no ano de 2004, 13,00% das matrículas do Ensino Fundamental
(correspondendo a 222.895 estudantes), ainda se encontrava na rede privada. Por outro lado,
neste mesmo ano, a rede particular detinha 14,00% das matrículas no Ensino Médio
(totalizando 59.903 alunos).
Mesmo que, do ponto de vista da distribuição de competências educacionais
entre esferas administrativas do país (federal, estadual e municipal), extrapole à esfera
249
estadual, vale frisar que, em Pernambuco, no ano de 2004, de um total de 363 cursos de
graduação, a rede privada oferecia 198 cursos enquanto a rede pública ofertava 165 o que,
respectivamente, correspondia a 54,54% e 45,46% desse total de cursos. No que diz respeito
ao número de matrículas em cursos de graduação, do total de 115.561 matrículas, era pequena
a diferença entre o número de matrículas existentes em cada uma dessas redes de ensino
(61.217 na rede pública e 54.344, respectivamente, 52,97% e 47,03%). Como pode ser
inferido, também em Pernambuco, afirma-se a tendência de privatização do ensino superior
que vem ocorrendo no país por uma deliberada diminuição da atuação do poder público na
promoção da educação neste nível de ensino.
Fazendo-se a leitura dos 21 programas e projetos através dos quais a Secretaria
de Educação de Pernambuco procura efetivar uma ação política de intervenção na educação
pública desta unidade federativa e, conseqüentemente, expressa a intencionalidade de uma
gestão governamental (no caso, o governo Jarbas Vasconcelos), chama atenção do leitor a
existência de vários importantes programas e projetos serem realizados em parcerias com
empresas privadas (Bradesco, Labortecne, Gerdau, Microsoft, a FIEPE/Federação das
Indústrias de Pernambuco e a intitulada “Aliança Empresarial Pró-Educação”). Tendo em
vista o que foi refletido acerca do projeto educacional neoliberal, bem como a experiência de
parceria feita para a recuperação do Ginásio Pernambucano, entendemos que essa conjugação
de forças pode significar muito mais que um beneficiamento por parte do setor empresarial
para com a educação pública deste Estado. Pelo ocorrido com o antigo Ginásio Pernambucano
(cuja questão já falamos em outros momentos) e ainda o que já aconteceu em outras unidades
da federação, como em São Paulo e Minas Gerais (casos, respectivamente analisados por
ZAKIA, 2002 e OLIVEIRA, 2000), o envolvimento da iniciativa privada na rede estadual de
ensino poderá estar dando margem para a participação do empresariado na gestão do ensino
público o que, em última instância poderá redundar em intervenção da organização do
trabalho escolar.
Ademais, além dos recursos financeiros originados da parceria com a iniciativa
privada, é sabido que outra parte desses recursos provêm de financiamento a título de
empréstimo, o que leva o Estado a uma situação de endividamento ao qual toda sociedade é
envolvida em seu pagamento. Também, em outras palavras, podemos dizer que enquanto a
dívida é democratizada, por outro lado, a aplicação dos recursos é realizada de forma seletiva
para o que se pode chamar de “ilhas de excelência”, no caso, os chamados Centros
134
Não foi conseguido obtenção dos dados do Ensino Médio dos anos 1999 e 2000.
250
Experimentais de Ensino que estão sendo implantados na rede estadual de ensino de
Pernambuco.
Propondo-se a estabelecer uma educação básica de qualidade no sistema
público de ensino de Pernambuco, desde o ano 2000 vem sendo implementado o chamado
Programa Educação de Qualidade – EDUQ – que se destaca por ser uma proposta abrangente
e, ainda, por parte do seu financiamento ter sido feito a título de empréstimo pelo Banco
Mundial. Orçado em U$ 52.500.000 o Banco Mundial emprestou U$ 31.500.000 (60% do
valor total do Programa) e, em contrapartida, o Estado entrou com U$ 21.000.000
(correspondente a 40% do valor total do Programa.). Segundo apuramos junto à coordenação
do Programa o mesmo é, na verdade, uma espécie de “guarda-chuva” sob o qual se abrigam
vários projetos elaborados pela Secretaria de Educação (no período das duas gestões do
governo Jarbas-Vasconcelos) e em fase de implementação. Ainda que tenham o mérito de
procurar dar resposta a problemas e questões específicas existentes na educação pública de
Pernambuco, entretanto, não deve ser descartada a possibilidade de não conseguirem atingir
os objetivos aos quais se propõem alcançar se não houver uma contínua ação coordenativa
durante a execução dos mesmos projetos e programas. Apesar de termos que aguardar o
tempo para poder ser feita uma avaliação em relação à consecução ou não dos objetivos dos
projetos, podemos registrar a ausência de um trabalho mais abrangente em relação à
problemática existente na rede estadual de ensino de Pernambuco.
Considerando-se a importância e o papel que o docente desempenha no
processo educativo escolar, não podemos deixar de registrar aqui um outro dado também
preocupante: o dos profissionais da educação básica, especialmente da rede estadual pública
de ensino. Constituindo-se no contingente com maior número de trabalhadores empregados
pelo Estado (cerca de 40.810 servidores) tem pesado sobre os trabalhadores em educação as
históricas aviltações da exploração capitalista e, ainda, os novos contornos dos quais foram
revestidos na economia neoliberal. Neste sentido, é bastante elucidativa a pesquisa efetuada
pela Revista Educação a respeito da situação salarial dos docentes de rede públicas estaduais.
No caso dos professores com apenas titulação de magistério em nível de segundo grau e,
normalmente, atuando nas séries iniciais do ensino fundamental “Pernambuco, pelo que foi
constatado, é o Estado que paga os menores salários das redes estaduais em todo o País”
(ARTE..., 2004, p. C 4). Enquanto no vizinho Estado da Paraíba o valor da hora-aula era de
251
R$ 6,18 – por sinal, o maior do país – em Pernambuco tal valor não chegava a ultrapassar R$
1,00. Para sermos mais exatos: a hora-aula equivalia a R$ 0,98
135
.
Quem pensar que havia alguma mudança em relação aos professores com
titulação de curso superior (graduação) sugerimos cautela, pois pagando R$ 2,01 por aula,
Pernambuco continuava a deter o título de campeão de pior patrão dos docentes da rede
estadual de ensino. Neste caso, era o Maranhão quem, naquele período, melhor pagava os
professores da rede pública (R$ 10,62 a hora aula).
Em termos atuais, de acordo com depoimento prestado pelo presidente do
SINTEPE, professor Heleno Araújo, a situação salarial dos trabalhadores em educação da
rede estadual de ensino pode ser avaliada a partir da constatação de que
quando Jarbas entrou, o salário-base dos professores era de R$ 140,00. R$
40,00 acima do salário mínimo da época. Hoje os vencimentos básicos da
classe são de R$ 230,00. R$ 70,00 a menos que o mínimo. A situação é
ainda mais grave entre os administrativos, que no início da gestão Jarbas
ganhavam R$ 30,00 acima do salário-mínimo e atualmente recebem R$
140,00 abaixo (SITUAÇÃO ..., 2006, p. B 10).
Entrementes, vale salientar que tal realidade é reconhecida pelo próprio titular
da pasta da Educação, professor Mozart Neves Ramos, quando afirma que “apesar dos
impactos salariais trazidos pelo Plano de Cargos e Carreiras (PCC), reconheço que a questão
salarial ainda não foi resolvida” (Ibid.).
Com tal aviltação de salários e conseqüente desvalorização profissional
compreende-se a existência de toda uma problemática que compromete a atuação do docente
da rede estadual de ensino de Pernambuco gerando, entre outras conseqüências, a
desmotivação pela função docente, o desgaste físico por conta da sobrecarga com atividades
de ensino na rede particular ou, até mesmo, com atividades diferentes das do magistério, o
abandono da profissão, a estagnação em termos de capacitação profissional e, ainda, a
necessidade de ter que recorrer ao instrumento de greve para tentar (muitas vezes, em vão)
fazer valer o direito de uma digna remuneração salarial. De acordo com o sindicato dos
135
Por ocasião da pesquisa de campo, chegamos a constatar, a partir da exibição espontânea dos contra-cheques
de dois professores (novembro de 2005) o significado financeiro da desvalorização do docente da rede estadual
de ensino de Pernambuco. Na condição de “professor contratado”, com uma carga de trabalho de 200 horas-aula,
um dos docentes percebia o valor líquido de R$ 372,00 enquanto o outro com a mesma carga horária, porém,
com 22 anos de serviço e, ainda, com titulação de pós-graduação (no nível de especialista) recebia o valor
líquido de R$ 971,00! Já tendo trabalhado nesta mesma rede de ensino, foi fácil compreendermos o significado
de tal defasagem ao lembrarmos que, nos últimos 3 da década de 1980, o professorado conquistou um piso
equivalente a 6 salários mínimos o que, em valores atuais (março de 2006), corresponderia a R$ 1.800,00
(salário bruto).
252
professores – o SINTEPE – desde janeiro de 1995 a categoria vem acumulando perdas
salariais na ordem de 56,4%.
De 2001 a 2005, foram deflagradas cinco greves tornando-se, pois, um fato
constante na rede estadual de ensino e que tem dividido as opiniões até mesmo por parte
daqueles que mais diretamente são afetados pelas suas conseqüências. Neste sentido, um
aluno do 3º. ano do Ensino Médio assim se posicionou: “concordo que tem de ser feito greve.
Isso não vai trazer só aumento de salários, mas também melhoria de condições de ensino, o
que vai ser bom para a gente também” (FERRAZ, 2006, p. C 6). Em contrapartida, outro
estudante, do 1º. Ano, também do Ensino Médio, declarou que “uma greve prejudica muito os
alunos. Quando as aulas voltam, precisamos voltar ao assunto que parou no meio” (ibid.).
Referindo-se à situação salarial dos docentes da rede estadual de ensino, no ano
de 2001, o então Secretário de Educação, Raul Henry, apontava que a melhoria de tal situação
constituía-se num dos pontos chaves para um melhor desempenho desta mesma rede, pois “...
o salário está muito defasado (...). É impossível ter um profissional qualificado dentro da
escola se ele não tiver um salário digno” (PROFESSORES..., 2001, p. B 3). Juntamente com
este reconhecimento, o Secretário de Educação contrapunha informando que “... mas estamos
implantando um Plano de Cargos e Carreiras que é uma reivindicação histórica da categoria”
(Ibid.). Pelo desenrolar dos acontecimentos, parece que esta reivindicação continuará a fazer
parte das lutas históricas dos docentes da rede estadual de Pernambuco uma vez que, cinco
anos depois, o dito Plano ainda está sendo objeto de discussão e de motivação para o
desencadeamento de greve.
A partir de dados recentes, a situação dos trabalhadores em educação na rede
estadual de ensino pode ser vista na própria falta destes nas escolas. Tomando-se por base
uma pesquisa feita pelo SINTEPE, por ocasião da VII Semana Nacional em Defesa e
Promoção da Educação Pública (23 a 28 de maio de 2006), em 47 escolas (4,75% do total da
rede estadual), localizadas em diferentes regiões administrativas do Estado, a falta de
professores e de funcionários administrativos e de serviços gerais apareceu como sendo os
dois primeiros problemas das escolas consultadas (respectivamente, atingiram 55% e 34% das
respostas). Em relação aos funcionários, salientamos que desde a regulamentação da admissão
de pessoal no serviço público por concurso (de acordo com a atual Constituição), no ano de
2008 (portanto, daqui a 2 anos), irão ser completadas duas décadas que, em Pernambuco, não
é realizado concurso público para trabalhadores em educação no nível de funcionários.
A rede pública de ensino de Pernambuco, notadamente a estadual, encontra-se
num preocupante nível de gravidade a ponto de, no mês de dezembro de 2004, o Ministério
253
Público Estadual ter publicado uma portaria determinando a realização de uma investigação
para saber o quantitativo de docentes existentes na rede estadual, uma vez que o início do ano
letivo de 2005 parecia estar comprometido em decorrência da falta de professores, sinalizando
para um possível colapso. De acordo com os dados publicados no Diário de Pernambuco
(ANO..., 2004, p. C 5), do total de 36.114 professores que lecionam nas 1.142 escolas
públicas estaduais há 11.026 que não pertencem ao quadro oficial desta rede correspondendo,
assim, a 30,50% de docentes - quase 1/3 do professorado - que nela atuam na condição de
prestadores de serviços temporários (26,35%) ou como estagiários (4,15%).
Como o governo do Estado persistiu em realizar a contratação de docentes, em
regime de prestação temporária de serviços, o Ministério Público de Pernambuco, em
setembro de 2005, impetrou uma ação civil denunciando tal prática e, ainda, instou o governo
a realizar concurso público para a contratação de professores. A recomendação, porém, só foi
atendida parcialmente, dado que o concurso foi promovido para apenas 4.000 docentes e, para
cobrir as necessidades da rede escolar, o governo continuou a admitir contratos temporários.
Diante do descumprimento da liminar, o juiz Edvaldo Palmeira remeteu a questão para o
Tribunal de Justiça de Pernambuco o qual, na data de 16/05/06, expediu uma sentença
obrigando a Secretaria de Educação a nomear quase 4.000 candidatos que foram classificados
no último concurso para, assim, ser completado o restante das vagas que estavam ociosas. O
governo do Estado recorreu desta decisão judicial. Todavia, no dia 15 de agosto de 2006,
nova determinação do poder judiciário foi emitida para que o Estado nomeasse os aprovados
do último concurso e, ainda, rescindisse todos os contratos temporários, sob pena de
pagamento de uma multa diária de R$ 200.000,00 em caso de descumprimento da mesma
136
.
Deste exposto, não é necessário muito esforço para serem inferidas as conseqüências que tais
dados trazem para a qualidade do ensino público no que está inclusa a dificuldade para a
constituição da escola como unidade orgânica e autônoma.
A rede estadual de ensino vem apresentando uma comprometedora
deteriorização das condições físicas das suas escolas. Estas, por vezes, resultam não só em
136
De acordo com informações obtidas junto ao Ministério Público do Estado de Pernambuco (em 22/07/06) há
três ações processuais sendo movidas contra o Estado, relacionadas com a questão educacional: 1) o Processo
001.2005.008563-9, tramitando na 1ª. Vara da Infância cujo teor diz respeito ao ano letivo de 2004 ter terminado
com ausência de professores em uma escola sediada na capital; 2) o Processo 001.2006.000650-2, também com
tramitação na 1ª. Vara da Infância, desta vez por ausência de professores em 35 escolas estaduais, localizadas na
Região Metropolitana do Recife que concluíram o ano letivo de 2005 com déficit de professores e,
conseqüentemente, também, déficit de carga horária. 3) o Processo 001.2005.027756-2, tramitando na 5ª. Vara
da Fazenda Pública, relacionado com a não realização de concurso para o provimento do profissionais para o
quadro docente da rede estadual de ensino em quantidade suficiente para atender às necessidades.
254
condições inadequadas para a realização do processo ensino-aprendizagem como, mais grave
ainda, em ameaça à integridade física dos usuários da escola pública. A respeito disto, a
imprensa local tem noticiado com certa freqüência a ocorrência de desabamento de tetos,
paredes e muros de escolas e, ainda, existência de instalações sanitárias inadequadas. Por
outro lado, em documentos da própria Secretaria é admitido que “cerca de 40% da infra-
estrutura física das escolas em Pernambuco seja inadequada, com algumas escolas operando
em prédios alugados e a maioria sem mobiliário e equipamentos adequados (SECRETARIA
DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, 2004, p. 14).
Sobre as condições em que se encontra grande parte das escolas da rede
estadual de ensino de Pernambuco uma anônima aluna desta mesma rede parece traduzir a
realidade das quase 1000 escolas estaduais quando diz/denuncia:
aqui o que ta faltando é aquelas comidas gostosas. Eu não quero dizer que as
comidas da nossa maravilhosa merendeira seja ruim; mais está faltando
alguma coisa por que agora é sopa direto e o banheiro as portas estão todas
se quebrando é só agente tocar e a porta se quebra o telhado é cheio de
cupim e quando chove fica pingando dentro da sala então nós queremos uma
escola melhor nos crianças estamos pedindo uma escola muito melhor
(Aluna da 4ª. Série, 11 anos de idade)
137
.
Do ponto de vista pedagógico, a rede escolar estadual também vem sendo alvo
de denúncias nos meios de comunicação social e de questionamentos por parte do sindicato
docente apontando para uma realidade de precariedade desta rede. É o caso, por exemplo, de
o ano de 2005 ter terminado o primeiro semestre letivo com falta de professores de disciplinas
não só da área de Ciências (Matemática, Física...) como de outras áreas, tais como Ciências
Sociais (Geografia, História) e de Comunicação e Expressão (Língua Inglesa e Língua
Portuguesa). Tal é a gravidade deste problema que o Ministério Público Estadual têm sido
contundente em investigar suas causas.
No mês de julho de 2005, diante da denúncia feita por entidades estudantis e de
pais, o Ministério Público procedeu a uma investigação e constatou que, em 191 das 417
escolas estaduais existentes na Região Metropolitana do Recife, ocorreram problemas de
defasagem de carga horária em várias disciplinas, ou seja, na metade do ano letivo havia
disciplinas em que os alunos não haviam tido aulas ainda. No inquérito realizado, também
foram constatadas outras situações de irregularidades bastante graves como, por exemplo, a
repetição de notas em uma disciplina, obtidas em outro componente curricular.
137
Transcrição literal do texto exposto no Auditório do SINTEPE, por ocasião da VII Semana Nacional em
Defesa da Educação Pública, promovida pela CNTE/SINTEPE.
255
Uma questão que também se apresenta como bastante difícil na rede estadual
de ensino diz respeito à sistemática de aprovação do rendimento escolar do alunado. Desde o
ano 2001 foi implementado o sistema de aprovação por “progressão parcial”, ou seja, em caso
de reprovação em até três componentes curriculares de uma série, o aluno poderá prosseguir
nos estudos, na série subseqüente. Tal situação pode ser continuada até o final do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio.
Ficando em progressão parcial, em tese, o aluno deveria cursar as disciplinas
da série anterior, nas quais não logrou aprovação, em horário diferente do seu turno de estudo
para, de forma diversificada, ser submetido a atividades de avaliação. Entretanto, a prática
tem demonstrado a existência de uma realidade de “faz-de-conta” (expressão ouvida por
várias vezes quando conversamos a respeito deste assunto com professores das escolas nas
quais realizamos a investigação empírica) que tornam altamente questionável o valor
pedagógico da medida implementada nas escolas estaduais. Dentre outros, existem variados
fatores que dificultam uma execução proveitosa da progressão parcial, tais como: turmas
numerosas em termos de quantidade de alunos, o professor não poder dispor da sua carga
horária para um possível atendimento diferenciado aos alunos sob este regime, dificuldade do
aluno ficar dois diferentes turnos de estudos na escola (necessitaria de alimentação
adequada
138
ou ter dinheiro para pagar as passagens de ônibus). Em suma, apesar de não ser
admitido oficialmente, mas em grande parte das escolas, o “problema” é resolvido com
trabalhos escolares para o aluno realizar e apresentar ao professor ou, no máximo, ser feita
uma “avaliação” sem o devido acompanhamento ao aluno.
Os dados oficiais também revelam a existência de uma realidade de
precariedade nas condições materiais das escolas da rede rede pública. Neste sentido,
vejamos alguns exemplos extraídos do relatório do SAEPE (Sistema de Avaliação Educacional
de Pernambuco)
139
, do ano de 2002, do qual destacamos os itens que foram avaliados como
sendo “ruim” ou “inexistente”:
138
Em algumas vezes, presenciamos a distribuição de “merenda” resumida a algumas bolachas.
139
O SAEPE foi implantado no sistema público de ensino de Pernambuco no ano de 2000, no governo de Jarbas
Vasconcelos (primeiro mandato, 1998 – 2002) como uma estratégia visando a monitorar os indicadores de
qualidade e de desempenho do universo das unidades escolares que integram este mesmo sistema, desenvolver
políticas de incentivo às escolas, em função da melhoria da qualidade e do desempenho e possibilitar uma
sistemática de acompanhamento e apoio às unidades escolares que apresentarem deficiências na avaliação dos
seus resultados.
Na avaliação de 2002, foram envolvidas 6.098 escolas das quais 949 eram estaduais. Do Ensino Fundamental
foram avaliadas 387.008 alunos e 51.726 estudantes do Ensino Médio. Neste processo também foram
envolvidos 2.466 diretores escolares e 12.201 professores.
256
Tabela VII – Quadro demonstrativo da alguns equipamentos físicos e pedagógicos da rede
pública de ensino do Estado de Pernambuco avaliados como “ruim” ou “inexistente”
140
Equipamento Ruim Inexistente
Instalações hidráulicas 13,6% 32,7%
Pintura 26,4% 1,7%
Iluminação artificial das salas de aula 8,4% 16,0%
Carteiras escolares 15,8% 0,7%
Mimeografo 10,7% 29,3%
Biblioteca 4,8% 75,8%
Retroprojetor 1,2% 85,6%
Laboratório de informática 0,5% 92,6%
Computador para uso administrativo 0,8% 78,3%
Computador para uso de alunos 0,4% 92,50%
Laboratório de Ciências 0,5% 92,6%
Quadra esportiva 4,0% 88,2%
Área coberta para recreação 4,9% 64,2%
Sala de professores 3,4% 69,1%
Sala para Direção 3,9% 67,7%
FONTE: Relatório do SAEPE, 2002 (PERNAMBUCO, 2003)
Mais recentemente, a situação da educação em Pernambuco ficou exposta para
o país quando se deu a divulgação dos resultados do “Prova Brasil”, uma nova avaliação
sobre a educação brasileira, feita pelo MEC/INEP, a partir da aplicação de testes de Língua
Portuguesa e Matemática nas quartas e oitavas séries do Ensino Fundamental bem como da
verificação de outros itens, tais como: aprovação, reprovação, abandono, média de horas-aula
diária, docentes com curso superior e distorção idade/série (os três primeiros itens foram
relacionados ao ano de 2004 e o restante ao ano de 2005). Apesar do regozijo expresso pelo
Secretário de Educação de Pernambuco, prof. Mozart Neves, por Pernambuco ter ficado em
quarto lugar no país no índice de rendimento escolar dos alunos da 4ª. série do Ensino
Fundamental, na disciplina Língua Portuguesa, por outro lado, em outros indicadores, este
Estado não ficou em situação favorável como podemos ver na tabela a seguir.
TABELA VIII - Resultados do Estado de Pernambuco na avaliação do Prova Brasil em
confronto com os resultados nacionais, na 4ª. Série
Aprova-ção
Repro-vação
Aban-dono
Média de
Horas-aula diária
Docentes com curso superior
140
Originariamente, no Relatório constam outros itens de classificação: bom e regular (em caso de existência e
de estado de conservação).
257
Distorção
Serie/idade
Pernambuco
78,9%
13,6%
7,5%
4,3%
47%
41,9%
Brasil
84,4%
11,2%
4,4%
4,3%
56,8%
27%
Fonte: INEP, 2006
Como pode ser inferido, os resultados de Pernambuco, na 4ª. Série do Ensino
Fundamental, com exceção do item “média de horas-aula diária” (quando a media estadual foi
igual à média nacional), demonstram que esta unidade da federação encontra-se em situação
negativa em relação à média do País, destacando-se o item “distorção série/idade” quando, em
relação ao País, Pernambuco possui 14% a mais.
Em relação à 8ª. Serie, foram os seguintes resultados:
TABELA IX - Resultados do Estado de Pernambuco na avaliação do Prova Brasil em
confronto com os resultados nacionais, na 8ª. série
.
Apro-vação
Repro-vação
Aban-dono
Média de
Horas-aula diária
Docentes com curso superior
Distorção
Série/idade
Pernambuco
65,5%
13,1%
21,4%
4,1%
258
91,8%
62,4%
Brasil
76,7%
12,1%
11,2%
4,5%
86,9%
38,9%
Fonte: INEP, 2006
Relacionado com a 8ª. série, os resultados de Pernambuco, com exceção do
item “docentes com curso superior” (quando a média estadual foi superior em 4,9% à média
nacional), demonstra esta unidade da federação encontrar-se em situação negativa em relação
à média do País, destacando-se o item “abandono” quando, em relação ao País, Pernambuco
tem 10,2% a mais.
Em meio à realidade acima sucintamente descrita, não podemos deixar de
reconhecer o esforço que é realizado por grande parte dos professores e demais educadores da
rede pública de ensino de Pernambuco para que, a despeito das condições adversas, a
educação pública neste estado seja revestida de um caráter de qualidade social para que os
seus habituais usuários, mormente oriundos das camadas populares, adquiram o cabedal de
conhecimentos e embasamento crítico que pode ser proporcionado pela educação escolar em
vista da possibilidade de exercerem a plena cidadania.
Ilustrando o registro acima, seja destacado que, nos últimos dois anos,
Pernambuco foi campeão nacional do Prêmio Gestão Escolar (instituído pelo Ministério da
Educação) através de duas escolas da rede estadual: a Escola Estadual “Jandira de Andrade”
(localizada na cidade de Limoeiro), no ano de 2004, e a Escola Estadual Severino Farias
(sediada na cidade de Surubim), no ano de 2005. Na primeira unidade escolar, o destaque foi
por conta da realização exitosa de uma experiência de ensino em língua estrangeira, mais
especificamente da língua alemã. Desta experiência, resultou o estabelecimento de um
intercâmbio cultural entre a cidade de Limoeiro e a cidade alemã de Grunschule Westerholt.
259
Na segunda unidade escolar, o destaque foi para a realização de uma experiência de inclusão
de deficientes visuais no Ensino Médio
141
.
Mesmo que os exemplos acima possam parecer pequenos, entretanto
constituem significativas realizações quando se tem presente (e como pessoalmente
constatamos) as precárias condições em que a rede estadual de Pernambuco vem funcionando
e, ainda, a condição salarial que ora vive o docente desta mesma rede
142
. Além disso, as ditas
escolas concorreram com 118 outras e foram vistas, em âmbito nacional, como melhor
correspondendo aos critérios de avaliação do referido Prêmio, ou seja: existência de
comprovada gestão participativa, grêmio estudantil atuante, ocorrência de inovações
pedagógicas e serviços de apoio disponíveis na unidade escolar.
No bojo dos anseios democráticos que caracterizam a sociedade brasileira na
década de 1980, os educadores pernambucanos, aliados aos setores sociais progressistas,
conseguiram que a gestão democrática da escola pública de Pernambuco fosse incorporada na
Constituição Estadual (promulgada em 05/10/89) o que, do ponto de vista constitucional,
respalda a luta pela sua efetiva implementação e vivência no sistema público de ensino de
Pernambuco. Sobre esta modalidade de gestão, o texto constitucional assim dispõe:
Art. 182 - A lei assegurará às Escolas Públicas, em todos os níveis, a gestão
democrática com participação de docentes, pais, alunos, funcionários e
representantes da comunidade.
Parágrafo Único - A gestão democrática do ensino público será consolidada
através dos Conselhos Escolares.
Aliado a uma prática já experimentada e desenvolvida nas bases do sistema, o
preceito constitucional acima veio contribuir para que, no ano de 1993, ocorresse a
institucionalização dos Conselhos Escolares através do decreto-lei 11.014 de 20/12/93,
assinado pelo então governador Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti (PFL). Sem entrar
141
Oportunamente, quando falarmos das escolas nas quais realizamos a pesquisa de campo, também veremos
como essa dinâmica de busca de superação dos limites também ocorre no interior das mesmas.
142
No momento da redação desta parte do presente trabalho, temos diante de nossos olhos um exemplar do
jornal “Diário de Pernambuco”, edição do dia (03/01/2006) trazendo como manchete de capa a seguinte:
“ESTADO VAI CONTRATAR 3.178 PROFESSORES”. Abaixo da manchete, juntamente com rápidas
informações a respeito do processo seletivo, também era informado que “os salários são de R$ 240 para
profissionais de nível médio em regime de 150 horas/aula, R$ 315 para quem tem curso superior em
regime de 150 horas/aula, e R$ 420 para docentes com formação superior e com regime de 200
horas/aula” (o grifo é nosso).
Considerando que o concurso é para professores temporários (cujo contrato pode durar até 4 anos) seja lembrado
que o Ministério Público já se posicionou contrário a tal tipo de contratação e, inclusive, fez forte recomendação
para que o governo do Estado realizasse concurso para função docente efetiva no serviço público. Ademais, na
greve ocorrida no ano de 2005 (com duração de 46 dias), a realização de concurso para professores efetivos
constou como um dos pontos de negociação da pauta do sindicato docente (SINTEPE) a que o Governo do
260
no mérito da questão a respeito do funcionamento desses espaços colegiais, destacamos que,
de acordo com os dados do SAEPE-2002, 96,6% das escolas estaduais possuíam o Conselho
Escolar e 77,7% das escolas municipais de Pernambuco. Entretanto, a partir de uma tendência
que há de algum tempo estamos observando e, inclusive, prescrita pelo próprio Plano Estadual
de Educação, vem ocorrendo uma anomalia na rede estadual de ensino com a fusão do
Conselho Escolar e a Unidade Executora/UEx como se fossem duas instituições congêneres.
Desta forma, como as UEx têm que ser registradas em cartório público, e muitas delas
constam como também sendo “Conselho Escolar”, é bem provável que o referido percentual
de escolas estaduais que possui Conselho Escolar não signifique dizer que tais instituições
funcionem como instâncias, efetivamente, colegiadas.
Quanto à representatividade dos segmentos que devem tomar assento no
Conselho, o referido relatório afirma que
a composição desses conselhos é variável, mas, via de regra, inclui a quase
totalidade dos setores que atuam na escola e seu entorno. Assim, dentre as
escolas que possuem Conselho Escolar constituído, em 94,6% dos casos,
participam professores; em 93,5%, pais; em 89,1%, funcionários da escola;
em 78,3%, representantes da comunidade; e em 73,3%, os alunos (Ibid.,
p. 47)
.
No que diz respeito à institucionalização da organização estudantil no âmbito
da escola estadual pernambucana, este é também um setor que apresenta fragilidade, ou seja,
existem poucos grêmios estudantis. De acordo com informações obtidas na própria GERE
METROSUL (órgão intermediário de gerenciamento do sistema educacional de Pernambuco),
no ano de 2006, das 103 escolas que estão sob sua jurisdição, em apenas 17 delas há Grêmio
Estudantil, o que corresponde a apenas 16,5% do total dessas unidades escolares.
6.3 A AUTONOMIA DA ESCOLA DESENHADA NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E
IMPLEMENTADA NO SISTEMA PÚBLICO DE ENSINO DE PERNAMBUCO
Há um certo tempo que a defesa da autonomia da escola tem feito parte das
históricas bandeiras de luta dos educadores e dos setores sociais progressistas do nosso país.
Na década de 1980, a defesa deste princípio também integrou o conjunto das reivindicações e
dos ensaios feitos pelos educadores pernambucanos, na perspectiva da democratização da
escola. Por ocasião do processo de debates e reflexões em vista da elaboração do Plano
Estado declarou assentimento. Porém, na prática, o governo estadual deu outro encaminhamento, ou seja, a
261
Decenal de Educação para Todos, a autonomia da escola fez parte das metas a serem
implementadas no sistema público de ensino, conforme consta no Relatório-Síntese de
Pernambuco (MEC, 1994, p. 240). Entretanto, como é sabido, somente com a LDBEN
9394/96, é que se deu a incorporação deste princípio como uma diretriz de política
educacional a ser implementada em todo o território nacional e, conseqüentemente, na
unidade federativa de Pernambuco. Neste sentido é que a implementação da autonomia da
escola no sistema público de ensino pode ser vista ocorrendo em duas distintas etapas ou
fases, a saber: antes e após a LDBEN 9394/96. Vejamos, pois, como isto ocorreu e vem
acontecendo.
Tomando-se por base os Planos Estaduais de Educação de Pernambuco, até
antes à promulgação da atual LDBEN, os documentos de política educacional desta unidade
federativa fazem uma menção muito vaga a respeito de tal princípio. É o caso, por exemplo,
do Plano Estadual de Educação de 1996-1999 (PEE/1996 –1999) que se limita em afirmar que
a escola é uma “instituição que, não obstante gozar de autonomia relativa, articula-se a uma
estrutura governamental mais ampla” (p. 26). Neste documento, o Projeto Político-
Pedagógico aparece como uma das ações voltadas para a melhoria da gestão escolar e o
governo de então (governo Miguel Arraes) se comprometeu em incentivar “para que cada
escola formulasse, com o conjunto da comunidade escolar, o seu projeto pedagógico e o
vivenciasse, tomando como referência a política estadual de educação” (GOVERNO
ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 1996, p. 36). Apesar desta inclusão do Projeto Político-
Pedagógico no PEE/1996-1999 e o compromisso do governo estadual para incentivar a sua
elaboração na rede escolar pública estadual, em nenhum momento tal documento estabeleceu
uma conexão explícita entre o Projeto Político-Pedagógico e a autonomia escolar.
Considerando-se que (i) a autonomia da escola, desde a década de 1930, já
vinha fazendo parte das bandeiras de luta dos educadores e pesquisadores progressistas, (ii) a
gestão de governo de Miguel Arraes se autoproclamava como progressista e (iii) a Secretaria
de Educação de Pernambuco estava sob a liderança de uma educadora e intelectual conhecida
por seus posicionamentos progressistas (a professora Silke Weber), é possível afirmarmos que
houve um atraso na incorporação do princípio da autonomia da escola nos documentos de
políticas educacionais de Pernambuco.
realização de concurso público para contratação temporária.
262
Como já dissemos em momento anterior, somente a partir da LDBEN 9394/96
foi que os documentos de políticas educacionais deste Estado acolheram o princípio da
autonomia escolar com as configurações que serão vistas a seguir.
Elaborados pela Diretoria de Coordenação e Organização Escolar (órgão da
Secretaria de Educação de Pernambuco), ainda no governo de Miguel Arraes, foram
publicados três subsídios, intitulados “Cadernos de Gestão”. Com estes materiais percebe-se
um novo direcionamento no tratamento da autonomia da escola na política educacional
pernambucana uma vez que eles expressavam concepções e orientações que davam suporte
para a implementação da autonomia escolar, na perspectiva de poder ser visibilizada a gestão
democrática da escola.
Como consta no 1º. Caderno de Gestão, o Projeto Político-Pedagógico,
juntamente com o Conselho Escolar, é apresentado como um instrumento necessário para a
construção da autonomia da escola e, ainda, como forma colegiada de gestão democrática.
Aliás, a gestão democrática da escola constituía-se no tema nucleador das reflexões dos
citados “Cadernos de Gestão”.
Além do avanço representado pelo estabelecimento de um nexo entre o Projeto
Político-Pedagógico e a autonomia da escola, destacamos como positivo no processo de
implementação dos projetos políticos-pedagógicos no sistema público de ensino de
Pernambuco a ênfase dada nos documentos de política educacional (no final do governo
Arraes) para que as unidades escolares elaborassem o Projeto Político-Pedagógico na
perspectiva do “exercício da cidadania e da participação na construção de uma escola como
direito social, público e subjetivo” (GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 1997,
mimeog.). Também expressando um compromisso do governo de então, através dos órgãos de
gerenciamento do sistema educacional estadual, podemos constatar que grande parte do
“Caderno de Gestão 1” consta de orientações bastante precisas para que as escolas públicas
elaborassem seu Projeto Político-Pedagógico.
Com a elaboração e publicação do Plano Plurianual/2000-2003 (GOVERNO
ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2003), do governo Jarbas Vasconcelos, a gestão escolar
(juntamente com a democratização da política educacional) é anunciada como uma diretriz
desta administração para o setor educacional, setor este assumido, no discurso, como uma das
suas prioridades. Certamente em consonância com as diretrizes formuladas no Plano
263
Plurianual 2000-2003, há no Plano Estadual de Educação/2000-2009
143
(GOVERNO
ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2001) um capítulo especificamente dedicado à “Gestão e
fortalecimento da autonomia da escola”.
A partir da leitura e análise da secção do diagnóstico do citado capítulo, fica
evidenciado que a gestão e a autonomia da escola foram incorporadas ao sistema público de
ensino de Pernambuco na perspectiva, quase que exclusiva, de serem respostas para a solução
dos problemas existentes no sistema (baixos níveis de qualidade e eficiência, distorção entre
série escolar e idade, dificuldades de absorção do Ensino Médio para demanda das matrículas
oriundas do Ensino Fundamental). Tal concepção se constitui num desvio das motivações e
razões que devem subsidiar a implantação da gestão democrática da escola. Concordando com
Cabral Neto (2000, p. 35), a implementação da gestão democrática se justifica pela
possibilidade de garantir a participação política dos atores sociais que compõem a
comunidade escolar e não para compensar a incapacidade do Estado em prestar serviços
essenciais à sua população.
Ainda na seção “Diagnóstico”, do PEE/2000-2009, encontramos que a gestão
escolar, na perspectiva da escola autônoma, é vista como sendo uma exigência decorrente da
visão federativa do país que “define o fortalecimento geral da União dos Estados e dos
Municípios nas novas competências com a oferta de educação” (pág. 75). Ora, esta
compreensão sobre a gestão e autonomia da escola representa, no mínimo, um entendimento
empobrecido e, além disto, parece desconhecer os embates travados pelos educadores e suas
entidades representativas, desde o final da década de 1970, em favor da efetivação da gestão
democrática e da autonomia da escola no cenário educacional e ainda, em última análise, para
que expressasse uma contribuição em favor da democratização da sociedade brasileira e,
como vimos no Capítulo IV, este foi um movimento bastante intenso no qual os educadores,
sob múltiplas formas e ações, estiveram bastante empenhados. Na especificidade da realidade
pernambucana, os educadores deste Estado também vêm marcando presença e tendo forte
atuação, sobretudo em sua entidade representativa (a antiga APENOPE – Associação dos
Professores do Ensino Oficial de Pernambuco, nas décadas de 1970 e 1980 e, atualmente, o
SINTEPE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco).
Nas formulações do PPPE/2000-2009 sobre a autonomia da escola não é
enfatizada a sua compreensão como um princípio de sustentação da gestão democrática,
143
Diferentemente dos anteriores, que possuíam vigência de quatro anos, este Plano Estadual de Educação
passou a ter vigência de dez anos atendendo, assim, às determinações do Plano Nacional de Educação (lei
10.172, de 09/01/2001), artigo 2
o
.
264
como, por exemplo, é apontado por Gadotti (2000). A autonomia escolar é exposta, apenas,
como sendo uma decorrência das “transformações do mundo atual e das exigências impostas
pela sociedade” (GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2001, p. 76) e uma
prescrição da LDBEN 9394/96.
Para o fortalecimento da autonomia escolar é afirmado que tal aconteceria
mediante o “fortalecimento dos órgãos estudantis, da formação à distância e em serviço de
suas lideranças, voltadas para o desenvolvimento de competências nas áreas disciplinares –
eixos Pedagógico, Administrativo e Relacional” (Ibid.). Formular estas estratégias como
sendo mediações da autonomia da escola num documento do porte de um Plano Estadual de
Educação sinaliza, no mínimo, para uma dificuldade em acolher e lidar com o significado
progressista da autonomia escolar. Por outro lado, este dado revela, também, um desencontro
desta gestão de governo em relação à construção histórica feita pelos educadores e forças
sociais progressistas, nas últimas duas décadas, sobre a autonomia da escola cujo
fortalecimento foi compreendido como se dando através da participação dos atores sociais
envolvidos no processo educativo para a construção de um projeto pedagógico
(CAVAGNARI, 1998; MACHADO, 1997; PARO, 1998;, VEIGA, 1998).
Após cinco anos de vigência do PEE/2000-2009, apesar de um aparente
discurso progressista, parece que, nos órgãos de gerenciamento do sistema educacional de
Pernambuco, tal desencontro não tenha sido desfeito dada a permanência de um entendimento
de autonomia e de participação diferenciados dos entendimentos progressistas como podemos
inferir da fala abaixo, proferida por uma funcionária qualificada da Secretaria de Educação,
quando, numa entrevista, dizia que
(...) a gente acha que a autonomia da escola vai passar pela gestão
participativa. Quanto mais participação da comunidade na escola, mais
autonomia essa escola terá. Tem muita escola da nossa rede que faz coisas
que, depois, é que comunica a gente e a gente dá os parabéns, está
entendendo? Quer dizer, neste caso, é aquela autonomia responsável. Não é
aquela autonomia pra fazer coisas absurdas, nem ir de encontro à legislação.
Pois bem, tem muitas escolas da rede que, quando a gente chega lá, eles
contam coisas maravilhosas que fazem com a comunidade, que eles se
articulam com a comunidade e fazem mutirão de limpeza com os meninos;
mutirão como agora há pouco, foi feito em Ipojuca no qual os alunos
ajudaram na limpeza da praia (...).
Na secção dos “Objetivos e Metas”, ainda do capítulo sobre a “Gestão e
fortalecimento da autonomia da escola” (PEE/2000-2009), o fortalecimento da autonomia
escolar é apresentado como resultado da revitalização “em dois anos” das instituições do
Conselho Escolar/Unidade Executora, Associação de Pais e Grêmios Estudantis” (p. 77), por
265
meio da “participação da sociedade na gestão das escolas” (Ibid.). Esta formulação tem o
mérito de parecer querer reparar o equívoco da compreensão anteriormente analisada sobre o
fortalecimento da autonomia escolar. Entretanto, além de apontar para a possibilidade de o
PEE/2000-2009 ter sido escrito por mãos com diferentes concepções, esta redação pode ser
vista como um indicativo da orientação neoliberal que, a partir da gestão de governo de Jarbas
Vasconcelos, vem sendo dada às políticas educacionais em Pernambuco, ou seja, o
entendimento e a prática da participação dos atores sociais da escola de forma restrita.
Em tal orientação, a Unidade Executora é apresentada como uma instituição
com finalidades similares à do Conselho Escolar, o que não corresponde aos entendimentos
dos educadores e pesquisadores que consideram esta instância como um espaço possibilitador
da institucionalização da colegialidade na escola (RODRIGUES, 1985; SILVA, 1996 e PAZ,
2004, dentre outros). A Unidade Executora é uma das estratégias do governo federal visando
à descentralização dos recursos do FNDE. Sob o intuito de repassar dinheiro diretamente para
a escola, esta medida representa uma recentralização das decisões na esfera federal (VIEIRA
e ALBUQUERQUE, 2002, p. 87). Por outro lado, não nos parece que seja possível falarmos
de autonomia quando a escola apenas administra um recurso com finalidades rigidamente pré-
determinadas uma vez que, desta forma, a dimensão financeira da autonomia escolar fica
bastante comprometida. Pelo que verificamos na pesquisa de campo (de modo especial na
leitura e análise das atas dos Conselhos Escolares/Unidades Executoras) a ênfase na Unidade
Executora resultou em prejuízo para a dinamização e desenvolvimento do Conselho Escolar
que possui funções e objetivos muito mais amplos do ponto de vista da colegialidade na
gestão da escola. Juntamente com outras instituições colegiais e efetivos mecanismos de
participação, o Conselho Escolar pode tornar visível a democratização da escola (DUTRA,
1999, p. 24).
Considerando-se que a institucionalização do Conselho Escolar também se
inspira na reflexão gramsciana (GRAMSCI, 2004, p. 364), no sentido de a classe trabalhadora
estar dotada de um instrumento de decisão na esfera produtiva na qual os seus membros
podem se realizar (ou não) como sujeitos humanos, por analogia e guardadas as devidas
proporções, poderemos considerar a instalação do Conselho Escolar, no âmbito educacional
em geral e, especificamente, no cenário educacional pernambucano, como um dado histórico,
o início de um novo tempo para, a partir de sua instalação, poder ser desencadeada uma
verdadeira reforma educacional. Neste sentido, não nos parece ser despropositada a suposição
de que a fusão UEx/Conselho Escolar pode ser vista como uma estratégia neoliberal visando a
266
barrar a possibilidade de instauração de algo novo na gestão da escola, numa perspectiva
democrática, mediada pelos processos participativos que devem ocorrer no Conselho Escolar.
Como é lembrado por Veiga (2001, p. 51), o Plano de Desenvolvimento da
Escola (PDE), embasado na perspectiva do planejamento estratégico, vem sendo uma
sobreposição ao Projeto Político-Pedagógico. Juntamente a isso, o PDE trabalha com uma
visão reducionista da escola e não possibilita uma reflexão mais substantiva sobre o modelo
de sociedade que se quer construir nem sobre o ideal de Homem que a escola pretende formar.
A respeito do aspecto financeiro da autonomia escolar, o PEE/2000-2009 (pág.
78) formula que sua ampliação será feita “por meio do repasse de recursos diretamente às
escolas para pequenas despesas de manutenção e cumprimento de sua proposta
pedagógica”
144
. Considerando que a prática de repasse de recursos diretamente à escola, desde
a primeira gestão de governo de Jarbas Vasconcelos (iniciada em 1º. de janeiro de 1999), já
vinha sendo adotada no sistema público de ensino de Pernambuco, como chamar essa medida
de ampliação da autonomia financeira da escola quando, na verdade, apenas ratificou uma
prática já existente? Utilizando-nos do posicionamento de Martins (2002, p. 127), encaramos
que essa “transferência de recursos para a escola, - ainda que em pequena proporção diante de
suas necessidades – constitui um processo de desconcentração, e não de descentralização”,
pois a autonomia financeira da escola estaria sendo realizada dentro de limites bastante
estreitos.
Em relação ao entendimento da descentralização como repartição do poder
entre as várias instâncias que integram uma unidade sistêmica e, no caso do objeto de estudo
do presente trabalho, como uma condição necessária para a autonomia da escola, tanto nas
gestões de governo de Miguel Arraes como de Jarbas Vasconcelos, não foi possível
identificarmos uma proposta de descentralização capaz de desencadear um processo de
mudanças no sistema educacional de Pernambuco que possibilitasse à escola ocupar uma
efetiva posição de centralidade neste mesmo sistema.
Tais gestões de governo apresentaram posicionamentos contraditórios em
relação à existência e funcionamento de instituições e mecanismos de compartilhamento do
144
Ainda que não tenha se constituído num projeto sistematizado, essa formulação do PEE/2000-2009 apresenta
semelhanças com o Projeto “Pró-qualidade”, desenvolvido no Estado de Minas Gerais no período de 1994 a
1999 sobre o qual Fonseca (2001, p. 35ss) analisa que, com o repasse de um pequeno fundo à escola, com vista a
estimular o quadro administrativo a tomar decisões que afetem materialmente a escola e a responsabilizar-se
pelos resultados da suas decisões, a autonomia da escola tenha sofrido um processo de redução do seu real
significado.
267
poder no interior da escola, a saber: Conselho Escolar, Grêmio Estudantil e eleição para
diretor escolar
145
.
Se, por um lado, no governo Arraes houve esforços e iniciativas para a
institucionalização do Conselho Escolar e do Grêmio Estudantil na rede escolar estadual, por
outro lado, este governo obstaculizou a implementação das eleições para diretor escolar
quando por ocasião de um projeto apresentado à Assembléia Legislativa de Pernambuco, pelo
deputado Paulo Rubem (PT), no ano de 1995. Para que o projeto fosse aprovado pela
Assembléia Legislativa seria necessário que o governador abrisse mão da prerrogativa,
garantida pela Constituição Estadual, de prover a função de diretor escolar por nomeação, o
que não foi feito por Miguel Arraes. Em todo caso, nesta administração, foi tolerada a
realização de eleições para diretor escolar em boa parte das unidades da rede escolar estadual,
sobretudo as localizadas na capital e na Região Metropolitana do Recife. Porém, por não
possuírem respaldo legal, não foram poucos os casos nos quais as escolhas das comunidades
escolares tiveram que depender do jogo de negociações envolvendo lideranças políticas para
serem efetivadas.
Em relação ao Conselho Escolar, vale frisar que na gestão Arraes foi levado em
consideração o posicionamento do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco
(SINTEPE) para que não fosse implantada na rede estadual de ensino as chamadas Unidades
Executoras, apesar da pressão do governo federal para que estas fossem implementadas nas
escolas públicas. Somente quando o prazo dado pelo governo federal foi se esgotando (maio
de 1999) foi que as Unidades Executoras passaram a ser instituídas nesta rede de ensino.
Aliás, Pernambuco foi o último estado da federação a implementar as unidades executoras,
apesar do posicionamento contrário do SINTEPE e de grande parte do professorado. Quando
isto ocorreu, seguindo a orientações dos órgãos de gerenciamento da rede pública de ensino
de Pernambuco, a implementação da UEx foi realizada em fusão com o Conselho Escolar.
Sobre esta questão, através da sua presidenta, professora Teresa Leitão, o SINTEPE assim se
posicionou:
145
Certamente sob o signo da contradição que norteou grande parte da gestão de governo de Miguel Arraes,
sentimo-nos no dever de recordar que esta mesma administração procurou desenvolver um modelo de
descentralização coordenada que também buscou atingir o setor educacional em vista da promoção da
“articulação de iniciativas e da criação de meios potencialmente capazes de permitir, a curto e médios prazos,
modificações positivas no panorama educacional do Estado”(PEE/1996-1999). Em relação ao sistema
educacional, tal modelo de coordenação foi consubstanciada na “retomada dos Fóruns Itinerantes de Educação,
abertos à participação da sociedade, como principal instrumento de macroplanejamento e na organização de
Reuniões Interativas Regionais como canais de aprofundamento da relação da Secretaria com os Órgãos
Municipais de Educação e a criação e manutenção de Comissões Interinstitucionais (ibid.).
268
ao reivindicarem na sua Campanha Salarial Educacional/99 a suspensão da
implantação das Unidades Executoras nas escolas públicas estaduais, os
trabalhadores em educação tinham algumas convicções. Primeira, de que
estavam se posicionando em defesa do caráter público dessa escola, como
direito de todos e dever do Estado. Segunda, de que essa posição significava
um importante passo para consolidar a aliança com pais e alunos na
construção de uma escola pública, democrática e de qualidade. Terceira, de
que essa reivindicação, isenta das tradicionais justificativas de oneração na
folha de pagamento, seria o principal ponto de embate entre o Governo e a
categoria, devido à carga de concepção de gestão pública que ela carrega
(...). A Unidade Executora, de fato, é um símbolo do processo de
privatização imposto ao nosso país. A forma pode até não ser
suficientemente clara para assustar, inclusive por razões estratégias do
próprio Governo. Entretanto, a contextualização da medida no âmbito das
políticas neoliberais para a educação, não deixa dúvidas do seu significado.
Por um lado abre-se o espaço da escola pública, em nome da “autonomia”,
para a iniciativa privada e a adesão a providências individualizadas que cada
vez mais desresponsabilizem o Estado de seus deveres. Por outro lado,
constrói-se no imaginário social a tese de que o público só pode melhorar e
funcionar bem se for “gerenciado” pelo privado (LEITÃO, 1999, p. 12).
Também desde 1999, apesar da promessa contida no PPE/2000-2009, não tem
havido uma ação efetiva para a implantação e/ou funcionamento do Conselho Escolar e do
Grêmio Estudantil na rede estadual de ensino de Pernambuco. Esta lacuna, que se apresenta
com um certo tom proposital, deve-se, em parte, à concentração de esforços que as unidades
escolares tiverem que fazer em relação à elaboração e execução do PDE.
