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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
Programa de Pós-graduação em História Social
A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DA NAÇÃO:
A AÇÃO POLÍTICA DOS INTELECTUAIS NO
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA (1956-1964)
Tatyana de Amaral Maia
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em História Social, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de Mestre em
História Social.
Orientador: Renato Luís do Couto Neto e Lemos
Rio de Janeiro
Abril de 2005
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2
A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DA NAÇÃO:
A AÇÃO POLÍTICA DOS INTELECTUAIS NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
(1956-1964)
Tatyana de Amaral Maia
Renato Luís do Couto Neto e Lemos
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social , Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
História Social.
Aprovada por:
_______________________________________
Presidente, prof. Renato Luís do Couto Neto e Lemos
_______________________________________
Prof. Marcos Luís Bretas da Fonseca
_______________________________________
Prof. Francisco Carlos Palomanes Martinho
Rio de Janeiro
Abril de 2005
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3
FICHA CATALOGRÁFICA
MAIA, Tatyana de Amaral.
A organização do Estado e o desenvolvimento da nação: a ão
política dos intelectuais no Ministério da Educação e Cultura (1956-
1964) – Tatyana de Amaral Maia. Rio de Janeiro: UFRJ, IFCS,
2005.
149f.: il; 31cm
Orientador: Renato Luís do Couto Neto e Lemos.
Dissertação (Mestrado) UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-graduação
em História Social, 2005.
Referências Bibliográficas: f. 138-149.
1. Intelectuais. 2. Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. 3.
Planejamento. 4. Modernização. 5. desenvolvimento da nação. I.
Lemos, Renato Luís do Couto Neto e. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História Social. III.
Título.
4
RESUMO
As relações estabelecidas entre os intelectuais e o Estado no Brasil têm merecido
destaque na historiografia brasileira. Este trabalho dedica-se à análise da ação política
dos intelectuais no Ministério da Educação e Cultura entre 1956 e 1964. A criação de
uma agência no interior do MEC, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais,
possibilitou a articulação de vários intelectuais em torno de dois projetos bem definidos:
a organização do Estado e o desenvolvimento da nação. Os discursos produzidos por
esses agentes permitem a compreensão das estratégias utilizadas para a elaboração das
políticas públicas educacionais e traduzem as expectativas políticas do grupo.
ABSTRACT
The relationship established among intellectuals and the State in Brazil has
deserved prominence in brazilian historygraphy. The present work shows the analysis of
politic action by intellectuals of Ministério da Educação e Cultura from 1956 to 1964.
The creation of an agency in MEC, Centro Educacional de Pesquisas Educacionais,
allowed articulation of many intellectuals around two projects well defined: the
organization of State and the development of Brazilian nation. The speeches done by
those agents allow the understanding of strategies used for the criation of public
politicies in Education and make known politics expectations of the group.
5
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos são vários.
Aos meus pais e irmão pelo apoio incondicional; sem eles a realização dessa
dissertação não seria possível.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em História Social do
IFCS/UFRJ que muito enriqueceram a minha trajetória profissional. Agradeço,
especialmente, ao meu orientador prof. Renato Luís do Couto Neto e Lemos pela
confiança e dedicação ao meu trabalho.
Aos membros da banca, prof. Francisco Carlos Palomanes Martinho e Marcos
Luís Bretas da Fonseca, muito obrigado pela participação e avaliação cuidadosa do
trabalho.
Ao professor Carlos Alvarez Maia da UERJ pela atenção e dedicação. As
diversas conversas sobre as questões teóricas e metodológicas presentes nessa
dissertação possibilitaram uma melhor análise do objeto em questão.
Aos colegas mestrandos e doutorandos do PPGHIS do ano de 2003. Peço
licença para citar o nome de Fernando Figueira de Mello com quem compartilhei várias
dúvidas e sugestões durante a realização dessa pesquisa.
À CAPES pelo apoio financeiro, sem o qual essa dissertação não seria
viabilizada.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I 19
Organizar o Brasil: O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
1.0 – Estrutura e Funcionamento do CBPE 23
1.1 – O planejamento como recurso político 25
1.2 – A organização do Estado: a racionalidade em defesa do espírito público 31
1.3 – A importância do planejamento no CPBE:
preparar o Estado para a intervenção na “realidade nacional” 34
2.0 - Os educadores profissionais como elites modernizantes:
o papel do Estado no desenvolvimento da nação. 41
2.1 – Outros nichos intelectuais e o CBPE:
projetos de desenvolvimento em disputa 45
2.2 – Descortinar um país em mudança:
a função dos cientistas sociais no CBPE 50
CAPÍTULO II 61
Desenvolver a nação: a Educação como projeto político
1.0 – “Precisamos de uma elite técnico-científica” 67
2.0 – O livro do ano: “Educação não é privilégio” 71
3.0 – Os “Seminários Internacionais”, a Aliança para o Progresso e o CBPE:
uma relação de complementaridade ? 85
CAPÍTULO III 100
Trajetórias intelectuais: a intervenção dos atores do CBPE na arena política
1.0 – A retomada das rivalidades educacionais:
as idéias e ações do CBPE em debate 101
2.0 – “O dono da educação está zangado” 117
3.0 – A votação da nova LDBEN: “A lei é resultado de uma luta” 128
CONCLUSÃO 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 139
Fontes documentais 139
Bibliografia 143
7
INTRODUÇÃO
A atuação dos intelectuais, a partir de 1930, no aparato burocrático ou nos
círculos de debates sobre as “questões nacionais” tornou esses atores personagens
relevantes na construção de projetos para o Brasil. A participação desses homens nos
diversos setores da política brasileira foi marcada por disputas entre modelos de
organização e funcionamento do Estado e desenvolvimento da nação. Dos diversos
setores em que os intelectuais atuaram, o educacional foi palco de inúmeros embates
e polêmicas, acirrando rivalidades entre os grupos concorrentes. A radicalização em
torno da orientação e do controle das políticas educacionais teve início durante a
administração de Francisco Campos (1930-1932), no Governo de Getúlio Vargas,
permanecendo até 1961, quando da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN).
Vários grupos intelectuais acreditavam que o setor educacional era o responsável
pelo direcionamento do processo de modernização a ser implementado pelo Estado. A
crença difundida pelos intelectuais que a educação e a saúde eram duas áreas chaves
para resolver os problemas brasileiros tornou esses dois setores altamente disputados
por várias redes intelectuais. Assim, controlar o aparelho educacional e orientar suas
políticas públicas significava implementar uma certa direção aos rumos do país. Dentro
dessa perspectiva, acreditava-se que as reformas educacionais executadas pelo Estado
transformariam a sociedade, garantindo ao país acesso à modernidade.
As polarizações em torno dos debates educacionais e o acirramento dos conflitos
demarcaram lugares de ação de cada grupo, onde dois grupos destacaram-se na luta pelo
controle da esfera educacional: o grupo dos “Pioneiros” representados pelo Movimento
da Escola Nova e o grupo Católico. O Movimento da Escola Nova teve como principais
atores Anísio Teixeira
1
e Fernando de Azevedo; o grupo Católico através do Centro
Dom Vital teve como interlocutores Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima, o
famoso Tristão de Athayde. Com a nomeação de Gustavo Capanema para o Ministério
da Educação e Saúde do Governo Vargas (1934-1945) os principais participantes do
Movimento da Escola Nova foram afastados do poder e o grupo diluiu-se. O grupo
Católico saíra vencedor, e Alceu Amoroso Lima foi o braço direito de Gustavo
1
Figura expressiva no movimento escolanovista da década de 1930, tornar-se-ia, em 1946, período em
que morou em Londres e, depois, em Paris, Conselheiro de Educação Superior da UNESCO. Em 1952,
assumiria o cargo diretor da CAPES e do INEP.
8
Capanema na pasta de educação. Ainda assim, Anísio Teixeira afirmava que o
Movimento não saíra totalmente derrotado, já que a LDBEN promulgada em 1946
representou a efetivação de alguns ideais defendidos pelo grupo escolanovista. Com a
redemocratização do país, muitos dos chamados “reformadores da educação”
retornaram ao cenário político, assumindo postos públicos nas instâncias municipais,
estaduais e federais. Anísio Teixeira assume a pasta da Secretaria de Educação da Bahia
e, em 1952, aceita o convite para dirigir o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais
(INEP). Ao retornar à esfera federal, Anísio Teixeira articula-se para criar um centro de
pesquisas educacionais que fosse capaz de reorganizar o aparelho educacional e
promover o planejamento das políticas públicas educacionais.
Anísio Teixeira reuniu um grupo de intelectuais em torno de uma agência cuja
proposta inicial era reorganizar o sistema educacional a partir de uma intervenção
racional. O educador Anísio Teixeira, diretor da Campanha de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), atualmente, Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior, e do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais criou o
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) visando prestar assessoramento
técnico a partir de pesquisas científicas voltadas para a orientação e planejamento de
políticas públicas educacionais. O corte cronológico da pesquisa comporta o período de
1956 a 1964, quando o golpe militar destituiu os principais atores da agência
reorientando as atividades do CBPE/INEP.
Inaugurado em 28 de dezembro de 1955, O CBPE era uma instituição oficial,
subordinado ao MEC (Ministério da Educação e Cultura), iniciando suas atividades e
editando seu primeiro boletim em 1956. O primeiro diretor foi Anísio Teixeira, que
também acumulava a direção do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos); sob
sua direção, são criados os CRPEs (Centros Regionais de Pesquisas Educacionais),
expandindo as atividades do Centro Brasileiro por várias capitais do país como Recife,
Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, ampliando as discussões sobre
qual o melhor modelo de políticas públicas para a educação. Sendo um centro voltado
para pesquisas sociais, ao CBPE cabia realizar pesquisas capazes de explicitar as
deficiências da política educacional e apontar quais as novas políticas públicas
adequadas aos projetos de mudança sócio-econômica do Estado.
Para estruturar o quadro de funcionários do CBPE foram convidados sociólogos,
antropólogos e educadores. Intelectuais como Gilberto Freyre, (Diretor do Centro
Regional de Recife), Fernando de Azevedo (Diretor do Centro Regional de São Paulo),
9
Jaime de Abreu (Coordenador da Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais do
CBPE), Darcy Ribeiro (Coordenador da Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais do
CBPE), Florestan Fernandes, entre outros, participam do Centro. Alguns faziam parte
do corpo efetivo, outros eram convidados para realizarem pesquisas previamente
escolhidas ou escreverem artigos na Revista do CBPE que, circulando trimestralmente,
funcionava como um boletim cujo objetivo era divulgar as pesquisas, as propostas de
políticas públicas e as posições dos intelectuais diante das transformações provocadas
pela reorientação econômica.
A divulgação das finalidades, das pesquisas e das realizações alcançadas durante
a direção de Anísio Teixeira foi feita através da publicação da Revista de Educação e
Ciências Sociais. Trata-se do periódico oficial editado pelo INEP durante os anos de
1956 a 1962. Nesse período foram veiculadas vinte e um números da revista publicando
diversos artigos sobre os temas investigados pelos pesquisadores, as notícias sobre a
realização de cursos e convênios e o envolvimento institucional do CBPE com outras
instâncias governamentais.
O objetivo dessa dissertação é analisar a ação política dos intelectuais nucleados
no CBPE, investigando como esse grupo atuou na tentativa de implementar seu projeto
para a educação. Buscamos compreender em que medida o modelo educacional
proposto pelo Centro estava articulado a uma nova lógica política, baseada na
apropriação de recursos científicos para a formulação das políticas públicas
educacionais e redefinia o papel do intelectual no interior do Estado.
A atuação desses intelectuais no aparelho burocrático não os limitou a simples
funcionários do Estado, ao contrário, eles utilizaram o aparato público na construção de
um projeto próprio e organizaram diversas estratégias para que este fosse assumido pelo
Executivo. A proposta desse trabalho é investigar o discurso político predominante no
CBPE, ou seja, buscamos analisar como o Centro atuou como locus da ação política dos
intelectuais modernizadores. É sobre o discurso predominante no Centro que vamos nos
apoiar, mesmo reconhecendo a existência de diversos interesses no interior do CBPE.
Dessa forma, pretendemos compreender como esses intelectuais se fizeram como
sujeitos políticos, que recursos mobilizaram para conquistar o apoio do governo federal
e da opinião pública na tentativa de que reconhecessem seu projeto como o melhor
caminho para a modernização brasileira.
10
Partimos da hipótese que a criação do CBPE foi uma estratégia política ao se
tornar um instrumento de inserção desses intelectuais no interior do aparato estatal. O
Centro funcionou como articulador de uma geração de intelectuais identificada com o
desenvolvimento do país a partir do avanço científico nas diversas áreas do
conhecimento e aliou-se às várias organizações internacionais através da adoção de
programas definidos por essas instituições, especialmente, a UNESCO (Organização
Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos
Estados Americanos). Consideramos que esses intelectuais utilizaram o aparelho estatal
como mecanismo de promoção de um projeto educacional próprio e buscavam no
interior do Ministério da Educação e Cultura o apoio institucional necessário para a
realização de suas propostas.
Para esses intelectuais, o Estado tornou-se a instituição central para a realização
de qualquer projeto político a ser implementado no país. A crença no papel
preponderante do Estado para a organização e desenvolvimento do Brasil era associada
à idéia de que através das instituições governamentais era possível interferir nos
rumos da sociedade. Assim, acreditavam que o Estado contribuiria para formação de
uma sociedade democrática, garantiria a mobilidade social e orientaria o processo de
mudança em curso.
Vários educadores que participavam do CBPE como Anísio Teixeira, Fernando
de Azevedo, Abgar Renault, Mário Casasanta haviam participado de instituições da
sociedade civil como a Associação Brasileira de Educação (ABE) que nas décadas de
1920 e 1930 atuava como espaço político de destaque nacional e estabeleceu estreitas
relações com o governo federal. Contudo, o projeto da Escola Nova saiu derrotado nas
disputas educacionais ocorridas durante o Ministério Capanema. Diante dessa derrota, a
ABE sofreu um esvaziamento político e nenhuma outra instituição da sociedade civil
obteve destaque nos debates educacionais. Esses educadores optaram por se
reorganizarem no interior do aparelho estatal e reiteraram a necessidade de intervenção
do Estado na educação e na organização de uma reforma educacional como a melhor
forma de garantir a eficácia do sistema educacional.
A importância desses intelectuais no interior do Estado está na inserção de novas
estratégias no espaço de decisão política, que começou a solicitar cada vez mais a
participação de intelectuais. O fato da ação desse grupo ser pautada em posturas
racionalizadoras, em diagnósticos científicos e em análises técnicas não impediu, nem
inviabilizou, que os principais intelectuais do CBPE tivessem uma participação política
11
orientada por posições ideológicas preexistentes. Suas ações políticas buscaram
legitimidade no conhecimento científico, cujo objetivo era construir, através de uma
“política científica e racional”, o modelo de educação adequado ao processo de
desenvolvimento brasileiro.
Os intelectuais do CBPE buscaram implementar suas propostas educacionais
apresentando-as como parte do projeto de modernização definido pelo Estado a partir do
Plano de Metas
2
e alinhadas às deliberações internacionais. Assim, pretendiam ser
identificados com o modelo de desenvolvimento proposto para o país e apresentavam
um discurso que valorizava o papel do intelectual na construção da nação moderna,
democrática e, sobretudo, civilizada. Neste sentido, elaboraram uma representação
sobre a função do intelectual como o “agente da mudança cultural” redefinindo sua
participação na esfera política.
“As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí,
para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos
proferidos com a posição de quem os utiliza”.
3
As representações construídas pelos grupos intelectuais dedicados à questão
educacional no país definiram-se através das disputas políticas, onde a busca pela
legitimidade de um discurso evidenciava quais as percepções sociais eram
predominantes e compartilhadas por cada grupo envolvido, justificando as escolhas e
ações dos próprios indivíduos. As representações, compreendidas dessa forma, não
podem ser descoladas das relações de poder existentes nas sociedades, pois ocorrem
num campo de concorrências e competições cujos desafios se enunciam em termos de
poder e de dominação.
4
A noção de representação coletiva retira o aspecto psicologizante da análise sobre as
relações estabelecidas entre os intelectuais e a esfera política, ao percebermos que as
2
O Plano de Metas foi elaborado e implementado durante a presidência de Juscelino Kubistchek (1956-
1961).O programa tinha cinco metas base: energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação.
Ver: LAFER, Celso. JK e o programa de metas: processo de planejamento e sistema político no Brasil.
Rio de Janeiro: FGV, 2002.
3
CHARTIER, Roger. A História Cultural, Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela
Galhardo. Lisboa: Difusão. Pg. 17
4
idem. Pg. 17
12
representações são capazes de evidenciar as posições e oposições dos atores sociais,
suas dinâmicas e interesses, demonstrando como cada grupo intelectual busca definir
sua identidade a partir da relação de oposição que estabelece com o outro grupo com
quem disputa o poder.
As disputas pelo controle das diretrizes educacionais polarizadas entre o grupo
católico e os intelectuais do CBPE podem ser compreendidas através da relação de
disputa entre elites orgânicas e elites tradicionais teoricamente definidas por Gramsci.
Assim, ao estudarmos os intelectuais e suas relações como o poder político estaremos
utilizando a abordagem teórica desenvolvida por Gramsci sobre a função dos
intelectuais nas sociedades modernas, em especial, os conceitos de intelectuais
orgânicos e intelectuais tradicionais. A motivação para tomar Gramsci na análise do
CBPE dá-se por este pensador conceber a ação política desses agentes como articuladas
em um corpo político. Os “intelectuais orgânicos” possibilitam que a análise crítica se
desenvolva em torno das motivações coletivas, institucionalizadas, evitando que se caia
na armadilha de buscar explicações estritamente centradas na individualidade de uma
personagem. Com a noção de “intelectuais orgânicos” privilegia-se com mais
propriedade o valor político das atividades desse grupo de ação. Dessa forma, pensamos
o agente intelectual em sua organicidade, o que enforma a sua inserção nas redes de
sociabilidades, o modo pelo qual nelas se integra e, quiçá, as próprias redes.
Em consonância com esse olhar, em Gramsci os intelectuais são um grupo
essencial na formulação e na difusão de pressupostos ideológicos das “classes
fundamentais” ao qual estão organicamente ligados. Na medida que cada classe social
deseja deter os meios de produção econômica e, logo, o controle sobre as outras classes,
estas criam grupos de intelectuais capazes de orientar o processo de construção da
hegemonia. Dada a complexidade das sociedades modernas, a relação entre os
intelectuais e as classes fundamentais estará sempre mediatizada pela extensão e
complexidade do corpo social; assim, a relação entre os intelectuais e o mundo da
produção não é imediata, como é o caso dos grupos sociais fundamentais, mas é
‘mediatizada’, em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das
superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente ‘funcionários’.
5
Nesse sentido, consideramos os intelectuais do CBPE como intelectuais
organicamente ligados ao processo de modernização pretendida para o país que
5
GRAMSCI, Antonio. Intelectuais e Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1968. p. 10.
13
buscavam orientar o modelo educacional brasileiro a partir das idéias-força de
planejamento, democracia e desenvolvimento vigentes naquele período. A própria
prática discursiva dos intelectuais do CBPE associava a identidade política do grupo à
idéia de modernidade e modernização em contraposição ao “arcaico”, ao “tradicional”,
ao “elitista”, recorrendo à construção de um discurso político que os colocava em rígida
oposição com outros postulados e negligenciava qualquer proposta que o pudesse ser
enformada nessa polarização. Do outro lado, observamos o grupo católico como elites
tradicionais dispostas a permanecerem no processo político através da articulação com
alguns agentes políticos.
Os intelectuais do CBPE tiveram como sua maior liderança Anísio Teixeira. O
educador baiano foi o grande alvo do grupo católico nas décadas de 1950 e 1960 e quem
mais mobilizou a imprensa ao redor das propostas do CBPE. Neste trabalho, Anísio
Teixeira recebe uma atenção especial; sua própria atuação nos postos-chaves da
administração pública colocava-o na linha de frente das disputas educacionais. Assim,
acreditamos que Anísio Teixeira representou as aspirações políticas de vários
intelectuais congregados em torno do CBPE como também reconhecemos que outros
participantes da agência atuaram de forma mais comprometida com o desenvolvimento
das pesquisas científicas que realizavam do que com as disputas políticas daquele
momento. Contudo, ambos os interesses localizados no interior do CBPE remetiam à
preocupação com a necessidade de modernizar o país; uns preocupados em provocar a
modernização através da intervenção do Estado e outros dedicados a compreender como
o processo de urbanização e industrialização tinha modificado as estruturas da
sociedade brasileira e quais os entraves ainda presentes à essa modernização.
A recente produção historiográfica brasileira dedicada à história dos intelectuais
e suas relações com a política concentra seus objetos entre as décadas de 1930 e 1964.
Tal produção é tipicamente compreendida à luz de três grandes correntes teórico-
metodológicas:
1ª) a origem social dos intelectuais, que definiria as estratégias utilizadas na
manutenção ou inserção desses intelectuais nas esferas de poder associada a visão do
intelectual como funcionário do Estado que legitima o discurso político do executivo ;
(Miceli)
6
6
MICELI, Sérgio (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1989. _________. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das letras, 2002
14
2ª) a análise dos caminhos ideológicos percorridos pelos intelectuais ; (Pécaut)
7
3ª) leituras baseadas na historiografia francesa, sobretudo, os recentes trabalhos
realizados por Sirinelli
8
acerca da configuração de redes de sociabilidade que,
articuladas com o “clima” da época marcariam as possíveis interações entre os
intelectuais e o poder político.
Assim, determinadas trajetórias do campo intelectual tornaram-se objetos
importantes para a compreensão dos caminhos percorridos pela política no Brasil. A
história dos intelectuais destacou a importância desses sujeitos que participam da
política de forma muito peculiar, que pretendem organizar o campo político e, para tal,
se apropriam de mecanismos socialmente valorizados nos vários contextos históricos,
como, por exemplo, da tradição bacharelesca, da força da ciência, da crença no papel
preponderante do Estado.
Dentre as muitas leituras sobre as relações entre os intelectuais e a política no
Brasil, entre 1930-1964, as dedicadas àqueles intelectuais envolvidos na problemática
educacional e no Ministério da Educação e Saúde, posteriormente subdividido nos
Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Saúde, ocupam parte significativa da
produção historiográfica. As chagas nacionais”, ou seja, educação e saúde, tiveram
lugar preponderante nos escritos desses homens; provocaram indignações, protestos,
manifestos, debates intermináveis, preencheram centenas de páginas dos grandes
periódicos, foram transformadas em disputas políticas, ou melhor, sinônimo de força
política. A idéia da educação e da saúde como chaves de mudança, como o centro
nervoso de toda sociedade capaz de identificar o atraso ou a modernização do corpo
social, de manter ou subverter a ordem despertou em nossos intelectuais uma
responsabilidade e uma missão, consideradas, adormecidas: organizar o país.
Neste momento, vou privilegiar os trabalhos dedicados, preferencialmente, ao
meu objeto ou que indiretamente tratem das questões desenvolvidas na dissertação. Vale
dizer, que as obras dedicadas à questão intelectual no período varguista (1930/1945)
estão sendo consideradas.
Os trabalhos relacionados ao CBPE podem ser distribuídos em quatro grandes
linhas:
7
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Trad. Maria Júlia
Golwasser. São Paulo: Ática, 1990.
8
SIRINELLI, Jean-François. “Las Élites Culturales”. In: RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI, Jean-
François. Para una Historia Cultural. México: Taurus, 1999. p. 289-312.
15
1. a importância do Centro no desenvolvimento das pesquisas educacionais e/ou
pesquisas sociais (Zaia Brandão e Ana Waleska, Libânia Xavier, Mariza
Corrêa);
2. o Centro como tentativa de renovação do sistema educacional e consolidação
do campo cultural (Xavier);
3. o Centro como parte integrante do processo de institucionalização das ciências
sociais no Brasil (Mariani, Almeida); e,
4. trabalhos dedicados à história das idéias que buscam nas matrizes ideológicas
ou no pensamento social brasileiro as raízes explicativas dos modelos propostos
dos principais atores do Centro ( Marcos Cezar Freitas, Diana Couto).
A principal obra dedicada ao CBPE é a tese O Brasil como Laboratório
9
de
Libânia Nacif Xavier, que para além de observar as articulações entre as pesquisas
sociais e as pesquisas educacionais para o desenvolvimento de cada área científica,
busca compreender a dinâmica institucional, o convívio entre educadores e cientistas
sociais, mantendo na análise a importância das inter-relações da pesquisa educacional e
da pesquisa social para a modernização das políticas de ensino. A autora compreende
que as décadas de 1950 e 1960 promovem o início da “autonomização do campo
educacional” marcadas pela intervenção das pesquisas sociais na educação. Ao se
dedicar à análise do CBPE a partir da compreensão da instituição como parte integrante
do campo cultural, Xavier realiza um importante estudo sobre as possíveis relações e
limitações de uma instituição dedicada a congregar intelectuais de diversas áreas num
projeto audacioso de organização do campo cultural/educacional.
O trabalho de Xavier nos possibilitou uma dedicação maior à prática discursiva
dos intelectuais do Centro a partir da análise da inserção desse grupo na esfera política.
A tese ao traçar a importância do CBPE como um marco na (re)organização do campo
cultural nos auxiliou na percepção do Centro como um mecanismo de inserção política
dos intelectuais. É sobre o trabalho de Xavier que vamos nos apoiar, buscando
compreender como as lutas por uma certa autonomia científica faziam parte das disputas
de cada agente por espaço no universo político, espaço igualmente hierarquizado, pela
9
XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como laboratório: Educação e Ciências Sociais no projeto do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais - CBPE/INEP/MEC(1950-1960). Bragança Paulista, EDUSF,
1999.
16
autoridade sobre uma determinada linguagem política, onde os intelectuais queriam
demarcar através do uso da ciência seu lugar de proeminência.
Em Por que não lemos Anísio Teixeira?
10
Zaia Brandão e Ana Waleska se
dedicam ao estudo da formação de uma tradição de pesquisa pedagógica no CBPE
resultante das inter-relações entre as ciências sociais e a educação, tendo Anísio
Teixeira como o seu grande articulador. Para as autoras essa tradição de pesquisa teve
como marca a aplicação de duas tradições intelectuais: por um lado, as ciências sociais
deixavam de lado o estudo dos grandes modelos explicativos para se dedicar ao estudo
do local, do microscópio, em busca das diversas realidades que compunham a sociedade
brasileira; por outro, as pesquisas pedagógicas incorporaram as metodologias
desenvolvidas pelas ciências humanas. Tal tradição era convergente com os ideais
pedagógicos de Anísio Teixeira. Substituíam-se, enfim, os grandes quadros teóricos
pela pesquisa empírica com suas classificações, experiências, hipóteses, etc.
Em A Revolução das normalistas
11
, Mariza Côrrea recupera a importância da
produção científica da década de 1950, esquecida pelos intelectuais, destacando a
importância do CBPE no desenvolvimento das pesquisas em ciências sociais no Brasil.
Esses educadores e cientistas sociais, ao contrário da recente experiência acadêmica que
se mantêm distante dos debates nacionais, exerceram suas funções e realizaram suas
pesquisas aliadas às demandas políticas do período. O objetivo da autora é refazer os
caminhos teóricos percorridos pelos cientistas sociais da década de 1950, observando
como a produção científica vivia um processo de transição; rompia-se com a tradição de
Nina Rodrigues, ao mesmo tempo em que se adotavam novos padrões de pesquisa
oriundos das escolas norte-americanas e francesas, mas mantinha-se a relação entre
pesquisa e demanda política.
Nos trabalhos de Maria Clara Mariani e Maria Hermínia de Tavares Almeida a
ênfase é na institucionalização das ciências e na criação de espaços científicos capazes
de receber os jovens intelectuais formados nas Universidades. Em Educação e Ciências
Sociais: O INEP
12
, Mariani tece uma breve história da trajetória de Anísio Teixeira e do
funcionamento das instituições planejadas e dirigidas por ele, em especial, o CBPE.
10
BRANDÃO, Zaia e WALESCKA, Ana. Por que não lemos Anísio Teixeira?: Uma tradição esquecida.
Rio de Janeiro: Ravil, 1997.
11
CORRÊA, Mariza. “A revolução das normalistas”. In: Cadernos de Pesquisa (66) São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, 1988.
12
MARIANI, Maria Clara. “Educação e Ciências Sociais: O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Pedagógicas.” In: SCHWARTZMAN, Simon. Universidades e Instituições Científicas no Rio de Janeiro.
CNPQ, 1982.
17
Para a autora o CBPE implanta o projeto de Anísio Teixeira, inviabilizado pela ditadura
Vargas, na tentativa de consolidação da pesquisa social.
Em Dilemas da institucionalização das Ciências Sociais
13
, Maria Hermínia de
Tavares Almeida analisa as dificuldades de institucionalização das ciências sociais entre
1930-1964. A criação das Universidades era uma tentativa de implementar padrões
científicos nas ciências sociais, rompendo com as escolas tradicionais pouco voltadas
aos debates teórico-metodológicos. Contudo, na capital federal, as ciências sociais, pela
proximidade com o poder central foram se institucionalizando, via de regra, nas
agências governamentais comprometidas com as demandas políticas e com a realização
de pesquisas capazes de auxiliar o governo central na formulação de projetos políticos.
Assim, as ciências sociais foram se desenvolvendo em instituições não-acadêmicas.
Marcos César de Freitas, em História, Antropologia e pesquisa educacional:
itinerários intelectuais
14
analisa o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São
Paulo, dirigido por Fernando de Azevedo, que contou com a participação ativa de
Florestan Fernandes, observando como os intelectuais que participaram do CRPE/SP
construíam representações da cultura brasileira a partir da idéia da pluralidade das
culturas regionais e dos diálogos existentes entre ambas. A obra se limita às idéias
políticas produzidas pelos principais intelectuais do CRPE/SP e do diretor do CBPE,
Anísio Teixeira. Ao desconsiderar fatores como desenvolvimento do campo científico
na década de 1950, a inserção de novos atores e valores no espaço político diferentes
das décadas de 30/40, Freitas deixa de observar que a experiência do CBPE, em si,
sintetizava as concepções mais elaboradas de Anísio Teixeira como “formação do
espaço público”, “oposição à transplantação das idéias e das instituições”.
Outra obra que segue a mesma linha é Trajetórias Liberais e Radicais pela
Educação Pública
15
, organizada por Diana Couto. Pautada na história das idéias, a
pesquisa busca conhecer as matrizes ideológicas socialistas e liberais dos principais
defensores da educação pública, Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Darcy Ribeiro e
Florestan Fernandes, analisando a atuação político-partidária destes dois últimos nas
décadas de 80 e 90.
13
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de Almeida. “Dilemas da Institucionalização das Ciências Sociais
no Rio de Janeiro”. In: MICELI, Sérgio (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. SP: Editora
Revista dos Tribunais, 1989.
14
FREITAS, Marcos César de. História, Antropologia e Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 2000.
15
COUTO, Diana (org.). Trajetórias Liberais e Radicais pela Educação Pública (1920-1994). São Paulo:
Loyola, 2002.
18
Esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo nos dedicamos
à apresentação do CBPE, seus principais participantes, sua divisão administrativa e as
pesquisas desenvolvidas no interior da agência. De certa forma, retomamos as
discussões de Xavier; contudo, não detalhamos a história institucional da agência, nem
estamos preocupados com a organização de cada setor e suas disputas internas, mas
apresentamos a agência a partir de questões predefinidas. Essa opção metodológica nos
possibilita observar a agência através das propostas políticas veiculadas, analisando a
organização do Centro como um cenário capaz de evidenciar as posturas estratégicas
adotadas por aqueles intelectuais. Neste capítulo, ressaltamos a importância do
planejamento como estratégia para a organização do Estado.
O segundo capítulo é dedicado às propostas políticas veiculadas pelo Centro.
Procuramos detalhar como os intelectuais educadores atuaram como elites
modernizantes propondo um projeto de organização do Estado, no qual as agências
teriam um papel fundamental na orientação das políticas públicas e um projeto de nação
onde o desenvolvimento social dependia de reformas estruturais para a inserção da
população brasileira no Brasil moderno”. Ainda no capítulo, buscamos compreender o
alinhamento com as diretrizes propostas pelas organizações internacionais como
estratégias de inserção dos intelectuais no espaço político, cujo efeito estaria na
identificação desse grupo com as propostas modernizadoras do pós-guerra.
O terceiro capítulo trata das relações estabelecidas entre os intelectuais e o
poder, ressaltando o papel da imprensa como divulgadora dos debates políticos daquele
período. Buscamos compreender como esses homens buscaram na mobilização da
opinião pública o apoio necessário para atuarem nas disputas pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, sancionada em 1961. A imprensa atuou como o principal
palco dos debates políticos, promovendo inquéritos, publicando mensagens de apoio,
tornando-se o mediador dos confrontos e insultos de ambos os lados. Por fim,
apresentamos nossa análise sobre o esvaziamento do CBPE, ratificando nossa hipótese
de que o CBPE foi uma estratégia de inserção política abandonada à medida que outros
espaços de poder foram suscitando a atuação direta desses intelectuais.
Na conclusão, retomamos as principais questões da dissertação reavaliando
nossas hipóteses e apresentando alguns temas possíveis de serem discutidos em outro
momento.
19
CAPÍTULO II
Desenvolver a nação: a Educação como projeto político
“Em política A minha crença política definitivamente se
inclinou para os regimes descentralizados, facilitadores do
florescimento das energias individuais, e das iniciativas
pessoais e que garantam uma exata classificação social.
Regime livre e justo. Livre, no sentido de não se coibir, de
nenhuma sorte, o desenvolvimento do indivíduo e da
família; justo, no sentido de criar uma atmosfera onde os
quadros sociais se instalem com sentido do merecimento e
do valor. Justo, no sentido de permitir as aristocracias. Não
pareça que isto dito como está, coisa simples e realizada.
Estamos longe disto. Temos, de alguma sorte, liberdade.
Mas, essa liberdade sofre algumas restrições sérias”.
Anísio Teixeira
16
Os intelectuais da educação, ligados inicialmente às oligarquias modernizantes
estaduais, promoveram diversas reformas nos estados brasileiros desenvolvendo
políticas locais de expansão e desenvolvimento da rede de ensino em seus respectivos
estados. Foram eles, Anísio Teixeira (Bahia), Fernando de Azevedo (Distrito Federal e
São Paulo), Carneiro Leão (Minas Gerais), Lourenço Filho (Ceará) etc. Essas reformas,
promovidas em todo o país, abriram espaço para a formação de grupos experientes no
cotidiano político-administrativo e que passaram a solicitar uma reforma educacional
que abrangesse todo o território nacional sob a égide do governo central. Os
reformadores, até então, restritos às órbitas estaduais começavam a pressionar o
governo federal na tentativa de organizarem um amplo programa de (re)construção do
sistema educacional – da alfabetização à universidade.
No mesmo período, fundava-se no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de
Educação, cujo objetivo era atuar como um órgão privado de formação de opinião que
auxiliasse o Estado na elaboração das políticas públicas educacionais, seguindo os
moldes da agência norte-americana National Education Association. Assim, as décadas
de 1920 e 1930 foram marcadas por diversas ações de valorização da Educação,
mobilizando o debate entre os intelectuais pela elaboração de modelos educacionais
16
TEIXEIRA, Anísio. Anotações de viagem aos Estados Unidos. Navio Pan American: 1927 50p. p. 7
Arquivo Anísio Teixeira, FGV/CPDOC
20
capazes de responder às demandas produzidas pelo crescimento das cidades e da
industrialização. Como afirma Sônia Camara,
“A reorganização das Diretorias de Instrução Pública no nível dos
Estados, a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), a
presença marcante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a
organização das Conferências Nacionais de Educação, a
implementação das Universidades, e de outras instituições,
configuraram-se desde os anos 20 como estratégias capazes de
estabelecer as bases da renovação educacional do país”.
17
Consideramos que além de promoverem a reconstrução educacional, a criação
de organizações dedicadas à formulação de propostas para a esfera cultural atuou como
um canalizador das pretensões políticas dos grupos renovadores. Essas diversas ações
em torno da causa educacional envolveram intelectuais de várias correntes de
pensamento que tinham como objetivo principal a “organização nacional pela
organização da cultura”.
18
Para esses intelectuais era preciso especificar os problemas
educacionais, debatê-los e orientar a solução dos seus problemas. A criação de inúmeras
instituições dedicadas prioritariamente aos aspectos educacionais durante o período de
1920 a 1964, como a Associação Brasileira de Educação (ABE), o Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP), o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE),
entre outras, garantiram a formação de um nicho intelectual com trânsito na esfera
política e com alto poder de mobilização da opinião pública. Além disso, possibilitaram
a construção da figura do técnico como personagem apolítico, baseado em meios
científicos e racionais para apontar diagnósticos e intervir nos problemas pedagógicos.
Os intelectuais acreditavam na educação como o principal veículo difusor de
determinados valores e concepções, direcionando as diretrizes sociais. Por isso,
definiram a educação como a mais importante instituição social, capaz de romper com
os arcaísmos existentes na sociedade brasileira. Essa valorização do espaço educacional
atravessaria o século XX e foi definida por Jorge Nagle como “entusiasmo pela
17
CAMARA, Sônia. "Progredir ou Desaparecer:" O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932
como itinerário para a construção do Brasil moderno. In: MAGALDI, Ana Maria e GONDRA, José G. A
reorganização do campo educacional no Brasil: manifestações, manifestos e manifestantes. Rio de
Janeiro: 7 letras, 2003. pp. 29-44 p.32
18
Lourenço Filho utilizou a expressão no discurso de abertura da VII Conferência Nacional de Educação.
21
educação”. Para o autor, a crença generalizada na educação como solução dos
problemas políticos e sociais do país foi articulada à noção de que era preciso definir
um tipo de educação, a Educação Nova, em correspondência com a “nova sociedade”
almejada, o chamado “otimismo pedagógico”. A valorização de um tipo específico de
modelo educacional tornava-se central nas discussões sobre qual projeto deveria ser
implementado no país, indicando a concepção de parte das elites brasileiras na
idealização da educação como regeneradora da sociedade.
19
Jorge Nagle afirma que os educadores profissionais retiraram a questão
educacional da esfera política, limitando-a ao campo pedagógico, esvaziando os debates
educacionais das disputas ideológicas existentes até a década de 1920. Para Nagle,
“Até o final da Primeira República, a educação era tratada dentro
de um amplo programa político estando inserida em uma corrente
de pensamento ou movimento. Com os educadores profissionais os
problemas escolares são pensados em si, como problemas
pedagógicos”.
