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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em História Social
PARA DAR CALOR À NOVA POVOAÇÃO:
ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS SOCIAIS E FAMILIARES A PARTIR DOS REGISTROS
BATISMAIS DA VILA DO RIO GRANDE
(1738-1763)
Martha Daisson Hameister
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em
História Social do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
curso de Doutorado em História Social
Orientador: Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso
Rio de Janeiro
2006
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PARA DAR CALOR À NOVA POVOAÇÃO: ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS SOCIAIS E
FAMILIARES A PARTIR DOS REGISTROS BATISMAIS DA
V
ILA DO RIO GRANDE(1738-1763)
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História Social,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor.
Banca Examinadora
_____________________________________________
Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso (UFRJ - orientador)
_____________________________________________
Profª Drª Maria de Fátima Gouvêa (UFF)
_____________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (UFRJ)
_____________________________________________
Profª Drª Carla Maria Carvalho de Almeida (UFJF)
_____________________________________________
Profª Drª Mônica Ribeiro (UFJF)
Suplentes:
_____________________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino (UFRJ)
_____________________________________________
Profª Drª Maria Fernanda Bicalho (UFF)
Rio de Janeiro
2006
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Agradecimentos
Esta, sem dúvidas, é uma das partes mais difíceis de redigir quando da conclusão
de um trabalho. São tantas as pessoas e instituições que contribuíram de modo direto ou
indireto para a sua elaboração que o temor de alguma omissão é constante e fundado.
Começando por onde tudo começou: agradeço à minha mãe! Dona Anita Daisson
Hameister (ou Ribeiro Daisson como voltou a chamar-se) em nenhum momento deixou
faltar o apoio e o afeto. Dona Anita fez papel de órgão de financiamento à pesquisa quando
nos meses iniciais quedei-me sem uma bolsa. Dona Anita preocupou-se com a dengue que
se alastrava no Rio de Janeiro enquanto eu cursava as disciplinas do curso, enviou-me pelo
correio frascos e frascos de repelente para insetos que já faltavam no comércio carioca e
muitas cartelas de paracetamol. Essa é uma síntese do pragmatismo que lhe é peculiar: faz-
se tudo para prevenir, mas se a prevenção não foi suficiente, o remédio está incluído no
pacote. Ameixas vermelhas para fazer doce no verão, pinhão novinho no inverno, feijão da
safra e até uma peça de copa também me chegaram pelo correio. Dona Anita continuou a
mãe que sempre conheci mesmo com mais de mil quilômetros de distância. Obrigado,
véia!
Continuando no âmbito da família, meus irmãos, minha irmã, cunhadas e
agregados também merecem agradecimento. Como somos seis irmãos e alguns casaram
mais de uma vez e vieram mais agregados: é muita gente – e gente do bem! Os sobrinhos
entretanto, precisam ser agradecidos. João e Pipo que me ensinaram a jogar Diablo II e
Duds que aprimorou um tanto da técnica, Tiago, sobrinho agregado também deu algumas
dicas. Paula, Júlia, Vitória: risadas a não mais poder. Agora vem vindo mais o Vitor, para
eu ensinar certas coisinhas!
Na “Angolinha do Estácio” – que não deixa de ser um pouco de família – Tiago
Gil e Elisabete Leal e, telefonicamente, Meuamor: parceria, discussões dos nossos
trabalhos, café da tarde com pão doce, sugestões e mais risadas. O Homem-sem-camisa
virá para nos defender, ficando tudo no barato: “só cinco reau pra cervejinha”!
Ao orientador, não podem e nem devem faltar agradecimentos. O “profe João”
pouco tocou a mão nesse trabalho, mas tampouco precisava. Sua orientação atenta, clara,
precisa e sempre atenciosa para que eu prestasse cuidado a certos aspectos, procedesse
determinadas leituras, tivesse atenção e rigor no tratamento dispensado às fontes e à análise
dos dados coletados fazem com que sua presença seja evidenciada em cada uma das linhas
que aqui foram redigidas. Também não há como deixar agradecer o fato ter “bancado”
certos devaneios meus, dos quais surgiram alguns dos testes e experimentações que foram
feitos ao longo desses mais de quatro anos, boa parte dos quais dão substância aos
capítulos que virão adiante.
“Profe João” também é responsável pela aglutinação de meus colegas em torno do
grupo de discussão que organizou. Valham-me os céus! Poucas coisas valeram tanto
quanto participar desse grupo cuja opinião e rigor na avaliação dos textos que coloquei
para a discussão agiam de duas maneiras. Ou fazendo com que erros e enganos deixassem
de ser cometidos ou instigavam a buscar mais argumentos e fontes para a comprovação do
que estava sendo colocado.
Agradeço a esses colegas – muitos deles tornados amigos para o resto da vida.
Correndo o risco de ter esquecido de alguém, tentarei nominá-los: Alexandre “Alê” Vieira,
Cacilda “Cuca” Machado, Carlos Engemann, Carlos Kelmer, a insequecível Célia Muniz –
aqui minha homenagem póstuma e saudosa – Fernanda Martins, Grasiela Fragoso, Heitor
Moura, Luciana Marinho Batista, Roberto “Don Guedón” Guedes Ferreira, Rodrigo
Amaral, Tiago Luís Gil. Vai também uma pontinha de orgulho fazer parte desse belíssimo
e muito crítico grupo de pesquisadores.
Às professoras Ana Maria Lugão Rios e Mônica Grin, agradecimentos por dois
motivos: me obrigaram a enfrentar a leitura de Gilberto Freyre e me propiciaram uma
excelente disciplina na qual as duas nem sempre concordavam – o que tornava mais
interessante ainda assistir às aulas. Fui levada a uma série de reflexões a partir das
observações de ambas. Agradeço também aos professores Antônio Carlos Jucá de Sampaio
e a Manolo Florentino, com quem tive alguns grandes diálogos.Também não posso omitir
o agradecimento às professoras Sheila de Castro Faria e Maria Fernanda Bicalho,
participantes da banca do meu exame de qualificação. Suas observações acerca do que lhes
apresentei fizeram-me baixar a cabeça e trabalhar em dobro!
Meus agradecimentos enormes e sinceros aos membros da banca final, às
professoras Carla Almeida, Maria de Fátima Gouvêa e Mônica Ribeiro e ao professor
Antônio Carlos Jucá de Sampaio que tem a sina de ser meu eterno “bancário”, karma que
espero ter resgatado com defesa deste. Apesar do curto espaço de tempo para a leitura
deste e de todos os defeitos que o mesmo possa ter, aceitaram o convite e a incumbência
com a gentileza e elegância que lhes é peculiar. O fizeram com maestria e com muita
dedicação, com críticas e observações que só podem deixar-me mais agradecida ainda.
Agora saindo do Rio de Janeiro: a pequena Vila de Rio Grande tornou-se uma
cidade. Em sua Diocese encontrei a documentação utilizada para a feitura deste e a
acolhida generosa de seu Bispo e mais funcionários. Meus profundos agradecimentos a
Dom Luís Mário, Seu Leopoldo, Dulci e Iara, devendo mais ainda pela simpatia e
colaboração. Em breve retorno para abusar mais um pouco da boa vontade de vocês!
Também em Rio Grande contei com a colaboração direta da acadêmica Tatiana Carrilho
Pastorini, a Taty, na seleção do material e na feitura das fotos da mesma. Não posso deixar
de agradecer à professora da FURG Marcia Naomi Kuniochi que fez a indicou para mim.
Outra pessoa a quem devo agradecimentos vários e a obrigação de conhecê-lo
pessoalmente, é Jorge “Katz” Pontual Waked. Amigo e parceiro de batalhas e duelos com
o Diablo II jogado em rede, tornou-se meu “peão” para o gerenciamento das bases de
dados, digitação dos dados coletados e por último – a despeito de ter-se tornado dentista –
um bom paleógrafo, capaz de ler registros batismais do século XVIII na letra primorosa do
vigário de Rio Grande, Manuel Francisco da Silva. A sua responsabilidade e rigor na
execução das tarefas que lhe designei deixaram-me tranqüila para proceder outras
atividades além da alimentação das bases de dados. Sem a sua colaboração, provavelmente
a abrangência desse trabalho teria sido menor. Junto com “Katz”, tenho que agradecer
outros tantos parceiros de jogo e interlúdios de lazer, responsáveis, em boa parte, pela
manutenção da minha parca sanidade mental quando as coisas pareciam sem solução ou os
problemas relativos a tese deixavam-me mais maluca do que já estava. Alu, Korvo, Sid,
Digão, Denise, Rômulo, Marco, Bud, Prof, Ane e o excelente Diablo II da Blizzard foram
importantes por demais.
Também não posso deixar de agradecer a dois amigos em especial. Um deles já
agradecido duas vezes nas linhas postas acima, mas cuja colaboração a este trabalho não
podem deixar de constar aqui. Tiago Luís Gil foi co-morador na “Angolinha do Estácio”,
colega no grupo de discussões, amigo até mesmo quando faltava dinheiro para ambos.
Leitor chato e atento de tudo o que lhe passei. Foi irritante em insistir que eu tentasse
algumas técnicas e abordagens, às quais normalmente cedi sem que o dissesse claramente,
só para não dar o braço a torcer. Mas também chega de agradecê-lo. O Gil pode ficar meio
bobo com isso, afinal, “quanto mais eu rezo, mais a sobrancelha aparece”. O outro amigo é
Fabrício Pereira Prado. Esse, sem presença física constante, mas através de diálogos
virtuais, ouviu minhas observações e comentou. Enviou-me livros que não são obtidos
facilmente no Brasil, disponibilizou-me fontes que havia coletado, opinou sobre o que eu
estava fazendo. Tiago e Bricião são duas pessoas com quem se pode trocar idéias sem
medo de perdas numa troca injusta. Junto com eles, agradeço a presença e apoio de amigos
portoalegrenses em trânsito acadêmico pelo Rio: Tiago “Gringo” Bernardon e Taís
Campelo. Esses ajudaram a segurar a barra em muitos maus momentos e propiciaram-me
outros tantos bons momentos. Por tabela, agradeço à Manoela, esposa do Gringo, e a sua
simpática família.
Fernandinha Martins, não bastasse a sua amizade, ajudou-me a reduzir os
atentados que fiz à língua portuguesa ao longo do texto. Qualquer agradecimento seria
pouco.
Agradeço também às outras amizades que fiz: Ana Rios e Eduarda – receberam-
me em sua casa e fizeram-me sentir como se fosse um pouco minha. Agradeço também à
Altacir: me alimentou direitinho! Com a Maria tive boas conversas, e a sumida da Raquel
foi boa parceira de papo e copo. Silvana “Santinha” foi parceira e amiga durante todo o
tempo. Apresentar-me a ela foi uma boa coisa que o Guedón fez na vida. Puxa! Essa lista
não acaba nunca! Sob pena de conter mais páginas que algum capítulo da tese, sinto-me
obrigada a encerrar aqui, pedindo desculpas aos que não nominei, mas a quem também sou
grata.
Tentando encerrar, saio do âmbito pessoal e vou para o institucional, tenho que
agradecer à Sandra e à Gleidis: muito me ajudaram na solução de não poucos problemas
burocráticos. Passo aos agradecimentos finais: Agradeço à CAPES pela bolsa para o
doutorado que me foi concedida e à FAPERJ pela concessão dos dois anos da Bolsa Nota
10. Sem esses financiamentos à pesquisa, bem provável não ter conseguido executar muito
do que me propus.
Sumário
Introdução ............................................................................................................................................13
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................50
1. O que Havia em São Pedro do Rio Grande quando não havia nada: os antecedentes da ocupação
lusa................................................................................................................................................52
I. Quando não havia nada .........................................................................................................52
II. Interesses dos dois lados do Atlântico se encontram onde não havia nada..........................55
III. Onde não havia nada havia, também, os espanhóis............................................................63
IV. Onde não havia nada, havia índios charrua, minuano e tape..............................................72
Abreviações, referências documentais e bibliográficas............................................................75
2. O Segredo do Pajé: o nome como um bem (Continente do Rio Grande de São Pedro, c. 1735-
c.1777............................................................................................................................................78
I. Eis então um problema..........................................................................................................78
II. Sobre o estudo da onomástica: o nome em tempos, locais e culturas diferentes..................82
O surgimento do estudo da onomástica na França e seus resultados .....................................84
Para além da França................................................................................................................90
A prenominação ou naming practices em alguns estudos atuais sobre o Brasil......................91
III. A hora e o lugar ..................................................................................................................96
IV. O nome e as origens............................................................................................................97
VI. De pai para filho .................................................................................................................102
VI. Em nome do pai..................................................................................................................111
VII. O nome como um bem a ser legado, negado, usado e usufruído.......................................114
VIII. Quando o elo é rompido...................................................................................................119
IX. O nome em uma ocupação territorial recente .....................................................................126
X. O nome, a mobilidade social e a sociedade de Antigo Regime ...........................................132
Abreviações, fontes e referências e bibliográficas....................................................................137
3. A construção de uma “identidade açoriana” na colonização do Sul do Brasil ao Século XVIII ......142
I. Introdução ao tema ................................................................................................................142
II O início da povoação da Vila do Rio Grande e a posse dos territórios de Sua Majestade....147
III. Os povoadores vindos das Ilhas para a América.................................................................151
IV. Os filhos segundos e os novos povoados através do exemplo de um madeirense..............156
V. As boas famílias dos Açores e o povoamento do Rio Grande.............................................162
VI Açoriano: “ser ou não ser, eis a questão” ............................................................................169
VII. Algumas considerações.....................................................................................................179
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................181
4. O Mundo que os homens criaram e as Leis de Deus; o mundo que Deus criou e a Lei dos
Homens.........................................................................................................................................185
I. Sobre o tema e as fontes ...................................................................................................185
II. O mundo que os homens criaram e as Leis de Deus............................................................186
II.1. O ato do batismo e as relações a ele subjacentes...............................................................199
II.2. Um pouco sobre os estudos sobre o compadrio no mundo...............................................210
II.3. Um pouco sobre os estudos acerca de compadrio e batismos no Brasil ...........................215
III. O mundo que Deus criou e a Lei dos Homens....................................................................222
Um documento singular............................................................................................................222
III.1. Do batismo de Felícia ......................................................................................................223
III.2. Sobre o compadrio em geral e o compadrio em Rio Grande em particular.....................231
IV. A Ciranda dos Compadrios.................................................................................................234
V. A família e a economia do lar..............................................................................................241
VI. Corpo Cativo x Espírito Livre ............................................................................................244
VII. Algumas considerações.....................................................................................................246
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................251
5. Os meus, os teus e os nossos: a construção de um patrimônio imaterial na Vila do Rio Grande .....255
I. As famílias Souza Fernando..................................................................................................256
I.1. Antônio Simões e Maria Quitéria.......................................................................................268
I.2. Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira..........................................................300
II. As famílias de Antônio Gonçalves dos Anjos, Antônia de Morais Garcês e Domingos
Gomes Ribeiro..................................................................................................................325
Abreviações, fontes e referências bibliográficas.......................................................................339
6. As Sementes Para o Futuro: os padrinhos infantes, a formação de um pecúlio imaterial e a
subversão da lógica do dom na Vila do Rio Grande.....................................................................343
I. Quem se busca para padrinho................................................................................................345
II. Os padrinhos e as madrinhas dos filhos dos ilhéus..............................................................348
III. A subversão da lógica do dom............................................................................................361
IV. Tentando entender os padrinhos infantes ...........................................................................369
V. Os destinos diferentes ..........................................................................................................382
VI. O que ganharam com isso os credores do dom primeiro? Um caso revelador da dádiva e
da subversão de sua lógica................................................................................................385
Abreviações, referências documentais e bibliográficas............................................................395
7. “A mão separada do corpo não será mão senão pelo nome”: experimentando conceitos e métodos
......................................................................................................................................................398
I. Buscando entender os significados........................................................................................400
II. Tentando perceber os conceitos ...........................................................................................403
III. Experimentação de um método...........................................................................................410
IV. De volta ao começo ............................................................................................................426
Abreviações, referências documentais e bibliográficas............................................................444
Considerações finais..............................................................................................................................446
Fontes e Referências Bibliográficas......................................................................................................455
Índice de Ilustrações de Quadros e Tabelas:
Ilustração 1 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional........................................................................................................................ 15
Ilustração 2 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional (detalhe)......................................................................................................... 16
Ilustração 3 – Batismos da População Livre em Rio Grande: de 1739 a 1762 (anos
completos)........................................................................................................................ 21
Ilustração 4 – Confrontação do número de batismos de filhos de açorianos e o número
total de batismos – Rio Grande (1738-1756)................................................................... 22
Ilustração 5 – Ficha nominal de Antônio José de Vargas...................................................... 34
Ilustração 6 – Ficha do registro batismal de Manuel, filho de Antônio José de Vargas........ 35
Ilustração 7 – Ficha nominal de Manuel de Souza Torino, padrinho de Manuel, filho de
Antônio José de Vargas ................................................................................................... 36
Quadro I – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia....................... 164
Quadro II – Compadrio de Manuel Fernandes Vieira e Dona Ana Inácia da Silveira.......... 236
Quadro III – Compadrio de Mateus Inácio da Silveira e Dona Maria Antônia Silveira....... 236
Quadro IV – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia.................... 236
Quadro V – Batismo de crianças escravas das Famílias Furtado de Mendonça e correlatas
.......................................................................................................................................... 241
Ilustração 8 – Famílias dos Casais Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza
Fernando. ........................................................................................................................ 267
Quadro VI –Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões........................ 268
Quadro VII – Batismos dos Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões
em Rio Grande................................................................................................................. 269
Quadro VIII – Compadrios do casal Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza
e seus filhos...................................................................................................................... 279
Ilustração 9 – Ascendência e Descendência de Francisco Pinto Bandeira (simplificado) ....
.......................................................................................................................................... 301
Quadro IX – Filhos de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira........................ 302
Quadro X – Afilhados da família de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira
.......................................................................................................................................... 306
Quadro XI – Batizados de escravos de Francisco Pinto Bandeira......................................... 307
Quadro XII – Afilhados da Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de Morais
Garcês .............................................................................................................................. 330
Quadro XIII – Batismos de Escravos Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de
Morais Garcês.................................................................................................................. 331
Quadro XIV – Afilhados de Domingos Gomes Ribeiro........................................................ 332
Quadro XV – Escravos de Domingos Gomes Ribeiro........................................................... 332
Quadro XVI –Afilhados da família Domingos Gomes Ribeiro - Antônia de Morais Garcês
.......................................................................................................................................... 333
Quadro XVII – Padrinhos de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes........ 349
Quadro XVIII – Madrinhas de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes..... 350
Quadros de Compadrios com açorianos por membro do núcleo familiar
Quadro XIX – Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação................... 353
Quadro XX – Manuel de Souza Torino e Maria Coelho............................................ 353
Quadro XXI – Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza........................ 353
Quadro XXII – Manuel da Costa de Carvalho e Inês de Santo Antônio.................... 353
Quadro XXIII – Domingos de Lima Veiga e Gertrudes Pais de Araújo ................... 377
Ilustração 10 – Partícipes dos Compadrios nas famílias dos genros de Antônio Furtado de
Mendonça......................................................................................................................... 418
Ilustração 11 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos e
direção de relação ............................................................................................................ 419
Ilustração 12 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça:nodos e linhas
com sentido e direção de relação..................................................................................... 420
Ilustração 13 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos, linhas
com sentido e direção de relação e rótulo das relações ................................................... 420
Ilustração 14 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos
nominados, linhas com sentido e direção de relação e rótulo das relações
(representação gráfica completa)..................................................................................... 421
Ilustração 15 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica simplificada.......................................................................................................... 422
Ilustração 16 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 1 (maridomulher) .................................................................... 423
Ilustração 17 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 2 (paifilhos) ............................................................................. 424
Ilustração 18 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 3 (senhorescravo) .................................................................... 424
Ilustração 19 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 4 (paispadrinhos)..................................................................... 425
Ilustração 20 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação
gráfica relação de tipo 5 (padrinhosafilhado) .............................................................. 425
Ilustração 21 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: partícipes
aglutinados por relação de pertença aos casais................................................................ 427
Ilustração 22 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: excluídos os
senhores de escravos pertencentes à família.................................................................... 429
Ilustração 23 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres..
.......................................................................................................................................... 436
Ilustração 24 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres
com atribuição de importância aos nodos........................................................................ 436
Ilustração 25 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos com
atribuição de importância aos nodos................................................................................ 439
Resumo:
A presente pesquisa visa, através da utilização intensiva dos registros batismais da
Vila do Rio Grande e mais documentação complementar, apresentar a análise de aspectos
que remetem às estratégias sociais e familiares na formação desse povoado, no lapso de
tempo compreendido entre 1738 e 1763. Para tanto, esta utilizou-se em muito de
experimentações metodológicas em torno da conexão de registros nominais e de análise de
redes sociais. Como resultados obtidos têm-se a afirmação da importância dos laços de
compadrio entre pessoas de mesmo estatuto e, principalmente, de estatuto social distinto
como importante recurso social para angariar prestígio e provavelmente como indicativo
da gênese do poder das elites locais bem como do controle social desse poder outorgado
pelos setores subalternos. Verificou-se a utilização em larga medida dos preceitos da
economia do dom a reger uma sociedade em muito marcada pela concepção corporativa
manifesta tanto na família como nas relações entre grupos sociais distintos.
Introdução
Este estudo visa abordar aspectos da formação da Vila do Rio Grande através da
trajetória de algumas famílias da elite que ali se formou ou que teve Rio Grande como
importante passo na consecução de seus projetos como tal. A Vila situava-se entre a
Colônia do Sacramento (fundada em 1680) e a Vila da Laguna (fundada em 1684), onde
hoje está localizada a cidade portuária de Rio Grande, Estado do Rio Grande do Sul.
Surgida a partir de uma fortificação militar mandada erigir pela Coroa Portuguesa em
atendimento às recorrentes solicitações de Gomes Freire de Andrade e José da Silva Pais, o
Local escolhido foi à margem do canal que liga a Lagoa dos Patos ao Atlântico conhecido
caminho dos condutores que levavam animais desde Sacramento até o centro-sul da
Colônia.
A Vila do Rio Grande foi oficialmente elevada a essa categoria em 1747,
constituindo uma Câmara de Vereadores anos mais tarde (Queiroz, 1987: p. 78). Essa foi a
única Câmara que existiu nos territórios portugueses ao sul de Laguna durante toda o
período abrangido pela pesquisa. A Câmara, após a Vila ter sido tomada pelo exército
espanhol foi transferida para Viamão e, depois, para Porto Alegre, ambas a mais de
duzentos e cinqüenta quilômetros ao norte. Viamão foi sede Câmara sem ter estatuto de
vila e, quando da devolução aos domínios portugueses, na segunda metade da década de
1770, Rio Grande mantinha o estatuto de Vila sem, no entanto, sediar Câmara. Os que
exerceram a Comandância Militar eram referidos pelos moradores e pelas autoridades,
14
inclusive pelo Conselho Ultramarino como Governadores, sem que fosse esse o cargo para
o qual foram nomeados. Tinham responsabilidades de governadores, tinham funções de
comandantes militares. Passados mais de dez anos da fundação do povoado, não havia um
Provedor para a sua fazenda nomeado, mas havia um Comissário de Mostras, cargo
inicialmente criado para o responsável pelo fisco e administração das atividades de
produzir couros e outras correlatas à produção de gados que agia como um.
As coisas, os cargos, os agentes da Coroa estavam fora de seus lugares esperados,
mas a formação do povoado dava mostras de funcionar muito bem assim. Essas variações
no que seriam certos cânones administrativos, por exemplo, onde há Vila há uma Câmara e
onde há Câmara há uma Vila – não são válidas para o contexto dessa fronteira. Como
muito mais coisas nessa fronteira, nem tudo o que estava no papel era o que valia para a
vida e nem tudo o que a vida demandava estava conforme o papel. Esse espaço para as
manobras e estratégias dos que viveram o processo de conquista, espaço entre o que era
normatizado e o que era possível, foi muito importante para o estabelecimento das
hierarquias, das relações pessoais e das relações entre os vários setores que compuseram
essa sociedade.
A fundação do Forte de Jesus Maria e José, em torno do qual a localidade de Rio
Grande se desenvolveria, data de 1737. A chegada do primeiro pároco deu-se no ano de
seguinte. Como recorte temporal inicial para esta pesquisa, marcaram-se, portanto os anos
que cercam 1737. Entretanto, como algumas das famílias eleitas como janela para se olhar
esse passado eram fruto do desdobramento de migrações anteriores, quando foi possível,
regrediu-se nesse marco cronológico inicial tentando trazer elementos para a compreensão
dos fatores que contribuíram para que, de fato, se tornassem parte do setor social que
deteve bens, prestígio, poder e mando no nascente povoado.
15
Ilustração 1 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional
Fonte: Anais da Biblioteca Nacional, v. 50 – encartado.
16
Ilustração 2 - Mapa dos Confins do Brasil com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional
(detalhe)
Fonte: Anais da Biblioteca Nacional, v. 50 – encartado.
17
No ano de 1763, a Vila do Rio Grande foi atacada pelas tropas espanholas vindas
do Prata. Isso ocorreu numa sucessão de trágicos eventos, classificados pelas autoridades
da época como algo entre imprevidência e covardia e, por alguns, como ambas as coisas.
Para outros foi ato de traição. Parte dos moradores de Rio Grande foram obrigados a fugir
fazendo vau ao canal que separava a Vila propriamente dita do lugarejo chamado Estreito,
na margem norte. Boa parte dos que não foram felizes na fuga, foram aprisionados pelos
espanhóis e, posteriormente, enviados à localidade de San Carlos de Maldonado (Monteiro,
1979; Domingues, 1994), onde já viviam colonos espanhóis em sua maioria oriundos das
Ilhas Canárias, migrados em casais (Apolant, 1966). Nesse ponto, a política de ocupação
das fronteiras da Coroa espanhola pouco diferia do que foi levado a cabo nos territórios
meridionais lusos, aos expedientes usados pela Coroa de Portugal, no que foi chamado por
Jaime Cortesão de “A Política dos Casais” (Cortesão, 1951) .
Entre a sua fundação e o esvaziamento devido aos ataques e posterior tomada
pelos castelhanos, na Vila houve o tempo de nascer e crescer uma geração de riograndinos.
Houve tempo para que algumas das crianças lá nascidas e jovens que migraram com suas
famílias para a localidade casassem e tivessem seus filhos. Houve tempo para que os
soldados que faziam a fortificação da fronteira escolhessem uma moças para seus
casamentos. Houve tempo para que muita gente morresse de doenças. Índios deram seus
filhos a batizar pelos cristãos que ali foram viver, recebendo essas crianças nome cristão e
padrinhos responsáveis por suas almas, como qualquer criança que nascera na Vila. Alguns
índios podiam padecer de males repassados nesse contato, não sendo poucos os adultos que
foram batizados às pressas pouco antes de seu passamento. Crianças nasciam escravas e
algumas delas podiam a sorte de serem alforriadas ainda em seu estado de inocência.