Somente no mês de junho de 2005, foi que a Secretaria de Educação cuidou da
reativação dos conselhos escolares, incentivando a abolição da fusão com as unidades
executoras. Tal ação não decorreu de um efetivo compromisso desta instância administrativa
com a democratização da escola, mas, sim, de uma advertência do Ministério Público de
Pernambuco para que, somente assim, pudesse ser efetivado o processo eletivo para a escolha
dos diretores escolares, conforme se encontra prescrito nos dispositivos legais que
normatizam este mesmo processo. Entretanto, essa medida foi prejudicada pelos seguintes
fatores: a proximidade de uma greve do professorado da rede estadual (já marcada há algum
tempo) e o período festivo do mês de junho que afeta bastante o funcionamento da rede
escolar básica nesta unidade federativa. Desta forma, ficou inviável desencadear um processo
de mobilização e de participação ativa em vista da reativação dos conselhos escolares.
No que diz respeito à eleição para diretor escolar, a sociedade pernambucana
foi surpreendida com sua institucionalização, através do Decreto 23.583, datado de 10/09/01,
a partir do qual passava a ser executado o chamado Projeto Escola Democrática
146
. Através
146
Além deste instrumento, foram editados outros diplomas legais relacionados com o Projeto “Escola
Democrática”, a saber: o Decreto No. 23.583, de 10/09/2001 que regulamenta a função de Diretor junto às
269
deste Projeto, abrindo mão das prerrogativas que o artigo 183 da Constituição Estadual lhe
conferia, o Governador Jarbas Vasconcelos deu um novo encaminhamento à regulamentação
da função de diretor das escolas públicas estaduais, substituindo o tradicional sistema de
nomeação dos diretores por via indicação política
147
por um sistema de seleção misto no qual
o pretendente ao cargo de diretor escolar seria submetido a duas etapas seletivas (prova escrita
e eleição na unidade escolar). Entretanto, desde o ano de 1997, o SINTEPE já havia elaborado
uma proposta para eleição de diretores escolares sobre a qual as autoridades educacionais e
governamentais – legislativas e executivas - demonstraram pouco interesse pela apreciação e
aprovação.
O fator surpresa deve-se ao fato de a eleição para diretor não ter feito parte da
pauta dos compromissos de campanha de Jarbas Vasconcelos. Por outro lado, nos poderes
executivo e legislativo predominavam partidos e grupos políticos ideologicamente
conservadores que sempre utilizaram a indicação dos diretores de escolas como um
instrumento de barganha e demonstração de força política.
Para um governo sustentado em bases políticas e ideológicas conservadoras,
como explicar a implementação desta medida, vista como participativa e progressista? Esta
indagação fez com que procurássemos investigar as razões pelas quais surgiu e foi implantado
o “Projeto Escola Democrática”. Tomando por base vários depoimentos orais colhidos junto a
funcionários da própria Secretaria de Educação e diretores de escolas públicas estaduais,
obtivemos as seguintes informações:
O Projeto começou a ser gestado após a substituição do secretário de educação
Efrém Maranhão por Raul Jean Louis Henry Jr.
148
, a quem o governador queria como titular
desta pasta desde o início de sua gestão. Oriundo do meio empresarial, onde atuava
escolas públicas estaduais; o Decreto No. 23.688, de 12/10/2001 que altera o artigo 3
o
. do Decreto No. 23.583,
de 10 de setembro de 2001 e dá outras providências; o Decreto No. 23.737, de 26/10/2001 que altera o
cronograma de eventos de que trata o anexo único do Decreto No. 23.583, de 10/09/2001 e dá outras
providências; a Portaria SE 6.484, de 04/12/2001 que torna pública os procedimentos para a realização da 2
a
.
etapa do processo de escolha, indicação e nomeação para a função de representação de diretor; o Decreto No.
24.238, de 24/04/2002 que regulamenta a nomeação para a função de representação de diretor junto às escolas
públicas estaduais e dá outras providências a Portaria SE No. 3725, DE 08/05/2002 que torna públicos os
procedimentos para a realização do processo de escolha, indicação e nomeação para a função de representação
de diretor junto às escolas públicas estaduais e o Decreto No. 24.390, de 10/06/2002 que altera o Parágrafo único
do Artigo 10 do Decreto No. 24.238, de 24/04/2002.
147
Melhor seria dizer por apadrinhamento político, pois a indicação para diretor de escola era feita por um
político que, via de regra, deveria ser do partido do governador ou um seu aliado político.
148
Na primeira gestão de Jarbas Vasconcelos, houve 3 secretários de educação: Éfrem de Aguiar Maranhão, de
01/01/99 a 23/01/2001; Raul Henry, de 24/01/2001 a 08/04/2002 e Francisco de Assis Rocha, de 09/04/2002 a
31/12/2002.
270
profissionalmente, Raul Henry teria se preocupado com o fraco desempenho do sistema
educacional de Pernambuco, desempenho este expresso em consideráveis índices de
repetência, evasão escolar e distorção série/idade. No ano de lançamento do Projeto (2001), a
rede estadual de ensino ocupou bastante espaço na imprensa local (falada, escrita e televisiva)
ao ser alvo de matérias nas quais era exposta a realidade de precárias condições das
instalações físicas em que viviam as escolas desta rede de ensino. A partir disso, aquele
Secretário de Educação estabeleceu contatos com os sistemas educacionais de São Paulo e do
Ceará que apresentavam desempenhos considerados bons e também haviam implantado
eleições diretas para diretores escolares. Desses contatos – alguns pessoais – nos órgãos
superiores de gestionamento do sistema estadual de ensino foi se desenvolvendo a
compreensão de que a institucionalização da eleição para diretor escolar poderia gerar
resultados positivos no desempenho da rede escolar de Pernambuco.
Esta compreensão, possivelmente, também levou o Secretário de Educação
Raul Henry a se decidir pela implantação das eleições para diretor de escola na rede estadual
de ensino. Para tanto, convidou várias entidades para comporem uma Comissão
Interinstitucional
149
a fim de discutir o assunto e elaborar um projeto sobre eleições para
diretor escolar. Após um processo de debates e deliberações, inclusive com a realização de
fóruns na capital e nas outras 17 cidades que são sedes das Diretorias Regionais de Educação
(janeiro a abril de 2001), foi elaborada uma minuta, posteriormente encampada pelo
Governador do Estado e transformada em Decreto-Lei.
O Projeto Escola Democrática, inquestionavelmente, foi um feito político que
trouxe como benefício a materialização de uma antiga aspiração dos educadores
pernambucanos e das entidades estudantis. Entretanto, o Projeto parece ter servido como uma
estratégia de promoção política para o Secretário Raul Henry. De fato, as eleições do ano
2002 possibilitaram ao então secretário de educação disputar e ganhar uma vaga na
Assembléia Legislativa de Pernambuco, tendo o Projeto “Escola Democrática” como carro-
chefe do seu compromisso de campanha. Nessa eleição, sem antes ter concorrido a nenhum
cargo eletivo, no âmbito legislativo, Raul Henry obteve a mais expressiva votação dada a um
149
Entidades que participaram da Comissão Interinstitucional: União dos Estudantes Secundaristas de
Pernambuco (UESPE), Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (SINTEPE), UNESCO,
Associação dos Pais dos Alunos de Pernambuco (ASPAPE), Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), Comissão
de Educação da Assembléia Legislativa, Ministério Público, Conselho Estadual de Educação, Poder Judiciário,
Comitê Executivo das Universidades e a própria Secretaria de Educação.
271
candidato a deputado estadual em Pernambuco, ou seja, foi eleito com 117.407 votos o que
significou, ainda, uma diferença de mais de 50% em relação ao segundo colocado
150
.
Como no ano de 2005 iria ocorrer o término da gestão dos diretores eleitos em
2003, o Governador Jarbas Vasconcelos promulgou um novo decreto – o Decreto N. 27.928,
datado de 17/05/05 – regulamentando o processo para provimento na função de representação
de diretor junto às escolas públicas estaduais, incluindo normas gerais para o processo
eleitoral. Neste novo diploma legal foram introduzidas duas importantes modificações: (i)
aumento do tempo de mandato do diretor, de três para quatro anos e (ii) elaboração de um
Contrato de Gestão, por parte do candidato eleito, a ser apresentado à Secretaria de Educação
por ocasião do ato de posse do eleito.
A leitura do texto padronizado do dito contrato suscitou em nós algumas
preocupações em relação à pessoa que deverá assiná-lo, no caso o diretor escolar, uma vez
que este deverá comprometer-se com o alcance de determinadas metas e objetivos sob pena
de responder judicialmente
151
pelo cumprimento dessas mesmas metas e objetivos o que,
podemos considerar como sendo algo bastante improvável diante dos limites do gestor
escolar da rede estadual de ensino (sobretudo em termos de recursos humanos e financeiros
bem como pela própria diminuição da atuação do poder público estadual para com a
educação sob sua competência). As metas, padronizadas - porém, adaptadas de acordo com o
nível de ensino que a escola oferece - para serem atingidas pelas Contratadas (termo usado
para designar as escolas representadas pelos seus gestores) são as seguintes:
(...)
Sub-Cláusula Segunda – Das Obrigações Específicas de Resultado
A CONTRADATA se compromete cumprir metas e indicadores de
eficiência, a serem definidas na 2ª. Etapa da contratualização, considerando
as especificidades da mesma, tendo como parâmetro mínimo os indicadores
a seguir especificados:
1. Aumento na taxa de conclusão da 4ª. Série do ensino fundamental em 5%;
2. Aumento na taxa de conclusão no nível fundamental em 6%;
3. Aumento na taxa de aprovação no nível de ensino fundamental em 9%;
4. Aumento no desempenho dos alunos nas séries e áreas de conhecimento
avaliados pelo SAEPE;
5. Aumento no desempenho de alunos com idade acima da média no ciclo
do ensino fundamental em 7%;
6. Diminuição no percentual de alunos com idade acima da média no ensino
médio em 8%:
150
Dados obtidos no Diário de Pernambuco, A6, edição de 08/10/02.
151
Inclusive, o próprio contrato já aponta para essa possibilidade quando “elege o foro da cidade do Recife,
capital do Estado de Pernambuco, para dirimir quaisquer dúvidas que não possam ser resolvidas
administrativamente, renunciando as partes a qualquer outro, por mais privilegiado que seja” (Cláusula Sétima).
272
7. Diminuição nas taxas de repetência do ciclo fundamental nas escolas
estaduais de 8% (GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, 2005,
p. 3).
Diante das metas acima e considerando a realidade de muitas escolas da rede
estadual que iniciaram o segundo semestre letivo de 2006 ainda com falta de professores,
parece-nos que a própria validade jurídica do dito Contrato se torna passível de
questionamento, sobretudo a Cláusula Terceira quando estabelece como obrigação da
Contratante (a Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco), dentre outras, “suprir as
necessidades pedagógicas, administrativas e de pessoal da Contratada, de acordo com as
diretrizes de governo” (Ibid.)
152
.
Por outro lado, nosso questionamento também diz respeito a um dado que
registramos ao fazer um levantamento sobre a ocorrência da distorção série/idade ao longo do
período de 1999 a 2005 (para o Ensino Fundamental) e ao longo do período de 2001 a 2005
(para o Ensino Médio). No caso do Ensino Fundamental, ao longo de 7 anos, da maior taxa
(55,80%) para a menor taxa de distorção série/idade (42,89%) só foi possível uma redução de
12,91%, o que equivale a uma média anual de redução de 1,84%. Já em relação ao Ensino
Médio, ao longo de 5 anos, da maior taxa (67,55%) para a menor taxa de distorção série/idade
(65,67%) só foi possível uma redução de 1,88%, o que equivale a uma média anual de
redução de 0,37%. Diante disso, continuando com o atual quadro de precariedade da rede
pública estadual, como se esperar que as escolas, os seus gestores cumpram as metas previstas
no contrato?
Em relação à possibilidade do não cumprimento das metas contratuais,
sobretudo as da segunda etapa, em decorrência de falhas do poder público, vale salientar que,
no âmbito da própria Secretaria de Educação, há pessoas com função qualificada que, em
entrevista que nos foi concedida em 24/07/06, partilhou a seguinte preocupação:
(...). Depois que os diretores foram eleitos, eles tiveram que assinar com o
Estado um Contrato de Gestão. E esse Contrato de Gestão é uma via de mão
dupla, pois, tanto a Secretaria se compromete como os gestores também (...).
Pois bem, como já disse antes, o Contrato de Gestão está dividido em duas
etapas. Na primeira etapa nós temos 8 metas que são metas que a gente
classificaria como sendo de “organização da escola”, por exemplo: a
152
Fazendo uma visita a uma das escolas nas quais a pesquisa de campo foi realizada, presenciamos, no dia 11
de agosto de 2006, uma conversa entre um professor de Biologia (chegado na escola na semana anterior) e o
Diretor na qual o docente indagava o que fazer com a carga horária que, até então, não havia sido dada bem
como as notas de avaliação referentes a este mesmo período. Juntamente com a sinalização do descumprimento
de importante cláusula do Contrato, por parte da Secretaria de Educação, o fato (pelo encaminhamento a ser
dado para a reposição da carga horária e de atribuição de notas), também, serviu para ser confirmada a prática do
“faz-de-conta” na rede estadual de ensino de Pernambuco.
273
elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola que a gente, disso, não
abre mão, a elaboração do Regimento da escola, não só a elaboração e a
aprovação também porque o Regimento elaborado é uma coisa e o
Regimento analisado pelo órgão competente é outra coisa, o Regimento que
garanta o cumprimento da legislação (por exemplo, a questão dos 200 dias
letivos). Aí é quando eu digo: como é que um diretor pode ser responsável
por não ter a carga horária cumprida se a Secretaria não coloca o professor
na sala? Então, é via de mão dupla, mesmo.
Podemos ilustrar o descumprimento por parte da Secretaria de Educação, e
com ela, o poder público estadual, com mais uma denúncia feita pela imprensa local
(AZEVEDO, 2006, p. 2) de que, em muitas escolas da rede estadual estava havendo falta de
professores que não eram apenas de disciplinas consideradas como tendo carência de docentes
(Química, Física e Matemática), mas, também, de disciplinas como Língua Portuguesa,
Língua Inglesa, Espanhol, Geografia e Educação Artística. Tal matéria que, inclusive, foi
manchete da primeira página deste veículo de comunicação social, foi devidamente ilustrada
com exemplo de várias escolas sediadas na Região Metropolitana. Devido à repercussão da
matéria, dias após, houve reunião dos Secretários de Educação, Administração e da Fazenda
da qual resultou a constituição de uma comissão para, no prazo 30 dias, apresentar uma
proposta de solução para o problema. Vale ser ressaltado que a matéria foi publicada quando
já estava sendo iniciado o segundo semestre letivo.
O Contrato de Gestão é um instrumento que parece estar tomando uma
dimensão de força e de poder muito grandes, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de
punição para a escola e o gestor que não cumprirem com as claúsulas contratuais como
podemos inferir da seguinte fala de um funcionário qualificado da Secretaria de Educação ao
dizer que:
Assim, o gestor vai fazer questão de cumprir o contrato de gestão porque ele
está sabendo que ele vai ser avaliado, que ele vai ter uma nota embora que
ele tenha uma garantia de 2 anos pra fazer isso tudo (...). No Contrato de
Gestão, tem a primeira etapa, referente à organização da escola e tem a
segunda etapa do atingimento do resultado mesmo. Aí nessas escolas,
quando começarem a ver que tem uma meta de diminuir em 8% a evasão e a
repetência, aí, em vez de diminuir, estiver aumentando, irão ver que a gestão
não prestou. Aí, é preciso ter gente de coragem pra dizer que o cara está
fora. A comunidade vai ter que se juntar, botar pra fora e eleger outro. A
gente não quer que isso aconteça, mas se, de fato, fizermos uma avaliação
imparcial, vai ter gente que não vai ter condições de continuar como gestor
porque não está fazendo nada.
Ainda para o caso do contrato de gestão, sem sombra de dúvidas, também vale
a análise de Ranieri (2000, p. 277) quando diz que “a grande dificuldade desses contratos
reside (...) na fixação da contrapartida da instituição e na garantia do cumprimento das
274
cláusulas, de ambos os lados”. Ainda na ótica desta autora, vale ser considerado que a
atividade educacional possui uma dinamicidade diferente da do mercado e, em última análise,
o estabelecimento do contrato de gestão pode implicar a alteração das relações entre o Estado
e as instituições de ensino público, uma vez que iria alterar o padrão de financiamento e a
redistribuição de poder dentro dos sistemas educacionais.
Tendo em vista a ênfase dada às eleições para diretor escolar no Projeto Escola
Democrática vale serem feitas, ainda, as seguintes análises:
Foi mantido o processo seletivo/eletivo constando de três etapas, a saber: (i)
seleção através de prova escrita, com conteúdo direcionado à gestão escolar e sendo
considerado aprovado o candidato que obtivesse desempenho igual ou superior a 50% do
conteúdo da prova; (ii) participação em curso de capacitação específica, promovido pela
Secretaria de Educação. Além de ter sido aprovado na fase anterior, para ser aprovado nesta
etapa o candidato deveria ter uma freqüência mínima de 80% da carga horária do curso e (iii)
eleição direta e secreta, envolvendo a comunidade escolar (profissionais da educação, alunos
e pais
153
).
Nesse novo processo seletivo há um dado que não pode passar despercebido da
nossa análise: trata-se da exclusão de uma série de unidades escolares (cf. Decreto-lei n.
27.928, de 17/05/05) tais como as escolas indígenas, com Pedagogia da Alternância,
agrícolas, as escolas estaduais localizadas no Arquipélago de Fernando de Noronha e os
centros de ensino experimental. Sobretudo, considerando-se os chamados Centros
Experimentais que estão se constituindo em “menina dos olhos” da atual gestão da Secretária
de Educação para o Ensino Médio, como se entender esta exclusão quando também são
escolas com um quantitativo de alunos bastante grande (de modo especial, o antigo Ginásio
Pernambucano) que, além do mais, envolve educandos em faixa etária especial e que não
poderiam ser retraídos da possibilidade de aprendizagem e amadurecimento cívico-
democrático que um processo eleitoral pode proporcionar?
Esta estratégia se caracteriza como uma redução a um processo, ou melhor, a
um projeto que se pretendeu cunhá-lo como sendo de democratização da escola pública de
Pernambuco. Em relação à específica questão da autonomia da escola, a nomeação de
diretores (destes Centros) representa um retrocesso em relação ao que já foi
institucionalizado, inclusive, pelo próprio governo Jarbas Vasconcelos. Se nas escolas com
153
Participam da votação: os alunos maiores de 12 anos ou que estejam cursando a 5ª. Série do Ensino
Fundamental, os professores (quer sejam concursados ou contratados), estagiários, funcionários e os pais dos
alunos ou responsáveis (apenas um destes pode votar).
275
diretores eleitos pela comunidade não tem sido fácil o exercício da autonomia (na perspectiva
progressista), muito menos poderá ser nas escolas cujos diretores passem unicamente pelo
crivo dos detentores do poder administrativo e do apadrinhamento político-partidário,
ressuscitando, assim, uma prática contra a qual os educadores pernambucanos e suas
entidades representativas sempre combateram em tempos e governos passados.
Sobre a eleição dos diretores cumpre observar que, na ótica dos órgãos
superiores de gerenciamento do sistema de ensino público de Pernambuco, este mecanismo
tem sido visto e apresentado como a principal visibilização da autonomia nas unidades
escolares. Juntamente com o risco de converter um meio em fim em si mesmo, tal
entendimento a respeito da eleição para diretor ignora, entre outras coisas, que este
mecanismo “é apenas um recurso para melhorar a escola, não uma certeza” (PARO, 2002, p.
77) ou, de acordo com o entendimento de Dutra (1999, p. 24), somente quando fazendo parte
de um processo mais amplo de gestão – no que se inclui a consolidação de instâncias como o
Conselho Escolar - é que a eleição para diretor, dentre outros aspectos, poderá concorrer para
a democratização da escola. De outra parte, enfatizando o que já refletimos em outro
momento, do ponto de vista da autonomia da escola, a eleição do diretor é apenas um dos
meios que pode visibilizar a dimensão autônoma da escola.
Ainda a respeito do mecanismo das eleições para diretor escolar na rede
estadual de ensino de Pernambuco, na forma como foi implementado, podemos ampliar os
questionamentos feitos anteriormente para os seguintes aspectos: no processo adotado pela
Secretaria de Educação há uma prática que fere os princípios democráticos na medida em que
o candidato só pode participar do pleito após ter sido selecionado por uma instituição que é
alheia ao corpo sistêmico dos órgãos de gerenciamento da educação pública de Pernambuco –
no caso, a COVEST/COPSET
154
(Comissão de Vestibular).
De modo mais acentuado, os princípios democráticos também estão sendo
feridos com a inovação do chamado “contrato de gestão”, celebrado entre a Secretaria de
Educação e o diretor eleito. Por esta estratégia, a comunidade escolar que, até então, parecia
exercer uma ação democrática atuando na eleição do diretor, passa a ter uma ação bastante
reduzida neste processo, no sentido de exercício do controle social, uma vez que é a Secretaria
quem detém o controle. Ademais, como constatamos na observação de campo, na relação
154
Fundada no ano de 1987 para executar os concursos vestibulares das universidades federais existentes na
capital pernambucana (UFPE e UFRPE), posteriormente, no ano de 1992, esta entidade passou a ter uma
ramificação voltada para a realização de processos seletivos, consultorias e treinamentos, quer na esfera pública
quer no setor privado.
276
entre os órgãos de gerenciamento do sistema educacional e as unidades escolares a pessoa do
Diretor desempenha um papel de centralidade como representante das escolas diminuindo,
conseqüentemente, a representatividade dos órgãos colegiais das escolas.
No que diz respeito à democratização da escola pública de Pernambuco,
lembramos que o sistema público de ensino deste Estado possui uma dívida para com a
parcela de estudantes em idade para cursar o ensino médio, seja por estarem na rede privada
(numa escolha nem sempre livre) seja por, muito mais ainda, não terem conseguido acesso ao
ensino médio público. Parecendo ignorar esta realidade, o governo Jarbas Vasconcelos e a
Secretaria de Educação têm optado por investir num tipo de escola média de natureza
restritiva, como são os chamados Centros Experimentais de Ensino os quais, na atual gestão
de governo, tem aumentado de um (no ano de 2002) para um total de onze centros em 2006.
Pela caracterização do tipo de ensino que realizam, é evidente que esses centros beneficiarão
as localidades na quais estão instalados, sobretudo no interior do Estado (a exemplo das
cidades de Arcoverde, Serra Talhada, Petrolina, Timbaúba, Abreu e Lima, Bezerros, Panelas,
Palmares e Caruaru), bem como os seletos alunos que neles ingressarão.
Entretanto, do ponto de vista da democratização e da universalização do ensino
médio (como preconizado pelas Constituições Federal e Estadual e, mais recentemente, a Lei
n. 12.280, de 11/11/2002
155
) não nos parece que os ditos centros significarão um avanço para
com a universalização do ensino médio em Pernambuco. Em todo caso, o que poderá ocorrer
será a extensão da iniciativa privada no sistema pernambucano de ensino público que, na
verdade, já está acontecendo com o envolvimento de quase 30 empresas em tais centros
experimentais. Por sua vez, a seletividade é feita a partir de um perfil de aluno que é
apresentado como sendo o desejado para os ditos Centros Experimentais de Ensino: “o foco
são jovens autônomos, solidários e produtivos” (cf. “Jornal de Notícias, site da SEDUC/PE) e,
ainda, diga-se de passagem, diferentemente do restante da rede escolar estadual quando o
critério principal de matrícula do aluno é a proximidade da escola em relação a sua residência,
para o ingresso dos Centros Experimentais, há um processo seletivo (após os candidatos
apresentarem seus nomes) baseado nas notas mais altas em Língua Portuguesa e Matemática
na 8ª. Série.
155
Art. 8º. – O aluno tem direito à educação, assegurada pelo Estado, mediante a garantia de:
(...)
- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do Ensino Médio.
277
Considerando que a participação é uma condição fundamental para que a
escola tenha e/ou conquiste sua autonomia e, ainda, possui uma íntima relação com a
democratização da educação e da escola, analisemos como esta dinâmica tem sido formulada
nas recentes políticas educacionais de Pernambuco.
Sobretudo a partir da gestão de governo de Jarbas Vasconcelos, a elaboração e
a execução da política educacional vem se delineando pela negação da democratização desta
mesma política educacional. Isto pode ser constatado a partir da instituição e realização de um
Fórum, logo no início da sua primeira gestão de governo (ano de 1999), para visibilizar a
interlocução entre o governo e a sociedade em torno da universalização da Educação Básica e
da elaboração do Plano Estadual de Educação.
Diante da lista de nomes das entidades que fizeram parte do chamado “Fórum
Permanente para o Desenvolvimento da Educação em Pernambuco”, logo chamou a nossa
atenção o quantitativo de associações de caráter empresarial
156
sobre os outros tipos de
instituições (governamentais, educacionais, estudantis) que fizeram parte deste evento, bem
como a ausência do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco
(SINTEPE)
157
. Sobre tal composição, fazemos os seguintes questionamentos: (i) não estaria
sendo dado um passo para facilitar a abertura de espaço à ingerência da iniciativa privada
sobre as políticas educacionais? (ii) não estaria sinalizando para a existência de uma
contradição com a própria convocação que, repetidas vezes, foi feita no Plano
Plurianual/2000-2003, para que houvesse uma articulação entre governo e sociedade em favor
do desenvolvimento do Estado (pág. 38)? (iii) Como se entender a exclusão da representação
sindical dos trabalhadores em educação num significativo espaço de debate e elaboração das
políticas educativas?
A tais indagações podemos responder que o ocorrido - a exclusão do
movimento sindical docente em momento tão importante de debates sobre a política
educacional – pode ser visto como um indicativo da postura neoliberal que desconsidera a
organização dos trabalhadores (ANTUNES, 2001; BOITO JUNIOR, 1999).
156
Discorrendo sobre quem, na ótica neoliberal, deve ser consultado para poder ser superada a atual crise
educacional, Gentili (1996, p. 37 et seq.) responde dizendo que os homens de negócios, os empresários é que
deveriam ser consultados para que a educação saia dos patamares de improdutividade e de ineficiência. Sendo
assim, a composição do Fórum Permanente para o Desenvolvimento da Educação em Pernambuco não estaria
encaixada em tal lógica?
157
Contatando, por telefone, a presidência do SINTEPE recebemos a confirmação de que este Sindicato não fora
convidado a se fazer presente no Fórum Permanente para o Desenvolvimento da Educação.
278
Ao eleger esse Fórum como canal de interlocução para o debate, elaboração e
implementação das políticas educacionais, o governo Jarbas Vasconcelos transportou para o
setor educacional a estratégia de descentralização neoliberal, abrindo caminho para recorrer à
iniciativa privada em vista do estabelecimento de parcerias que resultassem na obtenção de
co-financiamento de projetos educacionais. A respeito de tal procedimento, Shiroma et al
(2000, p. 92) advertem para os perigos nele existentes, uma vez que, a transferência parcial ou
total da gestão desses projetos às empresas que os financiam, deixa margem para que os
financiadores acabem definindo e administrando os projetos que lhes interessam utilizando
equipamentos, professores, técnicos e alunos das escolas públicas.
A partir desse Fórum foi constituída a “Aliança Empresarial na Educação de
Pernambuco”
158
para a qual foi aberto espaço para atuar, através do Instituto de Qualidade no
Ensino/IQE (órgão da Câmara Americana do Comércio de São Paulo), na realização de cursos
de capacitação em administração escolar, ministrados por empresários (cf. Jornal do
Commércio, edição de 15/05/00, www.jc.com.br). Com este tipo de articulação, o governo
Jarbas Vasconcelos deu passos em direção à implantação da proposta neoliberal do
custeamento financeiro da educação por parte da iniciativa privada o que, neste caso, resulta
em ingerência do setor privado no setor educacional
159
.
Com essa “inovação”, foi aberto o caminho para a realização de parceria entre
escola e empresa, materializando, assim, a nova concepção sobre o papel do Estado em
relação à educação: diminuição dos encargos educacionais sob o pretexto de concessão de
outorga da autonomia à escola e/ou da impossibilidade em continuar assumindo a manutenção
financeira da escola pública (SOUSA, 2000, mimeog.). Por outro lado, tal estratégia sinalizou
como uma atitude de subserviência às “recomendações dos organismos internacionais
expressas, inicialmente, na Conferência da Tailândia e reafirmadas na Conferência de Nova
Delhi” (CABRAL NETO, 2002, p. 51). Além do recuo ou da redefinição do papel do poder
público em relação à educação, esse tipo de parceria deve gerar bastante atenção na sociedade
158
Atualmente, a Aliança é composta por 18 empresas, a saber: Acumuladora Moura, Albalabi, Ampla
Comunicações Ltda., ASA-Indústria e Comércio, Bompreço, CELPE, CHESF, Construtora Queiroz Galvão,
Gerdau, Philps Eletrônica do Nordeste, Indústria Reunidas “Raimundo da Fonte”, Itapessoca Agro-Industrial,
LG Philipes Displays, Microlite S/A, Multibrás, Norclínicas, Nordeste Segurança de Valores e White Martins.
159
Outro feito nessa direção foi a restauração do prédio do tradicional Ginásio Pernambuco após o que,
evidentemente, os patrocinadores não se limitaram em apenas doar recursos para o Governo do Estado realizar a
restauração. Desde a realização da reforma, a Secretaria de Educação, por pressão dos que financiaram a
restauração, intentou implantar um processo seletivo para o ingresso no Ginásio Pernambucano tendo, inclusive,
os alunos e os professores que já eram matriculados ou nele trabalhavam que se submeter a tal seleção. Mesmo
com os protestos apresentados pelo Sindicato dos Trabalhadores bem como pelos estudantes e seus familiares,
no início do ano letivo de 2004 tal processo seletivo foi realizado.
279
por conta do risco que ele representa, ou seja, que as parcerias passem a ser percebidas e
encaradas como processos naturais (DI PIERRO, 2001).
Por todas as repercussões que poderá exercer no sistema público de ensino de
Pernambuco, resultando em interferências na autonomia das escolas que integram este mesmo
sistema, podemos situar a atuação que, recentemente, vem sendo feita pelo Banco Mundial
através do financiamento do chamado “Projeto Integrado de Desenvolvimento e Melhoria da
Qualidade da Educação de Pernambuco” – o EDUC – a ser executado no período de 2005 a
2008, abrangendo os seguintes componentes:
1 – Melhoria da Qualidade e da Eficiência das Escolas Estaduais;
2 – Melhoria da Eficiência, Eficácia e Inclusão da Educação de Pernambuco;
3 – Apoio à Reforma do Estado; e
4 – Gerenciamento do Projeto.
No primeiro componente encontra-se o programa de “Fortalecimento da
Autonomia Escolar” ao qual foi destinado o valor de U$ 7,3 milhões (13,9% do total do custo
do Projeto) e objetiva a “aumentar a eficiência e a responsabilidade da escola, dando à
comunidade escolar mais autonomia e responsabilidade na gestão de suas escolas” (SEDUC,
2006 In: www.seduc.pe.gov.br). Entretanto, tendo-se em vista as estratégias previstas para
que as escolas sejam autônomas – (i) treinamento em gestão para os diretores de escola e
outros funcionários administrativos; (ii) apoio e preparação dos PDEs; e (iii) transferência de
recursos diretamente para as escolas para financiar os subprojetos escolares, os Programas de
Melhoria da Escola (PMEs). Relembrando as análises feitas a respeito do PDE e da
transferência de recursos diretamente para as escolas, não nos parece que este Programa possa
resultar em efetiva contribuição para a autonomia da escola no sentido de esta instituição
educativa poder, de forma coletiva e participativa, elaborar e implementar o seu Projeto
Político-Pedagógico. Fortalecendo esta dúvida, lembramos a estratégia da Secretaria de
Educação em fazer com que as escolas preparem, obrigatoriamente, o Plano de
Desenvolvimento Escolar/PDE como ação complementar para a melhoria da autonomia
escolar (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE PERNAMBUCO, 2004, p. 18)
160
.
Retomando o que dissemos acima, este financiamento sinaliza para a
concretização na realidade educacional de Pernambuco da ingerência do Banco Mundial na
política educacional assumindo vários contornos daquilo que já analisamos destacando-se a
280
não democratização no processo de tomada de empréstimo ao Banco Mundial. Neste sentido,
situamos a inquietação de alguns membros do Conselho Estadual de Educação, notadamente
da Conselheira Profa. Edla de Araújo Lira Soares quando, na Sessão Plenária do dia 05 de
abril de 2005, questionava que
(...) quando o Estado assina um contrato ou um convênio de receber 31
milhões e pagar 51 milhões, quem se endivida não é o Estado, nem a
Secretaria de Educação e sim todos os pernambucanos e pernambucanas e
isso terá grandes impactos com relação às políticas públicas que,
posteriormente, o Estado de Pernambuco tenha que financiar. Uma decisão
dessa não pode passar por um estreito grupo, ela tem que ter a participação
maior possível de Pernambuco porque o pagamento vai repercutir na
qualidade de vida de todos os pernambucanos e pernambucanas
(PERNAMBUCO, 2005, p. 3).
Fecundando a fala da citada Conselheira, lembramos que o assunto do
empréstimo do Banco Mundial bem como o do Projeto Integrado de Desenvolvimento e
Melhoria da Qualidade da Educação de Pernambuco foram levados ao Conselho Estadual de
Educação de Pernambuco para mera prestação de informação, uma vez que o empréstimo já
havia sido feito e o projeto já se encontrava em andamento.
Como foi ventilado na fala da Conselheira Edla Soares, um outro dado
preocupante em relação ao citado empréstimo do Banco Mundial diz respeito ao custo
financeiro do mesmo, uma vez que, sobre U$ 31,5 milhões, o povo pernambucano deverá
pagar (em condições normais, ou seja, sem os juros de possíveis atrasos, diga-se de passagem)
U$ 56,6 milhões o que representa juros na ordem de 179,68% sobre o valor do empréstimo
concedido.
Ao que pode ser inferido da Ata do Conselho de Educação, diante da exposição
feita pela representante da Secretaria de Educação, o sentimento de preocupação também foi
compartilhado por outros conselheiros a ponto de um deles – o Conselheiro Armando Reis
Vasconcelos – ter apresentada a proposta, na citada reunião, de que fosse elaborado um
documento dirigido à SEDUC e à Assembléia Legislativa do Estado para informar que o
Conselho só estava tomando conhecimento do empréstimo em momento tardio. Ainda de
acordo com o registro feito, para este Conselheiro, o programa lhe havia trazido “inúmeros
sobressaltos” (PERNAMBUCO, 2005, p. 3).
Analisando os documentos de políticas educacionais que têm sido elaboradas
desde o ano de 1999 para o ensino público de Pernambuco, não tem sido possível
160
Transcrição literal do texto: “Para melhorar a autonomia escola e a responsabilidade, a SEDUC planeja tomar
diiversas ações complementares, incluindo: (i) preparação obrigatória do Plano de Desenvolvimento
281
identificarmos a existência de uma concepção de participação que contemplasse a sua
caracterização mais fundamental que é a de tomar parte de um processo e de exercer um
poder de decisão (CURY, 1993; GOHN, 2001; PARO 2000 e TEIXEIRA, 2001). Ao
contrário, ora a participação é apenas mencionada sem nada ser dito sobre o seu “porquê” e
“para que”, ora ela é apresentada quase que exclusivamente no aspecto de “fazer alguma
coisa” e, neste caso, quase sempre associada à busca de soluções dos problemas da escola.
Retomando o caso da exclusão do SINTEPE no Fórum Permanente para o
Desenvolvimento da Educação em Pernambucano, obviamente aos educadores da rede
estadual de ensino que estão agregados a esta instituição sindical fica parecendo como
contraditório que a mesma gestão de governo que organizou o citado Fórum possa ter dito no
Plano de Educação (também emanado do mesmo governo) que
os professores deverão estar capacitados para construir e refletir
continuamente sobre a proposta pedagógica da escola, participando
ativamente do plano de desenvolvimento da escola, propondo soluções
criativas para os problemas de aprendizagem (GOVERNO DE
PERNAMBUCO, 2001, p. 35).
Juntamente com a não participação dos educadores no processo de definição
das políticas educacionais para o Estado de Pernambuco, tal formulação dá margem para ser
entendido que a atuação destes profissionais deva ocorrer tão somente no estrito espaço da
unidade escolar.
Ainda que não seja uma nota dominante apenas da gestão do governo de Jarbas
Vasconcelos, pode-se dizer que tem sido intensificado o conflito entre os trabalhadores em
educação da escola pública de Pernambuco e o Governo do Estado, a tal ponto que, por várias
vezes, estes trabalhadores (sobretudo os professores e os funcionários) tiveram que utilizar o
recurso da greve para a reivindicação dos seus direitos, sobretudo no diz respeito a melhores
condições de trabalho e de salários. Estes, como já vimos em outro momento, fazem com que
Pernambuco seja a unidade federativa na qual os seus professores percebem os mais baixos
salários. Conseqüentemente, como veremos melhor em outro momento, a realidade
profissional dos docentes da rede estadual de ensino, aliada a outros fatores, constitui-se num
forte e sério entrave para o desencadeamento e manutenção de um processo de conquista da
autonomia escolar.
No processo de correlação de forças, no mês de outubro de 2003, o governo do
Estado, alegando problemas técnicos de operacionalização, intentou enfraquecer o sindicato
Escolar,PDE (...)”.
282
dos trabalhadores em educação, o SINTEPE, não deixando mais que a contribuição mensal
dos sindicalizados fosse descontada no contra-cheque destes, como vinha sendo feito desde a
fundação do SINTEPE, aliás, desde o tempo da APENOPE (antiga associação dos professores
da rede estadual de ensino de Pernambuco). A retomada do desconto em folha foi, inclusive,
um dos pontos de pauta da greve ocorrida no mês de agosto de 2005.
Outro ponto de discórdia entre o Governo do Estado (mais precisamente entre a
Secretaria de Educação), e os professores diz respeito à promulgação de uma lei visando à
proteção dos direitos dos alunos da rede estadual, a Lei n. 12.280, de 11 de novembro de
2002. Em seu conjunto, é um dispositivo legal que se afina com as prescrições estabelecidas
no Estatuto da Criança e do Adolescente e, mais ainda, sinaliza um esforço para evitar que o
aluno se torne indefeso em situações de injustiças que podem ocorrer no contexto das relações
sociais que se dão no ambiente escolar. Entretanto, juntamente com o fato de não ter havido
uma discussão prévia com as entidades representativas dos docentes, aliás, com a sociedade
em geral, há um agravante que foi e tem servido para acentuar o clima de indisciplina nas
escolas públicas estaduais e, conseqüentemente, o desencadeamento da prática de violência
(verbal e física) de alunos contra professores. Trata-se do artigo 13 da dita lei, que assim reza:
“o aluno não poderá ser suspenso das atividades escolares ou excluído da escola por qualquer
motivo, inclusive por medidas disciplinares”
161
. Ao que nos parece, entre o querer coibir o
abuso de medidas disciplinares e interditar a escola da possibilidade de utilizar tais tipos de
medidas, quando necessárias, há uma distância muito grande. Ao se converter numa lei retira
a possibilidade de a escola aplicar medidas disciplinares, fere a autonomia da escola e, na
prática, tem gerado situações constrangedoras para o exercício da prática docente
162
.
Como pode ser verificado nos documentos que vêm direcionando a política
educacional de Pernambuco nestes últimos anos, podemos constatar a existência de um “dito
e feito” relacionado a um movimento de implementação da autonomia escolar resignificada,
161
Diante dos questionamentos que foram levantados pela sociedade, inclusive pelo segmento de alunos, a
deputada Teresa Leitão (PT/PE) apresentou um Projeto de Lei (PL 969/2005) dando uma nova redação para o
controvertido artigo 13 da Lei 12.280. O Projeto já foi aprovado na Assembléia Legislativa e encaminhado para
apreciação do Governo do Estado. Neste Projeto o artigo 13 passa a ter a seguinte redação:
Art. 13 As medidas sócio-disciplinares que porventura sejam tomadas pela escola ou pelos professores, devem
observar o que segue:
I – ter caráter eminentemente educativo, contribuindo para a formação do estudante;
II – considerar o direito coletivo a uma convivência social saudável e respeitosa;
III – assegurar ao estudante ou grupo de estudantes serem ouvidos pelos setores competentes da escola;
IV – convidar a família para tomar conhecimento e participar da discussão dos melhores procedimentos a serem
adotados;
V – convocar o Conselho Escolar nos casos que a Direção da Escola achar necessário e nos demais termos de
sua regulamentação.
283
ou seja, de corte neoliberal, se tornando um discurso utilizado pelo Estado para justificar seu
paulatino abandono em relação à escola pública e, ainda, uma autonomia outorgada à escola
para que esta se responsabilize pela busca de soluções para os problemas que, há décadas,
acumulados e agravados, vêm interferindo na concretização de uma escola pública autônoma,
democrática e com qualidade social.
CAPÍTULO 7 – A OUTORGA DA AUTONOMIA NAS ESCOLAS ASSIS
CHATEAUBRIAND, LUIS DE CAMÕES, DOM VITAL E DOM BOSCO
162
Tal fato constatamos como estando bastante presente na realidade das escolas de Brasília Teimosa.
284
Com a incorporação da autonomia da escola nas políticas educacionais de
Pernambuco (conforme visto no capítulo anterior), em conseqüência, vem sendo realizado um
movimento de outorga deste princípio nas escolas que integram a rede estadual de ensino
desta mesma unidade federativa. Conforme os objetivos traçados para este trabalho, neste
capítulo será, pois, analisado o movimento de outorga da autonomia nas quatro unidades
escolares que foram selecionadas para verificação empírica, a saber: as escolas Assis
Chateaubriand, Luis de Camões, Dom Vital e Dom Bosco. Entendendo que este movimento
não está desvinculado do contexto imediato no qual as escolas estão localizadas (bairros de
Brasília Teimosa e Casa Amarela), a sua análise será precedida de um conjunto de
considerações acerca desse mesmo contexto bem como das próprias realidades das escolas
pesquisadas. Tendo em vista a diferenciação sociogeográfica dos bairros de Brasília Teimosa
e de Casa Amarela, tais considerações serão feitas separadamente em duas seções, “chamadas
de “Recortes de um cenário” (I e II).
7.1 RECORTES DE UM CENÁRIO I: BRASÍLIA TEIMOSA E AS ESCOLAS ASSIS
CHATEAUBRIAND E LUÍS DE CAMÕES
Nesta seção, veremos, pois, como se apresenta o cenário sócio-geográfico do
bairro de Brasília Teimosa no qual estão localizadas as escolas Assis Chateaubriand e Luís de
Camões bem como será feita uma descrição analítica destas mesmas instituições educativas.
7.1.1 Brasília Teimosa: uma comunidade que diz “este chão é nosso”
Início da década de 1960... Enquanto no planalto central brasileiro construía-se
uma cidade para ser a sede do poder político do país, na orla marítima da capital
pernambucana, evidentemente em proporção menor, algo de parecido também acontecia: a
construção de mais um bairro. Em que pese a base comum destes dois acontecimentos – a
construção de espaços para abrigar gente, pessoas, cidadãos brasileiros – entre lá e cá muitas
diferenças poderiam ser observadas. Enquanto que, no Planalto Central, a nova capital era
construída em meio a um sentimento de ufanismo por parte dos que estavam à frente do
governo brasileiro – por expressar o apogeu de um ciclo de desenvolvimento do país – a
construção de mais um bairro popular, contíguo a uma área “nobre” (bairro da Boa Viagem)
era visto com inquietação tanto por parte das autoridades políticas locais como por parte dos
“vizinhos ricos”.
285
Todavia, as origens mais remotas de Brasília Teimosa datam da década de
1930, quando o então governador do Estado, Carlos de Lima Cavalcanti, mandou dragar uma
área entre o mar e o rio Capibaribe para ali construir um aeroclube e a comunidade de
pescadores que residia naquele trecho não concordou em deixar o local (na época, chamada de
Areal Novo) e, conseqüentemente, começaram a acontecer os conflitos entre a comunidade e
as autoridades governamentais (municipais e estaduais), fatos estes que se prolongaram pelas
décadas seguintes. Ao núcleo primitivo de habitantes, posteriormente, vieram somar-se outros
moradores procedentes, em sua grande maioria, do interior do Estado e de outras favelas do
Recife. Como razão para este acréscimo havia, por um lado, o estímulo dado por candidatos a
vereadores e a deputados que doavam um pedaço de chão em troca de votos, e, por outro lado,
a possibilidade de residir numa área mais próxima do local de trabalho (nas residências do
adjacente Bairro de Boa Viagem bem como no ramo de hotelaria que, nos idos de 1960,
começou a florescer neste mesmo bairro). Com o aumento populacional da comunidade, foi
intensificado o conflito pela posse da terra, registrando-se o enfrentamento da violência
policial, pois “de dia eles destruíam nossos barracos e à noite a gente levantava de novo”
163
.
Comparando as duas realidades em construção, e “mutatis mutantis”, a nova população foi se
autodenominando de “Brasília Teimosa” e a história foi confirmando que o nome escolhido
lhe era apropriado.
Para terem direito ao terreno ocupado, cerca de 49,51 hectares, que pertencia à
Colônia de Pescadores Z 1, os moradores de Brasília Teimosa tiveram lutar por mais de 40
anos numa peleja permeada por persistência, sacrifícios, dissensos, populismo e, sobretudo,
solidariedade e capacidade de mobilização e organização popular. Mas a luta desta
comunidade também foi extensiva para o usufruto de serviços de urbanização e infra-estrutura
básica (calçamento de ruas, água, transporte, iluminação pública, educação e saúde, dentre
outros) os quais, apesar de terem direitos, lhes eram negados. Ora com simpatia à causa dos
empobrecidos, ora com velada contrariedade, a imprensa local, quer seja nos jornais,
emissoras de rádio e canais de televisão, produziu um precioso documentário que hoje pode
ser consultado caracterizando Brasília Teimosa como uma comunidade combativa e
mobilizada desde a década de 1960.
Na memória dos moradores deste Bairro uma das maiores expressões de luta
pela conquista da posse da terra foi a viagem feita por um grupo de 5 pescadores saindo do
Recife para o Rio de Janeiro (então, capital federal), no ano de 1956, com duração de 30 dias
163
Trecho da fala de uma moradora da localidade quando, em 03/09/05, numa conversa informal, lhe
perguntamos a respeito de quanto tempo ela residia em Brasília Teimosa.
286
(saída no dia 1º. e chegada no dia 30 de janeiro) para falarem com o presidente da República,
na época Juscelino Kubitschek. Após terem enfrentado 1.124 milhas marítimas, em uma
jangada de 7 metros de comprimento por 1,90 de largura, os viajantes foram recebidos,
festivamente, na Praça Quinze por um grupo de pernambucanos que ali residiam. Poucos dias
depois, eles foram recebidos por Juscelino Kubitschek, após participarem da posse deste
presidente da nação brasileira. Conta a história que os “embaixadores” (representando cerca
de 12 mil pescadores) teriam desejado retornar ao Recife na mesma embarcação o que já não
seria possível devido ao peso do presente que o Presidente havia dado para a comunidade: um
lote de 11 motores de 23 cavalos, cada um. Então, o jeito, foi retornar de avião, para o Recife.
Na história de Brasília Teimosa o Projeto “Teimosinho” é lembrado como
tendo sido uma das maiores experiências de organização e de resistência quando, no ano de
1979, a Prefeitura do Recife, através do órgão competente – a URB – apresentou um projeto
visando a urbanização daquela localidade mas que, em contrapartida, implicava a remoção de
várias casas. Entendendo como sendo um projeto contrário aos interesses da população, a
comunidade, através do seu Conselho de Moradores, rejeitou o projeto da URB, foi, então,
por este órgão, desafiada a apresentar uma outra proposta.
Com o apoio da OAB e após a realização de mais de 90 reuniões congregando
os moradores por ruas ou em assembléias gerais, a comunidade elaborou o seu Projeto
batizado de “Teimosinho” que foi aprovado numa histórica assembléia na qual foi registrado
o comparecimento de 2.172 pessoas. Com o projeto aprovado pela localidade e,
posteriormente, pela Prefeitura do Recife, foi a hora de continuar a luta pela sua execução em
cujo processo o Conselho de Moradores conseguiu ter presença e voz ativa.
Atualmente, a comunidade de Brasília Teimosa conta com quase todas as suas
ruas pavimentadas e com boa iluminação elétrica.
Para uma população de quase 40.000 pessoas podemos dizer que Brasília
Teimosa é bem servida de escolas públicas. Estas são em número de 7, sendo uma da rede
municipal de ensino (Escola Humberto Gondim) e 6 da rede estadual, a saber: Escola Assis
Chateaubriand, Escola João Bezerra, Escola Luís de Camões, Escola Colônia Z-1 dos
Pescadores, Escola Monsenhor José Fernandes e Escola Bernardo Van Leer. Em todas três
primeiras destas escolas, que funcionam nos turnos da manhã, tarde e noite, há o ensino
fundamental II e o ensino médio totalizando cerca de 3.500 alunos. Em relação à existências
destas escolas, cumpre observarmos que elas também foram instaladas a partir de
mobilizações da comunidade para o atendimento das suas necessidades educacionais.
287
Apesar da oferta existente, as escolas públicas enfrentam sérios problemas dos
quais se destacam: o da violência e o da evasão escolar. Em relação ao primeiro problema, a
Secretaria de Educação tem procurado oferecer solução através da manutenção de
policiamento regular nas escolas o que se constitui num paliativo, pois a medida não vai às
suas causas.
A evasão escolar apresenta índices bastante altos. Por exemplo, em uma das
escolas pesquisas, no ano de 2004, a evasão chegou à casa dos 24,36% (portanto, quase ¼ do
total de alunos matriculados). Como causa principal deste fenômeno é apontada a necessidade
que os alunos têm de trabalhar para complementar a renda ou mesmo sustentar a família.
Entretanto, não podemos deixar de considerar a possibilidade da existência de causas internas
que ajudem ou contribuam para a evasão escolar.
Mesmo com a predominância da Igreja Católica no Bairro, quanto ao número
de fiéis, há na comunidade uma grande variedade de outras confissões religiosas destacando-
se as igrejas pentecostais e batista e centros espíritas. No geral, apesar da diversidade
doutrinária, a partir de depoimentos ouvidos, as igrejas locais tem conseguido desenvolver um
trabalho integrado em prol da promoção humana da comunidade. Em todo caso, a Igreja
Católica tem sido a confissão religiosa com mais tradição na lutas da comunidade e da sua
organização. Os registros históricos da comunidade destacam como sendo de grande
contribuição para a sua organização o trabalho realizado pelo próprio Arcebispo de Olinda de
Recife, Dom Hélder de Pessoa Câmara, quando, não obstante a repressão imposta pela
ditadura civil-militar do golpe de 31 de março de 1964, desenvolveu uma série de palestras na
comunidade estimulando a união e organização dos seus moradores.
