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Viagem filosófica às doenças e curas em Mato Grosso
no século XVIII: os relatos do naturalista
Alexandre Rodrigues Ferreira
MARINA AZEM
Mato Grosso, 2006.
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Viagem filosófica às doenças e curas em Mato Grosso
no século XVIII: os relatos do naturalista
Alexandre Rodrigues Ferreira
MARINA AZEM
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do
Instituto de Saúde Coletiva, da
Universidade Federal de Mato Grosso
para obtenção do título de Mestre em
Saúde Coletiva.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Fátima
Roberto Machado
Mato Grosso,2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
Viagem filosófica às doenças e curas em Mato Grosso
no século XVIII: os relatos do naturalista
Alexandre Rodrigues Ferreira
MARINA AZEM
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do
Instituto de Saúde Coletiva, da
Universidade Federal de Mato Grosso
para obtenção do título de Mestre em
Saúde Coletiva.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Fátima
Roberto Machado
Mato Grosso, 2006
A993v
Azem, Marina.
Viagem filosófica às doenças e curas em Mato Grosso no século
XVIII: os relatos do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. / Marina
Azem. – Cuiabá: a autora, 2006.
181 fls.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Fátima Roberto Machado.
Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso.
Instituto de Saúde Coletiva. Campus de Cuiabá.
1.Saúde. 2. Medicina. 3. Terapêutica. 4. Tratamento. 5. Terapias.
6. Cura. 7. Viagem. 8. Relato. 9. Ferreira, Alexandre Rodrigues.
I. Título.
CDU 615. 8
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: Profª. Dra. Maria Fátima Roberto Machado
Membros: Prof. Dr. João Pacheco de Oliveira Filho
Profª. Dra. Marta Gislene Pignatti
Suplente: Profª Dra Juliana Braz Dias
SUMÁRIO
Apresentação .................................................................................................. 01
Introdução ...................................................................................................... 05
Ampliando horizontes ......................................................................................... 08
Conhecendo acervos ........................................................................................... 13
Olhando sobre os ombros .................................................................................... 18
Capítulo I – Desvendando o mundo................................................................ 25
Portugueses “iluminados”..................................................................................... 32
Desbravar, observar, classificar e dominar ...............................................................45
Terra brasilis ..................................................................................................... 47
Mato Grosso português ........................................................................................ 58
Capítulo II – Arte no Setecentos: exótica e informativa................................. 66
Debuchos e aguadas.............................................................................................................75
Os desenhistas riscadores.......................................................................................80
Capítulo III – Ciência e magia andam de mãos dadas no Setecentos..............91
Sangrar, purgar e escarificar ............................................................................... 105
Capítulo IV – A arte de curar na Capitania de Mato Grosso........................ 117
Águas, ares e lugares............................................................................................ 125
Matéria médica ................................................................................................ 128
Calor, fastio e lassidão........................................................................................ 131
Tremores, ardores e suores.................................................................................. 141
Opressão, inflamação e obstrução.......................................................................... 150
Conclusão.......................................................................................................163
Índice de gravuras..........................................................................................168
Bibliografia....................................................................................................176
AGRADECIMENTOS
Tive a sorte de estar acompanhada de pessoas especiais, na trajetória que
resultou nessa dissertação. Gostaria de agradecer a cada uma delas.
A Anis Azem meu pai, que me ensinou tudo o que sabia sobre a arte de curar.
Por seu exemplo de ética, respeito e cuidado para com o paciente, com os
colegas médicos e todos com quem conviveu. Por eu ter podido compartilhar
sua vida e sabedoria.
A Luiz Vicente, meu mestre na arte de conhecer a natureza, sensibilizando,
diversificando e ampliando meu olhar. Sou grata por sua presença. Por sua
disposição para ler e rever meus escritos e pelas fotos que ilustram o texto.
A Luiza e Fábio, meus filhos, pelo apoio e incentivo. Pela paciência que
tiveram em aceitar a minha ausência, acreditando que a dissertação “um dia
ia acabar”. Por me acudirem nas dificuldades com o computador e com a
impressora!
A Profª Dra. Maria Fátima Roberto Machado, minha amiga, pelo privilégio
de tê-la como orientadora. Sem sua ajuda teria sido impossível finalizar este
texto. Agradeço a sua atenção, dedicação e estímulo durante toda a pesquisa e
redação.
A Profª Dra. Maria Inês Barbosa, minha primeira orientadora, por ter me
aceito no Programa de Pós-Graduação do Departamento de Saúde Coletiva
da Universidade Federal de Mato Grosso.
A Profª Dra. Ângela Domingues, que gentilmente me enviou de Portugal uma
série de artigos sobre Alexandre Rodrigues Ferreira e a Amazônia no século
XVIII.
A Profª Dra. Cláudia Callil, minha amiga, que me socorreu na fase final do
trabalho, me ensinando a elaborar os slides da apresentação da defesa.
Aos professores do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal
de Mato Grosso por compartilharem seus conhecimentos. Aos colegas de
turma pela amizade e aos funcionários do Departamento pela gentileza que
sempre demonstraram na resolução dos problemas burocráticos e práticos no
decorrer do curso.
Para Lucy Ann Brown Azem
minha mãe,
uma mulher de vanguarda.
Apresentação
Fig 1- Rio Madeira, espólio de Alexandre Rodrigues Ferreira, acervo Museu Bocage.
As viagens de exploração realizadas no século XVIII
inauguraram uma era de descobertas do interior das regiões
conquistadas. A internalização tornou-se uma meta para manter
a ocupação. Inicialmente as expedições dedicavam-se ao
conhecimento dos contornos dos continentes, rotas marítimas e
ligações entre os oceanos. Nos setecentos partiram para o
domínio e controle sobre recursos naturais localizados no
interior dos territórios. Os viajantes naturalistas tiveram
participação nesse processo. Viam “com seus próprios olhos” e
buscavam através de seus relatos dar conta das sensações,
impressões e descobertas. Produziram textos descritivos sobre
diferentes áreas do conhecimento, utilizando o desenho e a
pintura para melhor elucidação dos achados.
Alexandre Rodrigues Ferreira foi o viajante naturalista
responsável pela Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará,
Rio Negro e Minas do Cuiabá, percorrendo a região Setentrional
do Brasil entre 1783 a 1792. No decorrer da expedição, entre
outros manuscritos, escreveu uma monografia sobre As
Enfermidades Endêmicas da Capitania de Mato Grosso. Relatou
como os portugueses que aqui desembarcaram, ao se depararem
com enfermidades desconhecidas na Europa, criaram táticas
para enfrentar as dificuldades impostas, relativizando seus
conhecimentos da arte de curar, em decorrência do contato com
os nativos da região.
Este trabalho revela os agravos que acometiam a população da Capitania de Mato
Grosso na visão de Alexandre Rodrigues Ferreira, evidenciados na sua monografia
Enfermidades Endêmicas de Mato Grosso, destacando as práticas de cura preconizadas
pelos europeus e pelos nativos, que ele denominava de americanos. Mesmo não sendo
médico, sua visão de patologia, patogenia e sanitarista merece consideração. Seus relatos
foram utilizados pelos que depois viajaram pela região. Muito ainda se tem para estudar a
partir de suas observações, descrições, práticas terapêuticas e mescla de saberes.
Para uma melhor compreensão do desempenho da Viagem Filosófica ao Brasil e da
figura do viajante naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, comandante da expedição e
que atuou em diferentes áreas do conhecimento, dentre elas o da arte de curar, realizei uma
contextualização histórica do iluminismo em Portugal, das práticas terapêuticas dos
setecentos, dos profissionais que a praticavam e como eram empregadas em Portugal e no
Brasil no século XVIII.
Alexandre Rodrigues Ferreira pode ser
considerado um homem de vanguarda em
várias áreas do conhecimento. Foi dos
primeiros a adentrar o continente
americano em uma época que as
expedições pouco exploravam o interior
brasileiro. Na medida em que o
naturalista avançava pelos sertões
enviava regularmente para Lisboa,
grande quantidade de material coletado
de fauna, flora, minerais e produtos da
cultura dos locais, para ser arquivado e
posteriormente analisado na metrópole.
Foi um cientista fruto do iluminismo em
Portugal, trabalhando sem questionar
para servir o Estado.
A Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro e Minas do Cuiabá
produziu uma iconografia considerada legado inestimável. O vasto material produzido
durante a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira não recebeu o justo reconhecimento
na época. Alguma das ilustrações contidas no texto a seguir fazem parte do espólio da
Viagem Filosófica e constituem acervos do Museu Bocage de Lisboa e da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. As coleções da Biblioteca Pública Municipal do Porto e da
Casa da Ínsua em Portugal, mesmo não apresentando nas pranchas a assinatura dos
desenhistas riscadores que acompanhavam Ferreira, são atribuídas por alguns autores como
pertencentes à expedição.
A diversidade étnica das populações residentes no Brasil colônia, mais do que a
falta de profissionais habilitados na arte de curar foi crucial para a persistência de práticas
plurais de cura nos trópicos. Esses saberes provinham do uso secular de curandeiros e pajés,
conhecedores das matas e das plantas, cujas utilizações foram assimiladas pelos
portugueses, incrementando a farmacopéia européia.
A história da medicina no Brasil colônia fornece muitas perspectivas para
investigação. A monografia de Alexandre Rodrigues Ferreira intitulada Enfermidades
Endêmicas de Mato Grosso, vem sendo estudada por autores de diferentes áreas do
conhecimento. Ainda no século XIX, Domingos de Almeida Martins Costa publicou na
revista “Progresso Médico” (1817) um excerto dessa monografia referente especificamente
às febres. Em 1951, foi objeto de estudo na tese de Carlos da Silva Araújo, apresentada à
seção de Farmácia no 1º Congresso Brasileiro de História da Medicina em 1951, no Rio de
Janeiro. No ano de 1966, foi transcrita na íntegra pela primeira vez em Belém, por Gloria
Marly Duarte de Carvalho Fontes na sua publicação “Alexandre Rodrigues Ferreira:
aspectos de sua vida e obra”. Mais recentemente, a historiadora Leny Caselli Anzai, da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), contemplou a monografia em sua tese de
doutorado, defendida em 2004 em Brasília. No Brasil e em Portugal, muitos outros
trabalhos já foram realizados utilizando os relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira e
muitos outros ainda estão por fazer. Os seus manuscritos são fonte permanente de estudo a
espera de novos olhares.
O século XVIII foi um período peculiar para a medicina. Embora ocorressem
importantes transformações na arte de curar, persistiram reminiscências de saberes e
práticas mágicas e religiosas, tanto originárias do universo europeu quanto dos povos que
habitavam as colônias.
Atualmente os conhecimentos sobre saúde resultantes de diálogos entre os campos
da Medicina e da Antropologia no meio acadêmico brasileiro têm despertado interesse em
profissionais das áreas, sendo reconhecidos em várias instituições de ensino e pesquisa. A
compreensão das crenças, valores e práticas terapêuticas, contribuem para a discussão sobre
questões socioantropológicas da “arte de curar”.
O estudo da medicina reconhecida como oficial e dos demais procedimentos de
cura, consolidados ou não, podem levar a relativizar as dicotomias oficial/popular,
sagrado/profano, lógico/ilógico, presentes nas análises que dão superioridade à medicina
acadêmica. O esclarecimento de contextos sociohistóricos propicia entender que a medicina
racionalista e a considerada não científica podem coexistir. Foi valorizando o diálogo entre
diferentes visões de saúde e cura, que a linha de pesquisa “Saúde e diversidade
sociocultural” do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso,
proporcionou a oportunidade de desenvolver esta dissertação de mestrado.
O campo da saúde, devido à natureza de seu objeto, da sinergia entre processos
objetivos e subjetivos, apresenta múltiplas possibilidades de abordagens teóricas,
constituindo um cenário complexo. A existência de vários sistemas médicos e terapêuticos
de origens diversas, tais como os tradicionais, naturalistas, religiosos, ou fundados em
outras medicinas e cosmologias, alguns deles trabalhando em conjunto com a medicina
acadêmica, em decorrência da demanda exigida por uma clientela, faz com que seja
necessário o ensino de ciências sociais e da saúde para os cursos de graduação médica.
Introdução
Fig 2 – Jardim Botânico da Ajuda/ Lisboa, local de trabalho de Alexandre Rodrigues Ferreira, foto
de acervo pessoal.
Venho de uma família de pais médicos,
o que certamente contribuiu para que eu
escolhesse a mesma profissão. Enormes
estantes repletas de livros sobre medicina
ocupavam as paredes de minha casa.
Desde cedo meus interesses se voltaram
para o modo como o corpo humano era
constituído, as diferentes patologias que o
acometiam, sobre os procedimentos
cirúrgicos e formas de tratamento. Era
corriqueiro ir ao hospital nos domingos
pela manhã esperar meu pai “passar”
visita nos pacientes internados, ou
aguardar no carro enquanto ele atendia
algum doente em casa. Meu primeiro
olhar sobre a medicina foi direcionado
por ele. Quando cursava o colegial,
minha mãe me levava ao serviço médico
de uma instituição social onde ela
trabalhava, para ajudar na farmácia. Lá
aprendi a aplicar injeção. Na Faculdade
de Medicina de Sorocaba (PUC-SP), seus
antigos colegas de turma ou de profissão
foram meus professores. Aprendi como
verdade absoluta durante o curso que o
exame clínico é soberano, que os cinco
sentidos me foram dados para serem
usados, que os exames complementares
(laboratoriais ou de imagens), como o
nome diz, são complementares; e que
cada paciente é um paciente diferente e
deve ser respeitado e tratado como único.
A forma como passei a olhar a saúde e a doença foi influenciada por diversos
professores, entre eles Prof. Dr. Walther Edgar Maffei, catedrático da cadeira de Patologia,
que enxergava o paciente como um todo não compartimentado e integrado a um ambiente
com o qual interagia. Todas as quartas-feiras pela manhã as cadeiras da sala de aula onde
realizava as autópsias eram ferozmente disputadas. Aprendíamos com a morte a cuidar dos
vivos.
Para Maffei a doença era um reflexo da combinação de aspectos da experiência do
indivíduo e situações socioculturais, não significando que era apenas uma construção
social, desconsiderando os aspectos biológicos presentes nesse processo. Repetia
seguidamente que não bastava entender a enfermidade somente nos seus aspectos
orgânicos, mas também dar atenção às representações sociais a ela relacionada. Era
necessário compreender como tais representações eram utilizadas, modificadas e ancoradas
num conjunto de experiências acerca da doença, não perdendo de vista que estas vivências
constituíam circunstâncias que possibilitavam a emergência das representações sociais.
A experiência da enfermidade nos era transmitida como a forma como as pessoas e
os grupos sociais assumiam a doença ou nela se situavam, configurando significados e
desenvolvendo modos rotineiros de lidar com a situação. Pressupunha a existência de
parâmetros internalizados pelos indivíduos utilizados para interpretar seus episódios. O
processo de adoecimento implicava em alteração no modo de vida pessoal e social.
Terminada a faculdade voltei para São Paulo, acompanhando meu pai na sua rotina
de médico. Desde o início do curso eu já freqüentava o hospital em que ele trabalhava,
auxiliando nas cirurgias e visitando os pacientes internados. Ele me ensinou tudo o que
sabia sobre a arte médica, principalmente a tratar o paciente com cuidado. Ao me formar já
era considerada “cria da casa” pelos médicos mais velhos. Tive a oportunidade de conviver
com profissionais de destaque da medicina de São Paulo, em uma época que as medicinas
de grupo e convênios médicos começavam a ganhar espaço, transformando a arte de curar
em um bem de consumo. Meus primeiros pacientes tinham nome, história familiar e de
vida.
Permaneci em São Paulo por quatro anos, onde trabalhei, fiz cursos de reciclagem e
especialização. Casei e tive dois filhos: Luiza e Fábio. No início de 1984 mudei para uma
pequena cidade no interior de Goiás, chamada Quirinópolis. Foi minha primeira
experiência médica fora de um grande centro de referência e os contrastes eram muito
marcantes. Em São Paulo, no centro cirúrgico no qual eu operava, o oxigênio e o dióxido
nitroso (gás anestésico) utilizados nas salas de cirurgia chegavam por tubulações, com
manômetros regulando a pressão de inalação. Em Quirinópolis dispúnhamos de torpedos de
oxigênio na sala e inaladores portáteis para éter, um anestésico que já não era usado há
mais de 30 anos. Pelo menos uma vez por semana era acordada no meio da noite para
operar baleados e esfaqueados. Em nenhum outro lugar que tenha trabalhado, a
propedêutica e o exame clínico do paciente, que exaustivamente me eram cobrados na
faculdade, valeram tanto. A partir da minha vivência como médica do interior, passei a
valorizar e respeitar estes profissionais que trabalhando longe das capitais e grandes
cidades, dispondo de poucos recursos tecnológicos, exercem a medicina.
Estando longe dos centros de referência, constatei que as práticas terapêuticas
acadêmicas sofriam influência mais direta das curas ditas populares. A saúde e a doença
recebiam conotações diferentes e apontavam para distintos entendimentos da vida e da
morte; a religião ocupava um lugar de maior destaque nos processos da enfermidade; o
contexto social, os agentes de cura e os rituais contribuíam para que ocorresse um diálogo
entre as práticas ditas oficiais e as populares.
Exercer a medicina no interior requereu aceitar e conviver com benzedeiras,
curadores, madrinhas, comadres, vizinhas e todas as outras pessoas que traziam consigo os
conhecimentos tradicionais da arte de curar do cotidiano. As distintas práticas de cura e o
que elas podiam significar, sobre diferentes questões da sociedade, ultrapassavam a
dimensão restrita da biologia. O campo das ações dita populares ou alternativas se
mostravam ser objeto de reflexão. Esses novos saberes se mesclavam, recriavam e se
impunham sobre práticas e saberes consolidados no sistema médico, criando desafios às
novas modalidades de cura.
Depois de ficar seis anos em Quirinópolis mudamos para Cuiabá. Meus filhos
precisavam de escola. Esta mudança foi mais traumática que a saída de São Paulo.
Chegamos em uma cidade grande, aonde a nossa presença era diluída no meio de tantas
outras e, pela primeira vez, a identidade de meus filhos questionada: eram paulistanos ou
goianos?
O ritmo e a forma de trabalhar em Cuiabá eram diferentes. Não havia mais tanto
tempo para dar atenção às queixas dos pacientes. Com uma vida profissional frenética,
guiada pela exigência de acúmulo de lucro dos convênios médicos, a produtividade e a
lucratividade exigidas pelo mercado comandavam a clínica.
Nove anos de atividade médica em Mato Grosso me fizeram esquecer a
complexidade de compreensão que a doença exige, ultrapassando os significados de
explicar a realidade, reconhecendo a vinculação de sua narrativa com a experiência
cotidiana dos indivíduos. Meu “olhar médico” passou a ser um olhar da superfície sobre a
exterioridade dos corpos, acreditando que o entendimento dos sintomas estava dissociado
da escuta das histórias e das relações sociais, que os pacientes produziam sobre suas
doenças. Não havia tempo para lembrar que os sintomas e sinais apresentados pelos
pacientes não são somente de ordem biológica, mas também sociais e fazem parte das redes
que tecem a história do mundo em que vivem, da natureza que os rodeia, da coletividade,
da sua religiosidade etc.
Só mais tarde entendi que o médico que atende a um paciente, procurando a sua
doença, participa do registro cuidadoso daquilo que eles observam e também da construção
do que lhes é dado observar.
Ampliando horizontes
A minha insatisfação com o reducionismo biológico aplicado às enfermidades fez
com que eu buscasse uma discussão sobre as manifestações biológicas e patológicas das
doenças, as percepções individuais e subjetivas nas populações e suas expressões culturais
coletivas. Em maio de 1999, estava inscrita como aluna do primeiro curso de especialização
em Antropologia na Universidade Federal de Mato Grosso. O meu novo olhar sobre o
mundo começava a se construir.
Chegou o dia da aula inaugural. Todos os alunos foram reunidos em um anfiteatro e,
um de cada vez se apresentou e falou sobre o tema que pretendia desenvolver durante o
curso. Na ocasião chamou a minha atenção a proposta de um trabalho sobre a visão
ambiental dos relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira, na sua Viagem Filosófica ao Rio
Negro e Amazonas no século XVIII, exposto por Luiz Vicente da Silva Campos Filho. Foi
a primeira vez que ouvi falar nesse viajante naturalista, que durante 10 anos percorreu as
regiões centrais do Brasil, em uma expedição científica, enviando para Portugal extensas
coleções de fauna e flora, desenhos aquarelados e manuscritos sobre suas observações.
Entre meus colegas de sala não havia nenhum ligado à área da saúde. Sem ter um
“igual” para dialogar, comecei a exercitar uma forma não biológica de pensamento. Um
novo olhar sobre os homens me estava sendo ensinado. Ao final do primeiro módulo já
estava mais à vontade e aos poucos fui me familiarizando com os textos e com novos
pensadores não pertencentes à área médica. As aulas seguiram até dezembro de 1999 e ao
final do curso já conseguia enxergar o processo de saúde-doença de maneira distinta do
enfoque cartesiano e positivista que aprendi na faculdade. Apesar de ter tido professores na
época da graduação, que se manifestavam de forma distinta, eram tidos como pensadores
excêntricos.
O ano de 1999 foi rico em descobertas. Junto com a antropologia veio a pintura, que
também foi uma das atividades de meu pai. Suas tardes de sábado eram dedicadas a colorir
telas e as cores que ganharam a sua paleta foram os diferentes tons e luzes que descobriu
nas praias de São Vicente, no litoral de São Paulo. Tenho uma de suas marinas pendurada
na parede em frente ao meu computador. Essa iniciação nas artes plásticas foi valiosa por
ocasião da minha viagem a Portugal em junho de 2001, onde conheci as coleções de
desenhos aquarelados da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira.
As cores da minha paleta vieram quando conheci o pantanal. Luiz Vicente me
apresentou a essa imensa planície alagável, deslumbrante. Chegamos ao amanhecer,
quando os raios de sol começavam a tocar as águas e todos os espaços eram preenchidos
pelos sons dos pássaros. Era final de julho, época da seca, de poeira. Tonalidades de
marrom e ocre disputavam a atenção com o colorido róseo das piúvas floridas (ipês). Difícil
descrever, fácil de sentir.
Definido como uma grande planície inundável pelas águas de extravasamento dos
rios da bacia hidrográfica do rio Paraguai, o Pantanal é caracterizado também como uma
área de grande confluência biológica, registrando a ocorrência de vegetais e animais com
origem em diferentes regiões ecológicas da América do Sul, como Amazônia, Cerrado,
Chaco e Caatinga, além da Floresta Atlântica. Na poesia de Manoel de Barros (1999:2) o
pantanal ganha um outro tom:
Que as minhas palavras não caiam de
louvamentos à exuberância do Pantanal.
Que eu não descambe para o adjetival.
Que o meu texto seja amparado de substantivos.
Substantivos verbais.
Quisera apenas dar sentido literário aos pássaros,
ao sol, às águas e aos seres.
Quisera humanizar de mim as paisagens.
Mas por quê aceitei o desafio de glosar
esta obra exuberante de Deus?
Aceitei para botar em prova minha linguagem.
Que eu possa cumprir esta tarefa sem
que o meu texto seja engolido pelo cenário.
As diferentes nuances, flutuações, pequenas e grandes variações, foram se
mostrando a cada nova ida, nas muitas caminhadas e cavalgadas que passei a fazer nas
matas e campos, em uma fazenda e pousada pantaneira a Pouso Alegre. Meu olhar foi
sendo sensibilizado, diversificado e ampliado por um mestre: Luiz Vicente, pantaneiro de
coração e de vivência, conhecedor do lugar, dos bichos, das coisas e das pessoas. A lindeza
daquele mundão que alterna aridez com alagado foi se descortinando. E por mais que
muitas vezes pareça rude e agressivo, esconde uma beleza que se descobre pouco a pouco,
nas cores das matas secas e das inundadas; nos imensos campos cobertos de capim
entremeados por flores amarelas e rosas; no gado de todas as cores e de chifres longos; no
colorido das araras e dos outros pássaros; no turbilhão das cores do céu no final do dia; nas
histórias de bois assombrados e nas lembranças dos mais velhos.
Durante o curso de especialização em
Antropologia fui me familiarizando com
os relatos de Alexandre Rodrigues
Ferreira. No decorrer da Viagem
Filosófica pelo Rio Negro e Mato Grosso
produziu um diário, com descrições sobre
os espaços geográficos de ocupação,
tráfego e estratégia militar, recursos
econômicos e naturais, populações e
aglomerações humanas, elementos de
paisagem, condições de salubridade das
localidades onde passou e enfermidades
que acometiam os índios, negros e os
componentes da expedição. Esse texto foi
utilizado por Luiz Vicente na sua
monografia de conclusão de curso,
abordando o entendimento deste
naturalista, na interação do homem e do
ambiente na época.
Na leitura de quase oitocentas páginas
desse diário, além de assinalar os
aspectos referentes à paisagem e ao
ambiente, Luiz Vicente destacava os
parágrafos que descreviam as práticas de
saúde e formas de cura mencionado por
Ferreira. Na medida em que eu lia o
diário de Alexandre Rodrigues Ferreira,
fui ficando “encantada”. Foi fascinante
imaginar um jovem de 27 anos,
comandando uma expedição que
percorreu por quase dez anos regiões da
Amazônia e de Mato Grosso durante o
século XVIII. Enfrentou dificuldades
como: a falta de remeiros para os barcos,
provisões escassas, surtos de epidemias,
falta de medicamentos e a ausência de
profissionais qualificados para aplicá-los,
percorrendo um território inóspito e
inexplorado, com falta de conforto e
solidão.
Hoje, quando Luiz Vicente e eu, nos
aventuramos por muitos e longos dias em
excursões no pantanal, procurando
animais para fotografar e plantas para
fotografar e coletar sentimos o peso da
jornada. O calor, os carrapatos, os
mosquitos e outros insetos; a sede, o
cansaço das caminhadas, dão o tom das
longas jornadas “sertão” adentro no
distante século XVIII. Atualmente, no
final do dia temos um banho quente e luz
elétrica para nos refrescar e descansar.
Enfrentando todas as dificuldades do trabalho de campo, Ferreira tinha um olhar
treinado para a identificação de novos recursos materiais de interesse econômico para a
Coroa Portuguesa e mesmo não sendo médico, conseguiu salientar aspectos de
insalubridade nos locais por onde passava e teve a sensibilidade de escrever uma
monografia sobre enfermidades em Mato Grosso, que foi utilizada como referência por
outros que vieram à região amazônica depois dele. Enquanto estudante, Ferreira
possivelmente recebeu algum ensinamento da arte de curar, uma vez que foi aluno de
Domingos Vandelli, médico e naturalista responsável pelo treinamento dos alunos de
história natural da Universidade de Coimbra. A sua percepção das patologias era bastante
apurada. Seu olhar sobre saúde ultrapassava os limites da doença, enxergando que esta se
relacionava com o meio ambiente e que sofria influência de fatores emocionais e
constitucionais, em uma postura ultra-avançada para nossa sociedade, aonde alguns
profissionais ainda apresentam resistência em olhar o binômio saúde/doença sob este
aspecto. No seu diário cita que leu os tratados clássicos da época, dentre eles o De
Medicina Brasiliense, escrito por Guilherme Pison em 1644. Tive a oportunidade de ver
uma cópia desse livro na Pinacoteca do Estado de São Paulo, na exposição “Albert Eckhout
volta ao Brasil 1644-2002”.
Ferreira observou ainda outros parâmetros da vida na época, chamando atenção para
o extrativismo de determinadas plantas muito requisitadas pela Metrópole sem um manejo
adequado, assinalando para uma carência futura; o tipo de alimentação consumido na
Colônia, propondo o consumo de produtos locais e, alertava quanto à falta de cuidado com
as margens dos rios, que se apresentavam poluídos nas cidades. Sugeriu o plantio de
sementes da terra para suprir as populações; descreveu costumes e formas de economia das
etnias que encontrou, realizou um censo nas diversas localidades por onde passou, etc.
Sob o seu comando também viajaram dois desenhistas e um jardineiro botânico. Os
riscadores receberam a tarefa de registrar toda a fauna e flora encontrada, bem como os
acidentes geográficos de interesse estratégico militar e as atividades econômicas da região.
Na coleção que produziram também se encontram desenhos da população local e seus
costumes. O jardineiro devia coletar, preparar e embalar as plantas para serem enviadas a
Portugal. Todas estas atividades sob a supervisão do jovem Alexandre Rodrigues Ferreira.
No início de 2001, fiz parte de um grupo
de alunos que a Prof. Dra. Maria Fátima
Roberto Machado reuniu para dar
continuidade aos trabalhos desenvolvidos
durante a especialização em
Antropologia. Explorei os registros
deixados por Alexandre Rodrigues
Ferreira, no que se referia aos ambientes
insalubres, às enfermidades, às
epidemias, às formas de terapêutica e
medicamentos. No ano de 2002, os textos
de seus alunos deram origem à
publicação “Mato Grosso Português:
ensaios de Antropologia Histórica”,
sendo o capítulo de minha autoria: “As
agruras dos trópicos: endemias e
epidemias na Capitania do Rio Negro, no
relato de Alexandre Rodrigues
Ferreira”. Estava consolidado o meu
interesse por este luso-brasileiro que
andou pelo Brasil setentrional no século
XVIII.
Muita coisa ainda há por ser estudada e
vasculhada no Brasil e em Portugal,
referente à Viagem Filosófica. Existiu e
ainda existe, o interesse de se estudar a
documentação da Casa da Ínsua em
Portugal, pertencente aos herdeiros de
Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres, governador da Capitania de
Mato Grosso durante a passagem de
Ferreira pela região. No acervo deixado
por ele, além de uma grande quantidade
de documentos referentes à Mato Grosso,
existe uma coleção de desenhos
aquarelados, representando mamíferos,
aves e répteis, que foi parcialmente
destruída pelo fogo e que alguns
acreditam ter sido produzida durante as
viagens de Ferreira. Algumas dessas
pranchas foram publicadas no livro
Fauna e flora brasileira do século XVIII,
de Isa Adonias (1986).
Conhecendo acervos
Com o propósito conhecer esta coleção da Casa da Ínsua, Luiz Vicente e eu
partimos para Portugal em junho de 2001. Chegamos a Lisboa e ficamos extasiados com a
cidade. Quanta história ao nosso redor! Levamos uma lista de tarefas a cumprir, visitando
bibliotecas e institutos, anotando tudo o que se referia a Mato Grosso no século XVIII e
Alexandre Rodrigues Ferreira.
Fig 3 - Urucum, acervo pertencente à Casa da Ínsua.
Conhecemos o Museu da Ajuda, que foi uma das residências reais na ocasião da
expedição. A biblioteca ocupa uma das alas, guardando um grande número de volumes
sobre o Brasil. Seguimos para o Jardim Botânico da Ajuda, lembrando a todo instante que
Ferreira ali trabalhou e morou. Lá ainda são cultivadas plantas originárias do Brasil e de
outras antigas colônias portuguesas.
Andando pelo centro velho de Lisboa ao passar por uma livraria, chamou nossa
atenção uma publicação cuja capa estampava o desenho de uma cápsula com sementes de
manduvi (Sterculia sp.). Esta árvore, encontrada no pantanal, fornece castanha consumida
por vários animais e nos nós do seu tronco, as araras escavam ninhos. O livro de autoria de
Miguel de Faria relatava a vida e obra de José Joaquim Freire, que junto com Joaquim José
Codina foram os desenhistas riscadores da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira.
Portugal nos oferecia muitas possibilidades sobre os saberes da Viagem Filosófica.
Fig 4 – Manduvi, espólio de Ferreira, acervo Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Em uma das manhãs, seguimos de trem para a cidade do Porto, sendo recebidos por
Vicente Olazabal, parente de Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Lá tivemos a
oportunidade de ver a coleção de aquarelas guardadas na Casa da Ínsua. Os desenhos
chamavam a atenção por seu conjunto, principalmente os registros de flora, ricos em
detalhes e perfeição. Algumas ilustrações de pássaros eram bastante fiéis; outros se
apresentavam de maneira precária, em virtude da falta de proporção na anatomia, cor e
postura, que não condizia com a realidade, o mesmo acontecendo com alguns mamíferos.
Dentre os desenhos que mais se destacavam por sua beleza estava a gravura da cigana
(Opisthocomus hoazin), ave da região amazônica. A coleção das aguadas era acompanhada
de duas pranchas índices, provavelmente escritos por Ferreira, que identificava os desenhos
e por vezes tecia algum comentário sobre a utilização da fauna e flora para a alimentação.
Em outras ocasiões destacava alguma curiosidade sobre a planta ou animal desenhado,
como no caso do arancuã, que descrevia ser uma ave que ao vocalizar parecia dizer “prá
casar” e era respondida por outra “pro natal”, dizeres que ainda hoje são reproduzidos
pelos pantaneiros.
Fig 5 – Cigana, acervo Casa da Ínsua.
Os desenhos dessa coleção se apresentavam em folhas de papel branco,
chamuscadas nas bordas em virtude do incêndio ocorrido nos porões da Casa. Eram
riscados a lápis e em seguida as linhas foram cobertas por tinta negra, provavelmente
utilizando bico de pena. Para colorir lançaram mão da aquarela ou como as chamavam,
aguadas. Detendo-me nos detalhes dos desenhos tive a impressão que foram executados
por mais de uma pessoa, pela diferença nos traçados, detalhes no acabamento e intensidade
no uso do pincel. Como menciona Miguel de Faria em seu livro A imagem útil vários
integrantes da expedição exercitavam a arte do desenho “debaixo da Inspecção do
Riscador que os acompanhar” (Faria, 2001:166). A autoria da coleção da Casa da Ínsua é
questionada, sendo atribuída por alguns autores aos riscadores da Viagem Filosófica,
mesmo não apresentando nas pranchas a assinatura dos desenhistas. Reforçando essa
suposição encontra-se dentre as aguadas o desenho do galo-da-serra (Rupicula rupicula),
ave encontrada somente ao norte do Rio Amazonas, na região do Rio Negro. Sabe-se que
por ocasião da expedição de Ferreira (1783-1792), uma segunda Comissão de Demarcação
de Fronteiras (1784) partiu de Belém em direção ao Rio Negro, tendo como desenhador de
mapas o arquiteto António José Landi. Nos relatos de viagem Ferreira, escreveu ter
contatado Landi em Barcelos e o citou “pela sua capacidade de arquiteto e pintor de
quadratura, incluindo duas descrições manuscritas de Landi nos seus relatos, uma sobre a
subida ao rio Marié, outra contendo memórias da sua permanência no interior”
(Magalhães, 1999:72). Não existem relatos de outros desenhistas riscadores que tenham
estado na região, no período, a não ser Codina e Freire, integrantes da expedição de
Ferreira.
As nossas andanças pela cidade do Porto nos levaram à Biblioteca Pública
Municipal da cidade. Verificamos que lá se encontravam guardados dois códices
relacionados à história natural da Amazônia, ambos provenientes da Livraria do 2º
Visconde de Balsemão: o Códice 542, um manuscrito em italiano da autoria de António
José Landi (1713-1791), por ele oferecido a Luís Pinto de Sousa Coutinho, Governador da
Capitania de Mato Grosso de 1767 a 1772, e o Códice 1200, uma coleção anônima de
desenhos aquarelados de animais e plantas, com legendas em português (Mendonça,
2000:7). A autoria desses desenhos foi atribuída a Landi com base na alegada identidade da
grafia das legendas. Isa Adonias referiu-se ao manuscrito e aos desenhos como um único
códice, vendo no segundo uma mera ilustração do texto manuscrito (Adonias, 1986: 36-37).
A atribuição dos desenhos a Landi parece não ter fundamento. A Biblioteca Municipal do
Porto publicou os desenhos. Até este ponto de nossa viagem, tínhamos visto duas coleções
de aguadas, que poderiam ser produto da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues
Ferreira.
Fig 6 – Tamanduá bandeira com filho, acervo Biblioteca Pública Municipal do Porto.
Retornando a Lisboa verificamos que uma parte da coleção de desenhos aquarelados
referentes à Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira se encontrava no Museu
Bocage. Lá fomos recebidos pelo Prof. Dr. Carlos Almaça, do Departamento de Zoologia,
Antropologia e Centro de Biologia Ambiental, responsável por guardar dois volumes
encadernados contendo as aguadas originais, produzidas por Freire e Codina. Tivemos
permissão para apreciar e manusear o material por duas horas.
Difícil descrever a emoção de poder ver a coleção daqueles dois riscadores. Fiquei a
imaginar a dificuldade na produção do material. Enfrentar as agruras do sertão amazônico e
matogrossense, não deve ter sido fácil. Mosquitos, carrapatos, insetos variados, umidade,
chuva e calor. Quem pinta sabe o quanto é delicado e melindroso a produção de aquarelas,
ainda mais em condições adversas. Elas borram e se perdem facilmente, principalmente sob
exposição de clima inapropriado. Sua conservação merece cuidado especial. Atualmente
temos sprays especiais disponíveis para fixar as cores e evitar a agressão de fungos. E ali
estavam em cima da mesa, pelo menos uma centena delas, em perfeitas condições.
Inúmeras imagens de peixes, pássaros, mamíferos e répteis; das cachoeiras dos Rios
Madeira e Mamoré; o desenho da Gruta das Onças; o prospecto do Forte Príncipe da Beira;
a planta de Vila Bela da Santíssima Trindade; e, medindo 1.159 x 211 mm, o prospecto da
Vila do Bom Jesus de Cuyabá, de provável autoria de Freire.
Fig 7 – Detalhe do prospecto da Villa de Bom Jesus de Cuyabá, acervo Museu Bocage.
Ali estava a Cuiabá dos Setecentos. O desenho foi realizado de cima do atual Morro
da Luz. Podia-se ver a praça central com a Igreja da Matriz e grande parte da cidade, que
atualmente corresponde ao centro. Ainda hoje muitas casas da época existem e são
facilmente identificadas pelos seus telhados, quando avistadas do alto. Eu poderia ficar
horas apreciando o desenho, tentando identificar o que resistiu à ação do tempo. Olhava a
cidade com os olhos do riscador!
Ao final de nossa visita a Portugal
conhecemos três coleções de aquarelas
produzidas na região do Brasil
setentrional durante o século XVIII, cuja
autoria provável se atribuí aos
desenhistas riscadores da Viagem
Filosófica de Alexandre Rodrigues
Ferreira.
Olhando sobre os ombros
Em meados de 2003 fui aprovada no programa de mestrado do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, na linha de pesquisa de Saúde e
Diversidade Sociocultural. Os relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira foram meu objeto
de estudo, particularmente o manuscrito sobre as enfermidades encontradas em Mato
Grosso. Procurei entender a quantidade e diversidade de memórias redigidas por ele. Meu
olhar, que se voltava para o passado em busca de melhor compreender também o presente,
encontrava um observador daquele momento presente em busca do que entendia ser um
melhor futuro.
O exercício de escrever uma etnografia sobre os relatos de Alexandre Rodrigues
Ferreira, narrando eventos ocorridos no século XVIII, exigiam um distanciamento, um
olhar por cima dos ombros. Mas inevitavelmente acabei me apropriando de memórias e
relatos de viagens que expressavam seu ponto de vista, uma visão pessoal sobre fatos do
passado. Por vezes cheguei a imaginar estar “olhando” como Ferreira.
A intenção desse texto não é ser uma biografia, pois não está centrado em um
sujeito, nem pretende abranger a totalidade de suas experiências, mas não chega a constituir
um ensaio histórico, pois como diz Oliveira (1999:213) não envolve um esforço similar de
pesquisa e análise.
Crapanzano (1980:134) ao problematizar o envolvimento do pesquisador com seu
objeto de pesquisa diz que o distanciamento etnográfico é um artifício de retórica que
permite mascarar uma posição ou racionalizá-la. No decorrer do trabalho a distância e a
intensidade do envolvimento variam consideravelmente.
Quanto mais eu lia e coletava informações sobre os relatos de Alexandre Rodrigues
Ferreira, mais aumentava meu “encantamento”, mas a responsabilidade de estar produzindo
um trabalho acadêmico requereu senso crítico. Também foi necessário conhecer a época e
os pensamentos vigentes para ter uma idéia de como Ferreira entendia o mundo e se
articulava com ele. Não gostaria de torná-lo um herói de contos de fadas, como diz
Crapanzano (1980:6-7) quando ressalta que os textos históricos por vezes se assemelham a
fantasias.
O fazer científico de seu tempo tornou Ferreira um investigador multitemático, pois
abarcou diferentes possibilidades do conhecimento nos campos da geografia, sociologia,
etnologia, economia, agronomia, história natural, botânica, entre outras áreas. Estudou na
Universidade de Coimbra e ao doutorar-se foi indicado por seu professor Domingos
Vandelli para chefiar uma expedição filosófica que deveria inventariar os recursos naturais
que pudessem servir aos interesses mercantis da Coroa portuguesa em seus domínios
americanos. Foi o início de um grande trabalho de pesquisa da fauna, flora e minerais do
Brasil. Embora possa denominar-se de expedição naturalista é importante ressaltar que a
sua expedição não possuía um caráter exclusivamente científico. Ao contrário do que
ocorreu durante o século XIX, quando as diversas expedições estrangeiras traziam
naturalistas que podiam dedicar-se unicamente às observações da fauna e da flora
brasileira. Coube a Ferreira o recolhimento de uma gama de informações no âmbito da
ciência, tanto da natureza como também de ordem sociopolítica, bem como registrar e
enviar para Portugal dados sobre a fronteira oeste do Brasil, estabelecida pelo Tratado de
São Idelfonso.
Este viajante naturalista encarregou-se de todos os aspectos práticos da expedição,
no que concernia à descrição e acondicionamento dos produtos encontrados, a elaboração
dos alimentos diários, bem como do asseio, dos cuidados com a saúde e a arte médica. A
amplitude das medidas, referentes à Viagem Filosófica, propostas por Vandelli indicavam a
sua intenção de institucionalizar a ciência em Portugal, o que foi conseguido através dos
estudantes que abraçaram a profissão de naturalistas, embora os seus resultados não tenham
gerado práticas ou medidas persistentes.
O século XVIII caracterizou-se pela intensa investigação nos domínios da natureza
e na formulação de teorias em todos os campos do conhecimento, aos quais se podiam
aplicar os métodos matemáticos. As teorias que tentavam explicar o funcionamento do
organismo humano sofreram influência de Descartes e Galileu (Ibáñez & Marsiglia,
2000:63), por meio de leis mecânicas. Os sólidos e líquidos que formavam o corpo humano
estavam sujeitos às leis da mecânica e da física e as funções do organismo eram resultado
de reações químicas decorrentes das fermentações, destilações, efervescência e
alcalinidade. O corpo humano foi medido, dissecado, explorado e explicado como uma
máquina complexa. Outros fatos foram fundamentais para a medicina do período: a nova
anatomia, a obra de Paracelso, a elevação da cirurgia à categoria de ciência por Ambroise
Pare e a descrição da circulação do sangue mediante observação quantitativa por William
Harvey (Gordon, 1996).
Este texto dá enfoque as Enfermidades de Mato Grosso, na visão de Alexandre
Rodrigues Ferreira, viajante naturalista fruto do Iluminismo em Portugal. Distante da
metrópole, com uma botica européia escassa aprendeu e se apropriou de recursos da terra,
durante a sua Viagem Filosófica ao Amazonas e Mato Grosso.
No primeiro capítulo, Desvendamento do mundo aponto as mudanças ocorridas na
Europa com o colapso da sociedade feudal e a afirmação econômica e social do capital
mercantil, em oposição aos poderes da Igreja. O século XVII foi marcado pelo
desenvolvimento científico na Europa Central e Setentrional e Portugal participou mais
tardiamente desse processo. Na Idade Média o ensino estava restrito às escolas escolásticas,
o Renascimento trouxe mudanças nos costumes e nas idéias. Nascia o experimentalismo e a
razão passou a explorar a Natureza e o Homem. A racionalidade criou uma forma típica de
organizar a ordem do conhecimento e das coisas. A razão controlava tudo e todos. O rigor
científico legitimou-se pelo rigor das medições.
Durante o reinado de D. José I, o Marquês de Pombal assumiu a liderança do
governo, implantando o iluminismo em Portugal. Em Portugueses “iluminados” descrevo
esse movimento de homens e de idéias que influenciou aspectos vitais de Portugal e de seu
Império de Além-mar. Ocorreu a reforma religiosa, a expulsão dos jesuítas das Colônias,
mudanças econômicas e educacionais, com a reestruturação da Universidade de Coimbra.
Professores estrangeiros foram trazidos para Portugal, dentre eles Domingos Vandelli,
responsável pela formação dos viajantes naturalistas. A medicina floresceu em Portugal
neste período.
Com a reforma da Universidade de Coimbra, deu-se maior atenção ao ensino das
ciências físicas, matemáticas e naturais. Desbravar, observar, classificar e dominar, mostra
a preocupação de Portugal em identificar e catalogar, de acordo com o sistema criado por
Linneu, os recursos de suas colônias.As Viagens Filosóficas no século XVIII foram o
resultado desse esforço e a expressão do iluminismo português. A atividade científica
implicou em custos econômicos, prestígio com outros países da Europa, vantagens pessoais
e seu produto final foi protegido pelo Estado. Estava criado um campo de disputa
(Bourdieu, 2004:35) que correspondia a duas espécies de capital científico. Por um lado o
poder político da instituição ligado à produção e reprodução científica e do outro, o poder
do prestígio pessoal pelo reconhecimento institucionalizado.
Nascido na Bahia e educado em Portugal, Alexandre Rodrigues Ferreira assumiu a
chefia da expedição científica que viajou pelo interior do Brasil entre 1783 e 1792. Terra
brasilis traça a sua trajetória na Universidade de Coimbra, sua nomeação para chefiar a
Viagem Filosófica ao Brasil percorrendo territórios desconhecidos, realizando estudos
etnográficos, encaminhando produtos naturais ao Real Museu de Lisboa e as suas
observações acerca dos objetos de viagem. Durante toda a sua expedição, desde que
desembarcou em Belém do Pará, descreveu as possibilidades econômicas da região. A sua
atenção também estava voltada para aspectos de salubridade dos ambientes e saúde das
populações. Chegou a Belém do Para, explorando as suas redondezas e a região do Rio
Negro e Vila de Barcelos, enquanto aguardava ordens para seguir até a Capitania de Mato
Grosso. Após enfrentar inúmeras dificuldades de viagem chegou à Vila Bela da Santíssima
Trindade, capital de Mato Grosso, base de sua expedição por dois anos.
Em Mato Grosso português, relato a sua permanência em Vila Bela e a viagem até
Cuiabá. Durante o tempo em que esteve na região mais setentrional do Brasil, escreveu a
monografia Enfermidades Endêmicas de Mato Grosso, como uma retribuição pela acolhida.
Ao final de quase dez anos viajando pela Amazônia e Mato Grosso, sua missão foi
considerada concluída. Retornou à Belém, voltando para Portugal.
A expedição de Ferreira deixou numerosas memórias sobre a flora, a fauna, os
recursos minerais e as populações indígenas. Herbários guardam as espécies coletadas;
museus e universidades as coleções dos animais dissecados, as amostras de madeiras e de
minerais e as centenas de desenhos e aquarelas que compõem o riquíssimo acervo
iconográfico, com registros da flora e fauna, bem como das diversas etnias e territórios de
fronteira, recém ocupados pelos lusitanos. Como nas demais expedições naturalistas o
trabalho dos riscadores da Viagem Filosófica ao Brasil era considerado um artifício
auxiliar, subordinado aos objetivos da empreita.