Houve toda essa explosão de nascimento e morte que foram registradas, frutos do ciclo
natural da vida. Ainda assim, houve quem pôde “morrer de Repente de uma facada”
18
(ADPRG-1LObt-RG, 1738-1763, Registro de óbito de Francisco Dutra, 28/02/1758),
demonstrando a quem lê tais registros, que nem só de amizades e colaborações se fazia a
vida da Vila. Houve também gente que chegou e partiu sem que restassem registros
documentais de suas presenças na localidade.
No ano de 1738, quando tiveram início os registros paroquiais dessa localidade, já
estavam presentes algumas famílias que, em sua maioria tendo vindo de Trás-os-Montes
para fazer o povoamento da Colônia do Sacramento no ano de 1718, tiveram que
abandonar seus pertences devido aos ataques espanhóis àquela praça. Mas não somente
eles. Como urgiam medidas que contribuíssem na manutenção dos territórios sulinos à
Coroa portuguesa, soldados e populações civis, homens de ofício e suas famílias e casais
de índios foram transferidos para a barra do Rio Grande para proceder povoamento a todo
o tempo e, com mais intensidade, após 1740, chegando à localidade para fazê-la crescer e
produzir, como relatou o Mestre-de-Campo André Ribeiro Coutinho em uma
correspondência sua:
Vem mais guarnição, chegaram 200 e tantos índios e índias,
chegaram casais e na terra não há mais que o que fica dito e para Vossa
Mercê veja a sua fertilidade sendo tudo areia, medi uma cana de milho e
achei 22 palmos, pesou-se um linguado e tinha 19 libras, não vi
princípios tão avultados em terra alguma nem a há mais salutífera,
fecunda e forte (Carta de André Ribeiro Coutinho, 1742, apud Fortes,
1980: 74, grifo meu)
Vieram povoadores da Bahia, de Pernambuco, das Minas, de São Paulo. Os
migrantes eram atraídos por promessas de terras e insumos, além de outros auxílios, muitas
vezes em espécie. Nem sempre essas promessas foram cumpridas e, quando foram, quase
nunca de imediato. Também chegaram indígenas da própria região, trazidos à força ou
convencidos da necessidade do convívio com os lusos: índios ditos das “Missões dos
Padres”, índios ditos “tape”, “charrua” ou “minuano” se aproximaram de Rio Grande.
Muitos partiram, mas houve quem ficasse por lá espontaneamente ou de sob coerção.
19
Casaram, tiveram filhos, plantaram, colheram, trabalhando nas obras, cuidaram de gados e
cavalos de particulares e das duas Estâncias de Sua Majestade, Bojuru e Torotama.
Estabeleceram relações por lá. Fizeram comércio, fizeram amizades, fizeram inimizades
com os portugueses que, talvez nem soubessem nesse primeiro momento, mas haviam
chegado para ficar.
Ao final do ano de 1749 e, com muito mais ímpeto, em toda a primeira metade da
década de 1750, começaram a chegar as grandes levas de casais vindos dos Açores e em
menor número, do arquipélago da Madeira. Esses migrantes que se dirigiram primeiro para
Santa Catarina, foram seduzidos nas ilhas onde viviam com promessas das terras e de
vantagens outras que receberiam ao atravessar o Atlântico no bom serviço de Sua
Majestade. O projeto inicial para seu assentamento previa um deslocamento das famílias
chegadas ao local para a região anteriormente ocupada pelos Padres Jesuítas em suas
estâncias e Missões, em cumprimento aos acordos diplomáticos do Tratado de Madri. Com
o que não contavam, nem as autoridades nem os casais e que, com toda a certeza, não
estavam nos seus planos, foi o levante dos indígenas missioneiros com o intuito de
manterem-se lá.
Uma situação nunca vista anteriormente nas planícies sulinas. Os espanhóis e os
portugueses, aliados como já mais haviam sito nesses anos todos de disputas territoriais,
tiveram de enfrentar índios tape, aos quais se aliaram uma boa parcela dos minuano e
charrua. Também estes jamais haviam estado em aliança desde a chegada dos europeus,
sendo sua proverbial inimizade muito explorada anteriormente, ficando quase sempre os
tape aliados aos espanhóis e os minuano aliados aos portugueses. Essa interessante
configuração de forças e o receio que inspirou aos lusos e espanhóis ficou registrada no
diário do Oficial de Dragões de Espanha, Francisco Graell (1998).
Esse episódio, conhecido como as Guerras Guaraníticas, teve como conseqüência
20
imediata para os casais dos Açores a sua retenção na jurisdição da Vila e a adequação de
suas vidas ao imprevisto. Boa parte deles foram assentados no entorno das outras
fortificações menores erigidas para fazer a defesa da fronteira: Chuí, São Miguel, Santa
Teresa. Outros se deslocaram para o Estreito e houve também quem ficasse mais próximo
do centro da Freguesia, a sede da Vila. Distribuídos em terras que não eram as que lhes
cabiam, não obtiveram de imediato a posse delas. Tiveram, em sua maioria, que aguardar
por vinte ou mais anos até que as autoridades fizessem a tão prometida distribuição de
terras constante do Edital de 1747 que os convocou nos Açores (Fortes, 1999: pp. 26-27).
No tempo em que viveram na jurisdição de Rio Grande tiveram de arranjar formas de
sobrevivência, de sociabilização, de formação de um grupo de pertencimento e de
relacionamento com os “outros” da localidade.
A chegada dos imigrantes açorianos na Vila do Rio Grande mudou o
drasticamente o perfil da curva de batismos realizados a cada ano localidade. Isso pode ser
visto na figura abaixo montada com dados extraídos de Maria Luiza Bertulini Queiroz,
intitulada Paróquia de São Pedro do Rio Grande: estudo de história demográfica 1737-
1850 (1992: p. 203). Nessa ilustração observa-se que, a partir do ano de 1750, há a o
aumento significativo dos batismos realizados e uma tendência ao crescimento
vertiginosamente positivo nos cinco anos imediatamente posteriores a 1750. Isso denota
um crescimento por imigração de uma população que permaneceu na localidade e acentua
a diferença entre os dois momentos distinto. Uma posterior acomodação, possivelmente
decorrente de alguma emigração, talvez mesmo de alguns casais para terras afastadas da
jurisdição da Vila tenham influenciado o desenho da curva.
21
Ilustração 3 – Batismos da População Livre em Rio Grande: de 1739 a 1762 (anos completos)
Batismos da Populão Livre em Rio Grande: 1739-1762
0
50
100
150
200
250
Batismos
25 36 42 46 67 3
5
38 29 55 40 9
5
5
9
72 8
8
117167 176 222 186 182 19
5
192 177 196
1739 1740 1741 1742 1743 1744 1745 1746 1747 1748 1749 1750 1751 1752 1753 1754 1755 1756 1757 1758 1759 1760 1761 1762
Fonte: Queiroz, 1992. p. 203 – Anexo 2: Nascimentos, casamentos e óbitos da população livre por ano civil 1737-1849.
Para atribuir o verdadeiro peso dessa população de imigrantes, comparou-se o
total de batismos da Vila desde o primeiro até o último ano completo contemplado no
segundo livro de batismos com os batismos de crianças nos quais ao menos um dos pais foi
identificado como sendo natural dos Açores. Justifica-se esta opção por começar a
separação dos registros de batismos de livres e escravos já no livro terceiro, não podendo,
portanto, serem comparados com os registros anteriores, nos quais tem-se, de fato, a
totalidade dos batismos procedidos na Vila, alertando que o livro primeiro inicia no mês de
junho de 1738, não sendo, portanto, um ano completo.
22
Ilustração 4 – Confrontação do número de batismos de filhos de açorianos e o número total de
batismos – Rio Grande (1738-1756)
Batismos Açorianos X Total de Batismos
10
29
51
49
80
49
34
71
53
112
81
109
146
189
251
0
11
0
1
0
8
41
53
113
123
161
85
195
43
43
7
4
12
1
2
1
0
50
100
150
200
250
300
1738 1739 1740 1741 1742 1743 1744 1745 1746 1747 1748 1749 1750 1751 1752 1753 1754 1755 1756
Ano
Total Batismos
Açorianos batizadas
Fonte: ADPRG, 1LBat-RG e 2LBat-RG (1738-1754)
A partir do ano de 1750 houve o crescimento positivo no total de batismos da
Vila, mas compreende-se, na comparação das curvas, que muito deste crescimento com
certa regularidade foi devido, antes de mais nada, à chegada dos casais de migrantes. Fato
inconteste é o ter havido uma ligeira queda no número total de batismos realizados na
localidade no ano de 1755 e ainda assim, a curva de batismos das crianças filhas de nativos
dos Açores segue com crescimento positivo, ainda que menos acentuado em relação ao ano
anterior.
As irregularidades nesses batismos devem-se muito a contingentes populacionais
que não se fixaram na localidade, como foram os indígenas ou pessoas que, por infortúnio
encontravam-se na localidade. Cita-se como exemplo o ano de 1749, no qual se verifica
uma grande ascensão na curva do número de batismos. Pois bem, nesse ano foram
batizadas sete crianças filhos de colonos ingleses que naufragaram na costa e cinqüenta e
23
quatro índios minuano, a maioria de adultos ou crianças não mais ditas inocentes. Isso
ajuda a explicar o aumento abrupto de cinqüenta e três batismos do ano anterior para cento
e doze em 1749 (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-1753). Em 1753 houve novo batismo
coletivo de índios minuano, dessa vez em número de vinte e três. Esses batismos que não
dependiam dos nascimentos na Vila só vêm a valorizar o que foi dito com relação à aos
migrantes dos Açores: vieram para ficar, para formar família. Sem a presença deles a curva
dos batismos da Vila seria semelhante ao que era no período que antecedeu à sua chegada:
muito irregular.
Uma das principais decorrências da chegada súbita dos migrantes ilhéus na
localidade, ao que tudo indica, parece ter sido uma tensão e uma reviravolta no mercado
matrimonial da localidade. Em uma situação de fronteira, fortemente militarizada, a
carência de mulheres, tidas pelas autoridades como benéficas ao povoamento.
A formação de famílias criava raízes, evitava fugas e deserções. Até o final da
década de 1740, o fornecimento principal de esposas ao matrimônio ficava por conta da
chegada de mulheres recrutadas em outros pontos da Colônia e das pertencentes primeiras
famílias chegadas à localidade. A disponibilidade de mulheres das famílias ao casamento
nessa localidade era bastante pequeno, tanto que José da Silva Pais, fundador da
fortificação, recorreu inclusive ao recrutamento de “mulheres nocivas”. A grande “riqueza”
que representavam as moças casadoiras das famílias era privilégio dado a poucos homens
da localidade.
Detentoras de um bem tão precioso, essas famílias trataram de ampliar esse
patrimônio com batismos de moças indígenas que ficavam sob sua guarda para educar
dentro dos preceitos da cristandade. Com a chegada das famílias de ilhéus e de um forte
contingente feminino – a trazida de mulheres era estimulada no Edital de 1747 que os
convocou nas ilhas com promessa de pagamento em espécie de uma ajuda adicional para
24
cada mulher em idade fértil (Fortes, 1999: pp. 26-27) – as boas famílias que deram início
ao povoamento encontraram concorrência nesse mercado, no qual o bem que troca de mãos
não era comprado, mas repassado como dádiva numa economia em que dom e contradom
geravam alianças e cadeias de reciprocidade. As mulheres eram bens que se podiam
desejar mas que não eram adquiridos no mercado à custa de moedas.
Muito provavelmente a chegada dos migrantes representou uma quebra nessa
hegemonia das primeiras famílias em ofertas ao mercado matrimonial. Isso deve ter gerado
tensões entre o grupo já estabelecido e o que chegava em levas cada vez maiores, dado o
aumento da oferta de mulheres cristãs nesse mercado e de opções outras que não recorrer
às famílias mais antigas. Bem provável que um tanto dessa tensão provocada pelo fim da
hegemonia das primeiras famílias, muitas delas vindas da Colônia do Sacramento e antes
da Península, tenha assumido forma de rechaço a esta população de ilhéus, bem visível nos
termos usados para descrevê-los no relato do Cirurgião-mor do Primeiro Regimento do Rio
de Janeiro que em 1777 estava estabelecido no Continente do Rio Grande de São Pedro:
Como a maior parte dos habitadores desse continente são
Insluanos ou Ilhéus, os termos, os costumes, os vestuários são
grosseiros, e pela mesma ordem de grosseria criam seus filhos. (...).
As mulheres são muito grosseiras (como também são os homens)
trazem as camisas mui sujas, e de ordinário de estopa, posto que poucas
de linho grosso: os corpo são mui mal feitos. Só sabem falar de éguas,
potrancos, cavalos, laço, bois e bolas. As saias são de Baeta, e por sapatos
tamancos, por cuja razão têm os pés disformes, e grandes os dedos mal
compostos, suposto que os das mãos são também grosseiros e as unhas
muito sujas (Souza, 1979: p. 266, grifo meu)
Esse tipo de descrição é semelhante a outros feitos por gente com hábito citadino
sobre os camponeses. Entretanto, as populações que migraram de Sacramento para o
Continente do Rio Grande de São Pedro, mais especificamente para Vila do Rio Grande,
também eram ditas de camponeses, que só entendiam de agricultura. Pouco provável que
tenham desenvolvido hábitos refinados em poucas décadas de vivência atribulada numa
situação de fronteira com incertezas, guerras e ataques. Ou seja, as disputas se faziam
25
sentir na cristalização de posições sociais ou étnicas dentro dessa sociedade. “Nós” e “eles”
se formavam para as pessoas que viveram na localidade quando postas em contato umas
com as outras
1
.
Tendo os migrantes se colocado na Vila com intenções de ficar e a Vila dando
mostra de bastante progresso – tais como haver sido concluída a obra de construção da
Igreja Matriz, iniciado a exploração de jazidas para a feitura da cal e o grande comércio de
animais que partiam para o centro-sul da Colônia – as relações entre Portugal e Espanha
novamente estremeceram. A tranqüilidade e a vida “normal”, tinham seus dias contados.
No ano de 1762, a sempre frágil paz com os espanhóis tornou-se guerra
novamente. Vindos pelo sul, atacando desde a Colônia do Sacramento, tomaram todas as
posições lusas entre Sacramento e Rio Grande. São Miguel, Chuí foram atacadas. foi feito
um grande número de prisioneiros entre civis e militares. Em abril de 1763 chegaram à
Vila do Rio Grande, causando grande alvoroço. Ficaram conhecidos na letra do Vigário
Manuel Francisco da Silva como o “tempo da correria” (ADPRG-1LBat-Estreito, 1763-
1776 - Registro batismal de Clara, filha de Antônio José da Silva, 20/04/1763).
O Governador Inácio Elói de Madureira, sabedor dos movimentos dos espanhóis,
não tomou as devidas providências para sua defesa e para a proteção dos habitantes da Vila
de Rio Grande. Antes, num ato considerado de extrema covardia, preparou uma nau para si
e para os seus comandados mais imediatos e fugiu para território seguro situado ao norte
do Continente do Rio Grande de São Pedro. Não somente a chegada das tropas espanholas
fez estragos à vida dos moradores de Rio Grande. Homens dos mais baixos estratos sociais
e soldados engajados sabe-se lá de que modo, na ausência do comando e da hierarquia a
que estavam acostumados, promoveram grande desordem. Mulheres foram estupradas,
1
Como subsídio para a idéia de formação de identidades étnicas no contexto sob estudo ver
BARTH, Fredrik. "Os Grupos Étnicos e Suas Fronteiras". In: Fredrik BARTH. O Guru, o Iniciador e Outras
Variações Antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. pp. 25-67.
26
assassinatos cometidos, os bens da Igreja, de casas de comércio, de particulares foram
saqueados. Disso resultou a Devassa Sobre a Entrega da Vila do Rio Grande às Tropas
Castelhanas (Biblioteca Riograndense, 1937), aberta no ano de 1764 e que tentava
averiguar as responsabilidades e punir os culpados. Mais do que culpados e responsáveis, a
Devassa revela ao historiador uma imbricada rede de relacionamentos que colocava quase
todos os habitantes de Rio Grande em contato direto ou indireto, haja vista a quantidade e
qualidade dos investigados, dos depoentes, dos acusadores e das testemunhas. As antigas
amizades e inimizades se mostravam nas falas das testemunhas anotadas pelo escrivão.
Com a tomada da Vila pelos castelhanos encerra-se “oficialmente” o recorte
cronológico abrangido por esse estudo. Ainda que não seja impossível, seria temerário
tentar dar prosseguimento, ao menos nesse momento, na análise que se faz para os anos
que se seguiram a essa invasão, por alguns motivos que podem ser enumerados.
Em primeiro lugar, porque não foram localizados os registros batismais da Vila do
Rio Grande sob o domínio espanhol. Ficaria uma lacuna de quatorze anos preenchida com
documentação de natureza completamente diferente da empregada para o período anterior.
Em segundo lugar, porque não foi possível, ao menos para a feitura desta pesquisa,
consultar a documentação oficial produzida pelos espanhóis para os anos que a vila esteve
sob o seu domínio. Em terceiro, porque os moradores de Rio Grande não tiveram um único
destino. Muitos foram levados para San Carlos de Maldonado, muitos fugiram para o
Estreito, Viamão, Rio Pardo, Gravataí, Porto Alegre e outras localidades. De outros tantos
perdeu-se o rastro, tendo ido talvez para o Rio de Janeiro, retornado a Portugal ou qualquer
outro destino. Com toda a certeza, houve mortes nos embates, no entanto, ao contrário do
que aconteceu com os registros batismais, retomados no Estreito quando a situação
acalmou-se um pouco e tendo sido “passados a limpo” os registros do tempo da correria,
ao livro de óbitos de Rio Grande não foi encontrado seu correlato no Estreito, ficando essas
27
mortes não intangíveis à pesquisa. O acompanhamento quase que cotidiano, propiciado
pelos registros batismais da Vila, corpus documental principal desta pesquisa, assim como
demais documentos paroquiais complementares são inviáveis para esses anos.
Entretanto, “extra-oficialmente”, foi possível avançar um pouco no tempo,
perseguindo alguns dos agentes sociais de relevo nessa primeira fase de ocupação da Vila
pelos súditos de Sua Majestade e encontrando-os nas localidades do Estreito e Viamão.
Assim, para algumas das famílias selecionadas como uma “janela para o passado”, foi
possível dentro do prazo requerido para a execução dessa investigação, saber um pouco
mais de suas vidas nessa mesma região e além. Mas isso “extra-oficialmente”, já que há
quebra do ritmo metodológico que até então foi empregado.
Estão nos planos futuros, a partir da identificação dos agentes sociais presentes na
Vila do Rio Grande até 1763, a busca sistemática em registros paroquiais de outras
freguesias do território, na tentativa de dizer o quanto essa partida brusca e emergencial
dos locais onde já se haviam estabelecido alterou-lhes os padrões de comportamento à pia
batismal e os seus relacionamentos sociais, políticos, econômicos, familiares. Estender a
pesquisa para além de uma geração, para épocas e localidades distintas é objetivo futuro.
Espera-se que a comparação possa ser profícua.
Em decorrência do tipo de fontes que foram utilizadas nesse estudo e alguns
outros problemas que serão comentados um pouco mais adiante, da percepção da
existência de conflitos – e por certo existiram conflitos – não foi possível dizer mais. O que
aqui é chamado de “tensões” são o que se poderia dizer ambientes propícios para que
conflitos de interesses fossem gerados. Como o corpus documental principal dessa
pesquisa registra os momentos em que famílias formavam suas alianças através do
compadrio, ainda que transpareçam essas tensões, a fonte não permite ver os conflitos
internos a essa sociedade propriamente ditos. Para tanto, haveria necessidade de
28
sistematização de outra sorte de documentos, o que nem sempre é fácil ou possível, pois
como já dito, a tomada da Vila pelos espanhóis deu ocasião a que muita coisa se perdesse.
Não foi pretensão deste trabalho fazer um estudo da dinâmica da demografia na
localidade de Rio Grande. Para o fornecimento dos dados necessários demográficos à
execução desta pesquisa, contou-se com o inestimável auxílio das obras de Maria Luiza
Bertulini Queiroz, denominadas A Vila do Rio Grande de São Pedro, 1737-1822; A Vila do
Rio Grande de São Pedro e Paróquia de São Pedro do Rio Grande: estudo de história
demográfica (1737-1850) (1985; 1987; 1992, respectivamente). Com a certeza de que o
conhecimento é obra coletiva e cumulativa, estes três trabalhos foram alicerces sólidos que
permitiram seguir por outros caminhos.
Para além da pesquisa em história demográfica do tipo “clássica”, o estudo do
período da formação e primeira fase de ocupação dessa localidade, foi um desafio seguir.
A Vila do Rio Grande, muito em função de sua situação de fronteira, foi alvo de estudos
em história militar (Monteiro, 1979) ou de estudos que tiveram por objetivo ver a vida e a
seu fundador através da obra realizada (Fortes, 1980; Piazza, 1988). Pretendeu-se que essa
pesquisa seguisse sem que o enfoque principal fossem os objetivos estratégicos-militares
ou os grandes heróis fundadores.
Para a sua feitura, além de poucos livros da Provedoria da Fazenda Real,
providencialmente salvas da invasão por um soldado anônimo, pouca coisa restou ou foi
localizada dentre os muitos registros documentais produzidos na localidade. Nenhum livro
da Câmara foi localizado, tendo sido, possivelmente destruídos e a documentação
cartorária, caso exista, ainda não foi localizada. O conjunto de documentos mais farto
gerado em e que diz respeito à população de um modo geral que viveu em Rio Grande,
para este recorte cronológico são, portanto, os registros eclesiásticos, parte do acervo do
Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande. Ainda assim, houve algumas perdas. Dos
29
livros de registros matrimoniais que abrangem o período sob análise, o primeiro – e que
comporta primeiros dezoito anos de existência da localidade foi extraviado. Seria por
demais interessante tê-lo em mãos, já que abrange os casamentos que ocorreram lá antes e
depois da chegada dos migrantes ilhéus. Se há algum meio de conferir o impacto que a
chegada dessas famílias representaram no mercado matrimonial de Rio Grande, com
certeza não dispensaria o uso deste livro como fonte documental.
Outra perda que se faz sentir diz respeito aos registros de batismo de escravos. A
partir de impreciso momento, foram separados dos registros dos livres. Esses livros
tampouco foram encontrados, havendo a possibilidade de terem sido roubados da Diocese
ou terem sido extraviados de outro modo . Não foram encontrados até o presente
testamentos, róis dos confessados nem autos matrimoniais. A série mais abrangente e mais
completa, são os registros batismais, apesar da lastimável lacuna relativa à população
escrava.
Com essa documentação como base, qual seja, os quatro primeiros livros dos
registros batismais da localidade encarou-se o problema de tentar recompor e analisar
algumas das estratégias sociais e familiares empregadas na formação da Vila do Rio
Grande. Há que se justificar os motivos de terem sido eleitas algumas famílias da elite – e
como elite designa-se neste trabalho algumas famílias que concentravam bens, prestígio,
privilégios, poder político e econômico, cargos e patentes militares, ofícios da Coroa e,
como se verá adiante, as relações pessoais passíveis de serem tecidas com gente de seu
próprio estatuto social e, mais importante que isso, com os setores sociais que não eram o
seu.
Em primeiro lugar, ratificando o que já foi dito por outros autores, como por
exemplo E. A. Wrigley, na sua Introdução à obra Identifying People in the Past (1973: pp.
1-16) e Ian Winchester, em seu artigo On referring to ordinary historical persons,
30
publicado na mesma obra (pp. 17-40) ou Sérgio Odilon Nadalin, em História e
Demografia: elementos para um diálogo (2004), há complicadores no processo de
identificar pessoas comuns na massa documental. O estoque de prenomes das sociedades
do passado era bastante limitado e o uso de sobrenomes nem sempre ocorria. Marias e
Antônios, Anas e Franciscos se sucedem na documentação, muitas vezes sem qualquer
outro indicativo que possa resultar em uma identificação precisa de se tratar de um dos
agentes sociais em especial. Para os membros das famílias da elite há uma tendência a
maior precisão no registro dos nomes e com maior freqüência há a agregação de um,
quando não dois, sobrenomes. Há também a constante referência a outros membros da
família, vinculando uns aos outros, tais como algum deles ser o pai, o marido, a esposa ou
o filho de outro.
Se para Carlo Ginzburg o nome é o caractere único que identifica os agentes
sociais, para Wrigley e Winchester não somente não é o único como muitas vezes é
insuficiente para uma identificação com pouca margem de dúvidas. Considerando que a os
registros batismais são fartos em registros mas nem sempre são muito detalhados ou
precisos, trabalhar com cruzamento nominal ou com o método onomástico como o chamou
Ginzburg (1989) foi, por paradoxal que possa parecer, a grata tarefa de tirar leite de pedras.
A conexão de registros nominais, sejam eles em uma única série, como são os
registros batismais ou em séries distintas, como por exemplo entre os registros batismais e
uma listagem de migrantes, torna-se tarefa bastante difícil de ser executada quanto se tem
em ambas um Antônio Silveira que não apresenta nenhum outro elemento caracterizador.
Um nome comum para um homem comum e que nem sempre vai permitir que se
investigue a sua vida nessa comunidade ou em outras localidades pelas quais tenha
passado. Em acréscimo a isso, há uma grande incidência de homônimos não apenas na Vila
de Rio Grande como no restante das terras lusas ao longo do planeta. Os nomes e os
31
sobrenomes se repetem nas famílias e fora delas. Esse fenômeno não é exclusivo da
sociedade lusa, mas faz parte das suas tradições de atribuição de nomes às crianças que
nasciam, sendo que estudos de pesquisadores franceses apontam para a questão de ser o
nome próprio das pessoas à Idade Moderna um patrimônio das famílias, de “clãs”, de
grupos de famílias que partilhavam um conjunto de valores sócio-culturais ou regionais,
tais como a devoção a certos santos ou notáveis do passado. Sem ter a função de
individuação, os nomes tinham função de gerar o pertencimento a esses grupos. Não muito
diferente disso foi o que se percebeu na Vila do Rio Grande.
Seja por tradição, seja por ter uma função cultural, social, política, econômica e
religiosa, os nomes se repetiam amiúde.Com a recorrência a um mesmo e limitado estoque
de nomes, alguns procedimentos tiveram de ser feitos para trabalhar essa profusão de
poucos nomes. O primeiro deles foi a elaboração de uma base de dados no software
Microsoft Access, cujo eixo principal de busca e de localização dos sujeitos históricos fosse
o nome próprio, dotado de um ou mais sobrenomes se assim estivessem registrados.
Geraram-se fichas cujo primeiro campo a ser preenchido era o nome e nessa mesma ficha,
mais dados que se puderam obter.
A ficha nominal de entrada da base de dados ficou sendo uma espécie de resumo
da vida dessas pessoas. Nome, data e local de nascimento, nome dos pais, do cônjuge, dos
sogros. Informações que puderam ser coletadas sobre suas atividades profissionais, carreira
militar, bens e posses, estatuto social de livre, escravo, índio, pardo ou outros que por
ventura surgissem, também constam nessa ficha de entrada. Como por vezes os dados com
informações complementares procediam de fontes outras que não os registros batismais ou
mesmo eram advindas de fontes secundárias, dois campos do tipo memorando foram
criados, um para que fossem colocadas as fontes de onde tais dados procediam e outro para
dados coletados nessas fontes acerca do agente social em questão ou aos que a ele estavam
32
relacionados. O primeiro, portanto, referente aos dados das próprias fontes, fossem elas
primárias ou secundárias, o segunda para dados coletados. Um terceiro campo do tipo
memorando teve de ser acrescido a posteriori já que houve a necessidade de colocação de
outro tipo de observação, bem mais subjetivo e que guardassem impressões,
“desconfianças” e observações do pesquisador.