Existem, em Brasília Teimosa, vários grupos que desenvolvem atividades
relacionadas com a promoção e a preservação da cultura popular, destacando-se o Teatro
Teimosinho, o Balé Deveras (surgido do interior de uma das escolas estaduais da localidade, a
Escola Assis Chateaubriand), o CEPOEMA (Centro de Educação Popular Matilde Araújo), o
Capoeira Raízes, bem como as associações de lazer Boêmio do Samba, Rei do Cigano e Boi
Corno do Pina.
Em sua maioria, a população desenvolve atividades econômicas relacionadas
com a prestação de serviços domésticos, hoteleiros e no setor comercial do vizinho bairro de
Boa Viagem, considerado como o “bairro nobre” da cidade do Recife, e ainda, a pesca.
Segundo dados fornecidos pela Colônia de Pescadores, atualmente, há em Brasília Teimosa
cerca de 1.200 pescadores dos quais, porém, apenas 300 têm condições de financiar o próprio
288
trabalho. Os demais são obrigados a vender o fruto do seu labor para os chamados
“atravessadores” que pagam pouco pelo resultado da pesca.
A organização da comunidade de Brasília Teimosa tem sua principal expressão
no Conselho de Moradores, fundado em 24 de julho de 1966 e que, hoje, conta com cerca de
três mil associados. Juntamente com a Colônia de Pescadores, este Conselho é historicamente
uma das organizações mais antigas da comunidade. No ano de 1981, quando estava sendo
implementado o “Projeto Teimosinho”, foi criada uma outra entidade associativa denominada
de União dos Moradores a partir de uma articulação feita por políticos do outrora PDS
(Partido Democrático Social) com técnicos da Prefeitura do Recife objetivando a
desmobilização do movimento comunitário de Brasília Teimosa.
Além dessas organizações, há também as seguintes entidades associativas: o
Conselho de Mulheres de Brasília Teimosa (COMBATE), o Clube de Mães Popular de
Brasília Teimosa, o Clube de Mães Criativas de Brasília Teimosa, a Associação de Ação
Comunitária de Brasília Teimosa, o Clube de Mães e União de Mulheres de Brasília Teimosa
e a Turma do Flau. Este último grupo destaca-se por ser um trabalho que visa a promoção da
geração de renda para crianças e adolescentes a partir da venda de “flau” (um tipo popular de
picolé que é feito em saquinhos plásticos) e por grande parte dos que participam desse
trabalho estudarem nas escolas nas quais a pesquisa foi realizada.
No ano de 1998, finalmente, a luta pela posse da terra foi cessada quando a
União, por meio do seu Departamento do Serviço de Patrimônio, deu por aprovado o contrato
de cessão de aforamento a partir do que pode ser dada a emissão dos títulos de posse em
caráter definitivo, aos moradores de Brasília Teimosa.
No ano de 2004, foi a vez de a comunidade ver realizado um antigo sonho: a
eliminação de problema que, anualmente, lhe afetava, quando as altas marés, normalmente, no
mês de agosto, derrubavam as casas que estavam localizadas na beira-mar. Para a solução do
problema foram realizadas obras de urbanização, incluindo um extenso calçadão de 1,8 km
com áreas e equipamentos de lazer e, sobretudo, a construção de novas casas, na própria área
de Brasília Teimosa, em substituição das que outrora estavam à mercê da fúria das ondas do
mar.
Por ocasião da campanha eleitoral de 2004, eleição de prefeitos e vereadores,
Brasília Teimosa teve ocasião de demonstrar a sua força política quando praticamente serviu
de fiel da balança para possibilitar a reeleição do prefeito João Paulo (PT) cuja administração
anterior dedicou especial atenção a esta comunidade e, inclusive, foi um forte mediador
político junto ao governo federal para a concretização das obras de urbanização que há anos
289
se encontravam engavetada na “outra Brasília”. Por fim, como um sinal de reconhecimento da
importância sociopolítica desta comunidade vale lembrarmos que a mesma foi escolhida pelo
presidente Luis Inácio Lula da Silva para, em no dia 11 de janeiro de 2002, ser o lugar
simbólico do lançamento dos programas sociais do seu governo, dez dias apósa sua posse,
portanto, no dia 11 de janeiro de 2002, e e no dia 22 de julho de 2006, este mesmo presidente
ali voltou para fazer o lançamento oficial da campanha da sua re-eleição.
7.1.2 Escola Assis Chateaubriand: traços e retalhos de uma trajetória de 40 anos
Fazendo parte de suas históricas lutas, no dia 12 de março de 1966, a
Comunidade de Brasília Teimosa obtinha mais uma conquista: a inauguração de uma escola
primária, com 5 salas de aula, sala da diretoria, cantina, uma área coberta (pátio) para
recreação e instalações sanitárias.
Em muito se justificava a alegria da comunidade em poder passar a contar com
uma escola uma vez que 85% da sua população não sabia ler nem escrever e,
conseqüentemente, tinha muitas dificuldades para se sair bem num mundo rodeado por letras
e palavras. Aliás, a necessidade do domínio de leitura e da escrita tinha sido mais uma
aprendizagem feita pela comunidade em suas refregas na luta pela posse da terra.
No ato da inauguração, do então Grupo Escolar Assis Chateaubriand, o próprio
governador do Estado, dr. Paulo Guerra, estava presente, bem como o Secretário Estadual de
Educação, dr. Mouri Fernandes. Naquela circunstância, demonstrando um apreço especial
pelos seus “teimosos filhos”, D. Hélder Pessoa Câmara, arcebispo metropolitano de Olinda e
Recife, se fez presente e, ao usar a palavra, pediu, em nome dos moradores que, em breve,
aquela escola primária fosse transformada em ginásio. Em nome do patrono da escola, ainda
vivo, falou o seu representante - o dr. Antíogenes Chaves, presidente da empresa Diário de
Pernambuco – agradecendo a lembrança da pessoa a quem estava representando.
Dois anos depois de inaugurado, por meio do Decreto-Lei de No. 1.481, datado
de 23 de janeiro de 1968, a Escola Assis Chateaubriand passava à condição de
estabelecimento de ensino com o curso ginasial. Para que isto acontecesse, além de outros
equipamentos, esta unidade escolar foi beneficiada com a construção de mais cinco novas
salas de aula.
290
A instalação do ginásio foi decisiva para que este estabelecimento de ensino
desenvolvesse uma série de atividades relacionadas com a promoção dos esportes e das artes
sem, evidentemente, descuidar-se da sua função primeira: disseminação do conhecimento.
Como sinal de que a pequena escola (que havia começado suas atividades com pouco mais de
uma centena de alunos) havia tido um considerável aumento do seu corpo discente, basta
dizer que, no ano de 1973, a matrícula nesta unidade escolar chegou a 1.300 alunos.
Na medida em que ia crescendo, a Assis Chateaubriand foi despontando no
cenário educacional local graças ao trabalho realizado pelos seus educadores, alunos e pelo
envolvimento da comunidade, ainda, com o apoio do poder público dotando-o, naquela época,
das condições materiais necessárias para o desenvolvimento das suas atividades sócio-
educativas. Visitando este estabelecimento de ensino, no dia 22 de maio de 1974, o renomado
educador Lauro de Oliveira Lima deixou registrado muitos elogios à ordem, limpeza e o
entusiasmo dos alunos para com a sua escola.
Nas páginas esportivas da imprensa escrita local (jornais Diário de
Pernambuco, Correio da Manhã e Jornal do Commercio) constantemente eram registradas
conquistas obtidas pelos alunos e professores da Assis Chateaubriand, quer em competições
realizadas no próprio Estado, quer em outras unidades federativas da região nordestina. No
ano de 1975, por ocasião dos jogos escolares em caráter nacional, na capital federal, esta
Escola teve sua atuação bastante elogiada pelo “Correio Brasiliense”, sobretudo na
modalidade de ginástica rítmica masculina .
Mas, certamente, mais do que as medalhas em si, o mais significativo
reconhecimento recebido por esta instituição educacional consistiu no destaque dado ao
atleta-aluno Gilvan Sirino da Silva, campeão de ginástica de solo. Na edição de 27/09/73, o
Diário de Pernambuco informava que o dito aluno
foi treinado com pneu de caminhão, em vez de utilizar o trampolim que
custa aproximadamente Cr$ 2.000,00. Como treino de equilíbrio, começou
no canteiro de flores, depois passou para o muro da escola. Muitos outros
arranjos, produtos da inventiva são de professores e alunos, criados para a
iniciação e treinamento dos atletas.
Na década de 1980, a Escola Assis Chateaubriand passou a investir na área
artística, quando foram formados vários grupos de danças folclóricas (frevo, maracatu,
pastoril, etc.). A beleza e a qualidade das apresentações de tais grupos tornaram-se conhecidas
de modo que, constantemente, a Escola era acionada pela Secretaria de Educação para
abrilhantar seus eventos. Destes grupos, posteriormente, foram originados outros grupos
profissionais de dança, ainda hoje existentes na comunidade de Brasília Teimosa.
291
Diversificando a prestação dos seus serviços educacionais, no ano de 1989, foi
implantado o Curso de Magistério, em nível colegial, na Assis Chateaubriand. Após três anos
de funcionamento, houve a conclusão da primeira turma de professores normalistas, num total
de 24 novos profissionais da educação primária. Desta forma, esta escola foi, também, a
primeira de Brasília Teimosa a oferecer o Ensino de 2º. Grau, conforme a nomenclatura dada
pela legislação em vigor a Lei 5.692/71.
A exemplo das demais unidades da rede estadual de ensino, no ano de 2001,
mais precisamente no mês de setembro, a Assis Chateaubriand, de forma oficial, realizou
eleições diretas para a escolha do seu diretor e vice-diretor. No ano de 2004 deu-se a eleição
do segundo diretor escolhido pela comunidade escolar e, no ano de 2005, houve sua reeleição
(chapa única) para um novo mandato até o ano de 2009.
Mesmo não tendo amparo legal, vale ser destacado que, anterior à
institucionalização das eleições para diretor, a escolha do diretor desta escola sempre passou
pelas mãos da comunidade local que, então, escolhia um educador lotado na Unidade e o
apresentava para ser nomeado pelas autoridades competentes. Quando, no mês dezembro de
1996 o governador Miguel Arraes exonerou o diretor e o vice-diretor que estavam em
exercício e nomeou uma nova direção sem consultar a comunidade, mais uma vez a
comunidade local mostrou que não é a toa que tem esse nome e, assim, realizou uma série de
manifestações contra a atitude do governador. Dentre outras atividades, houve interdição da
rua em que a escola está localizada e passeata até à Assembléia Legislativa, no centro da
cidade do Recife.
Seguindo as diretrizes dadas pela Secretaria de Educação (gestão de governo
de Jarbas Vasconcelos), no dia 17 de maio de 1999, com o comparecimento de cerca de 80
pessoas, representando todos os segmentos da comunidade escolar, houve a Assembléia Geral
de constituição da Unidade Executora integrada com o Conselho Escolar, passando a se
chamar Unidade Executora e Conselho Escolar Assis Chateaubriand, a UEx/CE. Reunindo-se,
sem uma certa regularidade, a UEx/CE, no entanto, funcionou mais como unidade executora,
pois, quase sempre, suas reuniões tem se limitado a prestação de contas de verbas recebidas e,
quando muito, discussão sobre como aplicá-las. Por outro lado, tal discussão caracterizou-se
por ser bastante restritiva uma vez que as verbas já chegavam à Escola com uma destinação
292
previamente determinada. Somente no mês de setembro de 2005, acatando as novas
orientações da Secretaria de Educação
164
, o Conselho Escolar foi desmembrado da UEx.
Tomando-se em conjunto as reuniões do Conselho Escolar com a Unidade
Executora, da data acima até o desmembramento destas duas entidades, observa-se que a
participação colegiada na Assis Chateaubriand é algo frágil, pois foram realizadas apenas 4
reuniões (17/05/99, 17/05/01, 31/06/02 e 27/10/04). Como agravantes desta fragilidade
contribuem o conteúdo burocrático das reuniões (discussão de estatutos, eleição de membros
da diretoria e “discussão” sobre aplicação de verbas com destinação previamente
determinadas) e, ainda, o fato de, após o desmembramento, o Conselho Escolar ter se reunido
em apenas uma vez (20/12/05). Corroborando esta observação, nem mesmo o início de um
novo ano escolar, o de 2006, não pareceu servir de motivação para que o Conselho Escolar se
reunisse.
Restrito à participação da Equipe Diretiva e do Corpo Docente, no ano de
2004, a unidade escolar Assis Chateaubriand deu início à elaboração do seu Projeto Político-
Pedagógico.
Atualmente, a representação estudantil está limitada apenas aos chamados de
Representantes de Turma (um titular e um vice). Esporadicamente estes alunos têm sido
convidado a participar de reuniões mais amplas da comunidade escolar.
Se, por um lado, este estabelecimento de ensino continua a ser a maior das
escolas de Brasília Teimosa – em termos do número de alunos e pessoal docente –, por outra
parte, ela se encontra nas mesmas condições de dificuldades que as suas co-irmãs, sobretudo
em relação a recursos humanos e materiais.
Diferente de quando, na época da inauguração, para apenas 5 salas de aulas,
possuía 18 funcionários (para os serviços de secretaria, merenda e limpeza da escola),
atualmente, para o triplo desse número de salas e funcionando em três diferentes horários de
trabalho), a Escola possui apenas 4 funcionários. A falta de limpeza é, por sinal, um dos três
principais problemas apontados pelos 89 alunos que responderam a um Questionário que lhes
foi aplicado.
Do ponto de vista de recursos materiais, a Escola se ressente de quadra coberta
para a realização das atividades esportivas. Há, também, carência de ampliação e atualização
do acervo da biblioteca e efetiva instalação do laboratório de informática (há apenas o espaço
164
Desde o início da primeira gestão de governo de Jarbas Vasconcelos (1999-2002), esta Secretaria
tem orientado as escolas para que o Conselho Escolar e a Unidade Executora fossem fundidos em uma
só entidade. Esta orientação também consta no Plano Estadual de Educação 2000-2009.
293
reservado para tal e há dois anos que os 18 computadores prometidos estão sendo
aguardados). Apesar de contar com todos os espaços físicos necessários para o
desenvolvimento de suas atividades escolares, observa-se que, como um todo, o espaço físico
da Escola é insuficiente para atender o seu quantitativo de alunos. A Assis Chateaubriand
dispõe de poucas áreas livres para atividades de lazer de modo que os alunos, no horário do
recreio, procuram se deslocar para o espaço da rua da escola ou se vêem obrigados a ficarem
apinhados nas exíguas áreas existentes no interior da unidade escolar.
As salas de aula (em número de 14), quase todas necessitam de nova pintura,
não são ventiladas de forma natural. Há ventiladores (com bastante tempo de uso) nas salas,
porém, por causa do barulho que fazem, há professores que preferem que os mesmos fiquem
desligados, provocando, assim, o dilema entre suportar o calor ou agüentar o barulho dos
ventiladores para que as aulas possam ser ministradas.
Desde o ano de 2002, esta unidade de ensino também está desprovida de um
profissional que, mais diretamente, esteja responsabilizado pelo acompanhamento do setor
pedagógico, o Supervisor Pedagógico/Educador de Apoio. Em 2005, registrou-se ausência de
professores por um bom período do ano letivo (por exemplo, em turmas do Ensino Médio,
primeiro e segundo anos, somente no final do primeiro semestre é que estas turmas passaram
a ter aulas de Português e de Inglês).
A Escola conta com um corpo docente, com predominância do sexo feminino,
com cerca de 35 profissionais da educação dos quais 14 possuem título de especialistas e 01
(um) com mestrado.
A partir de um levantamento feito nos formulários de matrícula, tomando uma
pasta de cada série do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, totalizando 213 matrículas,
identificamos que 73% do corpo discente reside em Brasília Teimosa e 25% no contíguo
bairro do Pina/Jardim Beira Rio. Pela caracterização destes bairros, o alunado da Assis
Chateaubriand configura-se como pertencente às camadas populares.
Em relação a trabalho, tanto por razões de idade como pela própria conjuntura
socioeconômica, a maioria dos alunos ainda não se encontra no mercado formal de trabalho o
que não significa dizer que não estejam envolvidos em atividades econômicas. Quer seja na
própria localidade (na feira, no comércio local) ou em áreas vizinhas, sobretudo nas praias
(Pina, Boa Viagem e Piedade), de estudantes eles se transformam em “trabalhadores”
desenvolvendo atividades econômicas na informalidade (vendendo picolés, frutas, sucos,
lavando carros, prestando serviços a banhistas, turistas e outros). Muito provavelmente, o
atrativo ou a própria necessidade de ganhar dinheiro, no imediato da informalidade, seja fator
294
que interfira na vida escolar dos alunos. Sem desconsiderarmos a interferência de outros
fatores, certamente, a necessidade de te o aluno ter de trabalhar pode explicar os índices de
evasão nesta unidade escolar que, no ano de 2004, foi de 14,5%, no turno vespertino, e de
25,36%, no turno noturno. No ano seguinte, o percentual geral de evasão escolar foi de 15%.
Em que pese a carência de recursos materiais e humanos que a Escola Assis
Chateaubriand ora sofre (também assim visto por alunos), na medida de suas possibilidades, é
possível se perceber um esforço por parte de vários professores para que seja proporcionado
ao aluno um melhor nível possível de ensino. Além da “fala”, tal percepção foi corroborada
pelo acompanhamento de algumas práticas docentes intentando melhorar a aprendizagem dos
seus alunos a partir da diversificação da metodologia do ensino e da inclusão de temáticas que
estivessem mais imediatamente relacionadas com a realidade local. Entretanto, a partir do que
observamos (muitos términos de aulas antes do horário previsto, suspensão de aulas por
razões sem muita facilidade de serem aceitas como justificadas, falta de professores, falta dos
professores (ainda que não de forma acentuada), prática de aulas dadas em duas diferentes
turmas ao mesmo tempo), nos perguntamos até que ponto é possível a garantia de um ensino
de qualidade quando nem mesmo o tempo mínimo previsto por lei estava sendo
proporcionado ao alunado.
Ouvimos, também, depoimentos orais de vários docentes (sobretudo do sexo
feminino), relacionados com a maneira considerada desrespeitosa com que eram tratados
pelos alunos, incluindo agressões verbais. Escutamos, ainda, relatos de veladas ameaças
contra a integridade física de professores. O desrespeito e agressividade de alguns alunos para
com os professores, também, foram apontados pelos alunos Representantes de Turma como
sendo um sério problema na escola em análise.
Ao que tudo indica, boa parte da relação conflituosa entre professor e aluno
esteja na origem do entendimento existente da chamada “Lei dos Direitos do Aluno” (a lei
12.280, de 11/11/02) através da qual o aluno passou a ser visto como não podendo receber
medida disciplinar. Parte dessa relação, provavelmente, também possa ser compreendida pela
atuação didático-pedagógica de alguns docentes, causadora de desmotivação e desinteresse
em relação aos estudos. Este, em nosso entendimento, parece ser um “recado” que os alunos
estejam enviando aos seus professores, entretanto, tudo indica que grande parte dos docentes
ainda não tenha captado esta mensagem.
Por ter sido a campeã estadual da X Ciência Jovem (uma espécie de feira de
conhecimentos da rede estadual de ensino, ano de 2004, coube a Escola Assis Chateaubriand
representar as escolas estaduais de Pernambuco na Reunião Anual da SBPC (Sociedade
295
Brasileira para o Progresso da Ciência), em julho de 2004, na cidade de Fortaleza, com uma
delegação de dois professores e cinco alunos. No trabalho apresentado, os alunos
demonstraram cientificamente o efeito de algumas substâncias químicas, produzidas no
organismo humano, que são motivadas pelo estado emocional do indivíduo e, ainda,
identificaram a constituição química das substâncias bem como a função emocional à qual
estão relacionadas.
Repetindo uma experiência que vem sendo realizada há dois anos, no segundo
semestre do ano 2005 foram feitas duas atividades de caráter sócio-pedagógico, a saber: a III
Feira das Nações e o III. EXPOARTE.(Festival de Poesias e Artes Cênicas). Cumpre salientar
que estas duas atividades integram o Projeto Político-Pedagógico da Escola Assis
Chateaubriand como estratégias para dinamizar o processo de ensino-aprendizagem realizado
nesta instituição educativa.
A Feira das Nações, realizada no recinto da própria Escola, aconteceu nos dias 7, 8
e 9 de outubro/2005, constando de quase 20 “stands” nos quais estava exposto um pouco da
cultura de cada país (Holanda, França, Indonésia, Chile, dentre outros).
O III EXPORTE, ocorrido no dia 28 de dezembro/2005, no Teatro Barreto Júnior,
no contíguo Bairro do Pina, constou de várias apresentações artísticas (teatro, música, poesia
e expressão corporal).
Pelo que observamos e acompanhamos, sobretudo na realização da III EXPORTE,
tais atividades se constituem em momentos fortes na vida da Escola, a partir dos quais os
alunos demonstram capacidade de organização, criatividade, entusiasmo e apresentam um
potencial artístico que chega a surpreender os próprios professores.
No ano letivo de 2005, este estabelecimento educacional teve um total de 1.512
alunos matriculados, assim distribuídos: 652 alunos no Ensino Fundamental, de 5ª. a 8ª. série
(correspondendo a 43% do alunado) e 860 alunos no Ensino Médio, nas modalidades de
“Estudos Gerais” e “Normal Médio” (correspondendo a 57% do alunado).
Comparando-se os dados de 2004 com os de 2005 relacionados com esta
escola, podemos verificar que, em termos de reprovação e evasão escolar, praticamente os
índices foram os mesmos, resultando uma margem de cerca de 30% de “perda” do rendimento
escolar desta unidade educacional (juntando-se os percentuais de reprovação e de desistência).
Entretanto, no ano letivo de 2005, podemos destacar a existência de turmas que
apresentaram um índice de aprovação com bastante distância (para menos) em relação à
média de toda a Unidade Escolar, a saber: a 7ª. série “C”, com 32% de aprovação; o 1º. ano
“D”, com 13% de aprovação e o 1º. ano “E”, com 23% de aprovação.
296
Quanto à evasão escolar, as turmas que apresentaram notável distanciamento
(para mais) em relação à média desta Unidade Escolar, foram as seguintes: 1º. ano “D”, com
40% de evadidos; o 1º. ano “E”, com 34% de evadidos; os 3os. anos “B” e “C”, do Ensino
Médio “Estudos Gerais”, com 25% de evadidos (em cada turma); o 1º. ano do “Normal
Médio”, com 36% de evadidos e o 2º. ano do “Normal Médio”, com 26% de evadidos.
No presente ano (2006), a matrícula atingiu um total de 1.587 estudantes,
distribuídos entre 747 no Ensino Fundamental (5ª. a 8ª. série) e 840 educandos no Ensino
Médio. Com este quantitativo, os alunos do Ensino Médio representam 52,9% do corpo
discente enquanto os do Ensino Fundamental representam 47% deste mesmo segmento.
Sendo uma das escolas estaduais de Pernambuco que foram submetidas a uma
recente avaliação nacional, o “Prova Brasil” (em novembro de 2005), a Assis Chateaubriand,
na 8ª série, obteve os seguintes resultados:
Tabela X: Desempenho dos alunos da Escola Assis Chateaubriand (8ª Série) na
avaliação do “Prova Brasil” em relação aos âmbitos federal, estadual e municipal
Brasil
Pernambuco
Recife
Assis Chateaubriand
Aprovação
76,6%
65,5%
63,6%
79,4%
Reprovação
12,1%
13,1%
15,4%
7,7%
Abandono
11,2%
21,4%
21,0%
12,9%
Distorção série-idade
38,9%
62,4%
67,2%
33,0%
Fonte: INEP, 2006
297
Pelo exposto acima, a Escola Assis Chateaubriand, no item “aprovação”, se
encontra 2,8% superior à media nacional, também superior 13,9% à média do Estado de
Pernambuco e, ainda, 15,8% superior à média da cidade do Recife.
No item “reprovação”, esta escola se encontra 4,4% inferior à média nacional,
5,4% inferior à média estadual e, ainda, 7,7% inferior à média da capital pernambucana.
Em relação ao item “abandono”, a Assis Chateaubriand está 1,7% a mais que a
média nacional, porém, em relação às médias estadual e recifense, se encontra,
respectivamente, com índices percentuais 8,5% e 8,1% inferiores.
No item “distorção série/idade”, para todas as três instâncias - nacional,
estadual e municipal -, a Assis Chateaubriand apresenta índices inferiores, respectivamente,
5,9%, 29,4% e 34,2%.
Esboçando um perfil dos atores sociais desta instituição educacional que, mais
diretamente, foram envolvidos na pesquisa, sendo entrevistados ou respondendo a
questionários, os mesmos apresentaram as seguintes características:
Diretores:
Ambos, Diretor e Diretor Adjunto, não residem em Brasília Teimosa, possuem
formação em licenciatura em Letras e há 13 anos trabalham nesta unidade escolar.
Professores:
Dos 22 docentes que responderam ao questionário, apenas 2 são do sexo
masculino (31%). A formação acadêmica apresentou predominância para o curso de
Pedagogia (7 pedagogos = 29%), seguido de 6 graduados em Letras (25%), 3 graduados em
Geografia, 2 em Matemática, 2 em História e 1 graduado para os seguintes cursos: Educação
Física, Ciências Sociais, Biologia. Um dos docentes não identificou sua graduação. Destes
profissionais, 14 são pós-graduados com nível de especialização (58%) e 1 é mestre em
psicologia. A especialização referiu-se aos seguintes cursos: Admistração/Gestão Escolar (2)
e um para cada um dos seguintes campos de conhecimento: História, Educação Física,
Tecnologia Educacional, Paisagem/Turismo, Psicopedagogia, Metodologia da Língua
Portuguesa, Leitura, Produção e Avaliação de Texto, Metodologia das Práticas Pedagógicas,
Educação Especial, Literatura e Educação Infantil.
Apenas um dos docentes declarou residir no mesmo bairro em que a Assis
Chateaubriand se encontra. Boa Viagem foi o bairro que apresentou o maior número de
residência dos docentes (6), em seguida, Pina (3) e IPSEP (2).
298
No que diz respeito à situação funcional, a distribuição dos docentes apresenta
a seguinte configuração: 11 efetivos (46%), 9 temporários (38,%) e 4 em regime de CLT
(16%). No item tempo de trabalho nesta escola (variando de 1 a 15 anos de trabalho), os
docentes possuem um tempo médio de trabalho na Escola Assis Chateaubriand em torno de
3,4 anos. Quanto a atuação ou engajamento em movimentos sociais, a grande maioria – 75% -
informou não atuar em tais instâncias. Os 6 docentes que declararam ter algum tipo de
envolvimento em movimento social estão assim distribuídos: 5 em Movimento Pastoral de
Igreja e 1 em ONG.
Alunos:
Do total de 82 alunos que de modo mais direto foram envolvidos na pesquisa,
predominou o sexo feminino com 57 alunas (70%); os alunos do sexo masculino foram em
número de 25 (30%). A média de idade é de 21,6 variando de 11 a 61 anos.
Do ponto de vista de “anos de estudos”, estes alunos-sujeitos possuem uma
média de 4,5 anos de estudos, variando de 1 a 11 anos. Os alunos-sujeitos do Ensino Médio
totalizaram 79%.
Em relação a trabalho remunerado, a grande maioria (90%, correspondendo a
um total de 74 alunos) ainda não trabalha.
Quanto a bairro de residência, 68% destes alunos são da própria localidade de
Brasília Teimosa, seguida do Pina com 24%.
Sobre participação em grupos comunitários 14 alunos (17%) declararam
pertencer a grupos variados: grupos juvenis de Igrejas, grupos culturais e à “Turma do Flau”.
Pais:
Dos 22 pais de alunos que responderam a um questionário, estes,
predominantemente, foram do sexo feminino (91%) e, do ponto de vista de atividade
profissional 50% exercem atividades apenas no recinto doméstico. A outra metade que
declarou trabalhar exerce atividades de telefonista, cabeleleiro(a), costureira e atividades
informais.
Em Clube de Mães e Conselho de Moradores foram os dois espaços
comunitários nos quais os pais declararam ter algum tipo de atuação (4 em cada). A atuação
sindical e político-partidária contou com 2 pais participantes.
Quanto ao número de filhos estudando na Escola Assis Chateaubriand, a 15
pais possuíam apenas um filho e 7 pais tinham 2 filhos estudando nesta unidade escolar.:
299
7.1.3 Escola Luís de Camões: traços e retalhos de uma trajetória de 24 anos
No dia 2 de fevereiro de 1982, aconteceu a inauguração de mais uma escola
estadual em Brasília Teimosa: a Escola de 1º. Grau Luis de Camões. Como em outras
ocasiões semelhantes, estavam presentes o próprio governador do Estado e o Secretário de
Educação de Pernambuco, respectivamente, o Dr. Marco Maciel e o Sr. Joel de Hollanda
Cordeiro.
Tendo como primeiro diretor o professor Carlos Amâncio Lopes e vice-
diretora a professora Maria de Fátima Sá Ferreira, a Escola Luís de Camões começou a
funcionar com uma expressiva matrícula de 1.440 alunos, divididos em 40 turmas do 1º.
Grau, distribuídas nos 3 turnos, a saber : 1ª à 4ª série com 720 alunos no turno da manhã, de
5ª a 8ª série 405 alunos no turno da tarde e, ainda, 315 alunos, na chamada Educação
Integrada, no turno da noite.
Após 8 anos de funcionamento, esta escola, mediante o Decreto-Lei N. 14.278,
datado de 22 de março de 1990, passou a contar com o ensino de 2º. Grau, oferecendo o curso
de Contabilidade. Em função disto, passou a ser chamado de Escola de 1º. e 2º Graus Luís de
Camões.
No ano de 1998, foi realizada uma ampla reforma nas instalações físicas da
Luís de Camões quando passou a adotar o padrão de apresentação física utilizado para as
escolas da rede estadual e resultando em seu atual formato: 12 salas de aulas (em dois
pavimentos além do térreo), sala de diretoria, dos professores, secretaria, biblioteca, sala da
banda marcial e cantina/cozinha.
Em frente à cantina há uma área coberta que serve para os alunos merendarem
e, em ocasiões festivas, é transformada em “auditório”, aproveitando-se a existência de um
pequeno elevado que passa a ser utilizado como palco. Por sua vez, a prática da educação
física é realizada na área posterior do prédio onde há uma área cimentada, não coberta, que
serve como “quadra esportiva”.
No dia 14 de abril de 1999, registrando-se o comparecimento de mais de cem
pessoas (entre direção, professores, funcionários e pais de alunos) foi fundada a Unidade
Executora e Conselho Escolar Luís de Camões. Na ocasião também foram aprovados os
Estatutos e eleita a primeira diretoria. Desde então, até março de 2005, esta entidade realizou
um total de 25 reuniões diversificadas entre reuniões ordinárias, extraordinárias e assembléias
300
gerais (consultivas e eletivas), assim distribuídas: uma reunião no ano de 1999, quatro
reuniões no ano de 2000, cinco reuniões no ano de 2001, seis reuniões no ano de 2002, quatro
reuniões no ano de 2003, quatro reuniões no ano de 2004 e uma reunião no ano de 2005.
Em termos de média mensal, as reuniões da UEx/Conselho Escolar ocorrem
num tempo médio de dois meses e 8 dias. Entretanto, em sua grande maioria, os conteúdos de
tais reuniões versaram sobre assuntos financeiros (informe de recebimento de verbas e
deliberação sobre aplicação dos recursos recebidos) e, ainda, eleição para provimento de
cargos da diretoria e dos conselhos executivo e fiscal que, por variadas razões,
constantemente, ficavam vacantes fazendo-se necessário que fossem preenchidos. Com isto,
conforme leitura das Atas, a entidade pouco funcionou em termos das atribuições e
finalidades do Conselho Escolar.
Adotando as novas orientações que estavam sendo dadas para a rede estadual
de ensino, nesta instituição educativa, no dia 3 de outubro de 2001, começou a ser
desencadeado o processo de democratização da gestão escolar dando-se, na ocasião, a
composição da competente Comissão Eleitoral da qual, além de professores, também
participaram alunos e pais de alunos. Na assembléia geral de 14 de maio de 2002,
registrando-se o comparecimento de cerca de 212 presentes, foi apresentada uma chapa única
para concorrer à direção da Luís de Camões. No mês seguinte, em assembléia eletiva, houve
a homologação da referida chapa.
Nessa gestão, com os recursos recebidos do FNDE (Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação), foram realizadas diversas melhorias nas instalações físicas
da Escola, tais como: mudança dos quadros de giz para quadro branco, colocação de
ventiladores nas salas de aulas, substituição das janelas de madeira por combogós, etc. Na
parte pedagógica, houve extinção do ensino de contabilidade, foi implantado o Ensino Médio
(nível de Estudos Gerais) e os projetos Escola Aberta e Cultura Pernambucana, dentre outros.
Nesse período, ainda que com pouca duração, foram realizadas várias
parcerias com empresas e bancos, para que os alunos pudessem realizar estágios
remunerados.
O ano de 2004 finalizou com sinais de descontentamento da comunidade
escolar para com a Direção, resultando, então, em visitas de inspeção por parte da Secretaria
de Educação e, ainda, instalação de inquérito administrativo para que fossem apuradas as
denúncias feitas contra a gestão. Necessitando ser feito o afastamento do diretor e a vice-
diretora não desejando assumir o seu lugar para completar o tempo de mandato, a GERE
intentou nomear uma nova direção. Todavia, a comunidade escolar, liderada pelos
301
professores, preferiu que, ao invés de um interventor, a direção da Escola fosse assumida por
um profissional em exercício na própria unidade escolar. Após alguns embates com a GERE,
foi aceito que a comunidade escolar indicasse um nome e a escolha recaiu na pessoa de um
dos seus docentes.
Na condição de “pro-tempore”, o novo diretor, juntamente com a comunidade
escolar, conseguiu realizar um trabalho para reerguer o nome da Escola Luís de Camões.
Como efeito deste trabalho, pode ser exemplificado o aumento ocorrido no número de
matrículas: no ano de 2005, a esta escola teve um total de 1.063 alunos. Considerando-se que,
no ano anterior, a matrícula fora de 848 alunos, registrou-se, portanto, um aumento de 215
novos alunos (25,11%). Em termos do número de turmas, o aumento foi de 23 (no ano de
2004) para 29 turmas, portanto, um acréscimo de 6 novas turmas (26%).
Do ponto de vista do rendimento escolar, no ano de 2004, a Luís de Camões
apresentou uma baixa produtividade ao ter apenas 53% dos seus alunos aprovados. O índice
de reprovação foi de 12% e a evasão escolar chegou a 32% (3% foram transferidos).
Em 2005, a matrícula dos 1.063 alunos esteve assim distribuída: 36 alunos na
Educação Especial, 713 no Ensino Fundamental (4ª. a 8ª série, porém apenas uma turma de
4ª. Série) e 314 alunos no Ensino Médio.
Terminado o ano letivo de 2005, os resultados de rendimento escolar,
novamente, indicaram a existência de baixo desempenho tendo, inclusive, ocorrido
diminuição no percentual de aprovados (12,5% menos que em 2004) e considerável aumento
de evasão escolar (22% a mais que em 2004). Apenas houve pequena melhoria em relação à
reprovação com uma pequena redução de 3,5%.
Entretanto, no que tange à evasão escolar, há situações pontuais nas quais este
fato ocorreu de forma bastante discrepante em relação à média geral da Escola. Foram, por
exemplos, os casos: 2 turmas de quintas séries (em horário diurno) – 5ª. “C” e “5ª D” – com,
respectivamente, apenas 32 e 25 alunos, apresentarem, respectivamente 75% e 80% de alunos
desistentes; o 1º ano “A”, do Ensino Médio, turno vespertino, que, mesmo com uma
matrícula final de apenas 33 alunos, teve evasão na ordem de 79%; o 2º ano “A”, do Ensino
Médio, turno noturno, apresentou evasão escolar na ordem de 60%.
No que diz respeito ao índice de aprovação, sejam observados, também, os
seguintes casos de anomalia (comparando-se com a média ocorrida na unidade escolar): o 2º
ano “A” ter apresentado, apenas, 21% de aprovados; na 6ª. Série “B”, uma turma de apenas
31 alunos, funcionando em turno diurno, o índice de aprovação foi de 3%; na 5ª. Série “D”,
com apenas 25 alunos, turno vespertino, a aprovação foi de apenas 16%, entretanto, neste
302
caso, considere-se que foram juntados os alunos que foram aprovados de forma plena com os
que foram aprovados em regime de progressão parcial.
Sendo uma das escolas estaduais de Pernambuco que foram submetidas a uma
recente avaliação nacional, o “Prova Brasil” (em novembro de 2005), este estabelecimento de
ensino, na 8ª. Série, obteve os seguintes resultados:
Tabela XI: Desempenho dos alunos da Escola Luís de Camões (8ª Série) na avaliação do
“Prova Brasil” em relação aos âmbitos federal, estadual e municipal.
Brasil
Pernambuco
Recife
Luís de Camões
Aprovação
76,7%
65,6%
63,6%
60,7%
Reprovação
12,1%
13,1%
15,4%
0,9%
Abandono
11,2%
21,4%
21,0%
38,4%
Distorção série-idade
38,9%
62,4%
67,2%
91,0%
Fonte: INEP, 2006
Pelo exposto na Tabela XI, a Escola Luís de Camões, no item “aprovação”, se
encontra 16,0% inferior à média nacional, também inferior 4,9% à média do Estado de
Pernambuco e, ainda, 2,9% inferior à média da cidade do Recife.
303
No item “reprovação”, esta escola se encontra 11,2% inferior à média nacional,
12,2% inferior à média estadual e, ainda, 14,5% inferior à média da capital pernambucana.
Em relação ao item “abandono”, está 27,2% maior que a média nacional,
porém, 17% maior que a média estadual e, ainda, 17,4% superior à media do Recife.
No item “distorção série/idade”, para todas as três instâncias - nacional,
estadual e municipal – este estabelecimento de ensino apresenta índices superiores,
respectivamente, 52,1%, 28,6% e 23,8%.
Em sua grande maioria, os alunos são provenientes da própria localidade na
qual a Escola está inserida. É o que podemos inferir a partir de um levantamento, feito por
amostragem, totalizando 255 alunos. Destes 78% declararam, no requerimento de matrícula,
residirem em Brasília Teimosa, enquanto 21% declararam ter moradia no bairro do Pina e
Beira Rio (contíguos à Brasília Teimosa). A partir de um outro levantamento, ainda que
sendo de um quantitativo menor, 37 alunos de turmas de 1º. e 2º. anos do Ensino Médio, o
corpo discente pode ser caracterizado como sendo de desempregados, ou seja, 65%. Quanto
aos 35% que declararam exercer atividade remunerada, os mesmos estavam dispersos em
comerciários, trabalhadores domésticos, motoristas e realizando serviços de consertos em
aparelhos domésticos ou mecânicos.
Inversamente, em termos de moradia, os professores residem em bairros
diferentes de Brasília Teimosa. De um total de 20 professores, apenas 2 (portanto, 10%)
declararam residir neste bairro. No que tange a tempo de serviço nesta unidade escolar, a
média dos professores é de 6 anos. Ainda deste total de professores, 45% não possuíam
vinculo efetivo com o serviço público estadual, ou seja, 3 estavam com contrato temporário e
outros 3 eram estagiários.
Na última eleição para diretor escolar, ocorrida no mês de setembro de 2005,
do total de 2.261 eleitores, compareceram apenas 242 eleitores registrando-se, portanto, uma
abstenção na ordem de 89,29% (houve 59 votos nulos e 6 em branco). Houve apenas uma
chapa participando do processo eleitoral. Nesta ocasião, com 177 votos (73% dos votos
válidos, porém apenas 9% do total de eleitores), foi eleita a atual Diretora e sua vice-diretora,
respectivamente, professoras Maria Verônica Vila Nova Fonseca, com formação em
Educação Física (até então, ocupava, “pro-tempore”, as funções de vice-diretora) e Gleuma
Dionísio da Silva, com formação em Letras. Ambas deverão gerir a escola até o ano de 2009.
Do ponto de vista do exercício da colegialidade, atualmente a Luís de Camões
se ressente da organização estudantil (não existe Grêmio Estudantil nem representantes de
turma formalmente eleitos). Como foi dito anteriormente, o Conselho Escolar está fundido
304
com a UEx, do que resultou em o Conselho Escolar não ter desempenhado as atribuições que
lhe são inerentes. Segundo informações recebidas, no ano de 2001 teria sido começada a
elaboração do Projeto Político-Pedagógico, porém tal processo não teve continuidade.
No mês de janeiro de 2006, mais precisamente, no dia 10, mesmo sendo em
período de férias, foi realizada uma reunião, com a participação de 12 professores e 2
funcionários. A reunião foi convocada pela Diretora com o objetivo de discutir a situação da
UEX e do Conselho Escolar. Na ocasião, mesmo com a premência de reorganização da UEx
para que a Escola pudesse dispor de verbas que havia recebido, foi dado um indicativo para
que o assunto da reestruturação do Conselho Escolar fosse objeto de um debate mais amplo,
com a participação de outros segmentos da comunidade escolar.
Dentre as carências de pessoal, registram-se: a de Educador de Apoio (em vias
de completar dois anos), mais funcionários para os serviços de Secretaria e de limpeza e de
Biblioteca, para que este serviço também atenda aos alunos do turno da noite. Por ocasião de
um levantamento que realizamos no início do mês de junho de 2005, ainda havia falta de
professores para lecionarem diversas disciplinas, tais como: Inglês, Matemática, História,
Ciências, Geografia, Matemática, Química, Física Língua Portuguesa. Com este elenco de
componentes curriculares sem quem os ministrasse, pode-se supor o quadro de precariedade,
do ponto de vista acadêmico, em que a Escola se encontrava. Só após a greve é que o quadro
de professores foi completado e, ao que tudo indica, não houve reposição das aulas não
ministradas.
No ano de 2006, não só o problema da falta de professores foi repetido, como
também foi agravado, uma vez que até o dia 31 de maio a Escola contabilizava a necessidade
de 15 professores o que, por sua vez, causava grandes “vazios” no horário escolar tendo,
inclusive, situações em que os alunos de uma turma, durante dois dias da semana, não
deveriam ir à escola, pois não havia aulas para eles.
No tocante à diversificação das atividades educativas, a Luís de Camões conta
com uma banda marcial – a Banda Marcial Aquarela Brasileira -, com cerca de 60 membros
(dentre os quais, 8 são externos à Escola). Além de abrilhantar as atividades festivas da
própria Escola, a Banda também tem sido convidada para apresentar-se em outros locais e
eventos. Esta banda, nascida juntamente com a fundação da própria Escola (porém,
desativada no ano de 1996 e reativada em 2001), constitui-se não só em atrativo para os
alunos, como também tem propiciado o despertar de talentos artísticos relacionados com o
manuseio dos seus mais de 50 instrumentos, de diferentes sonoridades. Ao longo do ano de
2006 vem sendo intentada a formação de um grupo de teatro.
305
Certamente constituindo-se num reflexo de que a Escola ainda não desfruta de
total credibilidade por parte da comunidade (por variados fatores e razões) e apesar dos
esforços feitos pela nova equipe administrativa, a matrícula inicial do ano de 2006 registrou
uma ligeira baixa em relação ao ano anterior, ou seja, 1.008 alunos (55 alunos a menos),
resultando numa média de 37,8 alunos por turma. Entretanto, a freqüência escolar cotidiana,
em muitas turmas, como presenciamos várias vezes, apresentava-se bastante reduzida (10,
12... alunos).
Esboçando um perfil dos atores sociais da Escola Luís de Camões que, mais
diretamente, foram envolvidos na pesquisa, sendo entrevistados ou respondendo a
questionários, os mesmos apresentaram as seguintes características:
Direção:
Ambas professoras que foram eleitas para compor a Direção desta escola já
pertenciam ao quadro docente, porém em funções diferentes: a Diretora, graduada em
Educação Física, exercia a função de Diretora-Adjunta e a Diretora-Ajunta, graduada em
Letras, exercia a função de Secretária da Escola.
Ambas, também, de certa forma, do ponto de vista do tempo, são recentes na
Escola, pois, respectivamente, ingressaram nesta unidade escolar nos anos de 2004 e 2005,
para as funções acima mencionadas. Apenas a Diretora-Adjunta reside no mesmo bairro no
qual a Escola está localizada. Nenhuma das duas declarou ter participação em grupo
comunitário ou movimento social.
Professores:
Do total de 20 docentes que responderam a um questionário específico, a
maioria foi do sexo feminino, ou seja, 13 professoras (65% dos sujeitos docentes). Em relação
à formação acadêmica inicial, os sujeitos docentes caracterizaram-se pela predominância da
formação em Letras e Pedagogia (4 docentes para cada curso, representando um índice de
20% para cada). Totalizando 7 docentes (35%), estes sujeitos possuem estudos de pós-
graduação (nível de especialização) em diferentes áreas de conhecimento, a saber: Geografia,
Ciência Política, Crédito Financeiro, Matemática, Letras e Educação Especial.
Do ponto de vista funcional, a maioria do sujeitos-docentes (70%) já faz parte
do quadro efetivo do serviço público estadual e, em relação a tempo de trabalho na Luís de
Camões possuem uma média de 6,1 anos.
306
Também é predominante nestes sujeitos (69%) a ausência de participação em
associações comunitárias ou movimentos sociais. Os 31% que declararam ter algum tipo de
militância comunitária ou social estão diluídos em partidos políticos (3 docentes), movimento
pastoral de Igreja, Conselho de Moradores, Associação Beneficiente/Recreativa.
Alunos:
Do total de 51 alunos que responderam a um questionário (na verdade, dois
questionários em momentos e conteúdos diferentes), o sexo feminino contou com uma
representação de 55% enquanto ao sexo masculino coube uma representação de 45% destes
sujeitos.
Em termos de faixa etária, a média de idade foi de 23 anos, variando da idade
mínima de 15 e da idade máxima de 43 anos. Vale salientar que, na faixa etária de 15 a 17
anos que estaria correspondendo a um tempo regular de estudos na Educação Básica, apenas 9
sujeitos (18%) pertenciam a tal faixa. Em conseqüência, 82% dos sujeitos se enquadrariam
em estando na condição da distorção série/idade.
No que diz respeito ao tempo de estudos (variando de 1 a 15 anos de estudoso)
a média dos alunos-sujeitos foi de 7 anos.
É na própria comunidade de Brasília Teimosa que se concentra a maioria dos
alunos-sujeitos (74%), seguida do vizinho bairro do Pina/Beira Rio (21%).
Exercendo atividade profissional remunerada apenas 18 destes sujeitos
declararam “sim”. Em conseqüência, mesmo já sendo maiores de idade, 82% destes sujeitos
não se encontram exercendo algum tipo de trabalho remunerado. No primeiro grupo
(exercendo atividade remunerada), 27% está envolvida na prestação de serviços domésticos.
Do grupo de alunos-sujeitos, apenas 10% indicaram algum tipo de participação
em grupos ou movimentos sociocomunitários, integrando o “Círculo Popular de Esporte e
Lazer” (dois alunos) e atuando em banda comunitária, grupo de Igreja e grupo teatral.
Nesta escola, por variadas razões e fatores, não foi possível que os funcionários
e os pais tivessem participação efetiva na pesquisa.
7.2 RECORTES DE UM CENÁRIO II: CASA AMARELA E AS ESCOLAS DOM VITAL
E DOM BOSCO
307
Nesta seção, veremos, pois, como se apresenta o cenário sócio-geográfico do
bairro de Casa Amarela no qual estão localizadas as escolas Dom Vital e Dom Bosco bem
como será feita uma descrição analítica destas mesmas instituições educativas.
7.2.1 Casa Amarela: uma comunidade-movimento pelas “Terras de Ninguém”
As origens do Bairro de Casa Amarela estão ligadas à existência de uma antiga
fortificação militar, construída pelos portugueses, chamada de Arraial do Bom Jesus. A
fundação do Forte Real do Bom Jesus, como também era conhecida, teve início no ano de
1630, por Matias de Albuquerque.
Com a invasão holandesa em Pernambuco, no ano de 1624, começou a ser
construído um povoado ao redor do Forte ao qual foi dado o nome de Povoado do Arraial
Velho. Posteriormente, expulsos os holandeses (ano de 1649), e com a extinção de vários
engenhos existentes na cidade do Recife (notadamente os engenhos de Casa Forte e Monteiro)
a população do Arraial Velho foi aumentando e gerando um tipo de conflito que, por muito
tempo, iria caracterizar o futuro bairro de Casa Amarela: a disputa pela posse de terras
urbanas.
Conta a tradição que o nome do bairro deveu-se à existência, na década de
1940, de uma casa grande e confortável que ficava próxima ao terminal da estrada de ferro
(localizado no bairro), sempre pintada de amarelo. A casa pertencia a um rico português, o
comendador Joaquim dos Santos Oliveira que havia se mudado para o Arraial Velho, por
recomendação médica, para ali, devido ao clima agradável, recuperar a saúde. A cura do dito
comendador serviu de propaganda para o povoado gerando, assim, uma nova leva de
moradores para o Arraial. A casa sempre pintada de amarelo passou a servir de ponto de
referência de modo que, com o passar do tempo, por extensão, o outrora Arraial Velho passou
a ser conhecido como Bairro de Casa Amarela.
Desde a década de 1940, a exemplo do que ocorria no restante do país, o
fenômeno da urbanização também foi intensificado em Pernambuco. Neste caso, ao redor do
núcleo original do Arraial Velho foram surgindo outros agrupamentos humanos os quais
construíram casas nos morros e nos córregos, tais como: Vasco da Gama, Morro da
Conceição, Córrego do Euclides, Alto José Bonifácio, Alto José do Pinho etc. Com o
transcurso do tempo, do ponto de vista social, Casa Amarela passou, então, a se caracterizar
como possuindo, por um lado, uma população, em sua grande maioria, composta de
308
comerciários, pequenos comerciantes, trabalhadores na industria têxtil, biscateiros e
desempregados e, por outro lado, uma minoria com relativo poder econômico, a classe média.
No primeiro ano do governo de Miguel Arraes à frente da Prefeitura do Recife,
ano de 1959, foi feita uma benfeitoria em Casa Amarela: a construção de uma avenida
considerada como moderna para os padrões da época, batizada de Avenida Norte, por se
estender ao longo de quase toda a área norte da cidade. Entretanto, se por um lado, a dita
avenida trouxe benefícios para a população deste Bairro, por outro lado, serviu para aumentar
o conflito entre moradores e donos de imobiliárias que desenvolveram pressões para que os
que moravam (os pobres, evidentemente) nas margens da nova avenida saíssem das mesmas
para, assim, se apropriarem dos terrenos que lhes pareciam lucrativos. Estava assim, agravado
o problema da posse das terras em Casa Amarela.
Com a intensificação da questão das terras bem como das condições precárias
em que a maioria da população vivia, no ano de 1968, foram realizadas muitas manifestações
e mobilizações em prol da legalização dos terrenos e por melhores condições de vida. Nesse
movimento de resistência e de reivindicação, a Associação de Moradores de Casa Amarela
(fundada no ano de 1946) teve uma atuação bastante decisiva, contando com o apoio da
Paróquia local e de alguns partidos de esquerda, sobretudo, o Partido Comunista.