O segundo capítulo, A Arte nos setecentos: exótica e informativa, relata como o
desenho em Portugal do século XVIII era utilizado como documento de viagem e o
desenhador um funcionário do Estado, cuja profissão não era considerada um exercício
artístico. Com o desenvolvimento das ciências naturais o desenho se tornou necessário
como um meio auxiliar para o registro visual. Dentre as pranchas de flora produzidas
durante a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira, encontram-se plantas utilizadas na
arte de curar da época como: jambo, jenipapo, limão, abacaxi, tamarindo, etc., bem como
representações das práticas cotidianas da população.
Fig 8 – Tamarindo, acervo Biblioteca Pública Municipal do Porto.
Debuchos e aguadas descreve como o uso de ilustrações nos relatos dos viajantes
tinha uma origem bastante antiga, uma vez que o desenho, a pintura e a gravura foram
fortemente utilizados muito antes das expedições científicas sistematizarem esta prática.
Fazem parte dos livros de viagem, desde que os europeus aportaram no Novo Mundo no
século XVI (Alegre, 2004:91).
Com as múltiplas utilidades do desenho criou-se em Portugal a função militar de
Desenhistas riscadores, que além de estarem capacitados para a guerra tinham a tarefa de
registrar rigorosamente espécies botânicas e fauna, acidentes geográficos, prospectos de
cidades e povoações, construções militares, atividades econômicas, etc, enfim, tudo que
pudesse ter uma utilidade e pudesse ser aplicado ao mundo político e econômico da
Metrópole.
Em Portugal, como em outras partes da Europa Medieval, a medicina era estudada
pelos eclesiásticos e por eles exercida. O terceiro capítulo, A ciência e a magia andam de
mãos dadas nos setecentos, mostra que a doença era considerada uma entidade que invadia
o corpo e precisava ser eliminada pelas excreções. No século XVIII se considerava que a
principal forma de contágio se dava através do ar, dando origem à Teoria dos Miasmas.
Com o descobrimento dos “novos mundos” diferentes plantas e substâncias foram
incorporadas à farmacopéia européia, que juntamente com os novos saberes botânicos
mantinham vivas as superstições cristãs.
Em sangrar, purgar escarificar descrevo os profissionais que atuavam na arte de
curar no Brasil, no século XVIII. Neste período ocorreu uma carência de médicos e de
boticas no território brasileiro, obrigando os colonizadores portugueses a manter um
diálogo com índios e negros, incorporando ao seu saber curativo a experiência do dia-a-dia
da população local. Esses saberes distintos ocupavam o mesmo campo de atuação, de
maneira desigual (Bourdieu, 2004), em uma arena onde as força sociais se embatiam por
diferentes interesses, podendo ocorrer ou não um engajamento, que seria determinado pelas
possibilidades individuais nas disputa por relações de poder.
O quarto capítulo, A arte de curar na Capitania de Mato Grosso é uma discussão
sobre as enfermidades que Alexandre Rodrigues Ferreira considerava mais comuns e as
formas de terapêutica preconizada na época, por ele e pelos nativos. Nota-se nessa
monografia o pensamento de vanguarda desse naturalista que, seguindo os preceitos
terapêuticos e condutas da época, não deixava de levar em conta os aspectos constitucionais
e psíquicos do paciente como integrantes do ato de adoecer. Em Águas, ares e lugares
descrevo como Ferreira considerava os fatores ambientais como participantes no processo
da doença. Somente nas décadas finais do século XX, a Organização Mundial de Saúde
instituiu a saúde como o bem estar físico, psíquico e ambiental do indivíduo.
A Matéria Médica de Alexandre Rodrigues Ferreira foi fonte de referência para
curadores licenciados, barbeiros sangradores e outros viajantes que visitaram a região.
Iniciou seu relato descrevendo os diversos tipos de febre que acometiam a população,
detalhando seus curativos e cuidados. Em Calor, fastio e lassidão se referiu às febres que
considerava sintomáticas e essenciais, descrevendo sua sintomatologia, prognóstico e
tratamento. Tremores, ardores e suores descreve os sezões e as maleitas, seus diferentes
tipos e como eram utilizadas as práticas de cura. E finalmente, em Opressão, inflamação e
obstrução apontou outros tipos de febres que considerou serem as mais perigosas, pois
poderiam se transformar em maligna ou conduzir a hidropezia.
A História da Medicina tem-se constituído em objeto de estudo de médicos, outros
estudiosos ligados à saúde, bem como de historiadores, cientistas sociais e educadores, com
diferentes enfoques e abordagens, contribuindo para que haja um melhor entendimento
dessa arte. A caracterização de um período histórico permite estabelecer relações entre
sociedades que interagem, inclusive em aspectos referentes à medicina e saúde, por meio de
análise dos tipos de conhecimento, das noções de causalidade das doenças, das práticas
diagnósticas e terapêuticas, da posição social do médico e do quadro de doenças.
Para Ibáñez & Marsiglia (2000:50) o olhar historicizante enfatiza ao mesmo tempo
os processos de ruptura e continuidade, considerando os determinantes de cada período.
Mesmo quando uma nova prática social ou uma nova forma de ver o mundo se torna
hegemônica, não são abolidas as formas preexistentes. Chamam a atenção para a
diversidade de concepções que coexistem e perduram nas sociedades como elementos vivos
a serem considerados. Os estudos antropológicos sobre a saúde e a doença têm apontado a
permanência dos conceitos mágicos, religiosos e empíricos, nas sociedades
contemporâneas, em todos os estratos sociais, fazendo parte de suas representações sobre o
processo saúde-doença.
As características da profissão médica em cada época estão determinadas pela
atitude da sociedade ante o corpo humano e por seus valores relativos à saúde e á doença. O
propósito da medicina tem sido curar a enfermidade e se possível preveni-la, mesmo
quando as práticas médicas não mantenham coerência com o conhecimento dito
“científico”. Os curadores sejam eles conhecidos como xamãs, sacerdotes, físicos ou
doutores, necessitam da legitimação social para desenvolvimento de suas práticas,
permitindo que estas lhes confiram na sociedade um certo controle social através de
normas, códigos e leis sobre seus atos.
Capítulo I
Desvendando o mundo
Fig 24 – Vista semi-dorsal e ventral da lagarta, acervo Museu Bocage.
Que os princípios orientadores de uma viagem, em terra estranha, sejam: admirar tudo, mesmo o que pareça banalíssimo; não é lícito
afirmar que, afinal, se trata de coisas geradas apenas para o país onde se encontram. O meio mais eficaz será confiar ao ‘cálamo’ o
registro do que se viu e pareceu útil, quer no que respeita à Geografia, às Ciências Naturais, à Litologia, à Botânica, à Zoologia, à
Economia, à Política, quer no que concerne a Costumes e Antiguidade. Finalidade: conhecer com maior exactidão a Natureza, aplicar ao
influxo do Sistema Universal e aos costumes da humanidade o conhecimento natural das plantas, dos animais e das pedras. Linneu
Os séculos XVII e XVIII são chamados de “era da revolução científica”. Os
descobrimentos e inventos criaram uma estrutura de produção de verdades sobre a natureza.
Com sua apropriação e decifração, a “Natureza” se tornou uma forma de acumular riquezas
e poder, legitimados pelo conhecimento científico. Supunha-se que a natureza fosse um
conjunto de máquinas e engenhos cujas leis pudessem ser expostas a partir da atividade da
razão (Descartes), dando origem às concepções filosóficas mecanicistas do século XVII e
das teorias científicas do século XVIII.
Profundamente marcada pelo fortalecimento de uma burguesia mercantilista, a
Europa do século XVII assistia a uma modificação radical de velhos hábitos, na qual a
rigorosa ordem imposta pelas elites dominantes na defesa de seus privilégios resistiria às
mudanças de um mundo em rápida modificação após o colapso da sociedade feudal. A
ruptura de visão e organização de mundo ocorreu com a transformação das relações sociais
feudais; com a afirmação econômica e social do capital mercantil; com a ascensão e
domínio de uma burguesia comerciante e bancária e com o estabelecimento do monarca
secular como fundamento e cume da ordem social, em oposição ao poder da Igreja. A
estrutura cristalizada na teologia e nas instituições católicas era um impedimento para o
pensamento, a criação e ação humana e a transformação do ambiente, na invenção de
máquinas e engenhos, nos costumes e relações sociais.
Nesse quadro conturbado, a crescente expansão européia abriu novos horizontes
para vastas camadas da população fugirem de uma realidade esmagadora e acalentarem a
possibilidade de ascensão social sem precedentes, embalada pelos sonhos de fabulosos
tesouros a serem conquistados no além-mar. As expedições de corso, a frenética atividade
das companhias de comércio e outras iniciativas do gênero atrairam incontáveis recrutas,
ofuscados pelas promessas de riquezas, que estavam destinadas a reafirmar o domínio de
um capital mercantil cada vez mais poderoso, em termos políticos e econômicos.
O século XVII marca o desenvolvimento científico da Europa Central e
Setentrional, com um crescimento acentuado de sociedades e academias científicas que
reagiram contra as universidades escolásticas, com o aparecimento da imprensa periódica e
a divulgação de metodologias investigativas. Portugal participou mais tardiamente desse
processo. Permaneceu durante muitos anos em luta constante por sua independência e
sobrevivência política, que consumiu o país. Nestas condições, a regularidade do estudo e
da investigação científica levou tempo para se afirmar.
A medida em que os portugueses foram descobrindo novas terras seguiram para elas
colonizadores, missionários e humanistas. Alguns foram sensibilizados pela natureza e
diversidade com que depararam, descrevendo as formas animais e vegetais aí existentes.
Persistiu nesses naturalistas pioneiros a preocupação utilitária herdada da época medieval.
Os animais comestíveis ou úteis, os venenosos ou de alguma forma prejudiciais, tiveram
primazia nos relatos.
Fig 10 - História dos animais e árvores Maranhão, Frei Galvão -1642
Essas observações e descrições enriqueceram o conhecimento dos seus superiores e
instituições consagradas à colonização, mas não do mundo científico, de que Portugal
estava apartado e ao qual não foram acessíveis os relatos dos naturalistas nos séculos XVI e
XVII. Estudaram a fauna e a flora tropical e consignaram as suas observações em cartas,
memórias manuscritas ou livros. Muitas das descrições efetuadas por eles referiam-se a
espécies observadas pela primeira vez por europeus e que pela ausência de divulgação dos
seus escritos não se encontram disponíveis, tornando anônimos, importantes naturalistas
portugueses (Almaça, 1993:11). Na época a carência de uma extensão do meio científico da
Europa Central e Setentrional para Portugal, impediu que estas importantes contribuições
sobre a diversidade tropical fossem divulgadas a partir do século dos Descobrimentos.
Na Idade Média, a cultura em Portugal era restrita às escolas eclesiásticas, nas
catedrais e nos monastérios. As bibliotecas pertenciam aos reis e à Igreja. A Universidade
foi fundada em Lisboa no ano de 1290; fixando-se ora em Lisboa, ora em Coimbra. Como
as demais universidades medievais, os estudos eram voltados principalmente para a
teologia. Após a reforma de 1431, passou-se a ensinar a Filosofia Natural de Aristóteles. Os
descobrimentos levaram ao desenvolvimento da História Natural. Nos séculos XV e XVI,
os portugueses se estabeleceram em territórios recém descobertos e entraram em contato
com a fauna e a flora tropicais desconhecidas. Os poucos homens de “cultura” que
acompanhavam as expedições não apresentavam um adequado conhecimento de história
natural, mas produziam uma quantidade de observações interessantes e coleções de
desenhos que acompanhavam as cartas e manuscritos das expedições. Nos séculos XVII e
XVIII surgiram em Portugal os Gabinetes de História Natural, que foram incumbidos de
estudar e organizar as coleções trazidas pelas expedições.
O Renascimento foi uma época de modificação de costumes e idéias. Criaram-se
novas formas, linguagem e teorias. O indivíduo apareceu como força criativa independente,
como sujeito de mudança pessoal e social. O homem era tido como proprietário da
natureza. Ocorreu uma cisão entre “ordem divina” e “ordem humana” e entre “ordem
humana” e “ordem natural”. Foram valorizadas as iniciativas do gênero humano de
conhecimento fora do mundo natural (Luz, 1988).
A imagem da Natureza como engenho e máquina ocorreu no final do Renascimento.
A existência objetiva e independente do homem foi condição epistemológica e ontológica
para poder conhecê-la. Havia uma extensa e profunda dessacralização da vida e do corpo.
Ocorria uma prática cotidiana da observação, da descoberta e da invenção, na busca de
evidências empíricas e de significações racionais. Um novo modo de produzir verdades
baseadas na inteligência com capacidade de intuir. As grandes abstrações da razão moderna
foram fruto de múltiplas operações minuciosas sobre situações concretas colocadas por
problemas da vida social: o comércio, a guerra, a navegação etc.
Nascia o experimentalismo característico do novo modo de produção de enunciados
e verdades, o método científico moderno voltado para a solução de problemas imediatos.
Ele era exploratório, buscando explicações novas para coisas e eventos já explicados;
inventor, pois criava instrumentos de observação empírica; e desbravador, na medida em
que se constituiu como estratégia de desvelamento de “coisas ocultas” na natureza. A
natureza material foi coisificada, tornando-se objeto e a razão tornou-se sujeito do
conhecimento. A razão era condição fundamental de apropriação do objeto pelo sujeito.
Constitui-se o objeto Natureza, que passou a ser força produtiva a serviço da história
econômica. A razão era instrumento exploratório da Natureza dividida entre ser o princípio
único do conhecimento e experiência empírica, como critério único do estabelecimento das
verdades. Esta dualidade criou a ruptura Natureza – Homem (Santos, 1997).
As representações terrestres, corpóreas da natureza e do indivíduo, dos sentidos e
das paixões tenderam a ficar confinada nas artes. A razão foi depurada dos sentimentos.
A ruptura mais significativa da racionalidade moderna foi do próprio sujeito de
conhecimento dividido em razão, paixões, sentidos e vontade, também epistemológica,
social e psicológica, criando-se instâncias exclusivas para o exercício de cada um desses
compartimentos. O sujeito humano tornou-se objeto de ciência passível de intervenção,
transformação, modelão e produção, ocorrendo uma fragmentação do sujeito. A
racionalidade criou uma forma típica de reorganizar o conhecimento e a ordem das coisas
(Queiroz, 2000).
O Renascimento deve ser tratado como uma época de transformações sociais, a
passagem para a racionalidade. Ocorreu uma valoração positiva da razão científica como
princípio de ordenação universal. A concepção renascentista supunha uma inteligência
divina, cuja imagem e semelhança participava a razão humana. A racionalidade explicava a
ordenação dos seres e do mundo, às relações entre os homens e as coisas e dos homens
entre si. Era ordem “inconsciente” de organizar os saberes a princípio “não pensados”. Uma
forma de desvendamento do mundo, de decodificação de significados, de atribuição de
ordens e sentidos através de um conjunto de operações que constituíam o método, que
devia ser perene. Entre representações, concepções e teorias há uma ruptura no
pensamento, realizado num tempo social, decorrendo às vezes séculos para afastar as
imagens da memória, as representações, as concepções, as ideologias. Imaginando o mundo
como uma máquina, a razão mecanicista pensava também poder controlá-lo racionalmente.
Concebeu-se a própria razão mecanicamente, composta a partir de elementos simples,
irredutíveis, que se combinavam de acordo com um número limitado de regras, que
obedeciam a certas leis específicas de atração e repulsão, expressa em linguagem abstrata.
Esses elementos simples eram as idéias e, geralmente, os conceitos e o mecanismo que as
combinava era a razão (Luz, 1988).
No final do século XVIII, Kant estabeleceu as fronteiras e os limites do
conhecimento humano em três áreas: o científico, o moral e o estético. O conhecimento
científico limitava-se ao fenômeno, resultado da imposição de categorias subjetivas de
percepção e de entendimento do mundo externo. O conhecimento quantificava e estabelecia
relações matemáticas entre os fatos e coisas (razão pura). Os conhecimentos moral e
estético se dirigiam à coisa em si, por meio de uma disciplina pessoal e prática, superando o
particular para alcançar o universal (Queiroz, 2000:28).
Ao estabelecer os limites e as fronteiras de cada um dos tipos de conhecimento,
Kant admitia que cada área desenvolvesse o seu próprio saber e deixasse de se preocupar
com o que se encontrava além dela. A ciência iniciou um processo de expansão sem
precedentes na história.
A predominância da “razão pura” resultou em um desequilíbrio entre as áreas do
conhecimento. As ciências humanas passaram a lidar com um objeto achatado,
fragmentado, caracterizado pelo fato dimensionado pela perspectiva unilateral do
positivismo.
A ciência, para se legitimar, impôs a ideologia positivista que, instituída no século
XVII e XVIII, expressava uma concepção revolucionária, contrapondo os princípios
teológicos e metafísicos, os fatos e a razão, como fundamentos da verdade. A procura da
verdade seria uma atitude “neutra” e imparcial diante do objeto de conhecimento, livre e
desinteressada de qualquer influência social, econômica, política e cultural. A ciência
justificava-se a si mesma, porque a qualquer momento poderia se verificar uma hipótese ou
teoria. Caso não confirmadas seriam imediatamente descartadas e outras novas testadas. O
conhecimento acumulado servira para garantir um saber mais “evoluído” e “avançado”.
Ocorreu uma transformação gradual do sentido assumido pela razão positivista, de
libertadora do mundo feudal para opressora no mundo burguês. A sensibilidade, a intuição
e a emoção foram relegadas a um plano secundário na produção de conhecimento. Neste
contexto, encaixava-se Alexandre Rodrigues Ferreira, um “desbravador” em vários
sentidos, na criação de riquezas e de novos mundos.
A razão controlava tudo e todos. O saber científico era considerado o mais
“evoluído” e com maior poder de penetração na realidade das coisas. Os saberes do senso
comum e do cotidiano passaram a ser considerados meios precários e ilusórios de
conhecimentos.
O paradigma positivo-mecanicista dominante na ciência deixou de reconhecer o
papel da consciência subjetiva na definição de seu objeto de conhecimento e na maneira de
abordá-lo. O positivismo caracterizou um tipo de razão cujo papel é a dominação do
homem e da natureza.
Para Santos (1997), a nova racionalidade científica foi também um modelo
totalitário, na medida em que negava o caráter racional de todas as formas de conhecimento
que não se pautassem nos princípios epistêmicos e em suas regras metodológicas. Era esta a
sua característica fundamental e a que melhor simbolizava a ruptura do novo paradigma
científico com os que o precedem.
O que caracterizou esse novo paradigma não foi apenas uma “melhor” observação
dos fatos, mas uma nova visão de mundo e vida. Essa nova visão conduzia a duas
distinções: entre o conhecimento científico e o senso comum e entre a natureza e o homem,
sendo essa separação total. A natureza era somente extensão e movimento, era passiva,
eterna e reversível; seus mecanismos podiam ser desmontados e depois relacionados sob a
forma de leis. Não foi um desvendamento contemplativo, mas ativo, que visava conhecer,
dominar e controlar. Luz (1988) diz que ocorreu uma cisão não apenas entre a “ordem
divina” e “ordem humana” mas também entre a “ordem humana” e “ordem natural”.
Separam-se Deus, Homem e Natureza.
O conhecimento científico caracterizou-se pela observação livre, sistemática e
rigorosa dos fenômenos naturais. A ciência não dispensava a teoria prévia, o pensamento
dedutivo ou mesmo a especulação, mas forçava qualquer um deles a não dispensar a
observação dos fatos.
O rigor científico legitimou-se pelo rigor das medições. A matemática forneceu o
instrumento privilegiado de análise, a lógica de investigação e o modelo de representação.
As qualidades intrínsecas do objeto foram desqualificadas. O método científico se baseou
na redução da complexidade. Conhecer significava dividir e classificar para depois poder
determinar relações.
Santos (1997) diz que o determinismo mecanicista era o horizonte certo de uma
forma de conhecimento que se pretendia utilitário e funcional, reconhecido menos pela
capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e
transformar.
No plano social, esse novo conhecimento se torna adequado aos interesses da
burguesia ascendente. A ciência moderna convertida no modelo hegemônico de
racionalidade transfere o estudo da natureza para o estudo da sociedade. Sendo possível
descobrir as leis da natureza, o mesmo se fará com a sociedade. Esse pensamento foi
aprofundado no século XVIII, criando condições para o surgimento das ciências sociais no
século XIX. O estudo do ser humano e da natureza passou a ser prisioneiro da prioridade
cognitiva das ciências naturais, recusando condicionantes biológicos do comportamento
humano, mas usando os argumentos biológicos para fixar a especificidade do ser humano.
A separação do saber humano em três grandes áreas – a científica, a moral/social e
estética, instituída por Kant, como pré-condição para o ideal iluminista, desenvolveu-se de
modo desequilibrado. A razão científica tornou-se radicalmente hegemônica em relação às
razões moral/social e estética. A possibilidade de saber tornou fragmentada a realidade e
impediu a perspectiva integradora da realidade (Queiroz, 2000:28).
O novo fundamento da ciência era a experiência, como único método de
conhecimento; o ideal de certeza se transformou no critério de todo o conhecimento.
Apenas poderia ter valor de experiência o que se podia submeter ao controle. Esse método
de procedimento exigiu, em todas as áreas, uma abstração que isolasse as diferentes
relações causais. Nasceu uma “ciência” que trazia consigo um novo conceito de teoria e
prática, ocupando um novo lugar social e político.
Salienta Domingues (1991:11) que mesmo tardiamente em relação ao restante da
Europa, Portugal fez parte deste contexto, articulando razões de natureza político-
administrativa, científica e econômica, integrando-se nesse movimento de curiosidade
intelectual e de atração pelo desconhecido, típico do iluminismo.
Portugueses “iluminados”
O iluminismo português foi um movimento de homens e idéias que influenciou
aspectos da vida de Portugal e de seu Império de Além-mar. A reforma religiosa, mudanças
econômicas, progresso educacional, expressões literárias e artísticas da Europa foram
levadas para Portugal, tardiamente no século XVIII, apesar da oposição da alguns
indivíduos da Nobreza e da Igreja. Na época, alguns componentes do clero reconheciam a
necessidade de modernizar o país e estavam dispostos a arriscar a introdução de novas
idéias científicas, mesmo que elas interferissem na ortodoxia eclesiástica. O debate e a
política interna do Clero e da Corte produziram as reformas.
O interesse pela ciência teve início com a expansão marítima de Portugal para as
Índias, Ásia Ocidental, África e Brasil, no final dos séculos XV e XVI. A necessidade de
mapas mais precisos estimulou um interesse por cartografia, astronomia, matemática, física
e filosofia. Nos primórdios da era dos descobrimentos a Coroa proibia a divulgação das
descobertas, temendo que as outras nações européias pudessem romper o seu monopólio.
Fig 11 - Mapa Terras Brasilis, mapa do Atlas Miller, 1515-1519.
A medicina também floresceu em Portugal neste período, havendo tanto um
interesse pela medicina clássica como pelas novas drogas descoberta no Oriente e no Brasil.
Alguns trabalhos portugueses se tornaram clássicos, sendo traduzidos para outras línguas
como In Dioscorides (Lisboa, 1553) de João Rodrigues de Castelo Branco; Colóquios dos
Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia (Goa, 1563) de Garcia Orta, e
Pharmacopea elegantissima (Lisboa, 1642) de Zanuto Lusitano (Simon, 1983:1).
Durante a ocupação hispânica (1580 – 1640) intelectuais portugueses migraram para
a Corte Espanhola, retardando os avanços nas artes e nas ciências em Portugal. Mas as
tradições portuguesas na astronomia e nas artes da navegação tiveram continuidade. Com a
independência, as artes floresceram. As riquezas das Colônias patrocinavam a música, as
ciências, as artes, a literatura, bem como a ida de estudantes para Universidades no norte da
Europa.
Domingues (1992:21) relata que as
correntes do pensamento iluminista
foram adaptadas e implantadas por uma
geração de “ilustrados”, apesar de
nascida em fins do século XVII e
princípio do século XVIII, durante os
anos difíceis do reinado de D. João V e
da intervenção portuguesa na guerra de
sucessão espanhola. Essa geração cresceu
na fartura do ouro e dos diamantes vindos
do Brasil, tendo a maior parte das vezes,
contato direto com a Europa nova, de
outros costumes e maior civilidade, de
outras idéias e conceitos, trazidos e
difundidos em Portugal. Primeiro pela
leitura de livros, muitos deles proibidos;
pela troca de correspondência e por
conversas em salões. Depois, pela
reforma dos estabelecimentos de ensino,
nomeadamente as Academias Militares e
as Universidades. Essa elite “ilustrada”
reconheceu a necessidade de formar uma
camada culturalmente esclarecida capaz
de simultaneamente preencher com
eficiência os quadros da administração
metropolitana e ultramarina e da
diplomacia, como também de prestigiar e
“engrandecer a nação” (que se reconhecia
atrasada em relação à Europa), pelo
desenvolvimento de potencialidades do
reino e sobretudo das colônias. Impunha-
se, portanto, a constituição de elites
formadas quer no domínio da
administração e da diplomacia, quer no
científico.
A educação e a cultura receberam apoio
de elementos do clero que ocupavam
altos postos na hierarquia eclesiástica
bem como da nobreza, que recebia
influências estrangeiras favoráveis às
modernizações da economia e a
reformulação da educação, para produzir
lideres civis, militares e religiosos
competentes. No reinado de D. João V
observou-se uma mudança na literatura,
arquitetura e na formação de academias.
Portugal do século XVIII é quase inseparável da figura dominadora de Pombal
(1699-1782). Para alguns, era uma grande figura do despotismo esclarecido e governou
Portugal entre 1750 e 1777. Para outros ele não passou de um filósofo inexperiente e de um
tirano maduro (Maxwell, 1997:1).
Sebasto Jode Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, nasceu em Lisboa.
Provinha de uma família modesta de pequenos fidalgos que serviram como soldados,
sacerdotes e funcionários públicos dentro de Portugal e ocasionalmente no extenso império
ultramarino. Dois de seus irmãos foram colaboradores muito próximos durante sua
administração. Paulo de Carvalho tornou-se inquisitor-geral e presidente do Conselho
Municipal de Lisboa e Mendonça Furtado serviu como governador e capitão-geral nas
províncias brasileiras do Grão-Pará e Maranhão (Maxwell, 1997:3).
Em 1738, D. João V reorganizou seu governo em um sistema de Secretários de
Estados, chamando de volta para Portugal o embaixador na Inglaterra Marco Antônio de
Azevedo Coutinho, primo de Pombal, para ocupar o cargo de Ministro dos assuntos
exteriores e da guerra. Por indicação desse ilustre parente, Pombal foi enviado para a
Inglaterra, representando o rei português narte de St. James, no período entre 1739 e
1743. Em 1745 seguiu para Viena, com a tarefa de ser mediador na questão papal austríaca.
Fig 12 - Marquês de Pombal.
Em 1749, Pombal retorna à Portugal a pedido da rainha regente D. Maria Ana da
Áustria, esposa de D. João V, para ocupar um Ministério em Lisboa, durante a enfermidade
fatal de seu marido. Pombal tinha na época 50 anos de idade. Sua proeminência e poder
coincidiram exatamente com o reinado de Dom José I (1750-1777), monarca que preferiu a
ópera e a caça ao governo. Após o terremoto de Lisboa, em 1755, ele deu autoridade
completa ao Ministro (Maxwell, 1997:4).
Suas honras foram conferidas no final da vida. Foi nomeado Conde de Oeiras em
1759 e recebeu o título de Marquês de Pombal em 1769, aos 71 anos de idade. Essa
condição de nobre não foi concedida como herança, mas obtida como recompensa por
serviços prestados ao monarca e ao Estado português (Maxwell, 1997:2).
Fig 13 - Terremoto de Lisboa.
Apesar de muitos terem contribuído com idéias para a reforma científica e
econômica de Portugal, o maior responsável por transformar idéias em ação foi o Marquês
de Pombal. Como Primeiro Ministro foi implacável na destruição da Nobreza opositora.
É difícil distinguir as influências externas e internas recebidas por Pombal, mas
pode-se afirmar que ele aprovava o progresso material que encontrou na Inglaterra, durante
o período que lá viveu como Ministro Português. Na Inglaterra e na Áustria observou os
avanços implantados na saúde pública, nas diversas reformas da seguridade, o progresso em
projetos econômicos e o desenvolvimento das academias militares e escolas públicas.
Instigou a expulsão dos jesuítas de Portugal em 1759, criando um caos na educação do país
e especialmente do Brasil (Simon, 1983:3). Na ocasião, havia uma carência de professores
em todos os níveis de ensino e os religiosos de outras ordens não apresentavam condições
de assumir toda a tarefa que estava a cargo dos jesuítas. As mudanças na educação
ocorreram lentamente.
Uma das maiores influências nesse processo de inovação pedagógica foi a do
oratoriano Luís Antonio Vernei (1713-1792), autor de O verdadeiro método de estudar,
publicado pela primeira vez em Nápoles em 1746. O livro era um manual eclético de
lógica, um método de gramática, um livro sobre ortografia, um tratado de metafísica e
continha dezenas de cartas sobre todos os tipos de assuntos. Nascido em Lisboa passou a
maior parte de sua vida adulta na Itália. Vernei serviu durante algum tempo como secretário
do enviado português no Vaticano, Francisco de Almada e Mendonça, primo de Pombal.
Para fraseando Newton, escreveu que a “filosofia é conhecer as coisas através das causas
ou saber a verdadeira causa das coisas” (Maxwell, 1997:12).
A conseqüência imediata desse debate filosófico em Portugal foi levantar a questão
da influência da Companhia de Jesus em relação ao monopólio da educação superior e que
era, do ponto de vista dos seus oponentes, a principal defensora de uma tradição escolástica
morta e estéril inadequada à idade da razão.
No século XVIII os jesuítas foram apontados como opositores à introdução da
ciência moderna em Portugal. Ocorreu um certo exagero nesta afirmação uma vez que eles
eram produtores de ciência, sendo a física, a matemática e a história natural ensinados nas
suas escolas. Alguns livros publicados em Portugal, neste período, discordavam da
interpretação ortodoxa eclesiástica sobre a formação do universo. A difusão do ensino das
ciências permaneceu limitada até a segunda metade do século. Surgiu um movimento para a
implantação da ciência moderna.
O inventário dos livros jesuítas da Universidade de Évora continha trabalhos de
Bento Feijó, Descartes, Locke e Wolff. O colégio dos Jesuítas em Coimbra possuía O
verdadeiro método de estudar de Vernei. Em Portugal, os jesuítas tinham o direito
exclusivo de ensinar latim e filosofia no Colégio das Artes, a escola preparatória obrigatória
para ingresso nas faculdades de teologia; leis canônicas, leis civis e medicina na
Universidade de Coimbra. A única outra universidade de Portugal, a de Évora era uma
instituição jesuítica. No Brasil, seus colégios foram a principal fonte para a educação
secundária. E no restante do império de Portugal na Ásia, os jesuítas haviam sido a força
dominante desde os primórdios da expansão portuguesa no Oriente (Maxwell, 1997:13).
Além do debate filosófico característico da Europa católica nesse período, havia
uma importante corrente de pensamento específica em Portugal. Era um conjunto de idéias
e discussões sobre o governo, a economia e a diplomacia, que surgiu na primeira metade do
século XVIII, em um grupo pequeno e influente de representantes ultramarinos e Ministros
do governo de Portugal. Às vezes os membros desse grupo eram chamados pejorativamente
de “estrangeirados”, devido à sua suposta obsessão por modelos estrangeiros (Maxwell,
1997:14).
A preocupação deles era defender os recursos portuguêses. Ao contrário das
disputas entre filósofos e pedagogos, essas discussões eram baseadas na longa tradição do
pensamento econômico e diplomático português, que adveio da experiência nas décadas
que se seguiram ao restabelecimento da independência de Portugal em relação à Espanha,
em 1640. Menos preocupados com o impacto específico da descoberta do ouro no Brasil,
esses debates enfocavam os parâmetros mais amplos da posição de Portugal no sistema
internacional, confrontando as restrições e opções com as quais um país pequeno e
independente precisava conviver. O centro dessas discussões era o problema de conservar
ou explorar os consideráveis bens ultramarinos que Portugal controlava na Ásia, África e
América e desenvolver um mecanismo para concorrer com a dominação econômica
britânica, sem enfraquecer a aliança política e militar para combater a Espanha.
A reforma educacional tornou-se uma alta prioridade na década de 1760. A
expulsão dos jesuítas deixou Portugal despojado de professores para o ensino secundário e
universitário. Eles eram responsáveis pela direção de 34 faculdades e 17 residências. No
Brasil possuíam 25 residências, 36 missões e 17 faculdades e seminários (Maxwell,
1997:104). As reformas educacionais de Pombal visavam trazer a educação para o controle
do Estado, secularizar a educação e padronizar o currículo.
O Real Colégio dos Nobres foi fundado em 1761. A convite de Pombal vários
professores vieram da Itália. A presença deste professores estrangeiros ajudou a preencher
as lacunas deixadas pelos jesuítas e estimulou a secularização da educação através de uma
série de novos estudos. A reforma educacional foi cuidadosamente planejada,
estabelecendo-se em 1770 a Junta de Providência Literária que trabalhou durante dois anos
formulando um novo estatuto para a Universidade de Coimbra, na criação de novos cursos,
modernizando o ensino médico e reorganizando cadeiras tradicionais. A Universidade
permaneceu fechada por um ano até que em 1772, o Marquês de Pombal supervisionou e
ordenou a sua re-abertura.
Basicamente a reforma educacional pombalina tinha um objetivo altamente
utilitário: produzir um novo corpo de funcionários ilustrados para fornecer pessoal à
burocracia estatal e à hierarquia da Igreja reformada. Seria entre esses recém-formados que
encontraria seus perpetuadores e defensores. O centro do processo de reforma foi a
renovação da Universidade de Coimbra. A intenção era equiparar o ensino de matemática e
medicina, das ciências naturais e físico-química, ao saber ministrado no restante da Europa.
Para suprir as necessidades docentes tanto da Universidade de Coimbra bem como
do Colégio dos Nobres, a Coroa recrutou professores de outros países, capazes de dar nova
orientação ao ensino, aos estudos e de modo imediato a certos serviços públicos e à própria
organização militar, entre os portugueses tanto da Europa como nas suas colônias tropicais,
principalmente no Brasil (Freyre, 1978: 53). Apesar da consciência de que os centros de
cultura européia se situavam na França (com leitura de Voltaire, Diderot e Rousseau) e na
Inglaterra (Locke e Hobes), os sábios que vieram para Portugal eram italianos. A
explicação desta atitude reside na ligação cultural que durante anos aproximou Portugal da
Península Itálica: tradição e continuidade no percurso bilateral de arquitetos, músicos,
escultores, homens de letras e ciências, mestres e estudantes, viajantes e mercadores; bem
como de homens de religião, jesuítas, oratorianos, devido ás relações amistosas entre
Portugal e a Cúria Romana (Domingues, 1991:21).
Um dos primeiros a chegar a Coimbra, em 1764 foi Domingos Vandelli (1735 –
1816), na época um médico consagrado e professor de química na sua cidade natal Pádua.
Foi encarregado de dirigir o laboratório de Química da Universidade de Coimbra e de
ministrar as disciplinas de zoologia e mineralogia. Em 1778 publicou o Diccionario dos
termos technicos de Historia Natural, que se destinava a facilitar a compreensão dos termos
utilizados por Linneu. Essa obra foi impressa em Coimbra, com excelentes estampas, na
qual a terminologia usada para as Ciências Naturais foi adequadamente explicitada. Fiel à
abordagem de Linneu no estudo da diversidade que prevalecia na Europa no século XVIII,
Vandelli procurou com seu Diccionario tornar mais explícita a consulta do Systema naturae
por ele publicado (Almaça, 1993:13).
Vandelli causou impacto em duas gerações de cientistas portugueses e brasileiros
por suas aulas, seus contatos internacionais e ascensão nos círculos governamentais
(Simon, 1983:5). Alexandre Rodrigues Ferreira e Manoel Galvão da Silva (nascidos na
Bahia), João da Silva Feijó e Joaquim José da Silva (nascidos no Rio de Janeiro), Joaquim
Veloso de Miranda (nascido em Ouro Preto) José Francisco de Lacerda e Almeida (nascido
em São Paulo) deviam a Vandelli suas nomeações para cargos no governo. A partir do
reconhecimento de suas publicações em latim, passou a trocar correspondência com
Linneu, enviando espécies desconhecidas para o naturalista, coletadas do Brasil e na África.
O trabalho de Linneu (1707–1778) influenciou a reorganização o curso de história
natural na Universidade de Coimbra. Sua sistematização da flora, da fauna e do reino dos
minerais, assim como o seu incentivo para que os cientistas explorassem e catalogassem os
recursos naturais tiveram repercussão internacional. A revolução no aprendizado da ciência
não se deu da noite para o dia, mas um novo conceito de ensino estava sendo instituído. O
sistema de classificação adotado por Linneu era aplicado a todas as formas de vida,
auxiliando o naturalista nas descrições e identificação das espécies, facilitando a
comunicação entre os cientistas no que se referia às novas descobertas.
Fig 14 – Linneu.
Segundo Simon (1983:7) Linneu foi aceito em Portugal como professor por não
desafiar a interpretação eclesiástica ortodoxa da criação, a idade do universo, nem a origem
do sistema solar. Ele enfatizava que o naturalista deveria conhecer inicialmente os recursos
naturais de seu país antes de visitar outros lugares e que o completo conhecimento desses
recursos e do seu potencial eram a chave para o desenvolvimento econômico.
Domingos Vandelli e outros professores da Universidade de Coimbra influenciaram
os jovens estudantes na escolha de uma carreira que serviria à ciência e à Coroa
simultaneamente. A sua ascendência na Corte permitiu que prometesse colocações
vantajosas junto à Coroa e reconhecimento nos círculos científicos portugueses e europeus,
aos naturalistas recém formados. A instrução ministrada baseava-se na aprendizagem do
latim e do grego, do francês, italiano e inglês, da aritmética, geometria, trigonometria,
álgebra, óptica, astronomia, geografia e náutica, arquitetura civil e militar, desenho e
química (Domingues, 1991:22).
Fig 15 – As classes das plantas no sistema sexual de Linneu
Portugal não era o único país a patrocinar a cautelosa exploração de seus recursos
naturais para a expansão da indústria e do avanço científico. Na época existia uma grande
divergência sobre as teorias da criação da terra e, com as explorações geológicas novos
fatos surgiram, guiando os campos científicos opostos.
Linneu estimulava a realização de pequenas excursões de campo para os jovens
naturalistas. As viagens para as minas de carvão perto do Rio Mondego e para o interior de
Portugal serviram de treinamento para a Viagem Filosófica ao Brasil.
Domingos Vandelli foi um dos principais
idealizadores e planejador de todas as
fases da expedição ao Pará, mantendo
contato estreito com o então Ministro
Ultramarino de Portugal Martinho de
Melo e Castro, estimulador dos
empreendimentos científicos.
A morte do rei D. José I em 1777, a mudança de governo, a queda de Pombal,
afetaram os jovens naturalistas brasileiros que estavam terminando seus cursos: Manuel
Galvão da Silva, Joaquim Veloso de Miranda, em 1777 e Alexandre Rodrigues Ferreira e
João da Silva Feijó em 1778. Os membros da Universidade de Coimbra precisavam
assegurar junto à nova rainha, D. Maria I, a mesma proteção e patrocínio que obtinham no
reinado anterior. Sem o suporte financeiro da Coroa as reformas da Universidade e todos os
projetos científicos de Vandelli seriam esquecidos.
A preocupação dos portugueses com a juventude e com os avanços da ciência, a
defesa da liberdade de opinião, segundo Simon (1983:12) foram às idéias mais importantes
do iluminismo em Portugal no século XVIII. Mesmo que a ciência perturbasse a ortodoxia
da religião, os lideres do governo não podiam ignorar os benefícios trazidos à indústria,
comércio e artes. Ciente da ortodoxia da Rainha e de seus Ministros escreveu Francisco de
Lemos, Reitor da Universidade de Coimbra, à D. Maria I:
“muitas vezes a liberdade de opinar nas Sciencias possa induzir os homens a alguns erros de religião,
e de política; mas no meio dos males quem pode duvidar, que he menos este, do que o que se põem
as naçõens por estarem prezo aos espíritos, e privados de raciocínio que lhes é natural. A faculdade
de pensar é livre no homem, por isso não deve ter outros limites, que não sejão os da razão e da
religião” (D. Francisco de Lemos, Memória de introducção a Relação do Estado da Universidade de
Coimbra de 1772-1777, introducção de Theofilo Braga, Lisboa 1894:130, apud Simon, 1983:12).
Os planos de Vandelli para os estudantes e os preparativos para a Viajem Filosófica
continuaram. Em junho de 1778, Vandelli escreveu ao Ministro Ultramarino Martinho de
Melo e Castro:
Tenho feitas todas as diligencias pª. completar o plano dos Naturalistas, e remettella a V. Exª. neste
correio, porem o continuo trabalho da Universidade não me tem dado lugar a acabalo, e somente
agora apresento a V Exª. o rol dos instrumentos, e outras cousas necessárias as viagens dos
Naturalistas pª. executar as instruçõens que tiverão, e assim formar com a maior diligencia possível
huma exacta Historia Natural de tão vasto Continente; e porque esta seja de maior utilidade, me
pareceria conveniente, que alem daquelles Naturalista, que devem accompanhar os Mathematicos,
ficasse Júlio em companhia de hum Natª. No Rio de Janeiro de onde poderião examinar huma grão
parte da costa internandose athe 40, ou 50 legoas, e deste modo se descobrissem cousas úteis, mães
fácil seria o transporte, e maior quantidade de produçõens Naturaes se poderião obter, o que tão
facilmente não se pode esperar da os interiore sertoens, donde o naturalista não se pode caregar de
muitas produçõens da Natureza (AHU, maço 26, Reino, Carta de Vandelli para Martinho de Melo e
Castro, 22-VI-1778, apud Simon, 1983:13).
Martinho de Melo e Castro foi dos poucos membros da nova administração que
vinha do governo pombalino. Havia se mantido omisso durante os conflitos entre Pombal e
o clero. Seu retorno a Lisboa deveu-se à iniciativa do rei e não de Pombal. O
relacionamento de Melo e Castro e Pombal nos últimos anos de governo deste não era dos
mais cordiais.
Em junho de 1779, Vandelli escreveu novamente a Melo e Castro informando
sobre os avanços e as proposições da expedição ao Brasil, mencionando que os naturalistas
por ele treinado, já se encontravam prontos para a partida. Com o apoio do Ministro
Ultramarino, a Coroa Portuguesa tornou-se engajada na expedição científica, passando a ser
sua mantenedora, patrocinando e financiado com recursos do Ministério a expedição e
fornecendo os equipamentos e suprimentos necessários. O Jardim do Palácio da Ajuda
pagava o salário dos integrantes da equipe.
O período entre 1779 e 1780 foi excepcionalmente ativo para a reforma educacional
em Portugal. Em 1779 a Coroa criou a Real Academia da Marinha, onde os professores
ingressavam com status semelhante ao da Universidade de Coimbra. No mesmo ano era
fundada a Real Academia de Ciências de Lisboa, cujo patrono D. João de Bragança, Duque
de Lafões, tio da rainha D. Maria I, gozava de boa reputação nos meios intelectuais
europeus (Simon, 1983:10).
Entre 1778-1780, Alexandre Rodrigues Ferreira trabalhou no Jardim do Palácio da
Ajuda ao mesmo tempo em que recebia instruções dos líderes da Academia de Ciências de
Lisboa, para assumir o comando da expedição ao Pará, no Brasil. Os interesses da
Academia na expedição incluíam a fundação de um Museu de História Natural. Em 1781,
essa instituição publicou um panfleto para ser enviado a todos os governadores dos
territórios de Além-mar: Breves Instrucçõens aos correpondentes da Academia das
Sciencias de Lisboa sobre as remessas dos productos e noticias pertencentes a historia da
Natureza para formar hum Museo Nacional. Nele encontravam-se instruções precisas para
preparar espécies vegetais, animais e minerais, assim como elaborar um diário de viagem
para cada correspondente. Provavelmente esse material foi produzido pelos naturalistas do
Jardim do Palácio da Ajuda, baseado nas suas atividades de campo (Almaça, 1993:17).
No outono de 1782 a tão planejada expedição para o Brasil sofreu mudanças
radicais no seu efetivo. O matemático Manoel Galvão da Silva foi designado para a
Secretaria do Governo em Moçambique, pela necessidade de um representante do governo
na rota das colônias na África. Outro naturalista Joaquim José da Silva seguiu para Angola,
também como Secretário do Governo. O oficial militar, químico e professor João da Silva
Feijó foi enviado para Cabo Verde. Restou a Alexandre Rodrigues Ferreira liderar um
grupo composto de dois riscadores militares e um jardineiro botânico, em uma odisséia que
duraria dez anos, na expedição científica que veio ao Brasil (Simon, 1983:18).
Ferreira deixou Lisboa em julho de 1783. Uma lista de equipamentos necessários
para a viagem foi preparada por Vandelli, contendo uma caixa de medicamentos, redes para
apanhar borboletas, machados, serrotes, material para dissecção, ferramentas, um estojo
com material químico para análise de minerais, uma biblioteca com livros de história
natural, agricultura, para a manufatura de açúcar e índigo, e mapas (Simon, 1983:17).
Três livros publicados no século XVI e XVII foram fundamentais para a expedição
ao Brasil: De Indiae utriusque ure naturali et medica (Amsterdan, 1658) de Guilherme
Pison; Historiae Brasiliae (Amsterdan, 1648) de George Marcgraf e Histoire d’um Voyage
fait em la terre du Brésil (La Rochelle, 1578) de Jean de Lery (Simon, 1983:17). O uso
desses livros demonstrava a lacuna existente no conhecimento europeu sobre o Brasil,
obrigando os naturalistas a ler textos considerados ultrapassados pelo resto da Europa.
As Viagens Filosóficas ao Brasil e à África durante o século XVIII foram a
expressão do iluminismo português. Um grande interesse pela história natural fazia parte do
“gosto” da época, apreciada tanto pelos não cientistas, como pela nobreza. Existia uma
mania de colecionar. Grande prestígio social era conquistado adquirindo-se coleções de
animais e plantas de países tropicais, foi o século da Encyclopaedia. Por toda Europa
existia uma curiosidade científica nas áreas desconhecidas do mundo. O comportamento de
franceses e ingleses que possuíam seus gabinetes particulares de história natural se refletiu
em Portugal. Ao final do século XVIII estudantes portugueses, incluindo muitos brasileiros,
estudavam medicina em Edinburgh e Montpellier.
Domingos Vandelli e o Ministro do Ultramar Martinho de Melo e Castro
financiaram, protegeram e organizaram as Viagens Filosóficas, por acreditarem na
modernização da ciência. Com patrocínio e promessa de recompensa ao voltarem para
Portugal, os jovens naturalistas brasileiros dedicaram-se à tarefa de catalogar os recursos
naturais do Império de Além-mar. Vandelli imaginou que uma maneira de continuar
protegendo as ciências na Universidade de Coimbra era assegurar empregos honráveis e
bem remunerados aos cientistas graduados, uma vez que seria difícil treinar novos
estudantes, se não houvessem empregos garantidos no regresso à metrópole (Simon,
1983:20).