Foi peculiar na metodologia empregada a necessidade de atualização dos dados
das fichas de todos os envolvidos nos eventos registrados. Melhor dizendo, ainda que
estejam sendo coletadas dos registros batismais as informações sobre crianças pertencentes
a famílias nucleares – pai, mãe e as crianças que se batizam – todos os dados extraídos
relativos a outros envolvidos no evento e constantes destes registros são também
transferidos para as fichas correlacionadas – avós, padrinhos, esposos ou pais de padrinhos
e madrinhas. Essa opção faz com que o preenchimento dos campos das fichas, assim como
a transferência de dados de um único registro de batismo movimentasse em torno de três a
cinco fichas nominais. Acrescer mais um titular de ficha nominal podia levar a
modificações nas fichas já existentes de outros agentes sociais. De certa forma, esse modo
de trabalho gerou uma base de dados que é um verdadeiro manto de Penélope, já que a
cada nova informação, fichas que se tinham por concluídas foram e ainda estão sendo
alteradas.
Uma segunda base de dados, associada a esta e vinculada pelo nome do pai da
criança, foi gerada para comportar apenas os batismos, já que as fichas de entrada de dados
não estão reservadas a nenhuma sorte de dados em especial e servem como um índice ou
um resumo de tudo o que se tem sobre os sujeitos que as nominam. Tome-se o exemplo
dos registros batismais de filhos de Antônio José de Vargas, cujas informações tomou-se,
para efeitos de ilustração aqui, da obra de Jacottet & Minetti.
ANTÔNIO JOSÉ DE BARGES (o correto é Vargas). * e b.
33
na freg. da Praia do Senhor Santo Cristo da Ilha do Faial, f
o
leg. de
Domingos Dutra e Francisca Dutra, c/c MARIA JOSEFA, * e b. na freg.
de Sta. Bárbara da Ilha Terceira, f
a
leg. de Manuel Machado Neto e
Maria das Candeias, pais de:
F1. Manuel, * 20.11.1754, b. 29.11.1754, fl. 35, Pad: Manuel de
Souza Torino e Maria Coelho.
Livro 3
F2. Maria, * 27.06.1757, b. 41.07.1757, fl. 23. Pad: Marçal de
Lima Veiga e Gertrudes Pais de Araújo.
Livro 4
F3. José, *03.01.1760, b. 02.02.1760, fl. 23v. Pad: Antônio José
Coimbra de Andrade e Ana Maria Pais, fa solt. de Domingos de Lima.
F4. Manuel, * 15.08/1762, b. 5/09/1762, Pad: não registra.”
(Jaccottet & Minetti, 2001 45-46)
Exceto para casos de batismo emergencial, além do nome da criança, aparecem os
nomes de seus pais e padrinhos. O vigário Manuel Francisco da Silva, pároco de Rio
Grande, geralmente produziu assentos das atas de batismo com muitos mais dados do que
determinavam as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Manuel Francisco da
Silva com muita freqüência acrescia o nome dos avós e, em menor medida, o nome dos
genitores ou cônjuges de padrinhos e madrinhas. Abaixo, a ficha nominal de Antônio Jose
de Vargas:
34
Ilustração 5 – Ficha nominal de Antônio José de Vargas
E, a seguir, a ficha de dados de batismo de uma das crianças e as fichas correlatas
nesse batismo, que foram alteradas em função da modificação feita na ficha de Antônio
José de Vargas. Tomou- se para tanto o filho mais velho de Antônio José de Vargas, o
menino Manuel, afilhado de Manuel de Souza Torino e sua esposa, Maria Coelho, tendo,
esse caso ainda o interessante aspecto de padrinho e afilhado compartilharem do mesmo
prenome.
35
Ilustração 6 – Ficha do registro batismal de Manuel, filho de Antônio José de Vargas
36
Ilustração 7 – Ficha nominal de Manuel de Souza Torino, padrinho de Manuel, filho de Antônio José
de Vargas
A metodologia de aglutinação de dados que foi desenvolvida ao longo do trabalho
com essas fichas revelou-se importante ferramenta, apoio para a resposta de muitas das
questões levantadas e, ao mesmo tempo em que essas questões iam ficando mais
específicas e precisas, foram percebidos problemas na mesma. O primeiro deles, existente
37
desde o início, persistiu durante toda a pesquisa: a forte presença de homônimos nessa
sociedade.
Solucionou-se temporariamente com o acréscimo de um indicador numérico ao
final preenchimento do campo “nome” e com a definição da sorte de dados que ali iriam,
fazendo com que fossem recusadas duas fichas com mesma titularidade. Assim, mesmo
que se tente criar ficha com o nome de um titular de ficha já existente, a mesma não é
salva, fazendo com que se aglutinem os dados de ambas em uma única, se for o caso de
criação de uma segunda ficha para o mesmo agente ou que se adicione um indicador
numérico nos casos em que não houve a identificação positiva entre dois sujeitos de
mesmo nome. Não havendo essa identificação, não significa que não possam ser a mesma
pessoa. Antes incorrer na incerteza quanto à identificação do que no risco de, por não
considerar essa incerteza, incorrer no erro de dar como sendo o mesmo sujeito dois agentes
sociais distintos. O que mais comumente aconteceu foi, por não se dispor de elementos
suficientes para a identificação positiva nos dois ou mais documentos em que um nome
está grafado, faltarem dados que permitissem essa identificação. Citam-se como exemplo
de dados complementares que auxiliam na redução da incerteza o nome do cônjuge ou dos
pais, uma data em especial, a associação a algum lugar de origem. Essa última a menos
precisa de todas, já que não apenas em Rio Grande existiam homônimos: eles também
eram comuns nos locais de origens dessas populações. Verificou-se também a atribuição
de mais de um local de origem para a mesma pessoa e o fato de serem, às vezes citada a
freguesia de origem e em outro o bispado ou cidade, não possibilitando grande fiabilidade
a essa sorte de informações.
Entretanto, o tipo de solução que foi utilizada para esse problema mais se
assemelha a um curativo colocado sobre uma ferida que foi exposta e não, é nem de longe,
a sua cura. Pode-se dizer que foi feito um diagnóstico desse problema e tentou-se, para fins
38
de continuidade da pesquisa, uma solução emergencial. A cura definitiva ainda não tem
prazo para ocorrer e, talvez, nem possa ocorrer.
Para transformar esse paliativo em alguma sorte de solução, há a necessidade de
refinamento do método de cruzamento de registros nominais para além do que aqui foi
empregado e que, encontrando mais elementos nessa sociedade que possam levar à
identificação positiva entre agentes sociais com os nomes grafados de forma semelhante
nos diferentes documentos e registros existentes nessa localidade.
Também é preocupação, para essa melhoria no método perceber, as variações que
os nomes sofreram ao longo do tempo, com fenômenos tais como o descarte de um
prenome ou sobrenome e adoção de outro ou mesmo o câmbio completo da desinência do
sujeito. Essa mudança de nomes e sobrenomes pode aparecer na documentação de maneira
abrupta ou progressiva ou ainda como duas formas de denominar-se concomitantes até que
uma seja adotada em definitivo pelo agente social ou não, podendo continuar nesse vai-e-
vem de nomes próprios ad infinitum. O refinamento do método e a busca por ferramentas
metodológicas que reduzam a margem de incerteza em identificações são tarefas que já
tiveram seu início e terão continuidade para além do encerramento desta etapa da pesquisa
que ora se apresenta.
Outro problema que teve que ser resolvido foi quem seria titular de fichas
nominais, problema que, também, ainda não está completamente resolvido. Esse é
decorrente do método, ou antes, da confrontação de métodos que se utilizam em história e
de indefinições bastante justificadas quando se está construindo um objeto para estudo.
Exemplificando de forma mais prática, Maria Luiza Bertulini Queiroz (1992) produziu seu
estudo a partir do método criado por Louis Henry e Michel Fleury para a reconstituição de
famílias (Henry & Fleury, 1965). Pois bem, chegou à constatação da existência de um
pouco mais que setecentas famílias não escravas – ou livres, como preferiu chamar a
39
autora – vivendo na localidade por volta do ano de 1763, quando foram interrompidos os
registros batismais em função da chegada abrupta dos soldados espanhóis. Destas famílias,
Queiroz diz que em torno de quinhentas e cinqüenta e cinco se formaram nessa paróquia
(Queiroz, 1992: p. 70). O número de setecentas famílias, entretanto, não é absoluto ou
único, pois depende do que é considerado família tanto pelos próprios agentes sociais
como pelo pesquisador que os estuda.
Segundo Queiroz e os fundadores do método por ela adotada, a família por ela
estudada compreende pai mãe e seus filhos ou o que hoje chamamos de família nuclear.
Considerando que, pela documentação vista, esse tipo de família poderia ser dito como um
casal e seus filhos. Esse modelo de família, causa alguns problemas quando se pretende
analisar o continuum de relações que muitas vezes nascem internos a ela e se expandem
para o restante da sociedade, como no caso dos parentescos fictícios ou rituais. Impossível
para esta pesquisa que se apresenta agora desconsiderar esse tipo de parentesco fictício.
Sendo os registros batismais a porta pela qual se quer adentrar às relações sociais
perceptíveis na localidade, há que se ter por certo que o compadrio, um tipo de relação
subjacente ao ato batismal, é uma das mais notáveis e é uma das formas de parentesco
ritual mais utilizadas e conhecidas nas sociedades cristãs. O comportamento das famílias à
pia batismal, os dicionários, a literatura do direito e da filosofia da época e mesmo alguns
documentos oficiais dão a entender que a família que existia a esse tempo não se restringia
a esses laços estreitos de consangüinidade e nem mesmo aos parentescos afins ou políticos.
A família da época, parece muito mais fundada na idéia do oikos grego, do qual
participavam pessoas que viviam sob o mando e proteção de um mesmo senhor. Essa idéia
pode ser muito mais razoável para a sua análise que aqui se desenvolverá do que na idéia
de uma família nuclear, formada por um casal e seus rebentos. Assim, o que é considerado
40
uma família no trabalho demográfico de Queiroz, para este que ora se apresenta, pode ser
também uma família assim como pode ser parte de uma família.
Ainda não foi dado a estabelecer claros limites de pertencimento às famílias
extensas das quais se percebeu a existência ao longo desse estudo. Se para a pesquisa de
Queiroz é válido trabalhar com o número de pouco mais de setecentas famílias livres
existentes na localidade até o ano de 1763, para este vale apenas como uma referência ou
uma estimativa. Foi impossível para esta estudiosa da demografia chegar a uma avaliação
mais precisa até mesmo do número de habitantes da localidade. Mapear as relações sociais
que indicam pertencimento à uma família ou a um grupo familiar não apenas demandaria
precisões numéricas. Demandaria também a possibilidade de mapeamento dessas relações
em outras instâncias da vida social da Vila.
Ao que tudo indica, os critérios para pertencimento a uma família do tipo extenso
ou não-nuclear variavam, não havendo regras rígidas para a inclusão ou exclusão de
membros. Parece existir, isso sim, acordos tácitos de mútua aceitação – espontâneas ou
coagidas – respeito e concordância com as hierarquias e posições internas a essas famílias.
Fica a definição de sua abrangência, seus limites e fronteiras como não uma “coisa”
estática, mas dependente das relações estabelecidas entre seus membros. São limites e
fronteiras tênues e nem sempre perceptíveis, mas que, até que se possa chegar a definições
mais claras acerca das composições das mesmas, ainda assim enriqueceram a análise por
mostrar que no interior de uma dessas unidades havia pessoas de diferentes estatutos
sociais e diferentes posições dentro delas. Havia, portanto, também internos a essas
famílias, tensões e conflitos de interesses que tiveram que ser administrados, combatidos,
elididos ou dissimulados para que, essa estrutura familiar se preservasse, assim como
também se preservasse a própria existência dessas famílias.
41
Tira-se de cena, portanto uma definição rígida de família como sendo composta de
um casal e sua prole e passa a trata-la de um modo mais dinâmico, dotada de movimento,
pois qualquer definição que venha a defini-la, não pode, doravante, prescindir do termo
“relação”. Uma família na Vila do Rio Grande do século XVIII era um conjunto de
relações, dos quais algumas puderam ser percebidas e analisadas a partir dos registros
batismais existentes para a localidade. Sendo relação algo que não é estático e é mutável,
também a família desse período de modo geral e as que aqui serão apresentadas para a
análise, podem apresentar-se com algumas variações e nuanças, devido à correlação das
forças e interesses e sub-grupos que compunham essas relações bem como em resposta aos
ambientes externos a ela.
Se por um lado se abdica da idéia de família nuclear para tentar entender as
relações inter e intra familiares, por outro a família patriarcal que Gilberto Freyre descreve
e analisa em sua obra Casa Grande & Senzala (Freyre, 2000) também é insatisfatória para
a explicação de fenômenos que se divisam nessa sociedade a partir dos registros batismais.
Sem entrar em discussão pormenorizada do modelo de família exposto por Freyre,
discordância com relação a ele é despolitização das relações internas a ela.
A submissão constante e necessária de todos os membros a um chefe com poderes
senhoriais nesse modelo de família acaba por encobrir a agência destes na vida cotidiana.
Também acaba por reificar poder e família. De relação que é o primeiro e de conjunto
relações que se compõe a segunda, passam a uma “coisa que se têm ou não”, no caso do
primeiro ou “algo ao qual se pertence ou não”, no caso da segunda.
O estudo dos compadrios na Vila do Rio Grande, cujos resultados obtidos até o
presente são mostrados aqui, foi importante para a percepção da existência de relações que
são chave para a compreensão da outorga de poder a alguns setores sociais feita por outros.
São uma das fonte de poder nessa sociedade e ao mesmo tempo são limitadores desse
42
poder, não permitindo o uso despótico e tirânico do mesmo. Se formação das família quase
que como um processo natural e inerente a praticamente todas as sociedades que existem
sobre a terra, a formação de parentescos fictícios, geralmente voluntários, são não podem
ser vistos de outro modo que não criações dessas sociedades e necessariamente com
funções exercidas nela. Sejam essas em atenção às necessidades da crença coletiva, no
caso de Rio Grande, em atenção às necessidades espirituais dos cristãos, sejam em atenção
às necessidades de criar vínculos e incluir-se numa cadeia de reciprocidade que perpassava
toda a sociedade, agindo como uma força centrípeta que ligava e unia setores com
interesses distintos e que sem laços e recursos dessa espécie poderiam tender a posições
mais agressivas em defesa de seus interesses.
As estratégias associadas a formação de família foram compostas por homens e
mulheres que sacralizaram laços mundanos através do através do rito do batismo tornando-
se irmãos e irmãs espirituais, com deveres e direitos semelhantes aos da família carnal.
Segundo a literatura antropológica acerca deste tema, eram laços semelhantes, todavia
superiores. Os carnais e afins, por pertencerem ao mundo dos homens eram inferiores aos
que se davam na esfera espiritual, tendo Deus Pai e a Santa Madre Igreja como
participantes desse ato de irmanamento que transpunha os limites da vida e da morte,
permanecendo válidos até o Dia de Juízo. O patriarca todo poderoso, ao que tudo indica, dá
lugar a um líder político que não pode prescindir de seus apoiadores, tendo que fazer
concessões a seus subalternos para que o poder, essa relação existente entre quem detém o
mando e quem delega o mando, possa continuar fluindo.
Sendo a família, na visão dos filósofos que davam sustento aos teóricos dessa
sociedade, a menor porção da sociedade que tem em si as relações que a estruturam, a
despolitização dessas relações implicam também em na ausência ou ao menos na
diminuição dos aspectos políticos das relações entre famílias de estatuto social equiparado
43
o diferencia. Se as relações internas à família nesse modelo de família patriarcal quedam
despolitizadas, ocorre o mesmo com a sociedade. Existindo nela senhores que tudo podem,
as pessoas comuns também se relegam a seu lugar de submissão, não participando do jogo
político da localidade. Ao contrário, o que se verá ao longo deste, é que construir alianças
com os setores subalternos era ciência para poucos. Mais restrito ainda o número de
pessoas e famílias encontradas que sabiam como alimentá-las, reiterá-las, estendê-las para
além do dia seguinte, a despeito das mudanças conjunturais.
Assim, para as famílias que foram analisadas nesse estudo, buscou-se ver das
práticas das pessoas com parentesco político e afim e ainda de outras que pudessem estar
associadas a esses núcleos familiares em suas ações e relações tecidas à pia batismal, para
ver se essas se incluíam pela similaridade das práticas e direcionamento de suas relações,
no núcleo maior que estava sendo estudado. Os papéis da mulher e filhos, dos agregados e
da escravaria que se puderam observar, se comparados com o modelo patriarcal, são
distintos dele. As mulheres agiam com bastante desenvoltura nos ritos sagrados do
compadrio e eram, ao menos nas famílias de elite, as responsáveis pela captação de um
grande número de compadres e afilhados, na maioria das vezes, extrapolando a
popularidade dos ricos e poderosos maridos. Os compadrios que se construíram para os
filhos, muitas vezes crianças ditas inocentes também demonstraram ter função de
consecução do projeto familiar e não dar-lhes o devido valor poderia representar fracasso
na consecução de projetos familiares tais como futuras alianças matrimoniais. As relações
tecidas pelos subalternos das unidades domésticas, os escravos, os forros, os agregados,
traziam outra sorte de aliados para essas famílias, ao mesmo tempo que favoreciam redes
de sociabilização desses setores subalternos, formados também como famílias espirituais
que geravam coesão e aliança. Por um lado agiam como membros de uma família
hierarquizada, por outro teciam suas próprias relações que, por sua vez, lhes geravam
44
aliados que poderiam ser vistos como seus parentes espirituais e apoiadores. Eram,
portanto, manifestações de que não estavam isolados e que as agressões feitas a um
poderiam ser entendidas como uma afronta feita ao grupo. As famílias e a própria
sociedade se construíram, portanto, sobre uma urdidura tensa como as cordas de um
violino, o que leva a acreditar que não eram apenas a infância e memórias compartilhadas
por senhores e escravos nem apenas o chicote ou o receio dele que mantinha a estabilidade
e a paz social. Antes, num complexo jogo de ações e respostas, cada ato deveria ser
pensado antes de ser posto em prática, para que o retorno dado por essa urdidura tensa não
fosse o seu rompimento sob forma de agressividade. Para distinguir a família como se
percebeu na Vila do Rio Grande da família patriarcal delineada por Gilberto Freyre,
optou-se por chamá-la, na falta de termo melhor, de família corporativa já que seus
principais aspectos se enquadram no paradigma corporativo que vigia nas sociedades de
Antigo Regime.
Desse modo, puderam ser vistos, através das relações sociais estabelecidas pelas
famílias de elite ou de seus membros, também uma parcela daqueles setores que
compunham a majoritariamente a sociedade: soldados de baixa patente, camponeses,
escravos, agregados, etc. Ou seja, o que aqui será mostrado é a ponta de um grande iceberg
e espera-se que este estudo venha a ter utilidade nas pesquisas de quem mais se aventurar
por esses caminhos, bem como contribua na discussão acerca dos modelos de família
possíveis no Estado do Brasil dos tempos coloniais.
A forma de apresentação
A organização desse texto que apresenta resultados da pesquisa de mais de quatro
anos – mais de seis, se considerado que a coleta de dados para a base Gentes se iniciou em
fins de 1999 – não é muito convencional e foi fruto de uma escolha que foi se depurando
ao longo desses anos. Optou-se por estudar algumas das estratégias sociais e familiares
45
atinentes a essas famílias de elite e que se espraiavam para outras famílias de estatuto
social inferior, principalmente pelas relações que entre umas e outras se estabeleciam.
Cada um dos capítulos abrange uma temática que está interligada às colocadas nos outros
capítulos. Desse modo, cada um tem vida própria, com início, meio e fim mas que ao
mesmo tempo está intimamente vinculado aos outros capítulos temáticos que compõe o
texto completo. Por vezes algumas questões já ditas em outros capítulos tiveram de ser
retomadas para que a compreensão de cada um, como uma unidade em si não ficasse
prejudicada. Nesses casos, geralmente serão acrescidas outras análises ou interpretações de
fenômenos que podem ser vistos em separado mas que fazem parte do conjunto de relações
observadas na Vila.
Tem-se, entretanto, grande exceção é o primeiro capítulo, no qual se pretende um
panorama do que havia e não havia no território onde a Vila foi fundada antes de isso
acontecer. Foi opção também não apresentar uma história cronológica e factual da própria
Vila. Serve de resumo dessa história o breve guia que se colocou nesta Introdução. A
história da Vila de Rio Grande pode ser conhecido através de trabalhos outros que
enfatizam outros aspectos, tais como as questões militares e diplomáticas. Eis alguns deles:
A Dominação Espanhola no Rio Grande do Sul (1763-1777) (Monteiro, 1979); O
Brigadeiro José da Silva Paes e a Fundação do Rio Grande (Fortes, 1980); Ancoradouro
da Expiação - o porto do Rio Grande de São Pedro nos Quadros da Expansão Colonial
Luso-Espanhola Rio Grande (Freitas, 1999); e os já citados trabalhos em demografia
histórica de Maria Luiza Bertulini Queiroz (1985; 1987; 1992).
O segundo capítulo existe em função de problemas encontrados quando do uso
das técnicas de conexão de registros nominais em confronto com a forte presença de
homônimos nos territórios lusos. O que era um complicador e um empecilho para a
continuidade da pesquisa tornou-se problema historiográfico e como tal foi discutido nesse
46
capítulo. Os usos e o repasse de nomes dentro dessa sociedade demonstrou ser também
uma das estratégias usadas para a família se constituir como tal. A utilização de nomes e
sobrenomes e a transmissão dos mesmos poderia facultar ou dificultar acesso a recursos
existentes na região e a sociedade. Os habitantes da Vila do Rio Grande construíram seus
nomes, destruíram os nomes de outros, repassaram a seus descendentes ou parentes
espirituais, negaram o repasse a quem destoava dos projetos e das características
familiares. O uso dos homônimos gerava laços mais profundos entre as pessoas que os
compartilhavam. Na tentativa de ampliar o horizonte para além da Vila de Rio Grande,
nesse capítulo foram buscados também casos para além de sua jurisdição ou que fugiam ao
recorte cronológico proposto inicialmente.
O terceiro capítulo trata da construção de uma identidade de grupo por parte dos
migrantes que vieram dos Açores. Trazidos em grandes levas de quase todas as ilhas do
Arquipélago dos Açores, por motivos diversos, dentre os quais gerar formas de garantir
acesso a recursos naturais e sociais, essas famílias que tinham não apenas uma origem
geográfica em comum, mas principalmente origens sociais e expectativas de futuro em
comum, engendraram meios para a manutenção de suas vidas e meios de sobrevivência na
nova realidade a ser vivida do outro lado do oceano. Nesse capítulo, usando da comparação
com o caso do Estado do Grão-Pará, que na mesma época também recebeu populações de
ilhéus em número semelhante, busca-se saber porque foi construída uma identidade de
“casais de Sua Majestade” ou de gente “das Ilhas” no Continente do Rio Grande de São
Pedro ao passo que decorridos pouco mais de cinqüenta anos da migração para o Pará,
pouquíssimos ilhéus lá se identificavam como tal. A comparação desses dois casos traz à
tona aspectos que cercam a formação de identidades em povoados coloniais e permitem
historicizar esses processos, de tal modo que poderá ser comparado, posteriormente, com
outros casos de construção de identidades étnicas nesta ou em outras regiões.
47
O quarto capítulo trata de situar a importância das relações de compadrio no seio
da sociedade cristã. Recupera um pouco dessa tradição e das suas modificações ao longo
do tempo. Nele se utiliza largamente o auxílio da literatura antropológica para perceber que
sorte de necessidades sociais e que funções tinham os compadrios nessa sociedade. Há a
apresentação e discussão da produção antropológica e historiográfica sobre os compadrios
no mundo e no Brasil. Através de um peculiar registro de batismo de uma menina nascida
escrava e tornada forra, busca-se desenhar o pano de fundo sobre os quais o batismo e as
relações a ele subjacentes foram se produzindo na Vila do Rio Grande. O direito, a
religião, a economia e a cultura se enredam em uma agradável trama de aspectos que
rodeiam essas relações que, sendo sacralizadas, também apresentam aspectos funcionais,
imediatos e muito concretos para o tecido social. Por mais distante que possa parecer a
recém fundada Vila do Rio Grande do mundo intelectual europeu, algumas das questões
muito importantes para os filósofos da Segunda Escolástica e teólogos ibéricos dão mostras
de serem conhecidas dos habitantes destes confins do Império. Mostram-se os compadrios
de uma família pertencente à elite do Continente do Rio Grande de São Pedro para
evidenciar alguns desses fenômenos que são ao mesmo tempo sociais, religiosos,
econômicos, políticos e culturais.
O capítulo seguinte apresenta um conjunto de famílias de elite e seus compadres,
mergulhando no material empírico proveniente dos registros batismais da Vila do Rio
Grande. Tenta-se perceber nas relações dessa família a formação das redes de
relacionamentos que passavam pela pia batismal ou que nela recebiam algum modo de
registro formal e que colocavam um patrimônio imaterial construído na vivência da Vila,
ainda que algumas relações pudessem preceder a chegada na localidade. Nesse capítulo
tenta-se ver a qualidade das relações de compadrio dos escravos da algumas dessas
famílias e, comparando as malhas que o setor livre das unidades domésticas e os escravos
48
dessas unidades teceram, buscam-se dois objetivos. O primeiro tenta ver as semelhanças e
diferenças nos padrões de compadrio e os benefícios possíveis no estabelecimento dessas
relações para ambos os setores no continuum de relações pessoais que o batismo podia
estabelecer entre os setores situados em diferentes posições hierárquicas podiam obter. O
segundo visa, através da análise da família extensa e, nessa incluídos os escravos, ver da
possibilidade da construção de parentela fictícia a dar significado às vidas que perderam
suas referências quando foram tiradas abruptamente de seu ambiente social e trazidos à
força para a América onde viveram sob o jugo da escravidão. Alguns historiadores e
antropólogos tentam, através de analogias entre os ritos que criam parentescos fictícios nas
regiões africanas de onde foram tirados e na América católica para onde foram trazidos,
ver da possibilidade de reverter a ruptura da vida social. Nesse capítulo, portanto, tenta-se
mostrar algumas possibilidades passíveis de ocorrer na Vila do Rio Grande.