Visando unificar as lutas, foi constituído, no ano de 1975, o chamado
Movimento Terra de Ninguém o qual, valendo-se de passeatas, atos públicos, ocupações de
terra e ações judiciais, possibilitou às populações empobrecidas de Casa Amarela a conquista
de água, assistência médica, saneamento, transporte e, evidentemente, a posse das terras. O
nome do movimento deveu-se ao fato de algumas famílias – destacando-se a dos Marinhos e a
dos Rosa Borges – reivindicarem para si a propriedade de grande parte do chão de Casa
Amarela e, conseqüentemente, se aproveitarem disso para fazerem a especulação mobiliária,
cobrando taxas pelo aluguel do chão ou tentando vender terrenos por preços considerados
como altos, que tornavam impossível de serem comprados pelos moradores. Desta forma, o
Movimento quis se contrapor dizendo que as terras não eram de ninguém (ou melhor dizendo,
de apenas algumas famílias) mas, sim, de todos.
Após muitas lutas, enfrentando a repressão policial, sobretudo nas décadas de
1970 e 1980, finalmente foi conseguida a desapropriação das terras, no mês de dezembro
deste segundo ano. Resgatando um pouco do poder e da força daqueles que vivem-do-
trabalho, aqui também destacamos os nomes de José Severino Aguiar, Arnaldo Rodrigues e
309
Manoel Marques como operários de profissão, mas, também, artífices da história de um povo
que sofre, luta, samba, reza e conquista vitórias
165
.
Do que significou esse momento na vida de Casa Amarela, parece que pode ser
traduzido na expressão popular de um dos antigos moradores em sua poesia:
Casa Amarela, a mãe dos sem terra
Quando ainda eras virgem,
Abrigavas em tuas entranhas
Aqueles que vinham a ti.
Davas os frutos de tuas árvores
E em tuas terras acolhia-os docemente.
Hoje, completamente desvirginada
E tão injustamente disputada
Entre os ricos e os pobres.
Choras por aqueles que
Chegaram primeiro a ti.
E hoje, por força da ganância e da exploração,
Já não te possuem mais
(Pedro Noé apud BRAGA, 1983, p. 45)
Da organização e das lutas realizadas em função da posse do solo urbano bem
como ao redor de outras batalhas, Casa Amarela passou a ser conhecida como símbolo de luta
e de resistência, tornando-se um alvo bastante cobiçado pelos partidos e lideranças políticas
no sentido de contarem com o apoio e o voto da sua população.
Em relação ao seu passado no qual chegou a ser considerado como sendo a
“maior área popular urbana do Nordeste e uma das maiores do país” (NOVA..., 1989, p. 8), o
Bairro de Casa Amarela possui, hoje, um diminuto território de 1,85 km2 e uma população de
35.543 habitantes (IBGE, ano 2000). A razão desta diminuição deve-se ao fato de, no ano de
1988, a Prefeitura do Recife, pelo Decreto-Lei 14.452/88, ter feito um reordenamento
administrativo da cidade que passou, então, a contar com 94 bairros. Por ocasião desta lei, a
população de Casa Amarela, espalhada por uma área de 206 km2, chegava a 400.000
habitantes equivalente a 20% da população recifense
166
. Referindo-se ao “desmanche” de
Casa Amarela, um pesquisador do Departamento de História da UFPE analisava, na ocasião,
que tal acontecimento
atinge frontalmente as lideranças populares, fragmentando a força da sua
representação, visto que legalmente não mais poderão se apresentar como
165
A leitura do texto de Montenegro (1992, p. 52-73 poderá levar o leitor a concordar conosco na
atribuição da “condecoração” feita a esses atores sociais da escola da vida.
166
Algumas dessas localidades, atualmente com “status” de bairros eram: Mangabeira, Alto José do Pinho,
Morro da Conceição, Alto José Bonifácio, Vasco da Gama, Nova Descoberta, Córrego do Jenipapo, Macaxeira,
Dois Irmãos, Guabiraba, Alto do Mandu, Alto de Santa Isabel, Sítio dos Pintos, Alto José Bonifácio e outras.
310
representantes do conjunto dos moradores. Em última instância, evidencia-se
como as lutas populares, sempre que estabelecem um outro conjunto de
representações no presente, passado e futuro e, por extensão, de outras
práticas sociais que não obedecessem necessariamente às diretrizes oficiais,
estão sempre ameaçadas por um campo minado, em permanente ação de
desmonte da história popular (MONTENEGRO, 1992, p. 53).
Nesse mesmo sentido, comentando o desmembramento, segue a análise da
jornalista Cleide Alves ao afirmar que “para a população, a perda não foi apenas territorial.
Significou também uma fragmentação no movimento popular organizado que lutava por
melhoria das condições de vida da região” (CASA..., 2000, p. 7).
Entretanto, se o poder oficial, por um lado, conseguiu desmembrar
geograficamente o Bairro de Casa Amarela em outros bairros, de outra parte, do ponto de
vista afetivo, os que moram nas localidades adjacentes ainda se consideram e se declaram
como moradores de Casa Amarela
167
. Juntamente com um certo orgulho (sobretudo entre os
mais idosos) por se sentirem protagonistas de uma história, a manutenção desta ligação por
parte da população (desta vez, especialmente, entre a população mais jovem) é compreensível
pelo fato de dizer que mora num dos Altos ou Córregos é algo que, do ponto de vista social,
ser uma referência vergonhosa.
Pela divisão feita pela Prefeitura, o Recife foi dividido em 6 Regiões Político-
administrativas, as chamadas RPAs. O bairro de Casa Amarela integra a RPA 3, juntamente
com outros 28 bairros, a maior em extensão territorial. Se do ponto de vista da administração
e do planejamento, as RPS se constituem numa unidade, entretanto, do ponto de vista social é
uma divisão artificial dados os contrastes, sob vários ângulos, existentes das ditas divisões
político-administrativas. A título de exemplos, citamos os seguintes: (i) no ano de 2002,
enquanto o rendimento médio mensal das pessoas responsáveis pelos domicílios permanentes
chegava a R$ 5.195,62 no bairro da Jaqueira, em Nova Descoberta (que outrora pertencia a
Casa Amarela) não ultrapassava a R$ 280,60 e (ii) a população pobre do Recife está,
preponderante, localizada na RPA 3; entretanto, esta é, também, a área na qual a renda “per
capita” se encontra mais concentrada.
Entre outros, o Bairro de Casa Amarela se orgulha de possuir dois destaques
históricos: (i) ter sido o bairro no qual nasceu o educador Paulo Freire (e ali morou até os 10
anos de idade). Sobre isto, em vários dos seus livros, o próprio Paulo Freire gostava de se
167
Consultando pastas de matrícula dos alunos de uma das escolas nas quais realizamos a pesquisa de campo,
observamos que, em muitas delas, no espaço destinado a bairro, era colocado o nome do bairro no qual o aluno
residia e ao lado, como que num complemento, também era escrito o nome “Casa Amarela”.
311
referir como sendo o local onde começou a fazer a leitura do mundo ao, ajudado pela mãe,
escrever palavras com gravetos das mangueiras, à sombra delas, no chão da casa onde havia
nascido e (ii) ter sido, no chamado “Sítio da Trindade” a sede do Movimento de Cultura
Popular, fundado a 13 de maio de 1960
168
, com o objetivo de, conforme dizem os documentos
da época, difundir as manifestações de arte popular regional e desenvolver um trabalho de
alfabetização de crianças e adultos, buscando elevar o nível cultural dos alfabetizados, para
melhorar sua capacidade aquisitiva de idéias sociais e políticas e ampliar a politização das
massas, despertando-as para a luta social
169
.
Das antigas localidades que outrora integravam o Bairro de Casa Amarela a
mais conhecida é a do chamado Morro da Conceição no qual está localizado um santuário
dedicado a Nossa Senhora da Conceição. Este santuário, construído a partir de um nicho
instalado no alto, no ano de 1906, recebe visita de peregrinos durante o decorrer do ano e de
modo mais intenso por ocasião do novenário e da festa da dita invocação mariana, 8 de
dezembro. Ao Morro e ao Santuário da Conceição, entre outros aspectos, podem ser feitos os
destaques abaixo.
Ainda que o título de Padroeira da cidade do Recife tenha sido conferido a
Nossa Senhora do Carmo (que possui um santuário no centro) e a data da sua festa seja
feriado municipal é, no entanto, a festa do Morro a mais participada, a ponto de, no dia 8 de
dezembro, também ocorrer um novo feriado, ainda que não oficial. Sobre estas duas devoções
começa a ser corrente uma reflexão sobre a força dos empobrecidos que, também em sua
expressão religiosa, se insurgem contra a oficialidade. É como se as massas populares se
identificassem mais com a imagem mariana (a Maria da Conceição) que se “impõe” pela
simplicidade das suas vestes em azul e branco e que está, ali entre elas, na periferia, e não
tanto com a aquela (Maria do Carmo) que, estando no centro, se encontra revestida de roupas
vistosas e engalanada de jóias e o seu culto é sustentado por tradicionais irmandades
religiosas.
O segundo destaque é que o Morro da Conceição se sobressai em ser a
comunidade política e socialmente mais organizada de Casa Amarela, no que em muito
contribuiu a comunidade católica local, sobretudo sob o período da liderança do padre
168
Entretanto, do ponto de vista jurídico, a institucionalização do Movimento de Cultura Popular data de 19 de
setembro de 1961, quando foi registrado no Cartório do 1º. Ofício, da cidade do Recife. Na lista dos sócios-
fundadores, juntamente com o de Paulo Freire, constava os nomes de Ariano Suassuna, Francisco Brennand,
Hermilo Borba Filho, Cristina Tavares, Geninnha da Rosa Borges, Anita Barreto, etc.
312
Reginaldo Veloso (1975 a 1995). Não foi à toa que, no ano de 1965, por ordem de “altos
escalões” o Conselho de Moradores foi fechado e que sobre a pessoa deste sacerdote tenha
recaído a atenção do poder repressor da ditadura civil-militar, visando intimidar o clero
recifense, considerado como um dos mais “subversivos” no Nordeste. Por outro lado, também
não foi à toa que o dito pároco foi escolhido pelo sucessor do arcebispo D. Hélder Câmara
para estar na sua mira de quem veio para “botar ordem na casa” (o que equivale dizer, a
ajudar no percurso de retrocesso que, na última década, tem ocorrido na Igreja Católica no
Brasil, em relação a posicionamentos frente às questões sociais,).
Com o ainda crescente fenômeno da urbanização, Casa Amarela tem sido um
dos bairros mais procurados para servir de moradia para novos habitantes, tanto por parte da
classe média como das classes populares. Os de classe média procuram-no pela sua relativa
proximidade com o centro do Recife, bem como pela oferta de vários benefícios sociais
existentes no mesmo (hospitais, agências bancárias, algumas repartições públicas, escolas
particulares, áreas de lazer etc.). Por parte das camadas populares a procura, certamente, se
deve ao fato de este Bairro fazer limite com Casa Forte e Parnamirim, considerados como
“bairros nobres”, e apresentarem várias opções de trabalho, sobretudo na área comercial e de
serviços domésticos.
Há, no Bairro, um sítio histórico que se presume ser o local do antigo Forte do
Bom Jesus e que serve de área de lazer contínua para os moradores, o chamado Sítio da
Trindade, com uma área de 6,5 hectares e inaugurado no ano de 1958. Por ocasião das festas
juninas e natalinas (muito concorridas na cidade do Recife), o Sítio da Trindade se torna um
grande centro de atração por conta das apresentações artísticas e culturais que ali são
realizadas.
Do ponto de vista cultural, também se sobressai a existência de uma biblioteca,
a Biblioteca Popular de Casa Amarela, inaugurada no dia 28 de janeiro de 1952, também
instalada por força da reivindicação do movimento popular neste Bairro. Atualmente com um
acervo de 10.000 volumes, colocado à disposição para consultas no próprio recinto e
empréstimos, diariamente a Biblioteca é procurada por quase duzentos usuários. No que diz
respeito à educação escolar, da rede pública, Casa Amarela conta com sete escolas estaduais e
mais de uma dezena de escolas municipais.
169
Por ocasião da deflagração do golpe civil-militar de 31 de março de 1964, umas das primeiras ações dos
golpistas na capital pernambucana foi, no dia seguinte, tomarem de assalto à sede do MPC, postando dois
tanques de guerra à sua frente, destruírem documentos, queimarem livros e prenderem seus principais dirigentes.
313
O Mercado público local (outrora instalado em outra área do Recife, na
Avenida Caxangá) também se destaca por ser um dos mais freqüentados da cidade. Um pouco
depois deste há uma feira livre cujo pátio, além da sua movimentação habitual no ofício de
“comprar e vender”, é bastante disputado pelos políticos para a realização de comícios
eleitorais. Nos anais do Bairro, é rememorada a presença de Carlos Prestes que ali teria feito
um comício, quando de sua passagem pela capital pernambucana. Em torno ao Mercado há
uma expressiva quantidade de estabelecimentos comerciais (supermercados, lojas de eletros-
domésticos, bancos, farmácias, armazéns de construção, etc) que atende às necessidades de
consumo da população da própria localidade e dos bairros adjacentes.
Enfim, ainda que com uma área e população diminuta em relação ao passado,
Casa Amarela constitui-se num bairro referencial na área norte da cidade do Recife pelas suas
lutas e resistências na conquista da terra, na capacidade de organização e mobilização popular
e na preservação dos genuínos valores da cultura pernambucana, sobretudo em relação à
música.
7.2.2 Escola Dom Vital: traços e retalhos de uma trajetória de 61 anos
Para atender às necessidades educacionais da população do Bairro de Casa
Amarela que, naquele momento, estava em expansão, no dia 26 de fevereiro de 1945 foi
inaugurado o Grupo Escolar Dom Vital, ministrando o antigo ensino primário.
Dez anos depois, através do Ato Governamental de número 527 e dos
Decretos-lei 265, datado de 21/01/55, e o 286, com data de 17/11/55, o Grupo Escolar foi
autorizado a funcionar como escola ginasial mantendo como patrono o mesmo nome do bispo
que foi palco da chamada Questão Religiosa, ocorrida no final do reinado de D. Pedro II.
Anos mais tarde, pelo Ato número 13, datado de 24 de junho de 1960, o ensino
colegial (hoje, correspondente ao ensino médio) passou a fazer parte dos serviços
educacionais prestados pela Escola Dom Vital. A primeira turma de concluintes ocorreu no
ano de 1962 quando 45 alunos colaram grau, em nível colegial. No ano de 1969, mais uma
modalidade de ensino foi anexada a esta escola, ou seja, a educação infantil extensiva para a
criança de 4, 5 e 6 anos, o chamado PROAPE (Programa de Alfabetização de Pernambuco).
No início da década de 1970, em atendimento às novas determinações da lei
5.692/71, esta unidade educativa passou a ser denominada de Escola Dom Vital passando a
ministrar o ensino de 1º. e 2º. Graus. No que diz respeito à parte profissionalizante do 2º.
314
Grau, os alunos da Dom Vital realizavam tal tipo de estudo na antiga Escola Técnica
Professor Agamenon Magalhães, localizada no bairro da Encruzilhada.
Com a promulgação da atual LDBEN 9394/96 este estabelecimento de ensino
passou a ser chamado de Escola Dom Vital de Ensino Fundamental e Médio. Gradativamente,
foram sendo extintas as turmas de 1ª. a 4ª. Série. Dado ao seu porte, em termos de espaço
físico e quantitativo de alunos, a Dom Vital foi alvo de várias ações, tanto por parte da
Secretaria de Educação como da própria Escola, no sentido de proporcionar uma
diversificação em suas atividades de ensino. Entre outras, destacaram-se as seguintes: (i)
fundação e funcionamento de uma Escola de Música e da Banda Marcial (1976); (ii)
instalação do Laboratório de Ciências, com programas orientados pela Fundação Joaquim
Nabuco e (iii) implantação de um projeto, no ano de 1998, em parceria com o Corpo de
Bombeiros, com aulas teóricas e práticas visando a educação preventiva, para evitar acidentes
domésticos, sobretudo os relacionados com fogo.
Sendo incluído no projeto Escola Jovem, promovido pelo governo de Jarbas
Vasconcelos”, ao longo do ano 2.000, a Dom Vital passou por um amplo processo de reforma
em suas instalações físicas. Com esta reforma, este estabelecimento educacional passou a ter a
atual configuração, ou seja: 2.085,60 m2 de área construída, no que estão inclusas 23 salas de
aulas, 5 laboratórios, 4 salas para serviços técnico-administrativos (Direção, Sala dos
Professores, Secretaria, Sala da Coordenação Pedagógica), biblioteca, cantina, cozinha e área
externa coberta. Do ponto de vista pedagógico, a educação em nível médio passou a ter
predominância nesta Escola.
No ano de 2003 passou a funcionar o chamado Núcleo de Línguas tendo,
inicialmente, ofertado o francês como língua estrangeira e, logo depois, a língua inglesa.
Neste ano de 2006, o Núcleo passou a oferecer mais uma língua: a língua espanhola.
Também no ano de 2003, foram implementados dois projetos na Dom Vital: o
Projeto Escola Aberta e o Projeto Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião. O primeiro Projeto,
tutelado pela UNESCO, desenvolveu atividades socioculturais na escola, nos finais de
semana, também envolvendo a comunidade externa à Escola Dom Vital. O segundo Projeto,
resultante com uma parceria com o Instituto Paulo Montenegro (grupo IBOPE) e a Ação
Educativa, realizou várias atividades de sondagem de opinião dos adolescentes a respeito de
assuntos relacionados à sexualidade bem como debates sobre tais assuntos.
Desde 2005 vem acontecendo o Projeto Megainclusão. Trata-se de um trabalho
desenvolvido pela TV Cidade (canal veiculado por uma emissora pertencente à rede privada,
a Cabo Mais, tv por assinatura), para que a Internet seja utilizada como ferramenta auxiliar no
315
processo de ensino-aprendizagem. Com este Projeto, foram instalados 25 computadores e
capacitados 58 professores para realizarem atividades de interação didática com a Internet.
No ano de 2.005 a Dom Vital contou com uma matrícula inicial de 2.609
alunos, sendo 1.056 no Ensino Fundamental (5ª. a 8ª. Série), correspondendo a 40% do corpo
discente e 1.553 estudantes no Ensino Médio, correspondendo a 60% do alunado.
Como podemos ver, também pelo quantitativo de turmas, 24 do Ensino
Fundamental e 30 do Ensino Médio, o serviço educacional da Escola Dom Vital está mais
voltado para este segundo nível de ensino o que, conseqüentemente, o caracteriza como uma
unidade escolar que, tendencialmente, atende à população juvenil e adulta.
A partir de um levantamento feito por amostragem (166 requerimentos de
matrícula, aleatoriamente escolhidos), constata-se que, predominantemente, a clientela
discente é oriunda do próprio bairro no qual a Escola está localizada, ou seja, em 51% dos
formulários de matrícula constavam que o aluno residia em Casa Amarela, 25% no Bairro de
Vasco da Gama e 13% no Bairro de Nova Descoberta. Os 11% restantes ficaram distribuídos
entre outros 7 bairros localizados nas proximidades de Casa Amarela. Do ponto de vista
socioeconômico, os alunos deste estabelecimento de ensino caracterizam-se por serem filhos
de trabalhadores, parte dos quais se encontram desempregados ou desempenham atividades
econômicas consideradas como “informais”. Oriundos das camadas populares, também
recaem sobre os alunos do muitos dos problemas que assolam as famílias destas camadas, tais
como: famílias monoparentais, requisição dos filhos para ajudarem no orçamento doméstico,
etc.
Tomando-se por base os resultados dos anos letivos de 2004 e 2005, podemos
constatar a confirmação daquilo que está expresso no Projeto Político-Pedagógico da Escola
quando diz que
os maiores problemas, atualmente enfrentados pela comunidade escolar
consistem na luta intransigente no combate a evasão e repetência, haja vista
atingirem índices considerados altos, principalmente quando focalizado o
turno da noite (PROJETO..., mimeo., s/d).
Os dados seguintes confirmam este entendimento expresso no Projeto Político-
Pedagógico, a saber: no ano de 2004, de um total de matrícula, houve 52% de aprovação, 16%
de reprovação e 32% de evasão escolar. Em 2005, de um total de 2.465 alunos, 47% foram
aprovados, 20% foram reprovados e 33% foram considerados como evadidos.
Acompanhando o desempenho por turmas, verifica-se que a perda não se limita
ao turno noturno. É o caso, por exemplo, no ano de 2004, das turmas de quintas séries (que
316
funcionaram em turnos diurnos) terem obtido o índice de apenas 49% de aprovação. Isolando
duas turmas, a 5ª série “C” e a 5ª série “D”, podemos observar que, respectivamente, o
rendimento escolar, em termos de aprovação ficou muito abaixo da média das quintas séries,
ou seja, 34% e 16%. No ano de 2005, também em horário diurno, enquanto a média geral de
aprovação foi de 47%, na 5ª Série “C” foi de 41%, na 7ª série “E” foi de 27% e 1º Ano “C”
foi de 33%.
Integrando o conjunto das escolas estaduais de Pernambuco que foram
submetidas a uma recente avaliação nacional, o “Prova Brasil” (em novembro de 2005), a
Dom Vital na 8ª. Série, obteve os resultados mostrados na Tabela XII.
Tabela XII - Desempenho dos alunos da Escola Dom Vital (8ª. Série) na avaliação do
“Prova Brasil” em relação aos âmbitos federal, estadual e municipal
Brasil
Pernambuco
Recife
“Dom Vital”
Aprovação
76,7%
65,5%
63,6%
50,2%
Reprovação
12,1%
13,1%
15,4%
19,3%
Abandono
11,2%
21,4%
21,0%
30,5%
Distorção série-idade
38,9%
62,4%
67,2%
67,0%
Fonte: INEP, 2006
317
Esta unidade escolar, no item “aprovação”, se encontra 26,5% inferior à média
nacional, também inferior 15,3% à média do Estado de Pernambuco e, ainda, 13,4% inferior à
média da cidade do Recife.
No item “reprovação”, esta escola se encontra 11,2% inferior à media nacional,
12,2% inferior à média estadual e, ainda, 14,5% inferior à média da capital pernambucana.
Em relação ao item “abandono”, está maior 19,3% que a média nacional,
também maior 9,1% em relação à média estadual e, ainda, 9,5% maior que a média recifense.
No item “distorção série/idade”, possui 28,1% maior que a média nacional;
4,6% maior que a média estadual e, praticamente, igual à média municipal do Recife, com
uma diferença de apenas 0,8% entre a média da Escola Dom Vital e a média da capital
pernambucana.
Integrando o movimento desencadeado pelos educadores em prol da gestão
democrática da escola, desde o dia 16 de outubro de 2001 vem funcionando nesta unidade de
ensino o Conselho Escolar quando, naquela data, em Assembléia Geral se deu a instalação
deste organismo de colegialidade e a posse da sua primeira diretoria. Da data da fundação até
20 de junho de 2005 (último registro de Ata a que tivemos acesso), foi realizado um total de
20 reuniões, assim distribuídas de acordo com sua caracterização: quatorze reuniões
ordinárias (70%), três reuniões extraordinárias (15%) e três assembléias (15%).
Do total de reuniões cujas Atas foram consultadas, podemos verificar a
existência de um tempo médio de reuniões, em termos de meses, na ordem de 2,25 (no ano de
2001 foram realizadas três reuniões; nos anos 2002, 2003 e 2004, em cada um, aconteceram
doze reuniões; no ano de 2005, o Conselho Escolar reuniu-se cinco vezes). Aliado a outros
fatores, este tempo médio de reuniões pode ser visto como sendo, ao mesmo tempo, como um
esforço para que ocorra na Dom Vital uma efetiva gestão democrática da escola e a existência
de uma coletividade que se mobiliza para buscar melhorias em vista de um melhor
desempenho das atividades educativas desta unidade de ensino.
Como no restante das escolas da rede estadual de ensino deste Estado, desde o
mês de setembro de 2001 vêm sendo realizadas eleições diretas para a escolha do diretor e
vice-diretor. O atual diretor e vice, respectivamente, Ricardo Luiz Ferreira de Araújo
(licenciado em História e Especialista em Gestão Escolar) e professor Evanilson Alves de Sá
(licenciado em Pedagogia, bacharel em Direito e especialista em Supervisão Escolar),
encontram-se em um segundo mandato consecutivo de gestão administrativa.
Do total de 65 profissionais que integram o corpo docente deste
estabelecimento de ensino, com graduação nas mais diversas licenciaturas (Letras, História,
318
Geografia, Biologia, Matemática, dentre outras), 18 destes professores possuem estudos de
pós-graduação (15 com titulação de “especialistas” e 3 com título de “mestres”),
correspondendo a 28% do total dos docentes.
Apesar das propostas do Projeto da Escola do Jovem e das reformas realizadas
nesta unidade escolar, este educandário continua a não dispor de uma quadra coberta nem de
campo de futebol apropriado para um melhor desenvolvimento das atividades esportivas. O
número de bebedouros (apenas dois) também se apresenta como insuficiente para o
quantitativo de alunos que freqüentam os três turnos de estudos (uma média de 800 alunos em
cada turno).
Do ponto de vista de recursos humanos há também deficiência nos seguintes
itens: funcionários para os serviços de secretaria, limpeza e outras atividades gerais; Educador
de Apoio (somente no mês de setembro de 2005, a Escola recebeu um profissional que, no
entanto, por razões de estudos de pós-graduação tem horário de trabalho reduzido). Seja
observado que, seguindo uma tendência ora em curso na política administrativa do governo
Jarbas Vasconcelos, os serviços de limpeza são realizados por trabalhadores terceirizados.
Até o final do mês de março (ano de 2006), a Escola Dom Vital apresentou um
total de 2.295 alunos matriculados, com a seguinte distribuição por séries/ano: 138 nas 5as.
séries, 182 nas 6as. séries, 222 nas 7as. séries, 370 nas 8as. Séries, 512 nos 1os. anos, 455 nos
2os. anos e 416 nos 3os. anos.
Com 1.383 alunos (correspondendo a 60% do total de matrículas), o Ensino
Médio continuou a ter predominância no corpo discente. Entretanto, comparando-se a
matricula de 2006 com a do ano anterior, verifica-se que houve uma redução de 314 alunos.
Traçando um perfil dos atores sociais da Escola Dom Vital que, mais
diretamente, foram envolvidos na pesquisa, sendo entrevistados ou respondendo a
questionários, os mesmos apresentaram as seguintes características:
Direção:
Tanto o Diretor como o Diretor-Adjunto encontram-se no exercício destas
funções em segundo mandato, após eleição realizada pela comunidade escolar. Ambos,
praticamente, possuem igual tempo de trabalho neste educandário para onde chegaram no ano
de 2000 para exercer diferentes funções. O Diretor veio para a Escola Dom Vital na condição
de diretor indicado pela Secretaria de Educação e o Diretor-Adjunto, para exercer a docência.
O Diretor é licenciado em História e o Diretor-Adjunto é licenciado em
Pedagogia e bacharel em Direito. Ambos residem em bairros distintos daquele na qual a
319
“Dom Vital” está localizado. Nenhum dos dois declarou possuir vinculação com algum
movimento ou grupo socio-comunitário.
Professores:
Um total de 20 professores (14 do sexo feminino e 6 do sexo masculino,
respectivamente, 70% e 30%) fizeram parte do grupo de docentes-sujeitos, porém em três
situações diferenciadas: respondendo a questionário (8 professores), concedendo entrevista
individual (uma professora) e participando de uma entrevista coletiva (12 professores).
Entretanto, apenas das duas primeiras situações foi feito registro de “dados identificadores”.
Assim sendo, excetuando-se o item sexo, a caracterização abaixo se refere a um total de nove
professores.
Em termos de graduação, três docentes-sujeitos são graduados em História, 2
em Biologia e 1 em cada um dos seguintes cursos: Psicologia, Letras, Matemática e, ainda,
um possui bacharelado em Economia Doméstica. No que diz respeito a estudos de pós-
graduação, 56% destes sujeitos possuem qualificação neste nível, subdividindo em dois
docentes com Especialização e três docentes com Mestrado.
Praticamente, a metade destes sujeitos (quatro deles) reside no mesmo bairro
no qual a Escola Dom Vital está localizada. Apenas um docente encontrava-se na situação de
prestador de serviços temporários.
Quanto ao tempo de trabalho, os docentes-sujeitos estão assim distribuídos:
dois professores com um ano de trabalho, 1 professor com dois anos de trabalho, 3
professores com 4 anos de trabalho, 1 professor com 5 anos de trabalho, um com oito anos de
trabalho e um com treze anos de trabalho. Com esta distribuição, os docentes-sujeitos
possuem uma média de 3,2 anos de trabalho nesta unidade de ensino.
No que tange à participação em grupos comunitários ou movimentos sociais,
89% dos docentes-sujeitos declararam exercer algum tipo de militância. A predominância
recaiu em militância no Sindicato profissional (SINTEPE), 89%, e o restante em movimentos
pastorais de Igreja.
Alunos:
Atingindo um total de 109 alunos, este segmento foi envolvido na pesquisa em
três diferentes momentos: respondendo a um questionário envolvendo questões mais amplas
sobre a Escola Dom Vital (52 alunos), respondendo a um outro questionário, desta vez com
questões mais específica envolvendo a temática da autonomia da escola (42 alunos) e
refletindo sobre um texto especificamente preparado para tal, também versando sobre a
320
autonomia escolar (15 alunos). Deste universo, 65% alunos-sujeitos pertenciam ao sexo
feminino e 35% ao sexo masculino. A idade média deste grupo de sujeitos foi de 18,2 anos.
Em relação à escolaridade, a predominância de alunos-sujeitos coube ao
Ensino Médio totalizando 71 anos (84%)
No que diz respeito ao item “tempo de estudos” nesta instituição educacional,
os 109 alunos-sujeitos possuem uma média de 3,9 anos (variando de 1 a 13 anos de estudos).
No tocante à residência, a maior concentração dos alunos-sujeitos foi no
próprio bairro de Casa Amarela (51%), seguido de Vasco da Gama (24%).
Apenas 8,2% (nove alunos) do grupo de alunos-sujeitos exerce atividade
profissional remunerada como comerciários, auxiliares de ensino, auxiliares administrativos e,
ainda, ajudantes de mecânicos.
No que diz respeito à participação em movimentos sociais ou grupos
comunitários também é pequeno o índice dos alunos-sujeitos uma vez que apenas 8,2% fazem
parte de grupos juvenis e movimento estudantil.
Pais:
Um total de dezoito pais respondeu ao questionário que lhes foi enviado (67%
do sexo feminino e 33% do sexo masculino). O nível de escolaridade predominante situa-se
no Ensino Fundamental (83%). Nenhum deles possui escolaridade em nível de ensino
superior.
Estes sujeitos, em número de filhos estudando na Dom Vital estão divididos
em dois grupos, a saber: (i) com apenas um filho estudando na Dom Vital (39%) e (ii) com
dois filhos estudando nesta mesma unidade escolar (61%).
Do ponto de vista profissional, comerciante e empregadas domésticas são as
atividades que mais estes pais-sujeitos estão envolvidos (5 pais para cada uma dessas
atividades).
Com um índice de 56%, este grupo de sujeitos declarou possuir algum tipo de
participação em grupo ou movimento comunitário, destacando-se a atuação em grupos
pastorais de Igreja (40%) e em entidades recreativas/esportivas (20%).
7.2.3 Escola Dom Bosco: traços e retalhos de uma trajetória de 39 anos
Com a expansão populacional do bairro de Casa Amarela e, por outro lado, na
linha do intento do então governo civil-militar de fortalecer a legitimação via oferta e
321
expansão da educação escolar, no dia 1º. de abril de 1967 era inaugurada mais uma escola
estadual neste bairro, em frente ao histórico Sítio da Trindade: a Escola Normal Dom Bosco.
Sendo mais uma oportunidade para ser demonstrado como o governo civil-militar estava
realizando um benefício para a população, a inauguração contou com a presença do
governador do Estado e do seu vice, respectivamente, o sr. Paulo Guerra e o sr. Barreto
Guimarães. Acompanhando a estes, também se fez presente o então secretário estadual de
educação, o coronel Costa Cavalcanti.
Após o descerramento da placa, o próprio secretário de educação efetuou as
primeiras matrículas, auxiliado pela professora Maria Luiza da Costa apresentada e
empossada como primeira diretora da nova escola, função que ocupou até o ano de 1985
(portanto, por dezoito anos).
Com a promulgação da lei 5.692/71, a Escola Normal transformou-se em
Colégio Estadual continuando a oferecer as séries iniciais do 1º. Grau e o curso normal
pedagógico e acrescentando o curso de 2º. Grau, com habilitação em “Estudos Gerais”. A
partir do dia 28 de fevereiro de 1974, houve nova mudança de nome, desta vez para Escola de
1º. e 2º. Graus Dom Bosco, ocorrendo, na ocasião, a extinção do curso normal. Neste mesmo
ano, de acordo com o registro feito no boletim do Centro Cívico Marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco (edição No. 4, abril/1974), a matrícula inicial deste estabelecimento
de ensino totalizou 1.763 alunos, distribuídos por três turnos. Este quantitativo sinaliza que,
naquela época, esta unidade escolar já se configurava como sendo uma escola de grande
porte.
Mantendo tal caracterização, no ano de 2005 a matrícula inicial foi de 1.974
alunos, assim distribuídos: 662 alunos no Ensino Fundamental (de 5ª. a 8ª. série),
correspondendo a 34% do corpo discente e 1.312 estudantes no Ensino Médio,
correspondendo a 66% deste mesmo corpo.
No ano de 2005, em relação ao rendimento escolar, a Dom Bosco apresentou
os seguintes resultados: apenas 37% dos alunos lograram aprovação; 24% ficaram em regime
de “progressão parcial” (5ª. a 7ª. Série) e/ou regime de “nova oportunidade de ensino” (alunos
de 8ª. série do Ensino Fundamental e 3º. Ano do Ensino Médio). Ainda: a reprovação atingiu
um percentual de 9% e a evasão escolar chegou à casa dos 30%, ou seja, um total de 548
alunos.
Tomando-se situações particulares, por turmas, destacam-se os seguintes casos
como sendo de turmas que apresentaram níveis de aprovação um tanto quanto distanciados,
para menos, da média de toda a Escola, ou seja: 7ª. “C”, 10% de aprovação; 8ª. “F”, 17% de
322
aprovação; 1º. ano “H”, 4,5% de aprovação; 1º. ano “I”, 16% de aprovação; 2º. ano “C” e 2º.
ano “H”, 21% de aprovação e 3º. ano “A”, 8% de aprovação.
No tocante a desistência, as seguintes turmas destacam-se por apresentarem um
percentual bastante elevado, para mais, da média de toda a Escola, a saber: 5ª. série “B”, 40%
de desistentes; 6ª série “B”, 45% de desistentes; 7ª série “C”, 55% de desistentes; 7ª série
“D”, 59% de desistentes; 8ª. série “F”, 65% de desistentes; 1º ano “F”, 51% de desistentes; 1º.
ano “H”, 70% de desistentes; 1º ano “I”, 54% de desistentes; 2º ano “I”, 43% de desistentes e
o 3º ano “I”, 46% de desistentes.
Comparando com a realidade do ano escolar de 2004 quando este educandário
efetivou 1.845 matrículas e a desistência chegou a 27%, verificamos que no ano de 2005 este
número teve um aumento na ordem de 3%. Sem sombra de dúvidas, este fato constitui-se num
elemento complicador para a ocorrência de uma efetiva democratização da escola e do saber.
Fazendo parte do conjunto das escolas estaduais de Pernambuco que foram
submetidas a uma recente avaliação nacional, o “Prova Brasil” (em novembro de 2005), a
Dom Bosco, na 8ª. série, obteve os seguintes resultados:
Tabela XIII: Desempenho dos alunos da Escola Dom Bosco (8ª. Série) na avaliação do
“Prova Brasil” em relação aos âmbitos federal, estadual e municipal
Brasil
Pernambuco
Recife
Dom Bosco
Aprovação
76,7%
65,5%
63,6%
61,0%
Reprovação
12,1%
13,1%
15,4%
12,2%
Abandono
11,2%
21,4%
21,0%
26,8%
Distorção série-idade
38,9%
62,4%
323
67,2%
66,4%
Fonte: INEP, 2006
Pelo exposto na tabela anterior, no item “aprovação”, a Escola Dom Bosco se
encontra 15,7% inferior à média nacional; também inferior 4,5% à média do Estado de
Pernambuco e, ainda, 2,6% inferior à média da cidade do Recife.
No item “reprovação”, esta unidade educativa se encontra praticamente
empatada com a média nacional (com apenas 0,1% de diferença entre ambas); 0,9% inferior à
média estadual e, ainda, 3,2% inferior à média da capital pernambucana.
Em relação ao item “abandono”, a Dom Bosco está 15,6% a mais que a média
nacional; 5,4% maior que a média estadual e, ainda, 5,8 maior que a média recifense.
No item “distorção série/idade”, está 27,5% superior à média nacional; 2,0%
maior que a média estadual e 0,8% inferior à média da capital pernambucana.
Quanto à procedência geográfica dos alunos deste estabelecimento
educadional, do ponto de vista da Casa Amarela “oficial”, a predominância é deste mesmo
bairro, ou seja, 42%, seguido das seguintes localidades: Nova Descoberta (11%), Guabiraba
(9%), Vasco da Gama (7%) e Água Fria (4,5%). Os 26,5% restantes são provenientes de 15
outras localidades das quais apenas 3 não são adjacentes a Casa Amarela. Nestas localidades o
menor número de alunos foi 1 (um) e o maior 6.
170
Para a realização dos serviços educacionais a que se propõe, a Escola Dom
Bosco conta com um quadro com cerca de 60 professores e 12 funcionários. Neste último
grupo estão também os que realizam serviços de cozinha e limpeza, em regime de prestação
de serviço terceirizado. Somente no mês de maio deste ano (2006), após quase dois anos de
ausência, foi que a Escola passou a dispor de um Supervisor Escolar/Educador de Apoio o
que, considerando-se o porte da escola, constitui-se num quantitativo abaixo das necessidades.
Por falta de pessoal, nem sempre a biblioteca funciona no horário noturno.
No que diz respeito às instalações físicas, a Escola conta com quase todo o seu
terreno ocupado com construções, no caso, 14 salas de aulas (pavimento térreo e superior),
sala da Diretoria, sala dos Professores, Secretaria, Sala da Supervisão, 3 laboratórios
(Informática, Química e Núcleo de Línguas), sala da Banda (também utilizada como sede do
170
Este mapeamento foi feito a partir de um levantamento feito em 7 turmas (uma de cada série), aleatoriamente
escolhidas, nos 226 requerimentos de matrículas consultados.
324
Grêmio Estudantil) e uma quadra esportiva coberta que também é utilizada para eventos
comemorativos e festivos. Há ainda um anfiteatro/auditório com capacidade para 100 lugares,
porém mobiliado com cadeiras comuns. Não existe área específica para ser servida a merenda
escolar. A área coberta que dá entrada à escola é utilizada pelos alunos para ali merendarem.
No geral, o prédio apresenta pintura ainda em bom estado de limpeza e conservação, bem
como as carteiras das salas de aula.
Originado do antigo Centro Cívico, desde o ano de 2000 existe o Grêmio
Estudantil que conta com vários departamentos, a saber: esportivo, cultural, social, relações
públicas, imprensa etc. Cada departamento agrega um grupo de alunos normalmente
identificados com a atividade desempenhada pelo departamento. No ano de 2005, o Grêmio
Estudantil retomou a edição do jornalzinho que antes tinha o nome de Jornal do Estudante e
que passou a ser chamado Jornal Dom Bosco.
Data de 20 de junho de 1999 a constituição da Unidade Executora/Conselho
Escolar Dom Bosco quando, nessa ocasião, foram aprovados os Estatutos e eleita a primeira
Diretoria e os Conselhos Fiscal e Deliberativo. Pela leitura das atas, podemos distinguir a
existência de duas distintas fases na vida desta entidade: a primeira, da sua fundação até o ano
de 2001 quando predominavam as rotineiras reuniões para informação de verbas recebidas,
deliberação sobre o uso das mesmas e, ainda, prestação de contas. Conseqüentemente,
predominava a UEx; a segunda, de 14 de março de 2002 aos dias atuais quando se consta uma
guinada no sentido da prevalência do Conselho Escolar como instituição de mediação da
colegialidade. Nesta nova fase, também a partir da leitura das atas, podemos identificar a
existência de um aprendizado coletivo feito pelos atores sociais desta unidade escolar na
perspectiva da gestão democrática da escola, o que ocorreu não sem conflitos e tensões, como
está registrado.
Vejamos como, na perspectiva temporal, ocorreram as 32 reuniões que foram
realizadas desde a primeira até a última reunião ocorrida (29/09/05): no ano de 1999 foram
realizadas duas reuniões, no ano de 2000 também duas reuniões, no ano de 2001 também
ocorreram duas reuniões, no ano de 2002 foram realizadas três reuniões, igual quantia de três
reuniões no ano 2003, no ano de 2004 aconteceram dezenove reuniões e no ano de 2005
apenas uma única vez o Conselho Escolar se reuniu.
A partir desse quadro, pode ser verificado que, no ano de 2004, houve um salto
bastante alto em relação ao número de reuniões que vinham sendo feitas pela UEx/Conselho
Escolar da Dom Vital quando de duas a três por ano, em anos anteriores, ocorreram
dezenove reuniões. Do ponto de vista qualitativo, o ano de 2004, sinalizou um crescimento na
325
vida desta unidade de ensino no que diz respeito à participação tanto na resolução de um
conflito que havia sido instaurado a partir de uma carta circulada no interior da escola (no
final do ano anterior), como na necessidade de o Conselho Escolar ser reformulado e, ainda,
na busca de solução para os problemas pedagógicos que haviam sido evidenciados com o
expressivo número de alunos que estavam abandonando a Escola Dom Bosco.
Num contexto certamente de crise, e talvez por isso mesmo possibilitador de
crescimento, destacamos como altamente positivo um momento coletivo de tomada de
decisão assumida pela Direção e Conselho Escolar em relação à não realização de uma festa
no recinto da Escola, patrocinada por um líder político contando, ainda, com interferência de
um membro da Assembléia Legislativa que intercedia para que a Escola aceitasse a realização
do evento em seu recinto. Sobre esta questão, assim o Conselho se posicionou: “a posição é
única, mesmo se, amanhã, houver interferência da GERE, na pessoa da professora ‘x’
171
, do
governador ou de quem que seja! A posição é única e definitiva” (Ata do dia 22/06/04). Ainda
sinalizando que uma situação de crise pode brotar vida, em 2004 este estabelecimento
educativo começou a dar passos em relação à elaboração do seu Projeto Político-Pedagógico.
Na lista dos acontecimentos que são recordados com regozijo na vida desta
instituição educativa, destacam-se os seguintes:
O investimento feito no desenvolvimento de atividades esportivas, juntamente
com as do ensino, contribuindo para a formação do aluno, levou a Escola a ser bastante
procurada no bairro e nas redondezas. Em momentos diferentes, as escolas particulares iam
àquela unidade escolar recrutar talentos esportivos para compor suas equipes, nas
modalidades de futebol e voleibol. No ano passado (2005), duas alunas da Dom Bosco foram
convocadas para integrar a Seleção Brasileira de Handebol.
No ano de 1998, mais precisamente, no dia 27 de abril, a Escola foi pioneira,
no Estado de Pernambuco, na implantação dos chamados Núcleos de Tecnologia, a partir dos
quais a Secretaria de Educação se propunha a disponibilizar a informática como uma
ferramenta de ensino. A partir da Escola Dom Bosco os professores de 21 escolas dos 29
bairros que estão sob a jurisdição do GERE Norte (na época, DERE Norte) foram treinados
para usar a informática educativa. A escolha sobre a Dom Bosco recaiu pelo fato de, desde o
ano de 1989, ser uma unidade na qual os professores, ainda que com parcos recursos, já
trabalhavam com aplicativos educacionais fora da matriz curricular.
171
A omissão do nome da professora é nossa.
326
O envolvimento dos pais na vida da Escola, traduzido na existência de uma
atuante Associação de Pais e Mestres, sobretudo nos últimos cinco anos da década de 1990,
conferiu à este estabelecimento de ensino uma dinâmica de comunidade escolar bastante
intensa quando, então, conseguia-se mobilizar os pais para debates sobre questões e temáticas
educativas de interesse comum para a escola e a família.
Ainda com as ressalvas que possam ser feitas em decorrência do envolvimento
e participação dos pais na escola, pois podem ser cooptados pelo poder público para se
responsabilizarem pelo suprimento das necessidades materiais da escola, a integração entre
família e escola, naquele período, foi considerada como sendo exitosa e, inclusive, foi matéria
de noticiário numa revista de circulação nacional (Revista Isto É, edição de 25/04/01).
Nas proximidades do lançamento do “Dia da Família na Escola” (ano de 2001),
feito pelo então ministro da Educação, Paulo Renato de Sousa, a Dom Bosco foi uma das
vinte escolas públicas escolhidas, no território nacional, para ser visitada por esta autoridade
educacional. Na ocasião da visita, sem deixar de manifestar regozijo pela ocorrencia, os
alunos, liderados pelo Grêmio Estudantil, expressaram ao Ministro suas preocupações em
relação à escola pública em geral, e, particularmente, em relação à sua escola.
Em termos de projeto de âmbito nacional, este estabelecimento educacional, no
ano de 2002, também foi incluído no Projeto Nossa Escola, coordenado pela “Ação
Educativa”. Neste projeto, os alunos optaram por trabalhar com a música popular como sendo
uma expressão cultural bastante importante também para eles e, assim, no final do ano de
2002, organizaram e realizaram um festival de música, também aberto à participação das
comunidades em torno ao bairro Casa Amarela.
Traçando um perfil dos atores sociais da Escola Dom Bosco que, mais
diretamente, foram envolvidos na pesquisa, sendo entrevistados ou respondendo a
questionários, os mesmos apresentaram as seguintes características:
Diretores:
Até antes da sua eleição, a Diretora, com formação em Pedagogia (habilitação
em Supervisão e Administração Escolar), não integrava o corpo funcional do D. Bosco. De
acordo com as possibilidades previstas no processo seletivo para a eleição de diretores, a
mesma optou por concorrer às eleições nesta unidade escolar, no ano de 2001, e foi eleita para
tal. Por sua vez, o Diretor-Adjunto integra o quadro funcional desta unidade escolar há
bastante tempo, ensinando Língua Portuguesa (possui formação em Letras). Ambos estão em
segundo mandato eletivo e, em todas duas eleições, concorreram com duas outras
327
candidaturas. Apenas a Diretora reside no Bairro de Casa Amarela. Nenhum dos dois gestores
declarou possuir atuação em grupos comunitários ou movimentos sociais.
Professores:
Os docentes que aceitaram responder a um questionário (4) e responder a uma
entrevista (1), na condição de Presidente do Conselho Escolar) totalizaram um número de 5
docentes-sujeitos (3 do sexo feminino e 2 do sexo masculino). Em sua totalidade, estes
docentes pertencem ao quadro efetivo do funcionalismo público estadual e possuem uma
média de 9 anos de trabalho na Escola Dom Bosco.
Em relação à formação acadêmica, 2 destes sujeitos são licenciados em
Matemática e 1 em cada um dos cursos de História, Geografia e Letras e 80% deles (4
docentes) são pós-graduados em nível de especialização (Matemática, Lingüística, Educação
Ambiental e História).
Quanto ao local de moradia, nenhum destes sujeitos reside em Casa Amarela.
Entretanto, três deles residem em bairros que outrora integravam Casa Amarela (Vasco da
Gama, Água Fria e Nova Descoberta).
Apenas um dos sujeitos-docentes está envolvido em atividades comunitárias
(em movimento pastoral de Igreja).
Alunos:
Um total de 149 estudantes foram diretamente envolvidos na pesquisa ora
concedendo uma entrevista (1 aluno, na condição de Presidente do Grêmio Estudantil), ora
respondendo a questionários (137 alunos) e, ainda, posicionando-se diante de um texto
versando sobre a temática da autonomia escolar (11 alunos).
Deste segmento de sujeitos, 67 (45%) foram do sexo masculino e 82 foram do
sexo feminino (55%), com idade média de 18,7 (com variação de 14 a 53 anos).
A distribuição por série ou ano escolar ocorreu da seguinte forma: 26 alunos
cursando a 8ª. série do Ensino Fundamental, 26 alunos cursando o 1º ano, 42 cursando o 2º
ano e 57 estudando o 3º ano do Ensino Médio. Pelo exposto nestes dados,
predominantemente, estes sujeitos são alunos do Ensino Médio (83%).
Do total de 149 alunos-sujeito, apenas 19% (28 alunos, a maioria do turno da
noite) exercem algum tipo de atividade remunerada distribuído por diversas atividades, a
saber: comerciário, auxiliar administrativo, setor de estética, atividades de ensino e outras.
No tocante a participação em grupos comunitários ou movimentos sociais, um
total de 18 alunos-sujeito (12%) declarou possuir algum tipo de participação, variando entre
grupos de teatro, grupos juvenis, grupos de cultura popular e de música.
328
Pais:
Um total de dezenove pais de alunos foram diretamente envolvido na pesquisa
ora concedendo entrevista (um pai, na condição de membro do Conselho Escolar) ora
respondendo a um questionário (dezoito pais) caracterizando-se, quanto ao sexo, em
predominância feminina, uma vez que apenas dois deles são do sexo masculino (10%). Esta
caracterização, certamente, contribui para que a predominância de atividades profissionais
seja para tarefas tradicionalmente assumidas pela mulher, tais como, costureira, camareira,
cozinheira, afora os trabalhos domésticos. Um total de nove sujeitos (47%) declarou estar
ocupado em tarefas profissionais nos expedientes matutinos e vespertinos e, ainda, alguma
vezes, adentrando pelo horário noturno.
Do ponto de vista da escolaridade, 42% destes sujeitos possuem o Ensino
Fundamental, outros 53% o Ensino Médio e apenas 5% o Ensino Superior.
No que diz respeito ao número de filhos estudando na Dom Bosco, a maioria
foi para pais com apenas um filho (63%), seguido de dois filhos (32%) e, por fim, com três
filhos (5%).
Em relação à participação em grupos comunitários ou movimentos sociais, 15
pais (79%) possuem algum tipo de militância, assim distribuídos: 4 em sindicato profissional,
4 em Conselho de Moradores, 3 em Movimentos Pastorais de Igreja, 2 em Clube de Mães, 1
em Partido Político e 1 em ONG.
7.3 O MOVIMENTO DE OUTORGA DA AUTONOMIA NAS ESCOLAS ASSIS
CHATEAUBRIAND, LUÍS DE CAMÕES, DOM VITAL E DOM BOSCO
Com as diretrizes de autonomia escolar que foram formuladas nas recentes
políticas educacionais de Pernambuco e as conseqüentes ações e práticas que delas
resultaram, vejamos, nesta seção, como nas escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões,
Dom Vital e Dom Bosco, tais diretrizes e práticas, de cariz neoliberal, vêm ocorrendo
constituindo-se, de certa forma, num movimento de fora para dentro que também pode ser
compreendido como sendo de outorga.