Os participantes e proponentes do projeto das Viagens Filosóficas, cujo objetivo era
a realização de um índice completo dos recursos de história natural das colônias
portuguesas, tinham diferentes ambições. A Coroa Portuguesa na pessoa do Ministro
Martinho de Melo e Castro, da Universidade de Coimbra e da Academia de Ciências de
Lisboa, buscavam prestígio e benefícios econômicos. Domingos Vandelli trabalhava em
prol do avanço da ciência moderna e da consolidação de sua posição no meio científico
europeu, e os jovens naturalistas almejavam iniciar suas carreiras.
Desbravar, observar, classificar e dominar
Com a reforma da Universidade de Coimbra, deu-se uma maior atenção ao ensino
das ciências físicas, matemáticas e naturais, até então restritas aos estabelecimentos de
ensino jesuíta. Os estudos de História Natural foram influenciados pelo sistema de
classificação de Lineu (1707-1778), que inaugurou a catalogação sistemática da fauna
conhecida e despertou o interesse da comunidade científica para uma classificação e
quantificação do mundo. As reservas de recursos naturais existentes nas colônias
portuguesas da América, África e Ásia deveriam ser exploradas com conhecimento
científico e tecnologia. Foram criadas as Faculdades de Matemática e de Filosofia e um
Curso de Filosofia Natural, que correspondia às ciências físicas e naturais. Integrou-se na
Universidade o Colégio dos Jesuítas, estabelecendo anexos científicos com os gabinetes de
História Natural e de Física Experimental.
Para Freire (1978:54-55) no Norte da Europa durante o século XVIII, os novos
conhecimentos científicos já estavam sendo aplicados há mais de meio século, enquanto
parte de Portugal permanecia atada ao século XVII, parte na Contra-Reforma e até na Idade
Média. O empenho de Pombal foi saltar o tempo perdido pelos portugueses e melhorar o
ensino, administração, indústria, tecnologia e colonização dos trópicos pelos portugueses.
No século XVII, Descartes aconselhava aos franceses aplicar os métodos da matemática, da
astronomia e da física a outros setores do desenvolvimento humano.
Com a finalidade de promover a educação científica dos príncipes, o Marquês de
Pombal criou em Lisboa um gabinete de História Natural e o Jardim Botânico, iniciativas
que só seriam concluídas no início do reinado de D. Maria I. O primeiro diretor desta
instituição foi Domingos Vandelli, que a transformou num centro de profissionalização dos
naturalistas. Em 1778 iniciou o recrutamento, sendo que estes estavam encarregados de
“examinar, reduzir e descrever os produtos naturais do Real Museu da Ajuda”. Com a sua
influência na Universidade e na Corte e pelo crédito que lhe era conferido por Martinho de
Melo e Castro, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Ultramar, Vandelli
empreendeu a formação prática dos naturalistas com o objetivo de que, quando enviados
para as colônias portuguesas, pudessem dar adequado reconhecimento e aproveitamento às
espécies naturais encontradas. Todas as tarefas de organização e preparação das
“Expedições Filosóficas” em que os naturalistas seriam integrados recaiu sobre Vandelli.
Grande parte da atividade do Real Museu da Ajuda foi consumida na preparação das
“Expedições Filosóficas”, que se iniciaram em 1783. Não houve produção científica dos
naturalistas na instituição. Ao que parece, aguardavam os resultados das colheitas e
observações no Ultramar para iniciar. Em 1783 os naturalistas Alexandre Rodrigues
Ferreira, Manuel Galvão da Silva, Joaquim José da Silva e João da Silva Feijó partiram
respectivamente para o Brasil, Moçambique, Angola e Cabo Verde.
A expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira por mais de nove anos fez
observações na Amazônia, remetendo materiais para o Real Museu da Ajuda. Os resultados
das expedições foram coleções de história natural, monografias manuscritas,
correspondências com entidades oficiais de Lisboa e aquarelas, documentando as viagens
de exploração. As coleções permitiram reunir no Real Museu da Ajuda uma vasta
documentação da história natural do Ultramar português, em particular da Amazônia
(Almaça, 1993:19).
A Viagem Filosófica ao Brasil tinha o objetivo de investigar os sertões da região
amazônica, estudando suas possibilidades econômicas, o modo de viver, os costumes das
populações que a habitavam, inclusive os índios e, o reconhecimento da fronteira oeste,
delimitada pelo Tratado de São Idelfonso. Ciente da complexidade da missão Domingos
Vandelli, professor de Filosofia e Ciências Naturais indicou para dirigir a expedição
Alexandre Rodrigues Ferreira, na época com 27 anos.
As plantas e animais coletados deveriam ser enviados para estudo e catalogação em
Portugal, assim como a descrição e o reconhecimento dos espaços e a utilidade dos recursos
naturais, da situação de salubridade das localidades, o registro das endemias e epidemias,
bem como as práticas de cura utilizadas pelos nativos da terra. Os produtos “do mato” de
maior extração para a comercialização eram, entre outros: o breu, a salsa, o cacau, o anil, o
cânhamo. Enfatizando esta orientação, escreveu Almaça (1993:17) que o interesse no
conhecimento dos “produtos naturais” desencadeou a produção de textos destinados a
formação de coleções e em 1781 os naturalistas do Real Museu da Ajuda redigiram um
manuscrito intitulado Methodo de Recolher, Preparar, Remeter, e Conservar os Productos
Naturais. Segundo o Plano, que tem concebido, e publicado alguns Naturalistas, para o
uso dos Curiozos que visitaõ os Certoins, e Costas do Mar.
Terra brasilis
Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), era brasileiro nascido em Salvador –
Bahia, no dia 27 de abril de 1756, filho de uma família de comerciantes. Seu pai Manoel
Rodrigues Ferreira foi provavelmente um mercador de escravos. Adolescente, partiu para
Portugal com seu irmão Bartolomeu e juntos matricularam-se na Faculdade de Filosofia, no
dia 26 de novembro de 1774. Seus estudos preparativos para ingressar na Universidade de
Coimbra foram realizados entre 1770-1771. Sua graduação foi conferida em setembro de
1776, com as mais altas honras (Simon, 1983:6).
Iniciou sua carreira como naturalista antes mesmo de terminar seus estudos, como
aluno foi assistente de Vandelli, no seu último ano de faculdade. Seis meses antes de se
graduar, Francisco de Lemos, Reitor da Universidade de Coimbra, propôs uma nova
reforma no Corpo da Faculdade de Filosofia. Sugeriu à Coroa que no interesse da
Universidade, deveriam ser criados seis cargos de “doutores”, para que esta ficasse
equiparada à Faculdade de Matemática, que já conferia essa graduação. Alexandre
Rodrigues Ferreira foi um dos indicados para a nomeação. Recebeu o título de doutor em
Filosofia no dia 10 de janeiro de 1779 (Simon, 1983:8). Trabalhou juntamente com os
outros naturalistas graduados vindos do Brasil, no Jardim do Palácio da Ajuda e no
Gabinete do Museu de História Natural, participando de várias viagens de campo em
Portugal. Muito cedo na sua carreira de cientista, Alexandre Rodrigues Ferreira já era
conhecido pelo alto escalão do governo português.
No dia 15 de julho de 1778 foi apresentado, em viagem a Lisboa à Rainha D. Maria
I. O projeto da expedição só se concretizou anos depois. A ordem régia de 29 de agosto de
1783 deu sinal de partida para a Expedição Filosófica, regulando o “método de trabalho e
de suas operações” (Adonias, 1986:16).
Alexandre Rodrigues Ferreira deixou Lisboa em 1º de setembro de 1783, rumo ao
Brasil. Entre os membros de sua expedição estavam os dois desenhistas riscadores do Real
Gabinete de História Natural do Museu da Ajuda, Joaquim José Codina e José Joaquim
Freire, além do jardineiro botânico Agostinho Joaquim do Cabo.
Os equipamentos de viagem para o Brasil incluíam utensílios de cozinha, um
laboratório de química portátil, apetrechos de caça e pesca, uma caixa de medicamentos e
uma biblioteca com onze livros, um mapa da bacia do Rio Amazonas e uma cópia do
manuscrito do Ouvidor Francisco Xavier Ribeiro Sampaio: O diário da Viagem Filosófica
na Capitania de São José do Rio Negro (1774-1775). Os trabalhos de história natural de
Pison e Marcgraf foram incluídos. Dentre os materiais de consulta que trouxe, os de maior
importância foram os trabalhos de história natural publicados por Linneu: Systeme Naturae,
Genera Plantarum e Species Plantarum (Simon, 1983:24).
Fig 16 - Frontispício alegórico da Viagem Filosófica, no qual supostamente Alexandre Rodrigues
Ferreira aponta o mapa dos rios Amazonas, Madeira, Branco e Negro,
acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
A cultura, a filosofia e a ciência do
iluminismo precederam a vinda de
Ferreira ao Brasil que, embora não tendo
ainda uma universidade, não era
desprovido de homens “educados”. A
Academia Científica foi fundada no Rio
de Janeiro em 1772 e mesmo antes disso,
graduados na Universidade de Coimbra
haviam retornado ao Brasil com seus
recém adquiridos conhecimentos
científicos e referências bibliográficas
contemporâneas. Quando Ferreira chegou
a Vila Bela, capital da Capitania de Mato
Grosso, em 1789, encontrou um discípulo
da Universidade de Coimbra, Joaquim
José Cavalcanti de Albuquerque Lins
trabalhando como Secretário do Governo
e também, o então Governador Luís de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,
conhecido como homem de grande
cultura e instrução. A sua biblioteca
particular permitiu a Alexandre
Rodrigues Ferreira completar muito dos
seus estudos, realizados durante a viagem
(Simon, 1983:24).
Na ocasião da vinda de Ferreira ao Brasil, estudos com plantas medicinais, animais,
pássaros e usos de produtos naturais já eram desenvolvidos no país. Na Bahia o médico
Francisco Antonio de Sampaio, havia escrito dois volumes de história natural, comentando
a sistematização de Linneu (1782 e 1789). Seu trabalho História dos Reinos Vegetal,
Animal e Mineral do Brazil, pertencente a Medicina - Vol I e II tinha sido publicado
recentemente (Simon, 1983:24).
Alexandre Rodrigues Ferreira permaneceu no Brasil mais de nove anos, de
setembro de 1783 a fevereiro de 1792, tendo Belém do Pará como seu ponto de chegada e
de retorno a Portugal. Infelizmente, não existem registros de troca de correspondência
direta com Vandelli, nos anos em que esteve à frente da Viagem Filosófica.
Fig 17 - Fachada Igreja das Mercês Belém, acervo Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
O trabalho de Alexandre Rodrigues Ferreira teve início durante a travessia marítima
até chegar ao Brasil. Um diário de bordo era mantido por seu assistente Agostinho Joaquim
do Cabo, o jardineiro botânico. Chegaram à Belém no dia 21 de outubro de 1783, após 51
dias de viagem. Durante 11 meses percorreram as vizinhanças da capital paraense,
visitando povoações e vilas, explorando rios, embrenhando-se pela selva a procura de dados
referentes à História Natural. Os riscadores Codina e Freire trabalhavam na elaboração de
seus desenhos e gastaram cerca de dois meses para preparar a vista panorâmica da cidade.
Em dezembro de 1783, Ferreira escreveu ao Ministro Melo e Castro informando
sobre as condições de plantio das sementes de linho de cânhamo (Cannabis sativa)
conhecida como marijuana pelos portugueses, assim como dos progressos obtidos no
cultivo do cacau, índigo, açúcar e café na região do Pará. No mesmo relatório informou que
o jardineiro Agostinho Joaquim do Cabo estivera doente por nove dias (Simon, 1983:26).
As doenças eram o maior fator impeditivo do progresso da expedição, afetando um ou
todos os membros da equipe, em diversas ocasiões.
Durante o tempo que permaneceu em Belém do Pará deixou registrada a sua
preocupação com o pouco cuidado que os governantes tinham para com a saúde da
população, demonstrando reconhecer à relação entre ambientes insalubres e a presença de
enfermidades. Salientou também a necessidade de se aplicar a quarenta, aos negros trazidos
da África. Referiu-se a Belém como
... uma cidade situada em um pantanal, cercada em roda de espessos matos, e quotidianamente
banhada das águas do mar misturada com as do rio; sendo uma cidade, em cuja extremidade existe
um cortume tão nocivo pelos seus vapores e em cujo centro existe um forno de cal; o que tudo influe
sobre a malignidade da sua atmosphera, particularmente nos mezes em que não reinam os ventos
geraes: sem embargo de tantas causas juntas, accresce a outra de ancorarem no seu porto sem
quarentena alguma as embarcações dos transpotes dos escravos, que vêm dos portos de Cabo Verde,
Bissau, Caxeu, Angola e Benguela. Os lavradores, que os compram, não poucas vezes levam com
elles para suas casas um contagio geral para todas as suas famílias (Ferreira, 1983:754).
Seguiu enumerando outros motivos que tornavam a cidade insalubre, como a
presença de um açougue que sangrava os animais e o sangue e o couro ficavam no pátio ou
na praia, secando ao sol. As “immundices das casas” eram despejadas nas ruas bem como
as cascas de arroz e algodão usados nos engenhos Referiu-se à má fé dos negociantes que
comercializavam víveres em mau estado de conservação, prejudicando a saúde dos que
consumiam: “não sendo poucas as barricas de farinha, ou podre, ou falsificadas com
gêsso; os vinhos contrafeitos, gessados, ou encorpados com diversas drogas que alteram a
saúde dos que os bebem” (Ferreira, 1983:755).
A carência de profissionais da arte médica já se fazia notar; enfatizou que os
curativos eram muitas vezes aplicados por “quem sem nunca terem freqüentado os
hospitaes, sem terem aberto um livro, e talvez sem saberem ler”; mas acrescentou que
esses empíricos que atuavam no país, possuíam as virtudes das plantas, sabendo das
características de cada uma e das suas utilidades nas diferentes enfermidades, possuindo
ervas ocultas e segredos de práticas
... apezar da razão e da experiência, prevalece no estado a reputação, e o curativo dos empíricos, os
quaes affectando de saber o que ignoram, impunemente se constituem árbitros das vidas, sem outra
carta de approvação na arte, do que a que lhes passa a credulidade da plebe (Ferreira, 1983:755).
Parte dos deveres de Ferreira foi enviar relatórios freqüentes à Coroa, atestando seus
esforços em promover o desenvolvimento econômico de Portugal e do Brasil. O poderio
marítimo português necessitava de estoques de materiais navais para manutenção de seus
navios mercantes e as cordas feitas a partir dos talos de Cannabis sativa eram produtos
valiosos, assim como as madeiras resistentes e as resinas encontradas no interior do
território brasileiro. Em início março de 1784 escreveu no seu diário
Embarquei pelas 10h. da manhã, na diligencia de descobrir sitio apropriado para a plantação de
Linho Cânhamo, na Conformidade das Ordens, com que fui instruído pelo Ministério. E achando na
distancia de 1 leg. e ½ abaixo da Cidade, alli me demorei em mandar roçar o mato e plantar o
referido linho até 3 de Março que me recolhi ao Pará (Roteiro de Viagens que fez o Dr. Alexandre
Rodrigues Ferreira no Brasil 1783-1793, vol IX nº 2, Rio de Janeiro: Boletim do Museu Nacional,
1922 apud Simon, 1983:27).
No final de março de 1784 não puderam partir em direção a Capitania do Rio Negro
pela escassez de embarcações apropriadas. Apesar de possuírem algumas canoas, estas
eram usadas apenas para pequenas viagens; não apresentavam capacidade para abrigar o
naturalista e seus assistentes. As remessas de espécimes, desenhos e relatórios para
Martinho de Melo e Castro continuava e Ferreira mencionou a grande extensão do
empreendimento para o qual fora designado e a sua inexperiência para conduzi-la
...os Papeis que V. Exª avaliará como servido, lembrando-se do quão extensa foi a comissão que
confiou de hum só homem, muito novo ainda nos caminhos da Sabedoria útil, e que não so trata de
averiguar Inscripçoens, costumes, Litteraturas, Commercios, Agriculturas, além do pezo enorme das
producções dos 3 Reinos, mas que há de fazer, copiar de tudo copias pª. irem, e para ficarem (Carta
de Ferreira a Martinho de Melo e Castro, 21-III-1784, Belém do Pará apud Simon, 1983:28).
Ao escrever no texto, transcrito acima,
“um só homem”, Ferreira se referiu a ele
mesmo. Sentia o peso da solidão e da
separação de seus colegas. Quando a
expedição foi idealizada era composta
por quatro naturalistas. Por questões
políticas seus companheiros foram
designados para outras colônias, ficando
a expedição que veio ao Brasil, reduzida
a um só naturalista.
Fig 18- Cachoeira Pederneira, acervo do Museu Bocage.
Conforme instruções que recebeu de Portugal, partiu no dia 20 de setembro de 1784
em direção ao Rio Negro, chegando no ano seguinte a 13 de fevereiro de 1785 na sua
embocadura; prosseguiu até Barcelos onde aportou 15 dias depois (Moreira Neto, 1983:22).
Durante o tempo que ficou em Barcelos, Ferreira e sua equipe descansaram e prepararam as
espécies coletadas na jornada Pará-Barcelos; deixaram a região a 20 de agosto de 1785
(Simon, 1983:29).
O período em que permaneceu na região do Rio Negro lhe valeu mais como
iniciação às realidades do ambiente tropical do que as instruções que recebeu de Vandelli.
Ao navegar pelas águas do Rio Negro, comentou que a sua cor era o motivo da sua
denominação “sam de um escuro tão fechado, que parecem um lago de tinta preta; porem
a sua verdadeira cor é de alambre, como se conhece, quando se tomam em um copo
(Ferreira, 1983:593).
Fazia parte de seus relatórios de viagem, anotações sobre as condições encontradas
nas diferentes localidades, que pudessem comprometer as condições de saúde da
população. Na sua passagem pelo Rio Negro, escreveu sobre a má qualidade da água
encontrada
...além da cor de alambre, que mostra em cada uma das suas laminas, também tem um sabor
estíptico, o qual se deixa presente mais em umas do que em outras occasiões; pore, quazi sempre se percebe
na que é tirada dos lagos, e ainda mesmo na que se tira do rio, quando ella sae lodosa [...] este é um rio, aonde
vivem e morrem infinitos quadrupedes, aves, amphibios, peixes, insetos e vermes [...] é um rio bordado de
infinitas plantas, cujas raízes, troncos, ramos, folhas, flores, gomas, rezinas e gomas-rezinas incessantemente
fermentam, apodrecem e se resolvem nos seus principio, como sam os saes, os óleos e as terras, que as
compoem (Ferreira, 1983:594).
Fig 19 - Detalhe da vista de Barcelos, acervo Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
Durante a sua formação de naturalista, recebeu noções de química e física.
Navegando pelo Rio Negro, procedeu à análise das suas águas afirmando que substâncias
heterogenias encontravam-se dissolvidas e que se “lançado em um copo de água o alumen
pulverisado, a água perde a côr de alambre, ficando logo hyalina; porém a porção do
alumen, que assenta no fundo, passa a adquirir a mesma côr alambreada, que se via na
água” (Ferreira, 1983:596). Realizou uma segunda experiência destilando a água do rio,
obtendo uma amostra clara e os resíduos no fundo do alambique mostravam a mesma cor
alambreada. Na terceira experiência utilizou gotas de ácido vitriólico e “desvaneceu-se a
cor escura, que tinha, ficando logo hyalina” (Ferrira, 1983:597) Relatou que comprovou a
existência de ferro nas águas do Rio Negro.
Reconheceu que mesmo não sendo de boa qualidade para beber, depois de “tratada”
evitava o aparecimento das obstruções, segundo relatos que coletou dos moradores, que
estavam
costumados a beber a agua de qualquer dos dous rios, ou das Amazonas ou dos Solimões, em
passando para o Rio Negro, ao principio não se fartam d’esta. Confessam, que sam diuréticas, e
ainda sem serem médicos reconhecem, que sam desobstruentes, e que as obstrucções, que padecem
alguns de seus moradores, não só não procedem da água, como em outros rios procedem, mas
chegam a retardar muito o seu progresso pelo uso da água que bebem (Ferreira, 1983:596).
Em fevereiro de 1786, enviou correspondência para o Sr. Antonio Joseph de Araújo
Braga, cirurgião encarregado do curativo dos empregados da quarta divisão de demarcação
de limites do Rio Negro, com quem trocou cartas, dividindo as preocupações quanto às
enfermidades e os procedimentos terapêuticos da localidade, sendo elas as
...
febre quotidianas, terçans e quartans, com as mais intermittentes, verdadeiras, espúrias, não n’esta
villa, mas nos rios confluentes da parte superior d’este em que estamos: e geralmente as cephalalgias,
hemecraneas, ophtalmias, odontalgias, cardialgias; alguns estupores, os pasmos, os catarrhaes, as
obstrucções das vísceras, a hydropisia, a palpitação do coração, as lombrigas, os fluxos do ventre, o
tenesmo, a cholera, a desynteria, o fluxo hepático, as ulceras, e inflammação do annus, e na classe
das contagiosas, asbexigas, o sarampo, a qualidade céltica, as empigens, os herpes militares, etc, as
quaes todas eu tenho observado [...] Digne-me instruir-me não só na qualidade das enfermidades,
que há seis annos a esta parte tem observado na capitania, mas também na dos corpos dos naturaes,
ou sejam animaes, ou plantas, ou mineraes; os quaes applicados ao corpo humano primeiramente, e
depois d’elle ao dos animais úteis, ou lhes conservam a saúde, si estão sãos, ou os que restituem a
ella si estam enfermos. Confio também, que não duvidará Vmc. comunicar-me a historia dos
venenos s seus anatidotos (Ferreira, 1983:744).
Ferreira se preocupou não só com o curativo imediato das enfermidades, como
também, com possíveis medicamentos usados para a sua prevenção. Sua atenção estava
voltada para a vulnerabilidade dos índios e negros que se mostravam mais suscetíveis aos
contágios de bexiga e sarampo, como assim o
provam muitas e muitas antigas memórias d’este estado. O muito óleo de que n’elles abunda a
membrana adiposa assim como serve de modificar a acromonia dos líquidos nos paizes quentes,
donde são naturaes [...] além d’esta razão há outras muitas, que n’elles concorrem, e os habilitam
para os ditos contágios. Concorre a má vida que levam sempre occupados em violentos trabalhos, os
quaes servem de lhes dissipar a porção mais espirituosa do sangue: concorrem os peiores alimentos
de que usam os quaes por mais breves que sejam as viagens, nunca passam das carnes e do peixe
mais podre, do que salgado, e ás vezes tão podre que nem o cheiro de póde tolerar dentro das canoas:
concorre a exposição do corpo ao ar ambiente, porque sempre andam nus e deste modo sujeitos ás
impressões do sol e da chuva, do calor, e da humidade; e finalmente concorre o uso das bebidas e dos
licores espirituosos, os quaes lhes debilitam os sólidos e os fluidos, deixando-os sujeitos a todas as
classes de enfermidades que procedem daquella causa (Ferreira, 1983:748-749).
Os relatórios de Ferreira eram escritos
como boletins técnicos, notando-se
algumas vezes ironias nas suas
observações. Eram de extrema valia uma
vez que descreveu a população local e os
seus assentamentos, sua agricultura e
produção, a atuação da Igreja, as
atividades entre a população residente e
algumas vezes, a história recente da
região (Simon, 1983:31). No dia 17 de
janeiro de 1786, Ferreira escreveu de
Barcelos para o governador do Estado do
Pará, o Sr. João Pereira Caldas
[...] Quanto á população, pelo mappa d’este titulo, verá
Vossa Excellencia a somma total dos moradores brancos,
índios aldêados, e pretos escravos. Moradores brancos são
n’este logar bastantes, tem índios de diversas nações,
entre os poucos que o povoão; são Manáos, Barés,
Carajahis, Japiúas, Baniúas, Jaruna, etc. Fallecidos n’este
anno são 18, até ao mez de Agosto andavão auzentes 15,
e esta, com a falta dos índios empregados nos serviços,
influem quanto podem no atrazamento da agricultura
(Ferreira, 1983:61-62). O mappa da população [...] na
freguezia de Nossa Senhora do Monte do Carmo de logar
de Moreira, do dia 1º de janeiro 1786:
dos índios, dos moradores adjuntos e escravos .....................................276
dos índios ...............................................................................................184
dos moradores adjuntos ...........................................................................63
dos escravos .............................................................................................29
dos fogos ..................................................................................................25 (Ferreira, 1983:65).
Ainda na mesma carta, segue
comentando o interesse dos índios na
agricultura, que consistia basicamente de
mandioca e café e enfatizou que
esta gente não é tão falta, como se pensa, das idéas de interesse; o ponto esta em da nossa parte
sabermos fomental-as. Vêem, que o café é gênero lucrativo para os brancos, e elles que já estimão a
camisa de bretanha com seus punhos, o calção de tafetá encarnado, o chapèo á nossa moda, sob pena
de não irem á missa nos dias de preceito, quando se envergonhão de não terem a tal farça, elle, digo
eu, não deixam de trabalhar o que podem, e o que se lhes permi te, para a adquirirem. Fallo dos
índios aldêados nas povoações aonde nascerão, e observárão desde pequenos a policia portugueza
(Ferreira, 1983:62).
Ao analisar a agricultura do local
ressaltou que a terra podia produzir
mandioca, arroz, feijão milho, algodão e
café, mas com pouco rendimento, pois o
“trabalho a fazer é muito, e a preguiça
muito mais; porque os esforços dos que
não são preguiçosos encontrão a falta de
braços de que necessitão; porque dos
preto, que entrão no Estado não se fião
alguns aos lavradores capazes de os
pagar, como Vossa Excellencia fez fiar,
para que esta capitania, durante seu
governo, no intuito de promover a
cultura e manufactura do anil”(Ferreira,
1983:64). Aconselhou não ser prudente
investir dinheiro e mão de obra para a
comercialização das drogas do sertão
(remédios), uma vez que era mais
vantajoso empregá-los nas culturas do
arroz, café e algodão, que produziriam
lucro certo.
Em outros relatórios dedicou comentários
à incompetência dos oficiais locais; aos
problemas de assentamento dos índios e à
ausência de uma política que as
solucionassem; comparou a agricultura e
o comércio com a experiência anterior da
colonização portuguesa. Acreditava que a
decadência no interior do Brasil era
decorrente de atitudes de enriquecimento
rápido provocadas pelo descobrimento de
minas de ouro e a má vontade de
trabalhar; pela falta de responsabilidade
generalizada e por interesses egoístas.
Relacionou Portugal e suas colônias à
Espanha e suas colônias, demonstrando
que ambas forneceram grandes riquezas à
Inglaterra (Simon, 1983:32).
Através de diários e fontes impressas,
apresentou sua concepção sobre a captura
de nativos. Estava familiarizado com os
decretos da Coroa concernentes à
libertação dos índios e à expulsão dos
jesuítas em 1759. Percebeu que os
nativos eram explorados e que pouco
esforço era realizado pelos portugueses
para “civilizá-los”. Compartilhou com a
Coroa o ideal de integrá-los na vida
colonial: igreja, governo e quem sabe em
uma economia comercial. No entanto o
contato com a “cultura branca” trouxe
resultados desastrosos para esses povos,
com dizimação de grandes contingentes,
provocados por doenças, para as quais
não tinham resistência alguma. Durante a
sua permanência no Brasil observou os
costumes dessas populações, estudando
suas atividades cotidianas, as suas
vestimentas e formulou uma breve idéia
da sua religião, das plantas medicinais e
práticas de cura, descrevendo essas
atividades em relatórios que enviou à
Real Academia de Ciências de Lisboa.
Quando Ferreira desembarcou em
Portugal como estudante, a escravidão e a
importação de escravos tinham sido
abolidas em Lisboa (1761). A idéia de
alguns economistas da época era que não
deveria haver racionamento de escravos
negros empregados na agricultura e na
mineração, quando estas fossem de
importância econômica. Ferreira aceitou
que a base da agricultura na Amazônia
estava baseada na mão-de-obra escrava
africana e manteve anotações cuidadosas
dos seus contingentes. Criticou a pouca
utilização desses indivíduos nas lavouras
lucrativas e apontou que eram
empregados no plantio de mandioca,
arroz, milho e roças de subsistência.
Fig 20 - Índio Mura do rio Negro, acervo Museu Bocage.
No tempo que permaneceu em Barcelos escreveu, estudou e preparou espécies que
foram enviadas a Lisboa. Realizou algumas expedições por terra, efetuou observações
botânicas, zoológicas e geológicas. No dia 18 de agosto de 1786 remeteu de Barcelos para
Lisboa sete caixas grandes e dois barris, contendo amostras da flora, fauna e minerais;
ornamentos indígenas e objetos de trocas comerciais usados pelos índios da região do alto
Rio Branco. No seu inventário descreveu que alguns dos ornamentos usados pelos índios
Parauana foram obtidos de trocas realizadas com os holandeses do Suriname. Mesmo
adoentados durante a permanência em Barcelos, seus assistentes desenhistas Freire e
Codina, produziram mais de quatrocentas aquarelas (Simon, 1983:39).
Os esforços de Ferreira e de seus assistentes não foram considerados satisfatórios
em Lisboa. Em uma carta que recebeu a 31 de outubro de 1787, foi repreendido pelo
Ministro Martinho de Melo e Castro por não ter enviado quantidade satisfatória de
espécimes. O Ministro não demonstrou satisfação com os quatro primeiros anos de viagem
da equipe ao Brasil e não aceitou as explicações de Alexandre Rodrigues Ferreira quanto à
demora de quase um ano para partir de Belém do Pará em direção ao interior do país. A
resposta de Ferreira ao Ministro Melo e Castro, em 11 de fevereiro de 1788, demonstrou o
seu descontentamento por não ser chamado de volta a Lisboa, depois de passar quatro anos
e meio no Brasil. Ao invés de retornar a Portugal, recebeu ordens para seguir para Vila
Bela, a capital da Capitania de Mato Grosso (Simon, 1983:41).
A vila de Barcelos foi por três anos a sua segunda base de operação e compreendeu
a subida daquele rio até a fortaleza de São José de Marabitanas e a entrada do vale do Rio
Branco, até o forte de São Joaquim. Durante este período pretendeu explorar o rio Japurá,
mas não recebeu aprovação do Ministro Martinho de Melo e Castro. Alexandre Rodrigues
Ferreira e sua comitiva cumpriram as ordens régias e deixou a Vila de Barcelos a 27 de
agosto de 1788 em demanda do rio Madeira, rumo à Mato Grosso, em uma viagem longa e
acidentada (Adonias, 1986:16).
Mato Grosso Português
Oito meses se passaram desde que recebeu e cumpriu a ordem de deixar Barcelos e
rumar para Vila Bela. Ferreira requisitou homens, suprimentos e canoas para sua viagem.
Precisou de remadores índios, alimentos para no mínimo oito meses, material para seus
desenhadores e medicamentos para a sua farmácia portátil. Como considerou o trajeto
perigoso e de risco, solicitou a presença de um capelão para ministrar “remédios
espirituais”. Após treze meses de viagem chegou a Vila Bela, a 3 de outubro de 1789.
Além das dificuldades naturais oferecidas pelos acidentes geográficos (cachoeiras e
corredeiras), Alexandre Rodrigues Ferreira de deparou com a falta de alimentos e
enfermidades. O primeiro a adoecer foi o desenhador Codina, logo a seguir o próprio
Ferreira juntamente com Freire. A enfermidade foi de tal gravidade que impediu os
riscadores de documentar este trecho da expedição. Freire foi o que mais padeceu,
acometido por sezões, corrupção, sarna e disenteria.
Poucos dias depois da chegada a Vila Bela, o jardineiro botânico Agostinho
Joaquim do Cabo, que foi seu assistente durante muitos anos nos Jardins do Palácio da
Ajuda, morreu de febre. Os demais membros de sua equipe se recuperaram e descansaram
da longa viagem.
Fig 21- Planta de Vila Bela da SS Trindade, acervo Museu Bocage.
Na ocasião, o Governador da Capitania
de Mato Grosso, Luís de Albuquerque de
Melo Pereira e Cáceres foi informado da
expedição, que envolvia a exploração dos
domínios territoriais sob seu comando, a
quem o naturalista recorreu para receber
tudo o que necessitou para dar
continuidade aos seus trabalhos. Ferreira
utilizou a biblioteca do Governador, para
concluir seus relatórios e teve
oportunidade de discutir com ele
adversidades da viagem. Distante de
localidades mais populosas e com poucos
recursos a oferecer, Luis de Albuquerque
se empenhou para que Ferreira e sua
equipe partissem o mais breve possível
para Cuiabá. Vila Bela foi à base de
Alexandre Rodrigues Ferreira, durante o
período que permaneceu em Mato
Grosso.
Em Vila Bela, Ferreira escreveu um detalhado estudo de história natural
“Observacoens Geraes e Particulares, sobre a Clase de Mammaes observados, nos
Territórios dos Rios das Amazonas, Negro e da Madeira; Com as descripções
circumstanciadas que, de quazi todos elles, derão os antigos e modernos Naturalistas e
principalmente com a dos Tapuyas” (Simon, 1983:43). A sua monografia sobre
Enfermidades de Mato Grosso, também foi redigida naquela cidade.
No dia 28 de junho de 1790, Ferreira partiu de Vila Bela em direção à Cuiabá, chegando ao arraial das Lavrinhas no dia 4 de
julho. Deteve-se na localidade por alguns dias. Na ocasião foi informado da existência de uma gruta nas proximidades,
denominada Gruta das Onças. Movido pela curiosidade de examiná-la, no dia 14 juntamente com seus desenhadores partiu
em sua direção, chegando ao local após quatro dias de viagem. A complexidade da viagem por terra não era menor do que as
empreendidas pelos rios, como observou no seu relato
Depois de ter marchado a pé, como disse, boas onze léguas de mato áspero e trabalhoso,
forçando a minha constituição a suppotar aquellas fadigas, com que ella hoje não se atreve:
depois de na referida gruta me haver demorado a examinal-a em jejum, desde as seis até as dez
horas da manhã de 19; o que então não pude fazer de outro modo, senão mettido na água a
aos joelhos: e depois de se me molhar todo o corpo e roupa que trazia, por occasião de uma
súbita trovoada com friagem, que n’essa mesma noite nos sobreveio, não tendo eu ceado outra
cousa mais que um pouco de palmito cru, pulverisado de sal moido: era forçoso que a tantas
causas juntas se seguisse algum de seus effeitos. Seguiu-se-me o de uma constipação das da
primeira ordem. Eu não a pude logo tratar como convinha, porque nem mantimentos já então
haviam, quanto mais medicamentos! Conseqüentemente com a continuação da viagem foi a
moléstia ganhando dobradas forças, passando eu a experimentar os effeitos de uma perniciosa,
que ainda me resituiu semivivo ao arraial das Lavrinhas, aonde cheguei pelas quatro horas da
tarde de 21 (Ferreira, 1874:94).
Fig 22- Gruta das Onças, acervo do Museu Bocage.
Em Lavrinhas foi atendido pelo Capitão Guarda-mór Manoel Veloso Rabello de Vasconcelos que empregou em seu socorro
tudo quando possuía de conhecimentos médicos e
nenhum remédio omitiu dos que lhe pareceram úteis. Até dia 27, pouco sei dizer por
experiência própria [...] Procederam os diaphoreticos, passou-se aos eméticos e purgantes,
deram-se-me os diluentes, adoçantes e refrigerantes, nem esqueceram a quina e os absorventes;
e ainda assim (informoa-me ele depois) que nenhum crescimento tive de menos de 20 horas;
que o do sétimo dia excedêra o termo de 24, que de 19 em 19 pulsações se me extinguia
absolutamente o pulso, que todas as minhas extremidades estavam convulsas; pelo que se havia
resolvido o
desenhador José Joaquim Freire a participar a S. Ex. o perigoso estado em que me
achava
(Ferreira, 1874:95).
A expedição permaneceu no território de
Mato Grosso até 6 de fevereiro de 1792,
quando Alexandre Rodrigues Ferreira
considerou concluída sua missão no
Brasil, retornando a Belém do Pará. Em
14 de outubro de 1792 regressou a Lisboa
(Moreira Neto, 1983:33). Antes de deixar
o Brasil, casou-se com Germana Pereira
da Cunha e Queirós, filha de Luís da
Cunha, um agricultor que conheceu no
período em que estivera em Belém
(1783-1784) (Simon, 1983:47).
A Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira foi uma árdua jornada. A
natureza desta tarefa teve muitas facetas, ficando difícil determinar aonde obteve maior
êxito e quais deixaram de ser cumpridas. Lendo seu diário, nota-se a diversidade de
interesses que focalizou. Talvez a intenção da expedição fosse descrever os assentamentos
dos portugueses no interior do Brasil. Se o propósito foi esse, tinha a dupla intenção de ser
um estudo científico rigoroso e servir como justificativa para os portugueses reclamarem
para si as áreas de fronteiras, pertencentes à Espanha e às Guianas. Seus relatórios
detalhados aos governadores do Pará, São José do Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá,
forneceram detalhes de regiões remotas, informações estratégicas, indicação de recursos
naturais, assim como a possibilidade de instalação de futuros assentamentos e defesa.
Por ocasião da sua estadia na Capitania de Mato Grosso escreveu uma monografia
sobre as enfermidades mais freqüentes, apresentando os métodos de cura europeus e
americanos, sempre enfatizando os aspectos constitucionais e ambientais no prognóstico e
evolução da doença.
Fig 23 – Plano da Villa de Bom Jesus de Cuyabá, acervo do Museu Bocage.
A colonização da Amazônia e particularmente do Pará, até a metade do século
XVIII, sintetizou-se nos seguintes números: uma cidade, Belém; quatro vilas, Vila Souza
do Caeté, Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá, Gurepá e Nossa Senhora de Nazaré da
Vigia; nove fortificações e cerca de sessenta estabelecimentos missionários entre
aldeamentos de índios e fazendas (Magalhães, 1999:188).
O projeto de colonização sustentou a posse do território salvaguardando os seus
limites de outros europeus; considerou como seu algo que de fato não dominava
completamente. A alegada posse do território pressupunha domínio do “habitante natural” e
este se negou a tal sujeição; e o território não estava totalmente explorado. A Coroa
procurou controlar as passagens dos rios, mas dispunha de poucos mapas que indicassem os
seus percursos. O tratado de Madri veio confirmar a necessidade de demarcação do
território colonial, posteriormente alterado com o Tratado de São Idelfonso.
A coerência do projeto pombalino de “restaurar” a Amazônia se sustentou na
convicção de que a região tinha entrado em profunda decadência física e moral, denunciada
pela pobreza generalizada das populações, pela falta de progresso econômico e pelo
conflito latente entre os habitantes naturais e do Reino, situação esta que urgia mudar, no
interesse efetivo do aproveitamento racional do território, segundo o conceito iluminista de
“felicidade dos povos”. Em outro sentido, mais claramente político, restaurar era também
recuperar para o controle efetivo da Coroa a região que lhe pertencia de jure, mas que de
fato pouco conhecia e pouco lhe rendia em termos econômicos (Magalhães, 1999: 190).
Intervenções contínuas sobre o território amazônico foram coordenadas durante toda
a segunda metade do século XVIII, transformando o quadro político, econômico e cultural
da região. Também à expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira foi requisitada a tarefa de
descrição e mapeamento político-econômico do território.
As exigências político-militares de demarcação e a realização de um sistema
defensivo previam a exploração e levantamento cartográfico do território; estudo de fauna e
flora; a experimentação de novas culturas; a utilização e o aproveitamento racional de
recursos naturais através de uma rede de cidades e aldeias de fundação nova, a restauração
das povoações antigas e a mudança da força de mão-de-obra de áreas que não eram
lucrativas para outras produtivas ou estratégicas (Magalhães, 1999:198).
Regressando a Portugal, Ferreira esperou encontrar um cargo que recompensasse o
esforço de dez anos de viagens pelo Brasil. Vandelli tinha interesse no reconhecimento do
sucesso da expedição, justificando os investimentos que a Coroa havia feito em prol das
ciências na Universidade de Coimbra e nos Jardins do Palácio da Ajuda, assim como
aumentaria seu prestígio pessoal nos meios acadêmicos da Europa.
Ferreira foi nomeado, a 11 de setembro de 1795, Vice-diretor interino do Museu
Laboratório e da Casa dos Riscos do Jardim do Palácio da Ajuda. Podia iniciar seus estudos
com as espécies que trouxera do Brasil, pois tinha a biblioteca, os laboratórios de química,
os jardins, os trabalhos dos artistas e o staff à sua disposição (Simon, 1983:50). Suas
tarefas no Museu compreendiam a administração, supervisão e proteção das coleções
acumuladas.
A partir desta data, os trabalhos de Ferreira parecem ter sido exclusivamente
dedicados ao Museu de História Natural, pois não existem registros de outros memorandos
à Real Academia de Ciências de Lisboa (Simon, 1983:51).
O Jardim do Palácio da Ajuda serviu de conexão entre Portugal e seus territórios de
Além-mar e o Norte da Europa, especialmente o Jardim Botânico Kew de Londres.
Forneceu espécies e sementes coletadas na África e no Brasil e permitiu que naturalistas
europeus estudassem espécies tropicais raras.
A Coroa tinha um grande interesse em divulgar o Jardim do Palácio da Ajuda e o
Museu de História Natural para o resto da Europa. Durante o reinado de D.José I e do seu
Ministro, o Marquês de Pombal, a intenção era igualá-lo aos de Londres, Paris e Viena. O
Príncipe Regente D. João mantinha o interesse em continuar patrocinando a ciência em
Portugal.
A família de Ferreira cresceu concomitantemente às suas honras e
responsabilidades. No dia 9 de setembro de 1795 foi batizado seu filho Germano; sua filha
Maria das Mercês no dia 4 de outubro de 1801 e sua segunda filha Guiomar Joaquina, no
dia 15 de setembro de 1807, tendo como padrinho Domingos Vandelli. Antes do
nascimento de sua segunda filha, no dia vinte e quatro de junho de 1807, foi nomeado para
ocupar um cargo na Real Junta do Comércio. Recebeu esta colocação como recompensa
pelos serviços prestados no Brasil. Ao receber a nomeação solicitou ao Príncipe Regente
que Vandelli ocupasse o lugar, por estar com sua saúde debilitada. É difícil determinar
quando parou de exercer suas atribuições, passando a receber somente os vários salários
acumulados (Simon, 1983:54).
Alexandre Rodrigues Ferreira, assim como seus assistentes, estiveram doentes em
várias ocasiões durante a expedição pelo Pará, Rio Negro e Mato Grosso. Se a expedição
terminasse em 1786, o desenhista Codina e o jardineiro botânico Cabo, não teriam morrido
no Brasil. Das afecções mais freqüentes nos trópicos Ferreira apresentou doenças de pele,
problemas gastro intestinais, infecções bacterianas, desinteria amebiana e possivelmente
carências nutricionais. É provável que as moléstias neurológicas que se manifestaram
posteriormente fossem resultado de uma combinação de várias dessas patologias.
Simon (1983:56) relatou que durante o período da ocupação francesa em Portugal, o
acervo das bibliotecas particulares, da Igreja e da Nobreza, assim como as “melhores”
espécies e manuscritos do Museu de História Natural do Palácio da Ajuda, foram levados
para a França como espolio de guerra. O valor dessas coleções portuguesas eram
conhecidos na França, Alemanha, Espanha e Escandinávia, mesmo antes de Étienne
Geoffroy Saint-Hilaire (1772-1844) leva-los ao Museu de História Natural de Paris.
Domingos Vandelli permutava espécimes com naturalistas de vários países para que
examinassem as coleções da Ajuda. Em 1802 os franceses ofereceram trocar espécies com
os portugueses na tentativa de estabelecer uma concordância para a classificação da flora
brasileira, usada no Jardin dês Plantes de Paris e no Jardim do Palácio da Ajuda. O
inventário dos itens selecionados por Saint-Hilaire mostrava que foram cuidadosamente
selecionados, enviando para Paris apenas amostras de espécies que não estavam
representadas no Museu de História Natural de Paris. Os franceses estavam autorizados a
levar estas coleções sob os termos da Convenção de Sintra. As espécies levadas
comprometeram o acervo geológico e mineral de Ferreira, da flora e da fauna brasileira
assim como da coleção da África e específica de Portugal.
Após esta pilhagem, o Museu da Ajuda se encontrou em um estado de total
desordem. A coleção de Ferreira era enorme e mesmo após a retirada de Saint-Hilaire, que
recebeu o crédito por nomear algumas espécies que certamente foram levadas da Amazônia
e de Mato Grosso, restou uma quantidade de itens consideráveis em Lisboa e na
Universidade de Coimbra.
Vandelli costumava enviar espécies coletadas por seus discípulos para seus
correspondentes no Norte da Europa, utilizando as novas descobertas para escrever as suas
memórias para a Real Academia de Ciências de Lisboa (Simon 1983:57). Mesmo sendo
responsabilizado pelo acesso de Saint-Hilaire ao Museu da Ajuda, possivelmente os
franceses conseguiriam as amostras desejadas sem a sua ajuda. Vandelli, em mais do que
uma ocasião utilizou a coleção de Ferreira para seus estudos sem lhe dar o merecido
crédito. Em 1810 Vandelli foi exilado de Portugal por ser considerado suspeito de colaborar
com os franceses.
Ferreira não publicou nenhum dos seus relatórios brasileiros durante a sua vida.
Apesar da existência dos diários de viagem ao Rio Negro, Rio Branco e Rio Madeira,
possivelmente estes não foram escritos para ser divulgados. Suas memórias não foram
traduzidas para nenhuma outra língua. Provavelmente seu trabalho estava destinado para
estudo exclusivo do Ministério Ultramarinho. O memorando escrito em Vila Bela (1790)
sobre mamíferos, tinha intenção editorial. Ferreira almejava uma referência bibliográfica
completa para preparar a publicação de seus trabalhos (Simon, 1983:58). Sua monografia
sobre as Enfermidades Endêmicas de Mato Grosso foi utilizada por outros viajantes que
percorreram a região posteriormente.
Seu trabalho deve ser avaliado considerando-se o contexto da época. Alexandre
Rodrigues Ferreira foi fruto do Iluminismo Português e das Reformas Pombalinas. Sua
educação foi o que melhor Portugal podia prover na segunda metade do século XVIII.
Capítulo II
A arte dos setecentos: exótica e informativa
Fig 24 – Desenhador de história natural, acervo Museu Bocage.
Ela (pintura) sabe dar também hum especial socorro a muitas sciências úteis; porque desenha os planos à arquitectura, expõe à Medicina,
e à Cirurgia a textura, e a conformação de todas as partes do corpo humano, e de todos os fenômenos da Natureza.
Cirillo Wolkmar Machado, Conversações, Lisboa 1794.
O treinamento no meio acadêmico nos
leva a ficar mais à vontade com os
documentos escritos. Conseqüentemente
não estamos acostumados a lidar com
material visual, muitas vezes utilizado
apenas de maneira ilustrativa, sob
aspectos que podem parecer ingênuos ou
corriqueiros. Algumas coleções
iconográficas têm proporcionado valiosas
contribuições à nossa visão de passado,
usando as imagens em um contexto mais
amplo. Essa dificuldade não continuaria a
existir se fossemos informados do
pensamento, da concepção e da
percepção do artista e da abordagem
histórica do material visual.
O uso da pintura e do desenho como ilustração, prova e arquivo documental faz
parte da constituição da ciência. Nos faz olhar mais atentamente para aquilo que vemos,
mostrando que a observação é uma seleção consciente de dados, considerados significativos
na multiplicidade de elementos que se apresentam como fortuitos ou mero pano de fundo
para o observador. Nesse sentido, os materiais iconográficos freqüentemente nos dizem
mais sobre o observador, apresentando, por isso, um duplo interesse: como informação
sobre o objeto e como atitude social e psíquica em relação a ele (Alegre, 2004:86).