20
Entretanto, essa “tecnificação” do campo cultural não significou a despolitização
das intervenções dos “profissionais da educação”, tal como propõe Nagle; ao contrário,
os intelectuais envolvidos nesses debates construíram projetos que ultrapassavam o
âmbito educacional e pretendiam intervir nos diversos aspectos sociais, a partir da
orientação nas políticas sociais. nas propostas desses intelectuais paradigmas de
intervenção social que expressam projetos para a organização da sociedade, como
demonstra Marta Carvalho, ao afirmar que a educação passou a condensar um sem
número de expectativas de controle e de organização social, política e econômica”.
21
A autora analisa os intelectuais nucleados na Associação Brasileira de Educação
na década de 1920 demonstrando como as propostas veiculadas pela associação estavam
inseridas na construção da nacionalidade e no paradigma da fábrica, através da
valorização cívico-nacionalista. Seguindo, a linha teórica desenvolvida por Carlos
19
NAGLE, Jorge. Educação na primeira República. In: FAUSTO, Bóris (org.). História Geral da
Civilização Brasileira, Vol. III, t. 2, Coleção - O Brasil Republicano, Rio de janeiro: DIFEL, 1977, pp.
261-291.
20
Idem. p. 270
21
CARVALHO, Marta Maria Chagas. Molde Nacional e Fôrma Cívica. Bragança Paulista: Edusf, 1998.
p. 136. Ver NUNES, Clarice. O Estado Novo e o debate educacional nos anos trinta. In: FREITAS,
Marcos César de. Memória Intelectual da Educação brasileira. Bragança Paulista, EDUSF, 1999. p. 34
pp. 33-43
22
Monarcha
22
, Marta Carvalho investiga como os intelectuais da ABE pressupunham que
a organização social deveria seguir o modelo fordista. Os elementos racionalizadores da
fábrica deveriam impregnar a vida urbana, transformando as “massas amorfas” em
trabalhadores disciplinados e qualificados para o desempenho das atividades industriais.
Nos aproximamos do trabalho de Monarcha, quando este propõe a relação entre
os educadores profissionais e a consolidação da lógica burguesa de organização e
desenvolvimento da sociedade. Contudo, o modelo da fábrica desenvolvido pelo autor
simplifica o agenciamento político dos intelectuais dedicados a modernizar o país por
meio da educação, reduzindo a ação desses homens às relações entre grupos dominantes
e dominados. A preparação da população urbana para o exercício das tarefas industriais
e das novas ocupações geradas pelo processo de industrialização, sem dúvida, seria uma
função da nova escola. Entretanto, a formação de mão-de-obra especializada e a
instituição de novos mecanismos de organização escolar não reduziram os debates
políticos em torno da educação e as inter-relações entre os intelectuais e o Estado à
inserção do modelo fordista na organização social via educação. Assim, acreditamos
que o modelo da fábrica não pode ser concebido como o modelo de organização social
proposto, sendo apenas um subproduto do projeto defendido pelos educadores
profissionais. Utilizamos um trecho de um discurso do diretor da Divisão de Estudos e
Pesquisas Educacionais do CBPE Jayme de Abreu para comprovar nossa hipótese,
“Se o papel da educação no desenvolvimento econômico se torna mais
nitidamente perceptível no que concerne a mão-de-obra profissional e
técnica, é também importante sua influência na invenção tecnológica,
no espírito de inovação, na aptidão empresarial, na elevação dos
padrões de consumo, na promoção da adaptabilidade a mudanças
econômicas e tecnológicas, como ainda da participação ativa dos
diferentes setores sociais nas tarefas do desenvolvimento”.
23
O problema educacional brasileiro não se limitava às questões de cunho
pedagógico, envolvendo também a reformulação das esferas políticas, econômicas e
sociais. À educação caberia a formação da nacionalidade, do novo homem e da nova
22
MONARCHA, Carlos. A reinvenção da cidade e da multidão: dimensões da modernidade brasileira: a
escola nova. São Paulo: Cortez, 1990.
23
ABREU, Jayme. “A escola como agente da mudança social”. in: Revista de Educação e Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: INEP, vol. VI, n° 12, outubro-dezembro, 1959. P. 45
23
sociedade, a unificação cultural do país, a valorização do trabalho, a implementação da
ordem, o desenvolvimento econômico, a formação do espírito público, a difusão dos
ideais democráticos, a consolidação da sociedade moderna etc. Todos esses ideais
funcionavam como slogans que garantiam à educação o papel de formadora do futuro
da nação e regeneradora do seu passado.
24
A necessidade de desenvolver a nação a partir dos ideais modernizadores
difundidos no pós-guerra foi associada ao projeto político desses intelectuais. A idéia de
nação caracteriza-se por uma representação construída pelo Estado que busca criar o
sentimento de pertencer a uma comunidade, a “comunidade imaginada” de Anderson.
Isso significa que a noção de nação precisa se adaptar aos diversos momentos históricos
para se manter legítima e atender “as diferentes exigências da razão de Estado”.
25
Durante a cada de 1950, vários países ocidentais ainda precisavam construir uma
nação pautada nos valores democráticos dos Estados ocidentais desenvolvidos.
26
A proposta deste capítulo é discutir qual o projeto político defendido pelos
intelectuais do CBPE, ressaltando como as ações desses intelectuais e as relações
estabelecidas com o poder apontam para uma proposta de cunho reformista que visava
construir um modelo social pautado nas premissas modernizadoras vigentes nas décadas
de 1950 e 1960 e consolidar sua atuação como elites modernizantes no aparelho estatal.
Nossa hipótese é que o projeto desenvolvido por esse grupo previa a edificação
dos ideais civilizatórios na sociedade brasileira transfigurado no ideal de modernização
que passou a prevalecer após a guerra, legitimando a atuação desses homens na
cúpula do poder e favorecendo a ação dessas elites modernizadoras, que sob o discurso
da defesa dos interesses da nação e da necessidade de superar o subdesenvolvimento
tentavam consolidar sua posição no direcionamento político do país a partir do Estado.
Com o fim do Estado Novo os intelectuais proclamavam a defesa da liberdade
de expressão e a autonomia frente ao Estado. A bandeira política defendida seria em
prol da modernização econômica e tecnológica. Os governos PSD-PTB (Dutra, Vargas
e Kubitschek) assumem a função de modernizar o país mantendo o processo de
24
CARVALHO, Marta. Op.cit. p. 168
25
ROSSOLILLO, Francisco. Nação. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. 4 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. pp. 795-799.
Sobre a questão da nação, ver: BENEDICT, Anderson. Imagined Communities. Nova York: Verso, 2000;
CROSSMAN, R. H. S. Biografía del Estado Moderno. México: Fondo de Cultura Econômico, 1992;
CHABOD, Frederico. La Idea de nación. México: Fondo de Cultura Econômico, 1997; HOBSBAWM,
Eric J. Nações e Nacionalismos desde 1870: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1998.
26
SMITH, Antony D. Criação do Estado e Construção da nação. In: HALL, John. (org.) Os Estados na
História. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
24
produção capitalista vigente. O ideal de modernização, fortemente veiculado após a
Segunda Guerra Mundial, era concebido como processo de mudança pelo qual os
“países periféricos” passariam para alcançar o desenvolvimento tecnológico e social dos
“países centrais”. Enquanto o modelo social baseado nas estruturas agrárias era definido
como tradicional e arcaico, as sociedades organizadas a partir da industrialização e
urbanização eram identificadas com a modernidade. A modernização era vista como um
processo inevitável e linear de desenvolvimento dos “países periféricos” baseada nos
paradigmas dos países centrais. Tal compreensão, parte do pressuposto que todas as
sociedades são capazes de alcançar o desenvolvimento político, econômico e social
desde que orientadas pelos mecanismos de organização social dos países centrais e
identifiquem as variáveis institucionais necessárias ao processo de desenvolvimento
capitalista.
27
A atuação de novos grupos no poder ocorreu a partir de lutas por controle do
espaço político e foi marcada por movimentos construídos durante o conflito. Dessa
forma, a luta política em torno da educação obrigou os atores envolvidos a tecerem
alianças e a promoverem discursos muitas vezes radicalizados pelo próprio jogo
político. Partimos do pressuposto de que o CBPE atuou como lugar de produção de
sentidos, agindo como cenário legitimador dos discursos de seus principais agentes.
Assim, consideramos que as disputas educacionais daquele período, polarizadas entre os
participantes do CBPE e o grupo católico, são disputas pela orientação de propostas
políticas que demarcavam o posicionamento de uma nova elite, acentuando a
necessidade da adoção de mecanismos capazes de superar o subdesenvolvimento
brasileiro uma vez que a educação era considerada pelas facções das elites como pilar
organizacional do país.
Para os intelectuais modernizadores do CBPE, o aparelho educacional não seria
organizado através apenas de decisões políticas e sim do aperfeiçoamento das técnicas
de intervenção e organização do sistema. O processo político era valorizado na medida
em que adotava os modelos institucionais propostos pelos “órgãos de inteligência”. Por
outro lado, criava-se uma visão negativa das negociações políticas, identificadas com
interesses privados e elitistas. Defensores do pensamento liberal não propuseram a
27
Sobre o conceito de modernização e suas múltiplas concepções ver: LARRAIN, Jorge. Modernização.
In: OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 477-479 e PASQUINO, Giafrano. Modernização. BOBBIO, Norberto,
MATTEUCCI e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1995. p. 769-776.
25
supressão dos mecanismos representativos e das disputas partidárias, como os
representantes do pensamento político-autoritário; entretanto, compartilhavam do ideal
da opção técnica como ato de consolidação do espírito público. O projeto do CBPE era
baseado no papel da educação para a reconstrução social. A promoção da igualdade na
sociedade liberal ocorreria através do sistema de ensino.
28
1.0 – “Precisamos de uma elite técnico-científica”
A frase de Anísio Teixeira, pronunciada durante uma entrevista ao jornal Diário
de Minas, em 1958, remete a duas questões centrais que permeavam o INEP durante a
administração do educador: a formação de profissionais dedicados à educação e o
preparo de jovens para o exercício de funções nos setores industriais e de serviços. O
CBPE promoveu convênios e cursos de especialização para o aperfeiçoamento dos
quadros profissionais e criou escolas-experimentais para atender jovens carentes. A
Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais (DEPES) e a Divisão de Aperfeiçoamento
do Magistério (DAM) foram os responsáveis pela realização dos cursos e o
funcionamento das escolas.
A Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais (DEPES), sob direção de Jayme
de Abreu, tinha como função a realização de inquéritos e levantamentos sobre todos
níveis e os ramos do ensino, além da elaboração de cursos destinados à formação de
especialistas em educação. As atividades dessa divisão foram registradas na sessão
“Noticiário” da “Revista Educação e Ciências Sociais” e demonstram as principais
realizações da DEPES, que em geral, resumiu-se a levantamentos quantitativos e
inquéritos sobre a situação educacional de alguns estados da federação. A DEPES
realizava grandes inquéritos sobre o sistema educacional de cada estado ou município e
enviava os dados aos representantes de cada secretaria, anexando algumas propostas e
sugestões, realizando levantamentos nos estados do Ceará e de São Paulo.
A Divisão ficou encarregada de preparar materiais didáticos, livros, textos-guias
e de seu envio aos diretores e professores do sistema público de ensino. Alguns estudos
foram realizados para o preparo desses materiais como no CRPE/RS e no CRPE/SP.
Para elaborar os materiais de ensino, Fernando de Azevedo, entrou em contato com o
28
Sobre o projeto educacional no pensamento liberal e seus mecanismos de manutenção da exclusão ver:
CUNHA, Luis Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1979. 4ª edição, p. 60
26
Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura (IBECC), ligado à UNESCO, que
funcionava no interior do Ministério das Relações Exteriores. Na prática, as
dificuldades orçamentárias só viabilizaram a publicação de alguns livros-guias. A
formulação dos objetivos e finalidades da Divisão estava alinhada com a idéia de
pesquisas educacional defendida por Anísio Teixeira:
“A minha idéia de pesquisa educacional , além de compreender tudo
que é realmente pesquisa, incluiria algo de mais geral, que devia
transmitir a todo o sistema escolar, da classe à sala do diretor, a idéia
de que todo o imenso aparelho é um aparelho de coleta e registro de
fatos; que tais fatos constituem a matéria-prima para a pesquisa; e que
portanto, se forem melhoradas as formas de registro de fatos e os
mesmos se fizerem cumulativos - na escola e na classe se encontrará
sempre um material abundantíssimo para o estudo dos alunos, dos
métodos e do conteúdo de ensino.”
29
A DEPES exerceu um importante papel no interior da agência na formação de
quadros especializados em educação. Formaram-se convênios com a UNESCO para o
envio de bolsistas ao exterior, especialmente, aos Estados Unidos. A vinda de técnicos
norte-americanos ao Brasil também possibilitou a elaboração de cursos no próprio
INEP. Para Anísio Teixeira a realização desses cursos e as trocas de pessoal técnico
possibilitariam a criação de um staff para o Centro.
As escolas experimentais ficavam a cargo da Divisão de Aperfeiçoamento do
Magistério (DAM), sob coordenação de Lúcia Marques Pinheiro, sendo os objetivos
principais a formação de professores e o desenvolvimento de métodos de ensino-
aprendizagem, promovendo cursos e pesquisas sobre metodologia de ensino,
administração escolar e orientação escolar, entre outros. A intenção de Anísio Teixeira
era construir e equipar escolas que pudessem atuar como colégios de aplicação e
experimentação de novas técnicas e formas de ensino. Na prática, foram criadas apenas
duas escolas experimentais: O Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador,
dirigido por Carmem Spínola Teixeira, irmã do educador, e a Escola Guatemala, no Rio
de Janeiro. Ambas estavam sob responsabilidade da DAM, e deveriam desenvolver o
29
TEIXEIRA, Anísio. Carta enviada por Anísio Teixeira a Fernando de Azevedo em 24 de outubro de
1956. In: VIDAL, Diana. (org.). op.cit. p. 90
27
modelo escolar a ser implementado em todo o país. O Centro Educacional Carneiro
Ribeiro chegou a orientar quatro mil jovens por mês, dos quais oitocentos e quarenta
estavam regularmente matriculados, oferecendo uma série de cursos cnicos no intuito
de preparar jovens sem recursos para o mercado de trabalho.
30
O projeto educacional desenvolvido no CBPE visava habilitar a população para
exercer os novos cargos técnicos surgidos com o processo de industrialização. Os
principais intelectuais do Centro acreditavam que o ensino técnico e científico era a
melhor opção para a educação popular, logo, os investimentos públicos deveriam ser
centralizados em prol desse tipo de ensino. O ensino puramente humanístico era
identificado com os setores tradicionais da sociedade brasileira, sendo esse tipo de
educação considerado elitista, ostentatório e de pouca relevância para as sociedades
urbano-industriais.
“Mas, de nada menos, repito, precisamos em nossa época, para
ficarmos à altura das imposições que o progresso técnico e científico
nos está a impor. Queiramos, ou não queiramos, vamo-nos transformar
de uma sociedade primitiva em uma sociedade moderna e técnica. Os
habitantes deste bairro da Liberdade deixam um estágio anterior aos
tempos bíblicos de agricultura e vida primitiva para imergirem em
pleno báratro do culo vinte. Ou organizamos para eles instituições
capazes de lhes preparar os filhos para o nosso tempo, ou a sua intrusão
na ordem atual terão o caráter das intrusões geológicas que subvertem e
desagregam a ordem existente. O problema da educação é, por
excelência, o problema de ordem e de paz no País. Daí, as linhas
aparentemente exageradas em que o estamos planejando”.
31
As escolas funcionavam como grandes coletores de dados estatísticos e
qualitativos. Os alunos e professores respondiam a minuciosos questionários fornecendo
material primário para a realização das pesquisas desenvolvidas pelo CBPE. Foram
elaborados censos sobre as condições sócio-econômicas dos estudantes, as perspectivas
das famílias sobre a escola e o futuro dos filhos, comportamento dos alunos em aula,
30
Para uma compreensão mais detalhada da DEPES e da DAM, assim, como o relacionamento desses
departamentos com a DEPS ver: XAVIER, Libânia. Op. Cit. p. 109
31
TEIXEIRA, Anísio. “Centro Educacional Carneiro Ribeiro”. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.31, n.73, jan./mar. 1959. p.78-84. p. 84
28
além da publicação dos diários de classe dos professores uma média de cento e dez
páginas descrevendo minuciosamente o cotidiano escolar.
O levantamento e o armazenamento de grande quantidade de dados e
informações foi considerado fundamental para o conhecimento prévio das condições
onde se pretendia intervir. A tentativa de diagnosticar e medir as variáveis que
interferem no sistema escolar era vislumbrada como possibilidade de agir eficazmente
no plano educacional. Assim, a solução do problema educacional dependia
eminentemente da adequação das técnicas e dos métodos; da renovação do material de
ensino; da organização escolar; da experimentação de recursos etc. Era a intervenção
racional e técnica que produziria um sistema escolar adequado às novas exigências
sociais.
No âmbito político, a agência defendia a modernização do ensino como fator de
consolidação da democracia, da igualdade e da paz social. Esses agentes acreditavam
que a modernização seria realizada através de mecanismos técnicos, da capacidade do
Estado em promover pesquisas capazes de dominar plenamente todos os setores que
envolvem o aparelho educacional, prevendo os resultados produzidos por cada fase de
intervenção. Para eles, a primazia da ação intencional, previamente elaborada e o
conhecimento das etapas a serem atingidas permitiriam aos técnicos atuarem como
agentes da “mudança cultural provocada”.
A Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais, em articulação com a Divisão
de Aperfeiçoamento do Magistério, realizou cinco “Cursos de Formação de
Especialistas em Educação”, entre 1958 e 1963, organizados e patrocinados pela
UNESCO através de um convênio entre a agência internacional, o Centro Regional de
Pesquisas Educacionais/SP e a USP que previa o financiamento dos cursos nos
próximos dez anos. Os cursos foram realizados no próprio CRPE/SP com a duração de
dez meses, recebendo aproximadamente trinta estudantes oriundos de vários estados
brasileiros e de alguns países da América Latina. Para os representantes da UNESCO os
cursos funcionariam como formador de especialistas para todos os países latino-
americanos. A agência financiou a vinda de vários bolsistas latino-americanos
dedicados à educação para estudar no CRPE/SP. O primeiro curso oferecido em 1958
contou com a colaboração de técnicos enviados pela UNESCO para ministrarem
algumas das disciplinas oferecidas.
Durante o discurso de inauguração do terceiro curso de especialistas, Anísio
Teixeira apontava a necessidade de capacitar os profissionais de educação para
29
exercerem o novo papel imposto à educação decorrente do crescimento da demanda
social pelo ensino e pela necessidade de formação de uma mão-de-obra especializada.
Para ele, essas duas mudanças no setor educacional foram determinantes para a criação
do curso:
“Ora, nós temos que, (...) alargar a educação a todos e transformar
essa educação fundamentalmente em uma educação de base
tecnológica, base científica, capaz de tornar o brasileiro tão produtivo
quanto qualquer outro cidadão dos chamados países desenvolvidos.
Ora, os problemas dessa natureza jamais poderão se desenvolver ao
sabor das circunstâncias, por acaso, por acidente, por melhoramento
acidental. Tem que ser filho de um melhoramento planejado, buscado,
organizado e temos que fazer isso em uma sociedade cheia de resíduos
feudais, cheia de resíduos patriarcais, cheias de resistências
verdadeiras a essas formas novas de trabalho (...)”.
32
A realização dos cursos, das escolas-experimentais, dos convênios com
organismos internacionais estava alinhada ao projeto de reestruturação do sistema
educacional desenvolvido no interior do CBPE. A preparação de profissionais,
especialmente, aqueles dedicados ao ensino primário, e o desenvolvimento de escolas a
partir de pesquisas científicas eram concebidos como os fatores essenciais para ajustar o
setor educacional às mudanças sociais.
2.0 - O livro do ano: “Educação não é privilégio”
Em meio às atribuições político-burocráticas provocadas pelo acúmulo de
cargos no MEC, o educador Anísio Teixeira, em 1957, lançava seu mais recente livro,
Educação não é privilégio, corroborando a sua tese sobre a necessidade de educar a
população para efetiva democratização e modernização do país. A obra foi comentada,
resenhada e debatida em dezenas de periódicos do país. Entre o período de junho a
dezembro de 1957 observamos vinte quatro artigos dedicados ao livro. O próprio
educador tinha um hábito intelectual curioso: suas principais obras foram escritas e
32
TEIXEIRA, Anísio. Discurso Proferido na inauguração do terceiro curso de especialistas da
educação. São Paulo, 12 de março de 1962. p. 6. FGV/CPDOC, Arquivo Anísio Teixeira. At 52,04,02.
30
publicadas nos períodos em que esteve envolvido nos debates políticos, especialmente,
quando ocupava cargos de destaque na esfera pública. No período em que esteve fora
dos debates políticos (1937-1945) não verificamos a publicação de nenhum trabalho.
Suas correspondências privadas revelam a consciente inércia intelectual do educador
durante seu exílio político na Bahia:
“Meu querido Fernando três meses de silêncio, três meses que
passei afastados de Vocês, afastado da educação, afastado de
qualquer vida intelectual e imerso em uma vaga iniciação
comercial!... Por isso não lhe escrevi: não tinha espírito para
correspondência como temos entre nós. Talvez mesmo não faltasse
também um incerto sentimento de culpa, de infidelidade para com
as velhas vocações e compromissos. Sinto com efeito que eu vou
sendo arrastado para setores completamente diversos dos em que
batalhei e vivi até hoje. E que não resisto devidamente.”
33
Com o retorno de Anísio Teixeira para os quadros burocráticos, em 1947,
observamos a retomada de sua produção intelectual que perduraria até o início da
ditadura militar. Neste segundo período de atuação política e produção intelectual, o
livro Educação não é privilégio foi sua obra mais marcante e mobilizou diversas ações
de grupos envolvidos com a questão educacional. O livro, fruto de duas conferências,
uma realizada na Fundação Getúlio Vargas, em 1953, e a outra no Primeiro Congresso
de Educação Primária, em Ribeirão Preto, em 1956, analisava a situação educacional
brasileira, salientando a dualidade do sistema de ensino e seus aspectos autoritários. Em
contrapartida, propunha o fim deste dualismo e a descentralização do sistema de ensino
para formação do homem comum e consolidação da democracia.
34
A proposta do educador era demonstrar que a democracia só seria possível
quando fossem eliminados do sistema educacional brasileiro os seus aspectos elitistas,
com a criação de um modelo escolar único que não fosse diferenciado com base na
33
TEIXEIRA, ANÍSIO. Correspondência enviada a Fernando de Azevedo. Bahia, 15 de novembro de
1939. In: VIDAL, Diana Gonçalves. op.cit. p. 40
34
O ESTADO DE SÃO PAULO. Educação não é privilégio. O Estado de São Paulo. São Paulo, 6 jul.
1957.
31
divisão de classes, mas que permanecesse diferente quanto as necessidades socio-
econômicas e culturais de cada região do país.
No que tange à organização do sistema educacional reiterava seu apoio à
implementação da escola primária de seis anos, uma escola média de sete ou cinco anos
e o nível superior. Além disso, previa a equiparação dos diplomas das escolas técnicas
com os das escolas secundárias (estas últimas que habilitavam o ingresso do ensino
superior e eram geralmente freqüentadas por filhos da classe média e das elites). Em
contrapartida, se opunha aos programas de alfabetização de adultos e aos cursos breves.
Apesar do caráter ensaísta do livro, o educador utilizou centenas de dados estatísticos na
tentativa de demonstrar ao leitor a veracidade de sua tese, ressaltando a crise
educacional vivida naquele período.
O livro propôs ser um retrato da ineficiência do sistema de ensino e incluía uma
denúncia sobre o funcionamento do sistema político do país, alargando seus horizontes
de debate e apontando o problema educacional como reflexo de uma questão política
que considerava fundamental: o sentido antidemocrático das instituições brasileiras.
Para o educador era necessária uma mudança na política educacional e na forma de
administrar o sistema de ensino através da participação ativa dos estados e municípios
da federação.
Na primeira parte do livro, o educador focalizou seu argumento na educação
para a formação do homem comum, explicitando como o sistema educacional brasileiro
deveria ser organizado para valorizar o trabalho e a cultura urbana dentro das premissas
burguesas consideradas pelo educador como as aspirações modernas das sociedades
ocidentais. Para ele, a escola universal, gratuita e dedicada à formação de toda a
população era um ideal estabelecido durante a Revolução Francesa e expressava uma
nova compreensão da organização social, que tinha como objetivo central o fim da
sociedade de estamento e o princípio do ideal da promoção da igualdade de
oportunidades.
“Quando, na Convenção Francesa, se formulou o ideal de uma
educação escolar para todos os cidadãos, não se pensava tanto em
universalizar a escola existente, mas uma nova concepção de
sociedade em que privilégios de classe, de dinheiro e de herança
32
não existissem, e o indivíduo pudesse buscar pela escola sua
posição na vida social”.
35
Ao enfatizar o modelo de educação pública e universal como parte indispensável
da sociedade moderna, o educador se contrapõe ao ideal preconizado pelos
representantes católicos acusando-os de permanecerem na defesa da educação realizada
durante a Idade Média, enfatizando o caráter estático da sociedade medieval e
denunciando o arcaísmo do conhecimento dualista. Para Anísio Teixeira, o mundo
moderno, marcado pela revolução científica e pela hegemonia do ideário burguês,
eliminou as estruturas estáticas e dualistas da sociedade através do conhecimento
experimental e do trabalho livre, criando mecanismos de libertação do homem das
“castas sociais”. A escola teria papel fundamental nesse processo ao se tornar uma
agência de formação do homem comum, ou seja, “dos trabalhadores comuns, dos
trabalhadores qualificados, dos trabalhadores especializados em técnicas de toda ordem
e dos trabalhadores da ciência nos seus aspectos de pesquisa, teoria e tecnologia”.
36
A questão da formação do homem comum passava pela idéia de valorização do
trabalho e tem destaque dentro do pensamento anisiano: não se tratava de formar pura e
simplesmente o operário para a fábrica, mas de garantir a valorização geral do mundo
do trabalho, eliminando da sociedade brasileira a desqualificação do trabalho manual
provocado por séculos de escravidão e garantindo a implementação dos valores
modernos. Dentro dessa lógica, era necessária a substituição do ensino verbalístico e
oral pelo ensino de caráter prático, florescente com a vida urbana e industrial. A cultura
geral seria a última etapa de especialização do conhecimento, restrita aqueles que
prosseguissem nos estudos superiores e, portanto, estivessem habilitados
intelectualmente para compreender a generalidade dos conhecimentos filosóficos. No
Brasil, o que ele observava era a função da escola como instrumento de formação de
classes privilegiadas que rejeitavam o trabalho manual e buscavam na educação uma
possível ilustração para uma “vida mais fácil”. Anísio Teixeira rejeitava a tradição
35
TEIXEIRA, Anísio. “Educação para a formação comum do Homem”. O artigo foi apresentando como
conferência na FGV em 1953 e publicado como a primeira parte do livro "Educação não é privilégio",
cuja primeira edição data de 1956. In: TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro:
Edufrj, 1999. 6ª edição. p. 40
36
idem. p. 45
33
existente no país no qual “ser educado escolarmente significa, no Brasil, não ser
operário, não ser membro das classes trabalhadoras”.
37
Essa percepção do uso da educação para formação de elites ilustradas vai ser
associada à idéia de privilégio educacional e será condenada por Anísio Teixeira e os
integrantes do CBPE. O significado do privilégio era manter a instituição escolar como
suporte para a formação de bacharéis e fomentar as vantagens da elite sobre a massa
inculta. Rebelando-se contra esse modelo, o educador enfatiza que o papel da educação
nos tempos modernos tem como objetivo a emancipação do homem comum pelo
trabalho, cuja intenção era preparar o homem para pertencer a qualquer classe de acordo
com seu mérito e sua capacidade inata.
Em sua denúncia sobre a formação excessiva de quadros para os cargos de nível
superior, o educador ratifica a idéia de que no Brasil uma predisposição para a
educação voltada às elites, denunciando um retrato arcaico resistente nas estruturas
sociais brasileiras. Para Anísio, era preciso investir na formação de quadros para as
diversas ocupações presentes na sociedade moderna, criando condições para o
surgimento do trabalhador nacional capaz de compreender e fortalecer as instituições
democráticas. Dessa forma, a educação caberia a função de “criar hábitos de fazer,
pensar, trabalhar, sentir e conviver dentro dos parâmetros sociais modernos”.
Essa valorização do trabalho vinha sendo promovida pelo Estado brasileiro desde
as décadas de 1930 e 1940, especialmente, durante o Estado Novo. Nesse período, todo
um discurso político foi organizado para fomentar a elaboração da imagem positiva do
“trabalhador nacional”. Ao lado disso, uma série de ações implementadas pelo Estado,
como a elaboração da legislação trabalhista, o desenvolvimento da medicina social
voltada para preservação física e psíquica do trabalhador e, claro, a educação voltada
para formação do trabalhador com a criação de escolas técnicas, foi indispensável para a
associação no campo das idéias políticas entre trabalho/riqueza e trabalho/cidadania. Os
grupos políticos e intelectuais do período analisavam a pobreza sob a ótica das
deficiências estruturais da sociedade brasileira, dentre as quais estavam as questões
educacionais.
38
Essa percepção seassociada à idéia da intervenção do poder público
na solução dos problemas detectados pelo diagnóstico preciso fornecido por cientistas,
técnicos e intelectuais. Como afirma Angela de Castro Gomes,
37
idem. p. 50
38
GOMES, Ângela Maria de Castro. “O trabalhador no Estado Novo”. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi,
VELLOSO, Mônica Pimenta e GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio
de Janeiro, Zahar, 1982 p. 150
34
“Promover o homem brasileiro e defender o progresso e a paz do país
eram objetivos que se unificavam em uma mesma e grande meta:
transformar o homem cidadão/trabalhador, responsável por sua riqueza
individual e também pela riqueza do conjunto da nação.”
39
A compreensão do trabalho como valor de produção de riquezas e emancipação
da nação de seu estado de subdesenvolvimento atravessou as instâncias governamentais,
os quadros burocráticos e os nichos intelectuais preocupados com a pobreza
considerada a principal causa dos problemas nacionais. Tal compreensão marcou todo o
período de 1930-1964.
Contudo, enquanto os intelectuais do Estado Novo preconizavam a valorização
do trabalho pela oposição à vadiagem e à malandragem supostamente presentes no seio
da população brasileira, o grupo de intelectuais no interior do CBPE irá exaltar o
trabalho em oposição à atitude das elites tradicionais que desqualificavam o trabalho
manual e mantinham a sociedade arraigada em valores aristocráticos e arcaicos não
condizentes com os novos valores modernos. A elaboração de um discurso de
valorização do trabalho associado à idéia de modernidade expõe a estratégia desses
intelectuais, ou seja, a clara demarcação dos lugares ocupados por cada elite, através da
oposição entre elites tradicionais e elites organicamente ligadas ao processo de
modernização do país.
A idéia-fato de valorização do trabalho foi utilizada pelos diversos agentes
políticos na realização de seus respectivos projetos, prevalecendo a defesa do Estado
Nacional voltado para a realização de uma política capaz de promover a justiça social
dentro da órbita da moderna política sócio-econômica do pós-guerra, ou seja, geradora
do bem comum e responsável pela preservação do Estado democrático. Como propõe
Angela de Castro Gomes,
“Só o trabalho esta idéia-fato pode constituir-se em medida de
avaliação do ‘valor social’ dos indivíduos e, por conseguinte, em
critério de justiça social. o trabalho pode ser um princípio
orientador das ações de um verdadeiro Estado democrático, isto é,
de um Estado ‘administrador do bem comum’. (...) A ascensão
39
idem. p. 152
35
social, principalmente em sua dimensão geracional, aponta o futuro
do homem como intrinsecamente ligado ao ‘trabalho honesto’, que
deve ser definitivamente despido de seu conteúdo negativo. O
trabalho é civilizador”.
40
A valorização do trabalho teria como seu complemento o bom uso do período
ocioso do trabalhador. Um estudo realizado pelo pesquisador do CBPE Ethel Bauzer de
Medeiros intitulado “O papel do educador no planejamento da recreação pública”
aponta para a necessidade do Estado de preparar o homem para o bom uso de suas horas
de lazer, aproveitando o tempo livre de forma saudável, ou seja, longe dos vícios
degeneradores da integridade do cidadão. Para ele, era preciso modificar nosso modus
vivendi”, orientando o trabalhador para a arte de viver. Esse papel também caberia ao
Estado e seria realizado através da educação, não bastando cuidar-lhe da preparação
para o trabalho, mas também ensinar as posturas e os valores a serem utilizados na vida
cotidiana.
“[A recreação] atingiu em nossos dias o ‘status’ de parte integrante
do processo educativo. Percebeu-se que não bastava aparelhar o
homem para ganhar a vida; era necessário prepará-lo para bem
vivê-la, educá-lo para que a arte de viver não degenerasse no
negócio de viver”.
41
As teses da liberal-democracia encontravam na dignificação do trabalho um
mecanismo de ascensão social e legitimação das diferenças sociais, medidas pela
capacidade individual de cada trabalhador. O valor social do trabalho será associado à
lógica fordista que apresentava a possível harmonia entre o homem e a máquina e
considerava o trabalhador o núcleo do modo de produção capitalista. O educador Anísio
Teixeira apontava para a necessidade da formação do trabalhador ideal, ou seja, capaz
de interagir com a máquina, implementar tecnologia e pensar soluções para as
limitações do seu próprio meio produtivo.
40
idem. p. 155
41
MEDEIROS, Ethel Bauzer. “Papel do educador no planejamento da recreação pública”. In: Revista
Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: INEP, vol. 9, n° 18, 1961. p. 73
36
“Nos dias de hoje, pela primeira vez, possibilidade para isto. A
automação virá acabar com o operariado antigo, com a chamada
‘mão-de-obra’; com as máquinas interligadas e complexas de hoje,
o operário não é ‘mão-de-obra’, mas ‘cabeça’ e ‘mente’ da obra.
(...) Neste dia é que o sentido e o espírito da orquestra se poderão
firmar no trabalho dividido, complexo e organizado do mundo de
hoje.”
42
O educador comparava a vida na fábrica e a relação homem-máquina a uma
orquestra. Assim, a divisão do trabalho no mundo moderno deveria funcionar como
uma orquestra caracterizada pela divisão perfeita e a ordem numa composição suprema
cujo objetivo era a eficiência na produção. Tal como os músicos de uma orquestra que
compreendem a composição e a importância das instruções dadas pelo maestro, todos os
trabalhadores deveriam sentir o “milagre do trabalho” que fragmentado pela lógica do
modelo fordista constituía um modo de produção “inteiriço, harmonioso e perfeito”.
43
O
Diretor do CRPE/MG, Abgar Renault ratifica a necessidade de articulação entre o
sistema educacional e o mundo da produção, apontando para a demanda por mão-de-
obra especializada gerada pela divisão do trabalho,
“A divisão do trabalho e a especialização das suas técnicas
demandam naturalmente operários especialistas. Mas como obter
tais operários sem a intervenção dos instrumentos do ensino
elementar e, em muitíssimos casos, do ensino do grau médio?
Como obter o aumento de produção, em quantidade e qualidade,
sem dispor de tais operários, em qualquer gênero de indústria,
ainda a agrária, cuja produção, sendo a base mais ampla de riqueza
nacional, atingiu 46,7% das nossas exportações em 1948, número
que representa 6,5% apenas do volume total da produção do país no
referido ano?”
44
42
TEIXEIRA, Anísio. Editorial. Revista Educação e Ciências Sociais. 15, 1960 p.6 e _________.
“Um grande esforço de toda a vida”. Boletim Informativo CAPES. Rio de Janeiro, n.96, nov. 1960. p.1-3.
43
TEIXEIRA, Anísio. Op.cit., 1960 p.5
44
RENAULT, ABGAR. A palavra e a ação. Belo Horizonte: Secretária da Educação do Estado de Minas
Gerais, 1952, p. 143. apud. PEIXOTO, Ana Maria Casasanta. Abgar Renault. In: FÁVERO, Maria de
Lourdes Albuquerque e BRITTO, Jader de Medeiros. Dicionário de Educadores no Brasil. Rio de
Janeiro, Edufrj, 2002. 2ª edição, pp. 27-34. p. 32
37
No plano prático, o CBPE apoiava a idéia da fundação de uma Universidade
Nacional do Trabalho. No dia 13 de maio de 1961 o presidente da República Jânio
Quadros criou a Comissão Executiva da Universidade Nacional do Trabalho que foi
instituída junto ao Gabinete Civil da Presidência da República. Essa comissão foi
constituída por onze membros tendo como participantes o representante da
Confederação Nacional da Indústria Roberto Simonsen Filho, Nylton Moreira Veloso
da Confederação Nacional do Comércio, Domingos Alvarez da Confederação Nacional
dos Trabalhadores da Indústria e Antônio Ribeiro da Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Comércio. Além desses nomes, participavam da Comissão o Diretor
da DEPS/CBPE Darcy Ribeiro e o pesquisador da DEPS/CBPE Juarez Brandão Lopes.
O objetivo da Universidade era preparar técnicos e assegurar aos trabalhadores
brasileiros a qualificação para os cargos do setor industrial e de serviços. Novamente,
observamos que o discurso do CBPE irá associar o trabalho à formação democrática do
operariado.
“(...) A educação, urge que se transforme em um instrumento de
formação democrática da classe operária e das camadas menos
favorecidas, ao invés de prosseguir incompreensível privilégio da
minoria de si bastante aquinhoada. Nesta ordem de idéias, o de
que precisa a nação, em matéria educacional, é uma vigorosa
ênfase no sentido da especialização técnica, sintonizada com aquela
necessidade básica, qual seja, preparar o trabalhador brasileiro para
liderar seu destino econômico”.
45
Em entrevista ao jornal Correio da Manhã, Anísio Teixeira corroborava sua tese
sobre a necessidade de descentralização do ensino, afirmando que o totalitarismo
burocrático do Estado Novo permanecia presente nas instituições brasileiras corroendo a
livre iniciativa, a liberdade dos professores e limitando as ações estaduais na área
educacional. Esse tipo de administração era considerado nocivo à formação de um
Estado plenamente democrático que resguardasse a liberdade individual e promovesse o
bem-estar social. Para o educador os critérios políticos e administrativos de formação de
uma vida nacional permaneciam dentro da órbita do poder da União, estabelecida pela
45
Documentação. Revista Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro, INEP, vol. 9 n.°18, p. 121
38
ditadura varguista. Dessa forma, qualquer política educacional não passava de uma
simulação, já que a ordem autoritária permanecia inalterada.