Para o desenrolar deste movimento, salientamos que o mesmo não se realizou
nem se realiza de maneira uniforme nas unidades escolares pesquisadas. Ainda que tenha sido
e esteja sendo um movimento com características comuns, por outro lado, em decorrência da
peculiaridade de cada uma dessas unidades educativas, o movimento de outorga da autonomia
329
vem encontrando acentuações específicas ora envolvendo apenas uma unidade, ora
envolvendo duas ou três escolas e, ainda, o conjunto dos quatro estabelecimentos de ensino.
Dentro da realidade de pauperização para a qual a rede estadual de ensino de
Pernambuco vem sendo levada, as quatro escolas pesquisadas, também, refletem tal condição
na medida em que suas instalações físicas apresentam uma série de precariedade, tais como:
reduzido espaço físico para atender sua clientela discente (Assis Chateaubriand), pintura do
prédio carecendo de ser feita (todas quatro unidades escolares), instalações sanitárias com
visível necessidade de ampliação e melhoria das condições de higiene e limpeza (Assis
Chateaubriand e Luís de Camões), sujeira nas salas de aulas (Assis Chateaubriand, Luís de
Camões e Dom Vital), insuficiente imobiliário nas salas de aula, quer para o professor, quer
para os alunos (Assis Chateaubriand, Luís de Camões e Dom Vital), ausência de espaços
apropriados para a merenda escolar ser servida (todas quatro unidades escolares), ausência de
laboratórios (Assis Chateaubriand e Luís de Camões), laboratório fechado, devido a risco de
desabamento do teto (Dom Vital), biblioteca com acervo insuficiente e/ou desatualizado
(Assis Chateaubriand, Luís de Camões, e Dom Bosco ), falta de quadra esportiva para uma
condigna prática de esportiva e recreativa (Assis Chateaubriand, Luís de Camões e Dom
Vital) e assim por diante. Em muito, tal quadro difere bastante do visual de parte das escolas
estaduais (no caso, as chamadas Escolas Experimentais) que é ostentado nos meios de
comunicação social como demonstração de zelo e cuidado do governo estadual para com a
rede escolar sob sua responsabilidade.
A pauperização das escolas também se estende ao setor de recursos humanos,
sobretudo no que diz respeito aos docentes e tem sido um problema que tem atingido todas as
unidades pesquisadas gerando, por seu turno, precariedade no próprio funcionamento das
escolas. De modo acentuado, podemos, aqui, apresentar o caso da Escola Luís de Camões
que, mesmo o ano letivo tendo começado um pouco mais tarde que o habitual (no dia 15 de
março), no dia 31 de maio, a sua direção contabilizava ausência de 15 professores na escola.
Em conseqüência, todos os dias da semana, em todos os três turnos, em todas e em cada uma
das turmas, havia, no mínimo, uma aula vaga por falta de professor.
Certamente em consonância com o que foi decretado pela Reforma do Estado
de Pernambuco, as escolas pesquisadas ora se encontram desprovidas de pessoal técnico-
pedagógico qualificado, no caso, o Supervisor Pedagógico (Assis Chateaubriand e Luís de
330
Camões) ora possuem este profissional em quantia limitada para a prestação do serviço que
deveria realizar (Dom Vital e Dom Bosco
172
).
O exíguo número de funcionários administrativos (Assis Chateaubriand, Luís
de Camões e Dom Bosco) ou a condição de trabalho destes profissionais em forma precária
(Dom Vital) – ampliação da jornada de trabalho mediante recebimento de gratificação –
também contribuem para fragilizar o atendimento que estas escolas deveriam proporcionar
aos seus usuários. Gerando toda uma outra série de deficiências no funcionamento escolar, a
pauperização dos recursos humanos também atinge o setor de funcionários de serviços gerais
- encarregados da limpeza, atendimento no portão, preparo e distribuição da merenda – ora
em quantia reduzida (todas quatro unidades escolares) ora sob forma de contratação
terceirizada (Dom Vital e Dom Bosco). Esta realidade dos servidores administrativos
contribui bastante para a inexistência de um corpo coletivo entre os funcionários que atuam
nas escolas o que, por outro lado, repercute na dinâmica escolar no sentido da sua
caracterização comunitária e, em última análise, no próprio processo de busca e construção de
uma autonomia coletivamente edificada.
Mesmo sem desconhecermos o esforço que os órgãos de gerenciamento da
rede estadual de ensino de Pernambuco vem realizando, no sentido de promoção da chamada
“capacitação em serviço”, de modo especial envolvendo os docentes, as escolas pesquisadas
se ressentem de assistência e de acompanhamento pedagógico uma vez que, como dissemos
anteriormente, é inexistente ou existe de forma precária a atuação do supervisor pedagógico
local. Ainda que, em tese, se pudesse esperar que a Direção pudesse realizar tal
acompanhamento há, no entanto, dois fatores que dificultam e até mesmo impossibilitam: o
primeiro deve-se ao fato de, pela nova sistemática implantada da eleição para diretor, nem
sempre o Diretor (ou seu Vice) possuem formação especificamente pedagógica (Assis
Chateaubriand, Luís de Camões e Dom Vital). Em seguida, premido pela carência de recursos
humanos, via de regra, o Diretor está envolto, por um lado, com as atividades de cunho
especificamente administrativo e, ainda, com as de ordem material que passam a ocupar o
centro das suas preocupações e atenções. Ademais, para o caso dos que ocupam função de
direção escolar esta tem sido uma atividade nem sempre saudável, ao contrário, até com riscos
para a saúde físico-psíquica deste profissional como podemos inferir da seguinte fala de um
dos gestores das escolas pesquisadas:
172
Vale ressaltar que estas unidades funcionam em três turnos, possuem um quadro de mais de 50
docentes e um elevado número de alunos, 1800 (Dom Bosco) e 2.600 (Dom Vital).
331
(...) tenho uma carga horária muito pesada. Tenho chegado 7 horas da manha
e saído às 10 da noite, isso faz uns cinco anos e tem me trazido um prejuízo
mental e físico muito grande pra mim. Estou querendo resolver isso pra ter
um momento de descanso, de reflexão pra recarregar “baterias” pra poder ter
condições de trabalhar. Senão, você fica tão exausto que perde a capacidade
de pensar, refletir, criar... É uma correria tão grande que você não tem
aquele momento pra ficar consigo mesmo, fazer uma auto-análise, você
descansar, perceber os erros, tentar corrigir... Existe uma procura, uma
demanda muito grande devido à falta de recursos humanos. Você mesmo vê
que, em dia de aula, não tem gente pra tomar conta do corredor, não tem
ninguém lá em cima.
No conjunto dos profissionais que atuam nas quatro escolas que investigamos,
sobretudo entre os docentes, as precárias condições de trabalho a que estão submetidos, com
ênfase na questão salarial, certamente podem ser vistas como dificultando o próprio
desempenho profissional e, ainda, para a constituição de um corpo coletivo, organizado e
atuante na dinâmica da escola. No geral, os professores chegam muito perto do horário no
qual irão dar aulas, vindos de outro local de trabalho e, muitas vezes, têm que sair
apressadamente para prestarem serviços em outros locais de trabalho. Conseqüentemente, há
pouco espaço para o encontro, para a troca de idéias e de experiências, o que certamente não
colabora para a busca e a construção de uma autonomia coletivamente construída.
Do ponto de vista da gestão democrática e participativa, esta dinâmica foi
bastante enfraquecida nas escolas pela fusão da Unidade Executora com o Conselho Escolar
(pelo menos até maio do ano de 2005), uma vez que, conforme constatamos nas atas, grande
parte das reuniões era ocupada por assuntos burocráticos assim entendidos por se resumirem
ao informe e debates sobre a destinação de recursos financeiros já previamente destinados.
Muito provavelmente essa caracterização burocrática com as UEx/Conselho Escolar das
unidades pesquisadas contribuiu para que alguns segmentos dos seus atores sociais, sobretudo
do alunado, não se sentissem motivados a participar de tais reuniões como expressa a fala do
presidente do Grêmio Estudantil de uma das escolas quando diz que
(...) Pense num Conselho que só se reúne pra discutir prestação de contas!
Prestação de contas disso, prestação de contas daquilo... gente, prestação de
contas é uma coisa que se faz anualmente. Não é pro Conselho todo mês se
reunir pra fazer prestação de contas (...). E aí, a reunião do Conselho fica
remoendo aquela coisa de prestação de contas todas as vezes que se reúne:
discutir falta de assinatura de fulano e de sicrano. E, ainda, tem professor
que fica questionando que faltou uma ou outra assinatura.
Ao concluirmos este capítulo, no qual analisamos a ocorrência de um
movimento de outorga da autonomia tanto na rede estadual de ensino como nas quatro escolas
investigadas - escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco –
332
salientamos que tal movimento não está desvinculado do processo de reestruturação produtiva
que, nestas três últimas décadas, vem sendo encetado nas sociedades capitalistas – e, nestas a
sociedade brasileira e pernambucana. Como vimos no Capítulo II, a ocorrência deste processo
fundou-se na ideologia neoliberal em cujo bojo foi dada uma nova configuração para o
Estado, enfatizando-se o retraimento do poder estatal na promoção e manutenção das políticas
sociais. Também circunscrita no processo de reestruturação produtiva, a educação passou a
ser pensada em vista de tal rearranjo o que, por outro lado, resultou na implementação de
novos direcionamentos para a política educacional brasileira e, neste âmbito, para a política
educacional desta unidade federativa (Pernambuco).
Acompanhando o movimento analisado ao longo deste capítulo podemos ver
confirmada parte da tese que defendemos, ou seja: tendo como referência o atual Plano
Estadual de Educação de Pernambucano (o PEE/PE – 2000-2009), em consonância com a
matriz neoliberal em que desde a década de 1990 vem se configurando as políticas
educacionais brasileiras, vêm sendo formuladas e implementadas diretrizes de autonomia nas
escolas da rede estadual desta unidade federativa no que, também, as escolas Assis
Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco estão inclusas. Entretanto,
recordando que nada na vida social ocorre de forma linear e, novamente vindo à nossa mente
as reflexões de Poulantzas (1985) a respeito das contradições existentes no aparelho do
Estado, não podemos deixar de registrar com um certo olhar esperançoso a implementação de
diretrizes educacionais para a rede escolar pública de Pernambuco que, se devidamente
utilizadas pelos atores sociais da escola poderão contribuir para a reversão do quadro atual.
São os casos, por exemplo: da retomada da elaboração dos Projetos políticos-pedagógicos, do
fortalecimento dos Conselhos Escolares (destacando-se a capacitação dos membros dos
Conselhos) e ainda a retomada dos Grêmios Estudantis nas escolas da rede estadual de ensino
de Pernambuco.
No capítulo seguinte veremos, como no interior das escolas Assis
Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco, tendo em vista a dinâmica peculiar
de cada uma destas instituições educacionais, vem ocorrendo o que consideramos como sendo
um movimento de construção da autonomia escolar.
CAPÍTULO 8 – O MOVIMENTO DE CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DESEJADA
E ENSAIADA PELOS ATORES SOCIAIS DAS ESCOLAS ASSIS
CHATEAUBRIAND, LUIS DE CAMÕES, DOM VITAL E DOM BOSCO
333
Tendo visto, nos dois capítulos anteriores, como vem ocorrendo o movimento
de outorga da autonomia no sistema público de ensino de Pernambuco, na rede escolar
estadual e, ainda nas escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco,
no presente capítulo analisaremos como, nestas quatro instituições educacionais, vem sendo
intentada a realização de um movimento de construção da autonomia a partir da dinâmica
interna das escolas, com ênfase nas ações, das interações e, ainda, das falas dos atores sociais
destas unidades de ensino. Salientamos que tais materiais foram obtidos a partir da aplicação
dos instrumentos utilizados para a coleta de dados, tais como: observações de campo,
questionários e entrevistas. Por outro lado, as ações e falas foram vistas, escutadas e
interpretadas à luz das categorias que elegemos para servirem de foco analítico, a saber:
autonomia, participação e democratização e, ainda, à luz do referencial teórico que foi
construído ao longo da pesquisa e constante em capítulos anteriores.
Convém mencionar que, também para este capítulo, foram tomadas em
consideração as análises feitas no capítulo anterior no que diz respeito aos cenários dos
bairros de Brasília Teimosa e Casa Amarela, bem como as reflexões sobre as realidades das
escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco.
No final do capítulo, será explicitado e analisado o “desejo por uma outra
autonomia da escola”, expresso nas vozes e nas práticas dos atores sociais destas instituições
educativas.
8.1 AUTONOMIA, PARTICIPAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO NA ESCOLA ASSIS
CHATEAUBRIAND
a) Autonomia
De modo geral, a autonomia da escola se apresenta como uma temática que
suscita interesse por parte dos atores sociais da Escola Assis Chateaubriand (sobretudo, entre
sua equipe diretiva e o corpo docente), no sentido de algo que, mesmo que não esteja
ocorrendo como desejado, possa ser buscado e construído.
Lembrando que o Projeto Político-Pedagógico de uma instituição educativa
constitui-se em uma visibilização documental de sua identidade, deve ser visto como
significativo o fato de a autonomia ser adotada como um dos primeiros princípios norteadores
334
da identidade institucional da Assis Chateaubriand na medida em que, no seu Projeto Político-
Pedagógico é afirmado que “a transformação dessa autonomia assegurada pela legislação em
uma autonomia construída pelos sujeitos da escola é um dos pilares em que se alicerça este
Projeto” (ASSIS CHATEAUBRIAND, 2005, p. 2). Aliás, a própria elaboração (ainda que
com vários limites) do Projeto Político-Pedagógico, deve ser vista como um importante passo
dado pela Assis Chateaubriand em direção à sua afirmação como unidade educacional
portadora de autonomia. Como apontam os autores (Costa, 1997, p. 21; Machado, 1997, p.
173 e Veiga, 1998, p 13, dentre outros) e nisto concentramos o nosso entendimento da
autonomia escolar, na medida em que uma unidade escolar elabora, executa e avalia o seu
Projeto Político-Pedagógico ali pode ser visibilizado, de modo mais contundente, um
movimento de edificação da sua autonomia.
Nesse sentido, certamente, constitui-se como ilustrativa a fala de um dos atores
sociais desta escola quando diz que, enquanto escola pública, a Assis Chateaubriand goza de
autonomia na medida em que “pode construir os seus projetos e executá-los coletivamente
junto a todos os segmentos que ajudaram na elaboração e efetivação dos mesmos” (fala de um
docente). Também fecundando este entendimento, os docentes, em sua grande maioria (79%
dos 24 professores entrevistados) admitiram que esta escola possui algum nível de autonomia.
Detalhando este posicionamento, as respostas foram: 3 professores declararam que a escola
possui bastante autonomia; 16 afirmaram que possui um nível regular de autonomia e 4
disseram que é uma escola que possui pouca autonomia. Apenas um dos entrevistados
declarou que esta escola não possui nenhuma autonomia. Em todo caso, a julgar pelo teor das
considerações abaixo, os atores sociais docentes desta Unidade de Ensino reconhecem que é
uma autonomia bastante limitada na medida em que sofre podações de órgãos/instâncias
externas.
A esse respeito, a título de exemplos, afirmam os docentes da Assis
Chateaubriand: “as decisões por ela tomadas ainda têm que ser aprovadas ou não pela
GERE/SEDUC”; “a gente pensa, planeja, mas a última palavra muitas vezes não é nossa”; “o
processo é conduzido para que toda escola trabalhe atrelada aos órgãos educacionais, muitas
vezes restringindo o bom trabalho de um gestor”. Para um quarto professor:
todos buscam essa tão falada autonomia, mas continuamos subjugados a
conceitos, parâmetros curriculares, dissociados da realidade escolar,
aceitando tudo pronto, elaborado em escritórios fechados. Nos consideramos
cidadãos de segunda categoria, à margem do processo decisório.
Por sua vez, os membros do Conselho Escolar também entendem que existem
limites na autonomia da Assis Chateaubriand ao dizerem que “estamos sempre tendo de pedir
335
permissão para isso para aquilo” (representante dos pais de alunos) e, ainda, “falta apoio para
que a escola tenha sua autonomia” (representante dos alunos).
Do ponto de vista conceitual, entre professores há entendimentos que
desconhecem a existência de limites na autonomia escolar quando, por exemplo, esta
dinâmica é encarada como sendo um poder de tomada de decisões de forma absoluta e
independente das instâncias ou órgãos superiores de gerenciamento do sistema educacionais
(tais como a GERE, Secretaria de Educação, o Ministério de Educação). Este entendimento
ignora o caráter relacional da autonomia e, conseqüentemente, pode ser gerador de um
pessimismo imobilizador já que, no sentido de independência absoluta, a autonomia escolar
seria algo inatingível ou, mesmo, inexistente. Ademais, como vimos com Libâneo (2001, p.
116) e Rios (1993, p. 16), a autonomia de uma unidade escolar deve ser vista como estando
circunscrita a um sistema mais amplo ao qual a escola está integrada.
Entretanto, no seio do corpo docente também há um entendimento mais
apropriado sobre a autonomia escolar quando vários destes atores sociais reconhecem que a
escola deve ter como referência para a sua ação as determinações mais amplas do sistema
educacional, o que não significa dizer que fique à mercê de contínuas e desnecessárias
intervenções das instâncias gerenciadoras desse mesmo sistema. Como diz um docente ao se
referir à autonomia da escola, “ela tem toda autonomia de agir de acordo com suas
necessidades, mas respeitando a lei que rege a educação”.
A partir do entendimento desencontrado, às vezes entre os próprios membros
de um mesmo segmento escolar (caso dos docentes), do desconhecimento do que seja a
autonomia escolar (caso dos alunos e pais) e, ainda, das dificuldades em falarem sobre a
dinâmica da autonomia escolar, a Escola Assis Chateaubriand pode ser considerado como
uma Unidade de Ensino na qual é necessária a realização de um debate e um aprofundamento
teórico sobre o significado desta importante dimensão da sua vida.
Em vista da edificação de um modelo ou proposta de autonomia coletivamente
construída, parece ser consensual entre os vários segmentos da comunidade escolar da Assis
Chateaubriand a existência de um clima e conjunto de práticas participativas envolvendo
docentes, funcionários, alunos e pais como sendo elementos facilitadores para que aquele
estabelecimento educativo se constitua numa unidade educativa com autonomia. Neste
sentido, por diversas vozes, foi falada a existência “da vontade, do desejo dos professores se
fazerem presentes nas tomadas de decisões” (docente); “a participação ativa dos pais e alunos
nas atividades escolares” (representante dos pais no Conselho Escolar); “o interesse da
maioria dos pais em comparecer à escola para participar dos projetos” (representante dos pais
336
no Conselho Escolar) e, ainda, “o poder de decisão perante as situações de conflitos e também
de organização da própria vida escolar” (docente).
Por parte dos atores sociais desta unidade escolar não é desconhecida a
existência de fatores ou elementos que dificultam sua autonomia quando reconhecem: “os
entraves da burocracia dos órgãos de administração do sistema escolar” (docente); “a falta de
uma estrutura administrativa descentralizada, visando os objetivos atuais, não-hierárquicos e
de visão horizontal” (docente); “falta de mais verbas para os projetos” (representante dos
docentes no Conselho Escolar); “quadro de professores incompleto” (docente); “às vezes, a
ausência de uma maior comunicação, de uma participação democrática, bem como de uma
maior inserção de todos os componentes da e na Escola” (docente); “o poder está
centralizado, embora com uma aparente divisão de tarefas e poder” (docente); “há carência de
diálogo entre professores, alunos e gestores” (aluno).
Os atores sociais também externaram inquietantes indagações relacionadas
com empecilhos para a construção da autonomia como podemos apreender das seguintes
falas: “como é que a escola adquire autonomia, se a comunidade não participa das decisões
gerais do cotidiano?” (docente); “como se falar de autonomia se os nossos governantes tratam
a educação com descaso?” (docente).
No que tange à dimensão pedagógica da autonomia escolar, a sua
concretização é vista como sendo bastante difícil de acontecer, pois, de acordo com uma
observação e análise do representante dos professores no Conselho Escolar, “nós não temos
Coordenador de Atividades, Educador de Apoio. Não temos a Central de Tecnologia
funcionando. Não temos psicólogo na escola. Então, tá faltando equipe. Só tem professor e
Diretor”.
Quanto aos problemas existentes na Escola Assis Chateaubriand, relacionados
ao aspecto financeiro da autonomia escolar, para dois outros diferentes membros do Conselho
Escolar (representante dos Pais), a dependência da Escola à liberação de verbas é vista como
forte entrave para que tais problemas sejam solucionados. Da parte dos alunos, a insuficiência
ou mesmo ausência de recursos financeiros, oriundos do poder público, também a vista como
impedimento para que a Escola resolva os problemas de ordem material nela existentes (falta
de limpeza no prédio escolar e de higiene nas instalações sanitárias, dificuldade de acesso à
biblioteca por falta de funcionários para atendimentos em todos os três turnos, laboratórios
sem equipamentos e, conseqüentemente, sem funcionamento, etc). Para a solução de tais
problemas, além do envolvimento da própria comunidade escolar, de forma expressiva os
alunos entendem que é preciso que: “o governo leve a educação a sério”; “haja um programa
337
governamental mais adequado à realidade do bairro”; “deve haver uma maior atenção por
parte das autoridades competentes, dando recursos para a Escola” e, ainda, “a Secretaria de
Educação não deixe as escolas deficientes”.
Havendo coincidência com o que os filhos consideram como sendo os maiores
problemas da Escola Assis Chateaubriand (sobretudo de natureza material), 36% de pais
também afirmam que a superação de tais problemas ultrapassa os limites da competência
interna da escola, ou seja, depende da liberação de verbas e da atenção do governo do Estado
e da Secretaria de Educação. Parece-nos que este reconhecimento dos pais possa ser visto
como sendo uma adequada análise de que o poder público estadual não esteja assumindo o
seu o seu papel de manter o serviço educacional com qualidade.
Assumindo para si o peso maior da administração da escola, o gestor desta
Unidade de Ensino, por várias vezes, declarou sentir-se de “mãos atadas” por não poder
gerenciar o pessoal lotado na escola (docentes e funcionários) da maneira que julgava mais
conveniente para a prestação de um serviço educacional qualificado (casos de devolução de
professores/funcionários e de incorporação de novos professores funcionários). Segundo o
gestor,
uma autonomia que eu busco, que eu acho necessária é você detectar um
funcionário, um professor que não está atendendo às expectativas da
comunidade e a Escola ter autonomia de afastá-lo, de devolver à GERE sem
haver um retrocesso. Em muitos casos, a gente devolve, certo? E nós somos
obrigados a engolir determinadas situações (...).
Entretanto, apesar desse desejo do gestor por uma atuação autônoma, o seu
Plano de Gestão (exigido pela Secretaria de Educação como um dos instrumentos do
“Contrato de Gestão”) não explicita, em nenhum momento, uma relação entre a ação gestora e
a autonomia escolar. Aliás, o próprio Plano de Gestão não inclui a autonomia da escola como
um dos seus componentes ou necessidade para a execução do ofício gestor.
Mesmo com todos os condicionamentos, limites e amarras, vistos acima,
podemos identificar na Assis Chateaubriand a existência de um sentimento positivo e
esperançoso em relação à autonomia na medida em que esta é vista como uma necessidade
imperiosa, pois, “sem autonomia não se trabalha” (docente), “a escola precisa trabalhar de
forma autônoma” (docente) e, ainda, “a autonomia não é algo que venha de cima para baixo
(...) ela tem de ser conquistada com o apoio e a colaboração de todos” (docente). Passar do
sentimento e do desejo à busca e à ação é, certamente, um desafio que os atores sociais desta
escola deverão assumir em vista da superação da autonomia outorgada para a autonomia
conquista.
338
b) Participação
No geral, o tema da participação se apresenta como recorrente na fala dos
atores sociais desta unidade escolar que, inclusive, chega a ser vista como sendo um
espaço/ambiente possuidor de bons níveis de participação.
Nas vozes dos pais, dentre os 22 consultados, 50% declararam que a Assis
Chateaubriand é uma escola bastante aberta à participação dos pais dos alunos e outros 23%
consideram-na como “regularmente” aberta à participação deste segmento escolar. Tais
considerações, dentre outras, foram justificadas pelas seguintes razões: “a Direção e
Professores chamam os Pais à escola para prestarem informações” (3 pais); “as sugestões dos
Pais são escutadas” (2 pais); “a Escola pede opinião dos pais” (1 pai); “a Direção sempre se
preocupa em saber a opinião e dá o direito para os pais opinarem sobre diversos assuntos” (1
pai); “promove atividades culturais envolvendo os Pais” (1 pai); “eles sempre estão
inteirando os pais das decisões e eventos, e também solicitando opiniões” (1 pai).
Juntamente com o entendimento da Assis Chateaubriand como uma unidade
escolar aberta à participação dos pais, existe uma certa prática de participação em atividades
promovidas pela Escola, tais como: encontros com pais, atividades comemorativas, eleições,
etc. Ademais, a participação dos pais também se expressa nas idas espontâneas dos mesmos à
Escola, sobretudo, por questões relacionadas com a aprendizagem e o comportamento dos
filhos.
Considerando a existência de uma série de obstáculos, sobretudo de natureza
objetiva que contribuem para a não ocorrência de uma efetiva participação na vida escolar dos
filhos (tais como: não disponibilidade de tempo, desencontro de horários e outros), esta
modalidade de participação não pode deixar de vista como positiva, na perspectiva de maior
integração entre a Escola e os pais dos seus alunos.
Entretanto, sem diminuir o valor existente nessa modalidade de participação,
seja observado que a mesma ainda não parece atingir níveis mais elevados de participação,
sobretudo no que diz respeito à possibilidade de os pais, através dos seus representantes,
exercerem um efetivo poder de co-responsabilidade na condução e gestão da instituição
escolar. A este respeito vale recordarmos aqui, dentre outras, a análise de Rodrigues (1996, p.
45) para quem a participação escolar implica a existência de amplos segmentos da sociedade
para que tenham voz ativa (o que pressupõe poder opinar, votar) no processo de tomada de
decisões relacionadas com as coisas que acontecem na escola.
339
De acordo com 80% dos representantes de turmas, também há sinalizações
positivas em relação à participação do alunado na Escola na qual estudam. É o que apontam
os dados nos quais 28% avaliaram a Assis Chateaubriand como uma escola na qual os alunos
participam bastante e 52% opinaram como sendo um espaço/ambiente para uma participação
regular. Apenas 20% destes alunos consultados consideram a sua escola como sendo uma
instituição no qual os alunos pouco participam. Entretanto, vale ser ressaltado que a
participação dos alunos é bastante associada ao envolvimento destes nas atividades e nos
eventos festivos. Neste sentido, assim foi dito pelos alunos: “todos se esforçam para participar
da Feira das Nações e de outros eventos promovidos pela Escola”; “os alunos se empolgam os
eventos” e, ainda, “todos os eventos que têm aqui na nossa escola, a gente sente a empolgação
dos alunos. Eles ficam doidos querendo saber o que eles vão fazer, qual é o papel deles. Eles
mostram mesmo gostar do que eles fazem aqui”.
Afora o nível de participação acima apontado, os alunos também revelaram
dificuldades em relação a uma maior participação na vida da sua escola ao, por exemplo,
reconhecerem que, parte dos mesmos, apenas se interessa pelas atividades da Escola em
função da “nota”, não terem sido habituados a participar de tarefas e, ainda, por falta de
incentivo da Direção e dos professores. Certamente para o segmento discente, normalmente
pouco considerado como co-participante do processo educativo, há um desafio a ser
enfrentado: sua recolocação como também sujeitos que, por serem membros de uma unidade
sócio-educacional, possam exercer influência na determinação da dinâmica da unidade social
da qual fazem parte (LUCK, 1998, p. 17), no caso, o espaço/ambiente escolar.
O segmento docente, em sua grande maioria, se reconhece como sendo
bastante participativo na vida da Escola Assis Chateaubriand. Entretanto, no que diz respeito
ao nível do compartilhamento na instância de decisão, os docentes, tanto nos instrumentos
diretos de coletas de dados como de forma indireta (observação do pesquisador, falas e
conversas informais) expressaram a existência de um distanciamento em relação a tal nível. É
o que podemos inferir da fala de um professor quando externa que “a gente pensa, planeja,
mas a última palavra muitas vezes não é nossa”.
Do ponto de vista institucional, ou seja, da existência de canais mediatizadores
da participação, podemos dizer que a participação nesta escola apresenta uma considerável
fragilidade pelos seguintes aspectos:
1º) Existência do Conselho Escolar apenas do ponto de vista de vista formal
mesmo tendo sido, dentre as quatro Unidades de Ensino selecionadas para a pesquisa de
campo, o único Conselho com representantes de todos os segmentos. Como em grande parte
340
da rede estadual de ensino de Pernambuco, o desmembramento do Conselho Escolar e da UEx
do Assis Chateaubriand só ocorreu, no ano de 2005, em função das eleições para diretor que
foi realizada nesse mesmo ano. Após sua constituição, o Conselho Escolar só veio reunir-se
três meses depois e até junho de 2006 nenhuma outra reunião ocorreu.
Considerando-se que, de acordo com a Lei Estadual N. 11.014, de 28/12/93, ao
Conselho Escolar, dentre outras tarefas, compete apreciar e opinar sobre o Plano de trabalho
anual da escola bem como participar da reunião geral de avaliação e replanejamento das ações
da escola, no início e ao final de cada semestre letivo, fica evidenciado que o Conselho da
Assis Chateaubriand não tem conseguido atender a tão importantes atribuições.
De outra maneira, tal realidade apresenta um sério agravante na medida em que
contraria as expectativas positivas que foram expressas por vários segmentos da comunidade
escolar como podemos inferir das seguintes falas: “a solidificação de ações com mais
democracia e divisão de responsabilidade” (docente); “descentralização de decisões, parcerias
nas ações e melhor efetivação de outras ações” (3 professores); “que o Conselho eleito seja
mais atuante, que realmente funcione” ( 2 professores); “aprofundamento e amadurecimento,
na prática, do que se chama ‘gestão democrática” (um professor); “possibilitar que as opiniões
dos alunos sejam presentes nas decisões a serem tomadas” (aluno) e, ainda, “facilitar a
comunicação entre alunos e direção” (2 alunos).
O caráter apenas formal do Conselho Escolar também pode ser expresso no
desconhecimento da própria existência desta instituição por 55% dos pais consultados. Para
outros 36% é sabida a existência do Conselho, porém são desconhecidas as suas finalidades.
Em relação ao conhecimento de representes seus no Conselho Escolar, 36% dos pais
consultados também declararam desconhecer que eram representados nesta instituição e,
ainda, outros 36% declararam que sabiam que estavam representados no Conselho, porém
desconheciam quem eram os seus representantes.
No segmento do alunado, apenas 24% declarou saber da existência do
Conselho Escolar bem como suas finalidades. Destas, destaca-se a compreensão de que teria
por finalidade “junto com a Equipe gestora, avaliar o funcionamento da Escola, tanto em
questões físicas, quanto financeiras e pedagógicas”. Por outro lado, 66% dos alunos inquiridos
declararam ter conhecimento da existência do Conselho Escolar, porém, desconheciam suas
finalidades e ainda 10% não sabiam da sua existência e, conseqüentemente, desconheciam
suas finalidades. No tocante ao conhecimento de haver representação estudantil no Conselho,
a maioria (66%) declarou saber que possuía representação e, ainda, era conhecedora dos seus
representantes.
341
Diante do quadro delineado, relacionado com o Conselho Escolar deste
estabelecimento educacional parece que ter se cumprido a “profecia” – ainda que sendo uma
voz isolada – de um docente que indagado sobre que expectativas possuía em relação ao
Conselho declarou, “não possuo. Até hoje não o vi funcionando, nem este eleito agora, nem
tampouco o anterior”. Estaria, assim, também sendo confirmada a observação de que –
segundo o depoimento de um professor – na Escola Assis Chateaubriand o poder está
centralizado, embora com uma aparente divisão de tarefas e poder?
2º) Diferentemente do que a literatura tem apontado (CABRAL NETO,
SILVA, 2004, p. 16, VEIGA, 1998, p. 13, dentre outros) e muitas práticas têm sido realizadas
no interior da escola pública brasileira, a construção do Projeto Político-Pedagógico da Assis
Chateaubriand não tem se revestido de um processo participativo uma vez que os alunos e os
pais não foram envolvidos na sua elaboração. Até a própria existência do Projeto Político-
Pedagógico desta unidade escolar é ignorado por 68% dos pais e por 60% dos alunos. Vale ser
ressaltado que os pais e os alunos que declaram saber da existência do Projeto Político-
Pedagógico (respectivamente, 23% e 31%) também declararam não saberem e/ou não
“lembrarem” do seu conteúdo.
Apesar de ter sido o segmento que mais diretamente esteve envolvido na
elaboração do Projeto Político-Pedagógico, no corpo docente deste estabelecimento de ensino,
encontramos uma significativa parcela que professores (36% dos inquiridos) que declarou não
ter tido nenhuma participação na elaboração deste importante documento. Além disto, outros
17% dos professores manifestaram desconhecer a própria existência do Projeto Político-
Pedagógico ora afirmando “não ter conhecimento da existência do PPP”, ora falando que “a
escola ainda não tem projeto político-pedagógico”. Considerando-se o papel de destaque que
cabe aos professores de uma unidade escolar no processo de elaboração do projeto político-
pedagógico (inclusive do ponto de vista legislativo), tais dados parecem comprometer a
eficácia deste documento na Assis Chateaubriand uma vez que o não envolvimento dos
docentes no significativo processo de elaboração, muito provavelmente, poderá resultar em
descompromisso na execução e implementação desse mesmo projeto.
Além da necessidade de haver um maior envolvimento de todos os segmentos
que compõem a comunidade escolar na elaboração do seu Projeto Político-Pedagógico, há
necessidade de a Escola Assis Chateaubriand avançar no sentido de explicitar melhor as
dimensões mais amplas do seu Projeto uma vez que o seu atual formato está concentrado na
elaboração de Projetos de Ensino como se estes pudessem dar conta de uma proposta
educativa mais ampla.
342
3º) Ainda que a Representação de Turma possua uma certa importância e
significação, entrementes, o alunado não dispõe de uma instância apropriada de representação
estudantil que é o Grêmio Estudantil. Juntamente com a ausência deste tipo de agremiação,
certamente constitui-se num elemento limitador de uma efetiva participação dos alunos na
vida da própria escola o fato de esta instituição estudantil não parecer ser desejada, ou então,
ser temida pelos outros segmentos da Escola. Muito provavelmente tenha sido neste sentido
que, quando indagados a respeito da inexistência do Grêmio Estudantil na Escola Assis
Chateaubriand, dois alunos tenham se expressado dizendo que “um Grêmio escolar tem muita
força e quando é formado por pessoas articuladas, a escola prefere que não exista o Grêmio”.
Diante de 62% dos consultados que declaram que “é necessário, é importante, é
interessante que tenha um Grêmio Estudantil no nosso colégio” esta é certamente uma
contribuição que os educadores da Assis Chateaubriand deveriam se sentir chamados a dar
para que a tão propalada dimensão da cidadania do aluno possa vir acontecer nesta unidade
educacional. Desta forma, poderá ser concretizado o objetivo norteador do Projeto Político-
Pedagógico desta Unidade de Ensino quando se propõe a levar seus educandos a serem
“sujeitos autônomos, críticos, responsáveis, cientes dos valores a serem vividos, tornando-os
cidadãos atuantes em sua comunidade” (p. 5).
c) Democratização
Em relação às demais escolas estaduais existentes em Brasília Teimosa e nas
áreas adjacentes, a Escola Assis Chateaubriand destaca-se por ser a mais procurada tanto
pelos pais como pelos alunos para, respectivamente, ali matricularem seus filhos e
conseguirem vaga para estudar. Esta procura, do ponto de vista dos pais, é motivada por ser
uma escola reconhecida como tendo bom nível de ensino (50%), tendo uma boa organização
(32%), desfrutar de um bom conceito na comunidade (27%) e ter rigor e disciplina (27%). Por
ocasião da matrícula (fevereiro de 2005), também constatamos essa procura e observamos o
esforço feito pela Direção desta Unidade de Ensino para atender às solicitações feitas, mesmo
que isto resultasse em excesso no número de alunos por turmas.
Entretanto, comparando-se os resultados finais do rendimento escolar do ano
de 2004 e de 2005, podemos constatar a existência de uma realidade que, praticamente, reduz
bastante o esforço feito para o que esta unidade escolar atenda à demanda que a ele ocorre.
Tal realidade, entre outros aspectos, é traduzida nos índices de aprovação (74%, em 2004, e
343
56%, em 2005
173
) bem como nos índices de desistência (14%, em 2004, e 15%, em 2005) os
quais consideramos como devendo ser vistos como desafiadores. Nesta análise, como já
destacamos em momento anterior, seja considerado que, em situações particulares de algumas
turmas, há vários casos nos quais o índice de aprovação diminui sensivelmente em relação à
média geral da escola e, ainda, os de reprovação e desistência aumentam consideravelmente
em comparação com a média geral.
Comparando-se com as outras escolas nas quais realizamos a pesquisa de
campo, ainda que a Assis Chateaubriand possa ser visto como estando em situação mais
confortável, os resultados do rendimento escolar, enquanto tradução numérica e quantitativa
do processo ensino-aprendizagem, dão margem para que se levante um sério questionamento
acerca do propalado discurso da universalização da matrícula no ensino fundamental e na
progressiva extensão da matrícula do Ensino Médio que é proferido pelas autoridades
educacionais das mais diversas instâncias.
Muito provavelmente, essa situação de “conforto” possa ser causadora de uma
certa tranqüilidade diante dos resultados anteriormente apontados, de modo que os mesmos
são aceitos como normais e, ainda, não se constituem em objeto de reflexão, questionamento e
busca de estratégias, de modo especial pelos docentes e corpo diretivo, para, pelo menos,
haver redução dos mesmos. Neste sentido, o Plano de Gestão, dito como tendo sido
“elaborado pelo conjunto de pessoas que compõem a comunidade escolar, com a finalidade de
promover a administração da Escola Assis Chateaubriand” (ESCOLA ASSIS
CHATEAUBRIAND, 2006, p. 2) apresenta uma lacuna ao não se deter na análise e,
conseqüentemente, na proposição de estratégias que possam contribuir para a diminuição da
reprovação e evasão ocorridas neste estabelecimento de ensino. Aqui recordamos que, posto
diante desses mesmos dados, um aluno foi capaz de perceber a necessidade de ser feita uma
análise sobre tal realidade e, assim, declarou que “deve ser feito um levantamento sobre o que
houve e analisar as causas” e outro discente expressou que “esse resultado não foi só da
irresponsabilidade dos alunos”.
Na problemática do rendimento escolar, a Assis Chateaubriand parece ter
chegado a um dos aspectos da secular cultura do fracasso escolar que ainda se faz presente na
escola pública brasileira, ou seja: fazer o aluno assumir, sozinho o ônus do prejuízo. Nesse
sentido, são sintomáticas as respostas dos alunos representantes de turmas quando, instados a
173
Para o ano de 2004, deve ser considerado que também foram incluídos como aprovados os alunos
que prosseguiram o ano letivo seguinte em regime de “progressão parcial” o que, desta forma, pode
resultar num índice menor de aprovação neste mesmo ano.
344
opinarem sobre os resultados da reprovação neste estabelecimento de ensino, 86% deles
disseram que era “por desinteresse e falta de esforço dos próprios alunos”.
Quanto à evasão escolar, 32% deles declararam que: “são os alunos que não
gostam de estudar”; “é culpa dos próprios alunos” e, ainda, “são os alunos que não valorizam
os estudos”.
Entrementes, a despeito dessa geral “internalização de culpa”, seja ressaltado
que outras vozes discentes apontaram para a necessidade de haver mais incentivo por parte
dos professores e melhora no modo de ensinar, pois “é preciso mudar a rotina de copiar,
escrever e prova”.
Portanto, em relação à dimensão de socialização do saber e do conhecimento,
que integra a democratização da escola, podemos caracterizar a Escola Assis Chateaubriand
como estando em débito para com aqueles que buscam uma vaga para nele estudar e, no
entanto, ali não conseguem permanecer. É evidente que os fenômenos da reprovação e a
evasão escolar não podem ser explicados como apenas decorrentes de fatores internos à
unidade escolar nos quais eles ocorrem. Todavia, não obstante a preponderância dos fatores
externos, entendemos que possam ser realizadas práticas pedagógicas no interior da escola
que possam contribuir para uma significativa redução desses fenômenos e nos parece que um
passo inicial a ser dado nesta direção seria o desencadeamento de um processo de avaliação
institucional que permitisse à escola identificar suas deficiências e, juntamente a isso, somar
idéias, propostas e caminhos em vista de uma melhor eficácia pedagógica.
No que diz respeito à dimensão de exercício do poder de forma colegial que se
constitui em elemento fundamental da democratização da educação e da escola, esta é uma
questão que se apresenta com uma certa complexidade neste estabelecimento de ensino a
ponto de não ser um assunto sobre o qual haja um diálogo aberto, sobretudo entre docentes e
equipe gestora. Ao que nos parece, a observação que fizemos no Capítulo 5 a respeito da
superação das relações competitivas e autoritárias para que, efetivamente, a participação possa
ocorrer no ambiente escolar, apresenta-se como sendo apropriada para esta unidade escolar
em análise.
Relembrando o que já acenamos anteriormente, a inexistência ou mesmo a
fragilidade das instituições através das quais poderia ocorrer a democratização do poder
(respectivamente falando, o Grêmio Estudantil e o Conselho Escolar) apontam para a
necessidade de a Assis Chateaubriand percorrer uma trajetória ou vivenciar uma dinâmica
para que possa se constituir em efetivo espaço democrático, sem o que as eleições para diretor
345
não passarão de um ritual sem impactos ou repercussões significativas na vida da comunidade
escolar, na perspectiva da sua democratização.
Mesmo se reconhecendo a existência de um clima de cordialidade entre os
vários segmentos que compõem a comunidade escolar da Assis Chateaubriand, por outro
lado, pode ser detectada a presença de questionamentos em relação à forma como esta
instituição escolar é administrada. Fazemos esta inferência tanto a partir das observações nas
quais, com certa facilidade e regularidade, eram expressas críticas à gestão da escola como,
também, a partir de indagações do tipo: “como é que a escola adquire autonomia, se a
comunidade não participa das decisões gerais do cotidiano escolar?” (docente). Nesta mesma
linha, pode ser lida a afirmação feita por outro docente que, nesta unidade escolar, “há
carência de diálogo entre professores, alunos e gestores”. Sem sombra de dúvidas, todas estas
três situações deixam vir à tona a existência de ações e processos ocorridos na Escola Assis
Chateaubriand que não coadunam com o espírito e uma prática de gestão democrática e
colegiada.
8.2. AUTONOMIA, DEMOCRATIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA ESCOLA LUÍS DE
CAMÕES
a) Autonomia:
Em meio à crise que se abateu sobre a sua administração, e que resultou no
afastamento do então diretor, a Escola Luís de Camões adotou um posicionamento com forte
conteúdo de autonomia ao recusar a proposta da GERE para que fosse nomeado um
interventor para assumir a gestão da escola (até enquanto fossem realizadas novas eleições) e,
juntamente a esta recusa, decidiu que a direção da escola seria assumida por um grupo de
professores da própria unidade escolar. Com efeito, dentre estes, um professor assumiu a
gestão, na condição de diretor “pro-tempore”, ao longo do ano de 2005.
Esta tomada de decisão certamente não foi bem acolhida pelos órgãos
superiores de gerenciamento da rede estadual, de modo que o ano de 2005 foi bastante difícil
para a condução da escola sendo, inclusive, acentuado o pouco envio de recursos humanos e
materiais para a Luís de Camões. Conforme depoimento do Diretor “pro-tempore”, o
montante de problemas que a escola teve que enfrentar contribuiu para que não fosse dada
continuidade à elaboração do Projeto Político-Pedagógico da Escola Luís de Camões, cuja
346
elaboração havia sido convocada, pelo ex-diretor, por ocasião da Assembléia Geral realizada
no dia 18 de outubro de 2004.
A não elaboração de um projeto político-pedagógico, em cujo processo todos
os segmentos exerçam uma ativa participação foi, inclusive, apontado por dois professores
como sendo justificativa para a Luís de Camões ser caracterizada como uma escola que possui
pouca autonomia. Solicitados a caracterizar o tipo de autonomia da Luís de Camões, os 20
professores consultados assim responderam: “é uma escola que possui pouca autonomia” (11
docentes); “é uma escola que possui uma regular autonomia” (5 docentes); “é uma escola que
não possui autonomia” (2 docentes). Dois (2) professores não responderam, justificando
pouco tempo de permanência na Escola.
A ausência de um Projeto Político-Pedagógico, ou melhor dizendo, a
inexistência de um processo coletivo de elaboração, execução e avaliação do Projeto Político-
Pedagógico constitui-se em fator que dificulta o reconhecimento de uma dinâmica de
autonomia em uma instituição educacional, pois, uma vez sem este instrumento, a escola é
privada de um decisivo elemento mediatizador da sua autonomia (SOUSA, 2002).
Conseqüentemente, a escola fica desprovida do recurso balizador da sua autonomia
administrativa, pedagógica e financeira (CAVAGNARI, 1998, p. 99).
A consideração de pouco nível de autonomia, na percepção dos docentes,
parece ter bastante presente o enfrentamento que a Escola teve com os órgãos superiores de
gerenciamento do sistema, de modo que grande parte das justificativas dadas para tal
avaliação inclui a GERE e a Secretaria de Educação como sendo fontes de entraves para a
tomada de decisões autônomas por parte da escola como podemos ver nos seguintes
depoimentos, dados por professores: “a Escola tem que seguir as diretrizes traçadas pelos
órgãos gestores maiores”; “a GERE não admite dar autonomia total ao Diretor”; “mesmo as
decisões tomadas com consulta ao corpo docente precisam ser consultadas à GERE/SEDUC”;
“a Escola sempre tem que dar satisfação à GERE/SEDUC”; “tudo o que chega na escola já
vem resolvido pela GERE”; e “são fortes as relações de poder da Secretaria de Educação”.
Aliado ao fato de ainda não ter elaborado o seu Projeto Político-pedagógico
(maio de 2005), também podemos apontar como sendo fatores que dificultarão o debate, a
discussão e uma possível construção em direção à autonomia do Luís de Camões os seguintes
dados:
1º) o sentimento generalizado de desinteresse, desencanto e desesperança
existentes nesta unidade escolar, também envolvendo os educadores;
347
2º) o não envolvimento do alunado, tanto na questão específica da autonomia
da escola como em relação à vida, dinâmica e funcionamento da própria escola. Neste
primeiro aspecto, é sintomático o posicionamento de 12 alunos (86% de um total de 14
alunos, do 3º. ano do ensino médio, especificamente consultados a respeito do tema
“autonomia da escola”) que declararam não terem nenhum conhecimento sobre o que
significa “autonomia da escola”. Para o segundo aspecto, em muito corrobora o depoimento
dado por um aluno ao declarar que “os alunos não gostam nem de assistir aulas, quanto mais
participar das atividades escolares que nem existem”.
3º) a postura da própria Direção da Escola que em relação à autonomia da
escola não parece se sentir muito à vontade ao declarar que
(...) eu não me sinto com experiência suficiente como eu vejo muitos
colegas, gestores de outras unidades, para comprar briga, muitas vezes, com
as gestões regionais. Tudo o que eu faço, aqui, eu faço respaldada na gestão
escolar. Não sinto falta, hoje, de uma autonomia maior, porque também não
tenho uma ousadia maior, então não sinto falta de uma autonomia maior. A
autonomia que eu tenho pra gerir a escola que eu considero importante,
atualmente, está sendo satisfatória (...). Eu não consigo ousar... eu vejo gente
comprar briga dizendo “porque a autonomia da escola é relativo, isso e
aquilo... a gente tentando implantar tal coisa e a GERE disse que não”. Eu
não consigo ousar passar esse limite e tudo que eu procuro fazer, eu procuro
fazer respaldada na GERE. Muitas vezes, eu até tenho vontade de fazer
alguma coisa diferente, mas eu consulto a GERE, mas a GERE diz que não.
Por isso que eu digo que é uma autonomia relativa, mas, até então,
exatamente é uma autonomia suficiente pra aquilo que eu necessito dentro
da escola.
4º) a continuidade da fusão entre a Unidade Executora e o Conselho Escolar
uma vez que, mesmo esta entidade tendo sido reorganizada no início do ano letivo de 2006
(mais precisamente, no dia 15/02/06) e se reunido por outras duas vezes neste mesmo ano
(24/04 e 24/05), o seu campo de debate tem se restringindo à deliberação sobre a sua
composição e ao emprego das verbas recebidas. Desta forma, o funcionamento das atividades
da Unidade Executora sobrepõe-se ao funcionamento do Conselho Escolar como, neste
sentido é confirmado pela própria gestora da Luís de Camões quando diz que
(...) a única coisa que eu tenho ainda, por enquanto, são as famosas verbas
que quando chegam reúno não ½ dúzias de pessoas, mas eu abro a reunião
para toda a comunidade escolar e digo o valor da verba que foi recebida.
Informo o quantitativo recebido e falo que, enquanto gestora escolar, listei
uma série de coisas – isso, isso, aquilo – que considerei como necessárias e
pergunto se tem mais alguma sugestão. Aí, as pessoas dizem o que acham
que também são importantes. Depois disso tudo, a gente coloca em votação
e aí algumas coisas são aprovadas e outras não (...). Mas, até agora, eu não
consegui para uma outra atividade que não fosse pra questão das verbas que
a escola recebe.
348
Em todo caso, em relação a um passado recente (quando a direção da escola
estava sendo exercida de forma “pro-tempore”), há nesta instituição educacional o
reconhecimento de que, de acordo com as vozes de alguns professores, a Luís de Camões deu
alguns passos em direção à sua autonomia quando “a gestão fez levantamento de sugestões
para o enfrentamento de problemas” e, ainda, “nesta gestão, houve um grande crescimento em
relação à autonomia da escola, apesar dos entraves internos e externos”. Possivelmente, este
reconhecimento poderá ser útil para ser concretizado o desejo de que “podemos avançar mais
em relação à autonomia da escola”.
b) Participação:
A dinâmica da participação é algo que também se apresenta como bastante
fragilizada na vida da Escola Luís de Camões e para esta caracterização também pode ser
invocada a crise que a Escola vem atravessando nestes últimos anos. Ainda que seja um
patamar básico (porém, de fundamental importância) é de se apontar como sérios indicadores
de baixa participação na vida escolar desta unidade de ensino: a acentuada realidade de faltas
dos professores (dado inferido a partir da fala de 15 alunos e da própria Direção) e falta
acentuada dos alunos às aulas. Estes dois indicadores contribuem para uma visível situação de
precariedade de funcionamento desta escola e, conseqüente, descrédito junto à comunidade
externa.