A imagem é tomada para revelar seus limites de entendimento cultural e as idéias
em seu interior. A contribuição para o estudo que o material visual trás é a discussão da sua
produção e o seu consumo como atividades sociais, econômicas e políticas (Gaskell,
1992:269).
Um objeto de arte tem seu momento único de criação e confecção. É o momento em
que as idéias e o que se vê tomam forma e são convertidos em produção material. Os
significados e as intenções podem ser alcançados por métodos, material e técnicas
utilizadas. Mas só o artista saberá se as suas intenções foram compreendidas e se os seus
significados se perderam ou foram mal interpretados.
A imagem não corresponde ao que se tem diante dos olhos. É sempre uma presença
em ausência, um meio de expressão de que se valeram os viajantes naturalistas. Um dos
seus fundamentos é a sua possibilidade de desprendimento da forma e a capacidade de
flutuação, sem a qual não se pode falar em imaginário.
As aquarelas produzidas durante a
Viagem Filosófica de Alexandre
Rodrigues Ferreira são um testemunho e
um empenho para mostrar um
entendimento mais largo do Brasil
Central setecentista. Romperam um
aspecto meramente positivista dos
interesses acadêmicos, políticos e
econômicos da época. Reconhecer nossa
terra, suas luzes, frutos, animais e povos
na obra deste naturalista “aventureiro” a
serviço do Estado, na saga de conquista,
descobrimentos e saberes tornam-se um
estímulo para futuros trabalhos de
“redescobrimento” deste Brasil Central.
A natureza foi motivo de fascínio para viajantes e colonizadores que
desembarcaram no Brasil entre os séculos XVI e XVIII. Esses homens detiveram-se em
descrever os habitantes da terra, as plantas, os animais e os minerais com os quais se
deparavam. Motivados por curiosidade, espírito de conquista ou por tentativas de
proporcionar visões do espetáculo natural, usaram de muita imaginação e poucos
instrumentos para revelar o que viam. As plantas despertaram atenção especial. De diversas
formas e cores, eram usadas como alimentos, veneno ou medicamento. Descrever as suas
utilidades como remédio era o critério para inseri-las em uma ordem natural. Assim os
portugueses foram descrevendo as plantas do novo mundo, sem incentivo ou auxílio oficial,
até o final do século XVIII, quando a Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira
chegou ao Brasil e inaugurou a era das expedições científicas patrocinadas pela Metrópole.
Curar as doenças utilizando plantas não foi prática instituída no “novo mundo”. A
novidade residiu na descoberta de novas plantas, que eram amplamente usadas pelos
nativos da terra. Os cronistas mencionavam e descreviam e depois os cientistas as
classificavam. Plantas que se disseminaram pela Europa, incorporando-se na farmacopéia
vigente.
Identificar, registrar, comparar, classificar, reproduzir e assim formar com a maior
diligência possível uma exata história natural de tão vasto continente, eram os objetivos da
Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Testemunho disso são as aquarelas
guardadas no Museu Bocage (Faculdade de Ciências de Lisboa) e na Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro, de autoria de Joaquim José Codina e José Joaquim Freire.
O olhar saturado pela civilização da imagem foi-se habituando a descortinar, as
características típicas do desenho dos naturalistas do século XVIII, com a sua preocupação
de fidelidade estrita ao pormenor, o seu recorte a isolar seres e os objetos, muitos deles,
regra geral desinseridos de um contexto próprio, com uma técnica específica de colorido, a
restituir o exótico em toda a sua luxuriante variedade. Eram peças que não foram pensadas
para fins de deleite, mas sim para documentar uma expedição com precisas finalidades
científicas e indiretamente geopolíticas e que tinham os seus precedentes numa cadeia
muito antiga de indagações plásticas sobre a Natureza (Moura apud Almaça, 2002:7).
As artes plásticas sempre foram fonte informativa para o estudo da história da
medicina. Telas, murais, afrescos, painéis, vasos iluminados, cinzeladuras, baixos-relevos,
frisos e estátuas, se contam às centenas, saídos das mãos de grandes mestres escultores e
pintores, tendo por objeto cenas que interessam à patologia, ao exercício da profissional, ao
ensino da Arte, à farmácia e à higiene (Nava, 2004:20).
O movimento renascentista que surgiu na Europa entre os séculos XV e XVI foi o
reflexo de um novo comportamento nas relações sociais, manifesto no cotidiano da
sociedade. Apesar de recuperar os valores clássicos na busca das proporções harmônicas,
não foi uma cópia. Adotou os mesmos conceitos, porém aplicados de maneira inovadora à
realidade. O entendimento do mundo passou a ser feito a partir da importância do homem.
O trabalho, as guerras, os amores, as contradições humanas tornaram-se objeto de
preocupação, compreendidos como produto da ação do homem, tornando-se temas para as
expressões artísticas.
Gradualmente o individualismo foi acentuado, apoiado na idéia de que cada um era
responsável pela sua condição de vida e na possibilidade de fazer opções. O naturalismo
aguçou o espírito de observação do homem, dando importância ao estudo da natureza. O
racionalismo foi outra característica, pensando que tudo podia ser explicado pela razão e
pela ciência. A razão controlava tudo e todos. O saber científico era considerado o mais
“evoluído” e com maior poder de penetração na realidade das coisas. O hedonismo
representou o culto ao prazer, a idéia de executar uma obra apenas pelo prazer, produzir o
belo. O universalismo considerou que o indivíduo devia desenvolver todas as áreas do
saber. O homem era a medida e o centro do Universo.
O barroco surgiu nos séculos XVI e XVIII como uma arte que comovia
intensamente o espectador. A igreja surgiu como um espaço cênico, onde os dramas da
salvação humana eram encenados, em uma mistura de arte com catequese. Ao contrário da
arte do renascimento, que pregou o predomínio da razão sobre os sentimentos, ocorreu uma
exaltação das emoções e a religiosidade foi expressa de forma dramática, intensa. Existiu
uma retomada do espírito religioso e místico da Idade Média, ressurgindo a visão
teocêntrica do mundo.
No decorrer do século XVIII extinguiu-se o mundo aristocrático e absolutista que
durante séculos dominava a Europa, determinando as formas políticas, os costumes, o
pensamento filosófico e a estética.
Com o movimento iluminista surgiram as idéias modernas de razão, natureza,
liberdade e busca da felicidade. A eclosão da Revolução Americana (1776) na segunda
metade do século XVIII garantiu a independência e o direito à autodeterminação dos
territórios ingleses de além-Atlântico e depois, a Revolução Francesa (1789), com a
execução do Rei e a abolição de privilégios feudais seculares, assinalaram simbolicamente
o início do mundo contemporâneo. Em Portugal, o Marquês de Pombal viu o iluminismo
como o promotor da "civilização" geral dos portugueses, difundindo o gosto pelo belo,
propiciando meios de melhoramento dos ofícios e artes fabris.
Na primeira metade do século XVIII, a arte ilustrou os modos de viver da
aristocracia, decorou os palácios e parques de acordo com o estilo rococó, conhecido
também como “estilo regência”, que se desenvolveu a partir de 1715. Refletia o
comportamento da elite francesa de Paris e Versalhes, empenhada em traduzir o fausto e a
agradabilidade da vida. Existia uma alegria na decoração carregada, na teatralidade, na
refinada artificialidade dos detalhes, sem a dramaticidade pesada nem a religiosidade do
barroco. Havia um exagero, se comemorava a alegria de viver, um espírito que se refletia
inclusive nas obras sacras onde o amor de Deus pelo homem assumia a forma de infinitos
anjinhos rechonchudos. A pintura estava presente nos tetos e nas escadarias, ampliando
ilusoriamente os espaços arquitetônicos, num estilo mais leve e efêmero. As alegorias
solenes foram substituídas por cenas pastoris, por temas eróticos e sensuais, que exaltavam
a busca do prazer por parte de uma classe social que atingiu o limiar do seu declínio
(Sproccati, 1999: 100).
Com o avanço das idéias iluministas afirmaram-se os valores da experiência e da
razão e o público da literatura, dos jornais e da arte se alargou à burguesia e a intelectuais
de diversas origens sociais. As artes passaram a ser consideradas fonte de desenvolvimento
e progresso.
Ocorreu uma revalorização da técnica e grande número de artistas passou a utilizar a
“câmara escura”, um instrumento equipado com lentes e espelhos que permitia refletir a
imagem do mundo exterior e seguir seus contornos com exatidão. São qualidades da pintura
setecentista a atenção centrada nos costumes da sociedade e a estigmatização de certos
caracteres, o interesse pelo teatro, pelas máscaras, o gosto pela crítica irônica e participante
(Sproccati, 1999: 101).
Em meados do século XVIII o Neoclassicismo instalou-se na Europa, enfatizando o
Belo, o Ideal, o Absoluto e o Eterno. Concomitante com as descobertas arqueológicas de
Pompéia, em Roma e Atenas, a arte adquiriu uma nova forma. Os achados foram
catalogados e analisados histórica e estilisticamente. A História da Arte e a Estética
surgiram como disciplinas. Os valores ligados às civilizações clássicas, grega e romana,
eram considerados modelos de inspiração na vida e na arte. O neoclassicismo propagou-se
por toda a Europa mostrando que a arte participava das mudanças sociais, na moralização
dos costumes, no advento das revoluções, numa nova concepção do belo. Os artistas fugiam
dos temas medievais e exóticos, voltando-se para temas do dia-a-dia. As obras adquiriam
um caráter narrativo, histórico e literário. Nas Américas as formas neoclássicas eram
consideradas as mais apropriadas para exprimir valores inéditos que iam se afirmando. Os
edifícios representativos do Estado e as casas adotaram modelos de templos gregos, com
tímpanos, pronaus e colonatas, em cujos capitéis o acanto clássico é substituído pela folha
de tabaco ou milho (Sproccati,1999: 103).
Em meados do século XVIII o panorama artístico português encontrava-se dividido
entre duas correntes de origem e características diversas: o tardo-barroco de influência
italiana, que havia dominado o período anterior do reinado de Dom João V (1706-1750) e
as novas tendências do rococó internacional, nas vertentes francesa e germânica. O
chamado “estilo pombalino” introduzido na reconstrução de Lisboa após o terremoto de
1755 situou-se na primeira destas correntes, desenvolvida paralelamente às manifestações
da segunda, que definiu diferentes escolas regionais em Portugal e no Brasil, entre as quais
ocuparam lugar de destaque as do Minho e Minas Gerais (Rodrigues, 1999:223).
Os últimos decênios do século XVIII assistiram a um processo de simplificação das
formas, a uma procura do essencial em todos os domínios da arte. Um estilo sóbrio que
desenha o cenário de um mundo renovado, já não habitado por cortesãos, mas por cidadãos
(Sproccati, 1999:104).
A arte como forma de registro de diferentes sociedades sempre existiu. Os registros
de plantas, animais e habitantes do Brasil, desde o século XVI se tornaram principal fonte
de consulta científica sobre os seres vivos tropicais. Não atraíam apenas o interesse da
comunidade científica européia. Elas influenciavam os modos de ver, pensar e representar o
continente americano, inaugurando um novo imaginário sobre a natureza e seus habitantes.
Em muitos mapas desenhados ao longo da Idade Média era possível notar na mesma
latitude da Irlanda, uma ilha com forma semelhante a uma castanha de caju, pintada em
vermelho. É a ilha Brasil (ou Bersil, O’Brazil, O’Brassil, Bersil, Brazir ou Breasail), uma
das mais insistentes presenças criadas e divulgadas pelo rico imaginário geográfico
medieval. Brasil, enquanto nome de madeira (Caesalpinia sappan, no oriente e Caesalpinia
echinata no Novo Mundo) nada tinha a ver com essa ilha, cujo nome tem raízes célticas e é
formado por dois componentes gaélicos: bres e ail, que significava “nobre” ou “bem-
aventurado”. Sua origem estaria associada a Bresal, filho do primeiro rei cristão de
Thormond. Por volta dos anos 480-500, Bresal teria andado em missão nas ilhas de Aran,
recebendo depois o nome de São Brecan. Durante séculos em Aran, acreditou-se em uma
ilha “afortunada” que a cada sete anos surgia e desaparecia em meio a densos nevoeiros. A
crença sobreviveu ao tempo, havendo registros de mais de mil anos depois da missão de
São Brecan. A representação mais remota da ilha Brasil está em uma carta náutica do
genovês Angelino Dalorto (1325), onde ela foi situada em latitude correspondente ao
sudoeste da Irlanda (Miceli, 2002:72).
Fig 25 - Ilha Brasilis, uma ilha com forma semelhante a uma castanha de caju,
na mesma latitude da Irlanda.
O nome América foi adotado em 1507 pelo cartógrafo alemão Martin
Waldssemüller, ao construir um novo planisfério, que incluiu pela primeira vez a terra
recentemente encontrada (Belluzzo, 2000:18). O nome do lugar nasceu do desejo de
superar o âmbito lendário, instaurado pela suposição da existência utópica de ilhas e
passagens, pela descoberta de terra firme e pelo encontro de um continente habitado. A
idéia de um novo mundo até então desconhecido era diferente da representação constituída
que predominava no mundo europeu da época.
A descoberta das Américas abriu as portas para um novo tempo; somava às já
conhecidas Ásia e África, uma nova porção do globo. Os descobridores buscavam traços
asiáticos nos índios que aqui encontraram, procurando associar o que viam com as
narrativas de outros exploradores medievais, que no século XIII e XIV percorreram a Ásia
e a região do Índico. Todo um universo imaginário acoplou-se ao novo fato, os europeus
procuravam a confirmação do que já sabiam. Numa época em que ouvir valia mais do que
ver, os olhos enxergavam primeiro o que se ouvia dizer; tudo quanto se via era filtrado
pelos relatos de viagens fantásticas, de terras longínquas, de homens monstruosos que
habitavam os confins do mundo conhecido. Aos poucos, as evidências da novidade
cresceram sobre o acervo milenar do imaginário europeu, destruindo sonhos e fantasias. O
pensamento medieval se somou ao aventureiro de uma nova era, a das navegações e das
descobertas, aonde o hábito de ouvir se aliou ao de ver. A serviço da descoberta do mundo,
o olhar começou a crescer sobre os outros sentidos, captando e aprisionando o raro, o
estranho, o singular, que anteriormente havia também captado a atenção do medieval. Os
sentidos deram origem a novas narrativas de viagens (Souza, 2005: 22-23).
Os portugueses pouco influenciaram a formação da geografia fantástica do
Renascimento e dos mitos da conquista, que proliferavam na cultura quatrocentista e
quinhentista sob o impulso das navegações. Grandes navegadores, donos de uma visão
predominantemente pragmática do mundo, deixam transparecer em seus desenhos o teor
mais descritivo e a observação voltada para fins práticos das rotas marítimas. Mestres das
cartas náuticas buscaram a realidade geográfica e as medidas de precisão que lhe permitisse
navegar, mostrando-se menos propensos à elaboração simbólica (Belluzzo, 2000:19).
Fig 26 – Carta cartográfica Del Brasil, Giovanni Battista Albrizzi – 1740.
As histórias de viagens e os escritos sobre terras desconhecidas faziam ecoar outros
textos, assim como re-aproveitavam as imagens procedentes de relatos dos primeiros
viajantes que estiveram no Brasil. Para Thevet (1557, apud Belluzzo, 2000:36) “a natureza
não distribuiu as obras igualmente por todas as regiões”, razão pela qual a criação rara e o
ser desconhecido tornaram-se alvo de sua atenção. As obras da natureza, na sua opinião,
eram coisas grandiosas e variadas, para as quais o homem não encontrava explicação. Na
sua visão, o estranho, o extraordinário, provinha do domínio do Criador. O que também
estava de acordo com a visão humana externa e superficial, o visto pela primeira vez, o
exótico, que advinha do que desperta curiosidade, mas não podia ser entendido. As formas
de saber resumiam-se à interpretação de acordo com os textos ou à adivinhação. O
monstruoso insinuou-se até mesmo em uma “ave de bico tão grosso e comprido como o
resto do corpo” que era o tucano. A presença de deformidades e desvios com relação ao
padrão ideal de proporcionalidade entre as partes do corpo dos animais provocava a
imaginação.
Fig 27- Fera que vive de vento, Frei André Thevet – 1575.
No saber do século XVI a inquietação provocada pelas coisas estranhas feitas pela
natureza, correspondia a uma indagação sobre o lugar dos seres em uma escala de
classificação. A proximidade e a distância, a união ou a separação, entre homens e animais
era, naquele tempo, interpretado por princípio de semelhança.
O olhar lançado pela cultura européia em fins do século XVI e XVII para a terra e
para o índio americano, enquanto objetos de desejo e cobiça, era um misto de curiosidade e
impulso de conhecimento, correspondendo a intenção de posse e conquista.
A primeira conquista européia da América do Sul limitou-se a faixa costeira e junto
aos rios, região que fornecia um grande número de diferentes e adequados recursos naturais
para a ocupação humana. Os nativos viviam como caçadores, coletores, pescavam e tinham
roças de subsistência. Não tinham desenvolvido um sistema de escrita. O conhecimento que
se tem das suas culturas vem das descrições e desenhos dos viajantes, missionários e
administradores coloniais da Europa e mais recentemente das pesquisas arqueológicas e
antropológicas. Os textos históricos eram impregnados de referências culturais, políticas e
religiosas européias, que influenciavam as interpretações do que se via e se praticava.
Debuchos e aguadas
As primeiras imagens sobre a terra americana circularam no início do século XVI,
através das gravuras que acompanhavam as cartas de Américo Vespúcio, difundidas na
forma de folhetins. Além do Atlântico tudo era lenda e por isso o testemunho dos viajantes
passou a adquirir foro de verdade e as imagens que suscitavam eram tidas como evidências.
O grande interesse despertado pelas notícias de viagem foi confirmado pelo
aparecimento de várias edições das cartas em cidades européias. Cada nova versão era
enriquecida por ilustrações encomendadas pelos editores. Sem dúvida, as imagens
brotavam dos textos e mesmo aqueles que admitiam a irredutibilidade do visível à palavra,
não ignoravam as infinitas relações possíveis entre ambos (Beluzzo, 2000:18). Com a
descoberta do novo continente, os europeus foram obrigados a repensar a própria cultura e
rever as bases sobre as quais ergueram a sua visão de mundo.
A literatura que surgiu a partir do encontro da Europa com o continente Americano
e através das viagens foi responsável pela divulgação das representações de um outro
mundo, versados em imagens literárias e visuais, sucessivamente traduzidas e interpretadas.
Documentos chegavam à Europa fornecendo uma visão geral sobre a fauna, a flora
e os habitantes de “remota e muito formosa terra do Brasil” (Dresden s/d, apud Teixeira,
2002: 168) que até então permanecia legendária para a grande maioria dos europeus. A
irresistível atração dos seiscentistas pelo exótico e pelo desconhecido constituía um fio
condutor para interesses acadêmicos e/ou políticos, voltados para a divulgação das
maravilhas do Novo Mundo. Inclusive para uma esfera mais popular, em sua maioria
composta por indivíduos pouco letrados no latim dos eruditos e nas preocupantes e
intrincadas questões filosóficas suscitadas pelas descobertas no outro lado do oceano. Estes
relatos forneciam um valioso contraponto às opiniões de nobres e doutores, que se
debruçavam sobre a natureza americana, em suas mesas de gabinete. Revelavam aspectos
únicos e por vezes insuspeitos sobre animais, plantas e os habitantes dessas longínquas
terras do além-mar. Também contribuíam para diminuir a distância usualmente observada
entre o escrito do letrado e o simples relato descritivo, sem qualquer pretensão teórica,
constituindo uma alternativa bem mais próxima daqueles que como o “aventureiro”
preocupavam-se em exibir o desconhecido e o exótico, para um público capaz de valorizar
os esforços do leigo.
Os primeiros artistas treinados que fizeram imagens do Brasil, registrando uma
iconografia das pessoas e da natureza do Novo Mundo foram Albert Eckhout e Frans Post.
Vieram ao Brasil junto com o Conde Johan Maurits van Nassau-Siegen, partindo do porto
de Texel a 25 de outubro de 1636, que assumiu o posto de governador do Brasil Holandês.
Trazia também sob o seu comando uma missão científica que além dos dois pintores
contava com o latinista e poeta Franciscus Plante, o astrônomo e naturalista Greog
Marcgrave, o médico Willevan Milaenen e o médico e naturalista Willen Pison. Tinham
eles a tarefa de documentar a flora, a fauna e os habitantes da terra sob as ordens da
Companhia das Índias Ocidentais, nos territórios conquistados na faixa nordestina do litoral
brasileiro, compreendendo atualmente desde o Estado de Sergipe ao Estado do Maranhão.
Nassau sabia que não iria somente administrar uma colônia holandesa, mas múltiplos
interesses que englobavam artes e ciências naturais. Estava ciente da inexistência de
documentos consistentes sobre essa parte do globo e tencionava empreendê-la com os
profissionais que reuniu.
Para registrar as realizações do seu governo, preservar em tela a paisagem e a
topografia da conquista, bem como os feitos militares, a arquitetura militar e civil do Brasil
Holandês, o Conde de Nassau contou com o pintor Frans Post. Para documentar a natureza
e retratar figuras de nativos habitantes do Brasil e originários da África, vegetais, animais,
naturezas-mortas e outros trabalhos destinados à divulgação científica com Albert Eckhout
(Silva, 2002: 68).
Os retratos etnográficos dos povos sob o comando de Nassau e as naturezas-mortas,
exibiam a rica variedade de produtos agrícolas cultivados na Colônia, representando a
fecundidade do país e o sucesso da agricultura colonial. Os produtos comestíveis exibidos
nos trabalhos incluíam a mandioca, legumes e vegetais mais comuns na Europa, sugerindo
que o exotismo não era o critério mais importante evidenciado e que os produtos agrícolas
de além-mar também eram cultivados. Representavam a abundância natural do Brasil
(Brienen, 2002:89). Esses retratos deram apoio ao governo de Nassau no Brasil, ao
revelarem um país próspero e seus frutos, bem como seus súditos, aliados e colonizados,
mas produtivos.
Fig 28 – Cabaça, frutas cítricas e cacto – Eckhout,
Para Vries (2002: 160) grande parte dos registros de Eckhout foram resultado de
observação direta de espécimes vivos encontrados em excursões que realizou pelo território
brasileiro, ou existentes no jardim zoobotânico do Palácio de Friburgo, construído por
Nassau na então capital do Brasil Holandês – Mauritiópolis, atual Recife. Para o trabalho de
campo utilizava instrumental simples de representação: lápis, giz de cera, tintas de rápida
secagem, folhas avulsas de papel e provavelmente lentes de observação. Praticava um tipo
de desenho de observação, geralmente rápido, que fixava das características gerais aos
detalhes específicos das plantas e animais, buscando reproduzir com máxima fidelidade
proporções, formas e cores, visando trazer o maior número possível de informações visuais
para leigos e cientistas do Velho Continente.
Não se sabe ao certo quantos desenhos Eckhout produziu ao longo de oito anos no
Brasil. Mas o conjunto de mais de 400 estudos que chegou à Europa foi suficiente para
causar uma revolução não apenas científica, ao fornecer informações inéditas sobre flora e
fauna tropical, embasando posteriormente o sistema de classificação dos seres vivos de
Linneu, mas também uma revolução da História da Arte, introduzindo novas temáticas
visuais e imagens desconhecidas no universo da cultura ocidental, influenciando diversos
artistas.
Trabalhou, provavelmente, sintonizado com dois outros profissionais, o pintor Frans
Post e o médico naturalista, astrônomo, cartógrafo e matemático Greog Marcgrave,
responsável pela confecção do primeiro tratado de etnografia, lingüística indígena, zoologia
e botânica brasileira, publicado juntamente com uma obra sobre ervas medicinais do
médico Willen Pison, sob o título Historie Naturalis Brasiliae, em 1648, custeada pelo
Conde de Nassau (Silva, 2002:74).
Entre os séculos XVI e XVIII passou a existir um interesse maior pela natureza,
manifesta por toda a Europa. O sistema de classificação de Lineu para o reconhecimento
das plantas, dos animais e minerais, transformou o conhecimento da natureza. A obra
ultrapassou a visão antropocêntrica que havia marcado o conhecimento das virtudes
medicinais das plantas e a descrição de suas propriedades, da natureza estabelecida em
função de sua utilidade alimentar, modos de apreensão, que haviam convivido, por sua vez,
com a imaginação simbólica de valores morais das plantas e dos animais. Em vez de
analogias, passou-se a buscar características estruturais intrínsecas aos seres da natureza,
para fundamentar a igualdade e a diferença entre as espécies (Beluzzo, 2000: 17).
Fig 29 – Aves – coleção Casa da Ínsua
A natureza não é mais tida como resultado da fatalidade dos astros, como
compreendiam as concepções da física dos filósofos antigos. Não havendo uma intenção na
natureza a ser lida pelos homens, eles podiam passar a aprender o mundo sensível que se
apresentava como imagem da realidade. O caminho do conhecimento conduzia à natureza.
Em Portugal surgiram os Gabinetes de História Natural, que foram incumbidos de
estudar e organizar as coleções. Existia a necessidade de nomear e classificar os seres vivos
criados por Deus. Neste contexto surgiram as viagens feitas para as colônias e territórios
conquistados, despertando um interesse pela diversidade natural e humana. Apareceu o
viajante naturalista. Do século XVI ao século XIX, duzentas e cinqüenta expedições
percorreram o território brasileiro. Grande número de cartógrafos, desenhistas e pintores
registraram e documentaram diferentes cenas e aspectos do Brasil. Em Portugal no século
XVIII, arte e ciência se encontravam a serviço do Estado (Domingues,1992).
Numa época em que as distâncias eram a maior dificuldade para o conhecimento de
novas terras, as expedições científicas tiveram papel fundamental. Neste contexto, cabia aos
viajantes naturalistas e aos “riscadores” o olhar sobre o novo, às vezes por pouco tempo,
sabendo que o produto de seu trabalho seria instrumento imprescindível para o
desenvolvimento da ciência. Eram instruídos a ter precisão e rapidez, não se deixando levar
pela fantasia.
Surge então uma atividade de fundamental importância nas expedições que seguiam
para o Novo Mundo, a de "Riscadores de História Natural". Uma carreira militar alternativa
para jovens, enquadrada em atividades artísticas. Tinham o reconhecimento e alguns dos
privilégios de doutores bacharéis, negociantes, grandes lavradores, professores de artes
liberais. Recebiam ensino técnico-científico e formação artística. Havia uma indefinição
artística do pensamento erudito-humanístico entre os profissionais ligados à criação e
produção de formas, pois existiam vários sistemas de ordenação e classificação das artes,
sendo os riscadores considerados oficiais militares e não artistas.
O ensino do desenho era predominantemente ministrado em uma ótica de aplicação
imediata. Servia de denominador comum entre luxo e necessidade, entre o mundo da
contemplação e o da produção, permitindo ao artista a apropriação de um princípio
fundamental da época, a revalorização dos ofícios e das artes mecânicas (Farias, 2001:53).
A condição de artista em Portugal no século XVIII não era consensual, ocupando
uma posição entre as artes liberais e as artes mecânicas. A questão era saber qual o
significado intelectual, social e profissional de ser artista.
Frente à instabilidade sócio-profissional dos artistas portugueses neste período, é
fácil conjecturar quais as expectativas para um desenhador principiante. A carreira militar
tornava-se uma alternativa para artistas jovens, predominantemente oficiais. Nem todos
possuíam a ambição para aceitar a incerteza dessa “luta pela vida”. As mais altas formas de
reconhecimento constituíam ascensão à órbita da corte como pintor régio, a concessão dos
tão suplicados hábitos e comendas das ordens da cavalaria ou a obtenção de um apóio
mecenático, prática de reduzida expressão em Portugal. Disponibilidade e proteção
invariavelmente concedidas a título individual, seguindo processos que se desenvolviam em
um universo inacessível a esses outros artistas anônimos, constituíam a regra para a maioria
dos criadores de imagens (Farias, 2001: 58).
No século XVII foram criadas instituições destinadas ao ensino de ofícios e de
desenhos propedêuticos. No período joanino surgiu a Academia de Fortificação, no âmbito
da instituição militar; a seguir, no quadro de fomento industrial pombalino, foram criadas
aulas de desenho ligadas aos ofícios (fábrica de seda, estuques, caixas, etc) e as ligadas às
reformas pedagógicas de teor iluminista (Colégio dos Nobres, Faculdade de Matemática da
Universidade de Coimbra). Depois surgiram as Escolas da Casa da Moeda, a Escola de
Desenho, Gravura e Lavra de Metais do Real Arsenal do Exército e ainda a Casa de Risco
do Real Jardim Botânico do Palácio da Ajuda (Farias, 2001:56).
Os desenhistas riscadores
Os "riscadores" eram capacitados para as funções de guerra, recebendo outros
conhecimentos, como aritmética, geometria prática e trigonometria. A condição de
militares riscadores estruturava-se na valorização de um ensino técnico-científico
(Academias Reais da Marinha e de Fortificação, Artilharia e Desenho), que rivalizava com
o status universitário e que não encontrava paralelo consistente na formação artística.
Utilizavam instrumentos matemáticos, métodos de tirar plantas e cartas
topográficas, elevação de fachadas e como desenhá-los. Os desenhos produzidos por esses
riscadores deveriam ter a estética da arte, o rigor da ciência registrando rigorosamente o
que lhes era dado observar, ser um condutor visual de informação, uma ponte entre o
mundo da contemplação e da produção e, ser aplicado ao mundo político e econômico.
Múltiplas eram as áreas de utilidade do desenho. Nos domínios da História Natural
registrando espécies botânicas e fauna e no reconhecimento de geografia física e humana
através de representações cartográficas de topografia nas mais diversas modalidades,
prospectos de cidades e povoações, traçados urbanísticos, construções civis e militares,
cursos hidrográficos, atividades econômicas, desenho de maquinário, etc. Estas últimas de
grande importância estratégica, vital para o Estado. Os materiais obtidos nessas viagens
tinham diferentes destinos. Parte era acervo sigiloso do Estado, outros eram destinados à
produção de gravuras, uma iconografia destinada à ilustração de projeto editorial sobre a
História Natural das Colônias Portuguesas. Serviam como informação complementar à
memória escrita pelos cientistas, sendo um documento visual rigoroso, centrado no objeto
de estudo.
Fig 30 - Periquito da serra, acervo Museu Bocage.
Os registros de História Natural podiam ter intenção essencialmente científica ou
outros, para princípios enciclopedistas, uma disciplina potenciada na produtividade e
utilidade de uma economia vegetal e animal (Farias, 2002:67).
As imagens de História Natural tinham o objetivo de registrar novas espécies ou a
exata reprodução das já conhecidas, que no mundo tropical ganhavam características
específicas, esforço gráfico em muitas situações intencionalmente orientado para o mundo
da edição. Este tipo de ilustração caracterizava-se pela representação das espécies isoladas
no seu habitat, onde por muitas vezes, se acrescentavam planos de corte e pormenores.
Desenhavam todas as plantas com suas flores, a fauna, as habitações, montes, rios, fontes,
árvores grandes, animais ferozes com toda exatidão, se possível iluminados ao natural
destacando alguma característica extraordinária. Deviam registrar tudo que não fosse
possível transportar. Tinham uma curiosidade pelo exótico e desconhecido. Registravam
tudo que fosse impossível descrever.
No caso da ilustração botânica, existiu a preocupação de reconstituir na mesma
imagem, o ciclo das espécies, retratando as fases de crescimento, freqüentemente
acompanhadas de notas explicativas manuscritas pelo próprio naturalista.
A primeira característica que salta aos olhos daqueles que examinam a iconografia
era o caráter pragmático da exploração da natureza e a vocação para a ciência aplicada. A
iconografia luso-brasileira sobre o Brasil foi freqüentemente caracterizada por figuras
grafadas em linguagem imediata e seu interesse escapa aos propósitos restritos dos estudos
artísticos. O caráter finalista das iniciativas portuguesas restringiu-se à apropriação da
natureza, ao seu aproveitamento útil (Beluzzo, 2000:60). Era o irrestrito utilitarismo que
permeou as relações do ocidente com o chamado “mundo natural”. Privilegiar animais e
plantas possuidoras de maior porte e de alguma característica notável, utilizadas na
medicina, alimentação ou economia.
Era o olhar europeu sobre o Novo Mundo. Devia ter precisão informativa com
aplicação econômica, estratégica e científica, para a classificação e representação das
espécies. Surgiu uma unidade complementar: imagem/palavra (Farias, 2001).
O sistema de conhecimento já não era mais o mesmo. Durante o século XVI e XVII
podia se considerar uma visualização imaginativa nas representações relativas às terras
recém-descobertas. No século XVIII, a arte se transforma, o interesse se desloca para o
“olho que pensa”, para a visão intelectual e reflexiva engendrada simultaneamente por uma
cultura artística e científica (Beluzzo, 2000:9).
O olhar domesticado e delimitado pelas técnicas de observação definiu a atitude do
observador diante do natural. Até então as imagens tinham seu fundamento em analogias
elaboradas pelos viajantes, comparações entre o que viam e o que diziam os textos. O
mundo imaginado e vivido era um só. A partir do século XVII passou-se a buscar e
apreender a estrutura visível dos seres em sua singularidade, conhecendo-os um a um. O
desenho torno-se um modo de conhecer o exterior e o outro, valorizando o visto, segundo
regras constantes e lógicas. Aliaram-se arte e ciência.
O desenho deixou o campo simbólico religioso. Era o espírito científico empenhado
em aprender sobre a Natureza, onde a visão comunica a realidade sensorial tangível.
Ocorreu um aprimoramento da técnica e seu aprendizado se deu nos domínios das ciências
exatas, anatomia, leis de óptica e geometria. Existiu um cuidado com a capacidade
descritiva das imagens em uma era pré-fotográfica
Fig 31- Cachoeira de Santa Roza do rio Guaporé, acervo Museu Bocage
A tarefa de reconhecimento dessa arte de viagem, o desenho topográfico e de
História Natural afastou o sentimento pitoresco pré-romântico. O trabalho em equipe
procurava a exatidão informativa que permitiu uma leitura à distância, um melhor
conhecimento e estudo do objeto descoberto, impossível de acontecer "in loco". Por outro
lado, aguçou a curiosidade individual na projeção de um universo de sensações e emoções
que procurava o raro, o exótico, na nova forma do simbólico expressar-se, excluído pela
"razão" (Farias, 2001).
Os artistas eram orientados a copiar exatamente a Natureza, sem acrescentar
nenhuma liberdade de recurso produzido pela imaginação. Existiu a prioridade informativa,
não esquecendo um apuro e equilíbrio plástico. As representações gráficas permitiram o
acesso de um novo público ao mundo das ciências, facilitando o acesso à informação,
desenvolvendo-se um novo modelo de aprendizado, aproveitando sua capacidade de
comunicação para um maior entendimento de matérias difíceis como matemática e física,
transformando-as em diversão, ficando assim o desenho consolidado no campo da
pedagogia.
Desenhar passa a ser um misto de luxo e necessidade, contemplação e produção,
onde o artista era o produtor de imagens e o produtor intelectual devendo, pois, ser um
homem instruído e erudito. Instruído em quase todos os ramos do conhecimento humano:
filosofia, matemática, geometria.
Fig 32 – Tuiuiú, acervo da Casa da Ínsua.
Estas equipes de registro eram formadas por desenhadores e naturalistas, pela
necessidade múltipla de formação teórica e prática: a seleção do objeto, classificação,
desenho e iluminação, localização geográfica, etc. Para Maria Odila Dias (apud Beluzzo,
2000:62) em meados do século XVIII o cientista era considerado um homem de ação,
voltado para a solução dos problemas humanos da terra, dando grande impulso às ciências
naturais e mecânicas.
Havia uma produção artística através da observação minuciosa e direta do objeto,
que permitia a conservação do valor documental da imagem, superando as descrições do
naturalista. Os desenhos apresentavam a vantagem de serem imutáveis em relação ao
sistema de classificação das espécies, que tanto mudou entre 1623 e 1750. As espécies nem
sempre se desenvolviam convenientemente nos Jardins Botânicos para onde eram levadas,
além da precariedade dos herbários, aumentando a importância dos desenhos.
Fig 33 – Siriema, acervo Museu Bocage.
A iconografia da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira tinha por
finalidade registrar os conhecimentos botânicos, geográficos, zoológicos, para uma nova
abordagem a cerca do homem natural do Brasil, de sua organização e de suas práticas. Seu
papel era garantido pelas condições oferecidas por Portugal para o aprimoramento
científico, notadamente pela presença de Domenico Vandelli na Universidade de Coimbra,
difundindo o Sistema de Classificação de Lineu, com a fundação de um Museu de História
Natural e um Jardim Botânico, na mesma Universidade. Tratou-se de um projeto de
aproveitamento dos recursos naturais com apoio da ciência. Uma política do Estado,
comandada pelo Marques de Pombal, que solicitou aos governadores das Capitanias do
Brasil a exploração de recursos capazes de abrir caminho para o comércio português,
estudando a flora brasileira e estimulando as ciências naturais.
Fig 34 – Cachoeira do Sato do Theotonio, acervo do Museu Bocage.
As imagens produzidas durante as expedições podiam ter utilidade lúdica, ser
notícia de diversão, didática, ou deleite visual. Os desenhos podiam ser documentais,
destinados a publicação, como os que versavam sobre antropologia, botânica e zoologia; ou
serem sigilo político e confidenciais como os que retratavam as fortalezas, presídios, cartas
geográficas, as atividades econômicas, como a exploração de minas. A grande vantagem
dos desenhadores in loco era poder observar diretamente seu objeto, ao contrário dos
artistas de gabinete que necessitavam basear seus desenhos em testemunhos de outros.
A técnica de escolha empregada foi a aquarela, pela vantagem de execução
apresentada em relação às outras técnicas, tais como a pintura a óleo. Os desenhos
aquarelados ou aguadas apresentavam pouca dificuldade de execução, sendo facilmente
transportados depois de executados, dada sua leveza, maleabilidade do suporte e baixa
densidade de tintas. Era também o meio mais aceito para fixar as imagens que se
destinavam a se tornar gravuras, finalidade presente em todos os projetos que previam um
componente editorial.
Na produção gráfica de algumas viagens, em especial a de Alexandre Rodrigues
Ferreira, nota-se a grande amplitude cromática utilizada, traduzida na flexibilidade da
técnica e material utilizado, demonstrando o grau de habilidade dos desenhadores em
registrar fielmente as espécies zoológicas e botânicas, aplicando as cores primárias mesmo
com a restrição de suas "paletas" (Faria, 2001).
Freire e Codina (desenhadores de Alexandre Rodrigues Ferreira) usavam
basicamente as seguintes tintas para a produção das cores primárias: vermelho carmin e
vermelhão, azul, anil, amarelo, acrescentando ocre como alternativa; verde-bexiga, verdete
e verde monte. Acrescentou-se a esta gama de tintas o nanquim ou china e o alvaiade,
respectivamente negro e branco. As de maior uso eram a tinta da china, o carmin, a aguada
de rios, o rohao, o Bistre, o verde-bexiga, o verde-lírio, o anil-fino, o vermelão e a aguada
de tabaco (Farias, 2001:180).
Fig 35 – Canoa da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira,
acervo do Museu Bocage
Muitos desenhos da coleção não trazem o nome dos respectivos autores. Outros
contêm a assinatura de Codina e de Freire. Eles elaboraram muitas cenas em aquarelas que
representam a flora, a fauna, a etnografia e a geografia da Amazônia.
As imagens botânicas revelavam a grande destreza dos desenhadores e foram as que
apresentaram maior carga informativa e dos quais ainda se tem o maior acervo. A mesma
qualidade não é observada na representação dos animais em geral. Isso provavelmente se
deve ao fato dos desenhos ter sido realizado a partir de animais que se encontravam em
cativeiro, de modelos abatidos, preparados, ou a partir de suas peles. Quanto maior fosse o
animal, mais complexa a tarefa de enchimento da pele, procurando através dessa ação
proceder à escultura do bicho, de modo que este adquirisse a forma e o volume primitivo
antes da morte. Com estas dificuldades, nota-se nos desenhos posturas e proporções
anatômicas não compatíveis com os animais vivos. Os desenhos de mamíferos, répteis e
aves eram reproduzidos em Lisboa, quando recebiam uma contextualização paisagística
artificial e de característica barroca, supostamente representando o habitat do animal.
Fig 36 – Onça pintada, acervo Biblioteca Municipal do Porto.
Os riscadores apresentavam certa dificuldade no desenho da figura humana,
provavelmente pela carência de formação no aprendizado e em segundo lugar pela
dificuldade de desenhar ao natural seus modelos. Estavam retratando representações do
exótico, para serem vistos por pessoas que nunca tinham estado no Brasil. Deviam ser fiéis
aos modelos, registrando corretamente sua diversidade anatômica, nem sempre semelhante
aos modelos europeus.
Para Adonias (1986:47), em seu estudo sobre a flora e fauna brasileira no século
XVIII, mesmo com as dificuldades, a documentação iconográfica da expedição de
Alexandre Rodrigues Ferreira, com alguns desenhos em pico-de-pena e a grande maioria a
aquarela, prima pela beleza em termos artísticos e pela fidelidade aos detalhes
característicos das plantas e animais observados. O trabalho foi produto de profissionais
especializados na arte do desenho de História Natural, perfeitos na captação do colorido das
aves, mamíferos e das escamas e barbatanas dos peixes, e exatos na exibição de certos
hábitats animais.
Alexandre Rodrigues Ferreira não recebeu o devido reconhecimento como
intérprete científico do material colhido, desenhado e descrito textualmente em memórias.
Em certos momentos é investido de responsabilidades no Real Gabinete de História Natural
da Ajuda e no Jardim Botânico, onde estava guardado o material procedente do Brasil.
Faltaram condições ao cientista para desenvolver seu trabalho, após seu regresso a Portugal
e disponibilidade política das instituições de Lisboa para o avanço dos estudos, que se
desenvolviam naquela época pela ciência comparada.
Entre os historiadores da arte não é injurioso admitir que o que cai em desuso vira
acervo. Foi o que aconteceu com o material da Viagem Filosófica. Os originais coloridos
realizados por Freire e Codina foram copiados a nanquim por alguns desenhistas do Museu
da Ajuda sob orientação de Ferreira para uma provável publicação, dado que era costume
reduzir as imagens do natural às possibilidades da gravura, antes de fornecer as
informações ao gravador, gerando-se assim uma reprodução intermediária.
Segundo Beluzzo (2000:65), parte da coleção portuguesa foi saqueada por Geoffroy
de Saint-Hilaire, sob ordem de Junot, comandante do exército francês de ocupação e levada
a Paris em 1808. Somente os manuscritos retornaram a Lisboa em 1814. Em 1836, toda a
coleção do Real Museu da Ajuda foi transferida para o Museu de História Natural da
Academia de Ciências de Lisboa, que cedeu seis anos depois mais de duas centenas e meia
de manuscritos ao então representante do Brasil em Portugal, para serem impressos pelo
governo brasileiro. Algumas coleções foram transferidas para o Museu e Laboratório
Zoológico e Antropológico da Faculdade de Ciências de Lisboa. Uma parte do material que
foi enviado ao Brasil se dispersou, vindo a ser encontrado em mãos de particulares em
Lisboa, constituindo hoje acervo do Museu Bocage, em Lisboa. Outra parte foi resgatada
pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, reunindo-se nessa coleção outros originais do
lote supostamente saqueado por Saint-Hilaire, que a instituição adquiriu da França. A
Academia de Lisboa também enviou peças a Madri, por ocasião das comemorações do
quarto centenário da América. O acervo da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues
Ferreira, dividido e descontínuo, não está até hoje completamente estudado e publicado.
Para Almaça (1993:20) as aquarelas são o que de mais precioso nos restou,
documentando aquilo que foi o Real Museu da Ajuda e a atividade dos seus naturalistas.
Encadernadas sob títulos sugestivos como Riscos de alguns Mammaes, Aves e Vermes do
Real Museu de Nossa Senhora d’Ajuda, com alguns prospectos e retratos de Desenhos de
Gentios, Animaes Quadrúpedes, Aves, Amphibios, Peixes, e Insetos da Expedição
Philosophica do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá, as aquarelas representam
centenas de espécies, sobretudo brasileiras.
As memórias e as documentações gráficas elaboradas por Ferreira e seus
colaboradores na expedição, os riscadores José Joaquim Freire e Joaquim José Codina e o
jardineiro botânico Agostinho Joaquim do Cabo são conhecidas através de um “Catálogo”
redigido após a morte de Ferreira. Incluíam 171 manuscritos, 59 tabelas (citados como
“mapas” no texto original), 8 mapas (“mapas geográficos”, no texto original), 9 desenhos, 9
estampas a preto, 979 estampas a cores e 97 chapas de cobre. Dos manuscritos 61 são de
autoria explícita de Ferreira e 4 de Agostinho Joaquim do Cabo. Os restantes 106
manuscritos são de autores anônimos ou alheios à expedição. Toda esta documentação foi
entregue pela viúva de Ferreira em 5 de julho de 1815, a Felix de Avelar Brotero, então
diretor do real Museu e Jardim Botânico da Ajuda (Almaça, 2002:10).
Capítulo III
Ciência e magia andam de mãos dadas nos setecentos
Fig 37 – Ilustração inicial de Historia Naturalis Brasiliae, de Guilherme Pison.
O descobrimento europeu dos “novos mundos” provocou “uma nova ordem
geográfica mundial”. Com as novas rotas marítimas, plantas e especiarias foram levadas
para a Europa. A normatização cristã de proscrição de plantas foi abalada surgindo saberes
populares e eruditos das suas utilizações baseados nas experiências, com saberes herbários,
alquímicos e terapêuticos que tiveram seu auge no início do século XVII, com uma “sede”
de classificação do mundo. A botânica era então compreendida como um ramo da
medicina.
Os médicos e cronistas que desembarcavam nas Índias Orientais e Ocidentais
deveriam recuperar o valor da medicina “popular” que na Europa era proibida por ser
considerada arte satânica. Mantinham a crença em remédios mágicos que nem sequer
precisavam ser ingeridos, agindo por contato. Vigorava a posição dominante da Idade
Média, de recorrer exclusivamente à piedade divina, ao uso de relíquias, novenas, etc.
A Igreja comandou a vida cotidiana dos europeus, ditou regras, julgou e condenou
atos da população. Nos momentos de epidemia foi responsável pela interpretação do mal
que se abatia sobre os indivíduos, desesperados por não saberem sua causa.
Tudo acontecia “por graça de Deus” e com raras exceções todos acreditavam em
Deus e na vida depois da morte. Esta era mais importante para os processos da Inquisição
do que a vida terrestre e, a religião era piedosamente seguida na esperança de que a alma
um dia iria para o céu. A religião e a fé eram inseparáveis do homem. A oração para a
proteção divina era imprescindível diante de todos os males.
Os santos dirigiam o corpo. Santa Blaise se encarregou da garganta, Santa Brígida
dos olhos e Erasmo das entranhas. Santo Dympna era o psiquiatra, São Lourenço
especializou-se em dores nas costas, São Roque distribuiu as pragas. São Vito tinha sua
dança, o Fogo de Santo Antônio assava os membros acesos pela infecção ou pelo
envenenamento causado pelo ergot do pão de centeio. A primeira operação foi realizada
pelos gêmeos Cosme e Damião, que substituíram a perna ulcerada de um homem branco
pela de um negro que havia morrido recentemente. O corpo humano era considerado
sagrado e a dissecção proibida (Gordon, 1996:12).
