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ASAMENTOS DE ESCRAVOS NAS FREGUESIAS DA
CANDELÁRIA, SÃO FRANCISCO XAVIER E JACAREPAGUÁ:
uma contribuição aos padrões de sociabilidade matrimonial no Rio
de Janeiro (c.1800 – c.1850)
Janaina Christina Perrayon Lopes
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa
de Pós-graduação em História Social, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Manolo Florentino
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Rio de Janeiro
Fevereiro de 2006
CASAMENTOS DE ESCRAVOS NAS FREGUESIAS DA CANDELÁRIA , SÃO
FRANCISCO XAVIER E JACAREPAGUÁ:
uma contribuição aos padrões de sociabilidade matrimonial no Rio de Janeiro
(c.1800 – c.1850)
Janaina Christina Perrayon Lopes
Orientador: Prof. Dr. Manolo Florentino
Dissertação de Mestrado Submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social , Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro–UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
História.
Aprovada por:
__________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Manolo Florentino (Orientador)
______________________________________
Prof. Dr. Ana Lugão Rios
______________________________________
Prof. Dr. Yvonne Maggie
______________________________________
Prof. José Roberto Góes (Suplente)
______________________________________
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Prof. Antônio Carlos Jucá (Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2006
LOPES, Janaina Christina Perrayon.
Casamentos de escravos nas freguesias da Candelária , São
Francisco Xavier e Jacarepaguá: uma contribuição aos
padrões de sociabilidade matrimonial no Rio de Janeiro (c.1800
– c.1850) – Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2006.
108p.
Orientador: Manolo Florentino
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós-
Graduação em História Social, 2006.
Referências Bibliográficas pp. 80-85.
1. Escravidão. 2. Casamento de Escravos 3 . Sociabilidade
Escrava 4. Dissertação de Mestrado. I. LOPES, Janaina
Ao PVNC – Paciência.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar é preciso lembrar do CNPq, quem costeou este trabalho.
Agradeço pelo investimento na minha formação e na feitura desta dissertação.
Gostaria de agradecer também aos professores com que tive o prazer de cursar
disciplinas ao longo do curso: Beatriz Catão, Francisco José, Didier Laon e João Fragoso.
Sou também grata aos professores Ziller, Jucá e Juliana, que no LIPHIS foram, além de
professores, incentivadores e companheiros. Ao professor José Roberto Góes agradeço por
ter participado de minha Banca de Qualificação e por seus comentários acerca do esboço
que apresentei na época. Quero registrar também minha gratidão a professora Ana Rios por
ter aceitado participar da Banca Examinadora mesmo sem ter participado do exame de
Qualificação. À professora Yvonne Maggie agradeço especialmente por ter sido a
responsável por minha iniciação ao “mundo” acadêmico. Com absoluta certeza é também
graças a ela e ao professor Peter Fry que profissionalmente optei pela prática da pesquisa.
Falando em pesquisa, poderia elencar uma série de funcionários com quem cruzei
nos “arquivos da vida”, mas sem dúvida alguma uma figura foi pra mim fundamental:
Aluísio. Funcionário do arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro e com um jeito
muito especial de ser e se comunicar, me ensinou, a seu modo, todas as manhas do trato e
da leitura de um documento.
Aos amigos de Laboratório meu sincero agradecimento pelo apoio, conversas e
dicas seja na “hora do café” ou nas mesas de bar. Foram vocês: Durval, Tiago, Martha,
Carlos, Cuca, Guedes, Vanessa, Alexandre, Marcelo, Boto e Muriqui que de várias
maneiras me mostraram a dureza e a delícia da academia.
À Carla e Regina, companheiras de apartamento em tempos diferentes do processo
de feitura da dissertação (a primeira no início e a outra no fim), agradeço por terem aturado
todas as minhas chatices e manias. Quero lembrar ainda de Sidney, companheiro de salsa,
Alain, professor de francês e Jean Fraçoi, companheiro de viagem. Sem eles essa jornada
seria com certeza mais chata.
Ao nenêm agradeço pela gentileza do abstract aos “quarenta e cinco minutos do
segundo tempo”.
Fora do círculo acadêmico Adriana e Dondo foram companheiros maravilhosos. A
sua maneira não sabem o quanto contribuíram e ainda contribuem para minha formação.
À minha família tenho muito mais que gratidão, mesmo sem saber o que era direito
“essa tal de Dissertação” “Dona” Christina, ‘Seu’ Luiz e Makel sempre me apoiaram
incondicionalmente. Vocês foram maravilhosos.
Ao meu orientador tenho muito mais que pedir desculpas pelo tanto que o
aporrinhei ao longo desses dois anos. Sem sua paciência, gentileza, dedicação e
competência esse trabalho jamais teria se concluído.
Ao Gegê agradeço pelo início e ao Clô agradeço pelo fim.
A todos vocês, muito obrigada.
R
ESUMO
LOPES, Janaina Christina Perrayon. Casamentos de escravos nas freguesias da
Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá: uma contribuição aos padrões de
sociabilidade matrimonial no Rio de Janeiro (c.1800 – c.1850). Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2006.
O presente trabalho se propõe ao estudo dos padrões de sociabilidade matrimonial
forjada pelos escravos que se casaram nas freguesias da Candelária, São Francisco Xavier e
Jacarepaguá na primeira metade do século XIX. São investigadas as escolhas feitas pelos
casais no que tange à naturalidade, condição jurídica, cor e etnia dos cônjuges. A
sazonalidade dos casamentos também é observada levando-se em consideração o ciclo
anual da cana-de-açúcar e as flutuações do tráfico atlântico de escravos neste mesmo
período. E a partir da análise dos registros de matrimônio escravo da Candelária, busca-se
perceber o papel desempenhado pelas testemunhas de casamento no processo de
socialização desses cativos.
ABSTRACT
LOPES, Janaína Christina Perrayon. Marriage of Slaves in the Patronage of Candelária,
São Francisco Xavier and Jacarepaguá: a contribution to the model of matrimonial
sociability at Rio de Janeiro (c.1800-c.1850). Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2006.
This work proposes to study the models of matrimonial sociability forged by slaves that
took marriage in the patronage of Candelária, São Francisco Xavier and Jacarepaguá at the
first part of nineteenth century. The choices made by the couples concerning the
naturalness, juridical conditions, color and ethnical consort will be inquired. The season
aspects of the marriages is also observed taking into account the sugar cane annual cycle
and the fluctuation of the Atlantic Slave trade in this same period. Departing from the
analyses of the registers of Candelária slave matrimony, one tries perceive the role
performed by witness in the process of socialization of this captives.
Introdução
O presente trabalho propõe uma reflexão em torno do que poderíamos chamar de
mercado matrimonial escravo e suas relações com a dinâmica econômica e social da
capitania (mais tarde província) do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX,
sobretudo no que tange ao seu perfil demográfico. Ao recuperar as relações estabelecidas
entre os homens e mulheres escravizados e forros que buscavam sancionar suas uniões
através da benção eclesiástica nas freguesias da Candelária e de São Francisco Xavier e
Jacarepaguá, serão levadas em consideração as condições adversas em que estes
casamentos aconteciam.
1
O trabalho teve como eixo empírico os registros matrimoniais de escravos e
forros das ditas freguesias depositados no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro. A primeira tarefa, portanto, foi a de coletar dos livros aqueles registros referentes
aos casamentos que envolveram ao menos um cativo ou forro entre os nubentes. Possuindo
estruturas internas relativamente invariáveis e sendo de natureza maciça e reiterativa no
tempo, as fontes eclesiásticas como os registros de matrimônio possibilitam uma análise a
partir da formação de séries. Ao todo foram coletados 237 registros de casamentos da
Freguesia da Candelária-RJ, de 1809 a 1837; 707 registros da Freguesia de Jacarepaguá-
RJ, de 1790 à 1837; e 94 registros da Freguesia de São Francisco Xavier-RJ, de 1810 à
1820.
Num primeiro momento, uma fonte com estas características tornou viável capturar
regularidades no que poderíamos chamar de comportamento matrimonial. Na coleta dos
dados informações como o dia, o mês, o ano e a hora da realização do casamento, presentes
nos registros, foram as bases para a construção de um banco de dados e para a posterior
1
Sobre o Rio de Janeiro e especificamente sobre a Freguesia da Candelária e de São Francisco
Xavier na primeira metade do séc. XIX, utilizaremos como fontes secundárias as seguintes obras:
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora
Univercidade, 2000.; KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850).
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio Antigo. Rio de
Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965; DEBRET, Jean B. Viagem Histórica e pitoresca ao Brasil. São
Paulo: Martins Fontes/EDUSP, 1972.
análise do comportamento sazonal do grupo. No intuito de estabelecer parâmetros
comparativos quanto a esse aspecto, foram também coletados 547 registros de matrimônios
de livres da Freguesia de Inhaúma de 1817 a 1869 e aplicados neles todo o procedimento
metodológico utilizado nas atas matrimoniais envolvendo escravos e forros. Do mesmo
modo, dados como a naturalidade, estatuto jurídico, cor e etnia foram utilizados para a
reflexão sobre os padrões de escolha dos cônjuges. Confrontados com a dinâmica do tráfico
atlântico a partir de fontes secundárias, buscou-se perceber as relações entre estas variáveis
e a dinâmica econômica da cidade.
As fontes também forneciam, eventualmente, os nomes dos pais, senhores ou ex-
senhores dos noivos, além de informações relativas ao batismo dos cônjuges quando estes
não eram mais aos olhos da Igreja. No entanto, os registros de casamento traziam sempre o
nome das testemunhas da cerimônia, na medida em que sua presença e assinatura era uma
exigência eclesial para que o rito fosse considerado válido. Com essa informação presente
no banco de dados, foi possível montar, para a Freguesia da Candelária, uma rede de
testemunhas associadas aos nomes dos cônjuges que os escolheram, e pensar, nesse caso,
nos critérios e motivações utilizados por ambos para configuração de tal arranjo de
sociabilidade.
Vale lembrar que tais uniões tinham uma especificidade, qual seja, foram
sancionadas pela Igreja Católica, o que significa dizer que envolveram um número
pequeno de homens e mulheres em relação ao conjunto dos escravos que encontraram um
companheiro e firmaram com ele uma aliança. De uma maneira geral não só os escravos,
mas a maioria da população tinha dificuldades para atender as exigências relativas ao
casamento. Nesse sentido, o testemunho de Auguste de Saint-Hilaire pode nos ajudar a
entender melhor o comportamento da população face à legislação canônica:
“Ainda que as partes estejam perfeitamente de acordo é necessário que tenha
lugar um processo perante o vigário de vara, e o resultado dessa ação bysarra
é uma provisão que se paga por 10 ou 12$000 réis (...) ou mais, o que
autoriza o outro a casar os nubentes. Se existe a sombra de um impedimento,
então a despesa sobe a 30, 40, 50$ ou mais. É verdade que não há nada a
acrescentar a essas despesas para a cerimônia do casamento propriamente
dito, mas é necessário distender ainda 1$200 com os proclamas. Assim em
um país onde já existe tanta repugnância pelas uniões legítimas, e onde seria
tão essencial para o Estado e a moralidade pública que elas fossem
encorajadas, os indigentes são por assim, arrastados pela falta de recursos a
viver de modo irregular.”
2
É possível, então, entender o alto índice de uniões consensuais presentes no período
que pretendemos estudar quando levadas em consideração as dificuldades de escravos,
forros, e de livres pobres para arcar com os altos custos estipulados pela Igreja para
obtenção da benção nupcial. Além disso, segundo Sérgio Nadalin, essa situação
provavelmente
“combinava-se com uma herança dos primeiros tempos da colonização,
relacionada à duas práticas matrimoniais (...) reconhecidas pelas Ordenações
do Reino, que consistiam no casamento à porta da Igreja e no casamento
presumido. Esta última prática pressupunha apenas a coabitação prolongada
(...).”
3
Ronaldo Vainfas embora não negue que a questão financeira e a burocratização do
processo matrimonial dificultassem a realização de um casamento sob a benção
eclesiástica, prefere colocar o problema em outros termos. Não seria sensato, por parte da
Igreja, insistir num rigor absoluto do cumprimento das normas prescritas para a realização
do sacramento e, consequentemente conduzir a maioria da população ao concubinato. A
partir de processos inquisitoriais contra bígamos do século XVI ao XVIII, o que Vainfas
verificou foi um certo afrouxamento da verificação eclesiástica em relação aos documentos
exigidos pelos celebrantes no momento da feitura do processo de casamento. Se era
escasso o número de uniões legais na Colônia, e o concubinato era prática comum
sobretudo entre os mais pobres, era porque, para o autor, faltava-lhes “recursos não para
pagar a cerimônia de casamento mas para almejar uma vida conjugal minimamente
alicerçada segundo os costumes sociais e a ética oficial”.
4
De todo modo, a historiografia
sugere um alto grau de tolerância para com as uniões consensuais estáveis e embora as
2
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Belo Horizonte: Hitatiaia - São Paulo: USP, 1975, p.84.
3
NADALIN, Sérgio Odilon. A demografia numa perspectiva histórica. Belo Horizonte:
ABEP, 1994, p.30.
4
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de
séries de dados construídos sejam de registros matrimoniais de origem eclesiástica e,
portanto, digam respeito a uma prática pouco comum entre escravos e forros, elas serão
utilizadas como indicadores de determinadas relações sociais e padrões culturais. Sendo
assim, “o casar” será analisado aqui, enquanto um fenômeno que, sofrendo a influência de
imperativos de ordem religiosa, econômica e cultural, reflete, de formas diversas, o
contexto social circundante.
Desde o século XVII a Igreja de Roma vinha tentando implementar uma política de
sacramentalização da fé. Desse modo, os fiéis eram incentivados a traduzir em gestos
concretos sua devoção através da prática dos sacramentos. Além da confissão e da
comunhão, aqueles que de fato observavam a fé católica deveriam sobretudo casar-se e
batizar seus futuros filhos sob a benção da Igreja.
5
As Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia formalizaram no início do século XVIII, com base nos dispositivos
do Concílio de Trento, as regras e a obrigatoriedade dos registros de batismo, casamento e
óbito do Brasil colonial, o que, segundo Maria Luiza Marcílio, foi providencial para os
estudos históricos e, particularmente, para os de Demografia Histórica.
6
Os registros
paroquiais como atas de batismo, casamento e óbito fizeram na Colônia as vezes do
registro civil, possibilitando ao pesquisador capturar o indivíduo em diferentes momentos
de seu ciclo vital, constituindo-se como fontes privilegiadas para os estudos da população.
Michael Anderson destacando também a importância do uso de outros tipos de fontes
como as listas nominativas, lembra que o aperfeiçoamento das técnicas de utilização de
registros eclesiásticos, por parte dos demógrafos franceses na década de 50, significou uma
mudança para os estudos de família, e para a realização do que autor chama de uma
“aproximação demográfica”.
7
Na medida em que os historiadores passaram também a
adotar os métodos quantitativos das ciências sociais, construíram grandes bancos de dados
Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 94.
5
Sobre este tema conferir: OLIVEIRA, Anderson José Machado. Os Santos pretos carmelitas:
culto dos santos, catequese e devoção negra no Brasil colonial. Tese de Doutorado. Niterói: UFF,
2002.
6
MARCÍLIO, Maria Luísa. “Os registros eclesiásticos e a demografia histórica da América
Latina.” in: Memórias da I Semana de História. Franca, 1979, p. 260.
7
ANDERSON, Michael. Aproximações a la historia de la familia occidental (1500-1914).
Madrid: Siglo Veintiuno de Espanha Editores, 1988.
e puderam assim, estabelecer comparações entre comunidades diferentes em períodos
maiores de tempo.
O alto custo da cerimônia, as exigências burocráticas da Igreja e a prática largamente
difundida e aceita do concubinato não serão os únicos elementos considerados como pano
de fundo deste trabalho. De igual maneira, as altíssimas taxas de masculinidade, as
igualmente altas diferenças sexo-etárias, presentes na população de cor e também na
população em geral, e o grande número de estrangeiros decorrentes em boa parte da
inserção da cidade no tráfico Atlântico serão também levadas em consideração.
8
Se
pensarmos o Brasil do ponto de vista de uma economia onde o tráfico de escravos
constituía-se em elemento fundamental para reprodução física da mão-de-obra escrava,
perceberemos que a escravidão aqui forjada trazia consigo uma série de características que
lhe eram peculiares, e que ao mesmo tempo derivavam de uma lógica empresarial que
tornou a economia dependente da importação de “almas”.
9
Sérgio Nadalin refletindo sobre os regimes demográficos do passado colonial
brasileiro analisa, dentre outros, o sistema demográfico da plantation
10
. Nele, o autor alerta
para a necessidade de se distinguir dois “regimes demográficos restritos”: o das camadas
senhoriais e o dos escravos. Neste último, a flutuação da produção e exportação do açúcar,
o volume, a continuidade e custo do tráfico e por fim, o reforço da cultura africana, as
razões de masculinidade e a estrutura etária dessa população, são elementos que devem ser
levados em conta.
Os números do tráfico revelam uma demografia desequilibrada, em que a preferência
etária era por escravos adultos (e, portanto, em idade produtiva ótima), e a demanda por
homens era maior do que por mulheres. Essa configuração se traduzia em um potencial de
reprodução endógena baixo e significava, do mesmo modo, uma população escrava
estrangeira em grande parte.
8
KARASCH. Op. cit., p. 382.
9
FLORENTINO, Manolo. Em costas Negras: uma história do tráfico de Escravos entre a
África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
10
NADALIN, Sérgio Odilon. “A população no passado colonial brasileiro”. In: Topoi: Revista
de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras,
2004, volume 4, número 7, jul-dez, 2003, p.260.
Do ponto de vista do volume, o número de africanos importados através do porto do Rio de Janeiro
era, nesse período, o maior de toda a América, sendo importante também o fato de serem a primavera e o
verão as estações privilegiadas dessas importações.
11
Havia uma tendência ao aumento de volume de
entradas, o que se traduzia em crescimento concomitante do volume de negócios e da própria economia
escravista.
12
Por outro lado, o valor relativamente baixo atribuído ao escravo permitia a sua super exploração,
já que facilmente poderia ser substituído por meio do incremento cada vez maior do tráfico atlântico.
A reprodução física dos cativos, portanto, se dava sobretudo fora da colônia, ao
contrário do que ocorria por exemplo nos Estados Unidos da época, onde o processo de
crioulização da escravaria e, portanto, de reprodução endógena, significou uma relação
muito menos íntima entre o tráfico e a América do Norte comparativamente à América
portuguesa. É relevante destacar que, mesmo em número inferior, as mulheres também
eram demandadas pelo mercado atlântico de almas. Mas Herbert Klein ressalta que as
cativas também estavam inseridas, do ponto de vista africano, em outra lógica: poderiam
ser transferidas para o mundo islâmico, atendendo aos sultanatos daquela região, ou
poderiam ser mantidas escravas dentro da própria região central do continente.
13
De certa
maneira, a lógica atlântica do tráfico, desejosa de braços masculinos, coincidia com a
africana, na medida em que devemos levar em consideração não só o fato deste comércio
não constituir-se um elemento exógeno à África, mas também o da oferta africana de
homens para o Atlântico atender a demanda americana. É importante perceber que, de um
modo geral, isso pôde ser traduzido na relativa garantia de manutenção dos índices de
produção agrícola das regiões africanas envolvidas com o tráfico, já que eram as mulheres
as responsáveis por este setor. Outra conseqüência foi a manutenção, nessas regiões, de seu
potencial reprodutivo, não obstante as razias realizadas, pois a permanência de mulheres
significava a permanência de úteros. No que diz respeito ao outro lado do Atlântico
11
Vale ressaltar o fato de que o porto do Rio de Janeiro tornou-se desde o século XVIII o mais
importante de todo o Império Português, superando inclusive o da praça mercantil de Lisboa. Sobre
esse assunto utilizaremos: FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto:
mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790-c.1840. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1998; ANTUNES, Luís Frederico Dias. Têxteis e metais preciosos: novos
vínculos do comércio indo-brasileiro (1808-1820). In: FRAGOSO, João., BICALHO, Maria
Fernanda Bicalho., GOUVÊA, Maria de Fátima., Orgs. O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
12
FLORENTINO, op.cit., p.61.
envolvido no tráfico, o que se deu foi uma configuração demográfica que além de adulta,
estrangeira e preta, alcançou razões de masculinidade altíssimas.
Vale ressaltar que aqui, entre os livres a distribuição sexo-etária encontrava-se também desequilibrada,
obviamente não em virtude do tráfico atlântico e sua lógica empresarial, mas por conseqüência das
características da migração portuguesa para terras brasileiras
14
. Contudo, incorreríamos em erro se não
ressaltássemos dentre toda a população de cor, independentemente de seu estatuto jurídico, a exceção
referente aos crioulos. Qualquer intercurso sexual que redundasse em nascimento, traria consigo não só a
possibilidade do aumento populacional como também a do equilíbrio sexual deste grupo. A partir destas
características é possível pensar uma região como o Rio de Janeiro, cuja distribuição sexo-etária
desequilibrada acarretasse, de igual maneira, um mercado matrimonial desequilibrado, onde nem todo homem
encontraria uma mulher para casar-se, sobretudo se fosse escravo. Daí segue que a razão de masculinidade, ou
seja, o número de homens para cada grupo de cem mulheres, chegasse a flutuar no meio urbano de 136 em
1800-2 a 285 em 1815-7, e no meio rural de 142 em 1790-2 a 228 em 1810-2.