A seguir, há a análise de casos recorrentes e instigantes de atas de batismo que
registram crianças de tenra idade como padrinhos de outras crianças. Fossem apenas casos
esporádicos, ficariam no rol das curiosidades. Entretanto, era recorrente nas boas famílias
da Vila do Rio Grande o início das “carreiras” como padrinhos e madrinhas antes mesmo
de terem feito essas crianças a sua primeira comunhão. Eram inocentes batizando
inocentes. A eles se juntam outros que começaram a dar sua presença na pia batismal um
pouco mais velhos, mas ainda assim abaixo da idade exigida pelas Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia (Da Vide, 1707). Esses casos clamavam por uma explicação e
através deles se viu a importância dessas relações que foram abençoadas por Deus Pai e
pela Santa Madre Igreja como sementes para um projeto de futuro. Através dos atos de
batismo as famílias formavam para seus filhos um pecúlio, um dote imaterial no qual um
tanto do prestígio social de seus pais e mães lhes eram repassados sob a forma de
compadrio. Caberia a eles, em idade adulta, conduzirem suas vidas de tal modo que esse
49
bem não fosse desperdiçado em atitudes vãs e sim que fosse capitalizado em novas e
futuras relações. Também esses compadrios na tenra idade induziram a análise de relações
de compadrio entre as famílias de diferentes estatutos sociais, vendo nelas uma das fontes
de poder político na localidade e uma das formas de cerceamento do uso deste poder. Os
séqüitos de compadres que cada família possuía cativavam pessoas nos grilhões da
reciprocidade, numa estranha mas plausível lógica das dádivas presentes na economia do
dom que ajudavam a estruturar e a dar ordem a esta sociedade.
No último capítulo buscou-se resgatar as conexões entre os capítulos apresentados
anteriormente numa melhor apreciação do que poderiam ser famílias e algumas de suas
estratégias para a vida e a sobrevida nessa localidade de fronteira. Foram feitos neles testes
com a aplicação da metodologia inerente ao estudo de redes sociais, destacando-se as
representações gráficas dessas redes de relacionamentos. Usou-se como piloto para esse
teste uma das famílias da elite, incluindo seus escravos e compadres externos a ela. Os
resultados foram bastante interessantes e alguns muito surpreendentes. Tais resultados
levam a uma reflexão que reavalie o papel da mulher nessas famílias bem como se pensem
os critérios que levam à inclusão ou a exclusão de pessoas nessas redes. Também desses
testes veio a certeza de que a conexão de registros nominais, assim como foi trabalhada,
poucos frutos ainda tem a dar, a menos que se aprimorem os recursos que permitem a
redução da margem de dúvidas na identificação positiva dos agentes sociais. O que era
para ser um capítulo conclusivo é o prenúncio de novas pesquisas nesse sentido.
Como um aviso aos leitores, alerta-se que o trabalho em grande medida, foi feito
com experimentos sobre as fontes, sobre as teorias e sobre as metodologias que podem e
devem ser utilizadas por historiadores. Seu conjunto deve, portanto, ser entendido
exatamente assim: um grande experimento que pode vir a contribuir no enriquecimento de
50
estudos semelhantes, e clamando por novas pesquisas que permitam a comparação dos
resultados.
Dada essa configuração atípica do texto aqui apresentado, cada capítulo
respondendo por temas específicos que têm por traço comum as famílias e suas relações
demandou, além da bibliografia geral, um tanto de referências bibliográficas que são
próprias dele. Assim, para que a leitura ficasse mais fluida, optou-se por colocar as fontes
utilizadas bem como as referências bibliográficas de cada um ao seu final, não escusando a
relação completa ao final do volume.
Assim, sem muito mais a colocar aqui, passa-se ao produto da investigação.
Abreviações usadas nesta Introdução:
ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
LBat – Livro de Batismo
LObt – Livro de Óbitos
RG – Rio Grande
Fontes e referências usadas nessa Introdução
Fontes Primárias Manuscritas
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livros 1
o
, 2
o
, 3
o
e 4
o
, de Batismos da Vila do
Rio Grande 1738-1753.
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1
o
de Óbitos de Rio Grande. 1738-1763.
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1
o
de Batismos do Estreito. 1763-1776.
Fontes Primárias Publicadas
APOLANT, J. A. Padrones Olvidados de Montevideo del siglo XVIII, v. VIII al X. Montevideo: Separata del
"Boletín Histórico del Estado Mayor del Ejercito", n
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116-119. Imprenta Letras, 1966.
BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Anais da Biblioteca Nacional - Inventário de
Documentos Relativos ao Brasil Existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar - Rio de Janeiro, 1747-
1755, organizado por Eduardo de Castro e Almeida. v. 50. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional -
Divisão de Obras Raras e Publicações, 1936.
BIBLIOTECA RIOGRANDENSE. Devassa Sobre a Entrega da Vila do Rio Grande às Tropas Castelhanas
- 1764 -. Rui Grande: Biblioteca Riograndense, 1937. CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o
51
Tratado de Madrid (1750) -Antecedentes do Tratado. Documentos organizados e anotados por Jaime
Cortesão. Parte III, Tomos I e II. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores - Instituto Rio
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Capítulo I
O que havia em São Pedro do Rio Grande quando não havia
nada? Os antecedentes da ocupação lusa
I. Quando não havia nada
O território onde em 1737 foi erigido o Forte de Jesus, Maria e José, fortificação
militar que teve papel de catalisador dos intentos de povoamento posteriores, era ermo ao
limiar do século XVIII.
Saindo da povoação da Colônia se buscará o caminho do norte,
que por vinte e três dias se seguirá, e andarão dois a dois, com as
espingardas sempre na mão e prontas por causa das onças, passando a
noite em quartos e cuidadosa vigia com fogo ao pé. (Filgueira, 2003: p.
5).
Este primeiro parágrafo do Roteiro por onde se deve governar quem sair por terra
da colônia do Sacramento pra o Rio de Janeiro ou Vila de Santos, datado de 1703, traz
alerta para mais viajantes que por ali passassem, dados por quem fez este caminho e só
encontrou dificuldades e isolamento (Filgueira, 1973; Filgueira, 2003). De Sacramento até
a Serra de Maldonado, vinte e três dias. Oito dias para a passagem da Serra de Maldonado,
na qual não era difícil a caravana perder-se depreende-se da orientação dada por Filgueira:
(...) e se nos ditos dias se não avistar a costa ou a lagoa de
Castilhos, se seguirá o caminho de Leste a buscar a dita costa; tanto que
se der com a lagoa de Castilhos se andará à roda dela, até se tornar a
tomar e buscar e meter na praia que nunca mais se largará até dar em
povoado.
Em todo o caminho é conveniente não penetrar o mato mais do
que para apanhar caça, e pela praia se pesca na roda da maré (...) Aqui em
53
Castilhos se faça cada um cinco ou seis braças de pesca para amarrar às
mochilas e jangadas, fazendo provimento de carne de vaca, porque daí
para diante não a há.
De Castilhos a até o Rio Grande se gastam quinze dias (...)
(Filgueira, 2003: p. 5).
O primeiro povoado encontrado após a saída da Colônia do Sacramento foi a
Laguna, onde chegou desta maneira:
(...) na primeira ponta de pedra que se avistar junto da praia, a
que chamam os morros de Santa Marta, se entrará para dentro, e pelo
rasto do gado se vai dar ao povoado e logo se acham cavalos e ovelhas do
Capitão Domingos de Brito, que é o povoador desta terra. (Filgueira,
2003: p. 6)
O resumo da viagem, medido em dias de jornada, foi dado desta forma:
Nesta viagem gastei da Colônia até Castilhos vinte e quatro
dias, destes até o Rio Grande dezesseis, deste ao povoado trinta, que por
todos são setenta, todos de jornada, e os que faltam para os quatro meses,
que me demorei, estivemos parados em ranchos pelas muitas chuvas que
nos impediram o seguir jornada. (Filgueira, 2003: p. 6-7)
Comenta, ainda, Filgueira, antes do término de suas recomendações:
Advirto que o rio Grande à vista do que se diz dele é uma
droga; porque nos assim que a ele chegamos, estávamos vendo os lobos
sair para a praia e tornarem a meter-se no rio. (Filgueira, 2003: p.7)
Em nenhum momento de seu relato, no entanto, Filgueira alerta para problemas
causados pela presença humana. Não há relato de paradas em ranchos habitados, não foi
anotado nenhum encontro com gente de qualquer origem ou praticante de qualquer
atividade. Não foram avistados índios. Nem suas fogueiras, casas, acampamentos ou
quaisquer vestígios de sua presença. Ermas, desabitadas.
Assim eram, então, essas terras litorâneas que, em pouco mais de trinta e cinco
anos desde a viagem de Domingos da Filgueira, estariam pulsando com a chegada de
pessoas de diversas partes da América Lusa, da América Hispânica, da Península Ibérica,
de outros locais da Europa, da África e, curiosamente, até um “indiático chino natural da
Índia” (ADPRG - Registro de batismo de Justina 03/05/1760 e de Leonor, 04/04/1763 -
54
4LBat-RG, 1759-1763).
Apesar da ausência de presença humana, o território tinha lá seus atrativos tanto
para os autóctones como para os peninsulares. Os indígenas, sazonalmente, deslocavam-se
desde o interior até o litoral. Em grupos, providenciavam alimento a partir da caça e da
pesca no mar e nas muitas lagoas e banhados existentes nas proximidades das duas grandes
lagoas dos Patos e Mirim. Se Domingos da Filgueira e seus companheiros de viagem não
encontraram europeus ou seus descendentes não quer dizer que a região lhes era por
completo desconhecida ou que nela não tivessem interesse algum. Desde meados do século
anterior já existiam intenções e “proprietários” lusos para o território em questão.
Em 1658 Salvador Correia de Sá fez o pedido da mercê de posse de uma capitania
que iria desde cinqüenta léguas ao norte da Ilha de Santa Catarina até cinqüenta léguas ao
sul, compreendendo a Barra da Lagoa dos Patos, onde um dia se situaria a Vila de São
Pedro do Rio Grande (Monteiro, 1979: p. 7). Alguns anos mais tarde, Correia de Sá
demandou mais e obteve da Coroa lusa terras contíguas às constantes da primeira
solicitação. O limite sul da grande capitania ficaria junto à margem setentrional do Rio da
Prata e sua embocadura, incluindo o local onde posteriormente foi fundada a Colônia do
Sacramento (Abreu, 2002, nota 10: pp. 44-47).
A vasta capitania, entretanto, não teve sua ocupação com contingentes humanos
efetivada sob os auspícios dos familiares de Salvador Correia de Sá. As terras
compreendidas pela donataria dos Assecas, como ficou conhecida a tal capitania por ter
sido legada ao seu neto Visconde de Asseca, tiveram outros pretendentes, ainda que em
porções de terras de menor tamanho. Alguns pedidos de mercê e ofertas de serviços à Sua
Majestade colocavam frações dessa terra como objetivo para o povoamento.
Um desses pretendentes, Manuel da Silva Jordão, solicitou as terras que
margeavam a Lagoa dos Patos, motivado, por um lado, pelas possibilidades de exploração
55
do território e, por outro, por problemas pessoais e familiares, dentre os quais o
envolvimento em um crime de morte contra membro da nobreza da terra do Rio de Janeiro,
em uma das contendas intestinas à elite local. A vítima do crime era um dos membros da
família de Salvador Correia de Sá (Hameister, 2002: pp. 99-100). A grande diferença da
solicitação de Manuel Jordão, feita em 1695 em relação ao pedido de Salvador Correia de
Sá é que Jordão comprometia-se a proceder a ocupação dessas terras, caso lhe fossem
dados os auxílios solicitados à Coroa, quais sejam:
(...) me ofereço para ir povoar o Rio Grande, por ter muitos
filhos e muitos netos, todos para servimos a Sua Majestade, dando-se 50
casais de Índios das Aldeias e 30 solteiros das aldeias reais de São
Paulo e 6000 cruzados para ajuda de custo, para o que obrigarei minha
fazenda e os pagamentos de 2 engenhos; reservando e fundando esta vila
que há de ser opulenta pelas razões que têm andado informação. (apud
Costa E Silva, 1968: p. 31, negrito meu)
O pedido de Manuel Jordão foi indeferido pela Coroa. O parecer dado pelo
Conselho Ultramarino alegava que tal avanço sobre as terras sulinas, com intenções de
povoamento sistemático, poderia ser comprometedor para a frágil paz estabelecida com
Espanha nos territórios meridionais (Porto, 1943, v. 1: p. 340). Note-se que a Colônia do
Sacramento, fundada em 1680, foi arrasada neste mesmo ano pelos espanhóis, vizinhos da
outra margem do Prata. Em 1695 a vida “normal”, por assim dizer, recém se iniciava em
Sacramento. O envolvimento no assassinato dos detentores legais da grande porção de
terras e com grande influência na esfera política lusitana pode ter influenciado seriamente
o parecer do Conselho Ultramarino e do próprio rei, embora tal justificativa não seja citada
no documento.
II. Interesses dos dois lados do Oceano
Atlântico se encontram onde não havia
nada
Salvador Correia de Sá era um grande conhecedor da Região Platina, além de
56
possuidor de negócios em Buenos Aires. Nascido em 1594, no Rio de Janeiro, filho do
governador Martim Correia de Sá, tinha por mãe a senhora Maria de Mendoza y
Benavides, filha de fidalgos da cidade de Assunción, no Paraguai (Boxer, 1973). Sabia
que, além da prata do altiplano andino, sob forma legal ou de contrabando, pelo Porto de
Buenos Aires outras riquezas circulavam.
Os couros, provenientes dos gados introduzidos no sul da América pelos padres
jesuítas que fundaram as missões guaranis, eram mercadoria produzidas a baixos custos
neste lado do oceano e de muito valor na Europa. Muitas vezes chamados de “frutos da
campanha”, eram extraídos no campo, geralmente pelos indígenas guarani, minuano ou
charrua, utilizados como mão-de-obra com paga em produtos coloniais ou em artefatos
produzidos no Velho Mundo. Também coureadores de origem ibérica faziam a extração
dos couros para colocá-los ao comércio na colônia ou exportá-los para fora da América.
Curtidos ao sol, com uso da cal para sacar-lhes os pêlos e o sal a ajudar na desidratação e
na conservação, eram adquiridos por comerciantes. O jesuíta Antônio Sepp, missionário
que atuou na catequização dos índios das terras de Espanha nesta fronteira dos dois
impérios ibéricos na América, escrevia ao século XVII sobre este lucrativo comércio:
O benévolo leitor poderá calcular facilmente quantas reses se
gastam aqui ao todo, quando eu só já consumo tantas, e quantas ainda
ficam sobre os campos infinitos do Paraguai, para a procriação
indispensável. Nossos três navios levaram 300 mil couros para a
Espanha, mas não de vacas, e sim de touros mais crescidos. Aqui, um
couro sai a quinze kreuzers, que vem a ser o salário para o serviço de tirá-
lo. Na Europa, no entanto, em qualquer parte, vende-se um couro de boi
como este por seis e mais reichstaler. Daí poderá o benévolo leitor mais
uma vez fazer nova conta, calculando o lucro indizível que os espanhóis
tiram só do couro. (Sepp, 1980)
Não foi possível estabelecer a relação de valor entre as moedas mencionadas pelo
padre Antônio Sepp, mas a expressão “indizível lucro”, por si só, já diz o suficiente sobre o
que poderiam ganhar os comerciantes nessa atividade de comprar couros aos índios. Mais
ainda se levado em consideração o modo com que se praticava o comércio com os
57
indígenas, os produtores diretos da mercadoria em questão, também relatadas pelo Pe.
Sepp:
[os couros] São as verdadeiras minas indígenas de ouro e prata
de Sua Majestade Real. Porque, de resto, não se encontra ouro nem prata
entre os índios, e, até o nome de dinheiro lhes é inteiramente
desconhecido. Quando os índios compram algo dos espanhóis, fazem-no
em troca de mercadorias, não passando de mero negócio de troca,
distando muito e muito do verdadeiro comércio de compra e venda. E a
palavra usada é só esta: Se tu me deres tantos bois e tantas vacas, dar-te-
ei tantos e tantos côvados de tecido de linho; se me deres tua faca, dar-te-
ei meu cavalo. Desta maneira, os índios tornam verdade o anexim usado
pelas crianças européias, quando dizem "dar um cavalo por um apito",
porque, na realidade, aqui um apito vale mais do que o melhor e mais
lindo cavalo, por causa da superabundância de cavalos e da carência de
apitos. (...)
Aldeamento que não fosse capaz de criar de 3 a 4 mil cavalos
de montaria seria considerado pobre. Particularmente apreciadas são as
mulas, possuindo eu também um animal bem criado. Um cavalo vale,
quando muito, um taler, não em dinheiro, mas em fumo, mate, agulhas,
facas ou anzóis. (Sepp, 1980)
Comprar onde há abundância e vender onde há escassez. Comprar onde custa
pouco e vender onde é valorizado. Essa era a essência dos negócios comerciais do século
XVIII: no comércio de longa distância, fortunas se fizeram às custas do transporte de
mercadorias entre os pólos produtores com um mercado local diminuto para os bens
produzidos no local e mercados longínquos e vorazes, todavia carentes de certos gêneros.
Segundo Braudel,
(...) O comércio de longo curso cria seguramente sobrelucros: joga com
preços de dois mercados afastados entre si e cujas oferta e procura,
ignorando-se mutuamente, só se encontram por intervenção do
intermediário. (...) O comércio de longa distância significa riscos, porém
mais ainda lucros excepcionais. Freqüentemente, muito freqüentemente, é
ganhar na loteria. Até o trigo, que não é uma mercadoria “régia”, digna
do grande negociante, mas que passa a sê-lo em determinadas
circunstâncias – caso de penúria, claro. (Braudel, 1996: p. 357)
Após fornecer dois exemplos de comércio de longa distância com circulação de
mercadorias por sobre os oceanos e com mercados que se ignoram mutuamente,
intermediados pelos homens do comércio marítimo, Braudel reitera:
58
(...) Uma vez mais, dois mercados díspares cujos produtos se valorizam
fantasticamente ao cruzar o oceano num sentido ou noutro, cobrem de
ouro alguns homens, os únicos a lucrar com essas grandes diferenças de
preços (Braudel, 1996: p. 357).
Os couros, extraídos anualmente aos milhares, nas vastas planícies que
compreendem a Campanha Buenairense, todo o território uruguaio e se estendem até a
Depressão Central, no atual estado do Rio Grande, todos os anos, eram mercadoria que se
enquadrava perfeitamente no comércio caracterizado por Braudel. A demanda européia por
esse produto encontrava a superabundância de gados e a grande produção de couros no sul
da América como correlato. Mercadorias de baixo custo na Europa, facas e agulhas ou
mesmo americanas, o fumo e a erva, produzidas por outros indígenas ou com mão-de-obra
escrava. O fumo e o mate, mercadorias de baixo custo de produção, eram moedas de troca
na aquisição dos animais e dos couros. Um “negócio da China” em plena América.
Também no relato do Pe. Sepp vê-se a abundância de cavalos no sul da América.
Salvador Correia de Sá podia não entender o significado da falta de um apito a uma criança
ou a um indígena, mas era sabedor do drama de quem não tem cavalos estando em situação
de guerra. Não bastassem essas suas ligações com as Índias de Espanha e a sua atuação no
comércio platino, Correia de Sá comandou as operações para a expulsão dos holandeses do
Reino de Angola, em 1648, ali sentiu na própria pele a falta de uma cavalaria nas
campanhas militares.
Segundo Luís Felipe Alencastro, Angola padecia de uma criação própria de
cavalos por uma fatídica conjunção de fatores (Alencastro, 2000: p. 50). A primeira delas,
relacionada às precárias condições de salubridade na região, fazia com que os cavalos
viessem a sofrer de doenças e, amiúde, morressem por causa delas. Sobre a situação da
cavalariça da Praia do Bispo, que teria capacidade para cem cavalos, foi dito:
(...) mas sendo o terreno, ainda que plano, muito imediato ao monte da
Matriz, as águas das chuvas rodeavam o edifício, faziam intratáveis as
59
passagens, umedeciam as paredes; e assim a gente como os Cavalos,
respiravam um ar tão danoso à saúde que secundava ao do clima (Correia,
apud Santos, s.d.: p. 61)
Uma doença específica: um tipo de tripanossomo, transmitido pela mosca tsé-tsé,
era especialmente letal aos eqüinos. Esta doença
(...) embaraçava a criação de cavalos na área. Abaixo do Cabo da Verga
(atual Conakry) ninguém comprava mais cavalos. Sinal – ontem como
hoje – do início da barreira epidemiológica levantada pela
tripanossomíase” (Alencastro, 2000: p. 50).
Um segundo impedimento, de acordo com Alencastro, seria parte das próprias
estratégias para a conservação dos territórios angolanos sob posse lusa. A introdução de
cria de cavalos colocaria aos nativos a possibilidade de obtenção desses animais. Cavalos
eram fator de superioridade bélica lusa sobre os exércitos dos reinos africanos. Isso
aumentaria a fragilidade militar portuguesa no Reino de Angola se os nativos angolanos
pudessem constituir sua própria cavalaria a partir de matrizes roubadas aos portugueses.
Assim, essas matrizes jamais foram conduzidas para o território angolano, partindo para lá
apenas machos, em condições de utilização militar, para não dar azo à criação de uma
cavalaria sob comando dos nativos.
Roquinaldo Ferreira reitera essa idéia de conjunção de fatores a complicar a
existência de cavalos em Angola. Citando documentos relativos aos embates entre os
portugueses e o sucessor da rainha Ginga, entre outros, reafirma a carência desses animais,
bem como caracteriza seu envio, providenciados pela Coroa lusa, como sendo irregular e
mesmo deficitário (Ferreira, 2001: 374-375).
Trabalhos anteriores verificaram a longeva necessidade de eqüinos nos territórios
lusos na África, em especial em Angola (Simonsen, 1967; Ferreira, 2001; Hameister, 2001;
Hameister, 2002). Essa necessidade gerou uma sucessão de provisões régias que
ordenavam o embarque obrigatório de cavalos dos portos luso-americanos para essa região
60
do globo. Até onde se pôde averiguar, os editos régios compreendem, no mínimo, o
período entre 1666 e 1754 (Simonsen, 1967; Hameister, 2002). A chegada de cavalos à
África era dificultada por dois grandes fatores.
O primeiro, porque embarcar um número diminuto de animais em cada navio
poderia não ser um bom negócio aos comerciantes de tropas que já os comercializavam
para mover cargas no interior do continente americano. Ao que tudo indica, não havia
interesse em enviá-los na travessia às custas dos baixos valores pagos pela Coroa e com o
seu transporte sob responsabilidade e expensas dos comerciantes marítimos, também
desagradados de levar consigo carga viva e frágil.
O segundo, porque a travessia marítima sempre representava risco de morte, tanto
para humanos como para cavalos. Nem sempre os animais chegavam vivos, ainda mais
quando se encontram vistorias feitas nos portos de embarque, que acusam estarem sendo
remetidos dentro das quotas de obrigatoriedade de envio de cavalos, animais doentes, mal
alimentados ou sem condições de suportarem a longa viagem.
Muitos animais partiram de Pernambuco para a África, mas no ano de 1731 o
envio desde lá foi suspenso (Costa, 1984: p. 143), muito provavelmente em função do
Caminho das Tropas, que ligava por via terrestre a Colônia do Sacramento à São Paulo.
Essa grande empreitada, realizada por particulares que, agindo em interesse de seu
comércio em conjunção aos interesses da Coroa, foi iniciada em 1727 e concluída no ano
de 1730. A viagem inaugural do Caminho das Tropas fez chegar a São Paulo mais de 3 mil
cavalgaduras conduzidas por seus proprietários empenhados em abrir picadas, fazer pontes
e retificar um trajeto pré-existente (Abreu, 2002). O Caminho das Tropas foi o responsável
por fazer chegar ao sudeste colonial as mulas e cavalgaduras que foram usadas no
transporte de cargas no interior, abastecendo os sertões mineradores e, de lá, escoando o
ouro.
61
Não causa surpresa a redução do número de animais a serem enviados a partir de
Pernambuco após a abertura dessa rota, seja pela quantidade de cavalos enviados do sul,
atendendo uma demanda reprimida existente nas Minas e em São Paulo, seja pelos
acontecimentos posteriores ao início da empreitada. Rodrigo Cesar de Menezes,
governador de São Paulo que ao final da década de 1720 muito obrou em garantir que o
projeto tivesse andamento, já havia deixado este governo no ano de 1730 e não mais se
encontrava no Estado do Brasil. Chegou a Angola no final do ano de 1732, sendo
empossado em seu governo no início de 1733. Em 1734 já havia falecido, em Luanda,
possivelmente vítima dos tais “ares danosos”.
Rodrigo Cesar de Menezes, membro de uma estirpe de administradores do
Império Luso nas suas colônias, propiciara o fluxo de animais de uma região na qual eram
abundantes para outras localidades nas quais eram escassos:
Ou seja, o governador que dera início à solução dos problemas
do fluxo dos animais sulinos até as regiões da Colônia que dele
necessitavam, fora transferido para o pólo mais distante destas rotas
possíveis aos eqüinos transportados. Ao que parece, uma vez resolvido a
parte sul-americana dessa equação, Rodrigo Cesar fora designado a
resolver os problemas da parte africana, provavelmente recebendo as
mercês e benesses reais decorrentes do cargo de governador em Luanda,
mercês estas, facilitadoras inclusive do lucrativo comércio Brasil-Angola
(Hameister, 2002).
Assim, dos dois lados do oceano, regiões ditas como periféricas ou “sertões”,
ligavam-se através das cavalgaduras existentes ao sul da América e da carência destas na
região congo-angolana. Também na própria América portuguesa, regiões muito
distanciadas entre si uniam-se pelo mesmo motivo.
Quando os olhos da Coroa lusa brilharam com as faíscas de ouro descobertas nas
Minas, a necessidade de meio de transporte de cargas fez-se visível. A Coroa, através de
seus agentes e com o serviço de particulares agraciados com mercês e privilégios,
providenciou a ligação terrestre entre as áreas com imensa produção de animais e as áreas
62
dedicadas à produção do ouro ou as que proviam o abastecimento das regiões mineradoras.
A Coroa lusa, assim como algumas famílias de súditos tinham de fato uma visão do mundo
que extrapolava uma relação de subordinação das colônias à metrópole. Faziam o Império
mover-se como um organismo vivo, no qual a ciência do que se passava em locais tão
distantes e a colocação de homens com experiência de mando em diferentes situações eram
algumas das chaves do seu funcionamento.
O comércio de longa distância, dessa vez terrestre, tornou alguns homens ricos e
despertou sentimentos de descontentamento em outros. O traçado do Caminho das Tropas,
enveredando para o interior na altura da Guarda Velha de Viamão, hoje município de
Santo Antônio da Patrulha, no estado do Rio Grande do Sul, colocava à margem do fluxo
de animais as terras da Laguna, litoral de Catarina. As terras e os gados de Francisco de
Brito Peixoto, o povoado por ele dirigido, avistados e visitados por Domingos da Filgueira
ficavam muito distantes do novo traçado. O antigo Caminho do Litoral, cujo
reconhecimento e povoamento rendeu mercês ao paulista de Brito Peixoto, não estava nos
planos de Francisco de Souza e Faria e Cristóvão Pereira de Abreu, os “descobridores do
novo caminho”. Também não estavam incluídas no roteiro outras localidades onde
familiares de Brito Peixoto tinham moradia ou interesses.