A doença marcava o pecado, testemunhava-o, era a punição divina e a expiação da
falta. O cristianismo encorajou os intermediários entre Deus e os doentes com os santos
curadores. As igrejas enchiam-se durante as epidemias. Entre a elite da monarquia e do
clero manifestava-se uma hostilidade em relação à medicina, na medida em que ela
pretendia opor obstáculos à vontade divina. Uma vez que o homem estava nas mãos de seu
criador, era Deus que com imensa sabedoria e a sua incomparável justiça, decidia acerca da
saúde e da morte e escolhia aqueles que deviam curar-se e os que iriam sucumbir. O
médico era portanto inútil, a sua intervenção e os seus remédios eram fúteis e, era ímpio
porque se opunha a uma decisão suprema. Para a medicina e para os doentes, essa
tendência atenuou-se perante o desejo de cura e de viver o maior tempo possível. Os reis, os
papas e os bispos chamavam os médicos e os cirurgiões sempre que tinham necessidade.
Fig 38 - Auto da Fé no Terreiro do Paço
Na Idade Média, a moral cristã sobre as drogas teve alguns eixos centrais: recusa
aos analgésicos, aos eutanásicos, aos afrodisíacos e aos alucinógenos. A luta católica contra
as plantas se travava nos terrenos da dor, da morte, do prazer e do juízo (Carneiro,
1994:29). Embora o próprio clero tolerasse e utilizasse uma série de plantas cultivadas nos
mosteiros, o recurso à terapia vegetal era estigmatizado como uma medicina profana.
No Renascimento apareceram os primeiros epidemiologistas. Para Fracastor as
doenças epidêmicas eram causadas por sementes, as seminarias, germes capazes de se
reproduzir, multiplicar e invadir o corpo humano. No seu entendimento as seminarias
seriam produtos químicos, emanações gasosas ou pequenos seres vivos. Um argumento de
peso para sua constatação foi fornecido pela sífilis, que acabava de aparecer ruidosamente
na Europa e cujo contato venéreo não podia ser posto em causa. A isto os adeptos do papel
punitivo retorquiam: “Eis a prova da justiça de Deus, é-se punido no sítio por onde se
pecou!” (Sournia & Ruffie, 1984:219).
Apesar da medicina portuguesa ter nos compiladores das novas plantas do Oriente e
da América os pioneiros do empirismo racionalista, a sua medicina oficial era baseada na
crença em astrologia, feitiçaria, remédios mágicos, em partes de animais imaginários, como
chifre de unicórnio e outras terapêuticas.
A superstição acompanhava de perto a arte de curar. Florescia a composição
doméstica das “mezinhas”, palavra que deriva de medicina; referia-se no século XVI a
qualquer remédio em geral, a clisteres, elixires ou emplastos e
se compunham de leite de cadela, de sangue de animais, de flores, ervas e raízes do campo.
Desarranjo do ventre curava-se com “fígado de bode assado, mergulhado em vinagre forte e comido
com acompanhamento de biscoito, ou torrados e moídos em vinho”. Fazia igualmente bem esfregar o
estômago e o ventre com claras de ovos ou com esterco de cabras bem peneirado, atando por cima
uma ligadura. Doenças reumáticas ou artríticas curavam-se com papas de receituário bem
“moderno”: tomar a linhaça galega tanto com água que se faça assim com massa, e pô-la em um
pano de cor, tanto que ela for com tal temperança que a possam sofrer, pô-la onde a dor e isto por
cinco ou seis vezes juntamente; e isto lhe farão por três ou quatro dias. E isto feito, traga cada ano até
nove dias ou mais se for tempo frio, coberto de pano de lã no logar que doer (Oliveira Marques apud
Herson, 1996:73)
Para cada doença havia uma oração que se julgava particularmente eficaz. Sangrias
e purgas eram consideradas não apenas úteis na maioria dos tratamentos como também
preventivas. A maioria das mezinhas vinha dos conventos, pois os primeiros hortos
botânicos se organizaram nos mosteiros.
Em Portugal como em outras partes da Europa Medieval a medicina era estudada
pelos eclesiásticos e só por eles exercida. Eram nos mosteiros que se escreviam os livros de
medicina, alguns originais e outros traduzidos. Lá se buscavam os religiosos mais peritos
na arte de curar, para acudir príncipes e senhores.
Herson (1996:24) relata que a medicina em Portugal no século XVI era considerada
pouco evoluída e deplorável em comparação à européia da época. De lá vieram para o
Brasil, nem sempre voluntariamente, os primeiros “práticos”. Hermann Boernhaave
famoso médico holandês e professor de medicina, só foi reconhecido em Coimbra três anos
depois de sua morte. O ensino limitava-se à leitura de Galeno, Hipócrates, Razis (médico
árabe) e Avicena (médico persa 980-1037). A leitura desses quatro autores tinha uma
duração de seis anos. Na falta de professores ensinavam os “conductários” (substitutos). A
prática hospitalar limitava-se a dois anos. A freqüência era auferida mediante o testemunho
do juramento de dois condiscípulos. Ao estudo de anatomia bastavam nove dissecções em
carneiros, feitas no hospital, pois não havia sala nem gabinete de anatomia.
Fig 39 - Amputação de perna, no século XVIII.
Durante certo tempo curar doentes e obter os remédios para aplacar seus males foi
tarefa de um mesmo ator. Não havia distinção entre médico e farmacêutico, cabia ao
mesmo profissional preparar e oferecer os medicamentos necessários aos doentes. Somente
no século VIII, a arte de curar começa a ser dividida, não ficando mais ao cargo do médico
a obtenção de fármacos. Em Portugal, tanto a separação da arte de curar, em medicina e
farmácia, quanto os primeiros documentos que registram a existência do ofício de boticário
apresentam uma defasagem de dois séculos em relação ao restante do ocidente cristão. O
ofício de boticário surgiu em decorrência da divisão efetuada na arte de curar e sua a função
era “cozinhar para os médicos”: cozem e temperam quando nas receitas lhes ordenam. Ao
médico caberia a parte nobre da arte, a do boticário a parte mecânica, a “cozinha” - o lugar
de aviar os saberes do outro sem o qual não haveria razão para a existência de boticários,
cuja competência técnica não ultrapassava o fabrico de mezinhas (Marques, 1999:157).
A divisão do trabalho entre físicos e boticários surgiu da expansão da economia
medieval, com a formação de novas atividades produtivas. A farmácia originou-se da
interseção entre os comerciantes de especiarias e os médicos da Idade Média. Os boticários
surgiram no final do regime feudal com o aparecimento dos mercados, o aumento da
população nas cidades e o enriquecimento da burguesia mercantil.
Havia quatro categorias de profissionais para cuidar da saúde: o médico, que
estudava nas faculdades, o cirurgião, o boticário e o barbeiro. Aos médicos competia
reconhecer e tratar as doenças; o cirurgião, que era considerado um prático vulgar, fazia as
operações. Os barbeiros além de cortarem cabelo e barba, faziam também pequenas
incisões nos furúnculos e em feridas. O boticário disputava seu prestígio em curar os
doentes com o médico e fazia as misturas e os remédios.
Fig 40 - Botica
As então consideradas práticas médicas mais utilizadas naquela época consistiam
em sangrias, através da aplicação de sanguessugas ou da realização de flebotomias;
medicamentos que favorecessem as eliminações orgânicas, eméticas, purgativas e
sudoríficas; remédios para febre; banhos mornos; dieta enfrequecedora e escoriações. Por
vezes os tratamentos atuavam tão violentamente no paciente que o levavam ao óbito.
Segundo a teoria aceita na época, “o doente morrera curado”.
Fig 41 – Detalhe da placa de barbearia
As sanguessugas foram utilizadas como procedimento curativo desde 900 d.C. Elas
eram tiradas da água uma hora antes de serem usadas, para aumentar o seu apetite e postas
em um copo de vinho que era virado bruscamente sobre a carne do doente. Depois de
quinze minutos ficavam repletas de sangue e se desprendiam. Para serem recicladas, usava-
se sal na água. Quando se tinham poucas sanguessugas, a cauda era cortada e elas sugavam
com o sangue saindo pela outra extremidade, até o paciente ficar exangue. Se elas ficavam
agarradas na carne, espalhava-se sobre elas fumaça de cabelo queimado ou se inseria um
fio de crina de cavalo entre a sugadora e o sugado. Se o paciente ou o médico engolia uma
por descuido, o antídoto usado era graxa de sapateiro com vinagre. A sanguessuga era o
modo mais suave de se fazer à sangria em mulheres, crianças e pacientes que pagavam a
consulta (Gordon, 1996:149).
A sangria criou o ofício de “sangrador”. Os indivíduos que a exerciam eram
geralmente destituídos do conhecimento da medicina. Os barbeiros desempenhavam muitas
vezes essa função. A sangria não era tão fácil de proceder, como pode parecer. Havia a
necessidade de conhecer as veias e saber quais eram apropriadas para sangrar, de acordo
com a época do ano. Em março escolhia-se a “veia da cabeça”, no braço direito,
recomendando que se tirasse apenas três dedos de sangue. Em abril, maio e outubro,
preferia-se a “veia arcal” do braço direito. Mas em setembro devia-se sangrar a veia à
esquerda sobre a “arcal” (Herson, 1996:73). Além disso, o sangrador tinha que ter
conhecimento de astrologia, uma vez que as sangrias só produziam efeito quando os astros,
especialmente a Lua, encontravam-se em determinada posição. Essa sabedoria era usada
para distinguir os dias favoráveis e os nefastos.
Fig 42 – Diversos instrumentos cirúrgicos do século XVIII.
A doença era vista como uma entidade que invadia o corpo e precisava ser
eliminada pelas excreções. A sanguessuga, animal aquático hematófago, era a peça chave
para qualquer tratamento. As ventosas também eram utilizadas com a finalidade de ativar a
circulação e realizar as sangrias. Acreditava-se que o melhor jeito de se cuidar de um
ferimento sangrante era deixar o indivíduo sangrar até perder a consciência. Deste modo a
ferida não incharia tanto, nem ele “berraria” de dor. Os diagnósticos baseavam-se no
aspecto do doente e dava-se importância à análise das urinas, a sua cor e densidade.
Do século XVII até o século XIX a Medicina considerava que a principal forma de
contágio das doenças se dava através do ar, que espalhava emanações por toda parte:
cheiros, perfumes, odores que saíam do solo e das águas. Essas emanações conhecidas
como miasmas deram origem à “Teoria dos Miasmas” das doenças epidêmicas, que foi
aceita por toda a Europa.
A rica flora medicinal existente no império colonial português foi gradativamente
descoberta por viajantes, homens de administração, físicos, boticários, naturalistas,
comerciantes ou aventureiros. Para além de seus ofícios e dos interesses econômicos e
políticos metropolitanos, esses homens, entusiasmados pela natureza exuberante tiveram o
cuidado de nomear a flora e a fauna, quando não as descreveram mais detidamente. Desse
modo, plantas, animais e minerais foram sendo revelados.
Vários autores se dedicaram ao estudo da flora das terras coloniais americanas.
Estes observadores estavam atentos em descrever o que vislumbravam in loco, em uma
forma particular de observar o estrangeiro, preocupando-se em registrar percepções de
outras culturas e de outra natureza. O relato funcionava como uma primeira tentativa de
aprender o visualizado desconhecido, tentando mostrar os seus contornos e utilidades,
organizando as plantas por usos alimentares e medicinais.
Dentre esses pesquisadores destaca-se Guilherme Pison, holandês, com
conhecimento em história natural, que desembarcou no Brasil em fins de 1613, como
médico pessoal de Maurício de Nassau, governador de Pernambuco, durante a ocupação
holandesa. Veio também com o intuito de realizar um levantamento científico do Brasil. Ao
retornar à Holanda escreveu em 1644 um compêndio intitulado De Medicina Brasiliense, a
primeira parte da obra Historia Naturalis Brasiliae, dividida em quatro partes: 1º. do ar, das
águas e dos lugares; 2º. das doenças endêmicas; 3º. dos venenos e seus antídotos e 4º. das
propriedades dos simples. Na abertura do segundo livro, sobres às moléstias endêmicas,
Pison reafirmava que “os dois principais modos de curar eram a evacuação e a
refrigeração”. Embora criticasse o fato dos médicos europeus se apegarem exclusivamente
a esses dois princípios, esquecendo a “arte de curar” dos brasileiros, se propôs a relatar o
que havia aprendido durante os sete anos em que viveu no Brasil (Carneiro, 1994:83).
Ao expor a medicina indígena, Pison evidenciou a dualidade das práticas que
constituíam o saber nativo e o europeu daquele tempo. Influenciado por seus
conhecimentos de história natural, mostrou uma nova percepção frente aos conhecimentos
dos “bárbaros”. Ele apontou a face mágica do conhecimento médico europeu que se
pretendendo erudito e racional, escancarava-se ao pregar o uso de medicamentos com
formulação secreta. Também não deixou de revelar o mundo da magia indígena, apontando
práticas que considerou dignas de “menção”, ou seja, as que caberiam na racionalidade
científica da época. Referia-se aos alexifármacos – os opostos do veneno existentes no
próprio veneno – mostrando que
esse bárbaros aplicam com audácia e feliz êxito a gordura e a cabeça das víboras, bem como corpos
inteiros de insetos que causam as feridas, tudo preparado com arte, contra as picadas venenosas. E
mesmo procuram, pelos próprios efeitos, comprovar que todo o veneno contém o seu antídoto. [..]
uma vez conhecida a natureza do veneno, colhem nas selvas mais depressa do que se poderia dizer,
ervas eficacíssimas que moídas subministram aos doentes sob o modo de poção, e suscitam o alento
quase extinto (Marques, 1999:66).
Pison considerava os índios do Brasil primitivos assim como a medicina por eles
praticada, mesmo reconhecendo e respeitando os seus conhecimentos sobre a flora
brasileira. Em certas ocasiões, descreveu seus procedimentos como pura feitiçaria, embora
enfatizasse que não se devia minorar a importância dos saberes herbários dos índios.
Conhecimento este que se constituiu pela atenção que suscitava o uso empírico de
determinadas plantas curativas ou alimentares, posteriormente comprovadas
cientificamente. A ciência e a magia andaram de mãos dadas nos Setecentos.
Muito mais que um descritor da natureza do Brasil, Pison foi um hábil
comprovador dos efeitos terapêuticos das plantas utilizadas pelos indígenas. Embora muitas
delas já estivessem descritas acrescentou-lhes especificidade, usos mais detalhados e
principalmente, o aval obtido através de experimentos, auferindo desta forma, créditos para
os saberes nativos (Marques, 1999:52).
Do século XVI ao XVIII intensas transformações se verificaram na maneira de
pensar e enxergar o mundo, que deixou de ser encarado como uma criação a serviço do
homem, alcançando uma objetividade independente, a da ordem natural, onde a razão
imperava como instrumento para a sua compreensão.
Ocorreu desde a descoberta dos “novos mundos”, uma fusão do saber botânico-
médico composto tanto da tradição clássica como das novas plantas e saberes, junto com a
manutenção de superstições cristãs. A fronteira entre as duas era bastante difusa. Embora
reivindicando uma racionalidade científica, os médicos portugueses do século XVIII
pareciam bem distante do espírito crítico, realista e experimentalista propagado pelo
iluminismo. Uma característica comum entre eles foi à crença na ação demoníaca como
responsável por muitas doenças: “não há enfermidade, à que seja tributária a natureza
humana, que os feitiços não possam produzir com a virtude diabólica, que em si tem;
suposto que as que mais freqüente se experimentam são impotência, esterilidade, febres
erráticas, manias, epilepsias, dores vagas e nefríticas, convulsões, paralisias, estupores,
tremores, hidropsias, sendo os sintomas tão graves, como do mais fino veneno” (Bernardo
Pereyra, Anacephaleosis Medico-Theologica, Coimbra 1734:3 apud Carneiro,1994:69).
No século XVIII, o emprego parcimonioso dos medicamentos químicos na
terapêutica metropolitana e colonial, esteve diretamente vinculado às concepções de doença
e cura existentes no reino. Se, por um lado, havia um galenismo fortemente arraigado na
arte de curar, por outro, o caráter dogmático e mágico das práticas e dos rituais de cura
existentes, tanto na arte dita erudita quanto nas populares, faziam do medicamento algo
além de uma formulação química (Marques, 1999:81). Somente em 1772, com a Reforma
Pombalina da Universidade de Coimbra, a química passou a integrar os currículos dos
cursos superiores. No final do século XVIII, o curso de medicina contou com as matérias
de química e experimentos de laboratório.
O número de novas substâncias empregadas em medicina para debelar as doenças
crescia rapidamente no século XVIII. Durante esse período, havia uma carência de médicos
em todo o Brasil. Cirurgiões mal preparados, antigos enfermeiros, barbeiros-sangradores,
boticários licenciados, missionários religiosos exerciam a medicina e a botica, aplicavam
bichas (sanguessugas) e cáusticos (purgativos), sangravam e lancetavam, administravam
mezinhas, muitas vezes aprendidas com os índios e, sabiam rezas e benzeduras. A flora
brasileira era uma reserva de medicamentos, complementada com recursos da polifarmácia
trazida de Portugal e com os amuletos e breves, as pedras bezoares e as rezas.
Fig 43 – Dama tomando enema.
As pedras bazares ou bezoares, cujo nome deriva das vozes persas bad- pedra e
zahar-veneno, eram concreções calculosas encontradas no bucho, na vesícula biliar, no
conduto salivar e no intestino de certos ruminantes, particularmente de certas cabras
asiáticas. De onde deriva o nome “bazar oriental”. Eram encontradas ainda em gazelas,
porcos-espinho, antílopes, camelos, castores, vicunhas, etc. Teriam propriedades
antitóxicas, antídotas, aléxitérias, neutralizando venenos e expulsando humores malignos
(Araújo, 1952:26).
Os primeiros profissionais da medicina a se radicarem no Brasil foram poucos
cirurgiões, barbeiros, boticários e aprendizes de barbeiros que vieram nas expedições de
Martim Afonso de Souza (1530), dos donatários das capitanias criadas por D. João III, a
partir de 1532 e “cristão-novos fugindo da Inquisição. Foram todos, ou quase todos, os
cirurgiões e boticários que exerceram a profissão no Brasil não só no século XVI como no
século XVII e meados do século XVIII” (Santos, 1991).
Chegavam ao Brasil culpados da máxima culpa, “a heresia judaica por falsa
conversão, pois uma vez ‘batizados’ não acreditavam em tudo que mandava crer a Santa
Igreja de Roma; judaizaram e rezaram sem dizer: ‘Gloriam Patri et Jesus Cristo’, no fim da
reza” (Ordem de degredo de médicos e boticários para o Brasil, de Autos da Fé e processos,
encontrados no Arquivo do Jewish Theological Seminary – n. 8354, 8355, 8356; retirados
dos originais de Documentos da Torre do Tombo, apud Herson, 1996:20).
Outro artifício utilizado pelo cristão-novo para fugir da Inquisição foi o sacerdócio.
No início do século XVI e no princípio do século XVII não havia disposição em Portugal
que proibisse a entrada nas ordens religiosas e na nobreza dos cristãos-novos e, como mais
tarde era ignorada tal circunstância, dava-se como prova de uma família ser cristã-velha a
existência nela de eclesiásticos (Herson, 1996:36). Isso levou a que os pais forçassem os
filhos a serem padres, contra a vontade deles.
Não havia proibição ou impedimento para com o clero, que se dispusesse a viajar ou
emigrar para o Brasil no primeiro século da colonização. Os jesuítas que mais tiveram
interesse em lançar-se na aventura de emigrar para o Brasil tinham parte de sangue judeu. O
perigo da denúncia sempre existiu e o manto da Companhia de Jesus ou de outra ordem
religiosa acobertava o perigo imediato.
Os reis lusitanos não enviavam para o Brasil os jesuítas somente para catequizar os
índios. No seu expansionismo colonialista, além de propagar a fé católica houve a intenção
de escambo, de comércio, de adquirir riquezas mercantis, a tônica do comercio colonizador
do Oriente. Razões urgentes exigiram a povoação da nova colônia em face da constante
ameaça de franceses e da crescente força de holandeses e ingleses. No início da colonização
o Brasil dava a esperança de substituir as fontes de riquezas do Oriente, embora ainda não
houvesse notícias da existência de ouro e outros minerais.
Os jesuítas exerceram os mais variados ofícios dentro dos seus próprios
estabelecimentos. Monopolizavam o ensino no país com os seus afamados colégios. Em
1614, já existia a Companhia dos Ofícios Mecânicos, no Colégio de Pernambuco e também
no da Bahia. As artes mecânicas eram sete: lavrador (senhor de engenho), caçador, tecelão,
soldado, marinheiro, cirurgião e ferreiro (Herson, 1996:58). Entre os vários ofícios dos
jesuítas contavam-se os relacionados com a farmacopéia e assistência médica. Foram
enfermeiros, físicos, barbeiros e boticários e, se houvesse necessidade, eram cirurgiões. As
curas e a pronta assistência deram aos padres grande prestígio e proporcionaram entre os
índios respeito e inclinação para sujeitarem-se, nem sempre voluntariamente, à catequese.
Conforme a necessidade do momento os jesuítas empregavam no Brasil os
conhecimentos médicos e cirúrgicos da época: sangravam, apesar da Igreja proibir a efusão
de sangue, salvavam a vida do doente enquanto podiam, não o entregando à vontade de
Deus, embora a Igreja pregasse que a doença era castigo de Deus e a morte a sua vontade.
Os irmãos boticários vinham de Portugal “já feitos”, outros aprendiam na terra. Quanto à
farmacopéia da época, não eram menos competentes do que seus colegas da Europa
(Herson, 1996:63).
O êxodo de judeus e cristão-novos de Portugal intensificou-se quando D. João III
tentou conseguir a bula papal para a instituição da Inquisição em Portugal. Com medo,
embarcavam em navios precários rumo a terras longínquas e desconhecidas. Para
Fernandes (2002:51) foi nessa concepção religiosa que a colônia representou um local onde
as pessoas podiam cumprir suas penas temporariamente, purgar a alma e depois retornar ao
país de origem, o que nem sempre ocorreu.
Os que aqui chegavam passavam por muitas privações, constantemente expostos a
perigos, ataques de índios, doenças, epidemias e picadas de cobras. As moradias eram de
barro e paus, cobertas de palha e a alimentação baseada na mandioca, carne de caça, peixe
dos rios, legumes, folhas de mostarda, milho e mel. O clima úmido favorecia o crescimento
das plantas e os portugueses que conheciam os rigores do inverno europeu, sem colheita
durante os meses frios, ficaram encantados com as frutas e verduras que brotavam.
Passado o entusiasmo inicial provocado pela visão das belezas naturais, queixavam-
se os portugueses da difícil aclimatação, das picadas dos insetos e animais venenosos, do
calor, da umidade, das emanações miasmáticas dos pântanos, dos alimentos de difícil
digestão, da natureza excessivamente agreste. Mesmo assim, segundo Ribeiro (1997), no
imaginário da época o Criador fora prodigioso com a Colônia, pois adicionalmente às terras
férteis, metais e pedras preciosas, teria proprocionado produtos medicinais muitas vezes
superiores àqueles vindos da Europa. Assim, vegetais como raízes, minerais e animais, a
quem o Nosso Senhor dera virtudes excelentes para remédios de muitas enfermidades.
Nos tratados de Medicina da época e nos relatos de viajantes, o olhar depreciativo
lançado sobre a natureza, exaltando a malignidade climática e a incidência de doenças
tropicais, contrastava com a visão elogiosa de um mundo natural bastante exuberante. O
europeu estava diante de uma flora e fauna com espécies conhecidas e desconhecidas, que
apresentavam “qualidades medicinais virtuosíssimas” (Araújo, 1952).
Relata Maldi (1997:189) que em contraposição à Europa mediterrânea, a América
encontrada era desmesurada, imensa: rios que pareciam oceanos, árvores de altura
inacreditável. A diferença de escala do mundo físico foi um impacto, também por que
abrigava uma humanidade distinta e desconhecida. Não foi por outra razão que a
construção da geografia da América se situo numa relação dialética entre ficções, mitos e
realidades, constituindo as imensas “geografias imaginárias”.
Nas cartas dos primeiros jesuítas (Serafim Leite, Cartas dos Primeiros Jesuítas
(1538-1553), op. cit. Vol. I, p. 168 apud Herson, 1996:54-56), o Padre Nóbrega escreveu
ao Padre Simão:
...além da mandioca, do arroz e do algodão, havia o tabaco que considerava um remédio “que o Dio
ha previsto – a erva Santa, que ajuda a digestão purgando a flegma de estômago e outras dores de
corpo”.
Havia raízes aromáticas, a baunilha, o azeite de copaíba, cuja semente produz um óleo medicinal, e a
andiroba, da qual se extrai o azeite para os candeeiros. [...] Crescia cravo e cacau e a salsaparilha de
cuja raiz o povo extraí uma droga considerada como eficiente depurativo.
Há uma planta que nasce nos ramos de qualquer árvore e ali cresce e dá fruto grande e mui doce,
chamada caracatá, e entre suas folhas que são largas e rijas, se acha todo verão água frigidíssima que
é remédio dos caminhantes onde não há fontes.
[...] Nem menos são as madeiras do Brasil formosas. São estimadas não só por sua formosura, mas
porque destilam de si óleo odorífico e medicinal [...] Umas árvores mui grossas, altas e direitas
chamadas copaíbas que golpiadas no tempo de estio com um machado ou furrados com uma verriuna
ao pé estilam do amego um precioso óleo com que se curam todas as enfermidades de humor frio, e
se mitigam as dores que delas procedem, e saram quaisquer chagas, principalmente de feridas frescas
posto com sangue, de tal modo que nem fica delas sinal nenhum depois que saram. Nem só tem estas
árvores virtudes em óleo, mas também em a casca e assim se acham ordinariamente roçadas dos
animais que os vão buscar para remédio de suas enfermidades.
[...] Outras árvores há chamadas caboeiras, que dão o suavíssimo bálsamo com que se fazem as
mesmas curas, e o Pontíficie o tem declarado por matéria legítima da Santa Unção e Crisma e como
tal se mistura e sagra com os Santos óleos onde falta o da Pérsia.
[...] Tem outra planta que produz ananases, fruta que em formosura, cheiro e sabor excede todas as
de mundo. Alguma tacha lhe põem os que tem chagas e feridas abertas, porque lhas assanha muito se
comem, trazendo ali todos os ruins humores e purgá-los pelas vias que acha abertas, como a
experimentamos em enfermos de pedra que lhe desfaz em aréias e expele com a urina, e até ferrugem
da faca com que se apara e limpa.
[...] árvore chamada andaz, varas de leiteirão que dão castanhas excelentes para purgar e outras que
dão pinhões para o mesmo efeito, os quais têm este mistéerio que se os tomam com película sutil que
têm, provoca o vômito, e se lhe tiram, somente provocam as câmaras.
Nas praias do mar, ou ao longo delas, se dá uma erva que se não é a çarsaparilha, parece-se com ela e
tomada em suadores faz o mesmo efeito.
A erva fedegosa, chamada pelos gentios e índios, a feiticeira, por suas curas que com ela fazem, e
particularmente, de “bicho” – febre amarela – que é uma doença mortífera.
[...] as ambaíbas são uma figueiras bravas [...] os óleos dessas árvores pisadas e postas em feridas
frescas com sangue, as saram maravilhosamente. A folha da “figueira do inferno” posta sobre
nascidas, e leicenços mitiga a dor e a sara.
As jumbebas saram as chagas e as raízes são contra peçonha. A caroba, de propriedades medicinais,
sara das boubas.
Enfim não há enfermidade contra a qual não haja ervas nesta terra, nem os índios naturais têm além
dela outra botica ou usam de outras medicinas.
Sangrar, purgar, escarificar
Os profissionais que atuavam na medicina no Brasil, até o princípio do século XIX,
denominavam-se “físicos” ou “licenciados”, “cirurgiões-barbeiros” ou “cirurgiões
aprovados”. Os cirurgiões-barbeiros compuseram a maior parte dos profissionais.
Habilitados após um exame perante uma banca examinadora na metrópole deveriam
exercer unicamente a cirurgia, mas praticavam toda a medicina, dada a escassez de físicos.
Encontravam nos barbeiros os seus maiores concorrentes, estando estes capacitados para os
atos de sangria, sarjação (escarificação), aplicação de ventosas e arrancamento de dentes.
Com poucos profissionais habilitados e uma vasta extensão territorial, a medicina também
era praticada por boticários e seus aprendizes, curandeiros, “entendidos”, curiosos e
“empíricos”, que possuíam algumas receitas retiradas de livros e receituários.
Caracterizados como médicos encarregavam-se de tratar toda e qualquer enfermidade e
estavam presentes em todas as povoações.
Fig 44 – Jovem se prepara para tomar clister século XVIII.
O ofício de cirurgião, que exigia esforço físico e sacrifício, era visto como uma
ocupação depreciativa era “negócio de judeu”. Nenhum filho de nobre ou alguém que se
prezava, andava pelos caminhos lamacentos, às vezes à noite, no escuro e sem proteção,
para atender um doente (Herson, 1996:62).
Nos primeiros séculos da colonização, um grande número de profissionais
aprovados, portadores de “carta de examinação”, pertenciam às tropas militares. Além do
soldo que recebiam, exerciam a clínica civil como cirurgiões e físicos. Empregavam-se no
“partido” da Câmara. Eram de origem lusa ou espanhola e quase todos de ascendência
judaica. Competia-lhes o tratamento dos soldados doentes e feridos internados nas Santas
Casas ou em outros nosocômios, como nos próprios hospitais militares. Poucos foram os
“físicos”, isto é, bacharéis e doutores empregados nos serviços militares, onde a maioria se
compunha de cirurgiões. Geralmente um apenas para cada capitania. Recebiam soldo
correspondente ao de tenente e eram considerados oficiais inferiores, colocados acima dos
alferes (Santos, 1991).
Fig 45 – Lancetas e facas para abrir abcessos, século XVIII.
As práticas médicas exercidas pelos portugueses na Europa eram aqui reproduzidas.
No início da colonização brasileira os profissionais da “arte de curar” permaneciam com os
conhecimentos que adquiriram antes de chegar ao Brasil. Com o tempo e a expansão
portuguesa para o interior do continente, os poucos profissionais capacitados que aqui
residiam deparavam-se com a escassez de medicamentos europeus, recursos técnicos e falta
de materiais que utilizavam na metrópole. Tinham que se ajustar às difíceis condições de
trabalho, lançando mão dos produtos da terra, ao manejo dos quais não estavam
acostumados. Em algumas vilas não existia nem uma só “botica” que possuísse os remédios
mais domésticos e mesmo que houvesse, sua aplicação nem sempre era bem sucedida, pois
era considerada vaga e arbitrária.
A medicina exercida baseou-se na imediata observação do paciente e nos sintomas
por ele apresentado. Os medicamentos de além-mar eram raros no país, se deterioravam
com freqüência na travessia marítima ou nas prateleiras das boticas. Daí a necessidade do
conhecimento de botânica médica por parte dos profissionais que aqui exerciam a
medicina. Ainda assim, utilizavam com cautela as plantas medicinais nativas que eram
receitadas pelos pajés e curadores e por eles aconselhadas aos médicos.
Para Ribeiro (1997), a grande quantidade de espécies medicinais da colônia
brasileira provocou alterações no receituário lusitano. Distante das boticas européias,
desarmado perante certas moléstias e pouco familiarizado com as plantas medicinais do
Brasil, o colonizador submetia-se facilmente aos ensinamentos dos naturais no caso de
infortúnios próprios da colônia.
A princípio, os medicamentos chegavam do Reino já preparados, mas com a
pirataria no mar, que impedia a vinda dos mesmos de Portugal, a necessidade obrigou o
colonizador a fazer grandes provisões e a procurar o que a terra podia dar. Exploraram e
experimentaram as ervas abundantes, as madeiras, resinas e raízes indicadas pelos índios.
Estes remédios e tisanas, iniciados no século XVI, foram-se ampliando e pouco a pouco,
misturados com ingredientes europeus, estabeleceram a farmacopéia brasileira.
Inicialmente os remédios eram vendidos clandestinamente e só depois de 1640 em
boticas autorizadas (Herson, 1996:64); as da Companhia de Jesus utilizavam suas próprias
receitas e eram as únicas em algumas cidades. A botica tornou-se centro de encontro de
homens. Lá debatiam problemas, fecham negócios, trocavam novidades, idéias e fuxicos.
Aí chegavam os viajantes, os curiosos, os políticos. Eram locais de encontro de médicos,
estudantes e mais tarde de dissidentes e conspiradores.
De acordo com as leis coloniais, os
boticários eram obrigados a ter sobre o
balcão velhos livros de receitas, que
deviam seguir sem vacilar. Seu ofício
baseava-se em diagnosticar a moléstia,
que os sábios de Lisboa, três séculos
antes, já haviam estabelecido como a
maneira invariável de curar. Na ausência
de escolas o aprendizado se dava nas
boticas, através da prática.
Decorrente da dificuldade de acesso a médicos e cirurgiões, inexistentes em
algumas localidades, as práticas curativas populares incorporaram o saber e a experiência
do dia-a-dia. Negros e índios ocuparam lugar de destaque no desempenho das atividades
terapêuticas, dando origem a uma arte médica fortemente marcada pela diversidade.
As terapêuticas empregadas pelos indígenas com uso de medicamentos
considerados simples contrariavam a panacéia empregada na Europa, que utilizava
medicamentos opostos ao mal detectado, típico da medicina humoral. Mesmo considerando
as práticas curativas indígenas inferiores, por não utilizarem procedimentos químicos, em
condições adversas, acometidos de doenças e com remédios europeus “vencidos”,
precisaram se nortear pelos saberes dos nativos, utilizando seus conhecimentos herbários de
plantas curativas e alimentares, muita das quais foram posteriormente reconhecidas,
cientificamente.
Entre os negros trazidos para o Brasil vieram feiticeiros-curadores peritos em
raizadas e experientes em magia, que utilizavam banhos, as gorduras animais para fricção,
o jejum dietético, os ungüentos aquecidos, os cataplasmas, as ataduras com ervas
esmagadas, etc, popularizando a utilização de plantas como a arruda, alecrim e o
manjericão.
Ao mesmo tempo em que abominavam certas formas de cura, os europeus
absorviam os fundamentos das culturas que formavam o Brasil, o que acabou conferindo
grande enriquecimento à sua arte médica. Eles foram apresentados a hábitos, costumes e
técnicas até então desconhecidos, mas que paulatinamente passaram a fazer parte de seu
acervo cultural. Esse processo, esse “poder” de apropriação de diversos ângulos das
culturas com as quais Portugal tinha contato, deu-se de maneira crescente na colonização,
sedimentando-se com o passar dos tempos.
Qualquer um podia intitular-se “profissional” da medicina e praticar a cura sem
prestar conta a ninguém, pois não havia controle do regulamento “sanitário reinol”. Só no
final do século XVI foi criado o ofício de “Juiz do Ofício dos Físicos”, com a obrigação de
examinar e licenciar os candidatos ao exercício da profissão (Lopes Rodrigues, 1934, apud
Herson, 1996).
A escassez de médicos na Colônia prolongou-se por muito tempo e os profissionais
que aqui viviam, não eram considerados suficientemente bons. Isso talvez fosse uma das
razões de descrédito da arte médica e motivo pelo qual a população preferia os feitiços e as
rezas (Herson, 1996). Embora a medicina da colônia e a portuguesa não possam ser
dissociadas, desde o descobrimento do Brasil as diferenças sociais e ambientais foram
marcantes.
Nos primeiros séculos da colonização um grande número de profissionais
aprovados, portadores de “carta de examinação”, pertenciam às tropas militares. Além do
soldo que recebiam, exerciam a clínica civil como cirurgiões e físicos. Empregavam-se no
“partido” da Câmara. Eram de origem lusa ou espanhola e quase todos de ascendência
judaica. Competia-lhes o tratamento dos soldados doentes e feridos internados nas Santas
Casas ou em outros nosocômios, como nos próprios hospitais militares. Poucos foram os
“físicos”, isto é, bacharéis e doutores empregados nos serviços militares, onde a maioria se
compunha de cirurgiões. Geralmente um apenas para cada capitania. Recebiam soldo
correspondente ao de tenente e eram considerados oficiais inferiores, colocados acima dos
alferes (Santos, 1991).
Para Jesus (2003:139) “por mais deficitária que tenha sido a arte médica na
Capitania de Mato Grosso, considerando sua população total que no fim do século XVIII
era menor que trinta mil habitantes e, o número de oficiais de cura, parece que esse serviço
não era tão escasso, mesmo sem contar curandeiros e benzedores. Nessa capitania isso se
justificava por ser zona de fronteira que recebia militares encarregados da defesa do
território. Quanto à procedência destes oficiais de cura eram de Portugal (Lisboa e
Província de Trás dos Montes), da América Portuguesa (Comarca de Serro Frio, Vila dos
Santos) e da vila do Cuiabá”.
No arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa encontram-se guardados documentos
datados de 1735 afirmando que Antônio Pinto da Fonseca era
chirurgião aprovado e acistente nas Minas do Cuyabá desde o anno de 1726 exzercitando a sua arte
com muita aceitação de todos e bons sucessos nas boas curas que faz, e sendo o único chirurgião que
ouve nas ditas Minas no anno de 1732 e no de 733, por se auzentarem o Dor. Ernesto Lamberto
Medico estrangeyro, e Manoel Joseph da Cunha.
Querendo, Pinto da Fonseca ir para Lisboa, de onde era natural, dar Estado e huã Irmã domzella, foi
impedido pela Câmara de Cuiabá, a requerimento do Povo pa. Que o suplicante ficace nas ditas
Minas pela grande necessidade e falta de curativo que delle se tinha, arbitrandolhe para ajuda de
custa duzentas outavas de ouro por anno a custa das rendas da Camaraa e dos Povos cada hum
aquella porssão que cada hum pudece fazer, o que foi feito com parecer do Ouvidor Geral (Sousa
apud Moura, s/d: 2).
No final do século XVIII houve uma preocupação do Estado para atender às
necessidades dos colonos, não os deixando à mercê das epidemias, pois eles representavam
mão-de-obra em potencial e garantiam a defesa da Colônia. A alternativa encontrada pelos
governantes, para suprir a carência de médicos, foi a criação de métodos de ensino que
limitassem os alunos às questões básicas da arte de curar, concentrando-se no aprendizado
prático. Aprovar a existência de uma instituição de Medicina na América Portuguesa podia
incentivar o sentimento de liberdade, já motivado pela influência de autores ilustrados. Ao
permitir o funcionamento de aulas de cirurgia, o governo metropolitano atendeu a uma das
queixas dos colonos. Aqueles que tinham condição podiam se deslocar para a Metrópole, a
fim de obter o título de médico. Em 1768 alguns oficiais de Sabará fizeram uma
representação solicitando ao rei Dom José I permissão para implantar um curso teórico-
prático de anatomia naquela localidade, o que foi negado. A Vila do Cuiabá e Vila Bela da
Santíssima Trindade incluíam-se nessa proposta, na tentativa de instruir cirurgiões que
pudessem se deslocar para povoados e arraiais distantes, a fim de atender aos colonos.
(Jesus, 2004:96).
Semelhante ao que ocorreu em outras regiões do Novo Mundo, o colonizador
português foi responsável pela disseminação de certas moléstias no Brasil. Espalhou
germes de suas doenças entre os indígenas, que indefesos, padeceram em grande número
(Sournia & Ruffie,1984). Mas nem só da Europa chegaram às novas doenças. Os navios
transportando escravos, vindos de diferentes regiões da África, deixaram em nossos portos
males diversos, contribuindo com a formação do quadro patogênico colonial, que se
perpetuou no cotidiano da população.
Além de sua interação com os portugueses, os nativos também entraram em contato
com navios franceses clandestinos, que vinham buscar o pau-brasil para tintura de sua
produção têxtil, no noroeste francês. Os índios derrubavam a madeira e armazenavam-na ao
longo da costa, em locais já determinados e então aguardavam as embarcações tanto
portuguesas como francesas para fazer o escambo, troca do pau-brasil por artigos diversos
trazidos pelos europeus. Ignoravam que nas trocas recebiam agentes causadores de
infecções (Ujvari, 2003:101).
As primeiras doenças apontadas na Colônia foram as febres, a malária, a bouba
(doença infecciosa causada pelo Treponema pertenue, que determinava alterações
semelhantes à sífilis), a opilação do fígado e do baço (causada pela desnutrição), falta de
ferro no organismo, o puru-puru (dermatose contagiosa que se caracterizou por manchas
brancas), o maculo (doença de negros caracterizada por diarréia com relaxamento do
esfíncter anal, que se dilatava de tal forma que a mão inteira poderia sondar o intestino), o
tétano, as paralisias, as disenterias, a hemeralopia (cegueira noturna) e os envenenamentos
(Herson, 1996:23).
O Brasil foi muitas vezes fustigado por grandes pestes, epidemias ou doenças
gerais: bexigas, pleurizes, febres eruptivas, câmaras de sangue, tosse e catarro. Havia
sarampo, malária ou impaludismo - as terríveis maleitas. As manifestações maláricas eram
a mais grave patologia indígena.
Com os escravos chegaram novas doenças: a moléstia do sono, o bócio parasitário
(hipertrofia da glândula tireóide) e outras não definidas. Depois vieram a peste, o cólera, a
febre amarela, o tifo, vermes de várias espécies, as moléstias do aparelho digestivo,
respiratório e genital e picadas de vários insetos de espécies antes desconhecidas. (Herson,
1996:24).
A marca da sífilis que o brasileiro
ostentava como quem ostentasse uma
ferida de guerra, era muito comum nas
casas grandes e nas senzalas. O povo não
se dava conta dos graves danos que
causava ao organismo e a maioria não a
considerava como doença vergonhosa.
Com o tempo os jesuítas chegaram a usar
no tratamento de doenças venéreas um pó
de quina, trazido do Peru, que chegou a
chamar-se o “pó dos Jesuítas”. Por muito
tempo a quina foi usada para outras
doenças, além da malária, com o nome de
“mesinha dos Padres da Companhia
(Herson, 1996:63).
Essa face devastadora da disseminação das doenças trouxe pelo contato étnico e
cultural a miscigenação dos fundamentos da “arte de curar”. Ao saber indígena,
acrescentou-se a experiência dos europeus e africanos. Noções e práticas comuns aos três
povos, outras divergentes, combinaram-se, dando origem à medicina dos tempos coloniais.
A concepção da doença como força sobrenatural, a visão mágica do corpo,
freqüentemente sujeito à ação de forças externas, o uso de amuletos e a larga utilização de
plantas e animais eram comuns nos meios populares portugueses. A feitiçaria e a magia
desenvolveram-se aqui sob o sincretismo cultural. Os colonos já traziam de Portugal
crenças mágicas e esses traços perpetuaram-se, modificando-se e adaptando-se à nova
realidade, através da experiência adquirida diariamente. Benzedeiras, feiticeiras e
curandeiros eram procurados por indivíduos de todas as classes da população. No Brasil
Colônia não existia fronteira entre a medicina erudita e as práticas curativas populares.
Vividas cotidianamente por todos os estratos da sociedade, as diferentes concepções
terapêuticas se entrecruzavam num ambiente conflituoso. O saber “médico erudito” e o
popular eram indissociáveis, mas os representantes da arte oficial lutavam contra os
práticos”. Aos empíricos e outras pessoas não ligadas ao saber “oficial”, cabia apenas a
administração de produtos oferecidos pela natureza. Os atos terapêuticos baseados em
fórmulas ou ações mais intervencionistas pertenciam ao domínio dos médicos-cirurgiões.
Até meados do século XVIII, substâncias comuns ao universo da feitiçaria
encontravam lugar de destaque nos tratados de Medicina. Por serem produtos difundidos
pelo saber acadêmico, podiam ser utilizados desde que se dessem explicações satisfatórias
sobre a sua utilização. A finalidade era afastar a arte médica de qualquer saber popular. Era
autorizado ao médico o emprego de qualquer substância: de símbolos do universo
utilizados freqüentemente na feitiçaria, a animais que representassem o diabo e o seu
mundo (sapo, morcego, bode), havendo uma tramitação fluida entre o domínio da medicina
e da feitiçaria. As ordens do reino e a legislação eclesiástica lançavam severas penas sobre
os não habilitados que a infringiam. O alvo da repressão era o agente da cura e não o meio
utilizado. A hostilidade aos que exerciam a medicina informalmente não pode ser atribuída
apenas à concorrência que faziam com os médicos, cirurgiões e boticários ou às pressões
das autoridades médicas e religiosas, mas advinha dos próprios pacientes e seus familiares.
Na mentalidade do homem colonial havia íntima ligação entre cura e malefício e assim,
aquele que sabia curar, podia também lançar o mal (Ribeiro, 1997).
Essa disputa pela credibilidade de atuação dos diferentes profissionais da arte de
curar, criou um campo de atuação, que Bourdieu (1983) entende como sendo o local de
atuação enquanto sistema de relações, o lugar, o espaço onde ocorria uma luta
concorrencial. O que estava em jogo especificamente nessa luta era o monopólio da
autoridade científica definida de maneira inseparável como capacidade técnica e poder
social, ou se quisermos o monopólio da competência científica, compreendida enquanto
capacidade de falar e de coagir legitimamente, de maneira autorizada e com autoridade,
sendo socialmente outorgada a um agente determinado. O funcionamento desse campo
científico produzia e supunha uma forma específica de interesse.
Qualquer que fosse o campo, ele era objeto de luta tanto em sua representação
quanto em sua realidade (Bourdieu, 2004). Nessa “luta” cada agente (portugueses, índios e
negros) devia engajar-se para impor o valor de seus produtos e de sua própria autoridade e
legitimidade. Estava em jogo o poder de impor uma definição de ciência que estivesse de
acordo com os interesses específicos, que permitisse ocupar legitimamente a posição
dominante e que assegurasse ao seu detentor, a título pessoal ou institucional, a mais alta
posição na hierarquia dos valores científicos. A cada momento existiu uma hierarquia
social dos campos científicos. A definição do que estava em jogo na luta científica fazia
parte do jogo da luta científica: “os dominantes eram aqueles que conseguiam impor uma
definição de ciência, segundo a qual, a realização mais perfeita consistia em ter, ser e fazer,
aquilo que eles têm, são e fazem” (Bourdieu, 1983).
Ainda para Bourdieu (2004), os agentes sociais em disputa estavam inseridos na
estrutura em posição dependente do seu capital cultural e desenvolviam estratégias que
dependiam, elas próprias, em grande parte, dessas posições, nos limites de suas disposições.
Essas estratégias da relação entre saber e poder orientavam seja para a conservação da
estrutura, seja para a sua transformação e, podiam, genericamente verificar que quanto mais
as pessoas ocupassem uma posição favorecida na estrutura, mais elas tendiam a conservar
ao mesmo tempo a estrutura e a sua posição, nos limites de suas disposições.
Partindo-se desses pressupostos pode-se entender que ao mesmo tempo em que
abominavam certas formas de cura, os europeus absorviam as práticas e usos das culturas
que formavam o Brasil, conferindo grande enriquecimento à sua arte médica, sendo
apresentados a hábitos, costumes e técnicas até então desconhecidos, mas que
paulatinamente passaram a fazer parte de seu acervo cultural.
