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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
CONSIDERAÇÕES SOBRE A TÁBUA DA SEXUAÇÃO NO SEMINÁRIO
MAIS, AINDA DE LACAN.
Camila Fardin Grasseli
Belo Horizonte
2008
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Camila Fardin Grasseli
CONSIDERAÇÕES SOBRE A TÁBUA DA SEXUAÇÃO DO SEMINÁRIO
MAIS, AINDA DE LACAN.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Orientador: Luis Flávio Silva Couto
Belo Horizonte
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Grasseli, Camila Fardin
G768c Considerações sobre a tábua da sexuação no
Seminário Mais, ainda de Lacan /
Camila Fardin Grasseli. Belo Horizonte, 2008.
142f. : Il.
Orientador: Luis Flávio Silva Couto
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
1. Psicanálise lacaniana. 2. Lógica. 3. Matemática. 4.
Identidade sexual. I.
Couto, Luis Flávio Silva. II. Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
CDU: 159.964.26
Camila Fardin Grasseli
Considerações sobre a tábua da sexuação no Seminário Mais, ainda de Lacan.
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 2008
Luis Flávio Silva Couto
_____________________________________________
Luis Flávio Silva Couto (Orientador) – PUC MINAS
Ilka Franco Ferrari
______________________________________________
Ilka Franco Ferrari – PUC MINAS
Júlio Flávio de Figueiredo Fernandes
______________________________________________
Júlio Flávio de Figueiredo Fernandes – Newton Paiva
AGRADECIMENTOS
- Aos professores do departamento de Pós-Graduação em Psicologia;
- Ao meu orientador, Luis Flávio Silva Couto pelos ensinamentos;
- À Rosângela Ramos Corgosinho pela leitura criteriosa;
- Aos meus familiares e amigos pelo suporte e incentivo.
RESUMO
Esta dissertação versa sobre a tábua da sexuação apresentada no Seminário
Mais, ainda de Jacques Lacan. Foi feita uma pesquisa teórica com o objetivo de
analisar as influências da lógica e da matemática, bem como a teoria psicanalítica que
serviram de base para a elaboração desse esquema gráfico. A partir disso foram
analisadas as mudanças e avanços por ele propostos para a gica que lhe permitiram
representar a teoria psicanalítica através de sinais matemáticos e símbolos.
Palavras-chave: Psicanálise lacaniana, lógica-matemática, tábua da sexuação,
feminino, masculino.
ABSTRACT
This dissertation is about the table of sexuation presented in the Seminar More,
still from Jacques Lacan. It has been don a theorical research with the aim to analyze
the influences from the logic and mathematics, as well as the psychoanalyst theory that
served as basis to elaborate this graphic schema. From that it had been analyzed the
developments and advances by him proposed to the logic that permitted represent the
psychoanalyst theory throw mathematic signs and symbols.
Key-words: lacanian psychoanalyze, logic- mathematic, table of sexuation, feminine,
masculine.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Quadro da tábua da sexuação.................................................. 11
FIGURA 2 Quadro da tábua da sexuação.................................................. 16
FIGURA 3 Quadro da parte superior da tábua da sexuação...................... 17
FIGURA 4 Quadro da parte inferior da tábua da sexuação....... ................ 17
FIGURA 5 Quadro circular das proposições de Aristóteles........................ 23
FIGURA 6 Quadro do quadrado de Apuleio................................................ 25
FIGURA 7 Quadro das proposições lógicas de Lacan em latim................ 30
FIGURA 8 Quadro comparativo das proposições de Aristóteles e
Lacan................................................................................................... 30
FIGURA 9 Figura do esquema de Charles S. Pierce................................. 32
FIGURA 10 Figura dos círculos de Euler..................................................... 41
FIGURA 11 Quadro da parte superior da tábua da sexuação................... 44
FIGURA 12 Quadro das fórmulas do lado masculino................................ 45
FIGURA 13 Quadro das fórmulas do lado feminino................................... 46
FIGURA 14 Quadro da proposição existencial única................................. 51
FIGURA 15 Quadro do primeiro tempo do Édipo....................................... 68
FIGURA 16 A metáfora paterna................................................................. 71
FIGURA 17 As três faltas de objeto........................................................... 77
FIGURA 18 A primeira fórmula do lado feminino....................................... 84
FIGURA 19 A segunda fórmula do lado feminino...................................... 89
FIGURA 20 Quadro comparativo das proposições femininas: Lacan e
Aristóteles
.
.................................................................................................. 90
FIGURA 21 Quadro comparativo entre a Psicologia e a Tábua da
Sexuação
......................................................................................................................
98
FIGURA 22 A parte de baixo da tábua da sexuação................................. 114
FIGURA 23 De $ para o objeto a............................................................... 117
FIGURA 24 De La/ para o Ф...................................................................... 120
FIGURA 25 O outro gozo………….………………………………………….. 121
FIGURA 26 Os gozos no Seminário 23..................................................... 122
FIGURA 27 Não há Outro do Outro........................................................... 127
FIGURA 28 O esquema de Charles S. Pierce............................................ 132
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10
1. A LÓGICA MATEMÁTICA NA PARTE SUPERIOR DA TÁBUA DA
SEXUAÇÃO........................................................................................................ 16
1.1 Lacan e a Lógica......................................................................................... 19
1.1.1 Lacan e Aristóteles................................................................................... 21
1.1.2 Lacan e Gottlob Frege.............................................................................. 38
1.2 Os quantificadores universais e existências............................................ 44
2. AS PROPOSIÇÕES DO LADO MASCULINO............................................... 49
2.1 A parte superior do lado masculino: e .................. 49
2.1.1 O pai da Horda Primitiva de Totem e Tabu............................................ 51
2.1.2 O pai primevo e Deus.............................................................................. 61
2.2 O significante fálico: Φ............................................................................... 63
2.2.1 A metáfora paterna e o complexo de Édipo masculino........................ 67
3. AS PROPOSIÇÕES DO LADO FEMININO.................................................... 83
3.1 Não existe x para quem a castração não incidiu: .................... 83
3.2 Para não-todo x é verdadeiro que a castração incidiu: .......... 88
3.2.1 A mulher não existe................................................................................. 92
3.2.2 O todo e o não-todo................................................................................. 96
3.3 Não há relação sexual................................................................................. 99
3.4 O complexo de Édipo feminino de Freud a Lacan................................... 103
3.4.1 O complexo de Édipo em Freud ............................................................. 104
3.4.2 O complexo de Édipo em Lacan ............................................................ 110
4. A PARTE INFERIOR DA TÁBUA DA SEXUAÇÃO: AS MODALIDADES DE
GOZO.................................................................................................................... 114
4.1 O gozo do lado masculino: o gozo fálico.................................................... 115
4.2 O gozo do lado feminino: o gozo fálico e o gozo suplementar................. 119
4.2.1 Deus e o gozo de La/ femme ( uma mulher)............................................. 129
CONCLUSÃO ...................................................................................................... 130
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 136
10
INTRODUÇÃO
A tábua da sexuação, conforme elaborada por Jacques Lacan no Seminário 20,
Mais, ainda, 1972/73, é um esquema gráfico contendo fórmulas e sinais matemáticos,
além de termos da teoria psicanalítica. Por ser a concretização de vários anos de
trabalho de Lacan sobre o tema da sexuação, ela se apresenta neste seminário de
forma condensada, o que faz com que essa elaboração, embora riquíssima, seja de
difícil apreensão. Outro motivo para essa dificuldade é que o percurso que levou à sua
elaboração não é retomado no Seminário em questão, já que Lacan dedica-se nesse
momento da sua teoria, a formalizar o gozo particular dos sujeitos do lado feminino da
tábua, no que ele se aproxima de Deus.
São várias as passagens onde Lacan se refere à ligação de uma mulher com
Deus, como, por exemplo: “É na medida em que seu gozo é radicalmente Outro que a
mulher tem mais relação com Deus.” (LACAN, 1972/73, p. 111). Essa aproximação de
uma mulher com Deus será melhor formalizada nos próximos Seminários de Lacan a
ponto de ele afirmar, no Seminário 22, RSI (1975), que “Deus é a mulher tornada toda”.
(LACAN, 11 de Março, 1975/ inédito); e no Seminário 23, O Sinthoma, (1975/76),
dizendo que “A-mulher da qual se trata é um outro nome de Deus.” (LACAN, 2007, p.
14).
Para chegar a compreender esta aproximação, é preciso antes, analisar a tábua
da sexuação, sua origem, e as elaborações contidas nela. Essa dissertação tem como
objetivo tecer considerações sobre o Seminário 20, especialmente, sobre a tábua,
analisando as influências teóricas de Lacan para a sua construção e os ensinamentos
psicanalíticos ali contidos. Esse percurso nos levará, portanto, a reencontrar duas de
suas afirmativas, consideradas por muitos, enigmáticas, a saber: A mulher não existe”
e “Não há relação sexual”.
A tábua da sexuação é uma construção lógica matemática que traz os
ensinamentos de Freud e do próprio Lacan sobre a sexualidade. Ela é dividida em duas
partes, sendo a superior composta por quatro fórmulas, unidas duas a duas, que se
dividem entre o lado masculino e o feminino da sexuação. A parte inferior da tábua
11
acompanha a mesma divisão entre masculino e feminino e é onde Lacan escreve cinco
termos: sujeito dividido ($), símbolo fálico (Ф), objeto pequeno a, o significante de uma
mulher (La/) e o significante da falta no Outro [S(A/)]. Os dois primeiros encontram-se
do lado masculino e os outros três, do feminino. Além disso, existem três setas que
ligam alguns destes termos. Segue-se a tábua conforme escrita por Lacan no original
em Francês.
Figura 1: Quadro da tábua da sexuação.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
Os motivos que levaram Lacan a transmitir um ensinamento psicanalítico através
da linguagem matemática podem ser encontrados no Seminário 20, onde ele defende
que a formalização matemática seria o nosso objetivo, por transmitir informações de
maneira unívoca. Essa idéia é baseada nas do lógico matemático Gottlob Frege, a
quem Lacan recorre inúmeras vezes ao expor as fórmulas matemáticas que compõem
a parte superior da tábua.
Frege defende que o pensamento lógico poderia ser reduzido à matemática,
onde uma sentença lógica seria representada por elementos da aritmética, a fim de
evitar o mal entendido e a ambigüidade de termos próprios da linguagem. Para ele
carecemos de sinais que expulse os equívocos próprios da linguagem.
A partir desse objetivo, ele repensa a lógica clássica de Aristóteles, introduzindo
novos elementos, como os quantificadores existenciais,
(existe x) e universais,
12
(para todo x) que estão referenciados a uma função, Fx. Assim, a lógica clássica de
Aristóteles avançou para a lógica dos predicados de Frege.
De certa maneira, Lacan faz o mesmo percurso de Frege, utilizando-se de suas
idéias para formular a tábua da sexuação. Primeiramente, ele recorre a Aristóteles que,
através da teoria do silogismo, postula quatro proposições categóricas: A universal
afirmativa: ‘todo homem é mortal’ e seu oposto a universal negativa: ‘todo homem não é
mortal’. Além das duas universais, duas proposições particulares, sendo elas uma
particular afirmativa, ‘algum homem é mortal’, e uma particular negativa, ‘algum homem
não é mortal’.
Com a introdução do vocabulário dos quantificadores de Frege, as proposições
de Aristóteles passaram a serem escritas da seguinte forma: O sujeito universal ‘Todo
homem’ foi substituído pela escrita matemática
x (para todo x); o sujeito particular
‘algum homem’ foi escrito como
x (existe ao menos um x). A qualidade de ser mortal’
tornou-se a função de x, fx. Para introduzir a negativa basta colocar um traço horizontal
em cima do elemento que se quer negar.
Lacan, por sua vez, utiliza-se das formulações de Frege e revisita a lógica
aristotélica, propondo uma outra forma de trabalho. Para tal, ele faz um estudo sobre a
qualidade da negação, ou seja, sobre o que seria a negação e sua relação com a
afirmação, questionando-se se a negação seria uma afirmação de algo que foi retirado.
Essas análises reforçam a idéia de que existem frases cuja construção
gramatical é negativa, mas que transmitem uma idéia afirmativa. A partir daí, veremos
que a proposição particular negativa tem o mesmo significado da universal afirmativa.
Desta forma, ele se utiliza das construções da lógica moderna e coloca a negativa tanto
sobre o sujeito da proposição quanto do predicado. Sem isto, Lacan seria obrigado a
afirmar que ´toda mulher é castrada´, o que se opõe às sua compreensão do sujeito
feminino. Sua pesquisa sobre a gramática e a lógica matemática, permitirão justificar a
introdução dos termos não-todo e não-nenhum
1
e sustentar suas idéias expressas na
tábua da sexuação, onde ele escreve as seguintes fórmulas lógicas:
1
A expressão ‘nem-todo’ ou como em psicanálise já se está habituado a dizer não-todo é a tradução do
termo francês ‘pas-tout e ‘não-nenhum’ é a tradução de pas-aucun’.
13
: Para todo x é verdadeiro que a função fálica se aplica ao x.
: Para não-todo x é verdadeiro que a função fálica se aplica ao x.
: Existe ao menos um x tal que a função fálica não se aplica ao x.
: Não existe ao menos um x tal que a função fálica não se aplica ao x.
Do lado masculino da sexuação, Lacan escreveu as fórmulas: (existe
ao menos um homem para quem a função fálica não incide) e (para todo
homem é verdadeiro que a função fálica incide). A primeira delas foi baseada no mito
do pai primevo de Totem e Tabu, onde Freud fala sobre um homem, der da horda
primitiva, que teria livre acesso a todas as mulheres do bando, sem nenhuma lei que
lhe proibisse ter relações sexuais com elas. Por ser o líder, ele impedia o acesso dos
outros machos às mulheres. Por fim, estes machos assassinam o macho dominante, o
que promove a passagem do estado da natureza para o da cultura.
A análise do mito mostrará que o assassinato propicia a passagem da horda ao
Estado civilizado, devido à instauração da primeira lei: a lei da proibição do incesto. A
todos os homens, passa a ser proibido ter relações sexuais com suas mães e parentas
consangüíneas. Após a introdução desta Lei, o líder assassinado passa à categoria de
pai, o único homem que não era submetido à ela. Em contrapartida, todos os outros
homens, denominados de filhos, passaram a ser submetidos à lei da proibição do
incesto. A fórmula, , demonstra existir ao menos um homem para quem a
função fálica não se aplica, ou seja, que não é castrado, e que seria o pai da horda
primitiva. Ele é o único para quem a castração não incide e sua existência implica um
limite para a função Φ
ΦΦ
Φx: a função fálica. Esta exceção fundamenta a regra de que todos
os homens são castrados, o que é ilustrado na segunda fórmula: (para todo x
é verdadeiro que a função fálica incide).
No que diz respeito ao outro lado, o lado feminino, Lacan afirma que qualquer
ser falante pode se colocar ali e, ao fazê-lo, não permite estabelecer uma fórmula
universal, tal como é possível para os homens.
14
Do lado feminino, ao invés de dizer que existe uma que escapou à castração,
Lacan afirma que não-existe ao menos uma que diga não à função fálica. O que ele
ilustra através da primeira fórmula: (não existe x para quem a função fálica
não incide). Qualquer sujeito, que se coloque deste lado da sexuação, terá se
submetido à castração. Portanto, por não haver uma exceção à regra, como para os
homens o pai primevo, torna-se impossível a fundamentação da mesma, não havendo,
desta forma, paralelismo entre o lado masculino e o lado feminino.
Por haver esse Um da exceção do lado masculino, é possível falar sobre o
conjunto de todos os homens, nomeado de ´O Homem´. Mas, do lado feminino, a não
existência desse Um da exceção, não permite estabelecer o conjunto universal das
mulheres. É baseado nisto que Lacan afirma que ´A mulher o existe`: não é possível
estabelecer o conjunto das mulheres. Lacan representa isto pela segunda fórmula:
: para não-toda mulher é verdadeiro que a função fálica incide.
O termo ´não-toda´ implica que uma parte do sujeito satisfaz a função fálica e
outra não. Uma mulher não é toda delimitada pela função fálica, o que pode levar à
conclusão de que ela tem uma parte inscrita no Simbólico e outra que dalí escapa,
encontrando-se no Real. Por terem uma ancoragem no Real e outra no Simbólico, elas
não são loucas de todo. Talvez se apoiando nisto Lacan é capaz de afirmar no texto
Televisão, 1974, que as mulheres não são loucas de todo ou que não são
absolutamente loucas, não havendo limites às concessões que cada uma faz para um
homem: de seu corpo, sua alma e seus bens.
De acordo com as premissas lógicas da tábua da sexuação, não é possível
relacionar dois termos que não se equiparam: do lado masculino, utiliza-se o universal e
do lado feminino deveríamos poder usar o mesmo referencial, o universal. Mas é
justamente por não existir o universal do lado feminino que não é possível estabelecer
relação alguma entre os sexos masculino e feminino. Portanto, Lacan propõe o axioma
´Não relação sexual´ para falar sobre esta impossibilidade de relacionar ´O Homem´
(o todo) com uma mulher (não-toda).
Finalmente, as modalidades de gozo de cada sexo exprimem, de certa maneira,
a não relação sexual. Lacan diz que o gozo do homem encontra um limite na função
fálica. Os sujeitos que se encontram inscritos no lado masculino da sexuação, não têm
15
acesso a um gozo suposto infinito. Por eles serem todos submetidos à função fálica, a
eles só é permitido o gozo referente ao significante.
do lado feminino, o sujeito ali inscrito é não-todo submetido à função fálica e,
portanto, é correto afirmar que um gozo fálico, referente ao significante, mas, ao
mesmo tempo, um outro gozo para além disso. No Seminário 20, Lacan dedica-se a
elaborar esse gozo particular do feminino. Por não ser um gozo inscrito pelo
significante, ele só pode se localizar no Real. Por este motivo, Lacan diz que deste
gozo as mulheres não falam nada, por não saberem o que falar.
A partir desse gozo, do
qual elas não falam nada, que Lacan diz que uma mulher tem mais relação com Deus.
Então para tratar deste tema optamos em iniciar esta pesquisa analisando as
quatro proposições categóricas de Aristóteles, percorrendo o mesmo caminho de Lacan
pela gramática para introduzir as modificações por ele propostas. Em seguida,
pesquisamos sobre os avanços efetuados pelas idéias de Frege, o que finalmente
permitiu uma melhor compreensão da bua da sexuação. Após esta etapa passamos
ao exame da teoria psicanalítica ilustrada nas fórmulas lógicas, analisando cada uma
separadamente, inclusive, explicitando as origens de duas afirmativas lacanianas: A
mulher não existe’ e Não relação sexual’. Finalmente, analisamos as considerações
do autor sobre o gozo masculino e o feminino.
16
1. A LÓGICA MATEMÁTICA NA PARTE SUPERIOR DA TÁBUA DA SEXUAÇÃO
A tábua da sexuação, ou também chamada de fórmula quântica da sexuação, é
a concretização de um longo trabalho de Jacques Lacan sobre esse tema. Suas
reflexões podem ser encontradas ao longo de vários de seus Seminários, sendo que no
Seminário livro 20, Mais, ainda de 1972 -1973, no capítulo VII, Letra de uma carta de
Almor, Lacan apresentada o gráfico abaixo, condensando seu percurso.
O gráfico vem acompanhado da uma explicação sucinta, de tal forma que torna a
transmissão do seu ensino de difícil compreensão. Para Lacan, qualquer pessoa,
independentemente de sua anatomia, pode se inscrever de um lado ou de outro da
tábua. “Quem quer que seja ser falante se inscreve de um lado ou de outro.” (LACAN,
1972/73, p. 107).
Figura 2: Quadro da tábua da sexuação.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX:Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p.73.
Como se pode ver, a tábua da sexuação (FIG 1) é um quadro dividido em quatro
partes contendo letras, símbolos e setas. O lado esquerdo representa o lado masculino
e o direito o feminino ou, como Lacan preferiu dizer, a parte mulher dos seres falantes.
17
“Em frente, vocês m a inscrição da parte mulher dos seres falantes.” (LACAN,
1972/73, p. 107).
Figura 3: Quadro da parte superior da tábua da sexuação.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX:Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p.73.
Em primeiro lugar, na parte de cima da tábua (FIG 2) encontram-se quatro
fórmulas. Duas à direita e duas à esquerda. São as fórmulas proposicionais, que são
formadas pelos quantificadores existenciais e universais, representados pelos símbolos
matemáticos (
) e (
) respectivamente, e a função de referência, a função Φ
ΦΦ
Φx (phi de
x). A barra horizontal sobre qualquer um destes elementos representa a sua negativa.
Figura 4: Quadro da parte inferior da tábua da sexuação.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX:Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p.73.
Em seguida, na parte de baixo da tábua, (FIG 3) abaixo da barra que separa as
quatro fórmulas proposicionais, encontra-se o que Lacan chamou de identificações
sexuais que foram organizadas por ele da seguinte forma: do lado masculino, o lado
esquerdo, ele colocou os termos abaixo:
18
$ (significante do sujeito barrado)
Φ (significante do falo)
Do outro lado, na parte feminina, encontram-se os seguintes termos:
a (objeto pequeno a)
S(A/) (significante da falta no Outro)
La/ (La femme barrée – significante de uma mulher)
2
Além destes cinco termos existem três setas, sendo que duas delas atravessam
a tábua de um lado a outro. A primeira tem sua origem no lado masculino, partindo de $
em direção ao lado feminino, para o objeto pequeno a: ou seja, do $ ao pequeno a. As
outras duas saem do lado feminino e partem de uma mulher barrada: de La/. Uma vai
do La/ em direção ao significante do falo (Φ), no lado masculino, e a outra seta parte do
La/ em direção ao S(A/), ao significante da falta no Outro. Este último encontra-se
localizado do lado feminino da tábua. Portanto, duas setas fazem relacionar os dois
lados, uma saindo do lado masculino para o feminino e a outra do feminino para o
masculino, enquanto que a última delas é um vetor entre dois termos do mesmo lado, o
lado feminino da tábua.
Após esta leitura descritiva da tábua da sexuação, segue-se um estudo de cada
um destes elementos e de suas correlações. Este se inicia na parte superior da tábua
onde se encontram as formulações lacanianas baseadas na lógica matemática,
inicialmente na lógica aristotélica.
2
Aqui, como em toda a extensão deste trabalho, optou-se por utilizar a tábua da sexuação no original em
francês que, além de manter os símbolos utilizados por Lacan, visa evitar uma possível confusão entre os
termos Grande Outro e A/ mulher. Na edição brasileira, no lugar do significante La/ foi escrito A/. A
questão é que, individualmente, o significante A maiúsculo representa o Grande Outro na psicanálise, em
Francês Autre, logo, A/ é o significante da falta no Outro. No entanto, quando se verteu a fórmula da
sexuação, onde se lia La femme barreé (La/), optou-se em escrever A mulher barrada, (A/), ou seja, o
mesmo significante do Grande Outro barrado, o que a nosso ver parece um equívoco.
19
1.1 Lacan e a lógica
A tábua da sexuação é um escrito lógico matemático resultado de alguns anos
de reflexão de Lacan. Um dos primeiros textos, onde se observa seu questionamento
sobre a lógica aristotélica, e que dará origem às 4 fórmulas da parte superior da tábua,
é o Seminário 9, A Identificação, de 1962.
Lacan utilizou um momento da lógica clássica de Aristóteles como um fio
condutor e também as idéias de vários outros pensadores na elaboração de suas
fórmulas proposicionais, como o filósofo e escritor Apuleio, o matemático e filósofo
americano Charles S. Pierce, o matemático austríaco Kurt Gödel e o matemático e
filósofo alemão Gottlob Frege. É a este último que ele atenção especial no conjunto
das fórmulas proposicionais, mencionando-o no texto O Aturdito
3
, exatamente antes de
escrever as fórmulas: “Daí uma inscrição possível dessa função como Φ
ΦΦ
Φx, a qual os
seres responderão segundo sua maneira de ali fazer um argumento. Essa articulação
como proposição é a de Frege.” (LACAN, 1973, p. 457). Frege revisou a lógica
proposicional tradicional de Aristóteles e a formulou em termos de funções
matemáticas.
A parte superior da tábua da sexuação é composta por 4 proposições. Uma
proposição é uma sentença que afirma ou que nega alguma coisa. As fórmulas
propostas por Lacan são como ‘traduções’ em símbolos matemáticos dessas
proposições. Os símbolos da gica proposicional, encontrados nas fórmulas de Lacan
são: (
) existe um; (
) para todo, e a função x. Para negar uma proposição, basta
colocar um traço horizontal em cima de qualquer um dos elementos. Eis as fórmulas
escritas por Lacan:
, existe um x tal que a função Φ
ΦΦ
Φ não se aplica.
, não existe um x tal que a função Φ
ΦΦ
Φ não se aplica.
, para todo x é verdadeiro que a função Φ
ΦΦ
Φ se aplica.
3
LACAN, J. O Aturdito. In: Outros Escritos, 1973, p. 448-497.
20
, para não-todo x é verdadeiro que a função Φ
ΦΦ
Φ se aplica.
A lógica pode ser considerada como o estudo da razão ou do raciocínio. O
estudo da lógica passa a ter sentido para garantir que o pensamento proceda de forma
correta, a fim de se chegar a um conhecimento verdadeiro, garantindo a validade de
determinado argumento. Na Matemática, a lógica é usada para estudar o raciocínio
matemático. Filósofos e Matemáticos tentaram provar que a matemática, ou parte dela,
poderia ser reduzida à lógica.
Keller e Cleverson, em seu livro Aprendendo Lógica (2002), enumeram três
períodos de evolução da gica. O primeiro deles, abrangendo os séculos IV aC até I
dC, chamado de ‘Forma Clássica Antiga’ ou ‘Lógica Grega Antiga’. É nesse período que
se encontra a lógica de Aristóteles cuja importância lhe rendeu ser uma das três
grandes escolas deste período, a escola da lógica aristotélica, que está compreendida
entre a primeira escola, a dialética sofística e a última escola, a escola lógica megárico-
estóica. Na lógica grega antiga “as proposições lógicas constam de palavras da
linguagem corrente e sua base é o pensamento como se encontra expresso na
linguagem natural que fornece as leis e as regras formais.” (KELLER e CLEVERSON,
2002, p. 17).
Segundo os autores, após a última escola, desse primeiro período até o século
XI, nada se produziu de novo que se repetiam os ensinamentos de Aristóteles. No
período seguinte, do século XI ao XV dC, nomeado de ‘Forma Escolástica’ ou
‘Medieval’, a preocupação central era trabalhar a totalidade do Órganon de Aristóteles.
Nesse período, a lógica era considerada parte das “artes liberais”, juntamente com a
gramática e a retórica, e estava separada da aritmética, geometria, astronomia e da
música.
O terceiro período, iniciado no século XVII, chama-se Forma Matemática’, tendo
início com Leibniz que começou a desenvolver a lógica em parceria com a matemática.
Leibniz tinha como projeto a construção de um sistema exato e universal de notação,
uma linguagem simbólica que deveria ser como uma álgebra. Porém, apesar do projeto
ambicioso e teoricamente não viável, as idéias de Leibniz não foram publicadas até o
21
princípio do século XX e, portanto, historicamente ele teve pouca influência nos lógicos
que o sucederam.
No Renascimento, era importante encontrar novos métodos que pudessem
ajudar na pesquisa científica e a matemática adquiriu grande importância. George
Boole (1815 1864) desenvolveu a primeira forma matemática da lógica, comparando
as leis da lógica às leis da álgebra. Porém, segundo os historiadores, o verdadeiro
fundador da lógica moderna foi Gottlob Frege (1848 1925) com sua Begriffsschrift
(Conceitografia 1879) que pretendia mostrar que a aritmética pode ser constituída a
partir das leis da lógica.
Após esta breve visão histórica dos estudos sobre a lógica, é importante dizer
que Lacan inspirou-se inicialmente na lógica de Aristóteles cujos ensinamentos podem
ser encontrados no livro Órganon. Este é o conjunto das obras sobre lógica do filósofo
grego, que é composto por quatro livros: Categorias, Da Interpretação, Analíticos
anteriores e o último, Analíticos posteriores.
No primeiro, Categorias, Aristóteles se ocupa em classificar o predicado em dez
categorias distintas. São elas: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo,
estado, hábito, ação e paixão. Em Da Interpretação, ele discute a relação entre as
palavras escritas e os pensamentos, sendo um o símbolo do outro. O terceiro livro,
Analíticos anteriores, é considerado um dos mais importantes por trazer a teoria do
silogismo. Finalmente, em Analíticos posteriores, Aristóteles se ocupa com a
demonstração, ou seja, com uma sucessão de argumentos lógicos que demostram que
determinada afirmação é verdadeira se cumprir certas exigências.
A teoria do silogismo é especialmente importante para a compreensão tanto da
tábua elaborada por Lacan, quanto da influência que ele sofreu de Aristóteles, para o
desenvolvimento dela. Passemos agora às reflexões de Lacan sobre a lógica clássica
de Aristóteles.
1.1.1 Lacan e Aristóteles
Para Aristóteles, a lógica, ciência do raciocínio, é um instrumento de
conhecimento que se baseia no silogismo, ou seja, num raciocínio formalmente
22
estruturado que parte de premissas para se chegar a uma conclusão. Silogismo vem do
grego "conexão de idéias", "raciocínio". Esta teoria foi criada por Aristóteles e é um dos
primeiros sistemas dedutivos propostos. É uma argumentação lógica perfeita que parte
de uma afirmativa ou negativa universal e chega a uma afirmativa ou negativa no
campo particular. O silogismo é composto por três proposições, sendo as duas
primeiras chamadas de premissas que geram a conclusão, a última das três
proposicões. Cada uma das premissas tem um termo em comum com a conclusão. A
seguir tem-se um exemplo clássico de silogismo.
Todos os homens são mortais.
Sócrates é um homem.
Logo, Sócrates é mortal.
No exemplo acima, a conclusão, ou seja, a última proposição, apresenta um
elemento da primeira proposição, a qualidade de ser mortal, e da segunda, o sujeito
Sócrates.
Aristóteles se preocupa com dois tipos de proposição: as universais e as
particulares. No exemplo acima, a proposição com o sujeito universal é ‘todos os
homens’ e a com sujeito particular, Sócrates’. O predicado ou a qualidade em questão
é o fato de ‘ser mortal’.
Na lógica clássica, Aristóteles trabalha com a distinção entre sujeito e predicado
e entre universal e particular. Ele classifica como universal a proposição que se aplica a
tudo ou a nada do sujeito e de particular aquela que se aplica a alguma coisa ou não se
aplica a alguma coisa do sujeito.
Entendo por universal a oração que se aplica a tudo ou a nada do sujeito; por
particular entendo a oração que se aplica a alguma coisa do sujeito, ou não se
aplica a alguma coisa deste, ou não se aplica a todo. (ARISTÓTELES, 2005, p.
112).
Para ele, tudo o que se pode afirmar pode-se também negar e, portanto, uma
proposição universal afirmativa terá sua própria negativa, a proposição universal
negativa. O mesmo acontece com uma proposição particular afirmativa. De acordo com
23
a classificação das proposições, entre universal afirmativa e negativa e entre particular
afirmativa e negativa, criou-se um pequeno esquema para facilitar a visualização delas
e de suas diferenças. Assim, existem quatro tipos de proposições categóricas, que
foram identificadas pelas vogais em maiúsculo A, E, I, e O.
A. Proposição UNIVERSAL AFIRMATIVA: Todo homem é mortal.
E. Proposição UNIVERSAL NEGATIVA: Todo homem não é mortal.
4
I. Proposição PARTICULAR AFIRMATIVA: Algum homem é mortal.
O. Proposição PARTICULAR NEGATIVA: Algum homem não é mortal.
Para facilitar a visualização e compreensão das proposições de Aristóteles com
as quais trabalharemos nesta pesquisa, nós criamos o gráfico a seguir. É um desenho
circular dividido em quatro quadrantes, onde se pode encontrar as proposições
universais nos quadrantes superiores e nos inferiores encontram-se as proposições
particulares. Além disto, do lado esquerdo, as proposições são afirmativas e, no outro
lado elas são negativas.
Figura 5: Quadro circular das proposições de Aristóteles.
4
A proposição ‘Todo homem não é mortal’ também pode ser encontrada como ‘Nenhum homem é
mortal’.
A E
Todo homem é Todo homem
mortal . não é mortal.
I O
Algum homem Algum homem
é mortal. não é mortal.
24
As proposições receberam também outro tipo de classificação de acordo com as
oposições entre elas. As duas universais são contrárias por uma afirmar e a outra negar
a mesma qualidade do mesmo sujeito. Exemplo:
Todo homem é mortal. X Todo homem não é mortal.
As particulares são subcontrárias pela mesma característica, mas agora no nível
do sujeito particular. Exemplo:
Algum homem é mortal. X Algum homem não é mortal.
Por fim, uma proposição universal e uma particular podem ser contraditórias, por
possuírem o mesmo sujeito e o mesmo predicado, e diferirem tanto na quantidade
quanto na qualidade. Exemplo:
Todo homem é mortal. X Algum homem não é mortal.
