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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
ADOLESCENTES E JOVENS COM EXPERIÊNCIAS DE VIDA NAS RUAS DE
SÃO LUÍS – MA: construindo sentidos e desvelando significados
Cristinno Farias Rodrigues
Belo Horizonte
2008
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Cristinno Farias Rodrigues
ADOLESCENTES E JOVENS COM EXPERIÊNCIAS DE VIDA NAS RUAS DE
SÃO LUÍS – MA: construindo sentidos e desvelando significados
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Psicologia na linha de
pesquisa: Processos Psicossociais.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Ignez
Costa Moreira
Belo Horizonte
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Rodrigues, Cristinno Farias
R696a Adolescentes e jovens com experiências de vida nas ruas de São Luís – MA:
construindo sentidos e desvelando significados / Cristinno Farias Rodrigues. Belo
Horizonte, 2008.
95f.
Orientadora: Maria Ignez Costa Moreira
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
1. Adolescentes - São Luís (MA). 2. Adolescência. 3. Juventude. 4.
Significação (Psicologia). I. Moreira, Maria Ignez Costa. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em
Psicologia. III. Título.
CDU: 362.74
Cristinno Farias Rodrigues
ADOLESCENTES E JOVENS COM EXPERIÊNCIAS DE VIDA NAS RUAS DE
SÃO LUÍS – MA: construindo sentidos e desvelando significados
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia na linha de pesquisa: Processos Psicossociais.
Belo Horizonte, 2008.
Maria Ignez Costa Moreira (Orientadora) – PUC-Minas
Sônia M. Gomes de Souza – UCG
João Leite Ferreira Neto – PUC-Minas
Aos meus pais: Maria e Antônio e à
minha companheira Marluce.
Agradecimentos
Agradeço a Deus, pela vida, saúde e fé.
Agradeço especialmente à minha mãe, que sempre acreditou e investiu
incondicionalmente na minha formação.
À profª Maria Ignez, minha orientadora, pela acolhida e por todas as significativas
contribuições científicas e pessoais, durante a realização deste trabalho.
À minha companheira, Marluce, que foi essencial em todos os momentos,
contribuindo, sobretudo, com sua experiência acumulada como educadora social.
Agradeço ao apoio institucional dado pela CAPES, através do programa
CAPES/PROSUP, que significou para mim um importante incentivo na realização desta
pesquisa.
Agradeço ao Tio Carmelino, pelo incentivo e pelas discussões acaloradas, que me
proporcionaram o acúmulo de riquezas.
Agradeço aos meus irmãos Tertuliano e Raissa, com os quais sempre contei com o
apoio e dedicação.
Agradeço aos profissionais da SEMCAS, nas pessoas da Marta Andrade e da Érica,
cuja disponibilidade me proporcionaram uma aproximação maior em relação ao meu objeto
de estudo.
Agradeço à Marília e ao Celso, da secretaria do mestrado, por toda a acolhida e apoio
e pela dedicação com a qual realizam seus trabalhos.
Aos amigos de Belo Horizonte: Victor, Maicon, Renato, Danilo, Berenice, Heleno.
Aos amigos de São Luis: José Carlos, Anderson, Tia Aneli, a família Viegas.
A todos que compartilharam deste momento, meu muito obrigado.
“Não quero ter a terrível limitação
de quem vive apenas
do que é passível de fazer sentido.
Eu não: Quero é uma verdade inventada.”
Clarice Lispector
RESUMO
Com o objetivo de compreender e analisar os significados e sentidos construídos por
adolescentes e jovens para suas experiências de vida nas ruas de São Luís-MA, procedeu-se
uma contextualização histórica resgatando as primeiras formas de assistência à infância
brasileira, bem como o processo de redemocratização do país, ocorrido durante a década de
1980, que constituiu os chamados “menores” em sujeitos de direitos. Em seguida, fizemos
uma análise da crise dos movimentos sociais que contribuíram com o processo de
redemocratização e que, a partir dos anos 1990, aparecem na literatura como num estado de
arrefecimento; logo após, foi feita uma revisão sobre a produção científica acerca da
temática de adolescentes e jovens em situação de rua no Brasil, a partir da década de 1990.
Neste mesmo sentido, a partir de uma pesquisa documental, analisamos as práticas
interventivas direcionadas à situação de rua de crianças, adolescentes e jovens em São Luís,
buscando relacioná-las com o contexto nacional; no quarto capítulo, discutimos os marcos
conceituais relacionados às categorias adolescência e juventude, bem como abordamos os
estudos realizados por Vygotsky sobre as categorias ‘sujeito sócio-histórico’, ‘mediação’,
para tomar tais categorias como ferramentas para analisar os significados e sentidos
construídos por adolescentes e jovens para suas experiências de vida nas ruas de São Luís.
Verificamos que a violência física intrafamiliar aparece como um dos principais fatores que
contribuem para a saída do espaço domiciliar. Os significados desvelados apontam para uma
cristalização da identidade de ‘menores’, outrora resguardada pela doutrina da situação
irregular, onde adolescentes e jovens em situação de rua ainda são nomeados como
‘delinqüentes’, ‘trombadinhas’, ‘ladrões’. Os sentidos construídos revelam aspectos
relacionados a uma forte carga emocional, expressa em alegrias, tristezas, sofrimentos e
prazeres.
Palavras-chave: adolescência; juventude; vida nas ruas; significados; sentidos.
ABSTRACT
With the objective to understand and to analyze the sensible meanings and
constructed by adolescents and young for its experiences in living in the streets of
São Luís - MA, proceeded a historical study rescuing the first forms from assistance
to Brazilian infancy, as well as the process of (re) democracy of the country,
occurred during the decade of 1980, that it constituted the calls "menor" in citizens
of rights. After that, we made an analysis of the crisis of the social movements that
appear in literature as in a cooling state; soon after, a revision on the scientific
production concerning thematic of adolescents and the young in situation of street
in Brazil was made, from the decade of 1990. In this exactly direction, from one
searches documentary, analyzes the practical to intervine directed to the situation
of street of children, adolescents and young in São Luís, searching to relate them
with the national context; in the four chapter, we argue conceptual landmarks
related to the categories adolescence and youth, as well as we approach the
studies carried through for Vygotsky on the categories ‘sujeito de direito',
‘mediação', to take such categories as tools to analyze the meanings and senses
constructed by adolescents and young for its experiences in living on the streets of
São Luís. We verify that the family physical violence appears as one of the main
factors that contribute for the exit of the domiciliary space. The disclose meanings
point with respect to a crystallization of the identity of ‘menor’, long ago protected
for the doctrine of the irregular situation, where adolescent and young in situation of
street still they are nominated as ‘delinquents’, ‘trombadinhas’, ‘thieves’. The
constructed senses disclose related aspects to one strong emotional, express load
in joys, sadnesses, sufferings and pleasures.
Word-key: adolescence; youth; life in the streets; meanings; felt.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Crianças e Adolescentes em situação de rua em São Luís, segundo
Observatório Criança (2005)..................................................................................................51
TABELA 2: Perfil dos adolescentes e dos jovens entrevistados, segundo sexo e faixa
etária......................................................................................................................................75
LISTA DE ABREVIATURAS
Séc. – Século
Ed. – Editora
p. – página
nº - número
CF – Constituição Federal
LISTA DE SIGLAS
CMDCA – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente
CNBB – Comissão Nacional de Bispos do Brasil
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
DCI – Defense for Children International
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FUMCAS – Fundação Municipal da Criança e Assistência Social – São Luis (MA)
FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor
GACC-MA – Grupo de Apoio às Comunidades Carentes do Maranhão –São Luis (MA)
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
LBA – Legião Brasileira de Assistência
MNMMR – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
OEA – Organização dos Estados Americanos
OG – Organização Governamental
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio
SAM – Serviço de Assistência ao Menor
SAS – Serviço de Assistência Social
SEMCAS – Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social - São Luis (MA)
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13
2. A CONSTITUIÇÃO DOS ADOLSECENTES E DOS JOVENS COMO
SUJEITOS DE DIREITOS.............................................................................................. 17
2.1 Da categoria de “menores” a sujeitos de direitos............................................... 17
2.2 O processo de redemocratização da sociedade brasileira e a regulamentação do
ECA.................................................................................................................................... 22
2.3 Revendo a noção de cidadania............................................................................. 27
2.4 Movimentos Sociais que viram ONGs que viram ‘Terceiro Setor’................. 31
3. A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE ADOLESCENTES E JOVENS A
PARTIR DOS ANOS 90.................................................................................................. 37
3.1 O contexto de São Luís........................................................................................ 45
3.1.1 Visitando a literatura local................................................................................... 46
4. SENTIDOS CONSTRUÍDOS PELOS ADOLESCENTES E PELOS JOVENS
PARA A TRAJETÓRIA DE RUA................................................................................ 57
4.1 Demarcação conceitual das categorias adolescência e juventude.................... 57
4.2 Significados e sentidos na perspectiva de Vygotsky.......................................... 65
4.3 Significados e sentidos na experiência de adolescentes e jovens em situação de
rua.......................................................................................................................... 71
4.3.1 Sobre as entrevistas............................................................................................... 71
4.3.2 Análise dos significados e dos sentidos da vida nas ruas.................................... 74
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 81
6. REFERÊNCIAS.................................................................................................. 85
7. APÊNDICE.......................................................................................................... 91
8. ANEXOS............................................................................................................... 92
13
Título: Adolescentes e jovens com experiências de vida nas ruas de o Luís-MA:
construindo sentidos e desvelando significados
1. INTRODUÇÃO
A construção de significados e sentidos por adolescentes e jovens em situação de rua,
questão que procurei abordar ao longo desta dissertação, teve origem a partir de minhas
experiências desenvolvidas ao longo de minha formação profissional, durante a graduação no
curso de Serviço Social na Universidade Federal do Maranhão, no período de 1998 a 2004.
A primeira dessas experiências foi um estágio extracurricular realizado na Organização
Não Governamental GACC-MA - Grupo de Apoio às Comunidades Carentes do Maranhão.
Durante um período de 10 meses, iniciado no ano de 2003, supervisionava as ações de um
projeto executado na área da Vila Luizão
1
. O objetivo deste projeto era acompanhar famílias
pobres e desenvolver ações sócio-educativas, como palestras de prevenção a DST’s/AIDS,
planejamento familiar, bem como o acompanhamento de crianças e adolescentes na realização
de cursos profissionalizantes e encontros temáticos. Meu trabalho era monitorar as ações deste
projeto de forma a articular parcerias dentro da comunidade, junto ao poder público e demais
atores da área social, buscando melhorias para a situação de carência na qual se encontrava
aquela população. A partir desse estágio, compreendi que as principais necessidades daquele
público eram informações, conhecimentos sobre direitos sociais e cidadania, o que me despertou
para a busca da compreensão sobre os excluídos da cidadania oficial, representados pela
Constituição Federal de 1988.
A segunda experiência aconteceu no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
Rua. Inicialmente, realizei nesta instituição um estágio curricular, no período de dezembro de
2002 a agosto de 2003, no qual tive contato com a dinâmica de intervenção na situação de
crianças e adolescentes que, de alguma forma, tinham experiências de vida nas ruas
1
Bairro situado na periferia do município de São Luís.
14
ludovicenses
2
. A partir desta vivência, inquietou-me questões referentes à situação em que
sobrevivem crianças e adolescentes nas ruas brasileiras. Quais são os significados cristalizados e
incorporados na experiência das ruas para esse segmento infanto-juvenil? O que leva crianças e
adolescentes a buscarem as ruas como lugar de moradia, de sobrevivência e de sociabilidade?
Quais são as formas atuais de intervenção nesta problemática? Em que implicam os projetos
sociais destinados a esta população de rua?
Na busca de respostas a estas inquietações, foi produzida a monografia de conclusão do
curso de graduação em Serviço Social com o título “O papel do conselho tutelar na defesa dos
direitos de crianças e adolescentes no Estado do Maranhão: uma análise da atuação do Conselho
Tutelar do município de Rosário, mediante os preceitos do ECA” (2004). A partir deste estudo,
foi constatado que o grande desafio é efetivar e concretizar o paradigma da proteção integral e
de seus dispositivos.
Ainda no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, participei do projeto
‘Gestando Democracia’, cujo objetivo era implantar e implementar Conselhos Tutelares no
Estado do Maranhão. Minha função foi assessorar municípios maranhenses quando da
implantação de Conselhos de Direitos e tutelares, capacitação de conselheiros e realização de
eleições para conselhos tutelares. Esta experiência foi crucial em minha formação, uma vez que
pude conhecer in lócun a realidade social, política e econômica de alguns municípios
maranhenses, marcada pela acentuação da pobreza, pela falta de assistência jurídico-social e
pelo descaso do poder público com o segmento infanto-juvenil.
Paralelo a este trabalho, durante o ano de 2004 participei do projeto ‘Agente Jovem’,
executado pela Fundação Municipal da Criança e Assistência Social FUMCAS. Trata-se de
um projeto social realizado com recursos federais, sob a administração municipal. Seu objetivo
é promover o exercício da cidadania entre os jovens, através de encontros temáticos e oficinas
sócio-educativas. Nesta ocasião, fui instrutor de um grupo formado por 30 jovens, com idade
entre 15 e 24 anos, do bairro Coroadinho, no município de São Luís. Durante a montagem de
um painel fotográfico que retratava a realidade deste bairro, pude visualizar, a partir da ótica dos
jovens, possibilidades e novos caminhos para a intervenção social, bem como as nuanças de seu
cotidiano. Este trabalho significou a necessidade de uma mudança de paradigma, de um novo
2
LUDOVICENSE é o termo empregado para designar as pessoas que são naturais da cidade de São Luís, capital
do Maranhão.
15
olhar sobre o cotidiano dos jovens acompanhados pelo projeto, despertando o interesse pela
categoria juventude.
Esta trajetória motivou a minha busca pelo Mestrado em Psicologia para que pudesse
aprimorar os instrumentos teórico-metodológicos para o tratamento do problema em questão,
buscando desvelar o significado das ruas para os adolescentes e jovens, bem como a construção
de sentidos para suas experiências pessoais.
Para a elaboração desta dissertação, procurei coletar dados sobre a problemática questão
de crianças, de adolescentes e de jovens em situação de rua na cidade de São Luís (MA). Neste
sentido, para o levantamento de dados preliminares foi realizada uma primeira pesquisa de
campo em ONG’s e instituições públicas: Universidade Federal do Maranhão; Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua; Centro de Defesa Padre Marcos Passerini; Rede Amiga
da Criança; Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente; Fundação Municipal
da Criança e Assistência Social. O objetivo desta pesquisa foi investigar, em nível local, quais
as formas de intervenção na realidade de crianças, de adolescentes e de jovens que vivem em
situação de rua.
A maior dificuldade encontrada nesse percurso foi a escassez de bibliografia, no que se
refere a adolescentes e jovens em situação de rua em São Luis. Mesmo no espaço da
Universidade Federal do Maranhão, foi encontrada uma bibliografia insuficiente no que diz
respeito às pesquisas na área da adolescência e juventude locais. Desta forma, espero que esta
dissertação possa ser fonte para futuras pesquisas, bem como produzir subsídios para a
intervenção dos agentes dos Movimentos Sociais, ONG’s, Instituições, enfim, para todos os que
lutam pela melhoria da realidade de crianças, adolescentes e jovens com trajetória de rua na
cidade de São Luís.
Para a construção desta dissertação, tomamos como aporte teórico os estudos realizados
por Vygotsky acerca das categorias ‘sujeito sócio-histórico’, mediação’, ‘significados’ e
‘sentidos’, buscando utilizá-las como lente teórica para a compreensão e interpretação das falas
de adolescentes e de jovens em situação de rua.
Utilizamos como instrumentos metodológicos entrevistas semi-estruturadas e a
realização de uma pesquisa documental. As entrevistas foram realizadas nos meses de outubro e
novembro de 2007. Foram entrevistados 07 sujeitos, sendo 04 adolescentes do sexo masculino;
01 adolescente do sexo feminino; 01 jovem do sexo masculino e 01 jovem do sexo feminino. As
16
entrevistas foram realizadas sempre na presença de um técnico da Secretaria Municipal da
Criança e Assistência Social, conforme exigência do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC
Minas. Para preservar as identidades dos entrevistados atribuímos a todos nomes fictícios,
escolhidos aleatoriamente.
Inicialmente, apresenta-se uma reconstituição histórica das primeiras formas de
assistência aos chamados “menores”, enfatizando o processo de redemocratização da sociedade
brasileira durante a década de 80 e a constituição das crianças, adolescentes e jovens como
sujeitos de direitos; em seguida, fizemos uma revisão acerca da noção de cidadania, que entrou
em voga no início dos anos de 1990, acompanhada de uma análise sobre a crise dos movimentos
sociais.
No capítulo seguinte, elaborou-se uma revisão sobre as produções científicas acerca da
temática de adolescentes e jovens em situação de rua no Brasil. Utilizamos como ponto de
partida a década de 1990, por ter sido este o ano de promulgação do ECA. Neste mesmo
sentido, a partir de uma pesquisa documental, analisamos as práticas interventivas direcionadas
à situação de rua de crianças, adolescentes e jovens em São Luís, relacionando-as com o
contexto nacional;
No penúltimo capítulo, é feita uma discussão teórica sobre os marcos conceituais
referentes às categorias adolescência e juventude. Logo após, buscamos nos aproximar dos
estudos realizados por Vygotsky para a compreensão e análise dos significados e sentidos
construídos por adolescentes e jovens para suas experiências de vida nas ruas de São Luís. À
guisa de conclusão, encerra-se este trabalho com as considerações finais.
17
2. A CONSTITUIÇÃO DOS ADOLESCENTES E DOS JOVENS COMO SUJEITOS
DE DIREITOS
2.1 Da categoria de “menores” a sujeitos de direitos
O Estatuto da Criança e do Adolescente ECA promulgado em 1990 é fruto de um
amplo processo de mobilização social a partir do qual se concretizou, no plano legal, uma
conquista histórica, traduzida na institucionalização do paradigma da proteção integral. Uma das
inovações do ECA é a eliminação do termo “menor”. O Código de Menores de 1927 cunhou a
expressão menor”, cujo caráter estigmatizante denotava os sentidos atribuídos de “inferior”,
“pequeno” e “incapaz”. O ECA retira a expressão “menor” e a substitui pelas expressões
criança, pessoa na faixa etária entre 0 (zero) e 12 (doze) anos incompletos; e adolescente, para
designar as pessoas entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos.
Embora essa dissertação trate dos adolescentes e jovens em situação de rua na cidade de
São Luis, a retrospectiva do processo de exclusão dos chamados “menores”, trará algumas
referências à situação das crianças pobres no Brasil. Estas referências se justificam porque as
distinções entre a infância, a adolescência e a juventude, como etapas da vida humana são
construções históricas, e foram muito recentemente incorporadas pelo texto jurídico, a exemplo
do próprio ECA. Veremos que durante longos anos a expressão “menor” englobava crianças e
adolescentes indistintamente.
A compreensão do processo que constituiu crianças, adolescentes e jovens como sujeitos
de direitos é de fundamental importância para a análise e entendimento da atual realidade, que
foi construída dialeticamente, ao longo dos 500 anos de existência do país. Para esta análise, nos
baseamos em Rizzini (2000), Rizzini (2003), Gohn (1999), Silva e Motti (2001), Marcílio
(1998), Carvalho (2007), Castro (2001a), Castro (2001b) e Nogueira (2005).
18
Breve histórico da infância e da adolescência pobres no Brasil
Segundo Rizzini (2000), em documento datado de 1693, foi registrado um episódio que
envolveu uma autoridade pública na Capitania do Rio de Janeiro, que indignado por ver
crianças nas ruas, devoradas por cachorros e ratos, escreveu uma carta a Portugal, solicitando
um alvará para a criação das “Casas para Expostos”. De acordo com esse registro, pode-se
inferir que é no final do séc. XVII que surgem no Brasil os primeiros indícios de assistência
social, enquanto ação do Estado e da iniciativa pública. Em 1726, foi criada, na Bahia, a
primeira “Casa para Expostos”, ocorrendo a mesma iniciativa em 1738, no Rio de Janeiro.
As crianças abandonadas passaram a se constituir no grande alvo da legislação que
vigorava no Brasil colônia. O método de recolhimento utilizado pelas entidades assistenciais da
época incluía uma roleta onde crianças, oriundas de famílias pobres ou ricas, eram deixadas sem
que se pudesse identificar quem as abandonava. Vale ressaltar que este método apresentava
caráter controvertido, sendo utilizado também por famílias ricas, como forma de proteção a
pessoas que tinham filhos fora do casamento, sendo estes vítimas de abandono moral.
Marcílio (1998) destaca a centralidade que o sistema das ‘Rodas de expostos’ assumiu,
enquanto forma de assistência à criança abandonada durante o século XIX. As crianças
abandonadas eram recolhidas pelas entidades reconhecidas como “obras de misericórdia” nas
quais prevalecia o ‘sentido da caridade cristã’. Conforme a referida autora:
Depois de instaladas as Rodas, e firmada sua tradição entre o povo, a quase totalidade
das crianças enjeitadas nas cidades onde funcionavam as maiores instituições foi nela
depositada. Na cidade de São Paulo, por exemplo, entre 1849 e 1889, 80% dos
expostos batizados na Sé foram deixados na Roda, contra apenas 16% encontrados nas
portas de casas, e 4% nas ruas [...] Os bebês encontrados pelas ruas logo eram
encaminhados pela chefatura de polícia para a Roda dos Expostos. (MARCÍLIO,
1998, p.146)
Durante a passagem da Monarquia para a República, entre o final do séc. XIX e início
do séc. XX houve uma explosão demográfica no Brasil e o número de habitantes triplicou,
passando de 10 para 30 milhões. Naquela época, as pessoas com menos de 19 anos de idade
representavam 51% da população. Essa passagem foi significativa para a história da legislação
brasileira em relação à criança.