15
O tráfico atlântico de almas e suas flutuações tornavam comum a presença do
estrangeiro, o que influía diretamente na vida e na sociabilidade dos cativos. Segundo
Manolo Florentino e José Roberto Góes, a formação de laços de parentesco seria, então,
uma maneira de tornar o estranho mais próximo e, portanto, passível de convivência, num
cenário em que o alto grau de estrangeirização tornava igualmente alto o potencial de
conflito. Ao mesmo tempo, a formação de tais laços favoreceriam ao senhor com a
pacificação de seu plantel que, por sua vez, permitiria recorrer ao tráfico novamente
reintroduzindo estrangeiros que se integrariam ao plantel e, mais tarde, formariam novos
laços parentais.
16
Frente a desproporção entre os sexos, haveria um incremento dos
nascimentos por meio de mulheres que pariam cedo se comparadas às livres. A
transposição e posterior adequação de um padrão cultural de base africana, seria uma
explicação para tal fato, no entanto, a maternidade precoce das escravas seria muito mais
uma forma de perpetuação da comunidade cativa frente ao risco de desaparecimento por
13
KLEIN, Herbert. Tráfico de escravos, in: IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil. Rio de
Janeiro, 1986. p.53.
14
FLORENTINO, Manolo e MACHADO, Cacilda. “Imigração portuguesa e miscigenação no
Brasil nos séculos XIX e XX: um ensaio”, in: LESSA, Carlos. (Org) Os Lusíadas na aventura do
Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002.
15
FLORENTINO, Manolo. Op. cit. p.269.
16
FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. A paz das Senzalas: famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
conta do desequilíbrio sexual. Desse modo, diante da escassez de mulheres, era necessário
tornar o parentesco mais complexo com a geração de filhos, logo que fosse biologicamente
possível para elas.
17
Diante do desequilíbrio entre africanos e crioulos a endogamia do ponto de vista da
naturalidade era a norma. Com a alta do tráfico, havia uma queda nas uniões mistas e entre
africanos em função do fechamento dos crioulos entre si que acabavam por hostilizar a
presença dos estrangeiros.
18
O controle do mercado matrimonial pelos mais velhos era
também uma prática de regulação matrimonial decorrente do desequilíbrio etário entre os
escravos. Em momentos de estabilidade do tráfico, quanto mais velhas as escravas maior a
diferença etária com o par e quanto mais velhos os homens maior o domínio destes em
relação as parceiras mais novas e portanto em idade fértil.
19
Para Robert Slenes, no entanto, a relação com os mortos e com os ancestrais, bem
como as esperanças e recordações africanas seriam a “flor” presente no cativeiro que
ajudava e estruturava a vida dos escravos.
20
A família por seu turno, não é vista pelo autor
como condição estrutural para a manutenção do sistema e, consequentemente do domínio
senhorial. Na medida em que experiências imediatas dos escravos, como a formação de
família, teriam sua origem em instituições e redes parentais arraigadas no tempo e seriam
importantes para a transmissão e reinterpretação da cultura, elas jamais poderiam ser
interpretadas da mesma maneira pelo grupo dominante. De todo modo, ambos observam
uma série de padrões no comportamento cativo, especialmente no que tange ao parentesco,
que puderam minorar os efeitos das condições adversas vividas no cativeiro. Sendo assim, a
tarefa fundamental que se coloca é a de perceber, a partir da análise dos casamentos de
escravos e forros das freguesias cariocas da Candelária, São Francisco Xavier e
Jacarepaguá, como estes homens e mulheres criaram padrões de comportamento que
dirimiram, ao menos em parte, os problemas oriundos dessas condições.
17
Idem. p. 140.
18
Idem. p.148.
19
Idem. p. 154.
20
SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família
escrava. Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
Sergio Nadalin analisando famílias pobres de Curitiba no mesmo período, define a
união matrimonial abençoada pela igreja como resultado e ao mesmo tempo fonte de
estabilidade econômica e social para aqueles que a procuram.
21
Nesse sentido a própria
busca pelo casamento por parte de escravos e foros, e em especial a procura pela benção
eclesial, pode ser entendida como uma estratégia do grupo, para alcançar estabilidade e
prestígio diante de seus pares e de seus senhores. Da mesma forma, este trabalho se
inscreve, portanto, em meio aos recentes estudos que têm procurado demonstrar que o
parentesco e as famílias escravas não se configuravam enquanto realidades efêmeras da
sociedade, nem tão pouco, como uma concessão senhorial, mas ao contrário, eram
elementos recorrentes e estruturantes no interior do sistema.
21
NADALIN, Sérgio Odilon. “A população no passado colonial brasileiro”. Op. cit.
Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá.
A cidade do Rio de Janeiro experimentou grandes mudanças na primeira metade
do século XIX com a chegada da família real portuguesa. Ao transformar-se na capital
do império português a cidade viu alterada sua população que cresceu significativamente
entre os anos de 1808 e 1849. A vinda não só da nobreza e da burocracia lusa, mas
também de mercadores, camponeses e artistas, fez crescer a demanda por escravos, já
incrementada periodicamente pela dinâmica agro-exportadora. Houve então um
incremento do tráfico e um aumento da quantidade de africanos na cidade, que aliado ao
número de imigrantes fez crescer o número de estrangeiros na cidade, dobrar a
população escrava e transformar os homens e mulheres de cor em dois terços da
população.
22
Utilizando os censos populacionais disponíveis, realizados na época, podemos
perceber que as freguesias aqui estudadas refletem as transformações sofridas pela
população da cidade nesse período. Os anos de 1821 e 1849 serão utilizados como
parâmetro do perfil populacional em função da escassez de dados nos demais anos. O
Censo de 1799, por exemplo, fornece dados sobre os livres, os libertos, distinguindo
pardos e pretos, e os escravos, mas exclui os números referentes às freguesias de São
Francisco Xavier e Jacarepaguá. Já o de 1821, realizado por ordem de D. João VI e
empreendido pelo Ouvidor da Comarca Joaquim José de Queiroz, oferece os dados
sobre todas as freguesias que nos interessa, embora não faça distinção entre livres e
libertos e não forneça dados mais detalhados quanto à cor e a nacionalidade da
população. E somente em 1849 no Censo realizado por iniciativa do Dr. Roberto Jorge
Haddock Lobo e sob os auspícios do ministro e secretário de Estado dos Negócios da
Justiça Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara, encontramos dados referentes à
quantidade de estrangeiros tanto na a população livre como na forra e escrava.
Em 1821, apesar da imigração branca, 46% da população era escrava. Como
vemos na Tabela 1 que nos mostra a distribuição da população das freguesias da
Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá em 1821 o percentual de escravos é
sempre maior em relação à população livre. A explicação para essa configuração é tanto
a instabilidade econômica como o medo do fim do tráfico, que levou ao investimento,
por parte dos senhores, em escravos africanos, e a conseqüente inundação de pretos no
Rio de Janeiro durante esta década.
Tabela 1 – Distribuição da população das Freguesias da Candelária, São Francisco Xavier
e Jacarepaguá, 1821
Freguesia Fogos Habitantes
22
KARASCH, Mary C. Op. cit. p.106.
Livre
s
% Escravos
%
Total
Candelária 1434
5405 43,4
3
7040
56,5
6
12445
S. F. Xavier 546
1871 38,3
6
3006
61,6
3
4877
Jacarepaguá 457
2561 43,4
3
3280
56,1
5
5841
Fonte: BRASIL. Directoria Geral de Estatística. Rio de Janeiro, 1922. "Resumo histórico dos
inquéritos censitários realizados no Brasil" Introdução ao Recenseamento do Brazil realizado em
01 de setembro de 1920. pág. 193.
No final da primeira metade do século a população escrava tendeu a diminuir
percentualmente em relação aos livres, por conta de uma volumosa imigração européia
na década de 40, que começam inclusive a assumir trabalhos que antes eram restritos aos
escravos. Em 1849 os cativos eram menos de 38,3% da população total e tendeu ao
declínio depois da abolição do tráfico em 1850. Ao observarmos a Tabela 1.1
percebemos que a queda se apresenta também entre as populações das freguesias aqui
analisadas. A exceção é Jacarepaguá, onde o percentual de livres diminuiu (se somado
ao de forros aumenta muito pouco) e o de escravos cresceu cerca de 3%. Se em 1821 os
cativos representavam 56,56%, 61,63% e 56, 15% da população respectivamente, em
1849 eram 45,71%, 46,72% e 59,30%.
Tabela 1.1 – Distribuição da população das Freguesias da Candelária, São Francisco
Xavier e Jacarepaguá, 1849
Indivíduos Masculinos Indivíduos Femininos
Nasc. Livres Libertos Escravos Nasc. livres Libertos Escravos
Soma total
dos sexos
Freguesias
Bras.
Estr.
Bras.
Estr.
Bras.
Estr.
Bras.
Estr.
Bras.
Estr.
Bras.
Estr.
Masc.
Femin.
Soma
total dos
habitantes
das
freguesias
Lares
Candelá-
ria
2570 5005 16 92 1149 4772 1818 556 24 62 1089 1530 13604 5079 18683 1825
S. F.
Xavier
3338 1984 191 369 1749 4252 3825 611 287 520 1736 2022 11883 9001 20884 2386
Jacarepaguá 1563 108 336 120 1795 2080 1938 64 246 103 1497 1154 6002 5002 11004 838
Fonte: BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/Edusp, 1980, p. 355.
Para uma análise das tendências do comportamento matrimonial dos grupos
envolvidos nestes casamentos, é fundamental que também levemos em conta as
dinâmicas sociais próprias não só da cidade do Rio de Janeiro, mas especificamente, das
freguesias em que essas uniões foram registradas. Parece oportuno elencarmos então,
para além das igrejas e capelas que compunham as freguesias da Candelária e de São
Francisco Xavier e Jacarepaguá, alguns outros elementos e espaços que de alguma
maneira eram importantes, do ponto de vista econômico, social e cultural tanto para
estas freguesias como para toda a cidade.
Situada na parte comercial da cidade, a Candelária possuía neste período um grande
número de casas de importação e exportação e contava também com a presença do porto,
da Alfândega e de vários prédios públicos e comerciais. Segundo Noronha Santos esta
freguesia estava situada na parte comercial do Rio de Janeiro, onde “todos os terrenos
compreendidos na zona das ruas de S. Pedro, General Câmara, Alfândega, Hospício (...),
Rosário e Ouvidor até a Rua Uruguaiana, são foreiros à Municipalidade (...)”.
23
Dentre os
espaços que de alguma maneira configuravam-se como importantes do ponto de vista
sócio-econômico para a referida Freguesia, no período estudado, podemos citar dentre
outros: o porto,
24
a Alfândega, vários prédios públicos e comerciais como a Repartição
Geral dos Telégrafos, além da própria Igreja da Candelária, Paróquia que deu nome a esta
que foi a segunda Freguesia criada na cidade depois da de São Sebastião que, por sua vez,
abrangia geograficamente todas as terras dos primeiros povoadores portugueses.
25
Em seu
livro, Noronha Santos, também ressalta o fato de a Candelária possuir importante comércio
importador e exportador de fazendas, fumos, café, algodão, grande número de casas
comerciais de alfaiates, bazares, drogarias, depósitos, corretores de navios, além de prédios
importantes como consulados, bancos nacionais e estrangeiros, companhias de navegação
23
SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965. p.
24.
24
Vale ressaltar o fato de que o porto do Rio de Janeiro tornou-se desde o século XVIII o mais
importante de todo o Império Português, superando inclusive o da praça mercantil de Lisboa. Sobre
esse assunto utilizamos: FRAGOSO, João., FLORENTINO, Manolo. Op. cit..; FRAGOSO, João.,
BICALHO, Maria Fernanda Bicalho., GOUVÊA, Maria de Fátima., Orgs. Op. cit.
25
Sobre o Rio de Janeiro na primeira metade do séc. XIX, utilizei como fontes secundárias as
seguintes obras: FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro:
nacionais e estrangeiras e muitos outros estabelecimentos, edificações e monumentos que
conferiam à Freguesia, de fato, uma caráter comercial.
26
São Francisco Xavier também era considerada uma freguesia urbana embora
estivesse situada numa zona limite com o meio rural. Com a expulsão da Ordem dos
Jesuítas, em 1762 foram confiscados os bens e arrematada a vastíssima propriedade que
tinham os Padres da Companhia de Jesus no Rio de Janeiro. Alguns anos depois as terras
dos jesuítas, inclusive a Fazenda do Engenho Velho, foram demarcadas. Até que em 1815
foi dividida a freguesia cujos limites iam de Jacarepaguá, alto da Tijuca, Ruas do Bispo,
Haddock Lôbo e ponte do Rio Comprido, passando pelo Engenho Novo e Serra do Bom
Retiro, até a Rua São Francisco Xavier.
27
Mais uma vez recorrendo à Noronha Santos, ele
nos informa quão antiga era a indústria na freguesia, e diz inclusive que “ela já existia no
tempo dos jesuítas (...). Em diversos pontos encontramos algumas fábricas que se
recomendam pelos serviços que prestam à cidade”.
Já a freguesia de Jacarepaguá era marcadamente rural. Criada em 1665 a partir de
terras desmembradas de Irajá, em 1835 possuía oito engenhos de açúcar, além de fazendas
e sítios. Era exportadora de cana, aguardente e também de lenha, carvão vegetal, milho,
ervas, legumes e frutas.
28
Um dos mais ricos lavradores do Rio de Janeiro desse período, o
visconde de Asseca era dono da fazenda da Taquara situada nesta freguesia. Também nela
se encontravam as fazendas do Pau-Ferro, Camorim, Rio Grande, Vargem Pequena e
Vargem Grande, as duas últimas pertencentes aos Beneditinos.
29
Não parece, pois, difícil justificar incursões à lógica comercial e agrícola não só
das freguesias como também da cidade, para elucidar questões referentes à dinâmica
matrimonial dos escravos e forros que se casavam nestas freguesias, ao que parece, tão
fortemente entrelaçadas à economia não só da cidade, como também de toda a Colônia.
Assim como o Rio de Janeiro no século XIX, essas freguesias viviam basicamente do
trabalho escravo que se constituiu em presença marcante tanto no campo como nas cidades.
As transformações ocorridas após a chegada da família real em 1808, incrementaram ainda
Editora Univercidade, 2000; KARASCH, Mary C. Op. cit.; SANTOS, Noronha. Op. cit.; DEBRET,
Jean B. Op. cit.
26
SANTOS, Noronha. Op. cit.. p.18.
27
Idem. p.44.
28
SANTOS, Noronha. Op. cit. p. 83.
29
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. Op. cit.. p. 313.
mais a necessidade de mão-de-obra, que logo foi atendida por braços escravos. Além dos
cativos transportados de outras regiões da América portuguesa, a cidade recorria ao tráfico
direto da África que abastecia o Rio de Janeiro de braços africanos através de firmas
estabelecidas no mercado do Valongo, dos traficantes independentes e das casas leiloeiras.
Nesse sentido, ao analisarmos os casamentos de escravos e forros das Freguesias da
Candelária e São Francisco Xavier e Jacarepaguá na primeira metade do século XIX,
levaremos em consideração tanto o calendário religioso católico, como a dinâmica agrícola,
as flutuações do tráfico atlântico de escravos e o perfil demográfico da cidade.
Ainda que o grosso da produção se concentrasse no meio rural, os centros urbanos
eram o suporte e uma extensão da economia agrícola, embora a escravidão e sobretudo a
vida dos cativos tenham assumido características próprias na urbe. Ainda que muitos
escravos urbanos se dedicassem às tarefas domésticas um grande número deles se
dedicava a serviços manuais, especializados ou não, considerados desqualificados e
degradantes. Podiam ser sapateiros, ferreiros, alfaiates, carpinteiros, carregadores e
vendedores, o que com muita freqüência levava os escravos a passarem boa parte do
tempo fora da casa do senhor e, portanto, longe de seu controle. A mobilidade espacial
usufruída pelo escravo urbano lhe permitia inclusive misturar-se a população negra livre
e com muita facilidade serem confundidos com ela.
O número de escravos por senhor nas cidades era reduzido por conta
principalmente do espaço físico limitado das casas, contudo, era grande o número de
proprietários. Aqueles senhores que possuíam mais escravos que o necessário para as
tarefas domésticas, podiam lançar mão do sistema de aluguel de escravos à terceiros e
com isso aumentar sua renda. Outra forma de trabalho amplamente utilizada que se
desenvolveu nas cidades foi o sistema de ganho. Exclusividade do meio urbano, essa
forma de trabalho permitia que os escravos fossem para as ruas fazer biscates ou
empreitadas à terceiros, e exigia que ao final de um determinado período entregassem
aos seus senhores uma soma previamente estabelecida. Alguns “escravos de ganho”
conseguiam ficar com a diferença entre o que arrecadavam e o que acordavam com seu
senhor e acumulavam, assim, algum pecúlio. No entanto, as quantias diárias ou semanais
a serem pagas podiam ser altas, o que fazia com que os escravos por vezes sequer
atingissem a soma exigida.
30
Enfim, a existência de espaços de agregação social entre os cativos parece-nos hoje
inquestionável na historiografia sobre escravidão. Vários trabalhos, como os já
apresentados, percebem instituições como a família, as irmandades e as próprias relações de
compadrio enquanto constitutivas da vida cotidiana dos cativos e dos homens e mulheres de
30
ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: Estudo sobre escravidão urbana no Rio de
Janeiro. Petrópolis: Vozes, 1988.
cor. Relações essas, entendidas sobretudo enquanto práticas capazes de extirpar a anomia e
tornar um pouco melhor a vida no interior de uma sociedade escravista.
1. Com quem casar
Se for verdade que para sobreviver é preciso associar-se, o casamento é então ocasião
privilegiada para a construção de alianças políticas e sociais, trocas e solidariedades. A
escolha do cônjuge será aqui analisada tendo como pano de fundo o fato de que os grupos
envolvidos nos casamentos das Freguesias da Candelária, São Francisco Xavier e
Jacarepaguá eram em grande parte estrangeiros, no caso dos escravos e forros africanos ou,
numa situação ótima, a segunda geração nascida em solo brasileiro (para o caso dos
escravos e forros crioulos). Deste modo, na maioria das vezes os homens e mulheres
cativos e forros que buscaram associar-se via união matrimonial não traziam ninguém
consigo, além de si próprios. Avós, pais, tios com toda certeza existiam, mas eram poucos.
A criação de parentes via casamento, nestes casos, toma um outro sentido, já que o
matrimônio, a princípio, para a maioria dos escravos não redundava para os cônjuges na
agregação de cunhados ou sogros, mas tão somente o nascimento futuro de um filho.
Tomando de empréstimo a nomenclatura utilizada por Lévi-Strauss para enquadrar os
antropólogos em duas “seitas” rivais, podemos dizer que o matrimônio aqui deve ser
analisado como uma relação “horizontal” e não “vertical”. Segundo o autor, “os
antropólogos verticais” vêem a sociedade como um conjunto de filiações nas linhas de
descendência. Já os “horizontais” capturam um agregado de famílias elementares formadas
por um homem, uma mulher e um filho.
31
Ainda que possamos pensar na possibilidade de
que muitos escravos se inseriam em relações parentais não consangüíneas anteriores ao
casamento, como por exemplo o compadrio, os registros de matrimônio não nos permitem,
a princípio, capturar séries de ascendentes e descendentes desses escravos e forros, sequer o
pai dos crioulos. O foco aqui estará centrado, então, sobre as escolhas dos cônjuges do
ponto de vista do estatuto jurídico, da naturalidade, das cores e das etnias. Ainda que
possamos pensar que o casamento por meio da igreja podia significar para muitos a
formalização e consolidação de uniões pretéritas, tais uniões devem ser vistas antes de tudo
31
LÉVIS-STRAUSS, Claude. Prefácio. In: BURGUIÈRE, André (et. al.). História da
Família: mundos longínquos, mundos antigos. Rio de Janeiro: Ed. Terramar: 1998.
como mecanismo de integração e de transformação daqueles que um dia foram
majoritariamente estrangeiros – estranhos ou até inimigos – em amantes e parentes.
Para tanto, foram distribuídos todos os casamentos das freguesias da Candelária,
São Francisco Xavier e Jacarepaguá; primeiro, de acordo com a situação jurídica, que
poderia ser escrava, forra, livre ou simplesmente não constar no documento, e, depois, de
acordo com a naturalidade que poderia ser africana, crioula, portuguesa (casos de livres
casando com escravos e forros) ou de igual maneira não aparecer nas fontes.
32
Para a freguesia da Candelária vale dizer que, no que se refere ao estatuto jurídico
dos 474 cônjuges envolvidos nesses matrimônios, 268 eram escravos e 158 eram forros, o
que em termos percentuais representa 56% e 33%, respectivamente. A presença de apenas 8
homens livres revela uma participação coadjuvante, justificada pelo fato destes terem
optado pelo casamento com consortes pertencentes ao grupo dos escravos e forros, estes
sim, objetos privilegiados do presente trabalho.
Na distribuição dos casamentos nas Freguesias da Candelária, São Francisco Xavier
e Jacarepaguá observa-se um comportamento endogâmico, sobretudo entre os escravos no
que tange ao estatuto jurídico. Na primeira, dos 139 casamentos envolvendo ao menos um
cônjuge escravo, apenas doze não foram com outro escravo, ou seja, 92% dos casamentos
foram endogâmicos. Quanto aos ex-cativos, semelhante padrão não esteve tão fortemente
marcado, mas ainda assim, dos 98 matrimônios envolvendo um consorte forro,
aproximadamente 2/3 deles tinham por parceiro um outro forro, e os outros 37,8% eram
com livres ou pessoas de estatuto jurídico indefinido.
É preciso uma ressalva na análise do comportamento dos cônjuges em São
Francisco Xavier e Jacarepaguá. Nessas Freguesias, a endogamia tornou-se praticamente
absoluta em função do livro de registros ser exclusivo de escravos. Em Jacarepaguá
casamentos de forros e livres só estiveram presentes em função de terem se realizado com
parceiros escravos. Desse modo, os casamentos forros da Candelária são os únicos a servir
de parâmetro de comparação com os matrimônios escravos das demais Freguesias aqui
observadas.