46
A segunda parte do livro reproduz o artigo de Anísio Teixeira “A escola pública,
universal e gratuita”, apresentado no Primeiro Congresso de Estadual de Educação de
São Paulo, realizado em 1957 na cidade de Ribeirão Preto. Neste artigo, o educador
concentrará suas teses defendendo a educação democrática como garantia de condições
iguais de ensino à população sendo esta a chave da formação do homem comum, que,
como já dissemos, por mérito e dedicação pessoal seria capaz de subir na escala social.
“As democracias, porém, sendo regimes de igualdade social e
povos unificados, isto é, com igualdade de direitos individuais e
sistemas de governo de sufrágio universal, não podem prescindir de
uma sólida educação comum, a ser dada na escola primária, (...),
destinada a preparar o cidadão nacional e o trabalhador ainda não
qualificado, e, além disto, estabelecer a base igualitária de
oportunidades, de onde irão partir todos, sem limitações
hereditárias ou quaisquer outras, para múltiplos e diversos tipos de
educação semi-especializada e especializada, ulteriores a educação
primária.”
47
Temos assim, o preceito básico do ideário liberal: se todos tiverem inicialmente
iguais condições teremos uma competição saudável, cujos melhores e mais dedicados
alcançaram os patamares mais elevados do tecido social. A escola pública, comum a
todos, seria o motor eficaz à promoção de reformas, extirpando todo e qualquer
movimento “violento” e “desordeiro” que pudesse perturbar as instituições sociais e
ameaçar o harmonioso convívio entre as classes.
Exatamente porque a sociedade é de classes é que se faz
necessário que as mesmas se encontrem em algum lugar comum,
onde os preconceitos e as diferenças não sejam levadas em conta e
46
CORREIO DA MANHÃ. “Simulação Educacional”. Correio da Manhã. Rio de
Janeiro, 22 e 23 out. 1957. Localização do documento: Fundação Getúlio
Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61
47
TEIXEIRA, Anísio. “A escola pública, universal e gratuita”. In: TEIXEIRA, Anísio. Educação não é
privilégio. Rio de Janeiro. Edurfj. 1999. p. 107
39
se crie a camaradagem e até a amizade entre os elementos de uma e
outra. Independente da sua qualidade profissional e técnica, a
escola tem assim, mais esta função de aproximação social e
destruição de preconceitos e prevenções. A escola pública não é
invenção socialista nem comunista, mas um daqueles singelos e
esquecidos postulados da sociedade capitalista e democrática do
século dezenove.”
48
O educador articulava o conceito de democracia às premissas liberais. O termo
democracia no discurso do educador traduzia as idéias básicas do liberalismo,
prevalecendo a noção da democracia como o melhor modelo político para o
funcionamento do Estado liberal. De acordo com a doutrina liberal, a noção de
igualdade aparece articulada a idéia de liberdade, ambas presentes nas normas
constitucionais que garantem a igualdade dos indivíduos perante a lei e a igualdade dos
direitos. As diferenças econômicas entre indivíduos seriam somente resultado da
capacidade/incapacidade individual de cada cidadão. Neste caso, o princípio de
igualdade é compreendido apenas como acesso dos indivíduos aos direitos
fundamentais estabelecidos pela Constituição, sem discriminações advindas de classes
sociais, credo religioso, raça, sexo etc. A democracia representativa aparece como
melhor forma de governo para a realização plena do Estado liberal, na medida que o
sufrágio universal garante aos indivíduos a participação igualitária na arena política.
49
O ideário liberal associado à defesa do regime democrático são os principais
pilares da reforma educacional proposta pelos participantes do CBPE. As tese liberais
não se opunham à intervenção do Estado na questão educacional. O Estado liberal é um
Estado neutro, único capaz de garantir a liberdade de pensamento e de idéias na esfera
cultural. O Estado aparece como defensor da pluralidade e da descentralização do
sistema de ensino, não oferecendo nenhum risco à liberdade individual. Para os
intelectuais do CBPE, a descentralização administrativa era um ato político concebido
como a maior garantia do respeito aos princípios federativos e democráticos expressos
na Constituição. À União caberia a coordenação técnica e a assistência financeira,
48
idem. p. 109
49
BOBBIO, Noberto. Liberalismo e Democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense,
1994. 6ª edição p. 42
40
deixando a cargo dos estados e municípios a responsabilidade pela formação de
professores, organização dos currículos e ampliação da rede escolar.
A reforma educacional era também uma reforma política de adoção de princípios
liberais à administração pública, cujo objetivo central era a formação do cidadão
comum. A descentralização administrativa do sistema de ensino seria alcançada com
a municipalização da escola, garantindo a regionalização do ensino e a compreensão dos
cidadãos das suas respectivas realidades locais. A escola organizada de acordo com a
cultura e as necessidades de cada região permaneceria uma escola local por excelência,
o que não negava o caráter nacional dessa escola.
“O país é um só, com uma só língua, uma só religião dominante ou
majoritária, uma cultura, embora com diversas subculturas, e em
caminho para a unificação social em um povo, distribuído por
classes abertas e de livre e fácil acesso.”
50
O Diretor Geral de Educação e integrante do CBPE Carlos Corrêa Mascarro
51
também se mostrava favorável à municipalização do ensino e publicava em 1960 um
artigo sobre a questão:
“O municipalismo, como forma de solução dos problemas
nacionais, ganha, cada dia, maior número de adeptos entre os que
vêem, honestamente, na descentralização, sob os seus vários
aspectos, do ponto de vista teórico, doutrinário e prático, uma das
chaves para a solução de inúmeros problemas brasileiros de
subdesenvolvimento. Por outro lado, orientação idêntica é
perfilhada por um grande número dos que se acham, como é
freqüente em nosso meio, invariavelmente prontos a adotar idéias
50
TEIXEIRA, Anísio. op. cit.,1999. p. 65
51
O educador Carlos Corrêa Mascarro diplomou-se em professor normalista em 1930, formando-se em
1937 em Bacharel em filosofia, ciências sociais e políticas na USP. Em 1950, assumiu tornou-se
professor da USP ministrando o curso de Administração Escolar e Educação Comparada. A partir desse
período, ocupou vários cargos na administração pública nos níveis estaduais e federais. In: DIAS, José
Augusto. “Carlos Corrêa Mascaro”. pp.217-219. FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque de. e
BRITTO Jader Medeiros. Dicionário de Educadores no Brasil. Rio de Janeiro: Edufrj, 2002. 2ª edição.
41
novas ou a apoiar a novidade, pelo gosto de ajustar suas opiniões as
linhas dominantes no último figurino indígena ou alienígena”.
52
O I Congresso Estadual de Educação em Ribeirão Preto foi marcado por
inúmeras acusações dos representantes católicos contra os principais conferencistas do
evento, ou seja, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Almeida Jr., publicadas nos
periódicos católicos (Diário de Notícias, em Ribeirão Preto, e Correio Católico, no
Triângulo Mineiro) e endereçadas ao Ministro da Educação através do sacerdote
católico e deputado Fonseca e Silva. O deputado, durante a sessão da Câmara dos
Deputados Federais em 14 de dezembro de 1956, utilizou o artigo de Anísio Teixeira
apresentado no Congresso Estadual de Educação para acusar o educador de marxista e
totalitarista. A comunicação do deputado foi publicada no Diário do Congresso
Nacional em 15 de dezembro, provocando indignação entre os representantes da ABE,
que publicavam em janeiro de 1957, um artigo no jornal O Estado de São Paulo, em
defesa dos ideais do diretor do INEP. A ABE comparava as propostas de Anísio
Teixeira e o movimento pela escola pública com o sistema educacional norte-americano
e inglês, afirmando que esses países seriam os grandes bastiões do liberalismo político,
e ressaltava como estes países implementaram o sistema gratuito e público para difusão
dos ideais civilizatórios da sociedade moderna.
53
Os jornais da época utilizaram o livro de Anísio Teixeira como denúncia sobre a
situação educacional associando esta questão ao baixo nível de desenvolvimento
sócio-econômico do país. As resenhas escritas nos jornais discutiam os movimentos
educacionais ressaltando o caráter liberal das propostas de Anísio Teixeira e propunham
que o lançamento do livro fez ressurgir a discussão em torno da LDBEN engavetada por
Gustavo Capanema.
52
MASCARRO, Carlos Corrêa. “Governo Estadual, orçamento e ensino”. Cadernos da faculdade, São
Paulo: FFCL-USP, n. 13, 1959. _______. O Município de São Paulo e o ensino primário. São Paulo,
Boletim FFCL-USP, n. 211, 1960. p. 17 Apud. DIAS, Jo Augusto. “Carlos Corrêa Mascarro”. In:
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque e BRITTO, Jader de Medeiros. Op. cit. pp. 217-219 p. 218
53
O ESTADO DE SÃO PAULO. Manifesta-se a Associação Brasileira de Educação
sobre o ensino publico. O Estado de São Paulo. São Paulo, 27 jan. 1957. Para maiores
detalhes sobre o I Congresso Estadual de Educação e sua repercussão nas discussões
centrais sobre as políticas educacionais do país e as rivalidades entre católicos e os
intelectuais do INEP ver: NUNES, Clarice. “Prioridade número um para a educação
popular”. In: TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Edufrj,
1999. 6ª edição, pp. 199-253 p. 209. Vale ressaltar que Clarice Nunes faz um importante
debate sobre a repercussão dos artigos de Anísio Teixeira publicados em “Educação
não é privilégio” e a reação do grupo católico a esses artigos na Imprensa.
42
Além do livro de Anísio Teixeira, em dezembro de 1957, os jornais publicavam
as comemorações dos vinte cinco anos da publicação do Manifesto dos Pioneiros da
Educação (1932), considerado ainda um plano de orientação e uma bandeira da luta pela
escola ideal, ou seja, pela escola pública, comum e gratuita. O Direto Geral de Educação
Carlos Corrêa Mascarro concedeu uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo
enfatizando a importância e a atualidade do documento para a sociedade e para os
governantes. Sobre a realização do Manifesto, Carlos Mascarro afirmava,
“(...) uniram-se as entidades de classe do magistério, sob o
patrocínio do Departamento de Educação para comemorar
festivamente a grata efeméride que marca o mais positivo e
corajoso esforço realizado, por um grupo de homens patriotas e
esclarecidos, no sentido da fixação das bases de uma revolucionária
reforma do nosso sistema oficial de ensino, para pô-lo em
consonância com as necessidades de uma época de transição e de
crise de desenvolvimento do País.”
54
Durante a entrevista, Carlos Mascarro ressaltava que o manifesto foi produzido
em um momento de transição da política brasileira e que o documento ainda era de
grande importância, que deixávamos de viver entre a tranqüilidade dos textos de
pedagogia para a agitação das disputas por hegemonia política no mundo
contemporâneo. O educador estava se referindo as disputas entre o mundo capitalista e o
socialista polarizado por EUA e URSS. Mas, compreendemos que se tratava também de
uma percepção interna da questão, que no plano interno as disputas entre os
intelectuais do INEP e do grupo católico visavam orientar as decisões governamentais
na tentativa de projetarem seus anseios políticos.
Carlos Mascarro concebia os participantes do Manifesto como “combativos
lutadores pela reconstrução educacional do Brasil”. Essa visão difundida pelos próprios
intelectuais modernizadores do CBPE encobria o projeto político específico defendido
pelo grupo, criando uma atmosfera que apresentava as propostas desse grupo como a
única solução existente para o desenvolvimento do país. Ao articularem suas pretensões
54
O ESTADO DE SÃO PAULO. Retoma-se hoje, para balanço de idéias, o Manifesto
da Educação. O Estado de São Paulo. São Paulo, 12 dez. 1957.
43
políticas ao ideário modernizador apresentado pelo Estado buscavam legitimar suas
propostas e cooptar a cúpula governamental. Um projeto específico, desenvolvido por
uma categoria na qual a maioria dos participantes era remanescente do movimento
modernista mineiro, e/ou dos renovadores do ensino, tornou-se um projeto para o
Estado, a ser desenvolvido e implementado pelo Ministério da Educação e Cultura.
3.0 - Os “Seminários Internacionais”, a Aliança para o Progresso e o CBPE: uma
relação de complementaridade ?
Para a concretização dos ideais modernizadores no campo cultural, os
intelectuais do CBPE propuseram o planejamento educacional como recurso
indispensável à promoção do desenvolvimento e da modernidade, compartilhando de
uma prática recorrente entre os países latino-americanos daquele período. Esses países
organizaram dezenas de planos e órgãos dedicados à questão cultural na tentativa de
consolidar entre as instituições sociais o modo de vida moderno, tendo como principais
incentivadores a OEA e a UNESCO.
Desde a década de 1940, era proposta por intelectuais e representantes políticos
a criação de centros de especialistas nas áreas sociais dedicados à formulação das
políticas educacionais através do uso do aparato científico. A necessidade de criação
desses centros era tema constante em congressos e conferências internacionais. Em
1942, ocorreu a primeira “Conferência de Ministros de Educação das Nações Aliadas”,
em Londres, para discutir a criação de uma Organização Internacional de Educação. Em
1944, foi organizado um comitê internacional para elaborar as bases de uma agência
internacional ligada à Organização das Nações Unidas destinada a promover o acesso à
educação, ao desenvolvimento científico e à cultura. Para tal, foram reunidos membros
de dezessete países dentre os quais estão África do Sul, Austrália, Bélgica, Canadá,
China, Estados Unidos, França, Índia e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
que formularam os pressupostos da UNESCO. Em 1943, no Panamá, foi realizada a
“Conferência dos Ministros e Diretores da Educação das Repúblicas Americanas”,
propondo a organização de “Centros de Documentação e Investigação Objetiva de
Assuntos Educacionais”.
55
55
Ver: “Carta da Educação Democrática”. In: MAGALDI, Ana Maria e GONDRA, José G. op. cit. p. 3
44
Diante desses antecedentes, o IX Congresso Brasileiro de Educação, realizado
em 1946 na Associação Brasileira de Educação, solicitava a aproximação do Brasil com
a agência internacional, que na época chamava-se UNOECR (United Nacional
Organizacion the Educational and Cultural Reconstrution), posteriormente, UNESCO
(Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura). Na “Carta para a
Educação Democrática”, elaborada durante o Congresso, os educadores brasileiros
defendiam a necessidade da agência internacional criar um centro dedicado ao
planejamento educacional com a participação de diversos especialistas, dentre os quais,
antropólogos, sociólogos, psicólogos, educadores etc.
Durante toda a década de 1950 são criados em vários países da América Latina
planos e instituições dedicados aos problemas educacionais, entre os quais: a
Superintendência Técnica em Educação, no Chile; a Seção Permanente de Planejamento
Educacional, no México; o Plano de Seis Anos, em Porto Rico; o Plano Nacional de
Educação, no Peru. Além desses planos e instituições nacionais, os países do continente
passaram a organizar “seminários internacionais” na tentativa de elaborar um projeto
educacional comum a todo continente e conquistar o apoio dos organismos
internacionais. Em 1958, em Washington, foi realizado o Seminário Interamericano
sobre Planejamento Integral da Educação, onde Argentina, Brasil, Colômbia, Costa
Rica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua e Panamá confirmavam a
necessidade de estratégias de planejamento para a educação.
56
No período de 1956 a 1964 foram realizadas sete conferências internacionais de
educação sobre as condições educacionais existentes nos países da América Latina
promovidas pela UNESCO, OEA (Organização dos Estados Americanos), CEPAL,
FAO (Fundo das Nações Unidas para Agriculta e Alimentação) e OIT. Tais eventos
demarcavam as diretrizes educacionais a serem seguidas pelos países latino-americanos,
recomendando a utilização da educação na promoção do desenvolvimento econômico e
social do continente a partir da orientação modernizadora proposta pelos Estados
Unidos. Nessas conferências participavam os ministros da educação da América Latina,
seus principais colaboradores e diversos cientistas sociais e educadores envolvidos com
a máquina estatal.
A realização de diversos seminários interamericanos dedicados à questão
educacional expressava a preocupação dos Estados em consolidar por meio da esfera
56
Ver: Editorial: Planejamento Integral da Educação. In: Revista de Educação e Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: INEP, vol 3, n° 9, 1958. p. 32
45
cultural as bases sociais da modernização. Em geral, o Brasil, através do Ministério da
Educação enviava como representantes os integrantes do CBPE para as conferências
internacionais, especialmente, Jayme de Abreu diretor da DEPES. Nesses seminários,
os temas recorrentes defendidos pelos representantes do CBPE eram a necessidade do
planejamento integral da educação e a criação de um Fundo de educação que permitisse
um investimento financeiro efetivo da Aliança para o progresso.
A admiração de Anísio Teixeira pelos ideais norte-americanos surgiu na década
de 1920 período da sua primeira viagem aos Estados Unidos e permaneceu durante
toda sua vida pública. O educador articulou várias parcerias com instituições norte-
americanas e espelhou-se nas propostas de organizações como a OEA e a UNESCO e
nos programas como os da “Aliança para o progresso” para reorganizar o sistema
educacional brasileiro. O educador era um entusiasta do programa da “Aliança para o
progresso”, afirmando que este era a grande revolução social e econômica do
continente:
“Declarou o dr. Anísio Teixeira que, desde a Política de Boa
Vizinhança do Presidente Franklin D. Roosevelt, a Aliança para o
Progresso é o movimento mais prometedor encaminhado a promover
a revolução social e econômica na América Latina. ‘Deve
compreender-se acrescentou que um tal revolução não nos vai ser
fácil. Uma das razões é que, durante 150 anos, os países latino-
americanos conduziram seus assuntos independentemente. Não
existiu uma verdadeira cooperação, no que diz respeito a seu
desenvolvimento comum. Além disto, os Estados Unidos estiveram
isolados durante muitos anos, enquanto avançavam em sua grande
luta pela integração democrática e desenvolvimento econômico.
Lamentamos que o seu país tenha deixado, durante tanto tempo, de
oferecer à América Latina as lições que se derivaram da própria
Revolução Norte-Americana. O erro é agora corrigido com a Aliança
para o Progresso. Vocês podem estar certos de que cada país latino-
americano vai fazer a sua própria revolução com o seu próprio
esforço. Podem estar certos também de que cada um destes países
aprecia o interesse manifestado pelos Estados Unidos. É alentador
saber que o país não vai apoiar os reacionários de nosso Continente,
46
os que têm a culpa de a América Latina não ser democrática, os que,
mesmo agora, insistem em que devemos continuar aferrados ao
regime feudal, impedindo, com isto, o progresso econômico e
social’”.
57
A imprensa no período de 1956 a 1964 relatou as inúmeras parcerias
estabelecidas entre o CBPE e instituições internacionais, apresentando qual o projeto
defendido por aqueles intelectuais: a criação de um plano educacional que integrasse
todo o continente, construindo uma América unificada e imbuída do modelo social
norte-americano modelo que nos resgataria da situação de subdesenvolvimento em
que nos encontrávamos. É sobre essa documentação que vamos nos apoiar na tentativa
de mapear as relações e alinhamentos estabelecidos entre o CBPE e as instituições
internacionais.
Em 1958, Anísio Teixeira recebeu o convite para ser um dos quatro peritos da
Comissão de Peritos em Educação da OEA, com o intuito de realizar uma análise do
programa de educação defendido pela União Pan-Americana. A criação dessa comissão
foi proposta pelo Comitê interamericano dos representantes dos presidentes, que
buscava a cooperação continental para resolver três questões-chaves: o analfabetismo, a
carência de profissionais da educação e a escassez de escolas primárias. O convite
associava a realização desse trabalho à participação de Anísio Teixeira em seminários
promovidos pela UNESCO para estreitar a “mútua apreciação dos valores culturais do
Ocidente e do Oriente”.
No mesmo ano, a Carnegie Corporation, de New York, convidou o educador
para um seminário sobre o problema do ensino superior nas Américas e como estreitar
os laços entre as universidades norte-americanas e latino-americanas. O interesse pela
educação superior nos países latino-americanos levou a Carnegie Corporation a
conceder um auxílio ao Institute of International Education buscando aproximar os
educadores e estadistas latino-americanos e promover um fórum permanente de debates.
Em 1960, a Fundação Ford associou-se a Carnegie Corporation e foi criado o Conselho
de Ensino Superior das Repúblicas Americanas com duração inicial de três anos. Num
57
CORREIO BRASILIENSE. Educador brasileiro elogia a Aliança para o Progresso. Correio
Brasiliense: Brasília, 18 de novembro de 1961.
47
artigo publicado na RBPE, Anísio Teixeira, que era um dos seis membros do Conselho,
anunciava as estratégias utilizadas:
“O conselho, para conseguir seus objetivos, usa dos seguintes
recursos: Conferências de educadores norte e latino-americanos
para a discussão de problemas de ensino superior no
hemisfério; visitas pelos educadores participantes às
universidades dos países do continente e preparo e realização
de seminários e estudos destinados a esclarecer problemas e
satisfazer as necessidades educacionais identificadas e
programadas nas conferências anuais.”
58
O objetivo do Conselho de Educação Superior das Repúblicas Americanas
(CHEAR) era aproximar os profissionais dedicados à educação superior e promover
intercâmbios entre as universidades do continente. Para tal, a Ford Foundation
financiava um estudo comparativo sobre o ensino superior. Além disso, várias
instituições dedicadas ao ensino superior investiam em programas de estudos sobre a
América Latina. Esses financiamentos eram apresentados como intercâmbios de estudos
regionais; na prática prevaleceu uma série de pesquisas financiadas para conhecer a
região latina do continente.
Em 1960, Anísio Teixeira foi nomeado pelo presidente Juscelino Kubitschek
para compor o grupo do Comitê dos Nove e foi enviado aos Estados Unidos para
estudar a Operação Pan-americana. Ao lado de Anísio Teixeira que assumiu a pasta da
educação compunham o grupo: Faria Góis (assistência técnica); Luís Carlos Mancini
(alimentação e agricultura); Cleanto de Paiva Leite e Evaldo Correia Lima
(financiamento do desenvolvimento econômico); ministro Otávio Dias Carneiro
(estabilização de preços de produtos de base); ministro João Paulo do Rio Branco
(coordenação técnica dos trabalhos da delegação brasileira).
59
Essa aproximação
corroborava o ideal do continente integrado num mesmo modelo socioeconômico. Além
da participação de Anísio Teixeira em Congressos e Comitês que estreitavam a relação
58
TEIXEIRA, Anísio. “União intelectual das três Américas”. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Rio de Janeiro, v.35, n.82, abr./jun. 1961. p.180-183 p. 180. O artigo também foi publicado no jornal "A
Noite"
59
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Planejamento da Operação Pan-Americana. Diário de Notícias. Rio de
Janeiro, 7 jun. 1960.
48
Brasil-Estados Unidos, houve um intenso intercâmbio de educadores e pesquisadores do
CBPE que recebiam financiamento norte-americano para se especializarem nas
instituições estadunidenses.
O envio de educadores brasileiros ao exterior para realizarem cursos sobre o
ensino primário foi possível graças ao convênio firmado entre o INEP e o Institut of
Inter American Affairs. O Ponto IV, lançado por Truman em 1949, financiou as
despesas dos profissionais brasileiros enviados à América pelo CBPE. O objetivo do
Ponto IV era prestar assistência técnica a programas de saúde e treinamento de pessoal,
num valor de três bilhões de dólares. Truman manteve o trabalho de cooperação técnica
acreditando que os modelos institucionais estadunidenses eram ideais para solucionar os
entraves organizacionais nos países da América. Para o governo norte-americano as
regras políticas e econômicas aplicáveis aos Estados Unidos seriam adequadas ao
continente. A presença dos Estados Unidos fez-se através de cursos de especialização e
de bolsas de estudo destinados a habilitar os profissionais latino-americanos ao
exercício de funções vitais para o funcionamento social.
Desde 1933, Quando Franklin Roosevelt assumiu a presidência dos Estados
Unidos, o governo norte-americano adotou como estratégia política para a América
Latina diversos mecanismos de cooperação técnica e apoio financeiro, com o objetivo
de auxiliar na solução dos problemas latino-americanos. Várias agências e comissões
foram criadas para recuperar as economias em crise e sugerir propostas nas áreas
sociais. Essas agências atuaram em programas econômicos, educacionais, culturais e
publicitários. O pan-americanismo passou a ser apresentado como ideal de cooperação e
promoção do bem-estar entre os países do continente, através da solidariedade, da
democracia e da valorização do indivíduo.
60
O custo de cada bolsista do CBPE enviado aos Estados Unidos era de cinco mil
dólares por aluno o equivalente a 550 mil cruzeiros. Os cursos tinham duração de doze
meses. Em 1956, o CBPE enviou aproximadamente quatorze bolsistas; no final de 1957
esperava-se o envio de trinta bolsistas de cinco estados do país (RS, SP, RJ, BA, PE).
Anísio Teixeira apontava para a possibilidade de um número crescente de bolsas nos
anos de 1959 e 1960.
Esses profissionais retornariam para as escolas experimentais criadas pelo
CBPE, formando o quadro técnico necessário à elaboração de novo sistema educacional
60
MOURA, Gerson. O Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo:
Brasiliense, 1984. p. 22
49
que seria sugerido ao MEC como adequado ao país. Essas escolas estavam subordinadas
aos Centros Regionais e buscavam ajustar-se às necessidades de cada região, não sendo
proposto um modelo escolar unificado.
“Cada bolsista deve ser considerado um funcionário do Centro. Em
estado probatório, fazendo o curso sob nossa orientação, a fim de se
habilitar ao trabalho que devemos ter devidamente previsto para ele
em seu regresso. No ano de estudos, será pago pelo Ponto IV. No seu
regresso, pelo Centro. São os professores do Centro, os nossos
especialistas. O que gastamos com eles, gastamos com o Centro.”
61
As dificuldades em recrutar pessoal habilitado para o trabalho nos projetos da
agência eram freqüentemente descritas por Anísio Teixeira. O educador acreditava que
a formação dos profissionais de educação nas escolas normais ou nas Faculdades de
Filosofia era insuficiente para a preparação de pessoal técnico apto para desempenhar as
funções necessárias ao funcionamento do Centro, especialmente, nas escolas-
experimentais. Para Anísio só as instituições norte-americanas eram capazes de preparar
os profissionais nas mais modernas técnicas educacionais, sejam nas áreas
administrativas ou nas áreas de ensino.
“Ora, sendo o Centro um núcleo de pesquisas aplicadas, com futuras
escolas de demonstração, à maneira dos hospitais de clínicas das
Faculdades de Medicina, temos de preparar todo um staff de
educadores capazes de conhecer a arte tradicional de ensino e renová-
la por meio de estudos científicos, reconstruindo essa arte para lhe dar
uma progressiva base científica. Como iremos fazer isto com os
professores que temos? (...) Diante disto, não vejo como se formar o
professor para a reconstrução educacional, que se faz, dia a dia, mais
urgente no Brasil, se o enviando-o ao estrangeiro. Não espero da
viagem nenhum milagre. Mas acredito que o ver a obra educacional
61
TEIXEIRA, Anísio. Correspondência a Fernando de Azevedo em 29 de março de 1958. VIDAL,
Diana. (org.) op.cit. p. 112
50
conduzida com racionalidade e eficácia o leva, ao pelo menos, a sentir
o problema.”
62
Anísio Teixeira era um admirador do modelo educacional norte-americano e da
eficiência administrativa dos gestores estadunidenses. Para ele, a “revolução
educacional” realizada nos Estados Unidos foi a base do desenvolvimento social
daquele país. O educador defendia uma aproximação entre o modelo norte-americano de
gestão educacional e o brasileiro. Anísio Teixeira acreditava na viabilidade de um
modelo educacional próprio à sociedade brasileira, desenvolvido para atender as
especificidade de cada região do país, porém, com os mecanismos inspirados nas ações
norte-americanas. Não se tratava de uma adoção do sistema educacional norte-
americano, já que o educador compreendia as diferenças sócio-econômicas entre as duas
sociedades. Entretanto, buscava um sistema educacional organizado com as premissas
ideológicas estadunidenses, capaz de alcançar os padrões do desenvolvimento social
norte-americano.
A importância política de Anísio Teixeira e as relações que mantinha com
instituições norte-americanas possibilitou que o educador participasse de várias
comissões internacionais dedicadas a estreitar as relações entre os países da América
Latina e os Estados Unidos. Para o educador era necessário o auxílio norte-americano
para garantir o desenvolvimento da América Latina dentro do modelo democrático. Em
1961, durante um discurso comemorativo da Associação dos Land Grand Colleges, o
educador manifestou-se novamente a favor da “Aliança para o Progresso” como
instrumento fundamental para a promoção econômica e social nos países latino-
americanos. O Jornal do Comércio transcreveu parte do discurso de Anísio Teixeira a
favor da “Aliança para o Progresso”:
“Se não quiser seguir o caminho da Cuba – observou o Prof.
Anísio Teixeira – deve a América Latina fazer dentro de seus
próprios países sua revolução social democrática. É este problema
do momento, cabendo-lhe realizar as mudanças e sacrifícios que se
tornassem necessários. Continuando, declarou o educador
brasileiro: 'Lamentamos que seu País tenha deixado, durante tanto
62
TEIXEIRA, Anísio. Carta enviada a Fernando de Azevedo em 29 de março de 1958. Idem. p. 112
51
tempo, de oferecer à América Latina as lições que derivaram da
própria revolução norte-americana. O erro, agora, é corrigido com
a <<Aliança para o Progresso>>. Vocês podem estar certos de que
cada País latino-americano vai fazer sua própria revolução com o
próprio esforço. Podem estar certos, também, de que cada um
destes países aprecia o interesse manifestado pelos Estados
Unidos. É alentador saber que seu País não vai apoiar os
reacionários do nosso Continente, os que têm a culpa de a América
Latina não ser democrática, os que, mesmo agora, insistem em que
devemos continuar aferrados ao regime feudal, impedindo, com
isto, o progresso econômico e social'.”
63
Em 1962, o jornal Diário de Pernambuco publicava nota sobre o encontro entre
Anísio Teixeira, Gilberto Freyre e o embaixador norte-americano Lincoln Gordon,
provavelmente na tentativa de firmar um convênio entre a Agência Internacional de
Desenvolvimento (AID) e o INEP/CRPE de Pernambuco, sob os auspícios da “Aliança
para o Progresso”.
64
Concomitantemente aos debates internacionais e ao envio de cientistas sociais e
educadores aos Estados Unidos, os intelectuais do Centro participavam das discussões
sobre o Anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) ao
lado de importantes personagens políticas. O debate em torno dos rumos da educação
nacional, expresso nas discussões sobre a nova legislação, deu-se novamente entre
católicos e reformistas. O grupo católico foi liderado pelos bispos gaúchos e tinha o
apoio do deputado federal Carlos Lacerda, UDN; os reformadores atuavam no interior
do CBPE e tinham o apoio de parte da imprensa e alguns políticos influentes. Sobre os
debates e ações políticas em torno da LDBEN trataremos detalhadamente no próximo
capítulo. Neste momento, buscamos compreender as semelhanças e possíveis
divergências entre as propostas internacionais e o projeto de lei defendido pelo CBPE
para o país, analisando a possível relação de complementaridade e avaliando o
alinhamento dos intelectuais modernizadores às diretrizes internacionais.
63
JORNAL DO COMÉRCIO. Exaltação da Aliança para o Progresso. Jornal do Comércio. Rio de
Janeiro, 17 nov. 1961. CPDOC/FGV.
64
DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Com o embaixador Gordon. Diário de Pernambuco. Recife, 14 jun.
1962. CPDOC/FGV.
52
As discussões em torno da LDBEN estavam centradas na escolha entre o ensino
público e/ou a manutenção do financiamento do ensino privado pelo Estado. Para os
intelectuais do CBPE, o Estado deveria financiar apenas o ensino público, garantindo
instrução básica à população em geral, especialmente, nos níveis primário e secundário.
A argumentação desse grupo era baseada na idéia liberal de que apenas o ensino
público garantiria a igualdade de oportunidades numa sociedade democrática. Dentro
desse ideário, os dualismos existentes no sistema educacional brasileiro deveriam ser
substituídos pela escola unificada, ou seja, era preciso eliminar da educação brasileira o
ensino destinado às elites (representada pelo ensino secundário) e o destinado ao povo
(ensino técnico) provocando uma valorização do ensino técnico e elevando-o ao mesmo
patamar do ensino secundário. Para esses homens, a escola pública teria a
neutralidade necessária à formação de uma consciência nacional que valorizasse o
espírito público, a república e o estado democrático.
“Essa neutralidade nada mais significa do que a neutralidade entre
crenças religiosas. Jamais o Estado se julgou neutro ante as crenças
morais do homem. O Estado funda-se numa moralidade secular, leiga,
pela qual julga o homem responsável, sujeito de direitos e deveres.
Essa moralidade mais geral que a religiosa, por isso mesmo que
comum a todos, sejam quais forem as crenças de cada um, quem a
promove, a ensina, a inculca, senão a escola pública?”
65
A educação, entre os defensores dos ideais liberais, era considerada a mais
importante instituição social, capaz de modificar os padrões sociais. Desde 1870, a
intelectualidade brasileira acreditava na educação como fator de modificação dos
aspectos sociais, definindo seu papel civilizacional e incorporando o setor nos debates
políticos. Os liberais da geração 1870-1914 propunham a ciência, a educação e as
idéias como elementos fundamentais para o crescimento moral do homem e a formação
da consciência necessária para que o país chegasse ao “nível do século”. A liberdade de
ensino estaria no centro das discussões intelectuais. Decerto não foram os liberais
que a exigiram; cada “tipo” do pensamento ilustrado via na sua forma de liberdade de
65
TEIXEIRA, Anísio. In: O destino da escola pública é formar a consciência da nação.
Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 24 abr. 1960.
53
ensino a chave para a consolidação de seus ideais. Contudo, essa foi uma exigência
predominantemente liberal.
“(...) apenas se compreendia que o Estado, desde que seja um Estado
liberal, de ser a maior garantia das liberdades do cidadão. Que
ele, porque não tem doutrina, porque não está, pelo menos
teoricamente comprometido com seitas e facções, tem condições de
aliar a eficiência da instrução à autêntica liberdade de ensino. O
Estado liberal e democrático, e ele realmente, garante a liberdade
do professor e a do aluno, a liberdade filosófica, religiosa e
científica.”
66
Essa idéia da intervenção do Estado na área educacional como necessária à
manutenção da neutralidade e como garantia das liberdades individuais permaneceu na
geração posterior, ou seja, na intelectualidade brasileira das décadas de 1920-1964 que,
apesar do cunho reformista de suas propostas, mantinha a crença na sociedade liberal,
mesmo considerando a necessidade de intervenção estatal em alguns setores sociais.
Assim, a valorização da instrução pública aparecia como a melhor opção num país
subdesenvolvido dotado de poucos recursos e com déficit de vagas na rede de ensino,
devido ao crescimento da procura por escolarização provocado pelo surto demográfico
e pela rápida urbanização. Em 1961, Florestan Fernandes publicava um editorial na
revista Educação e Ciências Sociais defendendo a escola pública como solução
educacional num país subdesenvolvido:
“Se defendemos a escola pública, fazemo-lo porque ela oferece
condições mais propícias, num país subdesenvolvido e dotado de
recursos escassos para a educação, de produzir 'bom ensino' (...)
pretendemos impedir que o Estado democrático continue prisioneiro
de interesses particulares na esfera da educação, com perda maior ou
66
BARROS, Roque Spencer Maciel de. A ilustração brasileira e a idéia de Universidade. São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Boletim n° 241, 1959. p. 12
54
menos de sua autonomia na realização das tarefas educacionais que
lhe competem (...)”.
67
A filosofia adotada pelos educadores nucleados no CBPE baseava-se no
“progressivismo” desenvolvido por Theodore Brameld
68
associado ao
experimentalismo e ao pragmatismo. Tal corrente era predominante nas instituições
norte-americanas e inglesas do período como a Progressiv Education, a American
Association of Children, John Dewey Society nos Estados Unidos e New Education
Fellowship, na Inglaterra. O “progressivismo” definia-se como a via liberal da cultura,
diferindo do liberalismo político, compreende o liberal como flexível, experimentalista,
e em constante processo de desenvolvimento. Nesse sentido, as escolas atuariam como
agências virtuais no processo de mudança cultural, assumindo a educação como o
maior dos instrumentos culturais, fomentadora dos ideais democráticos. A idéia da
democracia aparece imbuída da crença de que os indivíduos têm a capacidade e o
direito de se autodirigir. Assim, o conceito de democracia extrapola sua concepção
política original, tornando-se um programa e um padrão de vida, onde o papel da
ciência seria fornecer os métodos para a compreensão de cada situação social.
A defesa da escola pública era utilizada como bandeira pelos “intelectuais
modernizadores”, como defesa da democracia, do espírito público, da igualdade de
oportunidades, do federalismo, da modernização etc. Na esfera educacional esses ideais
seriam traduzidos em um sistema educacional descentralizado, onde cada comunidade
desenvolveria seu próprio aparelho de ensino; da criação de fundos federais, estaduais e
municipais de educação que garantissem aos municípios liberdade financeira e
administrativa para a organização e administração das escolas, especialmente, no
ensino primário; da escola única, que extinguiria a dualidade entre o ensino técnico e o
secundário; da substituição do ensino excessivamente verbalístico, enciclopedista e
bacharelesco, por uma educação preocupada com o desenvolvimento científico e
tecnológico. Além disso, previam um educação primária de seis anos, visando atender
67
FERNANDES, Florestan. “Sobre a campanha em defesa da escola pública.” Editorial. Revista
Educação e Ciências Sociais. Brasília: INEP, vol 9, n°. 16, 1961 p.5
68
Theordore Brameld (1904-1987) foi um importante filósofo educacional norte-americano, PH em
filosofia pela Universidade de Chicago e discípulo de John Dewey. O filósofo destacava a importância da
cultura no desenvolvimento da teoria educacional e defendia a instrução progressiva suas principais obras
foram Patterns of Educational Philosophy - A Democratic Interpretation. New York: World Books Co.,
1955. Philosophies of Education in Cultural Perspective. Nova York: Holt, Rhinehart, Winston,
1955.Toward a Reconstructed Philosophy of Education. Nova York: Holt, Rhinehart, Winston,
1956.Cultural Foundations of Education- An Interdisciplinary Exploration. Nova York: Harper and
Brothers, 1957. Education and the Emerging Age- Newer Ends Stronger Means. Nova York: Harper and
Brothers,1961.
