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Tomás acrescenta no Comentário ao Tratado sobre a Alma que a determinação causal
que caracteriza a ordem natural funda-se, justamente, no fim que todo ser possui de atualizar a
sua forma. Segundo ele, qualquer que seja o ser, animado ou mesmo inanimado, todos têm em
vista a alma, ato e forma do corpo
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, como fim. Ora, ainda que o ser não seja dotado de uma
alma, a sua razão de existir é dada pelo uso que os seres animados, que lhe são superiores,
dele fazem. Diz o Doutor Comum:
Ainda, não somente a alma é o fim dos corpos vivos, mas também de todos os corpos
naturais entre os inferiores. O que ele prova como se segue. Com efeito, nós observamos
que todos os corpos naturais são como instrumentos da alma, não somente entre os animais,
mas também entre as plantas. Os homens, com efeito, nós observamos, servem-se a seu
proveito dos animais, das plantas e das coisas inanimadas; os animais, quanto a eles,
servem-se das plantas e das coisas inanimadas; e as plantas servem-se das coisas
inanimadas, na medida em que elas encontram alimento e assistência. A propósito, entre as
coisas naturais, cada coisa age segundo o que é da sua natureza. Assim, vê-se que todos os
corpos inanimados servem de instrumento aos animados, e existem em vista deles. E, ainda,
que os animados menos perfeitos existam em vista dos animais mais perfeitos. Em seguida,
ele distingue aquilo que é em vista do que se é como ele disse mais acima.
Em terceiro, ele mostra que a alma é o princípio dos corpos vivos, como aquele de onde se
origina seu movimento. E ele serve-se de um raciocínio que vai mais ou menos como se
segue. Toda forma de um corpo natural é o princípio de um movimento próprio desse
corpo; por exemplo, a forma do fogo é o princípio do seu movimento. Ora, existem
movimentos próprios aos seres vivos, por exemplo: o movimento local, pelo qual os
animais se movem eles mesmos quanto ao lugar de um movimento progressivo, apesar
disso não pertencer a todos os vivos; igualmente, sentir é uma alteração que não pertence a
todos os que são dotados de alma; ainda, o movimento de crescimento e de regressão
pertence apenas aos seres que se nutrem, e nada se nutre se ele não tem uma alma. É
preciso, então, que a alma seja o princípio de todos esses movimentos
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“Com efeito, foi mostrado que a alma é o ato de todo corpo e suas partes são os atos das partes desse; a
propósito, o ato e a forma não se separam daquilo do que eles são ato ou forma; em conseqüência, é manifesto
que a alma não pode se separar do corpo, nem inteiramente, nem algumas de suas partes, se ela é de uma
natureza tal a ter as partes de uma certa maneira. Com efeito, é manifesto que as partes da alma são os atos das
partes do corpo, como fora dito que a vista é o ato do olho. Contudo, quanto a certas partes, nada impede à alma
de se separar, pois certas partes da alma não são ato de nenhum corpo, como será provado mais adiante daquelas
que concernem à inteligência”. Commentaire au traité de l’âme, II, 2, §242.
[80525] Sentencia De anima, lib. 2 l. 2 n. 8
Deinde cum dicit quod quidem concludit quamdam veritatem ex praemissis: quia enim ostensum est quod anima
est actus totius corporis, et partes sunt actus partium, actus autem et forma non separantur ab eo cuius est actus
vel forma: manifestum est quod anima non potest separari a corpore, vel ipsa tota, vel aliquae partes eius, si
nata est aliquo modo habere partes. Manifestum est enim quod aliquae partes animae sunt actus aliquarum
partium corporis, sicut dictum est quod visus est actus oculi. Sed secundum quasdam partes nihil prohibet
animam separari, quia quaedam partes animae nullius corporis actus sunt, sicut infra probabitur de his quae
sunt circa intellectum.
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Commentaire au traité de l’âme, II, 7, §322/3.
[80605] Sentencia De anima, lib. 2 l. 7 n. 14
Et ulterius non solum anima est finis viventium corporum, sed etiam omnium naturalium corporum in istis
inferioribus: quod sic probat. Videmus enim quod omnia naturalia corpora sunt quasi instrumenta animae, non
solum in animalibus, sed etiam in plantis. Videmus enim quod homines utuntur ad sui utilitatem animalibus, et
rebus inanimatis: animalia vero plantis et rebus inanimatis; plantae autem rebus inanimatis, inquantum scilicet
alimentum et iuvamentum ab eis accipiunt. Secundum autem, quod agitur unumquodque in rerum natura, ita
natum est agi. Unde videtur quod omnia corpora inanimata, sint instrumenta animatorum, et sint propter ipsa.