Quando analisados de acordo com a naturalidade dos cônjuges, percebemos que
foram os africanos (tanto escravos quanto forros) quem de fato assumiam um claro
comportamento endogâmico nas três freguesias. Na Candelária, os africanos representavam
mais da metade da amostragem, chegando a 60%. Os crioulos, por sua vez, chegavam a um
total de 131 nubentes – 27% do total. Dos 202 escravos africanos, 88 % casaram entre si, e
os outros 12% com crioulos e portugueses. Os 46 escravos crioulos, por sua vez, não se
mostravam tão fechados, já que somente 20 (43%) deles casaram-se com outros crioulos, e
dezoito (39%) dos 26 restantes com escravos africanos. Entre os forros, o comportamento
dos 81 que eram africanos também tendeu ao fechamento, já que 64 (79%) casaram-se com
outros consortes da mesma naturalidade. Dos 61 forros crioulos dos quais se conhece o
estatuto jurídico do parceiro ou da parceira, metade dos homens se casam com forras
crioulas, e pouco mais de 2/3 das mulheres tiveram o mesmo comportamento.
O padrão de recusa de um consorte em relação a uma naturalidade distinta da sua,
observado entre os forros, muito provavelmente pode ser atribuído a uma herança do
padrão estabelecido no cativeiro. Em São Francisco Xavier, dos 77 casamentos escravos
envolvendo africanos, 71% foram endogâmicos do ponto de vista da naturalidade, enquanto
que, entre os crioulos, de 28 apenas oito uniram homens e mulheres nascidos no Brasil. Em
Jacarepaguá embora haja um número muito expressivo de homens escravos com origem
indeterminada, 84% dos cativos africanos que se casaram o fizeram com outra africana.
Pela Tabela 2 abaixo podemos observar que, a escolha dos pares demonstrou até
aqui padrões absolutamente endogâmicos do ponto de vista jurídico e por naturalidade,
embora fossem diferenciados os níveis de interação matrimonial entre mulheres e homens
escravos, livres e forros nestas Freguesias. A este respeito tivemos, por exemplo, na
Freguesia da Candelária, três escravas (duas africanas e uma crioula) casadas com
portugueses; além disso, cinco forras casaram com livres, sendo uma africana – com um
brasileiro –, uma crioula com um brasileiro, e três crioulas com portugueses.
32
Cf. Anexos 1, 1.1, 1.2 e 1.3.
Tabela 2 – Distribuição percentual dos casamentos por situação jurídica e naturalidade dos
cônjuges, Freguesias da Candelária (1809-1837), São Francisco Xavier (1810-1820) e
Jacarepaguá (1790-1837)
Estatuto Jurídico Naturalidade
Escravos Forros Escravos Forros
Freguesias
Endo* Exo** Endo Exo Endo Exo Endo Exo
Candelária 92,1 7,9 62,2 37,8 82,4 17,6 80,0 20,0
S. F. Xavier 98,9 1,1 - - 76,8 23,2 - -
Jacarepaguá 98,3 1,7 0,0 100,0 83,6 16,4 - -
Fonte: Anexo 1, 1.1 e 1.2.
*Endo – Endogâmicos
**Exo – Exogâmicos
Embora os casamentos da Candelária, no período estudado, não tendessem à
hipergamia,
33
verifica-se uma distinção entre os horizontes vislumbrados pelas mulheres e
pelos homens escravos e forros.
34
Os homens, independente do estatuto jurídico, não
“entraram” no mundo das mulheres livres através da união legal; as mulheres forras e
escravas, ao invés, chegaram ao mundo livre “alcançando”, inclusive, os portugueses.
Podemos citar os casos presentes no Quadro 1 como o de Joaquina Rosa, por exemplo:
parda forra, natural e batizada na cidade do Rio de Janeiro, “levou para o altar” no dia 15 de
dezembro de 1812, o português do Porto, Antônio José Martins. Ainda nesta freguesia
encontramos Clara: parda, uma escrava crioula que entrando na disputa do desequilibrado
mercado matrimonial casou-se, como poucas de seu estatuto jurídico, com um homem
livre. Seu consorte foi Antônio Pereira da Silva, um índio filho de Antônio Amaro M. da
33
Endogamia é aqui entendida como sendo o casamento entre pessoas de um mesmo grupo. Já
exogamia, trata-se do casamento entre pessoas de grupos diferentes. Segundo Aurélio Buarque de
Holanda, hipergamia significa “casamento com indivíduo com status social, econômico ou religioso
mais alto”, bem como hipogamia significa “casamento com indivíduo com status social, econômico
ou religioso mais baixo”. Cf. HOLANDA, Aurélio. Dicionário eletrônico Aurélio século XXI. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
34
Para Carlos A. M. Lima não apenas a hipergamia, mas também a isogamia devem ser
entendidas como estratégias. Esta última não deve ser entendida suma perspectiva negativa, sem
sentido ou resultante da falta de opção. Cf. LIMA, Carlos A. M. “Além da Hierarquia: Famílias
negras e casamento em duas freguesias do Rio de Janeiro (1765-1844)”. In: Revista Afro Ásia, n.º
Rocha. Na Freguesia de Jacarepaguá também temos um livre com naturalidade e a cor
ausentes no registro casado com uma escrava crioula. No entanto, podemos desconfiar se
um homem sem sobrenome chamado apenas de João não era na verdade um forro. Outro
caso é o da africana parda Catharina Vieira de Lima presente no Quadro 2, batizada na
Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios em Angola, que no décimo terceiro dia do mês
de fevereiro do ano de 1810 casou-se com João Monteiro, um português natural da cidade
de Lisboa, batizado na Freguesia de São Estevão de Afonso.
Quadro 1 – Situação Jurídica/Naturalidade
Candelária:
24.
Antônio Pereira da Silva
Íd / Bras / ?
Clara Parda
E/Cr/Pd
?
Antônio Amaro
M. da Rocha
José
Martins
Maria
Josefa
Antônio José Martins
Porto / Freg. S. Francisco
L / Po / Br
Joaquina Rosa
Quadro 1 – Continuação
Jacarepaguá:
Francisco
E / ? / Pd
Francisca
L/Cr/?
Carlos
E / ? / ?
Domingas
L / Cr / ?
Francisca
L / Cr / ?
Carlos
E / ? / ?
João
L
Mariana
E/Cr/?
Quadro 2 – Cor
Candelária:
Leandro José de Almeida
RJ / Freg. S. José
L / Bras / Pd
Maria Pires
RJ / Candelária
?
Ana
E / ? / Pt
Antônio José dos
Santos
Maria de
Jesus
Antônio José dos Santos
braga
L / Po / Br
Francisca
F/Af/Pt
Pascoal
Rodrigues
Dionísia
Maria
João Monteiro
Lisboa
L / Po / Br
Catarina V. Lima
Angola
F/ Af / Pd
Maria do
Rosário
Jorge dos Reis
Quadro 2 – Continuação
São Francisco Xavier:
Jacarepaguá:
?
Júlia
Cr / ? / Pd
José
E / Cr / Pd
Henriqueta
Benguela
E/Af/Pt
Luís
E / ? / Pd
Maria
Nação
EAf/Pt
Joaquim
E / ? / Pd
Gertrudes
E/Cr/Cb
Prudêncio
E / ? / Cb
Juliana
Monjolo
E/Af/Pt
A inteligibilidade de tudo que foi visto torna-se mais clara sobretudo quando levamos
em consideração a distribuição sexo-etária extremamente desequilibrada a que estavam
submetidos os homens e mulheres, fossem escravos ou livres. Dessa maneira, a alta
razão de masculinidade acabou por fazer com que até os livres disputassem mulheres no
mercado matrimonial escravo e forro. Em Portugal, as altas taxas de fecundidade, o
predomínio de pequenas propriedades e um sistema de heranças que privilegiava apenas
um dos herdeiros (para evitar uma excessiva fragmentação da terra) acabou por
impulsionar uma migração portuguesa predominantemente masculina, jovem, solteira e
pobre, originada sobretudo das províncias do norte e das Ilhas dos Açores e da Madeira.
No artigo “Imigração portuguesa e miscigenação no Brasil”, Cacilda Machado e Manolo
Florentino demonstram, a partir de registros de batismo de livres da Freguesia de
Inhaúma na primeira metade do século XIX, que os homens portugueses mostraram-se
seletivos na escolha da parceira a ser levada para o altar. Segundo os autores, “buscavam
portuguesas até onde fosse possível, partiam para as brasileiras brancas descendentes de
imigrantes lusos recentes e, por fim, para as brasileiras brancas de longínqua
ascendência lusitana.” Só então, em função da exigüidade de parceiras a seu gosto,
abriam-se ao casamento com mulheres de cor, escravas ou forras.
35
Se deslocarmos o poder de escolha dos homens para as mulheres livres, que, como as
cativas, estavam em menor número, podemos pensar na possibilidade de que os homens
que casaram com forras, ao invés de não terem encontrado uma parceira entre as livres,
foram na verdade rejeitados pelas portuguesas e brasileiras livres, as quais
provavelmente encontraram melhores partidos para casar. Ao mesmo tempo, foram as
escravas, e sobretudo as forras, que vislumbraram condições de aproveitar-se de tal
situação para fugir do padrão endogâmico de seu grupo: encontraram homens livres
portugueses e livres com que unir-se, provavelmente aqueles preteridos pelas mulheres
livres. Na Freguesia de Jacarepaguá até encontramos três casos de homens escravos
casados com mulheres livres (ver Quadro 1). No entanto, um exame mais cuidadoso dos
registros revela que dois deles referem-se, na verdade, a casamentos de mulheres forras
com escravos. Tanto Francisca, crioula livre casada com Francisco escravo pardo,
quanto Domingas, crioula livre casada com o escravo Carlos, cuja naturalidade e cor não
foi declarada, tiveram o nome de seus ex-senhores anotados na ata. E ainda assim, no
caso de Rosa, crioula livre casada com o escravo Francisco no Livro consta a anotação:
“Proprietário não identificado”, o que significa dizer que ele provavelmente existiu.
Embora esses sejam exemplos de casamentos hipergâmicos do ponto de vista do estatuto
jurídico dos homens, ainda assim reforça o padrão da ausência de homens escravos no
“mundo” das mulheres livres brancas.
O que não pode deixar de ser mencionado é o fato de que, provavelmente, o que afastava
as portuguesas e brasileiras destes homens, e o que os aproximava das escravas e forras,
era a pobreza. Muitos imigrantes eram pobres, trabalhavam como carregadores no porto,
eram empregados no comércio ou até vendedores ambulantes, e estavam aqui justamente
para enriquecer e voltar para Portugal. No entanto, ao enfrentarem as agruras de uma
vida sem propriedades, por vezes sem emprego e com pouco ou nenhum recurso para
35
FLORENTINO, Manolo e MACHADO, Cacilda. Op. cit. p.99.
visitar os parentes do outro lado do Atlântico, experimentavam uma aproximação muito
maior com o Brasil e, com freqüência, acabavam sendo forçados a forjar aqui um
convívio muito mais estreito com os estratos mais baixos, enfrentando com estes
portanto as mesmas dificuldades oriundas da falta de recursos. Para além da mancebia, a
abertura matrimonial dos portugueses de fato ocorria, mas com base em fortes critérios
de seletividade. Logo, o fenômeno da miscigenação entre nós, tão acentuado pela
historiografia, parece ter tido sua origem muito mais na pobreza a que estavam
submetidos os atores sociais, do que na plasticidade portuguesa tão celebrada por
Gilberto Freyre.
36
É bem verdade que ficou clara até aqui a tendência à endogamia expressa pelas escolhas
dos pares no que tange ao estatuto jurídico e a naturalidade nas Freguesias da
Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá. Além disso, evidente também ficou a
permanência de padrões culturais endogâmicos, no caso dos pretos, tanto dentro quanto
fora da escravidão. Mas, embora tenhamos poucos casos, é preciso destacar o fato de
que quando a endogamia era rompida, quem o fazia era a mulher e, com mais força, a
mulher forra. Desse modo, como bem concluiu o artigo de Cacilda Machado e Manolo
Florentino, “a mulher forra era o exemplo mais recorrente de mobilidade social e de
miscigenação. Fazia circular valores, símbolos e práticas próprias da Casa Grande e da
Senzala, amalgamando-os. Era a própria herança escrava e africana, lançada ao mundo
dos homens livres pelas senzalas”.
37
*
Quando a distribuição passa a ser analisada a partir da cor dos cônjuges,
percebemos o reforço do padrão endogâmico. Em outras palavras, quando agregados por
situação jurídica e por cor dos nubentes, observamos que a endogamia era também a
marca. A novidade aqui é o fato de podemos perceber que, na Freguesia da Candelária,
quando as mulheres forras conseguiram avançar matrimonialmente para o mundo dos
livres, o fizeram por meio de uniões com pardos e brancos.
38
Naqueles casos em que houve abertura para um consorte de outra cor, o padrão
era o de mulheres buscando homens de cores mais claras. Por exemplo, em Jacarepaguá
uma preta e três mulheres cabras casaram-se com homens pardos, o que significa dizer
que, se entre esses escravos viesse a nascer algum escravo não preto, muito
provavelmente dessas uniões derivariam escravos não pretos. Podemos considerar, pois,
a mulher como veículo de branqueamento e, mais que isso, é possível pensar ser dela a
escolha por um marido mais claro. Pelo Quadro 2 acima apresentado, além do já citado
caso na Candelária do português João Monteiro com a forra angolana Catharina Vieira
de Lima, temos a preta africana Francisca, casada com Antônio José dos Santos um
português natural e batizado em Braga. Outro caso é o de Maria Pires que pode ver
36
FREYRE. Gilberto. Casa Grande e Senzala. 43ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
37
Idem. p.97.
38
Cf. Anexos 2, 2.1 e 2.2.
traçada em sua história uma trajetória de branqueamento e ascensão social. Filha de Ana,
uma escrava preta, Maria foi uma forra parda crioula natural e batizada na Freguesia da
Candelária que encontrou Leandro José de Almeida, um homem livre pardo, natural e
batizado na Freguesia de São José. Embora pobre, Leandro, um “exposto” na casa de
Thereza da Conceição, conseguirá ter com Maria um futuro filho com um estatuto
jurídico diferente da mãe e uma cor diferente da avó.
Na Candelária os forros, ao contrário, ou bem buscavam forras ou, em menor
escala, as escravas: jamais se uniam a mulheres nascidas livres. Na freguesia de
Jacarepaguá com padrão também endogâmico, temos alguns casos de abertura para
consortes de outras cores. Ainda no Quadro 2, o caso de Juliana, uma escrava preta
africana que casou-se, num sábado à tarde, com Prudêncio, um escravo de cor cabra,
morador, como sua esposa, no Engenho de Fora. Temos o exemplo de Gertrudes, uma
escrava de cor cabra, casou-se com Joaquim, uma escravo de cor parda, e Maria de
Nação, escrava preta casada com Luís, um escravo pardo. Na Freguesia de São
Francisco Xavier, caso parecido pode ter ocorrido quando as escravas pretas Rufina
Mina e Henriqueta Benguela casaram-se numa manhã de domingo com os escravos
pardos crioulos Pedro e José, respectivamente. Em todos os casos citados acima o
padrão é o mesmo: são todos homens mais claros casando com mulheres de cor mais
escura. Cabe aqui uma observação metodológica: considero que a cor cabra tenha
socialmente menos prestígio que a parda, pois envolve ainda mais um elemento de
mistura, o índio.
39
Assim, pela Tabela 3, podemos observar que a escolha dos pares demonstrou
padrões absolutamente endogâmicos, também do ponto de vista da cor, com
diferenciados níveis de interação entre mulheres e homens escravos, livres e forros nas
três freguesias.
39
Segundo o Dicionário Aurélio a palavra “cabra” pode designar, dentre outras coisas, um
substantivo masculino que significa “mestiço de mulato com negro”. FERREIRA, Aurélio Buarque
de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI - Versão 3.0. Ed. Nova Fronteira –
Lexicon Informática Ltda. Novembro de 1999.
Tabela 3 – Distribuição percentual dos casamentos por cor dos cônjuges, Freguesias da
Candelária (1809-1837), São Francisco Xavier (1810-1820) e Jacarepaguá (1790-1837)
Escravos Forros
Homens Mulheres Homens Mulheres
Freguesias
Endo* Exo** Endo Exo Endo Exo Endo Exo
Candelária 98,9 1,1 96,9 3,1 97,7 2,3 91,7 8,3
S. F. Xavier 94,7 5,3 94,7 5,3 - - - -
Jacarepaguá 98,3 1,7 98,3 1,7 - - - -
Fonte: Anexo 2, 2.1 e 2.2
*Endo – Endogâmicos
**Exo – Exogâmicos
Robert Slenes fala a respeito da liberdade de escolha que as mulheres tinham e do
quanto podiam eventualmente “jogar” com sua escassez no mercado.
40
Ao contrário do
que apresenta Manolo Florentino e José Roberto Góes a respeito de um domínio do
mercado matrimonial escravo por parte dos homens mais velhos em fases de retração do
tráfico, podemos inferir, a partir dos casos estudados, que, dado o desequilíbrio sexual
generalizado, o espectro de escolhas era muito maior para as mulheres, o que lhes
permitia optar por um homem que deixaria impressa na pele de seus filhos a marca da
escravidão um pouco mais distante.
41
*
Distribuídos de acordo a etnia, os cônjuges africanos das três freguesias assumiram
posturas parecidas quando agrupados por macro-região de origem. A endogamia foi a
marca tanto entre os Africanos Ocidentais, representados nos registros pelos Calabar,
Haussa, Guiné e Mina, como entre os da África Central Atlântica representados pelos
Cabinda, Congo, Angola, Rebolo, Quissamã, Cassange e Monjolo. A exceção foi o
40
SLENES, Robert. Op. cit. p. 82.
41
FLORENTINO, Manolo, GÓES, José Roberto. Op.cit. pp. 152-159.
comportamento dos Moçambique que representaram, juntamente com os Quilimane, a
região da África Oriental nos registros estudados.
42
Os africanos ocidentais da Freguesia da Candelária foram responsáveis por onze
casamentos, dos quais seis uniram consortes da mesma macro-região africana, não havendo
neste grupo, ademais, sequer uma caso de cônjuges de etnias diferentes. Os cinco que se
casaram com escravos originários de outra grande zona africana são os genericamente
chamados “mina”. No Quadro 3 vemos o caso do forro mina Abrahão Felipe do Espírito
Santo casando-se com a forra cabinda Joaquina Úrsula da Conceição. Com esse sobrenome
absolutamente cristão podemos pensar que o afastamento de uma possível identidade
muçulmana de origem, o tenha aproximada de uma religião cristã e de uma esposa
considerada infiel pelo Islã. A Segunda Surata do Corão, livro sagrado dos muçulmanos,
prescreve que estes não devem desposar idólatras até que elas se convertam pois “uma
escrava fiel é preferível a uma idólatra, ainda que esta voz apraza”.
43
42
Cf. Anexos 3, 3.1 e 3.2. Sobre as regiões e portos de origem africanos, ver anexos 4, 4.1, 4.2
e 4.3.
43
Retirado do site: www.culturabrasil.por.br/alcorao.htm
Quadro 3 – Etnia
Candelária:
São Francisco Xavier
Jacarepaguá:
Abrahão Felipe do E. S.
Mina
F / Af / Pt
Joaquina Ursiula da
Conceição
Cabinda
F/Af/Pt
Gonçalo
Guiné
E / Af / Pt
Angélica
Angola
E / Af / Pt
Antônio
Moçambique
E / Af / Pt
Caetana
Cabinda
E/Af/Pt
Joaquina
Mina
E / Af / Pt
Francisca
Angola
E/Af/Pt
Pedro
Moçambique
E / Af / Pt
Maria
Congo
E / Af / P
t
Conforme mostra a Tabela 4, tomando o grupo proveniente da África Ocidental
como mais representativo, a endogamia foi reafirmada quanto mais rural era o ambiente da
realização dos casamentos. Entre os cônjuges desse grupo em São Francisco Xavier, das
treze uniões envolvendo afro-ocidentais, onze reuniram escravos dessa macro-região; com
um detalhe: todos os Guiné e Calabar procuraram parceiros da mesma etnia. A única
exceção, como vimos no Quadro 3, foi o casamento de Gonçalo, um escravo Guiné, casado
com Angélica, uma escrava angolana. O mesmo ocorreu em Jacarepaguá, onde, dos oito
casamentos, seis eram entre afro-ocidentais, todos “Guiné”. Uma das duas exceções foi o
casamento de Joaquim, um escravo mina, casado com Francisca, uma escrava Angola.
Tabela 4 – Distribuição percentual dos casamentos por etnia dos cônjuges africanos,
Freguesias da Candelária (1809-1837), São Francisco Xavier (1810-1820) e Jacarepaguá
(1790-1837)
África Ocidental
África Central
Atlântica
África Oriental
Freguesias
Endo* Exo** Endo Exo Endo Exo
Candelária 54,5 45,5 76,1 23,9 10,0 90,0
S. F. Xavier 68,8 31,2 87,8 12,2 - 100,0
Jacarepaguá 50,0 50,0 94,9 5,1 - 100,0
Fonte: Anexo 3, 3.1 e 3.2.
*Endo – Endogâmicos
**Exo – Exogâmicos
Em relação aos africanos provenientes da região que chamamos África Central
Atlântica, a busca por cônjuges nascidos nesta região foi marcante, embora os congo-
angolanos não se furtassem ao matrimônio com parceiros de outras macro-regiões. Na
Candelária 76% dos congo-angolanos casaram entre si, cifra que, para São Francisco
Xavier, alcançava 88%. Por fim, em Jacarepaguá, a mesma situação: 95%, com destaque
para os casamentos que uniam os angolas.