55
ao pedido, formulado pelo ministro da Educação Clóvis Salgado, de evitar o chamado
“hiato nocivo”, ou seja, o período em que a criança pobre tendo terminado o ensino
primário (o que ocorria por volta dos onze anos) e não dispondo de recursos para
financiar o ensino secundário, nem podendo ingressar no mercado de trabalho (o que
era permitido por lei a partir dos quatorze anos) ficava socialmente dispersa. A
ampliação do ensino primário em mais dois anos beneficiaria a “aprendizagem
profissional e as técnicas culturais básicas”. A educação pública era apresentada como
parte da infra-estrutura necessária ao processo básico do desenvolvimento, que
dependia da larga presença estatal. Esse discurso de apoio à presença do Estado na
educação alinhava-se às propostas defendidas pela OEA,
“A educação (...) se converteu em função essencial do Estado. O
fundamento desta atitude se encontra, entre outras coisas, na
necessidade de garantir a livre educação do indivíduo”.
69
Observamos uma estreita relação entre as propostas defendidas
internacionalmente e o projeto do CBPE para o setor educacional. O principal
documento referendado nas conferências interamericanas foi o “Plano Decenal de
Educação da Aliança para o Progresso”, apresentado em Santiago, do Chile, em março
de 1961, e apoiado por diversos grupos intelectuais latino-americanos. O Plano tinha
como meta a integração de suas diretrizes aos programas nacionais de desenvolvimento.
Na área educacional previa o planejamento integral da educação tal como recomendado
na Reunião de Ministros da Educação realizada em 1956. Para garantir o sucesso
educacional nesses países o Plano determinava o cumprimento das seguintes metas:
a) educação primária de no mínimo seis anos;
b) educação de adultos - visando a eliminação do analfabetismo, a preparação da mão-
de-obra e a extensão cultural;
c) criação de escolas secundárias destinadas à educação geral somadas à formação
profissional;
d) promover estudos que diagnosticassem as necessidades de mão-de-obra exigidas
pelo desenvolvimento agrícola e industrial;
e) reformar e estender o ensino superior;
69
Organização dos Estados Americanos. Apud. ABREU, Jayme. “A luta contra a escola pública.” In:
Revista Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: INEP. 1958, vol. III, n° 9, p. 57-63. p. 60.
56
f) fomentar o ensino e pesquisas científicas;
g) desenvolver centros nacionais e regionais para o aperfeiçoamento do magistério;
h) financiamento do BID e do Fundo Especial Interamericano de Melhoramento social;
assistência técnica da OEA e da UNESCO;
70
Como podemos observar essas diretrizes para a educação aproximavam-se das
propostas apresentadas pelos intelectuais do Centro. Cabe lembrar que as metas da
Aliança para o Progresso já vinham sendo discutidas por especialistas dos diversos
países do continente que se encontravam anualmente nos seminários internacionais
ocorridos durante a década de 1950. Nossa avaliação é que a importância política
desses seminários levou à incorporação das propostas ao Plano Decenal. Dessa forma,
as metas traçadas pela Aliança para o Progresso não foram uma imposição, ao
contrário, refletem posições demarcadas naquelas conferências. No caso do Brasil, o
governo aderiu ao programa educacional proposto internacionalmente e bastante
afinado com as propostas do CBPE. Em 1961, durante a leitura do Programa de
Conselhos de Ministros ao Congresso Nacional
71
, foi apresentado o Programa do
Governo para a Educação tendo como diretrizes:
a) O planejamento educacional associado às necessidades econômicas e sociais;
b) O aumento dos recursos financeiros;
c) A aprovação da escola primária em seis anos;
d) A valorização de cursos técnicos;
e) Descentralização administrativa do sistema educacional, reservando sua atuação ao
planejamento nacional da educação e à assistência financeira.
72
Nesse mesmo documento, o governo reiterava a sua decisão de implementar as
diretrizes do Conselho Interamericano Econômico e Social dos Estados Americanos,
posicionando-se a favor das diretrizes anunciadas pela Aliança para o Progresso,
afirmando que a realização das metas para a América Latina estava associada ao
processo de desenvolvimento do país.
70
“Plano Decenal de Educação da Aliança para o Progresso”. Editorial. In: Revista Educação e Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: INEP, setembro de 1961. Vol. IX n° 18. p. 5
71
Cabe ressaltar, que no dia 24 de agosto de 1961 o país emergia numa grave crise política provocada
pela renúncia do presidente Jânio Quadros. Em 2 de setembro de 1961, o Congresso Nacional aprovou
uma emenda que instituiu o parlamentarismo como forma de governo, onde o poder se concentrava nas
mãos do Primeiro-Ministro. O Vice-presidente João Goulart tomou posse, mas sem os mesmos poderes
políticos de um regime presidencialista.
72
“Programa de Governo para a Educação”. Documentação. In: Revista Educação e Ciências Sociais. Rio
de Janeiro: INEP, Ano VI, Vol. IX n°: 16, 1961. p. 18
57
“Na recente reunião, em Punta del Este, (...), comprometeu-se o
Brasil, a procurar, em matéria de educação, objetivos comuns aos
demais países da América Latina. O cumprimento desses
compromissos exigirá grande esforço, cujas finalidades se confundem
com as do próprio desenvolvimento nacional”.
73
Essa proximidade do governo brasileiro com as diretrizes educacionais
delimitadas internacionalmente e, em grande parte, defendida pelos principais atores do
Centro não foi aceita consensualmente pelos grupos envolvidos com a questão
educacional. A acusação contra os modernizadores do ensino era a de que propunham o
“totalitarismo”, a “estatização”, o “comunismo”, a “laicização” da vida, a
“desordem”.
74
A oposição foi coordenada pelos bispos gaúchos que, ao lado de Carlos
Lacerda, promoveram um acirrado ataque aos intelectuais do CBPE utilizando-se da
imprensa e das alianças políticas no governo federal. O período 1958-1961 foi marcado
por denúncias, acusações de ambos os lados, manifestos e especialmente, tensões
políticas que envolveram o Congresso Nacional, a cúpula governamental, e até os
presidentes, Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Jânio Quadros (1961). No jogo
político, os dois grupos teceram importantes alianças e demonstraram como a
aprovação de seus projetos dependia das redes tecidas no interior do governo e do apoio
da opinião pública.
O próximo capítulo será dedicado às disputas entre o projeto católico e o projeto
do CBPE, às relações e tensões estabelecidas com o poder e ao papel da imprensa na
mobilização da opinião pública. Além disso, buscamos compreender em que medida o
projeto do CBPE saiu vitorioso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
promulgada em 1961 e quais as causas do esvaziamento do Centro ocorrido durante a
década de 1960.
73
idem. p. 18
74
SCHERER, Dom Vicente. Grupo Poderoso, no Ministério da Educação, está promovendo o laicismo
do ensino e materialismo da vida. Veemente denúncia de Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto
Alegre. O Diário. Rio de Janeiro, 1 mar. 1958. e TEIXEIRA, Roberta. Religião: catolicismo. O Jornal.
Rio de Janeiro, 20 abr. 1958.
58
CAPÍTULO I
Organizar o Brasil: O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
“Quando veremos que o problema da
organização, e não problema político é o que
realmente importa? Preparem-se os homens.
Criem-se os técnicos. Eles organizarão. Da
organização virá à riqueza. E tudo mais
política sã, liberdades etc. etc. virá de
acréscimo”. Anísio Teixeira.
A crescente intervenção estatal nas diversas esferas sociais, durante o governo
Vargas (1930-1945), com a criação de ministérios e institutos, promoveu o
recrutamento de pessoal qualificado para exercício de cargos públicos, até então,
inexistentes.
Os novos espaços de poder possibilitaram a incorporação de intelectuais,
especialistas e técnicos no interior do aparelho estatal. A necessidade de mão-de-obra
qualificada para as tarefas burocráticas, os serviços administrativos, as repartições
públicas, as direções de institutos governamentais ou nos grupos de consultoria aos
programas de governo possibilitou a emergência desses atores nos debates e nas
disputas políticas.
O processo de expansão e organização do aparelho burocrático e, por
conseqüência, da ação dos intelectuais nas instâncias administrativas pode ser
observado da década de 1930 a a vigência dos governos militares (1964). Como
propõe Miceli,
“Durante o período 'populista' (1945-1964), verifica-se uma ampliação
das carreiras reservadas aos intelectuais ao mesmo tempo em que se
intensifica o recrutamento de novas categorias de especialistas
(economistas, sociólogos, técnicos em planejamento e administração
etc); muitos deles se alçaram aos postos-chaves da administração
59
central, dos quais foram sendo excluídos outros grupos de intelectuais
e especialistas que resistiram à implementação das diretrizes e dos
programas adotados pela nova coalizão dominantes nos últimos
quinze anos em que os militares se apoderaram do controle do
Estado”.
75
Esses novos espaços de poder, criados com a expansão do aparelho burocrático,
passaram a exercer funções fundamentais na regulamentação e no controle da vida
pública, sendo disputados pelas facções que compunham as elites dirigentes. Decerto, a
ocupação desses setores beneficiou, predominantemente, as redes de intelectuais ligadas
aos grupos que assumiram o governo, possibilitando a ampliação do seu campo de
atividades e redefinindo as relações entre os intelectuais e o poder. A cooptação desses
homens a partir do governo Vargas garantiu uma aproximação estreita dos intelectuais
com a elite burocrática, ou seja, com o grupo existente em torno do chefe do executivo,
viabilizando uma maior burocratização e racionalização da gestão pública.
76
A demanda do Estado por funcionários capazes de atuar na máquina
administrativa permitiu aos intelectuais a ocupação de áreas estratégicas de intervenção
estatal como educação, saúde, economia, relações internacionais etc. Desses setores, a
educação foi alvo de inúmeros debates e divergências entre os grupos que disputavam o
controle sobre os rumos educacionais do país.
O tema da educação surgiu como debate central no país na década de 1920,
tornando-se locus privilegiado de lutas pela hegemonia neste setor até o início da
ditadura militar, em 1964. A criação das universidades, a implantação de uma rede
pública de ensino, a construção de escolas, o financiamento das escolas particulares pelo
governo, o controle pedagógico etc, ou seja, as inúmeras questões que envolvem o setor
educacional/cultural tornaram-se alvo de disputas político-ideológicas.
Nesse período – 1920 a 1964 o campo cultural/educacional foi, especialmente,
marcado pela contraposição de dois projetos políticos – um a favor da educação pública,
proposto pelos “educadores profissionais” e outro em defesa do ensino privado,
representado pelos porta-vozes da Igreja Católica. Assim, correspondentemente, o setor
educacional tornou-se palco das rivalidades expressas por dois grupos de agentes: os
renovadores do ensino e os representantes da Igreja Católica. Ambos disputaram
espaços junto ao governo central, à opinião pública e aos governos estaduais,
75
MICELI, Sérgio. Intelectuais à Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 197
76
idem. p. 198
60
rivalizando-se em uma luta pelo controle do aparelho cultural. Para esses intelectuais
dirigir os óros educacionais e conduzir suas metas significava definir qual o projeto
político seria implementado no país.
O Ministério da Educação e Saúde, criado em 1931, foi um espaço altamente
cobiçado pelos grupos intelectuais dispostos a implementar projetos políticos que
levassem à organização do país. A concepção de “organização da nação através da
organização da cultura” tornou-se uma bandeira para os atores envolvidos com os
debates educacionais. A crença difundida entre a elite intelectual de que seria portadora
da "missão" de elevar a consciência da população, de guiar os menos favorecidos e,
assim, orientar e planejar os rumos do país mobilizou dezenas de nossos intelectuais,
fossem estes católicos ou renovadores.
Na tentativa de organizar e implementar uma estrutura educacional no país, o
Ministro Gustavo Capanema criou, em 1937, o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP). Durante toda a gestão Capanema (1934-1945) os principais
escolanovistas foram alijados do poder: o der do Movimento, Anísio Teixeira voltou
para Caitité, interior baiano, enquanto seu amigo Fernando de Azevedo assumiu a
cátedra de sociologia na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade
de São Paulo.
Após, a Segunda Guerra e a redemocratização do Brasil, a elite se empenhará em
favor de uma nova ideologia: o “desenvolvimentismo” que viria substituir o Brasil
arcaico e suas contradições, pelo Brasil industrializado, burguês e moderno. Através do
ideal de “democratização da cultura”, brevemente delineado em 1945 pelo manifesto
escrito por Fernando Azevedo e apresentado no “Primeiro Congresso de Escritores
Brasileiros”, muitos dos intelectuais da década de 1950 reivindicariam para si a função
de direcionar o processo de democratização do Estado brasileiro, que estaria
completo com o desenvolvimento científico e a inserção do “povo”, dos quais eles
seriam os principais mediadores. A idéia de intelectual neutro aparece atrelada às velhas
e decadentes camadas senhoriais que desejosas de manterem o poder impediam o
processo modernizador. A questão era como intervir politicamente? Qual a ênfase dada?
No bojo dessas discussões, as políticas desenvolvimentistas do Governo JK aparecem
como pano de fundo dos inúmeros grupos intelectuais envolvidos com os debates
políticos do período.
77
77
MOTA, Carlos Guilherme. A ideologia da Cultura Brasileira (1933-1971). São Paulo: Ática, 1980.
edição. p. 137
61
A retomada das discussões sobre a implementação de uma infra-estrutura
educacional, capaz de se ajustar às transformações econômico-sociais e democratizar o
acesso ao ensino no país, trouxe as principais lideranças da década de 1930 para o
cenário político. Anísio Teixeira assumiu a pasta da secretaria educação e saúde do
estado da Bahia, em 1947, durante a gestão do udenista Otávio Mangabeira, sendo
convocado para a direção do INEP, em 1952.
Quando Anísio Teixeira assumiu o INEP, o Brasil tinha uma população de
aproximadamente 58,5 milhões de habitantes, sendo 36,2% moradores de áreas urbanas
e 63,8% das áreas rurais. A média anual de crescimento da população economicamente
ativa entre 1940 e 1960 foi de 1,53% no setor primário, 3,76% no setor secundário e
3,73% no setor terciário, numa média de crescimento total de 2,43%. Em 1956, na
mensagem presidencial enviada ao Congresso Nacional, Juscelino Kubitschek
informava que grande parte da produção brasileira, desde 1954, estava alocada nos
setores industriais (21,6%) e de serviços (49,6%), enquanto no setor agrário o índice
correspondia apenas a 28,9%.
78
Esses índices econômicos demonstram a profunda
transformação por que vinha passando a sociedade brasileira nos últimos anos. De um
país agrário passávamos a uma sociedade potencialmente urbana e industrial. Esse
rápido processo de transformação da estrutura econômica brasileira gerava
descompassos com o desenvolvimento de setores sociais, dentre os quais, a educação.
Vejamos:
O censo demográfico realizado em 1953 indicava que 56,2% da população
acima de 15 anos eram analfabetas. O número de matrículas no Ensino Fundamental
saltava de 1.794.335 alunos, em 1933, para 4.142.318, em 1953. Porém, o número de
alunos que concluía o Ensino Fundamental era de aproximadamente 316.986, o que
correspondia somente a 13,5% dos alunos inicialmente matriculados. No mesmo ano, o
Censo registrou a existência de pouco mais de 65 mil unidades escolares em todo o
território nacional, das quais, 59.238 eram unidades públicas. O corpo docente era
formado por 134.300 professoras, das quais apenas 71.613 tinham concluído curso
normal.
79
O elevado número de analfabetos, as altas taxas de evasão escolar e o
despreparo dos profissionais da educação demonstravam as dificuldades do setor
educacional no país. Ao mesmo tempo, o crescimento do setor industrial e de serviços
78
LAFER, CELSO. JK e o Programa de Metas: processo de planejamento e sistema político no Brasil.
Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 38
79
Dados relativos à educação enviados pelo censo demográfico, realizado em 1953, ao Ministério da
Educação e Cultura. Ver. Arquivo do Anísio Teixeira. CPDOC/FGV
62
gerava uma demanda no aparelho educacional para a formação de mão-de-obra
qualificada.
Na tentativa de minimizar esses problemas, no final de 1955, o educador baiano
concretizava o projeto do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), óro
ligado ao INEP, cuja função principal seria garantir através da pesquisa científica os
subsídios necessários à formulação de políticas públicas educacionais. Para a
intelligentsia brasileira resolver as “chagas nacionais”, ou seja, sanar as mazelas
provocadas pela ausência do serviço público em saúde e educação era possibilitar ao
país a entrada na modernidade.
3.0 – Estrutura e Funcionamento do CBPE
A estrutura e o funcionamento do CBPE, assim como as disputas de poder no
interior do Centro, foram amplamente discutidos por Libânia Nacif Xavier em sua tese:
“O Brasil como Laboratório: Educação e Ciências Sociais no projeto do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais (1950/1960)”.
80
Dessa forma, retomamos a
questão da organização institucional do CBPE sugerindo uma nova percepção sobre a
institucionalização da agência: definimos um conjunto de temáticas relevantes para
aquele grupo e as articulamos ao processo de montagem e organização do Centro. Nesse
sentido, apresentamos uma visão complementar ao trabalho de Xavier, buscando
apresentar ao leitor o Centro a partir de questões consideradas importantes para aqueles
agentes e que interferiam na própria montagem administrativa daquela instituição.
O Centro foi organizado em quatros divisões autônomas: a Divisão de Estudos e
Pesquisas Educacional (DEPES), dirigido por Jayme de Abreu; a Divisão de Estudos e
Pesquisas Sociais (DEPS), que ficou a cargo de Darcy Ribeiro; a Divisão de
Aperfeiçoamento do Magistério (DAM), sob a coordenação de Lúcia Marques Pinheiro;
e, por fim, a Divisão de Documentação e Informação Pedagógica (DDIP), dirigida por
Elza Rodrigues Martins. Cada uma dessas divisões expressava o modelo de gestão
pública defendido por Anísio Teixeira. A separação em quatro divisões autônomas e
com características bem definidas marcava a posição do educador quanto à necessidade
de organização e racionalização do trabalho para o funcionamento eficaz da burocracia
80
XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como Laboratório: Educação e Ciências Sociais no projeto dos
Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais. Bragança Paulista: Edusf, 1999.
63
pública.
81
O educador acreditava na utilização de pesquisas sociais e na formação do
magistério como mecanismos indispensáveis na solução dos entraves do sistema
educacional.
Os recursos financeiros da agência provinham, em parte, da receita destinada ao
INEP pelo governo federal e, principalmente, dos convênios assinados com a UNESCO
(Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura). A parceria
estabelecida, graças à capacidade de articulação de Anísio Teixeira, entre o órgão
internacional e o CBPE foi fundamental para a realização de projetos de pesquisa, de
cursos de aperfeiçoamento, fornecimento de bolsas de estudos, além, é claro, da
assistência técnica prestada.
Para atingir seus objetivos o Centro contou com a colaboração de remanescentes
do Movimento da Escola Nova, especialmente, Fernando de Azevedo que assumiu a
direção do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE/SP) –,
Mário Casasanta e Abgar Renault, diretores do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais de Minas Gerais (CRPE/MG). Além desses atores, identificados com a
causa educacional, foram contratados vários especialistas que desempenharam papéis
secundários no interior da agência, pouco propensos aos debates educacionais, mas
interessados em desenvolver pesquisas sociais no país.
O CBPE instalou, progressivamente, nas principais capitais do país São Paulo,
Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife os Centros Regionais de Pesquisas
Educacionais. Os CRPEs eram ligados administrativamente ao Centro Brasileiro,
formando uma rede de pesquisadores e educadores organizados a partir das diretrizes
estipuladas pelos dirigentes do CBPE: seguir a mesma estrutura funcional; elaborar
relatórios anuais; enviar à Anísio Teixeira a programação prévia dos trabalhos a serem
realizados; criar uma escola de demonstração ou uma escola-parque; contratar
pesquisadores nas áreas sociais e educacionais de cada região e, sendo possível, editar
um periódico próprio.
82
O Centro definiu duas metas principais: primeira, buscavam organizar o Estado
brasileiro de forma técnica para que as intervenções na sociedade fossem imbuídas da
percepção do interesse público, retirando do aparelho estatal as marcas clientelistas e as
81
Como nosso objetivo não é investigar o funcionamento institucional do CBPE, mas, sim, compreender
como o Centro propôs uma nova forma de intervenção nas políticas públicas educacionais, pautada na
utilização do aparato científico e na racionalização dos modelos educacionais, não nos deteremos em uma
análise minuciosa de sua estrutura funcional. Para saber mais sobre a história institucional da agência e
suas relações internas ver: XAVIER, Libânia Nacif. Op. Cit. p. 101
82
Idem. p. 120
64
decisões particularistas do cenário político; segunda, desejavam elaborar e implementar
um projeto de desenvolvimento da nação onde a educação era considerada um meio
para alcançar a meta principal daqueles intelectuais, ou seja, a inserção da sociedade
brasileira entre os países capitalistas desenvolvidos. Dessa forma, havia entre os
participantes do Centro uma postura predefinida quanto ao melhor modelo educacional
a ser implementado para romper com os fatores do subdesenvolvimento brasileiro.
Neste primeiro capítulo iremos nos deter na análise do projeto desenvolvido
pelos educadores do CBPE para o Estado, buscando compreender como o planejamento
foi utilizado como recurso político. Além disso, o planejamento foi incorporado por
esses intelectuais como mecanismo de atuação e legitimidade política no interior do
aparelho estatal.
1.1 – O planejamento como recurso político
A idéia de planejamento
83
no Brasil como forma de orientar, controlar e resolver
os entraves à solução dos problemas brasileiros começa a ocupar um lugar de relevância
no sistema político, a partir de 1940, especialmente, na esfera econômica. As tentativas
de organizar um planejamento racional para a economia foram diluídas em ações
dispersas, em simples diagnósticos, em planos orçamentários, em vez de criar um
processo de planejamento efetivo e articulado pelo Estado, como por exemplo, a Missão
Cooke (1942-1943), a Missão Abrink (1948), a Comissão Mista Brasil-EUA (1951-
1953), o Plano Salte (1948).
84
em 1955, com a eleição de Juscelino Kubitschek, a idéia do planejamento
como solução para equacionar os desafios da sociedade e como modelo para o
desenvolvimento é assumida pelo chefe do Executivo, sendo incorporada a
determinados setores do aparelho estatal. O Plano de Metas de JK trouxe para o centro
9
O conceito de planejamento está situado no âmbito das questões relativas à área econômica. Nas
sociedades capitalistas, a idéia de intervenção governamental na economia como forma de regular o
mercado surgiu a partir da crise de 1929. Entretanto, o planejamento, não se restringindo à política
econômica de um Estado, envolve os setores de infra-estrutura como transporte, energia, educação e
saúde. Para Betty Mindlin Lafer, no momento inicial da implementação do planejamento, são esses os
setores privilegiados, cujo exemplo no Brasil seria durante a administração Kubitschek. É dessa forma
ampla que estamos empregando o conceito. LAFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. São Paulo.
Ed. Perspectiva, 1987 5ª edição. Pg. 16 e DALAND, Robert. Estratégia e estilo do planejamento
brasileiro.
Rio de Janeiro, Lidador, 1969. p. 6
10
LAFER, Celso. “O planejamento no Brasil - observações sobre o plano de metas”. IN: LAFER, Betty
Mindlin. Planejamento no Brasil. SP: Perspectiva, 1987. 5ª edição. p. 30
65
das decisões governamentais a participação de técnicos e intelectuais numa tentativa de
coordenar e articular as ações propostas pelos setores dirigentes. O planejamento como
estratégia política permitiu o aparecimento de uma “nova burocracia” e, mesmo não
eliminando do sistema a prática clientelística e a ineficácia da “velha burocracia”,
apontava para o fortalecimento de um pensamento racionalizador nas práticas políticas e
no aparelho estatal.
85
Mas, por que o planejamento como modelo de gestão política adquiriu valor
nesse período sendo considerado essencial para o desenvolvimento sócio-econômico?
De acordo com o modelo proposto por Hélio Jaguaribe o sistema político pode
ser compreendido a partir de três grupos de variáveis: As variáveis de participação que
corresponde à participação dos atores ou grupos de atores no campo político, levando
em consideração a capacidade de articulação e representatividade política de cada setor
social no interior do sistema; as variáveis operacionais que indicam a eficiência e a
capacidade do sistema em atender as demandas produzidas pelas variáveis de
participação; e por fim, as variáveis de direção que articulam as duas variáveis
anteriores e revelam o direcionamento imprimido ao sistema na tentativa de promover
determinado tipo de desenvolvimento. Neste modelo, as variáveis operacionais e as
variáveis de direção estão diretamente relacionadas às variáveis de participação.
Qualquer alteração significativa nas variáveis de participação pressionava as variáveis
operacionais e direcionais preexistentes causando um desequilíbrio no interior do
sistema.
86
O sistema político brasileiro, no período, estava marcado pelo crescimento
contínuo das demandas sociais e pela prática política conciliatória das elites brasileiras.
O aumento da participação política, em especial, através do voto, interferiu diretamente
nas variáveis de participação ampliando a margem de negociação dos novos setores
sociais; tal fato exigiu do executivo uma reformulação nas premissas políticas
existentes. O planejamento foi proposto pelo executivo como instrumento político de
correção dos desníveis entre as três variáveis e como forma de equilibrar os interesses
dos diversos setores sociais no interior do sistema político.
87
Ao lado dessa ação planejadora, traduzida pelo Plano de Metas e centralizada
pelo executivo, vários núcleos foram organizados em torno do ideal de implementar
11
CARDOSO, Fernando Henrique. “Aspectos políticos do planejamento”. IN: LAFER, Betty Mindlin.
Planejamento no Brasil. SP: Perspectiva, 1987. 5ª edição.p. 161-184. p. 174
12
JAGUARIBE, Hélio. Sociedade, Mudança e Política. São Paulo: Perspectiva, 1975.
13
LAFER, Celso. Op. Cit. , 2002. p. 51.
66
uma ação política racional, defendendo uma nova concepção sobre o funcionamento do
sistema político, que se organizaria a partir de uma burocracia especializada e do
planejamento científico. Esses “círculos de interessados”, conforme propõe Fernando
Henrique Cardoso, foram incorporados lentamente aos espaços de poder e, por vezes,
seus participantes chegaram a assumir postos na cúpula do Estado. Foi a atuação desses
micro-atores que impulsionou o pensamento racionalizador nas variadas instâncias dos
setores federais, estaduais e municipais. O lugar que esses grupos pretenderam ocupar
no sistema político estava situado nos setores destinados à organização e à orientação
dos objetivos e dos recursos utilizados para atender as demandas produzidas pela
ampliação das variáveis de participação.
“Assim, tão importantes, embora menos espetaculosos, quanto aos
Planos de Desenvolvimento e o Ministério do Planejamento, foram os
inumeráveis grupos de ação e planejamento, que começaram a existir
desde o governo Vargas, mas que se generalizaram a partir do
Governo Juscelino Kubitschek. A formação de um 'segundo escalão'
de planejadores, durante o período dos incompletos e às vezes
inaplicados Planos nacionais do período nacional-populista da política
brasileira foi decisiva para permitir a passagem de uma etapa onde os
planos eram vistos como diagnósticos ou como 'idéias salvadoras' para
outra etapa em que o planejamento passou a ser visto como um
processo social”.
88
Dado que o planejamento deveria ser baseado em padrões científicos e técnicos,
este passou a ser utilizado como recurso político para legitimar a atuação desses grupos
no processo decisório. No plano prático essas “ilhas de racionalidade” tiveram suas
ações restringidas ou minimizadas pela permanência do clientelismo e pelos entraves
burocráticos. Contudo, sua importância reside no efeito que elas produzem, ou seja,
foram responsáveis por disseminar em vários espaços do sistema político a idéia da
eficácia, do planejamento propriamente dito e da racionalização da política como a
melhor forma de gestão estatal e de promoção do desenvolvimento. Tais grupos
começaram a intervir no sistema de decisões seja com planos setoriais previamente
14
CARDOSO. Op. cit. p.178
67
desenvolvidos, cuja melhor expressão foi a SUDENE, ou, ainda, em ações pontuais nos
setores-chaves do Estado.
89
Essa lógica de planejamento estabelecida a partir de critérios racionais e meios
científicos está articulada a uma estratégia do modelo liberal para administrar os
processo de mudança e garantir a estabilidade do sistema. Como propõe Immanuel
Wallerstein,
“A estratégia do liberalismo como ideologia política era administrar a
mudança, e isto exigia ser feito por pessoas certas e de maneira certa.
Assim, os liberais tinham de garantir, em primeiro lugar, que a
administração estivesse nas mãos de pessoas competentes. Haja vista
acreditarem que a seleção não pudesse ser feita nem por herança, nem
por popularidade, voltaram-se para a única possibilidade restante, a
seleção por mérito, que representava, é claro, se voltarem para a classe
intelectual ou pelo menos a parte dela que estava pronta a se
concentrar em assuntos 'práticos'. A segunda exigência era de que
pessoas competentes não agissem com base em preconceitos
adquiridos, mas antes baseadas em informações anteriores sobre
prováveis conseqüências das reformas propostas. Para assim fazer,
elas necessitavam saber como a ordem social realmente funcionava, o
que significa que precisavam de pesquisas, e de pesquisadores. A
ciência social foi absolutamente crucial para o empreendimento
liberal”.
90
A implementação do processo de planejamento no sistema político brasileiro
representou, para além de uma disputa com os padrões tradicionais de decisão política, a
emergência de novos atores na esfera decisória, em especial, a burocracia técnica
mobilizada durante a gestão de JK. Com o Plano de Metas desenhou-se a partir do
executivo um planejamento ordenado que, mesmo de caráter setorial, pretendeu
89
idem. p. 175.
90
WALLERSTEIN, Immanuel. “Ciência social e sociedade contemporânea. As garantias evanescentes de
racionalidade. Colóquio Internacional da Associação italiana de sociologia.” In: WALLERSTEIN,
Immanuel. O fim do mundo como o concebemos. Trad. Renato Aguiar, Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.
184. Cabe ressaltar, que Wallerstein ao falar do liberalismo não está se restringindo ao modelo liberal do
século XIX, incorporando, dessa forma, as teorias liberais do século XX.
68
articular através de um programa os diagnósticos e as propostas organizadas
pontualmente nos governos anteriores. Dividido em cinco metas, o plano visava
contemplar os setores considerados chaves da economia: Energia, Transporte,
Alimentação, Indústrias de Base e Educação.
91
As quatro primeiras metas foram
centralizadas pela presidência da República com a criação do Conselho de
Desenvolvimento e, posteriormente, com a utilização da administração paralela.
92
a
meta Educação ficou a cargo do Ministério da Educação e Cultura. Essa
descentralização parcial possibilitou a intervenção dos órgãos vinculados ao Ministério
na reformulação das diretrizes educacionais e na formulação de políticas públicas, sem
necessariamente, passar pelos técnicos em torno do presidente, abrindo espaço para “a
formação de segundo escalão de planejadores”, que mesmo agindo em apenas um setor
passou a disputar espaço com outros atores envolvidos nas discussões educacionais.
É dentro desse vácuo parcial de poder que um grupo de intelectuais reunidos por
Anísio Teixeira em torno de uma agência propôs uma nova organização do sistema
educacional e uma nova proposta de atuação burocrática dentro do MEC. Anísio
Teixeira criou o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Dessa forma,
tratava-se de trazer para o aparelho burocrático estatal uma nova lógica de ação política
pautada no conhecimento científico objetivo que deveria buscar, através de uma
“política científica e racional”, o modelo de educação adequado ao processo de
industrialização e desenvolvimento implementado no país.
Nesse quadro, a sugestão de Gramsci, O que é política para a classe produtiva
se torna ‘racionalidade’ para a classe intelectual”, indica uma característica do
processo de planejamento que apresenta os agentes intelectuais como atores em direção
a soluções objetivas, “desideologizadas”. É preciso compreender o planejamento como
um sofisticado instrumento político do sistema capitalista para responder à ameaça de
instabilidade provocada pelas pressões sociais. Era fundamental administrar as
mudanças e inserir a população no processo de industrialização. Assim, os intelectuais
do CBPE tinham como tarefa básica fundamentar as diretrizes da política educacional
no sentido de fomentar o desenvolvimento capitalista, ou seja, deveriam propor ações
91
LAFER, Celso. op. cit., 2002. p. 184
92
O presidente Juscelino Kubitschek criou diversas agências para a elaboração e execução do plano de
Metas para evitar os entraves da tradicional máquina burocrática. Tal estratégia foi chamada de
administração paralela; o uso desse mecanismo administrativo visava fortalecer o executivo manobrando
os possíveis entraves criados no legislativo para a execução do seu projeto desenvolvimentista. Ver:
MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Ed. Graal, 1986.
p. 53 e LAFER, Celso. op. cit., 2002. p. 83.
69
que ajustassem o aparato educacional às novas exigências provocadas pela aceleração
do desenvolvimento econômico, canalizando as demandas sociais a favor do sistema.
Esses atores consideravam que a manutenção da estabilidade social e, portanto,
política, dependia de um ajuste entre os anseios da população e as necessidades
decorrentes do processo de industrialização, no qual a educação exerce um papel na
redução do desequilíbrio social. Tal compreensão aponta para uma função política do
Centro que constava em fornecer um modelo de infra-estrutura educacional que
garantisse a manutenção e desenvolvimento do sistema capitalista. Ora, a redefinição do
processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, a partir de 1930, com a paulatina
substituição do modelo agrário-exportador pelo modelo urbano-industrial provocou a
reorganização do sistema social onde surgiram novas formas de dominação e controle
social. As tensões ocasionadas pelas transformações ocorridas na esfera econômica
atingiram variados setores sociais, inclusive o educacional. Como propõe Otávio Ianni,
“As transformações econômico-sociais e a democratização do ensino
não se ligam apenas na mentalidade dos defensores da escola pública,
gratuita e obrigatória para todos como se fosse a ser alcançado em
função dos interesses grupais transitórios. Ao contrário, esses
fenômenos se relacionam no próprio processo de formação de uma
civilização urbano-industrial, o que ocorre no Brasil contemporâneo;
um e outro se ligam intrinsecamente , como momentos e faces de uma
mesma sociedade em formação.”
93
Dessa forma, a mudança é dentro da ordem, ou seja, deve ser realizada para
manter estabilidade, garantindo os elementos necessários para que o sistema consiga
funcionar em plena capacidade. Por isso, essa tentativa de inserir uma ação
racionalizadora na esfera estatal estava articulada com o ideário desenvolvimentista e,
logo, relacionada às estratégias de fortalecimento da estrutura econômica capitalista.
É preciso compreender as especificidades do planejamento quando realizado
para a formulação das políticas públicas de proteção social. O planejamento não sendo
um instrumento utilizado apenas na política econômica apresenta muitas faces, variando
conforme o setor em que se aplique: ao de cultura, ao ensino, ao fomento industrial, etc.
93
IANNI, OTÁVIO. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 1963. P.201
70
As análises econômicas são um recurso fundamental no processo de planejamento
econômico, porém, são insuficientes para a implementação das políticas sociais, onde a
necessidade de análises que permitam avaliar o grau de mudança social e as demandas
decorrentes da industrialização solicitam dados diferentes e mais complexos dos que os
índices encontrados nos relatórios econômicos. A limitação dos índices econômicos
como único suporte do planejamento social demandou a presença de outros
especialistas, em geral, sociólogos e antropólogos, que fornecessem estudos mais
abrangentes sobre os problemas sociais.
94
1.2 – A organização do Estado: a racionalidade em defesa do espírito público
Até aquele momento as políticas públicas educacionais vinham sendo realizadas
a partir de decisões políticas, sem base em estudos ou levantamentos concretos. O
conhecimento elaborado pelos cientistas sociais, no interior da agência, seria a base de
todo o planejamento educacional realizado pelo MEC. Como afirma Fernando de
Azevedo ao Ministro da Educação Clóvis Salgado, durante o discurso de inauguração
do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, em 1957:
“(...) a penetração nas esferas governamentais, de uma consciência
mais clara da necessidade de recorrer às ciências e às pesquisas sociais
para esclarecer situações, iluminar caminhos, e, lançando-lhe bases
mais sólidas, traçar direções seguras à reconstrução educacional. A
inauguração deste Centro, como o do Centro Brasileiro que o
precedeu, no Rio de Janeiro, marca mais uma tentativa, – e, a maior de
todas para promover a transição de uma política empírica de
educação para uma política científica, realista e racional.”
95
94
Nos Estados Unidos a preocupação com a análise das tendências sociais surge em 1929, quando o
sociólogo William Ogburn dedicou-se ao estudo das taxas de mudança social, atendendo ao pedido do
Research Committe on Social Trends. Com a depressão as atenções foram voltadas para os planos
macroeconômicos; contudo, no fim da década de 1950, os sociólogos voltaram seus esforços para
questões como “o planejamento urbano, a educação, as questões raciais, assim como as previsões em
longo prazo com o intuito do planejamento social.” Em 1966, o secretário norte-americano da saúde,
educação e bem estar-social, John Gardner, reuniu um grupo de quarenta e um cientistas sociais e também
estatísticos na tentativa de organizar um planejamento social a partir do conhecimento das problemáticas
sociais. Ver BELL, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial. São Paulo: Cultrix, 1973. p. 371.
95
AZEVEDO, Fernando. Discurso proferido na inauguração do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais de São Paulo. In: Revista Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: INEP, Vol. 1, n°2,
1956. p. 5
71
O discurso girava em torno do ineficiente modelo de elaboração de políticas
educacionais adotada pelo MEC, e propunha trazer para o interior do aparelho estatal
cientistas e técnicos capazes de indicar e elaborar os projetos educacionais
implementados pelo Estado. Condenando o mecanismo tradicional de definição de
políticas públicas, Fernando de Azevedo, durante outra inauguração a do “Seminário
Interestadual de Professores” realizado no CRPE/SP – afirmava que:
“O CBPE veio marcar mais que uma nova fase, um ponto de inflexão
na política educacional. Em vez de se elaborarem reformas sob
pressão de circunstâncias ou acomodações políticas, de entregá-las ao
capricho dos governos que se sucedem, às tendências às vezes
contraditórias de administradores improvisados ou, em casos raros, a
instituições luminosas de reformadores que, tendo por seu idealismo,
os olhos nas estrelas, não desprenderam seus pés do chão, pelo seu
sentido de vida real, serão ou poderão, ser elas, daqui por diante, se os
governos se dispuserem a aceitar a colaboração dos Centros fundados
no critério histórico da experiência apurada até hoje, no levantamento
de situações reais, em prévias elaborações indutivas e nas conclusões
tão seguras quanto possível de observações e pesquisas
metodicamente conduzidas”.