No que diz respeito a patamares mais elevados da dinâmica de participação, no
sentido de se tomar parte ativa nas decisões (FAUNDEZ, 1993, p. 32; LIMA 1999, p. 77 e
PARO 2000, p. 12), analisamos como sinais de fragilidade nesta instituição educativa os
seguintes dados e acontecimentos:
a) o índice de 89% de abstenção dos eleitores no pleito para escolha do diretor
(setembro de 2005). Do total de 2.261 votantes compareceram apenas 242 eleitores e deste
número apenas 177 foram considerados como votos válidos o que corresponde a apenas, 7,8%
do total de eleitores.
b) a persistência da fusão entre o Conselho e a Unidade Executora que, como
visto anteriormente, redunda em prejuízo para as finalidades mais amplas do exercício da
participação e da colegialidade no espaço escolar. Vale registramos aqui que, diante da
expectativa de o Conselho Escolar ser desmembrado da Unidade Executora (em maio de
2005), os professores (65% dos consultados) apresentaram um expressivo número de
349
expectativas positivas em relação a tal desmembramento. Dentre outros, destacamos as
seguintes expectativas: “é preciso haver o desmembramento” (2 docentes); “é necessária a
implantação do Conselho” (4 docentes); “o desmembramento ajudará a conseguir congregar
professores, alunos e pais para lutarem por uma escola prazerosa (2 docentes) e, ainda,
“possuo fortes expectativas, pois a gestão eleita parece comprometida com o
desmembramento (2 docentes).
A atual reestruturação do Conselho Escolar/Unidade Executora ao mesmo
tempo em que pode ser vista como um esforço da Luís de Camões para visibilizar, de forma
institucionalizada, a participação dos vários segmentos que compõem a comunidade escolar,
porém, por outro lado, além dos limites inerentes a tal fusão, se apresenta como bastante
restritiva, sobretudo, no que diz respeito à participação dos alunos, dos pais dos alunos e de
representantes da comunidade uma vez que, no conjunto dos 17 cargos existentes entre as
diversas instâncias do Conselho Escolar/Unidade Executora (4 na Diretoria, 7 no Conselho
Fiscal e 6 no Conselho Deliberativo), estes três segmentos detêm apenas 29% dos cargos (2
pais de alunos, 2 alunos e 1 representante da comunidade). Os 71% dos cargos são ocupados
por membros da Direção (3 cargos), professores (6 cargos), funcionários (3 cargos). Vale ser
salientado, ainda, que a quase totalidade da representação dos segmentos dos alunos, pais dos
alunos e membros da comunidade está localizada em cargos de suplência resultando, na
verdade, em apenas 1 pai de aluno pertencer ao quadro de membros efetivos (no caso, do
Conselho Fiscal). Desta forma, a representação de membros que não sejam da Direção, do
Corpo Docente e de Funcionários em cargos efetivos do Conselho Escolar/Unidade Executora
da Escola Luís de Camões fica reduzida a 9%.
Comparando-se a realidade atual de baixa representatividade dos alunos, pais
dos alunos e da comunidade externa a este estabelecimento educativo com momentos
anteriores da sua história, quando as reuniões e assembléias do Conselho Escolar/Unidade
Executoras envolviam um expressivo número de participantes,
174
podemos identificar como
mais um desafio a ser enfrentado por esta unidade escolar a recuperação da sua credibilidade
junto aos alunos, pais dos alunos e à comunidade do entorno, no sentido de maior presença e
envolvimento na sua vida e seu no seu funcionamento, sobretudo, no que diz respeito aos
momentos de tomada de decisões, pois, como no-lo aponta Cury (1993, p. 65) a participação
pressupõe a presença de todos os interessados nas questões que vão ser decididas.
174
A título de exemplo, a partir das assinaturas existentes nas Atas do Conselho Esolar/Unidade Executora da
Escola “Luís de Camões”, foram registrados os seguintes comparecimentos: 105 pessoas na reunião de 14/09/99,
350
c) O alunado parece não sentir a escola como sua. Do total de 26 alunos que
emitiram parecer acerca da Luís de Camões como um espaço/ambiente de participação dos
alunos um (1) avaliou a escola como sendo um ambiente no qual os alunos possuíam
“bastante participação”. As demais avaliações foram para “razoável participação” (14,
correspondente a 54%), “pouca participação” (9, correspondentes a 35%) e “nenhuma
participação” (2, correspondente a 7%).
Junto às avaliações acima, podemos caracterizar como pouco significativa a
participação dos alunos na vida e funcionamento da escola a partir das seguintes falas
discentes: “nas reuniões que acontecem na escola, entre professores e direção, não há um
representante dos alunos para opinar e falar sobre as necessidades e prioridades”; “o Grêmio
Estudantil faz muita falta, pois esta Escola teria capacidade para evoluir, mas às vezes não dão
ouvidos ao que alguns alunos gostariam de ter”; “o Grêmio serviria para aproximar e informar
mais os alunos dos professores e direção e fazer com que todos tenham mais interesse nos
assuntos da escola” e, ainda, “a falta de um Grêmio na nossa escola nos deixa assim menos
participativos. Às vezes damos opiniões que não são levadas em conta. Se existisse um
Grêmio, os alunos e pais seriam mais levados a sério”.
Em vista de a Luís de Camões ser uma escola democrática, por um lado, dos
14 alunos consultados, 8 (57%) não souberam ou não opinaram a respeito e, por outro lado,
algumas falas sinalizam a não existência de gestão democrática nesta unidade escolar ao
dizerem que “não existe isso aqui, os alunos nunca ajudam nas decisões da escola, de modo
geral”; “Não. Porque nem tem como”; “Não. Porque os alunos precisam ter conhecimento do
que se passa nas reuniões e ter representantes diretos na Direção”; “Não. Porque não
procuram saber o que o aluno acha das questões da escola” e, ainda, “Não fazem pesquisas
como essa para falar sobre a própria administração em determinados questionamentos”.
Em todo caso, no sentido de ocorrer avanços na dinâmica de participação na
vida da Luís de Camões podemos identificar como sendo positiva a disposição da sua atual
gestão quando, ao mesmo tempo em que reconhece os limites existentes, adota uma postura
de abertura da escola à comunidade ao dizer que
(...) até hoje, eu sinto muita dificuldade de ser aceita como uma pessoa
inserida, apesar de ter passado por um processo de eleição, de ter sido votada
quase 70% da comunidade escolar e hoje estar aqui no posto de gestora.
Mas, eu, ainda hoje, sinto muito a falta desse contato com a comunidade.
Cada dia mais a gente abre as portas para a comunidade. A gente tem
tentado participar dos eventos que a comunidade convoca, a gente abre a
98 pessoas na assembléia de 25/04/01, 205 pessoas na Assembléia de 14/05/02 e 128 pessoas na Assembléia de
28/04/03.
351
escola para que a comunidade se utilize. A gente tem o pessoal da pastoral
que sempre está fazendo alguma coisa dentro da escola, tem outras escolas
que pedem o nosso espaço para realizarem eventos, tem pessoas da
comunidade que pedem a escola para fazerem festas, já foi dada palestra,
aqui, sobre cidadania, pelo pessoal da TELEMAR. Então, a gente está
sempre disposta a estar em contato com a comunidade.
Diante do que foi visto e analisado, em relação à participação na Luís de
Camões fica evidenciado que os atores sociais desta unidade escolar deverão empreender
efetivos processos participativos em vista da edificação da autonomia escolar uma vez que
estas duas dinâmicas estão intimamente associadas.
c) Democratização:
Juntamente com os aspectos e dimensões implícitos nas análises dos itens
anteriores, a dimensão da democratização da escola no que diz respeito ao acesso e
permanência exitosa do aluno na escola é algo que, também, se encontra bastante fragilizado
na Luís de Camões uma vez que, mesmo tendo instalações físicas para abrigar quase 2.000
alunos, esta unidade educativa vem apresentando um número de matrículas abaixo da sua
capacidade de atendimento (no ano de 2004 a matrícula chegou a apenas 848 alunos, no ano
de 2005 foram matriculados 1.063 alunos e, atualmente, ano de 2006, possui 1.008
matriculados). Vale ser relembrado que, por ocasião da sua inauguração, há 24 anos (1982),
esta escola iniciou as suas atividades com 1.440 alunos, distribuídos em 40 turmas. Ao que
observamos (sobretudo por ocasião do período de matrícula), a Luís de Camões não se
constitui em escola aos quais os pais (e também alunos) tenham preferência para nela se
matricularem, em decorrência de uma avaliação negativa a respeito dos serviços educacionais
prestados por esta unidade escolar, incluindo, também, os aspectos de organização e
disciplina.
Unido ao baixo efetivo de matrícula, a Luís de Camões apresenta altos índices
de reprovação e evasão escolar dos quais alguns dados já foram citados na seção 7.1.c do
capítulo anterior. Sem desconsiderarmos a existência de toda uma gama de fatores que
contribuem para tão preocupantes resultados (inclusive, relacionados com a própria realidade
do alunado), destacamos aqui a falta de condições de funcionamento da escola, sobretudo no
que diz respeito à deficiência numérica do quadro de docentes. Neste sentido, é contundente o
depoimento da Direção da escola quando (em entrevista acontecida no dia 31 de maio de
352
2006, portanto, com já 3 meses de desenrolar do ano letivo) analisando os entraves que estava
encontrando em sua gestão, dizia:
(...) veja bem, professor: eu considero que o maior entrave hoje seja no
aspecto pedagógico, ou seja, botar a escola pra funcionar. Até a presente
data, eu tenho, pelo menos, a falta de 15 professores no quadro. Se eu levar
em consideração toda a carga horária, eu precisaria de mais 15 professores.
Eu não tenho professor de Física, para a noite. Eu não tenho professor de
Química, tem Matemática ainda sem professor. Ainda faltam professores de
Ciências, de Português, Inglês e Artes. Falta professor de Ciências, à tarde,
Biologia, também à tarde. Então, assim, é muito complicado fazer um
trabalho de qualidade, quando você não consegue o subsídio mínimo que
seria o professor na escola.
Tem dia que, realmente, o aluno vem pra escola e, naquele dia, ele só tem
três aulas e duas está faltando o professor e, ainda por cima, o professor
daquelas três aulas também faltou. Então, tem dia que fica humanamente
impossível a gente conseguir dar aulas ou acontece uma coisa que não
garante o tempo pedagógico de aprendizagem do aluno: o professor tem
duas aulas na 5ª. Série “A” e, depois, tem duas aulas na 5ª. Série “B”. Aí, ele
junta as duas turmas para tentar dar as suas aulas. Então, quando chega três
horas da tarde, todas as turmas já foram embora porque eu não tenho mais
professor pra dar aula na escola porque o professor teve que juntar as turmas
para não deixar que os alunos esperassem pelas últimas aulas. Então, o que
aconteceu? Eu não estou garantindo a qualidade do ensino. Pra mim, um dos
maiores entraves é a falta de professores porque se eu tivesse professores na
“casa”, eu organizaria melhor essa questão.
Como também pode ser percebido há, na fala acima, uma referência a outro
fator que contribui para a negação do direito do aluno da escola pública ter acesso ao
conhecimento historicamente construído e à elaboração de um novo saber: o das aulas que
não são ministradas em decorrência do professor que, por variadas razões, não chegou até à
escola. Pelas conseqüências que gera, este problema deve ser discutido por toda a comunidade
e não ser objeto de preocupação apenas da Direção. Aliás, alguns dos professores expressaram
inquietação com tal problema e, inclusive, refletindo sobre os índices de reprovação e evasão
escolar, três deles (de um total de 20 docentes) consideraram como sendo resultados também
decorrentes da “falta de compromisso por parte dos docentes” e, ainda, a necessidade de
“haver mais sensibilidade por parte dos professores”.
8.3 AUTONOMIA, PARTICIPAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO NA ESCOLA DOM VITAL
a) Autonomia:
Em geral, a autonomia na Escola Dom Vital se apresenta como sendo uma
temática já presente em sua trajetória recente, tanto no que diz respeito no nível de um
discurso (reflexão) como no nível de determinadas práticas e acontecimentos.
353
Nesse sentido, podemos destacar, no primeiro nível, o entendimento de um dos
seus atuais gestores quando afirma que
(...) autonomia a gente conquista e um dos meios que a gente tem pra
conquistar essa autonomia é fortalecer o Conselho da Escola, os outros
segmentos, fortalecer o Grêmio – que, aqui, está parado – fortalecer a
atuação da comunidade na escola. Ter uma unidade em relação aos nossos
objetivos.
Por sua vez, outro membro da Direção da Dom Vital, em relação à autonomia
desta unidade escolar, também afirma que
Olha... é tudo um movimento de conquista. Essa autonomia enquanto
processo de delegação, ela precisa ser observada, mas, na verdade, ela
também tem que ser construída aqui. O que tem se feito aqui na Escola Dom
Vital é tentar fortalecer os órgãos que podem fortalecer a gestão, e isso,
fortalecendo o Conselho Escolar, tentando discutir o Projeto Político-
Pedagógico, discutir o Grêmio Estudantil... É um movimento constante, mas,
também, um movimento muito lento, muito lento. Não se consolida assim do
dia pra noite, porque sempre você precisa de uma instância coletiva pra
poder conquistar esses espaços. Se você não conquistar esse coletivo, então,
fica muito difícil você instituir esse espaço. Mas, a Escola Dom Vital ela
avançou muito.
No seio do corpo docente também encontramos vozes e falas que apontam para
um entendimento de que a autonomia já seja um componente presente na vida e na dinâmica
do “Dom Vital” como no seguinte exemplo de uma fala docente: “eu acredito que se possa
dizer que haja uma certa autonomia, aqui na Escola Dom Vital, pois com o Conselho se tem
conseguido deliberar sobre algumas coisas sem precisar, remeter a um órgão superior. A
Escola consegue andar, um pouco, sozinha”.
No nível das práticas e acontecimentos, podemos inferir a presença da
dinâmica de uma autonomia sendo construída na vida deste estabelecimento de ensino a partir
dos elementos que serão destacados a seguir.
A constituição e funcionamento do Conselho Escolar como uma instância
institucional para oportunizar o exercício da gestão democrática da escola pode ser datada de
12 de outubro de 2001 quando ocorreu a posse da primeira diretoria desta entidade. A
constituição do Conselho Escolar, desatrelado da Unidade Executora foi um acontecimento
significativo para a autonomia desta unidade de ensino uma vez que, pela leitura das atas do
Conselho, pode ser observada a existência de um processo de reflexão sobre a vida escolar da
Dom Vital bem como tomadas de decisões em vista do cumprimento dos seus objetivos
educacionais. Neste sentido, podemos destacar as ações e deliberações do Conselho como
constam no quadro a seguir.
354
Quadro V - Síntese de reuniões do Conselho Escolar da Escola Dom Vital
DATA DA REUNIÃO
ASSUNTOS/OCORRÊNCIAS
175
08/11/2001
Discussão sobre proposta do aumento do número de representantes, dos segmentos Professores e
Alunos (um por turno).
Aprovação da proposta de “qualquer pessoa da comunidade escolar poder participar das reuniões,
porém sem ter direito a voto”.
22/12/2001
Apreciação do Plano de trabalho da Direção.
Discussão sobre várias medidas administrativas e pedagógicas.
Apresentação e aprovação de uma proposta de “reunião de avaliação com os professores, para críticas
e sugestões”.
20/05/2002
Apresentação de uma proposta de “realização de palestra sobre as funções e atribuições do Conselho
Escolar”.
29/06/2002
Aprovação do pedido dos professores “para divulgação das reuniões do Conselho escolar para tomar
conhecimento dos encaminhamentos e das decisões”.
Apresentação de proposta para elaboração do Projeto Político-Pedagógico, visto como uma
necessidade da escola.
Avaliação sobre a atuação do Grêmio Estudantil.
13/12/2002
Formulação de pedido para afastamento e substituição de dois profissionais da escola (Central de
Tecnologia e Educador de Apoio).
18/09/2003
Discussão sobre o problema de terceirização dos serviços de xerox que funciona nas dependências da
escola.
22/10/2003
Eleição de novos membros do Conselho Escolar.
Retomada de discussão sobre o problema dos serviços de xerox instalados no recinto da escola.
Pedido de tomada de providências para que a Secretaria de Educação repasse à Escola o valor do
aluguel pago,por parte da TIM, pela utilização do terreno da Dom Vital para instalação de uma antena
175
As frases que estão aspeadas são transcrições literais das Atas das reuniões do Conselho Escolar
355
de telefonia celular.
14/12/2004
Alteração dos Estatutos do Conselho para validar a decisão do aumento do número de membros, ou
seja, “de um para três representantes dos segmentos dos Pais, Alunos, Professores e Técnico-
administrativo”.
Solicitação de substituição do “Educador de Apoio “X”, bem como a saída de “XX” e dos professores
“Y” e “Z
176
”.
Encaminhamento à GERE para haver um “coordenador para cada turno, para atuar nas questões
pedagógicas”.
28/03/2005
Debate sobre elaboração de projetos para serem recebidos os valores do aluguel do espaço da escola
para a instalação de antena da TIM.
Definição da destinação do aluguel da antena: “aparelhamento do auditório que servirá não só para
atender às necessidades pedagógicas da escola, mas, também, à realização de eventos com a
comunidade”.
Discussão sobre segurança na escola
Discussão e definição de um Plano de atividades do Conselho Escolar para serem realizadas no
bimestre março-abril, destacando-se as seguintes: reunião com os pais, documento sobre funções dos
representantes de turmas e dos mestres de sala, reuniões com os representantes de sala, reestruturação
do Grêmio Estudantil, debates sobre o Regimento Escolar, construção de indicativos de avaliação da
escola (disciplina, segurança, ensino-aprendizagem, gestão democrática etc...).
17/03/2005
Alteração da grade curricular.
Deliberação de afastamento de uma professora, que se encontra perto de se aposentar, para exercer
atividades na Central de Tecnologia. Tal medida iria ajudar a resolver o problema de déficit de carga
horária, ocorrido por conta da alteração realizada na grade curricular.
No sentido de ser realçada a importância do Conselho Escolar, na perspectiva
de um movimento existente neste educandário em vista da sua autonomia, vale
transcrevermos, a seguir, as seguintes falas de docentes da escola:
- Aqui, na Escola Dom Vital, houve uma investida muito grande em relação
ao Conselho Escolar, pois a gente conseguiu separar o Conselho Escolar da
Unidade Executora. Antes, era como se fossem a mesma coisa, o que não é.
Com o tempo, conseguimos fazer prevalecer a proposta do Conselho Escolar
e isso a gente discutiu bastante porque o Conselho Escolar havia sido
atropelado pela Unidade Executora. É bom a gente guardar isso na memória,
pois tivemos discussões muito boas.
176
A omissão dos nomes dos profissionais a serem substituídos é nossa
356
- Em relação ao Conselho Escolar, também teve uma coisa importante: a
composição do Conselho Escolar não segue à risca o que está dito na lei, ou
seja, que de cada segmento tenha apenas um representante. Colocamos
alunos e professores por turno e isso aumentou o número de conselheiros e,
conseqüentemente, fez aumentar a participação e, ainda, levou o Conselho a
ser mais atuante.
Compartilhando da avaliação acima, a respeito do Conselho Escolar da Dom
Vital, o Presidente do Conselho de Moradores do Alto de Santa Izabel assim se expressa:
Eu acho que, hoje, a Escola Dom Vital já conquistou muita coisa em relação
à sua autonomia. Só a questão da eleição para diretor escolar já é um grande
passo para a democratização da própria escola. Também tem o Conselho
Escolar que pode opinar na vida da escola e vejo isso como um passo de
autonomia também
.
Entendendo que possa ilustrar melhor o peso e a força política que o Conselho
Escolar tem tido na Dom Vital, parece-nos que seja bastante significativo o depoimento dado
pelo Diretor da Escola que encontrou nesta instância colegial um poderoso instrumento no
exercício da dimensão de reivindicação que também deve fazer parte da gestão democrática
de uma escola. Nas palavras deste gestor:
Quando escola, comunidade e demais segmentos se unem à gente se torna
muito forte. Pra você ter uma idéia: nós conseguimos esse laboratório de
informática que recebemos em junho do ano passado. Desde o ano de 2000,
quando chegamos aqui, que tinha a promessa de recebermos o laboratório
por um projeto feito pelo governo FHC. Esse dinheiro ia ser aplicado pra
comprar os computadores, mas como havia um irmão do ministro
participando da licitação o Congresso vetou e foi interrompido todo o
processo. O dinheiro, que já estava no banco, foi suspenso completamente
(...). Enquanto isso a comunidade ficou clamando pela informática na
Escola.
Reunimos o Conselho e pedimos uma audiência com o Secretário de
Educação, o Prof. Mozart Neves. Ele respondeu por e-mail e marcou. Ai nós
fomos. Levamos representante da comunidade, representante dos alunos, o
Conselho completo. Eles ficaram até admirados em verem um Conselho bem
estruturado.
Quando tivemos essa reunião com o Prof. Mozart, no final do ano de 2004,
ele disse: no dia 30 de dezembro quero conhecer a escola. Ele veio, trouxe a
comitiva, olhou, foi lá no laboratório e viu que estava tudo pronto, só
faltando os aparelhos, e disse: “rapaz, isso aqui está uma beleza em relação a
outras escolas que eu vejo. Está tudo organizado. Só falta ter os
equipamentos”. .. risos. Depois disso, pouco tempo, um dia ele ligou pra
mim e disse: “olha, está indo um empresário pra aí, fazendo uma parceria, e
vai levar os computadores”.
Ai a gente ficou pensando: por que isso aconteceu? Por que o Conselho se
fez presente lá na Secretaria de Educação. Eu acho que quando a gente
fortalece esse segmento da sociedade e a gente tem um objetivo comum e
357
está todo mundo unido aí a gente conquista a nossa autonomia. Essa
autonomia se torna mais crescida, mais palpável.
Pelo exposto, a constituição e o funcionamento do Conselho Escolar na Dom
Vital sinalizam a existência de uma dinâmica de construção de autonomia na vida da escola.
Entretanto, a partir de várias falas e de observações pessoais que realizamos, há necessidade
de serem implementadas algumas medidas em vista do aperfeiçoamento do processo de
colegialidade nesta unidade educativa uma vez que, de acordo com a fala de alguns docentes:
“o Conselho Escolar tem avançado na resolução de várias questões. Porém, muitas vezes não
consegue resolvê-las por falta de funcionários na escola, para efetivar as resoluções”; “o
Conselho atua como pode, dentro do pouco espaço que tem, mas luta com grandes
dificuldades”; “o Conselho está precisando ser mais atuante, principalmente, em relação à
participação dos pais e da comunidade”; “o Conselho Escolar precisa de maior apoio logístico
e de pessoal para conseguir realizar aquilo que considera importante para melhorar o
funcionamento da escola”; “o Conselho poderia ser mais atuante” e, ainda, “o Conselho
Escolar precisa ser mais participativo, atuante”.
Apesar do esforço feito para envolver o maior número possível de pessoas,
tanto em sua composição (até fazendo diferente do que está prescrito na legislação) como em
suas reuniões, o Conselho Escolar da Dom Vital carece ser mais conhecido entre os alunos,
pais dos alunos e os representantes da comunidade do entorno da escola e, ainda, seus debates
e deliberações devem ser melhor divulgados entre os próprios docentes. Fundamentamos esta
observação com os exemplos a seguir.
De um total de 47 alunos, pertencentes aos três turnos de funcionamento da
Escola, apenas 7 (15%) declaram ter conhecimento da existência do Conselho Escolar e
saberem das suas finalidades. Lendo-se as finalidades do Conselho Escolar, ditas por tais
alunos, constatamos que as mesmas não condiziam com as finalidades de um Conselho
Escolar e, ao que tudo indica, referiam-se mais ao Conselho de Classe. Do restante dos
consultados, 23 (49%) declararam que tinham conhecimento sobre a existência do Conselho
Escolar, porém não sabiam das suas finalidades e os outros 17 alunos (36%) declararam não
terem conhecimento sobre a existência do Conselho Escolar na Dom Vital.
Por outro lado, quando perguntados a respeito da representação de alunos no
Conselho – desta vez, com apenas 38 respostas – só 3 alunos (8%) declararam que sabiam que
existia representantes de alunos no Conselho e, ainda, sabiam quem eram os representantes.
Quanto ao restante dos consultados, 10 (26%) declararam não saberem que existia
358
representação estudantil no Conselho Escolar e 25 (66%) declararam que sabiam que existia a
representação estudantil, todavia, não sabiam quem eram os seus representantes.
Já em relação aos pais dos alunos, o desconhecimento deste segmento (18 pais
consultados) sobre o Conselho Escolar consubstanciou-se nos seguintes dados: (i) apenas 2
(11%) disseram ter conhecimento sobre a existência do Conselho Escolar e saberem de suas
finalidades. Entretanto apenas um expressou o que entendia por finalidades do Conselho
Escolar, porém, estas estavam mais apropriadas para o Conselho de Classe; (ii) 5 pais (28%)
declararam ter conhecimento sobre a existência do Conselho Escolar e, também, declararam
não saberem das suas finalidades e (iii) 11 pais (61%) declararam não terem conhecimento
acerca da existência do Conselho Escolar na Dom Vital.
Os dados expressam um desconhecimento dos pais dos alunos em relação aos
seus representantes: apenas 1 pai (6%) declarou que sabia da existência da representação bem
como quem era o representante. Por outro lado, 7 pais (39%) expressaram desconhecimento
de tal representação e outros 10 pais (55%)) informaram que sabiam da existência da
representação, entretanto, não sabiam por quem estavam sendo representados.
Mesmo com o envolvimento do Conselho de Moradores do “Alto de Santa
Isabel” na vida da Dom Vital, o presidente desta entidade desconhecia um importante dado,
ou seja, que o Conselho de Moradores, oficialmente, tem garantia dada pela própria legislação
para ocupar um lugar na composição do Conselho Escolar do “Dom Vital”. Neste sentido,
pode ser conferida parte da entrevista que realizamos com o presidente do dito Conselho:
(...)
LC – Pelo que sei, atualmente, no “Dom Vital”, não há um representante
oficial das entidades e associações comunitárias do Alto Santa Izabel. Você
poderia dizer por qual razão o Conselho de Moradores não está oficialmente
representado no Conselho Escolar do “Dom Vital”?
PR – Eu acho que seja mais uma questão da própria formação do Conselho
Escolar que não tem ninguém de alguma entidade da comunidade. Pelo
menos, nos conselhos das escolas municipais não tem lugar para as
entidades...
LC – Nas escolas estaduais, pela própria legislação que regulamente o
Conselho Escolar, é reservada uma vaga para as associações e movimentos
comunitários existentes na localidade na qual a escola está inserida.
PR – Mas, até hoje, não tem sido assim... Pelo menos não recebemos
nenhum convite para participarmos dessa forma.
Também denotando um aspecto de fragilidade em relação ao papel de instância
colegial que o Conselho Escolar deve exercer e, conseqüentemente, como uma dificuldade a
ser superada, são inquietantes as seguintes falas nas quais, respectivamente, um docente fala a
partir de sua experiência pessoal e noutra, outro docente fala em nome de seus colegas ao
359
dizerem: “não tenho muito conhecimento a respeito do Conselho Escolar” e “muitos
professores ainda não o conhecem, talvez a sua maior homogeneização seja bastante
positiva”.
Dando uma visão mais ampla da problemática tanto da representatividade
como do próprio funcionamento do Conselho Escolar, quando entrevistamos um membro do
corpo docente da Dom Vital a respeito da articulação entre o representante dos professores no
Conselho e os seus representados, este docente assim se expressou:
(...) não sei se é por falta de tempo, da nossa correria do dia-a-dia, mas o que
é decidido lá nem sempre eu sei. Das pessoas que nos representam, pelo
menos no período que estou aqui, não tenho recebido informações sobre o
que é tratado no Conselho. Não sei se deixam em algum lugar... Mas a gente
acaba não sabendo – a não ser um ponto ou outro – o que foi decidido no
Conselho. Ou então: “isso aqui vai para o Conselho”... as informações sobre
o que é decidido, o que está sendo feito ou vai ser feito não se sabe muito.
Realmente, como professor, a gente, aqui, não sabe.
O entendimento de que a autonomia na Escola Dom Vital já se constitua como
elemento integrante da sua dinâmica de existência e funcionamento pode ser corroborada na
constatação de que esta instituição educativa já elaborou o seu Projeto Político-Pedagógico,
desde junho de 2002, e, como presenciamos na Semana Pedagógica de 2006, o Projeto vem
sendo objeto de estudo e de reflexão avaliativa e, ainda, em vista de sua atualização e
aperfeiçoamento. Tanto para a equipe gestora como para parte do corpo docente, a elaboração
do Projeto Político-Pedagógico se constitui num significativo referencial de busca de
autonomia do “Dom Vital” como, assim, Direção e docentes se posicionam:
Olha... é tudo um movimento de conquista. Essa autonomia enquanto
processo de delegação, ela precisa ser observada, mas, na verdade, ela
também tem que ser construída aqui. O que tem se feito aqui na Escola Dom
Vital é tentar fortalecer os órgãos que podem fortalecer a gestão, e isso,
fortalecendo o Conselho Escolar, tentando discutir o Projeto Político-
Pedagógico, discutir o Grêmio Estudantil (membro da Equipe Gestora).
“Também acho que o próprio fato de estarmos avaliando o nosso Projeto
Político-Pedagógico é um sinal de que estamos dando passos para a questão da autonomia da
escola” (docente).
Em que pese tais ponderações nas quais a elaboração e avaliação do Projeto
Político-Pedagógico são reconhecidas como positivas para a autonomia do “Dom Vital”,
todavia, não pode ignorada a existência de problemas na área da feitura do referido
documento na medida em que, se por um lado, ele é entendido como resultante de contínuo
processo de construção que “demanda o envolvimento de todos os sujeitos envolvidos com o
360
processo educativo da escola” (ESCOLA DOM VITAL, 2002, p. 1), por outro lado, há uma
prática que contradiz tal entendimento uma vez que dois importantíssimos sujeitos do
processo educativo da escola – alunos e pais – não foram partícipes do processo de sua
construção e, ainda, do momento de sua revisão e avaliação.
No seio do alunado, o Projeto Político-Pedagógico da instituição educativa na
qual devem se constituir em sujeitos é algo cuja existência é simplesmente ignorada por 75%
dos 42 alunos consultados a este respeito. Por sua vez, dos 18 pais consultados, 72% também
declararam não saberem do que se trata. Entre o corpo docente, ainda que em menor monta, o
conhecimento sobre o Projeto Político-Pedagógico também é algo que apresenta deficiências,
como podemos inferir das seguintes falas docentes: “o Projeto Político-Pedagógico da Escola
Dom Vital não foi suficientemente divulgado para que eu possa lembrar alguma meta ou ação
especificamente” e “o Projeto Político-pedagógico está em implantação, não o conheço
profundamente”.
Para o momento da avaliação do Projeto Político-pedagógico ocorrido durante
a Semana Pedagógica do início do ano letivo de 2006, recordamos que alunos e pais,
novamente, foram ausentes e, ao que nos parece, não por terem faltado propositalmente, mas,
simplesmente, por não terem sido convidados. Lembrando-nos da recomendação feita por
Sousa e Correa (2002, p. 60) de que os alunos não sejam encarados apenas como beneficiários
do Projeto Político-Pedagógico, mas, ao contrário, também sejam vistos como sujeitos e, por
isto mesmo, participantes da sua elaboração, fica evidenciado que, também neste ponto, há
necessidade de ocorrerem avanços na Dom Vital em vista do atendimento da recomendação
feita por estes autores.
Do ponto de vista do conteúdo, a grande tônica do Projeto Político-pedagógico
parece ser a garantia da permanência e do sucesso dos alunos da Escola Dom Vital para que
estes tenham uma formação que lhes propicie competência profissional, vivência democrática,
participativa, crítica, responsável e ética e que, inclusive, constitui-se no objetivo geral das
ações a serem executadas. Mesmo reconhecendo o aspecto processual da elaboração deste
Projeto e, ainda, da sua execução, podemos entrever que a autonomia desta unidade escolar no
que diz respeito à implementação do seu Projeto Político-pedagógico seja algo que ainda
demande bastante tempo.
Por fim, no processo de identificação da autonomia como sendo uma dimensão
integrante da vida e do funcionamento da Dom Vital, em variadas vozes, a eleição do gestor
escolar é reconhecida como um importante componente, uma vez que,
361
- Eu acho que um avanço havido aqui na escola foi em relação de se poder
votar, escolher o diretor da escola. Foi uma forma de, também, os alunos ter
uma participação em decidir quem deveria ser escolhido para dirigir a escola
(fala de um docente).
- Mas, temos que aproveitar essas brechas para fazer surgir a escola
democrática que a gente quer. Uma coisa boa que a eleição trouxe, aqui na
Escola Dom Vital, foi que nós garantimos a continuidade de uma gestão.
Essa continuidade de gestão foi boa, diferente do caso quando vem um
diretor de fora e depois ele sai porque brigou com um vereador ou caiu em
desagrado político (fala de outro docente).
O reconhecimento feito de que há um movimento discursivo e prático da
autonomia da Dom Vital não significa dizer que o mesmo esteja ocorrendo sem tensões,
problemas ou dificuldades, como podemos inferir da fala de também um dos componentes da
Direção desta escola, quando lhe indagamos a respeito da destinação de verbas recebidas:
Não... elas já vêm com destinação certa. Você não pode pegar o dinheiro
destinado para pagamento a terceiros e gastar com manutenção. Cada uma
tem seu destino. O que vem pra manutenção não posso comprar um vídeo.
Mesmo que eu esteja precisando de um vídeo, não posso comprar com verba
de manutenção.
Agora mesmo, estou com um problema: estou precisando comprar um
fogão. Se você olhar lá na cozinha vai ver que o fogão está “não me toque”.
Estou preocupado. Estou esperando que chegue verba pra material
permanente pra poder fazer a compra de um fogão. Então, é tudo já
estabelecido.
No contexto de restrição da autonomia podemos situar, também, a fala do
Presidente do Conselho de Moradores que possui uma ligação de maior proximidade com a
Dom Vital ao questionar a autonomia financeira da escola:
Uma outra coisa que acho muito interessante (...) é que o dinheiro que a
escola recebe tem uma parte que é pra ser aplicada em melhoria da escola e
outra parte em material de expediente. Mas, se a escola fosse mais
democrática e autônoma, então, a própria escola deveria decidir como
deveria ser aplicado aquele dinheiro recebido e, aí, o seu colegiado teria um
poder de decisão. Aí, sim, seria uma boa forma de democratização no
aspecto financeiro.
(...) Hoje em dia, por exemplo, quando quebra uma coisa na escola, quando
precisa ser feito um conserto, a escola fica esperando pela boa vontade da
Secretaria para poder suprir aquela necessidade. Como é que a escola pode
ter autonomia democrática se ela não tem autonomia financeira? Essas duas
coisas têm que existir paralelamente. A escola precisa ter um fundo pra
poder atender às suas necessidades, sem precisar ficar esperando pela boa
vontade da Secretaria de Educação.
Na dimensão administrativa, a autonomia encontra uma série de limites
como na resolução de uma problemática causada por uma atuação inadequada de um
362
profissional que trabalha na escola sendo, inclusive, geradora de prejuízos para o processo de
aprendizagem dos alunos
177
. No próprio provimento de condições para um funcionamento
condigno da escola, a gestão da Dom Vital tem experienciado dificuldades no exercício da
autonomia administrativa, com conseqüentes repercussões na esfera pedagógica, na medida
em que, como declara um gestor desta escola:
(...) o governo do Estado cria assim mecanismos que tira essa autonomia.
Um exemplo é a matrícula. A matrícula é coisa séria no Estado. Essa questão
da matrícula nuclear... a matricula agora é feita pela Secretaria de Educação.
O aluno chega à escola com um código e a escola tem que fazer essa
matrícula. Ela tem mexido muito nessa questão da autonomia administrativa,
com relação ao aluno. Ainda tem muita coisa que precisa ser melhor
discutida.
Ano passado, mesmo: a gente teve problemas com a matriz curricular. Toda
a GERE trabalhava com uma matriz curricular e, de repente, a Divisão de
Ensino baixou outra matriz curricular. Umas escolas se recusaram... esta
daqui, não. Nossa escola aceitou a matriz que veio porque a gente tinha
outros problemas. Quando a Secretaria percebe que a escola não consolida a
sua autonomia, ela intervém. Em relação a currículo, essa autonomia a
escola ainda não conquistou.
Aí, fica difícil, pois há uma certa intervenção... Se deixar brecha, a GERE
intervém. Quando você não retrata essa autonomia de forma muito forte na
escola, vai deixando qualquer brecha, eles intervêm, né? A gente ainda tem...
assim... problemas com professores, no caso das contratações. Há, ainda,
muitos alunos, muitas turmas faltando professores, professor de Biologia, de
Inglês, Sociologia
178
... Vez por outra, ainda estamos mandando aluno para
casa por estar faltando professores. Tudo isso, então, interfere no processo
de gestão da escola.
Tal problemática também envolve o trato com a delicada situação de um
profissional, sobretudo docente, cuja atuação esteja sendo causadora de problemas para a área
pedagógica, o que deixa a Direção da Escola numa situação bastante difícil como podemos
inferir da fala de um dos seus gestores:
Eu acredito que precisamos ter uma maior liberdade de atuação com relação
aos professores. Acho que isso é um entrave muito grande. Tem professores
que “pintam e bordam” na escola. Existe uma resistência muito grande, o
corporativismo é muito forte. Se tem um professor agindo errado eu interfiro
pra corrigir, os outros o defendem, por ser professor. Isso dificulta bastante
(...). Não é só centralizar na Direção, mas ter um colegiado onde a gente
possa agir de maneira coerente, correta, no combate ao erro do próprio
profissional porque... tem coisas absurdas. No mês de março, por exemplo,
tinha um professor que a turma veio dizer que não estava conseguindo
entender as aulas, as explicações. Chamei-o e ele disse que não podia fazer
nada. Depois, a turma me chamou pra ir lá e aí tentamos conversar.
177
Por questões éticas, reservamo-nos o direito de não darmos maiores detalhes a respeito do caso em
tela envolvendo um professor da escola.
178
Situação registrada no dia 15 de abril de 2006 quando foi realizada a entrevista.
363
Melhorou um pouco, depois o problema continuou. Os alunos fizeram um
abaixo assinado com mais de duzentas assinaturas. E o caso terminou indo
parar na Divisão de Normalização. Levei duas pessoas do Conselho e ai
expliquei o que tinha acontecido. Depois conversei com ele, mostrei que
tinha havido um abaixo assinado, mas o professor insistiu em manter a
postura irredutível. Os alunos foram desistindo e ficou séria a situação.
Então, nesse caso, em termos de autonomia ficou difícil porque há quem não
queira a mudança.
Sonho com uma autonomia onde a gente possa fazer essas correções,
houvesse um mecanismo para trabalhar esse professor que é faltoso, que não
tem compromisso, que pra ele tanto faz como tanto fez, não tem nenhuma
esperança na educação, perdeu o estímulo. Assim como tem aluno
desestimulado, também tem professor desestimulado. Isso aí é cruel. A gente
precisa ser fortalecida, em termos de autonomia, pra poder fazer essas
correções. É muito desagradável a gente ter que fazer isso com colegas,
termina comprando inimizades.
No que tange ao aspecto pedagógico da autonomia da escola, também
localizamos na Dom Vital a existência de questões conflitivas com os órgãos de
gerenciamento do sistema educacional pernambucano, relacionadas (por exemplo) com a
avaliação do rendimento escolar, como podemos inferir da fala docente abaixo transcrita.
Um assunto muito importante para ser discutido é o da avaliação pra, de
fato, a escola ter poder de decidir, ser democrática e autônoma. Se já vem
imposta a forma como a gente deve avaliar, ficamos de braços atados, pois o
aluno já percebeu que não precisa se esforçar para passar, para ser aprovado.
E aí vem uma outra questão: que tipo de avaliação seria melhor para
usarmos com os nossos alunos? Mas a gente já tem uma coisa definida lá de
fora e que o aluno, há muito tempo, já percebeu que ele não precisa estudar
para passar. Ele até já sabe que nem precisa assistir aulas. Pode passar o
tempo todo faltando à escola e vem no final do ano e a gente é obrigada a
fazer uma avaliação. Ele passa e se não passar na primeira vez, vai tentando
até ser aprovado. Isso não é um fato isolado, é um fato geral. Para os alunos
- nem sei quem passou isso pra eles - já passou a idéia de que a freqüência
não conta.
Referindo-se a uma amplitude maior da problemática da autonomia escolar,
outro docente assim se expressa:
Em termos de autonomia, eu acredito que a escola deva ser mais autônoma.
Se ela conhece a comunidade na qual está localizada, a escola deve saber de
que maneira ela deve agir ou não. Muitas vezes, você sabe o que deve fazer
para resolver um problema, mas termina deixando de fazer só para cumprir
uma regra que vem lá de fora e se termina deixando de fazer uma coisa que
vai ajudar o aluno na formação dele. Como esse aluno, mais tarde, vai entrar
no mercado de trabalho se ele não está habituado a ser disciplinado, a ser
organizado? Às vezes, a gente quer zelar pelo controle da freqüência, mas aí
vem aquela questão do direito do aluno. Mas, onde fica o direito do aluno se
ele não freqüenta a escola? Todo mundo fica com medo de ultrapassar a
linha já demarcada de fora. Então, a gente perde a autonomia enquanto, a
cada dia, essa autonomia é necessária para a escola poder fazer o seu
trabalho.
364
A gente precisa ter autonomia para, dentro da realidade da nossa escola,
poder decidir resolver os problemas que aparecem. O professor sabe a
realidade dos seus alunos. Sabe com quem ele deve falar mais sério, com
quem precisa falar mais forte (...). Diante disso, temos que agir de modo
diferenciado em relação aos nossos alunos, pois eles têm as situações das
mais diversas. Se aqui, na nossa própria escola, a gente tem que agir de
modo diferenciado, também a escola tem que ser vista de modo
diferenciado. Como é que, muitas vezes, os órgãos superiores ficam dando
em cima da escola sem buscar nos ouvir, sem procurar saber quem somos,
quem somos nós que, aqui, estamos lidando com o aluno no dia-a-dia?
Infelizmente, tem pessoas que foram educadores e quando passaram a
ocupar um cargo, uma função na Secretaria de Educação, ou mesmo,
passaram a ser gestores nas escolas, parece que esqueceram que, um dia,
viveram a realidade escolar e se distanciaram dela. É preciso ser repensado
aquilo que vem pronto lá de fora e a questão da escola ter sua autonomia
para agir.
Ainda que os alunos tenham dificuldades em se posicionarem a respeito da
autonomia da escola (inclusive, de um total de 42 alunos de 2º e 3º anos do Ensino Médio
93% declararam não saber o significado de autonomia da escola), pudemos localizar neste
segmento alguns questionamentos a respeito de tal temática como nas seguintes falas:
Na minha concepção, a escola na qual estudo tem em parte sua autonomia,
pois com o profissionalismo do Diretor podemos realizar projetos e tomar
decisões e, por outra parte, não, pois as condições dadas a nós pelo Estado
para que possamos estudar é crítica e dificulta essa autonomia” (aluna de 16
anos, 2º ano do Ensino Médio, 6 anos no ‘Dom Vital”).
e “a autonomia é de grande ajuda, desde que haja recursos para essa autonomia funcionar”
(aluno de 16 anos, 2º. Ano do Ensino Médio, 4 anos estudando na Dom Vital).
A respeito da autonomia na Escola Dom Vital, podemos considerar que, de
certa forma, há um processo em curso em vista da construção deste princípio e que o mesmo
esteja sendo assumido por boa parte dos seus atores sociais, sobretudo entre o corpo diretivo e
o corpo docente. Todavia, por outro lado, pelas várias análises aqui expostas, tal construção,
em variados aspectos, necessita ser aperfeiçoada para que a mesma possa avançar mais ainda
ou, dito de outra forma, se constituir num processo coletivo assumido e realizado pelo
conjunto dos seus atores sociais.
b) Participação:
Em geral, os atores sociais da Dom Vital referem-se a esta escola como sendo
um espaço/ambiente no qual podem exercer a participação e, conseqüentemente, se sentirem
membros participantes da comunidade escolar. Como elemento favorecedor para a prática da
365
participação nesta instituição educacional, pode ser destacada a postura da própria Equipe
gestora no relacionamento interpessoal com os diversos segmentos da comunidade escolar, ou
seja, com os professores, alunos, funcionários e pais. Da parte de ambos os gestores, destaca-
se uma visível proximidade afetiva com os alunos, incluindo, até o conhecimento nominal dos
alunos, bem como de problemáticas existenciais em nível pessoal. A dinâmica da participação
dos membros de uma coletividade requer um mínimo de aproximação afetiva dos membros
entre si bem como dos membros com as pessoas que ocupam postos-chave na condução desse
mesmo grupo. Utilizar esse dado (que também ocorre na relação entre professores e alunos) é
certamente um desafio que Direção e Docentes deverão saber enfrentar para que o alunado vá
além do gostar de estar na escola para o gostar da escola e com ela se envolver.
Solicitando-se a 52 alunos para que citassem as três coisas que mais gostavam
do Dom Vital, e obtendo-se um total de 126 citações, 22% das preferências diziam respeito à
pessoa e atuação dos docentes. Por sua vez, a Direção (jeito e competência de administrar, a
preocupação com os alunos, o lado amigo etc.) obteve 15% das preferências. A totalização
destes dois percentuais, com a preferência dos “colegas e amigos”, na ordem de 12% (22% +
15% + 12% = 49%) aponta para um direcionamento da preferência dos alunos envolvendo a
dimensão humana da instituição da qual fazem parte.
Entre os alunos, pode ser constatada uma relativa imagem positiva a respeito
da sua escola como sendo um espaço que lhes possibilita ter algum tipo de participação. Com
efeito, dentre 49 respostas dadas à indagação feita a este respeito, 41% dos alunos (20 alunos)
consideram a Dom Vital como sendo uma escola na qual os alunos têm bastante participação
e, por outro lado, para outros 49% (24 alunos) a avaliação feita é que nesta escola os alunos
têm pouca participação.
Para os alunos, a avaliação relativamente positiva decorre do fato de: “quando
tem o que fazer, os alunos participam”, “os alunos ajudam e colaboram nas coisas da escola”,
“os alunos participam em atividades teatrais”, “há aluno que toma conta do Laboratório de
Informática”, “os alunos tomam conta de coisas/objetos da Escola” e, ainda, “os alunos
animam a Escola”.
Sem tirarmos o mérito do nível ou tipo de participação existente na escola,
parece-nos que deve ser olhado com atenção, por parte da Direção e do Corpo Docente, o
reclamo feito pelos alunos para que possam desenvolver níveis maiores de participação como
pode ser inferido das seguintes falas: “não tem total participação dos alunos na escola porque
não abrem espaço para os alunos totalmente” (1 aluno); “a Escola não oferece atividades para
os alunos participarem” (4 alunos); “na minha opinião, nós temos bem pouca participação na
366
escola, até porque quando vamos reclamar algo entra num ouvido e sai em outro” (1 aluno) e,
ainda, “eu acho que a participação de nós alunos é o que menos interessa à Escola se não
temos o direito de dar nem uma opinião, de reivindicar os nossos direitos. Parece até que
somos um ‘zero à esquerda’” (1 aluno).
No nível da institucionalização da participação, entretanto, pode ser constatada
a necessidade de ocorrer avanços na Dom Vital para que seus alunos e os pais destes exerçam
uma participação mais efetiva no Conselho Escolar e, ainda, os alunos retomarem a
organização e o funcionamento do Grêmio Estudantil que se encontra desativado há mais de
dois anos. A respeito da desativação do Grêmio Estudantil além de considerarem que seja
importante a sua reativação, os alunos consideram que: “a falta do Grêmio Estudantil faz com
que os alunos não se enturmem tanto com a Escola”, “os alunos estão tão desmotivados que
não lutam para que o Grêmio venha a funcionar”, “é ruim, pois, é um espaço a menos para
atividades ligadas ao dia-a-dia da escola”, “diante de tanta deficiência, não fico surpresa por
não estar funcionando o Grêmio Estudantil. Tem outras prioridades e também não
funcionam”.
A participação dos pais dos alunos, no sentido de um maior e mais efetivo
envolvimento na vida e no funcionamento da Dom Vital constitui-se, também, num campo
aberto para que possam ocorrer avanços, uma vez que a grande maioria dos seus sinais de
presença está relacionado com ida à escola para serem informados a respeito da
aprendizagem, do rendimento escolar e do comportamento dos filhos ou, ainda, em
participarem das festividades e eventos promovidos e organizados pela escola. Neste sentido
podemos considerar como significativo o fato de os pais terem avaliado esta uma escola como
sendo “bastante aberta à participação dos pais” (9 indicações, correspondente a 60% dos
entrevistados) e, outros 3 pais (20%) terem avaliado como uma escola “com relativa abertura
à participação dos pais”.
Por outro lado, como foi visto na análise da categoria anterior (autonomia), a
fragilidade da participação dos pais também se expressa no desconhecimento do Conselho
Escolar (e da representação nesta instância colegial), do Projeto Político-pedagógico e, ainda,
no baixo índice de participação nas eleições para diretor da escola, quando apenas 22% dos
consultados (de um total de 18 pais) declarou que participou da referida eleição.
Em todo caso, não podemos deixar de considerar como positivas as
inquietações expressas, respectivamente, pela Direção e docentes acerca de um maior
envolvimento e participação dos pais na vida da escola:
367
Uma questão que a gente, também, tem que refletir bastante é a respeito da
participação, especialmente dos pais (...). Na questão da comunidade, nós,
até, conversando nestes dias, devemos pensar como conseguirmos que os
pais venham e participem mais da escola para que a família tenha mais
acesso à escola. Falta muito, mas, pelo menos, temos discutido pra gente
tentar, assim, encontrar um caminho. Precisamos de muito para chegar lá
(fala de um gestor) .
A meta de ação está restrita e tem um alcance considerado pela minha
avaliação de pouco alcance. Poderia ser maior se houvesse maior
participação da comunidade em geral e dos pais dos próprios alunos que, em
sua maioria, são ausentes dos problemas da escola senão indiferentes ao
desenvolvimento escolar dos seus filhos e imagine dos Projetos Políticos-
Pedagógicos da Escola. Precisa ser trabalhada a conscientização da
importância da escola na comunidade, está esquecida por muitos (fala de um
docente).
No tocante à participação escolar na Dom Vital, os dados apontam para uma
série de fragilidades em relação à dimensão de participação nesta instituição educativa.
Entretanto, por outro lado, não pode ser desconsiderada a ânsia de alguns segmentos
(sobretudo entre o corpo discente) para que ocorram avanços rumo a uma maior visibilização
dessa mesma dinâmica. Neste sentido, o reconhecimento do Grêmio Estudantil, por parte dos
educadores, como um espaço participativo poderá se constituir numa das ações que
contribuirá para tal avanço.
c) Democratização:
O fato de a Dom Vital, pela sua tradição na comunidade de Casa Amarela e
pelo conceito que desfruta, ser uma escola bastante procurada pelos pais para ali matricularem
os seus filhos e pelos próprios alunos para ali conseguirem uma vaga e atender uma demanda
de cerca de 2.600 alunos é, certamente o indicativo de um primeiro nível da democratização
do ensino, uma vez que possibilita o ingresso em seu seio aos que a buscam como uma
instituição provedora da educação pública e gratuita. Todavia, quando se trata da oferta de um
ensino de qualidade, a democratização desta instituição educativa começa a apresentar sinais
de fragilidade em virtude de, por exemplo, existirem déficits de conteúdos de ensino que
deveriam ser ministrados, mas que devido a fatores externos e internos deixam de ser
ministrados. Juntamente com a gestação de um irreparável dano e prejuízo para o aluno por
lhe ter sido subtraído parte dos conteúdos necessários à sua formação não somente intelectual
como, também, à sua formação enquanto cidadão, tal realidade contribui, fortemente, para
368
fragilizar a função social da escola no que diz respeito à tarefa de espaço de transmissão do
saber historicamente acumulado e, ainda, espaço da produção de um novo saber.