Com os africanos Orientais os arranjos se configuraram de forma bem diferente.
Nas Freguesias de São Francisco Xavier e Jacarepaguá dos poucos Moçambiques e
Quilimanes presentes nos registros nenhum se casou com um consorte do mesmo grupo
étnico ou da mesma macro-região. O Quadro 3 mostra o caso do escravo Antônio
Moçambique casado com a escrava Cabinda Caetana um dos casamentos exogâmicos de S.
Francisco Xavier, além do caso de Pedro, um escravo Moçambique casado com Maria, uma
escrava Conga.
Na Candelária somente um casamento realizou-se entre Moçambiques e outro entre
uma Quilimane e um Moçambique, pois dos nove matrimônios encontrados envolvendo
africanos orientais, sete aconteceram com pares de outra macro-região.
Os números da distribuição étnica dos casais das Freguesias aqui analisadas são em
parte proporcionais ao volume de africanos recebidos pelo do Rio de Janeiro de acordo as
macro-regiões de origem. Segundo Mary Karasch a maioria dos escravos aqui presentes
eram importados do Centro-Oeste africano, sobretudo Congos e Angolas, nunca compondo
menos que 66% da escravaria da cidade.
44
Em seguida vinha à África Oriental responsável
por até 26% do total de nossos escravos, que segundo Manolo Florentino, teve sua
importância consolidada somente a partir de 1811, já que até então a participação desta
região era de apenas 4% do total das entradas de negreiros no porto do Rio.
45
Por fim,
segundo Karasch, os escravos provenientes da África Ocidental nunca passaram de 7% das
amostras étnicas anteriores a 1850, numero alcançado segundo a autora muito mais ao
tráfico interno entre Bahia e Rio de Janeiro incrementado a partir de 1835.
46
No caso das
Freguesias da Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá, a África Central foi sempre,
no período estudado responsável pelo maior número de africanos casados. No entanto, nos
casamentos nelas registrados, a África Oriental não era a segunda colocada em termos de
nubentes seja Moçambique ou Quilimane, mas sim os Africanos Ocidentais, sempre em
maior número.
O que vemos até agora são comportamentos distintos de acordo especificamente a
região de origem do parceiro africano. Desse modo, parece paradigmático o
comportamento dos cônjuges Moçambicanos. Nossos registros de casamento começam em
1790 e chegam a 1837, ao passo que o incremento nos desembarques de afro-orientais
44
KARASCH, Mary. Op. cit. p. 50.
45
FLORENTINO, Manolo. Op. cit. p.80.
engrossa apenas depois de 1811. Ora, adotar um comportamento onde pares se procuram
pressupõe a existência de um reconhecimento identitário, o que, por sua vez, demanda um
certo tempo para que o arraigo cultural se expresse. Talvez por esse motivo, os cônjuges
provenientes dessa região, muito recentemente desembarcados, tenham se mostrado, além
de escassos, aleatórios na escolha dos parceiros.
Os Macuas, Yaos, Ngunis e muitas vezes até os Quilimane que acabaram tornando-
se os “Moçambique” no Rio de Janeiro, vinham não só do interior e do sul do atual
Moçambique, mas também do Quênia, da Tanzânia, da região do lago Niasa e do baixo
Zambeze.
47
É oportuno ressaltar que levantamentos relativamente recentes da população
moçambicana, datados das últimas décadas do século XX, revelaram que ainda é grande a
diversidade étnica e lingüística desse país. Segundo Irving Kaplan um grande número de
línguas Bantu de grupos étnicos específicos foram identificadas, algumas inteligíveis ou
dialetos de outras não muito claras e não suficientemente faladas para serem usadas na
educação. Além disso, numa recente contagem foram identificados vários grupos étnicos
em que podemos citar dentre outros: Macua-Lumue, algumas vezes considerados
separadamente, Tsonga , Shonga, ou Shona-Karanga, Chopi, Maravi, Maconde e Yao.
48
Henri Junod, um suíço que viveu no final do século XIX na região sul de Moçambique
como missionário da Igreja Presbiteriana em seu trabalho restrito apenas aos Tsonga,
constata a impossibilidade de atribuir a esse grupo uma unidade nacional. Segundo o
religioso:
“Reservamos o termo tribo à totalidade da nação tonga. Esta palavra é
freqüentemente empregada pata indicar as unidades nacionais mais
pequenas, designadas para identificar qualquer chefe antigo, cujos
descendentes reinam ainda (...). Contudo o termo clã parece-me o melhor
para designar esta espécie de unidade nacional, visto que a sua origem é
essencialmente familiar. Alguns desses clãs formam grupos, porque falam o
mesmo dialeto tsonga
”.
49
46
KARASCH, Mary. Op. cit. pp.63-65.
47
KARASCH, Mary. Op. cit p.60-61.
48
KAPLAN, Irving. Area Handbook for Mozambique. Washington: Foreign Area Studies of
the American University, 1977. pp.79-106.
49
JUNOD, Henri. A. Usos e costumes dos bantus. Tomo I. Maputo: Arquivo Histórico de
Moçambique, 1996. p.34.
Desse modo, as fronteiras étnicas que porventura existiam e separavam Macuas de
Yaos, por exemplo, e pautavam de alguma maneira as suas vidas, no momento do
desembarque em terra estrangeira eram implodidas e, ao longo de alguns anos, talvez não
fizessem mais sentido. Até que, após algum tempo de acomodação e convivência,
pudessem ser refeitas sob novos signos, lembranças, matrizes linguísticas e religiosas. Só
então uma nova fronteira étnica poderia ser definida e categorias como “Moçambique”
passariam a ser reconhecidas e aceitas, fazendo sentido e servindo por exemplo como
critério das escolhas matrimoniais para os que eram assim denominados aqui.
Já os Afro-ocidentais, presentes no Rio de Janeiro desde longa data, mostraram-se
fortemente endogâmicos, tanto do ponto de vista da macro-região como do estritamente
étnico. A rigor, os afro-ocidentais podiam ser provenientes da Costa do Daomé, do Oeste e
do Leste da Nigéria, e aqui eram identificados como Mahi, Nagô, genericamente Guiné ou
Calabar (que na verdade dizia respeito a dois portos na baía de Biafra – Velho Calabar e
Novo Calabar). Nas três freguesias os mais exogâmicos entre os afro-ocidentais eram os
Minas, nome genérico dado a todos os provenientes do litoral da Costa do Ouro, leste da
Nigéria. Em contrapartida Calabares, Haussas e Guinés fecharam-se quase totalmente entre
si, com exceção de um Guiné, casado com uma Angola na freguesia de São Francisco
Xavier.
Para os nubentes afro-ocidentais, o fato de inúmeros navios haverem aqui despejado
conterrâneos seus ao longo de séculos favorecia a socialização. Vínculos identitários já
tinham sido tecidos, encontros nesse campo já ocorriam, quem sabe até envolvendo
compromissos de irmandades que uniam escravos e forros provenientes do Oeste africano.
A religião muito provavelmente era fator de identidade para esses africanos – no caso dos
“Minas” o Islam e para os animistas a religião dos orixás. Não surpreende, pois, que,
mesmo quando mantinham referências religiosas pretéritas, os nubentes afro-ocidentais
buscavam sedimentar suas uniões através da Igreja católica.
De acordo ao panorama até aqui exposto, a endogamia foi a marca da escolhas
matrimoniais dos casais analisados neste trabalho. Independentemente do meio em que
estes casamentos foram realizados (rural ou urbano) a procura por iguais, seja do ponto de
vista da naturalidade, da cor ou do estatuto jurídico foi a norma. Ficou clara a permanência
de padrões culturais endogâmicos, entre os pretos, dentro e fora da escravidão. Marcante
também foi o fato de que nos casos em que a exogamia se faz presente, a mulher forra
apareceu como seu veículo, principalmente no que tange a cor e a naturalidade.
Casar-se aqui parece ter sido fruto muito menos do controle e da concessão
senhorial, como sugere Robert Slenes, e muito mais resultado do desejo e das escolhas
desses casais. Prova disso talvez seja o fato desses casamentos terem tendido também à
endogamia com o passar dos anos, no que se refere a etnia dos cônjuges. O comportamento
dispersivo dos Moçambicanos, em contraponto com os afro-ocidentais cujo fechamento foi
marcante, nos mostra o quanto o tempo de permanência em terra brasileira para esses
últimos foi fundamental para a reconstrução de suas identidades.
O antropólogo Fredrik Barth, nos alerta para o fato de que o pesquisador deve focar
sua atenção em como os modelos de freqüência ou regularidades são gerados. O autor
sugere que pela análise do processo que gerou certo comportamento ou forma social
podemos entender a variedade das formas complexas que são produzidas. O modelo então,
pode ser explicado se assumirmos que ele é o resultado cumulativo de um número de
escolhas e decisões feitas por pessoas agindo vis-à-vis com a outra, refletindo em sua forma
os limites e incentivos de suas ações.
50
Desse modo, do processo que gerou a reestruturação da identidade étnica desses
homens e mulheres africanos que buscaram casar-se na Igreja Católica nas Freguesias da
Candelária, Jacarepaguá e São Francisco Xavier, a variável “tempo” talvez tenha aqui se
revelado de grande importância. Contrariando o padrão endogâmico restou aos
Moçambiques, cujo incremento no desembarque deste porto de origem só ocorreu no final
da primeira década do século XIX, a disputa de companheiros de outras etnias, num espaço
onde podiam encontrar poucos ou nenhum conterrâneo.
51
50
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:
Contracapa Livraria, 2000.
51
FLORENTINO, Manolo. Op. cit. p.80.
2. Tempo de casar
O movimento sazonal de casamentos é um rico indicador do cotidiano das
populações na medida em que a escolha do mês para a realização da cerimônia reflete
costumes, tradições, interdições e mentalidades religiosas, além de influências das
atividades sociais e econômicas, urbanas ou rurais. James White vai mais além e diz que:
“A maneira como usamos o nosso tempo é uma boa indicação do que
consideramos de importância primordial na vida. Sempre poderemos ter
certeza de encontrar tempo para aquelas coisas que consideramos mais
importantes, embora nem sempre admitamos perante os outros ou perante
nós mesmos quais são as nossas prioridades reais (...) O tempo fala. Quando
o damos a outros, na verdade estamos dando a nós mesmos. Nosso uso do
tempo não só mostra o que é importante para nós, mas também indica quem,
ou o que é mais significativo para a nossa vida. O tempo, então, expõe
escancarada e involuntariamente as nossas prioridades. Ele revela o que mais
valorizamos pela forma como alocamos esse recurso limitado.”
52
Desse modo, a sazonal idade dos casamentos aqui analisados possui relação direta
com a organização do tempo própria de uma sociedade de matriz religiosa cristã, cujo
calendário litúrgico anual muito informa sobre os povos e indivíduos que o adotam. É
vastamente documentado, estudado e de certa forma até celebrado, o fato de nossa
religiosidade ter sido marcada por seu caráter colonial específico em relação a Roma em
termos de estrutura eclesiástica, espiritualidade, práticas e manifestações religiosas.
53
No
entanto, ainda que o catolicismo de cunho popular praticado na colônia fosse recheado de
práticas não exatamente alinhadas com a hierarquia da Igreja e produzisse re-elaborações e
reinterpretações de elementos romanos, ele freqüentemente primava pela observância do
calendário anual e das festas religiosas tradicionais consideradas importantes.
54
52
WHITE. J. S. Introdução ao culto cristão. São Paulo: Ed. Sinodal, 1997, p.38.
53
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade
popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.88.
54
O sociólogo Pedro de Oliveira discute o conceito de “catolicismo popular” e oferece o
conceito de “catolicismo do povo” como alternativa, alegando que o primeiro é freqüentemente
Para os cristãos “tempo” e “lugar” são fundamentais na fé bíblica, pois o
conhecimento de Deus para eles se dá sobretudo através de eventos situados em lugares
determinados e em momentos específicos que devem ser freqüentemente rememorados.
Desse modo, é possível entender a centralidade e a importância do calendário litúrgico
anual e seus ciclos para o culto cristão.
55
Ao longo de sua história a Igreja Católica organizou o chamado Ciclo da Páscoa
cujo evento principal, é o dia da ressurreição de Jesus, a “Páscoa do Senhor”.
56
Centro do
calendário anual do Judaísmo, tornou-se também evento central do calendário anual da
Igreja Católica. Antecedendo este dia, como período de preparação, temos a Quaresma. Sua
fundamentação se encontra tanto nos quarentas dias que Jesus passou no deserto antes de
seu ministério público, como nos quarenta anos que o povo de Israel passou no deserto
antes de entrar na “terra prometida”. Este primeiro período do Ciclo Pascal de abstinência
e jejum inicia seu fim com “Semana Santa” que começa com o Domingo de Ramos, entrada
de Jesus em Jerusalém, segue pela Quinta e Sexta-feira Santa, paixão e morte de Cristo, e
finalmente se encerra com o Domingo de Páscoa.
Daí segue um novo período de sete domingos que passa pela “Ascensão do Senhor”
aos céus, quarenta dias depois de sua ressurreição e termina com a celebração de
Pentecostes. Assim como a Páscoa, este dia recebeu sua nomenclatura conforme a tradição
do judaísmo. Com o tempo, deixou de ser uma celebração agro-pastoril e tornou-se o dia
em que se comemorava a entrega da “Lei” no Monte Sinai à Moisés pelo “Senhor”. Para os
cristãos passou a ser então, o aniversário da Igreja, a partir de uma associação teológica da
festa antiga com uma nova festa que comemora, uma semana após a Ascensão, a inclusão
da Igreja no mistério da Salvação pela vocação recebida com o envio do Espírito Santo.
O segundo ciclo importante do calendário Católico é o ciclo do Natal, cujo evento
principal é o nascimento de Jesus. Nos primeiros séculos da Igreja este dia era comemorado
associado a ignorância religiosa. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. “O catolicismo do povo”. In:
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Et al. Evangelização e comportamento religioso popular. Petrópolis:
Vozes, 1978..
55
Sobre o Calendário Litúrgico e suas celebrações fixas e móveis vigente no período colonial
foi consultado o site “Ecclesial Calendar” cujo endereço eletrônico é: www.smart.net/^mmontes/ec-
cal.html.
56
RUBIO, Afonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 1994.
em 06 de janeiro, o Dia da Epifania. O termo que significa “manifestação” tinha para os
cristãos o sentido de manifestação de Deus em Cristo. O Imperador Constantino
combatendo a celebração pagã do Sol invicto adorado dia 25 de dezembro, passou a adotar
este dia para celebrar o nascimento de Jesus. No domingo seguinte ao dia da Epifania então
passou-se a comemorar o dia do Batismo de Jesus, significando, assim, o dia a partir do
qual ele tornou-se manifesto as multidões.
57
Como no ciclo Pascal, o ciclo de Natal é marcado por um período em que há uma
festa central, antecipado por um período de preparação que é o Advento. Este termo que
quer dizer “vinda” designa o tempo que prepara o cristão para a comemoração da “chegada
do Senhor”, e compreende os quatro domingos anteriores ao Natal.
A importância dada pela Igreja aos ciclos festivos, sobretudo ao da Páscoa, tem seu
paralelo no rigor com que, segundo Morales de Los Rios, a Semana Santa era observada no
Rio de Janeiro Antigo:
“Todo mundo se confessava e comungava na quinta-feira ou no Domingo
da Páscoa, e todos, ricos e pobres, libertos e escravos, percorriam as igrejas
na sexta-feira, trajando de preto. (...) E para atender os fiéis os templos
ficavam abertos das cinco da manhã às onze horas da noite.”
58
Melo Morais Filho elenca uma série de festas religiosas celebradas com grande
devoção no Rio de Janeiro colonial.
59
Além das inúmeras festas populares como por
exemplo a da Penha que o autor denomina “grande romaria portuguesa”, e a do Divino
cujos impérios eram montados em três freguesias diferentes, os ritos e celebrações
religiosas, sobretudo aquelas ligadas a Semana Santa, tinham grande destaque e exerciam
forte influência sobre a população. É marcante a contrição descrita por Morais Filho:
“O que se passava na quinta e na sexta-feira santa no seio das famílias era de
uma simplicidade primitiva e tocante. ‘Porque Nosso Senhor estava doente’,
a casa não se varria, os escravos não trabalhavam, os meninos não faziam
57
WHITE. J. S. Introdução ao culto cristão. p.48.
58
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. Op. cit.. p. 491.
59
MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares no Brasil. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2002.
bulha. Não se cantava, não se dançava, não se tocava. As correções
corporais eram abolidas: falava-se baixinho, jejuava-se, rezava-se...
As donas de casa emprazavam para quando rompesse a Aleluia certo ajuste
de contas com as escravas delinqüentes e os filhos traquinas. (...) A
abstinência de toda a casta de jogo e divertimentos e a continência, em
qualquer condição, constituíam uma lei.”
60
Não obstante o fato de ter sido um pastor metodista, Daniel Kidder em sua viagem pelo Brasil em
1837, também enumera e descreve vastamente as festas e celebrações religiosas católicas do Rio de Janeiro
colonial e destaca o fato dessas cerimônias terem um grande poder de mobilização e adesão. Mas o autor
ainda vai além:
“Nenhuma outra classe se entregava com maior devotamento a tais
demonstrações religiosas que os negros, particularmente lisonjeados com o
aparecimento, de vez em quando, de um santo de cor ou de uma Nossa
Senhora preta. ‘Lá vem o meu parente’, exclamou certa vez um negro velho
que se achava perto de nós quando viu surgir em meio à procissão a imagem
de um santo de cabelo encarapinhado e lábios grossos (...)”
.
61
Como se percebe, a presença escrava é marcante no cumprimento das prescrições
religiosas nesse período. E, no que dependia do Senhor, alguns documentos da época são
claros em mencionar o quanto os escravos deveriam ser incentivados por eles à uma prática
religiosa católica. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1720) possui um
título inteiro dedicado a alertar aos senhores o fato deles serem obrigados como bons
cristãos a ensinar ou fazer ensinar a Doutrina Cristã aos filhos, discípulos, criados e
escravos:
60
Idem. pp.207-208.
61
KIDDER, Daniel P. Reminiscências de viagens e permanências no Brasil: Rio e Janeiro e
Província de São Paulo. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2001, p. 132.
“Mandamos a todas as pessoas, assim eclesiásticas, como seculares, ensinem
ou façam ensinar a Doutrina Cristã à sua família e especialmente a seus
escravos que são os mais necessitados desta instituição pela sua rudeza,
mandando-os a igreja, para que o pároco lhes ensine os Artigos da Fé, para
saberem bem crer: o Padre Nosso, e Ave Maria, para saberem bem pedir: os
Mandamentos da Lei de Deus e da Santa Madre Igreja, e os pecados mortais,
para saberem bem obrar: as virtudes para que os sigam: e os sete
sacramentos, para que dignamente os recebam, e com eles a graça que dão, e
as mais orações da graça cristã, para que sejam [?] em tudo, o que importa
para sua salvação. E encarregamos gravemente as consciências das
sobreditas pessoas, para que assim o façam, atendendo conta, que tudo darão
a Nosso Senhor”.
62
Daniel Kidder descrevendo os hábitos de uma viúva portuguesa moradora do
Engenho Velho destaca sua preocupação em convocar os escravos com certa periodicidade
para que recitassem o Pai-Nosso e cantassem ladainhas.
63
Vale lembrar que um dos
requisitos mínimos exigidos aos escravos que desejavam contrair matrimônio na Igreja era
que soubessem a “Doutrina Cristã, ao menos o Padre Nosso, Ave Maria, Creio em Deus
Padre, Mandamentos da Lei de Deus, e da Santa Madre Igreja, e se entendam a obrigação
do Santo Matrimônio”.
64
A união entre escravos, aliás, mereceu algumas páginas do
Manual do Agricultor Brasileiro escrito por Taunay.
65
O autor que apresentou uma série
de propostas com a intenção de prescrever medidas para dinamizar a economia escravista,
definiu como obrigação do senhor, como cidadão e como cristão, a conversão dos
escravos. Ao ensinar-lhes a prática da religião ele estaria, segundo Taunay, consagrando
não seu papel de proprietário ou tirano, mas antes o de pai. Além disso, no item
denominado “Relação dos dois sexos”,
66
Taunay diz que o senhor não deve impor a união
legítima entre os escravos, o que segundo ele poderia se transformar num segundo
62
Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia feitas e ordenadas pelo ilustríssimo, e
reverendíssimo senhor D. Sebastião Monteiro da Vide 5
º
Arcebispo do dito Arcebispado, e do
Conselho de sua Majestade: propostas, aceitas em o Sínodo Diocesano, que o dito senhor celebrou
em 12 de junho do ano de 1707. 1
ª
edição Lisboa 1719 e Coimbra. São Paulo: Typografhia 2 de
Dezembro de Antônio Louzada Antunes, 1853, Título 2, parágrafo 4.
63
KIDDER, Daniel P. Op. cit. p.141.
64
Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia. Op. cit.. Título LXXI, parágrafo 304.
65
TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do agricultor brasileiro. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
66
Idem. p. 76.
cativeiro aos cativos, sobretudo às mulheres. No entanto o autor adverte sobre os cuidados
que devem ser tomados com as uniões consensuais passageiras entre os escravos:
“(...) devem ser inteiramente secretas e desconhecidas. (...) Ninguém quer
fazer da sua casa um lugar de prostituição. Mas também o dono de uma
fazenda não quer freiras nem frades, sim uma raça de trabalhadores robustos,
obedientes e pacíficos; portanto, deve fechar os olhos sobre tudo aquilo que
não comprometa a decência e a disciplina. (...) Deve haver dificuldade, mas
não impossibilidade, de se encontrarem, e como os espartanos não
castigavam o furto, mas sim sua descoberta, os senhores devem da mesma
forma castigar não a ação, mas o escândalo tendo aliás na sua mão os meios
de promover ou de restringir a disposição de se casarem legitimamente.