Todo homem não é mortal. X Algum homem é mortal.
Esta é considerada a oposição mais radical que se pode encontrar. Além disto,
as proposições podem ser subalternas, implicando numa certa condição: se A for
verdadeira, então I será verdadeira; o mesmo acontece entre as proposições E e O.
Exemplo:
Se for verdade que ‘Todo homem é mortal’ então também é verdade que
‘Algum homem é mortal’.
Se for verdade que ‘Todo homem não é mortal’ então também é verdade
que ‘Algum homem não é mortal’.
25
Resumindo A-O e I-E são contraditórias: não podem ser ambas verdadeiras e
nem ser ambas falsas. A-E são contrárias: não podem ser ambas verdadeiras, mas
podem ser ambas falsas.
Para condensar as informações acima, pode-se recorrer ao filósofo Apuleio que
elaborou o quadro das oposições lógicas, conforme figura abaixo.
Figura 6: Quadro do quadrado de Apuleio.
Fonte: DOR, Joël. Introdução à Leitura de Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. V.2 p.209.
Os gráficos acima nos permitirão compreender melhor a tábua da sexuação. Mas
para isto, é ainda necessário que, antes, seja trabalhado uma outra formulação
proposta por Lacan. Apesar de ter se inspirado num momento da lógica clássica, ele a
utiliza com mudanças que diz serem incomuns. É importante lembrar que Lacan o
está interessado em contribuir para a lógica e nem para a matemática, ele as utilizou
como meio de transmissão de conhecimento.
Na lógica clássica aristotélica, a negação só deve recair sobre o predicado e não
sobre o sujeito da proposição, como no exemplo: ‘todo homem é mortal’ e ‘todo homem
não é mortal’. Mas no formalismo lógico contemporâneo, o qual também é uma
inspiração de Lacan para o desenvolvimento das fórmulas da sexuação, pode-se
encontrar a negação sobre o sujeito. A proposição todo homem não é mortal’ também
pode ser escrita como ‘nenhum homem é mortal’.
26
Essa evolução na lógica tem em Gottlob Frege um de seus responsáveis. A ele é
creditada a origem da articulação do conceito de quantificação e da utilização de termos
como ‘para todo x’ representado pelo símbolo do A de cabeça para baixo (
x) e ‘existe
ao menos um x’, representado pelo E invertido (
x), fazendo a lógica proposicional
baseada em Aristóteles evoluir para a lógica de predicados, também conhecida como
cálculo de predicados.
A novidade, introduzida por Lacan, é negar a proposição existencial, ou seja,
dizer de uma “não-existência”. No formalismo lógico contemporâneo, a negação sobre o
x é comum, ( : para não-todo x = nenhum x), mas sobre o é incomum ( :
não existe x).
Lacan renova a lógica contemporânea trazendo essa novidade da negação da
proposição existencial no primeiro elemento da fórmula ( : não existe x), mas
mantendo também a negação no segundo elemento dela ( : a função não incide).
No formalismo lógico contemporâneo, caso se queira negar uma proposição com
o quantificador universal (
x: para todo x), troca-se o quantificador universal pelo
existencial (
x: existe um x). Segue-se um exemplo (exemplo 1) para demonstração da
negação no formalismo lógico. A função x é a qualidade de ser mortal.
Exemplo 1:
x fx (Todo homem é mortal) cuja negativa será a seguinte
proposição matemática:
x fx (Existe ao menos um homem que não é
mortal).
Segundo o mesmo formalismo lógico, caso se queira fazer a negativa de uma
proposição com o quantificador existencial (
x: existe um x), basta trocá-lo pelo
quantificador universal (
x: para todo x). A seguir esuma demonstração no exemplo
2.
Exemplo 2:
x fx (Existe ao menos um homem que é mortal) cuja negativa
será a seguinte proposição:
x fx (Todo homem não é mortal).
27
No entanto, essa não é a compreensão que Lacan tem do feminino. Em suas
proposições, a função de x (fx) é a qualidade de ser castrado, ou seja, Φ
ΦΦ
Φx. Quando ele
diz que não existe ao menos uma mulher que não seja castrada, na fórmula ,
ele não seguiu o formalismo lógico contemporâneo, no qual deveria escrever a negativa
como (toda mulher é castrada). Não foi o que ele fez. Para uma mulher, ele
usa o (para toda mulher) mas, nega esse primeiro elemento da proposição e, de
maneira ousada, afirma (para não-toda mulher), elaborando a fórmula
(para não-toda mulher é verdadeiro que a função x incide). O mesmo ele fez com o
quantificador existencial, negando o (não existe x) mas, mantendo o formalismo
lógico ao negar a função (a função fálica não incide). O resultado é a
proposição : não existe mulher para quem a castração não incide. Logo, as
fórmulas femininas são:
: não existe ao menos uma mulher para quem a castração não
incide.
: para não-toda mulher é verdadeiro que a castração incide.
O caminho percorrido, por Lacan, para chegar nessa formulação pode ser
encontrado no Seminário 9 A Identificação, inédito em português. Naqueles textos, ele
avalia as diferentes possibilidades de interpretação da negação, numa pesquisa
lingüística. Ele se interroga sobre a negação e sua relação com a afirmação.
Em sua existência, a negação desde sempre escondeu uma questão. O que
ela supõe? Ela supõe a afirmação sobre a qual se apóia? Talvez. Mas tal
afirmação será ela somente a afirmação de alguma coisa do Real que estaria
simplesmente retirada? (Lacan, 17/01/1962/ inédito, tradução nossa).
5
Lacan cita Pichon que, em seus estudos sobre a gramática, especialmente da
língua francesa, afirma que não existe negação em francês. Na negação, de um lado,
5
En su existencia, la negación desde siempre escondió una cuestión. ¿ Que supone ella? Supone la
afirmación sobre la cual se ampara? Tal vez. ¿ Pero tal afirmación será solamente la afirmación de
alguna cosa de lo Real que estaría simplemente retirada?
28
há a partícula ne e do outro, uma série de palavras complementares, pas, personne,
rien, point, mie, goutte, que funcionam em conjunção com o ne. O ne só terá a idéia de
negação se estiver acompanhado de ao menos uma destas partículas. No entanto, o
uso separado da partícula ne pode gerar uma significação discordante ou exclusiva.
Como por exemplo, na frase ‘Je ne parle que le portugais’. Aqui o ne aparece, mas esta
frase não é uma negativa, e sim uma afirmativa: ‘Eu falo o português’. Quando o ne
está acompanhado da partícula que tem-se uma afirmativa exclusiva: Eu não falo nada
além do português, ou eu falo somente o português.
Ao mesmo tempo existem, frases em francês que são afirmativas mas que têm a
idéia negativa: ‘Il m’en veux’. Ao da letra significaria ‘ele me quer’. Mas que na
verdade quer dizer, ele não me quer, ele está chateado comigo’ portanto, uma idéia
contrária. Estas pequenas observações sobre a negativa na língua francesa servem
para remeter à pergunta de Lacan, ou seja, ele está perguntando sobre a negação e a
afirmação.
A partir daí, Lacan analisa uma frase em francês je crains qu’il ne vienne’ (eu
temo que ele não venha) a fim de demonstrar que a função do ne subverte a negativa
da oração cuja mensagem era “eu esperava que ele viesse”. Lacan diz que esse ne
expletivo não quer dizer nada mais que jespérais qu’il vienne’ (eu esperava que ele
viesse). Para ele, esta ambivalência faz emergir a distinção entre sujeito da enunciação
e sujeito do enunciado.
Através de suas análises sobre a negação, Lacan pretende demonstrar que,
dependendo da construção gramatical, uma frase na afirmativa e outra na negativa
podem expressar o mesmo conteúdo. Isto introduzir os termos não-todo e não-nenhum.
Assim, ele retoma as quatro proposições categóricas, utilizando uma frase em francês
pas un homme qui ne mente (não um homem que não minta) da qual ele extrai a
afirmativa universal o homem mente, mas em latim omnis homo mendax (todo homem é
mentiroso). A partir desta universal afirmativa, Lacan deriva a universal negativa omnis
homo non mendax (de todo homem é verdadeiro que ele não seja mentiroso) que
também pode ser nullus homo mendax (nenhum homem é mentiroso).
Homo mendax (o homem mente), que é o que escolhi para introduzir esta
revisão. Tomemo-lo, pois: homo e mesmo omnis homo: omnis homo mendax =
todo homem é mentiroso. Qual é a fórmula negativa? Segundo uma forma que
29
traz a negação e que em muitas línguas: omnis homo non mendax pode
bastar. Quero dizer que omnis homo non mendax quer dizer que de todo
homem é verdadeiro que ele não seja mentiroso. Todavia, para efeito de
clareza, é o termo nullus (nenhum) que nós empregamos: nullus homo
mendax. (LACAN, 17/01/1962/ inédito, tradução nossa).
6
Após analisar as universais, Lacan se pergunta o que vai acontecer com as
particulares. Ele se preocupa em demonstrar que, segundo seu raciocínio, as
proposições particulares são diferentes daquelas propostas pela lógica clássica. Dessa
forma, Lacan elabora os termos não-todo e não-nenhum.
O que vai ocorrer no vel das particulares? que nos interessamos pela
negativa, é sob uma forma negativa que nós vamos poder aqui introduzir; non
omnis homo mendax, nem todo homem é mentiroso; dito de outra maneira:
escolho e verifico que homens que não são mentirosos. Em suma, isso não
quer dizer que qualquer um, aliquis, não possa ser mentiroso. Aliquis homo
mendax. Tal é a particular afirmativa habitualmente designada na nomeação
clássica pela letra I. Aqui, a negativa particular será o non omnis (não-todo),
sendo aqui resumida por nullus (nenhum): non nullus homo non mendax = não
há nenhum homem que não seja mentiroso.
(
LACAN, 17/01/1962/ inédito,
tradução nossa).
7
Dor (1995) elaborou o quadro abaixo para facilitar a leitura dessas idéias de
Lacan.
6
Homo mendax (el hombre miente), ya que es lo que escogí para introducir esta revisión. Tomémoslo,
pues: homo y mismo omnis homo: omnis homo mendax = todo hombre es mentiroso.
¿
Cuál es la
fórmula negativa? Según una forma que trae la negación y que en muchas lenguas: omnis homo non
mendax puede bastar. Quiero decir que omnis homo non mendax quiere decir que de todo hombre es
verdadero que él no sea mentiroso. Sin embargo, para efecto de claridad, es el término nullus (ninguno)
que nosotros empleamos: nullus homo mendax.
7
¿
Que va a ocurrir en el nivel de las particulares? Ya que nos interesamos por la negativa, es bajo una
forma negativa que nosotros vamos a poder aquí introducir; non omnis homo mendax, ni todo hombre es
mentiroso; dicho de otra manera: escojo y verifico que hay hombres que no son mentirosos. En suma,
eso no quiere decir que cualquier uno, aliquis, no pueda ser mentiroso. Aliquis homo mendax. Tal es la
particular afirmativa habitualmente designada en la nominación clásica por la letra I. Aquí, la negativa
particular será el non omnis (no-todo), siendo aquí resumida por nullus (ninguno): non nullus homo non
mendax = no hay ningún hombre que no sea mentiroso.
30
Figura 7: Quadro das proposições lógicas de Lacan em latim.
Fonte: DOR, Joël. Introdução à Leitura de Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. V.2 p. 210.
A expressão ‘nem-todo’, ou como em psicanálise já se está habituado a dizer
não-todo, é a tradução do termo francês ‘pas-tout’ e ‘não-nenhum’ é a tradução de ‘pas-
aucun’. Construímos um novo quadro comparativo para uma melhor compreensão das
diferenças entre as proposições da lógica de Aristóteles e as formulações de Lacan. Do
lado esquerdo, tem-se as proposições de Aristóteles e do lado direito, as de Lacan,
com o resultado de seus questionamentos sobre as proposições particulares. Ao centro,
tem-se as letras que denominam cada tipo de proposição:
Aristóteles Lacan
Todo homem é mentiroso.
A Todo homem é mentiroso.
Todo homem não é mentiroso.
E Nenhum homem é mentiroso.
Algum homem é mentiroso
I
Nem-todo homem é mentiroso
(= homens que não são
mentirosos.).
Algum homem não é mentiroso
O
Há não-nenhum homem que não seja
mentiroso. (= Não há nenhum homem
que não seja mentiroso.)
Figura 8:
Quadro comparativo das proposições de Aristóteles e Lacan.
31
A inovação de Lacan encontra-se nas duas proposições particulares. O
particular negativo ‘algum homem não é mentiroso’ é muito diferente de ‘não
nenhum homem que não seja mentiroso’. Neste caso, a particular negativa de Lacan
tem o mesmo significado da universal afirmativa, justificando, assim, a necessidade do
estudo gramatical da afirmativa e da negativa que ele efetuou no Seminário 9, para
sustentar essa equiparação. Desta maneira, não existe homem que não seja mentiroso
é o mesmo que dizer que todos os homens são mentirosos: (A=O).
Em ambas as proposições particulares, percebe-se que Lacan introduz a
negativa sobre o sujeito, o que segundo ele é algo inadmissível para a lógica clássica,
que para Aristóteles a negativa não deve incidir sobre o sujeito mas sobre o
predicado, ser mentiroso ou não ser mentiroso.
8
Observem primeiramente que se aqui eu introduzo o non omnis homo mendax:
o pas-tout (não-todo), o termo pas incidindo sobre a noção de tout como
definindo a particular, não é que isso seja legítimo, pois precisamente
Aristóteles se opõe a isso (...) [para Aristóteles] não é sobre a quantificação da
universalidade que deve incidir a negação. É, pois exatamente de um homem
qualquer (quelqu’homme), aliquis, que se trata e de um homem qualquer que
nós devemos interrogar como tal como mentiroso.
(
LACAN, 17/01/1962/
inédito, tradução nossa).
9
Além do não-todo na proposição particular, Lacan insiste que a negativa recaia
sobre a qualificação do omnis, da categoria universal. Para concluir sua revisão da
lógica clássica Lacan se interroga sobre a diferença entre universal e particular e sobre
a definição de sujeito para estabelecer se este seria da ordem da afirmativa ou da
negativa.
Na lógica formal, o sujeito é da ordem da qualidade e o atributo, aqui no caso
mentiroso, é da ordem da quantidade. A distinção entre qualidade e quantidade não é
8
Lacan trabalha com apenas um aspecto da lógica de Aristóteles deixando de lado os questionamentos
do próprio filósofo sobre a sua lógica e os outros desenvolvimentos que ele fazia em paralelo sobre as
proposições categóricas. Portanto, as idéias de Aristóteles ultrapassam o recorte feito por Lacan e
retomado nesta investigação.
9
Observen de entrada que se aquí yo introduzco el non omnis homo mendax: el pas-tout (no-todo), el
término pas incidindo sobre la noción de tout como definiendo la particular, no es que eso sea legítimo,
pues precisamente Aristóteles se opone a eso (...) [para Aristóteles] no es sobre la quantificación de la
universalidad que debe incidir la negación. es, pues exactamente de un hombre cualquiera
(quelqu’homme), aliquis, que se trata de un hombre cualquiera que nosotros debemos interrogar como tal
como mentiroso.
32
recente, ela pode ser encontrada num tratado sobre as doutrinas de Platão. O que
interessa para esta pesquisa é que essa distinção introduz uma categoria que Lacan
utiliza para questionar a formulação clássica.
Segundo Dor (1995), Lacan baseia-se em algumas observações de Charles S.
Pierce sobre a lógica para questionar a distribuição formal aristotélica. Ele utiliza o
seguinte esquema numa tentativa de distinguir o sujeito do atributo e a qualidade da
quantidade. Baseando-se no quadrante aristotélico, Pierce propõe um círculo com
quatro quadrantes e dentro de três deles foram desenhados traços. O traço será lido
como função traço, representando o sujeito pela indicação da qualidade, e o traço
vertical, representando o atributo pela função vertical, que intervirá a título de
quantidade.
Figura 9: Figura do esquema de Charles S. Pierce.
Fonte: DOR, Joël. Introdução à Leitura de Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. V.2 p. 210.
O quadrante 1 representa a proposição universal afirmativa, ‘todo traço é
vertical’, mas, o quadrante 2 também a ilustra, na medida em que a ausência de traços
33
não está em contradição com a proposição no quadrante 1. a universal negativa,
‘nenhum traço é vertical’, está ilustrada no quadrante 2 e 4. O que Lacan está tentando
demonstrar é que há algo além das tabelas de oposições que dizem que a universal
afirmativa e a universal negativa são contrárias. A proposição ‘todo traço é vertical’ está
ilustrada no quadrante 1 e 2, ao mesmo tempo, concluindo assim que a universal
afirmativa (quadrante 1) e a universal negativa (quadrante 2) não são aqui contrárias,
mas podem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo.
Porém se o setor 2 ilustra bem essa proposição, não devemos esquecer que
igualmente ilustrava a afirmativa universal. Esse diagrama faz então com que
surja uma propriedade rejeitada pela lógica clássica, a qual estipula que a
afirmativa universal e a negativa universal não podem ser verdadeiras ao
mesmo tempo. (DOR, 1995, p. 212).
10
Lacan demonstra, assim, que a universal afirmativa e a universal negativa podem
ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo. A universal afirmativa está representada
pelos dois primeiros setores e a universal negativa pelos dois setores da direita.
Dessa forma, um outro agrupamento se torna evidente. Lacan está mais
preocupado em reagrupar as proposições entre universal-particular e afirmativo-
negativo: O que isto é destinado a ilustrar é a distinção universal-particular, enquanto
ela forma um par distinto da oposição afirmativo-negativa.” (LACAN, 17/01/1962/inédito,
tradução nosssa).
11
Lacan se esforça para fazer esse novo agrupamento para que
apareça a distinção entre a lexis e a phasis. A oposição universal-particular é uma
oposição da ordem da lexis, isto é, é algo que “eu digo” ou “eu escolho”. Dessa
maneira, explicita-se a escolha de um significante. a oposição afirmativo-negativa é
da ordem da phasis, como uma palavra, por onde alguém pode sim ou não se engajar
na existência do que é posto em questão pela lexis. Eis as palavras de Lacan sobre
essa distinção entre lexis e phasis.
Chamaremos de oposição universal-particular uma oposição da ordem da
lexis, o que é para nós legein: “eu digo”, mas também “eu escolho”, muito
10
Grifos do autor.
11
A lo que es destinado a ilustrar es la distinción universal-particular, mientras ella forma un par
distinguido de la oposición afirmativo-negativa.
34
exatamente ligada a esta função de extração, de escolha de um significante
que é aquilo sobre o que, por enquanto, o terreno, a passarela sobre a qual
estamos avançando. Isto para distingui-la da phasis, isto é, de algo que aqui se
propõe como uma palavra (parole) por onde sim ou não eu me engajo quanto à
existência deste algo que é posto em causa pela lexis primeira.
(
LACAN,
17/01/1962/inédito, tradução nossa).
12
Enquanto a lexis fala sobre escolha de um significante, “eu digo” ou “eu escolho”,
a phasis é sobre a constatação: eu digo sim a este significante da lexis, ou eu digo não
a ele. Temos, portanto, a distinção entre a escolha de um significante e a sua
constatação. Sendo a lexis os traços verticais eu constato a existência de traços
verticais no setor 1 e no setor 3.
Dor questiona o interesse de Lacan em demonstrar a distinção entre lexis e
phasis, dizendo que essa caracterização serviu para “delimitar e inscrever a incidência
do Nome-do-Pai e da função fálica no processo da lógica e de sua escritura, com todas
as conseqüências que isso implica na sexuação. (Dor, 1995, p. 212).
13
Para isso, Lacan retoma os ensinamentos de Freud, especialmente uma
proposição universal formulada por ele: ‘o pai é Deus’ ou dito de outra forma, ‘todo pai é
Deus, não há outro pai senão Deus’. O que importa para Lacan é introduzir esta função
a função Nome-do-Pai como um valor universal, uma proposição universal
afirmativa. A proposição universal está localizada no setor 1 e no setor 2 pois, se não
há pais, é sempre verdadeiro que o pai seja Deus, o que é confirmado pelo setor vazio.
Em nível da phasis, há pais que preenchem mais ou menos essa função simbólica, não
se tratando aqui do senso comum do significado de pai, mas do significante Nome-do-
Pai.
A lexis é da ordem da escolha de um significante, significante do Nome-do-Pai, e
a phasis da ordem da constatação, ou não, porque esta é independentemente da
presença ou da ausência de um pai na realidade. Se uma pessoa é mais pai do que
outra, se ela está mais presente na vida da criança do que outro pai que viaja muito, por
12
Llamaremos de oposición universal-particular una oposición de la orden de la lexis, lo que es para
nosotros legein: “yo digo”, pero también yo escojo”, muy exactamente conectada a esta función de
extracción, de elección de un significante que es aquello sobre lo que, de momento es, el terreno, la
pasarela sobre la cual estamos avanzando. Esto para la distinguír de la phasis, es decir, de algo que aquí
se propone como una palabra (parole) por donde sí o no yo me engajo cuanto a la existencia de este algo
que es puesto en causa por la lexis primera.
13
Grifos do autor.
35
exemplo, é de maneira independente disso que essa função sempre se inscreve como
universal. A função Nome-do-Pai sempre existe e isso é sempre verdadeiro.
Ainda explicitando o esquema dos traços, mostrando que a ausência de traços
verticais não está em oposição à afirmativa universal de que todo traço é vertical, Lacan
conclui que a lei da universalidade implica na existência de ao menos um no qual traços
verticais não são encontrados. Dito de outra forma, a universalidade, o ‘todo’, necessita
de ‘ao menos um’, de pelo menos a existência de um elemento que possa estar
subtraído dela, para quem o predicado não se aplica. A regra exige a exceção: “A
exceção não confirma a regra, como gentilmente se diz, ela a exige, é ela que é seu
verdadeiro princípio.” (LACAN, 14/03/1962/ inédito, tradução nossa).
14
Aqui se pode perceber a influência do estruturalismo de Roman Jakobson
15
,
quando este afirma que, a partir de uma linguagem universal’, é necessário a perda de
alguns fonemas para se ter acesso aos fonemas da própria língua, e não a aquisição de
fonemas. A regra exige a exceção:
Jakobson tratou o estruturalismo a partir dessa “oposição binária” da fonética,
considerando-a como uma condição essencial. (...) Para avançar nessa
questão, considerou que as primeiras oposições significantes estão
relacionadas com o que denominou de perda da linguagem universal”. Neste
sentido, para se adquirir uma condição necessária de fala, não se tratava de
uma aquisição ou de um ganho, mas de uma ocorrência sucessiva de perdas.
(SOUZA, 2003, p. 20)
Além de Jakobson, por outro lado, Lacan também evoca o matemático Gottlob
Frege para facilitar a transmissão de suas idéias, conforme veremos na seção a seguir.
A transmissão da psicanálise pode ser muito facilitada se, ao invés de utilizarmos
palavras que dependem do contexto proposicional, sejam utilizados sinais matemáticos,
tal como proposto por Frege nos Fundamentos da Aritmética de 1893. Portanto, pode-
se dizer que Lacan escreve as proposições na tábua da sexuação, utilizando-se de
sinais matemáticos a fim de se evitar mal-entendidos e erros na transmissão da
psicanálise.
14
La excepción no confirma la regla, como gentilmente se dice, ella la exige, es ella que es su verdadero
principio.
15
Roman Osipovich Jakobson (1896 - 1982) pensador russo, pioneiro da análise estrutural da linguagem,
se tornou um dos maiores lingüistas do século 20.
36
A lógica proposicional oferece um modelo de raciocínio muito limitado e Frege
ampliou-a tentando demonstrar como as sentenças se relacionavam em determinados
aspectos, passando a chamá-la de lógica dos predicados. Antes era impossível
demonstrar, através de uma única sentença, como por exemplo ‘vacas são animais’ que
‘partes de vacas são parte de animais’. Frege introduziu o vocabulário dos
quantificadores e métodos para usá-los na linguagem para solucionar esta dificuldade.
Assim, a proposição todos os homens são mortais’ se torna ‘para todo x, se x é um
homem, então x é mortal’. Esta sentença pode ser escrita simbolicamente como
x fx.
E a sentença ‘alguns homens são vegetarianos’ torna-se ‘existe algum (ao menos um)
x, tal que x é humano e x é vegetariano, que simbolicamente pode ser escrita como
x
fx.
Na tábua da sexuação Lacan utiliza este simbolismo matemático para escrever
as sentenças que ele elaborou a partir da sua revisão da lógica clássica. Tem-se,
então, quatro fórmulas na parte superior da tábua que utilizam o vocabulário dos
quantificadores (o A de cabeça para baixo e o E invertido), uma função de referência, e
os sinais que indicam a negação (o traço horizontal acima de alguma parte da fórmula).
Primeiro, abaixo, expusemos a forma geral de como se deve ler uma fórmula:
Universal Afirmativo:
x fx: Para todo x é verdadeiro que a função F se aplica ao
x.
Universal Negativo:
x fx: Para não-todo x é verdadeiro que a função F se aplica
ao x.
Particular Afirmativo:
x fx: Existe ao menos um x tal que a função F não se
aplica ao x.
Particular Negativo:
x fx: Não existe ao menos um x tal que a função F não se
aplica ao x.
Tudo isso facilitará a compreensão da tábua da sexuação, onde Lacan expõe,
através de sinais matemáticos o processo de sexuação. A divisão biológica dos seres
entre homens e mulheres não garante e não predetermina a identidade sexual de cada
37
um. Ela é produto de uma identificação, desse processo de sexuação que é o resultado
da defrontação dos seres falantes com a castração.
As fórmulas da sexuação têm a ver com esse processo de identificação e Lacan
escreve as quatro fórmulas indicando a função x como sendo a função fálica, que é
uma função que acomete a todos os seres falantes. Visto que é sempre verdadeiro que
a função Nome-do-Pai exista, Lacan utiliza esta função, ou seja, a função fálica, como
referência nas fórmulas.
Se todos os seres se defrontam com a castração e a partir dela são levados a se
posicionar, a função Fx das proposições descritas acima passa a ser a função fálica,
Φx, na tábua da sexuação. Ao fazer esta substituição tem-se:
Universal Afirmativo: : Para todo x é verdadeiro que a função fálica
se aplica ao x.
Universal Negativo: : Para não-todo x é verdadeiro que a função fálica
se aplica ao x.
Particular Afirmativo: : Existe ao menos um x tal que a função fálica
não se aplica ao x.
Particular Negativo: : Não existe ao menos um x tal que a função fálica
não se aplica ao x.
Para sustentar a necessidade de Lacan transcrever suas elaborações sobre a
sexuação em sinais matemáticos, é necessário um breve estudo das idéias de Frege
sobre o assunto e sua preocupação com a ambigüidade das palavras. Para o filósofo,
as palavras dependem de outras palavras para a transmissão de um conceito e como
as palavras podem ter mais de um significado, quando combinadas, isto pode gerar
alterações na transmissão de uma idéia. Para solucionar esse problema, Frege propôs
uma conceitografia, isto é, a grafia matemática de um conceito.
38
1.1.2 Lacan e Gottlob Frege
16
Lacan em O Aturdito (1973) faz referência a Gottlob Frege ao descrever as
fórmulas contidas na tábua da sexuação dizendo que a articulação da função como
proposição é a de Frege.
Daí uma inscrição possível (...) dessa função como Φx, à qual os seres
responderão segundo sua maneira de ali fazer um argumento. Essa articulação
da função como proposição é a de Frege. (LACAN, 1973, p. 457).
Perguntamos-nos qual é a justificativa de Lacan para utilizar-se das idéias de
Frege na formatação da tábua da sexuação. Em Sobre a Justificação Cientifica de uma
Conceitografia publicado pela primeira vez em 1879, Frege sintetizou suas pesquisas
sobre as operações de negação, identidade e quantificador universal. O projeto de
Frege era o de reduzir a aritmética à lógica onde, uma expressão aritmética significaria
o mesmo que uma expressão lógica. Para isso, a lógica clássica mostrava-se
insuficiente e uma das razões para tal insuficiência seria a imprecisão da linguagem.
Peguemos, por exemplo, a língua portuguesa, que é muito expressiva porém,
extremamente ambígua. Por exemplo, na frase pequenos cachorros e gatos’ não está
claro quem é pequeno, se é o cachorro, o gato ou se são ambos.
A fim de alcançar o seu objetivo e conseguir com sucesso reduzir a aritmética à
lógica, Frege substituiu a distinção entre sujeito e predicado da noção clássica por
função e argumento podendo, dessa forma, os teoremas da aritmética serem provados
a partir dos axiomas lógicos. Frege elabora, então, uma nova lógica focada numa
linguagem simbólica artificial que pode exprimir conhecimentos de forma objetiva.
16
As sistematizações do pensamento, elaboradas pela filosofia clássica, permaneciam presas à
linguagem corrente. Isso começou a mudar com a introdução da álgebra onde Leibniz (1646-1716)
introduziu os princípios de uma lógica simbólica, no seu projeto de uma linguagem artificial sem
ambigüidades. Mas foi somente no século XIX que pesquisadores como George Boole (1815-1864) -
álgebra da lógica e Cantor (1845-1918) com a teoria dos conjuntos, juntamente com Frege (1848-1625)
considerado por muitos estudiosos o fundador da lógica matemática moderna - conseguiram construir
uma lógica livre dos entraves da lógica clássica.
39
A nova lógica elaborada por Frege se expressa através de uma linguagem
simbólica artificial. A linguagem comum (utilizada pela gica clássica) é
inadequada para exprimir com exatidão propriedades e relações lógicas, em
virtude de sua gramática não se orientar por necessidades puramente
cognitivas, servindo também a outras necessidades humanas, como a estética.
(Os pensadores, 1893(b), p.181).
Nos seus estudos, Frege utiliza símbolos, seus sentidos e suas referências. Em
uma linguagem ideal, cada símbolo teria apenas uma referência, extinguindo toda a
ambigüidade. Lacan, por sua vez, utiliza sinais matemáticos nas suas fórmulas,
provavelmente para evitar o mal-entendido e os erros na transmissão do pensamento,
assim como defende Frege em sua Conceitografia. Ali, ele fala da necessidade
contínua da busca de meios para se evitarem mal-entendidos e erros no pensamento
no campo das ciências abstratas. Para ele, ambos os problemas têm origem na
imperfeição da linguagem. Ele utiliza sinais, especialmente os sinais matemáticos, para
dizer o quanto um sinal é um porto seguro’ para uma representação, comparando a
importância dos sinais para o pensamento com o vento para a navegação. Por fim
Frege nos dá a orientação de não menosprezar os sinais.
Se produzirmos, porém, um sinal para uma representação evocada por uma
percepção, cria assim um novo centro firme à volta do qual se reúnem
representações. Os sinais têm para o pensamento o mesmo significado que
para a navegação a idéia de utilizar o vento para velejar contra o vento. Por
isso, que não se menosprezem os sinais. (FREGE, 1983(b), p. 189).
A linguagem, no entanto, propicia os erros do pensamento justamente por seu
aspecto de não univocidade e por não ser regida por leis lógicas. Uma mesma palavra
serve para designar coisas diferentes e até mesmo a existência, ou não, de vírgulas
pode modificar uma mensagem.
Frege lembra ainda outro problema enfrentado pela linguagem: os casos em que
o significado das palavras é um pouco diferente mas, no entanto, é ignorado. Se a
linguagem seguisse leis lógicas, bastaria obedecer as regras da gramática para garantir
a forma do pensamento. No entanto, as formas são tão frouxas que é praticamente
impossível distinguir um ponto que é ignorado ou uma passagem sem lacunas.
A linguagem não é regida por leis lógicas, de modo que a obediência à
gramática garantisse a correção formal do curso do pensamento. As formas
40
em que se exprime a dedução são tão variadas, tão frouxas e flexíveis que
facilmente se podem insinuar, sem que se perceba, premissas que em seguida
são ignoradas. (...) Não existe na linguagem um conjunto rigorosamente
delimitado de formas de raciocínio, de modo a não se poder distinguir, pela
forma lingüística, uma passagem sem lacunas de uma que omite membros
intermediários. (FREGE, 1983(b), p. 190).
No caso da obra de Lacan, por exemplo, muito dela foi traduzido do francês para
o espanhol e a partir daí para o português. É possível que algo tenha se perdido, ou
sido ligeiramente alterado no decorrer destas traduções. Uma vez que a tábua da
sexuação contém sinais matemáticos, termos e significantes, não possuindo palavras
escritas, é possível uma transmissão mais fidedigna ao original, excluindo-se o aspecto
impreciso da linguagem, como demarcado por Frege.
A seguir, há um exemplo de como a imprecisão da linguagem e certas distinções
gramaticais difíceis tornam-se mais simples com o auxílio da lógica matemática, para
estabelecer a diferença entre as sentenças 1 e 2.
(1) Os elementos de A que pertencem a B pertencem a C.
(2) Os elementos de A, que pertencem a B, pertencem a C.