19
Outro fato importante refere-se ao processo de industrialização do país, que provocou
uma grande movimentação interna da população brasileira no território nacional, no sentido
campo cidade. A urbanização do país traz o aumento dos problemas sociais, tratados a partir
de então, como “questão social”
3
. Marcílio assinala o lado perverso deste movimento:
A pobreza aumentou e tornou-se ainda mais visível nos centros urbanos.
Multiplicaram-se as habitações precárias, as favelas e os cortiços nas grandes cidades.
Esses mesmos fatores favoreciam a exploração da mão-de-obra urbana e
despreparada, remunerando-a com salários aviltados e, principalmente, explorando o
trabalho feminino e o trabalho infantil. (MARCÍLIO, 1998, p.192).
Emergem, então, no cenário das grandes cidades brasileiras, legiões de crianças
maltrapilhas e desamparadas, situação esta denominada de “questão do menor”, que a um
tempo, incomodava a recém constituída elite nacional pelo medo e insegurança, assim como
exigia políticas públicas renovadas.
No final do século XIX, sob a influência do pensamento europeu de transformação social
a partir do investimento na criança, surgem os primeiros movimentos populares que começaram
a cobrar do Estado brasileiro uma assistência pública para as crianças abandonadas e
delinqüentes. A literatura aponta que, naquele contexto, os médicos higienistas e os juristas
destacaram-se enquanto força político-social emergente. Os médicos assumiram um importante
papel junto às autoridades públicas, com ações interventivas sobre a pobreza, buscando-se uma
estratégia de “medicalização da cidade”, a partir do fechamento dos cortiços e da proibição de
novas construções deste tipo. Assim, o cortiço também foi alvo da legislação à época (por volta
de 1890), onde “(...) germinava o mal que colocava em risco a saúde da população como um
todo.” (VALLADARES, 1991:86).
Segundo Marcílio (1998), o combate à mortalidade infantil; cuidados com o corpo;
indicações para a alfabetização de crianças; educação das mães; campanhas de higiene e de
saúde pública são as novas demandas geradas pela atuação dos dicos higienistas. Vale
ressaltar que estes profissionais foram os primeiros a lutarem pela extinção da Roda dos
Expostos.
3
Conforme Valadares (1991), o termo Questão Social significa a eclosão da pobreza no Brasil a partir da década de
1950, causada, dentre outros fatores, pelo movimento migratório gerado pelo processo de urbanização do país.
(VALADARES, 1991).
20
Os juristas, no final do século XIX, passaram a buscar teorias e soluções para a questão
da infância desvalida. Inspirados por experiências alhures, como a italiana e a francesa,
propagavam o discurso da ordem e da disciplina, necessários para refrear a “tendência natural
ao crime.” Conforme Marcílio:
Medicina e Direito reelaboraram, então, suas propostas de política assistencial,
enfatizando a urgência na reformulação de práticas e de comportamentos tradicionais
e arcaicos [...] Criticavam a velha assistência caritativa e davam ênfase à
cientificidade da filantropia. (MARCÍLIO, 1998, p.194).
O significado e a repercussão que teve tal movimento naquela conjuntura podem ser
expressos, por exemplo, na simbologia emblemática do discurso do Senador Lopes Trovão, em
1896, citado por Rizzini (2000) cujo fragmento diz:
[...] temos uma pátria a reconstruir, uma nação a firmar, um povo a fazer e para
empreender essa tarefa que elemento mais útil e moldável a trabalhar do que a infância.
São chegados os tempos de trabalharmos na infância a célula de uma mocidade melhor,
a gênese de uma humanidade mais perfeita. (LOPES TROVÃO apud RIZZINI: 2000,
p. 37)
É neste cenário contraditório e de novas aspirações para a infância brasileira, que em
1906, o então Deputado Alcindo Guanabara apresenta o primeiro Projeto-Lei que trata da
assistência e proteção à infância a partir da visão da ordem e da higiene. Trata-se de um projeto
que durante vinte anos foi engavetado em alguns momentos e em outros, debatido e negociado.
Porém, em 1927 é que foi promulgado o Código de Menores, denominado Código Melo
Matos, por ter sido ele o primeiro juiz de Menores do Brasil e da América Latina. (BRASIL,
CONANDA 2000)
Conforme Silva e Motti (2001), o referido Código apresenta como principais
características: controle da infância através da garantia da ordem e da moral; uso de práticas
higienistas e repressoras; incentivo à inserção da criança no trabalho; visão da infância como
incapaz e perversa. Vale ressaltar que odigo Melo Matos manteve dois princípios básicos do
sistema da Roda dos Expostos: preservar o silêncio sobre a origem da criança e manter o
bastardo em sigilo.
21
Nas décadas de 30 e 40, destaca-se a criação de várias instituições, como a SAM
(Serviço de Assistência ao Menor), em 1940, cujo objetivo era combater a criminalidade e
recuperar o delinqüente; a LBA (Legião Brasileira de Assistência), em 1942, criada para ajudar
as crianças filhas de pais que foram para a guerra. Em 1964, surge a FUNABEM (Fundação
Nacional do Bem-estar do Menor), tendo como principal objetivo, de acordo com Gohn (1999):
formular e implantar a política nacional sobre os menores, dentro de um plano
ideológico de segurança nacional. Para esta instituição, a família era vista como a
grande responsável pela situação do menor ‘à margem da lei e dos bons costumes’,
tendo condutas anti-sociais. (GOHN, 1999, p.116).
A partir de 1970, são implantadas em diversos Estados da federação as FEBEM’s
(Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), como resultado da articulação de um conjunto de
instituições de recepção, triagem e internamento, subdividindo os “menores” entre os
carenciados e os considerados de conduta anti-social. De acordo com Gohn (1999), estas
unidades de internamento passaram a se constituir como verdadeiras penitenciárias para
“menores”, considerados marginais e desordeiros. Quanto aos considerados “menores
carenciados” eram atendidos de forma fragmentada e discriminatória. Para estas crianças a
FEBEM proporcionava uma educação e formação que apenas permitia uma inserção subalterna
no mundo do trabalho ou da sociedade, como a formação para matrimônio e para o trabalho
doméstico oferecido para as meninas internas.
Ainda nos anos 70, percebem-se alguns enfoques dados à questão do “menor
abandonado” como a atenção da imprensa e dos órgãos de comunicações; a criação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para avaliar as denúncias de violência contra as
crianças e os adolescentes; e a nova roupagem dada ao Código de 1927, quando sofreu, em
1979, uma reformulação em que se introduziu a doutrina da situação irregular do menor.
Regulamentado pela Lei 6.697, de 10 de Outubro de 1979, este Código reconhece que a
privação das condições de subsistência, de saúde e de instrução à criança e ao adolescente, além
da situação de maus-tratos, castigos e da falta de assistência legal, ocorre por omissão dos pais
ou responsáveis. Neste sentido, a visão autoritária da política e a centralização dos poderes do
executivo e do judiciário estabelecem que a família e a criança sejam os responsáveis pelas
irregularidades. (Silva e Motti, 2001).
22
2.2 O processo de redemocratização da sociedade brasileira e a regulamentação do
ECA
O final dos anos 70 foi marcado na sociedade brasileira, pelas manifestações de massa e
por um forte movimento de repulsa e contestação à ordem autoritária, visando à democratização
do país. Neste quadro foi desencadeado o processo de ruptura da ordem imposta pelo Código de
Menores através de forte mobilização popular e política, que visava à superação da ordem
repressora para a institucionalização democrática, participativa e descentralizada. Este processo
de mobilização da sociedade civil e de organização e luta dos movimentos sociais pelo
reconhecimento dos direitos sociais, buscava uma nova institucionalidade que implicava tanto a
democratização do Estado como a participação da Sociedade Civil na gestão pública.
Nos anos 80, a discussão das políticas sociais ganha relevância pelo seu caráter de
mediação entre as demandas sociais e os interesses estatais em implementá-las. Naquela cada
iniciou-se o processo de redemocratização brasileiro, cujas principais características eram o
surgimento e criação de espaços, conceitos e estratégias que passaram a integrar a relação
Estado/Sociedade Civil. Os Movimentos Sociais lutavam nas ruas pela volta do Estado de
direito. Destaca-se aqui a criação de alguns espaços de discussão sobre os direitos infanto-
juvenis, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua; o Movimento de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-
Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - Fórum DCA.
Conforme Gohn (1999), naquele cenário marcado pelo fracasso das políticas oficiais
(1986/1988) de atendimento às crianças e aos adolescentes e conseqüentemente do antigo
Código de Menores, emerge um movimento instituinte, com ampla participação popular
organizada pelos movimentos de luta em defesa dos direitos infanto-juvenis, que contribuíram
com o processo de descentralização político-administrativa no campo das políticas sociais, em
especial naquelas que dizem respeito à situação de crianças e de adolescentes das classes
populares, cujos direitos sociais sempre estiveram ameaçados.
Trata-se de uma década em que grupos da sociedade organizada impulsionaram uma
abertura política que propiciou a construção de estratégias de enfrentamento do descaso em que
vivia a grande maioria da população infanto-juvenil. Setores da sociedade civil compostos por
técnicos do UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância - da FUNABEM - Fundação
23
Nacional do Bem-Estar do Menor e da SAS Secretaria da Assistência Social, organizaram-se
para enfrentar a problemática questão dos meninos e meninas de rua através da integração de
pessoas e de recursos sociais. Em 1982 foi implantado o Projeto Alternativas Comunitárias de
Atendimento a Meninos de Rua. Nasciam, então, os primeiros Grupos Locais. Durante a
realização do Encontro Nacional dos Grupos Locais nos dias 13 a 16 de junho de 1985, em
Brasília, houve uma assembléia na qual foi constituído o Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua - MNMMR.
Nascia, então, o MNMMR, como órgão autônomo e não governamental. No ano
seguinte à sua criação, foi realizado o Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
reunindo crianças e adolescentes de todo o país, onde foram apontadas e discutidas questões
referentes à saúde, família, trabalho, escola, sexualidade, direitos, entre outras. Neste encontro,
enfatizou-se ainda, a questão da violência contra crianças e adolescentes praticada na família,
nas ruas e instituições de abrigamento.
Os impactos desse encontro refletiram-se na necessidade de inclusão dos direitos
infanto-juvenis na constituinte que deu origem à Constituição Federal de 1988. Dessa forma, o
MNMMR articulado com outras entidades, como a Pastoral do Menor da CNBB, Comissão
Nacional da Criança e Constituinte, e envolvendo os Ministérios da Educação, Saúde e Justiça,
desencadeia uma ação voltada para a sensibilização da opinião pública e dos constituintes,
através de manifestações, encontros nacionais, debates, divulgação de denuncias de violência
contra crianças e adolescentes nos meios de comunicação, que culminou com a reunião no
Congresso Nacional de representantes do segmento infanto-juvenil que apresentaram uma pauta
de reivindicações contendo 1,4 milhões de assinaturas de crianças e adolescentes brasileiros.
Essa manifestação resultou na elaboração/inclusão de duas emendas de iniciativa
popular, denominadas “Criança Constituinte e Criança Prioridade Nacional”, na Constituição
Federal de 1988, Art. 227, que diz:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com
absoluta prioridade o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária. (BRASIL, Constituição 1988)
24
Em 1988 e 1989, o MNMMR priorizou em sua plataforma de luta a questão do fim do
extermínio de crianças e de adolescentes. Na cidade do Rio de Janeiro o levantamento do
número de adolescentes assassinados entre os anos de 1985 e 1989, apontou um total de 1081.
Diante desta evidência e através da organização de grandes manifestações, projetou-se uma
discussão em nível internacional, favorecendo a inserção de ONG’s internacionais na luta pela
questão do “menor” no Brasil.
Como desdobramento desse processo de mobilização, o II Encontro Nacional de
Meninos e Meninas de Rua, realizado em Brasília, em 1989, contou com a participação de
movimentos e entidades organizadas da sociedade civil brasileira, assim como órgãos
estrangeiros, a citar a ONU Organização das Nações Unidas - a OEA Organização dos
Estados Americanos - o UNICEF Fundo das nações Unidas para a Infância - e o DCI
Defense for Children Internacional.
Naquele período, o MNMMR constituiu-se enquanto referência na luta em defesa dos
direitos da população infanto-juvenil na sociedade brasileira, sendo que, a partir da segunda
metade dos anos 80, redefine seu papel, pautando sua atuação em três princípios: “1. participar
ativa e criticamente na formulação de políticas sociais; 2. fiscalizar e exigir qualidade na
execução das políticas sociais; 3. denunciar as omissões, transgressões e quaisquer violações aos
direitos da criança e do adolescente.” (GOHN, 1999, p. 121).
Conforme a referida autora, o MNMMR:
[...] busca alterar seu perfil de atuação para a década de 90. A denúncia assume a
forma de fiscalização, e a proposição básica passa a ser da cooperação na elaboração
de políticas sociais. O Movimento passa a se definir como uma ONG, sobrepondo esta
face, da organização institucionalizada, de ser ao fato de ser um movimento social.
(GOHN, 1999, p. 121).
Durante a década de 80, outros movimentos também contribuíram para o
reconhecimento dos direitos infanto-juvenis. Destaca-se, entre estes, o Movimento de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente – MDDCA – que teve grande participação no
processo de reconhecimento oficial dos direitos sociais básicos da criança e do adolescente no
Brasil. Neste movimento, atuavam integrantes de ONG’s; agentes que trabalhavam diretamente
com crianças; membros do Ministério Público; jornalistas, dentre outros.
25
O MDDCA, juntamente com entidades internacionais, insere o Brasil, em 1989 na
discussão que deu segmento à Declaração Universal dos Direitos da Criança, quando foi
elaborado um documento, no qual a criança é concebida como um ser em desenvolvimento, com
características próprias desta fase, “[...] reconhecida como sendo constitutivamente dotada de
qualidades intrínsecas, com processos peculiares de desenvolvimento pessoal e social”. (GOHN,
1999, p. 124). A Convenção Internacional de 1989 causou impactos por toda a América Latina,
onde os Códigos de Menores legislavam à época.
Outro espaço de discussão dos direitos infanto-juvenis foi o Fórum Nacional Permanente
de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - Fórum
DCA. Enquanto desdobramento do MDDCA, o referido Fórum surgiu em 1988, após a
promulgação da Carta Magna do país. Sua composição, inicialmente, era de 34 entidades não–
governamentais e seu objetivo era a promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes,
através de discussões voltadas para o processo de conscientização sobre os direitos de crianças e
adolescentes, como visando para a transformação social. Para isso, o Fórum estabeleceu os
seguintes princípios:
[...] compromisso com os dispositivos da Constituição referente à criança e ao
adolescente; compromisso com a Declaração Universal dos Direitos da Criança;
trabalho solidário, ser um instrumento de potencialização das capacidades e de
superação das limitações de cada membro do Fórum; respeito à identidade, à
autonomia e à dinâmica própria de cada entidade membro. (GOHN, 1999, p. 126).
Todos esses movimentos contribuíram decisivamente na luta pelo reconhecimento da
criança e do adolescente como sujeitos de direito, tendo como eixo-marco desse processo de
luta, a incorporação dos direitos infanto-juvenis na Constituição Federal de 1988. Trata-se de
um momento de grande efervescência dos movimentos constituídos em torno da defesa dos
direitos de cidadania de crianças e adolescentes no Brasil, que possibilitou maior visibilidade
desse segmento no cenário nacional dos anos 80. Neste sentido, Silva e Motti (2001) afirmam
que:
A ruptura com o Código de Menores situou-se num contexto de forte mobilização
popular e política, na mudança da ordem repressora para a institucionalização
democrática, participativa e descentralizada. [...] No final dos anos 70, a sociedade
brasileira expressou de forma clara, através de manifestações de massa, o movimento
de repulsa e rejeição à ordem autoritária na luta pela democratização do país, pelas
26
eleições diretas para todos os veis de governo e pelo desvencilhamento do chamado
entulho autoritário, que se manifestava não na ordem legal, mas no cotidiano das
relações de poder. Febem e Funabem situavam-se nesse entulho autoritário como um
dos elementos do sistema de segurança nacional ao qual estavam articuladas
ideológica, política e juridicamente. (SILVA e MOTTI, 2001, p. 27).
Neste sentido, enquanto os setores conservadores, optando pela doutrina da Situação
Irregular defendiam a manutenção dos princípios do Código de Menores, indicando apenas
algumas poucas alterações, os estatutários agregados pelo movimento em defesa dos direitos da
criança e do adolescente, lutavam pela institucionalização do paradigma da doutrina da proteção
integral. Contudo, mesmo tendo havido essas diferenças quanto à concepção e estruturação de
um novo paradigma de defesa dos direitos da criança e do adolescente essa diversidade de
atores, acabou caminhando na busca de um consenso, que: “[...] o momento era crucial para a
união de todas as forças, mesmo diferentes, na luta comum em defesa dos direitos de crianças e
adolescentes [...]”.
(SILVA e MOTTI, 2001, p. 50)
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ano seguinte foi de luta pela
inclusão dos direitos infanto-juvenis tanto nas Constituições Estaduais, como nas Leis
Orgânicas Municipais. SILVA e MOTTI, fundamentando-se em TORRES, destacam que:
[..] com a aprovação dos artigos 227 e 228 da Constituição Federal de 1988 e tendo em
vista a necessidade de sua regulamentação, o FÓRUM DCA adotou uma postura de
abertura em relação à cooperação com setores do Estado e assumiu a tarefa de
articular, simultaneamente, a elaboração de um anteprojeto, e a formulação de uma
sintonia social e política que determinasse vontade política em torno de sua aprovação.
(SILVA e MOTTI, 2001, p. 50-51).
A partir da articulação parlamentar em torno do Projeto de Lei que regulamenta os
artigos 227 e 228 da CF, que constituem o Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentado à
Câmara e ao Senado, tem início o processo de aprovação do ECA. Silva e Motti ressaltam ainda
que o FÓRUM DCA tem uma atuação decisiva no processo de aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, quando:
mais uma vez, assumiu a responsabilidade de mobilizar os diversos atores sociais,
realizando durante cerca de um ano, diversas ações, como debates, seminários, estudos,
sensibilização e adesão de setores do Executivo, mobilização social, negociações
políticas, articulação com os setores jurídicos, mobilização infanto-juvenil, Lobbies
junto ao Congresso Nacional e campanhas na mídia. (SILVA e MOTTI, 2001, p. 51).
27
Foi a partir desse amplo processo de mobilização social e política que o Projeto de Lei
que regulamenta os artigos 227 e 228 da Constituição Federal de 1988 foi votado e aprovado
nas duas Casas Legislativas e sancionado pelo Presidente da República, em 13 de Julho de
1990, denominando-se Estatuto da Criança e do Adolescente.
Posteriormente, em Setembro de 1990, o Congresso Nacional aprovou também a
Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente que anteriormente havia sido
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Essa confluência de grupos em luta pelo
reconhecimento dos direitos infanto-juvenis teve e continua tendo uma importância
fundamental na efetivação desses direitos no âmbito nacional, internacional e local.
2.3 Revendo a noção de cidadania
Não pretendemos, neste trabalho, propor uma discussão exaustiva acerca do conceito de
cidadania, aqui nos restringindo apenas à demarcação da noção de cidadania de crianças, de
adolescentes e de jovens em contraste com o período que sucede o processo de
redemocratização do país.
Após o fervor da luta pela redemocratização do país, durante os anos 80, percebeu-se um
arrefecimento dos movimentos sociais e uma ausência ou ocultação da ampla organização
autônoma da sociedade. O contexto político da década de 90 apresenta como principais
características a abertura comercial e a adoção de ideais neoliberais, consubstanciados na
globalização da economia que traz a deterioração dos direitos sociais. Dentre estes, podemos
citar os direitos trabalhistas, que passaram por um processo de desmonte materializado no
desemprego estrutural, na desqualificação profissional e no processo de terceirização, que marca
uma segregação da força de trabalho.
Conforme Sobottka (2003), a partir do final dos anos 80, tem havido uma passagem do
foco de atenções dos movimentos sociais para as ONG’s, com um conseqüente distanciamento
em relação ao projeto de emancipação. Em relação à utopia emancipatória’, o referido autor
destaca que:
28
“Essa utopia, um sonho que parecia ser realizável nos movimentos sociais, desde o
final dos anos 1980 foi sendo reinterpretada em dimensões cada vez mais modestas,
despolitizada em suas conseqüências, e hoje está praticamente esvaecida nas formas
atuais de assistência social.” (SOBOTTKA, 2003, p. 48)
Neste sentido, a noção de cidadania precisa ser revisada e distinguida daquela que é
tutelada pelo Estado. Em outras palavras, após ganhar autonomia e assumir ‘vida própria’, a
palavra cidadania substituiu o próprio povo na retórica política, como se fosse suficiente per si.
Conforme Carvalho (2007):
Havia ingenuidade no entusiasmo. Havia a crença de que a democratização das
instituições traria rapidamente a felicidade nacional. Pensava-se que o fato de termos
reconquistado o direito de eleger nossos prefeitos, governadores e presidente da
República seria garantia de liberdade, de participação, de segurança, de
desenvolvimento, de emprego, de justiça social. (CARVALHO, 2007, p. 7)
Em relação à infância e à juventude, após 17 (dezessete) anos de promulgação do
ECA, a realidade aponta para uma incipiente efetivação de direitos para a grande parcela desta
população. Podemos ilustrar esta afirmativa a partir de um estudo realizado por Rodrigues
(2004), no qual aponta a falta de apoio do poder blico aos Conselhos Tutelares, cuja função é
zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e de adolescentes. O referido estudo mostra
que, na realidade, muitos Conselhos Tutelares no Estado do Maranhão, limitam suas práticas
pela falta de recursos básicos, como a disponibilidade de um veículo, de uma sede própria e de
equipamentos computador e telefone - que possibilitem o atendimento e o registro de
denúncias. À guisa de conclusão, o estudo apontou para a necessidade de efetivação e
concretização da doutrina da proteção integral. (Rodrigues, 2004)
A concretização e efetivação dos dispositivos legais estabelecidos a partir do ECA ainda
são tímidos. Acreditamos que a visão da criança e do adolescentes como incapazes’, conforme
preconizava o digo de Menores, ainda reforça a idéia do ‘menor’ e sustenta práticas
assistencialistas. Neste sentido, podemos afirmar que as ações dirigidas a crianças e a
adolescentes sempre estiveram encobertas por um falso manto de proteção (Volpi, apud
Nogueira, 2005), costurado com um discurso crítico de compromisso, solidariedade e cuidado.