96
Esta inflexão na orientação das políticas do Estado, sugerida por Fernando
Azevedo, traz para o cenário brasileiro uma prática generalizada nos Estados Unidos,
especialmente no pós Segunda Guerra: a presença de organizações – denominadas think
tanks, “tanques pensantes”, constituídas por experts e intelectuais, think tankers
associadas ao Estado e voltadas para intervir ou assessorar nas políticas institucionais
como ideas factories.
97
96
AZEVEDO, Fernando. Oração Pronunciada na sessão inaugural do seminário interestadual de
professores. In: Revista Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro, INEP, Vol. 2, n° 4, 1957 p. 8
97
Sergio Miceli já emprega o termo para o caso brasileiro. Ver a diante na nota 50
SMITH, James A. The idea brokers. Think tanks and the rise of new policy elite. New York: The Free
Press, 1993. “Think tanks are largely twentieth-century inventions, but the expert adviser and the
intellectual working in the shadows of power have had a role in political life for more than two millenia”.
p. xvi. Ver também: DICKSON, Paul. Think tanks. New York: Atheneum, 1971. Este é um trabalho
marcante, produzido por um jornalista especializado que analisa esse modelo institucional a partir da
RAND Corporation, a organização think tank paradigmática criada ao fim da Segunda Guerra e na qual
72
Fernando de Azevedo identificava nas reformas executadas através dos
mecanismos políticos tradicionais, a idéia do “contraditório”, do “improviso”, do
“capricho dos governantes”, das “acomodações políticas”; em contrapartida, os Centros
criados pelo INEP trariam para a esfera estatal o “espírito científico”, através da
utilização de técnicas e pesquisas, indicando ao Estado a “solução prática dos
problemas”. A produção de conhecimento teórico estaria aliada à formulação dos
conhecimentos práticos, preparando planos e dados úteis à elaboração de políticas
cientificas. Ao continuar seu discurso, Fernando de Azevedo, reitera o avanço
promovido pela instalação do Centro e a capacidade da agência de atuar como um think
tank:
“Porque não dispunham os governos do passado e os educadores
investidos na direção das atividades escolares, de aparelhamentos ou
instituição dessa ordem, em que pudessem buscar os dados
necessários, objetivamente colhidos e cientificamente elaborados e
interpretados, não havia outro recurso senão entregar-lhes, na melhor
das hipóteses a inspiração pessoal, às consultas e trocas de idéias e à
madura reflexão, para contribuir em seus planos de reforma, quase
sempre marcado pelas contradições e por suas vistas fragmentárias,
sem uma larga visão de conjunto”.
98
Dessa forma, acreditamos, que a experiência do CBPE teve como um dos pontos
principais a possibilidade de configuração de um novo modelo de decisão política no
interior do Estado, ainda que de forma setorial, pautado no planejamento racional e no
fortalecimento do papel do técnico nos debates políticos do país. Tal modelo entrou em
conflito com a preservação do status quo, ou seja, com as diretrizes tradicionais que
marcavam as orientações do Ministério da Educação e Cultura. A inevitabilidade desse
conflito constituiu-se como uma barreira ao planejamento, além, de disputas próprias ao
campo intelectual, como veremos adiante.
trabalharam think tankers notáveis, como o futurólogo Herman Khan - posteriormente líder do think tank
Hudson Institute - e mais recentemente o “midiático” Fukuyama. “RAND became the pre-eminent model
for scores of organizations devoted to modern policy-making and the brokerage of technology”. p. 25.
Sobre a origem do termo: p. 26.
98
AZEVEDO, Fernando. op. cit. p. 8
73
Os intelectuais participantes da agência tentaram intervir no processo decisório a
partir da crença do planejamento racional para a condução das políticas públicas.
Acreditamos que a idéia de planejamento do CBPE está organicamente ligado à adoção
de planos e metas no sistema político brasileiro, considerados modelos eficazes de
organização e gestão do Estado.
Dentro desse processo não minimizamos o papel de Anísio Teixeira nem as
especificidades de sua gestão no interior do INEP mas, vale ressaltar, seguindo a linha
teórica proposta por Antônio Gramsci, que os intelectuais estão ligados, mesmo que de
forma “mediatizada”, com os grupos “essenciais” da estrutura social. A organização do
mundo moderno possibilitou a diversificação do trabalho intelectual, tornando esses
agentes indispensáveis na consolidação de correntes hegemônicas desses grupos
essenciais. Este procedimento manteve como função dessa categoria social a construção
dos sistemas ideológicos, derivados do funcionamento dos meios de produção, para o
exercício do controle social.
99
Assim, o papel exercido pelos intelectuais da agência
pode ser compreendido através das relações sociais dentro do sistema capitalista
daquele período histórico e extrapolam as vontades e decisões meramente individuais.
1.3 A importância do planejamento no CPBE: preparar o Estado para a
intervenção na “realidade nacional”
Para Fernando de Azevedo, ao país restava “progredir ou desaparecer”; logo, era
preciso eliminar da política brasileira as bases de superficialidade e improvisação que
marcavam o sistema decisório. Como solução, o diretor do CRPE/SP apresentava o
planejamento como única alternativa de garantir ao país uma “política saudável”, capaz
de responder aos imperativos do processo de modernização.
Em 1958, Jayme de Abreu, coordenador da DEPES, afirma que o planejamento
era uma conseqüência da modernidade, sendo indispensável para a consolidação da
democracia.
“Social e economicamente, o impacto da Revolução industrial e
tecnológica determina, imperativamente, a necessidade de uma
política racionalmente planejada na condução dos assuntos da
99
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968. Trad. Carlos Nelson Coutinho. p. 10
74
educação, seja no campo da utilização racional de tarefas ligadas com
o aproveitamento rápido de descobertas consideradas úteis, seja na
própria esfera da organização das relações humanas. Várias condições
e fatores concorrem simultaneamente para tornar o planejamento, em
escala regional ou nacional, um recurso de sobrevivência do progresso
econômico de preservação do prestígio na área política
internacional”.
100
Para Jayme de Abreu o planejamento traduziria o desejo e as necessidades da
população, fortalecendo a democracia. O planejamento atuaria como recurso baseado
em pesquisas científicas elaboradas com o intuito de descortinar os fatos e compreender
os fenômenos a partir de métodos e hipóteses definidas. Mas, qual o modelo de
planejamento proposto pelos integrantes do CBPE? Como esse modelo respondia aos
postulados modernizadores empreendidos por parte da intelectualidade brasileira do
período?
A proposta veiculada pelos representantes do Centro pressupunha a utilização
das ciências sociais na formação de um mapa cultural e de um mapa educacional que
serviriam como base para a elaboração de políticas públicas identificadas com o
interesse geral da população e, dessa forma, promotoras do desenvolvimento social. A
idéia de planejamento, entre esses intelectuais, aparece associada à utilização do aparato
científico e à compreensão das reais necessidades da população.
“Admitidos esses postulados, neles está implícita idéia da existência
das instituições de pesquisa educacional, a funcionarem como cérebro
do planejamento, para dar-lhe responsabilidade objetiva,
instrumentação fundamental. Assim, como os conceitos de
democracia e educação são indissociáveis, na idéia de planejamento
está indissociavelmente contida a idéia de pesquisa científica,
objetiva”.
101
100
ABREU, Jayme [et all]. “Seminário Interamericano de Planejamento Integral da Educação”. O
Seminário foi realizado em 24 de junho de 1958. In: Revista Educação e Ciências Sociais. Documentação
Rio de Janeiro: INEP, Vol V, n°11, 1959. pp. 151-161. p. 151
101
idem. p. 152
75
O conhecimento da realidade nacional proporcionaria aos óros de governo a
intervenção criteriosa nas diversas questões sociais. Tal conhecimento seria produzido a
partir de levantamentos sociais capazes de especificar as relações de produção de cada
região do país e as possibilidades de intervenção. Na medida em que a ação desses
intelectuais no interior do Estado visava modificar todo o conjunto da sociedade através
de políticas na esfera cultural e reformular a própria organização do Estado,
imprimindo-lhe uma nova direção política, a idéia de intervenção na realidade nacional
pressupunha a identificação dos aspectos que mantinham as estruturas tradicionais,
considerados fatores de estrangulamento do processo de modernização. Tratava-se de
investigar como adequar essa “realidade nacional” aos novos interesses surgidos com a
industrialização.
A utilização das ciências sociais para a formulação de políticas públicas naquele
período foi pautada na compreensão de que vivíamos um “processo de mudança”.
102
O
desenvolvimento dependia do ajuste das instituições sociais aos novos mecanismos de
organização capitalista. Este desenvolvimento seria plenamente alcançado quando
conseguíssemos implementar no país as estruturas modernas, sendo na área econômica,
a revolução tecnológica; na área política a valorização da democracia; e na área cultural
a expansão da educação. Nesse sentido, a educação é concebida como instrumento
integrador da população à modernidade, fonte aglutinadora do tecido social à
mentalidade urbana. Dessa forma, através da educação, em todos os seus níveis,
formaríamos uma sociedade civilizada, promoveríamos a mobilidade social e
eliminaríamos do imaginário coletivo as formas tradicionais de organização,
impregnando a população dos valores modernos, sem sobressaltos nem movimentos
exagerados.
O planejamento proposto pela agência se apoiava nas pesquisas produzidas pelos
intelectuais do Centro que dividiram as regiões brasileiras através do projeto das
cidades-laboratórios, onde eram escolhidas as cidades médias de cada região, e
organizaram as pesquisas de acordo com temáticas que tratassem dos entraves à
modernização. Tais questões nem sempre tinham a educação como eixo principal. Dos
vinte e cinco projetos de pesquisa desenvolvidos no CBPE, onze eram dedicados à
102
A idéia de processo de mudança está relacionada à compreensão de que as sociedades tradicionais
sofrem uma profunda reestruturação durante o surto modernizador, fator que provoca a transformação,
muitas vezes abrupta, das relações sociais existentes. Essa transformação precisa ser direcionada para
melhor condução da modernização social e controle do Estado. Ver: EISENSTADT, S.N. Modernização:
protesto e mudança: modernização das sociedades tradicionais. Trad. José Gorjão Neto. Rio de Janeiro:
Zahar, 1969.
76
educação enquanto quatorze analisavam aspectos gerais da sociedade brasileira. Na
análise quantitativa que realizamos, observamos que dos cem artigos publicados pela
Revista Educação e Ciências Sociais, entre 1956 e 1961, quarenta e cinco artigos têm a
educação como uma questão presente e cinqüenta e cinco tratam de outras temáticas.
103
,
Ora, por que uma agência criada para fornecer bases para a política educacional
promovia uma grande quantidade de pesquisas a princípio pouco relacionadas ao seu
objeto central?
A pretensão de modernizar a sociedade através da intervenção planejada
propunha como objetos de pesquisa os itens considerados essenciais ao processo
modernizador. Dessa forma, as linhas de pesquisa do CBPE eram orientadas de acordo
com a lógica modernizadora, buscando realizar análises integradas aos fatores que
compunham uma sociedade moderna. O fato da educação nem sempre ser o tema
central das pesquisas não desmobilizava o projeto do Centro, que além da problemática
educacional stricto sensu tinha a modernização como meta. As principais linhas de
pesquisa correspondiam aos pontos considerados centrais no processo modernizador, ou
seja, as questões como mobilidade social; defasagem cultural e secularização da cultura;
industrialização e urbanização; etc. Assim, as análises sociológicas eram tão
importantes quanto os estudos dedicados estritamente aos aspectos educacionais. A
educação era o tema principal na medida em que atendesse às demandas do processo
modernizador, logo era preciso diagnosticar as transformações provocadas pela
industrialização e seus pontos de estagnação.
A noção de modernização tem nos aspectos sócio-demográficos e nas estruturas
da organização social seus pontos centrais. Como principais características de uma
sociedade modernizada ou em processo de modernização temos: na esfera econômica
a consolidação de sistemas industriais com alto grau de desenvolvimento tecnológico;
na esfera institucional surgimento de novas ocupações e aparecimento de unidades
organizacionais distintas, visando à diminuição do poder das redes de parentesco, ou
clientelísticas, no controle dos novos espaços; na esfera política o fortalecimento do
papel do Estado e maior participação dos grupos sociais no processo decisório.
“A análise mais concreta da sociedade civil burguesa ou da ordem
capitalista cedeu lugar à valorização dos aspectos institucionais gerais
103
Cabe ressaltar que encontramos alguns artigos que apresentam nos seu título a idéia de educação, mas
não a têm como temática central.
77
ou abstratos como a mobilização social, a diferenciação cultural, ou o
caráter geral de qualquer ordem industrial. Considerava-se que esses
aspectos forneciam a força de mudança mais geral e irradiante no
mundo moderno ou em vias de modernização”.
104
A teoria da modernização, amplamente difundida no período pós-guerra, teve
como principais características: a crença na capacidade do Estado em promover a
democracia e a equalização social; a defesa da mobilidade social como mecanismo de
superação das distorções sociais; a industrialização como mola propulsora do
desenvolvimento global da sociedade; o fortalecimento da idéia de que a desigualdade
social é provocada pela manutenção de práticas pré-capitalistas, não sendo inerente ao
próprio sistema capitalista; a participação popular através do voto; e finalmente, a
importância da secularização da cultura e a maior especialização nas áreas do ensino.
105
Para compreenderem o processo de mudança pelo qual passava o país naquele
período, os cientistas sociais nucleados no CBPE opunham-se metodologicamente às
análises generalizantes, oferecendo como melhor alternativa os estudos de comunidade.
Tais estudos, compatíveis com a compreensão da realidade nacional, descortinariam os
fatores que mantinham o país no subdesenvolvimento, indicariam caminhos e gerariam
uma base de dados sobre o estágio de desenvolvimento das diversas regiões do país. A
produção de conhecimento sobre a diversidade brasileira tornava-se fundamental no
planejamento das elites modernizantes.
Os especialistas do Centro consideravam que a maior parte das cidades
brasileiras teria de cinco mil a dez mil habitantes. Essa previsão tornava as cidades
médias o principal foco de pesquisa. O programa de cidades-laboratórios tinha como
meta realizar levantamentos sociais que descortinassem o padrão de vida da população,
a produção econômica de cada região, a delinqüência juvenil, a educação, a saúde e a
mobilidade social, tornando-os pontos de partida para as instituições de serviços de
pesquisa ligadas ao governo. O levantamento social era considerado um instrumento
essencial na compreensão da realidade, garantindo a atenuação dos problemas sociais.
Para Oracy Nogueira,
104
EISENSTADT, S. N. A dinâmica das civilizações: tradição e modernidade. Lisboa: Cosmos, 1991. p.
152
105
Sobre a teoria da modernização ver: EISENSTADT, S.N. Modernização: protesto e mudança:
modernização das sociedades tradicionais. Trad. José Gorjão Neto. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
_________. A dinâmica das civilizações: tradição e modernidade. Trad. Manuela Galhardo, Lisboa:
Cosmos, 1991.
78
“O levantamento dos aspectos de vida da comunidade garantem o
diagnóstico dos problemas locais; segurança na definição do
planejamento social; mecanismos de informação indispensável para
fornecer ao público o conhecimento necessário para o melhor
funcionamento social do regime democrático e finalmente auxiliam na
participação da comunidade para a solução dos problemas”.
106
O pesquisador da DEPS Oracy Nogueira afirmava que levantamento social
através de dados estatísticos permitia a compreensão inicial dos problemas sociais.
Qualquer problema social era considerado apenas um distúrbio resultante do próprio
processo de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. A elevação do padrão de
vida e as modificações estruturais provocadas pela modernização redefiniam as
necessidades e, muitas vezes, aceleravam a “desorganização social” e a “defasagem
cultural” entre os setores sociais.
“Nas sociedades em desenvolvimento, os 'problemas sociais', não raro,
constituem, ao mesmo tempo, reflexo do desenvolvimento e pontos de
estrangulamento deste processo, como é, por exemplo, o caso dos
problemas de educação no Brasil atual”.
107
O sociólogo ressalta que a realização de levantamentos sociais no país havia
iniciado em 1936, graças ao trabalho de Samuel Harman Lowrie sobre o padrão de vida
de um grupo de trabalhadores urbanos. Durante toda a década de 1950 os cientistas
sociais do Centro propunham a associação do levantamento social à noção de
investigação social, que tinha por objetivo contribuir para a produção do conhecimento
sobre a realidade brasileira com a utilização de um sistema conceitual bem definido.
Essa compreensão da importância de análises dedicadas ao mapeamento das regiões
brasileiras e suas possibilidades de desenvolvimento, presente nos discursos dos
sociólogos e antropólogos do CBPE, tornou-se o discurso oficial da agência.
106
NOGUEIRA, Oracy. “Problema Social, Problema de Investigação”. In: Revista Educação e Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: INEP, agosto de 1958, Vol. III, n°.8 pp. 93-110 p. 109
107
idem. p. 104
79
Os cientistas sociais eram freqüentemente enviados aos seminários dedicados à
educação para enfatizar a importância da investigação social na condução de políticas
públicas e no favorecimento ao desenvolvimento. Além disso, os intelectuais
modernizadores passaram a valorizar em seus discursos e ações o planejamento pautado
no conhecimento empírico da realidade nacional, o que reproduziria os padrões da
civilização ocidental. A educação formaria o homem novo, capaz de assimilar os
valores e conceitos do mundo social urbano.
A educação deveria garantir uma cultura geral que possibilitasse a todos
participar de uma sociedade moderna, atuando como veículo promotor da mobilidade
social. A escola promoveria a igualdade de oportunidades, minimizando os conflitos
sociais e favorecendo a formação de uma relação de complementaridade entre as classes
fundamentais. A idéia difundida pelos intelectuais modernizadores sobre os “perigos”
provenientes de uma “sociedade em mudança” onde ainda persistiam instituições frágeis
e autoritárias associava-se à idéia de que a intervenção racional atuaria como defensora
da democracia e da ordem social. A preocupação com o direcionamento das mudanças e
com as resistências a essas mudanças que dificultavam o desenvolvimento econômico
mobilizou vários grupos de cientistas sociais em diversos seminários e congressos,
como por exemplo, o “Seminário sobre resistência à mudança” organizado pela
CLAPCS (Centro Latino Americano de Pesquisas em Ciências Sociais), FLACS
(Fundação Latino Americana de Ciências Sociais) E UNESCO, realizado no Museu
Nacional, em 1958.
108
A atuação dos cientistas sociais e dos educadores nas esferas do poder foi
possível graças a uma redefinição da organização social e do aparecimento de novos
problemas que suscitaram das instituições sociais medidas capazes de absorver as
mudanças geradas pelo processo de modernização, obrigando o aparelho estatal à
ampliar seus mecanismos de participação. Em diversos países, inclusive no Brasil, a
esfera cultural assumiu papel de destaque nas várias fases da modernização ao ser
considerada como elemento difusor dos mecanismos de diferenciação modernos.
“Os próprios canais educacionais transformam-se de agências
orientadas, sobretudo, para a educação de uma elite, e de agências de
108
“Seminário sobre resistências à mudança: fatores que impedem ou dificultam o desenvolvimento
econômico”. In: Revista Educação e Ciências Sociais. Documentação.Rio de Janeiro: INEP, Vol. 5.
N°11, 1959. p. 152
80
mobilidade 'patrocinadas', em agências interessadas na 'difusão' da
educação, na mobilização cultural dos estrados mais vastos e nos
problemas de mobilidade social, em geral, e da mobilidade
ocupacional em particular. (...) Na esfera cultural, o processo de
modernização tem-se caracterizado por uma diferenciação crescente
entre os aspectos principais dos grandes sistemas culturais de valores
(...), por uma secularização cada vez maior, pelo enfraquecimento das
elites culturais tradicionais, pela difusão da alfabetização e da
educação laica e pela emergência de uma nova intelligentsia secular e
de vários grupos profissionais”.
109
No período estudado assumiram grande destaque os problemas da definição de
uma nova comunidade política, da inclusão das “massas” no processo modernizador, da
difusão da educação como definidora da mobilidade ocupacional e da formação de
vários grupos profissionais dispostos a ocupar o espaço que pertencia às elites
tradicionais.
2.0 - Os educadores profissionais como elites modernizantes: o papel do Estado no
desenvolvimento da nação.
Na esfera político-econômica, as cadas de 1930 a 1960 são marcadas pelo
processo de industrialização e consolidação do capitalismo monopolista no país,
obrigando à reformulação das instituições sociais e favorecendo a entrada de novos
grupos no poder. Durante o período, o Estado passou a intervir nas esferas sociais, criou
estratégias para favorecer a industrialização, atendeu aos interesses heterogêneos dos
setores sociais (burguesia mercantil-exportadora, burguesia industrial e proletariado) e
absorveu os possíveis conflitos decorrentes da crise de hegemonia política daquele
momento. Por outro lado, esse “grande Leviatã” teve sua autonomia limitada pela
própria necessidade de atender aos grupos divergentes e a inserção do país no cenário
capitalista internacional limitação acentuada pela ausência de uma direção política
hegemônica.
110
109
EISENSTADT, S.N. op. cit. p.161
110
DRAIBE, Sônia. Rumos e Metamorfoses. O processo de industrialização no Brasil (1930-1960). São
Paulo, Paz e Terra, 1988. p. 33
81
Com o processo de modernização iniciado na década de 1930 surgem novos
grupos e camadas sociais que passam a disputar espaço na cúpula do poder. Esses novos
atores provocam a redefinição da comunidade política e suscitam o aparecimento de
novos espaços de intervenção com capacidade de atender às suas exincias. O período
foi marcado no âmbito político pelo crescente desequilíbrio entre as elites, pelo
processo de diferenciação de grupos e pela fragilidade das alianças políticas, suscitando
a constante redefinição das coalizões políticas e acirrando a disputa entre as elites
dirigentes pela construção da direção política do Estado. Como propõe Sônia Draibe,
“As alianças e articulações, à medida que as questões se atualizavam,
foram fugazes, instáveis, respondendo a um campo sempre
heterogêneo de interesses fragilmente aliados em torno de objetivos
específicos”.
111
A crise na economia agrária possibilitou a emergência de rias alternativas de
desenvolvimento e provocou a necessidade de redefinição da direção política do Estado.
Qualquer uma das alternativas adotadas a favor do desenvolvimento implicava na
transformação do próprio Estado e na consolidação do poder nas mãos daqueles setores
capazes de apresentar seus objetivos específicos como interesses de toda a nação,
tornando-os legítimos e hegemônicos. Nesse processo, o Estado aparece como o
elemento indispensável de coalizão, já que esses grupos encontravam no interior do
aparelho estatal a oportunidade de concretizarem seus objetivos específicos como
“tendências de direção política” para o país. Vale ressaltar, que as alianças entre esses
grupos eram redefinidas à medida que a industrialização tornava-se o eixo central da
economia. Assim, a industrialização e, conseqüentemente, a reformulação das estruturas
sociais foram constituídas pela ação dos grupos sociais que se articulavam e teciam
alianças em função das questões momentâneas de cada fase da industrialização.
112
É nesse cenário que os intelectuais atuavam, visando organizar as políticas
públicas e construir um modelo de orientação política. Dessa forma, como foi dito,
duas questões estavam em curso: como garantir o desenvolvimento da sociedade nos
padrões capitalistas e qual direcionamento político deveria ser implementado pelo
Estado. A disseminação do poder entre diversos grupos sociais favoreceu a formação de
111
idem. p. 43
112
idem. p.60
82
organizações através das quais se articulavam as exigências políticas. Contra o retrato
da miséria da população e do descaso das elites oligárquicas surgem os novos
representantes da nação, os intelectuais modernizadores, defensores do “espírito
público” e da democracia.
A atuação desses homens ocorrerá, preferencialmente, no âmbito do Estado,
considerado elemento central na orientação do processo modernizador. Dentro dessa
categoria, ou seja, de intelectuais modernizadores, encontramos os educadores
profissionais que foram participantes ativos de diversas associações e instituições que
visavam atuar no espaço político através da proposição da reforma, cujo objetivo central
era reorganizar as instituições, garantir a incorporação de camadas mais amplas da
sociedade no desenvolvimento e (in)formar uma parcela importante da opinião pública.
Ao assumir a direção do INEP, em 1952, o educador Anísio Teixeira denunciava
em seu discurso, intitulado “Reconstrução educacional”, a situação de crise e confusão
das instituições brasileiras, provocadas pelo crescimento desorganizado das cidades e
pela ausência de mecanismos capazes de consolidar no país os novos valores
civilizacionais.
“Todos estamos a ver ou sentir o estado de confusão e de crise em que
estamos imersos, que o é o da crise geral de todo o mundo, mas
está mesma crise, de séria, tornada mais grave pela tenacidade de
nossas instituições e pela impaciência insofrida com que estamos
expandindo, sem cuidar da reconstrução do existente nem de dar, ao
novo, as condições de eficiência ou eficácia que os novos tempos
estão a exigir”.
113
O educador relembrou a criação de órgãos e instituições como a ABE (1924), o
Ministério da Educação e Saúde (1930) e o INEP (1938) destacando o papel
transformador dessas instituições ao imprimirem ao problema educacional o caráter
nacional e ao funcionarem como formadoras da consciência educacional comum; estes
dois fatores eram considerados, por Anísio Teixeira, indispensáveis à reconstrução
escolar. Ao valorizar as ações empreendidas a favor da causa educacional, com o
surgimento de espaços especializados à educação, o educador ratificava o papel
113
TEIXEIRA, Anísio. "Reconstrução Educacional". In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio
de Janeiro: INEP, Abril de 1952, n° 46. pp. 69-80 p. 71
83
imprescindível do Estado no direcionamento do país durante o processo de mudança em
curso.
Anísio Teixeira acreditava que era preciso retomar o mesmo “ímpeto renovador”
interrompido pela “reação e confuso tradicionalismo” existentes nas décadas anteriores
– referindo-se às acusações e perseguições que as lideranças do CBPE sofreram durante
o Ministério Capanema (1934-1945). O educador acreditava que só o Estado seria capaz
de garantir as condições de eficiência para ultrapassarmos o desequilíbrio social
provocado pela permanência de mecanismos aristocráticos e patriarcais numa sociedade
já em processo de industrialização.
O “ímpeto renovador” proposto por Anísio Teixeira ocorreria a partir da ação
das agências do governo, no caso o INEP, que contribuiria para a formação de uma
“consciência educacional”, considerada parte integrante de uma “consciência nacional”,
que compreendia o papel da educação no desenvolvimento da sociedade. Para o
educador, o dever do INEP durante sua administração seria,
“(...) tanto quanto possível, o centro de inspirações do magistério
nacional para a formação daquela consciência educacional comum,
que mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e orientar a escola
brasileira (...). Os estudos do INEP deverão ajudar a eclosão desse
movimento de consciência nacional indispensável à reconstrução
escolar.”
114
A capacidade de transformação atribuída ao setor educacional alargou os debates
sobre a educação, tornando-os, a partir de 1950, debates sobre os rumos de
desenvolvimento do país. Os intelectuais modernizadores propuseram o exercício de
uma “política saudável” direcionada ao controle racional das demandas da população.
Ao Estado caberia o papel de promotor do desenvolvimento, possível apenas através da
industrialização e das reformas estruturais necessárias à promoção da mobilidade
social
115
(considerada como elemento indispensável para o desenvolvimento dos países
114
TEIXEIRA, Anísio. Discurso apresentado durante sua posse no cargo de diretor do INEP. IN:
Apresentação. Revista de Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: INEP, março de 1956, 1 Ano
1. p.15
115
Para compreensão de mobilidade social utilizamos a definição de Karl Deutsch: “(...) processo em que
os principais conjuntos de velhas vinculações sociais, econômicas e psicológicas são desgastados e
quebrados, e os indivíduos se tornam disponíveis para novos padrões de socialização e de
84
capitalistas). Essa ação interventora do Estado deveria ser realizada em associação às
instituições de pesquisa e assessoramento técnico criadas para identificar as causas do
desequilíbrio social. Consideramos os intelectuais do CBPE como parcela das elites
modernizadoras por apresentarem um discurso característico dos defensores da
modernização como processo de superação do subdesenvolvimento.
2.1 – Outros nichos intelectuais e o CBPE: projetos de desenvolvimento em disputa
A criação de agências ligadas às questões de desenvolvimento era valorizada
internacionalmente como recurso estratégico de consolidação do capitalismo. O período
posterior à Guerra registra o aparecimento de inúmeras agências dedicadas à
restauração da ordem internacional e à consolidação da hegemonia do sistema
capitalista. A criação de agências como a ONU (Organização das Nações Unidas, a
UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas), a OIT
(Organização Internacional do Trabalho, a OMS (Organização Mundial da Saúde), a
OMC (Organização Mundial do Comércio) etc, demonstram as preocupações com a
reconstrução dos países destruídos pela guerra e a necessidade de reorganizar o sistema
capitalista internacional entre os países ocidentais).
A América Latina, ainda ligada às estruturas de uma sociedade tradicional de
base agrária, apresentava um processo de industrialização incipiente associado a
constantes movimentos de instabilidade política. Na tentativa de solucionar os
problemas latino-americanos, consolidando nesses países a nova ordem econômica
internacional, criava-se a CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe),
ligada à ONU. As teorias cepalinas marcaram o pensamento político-social latino-
americano entre as décadas de 1950 e 1980, influenciando as correntes intelectuais do
período e orientando projetos para a superação do atraso.
O economista Raul Prebisch, principal intelectual da CEPAL, valorizou a
industrialização como instrumento para o desenvolvimento da sociedade, acreditando
que a substituição das importações e o favorecimento da indústria superariam as
relações de dependência centro-periferia que estrangulavam o crescimento dos países
latinos. Para ele, o desenvolvimento dependia da presença do capital estrangeiro na
dinamização da economia; de uma política fiscal austera; da manutenção dos salários; e
comportamento”. In: DEUTSCH, Karl. Social Mobilization and Political Development. American
Political Science Review. LV, setembro de 1961, pp. 463-515.
85
especialmente, do papel do Estado que deveria agir como impulsionador das atividades
econômicas.
116
A industrialização era concebida como instrumento para alcançar o
desenvolvimento, o que significava, a absorção da força produtiva de trabalho e a
reorganização da sociedade. De uma sociedade tradicional e fechada, passaríamos a
uma sociedade moderna e aberta. Raul Prebisch opõe-se ao modelo de
“desenvolvimento para fora” propondo a industrialização como melhor modelo de
política econômica. Como afirma Jacqueline Haffner,
“O fenômeno deliberado da industrialização com o desenvolvimento
conjunto das atividades complementares como transporte, comércio
e serviços constituía uma política necessária para os países da
periferia a fim de absorverem o crescimento demográfico e aumentar
ao mesmo tempo a produtividade, a renda e os níveis gerais de
vida”.
117
Se para os integrantes da CEPAL a industrialização seria suficiente para a
promoção do desenvolvimento, outros círculos intelectuais defendiam que o
desenvolvimento, cujo fator central era o processo de industrialização, dependia de uma
reformulação das estruturas sociais para a sua consolidação. Os educadores
profissionais, nucleados no CBPE, compartilhavam da idéia cepalina de industrialização
como mecanismo de desenvolvimento das nações periféricas; contudo, a associavam à
necessidade de reformas sociais que promovessem a modernização global da sociedade.
Assim, a idéia de desenvolvimento nesses intelectuais não estava restrita à
questão econômica, sendo relacionada à divisão social dos benefícios provocados por
esse crescimento. Os intelectuais ratificavam a importância de políticas sociais
distributivas que funcionariam como mecanismos de distribuição de renda de forma
mais eqüitativa entre as classes, minimizando a radicalização dos conflitos. Para os
intelectuais educadores era preciso reformar a estrutura social e prepará-la para as
transformações provocadas pelo próprio desenvolvimento, ou seja, precisávamos
116
PREBISCH, Raul. Transformácion e desarrollo. La grand tarea de América Latina. México: Fondo
de Cultura Económica, 1970.
117
HAFFNER, Jacqueline. CEPAL: Uma perspectiva sobre o desenvolvimento latino-americano. Porto
Alegre: EDIPURS: 1996. p. 73
86
reorganizar os papéis sociais, romper com a sociedade tradicional existente e redefinir
seus mecanismos de controle.
“É preciso realizar as reformas de base na batalha sem fim pelo
desenvolvimento, vale dizer, pela integração e recuperação, nos
seus novos aspectos, dos valores morais e espirituais da nossa
civilização. (...) Cumpria criar algo em oposição as tendências
viscerais de um sociedade semi-feudal e aristocrática, e para tal
sempre nos revelamos pouco felizes, exatamente por um apego a
falsas 'tradições', pois não creio que se possa falar de 'tradições
coloniais, escravocratas, feudais, num país que se fez livre e
democrático”.
118
A própria CEPAL reavaliou, na década de 1960, o peso da industrialização no
desenvolvimento. Os intelectuais cepalinos perceberam que a industrialização
provocava o crescimento econômico, mas persistiam as disparidades sociais. A idéia de
desenvolvimento associada exclusivamente à industrialização será substituída pela idéia
da industrialização com a equalização das oportunidades, tendo as políticas públicas
sociais um alto valor no desenvolvimento proposto. A CEPAL, ainda que timidamente,
defendeu as reformas estruturais e as políticas sociais como promotoras de mobilidade
social.
119
Industrialização, desenvolvimento e modernização foram as três idéias-força
presentes nas redes intelectuais das décadas de 1950/1960. Os círculos intelectuais do
período compartilhavam dessas idéias para promoverem o equilíbrio social e garantirem
a entrada do país na modernidade e na ordem econômica internacional do pós-guerra.
Cada nicho intelectual buscava desenvolver um modelo de desenvolvimento próprio,
capaz de superar o atraso social dos países latino-americanos, propondo formas de ação
que se aproximavam quanto à necessidade da modernização orientada pelo Estado, mas
divergiam nas formas de alcançar o desenvolvimento almejado.
120
Nesse momento, os
118
TEIXEIRA, Anísio. “Reconstrução educacional”. op. cit. p. 72
119
CARDOSO, Fernando Henrique. As idéias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do desenvolvimento.
Petrópolis: Vozes, 1993. p. 55
120
Enquanto a CEPAL dedicou-se, especialmente, às questões de cunho econômico, os intelectuais do
ISEB estavam empenhados em produzir uma ideologia homogeneizadora da sociedade. os
representantes do CBPE procuravam através das teorias reformistas implementar modelos na esfera
cultural capazes de disseminar na sociedade brasileira os valores das sociedades modernas.
87
educadores profissionais substituíram o modelo cívico-nacionalista defendido pela
ABE, nos anos de 1920 e 1930, pelo discurso do desenvolvimento promovido pelo
Estado e orientado pelas agências especializadas.
“(...) a história dos últimos oitenta anos demonstrou de forma
inequívoca que a educação e o desenvolvimento social e
econômico estão dinamicamente relacionados, e que as condições
que afetam aos dois extremos da relação podem mudar
consideravelmente numas poucas décadas como resultados de
esforços bem planejados que contam com o apoio da opinião
pública”.
121
O período pós-guerra e a redemocratização do país favoreceram a atuação dos
intelectuais na esfera estatal, especialmente, para o grupo de intelectuais ao redor de
Anísio Teixeira. O educador, defensor fervoroso da democracia e da ciência, retorna ao
cenário político nacional apoiando na esfera cultural o modelo de desenvolvimento
capitalista – baseado na urbanização e na industrialização – como solução para a
incorporação da população à modernidade e para sanar as instituições sociais dos traços
coloniais que ainda impregnavam a sociedade brasileira.
A educação deveria se adequar ao processo de mudança da sociedade,
favorecendo a mobilidade social e a equalização das oportunidades. A industrialização e
a urbanização orientadas pelo Estado causavam profundas modificações na sociedade;
assim, a educação precisava se ajustar a essas transformações, promovendo a
democracia e difundindo entre a população os valores modernos. Para tal, era necessário
garantir a secularização da cultura e a democratização do ensino.
À esfera cultural caberia demonstrar ao “povo” iletrado, apegado a crendices e a
dogmas religiosos, os benefícios da ciência e da tecnologia presentes na vida moderna.
Na esfera política fazia-se necessária a promoção do espírito público e a formação de
um Estado que atendesse aos interesses de toda a população, eliminando, dessa forma,
os arcaísmos ainda presentes em seus quadros, provocados por séculos de escravidão e
colonialismo. Para esses intelectuais modernizadores, o apego das elites tradicionais à
retórica, ao clientelismo e ao privatismo corroboravam a situação de atraso do país.
121
ABREU, Jayme. “Educação e Desenvolvimento Social na América Latina”. In: Revista Ciências
Sociais e Educação. A citação faz parte dos objetivos definidos na Reunião preparatória da Conferência
interamericana sobre educação e desenvolvimento econômico e social realizada pela UNESCO, CLAPCS
e CBPE sobre as relações entre educação e desenvolvimento social na América Latina, tendo
comparecido representantes de diversas instituições, especialmente, da CEPAL, FAO e IBECC. Rio de
Janeiro: INEP, Documentação, outubro de 1959, Vol. VI, n. 12, p. 107
88
“Os alvos da nossa política educacional devem atender às
exigências da nova organização social e econômica e à
conveniência de obliteras a divisão entre os ‘dois brasis’, unindo-os
em uma única sociedade. Antes, porém, caracterizamos o quadro
atual do nosso ensino que, apesar de moldado pela sociedade
arcaica, apresenta sinais de adaptação ao novo Brasil. (...) Em
primeiro lugar, a educação pode e deve contribuir urgentemente
para a diminuição da disparidade entre as várias áreas do Brasil, a
fim de possibilitar a participação de todos na vida e interesses
nacionais, bem como nos da sua comunidade e da sua região. Em
segundo lugar, sob outro aspecto, a promoção de uma cultura
básica e universal é tarefa imprescindível para a criação de uma
economia urbana e rural modernas. Finalmente, e em terceiro lugar,
a educação deve preencher o seu papel de veículo de mobilidade
social, mormente considerando-se que este processo na civilização
ocidental moderna, é essencial para o bom funcionamento da
sociedade”.
122
O grupo dos intelectuais modernizadores atuantes no CBPE compartilhava dos
princípios liberais e pregava a organização do sistema educacional como mecanismo de
regeneração do Estado e desenvolvimento da nação. Esses homens, remanescentes do
Movimento da Escola Nova, durante toda a década de 1950, defenderam o ideal liberal
de modernização das instituições sociais como modelo de democratização social.