Nos relatos de Francisco de Souza e Faria e de Cristóvão Pereira, há passagens
que assumem tom de comédia, se lidos após estes quase duzentos e oitenta anos que se
passaram desde a sua escrita. As “pequenas sabotagens” promovidas pelo Capitão-mor da
Laguna e os seus são hoje hilários episódios, mas representaram um autêntico drama para
quem esteve empenhado na abertura das estradas e picadas nos anos em que ocorreram:
“A esta diligência foram sempre opostos vários moradores
das Vilas de Santos, Parnaguá, e Curitiba, e da mesma sorte os da
Vila de Laguna, e de Sta. Catarina, (...), receosos de que com a
abertura do novo caminho perderiam as suas liberdades, o faziam
impossível; (...). Neste tempo me achava eu na nova Colônia do
63
Sacramento, e tendo esta notícia, me pus logo a caminho a ver o estado
em que se achava esta diligência, e chegando à Vila da Laguna achei ao
dito Francisco de Souza com alguma gente, mas quase impossibilitado a
dar execução ao que se lhe ordenava, porque o Capitão-mor da dita Vila,
ou pelos motivos já ditos, ou por contemplação dos moradores da Vila
de Santos, Parnaguá, e Curitiba, com quem era aparentado,
simuladamente lhe fazia impossível, principalmente na gente, porque
tanto se lhe alistava de dia como lhe fugia de noite; e vendo-o eu neste
estado, cuidei em aplicar-lhe o remédio, fazendo-o primeiro congraçar o
dito Francisco de Souza, com o Capitão-mor a quem não faltava, e tive a
fortuna de que ele se pusesse a caminho com boa ordem e a gente
necessária em Fevereiro de 728. (...) Este roteiro é o mesmo, que diz
trouxera consigo o Sargento-mor Francisco de Souza e Faria, que se o
seguira abrindo o caminho a onde acabam as serras e não em Araranguá,
nunca experimentaria em perto de três anos que gastou nele, as
fomes e misérias que são notórias, verdade é que culpam nesta parte
ao Capitão-mor da Laguna, que por seus particulares interesses lhe
quis fazer impossível a jornada e o caminho, facilitando-lhe a
entrada pela parte mais dificultosa que há para esta abertura.
(Abreu, 2002: pp. 5-6 - grifos meus.)
Alguns dos filhos, filhas e genros do Capitão-mor Francisco de Brito Peixoto,
poucos anos após a abertura do Caminho das Tropas, empresa da qual alguns deles
participaram, transferiram sua moradia para os Campos de Viamão, situados próximos ao
extremo-norte da Lagoa dos Patos e à Guarda Velha de Viamão, local do pomo da
discórdia sobre o traçado da rota entre descobridores e lagunistas. Em 1735 os familiares
de Francisco de Brito Peixoto estavam no Continente do Rio Grande de São Pedro,
vendendo gado bovino à Coroa lusa, para atender a Colônia do Sacramento, que
novamente passava por ataques espanhóis (Monteiro, 1979: p. 35).
III. Onde não havia nada, havia também os
espanhóis
O interesse luso por esta porção de terras que continha a barra do Rio Grande,
ditas “uma droga” por Domingos da Filgueira, encontrava correlato no interesse dos
espanhóis. A posse do sul da América ibérica foi alvo de constante e secular disputa entre
Portugal e Espanha, estando a questão de seus limites – indefinidos desde o Tratado de
64
Tordesilhas – ainda mal definidos no século XIX, fazendo com que o problema de
fronteiras se estendesse do período colonial até depois das independências dos países
platinos e do próprio Brasil.
O Tratado de Tordesilhas de 7 de Junho de 1494 dirimia diferenças entre Portugal
e Espanha no tocante às terras já descobertas e ainda por descobrir. Fazia a divisão dos
novos mundos entre as duas coroas ibéricas que, virando às costas à Europa, lançaram-se
ao mar:
porém que eles por bem de paz e concórdia e por conservação
do devido e amor que o dito senhor rei de Portugal tem com os ditos
senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, (...) A qual raia ou linha se
haja de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das
ilhas do Cabo Verde pera a parte do ponente, por graus ou por outra
maneira como melhor e mais prestes se possa dar de maneira que
não sejam mais. E que tudo o que até aqui é achado e descoberto, (...)
indo pola dita parte do levante dentro da dita raia à parte do levante ou do
norte ou do sul dela, tanto que não seja atravessando a dita raia; que isto
seja e fique e pertença ao dito senhor rei de Portugal e a seus sucessores
pera sempre jamais. E que todo o outro, assim ilhas como terra firme
achadas e por achar, descobertas e por descobrir, que são ou forem
achadas polos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, etc., e
per seus navios, des a dita raia dada na forma suso dita, indo por a dita
parte do ponente depois de passada a dita raia pera o ponente ou ao norte
ou sul dela, que tudo seja e fique e pertença aos ditos senhores rei e
rainha de Castela e de Leão, etc., e a seus sucessores pera sempre jamais.
(...) (BNP - Minuta do Tratado de Tordesilhas de 1494 - versão
portuguesa, s.d. grifos meus)
O Tratado de Tordesilhas, acordado para diminuir as tensões entre as duas coroas
no que competia às novas descobertas, continha imprecisões, verificáveis no trecho acima,
que, apesar de correções em tempos posteriores, deixavam motivos para as disputas que ao
final do século XVII e nos três primeiros quartéis do século XVIII tiveram grande
influência sobre São Pedro do Rio Grande.
O documento diz: trezentas e setenta léguas das Ilhas de Cabo Verde. Entretanto,
o arquipélago de Cabo Verde possui dez ilhas e cinco ilhotas. Afinal, onde começava a
contagem das tais trezentas e setenta léguas? No extremo ocidental da mais ocidental das
65
ilhas? Ou começava em seu limite oriental, partindo daí, trezentas e setenta léguas na
direção oeste? O documento não traz nenhuma especificação quanto a esse marco e,
havendo diferença na dimensão da légua portuguesa para a légua espanhola, tampouco foi
especificado no acordo entre as duas majestades ibéricas qual dos padrões seria adotado na
contagem dessas imprecisas trezentas e setenta léguas contadas a partir de um ponto
impreciso em uma ilha imprecisa no Arquipélago de Cabo Verde.
Desse “pecado original” cometido no tratado que repartia as terras descobertas e
por descobrir do outro lado do Atlântico decorrem pretextos às contendas de fronteira entre
esses dois impérios no sul da América. Essas tornaram-se mais acirradas a partir do ano de
1680, com a fundação da Colônia do Sacramento. Tanto os reis portugueses como os
espanhóis, dadas as experiências anteriores em navegação, descobrimentos e
reconhecimento dos territórios aos quais chegavam, contavam com excelentes geógrafos e
astrônomos ao seu serviço. Além disso, com freqüência os cultos e estudiosos padres
geógrafos da Companhia de Jesus eram chamados para préstimos em demarcações ou
estabelecimento de limites, informações e feitura de mapas, muitas vezes com intuito de
dirimir divergências de opiniões quanto à localização de povoados ou fortificações
militares.
No ano de 1680, chegou às margens do Prata o recém nomeado governador do
Rio de Janeiro, Dom Manuel Lobo, para a execução de sua missão secreta, com instruções
entregue pelo rei ou seus representantes aos vários participantes da expedição em envelope
fechado para ser aberto durante a viagem pelo mar. Os participantes da missão não
deveriam deter-se no Rio de Janeiro. Sua chegada ao Prata era de extrema urgência e de
suma importância, considerando ainda que nos documentos lacrados de cada um dos
membros da expedição existiram ordens que os demais desconheciam, com indicações de
como proceder em substituição às chefias hierarquicamente estabelecidas em caso de
66
morte ou captura. Não deveria, portanto, ser a missão interrompida, já que nem mesmo a
morte dos líderes seria empecilho para sua continuidade. Tudo estava previsto e ordenado
nas instruções secretas de Sua Alteza (Regimento que o Governador do Rio de Janeiro
Dom Manuel Lobo, levou para a Fortaleza do Sacramento, no Rio da Prata e Carta de Sua
Alteza sobre a jornada que vai fazer D. Manuel Lobo Gov. do Rio de Janeiro, in:
Monteiro, 1937: pp. 5-16 e 20-21, v. 2).
No segundo dia após a chegada no Prata, no mês de fevereiro, no ponto
determinado para a fundação da fortaleza, Dom Manuel foi contatado por alguns homens
de Buenos Aires, que indagaram “que tipo de gente eram”. Retornados a Buenos Aires, tais
homens passaram adiante as notícias do que haviam visto. De lá veio o já esperado:
contestaram que Dom Manuel Lobo e seus comandados permanecessem onde estavam. Os
portenhos alegavam que a expedição estava em território espanhol.
A primeira discussão “diplomática” acerca da posse de Sacramento não ocorreu
na Europa, deu-se in loco. Havia, de um lado Dom Manuel Lobo, que relatava:
(...) Vinieron com sus argumentos que yo solo les adminti en forma de
conversacion y insinuandole assim por que en este lugar no se aavia de
resolber el negocio. Salieron varias cartas de marear a publico en que
muchas medidas de compás y por la diferencia que se hallo en las
mesmas cartas no pudo por este camino aver concordancia (...)( Primeira
Carta de Don Manuel Lobo ao Príncipe Dom Pedro, cópia traduzida. In:
Monteiro, 1937 p. 26, v. 2)
Do outro lado, os emissários de Buenos Aires que trouxeram consigo o piloto
Gomes Jurado, insistiam em resolver ali a questão. O piloto, apoiava-se no livro do Padre
português Simão de Vasconcellos, Crônica do Brasil, no qual constava que a linha
divisória passaria a trezentas e setenta léguas da Ilha de Santo Antão, arquipélago de Cabo
Verde. Em uma carta de navegação, o piloto espanhol marcou a linha divisória e, segundo
Manuel Lobo, afirmou que estariam os portugueses adentrando o território de Espanha
mais de setenta léguas. Dom Manuel Lobo, ocupado em contra-argumentar, relatou o
67
seguinte:
(...) Yo tive por un libro que acaso me avia llegado a las manos hecho por
Melchor Estasio de Amaral (...) el qual fue ympresso en el tiempo que los
Reys de Castilla governabam esta Corona y son argumentos como del se
dexa ver. Afirma ser quatrocientas leguas las que se han de partir de la
ysla de San Antonio de Cabo Berde para la parte de loeste y de aquel
punto se ha de hechar la linia ymaginaria (...) a que un Piloto que con
ellos venia respondio que de essa suerte tocarian a la Corona de Portugal
todo lo que en estes contornos ellos poseyan y quedariamos muy vesinos
al Perú. Yo lo dixe que assi se entendia. Porque lo que pertenesia a las
Coronas no tenia prescripsion sin embargo de sus reselos me parece
fueran stisfechos de la cortezia con que los traté. (Primeira Carta de Don
Manuel Lobo ao Príncipe Dom Pedro, cópia traduzida. In: Monteiro,
1937: p. 27, v. 2)
Neste interessante jogo de convencimento, cada uma das partes usava, como
argumento, as palavras escritas e publicadas pelo oponente. Talvez assim o fizessem como
recurso retórico, pois tentavam evidenciar a contradição entre o que os reis e sábios de
cada uma das Coroas afirmavam e aquilo que se praticava no Prata. Talvez tornando clara
a contradição, o oponente desistisse daquilo que não necessariamente pertencia à Coroa da
qual era súdito, mas incluía os territórios que almejavam, o que também é percebido nesse
diálogo.
Redondamente enganado estava Dom Manuel Lobo quando acreditou que os
espanhóis saíram satisfeitos deste colóquio. A cortesia deve ter sido aceita, mas a
argumentação, não. Os espanhóis que se retiraram para Buenos Aires foram comunicar às
autoridades o sucedido. Dom José Garro reuniu sua Junta de Guerra em fevereiro de 1680,
e com ela fez convocar todos os homens com mais de dezoito anos com suas armas.
Entretanto, dizia Don Garro que não podia confiar nos homens recrutados, pois, em sua
maioria, eram portugueses ou descendentes de portugueses. Solicitou homens à região de
Tucuman e a eles se juntaram índios Tape das Missões, sob comando de Simão de Toledo
e dos padres jesuítas. Em março de 1680 foi desferido o ataque à Colônia do Sacramento.
Sem uma aliança formal, Dom Manuel Lobo contou com a ajuda de índios
68
Charrua e Minuano, inimigos de longa data dos índios Tape, que iam atacando as forças
espanholas ao longo de toda a jornada. A Colônia do Sacramento, com a obra de
fortificação não concluída, não resistiu aos ataques. Mais de cento e trinta pessoas foram
levadas prisioneiras para Buenos Aires, dentre os quais Dom Manuel Lobo, que veio a
falecer durante o período de prisão (Monteiro, 1937, capítulos 3-5.v. 1).
A Colônia do Sacramento mal teve sua construção iniciada foi posta por terra
pelos espanhóis. Uma nova fortificação foi erguida em seguida sem paz formalizada, mas
também sem guerra declarada, sustentou-se até 1705. O governador interino da Colônia do
Sacramento, Cristóvão de Ornellas Abreu, em conluio com o governador de Buenos Aires,
praticava o contrabando no Rio da Prata, colocando a pique barcos de concorrentes no
comércio ilícito. Muito provavelmente essa sociedade fez com que se mantivesse a praça
de Sacramento nos anos posteriores a este primeiro ataque.
Da década de 1690 até 1705 prosperaram os negócios de extração e
comercialização de couros em Sacramento, o que, de certa maneira, também colocava em
alerta os espanhóis. Os portugueses eram vistos como concorrentes nesse comércio de
grande lucratividade e, por conseqüência, faziam com que a arrecadação do fisco que cabia
à Coroa espanhola se visse diminuído. As incursões dos portugueses ao interior em busca
dos couros provocava protestos dos homens do rei e da igreja que, num cálculo
mirabolante, propunham o extermínio do rebanho de cerca de um milhão de touros da
campanha, para evitar os avanços lusos. Esse cálculo, feito à época, pressupunha que,
colocados na atividade de extermínio os indígenas, divididos em grupos de cem, cada
grupo poderia dar cabo de dois mil animais ao dia, sacando-lhes os couros e os sebos, cujo
aproveitamento seria dos homens de Espanha e não de Portugal. Também os impostos
recolhidos sobre os produtos competiriam à Coroa de Espanha e seus contratadores, não à
Coroa de Portugal e aos arrematadores de seus contratos dos quintos dos couros, imposto
69
estabelecido para a Colônia do Sacramento e que quintava também os sebos.
O extermínio não foi consumado (Moutoukias, 1987: pp. 154-157), mas as
preocupações com as intrusões lusas no Prata continuaram na ordem do dia. Em 1704 o
rompimento da sempre tensa paz ibérica, refletiu-se no Prata sob a forma de novos ataques
desferidos à Colônia. Dessa vez, meses após, houve a capitulação de seus homens. A
Colônia do Sacramento foi esvaziada de súditos da Coroa lusa e os que não desertaram
transferiram-se para o Rio de Janeiro, para a Bahia ou retornaram à Península. Muitos
seguiram suas trajetórias de oficiais da Coroa, homens de negócios e arrematadores nos
locais para onde se dirigiram. Alguns retornaram à Colônia do Sacramento, quando da
devolução da praça em 1716 (Hameister, 2002: pp. 109-153).
Em 1716, com um novo tratado de paz vigorando e com a Colônia do Sacramento
novamente sob domínio luso, os portugueses reiniciaram as coureadas. Os intentos de
povoamento foram intensificado e foram convocados casais de migrantes para fazer a
ocupação da região. Dentro do que seria chamado por Jaime Cortesão de A Política dos
Casais, a Coroa portuguesa estimulou a migração de famílias de trasmontanos, ditos nos
documentos relativos a esta migração como sendo de “60 casais de gente Transmontana
que só entendem de Agricultura, de que aquelas tão dilatadas campinas necessitam
(Monteiro, 1937: p. 71). Esses migrantes embarcaram em 1718.
Algumas famílias, provavelmente almejando os incentivos oferecidos pela Coroa,
casaram seus filhos nos portos de embarque ou no Rio de Janeiro, tão logo puseram os pés
em terra firme. É interessante verificar as datas dos casamentos das quatro filhas mais
velhas do casal Nicolau de Souza Fernando e Ana Marques, migrados para a Colônia. As
quatro moças casaram-se no ano de 1717, no porto de embarque. O sobrinho de Nicolau,
Antônio de Souza Fernando e sua esposa Apolônia de Oliveira, também contraíram
matrimônio no local de partida dos emigrantes (Rheingantz, 1979: pp. 370-487, Títulos
70
Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando). Algumas dessas famílias, mais
tarde, comporiam os contingentes civis que se deslocaram para a barra da Lagoa dos Patos,
para promover o povoamento do Rio Grande (ADPRG - Livro Primeiro de Batismos de
Rio Grande, 1738-1753).
O crescimento populacional e desenvolvimento da Colônia do Sacramento não
passaram desapercebidos dos vizinhos espanhóis da margem meridional do Rio da Prata.
Se a paz constava em papéis assinados por autoridades, na prática, as situações de
beligerância velada e provocações declaradas ocorriam de lado a lado. A década de 1720
foi marcada por episódios de saques e violência que, se não eram excepcionais em sua
freqüência, o eram pela riqueza de detalhes com que foram narrados na documentação lusa
ou na crônica de Simão Pereira de Sá (Sá, História Topográfica e Bélica da Nova Colônia
do Sacramento1993: p. 57; Hameister, 2002: pp. 74 e 199).
Os conflitos locais faziam com que a situação da Colônia de Sacramento estivesse
sempre sob tensão, e por mais apaziguados que fossem os ânimos, um ataque sempre
estava entre as possibilidades postas ao dia. Em 1735 a paz novamente foi quebrada.
Sacramento foi sitiada, cerco que durou até 1737, por pouco não completando três anos.
Dessa vez não houve capitulação. A praça da Colônia foi mantida a custo de muita luta e
muita perseverança dos portugueses, pois os ataques se faziam simultaneamente, desde
terra e mar. Os índios tape das aldeias dos jesuítas também formaram força que atuou
ativamente nesta operação militar muito bem planejada e muito bem executada, em várias
frentes e em vários âmbitos. Em 1735 consta também um ataque dos tape ao Caminho das
Tropas, nas proximidades de Laguna, que impedia o transporte dos animais para o centro-
sul do Estado do Brasil. Os espanhóis buscavam isolar militarmente e inviabilizar
economicamente a Colônia do Sacramento.
Os pedidos de auxílio do governo de Sacramento demoraram a chegar nas
71
localidades que lhe podiam fazer socorro. Ao norte, recordando o relato de Domingos da
Filgueira, somente a vila da Laguna enviou alguns reforços. Distando setenta dias de
jornada terrestre ininterrupta, já que por mar, a embocadura do Prata estava fortemente
guarnecida por vasos de guerra da coroa de Espanha, os lagunistas chegaram quando o
confronto não podia mais ser minimizado. Nesse momento, o já alardeado isolamento fez-
se sentir na população que lá vivia. Consta que durante o período no qual durou o Grande
Cerco, como ficou conhecido na historiografia, os habitantes de Sacramento até cães e
ratos tiveram que comer, já que espanhóis não permitiam o abastecimento dos inimigos na
praça sitiada. A privação foi tão grande que, dentre os feitos mais comemorados do período
em que Sacramento esteve sitiada, estão a condução de cavalos para os militares de
Sacramento e a feitura de carnes
1
a partir dos animais adquiridos da família de Brito
Peixoto, também enviadas à Colônia do Sacramento. Ambas as empreitadas foram levadas
a cabo pelo então Capitão Cristóvão Pereira de Abreu, que anexou-as em sua folha de
serviço e pelas quais recebeu mercê anos depois.
Quando não havia nada, portanto, havia espanhóis e portugueses a digladiar-se
pela posse do território. A cruzá-lo constantemente em busca de gados e couros, a enviar
cavalos e bovinos para áreas que deles careciam. Havia coureadores e changadores,
vassalos de ambas as Coroas ibéricas a retirar da campanha o seu sustento. Quando não
havia nada, no território que vai da Colônia do Sacramento, havia também a guerra e a paz.
Havia a chegada de povoadores, de soldados. Havia o cruzar da barra do Rio Grande no
envio de cavalgaduras para o transporte nas Minas. Havia a ação dos charqueadores de
ocasião ocupados em abastecer Sacramento. Havia espiões e batedores de ambas as
facções. Quando ainda não havia nada, o território no qual está compreendida a Barra do
1
Os documentos dizem “fazer carnes” ao ato de produzir o charque na própria campanha.
72
Rio Grande já conhecia a guerra e a paz nos confrontos entre portugueses e espanhóis.
IV. Onde não havia nada, havia
índios charrua, minuano e tape
Como no relato de Domingos da Filgueira não há indicação de período do ano em
que foi empreendida a viagem, é possível que quando de sua passagem não fosse a época
dos deslocamentos sazonais dos indígenas ao litoral. Todo o contorno da Lagoa dos Patos
contém registros arqueológicos que evidenciam a presença dos índios guarani. Essa porção
leste do atual estado do Rio Grande do Sul fazia parte da grande área sob controle destes
indígenas que, além de serem usadas em seus deslocamentos periódicos como locais onde
podiam contar com caça e pesca faziam, parte do território abrangido por migrações mais
esparsas. Os grupos de autóctones passavam temporadas em determinadas regiões e,
quando o ambiente dava mostras de esgotamento, migravam para mais além, fazendo uma
rotação de áreas com de plantio, caça e coleta com décadas de duração, para dar tempo à
recuperação dos recursos. Mais ao interior, no imenso “nada” que separava a Colônia do
Sacramento das serras de Maldonado e nas regiões de campanha, viviam os índios
minuano e charrua, grupos nômades de caçadores-coletores que não praticavam a
agricultura.
Não eram poucos os habitantes autóctones dessas áreas litorâneas e que
margeavam os grandes rios e lagos ao sul. Para os espanhóis, que por motivos diversos
tiveram interesse imediato na ocupação da vasta planície sulina, não lhes passou
desapercebido esses indígenas, em 1604 escreveu Hernandarias:
en la entrada del Uruguay, Viaça Santa Catarina y Río Grande, donde no
faltan grade suma de indios que poder atraer al conocimiento de nuestra
santa fe católica, que es lo que mucho importa, y de donde así mismo,
hay grandes notícias de oro. (Cartas de Hernadarias al Rey - 05/04/1604,
in: Cartas y Memoriales de Hernandarias, Revista de la Biblioteca de
Buenos Aires 1937 v.2, apud Bracco, 2004: p. 24)
73
Dois ou três anos mais tarde, tornava a referir-se a eles:
y poblando-se otro en el río Uruguay que es uma provincia mui
fértil e de gran suma de indios y que se entiende no está [a más de]
cuarenta leguas del mar, se podria poblar el puerto de Santa Catarina (...)
(Cartas de Hernadarias al Rey - 05/05/1607, in: Cartas y Memoriales de
Hernandarias, Revista de la Biblioteca de Buenos Aires 1937 v.2, apud
Bracco, 2004: p. 24)
Com a afirmativa de Filgueira de que muito penaram por chuvas e mau tempo é
possível dizer que quando por lá passaram não era a temporada propícia para se estar junto
ao mar. E talvez fosse também o tempo de “abandono” do sítio para sua recuperação
dentro do modo indígena de exploração dos recursos. Mais ainda, talvez seja indicativo de
que o plano de aglutinar os indígenas que viviam no entorno da Lagoa dos Patos em torno
da santa fé católica, colocando-os em povoados, conforme indicado por Hernandarias tinha
sido bem sucedido.
Entretanto, por mais desabitadas que fossem, faziam parte da grande área de
domínio e controle de grupamentos indígenas que não foram atraídos ao catolicismo ou às
reduções e estâncias dos religiosos. Alguns dos quais com pouquíssimo contato com os
europeus, ainda que mantivessem contatos entre seus parentes aproximados pelos
europeus. Eram ermas, mas não eram devolutas. Faziam parte do modo de ocupação
territorial guarani e eram parte de suas reservas em recursos naturais necessárias para a
sobrevivência do grupo.
Os indígenas da etnia minuano – uma subdivisão do grupo conhecido como
guenoa, dos quais o subgrupo mais conhecido são os guaicuru, imortalizados na aquarela
Carga de Cavalaria Guaicuru de Debret, e hoje, como os demais guenoa, sejam eles yaró,
charrua ou outros grupos, não mais existentes no território brasileiro, pelo menos não
como população que se reivindica dessa herança étnica – aparecem como, juntamente com
os guarani e índios tape, senhores do território antes da chegada dos portugueses e
74
espanhóis.
Já os tape, segundo Neumann (2000), eram populações autóctones que teriam
passado por um processo de “guaranização” durante a expansão ao sul dos guarani. De fala
guarani, portanto, mas com especificidades que se fizeram notar pelos missionários jesuítas
e pelas populações lusas e espanholas que para a Banda Oriental se dirigiram. Tinham por
hábito ocuparem regiões que margeiam grandes rios e lagos, eram agricultores e
ceramistas. Após essa “guaranização” dos tape pelos guarani, houve um outro processo de
grande influência cultural, política e religiosa em boa parte dos membros dessa etnia. Os
guarani e/ou tape, foram o grupo lingüístico mais atingido pela catequização dos padres da
Companhia de Jesus na América Meridional. Pertenciam a essa etnia a maioria dos
indígenas que viviam nas Missões Orientais e nas estâncias missioneiras dos jesuítas.
Os padres Antônio Ruiz de Montoya e Antônio Sepp, jesuítas missionários na
América, foram, também, cronistas da obra da Companhia de Jesus nessas terras. Seus
relatos Conquista Espiritual Feita pelos Religiosos da Companhia de Jesus nas Provínvias
do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape - Reduções Guaraníticas - Ano de 1639 (Montoya,
1997) e Viagem às Missões Jesuíticas e Trabalhos Apostólicos (1697) (Sepp, 1980) foram
publicados e republicados em português, estando ao acesso dos pesquisadores do tema. As
Cartas Ânuas dos jesuítas das Missões estão na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
adquiridas na coleção de Angelis.
Os tape/guarani e as Missões Jesuíticas são tema constante da produção
historiográfica sulina, seja qual for o período ou o tipo de abordagem. Seja na
historiografia tradicional, da qual cita-se aqui, como exemplo, a belíssima e complexa obra
de Aurélio Porto, História das Missões Orientais do Uruguai (1943), de produções
voltadas à divulgação do tema ao grande público, como, também por exemplo, a obra de
grande qualidade plástica e gráfica Missões Jesuítico-guaranis (Tavares, Nardi F
o
& Dalto,
75
1999). A produção acadêmica também versa sobre os guarani, como no como no trabalho
Historiografia Sul-rio-grandense: o lugar das Missões Jesuítico-guaranis na formação
histórica do Rio Grande do Sul (1819-1975), de Luiz Henrique Torres (1997), que discute
o índio guarani e as Missões na historiografia sulina, ou na investigação histórica
propriamente dita, como em Práticas Letradas Guarani: produção e usos da escrita
indígena (séculos XVII e XVIII), de Eduardo Neumann (2005).