Discursos mais eficientes seriam construídos se o nível de consciência e organização de crianças
29
e de adolescentes atingisse a marca de uma participação proativa nessa luta. Conforme Nogueira
(2005):
A participação proativa de crianças e adolescentes, no mundo familiar, social e
político, passaria a se dar a partir deles próprios, e não como concessão do mundo
adulto e como decorrência de políticas, programas e projetos artificiais que, no mais
das vezes, promovem de fora para dentro esse ‘protagonismoe ao mesmo tempo o
emolduram e domesticam. (NOGUEIRA, 2005, p. 8)
No campo das Políticas Públicas, o conceito de protagonismo juvenil passou a vigorar a
partir da década de 80, atrelado à idéia de empoderamento. Lulianelli (2003) trabalha com os
aspectos contraditórios acerca deste conceito. O referido autor aborda que a utilização do termo
protagonismo juvenil por educadores, está associada à participação solidária, enquanto
mecanismo legítimo de pressão social, centrando a questão da construção da cidadania e da
participação de todos os sujeitos sociais dentro de um modelo pedagógico. Por outro lado,
destaca o autor, esse discurso de empoderamento e protagonismo juvenil pode ser visto como
cortina de fumaça para dar continuidade a ações políticas de endividamento externo, na medida
em que esse discurso mascara a realidade e serve apenas como retórica para a continuidade de
investimentos no setor econômico.
De acordo com Carvalho (2007), o fenômeno da cidadania é complexo e historicamente
definido. O referido autor ressalta que o exercício de certos direitos, como o voto, não gera
automaticamente o gozo de outros direitos tais como, como a segurança e a educação, existindo,
então, um fosso entre a atividade prática do eleitor e materialização de seus direitos, dependente
de vontade política. Conforme Carvalho (2007): “Uma cidadania plena, que combine liberdade,
participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível.”
(CARVALHO, 2007, p. 9)
que se ressaltar, ainda, a classificação dos cidadãos brasileiros feita por Carvalho
(2007), quanto à garantia dos direitos civis. Segundo ele, os cidadãos brasileiros podem ser
divididos em classes. Os da primeira classe, os privilegiados, são os “doutores”, que estão
acima da lei, que se movem pelo poder do dinheiro e do prestígio social, personificados na
figura de empresários, banqueiros, políticos e altos funcionários; os cidadãos da segunda classe,
ao lado da elite privilegiada, são a grande massa de “cidadãos simples”, que estão sujeitos aos
rigores e benefícios da lei. São pessoas que nem sempre têm noção exata de seus direitos, e
30
quando a têm, necessitam do apoio de órgãos e autoridades competentes, bem como de recursos
para custear demandas judiciais. Estão representados por trabalhadores assalariados com
carteira de trabalho assinada, pequenos funcionários e pequenos proprietários urbanos e rurais;
finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe, constituída pela
grande população marginal dos grandes centros urbanos, sendo estes os trabalhadores urbanos e
rurais do setor informal, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, crianças e adolescentes
em situação de rua, mendigos. Nas palavras do autor:
Esses ‘elementos’ são parte da comunidade política nacional apenas nominalmente. Na
prática, ignoram seus diretos civis ou os têm sistematicamente desrespeitados por
outros cidadãos, pelo governo, pela polícia. Não se sentem protegidos pela sociedade e
pelas leis. Receiam o contato com agentes da lei, pois a experiência lhes ensinou que
ele quase sempre resulta em prejuízo próprio. Alguns optam abertamente pelo desafio à
lei e pela criminalidade. (...) Para eles, vale apenas o Código Penal. (CARVALHO,
2007, p. 217)
Em relação aos direitos civis, considerados legalmente como os direitos fundamentais à
vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, desdobrados na garantia de ir e vir,
de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a
inviolabilidade do lar, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as
leis, e cuja pedra angular é a liberdade individual, percebe-se que a realidade dos adolescentes e
jovens que vivem nas ruas está aquém do gozo destes direitos, configurando uma condição de
não-cidadania. Quando questionado sobre o significado de cidadania, um adolescente em
situação de rua na cidade de São Luis (MA) respondeu: “Cidadania é uma coisa boa, ser uma
pessoa de bem; morar em casa, ser reconhecido por todo mundo por bem.. não como de rua,
como ladrão.” (Marcos, Dezessete anos)
Desta forma, a realidade vivida nas ruas não se coaduna com o disposto nos textos
legais. Quando contrastamos, por exemplo, o direito de escolher o trabalho com as atividades
lucrativas realizadas nas ruas, percebemos uma lacuna entre o gozo de um direito civil e a
satisfação da necessidade do sustento material, que muitas vezes impele o sujeito a deixar o
domicílio. Esta análise nos leva a pensar que, se o ideal de cidadão pleno configura aquele que
goza de todos os direitos (políticos, civis, sociais), a condição de não cidadão ou cidadão de
terceira classe se caracteriza pela inexistência do próprio sentimento de cidadania.
31
Durante a década de 1980, período em que os movimentos sociais lutaram pela
redemocratização do país, imbuídos do sentimento de utopia político-emancipatória, observou-
se o ápice das discussões sobre o conceito de cidadania, presentes na agenda pública, em voga
nos discursos oficiais relativos a políticas públicas, sob o prisma da ‘utopia da emancipação’,
enquanto projeto coletivo como sintetiza Sabottka: “...projeto de uma sociedade em que homens
e mulheres possam ser pessoas livres e autônomas, construtores de uma sociedade democrática e
justa, cidadãos plenos, sujeitos de sua história.” (SOBOTTKA, 2003:48)
A partir da cada de 1990, ocorreram amplas transformações na sociedade, com
reflexos na economia, na política e nas expressões culturais, que levaram a uma crise dos
movimentos sociais, conforme discutiremos no próximo tópico.
2.4
Movimentos Sociais que viram ONGs que viram “Terceiro Setor”
No segundo tópico deste capítulo, enfatizamos o processo de redemocratização da
sociedade brasileira, ocorrida até o final dos anos 1980, destacando algumas das principais
conquistas para o segmento infanto-juvenil instauradas na Constituição Federal de 1988.
Passados mais de dezessete anos em relação à aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente faz-se pertinente elucidar alguns dos rumos tomados pelos movimentos sociais, que
aparecem na literatura como num estado de “ressaca”.
Iniciamos com a abordagem conceitual da expressão Movimento Social. Silveira (2000)
nos informa que, a partir do estudo da história, os movimentos sociais estão presentes em todas
as sociedades. Na Antiguidade, destacam-se os movimentos de escravos e os religiosos; na
Baixa Idade Média, os movimentos de camponeses-servos; na Idade Moderna, os movimentos
de mercadores e os religiosos; na Idade Contemporânea, destacam-se os movimentos operários,
que se insurgiram contra as condições de vida nas fábricas e nas cidades; na atualidade, destaca
o autor, estão na ordem do dia os chamados ‘novos’ movimentos sociais: ecológico, pacifista,
feminista, etc. (SILVEIRA, 2000, p. 222)
O referido autor estabelece três aspectos para a caracterização de um movimento social:
a noção de conflito, de ação coletiva e a idéia de mudança e conservação. A noção de conflito
32
está implicada no paradigma marxista de análise histórico-estrutural, ou seja, está ancorada na
análise da sociedade dividida em classes, na qual a produção é socializada, mas o consumo é
privado. Em linhas gerais, a idéia de conflito refere-se à incapacidade do Estado em atender às
reivindicações populares, o que leva diferentes segmentos empobrecidos a uma situação de
carência, de necessidades não satisfeitas, que por sua vez, gera conflitos.
Vale ressaltar que o conflito por si não é condição suficiente para a emergência de
movimentos. Conforme Silveira (2000): “O conflito apenas revela interesses divergentes de
nossas relações sociais, o que nem sempre se desdobra em conflito aberto, envolvendo ações
coletivas e nesse sentido vindo a se constituir em movimentos sociais.” (SILVEIRA, 2000, p.
225) que se diferenciar, ainda, ações coletivas que objetivam alterar as relações sociais
de manifestações coletivas entendidas como fenômenos coletivos. O referido autor cita o
exemplo de uma partida de futebol, enquanto uma manifestação coletiva, que, embora
constituída de diferentes relações de interesses, não se caracteriza como um movimento social,
pois, qualquer que seja o resultado do jogo, em nada altera as relações sociais.
Os aspectos relacionados à mudança e conservação referem-se à mudança ou
conservação de privilégios, valores, normas, regras que condicionam as relações sociais, que
estão atravessadas pela lógica do poder. Embora um movimento possa direcionar-se tanto para a
mudança quanto para a conservação de uma determinada realidade, para sua eclosão e
desenvolvimento, não basta a existência de uma situação de opressão. “É preciso que as pessoas
se percebam como oprimidas como grupos e classes com interesses comuns; a partir de tal
identidade é que se podem desenvolver ações que venham a constituir-se em movimentos
sociais.” (SILVEIRA, 2000, p. 228)
Neste sentido, Silveira (2000) destaca que os elementos constitutivos de um movimento
social são: o projeto, a ideologia e a organização. O projeto significa a proposta de um
movimento, que pode ser de mudança ou conservação das relações sociais, englobando os
seus objetivos, suas metas e estratégias de ão. (...) Ao mesmo tempo em que o projeto nos
revela o desejo, a intenção de um movimento, ele nos mostra como os seus participantes se
vêem – o que demonstra a consciência de sua força, bem como de seu adversário, contra quem o
movimento se dirige.” (SILVEIRA, 2000, p. 230)
A ideologia corresponde às idéias veiculadas socialmente. Refere-se à ‘visão de mundo’
como forma de pensamento que contém ao mesmo tempo idéias que correspondem às reais
33
condições de vida e idéias falsas sobre essas condições, também estabelecidas no plano da
realidade, dado que muitas vezes, essa contradição torna-se clara na práxis dos movimentos.
(SILVEIRA, 2000)
A organização representa certa divisão de papéis e funções desempenhadas dentro de
uma hierarquia. Pode se dar de duas maneiras: uma descentralizada, onde a direção e / ou
organização acontece de forma coletiva, pressupondo a valorização de todos os participantes do
movimento, e outra como uma estrutura mais definida, firmada em um corpo de lideres mais ou
menos fixo e destacado dos demais participantes do movimento.
Gohn (2003) considera os movimentos sociais como “ações coletivas de caráter cio-
político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas
demandas.” (GOHN, 2003, p. 13) A referida autora destaca a existência de ‘redes’ (estruturas da
sociedade contemporânea globalizada e informatizada) a partir das quais os movimentos sociais
atuam em nível local, regional, nacional e internacional. Ressalta ainda o aspecto histórico dos
movimentos sociais, enquanto representantes de forças sociais organizadas que aglutinam as
pessoas não como força-tarefa, de ordem numérica, mas como campo de atividades e de
experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações
sócio-culturais. (GOHN, 2003)
Uma vez elucidados os aspectos conceituais, passemos à análise da crise dos
movimentos sociais após a década de 1980. Gohn (2003) aponta que as causas da
desmobilização são rias, destacando-se: a perda do alvo e inimigo principal, a citar, o regime
militar; o surgimento de outras formas de organização popular, mais institucionalizadas, como
os Fóruns Nacionais; a proliferação de ONG’s, advindas inicialmente, após a conferência Eco
92, que passaram a ter muito mais importância nos anos 90 do que os próprios movimentos
sociais. Conforme Gohn (2003):
Tratam-se de ONGs diferentes das que atuavam nos anos 80 junto com os
movimentos populares. Agora são ONGs inscritas no universo do Terceiro Setor,
voltadas para a execução de políticas de parceria entre o poder público e a sociedade,
atuando em áreas onde a prestação de serviços sociais é carente ou até mesmo ausente,
como na educação e saúde, para clientelas como meninos e meninas que vivem nas
ruas, mulheres com baixa renda, escolas de ensino fundamental etc.” (GOHN, 2003,
p. 22)
34
A análise desenvolvida por Gohn (2003) aponta que os movimentos populares em voga
nos anos 70 e 80 não desapareceram, destacando-se o aspecto heterogêneo desses movimentos
constituído por temáticas e demandas diversificadas. Conforme a referida autora, os
movimentos populares desembocaram na criação de redes sociais. Numa perspectiva otimista,
Gohn (2003) afirma que:
As redes, as parcerias entre movimentos e as ONGs criaram um novo movimento
social: contra a globalização predominante, geradora de miséria; eles clamam,
articulados em redes internacionais, pela defesa da vida com dignidade. O perfil do
militante dos movimentos sociais se alterou e as teorias estão a exigir de nós
explicações mais consistentes. (GOHN, 2003, p. 31)
Por outro lado, a literatura aponta para uma realidade que secundariza ou mesmo anula a
utopia político-emancipatória, enquanto ideal desenvolvido por movimentos sociais até o final
da década de 1980. Sobottka (2003) afirma que os movimentos sociais foram um fenômeno
social de grande visibilidade durante as décadas de 1960 a 1980. No final daquele período
ocorreram amplas transformações com reflexos na economia, na política e nas expressões
culturais. Essas mudanças de caráter coletivo, resignificaram as relações sociais. Conforme o
referido autor:
A sensibilidade dos revolucionários e o engajamento apaixonado por reformas sociais
deram lugar, no nível individual, para a preocupação com a carreira e a qualidade de
vida e, no nível coletivo, para o profissionalismo da organização, os indicadores de
qualidade dos serviços prestados, a sustentabilidade dos projetos e da organização
como um todo, ao adequado perfil institucional num mercado competitivo de
assistência. (SOBOTTKA, 2003, p. 49)
Nas décadas de 1970 e 1980, as bandeiras levantadas pelos movimentos sociais foram
aquelas que buscavam a garantia dos direitos humanos bem como a redemocratização do país.
Uma vez restituída formalmente a democracia, o foco dos movimentos passou a ser a conquista
de direitos sociais, relegados até então. Trata-se, pois, de um período de luta por direitos civis e
sociais de cidadania, cujo auge foi o processo constituinte de 1987-1988. Sobottka (2003)
aponta alguns elementos determinantes do processo de crise dos movimentos sociais naquele
período:
35
O rompimento com este novo ciclo dos movimentos sociais no Brasil deu-se no
contexto das eleições presidenciais de 1989: com a derrota eleitoral da candidatura
apoiada por eles, a sociedade brasileira optou majoritariamente por um projeto que se
opunha radicalmente aos anseios de emancipação e inclusão cultivados pelos
movimentos sociais. As políticas de universalização do acesso a direitos sociais foram
substituídas pelo focalismo assistencial; o estado de bem-estar social foi reformado
mediante privatizações e ampliação de parcerias com organizações privadas; o foco da
vida estatal-pública deslocou-se dos cidadãos para os investidores, em especial os
internacionais. (SOBOTTKA, 2003, p. 53)
A reduzida aceitação pública, os poucos resultados somados com a ostensiva política de
descrédito feita pelo governo fizeram com que os movimentos sociais entrassem em crise,
restando-lhes como opção adaptar-se ou desaparecer. (Sobottka, 2003) A solução encontrada
para este dilema pela maioria dos movimentos sociais foi a constituição de uma organização
formal, capaz de angariar recursos financeiros e dispor de responsabilidade contratual. A década
de 1990 foi marcada pela proliferação de organizações deste perfil, que a partir de um conceito
elaborado pela ONU, foram denominadas Organizações Não Governamentais.
A literatura pesquisada aponta para certa dificuldade quanto à conceituação do termo
‘ONG’. Neste sentido, corroboramos com Sobottka (2003) que elucida algumas características
da referida organização: “Estas entidades são organizações civis, formalmente constituídas na
forma da lei, prestadoras desinteressadas de serviço, sem fins lucrativos, associadas a valores
universais e com certa autonomia.” (Sobottka, 2003, p. 56)
Durante a década de 1990, as relações entre os movimentos sociais e as ONGs passaram
a ser permeadas pela necessidade de profissionalização das ações desenvolvidas pelos
movimentos sociais. O surgimento, em ritmo acelerado, de ONGs não vinculadas a movimentos
sociais também se constitui em fator que contribuiu para a mudança na gica e dinâmica dos
movimentos sociais. Destacamos, ainda, o aceno de órgãos intergovernamentais da cooperação
internacional com a possibilidade de financiamento de projetos vinculados a ONGs, como fator
que marcou novos rumos das relações entre as ONGs e os movimentos sociais. O resultado
dessas transformações foi a adaptação de muitos movimentos sociais às exigências estabelecidas
por órgãos financiadores. Conforme Sobottka (2003): “Muitos movimentos sociais viram suas
organizações autoclassificando-se como ONGs e adaptando-se às exigências de
profissionalização colocadas pelos potenciais financiadores com implicações imediatas para
sua relação com a base do movimento.” (SOBOTTKA, 2003, p. 57)
36
Em relação aos movimentos sociais da área da infância e da juventude, não encontramos
na literatura pesquisada produções específicas que abordassem o rumo tomado pelos atores
sociais a partir da década de 1990, que contribuíram, sobretudo durante a década de 1980, com a
criação de espaços e mecanismos de participação, bem como com a construção de um novo
paradigma para a infância e adolescência brasileiras. Porém, a partir do disposto até aqui,
entendemos que houve um enfraquecimento das ações de instituições como o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua, com uma relativa perda de autonomia frente à atual
realidade dos movimentos sociais, marcada pela dependência de financiamentos de projetos
sociais. Podemos suspeitar que a referida instituição sucumbiu aos novos ditames do cenário
público, que na década de 1990, foi marcado pela abertura comercial, globalização da economia
e regulação do mercado a partir de ideais neoliberais. Acreditamos que o enfraquecimento das
ações dos referidos atores sociais teve influência direta na retirada destes do cenário público.
Se não são vistos, não são lembrados. O contexto da década de 1990 aponta para
momentos de esquecimento dos movimentos sociais da área da infância e juventude, com
reflexos na baixa produção científica acerca desta categoria. Sobottka (2003) aponta para a
existência de um importante contingente de intelectuais com forte motivação e engajamento,
mas que estava sem alternativas satisfatórias na política e no mercado de trabalho, optando pela
criação de seu próprio espaço social, político e econômico, aliando a satisfação das necessidades
cotidianas com o engajamento pessoal. (SOBOTTKA, 2003, p. 55) Com baixas perspectivas de
absorção pelo mercado de trabalho, muitos intelectuais oriundos de movimentos sociais
engajaram-se em ONGs.
No âmbito da cidade de São Luis (MA), conforme veremos no capítulo seguinte, a partir
da década de 1990, houve um aumento no número de ONGs que desenvolvem ações na área da
infância e juventude, como a criação do Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini, do Grupo de
Apoio às Comunidades Carentes do Maranhão GACC-MA, do Centro de Formação para a
Cidadania AKONI, cujas linhas de ação são majoritariamente executadas a partir de projetos
sociais financiados exclusivamente ou com a participação de organismos internacionais.
37
3. A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE ADOLESCENTES E JOVENS EM
SITUAÇÃO DE RUA NOS ANOS 90
O objetivo deste capítulo é estabelecer um diálogo entre estudiosos e pesquisadores
brasileiros que são considerados referências para a discussão e o entendimento do fenômeno dos
adolescentes e dos jovens em situação de rua no Brasil. Trataremos também de alguns estudos
realizados em São Luís sobre a referida temática, no intuito de nos aproximar do nosso objeto
de pesquisa.
Para esta revisão, consideramos algumas produções realizadas a partir de 1990, por ser
este o ano de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Priorizamos os aspectos
relacionados ao objetivo desta dissertação, que é investigar os elementos que constituem
núcleos de sentido para as experiências de vida de adolescentes e jovens nas ruas. Desta forma,
nos restringimos às publicações que abordassem os seguintes aspectos: os fatores que
contribuem para a ida às ruas; as relações institucionais estabelecidas, com ênfase na família; a
quantificação dos adolescentes e jovens nas ruas e as atividades desenvolvidas. Vale ressaltar
que a primeira parte desta revisão, referente ao contexto nacional, foi feita a partir de livros,
monografias, dissertações e artigos científicos. Na segunda parte, dada a insuficiência da
produção científica local, utilizamos a pesquisa documental como forma de acesso aos dados
produzidos no âmbito das instituições da cidade de S.Luis (MA) que intervêm na problemática
em questão. Para a construção deste capítulo, tomamos como aporte teórico a literatura
acadêmica das Ciências Sociais e Humanas, destacando as áreas de conhecimento da Psicologia
e Sociologia. Ainda que tivéssemos buscado a produção sobre a experiência de vida de
adolescentes e jovens em situação de rua através da consulta em diversas fontes e áreas do
conhecimento, o resultado não seria o esperado, ou seja, encontramos um número reduzido de
publicações sobre esta temática que discutiremos ao longo da apresentação desta revisão.
A literatura pesquisada aponta que a ida dos adolescentes e dos jovens para as ruas está
influenciada por elementos sócio-econômicos, como a pobreza e as desigualdades sociais, mas
que não se reduz a eles. A rua exerce um fascínio, um “ethos de liberdade” (Rizzini, 2003), que
somado às oportunidades de lazer que os centros urbanos oferecem, constitui-se em fator
atrativo. Além disso, o domicílio familiar pode apresentar características outras que impelem a
38
saída deste espaço e a ida para as ruas, tais como a dissolução do casal parental, um número
extenso e disperso de membros, freqüentes mudanças de residência, a violência doméstica e a
inclusão precoce no mundo do trabalho, o que leva a uma instabilidade de referências
identitárias. (LUCCHINI, 2003)
O foco dado à família marcou um avanço na compreensão da problemática em questão.