Para os principais participantes do Centro, o Estado tornava-se o ator central na
modernização da sociedade. O Estado garantiria a equalização das oportunidades,
promovendo a harmonia e a paz social. A industrialização considerada como processo
inevitável alcançaria todos os espaços, inclusive, o campo, pelo que convencionaram
chamar de rurbanização. Os intelectuais acreditavam que o desnível campo-cidade iria
desaparecer, fosse pela difusão do modo de vida urbano por todo o país, fosse pelo
122
LOPES, Juarez Brandão. “Estrutura social e educação no Brasil”. Artigo apresentado em 31 de janeiro
de 1958 no Instituto de Sociologia e Política da Federação do Comercio do Estado de São Paulo. In:
Revista Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: INEP, 1959. vol. IV, n.° 10. p. 58. pp. 53-77
89
crescimento da população e ocupação do território que garantiria o fim do semi-
isolamento das áreas do “Brasil arcaico”, promovendo um entrosamento na organização
que constituiria o “Brasil novo”. Dessa forma, o Estado deveria tornar-se um Estado
educador para garantir a liberdade individual e a mobilidade social. Ao denunciarem a
existência de uma gica política pautada nos interesses privados os partidários das
elites tradicionais – e por apresentarem-se como os defensores dos anseios nacionais, os
intelectuais encontraram no planejamento a tática para disputarem no espaço político a
implementação de seus respectivos projetos.
123
2.2 – Descortinar um país em mudança: a função dos cientistas sociais no CBPE
O período entre 1930 e 1964 foi um momento profícuo para a institucionalização
das ciências sociais no Brasil, onde a atuação dos cientistas sociais em centros de
pesquisa contribuiu para a formação de nichos intelectuais dedicados à pesquisa e aos
métodos científicos. A valorização das ciências sociais como instrumento privilegiado
de compreensão e intervenção no meio social impulsionou a organização de centros de
estudos dentro e fora do espaço universitário, levando alguns agentes políticos a
investirem na criação desses redutos intelectuais. A fundação de instituições sob a
chancela governamental tornou-se uma estratégia decisiva para as lideranças políticas
na luta por espaço na arena decisória.
“Os think tanks criados no período em questão tiveram seus momentos
de ascensão, apogeu e declínio, definidos de perto pelo cacife e os
interesses das lideranças governamentais que os protegiam das
vicissitudes e da conjuntura política. De qualquer maneira, não houve
qualquer iniciativa institucional no campo das ciências sociais nesse
período (1930-1964) dissociada das demandas do sistema político ou
dos grupos empresariais atuantes no mercado de ensino e de produção
cultural”.
124
123
NOGUEIRA, Oracy. “Projeto de instalação de uma área para laboratório de pesquisas”. In: Revista
Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: INEP, 1958, vol. III, n° 7. p. 120
124
MICELI, Sérgio. “Condicionantes do Desenvolvimento das Ciências Sociais”. In: MICELI, Sérgio.
História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989. p. 72
90
O CBPE se insere num espaço político-ideológico onde se travavam disputas
políticas pela orientação do processo modernizador e pela definição do papel político e
social do intelectual e da ciência. Por um lado, esses novos espaços, criados para
atender às demandas políticas, foram fundamentais na formação de um mercado de
trabalho capaz de absorver os novos profissionais recém-saídos dos bancos
universitários. Por outro, promoveram uma concorrência entre os diversos grupos pela
construção de uma hegemonia sobre as definições do trabalho, como os métodos de
pesquisa, as correntes teóricas, e o seu papel social etc, no interior do campo intelectual.
Assim, o sistema de produção cultural vigente foi marcado por disputas entre os
modelos de construção do conhecimento que buscavam, cada qual a sua maneira, impor
determinadas interpretações sobre o funcionamento da estrutura social brasileira. A
produção intelectual realizada por esses cientistas sociais não se esgota nas relações
estabelecidas com os espaços político e cultural mesmo que estes definissem quais as
temáticas preferenciais; paralelamente a isso, há toda uma disputa interna entre as
correntes intelectuais pela demarcação de uma determinada linha de pensamento.
125
É
somente nesta dupla relação que podemos compreender as ações e os empreendimentos
realizados pelas redes de intelectuais nesse período.
As instituições think tanks foram organizadas para atender as solicitações
enviadas pelos setores dirigentes e passaram a exercer influência sobre as ações
governamentais, mesmo que, ainda, de forma pontual e ocasional; como por exemplo,
os casos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE; Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos – INEP; Instituto de Direito Público e Ciência Política INDIPO;
Centro Latino-americano de Ciências Sociais CLAPCS; e Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais – CBPE.
126
Esses institutos usaram as ciências sociais como base instrumental para a
realização de seus objetivos iniciais, procurando investigar as condições sócio-
econômicas brasileiras num momento de profundas transformações, durante as décadas
de 1930 a 1960. Como observa Gisele Moreira,
“As ciências sociais naquelas décadas inauguraram a pesquisa de
observação direta para criar novas visões e formas de atuação sobre o
125
idem. p. 102
126
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares. “Dilemas de institucionalização das ciências sociais no Rio de
Janeiro”. In: MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais. pp. 188-216 p. 189
91
Brasil. Pretendia-se conhecer o Brasil e sua cultura, defini-lo e
diferenciá-lo. O que se via, também, é que havia uma demanda muito
grande de pesquisadores sociais nos diversos órgãos criados pelo
Ministério da Educação, no Ministério do Trabalho e no
Departamento Municipal de Cultura (São Paulo), por exemplo, com
Mário de Andrade - apenas para lembrar a efervescência cultural de
então”.
127
A presença constante de cientistas sociais nos ministérios e secretarias aponta
para a utilização de novos recursos na gestão pública. O aparelho administrativo em
determinados setores passou a depender cada vez mais de dados informativos
habilitados para indicar o leque de soluções adequadas àquele período, recrutando
dezenas de especialistas para o interior do aparelho burocrático. Os limites do sistema
político vigente em codificar as demandas provocadas pelo aumento significativo da
participação política dos diversos grupos sociais possibilitou a entrada de novos valores
e percepções no interior do sistema político. Dentre os mecanismos possíveis, o
planejamento a partir de consultas cnicas e pesquisas científicas foi adotado como
modelo eficaz para equacionar os anseios das elites e as pressões da população.
128
A rede de intelectuais formada em torno de Anísio Teixeira e Fernando de
Azevedo era, em geral, composta por profissionais recém-saídos das universidades
paulistas Escola Livre de Sociologia e Política e Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo que viam na agência a possibilidade de exercer
seus ofícios e desenvolver os métodos de pesquisas próprios das ciências sociais. A
oportunidade de terem suas pesquisas financiadas, considerando as dificuldades de
ocuparem um espaço no mercado intelectual, tornou esse tipo de agência altamente
atraente para esses pesquisadores. Em contrapartida, Anísio Teixeira via no trabalho
dessa mão-de-obra especializada uma forma eficiente de intervenção no aparelho
estatal. Para o educador,
127
MOREIRA, Gisele Jacon A. “A formação da Antropologia no Brasil: Produção científica e ação
política em Darcy Ribeiro”. In: KANTOR, Iris, MACIEL, Débora A. e SIMÕES Júlio Assis (org.). A
escola Livre de Sociologia e Política: Anos de Formação (1933-1953). São Paulo: Escuta, 2001. pp. 72-
82 p.81
128
LAFER, Celso. op. cit., 2002. p. 50
92
“A pesquisa social é um dos imperativos para uma sociedade que
deseje realmente organizar-se. Da utilidade e necessidade desses
estudos sempre fui, no meu, no nosso campo de educação um dos
mais desabalados defensores.”
129
Dos trinta e três intelectuais ligados ao Centro, vinte e um eram cientistas sociais
(antropólogos e sociólogos), seguidos por quatro pedagogos, três economistas, um
historiador, um filósofo e um estatístico. Muitos desses intelectuais foram escolhidos
pelo próprio Anísio Teixeira, outros recomendados por seus colaboradores. As relações
estabelecidas entre cientistas sociais e educadores tornaram-se o eixo central da agência.
Para Mariza Côrrea,
“Esta atuação foi possível graças a sua articulação numa mesma
rede social rede de educadores e cientistas sociais inovadoramente
criada a partir da também recente experiência acadêmica de seus
integrantes e não mais estabelecidas apenas através de laços de
parentesco ou lealdades políticas (que, no entanto, ainda estavam
presentes) de educadores e cientistas sociais. Em relação aos
antropólogos, longe de serem pessoas isoladas em nichos que nada
tinham a ver com os grandes debates do país (...), estavam afinados
com as correntes contemporâneas de reflexão de sua especialidade e
participaram ativamente de uma articulação política explícita, da qual
a resolução dos problemas nacionais era o primeiro item da
agenda.”
130
A escolha de intelectuais paulistas foi um recurso organizacional estratégico,
que o estado de São Paulo era considerado vanguarda no processo de modernização
cultural. A relação dos intelectuais paulistas com a política foi estabelecida de forma
menos direta, em comparação com o Rio de Janeiro, prevalecendo em São Paulo à
129
TEIXEIRA, Anísio. Correspondência enviada por Anísio Teixeira ao amigo Fernando de Azevedo em
24 de abril. Apesar desta carta não ter uma data específica, ela foi redigida após a saída de Anísio
Teixeira da Secretaria de Educação do Distrito Federal, ou seja, após dezembro de 1935. Tais
correspondências encontram-se organizadas na integra in: VIDAL, Diana Gonçalves. Na batalha da
educação: Correspondências entre Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Bragança Paulista: Edusf,
2000, p. 34
130
CÔRREA, Mariza. “A Revolução das Normalistas”. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação
Carlos Chagas, 1988. N° 66. pp. 13-24 p. 14
93
dedicação pelo rigor científico, pelo aparelhamento teórico e pelo desenvolvimento dos
procedimentos metodológicos. O tipo de pensamento científico desenvolvido nas
universidades paulistas agradava Anísio Teixeira. Para ele, era necessário que as
ciências sociais se estabelecessem no país privilegiando a decisão acadêmica e não as
intempéries políticas. Dessa forma, era possível desenvolver índices sociais reveladores
dos pontos de estrangulamento da esfera social.
Desde a década de 1930, as elites paulistas promoveram uma série de iniciativas
culturais e educacionais visando interferir nas orientações políticas. Com a Revolução
de 1930 esses grupos foram alijados do poder, adotando como estratégia política a
formação de elites intelectuais. Esse movimento buscava desenvolver ações
educacionais e culturais incorporando análises científicas dedicadas à solução dos
problemas da sociedade brasileira. A Escola Livre de Sociologia e Política tornou-se um
pólo importante para a elaboração de pesquisas que levassem à modernização do
aparato estatal, concebida como racionalização dos meios de execução das políticas
públicas.
131
Em 1939, Donald Pierson ingressou no corpo docente da ELSP redefinido os
objetivos e técnicas de pesquisa. O sociólogo, formado pela Escola de Chicago,
conseguiu o financiamento de instituições norte-americanas para elaborar projetos de
pesquisas pautados nos “estudos de comunidade”, investindo na formação acadêmica
dos cientistas sociais. Os recursos possibilitaram a criação de um curso de pós-
graduação ministrado por antropólogos como Radcliffe-Brown, Herbert Baldus e
Kalervo Orbeg formando, na década de 1940, intelectuais como Oracy Nogueira, Darcy
Ribeiro e Florestan Fernandes.
132
Esses novos especialistas trabalharam no interior da Divisão de Pesquisas
Sociais (DEPS) sob coordenação de Darcy Ribeiro. A DEPS tinha como finalidade
inicial desenvolver pesquisas sobre a sociedade brasileira e suas inter-relações com os
fatores educacionais. As pesquisas realizadas na DEPS buscavam compreender as
transformações ocorridas na sociedade brasileira naqueles últimos anos, desenvolvendo
apenas análises pontuais sobre a instância educacional. Para Darcy Ribeiro a idéia
central era “passar o Brasil a limpo”, conhecer a “realidade brasileira”, elaborando um
acervo em ciências sociais capaz de caracterizar o país e suas diversas regiões.
131
SIMÕES, Júlio Assis. “Um ponto de vista sobre a trajetória da Escola Livre de Sociologia e Política”.
In: KANTOR, Iris, MACIEL, Débora A. e SIMÕES Júlio Assis (org.) op. cit. pp. 13-20 p. 16
132
Idem. p. 17
94
Dos pesquisadores ligados a DEPS destacam-se, além de Darcy Ribeiro, seja
pela freqüência de artigos publicados na Revista, seja pela participação ativa nas
decisões do Centro, ou ainda pelas conferências na qual foram designados
representantes da agência Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Juarez Brandão Lopes,
Josidelth Gomes, Luis A. Costa Pinto, Carlo Castaldi, Thales de Azevedo, Aparecida
Jouly Gouveia e, os representantes da UNESCO, Donald Pierson, Charles Wagley,
Andrew Pearse, Roger Bastide e Bertram Hutchison.
Donald Pierson e Chales Wagley chegaram ao Brasil no início da década de
1930 para realizar pesquisas antropológicas sobre as questões raciais no Brasil, com o
patrocínio de agências norte-americanas. Ambos foram amigos de Anísio Teixeira,
desenvolvendo com o educador projetos na Bahia e, posteriormente, no CBPE. As
inúmeras relações intelectuais mantidas por Pierson permitiram que o antropólogo
enviasse vários de seus alunos às universidades norte-americanas para realizarem cursos
de especialização, como Oracy Nogueira e Juarez Brandão Lopes, além, de sua
participação como mediador nos acordos de financiamentos concedidos por entidades
internacionais às instituições brasileiras. Enquanto Donald Pierson desenvolvia os
estudos de comunidade na ELSP, Roger Bastide trabalhava na USP, tendo como aluno
Florestan Fernandes, com quem trabalhou em alguns projetos financiados pelo
UNESCO. Pierson e Wagley trouxeram para o Brasil as concepções da “Escola de
Chicago” e durante todo o período que aqui estiveram, formaram dezenas de
intelectuais a partir dos valores e metodologias defendidas pela “escola”.
133
Dessa forma, a vertente de análise adotada por esse grupo de intelectuais
dirigidos por Darcy Ribeiro estava baseada nos princípios da Escola de Chicago. A
“escola” teve papel fundamental na institucionalização das ciências sociais norte-
americanas entre os anos de 1915 a 1940, influenciando e formando toda uma geração
de intelectuais dedicados à pesquisa científica. As principais tendências dessa corrente
de pensamento eram pautadas no desenvolvimento de pesquisas empíricas, no trabalho
de campo, na preferência pelos estudos urbanos e na delimitação espacial, dedicando-se,
sobretudo, à realização de trabalhos úteis à solução dos problemas sociais.
A sociologia
aplicada produzida nas instituições norte-americana tinha como objetivo a intervenção
racional nos problemas sociais, através da elaboração do conhecimento prévio das
situações existentes. Isso não significa que não houvesse rigor científico na produção do
133
EDUARDO, Octavio da Costa. “O processo de construção institucional”. In: KANTOR, Iris,
MACIEL, Débora A. e SIMÕES, Júlio Assis. Op. cit. pp. 21-25 p. 23
95
conhecimento sociológico, o que se procura desenvolver é o conhecimento específico
capaz de possibilitar aos administradores uma atuação mais precisa sobre uma
determinada realidade social.
134
Seguindo a linha da “escola de Chicago”, as pesquisas sociais realizadas na
DEPS foram divididas em três grandes blocos: as mudanças provocadas pelo processo
de urbanização e industrialização”; “estrutura ocupacional e mobilidade social no
Brasil”; e “situação educacional nos estados” prevalecendo os chamados “estudos de
comunidade”. Os estudos dedicados à questão racial no Brasil também foram realizados
pela agência, especialmente, por Florestan Fernandes. Contudo, essa temática não
prevaleceu na política de publicação do CBPE.
135
A Divisão contou, inicialmente, com cerca de vinte e cinco pesquisas (das quais
treze estavam em andamento antes da criação do CBPE). As ênfases na pesquisa de
campo e no aparato teórico para elucidar os fenômenos sociais são as principais
contribuições metodológicas adotadas por essa geração. Rompia-se, enfim, com a
tradição “Nina Rodrigues”, baseada na pesquisa realista, e com os estudos
antropológicos generalizantes, e, em seu lugar, desenvolviam trabalhos mais
preocupados com o específico e local.
A análise das tendências sociais e a busca por índices capazes de precisar a
estrutura social brasileira e seus pontos de estrangulamento marcam as pesquisas
realizadas na Divisão. A criação de indicadores educacionais vinha sendo realizada
pelo INEP, desde 1952, quando Anísio Teixeira elaborou a Campanha de Inquéritos e
Levantamento do Ensino Médio e Elementar (CILEME). Mas, a Campanha apenas
apresentava dados administrativos sobre a situação do aparelho escolar brasileiro, não
sendo suficiente para evidenciar as demandas educacionais provocadas pelas mudanças
na sociedade.
A DEPS recebia financiamento de órgãos como a UNESCO, do orçamento do
INEP, e, posteriormente, arrecadaria parte das verbas enviadas à Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo (CNEA). O CBPE manteve como tradição de pesquisa o
estudo da realidade brasileira e a comparação entre comunidades “tradicionais” e
“progressistas”. Para Ana Waleska Mendonça esta tradição, inspirada no modelo de
134
FERNANDES, Florestan. Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada. São Paulo: Pioneira, 1976. ed.
p. 98
135
Ver: Estudos Programados. In: Revista Ciências Sociais e Educação. Rio de Janeiro: INEP, Vol. 1
1, março de 1956. p.61-70
96
pesquisas das ciências sociais, era convergente com os ideais pedagógicos de Anísio
Teixeira, onde três aspectos podem demonstrar tal hipótese:
“uma perspectiva filosófica, nas palavras do próprio Anísio - que, tem
a ver com a concepção do papel da empiria no processo de construção
de conhecimento; uma perspectiva metodológica, a dos chamados
estudos de comunidade; e uma perspectiva temática, que se expressa
no interesse particular pelos problemas urbanos e pela sociedade
moderna, tomada como sinônimo de sociedade industrial. Esta
temática, dominante nas pesquisas do CBPE, se traduz em dois pares
de conceitos contrapostos: rural/urbano e arcaico/moderno (rural
identificado a arcaico e urbano a moderno), que se constituem nas
categorias de análise, à luz das quais a realidade brasileira, em cada
uma das suas regiões, é apreciada.”
136
A DEPS foi o setor mais profícuo da agência, tendo preferência na política de
publicações estabelecidas por Anísio Teixeira. A maioria dos artigos publicados na
Revista Educação e Ciências Sociais era dedicada às pesquisas realizadas pelos
intelectuais da DEPS, revelando a importância e vitalidade desse setor dentro da
agência.
A Divisão promoveu o Curso de Especialização em Pesquisas Sociais,
coordenado por Darcy Ribeiro e Oracy Nogueira. O curso, em nível de pós-graduação,
tinha duração de dois anos, sendo que o último ano era dedicado à realização das
monografias em uma das cinco áreas-laboratórios O projeto de instalação das áreas-
laboratórios para elaboração de trabalhos referentes às condições educacionais foi
organizado por Oracy Nogueira. Para justificar a implantação dessas áreas e sua
importância para o planejamento educacional, o sociólogo apresenta as tendências de
pesquisa desenvolvidas internacionalmente pelos programas de desenvolvimento
técnico, no qual o projeto deveria ser inserido,
“De uma concepção puramente técnica ou restritamente especializada
dos problemas se vai passando à sua dupla concepção, isto é, cuja
136
MENDOÇA, Ana Waleska.P. C. “O CBPE: um projeto de Anísio Teixeira”. In: BRANDÃO, Zaia e
MENDONÇA, Ana Waleska P. C. (org.) Por que não Lemos Anísio Teixeira? Uma tradição esquecida.
Rio de Janeiro: Ravil, 1997. p. 27-46 p.36
97
solução exige mobilização e a utilização de recursos específicos, pelo
especialista, e como problemas sócio-culturais, cuja solução exige a
atuação do especialista sobre a população leiga, no sentido de mudar
suas atitudes e padrões de comportamento, como o conseqüente
reconhecimento do duplo papel que cabe ao técnico, de agente de
aplicação dos conhecimentos científicos e de agente da mudança
cultural”.
137
Para Oracy Nogueira a instalação de áreas destinadas ao estudo e à análise das
condições educacionais e sócio-culturais permitiria ao pesquisador, ao qual ele chama
de técnico, provocar uma “tomada de consciência” na região pesquisada, possibilitando
ao educador e ao técnico o exercício do papel de “agente da mudança cultural”. A
definição desse duplo papel do especialista, apresentado no discurso de Oracy Nogueira,
era recorrente entre os principais representantes do CBPE. A própria estrutura do Centro
sugere essa concepção, que as principais características da agência eram a promoção
de estudos pautados no rigor científico e a elaboração de diagnósticos e recomendações
técnicas capazes de interferir na elaboração das políticas públicas. A função do
especialista, de pesquisador e interventor social, estava em sintonia com o discurso que
apresenta o intelectual como “homem de pensamento e ação” e que atravessou a maioria
das instituições de pesquisa e assessoramento criadas a partir da década de 1940.
Essa concepção do intelectual enquanto “agente da mudança cultural” estava
relacionada à idéia de “mudança cultural provocada”, ou seja, ao predomínio da
racionalidade nas organizações sociais formais; isto não pressupõe a eliminação do
irracional nos processos sociais, mas a orientação científica dos mecanismos de controle
social na tentativa de responder às mudanças provocadas pela urbanização e pela
industrialização. A “mudança cultural provocada” surge em contraposição ao processo
de “mudança cultural espontânea”. O ideal de “mudança cultural provocada” aparece
atrelado à dinâmica do desenvolvimento científico, tecnológico e educacional nos países
industrializados. Como afirma Florestan Fernandes,
“A ciência contribuiu para criar um mundo no qual suas funções são
cada vez mais vitais e mais complexas.(...) Qualquer que seja o setor
137
NOGUEIRA, Oracy. Op. cit. p. 122
98
científico que examinemos: da física à sociologia, o progresso
científico é contado pela capacidade das nações em mobilizar,
organizadamente, seus recursos em benefício da posição delas na
estrutura internacional de poder. O hiato entre saber científico e
proceder prático tende a desaparecer, sob o modelo de ação
planificada. Reconhecidamente ou não, o planejamento tornou-se o
símbolo organizatório da civilização produzida pela ciência.
Limitamo-nos ao que nos interessa, parece claro que a era do
planejamento, dando primazia ao conhecimento das técnicas de
controle racional da situação, concede a primazia à fase de exploração
prática das descobertas científicas. A teoria tornou-se, sob, muitos
aspectos, instrumental, prevalecendo objetivo de convertê-la de 'saber
sobre alguma coisa' em 'saber para alguma coisa'.”
138
Para Florestan Fernandes o CBPE introduziu no país o planejamento
educacional como um “processo social”, onde o sociólogo exerce um papel fundamental
na elaboração e na implementação de políticas educacionais, associando o
conhecimento sociológico à produção de diagnósticos sobre a realidade brasileira.
A dificuldade em captar recursos financeiros para a concretização dos projetos
do Centro fez o CBPE aceitar a incumbência de organizar e implementar a Campanha
Nacional de Erradicação do Analfabetismo, tal como propusera o presidente Juscelino
Kubitschek, em mensagem presidencial enviada a Câmara dos Deputados em 1957. A
campanha coordenada por João Roberto Moreira, colaborador ativo do CBPE, foi
dividida em três setores: Reajustamento e Ampliação do Sistema Escolar Primário;
Alfabetização de Adultos e Educação de bases; e Estudos e Levantamentos.
João Roberto Moreira foi diretor de planejamento do CBPE e compartilhou da
tradição que marcou os intelectuais da década de 1950: intervenção de especialistas na
gestão pública através de pesquisas sociais associadas ao planejamento, via Estado, no
processo de modernização do Brasil. Sobre o pensamento de José Roberto Moreira,
Zaia Brandão propõe,
138
FERNANDES, Florestan. Op. cit. p. 168
99
“Inserido no cerne dos debates sobre planejamento na América Latina
e no Brasil, Moreira fazia parte da intelligentsia que julgava que a
solução dos problemas educacionais brasileiros passaria
necessariamente pela análise científica das reais condições sociais e
culturais do país. Sua obra Educação e desenvolvimento no Brasil é
uma clara expressão dessa convicção.”
139
A possibilidade vislumbrada por Darcy Ribeiro em ter financiamento necessário
para a efetivação de seu curso fez com que o antropólogo reivindicasse o setor “Estudos
e Levantamentos” para a DEPS. Nem Anísio Teixeira, nem qualquer outro integrante do
Centro pareciam convencidos da eficácia da Campanha, ao contrário, Anísio achava um
desperdício de dinheiro público tais ações de curto prazo e, como de costume, de pouco
resultado. Mas, campanhas deste tipo sempre tiveram grande apoio dos governos
brasileiros. Funcionam como vitrines para seus eleitores e para a imprensa. A volumosa
quantidade de dinheiro dispensado para esses “projetos” permitiu um fôlego às
pesquisas em andamento e às finanças do Centro, sempre dependentes dos parcos
recursos do INEP e do apoio essencial da UNESCO.
O planejamento como meio de ação política torna-se um instrumento valorizado
por esses agentes que passam a utilizar o aparato científico para diagnosticar e
identificar as causas dos entraves à educação no país. A criação de instituições
dedicadas à pesquisa aplicada tornou-se uma estratégia política fundamental para os
defensores do planejamento, apresentada como forma eficiente de intervenção social.
Essas “ilhas de racionalidade” criadas no interior ou ao redor do aparelho burocrático,
aos poucos, conseguiram conquistar a cúpula do executivo para adoção do modelo de
organização pautada na orientação científica.
No próximo capítulo discutiremos qual modelo educacional foi apresentado
pelos intelectuais do CBPE como solução para o desenvolvimento, tornando-se um
instrumento político para a inserção desses intelectuais no processo decisório. Os
intelectuais utilizando a conjugação “pensamento e ação”, a partir do aparato científico,
identificavam-se como responsáveis pela promoção da modernização. Como nossa
análise estará centrada nos debates sobre o problema educacional do país é necessário
139
BRANDÃO, Zaia. “O esquecimento de um livro: Tentativa de reconstituição de uma tradição
intelectual no campo educacional”. IN: BRANDÃO, Zaia e MENDONÇA, Ana Waleska. Op. cit. p.05-26
p. 15
100
compreender as especificidades do papel do intelectual no país e investigar quais
tópicos foram privilegiados pelo CBPE para a viabilização de seu próprio projeto.
101
CAPÍTULO III
Trajetórias intelectuais:
a intervenção dos atores do CBPE na arena política
“Discutem-se reformas, mas as palavras
caem no chão de estranha inércia social.
Por baixo das palavras, correm poderosas as
águas mais ou menos turvas mas nem
por isto menos seguras e tranqüilas, dos
interesses dos grupos de pressão.”
140
As lideranças do CBPE, ou seja, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Darcy
Ribeiro e Jayme de Abreu, participavam diretamente do aparato estatal, especialmente,
no controle do INEP, considerado um supraministério por ser responsável pela
distribuição do orçamento da União para o setor educacional. Tal fato fez com que a
direção do INEP fosse um cargo importante dentro do Ministério: o educador Anísio
Teixeira era o responsável pela distribuição das verbas, além de participar diretamente
da organização da agenda do Ministro e de estar ao seu lado em vários momentos
políticos. O próprio Anísio Teixeira foi cotado para assumir o Ministério no início do
governo Jânio Quadros, mas as pressões políticas em torno do cargo parecem ter
inviabilizado tal acontecimento.
O trânsito destas lideranças junto à cúpula governamental e às instituições
ligadas à educação tornou-se fundamental durante as disputas políticas pela definição
das diretrizes e dos objetivos da área cultural. Nesse caminho, o apoio da imprensa, as
relações com o legislativo e a contribuição de outros nichos intelectuais foram centrais
na organização de movimentos favoráveis ao projeto educacional defendido pelos atores
do CBPE.
A proposta deste capítulo é discutir a ação política dos intelectuais no aparato
estatal. Trata-se de um balanço sobre a atuação desses atores e suas correlações com os
grupos que disputavam o controle no setor educacional. Essa análise nos permitirá
compreender a capacidade de mobilização política dos participantes da agência e, em
que medida, o CBPE conseguiu interferir nos processos decisórios, especialmente, na
140
TEIXEIRA, Anísio. Revolução e educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília:
INEP, v.39, n.90, abr./jun. 1963, p.3-7.
102
Lei de Diretrizes e Bases sancionada em 1961. Para tal, serão utilizados os editoriais e
artigos publicados nos principais jornais do país que detalharam as ações políticas em
torno da educação, as correspondências entre as personagens políticas e as lideranças do
Centro, os diversos tipos de documentação produzidos pelas disputas sobre a nova
LDBEN etc. Dessa forma, buscamos compreender a relação do Executivo com os
integrantes do CBPE, a ascensão de alguns intelectuais do Centro à carreira burocrática
e a capacidade de materialização do projeto por eles defendido.
1.0 A retomada das rivalidades educacionais: As idéias e ações do CBPE em
debate
O ano de 1958 tornou-se um marco nos debates educacionais do período 1945-
1964. Os bispos católicos do Rio Grande do Sul enviaram um Memorial ao Presidente
da República Juscelino Kubitschek solicitando o afastamento do educador Anísio
Teixeira do INEP e de todos os seus assessores do MEC. Os bispos receberam o apoio
do deputado Carlos Lacerda que passou a promover um insistente ataque ao educador
baiano e sua equipe até o golpe militar. A imprensa tornava-se, então, o palco
privilegiado dos ataques, acusações, defesas, manifestos, monções, debates etc.
O arcebispo gaúcho Dom Vicente Scherer, principal opositor do grupo de Anísio
Teixeira, utilizará a imprensa como veículo para acusar o educador baiano e sua equipe
de materialistas políticos e marxistas. Para o arcebispo, estes intelectuais representavam
uma ameaça ao país ao proporem uma educação laica e de orientação estatal. A defesa
da escola pública e do ensino religioso facultativo era considerada pelos católicos uma
clara orientação comunista e desvirtuava dos ideais históricos da sociedade brasileira.
Dom Vicente Scherer, aproveitando as comemorações pela passagem do 11°
aniversário de sua sagração, discursava, no dia 23 de fevereiro de 1958, na Catedral
Metropolitana, sobre a questão educacional. O discurso intitulado “Pela liberdade do
ensino” dirigia-se abertamente ao Ministro da Educação Clóvis Salgado afirmando que
era preciso observar a força de grupos ateístas que promoviam “a ação destruidora das
forças da negação e do mal.” O arcebispo alertava para a ação desse “grupo poderoso”,
que no interior do Ministério da Educação, renunciava à “consciência cristã e católica do
País” e promovia a laicização do ensino e o materialismo da vida, através de uma
“campanha ardilosa” contra o ensino privado, ou seja, o ensino promovido pelas
instituições católicas. O arcebispo defendia que cabia às famílias o direito natural e
103
inalienável de decidirem sobre a educação dos filhos. Portanto, ao Estado ficaria a
responsabilidade de garantir a liberdade de escolha dos pais, ficando interditada qualquer
tentativa estatal de sobrepor-se aos desejos familiares. O monopólio estatal da educação
rompia com os direitos naturais da família e demostraria o caráter totalitário do Estado.
“Decorre daí um primeiro e fundamental aspecto da liberdade
escolar: a livre escolha da escola por parte dos pais. Os direitos da
família são anteriores e superiores aos do Estado e da comunidade
política que se constitui pela união de famílias existentes antes
dele”.
141
A idéia de liberdade de escolha das famílias aparece em oposição ao papel
interventor do Estado no conjunto da sociedade. Haveria uma interdependência entre o
indivíduo e a sociedade expressa através do núcleo social básico, a família. No discurso
do arcebispo, qualquer tentativa de interferir nas decisões individuais indicava o
totalitarismo presente nos Estados comunistas, que suprimiam os direitos individuais e
políticos, atuando de forma controladora nas instâncias econômicas e sociais e
ameaçando a existência do Estado democrático. Para legitimar suas teses, o arcebispo
cita a fala do papa Pio XII no I Congresso Internacional das Escolas Particulares da
Europa, cujo tema central foi a interferência do Estado na educação:
“Um Estado que atribui a si exclusivamente a tarefa da educação e
proíbe aos particulares ou aos grupos independentes de assumir
neste setor responsabilidade própria, manifesta uma pretensão
incompatível com as exigências fundamentais da pessoa humana.
Assim a idéia da liberdade escolar é admitida por todos os regimes
141
SCHERER, Dom Vicente. Materialismo domina o Ensino Brasileiro. Folha da Tarde. Porto Alegre,
24 fev. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira -
ATj61. O discurso do arcebispo também foi publicado nos jornais SCHERER, Dom Vicente. Grupo
Poderoso, no Ministério da Educação, está promovendo o laicismo do ensino e materialismo da vida.
Veemente denúncia de Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre. O Diário. Rio de Janeiro, 1
mar. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira -
ATj61; SCHERER, Dom Vicente. Pela liberdade do ensino. Discurso de D. Vicente Scherer no décimo
primeiro aniversário de sua sagração episcopal. Diário de Notícias. Porto Alegre, 25 fev. 1958.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61;
SCHERER, Dom Vicente. Advertência de D. Vicente Scherer ao Ministro da Educação: "Está se
promovendo não o laicismo do ensino mas também a laicização e o materialismo da vida". Correio do
Povo. Porto Alegre, 25 fev. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC -
Arquivo Anísio Teixeira - ATj61
104
políticos que reconhecem os direitos do indivíduo e da família”.
142
(Oss. Rom. 13-11-1957).
O Estado moderno, ameaçado pelo avanço do comunismo e pelas tendências
totalitárias, deveria desestimular quaisquer prerrogativas que apresentassem uma
possível dominação absoluta do Estado sobre as atividades humanas, correndo o risco de
infringir os direitos naturais do homem e corromper com os princípios cristãos do
Estado. Durante o discurso de Sherer ficava clara sua preocupação de como as disputas
ideológicas no cenário internacional poderiam afetar o país; contudo, duas ações da
União foram motivadoras daquela ação política do arcebispo: primeira, a mensagem
presidencial enviada ao Congresso Nacional sobre o papel da escola pública e, segunda,
o congelamento pela COFAP das anuidades escolares, interpretado como hostilidade de
certos grupos ao ensino particular. Para ele, era inaceitável que o Ministério da Educação
não garantisse as verbas necessárias para a manutenção das escolas privadas e privasse
os pais da livre escolha sobre a educação de seus filhos.
No caso da pasta de educação, as mensagens enviadas anualmente ao Congresso
Nacional pelo Presidente Juscelino Kubitschek na abertura de cada sessão legislativa
eram escritas por Cyro dos Anjos (Ministro-Chefe da Casa Civil) e Darcy Ribeiro
(Diretor do Departamento de Estudos e Pesquisas Sociais do CBPE). A mensagem
enviada no início do ano de 1958 não deixava dúvidas quanto às diretrizes seguidas pelo
governo e à questão do financiamento público ao ensino privado:
“As escolas privadas apelam cada vez mais para o erário, em busca
de recursos, reduzindo, assim, fundos notoriamente escassos para o
custeio da rede escolar a cargo dos Poderes Públicos. O custeio da
educação elementar deve caber totalmente à sua clientela. O auxílio
do Estado à escola privada se justifica sob a forma de bolsas a
estudantes pobres”.
143
Esse posicionamento do governo estava alinhado às propostas defendidas pelo
grupo de intelectuais do INEP sob a liderança de Anísio Teixeira e despertava os líderes
católicos para a possibilidade do governo cortar grande parte dos recursos destinados à
142
idem. p. 4
143
OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek. Mensagem ao Congresso Nacional. Rio de Janeiro: 1958, p. 249
105
iniciativa privada. Além disso, a mensagem apresentava outros itens defendidos pelos
intelectuais do INEP, como o aumento dos recursos ao fundo destinado ao ensino
primário, o aperfeiçoamento do magistério, a instalação dos centros educacionais e das
escolas-piloto de demonstração e experimentação etc. Alinhando-se a esses fatores, o
congelamento das anuidades escolares foi analisado como o princípio da vitória dos
intelectuais modernizadores. A reação foi imediata!
O pronunciamento de D. Vicente Sherer foi publicado nos dias 24 e 25 de
fevereiro em vários jornais gaúchos tornando-se central nas disputas entre o grupo de
intelectuais do INEP e o grupo católico. A oração do arcebispo foi publicada nos jornais
do Rio de Janeiro, em 9 de março, ganhando projeção em vários estados da federação.
144
O discurso foi rapidamente transformado num Memorial dos Bispos Gaúchos, publicado
nos Anais da Câmara Federal, a pedido dos deputados Nestor Pereira e Coelho Souza e
imediatamente endereçado ao Presidente da República. O Memorial citava diversos
trechos da Constituição Federal alegando que o grupo liderado por Anísio Teixeira
rompia com os princípios constitucionais que garantiam a liberdade de ensino e impunha
decisões contrárias à tradição do país. Alternando trechos da Constituição com trechos
do último livro de Anísio Teixeira, Educação não é privilégio, e as suas entrevistas na
imprensa, o arcebispo tinha como estratégia demonstrar os disparates do pensamento do
educador na orientação educacional, acusando-o de pregar uma revolução social que teria
como meta a instalação do socialismo no seio da sociedade brasileira. Os termos
“monopólio da educação”, “laicização do ensino”, “estatização”, “revolução social” eram
constantemente repetidos na tentativa de comprovar as premissas socialistas do diretor
do INEP. O Arcebispo metropolitano e os bispos assinavam o Memorial exigindo do
Presidente da República uma solução definitiva para expurgar dos quadros oficiais
aqueles que procuravam desestabilizar o país.
145
144
SCHERER, Dom Vicente. Grupo Poderoso, no MEC, está promovendo o materialismo da vida. O Dia.
Rio de Janeiro, 9 mar. 1958.Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo
Anísio Teixeira.
145
SCHERER, Dom Vicente. Contra a exclusividade do ensino oficial: Memorial dos
Bispos Gaúchos ao Presidente. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 11 abr. 1958.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio
Teixeira - ATj61. Assinavam o Memorial: Vicente Scherer. Arcebispo Metropolitano de
Porto Alegre; Antônio Reis. Bispo de Pelotas; Benedito Zorzi. Bispo de Caxias; Claúdio
Colling. Bispo de Passo; Luís de Natal, Bispo de Uruguaiana; Frei Cândido Maria,
Bispo Auxiliar de Caxias; Luís Vitor Santori, Bispo Coadjutor de Santa Maria;
Edmundo Kunz, bispo Auxiliar de Porto Alegre.