Médicos, cirurgiões, boticários, barbeiros, curandeiros, feiticeiros, pajés tratavam
seus doentes utilizando plantas medicinais. Embora existindo uma comunicação entre os
saberes desses artífices, independente da titulação, carta de exame ou da prática, ocupavam
papéis e status sociais diferenciados. O papel regulador da Metrópole pautou-se em
supervisionar o exercício das atividades das diversas categorias, impondo medidas que
delimitavam os diversos campos de atuação. Os profissionais da arte de curar exerceram
seus ofícios como artesãos, embora os médicos desempenhassem suas atividades
amparadas por um discurso que dizia ser “científico”. A legitimidade da prática era assim
fornecida pela categoria na qual inseria-se o curador: o lugar no qual se enuncia o discurso
tornando-o empirismo ou ciência.
A disputa pela arte de curar estabeleceu práticas e relações de poder, que não
estavam localizadas em nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionavam como
uma rede de dispositivos ou mecanismos, a que nada ou ninguém escapava, onde não
existia exterior possível, limites ou fronteiras. Encontrava-se disseminada por toda a
estrutura social. O domínio da cura com seus “rituais de verdade” produziam uma eficácia,
uma riqueza estratégica, uma positividade. Como nos lembra Foucault (1984) de um lado
estavam os que detinham o poder e do outro aqueles que se encontram alijados, mas que
também detinham um poder em disputa.
Considerando a medicina e a religião, no período colonial, como campos
indissociáveis, o pensamento do médico ilustrado nada tinha de contraditório ou singular.
No século XVIII, a concepção de ciência comportava os princípios religiosos. Foi um
período em que a ciência descobriu o “maravilhoso”, uma época de renovação e também de
permanência. Os tratados médicos daquele período permitiram verificar que os processos
de cura e magia perderam espaço na cultura escrita, mas persistiram em outras esferas. O
saber erudito tendeu a afastar-se cada vez mais da medicina popular, reprimindo o
curandeirismo e os processos curativos envolvendo rituais mágicos. No entanto, as raízes
de muitas crenças estavam bem estabelecidas no imaginário da população na colônia. Era
impossível arrebatá-las. Ao longo dos anos, muitas práticas de cura popular tenderam a
desaparecer, outras permaneceram ou se transformaram, fornecendo subsídios para a
criação de terapêuticas qualificadas como “rústicas”, de indiscutível origem sincrética.
Ainda hoje se difundem rituais curativos cujo arsenal de crenças e usos de substâncias
guardam reminiscências de velhos hábitos e costumes. Amuletos, benzeduras, orações,
defumadores e utilização farmacológica de produtos comuns ao universo das práticas
associadas aos rituais de feitiçaria continuam sendo, em nossos dias, familiares às
comunidades brasileiras.
A contribuição do Brasil à medicina portuguesa, não se restringe a épocas em que
dada às limitações existentes, a arte médica incorporava novos experimentos sem usar
critérios seletivos. Ela se intensificou durante o século XVIII, com a valorização do saber
científico e médico-botânico. As substâncias excêntricas foram gradativamente excluídas
da literatura médica erudita, o mesmo não acontecendo com muitas drogas utilizadas por
negros e índios que foram definitivamente incorporadas pela medicina portuguesa vigente.
A divergência básica entre os rituais indígenas e africanos e os desenvolvidos pelos
portugueses encontrava-se nas “práticas cristãs” de cura em oposição às “práticas pagãs”
dos índios e negros. Desde a Idade Média os santos desempenhavam papel intermediário
entre Deus e os homens, indicando caminhos até a obtenção de curas “sobrenaturais ou
milagrosas”, através da benção do sal com água para expulsar maus espíritos, garantir a
saúde do doente e o afastamento de vapores pestilentos. Para Marques (1999:63) “benziam-
se viajantes, naus, casas, alimentos, armas. Benzia-se o cotidiano”.
Em Portugal rituais mágicos acompanhavam a coleta de espécies vegetais para a
preparação de remédios. Cuidados deviam ser tomados para retirar a planta da terra,
obtendo sua melhor eficácia: dia, hora, posição solar, saudações, etc. Tais rituais eram
reproduzidos no Brasil.
Os colonizadores não enxergavam similaridades entre suas práticas mágicas e a dos
índios e negros. Para estes as doenças eram causadas por agentes sobrenaturais, podendo
apresentar-se representados em bastonetezinhos vegetais, pêlos de animais, pequenas
pedras de rio, os quais o pajé ou o feiticeiro “arrancava” dos doentes mostrando a eles,
identificando-os com algum malefício. Estes artifícios mágicos incomodavam os
portugueses, cuja concepção de doença e cura baseava-se em outra ordem de
acontecimentos. Dessa forma não concebiam que a utilização de sal e água para espantar
“maus espíritos” tivesse alguma semelhança com tais bastonetezinhos.
Os portugueses como classe dominante afirmaram a sua cultura, assegurando uma
comunicação imediata entre todos os seus membros. Criaram distinções e hierarquias para
o estabelecimento da ordem, dando uma falsa impressão de uma integração da sociedade.
Como refere Bourdieu (2003) este efeito ideológico produziu a cultura dominante,
dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que unia era também
a cultura que separava e que legitimava as distinções, compelindo todas as culturas a
definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.
Enquanto a Inquisição e o clero se
imiscuíam na vida cotidiana dos colonos,
farejando lugares suspeitos de serem
palco de manifestações mágico-curativas,
a medicina voltava-se para os interesses
mais imediatos do Estado. Apesar do
relativo desleixo das autoridades médicas
e da escassa presença de seus
representantes nos domínios
ultramarinos, Portugal tentava exercer
certo controle sobre os quadros
patogênicos da Colônia, além das
tentativas de regulamentação dos ofícios
médico-cirúrgicos e da vigilância do
comércio das drogas (Ribeiro, 1997:113).
Sentindo-se ameaçados pelas fogueiras da Inquisição, muitos homens deixaram
Portugal procurando uma outra realidade, alargando seus horizontes culturais. A partir do
reinado de D. João V, com a intensificação dos esforços para inserir Portugal na Europa
culta, estes homens são requisitados para se pronunciar sobre diversos assuntos. A política
colonial e o domínio clerical sobre todos os setores da sociedade eram obstáculos ao
desenvolvimento cultural e econômico do reino lusitano. Os aspectos considerados mais
defasados em relação a outros Estados Europeus e aos quais deveria se dar maior atenção
estavam as técnicas agrícolas e o estudo da medicina. Na filosofia iluminista o grau de
importância de uma ciência era medido de acordo com o benefício oferecido à sociedade.
Remodelar a arte de curar era fundamental.
A reforma da Universidade de Coimbra
em 1772 inaugurou um período de
tentativas para superar o descompasso da
medicina no Reino. Tratados médicos
importados passaram a ser traduzidos
com maior freqüência, aumentando a
possibilidade dos alunos terem contatos
com teorias e experiências mais recentes.
Apesar da maior parte das doenças ainda
permanecer desconhecida, procurou-se
explicá-las através do desequilíbrio dos
humores, do ar maléfico e do clima
desfavorável e não somente como
resultado de feitiços ou castigos divinos.
Fig 46 – Amendoim, grão de galo e limão azedo, acervo Biblioteca Municipal do Porto.
No século XVIII, transcorridos séculos de contato entre os povos que compunham o
império português, as trocas culturais aprofundaram-se significativamente. O papel
desempenhado pela América portuguesa e demais conquistas nos estudos médico-botânicos
foi fundamental na reformulação e evolução de um saber até então pouco afeito ao
experimentalismo. Não apenas o senso de curiosidade característico do século XVIII, mas
também a limitação do receituário tradicional e da arte médica como um todo,
impulsionaram fortemente o experimento de novas drogas.
Capitulo IV
AartedecurarnaCapitaniadeMatoGrosso
Fig 47 – O cirurgião
Os mais inocentes medicamentos, entre as mãos de empíricos, voltam-se no mais refinados
venenos. Não é a natureza que distingue uns dos outros: é a ocasião, a dose, a manipulação.
Alexandre Rodrigues Ferreira
Durante quase todo período colonial, após a ocupação holandesa, persistiu a política
de resguardo dos recursos naturais do Brasil, conferindo aos documentos a condição de
secretos, não os divulgando e, impedindo a realização de expedições científicas conduzidas
por estrangeiros. A exploração do interior brasileiro teve seu início no século XVII e em
decorrência dessa política, foi criada em 1779 a Academia Real de Ciência de Lisboa, que
enviou naturalistas para o Brasil, com a recomendação de mandar para o Real Gabinete de
História Natural do Museu da Ajuda, materiais e informações pertinentes à natureza.
Cientistas foram mandados para diferentes pontos do território brasileiro para sua
exploração.
O descobrimento da bacia hidrográfica amazônica deu-se através de um processo
gradual e moroso de conhecimento e registros que se iniciou nos Quinhentos e teve seu
expoente máximo em fins do século XVIII, com a navegação de complexos fluviais
importantes como as bacias dos rios Japurá, Íçá ou Javari. Apesar dos portugueses e
espanhóis disputarem o subcontinente sul-americano e terem estabelecido desde cedo uma
autoridade sobre o território, havia extensas zonas no interior da América Meridional onde
a presença colonizadora não se tinha feito sentir (Domingues, 1998:43).
Estas áreas eram consideradas perigosas e pobres, constituídas por selvas
impenetráveis, rios de fortes correntezas, climas doentios e habitados por povos selvagens e
pagãos.
Várias expedições, tanto portuguesas como espanholas, foram destinadas a esse
território com intuito inicial de pacificar e salvar as almas dos índios se beneficiando do seu
trabalho, bem como se aventurar em busca de honra, fama e riquezas. Com o tempo, as
viagens passaram a centrar sua atenção na exploração e conhecimento dos espaços físicos e
humanos, nomeando e localizando os rios, núcleos urbanos e etnias encontradas.
Existiu a necessidade de se proceder à ocupação física do território, quer pela
fortificação de locais táticos, quer pelo envio de colonos. O domínio do território
pressupunha, também, a celebração de alianças e relações de amizade com as etnias locais.
Através dessas viagens de descobrimento os legisladores, diplomatas e políticos
portugueses consideravam que tinham direito à posse dos territórios e estabelecimento de
uma soberania legítima, pretensão esta contestada pelos espanhóis.
Apesar dos portugueses terem iniciado as excursões ao interior do Amazonas em
1637, já se faziam presente no litoral Norte do Brasil, como tentativa de frear o
estabelecimento de holandeses, franceses, irlandeses e ingleses. Evocando o direito ibérico
da época, não era reconhecido às potências em ascensão, projeto territorial em relação às
terras sul-americanas. Portugal e Espanha eram “senhores do mundo” pelo Tratado de
Tordesilhas, celebrado a 7 de junho de 1494 e pelas bulas papais. Somente os povos
descobridores e conquistadores tinham direitos de ocupação sobre as novas terras.
Este esforço para proceder à ocupação da Amazônia conciliou a atividade de
missionários e leigos, funcionários, militares e soldados. A Coroa Portuguesa financiou este
empenho, dada a importância da região. Como saldo desse esforço de colonização, Portugal
conseguiu ao longo de dois séculos, integrar sob a sua esfera de influência uma vasta região
geográfica que, até meados dos Setecentos, de acordo com o direito que regia as relações
entre os Estados Ibéricos, pertencia à Coroa Espanhola (Domingues, 1998:46).
Durante o reinado de D. José I (1750-1777) destacou-se a política do seu primeiro
ministro Sebastião José de Carvalho e Mello (1699-1782), conde de Oeiras e depois
Marquês de Pombal, que encerrou a Idade Média em Portugal. As influências do Tribunal
da Inquisição foram restritas, não chegando a ser instalado no Brasil. Seu poder absoluto foi
reduzido e extinto em 1821. A instrução pública foi reorganizada incluindo a reforma da
Universidade de Coimbra (1772), contratando professores estrangeiros, entre eles
Domingos Vandelli (1730-1816), mestre dos naturalistas, que deu especial atenção aos
alunos brasileiros.
A segunda metade do século XVIII coincidiu com a realização de um enorme
esforço de renovação do conhecimento que envolveu indivíduos e instituições que foram
em grande medida promovidos, financiados e suportados pelo Estado. Nele estiveram
empenhados não só cientistas, astrônomos, engenheiros-cartógrafos, médicos, cirurgiões,
alguns vindos do estrangeiro, outros recém-formados pela Universidade de Coimbra ou por
academias corporativas, como também altos funcionários dotados de uma formação
cosmopolita ilustrada que permitiu que fossem não só administradores eficientes, mas
também “homens de ciência” (Domingues, 2000:19). O principal destinatário destas
informações era o Estado português.
Por quase todo o século XVIII houve uma carência de médicos e licenciados em
todo o Brasil. No Recife, assinalou-a o cirurgião Manoel dos Santos na primeira metade do
século. Em Belém, no ano de 1783, para uma população de 11.000 almas (1.422 fogos)
havia dois médicos: o doutor José Gomes dos Santos, formado em Montpellier, delegado
do Proto-medicato no Pará e no Maranhão e, o alemão A J. Printz, médico do hospital
militar, que exerceu o cargo de Físico-mor. Havia ainda sete cirurgiões licenciados, com
pouca prática (Araújo, 1952:16).
Como referi anteriormente, a medicina brasileira dos setecentos, de um modo geral,
estava entregue a cirurgiões pouco preparados, barbeiros sangradores, que aplicavam
ventosas e cáusticos e lancetavam abscessos, além dos enfermeiros, que tinham alguma
prática adquirida em hospitais. Tornavam-se assim cirurgiões práticos, treinados nas santas
casas e que após um exame superficial de suficiência, perante o Físico-mor ou seu
delegado, recebiam carta profissional. Criaram-se assim os doutores ambulantes (cirlulator,
de onde vem charlatão), que iam de vila em vila, de fazenda em fazenda, sangrando,
ministrando remédios e mezinhas, aplicando cáusticos, ensinando a fazendeiros e aos
poucos que tinham interesse, os procedimentos de cura.
Desde que chegou ao Brasil, Alexandre Rodrigues Ferreira manifestou a sua
preocupação com a escassez de profissionais da arte de curar, escrevendo em seu diário
sendo um único o cirurgião da toda capitania, e este residente na villa de Barcelos, são infinitos os
empíricos. [...] A medicina em ambas as capitanias, já eu disse em outra parte, que tinha mais
charlatães ainda do que a política em Itália (Ferreira,1983:712).
Em outro momento da mesma publicação acrescenta que
apezar da razão e da experiência, prevalece no estado a reputação, e o curativo dos empíricos, os quaes
affectando de saber o que ignoram, impunemente se constituem arbitos das vidas, sem outra carta de
approvação na arte, do que lhes passa a credulidade da plebe [...] que será entaõ d’aquelles que sem
nunca terem freqüentado os hospitais, sem terem aberto um livro, e talvez sem saberem ler, possuem as
virtudes das plantas, caracterisam todas e cada uma das enfermidades, e para alguma déllas têm uma
herva occulta, e um segredo pratico, que os empíricos do paiz o entendem.
Contudo a necessidade não tem lei, e onde não há medico, nem cirurgião, melhor é sujeitar-se o
enfermo ao curativo dos enfermeiros, que tem uma reconhecida pratica, do que abandonar-se ao
desamparo em que acabamos demasiadamente escrupulosos (Ferreira,1983: 755-756).
Após percorrer a Capitania de Mato Grosso por dois anos e observar as
enfermidades ocorrentes, Alexandre Rodrigues Ferreira decidiu escrever um manuscrito
sobre as moléstias endêmicas da região, fornecendo um roteiro de identificação da
sintomatologia, diagnóstico, prognóstico e terapêutica desses males tropicais, considerando
que a maior parte delas não se
remedeava, como poderia sêr, em se vulgarizando os necessários Conhecimentos Médicos, para
com elles se suprir a falta de livros, e de Professores: Assentei comigo, de vulgarizar os que possuía,
ou fossem próprios ou alheios; e concluído que fosse este Opúsculo, franquealo e os que quizessem
Ler; e tirar delle o proveito, que se lhes pode seguir. Emprehendi pois a execução deste Plano, e
despois de empregadas nelle as minhas horas de descanço, sahio ultimamente este pequeno signal do
meu Zelo, e não do meu Instituto. Entendo, que a estes Habitantes, nenhum outro presente posso eu
fazer, que mais digno seja da sua aceitação, do que o de lhes dar a Ler, quando enfermos, e de se
tractarem em algumas de suas Enfermidades segundo o que tenho Lido, ou sabido por experiência
própria. Ou elles assim o entendão, ou não, fiquem certos, que nenhuma paga lhes peço pelo meu
trabalho. Assaz recompensado fico, com a satisfação que tenho de trabalhar para ser-lhes-útil
(Ferreira,1966:43).
Alexandre Rodrigues Ferreira deixou como contribuição ao estudo médico-sanitário
da região uma monografia intitulada “Enfermidades endêmicas da Capitania de Mato
Grosso”, onde comentou as patologias e a farmácia aplicada pelos portugueses e pelos
naturais. As suas observações foram de grande valia aos que mais tarde se ocuparam da
nosologia (estudo das doenças) da região. Como homem instruído e conhecedor das idéias
de saúde e métodos de cura, vigentes na Europa no século XVIII leu
a Brasílica Medica de Guilherme Pison, sobre as enfermidades da Capitania de Pernambuco, e as
observações de Jacob Boutius, sobre as ilhas de Java; e pelo decurso de quatro annos tenho
reconhecido no Pará a identidade não só das ditas enfermidades, mas também dos medicamentos
indígenas (Ferreira,1983:712).
E em carta enviada ao Sr. Antonio Joseph de Araújo Braga, cirurgião graduado do
Hospital S. Joseph em Lisboa escreveu
queira coadjuvar-me com as suas as minhas observações medicas, visto que a Vmc., mais
privativamente do que a mim, pertence uma escrupulosa averiguação de cada uma das enfermidades,
suas causas, symptomas e prognósticos, e visto que além d’esta me estam igualmente
recommendadas, infinitas outras observações de mui differente repartição. Antecipo o penhor da
minha sinceridade, participando a Vmc. Que até o presente se me não tem offerecido occasião de
observar ou mais ou menos enfermidades, do que as que andam descriptas na Brasília Medica de
Guilherme Pison (Ferreira, 1983:743).
O pensamento médico do século XVIII era baseado na interpretação hipocrática da
teoria humoral. A Natureza era constituída pela mistura dos elementos: ar, terra, água e
fogo. Conforme a mistura desses elementos, resultavam as qualidades de seco, úmido,
quente e frio. Hipócrates relacionou os quatro elementos aos quatro humores do corpo
humano: sangue, “phlegma”, bile amarela e bile negra ou atra-bile (Maffei, 1978:12).
O sangue provinha do fígado se concentrava no coração e era responsável pela
manutenção do calor. A “phlegma”, produzida no cérebro, era constituída pelo muco nasal
ou pela glândula pituitária e descia através do etmóide; era fria, branca e visguenta e
resultante do quilo (suco dos alimentos digeridos no estômago), cujo papel era nutrir e
umedecer todos os membros do corpo que se movessem. A bile amarela (conhecida com o
mesmo nome ainda hoje), era produzida no fígado, acumulada no fel (humor seco), merecia
especial consideração por emprestar aos vômitos suas propriedades características;
auxiliava na manutenção do corpo, nos sentidos, na excreção em geral. A bile negra ou
atra-bile era produzida no baço (humor úmido), era espessa, negra e venenosa, indicando
má evolução das doenças. Também chamada de melancolia, servia para diminuir a quentura
do sangue e da cólera, alimentava os ossos e era responsável pelos acessos de hipocondria
(Maffei, 1978:12-14). Este humor se relacionava às hemorragias das partes altas do tubo
digestivo que se manifestavam sob a forma de vômitos de material com aspecto de borra de
café, verificados em indivíduos com aumento de volume do baço, representando um mau
presságio. Este sinal ainda hoje é observado em pacientes graves, geralmente antecedendo
estados terminais e continua indicando mau prognóstico de evolução do doente.
As diferentes combinações dos quatro humores e das quatro qualidades (quente,
frio, úmido e seco) davam lugar aos aspectos qualitativos das doenças e indicavam o modo
de ação dos medicamentos. A saúde era determinada pelo equilíbrio apropriado ou crase
(do grego mistura) daqueles componentes e as doenças resultavam do desequilíbrio ou
discrase (mistura defeituosa) dos mesmos. Os autores a quem Alexandre Rodrigues Ferreira
recorreu, aceitavam e interpretavam as doenças com base na teoria dos humores.
Hipócrates sinalizou no seu texto Ares, águas e lugares, as interações entre o espaço
geográfico e a ocorrência das doenças. Existia uma mistura de fatores ligados ao meio
natural, especialmente ao clima e, fatores ligados às pessoas. Tal mistura se reflete na
etimologia da palavra endemia: demos, que significa população e também lugar. O
significado hipocrático de endemia era o de uma doença própria de um lugar e de seus
habitantes, ressaltando a impossibilidade de dissociar um do outro, contrastando com a
epidemia, doença eventual, externa. Em sua acepção atual endemia e endêmico associam-se
a lugar, ao contrário de epidemia ou epidêmico que usualmente se associam à população
(Silva, 2000:139).
A palavra medicina originária do latim tem o significado de “arte de curar”.
Associa-se ao verbo “mederi”, que corresponde a curar, tratar e cuidar. Já era encontrada
nos textos espanhóis e italianos do século XII. Logo após toma a forma usual “medicine”,
surgindo nos textos franceses e ingleses no século XIV. A “medicina”, com o sentido
comum de “arte de curar”, só aparece em português no século XVII.
Procurando entender o que causava as enfermidades da Capitania, Ferreira iniciou
seu texto com noções físicas do país, caracterizando os terrenos com sua geografia e a
distribuição hidrográfica, as qualidades do ar e das águas, descrevendo os habitantes da
terra e seus costumes, para depois, ao final do manuscrito discorrer sobre as enfermidades e
sua terapêutica. Já possuía, na época, a noção de que a saúde consistia na harmonia dos
indivíduos consigo mesmo, com o meio ambiente e suas manifestações sociais. A saúde era
um estado de relação.
As descrições médicas vigentes que circulavam, afirmavam que o Brasil, embora
situado em grande parte entre os trópicos, era dotado de salubridade e clima admirável,
antes de ter seu povoamento intensificado pelos portugueses. Segundo Freitas (1935:11)
os seus primitivos habitantes entregues pela vida nômade que levavam, aos mais variados accidentes,
taes como mordeduras de cobras venenosas, picadas de animaes peçonhentos e de insetos
parasitados, tão communs nas regiões tropicaes, sabiam se precaver e se premunir, com os seus
próprios recursos, contra todos estes distúrbios á sua saúde e ao seu bem estar.
E, quanto aos transtornos pathologicos, elles somente vieram conhecel-os, na sua grande maioria, e
experimentar os seus terríveis effeitos após o contato com os europeus.
Já Ferreira (1966:44) afirmou que tanto no Brasil como nas outras colônias
portuguesas situadas nos trópicos, cortadas por rios caudalosos e cobertos de árvores
altíssimas, os efeitos do clima podiam ser notados nas qualidades do “céu e do terreno” e na
fisionomia dos que aqui viviam: “a côr, em quase todos os filhos dos Brancos, ou sejaõ
taes, ou Mamelucos, he macilenta, as vezes débeis e dezentoadas; e todos eles ociosos, e
negligentes”.
Descreveu que o clima era inconstante, chovendo durante todo o ano, mesmo nos
dias mais serenos. Com as chuvas contínuas, depois do mês de março, os rios
transbordavam alagando as margens, trazendo consigo uma imensidão de árvores e
animais. Quando as águas retornavam ao leito deixavam os campos cobertos de charcos,
aonde os corpos de peixes e animais apodreciam com o calor, gerando uma imensidão de
insetos e exalações podres, que tomam conta da atmosfera.
Destes vapores provinham as febres pestilentas chamadas Carneiradas: “nas Minas
de Matto Grôsso, Cuyabá e de Goyaz. Da mesma origem vinham outros males, tão comuns
a todo o Brazil como são os Insetos mais nocivos á saúde e outras mollestias vulgares”
(Ferreira, 1966:45).
As representações acerca do
conhecimento dos agentes etiológicos e
as formas de contágio das doenças faziam
acreditar que as dificuldades de
aclimatação dos colonos portugueses
fossem as propriedades físicas do ar, das
águas e dos terrenos nas regiões tropicais,
quando os obstáculos eram as doenças
endêmicas como as febres palustres,
desinterias e hepatites
no tempo dos calores, as diarréias e as dysenterias apparecem e são mortaes; e quando mais a sezão
dos calores estiver avançada, maiores estragos fazem aquella doenças; porque os ardores do Sol tem
apodrecido já aquellas matérias das enxurradas e estão já todos tão subutilizadas e espalhadas pela
atmosphera, ninguém se pode preservar da sua violência; reynão febre intermittentes, mas de
natureza tão maligna, que se terminão ordinariamente por Hydropezias, e estas com a morte; muitas
vezes se convertem em febre ardentes com delírios, e morrem por parótides, pintas e carbunculos
(Ferreira, 1966:45).
A precariedade e a provisoriedade do modo de vida da população colonial fez com
que as ações sanitárias desse período fossem poucas ou inexistentes. Algumas intervenções
começaram a ser realizadas em meados do século XVIII, privilegiando os centros mais
dinâmicos da economia, como as cidades litorâneas e as ricas cidades das Minas Gerais
(Rezende & Heller, 2002:67). Apenas uma parcela reduzida da população tinha acesso às
melhorias como aquedutos, chafarizes para o abastecimento de água e o trabalho escravo
para a coleta de dejetos. Não conseguindo conter a insalubridade nas cidades, estas se
transformaram em espaços freqüentes para epidemias. As mais antigas obras de saneamento
no Brasil datam da permanência de Maurício de Nassau (1637-1644), durante a ocupação
holandesa no nordeste. As ações foram realizadas a partir de conhecimentos sobre a
transmissão de doenças de acordo com a Teoria dos Miasmas e pretendiam resguardar a
salubridade da cidade.
Aristóteles conferia às entidades materiais alguns atributos que lhes seriam
inerentes: a “natureza” destas entidades; de modo que seria da “natureza” dos pântanos que
determinava a malária ou das prisões determinava a febre das prisões (tifo exantemático).
Este atributo dos lugares serviu por muitos séculos como o paradigma para a explicação das
endemias (Silva, 2000:142).
Miasma queria dizer mancha, trazia o significado de poluição. Existia em
determinados locais e “manchava” aqueles que entravam em contato, alterando seus
humores. Muitas das medidas eficazes de saúde pública, tomadas no século XIX e início do
XX possuíam uma base miasmática: a legislação visando à melhoria das habitações do
proletariado inglês, o saneamento das cidades, etc (Tesh, 1982 apud Silva, 2000:142).
Águas, ares e lugares
Quando desembarcou em Belém do Pará, Alexandre Rodrigues Ferreira observou as
condições precárias da cidade que facilitavam o aparecimento de enfermidades. Nas
ocupações urbanas encontradas à beira dos rios amazônicos, a sua atenção se voltou para a
qualidade da água e o destino dos dejetos, procedimentos que estavam longe dos ideais
sanitários, mesmo para a época. Notou que as águas das enxurradas que escorriam da
cabeceira dos rios levavam consigo partículas térreas, salinas, sulfúreas e metálicas,
abundantes nas serras e que tornavam as águas dos rios ainda mais turvos e, que a
população local
bebem da quellas agoas, logo que as tirão dos rios, sem esperarem, que assentem nos potes, de hum
para outro dia, depõem no ventrículo, de cada vez que as bebem, hum sedimento térreo, o qual
obstruindo os orifícios dos pequenos vasos, anuncia pela Colorosis a obstrução, que todo o mundo
sabe, que he hum seminário de outras queixas, em que degenera, como são as Palpitaçoens do
Coração, as Cardealgias, e Icterícias, a Hydropezia, e Cachexia, etc. (Ferreira, 1966:45).
Acrescentou ainda que as populações que ocupavam as povoações situadas nas
margens dos rios contribuíam para a má qualidade da água que bebiam, despejando nela
sem cautela todos os dejetos, colocando em risco suas vidas. Citou o exemplo do uso da
mandioca, que colocada de molho no porto das roças, quando cru, produzia um suco
mortal.
Acusava o ar de causar enfermidades, principalmente pelo efeito do calor, que
dissipava a porção mais “espirituosa do sangue”, saindo pelo suor, transpiração e urina,
ficando no corpo um sangue seco, térreo e espesso, que dava origem as melancolias, a
lepra, aos vômitos pretos, as câmaras de sangue, as febres ardentes e outras (Ferreira,
1966:46).
No século XVIII o ar era considerado um fluído elementar que entrava na textura
dos organismos vivos. Todos os mistos que compunham o corpo, fluídos ou sólidos, ao se
desfazerem deixavam escapar ar. Considerava-se que o ar agia de múltiplas maneiras sobre
o corpo: por simples contato com a pele ou com a membrana pulmonar, por substituições
através dos poros, por ingestão direta ou indireta, uma vez que até os alimentos continham
uma porção de ar, que podia impregnar de início o quilo e em seguida o sangue (Corbin,
1987:19). Ferreira lembrou que nas regiões alagadas das margens do Guaporé, por ocasião
da vazante, o ar ficava comprometido, por que os fossos ficavam cheios de cadáveres de
quadrúpedes, peixes, anfíbios, insetos e vermes, que misturados às folhas e frutos que
caiam das árvores, apodreciam. Ficavam lá a espera que o sol as volatizasse e “as espalha
pela atmosphéra. Em quanto se não espalhaõ, fica o ar demaziadamente denso, privado da
sua elasticidade, e incapaz de entrar nos pulmoens; o que cauza diversas enfermidades”
(Ferreira, 1966:47).
Por suas qualidades físicas que variavam segundo as regiões e estações do ano,
acreditava-se que o ar regulava a expansão dos fluídos e a tensão das fibras, exercendo uma
pressão sobre o organismo. Essa pressão tornaria a vida impossível caso não se tivesse
instaurado um equilíbrio entre o ar externo e o interno. A temperatura e a umidade do ar
exerciam influência imediata sobre os corpos. O calor tendia a rarefazer o ar determinando
um relaxamento e alongamento das fibras, principalmente das extremidades que inchavam.
O organismo inteiro sentia fraqueza ou abatimento. Ao contrário, o ar frio contraia os
sólidos, retesava as fibras, condensava os líquidos, aumentando a força e a atividade do
indivíduo. O ar refrescava o sangue e com isso regulava a transpiração sensível bem como
a insensível.
No período em que permaneceu na região de Vila Bela, a então capital da Capitania
de Mato Grosso, Ferreira pôde perceber os períodos de chuva, cheia, vazante e estiagem do
rio Guaporé e as enfermidades que apareciam com estas variações climáticas:
principia á chover pelos fins de Novembro, e continua até Março, porém saõ chuvas interpoladas, e
ao verdadeiros mêzes chuvosos, saõ os de Janeiro e de Fevereiro [...] pelo meado de Março, se
declaraõ os da Vazante. Na margem onde está situada a capital, a enchente sobe ordinariamente [...]
as enfermidades, que então aparecem, são principalmente muitas febres intermitentes, e Catharraes,
porem sem aquella malignidade, que trazem as do Estio. De Março por diante, até os fins de Julho, e
algumas vezes athe Septembro, reinaõ de quando em quando as friagens, que traz o Sul, e são
grandes os estragos que fazem. Com estas súbitas variaçoens da atmosphera muito se altera a saúde
dos habitantes. Por aquelle tempo o ordinário calor do Clima, a todos elles traz, lânguidos, por que
lhes promove huma mais copiosa transpiração. Conseguintemente nenhum anda apercebido contra
estes frios irregulares. [...] em se avançando mais o sezão do Estado, que com o calôr do Sol se tem
exaltado e espalhado pela atmosphera os vapores podres das margens dos Rios dos Lagos, e das
terras inundadas saõ infalíveis as Carneiradas. Constaõ da peior sorte de Febres podres, malignas, e
intermitentes; de Corrupçoens, Garrotilhos, Pontadas, Dessenterias, e outras moléstias, que triumfaõ
da disposição mais robusta, e da vida mais regulada. (Ferreira, 1966:50-51).
Aproveitou também para enumerar as desvantagens da cidade de Vila Bela, que
mesmo sendo regular, apresentava ruas estreitas faltando calçamento, que ficam
encharcadas com as chuvas, com porcos vagando por elas e abrindo charcos para se
deitarem. As casas eram alinhadas e térreas, com paredes de adobe e cobertas de telhas vãs,
com janelas pouco “rasgadas” cobertas por esteiras, que chamavam de Gurupemas,
tornando-as escuras e pouco ventiladas. Durante o período de chuva e cheia do rio Guaporé,
a vila permanecia rodeada de água e algumas casas nas margens ficavam ilhadas, com a
comunicação interrompida se não tivessem barcos. E se não fossem os altos baldrames de:
“pedra Tapayun’acanga sobre que estão edificadas, á muito já, se teriaõ demolido [...]
quando são cheias extraordinárias” (Ferreira, 1966:50). Enfatizou a perigosa alternância
entre calor e umidade presente na Capitania de Mato Grosso, que facilitava o aparecimento
de enfermidades, sendo elas: “as febres; a Obstrução, a Hydropezia, o Escorbuto; a
Catharral, o Pleuriz, a Constipação, o Tenesmo, as Hemorróidas, a Dysenteria, a
Corrupção, a Sarna; a Empimgem, o Bócio, e outras” (Ferreira, 1966:55). Com o registro
de tantas e temerárias enfermidades a Capitania de Mato Grosso passou a ser conhecida
como um lugar para se evitar. Não era de se estranhar à dificuldade de arregimentar braços
para proceder às viagens, como aconteceu com freqüência, no período em que Alexandre
Rodrigues Ferreira liderou a “Viagem Filosófica”.
Ao findar a primeira parte de seu manuscrito Ferreira fez uma longa descrição dos
procedimentos para obtenção de salitre, utilizados na farmacopéia e como componente para
a fabricação da pólvora.
A matéria médica
No final do século XVII a anatomia tinha feito grandes progressos; a química já
havia chegado a Europa; o mercúrio já era considerado o medicamento por excelência da
lues (sífilis). O século XVIII assinalou a volta dos caminhos indicados por Hipócrates e da
observação anatomo-patológica, a era da medicina sistemática. Da observação passou-se à
experimentação na patologia, na farmacologia e na verificação experimental da ação dos
medicamentos.
Para a medicina, o século XVIII iniciou com uma descoberta importante o
termômetro, inventado por Celsius, em Upsala (Araújo, 1952:12). Foi nesse grande centro
universitário escandinavo que Linneu deu à botânica uma feição científica sistematizada,
estabelecendo a classificação metódica de três reinos da natureza e incentivando através de
suas lições e de seus discípulos a pesquisa e a classificação das espécies vegetais em todo o
mundo. Numerosas foram as drogas vegetais que passaram a enriquecer a matéria médica
(o conjunto de todas as substâncias empregadas para debelar as doenças), ou a ter mais bem
fundamentadas suas indicações. Entre outras: o ruibarbo, as flores de arnica, a menta, o
hipérico, o aloés, o benjoim, a manteiga de cacau, a podofilina, etc.
A química registrou progressos. Na Alemanha, Stahl descreveu sua teoria dos
flogísticos que Lavoisier destruiu com a demonstração de que a respiração, como toda
combustão, importa em consumo de oxigênio atmosférico (Araújo, 1952:13). Numerosas
substâncias, elementos, ácidos, sais, compostos orgânicos foram estudados naquele século:
o cloro, o hidrogênio, o oxigênio, o zinco, o cobalto, os ácidos bórico, arsênico, úrico,
cianídrico, etc; o permanganato de potássio, a preparação do carbonato de magnésio, a
glicerina, a síntese do éter, o açúcar de beterraba, etc.
A farmacologia enriqueceu seu arsenal com numerosas preparações químicas e
galênicas, como o sal de Seignette, o quermes mineral, o espírito volátil do sal amoníaco, o
espírito de vinho retificado, as flores de zinco, o emplastro divino, o xarope de chicória, o
láudano, o extrato de gengibre, os pós de Dower, perfumes e licores de mesa (Araújo,
1952:13).
Por toda a Europa foram publicados tratados de matéria médica, onde a descrição
sistematizada, a classificação, a análise química, a história, o uso dos medicamentos passou
a ser estudado à luz dos conhecimentos científicos disciplinados. Na ocasião Hahnemann
descreveu a homeopatia.
Os progressos feitos pela medicina e pela farmacologia na Europa demoravam a
chegar no Brasil, onde o exercício da profissão encontrava-se defasado pelo contato escasso
com o mundo europeu. O ensino dessas matérias só teve início na Bahia e no Rio de Janeiro
na primeira década do século XIX, com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808.
Em 1772 ainda se afirmava no Brasil que “sezões se curam com alho e pinga”. Na ocasião
a carência de médicos e de outros profissionais da arte de curar no território brasileiro era
grande, bem como a presença de outros com pouca habilidade. Recorria-se então aos
práticos da terra, o que levou o Bispo D. Caetano Brandão a aconselhar que “melhor curar-
se a gente com um tapuia do sertão, que observa com mais desembaraçado instinto, do que
com médico de Lisboa” (Araújo, 1952:17).
A matéria médica foi instrumento importante como fonte de referência para
curadores licenciados, barbeiros sangradores e missionários. Ia a terapêutica das rezas e
benzeduras às cascas amargas, às raízes, à batata de purga, aos vomitórios de pinhão, às
folhas de fumo, à caroba, ao fedegoso, à copaíba e a outros singelos recursos há muito
guardados na tradição oral. Na época as seguintes drogas eram importadas da metrópole:
mercúrio, sal amoníaco, enxofre, goma arábica, cânfora, metais, álcalis, etc.
O arsenal terapêutico, a botica, a matéria médica do século XVIII, registraram
grande diferença daquela dos séculos precedentes. Américo Pires de Lima (1948 apud
Araújo 1952:21) assinalou sobre as boticas do doutor Alexandre Rodrigues Ferreira que
“embora ainda se encontre a célebre teriaga como antídoto, o sal de víboras e o de losna,
nota-se a quase absoluta ausência do delírio polifarmacêutico e outros arcaísmos. O
progresso acusado é perfeitamente nítido”. As observações de Ferreira foram mais tarde
utilizadas pelos que viriam a ocupar a região. Causa admiração o fato do naturalista já na
ocasião fazer uso do termômetro para verificação das febres, instrumento de descoberta
bastante recente.
Alexandre Rodrigues Ferreira iniciou sua matéria médica tratando das febres,
mencionando que o importante era saber distinguir os seus vários tipos, os sinais que
apresentavam, os efeitos que produziam, combinando estas com outras experiências
adquiridas do lugar onde se está: “o TEMPO; o gênio ENDÊMICO, ou EPIDÊMICO
reinante, etc” (Ferreira, 1966:62).
Descreveu as enfermidades e o curativo europeu e americano (usou esta
denominação para se referir aos nativos da região), ressaltando que por todo o Brasil e
principalmente pelos sertões, a maior parte dos enfermos eram índios e mulatos que “não
sabem informar, nem como nem quando, lhes principiaõ as febres; e muito menos guardar
os preceitos da Arte: Vem este á ser hum dos primeiros obstáculos, que encontra o seu
promto Curativo; se he que departe do Assistente não suppre a experiência, e o Critério
Médico” (Ferreira, 1966:62).
Fig 48 - Botica portátil
A constatação de que as doenças afetavam principalmente os índios era observada
desde os relatos sobre os primeiros núcleos de ocupação, presente nas Crônicas da
Companhia de Jesus do Estado do Brasil, relatadas por Simão de Vasconcellos e
publicadas em Lisboa em 1865:
Compulsando-as ficaremos sabedores de que em 1549 houve uma pavorosa epidemia na capitania
da Bahia, não identificada nosographicamente por aquelles que, por ventura, a observaram – leigos
que elles eram em assumptos médicos – mas que os jesuítas diziam ser “invenção que faz o Demônio
de doença grave” e que “deu muito o que fazer ao Inferno ver tantas almas convertidas em tão breve
espaço; receiava que de cento viessem a milhares e viesse a ser privado elle do domínio de tão
grande gentilidade. Sahio com enredo terrível, porque foi acabar de baptisar-se a primeira centena
que descer sobre ella tal fogo de doença que parece peste” [...] que foi logo depois do contato dos
nosso selvicolas com os colonisadores traficantes de escravos que surgiu o exquisito distúrbio
pathologico (Vasconcellos, 1865 apud Freitas, 1935:22-23).
Ferreira, assim como outros, que contribuíram com saberes sobre a arte de curar,
exerciam uma medicina baseada na imediata observação dos doentes e nos sintomas por
eles apresentados. Sintoma é qualquer manifestação anormal do organismo, como uma dor,
fraqueza, febre, diarréia, emagrecimento, hemorragia, etc. constituindo a expressão
fundamental da alteração da saúde e, portanto, o sinal de alarme da doença (Maffei, 1978).
As moléstias são constituídas por um conjunto de sintomas, alguns mais
importantes, outros menos, mas sempre em relação com a mesma e única causa. Quando
não se conheciam todos os elementos de cada moléstia, muitos sintomas eram considerados
como a moléstia; era o que acontecia com a febre, o emagrecimento; tinham importância
absoluta caracterizando certas enfermidades.
Sinal é qualquer anomalia verificável por manobras semiológicas (sinais próprios de
cada doença). O diagnostico consiste em relacionar o conjunto daqueles elementos obtidos
a determinada moléstia, cujos caracteres já foram estabelecidos pela patologia (Maffei,
1978).
Calor, fastio e lassidão
Ferreira dividiu as febres em sintomáticas e essenciais. Sobre as primeiras referiu
que só deviam ser medicadas mediante o tratamento das enfermidades das quais eram
sintomas. Passou então a discorrer sobre as essenciais, que podiam ser contínuas,
intermitentes e remitentes.
Descreveu a semiologia das febres, evidenciando que o paciente febril apresentava:
“velocidade do pulso conferido com a respiração, o calôr, e as ourinas, se conhece que o
enfermo tem febre [...] o pulso nas febres sempre excede de setenta e cinco pulsaçõens por
minuto, segundo o Thermometro de Farenheit, e o calor sempre passa de oitenta grãos”
(Ferreira, 1966:62).
As contínuas eram assim chamadas por apresentarem um calor constante. Ressaltou
que tinham uma elevação da temperatura inicial, seguida de um aumento, um período de
estabilidade longo e depois um declínio. Notou a existência de muitas febres contínuas
equivalentes ao número de enfermidades, mas por questões práticas subdividiu a mesma em
simples, podre, ardente e maligna, considerando que todas elas podiam ser apenas
diferentes graduações de uma mesma enfermidade.
As febres contínuas simples ou continentes, não tinham nem remissão nem
exacerbação. Não vinham acompanhadas de fastio ou calafrios, nem apresentavam
sintomas graves. Por não se fazerem acompanhar de nenhuma enfermidade como a
erisipela ou outras afecções cutâneas, da disenteria ou outra defluxação ficava fácil para
qualquer curioso resolvê-la. Podiam ser ocasionadas por excessos físicos ou espirituais,
como a meditação assídua e as paixões, principalmente a saudade, o temor e a tristeza. Ou
por exposição demasiada ao sol e ao frio; por repleção do estômago ou abstinência
prolongada; e por mudanças de hábitos alimentares. Os sintomas eram dores de cabeça e
sonolência, dores lombares ou vagas, pulso aumentado, urina normal ou pouco quente.
Duravam de oito a quarenta e oito horas e terminavam com sudorese ou hemorragia. Se não
fossem bem tratadas poderiam evoluir para uma febre inflamatória ou podre. O curativo
europeu baseava-se na: “Dieta, que reduz á caldos de miolo de pão adoçados com açúcar,
ou mel de abelhas; fazendo-se o devido uso das ptisánas, os Cremôres, o Leite, e as
emulsoens. Quando isso não basta, ajuda-se a Natureza com pedilúvios, as sangrias, os
crysteis laxantes e as ptisánas nitradas, se não há disposição para suar” (Ferreira,
1966:64).
Fig 49 - Maracujá 309, acervo Casa da Ínsua.
O curativo americano, para qualquer afecção baseava-se em examinar em primeiro
lugar o reto para afastar a presença de corrupção. Como prevenção faziam um clister com
“cozimento de Herva de bicho, ou de trêz até quatro limoens azedos/ou gallêgos/a que
juntam oito até dez pimentas COMARIZ, huma culher de açúcar, mas cavado ou rapadura
em pó, e huma pitada de Sal moído” (Ferreira, 1966:64). Para a febre utilizavam um
diaforético, cujo efeito era conseguido através de um “pedilúvio” com água quente, ou
banho de vapor com uso de folhas de laranja, lima ou cidra, servindo também o mentrasto,
a salva e a artemisa. Em seguida serviam chás de folha de hortelã. Se alimentavam somente
de caldos de tapioca, água de arroz ou de milho cozido sem sal. Purgavam-se com
“Quintilio de Jalapa, de Rhuibardo, Sal Carthartico. [...] Bebe-se durante a febre o
cozimento de folhas do Cuguaçú aia, da Caapiá, da raiz do Fedegôzo, e se he tempo de
fructos, refrigeraõ-se com os succos do Cacáo, de Murucujá, do Acaju, do Acajá, etc”
(Ferreira, 1966:65).
Vale notar que os sintomas descritos por Ferreira para as febres contínuas simples
são os que encontramos atualmente nos resfriados comuns, na insolação e nas tão
freqüentes viroses e que a terapêutica instituída, tanto pelos europeus como pelos
americanos, não difere das condutas ainda preconizadas. Administramos anti-térmicos
(formulação industrial), dietas de fácil digestão com aumento do aporte de líquidos e,
principalmente nas crianças, quando a elevação da temperatura é acentuada recomenda-se
banhos mornos, para baixar a febre. Interessante ressaltar que Ferreira reconhecia que
algumas febres podiam ter sua origem relacionada a fatores emocionais. Estes sintomas até
meados do século XX eram considerados pertinentes da homeopatia, das terapêuticas
orientais e para a medicina psicossomática, que então começa a se estabelecer. Até hoje, em
alguns meios acadêmicos, os sintomas relacionados às emoções são encarados com certa
resistência, não sendo considerados importantes.
De todas as doenças trazidas para o nosso país durante o período colonial, uma das
que menos se adaptou foi o “maculo”, nome de origem espanhola, enfermidade também
conhecida como “el bicho” ou corrupção. Veio para o Brasil com os negros escravos. Quem
primeiro fez referência a ela foi Guilherme Pison, sem se aprofundar no assunto em 1648.
Era uma afecção do baixo ventre e das porções terminais do tubo gastro-intestinal
(inflammatio anis), acompanhada de febre intensa, desfalescimento e sonolência, que nos
casos graves terminava em gangrena e matava o paciente de modo cruel e doloroso.
Guilherme Pison fazia questão de distinguir o macúlo das hemorróidas, acrescentando que
os curadores da terra tinham como praxe informar, amiúde, o estado do reto, porque esta
doença “era um calor e podridão do anus, com ulceras roedoras, com ou sem
hemorrhagias, puxos e grassando no verão” (Freitas, 1935:32).
O remédio soberano para a cura da “corrupção do bicho ou maculo” era a erva de
bicho (Polygonum anti-hemorroidale, Martius) empregada em clisteres, banhos do
cozimento ou a introdução no reto de bolas preparadas com outros ingredientes como o
limão, sal, pólvora e pimenta. Nos casos graves, ainda associava o verdete e cabeças ou
olhos de algodão e suas massas ou botões (Araújo, 1952:29).