A literatura aponta para a importância do convívio familiar como sendo fundamental para o
desenvolvimento psicossocial da criança. Rizzini (2003) destaca um estudo organizado por
Fausto e Cervini, em 1991, com o título O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil
urbano dos anos 80, que reuniu textos de diversos cientistas sociais. A relevância dada a esta
pesquisa está no fato de entrevistar crianças e adolescentes em situação de rua, mas também
seus familiares. Segundo a referida autora, o objetivo desta pesquisa foi
“(...) compreender a natureza deste ambiente familiar, retratando aspectos ligados aos
seus membros, às suas condições de vida, à estrutura familiar atual e anterior, e
particularmente, ao modo como as pessoas se relacionavam dentro desta estrutura e
com os grupos e instituições, suas principais preocupações e com quem contavam para
resolve-las.” (RIZZINI, 2003, p. 24)
Rosa (1999), em seu artigo intitulado “O discurso e o laço social dos meninos de rua”,
analisa a constituição subjetiva de jovens que vivem na rua, a partir dos conceitos psicanalíticos
de Lei, Ideal e Identificação. A referida autora enfatiza que o distanciamento do domicílio está
permeado por um processo de desqualificação e desvalorização social da família destes jovens,
o que propicia a ruptura destes com a família e a escola, levando-os para a rua. No espaço da
rua, estes jovens se deparam com o discurso social, que traduz seu poder no real, na expressão
encarnada de suas instituições, especialmente a policial, a jurídica e a médica. Segundo Rosa
(1999):
No discurso social, constata-se a destituição destes meninos do lugar de criança e
adolescente, o que justifica o abandono, o descaso e o medo, oferecendo-lhes como
única possibilidade de nomeação a identidade de delinqüente. (ROSA, 1999, p. 6)
A situação dos jovens que vivem nas ruas está ligada ao sentimento do desamparo,
caracterizando-se como um sintoma social, construído pela incapacidade de organização e
atuação de meios institucionais, como a família, a sociedade e o Estado. Um estudo realizado
por Sudbrak e colaboradores (2004) aponta para a necessidade do investimento de afeto, no que
39
se refere ao trabalho de instituições que atendem adolescentes em situação de rua. Sua crítica
está voltada para as práticas profissionais ditadas pelas relações burocráticas de trabalho, onde o
funcionário é treinado a prestar um atendimento mecanizado, isento de afetividade,
caracterizando modelos que perpetuam a condição de abandono dos adolescentes
institucionalizados. Além disso, questionam a viabilidade do retorno destes adolescentes à
convivência com seu núcleo familiar, dado o quadro sócio-político-econômico marcado pelas
desigualdades e práticas marginalizantes, que não oferece retaguardas para a solução desta
problemática. Neste sentido, Subdrak e colaboradores (2004) destacam a necessidade de novas
formas de intervenção pautadas em novos parâmetros de como trabalhar nesta área, enfatizando:
“A importância do resgate da convivência familiar e da rede primária afetiva que permita a
construção de novos modelos de referência de autoridade e novos padrões de relações afetivas e
sociais.” (SUBDRAK, 2004, p. 10)
Ainda sobre o aspecto das relações institucionais, Bomfim (1991) juntamente com um
grupo de pesquisadores realizou um estudo intitulado Meninos de rua: uma abordagem
institucional, no qual desenvolve uma análise comparativa entre as instituições que trabalham
com crianças e adolescentes em situação de rua, buscando compreender seus objetivos,
funcionamento, tipo de tratamento dado aos meninos, órgãos financiadores, dificuldades e
resultados. A referida pesquisa aponta para a necessidade de uma maior participação da
comunidade no que se refere ao enfrentamento do problema em questão, no sentido de
fortalecer a luta contra a violência infanto-juvenil.
Outro ponto relevante encontrado na revisão da literatura sobre adolescentes e jovens em
situação de rua foi a tentativa de quantificar este grupo. Rizzini (2003) cita um artigo publicado
na revista time de 1978, que mencionava um número de dois milhões de crianças brasileiras
“abandonadas pelos pais”. No ano de 1984, o Fórum de idéias da Unicef (Fundo das Nações
Unidas para a Infância) indicava um número de 30 milhões que, caso estivesse correto,
significaria que existiam mais crianças vivendo nas ruas do que em lares nos centros urbanos
brasileiros. (RIZZINI, 2003)
Para a análise deste ponto, nos baseamos nos estudos feitos por Rosemberg (1996), que
trazem uma reflexão crítica em relação à estimativa sobre crianças e adolescentes em situação
de rua, que alardeou, nos anos 80, cifras astronômicas sobre este fenômeno. Quando na
realização destas estimativas, os principais problemas relacionados à ‘contagem de meninos (as)
40
em situação de rua’ remetem à falta de rigor metodológico, que permita o máximo de
aproximação da realidade, de forma que possa subsidiar o planejamento, execução e a avaliação
de programas e projetos de intervenção, evitando armadilhas como as estimativas que
estigmatizam a família pobre, que constroem balizas equivocadas na elaboração de políticas
sociais e que cerceiam o conhecimento, determinando que a pobreza por si é geradora
inevitável de ‘meninos de rua’. (ROSEMBERG, 1996).
A referida autora aponta que o procedimento mais freqüente usado nas pesquisas
brasileiras é o do tipo de identificação através da observação sem abordagem, que consiste em:
“dividindo e delimitando o espaço urbano a ser pesquisado, várias equipes de contagem
percorrem no mesmo horário um roteiro pré-determinado, contabilizando as crianças e
adolescentes ‘na rua’ identificadas durante o trajeto.” (ROSEMBERG, 1996, p. 24) O efeito
deste procedimento é o de uma fotografia, construída a partir da hipótese de que o espaço da rua
não é ocupado de forma aleatória, uma vez que crianças, adolescentes e jovens pobres tendem a
se concentrar ou perambular em áreas que oferecem geração de renda, abrigo e diversão.
A partir de um levantamento de 14 pesquisas realizadas nas principais capitais
brasileiras, Rosemberg (1996) analisa o significado das estimativas de crianças e adolescentes
em situação de rua. O primeiro ponto divergente entre essas pesquisas refere-se ao recorte
temporal’ que privilegiaram. O tempo de permanência nas ruas para observação determina, em
parte, o número de sujeitos a que se chega, bem como determina o valor da estimativa e seu
significado. Nas palavras de Rosemberg (1996):
(...) sob a expressão ‘estar em situação de rua’ se esconde uma grande variedade de
situações e determinações: nem todos são desabrigados, alguns associam os estudos à
geração de renda na rua, e a sobrevivência na rua oferece tempos fortes e tempos fracos
em função das estações do ano, dos meses, do dia do mês ou da semana, do horário do
dia, das condições climáticas. (ROSEMBERG, 1996, p. 26)
Há que se destacar ainda alguns critérios utilizados pela autora supracitada, em relação à
definição operacional, quando na identificação da criança e do adolescente em situação de rua,
tais como: a aparência na maioria das vezes é pobre no plano da vestimenta e da higiene,
podendo acontecer de estarem uniformizados e/ou com crachá, utilizados para a distribuição de
panfletos, folhetos ou anúncios publicitários; a rua que foi considerada como ‘toda via ou
41
logradouro público externo’, comportando, avenidas, praças, largos, parques, terrenos baldios,
aterros sanitários, estacionamentos; portas/entradas de universidades, escolas, casas comerciais,
igrejas, supermercados, sacolões, shoppings, lanchonetes, restaurantes, cinemas, teatros, boates,
fliperamas, danceterias, estádios, feiras, calçadões, viadutos, pontes, passarelas, estações de
metrô e trem, terminais de rodoviárias e linhas de trem; por fim, a atividade desenvolvida é um
critério fundamental para a identificação de crianças, adolescentes e jovens em situação de rua.
As atividades habitualmente compatíveis com o ‘estar na rua’ são: trabalhando, esmolando,
perambulando, brincando, dormindo. (ROSEMBERG, 1996:30-31) Vale ressaltar que, mesmo
com todos estes cuidados, a pesquisa realizada por Rosemberg apresentou problemas no que se
refere à classificação da faixa etária:
Considerando-se a origem social diversa entre observador observado e a equação
individual na apreciação da idade, alguns jovens adultos (tendo 18 anos e mais) podem
ter sido identificados como adolescentes (ter idade inferior a 18 anos). (ROSEMBERG,
1996, p. 34)
Em relação às atividades desenvolvidas nas ruas, estudos realizados por Alves e
colaboradores (2002) com 20 crianças em situação de rua no centro de Porto Alegre, apontam
um total de 2724 atividades executadas. As referidas atividades foram categorizadas como:
brinquedos, brincadeiras e exploração do ambiente (25,33%), contatos sociais (11,43%),
observação do contexto (10,5%), trabalho (3,37%) e outras (49,45%), incluídas nesta categoria
atividades motoras, compra e consumo de comida. Um dos aspectos relevantes destes estudos
foi a metodologia utilizada. Após a observação em ambiente natural por cerca de 30 minutos, os
registros foram codificados de acordo com o Manual de Codificação de Atividades de Crianças
em Situação de Rua (Alves, Koller & Tudge, 1996; Alves e Cols., 1999), baseado no original
proposto por Tudge, Sidden e Putnam (1994). Conforme Alves (2002):
Os dados obtidos através deste instrumento [Manual de Codificação] permitem a
descrição de aspectos do microssistema da rua, incluindo as atividades molares e
moleculares realizadas e, basicamente a ocorrência de processos proximais de
desenvolvimento. (ALVES, 2002, p. 6-7)
Vale ressaltar que os estudos acima referidos fazem parte de uma pesquisa descritiva da
observação de atividades cotidianas de crianças em situação de rua. Conforme os referidos
42
autores, os dados foram coletados através de uma metodologia observacional, elaborada
especificamente para utilização em pesquisas no contexto da rua, que inclui o estabelecimento
de um tempo ideal de observação (estabelecido em trinta minutos) e a presença de uma dupla de
observadores durante a coleta de dados, realizada por meio de uma entrevista estruturada para
obtenção de dados. Em relação aos resultados, Alves e colaboradores (2002) apontam que as
crianças utilizam o espaço da rua para diversas atividades, incluindo tarefas que garantem a
subsistência pessoal e, às vezes, da família, bem como atividades lúdicas, como brincadeiras
solitárias ou em grupo, demonstrando que, embora estejam em atividade de trabalho, continuam
sendo crianças em desenvolvimento. (ALVES, 2002)
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba realizou no ano de 1997
uma pesquisa com o título Caracterização dos meninos em situação de rua de João Pessoa.
Foram entrevistados 31 meninos, de 12 a 17 anos, que se encontravam nas ruas exercendo
alguma atividade remunerada. Maciel, Brito e Camino (1997) apontam que:
Os resultados demonstraram existir grande valorização do trabalho, cujo início se dá
em virtude das necessidades sócio-econômicas familiares, e pouca valorização de atos
delinqüentes. Constatou-se, outrossim, existir em tais meninos um forte desejo de
estudar, pois este seria um dos meios pelos quais poderiam vir a se tornarem ricos; no
entanto, o ‘trabalho’, por funcionar como um dos fatores que inviabilizam a ida à
escola, acaba por dificultar, posteriormente, um emprego mais qualificado. (MACIEL,
BRITO, CAMINO, 1997, p. 01)
Lucchini (2003) aponta que a atividade lucrativa atribui uma certa organização às
atividades cotidianas de crianças e jovens em situação de rua. O referido autor destaca que nos
casos mais favoráveis, o aspecto auto-valorativo e a gratificação pelo trabalho levam a um
reforço positivo da imagem de si mesmo, tornando as atividades cotidianas e a percepção do
tempo mais estáveis. No entanto, o problema se encontra na natureza precária do trabalho
informal, o que relativiza os aspectos positivos desta atividade. Além disso, dentro do rol das
atividades lucrativas, podemos encontrar atividades ilícitas, como a exploração sexual comercial
de crianças, adolescentes e jovens, cuja identificação e dimensionamento são bastante difíceis.
Em relação a este aspecto, Coimbra e Souza (2004) apontam que:
A complexidade do fenômeno [exploração sexual], cuja manifestação não é muitas
vezes explícita e realizada publicamente, e sua interface com atividades fora da
43
legalidade dificultam seu dimensionamento na realidade brasileira. (COIMBRA e
SOUZA, 2004, p. 11)
Em relação à sexualidade, Medeiros e colaboradores (2001) realizaram um estudo com
adolescentes nas ruas de Goiânia, apontando que para meninos e meninas em situação de rua, a
sexualidade está reduzida ao ato sexual. Nesta pesquisa, foram entrevistados cinco meninos e
duas meninas, na faixa etária entre 13 e 16 anos. Os autores consideraram que as manifestações
afetivas entre meninos e meninas são pouco comuns e geralmente os tratamentos dispensados
são ríspidos e até agressivos, onde a ‘transa’ pode ser considerada como um ato furtivo.
A partir desta revisão, percebemos a importância e a necessidade de estudos de maior
abrangência quanto às dimensões da problemática de adolescentes e jovens em situação de rua,
que possibilitem subsidiar ações interventivas mais eficazes. Conforme literatura pesquisada,
não encontramos uma definição conceitual que distinga a situação de rua entre o ‘ser
adolescente’ e o ‘ser jovem’, que no nosso entendimento constituem categorias diferenciadas,
conforme será apresentado no terceiro capítulo. A falta desta clareza pode levar a reducionismos
quando na implantação e implementação de políticas públicas, uma vez que essas categorias
exigem tratamento diferenciado desde a sua definição, onde devem ser consideradas as
diversidades de cada uma, bem como suas diferentes acepções.
Através desta revisão, constatamos que foi a partir da década de 1980 que o fenômeno
dos ‘meninos de rua’ ganhou maior visibilidade, quando os pesquisadores começaram a focar a
real situação em que se encontravam as crianças e os adolescentes das classes populares, que
foram retratados como geração de rua’. (RIZZINI, 2003) No final daquela década, as
produções científicas voltaram-se para questões mais específicas da vida cotidiana daquele
público, ressaltando a elaboração de perfis e a sistematização dos estudos realizados até então.
Verificamos que somente a partir dos anos 90 as discussões sobre ‘meninos (as) de rua
consideraram suas famílias, antes ocultas por trás do véu de ‘abandonadoras’. Este ponto
constituiu um significativo avanço na compreensão e enfrentamento desta problemática, uma
vez que se desmistificou a culpabilização da família como única fonte de desamparo,
expandindo o horizonte de compreensão à responsabilização de outras instituições como o
Estado e a Sociedade Civil. Por outro lado, as atuais formas interventivas ainda se apóiam no
pensamento messiânico de que o retorno ao âmbito familiar constitui a salvação da problemática
44
de crianças, adolescentes e jovens em situação de rua, sem considerar as fragilidades entre os
laços de seus membros, suas limitações materiais e, em última análise, relativizando o fato de
que a qualidade das relações estabelecidas no espaço domiciliar pode ser tomada como um dos
fatores que originaram a saída de crianças, adolescentes e jovens para a rua.
Quanto ao uso do espaço da rua, a literatura pesquisada nos mostra que esta é constituída
por uma multifuncionalidade de atividades que podem ser comerciais e de lazer, e que estão
diretamente ligadas à satisfação de necessidades. Percebemos que há um consenso entre os
estudiosos de que a satisfação de necessidades materiais primárias como a alimentação
constitue-se num fator determinante, embora não sendo o único, que leva crianças, adolescentes
e jovens a buscar nas ruas sua fonte de sobrevivência. Neste caso, o espaço público é convertido
em espaço privado para a geração de renda, reproduzindo níveis hierárquicos de poder e de
controle do espaço, refletindo a sociedade brasileira mais ampla. (Rizzini, 2003)
Embora não haja, na literatura pesquisada, uma definição clara sobre as categorias da
adolescência e da juventude em situação de rua, verificamos que as principais idéias veiculadas
sobre adolescentes e jovens em situação de rua caracterizam uma população segmentada, à
margem dos direitos conquistados e materializados no texto legal, aquém do gozo destes
direitos. A Doutrina da Situação Irregular, estabelecida pelo extinto Código de Menores, parece
ainda pairar sobre a Doutrina da Proteção Integral. Em outras palavras, os adolescentes e jovens
em situação de rua vivem uma condição de não-cidadania, uma vez que seus direitos não o
materializados em suas relações cotidianas. No discurso social, ainda lhes resta como única
forma de nomeação a identidade de delinqüentes.
O desamparo parece afetar também as instituições que desenvolvem práticas
interventivas nesta problemática. As principais organizações que contribuíram com o processo
de redemocratização do país, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
vivem hoje na dependência de financiamentos, em sua maioria de origem internacional, como
principal fonte de recursos e manutenção de programas e/ou projetos sociais. Em relação à
temática dos movimentos sociais, Sobottka (2003) aponta que: “(...) hoje, em muitos contextos,
sobretudo no acadêmico, também este tema é considerado esgotado. Ele foi eclipsado por outros
fenômenos como voluntariado, filantropia empresarial, economia solidária etc.” (SOBOTTKA,
2003, p. 49)
45
Neste sentido, verificamos que a questão dos meninos e meninas de rua, tão em voga
durante a década de 1980 vivenciou um período de baixa produção científica, com marco inicial
no contexto da década de 1990, que configurou outras preocupações para as instituições,
intelectuais e militantes de movimentos sociais, conforme abordado no capítulo anterior. Um
dos reflexos daquele contexto refere-se a produções científicas pontuais ao longo dos dezessete
anos decorridos após a aprovação do ECA, conforme pudemos verificar a partir desta revisão.
Na cidade de São Luís, encontramos uma produção científica ainda mais escassa do que
a nacional, o que nos levou a optar por uma pesquisa documental a partir da qual realizamos um
levantamento de dados das instituições que intervêm na problemática de adolescentes e jovens
em situação de rua, conforme trataremos no próximo tópico.
3.1 O Contexto de São Luís
De acordo com dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, a área
da unidade territorial de São Luís equivale a 827 Km², e no ano de 2007 a estimativa
populacional do município era de 957.515 habitantes, sendo 96,23% a proporção da População
Urbana e 3,77% a proporção da População Rural. Em relação ao sexo, os dados informam a
existência de 462.494 mulheres e 405.196 homens. A cidade de São Luís atua como pólo
comercial das cidades vizinhas, se destacando no Estado do Maranhão com uma política
econômica voltada para atividades de comércio, indústria e turismo.
Em relação aos adolescentes e jovens ludovicenses, encontramos poucos dados que
representassem os indicadores sociais referentes a este segmento. Estudos locais
4
abordam
majoritariamente dados relacionados aos segmentos infância e adolescência, seguindo os
parâmetros estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja assistência legal se
destina aos sujeitos com idade entre 0 e 18 anos. No terceiro capítulo desta dissertação
abordaremos o caráter da evolução cronológica da situação de rua, onde crianças se tornam
adolescentes e estes se tornam jovens na experiência da rua. Neste sentido, no próximo tópico
4
Ver Borges, Costa e Silva (2000); Observatório Criança (2005); Silva (2003)
46
faremos uma problematização dos dados referentes à situação de rua de crianças, adolescentes e
jovens em São Luís.
3.1.1 Visitando a literatura local
Como assinalamos, as produções acadêmico-científicas que tratam da situação de rua
de adolescentes e jovens em São Luís-MA são escassas. Na intenção de apresentar o contexto
local, foi realizada uma pesquisa documental nos registros de experiências de instituições da
cidade de São Luis que intervêm nesta problemática.
Os dados foram coletados em ONG’s e instituições públicas: Universidade Federal do
Maranhão; Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua; Centro de Defesa Padre
Marcos Passerini; Rede Amiga da Criança; Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente; Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social.
Iniciamos o levantamento destes dados a partir da sistematização da história de formação
da Rede Amiga da Criança em São Luís, organizada por Silva (2003), que resgata elementos
históricos sobre as primeiras intervenções na realidade de crianças, adolescentes e jovens em
situação de rua, no âmbito local. Destacamos a pesquisa organizada por Costa (2005) através do
Observatório Criança
5
no ano de 2005, que traz uma estimativa do número crianças e
adolescentes em situação de rua, suas atividades e seus principais problemas. Em seguida,
estabelecemos uma problematização dos dados obtidos, relacionando-os com o contexto
nacional.
Conforme dados do Observatório Criança (2005), a Rede Amiga da Criança é uma
articulação de 24 organizações governamentais e não governamentais, que têm como foco a
busca pela garantia dos direitos de crianças e de adolescentes, especialmente os que estão em
risco de vivenciar situações de rua, que já as vivem ou estão em processo de sair delas.
(Observatório Criança, 2005, p. 20)
5
O Observatório Criança foi uma pesquisa realizada com crianças e adolescentes em situação de rua em São Luís,
no período de 31 de outubro a 11 de novembro de 2003, com o objetivo de fazer um levantamento quantitativo e
qualitativo deste público.
47
A referida sistematização é iniciada com o destaque dado ao Projeto Estrela da Rua, que
foi executado no período de agosto de 1991 a novembro de 1993, como sendo uma das mais
significativas ações articulada para este segmento. De acordo com Silva (2003):
O Projeto Estrela da Rua foi uma ação de impacto que ampliou a atenção, proteção e
promoção de crianças e adolescentes em situação de rua. O grande propósito era a
difusão e a operacionalização do ECA, buscando transformar a realidade. (SILVA,
2003, p. 25)
A metodologia do Projeto Estrela da Rua desenvolvia ações executadas através de cinco
subprojetos: 1) Educação de rua aconteceu a partir da convivência cotidiana dos educadores
com as crianças e adolescentes no espaço das ruas; 2) Capacitação para a cidadania
desenvolvida com crianças e com adolescentes na faixa etária entre sete e dezoito anos através
da alfabetização com princípios do Construtivismo e de várias oficinas realizadas na Casa João
e Maria
6
; 3) Organização de crianças e adolescentes em situação de rua tinha o objetivo de
promover o conhecimento por parte dos sujeitos em relação aos seus direitos e às suas
potencialidades para que pudessem enfrentar seus problemas; 4) Abrigos concentrados no Lar
Dom Calábria e na Fundação da Criança e do Adolescente (FUNAC); 5) Restabelecimento e
fortalecimento das relações familiares realizado de forma tímida e não sistemática. (SILVA,
2003)
Os resultados do Projeto Estrela da Rua são citados como positivos, uma vez que este
contribuiu para a difusão dos preceitos do ECA, através de programas de rádio, seminários,
palestras, estudos e reuniões, bem como proporcionou a crianças e adolescentes a saída das ruas,
conforme destaca Silva (2003):
(...) alguns coordenadores e organizadores do “Estrela” destacam que o trabalho tinha
sucesso quando as crianças e adolescentes conseguiam sair das ruas, se inserir em um
abrigo, deixar as drogas, participar das atividades e oficinas, freqüentar a escola,
aprender uma profissão e um trabalho, retornar à família ou formar uma outra,
definindo uma direção para sua vida. (SILVA, 2003, p. 26)
6
Espaço que desenvolvia trabalhos pedagógicos com crianças e com adolescentes em situação de rua. Atual sede
do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua em São Luís-MA.