A estes exemplos muitos mais poderiam ser acrescidos, pois não é escasso o
estudo sobre missões, missioneiros e índios guarani. No entanto, não é o objetivo desse
estudo. Fazia-se necessário, entretanto, assinalar essa presença indígena na região,
juntamente com os outros elementos que existiam nesse território quando ainda não existia
nada. Esses elementos se fizeram presentes no dia-a-dia das famílias e tiveram de ser
levados em conta nas estratégias sociais e familiares daqueles que chegaram para construir
a nova localidade de Rio Grande, na beira da Lagoa dos Patos, onde “não havia nada”.
Abreviações usadas neste capítulo
1LBat-RG: Livro Primeiro de Batismos de Rio Grande
4LBat-RG: Livro Quarto de Batismos de Rio Grande
ADPRG: Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
BNP: Biblioteca Nacional de Portugal
Fontes e Referências Bibliográficas usadas neste capítulo
Fontes Primárias Manuscritas
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1
o
de Batismos da Vila do Rio Grande
1738-1753.
76
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 4
o
de Batismos da Vila do Rio Grande
1759-1763. 1759-1763.
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Capítulo 2
O Segredo do Pajé: o nome como um bem
(Continente do Rio Grande de São Pedro, c.1735-c.1777)
O remédio está aqui – tornou a bater na testa. – Está no espírito.
Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera
morre? Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua: a
coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O
filho é a continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto
também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô de um homem que
continuará o espírito de Tibicuera e que portanto, ainda será Tibicuera.
O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz,
que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um
amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim
Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma só”. ("O
Segredo do Pajé" In: As Aventuras de Tibicuera. Verissimo, 1981: p. 22
- em itálico no original.)
I. Eis então um problema
Quando se trata de estudar as populações lusas e suas descendências recorrendo aos
registros documentais, sejam eles laicos ou eclesiásticos, particulares ou oficiais, um dos
maiores complicadores é a presença de homônimos. Tal dificuldade já foi expressa por
Faria (1998), Hameister (2001), Scott (2001), entre outros. Este complicador, em especial,
faz com que a tarefa torne-se, além de mais árdua, mais interessante e — porque não dizer?
— mais divertida, já que para desfazer os nodos em que se amarram os vários fios das
79
vidas do passado, há que se descer aos meandros do dia-a-dia, identificando os sujeitos
históricos nas diversas facetas de sua existência.
Há que conhecê-los intimamente: suas posses; parentescos; seus amores
socialmente aceitos e também os escusos; suas descendências legítimas, naturais e
ilegítimas; suas amizades e seus desafetos; suas bravuras, bravatas e covardias. Conhecer o
conjunto das suas relações, portanto, passa a ser uma pretensão inatingível para quem
deseja escapar das armadilhas montadas pela presença de homônimos, tornando o
pesquisador um “fofoqueiro” dotado de lupa e “todo o tempo do mundo” para esmiuçar as
vidas alheias — e passadas — que estuda. Com muita sorte, como se recebesse a notícia da
chegada de uma vizinha “bem informada” da vida alheia — eufemismo para fofoqueira —,
o historiador recebe notícia de existência um corpus documental por ele desconhecido. Ou
ainda, que houve a abertura de um novo arquivo que contém informações sobre a “sua
gente”, como corriqueiramente chamam seu objeto de estudo, tal a intimidade que essa
procura gera. Esses acréscimos ao seu universo de pesquisa são sempre saudados com
animação e novas “histórias de sua gente” são agregadas às outras, ampliando também o
universo de aspectos a serem estudados na perspectiva — como já dito, inatingível — de
contemplar todas as facetas da vida social. E, nessas fontes que se agregam às já
conhecidas, vai buscar a “sua gente” pelo nome que os identificava.
Na tentativa de investigar a nascente sociedade do Continente do Rio Grande de
São Pedro, denominação dada a uma parcela do atual estado do Rio Grande do Sul no
século XVIII, percebeu-se a existência de um “estoque” de nomes e sobrenomes um tanto
reduzido. Esse universo era, eventualmente, acrescido de alguns “novos”, com origem
toponímica, indígena ou eventualmente pelo ingresso de algum estrangeiro europeu no
contexto sob análise. As combinações resultantes de nomes e sobrenomes também eram,
80
portanto, bastante reduzidas, resultando em legiões de Antônio Rodrigues ou Manuel
Cardoso, matizados por um ou outro Miguel Apoté, Perico Serra ou Thomas Clarque.
Não se pretende aqui resolver o drama dos homônimos — essa sim uma tarefa
inexeqüível. Propõe-se tentar, isso sim, conhecer um pouco mais sobre homônimos, dando
destaque àqueles que se dão entre pais e filhos. A vontade de resistir a esse fato
consumado: os pais davam seu nome aos rebentos, faz com que o historiador anseie pela
Máquina do Tempo de Wells, que o permita retornar ao ato do batismo e renomear toda
uma parcela da população e assim solucionar o seu problema. Entretanto, isso não
soluciona o problema historiográfico cuja existência foi detectada a partir da constatação
da recorrência desse fenômeno e da abrangência geográfica do mesmo: reiteradamente, as
populações lusas transmitiam aos seus novos membros os nomes e os sobrenomes de seu
repertório social e familiar. Não é, portanto, um “azar do historiador” nem um “acaso” para
as pessoas que viveram o passado que ele estuda. É um fenômeno social e como tal deve
ter status de problema historiográfico. A despeito das tentações de fazer vistas grossas
enquanto a tal Máquina do Tempo não é inventada, tentar entender que sorte de
necessidades eram supridas com o “singelo” ato de repassar o nome a um filho, neto,
sobrinho ou afilhado, deve resultar bem mais útil.
Também se tentará introduzir aqui algumas outras questões relativas ao ato de dar o
prenome a uma criança. Ainda que a observação desse fenômeno seja muito pouco
difundida nos estudos sobre a história colonial brasileira, em outras regiões do globo não é
novidade. Isso será visto ao longo do capítulo, inserindo, portanto, as próximas páginas em
uma categoria de estudos sobre as assim chamadas naming practices ou “práticas de
nomeação” que já tomaram muito tempo de pesquisa de historiadores franceses, norte-
americanos, suecos, islandeses, entre outros.
81
Tal sorte de estudo se faz por demais necessária para a metodologia que vem sendo
empregada, baseada na perseguição dos agentes históricos no conjunto de práticas sociais e
relações por eles estabelecidas através de seus nomes próprios, como propõe Carlo
Guinzburg em O nome e o como (1989), ao enunciar o “método onomástico”.
Para dar continuidade a essa busca, observou-se a necessidade de entender também
o ato de nomeação dos indivíduos como uma prática social, passível de estabelecer e de
romper padrões, sujeito às normas sociais vigentes à época e aplicado às crianças ou jovens
e adultos em seu batismo também com algumas intenções. Podem ser elas, por exemplo,
garantir uma proteção mística, como no caso das crianças que recebem o nome dos santos
ou de adventos religiosos consagrados ao seu dia de nascimento ou batismo; perpetuar um
nome que “circula” na família há gerações; introduzir um novo nome repleto de
significados em um estoque antigo de prenomes familiares ou do grupo social; aproximar
os adultos — pais, padrinhos, avós ou outros parentes e amigos — das crianças batizandas
através do repasse de seus nomes. O nome, até então um “incômodo”, uma “pedra no
sapato” dos historiadores da América Portuguesa, deverá ter seu estatuto alterado para
“problema historiográfico”. Enfim, para as páginas que seguem, teremos o nome
caractere pessoal — também como um objeto de estudo e um problema para a
historiografia, indo além da utilidade de um fio guia para a metodologia empregada. O
nome dos agentes sociais perderá, portanto, toda a sua inocência, sendo visto, doravante,
como estratégia social de grupos e famílias no processo de conquista e povoamento do
território meridional da América Lusa.
Com o intuito de abranger tantos aspectos e problemas distintos subjacentes a um
único objeto — o nome próprio das pessoas — será inevitável que alguns casos
apresentados sejam vistos e revistos em diversas partes do texto que se segue, sob óticas
diferentes, mas sempre com o intuito de trazer à tona as intenções e os gestos passíveis de
82
acontecer na sociedade que se estruturava no Extremo-sul do Estado do Brasil, ao longo de
aproximadamente meio século. No entanto, deve-se primeiro passar pela apresentação do
estudo da onomástica, um breve histórico e a algumas pesquisas das quais se tomou
conhecimento.
II. Sobre o estudo da onomástica: o nome
em tempos, locais e culturas diferentes
Abre-se este tópico com uma citação
Sem dúvida, não é supérfluo relembrar que o fato de se
denominar, pura exigência da vida em sociedade, não é um problema
restrito ao Estado civil, que a cada época, a cada civilização, irá
responder à sua maneira e nas formas do caráter jurídico mais ou menos
assegurados. (Pérouas, Barrière, Boutier, Peyronnet et alii., 1984: p. 7)
Aqui, então, nos obrigamos a uma reflexão. Não há, verdadeiramente, sociedade
que prescinda da atribuição de nomes a seus membros. Mesmo que não seja atribuído,
como nas sociedades católicas, num ritual de apresentação e ingresso à sociedade
semelhante ao batismo. Em algum momento da vida, os componentes de um grupo social
tinham e têm um nome atribuído.
Isso remete a uma outra questão, contida na citação abaixo e que também é
pertinente no sentido de rever a importância do nome próprio dos sujeitos e seus usos ao
longo da história, ainda que não se pretenda avançar por demais sobre ela:
o prenome apresenta duas características particularmente interessantes: é
um bem gratuito cujo consumo é obrigatório. Desde então o estudo de
sua difusão é particularmente apto para colocar em evidência, em sua
pureza, a função de identificação e de distinção como pertinentes ao
consumo de bens de moda (Phillipe Basnard apud Dupâquier, 1984: p. 7)
83
Sendo o nome um bem de consumo obrigatório e, ao mesmo tempo, gratuito, se
coloca tanto quanto a existência da família nas sociedades humanas — independentemente
das múltiplas formas e abrangências que possam ter nas sociedades onde existem — como
traço comum e estrutural à maioria elas. O nome existe em todas as sociedades e é
regulado pelas práticas e necessidades da sociedade onde foi atribuído. As práticas de
composição e repasse dos nomes — prenomes ou sobrenomes auto-atribuídos ou recebidos
— variam de local para local, de cultura para cultura, de época para época, mas a
desinência pessoal dos membros de uma sociedade é fenômeno comum a todas elas. É
portanto um traço estrutural da organização social humana e, por isso mesmo, importante
para a compreensão das realidades passadas que tentamos atingir através de metodologias
que se utilizam do nome próprio dos sujeitos históricos.
O estudo da onomástica situa-se na “zona de fronteira” da antropologia, da
sociologia e da história. Nos estudos de história, mesmo que não seja a preocupação
primeira, surge com força na história demográfica, quando confunde e atrapalha a
reconstituição de famílias dada a presença de homônimos e de prenomes repetidos em
função de um estoque limitado e condicionado pelas práticas sociais das populações
estudadas. Surge também quando se identificam por ele as pessoas e as famílias que
migraram, que se desdobraram, que casaram ou batizaram crianças. Alguns estudos de
pesquisadores franceses transferiram a ênfase da história demográfica para a história
cultural, tentando dizer das práticas de repasse e escolha dos prenomes numa dada
sociedade. Aqui, com utilização de trabalhos de pesquisadores dessas áreas, tentar-se-á
também validar a onomástica para estudos da história econômica do século XVIII no
extremo-sul do Estado do Brasil, haja vista a preocupação com fatores considerados extra-
econômicos que denotam uma influência muito grande na consolidação de
84
comportamentos sociais e familiares que visavam ou serviam de instrumento para angariar
ou manter prestígio, cargos e bens materiais.
Houve a necessidade, então, de buscar apoio na literatura existente sobre a
onomástica e dos nomes como objeto de estudo da história social e cultural, para
fundamentar aquilo que foi percebido a partir das fontes paroquiais utilizadas neste estudo.
Essa necessidade se faz sentir quando do cruzamento das informações de lá extraídas com
o restante da documentação.
O ressurgimento do estudo da onomástica na
França e seus resultados
Na primeira metade da década de 1980, na França, verificou-se a publicação de
vários estudos sobre onomástica, fossem eles resultados finais ou parciais de pesquisa com
fontes paroquiais, principalmente. Tais trabalhos foram publicados principalmente em
periódicos; o número 4 do volume 20 do periódico de antropologia L’Homme, do ano de
1980, foi inteiramente dedicado a este assunto, contendo os artigos Le nom de personne, de
Françoise Zonabend (pp. 7-23); Un nom pour soi: le choix du nom de baptême en France
sous l'Ancient Régime (XVIe-XVIIIe siècles), de André Bruguière (pp. 25-42); Le nom
gardé: la dénomination personnelle en Haute-Provence aux XVIIe et XVIIIe siècles, de
Alain Collomp (pp. 43-61); Le nom caché: la dénomination dans le pays bigouden sud, de
Martine Segalen (pp. 63-76); Le nom “refait”: la transmission des prénoms à Florence
(XlV
e
-XV
e
siècles), de Christiane Klapish-Zuber (pp. 77-104) e Le nom de lignée: les
sobriquets dans un village d'Emilie, de Carlo Severi (pp. 105-118), agrupados sob o título
Formes de nomination en Europe. Esses artigos representaram uma significativa retomada
do estudo sobre os nomes e da prenominação na história e na antropologia que, como tal,
também têm sua história, história esta a ser apresentada em publicações posteriores.
85
Como conseqüência dessa retomada, observou-se a concentração da publicação de
resultados parciais e finais de pesquisas em dois livros sobre esse tema, que serviram como
base para a discussão sobre a prenominação em investigações das décadas posteriores. (p.
ex. Forename, family, and society in Southwest France, Sangoï, 1999). Esses dois
trabalhos citam-se aqui em destaque, já que foram fruto de larga pesquisa coletiva em
torno de fontes batismais e registros civis de pessoas. Alguns autores escrevem em ambos.
Não há propriamente uma discussão entre as duas obras, denotando muito mais a
colaboração e o esforço conjunto no sentido de elucidar questões sobre o grande tema
comum aos dois compêndios. São resultados do mesmo empenho de validação do estudo
da prenominação na história social e cultural francesa. Entretanto, um é resultado da
compilação de comunicações em um evento e o outro é fruto de anos de trabalho de uma
equipe de pesquisa que investigou a prenominação para a região francesa de Limousin. São
eles Le Prénom, Mode et Histoire (Dupâquier, Bideau & Ducreux, 1984) e Léonard,
Marie, Jean et les Autres: les prénoms en Limousin depuis um millénaire (Pérouas,
Barrière, Boutier, Peyronnet et alii., 1984).
Baseado em Le Prénome, Mode et Histoire seguirá o breve histórico do estudo da
prenominação, ou naming practices, na França e em outras regiões. Essa publicação traz
também resultados parciais ou finais de algumas pesquisas para populações italianas,
escravos norte-americanos e judeus, entre outros, o que demonstra o crescimento da
penetração do tema e suas abordagens entre historiadores, antropólogos e sociólogos.
Jacques Dupâquier, um dos seus organizadores, já na introdução afirma que o
estudo dos prenomes “retornava à moda”. Estaria, nesse momento, sendo alvo de estudos
de antropólogos, cientistas sociais e historiadores que, de certa maneira, retomavam uma
antiga tradição de pesquisa acerca das origens dos nomes e sobrenomes (Dupâquier, 1984:
p. 4). Relembrando que os registros batismais são, antes de tudo, registros de ingresso à
86
vida cristã, este autor remete ao Concílio de Trento a obrigatoriedade de atribuição de um
nome ao batizando, podendo essa obrigatoriedade, entretanto, ser mais antiga e existir em
sociedades não-católicas. O nome dado ao batizando deveria transmitir qualidades ao seu
portador e, por esse motivo, deveria ser pio e meritório. Ao portador do nome serviria de
inspiração para sua vida — pia e meritória, portanto — devotada e fiel a Deus e seus
mandamentos. Dessa forma, percebe-se que a Igreja Católica via no nome de seus fiéis
algo além da simples designação dos membros da comunidade cristã.
Dos registros batismais e, posteriormente, dos registros civis da França, veio o
material estudado por esses acadêmicos das ciências humanas naquele país. Entretanto,
nem sempre foi assim. Dupâquier fornece o ano de 1681 para a obra mais antiga que se
ocupa do assunto – Traité de l’origine des nomes et des surnoms – e apresenta o estado da
arte da onomástica francesa no que tange ao estudo dos prenomes. Os primeiros trabalhos
teriam como interesse os aspectos litúrgicos da assim chamada prenominação. Não
colocariam, entretanto, questões acerca da preferência de um ou outro nome de santo para
os batizandos, tampouco a ascensão de alguns prenomes, relativa estabilidade de outros e o
descenso de outra sorte de prenomes nas preferências e nos usos. Esse autor destaca o ano
de 1888 como um marco na mudança de ênfase dos trabalhos sobre onomástica, com a
publicação do primeiro ensaio estatístico sobre prenomes, Noms de baptême dans le
cadastre de Burlats, de autoria de L. F. Fierville. Ressalta Dupâquier que este ensaio,
entretanto, limitava-se ao cômputo dos dados e não colocava a questão dos modos de
transmissão e função dos prenomes. Dados coletados, mas com pouca análise.
Como origem dos estudos que levaram ao retorno do interesse pela prenominação,
o autor chama a atenção para uma feliz conjunção de interesses das diversas áreas das
ciências humanas. Fossem os historiadores demográficos, os sociólogos, os antropólogos, a
um dado momento, todas elas lançaram seu olhar aos problemas relativos ao nome próprio.
87
Para os primeiros teria surgido da necessidade de identificação dos titulares das
fichas familiares, necessárias à metodologia da reconstituição de famílias. Para os
segundos o interesse teria surgido a partir da investigação sobre o consumo de bens
simbólicos, sendo o nome, como já citado acima, um bem de consumo obrigatório e
gratuito para as sociedades. Já para os terceiros, teria surgido como investigação de um
traço presente nas sociedades capaz de gerar identidades e identificação, sujeito às escolhas
de cada sociedade, configurando, portanto, padrões sociais que demandavam estudo. A
convergência de interesses, ainda segundo Dupâquier, teria resultado no “retorno” do
prenome à ordem do dia nas investigações acadêmicas.
Seguem-se a essa introdução um conjunto de trabalhos específicos sobre a questão
da prenominação nos quais são feitos desde a apresentação e a crítica das fontes até a
análise dos dados levantados pelas equipes de trabalho. Alguns desses artigos serão citados
nas páginas que seguem e que intentam discorrer sobre a atribuição de prenomes no
Continente, seja pela metodologia aplicada, seja pela comparação dos resultados obtidos lá
e cá.
O segundo livro a ser comentado, Léonard, Marie, Jean et les Autres — frisando
aqui que ambas as publicações são contemporâneas e inseridas em um mesmo movimento,
sem atribuir primazia a um ou a outro — faz também, em sua introdução, uma análise
sobre o estudo da prenominação na França. Sem menosprezar o conteúdo da obra como um
todo, chama-se atenção para o estabelecimento daquilo que ficou conhecido a partir desse
ressurgimento da onomástica na França, como o padrão clássico de prenominação. Esse
padrão, que deu mostras de seu surgimento em finais da Idade Média, atravessou a Idade
Moderna, dando a ver a existência de uma grande alteração nessa continuidade de longa
duração, após a Revolução Francesa, quando se inicia, de fato, o padrão contemporâneo de
prenominação neste país. Uma alegada crescente “descristianização” da sociedade que se
88
iniciara ao final do século XVIII teria modificado-lhe o padrão. Segundo os autores — e
não lhes faltam fontes substanciosas em seu estudo de grande fôlego —, esse padrão dito
clássico apresenta como recorrência uma predominância do repasse dos prenomes dos
padrinhos aos afilhados, a despeito de muitas variantes que vão desde o crescimento da
utilização de prenomes compostos até a adoção em larga escala de prenomes que pouca ou
nenhuma relação apresentavam com o repertório familiar, local ou regional, como a
inclusão de nomes de santos de devoção, reis ou eventos religiosos ou políticos. Os
capítulos segundo e terceiro da referida obra são de particular importância para o trabalho
que aqui se apresenta.
São eles Naissence et développement de’un modèle (Pérouas, Barrière, Boutier,
Peyronnet et alii., 1984: pp. 21-117), no qual os autores, com a utilização das fontes de
registros de batismo, apresentam esse modelo de grande longevidade, caracterizado, por
um lado, pela imposição ou aconselhamento clerical para que aos batizandos fosse dado
um nome de santo ou santa, e por outro, a presença de prenomes tradicionais que
antecediam à larga penetração do cristianismo no território francês. Mescla das regras
cristãs com as práticas germânicas de prenominação, mesmo os nomes de santos
canonizados que eram nativos da região — e portanto detentores de nomes germânicos —
tiveram sua importância. Isso talvez indicasse uma “mestiçagem” entre a forma
anteriormente adotada e a nova forma que era imposta pela Igreja católica.
Observou-se que mesmo nos nomes cristãos houve uma lenta modificação nas
preferências. Primeiramente os nomes do velho testamento e dos primeiros apóstolos
foram cedendo lugar aos nomes da família de cristo e estes, posteriormente, dando lugar
aos nomes de santos. Segundo os autores, essa lenta transformação seria imperceptível
num estudo de um período mais curto. Entretanto, os cerca de mil e quinhentos anos de
registros nominais analisados para a região permitiram essa observação. Isso demonstrou
89
que o fenômeno que era considerado uma “prisão da longa duração”, que se apercebe
desde fins da Idade Média, não era estático nem imune às transformações. Com certeza,
sofreu modificações e essas foram cumulativas, chegando a um ponto no qual um novo
modelo de prenominação impôs-se nessa sociedade, em todo o seu vigor nos séculos XVII
e XVIII. Os autores vão associar essas mudanças mais radicais nos padrões de
prenominação às profundas transformações sociais ocorridas na França.
Em contrapartida, no capítulo seguinte La lente dégradation de un modèle
(Pérouas, Barrière, Boutier, Peyronnet et alii., 1984: pp. 119-172), os autores demonstram
as modificações sofridas por esse padrão secular, ao qual chamam de modelo clássico. Ao
final do século XVIII foi detectado o início de novo modelo que se tornaria predominante
após a Revolução Francesa. O nome próprio dos sujeitos históricos passaria a ser um
identificador e individualizador nessa sociedade. Em meados do século XIX, esse novo
modelo que já dava mostras de sua existência em finais do século XVIII e que ganhou
impulso com as transformações sociais decorrentes da Revolução Francesa, passaria a
predominar sobre os demais existentes, impondo-se sobre os resquícios do modelo que por
tão longo tempo vigorara.
Segundo os autores, somente na longa duração é perceptível a ruptura desse modelo
que, se não é milenar, é quase. Entretanto, ao perceber modismos na atribuição e uso de
prenomes, ou seja, perceber sutilezas que não ferem o padrão geral e longevo, os autores se
dizem aptos a uma análise mais abrangente da própria sociedade. Percebem alterações no
modo de pensar dessa sociedade. Tomando de empréstimo problemas da antropologia,
passam a observar a prenominação como uma forma de classificação social. Pessoas eram
incluídas ou excluídas de grupos sociais através do nome que lhes fora atribuído ou do qual
se apropriaram no decorrer da vida. Alguns prenomes acusam origens remotas das
famílias, bem como alianças com outros grupos sociais, étnicos ou familiares. Percebem os
90
autores o ingresso de imigrantes nas sociedades estudadas se refletindo em acréscimos de
novos prenomes ao repertório já existente. Perceberam também que, com o declínio ou
ascensão de um prenome que ocupava uma posição mais ou menos estável no ranking de
ocorrências, poderiam estar associados a modificações ou transformações importantes nos
usos, nos costumes, na organização social, política e religiosa dessas comunidades.
Para além da França
O impulso ao estudo da onomástica advindo da França encontrou eco em outros
países. Trabalhos que têm a onomástica como preocupação central ou tangencial surgiram
em muitos locais. Citam-se, a título de exemplo, os artigos Naming Practices in West
Ireland (Breen, 1982), The Naming, Kinship, and Estate Dispersal: Notes on Slave Family
Life on a South Carolina Plantation, 1786-1833 (Cody, 1982b), There Was No "Absalom"
on de Ball Plantations: Slave-Naming Practices in the South Carolina Low Country, 1720-
1865 (Cody, 1987), Slave Names and Naming in Barbados, 1650-1830 (Handler & Jacoby,
1996), Naming practices and the importance of kinship networks in early nineteenth-
century iceland (Gardarsdóttir, 1999), Why Did You Change Your Nname? Name
Changing Patterns and the Life Course in Early Modern Japan (Nagata, 1999)
Godparents, witnesses, and social class in mid-nineteenth century sweden (Ericsson,
2000), Women and men as godparents in an early modern swedish town (Fagerlund, 2000),
Cementing alliances? witnesses to marriage and baptism in early nineteenth-century
iceland (Gunnlaugsson & Guttormsson, 2000) entre outros tantos.
Alguns desses estudos, como o de Breen (1982), buscam ver no nome e nas
alcunhas dadas às pessoas de uma comunidade uma forma de classificação social. Outros,
enfatizam que para além de uma classificação social há a inserção em um grupo existente e
a construção ou afirmação de alianças entre grupos e famílias (p. ex. Cody, 1982b;
91
Gardarsdóttir, 1999). A investigação da prenominação entre os escravos norte-americanos
aparece como preocupação central no trabalho de Cherryll Ann Cody (1982b; 1982a;
1987). Para o Continente do Rio Grande de São Pedro, se buscará demonstrar que a
atribuição de um nome ou alcunha não apenas agia como forma de classificação social
como também serviu como uma forma de qualificação social.
O grande número de estudos sobre a onomástica e prenominação para diferentes
populações, períodos e com diferentes ênfases denota, acima de tudo, a contribuição que
sua investigação pode dar à investigação histórica.
A prenominação ou naming
practices em alguns estudos atuais
sobre o Brasil
A despeito da pouca importância dada à questão da atribuição, construção, e
repasse de nomes em famílias e comunidades pela historiografia brasileira, não são poucos
os estudos que indicam haver na investigação onomástica um bom campo de pesquisa. Na
historiografia tradicional, em sua maioria, ensaios e escritos que se ocupam do tema estão
restritos às contribuições para as investigações de genealogias e não ultrapassam os limites
da constatação. Não estão preocupados com a análise das práticas de prenominação nas
populações e famílias que estudam, apesar de indicarem, às vezes com algum destaque, os
familiares que receberam os nomes de seus ancestrais.
O repasse, a atribuição e a construção de prenomes também aparecem nas
investigações antropológicas que tem grupos brasileiros como objeto de estudo, citando-se
aqui o artigo Nomes Secretos e Riqueza Visível: nominação no noroeste amazônico de
Hugh-Jones (2002). Nesse artigo, o autor estuda o sistema de prenominação entre os índios
Tukano, concluindo pela existência de práticas sociais e religiosas que fornecem toda uma
92
simbologia secreta aos prenomes atribuídos em rituais de iniciação e dos grupos de
iniciados que, também secretamente, incorporam qualidades dos animais ou eventos
evocados nos vários prenomes do repertório que utilizam e atribuem. Seus nomes secretos,
e não os seus nomes revelados — ou públicos — indicariam sua posição na sociedade.