Sintaticamente, a diferença entre as duas frases é a presença de vírgulas. Um
gramático explicaria a diferença dizendo que na sentença 1 a frase ‘que pertencem a B’
é uma oração subordinada restritiva. Ao passo que na sentença 2 a frase entre vírgulas
‘,que pertencem a B’ é uma oração subordinada explicativa. Seria ainda necessário
explicar o que vem a ser cada uma dessas orações e suas regras para que se possa
compreender a diferença entre ambas.
no campo da lógica, a diferença entre as duas sentenças pode ser facilmente
explicada ao serem traduzidas por sinais matemáticos, utilizando a relação entre
conjuntos e os círculos de Euler.
41
Sentença 1
Sentença 2:
Figura 10: Os círculos de Euler.
Fonte: KRAUSE, Newto C. A. Lógica: O Cálculo Proposicional Clássico.
17
Para Frege, pequenas diferenças no significado das palavras e as traduções
recorrentes para outras línguas podem passar uma mensagem imprecisa de forma
despercebida e, no final, produzir uma conclusão incorreta.
A razão dos defeitos salientados está em certa maleabilidade e mutabilidade
da linguagem, que é por outro lado condição de sua capacidade de
desenvolvimento e de sua aplicabilidade variada. (...) Assim também a
linguagem verbal não basta. Carecemos de um conjunto de sinais do qual se
expulse toda ambigüidade, e cuja forma rigorosamente lógica não deixe
escapar o conteúdo. (FREGE, 1983(b), p. 191).
Em sua investigação para os fundamentos da aritmética, Frege afirma ter
seguido três princípios lógicos:
Primeiro princípio: separar o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo.
Segundo princípio: perguntar pelo significado das palavras no contexto da
proposição e não isoladamente.
17
Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause/pg/cursos/Novo4.pdf.
42
Terceiro princípio: não perder de vista a distinção entre conceito e objeto.
Nesta investigação ative-me firmemente aos seguintes princípios: Deve-se
separar precisamente o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo; deve-se
perguntar pelo significado das palavras no contexto da proposição e não
isoladamente; não se deve perder de vista a distinção entre conceito e objeto.
(FREGE, 1983(a), p. 202).
um privilégio do sinal matemático sobre a palavra pois esse tem a vantagem
de ser preciso e distinto. Para Frege, se tivermos um sinal escrito preciso, isso também
fará com que o que é transmitido por ele o seja de modo mais preciso, acarretando um
rigor para o raciocínio. Dessa maneira, ele propõe a conceitografia (conceito grafia)
para que um conhecimento possa ser transmitido da forma mais objetiva possível.
Ele chama a linguagem aritmética de uma conceitografia por exprimir
imediatamente o assunto. “A linguagem das fórmulas da aritmética é uma
conceitografia, pois exprime imediatamente o assunto.” (FREGE, 1983 (b), p. 192).
18
Na tábua da sexuação, Lacan não utilizou nenhuma frase escrita, especialmente
na parte superior onde se encontram os quantificadores universais e particulares. Pode-
se supor uma tentativa de evitar o mal-entendido, as omissões e os erros de raciocínio
em relação a suas elaborações sobre a sexuação. Ele defende a formalização
matemática porque só ela é capaz de uma comunicação objetiva.
18
Anos depois da publicação de seus estudos, Frege recebeu uma carta de Bertrand Russel apontando
um problema em sua teoria. Esse problema ficou conhecido como o paradoxo de Russell. A
inconsistência no sistema de Frege pode ser exemplificada pelo paradoxo do barbeiro.
Há em Sevilha um barbeiro que reúne as duas condições seguintes:
1) faz a barba em todas as pessoas de Sevilha que não fazem a barba em si próprias
2) só faz a barba a quem não fizer em barba a si próprio.
O aparente paradoxo surge quando tentamos saber se o barbeiro faz a barba em si próprio ou não. Se
fizer a barba em si mesmo, não pode fazer a barba em si próprio, para não violar a condição 2. Mas se
não fizer a barba em si mesmo, então tem de fazer a barba em si, pois essa é a condição 1 para que ele
possa desempenhar o seu ofício.
Infelizmente, Frege morreu sem conseguir solucionar esse problema. Os paradoxos lógicos o
contradições que não contêm nenhuma falha lógica óbvia. Segundo Russel, todos eles são auto-
referenciados, ou seja, entram num tipo de ‘círculo vicioso’. A teoria dos conjuntos nasceu para dar uma
solução parcial para o problema dos paradoxos.
43
De certa forma, Lacan usa a linguagem dos sinais matemáticos utilizando-se das
mesmas justificativas de Frege. Ele escreve em 1973 que a formalização matemática é
o ideal porque ela é capaz de transmitir o assunto integralmente. Porém, não deixa de
salientar uma objeção: a linguagem matemática é uma formalização da língua que não
pode ser transmitida sem o uso da própria língua e aí se encontra novamente a
preocupação com a imperfeição e univocidade da língua.
A formalização matemática é nosso fim, nosso ideal. Por quê? Porque ela é
matema, quer dizer, capaz de transmitir integralmente. A formalização
matemática é a escrita, mas que subsiste se eu emprego, para apresentá-
la, a língua que uso. é que es a objeção nenhuma formalização da
língua é transmissível sem o uso da própria língua. (LACAN, 1972/73, pg. 161).
No mesmo ano ele defende, mais uma vez, a utilização da matemática através
de seus signos e matemas, mesmo que não se saiba exatamente o que eles dizem.
Neste sentido, são melhores para a transmissão do que a linguagem que ele diz
comportar uma inércia. Mesmo assim, os sinais matemáticos podem se transmitir
através da linguagem.
A dita linguagem (...) comporta uma inércia considerável, o que se ao se
comparar seu funcionamento com os signos que chamamos de matemáticos,
matemas, unicamente pelo fato de eles se transmitirem integralmente. Não se
sabe absolutamente o que eles querem dizer, mas eles se transmitem. Nem
por isso deixa de acontecer que eles só se transmitem com o auxilio da
linguagem, e é o que constitui toda a claudicação do negócio. (LACAN,
1972/73, p. 150).
Na bua da sexuação existem duas proposições com os quantificadores
universais e outras duas com os quantificadores particulares, todos eles tendo a função
fálica como referência para falar do masculino e do feminino. Segue-se um exame
dessas fórmulas matemáticas, inserindo as noções da teoria da psicanálise que
levaram Lacan a construí-las.
44
1.2 Os quantificadores universais e existenciais
Na tábua da sexuação, a parte superior é dividida de tal forma que se
apresentam quatro fórmulas agrupadas duas a duas sendo metade delas localizada do
lado masculino (lado esquerdo) e a outra metade do lado feminino (lado direito). Para
Lacan, a humanidade é dividida entre homens e mulheres, mas diferentemente da
biologia, cada um pode escolher de que lado se identifica. “Quem quer que seja ser
falante se inscreve de um lado ou de outro”. (LACAN, 1972/73, p. 107).
Figura 11: A Parte superior da tábua da sexuação.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
Lacan utiliza a linguagem matemática na tábua da sexuação onde se pode
encontrar o quantificador universal (
) e o quantificador existencial (
) e a função x.
Para o quantificador universal lê-se:
: todo x, ou, para todo x, ou, qualquer que seja x.
Já para o quantificador existencial temos:
: existe pelo menos um x, ou, existe x, ou, existe algum x.
Para negar a função coloca-se uma barra horizontal sobre qualquer parte que se
queira negar. Por exemplo:
: não existe pelo menos um x, ou, não existe x, .
45
Do lado esquerdo a parte masculina dos seres falantes, onde se encontram
duas fórmulas, a primeira usando o quantificador existencial e a segunda usando o
universal.
Figura 12: Quadro das fórmulas do lado masculino.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
Na linha superior há a fórmula proposicional particular lida da seguinte
forma:
= Existe ao menos um x para quem a função fálica não incide.
A função fálica (Φx) remete à castração que, nessa fórmula, tem um traço
horizontal sobre ela indicando a sua negativa. Assim, a fórmula é: existe pelo menos
um homem que não foi submetido à castração; ou seja, que não foi castrado.
Esse pelo menos um que não segue a regra da castração permite a
fundamentação da mesma e nesse caso, a exceção exige que haja alguma regra.
Lacan (1962) diz que a exceção é o verdadeiro princípio de uma regra. Dessa maneira,
a universalidade expressa na segunda fórmula tem sentido porque pelo menos um
elemento está subtraído dela. “Assim, a lei da interdição do incesto justifica seu valor de
universalidade pelo fato de que ao menos um (o tirano da horda primitiva) era exceção.”
(DOR, 1995, p. 214).
Na da tábua da sexuação, a exceção à regra da lei da castração, é a existência
de pelo menos um que não é submetido à esta, e, portanto, a regra é que todo homem
46
é submetido à castração. A linha inferior, do lado masculino, traz a fórmula
proposicional que ilustra essa universalidade :
= Para todo homem é verdadeiro que a função fálica incide.
A lógica fálica obriga aos homens existirem dentro de uma universalidade, não
havendo nenhum homem fora da lei, exceto o pai Simbólico
19
. Dor (1995) demarca
muito bem que a proposição universal afirmativa (para todo x é verdadeiro que
a função fálica incide) se baseia na existência da exceção, na proposição particular
negativa (existe um x para quem a função fálica não incide).
Do lado feminino, o lado direito da bua, encontram-se os mesmos sinais da
linguagem matemática que foram utilizados do lado masculino.
Figura 13: Quadro das fórmulas do lado feminino.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
Na primeira linha, há a fórmula que é lida da seguinte forma:
= Não existe ao menos um para quem a função fálica não seja
verdadeira; ou seja, que não é castrado.
Nesse caso, não previsto na lógica clássica de Aristóteles, Lacan afirma a não
existência de pelo menos um que tenha escapado à castração. Ou seja, não existe ao
menos uma mulher que seja uma exceção à regra. Não existindo a exceção, não existe
também a regra universal para todas as mulheres. Não é possível, portanto, fazer um
19
O assunto do pai Simbólico será abordado na próxima subseção 1.2.1 O pai primevo de Totem e Tabu.
47
paralelo com o lado dos homens. se encontra ao menos um que escapa à regra,
aqui não se encontra nenhuma mulher que escape à castração.
Se a exceção funda a regra, com a ausência de uma exceção, a universalidade,
(
x), o para todo x’ não se aplica. Como resultado tem-se a segunda fórmula do lado
feminino:
= Para não-toda mulher é verdadeiro que a função fálica incide.
O conjunto universal só pode ser fundado na presença de um que esteja fora da
regra do ‘todo’, assim, se do lado feminino não há essa exceção, é impossível a
universalidade do ponto de vista da função fálica, ou seja, é impossível falar de todas
as mulheres’. Essa qualificação universal todas’ não pode ser dito delas, visto que lhes
falta a exceção. Sem o um que escapa à regra, o todo não pode existir e, assim, Lacan
propôs o pas-tout, o não-todo.
Enquanto que do lado masculino é possível falar do conjunto de todos os
homens, ou na expressão geral ‘O Homem’, do lado feminino isso é impossível, porque
não há o conjunto de todas as mulheres, a expressão universal ‘A Mulher’ não é
permitida. Em conseqüência disso, Lacan formula uma de suas enigmáticas frases: A
mulher não existe’. O artigo definido A deve ser barrado (A/), a fim de demonstrar que o
conjunto universal da mulher não existe. Aqueles seres que estão do lado feminino, se
fundam ao ser não-todo situado na função fálica. Assim nas palavras de Lacan:
Quando escrevo
esta função inédita na qual a negação cai sobre
o quantificador a ser lido o-todo, isto quer dizer que quando um ser falante
qualquer se alinha sob a bandeira das mulheres, isto se dá a partir de que ele
se funda por ser não-todo a se situar na função fálica. É isto o que define a... a
o quê? a mulher justamente, que A mulher, isto se pode escrever
barrando-se o A [A/]. Não A mulher, artigo definido para designar o
universal. Não há A mulher, pois (...) por sua essência ela não é toda. (LACAN,
1972/73, p. 98).
Uma das conclusões desta observação é que do lado feminino nenhuma das
duas proposições apresentadas expressa a universalidade. Esse é um ponto que Lacan
(1972-73) chama nossa atenção ao dizer que entre o lado esquerdo e o lado direito da
tábua da sexuação as proposições universais não podem se unir, elas não se igualam
48
como seria de se esperar na lógica clássica. Não há universal articulável do lado
feminino e por isso, em relação à função fálica, uma mulher se sujeita não-toda à ela.
Mais à frente, este trabalho irá se aprofundar nessas idéias e articular outras
conclusões referentes ao feminino.
Se Lacan partiu do particular para desenvolver o universal, é correto supor que a
primeira fórmula elaborada por ele foi a da exceção dos homens, (existe um
x para quem a função fálica não incide), seguida pelas outras três fórmulas. Lacan foi
buscar em Freud, no texto Totem e Tabu de 1913, o ao menos um que escapa à regra
da castração, sendo ele o pai primevo do mito freudiano.
49
2. AS PROPOSIÇÕES DO LADO MASCULINO DA TÁBUA
As duas proposições do lado masculino da tábua são uma proposição particular
( ) e uma universal ( ), que unem a teoria de Freud e de Lacan sobre
a sexualidade dos homens. Lacan buscou, no texto Totem e Tabu, uma justificativa
para estas proposições.
2.1 A parte superior do lado masculino: e
Essa afirmativa de que existe pelo menos um x, ou seja, pelo menos um homem
para quem a castração não incide foi inspirada em um mito, o mito do pai primevo
encontrado no texto freudiano Totem e Tabu (1913). “Mas sua todothominia [todo
homem] confessa sua verdade pelo mito que ele [Freud] criou em Totem e Tabu.
(LACAN, 1973, p. 462).
Em linhas gerais o pai da horda primitiva tinha livre acesso a todas as mulheres
do bando, em outras palavras, não havia nenhuma lei, nenhuma relação de parentesco,
nenhum tabu que o impedisse de ter relações sexuais com toda e qualquer mulher. No
entanto, com sua presença física e o fato de ser o macho dominante, ele impedia os
outros machos de terem relações sexuais dentro do grupo. Por fim, esses machos se
unem e assassinaram o macho dominante. Esse assassinato marca certa
reorganização da horda: o macho assassinado transforma-se no pai e os que o
mataram transformam-se nos filhos.
Subseqüente ao assassinato, os filhos, movidos por um enorme sentimento de
culpa, instauram a lei da proibição do incesto que, de certa forma, faz reviver o pai
morto. Enquanto sua presença física impedia a prática do incesto pelos filhos, quando
morto ele passa a ter um efeito de Pai Simbólico e a proibição do incesto tem força de
Lei.
50
Embora os instintos tenham sido a força motriz para o assassinato, Freud (1913)
faz questão de marcar que, apesar da vitória, os filhos abriram mão das mulheres, a
fonte de seus desejos, devido a um sentimento subseqüente de culpa pela morte do
pai, instituindo a proibição do incesto. Com essa decisão, além de reforçar a lei do pai,
eles o transformaram no único homem que não era submetido à ela.
Portanto, Lacan escreve que para a lei da castração há ao menos um que coloca
um limite, ao menos um que nega esta lei, sendo ele o pai primevo. Se, somente o
pai da horda primitiva é esta exceção, (existe um x para quem a função
fálica não incide), todos os outros homens são submetidos à lei e, assim, Lacan propõe
a segunda proposição: (para todo x é verdadeiro que a função fálica incide).
A universalidade se funda pela exceção, a partir de um limite que lhe é
fundamental. O todo encontra um x que nega a função fálica e essa exceção é a
função do pai (ou pai Simbólico), fazendo o ‘todo x’ repousar nela.
À esquerda, a linha inferior,
, indica que é pela função fálica que o
homem como todo toma inscrição, exceto que essa função encontra seu limite
na existência de um x pelo qual a função é negada,
.
está o
que chamamos de função do pai de onde funda o exercício do que supre,
pela castração a relação sexual no que esta não é de nenhum modo
inscritível. O todo repousa, portanto, aqui na exceção colocada, como termo,
sobre aquilo que, esse , o nega integralmente. (LACAN, 1972/73, p.107).
O um que serve de limite à regra é o que se encontra na proposição particular
(existe um x para quem a função fálica não incide). Tomando como base a
lógica contemporânea, Lacan poderia ter sido mais rigoroso ao utilizar os
quantificadores, sendo que até agora foram apresentados dois tipos: o universal ( =
para todo x), e o particular ( = existe pelo menos um x). Na lógica contemporânea,
existe um terceiro quantificador, o
!x que deve ser lido da seguinte forma:
!x = Existe um único x, ou, existe apenas um x.
A questão que se coloca é a seguinte: Se a exceção à regra da castração é o pai
primevo do mito freudiano, e ninguém mais além dele, para ser preciso, Lacan poderia
51
ter escrito a proposição particular utilizando o quantificador existencial único. Desta
forma a proposição passaria para
!x Φx :
Figura14: Quadro da proposição existencial única.
Independente de como a fórmula foi escrita o pai primevo como essa exceção é
fundamental para a compreensão da tábua da sexuação. A seguir, vamos nos
aprofundar no texto freudiano Totem e Tabu (1913) onde se encontra esse mito.
2.1.1 O Pai da Horda Primitiva de Totem e Tabu
Lacan encontra subsídios para sua formulação de que existe um que não está
submetido à lei da castração no texto Totem e Tabu de 1913. Lá é onde Freud trata da
questão do social e da cultura, através da passagem da horda ao Estado.
É necessário remeter ao pai mítico para podermos entender a noção de pai na
psicanálise. Dor (1991) diz que este pai é um operador Simbólico a-histórico, por ele
estar fora da história, mas, ao mesmo tempo, inscrito no ponto de origem de toda
história.
O mito descrito em Totem e Tabu está no cerne da passagem do estado da
natureza para o estado da cultura e por isso ele é importante. Claude Lévi-Strauss no
livro As Estruturas Elementares do Parentesco de 1908 se pergunta onde acaba a
natureza e começa a cultura. Para ele o natural deveria obedecer a leis universais e o
x Φx = Existe ao menos um x que não foi submetido à lei da castração.
!x .Φx
= Existe um único x que não foi submetido à lei da castração.
52
cultural a normas particulares. Após algumas análises, ele conclui que a ausência de
regras é o critério mais seguro para distinguir um processo natural de um cultural.
Esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro que permita
distinguir um processo natural de um processo cultural. (...) Em toda parte
onde se manifesta uma regra podemos ter certeza de estar numa etapa da
cultura. (LÉVI-STRAUSS, 1982, p.46-47).
O elo perdido que ligaria natureza e cultura seria a proibição do incesto que ele
consegue colocar em evidência, analisando as trocas matrimoniais. A proibição do
incesto é uma regra que tem caráter de universalidade e, assim sendo, essa lei
pertence tanto à cultura quanto à natureza. Lévi-Strauss termina afirmando que a
proibição do incesto é o ponto no qual se a passagem da natureza para a cultura.
Antes dela não há cultura e depois dela não há mais estado natural no homem.
[A proibição do incesto] constitui o passo fundamental graças ao qual, pelo
qual, mas, sobretudo no qual se Realiza a passagem da natureza à cultura. (...)
Com efeito, é menos uma união do que uma transformação, uma passagem.
Antes dela a cultura ainda não está dada. Com ela a natureza deixa de existir
no homem. (LÉVI-STRAUSS, 1982, p.62-63).
Baseado nestas descobertas de Lévi-Strauss, Dor (1991) diz que a teoria
psicanalítica forneceu um substrato psicológico como elo entre natureza e cultura. A lei
da proibição do incesto é capaz de colocar um limite entre natureza e cultura e, como
ela está localizada nos eventos do complexo de Édipo, a ordem edípica é a expressão
mais significativa dessa passagem, sendo o lugar que permite ao sujeito aceder ao
registro do Simbólico. Para ele, a cultura é a verdadeira natureza do homem e o mito do
pai primevo tenta dar conta dessa passagem natureza-cultura e da instauração da
proibição do incesto.
Até Freud chegar efetivamente a descrever o mito do pai primevo, ele faz um
percurso que se inicia no totemismo. Esse trajeto se retomado aqui de forma
simplificada para demonstrar a sustentação teórica do mito. Ele começa o capítulo IV -
O retorno do totemismo na infância - explicando o que vem a ser o totemismo, um
sistema similar a uma religião em certos povos primitivos. O totem oferece proteção ao
homem da horda primitiva e, em contrapartida, ao homem é proibido matar ou comer o
53
totem. Wundt, citado por Freud, afirma que a cultura totêmica abriu caminho para a
cultura de uma civilização mais adiantada.
A horda primitiva se organiza da seguinte forma: os machos e as fêmeas do
mesmo c consideram-se como descendentes do mesmo totem, numa relação
fraternal. Assim, logo de início, há um tabu estabelecido: os membros de um mesmo clã
totêmico não podem casar-se ou ter relações sexuais entre si, o que é chamado de
proibição do incesto. Para fins de relações sexuais ou matrimoniais, a única saída é
buscar membros de outros clãs, ou seja, a exogamia.
20
Freud observa que esta ligação entre a exogamia e o totemismo tem como
finalidade a prevenção do incesto. Ao macho são proibidas as relações sexuais com as
mulheres de seu clã, sendo elas suas parentas consangüíneas, mãe e irmãs, ou não.
Um pouco mais de reflexão, porém, demonstrará que a exogamia vinculada ao
totem realiza mais (e, assim, visa a mais) do que a prevenção do incesto com a
própria mãe e irmãs. Torna impossível ao homem as relações sexuais com
todas as mulheres de seu próprio clã (ou seja, com um certo número de
mulheres que não são suas parentas consangüíneas), tratando-as como se
fossem parentes pelo sangue. (FREUD, 19112/13 /1995. p 25).
21
Freud expõe uma variedade de teorias sobre a origem do totemismo assim como
ele também menciona a dificuldade de um consenso entre os estudiosos sobre o que
existiria primeiro, se o totemismo ou a exogamia. Independente da possível conclusão,
o aspecto mais relevante é a discussão que todos os autores fazem sobre a proibição
do incesto. Tanto no totemismo, quanto na exogamia, percebe-se claramente essa
proibição e, embora eles concordem com existência desta, suas hipóteses são as mais
variadas.
Freud expõe sua idéia somente após ter analisado as de outros estudiosos como
Frazer, Durkeheim, Mc Lennan, Aktinson, dentre outros. Ele se utiliza do conhecimento
adquirido através das análises de neuróticos para lançar uma luz nessa discussão. É
nesse ponto que ele explica a sua idéia da semelhança entre a vida das crianças e dos
20
Exogamia: casamento que se realiza entre membros de tribo estranha, ou, dentro da mesma tribo,
entre membros de clãs diferentes.
21
Grifo do autor.
54
homens primitivos com a vida dos animais, sendo que observa certa ligação entre
aquelas e estes.
O primeiro aspecto observado é o das crianças não mostrarem sinais de
arrogância nem escrúpulos e serem desinibidas diante de suas necessidades corporais.
Tais atitudes são muito diferentes daquelas dos homens civilizados. O segundo aspecto
apontado é a fobia de animais, muito comum em crianças.
Após a análise de poucos casos, Freud nota que o medo que as crianças sente
do animal é um deslocamento do medo que sentem por um dos genitores. “Quando as
crianças em causa eram meninos, o medo, no fundo, estava relacionado com o pai e
havia simplesmente sido deslocado para o animal.” (FREUD, 1912-13 /1995, p.133).
Freud faz estas considerações baseando-se especialmente em dois casos clínicos
infantis: o pequeno Hans, no texto Análise de uma Fobia num Menino de Cinco Anos
(1909), e o caso Árpad, o menino do galinheiro de Ferenczi.
Hans apresentava uma fobia por cavalos que o impedia de sair na rua.
22
Além
disto, ele tinha medo de que um cavalo entrasse em sua casa e viesse a mordê-lo. No
decorrer da investigação psicanalítica, elucidou-se que o medo de Hans era um castigo
por ele ter um desejo de que o cavalo caísse ou morresse. Além disto, descobriu-se que
Hans tinha medo de seu pai, sendo esse medo uma punição por desejar que o pai
morresse. Nesse caso, o cavalo era um substituto do pai.
Mas por que um filho desejaria a morte do pai? Através do caso Hans, Freud
mostra que na tríade pai mãe criança, o pai é visto pelo filho como um competidor
na disputa pela mãe. Ambos dirigem para ela seus desejos sexuais, mas somente o pai
pode realizá-los. Esta atitude da criança para com os pais é o que se conhece como
complexo de Édipo. Freud diz:
Depois de ter sido removido o medo do menino pelo pai através de uma
confiança renovada, tornou-se evidente que ele estava lutando contra desejos
que tinham como tema a idéia de o pai estar ausente (partindo para uma
viagem, morrendo). Encarava o pai (como deixou bem claro) como um
competidor nos favores da mãe, para quem eram dirigidos os obscuros
prenúncios de seus desejos sexuais nascentes. Desse modo, estava situado
na atitude típica de uma criança do sexo masculino para com os pais a que
22
Naquela época, final do século XVIII, o meio de transporte mais comum era a charrete puxada por
cavalos.
55
demos o nome de ‘complexo de Édipo’ e que em geral consideramos como o
complexo nuclear das neuroses. (FREUD, 1912-13 /1995. p.134).
O deslocamento do medo do pai para o medo do animal é fruto da ambivalência
de sentimentos. Hans admirava e era muito afeiçoado a seu pai, mas ao mesmo
tempo, odiava-o por ser seu rival em relação à mãe. Na tentativa de aliviar o conflito de
amor e ódio, houve o deslocamento dos sentimentos hostis para o substituto do pai,
neste caso, o cavalo, ficando o pai apenas como depositário do afeto e da admiração.
Freud consegue encontrar uma conexão entre o que se aprendeu com a análise
do pequeno Hans, a substituição do pai por um animal, e o totemismo dos povos
primitivos que também remete a animais.
O fato novo que aprendemos com a análise do ‘pequeno Hans’ – fato com uma
importante relação com o totemismo – foi que, em tais circunstâncias, as
crianças deslocam alguns de seus sentimentos do pai para um animal.
(FREUD, 1912-13 /1995, p.134).
O outro caso ilustrativo citado por Freud, o caso do menino das galinhas, Árpad,
é de Ferenczi.
23
Quando Árpád tinha dois anos e meio ele tentou urinar no galinheiro e
uma galinha deu uma bicada em sua direção. Anos depois, quando voltou ao mesmo
local, ele se identificou vivamente com uma galinha, dizendo que seu pai era um galo e
ele um pequeno frango. Sua brincadeira favorita era a de matar galinhas, mas também
passava horas acariciando o animal morto, numa atitude ambivalente. Ele tinha grande
interesse pela atividade sexual contínua dentro do galinheiro, o que poderia ser
compreendido como uma espécie de transposição de seu interesse pela vida sexual
familiar. Finalmente, Árpad disse que se casaria com a vizinha, com a filha dela, com
suas primas e com sua mãe.
A relevância em apresentar estes dois casos clínicos infantis está relacionada à
melhor compreensão da suposta identidade entre o pai e o animal totêmico. Freud
aponta a coincidência existente entre os dois tabus do totemismo – não matar o totem e
não ter relações sexuais dentro do clã com os dois crimes cometidos por Édipo
23
Frenczi é citado por Freud. FERENCZI, S. (1913) A Little Chanticleer. First Contributions to Psycho-
Analysis, Londres, 1952, cap IX.
56
matou o pai e se relacionou com sua mãe. É com base nestas premissas que Freud
afirma que o totemismo é um produto das condições do complexo de Édipo.
Se essa equação for algo mais que um enganador truque de sorte, deverá
capacitar-nos a lançar luz sobre a origem do totemismo num passado
inconcebivelmente remoto. Em outras palavras, nos permitirá provar que o
sistema totêmico é um produto das condições em jogo no complexo de Édipo.
(FREUD, 1912/13 /1995, p. 137).
Freud não foi o primeiro a assinalar que as precoces excitações sexuais de uma
criança têm um caráter incestuoso. O conto O sobrinho de Rameau, de Diderot, escrito
em 1775, já expunha os conflitos desse complexo.
Se o pequeno selvagem estivesse abandonado a si próprio, conservando toda
a sua imbecilidade e reunindo o pouco da razão da criança e de berço à
violência das paixões do homem de trinta anos, torceria o pescoço de seu pai e
dormiria com a sua mãe. (DIDEROT, 1973, p. 375).
As conexções entre o complexo de Édipo e o totemismo em Freud não podem
ser dissociadas de algumas questões levantadas por Charles Darwin, em sua
exposição sobre a ancestralidade humana na qual Freud também se inspira para a
construção do mito da horda primitiva.
Em seu livro, A Origem das Espécies, de 1859, Darwin afirma a existência de
um ancestral comum do qual todos os indivíduos daquela espécie descenderiam.
Examinemos agora a última das três classes de fatos que selecionei como os
que mais se opõem à aceitação da teoria de que todos os indivíduos de uma
espécie, assim como das espécies que lhe são aliadas, descenderiam de um
só ancestral, e consequentemente seriam oriundos do mesmo local, muito
embora tenham posteriormente migrado para pontos distantes do globo.
(DARWIN, 1985, pg. 302).
Em A Descendência do Homem, 1871, Darwin fala sobre a dominância do
macho mais forte e como ele desenvolveu artifícios para manter os rivais afastados.
Para ele, esse seria um caso de seleção sexual que depende do sucesso de alguns
sobre outros do mesmo sexo, diferenciando assim da seleção natural. Os machos
dominantes são mais vigorosos, desenvolveram melhor seus aparelhos sexuais e
vocais que servem tanto para atrair as fêmeas, quanto para repelir o rival. No capítulo
57
oito desse livro, ao abordar a poligamia, ele fala sobre machos que ‘possuem’ duas ou
mais fêmeas enquanto muitos outros não podem acasalar por não terem parceiras.
O que se vê em Darwin é a existência de um ancestral em comum e a
dominância sexual de um determinado macho, sendo essas idéias facilmente
reconhecíveis nas teorias de Freud da horda primitiva e também do complexo de Édipo.
Reunido a interpretação psicanalítica do totemismo com as teorias de Darwin
sobre o homem primitivo, Freud escreve sua hipótese, que ficou conhecida como o mito
do pai primevo. Os jovens machos expulsos da horda primitiva, pelo macho dominante,
retornam e o matam. Este ato é cometido em grupo já que sozinhos nenhum deles teria
força para fazê-lo. Após matarem o pai, os filhos o devoram, num ato de identificação.
Certo dia, os irmãos que tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e
devoraram o pai, colocando assim, um fim à horda patriarcal. Unidos tiveram
coragem de fazê-lo e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível
fazer individualmente. (...) Selvagens canibais como eram, não é preciso dizer
que não apenas mataram, mas também devoravam a vitima. O violento pai
primevo fora, sem dúvida, o temido e invejado modelo de cada um do grupo de
irmãos: e pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um
deles adquirindo uma parte de sua força. (FREUD, 1912-13 /1995, p. 145-146).
No totemismo, havia o ritual grupal de matar e comer o totem, sendo que essa
refeição servia para a confirmação dos laços de parentesco e para a identificação de
todos os membros do clã com o totem. Freud repensa a refeição totêmica como uma
repetição deste primeiro crime que possibilitou o começo da organização social, das
restrições morais e da religião.
A refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da humanidade, seria
assim uma repetição, e uma comemoração desse ato memorável e criminoso,
que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições
morais e da religião. (FREUD, 1912/13 /1995, p. 145-146).
O pai da horda primitiva, alvo do ódio e da admiração pelos outros machos, pode
ter relações sexuais com todas as mulheres sem restrições. Para ele não lei de
parentesco e muito menos proibição do incesto, sendo ele, portanto, o tirano invejado
pelos outros membros do clã.
58
Pode-se dizer que é deste ponto que Lacan extrai sua inspiração para a primeira
fórmula apresentada na tábua da sexuação: . Existe ao menos um homem
para quem a função fálica não se aplica, ou seja, que não é castrado e este homem é o
pai primevo da horda primitiva. Ele é o único para quem a castração não incide, e,
desta forma, para ele, também não é válida nenhuma proibição do incesto. A existência
dele,
x, implica na existência de um limite para a função Φ
ΦΦ
Φx: a função fálica não é
verificável em um homem. Assim, Lacan escreve que “existe um em questão, servindo
de limite”. (LACAN, 1973, p. 458).
O que se segue após o assassinato do pai é tão trágico quanto o próprio
parricídio. Após os filhos terem satisfeito o seu ódio e seu desejo de se identificarem
com o pai, o amor e a admiração que sentiam por ele adquiriram uma grande
importância, culminado num remorso pelo ato cometido. Segundo Freud, esse remorso
é o que geraria um sentimento irremediável de culpa e na tentativa de apaziguá-la,
tomados pelos sentimentos de afeição, os filhos passaram a proibir através de uma lei o
que antes era interdito pela existência real do pai. Eles decidiram renunciar a seu objeto
de desejo, as mulheres do clã, instituindo a proibição do incesto. O pai morto passou a
ser venerado como um deus, fundamentando a frase de Freud de que o pai morto vive.
“O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo.” (FREUD, 1912-13 /1995, p. 146).