As febres denominadas podres iniciavam com a depuração dos humores. Não
significavam uma putrefação, mas a predisposição para ela, eram sentidas na
mortificação, que dão ao olfacto as ourinas, os suores, e o hálito daquelles, que a padecem; a
alteração que experimenta o seu sangue, logo despois que se tira pela sangria; a gangrena, que
acompanha esta febre; a infecção, que immediatamente diffundem os cadáveres, e outras pertendidos
sigmaes de huma verdadeira corrupão, são communs a outras muitas enfermidades, a onde ella se
não suppoem (Ferreira, 1966:65).
Era considerada uma febre sempre perigosa. Somente os entendidos conseguiam
distinguí-la da maligna, que afetava os nervos e o cérebro, causada pelo calor e umidade.
Os quatro elementos (fogo, ar, água e terra) contribuíam para o seu aparecimento.
Temperamentos sanguíneos, vida dissoluta, digestão perturbada, alimentos corruptos e
habitações insalubres a faziam manifestar. Os sintomas eram abatimento do corpo e do
espírito. Dor em peso na cabeça, no abdômen e nas costas; sono inquieto, sobressaltos e
delírios; náusea e vômitos, febre elevada, pulso fino, hálito fétido; distensão abdominal;
redução do volume urinário e de suas características; e evacuações fétidas. Se não fosse
convenientemente tratada degenerava em maligna. A sorte do doente se resolvia entre
quatorze a trinta dias. O curativo europeu prescrito era o encontrado no “Tratado completo
de calenturas que recomendava uma alimentação líquida e de vegetais, evitando dispender
energias com a digestão de alimentos sólidos e animais. Os mais indicados eram os caldos
de pão cozidos em água e açúcar, o mel, as batatas, os frutos maduros e cozidos. A água de
limão era a melhor bebida antifebril, por ser diluente e antiséptica. Apontou ser muito
importante a renovação interior e exterior.
A renovação exterior era feita várias vezes ao dia, recomendando a circulação do ar
ambiente aonde se encontrava o enfermo, abrindo-se as janelas e com o uso do fogo. O
doente deveria deixar a cama durante algumas horas; as roupas de cama e pessoais
deveriam ser trocadas todos os dias, não se utilizando cobertas de origem animal; e as
excreções limpas diariamente. O paciente deveria banhar-se e pentear-se para movimentar
os músculos. Exercitar a alegria e a esperança, algumas vezes a ira e nunca o temor. A
renovação interior era feita por meio de laxativos e emolientes; os ventrículos, o esôfago e
o pulmão eram mantidos arejados com uso de bebidas frescas e ácidas.
O tratamento desta enfermidade consistia em variar e proporcionar os remédios
segundo o seu estado:
quando prevalecelo inflamatório, conviene alguna sangria, las tisanas acescentes, com bastante
cremôr de tártaro, y lavativas. Quando lo inflamatório nó supera cõnviene la Ipecaquana, y el
Rhabarbar [...] a quinaquina no fim da febre fortifica os órgaos enfraquecidos [...] que em estando
tomada a cabeça, são de hum grande auxilio, para a aliviarem, os sinapismos, nas solas dos pés, os
cáusticos, as ventosas (Ferreira, 1966:68).
Fig 50 - Cana de açúcar , acervo da Casa da Ínsua.
O curativo americano consistia basicamente em uma rigorosa abstinência de carne e
no consumo de grandes quantidade de bebidas e xaropes ácidos e refrigerantes de maracujá,
limão, laranja e de cidra. Ingeriam-se frutas cruas ou cozidas: romã, pitanga, mangaba,
marmelo, fruta do conde, jaracatiá, jenipapo, melões, melancias, etc. “colhem-se todas ellas
despois de bem maduras, e nunca antes de o Sol as expurgar da humidade da noite, e do
sereno da manhã. Porém não, para se comerem quentes do Sol. São úteis, comidas em
jejum” (Ferreira, 1966:68). Se purgavam com maná, tamarindo, batata da terra e outros.
Havia sempre o cuidado de se prevenir contra a corrupção.
As febres podres pareciam ser decorrentes de processos inflamatórios que afetavam
o aparelho gastro-intestinal, podendo-se pensar em intoxicação alimentar, ingestão de
produtos contaminados por agentes patogênicos ou ainda, a precariedade da higiene pessoal
e ambiental. Resultavam em distensão abdominal, náusea e vômitos; redução do volume
urinário causado pela desidratação e manifestações centrais, provavelmente em decorrência
da bacteremia: tremores de extremidades, sonolência, delírios e agitação. Mesmo não
identificando o agente etiológico, Ferreira tinha noção de que fontes de contaminação
poderiam estar presentes no cotidiano da alimentação e das moradias e que a recuperação
do enfermo requeria cuidados de higiene corporal e alimentar. Procedimentos adotados que
ainda hoje são utilizados.
A febre ardente distinguiu-se da podre pela intensidade dos sintomas, por apresentar
febre mais elevada e pelo menor tempo de duração, não ultrapassando de sete a quatorze
dias. Era proveniente das paixões veementes, dos trabalhos excessivos, dos alimentos
picantes, das estações do ano, da idade e do temperamento do enfermo. Os sintomas eram
episódios de calafrios, violentas dores de cabeça, insônia, delírio, convulsões e cardialgias.
Pulso irregular, sede intensa, boca amarga e calor interno. Lábios e língua secos e escuros.
Vômitos biliares e acres. A urina e as dejeções biliosas, como as dos ictéricos. Apresentava
boa resolução quando o vômito e o curso do ventre surgiam entre o quarto e sétimo dia de
evolução. Era quase sempre mortal quando estas manifestações se apresentavam
prematuras, assim como o suor das faces, as hemorragias, o soluço, o escarro
sanguinolento, as urinas negras e com sangue. Os mais velhos faleciam mais facilmente que
os moços. Algumas vezes se degenerava em maligna, outras vezes em intermitente, lenta ou
em langores rebeldes aos medicamentos. A sangria se mostrava efetiva no primeiro dia do
acesso. Os eméticos mais brandos como a Ipecaquanha eram proveitosos e os purgantes
indicados para reprimir os estragos causados pela bílis.
Os melhores laxativos eram preparados com leite de amêndoas. O curativo
americano era igual ao da febre podre, acrescentando que “atribuem huma particular
virtude a hum calculo que se tira do ventrículo do Lagarto Senemby; e o administraõ em
pó, ou em agoa de Cidra, ou em cozimento de Caapiá, na doze de meia até uma oitava”
(Ferreira, 1966:70).
Fig 51 – Synimbu/Tijuasú, Frei Christovão de Lisboa
Como febre ardente, Ferreira devia estar se referindo à febre amarela e à febre
tifóide. Os registros destas afecções no Brasil datam do início da colonização. O padre
jesuíta Alexandre Perier narrou no seu Desengano dos Pecadores, Lisboa 1735, que no
ano de 1686, chegou da costa d’África, que chamamos de Guiné, ou Mina, um navio a Pernambuco,
que se encontrando no mar com um pacho holandês, recebeu dele uns barris da carnes da Holanda,
que deveriam ser de alguns anos, porque abrindo-se depois um destes barris no Porto de Recife, foi
tal o fedor pestilencial que exalou que quem o abriu caiu morto logo[...] os vapores foram
infeccionando os ares; deste modo se formou a peste em Pernambuco [...] não pelas barricas de carne
podre mas pelo desembarque de negros infectados, trouxera a febre amarela para o Brasil. A doença
pode ter vindo das Antilhas, sendo endêmica naquela região, conhecida como tifo americano ou
peste americana (Santos, 1991:170-176).
A febre amarela é uma doença infecciosa aguda de curta duração e de gravidade
muito variável, causada por um arbovírus do grupo B, transmitida pelo mosquito Aedes,
apresentando dois tipos epidemiológicos: urbana e silvestre. Qualquer que seja o desenlace
(cura ou morte), ocorre no máximo entre 11 ou 12 dias. É difícil prever a evolução da
moléstia em seu início, pois a piora pode instalar-se subitamente. Nos casos graves, a morte
costuma ocorrer entre o quinto e o nono dia; alguns pacientes também podem evoluir para a
cura, que é sempre completa e sem seqüelas. Constituem indícios de mau prognóstico o
aumento de temperatura após a remissão do período toxêmico; o aparecimento precoce de
icterícia e sua intensificação; hemorragia digestiva intensa e soluço rebelde; distúrbios
cardíacos; oligúria evoluindo para anúria e uremia; aumento da uréia sanguínea;
albuminúria precoce e intensa e proteinúria. A febre amarela de qualquer intensidade, bem
como a infecção assintomática, confere imunidade que perdura por toda a vida. Não existe
tratamento específico. A terapêutica resume-se em repouso, medicação sintomática e de
sustentação (Amato & Baldy, 1978:42-47).
A febre tifóide é uma rickettsiose transmitida por artrópodes: pulgas, piolhos e
carrapatos, sendo doença aguda com evolução febril de duas semanas, apresentando
exantema característico e fenômenos encefálicos. Apresentou-se muitas vezes sob a forma
de epidemias, surgindo nas guerras ou nos aglomerados humanos vivendo sob más
condições sanitárias. Sua classificação está baseada no vetor transmissor e no reservatório
da infecção. Influem também a distribuição geográfica, a infectividade humana e animal, o
quadro clínico e as lesões anatomo-patológicas. É classificada em tipo exantemático
clássico, epidêmico ou europeu, cuja fonte de infecção são os piolhos do corpo (Pediculus
humanus corporis) e os piolhos da cabeça (Pediculus humanus humanus); os da púbis
(Phtirus púbis) não atuam como vetores. A doença de Brill-Zinsser é a recorrência de
infecção latente, anteriormente adquirida, sendo uma forma mais leve e freqüente em
idosos; e tifo murino ou endêmico é geralmente uma infecção aguda e mais benigna que o
tifo epidêmico, sendo o reservatório dos agentes etiológicos o rato (Rattus rattus, Rattus
novergicus) e a fonte de infecção as pulgas dos ratos (Xenopsylla cheopis). A transmissão
também é possível através de alimentos contaminados com dejeções das pulgas infectadas
ou urina de ratos (Amato&Baldy, 1978:514-518). Atualmente a afecção é tratada com uso
de antibióticos.
Ainda são notificados casos de febre tifóide e febre amarela no Brasil, apesar da
realização periódica de programas de vacinação em massa no país.Desde 2003 em Mato
Grosso, não existem registros de incidência em humanos e nem morte de macacos por febre
amarela silvestre, apesar no Estado estar situado em região endêmica da doença. Em 2005
foram registrados 5 casos de febre amarela urbana (Brasília, 2006).
A incidência (por 100 mil habitantes) de febre tifóide no Estado de Mato Grosso foi
de 0,12 em 2002; 0,08 em 2003 e 0,04 em 2004. No ano de 2005 não houve notificação da
doença (Brasília, 2006).
A febre maligna tinha caráter variado e
cheio de obscuridades, sendo difícil de
ser identificada até pelos mais
experientes. No entanto ela se distinguia
das antecedentes por ser mais prolongada
e nunca terminar antes de vinte dias; de
comumente ser epidêmica e contagiosa
como a peste, parecendo a mesma
enfermidade; e de se apresentar
acompanhada de maneira contínua, de
afecções dos nervos e do cérebro, com
manifestações de letargia, delírios,
esquecimentos e vertigens. Em alguns
locais, como em Mato Grosso, ela podia
se assemelhar a uma febre terçã, devendo
o assistente estar atento ao aparecimento
de dores de cabeça, náuseas, abatimento
de forças, etc. Era causada pelas
adversidades da vida, dissabores, aflições
do espírito e sobre tudo o terror. Por falta
de asseio que se observava
principalmente entre os viajantes,
soldados, pelos presos, índios remeiros e
escravos negros, sendo funesta para
todos. Também pela indigência extrema,
vida irregular, intemperança em todos os
sentidos, alimentos podres, ar corrupto e
água estagnada.
Os sintomas eram abatimento do corpo e do espírito; mudança de fisionomia,
particularmente dos olhos; alternância de frio e calor; dor e peso na cabeça, no ventre ou
por todo o corpo; tremores de extremidades; pulso lânguido. A princípio língua úmida e
saburrenta e depois árida e trêmula; hálito e suores fétidos e viscosos; ventre dolorido e
distendido; e dejeções fétidas. Na Europa está febre recebia diversas denominações,
segundo seus efeitos: “Sudor Anglicus, Plica Polonica”, quando acompanhada de alguma
hemorragia ou transpiração podre.
Recebia o nome de febre miliar ou petequial quando apresentava manchas pelo
corpo ou erupções cutâneas (provavelmente tifo); febre maligna nervosa quando atacava os
nervos; catrense, hospitálica, carcerária, náutica quando a gangrena logo se manifestava; e
peste quando contagiosa e precedida de erupções carbunculosas, bubões, antrazes, seguida
de grande mortalidade (possivelmente a peste bubônica). Alguns pacientes vomitavam
fezes negras ou verdes; o hálito era insuportável; o suor fétido; e apresentavam uma sede
implacável. O pulso podia ser normal, lânguido ou irregular. O que se apresentava aos
exames dos cadáveres era “os mesmos estragos, que faz o veneno mais refinado (Ferreira,
1966:72).
O prognóstico se apresentava funesto em decorrência da prematuridade do tremor
da língua, da palidez cutânea, das hemorragias, das dejeções negras e sanguinolentas, de
um odor fétido cadavérico, que quase sempre anunciava a morte. Esta ocorria no sétimo,
oitavo, décimo segundo e décimo quarto dia. A enfermidade não durava menos que vinte
dias, nem mais que sessenta. A salivação, o suor e o curso moderado eram sinais de bom
agouro. A convalescença era longa e, as recaídas perigosas.
Fig 52 – Jenipapo, acervo Casa da Ínsua
O curativo europeu não aconselhava o uso de sangrias. O autor do Tratado das
Calenturas (Ferreira não citou o autor) preferia as escarificações. O principal no tratamento
era trocar as roupas e os lençóis do paciente e renovar o ar dos aposentos. A dieta era a
mesma da febre podre. Se não houvesse contra indicação empregava-se
vomitórios com Ipecaquanha, Rhuibardo, Tamarindus e o cremôr de tártaro, porem estes despois do
septimo dia [...] O espirito de Mendereri, o vinagre SACCHARO-CAMPHORATUM de Wan-
Swieten, a Limonada quinada, e as emulsoens camphoradas, são optimos correctivos. Os vesicatorios
no caso de não haver inflamação, ou colliquaçaõ, servem de aliviar a cabeça, applicados detraz das
orelhas,
nas espádoas, e nas perna; assim, como a aliviaõ os pedeluvios, os sinapismos, as
escarificaçoens. [...] Sem embargo do exposto, como estas febres são ao principio muito equivocas
de conhecer; principalmente em sendo epidemicas; ordinariamente succede, que a morte dos
primeiros, he a que ensina o curativo dos ultimos. [...] he mais facil preservar della, do que corrigilla.
Preservaõ della, Longanimidade, o aceio, a sobriedade, o exercicio, a purificação do ar pelos
perfumes de enxofre, da polvora, do tabaco, o alcatrão, os frontiz molhados em vinagre aromático, a
arruda, o ros marinho, a Salva; e o uso interno da quina, do Limão, e da Laranja [...] Porem de
nenhum destes medicamentos faz o bom Assistente huma applicaçaõ vaga e arbritátia. Quando o
Calôr he o que promove a putrefação, convem os ácidos, e refrigerantes, a Laranja, o Limão, a Cidra,
a Romaã, a Pêra, a Maçaã, a Uva, o Vinagre, o Nitro, etc. Quando procede a humidade, convem o
Alho, a Cebôlla, a Pimenta, a Canella, o Cravo, O Puxirí, O Gengibre, O tabaco, e outros
estimulantes (Ferreira, 1966:72-73).
O curativo americano era semelhante ao
das febres ardentes. Mesmo
desconhecendo a via de transmissão e os
reservatórios da infecção, nos
compêndios da época já se observava a
indicação de limpeza e higienização dos
enfermos e das habitações, pois sabiam
que o aparecimento da doença estava
relacionado à insalubridade do local.
A peste bubônica (peste negra) é uma doença bacteriana primariamente de roedores,
causada pela Pasteurella pestis, que pode ser transmitida para o homem pela picada de
pulgas (Xenopsylla cheopis) infectadas, que parasitam tanto o rato pequeno (Rattus rattus)
encontrado nos navios, como o rato marrom, muito comum nos esgotos. O bacilo vive
alternadamente no estômago da pulga e na corrente sangüínea do rato.
A doença se manifesta de três formas: a pneumônica, que ataca os pulmões; a
septicêmica, que infecta a corrente sangüínea; e a bubônica, a mais comum, cujo nome
deriva das tumefações do tamanho de um ovo conhecidos como bubos ou bubões, que
aparecem no pescoço, nas axilas ou nas virilhas do doente, nos primeiros estágios da
doença. Caracteriza-se por febre, adenomegalia dolorosa, septicemia e intensa toxemia. As
manifestações hemorrágicas e necróticas são muito freqüentes e atribuídas à ação da
endotoxina da bactéria nos vasos, arteríolas e capilares. Petéquias e equimoses são quase
sempre encontradas na pele e nas mucosas, assim como hemorragias nas cavidades serosas,
epistaxes, sangramento do aparelho digestivo, respiratório e das vias urinárias. Podem ser
encontradas lesões arteriolares com obstrução e necrose no segmento atingido. Este
conjunto de manifestações hemorrágicas e necróticas, conferindo à pele aspecto escurecido
nos casos graves e fatais, fundamentava a denominação de “peste negra”. Hoje são tratadas
mediante uso de antibiótico.
Tremores, ardores e suores
O segundo tipo de febre que descreveu foi as intermitentes, ou sezões e maleitas.
Alexandre Rodrigues Ferreira ao se referir a elas dizia que “eiz aqui hum dos tributos, que
pagaõ ás margens destes Rios, e principalmente ás do Guaporé, quaze todas as idades,
todas as constituições, e todos os temperamentos” (Ferreira, 1966:73). Eram febres
caracterizadas por sua interrupção, ficando o doente afebril por algumas horas ou dias.
Segundo o seu gênero, podiam ser cotidiana, terçã ou quartã. Eram chamadas simples
quando tinha um único acesso, dobles quando tinham dois; benigna quando não envolvia
perigo e perniciosa quando sim. Erráticas quando erravam a hora dos acessos, repetidos nos
dias costumeiros e vagas quando não tinham nem dia, nem hora certa de repetição.
As cotidianas acometiam o doente diariamente, deixando-o sem febre algumas horas
do dia. Devia se ter o cuidado em distingui-la de alguma febre cotidiana sintomática como,
por exemplo: as catarrais, a histérica e das supurações. Ajudava a discerni-la a experiência
adquirida no Brasil, a história das enfermidades, o sedimento da urina, o espasmo cotidiano
e a redução do suor copioso e viscoso. Eram causadas pela intemperança dos obesos, que
estavam mais sujeitos a ela; por alimentos crus e indigestos, frutos de má qualidade, ou que
eram comidos sem moderação, verdes ou quentes do sol. Pela neblina, friagens e estações
chuvosas; pelas habitações em lugares úmidos e pantanosos, aonde o ar e a água fossem
impuros; e por banhos nos rios, charcos e águas estagnadas. Apresentavam como sintomas
cabeça pesada e sonolenta; espreguiçar e bocejar sem motivo; resfriamento da ponta do
nariz e das extremidades. A face, mãos e lábios pálidos; frio às vezes tão excessivo que
nenhum calor era capaz de moderar; dores vagas por todo o corpo. Peso no estômago;
cansaço; calor inicialmente brando, com freqüência de pulso moderado, porém logo ardente
e acompanhado de dores de cabeça. Boca amarga, língua saburrosa e os dentes sórdidos;
vômitos e urina branca. Durava de oito a vinte horas e terminava com suor copioso e
viscoso.
Não era uma febre de difícil tratamento, podendo se degenerar em contínua.
Existiam inconvenientes em se iniciar logo os eméticos, os purgantes e os febrífugos: “por
que não estando ainda feita a depuração, a principio da enfermidade, o que vão aquelles
remedios fazer, he perturbar, e irritar a Natureza, occasionando a mudança da febre, que
não tarda em mostrar o seu resentimento” (Ferreira, 1966:75). As recaídas eram
ocasionadas pelo sereno, pelo ar frio da manhã, uso de saladas e frutos crus e flatulentos; o
trabalho excessivo, o coito, a repleção, as vigílias, a cólera e outras paixões. Aqueles que
não recuperavam a cor depois do episódio de febre, podiam esperar por uma recaída.
O curativo europeu recorria bem pouco à sangria, só sendo realizada quando a febre
fosse extremamente violenta, as dores de cabeça insuportáveis e todos os sintomas graves.
Mesmo assim no clima do Brasil devia-se tomar cuidado em não multiplica-las, pois
esgotavam os doentes. Os alimentos deviam ser leves, usando caldos de aves de fácil
digestão e em pequena quantidade. Não se negava água aos enfermos, contanto que fosse
tépida durante o frio e fria durante a febre. Era necessário prudência para aplicar os
remédios específicos nos primeiros dias, até se ter certeza da natureza da febre.
Primeiramente ministravam a dieta, os pedilúvios e os diaforéticos, somente depois os
específicos. Quando os calafrios fossem
grandes e perigozos, tracta-se de os moderar antecipando-se duas e trêz horas antes hua copiosa
bebida tépida de algua ptisana, ou de Salsa, ou de Sassafraz, fomentando-se a região do estómago
com óleo de canella, ou de alfazema; e até mesmo uzando della quente, dentro em al mofadinhas,
que se lhes chêgaõ ás mãos, e a os pés. A Ipecaquanha dada á propósito, despois da quarta sezão,
alguãs vezes triumpha ella só da enfermidade [...] Os Lavatórios Laxantes já mais se perdem de
vista. A quina, despois do emético, e dos purgantes, quando apparece o sedimento latericio, he o
melhor febrífugo [...] Se a quina não bastam despois de tomada nas dozes prescriptas para todos os
casos, e obstinar-se em usar della, he precipitar-se na obstrução, a Hydropezia, a Hemoptize, e outras
enfermidades. [...] outros febrífugos, e a os amargos, aperitivos, stomachicos marciaes, etc, as
dissoluçoens de Sal ammoniaco, sal de Losna, e dito de Centaurea, em vinho branco; a infusão da
Serpentária virginiana, da Gentiana, da pequena Centaurea tão bem em vinho branco; e outros
muitos específicos, que se applicavaõ antes do descobrimento da quina (Ferreira, 1966:76).
A primeira precaução do curativo americano era com o aparecimento da corrupção,
que evitavam usando a aplicação de pimenta malagueta e pó de gengibre. A seguir, o
resfriamento era feito mediante uso de pedilúvios, seguido de fricções quentes e banhos de
vapores, utilizando plantas aromáticas, acompanhadas de uma bebida tépida de ptisana
sudorífica. Depois utilizavam o vomitório de tártaro ou de quintilhio; poucos usavam a
Ipecaquanha.
Comumente recorriam aos eméticos e purgantes: “três Pinhoens dês cascados e
pizados; ou nove sementes de Mammona branca por nome de Carrapato, [...] a Batatinha
do Paraguay na doze de huma até hua e meia outava; a Batata de purgar” (Ferreira,
1966:76). O emético de confiança era o tártaro emético “quatro até seis grãos conforme a
constituição do enfermo em seis onças de vinho generozo, onde tenha estado de infusão
sobre Cinzas quentes, por tempo de hum quarto de hora, huma mão cheia de folhas de
Arruda machucada”. Usavam também os clisteres laxantes e refrescantes, preparados com
o “cozimento de três até quatro limoens azedos; substituindo-lhes, quando os naõ há, ou
quando assim lhes parece, as folhas de Mammona branca, e malvisco, a Caamembeca, os
olhos de fedegôzo, e a tansagem, com hua colher de rapadura em pó, outra de azeite”
(Ferreira, 1966:77). A alimentação consistia de vegetais amargos, como o palmito da
palmeira guariroba, cozido ou assado com frango ou galinha.
Fig 53 – Mamão, acervo da Biblioteca Municipal do Porto.
A febre terçã recebia este nome por que se repetia em dias alternados, dia sim e
outro não. O paciente apresentava dejeções biliosas, cor e urina ictérica, abcessos e
gangrena hepática, fazendo crer que era originário do fígado. Os seus sintomas na forma
benigna eram os mesmo da cotidiana, acrescido de cor ictérica. A urina a princípio branca,
depois incendiada e ictérica na fase de declínio; durante a febre pulso cheio; língua áspera e
seca e dejeções biliosas. Ainda que se dissesse que sua duração costumava ser de quatorze
dias, Ferreira referiu que no Brasil este tempo era indeterminado e que ele havia padecido
de uma durante três meses, depois de ter contrdo uma cotidiana que durou vinte e cinco
dias. O seu desenhador José Joaquim Freire teve febre cotidiana por dois meses e uma terçã
por seis meses. A forma perniciosa apresentava como sintomas espasmos e dores
excessivas; delírios, sincopes e hemorragias.
A terçã não era tida como perigosa e por vezes considerada saudável para livrar o
doente de outras enfermidades. No entanto não devia ser deixada sem remédio, para evitar
o aparecimento de infecção ou putrefação. Os acessos demasiadamente longos e as
repetições irregulares acompanhadas de dores de cabeça eram temidos. E a perniciosa
considerada grave se não tratada logo de início com o uso da quina.
O curativo europeu recomendava que o enfermo não fosse purgado logo no início
nem “enchido” de quina para não suprimir a terçã antes do tempo, pois ela poderia se
manifestar de maneira mais intensa, causando “hypocondrias, escorbutos e outras
enfermidades”. No início o assistente devia observar o aspecto da febre, sem lançar mão de
medicamentos, para definir o seu caráter, decidindo se deveria fazer uma sangria ou usar
um emético.
Fora dos acessos eram prescritos limonadas e ponches. Para este tipo de febre o
melhor veículo da quina era
o sumo de limão, ou de laranja agra, uzando-se de limonadas quinadas. A quina so tem lugar despois
das evacuaçoens universaes. A mudança de ar, e o exercício tem curado a muitos. Há quem sobre
todos os específicos da Terçaã dê apreferência á agoa pura [...] Ainda que se suspenda a Terçaã, nem
porisso se suspende logo, ou o regimento de boca, ou o uso da quina. Antes importa muito repetila
em todas as Conjunçoens da Lua, pelo tempo de hum mêz, para evitar á recahida (Ferreira, 1966:79
).
Na vigência da perniciosa não se esperava pelas evacuações para ministrar a quina
na doze de hua onça, entre huã e outra Sezão. [..] Ajunta-se lhe o ópio, e o nitro, quando he
convulseva; os vesicatórios de vem ter lugar nas affecçoens soporosas; as que produzem
hemorragias, e colliquaçoens, requerem a quina misturada com a terra lemni, a pedra humi, o
vitrolio, etc. Terminada a perniciosa, então se devem de fazer as evacuaçoens, que pela urgência dos
synptomas, se deixarão de fazer á tempo (Ferreira, 1966:79).
O curativo americano era o mesmo das cotidianas.
A quartã era a que se repetia de quatro em quatro dias, sendo os dois dias
intermediários de descanso. Toda a sua inflamação e putrefação residiam no sangue. Os
mais susceptíveis eram os melancólicos, os velhos e os obstruídos. Falava-se de quartã
essencial quando era seguida de afecção venérea, escorbuto e caquexia.
Os seus sintomas eram frio intenso, face acinzentada, pulso cheio, veloz e irregular,
calor e sede. O sangue que saía na sangria era coberto de uma camada amarelada ou
esbranquiçada; pouca urina que cessava com o aparecimento de suores copiosos; dejeções
enegrecidas ou com fluxo hemorroidal. Alguns diziam que sua duração era de seis meses,
outros chegavam a afirmar que podia durar vinte anos. As recaídas eram decorrentes da
transgressão do regime, devido a sua severidade.
A febre quartã não oferecia perigo por mais longa que fosse a sua duração. Algumas
queixas “se tem des vanecido com ella, como são a obstrução, a Epilepsia, a Hipocondria,
a Gota, e outras. Diz-se que os que a padecem, vivem muito” (Ferreira, 1966:80).
Fig 54 – Ananás, acervo da Biblioteca Municipal do Porto
O curativo europeu consistia em ficar atento aos dias de intervalo da febre, por que
se o enfermo se sentisse vigoroso e restabelecido não devia se proceder a uma supressão
intempestiva. Caso contrário, estavam indicados os eméticos e os purgantes, seis horas
antes do acesso da quartã, precedendo-a os febrifugos, os diluentes e os temperantes e,
administrando a quina como curativo ou preservativo.
As terçãs e as quartãs descritas são as simples, por que não apresentavam mais de
um período entre as suas repetições. Quando se duplicavam eram chamadas de dobles.
Todas as formas de sezão podiam apresentar variações no seu aparecimento e “tanto mais
instantaneamente pedem hum prompto socôrro, quanto mais perigo anunciaõ. Em cujos
termos assentaõ os Práticos – que nem se mudem as indicaçõens, nem os remédios; mas
que se accelere o seu uso, e se augmentem as suas dozes (Ferreira, 1966:81).
A malária humana nas Américas é causada por três espécies de protozoários:
Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax e Plasmodium malariae. A malária ocasionada
pelo P. falciparum é considerada a de maior importância epidemiológica, por sua maior
letalidade (Ianelli, 2000:356).
O paludismo já era endêmico nos primeiros anos da colonização no Brasil. Alguns
acreditam que a malária foi trazida pelos portugueses, sugerindo que a maleita seguiu o
caminho do colonizador, do litoral para o sertão. Em contrapartida outros autores
quinhentistas já se referiam às terçãs e quartãs como febres da terra, endêmicas e
epidêmicas. As cartas jesuíticas assinalavam acessos não apenas em inacianos recém-
chegados, como também nos aclimatados e há muito aqui vivendo. No seu Tratado do
Brasil em 1587, Gabriel Soares de Sousa, referiu que os índios padeciam de terçã e quartã
das quais não faziam caso, curando-se com mingau e caldos de farinha de carimã e
mandioca” (Santos, 1991:177). No entanto a malária causada pelo Plasmodium falciparum
parece ter sido introduzida na América na época da colonização, através das rotas do tráfico
de escravos provenientes da África (Bruce-Chwatt, 1987; Zago et al., 1995 apud Ianelli,
2000:356).
Foi grande o número de bandeirantes que pereceu das febres intermitentes, febre dos
pântanos, febres palúdicas, provocadas pelos miasmas deletérios que se desprendiam dos
charcos, das lagoas, dos rios e segundo pensavam, que evolavam da mataria virgem dos
inóspitos territórios por onde andavam. A identidade etiológica foi definida em fins do
século XIX, quando se descobriu o protozoário responsável por sua transmissão o
Plasmodium. Tida como um mal dos trópicos, apesar de se manifestar em outras regiões,
foi atribuída particularmente às emanações pútridas, aos miasmas dos pântanos.
O Plasmodium permanece vivo em estado latente durante o inverno e segue seu
ciclo quando se instala o verão. O grau de umidade da região é fator importante na
disseminação da moléstia, influindo nas funções biológicas do mosquito transmissor, assim
como no desenvolvimento do Plasmodium nos tecidos do vetor. Quanto mais próximo do
ponto de saturação for a umidade do ar, tanto mais rápido será o desenvolvimento do
parasita no mosquito. Assim na Amazônia onde a temperatura e o grau de umidade são
constantemente altos, a transmissão da moléstia se verifica todos os meses. Nas regiões
centro-oeste, parte do nordeste e do leste do Brasil, a estação das chuvas de setembro a
março corresponde à primavera e ao verão e, o período de abril a agosto de seca. Por isso a
terçã benigna, nessas regiões, se manifesta entre outubro e dezembro e a terçã maligna de
abril e junho, isto é no outono e começo de inverno. Devido a essa incidência em
determinadas estações do ano a moléstia é vulgarmente chamada “sezões” (satio em latim –
estação do ano)
O homem é o reservatório do Plasmodium, causador da moléstia, em cujo sangue
periférico encontram-se as formas sexuadas, os gametocitos, que é a forma capaz de
disseminar a moléstia. Os mosquitos do gênero Anopheles (em grego –danoso) necessitam
alimentar-se de sangue para a maturação dos seus ovos já fertilizados e por isso a fêmea é
impelida a picar um animal de sangue quente. Os ovos desses mosquitos são postos na
superfície das águas estagnadas, como acontece nas vizinhanças de rios, após as enchentes,
nas lagoas, charcos, etc. A relação entre essas alterações de solo de certas regiões e a
moléstia fez com que os antigos observadores a considerassem como sendo causada pela
emanação de miasmas (em grego significa nódoa, sujeira) e daí o nome de malária (mala-
má + ária- ar) ou então febre palustre ou impaludismo (do latim in-dentro + palus-pantano).
A profilaxia da moléstia consiste em tratar o homem doente e destruir o mosquito
transmissor por meio de inseticidas e saneamento das regiões assoladas, impedindo a sua
procriação (Maffei, 1978:970).
Na infecção pelo Plasmodium vivax os acessos de febre se sucedem de três em três
dias a contar da primeira manifestação, é a terçã benigna, com ciclos de 48 horas. Na
infecção pelo Plasmodium falciparum, o ciclo varia de modo irregular entre 36 e 48 horas,
denominada terçã maligna. Na infestação pelo Plasmodium malarie os acessos de febre
ocorrem a cada quatro dias, o ciclo é de 72 horas, denominada febre quartã. O Plasmodium
ovaleo é verificado no Brasil, apresentando ciclo de 48 horas. As manifestações clínicas
da malária diferem de acordo com a espécie de plasmódio infectante e com o grau de
imunidade do hospedeiro (Amato & Baldy, 1978:371).
A região amazônica é responsável por 99,5% dos casos de malária no Brasil,
apresentando diversos determinantes para a transmissão desta endemia. Suas características
ambientais são favoráveis para a proliferação dos diversos vetores, bem com a ocupação
dispersa da população e os caracteres culturais e socioeconômicos, que dificultam as ações
de controle e facilitam o contato do homem com o vetor. A mineração na região é um forte
atrativo para migrantes originários de regiões freqüentemente não endêmicas, indivíduos
não imunes, com pouca ou nenhuma informação relativa a medidas preventivas. O Estado
de Mato Grosso apresentou índice parasitário anual de malária (IPA/1.000 habitantes)
ascendente a partir de 1985, atingindo seu valor máximo em 1992, com registro de 200.746
casos da doença e 95,2 de IPA, coincidindo com o período de maior produção de ouro no
Estado (Mato Grosso, 2000: 31).
A classificação epidemiológica de incidência de malária baseia-se no Índice
Parasitário Anual (IPA), que consiste na relação entre o número de indivíduos
diagnosticados por meio de exame de sangue (gota espessa) que identifica os parasitos, e o
total da população, no espaço de tempo de um ano (Ianelli, 2000:358). A caracterização
econômica e social das regiões, os parâmetros clínicos (tamanho do baço) e imunológicos
(níveis de anticorpos espécie-específicos detectados à sorologia) dos indivíduos expostos à
doença, bem como a identificação do vetor, fornecem um quadro mais abrangente da
epidemiologia da malária.
A partir de 1989 e mais intensamente no
período de 1992 a 1996, convênios com o
Banco Mundial viabilizaram recursos
financeiros para o controle da malária.
Desde 1992 com a diminuição do preço
do ouro no mercado internacional e o
aumento da dificuldade e custos de
extração nas regiões aurífera do Estado
de Mato Grosso, observou-se uma evasão
de garimpeiros, população mais exposta
ao risco de adoecer, registrando-se uma
queda gradual no número de casos
notificados. Esta endemia ainda acomete
anualmente 12.000 pessoas,
representando importante determinante
de morbi-mortalidade, perda financeira e
social para o indivíduo e para a sociedade
(Mato Grosso, 2000:31).
A malária em áreas indígenas apresenta comportamento epidemiológico
diferenciado, em decorrência da combinação dos determinantes biológicos (como
imunidade do grupo, características das cepas do plasmódio), culturais (como tipo de
habitação, padrão de contato com os cursos d’água), econômicos (como práticas de
subsistência, relações com a sociedade nacional), sóciopolíticos (como acesso a serviços de
saúde) e geográficos (como localização em área de difícil acesso e mais ou menos favorável
á transmissão). Os dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) demonstram que de
janeiro 1993 a outubro de 1994, a malária foi a sétima causa entre o total de óbitos
registrados para as populações indígenas da Amazônia (Moura,1996 apud Ianelli,
2000:355).
Em 2005 foram notificados 9.774 casos de malária no Estado de Mato Grosso, que
corresponde a 2% do total de casos da Amazônia Legal. Em comparação a 2004, o Estado
apresentou um aumento de 38,7% de registros. Alguns municípios apresentaram uma alta
incidência com IPA superior ou igual a 50/1000 habitantes (Brasília, 2006).
Após duzentos anos do término da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues
Ferreira, a malária continua sendo uma afecção que merece especial atenção da saúde
pública, atingindo uma parcela considerável da população, permanecendo endêmica na
região amazônica. Vale a pena ressaltar que o estudo de casos clínicos de malária, não faz
parte da rotina das enfermarias dos hospitais escola, distantes das áreas endêmicas. O
diagnóstico e a terapêutica empregados nos pacientes acometidos da doença passa
desapercebido nos currículos acadêmicos, sendo que médicos vindos de outras partes do
Brasil para residir no interior da região amazônica e centro-oeste, aprendem o manejo
clínico da enfermidade através da experiência compartilhada com médicos mais antigos da
região, ou em algumas ocasiões na vivência do dia-a-dia, se deparando com o cotidiano do
agravo.
Atualmente, os medicamentos empregados para o tratamento da malária causada
pelo Plasmodiu vivax são a cloroquina e a primaquima, produzidos sinteticamente a partir
de radicais livres do quinino. Para as provocadas pelo Plasmodium falciparum utiliza-se o
quinino, que é um alcalóide derivado da casca da quina. A produção sintética do quinino é
complexa e cara e a sua obtenção continua sendo pela extração de cascas das árvores de
quina, encontradas nas florestas da América do Sul.
Opressão, inflamação e obstrução
O último tipo de febre a que Alexandre Rodrigues Ferreira fez menção foi a
remitente. Descreveu como uma febre que desde o seu aparecimento não deixava o enfermo
livre. Assemelhava-se às intermitentes iniciando com calafrios, bocejos e espreguiçamento,
sem apresentar períodos de remissão. A temperatura se elevava em algumas horas e depois
abaixava. Considerou que eram febres complicadas e que a escolha do remédio, de acordo
com as suas variações, requeria sabedoria. Pela ordem de seu crescimento e declinação
podiam ser consideradas como cotidianas, terçãs ou quartãs. O calafrio que a precedia era
ligeiro, o suor terminava sendo copioso e na sua forma irregular apareciam vômitos,
diarréia, convulsões e dores semelhantes às pleuríticas e reumáticas. O prognóstico para a
sua forma regular era o mesmo das intermitentes. O perigo da irregular era transformar-se
em inflamatória ou maligna, merecendo especial atenção quando correspondia à quartã,
pois poderia se degenerar em febre lenta, marasmo e hidropisia.
Seu curativo era feito empregando a sangria e o emético, a seguir os ligeiros
diaforéticos, os diluentes, os temperantes e os amargos. O uso da quina se fazia após as
evacuações universais, ressaltando que o seu emprego podia levar ao abuso.
Fig 55 –Anuncio de remédio à base de quina.
Considerando que as obras referentes à utilização da quina não eram lidas no Brasil,
Ferreira resolveu acrescentar alguns parágrafos, no decorrer de sua monografia, sobre o
Méthodo de usar da Quina, para orientação dos que viessem a ler seus manuscritos:
540- los impedimentos dirimentos de la quina; presentes los males, ella es inútil, é nociva, son
absceso, inflamacion, obstruccion, schirro, tubérculo, câncer, entrãnas, corruptas, y cachochilias de
outras enfermidades.
541- la quantidad necesaria de quina para curar, y precaver lãs tercianas, es de três, ó quatro onzas,
em substancia; su dosis regular es uma dragma.
543- el vehiculo de la quina se puede acomodar á los simptomas, y al temperamento del enfermo;
puede conbinar-se com ópio, em casos de Dolores, y convulsiones; con acero em casos de
obstrucciones, com purgantes quando la cochochilia, y brevedad urgen; pero no irritar; y renovar los
espasmos.
545- la quina es um vegetal, cuyo uso jámas dana á la vida, antes fortifica sus funciones, todas
preserva su corrupcion, y la alarga; no produce lãs obstrucciones, lãs hipocondrias, lãs hidropesias,
lãs héticas, y otras enfermedades que falsamente em si mismas, y em sus causas, curando lãs
Tercianas, de quien ellas son efecto.
546- su abuso, y mal methodo de no dar la legitima, de darla antes de teimpo, em substancia, quando
debe ser em tintura, en corta, ó excesiva quantidad, sin la preparacion conveniente, sin el mênstruo, ó
vehiculo próprio al enfermo, y los simptomas, puede acarrear algunos danos mas, ó menos dificiles
de remediar (Ferreira, 1966:83).
Descreveu a obstrução como uma enfermidade decorrente da degeneração das
febres intermitentes, por não terem sido bem tratadas, pelo mau uso dos remédios ou pelos
excessos cometidos durante o seu curso. Entendia que o sangue e o líquido linfático
destinados a circular perenemente por todos os vasos e condutos do corpo humano
“encalhavam” nas extremidades. Isso acontecia em virtude da sua viscosidade, ou por que
faltava movimento adequado para separar as partes úteis e expelir as inúteis pelas glândulas
destinadas a essa função, de acordo com as Leis naturais da mecânica. Para não haver
prejuízo para a saúde era necessário que a força que impelia e expelia fosse vigorosa e, os
órgãos deviam facilitar a passagem dos fluídos, que necessitavam estar constantemente em
movimento, evitando a obstrução. A sua origem era atribuída aos “moventes, ou nos
canaes, ou nos humores” que devem circular em todas elas diferentemente combinadas.
Relatou que as obstruções sangüíneas ocorriam principalmente no pulmão e no
fígado; seus ataques eram rápidos e geralmente acompanhados de dor e calor próprios.
Acometiam os jovens e os pletóricos. Eram causadas pela plenitude dos vasos, pela
supressão de fluxo se sangue, vida ociosa e “poltrona”, incandescência do sangue e abuso
de vinhos e licores espirituosos. Os “encalhes” do sangue podiam ser confundidos com
inflamação e sua distinção era difícil. Alguns sinais ajudavam a diferenciá-los: a opressão
indicava encalhe do pulmão e a dificuldade de engolir o encalhe da faringe ou do esôfago.
As obstruções podiam se resolver em vinte e quatro horas, enquanto que as inflamações se
finalizavam com a supuração após sete dias. Não sendo adequadamente cuidadas,
resultavam em inflamação e obstrução cirrótica. O seu tratamento consistia em dieta,
repouso e ingestão de muita água. Quando isso não resolvia, recorriam a sangria, aos
diluentes adocicados, aos temperantes e aos clisteres laxantes.
As obstruções linfáticas dependiam da linfa e de nenhum outro humor. Seus
reservatórios eram as glândulas e as vísceras, sendo que em todas elas a obstrução se
formava com mais freqüência no fígado e baço. Estes tinham vasos em abundância, alguns
muito pequenos e estreitos, que se obstruíam por qualquer coisa. Estavam predispostos a
elas os melancólicos, os fleugmáticos e os caquéticos. Suas causas eram degenerações
provenientes da caquexia, dos encalhes sangüineos, da inflamação, do estancamento de
fluxos ou outras perdas de sangue. Das febres intermitentes, erupções recolhidas e digestão
viciada. Também por falta de exercício observada nos letrados, nos encarcerados e nos
embarcados por longos períodos. Podiam ser provenientes também dos alimentos
grosseiros consumidos no cotidiano de Mato Grosso:
a farinha ou o biscouto de milho, socado, despois de amollecido, e entrado em fermentação, dentro
em água; onde adquire hum cheiro, e sabor azedo. O mesmo milho, cozido em grão, e sem sal, que
he o que já disse, que se chamava Cangica. O feijão cozido com demaziado toucinho,
commummente mal salgado por ser excessivo o preço deste gênero. Pela mesma fórma, a carne de
pôrco, que he a que chêga a tôdos, por que todos trataõ da quella Creaçaõ, para com ella suprprirem
a falta da carne de vacca, ou fresca, ou muito mal salgada, e sêcca a o Sol. A Batata, o Cará, o
Inhame, o Aypim, e outras raízes flatulentas, que se cozem para se comerem, ou simplices, ou
misturadas com mel de Engenho (Ferreira, 1966:85).
Eram desencadeadas por bebidas nutrientes como o chocolate, a geléia de mocotó e
mesmo o leite de vaca ingerido em grande quantidade, quase sempre engrossado com
farinha de milho. Pelas águas empoçadas e lodosas tiradas das margens dos rios e lagos,
sem serem coadas e aonde eram despejadas imundices. Podiam se manifestar também nos
habitantes de lugares baixos e úmidos, em oleiros, escravos das lavras de ouro, em todos
que trabalhavam com os corpos nus e expostos ao tempo e com as mãos e pés dentro da
água. Nos que pisavam na terra fria com pés descalços, nos que enxugavam a roupa no
corpo ou se deitavam molhados e dormiam descobertos e expostos ao sereno.
Os sintomas eram palidez da face de uma cor amarela esverdeada como a cidra, se a
obstrução fosse de algum ducto biliar. Muitos apresentavam o rosto vermelho ou inchado,
olhos encharcados, boca seca com língua saburrosa. Sensação de peso na região do
estômago e do fígado que se agravava após comerem, principalmente nos hipocondríacos.
Dor intensa à palpação do local obstruído, distensão das vísceras e fastio e digestão
demorada. Opressão e cansaço ao menor esforço, propiciando a preguiça e necessidade de
estar deitado ou sentado. A respiração curta acompanhada de tosse. Pulso quase sempre
febril, pés inchados, urinas descoradas ou biliosas, dejeções da mesma cor da urina.
Se fosse tratada logo no início era fácil de se remediar; a inveterada e a cirrose eram
mais rebeldes, pois comprimiam os órgãos vizinhos desencadeando inflamações,
supurações e gangrena. Os cirros do baço eram menos nocivos que do fígado e do
mesentério. Os que provocavam aumento e dor nos órgãos eram mais fáceis de tratar; os
que causavam endurescimento sem dor eram incuráveis e evoluíam para a atrofia e a
hidropisia.
Alexandre Rodrigues Ferreira alertava que o curativo europeu requeria uma
avaliação da queixa de maneira sábia e moderada. Examinava-se o enfermo verificando se
o mesmo apresentava algum tipo de sangramento e estando esta presente procedia-se a
pequenas sangrias. A alimentação devia ser simples e de fácil digestão, tomando-se cuidado
com a qualidade e quantidade ingerida. Um cuidado especial era reservado ao consumo da
água, que deveria ser da chuva, da fonte ou coletada na correnteza dos rios, pois as margens
eram sujas e lodosas. Os eméticos e purgantes deviam ser brandos e não irritantes. Ingeriam
muitos diluentes, temperantes, hepáticos e aperitivos “a ptizana de cevada, com raízes de
Chicória, e de Almeirão;o soro de leite, com sumo de grama; o Aipo,o Eryngio, a
Scolopendra, e o Mastruço; o Rhuibardo, e o A’loes; o Sal Bórax, e dito ommoníaco; o
Tártaro vitriolado, o Sal de duobos, etc”. O tratamento prosseguia com o uso de incisivos
“as goma ammoniacas, o sabão, o mercúrio doce, e sobre tudo as agoas mineraes, aonde
as há, ou sejaõ quentes, a que chamaõ caldas ou frias”. Exercícios eram recomendados
com moderação e banhos e fomentações podiam ser benéficos (Ferreira, 1966:88).