48
Neste sentido, o Projeto Estrela da Rua é apontado como uma referência para o trabalho
com crianças e adolescentes em situação de rua em São Luís. Vale ressaltar que o referido
Projeto findou devido à falta de estratégias que garantissem sua sustentabilidade, quando
cessaram os principais financiamentos.
Os registros encontrados a partir da pesquisa documental nos mostram outras
experiências significativas, como a criação do Centro de Defesa Padre Marcos Passerini
(CDMP), em setembro de 1991, que se constituiu, ao mesmo tempo, em um objetivo e uma ação
do Projeto Estrela da Rua, e cujo princípio é voltado para a defesa dos direitos de crianças e
adolescentes através da atuação jurídico-social; o Projeto Circo Escola, da FUMCAS
7
, que é
destacado a partir da inovação e participação de outras organizações, inclusive não
governamentais, no processo de formação de educadores de rua; o Projeto Construindo
Cidadãos, iniciado em 1996 e extinto em 2006, cujo objetivo, de acordo com o texto do referido
projeto
8
, era: o restabelecimento dos vínculos familiares de crianças e adolescentes que estão
nas ruas de São Luis na faixa etária de 06 a 18 anos.” (Projeto Construindo Cidadãos)
O processo de construção da rede Amiga da Criança foi marcado por vários fatores que
contribuíram para a aglutinação de experiências e responsabilizações quando na intervenção na
problemática de crianças e adolescentes em situação de rua em São Luís. As instituições e
Projetos de intervenção acima referidos são apenas algumas citações de destaque encontradas na
literatura pesquisada. Conforme referido anteriormente, no ano de 2005, a Rede Amiga da
Criança era constituída por 24 (vinte e quatro) organizações, entre elas, governamentais e não
governamentais. A partir do Relatório do Encontro Geral da Rede de Articulação, realizado em
2000, no concernente à concepção da Rede Amiga, Silva (2003) destaca que: “É uma estratégia
político-pedagógica de articulação de ONG’s e OG’s, com propósitos definidos, baseados em
princípios e diretrizes comuns, para garantir proteção integral à criança e adolescente em
situação de rua.” (SILVA, 2003:37) Quanto aos objetivos da Rede, a referida autora destaca:
Intercambio de informações, conhecimentos e experiências para fortalecer a
capacidade interventiva da rede; promoção de oportunidades de apoio, capacitação e
potencialização dos organismos que compõem a Rede, possibilitando a qualificação
das ações; Mobilização de organizações para a atuação em rede, de forma eficaz e
7
Antiga Fundação Municipal da Criança e Assistência Social, atual Secretaria Municipal da Criança e Assistência
Social – SEMCAS, responsável pela política social na área da infância e juventude em São Luís.
8
Projeto Construindo Cidadãos. São Luís (MA), s/d. (circulação restrita)
49
articulada, tendo como foco de intervenção a criança e adolescente em situação de
rua; colocação em pauta, para a sociedade, a realidade da vulnerabilidade em que se
encontram as crianças e adolescentes em situação de rua; publicização das ações
implementadas pela Rede, fortalecendo iniciativas positivas que contribuam para uma
nova consciência social; construção de estratégias e mecanismos para captação de
recursos que garantam a viabilização das ações da rede. (SILVA, 2003, p. 38)
No que se refere aos resultados das ações, Silva (2003) aponta que, para o ano de 2002, a
Rede Amiga estabeleceu como meta a “reintegração familiar (nuclear ou substituta) e
comunitária de 50 % de crianças e adolescentes” que viviam em situação de rua em São Luís.
Conforme Silva (2003):
(...) o monitoramento demonstrou que o resultado não foi apenas atingido, mas
superado. E isto pode ser evidenciado quando constatamos que: 1.154 crianças e
adolescentes deixaram de vivenciar situações de rua a partir da intervenção das
organizações integrantes da Rede; reintegração familiar de 154 crianças e
adolescentes em situação de rua que tinham rompido os vínculos com suas famílias;
815 crianças e adolescentes foram sensibilizadas para o exercício da cidadania, por
meio de iniciativas diversas nas organizações e com o grupo representativo de
crianças e adolescentes da Rede. (SILVA, 2003, p. 109)
Outro aspecto referente a esta revisão é a quantificação de crianças e adolescentes em
situação de rua em São Luís. A pesquisa realizada pelo Observatório Criança com a
articulação de ONG’s, Poder Público e Universidades identificou no ano de 2003 um mero
de 523 crianças e adolescentes em situação de rua em São Luís, cujas principais atividades eram
o trabalho precoce e insalubre, perambulação e mendicância. As crianças e os adolescentes em
situação de rua são alvos das ações de traficantes de drogas e de exploradores sexuais e grande
parte deles sofre a violência doméstica. (Observatório Criança, 2005)
A referida pesquisa mostra que a situação de exploração do trabalho atinge 80% das
crianças e dos adolescentes em situação de rua. Dentre as meninas trabalhadoras foram
encontradas 40, na faixa etária entre 05 a 10 anos de idade, das quais 09 estavam trabalhando
em companhia dos pais. Os locais de trabalho são as feiras
9
, especialmente Ceasa (Bairro do
Cohafuma), Mercado Central, Cidade Operária, no Centro da cidade (Praça Deodoro e Reviver)
e no bairro São Francisco. A situação de trabalho também acontece na Rua Grande e suas
9
A concentração de crianças e adolescentes no espaço das feiras se deve ao fluxo de pessoas que por ali circulam,
bem como à possibilidade de realizar atividades lucrativas, como transportar alimentos. (Observatório Criança,
2005)
50
transversais, durante eventos como o Marafolia, Festejos, shows e nas praias
10
, durante os finais
de semana, como Olho D’água, Ponta da Areia, Praia da Guia e Litorânea.
A situação de mendicância equivale a 7% e a de perambulação, a 13%. Entre os meninos
que estavam perambulando, a maior concentração se no sinal do bairro COHAB, seguida do
semáforo do Edifício Távola Center. A Praça Deodoro e o semáforo da Forquilha também
aparecem na preferência.
A preferência pelo centro da cidade de São Luís como espaço que propicia a geração de
renda liga-se, provavelmente, ao fluxo intenso de pessoas na Rua Grande. As feiras se destacam
nos finais de semana bem como as praias, dado o grande fluxo de pessoas nesses locais, a
prestação de serviços das crianças e adolescentes como carregadores é bastante demandada.
A maior concentração de meninos trabalhadores está na faixa etária entre 11 a 14 anos,
ao passo que as meninas trabalhadoras concentram-se mais na faixa etária entre 5 a 10 anos.
Também entre os meninos que perambulam, a maioria se concentra entre 11 a 14 anos. A
pesquisa aponta o mesmo total de meninos entre 5 a 10 anos e entre 11 a 14 anos em situação de
mendicância. O percentual de meninas de 5 a 10 anos é superior nesse tipo de situação.
Vale ressaltar que os dados em questão referem-se a 363 crianças e adolescentes que
foram entrevistadas no período de 31 de Outubro a 11 de Novembro de 2003. A maior parte
destes meninos e meninas em situação de rua encontra-se na faixa etária de 11 a 14 anos (125
meninos e 37 meninas), correspondendo a um percentual aproximado de 44%. Esta faixa etária,
considerando apenas os meninos, corresponde a aproximadamente 34% do total e, considerando
somente as meninas, a 10%. Em seguida aparece a concentração na faixa etária de 5 a 10 anos
(119), correspondendo a aproximadamente 32% do universo. Entre as meninas, foram
encontradas 45 entre 5 a 10 anos; entre os meninos, foram encontrados 74 nesta faixa etária.
Conforme os números indicam, mais de dois meninos para cada menina no universo dos
entrevistados. Embora a pesquisa não aponte, podemos suspeitar que as meninas ocupam-se do
trabalho / serviço doméstico, como mostram pesquisas realizadas em outras cidades brasileiras
(Moreira e Stengel, 2003)
Para melhor ilustrar os dados acima referidos, segue a tabela contendo a distribuição
segundo o sexo, faixa etária e vínculo com a rua:
10
As praias são um importante espaço de geração de renda. As principais atividades ali desenvolvidas pelas
Crianças e Adolescentes são a venda de produtos artesanais, alimentícios, bem como fazer a vigia de automóveis.
51
Faixa etária Trabalhando Perambulando Mendigando Total
Masc. Fem. Masc.
Fem. Masc.
Fem. Masc. Fem.
5 a 10 anos 60 40 5 1 9 4 74 45
11 a 14 anos 96 29 20 6 9 2 125 37
15 a 18 anos 60 5 10 7 - - 70 12
Subtotal
216 74 35 14 18 6 269 94
Total 290 49 24
363
Tabela 1: Distribuição de crianças e adolescentes em situação de rua segundo sexo, faixa etária
e vínculo com a rua. Fonte: Observatório Criança (2005)
Além dos dados quantitativos, a pesquisa realizada pelo Observatório Criança (2005)
aponta elementos qualitativos, que permitem uma aproximação maior em relação às condições
da vida nas ruas. A referida pesquisa identificou que 23 adolescentes moravam na rua, e os
fatores da saída domiciliar, indicados pelos sujeitos entrevistados, referem-se em geral à
violência doméstica.
A necessidade do trabalho informal de crianças, adolescentes e jovens em situação de
rua pode ser considerada um reflexo da precariedade dos empregos de seus pais ou
responsáveis. A pesquisa aponta que, em relação ao trabalho dos pais ou responsáveis, as
profissões mais encontradas foram a de serviços domésticos, comércio informal (ambulantes) e
construção civil (pedreiro/carpinteiro/pintor). Quanto à renda destas famílias situava-se em
torno de um salário mínimo (14%) ou abaixo deste valor por mês (55%). Entre as pessoas que
trabalhavam na família, os dados apontam um número total de 157 mães, seguidas dos pais, que
representaram 92. A pesquisa chama a atenção ao fato de que em 56 respostas, as crianças e os
adolescentes informaram que nenhum membro familiar estava trabalhando, dependendo,
portanto, do trabalho infanto-adolescente para o sustento domiciliar. (Observatório Criança,
2005, p. 45)
Dentre os motivos para vir/continuar nas ruas, a maioria indicou estar nas ruas para
ajudar no sustento da família, o que representou 268 respostas neste sentido, sendo que 102
sujeitos permanecem na rua pelo mesmo motivo. Quatro sujeitos relacionaram a ida para as ruas
com a violência doméstica, quatro com o uso de drogas e dez fugiram de casa. Em relação aos
52
turnos de trabalho, a pesquisa informa que as crianças e adolescentes trabalhadores ocupam
entre 3 e 7 dias da semana, alguns em dois turnos e outros em três turnos de trabalho, cujo
rendimento entre os meninos varia entre menos de um salário mínimo (143), até um salário
mínimo (32) e acima de 03 salários-mínimos (5). (Observatório Criança, 2005, p. 57)
Os principais problemas de saúde decorrentes das atividades lucrativas são: acidentes de
trânsito/atropelamento; contato com o lixo risco de doenças, perfurações nos pés e nas mãos;
choque elétrico; doenças na pele; problemas causados pelo excesso de peso carregado; exaustão
devido à jornada excessiva de trabalho; queimaduras; efeitos causados pelo uso de drogas. Além
dos problemas causados à saúde, as crianças e os adolescentes sofrem também a violência dos
assaltos; o assédio/violência sexual;
As principais conseqüências do trabalho precoce, indicadas na pesquisa são: baixa
escolaridade; fracasso ou evasão escolar; falta de perspectivas futuras pela ausência de
qualificação profissional; debilidades físicas; deformidades corporais; exposição a acidentes e
doenças ocupacionais; traumas emocionais. (Observatório Criança, 2005, p. 61)
Quanto ao uso de drogas, a pesquisa informa que 50 meninos e 3 meninas declararam
usar drogas, sendo que as mais referidas foram: solvente, cigarro, cola e maconha. A ineficácia
da ação governamental, bem como a insuficiência dos locais existentes para tratamento
(Hospital Geral, unidades de atendimento da Universidade Federal e no SESI Tirirical) e os que
integram a rede municipal de atendimento, foi indicada como diretamente relacionados com a
problemática de crianças e adolescentes usuários de drogas.
Antes de passarmos às considerações acerca dos dados acima referidos, ressaltamos que
através da pesquisa Observatório Criança (2005), crianças e adolescentes em situação de rua
informaram que, em linhas gerais, a maioria de seus sonhos e planos se concentra em ter uma
profissão: entre os meninos, aparece o desejo de ser médico, jogador de futebol e policial; entre
as meninas, as de médica e professora. Seu maior medo foi indicado como sendo a violência,
especialmente por aqueles com mais de 11 anos de idade. A negação dos medos, aparente nas
respostas “não tenho medo de nada”, é interpretada como estratégia de luta pela sobrevivência
diária. Por fim, frente a uma possibilidade de opção sobre o que gostaria de fazer no presente, a
grande maioria declarou que estaria jogando bola, brincando e se divertindo, o que demonstra
que a rua não é considerada como uma boa opção em suas vidas. (Observatório Criança, 2005)
53
Na literatura local, encontramos um estudo intitulado “Vidas ameaçadas: indicadores da
violação de direitos de crianças e adolescentes no Maranhão de 1991 a 1998”, realizado por
Borges, Costa e Silva (2000). O referido estudo indica que os fatores em geral citados como
responsáveis pelo surgimento de crianças e adolescentes buscando nas ruas a sua sobrevivência
são: a violência doméstica e a necessidade de trabalhar, entendida esta última como estratégia
de fuga e/ou atenuação das condições de miséria em que vive parte cada vez mais significativa
das famílias brasileiras e, particularmente, maranhenses. Portanto, a saída de casa está
diretamente ligada à miséria material, o que transforma as casas dessas famílias quando as
casas existem – em espaço de carências, desconforto, doenças e fome. Esse fato justifica porque
as crianças e adolescentes em situação de rua tenham na luta pela sobrevivência, o principal
estímulo para a ida à rua. (BORGES, 2000)
Na pesquisa realizada por Borges, Costa e Silva (2000) encontramos ainda outro fator
que leva crianças e adolescentes às ruas, localizado, contraditoriamente, na própria rua, a qual,
mesmo se apresentando como insegura, perigosa e violenta aos olhos desses meninos (as),
fascina-os pela flexibilidade e pela diferenciação das normas e regras experimentadas em outros
espaços sociais, pela aparente liberdade de ir e vir, liberdade de manifestação, liberdade de não
trabalhar (pelo menos sob gidos moldes tradicionais) e pelo anonimato necessário à pratica de
pequenas transgressões. (COSTA, 2000).
Embora, este trabalho de dissertação não se proponha a fazer uma avaliação de
programas e/ou políticas sociais destinados às crianças e adolescentes em situação de rua,
apresentaremos a problematização de alguns dos aspectos encontrados na revisão dos registros
locais, por entendermos que estes estão relacionados à construção de sentidos de adolescentes e
jovens em situação de rua, objeto desta dissertação.
A partir da revisão da literatura local, verificamos que as práticas interventivas na
situação de rua de crianças e adolescentes, realizadas através do trabalho de uma rede de
instituições, representam as ações direcionadas ao enfrentamento da problemática de crianças e
de adolescentes em situação de rua em São Luis. A metodologia utilizada pela Rede Amiga
compõe aspectos da parceria entre o poder público e a sociedade civil, unindo esforços para a
transformação desta realidade. Embora a vida de crianças, adolescentes e jovens em situação de
rua não se resuma a práticas interventivas, ressaltamos a importância dessas práticas na
construção de alternativas junto a esta população.
54
Por outro lado, a partir da fala dos adolescentes em situação de rua em São Luís,
verificamos que os programas e projetos sociais voltados para este público não são reconhecidos
como referências pelos sujeitos a quem se destinam. A partir da pesquisa de campo para o
levantamento de dados sobre a situação de rua de adolescentes e de jovens em São Luís, o
projeto Construindo Cidadãos, que era executado pela FUMCAS, conforme abordamos
anteriormente, foi indicado por militantes, funcionários e educadores sociais das instituições
visitadas como referência no enfrentamento desta problemática. Porém, o não reconhecimento
do referido projeto, apontado por um adolescente em situação de rua, pode ser verificado no
seguinte trecho da entrevista:
- Tu lembras do Projeto Construindo Cidadãos.. dos educadores.. das atividades
nas ruas? (entrevistador)
- Do abrigo? (Paulo, Doze anos)
- Não, do Construindo Cidadãos.. da FUMCAS, dos educadores que fazem
atividades?(entrevistador)
- Não sei não. (Paulo, Doze anos)
A experiência de internamento em abrigo, relatada pelo entrevistado acima, parece ter
maior relevância que as atividades desenvolvidas por um projeto social. Embora o entrevistado
tenha relatado a experiência de internamento em abrigos como negativa, o que pode constituir
uma marca relevante em sua vida, levantamos a hipótese de que o não reconhecimento do
projeto Construindo Cidadãos pode estar relacionado com a ineficácia e com a baixa efetividade
dos programas sociais voltados a este público, cujas ações por vezes são engessadas pela
incapacidade de cobertura da demanda existente bem como pela natureza paliativa dos
benefícios, que não atacam as causas estruturais da pobreza.
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, foram estabelecidas as
diretrizes para a implantação e implementação de políticas sociais para as crianças e para os
adolescentes. Neste sentido, a pesquisa documental indicou o Projeto Estrela da Rua como
sendo uma das primeiras ações articuladas para o enfrentamento da problemática de crianças e
de adolescentes em situação de rua em São Luís. O destaque dado ao referido Projeto pelas
instituições visitadas foram as ações de difusão e socialização das idéias do ECA, a partir de
discussões com os sujeitos aos quais se destinaram suas ações. Embora tenha durado pouco
55
mais de dois anos, o Projeto Estrela da Rua foi apontado como uma referência para a elaboração
de experiências como a construção da Rede Amiga da Criança.
Gostaríamos de destacar a importância do segmento juventude, como demandatários de
políticas públicas. Um ponto comum verificado entre as produções nacional e a local sobre a
situação de rua é a exclusão da categoria juventude. Conforme afirmamos anteriormente, a
inclusão desta categoria no presente trabalho justifica-se pelo fato de algumas crianças se
tornarem adolescentes na experiência das ruas e estes, por sua vez, se tornarem jovens.
Verificamos que, tanto a agenda nacional como a local limitam suas práticas interventivas às
crianças e aos adolescentes. Neste sentido, pode-se inferir que o Estatuto da Criança e do
Adolescente, mesmo considerando este público como seres em desenvolvimento, quando
tomado como diretriz para a implantação de políticas sociais, secundariza o caráter dinâmico da
natureza humana, nos levando ao seguinte questionamento: o que fazer com os jovens maiores
de 18 anos que vivem nas ruas?
Em relação a este público em específico – juventude de rua a partir da pesquisa
documental realizada em São Luís não encontramos nenhum registro institucional que indicasse
alguma cobertura a este segmento. A política executada pela Rede Amiga da Criança, que
articula um conjunto de instituições públicas e da sociedade civil, conforme abordamos
anteriormente utiliza como parâmetro o Estatuto da Criança e do Adolescente, limitando suas
ações para crianças e para adolescentes em situação de rua. Neste sentido, quando consideramos
que existem adolescentes que se tornam jovens na experiência da rua, questionamos a cobertura
dos programas sociais, que se limitam tanto à faixa etária estabelecida pelo ECA, quanto ao
alcance da demanda existente. Vale ressaltar que quando pensamos a categoria juventude no
Brasil, estamos nos referindo a aproximadamente 34 (trinta e quatro) milhões de jovens entre 15
e 24 anos (conforme definido pela ONU), dentre os quais, de acordo com dados do IBGE, no
ano de 2000, 18 milhões estavam fora da escola; quase dois milhões eram analfabetos, cerca de
40% viviam em famílias em situação de pobreza extrema (famílias sem rendimento ou com até
½ salário mínimo) e 70 % habitavam a região Nordeste. (IBGE, 2000) Em relação à categoria
trabalho, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios (PNAD) de 2002, dos 17,2
milhões de jovens ocupados com atividades laborais, 10,5 tinham entre 20 e 24 anos e apenas 6
milhões estavam em empregos formais. (PNAD, 2002)
56
No capítulo anterior, nos apoiamos em Rosemberg (1996) para destacarmos a
importância do rigor metodológico relacionado à estimativa sobre crianças e adolescentes em
situação de rua. Em relação à sistematização da Rede Amiga da Criança, quando apresenta os
resultados alcançados no ano de 2002, revela um número considerável de crianças e
adolescentes que saíram da situação de rua. Nas palavras de Silva (2003): “1.154 crianças e
adolescentes deixaram de vivenciar situações de rua a partir da intervenção das organizações
integrantes da Rede” (SILVA, 2003, p. 109) Porém, a referida pesquisa não revela a
procedência deste dado, o que nos faz questionar sua validade enquanto indicador social, bem
como o destino das crianças e dos adolescentes após a sua saída das ruas.
Percebemos ainda que não há uma complementaridade quando relacionamos este dado
[1.154 crianças e adolescentes retirados das ruas] com a pesquisa realizada pelo Observatório
Criança, três anos depois, que indica a existência de 523 crianças e adolescentes em situação de
rua em São Luís. Cabem as perguntas: se foram retiradas 1.154 crianças e adolescentes das ruas,
no ano de 2002, quantas estavam em situação de rua nesse mesmo período? Quais foram os
critérios utilizados para identificar esse público? Atualmente, quantas são as crianças e os
adolescentes que vivem nas ruas de São Luís?