[
Os irmãos] odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao
seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no
também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os
desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido
recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de
remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o
remorso sentido por todo o grupo. (...) [Eles] anularam o próprio ato proibindo a
morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão
da reivindicação às mulheres que agora tinham sido libertadas. (FREUD, 1912-
13 /1995 p. 146-147).
É fundamental chamar atenção para o que pode não estar muito explícito no
texto freudiano. Para Dor (1991), somente a morte comemorada e pranteada faz do
morto devorado o pai. Antes de haver essa distinção e a nomeação de pai e filhos,
todos eram os machos da mesma horda, sem nenhum grau de parentesco entre eles.
Até que um mesmo sentimento uniu muitos machos e os levou a assassinar o macho
59
que os impedia de copular com as fêmeas. Somente após esse assassinato, e os
conseqüentes sentimento de culpa e instituição da proibição do incesto, é que aqueles
machos que cometeram o assassinato passaram a ser nomeados como filhos e o
macho morto passou a ser chamado de pai.
Eugène Enriquez (1990) fala dessa localização de papéis com destreza,
observando que o pai se torna pai a partir do momento em que é morto. Antes do
assassinato, ele não existia como pai, mas como um macho dentro do bando.
Eis então o golpe de mestre de Freud: se o ódio transforma os seres
submissos em
irmãos, é seu assassinato que transforma o chefe da horda em
pai. Logo, não existe pai, se esse, que pode assim ser investido, não somente
possui as mulheres, mas ainda, e, sobretudo, é o objeto de um desejo de
morte. (ENRIQUEZ, 1990, p. 31).
24
Enriquez (1990) continua dizendo que o pai não existe a não ser morto porque
ele somente existe como o ser em sua função mítica. O pai, como portador e
depositário das proibições do complexo de Édipo, é aquele que provoca terror e amor
ao mesmo tempo, ele sufoca e castra e por isto deve ser, então, morto ou vencido.
No entanto, após o sacrifício e a identificação, aquele homem que possuía todas
as mulheres não é mais visto como um terrível tirano. O remorso e a culpa obrigaram os
filhos a colocar o pai morto num lugar onde ele é o único, onde é venerado. O pai
primevo passa a ser um pai Simbólico justamente pelo fato dos filhos terem
transformado a interdição que ele representava, com sua presença e força física, em
uma lei que todos devem seguir. É da seguinte forma que Dor explica essa promoção
simbólica do pai primevo:
O homem que tinha todas as mulheres só advém com Pai a partir do instante
em que está morto enquanto homem. A edificação do homem em Pai se
realiza, pois, ao preço de uma promoção simbólica que se pode manter
sustentando-se por um interdito que tem força de Lei. (DOR, 1991, p 40).
No campo psicanalítico, quando se fala de função do pai, estamos nos referindo
a um operador Simbólico, não remetendo exclusivamente à existência de um pai
encarnado na realidade. Esse pai Simbólico ordena uma função, a função fálica,
24
Grifos do autor.
60
permitindo aos sujeitos o acesso a uma identidade sexual baseada na resposta que
cada um para a castração. Um pai da realidade não é o pai Simbólico, ele apenas
representa a lei da proibição do incesto, já que ele não é o fundador dessa lei, sendo
também submetido a ela. Além disso, um pai pode representar essa função muito bem,
mal, ou não representar função alguma.
Quando Lacan faz a distinção entre lexis e phasis, conforme retomado no
capítulo sobre a lógica, ele está focando este ponto. A phasis é ‘eu digo sim’ ou ‘eu digo
não’ ao que é colocado pela lexis. Lacan demonstrou, com o recurso da lógica, que a
função do pai sempre existe independente se alguns dizem sim ou não para ela. Neste
caso a phasis é um reflexo do empenho de cada um como representante da lei da
castração.
A função paterna, ou, a função do pai Simbólico, que tem a ver com a lei da
proibição do incesto, opera mesmo na ausência de um pai. Isso por que esta função
tem um caráter estruturante na triangulação edípica. No complexo de Édipo, pai, mãe e
filho estão todos referidos a um quarto elemento, o falo, e seus desejos em relação ao
mesmo. Nessa estrutura edípica, o pai Simbólico transcende a exigência de um pai na
realidade. Dor trabalha muito bem esta questão em seu livro O Pai e sua Função em
Psicanálise (1991), onde diz que a função do pai é sustentada pela atribuição
imaginária do falo, bastando, então, que um terceiro funcione como mediador entre mãe
e filho, valendo-se disso para representar a função paterna. Por sua importância,
Lacan dá a esta função o estatuto de significante: Significante do Nome-do-Pai.
Após fazer a ligação entre o pai primevo, o pai Simbólico e o significante do
Nome-do-Pai, resta uma outra análise a ser feita. Vimos que, na medida em que o
terrível tirano deixa de ser visto desta forma por efeitos do sentimento de culpa, a
revivência do pai faz com que ele esteja num lugar único de onde deve ser cultuado
como um deus. Com base nesta idéia, Freud faz um pequeno estudo sobre a religião,
demonstrando para o leitor do texto Totem e Tabu como seria a passagem da religião
totêmica para a religião como conhecemos hoje. Para ele o sentimento de culpa e a
tentativa de reconciliação com o pai o as duas características principais que
influenciaram a natureza das religiões posteriores.
61
2.1.2 O pai primevo e Deus
Para Freud (1912-13), todas as religiões posteriores ao totemismo visam
apaziguar o mesmo problema do sentimento filial de culpa: é um remorso que não
concedeu mais descanso à humanidade. Ele chama atenção para o fato de que, no
embate entre o pai primevo e filhos, a vitória foi dos impulsos que levaram ao
assassinato. A partir de então, se instaurou um sentimento fraternal de igualdade já que
os irmãos não queriam que nenhum deles tomasse o lugar do pai e tratasse os outros
como o pai havia feito, possibilitando, com isso, o desenvolvimento da sociedade. A
proibição de não matar o totem transformou-se no mandamento ‘não matarás’ e a horda
patriarcal foi substituída pela horda fraternal. O assassinato em questão, o remorso e a
culpa serviram de fundamento para o nascimento da sociedade e da religião. Logo em
seguida, houve o aparecimento da moralidade que é alimentado por duas vias: pelas
exigências da sociedade e pela religião, como diz Freud:
A sociedade estava agora baseada na cumplicidade do crime comum; a
religião baseava-se no sentimento de culpa e no remorso a ele ligado;
enquanto que a moralidade fundamentava-se parte nas exigências dessa
sociedade e parte na penitência exigida pelo sentimento de culpa. (FREUD,
1912/13 /1995, p.149).
Freud diz que a psicanálise ensina que o Deus de cada um é formado à
semelhança do pai e a relação que cada indivíduo tem com Deus depende de sua
relação com o pai, sendo Deus um pai glorificado. A fim de sustentar sua idéia, Freud
retoma o assassinato quando os filhos se uniram e cometeram o crime movidos pelo
ódio e pelo forte desejo de ser como o pai, mas na horda fraterna nenhum deles passou
a ocupar aquele lugar. Após a raiva ter sido saciada, o sentimento de culpa, o remorso
e a saudade do pai aumentaram, abrindo caminho para o surgimento de um ideal que
corporificava o poder do pai primevo. Os filhos ansiavam pela existência desse novo
ideal (devido aos sentimentos enumerados acima) estando pré-dispostos a se
submeterem a ele. Concomitante a isto, Freud aponta que mudanças culturais
decisivas, embora não cite quais foram, tornaram insustentáveis uma sociedade
62
totalmente igualitária, proporcionando o aparecimento de deuses aos quais os homens
enalteciam e veneravam como ideais. Desta forma, o pai primitivo foi elevado à
condição de um deus de quem o grupo descendia, adquirindo, então, o ponto máximo
de autoridade.
Freud pensa que os filhos aproveitaram esta situação para aliviar seu sentimento
de culpa, responsabilizando Deus pela exigência desse primeiro sacrifício (o
assassinato) e de vários outros, negando, dessa forma, o crime que cometeram.
Da horda passou-se, então, ao Estado, onde o nascimento do grupo social
pôde acontecer a partir deste assassinato cometido em conjunto, um ato que não
permite volta. Embora se sintam culpados e gostassem de fazer reviver o pai, sendo
isto impossível em termos reais, ele é então revivido como Deus.
Com o passar do tempo, essa introdução do deus-pai devolveu aos pais das
famílias seus direitos e poderes e a sociedade voltou a ser patriarcal. uma certa
distância entre esses pais de família e o pai Simbólico. Embora os pais representem a
lei do pai Simbólico, nenhum deles, algum dia, chegará a substituir o Pai. Quer dizer,
todos continuarão venerando-o como um deus, mantendo garantido o lugar ocupado
pela religião.
A refeição totêmica servia aos propósitos de incorporação da força do totem pela
horda e, ao mesmo tempo, fortificava seus laços consangüíneos com ele e com os
membros do grupo. Assim, todos passaram a ser filhos compartilhando do mesmo
corpo e sangue. Henríquez (1990) faz uma comparação entre a refeição totêmica e a
comunhão no Cristianismo, explicando que a comunhão implica em comer a hóstia, que
simboliza o corpo de Cristo, e beber o vinho, símbolo de seu sangue. Este ritual cristão
é a incorporação por parte dos irmãos do corpo e sangue de Cristo que, da mesma
forma que a refeição totêmica, reafirma seus laços fraternais: todos são filhos de Deus,
pertencendo à mesma comunidade.
Esta refeição em comum tem por conseqüências a preeminência definitiva do
pai, que terá sido o único, para sempre, a ter possuído tanto poder e, em
corolário, sua idealização permanente; a coesão de um grupo descendente de
uma mesma origem, pela carne e pelo sangue. (...) O ritual cristão, o qual
exige de todos os homens, no momento da comunhão, que incorporem uma
parte do corpo de Cristo, e se descubram, assim, filhos de Deus, seres
humanos entre outros seres humanos, exprime com toda a força a idéia de que
63
a devoração de Deus é indispensável para que cada um possa se transformar
num elemento da unidade divina, ligado aos outros pelo amor e pelo ódio.
(HENRIQUEZ, 1990, p. 33).
25
Sendo a concepção primitiva de Deus uma derivação das projeções relativas ao
pai primevo, sua representação não se encontra ausente nas formulações de Lacan
relativas à tabua da sexuação. A primeira fórmula, (existe ao menos um que
não foi submetido à lei da castração) representa em primeira instância o pai de Totem e
Tabu, mas, num segundo momento, esta fórmula também seria a representação de
Deus, como este que é o pai de todos os homens, aquele que é venerado, mas que
também exige sacrifícios. Porém, como a tábua da sexuação de Lacan é dividida entre
dois lados, o masculino e o feminino, pode-se supor que esse Deus da religião se
encontraria somente do lado dos homens, fundando o Simbólico na medida em que é o
pai morto.
Como vimos, esse pai Simbólico introduz a lei da castração, interditando as
mulheres. A castração incide para todos os homens e está a segunda fórmula do
lado masculino: (para todo x é verdadeiro que a função fálica incide). É em
relação a essa lei fálica que os seres se alinham do lado do ‘para todo’ ou do lado do
‘para não-todo’ pois, independente de que lado se coloque, o referencial é sempre o
falo. Freud descobriu esse referencial fálico ao trabalhar como as teorias sexuais
infantis
26
, onde as crianças atribuem a todos a posse de um órgão masculino, e com as
elaborações sobre o complexo de Édipo de meninos e meninas.
2.2 O significante fálico: Φ
A diferença entre os sexos, apontada na psicanálise, não leva em consideração
o mesmo critério utilizado para distinguir o sexo biológico, ou seja, a presença ou
25
Grifo do autor.
26
As teorias sexuais infantis destacadas por Freud são três: a primeira fala sobre a atribuição de um
órgão masculino para todos, inclusive para as mulheres, a segunda é a teoria da cloaca, onde os bebês
nascem expelidos como excrementos e, por último a teoria dica do coito na qual as crianças pensam a
relação sexual como sádica.
64
ausência do órgão masculino. Na psicanálise, trata-se, como foi anunciado, de usar
como referência o significante fálico: Φ.
Freud introduziu o termo ‘primazia do falo’, num texto de 1923, A Organização
Sexual Infantil, para “reparar uma negligência no campo do desenvolvimento sexual
infantil”. (FREUD, 1923/1995, p. 157). Num texto anterior, de 1905, Os Três Ensaios
sobre a Teoria da Sexualidade, ele dizia que o ponto mais próximo entre a vida sexual
das crianças e dos adultos era a escolha de objeto, mas retifica esta afirmativa dizendo
que o interesse nos genitais adquire uma significação dominante que está pouco
aquém daquela alcançada na maturidade. Para os dois sexos apenas o órgão genital
masculino entra em consideração, não se tratando no entanto, de uma primazia dos
órgãos genitais, mas uma primazia do falo.
O interesse nos genitais e em sua atividade adquire uma significação
dominante que está pouco aquém da alcançada na maturidade. Para ambos os
sexos, entra em consideração apenas um órgão genital, ou seja, o masculino.
O que está presente, portanto o é uma primazia dos órgãos genitais, mas
uma primazia do falo. (FREUD, 1923/1995, p. 158).
Com a primazia do falo, Freud tentava dissociar o biológico do psicológico,
fundando um espaço Simbólico de representações. Essa preocupação estava
presente desde 1893, com a publicação dos Estudos sobre a Histeria no qual ele faz
referência a um processo denominado de simbolização. Através dos estudos com
pacientes histéricos, ele notou que os sintomas incidem sobre um corpo representado
simbolicamente e não sobre o corpo anatômico: por exemplo, a gravidez da paciente de
Breuer, Anna O. e a paralisia das pernas de Elizabete, paciente de Freud. Desde então,
o corpo passou a ser tratado, pela psicanálise, em conjunção com a linguagem, ou seja,
com as inscrições das representações.
Lacan, em sua formulação de que ‘o inconsciente é estruturado como uma
linguagem’, retorna a Freud privilegiando, assim, o campo do registro Simbólico. Para
evidenciar a ligação entre as formações do inconsciente e a linguagem, Lacan utilizou
três textos freudianos do princípio da psicanálise: A Interpretação dos Sonhos, 1900, A
Psicopatologia da Vida Cotidiana, 1901 e Os Chistes e sua Relação com o
Inconsciente, 1905, os quais demonstram que o inconsciente opera através da
65
linguagem, através de metáforas e metonímias. Isto leva à teoria do significante em
Lacan, que é inspirada em Saussure
27
. Lacan escreve o significante sobre a barra do
significado (S/s), invertendo o algoritmo de Saussure (s/S), a fim de demonstrar que o
significante é fundamental para a estrutura do Simbólico e, consequentemente, para o
inconsciente. “A primazia do significante sobre o significado é reveladora do fato de
que, no inconsciente, o significado é abolido.” (JORGE, 2000, p.82). O falo, tal como
trabalhado por Freud, deve ser compreendido como um significante.
Freud defendeu essa idéia no texto Algumas Conseqüências Psíquicas da
Diferença Anatômica entre os Sexos (1925), onde afirma que a percepção da diferença
física entre homens e mulheres produz conseqüências psíquicas distintas para as
crianças, ou seja, um mesmo dado anatômico pode ser representado diferentemente: o
homem passa a ser visto como fálico e a mulher como castrada. É a partir do falo que
os sujeitos tomarão uma posição na divisão dos sexos: o sujeito que se coloca do lado
masculino é aquele que se como fálico, como possuidor do falo, ao passo que o
sujeito sob a bandeira da mulher se vê como castrado, sem o falo.
Portanto, não é uma questão de a função fálica não estar presente, ela se
apresenta para todos, assim como vemos explicitado na tábua da sexuação através das
quatro fórmulas proposicionais: , , , . Todos
estão referenciados de alguma forma ao (phi de x) e a partilha dos sexos se dá a
partir de então.
Após a introdução da primazia do falo em 1923, Freud consegue marcar uma
diferença entre o complexo de Édipo masculino e o feminino. A introdução da fase fálica
levou-o a estabelecer um período pré-edípico para o Édipo feminino, além de três
saídas para a menina frente à castração: a masculinidade (manter-se fálica), a neurose
(o abandono da sexualidade) e a feminilidade propriamente dita (desejar o falo em
forma de bebês). Estes apontamentos servem para demonstrar que, mesmo Freud não
tendo utilizado o termo ‘falo’ explicitamente, a referência fálica está lá inscrita. Lacan
(1955/56) relembra que, na obra de Freud, qualquer que tenha sido o remanejamento
teórico, a prevalência desse centro fálico jamais foi abandonada.
27
Ferdinand de Saussure, lingüista suíço fundador da lingüística e do método estruturalista.
66
Seguindo o mesmo raciocínio de Freud, Lacan é imperativo em apontar que o
falo não é o órgão masculino que pode estar presente ou ausente. Ele tem o estatuto
Simbólico, podendo se apresentar tanto como ausência como presença. Ele pode
aparecer num ponto e logo depois desaparecer e ser localizado em outro lugar. Essa
mobilidade só é permitida se o tratarmos como um significante e jamais como órgão.
Não se trata em absoluto de um falo Real na medida em que, como Real ele
existia ou não existia, trata-se de um falo Simbólico, na medida em que é de
sua natureza apresentar-se na troca como ausência, ausência funcionando
como tal. Com efeito, tudo que se pode transmitir na troca simbólica é sempre
alguma coisa que é tanto ausência como presença. Ele é feito para ter essa
espécie de alternância fundamental, que faz com que tendo aparecido num
ponto, desapareça para reaparecer num outro. Em outras palavras, ele circula
deixando atrás de si o signo de sua ausência no ponto de onde vem. Em
outras palavras ainda, o falo em questão – nós o reconhecemos desde logo – é
um objeto Simbólico. (LACAN, 1956/57 p. 154-155).
A importância da distinção entre o órgão e o significante fálico implica que é em
torno do falo e não do órgão que a temática da castração se desenrola.
Eu queria, esta manhã, chamar atenção de vocês para a relação do falo como
efeito do significante, e para o fato de que o falo como significante e isso
quer dizer, como transposto a uma função inteiramente diferente de sua função
orgânica é o centro de toda apreensão coerente daquilo de que se trata no
complexo de castração. (LACAN, 1960/61, p.230).
Um estudo do falo e da castração não pode ser dissociado das elaborações do
complexo de Édipo, isso porque o Édipo é onde se desenrola a questão da assunção
do sujeito ao seu sexo frente à castração. O complexo de Édipo tem a função de
permitir ao homem assumir um papel viril e à mulher a se reconhecer como mulher,
identificando-se a suas funções de mulher.
O complexo de Édipo tem uma função normativa, não simplesmente na
estrutura moral do sujeito, nem em suas relações com a Realidade, mas
quanto à assunção de seu sexo (...) isto é para darmos nomes às coisas ,
aquilo que faz com que o homem assuma o tipo viril e com que a mulher
assuma um certo tipo feminino, se reconheça como mulher, identifique-se com
suas funções de mulher. A virilidade e a feminização são os dois termos que
traduzem o que é, essencialmente, a função do Édipo. (LACAN, 1957/58, p.
170-171)
67
Lacan aborda o complexo de Édipo, articulando a função do pai Simbólico nesse
processo. “Falar do Édipo é introduzir como essencial a função do pai.” (LACAN,
1957/58, p.171). Nesse ponto, levanta-se uma questão que não tem nada de atual: É
possível haver um complexo de Édipo se não existir um pai? Lacan tratou da questão
da carência paterna’, como foi denominado em sua época, no Seminário 5 As
Formações do Inconsciente (1957/58). Havia, então, uma preocupação com a
qualidade do pai, se ele estava ausente, presente, se se apresentava como um excesso
etc., de sorte que isto implicou numa série de perguntas e problemas sobre o Édipo.
Lacan nos explicita que para o pai ter sua função no complexo de Édipo, ele não
precisa estar presente fisicamente. “Um Édipo podia constituir-se muito bem, mesmo
quando o pai não estava presente. (...) É perfeitamente possível, concebível, exeqüível,
palpável pela experiência que o pai esteja presente mesmo quando não está.” (LACAN,
1957/58, p.172-173). O que está em jogo com relação ao pai é sua função simbólica no
triângulo edípico,
28
função esta denominada de metáfora paterna que está no interior
do complexo de Édipo. O Édipo é trabalhado na teoria lacaniana em três tempos e
continuaremos a abordar a função do pai Simbólico um pouco mais à frente.
2.2.1 A metáfora paterna
29
e o complexo de Édipo masculino
A fim de melhor compreender a tábua da sexuação e a função fálica que incide
para ambos os sexos, é necessário compreendermos melhor a metáfora paterna e o
complexo de Édipo, tal como trabalhado por Lacan.
No Seminário 5, As Formações do Inconsciente, (1957/58), Lacan trabalha o
complexo de Édipo em três tempos localizando a metáfora paterna como o processo
28
A questão do pai Simbólico foi tratada por nós na subseção do Pai da horda primitiva de Totem e Tabu.
29
A metáfora paterna é um momento estrutural do psiquismo da criança e, caso a metáfora fracasse,
pode-se ter conseqüências, como, por exemplo, a instalação de processos psicóticos que não serão
tratados nesta dissertação, por abrirem um outro leque de estudos.
68
que ocorre no segundo tempo. O seu resultado é o equivalente à terceira etapa do
Édipo.
O primeiro tempo do Édipo é caracterizado por um contato entre a e e a
criança. A mãe é o primeiro Grande Outro da criança, lhe fornece os primeiros cuidados
e é através desse contato que se instaura para a criança o campo do desejo. Isto se dá
da seguinte forma: Lacan fala que na relação e-criança, a criança depende do
desejo da mãe e da primeira simbolização dela. É uma simbolização primária que
“consiste, simplesmente, em instalar a mãe como aquele ser primordial que pode estar
ou não presente.” (LACAN, 1957/58, p. 188). Portanto, para a criança a mãe é um ser
fundamental. “O que deseja o sujeito? Não se trata da simples apetência das atenções,
do contato ou da presença da mãe, mas da apetência de seu desejo.” (LACAN,
1957/58, p. 188). A palavra apetência significa ter apetite, desejo, logo, a criança tem
desejo do desejo da mãe. Assim, a primeira simbolização efetuada pela criança é em
torno do desejo da mãe. A criança, portanto, se coloca como objeto de desejo do
desejo da mãe, aquilo que ela supõe faltar à mãe, preenchendo, dessa forma, um
buraco. E qual é o objeto de desejo da mãe? Esse objeto, diz Lacan, é o falo e a
criança se identifica a esse objeto, portanto, ao falo materno.
Desde cedo na vida de qualquer criança o referencial fálico está presente
tanto para um sexo como para o outro. É isto que se explicita na relação mãe-criança:
um outro elemento ao qual ambas se referem, ao falo como esse objeto de desejo.
“Neste nível, a questão que se coloca é ser ou não ser, to be or not to be o falo. No
plano imaginário, trata-se, para o sujeito, de ser ou não ser o falo.” (LACAN, 1957/58, p.
192).
30
Tal proposição pode ser melhor compreendida através da figura abaixo.
Figura 15: Quadro do primeiro tempo do Édipo.
30
Grifos do autor.
FALO
Mãe Criança
69
A mãe, por constituir um ser falante, está submetida à Lei simbólica, mas a
criança ainda não essubmetida a esta. Nesse momento, a criança se encontra sob a
lei da mãe. Lacan diz que a criança, então, se esboça como um assujeito
31
na medida
em que está assujeitada aos caprichos da lei da mãe que, a princípio, é uma lei não
controlada. A onipotência materna se revela no fato de ela poder dar qualquer coisa
para a criança, dependendo dela o acesso da criança a seus objetos de satisfação, por
exemplo, o seio materno. A mãe se ocupa da criança na medida em que nela encontra
algo que, de certa forma suaviza sua falta. Freud havia dito isto quando elaborou
uma das três saídas para a menina frente à castração: o caminho da feminilidade que
seria o de desejar o falo em forma de bebês.
O falo se apresenta como falta para uma mulher que ela não o tem e pode
encontrar numa criança a satisfação dessa falta, colocando a criança neste lugar. “A
criança, como real, assume para a mãe a função simbólica de sua necessidade
imaginária.” (LACAN, 1956/57, p. 71). Mas, o que acontece quando a criança não for
mais suficiente? Do lado dela a pergunta é formulada por outro ângulo, que se trata
de uma interrogação sobre as idas e vindas da mãe.
Freud descobriu algo importante para responder a essa pergunta infantil,
observando a brincadeira de seu neto de um ano e meio de idade. Era um menino que
não incomodava os pais à noite e o chorava quando a mãe saía e o deixava sob
cuidados de outras pessoas, embora fosse muito ligado a ela. Ele tinha o hábito de
jogar objetos para longe e quando o fazia emitia o som de um longo o, ‘o-o-o-o’, com
interesse e satisfação. Freud compreendeu que neste jogo ele brincava de ir embora
com os objetos e esta conclusão foi possível a partir da observação da criança
brincando com um carretel de madeira que tinha um cordão amarrado em volta dele. A
criança, então, arremessava o carretel sobre a borda da cama e ele desaparecia entre
as cortinas, sendo este gesto acompanhado do ‘o-o-o-o’ que Freud concluiu ser a
palavra alemã ‘fort’. Depois, ele puxava o carretel de volta e, com seu reaparecimento,
o menino falava alegremente a interjeição alemã ‘da’. “Então, essa era a brincadeira
31
Os termos ‘assujeito’, assim como o verbo ‘assujeitar’, são utilizados na tradução brasileira do
Seminário 5 de Lacan, nas seções sobre a metáfora paterna e o complexo de Édipo, páginas 166 a 220.
70
completa: desaparecimento e retorno.” (FREUD, 1920/1995, p. 26). Essa brincadeira
ficou conhecida como o jogo do fort-da’.
32
A interpretação que Freud faz desse jogo
revela uma grande realização por parte da criança da renúncia da satisfação pulsional:
ele deixava a mãe ir embora sem protestos. Essa atividade insere a criança na
simbolização porque oferece a possibilidade de introduzir um significante na ausência
da mãe-carretel, o fort’ e, na sua presença, a palavra da’. Esse jogo de simbolização
transforma a criança de passivo em ativo, que ela passa a controlar a
ausência/presença do objeto perdido, no caso, a mãe. Antes, essa possibilidade não
era oferecida e as idas e vindas da mãe eram vividas de forma passiva e sem o controle
da criança, sendo ela o objeto de desejo do desejo do Outro. O jogo Simbólico do fort-
da’ se torna efetivo através da linguagem, do acesso ao Simbólico, que é o que está
em jogo neste momento.
A criança sente e sofre perante o vai e vem da mãe e se pergunta qual é o
significado de tais idas e vindas. Eis o enigma: ‘O que quer essa mulher além de mim?’
Está claro que ela quer alguma coisa que não é mais a criança. O significado da
presença e ausência da mãe está ligado a um ‘x’. Há um enigma.
A pergunta é: qual o significado? O que quer essa mulher aí? Eu bem que
gostaria que fosse a mim que ela quer, mas está muito claro que não é só a
mim que ela quer. Há outra coisa que mexe com ela – é o x, o significado. E o
significado das idas e vindas da mãe é o falo. (LACAN, 1957/58, p. 181).
A pergunta da criança é sobre o desejo, o desejo da mãe, sua interrogação é o
que é que a mãe deseja além dela. é possível atingir esse ‘para além da mãe’
através de uma simbolização que é mediada pela entrada do pai no complexo de Édipo.
A criança associa a ausência da mãe com a presença do pai, ou seja, é porque o pai se
faz presente (tratamos da presença simbólica, não da física) que mãe e pai se ligam de
alguma forma. Primeiramente, o pai aparece como um rival, aquele que faz com que a
mãe se afaste da criança. Mas num segundo momento, através da pergunta o que
minha mãe deseja além de mim?’, o pai aparece como o possuidor desse ‘x’ que a mãe
deseja. É assim que o pai, como um elemento Simbólico, é introduzido na relação mãe-
criança já que ele se encontra no horizonte dessa pergunta.
32
Em Alemão, ‘fort’ – longe, que partiu e, ‘da’ – aqui.
71
O pai Simbólico está representado pelo significante do Nome-do-Pai (NP) cuja
função, no complexo de Édipo, é de ser uma metáfora, ou seja, um significante que
substitui outro significante. O significante do Nome-do-Pai vem no lugar do significante
do desejo da mãe que estava ligado a um x. É ele quem permite à criança nomear a
ausência da mãe. Esse processo pode ser expresso através do seguinte esquema:
Figura 16: A metáfora paterna.
Fonte: QUINET, Antônio. Psicose: Uma Estrutura Clínica. In: Teoria e Clínica das Psicoses. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 13.
A metáfora paterna, ou seja, a substituição significante do Desejo-da-Mãe pelo
Nome-do-Pai que agora se liga a falo, inaugura a entrada definitiva do sujeito na ordem
significante. Essa operação produz como resultado o sujeito dividido, o Grande Outro
barrado, o falo como objeto metonímico e o objeto a como causa de desejo.
Essa operação permite à criança sair de sua posição de assujeito, onde era
objeto do Outro, para a posição de sujeito dividido pelo recalque. Trata-se da
Spaltung
33
que o sujeito sofre devido a sua subordinação ao Simbólico: uma parte
dele que ele mesmo desconhece, que é inconsciente. Lacan simboliza o sujeito dividido
através de um S maiúsculo atravessado por um traço: $.
A partir desta operação metafórica, o sujeito é divido entre verdade e saber.
Desta forma Lacan retoma a frase freudiana Wo Es war, soll, Ich werden’ ao que ele
traduz como ‘lá onde isso estava, lá, como sujeito, devo [eu] advir’.
34
A verdade sobre o
desejo está como que separada do sujeito, mas, ele continua a nomear o seu desejo
sem saber, de fato, o que diz. Isto se dá que, se a causa do desejo está em nível do
33
Spaltung em alemão significa divisão.
34
LACAN, Jacques. A Ciência e a Verdade. (1965) In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.
878.
Nome-do-Pai . Desejo da Mãe Nome-do-Pai A_
Desejo da Mãe significado x falo
72
inconsciente quando o sujeito diz ‘o meu desejo é isso!’, ele não sabe o que diz. “A
criança não sabe mais o que diz naquilo que enuncia.” (DOR, 1989, p. 103). O que,
naturalmente, se aproxima, ou é derivado da formulação que Lacan faz em O Aturdito:
“Que se diga fica esquecido por traz do que se diz em o que se ouve.” (LACAN, 1973,
p.448). É por isso que se afirma que o sujeito está alienado na linguagem. Por outro
lado vale lembrar que, em psicanálise, quando se fala de sujeito é sempre do ponto de
vista do sujeito dividido e, para Lacan, o sujeito é fruto da linguagem. Não há sujeito
que pré-exista à linguagem, é ela quem o funda. “Por nascer com o significante, o
sujeito nasce dividido. O sujeito é esse surgimento que, justo antes, como sujeito, não
era nada, mas que, apenas aparecido, se coagula em significante.” (LACAN, 1964, p.
188).
Portanto, o nascimento do sujeito postula o inconsciente como um saber ao qual
o sujeito não tem mais acesso diretamente. Baseado nisto, Lacan diz que a verdade de
seu desejo se encontra como que separada do sujeito, clivando-o. “O sujeito, na
verdade de seu desejo, está, portanto, oculto de si mesmo pela dimensão da
linguagem.” (DOR, 1989, p. 114). O sujeito se engaja numa procura por objetos que ele
considera que poderiam satisfazer o desejo, mas sempre numa via de objetos
substitutivos que ele não sabe qual é a verdade do próprio desejo, a que tem acesso
apenas pelo retorno do recalcado. Isso ocorre na medida em que é pelo resultado da
metáfora paterna que há o advento do sujeito como desejante, posição esta que implica
no abandono da posição original de objeto de desejo do Outro, ascendendo à de sujeito
à custa de ter que lidar com a castração simbólica, ou seja, lidar com a falta. Falta-lhe
algo, eis porque o Outro deseja e, por isso, o desejo da e do primeiro tempo do
Édipo, do Outro sem a barra, passa a ser o desejo do desejo do Outro, ou seja, esse
Outro é barrado (A/).
O aparecimento do sujeito é concomitante à instauração da Lei no campo do
Outro. No primeiro tempo do Édipo, a criança estava assujeitada à lei da mãe que era,
então, o seu Grande Outro “como lugar e sede do código” (LACAN, 1957/58, p.155).
Mas, na medida em que a incidência da função do pai declara para a criança que a mãe
é submetida a uma Lei, a lei do pai se inscreve no campo do Outro, ao mesmo tempo
em que instaura a castração nesse Outro (A/). A criança deixa de ser assujeitada à lei
73
onipotente do Outro materno porque o Nome-do-Pai vem barrar este Outro onipotente e
absoluto. A castração no Outro é representada por S(A/)
35
o significante da falta no
Outro.
Ao se constituir como sujeito desejante, o Outro materno abre o espaço do
desejo para o filho. A pergunta ‘o que deseja minha mãe?’ é estruturada pelo sujeito
diante das idas e vindas maternas que marcam o lugar da falta. Na tentativa de ser o
objeto de desejo da mãe, a criança tenta preencher esta falta no Outro materno. Assim,
desejo e falta caminham juntos, não havendo desejo se não houver falta. Mas, com a
substituição significante, o Nome-do-Pai vem nomear, simbolizar o Desejo-da-Mãe,
estabelecendo a separação entre criança e mãe, o que libera a criança de ser ‘engolida’
no Desejo-da-Mãe.