Porém, uma vez que os casamentos forem celebrados na Igreja, o código para
os escravos deve ordenar que jamais os esposos e filhos possam ser separados
por herança ou venda parcial (...)”.
67
2.1. Os meses e as estações de casar
O presente trabalho tem como eixo empírico um corpus documental de natureza
eclesiástica, qual seja: registros matrimoniais das freguesias da Candelária de 1809 à 1837,
de São Francisco Xavier de 1810 à 1820 e de Jacarepaguá de 1790 à 1837 depositados no
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Possuindo estruturas internas
relativamente invariáveis e sendo de natureza maciça e reiterativa no tempo, as fontes
eclesiásticas como os registros de casamento possibilitam a análise a partir da formação de
séries. Foram selecionados dos livros, para tanto, aqueles registros referentes aos
casamentos que envolveram nubentes escravos e forros. Na tentativa de capturar as
regularidades e de analisar a sazonalidade do comportamento matrimonial desses homens e
mulheres, foram coletados dos assentos dados como o dia, o mês, o ano e a hora da
realização do matrimônio. Foram coletados também, registros de casamento de livres de
Inhaúma entre 1817 e 1869. Dessa maneira, algum parâmetro de comparação pode ser
estabelecido entre os padrões dos casamentos de escravos e forros de duas freguesias
67
Idem. pp 78-79.
urbanas e as regularidades do comportamento matrimonial entre escravos e entre livres de
duas freguesias do meio rural.
Ao analisarmos, então, a freqüência mensal dos casamentos de escravos que
buscaram a sanção eclesiástica nas freguesias da Candelária, São Francisco Xavier e
Jacarepaguá na primeira metade do século XIX, contida no Gráfico 1, a primeira
constatação é a freqüência baixíssima de matrimônios no mês de março, tendência aliás,
acompanhada de perto pelos forros da Candelária e pelos livres de Inhaúma como mostra o
Gráfico 1.1.
Gráfico 1 – Distribuição % dos meses do ano nos quais escravos se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), S. F. Xavier (1810-1820)
e Jacarepaguá (1790-1837)
0
5
10
15
20
25
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Candelária S. F. Xavier Jacarepaguá
Fonte: Anexo 5, 5.1 e 5.2.
Gráfico 1.1 – Distribuição % dos meses do ano nos quais os forros se casavam na
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837) e os livres na Freguesia
Inhaúma (1817-1869)
0
5
10
15
20
25
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Forros Livres
Fonte: Anexos 5 e 5.3
Um caminho de explicação para esse dado talvez seja a influência da Igreja
Católica, cujo calendário religioso apresenta o mês de março, freqüentemente incluído nos
quarenta dias após a quarta-feira de cinzas e, portanto, na Quaresma, período de abstinência
e jejum que, em função da preparação para Páscoa, é considerado tempo impróprio para a
realização de ritos festivos, como o Matrimônio. Se Adolfo Morales de Los Rios estava
certo que diante da Semana Santa não havia “separação de classes nem de cor; perante
Deus todos eram iguais”,
68
aqui percebemos que ao menos a interdição da quaresma
igualou as práticas matrimonias de escravos, forros e livres tanto daqueles que habitavam a
cidade quanto dos que viviam no campo.
Uma outra constatação é um pico de matrimônios escravos situado no mês de maio,
tendência também acompanhada pelos forros. Mais uma vez aqui podemos lançar mão da
influência do Calendário religioso. Segundo o Dicionário de Mariologia, no verbete
intitulado “Mês mariano”, a partir da Idade Média, Afonso X iniciou uma campanha para
associar o mês de maio à figura de Nossa Senhora, em função de sua luta contra as festas
pagãs que relacionavam esse mês às festas da primavera.
69
A associação com a Santa
ganhou mais força no século XVII, até que em 1701, em Florença, o Padre Guinidi
consagrou definitivamente o mês a Maria. Daí a provável associação com as noivas e com o
sacramento do matrimônio.
De todo modo, devemos também levar em consideração o fato de a Quaresma gerar
uma forte demanda reprimida no mês de março, o que explica também não só o pico de
maio como também de fevereiro. Os casais, portanto, sabendo da interdição quaresmal,
tendem a procurar a Igreja para sancionar suas uniões nos meses imediatamente anteriores
ou posteriores a este período. Os livres não assumiram um comportamento muito distinto
dos demais o que mostra que talvez o trabalho, de alguma maneira, tinha grande influência
na escolha do mês para a realização do casamento.
Outra marca na distribuição dos casamentos escravos é a queda no mês de outubro
seguido de uma tendência de alta nos meses subseqüentes. Este período coincide com o
68
Adolfo Morales de Los Rios. Op. cit. p. 491.
69
ROSSO, S. “Mês mariano”. In: FIORES, S. de, MEO, S. Dicionário de Mariologia. São
Paulo: Paulus, 1995. pp.886-892.
Advento, período de preparação para o Natal que, no entanto não redunda em interdição do
casamento. Tanto assim, que o comportamento livre e forro não apresentou uma redução
tão marcada em outubro em relação aos meses anteriores e aos imediatamente seguintes.
Logo, o fator de interdição pode ter passado a ser o trabalho e não mais a observância
religiosa.
É de grande ajuda, pois, a análise da distribuição dos casamentos ao longo das
estações do ano, onde temos: verão (dezembro, janeiro e fevereiro), outono (março, abril e
maio), inverno (junho, julho, e agosto) e primavera (setembro, outubro e novembro).
O Gráfico 2 nos mostra, a princípio, uma maior incidência de matrimônios escravos
no inverno (junho-agosto). Vale lembrar, que no caso da cana-de-açúcar, a colheita e o
beneficiamento tendiam a se processar conjuntamente. A colheita, geralmente, tinha início
em agosto, enquanto que a moagem se prolongava até fevereiro ou março.
70
Além disso,
após a abertura dos portos, constatou-se uma intensificação da produção açucareira, o que
teria estendido até o outono (março-maio) a etapa de beneficiamento. Logo, entre junho e
agosto o número de casamentos era grande na medida em que o trabalho ainda não era
intenso.
70
FLORENTINO, Manolo. Em costas Negras. p. 63
Gráfico 2 – Distribuição % das estações do ano nas quais escravos se casavam,
Freguesias de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), S. F. Xavier (1810-
1820) e Jacarepaguá (1790-1837)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Verão Outono Inverno Primavera
Candelária S. F. Xavier Jacarepaguá
Fonte: Anexo 6, 6.1 e 6.2.
Stuart Schwartz no capítulo sobre o Brasil colonial intitulado “Plantaciones y
periferias” do livro História de América Latina, diz que o tempo de 8 a 10 meses de
duração da safra era uma característica da indústria açucareira no Brasil.
71
Segundo o autor,
ela se iniciava no mês de agosto e se estendia até o mês de maio do ano seguinte; havia dois
períodos de cultivo, um primeiro iniciado no final de fevereiro, indo até o início de maio, se
sobrepondo ao período de safra, e um segundo, iniciado em junho e se estendendo até o
início de setembro, já no reinício da safra (conforme Figura 1). O único período, portanto,
de folga no trabalho durante o ano era o mês de maio, mas ainda sim, a partir da sua
primeira quinzena.
71
SCHWARTZ, Stuart B. “Plantaciones y periferias” In: História da América Latina:
Figura 1 – Ciclo anual do cultivo da cana-de-açúcar no nordeste brasileiro
Fonte: Schwartz, Stuart B. “Plantaciones y periferias” In: História da América Latina: América
Latina colonial:economia. Barcelona: Editorial Crítica, 1990, p.244.
América Latina colonial:economia. Barcelona: Editorial Crítica, 1990.
Embora o autor, em suas conclusões, estivesse se referindo a um engenho do
Nordeste, a lógica dos desembarques de negreiros no Porto do Rio de Janeiro, entre 1812 e
1830, distribuídos pelos meses e as estações do ano presentes na Tabela 5 tendem a
confirmar sua hipótese.
Tabela 5 – Distribuição (%) das aportagens de navios negreiros provenientes da África no
porto do Rio de Janeiro, por meses e estações do ano (1812-30)
Estação/Mês
N° de Negreiros Aportados
%
Verão 392 33,0
Dezembro 150
Janeiro 126
Fevereiro 116
Outono 353 29,7
Março 128
Abril 126
Maio 99
Inverno 175 14,7
Junho 65
Julho 48
Agosto 62
Primavera 267 22,5
Setembro 85
Outubro 84
Novembro 98
Total 1187 100,0
Fonte: FLORENTINO, Manolo. Op. cit. Apêndice 12. p. 233.
Para atender a demanda da agricultura que irá se intensificar no inverno, o verão e o
outono experimentam o incremento de desembarques de escravos. A tendência de aumento
só torna a se esboçar no final da primavera, quando provavelmente se iniciará um novo
ciclo agrícola.
Portanto, não devemos descartar a provável relação com a dinâmica agro-
exportadora em que esses escravos estariam inseridos, mesmo pertencendo, a princípio, ao
meio urbano. Schwartz adverte para o fato de que a cidade e o campo não devem ser
considerados como pólos opostos na economia colonial brasileira, mas sim como parte de
uma continuidade integrada.
72
Esta relação provavelmente faria com que safra e entressafra significassem mais ou
menos trabalho e, consequentemente, menor ou maior incidência de casamentos,
respectivamente. Essa hipótese só viria a confirmar a tendência de alta percebida nos
matrimônios escravos em momentos de menor demanda por seus trabalhos como o inverno.
Nesse sentido, importa lembrar que, muito provavelmente, um momento exerça uma
espécie de complementaridade sobre o outro, já que tempos de trabalho intenso talvez
também significassem momentos privilegiados de aproximação e encontro, condição de
possibilidade, portanto, para uma possível união.
A leitura conjugada dos Gráficos 1, 2 e 2.1 (abaixo) confirma a tendência de
escravos e forros comportarem-se de forma parecida ao longo dos meses e das estações do
ano, com acentuada baixa de matrimônios nos de março e alta no mês de maio.
Gráfico 2.1 – Distribuição % das estações do ano nos quais os forros se casavam
de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), e os livres na Freguesia Inhaúma
(1817-1869)
72
, , Stuart B. Op. cit. p.245
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Verão Outono Inverno Primavera
Forros Livres
Fonte: Anexo 6 e 6.3
No entanto, percebemos ainda certa liberdade no comportamento matrimonial dos
forros e livres frente aos imperativos do mundo do trabalho, certamente trazida com a
diferença de estatuto jurídico. Estes não concentraram tanto quanto os escravos seus
casamentos no inverno, estação do ano anterior ao período de colheita. Este
comportamento, vale dizer, tende a se confirmar com a análise dos itens que se seguem: dos
dias e das horas de casar.
2.2. Os dias de casar
O modo como os cristãos organizaram sua semana influenciou diretamente na
organização do seu calendário. O domingo tem lugar de destaque em várias passagens
bíblicas, e assim, tornou-se o dia por excelência de reunião dos cristãos. Celebravam a
Páscoa de Jesus Cristo e a sua passagem da morte para a vida nesse dia. O domingo tornou-
se então um evento pascal ao mesmo tempo em que a Páscoa, de igual modo, tornou-se um
“Domingo anual”.
73
De acordo com Taunay, no item “direção religiosa e moral” do já citado Manual do
Agricultor, “o descanso do sétimo dia é de instituição divina, e o Onipotente se dignou
prescrevê-la não só para o criado e escravo, mas também em favor de boi e jumento”.
74
A
historiografia, de uma forma geral, tem ressaltado o importante papel dos finais de semana
em nossas comunidades coloniais, na medida em que estes eram os momentos privilegiados
para se comparecer as vilas e cidades, assistir aos cultos e até fechar negócios.
75
Da
mesma forma, quando Mary Karasch nos informa acerca da vida dos escravos no Rio de
Janeiro, destaca o fato de que “... muitos escravos, embora não todos, tinham folga os
domingos e principais feriados...” e de que “... o descanso do trabalho certamente
contribuía para o entusiasmo com que celebravam os dias santos com procissões, fogos e
danças durante toda a noite.”
76
Considerados, então, os casamentos dos escravos e forros de acordo com os dias da
semana em que se realizavam, podemos perceber que, de uma maneira geral, conforme o
Gráfico 3, eles tenderam a se concentrar nos sábados e domingos. Praticamente metade do
total dos matrimônios realizados o foram nos fins de semana, enquanto que nos outros
cinco foi celebrada a outra metade.
77
Apenas em Jacarepaguá as celebrações de sábado
superam as do Domingo. Ainda assim, o padrão geral é o mesmo, qual seja, concentração
maior nos finais de semana.
73
NETO, Antônio Valentini. Litururgia: fonte vital da comunidade. Petrópolis: Vozes, 1985,
p.40.
74
TAUNAY, Carlos Augusto. Op. cit. p.72
75
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e Sobreviver em uma vila colonial: Família e
sociedade numa economia de abastecimento interno – Sorocaba, séculos XVIII e XIX. Tese de
Doutorado. p. 71.
76
KARASCH, Mary C. Op. cit. p.347.
77
Foi utilizado um calendário perpétuo para descobrir os dias da semana correspondentes aos
dias em que os casamentos foram registrados.
Gráfico 3 – Distribuição % dos dias da semana nos quais escravos se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), S. F. Xavier (1810-1820)
e Jacarepaguá (1790-1837)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab
Candelária S. F. Xavier Jacarpaguá
Fonte: Anexo 7, 7.1 e 7.2
Parece evidente a preferência dada ao sábado e ao domingo, em detrimento dos
demais dias da semana, para a realização do rito matrimonial escravo. Sem dúvida, essa
dinâmica indica que o mundo do trabalho, a que tanto escravos como forros estavam
submetidos, exigiam-lhes um melhor aproveitamento do tempo, sendo, portanto,
conveniente a escolha dos finais de semana para o casamento. A escolha por um dia no
meio da semana implicaria em interrupção do trabalho cotidiano para a celebração e, quem
sabe, até impossibilidade de comemoração pelo sacramento recebido.
Para iluminar a análise do comportamento matrimonial dos escravos, podemos
lançar mão do estudo dos casamentos dos homens e mulheres livres de Sorocaba realizado
por Carlos Bacellar.
78
Embora, distinto do presente trabalho no que diz respeito ao estatuto
jurídico da população estudada, esta tese de doutorado nos indica, dentre outras coisas, as
preferências matrimoniais segundo os dias da semana para realização das cerimônias de
78
Cf. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Op. cit. pp.58-86.
casamento. A tendência encontrada pelo autor foi à preferência pelas terças-feiras em
detrimento das sextas e do domingos. Segundo Bacellar:
“Se o fim-de-semana era normalmente reservado para diversas atividades, o
matrimônio não era uma dessas. Os casamentos marcados fora do fim-de-
semana talvez visassem ressaltar a ocorrência da cerimônia, realizada em
dias onde a vila, normalmente, estava esvaziada. Chamava-se, assim, maior
atenção para o evento, informando à comunidade o novo status de casal
alcançado pelos jovens noivos”.
79
A idéia da procura de um dia que permitisse um maior destaque da cerimônia e um
afastamento dos dias de maior procura pelo templo parece estar presente também nos
casamentos dos livres no Rio de Janeiro, embora não tenham optado por nenhum dia do
meio da semana, escolheram majoritariamente o sábado. Sendo assim, quando observamos
o Gráfico 3.1 percebemos quanto os forros se distanciaram dos escravos e buscaram adotar
um comportamento próximo ao dos livres. Embora a preferência dos forros não tenha sido,
em absoluto, pelos dias da semana, a idéia da rejeição do domingo parece interessante. Na
medida em que eles tenderam a preterir o Dia do Senhor em relação ao sábado, parecem ter
conseguido, ainda que em parte, afastar-se daquele que seria, por excelência, um dia
comunitário, um dia para todos e, em princípio, sem exclusividades, embora fosse esse
também, para a maioria, o único dia de folga.
79
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Op. cit.. p.71.
Gráfico 3.1 – Distribuição % dos dias da semana nas quais os forros se casavam,
Freguesia de N. S. da Candelária (1809-1837), e os livres na Freguesia de
Inhaúma (1817-1869)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab
Forros Livres
Fonte: Anexo 7 e 7.3
William Taylor por exemplo, analisando a distribuição dos homicídios no México
colonial, observa que tal prática ocorria em maior quantidade no período da noite e aos
domingos. O autor atribui este padrão de comportamento também a dinâmica do trabalho.
Segundo ele:
“(...) los homicidios en el campo ocurríam generalmente fuera de
los períodos normales de trabajo: en la noche al regresar del campo, los
domingos, que en la época colonial estaban dedicados al descanso y la
oración (...). Las épocas de mayor inactividad del ciclo agrícola coincidían
com las grandes festividades religiosas de la Pascua y la Natividad, que
constituíam una combinación potencialmente explosiva de descanso y
festejos populares”.
80
Podemos, portanto, inferir sobre um comportamento matrimonial que indique uma
íntima ligação com o mundo do trabalho, já que estes aconteciam, sobretudo, nos fins de
80
TAYLOR, William B. Embriaguez, homicidio y rebelión en las poblaciones coloniales
mexicanas. México: Fondo de Cultura Econômica, 1987, p. 122.
semana e, por conseguinte, em momentos de folga. No entanto, entre os forros e os livres
parece ter havido uma procura maior pelos sábados, o que poderia ser uma forma de
garantir certa distinção, da cerimônia. Para os cativos os limites impostos pelo trabalho
parecem ter sido muito mais difíceis de transpor. O domingo, único dia de folga para os
escravos, devia assumir múltiplas funções, dentre outras: a possibilidade de descanso; de
cuidar da roça, quando a tivesse; de ir à missa, quando optasse pela fé cristã e de casar-se,
quando desejasse a benção da Igreja e o reconhecimento oficial de sua união.
2.3. As horas de casar
Parece estar, até aqui, se configurando um quadro em que as uniões matrimoniais
sancionadas pela Igreja, num primeiro momento, são dissolvidas pelo mundo do trabalho,
dada a queda na incidência destas nos períodos do ano de maior demanda por “braços”.
Encontros seriam cristalizados em períodos posteriores, em momentos dedicados a outras
atividades. Nesse sentido, escravos e forros buscariam oficializar, institucionalmente
através do casamento, o contato, o convívio e o vínculo, possivelmente estabelecidos
anteriormente: no momento do trabalho.
Esta tendência é, aparentemente, reiterada pelo Gráfico 4 referente à distribuição de
matrimônios cativo durante as horas do dia pois, ao observá-lo, constatamos a presença de
um expressivo pico às 17 horas. Sendo assim, se levarmos em consideração que este
horário situa-se no final da tarde, perceberemos que ele coincide com o final da jornada de
trabalho. No entanto, quando associadas com os dias da semana percebemos que o
predomínio do período da tarde é referente aos casamentos escravos realizados não nos dias
do meio da semana, mas aos sábados e, sobretudo, aos domingos, dia de folga. Quando a
mesma associação é feita em relação aos matrimônios forros e livres presente no Gráfico
4.1, verificamos que o predomínio das 17 horas não é exclusivo dos cativos. Ambos os
grupos preferem esta hora, embora optem por fazê-lo majoritariamente aos sábados.
Gráfico 4 – Distribuição % das horas do dia nas quais escravos se casavam,
Freguesia da Candelária (1809-1837), Freguesia de S. F. Xavier (1810-1820)
0
5
10
15
20
25
30
35
6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19
Candelária S. F. Xavier
Fonte: Anexo 8 e 8.1
Gráfico 4.1 – Distribuição % das horas do dia nas quais os forros se casavam,
Freguesia da Candelária (1809-1837) e os livres na Freguesia de Inhaúma (1817-
1869)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19
Forros Livres
Fonte: Anexo 8 e 8.2
Arranjados de forma a agrupar os casamentos nas duas fases do dia, quais sejam,
manhã e tarde, conforme mostram a Tabelas 6, a tendência antes evidenciada pelos
Gráficos 4 e 4.1 começa a tornar-se deficiente para uma análise das nuanças que envolvem
os comportamentos forros e escravos. No caso da freguesia de Jacarepaguá esta foi a única
forma de agrupamento de dados possível, na medida em que os registros não traziam a hora
e sim o período do dia em que os casamentos foram realizados.
A análise da Tabela 6, referente aos casamentos de escravos e forros na Candelária,
nos mostra que os matrimônios cativos estão quase que uniformemente divididos entre os
dois períodos do dia: 49,6 %, das 6 às 12 horas; e 50,4 %, das 13 às 19 horas. O
comportamento forro, por sua vez, não se mostra tão uniforme, com 26,1 % no primeiro
período e 73,9 % no segundo. Aqui, portanto, parece evidente que os forros, quando
comparados aos cativos, possuem maior grau de independência em relação à escolha da
“hora de casar”.
Tabela 6 – Distribuição das fases do dia nas quais escravos e forros se casavam, Freguesia
de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Períodos Escravos % Forros %
6-12 h 60 49,6 23 26,1
13-19 h 61 50,4 65 73,9
Total 121 100 88 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livro 9
(1809-1837)
Os casamentos das freguesias de São Francisco Xavier e Jacarepaguá, também
referentes a escravos, presentes nas Tabelas 7 e 8, acompanham o mesmo padrão da
Candelária: distribuição equilibrada entre o período da manhã e o da tarde, ainda que na
primeira seja percebida uma concentração ligeiramente maior entre seis e doze horas. Os
casamentos livres por seu turno, conforme a Tabela 9, apresentam um comportamento
parecido com os forros: menos uniforme e mais concentrado no período da tarde.