A insistência quanto à definição operacional’ da situação de rua (Rosemberg, 1996),
compreendida como um conjunto de critérios que estabeleçam um diagnóstico acerca dos
sujeitos que vivenciam esta situação, se dá pela importância desta definição enquanto ponto de
partida para a elaboração de formas interventivas, de maneira que se possa desvendar os
significados que vigoram para além da expressão ‘estar em situação de rua’, como a
constituição subjetiva de cada sujeito, as várias determinações desta problemática, as situações
objetivas da rua os pontos de geração de renda, de fornecimento de alimentação, abrigo,
diversão – e que sirvam de baliza para a elaboração de políticas sociais.
Quanto às atividades realizadas nas ruas, percebemos que os dados locais se coadunam
com aqueles indicados pelo contexto nacional. Em geral, uma predominância de atividades
lucrativas, materializadas no trabalho precoce, insalubre e precário, como estratégia de
sobrevivência de milhares de crianças, adolescentes e jovens nas ruas brasileiras. Ressaltamos
que a ida para as ruas, de crianças e adolescentes, em busca de complemento e/ou sustento
financeiro para as famílias, não as retira da condição legal de ser criança e de ser adolescente.
57
Em relação a um público específico, os meninos e meninas que vivem nas ruas, que
romperam com os vínculos familiares, classificados pela literatura local como ‘situação
cristalizada’ ou ‘ponto crítico da situação de rua’, verificamos que, em geral, os motivos da
saída domiciliar estão diretamente relacionados com a violência doméstica, com ênfase em
castigos físicos, aplicados pelos pais ou responsáveis. Neste sentido, a rua parece apresentar-se
como uma extensão do sofrimento vivido no âmbito doméstico, quando esses meninos e
meninas sofrem agressões por policiais e gangues, ou quando reproduzem a violência entre si. O
significado desta violência denota marcas irreparáveis em suas constituições psíquicas, e às
vezes físicas.
Em linhas gerais, a situação de rua de crianças, adolescentes e jovens confirma o quadro
degenerado de desigualdades e violação de direitos manifesto na sociedade brasileira. Dezessete
anos após a aprovação do ECA, ainda são tímidos os avanços em direção à voz e vez deste
segmento. No próximo capítulo, trataremos sobre a demarcação conceitual acerca das categorias
adolescência e juventude.
4. SENTIDOS CONSTRUÍDOS PELOS ADOLESCENTES E PELOS JOVENS
PARA A TRAJETÓRIA DE RUA
4.1 Demarcação conceitual das categorias adolescência e juventude
Este capítulo trata sobre alguns esclarecimentos conceituais acerca das categorias
adolescência e juventude, muitas vezes tomadas como sinônimos. O objetivo desta abordagem é
investigar alguns aspectos teóricos que definem cada uma das referidas categorias,
relacionando-os com alguns aspectos da juventude pobre brasileira. Para sua elaboração, nos
baseamos em estudos realizados nas áreas de conhecimento da psicologia, sociologia e
antropologia.
Etimologicamente, o termo adolescência provém do verbo latino adolescerê, que
significa brotar, fazer-se grande. O significado que perpassa essa definição está ancorado nas
58
transformações ocorridas apenas na ordem do biológico, caracterizando o momento da
puberdade. A partir dessa ótica, a adolescência é compreendida como algo natural e inerente ao
ser humano. Porém, alguns autores fazem referências à origem histórica da especificidade dessa
fase, como Ariès (1981), segundo o qual não havia um conceito ou uma consciência da natureza
particular da infância e da adolescência antes do século XVII. (ARIÈS apud MOREIRA, 2000).
Além disso, a adolescência é marcada tanto por mudanças biológicas, como também por
mudanças psicológicas e sociais. Conforme Pinto (2004):
Desde a vida intra-uterina o ser humano está em processo de crescimento e nem por
esse motivo é chamado de adolescente. Entretanto, há um determinado momento da
sua vida, ou seja, após a infância, em que esse crescimento apresenta-se de uma forma
acelerada, acompanhada de mudanças a vel biológico, psicológico e social. A esse
período de vida que denomina-se de adolescência. (PINTO, 2004, p. 43)
Na busca pela des-naturalização da adolescência, entendemos que são necessários alguns
esclarecimentos sobre os sentidos construídos socialmente, que atravessam as categorizações da
vida humana no percurso da história. Capparelli (2002), ao analisar o conceito de infância,
enquanto categoria construída social e culturalmente, aponta para as metamorfoses ocorridas em
seu bojo ao longo das últimas décadas. O referido autor enfatiza que o sentimento da infância
como a entendemos hoje é recente e que antes da Idade Média, não se falava desse sentimento
pelo fato de ele não existir:
A infância não era uma preocupação cultural, constituindo-se simplesmente numa
breve fase de dependência ultrapassada rapidamente, chamando bem pouco a atenção.
A categoria bebê existiu porque bem poucos passaram além desse estágio, numa era
de mortalidade extraordinária, mas a categoria criança, não, porque aqueles que
podiam andar com as próprias pernas eram tratados como pequenos adultos.
(JENKINS apud CAPPARELLI, 2002, p. 130).
Moreira (2000) realizou um estudo intitulado Psicologia da adolescência: contribuições
para um estado da arte, no qual faz uma revisão das diferentes vertentes teóricas do campo da
psicologia que abordam a temática da adolescência. A tônica dada pela referida autora se
direciona à superação da dicotomia existente em torno das teses de filiação organogênica, na
qual preponderam os fenômenos biológicos, e de filiação sociogênica, que defendem as
influências do meio sobre o indivíduo. Conforme Moreira (2000): “Não se trata de fundir duas
59
teses de princípios opostos, mas de defender uma terceira, que propõe a superação da dicotomia
entre o biológico e o social.” (MOREIRA, 2000, p. 26) É a partir desta proposta que
investigaremos o nosso objeto de estudo.
Um ponto central a ser investigado nesta revisão diz respeito à definição jurídica da
categoria adolescência. Um fato histórico que marcou a sociedade brasileira refere-se às
mudanças nos termos legais que foram incorporados pela Constituição Federal de 1988. A visão
jurídica, definida a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 3º, estabelece
que:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e
de dignidade. (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, p.19)
Desta forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente, através da doutrina da proteção
integral, estabelece um conjunto de políticas, órgãos, instituições e serviços, estruturados na
forma de um Sistema de Garantias. Sua organização se em forma de três eixos: promoção de
direitos, controle social e defesa dos direitos. Vejamos algumas características deste Sistema.
O eixo da promoção refere-se ao conjunto de políticas públicas que trata dos direitos da
criança e do adolescente. Conforme Silva (2000), este eixo compreende ações no sentido de
garantir os direitos sociais básicos estabelecidos pelo Estatuto. De acordo com a referida autora:
“No eixo da Promoção estão colocados aqueles que têm por missão imediata e direta dar o
impulso e fazer avançar a proposta de mudança através do atendimento”. (SILVA, 2000, p. 18)
Neste sentido, além do atendimento direto, este eixo estabelece a formulação e implementação
de políticas sociais básicas, assistenciais e de proteção especial, onde estão contidos os
conselhos de direitos e setoriais.
O eixo de controle social consiste na viabilização da participação da sociedade na
deliberação, no acompanhamento e no monitoramento da execução das políticas públicas
voltadas para a criança e para o adolescente. Os canais de participação formal são os Conselhos
de Direitos e Fundos a eles ligados, porém, a participação também pode ser exercida a partir da
organização de grupos da sociedade civil em fóruns, associações, movimentos e outras
mobilizações. Conforme Silva 2000:
60
[...] seria a vigilância geral do sistema, mecanismo pelo qual, através da participação da
sociedade em órgãos públicos paritários que são os Conselhos de Direitos, se
conseguiria propor políticas, controlar a execução e avaliar os resultados da
implantação do Sistema de Garantia dos Direitos. (SILVA, 2000, p.142)
O terceiro eixo do Sistema de Garantia é a defesa dos direitos, e sua composição dispõe
de órgãos que agem tanto na prevenção quanto na existência de ameaça ou violação de direitos.
Aqui, situam-se órgãos de defesa como a justiça da infância e juventude, o Ministério Público, a
Defensoria Pública, Segurança Pública, os Conselhos Tutelares e os Centros de Defesa.
Conforme o exposto acima, verificamos que a visão jurídica estabelece a categoria
adolescência a partir da normatização desta fase, através de um conjunto de mecanismos que
prevêem a defesa dos direitos infanto-juvenis. Antes da promulgação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, não havia uma separação entre as fases da infância e da adolescência, quando o
termo ‘menor’ englobava indistintamente esses dois momentos da vida. O fato de o termo
adolescência figurar somente na década de 1990, no Estatuto da Criança e do adolescente,
mostra que a idéia compartilhada de adolescência é uma construção sócio-histórica, permeada
por uma série de expectativas, metas e possibilidades.
Ainda que a visão jurídica apresente aspectos normativos, verificamos que o adolescente
em situação de rua, enquanto sujeito cio-histórico, transformado e transformador das relações
sociais, busca romper com os significados instituídos pela sociedade. A partir das entrevistas de
campo, quando questionado sobre a experiência em um abrigo, um adolescente respondeu: “Eu
não gostei não por que tem um monitor que bota os maior pra bater na gente e não certo.
Eu fugi de lá.” (Marcos, Dezessete anos) Neste sentido, a fuga desencadeada por uma situação
de violência, revela que o adolescente de alguma maneira rompe com uma lógica instituída, na
medida em que ele criou alternativas para sua proteção, numa situação em que ele deveria estar
‘abrigado’.
Outro viés encontrado na literatura acerca da definição da categoria adolescência diz
respeito à sua demarcação cronológica. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a
adolescência é composta por todas as pessoas entre 10 e 20 anos. Encontramos ainda a definição
da Organização das Nações Unidas, que se usa do termo juventude para representar as pessoas
entre 15 e 24 anos. Neste sentido, destacamos a importância dada ao tempo de vida como
critério para definir a categoria adolescência, a partir do qual pode-se inferir erroneamente que
61
todas as pessoas classificadas por determinada faixa etária apresentem características comuns e
um certo sentimento de pertença a um grupo supostamente homogêneo. Uma seqüência
temporal não implica necessariamente uma evolução linear, com a substituição das fases
primitivas pelas fases mais maduras, de tal forma a cancelar as experiências precedentes.
Conforme Moreira (2000):
Essa maneira de ver a adolescência traz a falsa idéia de que descrever um indivíduo
adolescente é suficiente para descrever a adolescência e, ainda que de posse das
características da adolescência, podemos identificar indivíduos adolescentes. Em
conseqüência, se encontrarmos um indivíduo entre 10 e 20 anos que não apresenta as
características esperadas, esse indivíduo passa a ser considerado desviante.
(MOREIRA, 2000, p. 27)
Neste sentido, o conceito de adolescência não deve ser tomado como natural e universal.
Quando pensamos a situação de rua vivenciada por adolescentes, estamos trabalhando com a
idéia de um grupo específico, cujas características os diferem de outros adolescentes, como os
de estratos sociais mais abastardos, por exemplo. As diferenças são a aparência, os espaços
freqüentados, o acesso ou não a bens de consumo, bem como a forma desse acesso por vias
lícitas ou ilícitas. Ainda assim, podemos encontrar características comuns entre um adolescente
que mora na rua e um adolescente de classe dia, como a idade e o sexo. Vale destacar que
nesta análise, levamos em consideração apenas as diferenças de estratos sócio-econômicos.
Quando tomamos o sentimento da adolescência enquanto uma construção histórica,
operada por forças sociais, culturais, políticas e econômicas, estamos admitindo também o fato
de que ele surgiu em alguma fase da história humana, assim como admitimos a possibilidade
desse sentimento desaparecer ou se modificar. A construção da identidade psicossocial do
adolescente é uma tarefa universal de passagem da infância à idade adulta, que está balizada
pelas condições e significações construídas, nas sociedades complexas, a partir da classe social,
gênero, geração e raça/etnia. (MOREIRA, 2000, p. 49)
Em relação à juventude, seguindo a ótica da diversidade, Dayrell (2005) destaca que
existem diferentes modos de ser jovem, resultado, em parte, das próprias condições sociais nas
quais esses sujeitos constroem sua experiência. De acordo com o referido autor, a juventude
aparece como uma categoria socialmente destacada nas sociedades industriais modernas fruto
62
de transformações na família e no trabalho, recebendo influências diretas de novas instituições,
como a escola. Conforme Dayrell (2005):
Nesse processo, começou-se a delinear a juventude como uma condição social,
definida além dos critérios de idade e/ou biológicos. Uma condição de indivíduos que
estão inseridos em um processo de formação e que ainda não possuem uma colocação
permanente na estrutura da divisão social do trabalho. (DAYRELL, 2005, p. 27)
Inicialmente, estas condições de ‘ser jovem’ foram difundidas entre a aristocracia e a
burguesia, estendendo-se a posteriori às camadas populares, sobretudo quando o Estado passou
a assumir a tutela do indivíduo. É desta forma que, nas sociedades ocidentais, o fenômeno da
juventude foi, e ainda é, muito variável, dependendo da classe social de origem, do
desenvolvimento econômico e do grau de generalização dos direitos sociais em cada país ou
mesmo região, constituindo-se por muito tempo um privilégio. (DAYRELL, 2005, p. 27)
Basta seguirmos os trilhos da história para descobrirmos que o surgimento da juventude
trata-se de um fato social, originado no seio da constituição da burguesia. Neste sentido,
podemos inferir que, inicialmente, a juventude foi criada para servir de veículo que assegurasse
a herança de uma posição social de alguns privilegiados, mas também a herança de uma carga
de responsabilidades. Em relação à juventude européia, constituída em princípios do século XX,
Dayrell (2005) aponta que:
A juventude européia, até meados do século XX, era definida em termos de uma fase
de transição no âmbito de um processo que tem como fim o acesso a posições adultas
pertencentes às classes dirigentes. Nesse período, a maioria da população da mesma
idade estava excluída, porque se inseria desde muito cedo no mercado de trabalho. A
noção de juventude construída na modernidade e da qual somos herdeiros é fruto
de uma determinada classe, a burguesia, e de uma determinada noção de tempo.
(DAYRELL, 2005, p. 28)
A noção moderna de juventude trouxe a idéia de moratória social, discutida por alguns
autores (Margulis,1998; Abramo, 2004; Dayrell, 2005). Margulis (1998) considera essa idéia
como uma fase da vida representada pela renúncia temporária ao casamento e à procriação, na
esperança de uma carreira futura e de melhores oportunidades financeiras, constituindo-se,
então, em privilégios de poucos, ou seja, apenas dos filhos das classes média e alta, que podem
ser mantidos em tal situação. Esse tempo legítimo proporcionado aos jovens pela família é
63
aquele dedicado a estudar e a se capacitar e durante o qual a sociedade os brinda com uma
especial tolerância. Trata-se, pois, de um período de legitimidade.
Conforme Dayrell (2005), a noção de moratória constitui um tempo para o ensaio e o
erro, para experimentações, representando uma fase que é atribuída apenas ao modo de ser
jovem dos estratos médio e alto, fazendo-se uma concepção burguesa. Quanto às classes
populares, o referido autor questiona: “Será que o jovem que se insere muito cedo no mercado
de trabalho vivencia essa moratória? Se vivencia, qual o sentido que lhe atribui?” (DAYRELL,
2005:31) A resposta a esses questionamentos sugere a existência de um fosso que separa
drasticamente os jovens das classes populares em relação aos de classe média e alta. Conforme
o referido autor:
Os jovens pobres se vêem privados da escola, privados do emprego, que vêm
acompanhados pela limitação de meios para a participação efetiva no mercado de
consumo, da limitação dos direitos de vivenciar a própria juventude, e, o que é mais
sério, vêem-se privados da esperança. (DAYRELL, 2005, p. 26)
A partir destes questionamentos, podemos pensar sobre uma outra idéia atribuída à
categoria juventude, qual seja um momento de crise. Conforme Dayrell (2005):
Cristalizou-se a idéia dessa idade da vida como uma fase difícil, fruto das mudanças
corporais, da necessidade de uma identidade singularizada, ou mesmo da ambigüidade
do seu lugar na família e na sociedade. Essas condições gerariam uma crise de auto-
estima ou de personalidade, mas também de conflitos externos com a família ou com a
própria ordem social, resultado de referências e interesses distintos.
(DAYRELL,
2005, p. 31)
Em relação à juventude pobre brasileira, Carmo (2001) aponta que falar da ‘juventude
brasileira’, no singular, é muito vago. Citando Madeira (1999), destaca que: “Os jovens, assim
como toda a sociedade, estão marcados por diferenças de ‘classes’. Em outras palavras, não
existe uma juventude, mas sim várias juventudes – o jovem operário, o jovem bóia-fria, o jovem
da periferia” (MADEIRA apud CARMO, 2001, p. 11). Carmo (2001) destaca ainda que a
juventude pobre enfrenta vários problemas, como o desemprego, abandono das escolas, uso de
drogas, enfraquecimento dos movimentos sociais nos bairros, dentre outros.
A literatura pesquisada aponta ainda para uma complementaridade entre a adolescência e
a juventude. Melucci apud Daryell (2005) coloca que uma tênue ligação entre essas duas
64
categorias. Para ele, existe uma seqüência temporal no curso da vida, cuja maturação biológica
faz emergir determinadas potencialidades. O início da juventude estaria marcado pela
capacidade física de procriar e por uma certa independência em relação aos cuidados protetores
por parte da família, quando o indivíduo começa a assumir responsabilidades e a buscar a
independência. Conforme Dayrell (2005):
O desenvolvimento é visto numa perspectiva de construção contínua, em que, a cada
fase que se vive, não se perde nada daquilo que foi acumulado no percurso, nem
mesmo as sensibilidades mais primitivas e fragmentadas. Se há uma transformação
contínua, também uma permanência contemporânea dos mais diferentes planos
existenciais. (DAYRELL, 2005, p. 33)
Neste sentido, corroboramos com a compreensão de Dayrell (2005) de que a
adolescência representa o início da juventude, caracterizando um momento de mudanças no
corpo, nos afetos e nas referências sociais e relacionais, mudanças essas que se manterão
presentes, de algum modo, ao longo da vida. Quanto à juventude, esta se constitui num
momento determinado, mas não se reduz a uma passagem, assumindo uma importância em si
mesmo. Conforme Melucci apud Dayrell: “O que muda com o tempo é a capacidade do adulto
em reter, compreender e de jogar com as transformações, isto é, a capacidade de governar os
processos (...) Esta é a verdadeira, talvez a única, conquista do crescer.” (DAYRELL, 2005:34)
Os adolescentes e os jovens em situação de rua constituem um grupo específico, cujas
características denotam a desfiliação deste público de alguns grupos considerados próprios entre
os adolescentes e os jovens, como a família, a escola, as igrejas, e os filiam ao grupo da rua,
com rituais de entrada, regras de pertencimento, de exclusão. No próximo tópico, trataremos
sobre os significados e os sentidos produzidos por adolescentes e jovens para suas experiências
de vida nas ruas.
65
4.2 Significados e sentidos na perspectiva de Vygotsky
O objetivo deste tópico é buscar o entendimento acerca de algumas categorias abordadas
nos estudos de Vygotsky, a citar: sujeito sócio-histórico; mediação; significados e sentidos.
Pretendemos nos aproximar destes conceitos para utilizá-los como lente teórica na interpretação
dos significados cristalizados atribuídos e incorporados pelos adolescentes e jovens em situação
de rua, como por exemplo, o de “pivete”, “ladrão”, “trombadinha”. A partir dessa lente teórica,
pretendemos também estabelecer uma leitura dos sentidos construídos por adolescentes e jovens
em situação de rua em São Luís, sentidos construídos e manifestos nas formas como eles se
apresentam, como eles sonham, suas necessidades e interesses pessoais: “Tudo o que eu mais
preciso na rua é roupa” (Carlos, 14 anos) Para esta tarefa, nos apoiamos em Oliveira (1995),
Lane (2000) e Moreira (2001)
Iniciamos essa abordagem a partir da noção de sujeito sócio histórico. O ponto de partida
para essa construção feita por Vygotsky foi a busca pela superação da dicotomia entre duas
tendências presentes na psicologia no início do século XX: a psicologia como ciência natural,
segundo a qual o homem era constituído basicamente pelo corpo; e a psicologia como ciência
mental, na qual o homem significava mente, consciência, espírito. A primeira tendência
relaciona-se com a psicologia experimental, que procurava explicar processos elementares
sensoriais e reflexos, aproximando seus métodos daqueles utilizados em outras ciências como a
física e a química, preocupando-se com a quantificação de fenômenos observáveis e com a
divisão dos processos complexos em partes menores, mais facilmente analisáveis. A segunda
tendência buscava aproximar a psicologia com a filosofia e ciências humanas, ocupando-se com
uma abordagem de fenômenos globais a partir de um método descritivo e de análise subjetiva.
(OLIVEIRA, 1995, p. 22-23)
Neste sentido, a estratégia utilizada por Vygotsky foi a elaboração de uma nova
abordagem para a psicologia, que possibilitasse uma síntese entre as duas abordagens
predominantes naquele momento. O conceito de síntese pode ser verificado a partir de Oliveira
(1995):
66
A ntese de dois elementos não é a simples soma ou justaposição desses elementos,
mas a emergência de algo novo, anteriormente inexistente. Esse componente novo não
estava presente nos elementos iniciais: foi tornado possível pela interação entre esses
elementos, num processo de transformação que gera novos fenômenos. [grifo da
autora] (OLIVEIRA, 1995, p. 23)
A perspectiva de sujeito sócio-histórico elaborada por Vygotsky buscou, pois, a
integração do homem a partir dos aspectos biológicos e sociais, enquanto membro da espécie
humana e participante de um processo histórico. Os fundamentos teóricos utilizados pelo
referido autor para afirmar a natureza humana como sócio-histórica têm como base o
pensamento marxista, orientado pela gica do materialismo histórico e dialético. A idéia de
síntese dialética, presente na obra de Marx, supunha que as transformações qualitativas
ocorridas no seio da sociedade são oriundas da emergência de fenômenos novos, a partir da
interação de elementos presentes em determinada situação.