Nem os índios nem os negros tratavam esta enfermidade desde o início “descuido
este que bem merecidamente o pagão com a própria morte”. Os índios remeiros quando
voltam para a capitania do Pará, morriam em suas povoações de obstruções cirróticas, o que
não aconteceria, segundo Ferreira, se tratassem a tempo. As sangrias eram realizadas
quando o estado não era avançado. Não ingeriam alimentos grossos e flatulentos como o
angu de milho, o feijão, a canjica, a carne de porco, o toucinho, alimentando-se de líquidos.
Os bebedores de cachaça ou de qualquer outra água ardente eram advertidos para não tomá-
la por que propiciava o aparecimento da obstrução, podendo evoluir para a hidropisia, que
terminava em morte. Purgavam-se com até seis grãos de tártaro emético ou com quarenta a
sessenta grãos de ipecacuanha, dependendo da constituição do enfermo. A seguir iniciavam
a
bebida de algum cozimento dezobstruente, que se proporciona as cirscunstancias do enfermo. Taes
são os que andaõ receitados em alguns Tractados Medico-Cirurgicos, que sobre o Curativo das
Enfermidades do Brazil [...] pequena raiz de CAPÉBA [...] os daqui (chamam) PARIPAROBA, duas
ou trez raízes de Salsa da Horta, que ainda não esteja espigada, huma de funcho, e as de hum pe de
Artemija [...] Bebe-se este cozimento tépido e adoçado cô duas até trez colheres de mel de pão na
doze de seis onças por cada vez (Ferreira, 1966:89).
Nesta mesma água cozinhavam raízes de sapé ou raiz de parreira brava, juntamente
com capeba. Outro purgante era tomado para evacuar os humores diluídos, repetindo-se um
frasco após o primeiro, depois outro, até se “desvanecer a obstrução”. Ao mesmo tempo
em que administravam os purgantes e os diluentes, ajudavam a natureza com um clister
laxante.
Uma das obstruções descritas por Ferreira, poderia ser o que conhecemos hoje como
hepatites virais, mais precisamente a do tipo A, cujos sintomas mais evidentes são a
icterícia e a febre. As hepatites virais (A,B,C,D,E) são doenças provocadas por diferentes
agentes etiológicos, com tropismo primário pelo tecido hepático, que apresentam
características epidemiológicas, clínicas e laboratoriais semelhantes. Sua importância está
relacionada ao número de indivíduos atingidos e pela possibilidade de complicações das
formas agudas e crônicas
A distribuição das hepatites virais é universal, sendo que a magnitude dos diferentes
tipos varia de região para região. No Brasil há grande variação regional na prevalência de
cada um dos agentes etiológicos. A hepatite tipo A apresenta distribuição mundial, sendo a
principal via de contágio a fecal-oral; por contato inter-humano ou através de água e
alimentos contaminados. Contribui para a transmissão a estabilidade do vírus da hepatite
tipo A (HAV) no meio ambiente e a grande quantidade de vírus presente nas fezes dos
indivíduos infectados. A transmissão parenteral é rara. A disseminação está relacionada
com o nível socioeconômico da população, existindo variações regionais de endemicidade
de acordo com o grau de educação sanitária, condições de higiene e de saneamento básico
da população. Em regiões menos favorecidas as pessoas são expostas ao HAV em idades
precoces, através de formas subclínicas ou anictéricas, que ocorrem nas crianças em idade
pré-escolar. A doença é autolimitada e de caráter benigno. Cerca de 1% dos casos pode
evoluir para hepatite fulminante. Este percentual é maior acima dos 65 anos (Brasil,
2003:2).
A transmissão do vírus da hepatite B (HBV) se faz por via parenteral e sobretudo
pela via sexual, sendo considerada doença sexualmente transmissível. As infecções
causadas pelo HBV são habitualmente anictéricas. Aproximadamente 5% a 10% dos
indivíduos infectados cronificam e metade desses casos evoluem para doença hepática
avançada (cirrose e carcinoma hepatocelular). O HCV é o principal agente etiológico da
hepatite crônica não-A e não-B. Sua transmissão ocorre principalmente por via parenteral e
em um percentual significativo não é possível identificar a via de infecção. A cronificação
em adultos ocorre em 80% a 85% dos casos, sendo que um terço deles evolui para as
formas graves no período de 20 anos. A hepatite D é causada pelo vírus da hepatite delta
(HDV) sendo o principal responsável pela cirrose hepática em crianças. O vírus da hepatite
E (HEV) é o vírus causador da hepatite mais recentemente identificado, em 1990 (Brasil,
2003:2-3).
A notificação de hepatite B e C tem aumentado em quase todos os Estados do
Brasil. Em 2004 o Estado de Mato Grosso registrou 681 casos de hepatites virais sendo 284
de hepatite A (42%), 217 de hepatite B (32%) e 53 hepatite C (8%). Em 18% dos casos a
etiologia não foi definida. A provável fonte de infecção não está identificada em 45% dos
casos confirmados. A taxa de mortalidade por hepatite B em 2004, no Estado de Mato
Grosso, foi de 12,22 (por 1 milhão de habitantes), índice maior que a média para a região
Centro-oeste que foi de 1,99 e superior à média nacional que foi 2,37 (Brasília, 2006).
No século XVIII, pouco se escrevia sobre as afecções cardíacas e vasculares.
Morria-se de parada do coração e o aneurisma era tido como um tumor formado de sangue.
A hidropisia ou acúmulo de líquido seroso em cavidades e no tecido conjuntivo subcutâneo
foi encarado como doença e não sintoma resultante de afecções diversas: cardíacas, renais,
vasculares, hepáticas e de infestação parasitária.
Pison escreveu um capítulo em seu tratado sobre a hidropisia, no qual atribuiu o mal
à “intemperança no viver” e às “águas palustres”. Outros autores apontaram como
prováveis causas os excessos sexuais, a vida dissoluta e a fraqueza geral provocada pelo
calor dos trópicos. A terapêutica baseou-se nos purgativos e diuréticos. Usaram vegetais
nativos como a capeba ou pariparoba, o jaborandi, a erva-de-lagarto, o tiu ou raiz-de-
lagarto, a erva-de-rato e o caju. Incisava-se a pele com o intuito de provocar a saída do
líquido seroso. “Muitos são curados por uma ferida na perna, quer nascida
espontaneamente, quer pela aplicação do fogo”, conforme ensinou Pison (Santos,
1991:214).
Para Ferreira a hidropisia consistia na estagnação da serosidade do sangue em
alguma parte ou cavidade do corpo. Conforme a parte atingida, recebia diferentes nomes:
anasarca quando ocupava a membrana adiposa e se difundia por todo o corpo e ascite
quando estava localizada no ventre, podendo ser solta ou enquistada.
A hidropisia ou anasarca generalizada é o acúmulo de humor seroso nos espaços
intercelulares dos tecidos subcutâneos (edema) ou profundos e nas cavidades serosas
(derrames, ascites, hidroartrose, hidrocefalia, etc). Pode ocorrer nas crianças com
alimentação exclusiva de farinhas, nas glomerulonefrites agudas e crônicas, na
miodegeneração cardíaca, na retenção tireoidiana de água, nas nefroses lipoídicas, amilóide
, no rim gravídico, nas escleroses renais, etc. (Garboggini, 1971:762).
Fig 56 – Banana, acervo da Casa da Ínsua.
A anasarca foi descrita por Alexandre Rodrigues Ferreira como proveniente de
enfermidades de diferentes caracteres que nela se degeneravam, podendo adquirir as formas
agudas ou crônicas. Podiam ser decorrentes das febres maligna, ardente e quartã, da varíola
e do sarampo. Das obstruções inveteradas, da caquexia, do escorbuto, da icterícia, da gota,
da asma. De antigos fluxos do ventre, da supressão intempestiva das evacuações habituais,
de erupções cutâneas recolhidas, dos cirros e tumores internos. Da vida sedentária, de se
habitar lugares úmidos e impuros, de beberem demasiadamente vinho, aguardente ou
cachaça e ficar encharcado de água com freqüência. Os sintomas eram palidez de olhos,
face e corpo e pulso lento. Edema inicialmente nos pés, que desaparecia pela manhã e
depois subia até a região dos joelhos e por todo o corpo. Respiração difícil acompanhada de
tosse e sede, supressão do suor e redução da urina, que por vezes era brancas e outras vezes
turva. Seu prognóstico dependia da resposta do enfermo a uma dejeção de sangue que era
provocada. Os cuidados podiam ser mais difíceis na presença de uma evacuação
“suspendida” ou de erupções recolhidas, ou se degenerasse em febre intermitente. O
resultado também dependia se o doente fosse velho, tivesse forças e boa constituição. A
anasarca decorrente de enfermidades crônicas e que se estabelecia nas entranhas era
incurável. Um bom sinal era o aparecimento de salivação abundante e da diarréia.
O curativo europeu preconizava para os moços a sangria no princípio da
enfermidade, sendo obrigatória quando ocorria a supressão da menstruação e do
sangramento hemorroidário. Em outras situações tinha conseqüências funestas. Os eméticos
eram úteis todo o tempo, de acordo com as forças do enfermo, assim como receitar os
purgantes de “Jalapa, o Rhuibardo, a raiz de Íris, o Rom, o Diagridio, o Mercúrio dôce,
etc.”. A desobstrução dos vasos se dava com os aperitivos e os diuréticos mereciam
preferência por depurarem o sangue da serosidade superficial. Para este fim receitava-se:
as raízes de Chiciria de Cerfôlho, e Rabaõ de Bryonia, e a de Scilla ou Cebôlla albarraã; os fructos de
Alkekenge; o nitro, a terra foliada de tártaro, a lixívia das cinzas de Tamarisco, de Losna, de Zimbo,
e de vides; o vinho branco, etc. Os Stomachicos, os amargos, e as preparaçoens do ferro, a onde
entraõ as raízes de Alamo, e de Angélica; as bagas de louro, e de Zimbo; a Cássia Lígnea, a
Scabiora, os Jacynthos, a Nox muschata, a Canella, a Quina, o Crocus martis aparientis, e outros
fortificantes aproveitaõ mais que os purgantes, e muito mais, que as tincturas sudorificas (Ferreira,
1966:93).
Os diaforéticos externos estavam indicados, produzindo suor através do calor das
estufas, pelo vapor dos banhos, da areia quente, do sol, dos fornos ou qualquer outro meio.
Recomendava-se o uso de muito alho na alimentação, a ingestão de alimentos secos,
cozidos ou assados e a ingestão de pouca e boa água.
Em Vila Bela, muitos enfermos se curaram abstendo-se de beber água por muitos
meses (Ferreira, 1966:94). Nos locais onde se encontravam águas minerais, este era o
primeiro medicamento. Induzir a salivação poderia produzir algum efeito e eram
estimulados pelas “raízes do pyrethro da Angélica do Jambú do Pará ou jaborandi de
Mato grosso; as sementes de Mostarda; o tabaco ou fumado, ou mascado, o gingibre, o
Cravo da Índia etc”. Somente em último caso realizavam a escarificação nas pernas,
utilizando cáusticos e cautéricos, para evitar a gangrena. A impaciência com a dieta e o
curativo, suspendendo os remédios precipitadamente, podia levar a recaídas e à morte.
Ferreira concluiu que o curativo desta e das outras queixas só teria resultado se
fossem examinadas as causas de onde provinha a enfermidade. Caso contrário tanto as
receitas do assistente como as despesas do enfermo estariam frustradas.
Anasarca (áná = por toda parte + sarx = carne) é um edema que atinge grande parte
do tecido subcutâneo. Edema (oidema = tumor) é a tumefação dos tecidos em conseqüência
do excesso de líquido sanguíneo ou linfático extravasado nos interstícios dos tecidos e/ou
nas cavidades serosas. É mais comum no tecido subcutâneo. A intensidade do edema é
variável conforme a causa responsável. Às vezes é quase imperceptível, enquanto que
outras vezes é considerável. No abdômen pode atingir muitos litros, resultando o seu
abaulamento, recebendo o nome de ascite (derivado de ascos = odre, pote, denominação
dada pelos médicos gregos ao abdômen). Os médicos da Antiguidade Clássica
denominavam de edema todo aumento local de volume determinado por acúmulo de
líquido. Só durante a Renascença é que adquiriu o conceito atual. Trata-se de um sinal de
grande importância clínica, comum a varias entidades, às vezes representando o sinal de
alarme que leva o doente a procurar o médico (Maffei, 1978: 229; 461).
A ascite era o nome vulgar que se dava para barriga d’água (nome até hoje
empregado). Manifestava-se com a elevação do ventre e flutuacão do líquido no seu
interior, que inundava as entranhas. Diferia da hidropisia enquistada do ventre (podia estar
se referindo a tumores malignos que produzem ascite ou à abcessos peritoneais, como por
exemplo os ocasionados por uma apendicite supurada) por que nesta o líquido estaria
fechado em um saco, como ocorria na hidropisia das mães e dos ovários (nos tumores
malignos de ovário, as ascites são muito freqüentes e volumosas, de aparecimento tardio).
As causas eram as mesmas da anasarca.
Os principais sintomas eram a elevação do ventre, flutuação e sensação de peso. As
ascites podiam ser confundidas com a anasarca, com o timpanismo ou hidropisia, com a
prenhêz e com a mola (mola hidatiforme é uma degeneração da placenta que ocorre no
início da gestação. Interessante notar que já conheciam esta patologia na ocasião, fazendo o
seu diagnóstico na ausência de exames complementares, contando somente com história
clínica, exame do paciente e evolução da doença).
Na hidropisia enquistada do ventre, a flutuação e o peso eram sentidos quando o
saco que continha o líquido fosse grande. E mesmo quando não se sentia a flutuação, por
ser a bexiga pequena e o líquido espesso, havia outros sinais que ajudavam a discerni-la “o
hydropico nesse cazo conserva a sua côr natural, a gordura, e o apetite. A Inchação do
ventre he dezigual, e tanto esta, como a dos pés, he mais tardia (Ferreira, 1966:95).
Ferreira referiu que a ascite nas mulheres curava-se mais facilmente que nos
homens, com exceção da hidropisia enquistada e que a anasarca era mais rebelde. Não
aconselhava puncionar o líquido para esgotá-lo, pois este se acumulava novamente. Se isso
acontecesse no prazo de doze a quinze dias, o doente tinha pouca ou nenhuma esperança.
Realizada a punção, se a cor do líquido fosse semelhante a da urina (amarelada), o
tratamento seria melhor, se fosse fétida, sanguinolenta ou purulenta o prognóstico era
desfavorável. Considerou estas últimas raras, assim como a enquistada. Alguns pacientes
foram submetidos a mais de cinqüenta punções.
O curativo europeu consistia em repetir os eméticos no início da enfermidade,
quando não se obtinha eficácia com uso dos purgantes, como se fazia com a anasarca. Os
aperitivos e os diuréticos eram os principais remédios, utilizando-se os fortificantes e os
amargos. Quando estes não eram eficientes realizava-se a paracentese (punção abdominal).
Para que fosse eficaz era preciso que as entranhas não se encontrassem diluídas e que o
assistente a realizasse com destreza, primeiro
comprimido o ventre, a proporçaõ que se lhe esgota a agoa. Segundo, conservando-lhe, despois de
estar esgotada, a com pressão preciza, o que se executa mediante huas ataduras largas, e de muitas
voltas, as quaes devem passar por entre as coxas, de maneira que fiquem as entranhas, quazi tão
comprimidas, como estavaõ antes. Tertio; re servando antes alguma porção do lequido, para a vazar
de outra vez, do que esgotando-o toda da primeira, pelo perigo, a que aliás se expõem o enfermo,
quando tem tido o ventre demaziadamente cheio. As utilidade que se seguem de DILATAR e
CONSERVAR a abertura que se faz para a Hydropezia enkistada, são duas: Primeira: a de mais
facilmente se despeja por ella, todo, e qualquer humor, que haja, por mais espesso, que seja.
Segunda; a de se introduzirem, como he precizo, as injecçoens detersivas, e dessecativas (Ferreira,
1966:96).
O curativo americano nada diferia do europeu, no que se referia às diferentes
hidropisias.Tomavam até dois eméticos de tártaro ou ipecaquanha, purgantes de jalapa ou
ruibarbo com mel de cana. Bebiam cozimento de raízes de sapé, de picão e de capeba, mas
também podia ser de salsa parrilha, jaborandi, casca de romã, de limão, de laranja e outros.
Para a “gente vulgar” receitava-se garapa, aos outros, pílulas de azêbre ou goma amoníaca.
Para o curativo das obstruções a coloquintidas. Não se descuidavam dos suadoros nos
banhos de vapor, preferindo o cozimento “de folhas de pimenta longa, camará,
bassourinha, poejo, salva da terra. Os índios e os negros que tinham a pele mais densa
usavam os vapores de aguardente da terra.
As patologias descritas foram as que mereceram a atenção de Alexandre Rodrigues
Ferreira. No decorrer de sua exposição, pode-se notar o detalhamento na enumeração das
causas das doenças, sempre ressaltando os aspectos físicos e os componentes psico-
constitucionais, que ele considerava como fatores predisponentes ao aparecimento das
diferentes enfermidades. As sintomatologias foram relatadas de maneira minuciosa,
evidenciando a realização de uma propedêutica cuidadosa. Demonstrava um conhecimento
apurado de nosologia das moléstias que acometiam a Colônia, de acordo com o conceito de
doença vigente. Mesmo desconhecendo os agentes etiológicos das enfermidades que
descreveu, suas noções de patologia e patogenia das doenças endêmicas da Amazônia
permitiram que dominasse a medicina de sua época, contribuindo para o que viria a ser
mais tarde a medicina tropical.
O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira exerceu a arte de curar por mais de oito
anos na Amazônia. Dentre os seus escritos, produziu uma monografia sobre as
enfermidades da Capitania de Mato Grosso, a pedido de Antônio José de Araújo Braga,
cirurgião da comissão demarcadora, aluno benemérito do Hospital Real de São José, de
Lisboa (Corrêa Filho apud Araújo, 1952:30), que serviu de referência para os que
estiveram na Amazônia depois dele.
Novas descobertas enriqueciam rapidamente a matéria médica do século XVIII,
com novos conhecimentos. Durante quase todo o século a falta de médicos e licenciados no
Brasil foi grande e o isolamento da distante Europa aumentava essa carência. Os
bezoárticos, a pedra bazar, a triaga antiga, as raspaduras de marfim, o osso de coração de
veado, os emprasto de caracóis, a água de flores de favas temperadas com urina de boi, etc
(Araújo, 1952:32), juntamente com as rezas e benzeções, completavam os recursos da
polifarmácia. A flora brasileira mostrava ser uma reserva opulenta, da qual os médicos, os
cirurgiões, os barbeiros e os boticários se beneficiaram, incorporando saberes indígenas no
seu manuseio.
Alexandre Rodrigues Ferreira fez parte desse contexto, dialogando com o nativo da
terra, incorporando os conhecimentos da arte de curar dos americanos, relativizando,
criticando e os comparando com os conhecimentos da terapêutica médica empregada em
Portugal, na tentativa de superar as dificuldades que encontrou no seu cotidiano. Mesmo
não sendo médico, leu os compêndios que circulavam pela Europa e provavelmente
recebeu alguma orientação de Domingos Vandelli, seu professor de história natural e
médico. Conseguiu deixar um texto que evidencia a sua capacidade de observação e de
sistematização científica, da medicina no século XVIII em Mato Grosso.
Conclusão
Fig 57 – Inhame, acervo da Casa da Ínsua
No século XIV acreditava-se na existência do Equador, dos trópicos, de cinco zonas
climáticas, três continentes, três mares e doze ventos. A Europa setentrional e o Atlântico já
se confundiam com o imaginário, sendo descritos quase como ficção. Na primeira os
hiperbóreos viviam nas trevas; no segundo, havia uma quantidade de ilhas misteriosas.
Sobre a África, falava-se do Magreb e do Egito. Desenvolviam-se hipóteses sobre as fontes
do Nilo, que seriam na Índia, que se ligava à África; ou, no curso superior do Níger. A
Ásia, grande pólo de fascínio para o imaginário europeu, encerrava o Paraíso Terrestre,
vedado por altas montanhas, por uma cortina de ferro e por hordas de animais monstruosos.
Para além do Índico, o país dos antípodas, mundo antinômico por excelência, povoado por
seres monstruosos: cinocéfalos, ciclopes, trogloditas, acéfalos, homens-formiga, etc (Souza,
2005:25).
A alteração do imaginário geográfico ocorreu no século XVIII, com estudos que
impulsionaram o aparecimento de novos conhecimentos sobre diversas áreas do saber.
Estes avanços foram empregados por Portugal, na realização das expedições científicas,
que ampliaram a percepção sobre a geografia dos continentes e trouxeram a público novas
informações sobre os minerais, vegetais e animais. Até então, as explorações se
restringiam, basicamente, às faixas litorâneas de áreas ainda desconhecidas. Aos poucos o
desenho do planeta se aproximou de suas atuais dimensões.
Alexandre Rodrigues Ferreira foi um dos primeiros a chefiar uma expedição que
adentrou o interior brasileiro, explorando seus recursos animais e vegetais, atravessando
territórios de diversos povos, impulsionado pelo espírito iluminista da época, cumprindo as
ordens determinadas pela Coroa. Exigiu-se do naturalista relatórios circunstanciados dos
territórios ultramarinos, centrados na descoberta e conhecimento de produtos naturais e
aspectos sociais e culturais, como a economia dos colonos e dos povos indígenas, a
agricultura e utensílios agrícolas, caça e pesca, plantas alimentares, medicinais ou utilizadas
como corantes, vestuário, animais de trabalho, minerais e seu uso, manufaturas, indústrias,
comércio, etc. (Almaça, 2002:10).
Chegando ao Brasil, frente à alteridade encontrada, Ferreira precisou relativizar seus
conhecimentos e desenvolver um diálogo com os habitantes da terra. Utilizando plantas
nativas ou cultivadas e observando o que os indígenas retiravam da terra. Suas práticas
alimentares e medicinais indicavam aos recém-chegados o que e como consumir.
Com a falta de profissionais da arte de curar e das escassas boticas européias, os
conhecimentos sobre substâncias medicinais e práticas terapêuticas dos índios e dos negros
foram incorporado ao saber curativo dos colonizadores. Alexandre Rodrigues Ferreira
trazia de Portugal algum conhecimento dessa arte e coletou novas informações sobre
enfermidades, observou condições de asseio da população e das cidades e agregou aos
procedimentos terapêuticos europeus saberes dos “americanos”. Depois de estar dois anos
em Vila Bela da Santíssima Trindade, capital de Mato Grosso, escreveu uma monografia
sobre as enfermidades da Capitania.
Na ocasião por toda a Europa e também em Portugal, a medicina era baseada na
Teoria Humoral desenvolvida por Hipócrates, que considerava que a saúde e a doença
repousavam em um equilíbrio entre a bile negra (melancolia), a bile amarela, a pituíta e o
sangue. Estes, por sua vez interagiam com os quatro elementos cósmicos (terra, fogo, ar e
água), com as estações do ano, com os estados climáticos (o quente, o frio, o seco e o
úmido) e com os quatro pontos cardeais.
A doença era considerada como objeto de observação e entendimento, método
empregado que articulava a descrição cuidadosa do conjunto de sintomas para promover
um prognóstico da evolução do estado do paciente. Hipócrates preconizava que se fizesse
coincidir a teoria humoral com a observação do estágio das doenças. O vocabulário e as
concepções hipocráticas ainda permanecem vivas na forma como as doenças são
socialmente apreendidas, por exemplo, quando se fala que o “sangue ferve” e que “engolir
a raiva faz mal para o fígado”.
Por quase dez anos Ferreira percorreu as capitanias do Grão-Pará, Rio Negro e Mato
Grosso. Ele e os membros de sua expedição foram acometidos por epidemias e outros
males. Naquela época, observou as interações entre o espaço geográfico e a ocorrência das
enfermidades, associação que se evidencia na medida em que relatou em sua monografia as
febres de diferentes etiologias. Até o século XIX, as doenças endêmicas eram consideradas
as doenças próprias de um determinado local, região ou país e as epidêmicas, as que viam e
iam, mas não se estabeleciam no local. Estas apresentavam caráter de visitação, com os
mais diversos determinantes, compreendendo inclusive as alterações do meio ambiente, de
caráter transitório.
Alexandre Rodrigues Ferreira, no século XVIII, enxergava que a doença era mais
que uma manifestação biológica, destacando que as causas das enfermidades englobavam
aspectos psicológicos e o modo de vida do paciente. Mesmo de valendo de alguns
procedimentos de cura que possam parecer “assustadores”, já incorporava em sua
farmacopéia substâncias que são utilizados até hoje.
Os processos de cura considerados não científicos perderam espaço na cultura
escrita dos tratados médicos do século XVIII, mas persistiram em outras esferas. Desde os
tempos coloniais muitas práticas de cura popular tenderam a desaparecer ou se
transformaram, fornecendo subsídios para a criação de terapêuticas qualificadas como
“rústicas”, de indiscutível origem sincrética. Ainda hoje se difundem rituais curativos cujas
crenças e usos de substâncias guardam reminiscências de tradições e velhos costumes.
Para Luz (2000:188-190) desde o século XVII o projeto dominante na medicina, no
ocidente, passou a ser produzir conhecimento sobre as doenças. A terapêutica foi sendo
cada vez mais orientada pela busca sistemática de identificação e combate de doenças e não
mais pelo restabelecimento do equilíbrio de indivíduos doentes. Um fosso teórico e prático
tendeu a se formar no interior da medicina vista como práxis. O terreno de ação-
intervenção e de fonte de conhecimento médico permaneceu sempre o corpo do doente,
ainda que examinado sob a forma de partículas cada vez menores, freqüentemente
dissociadas entre si ou da totalidade. Esse corpo não mais seria visto pela medicina como
integralidade individual viva, nem a vida individual de sujeitos interessaria mais à ciência
médica. A eficácia terapêutica entendida como vitória sobre as doenças e controle da morte,
levaram a prática médica a pesquisar com maior afinco às drogas aliadas dos médicos, em
seu combate. Uma medicina baseada em “princípios” ou “leis” de cura, centrada na
terapêutica entendida como o restabelecimento da saúde de sujeitos, não fazia mais sentido
para o projeto da clínica, que se tornou progressivamente hegemônica.
A história da medicina tem demonstrado que não basta somente catalogar as
doenças, pois em cada indivíduo elas assumem feições variadas e que o corpo, locus por
excelência da manifestação dos sintomas e sinais é individual. A vivência do adoecer
absorvida ao longo dos anos por meio de imagens, emoções, esperanças e incertezas,
formam um panorama representativo do dinamismo de uma cultura, cujas raízes se
vinculam ao viver em coletividade, tanto dentro de uma determinada formação social como
de uma específica ordem, que foi sendo delineando no decorrer do processo histórico.
Atualmente a medicina considerada
acadêmica encontra-se “encastelada”, por
se considerar detentora dos
procedimentos ditos “verdadeiros”, não
estabelecendo um diálogo com outras
possibilidades de saber. Tal
enclausuramento é sustentado pelas
instituições que a legitimam, fazendo
com que os profissionais da área não
dialoguem com a sociedade, numa troca
que seria salutar. Para Entralgo (1983,
apud Ibáñez & Marsiglia, 2000:51) as
relações entre os curadores e os doentes,
além das finalidades de diagnóstico,
terapêutica e prognóstico, possuem uma
dimensão afetiva e de compromisso entre
ambos e outra mais ampla, de caráter
ético-religioso, envolvendo princípios e
valores que fazem parte da sociedade e
que regulam, em última instância, essa
relação.
As experiências adquiridas com as práticas do passado incorporam diferentes visões
aos modos de atuação, vinculando às práticas médicas aos modos de vida individual e da
coletividade. O saber curativo está intimamente articulado às práticas sociais. A história das
enfermidades e do entendimento do adoecimento, discutindo as causas, repercussões e
vinculações entre elas podem ser utilizadas para a interpretação e relação desses processos
sociais.
Os avanços tecnológicos não devem excluir os conhecimentos do cotidiano da
sociedade, lembrando que a história do adoecer do paciente é a sua história de vida. E a
velocidade imposta pelo ritmo de vida atual, onde tudo é efêmero, não deve ser aplicado
incondicionalmente aos saberes da coletividade, acumulado por séculos de experiência. A
tecnologia não exclui a vivência.
A percepção de que há diferentes modos de visualizar a saúde, a doença e os
procedimentos de cura, pode ampliar horizontes da prática médica, melhorando a
comunicação dos profissionais com a sociedade, aumentando sua respeitabilidade pela
sociedade, procurando maior eficácia nos tratamentos e políticas de saúde estabelecidas.
Classificar, nomear, conhecer, organizar e dominar estavam intrinsecamente
relacionados no contexto de desbravamento do Novo Mundo, efetivando o domínio dos
europeus nas terras colonizadas. Este foi o trabalho de Alexandre Rodrigues Ferreira
durante a sua “Viagem Filosófica ao Rio Negro e Minas do Cuyabá”, mapeando inclusive
as doenças e seus modos de cura. O resultado deste empenho, fruto do diálogo entre ele e
os povos que aqui encontrou, foi à formação de um manuscrito que contribuiu para um
melhor entendimento das concepções de saúde, doença e cura na região de Mato Grosso.
Índice das gravuras
Fig 58 – Detalhe da embarcação utilizada nas expedições, pelo rio Madeira.
Fig 1 – Detalhe de uma das vistas das cachoeiras do Rio Madeira, Freire............... pg 01
Desenho aquarelado sobre papel pertencente ao espólio de Alexandre Rodrigues Ferreira
(1783 – 1792). Arquivo Histórico do Museu Bocage da Universidade de Lisboa. FARIAS,
M. F. A Imagem útil. Lisboa: Gráfica Maiadouro, 2001. pg 182.
Fig 2 – Jardim Botânico da Ajuda – Lisboa, Portugal (Acervo Pessoal).
................. pg05
Fig 3 – Urucum (Bixa orellana, Linneu).
................................................................ pg 13
Acervo pertencente à Casa da Ínsua.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 231.
Fig 4 – Arvore da castanha de Piriquito do Pará de Mato
Grosso(manduvi)............ pg 14 Desenho aquarelado sobre papel, não
assinado, pertencente ao espólio da viagem de Alexandre Rodrigues Ferreira
(1783 – 1792). Fundação Biblioteca Nacional – Divisão de Manuscritos, Rio
de Janeiro, Brasil.
FARIAS, M. F. A Imagem útil. Lisboa: Gráfica Maiadouro, 2001.pg 191.
Fig 5 – Cigana (Opisthocomus hoazin – Muller -
1766)........................................... pg 15
Acervo da Casa da Ínsua.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 62.
Fig 6 – nº 11 - Tamandoã bandeira com filho.
......................................................... pg 16 COSTA, J. (Org.). Zoologia e
botânica no Brasil: desenhos de história natural. Porto: Biblioteca Pública
Municipal do Porto. 2000. pg 27.
Fig 7 – Detalhe do prospecto da Villa de Bom Jesus de Cuyabá, situada em 15
e 19 de latitude austral, e em 322 e 5 de longitude, contados da Ilha do Ferro.
................... pg 17 Fólio 59. Folha 1209 x 236 mm, figura 1159 x
211 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocage da Universidade
de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 120-121.
Fig 8 – nº 52 - Tamarindos.
...................................................................................... pg 22
COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 72.
Fig 9 – Vista semi-dorsal e ventral da lagarta Oiketicus kirbyi (Lands-
Guilding, 1827), espécie conhecida como “bicho-de-cesto”, por tecer estojo
protetor. ...................... pg 25 Fólio 143r. Folha 345 x 235 mm, figura
232 x 167 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocage da
Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. I pg 318.
Fig 10 - História dos animais e árvores do Maranhão - 1642, Frei Christóvão de Lisboa.
Arquivo histórico Ultramarino, Lisboa Portugal. ..................................................... pg 27
MAGALHÃES, J.R. Amazônia felsínea: António José Landi, itinerário artístico e
científico de um arquiteto bolonhês na Amazônia do século XVIII. Lisboa: Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. pg 258.
Fig 11 – Terra Brasilis. Mapa do Atlas Miller – 1515 – 1519.
................................ pg 33 Manuscrito iluminado sobre pergaminho 41,5
x 59 cm. Department de cartes et plans de la Bibliothéque Nationale, Paris,
France.
BELUZZO, A. M. M. O Brasil dos viajantes. 3ª edição São Paulo: Fundação
Odebrecht Metal livros/ Objetiva, 2000. pg 68.
Fig 12 – Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal.
..........................pg 35 Retrato em idade avançada, atribuído a Joana de Salitre,
1769, Museu da Cidade de Lisboa.
MAXWELL, K. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de
Janeiro: Ed. Paz e Terra S.A, 1997. pg 87
Fig 13 – Terremoto de Lisboa.
................................................................................ pg 36 MAXWELL, K.
Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Ed. Paz e
Terra S.A, 1997. pg 22.
Fig 14 – Linneu ........................................................................................................ pg 40
RONAN, C. A. Da renascença à revolução científica. História ilustrada da ciência. Vol III.
Universidade de Cambridge, 1983. pg 143.
Fig 15 – As classes das plantas no sistema sexual de Linneu e terminologia de
Botânica. Domingos Vandelli.
.................................................................................................. pg 41
Gravura 17,3 x 22,8 cm. Ilustração do livro de Vandelli, Diccionario de
termos technicos de Historia Natural extrahidos das obras de Linnéo.
Coimbra, Real Officina da Universidade, 1788. Biblioteca do Instituto de
Estudos Brasileiros da USP (Coleção Yan de Almeida Prado), São Paulo,
Brasil.
BELUZZO, A. M. M. O Brasil dos viajantes. 3ª edição São Paulo: Fundação
Odebrecht Metal livros/ Objetiva, 2000. pg 19.
Fig 16 – Frontispício alegórico da Viagem Filosófica no qual supostamente Alexandre
Rodrigues Ferreira (1783 – 1792) aponta o mapa dos rios Amazonas, Madeira, Branco e
Negro, autor desconhecido, pertencente ao respectivo espólio. ............................... pg 48
Fundação Biblioteca Nacional – Divisão de Manuscritos, Rio de Janeiro, Brasil.
FARIAS, M. F. A Imagem útil. Lisboa: Gráfica Maiadouro, 2001. pg 143.
Fig 17 – Fachada da Igreja das Mercês (Belém do Pará), Joaquim José Codina. .... pg 49
Desenho à pena aquarelado. 435 x 290 mm. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira –
Prospectos de cidades, villas, povoações, Edeficios, Rios, Cachoeiras, Serras, etc., da
Expedição Philosófica do Para, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyaba, 1784 – 1792.
Fundação Biblioteca Nacional – Divisão de Manuscritos, Rio de Janeiro, Brasil.
MAGALHÃES, J.R. Amazônia felsínea: António José Landi, itinerário artístico e
científico de um arquiteto bolonhês na Amazônia do século XVIII. Lisboa: Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. pg 278.
Fig 18 – Cachoeira Pederneira, 19 de março de 1789. Freire.
................................. pg 52 Fólio 21. Folha 459 x 341mm, figura 374 x
170 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocage da Universidade
de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 44.
Fig 19Detalhe do Prospecto da Villa de Barcelos, Freire. .................................. pg 53
Desenho aquarelado sobre papel pertencente ao espólio da viagem de Alexandre Rodrigues
Ferreira (1783 – 1792). Fundação Biblioteca Nacional – Divisão de Manuscritos, Rio de
Janeiro, Brasil.
FARIAS, M. F. A Imagem útil. Lisboa: Gráfica Maiadouro, 2001. pg 172 – 173.
Fig 20 – Índio Mura do rio Negro, Codina.
.............................................................. pg 57 Fólio 13r, Tab IIIª, ano
1787. Folha 345 x 235 mm, figura 215 x 167 mm. Aquarela pertencente ao
acervo do Museu Bocage da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol.I pg 59.
Fig 21 - Planta de Vila Bela da SS. Trindade, capital da Capitania de Mato
Grosso, situada na margem oriental do Rio Guaporé, em latitude austral de 15º
e longitude de 318º e
15’’................................................................................................................. pg
59 Fólio 49. Folha 687 x 452 mm, figura 537 x 375 mm. Aquarela
pertencente ao acervo do Museu Bocage da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 100.
Fig 22 - Prospecto da entrada da Gruta das Onças, situada na distância de 11
pª.12 légoas do Porto do Rio
Guaporé................................................................................ pg 60 Fólio 54.
Folha 235 x 345 mm, figura 266 x 168 mm. Aquarela pertencente ao acervo
do Museu Bocaje da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 111.
Fig 23 – Plano da mesma Villa de Bom Jesus de Cuyabá, levantada pelo
Sargento Mor Engenheiro Ricardo Franco de Almeida.
................................................................. pg 61 Fólio 60. Folha 461 x
347 mm, figura 416 x 272 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu
Bocaje da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira. s.l:
Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 123.
Fig 24 – Desenhador de história natural. Detalhe de desenho aquarelado de Manoel Tavares
da Fonseca. In: Riscos de alguns Mammaes, Aves e Vermes do Real Museo de Nossa
Senhora da Ajuda. Arquivo histórico do Museo Zoológico Bocage da Universidade de
Lisboa. ........................................................................................... pg 66
FARIAS, M. F. A Imagem útil. Lisboa: Gráfica Maiadouro, 2001. pg 26.
Fig 25 - Ilha Brasilis. Portlan chart of the Mediterranean Joan Oliva, c. 1610. ...... pg 72
54 x 94,7 cm. Mapa pertencente à Cid Collection, em comodato com Instituto Cultural
Banco Santos.
MICELI, P. (org.). O tesouro dos mapas: a cartografia na formação do Brasil. São Paulo:
Instituto Cultural Banco Santos, 2002. pg 70.
Fig 26 - Carta Cartográfica del Brasil, Giovanni Battista Albrizzi, 1740................ pg 73
33,2 x 43,5 cm. Mapa pertencente à Cid Collection, em comodato com Instituto Cultural
Banco Santos.
MICELI, P. (org.). O tesouro dos mapas: a cartografia na formação do Brasil. São Paulo:
Instituto Cultural Banco Santos, 2002. pg 205.
Fig 27 – Fera que vive de vento, Frei André Thevet.
............................................... pg 74 Xilogravura 13,4 x 15,6 cm.
Ilustração do livro La Cosmographie Universalle - Paris1575, Guillaume
Chandiere, vol 2 pg 941. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo,
Brasil.
BELUZZO, A. M. M. O Brasil dos viajantes. 3ª edição São Paulo: Fundação
Odebrecht Metal livros/ Objetiva, 2000. pg 37.
Fig 28 - Cabaça, frutas cítricas e cacto. .................................................................... pg 77
Óleo sobre tela, sem assinatura, 94 x 94 cm. Coleção do Museu Nacional da Dinamarca,
Copenhagen.
OLESEN, J. (org) Albert Eckhout volta ao Brazil (1644-2002).
Copennhagen: Nationalmuseet, 2002. pg 54.
Fig 29 –Aves: Anu coroca (Critophaga major, Gmelin – 1788), Japin
(Cacicus cela, Linneu – 1758), Jiquitiranabóia, Tiom-tiom (Podager nacunda,
Vieliot – 1817) e Ferrãozinho (Hoploxypterus cayanus, La Tham – 1790).
..........................…........ pg 78 Acervo Casa da Ínsua.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 127.
Fig 30 – Periquito das serras do Rio Branco, Freire..
............................................. pg 81 Fólio 50r. Folha 345 x 235 mm,
figura 239 x 161 mm. Exemplar de Aratinga solstialis solstialis (Linneu,
1758), representado sobre ramagem de uma mirtácea não identificada. Supôs
ser este o “periquito amarelo” mencionado por Alexandre Rodrigues Ferreira
em seu inédito “Diário do Rio Branco”, cujo texto relata a expedição realizada
entre abril e julho de 1786. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocage
da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. I pg 132
Fig 31 – Cachoeira de Santa Roza do rio Guaporé, tirado da margem do
nascente, 25 de outubro de
1791..........................................................................................................pg 83
Fólio 42. Folha 460 x 344 mm, figura 417 x 164 mm. Aquarela pertencente ao
acervo do Museu Bocage da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 86.
Fig 32 – Tuiuiu (Jabiru mycteria, Lichtenstein - 1819).
...........................................pg 84
Acervo Casa da Ínsua.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 127.
Fig 33 – Siriema (esta legenda em tinta preta ladeia anotação a lápis, bastante
apagada). Exemplar de Cariana cristata (Linneu, 1766).
........................................................ pg 85 Fólio 75r. Folha 345 x 235
mm, figura 205 x 167 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocaje
da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. I pg 182.
Fig 34 – Vista da Cachoeira do Sato(sic) do Theotonio, a Segunda do Rio
Madeira. Janeiro de 1789.
........................................................................................................ pg 86
Fólio 6. Folha 465 x 231 mm, figura 372 x 128 mm. Aquarela pertencente ao
acervo do Museu Bocage da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II pg 14.
Fig 35 – Prospecto das canoas em que navegaram os empregados da
Expedição Filosófica pelos Rios Cuyaba, São Lourenço, Paraguai e Jauru.
............................. pg 87 Fólio 75. Folha 344 x 211 mm, figura 261 x
168 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocaje da Universidade
de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. II 152.
Fig 36 - Onça pintada.
............................................................................................. pg 88
COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 36.
Fig 37 – Ilustração inicial de Historia Naturalis Brasiliae, de Georg Marcgrave e Willem
Piso, publicada às expensas de Nassau no ano 1648.................................... pg 91
OLESEN, J. (org) Albert Eckhout volta ao Brazil (1644-2002). Copennhagen:
Nationalmuseet, 2002. pg 159
Fig 38 – Auto de Fé no Terreiro do Paço.
................................................................ pg 93 Gravura 1741. Biblioteca
Nacional, Lisboa, Portugal.
MAXWELL, K. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de
Janeiro: Ed. Paz e Terra S.A, 1997. pg 21.
Fig 39 – Amputação de perna no século XVIII ........................................................ pg 95
GORDON, R. A assustadora história da medicina. Rio de janeiro: Ediouro, 1996. Fig 21.
Fig 40 – Botica (Rio de Janeiro), Debret.
................................................................. pg 96 Desenho aquarelado.
MARQUES, V.R.B. Natureza em boiões: medicina e boticários no Brasil
setecentista. Campinas: Ed UNICAMP, 1999. pg 344.
Fig 41 – Detalhe da loja de Barbeiro, Jean Baptiste Debret 1821.
........................... pg 96 Aquarela sobre papel, 18 x 24,4 cm. Obra
reproduzida no álbum Debret, Voyage Pittoresque et Historique ao Brésil,
publicado por Firmin Didot Frères em Paris, 1834. Museu Castro Maya/IBPC,
Rio de Janeiro, Brasil.
BELUZZO, A. M. M. O Brasil dos viajantes. 3ª edição São Paulo: Fundação Odebrecht
Metal livros/ Objetiva, 2000. pg 88.
Fig 42 – Diversos instrumentos cirúrgicos do século XVIII. Coleção da
Biblioteca do Welcome Institue for the History of Medicine.
........................................................ pg 97
RIBEIRO, M. M. A ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São
Paulo: Ed. HUCITEC, 1997. pg 36..
Fig 43 – Dama tomando enema
...............................................................................pg 101 GORDON, R. A
assustadora história da medicina. Rio de janeiro: Ediouro, 1996. Fig 35.
Fig 44 – Jovem se prepara para tomar um clister séc XVIII
.................................. pg 105 Azulejo. Salvador, Sede da reitoria da
Universidade Federal da Bahia.
SOUZA, L.M. Cotidiano e vida privada na América portuguesa. In: NOVAIS,
F.A. (org) História da vida privada no Brasil I. São Paulo: Ed
Schwarcz.Ltda. 1997. Cap. 3 fig 10.
Fig 45 – Lancetas e faca para abrir abcessos, século XVIII. Coleção da
Biblioteca do Welcome Institue for the History of Medicine.
...................................................... pg 106
RIBEIRO, M. M. A ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São
Paulo: Ed. HUCITEC, 1997. pg 37.
Fig 46 - Amendoim, grão de galo e limão azedo.
.................................................. pg 116
COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 82.
Fig 47 - O cirurgião. David Teniers II, 1670.
........................................................ pg 117 Óleo sobre tela.
Revista Nossa História, ano 2 nº 21, julho de 2005. pg 15.
Fig 48 – Botica portátil.
.......................................................................................... pg 130 Revista
Nossa História, ano 2 nº 21, julho de 2005. pg 25.
Fig 49 – Maracujá (Passiflora sp, Passifloraceae). Das muitas espécies
existentes cultivam-se de preferência Passiflora edulis e Passiflora alata . A
primeira utilizada para sucos, refrescos e sorvetes.
............................................................................. pg 132 Acervo da casa da
Ínsua.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 240.
Fig 50 – Cana de açúcar (Saccharum officinarum, Linneu –
Gramínea)Fornece açucar e álcool. Primeiros exemplares chegaram ao Brasil
provavelmente da Ilha da Madeira em 1502.
....................................................................................................................... pg
135
Acervo da casa da Ínsua.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora Spala, 1986.
pg 271.
Fig 51 – Synimbu/Tijuasú, Frei Christovão de Lisboa. ......................................... pg 137
Desenho a pena e lápis, 30 x 32 cm do manuscrito de Frei Christovão de Lisboa, História
doa animais e árvores do Maranhão, Lisboa 1624, fólio 72. Arquivo Ultramarino, Lisboa,
Portugal.
BELUZZO, A. M. M. O Brasil dos viajantes. 3ª edição São Paulo: Fundação
Odebrecht Metal livros/ Objetiva, 2000. pg 46.
Fig 52 – Jenipapo (Genipa americana) árvore que fornece madeira de grande
durabilidade e com múltiplas aplicações. A casca tem efeito purgativo. As
folhas são antidiarréicas e os frutos usados no fabrico de sucos, doces e
licores......................pg 140 Acervo da casa da Ínsua
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 241.
Fig 53 – nº 39 – Mamoeiro.
................................................................................... pg 144
COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 76.
Fig 54
Ananás....................................................................................................... pg
146 COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 79.
Fig 55– Anuncio de remédio a base de quina, eficaz contra a malária, a droga
não era utilizada em países protetantes, por ter sido levada à Europa pelos
jesuítas
..............................................................................................................................
... pg 151 Revista Nossa História, ano 2 nº 21, julho de 2005 pg 22.
Fig 56 – Banana (Musa paradisíaca) aplicação contra a diarréia, erisipela e
afecções congêneres
.............................................................................................................. pg 157
Acervo da casa da Ínsua
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 241
Fig 57 Inhame (Alocasia macrorhiza) As folhas são usadas como cataplasma
e como antídotos de picada de insetos venenosos
................................................................pg 163 Acervo da casa da Ínsua
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 214.
Fig 58 – Detalhe de uma embarcação usada nas viagens pelo rio Madeira. Vistas das
cachoeiras do Rio Madeira, Freire............................................................................pg 168
Desenho aquarelado sobre papel pertencente ao espólio de Alexandre Rodrigues Ferreira
(1783 – 1792). Arquivo Histórico do Museu Bocage da Universidade de Lisboa. FARIAS,
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