Tabela 7 – Distribuição das fases do dia nas quais os escravos se casavam, Freguesia de
São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820
Períodos Escravos %
6-12 h 56 60,86
13-19 h 36 39,13
Total 92 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de São Francisco Xavier.
Tabela 8 – Distribuição das fases do dia nas quais os escravos se casavam, Freguesia
Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
Períodos Escravos %
6-12 h 193 55,14
13-19 h 157 44,85
Total 350 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Jacarepaguá
Tabela 9 – Distribuição das fases do dia nas quais os livres se casavam, Freguesia Inhaúma
(Rio de Janeiro), 1817-1869
Períodos Livres %
6-12 h 64 24,5
13-19 h 197 75,5
Total 261 100
Fonte: Anexo 8.2
Ou seja, ainda que ao longo do ano e da semana os casamentos escravos apresentem
uma tendência a concentração, e portanto demonstrem os limites impostos ora pelas
práticas religiosas ora pelo trabalho, quando analisados ao longo do dia revelam a
dificuldade dos cativos de reservar para a cerimônia um dia e um horário específico.
*
Segundo Anderson de Oliveira, em seu trabalho sobre devoção negra no Brasil
colonial, a devoção nas irmandades devem ser analisadas como um dos requisitos de
estruturação do grupo e como símbolo de identidade.
81
Dialogando com o trabalho de
Mariza Soares sobre identidade étnica no Rio de Janeiro
82
, o autor alerta para o fato de que
a devoção ao santo não deve ser entendida numa perspectiva utilitarista. A religiosidade
não seria uma prática dissimulada, mas, sinal da “eficácia dos mecanismos de catequese e o
[do] poder de escolha e re-apropriação por parte dos próprios grupos negros”.
83
A substantiva influência do calendário litúrgico na pratica religiosa dos escravos e
forros das freguesias da Candelária, de São Francisco Xavier, e de Jacarepaguá analisada
aqui a partir da sazonalidade de suas cerimônias de casamento foi uma marca no
comportamento do grupo. Levando em consideração o fato desses registros capturam
somente a prática dos poucos escravos desejosos em tornar suas uniões reconhecidas
pública e oficialmente, a opção pela legitimação através da Igreja Católica pode parecer,
81
OLIVEIRA, Anderson José Machado. Op. cit.
82
SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da Cor: identidade étnica, religiosidade e
escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
83
OLIVEIRA, Anderson José Machado. Op.cit. p.364.
em princípio, a afirmação a partir da religião oficial dos interesses políticos e econômicos
dos senhores sob seus escravos. No entanto tal prática pode também demonstrar que esse
grupo soube apropriar-se do culto católico e, além disso, marcar sua distinção em relação a
seus pares. Em última instância, talvez vejamos nesse caso, parte das contradições inerentes
à sociedade colonial brasileira.
3. Enlaces e Redes: o compadrio a partir dos casamentos de escravos da Candelária.
Fonte: “Casamento de escravos de uma casa rica”. In: DEBRET, Jean B. Op. Cit. p. 174.
Para além da simples união de dois cônjuges, os casamentos de escravos e forros
realizados na Freguesia da Candelária insinuam que personagens aparentemente
secundárias como das testemunhas, podiam representar muito mais que meros espectadores
da cerimônia católica.
Além do nome dos cônjuges e dos dados sazonais, os registros de matrimônio
fornecem dados como o nome dos senhores ou ex-senhores dos noivos (no caso de um dos
nubentes ser forro) e não raras vezes os nomes de seus pais e sua condição jurídica. Sendo
um dos nubentes batizados, eventualmente as atas indicam também o lugar em que se
recebeu o sacramento e por fim, as assinaturas no final do registro revelam o nome das
testemunhas e do pároco que realizou a cerimônia.
Se de fato entendemos, como nos diz Carlo Ginzburg, que “as linhas que convergem
para o nome e que dele partem, compondo uma espécie de teia de malha fina, dão ao
observador uma imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido”,
84
e que
84
GINZBURG, Carlo. “O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico”,. in:
o casamento é ocasião privilegiada para a construção de alianças sociais, trocas e
solidariedades
85
, faz-se necessário reconhecer os limites da série e reduzir a escala de
observação. Mais que nunca é chegada a hora de por em prática o exercício metodológico
fundado na crença de que a junção entre a análise agregada de dados macro e a redução da
escala de observação não configura em si mesmo nenhuma incompatibilidade.
Nas últimas décadas do século XX, no âmbito internacional, historiadores como
Carlo Ginzburg, cônscios da importância que a reconstituição de famílias teve para abertura
de novos campos, propuseram um alargamento no método onomástico sem fechar a porta à
indagação serial. Ao contrário, serviram-se dela.
86
Na verdade, o relativo esgotamento das
abordagens macro-analíticas que inaugurou um período de revisões na forma de encarar a
construção histórica lançou também as bases para uma sociedade pensada como a soma de
indivíduos, estabelecendo relações e formando redes que interagem entre si, onde as
estruturas não são totalmente negadas. A liberdade do homem passa, então, a ser
vislumbrada através do resgate de suas práticas e estratégias. Em seu artigo A escrita da
história Giovanni Levi nos fala de uma
“(...) nova abordagem das estruturas sociais: em particular, a reconsideração
das análises e dos conceitos relativos à estratificação e à solidariedade
sociais nos induz a apresentar de modo menos esquemático os mecanismos
pelos quais se constituem redes de relações, estratos e grupos sociais”.
87
Nesse sentido, um dos pressupostos básicos, de grande valor para o nosso trabalho, é
o de que as estruturas sociais são, na verdade, um conjunto de redes estabelecidas pelos
indivíduos a partir, até certo ponto, de seus próprios desejos e interesses. Ao conceito de
rede social Michel Bertrand atribui esquematicamente três aspectos:
“El primero se refiere a su aspecto morfológico: la red es una estructura constituida
por un conjunto de puntos y lineas que materializan lazos y relaciones mantenidas
GINZBURG, Carlo (et. al.). A Micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: DIFEL: 1991, p.175.
85
ZONABEND, Françoise. “Da família: olhar etnológico sobre o parentesco e a família”. in:
BURGUIÈRE, André (et. al.). História da Família: mundos longínquos, mundos antigos. Rio de
Janeiro: Ed. Terramar: 1998, p.30.
86
GINZBURG, Carlo. O nome e o como. in: GINZBURG, Carlo (et. al). A micro-história e
outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertran Brasil/DIFEL, 1989, p.175.
87
LEVI, Giovani. Les usages de la biographie. Annales. Paris (6):1.325-36, nov./déc., 1989.
entre un conjunto de individuos. El segundo se refiere a su contenido relacional: la red
es un sistema de intercambios que permite la circulación de bienes y servicios.
Finalmente, la red consiste em un sistema sometido a una dinámica relacional regida
por un principio de transversalidad de los lazos, y suscetible de movilizarse en aras de
una finalidad precisa”.
88
Desse modo, o desafio que se coloca é desvendar possíveis redes de solidariedade e
sociabilidade a partir dos registros de casamento da Candelária e das informações neles
disponíveis. Logo, a primeira pergunta feita então foi: se redes foram formadas, qual ou
quais teriam sido seus elementos agregadores? Numa primeira tentativa de resposta, a
aposta na figura do senhor (ou senhora) de um dos nubentes mostrou-se infrutífera.
Extraídos apenas os nomes contidos nas variáveis “mulher”, “marido”, “proprietário da
mulher”, “proprietário do marido”, “testemunha 1”, testemunha 2”, seus respectivos
estatutos jurídicos e colocados em ordem alfabética, não houve recorrência do nome de um
mesmo senhor em diversas cerimônias. Embora no caso de serem escravos, o padrão tenha
sido a união de homens e mulheres pertencentes a um mesmo dono, o nome deste só
apareceu repetidas vezes nos casos de cerimônias coletivas.
Por outro lado, como vemos no diagrama a seguir, alguns nomes apareceram
repetidamente em registros variados assumindo o mesmo papel: o de testemunha. Antônio
Luiz de Andrade, Matias Gonçalves Ferreira, Joaquim José Soares, Manoel Rodrigues de
Oliveira e Cesário José da Silva são os nomes das cinco personagens que se destacaram das
demais testemunhas por dois motivos: pela quantidade de casamentos em que apareceram
exercendo essa função e/ou pelo fato de que nas cerimônias, com alguma freqüência,
formaram pares de testemunhas entre si.
Dos 237 casamentos aqui analisados, esses homens estiveram presentes em 39
deles, dos quais em treze participaram em par. É curioso o fato de Antônio Luiz de
Andrade, Matias Gonçalves Ferreira e Joaquim José Soares terem voltado à igreja mais de
uma vez como pares de testemunhas, e formarem uma espécie de núcleo agregador, sendo
responsáveis por aproximadamente ¾ das 39 cerimônias. Neste grupo, o Cesário José da
88
BERTRAND, Michel. “Elites y configuraciones sociales en Hispanoamérica colonial” in:
Revista de História, n. 13, I Semestre 1999. Instituto de Historia de Nicaragua y Centroamerica.
Silva só formou par com Manoel Rodrigues de Oliveira que por sua vez, só o fez com o
Joaquim José e com o Matias Gonçalves.
Cabe aqui, antes de tentar buscar o peso que tinham tais indivíduos na vida dos
noivos escravos e forros que buscaram o matrimônio na freguesia da Candelária, pensar o
lugar que ocupavam as testemunhas no rito calico, tanto para a legislação da época como
para a historiografia atual. Josette Lordello lembra que, após o Concílio de Trento, para que
um casamento fosse considerado válido por parte da igreja ele precisava cumprir três
exigências: ser realizado em lugar sagrado – leia-se aí o espaço físico da Igreja –, ser
celebrado por palavras na presença de um pároco e ter a presença de duas ou três
testemunhas – que podiam ser os fiéis que assistiam a missa.
89
89
LORDELLO, Josette Magalhães. Entre o Reino de Deus e o dos homens: a secularização do
casamento no Brasil do séc. XIX. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002. P. 61-62.
4
Antônio Luiz de Andrade
João A. de Faria
Antônio da C. Guimarães
Francisco Js da S. Varvas
Manoel Js. De A. Costa
Js Jorge da S.
Jo C. C. de Andrade
Melo Gomes de Moraes
-
Js Mario de
Machado Vilas Boas
-
Js. Jorge da S.
Joana
E/AF
JJS
Joaquina
E/AF
Ma JJR
Mateus
Nação
E/AF
JJS
Francisco
Nação
E/AF
Ma JJR
Domingos
Angola
E/AF
JAS
Fca RX
Joaquina
E/AF
JAS
Fca RX
Julião C.
Dias
E/CR
JCD
Ma
Felícia
E/AF
José Ma
Benguela
F/AF
ML
Ma Rosário
Angola
F/AF
AJS
Nicolau
Da Costa
E/AF
JJG
Teodora
E/AF
JJG
José Angola
Angola
E/AF
AJMF
Josefa
Mina
Joaquim
Cabinda
E/AF
JMF
Isabel
E/AF
JMF
Garcia
E/AF
MaTSR
Benta Cr
?/CR
Ma TSR
Franco J. Passos
Firmino
Nação
E/AF
CB
Rita
E/AF
CB
João
Moçambique
E/AF
JG
Rosa
E/AF
JG
João
Cabinda
E/AF
MPCL
Joana
E/AF
MPCL
Manoel José Gomes
Cipriano Pd
Paraty
E/CR
FJA
?
E/AF
FJA
Luis
Cabinda
E/AF
PAR
Tereza
E/AF
PAR
Antônio Luiz de Andrade Matias Gonçalves Ferreira
Joaquim José Soares
Manoel Rodrigues de Oliveira
João
Cassange
E/AF
JPM
Manoel Jq.
Sacramento
F/CR
?
Antônio Js
Benguela
MJM
Manoel Js
Mina
E/AF
JPMS
José
Benguela
E/AF
JM
Antônio
Congo
E/AF
JCM
Diogo da
Costa
Al
João
Congo
E/AF
ADCN
Joaquim
Benguela
E/AF
Ma TSR
Js Antônio
Moçambique
E/AF
JJB
Amaro Calabar
E/AF
JRA
João
Cpo Gde
E/CR
JPM
Joana Jq
E/AF
?
Catarina
Rebola
E/AF
JM
Maria
Carosa
E/ ?
Joaquina
Ma Santana
RLCT
Tereza dos
Sts
Angola
FGS
Felicidade
E/CR
Ma TSR
Catarina E.S
Angola
F/AF
Ma Jq
E/AF
JJB
Suzana
E/AF
ADCN
Maria
Cabinda
E/AF
JCM
Gertrudes
E/AF
JRA
Conde Manoel João
Domingos José Dantas
José Madeira Salinas
José Bento Pereira de Castro
Rosa
E/AF
JPM
Manoel Rodri
g
ues de Oliveira
Cesário José da Silva
Manoel José
-
Elias Pereira
Luis da Cunha Ribeiro
Ana
E/AF
AMLC
Joaquim
Nação
E/AF
AMLC
Ma
Magdalena
C. Leste
F/AF
J
L
S
João Ignácio
C. do Leste
F/AF
JLS
Manoel
Benguela
E/AF
JM
Tereza
E/AF
JM
Delfina
E/AF
JM
João
Rebolo
E/AF
JM
Manoel
Nação
E/AF
JJG
Cláudio
Nação
E/AF
JJG
Isabel
E/AF
JJG
Florinda
E/AF
JJG
Xavier
Moçambique
E/AF
FJM
Ana
E/AF
Legenda:
Padrinhos “Nucleares”
Padrinhos “Periféricos”
Ligação entre Padrinhos “Nucleares”
Ligação entre “Nucleares” e “Periféricos”
Ligação entre pares de Padrinhos e Casais
Marido (c/ nome, cond. jur., nacional. e dono)
Mulher (c/ nome, cond. jur., nacional. e dono)
As disposições do Concílio de Trento foram revigoradas no Brasil colonial com a
publicação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1707, e seus
dispositivos foram mantidos na parte relativa ao matrimônio mesmo após a Independência
e a Constituição de 1824. Como a lei tridentina mandava que se fizesse a publicação dos
banhos ou proclamas, mas não invalidava as uniões que não cumprissem essa norma, era
comum a prática do que Alexandre Herculano chamou de “casamentos tumultuários”. O
autor relatou em 1860 esse costume típico das províncias do Norte de Portugal:
“A horas da missa, dous indivíduos de differente sexo, accompanhados de
duas testemunhas, apparecem na Igreja, e no momento em que o pároco se
volta para o povo, ou para o abandonar, ou para descer de junto do altar,
aproximam-se delle e declaram em voz alta que se recebem por marido e
mulher. Segundo a letra do decreto conciliar e conforme os canonistas, ficam
validamente casados.”
90
Um casamento como este, portanto, não poderia ser considerado clandestino,
afinal, dezenas de testemunhas estavam presentes, houve a benção do padre (ainda que
sem sua participação moral) e tudo ocorreu em “solo sagrado”- ou seja no interior da
igreja. No que tange especificamente a situação das testemunhas, a aceitação por parte dos
historiadores de que os casamentos ditos “tumultuários” eram prática corriqueira, talvez
tenha influenciado a idéia corrente de que sua presença era de fato aleatória e sem
importância na celebração do matrimônio católico e na vida dos noivos. Sheila de Castro
Faria chegou a dizer que:
“As testemunhas do casamento, sempre homens, não tinham a importância
dos padrinhos de batismo, já que foram as mesmas a assinar em várias séries
de assentos. Quando particularizadas, também as informações sobre elas
eram mais completas. Na realidade ‘testemunhas’ eram todos os que
assistiam à cerimônia, como aludem alguns assentos, mas só duas, três ou
quatro assinavam. De meados do século XVIII em diante, o número se fixou
em duas assinaturas.”
91
90
HERCULANO, Alexandre. Estudos sobre casamento civil. (por ocasião do opúsculo do Sr.
Visconde de Seabra sobre este assunto) 3ª ed. Lisboa: Antiga Casa Bertrand – José Bastos e Cia.
Editores, 1866. pp. 249-250.
91
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
É interessante como tem sido analisado pelos historiadores o fato de que algumas
pessoas eram “as mesmas a assinar em várias séries de assentos” como testemunhas.
Explicar esse comportamento como um forte indício de serem essas pessoas funcionários
eclesiásticos ou indivíduos que com freqüência encontravam-se próximos às igrejas e,
portanto, disponíveis para cumprir esse papel por ocasião das cerimônias, é a hipótese mais
utilizada pelos pesquisadores. No entanto, nos casamentos aqui analisados, com freqüência
os registros trazem ao lado das assinaturas a observação: “padre”, nos casos em que as
testemunhas fazem parte da hierarquia da Igreja. Vale lembrar que em nenhum dos casos
onde constava essa anotação as testemunhas eram Antônio Luiz de Andrade, Matias
Gonçalves Ferreira, Joaquim José Soares, Manoel Rodrigues de Oliveira ou Cesário José
da Silva.
Ainda que possamos suspeitar que nesses casos, por esquecimento ou displicência,
o celebrante no momento em que preenchia o livro de casamentos da freguesia não fez tal
observação, o Almanaque da Corte do Rio de Janeiro
92
confirma a hipótese de que esses
personagens não eram funcionários da Igreja. Nesses pequenos livros editados em vários
números da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, encontramos a lista de
funcionários da corte, inclusive os eclesiásticos, nos anos de 1811, 1816, 1817, 1824 e
1825. Neles não encontrei nenhum Pároco, vigário de coro, capelão, sacristão, confessor,
mestre ou ajudante de cerimônias com tais nomes.
Voltando ao padrão de análise dos historiadores: quando, ao contrário, o padrão era
o de nomes não recorrentes, tem sido mais fácil lançar mão do argumento de que, a
princípio, qualquer um dentre uma multidão de fiéis, que por ventura estivesse assistindo a
missa, poderia ser uma testemunha em potencial. Em suma, para a historiografia as
testemunhas de casamento “não tinham a importância dos padrinhos de batismo” e,
portanto não demandavam dos noivos uma acuidade maior no momento da escolha.
p.309.
92
“Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1811”, in: Revista do Instituto Histórico e
Geografico Brasileiro, nº 282, jan./mar., pp. 97-236; “Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de
1816”, in: Revista do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro, nº 268, jul./set., pp. 179-330;
“Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1817”, in: Revista do Instituto Histórico e Geografico
Brasileiro, nº 270, jan./mar., pp. 211-370; “Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1824”, in:
Revista do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro, nº 278, jan./mar., pp. 197-360; “Almanaque
do Rio de Janeiro para o ano de 1825”, in: Revista do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro,
nº 291, abr./jun., pp. 177-284.
Sérgio Nadalin, no entanto, foi mais cuidadoso ao tratar sobre este tema.
Comparando os registros de matrimônio da França do Antigo Regime com os do Brasil,
afirmou:
“Aqui, a única assinatura na ata era, eventualmente, da testemunha, dado que
evidentemente poderia ser aproveitado para certo tipo de estudos se não
ocorrer o uso, como em Curitiba no século XVIII, da utilização sempre das
mesmas pessoas para testemunhar o ato. Sem dúvida resta-nos a esse
respeito, perguntar quem eram essas pessoas, e esta é uma investigação que
ainda esta para ser feita.
93
Na tentativa de seguir a instrução de Nadalin, e voltando à Freguesia da Candelária,
talvez seja oportuno nos questionarmos se as cinco já citadas proeminentes figuras eram de
fato “apenas” testemunhas, ou podem ser consideradas como padrinhos de casamentos.
Explico-me: a recorrência da assinatura de alguns nomes nos registros de matrimônio
desses escravos e forros na condição de testemunha, pode significar que estas pessoas não
foram pinçadas aleatoriamente pelos casais para cumprir uma mera formalidade mas, por
algum motivo específico, foram escolhias cuidadosamente e compareceram à cerimônia
numa condição muito mais próxima à figura de um padrinho como o de batismo. Antônio
Luis de Andrade, por exemplo, foi das testemunhas aqui analisados o mais requisitado:
compareceu a igreja quinze vezes nessa condição. Curioso é o fato dele ter sido convidado
por onze anos para cumprir tal função: aparece pela primeira vez num casamento em 1816
e pela última vez em 1834 (com ausências nos anos de 1822, 24, 26-29, 31 e 33). Nesse
período de 18 anos sua média foi, portanto, de mais de um casamento por ano.
Embora o parentesco fictício também pudesse ser estabelecido por intermédio da
crisma e do casamento, aquele gerado pelo ato do batismo tem lugar privilegiado nos
estudos sobre compadrio. É fato que a partir desse sacramento estabeleciam-se entre
padrinhos, afilhados e suas respectivas famílias laços não só espirituais como também
sociais. Segundo Stuart Schwartz:
“Aos olhos da sociedade Cristã, o compadrio estabelecia laços espirituais
entre os padrinhos e o cristão que acabara de ganhar um nome e passar pela
iniciação e, no caso da criança batizada, entre os padrinhos e os pais naturais.
Tais laços também tinham uma dimensão social fora da estrutura da igreja.
Podiam ser usados para reforçar laços de parentesco já existentes, ou
93
NADALIN, Sergio Odilon. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas:
Associação brasileira de Estudos Populacionais – ABEP, 2004. p. 97.
solidificar relações com pessoas de classe social semelhante, ou estabelecer
laços verticais entre indivíduos socialmente desiguais.”
94
A questão que se coloca é o quanto estas implicações estão longe de ser um
privilégio da prática do batismo. Entre noivos e testemunhas certamente existia o desejo do
estabelecimento de laços espirituais e sociais que, com freqüência, deveriam ser
responsáveis pela criação ou cristalização de importantes relações e estratégias.