No Seminário 17, Lacan diz que o desejo da mãe o é algo que possa ser
suportado assim tão facilmente e que a criança corre o risco de ser engolida pela mãe
(mãe crocodilo, como ele diz), caso ela resolva fechar a boca. Na tentativa de
compreender o X do desejo do Outro, a criança se defronta com seu próprio desejo. O
desejo da mãe se encontra para além da criança, mas, mesmo assim, é essa pergunta
que faz funcionar a causa do desejo desta última. Melhor dizendo, é o desejo do Outro
que põe na mesa a causa do desejo e Lacan chamou a causa do desejo de objeto a, o
que também pode ser entendido como o resto que é produzido a partir da separação
mãe-criança. O objeto a é pertinente ao sujeito barrado quando “para todo ser falante, a
causa do desejo é estritamente, quanto à estrutura, equivalente, se posso dizer, à
dobradura, quer dizer, ao que chamei sua divisão de sujeito.” (LACAN, 1972/73, p.
172). O sujeito dividido pode sustentar uma ilusão de completude em sua fantasia cujo
matema Lacan escreveu como $ a (sujeito dividido punção de a). A fantasia é, para
Lacan, o que sustenta o desejo: “A fantasia é a sustentação do desejo, não é o objeto
que é a sustentação do desejo.” (LACAN, 1964, p. 175).
O último item a ser analisado sobre a metáfora paterna é o falo. Na substituição
significante do Desejo-da-Mãe pelo Nome-do-Pai, o falo como objeto imaginário do
desejo da mãe passa, então, a ser o significante do desejo do Outro, que está
35
A letra ‘A’ maiúscula é utilizada para representar o Grande Outro porque Lacan escreveu este
significante em francês, onde Outro se escreve Autre, portanto, A.
74
recalcado, fora do alcance consciente do sujeito. Ele tem duas vertentes: como falo
imaginário, - φ (menos phi), ele representa a falta do objeto imaginário, resultado da
castração e, como falo Simbólico, que é representado pela letra grega Φ (Phi
maiúsculo), representa a falta de objeto que concerne à privação, ou seja, a uma falta
no Real: de fato uma mulher não possui o falo.
O falo está inscrito no campo do Outro, mas ao mesmo tempo esexcluído do
Outro. Para Lacan, o falo surge no lugar onde desaparece a significância, marcando a
falta no Outro.
Se o phi, o falo como significante, tem um lugar, é muito precisamente, o de
suplência no ponto onde, no Outro, desaparece a significância onde o Outro
é constituído por haver, em algum lugar, um significante que falta. Daí o valor
privilegiado deste significante, que se pode escrever, sem dúvida, mas que
se pode escrever entre parênteses, dizendo que ele é o significante do ponto
onde o significante falta. E é por essa razão que ele pode se tornar idêntico ao
próprio sujeito, no ponto em que podemos escrevê-lo como sujeito barrado. (...)
É por isso que o sujeito é inconsciente. (LACAN, 1960/61, p.230)
Lacan o chama de ‘um significante do ponto onde o significante falta’, pois
embora ele tenha essa característica de não se encontrar disponível no Outro, furando-
o, permite a organização da cadeia significante. É neste sentido que ele é um
significante privilegiado.
Os esclarecimentos acima sobre o significante da falta no Outro [S(A/)], o sujeito
dividido ($), o inconsciente e o desejo, fazem parte do processo da metáfora paterna.
Estes elementos fornecidos pelo Édipo se encontram representados na parte inferior da
tábua da sexuação e serão importantes para a conclusão de nossa análise sobre essa
proposta de Lacan. Embora esses elementos estejam colocados cada um de um lado
da tábua, o $ do lado masculino e o S(A/) do lado feminino, isto não quer dizer que,
para cada sujeito, se tenha estabelecido um deles. Todo sujeito que passou pela
metáfora paterna e teve a instauração do Simbólico, seja ele homem ou mulher, são
sujeitos divididos ($) e têm o Grande Outro barrado [S(A/)], tal como Lacan havia
proposto no grafo do desejo, na parte inicial de seu ensino.
A metáfora paterna é o que acontece no segundo tempo do Édipo, quando o pai
intervém como um pai terrível na relação da criança com a mãe, em vários planos. É ele
quem representa a lei e sua primeira função é interditar a mãe: a criança não pode se
75
servir da mãe e, dessa maneira, o pai se liga à lei da proibição do incesto. Isto se
porque o pai priva o sujeito materno do objeto criança, remetendo-a a uma divisão do
desejo. Apesar de seu papel fundamental no drama edípico, o pai só faz sua entrada no
Édipo pelo endereçamento da mãe. O que importa, na realidade, é a relação da mãe
com a palavra do pai na medida em que o que ele fala não é igual a zero e é por isso
que Lacan diz que o pai pode se fazer presente mesmo estando ausente. Tendo o seu
lugar reservado na triangulação edípica, o pai é introduzido através da mãe que o indica
para a criança como o mediador daquilo que está além dela e da sua lei de caprichos.
Ora, trata-se (...) o que concerne às relações o apenas da pessoa da mãe
com a pessoa do pai, mas da mãe com a palavra do pai – com o pai na medida
em que o que ele diz não é, de modo algum igual a zero. O que importa é a
função na qual intervém, primeiro, o Nome-do-Pai, o único significante do pai,
segundo, a fala articulada do pai e terceiro, a lei, considerando que o pai está
numa relação mais ou menos íntima com ela. O essencial é que a mãe funde o
pai como mediador daquilo que está para além da lei dela e de seu capricho,
ou seja, pura e simplesmente, a lei como tal. Trata-se do pai, portanto, como
Nome-do-Pai, estreitamente ligado à enunciação da lei. (LACAN, 1957/58, p.
197).
Ao interditar a mãe através da palavra, o pai anuncia que o objeto criança não é
tudo para a mãe, ou seja, que ela não é o objeto que viria a preencher a falta na mãe,
na medida em que o sujeito materno é dividido por essa interdição. A mensagem de
proibição que o pai evoca é um não para a criança e para a mãe. “Essa mensagem não
é simplesmente o Não te deitarás com tua mãe, nessa época dirigido à criança, mas
um Não reintegrarás teu produto, que é endereçado à mãe.” (LACAN, 1957/58, p.
209).
36
Nesse momento, é necessário prosseguir com o que enunciamos há pouco
sobre as diferentes formas de como o pai intervém na triangulação edípica. Lacan
trabalhou com três formas específicas da manifestação da falta de objeto, a saber:
castração, frustração e privação.
A castração, tal como Freud introduziu, está relacionada à Lei que se encontra
no centro do Édipo. A castração não visa um objeto real, mas um objeto imaginário,
provocando uma dívida simbólica, o que passa a ser representado como φ. “Qual é o
objeto que está em causa, ou que é posto em jogo, na dívida simbólica instituída pela
36
Grifos do autor.
76
castração? Como lhes indiquei da última vez, é um objeto imaginário, o falo.” (LACAN,
1956/57, p. 61): A criança não é o falo da mãe.
A frustração decorre de o pai efetivamente frustrar a criança da posse da mãe e
por isso, ela é correlata das palavras lesão, dano e prejuízo enquanto plano da
reivindicação. “Ela diz respeito a algo que é desejado e não obtido, mas que é desejado
sem nenhuma referência a qualquer possibilidade de satisfação nem aquisição.”
(LACAN, 1956/57, p. 36). Lacan diz que a frustração tem como agente o pai, como
Simbólico provocando um ato imaginário concernente a um objeto real, que é a mãe, na
medida em que a criança dela necessita. Logo, não se permite nenhuma possibilidade
de satisfação dos desejos da criança em relação a sua mãe.
E finalmente, vem a privação onde o pai priva a mãe do objeto fálico. Lacan
relembra que o pai não castra a mãe de algo que ela tem ou não tem, ele a priva
daquilo que ela efetivamente não tem e para que isto seja postulado desta forma, é
preciso que algo esteja lançado no plano Simbólico: o que ela não tem é o falo como
um símbolo.
A experiência analítica mostra que o pai, como aquele que priva a mãe do
objeto de seu desejo, a saber, o objeto fálico, desempenha um papel
absolutamente essencial. (...) Trata-se aqui do nível da privação. Neste nível, o
pai priva alguém daquilo que, afinal de contas, ele não tem, isto é algo que
tem existência na medida em que se faz com que surja na existência como
símbolo. Está bastante claro que o pai não castra a mãe de uma coisa que ela
não tem. Para que fique postulado que ela o o tem, é preciso que isso de
que se trata esteja projetado no plano Simbólico com mbolo. (LACAN,
1957/58, p.191).
Assim, a privação é a falta Real, de um objeto Simbólico, demarcando que a
mãe, como uma mulher, de fato, não possui o falo. Lacan o representa pelo Φ
indicando o falo como Simbólico referente a uma falta no Real. Estes três níveis da
função do pai levam a criança ao questionamento de sua posição como falo da mãe: é
possível ser ou não ser o falo da mãe se deste ela é realmente privada?
Dor elaborou o gráfico abaixo onde se pode visualizar melhor as três formas da
falta de objeto e em que nível se encontra o objeto de cada uma delas. As letras
maiúsculas representam a castração, a privação e a frustração e as letras minúsculas a
falta de objeto no Simbólico, no Real e no Imaginário.
77
Figura 17: As três faltas de objeto.
Fonte: DOR, Joël. Introdução à Leitura de Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas,1989. V.1 p. 84.
Lacan, assim como Freud, faz uma separação entre o menino e a menina no que
concerne ao desfecho do complexo de Édipo. A análise da metáfora paterna e do Édipo
fornecerão subsídios para a compreensão da parte de baixo da tábua, onde Lacan
escreveu o significante do falo. No entanto, veremos agora apenas as elaborações
sobre o menino, deixando as questões da menina para o capítulo onde analisaremos o
lado feminino da tábua da sexuação.
Para Lacan, a relação do menino com o pai é dominada pelo medo da castração.
Freud diz que a ameaça de castração ganha todo seu efeito quando o menino percebe
a ausência do pênis na mulher. “A observação que finalmente rompe a sua descrença é
a visão dos órgãos genitais femininos.” (FREUD, 1924/1995, p. 195). Apesar do temor,
o filho tem uma reação agressiva com o pai por ele lhe proibir a mãe e com esta, por
sua vez, por se dirigir ao pai como possuidor do falo.
A terceira etapa do Édipo é onde o pai passa de privador terrível a aquele que
pode dar aquilo que a mãe deseja, não apenas privá-la disto, como é o caso no
segundo tempo. Agora acontece a identificação ao pai, como aquele que tem para dar,
78
e que, além de ser o representante da lei, é o portador do falo, ou melhor, como diz
Lacan, é ele quem suporta o que a mãe deseja.
Na medida em que a etapa do segundo tempo é atravessada, é preciso, então,
no terceiro tempo, que aquilo que o pai prometeu seja mantido. Ele pode dar
ou recusar, posto que o tem. (...) É por intervir no terceiro tempo como aquele
que tem o falo, e não que o é (...) [que] o pai pode dar à mãe o que ela deseja
e pode dar porque o possui. (LACAN, 1957/58, p.200).
Ao intervir como aquele que tem o falo, que está do lado masculino da tábua, o
pai é tomado como pólo para a identificação simbólica, como Ideal do eu.
37
“É por
intervir como aquele que tem o falo que o pai é internalizado no sujeito como Ideal do
eu, e que a partir daí, não nos esqueçamos que o complexo de Édipo declina.” (LACAN,
1957/58, p.201). Freud enumera três pontos que decorrem do fim do Édipo: O primeiro
deles diz respeito às identificações quando as catexias de objeto são abandonadas e
substituídas por identificações, colocando o pai como suporte para o Ideal do eu. Sua
autoridade, agora introjetada, forma o núcleo do supereu
38
, herdeiro do complexo de
Édipo. O segundo ponto é referente às tendências libidinais, que são dessexualizadas
e sublimadas e, por último, “a dissolução do complexo de Édipo consolidaria a
masculinidade no caráter de um menino.” (FREUD, 1923/1995, p. 45).
O que Freud chamou de consolidação da masculinidade’ e o mesmo que Lacan
trabalha sob o nome de ‘tipo viril’. É quando o sujeito pode se colocar como aquele que
tem o falo e, logo, se posicionar do lado masculino da tábua da sexuação. Lacan diz
que, para ter o falo, é preciso, num primeiro momento, não tê-lo, ou seja, ser castrado.
É somente com a possibilidade da castração que uma criança pode identificar-se com o
pai, quem tem o falo, para que ela própria possa tê-lo um dia, ou seja, para que a
criança possa ter consigo o falo que lhe será útil no futuro. É através dessa
identificação ao pai que a criança pode transformar-se em pai quando chegar o
momento.
37
O eu ideal é imaginário e anterior à incidência do Nome-do-Pai. Após a entrada da metáfora paterna, o
eu ideal transforma-se no Ideal do eu que é Simbólico. O Ideal do eu tem a ver com as identificações no
final do complexo de Édipo.
38
Não estamos nos referindo aqui ao conceito de supereu arcaico de Melaine Klein.
79
Não estou dizendo que desde logo e imediatamente ele seja um pequeno
macho, mas ele pode tornar-se alguém, está com seus títulos de
propriedade no bolso, com a coisa guardada, e, quando chegar o momento, se
tudo correr bem, se o gato não comê-lo, no momento da puberdade, ele terá
seu pênis prontinho, junto com o seu certificado es papai que no
momento certo o conferiu a mim. (LACAN, 1957/58, p.176).
39
Apesar de Lacan ter utilizado o termo pênis na citação acima, logo em seguida
ele fala sobre um certificado. Neste caso, o certificado significa a instituição de algo da
ordem significante, ou seja, da posse do mbolo fálico que o menino reserva para
quando ele se fizer necessário. É o que Lacan também chama de promissória: “Ele não
tem mais nada a não ser uma promissória para o futuro.” (LACAN, 1960/61, p.218). O
menino, então, tem algo de que se valerá no futuro quando as questões da sexualidade
se farão novamente presentes na puberdade. Por hora, com o declínio do complexo de
Édipo, a fase fálica se encerra dando lugar a um período de latência.
Com essa exposição do complexo de Édipo, podemos assinalar sua correlação
com o lado masculino da tábua da sexuação. No início, a criança, seja menino ou
menina, se coloca como o falo da mãe no primeiro tempo do Édipo. Na medida em que
o pai priva a mãe do falo (a e não o tem) e, ao mesmo tempo, efetua a castração da
criança através da incidência da Lei, leva a criança a escolher um outro posicionamento
para além da dialética de ser ou não ser o falo.
Lacan afirma que a privação do falo efetuada na mãe pelo pai, é um ponto nodal
e que enquanto a criança não aceita essa privação ela mantém, de certa forma, sua
identificação ao falo da mãe. Ele nos incita a questionar a configuração da relação entre
o pai, a mãe e o falo que faz com que a criança não aceite essa privação e mantenha
sua identificação inicial. Além disso, adverte que existem graus diferentes para a
relação entre estes três termos, o que permite certa distinção entre a neurose, a
psicose e a perversão. Apesar de não desenvolver essa distinção em suas articulações
sobre os três tempos do Édipo no Seminário 5, ele diz que, de qualquer forma, essa
configuração é nodal e fala que a criança precisa escolher entre ser e não ser o falo.
Lacan é cauteloso nesta questão da escolha dizendo para colocar o termo ‘escolha’
entre aspas “porque o sujeito é tão passivo quanto ativo nisso, pela simples razão de
que não é ele quem manipula as cordinhas do Simbólico.” (LACAN, 1957/58, p. 192).
39
Grifo do autor.
80
uma outra alternativa para além do ser ou o ser: a escolha entre o ter ou o
não ter. Mas, para se chegar a este nível, é preciso aceitar a privação da mãe, pois isto
fará com que o pai seja visto como aquele do suporte da Lei que possui o falo e não
mais como um pai privador. O falo deixa de ser privado à mãe e passa a ser o
significante de seu desejo. Em contrapartida, a criança, que também não tem o falo,
pode almejá-lo lá onde ele se encontra.
A questão do ter ou não ter é regida por intermédio da castração: é a partir dela
que uma criança pode se tornar homem ou mulher. Aquele que pode ter o falo será o
varão, aquele na posição masculina da sexuação. Mas, para isto, a possibilidade de ser
castrado para a assunção ao sexo masculino é essencial, podendo, assim, pertencer ao
grupo daqueles que têm o falo, conforme a sua escritura na tábua da sexuação:
(para todo x é verdadeiro que a função fálica incide).
Sabemos, no entanto, que é dele [do complexo de castração] que dependem
estes dois fatos: que, de um lado, o menino se transforme em homem, e de
outro, a menina se transforme em mulher. Em ambos os casos, a questão do
ter ou não ter é regida mesmo que, no fim, tem o direito de tê-lo, ou seja, o
varão por intermédio do complexo de castração. Isso supõe que para tê-lo, é
preciso que haja um momento em que não se tem. (...) Para tê-lo, primeiro é
preciso que tenha sido instaurado que não se pode tê-lo, de modo que a
possibilidade de ser castrado é essencial na assunção do fato de ter o falo.
(LACAN, 1957/58, p. 192-193).
Essa colocação de Lacan, do final da década de 50, nos remete às elaborações
da tábua da sexuação quinze anos mais tarde. Ao afirmar que para o sujeito se tornar
um homem possuidor do falo, é preciso ter postulado que não se pode tê-lo, aponta
diretamente para as questões levantadas na tábua da sexuação. Nela temos escrita a
fórmula (para todo x é verdadeiro que a função fálica incide), segundo a qual
todo homem é castrado, ou seja, para todo aquele que é homem é preciso encarar a
castração. É exatamente disto que Lacan trata nesse Seminário de 1957/58, através da
incidência da lei paterna. Uma criança se colocará do lado masculino da partilha dos
sexos se, e somente se, aceitar sua castração e a privação da mãe, optando em ocupar
o lugar do ‘ter’ na dialética entre o ‘ser’ e o ter’.
O pai, do segundo tempo do Édipo, que é visto primeiro como um pai terrível e
depois como a sede para a identificação, representa as mesmas elaborações do mito
81
do pai primevo, um pai tirano que interdita a mãe como objeto, mas a quem a mãe
escolhe como possuidor do objeto de seu desejo, o falo. O reconhecimento de que o
pai tem o falo permite a identificação a ele, deixando, assim, de ser um pai tirânico para
ser a via pela qual a criança pode se transformar em homem. A morte do pai é a morte
dele enquanto tirano e somente assim ele pode assumir uma posição-pólo de
identificação.
Analisamos, no início deste capítulo, que o pai da horda primeva está indicado
na primeira fórmula do lado masculino: (existe um x para quem a função
fálica não incide), representando aquele que não foi castrado. No entanto, após a
passagem do pai mítico para o nível Simbólico, essa fórmula também representa o pai
do Édipo. Afinal, quando Freud analisa o sistema totêmico, ele faz igualar este ao
complexo de Édipo, dizendo que ele é produto das condições ali em jogo.
Se essa equação for algo mais que um enganador truque de sorte, deverá
capacitar-nos a lançar luz sobre a origem do totemismo num passado
inconcebivelmente remoto. Em outras palavras, nos permitirá provar que o
sistema totêmico é um produto das condições em jogo no complexo de Édipo.
(FREUD, 1912/13 /1995, p. 137).
Somos levados a pensar que o mito da horda primeva de Freud foi uma maneira
encontrada por ele para colocar o complexo de Édipo no centro da vida psíquica. Se a
instauração da proibição do incesto é o que marca a passagem da natureza para a
cultura – e esta lei está no interior do complexo de Édipo – ele também está nesta base.
A Lei, incidindo na passagem da horda ao Estado como civilização, também é
responsável pela entrada da criança na cultura, saindo de um estado de natureza para
um estado civilizatório no campo do indivíduo. O complexo de Édipo tem uma função
normativa tanto na estrutura da Lei do sujeito (estrutura psíquica), quanto nas suas
relações com a realidade.
Vimos então que, frente à castração, os sujeitos precisam se posicionar na
partilha dos sexos e aquele que se coloca do lado masculino é o portador do falo,
identificando-se ao pai. Por esta razão, na parte de baixo da tábua da sexuação, que
nós analisaremos no último capítulo desta dissertação, o símbolo do falo está localizado
do lado esquerdo, ou seja, do lado masculino. E justamente, porque o sujeito está na
82
posição de ter o falo, é o que propicia a uma mulher o acesso ao que ela deseja: o
usufruto do falo e a geração de filhos. Uma mulher, que é privada do falo, pode desejá-
lo, assim, no homem.
Concluída a análise das questões do lado masculino da tábua da sexuação,
faremos agora um exame do lado feminino, o que implica analisar as duas fórmulas
propostas por Lacan e suas conseqüências para o sujeito que se posiciona e, além
disso, prosseguiremos, ainda, com o complexo de Édipo feminino.
83
3. AS PROPOSIÇÕES DO LADO FEMININO
As duas proposições do lado feminino da tábua da sexuação não têm nenhuma
correlação com as proposições de Aristóteles. Enquanto que do lado masculino ainda
se podia fazer alguma analogia entre as proposições de Aristóteles e as fórmulas da
sexuação, correlacionando a particular negativa e a universal afirmativa, do lado
feminino nenhuma analogia deste tipo pode ser estabelecida.
A primeira proposição que Lacan trabalha é a (não existe x para quem
a função fálica não incide), de onde ele deriva a segunda fórmula (para não-
todo x é verdadeiro que a função fálica incide). Iniciaremos nosso estudo com a
primeira fórmula abordando os caminhos que levaram Lacan a estabelecê-la.
3.1
Não existe um x para quem a castração não incide:
Esta primeira fórmula lacaniana do lado feminino não encontra respaldo na
lógica clássica, como explicitado na subseção desta dissertação, A lógica formal em
Aristóteles, porque nela não é possível negar o sujeito da proposição. No entanto, esta
fórmula, assim como a segunda fórmula do feminino, faz bastante sentido dentro das
idéias de Lacan.
Em primeiro lugar, se Lacan trabalhasse com a idéia de simetria entre os sexos,
ele proporia os mesmos elementos e o mesmo raciocínio que utilizou do lado masculino
para o lado feminino da sexuação. Assim, hipoteticamente, teríamos (existe
ao menos uma mulher para quem a castração não incide). Se fosse esse o caso, Lacan
estaria afirmando a existência de ao menos uma mulher que escapou à castração. Mas
não é isso que se encontra nos textos lacanianos e nem nos freudianos. Pelo contrário,
desde Freud há uma difusão não só da castração feminina como também da dissimetria
entre os dois sexos, que não são complementares. Com a publicação de A
84
Dissolução do Complexo de Édipo, 1924, e Algumas Conseqüências Psíquicas da
Distinção Anatômica dos Sexos, 1925, Freud inaugura um estudo apropriado do
complexo de Édipo das mulheres, demarcando com excelência as particularidades do
Édipo feminino.
Enquanto pela via exclusiva de Freud, a questão dos sexos pode se fechar na
anatomia como destino
40
, em Lacan, ser homem ou ser mulher é uma distinção frente à
castração e à modalidade de gozo.
Qualquer ser falante, como se refere Lacan, pode se localizar do lado masculino
ou do feminino da sexuação, independentemente de sua anatomia. Caso esteja do lado
feminino, não haverá universal possível.
Em frente, vocês têm a inscrição da parte mulher dos seres falantes. A todo ser
falante, como se formula expressamente na teoria freudiana, é permitido,
qualquer que ele seja, quer ele seja ou o provido dos atributos da
masculinidade atributos que restam a determinar inscrever-se nesta parte.
Se ele se inscreve nela, não permitirá nenhuma universalidade, será não-todo,
no que tem a opção de se colocar na Φx ou bem de não estar nela. (LACAN,
1972/73, p. 107).
A posição de Lacan, relativa à idéia de que quem se inscreve neste lado não
permitirá universalidade, deve ser cuidadosamente analisada. A tábua da sexuação é
fundamentalmente um escrito lógico matemático do conhecimento psicanalítico e,
portanto, muito do que se diz a respeito dela deve ser lido baseado nessas premissas.
Mas, antes de chegar à não universalidade do lado feminino, é essencial compreender
a primeira fórmula escrita na tábua: não existe um x para quem a castração não incide.
Figura 18: A Primeira fórmula do lado feminino.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
40
A famosa frase de Freud, “A anatomia é o destino”, é encontrada no texto A Dissolução do Complexo
de Édipo de1924, volume XIX, p. 197.
85
Para Lacan, o universal tem sentido fundamentado numa existência que está
colocada fora dele, mais especificamente, é preciso uma exceção particular para fundar
uma regra universal. Do lado masculino, tem-se a primeira fórmula : existe
um x a dizer não à função fálica, e isto representa uma exceção e do lado feminino,
tem-se : não existe um x a dizer não à função fálica, apontando, portanto, à
não existência de uma exceção.
Para dar respaldo a suas idéias, Lacan utiliza a teoria dos conjuntos. Do lado dos
homens UM a dizer não à castração e do lado das mulheres tem-se o ZERO, quer
dizer, não há um a dizer não à função x. Se retomarmos o mito do pai primevo
explorado na subseção, O pai da horda primitiva de Totem e Tabu, veremos que, antes
do assassinato do pai, não se havia estabelecido nenhum parentesco entre os machos.
Somente após o assassinato é que o macho dominante passa a ser designado de pai’
e todos os outros machos designados de ‘filhos’. Portanto, a partir da exclusão desse
elemento (o pai primevo) pode-se fundar um conjunto com os elementos subseqüentes
ao número 1, a saber, 2, 3,
etc. O ‘todo’ pode ser concebido a partir de um elemento
que o pertence ao conjunto.
41
Para Pilippe Julien (1996) esse elemento excedente
tem a função operacional de totalização, ele funda, portanto, a cadeia significante que
mesmo incompleta, torna-se possível.
Um! Que um? Não o Um substantivo, o todo esférico que constituiria a
união do homem e da mulher, mas o um do número 1, como elemento num
conjunto. (...) Um todo da ordem do numerável é gerado a partir de um
elemento que não pertence ao conjunto, de um elemento a mais que, como
excedente, tem a função operacional de totalização. Assim, embora a cadeia
significante seja incompleta, uma totalidade torna-se possível graças a uma
exceção da cadeia significante, exceção que totaliza e confirma a regra.
(JULIEN, P. 1996, p. 151).
42
41
Essa idéia está baseada nas elaborações matemáticas sobre conjunto. O número um, sendo o
primeiro número de um conjunto, serve de base para a aparição dos próximos números e, assim, tem-se:
1+1=2. Repetindo-se o número de base, o novo lculo é 1+2=3, 1+3=4 e, assim, sucessivamente
formando-se um conjunto de números naturais a partir de um único número. No entanto, o mesmo não é
possível a partir do número zero, caso ele seja o primeiro elemento do conjunto, não sendo possível
extrair os outros elementos a partir dele. Seguindo o mesmo raciocínio feito com o número 1, tem-se: 0
+1 = 1 e na seqüência adiciona-se ao zero o produto da primeira soma (1+0 = 1) e sucessivamente
(0+1=1 ...), vemos não ser possível derivar e formar um conjunto a partir do número zero.
42
Grifo do autor.
86
Esse elemento operacional é o pai Simbólico, o agente da castração. Se a
proposição (existe um x para quem a função fálica não incide) constitui um
limite para os homens, a proposição (não existe x para quem a função fálica
não incide) deve ser entendida como a negação da existência de um limite da função x
do lado feminino. A fórmula diz que não existe nenhuma mulher para quem a
castração não tenha incidido, sendo este um ponto fundamental para nossa
compreensão do lado feminino da tábua da sexuação. Qualquer sujeito que se coloque
do lado das mulheres terá se submetido à castração, não havendo nenhuma que diga o
contrário. Dessa forma, a não exceção do lado feminino não faz paralelo com a
existência de uma exceção do lado masculino, não havendo, portanto, simetria entre
essas proposições com os quantificadores existenciais dos dois lados da tábua.
O “sem exceção” que indica a o existência de x na parte direita, que não
exceção e que é algo que não tem paralelismo, não tem simetria com a
exigência do “ao menos um”. (LACAN, 03/03/1971/inédito/ tradução nossa).
43
Enquanto o Um do lado masculino suporta o Nome-do-Pai, numa existência para
além da função fálica, do outro lado, não existe mulher que suporte ao dizer não à
função. A questão de ser ou não ser castrado é bem diferente para aquele que se
coloca do lado masculino e do feminino. A exceção do lado masculino indica a
existência de um que não foi castrado, balizando, assim, todo um grupo para quem a
castração foi imposta como condição de ser qualificado de homem. É como se os
homens almejassem um dia não haver restrições quanto a seu gozo e objeto de desejo,
assim como aconteceu com o pai da horda primitiva. Do lado feminino, não nada
que almejar neste sentido. Quem se inscreve deste lado não coloca em questão a
existência do ‘ao menos um’ que tenha escapado à castração, justamente porque deste
lado não há o falo. Para Lacan, seria necessário que se admita que a essência da
mulher não é a castração, porque elas não têm o falo.
43
Lo “sin excepción” que indica la no existencia de x en la parte derecha, que no hay excepción y que
ahí es algo que no tiene paralelismo, no tiene simetria con la exigencia del “al menos uno”.
87
Seria necessário que o sujeito admita que a essência da mulher não é a
castração. Elas não são castráveis, porque o falo, do que remarco que não
disse ainda o que é, e bem, elas o o tem. (LACAN, 12/01/1972/inédito/
tradução nossa).
44
Parece algo contraditório: num momento, Lacan fala que qualquer sujeito mulher
é castrado ( não existe x para quem a função fálica não incide) e, em outro,
diz que “elas não são castráveis” por não terem o falo. Para entender melhor essas
duas afirmativas precisamos localizá-las na teoria. A primeira delas, de que não existe
mulher que não seja castrada, se refere à não existência de uma exceção para a
função fálica do lado feminino. Se houvesse exceção, falaríamos de uma mulher que
não é castrada, o que seria correspondente ao pai primevo do lado dos homens. Neste
sentido, qualquer um que seja mulher é castrado, não há quem escape.
Do outro lado, temos a afirmação lacaniana de que as mulheres não são
castráveis por não terem o falo. O fato de não terem o falo parte do pressuposto de que
no desfecho do Édipo, quando o sujeito é colocado em posição de escolher entre ter ou
não ter, a qualificação ‘mulher’ é dada àquele sujeito que escolheu não ter o falo, ao
passo que o sujeito masculino é quem o tem. Por isso, Lacan escreve na parte inferior
do quadro da sexuação, o símbolo do falo (Φ) do lado dos homens, o que repercute na
idéia de que uma mulher não tem o falo. Além disso, Lacan diz que embora a castração
esteja para todos, ela não é a essência de uma mulher, o que podemos explorar por
duas vias: em primeiro lugar, por não terem o falo, a castração não tem o mesmo peso
que para um homem e, em segundo lugar, a essência do sujeito feminino não se baseia
no ‘ao menos um’ que escape à castração.
Através da tábua da sexuação e dos ensinamentos de Freud, vimos que não é a
função fálica presente igualmente para os homens e para uma mulher que os faz
diferentes, muito pelo contrário. A diferença não deve estar localizada ali, deve ser
buscada em outro lugar, na forma como cada um lida com essa função, sendo a partir
dessa diferença que a partilha dos sexos se dá: do lado masculino, estão aqueles que
têm o falo, do lado feminino, os que não têm.
44
Sería necesario que el sujeto admita que la esencia de la mujer no es la castración. Ellas no son
castrábles, porque lo hablo, del que remarco que no dijo aún lo que es, y bien, ellas no lo tienen.
88
Então, como vimos, do lado do homem um que escapa à regra da castração,
(existe um x para quem a função fálica não incide) e do lado feminino, não
nenhum que o faça. Se houvesse esse um que escapa à regra, do lado feminino,
teríamos a proposição (existe uma mulher para quem a castração não
incide). Como não essa exceção, a proposição do lado feminino é (não
existe uma mulher para quem a função fálica não incide). A conseqüência imediata
desta fórmula é a seguinte: o limite é o que funda o universal e, nesse caso, um
conjunto fechado. Mas, do lado feminino, a ausência de limite implica no não
fundamento do conjunto universal e se é a exceção que funda a regra, sem a exceção,
não há regra alguma para os sujeitos que se colocam aí, não havendo, portanto,
conjunto deste lado.
Do lado dos homens, a exceção leva à formulação de uma regra a qual todos os
homens devem se submeter, representado na proposição (para todo x é
verdadeiro que a função fálica incide). Do lado da mulher, a não exceção torna
impossível formular o ‘todo x’, sendo isso que Lacan representa pela proposição
para não-todo x é verdadeiro que a função fálica incide. A seguir, então,
analisaremos as implicações dessa formulação.