Outro aspecto da obra marxista que influenciou o pensamento de Vygotsky refere-se à
centralidade da categoria trabalho, que marca a ação transformadora do homem sobre a
natureza, bem como marca também a produção da cultura e da história humanas. Conforme
Oliveira (1995):
Vygotsky busca compreender as características do homem através do estudo da
origem e desenvolvimento da espécie humana, tomando o surgimento do trabalho e a
formação da sociedade humana, com base no trabalho, como sendo o processo básico
que vai marcar o homem como espécie diferenciada. (OLIVEIRA, 1995, p. 27-28)
Para análise e entendimento da perspectiva sócio-histórica, faz-se necessário
elucidarmos o conceito de mediação, tomado como categoria relevante na proposta de
Vygotsky. Trata-se de um processo de intervenção do sujeito humano sobre a natureza, que
estabelece e determina as relações mútuas entre os indivíduos e destes com o mundo. Neste
sentido, a relação do sujeito com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada
por ferramentas auxiliares da atividade humana. Dois mediadores são enfatizados: os
instrumentos e os signos. Os instrumentos referem-se a elementos que servem de recurso para a
relação entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho. São criados ou buscados a partir de uma
necessidade que objetive a ampliação e/ou aprimoramento da atividade humana, comportando
uma função para a qual foram criados, bem como um modo de utilização desenvolvido durante
67
a história do trabalho coletivo. Desta forma, os instrumentos constituem um objeto social e
mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. (OLIVEIRA, 1995)
Quanto aos signos, constituem-se em ferramentas psicológicas orientadas para o próprio
sujeito. Dirigem-se ao controle de ações psicológicas tanto do próprio indivíduo quanto de
outras pessoas. Os signos são instrumentos psicológicos utilizados como recursos mediadores
cujo objetivo é a criação de representações da realidade exterior, podendo referir-se a elementos
ausentes do espaço e do tempo presentes. Conforme Oliveira (1995):
Signos podem ser definidos como elementos que representam ou expressam outros
objetos, eventos, situações. A palavra mesa, por exemplo, representa o objeto mesa; o
símbolo 3 é um signo para a quantidade três; o desenho de uma cartola na porta de um
sanitário é um signo que indica ‘aqui é o sanitário masculino’. (OLIVEIRA, 1995, p.
30)
Assim como os instrumentos, os signos apresentam um caráter histórico, na medida em
que sofrem transformações tanto ao longo do desenvolvimento do indivíduo quanto no
desenvolvimento da espécie. Neste sentido, ocorrem duas mudanças qualitativas no uso dos
signos. Conforme Moreira (2001):
Os signos são organizados em sistemas simbólicos que os articulam em estruturas
complexas no nível da filogênese. no nível da ontogênese, o processo de
internalização possibilita aos indivíduos transformar as marcas externas em processos
internos de mediação. (MOREIRA, 2001: p. 108)
Vygotsky denomina como ‘processo de internalização’ a utilização de marcas externas e
sua transformação em processos internos de mediação. As marcas externas fazem parte de
sistemas simbólicos que organizam os signos em estruturas complexas e articuladas. Para essa
dissertação, nos deteremos no estudo e entendimento do uso de signos, enquanto elementos que
representam a realidade vivida nas ruas por adolescentes e jovens.
Oliveira (1995) aponta que ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa
de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é, representações mentais
que substituem os objetos do mundo real. Desta forma, conteúdos mentais passam a tomar o
lugar dos objetos, das situações e dos eventos da realidade, a partir de uma relação que é
mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo exterior.
68
É na história da espécie humana que as representações da realidade têm se articulado em
sistemas simbólicos, na medida em que os signos são compartilhados pelo conjunto dos
membros do grupo social, permitindo a comunicação entre os indivíduos e o aprimoramento da
interação social. É a partir da necessidade histórica de comunicação que o ser humano criou a
linguagem.
Os sistemas de representação da realidade e a linguagem é o sistema simbólico
básico de todos os grupos humanos são, portanto, socialmente dados. É o grupo
cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e
organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a
mediação entre o indivíduo e o mundo. (OLIVEIRA, 1995, p. 36)
Os instrumentos, os signos e todos os elementos que constituem núcleos de significação
cultural são desenvolvidos a partir das relações entre os homens. Através do uso da linguagem,
os sujeitos podem apreender conteúdos generalizados, interpretar objetos e situações do mundo
real assim como produzir novas significações.
No pensamento vygotskiano, a linguagem apresenta duas funções sicas: a de
intercâmbio social e a de pensamento generalizante. A primeira delas está ligada à necessidade
de comunicação entre os homens. Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, há uma tendência
de complexificação da comunicação que para ser estabelecida, deve ser inteligível, tornando-se
necessário o uso de signos compreensíveis entre os membros de uma mesma cultura, que
traduzam idéias, sentimentos, vontades, pensamentos. Quanto à segunda função, a do
pensamento generalizante, serve para agrupar classes de objetos, eventos, situações, sob uma
mesma categoria conceitual, evitando o pensamento universalizante. É esta função que faz da
linguagem um instrumento do pensamento, que produz uma ordenação do real. É no bojo destas
funções da linguagem que encontramos o conceito de significado.
O significado refere-se a um conceito, à institucionalização de explicações para um
determinado fato social. Trata-se da essência da palavra que é verbalizada a partir de um ato do
pensamento. É no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento
verbal.” (OLIVEIRA, 1995, p. 48)
É através dos significados que os indivíduos estabelecem a mediação simbólica com o
mundo real. Oliveira (1995), ao revisar os estudos feitos por Vygotsky, cita um pequeno
69
fragmento de sua obra, que nos permite uma aproximação em relação ao entendimento sobre
significados:
O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e
da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um
fenômeno do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o
significado, portanto, é um critério da palavra’, seu componente indispensável.
Parecia, então, que o significado poderia ser visto como um fenômeno da fala. Mas do
ponto de vista da psicologia, o significado de cada palavra é uma generalização ou um
conceito. E como as generalizações e os conceitos são inegavelmente atos de
pensamento, podemos considerar o significado como um fenômeno do pensamento.
(VYGOTSKY, apud OLIVEIRA, 1995, p. 48)
A relação conceitual entre palavra e pensamento, na concepção de Vygotsky, é, portanto,
um processo cujas raízes genéticas marcam fenômenos distintos, mas que, ao longo da evolução
de ambos, estabelecem uma relação de interdependência sistemática e contínua que se modifica
e se desenvolve.
Dado o caráter histórico do desenvolvimento da linguagem, os significados também
sofrem modificações a partir das interações sociais entre os indivíduos. Essas transformações
podem ocorrer em três níveis: ao longo do desenvolvimento de uma língua, onde um nome
nasce para designar um determinado conceito, e vai se modificando, ganhando contornos e
conotações; no processo de aquisição da linguagem pela criança, que vai ajustando seus
significados de modo a aproximá-los cada vez mais dos conceitos predominantes no grupo
cultural e lingüístico a que pertence; e no nível das experiências pessoais, onde os significados
assumem a conotação de sentidos.
Em relação aos significados da palavra, Vygotsky distingue dois componentes: os
significados propriamente ditos e os sentidos. Lane (2000) aponta que: “Os primeiros, são
aqueles cristalizados no dicionário, enquanto os outros resultam do confronto entre os primeiros
e as vivências pessoais.” (LANE, 2001, p. 13)
Retomando a idéia de síntese, podemos afirmar que os sentidos constituem a síntese
entre os significados e as experiências pessoais. Trata-se, pois, do significado de cada palavra,
num determinado contexto, para cada indivíduo, constituído por sua singularidade subjetiva,
suas vivências afetivas, suas experiências de vida. Conforme Oliveira (1995): “O sentido da
palavra liga seu significado objetivo ao contexto de uso da língua e aos motivos afetivos e
pessoais de seus usuários.” (OLIVEIRA, 1995, p. 50) Desta forma, os sentidos se relacionam
70
com a complexidade das experiências individuais, mais abrangentes que a generalização contida
nos signos.
A partir do exposto, podemos pensar sobre a experiência de adolescentes e jovens em
situação de rua em São Luís. A relação com o mundo da rua não é uma relação direta, mas
mediada. A partir da fala dos sujeitos entrevistados, verificamos que a linguagem usada nas ruas
comporta um universo particular que contém elementos articuladores das experiências ali
vividas e que servem para organizar um sistema simbólico específico. Destacamos algumas
expressões que ilustram o caráter de singularidade da comunicação estabelecida pelos sujeitos
entrevistados: “Os homens” = polícia; “Sossega leão” = calmante intravenoso; “tá de boa” =
estar tranqüilo, despreocupado, relaxado; “Eu fritei trezentos contos” = gastar trezentos reais;
“me argolava” = se alagar; exagerar; abusar; “Trampo” = atividades lucrativas; geração de
renda. Neste sentido, a gíria utilizada por adolescentes e jovens em situação de rua constitui-se
num recurso lingüístico que marca uma singularidade de idéias, sentimentos, vontades,
pensamentos, que buscam romper com padrões estabelecidos e produzir novas formas de
comunicação que possam organizar o plano da realidade vivida nas ruas.
Quando consideramos a linguagem enquanto um processo de construção social, estamos
admitindo que seu desenvolvimento e suas transformações são influenciados pelas instituições,
enquanto um conjunto de células que compõe o tecido social, tais como a família, a escola e as
igrejas. No caso dos adolescentes e dos jovens que vivem em situação de rua, verificamos que o
processo de desenvolvimento da comunicação também é influenciado por práticas pedagógicas
desenvolvidas por educadores sociais, bem como por experiências de abrigamento e internação,
as quais foram reveladas nas entrevistas de campo.
- O que tu achou da experiência de ficar no abrigo? (entrevistador)
- Nada.. é muito ruim. Eu já fiquei em quatro abrigos. (Paulo, Doze anos)
- Por que tu não gostou? (entrevistador)
- Por que mesmo. Eles davam injeção.. pílula pra pessoa dormir.. aquela..
aqueles remédios que dão pra pessoa?! Que tem na La Ravardière [clínica]?!
Os remédios que dopam eles davam pra gente.. aplicavam injeção aqui oh
(braço) pra pessoa ficar dopada e dormir. (Paulo, Doze anos)
Assim, acreditamos que a criação e o uso de alguns signos no espaço das ruas podem
estar associados à busca de estratégias de sobrevivência, onde a palavra é utilizada como
71
recurso para negociações de interesses, estabelecimento de normas e regras como o
pertencimento ou não a determinado grupo na rua. O movimento pendular entre o espaço da rua
e instituições de internamento, revelado na fala do adolescente entrevistado acima, configura a
existência de outros espaços, além da própria rua, que influenciam na organização das
experiências vividas.
Conforme ressaltamos anteriormente, o objetivo deste trabalho é analisar os significados
e os sentidos construídos por adolescentes e jovens para suas experiências de vida nas ruas de
São Luís. Além do aporte teórico, entendemos que a fala destes sujeitos assume um lugar
central para esta dissertação, na medida em que contém as nuanças da vida nas ruas. As
expressões e construções de significados e sentidos, manifestados pela fala de adolescentes e
jovens em situação de rua serão os objetos de análise que trabalharemos no próximo tópico.
4.3 Significados e sentidos na experiência de adolescentes e jovens em situação de rua
4.3.1 Sobre as entrevistas
A realização das entrevistas aconteceu em dois momentos. O primeiro, ocorreu no
Centro Social da igreja da Cohab
11
no horário do almoço. Naquela ocasião, encontramos
aproximadamente cerca de 7 crianças, 7 adolescentes e 10 jovens, além de outras pessoas, como
garis caracterizados pelo uniforme e alguns poucos idosos. A maioria dos possíveis sujeitos
desta pesquisa era do sexo masculino, constituindo um universo de aproximadamente 70%.
Devido ao pouco tempo que se estende entre a chegada das crianças, dos adolescentes e dos
jovens e o horário de servir o almoço (cerca de duas horas), esse primeiro momento de
entrevista alcançou apenas três sujeitos. Na oportunidade, foram realizadas mais duas
entrevistas no espaço de fora do referido Centro Social.
11
Local que serve alimentação (almoço) diária para moradores de rua. Esta entidade está ligada à igreja católica.
72
O segundo momento de realização das entrevistas aconteceu no retorno da Forquilha,
apontado por estudos locais
12
como um dos espaços de maior concentração de crianças,
adolescentes e jovens que vivem nas ruas de São Luís durante o dia e à noite. Trata-se de um
espaço multifuncional, que comporta várias atividades comerciais como postos de gasolina,
clubes de reggae, lojas de conveniências, bem como bares e igrejas, além de um fluxo intenso
de veículos que transitam pela Avenida Jerônimo de Albuquerque, considerada uma das maiores
avenidas de São Luís. Encontramos 08 adolescentes e 04 jovens, sendo também a maioria do
sexo masculino. Nesta ocasião, realizamos duas entrevistas.
Em linhas gerais, não tive dificuldades em realizar as entrevistas, quando contei com a
disponibilidade e com a presença de técnicos da SEMCAS (Secretaria Municipal da Criança e
Assistência Social), conforme exigência do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC Minas.
Inicialmente, em cada entrevista, eu me apresentava como pesquisador que estava realizando
um estudo sobre a vida nas ruas. Em seguida, após o consentimento em participar da pesquisa,
solicitava ao sujeito a permissão para gravar sua fala, ressaltando que seu nome estaria mantido
em sigilo. Então, dava início à conversação.
A partir da aproximação dos sujeitos entrevistados e do diálogo estabelecido, pude
perceber certa expectativa em relação à minha presença, que se afigurava como educador social.
Talvez esta impressão possa ter condicionado algumas falas à reprodução de discursos
cristalizados e internalizados, quando os sujeitos falam o que se quer ouvir, como reações
padronizadas, o que pode ser traduzido em expressões como:
“Eu queria mudar de vida”;
“Largar de usar drogas”;
Voltar pra casa”;
“Eu queria sair desse negócio [rua].. se alguém pudesse me ajudar..”.
Ao mesmo tempo, em alguns momentos as falas aparecem carregadas de sentimentos e
emoções, quando denotam alegrias e sofrimentos.
- Das tuas experiências na rua, me conta uma que tu achou bem legal
(entrevistador)
12
Ver Borges, Costa e Silva (2000); Observatório criança (2005).
73
- Legal.. legal.. a única coisa que eu achei legal foi no dia que o cara se
confundiu e deu cem reais pra gente (risos).. pensando que era dois contos..
(risos) (Francisco, 20 anos)
- O que tu acha que tua mãe pensa de você estar na rua? (entrevistador)
- Eu tou morto pra eles.. ela pensa que eu já morri! (Carlos, 14 anos)
O que parece constituir um aspecto generalizante em relação às falas dos sujeitos
entrevistados é um sentimento de incerteza em relação à permanência no espaço das ruas.
Acreditamos que a emergência da vida nas ruas, marcada pela necessidade diária de construir
estratégias de sobrevivência como a busca por alimentos - bem como o uso de substâncias
psicoativas, podem influenciar nas tentativas de sair das ruas, representando um sentimento
ambíguo, conforme segue o trecho abaixo:
- “Você quer falar mais alguma coisa sobre a tua experiência na rua?”
(entrevistador)
- “Isso é tipo uma passagem: qualquer hora eu posso sair. É o que eu tenho a
dizer.” (Francisco, 20 anos)
Em outras entrevistas, encontramos:
- “O que te fez vir pra rua?” (entrevistador)
- “Eu vim.. por que.. não sei.. eu vim sozinha. Por que mesmo, por que eu queria
vir. Mas eu não fico direto não, eu venho, depois vou pra casa.. eu passo um
mês em casa.. depois volto de novo pra rua, passo uma semana.. depois eu
vou pra casa.. não fico direto não.” (Rosa, 20 anos)
- “Eu não gostava de [casa lar feminina] por que eu não tinha minha
liberdade, como eu tenho aqui na rua. (...) Aqui não, o cadeado sempre foi
aberto pra ti.” (Margarida, 16 anos)
- “O que se pode fazer na rua?” (entrevistador)
- “Ah.. pode fazer várias coisas.. andar, passear por aí...” (Margarida, 16 anos)
- Me fala uma experiência boa que tu tiveste na rua..” (entrevistador)
- “Eu aprendi a andar por vários lugares que eu nunca tinha andado.. no
Cohatrac [bairro].. aqui eu não sabia que era o retorno da Forquilha.. aprendi
mais um pouco da vida.” (Margarida, 16 anos)
74
As falas acima ressaltam o aspecto da rua vivida como um espaço de liberdade, cujas
regras e normas diferem dos modelos tradicionais, o que permite aos adolescentes e jovens uma
certa mobilidade entre a rua e a casa, entre a rua e instituições de abrigamento. Neste sentido, ao
mesmo tempo em que o mundo das ruas proporciona aos adolescentes e jovens uma sensação de
liberdade, podemos afirmar que tanto o espaço doméstico quanto as instituições de abrigamento
não se constituem em espaços de referências de moradia. Não há, pois, uma identificação dessas
instituições como ‘lares’. Não obstante, podemos levantar a hipótese de que, a partir de
diferentes necessidades como a alimentação, a higiene, como também a busca por afeto,
proteção, aconchego adolescentes e jovens realizam tentativas falidas de deixar as ruas e
voltar ao convívio com sua família de origem, na medida em que, a partir da visita a este
espaço, dadas as condições, regras e a baixa qualidade dos laços afetivos, podem eleger ou
confirmar o grupo da rua como sendo a única alternativa de pertencimento. Em outras palavras,
a liberdade de locomoção entre a rua e a casa pode se constituir enquanto um vetor que
contribui com a cristalização da situação de rua.
4.3.2 Análise dos significados e dos sentidos da vida nas ruas
O objetivo deste tópico é analisar os significados e sentidos construídos por adolescentes
e jovens que têm como referência de moradia o espaço das ruas de São Luís. Inicialmente,
estabeleceremos um breve perfil dos sujeitos entrevistados. Em seguida, partiremos para a
análise dos significados cristalizados no discurso social e incorporados por adolescentes e
jovens que vivem nas ruas. Encerraremos este tópico com a discussão acerca dos sentidos
elaborados para as experiências de vida nas ruas.
Para a elaboração dos perfis dos sujeitos entrevistados levamos em consideração os
aspectos de identificação, distribuídos a partir do sexo e da idade. Por questões éticas, a todos os
sujeitos entrevistados foram atribuídos nomes fictícios, escolhidos aleatoriamente. Vale ressaltar
que, para fins metodológicos, estamos considerando como ‘jovens’ os sujeitos que se encontram
na faixa etária acima de dezoito anos, e como ‘adolescentes’, aqueles que se encontram na faixa
etária entre doze e dezoito anos.
75
Entrevistamos 07 (sete) sujeitos, sendo 04 (quatro) adolescentes do sexo masculino; 01
(uma) adolescente do sexo feminino; 01 (um) jovem do sexo masculino e 01 (uma) jovem do
sexo feminino. Segue o quadro com informações sobre o nome (fictício), o sexo e a faixa etária
dos entrevistados:
Adolescente
Masculino
Adolescente
Feminino
Jovem Masculino Jovem
Feminino
Paulo, 12 anos Margarida, 16
anos
Francisco, 20 anos
Rosa, 20 anos
Carlos, 14 anos
Marcos, 17 anos
Nome/Idade
Daniel, 17 anos
Tabela 2: perfil dos adolescentes e dos jovens entrevistados, segundo sexo e faixa etária
Os dados acima nos mostram que mais da metade dos sujeitos entrevistados são
adolescentes do sexo masculino. Trabalhamos com duas hipóteses relacionadas a este fator. A
primeira, referente à questão de gênero, está associada à predominância de uma cultura machista
que representa aos indivíduos do sexo masculino ocupações referentes ao uso do espaço
público. Embora as entrevistas não apontem, podemos suspeitar que, dado o caráter conservador
e machista da cultura ludovicense, ainda predomina a tradição de que, entre as camadas pobres
do meio urbano as meninas devem se ocupar do espaço da casa, ainda sendo fundamentais na
realização de tarefas domésticas, como por exemplo, cuidar de irmãos mais novos, da casa, da
comida, o que pode se constituir num fator que inibi a saída de casa. Não obstante, quando nos
referimos ao mundo da rua, trabalhamos com representações de aspectos relacionados ao uso de
poder e força, que podem se constituir em reflexos históricos de práticas eminentemente
masculinas.
A segunda hipótese, referente à maior presença de adolescentes no espaço da rua, está
relacionada à cobertura e ineficácia dos programas assistenciais que, orientados a partir do
ECA, contemplam os sujeitos com idade de até 18 (dezoito) anos. Esta hipótese refere-se ao
caráter contraditório das práticas assistenciais destinadas às crianças e aos adolescentes em
situação de rua: por um lado, representam formas interventivas de cunho pedagógico que visam
76
o melhoramento das condições adversas da vida nas ruas; por outro lado, enquanto medidas
paliativas que não focam o enfrentamento da pobreza e de suas causas estruturais, tais práticas
assumem um caráter assistencialista, podendo contribuir com a cristalização da situação de rua
bem como com a evolução cronológica desta situação, onde crianças se tornam adolescentes e
estes se tornam jovens na experiência da rua. Vale ressaltar que, completados os 18 (dezoito)
anos, o sujeito perde a cobertura e o ‘amparo’ legais.
Podemos pensar, ainda, que, conforme apontamos no capítulo anterior, uma das
características da adolescência é a vivência de conflitos internos na formação psicossocial do
sujeito. Quando relacionamos esta característica a fatores como a precarização do ambiente
familiar, a baixa qualidade dos laços afetivos, a discriminação geracional, a escassez de recursos
financeiros no âmbito familiar, temos uma dimensão mais precisa do movimento destes
adolescentes que saem de casa. Vale ressaltar que todos os adolescentes entrevistados tem a rua
como seu principal espaço de referência, onde passam o dia e a noite.