Sem que constitua supervalorização pragmática dos resultados escolares, a
Dom Vital pode ser considerada uma unidade escolar que, historicamente, vem acumulando
uma dívida social com o seu alunado na medida em que mesmo em meio à discutível
sistemática de avaliação escolar que se vê obrigada a adotar nestes dois últimos anos letivos
vem apresentando baixos índices de aprovação, ou seja, 52% (no ano de 2004) e 31% (no ano
de 2005)
179
. Juntamente a estes dados do rendimento escolar como um todo, também contribui
para o questionamento da democratização do ensino naquela escola as situações particulares
de algumas turmas que, no ano de 2005, tiveram resultados de aprovação bastante inferiores à
media geral da escola. São os casos, por exemplo: da 5ª série “B”, turno da manhã, que, de um
total de 36 alunos, apenas 7 (19%) lograram aprovação plena; da 6ª série “D”, turno da
manhã, que, de um total de 44 alunos, apenas 6 (14%) lograram aprovação plena; da 7ª série
“E”, turno da tarde, que, de um total de 41 alunos, apenas 3 (7%) lograram aprovação plena;
da 8ª série “F”, turno da tarde, que, de um total de 34 alunos, apenas 7 (21%) lograram
aprovação plena; do 1º Ano “C”, turno da tarde, que, de um total de 33 alunos, apenas 2 (4%)
lograram aprovação plena; do 2º ano “G”, turno da noite, que, de um total de 60 alunos,
apenas 11 (18%) lograram aprovação plena e, por fim, do 3º ano “C”, turno da noite, que, de
um total de 36 alunos, apenas 8 (22%) lograram aprovação plena.
A constatação da fragilidade na Dom Vital, em relação à democratização do
ensino também se expressa no fenômeno da evasão escolar que, pelos dados que veremos a
seguir, sinalizam para uma incapacidade da escola pública estadual garantir a permanência
dos alunos que, via de regra, são procedentes da classe trabalhadora. Tendo por base o ano de
2005, vejamos os seguintes números da evasão escolar nesta estabelecimento de ensino”: (i)
De um total de 2.465 alunos, 818 não conseguiram concluir o ano letivo e, conseqüentemente,
não concluíram a série/ano de estudos que haviam iniciado. Vale destacar que os evadidos,
neste caso, equivalem a 33% do corpo discente; (ii) Em relação ao ano anterior (2004), houve
um aumento de 1% no percentual de desistência passando, portanto, de 32% para 33% o
percentual geral de evasão escolar; (iii) Localizando-se determinadas turmas, constata-se a
existência de índices de evasão bastante superiores à media geral da Escola como nos
179
Devido à dificuldade de serem verificados os resultados da aprovação por progressão parcial, os
dados acima se referem apenas à aprovação plena, ou seja, quando o aluno logrou aprovação em todas
as disciplinas da série/ano escolar por ele cursada(o).
369
seguintes exemplos: na 5ª série “C” (51%), 6ª série “D” (50%), 7ª série “E” (54%), 8ª série
“H” (57%), 1º ano “J” (53%), 2º ano “G” (61%) e no 3º ano “H” (77%).
Na análise dos fenômenos do baixo índice de aprovação e do alto índice de
evasão escolar, não podemos desconhecer a existência de um complexo conjunto de fatores
que contribuem para a sua existência, inclusive as causas pessoais que levam o aluno a não-
aprovação e/ou à evasão escolar e, ainda as determinações de ordem externa que impedem o
aluno de prosseguir nos estudos de forma exitosa. Entretanto, até para atingir os objetivos
estabelecidos em seu Projeto Político-Pedagógico, a Dom Vital não poderá se configurar
como uma unidade escolar permeada pela democratização enquanto não desenvolver um
intenso trabalho que contribua para, num caso, aumentar os índices e, noutro caso, diminuir os
índices acima analisados.
Compreendendo que no âmbito da escola a democratização, em última
instância, também diz respeito ao exercício do poder de forma colegial e democrática e pelo
que foi visto nos itens da “autonomia” e da “participação”, a Escola Dom Vital, pode
inicialmente ser visto como uma instituição que, do ponto de vista formal, pode ser
configurada como possuidora de um aparato institucional democrático. Neste sentido,
destacam-se a adoção do mecanismo das eleições para diretor, a institucionalização do
Conselho Escolar e, ainda, o esforço desenvolvido para ser uma escola aberta para a
comunidade em seu entorno.
Dada a ênfase do entendimento da democratização da escola associado à
eleição para diretor que os atores sociais desta escola apresentam, podemos considerar como
um percurso no qual devam ocorrer avanços a manutenção permanente de um espírito de
vigilância em relação à existência de toda uma atmosfera ou clima democrático permeando
todas as relações sociais que se processam no cotidiano da Dom Vital, incluindo, também, as
relações travadas no âmbito da sala de aula, no dia-a-dia da relação entre professor e demais
profissionais da escola e o aluno uma vez que, da parte dos discentes há também vozes que
sinalizam uma chamada de atenção como, por exemplo, nas falas abaixo:
Tenho a dizer que tanto os alunos como os professores fazem de ‘conta’: um
faz de conta que ensina e o outro faz de conta que aprendeu. No meio desse
‘faz de conta’, existem aqueles que realmente ensinam, porém, são poucos e
parece que muitos alunos acham muito bom essa condição;
E, ainda: “é preciso qualificar os professores, o professor precisa ser mais
humano”; “os alunos quando dizem o que pensam, muitas vezes, recebem uma resposta curta
e grossa das pessoas que aqui trabalham; e, por fim, “os alunos têm que aceitar as condições
mais absurdas possíveis, existentes na escola”.
370
8.4 AUTONOMIA, PARTICIPAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO NA ESCOLA DOM
BOSCO
a) Autonomia:
Na Escola Dom Bosco, e mais precisamente, no momento em que a
investigação foi realizada, a autonomia não se apresenta, explicitamente, como sendo objeto
de busca e de desejo dos seus atores sociais (ou, pelo menos, de sua grande maioria). Mais
que uma questão de intencionalidade, a própria realidade da escola, marcada por uma série de
dificuldades das quais se destacam as relacionadas com o seu funcionamento enquanto espaço
de transmissão e produção do saber (o freqüente encontro de alunos fora de sala de aula e a
baixa freqüência destes às aulas destacam-se como exemplos deste nível de dificuldade) e
existência de relações conflitivas entre determinados segmentos da escola (sobretudo entre o
corpo docente e a equipe gestora
180
), constituem-se, pois, em fatores determinantes para que o
debate e a procura da autonomia dessa instituição de ensino não seja algo evidente.
Dessa forma, em vista de um debate e de uma construção coletiva da
autonomia, a escola necessitará realizar um sério trabalho de reflexão e análise a respeito das
causas dos problemas ora citados e, juntamente a isto, adotar medidas para que os mesmos
sejam reduzidos e por que não dizer – solucionados?.
No segmento diretivo da Escola Dom Bosco não foi possível identificar uma
preocupação com a temática da autonomia da escola. Por outro lado, em relação aos órgãos
intermediários de gerenciamento do sistema educacional ao que este estabelecimento de
ensino está ligado, parece haver por parte da direção da Dom Bosco, uma certa atitude de
concordância sem questionamento. É o que podemos inferir de um membro da equipe diretiva
quando diz que
a escola pública nunca é autônoma na íntegra, pois a gente sempre tem que
dar satisfação ao pessoal da GERE. Se é até um calendário, tem que estar de
acordo com o calendário deles, tá entendendo? A escola nunca poderá ser
autônoma, na íntegra, não pode.
180
Em decorrência de ser um assunto bastante delicado, reservamo-nos o direito de não ilustrarmos a
problemática desse segundo tipo de dificuldades com as falas dos atores sociais da escola que se pronunciaram a
respeito.
371
Tal postura, possivelmente já foi percebida por alguns docentes uma vez que,
quando solicitados a caracterizarem o tipo ou nível de autonomia, dentre diversas
possibilidades (bastante autonomia, regular autonomia, pouca autonomia e nenhuma
autonomia), 3 destes sujeitos caracterizaram a Dom Bosco como sendo uma escola que
possuía um nível regular de autonomia e 1 deles caracterizou esta escola como tendo pouca
autonomia. Como justificativas para as caracterizações feitas, foram apresentadas as
seguintes: “às vezes, a direção segue piamente o que a GERE solicita; “a solução de alguns
problemas depende da tomada de decisões ou consulta à GERE”; “as decisões tomadas na
escola sempre tem interferência da GERE”; “às vezes, a equipe gestora se submete às
diretrizes que vêm de cima e, ainda, “há dependência da administração da Escola em relação à
GERE”.
A intensidade da ingerência da GERE na vida da Escola Dom Bosco pode ser
inferida a partir da ocorrência de situações em que a escola tomou uma decisão porém, depois,
foi obrigada a retroceder, gerando, conseqüentemente, uma inibição na esfera administrativa
da escola. É o que podemos supor a partir do depoimento de um dos seus gestores:
A escola tem uma certa autonomia (...), mas, ainda assim, não é uma
autonomia nem tanto assim porque já aconteceu de a escola querer dar
transferência a um aluno, aí o pai recorreu e a GERE manda a gente aceitar o
aluno de volta. Então, aí, a escola não é autônoma. A escola conhece o
aluno, já deu oportunidades, a gente sabe quem é o aluno e já aconteceu de
termos dado transferência, o pai ter recorrido e termos que aceitar o aluno de
volta, quer dizer: a escola não é autônoma! Se a escola chamou o aluno,
conversou, e o aluno continuou a depredar o patrimônio público, ele ficou
soltando bomba (como aconteceu nestes dias), ficou pichando a escola,
quebrando bancas – e tudo isso ficou comprovado – a escola dá a
transferência, o pai recorre e a GERE manda o aluno de volta, a escola perde
a autonomia, fica desacreditada. Às vezes, a gente tem até receio de mandar
o aluno sair, pois se mandar, a GERE pode devolver o aluno, isso, às vezes,
ocorre (...). Aí vai ficar professor, diretor, todo mundo desmoralizado,
entendeu? Não é uma autonomia plena.
Mesmo com os limites analisados, em todo caso, há na história da Escola Dom
Bosco um momento a ser resgatado no qual se registram passos e esforços em direção à
construção da sua autonomia: o da formação e funcionamento do seu Conselho Escolar.
Apesar do desencontro das datas registradas nas Atas do Conselho Escolar/Unidade
Executora, tudo indica que a partir da reunião do dia 14 de março de 2002 ocorreu o
desmembramento do Conselho com a Unidade Executora, o que deve ser visto como um
avanço, uma vez que a orientação oficial da rede estadual de ensino insistia na fusão das duas
entidades. Juntamente com o desmembramento, o avanço diz respeito ao próprio conteúdo das
372
reuniões do Conselho que passou a ultrapassar o nível de apenas informações sobre verbas
recebidas e “discussão” sobre o emprego das mesmas. Como exemplos desta diferenciação,
destacamos os seguintes assuntos tratados em diversas reuniões do Conselho, após o seu
desmembramento da Unidade Executora:
Quadro VI - Síntese de reuniões do Conselho Escolar da Escola Dom Bosco
373
DATA ASSUNTOS/OCORRÊNCIAS
181
14/03/2002
(Assembléia)
Realização do repasse do Congresso Internacional de Educação.
31/10/2003
(Reunião)
Discussão sobre necessidade de diretrizes para elaboração do Plano de
Desenvolvimento da Escola.
Preocupação dos conselheiros quanto ao repasse da capacitação, inclusive
quanto à elaboração de um cronograma e quanto ao envolvimento dos
professores.
Pedido para melhoria na comunicação interna da escola.
Fala/intervenção de um aluno, pedindo orientação e questionamentos, a
respeito do Regimento Escolar e Estatutos da UEx/CE.
05/11/2003
(Reunião)
Levantamento de questionamentos sobre a fusão UEx/CE.
“(...) preocupação com os alunos e a qualidade do ensino”.
“(...) preocupação com a evasão de alunos”...
11/12/2003
(Reunião)
Solicitação feita por um dos presentes para que houvesse um debate no início
do próximo ano sobre a prática pedagógica da escola.
05/02/2004
(Reunião
Extraordi-nária)
Discussão e debates sobre a reestruturação do Conselho Escolar.
Novos questionamentos sobre a fusão UEx/CE.
Discussão e debates sobre direitos e deveres dos que trabalham na Escola
Dom Bosco
Discussão e debates sobre as atribuições do Grêmio Estudantil.
“dois alunos X e Y questionaram o professorado sobre quando e como
seriam abordadas as questões pedagógicas, as quais estão relegadas a um
segundo plano”.
30 assinaturas de presentes.
12/02/2004
(Assem-
bléia Geral)
Continuação da discussão sobre o Conselho Escolar.
Pedido de aluno para ser feita divulgação das datas de reuniões do Conselho
Escolar.
Agendamento de data para estudo do Regimento Escolar (18/03/2004).
Discussão sobre a 6ª aula.
Apresentação de “críticas ao governo e sua política educacional”.
18/03/2004
(Reunião)
Questionamento sobre o PDE: “se investirá na parte pedagógica, mais
precisamente na aquisição de livros didáticos para as aulas de inglês”.
Solicitação de um dos presentes para realização de levantamento de
prioridades mais urgentes da escola para evitar uso indevido das verbas.
Questionamento “sobre a legalidade de fazer-se a Progressão Parcial sem
acompanhamento mais específico por parte dos professores, junto aos
alunos”. (25 assinaturas de presentes)
25/03/2004
(Assem-
bléia Geral)
Debates sobre a reorganização do Grêmio Estudantil.
Falas de alunos pedindo para serem divulgadas as finalidades do Grêmio
Estudantil e que houvesse cumprimento das aulas.
22/04/2004
(Reunião)
Deliberações sobre distribuição de carga horária entre os professores.
Discussão sobre os projetos “Xadrez” e “Novo Tempo”, instalados na escola.
09/06/24
(Reunião)
Debate sobre uma festa a ser realizada nas dependências da Escola.
Questionamento por parte do Conselho por este não ter sido antecipadamente
informado sobre a festa.
Indagação do Representante dos Pais a respeito do posicionamento da
SEDUC (concordando com a festa).
22/06/2004
(Reunião
Extraordi-
nária)
Presença do promotor da festa a quem foi dado justificativa para a não
realização do evento.
Decisão coletiva em não realizar a festa, assim registrada: “todos os
membros do Conselho reafirmaram a não concordância com o evento
solicitado, mesmo diante das colocações feitas na reunião, pela parte
interessada”.
“(...) o Conselho Escolar solicitou a compreensão por parte do sr. ‘X, em
relação à posição do Conselho e das responsabilidades que os mesmos
possuem. Dizendo, ainda, que a posição é única, mesmo se, amanhã, houver
374
Além da diversificação dos assuntos tratados, a transcrição de parte dos
conteúdos de algumas reuniões também permite que se veja um intenso movimento de
reuniões e encontros do Conselho Escolar e, ainda, a visibilização da presença e atuação de
representantes dos segmentos de alunos e pais de alunos.
Na linha de avanço em direção à autonomia podemos destacar uma
particularidade no Conselho da Escola Dom Bosco cuja presidência (no atual mandato) é
exercida por um professor, algo que é previsto pela legislação, todavia, a prática comum é que
o próprio diretor da escola também seja o presidente do Conselho Escolar. Por outro lado, tal
particularidade irá, certamente, requerer um tempo e um debate de amadurecimento, em vista
de uma correlação de forças que seja benéfica para a unidade escolar. Outros desafios em
relação ao Conselho Escolar deste estabelecimento de ensino situam-se no nível da
regularização do seu funcionamento, da composição dos seus membros (atualmente, estão
vacantes a representação dos alunos, dos pais dos alunos e das entidades da comunidade) e,
ainda, no âmbito da comunicação, ou seja, divulgação das datas e horários de reuniões, pauta
dos assuntos a serem tratados, deliberações tomadas e outros itens correlatos.
No aspecto financeiro, a autonomia da Escola Dom Bosco também tem
encontrado dificuldades tanto por conta da irregularidade com que as verbas chegam à escola
como por conta da prédeterminação da utilização dessas mesmas verbas. Tais dificuldades,
por outro lado, resultam em outra ordem de problemas, uma vez que a escola fica sem poder
elaborar uma previsão de suas despesas como podemos inferir da fala do presidente do
Conselho Escolar quando diz que
(...) poucas vezes, a gente realmente se reuniu pra se definir alguma coisa de
verba. Normalmente quando a verba chega, ela chega nas férias. Acumula.
Chegou, por exemplo, a merenda escolar agora, no início do ano. O governo
estadual mandou os cereais (feijão, arroz, macarrão...) e o governo federal
entrou com R$ 1.135,00 para carnes, verduras, temperos e vieram cinco
meses que tava lá parado – agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro
– ai foi chegando, chegando, chegando e tem que gastar logo. Se não gastar,
a verba volta (...).Então, o que a Diretora fez? Ela pegou, fez uma pesquisa
de preços e quem estava com as condições melhores ela fez um trato, fez o
pagamento pra quando retornar as aulas. Aí começar a buscar o material de
verduras e frutas, né? Parte das carnes ela comprou e congelou lá, pra poder
gastar os quase 6.000 reais, 5.600 e lá vai. É assim, não é? Á algo que mexe
muito com o cotidiano da gente, principalmente quem tem a
responsabilidade maior, o tesoureiro, o presidente. Tudo tem que ser com a
gente, sabe? Se tem que resolver alguma coisa em banco, pra resolver; se for
pra pegar talão de cheque tem que ser a gente. É muito desgastante.
375
Além do desgaste citado, a restrição financeira também contribui para o
desvirtuamento do fazer administrativo da gestão da escola fazendo com que sejam
despendidas muitas energias e tempo para que o gestor possa dar conta das inúmeras
exigências que são feitas para a prestação de contas como nos revela um dos gestores da Dom
Bosco ao explicar que
(...). A verba vem, mas há uma exigência muito grande na prestação de
contas, muito grande mesmo. Se faltar uma assinatura, a prestação de conta
volta todinha como voltou a verba do final do ano passado (2005). Eu estava
com uma pilha de exigências deste tamanho, por conta de carimbos. A gente
tem liberdade de gastar até certo ponto porque a verba já vem destinada
assim. Fazemos o projeto antes e a gente diz em que vai gastar. Se a gente
mudar alguma coisa daquele Projeto, a gente tem que fazer, solicitar, pedir,
através de oficio, de formulários (...). Agora, sempre vem assim: você gasta
tantos reais em custeio e tantos reais em capital (que são bens duráveis). A
gente não pode dizer “eu vou gastar todo esse dinheiro em capital” porque já
vem destinado para cada coisa.
Como transcrito (síntese das Atas do Conselho Escolar), no mês de
outubro de 2004, a gestora da Escola Dom Bosco conclamou a comunidade escolar a elaborar
o seu Projeto Político-Pedagógico e a partir desta conclamação seguiu-se o processo de
elaboração. Tal processo, sem sombra de dúvidas, deve ser visto como um significativo e
decisivo passo para a construção da autonomia da escola, como desejada pela comunidade
escolar. Entretanto, apesar de não termos conseguido realizar um devido resgate histórico da
elaboração do Projeto Político-Pedagógico (por falta de registros escritos), podemos
identificar a existência de uma série de problemas em tal elaboração que, inclusive,
compromete a própria validade do Projeto. Notadamente as falhas processuais dizem respeito
ao limite de membros da comunidade escolar da Dom Bosco envolvidos na trajetória de
elaboração do Projeto circunscrito à Equipe gestora e ao corpo docente. Tal limite,
certamente, é o grande responsável para que para grande parte da comunidade escolar –
sobretudo alunos e pais de alunos – o Projeto Político-Pedagógico deste estabelecimento de
ensino se constitua num “ilustre desconhecido” como podemos verificar nos exemplos a
seguir.
Dentre 54 alunos consultados a respeito da existência do Projeto Político-
Pedagógico da sua escola, nenhum deles assinalou a alternativa referente à participação na
elaboração do Projeto. Por outro lado, 30 alunos (55%) declararam que sabiam da existência
do Projeto Político-Pedagógico, todavia, não sabiam do seu conteúdo, o que nos parece que
seja pouco relevante apenas saber que o Projeto existe.
376
Em relação aos pais dos alunos, a situação de desconhecimento do Projeto
Político-Pedagógico não é diferente uma vez que 69% dos consultados a este respeito
declararam não saber do que se trata. Os 31% disseram que sabia do que se tratava, porém,
não haviam lido nada nem lembravam do seu conteúdo.
Contribuindo para que a feitura do Projeto Político-Pedagógico se configure
como algo bastante frágil, por não ser um processo no qual os atores sociais tenham se
envolvido de forma afetiva e efetiva, vale, também, ser levado em consideração as seguintes
falas de docentes: “prefiro não responder, uma vez que não tenho conhecimento pleno do
Projeto Político-Pedagógico da Escola”; “Este projeto não é bem conhecido, ou seja,
trabalhado, enfocado. É lido no começo do ano e depois não temos em mão para poder
discutir”. Para o caso destas duas falas que, certamente, não dizem respeito a situações
isoladas, consideramos como sendo apropriado resgatar a observação de que a elaboração
formal do Projeto Político-Pedagógico não deve ser encarada como uma tarefa sobre a qual
possa ser colocada um ponto final. E, no caso dos docentes, chamamos a atenção para a
necessidade de um processo por meio do qual estes profissionais explicitassem os liames
existentes entre o Projeto e as práticas educativas cotidianas.
No presente ano, mais precisamente no dia 10/05/06, convocada pela Direção,
nos três horários de funcionamento da escola (com total suspensão de aulas) foi realizada uma
reunião “administrativa e pedagógica” em cuja pauta constava o item “trabalho em grupo:
leitura e discussão do Projeto Político-Pedagógico”. Acreditando que tenha sido discutido este
citado item, poderíamos considerar como sendo mais um avanço a iniciativa da retomada do
seu Projeto Político-Pedagógico. Entretanto, mais uma vez esta ação teve sua importância
diminuída por ter sido uma reunião na qual, mais uma vez, funcionários, alunos, pais de
alunos e representação da comunidade externa não foram envolvidos no processo de
discussão de tão importante documento de definição da vida e dos rumos da escola. Inclusive,
vale ser ressaltado que nem mesmo o representante da comunidade no Conselho Escolar, que
possui destacada atuação no Conselho, foi admitido para participar da reunião. Com este
procedimento, além de contribuir para que o Projeto Político-Pedagógico continue sendo
desconhecido para os demais segmentos, adota-se uma estratégia que não soma esforços e
energias em vista do desenvolvimento do sentido de pertença a uma instituição e, como
observa Veiga (2003, p. 275), ocorram avanços na edificação e/ou solidificação de um corpo
coletivo na escola.
b) Participação:
377
Pelas reflexões e análises do item anterior já podem ser percebidos alguns
indícios a respeito de como, de forma controvertida, se apresenta a dinâmica da participação
na Dom Bosco. Por esta razão, nos deteremos em explicitar apenas os seguintes aspectos.
Entre os vários segmentos desta unidade de ensino persiste o entendimento
restrito da participação como se reduzindo, apenas, à presença das pessoas em determinados
momentos da vida escolar ou nas atividades promovidas pela escola. Inclusive, no segmento
dos pais dos alunos, constata-se o entendimento de que os mesmos estão envolvidos na vida
da Dom Bosco, em níveis “forte” e “bom” na medida em que vão a escola para participar das
reuniões (apesar de alguns considerarem como sendo em pequeno número), para se
informarem a respeito do comportamento e/ou da aprendizagem do próprio filho.
Indagando-se sobre os motivos de ida ou comparecimento à Escola Dom Bosco
no ano de 2005, bem como a quantia de vezes que isso ocorrera, os 13 pais (quase que, na
verdade, as mães, pois apenas 1 era do sexo masculino) citaram um total de 70 idas à escola
cujo três primeiros motivos foram: 24 (35%) vezes para, espontaneamente, conversarem com
a Direção/Professores sobre a aprendizagem ou comportamento dos filhos; 14 (20%) para
participarem de Reunioes de Pais e Mestres e 11 (16%) para solicitarem ou entregarem
documentos. Considerando-se que a participação (inclusive com direito a voz, poder opinar)
nas reuniões do Conselho Escolar é aberta a qualquer membro da comunidade escolar,
podemos registrar a existência de uma lacuna no que diz respeito ao envolvimento e
participação dos pais em tão importante instância de debate, reflexão e tomada de decisões na
vida da escola.
A partir da fala do representante da comunidade externa no Conselho Escolar é
possível identificarmos que a falta de informação, aliada a outros fatores, se constitua num
forte elemento que dificulta um envolvimento maior dos pais na vida da Dom Bosco, ao dizer
que:
A primeira reunião que eu fui foi numa sala que cabiam 40 pessoas. E ouvi
gente dizer que só esperava meia dúzia de pais. E você se dá satisfeito com
isso? Como é que se quer a comunidade dentro da escola? Como você quer
que a comunidade esteja na escola se você não comunica nada à
comunidade? Você dificulta toda a informação. Tudo isso é dificultado,
quando você sabe que a realidade da maioria da comunidade é uma realidade
violenta, certo? É a mãe sem marido, com três filhos. O pai desempregado...
horário de trabalho excessivo... essa é a situação da maioria da comunidade.
E quando você vai na escola não tem essa informação. A escola diz que não
tem como comunicar. Será que tem um custo de papel muito grande? Aí
você quer fazer uma assembléia do Conselho Escolar que, quando muito, dá
40 pessoas (...). A escola não dá condições para os pais participarem. Seria
378
preciso fazer um movimento diferente para incentivar a participação dos
pais. Fazer um aviso em massa para, por exemplo, fazer um sorteio. É
preciso fazer uma pauta organizada, ser bem objetivo nas reuniões, falar de
forma simples e clara para o pessoal. Elaborar uma cartilha. A Comunidade
tem receio de vir aqui na Escola Dom Bosco.
Corroborando a compreensão restrita do que seja a participação, a fala
de um membro da Direção é elucidativa quando indagado a respeito de como estava sendo a
participação dos pais na vida da escola, nos respondeu que
a participação se dá através de convites. A participação dos pais nas reuniões
aumentou bastante. Na última reunião que nós fizemos, o teatro ficou lotado.
Isso demonstra que os pais estão participando mesmo (...). Antes, a gente
mandava uma carta e vinha pouca gente. Agora, depois, os pais começaram
a participar.
Recordando o passado recente desta escola em análise, podemos
ventilar a possibilidade de que o entendimento e a prática da participação, acima
mencionadas, ainda seja resquícios de um momento no qual tal forma de participação era vista
como um modelo a ser socialmente reconhecido, divulgado e estimulado. Neste sentido,
transcrevemos abaixo um trecho de uma matéria publicada na Revista “Isto É” (25/04/01) na
qual a Dom Bosco é apresentada ao país inteiro como um exemplo de escola participativa,
segundo os moldes da política educacional da era FHC:
Boas experiências se multiplicam de Norte a Sul. No bairro de Casa
Amarela, em Recife (PE), a dona-de-casa Valdeci dos Santos, 51 anos,
praticamente adotou a Escola Estadual Dom Bosco. Lá, estudam – ou já
estudaram – seus sete filhos e seis netos. Participante assídua de reuniões da
APM, Valdeci vai à escola pelo menos uma vez por semana para fazer
alguma tarefa. “Sempre pergunto onde posso ajudar. A educação é o bem
mais precioso que posso dar aos filhos e netos”, ressalta Valdeci. A diretora
da escola, Cleonilda Miranda, reconhece que o trabalho dos pais ultrapassa
em muito a simples presença nas reuniões. “O telhado estava em péssimo
estado. A reforma foi feita por um grupo de pais, de graça, nos fins de
semana. Pagamos apenas o material”, conta a diretora. No ano passado, a
escola ficou sem professor de história e um dos pais, Antônio de Oliveira,
com formação superior na mesma disciplina, o substituiu, também
gratuitamente, durante dois meses (HOLLANDA, 2001, p. 98).
Em direção a uma participação mais efetiva dos pais dos alunos na vida da
escola, interferindo na dinâmica de funcionamento da escola e, ainda, o controle a que, na
condição de cidadãos, têm direito sobre a coisa pública, uma possível causa pode ser
localizada na fala do presidente do Conselho Escolar quando reflete que
com essa nova constituição do Conselho e com alguns pais que tomaram
parte em reuniões e principalmente esses que se comprometeram, deram o
nome, depois disso, a gente está vendo realmente o Conselho ser mais
atuante. O Pai do aluno ele cobra, principalmente quando são pessoas
379
conscientes, politizadas. Ele cobra, ele vai, ele contesta, dá em cima, ele não
tem nada a perder – vamos dizer assim – é o pai do aluno que está ali. Hoje a
gente está se posicionando muito mais em relação a isso, cobrando mais.
Tanto por parte dos professores, como por parte dos pais. Veja você, por
exemplo: o Conselho tem um membro muito atuante, o senhor Antonio
182
ele tá lá, não falta a uma reunião, sempre que convocado ele está, é uma
pessoa esclarecida”.
Como que corroborando o que foi dito sobre a sua pessoa, na entrevista que
nos concedeu o senhor Antonio assim se expressou:
Quanto eu estava no Conselho, pela minha idade, pela minha experiência de
vida, eu não me inibia com os professores que se armavam dentro de uma
resistência, dizendo que eles são, praticamente, os absolutos donos da
verdade (...). O professor começou a se achar... ele se melindrava porque ele
acha que é o máximo. Então, ele começou a dizer: ‘porque um pai de aluno
vem me perguntar alguma coisa? Isso é um absurdo’
Hoje, você, pai de aluno, pode chegar na Escola Dom Bosco, mas antes,
você estava acostumado a ser conduzido, dirigido. Meia dúzia de professores
dizia: faça isso, aí o cara fazia... Só que eles encontraram em mim uma pedra
no calcanhar deles, que não foi bom... Então eu dizia: vamos fazer assim’. A
Escola Dom Bosco, para o que nós encontramos, ele melhorou muito, mas
ainda falta muito. Falta muito porque eu tive situações de o professor dizer:
‘O senhor está atrapalhando o trabalho. O senhor é um ignorante’.
Muito provavelmente por estarem mais diretamente envolvidos na vida da
escola e, até mesmo, por sentirem as conseqüências das coisas que nela acontecem, os alunos
expressam uma avaliação prenhe de um forte questionamento a respeito da sua participação
enquanto segmento que também é e faz a escola. Solicitados a identificarem o nível de
participação dos alunos na vida, organização e funcionamento da Escola Dom Bosco, de um
total de 84 consultados, 17% identificaram esta unidade escolar como sendo uma escola na
qual os alunos têm bastante participação, 32% opinaram como sendo uma escola na qual os
alunos têm uma boa participação. Por outro lado, as opiniões para escola com pouca e
nenhuma participação (respectivamente, 42% e 9%) totalizaram 51%.
Em meio à divisão entre opiniões positivas e negativas, diversas falas discentes
(apresentadas como justificativas para a avaliação feita sobre a escola) apontam para a
existência de um índice de insatisfação dos educandos em relação ao espaço/ambiente o qual
deveria se constituir em “lócus” referencial para o treino e prática da cidadania participativa:
“não é pedida a opinião dos alunos”; “a Direção não consulta os alunos nas decisões da
escola”; “nem sempre a Direção dá importância à opinião do aluno”; “os alunos não ficam
cientes das decisões tomadas pela Diretoria”; “a Direção não apóia os projetos feitos pelos
alunos”; “há desencontros entre o que os alunos querem e o que a Direção/professores
380
querem, como no caso do uso do boné na escola”; “a Direção toma suas decisões sem
comunicar aos alunos (ou a sua grande maioria)”; “a Direção não comunica aos alunos suas
decisões”; “os alunos sempre ficam de fora das decisões tomadas. Depois de muito tempo é
que eles, a Direção, vem comunicar aos alunos” e, ainda, “não vejo a Direção tomar nenhuma
atitude com a reivindicação dos alunos. Só vejo participação dos alunos em atividades e
eventos”.
Em outro momento, os discentes também assim se expressaram apontando para
um sentimento de desencanto entre eles: “nossa opinião só é levada em conta no período de
eleições”; “uma escola não vive só de eleição diretorial, mas sim de várias partes
administrativas, a escola é democrática na teoria, mas quando chega na prática, a música
muda”; “eles não ouvem os alunos. Só fazem determinar ordens”; “se toda vez que a Direção
tomasse uma decisão fosse discutido com os alunos, seria bom. Mas fazem o que querem,
quando querem sem perguntar a ninguém”, e, ainda, “os alunos não são comunicados de nada
do que se passa na escola. Nós, alunos, somos excluídos de tudo”.
As duas referências feitas em relação à eleição para diretor escolar, portadoras
de um questionamento crítico a respeito deste mecanismo de participação na escola, dão
ensejo para que registremos duas preocupantes (do ponto de vista para o futuro da democracia
política) justificativas dadas para a abstenção: (i) “eu não quis perder tempo, pois sabia que a
escola não sairia do patamar atual” e (ii) “porque os diretores são como os deputados: não
fazem nada. Só lembram de fazer alguma coisa quando está perto da eleição”
Certamente procurando dar um retrato mais real acerca da análise que estavam
fazendo sobre a própria escola, os alunos também reconhecem que parte deles não deseja
participar (27% das justificativas dadas).
Os dados aqui analisados, a respeito da participação na Escola Dom Bosco
evidenciam a necessidade de ser retomado um debate sobre esta questão para que,
identificadas as falhas e lacunas existentes e, juntamente a isto, os anseios e até mesmo
algumas iniciativas realizadas em vista da participação, esta unidade escolar possa dar um
melhor direcionamento em relação à construção da sua autonomia.
c) Democratização:
Em um passado não muito distante, a Escola Dom Bosco caracterizou-se por
ser bastante procurada pela população de Casa Amarela em virtude de possuir um nível de
381
estudos considerado como muito bom. Em decorrência de tal demanda o ingresso ao seu
interior só era possível através de um processo seletivo no final do qual eram aceitos como
alunos aqueles que tivessem sido avaliados como os mais aptos e competentes. Com o passar
do tempo, por diversos fatores e circunstâncias, foi sendo nivelada ao mesmo patamar das
escolas públicas estaduais e, assim, teve que admitir como alunos todos aqueles que
preenchessem a disponibilidade de vagas existentes, independente, portanto, de processo
seletivo.
Ainda que sucinta, esta referência histórica feita acima é bastante útil para que,
pelo menos em parte, possa se explicar a não existência de um intenso processo de reação
encetado pelo conjunto da comundidade escolar diante dos baixos resultados que, em termos
de rendimento escolar, esta unidade vem apresentando (sobretudo, nos anos de 2004 e 2005).
Relembrando o que foi visto em momento anterior (seção 7.2.c, do Capítulo 7), no ano de
2004 a aprovação foi de 62%, a reprovação foi de 11% e a evasão escolar atingiu o patamar
de 27%. Por sua vez, no ano de 2005, a aprovação plena foi de 36%, a reprovação foi de 11%
e a evasão escolar atingiu o patamar de 29%. Tomando por base o ano de 2005, o baixo
rendimento escolar na Dom Bosco, em termos quantitativos, significou dizer que de um total
de 1.871 alunos: apenas 676 alunos (36%) foram aprovados de forma plena (ficando, portando
outros 444 alunos a serem aprovados no regime de progressão parcial); 200 alunos foram
reprovados (11%) e 548 alunos foram evadidos (29%).
Comparando-se com a média da rede estadual de 12% de reprovação e de 17%
de evasão no ano de 2005, fica evidenciado que, no caso da reprovação, esta escola ainda
ficou 1% acima da média estadual e, no caso da reprovação, o índice foi de 15% acima da
média estadual.
Para além dos números que, por si mesmos falam bastante a respeito do baixo
rendimento escolar na Dom Bosco, apresenta-se como tendo uma certa gravidade o fato de
estar existindo uma realidade que atenta, visivelmente, contra o direito básico à educação
escolar, sobretudo a uma juventude que em breve terá que enfrentar as exigências
competitivas do mercado de trabalho em uma cidade que, no cenário nacional, detém o maior
índice de desemprego.
Mesmo que não possamos precisar o peso da determinação que a questão
docente possui para a existência dos problemas de reprovação, não podemos deixar de
mencionar as inquietações existentes relacionadas com os docentes, em diferentes níveis, a
saber: o desempenho didático-pedagógico, a falta do professor na sala de aula (quando, neste
382
caso, já faz parte do quadro docente da escola) e a falta de professores (significando a falta de
provisão do docente, por parte do poder público e, mais concretamente, dos órgãos de
gerenciamento da rede estadual de ensino, a GERE e a Secretaria de Educação).
Em relação ao primeiro nível, mesmo reconhecendo a existência de bons
professores, no sentido de ensinarem bem e demonstrarem competência pedagógica, os alunos
identificam que “há outros que não ensinam direito, não são atenciososos para com os alunos
e nem todos professores são competentes e realmente profissionais” (algumas das
justificativas dadas por 19 alunos – 35% de um total de 54 - para a caratecterização do nível
ensino da Dom Bosco como sendo “regular”. Em outro momento, um outro grupo de 21
alunos fez 16 menções (76%) atribuindo como problemas pedagógicos existentes na escola o
fato de ter professores sem qualificação, professores mal preparados, professores que não
ensinam bem, professores desmotivados, aulas monótonas e desmotivadoras.
Por sua vez, os pais dos alunos (26% de um total de 23 pais) ao listarem os
problemas existentes na Dom Bosco apontam a existência de “professores que não ensinam
bem e a impontualidade dos professores” como sendo o segundo principal problema desta
escola.
No que diz respeito ao nível do professor que falta às aulas é contundente a fala
de um aluno quando em tom de desabafo afirma que “na Escola Dom Bosco não tem nada
disso, pois os professores, muitos, não dão aula direito e são sempre faltosos”. Certamente
numa velada referência ao problema dos seus colegas, um docente pareceu admitir que o
problema da evasão passava pela questão do docente ao dizer que para a diminuição deste
problema “creio que a freqüência maior de alguns colegas melhoraria muito o problema”.
Do ponto de vista da gestão, este tem sido um problema bastante difícil de ser
lidado tendo sido, inclusive, um motivo de conflito entre a Direção e parte do corpo docente
como depõe um membro da Direção ao dizer lembrar que
como eu encontrei uma escola em que o professor faltava muito, eu comecei
a botar falta nos professores e os professores se revoltaram contra mim
porque eu botava falta neles. Aí, houve aquele conflito entre Direção e
professores. Aí me aperreei muito na minha primeira gestão. Agora, não.
Eles já estão me conhecendo melhor e estão me aceitando mais. Não é dizer
que eles deixaram de faltar, não. Continuam faltando.
Mesmo se constituindo em “ossos do ofício” ter que cobrar o trabalho do
professor e, ainda, encaminhar suas faltas para serem descontadas do salário, vale ser
ressaltado que, para a Direção, não é desconhecida a existência de causas que também
383
contribuem para que o professor falte às aulas. A este respeito, um outro membro da equipe
diretiva refletia que
Em relação a outras escolas da rede estadual, a Dom Bosco é uma escola,
realmente, com estrutura até de faculdade. O prédio, tanto a estrutura física
como em relação a recursos humanos – pois temos professores que ensinam,
inclusive, na rede particular, em cursinhos e faculdades – é bem
apresentável. Só que a insatisfação dos professores faz gerar toda essa
insegurança nos alunos, ainda mais com a falta de professores e faltas dos
professores. Se o professor fosse mais valorizado financeiramente, o quadro
seria outro, o que desmotiva a gente é o salário. Eu acho que a falta de
valorização do professor leve este profissional a ficar desestimulado.
O governo teria que investir mais recursos na escola, bastantes recursos
financeiros, administrativos, na parte da didática e, ainda, valorizar o
professor. Enquanto se pensar em melhorar a escola, equipar a escola sem
pensar em valorizar o professor, também financeiramente, acho que não tem
jeito, não. Não adianta a escola ter bastante recursos tecnológicos (central de
tecnologia, sala de computação, vídeo e DVD em cada sala de aula), equipar
a escola de um tudo e o professor ganhando mal, isso não vai funcionar. Os
equipamentos vão ficar obsoletos em sala de aula e o professor não terá
estímulo para preparar sua sala, ir na sala dele, entrar na Internet, etc para
dar uma aula boa se ele não estiver estimulado. Não adianta equipar a
escolar sem melhorar o salário do professor”.
Ainda em relação à falta de professores, podemos ilustrar a lacuna que esta
escola chega a apresentar quando, a título de exemplo, no ano de 2005, em uma turma de
terceiro ano, a disciplina Língua Inglesa só passou a ser ministrada em meados do mês de
maio, faltando um pouco mais de um mês para o término do primeiro semestre letivo.
Juntamente a outros aspectos (ético-profissional, administrativos, etc.), a
problemática mencionada tem a ver com a democratização do ensino e da escola não somente
em relação ao tempo/momento presente da vida do aluno quando lhe é subtraído parte do
conhecimento ao qual deveria ter acesso como, também, em relação ao seu futuro, quer
imediato, quer mediato.
Em relação ao futuro imediato do aluno a primeira conseqüência (prejudicial,
por sinal) que o mesmo sofre é, em se tratando de aluno do Ensino Médio e, mais
precisamente, do último ano deste grau de ensino, ele fica bastante fragilizado em relação à
possibilidade de pleitear uma vaga na universidade (notadamente na universidade pública),
uma vez que estará em situação de desvantagem perante outros que estudaram o Ensino
Médio em escolaas particulares. Nesse sentido, um aluno com visível sentimento de angústia,
partilhou que:
Este ano mesmo, 2005, eu não tive aula de História. Se teve dez aulas de
História foi muito. Ai, eu tenho base pra fazer um vestibular? Não tenho (...).
É verdade, professor. Se eu tive 10 aulas de História, no ano todo, foi muito
384
porque a professora sempre faltava, depois, tinha licença médica por um
tempão, depois, voltou agora, aí passou uns dois trabalhos e deu um início
de assunto. Como senhor pode ver, eu não tenho base para fazer um
vestibular. Imagine se eu tivesse que fazer vestibular pra História... que base
de História eu tive? Aí o que é que eu vou fazer? Não fiz vestibular agora
porque eu sabia que não ia render pro vestibular. Então, eu vou deixar passar
dois meses, depois do carnaval vou me matricular num cursinho pra estudar
e fazer o vestibular. Hoje em dia, os professores do 3º. ano da Escola Dom
Bosco não dão base para o aluno fazer vestibular.
Vale ser destacado que a decisão tomada pelo aluno em apreço – de aguardar
um tempo para, depois, fazer um cursinho preparatório para o vestibular – não se constitui em
regra para os demais que, como ele, passaram por tal situação. Para muitos outros (conforme
conversa informal em uma turma terminal do Ensino Médio), a percepção sobre a realidade
gera um sentimento de derrota antecipada e, conseqüentemente, até, descartam a possibilidade
de concorrem a um vestibular e se resignam, quando muito, a irem ao mercado de trabalho
para encontrarem um emprego pelo qual, pela baixa escolaridade que possuem, lhes paguem
um salário-mínimo. Da entrevista com o aluno anteriormente citado, podemos ouvir o que o
mesmo diz a este respeito:
No meu caso, que trabalho, já é mais complicado. É mais complicado porque
eu tenho que fazer as duas coisas: estudar e trabalhar (...). Para os alunos da
noite, a coisa é muito complicada. Eu creio que 80% dos alunos da noite
trabalham. Vem estudar porque quer mesmo terminar o Ensino Médio. E
muitos nem pensam em fazer vestibular. Querem terminar o Ensino Médio
para, pelo menos, terem uma qualificaçãozinha e, assim, poderem procurar
um emprego.
Em relação a um futuro mais longínquo, a situação observada é geradora de
preocupações por, entre tantas outras razões, constituir-se num atentado à cidadania de uma
juventude que estará com o seu potencial criativo e combativo comprometido em momento
tão decisivo de sua vida
183
. A título de exemplo deste comprometimento não deixa de ser
elucidativa a fala de uma aluna do terceiro ano do Ensino Médio, quando reflete que
a situação atual da escola pública reflete numa escola sem autoridade, onde
os alunos vivem a mercê da violência. Não há projetos voltados para
melhorar a educação (....)
Os governadores fingem que estão trabalhando. Falta iniciativa do Grêmio
Estudantil que não se preocupa em criar projetos em prol dos alunos. Mas a
responsabilidade não está apenas nas mãos das autoridades, pois os alunos
contribuem, cada vez mais, para piorar a situação.
Falta uma gestão administrativa; não tem ordem, logo não há um
desenvolvimento positivo devido à falta de interesse de ambas as partes. Os
alunos das escolas públicas são excluídos do desenvolvimento educacional.
385
A análise dos dados a respeito da democratização na Escola Dom Bosco,
sobretudo no que diz respeito à permanência exitosa dos alunos nesta instituição de ensino,
aponta para a existência de uma realidade que nega a centenas de adolescentes e jovens o
direito à apropriação do saber e do conhecimento em uma escola pública. A permanência de
tal situação, muito provavelmente, implicará um obstáculo à construção da autonomia desta
unidade escolar, pois, como se pensar em construir a autonomia em uma unidade escolar cujas
bases da democratização do saber se encontram comprometidas?
8.5 POR UMA OUTRA AUTONOMIA ESCOLAR: O DESEJO DOS ATORES SOCIAIS
DAS ESCOLAS ASSIS CHATEAUBRIAND, LUÍS DE CAMÕES, DOM VITAL E DOM
BOSCO
Como foi visto nas seções anteriores, nas escolas Assis Chateaubriand, Luís de
Camões, Dom Vital e Dom Bosco a autonomia não se apresenta como sendo uma dinâmica
com feição homogênea no conjunto destas quatro instituições educacionais nem mesmo (em
termos de concepções e entendimentos) no interior dessas mesmas escolas. Ademais, como
também foi analisado, nestas quatro escolas, a autonomia se apresenta em duas diferentes
caracterizações e equivale a dizer que ora se apresenta revestida da caracterização que
corresponde a um modelo outorgado de autonomia, ora se afigura como sendo um processo
em construção o qual entretanto, varia de nível de edificação de acordo com a realidade de
cada unidade escolar e, de modo especifico, com a dinâmica de participação dos atores sociais
destas mesmas instituições educativas. Por outro lado, de acordo com o que também foi visto
nas quatro seções anteriores, nas escolas pesquisadas, os seus atores sociais possuem
diferentes posturas em relação ao entendimento e prática da autonomia escolar, variando de
uma postura cética a uma postura ilusória (esta no sentido de pensar a autonomia como
independência da escola em relação a toda e qualquer forma de subordinação a instâncias
externas a esta instituição).
Nesse contexto, há, inclusive, uma certa dificuldade em se identificar a
existência de um desejo dos atores sociais das escolas pesquisadas em relação a uma
autonomia escolar diferente daquela outorgada pelos órgãos de gerenciamento do sistema
educacional, através das políticas educacionais formuladas pelo Estado neoliberal. Em todo
caso, mesmo com estes limites, na realidade concreta das escolas pesquisadas podemos
vislumbrar variadas expressões que implícita ou implicitamente apontam para o desejo de
que, nestas instituições educativas, possa acontecer uma outra autonomia escolar.
386
Num primeiro nível, podemos identificar a existência do desejo de uma outra
autonomia escolar nos atores sociais das escolas pesquisadas através da adoção de um
caminho que chamaremos de “via negativa”, ou seja, um posicionamento em contrário à
autonomia escolar outorgada pelos órgãos de gerenciamento do sistema educacional
pernambucano. Em outras palavras: um dizer “não” à autonomia escolar que está sendo
imposta, discordar e questionar tal autonomia. Neste sentido, a título de exemplo, assim se
expressa um ator social escolar:
todos buscam essa tão falada autonomia, mas continuamos subjugados a
conceitos, parâmetros curriculares dissociados da realidade escolar,
aceitando tudo pronto, elaborado em escritórios fechados. Nos consideramos
cidadãos de segunda categoria, à margem do processo decisório (docente da
Assis Chateaubriand).
Na observação de outro docente, fica difícil o entendimento de autonomia da
escola quando, na realidade concreta da sua escola, a Dom Bosco, “a solução de alguns
problemas depende da tomada de decisões ou consulta à GERE” o que, em outras palavras,
sinalizam para a existência de uma realidade não de escola autônoma, mas, sim, de escola
heterônoma.
De um outro docente (desta vez, da Escola Dom Vital), o rechaço à autonomia
outorgada é feito em forma de indagação questionadora: “como é que, muitas vezes, os órgãos
superiores ficam dando em cima da escola sem buscar nos ouvir, sem procurar saber quem
somos, que aqui estamos lidando com o aluno no dia-a-dia”?
Diante da aparente existência de autonomia, vista na perspectiva da tomada de
decisões, uma docente, da mesma Escola Dom Vital, demonstrou não se deixar iludir e
também contestou ao analisar que
a questão da autonomia só fica no nível de se poderem tomar decisões mais
rápidas, imediatas. Como por exemplo, em relação a verbas que o Conselho
pode decidir em que utilizar. Em contrapartida, há uma cobrança, há uma
cobrança maior.
Expressando-se de outra maneira, a insatisfação de um membro do Conselho
Escolar da Assis Chateaubriand (pai de aluno) se traduz na constatação de que “estamos
sempre tendo que pedir permissão para isso, para aquilo”. Também neste ator social, há um
posicionamento de desagrado em relação ao tipo de autonomia existente, por gerar
condicionamento na ação da escola na medida em que “temos que depender da liberação de
recursos para melhorias da escola”.
387
Para o presidente de Grêmio Estudantil da Escola Dom Bosco, a partir de
exemplos envolvendo questões práticas, a autonomia outorgada pelos órgãos de
gerenciamento do sistema educacional é passível de questionamentos, pois,
(...) quanto à autonomia que a Secretaria quer dar para a escola, eu ainda
acho que é muito pouco porque se a Direção, por exemplo, disser que está
com um problema no telhado, vão dizer que a escola não pode mexer porque
tem que ir pra engenharia. Como é que pode uma coisa tão simples,
consertar uma goteira, e a escola nada poder fazer? Certa vez, a Direção
tinha decidido colocar um toldo no portão da entrada, mas a Secretaria não
permitiu que fosse colocado porque ia tirar a estética da escola (...). Ainda
tem aquela coisa de ter que passar pela GERE, pela Secretaria (...). Eu ainda
acho que a Secretaria de Educação não dá, totalmente, aquela autonomia à
escola para resolver certas questões, que eu acho que deveriam ser mais
abertas
184
.