Nos casos de Antônio Luiz de Andrade, Matias Gonçalves Ferreira, Joaquim José
Soares, Manoel Rodrigues de Oliveira e Cesário José da Silva alguns indícios parecem
sugerir a hipótese de que estas testemunhas cumpriam, na verdade, o papel de padrinhos
para esses casais da Candelária. Primeiro, todos os casamentos em que esses homens
compareceram envolviam africanos. Sendo mais precisa, das 78 pessoas envolvidas nos
casamentos apadrinhados por eles, apenas seis eram crioulas e, ainda assim, eram
consortes de africanos. Antônio Luiz de Andrade foi padrinho em cerimônias distintas de
quatro crioulos: Cipriano Pardo, escravo de Paraty; Julião Custódio Dias, pardo e Benta
crioula, ambos escravos de origem não determinada pelo registro; por fim Manoel Joaquim
do Sacramento, forro da Freguesia de Jacutinga cujo segundo padrinho foi Matias
Gonçalves Ferreira. Joaquim José Soares apadrinhou João, escravo pardo de Campo
Grande e Felicidade, escrava crioula cuja origem também não constava na fonte. Os únicos
que não tiveram africanos na sua rede direta de relações fora, Manoel Rodrigues de
Oliveira e Cesário José da Silva.
Levando-se ainda em consideração que as análises dos itens anteriores do presente
trabalho indicaram uma forte tendência endogâmica, do ponto de vista não só da
naturalidade mas também étnico, tais padrinhos eram muito possivelmente escolhidos a
partir de critérios étnicos. Dito de outra maneira, esses homens foram convidados por
casais com uma origem comum. Conforme mostra a Tabela 10 à maioria dos noivos era
proveniente da África Central Atlântica – de acordo a macro região – e de Cabinda, Angola
e Benguela – de acordo a origem étnica.
94
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001. pp. 265-
266.
Tabela 10 – Distribuição dos africanos que se casaram e tinham por testemunha Antônio
Luiz de Andrade ou Matias Gonçalves ou Joaquim José Soares ou Manoel Rodrigues de
Oliveira ou Cesário José da Silva, por origem étnica e por macro região dos cônjuges,
Freguesia da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Macro
Região
Etnia
N.º no total
de
casamentos
N.º na
rede de
padrinhos
Total na
macro
região
Total na
rede de
padrinhos
Calabar 2 1
Haussa 1 -
Guiné 1 -
África
Ocidental
Mina 11 3
15
4
Cabinda 14 5
Congo 11 2
Angola 13 10
Benguela 15 8
Rebolo 4 2
Quissamã 1 1
África
Central
Atlântica
Cassange 4 1
62
29
África
Oriental
Moçamb. 9 5 9 5
Total 86 38
Fonte: Registros de casamentos da Freguesias da Candelária (1809-1837)
Obs.: Nem todos os noivos africanos tiveram sua origem étnica declarada no registro de
matrimônio.
Um segundo argumento, que ajuda a reforçar a hipótese de que essas pessoas
assumiram a figura de padrinhos, é o fato de todos os cinco possuírem até dois
sobrenomes, um forte indicativo, pois, da condição jurídica de livre ou de ex-escravo.
Tendo em vista que dos noivos cujo estatuto jurídico é conhecido apenas treze são forros e
60 são escravos, prevaleceria aqui a tendência já observada pela historiografia da escolha
escrava por padrinhos com status superior. Stuart Schwartz comentando a respeito de
certos padrões na escolha de padrinhos de batismo nas lavouras do recôncavo baiano disse
que:
“Os escravos quase nunca serviam de padrinhos de crianças nascidas livres
ou de filhos de escravos libertos, mas, pelo contrário, os filhos de escravos
tinham padrinhos livres, libertos e escravos. Havia uma espécie de categoria
de compadrio que reproduzia a hierarquia de status e cor da sociedade, e os
brancos, quase sempre, tinham padrinhos brancos; a maioria de filhos de
pardos tinham padrinhos brancos, mas alguns tinham padrinhos negros ou
pardos; e os negros tinham padrinhos quase sempre brancos, mas também um
número significativo de padrinhos pardos ou negros. (...) quando cidadãos
livres serviam de padrinhos de escravos, geralmente tinham status inferior ao
do senhor de escravos.”
95
É bem verdade que o próprio autor admite poder tratar-se de padrões de compadrio
específicos da Bahia no final do século XVIII, cuja economia estava intimamente ligada ao
tráfico de escravos a exportação de açúcar. Segundo ele, as duas paróquias rurais
analisadas eram zonas produtoras de açúcar cuja produção havia se expandido naquele
momento. No intuito de estabelecer uma comparação, Stuart Schwartz resolveu então
examinar os padrões de compadrios de escravos em Curitiba no mesmo período, logo, uma
outra região e uma área não tão intimamente ligada à economia de exportação e ao tráfico
internacional de escravos. O estudo dos dados Curitibanos confirmou muitas das
descobertas da Bahia do século XVIII, dentre elas: a escolha de um padrinho e de uma
madrinha livres no compadrio de filhos de escravos. O autor conclui então que os padrões
de Curitiba indicam que os dados baianos não eram excepcionais e mais: que “para os
escravos, esses padrões indicam a aceitação das circunstâncias e a tentativa de usar a
instituição do compadrio para melhorar a própria situação ou fortalecer laços de família.”
96
Jean Baptiste Debret ao escrever um texto a respeito da sua obra chamada
Casamento de escravos de uma casa rica, aliás, única a retratar um matrimônio entre
95
SCHWARTZ, Stuart B. Idem. p.272
96
Idem. p.285.
cativos, falava sobre o costume que tinham de escolher para padrinho alguém de “categoria
superior”:
“É igualmente decente e de bom-tom nas casas ricas do Brasil fazer casarem-
se as negras sem contrariar demasiado suas predileções na escolha de um
marido; esse costume assenta, na esperança de prendê-los melhor à casa (...)
O crioulo orgulha-se de ter nascido de pais casados (...) na cerimônia do
casamento é o criado de categoria superior que serve de padrinho ao
inferior.”
97
Um personagem emblemático entre os nossos padrinhos aparece no já citado Almanaque
da Corte do Rio de Janeiro dos anos de 1824 e 1825. No item intitulado “Pessoas
empregadas - Criados Particulares – Porteiros da Câmara de cavallo do número”, encontrei
na lista dos empregados Cesário José da Silva, e ao lado de seu nome a inscrição “Rua do
Sabão”. Embora saibamos da infinidade de homônimos existentes na cidade, este é
exatamente um dos padrinhos aqui analisados e o nome da rua encontrada provavelmente
indica o local de trabalho de um dos nossos mais famosos padrinhos. Segundo Noronha
Santos e Morales de los Rios
98
a referida rua, hoje desaparecida por conta da abertura da
Avenida Presidente Vargas, abrigou o primeiro edifício do Paço Municipal de 1817 a
1873. E não é de se espantar que ficasse localizada na Freguesia de Santana, praticamente
vizinha da Candelária onde Cesário José da Silva foi padrinho dos ditos casamentos. Sua
profissão indica que não era um escravo, mas sim um criado particular e, mais
especificamente, porteiro da cavalaria do número. Aliás, segundo Manuel Amaral,
99
as
milícias eram as tropas de segunda linha, auxiliares das de primeira em caso de guerra e,
“os regimentos de milícias, no século XVIII e XIX, eram os que mais antigamente se
denominavam terços auxiliares”. Desse modo, a palavra “número” provavelmente
equivalia ao termo “terço” e, Cesário José da Silva era, portanto, porteiro de um dos terços
da milícia do Rio de Janeiro. O fato de não ser escravo e possuir um ofício pode, nesse
sentido, ter influenciado na escolha de seus afilhados em sua maioria escravos e africanos.
É oportuno ressaltar que o padrão geral na escolha do padrinho, por parte dos casais
envolvidos com as ditas testemunhas, é o que chamarei de “pulverizado”. Ou seja, a
97
DEBRET, Jean Baptiste. Op. cit. p.174.
98
SANTOS, Noronha. Op. cit. pp. 108-109; FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Op. cit.
p.240.
99
AMARAL, Manuel. Portugal: Dicionário histórco, corográfico, heraldico, biográfico,
bibliográfico, Numismático e artístico. Volume IV. 1904-1915. João Romano Torres Editor.
p.1109.
presença repetida de algumas pessoas na condição de testemunha se deu entre uma minoria
de cônjuges africanos. De 237 casamentos, apenas 39 envolveram o mesmo grupo de
padrinhos, nos outros 198, tirando às vezes em que o documento não fornecia suas
assinaturas, seus nomes não se repetiram, ou só reapareceram por mais três vezes no
máximo. A norma geral de comportamento, tanto entre africanos quanto entre crioulos, foi
o da escolha particularizada da testemunha. Conforme vemos na Tabela 11 que mostra a
estrutura do apadrinhamento desses casais, 87,3 % dos padrinhos foram chamados à
comparecer na Igreja nessa condição apenas uma vez. Por outro lado, é curioso que
conforme aumentou a estrutura de apadrinhamento, cresceu também a tendência à
concentração. Apenas seis padrinhos estão na faixa de cinco a nove cerimônias, entre eles;
Manoel Rodrigues de Oliveira que assinou como testemunha em cinco registros, Cesário
José da Silva que assumiu tal papel em seis e Joaquim José Soares que foi chamado para
apadrinhar oito casamentos. Na faixa de dez a quatorze matrimônios o único presente foi
Matias Gonçalves Ferreira responsável por doze cerimônias e, do mesmo modo, Antônio
Luiz de Andrade, que foi padrinho em quinze casamentos, ficou sozinho na faixa dos
quinze a vinte.
Tabela 11 – Estrutura de apadrinhamento de casais escravos e forros, Freguesia da
Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Faixa de
Apadrinhamento
N.º de
Padrinhos
%
1 186 87,3
2 15 7,0
3 4 1,9
4 0 0
5-9 6* 2,8
10-14 1 0,5
15-20 1 0,5
> 20 - 0
Total 213 100
Fonte: Registros de Casamento da Freguesia da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837.
Obs: Dos seis padrinhos pertencentes a essa faixa foram analisados apenas 3 já que dos três
restantes: um era testemunha de dois casamentos coletivos, e os outros dois não se cruzavam com a
rede formada pelas testemunhas dessa faixa e das superiores.
Algumas questões são latentes:
Se a norma geral tanto entre africanos e crioulos era “pulverizada”, por que nos
casos em que o padrão na escolha dos padrinhos não foi “agregada” envolveu quase que
exclusivamente noivos africanos? Por que no interior desse grupo de africanos os afro-
ocidentais e orientais estavam praticamente ausentes?
Já vimos no capítulo 1 que os números da distribuição étnica dos casais destas
Freguesias foram, em parte, proporcionais ao volume de africanos recebidos pelo porto do
Rio de Janeiro de acordo às macro-regiões de origem: mais da metade de Centro-africanos,
seguidos de um quarto de afro-orientais e, por fim, nunca mais de 7% de afro-ocidentais.
Vimos também o quanto a variável “tempo” foi fundamental para entendermos a
diferença no comportamento dos Moçambiques em relação aos afro-ocidentais no que
tange a escolha dos cônjuges. Com uma presença muito mais acentuada apenas depois de
1811, os cônjuges afro-orientais, muito recentemente desembarcados em relação aos
demais, apresentaram um volume de matrimônios mais escasso e mostraram-se mais
aleatórios na escolha dos parceiros. Já os afro-ocidentais, desde longa data presentes no
Rio de Janeiro, adotaram um comportamento muito menos endogâmico. A idéia é de que
procurar pares pressupunha a existência de um reconhecimento identitário, o que, por sua
vez, demandava certo tempo para que o arraigo cultural se expressasse.
O africano era obviamente um estrangeiro absoluto em solos coloniais. Sendo
escravo ou forro até podia optar por resistir ao aprendizado de uma nova língua, dos
costumes correntes, restringindo-se ao convívio de conterrâneos africanos. Mas, ainda
assim, teria a necessidade de criar mecanismos de interação e arraigo, recriar identidades,
forjar laços e solidariedades. O crioulo, indivíduo que por definição havia nascido aqui,
dependendo do tempo em que seus antepassados aqui estivessem, poderia conhecer irmãos,
tios e até avós. Os laços parentais e as redes em que escravos e forros crioulos poderiam
estar inseridos, portanto, eram potencialmente maiores que a dos africanos.
A variável “tempo” no caso da escolha de um padrinho talvez também tenha sido
de suma importância para diferenciar os africanos entre si. Isto porque a recorrência dos
nomes de Antônio Luís de Andrade, Matias Gonçalves Ferreira, Joaquim José Soares e
Manoel Rodrigues de Oliveira na condição de padrinhos, somente entre africanos, indique
a necessidade que tinham seus afilhados de criar vínculos e solidariedades. Os africanos, a
princípio, não dispunham da malha gerada pelos laços de parentesco a que os crioulos já
estavam inseridos ao nascer. Sendo assim, a rede criada pelos padrinhos e seus afilhados
insinua que esses homens e mulheres percebiam o quanto a escolha de determinados
padrinhos poderia ser uma forma privilegiada para inserção numa rede social que, até
então, ainda não lhes estava disponível.
É bem verdade que parece ter havido uma espécie de “gradação” entre os africanos.
Como já foi dito mais da metade deles estava fora da rede de padrinhos. Tudo indica que
quanto mais tempo o casal tivesse de arraigo, mais ele podia prescindir da inserção trazida
por um padrinho de casamento comum a outros casais. Logo, os crioulos eram os que
poderiam se dar ao privilégio de ter um padrinho personalizado. Os africanos que
assumiram semelhante comportamento eram os que estavam, do ponto de vista dos arraigo
socio-cultural, mais próximos dos crioulos. Provavelmente já haviam encontrado outras
formas de socialização e, quem sabe, se integrado a outros conterrâneos em algum tipo de
irmandade ou, até mesmo, estabelecido laços de compadrio, por exemplo.
Inclusive, naqueles casamentos em que o padrinho foi exclusivo e não voltou
àquela igreja para cumprir este papel para nenhum outro casal, encontramos casos em que
ele era também o proprietário ou ex-proprietário de um dos cônjuges ou de ambos. Quando
Ventura, um escravo africano de nação Benguela levou para o altar Mariana, uma outra
escrava africana, conseguiu levar também consigo, na condição de padrinho, seu senhor
Antônio Martins da Costa. O mesmo ocorreu com Amaro, escravo africano de nação que
teve como padrinho de seu casamento com Mariana seu senhor, José Jorge da Silva.
Agora, quando a forra africana Maria Joaquina casou-se com o viúvo Joaquim José da
Costa, um escravo da guiné, conseguiu que Francisco Ribeiro Sarmento, seu antigo dono,
estivesse presente em sua cerimônia na condição de padrinho. Proeza maior conseguiu os
escravos africanos Antônio e Joana. Por ocasião do casamento fizeram com que
Hermógeno Pereira da Silva, senhor de ambos, e José Pereira da Silva, seu provável
parente, os acompanhasse até a igreja e apadrinhasse sua união.
Ora, ainda que possamos pensar que a presença do proprietário dos noivos na
cerimônia de casamento seja fruto de uma política vigilante do senhor para com seus
escravos e, sua assinatura no registro eclesial no campo destinado às testemunhas um mero
aproveitamento prático de uma terceira pessoa já presente no local assumindo o papel
exigido pela igreja, os exemplos acima citados nos dão indícios de que talvez não fosse
bem assim. Quando um escravo consegue levar seu senhor com um parente dele para
celebrar e apadrinhar seu casamento é porque, no mínimo, há um razoável grau de
consideração entre eles. O tempo de convivência familiar e o grau de importância que um
exerceu na vida do outro talvez os tenha aproximado e, além disso, gerado uma
consideração e respeito que vemos refletida no compromisso assumido, e manifesto
publicamente, de um proprietário que tornou-se padrinho de casamento de seus escravos.
Com mais força ainda podemos perceber esse processo nos exemplos que envolvem forros
e ex-senhores. Nesses casos, os vínculos estabelecidos no cativeiro sobrevivem mesmo
depois da alforria. Logo, o pressuposto aqui é o de que os contatos não se rompem com a
liberdade mas, ao contrário, permanecem e são cristalizados com a aceitação por parte dos
ex-proprietários de tornarem-se padrinhos de casamento de seus ex-cativos.
Já os 71 africanos presentes na rede formada por esses cinco padrinhos talvez
estivessem diante da primeira oportunidade de conseguir, por meio do casamento, mais um
parente além do cônjuge. O padrinho, para esses homens e mulheres, era uma terceira
pessoa potencialmente capaz de lançá-los para o interior de uma malha muito maior que a
formada por um casal com pouco ou nenhum parente. As testemunhas que optei por
chamar de padrinhos exerciam claramente uma função agregadora e de socialização.
Ligavam indivíduos que por mais que circulassem pela cidade do Rio de Janeiro muito
provavelmente teriam poucas chances de se encontrar e estabelecer algum tipo de laço. A
partir de seus casamentos e da escolha desses homens passaram a ter um padrinho em
comum com dezenas de outros africanos.
Esses agentes, como já mencionei anteriormente, eram com muita probabilidade
livres ou forros pelo fato de possuírem até dois sobrenomes. Por outro lado, 60 das 78
pessoas envolvidas nessa rede na condição de nubente eram escravas e de origem
majoritariamente congo-angola. Talvez então, estejamos diante de homens forros,
descendentes de homens e mulheres congo-angolanos que reproduziram uma solidariedade
forjada no cativeiro. Mesmo depois da passagem para o mundo dos livres, aceitaram o
convite para apadrinhar dezenas de casais cujo estatuto jurídico outrora já havia sido o seu,
e cuja origem étnica era a mesma de seus antepassados. Esses personagens podem ter se
tornado então, referência e possibilidade de inserção social, sobretudo para os recém
chegados.
Conclusões
Na tentativa de contribuir para o estudo das práticas e padrões matrimoniais
escravos no Rio de Janeiro em suas relações com o tráfico atlântico, este trabalho nos
mostra que o padrão de comportamento dos cativos presente nos registros de casamento no
Rio de Janeiro (nas freguesias de Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá), da 1ª
metade do século XIX, estava intimamente ligado a lógica empresarial escravista e ao ciclo
agrário da cana-de-açúcar. Além disso, havia também uma estreita relação com o
catolicismo, expresso sobretudo na observância do calendário religioso.
Tais padrões de comportamento puderam ser observados na freqüência dos
casamentos ao longo das horas do dia, dos dias da semana, dos meses e, por fim, no
decorrer das estações dos anos. Ao longo dos meses do ano, a distribuição deles obedecia
tanto ao calendário religioso – em especial aos períodos de interdição, como por exemplo a
quaresma – quanto a sazonalidade da cana-de-açúcar. Além disso, tanto ao longo dos dias
da semana como das horas do dia, a freqüência de matrimônios tendia a recair sobre os
momentos de menor volume de trabalho e, de alguma maneira, igualmente acompanhavam
o calendário religioso.
Através da distribuição bruta dos casamentos de acordo a situação jurídica
(escravos, forros ou livres) e a naturalidade (africanos e crioulos), percebemos que o
comportamento observado pode ser traduzido, no mercado matrimonial, em estratégias
específicas dos diferentes grupos envolvidos. A endogamia, tanto por naturalidade como
por estatuto jurídico, cor e etnia, foi a marca do comportamento escravo, embora fossem
diferenciados os níveis de interação matrimonial entre homens e mulheres. Quando a
hipergamia ocorreu, quem o fez foi a mulher forra.
Por fim, tentando reconstruir as redes parentais e de sociabilidade a que estes
cônjuges estariam ligados, o que consegui perceber foi – para além da família formada
pelo matrimônio – experiências coletivas a partir dos registros de casamento da Candelária.
Na verdade, uma malha ainda incompleta e fragmentada formada por casais e seus
respectivos “padrinhos de casamento”, que dá pistas para um mundo em que se cruzam e
interligam relações familiares, identidades sociais, estratégias de sobrevivência e
mobilidade social. Não há dúvidas que ainda é preciso consultar um maior número de
documentos e cruzar suas informações, mas, os primeiros passos já foram dados.
Fontes e bibliografia
a. Primárias manuscritas – ACMRJ – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro
Livro de Casamentos – Freguesia da Candelária (1809-1837)
Livro de Casamentos de Escravos – Freguesia de Jacarepaguá (1790-1837)
Livro de Casamentos de Escravos – Freguesia de São Francisco Xavier (1810-1820)
Livro de Casamentos de Livres – Freguesia de Inhaúma (1817-1869)
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senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. 1
ª
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Anexos
Anexo 1 – Distribuição bruta dos casamentos por situação jurídica e naturalidade
dos cônjuges, Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
MULHERES Totais
ESC FOR IND LIV
AF CR IN AF CR IN AF CR IN BR PO IN
90 08 1 - - - - - - - - 99
11 10 2 - 2 - - - - - - - 25
E
S
C
AF
CR
IN
1 1 4 - 1 2 - - - - - - 9
- - - 32 1 1 - 2 - - - - 36
- - - 7 14 2 - 3 - - - - 27
F
O
R
AF
CR
IN
- - - - 2 2 - - 3 - - - 8
- - - - - - - - - - - - -
1 - 1 4 9 1 - - - - - - 16
I
N
D
AF
CR
IN
- - - - 1 1 - - - - - - 2
1 - - - - - - - - - - - 1
- 1 - - - - - - - - - - 1
- - - - - - - - - - - - 3
H
O
M
E
N
S
L
I
V
CR
ID
BR
PO
- - - 2 1 - - - - - - - 3
Totais 104 21 9 45 34 9 - 5 3 - - - 230
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livro 9 (1809-1837)
Obs: Foi adotada a seguinte terminologia para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-
brasileiro, ID-indio, PO-português e IN-indefinido. Para o Estatuto Jurídico: Esc-Escravo, For-
Forro, Ind-Indefinido e Liv-Livre.