Quanto aos significados da vida nas ruas, a necessidade de sobrevivência revela
condições impróprias à saúde física e psíquica, conforme destacamos no capítulo anterior. A
partir das entrevistas de campo, os sujeitos apresentam características como baixa estima,
insegurança, medo, solidão, abandono, sofrimento. Um fator que contribui para a exclusão e a
construção de estigmas refere-se ao preconceito social, a partir do qual adolescentes e jovens em
situação de rua ainda são referenciados com base nos princípios da doutrina da situação
irregular, nomeados pelo discurso social como ‘menores’ e ‘delinqüentes’. também a
associação com o termo ‘ladrão’.
- “Quando tu escuta a palavra cidadania, o que tu pensa?” (entrevistador)
- “Ser um cidadão de bem.. morar em casa.. melhor do que ficar na rua..”
(Marcos, 17 anos)
- “Mas.. o que significa cidadania pra ti?” (entrevistador)
- “[silêncio] Cidadania é uma coisa boa, ser uma pessoa de bem; morar em
casa, ser reconhecido por todo mundo por bem.. não como de rua, como
ladrão.”(Marcos, 17 anos)
A primeira expressão que nos chama a atenção na fala acima é a (re) afirmação da idéia
de cidadão como pessoa de bem”, ou seja, uma pessoa bem vestida, com um bom emprego,
com um bom carro, que ‘mora em casa’. Podemos supor que a construção deste modelo de
77
cidadania associada a ‘pessoa de bem’ está influenciada pelo ideal do modelo nuclear de família
burguesa que, conforme abordamos no capítulo anterior constituiu-se em um modelo para as
camadas populares.
A segunda expressão que nos incita na fala acima é “(...) ser reconhecido por todo
mundo por bem.. não como de rua, como ladrão. Além de caracterizar uma condição de não
cidadania, a fala de Marcos revela que o adolescente em situação de rua assume o significado de
‘ladrão’, como são reconhecidos ‘por todo mundo’. Essa condição que alija os direitos de
adolescentes e de jovens em situação de rua é reconhecida por Marcos:
- “Tu te consideras um cidadão?” (entrevistador)
- “Ainda não. Do jeito.. na vida que eu tou eu o considero não.” (Marcos, 17
anos)
Ainda em relação à categoria cidadania, encontramos nas falas dos entrevistados
representações associadas a um modelo ideal, bem desenhado pelo discurso social, que
conforma os indivíduos à busca por um padrão a ser alcançado, uma espécie de ‘tipo ideal
weberiano’
13
, expressando um caminho aparentemente lógico: ser cidadão é cumprir com seus
direitos e deveres, é ser trabalhador.
- “Quando tu escuta a palavra cidadania, o que te passa no pensamento?”
(entrevistador)
- “Cidadania.. eu acho que é o cara saber seus direitos e seus deveres, não?
Quando vem dizer cidadania... mas que tem uns e outros que vêem seus
direitos, mas não vêem seus deveres sobre cidadania.. vocês que estão fazendo
esse projeto cidadania, eu acho que vocês tão querendo ajudar nós aqui.. mas
que do jeito que vocês podem.. por que pra mim, uma ajuda que viesse de
vocês ou de qualquer um outro aí.. pra mim uma ajuda seria um trampo
[trabalho], oh! Mas aqui nenhum.. quase ninguém tem qualificação pra dizer
que vai arrumar um serviço. Neguin não sabe fazer nada..” (Francisco, 20
anos)
13
A expressão tipo ideal’ advém do pensamento de Max Weber que, conforme o referido autor, representa o
resultado de uma abstração, de uma idealização, de uma construção mental. Não se trata, portanto, de uma
suposição e nem significa que na realidade possa ser encontrado fielmente tal como idealizado. É formulado a
partir da exacerbação, ou exagero, de um ou mais de um aspecto ou características existentes na realidade social.
Ver mais em Weber (2000)
78
A fala de Francisco revela um certo nível de institucionalização, na media em que este
jovem, de 20 anos, reproduz elementos relacionados a experiências vividas em projetos sociais,
cuja agenda inclui oficinas de formações básicas, com foco em discussões acerca de temáticas
como cidadania, formação profissional e sexualidade. Em outro trecho da entrevista, Francisco
revelou estar vinculado a um programa social:
- “Eu também faço Pró-Jovem.. tou tentando ver se eu arrumo uma profissão”
(Francisco, 20 anos)
Uma outra categoria recorrente nas falas dos adolescentes e dos jovens entrevistados
refere-se às drogas. A partir das entrevistas, destacamos algumas expressões que representam o
uso de drogas no espaço das ruas:
- “Por que que eu vim pra rua? Pra ficar cheirando solvente.” (Rosa, 20 anos)
- “Rapá.. eu comecei a vir pra por causa de.. foi quando.. eu não usava mais
nesse tempo droga não, fumava uma chila mesmo aí.. eu fumei uma merla
com os bicho, óh!” (Francisco, 20 anos)
- “Durante o dia? Vou pro sinal.. peço dinheiro.. compro comida.. cheiro
solvente..” (Carlos, 14 anos)
- “Eu não uso mais drogas. Eu usava merla, usava solvente, usava maconha,
usava cigarro.. eu uso cigarro assim de vez em quando.. mas eu tou ten..
cons.. quer... querendo parar.” (Margarida, 16 anos)
O discurso social construído sobre adolescentes e jovens em situação de rua inclui
também associações estigmatizantes relacionadas ao uso de drogas, quando o nomeados por
expressões como “maconheiros”, “cheira cola”, “diambeiros”, “chileiros”, “drogados”. Na
medida em que esses significados são incorporados pelos sujeitos, podemos pensar que os
adolescentes e jovens se revestem desse discurso, assumindo para a sociedade a condição
‘marginal’ de usuários.
- “Das tuas experiências na rua, me conta uma que tu achou triste..”
(entrevistador)
- “Não é muito bom assim não.. não é muito legal.. a discriminação pelos outros,
usando drogas.. eu queria sair desse negócio.” (Marcos, 17 anos)
No espaço das ruas, por se tratar de um domínio público, as atividades realizadas por
adolescentes e jovens são evidentes, estão à mostra. Logo, a imagem destes sujeitos no espaço
79
da rua é pública, ou seja, para a sociedade em geral, adolescentes e jovens que vivem em
situação de rua representam elementos que constituem este cenário. Por estarem nesta situação,
muitas vezes internalizam e reproduzem não apenas os discursos, como também as imagens que
correspondem ao conjunto de representações criadas sobre eles. Embora não muitas vezes não
represente um movimento consciente, podemos interpretar que esta é uma forma utilizada por
adolescentes e jovens para confirmar o espaço da rua como sua principal referência de moradia.
Ao analisar os sentidos construídos por adolescentes e jovens para suas experiências nas
ruas, pode-se compreender elementos que dizem respeito à singularidade de cada experiência,
vivida e transformada, a partir de determinado contexto. Nas falas dos sujeitos entrevistados,
encontramos referências à categoria família, expressas pelos sujeitos a partir de sentimentos
ambíguos.
- “Imagina um filme sobre tua vida, onde tu mostraria o que fosse mais
importante sobre você.. como ele começaria?” (entrevistador)
- “Da minha vida? É ir pra casa.. pedir pra Deus que minha mãe tá bem e eu tou
bom aqui também.. meus irmãos, meu pai.. eu ia mandar um abraço pra minha
vó que morreu.. e pro meu irmão.” (Carlos, 14 anos)
- “E como ele terminaria?” (entrevistador)
- “Um abraço pro meu avô que ainda ta vivo.. [lágrimas]” (Carlos, 14 anos)
A fala do adolescente acima revela a falta que sente de sua família, na medida em que
nomeia e busca saudar seus parentes, desejando que estejam bem, o que pode ser interpretado
como a existência de algumas referências positivas em relação a seus familiares. Porém, o
sentimento de abandono mostra-se evidente em outro trecho da entrevista:
- “O que tu acha que tua mãe pensa de você estar na rua?” (entrevistador)
- “Eu tou morto pra eles.. ela pensa que eu já morri.” (Carlos, 14 anos)
Desta forma, podemos inferir que o sentido atribuído por Carlos à sua família diz
respeito a sentimentos ambíguos, contraditórios. Embora ele sinta afeto, deseja que sua “mãe ta
bem [em casa] e que ele esteja “bom aqui também [na rua]”, ou seja, não apresenta um
sentimento de pertença em relação à sua família, na medida em que projeta sua vida tomando
como referência o espaço da rua.
- “Você quer falar mais alguma coisa da tua experiência na rua?”
(entrevistador)
80
- “Tudo o que eu mais preciso na rua é roupa.” (Carlos, 14 anos)
Assim, a partir da fala acima, pode-se inferir que Carlos conforma suas necessidades à
precisão de roupas, negando não a família, como também outros campos como a escola, o
trabalho e os projetos sociais.
Em relação à temporalidade, a vida nas ruas é vivida de forma diferenciada entre os
adolescentes e os jovens. Em linhas gerais, conforme as falas dos entrevistados podemos inferir
que para os adolescentes a rua se apresenta como um espaço de emergência, marcado por uma
rotina de atividades como limpar vidros de carros, pedir dinheiro e alimentos, perambular pela
cidade, ‘surfar’ nos ônibus, usar drogas e descansar. Não há, pois, a preocupação com a
sucessão do tempo.
- “Há quanto tempo tu estás na rua?” (entrevistador)
- “Ah.. eu nem sei. Eu vim pra rua antes do marafolia.” (Daniel, 17 anos)
- “E no todo? Tem quantos anos?”
- “Ixe, tem anos pra poxa.. Mais ou menos uns cinco meses.. por aí.” (Daniel, 17
anos)
para os jovens, a noção de tempo aparece de forma mais clara, na medida em que a
rua vai, pouco a pouco, perdendo seus ‘encantos’ e atrativos. A categoria juventude em situação
de rua, conforme abordamos no capítulo anterior, não tem a atenção do poder público, e, no
discurso social, são tratados como ‘vagabundos’, ou seja, são considerados adultos que
perambulam, pedem dinheiro, usam drogas, ao invés de estarem trabalhando. Para os
adolescentes que se tornam jovens na experiência das ruas, a entrada na vida adulta se de
forma brusca, na medida em que completam a maioridade e perdem o amparo dos programas
assistenciais. Quando se encontram com o ‘eu adulto’, os jovens têm que se haver com os
significados sociais construídos acerca desta fase da vida, traduzidos em uma carga complexa de
responsabilidades. Na fala de Francisco (20 anos) aparece claramente a expectativa em torno de
conseguir um trabalho:
- “Imagina um filme sobre a tua vida, onde tu vai mostrar as coisas mais
importantes sobre você.. como ele começaria?” (entrevistador)
- “Rapá... ele começaria triste óh!! Por que no meu pensamento assim, eu penso
em chegar nos meus vinte e cinco anos e quero ta empregado. ele ia
começar triste.. ia começar desde meu início assim como eu fui um limpador de
81
carro.. (...) Quando eu tou dentro do ônibus, sempre vem uns caras pedindo,
não? Tem uns que diz: rapá esse cara é vagabundo, e tal..’ Rapá... eu tiro e
dou.. por que também eu participei daquilo ali, pra bem dizer, eu não tou do
jeito dele aqui eu tou quase igual a ele. Se eu fosse fazer um filme, o final ia ser
feliz, óh!” (Francisco, 20 anos)
- “Me fala do final..” (entrevistador)
- “O final ia ser feliz, eu ia de boa em casa.. eu sentado assistindo televisão
(risos).. tipo o final do meu filme ia ser feliz. Eu não tenho.. não sei nem como
imaginar um final feliz, por que, pra bem dizer, eu ainda não participei de
nenhum.” (Francisco, 20 anos)
Sawaia (1995) denomina como ‘sofrimento ético político’ aquele sofrimento referente ao
sentimento vivido pela negação de ser reconhecido socialmente. Portanto, os sentidos de se
viver nas ruas apontam para sentimentos contrastantes e contraditórios. Ao mesmo tempo em
que experimentam a cidade de forma onde a regra parece ser não ter regras, adolescentes e
jovens se deparam com sentimentos de abandono, vivendo um estado de ‘órfãos sociais’, onde,
por vezes, se constituem como sujeitos invisíveis.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os significados e os sentidos construídos por adolescentes e jovens para suas
experiências de vida nas ruas de São Luis foi o objeto que nos interrogou e com o qual tentamos
estabelecer um diálogo ao longo desta dissertação. A fala dos adolescentes e dos jovens
entrevistados nos permitiu uma aproximação da realidade vivida nas ruas.
A partir de um mergulho na história da infância pobre brasileira, verificamos que
algumas práticas excludentes são mantidas ao longo do tempo, caracterizando-se como um
carma social para a infância desvalida. A doutrina da situação irregular e seus princípios
parecem ainda pairar sobre a doutrina da proteção integral.
Verificamos que as lutas travadas pelos movimentos sociais em busca da
redemocratização do país, durante a década de 1980, significaram conquistas e avanços, quando
82
no reconhecimento de crianças e de adolescentes como sujeitos de direitos, como foram
incorporados legalmente pela Constituição Federal de 1988. Por outro lado, os projetos de
utopia emancipatória foram pouco a pouco perdendo espaço na conjuntura sócio-econômica da
década de 1990, na qual predominaram os ideais neoliberais, que priorizaram o setor econômico
em detrimento do social. A situação de rua vivenciada por adolescentes e jovens caracteriza
uma condição de não cidadania destes sujeitos, na medida em que seus direitos não são
materializados no seu cotidiano. As falas dos sujeitos entrevistados apontaram para o
reconhecimento desta condição.
Em São Luís, as atuais formas de intervenção na situação de rua de crianças e de
adolescentes ainda são limitadas em sua cobertura. A partir da pesquisa de campo, bem como
através da análise das entrevistas, constatamos que as ações de programas e projetos sociais não
são reconhecidos pelos sujeitos a quem se destinam, caracterizando-se como o reflexo de uma
política social que se materializa enquanto formas paliativas de intervenção. Não obstante, o
caráter assistencialista que tem sido assumido no campo das políticas sociais contribui para a
manutenção e cristalização da situação de rua, caracterizando uma forma de moratória precária
concedida pelo Estado, com exclusividade às crianças e aos adolescentes. Os programas sociais
de transferência de renda, como o ‘bolsa família’, por exemplo, são insuficientes para a
satisfação material de famílias pobres. Podemos suspeitar que as atividades lucrativas realizadas
por crianças e por adolescentes que buscam nas ruas sua sobrevivência, bem como, muitas
vezes, a sobrevivência de sua família, sejam geradoras de uma renda maior que aquela
repassada pelos programas assistenciais. Neste sentido, dada a necessidade material de
sobrevivência, o espaço da rua é escolhido em detrimento de instituições como a escola.
Ao longo desta dissertação, enfatizamos a ausência de cobertura social para os jovens
que vivem em situação de rua. Neste sentido, a juventude perde a condição de uma categoria
específica, na medida em que os sujeitos maiores de dezoito anos são reconhecidos como
adultos. Podemos afirmar que, dado o caráter assistencialista das políticas sociais, muitas
crianças se tornam adolescentes na experiência das ruas. Quando os adolescentes completam a
maioridade, perdem o amparo do Estado e da sociedade, que os reconhecem como adultos que
tem que assumir responsabilidades, como o trabalho. O encontro com o ‘eu adulto’ acontece,
pois, de forma brusca, com pouca ou nenhuma preparação para esta fase da vida. Em relação ao
ingresso no mundo adulto, os jovens entrevistados revelaram sentimentos de medo, insegurança,
83
impotência e desamparo, quando os sentidos da vida nas ruas expressam uma condição de
‘órfãos sociais’, marcados pela invisibilidade.
Os significados desvelados podem ser compreendidos a partir de expressões como
‘menores’, ‘delinqüentes’, ‘maconheiros’, ‘trombadinhas’, ‘cheira cola’, ‘ladrões’. Esta é uma
forma perversa de representar a vida nas ruas, que alija os direitos de adolescentes e de jovens
relegando-os à condição de marginais, excluídos, inferiores e incapazes. A partir destas
representações, constatamos a urgência na implantação e implementação de políticas sociais
renovadas que atendam às demandas materiais e emocionais deste grupo. Devemos destacar que
as falas dos sujeitos entrevistados assumem um caráter de denúncia na medida em que revelam
maus tratos sofridos em instituições de abrigamento. Neste ponto, verificamos um contraste
entre os significados das práticas interventivas desenvolvidas por instituições de abrigamento,
que apontam para a ‘re-socialização’ e ‘recuperação’ de adolescentes e de jovens em situação de
rua, com os sentidos que estes sujeitos constroem a partir da experiência vivida, ou seja, o
sentido de sofrimento e dor. A fuga de um abrigo, relatada por um dos adolescentes
entrevistados, demonstra o rompimento com uma lógica estabelecida, na medida em que o
adolescente criou uma estratégia de se proteger, numa situação em que deveria estar ‘abrigado’.
Os sentidos construídos para a experiência de vida nas ruas denotam a ausência do
cuidado, do afeto e do reconhecimento social de adolescentes e de jovens como pessoas, seres
humanos. O sofrimento é expresso não somente em palavras, mas em gestos, olhares, lágrimas e
silêncio. Não raro, seus sonhos se relacionam com a paz e harmonia familiar. Porém, a
fragilidade dos laços afetivos impede uma convivência saudável com sua família de origem,
onde o movimento dos adolescentes e jovens em direção à casa de seus familiares muitas vezes
serve para confirmar o espaço da rua como espaço de pertencimento.
Não podemos deixar de abordar que as experiências vividas nas ruas também expressam
elementos relacionados à ludicidade, ao prazer de se viver aventuras, de usar drogas, à
possibilidade de se cometer transgressões e delitos, como forma de exteriorizar seus sentimentos
de insatisfação, confusão e revolta em relação à maneira como são tratados pela sociedade. Em
outras palavras, a experiência da vida nas ruas, além da precariedade e do sofrimento, também
produz sentidos positivos, na medida em que esta se mostra como excitante, divertida, bem
como se constitui como um espaço de aprendizagem e crescimento pessoal.
84
A partir deste trabalho de dissertação, entendemos a urgência da humanização das
políticas sociais que busquem intervenções mais afetivas, evitando práticas mecanizadas. Não
obstante, faz-se necessário uma mudança na concepção das atuais políticas públicas voltadas
para o segmento infanto-juvenil. Em outras palavras, as políticas públicas devem significar um
conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos. Assim, somente
quando alcançam a condição de problemas de natureza política e ocupam a agenda pública,
alguns processos de natureza social, e incluímos a situação de rua vivida por adolescentes e
por jovens, abandonam o ‘estado de coisas’. (Sposito, Carrano, 2003)
Em relação à sociedade, verificamos a necessidade de construção de novos significados
em relação aos adolescentes e jovens em situação de rua, que produzam representações menos
distorcidas e mais fiéis à realidade. Acreditamos que os espaços sociais organizados nas
comunidades, tais como grupos de igrejas, clubes de mães, associações de moradores, bem
como os conselhos de direitos e tutelares, se constituem no cus privilegiado para a promoção
de discussões sobre os direitos infanto-juvenis, particularmente, sobre os direitos de
adolescentes e jovens em situação de rua, ainda vistos como ‘apêndice das cidades’.
Vimos ao longo deste trabalho que a categoria família apresenta fragilidades materiais,
manifestas em condições degradantes para a socialização, proteção e pertença de seus membros.
Em muitos casos, este espaço não apresenta condições favoráveis ao retorno de adolescentes e
jovens para o convívio com seus familiares, sobretudo por conta da reprodução da violência
física e psicológica, o que foi apontado pelos entrevistados como um dos principais motivos
para a saída do espaço doméstico. Neste sentido, suas falas revelaram a necessidade de políticas
públicas voltadas não apenas para a satisfação material, proposta pela maioria dos projetos de
transferência de renda, mas sim investimentos na qualidade dos laços afetivos, buscando
resgatar os valores positivos familiares, como um núcleo de referência, esteio e base para um
desenvolvimento saudável.
85
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YUNES, Maria Ângela Mattar et al. Família vivida e pensada na percepção de crianças em
situação de rua. Rio Grande, 2001. p. 47-56.
91
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
1) Qual é o seu nome?
2) Me diz outro nome ou apelido pra eu usar na pesquisa.
3) Qual é a tua idade?
4) Me fala sobre a sua família, sua mãe, seu pai, seus irmãos.
5) Você assiste televisão às vezes?
6) Você gosta de filme?
7) Imagina um filme sobre sua vida, onde você mostraria as coisas importantes sobre
você. Como ele começaria? E como Terminaria?
8) Há quanto tempo tu estás na rua?
9) O que você faz na rua durante o dia?
10) O que você faz na rua durante a noite?
11) Me fala sobre uma experiência boa que você viveu na rua.
12) Me fala sobre uma experiência ruim que você viveu na rua.
13) O que tua família acha de você estar na rua?
14) Você já foi em algum abrigo?
15) Tu conhece o Projeto Construindo Cidadãos?
16) Tu participas de algum projeto social?
17) Quando tu escutas a palavra cidadania, o que tu pensa?
18) Tu queres falar mais alguma coisa sobre tua experiência na rua?
92
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO
93
ANEXO B – TERMO DE COMPROMISSO
94
APÊNDICE EXEMPLOS:
Referências bibliográficas
Apêndice A – Roteiro de Entrevista
95
ANEXO 3 – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
Belo Horizonte, 03 de outubro de 2007.
De: Profa. Maria Beatriz Rios Ricci
Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa
Para: Cristinno Farias Rodrigues
Programa de Mestrado em Psicologia PUC Minas
Prezado(a) pesquisador(a),
O Projeto de Pesquisa CAAE - 0636.0.000.213-07 O Projeto Construindo Cidadãos em São
Luis – MA na perspectiva de suas crianças e de seus adolescentes” foi aprovado no Comitê de
Ética em Pesquisa da PUC Minas.
Atenciosamente,
Profa. Maria Beatriz Rios Ricci
Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa – PUC Minas
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