106
Nos dias 14 e 17 de abril, o Jornal do Comércio publicava a resposta de Anísio
Teixeira às acusações expressas no Memorial. O educador começava explicando que
não havia perseguição contra o ensino particular, que o governo auxiliava a iniciativa
privada com verbas consideráveis. Na tentativa de esvaziar o Memorial dos eclesiásticos
gaúchos, Anísio Teixeira irá desmembrar todas as suas citações publicadas naquele
documento, salientando o caráter democrático e reformista de seu pensamento,
justificando sua ação à frente do INEP como orientada pelas decisões da OEA e da
UNESCO e ressaltando que tais premissas tiveram a aprovação do delegado do
Vaticano e do papa. O educador afirmava claramente que era contra: a situação de
analfabetismo que assolava milhões de brasileiros, o ensino elitista e excludente, o
menosprezo do Estado pela educação primária etc. Todas essas denúncias de Anísio
Teixeira sobre a situação do país eram iniciadas pelos verbos “chocar”, “contristar”,
“revoltar”, “escandalizar” e “lamentar”, sugerindo a indignação do educador pela
situação lastimável em que se encontrava a população brasileira em idade escolar e sua
preocupação aparentemente voltada mais para questões práticas do que para os debates
ideológicos. Em seguida, o educador definia sobre o que era a favor: a escola primária
organizada em seis anos, o ensino médio, a educação para o desenvolvimento e o
governo aplicando os recursos de tal forma que garantisse o ensino básico tal como
previa a Constituição.
146
Durante todo aquele período conturbado, Anísio Teixeira fez questão de frisar o
caráter de ordem e progresso de sua obra. Manteve-se firme às críticas ao caráter
verbalístico e enciclopedista do sistema de ensino que, voltado para uma elite, excluía
de seu aparelho a formação do homem comum. Ainda naquele ano, ele publicou
quatorze artigos dedicados somente à questão educacional, reiterando suas idéias sobre
o papel da educação no mundo moderno e o arcaísmo da escola brasileira. Nos artigos
publicados por Anísio Teixeira, observamos a discussão de questões já bastante tratadas
pelo educador. O objetivo era esclarecer a opinião pública sobre suas idéias e como elas
deveriam ser implementadas. Por isso, era muito comum o educador citar suas próprias
obras, especialmente, como estratégias para demonstrar que suas idéias não estavam
alinhadas ao pensamento socialista e revolucionário, como afirmavam os católicos, mas
bem próximos aos ideais modernos que vicejavam nos países capitalistas desenvolvidos.
146
JORNAL DO COMÉRCIO. O prof. Anísio Teixeira e o Memorial dos Bispos. Jornal do Comércio.
Rio de Janeiro, 14/15 abr. 1958; JORNAL DO BRASIL. Responde aos bispos gaúchos o sr. Anísio
Teixeira: diz o que prega e o que combate. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 15 abr. 1958 e TEIXEIRA,
Anísio. Por uma escola primária séria, honesta e viva. O Estado de São Paulo. São Paulo, 16 abr. 1958.
107
Neste sentido, a imprensa atuava como um espaço de divulgação de suas idéias, sempre
apresentadas de forma neutra em relação às acusações e denúncias sofridas pelo
educador.
Podemos separar os artigos e entrevistas de Anísio Teixeira em três temáticas: os
artigos onde Anísio responde às acusações e ataques que vinha sofrendo dos grupos
contrários às suas propostas e ações no INEP; aqueles dedicados a questões acadêmicas
e que demonstram as matrizes filosóficas com as quais Anísio se identificava; e por fim,
artigos aparentemente técnicos, onde educador salientava o quadro do sistema
educacional brasileiro e apresentava ao público as possíveis soluções. Os artigos podem
ser observados como parte da cena discursiva montada por Anísio Teixeira para validar
seus pressupostos e orientações políticas.
A relação estabelecida entre os três “tipos” de artigos circunscreve-se às
questões políticas com as quais o educador se identificava. Esta opção metodológica,
escolhida para a análise do corpi documental, não está rigidamente distribuída por
temáticas específicas. Freqüentemente, há uma interseção dessas temáticas nos três
"tipos" de artigos; porém, podemos perceber a predominância de uma temática sobre as
demais em decorrência do lugar que o educador fala. Há na prática discursiva do
educador uma heterogeneidade enunciativa, compreendida através das várias posições
ocupadas por Anísio Teixeira no cenário educacional, como funcionário do governo,
educador e ator político. Dessa forma, o ato de enunciação está marcado por múltiplas
vozes presentes nos textos, associadas aos diversos espaços onde Anísio Teixeira
atuava. Tais vozes presentes e atuantes no enunciado expõem as fôrmas (sic) nas quais o
texto se engendra, suas articulações com outros espaços de enunciação.
Nos artigos destinados ao debate político, Anísio Teixeira expõe a incapacidade
da organização social brasileira elitista, patriarcal e autoritária - em responder ao
processo de modernização vigente. A cultura oral e iletrada, onde persistia o cunho
teológico, deveria ser substituída por ações que promovessem a escolarização e a
secularização das instituições políticas e sociais brasileiras, onde a democracia,
enquanto sistema político, estaria completa quando a “democratização da cultura”
permitisse à população uma “tomada de consciência” capaz de promover o espírito
público e a participação política das classes sociais.
Os artigos publicados por Anísio Teixeira na imprensa demonstram como o
educador utilizou esse veículo como estratégia para a divulgação de suas propostas,
naquele período, quando os ideais de democracia e desenvolvimento conjugaram as
108
atitudes de intelectuais, políticos, artistas, empresários etc. Dessa forma, os artigos
publicados pelo educador compõem alguns dos cenários da batalha política travada
nesse momento e estão articuladas a outros espaços de enunciação. Partimos do
pressuposto que os artigos publicados por Anísio Teixeira na década de 1960, clímax do
debate educacional do período 1945-1964, podem ser compreendidos através de um
jogo de táticas-estratégias, sendo enquadrados na arena de disputas que envolveram a
educação. Dessa forma, surgem questões como quanto dos artigos de Anísio contrasta
ou reafirma as “teses” expostas nas obras do educador? Os “bastidores” da cena teórico-
conceitual de Anísio Teixeira encontram motivação tendencial nos seus embates
políticos-institucionais? Ou a sua recíproca?
O modelo de educação defendido por Anísio Teixeira era apresentado como
depositário dos interesses da sociedade moderna, da civilização industrial e urbana.
Dentro dessa gica, onde a escola é a promotora dos ideais da modernidade e
responsável pela manutenção do desenvolvimento capitalista, o papel do ensino
primário era destacado das outras instâncias de ensino. A função da escola primária
seria educar toda a população para os ideais da vida urbana dentro da ordem capitalista.
A tática de Anísio de apresentar a defesa da escola pública como a proposta do
governo, sendo a orientação oficial do Estado em relação ao processo de modernização,
está inserida na estratégia do educador em esvaziar o espírito de lutas entre posturas
ideológicas distintas e apresentar os defensores da escola privada como defensores dos
grupos elitistas, contrários aos interesses da nação e do governo brasileiro. O ideal da
escola pública é apresentado dentro dos direitos constitucionais sendo, assim, associado
aos interesses de toda a população e automaticamente garantido pelo Estado. A
Campanha em Defesa da Escola Pública é apresentada por Anísio como a campanha do
governo, estando associada às metas de educação definidas pelos Ministros de Educação
da América Latina e pela UNESCO. Anísio apresentava seus pressupostos políticos
vinculando-os diretamente às idéias constitucionais, republicanas e democráticas.
“A campanha, se campanha se pode chamar, o modesto esforço do
INEP pela recuperação da escola pública, (...) o é, campanha do
INEP nem de Anísio Teixeira, mas campanha do Governo
Brasileiro, do mais elementar sentido constitucional, e objeto hoje
do esforço não do Brasil, mas, de todo o Continente, estimulada
109
e apoiada por uma reunião de Ministros de Educação de toda a
América, realizada em Lima, Peru, sob os auspícios da
Organização dos Estados Americanos, e da UNESCO”.
147
Os artigos demonstram como no campo da batalha política Anísio utilizou
conceitos abstratos como modernidade, democracia e cultura para a valorização da
educação como instrumento de consolidação do sistema organizacional capitalista.
Dessa forma, Anísio Teixeira adotou como tática política, o discurso dos valores
culturais modernos como garantia do desenvolvimento da sociedade brasileira e do
fortalecimento do modelo político democrático.
Anísio Teixeira fazia questão de separar as entrevistas concedidas para
responder às acusações que vinha sofrendo àquelas dedicadas apenas à problemática
educacional. Na tentativa solucionar a incrível confusão organizada pelos bispos
gaúchos, o educador escreveu a Dom Augusto, importante clérigo baiano, agradecendo-
lhe os votos da Páscoa e insistindo no caráter democrático de suas idéias e propósitos. O
educador reafirmava a inexistência no interior do INEP de qualquer hostilidade à escola
privada e ressalta que seu cargo não possibilitava ações da esfera executiva, apenas
prestava esclarecimentos e sugestões.
“Não há no Ministério, nem no INEP, nenhuma hostilidade à escola
particular. De minha parte, gostaria de vê-la mais independente,
mais verdadeiramente particular, mais diversificada da escola
pública e em franca emulação com esta. (...) Se os que me julgam,
conhecessem um pouco melhor o ensino inglês e o americano,
veriam que minhas idéias se filiam realmente ao ensino anglo-
saxônico. Estou hoje convencido de que a sabedoria das
instituições inglesas ou americanas está presa à premissa da
confiança no homem”.
148
O educador finalizava a carta com uma observação sobre a reunião de bispos e
arcebispos brasileiros que seria realizada em Goiânia, no próximo mês de Junho,
147
TEIXEIRA, Anísio. Governo não hostiliza escola particular; ajuda-a com verbas sempre maiores.
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 22 abril 1958.
148
TEXEIRA, Anísio. Carta enviada a Dom Augusto. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1958. IN: VIDAL,
Diana Gonçalves. op. cit. p. 114
110
informando que o Cardeal de São Paulo avisara o Presidente da República sobre a
Monção que seria redigida naquela reunião solicitando sua demissão.
“Como é natural, o Presidente deseja evitar esse escândalo e me
fez sentir o desejo que tem de que lhe evite tal constrangimento.
Estou vacilando em pedir demissão, diante da responsabilidade que
tenho, como educador brasileiro, perante os demais educadores.
Sinto que estão em jogo a liberdade de pensamento e a separação
entre Igreja e Estado, princípios ambos que governam a minha ação
e a minha vida”.
149
O Memorial dos bispos gaúchos suscitou vários artigos a favor da tese católica
sobre o ensino e, sobretudo, contra a ação de Anísio Teixeira no INEP. O Centro
Cristóforos do Brasil enviou à redação do O Jornal uma denúncia contra os livros
comprados pela CALDEME, acusando o INEP de optar por obras de autores
materialistas e irreligiosos. O principal ataque foi à compra da revista Anhembi,
distribuída nas faculdades de filosofia do país e considerada ameaçadora às doutrinas
católicas. O artigo solicitava à população que enviassem telegramas ao Ministro da
Educação denunciando a gestão do educador baiano e reafirmando a mentalidade
católica presente na sociedade brasileira.
“Católicos brasileiros, entremos na realidade! O Sr. Anísio
Teixeira, como diretor do INEP, é o homem que, a nosso ver, tem o
maior poder, (depois do Presidente da República), para
descristianizar o Brasil. Ele ocupa o pôsto-chave de maior
penetração: O ENSINO. (...) E agora, leitor católico em face do
exposto, certamente você irá fazer ‘alguma coisa’ para impedir tais
abusos. ACENDA UM FÓSFORO! Passando um telegrama ao Sr.
Ministro da Educação, que talvez ignore a situação materialista de
um de seus colaboradores… em cargo de confiança! Lembre-se de
que, até terminar o qüinqüênio, ainda teremos muitos desses
149
idem. p. 117
111
‘presentes’ do Diretor do INEP… se não houver enérgica e pronta
reação!”
150
A revista Anhembi, enviada gratuitamente à Biblioteca da Faculdade de Filosofia
do Paraná, foi retirada das prateleiras e o diretor da faculdade Homero Batista Barros
solicitava à redação da revista que não enviasse mais nenhum exemplar, sob o
argumento de que o periódico fazia parte de um grupo de obras perniciosas, dentre as
quais se encontravam as obras de Eça de Queiroz, Jorge Amado, Zola, Sartre e Anísio
Teixeira, todas consideradas imorais. O diretor da revista Paulo Duarte mostrava-se
indignado com a solicitação e recorria à imprensa para denunciar os abusos da direção
da Universidade, que sendo pública não poderia favorecer esse tipo de censura.
151
O
episódio da revista Anhembi estava associado às acusações contra a gestão de Anísio
Teixeira no INEP, e o periódico foi proibido nas diversas instituições católicas do país.
A repercussão das acusações contra o diretor do INEP continuou por todo o ano
de 1958 e o debate na imprensa atraiu adeptos de ambos os lados. No dia 16 de abril, o
Correio da Manhã publicava simultaneamente dois artigos a favor de Anísio Teixeira.
O primeiro também publicado no Diário de São Paulo foi assinado e enviado como
Memorial por dezessete professores da Universidade de São Paulo, Fernando de
Azevedo, Lourival Gomes Machado, Florestan Fernandes, J. Cruz Costa, Egon
Schaden, Fernando Henrique Cardoso, Marialice Foracchi, Gilda de Mello e Souza,
Antonio Candido de Mello e Souza, Octávio Ianni, Paula Beiguelman, Gioconda
Mussolini, Lívio Teixeira, Maria Isaura Pereira Queiroz, Renato Jardim Moreira, Dante
Moreira Leite e Joel Martins. Tais intelectuais afirmavam que a defesa pela escola
pública não significava a proposição de uma política de escola única.
152
No segundo
artigo, intitulado Apoio, o próprio jornal denunciava a “catastrófica” situação
educacional do país e afirmava que “o remédio está no programa educacional de Anísio
150
TEIXEIRA, Roberta. Religião: catolicismo. O Jornal. Rio de Janeiro, 20 abr. 1958. Localização do
documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira.
151
DUARTE, Paulo. Anhembi e a Universidade do Paraná. O Estado de São Paulo. São
Paulo, 30 ago. 1958 e JORNAL DO BRASIL. Anhembi e a Universidade. Jornal do
Brasil. Rio de Janeiro, 7 set. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio
Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira.
152
CORREIO DA MANHÃ. Trabalhar pela escola pública não é propor política da escola única. Correio
da Manhã. Rio de Janeiro, 16 abr. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC -
Arquivo Anísio Teixeira - ATj61 e DIÁRIO DE SÃO PAULO. Pretende arrancar à administração um dos
maiores educadores do país. Diário de São Paulo. São Paulo, 16 abr. 1958. Localização do documento:
Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira.
112
Teixeira”. O jornal propunha a necessidade de implementação da “Operação Anísio
Teixeira”, ou seja, a execução da reforma educacional tal como delineada pelo educador
e seus colaboradores no interior do INEP.
153
Ainda no dia 16 de abril, a Folha da Noite publicava uma crônica de Rubem
Braga sobre os rumores acerca da renúncia de Anísio Teixeira dos cargos de Diretor do
INEP e da CAPES. O educador estaria sendo pressionado a solicitar sua renúncia em
face ao Memorial dos bispos gaúchos. Para Rubem Braga, a campanha dirigida contra
Anísio Teixeira era uma campanha contra a intelligentsia brasileira.
“Instigados não sabemos por quem, os senhores bispos do Rio
Grande do Sul assinaram um documento em que se pede ao
governo da Republica a demissão de Anísio Teixeira. Esse
documento é impertinente e injusto. Está claro que os bispos, como
quaisquer outros cidadãos, podem opinar sobre o que bem
quiserem; mas que o façam coletivamente, como autoridades
eclesiásticas, sobre um assunto que foge à sua alçada, isso me
parece um precedente perigoso e intolerável, tão intolerável como
seria um ministro do governo que amanhã resolvesse opinar sobre a
nomeação de um bispo”.
154
A tentativa de afastar Anísio Teixeira da direção do INEP e da CAPES mobilizou
vários grupos intelectuais que exigiam a sua permanência e atestavam a importância do
educador na esfera pública, concluindo que o educador contribuíra para o
desenvolvimento de políticas dedicadas aos setores científicos e tecnológicos do país,
logo, ele era considerado um representante incontestável da luta pelo progresso da
ciência. Uma outra monção foi assinada por vários cientistas brasileiros e publicada no
Jornal do Comércio, em 20 de abril, dentre os quais citamos César Lattes, José Leite
Lopes, Jaime Tiomno, Cristóvão Cardoso, Darcy Ribeiro, Oracy Nogueira, Mário
Vianna Dias etc. Além desses cientistas, foi publicado um manifesto com o nome de
cento e nove intelectuais como Gilberto Freyre, Agripino Grieco, Manuel Bandeira,
153
CORREIO DA MANHÃ. Apoio. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 16 abr. 1958. Localização do
documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira .
154
BRAGA, Rubem. Impertinência. Folha da Noite. São Paulo, 16 abr. 1958. Localização do documento:
Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61
113
Olegário Mariano, Cassiano Ricardo, Rachel de Queiroz, entre outros. Até o escritor
católico Afrânio Coutinho participou da defesa pública ao educador. Ele conclamava a
Associação Brasileira pela Liberdade da Cultura a se mobilizar em apoio ao educador. A
Associação Brasileira de Educação (ABE), a União Nacional dos Estudantes (UNE), as
Associações de classe do magistério paulista, os professores da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (ELSP) também publicaram monções em diversos jornais, e várias
personalidades políticas enviaram telegramas à imprensa, como Otávio Mangabeira, a
favor da permanência de Anísio Teixeira no INEP.
155
Os artigos publicados em defesa do educador insistiam no caráter democrático
do pensamento de Anísio Teixeira e reiteravam que a obra Educação não é privilégio,
inúmeras vezes citada pelo Memorial dos bispos, não apontava para uma escola única
ou para o monopólio do Estado, mas tinha como intuito garantir a educação para toda a
população, tornando-a obrigatória e gratuita, sem oposição ao ensino privado. Em
menos de vinte dias milhares de telegramas e monções de apoio se acumulavam na
mesa do diretor do INEP, Anísio Teixeira.
No dia 17 de abril, os integrantes do CBPE enviaram um importante relatório à
imprensa detalhando suas atividades no INEP e as ações de Anísio Teixeira na direção
daquela instituição. Informavam às autoridades eclesiásticas, que ao contrário do
pregado pelos bispos gaúchos, não havia hostilidade nenhuma dos intelectuais e
técnicos do INEP ao ensino privado ou aos valores cristãos, apenas tentavam preservar a
liberdade de debates, idéias e opiniões dentro do Ministério da Educação e Cultura.
Afirmavam que o diretor do INEP garantia a inteira liberdade de opinião e decisão aos
seus comandados e citava que importantes membros da equipe professavam a religião
católica:
155
JORNAL DO COMÉRCIO. Cientistas solidários com o prof. Anísio Teixeira. Jornal do Comércio.
Rio de Janeiro, 20 abr. 1958.; COUTINHO, Afrânio. Defesa da democracia, contra a intolerância e a
calúnia. Correio da Man. 18 abr. 1958; CORREIO DA MANHÃ. Cientistas, professores e pais de
família solidários com o prof. Anísio Teixeira. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 22 abr. 1958; DIÁRIO
DE NOTÍCIAS. Moção dos cientistas brasileiros. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 abr. 1958;
JORNAL DO COMÉRCIO. Cientistas solidários com o prof. Anísio Teixeira. Jornal do Comércio. Rio
de Janeiro, 20 abr. 1958; NERY, Adalgisa. O crime do educador foi pugnar pelo esclarecimento das
massas. Última Hora. Rio de Janeiro, 17 abr. 1958 e O TEMPO. Cientistas solidários com Anísio
Teixeira. O Tempo. São Paulo, 22 abr. 1958. FOLHA DA MANHÃ. Cientistas e educadores solidários
com Anísio Teixeira. Folha da Man. Recife, 3 maio 1958. FOLHA DA MANHÃ. Ensino e magistério.
Imperialismo e nacionalismo: os temas predominantes do conclave universitário. Folha da Manhã. São
Paulo, 3 maio 1958. GAZETA DE NOTICIAS. Solidariedade. Gazeta de Notícias. Fortaleza, 27 abr.
1958. DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Moção de Apoio da Associação Brasileira de Educação à atuação do
Diretor do INEP. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 abr. 1958. Localização do documento: Fundação
Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira.
114
“Assim, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais é dirigido
por um católico - Péricles Mardureira Pinho; suas três divisões estão
entregues a católicos - Aparecida Joly Gouveia, da Divisão de
Pesquisas Sociais, Jaime Abreu, da Seção de Pesquisas
Educacionais e Lúcia Marques Pinheiro, da Divisão de
Aperfeiçoamento do Magistério. Nas demais chefias - Seção de
Documentação, Biblioteca e Seção de Audio-Visuais se encontram
católicos - Elza Rodrigues Martins, Elza Nascimento Alves e Letícia
Maria Santos de Faria”.
156
O artigo continuava citando os intelectuais católicos que atuavam nos projetos do
CBPE e dos CRPEs, incluindo as escolas experimentais que ofereciam curso de religião
aos alunos. A insistência em evidenciar o grande número de funcionários católicos que
trabalhavam ao lado de Anísio Teixeira no MEC era associada à idéia da inexistência de
correntes socialistas no interior do Ministério ou à qualquer perseguição aos católicos.
No plano prático, o INEP auxiliava várias construções de instituições de ensino católicas
como, a Cruzada de São Sebastião, a Escola Normal de Açu e o Instituto de Formação e
Cultura da Bahia, além das verbas para compra de materiais didáticos e a concessão de
bolsas de estudo aos professores da rede privada de ensino. A defesa ao educador
continuaria utilizando a mesma estratégia contra o Memorial dos bispos gaúchos, citando
a Constituição e trechos dos livros e artigos de Anísio Teixeira. Por fim, propunha a
harmonia entre os católicos e o INEP através da reprodução dos discursos de ambos os
grupos e encerrava a discussão com a seguinte estrofe retirada da obra de Anísio Teixeira
Educação e a crise brasileira:
“Possamos nós descobrir os modos e meios de coordenar todas essas
energias e canalizá-las para um grande e patriótico esforço nacional,
autêntico, planejado e vigoroso. (...) Não a iniciativa particular,
como a todas as três ordens de governo serão mobilizadas para o
grande esforço comum, em um regime de livre participação e de
156
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Depoimentos de educadores e funcionários solidários com o atual diretor do
INEP. Movimento do meio educacional ante a notícia de sua demissão. Diário de Notícias. Rio de
Janeiro, 17 abr. 1958. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio
Teixeira.
115
responsabilidade, sem imposição de modelos rígidos e uniformes,
mas em sadia emulação, em que ao lado do bom se ergue o melhor e
um e outro mutuamente se fertilizem, para o progresso e a vitalidade
contínua do ensino”.
157
Com a repercussão provocada pelo Memorial dos bispos e as mensagens de
apoio ao educador, o Deputado Fonseca e Silva afirmou que a intenção dos católicos
não era provocar a demissão de Anísio Teixeira. O deputado disse desconhecer um
movimento em prol do afastamento do “ilustre homem público”, o diretor do INEP
Anísio Teixeira. O deputado afirmava que o Memorial visava apenas advertir às
autoridades e à opinião pública sobre a “Campanha do Absolutismo do Estado
Pedagógico” orientada contra a escola privada. Para ele, não havia discordância quanto
ao fato do diretor do INEP ser a favor da educação democrática, mas insistia que
Anísio, na tentativa de atender a seu projeto político, combatia as escolas privadas
restringindo as subvenções federais. O deputado concluía afirmando que o intrigava a
Mensagem presidencial enviada ao Congresso no qual o Presidente da República
parecia ter adotado as premissas de Anísio ao afirmar que o financiamento da escola
particular caberia apenas aos seus alunos.
158
Diante das inúmeras manifestações de apoio ao educador o Ministro Clóvis
Salgado declarava em entrevista coletiva que “como educador e pensador, todos
sabemos que é eficiente e como funcionário do Ministério da Educação nada temos
contra o professor Anísio Teixeira”.
159
Os jornais publicavam a distribuição das verbas federais no ano de 1957,
aproximadamente 6 bilhões e 30 milhões de cruzeiros, ressaltando o descaso com o
ensino primário e legitimando a importância com a educação básica:
160
157
TEIXEIRA, Anísio. Educação e a crise brasileira. p. 72 e 73; 202. Apud DIÁRIO DE NOTÍCIAS.
Depoimentos de educadores e funcionários solidários com o atual diretor do INEP. Movimento do meio
educacional ante a notícia de sua demissão. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 17 abr. 1958. Localização
do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira.
158
SILVA, Fonseca e . São Anteriores e Superiores ao Direito do Estado e da Comunidade os da Família.
In: DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Moção de Apoio da Associação Brasileira de Educação à atuação do Diretor
do INEP. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 abr. 1958.
159
LACERDA, Maurício Caminha de. A educação não pode ser um privilégio. Para Todos. Rio de
Janeiro/São Paulo, n.47/48, maio 1958
160
CORREIO DA MANHÃ.. O custo da gratuidade. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 8 de maio de
1958
116
Distribuição das verbas CR$ Milhões %
Ensino Primário 447 7,13
Ensino Médio 1.223 19,48
Ensino Superior 3.236 51,54
Auxílios e Subvenções 568 9,04
Instituições de Cultura 372 5,92
Pesquisas e Aperf. Pessoal 105 1,68
Campanhas extraordinárias 36 0,57
Custeio 291 4,64
Total 6.278 100,00
A questão de como o governo seria capaz de custear a educação pública com o ritmo crescente de matrículas em todos os níveis
de ensino causava preocupação entre aqueles que acompanhavam o cenário educacional. Ao analisarem o crescimento entre os
anos de 1947 e 1957, observavam um crescimento de mais de 50% em todos os níveis, sendo o crescimento das matrículas do
ensino superior de quase 100%.
Níveis de ensino
1947 1957 %
Primário 3.616.367 5.408.577 49,6
Médio 514.899 905.082 57,3
Superior 41.111 79.505 93,4
Total
4.172.377 6.393.164 53,2
Na prática nenhuma instância da federação era capaz de atender eficazmente
todos aqueles que necessitavam e procuravam pelo sistema educacional e nem de
financiar o sistema existente. Mas, a questão estava muito mais centrada no debate
político do que na análise técnica do problema. Tratava-se de qual sentido político a
questão do subsídio da escola particular tinha para os intelectuais do INEP e, no caso do
grupo católico, o peso da aceitação da escola pública como o principal modelo
educacional do país. A mobilização em torno dos debates educacionais expressava qual
117
o projeto de Estado e de desenvolvimento da nação cada grupo defendia para o país,
mais do que a viabilidade de seus respectivos anseios. Os poucos recursos destinados à
educação dificultavam a execução de qualquer projeto que negasse seja a escola
particular ou a escola pública. Além disso, o presidente Juscelino Kubitschek tinha
como modelo de governabilidade a negociação política com os vários grupos de pressão
do país. O rompimento com a Igreja causaria um desgaste delicado para aquele
momento, marcado pela instabilidade política. Contudo, nesse tipo de disputa a
radicalização e oposição das propostas aparece como elemento essencial na demarcação
de cada projeto e na demonstração aos possíveis adeptos das diferenças entre cada uma
delas.
Para os católicos, era fundamental comprovar a tese socialista e revolucionária
presente no INEP. Em contrapartida, para os integrantes do CBPE era fundamental
corroborarem a idéia do arcaísmo e do elitismo presentes no projeto católico do ensino.
Para os intelectuais do Centro, ávidos por conquistarem as opiniões decisivas das
crescentes camadas urbanas, ansiosas pelos títulos de bacharéis, a associação de suas
propostas aos ideais modernizantes tornava-se imperativo para a conquista de espaço
político.
A retomada dos debates sobre a LDBEN e a utilização da imprensa como
mecanismo de mobilização da opinião pública tornavam os discursos de Anísio Teixeira
fundamentais no processo de cooptação da sociedade para a defesa do projeto
educacional liderado pelo educador. Naquele momento, ficava claro aos participantes da
disputa educacional que a mobilização da opinião pública seria fundamental para a
aprovação de seus projetos. Ora, foi essa mobilização que garantiu o cargo do educador
na direção do INEP, que chegou a ser ocupada por João Roberto Moreira. O governo
recuou na demissão de Anísio Teixeira após as dezenas de manifestações públicas a
favor do educador. A luta política pela definição das diretrizes educacionais não se
definiu apenas pelas pressões advindas da imprensa; contudo, o apoio da opinião
pública foi um instrumento importante para as inevitáveis e necessárias demonstrações
de força política.
118
2.0 – “O dono da educação está zangado”
161
No meio desse turbilhão de acusações e defesas, despejadas na opinião pública
através da imprensa, uma personagem irá demarcar seu espaço no debate educacional: o
deputado federal Carlos Lacerda. O deputado não tinha em seu histórico muitas
manifestações sobre o setor educacional. A educação não parecia causar-lhe grandes
interesses; entretanto, parece que o burburinho na imprensa e o acirramento das disputas
despertaram no parlamentar a atenção pelas causas educacionais.
Carlos Lacerda publicava um artigo, em 6 de junho de 1959, no jornal Tribuna
da Imprensa definindo os intelectuais dirigidos por Anísio Teixeira como “os donos da
educação”. O discurso de Lacerda era contundente e tinha como alvo principal o
educador Anísio Teixeira, acusando-o de corroborar a ineficiente rotina do Ministério
da Educação.
“Na educação, as pessoas que nada entendem do assunto
convencionaram que o sr. Anísio Teixeira é ‘o’ entendido de
educação. Daí a ser dono dela, foi um pulo que o sr. Anísio deu
gostosamente. Fez-se proprietário do assunto. Espalhou-se em
livros, conferências, artigos nos quais a sua concepção filosófica
mistura um picadinho de John Dewey (na versão taquigráfica de
discurso recente na Câmara chamado Due e Diu) com um ataque
agudo de laicismo ‘faisandé’ desses que são menos uma expressão
da inteligência do que da psique inflamada. De horror à religião e
de estatismo reacionário. (...) Atualmente ele dispõe de uma verba,
que emprega como muito bem entende, no Ministério da Educação,
superior aos orçamentos de mais de 10 Estados brasileiros
somados. Essa posição lhe assegura, além da patente de invenção
da educação, que registrou para o mercado brasileiro, uma
importância superior à sua razoável e incontestável importância,
161
A frase foi publicada como título de uma artigo de Carlos Lacerda que acusava Anísio Teixeira de ser
o dono da educação. in: LACERDA, Carlos. O dono da educação está zangado. Tribuna da Imprensa. Rio
de Janeiro, 6 jun. 1959.
119
uma ascendência superior à sua compreensível e aceitável
autoridade na matéria”.
162
O ataque ao educador abriu espaço na imprensa para Lacerda apresentar seu próprio
projeto da LDBEN. Em 1958, o deputado enviou à Câmara um substitutivo ao projeto
elaborado na gestão do Ministro da Educação Clemente Mariani, durante o governo
Dutra. O substitutivo apresentado por Lacerda tornava-se a fonte dos principais debates
entre 1958 e 1961. De acordo com o deputado,
“O nosso projeto, entretanto, avança nos setores educacionais.
Estes, pouco a pouco, despertam. O cardeal do Rio de Janeiro, o
grão-rabino israelista, autoridades da Igreja Protestante,
educadores, leigos, agnósticos, pronunciam-se em favor do projeto.
Milhares de telegramas chegam à Câmara. O próprio sr.
Kubitschek, pondo por um momento de lado a sua odiosa
discriminação, disfarçada em palavras, mas sempre confirmada em
fatos, manifesta-se favoravelmente ao nosso projeto.”
163
Durante uma conferência realizada em Belo Horizonte, o deputado udenista
Carlos Lacerda apresentava os principais pontos de seu substitutivo como a garantia de
recursos do Estado à iniciativa privada, considerando esse o melhor modo de garantir a
toda população o acesso ao sistema educacional. Além disso, valorizava o papel do
ensino religioso nas escolas. O projeto foi elaborado por uma equipe composta pelos
educadores Carlos Flexa Ribeiro e Sandra Cavalcanti e o Reitor da Universidade
Católica do Distrito Federal. O substitutivo do deputado Carlos Lacerda propunha
“(...) a formação de Conselhos Regionais e de um Conselho
Nacional de Educação, de composição tríplice: um terço de
representantes do governo, um terço de representantes do corpo
docente, eleitos pelos professores públicos e particulares e um terço
162
LACERDA, Carlos. O dono da educação está zangado. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 6 jun.
1959.
163
LACERDA, Carlos. A mais justa das causas. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 4 abr. 1959.
120
de representantes dos diretores de colégios públicos e
particulares”.
164
Os representantes do Ministério da Educação condenavam o substitutivo
Lacerda pelos altos custos de seu projeto educacional - em torno de quarenta e dois
milhões de cruzeiros anuais. Contudo, Lacerda contra-atacava afirmando que a
construção de Brasília era um desperdício absurdo, enquanto seu projeto buscava
garantir o desenvolvimento efetivo do país. Ao terminar a Conferência ressaltou o
nefasto papel exercido por Anísio Teixeira no INEP, afirmando que o monopólio da
educação pelo Estado era proposto pelos “super-burocratas” que trabalhavam no
Ministério.
“O meu amigo, professor Anísio Teixeira é o arauto da estatização
do ensino brasileiro. É um defroqué que não concorda que o Estado
subvencione o ensino confessional. É um fruto do pragmatismo,
que quando fecundado acentuou um jesuíta americano, origina o
Marxismo. Eu, por mim, prefiro 'uma cabeça bem formada a uma
cabeça recheada’”.
165
Em resposta à Carlos Lacerda, Anísio Teixeira publicava uma carta-resposta na
Tribuna da Imprensa, em 10 de junho de 1959, afirmando que em toda sua vida pública
sempre foi um vencido em educação e estranhava o fato do INEP, do CBPE e dos
CRPEs serem alvos de inúmeros ataques, pois não tinham nenhum poder executivo,
somente prestavam consultoria técnica aos órgãos do governo.
“Neste posto, procurei criar uma organização de centros de
pesquisa na realidade seis: o Centro Brasileiro aqui no Rio e
cinco centros regionais no Recife, Salvador, Belo Horizonte, São
Paulo e Porto Alegre – para o estudo e a análise da situação
educacional brasileira e o aperfeiçoamento dos professores. Os seus
diretores são um dos meus mais justos orgulhos: Gilberto Freyre,
164
DIÁRIO DA TARDE. Governo diz que não pode gastar 42 milhões com educação e gasta isso numa
exposição de tamanho natural que é Brasília. Diário da Tarde. Belo Horizonte, 11 maio 1959.
165
Idem.
121
no Recife; Luis Ribeiro Sena, em Salvador; Abgar Renault, em
Belo Horizonte; Fernando de Azevedo, em São Paulo; Eloah
Kuntz, em Pôrto Alegre, e Péricles Madureira de Pinho, aqui no
Rio. Tais centros são ambiciosos, talvez, nos seus objetivos de
estudo, mas não dispõem de nenhuma parcela de poder, para serem
donos de coisa alguma, salvo de sua honestidade de propósitos e do
seu espírito de trabalho”.
166
O projeto apresentado por Carlos Lacerda tinha como principais propostas a
equiparação do ensino público e privado, garantido pelo direito de escolha da família; o
fim do “controle” público sobre as instituições privadas; representação das escolas
privadas nos órgãos de direção do ensino do Governo Federal; manutenção do ensino
primário em quatro anos; fixar as regras para o financiamento a qualquer
estabelecimento de ensino através do Conselho Federal de Educação.
“Parágrafo único. À família cabe escolher, com prioridade, o
gênero de educação que deve dar a seus filhos. A família tem um
direito anterior ao do Estado, em matéria de educação, por ser ela
quem fornece ao Estado, ao grupo político da sociedade, os seus
membros mais abastados. (...)
Art. 3. O direito à educação é assegurado a todos:
I Pela obrigação do Poder Público, e pela liberdade de iniciativa
particular de instituir, na forma das leis em vigor, escolas de todos
os graus;
II pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis
para que a família se desobrigue dos encargos da educação (...).
Art. 4. É assegurado a todos o direito de transmitir os seus
conhecimentos, não podendo o Estado favorecer o monopólio da
Educação.
166
TEIXEIRA, Anísio. Anísio Teixeira responde a Carlos Lacerda. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro,
10 jun. 1959.
122
Art. 5 . É assegurada às escolas públicas e às particulares igualdade
de condições: a) pela representação adequada das instituições
educacionais nos órgãos de direção do ensino”.
167
O substitutivo Lacerda acirrou os debates sobre a educação no Congresso
Nacional e em diversos espaços dedicados à educação. Durante uma Conferência
realizada na Faculdade Nacional de Filosofia, em 24 de abril de 1959, e, posteriormente,
publicada no jornal A Notícia, o professor Raul Bittencourt declarava que o substitutivo
apresentado por Lacerda foi uma estratégia para desarticular o projeto de Lei
encaminhado pelo Ministro Clóvis Salgado e manter o quadro educacional do país nas
mãos da iniciativa privada.
“Desde o tempo de D. João VI que se elaboram planos de
educação, neste país. São 12, ao todo. O único, porém, destacado
como exeqüível, arrasta-se 11 anos pelo Congresso Nacional,
praticamente sem solução. Agora, com o magnífico substitutivo do
sr. Clóvis Salgado ao projeto de Diretrizes e Bases, preconizando o
ensino primário, de controle regional, e os demais, de orientação
nacional, que poderia ser aprovado de imediato, com esplêndidos
resultados para a mocidade estudantil brasileira, vem o mesmo de
ser tumultuado por outro dispositivo, de origem duvidosa, cujo
objetivo é sacrificar o povo em benefício de gananciosos
proprietários de colégios.”
168
Estavam presentes à Conferência o Ministro da Educação Clóvis Salgado,
Anísio Teixeira, o deputado Rui Ramos e muitos outros professores e parlamentares. O
professor Raul Bittencourt apelava ao deputado Rui Ramos para apoiar o projeto de lei
do Ministério da Educação na Câmara dos Deputados. Após o discurso do professor
Bittencourt, seguiram-se as apresentações de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Jayme de
Abreu e Almir Castro. O educador baiano acusava a iniciativa privada de “mandatários
167
LACERDA, Carlos. Substitutivo ao projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Apud.