3.2 Para não-todo x é verdadeiro que a castração incide:
Conforme acabamos de ver, é a exceção funcionando como limite que permite
estabelecer o conjunto do ‘todo’. Sendo o limite exemplificado na proposição
(existe ao menos um para quem a castração não incide), que funda o conjunto universal
‘todo x’ do lado dos homens, é legítimo nomear esse conjunto de ‘O Homem’. O artigo
definido masculino nomeando esse conjunto fechado universal, indica que todos os
elementos dele têm algo em comum, e podem ser todos listados, bastando-se apenas
separar por vírgulas os elementos. O que eles têm em comum é a lei da castração:
todos são submetidos a ela, todos os elementos deste conjunto fazem valer a lei da
89
castração e isso é uma verdade. Para qualquer um, macho ou fêmea, que se inscreva
deste lado da sexuação, não há outra possibilidade.
Em conseqüência, o homem não tem acesso ao gozo infinito suposto ao pai
primevo, isto é, não submetido à castração e disso decorre que, este pai é o único que
teria acesso ao gozo absoluto que é inacessível e proibido aos homens. Para todos os
homens ( ) um gozo limitado pela castração e por isso ele é exclusivamente um
gozo fálico. algo que lhe é proibido e Lacan diz no Seminário 16 (1968/69), que à
ele é proibido gozar da mãe.
Do lado feminino, a fórmula (não existe um x para quem a castração
não incide) não permite o estabelecimento de um conjunto universal da mulher e esta
falta de limite leva à ausência da proposição universal. A fórmula : para não-
todo x é verdadeiro que a função fálica incide demonstra que, não podendo fazer o
todo’ do lado feminino, ( ), faz-se o não-todo’: Esta é a segunda fórmula do lado
feminino na tábua da sexuação:
Figura 19: A segunda fórmula do lado feminino.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
Aqui Lacan radicaliza mais uma vez. As proposições ‘não-existee ‘não-todo’
não são possíveis na lógica de Aristóteles. Se seguíssemos a lógica clássica, o ‘não-
todo’ de Lacan seria o equivalente ao algum’ de Aristóteles, a proposição particular e o
‘não existe’ seria o equivalente ao ‘nenhum’ da proposição universal do filósofo grego.
Basta haver um que contradiga a fórmula universalizante para que devamos
aboli-la e transformá-la em particular. Esse o-todo se torna equivalente do
que, em lógica aristotélica, se enuncia do particular (LACAN, 1972/73, p.139-
140).
Elaboramos o quadro abaixo para ajudar a visualizar essas diferenças.
90
Figura 20: Comparação das proposições femininas: Lacan e Aristóteles.
A compreensão que Lacan tem do feminino é incompatível com a teoria das
proposições de Aristóteles, pois se ele seguisse o filósofo afirmaria a existência do
‘todo’ da mulher. Para Lacan não o ‘todo’ sem uma existência que o negue e,
portanto ele confere ao quantificador (existe x) a função de impor um limite que
constitua o conjunto universal (para todo x). Como não existe ao menos um que
escape à Lei do lado feminino, é impossível formar o universal do lado da mulher. Eis a
razão da fórmula (para não-todo x é verdadeiro que a função fálica se aplica)
que acarreta a falta de limite não assegurando o universal do lado feminino:
A falta de limite do lado da mulher, o fato de não ter exceção não assegura
mais o universal da mulher. O sem exceção’ longe de dar consistência a
algum ‘todo’ naturalmente o ainda menos ao que se define como não-todo.
(LACAN, 03/03/1971/ inédito, tradução nossa).
45
Lacan escreve a proposição (para não-toda mulher é verdadeiro que a
castração incide) que, por não existir suspensão da função fálica, tudo se pode dizer
desses sujeitos do lado feminino. Por não existir limite para a função, é impossível falar
do universal e, o que seria o ‘todo’, fora do universal lê-se como ‘não-todo’.
45
La falta de límite del lado de la mujer, el hecho de no tener excepción no asegura más lo universal de
la mujer. Lo ‘sin excepción’ lejos de dar consistencia a algún ‘todo’ naturalmente lo dá aún menos al que
se define como no-todo.
LACAN ARISTÓTELES
não-todo ( ) algum ( )
(para não-todo x é verdadeiro Φx) (existe algum x que é verdadeiro Φx)
não-existe ( ) nenhum ( )
(não existe x para quem não é verdadeiro Φx) (para todo x não é verdadeiro Φx)
91
O sujeito se determina a partir de que, não existindo suspensão na função
fálica, tudo possa dizer-se dela, mesmo que provenha do sem-razão. Mas
trata-se de um todo fora do universo, que se de chofre a partir do
quantificador, como nãotodo
46
. (...) O sujeito, na metade em que se determina
pelos quantificadores negados, vem de que nada existente constitui um limite
da função, que não pode certificar-se de coisa alguma que seja de um
universo. Assim, por se fundarem nessa metade, “elas” são não-todas.
(LACAN, 1973, p.466).
A dificuldade com a proposição (para não-todo x é verdadeiro que a
função fálica incide) é que, a princípio, ela nos impõe um equivoco que não sabemos
como compreender esse ‘não-todo’ muito bem. Abrem-se duas vias: se no campo
daqueles sujeitos qualificados como mulheres algumas se inscrevem nesta função e
outras não; ou se uma parte do sujeito feminino satisfaz a função x e outra parte não.
Lacan opta pela segunda opção dizendo que não é porque uma mulher se encontre
não-toda submetida à função fálica que ela não está nesta função de todo. O não-todo
implica que a função fálica e que existe algo mais: “Não é porque ela é não-toda na
função fálica que ela deixe de estar nela de todo. Ela não está lá não de todo. Ela está
lá à toda. Mas há algo mais.”(LACAN, 1972/73, p. 100).
Vamos compreender essa frase melhor. Ao afirmar que “não é porque ela é não-
toda na função fálica que ela deixe de estar nela de todo”, Lacan está nos dizendo que
uma parte da mulher que está submetida à função fálica, estando esta toda
submetida à Lei. E, na seqüência, ao acrescentar “mas algo mais” ele está falando
de uma parte da mulher que não está submetida à função fálica. Conclui-se que a
mulher tem uma parte inscrita no Simbólico e uma outra que não e que estaria,
portanto, no Real. “A ‘titulo do que se situa pelo discurso, pois, se o que aqui coloco é
verdadeiro, isto é, que a mulher não é toda, sempre alguma coisa nela que escapa
ao discurso.” (LACAN, 1972/73, p. 46).
O aspecto que nos leva a pensar que uma mulher tem uma parte inscrita no
discurso, e outra o, se refere à função fálica na medida em que ela é não-toda
situada nessa função: “A mulher se define por uma posição que apontei como o o-
todo no que se refere ao gozo fálico.” (LACAN, 1972/73, p. 15).
47
Lacan fala que
um gozo fálico e outro gozo, próprio do feminino: “Há um gozo, já que nos atemos
46
Grifo do autor.
47
Grifo do autor.
92
ao gozo, gozo do corpo, que é, se posso me exprimir assim, (...) para além do Falo.”
(LACAN, 1972/73, p. 100).
48
Esse gozo que está para além do gozo fálico é um gozo
do qual as mulheres não sabem nada, elas não falam uma palavra sobre ele. Não se
fala nada sobre ele porque escapa à simbolização, constituindo um gozo que se
encontra no Real e, portanto, fora da linguagem.
Se uma mulher é não-toda inscrita no Simbólico, ela tem uma parte no Real que
seria a sua parte louca e outra no Simbólico, a sua parte o louca. Por terem uma
ancoragem no Real e outra no Simbólico, elas não são loucas de todo. Talvez se
apoiando nisto, Lacan é capaz de afirmar no texto Televisão, 1974, que as mulheres
não são loucas de todo ou que não são absolutamente loucas. “É justamente por isso
que elas o são loucas de todo
49
, antes conciliadoras; a tal ponto que não
limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu corpo, sua alma e
seus bens.” (LACAN, 1974, p. 70).
Através das fórmulas do lado feminino, Lacan faz duas afirmações: a primeira,
de que não existe uma mulher que escape à castração e, a segunda, que mesmo não
escapando, a mulher é não-toda submetida à ela.
A não exceção implica na não universalidade do lado da mulher e foi assim que
Lacan criou uma forma para expressar que este conjunto universal é impossível através
da seguinte afirmativa:
“A mulher não existe”
3.2.1 A Mulher não existe
Esta afirmativa é sem dúvida uma das mais enigmáticas do ensino de Lacan.
Esta frase adquire seu significado dentro das premissas que vêm sendo analisadas
desde o início desta dissertação, ou seja, dentro de um pensamento lógico matemático.
48
Grifo do autor.
49
Nota do autor: a expressão no original em francês pas folles- du- tout seria melhor traduzida por “não
são absolutamente loucas”.
93
Após explorar as duas fórmulas do lado feminino, concluiu-se que nenhuma
delas expressa a universalidade. Embora sua escrita seja inconcebível na lógica
clássica porque ambas são inconsistentes, Lacan utiliza as idéias de Pierce
50
, a lógica
intuicionista de Brouwer
51
e o Teorema de Kurt Gödel para justificá-las.
As proposições e não o verificáveis de acordo com a
lógica clássica. O teorema de Gödel, ao qual Lacan se refere várias vezes ao explicar
estas duas fórmulas, postula a incompletude de todo sistema axiomático, isto é, a
existência de proposições cuja verdade ou falsidade é impossível de demonstrar. Daí
surgiu o termo indecidível. A fórmula (para não-todo x) indica o não
fechamento do ‘todo’ em relação à função x.
Outro item fundamental de estudo que Lacan propõe é a diferenciação entre o
conjunto finito e o infinito. Para isto, ele se contrapõe a Aristóteles dizendo que para o
conjunto finito basta haver um que contradiga a fórmula universal para que ela se
transforme em particular, estabelecendo, dessa forma, o ‘todo’.
No caso do não-todo, o sem exceção do lado feminino, Lacan trabalha com a
idéia de infinito e, ao fazê-lo, ele diz que num conjunto infinito, o gozo não é limitado
pela função fálica do mesmo modo que para os homens. Para uma mulher haveria um
gozo que é da ordem do infinito.
que tem o seguinte: de nós podermos escrever não-todo x se inscreve em
(
)
deduz-se, por via de implicação, que há um x que contradiz
isto. O que é verdadeiro com uma única condição, de que, no todo ou no não-
todo de que se trata, se trata do finito. Para o que é finito, não somente
implicação, mas equivalência. Basta haver um que contradiga a fórmula
universalizante para que devamos aboli-la e transformá-la em particular. Esse
não-todo se torna equivalente do que, em lógica aristotélica, se enuncia do
particular. Há a exceção. que podemos lidar, ao contrário, com o infinito.
Agora, não mais é do lado da extensão que devemos tomar o não-toda.
Quando digo que a mulher é não-toda e que é por isso que não posso dizer a
mulher [A mulher], é precisamente porque ponho em questão um gozo que, em
50
Ver subseção 1.1.1 Lacan e Aristóteles desta dissertação.
51
Luitzen Egbertus Jan Brouwer (1881-1966), matemático holandês, fundou o intuicionismo matemático
que o pretende verificar os princípios da lógica clássica. A lógica intuicionista não se preocupa em
provar como verdadeira ou falsa uma proposição, ela diz que é passivel de prova ou passível de
refutação, e, mesmo tendo uma refutação, isto não significaria uma prova.
94
vista de tudo que serve na função , é da ordem do infinito. (LACAN,
1972/73, p.139-140).
Lacan continua dizendo que está lidando com o conjunto infinito e que o não-
todo se produz por uma contradição. A rigor, o não-todo pode ser colocado como uma
existência indeterminada, que na lógica intencionalista somente se pode dizer de
algo que ‘existe’ se se conseguir construí-lo.
Ora, desde que lidem com o conjunto infinito, vocês poderão colocar que o
não-todo comporta a existência de algo que se produza por uma negação, por
uma contradição. Vocês podem, a rigor, colocá-lo como de existência
indeterminada. que, como sabemos pela extensão da lógica matemática,
aquela que se qualifica precisamente de intencionalista, para colocar um
“existe” é preciso também poder construí-lo, quer dizer encontrar onde está
essa existência. (...) É entre o e o que se situa a suspensão dessa
indeterminação, entre uma existência que se acha por se afirmar. (LACAN,
1972/73, p.139-140).
A teoria dos conjuntos em matemática ajudará a compreender melhor a idéia de
finito e infinito. Enquanto que no conjunto finito (o universal dos homens) todos os
elementos do conjunto podem ser listados e nomeados, no conjunto infinito da mulher o
mesmo não é possível. O conjunto infinito pode ser definido por uma propriedade que
deve ser satisfeita por todos os seus membros, mas, no entanto, os elementos do
conjunto não podem ser listados. Os membros do conjunto mulher satisfazem à
proposição de não existir ao menos uma mulher que não esteja submetida à castração.
Por isto, Lacan diz que o conjunto possível das mulheres e que elas devem ser
sempre contadas uma a uma.
Sendo o conjunto universal fundado por uma exceção e não havendo exceção
do lado feminino, é impossível, para o feminino, formar o universal do ponto de vista da
função fálica. Por esta razão, a expressão A Mulher’ com o artigo definido feminino
para designar o conjunto universal d’A Mulher é inadmissível.
Dizer que uma mulher é não-toda baseando-se neste quantificador negado, ,
é o caminho para compreender a afirmativa: A mulher não existe’. Enquanto é legitimo
referir-se ao conjunto universal do lado masculino como ‘O Homem’, do lado feminino o
mesmo não se pode dizer. É impossível dizer ‘A Mulher’ ou todas as mulheres’ para
representar esse conjunto universal, que tal conjunto não existe. É por isso que
95
devemos escrever A/ mulher, artigo definido A atravessado por uma barra indicando
sua não existência.
Quando escrevo esta função inédita na qual a negação cai sobre
o quantificador a ser lido o-todo, isto quer dizer que quando um ser falante
qualquer se alinha sob a bandeira das mulheres, isto se dá a partir de que ele
se funda por ser não-todo a situar na função fálica. É isto que define a... a o
quê? – a mulher justamente, só que A mulher, isto só se pode escrever
barrando-se o A. [A/] Não A mulher, artigo definido para designar o
universal. Não A mulher, pois arrisquei o termo, e por que olharia eu
para isso duas vezes? - por sua essência ela não é toda. (LACAN, 1972/73, p.
98).
Para usar um significante que remeta à idéia de que A mulher não existe, Lacan
passa a escrever em francês La/ femme. Em português, o La/ femme foi traduzido por
A/ mulher. Neste trabalho, preferimos utilizar o termo em francês La/ para evitar
possíveis confusões como o significante do grande Outro (A) e do grande Outro barrado
(A/).
O conjunto ‘A Mulher’ poderia existir caso houvesse uma que escapasse à
castração. Assim, ter-se-ia, em comparação com o lado masculino, um mito da “mãe
primeva”. Do lado feminino, não existe ao menos um x que escapa à castração, ou seja,
alguém para quem a função fálica não seja verdadeira. Isto não quer dizer que as
mulheres não têm relação com a função fálica mas, quer dizer que, do lado feminino,
elas são submetidas à castração e há algo a mais: a função fálica não tem limite como
tem para os homens pela existência de um x que negue a castração. As conseqüências
disto para o ser do lado feminino são as seguintes: O seu gozo não é limitado como é
para os homens porque a proibição de gozar da mãe não se coloca para quem não se
situa do lado masculino. Lacan chamou este gozo particular de gozo feminino ou gozo
suplementar porque trata-se de um gozo que suplementa o gozo fálico. Enquanto o
homem tem seu gozo limitado pela existência do pai Simbólico, uma mulher o
experimenta sem os limites da lei do pai.
O homem habitualmente se coloca na vertente do registro do todo e uma mulher
no registro do não-todo. Estes dois registros passaram a gerar certa confusão
justamente pela idéia imaginária de incompletude que o termo não-todo traz. A seguir,
96
num pequeno estudo entre os termos todo e não-todo, veremos que esta idéia
imaginária de completude é um engano.
3.2.2 O ‘todo’ e o ‘não-todo’
Entre o ‘todo’ e o não-todo’, um engano comum é pensar o ‘não-todo’ como um
‘todo’ do registro do incompleto ao qual falta um pedaço. Segundo Jacques-Alain Miller,
o ‘não-todo’, entendido como incompleto, convém ao ser feminino por excelência
devido, principalmente, à comparação dos corpos.
Na comparação entre o corpo do homem e da mulher, a mulher acaba sendo
marcada por um menos, devido à evidência da falta do pênis. Freud fala muito bem
sobre isso quando das descobertas das crianças em relação à castração. Para os
meninos a ausência de pênis é vista como uma punição: a menina foi castrada”. as
meninas de imediato avaliam sua condição de falta e querem ter aquilo que viram nos
meninos. Este sentimento feminino foi nomeado por Freud de inveja do pênis que tem,
em sua obra uma grande importância para o desenvolvimento da feminilidade, a ponto
de ele afirmar que, se alguém rejeitar esta idéia de que o desenvolvimento da
feminilidade tem como base a inveja do pênis, sua elaboração estará sem apoio.
Se os senhores rejeitarem essa idéia como fantasiosa e considerarem a minha
crença na influência da falta de nis na configuração da feminilidade, estarei,
naturalmente, sem apoio (FREUD, 1932/1995, p.131).
Milller chama essa comparação dos corpos de experiência primordial’ na qual o
macho é pensado como completo e a mulher como incompleta, inferior, um ser
marcado pela falta. Este pensamento conspira para que a identidade sexual seja um
espelhamento perfeito do corpo biológico. Sendo assim, os sujeitos poderiam ser
divididos entre os que possuem o órgão masculino, o homem, e os que não o possuem,
a mulher. Se a sexuação fosse um processo baseado nisto, ter-se-ia apenas duas
proposições na tábua da sexuação, como sendo o universal afirmativo, todo homem
97
têm o órgão, e o universal negativo, toda mulher não tem o órgão. Hipoteticamente isto
seria representado respectivamente por:
x Fx: para todo x é verdadeiro que a função se aplica todos que têm o
órgão são homens.
x Fx : para todo x é verdadeiro que a função não se aplica todos que
não têm o órgão são mulheres.
Mas, a identidade sexual é resultado de um processo, não apenas de uma
transposição do sexo biológico para o psicológico. “Ela é o fruto de um processo que
devemos nomeadamente designar sexuação, à medida que expressa como um sujeito
foi levado a se determinar em relação ao falo e à castração”. (DOR, 1995, p. 218). Esse
percurso chamado de sexuação indica o sujeito em sua determinação em relação ao
falo. Satisfazer ou não à função fálica não diz respeito ao ter ou não um órgão
biológico, diz respeito a se ver como castrado, ou como não castrado.
O termo não-todo quer dizer que não se pode formar o todo do universal, não é
um todo amputado, incompleto. Miller diz que o não-todo tem valor se inscrito na
estrutura do infinito e não na idéia de incompletude. O não-todo é da ordem da
inconsistência e não da incompletude.
O não-todo de Lacan não tem valor a não ser inscrito na estrutura do infinito, e
não nessa pobre incompletude que permite somente a primeira referencia que
eu tinha feito em relação ao ter. O não-todo não é um todo amputado de uma
das partes que lhe pertence. O não-todo quer dizer que não se pode formar o
todo. É um não-todo da inconsistência e o da incompletude. (MILLER, 2003,
p. 20)
Por não haver conjunto de mulheres, o ser feminino pode ser contado um a
um. Lacan, neste sentido, faz uma brincadeira sobre Dom Juan. A ele é creditado ter
todas as mulheres, mas só pode tê-las uma a uma, de cada vez.
Miller no seu texto, Uma Partilha Sexual de 1998, faz um estudo da psicologia
sexual e a compara com as estruturas da sexuação de Lacan. Se do lado mulher o que
aparece é a falta, o menos, na tábua da sexuação isto aparece como o infinito, sem
98
limites. Segundo Miller, “psicologicamente, o que pode ser apreendido, experimentado
como inferior cede lugar ao ilimitado”. (MILLER, 2003, p. 25).
para o homem que, na psicologia aparece como aquele que é um ser
completo, sem faltas, na lógica da sexuação isto passa a qualificar o limitado. Portanto,
o homem é um ser falante que sempre se coloca em relação a seu limite. O quadro
abaixo foi elaborado para visualizar melhor essas comparações entre as idéias
psicológicas levantadas por Miller e a sua mudança na tábua da sexuação.
PSICOLOGIA TÁBUA DA SEXUAÇÃO
Falta , menos, incompleto mulher sem limites, infinito.
Sem falta, completo homem limitado, finito.
Figura 21: Quadro comparativo entre a Psicologia e a Tábua da Sexuação.
Miller diz que o limite para os homens é da ordem da estrutura, mas não é da
mesma forma para uma mulher. A relação que uma mulher experimenta com o limite é
algo acidental. No entanto, a ausência de um limite estrutural do lado feminino não quer
dizer que ele nunca tenha existido. Quando o limite advém, isso só acontece por
acidente, dependendo do encontro amoroso.
[O sem exceção] indica, de um modo bem simples, a ausência de um limite
estrutural. Isso não quer dizer que não exista nunca o limite. Isso quer dizer
que o limite, quando ele advém, e em particular sob a forma do ideal, da
crença, etc., só advém na ordem da contingência e não da estrutura. Ele
depende do encontro. (MILLER, 2003, p. 26).
Falar de encontro amoroso entre um homem e uma mulher não é o mesmo que
falar de relação sexual entre O Homem e uma mulher. Nesse ponto, Lacan é categórico
ao afirmar que ‘não há relação sexual’.
99
3.4 Não há relação sexual
Perante esta afirmativa lacaniana de que não há relação sexual (rapport), é
necessário saber a que relação ele está se referindo. Lacan fala sobre uma diferença
entre a relação sexual e as relações sexuais. Estas últimas podem ser muito diversas e
são aquelas cujo relato ocupa a nossa vida cotidiana.
[A] dita relação não tem absolutamente nada que ver com o que se chama
normalmente relações sexuais. Tem-se um montão de relações em relação a
isso. E, sobre estas relações, tem-se também um montão de pequenos relatos
isso ocupa a vida terrena. (LACAN, 03/03/1971/inédito, tradução nossa).
52
Se as relações sexuais são o mesmo que ato sexual, não é em relação a estas
que Lacan se refere quando propõe o axioma “Não relação sexual”. Ele não está
falando nesse momento sobre os relacionamentos entre os sujeitos, mas se interessa
sobre uma possível escrita lógica da relação entre os sexos.
Para chegar ao axioma em questão, Lacan começa questionando se na relação
sexual haveria o encontro de ‘O Homem’ com ‘A Mulher’, ou seja, um encontro entre o
significante que representa o universal do Homem com o significante da Mulher, ou se
essa relação seria apenas o encontro de um homem qualquer com uma mulher. Para
ele, essa ‘relação sexual’ teria que implicar nos mesmos elementos e premissas que ele
utilizou para escrever as fórmulas da sexuação. Dessa maneira, para que a relação
sexual possa existir, deve ser possível a escrita de algo que seja relativo à função x.
Para tanto, Lacan faz uma distinção entre escrito e linguagem, dizendo que são
duas coisas diferentes. Para ele, a lógica depende do escrito, mas deixa claro que o
escrito não é a linguagem.
Só há questão lógica a partir do escrito, enquanto o escrito, não é justamente a
linguagem. E é nisso que enunciei que não metalinguagem, mas que o
escrito mesmo, enquanto ele se distingue da linguagem está ali para nos
mostrar que se é desde o escrito que interroga a linguagem, conjuntamente,
52
Dicha relación no tiene absolutamente nada que ver con lo que se llama corrientement relaciones
sexuales. Se tienen un montón de relaciones en relación a esto. Y, sobre estas relaciones, se tienen
también un montón de pequeños relatos eso ocupa nuestra vida terrena.
100
enquanto o escrito não o é, mas que só se constrói, se fabrica, por sua
referência à linguagem. (LACAN, 17/02/1971/ inédito, tradução nossa).
53
Se relação lógica a partir do escrito, qual é o lugar possível da relação
sexual? Lacan diz que a relação sexual, como qualquer outra relação, só subsiste pelo
escrito, sendo isso uma primeira condição. Por exemplo, a relação de ‘b’ para ‘a’
depende que se escreva o ‘b’ e o ‘a’. Se esses elementos não forem escritos numa
lógica, também não é possível escrever nenhuma relação entre eles.
uma primeira condição que poderia fazê-lo ver em seguida, é que a relação
sexual, como qualquer outra relação, em último termo subsiste pelo escrito.
O essencial da relação é uma aplicação: a aplicado sobre b: a b se vocês
não o escrevem a e b não têm a relação enquanto tal. (LACAN, 17/02/1971/
inédito, tradução nossa).
54
Logo, se não se puder escrever os elementos que participariam da relação
sexual, essa não existe tendo-se como referência o escrito lógico da sexuação. Para
Lacan, “trata-se de fundar esta relação em universais. Como o universal “Homem” se
relaciona com o universal “Mulher”?” (LACAN, 03/03/1971/ inédito, tradução nossa).
55
Sendo a tábua da sexuação uma escrita lógica, para que se possa escrever a relação
sexual é fundamental poder haver uma relação entre dois conjuntos: o universal do
homem e o universal da mulher. No entanto, o universal do homem existe, é possível
escrevê-lo segundo a fórmula (para todo homem é verdadeiro que a função
fálica incide). Já o universal da mulher não existe, como analisado através da
proposição (para não-toda mulher é verdadeiro que a função fálica incide).
Então, de um lado temos o UM e, do outro, o ZERO, que não se relacionam.
53
S
ólo hay cuestión lógica a partir de lo escrito, en tanto que lo escrito, no es justamente el lenguaje. Y
es en eso que enuncié que no hay metalenguaje más que lo escrito mismo en tanto que él se distingue
del lenguaje está allí para mostrarnos que si es desde lo escrito que se interroga el lenguaje
conjuntamente en tanto que el escrito no lo es, pero que sólo se construye, se fabrica por su referencia al
lenguaje.
54
Hay una primera condición que podría hacerlo ver enseguida, es que la relación sexual, como
cualquier otra relación, en último término sólo subsiste por lo escrito. Lo esencial de la relación es una
aplicación: a aplicado sobre b: a
b si ustedes no lo escriben a y b no tienen la relación en tanto que
tal.
55
Al nivel en que lo ubico se trata de fundar esta relación en universales: ¿cómo el universal "Hombre" se
relacióna con el universal "Mujer"?
101
Está posto o problema: não paralelismo entre o lado masculino e o feminino
da tábua da sexuação e, portanto, nas premissas lógicas, não é possível relacionar dois
termos que não se equiparam: do lado do homem utiliza-se o universal e do lado
feminino deveríamos poder usar o mesmo referencial, o universal. Mas é justamente aí
que a situação se complica, pois, não existe universal do lado feminino. A saída
encontrada por Lacan é afirmar que não há relação sexual.
Observa-se, portanto, que a linguagem não conta de escrever a relação
sexual na medida em que deveria ser uma relação entre dois pólos que existem. Ao
afirmar que A mulher não existe, torna-se impossível uma relação entre um conjunto
que existe e outro que o. Lacan conclui, assim, que não relação sexual por não
haver relação possível de ser escrita entre ‘O homem´ e La/ femme’ (uma mulher), ou
seja, não há relação entre o todo e o não-todo.
Por não poder escrever o conjunto universal ‘A mulher’ e a relação sexual, Lacan
conclui que estão ambos do lado do Real, este se definindo como aquilo que é
irredutível ao significante. Por mais que se queira e tente, não é possível escrever o
Real. Ele simplesmente é.
O não pára de não se escrever, em contraposição, é o impossível, tal como o
defino pelo que ele não pode, em nenhum caso, escrever-se, e é por que
designo o que é da relação sexual a relação sexual não pára de não se
escrever. (LACAN, 1972/73, p. 127).
É justamente por razão do não-todo que a relação sexual não pode ser escrita.
Não podendo fundamentar o conjunto universal de A Mulher, também o se pode
fundamentar a relação. poderia haver a relação sexual com uma condição: que o
universal do homem tivesse relação com o universal de A mulher. Mas, como isso é
impossível, não há relação sexual.
Além dessa categoria, da não relação sexual entre o todo e o não todo, Lacan
trabalha com a idéia de categorias modais, sendo elas: o necessário, o impossível, o
contingente e o possível. O necessário é o que o pára de se escrever, que está
localizado no ao menos um da fórmula particular do lado masculino: (existe
ao menos um para quem a castração não incide). O necessário implica em uma outra
categoria, a do possível. É possível a existência do homem ordenado por uma lei, a lei
102
da castração, de onde se pode derivar a outra fórmula do lado do homem:
(para todo homem é verdadeiro que a função fálica incide). do outro lado da tábua
da sexuação, o necessário do lado masculino se conjuga com o impossível do lado
feminino, ou seja, com o que não pára de não se escrever, o que é representado pela
fórmula da não-existência: (não existe ao menos uma mulher para quem a
castração não incide). Aquilo que é impossível de ser escrito, permanece no registro do
Real. Neste sentido, a exceção do lado feminino, uma mulher que tenha escapado à
castração é algo impossível de se escrever no aparelho psíquico. A última fórmula
lacaniana, que implica na não universalidade do lado feminino, seria uma conseqüência
do não-existe x...’, ao qual Lacan chamou de contingência (pára de não se escrever),
representado pela fórmula (para não-todo x é verdadeiro que a função fálica
incide). Portanto, não é possível haver a conjunção do necessário com o impossível, o
que reafirma que não há relação sexual.
Do lado dos homens, o Um da exceção, mas é isso que falta do lado de uma
mulher, onde se tem o Zero, o que impede o estabelecimento do todo’, remetendo,
assim, ao significante da falta no Outro, o S(A/). Não há, portanto, relação entre o S(A/),
do lado de uma mulher, e o Um, do lado dos homens, pois, enquanto o ‘ao menos Um’
promove uma unidade para os sujeitos masculinos sendo possível formar o todo o
S(A/) é da ordem da pura divisão, já que não unifica o lado feminino.
A partir disso, Lacan diz que, devido à contingência, a relação sexual é do
regime do encontro. Acontece um encontro entre o homem e uma mulher, mas não a
relação sexual: “A contingência é aquilo no quê se resume o que submete a relação
sexual a ser, para o ser falante, apenas do regime do encontro.” (LACAN, 1972/73, p.
127). O amor procura realizar o encontro que, pelo lado do gozo, ou seja, pelo lado do
sexo, se torna impossível. Portanto, Lacan diz que o amor vem em suplência à não
relação sexual: “Devemos articular o que vem em suplência à relação sexual enquanto
inexistente (...) é precisamente o amor.” (LACAN, 1972/73, p. 62). Onde se tem
diferença, o amor pretende fazer o Um da união para dar algum significado à relação
sexual que não há.
103
Nós dois somos um só. Todo mundo sabe, com certeza, que jamais aconteceu,
entre dois, que eles sejam um, mas, enfim, nós dois somos um . É daí
que parte a idéia do amor. É verdadeiramente a maneira mais grosseira de dar
à relação sexual, a esse termo que manifestamente escapa, o seu significado.
(LACAN, 1972/73, p. 64).
56
Na pretensão de fazer esse Um da união, o amor se endereça ao sujeito para
fazer suplência ao vazio da não relação sexual, onde justamente fracassa. Este sujeito
é suposto a uma frase que pode ter se articulado de uma vida inteira e é isto que é a
mola do amor. O amor, pois, recíproco e faz signo na medida em que se dá de sujeito a
sujeito. É por isso que Lacan afirma: “Um sujeito, como tal, não tem grande coisa a
fazer com o gozo. Mas, por outro lado, seu signo é suscetível de provocar o desejo.
está a mola do amor.” (LACAN, 1972/73, p. 69). Além disso, nessa relação de sujeito a
sujeito, se apresenta um problema que diz respeito à posição de uma mulher: por ser
não-toda uma parte dela que está ausente enquanto sujeito, ou seja, uma parte
que escapa a isso. Essas pontuações sobre o amor nos remetem à afirmativa lacaniana
de que “quando a gente ama, não se trata de sexo.” (LACAN, 1972/73, p. 37).
É necessário analisar, portanto, as elaborações de Lacan acerca do gozo, já que
ele afirma que este não se relaciona, com o Outro, demarcando, mais uma vez, a
desunião. No entanto, antes de abordar o tema do gozo, é necessário analisar um
último item referente ao lado feminino da sexuação, a saber, o complexo de Édipo
feminino.
3.4 O complexo de Édipo feminino de Freud a Lacan
A análise do complexo de Édipo feminino permitirá conhecer a escolha do
sujeito perante a função fálica que faz com que ele se localize do lado direito da tábua
da sexuação. Neste ponto, uma exposição das elaborações do Édipo em Freud será
necessária para que se possa compreender as diferenças entre o complexo de Édipo
masculino e o feminino.
56
Grifos do autor.
104
3.4.1 O complexo de Édipo em Freud
No início de suas elaborações, Freud observou que a principal zona de
sensibilidade sexual nas meninas é o clitóris. O clitóris, sendo considerado homólogo
ao pênis, levou Freud à conclusão de que a atividade auto-erótica é idêntica em ambos
os sexos e que a sexualidade das mulheres, nesta fase, tem um caráter masculino.