Entretanto, isso não significa que a antropologia seja a única área das ciências
humanas que voltou seus olhos para os problemas que envolvem a prenominação, ou que
essa preocupação esteja ausente dos trabalhos dos historiadores brasileiros. Pelo contrário.
Algumas obras publicadas e pesquisas dedicam-se ao assunto, ainda que nem sempre
sejam os problemas que envolvem a onomástica a sua preocupação central.
Em O Nome e o Sangue, Evaldo Cabral de Mello percebe a repetição dos prenomes
no interior de famílias bem como a existência de homônimos servindo como empecilho às
mercês ou seu uso estratégico no sentido de confundir os investigadores (Mello, 2000).
Uma década antes, o repasse dos nomes entre famílias escravas já havia sido preocupação
de Ana Maria Lugão Rios, em seu estudo sobre famílias escravas do Paraíba do Sul
cafeeiro (Rios, 1990). Esta autora constatou uma transmissão reiterada dos prenomes
nessas famílias, constituindo um modelo de prenominação para os cativos da região nos
quais os nomes dos avós repetiam-se nos netos, fossem exatamente iguais, fossem
flexionados conforme o gênero. A autora retornou ao assunto em ao menos outras duas
obras: The politics of kinship: ‘Compadrio’ Among Slaves in Nineteenth-Century Brazil
(Rios, 2000) e Memórias do Cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição
(Rios & Mattos, 2005).
As pesquisas de Sérgio Luiz Ferreira (2005b; 2005a) para uma população de
origem açoriana em Santa Catarina também remeteram à questão da transmissão e uso de
prenomes e sobrenomes, resultando em dois artigos de publicação eletrônica. Em A
utilização de prenomes: uma comparação entre uma freguesia do Sul do Brasil e uma
93
freguesia açoriana, o autor aponta para um “abrasileiramento” na utilização de prenomes
nas freguesias estudadas, em detrimento do modelo de prenominação predominante nos
Açores, segundo dados de artigo de Maria Norberta Amorim. Em suma, observa uma
mudança no tempo curto no território luso-americano, ao contrário da lenta transformação
dos modelos observadas na França. Entretanto, convém frisar que o período observado
pelo autor (1781-1922) contempla justamente o período em que os autores franceses
acusam a grande modificação no modelo clássico de prenominação da Idade Moderna, que
daria lugar ao modelo que vigoraria para o período pós Revolução Francesa. Talvez o
acaso tenha levado à conclusão de uma rápida transformação exatamente por serem
analisadas as décadas da decadência de um modelo e a afirmação de outro. Talvez esses
modelos de prenominação percebidos na França também sejam válidos para o contexto da
América Portuguesa, ou ao menos nela encontrem seus correlatos, assim como a sua
periodização. Entretanto, para uma afirmativa ou rechaço, há que ser empreendido um
estudo comparativo entre os padrões que vigoravam no Estado do Brasil e os apresentados
pelos pesquisadores europeus.
Em Transmissão de sobrenomes entre luso-brasileiros: uma questão de classe,
Sérgio Luiz Ferreira (2005a) busca traçar alguns padrões para a transmissão de sobrenomes
no interior das famílias nessas freguesias de origem açoriana. Durante o período observado
as comunidades receberam o ingresso de imigrantes de origem italiana e alemã, entre
outras. O autor observa trocas e abandonos de sobrenomes, geração de sobrenomes
compostos, adoção de sobrenomes cujas origens não podem ser identificadas e o hábito de
imigrantes “aportuguesarem” seus sobrenomes, como por exemplo o sobrenome italiano
Marchese que, tornado Marquese, por último torna-se Marques. Observa também a prática
de estrangeiros adotarem sobrenomes luso-brasileiros, abandonando por completo os
anteriores. Muitas das práticas observadas por Ferreira também se evidenciam no
94
Continente do Rio Grande de São Pedro, como por exemplo a adoção do prenome ou
sobrenome do padrinho de batismo ou da localidade de origem da família na Península
Ibérica ou nas Ilhas dos Açores. Essas práticas serão melhor comentadas adiante.
Mais recentemente, teve-se conhecimento da investigação integrante da pesquisa
para dissertação de mestrado de Rodrigo de Azevedo Weimer, Nominação e identificação
de ex-escravos através de processos criminais: São Francisco de Paula, RS, 1880-1900,
no qual o autor vê nos nomes e alcunhas dos ex-escravos formas de classificação social
que podem expressar a proximidade ou o distanciamento do cativeiro (Weimer, 2005)
É muito provável que existam ainda outros estudos, que não foram encontrado nos
levantamentos feitos para esse trabalho, pois é perceptível que a preocupação com a
atribuição de nomes, a sua transmissão e demais práticas a elas subjacentes vem crescendo
nas pesquisas históricas. Esse capítulo pretende, então, acrescentar uma contribuição às
investigações acerca da onomástica no Brasil e em especial, do período colonial.
Nesse estudo, centrado no Continente do Rio Grande de São Pedro de um modo
geral e na Vila do Rio Grande de um modo específico, pretende-se apresentar algumas
práticas de prenominação bem como suas análises, com o intuito de melhor explicar as
estratégias sociais e familiares a elas correlatas. Há que se ter sempre em mente que essa é
uma sociedade formada sob os auspícios da religião católica, que as normas vigentes para a
atribuição de prenomes deveria respeitar os preceitos da Igreja e que mesmo as práticas
que escapavam a esta normatização estavam vinculadas ao ritual católico, uma vez que o
prenome é uma das graças que uma pessoa que adentra ao mundo da cristandade recebe no
momento do batismo.
No ato do batismo, ritual católico — e estamos a falar de uma sociedade erigida sob
a égide do catolicismo romano — geralmente se nomeavam as crianças e, eventualmente,
os adultos pagãos ou os infiéis conversos. Orientam as Constituições Primeiras do
95
Arcebispado da Bahia como proceder no ritual do batismo (Da Vide, 1707, Livro I, Títulos
X-XX. ), em consonância com o disposto pelo Concílio Tridentino. Aos padrinhos,
segundo as Constituições Primeiras, competiria atribuição do nome ao batizando.
Impossível dizer se esta disposição era seguida à risca, se pais e padrinhos entravam em
acordo, ou ainda se o padrinho “oficializava” um prenome escolhido pelos pais. Entretanto,
as Constituições Primeiras faziam a especial recomendação de que fossem atribuídos
nomes cristãos ou de santos e que o nome de santos não beatificados ou canonizados
fossem vetados pelos padres que ministravam o sacramento (Da Vide, 1707, Livro I, Título
XII. ), também em conformidade com o Concílio de Trento. O prenome podia ser
modificado no decorrer da vida, ficando, para a sociedade católica do século XVIII, o
momento da crisma — confirmação do batismo — como sendo propício a esta mudança.
Também isso está disposto e regulamentado pelas Constituições Primeiras, conforme o
texto abaixo transcrito:
[A Confirmação do Batismo] quem o receber poderá mudar o nome que
se lhe pôs no batismo, ainda que seja de Santo. (...) E sucedendo mudar
algum dos crismados o nome que lhe foi posto no Batismo, o Pároco o
declare assim, dizendo: N. que até agora se chamava N. filho de N. e N. E
também se fará a mesma declaração da mudança do nome à margem do
assento de seu Batismo, se o houver no livro dos batizados de tal Igreja
(Da Vide, 1707, Título XXV).
Foram encontradas mudanças de nome nos documentos consultados, sem que
tenham sido encontradas as anotações à margem dos livros batismais recomendadas nos
registros batismais. Essa mudança de prenome, que em ao menos uma circunstância era
permitida e sacramentada, traz à tona mais uma das dificuldades em seguir-se os agentes
sociais por seu nome próprio. Outras circunstâncias de mudança de prenome e sobrenome
foram percebidas sem que haja o registro que a oficialize. Essas mudanças, escolhas
pessoais, familiares ou sociais também serão melhor comentadas adiante.
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III. A hora e o lugar
No período sob estudo, a porção da Colônia representada pelo Continente do Rio
Grande de São Pedro era uma área de ocupação recente. Era o Continente um território
novo para o povoamento, ainda que um tanto mais antigo quanto à exploração dos seus
recursos. As miríades de gados que se multiplicaram aos campos a partir dos rebanhos
iniciais introduzidos pelos jesuítas foram explorados por gente oriunda da Colônia do
Sacramento e da Vila da Laguna, que os alçavam sem que tivessem intenção imediata de
promover o povoamento e fundação de núcleos populacionais. Com os ataques à Colônia
do Sacramento promovidos pelos espanhóis em meados da década de 1730 e o
desdobramento da migração primeira das famílias paulistas que fundaram a Laguna em
direção ao sul, a fixação de povoadores teve início.
Justamente por ser novo e por ter o imenso tesouro em animais a ser explorado, o
Continente do Rio Grande de São Pedro foi um pólo atrativo de populações na primeira
metade do século XVIII.
Assim, por vezes em movimentos mais lentos, por vezes em grandes levas
migratórias, homens, mulheres e crianças foram chegando ao Continente. Alguns grupos
são então claramente identificáveis: os soldados enviados por Sua Majestade; os casais de
açorianos transmigrados das ilhas; os “paulistas” que tinham, por seu modo de vida e
sistema de heranças, a necessidade de migrar para áreas longínquas, abrindo fronteiras
(Metcalf, 1983); os indígenas — principalmente de etnia guarani e minuano — que já
habitavam o território, os condutores e os comerciantes dos gados e outras atividades
correlatas e os escravos, trazidos ou adquiridos por qualquer um desses outros grupos.
Todos os que chegavam eram bem-vindos, no intuito de “dar calor” à povoação, expressão
que consta em alguns documentos de época.
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Migrados em famílias ou isoladamente, viriam a formar a sociedade que se
esboçava. Sendo, portanto, a ocupação recente e tão heterogênea, estes novos habitantes
deviam tomar algumas medidas para forjar seus modos de identificação e de pertencimento
aos grupos que promoviam o povoamento. Claro ficou, desde cedo, que no isolamento
nada prosperaria nessa terra, avassalada pelo frio e pelo vento polar, no inverno; pelos
insetos e pelo calor, no verão; e a todo tempo pelas investidas de indígenas e,
principalmente, de espanhóis.
IV. Os nomes e as origens
Um dos modos de forjar e estabelecer uma relação de pertencimento ao grupo, ao
lugar ou à família, parece passar pela escolha do nome das crianças. Ao que tudo indica,
este processo se dava em duas fases. A primeira, na pia batismal, no ato de escolher o
prenome do rebento. Os livros de batismo consultados raramente registram nome e
sobrenome ou dois prenomes (ADPRG, 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG,
1738-1763; ADPRG, 1LBat-Estreito, 1763-1776). Segundo o ritual católico, sob
orientação dos dispositivos das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (Da
Vide, 1707), o padrinho — responsável pela criança ante Deus — propiciaria um prenome
ao recém-nascido e renunciaria ao demônio em seu nome. Assim registraram-se os
Franciscos, as Marias, os Antônios e as Luzias.
Somente num segundo momento, no avançar da vida dessa criança, conforme pôde-
se observar, seria agregado um sobrenome, não necessariamente o dos pais, podendo ser
também o dos avós, de algum parente mais distante ou, em alguns casos, sobrenomes cuja
origem não pôde ser percebida ao longo da pesquisa, talvez remetendo aos padrinhos ou a
alguma forma de homenagem a pessoas próximas, poderosas ou queridas da família. Podia
também ser trocado o nome ou o sobrenome em alguma altura da vida. Aparentemente, a
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escolha destes nomes e sobrenomes ocorria de maneira caótica aos olhos desse século XXI.
Entretanto, ainda que não houvesse necessariamente uma norma clara, redigida e
formalizada para sua adoção, estas escolhas deveriam estar submetidas a uma lógica e a
uma intenção que nos escapa em sua totalidade, que não podemos alcançar de modo
completo. Quando muito, podemos esboçar, a partir de certas recorrências e do
acompanhamento de alguns casos, um contorno muito tênue para essa lógica dos que
viveram o século XVIII.
Muitas vezes o local do nascimento era agregado ao nome ou surgia substituindo
um sobrenome pré-existente. Tais parecem ser os casos de Custódio Ferreira de Oliveira
Guimarães, filho de Domingos Ferreira Oliveira e Isabel Ferreira, natural da Vila de
Guimarães, em Portugal (AHCMPA - Autos Matrimoniais de Custódio Ferreira de
Oliveira Guimarães e Desidéria Maria Bandeira, 1763), e de Antônio Alves Chaves, filho
de Domingos Pires e Catarina Dias, nascido na Vila de Chaves, também em Portugal
(Carvalho, 1975: p. 134).
Às mulheres, mais do que o sobrenome, era agregado o nome de um santo ou de
algum advento religioso, como “de Santo Antônio”, “da Anunciação”, “do Espírito Santo”
ou “do Sacramento”. Bem mais comum do que portar um sobrenome, as mulheres
ostentavam um segundo prenome, dando origem às “Gertrudes Marias”, “Inocências
Antônias” e “Joaquinas Rosas” (AHCMPA - Róis dos Confessados de Viamão 1751, 1776,
1778 1751b; AHCMPA - Treslado do Rol dos Confessados de Triunfo, 1758).
Ficou claro existir uma flexibilidade maior nos registros dos nomes femininos
efetuados pelos párocos e autoridades do que nos masculinos. Isso é muito evidente no
caso de algumas mulheres. A mulher de Antônio José Pinto no Rol dos Confessados de
Viamão de 1776 foi registrada como Felícia Maria; dois anos depois surgiu como Feliciana
(AHCMPA, Rol dos Confessados de Viamão, 1778), e na Relação dos Moradores de
99
Viamão de 1784, após a morte de seu marido, seu nome é escrito como Felícia Antônia de
Oliveira (AHRGS, cód. F1198 A e B, 1784). Essa foi a primeira vez, em arrolamentos
populacionais, que tal senhora surgiu com um sobrenome agregado, talvez denotando a
nova posição de chefe de uma família ou de um domicílio, após o passamento de seu
marido. Uma outra prática curiosa da época que também se deixa perceber é que o
sobrenome de uma mulher flexionava de acordo com o gênero. Tem-se como exemplo
Francisca Velosa (AHCMPA, Registro de batismo de Manuel, 12/08/1758, 1LBat-Viamão,
1747-1759) e Domingas Ferreira Pinta (ADPRG, 3LBat-RG Registro de batismo de Inácia,
16/04/1759, 1738-1763). Muitos outros exemplos poderiam ser dados aqui, pois registros
dessa natureza não faltam.
Os escravos, por sua vez, possuíam um nome de batismo apenas, salvo exceções.
Tem-se exemplo dessas exceções em Inácio da Silva e Antônia da Costa, escravos de
Manuel Francisco e padrinhos do menino Inácio, escravo de Manuel Pereira (Domingues,
1981: p.1), e Teodoro Ferreira, escravo de Francisco Pereira Gomes (AHCMPA, 1LBat-
Viamão, 26/07/1749, 1747-1759). Uma interessante exceção é o casal Inácio de Aranda e
Luzia de Aranda, escravos casados de Antônio de Aranda, que detêm o sobrenome de seu
proprietário (ADPRG - Registro de Batismo de Catarina, 09/04/1756, 1LBatRG, 1754-
1757). Para a Vila do Rio Grande não era o mais comum. Mas não era exceção se pensado
em termos de Colônia. O pesquisador Donald Ramos, ao estudar uma paróquia mineira,
acompanhou a trajetória à pia batismal de um homem importante e seus escravos.
Verificou que os escravos que ali mais compareciam na situação de padrinhos tinham um
dos sobrenomes de seu senhor (Ramos, 2004).
O sobrenome aparece com freqüência maior, todavia, para os pardos e/ou forros
(ADPRG, 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763; AHCMPA, Autos
Matrimoniais, 1756-1769; ADPRG- 1LBat-Estreito, 1763-1776; AHCMPA - 1LBat-
100
Viamão, 2LBat-Viamão, 1747-1765, Kühn & Neumann, prelo). Ao que tudo indica,
assumir o sobrenome de quem lhe fora dono ou construir um com sua vivência também
podia marcar o ingresso no mundo da liberdade. Essa sim, a mais drástica mudança
possível nessa sociedade: deixar de ser propriedade de outrem para ser seu próprio senhor.
A constituição de uma família de acordo com os mandamentos da Santa Madre Igreja
também favorecia a aquisição de um sobrenome, como no exemplo do casal de Aranda, no
qual marido e mulher, casados legalmente, possuíam sobrenome. Junto com a família ou
com a liberdade, deter a posse de um nome por completo dava a possibilidade de construir
sua vivência familiar ou em liberdade, este bem, este patrimônio, muitas vezes hereditário.
Mesmo o mais pobre dos homens, o forro e o escravo, poderiam ter um bem a legar à sua
descendência.
Parece ter sido usual eleger um dos sobrenomes em detrimento do outro. Cristóvão
Pereira de Abreu, natural de Ponte de Lima, arcebispado de Braga (ACMRJ - Registro de
Casamento de Cristóvão Pereira de Abreu e Clara Amorim, Candelária, 1708) é
constantemente referido nos registros documentais como Cristóvão Pereira, apenas. Jamais
se encontrou alusão, na documentação lusa ou castelhana consultada, a qualquer referência
a Cristóvão de Abreu. Nuno Gonçalo Monteiro observa que, para a alta nobreza lusa:
Como já foi salientado, não existiam regras para a constituição
dos apelidos. Em geral, o apelido mais importante era o primeiro que os
senhores das casas utilizavam depois do nome ou nomes próprios,
normalmente acrescidos de todos os correspondentes aos diversos
morgados por eles administrados. (Monteiro, 1998: pp. 88-89)
Entre irmãos não é difícil encontrar sobrenomes díspares para filhos do mesmo
casal, divergindo, também, para as mulheres em uma mesma família. Incomum, para
muitas famílias, é encontrar toda a prole com um mesmo sobrenome, como exemplificado
nas filhas de Antônio Furtado de Mendonça e Isabel da Silveira, oriundos da Ilha do Faial.
101
As cinco moças adotavam o sobrenome da Silveira, herdado de sua mãe Isabel. Sobre isso,
também para a alta nobreza lusa, diz Monteiro:
Os filhos segundos podiam usar apelidos diversos dos do
primogênito, mesmo se passando com as filhas, que tomavam muitas
vezes o primeiro apelido da mãe, da avó paterna etc. Os casos de uso
do(s) mesmo(s) apelido(s) pela prole numerosa do mesmo casamento de
um Grande são, até um período tardio, relativamente raros. (Monteiro,
1998: pp. 89-90).
Isso também foi verificado nas práticas onomásticas do Continente do Rio Grande
de São Pedro, onde o sobrenome mais comumente utilizado é o que vinha imediatamente
após o prenome ou prenomes. Importante salientar que, sendo essa a utilização dos
sobrenomes pelas famílias de mais alta nobreza nas casas dos Grandes de Portugal, de
alguma forma a prática se alastrou para o restante da sociedade, fazendo com que
campônios do Continente do Rio Grande de São Pedro, vindos das mais distintas porções
do Império, também a usassem ao atribuir um sobrenome à sua descendência. Faz valer a
citação que Monteiro faz da sociedade lusa satirizada pelo Cavaleiro de Oliveira:
Não há um único apelido em Portugal que não pertença,
simultaneamente, à fidalguia mais estreme e à gentalha mais baixa.
(Recreação Periódica, apud Monteiro, 1998: p. 90)
Inútil, portanto, buscar uma fórmula de composição dos sobrenomes pois, acima de
qualquer regra que pudesse haver, os valores de uma sociedade de Antigo Regime se
faziam ver na sua atribuição e no seu uso. Os primogênitos usavam os sobrenomes mais
importantes. Os sobrenomes materno e paterno podiam ser alternados, ter uma ordem
“inversa” aos padrões de hoje, se o sobrenome materno importasse mais qualidade que o
paterno. Sobrenomes atávicos poderiam ser usados sem nenhum constrangimento,
provavelmente também dando a devida importância à qualidade da família dos avós. Ao se
estudar, então, a transmissão de sobrenomes nessa sociedade, deve-se abdicar de qualquer
102
pretensão a uma lógica matemática de combinações entre lado materno e paterno e ater-se
aos valores dessa própria sociedade. Disso pode resultar, inclusive, a identificação de linha
de descendência, seja ela materna ou paterna, como detentora de mais qualidade, de mais
prestígio e/ou posses do que a outra.
Na vida cotidiana do Continente, o segundo sobrenome, ao que parece, era muito
mais usado para discernir dois homônimos não aparentados que coexistiam na mesma
localidade. Assim, Francisco Pinto, filho de Francisco Pinto e natural da Ilha de São
Miguel, não era confundido com Francisco Pinto Bandeira, natural da Vila da Laguna,
durante o tempo no qual viveram na jurisdição da igreja da Vila do Rio Grande (ADPRG -
1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763), ainda que, em muitos
documentos que colocam as patentes militares, propriedades ou mercês, o sobrenome
Bandeira desse Francisco Pinto pudesse ser omitido (Biblioteca Riograndense, 1937).
Várias outras observações poderiam ser feitas acerca das opções no ato de dar o
nome ou no ato de eleger um nome para passar a identificar-se. Entretanto, não são esses
os propósitos dessas páginas. Antes, pretende-se chamar a atenção para alguns aspectos de
dois dos problemas recorrentes ao longo da pesquisa: discernir pai e filho homônimos na
documentação consultada e entender um pouco da dinâmica que cerca o nome nessa
fronteira colonial, esboçando algumas idéias acerca de sua construção e seus usos.
IV. De pai para filho
José da Silveira Bitencourt tinha um filho com o mesmo nome. Ambos eram
açorianos da Ilha do Faial. Na década de 1750, produziam muares e estavam envolvidos
nos negócios que cercam o comércio de gados vacuns, cavalares e muares e os contratos
dos direitos das passagens dos animais, cobrados sobre os rebanhos deslocados para além
do Continente do Rio Grande de São Pedro. Em algum momento de suas vidas, ambos
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possuíram patentes militares concomitantemente: o pai era capitão e o filho alferes. Nesse
ponto, houve certa facilidade em discerni-los, até porque estando o filho servindo sob o
comando do pai, na mesma companhia estabelecida na Vila do Rio Grande, alguns
registros acerca das ordens dadas ou de suas atividades nas tropas, diferenciam o filho com
a desinência “o moço”, quando não é citada a patente. Não foi notada essa separação em
outra sorte de documentação ou mesmo em período posterior.
Todavia, a alegria de poder discerni-los durou pouco. O pai pediu sua baixa dos
exércitos e a patente de capitão foi passada do pai para o filho, com homologação de
Gomes Freire de Andrade (RAPM XXIII, 1929: pp. 571-572). O José da Silveira
Bitencourt, pai, nunca deixou de ser referido como capitão, usufruindo, ainda que
desligado das tropas, do prestígio associado à patente. O José da Silveira Bitencourt, filho,
passou também a ser chamado de capitão, usufruindo, por sua vez, de uma benesse real que
já estava vinculada a sua família há uma geração. Desse ponto em diante, a menos que
fosse citado o nome da esposa ou a idade do José da Silveira Bitencourt em questão, o que
raramente surgiu nos registros consultados, tornou-se praticamente impossível diferenciá-
los.
Algo análogo se deu com dois Domingos Gomes Ribeiro, pai e filho. Ambos
serviram aos exércitos de Sua Majestade. Como quase todos os maiorais do Continente,
estavam também envolvidos nos negócios de rebanhos e outras atividades correlatas
(AAHRS, v. 1, 1977: p. 318). Possuíam escravaria (Queiroz, 1987: p. 98) e foram
proprietários de sesmarias tanto próximas à Vila do Rio Grande como nos Campos de
Viamão (RAPM, XXIII, 1929: pp. 474-475; RAPM, XXIV, 1933: pp. 248-250).
No caso dos Gomes Ribeiro, obter a exata datação dos documentos a serem
utilizados na pesquisa tornou-se essencial. As características de pai e filho eram tão
semelhantes que só se tem certeza de ser o filho agindo, e não o pai, quando isto se dá após
104
o óbito do genitor, que “morreu de tiro que lhe deram no passar do Arroio do Curral do
Fiúza” (Domingues, 1990: pp. 111-112), ou quando está expressa a filiação. Esta
geralmente foi observada em alguns registros de batismos, principalmente quando a
madrinha era Dona Antônia de Morais Garcês que, sendo a segunda esposa de Domingos
Gomes Ribeiro, pai, várias vezes formou par à pia batismal com o enteado homônimo de
seu marido, como no exemplo que abaixo segue:
Violante filha legítima de Gregório Gonçalves natural da
freguesia de Santa Catarina de Castelo branco da Ilha do Faial e de sua
mulher Josefa Maria natural da freguesia de Santa Bárbara dos Cedros
da dita Ilha (...). Foram Padrinhos Domingos Gomes Ribeiro solteiro
filho do Sargento Mor Domingos Gomes Ribeiro, e Dona Antônia
de Morais Garcês mulher do dito Sargento Mor (ADPRG - 4LBat-
RG, Assento do batismo de Violante, filha de Gragório Gonçalves e
Josefa Maria, 01/11/1760. 1759-1763 - grifo meu)
Não ocorrendo esse tipo de diferenciação, só se pode afirmar ser pai ou filho
quando o jovem ainda não tinha idade suficiente para envolver-se nos eventos em questão
ou por já estar morto o pai. Em boa parte dos casos em que agiu um dos dois Domingos
Gomes Ribeiro pairam dúvidas acerca de qual deles foi o agente. Como será visto mais
adiante, essa dúvida, por vezes, não chega a ser nociva, já que os atos podem ser
compreendidos como um ações familiares e não pessoais ou “individuais”.
Outros exemplos poderiam ser trazidos para ilustrar a questão que se coloca. No
Continente do Rio Grande de São Pedro ou na Vila da Laguna, ponto de origem de alguns
de seus primeiros povoadores, existiram alguns tantos pais e filhos homônimos e que são
com freqüência encontrados nos registros documentais. Assim se passa com homens
oriundos também de outras regiões da Colônia e da própria península. Alguns estavam só
de passagem, mas deixaram suas marcas na constituição de uma sociedade nas terras
meridionais. Com suas vidas associadas ao povoamento sulino, existiram como pais e
filhos, entre outros, dois João de Magalhães, um nascido em Portugal e outro na Vila da
105
Laguna (AHCMPA - 1LBat-Viamão, 1747-1759Kühn & Neumann, prelo); dois Francisco
de Brito Peixoto, paulistas que passaram à Laguna, um deles, posteriormente indo morar
em Viamão (Cabral, 1976: p. 60); dois José Fernandes Pinto Alpoim, ambos portugueses
da península, ao que consta (RAPM, XXIV, 1933: p. 99), e dois José Francisco, que
viviam na Laguna e estavam engajados na expedição de Demarcação dos Limites do
Tratado de Madri (RAPM, XXIII, 1929: pp. 441, 439; RAPM, XXIV, 1933: pp. 60, 99).