RENAULT, Abgar. Análise do substitutivo de 29-9-59. in: INEP, Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro: INEP/MEC. Janeiro-março, vol. 33, n. 77, 1960, p. 38
168
BITTENCOURT, Raul. I Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: A NOTÍCIA. As escolas
brasileiras são fábricas de diplomas. A Notícia. Rio de Janeiro, 24 abr. 1959.
123
fantasmas”, pois se auto-intitulavam representantes dos interesses da coletividade. Os
discursos apresentados por esses intelectuais enfatizavam o caráter democrático da
escola pública e denunciavam o substitutivo Lacerda como um projeto de defesa
exclusiva dos interesses financeiros das escolas particulares que recebiam anualmente
do governo aproximadamente vinte e cinco milhões de cruzeiros. Assim, após a
declaração de Jayme Abreu de que os pobres ficarão sem escolas, se for aprovado o
substitutivo Lacerda, Almir de Castro afirmava que o substitutivo Lacerda é uma
fábrica de diplomas e uma guitarra de dinheiro”, enquanto Darcy Ribeiro encerrava seu
discurso declarando que “só a escola pública é democrática”.
169
Os jornais noticiavam que o país aguardava há treze anos por uma nova LDBEN
que garantisse educação à população brasileira. O projeto apresentado pelo Ministro
Clóvis Salgado que recebeu um grande impulso no ano de 1959 agora entrava em
disputa com o substitutivo Lacerda, representado por duas tendências: a primeira, o
controle estatal e a segunda, a livre iniciativa subsidiada e disciplinada pelo governo. A
imprensa publicava dezenas de dados estatísticos fornecidos pelo INEP, na tentativa de
denunciar o equívoco da legislação brasileira que despendia inúmeros recursos
financeiros no nível secundário e superior e relegava a educação primária ao segundo
plano num país com alto índice de analfabetismo.
“Em 1956, nas despesas globais com o ensino em todo o país, a
quota atribuída à educação elementar foi de apenas 43,2% contra
60,3% registrados em 1948. Enquanto isto, no mesmo período, as
despesas com o ensino médio subiram de 27,3% para 30,8%, ao
passo que as do ensino superior se elevaram de 12,4%, em 1948,
para 26%, em 1956. (...) como ainda releva o professor Anísio
Teixeira, para manter cinco milhões de crianças nas escolas
elementares, a nação (Municípios, Estados, União) despendeu a
soma de 6 bilhões de cruzeiros, com um "per capita", portanto, de
Cr$ 1.200,00. No mesmo ano, para 800.000 adolescentes
matriculados no ensino médio (primeiro e segundo ciclo), foram
gastos 4 bilhões e 300 milhões de cruzeiros, dando um ‘per capita’
169
A NOTÍCIA. As escolas brasileiras são fábricas de diplomas. A Notícia. Rio de Janeiro, 24 abr. 1959;
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Lei de Diretrizes reclamada por estudantes e educadores. Diário de Notícias.
Rio de Janeiro, 26 abr. 1959.
124
de 5.300 cruzeiros, enquanto que, no ensino superior, para instruir
70 mil estudantes, o país desembolsou 3 bilhões e 700 milhões de
cruzeiros ou sejam 52.000 cruzeiros por aluno matriculado. A
desproporção é gritante. Evidencia uma tendência, de fundo
nitidamente oligárquico, que abandona a massa da população do
país na ignorância para cuidar apenas, com finalidades mais de
manutenção de 'status' do que de eficiência social, da formação de
uma reduzida elite dominante.”
170
A inversão desse quadro, segundo os especialistas, seria possível com uma
nova legislação que passou a ser debatida como o único recurso disponível para mudar a
situação educacional brasileira. As disputas em torno da LBDEN giravam entre a
proposta dos educadores do INEP, apresentada por Clóvis Salgado à Câmara dos
deputados e o substitutivo Lacerda. O projeto de Lei apresentado por Clóvis Salgado e
defendido pelos intelectuais do INEP foi elaborado pelos educadores José Augusto
Carneiro Leão, J. Faria Góis, Abgar Renault, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho,
Almeida Júnior (relator), Raul Bittencourt e Anísio Teixeira, que segundo o próprio
educador, foi vencido nas suas propostas, estando o projeto mais ligado à proposta
inicial do governo do que aos seus ideais. O jornal Gazeta do Povo acusava o projeto
de Lacerda de propor o monopólio da educação nas mãos do ensino privado e tentar
extinguir o ensino oficial do país, além de salientar a crise no ensino privado provocada
pelo aumento das mensalidades e pela greve dos professores da rede particular que
exigiam a equiparação dos salários com os professores da rede pública.
“O que fará o substitutivo, caso seja aprovado, será permitir a
monopolização do ensino por estabelecimentos dirigidos por
grupos interessados exclusivamente em ganhos fáceis. Veja-se,
agora, em exemplos de nossos dias, a luta que travaram os
estudantes de todo o país, pela redução das anuidades escolares,
aumentadas, imoderadamente, pelos proprietários de colégios.
Veja-se, ainda, a greve de professores, terminada ontem, feita com
o sentido de melhorar os salários de mestres de estabelecimentos
170
DIÁRIO DE MINAS. Ensino Medieval. Diário de Minas. Belo Horizonte, 21 jan. 1959.
125
particulares. Nesses desajustes, o ensino privado mostrou que
sozinho não pode ficar, na legislação”.
171
O substitutivo de Lacerda encontrava-se nas mãos da Comissão de Educação da
Câmara dos Deputados para uma análise detalhada. Durante o XVI Congresso
Metropolitano de Estudantes, no qual participaram Anísio Teixeira, o deputado
Santiago Dantas e o Ministro da Educação Clóvis Salgado, o embate entre os dois
grupos foi inevitável. Enquanto o educador baiano acusava o projeto de lei de ser um
retorno ao período colonial onde um grupo particular detinha o poder público e privado,
o deputado Santiago Dantas afirmava que o projeto de lei apresentado na Câmara era o
mais democrático possível ao estabelecer o paralelismo entre o ensino público e o
particular, respeitando a Constituição. Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Jayme de Abreu
condenaram, durante três horas, o substitutivo Lacerda e defenderam arduamente o
projeto apresentado pelo Ministério.
172
“Em nome de que liberdade, de que princípios, declara-se que a
escola pública não tem capacidade de educar? Qual a escola mais
capaz de atender à família brasileira, sem distinção de cor,
ideologia ou religião? O que se discute é o rateio das verbas
públicas! O que se discute é se o povo brasileiro deve multiplicar o
Pedro II ou financiar as escolas particulares. Não queremos dar
liberdade para as escolas darem diplomas, e sim para darem
educação ao povo brasileiro. Todo pai está ciente da deficiência
gritante do ensino secundário e qualquer pessoa, com os mínimos
conhecimentos de História Contemporânea ou de Ciências Sociais,
verifica a mentira da alegação de que a escola pública é
ineficaz”.
173
171
GAZETA DO POVO. Diretrizes do ensino. Gazeta do Povo. Curitiba, 22 mar. 1959.
172
JORNAL DO BRASIL. Substitutivo ao projeto de Diretrizes do Ensino revela tendência colonial.
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 16 out. 1959; TEIXEIRA, Anísio. Fortalecimento do ensino público. A
Tarde. Salvador, 17 out. 1959.
173
RIBEIRO, Darcy. mesa-redonda realizada na Faculdade Nacional de Filosofia. In: ÚLTIMA HORA.
Educadores: é retrógrado o substitutivo-Lacerda. Última Hora. Rio de Janeiro, 25 abr. 1959.
126
No dia de julho de 1959, os intelectuais da educação publicavam nos
principais jornais do país um novo manifesto em defesa da educação pública. O
primeiro manifesto (1932) baseava-se na crença utópica do futuro como espaço para
novas práticas educacionais a serem implantadas no país. Em 1959, as dificuldades em
implementar um sistema educacional que atendesse aos anseios da população ainda não
haviam sido ultrapassadas, permanecendo as mesmas críticas esboçadas no manifesto
anterior. Em ambos os manifestos podem ser observados alguns dos aspectos políticos
centrais defendidos por esses educadores como a defesa do ideário liberal associado à
modernidade; a racionalidade técnica substituindo as práticas políticas tradicionais na
organização do Estado; a reconstrução educacional como fator de transformação social;
e, por fim, a descentralização estatal como fator de democratização do país.
174
O Manifesto integrava-se à Campanha em defesa da escola pública tornando-se
um documento célebre na luta pelo direcionamento do sistema educacional brasileiro.
O discurso debatia os principais tópicos defendidos pelos intelectuais modernizadores
evidenciados como subtítulos do Manifesto: “Pela educação liberal e democrática”,
“Educação para o trabalho e desenvolvimento econômico”, “Deveres para com as novas
gerações” e “A escola pública em acusação”.
175
No dia 1 setembro de 1959, iniciava-se o Simpósio sobre os problemas
educacionais do país no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo. No
Simpósio compunha a mesa o professor Anísio Teixeira; os professores Fernando de
Azevedo e Milton da Silva Rodrigues, catedrático de Estatística da Faculdade de
Filosofia e coordenador do simpósio; Moreira de Sousa, representante do prof. Gilberto
Freire e do Centro Regional de Pernambuco; Jayme de Abreu; e Mário Casasanta.
Anísio Teixeira destacou o papel decisivo daquele Centro ao propor medidas
educacionais pautadas em questões científicas, destacando a importância da ação prática
dos educadores a partir do espírito científico. Em sua conferência ressaltou que a
escola pública era capaz de resolver dois problemas graves no país, ou seja, o desnível
do desenvolvimento nas diversas regiões e o elevado índice migratório. Após a
174
COUTO, Diana (org.). Trajetórias Liberais e Radicais pela Educação Pública (1920-1994). São
Paulo: Loyola, 2000. p. 39
175
AZEVEDO, Fernando. Manifesto dos Educadores: Mais uma vez convocados. In: Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, INEP/MEC, 31(74), pp. 3-24, abr./jun. 1959. O Manifesto foi publicado nos
jornais O Estado de São Paulo, em São Paulo, Diário do Congresso Nacional, Diário de Notícias, Jornal
do Comércio, no Rio de Janeiro, em 1959. Sobre a importância dos Manifestos no debate educacional
ver: GONDRA, José G. e MAGALDI, Ana Maria. A reorganização do campo educacional no Brasil:
manifestações, manifestos e manifestantes. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003
127
exposição de Anísio, seguiu a apresentação rio Casasanta afirmando que a escola
pública encontrava-se ameaçada pelas disputas políticas no Congresso.
Neste Simpósio, Florestan Fernandes apresentou seu trabalho “Ciência aplicada
e a educação como fatores de mudança cultural provocada” cujo objetivo era ressaltar a
importância do CBPE ao associar o trabalho de sociólogos e educadores na proposição
de políticas educacionais com o intuito de superar o subdesenvolvimento do país. A
esse debate seguiram-se exposições sobre a relação entre a psicologia e a educação de
Dante Moreira Leite: “A investigação psicológica em face dos problemas educacionais
brasileiros”; a administração e a educação do prof. José Querino Ribeiro: “O problema
da administração na formação e no funcionamento do sistema educacional brasileiro”;
filosofia e educação do prof. João Eduardo Vilalobos: “O problema dos valores da
formação e no funcionamento do sistema educacional brasileiro”; sociologia e educação
do prof. Renato Jardim Moreira: “A investigação sociológica em face dos problemas
educacionais brasileiros”.
Ao final do Simpósio, o tema debatido foi sobre a improvisação das políticas
educacionais, fruto de uma “política obscurantista” que atendia aos interesses políticos-
partidários em detrimento do interesse público. O congresso enfatizava a dicotomia da
política partidária associada a interesses privados e a política científica realizada a partir
de pesquisas empíricas e voltada para as necessidades de toda a coletividade, ou seja,
imbuída do espírito público. Esse discurso enfatizava o papel decisivo dos Centros de
Pesquisa na elaboração de políticas sociais consolidando a associação entre ciência e
política.
176
No ano de 1960, tramitavam no Senado Federal os dois projetos de lei: o
enviado pelo Ministério da Educação sob a chancela dos intelectuais do CBPE e o
substitutivo Lacerda. Os principais jornais do país publicavam dezenas de artigos a
favor do projeto do Ministério, enfatizando que o projeto de lei corrigia a distorção do
ensino no país ao criar a educação unificada. Para os intelectuais do Centro a possível
aceitação do substitutivo Lacerda era analisada como um retrocesso aos avanços do
sistema educacional brasileiro ao reafirmar a tendência discriminatória e privatista de
velhos grupos no poder. Como afirma Anísio Teixeira em entrevista ao Diário de
Notícias,
176
O ESTADO DE SÃO PAULO. Professores iniciam um grande debate sobre os problemas atuais da
educação no Brasil. O Estado de São Paulo. São Paulo, 2 set. 1959.
128
“Guardamos o velho vinco, o velho hábito, a antiga mazela e eis
que ressurge ela agora na lei básica da educação nacional. Vale a
pena rápida reconstituição histórica, para marcar a forma com que a
velha deformação nacional vem repontar no quadro o sistema
público de educação brasileira. (...) Todos sabemos - salienta - com
que resistência o Estado, no Brasil, vem cumprindo a obrigação
constitucional de ministrar a Educação. Na Monarquia, podemos
dizer que não passamos da ação acidental de criar e manter alguns
Institutos de Educação, com o caráter que se poderia chamar de
‘exemplar’. Ao Estado, cabia a ação de estímulo, no máximo de
organizar as instituições ‘modelo’, ‘padrão’. Com a República,
tivemos modesta exaltação da consciência pública e lançamos as
bases de um sistema dual de educação: a escola primária e
profissional para o povo, a escola secundária e superior para a
elite”.
177
Anísio publicou vários artigos e concedeu diversas entrevistas sobre a
importância da nova legislação, condenando o substitutivo Lacerda e buscando o apoio
da opinião pública para o projeto do MEC.
178
Ao defender o projeto de Lei enviado pelo
Ministério como expressão dos ideais de um Estado Moderno, polarizou as discussões
em torno da escola pública identificando-as com os debates gerais sobre os desafios do
país em vias de modernização. Aproximando-se da atmosfera intelectual dos anos 50,
onde as matrizes dualistas foram a base das leituras sobre as condições sociais do Brasil,
177
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Corrigindo uma omissão: o projeto de diretrizes cria educação unificada.
Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 14 abr. 1960.
178
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Projeto de Diretrizes e Bases colocou de lado o papel da escola pública.
Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 19 abr. 1960. ________. Projeto deixou de lado papel relevante da
escola pública. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 20 abr. 1960. __________. Diretrizes e bases: projeto
não define a função precípua da escola pública. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 23 abr. 1960.
_________. O destino da escola pública é formar a consciência da nação. Diário de Notícias. Rio de
Janeiro, 24 abr. 1960. _________. Desvio de recursos para a escola particular vem retardar
democratização. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 30 abr. 1960. DIDONET NETO, João. Ajuda oficial
às escolas particulares. Jornal do Dia. Porto Alegre, 18 mar.1960. FOLHA DE SÃO PAULO. A escola
pública promove a igualdade social: a escola privada estimula a discriminação. Folha de São Paulo. São
Paulo, 20 fev. 1960. JORNAL DA BAHIA. Anísio Teixeira: não sou contra subvenção às escolas
particulares. Jornal da Bahia. Rio de Janeiro, 18 dez. 1960. TEIXEIRA, Anísio. A educação particular
jamais se caracterizou como sistema renovador. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 abr. 1960.
TEIXEIRA, Anísio. Escola particular e escola pública: discriminação social versos integração social. A
Tribuna. Santos, 26 mar. 1960. TEIXEIRA, Anísio. O estado pode tolerar mas não subvencionar a
educação particular. Diário Popular. São Paulo, 10 mar. 1960. ÚLTIMA HORA. Educação pública deve
ser ampliada até o secundário. Última Hora. Rio de Janeiro, 23 jan. 1960.
129
o educador propôs o modelo de ensino escolanovista como solução aos desafios do país
e à superação dos arcaísmos. Anísio, assim, como outros intelectuais do CBPE,
acreditava que a superação do atraso econômico e do autoritarismo político ocorreria
através da difusão da cultura pela escola pública. A visão dualista adotada nos artigos
publicados na Revista Educação e Ciências Sociais valorizava o projeto educacional
dos intelectuais modernizadores do CBPE, apontando-o como intrinsecamente ligado à
sociedade moderna e condenando a posição do grupo católico ao associá-lo às estruturas
arcaicas ainda presentes na sociedade brasileira.
179
O papel da ciência e do planejamento educacional presentes no pensamento
daqueles intelectuais não reduzem suas ações as de simples burocratas ou técnicos. É
preciso esclarecer que a utilização do conceito de ciência nos artigos desses homens
adquire o status de valor. A própria noção de ciência aplicada presente nas décadas de
1950 e 1960 ganhou novos traços na análise sociológica e apontava para a necessidade
do arcabouço teórico e da experimentação, gerando uma interdependência entre teoria,
prática e experimentação científica.
180
A ciência como valor corresponderia à “mudança cultural provocada” e
possibilitaria a “democratização da cultura”. Esses conceitos tão caros aos intelectuais
da cada de 1950 representavam a consolidação da estrutura social capitalista e a
efetivação dos valores modernos. É neste sentido que devemos compreender o papel da
ciência e do planejamento proposto pelos intelectuais do CBPE. Em seus artigos a idéia
da intervenção racional não produziria um sistema educacional pautado em bases
tecnocratas, ao contrário, prevaleceria o espírito de valorização das demandas de cada
localidade. Aos especialistas caberia identificar quais as demandas sociais específicas e
propor possíveis soluções para adequar a instituição escolar às necessidades da
população.
3.0 - A votação da nova LDBEN: “A lei é resultado de uma luta”
181
Em 1961, o governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda dedicava-se à
votação da LDBEN e foi acusado de tramar o afastamento de Anísio Teixeira do INEP.
179
A obra que consagrou a análise dualista foi "Os dois Brasis", escrita por Jacques Lambert, participante
do CBPE e publicada originalmente pelo INEP. Ver: LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. Rio de
Janeiro, INEP, 1959.
180
Sobre a noção de ciência aplicada ver: FERNANDES, Florestan. Op.cit. p.168
181
Foi assim que Anísio Teixeira se referiu a LDBEN sancionada em 1961. TEIXEIRA, Anísio.
Diretrizes e bases não satisfaz. A União. João Pessoa, 19 dez. 1961
130
Aproveitando-se da viagem de Anísio Teixeira aos Estados Unidos, onde foi convidado
para presidir uma reunião sobre ensino superior, patrocinada pelas fundações Ford e
Rockfeller, Carlos Lacerda e Flexa Ribeiro (Secretário de Educação do Estado da
Guanabara) articulavam a demissão do educador baiano. O afastamento de Anísio da
direção do INEP não ocorreu, mas o educador enfrentaria ao lado dos intelectuais do
CBPE a disputa pelo projeto vitorioso da LDBEN.
182
Quando retornou da viagem aos Estados Unidos, em março de 1961, Anísio
Teixeira foi a uma audiência com o presidente da República Jânio Quadros
acompanhado do prof. Darcy Ribeiro. A imprensa publicava os rumores sobre a
possível nomeação de Anísio Teixeira para o cargo de ministro da educação e cultura no
lugar de Brígido Tinoco. Após duas horas de audiência com o presidente, o educador
baiano declarava que esta era a oportunidade de Jânio Quadros ser o presidente da
educação”, referindo-se à necessidade de um programa educacional organizado pelo
Estado e da urgência na votação da LDBEN. Contudo, o educador declarava que não
havia nenhum convite do presidente para ele assumir o Ministério e que tudo não
passava de “uma onda da imprensa”. A imprensa noticiava a reforma parcial dos
Ministérios anunciada por Jânio Quadros como uma possibilidade de reformulação
política e formação de uma sólida base governamental.
183
Em 30 de abril de 1961, o
presidente Jânio Quadros publicava uma nota no Correio Paulistano demitindo o
Ministro Brígido Tinoco e anunciando o seu desejo de convocar Anísio Teixeira para o
cargo.
“Ao Ministro da Educação. Excelência: 1. Percebo, ao longo de
relatórios, que V. Exa., sobre ser inatuante, ignora, profundamente, os
problemas concernentes à pasta. 2. Confirmo que, de fato, nos últimos
dias, meu assessor, e dos mais autorizados, e dos mais idôneos, tem
sido o Prof. Anísio Teixeira. Fá-lo-ei ministro de Estado tão logo V.
Exa. compreenda que é corpo estranho na máquina administrativa da
União. 3. Existem, e só, duas dificuldades para concretizar a
182
MAURO, José. Pressão contra Anísio Teixeira. Última Hora. Rio de Janeiro, 8 fev. 1961.
183
CORREIO BRAZILIENSE. Anísio Teixeira pinta para MEC. Correio Brasiliense. Brasília, 28 mar.
1961. DIÁRIO DA NOITE. Recomposição ministerial. Diário da Noite. São Paulo, 30 mar. 1961. O
ESTADO DE SÃO PAULO. Rumores sobre a exoneração de Brígido Tinoco. O Estado de São Paulo.
São Paulo, 7 abr. 1961. ________. Quadros troca idéias com Anísio Teixeira. O Estado de São Paulo.
São Paulo, 29 mar. 1961. ________. Novo encontro de Anísio Teixeira com o presidente. O Estado de
São Paulo. São Paulo, 6 abr. 1961. O JORNAL. Veto. O Jornal. Rio de Janeiro, 2 abr. 1961.
131
nomeação do Prof. Anísio Teixeira: a) o veto do sr. Carlos Lacerda; b)
a oposição frontal da Igreja, através dos seus líderes mais
preeminentes”.
184
Contudo, havia rumores que a nomeação de Anísio Teixeira estaria sendo vetada
pelo Cardeal D. Jaime Câmara refletindo o pensamento da Igreja que se opunha
drasticamente às propostas do educador baiano. A crise política de 1961 inviabilizou
qualquer possibilidade de nomeação de Anísio e o presidente Jânio Quadros decidiu
nomear Oliveira Brito para o cargo. A crise política que atravessou o país em 1961
paralisou a votação da LDBEN no Congresso Nacional. A retomada das discussões
ocorreu num clima de instabilidade política, o que provocou uma postura moderada do
governo federal diante da proposta inicial do Ministério da Educação e Cultura de
favorecer a escola pública como única beneficiária dos recursos da União. Por isso, o
Ministro Oliveira Brito declarava à imprensa que o projeto a ser aprovado ampararia
tanto a escola pública quanto a escola privada.
“O Ministro - em declaração à imprensa - esclarecera que o projeto
será aprovado dentre de poucos dias mas tanto a escola pública
como a particular nele são amparadas, considerando que a Nação
não pode arcar com o ônus de manter somente escolas públicas.”
185
A Lei Nacional de Diretrizes e Bases foi aprovada pelo Congresso Nacional e
sancionada pelo Presidente da República em 20 dezembro de 1961, sendo recebida com
reservas e restrições pelos intelectuais no interior do MEC. Para o professor Almir
Castro, diretor de Programas da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, “não é a lei ideal, aquela com que poderia o Brasil responder daqui por
diante, ao desafio do seu próprio desenvolvimento e das transformações sociais que o
acompanham”. O próprio Anísio Teixeira foi quem melhor traduziu o sentimento de
incapacidade de ação daqueles intelectuais, ao declarar,
184
QUADROS, Jânio. Ao ministro da Educação. Correio Paulistano. São Paulo, 30 mar. 1961
185
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Anísio acha que educação parou com a crise mas Brito tem plano geral.
Diário de Notícias. Salvador, 23 out. 1961.
132
“(...) não está à altura das circunstâncias em que se acha o País e não
deixa de ser um retrato de perplexidades e contradições em que nos
lança esse próprio desenvolvimento do Brasil, pois é na escola que
se trava a última batalha contra a resistência de um país à
mudança.”
186
A Lei expressava algumas das propostas defendidas pelos intelectuais do
CBPE/INEP; contudo, atendeu algumas das solicitações do grupo católico como a
igualdade entre a escola pública e a privada; a garantia de um representante da iniciativa
privada no Conselho Federal, a liberdade da família de escolher o sistema educacional
dos filhos; a manutenção do ensino primário em quatro anos. A Lei também não definiu
qual parcela do orçamento da União seria destinado à educação e nem mencionava a
questão do ensino religioso.
“Art.2°. Parágrafo único. À família cabe escolher o gênero de
educação que deve dar a seus filhos.
Art. 3°. O direito à educação é assegurado:
I) pela obrigação do poder público e pela liberdade da
iniciativa particular de ministrarem o ensino em todos os
graus, na forma da lei em vigor; (...)
Art. 5°. São assegurados aos estabelecimentos de ensino público e
particulares, legalmente autorizados, adequada representação nos
conselhos estaduais de educação, e o reconhecimento, para todos os
fins, dos estudos neles realizados. (...)
Art. 8°. Parágrafo 1. Na escolha dos membros do Conselho, o
Presidente da República levará em consideração a necessidade de
neles serem devidamente representadas as diversas regiões do País,
os diversos graus do ensino e o magistério oficial e particular”.
187
O jornal Diário de Notícias realizava uma série de inquéritos sobre temas
nacionais em sua coluna “Comentário”, questionando intelectuais e políticos sobre
186
JORNAL DA BAHIA. Lei de Diretrizes foi recebida com reservas. Jornal da Bahia. Salvador, 27 dez.
1961
187
“Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (n°4.024)”. In: INEP. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro: INEP, Vol. 37, n°: 85, janeiro - março 1962, p. 85
133
diversos temas, inclusive sobre educação. No dia 13 de maio de 1962, o jornal publicava
em sua coluna a resposta de cinco educadores a respeito da eficiência da Lei,
questionando se esta seria capaz de atingir a meta da educação, ou seja, promover a
democracia e auxiliar na superação do subdesenvolvimento.
188
Anísio Teixeira respondeu ao inquérito reafirmando sua preocupação com o
aperfeiçoamento das escolas e a intensificação com a formação de quadros técnicos e
superiores como fundamentais no processo de desenvolvimento do país. Para ele, a Lei
apresentava, mesmo que de forma tímida, a descentralização administrativa necessária
para o alcance das metas, garantindo uma variedade e flexibilidade capaz de substituir o
ensino verbalístico pela “verdade educativa”, ou seja, uma educação voltada para as
necessidades econômicas de cada região.
Para Clóvis Salgado, Ministro da Educação no governo Juscelino Kubitschek, a
nova Lei garantia os recursos necessários para o investimento e a expansão das escolas,
ao designar 12% da renda tributária da União à pasta de educação, ou seja, mais 2% do
que exigia a Constituição. O orçamento destinado à educação foi dividido igualmente
entre os três Fundos (ensino primário, secundário e superior), garantindo uma
distribuição igualitária entre os três níveis de ensino. O professor Deolindo Couto, vice-
reitor da Universidade de Brasília, também enfatizava a melhor distribuição de recursos
como o principal avanço da Lei. Por fim, José Barreto Filho, professor de psicologia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e Josué Montelo, Diretor do Museu
Nacional, defendiam o caráter democrático da Lei ao conjugar os esforços do ensino
privado e público.
Quando João Goulart assumiu a presidência da República, Anísio Teixeira
vislumbrou a possibilidade de concretizar as propostas educacionais defendidas pelo
CBPE, através de uma grande reforma educacional inserida no Plano Trienal. Para o
educador a proposta apresentada pelo presidente contava com recursos suficientes para o
setor educacional e obedecia a um certo planejamento e sistematização necessários à
reforma pretendida pelos intelectuais do INEP. O Governo Federal se comprometia a
construir 40 centros de treinamento nos próximos oito anos e pretendia inaugurar os
dezoito primeiros em três meses, para realizar o aperfeiçoamento do magistério e investir
188
A coluna publicou os depoimentos dos quatro educadores. TEIXEIRA, Anísio. Inquérito sobre
Diretrizes e Bases: educadores falam sobre a nova lei. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13 maio 1962.
134
na escola primária. O Ministério da Educação e Cultura através de suas agências e da
experiência de seus integrantes ficaria responsável por conduzir esse projeto.
189
Em 1961, começaram os deslocamentos das principais lideranças do CBPE, e
muitos daqueles intelectuais passam a ocupar lugar de destaque na burocracia federal e
nas instituições superiores de ensino. Fernando de Azevedo é empossado Secretário
Municipal de Educação de São Paulo; o sociólogo Darcy Ribeiro é empossado Reitor da
Universidade de Brasília, permanecendo no cargo até 1963, quando se tornou Chefe do
Gabinete Civil da Presidência da República. Em seu lugar, ficou Anísio Teixeira, que
ocupava o cargo de vice-reitor da Universidade. Em 1962, foi criado o Conselho Federal
de Educação, com cargos de conselheiros nomeados pelo presidente da República, dentre
os quais estavam: Anísio Teixeira, Abgar Renault, com mandato de seis anos, e Newton
Sucupira com mandato de quatro anos.
O último número da Revista Educação e Ciências Sociais foi publicado em
1962. A partir desse ano, o INEP publicava os artigos e as pesquisas realizadas pelos
intelectuais do Centro na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Com as principais
lideranças do CBPE afastadas de seus cargos para ocuparem outros na máquina
burocrática, um esvaziamento do Centro, até sua total reformulação com o golpe de
1964. Com os militares no poder e a intervenção no Ministério da Educação e Cultura, o
CBPE torna-se uma divisão burocrática no interior do Ministério, perdendo o seu
caráter científico e, especialmente, político. Contudo, os militares utilizariam os dados
coletados e analisados durante a direção de Anísio Teixeira na reformulação das
diretrizes educacionais.
189
TEIXEIRA, Anísio. Discurso de Goulart sobre educação abre uma nova era, diz Anísio Teixeira.
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 29 dez. 1962.
135
CONCLUSÃO
As relações entre os intelectuais e o Estado têm merecido amplo debate na
historiografia brasileira, especialmente, àquelas dedicadas ao período de 1930-1964.
Nesse momento, a participação dos intelectuais no aparato burocrático foi marcada pela
construção de projetos de modernização do Estado e da nação. Dentre os diversos
grupos intelectuais que atuaram junto às esferas de poder, destacamos a ação política
dos intelectuais da educação nas décadas de 1950 e 1960.
A intervenção desses educadores ocorreu dentro do Ministério da Educação e
Cultura com a criação do CBPE, uma agência que congregava cientistas sociais e
educadores com o objetivo de elaborar políticas públicas para o setor educacional
através da utilização de métodos científicos. O Centro funcionou como um espaço de
desenvolvimento e aprimoramento das ciências sociais no país e congregou vários
remanescentes do movimento escolanovista, como Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo, Mário Casasanta e Abgar Renault. Dessa forma, o Centro atuou como uma
instituição dedicada à solução dos problemas educacionais e um espaço de intervenção
política com um projeto educacional próprio. Essa dupla atuação permitiu aos
intelectuais do CBPE uma prática discursiva que apresentava o Centro como uma
instituição dedicada à formação de uma “política racional” e “neutra” através do uso da
ciência.
Esses intelectuais apresentavam o Estado como a instituição responsável pela
democratização e modernização do país. Dessa forma, eles acreditavam que através
da efetiva participação nas instâncias burocráticas conseguiriam concretizar suas
propostas para a educação e para o desenvolvimento da nação. A inserção dos
intelectuais do CBPE na esfera política ocorreu através da defesa dos ideais de
desenvolvimento difundidos pelo Governo Federal, especialmente, durante a
presidência de Juscelino Kubitscheck, e pela associação do Centro a instituições
internacionais.
A utilização das ciências sociais para a formulação de políticas educacionais
garantiria a racionalidade e a eficiência das intervenções estatais ao possibilitar o pleno
conhecimento da realidade nacional”. O discurso desses homens ao valorizar o uso da
ciência no direcionamento das políticas públicas aparece associado à defesa do “espírito
público”. Os intelectuais ao analisarem as necessidades e os potenciais de determinada
região do país estariam preocupados com o desenvolvimento pleno daquela população,
136
ou seja, seriam defensores da vontade coletiva e estariam eliminando as práticas
privatistas e partidárias existentes no direcionamento das políticas públicas. Assim,
buscavam inserir novos valores ao sistema político brasileiro como a utilização do
planejamento e da ciência na orientação das políticas sociais.
Acreditamos que a necessidade de analisar os entraves à modernização e o potencial
econômico de cada região do país era primordial no interior do Centro. Na tentativa de
modernizarem o país através da democratização da cultura as lideranças do CBPE
buscaram apoio em diversas organizações internacionais. Tratava-se de planejar uma
nação moderna, urbana e desenvolvida nos moldes norte-americanos e integrada a todo
o continente.
As lideranças do CBPE, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Darcy Ribeiro e
Jayme de Abreu participaram diretamente dos debates políticos sobre a LDBEN
utilizando a imprensa para divulgar o projeto educacional elaborado no CBPE. O Centro
funcionou como um mecanismo de participação política desses intelectuais, que
ocuparam cargos de destaque nas esferas burocráticas na década de 1960. Dessa forma,
o Centro era uma estratégia de inserção desses homens na esfera política, estratégia que
seria superada pela mobilização de outros espaços e recursos e pela própria
movimentação dos intelectuais nos cargos públicos.
Neste trabalho, buscamos enfatizar como o discurso político apresentado pelos
integrantes do CBPE propunha um projeto de organização do Estado e definição de suas
políticas públicas e um projeto de modernização da nação. Ainda podemos
problematizar algumas questões sobre a participação desses homens no interior do
aparelho estatal. Os principais intelectuais do CBPE durante os debates políticos
enfatizavam o caráter liberal de suas propostas. De que forma a proposta educacional
desse grupo de intelectuais estava associada à corrente liberal? Quais as relações
estabelecidas entre as lideranças do CBPE e as lideranças políticas, considerando que
várias propostas do Centro foram assumidas pelo executivo e que esses intelectuais
ocuparam cargos públicos importantes após a consolidação do CBPE? Como os
cientistas sociais atuantes no Centro propuseram a modernização do país? Quais suas
bases teóricas? Essas questões merecem novas investigações, capazes de detalhar as
estratégias estabelecidas para a concretização do discurso político desses homens. Além
disso, na compreensão do desenvolvimento das ciências sociais no Brasil, o CBPE
produziu uma série de pesquisas que buscaram responder a mesma temática: como
137
modernizar e superar os entraves à modernização do país, compreendendo as diferenças
entre as regiões brasileiras.
Nessa dissertação buscamos responder a algumas hipóteses:
1ª) O projeto elaborado pelos intelectuais do CBPE tinha por objetivo atuar em dois
campos definidos: a organização do Estado e o desenvolvimento da nação. Essa dupla
intervenção obrigou a esses intelectuais a atuarem de maneira distinta em cada um dos
campos;
2ª) Consideramos que os intelectuais do Centro estão em disputa pela hegemonia do
discurso educacional. Para tal, esses intelectuais estão organicamente ligados ao
processo de consolidação da sociedade urbano-industrial;
3ª) O discurso desses intelectuais estava alinhado às diretrizes internacionais,
especialmente, norte-americanas para o desenvolvimento da América Latina;
4ª) O CBPE foi uma estratégia de inserção dos intelectuais na arena política.
Acreditamos que o esvaziamento do Centro ocorreu na medida que outros espaços de
poder foram solicitando a participação desses intelectuais.
A historiografia brasileira dedicada à atuação dos educadores profissionais pode
ser dividida em duas correntes: a de origem marxista, marcante durante a década de
1980, associava a ação desses educadores às tendências tecnocráticas; e as novas
pesquisas elaboradas nos cursos de pós-graduação durante a década de 1990 e que
apresentam o projeto educacional desses intelectuais com propostas humanistas e
democráticas defendidas, especialmente, por Anísio Teixeira, opondo-se às teses
marxistas da década anterior.
190
Nesta dissertação procuramos demonstrar que essas duas análises são dois
aspectos, ambos necessários, e não excludentes entre si. Minha proposta é que ambas
compõem a atuação política desses intelectuais, que incorporam as duas formas de
intervenção. O projeto do CBPE, talvez, seja o melhor exemplo da postura dual, mas
complementar, existente na ação desses homens.
190
Sobre as teses marxistas ver: GANDINI, Raquel Pereira Chainho. Tecnocracia, Capitalismo e
educação em Anísio Teixeira (1930-1935). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1980;
MONARCHA, Carlos. A reinvenção da cidade e da multidão: dimensões da modernidade brasileira: a
escola nova. São Paulo: Cortez, 1990. A crítica a essa historiografia surgiu na década de 1990, ver:
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1999.
138
Essa dupla percepção da função a ser desempenhada pelo CBPE, ou seja, a
definição de dois lugares e, portanto, a realização de posturas intervencionistas distintas
fez que a ação e, principalmente, o discurso daqueles intelectuais oscilasse entre a
defesa da técnica, da racionalidade e da ciência na orientação das políticas públicas, por
um lado, e a crença num certo tipo de educação definido por postulados ideológicos, por
outro.
Essas duas orientações, técnica e ideológica, tradicionalmente opostas, eram
possíveis na medida que cada uma delas estava direcionada para uma área de
intervenção, respectivamente, a organização do Estado e a modernização da nação.
Essa dupla intervenção marcou a lógica institucional do Centro. No que tange à
questão do Estado, a postura técnica aparece como a melhor forma de defesa do
“espírito público”. Contudo, para os debates políticos relacionados à orientação do
sistema educacional prevaleciam as análises ideologicamente definidas e que
demonstram o alinhamento desse grupo às propostas modernizadoras vigentes naquele
período.
O Centro funcionou também como um lugar de reinserção dos intelectuais
afastados do campo político desde o Ministério Capanema (1934-1945) e possibilitou
que esses homens conseguissem força política para consolidar sua participação nas
principais esferas de ação do governo federal. Nesse sentido, o CBPE foi uma estratégia
vitoriosa, ao possibilitar o retorno de personagens significativas para o campo
educacional durante as décadas de 1920 - 1930 e atuar como um espaço importante nas
disputas pela hegemonia da orientação educacional. Os campos científico e educacional
representavam para as diversas correntes intelectuais um meio de alcançar o
desenvolvimento social do país. A possibilidade de dirigir e controlar esses campos
significava poder orientar os rumos da sociedade brasileira. Assim, o Centro configurou
a possibilidade desses intelectuais atuarem como força interventora e legítima no
aparelho do Estado e de desenharem perspectivas modernizadoras para a malha
societária nacional. Em síntese: para o Estado, tecnocratas, para a nação, ideólogos.
139
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