De um gestor escolar ainda que, habitualmente, procure regular sua prática de
trabalho pelas “ordens superiores”, é elucidativo o seu depoimento ao contradizer o discurso
de autonomia proferido pela Secretaria de Educação, quando analisa que
(...) a Secretaria tem feito uma capacitação dos gestores escolares buscando
justamente isso: a construção dessa consciência do que é uma escola pública,
o papel da escola junto à comunidade, dando subsídios para os gestores
trabalharem em busca dessa autonomia... Só que não é uma coisa que vá ser
realizada rapidamente. Isso é um processo que a própria Secretaria vem
trabalhando, nas capacitações, com os gestores... que a gente se organize,
que a gente estude mais a escola, que a gente pense mais a escola... Só que a
gente esbarra na questão da falta de profissionais pra realizarem essas ações,
realizarem os projetos, os planejamentos... Como é o nosso caso que não tem
um pedagogo, um coordenador de apoio, nós não temos (...). As cobranças
são muitas por parte da Secretaria de Educação, mas a gente não tem
estrutura para atendê-las com eficácia. A gente atende porque tem que
atender, mas não com a eficácia que gostaríamos de tê-las.
Sem deixarmos de reconhecer os méritos que a postura da “via negativa” pode
conter, ainda assim, não podemos deixar de reconhecer os seus muitos limites uma vez que a
radicalização no apenas discordar e questionar poderá gerar uma realidade de imobilismo ou
esterilidade que, inclusive, no caso da autonomia escolar, poderá vir a impedir que sejam
dados novos passos em direção a ser pensada e buscada uma outra autonomia. Dizendo de
outro modo: a “via negativa” pode obstaculizar e até mesmo impedir que seja feito o trânsito
da dimensão de outorga de autonomia escolar para a dimensão de busca e conquista de uma
autonomia coletivamente construída pelos atores sociais da escola.
Ademais, essa postura também se apresenta com uma certa fragilidade uma vez
que, entre os atores sociais das escolas pesquisadas, está incluído o desconhecimento das
propostas e formulações de diretrizes emanadas dos órgãos de gerenciamento do sistema
educacional. É o caso, por exemplo, de um grupo de 12 docentes da escola Luís de Camões
388
quando, indagados especificamente a este respeito, 11 deles (92%) declararam desconhecer
tais propostas ou diretrizes. No caso dos alunos e pais de alunos, o desconhecimento vai muito
mais além, uma vez que, como analisamos nas seções anteriores, a temática da autonomia da
escola se constitui um assunto sobre o qual, em sua grande maioria, possuem bastante
dificuldade para falar, se pronunciar.
Num segundo nível, podemos identificar a existência do desejo de uma outra
autonomia por parte dos atores sociais da escola numa postura que chamaríamos de “posturas
do fazer, do agir autonomamente” e que, de certa forma, por várias vezes, já fizemos
referência nas seções anteriores e, portanto, não é necessário apontá-las e analisá-las
novamente. Em todo caso, a título de ilustração de cada uma das quatro unidades escolares,
relembramos as situações abaixo nas quais essas escolas, mediadas pelos seus atores sociais,
assumiram e vivenciaram “posturas do fazer, do agir autonomamente”:
i) ao ousar - em meio aos mais diversos limites, sobretudo de ordem material e
financeira – investir na capacidade criativa dos seus alunos e lhes proporcionar a oportunidade
de exporem seus talentos literários e musicais e, assim, concretizarem os seus Projetos de
Ensino (Escola Assis Chateaubriand);
ii) ao optar por colocar na condução da escola um professor da própria unidade,
em lugar de um interventor nomeado pela GERE (Escola Luís de Camões);
iii) ao antecipar a decisão de desmembrar o Conselho Escolar da UEx
185
bem
como ampliar a participação dos segmentos da escola no Conselho Escolar (Escola Dom
Vital);
iv) ao manter firmeza e coesão na decisão de não consentir a realização de um
evento que não condizia com as finalidades educativas da instituição, a despeito da tentativa
de inferência de um parlamentar da Assembléia Legislativa Estadual (Escola Dom Bosco).
Num terceiro nível, ao qual chamaremos de “horizonte utópico” podemos
identificar o desejo dos atores sociais das escolas Assis Chateaubriand, Luis de Camões, Dom
Vital e Dom Bosco por uma outra autonomia. A respeito deste nível que não se constitui em
algo visível nem pode ser captado no imediato e, ainda, corre o risco de não vir a ser
materializado, cumpre registramos que, entretanto, ele se constitui em algo assaz importante
para a busca e edificação de uma outra autonomia.
“Ouçamos”, pois, os desejos e as utopias dos atores sociais dessas escolas” em
relação à autonomia escolar:
No “Assis Chateaubriand”, inicialmente, a autonomia se apresenta como um
suporte do seu Projeto Político-Pedagógico, na perspectiva da tomada de decisões, quando é
389
reconhecido que “a construção do projeto pedagógico não é apenas uma obrigação legal que a
escola deve atender, mas uma conquista que revela o seu poder de organização, procurando
cada vez mais ter autonomia em suas decisões” (p. 4).
Para membros do corpo docente desta escola, a outra autonomia escolar resulta
de um processo de conquista, pois “a autonomia não é algo que venha de cima para baixo; ela
deve ser conquistada com o apoio e a colaboração de todos” e se constitui numa necessidade
indispensável, pois “sem autonomia não se trabalha (...). A escola precisa trabalhar de forma
autônoma”. Assim, “se todas as escolas tiverem autonomia, seus objetivos serão alcançados”.
Ainda que, com dificuldades para se posicionarem sobre o que seja a
autonomia escolar, mesmo assim, para os alunos a autonomia escolar se materializa em algo
visível quando a escola deixa de “ter dependência (financeira, administrativa, etc.) e dispõe de
condições necessárias para o aprendizado do aluno” e, ainda, passa a ter um “sistema de
autocondução para resolver seus próprios problemas”.
Na perspectiva do gestor desta escola, a autonomia desejada daria condições
para uma boa administração da Assis Chateaubriand uma vez que possibilitaria
(...) o pleno funcionamento dos laboratórios para haver aulas práticas;
professores com uma carga horária de planejamento na Escola, horário
integral, o aluno mais protagonista porque essa é a minha busca, enquanto
gestor, fazer que o aluno coloque em prática o que ele aprendeu em sala de
aula. O laboratório de informática com excelentes ferramentas para serem
trabalhadas. Uma Equipe Técnica para trabalhar.
Também, para este gestor, a autonomia deveria possuir alcance pedagógico
uma vez que
(...) essa autonomia é possível e importante para a melhoria do trabalho
oferecido pela Escola. Isso passa pela forma de que a Escola desenvolve, a
sua grade curricular. A gente ainda é muito preso nessa questão, talvez por
insegurança em dar passos mais largos em relação a isso. Temos que fazer
algumas mudanças dentro dessa grade curricular, em termos de carga
horária.
Na Escola Luís de Camões, mesmo sendo reconhecidos os muitos entraves
existentes para o alcance de uma “outra autonomia”, esta é um dinâmica que é vista como
necessidade de “avançar mais em relação à autonomia da escola” (fala de um docente) e a
mesma está associada “à elaboração e execução, coletiva, de um Projeto Político-Pedagógico
capaz de ser executado” (fala de dois docentes). Para estes atores sociais, a autonomia escolar
também diz respeito à possibilidade de a “Direção tomar decisões em relação à estrutura física
e decisões pedagógicas”.
390
Na Escola Dom Vital, de acordo com a fala de um dos seus gestores, a
autonomia deve ser posta em vista da operacionalização de medidas administrativas que
possibilitem o funcionamento das atividades regulares da escola o que, inclusive, demandaria
a utilização de medidas corretivas sobre as distorções existentes:
Sonho com uma autonomia onde a gente pudesse fazer essas correções,
houvesse um mecanismo de trabalhar esse professor que é faltoso, que não
tem compromisso, que pra ele tanto faz como tanto fez, não tem nenhuma
esperança na educação, perdeu o estímulo (...). A gente precisa ser
fortalecido, em termos de autonomia, pra poder fazer essas correções (...).
Para este gestor, a autonomia escolar também se expressa na mediação dos
recursos necessários para que a escola possa desenvolver, de modo satisfatório, o seu trabalho
e, ainda, está associada à própria ação de gerenciamento escolar, pois
a gente precisa, então, de recursos pra isso, brigar por ter esses recursos. Se
necessário ir à Assembléia dos Deputados, ao Governo do Estado e dizer:
“olha a Escola dom Vital tem um projeto de melhoria pra ela e quer apoio
para ter os recursos (...). É um conjunto de fatores que fazem com que a
autonomia seja algo necessário para gerir melhor a escola.
Ainda no olhar deste gestor, o desejo pela autonomia escolar não está
desvinculado da dinâmica de participação necessária à visibilização da própria gestão
democrática da escola e o cumprimento das finalidades educacionais da escola uma vez que,
(...) como disse outras vezes, o caminho da autonomia é fortalecer o
Colegiado, outros segmentos da comunidade e uni-los em torno de um
objetivo comum, em prol de uma escola, de uma gestão da escola. Esse é o
meu desejo de autonomia. Um colegiado que tenha liberdade e condições
para fazer a mudança. Dizer, por exemplo, nós precisamos fazer isto, pois
vai melhorar a escola; isto aqui vai dar um salto de qualidade na
aprendizagem.
Diante dos problemas que a escola enfrenta, a resolução dos mesmos requer a
existência de condições que, via de regra dependem dos órgãos de gerenciamento do sistema
educacional e, neste sentido, para os docentes da Dom Vital esta instituição educativa deve ter
autonomia, pois, o conhecimento do professor sobre a realidade local e imediata lhe confere
autoridade para o encaminhamento dos problemas, sobretudo de natureza pedagógica. Nestes
termos assim se expressa um docente da Dom Vital ao evocar que
o professor está mais diretamente ligado à realidade da escola, ao problema.
Ele tem mais condições de saber o que é melhor pra resolver aquele
problema. A Secretaria de Educação, ela não está vendo, não sabe o que está
acontecendo aqui. Ela deveria era dar mais apoio, tanto na capacitação de
professores como de pessoas para ajudar na escola. Hoje, em dia, a escola
mal tem professores.
391
Da fala anterior, podemos, também, apreender o desejo dos atores sociais
(desta e de outras unidades escolar) da autonomia na qual o Estado não se desresponsabilize
do seu dever de oferecer, manter e desenvolver a educação e a escola públicas mas, ao
contrário, forneça as condições e os recursos (materiais, financeiros, pedagógicos, humanos,
etc) necessários para a condigna qualidade que este serviço público deve possuir e
disponibilizar aos que, por direito, o requerem.
Certamente por ter uma relação de proximidade com o “Dom Vital”, o
presidente do Conselho de Moradores da comunidade na qual esta escola se encontra pôde
apontar para o também importante aspecto ou dimensão financeira da autonomia ao indagar:
“como é que a escola pode ter autonomia democrática se ela não tem autonomia financeira” e,
em seguida, dar uma unidade a estes aspectos ao dizer que “essas duas coisas têm que existir
paralelamente”.
Como uma perspectiva a ser melhor compreendida, defendida e praticada, a
autonomia escolar, na Escola Dom Bosco, encontra-se presente no texto do Projeto Político-
Pedagógico, por um lado, aparecendo como um campo no qual, juntamente com a gestão
democrática, sejam desenvolvidas e conquistadas “experiências inovadoras de autonomia”
(ESCOLA DOM BOSCO, 2005, p. 3), como algo para o qual “estamos caminhando para o
fortalecimento de nossa própria autonomia” (Ibid., p. 4) e, por outro lado, aparecendo como
um patamar pelo qual “a escola avança para outro nível de autonomia’ (Ibid., p. 5).
Diante de um entendimento e de uma prática de autonomia que é considerada
como tal por delegar à comunidade escolar a tarefa de decidir sobre a aplicação de verbas
recebidas (o que na verdade, se constitui numa caricatura de autonomia escolar), para um dos
gestores da Dom Bosco, tal “não é uma autonomia, nem tanto assim” e, inclusive, ilustrando
com exemplos nos quais a Escola foi pressionada a voltar atrás em decisões tomadas, chega a
afirmar que “não é uma autonomia plena”. Ainda para este gestor, para que a escola possa
exercer melhor o seu papel de instituição de transmissão e produção do conhecimento,
o governo teria que investir mais recursos na escola, bastante recursos
financeiros, administrativos, na parte da didática e, ainda, valorizar o
professor. Enquanto se pensar em melhorar a escola, equipar a escola sem
pensar em valorizar o professor, também financeiramente, acho que não tem
jeito, não.
Ainda desta fala, juntamente com o indício de uma posição crítica em relação à
diminuição do Estado em relação à manutenção da educação e da escola públicas, também,
podemos inferir a expressão do desejo de uma autonomia que contemple os aspectos
administrativos, financeiros e pedagógicos.
392
Parecendo compartilhar da opinião acima, a fala de um docente aponta para
uma autonomia escolar com dimensões mais amplas uma vez que “a autonomia não pode ser
apenas financeira, como acontece hoje em dia. Mas, principalmente, política, administrativa e
pedagógica”. Numa perspectiva assaz interessante, para outro docente desta escola a
autonomia é apontada com o significado de que
autonomia é problematizar o existente, é a construção de uma escola que
represente maduramente a sua comunidade, que respeite as diferenças e que
construa um projeto democrático. Não significa estar solta, mas ligada, não a
uma homogeneidade, mas, sim, a uma heterogeneidade como, de fato, são os
seres e o universo que a circunda.
Tendo acompanhado o movimento de busca de autonomia em escolas que
integram a rede de ensino do Estado de Pernambuco – as unidades de ensino Assis
Chateaubriand, Luis de Camões, Dom Vital e Dom Bosco – com suas fragilidades,
inconstâncias e contradições, poderíamos considerar tal movimento como sendo por demais
pequeno diante do movimento de autonomia com direcionamento em contrário que é
realizado em direção a estas mesmas escolas (bem como ao sistema educacional
pernambucano). Entretanto, esta pequenez deve ser vista como constituindo em elemento ou
fator que, entre outras considerações positivas, se destaca por sinalizar a presença, ou melhor
dizendo, a continuidade de um processo desencadeado 74 anos atrás (tomando-se a data da
publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova como um referencial histórico) no
qual a escola pública brasileira, em meio à secular realidade de carência, penúria e - por que
não dizer? – de sucateamento, por meio dos seus atores sociais e dos setores sociais
progressistas, tem reivindicado a autonomia necessária para à consecução dos seus objetivos e
finalidades educacionais, ou seja, no dizer original do Manifesto dos Pioneiros: “uma ampla
autonomia techinna, administrativa e econômica”.
Em vista de uma autonomia que possibilite a gestão democrática da escola e se
concretize na elaboração, execução e avaliação de um Projeto Político-Pedagógico e, ainda,
tenha como suporte as condições administrativas, pedagógicas e financeiras necessárias para o
cumprimento de seus objetivos e finalidades educacionais cada uma das escolas pesquisadas
terá, certamente, um caminho – um maior, ou menor – a percorrer com estratégias específicas
a realizar. Entrementes, em meio a possíveis diversidades de percursos, a meta poderá ser
alcançada na medida em que o sonho, a utopia da autonomia escolar se constitua em
patrimônio comum a ser buscado, encontrado, defendido e ampliado pelo coletivo dos atores
sociais que integram cada uma destas escolas e, assim, o sonho de um, ou de alguns, se torne
o sonho, o desejo, a utopia de todos.
393
CAPÍTULO 9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo presentes as análises que realizamos ao longo deste trabalho,
entendemos que, mesmo com possíveis limites ou lacunas, tenhamos conseguido atingir os
objetivos que foram traçados para a sua realização. Com efeito, interagindo entre os fatos e
acontecimentos que, a partir da década de 1970, expressaram a ocorrência de um processo de
reestruturação produtiva no mundo capitalista e as realidades do sistema público de ensino de
Pernambuco e das unidades educacionais nas quais realizamos a investigação empírica, foi
possível compreendermos a autonomia da escola em duas diferentes configurações: uma, de
cariz neoliberal, presente nas políticas educacionais do nosso país e, em conseqüência, nas
diretrizes de política educativa que vêm sendo elaboradas e implementadas no sistema
educacional de Pernambuco e, ainda, de modo particular nas quatro escolas da rede estadual
localizadas nos bairros de Brasília Teimosa (Assis Chateaubriand e Luís de Camões) e Casa
Amarela (Dom Vital e Dom Bosco), ambos, na cidade do Recife. A outra configuração, nem
sempre claramente definida e com bastantes limites, diz respeito a um movimento existente
no interior das escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco,
realizado pelos seus atores sociais, sinalizando desejo e ações em direção à construção de uma
autonomia na qual, de forma coletiva, possam ser tomadas decisões em vista de
implementações de ações administrativas, pedagógicas e financeiras necessárias para o
cumprimento das finalidades e objetivos a que estas instituições educativas se propõem.
Se, por um lado, as duas referidas configurações se apresentam como
antinômicas e, ainda, a outorga neoliberal, atualmente, se apresente como tendo maior força
ou intensidade, por outra parte, consideramos que tal realidade deve ser vista como um sinal
atestador da importância que o princípio da autonomia da escola ainda possui na atualidade. A
busca da construção e conquista da autonomia na perspectiva da gestão democrática da escola
394
– algo que, no atual contexto neoliberal aparece como um horizonte distante – faz com que
esta temática constitua objeto suscitador de muitas interlocuções, discursos, entendimentos e
práticas. Desta forma, podemos asseverar que, no âmbito da pesquisa realizada, a autonomia
da escola configura-se como estando num complexo movimento entre a outorga e a
construção.
Tendo em vista as duas diferentes perspectivas com que a autonomia escolar,
na atualidade, está revestida, é importante ressaltar que elas não estão desvencilhadas de
projetos políticos mais amplos e nestes devem ser compreendidas, ou seja, integram o projeto
sociopolítico neoliberal e o projeto sociopolítico emancipatório.
Explicitando as perspectivas: a primeira, apresentada e defendida pelos
governos neoliberais, pelos organismos multilaterais (Banco Mundial, CEPAL, dentre outros)
e, ainda por tantos outros que se deixaram seduzir pelo discurso resignificador que, no projeto
neoliberal subsidia o afastamento do Estado da promoção e manutenção condigna da
educação e da escola públicas; a segunda, apresentada e defendida pelos educadores, suas
entidades representativas e pelos setores sociais progressistas – como um princípio de suporte
e sustentação para a visibilização da gestão democrática da escola. Em vista da necessidade de
serem feitas opções e escolhas a respeito de qual projeto se deseja ver implantado, vale
caracterizá-los nos termos abaixo.
O projeto neoliberal caracteriza-se por: não reconhecer a diferença como
conseqüência do lugar social ocupado pelos sujeitos; não estimular a luta pela legitimidade de
suas vozes, apesar de um aparente discurso de convivência e respeito pelo múltiplo universo
cultural; restringir sua política de valorização da cultura popular ao limite dos muros
escolares, assim mesmo, a partir da implantação de dispositivos e “parâmetros” legais,
ignorando, quase que por completo, as diferenças, aspirações e necessidades regionais. Em
conseqüência, neste âmbito, não há espaço para a autonomia da escola e o máximo que pode
ocorrer é a sua outorga de forma impositiva e sua recepção acrítica.
O projeto emancipatório tem como ponto de partida e de chegada a construção
da sociedade a partir da intervenção consciente e transformadora dos sujeitos. Vê o sujeito
humano em sua totalidade e em permanente diálogo com o mundo. Reconhece a opressão
como sendo a imposição político-social de alguns grupos sobre outros. Enfatiza a necessidade
de mobilização de grandes esforços para a construção de uma nova cultura, em luta contra o
obscurantismo e a alienação social. Propõe uma reforma educacional em função das
aspirações da maioria, entendida esta como pertencente à classe trabalhadora.
Conseqüentemente, para ser um espaço que também seja mediador do projeto emancipatório,
395
faz-se necessário que a escola – por meio dos seus atores sociais - esteja em constante
processo participativo de busca, construção e reconstrução da sua autonomia.
No que diz respeito à tese que se constituiu em fio condutor da investigação
que realizamos, é verdade que, por um lado, não podemos dizer que a mesma tenha sido
integralmente confirmada uma vez que, mesmo estando localizadas em comunidades
historicamente reconhecidas pela sua capacidade de organização, mobilização e participação
popular - no caso, as comunidades de Brasília Teimosa e Casa Amarela – as escolas Assis
Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco, por meio dos seus atores sociais,
não apresentaram um movimento organicamente articulado de busca e construção de
autonomia diferenciada do modelo outorgado pelos órgãos superiores de gerenciamento do
sistema educacional aos quais estão ligadas. Essa constatação, entretanto, não desmerece o
valor e a importância dos sinais através dos quais foi possível identificarmos desejos e ensaios
de passos dados pelos atores sociais destas escolas em direção à construção da autonomia para
a instituição educativa em cujo chão, cotidiana e coletivamente, são desafiados a
implementarem uma prática de gestão efetivamente democrática na medida em que o poder é
compartilhado.
Sem termos a pretensão de esgotar as razões ou causas para a não confirmação
total da tese que procuramos defender, em todo caso, podemos ventilar as seguintes
possibilidades.
Primeira: ainda persiste na escola pública brasileira (e nesta, a escola pública
pernambucana), grades e muros (literal e simbolicamente falando) separando-os da
comunidade ao seu entorno. Em conseqüência, não podemos deixar de reconhecer que há
muitas ações a serem realizadas e muitas estradas a serem percorridas para que a escola
pública seja um espaço de ressonância das aspirações e práticas democrático-participativas
que, muitas vezes, estão sendo forjadas e realizadas a poucos metros além dos seus muros: na
associação de bairro, nas comunidades eclesiais, nas iniciativas populares reivindicando
melhores condições de vida, nos movimentos culturais, nas organizações visando a garantir a
sobrevivência humana de forma mais condigna, dentre outras.
Segundo: considerando a multissecular trajetória da educação e da escola
pública nacional nas quais predominaram o autoritarismo e a exclusão de grandes
contingentes da população brasileira, não temos como deixar de reconhecer que demandará
um bom tempo para que o chão da nossa escola pública seja cimentado pela cultura da
participação. Na medida em que esta cultura impregnar o âmbito escolar, os atores sociais da
escola poderão, num mútuo processo de ensino-aprendizagem, socializar seus anseios e
396
concepções de autonomia escolar e, desta forma, poderá acontecer que, de ensaios, sejam
realizados efetivos passos coletivos em vista da edificação da autonomia necessária para que a
escola atinja seus objetivos e finalidades educacionais os quais, em última análise, dizem
respeito à construção de homens e mulheres autônomos.
Diante das possíveis causas, aqui expostas, podemos apontar como estratégias
a serem utilizadas pelas escolas investigadas, em vista da edificação de uma “outra autonomia
escolar”, as seguintes: o desencadeamento ou intensificação de um processo de reflexão sobre
sua própria realidade a partir do qual possam ser analisados e compreendidos os problemas
existentes no interior de cada uma delas, sobretudo os problemas que comprometem a sua
própria função social enquanto espaço/ambiente no qual deva ocorrer a transmissão e a
produção do saber em vista da emancipação da classe trabalhadora (o ensino sem
aprendizagem, a repetência, a evasão escolar etc.). Na medida em que, unindo suas próprias
forças com os recursos reivindicados junto aos órgãos aos quais competem a responsabilidade
pelo gerenciamento do sistema educacional, as escolas superarem os problemas detectados e
analisados, elas poderão dar passos largos em direção à construção da autonomia escolar
desejada e buscada pelos seus atores sociais.
Muito provavelmente, nesse processo de reflexão, poderá vir à tona problemas
ou dificuldades na área da gestão da escola quando, então, poderão ser detectados
distanciamentos em relação à dinâmica democrática que deve permear todas as relações
existentes na escola (e não somente na forma ou estilo de administrar a escola). A abordagem
desta temática poderá se constituir numa profícua experiência para, em vista da
democratização da escola, ser construído um consenso em torno do qual a autonomia escolar
seja vista e buscada como uma necessidade coletiva. Em conseqüência, poderá se dar a
revitalização dos meios e dos instrumentos através dos quais, de forma orgânica e coletiva -
tais como, o Conselho Escolar, o Projeto Político-Pedagógico, o Grêmio Estudantil – espera-
se que a escola conquiste “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativas e de
gestão financeira” (LDBEN 9394/96, art. 15).
Sobretudo para a especificidade das localidades nas quais estão inseridas, o
“abrir as portas” à comunidade ao seu entorno é algo que se impõe para as escolas
pesquisadas, especialmente no sentido de acolher o jeito participativo de ser, de reivindicar,
questionar que fortemente caracteriza Brasília Teimosa e Casa Amarela como sendo
comunidades que, na luta, na dança, na pesca, na fábrica construíram uma cultura autônoma a
partir da qual se fizeram respeitar junto aos poderes locais e, ainda, tornaram-se reconhecidas
em espaços que extrapolaram os limites da capital pernambucana. Abrindo, pois, suas
397
“portas” à comunidade ao seu entorno, é que as escolas pesquisadas encontrarão os parceiros
com os quais poderão contar para a realização do mutirão a ser feito em prol da conquista da
autonomia que necessitam para, de modo efetivo, cumprirem suas finalidades e objetivos
educacionais.
Para o desencadeamento do processo de construção da autonomia, os atores
sociais dessas escolas – e com estas, as demais da rede pernambucana de ensino – não
poderão fazer-se desconhecedores da existência de um conjunto de fatores os quais,
produzidos ou alimentados nos espaços políticos-administrativos externos às unidades
escolares, são causadores e sustentadores de uma realidade de carência de recursos humanos,
materiais e financeiros que comprometem a qualidade social da ação educativa que ali deve
ser realizada.
Como foi exposto em vários momentos deste trabalho, as escolas Assis
Chateaubriand, Luís de Camões, Dom Vital e Dom Bosco encontram-se, a exemplo de grande
parte das suas congêneres, submetidas a uma condição de pauperização de tal monta que
obscurece o seu horizonte. Sem sombra de dúvidas, este é um dado inquietador também do
ponto de vista da autonomia da escola uma vez que, dentre outras situações (desânimo,
desesperança, burla e descompromisso para a educação e a escola públicas, etc.) é gerador de
uma postura individualista de preocupação apenas com o seu problema, o seu drama pessoal o
que, conseqüentemente, inviabiliza um processo de mobilização coletiva em torno da
construção da autonomia da escola.
Entretanto se, por um lado, a realidade se apresenta como envolta em densas
brumas, os atores sociais destas unidades escolares – e com estes, os demais que integram o
imenso contingente dos atores sociais da escola pública pernambucana –, alargando o olhar
para um horizonte mais amplo, não poderão perder de vista que, contraditoriamente, o
momento atual é também o das possibilidades de mudanças, ainda que pequenas, rumo a uma
nova realidade. Deste âmbito, destacaríamos aqui o próprio estágio em que o sistema
educacional pernambucano se encontra, notadamente o da incorporação, inclusive com
respaldo legal, do princípio da gestão democrática da escola. Ampliar, pois, a materialização
deste princípio para além da eleição dos diretores, constitui um “dever de casa” que todos os
membros da comunidade escolar devem assumir para realizá-lo bem.
Em outras palavras, a realização desta “lição de casa” significa intensificar a
dinâmica da participação no espaço/ambiente escolar a partir da qual diretores, professores,
alunos, pais de alunos e funcionários se constituem em sujeitos, em atores de uma história na
qual também podem - e devem - ser protagonistas no próprio processo de sua escrita e não
398
somente no desempenho de papéis previamente e heteronomomente definidos. Para fazer isto,
não precisam ir longe, pois, no entorno das escolas Assis Chateaubriand, Luís de Camões,
Dom Vital e Dom Bosco, não será difícil encontrar os atores sociais que escreveram e
continuam a escrever a história de Brasília Teimosa e de Casa Amarela. Ademais, as
comunidades escolares destas unidades de ensino não sofrerão nenhuma censura por olharem
e até mesmo copiarem da experiência de quem já está habituado a trilhar os caminhos da
participação, da luta e da resistência para, então, acontecer a conquista. Neste sentido, passos
alargados e audaciosos devem ser dados pelas escolas pesquisadas na reescrita dos seus
Projetos Político-Pedagógicos e na retomada plena do funcionamento dos seus Conselhos
Escolares.
Por fim, valendo para cada uma das unidades escolas nas quais realizamos a
empiria, bem como para as demais escolas que integram o sistema público de ensino deste
“Leão do Norte” e, ainda, para as demais instituições congêneres que estão espalhadas por
toda a extensão do território nacional, vale explicitar, aqui, o entendimento de que uma
unidade escolar, num primeiro olhar, é como que uma “gota d’água” imersa na vastidão do
mar social no qual ela se encontra e, em conseqüência, ela se constitui num espaço
institucional sobre o qual ressoam as determinações que, lá fora, são produzidas, inclusive as
diretrizes de autonomia que lhes são outorgadas.
Todavia, tal olhar – ainda que expresse uma dimensão de verdade – não pode
ser tomado como se nada mais pudesse ser visto, ou dito, sobre a escola. Prender-se a esse
olhar é como se ater apenas aos muros e às paredes que dão um contorno visível de um
prédio. Por conseguinte, é uma visão parcial, e por isto mesmo, incompleta. Ainda: é como se
contentar com a imagem congelada de uma fotografia ignorando, assim, a existência de um
movimento diuturnamente vivido naquele espaço educativo.
Na singularidade de uma escola, não importa se com 24, 39, 40 ou 61 anos de
existência é mister que seja considerado que se está diante de um organismo vivo, dinâmico e
portador de uma cultura própria, construída ao longo da sua trajetória existencial. Desta
maneira, por detrás da aparência, do imediato, a escola deve ser percebida como um espaço
local o qual se configura num espaço produtor de um movimento – muitas vezes, nem sempre
perceptível ou documentado – que contribui para a modificação do contexto imediato no qual
ela está inserida. Na medida, pois, em que a unidade escolar passa a ser apreendida como uma
instituição social que, a partir da sua especificidade educacional, faz desaguar no tecido social
algum tipo de contribuição para mudança, por pequena que seja, isto poderá ajudar no
fortalecimento da construção da autonomia escolar e, assim, possa ocorrer a conquista da
399
autonomia que esteja em consonância com os anseios dos atores sociais das escolas
pesquisadas (e por extensão, das demais escolas públicas existentes por toda a extensão da
nação brasileira) para que, dentre tantas outras razões, a escola, enquanto espaço institucional
de transmissão e produção do saber, possa cumprir suas finalidades educacionais que, em
última análise, consiste em contribuir para a formação de homens e mulheres autônomos.
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educacional. 2. ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
XAVIER, Libânia Nacif. Manifestos, cartas, educação e democracia. In: MAGALDI, Ana
Maria e GONDRA, José G. A reorganização do campo educacional no Brasil:
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ZÁKIA, Sandra Maria L. Parcerias escola-empresa no Estado de São Paulo: mapeamento e
caracterização. In: Educação e Sociedade (on line). v, 2l, n. 70. abri/2000. Disponível em
http://www.scielo.br. Acesso 14 set 2003.
ZARCO, Carlos. Um breve balanço e os principais desafios. In: A educação na América
Latina: direito em risco. São Paulo: Campanha Nacional pelo Direito à Educação: Cortez:
Action Aid Américas, 2005
III CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. In: Revista da Associação Nacional
de Educação. São Paulo: ANDE, ano 4, n. 8, p. 38 – 42, 1984
IV CONED. Carta de São Paulo. mimeog, 2002
V CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. Declaração de Brasília. In: Revista da
ANDE. n. 31. São Paulo, Cortez, 1989. p. 64 – 69.
425
\
ANEXOS
426
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO DE PESQUISA SOBRE AUTONOMIA DA ESCOLA
PROFESSORES DA ESCOLA “X”
I – DADOS GERAIS DE IDENTIFICAÇÃO
1.1 – SEXO: (____) Masculino (____) Feminino
1.2 – FORMAÇÃO ACADÊMICA:
a) Bacharelato e/ou Graduação em _____________________________________________
b) Pós-graduação? (___)SIM (____)Não
Em nível de (___) Especialização (___) Mestrado (____) Doutorado
Nome do curso de Pós-graduação:
1.3 – RESIDE NO BAIRRO DE: _______________________________________________
1.4 – PARTICIPA DE ALGUM MOVIMENTO OU ASSOCIAÇÃO NOS NÍVEIS
SINDICAL, COMUNITÁRIO, POLITICO, RELIGOSO (____) SIM (____) NÃO
EM QUAL/QUAIS? ___________________________________
1.5 – SITUAÇÃO FUNCIONAL DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DE PERNAMBUCO:
(___) Professor efetivo (___) Professor celetista (____) Contrato Temporário
1.6 – TEMPO DE TRABALHO NA ESCOLA “X”: ________ano(s)
II – QUESTÕES SOBRE O TEMA DA “AUTONOMIA DA ESCOLA”
2.1 – Na sua opinião, quando uma escola pública pode ser considerada como tendo
autonomia?
2.2 – Assinale com um “X” a alternativa que, na sua opinião, melhor caracteriza a Escola “X”
em relação à sua autonomia como escola pública:
a) (___) A “X” é uma escola que possui bastante autonomia
b) (___) A “X” é uma escola que possui uma regular autonomia
c) (___) A “X” é uma escola que possui pouca autonomia
d) (___) A “X” é uma escola que não tem nenhuma autonomia
Justificativa da resposta:
Responda às duas próximas questões considerando o perfil ou padrão de autonomia do “X”
que você assinalou no item 2.2
427
2.3 - O que facilita para que a “X” seja uma escola que tenha autonomia?
2.4 - O que dificulta para que a “X” seja uma escola que tenha autonomia?
2.5 – No geral, que avaliação você faz a respeito da existência e do funcionamento do
Conselho Escolar da Escola “X”?
2.6 – Especificamente em relação à “X” poder ser uma escola autônoma, que avaliação você
faz a respeito do Conselho Escolar desta mesma Escola?
2.7 - Assinale com um “x” a alternativa que melhor caracteriza a sua atuação como professor
na escola “Dom Vital”, relacionada com sua autonomia profissional
a) Realizo o meu trabalho docente com bastante autonomia
b) Realizo o meu trabalho docente com regular autonomia
c) Realizo o meu trabalho docente com pouca autonomia
d) Realizo o meu trabalho docente sem nenhuma autonomia
Justificativa da resposta:
2.8 – Qual meta e ação contidas no Projeto Político-Pedagógico da Escola “X” você
destacaria como sendo prioritárias e que avaliação você faria a respeito da possibilidade de a
“X” ter a devida autonomia para alcançar e executá-las?
Meta/Ação:
Avaliação sobre o alcance e execução da meta e ação:
2.9 - Diante dos resultados de evasão e reprovação escolar que ocorrem no “X”, você
considera que esta mesma Escola tenha condições para, de forma autônoma, tentar diminuir
tais resultados? Sim? Não? Justifique sua resposta.
(Obs: No ano de 2004, em média a evasão foi de ______% e de reprovação foi _____%)
2.10 – Você tem conhecimento da existência de uma proposta de autonomia da escola
elaborada pelo Governo do Estado de Pernambuco (e Secretaria de Educação) a ser
implantada nas escolas estaduais?
a) (___) sim, tenho conhecimento b) (____) não tenho conhecimento
2.11 – Caso tenha assinalado a alternativa “a” da questão anterior, quais são as principais
características da proposta de autonomia da escola elaborada pelo Governo do Estado e que
opinião você têm em relação a essa mesma proposta?
2.12 - Acrescente o que você gostaria de dizer a respeito do tema da “autonomia da escola”
(tanto em sentido amplo, relacionado à escola pública em geral, como em sentido específico,
relacionada com a Escola “X”).
Obrigado pela sua valiosa colaboração!
428
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA SOBRE “AUTONOMIA DA ESCOLA”
ALUNOS DA ESCOLA “X”
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1.1 – Sexo: (____)Masc. (____) Fem.
1.2 - Idade: ________ anos
1.3 – Aluno(a) do(a) ______________ Série/Ano , Turma _________
do (___) Ensino Fundamental (____) do Ensino .Médio
1.4 – Estuda na Escola “X” há __________ anos
1.5 – Reside no Bairro de ______________________________________________________
1.6 – Exerce atividade profissional: (__) Sim (___) Não
Qual? _____________________________________________________________________
1.7 – Participa de algum grupo/movimento estudantil/ comunitário?
(__) Sim (___) Não Qual(quais)?______________________________________________
II – QUESTÕES DA PESQUISA
1) Quais são as três coisas da Escola “X” que você gosta mais?
2) Quem você considera que seja o responsável (ou os responsáveis) para que as três coisas
boas, acima apontadas, existam no “X”?
3) Quais são as três coisas da Escola “X” que você não gosta?
4) Quem você considera que seja o responsável (ou os responsáveis) para que as três coisas
que você não gosta, acima apontadas, existam na Escola “X”?
5) Faça um “X” na alternativa que melhor indica a participação dos alunos na vida,
organização e funcionamento da Escola “X”:
a) A Escola “X” é uma escola na qual os alunos têm bastante participação
429
b) A Escola “X” é uma escola na qual os alunos têm uma boa participação
c) A Escola “X” é uma escola na qual os alunos têm pouca participação
d) A Escola “X” é uma escola na qual os alunos não têm participação em nada
Justifique sua resposta:
6) Atualmente, na Escola “X” o Grêmio Estudantil está desativado, ou seja, não está
funcionando. O que você teria a dizer a respeito do Grêmio Estudantil não estar funcionando
na Escola “X”?
7) Na Escola “X” existe o Conselho Escolar e, no ano passado, houve eleição para a diretoria
do mesmo. Faça, pois, um “X” na alternativa que melhor indica o seu conhecimento sobre o
Conselho Escolar da Escola “X”:
a) Tenho conhecimento da existência do Conselho Escolar e sei das suas finalidades
b) Tenho conhecimento da existência do Conselho Escolar, porém não sei das suas finalidades
c) Não tenho conhecimento sobre a existência do Conselho Escolar na Escola “X”
8) Caso tenha assinalado a alternativa “a” da questão anterior, diga o que você sabe sobre as
finalidades do Conselho Escolar.
9) Ainda a respeito do Conselho Escolar da Escola “X” , faça um “X” na alternativa que
melhor indica o seu conhecimento sobre a representação dos alunos no referido Conselho:
a) Não sabia que existia representação dos alunos no Conselho Escolar
b) Sei que existe representação dos alunos no Conselho Escolar e também sei quem representa
os alunos
c) Sei que existe representação dos alunos no Conselho Escolar, porém, não sei quem
representa os alunos
10) No ano passado (setembro de 2005) foram realizadas eleições para Diretor da sua Escola.
Você participou da votação da votação? (___) Sim (___) Não
Justifique por que você compareceu (ou não compareceu) à votação para Diretor(a) da sua
Escola.
11) Na Escola “X” existe um documento chamado “Projeto Político-Pedagógico”. Faça um
“X” na alternativa que melhor indica o seu conhecimento sobre o “Projeto Político-
Pedagógico” da Escola “X”:
a) Sei da existência desse documento, sei do que ele trata e, ainda, pessoalmente participei da
sua elaboração
b) Sei da existência desse documento, sei do que ele trata porem não participei da sua
elaboração
c) Sei da existência desse documento, mas não sei do que ele trata
d) Não sabia da existência desse documento
12) Caso tenha assinalado a alternativa “a” na questão anterior, fale o que você sabe sobre de
que trata o Projeto Político-Pedagógico e, ainda, sobre a sua participação na elaboração desse
documento.
13) No ano passado, cerca de 16% dos alunos da Escola “X” foi reprovado (ou seja, de cada
100 alunos, 16 foram reprovados). O que você teria a dizer sobre este resultado?
430
14) No ano passado, cerca de 33% dos alunos da Escola “X” foram desistentes (ou seja, de
cada 100 alunos, 33 desistiram de estudar e, assim, não concluíram o ano escolar). O que
você teria a dizer sobre tal resultado?
15) Caso você tenha sido reprovado(a) alguma vez, aqui na Escola “X”, responda aos
seguintes itens:
a) Quantas vezes você foi reprovado(a)? ___________________
b)Em quais séries (ou ano) você foi reprovado(a)? _____________________
c)Quais os dois principais fatores que causaram a reprovação?
16) Caso você tenha sido desistente alguma vez, aqui na Escola “X”, responda aos seguintes
itens:
a) Quantas vezes você foi desistente? ___________________
b) Em quais séries (ou ano) você foi desistente? _____________________
c) Quais os dois principais fatores que fizeram você desistir de estudar?
17) Faça um “X” na alternativa que corresponde à sua avaliação sobre o nível de ensino da
Escola “X”:
a) Ótimo b) Muito bom c) Bom d) Regular e) Fraco
Justifique sua resposta:
OBRIGADO PELA SUA VALIOSSÍMA COLABORAÇÃO
431
ANEXO 3 - PESQUISA ESPECÍFICA COM ALUNOS DA ESCOLA “X”
Texto sobre “Autonomia da Escola”
Uma escola pública estadual, como a Escola “X”, juntamente com outras tantas
quase mil escolas espalhadas pelo território pernambucano, faz parte do chamado sistema
público de ensino de Pernambuco. Por fazer parte deste sistema, a escola deve seguir certas
normas e orientações que são comuns a todas às demais escolas públicas. Entretanto, a escola
necessita ter uma certa autonomia, ou seja, poder tomar decisões administrativas, pedagógicas
e financeiras para que possa alcançar as suas finalidades e objetivos educacionais. Uma escola
também pode ser considerada como uma escola autônoma quando ela consegue construir e
colocar em prática o seu Projeto Político-Pedagógico (o PPP é uma espécie de uma “carta
constitucional” da escola no qual os Alunos, os Professores, Funcionários, Direção e Pais de
alunos dizem e escrevem o tipo de escola que eles desejam).
Dentre os vários meios que existem para que a escola conquiste a sua
autonomia destacam-se os seguintes: a gestão democrática da escola e o Conselho Escolar.
Tanto num como noutro caso (gestão democrática e Conselho Escolar), é fundamental que
haja uma efetiva participação de todos os segmentos que fazem parte da escola, ou seja:
Direção, Pais, Alunos, Funcionários e a Comunidade na qual a escola está localizada.
Juntamente com o nível individual, a participação deve ser um processo coletivo e organizado
por meio de reuniões, eleições, Conselho Escolar, Representantes de Turma, Grêmio
Estudantil e outros.
Por fim, no caso da escola pública, vale lembrar que a autonomia da escola não
dispensa o Estado (representado pelo Governo) de cumprir com sua obrigação de manter a
escola, ou seja, dar-lhe os meios e recursos – administrativos, pedagógicos e
financeiros/materiais – que ela necessita para proporcionar uma educação de qualidade para
todos os que procuram a escola pública.
Diante do texto acima, e considerando a realidade da sua escola, no caso, a
Escola “X”, que comentários, análises ou reflexões você gostaria de fazer a respeito do
assunto “autonomia da escola?”.
432
ANEXO 4 – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM DIRETORES
1 – Dados gerais de identificação (formação acadêmica, situação funcional, participação em
movimentos sociais etc)
2 – Falar sobre motivações para candidatar-se à função de diretor escolar (e/ou para concorrer
ao segundo mandato)
3 – Destacar ações consideradas como importantes no mandato anterior (ações realizadas e
fatores que contribuíram para a realização das ações destacadas)
4 – Destacar ações que gostaria de ter realizado no mandato anterior e, no entanto, não foram
realizadas (ações e fatores que contribuíram para que as mesmas não fossem concretizadas)
5 – Entendimento a respeito de quando escola pública pode ser considerada como tendo
algum grau, algum nível de autonomia?
6 – Existência de autonomia (ou não) na Escola que administra (especificidades para os
aspectos administrativos, pedagógicos e financeiros)
7 – Relação entre autonomia da escola e gestão democrática da escola
7 – Considerações sobre um movimento de construção da autonomia da escola (existência ou
não desse movimento, visibilização do movimento etc)
8 – Processo de elaboração do Projeto Político-pedagógico da Escola
9 – Conhecimento (ou não) de um modelo ou proposta de autonomia da escola elaborada e
implementado pelos órgãos de gerenciamento do sistema público de ensino de Pernambuco
(Secretaria de Educação, GERE etc)
10 – Ideal ou desejo de autonomia da escola
433
ANEXO 5 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM MEMBRO DO CONSELHO ESCOLAR
1) Dados gerais de identificação (formação acadêmica, situação funcional na Escola,
função que desempenha no Conselho Escolar, participação em movimento social, etc)
2) Exposição orientada sobre o Conselho Escolar (surgimento do Conselho, finalidades,
funcionamento, realizações, dificuldades, dinâmica das reuniões etc)
3) Atuação e participação dos segmentos escolares no Conselho Escolar
4) Dinâmica de articulação entre os segmentos e seus representantes no Conselho Escolar
5) Relacionamento entre Conselho Escolar e Direção da Escola
6) Posicionamento do Conselho Escolar em relação aos problemas de rendimento e
evasão escolar
7) Entendimentos que possui a respeito de “autonomia da escola”
8) Considerações sobre existência (ou não) de níveis autonomia na Escola “X”
9) Conselho Escolar e autonomia da escola (relações existentes entre Conselho Escolar e
construção da autonomia da escola)
10) Conhecimento (ou não) de um modelo ou proposta de autonomia da escola elaborada
e implementado pelos órgãos de gerenciamento do sistema público de ensino de
Pernambuco (Secretaria de Educação, GERE etc)
11) Ideal ou desejo de autonomia da escola
434
ANEXO 6 - PESQUISA SOBRE “A AUTONOMIA DA ESCOLA”
QUESTIONÁRIO COM PAIS DE ALUNOS DA ESCOLA “X”
I – DADOS GERAIS DE IDENTIFICAÇÃO:
1.1 – Sexo: (____) Masc (____) Fem
1.2 – Qual a última série que estudou? __________________________________________
1.3 - Profissão: ____________________________________________________________
1.4 - Horário de trabalho: (___) Manhã (____) Tarde (____)Noite
1.5 - Após os tipos de Entidades que estão na primeira coluna, faça um “X” nas colunas ao
lado para indicar se você é (ou já foi) “apenas associado” e se “exerce, ou já exerceu, algum
cargo de direção” na mesma Entidade.
ENTIDADE Apenas associado Exerce ou já exerceu
algum cargo de direção
Sindicato profissional
Conselho de Moradores
Clube de Mães
Movimento Pastoral de Igreja
Partido Político
ONG
Associação Recreativa ou Esportiva
Outro(a)
1.6 – Quantos filhos tem matriculados na Escola “X” : _______ filho(s)
1.7 – Quantia de anos com filhos matriculados no “X”?________anos
II – QUESTÕES DA PESQUISA
1 – Faça um “X” na alternativa que corresponde com a escolha da matricula do seu filho no
“X”:
a) Foi uma escolha feita por mim
b) Não foi uma escolha feita por mim
435
2 – Cite até 3 motivos ou razões pelas quais você escolheu matricular seu filho na Escola “X”
ou, então, pelas quais você concorda que ele continue a estudar na “X”
a) b) c)
3) Dos problemas existentes na “X”, cite três que você considera como sendo os três maiores
problemas dessa Escola?
a) b) c)
4) Na sua opinião, o que está faltando para que os problemas acima sejam resolvidos?
5 – Faça um “X” na alternativa que melhor retrata o seu envolvimento e participação na vida
da Escola “X”
a) tenho um forte nível de envolvimento e de participação
b) tenho um bom nível de envolvimento e de participação
c) tenho um razoável nível de envolvimento e de participação
d) tenho um fraco nível de envolvimento e participação
Justifique sua resposta:
6 – Marque com um “X” as situações em que, no ano passado (2005) você compareceu Escola
“X”:
X
MOTIVO DA IDA À ESCOLA
QUANTIA
DE VEZES
Solicitar ou trazer documentos
Fui, espontaneamente para conversar com a Direção ou Professores
sobre a aprendizagem ou comportamento do meu filho
Fui a chamado da Direção ou dos Professores para conversar sobre
a aprendizagem ou comportamento do meu filho
Participar de festividades promovidas pela Escola
Participar de Reunião de Pais e Mestres
Participar de eleição para Diretor ou Conselho Escolar
Participar de outros eventos promovidos pela Escola (Palestras,
Debates, Campanhas...)
Outros motivos de ida à Escola:
7 - Em relação à participação dos Pais na vida da escola, você considera que n Escola “X”:
a) uma escola bastante aberta à participação dos pais
b) uma escola com relativa abertura à participação dos pais
b) uma escola pouco aberta à participação dos pais
c) uma escola sem abertura para a participação dos pais
d) Não tenho opinião formada a este respeito
Justifique sua resposta:
8 – No mês de junho do ano passado (2005) foi eleito o Conselho Escolar da Escola “X”.
Faça, pois, um “X” na alternativa que melhor indica o seu conhecimento sobre o Conselho
Escolar da Escola “X”
a) Tenho conhecimento da existência do Conselho Escolar e sei das suas finalidades
b) Tenho conhecimento da existência do Conselho Escolar, porém não sei das suas finalidades
436
c) Não tenho conhecimento sobre a existência do Conselho Escolar
9) Caso tenha assinalado a alternativa “a” da questão anterior, diga o que você sabe sobre as
finalidades do Conselho Escolar.
10) Ainda a respeito do Conselho Escolar da Escola “X” , faça um “X” na alternativa que
melhor indica o seu conhecimento sobre a representação dos Pais no referido Conselho:
a) Não sabia que existe representação dos Pais no Conselho Escolar da Escola “X”
b) Sei que existe representação dos Pais no Conselho Escolar da Escola “X” e também sei
quem é o Representante dos Pais
c) Sei que existe representação dos Pais no Conselho Escolar da Escola “X”, porem, não sei
quem é o Representante dos Pais
12 - Faça um “X” na alternativa que melhor representa o seu conhecimento (ou não) sobre o
Projeto Político-Pedagógico da Escola “X”
a) Não sei do que se trata
b) Sei do que se trata mas não li nada ou não lembro do seu conteúdo
13 – Em relação a ter participado ou não de reuniões para discutir e fazer o Projeto Político-
Pedagógico (PPP) da Escola “X”, faça um “x” na resposta que corresponde ao seu caso:
a) Não recebi nenhum convite para participar de reunião na qual seria discutido e feito o PPP
do Escola “X”
b) Não participei de nenhuma reunião para discutir e fazer o PPP
c) Participei de uma reunião para fazer o PPP
d) Participei de várias reuniões para fazer o PPP
e) Participei de todas as reuniões para fazer o PPP
14) No mês de setembro do ano passado (2005), houve votação para escolha do Diretor da
Escola “X”. Você participou da votação, como “eleitor”?
(___) Sim, participei da votação
(___) Não participei da votação
15) Justifique por que você compareceu (ou não compareceu) à votação para Diretor da
Escola “X”.
16) Caso você tenha tido algum filho que tenha sido reprovado nestes 3 últimos anos na
Escola “X” (2003, 2004 ou 2005), o que você acha que fez com que seu filho fosse
reprovado?
17) Caso você tenha tido algum filho que tenha sido desistido de estudar e, assim, não
concluiu o ano escolar (evasão) nestes 3 últimos anos na Escola “X” (2003, 2004 ou 2005), o
que você acha que levou o seu filho a não concluir o ano?
18) Na sua avaliação, o nível de ensino da Escola “X”
a) Excelente
b) Muito Bom
c) Bom
d) Regular
e) Fraco
437
Justifique sua resposta:
MUITO OBRIGADO PELA SUA VALIOSSÍMA COLABORAÇÃO!
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