A atividade auto-erótica é idêntica em ambos os sexos na infância, o que
suprime a possibilidade de uma diferenciação sexual como a que se
estabelece na puberdade. (...) A sexualidade nas meninas tem um caráter
inteiramente masculino. (FREUD, 1905/1995, p. 207).
A tese infantil da universalidade do órgão masculino impede o descobrimento da
particularidade feminina, ou seja, o órgão sexual feminino não é descoberto enquanto
tal. Embora somente anos mais tarde Freud venha a elaborar as três saídas para o
sujeito feminino, desde cedo, em sua teoria, ele apontava que essa ‘sexualidade
masculina’ da menina deveria ser recalcada.
Quando se quer compreender a transformação da menina em mulher, é
preciso acompanhar as vicissitudes posteriores dessa excitabilidade do
clitóris. A puberdade, que no menino traz um avanço tão grande da libido,
distingue-se na menina por uma nova onda de recalcamento que afeta
justamente a sexualidade do clitóris. O que assim sucumbe ao recalcamento é
uma parcela da sexualidade masculina. (FREUD, 1905/1995, p. 208).
Neste trecho, dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, percebe-se que
existem algumas mudanças necessárias para uma menina se transformar em mulher.
nessa época, encontra-se a expressão “transformar-se em mulher”,
referindo-se à
mudança de zona dominante a menina tem de mudar de zona erógena, do clitóris
para a vagina. no menino, a zona do menino que lhe servia à masturbação no
período infantil, é a mesma durante toda sua vida e, portanto, ele não precisa se
transformar em homem.
Freud pensava que, da mesma forma que o declínio do complexo de Édipo do
menino consolidava sua masculinidade, com o fim do complexo de Édipo da menina, se
105
intensificaria sua identificação com a mãe. No entanto, com as pesquisas sobre as
fantasias de espancamento, relatadas no texto Uma criança é espancada (1919), Freud
se deparou com uma série de problemas. O texto de 1919 é um trabalho inteiramente
desenvolvido, a partir de casos femininos. Freud presumia que o complexo de Édipo,
das meninas e meninos, era caracterizado por uma ligação amorosa com o sexo
oposto: as meninas elegiam o pai como seu objeto de amor e os meninos a mãe.
Nas fantasias de espancamento das meninas, o agente é o pai ou um substituto,
porém o objeto é um grupo de crianças ou apenas uma criança
57
, mas em sua maioria
pode-se reconhecer serem crianças do sexo masculino. Freud percebeu que nas
fantasias as meninas eram meninos a quem o pai espancava.
Freud se deparou com o seguinte problema: se o complexo de Édipo normal das
meninas deveria conduzi-las a uma fixação amorosa ao pai, como podiam elas se
identificar com meninos em suas fantasias? Desta maneira, o caminho para a
feminilidade não estaria aberto e sim uma via para a masculinidade. Tudo isto levou
Freud a concluir que o resultado do complexo de Édipo feminino, como ele havia
pensado até então, levaria a uma perversão. Ao final desse texto, ele elabora uma nova
questão de trabalho: como uma menina consegue fugir ao homossexualismo? Essas
formulações levaram Freud a pesquisar mais a fundo a sexualidade feminina.
As novas hipóteses teóricas foram fornecidas pelo caso da jovem homossexual,
no texto A Psicogênese de Um Caso de Homossexualismo numa Mulher, publicado um
ano mais tarde (1920). Trata-se do caso de uma jovem que, apesar de ter
demonstrado, em algum momento de sua vida, interesse por meninos, tornou-se uma
homossexual. Em sua adolescência, a inveja do pênis ressurgiu como equivalente do
desejo de ter um bebê. Concomitante ao surgimento do desejo, a mãe desta jovem fica
grávida do pai, fato este muito importante, pois gera certa revolta da jovem em relação
57
Existem três fases da fantasia de espancamento: na primeira o pai espanca a criança (detestada por
mim), na segunda sou espancado pelo pai e, na última, uma criança é espancada. Dependendo da fase
da fantasia, uma mudança no sujeito que sofre a ação. Em 1925, Freud repensa o significado da
fantasia “uma criança é espancada”. Antes ele pensava se dirigir apenas a um rival de quem a criança
tinha ciúmes, mas após as formulações sobre inveja do pênis, é possível, segundo Freud, reconhecer
que o ciúme é uma das conseqüências dessa inveja numa menina e as fantasias de espancamento
ganham um significado a mais. “A criança que está sendo espancada (ou acariciada) pode, em última
análise, ser nada mais nada menos que o próprio clitóris (sendo) uma confissão de masturbação.
(FREUD, 1925/1995 p. 282-283)
106
a seu pai. O momento dessa gravidez marca também a manifestação da
homossexualidade. Nos seus sonhos, a dama (seu objeto de amor homossexual)
revela-se um substituto da mãe e, ao mesmo tempo do irmão, combinando uma
satisfação homossexual e heterossexual de seus desejos; certamente, um caso muito
complexo. Freud se pergunta por que, frente ao desapontamento com o pai, a jovem
elege um substituto da mãe, quando o que se deveria esperar era o contrário.
Esta nova problemática – por que o desapontamento com o pai levou essa jovem
ao homossexualismo, tomando sua mãe como objeto de amor levou Freud a uma
grande elaboração. Antes de qualquer coisa, ele esclarece que não sustentará a idéia
de que toda jovem vitima de um desapontamento amoroso desse tipo cairá na
homossexualidade. Para ele, essa não é a única forma de reação a esse trauma, mas
restringe-se a dizer que existem outras maneiras mais comuns. Freud indica duas vias
de trabalho para compreender o que aconteceu à jovem. Na primeira via, ele pensa
numa ligação amorosa primordial da menina com sua mãe. Na segunda, ele introduz
uma diferenciação entre a identidade sexual do sujeito (posição masculina ou feminina)
e a escolha de objeto (objeto masculino ou feminino).
A importância desse artigo foi a descoberta e elaboração de uma ligação
amorosa com a mãe. Essa ligação primordial, chamada de pré-edípica, acontece antes
do aparecimento das questões da diferença sexual, da castração e do complexo de
Édipo. Nesse caso, se a mãe é o primeiro objeto de amor de uma menina, uma ligação
homossexual deste tipo passa a fazer parte do feminino.
A expressão ‘tornar-se mulher’ agora indica duas tarefas: a mudança de zona
erógena genital dominante, do clitóris para a vagina; e a troca de objeto de amor, da
mãe para o pai. Abandonar a mãe enquanto objeto de amor e dirigir-se ao pai não é
uma tarefa fácil, muito menos natural como uma atração inata pelo outro sexo. A
eleição do pai, enquanto objeto de amor, implica numa soma de fatores que promovem
o afastamento da mãe, sendo a ligação ao pai uma transferência da ligação inicial com
a mãe.
As meninas, com relação ao complexo de Édipo, possuem um problema a mais.
Para ambos, meninas e meninos, a mãe é o objeto original. Eles têm a mesma zona
genital de excitação, e também se deparam com o complexo de castração. De acordo
107
com a teoria da universalidade do pênis, a menina também supunha em si um pênis,
sendo o clitóris considerado um pequeno órgão. Com a visão da diferença dos órgãos
genitais, ela vê o quanto seu órgão é pequeno e imperceptível e quer possuir aquilo que
viu no menino. A isso deu-se o nome de inveja do pênis. Enquanto o menino sente-se
ameaçado de perder seu órgão, a menina fica na nostalgia de querer ter um. uma
diferença fundamental na percepção e essas percepções diferentes vão acarretar,
logicamente, em conseqüências diferentes.
A inveja do pênis tem conseqüências para a menina, sendo a primeira delas o
sentimento de inferioridade. Ela percebe sua falta de pênis como uma ferida narcísica,
de que lhe está faltando um pedaço. É nesse ponto em que se pode identificar as
elaborações de Miller, citadas na seção anterior, de que o feminino é marcado pela
falta. Além disso, Serge André, no seu livro O que Quer Uma Mulher?, utiliza esse
sentimento de inferioridade para falar sobre a ausência de um signo próprio do feminino
no qual uma menina poderia apoiar sua identificação sexual.
O ciúme feminino também encontra sua origem na inveja do pênis. Esse ciúme,
tão característico das mulheres, seria um deslocamento dessa inveja. Uma terceira
conseqüência seria a repressão da masturbação visto que, tomada pelo sentimento de
inferioridade, a menina recusa-se a obter prazer de seu pequeno órgão.
A última conseqüência, citada por Freud, seria um afrouxamento da relação
afetuosa com a mãe. A mãe é desprezada e rejeitada pela filha por tê-la feito nascer
mulher, ou seja, ela queixa-se de não ter recebido o órgão correto (masculino). Desta
forma, a menina alimenta um ódio pela mãe e é esse ódio que a empurra para o pai.
58
A partir daí, Freud pensou que as meninas poderiam seguir caminhos distintos,
evidenciando as conseqüências do complexo de castração. Os caminhos para tornar-se
mulher seriam escolhas que uma menina poderia fazer, a partir da evidência da
castração. Um deles é o chamado complexo de masculinidade, no qual a menina
agarrar-se-ia à masculinidade ameaçada, numa certa recusa em aceitar a castração.
Talvez, este seja o caminho daquelas que mais se sentiram injustiçadas e querem
58
Esse ódio é acompanhado de recriminações. Dividir o amor da mãe e o alimento faz com que a criança
sinta-se prejudicada em seus direitos. As exigências de amor de uma criança, características da infância,
são ilimitadas e seu destino é o desapontamento.
108
manter o estado das coisas antes da evidência da castração: são as mulheres
conhecidas como mulheres fálicas. Sua identificação pode ser tanto com a mãe fálica
(aquela do pré-Édipo) ou com o pai. Pode-se pensar que, neste caso, estamos diante
de uma mulher que se coloca do lado esquerdo da tábua da sexuação, ou seja, do lado
masculino.
Outro caminho seria o da inibição geral da sexualidade ou a via da neurose: a
menina que, até então, viveu de um modo particularmente masculino, revolta-se com a
castração e é tomada pela inveja do pênis. A partir daí, recusa-se a tirar proveito de seu
órgão, crescendo insatisfeita com seu clitóris e reprimindo boa parte de sua sexualidade
geral.
O último caminho seria o da atitude feminina normal
59
, no qual o pai é escolhido
como objeto. A menina transpõe o desejo de ter um pênis para o desejo de ter um
bebê, na equivalência pênis-bebê, onde ainda pode-se reconhecer o desejo masculino
primário de ter um pênis. A situação feminina só vai se estabelecer se a menina voltar-
se para seu pai, com o auxílio da passividade
60
.
Esta analogia entre pênis-bebê, citada acima, remete ao significante do falo. A
equivalência simbólica entre estes termos foi uma tentativa de Freud para marcar algo
da esfera do inconsciente. Estes conceitos podem intercambiar-se, entre si, no
inconsciente e na linguagem simbólica podem ser chamados de ‘o pequeno’.
Os conceitos de fezes (dinheiro, dádiva), bebê e pênis mal se distinguem um
do outro e são facilmente intercambiáveis (...) esses elementos do inconsciente
são tratados muitas vezes como se fossem equivalentes e pudessem
livremente substituir um ao outro. (...) podem ser representados pelo mesmo
símbolo; tanto bebê como pênis são chamados de ‘o pequeno’. (FREUD,
1917/1995, p. 136).
59
Esse terceiro caminho foi citado apenas no trabalho Sexualidade feminina (1931). na Conferência
XXXIII, Feminilidade (1933), Freud incluiu a atitude feminina normal, em sua descrição da via da neurose.
60
A ligação da passividade com a feminilidade e da atividade com a masculinidade é alvo de muitas
críticas. Algumas vezes ele passa uma idéia de quantidade: “Se no decurso desse desenvolvimento, não
se perdem demasiados elementos através da repressão, essa feminilidade pode vir a ser normal”
(FREUD, 1933/1995, p.127).
109
Parece que as vicissitudes desse desejo de um pênis-bebê marcam as três
saídas para a feminilidade, abordadas por Freud. Alias, mesmo antes de tê-las
elaborado com mais detalhes, como fez em 1931, Freud fala sobre elas em As
Transformações do Instinto Exemplificadas no Erotismo Anal (1917). Ele diz que esse
desejo infantil de possuir um pênis foi reativado em algumas mulheres adultas com
disposição masculina, em outras, esse desejo é substituído pelo desejo de ter um bebê
(cuja frustração na vida Real pode levar a uma neurose); e finaliza, apontando que este
desejo também pode se transformar em desejo por um homem. Reconhece-se,
portanto, as três saídas para a feminilidade: o complexo de masculinidade, a via da
neurose e a via da feminilidade propriamente dita.
Ao final de seus trabalhos, Freud concluiu que, devido a todo o seu esforço em
tornar-se mulher, o psiquismo feminino deve ser diferente do masculino. Ele atribuiu a
ela um maior narcisismo, vaidade física e vergonha. Para uma mulher, ser amada é
uma necessidade maior do que amar e o seu senso de justiça seria prejudicado, pois,
ela seria influenciada em seu julgamento por sentimentos de afeição ou hostilidade.
Esse seria para Freud o comportamento típico de uma mulher. Quanto à análise,
ele pensava que a inveja do pênis é o que sofreria menos influência. Uma mulher
nunca se livraria dessa situação, sendo para ele a expressão de seu esforço em ser
masculina, causa constante de depressão. Por fim, ele diz que “talvez devêssemos
identificar esse desejo do pênis como sendo, par excellence, um desejo feminino.”
(FREUD, 1933/1995, p. 127).
61
Além dessas formulações de Freud, o complexo de Édipo foi repensado por
Lacan em três fases, onde, no desfecho do Édipo ele introduz uma outra saída para o
sujeito do lado feminino da tábua da sexuação, como veremos ao final da análise do
complexo de Édipo em Lacan. As suas análises podem ser encontradas no Seminário
5. Passemos agora às suas elaborações.
61
Grifo do autor.
110
3.4.2 O complexo de Édipo em Lacan
Conforme foi explicitado na subseção A metáfora paterna e o complexo de Édipo
masculino, Lacan repensa o Édipo freudiano em três etapas, abordando, em cada uma
delas, a relação da criança com o falo. Viu-se, também, que a função do Édipo implica
na assunção do sexo pelo sujeito, sendo que uns irão assumir um tipo viril e outros um
tipo feminino que faz com que ele “se reconheça como mulher, identifique-se com as
funções de mulher.” (LACAN, 1957/58, p. 171), sendo o que Lacan chama de
‘feminização’. Retomemos brevemente o complexo de Édipo, na visão de Lacan,
focalizando, agora, apenas o feminino, ou seja, como ele se desenrolou para um sujeito
que se encontra do lado feminino da sexuação.
No primeiro tempo do Édipo, a criança está identificada ao falo da mãe. No
segundo tempo e no desfecho do Édipo, é onde as posições se diferenciam para o
homem e para uma mulher. Com a entrada do pai na triangulação edípica, (que ele faz
em três vertentes, castração, frustração e privação), ele priva a mãe do objeto fálico, ou
seja, aponta que realmente ela não tem o falo. Desta forma, o pai se faz preferir, em
lugar da mãe, já que ele é quem detém o falo e a identificação final pode ser
estabelecida. Mas, Lacan também diz que é no momento dessa passagem da mãe para
o pai que se localiza a diferença dos efeitos do complexo no menino e na menina.
Para ele, a troca de objeto da mãe para o pai não é difícil para a menina, a
dificuldade neste caso está na entrada do complexo de Édipo e não no seu desfecho.
Escolher o pai é uma atitude mais simples pois, é sem dificuldades que a menina
prefere o pai, em detrimento da mãe, por ele ser o portador do falo.
No momento da privação, que Lacan indicou ser o ponto nodal do Édipo, a
criança precisa se manifestar frente ao fato de a mãe não ter falo, sendo que é com isto
que a criança tem que se haver.
Vocês sempre constatarão, na experiência, que o sujeito posicionou-se de uma
certa maneira, num momento de sua infância, quanto ao papel desempenhado
pelo pai no fato de a mãe não ter falo. (...)
Assim, é no plano da privação da
mãe que, num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a
questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor de
111
significação a essa privação da qual a mãe revela-se o objeto. Essa privação, o
sujeito infantil a assume ou não, aceita ou recusa. (LACAN, 1957/58, p. 191).
Para Lacan, o sujeito, homem ou mulher, precisa vencer essa etapa para que
uma outra alternativa perante o ser’ ou ‘não ser’ apareça, o que acontecerá quando a
metáfora paterna for concluída, ou seja, quando o significante do Nome-do-Pai vier no
lugar do primeiro significante da simbolização, o significante do Desejo-da-Mãe,
ligando-se, dessa forma, ao falo. O falo é o significante que vem significar o desejo da
mãe para além da criança. Assim, o pai passa de pai tirano para aquele que tem o falo
para dar.
Ao final do terceiro tempo do Édipo, Lacan diz que, diferentemente do homem, a
mulher não tem que se identificar ao pai e nem guardar o título de direito à virilidade, na
medida em que ela sabe onde o falo está e pode ir buscá-lo. Essa etapa implica para a
menina reconhecer que não tem mesmo o falo e que é o homem quem o possui.
O desfecho do complexo de Édipo, como todos sabem, é diferente na mulher.
Para ela, com efeito, essa terceira etapa, como sublinha Freud, é muito mais
simples. Ela não tem de fazer essa identificação nem guardar esse titulo de
direito à virilidade. Ela, a mulher, sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-
lo, o que é do lado do pai, e vai em direção àquele que o tem. (...) O terceiro
tempo do Édipo (...) na qual se trata de o menino se identificar com o pai como
possuidor do pênis, e de a menina reconhecer o homem como aquele que o
possui. (LACAN, 1957/58, p. 202-203).
A menina se depara com a dialética do ter sob a forma do não ter, podendo
assim, identificar-se com sua mãe que também não tem e sabe onde buscar. Se um
sujeito, para ascender à posição de mulher na sexuação, precisa reconhecer que não
tem o falo, o significante fálico jamais poderia estar escrito do seu lado na tábua da
sexuação. Ao reconhecer que não tem e que o homem é quem tem a posse do falo,
mais uma vez vê-se justificada a razão de o mbolo fálico ser escrito do lado dos
homens e não no de uma mulher. Mas, o é porque o falo não está escrito do lado
delas que elas não têm nenhuma relação com ele.
É na medida em que o falo, em sua dimensão simbólica (o símbolo Φ), está
presente ou ausente que se instaura a diferenciação dos sexos reforçando, portanto, a
escrita lógica da tábua da sexuação. Simbolicamente, a mulher não tem o falo, mas
mesmo assim dele ela participa a título de ausência: ele existe ali como ausência.
112
É a função simbólica do falo. Na medida em que ele está ali ou não está ali, e
unicamente na medida em que ele está ou não está ali, é que se instaura a
diferenciação entre os sexos. Este falo, a mulher não o tem, simbolicamente.
Mas não ter o falo, simbolicamente, é dele participar a título de ausência,logo,
é tê-lo de alguma forma. (LACAN, 1956/57, p. 155)
Lacan, assim como Freud, aponta para uma nostalgia imaginária da falta do falo
que gera uma inferioridade no plano imaginário, demarcando, no entanto, que a função
do falo está para além disso: é por não ter o falo que uma mulher pode participar da
diferenciação entre os sexos que é regulamentada pela lei da proibição do incesto.
É na medida em que ela não tem esse falo (...) que ela entra na dialética
simbólica de ter ou não ter o falo, é por que ela entra nessa relação
ordenada e simbolizada que é a diferenciação dos sexos, relação inter-humana
assumida, disciplinada, tipificada, ordenada, marcada por interditos, marcada,
por exemplo, pela estrutura fundamental da lei do incesto. (LACAN, 1956/57, p.
155)
Para Lacan, é pelo fato de que a mulher não tem o falo, simbolicamente, que ela
pode tê-lo. Para sustentar isto, Lacan retoma Lévi-Strauss e suas Estruturas
Elementares do Parentesco, onde diz que as mulheres entram nas trocas simbólicas,
como objetos de troca entre os homens em relação ao que elas podem dar, ou seja,
uma criança que assume a equivalência do falo.
Portanto, o falo está para além da relação entre o homem e uma mulher e sua
função implica diretamente nas relações entre os sexos que giram em torno das
dialéticas já mencionadas, do ter ou do ser, que ordenarão as manifestações típicas de
cada um.
Essas relações girarão em torno de um ser e um ter que, por se reportarem a
um significante, o falo. (...) E isso pela intervenção de um parecer que substitui
o ter, para, de um lado, protegê-lo e, de outro, mascarar sua falta no outro, e
que tem como efeito projetar inteiramente as manifestações ideais ou picas
do comportamento de cada um dos sexos. (LACAN, 1958, p. 701).
Uma mulher é aquele sujeito que se posicionou como não tendo o falo e,
justamente por isso, na parte de baixo da tábua da sexuação o falo não está escrito do
lado feminino. Mas, com vimos, não ter o falo é participar dele, a tulo de ausência,
113
porém de uma não-toda ausência. É o que Lacan tentou escrever através das fórmulas
da sexuação. Na primeira fórmula da tábua, (não existe x para quem a função
fálica não incide), os sujeitos que se colocam sob a bandeira de uma mulher, estão
submetidos à lei da castração, não havendo exceção a isso, diferentemente do lado
masculino, onde há Um da exceção. Isto quer dizer que os sujeitos de posição feminina
estão submetidos à lei fálica. No entanto, esta idéia vem a ser suplementada com a
formula seguinte (para não-toda mulher é verdadeiro que a função fálica
incide) onde Lacan afirma que, mesmo assim, uma mulher está não-toda submetida à
lei fálica, na medida em que nela, alguma coisa que sempre escapa ao discurso e
que sabemos tratar-se do Real.
Dentre as saídas para o sujeito feminino elaboradas por Freud: (1) colocar-se do
lado masculino, (2) a via da neurose e (3) a atitude feminina que seria desejar ser mãe,
a última foi a que recebeu mais críticas, que implica que a mulher encontraria sua
identidade sexual através do papel de ser mãe. Lacan introduz uma nova noção para o
sujeito feminino: colocar-se como objeto causa de desejo. Aí, uma mulher encontra uma
identidade quando um homem pode lhe endereçar suas cartas, sua alma, seu almor.
Essa posição de causa de desejo será abordada no próximo capítulo.
114
4. A PARTE INFERIOR DA TÁBUA DA SEXUAÇÃO: AS MODALIDADES
DE GOZO
Na parte inferior da bua da sexuação, é onde podemos trabalhar a questão do
gozo referente a cada posição sexual, tal como Lacan propôs em 1972. Vejamos o
quadro.
Figura 22: A parte de baixo da tábua da sexuação.
Fonte: LACAN, Jacques, Le Séminaire Livre XX: Encore. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p .73.
Do lado masculino temos dois termos:
$ (significante do sujeito barrado)
Φ (significante do falo)
E do outro lado, do lado feminino, encontram-se os seguintes termos:
a (objeto pequeno a)
S(A/) (significante da falta no Outro)
La/ (La femme barrée – significante de uma mulher)
Além destes cinco termos, existem três setas, sendo que duas delas atravessam
a bua de um lado a outro. A primeira delas tem sua origem no lado masculino,
115
partindo de $, em direção ao lado feminino, para o objeto pequeno a: ou seja, do $ ao
pequeno a. As outras duas saem do lado feminino e partem de uma mulher barrada: de
La/. Uma vai do La/ em direção ao significante do falo (Φ), no lado masculino, e a outra
seta parte do La/ em direção ao S(A/), ao significante da falta no Outro, ambas no lado
feminino. Portanto, duas setas fazem relacionar os dois lados, uma saindo do lado
masculino para o feminino e a outra do feminino para o masculino, enquanto que a
última delas é um vetor entre dois termos do mesmo lado, o lado feminino da tábua.
Abordaremos a parte de baixo da tábua, privilegiando as modalidades de gozo,
assim como Lacan o elaborou no Seminário 20, nosso objeto de estudo. Iniciaremos
pelo lado masculino da sexuação.
4.1 O gozo do lado masculino: o gozo fálico
Como foi abordado nos capítulos anteriores, do lado do homem, pode-se
dizer, a partir da fórmula , que todos são submetidos à castração e, indicando,
portanto, que o gozo do homem encontra um limite na função fálica. O gozo que é
possível aos homens é essencialmente finito, limitado, o que Lacan denomina como
gozo fálico. Os que se encontram inscritos no lado masculino da sexuação não têm
acesso a um gozo, como suposto infindo ao A/ do lado feminino. Com a lei da proibição
do incesto, foi vetada aos homens qualquer possibilidade de escolher como objeto
amoroso a mãe, em primeiro lugar e, também, suas parentas consangüíneas. Devido à
incidência da lei da proibição do incesto, a mãe, seu primeiro objeto de amor ‘oceânico’,
é inacessível para um homem que deve então substituí-la por outros objetos.
Baseando-se nisso, Freud escreveu os textos sobre a psicologia do amor
62
,
onde fala sobre as condições de escolha do objeto amoroso no homem. São elas: (1) a
necessidade de haver um terceiro prejudicado, incluindo, dessa forma, um componente
62
Os textos sobre a Psicologia do amor de Freud são: Um Tipo Especial de Escolha de Objeto feita pelo
Homem (1910), Sobre a Tendência Universal à Depreciação na Esfera do Amor (1912) e O Tabu da
Virgindade (1918[1917]) que estão reunidos no volume XI da Standard Edition.
116
de rivalidade com outro homem e (2) a depreciação do objeto amoroso, representado
numa mulher de baixa reputação sexual o que Freud chamou de amor à prostituta,
levando à experiência do ciúme.
63
Ambas as condições são, de certa maneira,
resultados dessa proibição do incesto à qual o homem está submetido. Freud aponta
que essas condições são produto da fixação amorosa infantil na mãe. “A escolha de
objeto, que é o estranhamente condicionada, (...) deriva da fixação infantil de seus
sentimentos de ternura pela mãe e representam uma das conseqüências dessa
fixação.” (FREUD, 1910/1995, p. 174).
Além dessas precondições para o amor, Freud fala de uma impotência psíquica
que aflige os homens. Tal impotência seria fruto da separação da corrente afetiva da
corrente sensual. A primeira delas, a corrente afetiva, está direcionada para os
membros da família e corresponde à escolha de objeto primária, ou seja, a mãe. E a
segunda corrente, a sensual, é a que busca os objetivos sexuais. Quando essa corrente
surge nos anos da puberdade, a tendência é catexizar os mesmos objetos infantis mas,
como eles são proibidos, busca-se outros objetos substitutivos, promovendo, portanto,
uma separação entre as duas correntes, que um mesmo objeto amoroso não poderia
servir de objeto das duas correntes simultaneamente. Assim, ele fala que os homens
“quando amam, não desejam, e quando desejam, não podem amar.” (FREUD,
1912/1995, p. 188). Dessa forma, os homens procurariam objetos que não precisem
amar ou, que não precisem desejar, mas jamais os dois juntos.
com a tábua da sexuação de Lacan, observamos uma seta que sai do sujeito
dividido em direção ao objeto que se encontra do lado feminino da tábua, conforme
esquema abaixo.
63
Embora no texto de 1910, Freud enumere quatro características, após mencionar as duas primeiras
as mesmas citadas acima ele diz que estas são as condições que se exige do objeto amoroso e “os
seguintes pontos descrevem o comportamento do amante em relação ao objeto que escolheu.” (FREUD,
1910/1995, p. 173). A saber, a exigência de fidelidade, e a temática de ‘salvar a mulher amada’.
117
Figura 23: De $ para o objeto a.
É porque seu gozo é sexual, que o homem não se relaciona com o Outro. Se
não fosse dessa maneira, o homem poderia se relacionar com uma mulher. Assim, se
um homem encontrasse uma mulher, essa seta partiria do $ em direção ao La/ , termo
que representa uma mulher, encontrando-a. Mas, não é com uma mulher que o homem
se relaciona. O que ele procura quando busca uma mulher é a causa de seu desejo: “É
o homem que aborda uma mulher (...). que o que ele aborda, é a causa de seu
desejo, que eu designei pelo objeto a.” (LACAN, 1972/73, p. 98).
64
Portanto, Lacan
escreve que o sujeito barrado ($) se dirige ao objeto a, sendo que isso, nada mais é do
que a fórmula da fantasia. O parceiro sexual do homem é a causa do seu desejo.
Esse $ tem a ver, enquanto parceiro, com o objeto a inscrito do outro lado
da barra. lhe é dado atingir seu parceiro sexual, que é o Outro, por
intermédio disto, de ele ser a causa de seu desejo. A este título, como o indica
alhures em meus gráficos a conjunção apontada desse $ e desse a, isto não é
outra coisa senão fantasia. (LACAN, 1972/73, p. 108).
É nessa relação com o objeto a que Lacan chama atenção para uma ligação
entre o homem e a perversão, que toda realização sexual masculina termina em
fantasia. O homem vê na parceira algo dele mesmo, numa visão narcisista. Mas,
mesmo assim, falando sobre a perversão, ele conclui dizendo que o neurótico não tem
nenhum dos caracteres do perverso, mas que o homem precisa sonhar para atingir sua
parceira.
O que se viu, mas apenas do lado do homem, foi que aquilo com o que ele
tem a ver é com o objeto a, e que toda a sua realização quanto à relação
sexual termina em fantasia. Viu-se isto muito bem a propósito dos neuróticos.
Como é que os neuróticos fazem amor? Foi daí que se partiu. Não se pôde
deixar de perceber que havia correlação com as perversões. (...) É
verdadeiramente uma confirmação de que, quando se é homem, vê-se na
64
Grifo do autor.
$
objeto a
118
parceira aquilo em que nos baseamos nós mesmos, aquilo em que a gente se
baseia narcisicamente. que a gente teve, na seqüência, oportunidade de
perceber que as perversões, tais como a gente crê demarcá-las na neurose,
não é isto de modo algum. A neurose é mais o sonho do que a perversão. Os
neuróticos não têm nenhum dos caracteres do perverso. Simplesmente
sonham com eles, o que é muito natural, pois, sem isto, como atingir o
parceiro? (LACAN, 1972/73, p. 116-117).
Além de o homem encontrar seu parceiro sexual na fantasia, ele não tem
nenhuma chance de gozar do corpo de uma mulher, já que ele é castrado. “Para o
homem, a menos que haja castração, quer dizer, alguma coisa que diga o á função
fálica, não nenhuma chance de que ele goze do corpo da mulher.” (LACAN,
1972/73, p. 97).
O gozar do corpo’ é um aspecto importante no que se refere ao gozo e à
linguagem. A incidência do falo produz uma divisão do gozo entre um gozo que é
referente ao significante e outro que não. Para compreender melhor este aspecto, é
necessário recorrer às observações de Lacan sobre o livro Ética a Nicômaco, de
Aristóteles, onde ele retoma Aristóteles para dizer que discorda da filosofia, no que
concerne à existência do ser. A filosofia trabalha com a idéia de que o ser pré-existe à
linguagem, enquanto Lacan diz que o ser é fabricado pela ordem significante e, assim,
ele fala de um certo “ser da significância” (LACAN, 1972/73, p. 96) que seria o ser como
efeito do discurso, levando-o a separar o corpo da linguagem. André (1987) relembra
que, porque o homem fala, ele não é mais somente corpo. Por ser habitado pela
linguagem, o sujeito é dividido entre a parte que sabe de si e a outra que não sabe. O
termo utilizado por Lacan para representar essa distinção, entre o corpo e o sujeito, é o
ser falante: há uma parte ser, uma parte corpo que permanece no Real, insignificável, e
outra parte falante, que habita esse ser.
Essa distinção se faz necessária para podermos compreender melhor as
categorias de gozo que Lacan enumera no Seminário 20. Se o significante produz uma
distinção entre o gozo que se refere ao falo e outro que não, Lacan aponta que o gozo
para além do significante é o gozo do corpo. “Há um gozo, que nos atemos ao gozo,
gozo do corpo, que é, se posso me exprimir assim, (...) para além do Falo.” (LACAN,
1972/73, p. 100).
65
Aqui podemos encontrar mais subsídios para analisar a afirmativa
65
Grifo do autor.
119
lacaniana de que o gozo do homem é limitado pela função fálica, Φ. O falo permite o
acesso ao gozo do significante ao mesmo tempo em que proíbe um gozo que não
esteja submetido à fala. Como o homem é submetido à função fálica, não há, portanto,
outro gozo possível. É justamente esse gozo fálico que “é o obstáculo pelo qual o
homem não chega, eu diria, a gozar do corpo da mulher.” (LACAN, 1972/73, p. 15).
Isto nos remete mais uma vez ao gozo interditado pela lei do pai. O pai primevo, por
não ser submetido à lei e, conseqüentemente, não estar inserido na linguagem, teria
acesso a esse gozo do corpo e ele poderia, então, gozar do corpo de uma mulher.
Se há um gozo para além do falo, ou seja, que não esteja submetido ao
significante, esse gozo pode estar do lado feminino, na medida em que uma mulher
não está toda submetida ao falo. Assim, passaremos agora para a análise do gozo do
lado de uma mulher.