Anexo 1.1 – Distribuição bruta dos casamentos por situação jurídica e naturalidade
dos cônjuges, Freguesia de São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820.
MULHERES Totais
ESC FOR IND LIV
AF CR IN AF CR IN AF CR IN BR PO IN
55 12 02 - - - - - 01 - - - 69
07 08 01 - - - - - - - - - 16
E
S
C
AF
CR
IN
01 01 06 - - - - - - - - - 08
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
F
O
R
AF
CR
IN
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
I
N
D
AF
CR
IN
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
H
O
M
E
N
S
L
I
V
BR
PO
IN
- - - - - - - - - - - - -
Totais 63 21 09 - - - - - 1 - - - 93
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de São Francisco Xavier.
Obs: Foi adotada a seguinte terminologia para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-
brasileiro, ID-indio, PO-português e IN-indefinido. Para o Estatuto Jurídico: Esc-Escravo, For-
Forro, Ind-Indefinido e Liv-Livre.
Anexo 1.2 – Distribuição bruta dos casamentos por situação jurídica e naturalidade
dos cônjuges, Freguesia de Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
MULHERES Totais
ESC FOR IND LIV
AF CR IN AF CR IN AF CR IN BR PO IN
281 55 - - - - - - - - - - 336
- - - - - - - - - - - - -
E
S
C
AF
CR
IN
48 312 - - 05 - - - - 03 - - 368
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
F
O
R
AF
CR
IN
01 02 - - - - - - - - - - 03
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
I
N
D
AF
CR
IN
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
H
O
M
E
N
S
L
I
V
BR
PO
IN
- 01 - - - - - - - - - - 01
Totais 330 370 05 03 708
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia Jacarepaguá.
Obs: Foi adotada a seguinte terminologia para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-
brasileiro, ID-indio, PO-português e IN-indefinido. Para o Estatuto Jurídico: Esc-Escravo, For-
Forro, Ind-Indefinido e Liv-Livre.
Anexo 1.3 – Distribuição bruta dos casamentos por situação jurídica e naturalidade
dos cônjuges, Freguesia de Inhaúma (Rio de Janeiro), 1817-1869
MULHERES Totais
ESC FOR IND LIV
AF CR IN AF CR IN AF CR IN BR PO IN
2 1 - 1 - - - - - - 4
- - - - - - - - - -
E
S
C
AF
CR
IN
1 - - 1 - - - - - - 2
- - - 8 - - - - - - - - 8
- 1 - 2 16 1 - 1 1 - - - 22
F
O
R
AF
CR
IN
- - 1 - - 7 - - - - - - 8
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
I
N
D
AF
CR
IN
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
- - - - - - - - - - - - -
H
O
M
E
N
S
L
I
V
BR
PO
IN
- - - - - 1 - - - - - - 1
Totais 2 2 1 11 16 11 - 1 1 - - - 45
Fonte: Registros de Matrimônio da Freguesia de Inhaúma.
Obs: Foi adotada a seguinte terminologia para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-
brasileiro, ID-indio, PO-português e IN-indefinido.
Anexo 2 – Distribuição bruta dos casamentos por situação jurídica e cor dos cônjuges, Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
MULHERES Totais
ESC FOR LIV
PT PD CB IN ID PT PD CB IN ID PT PD CB IN BR ID
PT 90 9 99
PD 1 3 6 1 11
CB 2 2
IN
E
S
C
ID 1 16 1 2 20
PT 35 3 38
PD 1 1 8 1 11
CB
IN
F
O
R
ID 1 4 1 8 14
PT
PD 1 1 1 3
CB
IN 1 1
BR 1 2 3
L
I
V
ID 1 1
PT
PD 1 1
CB
IN
H
O
M
E
N
S
I
N
D
ID 1 4 7 5 17
Totais 93 4 1 36 46 19 22 221
Obs: - Não houve casos em que homens com situação jurídica indefinida se casaram com mulheres com situação jurídica indefinida;
- Todos os africanos dos registros foram considerados pretos;
- Foi adotada a seguinte terminologia para a cor: PT- preto, PD- pardo, CB- cabra, IN- índio, ID- indefinido. Para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-brasileiro, ID-
indio, PO-português e IN-indefinido. Para o Estatuto Jurídico: Esc-Escravo, For-Forro, Ind-Indefinido e Liv-Livre.
Fonte: Registros de Casamento da Freguesia da Candelária
Anexo 2.1 – Distribuição bruta dos casamentos por cor dos cônjuges, Freguesia de Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
MULHERES Totais
ESC FOR LIV
PT PD CB IN ID PT PD CB IN ID PT PD CB IN BR ID
PT 274 56 330
PD 1 7 3 5 1 17
CB 1 3 4
IN
E
S
C
ID 47 1 301 5 2 356
PT
PD
CB
IN
F
O
R
ID 2 2
PT
PD
CB
IN
BR
L
I
V
ID 1 1
PT
PD
CB
IN
H
O
M
E
N
S
I
N
D
ID
Totais 323 7 4 368 5 3 710
Obs: - Todos os africanos dos registros foram considerados pretos;
- Foi adotada a seguinte terminologia para a cor: PT- preto, PD- pardo, CB- cabra, IN- índio, ID- indefinido. Para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-brasileiro,
ID-indio, PO-português e IN-indefinido. Para o Estatuto Jurídico: Esc-Escravo, For-Forro, Ind-Indefinido e Liv-Livre.
Fonte: Registros de Casamento da Freguesia de São Francisco Xavier
Anexo 2.2 – Distribuição bruta dos casamentos por cor dos cônjuges, Freguesia de São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820
M U L H E R E S Totais
ESC FOR LIV
PT PD CB IN ID PT PD CB IN ID PT PD CB IN BR ID
PT 53 14 67
PD 2 1 3
CB 1 1
IN
E
S
C
ID 10 1 12 23
PT
PD
CB
IN
F
O
R
ID
PT
PD
CB
IN
BR
L
I
V
ID
PT
PD
CB
IN
H
O
M
E
N
S
I
N
D
ID
Totais 66 1 1 26 94
Obs: - Todos os africanos dos registros foram considerados pretos;
- Foi adotada a seguinte terminologia para a cor: PT- preto, PD- pardo, CB- cabra, IN- índio, ID- indefinido. Para a naturalidade: AF-africano, CR-crioulo, BR,-brasileiro,
ID-indio, PO-português e IN-indefinido. Para o Estatuto Jurídico: Esc-Escravo, For-Forro, Ind-Indefinido e Liv-Livre.
Fonte: Registro de Casamento da Freguesia de Jacarepaguá.
Anexo 3 – Distribuição Bruta dos Casamentos por etnia dos cônjuges, Freguesia da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
MULHERES
África Ocidental África Central Atlântica África Oriental
Macro
Região
Etnias
Calabar
Haussa
Guiné
Mina
Cabinda
Congo
Angola
Benguela
Rebolo
Quissamã
Cassange
Monjolo
Moçamb
Quilimane
Total
Calabar 2
Haussa 1
Guiné 2
África Ocidental
Mina 1 1 1 1 1 1
11
Cabinda 4 1 2
Congo 3 1 1 1
Angola 2 1 2
Benguela 2 1 1 5 1
Rebolo 1 1 2
Quissamã 1
África Central Atlântica
Cassange 1 1
35
H
O
M
E
N
S
África Oriental Moçamb. 1 1 1 1 1 1 1 1 1 9
Total 6 46 3 55
Fonte: Registros de Casamento da Freguesia da Candelária
Anexo 3.1 – Distribuição Bruta dos Casamentos por Etnia dos Cônjuges, Freguesia da São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820.
MULHERES
África Ocidental África Central Atlântica
Macro
Região
Etnias
Calabar
Guiné
Mina
Cabinda
Congo
Angola
Benguela
Cassange
Mogumbe
Camundongo
Total
Calabar
2
Guiné
9 1
África Ocidental
Mina
1
13
Cabinda
1 1 1
Congo
2 5 1
Angola
1 9 1
Benguela
2 1 1 1 1 7 1
Rebolo
1
Cassange
1
África Central Atlântica
Monjolo
1
35
África Oriental Moçambique
1 1 1 3
H
O
M
E
N
S
Total
14 45 51
Fonte: Registros de Matrimônio da Freguesia de São Francisco Xavier
Anexo 3.2 – Distribuição Bruta dos Casamentos por etnia dos cônjuges, Freguesia de Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
MULHERES
África Ocidental África Central Atlântica África Oriental
Macro
Região
Etnias
Guiné
Mina
Cabinda
Congo
Angola
Benguela
Rebolo
Quissamã
Monjolo
Mapondo
Moçamb.
Quilimane
Total
Guiné
6
África Ocidental
Mina
1 1
8
Cabinda
2 2 1
Congo
1 1 1 1 1
Angola
1 1 1 88 2 1
Benguela
1 3 2
Rebolo
1 1 1 3 1 1
Cassanje
1
Cabundá
1
África Central
Atlântica
Monjolo
1 1
122
África Oriental Moçambique
1 1
H
O
M
E
N
S
Total
10 118 3 131
Fonte: Registros de Matrimônio da Freguesia de Jacarepaguá
Anexo 4 – Mapa da África no século XVIII
Fonte: FAGE, D. J. An Atlas of African History. Londres. Edwuard Arnold. 1978, p.43.
Anexo 4.1 – Mapa da África Ocidental no século XIX
Fonte: FAGE, D. J. An Atlas of African History. Londres. Edwuard Arnold. 1978, p.40.
Anexo 4.2 – Mapa da África Central nos séculos XVII e XVIII
Fonte: FAGE, D. J. An Atlas of African History. Londres. Edwuard Arnold. 1978, p.35.
Anexo 4.3 – Mapa da África Oriental no século XIX
Fonte: FAGE, D. J. An Atlas of African History. Londres. Edwuard Arnold. 1978, p.47.
Anexo 5 – Distribuição dos meses do ano nos quais escravos e forros se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Meses Escravos % Forros %
Janeiro 14 10,53 12 12,24
Fevereiro 7 5,26 14 14,29
Março 0 0,0 2 2,04
Abril 10 7,52 7 7,14
Maio 20 15,04 13 13,27
Junho 15 11,28 11 11,22
Julho 11 8,27 6 6,12
Agosto 16 12,03 4 4,08
Setembro 11 8,27 6 6,12
Outubro 6 4,51 4 4,08
Novembro 11 8,27 9 9,18
Dezembro 12 9,02 10 10,2
Total 133 100 98 99,98
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livro 9 (1809-
1837)
Anexo 5.1 – Distribuição dos meses do ano nos quais escravos, Freguesia de São
Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820
Meses Escravos %
Janeiro 06 6,45
Fevereiro 09 9,67
Março 01 1,07
Abril 03 3.22
Maio 09 9,67
Junho 10 10,75
Julho 11 11,82
Agosto 08 8,60
Setembro 12 12,90
Outubro 03 3,22
Novembro 06 6,45
Dezembro 15 16,12
Total 93 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de São Francisco Xavier.
Anexo 5.2 – Distribuição dos meses do ano nos quais os escravos se casavam,
Freguesia Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
Meses Escravos %
Janeiro 79 11,17
Fevereiro 89 12,58
Março 15 2,12
Abril 43 6,08
Maio 104 14,71
Junho 71 10,04
Julho 80 11,31
Agosto 56 7,92
Setembro 43 6,08
Outubro 29 4,10
Novembro 36 5,09
Dezembro 62 8,76
Total 707 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Jacarepaguá Livro
Anexo 5.3 – Distribuição dos meses do ano nos quais os livres se casavam, Freguesia
Inhaúma (Rio de Janeiro), 1817-1869
Meses Livres %
Janeiro 16 5,46
Fevereiro 43 14,67
Março 21 7,16
Abril 14 4,77
Maio 19 6,48
Junho 25 8,53
Julho 32 10,92
Agosto 24 8,19
Setembro 29 9,89
Outubro 20 6,82
Novembro 25 8,53
Dezembro 25 8,53
Total 293 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Inhaúma
Anexo 6 – Distribuição das estações do ano nas quais escravos e forros se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Estações Escravos % Forros %
Verão 33 24,81 36 36,73
Outono 30 22,55 22 22,44
Inverno 42 31,57 21 21,42
Primavera 28 21,05 19 21,05
Total 133 100 98 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livro 9 (1809-
1837)
Anexo 6.1 – Distribuição das estações do ano nas quais escravos se casavam, Freguesia
de São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820
Estações Escravos %
Verão 30 32,25
Outono 13 13,97
Inverno 29 31,18
Primavera 21 22,58
Total 93 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de São Francisco Xavier.
Anexo 6.2 – Distribuição das estações do ano nas quais escravos se casavam, Freguesia
Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
Estações Escravos %
Verão 230 32,53
Outono 162 29,91
Inverno 207 29,27
Primavera 108 15,27
Total 707 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Jacarepaguá
Anexo 6.3 – Distribuição das estações do ano nos quais os livres se casavam, Freguesia
Inhaúma (Rio de Janeiro), 1817-1869
Estações Livres %
Verão 84 28,66
Outono 54 18,43
Inverno 81 27,64
Primavera 74 25,25
Total 293 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Inhaúma
Anexo 7 – Distribuição dos dias da semana nos quais escravos e forros se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Dias da Semana Escravos % Forros %
Domingo 36 26,86 17 17,52
Segunda-feira 24 17,91 14 14,43
Terça-feira 12 8,95 09 9,28
Quarta-feira 16 11,94 05 5,15
Quinta-feira 08 5,97 13 13,40
Sexta-feira 08 5,97 09 9,28
Sábado 30 23,38 30 30,93
Total 134 100 97 99,99
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livro 9 (1809-
1837)
Anexo 7.1 – Distribuição dos dias da semana nos quais escravos se casavam, Freguesia
de São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820
Dias da Semana Escravos %
Domingo 39 41,48
Segunda-feira 10 10,64
Terça-feira 19 20,21
Quarta-feira 05 5,32
Quinta-feira 04 4,25
Sexta-feira 02 2,13
Sábado 15 15,96
Total 94 100,00
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de São Francisco Xavier.
Anexo 7.2 – Distribuição dos dias da semana nos quais escravos se casavam, Freguesia
Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837
Dias da Semana Escravos %
Domingo 162 22,91
Segunda-feira 73 10,32
Terça-feira 61 8,63
Quarta-feira 44 6,22
Quinta-feira 50 7,07
Sexta-feira 87 12,30
Sábado 230 32,53
Total 707 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Jacarepaguá.
Anexo 7.3 – Distribuição dos dias da semana nos quais os livres se casavam, Freguesia
Inhaúma (Rio de Janeiro), 1817-1869
Dias da Semana Livres %
Domingo 79 14,52
Segunda-feira 66 12,13
Terça-feira 46 8,45
Quarta-feira 55 10,11
Quinta-feira 61 11,21
Sexta-feira 30 5,51
Sábado 207 38,05
Total 544 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Inhaúma
Anexo 8 – Distribuição das horas do dia nas quais escravos e forros se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837
Horas Escravos % Forros %
6 0 0,0 2 2,27
7 3 2,48 1 1,14
8 14 11,57 1 1,14
9 11 9,09 4 4,55
10 10 8,26 3 3,41
11 21 17,36 9 10,23
12 1 0,83 3 3,41
13 0 0,0 0 0,0
14 1 0,83 2 2,27
15 4 3,31 1 1,14
16 14 11,57 10 11,36
17 39 32,23 36 40,91
18 3 2,48 13 14,77
19 0 0,0 3 3,41
Total 121 100,01 88 100,01
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livro 9 (1809-
1837)
Anexo 8.1 – Distribuição das horas do dia nas quais escravos se casavam, Freguesia de
São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820
Horas Escravos %
6 0 0
7 01 1,08
8 05 5,43
9 11 11,95
10 18 19,56
11 16 17,39
12 05 5,43
13 10 10,86
14 01 1,08
15 0 0
16 10 10,86
17 14 15,21
18 01 1,08
19 0 0
Total 92 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de São Francisco Xavier.
Anexo 8.2 – Distribuição das horas do dia nas quais os livres se casavam, Freguesia
Inhaúma (Rio de Janeiro), 1817-1869
Horas
N° de
Casamentos
%
6 03 1,14
7 03 1,14
8 07 2,68
9 12 4,59
10 11 4,21
11 14 5,36
12 14 5,36
13 15 5,74
14 11 4,21
15 10 3,83
16 26 9,96
17 85 32,56
18 47 18,00
19 03 1,14
Total 261 100
Fonte: Registros de Matrimônio Freguesia de Inhaúma.
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................................................... 10
Candelária, São Francisco Xavier e Jacarepaguá. ____________________________________ 19
1. Com quem casar ........................................................................................................................... 25
2. Tempo de casar............................................................................................................................. 44
2.1. Os meses e as estações de casar_______________________________________________ 49
2.2. Os dias de casar ___________________________________________________________ 58
2.3. As horas de casar__________________________________________________________ 63
3. Enlaces e Redes: o compadrio a partir dos casamentos de escravos da Candelária. ................ 69
Conclusões........................................................................................................................................ 88
Fontes e bibliografia......................................................................................................................... 89
Anexos............................................................................................................................................... 95
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição da população das Freguesias da Candelária, São Francisco
Xavier e Jacarepaguá, 1821 ---------------------------------------------------------------------------------- 19
Tabela 1.1 – Distribuição da população das Freguesias da Candelária, São Francisco
Xavier e Jacarepaguá, 1849 ---------------------------------------------------------------------------------- 20
Tabela 2 – Distribuição percentual dos casamentos por situação jurídica e naturalidade
dos cônjuges, Freguesias da Candelária (1809-1837), São Francisco Xavier (1810-1820)
e Jacarepaguá (1790-1837)----------------------------------------------------------------------------------- 28
Tabela 3 – Distribuição percentual dos casamentos por cor dos cônjuges, Freguesias da
Candelária (1809-1837), São Francisco Xavier (1810-1820) e Jacarepaguá (1790-1837)----------- 36
Tabela 4 – Distribuição percentual dos casamentos por etnia dos cônjuges africanos,
Freguesias da Candelária (1809-1837), São Francisco Xavier (1810-1820) e
Jacarepaguá (1790-1837) ------------------------------------------------------------------------------------- 39
Tabela 5 – Distribuição (%) das aportagens de navios negreiros provenientes da África
no porto do Rio de Janeiro, por meses e estações do ano (1812-30)------------------------------------ 56
Tabela 6 – Distribuição das fases do dia nas quais escravos e forros se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837------------------------------ 65
Tabela 7 – Distribuição das fases do dia nas quais os escravos se casavam, Freguesia de
São Francisco Xavier (Rio de Janeiro), 1810-1820 ------------------------------------------------------- 66
Tabela 8 – Distribuição das fases do dia nas quais os escravos se casavam, Freguesia
Jacarepaguá (Rio de Janeiro), 1790-1837 ------------------------------------------------------------------ 66
Tabela 9 – Distribuição das fases do dia nas quais os livres se casavam, Freguesia
Inhaúma (Rio de Janeiro), 1817-1869----------------------------------------------------------------------- 67
Tabela 10 – Distribuição dos africanos que se casaram e tinham por testemunha
Antônio Luiz de Andrade ou Matias Gonçalves ou Joaquim José Soares ou Manoel
Rodrigues de Oliveira ou Cesário José da Silva, por origem étnica e por macro região
dos cônjuges, Freguesia da Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837 ----------------------------------- 81
Tabela 11 – Estrutura de apadrinhamento de casais escravos e forros, Freguesia da
Candelária (Rio de Janeiro), 1809-1837-------------------------------------------------------------------- 84
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 – Situação Jurídica/Naturalidade --------------------------------------------------------------- 29
Quadro 2 – Cor------------------------------------------------------------------------------------------------ 31
Quadro 3 – Etnia---------------------------------------------------------------------------------------------- 38
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição % dos meses do ano nos quais escravos se casavam, Freguesia
de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), S. F. Xavier (1810-1820) e Jacarepaguá
(1790-1837) ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 50
Gráfico 1.1 – Distribuição % dos meses do ano nos quais os forros se casavam na
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837) e os livres na Freguesia
Inhaúma (1817-1869) ----------------------------------------------------------------------------------------- 51
Gráfico 2 – Distribuição % das estações do ano nas quais escravos se casavam,
Freguesias de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), S. F. Xavier (1810-1820) e
Jacarepaguá (1790-1837) ------------------------------------------------------------------------------------- 54
Gráfico 2.1 – Distribuição % das estações do ano nos quais os forros se casavam de
Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), e os livres na Freguesia Inhaúma (1817-
1869) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 57
Gráfico 3 – Distribuição % dos dias da semana nos quais escravos se casavam,
Freguesia de Nossa Senhora da Candelária (1809-1837), S. F. Xavier (1810-1820) e
Jacarepaguá (1790-1837) ------------------------------------------------------------------------------------- 60
Gráfico 3.1 – Distribuição % dos dias da semana nas quais os forros se casavam,
Freguesia de N. S. da Candelária (1809-1837), e os livres na Freguesia de Inhaúma
(1817-1869) ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 62
Gráfico 4 – Distribuição % das horas do dia nas quais escravos se casavam, Freguesia
da Candelária (1809-1837), Freguesia de S. F. Xavier (1810-1820)------------------------------------ 64
Gráfico 4.1 – Distribuição % das horas do dia nas quais os forros se casavam, Freguesia
da Candelária (1809-1837) e os livres na Freguesia de Inhaúma (1817-1869)------------------------ 64
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Ciclo anual do cultivo da cana-de-açúcar no nordeste brasileiro -------------------------- 55
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