4.2 O gozo do lado feminino: o gozo fálico e o gozo suplementar
Lacan elaborou as questões relativas ao gozo de uma mulher a partir de suas
duas fórmulas lógicas escritas na parte superior da tábua da sexuação: (não
existe x para quem a função fálica não incide), e (para não-todo x é
verdadeiro que a função fálica incide). Em especial, é em relação a esta última fórmula
que se pode extrair as elaborações de Lacan sobre o gozo porque é justamente ali que
se encontra a divisão do gozo de uma mulher. Embora essa fórmula tenha sido
analisada no capitulo três desta dissertação, é preciso retomar algumas pontuações
importantes para fundamentar o gozo do lado feminino.
A proposição (para não-todo x é verdadeiro que a função fálica incide)
diz que uma mulher não se encontra toda inscrita na função fálica e, portanto, no gozo
fálico. Para Lacan, uma mulher tem várias maneiras de abordar o falo e não é porque
ela é não-toda submetida a ele, que ela não deixe de estar lá a toda.
Pode-se ver que na parte de baixo da tábua da sexuação, do lado feminino,
Lacan escreveu o significante La/, que representa uma mulher, que A mulher não
120
existe. Tem-se uma seta que parte do La/ (uma mulher) e vai em busca do significante
do falo (Ф) que se encontra do lado masculino, conforme esquema abaixo. É que
Lacan localiza o gozo fálico de uma mulher.
Figura 23: De La/ para o Ф.
Figura 24: De La/ para o Ф
Esta ligação de uma mulher com o falo indica que elas têm alguma relação com
ele, ou seja, elas têm certo acesso ao Simbólico. Afinal, Lacan disse que não existe
nenhuma que não esteja submetida à função fálica. Se não houvesse essa referência
fálica, uma mulher estaria somente no registro do Real, mas como há, elas não são
loucas de todo. E, conforme analisado no capítulo anterior, mesmo estando no registro
do Simbólico, ela tem uma parte que escapa, uma parte Real, para a qual Lacan
escreveu a proposição do não-todo. Assim, reencontramos a afirmativa lacaniana de
que as mulheres não são loucas-de-todo.
Todas as mulheres são loucas, como se diz. É justamente por isso que elas
não são todas, isto é, não loucas-de-todo, antes conciliadoras: a tal ponto que
não limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu
corpo, de sua alma, de seus bens. (LACAN, 1993, p. 70).
66
Esta frase de Lacan abre espaço para questionar o encontro de uma mulher com
o homem. Do lado do homem, vimos que o que ele busca é o objeto causa de seu
desejo, o objeto a, que ele encontra do lado feminino. do lado de uma mulher, ela
busca, no homem, o significante fálico, a ponto de não haver limites às concessões que
cada uma delas faz para um homem. Vemos, aqui, novamente o sem limite do lado
feminino. Lacan afirma que elas estão prontas “para-o-que-der-e-vier” (LACAN, 1993, p.
71) prestando-se a fazer qualquer coisa para um homem, o que faz ela se colocar como
o objeto causa de desejo dele, dando-lhe suporte na fantasia.
66
Grifos do autor.
L
a/
Ф
121
Além dessa posição causa de desejo, introduzida por Lacan, pode-se retomar,
aqui, uma das três saídas para o sujeito feminino destacadas por Freud: o caminho da
feminilidade propriamente dita que é esperar que o homem lhe o falo em forma de
bebês. Pode-se pensar que essa equação falo-bebê é o que daria a uma mulher uma
significação: mãe. Isso porque o significante fálico permite a inscrição do homem no
inconsciente, já que ele detém o falo, mas, ao mesmo tempo, exclui a inscrição da
parcela feminina dos seres falantes. Uma mulher, ao buscar o falo do lado dos homens,
busca sua própria ancoragem na significação, ou seja, procura no homem um suporte
para seu ser: “No inconsciente o Outro sexuado não existe, a Mulher não recebe
fundamento para seu ser.” (ANDRÉ, 1987, p. 214). O significante do falo do lado
masculino daria bordas ao ser de uma mulher e, talvez, isso tenha permitido a Lacan
dizer que “o homem acredita criar ele crê-crê-crê, ele cria-cria-cria. Ele cria-cria-cria a
mulher.” (LACAN, 1972/73, p 177).
Além desse gozo fálico, ilustrado pela ligação de La/ com o falo (Φ), uma mulher
tem algo a mais. “A questão é saber no que consiste o gozo feminino, na medida em
que ele não está todo ocupado com o homem.” (LACAN 1972/73, p.118). Além da seta
que parte de La/ para o lado masculino da tábua, uma outra seta que também parte
de La/ e que vai em direção ao significante da falta no Outro, S(A/), que se encontra do
lado feminino. Então, uma mulher está dividida entre o gozo fálico e esse algo a mais,
como exemplificado no esquema abaixo.
S (A/)
La/
Φ
Figura 25: O outro gozo.
É por ter relação com o S(A/), para além do falo, que o gozo de uma mulher se
duplica. No Seminário 23, O Sinthoma (1975/76), Lacan aponta três gozos na
conjunção dos três registros, Real, Simbólico e Imaginário, através do borromeano,
conforme figura abaixo.
122
Figura 26 Os gozos no Seminário 23.
Fonte: LACAN, Jacques. Seminário 23: O Sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p.54.
Nesta figura, tem-se o JA/ (jouissance de l´Autre barré) que seria o gozo do
Outro no enlace do Real com o Imaginário. O JФ, representando o gozo fálico que se
situa na conjunção do Simbólico com o Real. E, por último o sentido, no círculo do
Simbólico com o Imaginário. O sentido resulta de um campo entre o Imaginário e o
Simbólico. (...) gouço-sentido [ j´ouis-sens ]. É a mesma coisa que ouvir um sentido.
(...). Encontrar um sentido implica saber qual é o nó, e emendá-lo bem.” (LACAN,
1975/76, p. 70-71). Mesmo apontando estes três gozos, ele complementa dizendo que,
como não Outro do Outro (A/), o gozo do Outro do Outro não é possível. O sentido
viria, assim, fazer alguma sutura entre o Simbólico e o Imaginário.
Como era de se esperar, percebe-se que as elaborações do Seminário 23 são
mais avançadas do que as do Seminário 20, onde Lacan trabalha com a idéia de dois
gozos, apenas. No seminário Mais, ainda, ele está começando a formular o gozo que
não está submetido à função fálica. A princípio, ele diz que, em relação ao gozo fálico,
uma mulher teria um gozo suplementar, algo que vem a mais. “É justamente pelo fato
de que, por ser não-toda, ela tem, em relação ao que designa de gozo a função fálica,
um gozo suplementar.” (LACAN, 1972/73, p.99). Lacan chama atenção para o fato de
ele ter dito ´gozo suplementar´ e não complementar. Se esse gozo fosse complementar
123
ele se faria somar ao gozo fálico para completar o ‘todo’ do lado feminino e é,
justamente para fugir disso, que se propõe um gozo suplementar.
Lacan faz referência a esse gozo utilizando vários nomes diferentes, como se
pode observar nas seguintes passagens retiradas do Seminário 20 (1972/73):
Gozo suplementar: “É justamente pelo fato de que, por ser não-toda, ela
tem, em relação ao que designa de gozo a função fálica, um gozo
suplementar.” (p.99).
Gozo do corpo: “Ela não está [na função fálica] de todo. Ela está lá à
toda. Mas algo a mais. (...) um gozo, que nos atemos ao gozo,
gozo do corpo, que é ,(...) para além do Falo.” (p.100).
67
Gozo vaginal: “Há um gozo dela, desse ela que não existe e não significa
nada. um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a
não ser que o experimenta –isto ela sabe. Ela sabe disso, certamente,
quando isso acontece. Isso não acontece a elas todas. (...) Desse gozo, a
mulher nada sabe, (...) então, a gente o chama como pode, esse gozo,
vaginal.” (p. 100-101).
68
Gozo da mulher: “Eu creio no gozo da mulher, no que ele é a mais.” (p.
102).
Gozo Outro: “É na medida em que seu gozo é radicalmente Outro que a
mulher tem mais relação com Deus.” (p. 111).
Gozo feminino: “A questão é saber no que consiste o gozo feminino, na
medida em que ele não está todo ocupado com o homem.” (p.118).
Se não consenso em relação ao nome desse gozo, Lacan não deixa dúvidas
ao apontar a particularidade do gozo feminino: é um gozo que ela nada pode dizer
sobre ele e não diz nada por não saber o que falar, a não ser que sabe que o
experimenta.
67
Grifo do autor.
68
Grifo do autor.
124
um gozo dela, desse ela que não existe e não significa nada. um gozo
dela sobre o qual talvez ela mesma o saiba nada a não ser que o
experimenta isto ela sabe. Ela sabe disso, certamente, quando isso
acontece. Isso não acontece a todas. (...) O que alguma chance ao que
avanço, isto é, que, desse gozo, a mulher nada sabe, é que tempos que
lhes suplicamos, que lhes suplicamos de joelhos, que tentem nos dizer, pois
bem, nem uma palavra! Nunca se pode tirar nada. Então, a gente o chama
como pode, esse gozo, vaginal, fala-se do pólo posterior do bico do útero e
outras babaquices, é o caso de dizer. Se simplesmente ela o experimentava,
ela não sabia nada dele, o que permitiria lançar muitas dúvidas para o lado da
famosa frigidez. (LACAN, 1972/73, p. 101).
69
Seria esse o enigma de uma mulher: um gozo além do fálico, mas, que nada se
pode dizer dele? Não se pode dizer nada sobre esse gozo, pois, por o estar
referenciado ao significante, ele escapa ao discurso, ou seja, está fora da linguagem. É
um gozo que se encontra no Real e, portanto, não nada que dele se possa dizer.
Podemos especular que essa é a razão de Lacan chamar esse gozo de vários nomes
diferentes, justamente por não saber que nome lhe dar.
Aqui, mais uma vez, deparamo-nos com as elaborações lacanianas sobre a
fórmula lógica (para não-todo x é verdadeiro que a função fálica incide), onde
se pode reencontrar as idéias de que uma mulher está não-toda submetida à função
fálica, havendo algo dela que escapa ao discurso. Portanto, as mesmas elaborações
que Lacan usou para explicar a fórmula, servem para sustentar os dois modos de gozo
do feminino: o gozo fálico e o outro gozo, que está fora do discurso.
Pode-se localizar esse gozo fora do discurso como o gozo do corpo, que foi
trabalhado na subseção acima sobre o gozo do lado masculino. Ali apontamos que o
significante fálico faz uma separação entre um gozo do significante e um outro que não
remete ao significante, o gozo do corpo, estando este último fora da linguagem. Esse
gozo é remetido às mulheres por elas também terem uma parte fora da linguagem.
Quanto ao gozo do Outro Lacan, diz que ele impede a relação sexual porque do
lado masculino, ele é perverso e, do lado feminino ele é louco.
Não relação sexual porque o gozo do Outro, tomado como corpo, é sempre
inadequado – perverso de um lado, no que o Outro se reduz ao objeto a e do
outro, eu direi louco, enigmático. (LACAN, 1972/73, p. 197).
69
Grifo do autor.
125
Já a outra fórmula do feminino, (não existe x para quem a função fálica
não incide), que aponta para a não exceção ‘A mulher não existe’ –, implica, também,
na ausência de um significante que possa ser inscrito no inconsciente para representar
A mulher. Ora, o que se encontra aqui é a ausência de um significante, sendo isto
escrito por Lacan como o S(A/), falta um significante no campo do Outro. É por essa via
que se pode aproximar uma mulher do Grande Outro barrado: ambos não têm
significante. É por esta razão que Lacan afirma que o Outro é com o que a mulher tem
relação.
O Outro não é simplesmente esse lugar onde a verdade balbucia. Ele merece
representar aquilo com que a mulher fundamentalmente tem relação. (...) Por
ser, na relação sexual, em relação ao que se pode dizer do inconsciente,
radicalmente o Outro, a mulher é aquilo que tem relação com esse Outro.
está o que hoje eu queria tentar articular melhor. A mulher tem relação com o
significante desse Outro, na medida em que, como Outro, ele pode
continuar sendo sempre Outro. Aqui, posso supor que vocês evocarão meu
enunciado de que não Outro do Outro. O Outro, esse lugar aonde vem se
inscrever tudo que se pode articular de significante é, em seu fundamento,
radicalmente Outro. É por isso que esse significante, com esse parêntese
aberto, marca o Outro como barrado – S(A/). (LACAN, 1972/73, p. 108-109).
O Outro como esse lugar dos significantes, comporta em si a falta de um
significante. Lacan faz equiparar, dessa maneira, o gozo de uma mulher ao S(A/):
ambos exprimem a falta de significante. Uma mulher passa a ser radicalmente o Outro,
na medida em que ela encarna o Outro dela mesma. É por causa dessa relação estreita
de uma mulher com o Outro que Lacan escreveu o significante da falta no Outro, do
lado feminino da tábua.
É preciso retomar aqui o enunciado lacaniano de que ‘não Outro do Outro’,
Lacan afirma que a castração do Outro não leva a existência do Outro do Outro. Mas é
necessário delimitar as faces do Outro para compreender melhor essa afirmativa
porque ele tanto é o lugar dos significantes, do código, como também é lugar da Lei e
essa seria a face simbólica do Grande Outro. Mas ele também tem uma parte real
sendo o Real tal como postulado por Lacan, aquilo que não se inscreve pelo Simbólico,
ou seja, pela linguagem. O Real é. Tudo o que é simbolizado através de significantes
deixa de estar no campo do Real. Quando Lacan escreve o S(A/), o significante da falta
no Outro, aponta para o furo nesse campo do Outro. O S(A/) representa que, enquanto
126
lugar do Simbólico, ele não contém tudo, ele não significa tudo do Real. Isso quer dizer
que o campo dos significantes é faltoso, é incompleto, apontando para o Real da
castração do Outro, onde falta o significante. O Outro é pura alteridade.
André (1987) aponta, como exemplo, as palavras de nossa língua como
‘indizível’ ou ‘inominável’ que, de fato, escavam esse lugar do Real no campo do Outro,
encarnado uma mulher esse inominável, que uma parte dela escapa ao discurso,
permanecendo no Real. Então, o próprio campo do Outro como lugar da verdade, do
código, comporta uma face Real, irredutível à linguagem. O Outro como lugar dos
significantes, suporta um significante que remete à falta de significante, o S(A/): um
furo no Outro Simbólico.
Lacan retoma essa mesma questão no Seminário 23, O Sinthoma, 1975/76,
onde diz que o Grande Outro é barrado [ S(A/)], justamente porque não há Outro do
Outro. “O grande A é barrado porque não há Outro do Outro. (...) É por isso que
evoquei, acho, no Seminário Mais, ainda, o que queria dizer com essa letra complicada,
a saber o significante de que não Outro do Outro.(LACAN, 1975/76, p. 123-124).
Para ele, o verdadeiro furo está no Simbólico e, no entanto, ele avança um pouco nessa
questão e aponta os novos caminhos, ao falar que o sentido, que se encontra na
conjunção entre o Simbólico e o Imaginário, viria fazer alguma sutura entre esses dois
registros. Ele ilustrou o furo no Simbólico com a seguinte figura do nó borromeano:
Figura 27 Não há Outro do Outro.
Fonte: LACAN, Jacques. Seminário 23: O Sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p.130.
127
Agora que conjugamos uma mulher com o S(A/), falta abordar mais uma
elaboração lacaniana sobre este assunto. No Seminário 20 ele aproxima uma mulher
de Deus.
4.2.1 Deus e o gozo de La/ femme (uma mulher)
Para falar da parte o inscrita de uma mulher, ou seja, da parte de uma mulher
que se conjuga com o Outro, Lacan faz uma referência a Deus. Uma das primeiras
citações de Lacan sobre Deus, no Seminário 20, é identificando-O com o Outro, com o
lugar da verdade. “O Outro, o Outro como lugar da verdade, é o único lugar, embora
irredutível, que podemos dar ao termo ser divino, Deus, para chamá-lo daquele nome,
para chamá-lo por Seu nome.” (LACAN, 1972/73, p. 62).
70
Lacan pensa em Deus como um Outro insignificável que é referido ao gozo do
Outro. Sobre esse gozo suplementar, vimos que, nada se pode dizer visto que está fora
do discurso e, portanto, Lacan diz que esse gozo pode, assim, sustentar a face de
Deus.
Esse gozo que se experimenta e do qual não se sabe nada, não é ele o que
nos coloca na via da ex-sistência? E por que não interpretar uma face do
Outro, a face de Deus, como suportada pelo gozo feminino? (LACAN, 1972/73,
p.103).
É por essa ligação de uma mulher com Deus, na vertente do gozo do Outro, que
Lacan fala sobre a mística, citando três nomes: o da beata Hadewijch d’Anvers; a de
Santa Tereza de Ávila
71
, e o de São João da Cruz. Estes três experimentaram esse
gozo mais além do falo, que seria um gozo suporte da face de Deus. “É na medida em
que seu gozo é radicalmente Outro que a mulher tem mais relação com Deus.”
(LACAN, 1972/73, p. 111). André (1987) aponta que, no discurso místico de Santa
70
Grifo do autor.
71
A capa do Seminário 20 de Lacan é uma fotocópia da escultura de Bernini, chamada de ‘O êxtase de
Santa Tereza d’Ávila’.
128
Tereza de Ávila
72
, as palavras como ‘transportada’, ‘perdida’, aprisionada por um ‘rapto’
fazem aparecer Deus como um Ser supremo que está para além da função fálica,
portanto, no Real, o mesmo acontecendo com uma mulher.
Se uma mulher, em relação à função fálica, busca um parceiro do lado do falo,
no lado masculino da tábua da sexuação, no lado do S(A/), do gozo do Outro, ela
buscaria um parceiro que esteja para além da função fálica e esse parceiro seria Deus.
Ainda muito que se pesquisar sobre a relação de uma mulher com Deus.
Lacan deixa algumas dicas nos Seminários subseqüentes ao Seminário 20. Por
exemplo, no Seminário 23, O Sinthoma, ele fala que “A-mulher da qual se trata é um
outro nome de Deus, e é por isso que, como eu disse muitas vezes, ela não existe.”
(LACAN, 2007, p. 14). Mas, é numa passagem do Seminário 22, RSI, que ele aponta
para algo novo. Lá ele diz que Deus é a mulher tornada toda (Dieu est la femme rendue
tout), com se pode ler na passagem abaixo em francês.
Je n’insiste pas et je poursuis ce qu’il en est du Nom du Père, pou le ramener à
son prototype et dire que Dieu, Dieu dan l’élaboration que nous onnons à ce
Symbolique, à cet Imaginaire et à ce Réel, Dieu est la femme rendue toute. Je
vous l’ai dit : elle n’est pas-toute. Au cas elle ex-sisterait d’un discours que
ne serait pas de semblant, nous aurions cet que je vous ai noté autrefois,
, le Dieu de la castration. C’est um voeu, un voeu qui viente de
l’Homme, avec un grand h, un qu’il ex-siste des femmes qui ordonneraiente la
castration. L’ennui c’est que íl y en a pas, que conformément à ce que j’ai écrit
dans une première formulation x (1) que était corrélative de la pas-toute, x(2) il
n’ex-siste pas la femme, je l’ai dit. Mais le fait qu’il n’ex-siste pas la femme, la
femme toute n’implique pas, contrairement à le logique aristotélicienne qu’il y
en ait qui ordonne la castration. (LACAN, 11/03/1975/ inédito).
73
72
Santa Tereza d’Ávila (1515 1582) tinha como maior desejo ser freira. Ao longo de sua vida, fundou
vários conventos e seus livros mais famosos são: ‘O Caminho da Perfeição’ e ‘Castelo Interior’. Ela é
reverenciada como uma grande mística.
73
Eu não insisto e prossigo no que diz do Nome-do-Pai, para trazê-lo ao seu protótipo e dizer que Deus,
Deus na elaboração que damos a esse Simbólico, a esse Imaginário e a esse Real, Deus é a mulher
tornada toda. Eu lhes disse isso: ela não é não-toda. No caso em que ela ex-sistisse por um discurso que
não seria semblant, teríamos esse que eu fiz anotação em outro tempo
,
o Deus da
castração. É um voto, um voto que vem do Homem, com um grande H, um voto que ex-sistam mulheres
que ordenariam a castração. O aborrecimento é que não há. E conforme ao que eu escrevi numa
primeira formulação x (1) que era correlativa da não-toda, x(2) não ex-siste a mulher, eu o disse. Mas o
fato de que não ex-siste a mulher, a mulher toda não implica, contrariamente à lógica aristotélica, que
haja quem ordene a castração. (LACAN, 11 de Março, 1975/ inédito).
129
Esta idéia de Lacan de que ‘Deus é a mulher tornada toda’, nos faz questionar
se, de alguma forma, seria possível escrever o A mulher. A resposta a essa pergunta
ainda está em aberto, até mesmo porque, por outro lado, uma outra versão não
estabelecida em francês do mesmo texto, traz uma fórmula lógica diferente do texto
citado acima. Ao invés de escrever
nesta outra versão tem-se como
a fórmula de Deus. Seria isso um erro de transcrição? A princípio, essa fórmula nos
parece um equívoco, que é a mesma que Lacan utilizou para escrever o pai primevo
como a exceção do lado masculino. Ou será que tal fórmula seria a única possibilidade
de se escrever o que está fora do discurso? No entanto, nada se pode afirmar sobre
isso, que ambos textos não são oficiais. É necessário aguardar o estabelecimento da
versão oficial deste texto por Miller e somente após isso, será possível compreender
melhor essa ligação de Deus com uma mulher nos Seminários posteriores ao Mais,
ainda.
Caminhar nesta trilha aberta por Lacan, certamente nos levará a pesquisar as
relações de uma mulher com os gozos dos nós borromeanos, como formulado por ele
nos Seminários seguintes, bem como as questões teológicas daí advindas.
130
CONCLUSÃO
A tábua da sexuação, formulada por Lacan no Seminário 20, Mais, ainda,
1972/73, é um esquema gráfico onde ele utiliza sinais matemáticos para escrever suas
elaborações psicanalíticas sobre o tema da sexuação. Para compreendê-la foi
necessário analisar as premissas que o levaram a construí-la. Esse foi o caminho
realizado nesta pesquisa partindo de Aristóteles, passando pela lógica matemática e,
finalmente, revisando a teoria psicanalítica contida na tábua.
Lacan teve como fio condutor a teoria do silogismo de Aristóteles, considerada
um dos primeiros sistemas dedutivos criados, onde partindo de uma proposição
universal pode-se derivar uma proposição particular. Tais proposições podem ser
afirmativas ou negativas e tudo o que se pode afirmar pode-se, também, negar e,
portanto, uma proposição universal afirmativa terá sua própria negativa, a proposição
universal negativa, o mesmo acontecendo com as particulares, como por exemplo: (A)
universal afirmativa, todo homem é mortal; (E) universal negativa, todo homem não é
mortal; (I) particular afirmativa, algum homem é mortal e (O) particular negativa, algum
homem não é mortal.
A partir da comparação entre elas, as proposições receberam classificações: as
duas universais são contrárias por uma afirmar e a outra negar a mesma qualidade do
mesmo sujeito, sendo as particulares subcontrárias pela mesma razão. Além disso,
uma proposição universal e uma particular podem ser contraditórias por possuírem o
mesmo sujeito e o mesmo predicado e diferirem tanto na quantidade quanto na
qualidade.
A importância em retomar essas proposições e suas classificações foi para
demonstrar que Lacan questionou esse tipo de oposição entre as proposições,
evidenciando que uma universal e uma particular poder transmitir a mesma mensagem
e não serem contraditórias. Para chegar a isso, ele fez uma análise gramatical das
frases negativas no seu Seminário 9, no qual ele se baseou em Pichon que afirma o
existir negação na língua francesa, levando Lacan a questionar qual seria a
particularidade da negativa.
131
Vimos,então, que em francês uma frase na negativa é composta pela partícula
ne seguida de pas, personne, poit, etc. Mas, se o ne aparecer sozinho na frase, ele
provoca um outro tipo de significação. Por exemplo, na frase ‘Je ne parle que le
portugais’, apesar de conter o ne esta frase não é uma negativa, e sim uma afirmativa:
Eu falo o português; eu não falo nada além do português. Ao mesmo tempo existem
frases em francês que são afirmativas, mas que têm a idéia negativa: ‘Il m’en veux’. Ao
da letra significaria ‘ele me quer’. Mas que na verdade quer dizer, ‘ele não me quer,
ele está chateado comigo’. Portanto, uma idéia contrária.
Desta forma, Lacan retoma as quatro proposições categóricas, utilizando uma
frase em francês pas un homme qui ne mente (não há um só homem que não minta) da
qual ele extrai a afirmativa universal o homem mente, mas em latim omnis homo
mendax (todo homem é mentiroso), e em seguida as demais proposições. Seguindo o
raciocino de Lacan, ele propõe que, ao invés de escrever ‘algum homem não é
mentiroso’ se escreva ‘não nenhum homem que não seja mentiroso’. Neste caso, a
particular negativa de Lacan tem o mesmo significado da universal afirmativa,
justificando, assim, a necessidade desse estudo gramatical para sustentar sua
inovação. Desta maneira, ‘não existe homem que não seja mentiroso’ é o mesmo que
dizer que ‘todos os homens são mentirosos’: (A=O).
Em ambas as proposições particulares, percebe-se que Lacan introduz a
negativa sobre o sujeito, sendo a partir disso que ele pode avançar e introduzir os
termos ‘pas-tout’ e ‘pas-aucun’. Além desse estudo gramatical, Lacan utilizou-se das
contribuições de Charles S. Pierce para chegar a essa elaboração, baseando-se no seu
esquema dos traços.
O quadrante 1 representa a proposição universal afirmativa ‘todo traço é vertical’,
mas o quadrante 2 também a ilustra na medida em que a ausência de traços não está
em contradição com a proposição no quadrante 1. a universal negativa ‘nenhum
traço é vertical’ está ilustrada no quadrante 2 e 4. O que Lacan demonstrou com isto é
que as proposições universais nem sempre são contrária, como a classificação das
proposições propunha. A proposição ‘todo traço é verticalestá ilustrada no quadrante 1
e 2 ao mesmo tempo, concluindo assim que a universal afirmativa (quadrante 1) e a
132
universal negativa (quadrante 2) não são aqui contrárias, mas podem ser ambas
verdadeiras ao mesmo tempo. A seguir tem-se o esquema de Pierce.
Figura 28: Figura do esquema de Charles S. Pierce.
Fonte: DOR, Joël. Introdução à Leitura de Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. V.2 p. 211.
Lacan dedicou-se a isso para que pudesse aparecer a distinção entre universal-
particular e entre afirmativa-negativa, o que possibilitou seu trabalho com uma outra
distinção, a entre a lexis e a phasis. A oposição universal-particular é uma oposição da
ordem da lexis, isto é, é algo que “eu digo” ou “eu escolho”. Dessa maneira explicita-se
a escolha de um significante. a oposição afirmativo-negativa é da ordem da phasis,
como uma palavra, por onde alguém pode ‘sim’ ou não’ se engajar na existência do
que é posto em questão pela lexis.
A importância de ele trabalhar essa distinção foi para inscrever a incidência da
função fálica no processo da sexuação. Neste caso, a função do Nome-do-Pai foi
representada pelos traços verticais do esquema de Pierce permitindo a Lacan afirmar
que esta função é sempre universal.
133
A relevância de retomar esses estudos de Lacan sobre a lógica e a gramática
nesta dissertação era o de reencontrar esse ponto da teoria onde ele afirma que a
função do Nome-do-Pai é universal. É ela quem veicula a função fálica e a castração,
perante a qual os sujeitos têm que escolher uma posição na partilha dos sexos:
masculino ou feminino.
Além disso, vimos que Lacan inspirou-se nas idéias propostas por Glottob Frege
na Justificação Científica de uma Conceitografia, onde ele defende a redução da
aritmética à lógica, para que uma expressão aritmética tenha o mesmo significado que
uma expressão lógica. O objetivo de Frege era o de evitar os possíveis erros e s
interpretações derivados da imprecisão da linguagem ao que ele elabora, então, uma
nova lógica focada numa linguagem simbólica artificial que pode exprimir
conhecimentos de forma objetiva, privilegiando o sinal matemático sobre a palavra
que ele tem a vantagem de ser preciso e distinto, permitindo, portanto, que um
conhecimento seja transmitido de forma mais objetiva.
Isto nos fez supor que a tábua da sexuação é uma conceitografia, já que Lacan
não escreveu nenhuma frase ou palavra nela, provavelmente, numa tentativa de evitar
o mal-entendido, as omissões e os erros de raciocínio em relação à suas elaborações
sobre a sexuação. Para tal suposição também nos baseamos nas palavras de Lacan
que defende a formalização matemática como um ideal, porque ela é capaz de uma
comunicação objetiva.
Após a análise das origens da tábua da sexuação, de suas premissas lógicas e
matemáticas, é que ela pode ser esclarecida com muito mais facilidade, na verdade,
pensamos que uma boa compreensão da tábua requer os conhecimentos acima
descritos. A partir disso nós pudemos fazer uma revisão dos subsídios teóricos nela
contidos com mais propriedade.
Numa segunda fase desta dissertação, tecemos comentários sobre a teoria
psicanalítica ilustrada na tábua da sexuação. Na primeira fórmula do lado masculino,
(existe um x para quem a função fálica não incide), analisamos as
colocações de Lacan sobre o mito freudiano do pai primevo de Totem e Tabu. Como
ele representa uma exceção à regra da castração, permite fundamentar a regra de que
todo homem é castrado, o que está representado na segunda fórmula do lado
134
masculino, (para todo x é verdadeiro que a função fálica incide). Desta
maneira, Lacan mais uma vez trabalha com a matemática e a teoria dos conjuntos,
afirmando a existência do conjunto de todos os homens, o que pode ser denominado de
“O Homem”. do lado feminino da sexuação, vimos que não nenhuma mulher que
tenha escapado à castração, o que Lacan ilustra com a primeira fórmula: (não
existe x para quem a função fálica não incidiu). Ao afirmar a o-existência desse um
elemento que escape à castração, essa não exceção do lado feminino não permite
fundamentar uma regra universal para os sujeitos femininos, assim como para os
masculinos. Lacan havia dito que quem se inscreve desse lado da sexuação não
permitirá universalidade alguma. que a expressão (para todo x) depende que um
elemento que esteja subtraído da universalidade, a não existência de nenhuma mulher
que tenha escapado à castração, não permite fundar o conjunto universal da mulher.
Para tal, Lacan escreve a segunda fórmula do feminino: (para não-todo x é
verdadeiro que a função fálica incide). Um conjunto de todas as mulheres poderia ser
denominado de “A mulher”, mas como tal conjunto não existe, Lacan propõe a seguinte
frase: ‘A mulher não existe’. O que ele também representa na tábua da sexuação pelo
termo La/ femme (ou como na tradução para o português A/ mulher). Ao barrar-se o La/
indica-se a sua não existência.
Após os comentários sobre esse axioma de Lacan, partimos para sua segunda
afirmativa: ‘Não há relação sexual’. Vimos que essa frase também pode ser entendida a
partir das análises da matemática e da teoria dos conjuntos. Para Lacan, deveria ser
possível relacionar o universal do lado masculino com seu correspondente do lado
feminino, mas, de um lado afirma-se o todo e do outro o não-todo, o que torna
impossível uma relação entre eles. Ao não poder relacionar o todo do lado masculino
com o não-todo do lado feminino, Lacan afirma que a relação sexual não existe.
Além da impossibilidade de formar um conjunto universal das mulheres,
analisamos um outro conceito na idéia do não-todo. Ao dizer que uma mulher é não-
toda submetida à castração também se afirma que uma parte dela está referenciada ao
Simbólico e outra parte encontra-se no Real. Isso nos permitiu retomar uma frase do
texto Televisão de Lacan, onde ele diz que as mulheres não são loucas de todo.
Pensamos que a parte não louca de uma mulher é sua parte inscrita no Simbólico e a
135
parte louca aquela que se encontra no Real, entendendo o Real como aquilo do qual
não se pode falar nada, não como explica-lo, pois ao fazê-lo ele deixa de ser Real e
passa a ser Simbólico.
Isso nos ajudou a tecer comentários sobre o último aspecto analisado nessa
dissertação, o gozo. O gozo fálico é aquele que está ligado ao significante, e, portanto,
vimos que o ser falante, seja ele masculino ou feminino participa do gozo fálico. Mas,
uma mulher tem um outro gozo para além do fálico, um gozo que não está referenciado
ao significante e, portanto, encontra-se fora do Simbólico. Esse outro gozo, para o qual
Lacan deu vários nomes no Seminário 20, é um gozo que somente o ser feminino
experimenta, mas que não fala nada sobre ele, que não é possível falar de um gozo
que se encontra no Real.
Ao concluir esse trabalho, vimos que ainda é necessário aguardar que os
Seminários posteriores ao Seminário XX sejam estabelecidos oficialmente para que
possamos continuar a analisar outros aspectos envolvidos nesse gozo suplementar
feminino no que Lacan o aproximou de Deus.
136
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