De Sorocaba, dois Manuel dos Santos Robalo tiveram terras e membros da família no
Continente (AHCMPA - Rol dos Confessados de Viamão - 1751a; AHCMPA - Autos
Matrimoniais de Manuel dos Santos Robalo e Ana Porciúncula, 1761)
Quanto a Manuel Antunes da Porciúncula existiram, no mínimo, quatro em
descendência direta: pai, filho, neto e bisneto, sem contar demais parentes que
compartilhavam do mesmo nome (Rheingantz, Título João Antunes da Porciúncula. 1979:
pp. 12-29). Por deslizes em uma investigação ou mesmo por superficialidade, Manuel
Antunes da Porciúncula poderia receber atributos de longevidade extrema e de
onipresença. Mais do que nunca, é exigido ao pesquisador um rigor metodológico na
utilização dessas fontes, conforme recomendações e métodos para a conexão de registros
nominais encontradas nos capítulos de Identifying People in The Past (Wrigley, 1973).
Com isso, talvez se escape dessas falsetas intencionalmente provocadas pelos homônimos
ou ao menos reduza a margem de incertezas.
Alguns desses pais e filhos eram referidos como “o moço” e “o velho”, como dito
para o caso dos José da Silveira Bitencourt, servindo um sob ordens do outro. Mas nem
sempre isso ocorria, ou melhor dizendo, quase nunca ocorria. Um caso especial no qual
essas desinências foram utilizadas será discutido mais adiante.
Passar o nome ao filho e permitir que pai e filho fossem designados pelo mesmo
nome, sem acréscimo de partículas diferenciadoras, trata-se, portanto, de uma prática
106
recorrente e disseminada por vários locais de domínio português, claramente perceptível
nos habitantes e andantes do Continente. Isso podia fazer parte das práticas da alta
aristocracia mas, de algum modo, gente sem nobreza ou com, no máximo, uma fidalguia de
pouca relevância, também adotava tal uso. Assim como outras práticas da nobreza que se
notaram nas famílias de menor estatuto social, esta também parece ter sido incorporada
pela sociedade como um todo. Ao que parece, alguns modelos dessas práticas eram
seguidos, tanto quanto fosse possível, pelo conjunto da sociedade, talvez indicando uma
presença e assimilação dos valores que as instruíam, tais como a qualidade, o prestígio, a
antiguidade da existência das famílias.
Aqui cabe um parêntese para chamar a atenção sobre o que torna tão peculiar esse
tipo de homônimo. Ocorrendo entre pai e filho, ao menos um lado da ascendência é
comum a ambos, e geralmente o lado paterno é frisado no nome, se for o homônimo o
primogênito. Se a um ou outro for requerido mencionar suas origens familiares ou a
procedência geográfica de sua família, pelo menos metade da história familiar do filho é
coincidente com a do pai. Pai e filho, salvo acidente do destino, compartilharão ao menos
uma parte de suas existências adultas na mesma região, na mesma família, com os mesmos
vizinhos, amigos, parentes, aliados e inimigos. Às identidades de duas vidas distintas é
facultada uma certa fusão. De todas as outras possíveis categorias de homônimos, esta, ao
menos no momento em que pai e filho são homens adultos e coexistem, impede ou, no
mínimo, dificulta o discernimento entre um e outro.
Acreditando-se, dado a recorrência destes casos, que os homônimos não acontecem
por acaso, que são fruto da intenção de pais e filhos, há que se supor que esta fusão de
identidades seja o objetivo das desinências coincidentes destes homens. Assim, pensa-se
aqui esses nomes em comum, de pai e de filho, como sendo um “modelo” quase que
perfeito para os outros tipos de homônimos. Nessa perspectiva, no fundo de sua intenção,
107
deseja também gerar uma espécie de “fusão” de duas pessoas distintas, padrinhos e
afilhados, avôs e netos ou ilustres desconhecidos. Correndo o risco de cair no abuso da
linguagem, poder-se-ia dizer que esses outros tipos de homônimos, dados entre tios e
sobrinhos, avós e netos, padrinhos e afilhados, são formas “defectivas” daquela primeira,
em que grande parte do passado familiar é compartilhado por pai e filho. Às vezes, a
apropriação do nome de algum personagem de relevo na sociedade ocorria, sem que
houvesse qualquer tipo de parentesco, como se fosse homenagem ou vontade de absorver
atributos do dono primeiro do nome.
A idéia de um conjunto de prenomes de uso restrito a um grupo social ou familiar e
indicando o pertencimento a ele é conhecido pelos estudiosos franceses como o “padrão
clássico” do período moderno. A intenção que permeia esta prática não é a de individuação
e sim de pertença ou de mimetização (Boutier, 1988). Alguns grupos e famílias, ainda que
não possuíssem “monopólio” dos conjunto de prenomes utilizados, os tinham como sendo
característicos de seus grupos, com certas tendências de transmissão que envolviam avós,
tios e padrinhos, tanto da linha materna como da linha paterna (Fine, 1984). Foram
identificados alguns privilégios dados aos detentores de prenomes que se repetem na
família no momento da partilha de heranças.
Na maioria dos casos, por não serem as trajetórias tão semelhantes, só “enganam”
aos incautos. Mas os homônimos dentro do mesmo grupo, ainda assim geram uma
identificação e um pertencimento a este grupo. Também geram elos entre os detentores do
mesmo nome, repassado dentro da família propriamente dita ou da família espiritual que se
estabelece na pia batismal, no ato do batismo ou no ato da confirmação do batismo, a
Crisma. Do entendimento dos homônimos “pai e filho”, talvez venham os elementos para
entender também que sorte de vínculos e fusão de identidades eram possíveis nestas
formas “defectivas”, que serão abordadas mais adiante.
108
Destaca-se aqui, porém, que na pia batismal geralmente foi escolhido apenas o
prenome da criança, raramente dois prenomes e, mais raramente ainda, prenome e
sobrenomes. O nome completo, pelo qual seria reconhecido pela sociedade coeva e mal
identificado pelos historiadores do futuro, era assumido ao longo da existência da pessoa.
As trajetórias pessoal e familiar são as que iriam agregar um segundo prenome e um
sobrenome ao corpo e à alma que se batizou algum tempo após o nascimento. Mais do que
a atribuição, parece tratar-se da “construção” de um sobrenome. A ele estariam unidas as
atitudes praticadas ao longo da vida e que fariam com que um “Domingos” se tornasse um
Domingos Gomes Ribeiro, e um “José” viesse a ser um José da Silveira Bitencourt. A
ciência de que a vida pregressa estaria associada ao nome, ao identificador do sujeito,
talvez levasse os homens e as famílias a privilegiar o repasse do nome do pai a um dos
rebentos. Eram dois e ao mesmo tempo um, pois continuavam-se um no outro. O nome não
era apenas desinência de um indivíduo; antes, designava uma espécie de entidade, entidade
esta pertencente à família ou ao grupo no qual estavam inseridos. O ato de assumir um
sobrenome e toda a carga a ele vinculado era, portanto, posterior ao nascimento, em sua
construção; anterior ao nascimento, como prática de conservar e repassar a outros
membros do grupo, clã ou família, atributos obtidos na experiência do povoamento e
conquista dos territórios sulinos. Estes atributos eram importantes e com certa freqüência
reportados nos registros paroquiais, como no caso de Lucas Fernandes da Costa e sua
mulher, Joana Maria da Purificação. No registro de batismo de Joaquim, filho deste casal,
aparece a observação do pároco: “povoadores deste novo estabelecimento” (ADPRG,
1LBat-RG - Registro do batismo de Joaquim, filho de Lucas Fernandes, 26/06/1740, 1738-
1753)
Em alguns casos, torna-se evidente que, havendo a opção do uso dos adjetivos “o
novo” ou “o moço” e “o velho”, que propiciasse o discernimento entre pai e filho, esta não
109
era amiúde adotada. Antes, parece que esta possibilidade estava guardada para um
momento extremo, que será exemplificado mais adiante, no caso dos dois João de
Magalhães.
Eis que quase no limite do desespero por não conseguir distinguir, em muitos casos,
o pai e o filho, veio a hipótese que agora se tenta esboçar: havia nessa sociedade o desejo e
a intenção de que pai e filho fossem “de fato” confundidos em uma única pessoa. A
necessidade de distinção entre um e outro é um problema colocado pelo historiador de
nosso tempo, e não para as populações que viviam o “fazer-se” da sociedade sulina. Ao
contrário: a vida do filho como sendo uma extensão da vida do pai, e por conseqüência de
um “ente” longevo dentro de uma família e de um ambiente social, com ações e práticas já
conhecidas, parece dar sustento à essa existência do indivíduo — se é que assim se pode
chamá-los, já que não se trata de um período em que a individualidade estivesse posta em
questão — e das famílias as quais pertenciam, em meio às outras famílias, autoridades e
estranhos.
A (con)fusão de pai e filho em uma única pessoa parece ter sido quase que uma
meta a ser perseguida na maioria dos casos de homônimos. Ainda mais quando se tem
claro que, mesmo vivendo em uma sociedade em que havia a escrita, a imensa maioria da
população era analfabeta. A tradição oral, o repassar de histórias e “causos”, que partiam
da boca dos mais velhos para os ouvidos e memória dos mais novos, era prática recorrente.
Não raras as situações em que sob suspeita de existir interdito ao matrimônio dado um
parentesco próximo, os anciãos ou pessoas mais inteiradas dessas relações familiares
fossem chamados a depor. Assim, desfiando os elos familiares contidos na lembrança,
testemunhavam nos processos de casamento, reafirmando o interdito ou liberando os
noivos para a união. Um exemplo formidável dessa memória coletiva e familiar encontra-
se na documentação acerca do casamento de Antônio Alves Paiva, natural de Sorocaba, e
110
Andreza Velosa Maciel, natural de Viamão. O testemunho de Salvador Domingues
Rodrigues, solteiro, então com 48 anos, morador de Viamão e antigo morador da Vila de
Sorocaba, abaixo transcrito, reflete essa situação, relato que é repetido, com pequenas
variações, por outras testemunhas deste casamento:
"[disse que] conhecia muito bem o mesmo justificante, seus pais, seus
mesmos avós porque eram todos vizinhos de porta e se criaram juntos e
que sabia ele testemunha muito bem que eram parentes porque conheceu
o capitão mor Brás Mendes Pais e seu irmão o sargento mor Pedro
Domingos Pais e do capitão mor nasceu Maria Pais Moreira e de Maria
Pais Moreira nasceu Maria Moreira Maciel, mãe da sobredita contraente
Andreza e do sargento mor nasceu Messias Soares Pais e de Messias
nasceu Isabel Soares, mãe do justificante Antônio que sendo os bisavós o
capitão mor e o sargento mor irmãos legítimos, 1
o
grau de sangüinidade
no 2
o
fica sendo Messias com Maria pais Moreira prima 2
a
, e Maria
Moreira Maciel com Isabel Soares Pais prima 3
a
e destes 3
os
primos
nasceram Antônio e Andreza contraentes que vão para o 4
o
grau"
(AHCMPA - Depoimento de Salvador Domingues Rodrigues nos Autos
Matrimoniais de Antônio Alves Paiva e Andreza Velosa Maciel – 1762).
O repassar das genealogias através dos relatos orais, tendo a memória humana
como sua principal portadora, ao que parece, contribuía na fusão dos agentes históricos do
período que compartilhavam o uso do nome. Mesmo quando esses relatos foram grafados
sob forma de memórias e crônicas, a fusão provavelmente já estava dada na lembrança
dessa coletividade. Não parece acaso terem existido. O fenômeno não é exclusividade da
porção meridional da Colônia, nem tampouco do século XVIII. Na segunda metade do
século XIX, Alfredo do Valle Cabral escreveu suas Questões de História já preocupado em
distinguir entre os “três João Ramalhos” existentes na capitania de São Paulo ao século
XVI, concluindo serem dois provavelmente pai e filho e um terceiro alheio a esta família
(Cabral, 1954). As genealogias, primorosamente escritas, antes de registrar os eventos
vitais das famílias, registravam a construção de um passado, fosse ele de tradição oral,
fosse ele “inventado” para servir a diferentes propósitos, tais como provar a pureza de
111
sangue ou fidalguia, conforme demonstrado por Evaldo Cabral de Mello em O Nome e o
Sangue (2000).
Isso não quer dizer que o pesquisador deva curvar-se ante o fato de duas existências
estarem fundidas em uma só, passando a tratá-las como um único ente. Pelo contrário,
deve esforçar-se em discerni-los, mas tendo em mente que estará nadando contra a
correnteza, contra uma atitude intencional dos homens d’antanho que fazem parte do seu
objeto de estudo. Mas é importante saber que, com toda certeza, uma “sabotagem” à sua
pesquisa foi cometida no momento em que os registros documentais foram efetuados: os
homens do passado fizeram tudo o que foi possível para que os homens do futuro, dentre
os quais nós, os historiadores, não soubessem onde termina o pai e onde inicia o filho.
O “problema” de tal discernimento é colocado hoje, para os pesquisadores, mas não
era um “problema” para a sociedade sulina do século XVIII. Ao contrário, tudo dá a
entender que o “problema” que ao menos uma parcela dessa população tinha era o de gerar
e engendrar formas de anuviar este discernimento, fundindo duas ou mais pessoas em uma
única existência. Essas pessoas eram, geralmente, pai e filho, embora, de maneira menos
freqüente, podiam ser tio e sobrinho, avô e neto, padrinho e afilhado. Recurso muito
utilizado pelos homens, mas de maneira nenhuma exclusivo de seu gênero, já que mulheres
também possuíam o nome de suas mães, avós, tias e madrinhas.
V. Em nome do pai
Ao falar sobre os fundamentos antropológicos da família no Antigo Regime,
Hespanha se detém no “especial laço com a qual a Natureza ligara os seus elementos por
normas inderrogáveis. Este elemento era o ‘amor’” (Hespanha, 1988: 245). Apesar de já
referir-se à existência de traços de uma concepção individualista da sociedade, solapando a
existência da família na Europa do século XVIII, em Portugal ela ainda era vista como uma
112
unidade social em si, repleta de relações internas que estabeleciam direitos e deveres para
pais e filhos, marido e esposa:
“O amor (ou piedade) familiar desdobrava-se em vários sentimentos
recíprocos. O amor dos pais pelos filhos, superior a todos os outros
funda-se no sentimento de que os pais se continuam nos filhos. Estes são,
assim, uma extensão da pessoa que lhe lhes dá o ser, ou seja ‘a mesma
pessoa’ (...)”(Hespanha, 1988: 245).
Diz ainda Hespanha que, em se tratando do direito português, sobre o pai
repercutiam os atos dos filhos, suas aquisições, dívidas, etc. (Hespanha, 1988: 245). Ainda
que o autor não siga adiante neste caminho, através desta sua indicação — a família institui
direitos e deveres, assim como sentimentos recíprocos — é lícito imaginar que sobre os
filhos recaíssem os atos dos pais. Quando do passamento do genitor, a viúva, assim como
os filhos, ficavam responsáveis pelas dívidas do pai, tanto as passivas quanto as ativas.
Nem a morte terminava o elo existente em vida. A viúva e/ou sua prole continuavam a
zelar pela alma do ente amado que partira, mandando dizer missas e fazendo doações pias,
honrando sua memória e seu nome.
Ora, se o Direito português reconhecia e regulava essa continuidade do pai no filho,
parece bastante lógico que os vassalos de Sua Majestade, mesmo nos mais longínquos
rincões por onde seus domínios se estendiam, tivessem esta idéia de continuidade
impregnada em suas vidas. Aos filhos caberia dar consecução à obra do pai. No caso dessa
fronteira sulina, aos filhos caberia a consolidação da posse dos territórios conquistados
pelos pais e a consolidação da ordem da sociedade da qual seus pais lançaram os alicerces.
Remetendo ao contexto da América meridional, há que reafirmar aqui que o
território, ainda que próximo ao litoral, teve sua ocupação tardia, se comparado a outras
regiões da orla. Era um território novo para o qual concorriam populações de diversas
origens, embora, excetuando-se as parcelas indígenas, nenhuma vinculada há mais de uma
113
geração à região que se povoava. Nenhuma das terras ainda pertencia por direito ancestral
ou tradicional a nenhuma das famílias ali chegadas. As sesmarias dadas por Sua Majestade,
dependiam, ao menos na legislação, da posse efetiva e em fazer as terras produzirem.
Podiam ser retiradas da posse de um e passada à posse de outro, caso não fosse atestada a
existência de lavouras, criação ou benfeitorias, se não fosse comprovada a sua ocupação e
produção. A continuidade da posse sob um “ente” aparentemente longevo, ao que tudo
indica, poderia ser facilitada.
As terras, assim como os cargos públicos e as patentes, de onde podiam advir os
“prós e percalços”, eram dados por Sua Majestade e seus representantes na Colônia, a este
tempo, preferencialmente àqueles súditos que houvessem prestado serviços na conquista
destes territórios (Thomaz, 1994: 430-431, Fragoso, 2000: 67-82). Muitos dos sesmeiros
do Continente do Rio Grande de São Pedro eram veteranos das batalhas para a manutenção
da Praça da Nova Colônia do Sacramento, alvo de ataques dos espanhóis e dos “índios dos
padres das Missões”, boa parte dos quais detentores de patentes militares ou da ordenança,
também mercês dadas por Sua Majestade visando o bom serviço ou retribuindo um já
prestado.
Alguns outros detentores de posses de terras haviam participado das pioneiras
tentativas de ligação, por via terrestre, do extremo-sul às imediações de São Paulo. A
consolidação dessa rota foi vital para dar vazão aos rebanhos de animais até seus mercados
consumidores que deles necessitavam para o transporte de cargas nas regiões interioranas.
Do bom funcionamento dessa rota e desse comércio entre duas áreas distantes dentro do
domínio português dependia a circulação de bens e mercadorias no interior da Colônia. Sua
Majestade, sabedora do fato, foi pródiga no reconhecimento desse serviço. Praticamente
todos os participantes identificados da expedição de Cristóvão Pereira de Abreu para a
abertura do Caminho das Tropas acabaram por possuir, com ou sem homologação da
114
Coroa, uma ou mais porções de terras. Ao que tudo indica, mesmo aqueles que não
possuíam carta de sesmaria, jamais foram importunados ferrenhamente pelas autoridades
no questionamento dessas posses. Talvez até porque desse grupo também tenham saído
algumas dessas autoridades locais.
Assiste-se assim, nos trinta primeiros anos de existência dos núcleos populacionais
sulinos, o surgimento das famílias com “tradição” nas novas terras. Os conquistadores, os
pioneiros, os primeiros povoadores, fundavam e forjavam com seus atos os “direitos e os
costumes” para a nova terra que nascia junto com essas “tradições”.
Um desses costumes no limiar do povoamento era a clara distinção entre aqueles
que participaram dos momentos iniciais de conquista e defesa dos territórios e os que
chegaram depois. Atributos de semi-heróis que podiam ser repassados aos filhos, sob
forma de prenome, prenome e sobrenome e de sobrenome, apenas. Caberia aos seus filhos,
em nome da bravura e disponibilidade de seus pais no bem servir a Sua Majestade, a
consolidação de suas conquistas, ou seja, a continuidade dos propósitos de suas vidas. A
continuidade de suas vidas. A continuidade do nome, portanto.
VI. O nome como um bem a ser legado,
negado, usado e usufruído
Assim como o nome é agregado ao homem e construído ao longo de sua vida, pode
pensar-se na relação inversa, onde as ações e a história de uma vida eram agregadas ao
nome. O nome passa a significar uma (ou mais de uma) existência. O nome, em si, passa a
ter uma existência. Alguns nomes, ao serem pronunciados, provocam reações, mesmo que
os sujeitos aos quais designam não estejam presentes. Nomes causam temor, inspiram
respeito, desdém ou malícia. Certos nomes provocam risadas. Os nomes estão impregnados
com os atributos dos homens ao quais identificam. Os representantes e procuradores não se
115
dizem agindo por um ou outro homem, mas “agindo em seu nome”, ou seja, por um
período de tempo ou em algum lugar específico, obtêm a licença legal para responder por
um nome; têm, ainda que cerceado, o direito de uso de um nome. As duas ações, agregar
atributos ao nome que uma pessoa portava e agregar a uma pessoa um nome repleto de
atributos eram simultâneas e complementares, portanto. Esses atos não se extinguiam,
sendo também transmitidos dentro de uma família ou outra sorte de agrupamento.
O nome adquire, assim, significados que ultrapassam a mera utilidade na
identificação dos agentes históricos. Incorpora propriedades, famílias, inimizades, mercês,
localidades, direitos, deveres e responsabilidades; incorpora a história pessoal e, em muitos
casos, a história familiar. O nome passa a ser, tanto quanto os bens materiais, um
patrimônio familiar. O nome adquire uma função social para além da desinência de uma
pessoa. O nome passa a ser um bem a ser legado e, às vezes, negado.
Ao buscar caracterizar em que tipo de bem se enquadra o nome — e aqui entenda-
se um nome “completo”, formado por prenome e sobrenome(s) — recorreu-se ao auxílio
de Maurice Godelier que, em obra publicada no Brasil nessa década de 2000, retorna ao
estudo do dom, iniciado por Marcel Mauss. O “enigma do dom”, tal como Godelier o
denominou, estaria, segundo o autor, associado à “quarta obrigação do dom”, ou seja, à
reciprocidade entre desiguais. Essas obrigações, por sua vez, teriam seu surgimento no
primeiro de todos os dons: a vida que todos os homens devem aos seus deuses, e que, por
mais que façam oferendas e sacrifícios, nunca será retribuída.
Disso derivaria que, ante pequenas ofertas (ou dádivas) aos deuses (ou seus
representantes na terra, ou ainda, categorias especiais de homens/elos entre os mortais e as
deidades), adviriam dons muito maiores, por vezes imensuráveis. Estes, por estarem
diretamente ligados à esfera divina, seriam dados especialmente a um homem ou a um
grupo de homens — família, clã ou tribo. Por possuírem certa quantidade de “magia”,
116
dariam “poderes” especiais a seus detentores. Como as graças foram dadas a um grupo
especial, de sua posse dependeria a sua posição — decorrência da dádiva dos deuses — no
grupo maior onde estava inserido. Ainda assim, como jamais foram “realmente” quitados
com seu doador primeiro (a divindade, os espíritos, os ancestrais, os conquistadores e —
porque não? — os primeiros povoadores), não “pertenceriam” de fato ao grupo. Seguiriam
sendo propriedade da entidade que cedeu a posse — mas não a propriedade — e o direito
de uso, ao grupo de homens. Tal entidade, no caso sob estudo, não se trata de uma deidade,
mas do Rei, que em última análise, também goza de atributos senão divinos, ao menos de
uma semi-divindade, já que incorpora o Estado, a Justiça e mantém uma relação quase que
paternal com os seus súditos.
Da quarta obrigação do dom surgiria, portanto, uma categoria de bens que estaria
excluída do circuito de trocas entre os homens. Bens que jamais poderiam ser dados ou
alienados, por ninguém ter o direito total sobre eles, mas cujo uso ou posse poderia ser
transmitido de grupo a grupo, de geração a geração. Godelier destaca nesta categoria de
bens os objetos mágicos, certos saberes, ritos e, com menor ênfase, nomes. E sobre esses
últimos, torna-se a discorrer.
Poucas coisas, nos dias de hoje, estão tão associados às famílias quanto os
sobrenomes. São transmitidos de geração a geração. Registram o ingresso de “estranhos”
no núcleo familiar, a ascendência de um ramo, a decadência de um tronco da família ou,
em casos extremos, a extinção de toda uma linhagem, por falta de geração, por
incompetência ou outro fator qualquer na administração deste e outros patrimônios
familiares.
É permitido, então, pensar que uma criança que recebeu apenas um prenome no ato
de seu batismo, incorpore, ao longo de sua existência, um bem essencialmente vinculado à
sua família, ao seu grupo ou local de origem, à sua própria vida, existente antes mesmo de
117
seu nascimento. O nome, este qualificador, seria repassado por quem “lhe deu o ser”: a
existência física e social. Com ele, as qualidades que também já existiam antes do
nascimento: uma posição numa sociedade que se formava e, a exemplo de outras regiões
da Colônia luso-americana, marcada pela hierarquização social do Antigo Regime
português e por diferenças entre os homens livres, mas portadores de qualidades diferentes
(Fragoso, 2001). Sobre essa sociedade diz Godinho:
“Na sociedade de Antigo Regime, o mais aparente é divisão em estados
ou ordens - clero, nobreza, braço popular. É uma divisão jurídica, por um
lado, é , por outro, uma divisão de valores e de comportamentos estão
estereotipados, fixados de uma vez para sempre, salvo raras exceções.
Cada qual o como oposição numa hierarquia rígida, segundo tem, ou não,
títulos e tem, ou não, direito a certas formas de tratamento.”
(Godinho,1975: 72)
Aos pais, caberia designar-lhe esses bens, essas qualidades ou parte delas,
agregadas ao nome que se colocava nos filhos. Podia também alijar-lhe de seu uso,
eventualmente. A conquista de um sobrenome ou sua designação torna um pouco mais
claro o entendimento do fato de, muitas vezes, os pais darem o mesmo prenome a dois ou
mais filhos. Nasciam, assim, as duas meninas “Ana” e duas meninas “Maria”, as quatro
filhas de Francisco de Brito Peixoto. Também foi assim com os rapazes “João”, filhos de
João Antunes Maciel. O sobrenome — os atributos — estes se granjeariam ao longo da
existência e em caso de sobrevivência das crianças, as grandes vítimas das precárias
condições de higiene e salubridade vigentes a esta e a qualquer época. Vingando um
rebento, o sobrenome idêntico ao do pai poderia ser-lhe passado, gerando a fusão de
pessoas, dando “continuidade” ao nome.
Os nomes completos, verdadeiras entidades, portanto, seriam bens familiares que
poderiam ser legados. Note-se bem, por não se tratar de um bem material, cuja
“propriedade” possa ser dada, mas de qualificadores, intangíveis à mão humana e
118
capturáveis apenas na compreensão de seu significado, remete diretamente à quarta
obrigação da dádiva, indo ao encontro do dito por Godelier. Seu uso, o identificar-se
através dele, este sim é o grande legado passado de pai para filho dentro das famílias. Mais
do que isso, se o filho fizesse o “correto uso” desse sobrenome, ou seja, o honrasse e
engrandecesse com seus feitos, mais atributos seriam agregados a esse nome. O uso do
nome poderia engrandecer um homem, mas esse homem também poderia engrandecer o
nome. O bem familiar podia ser ampliado na “força”, no “mana”, na “magia” do nome,
ampliado naqueles atributos que, forjados e sustentados pelas ações humanas, dão matéria
para crenças que fogem ou se ocultam à razão dos homens (Godelier, 2001: 260-263).
Nomear, estabelecer uma nomenclatura familiar e pessoal, nessas circunstâncias, é
uma prática social que visa, antes de mais nada, estabelecer e perpetuar o “nicho” de certos
homens e famílias no grupo ao qual pertenciam e ante outros grupos, podendo assumir,
assim, um aspecto místico. Se ligado aos fundadores de um clã ou de uma localidade, toma
forma de um mito nestes grupos. Se o nome a ser utilizado é possuidor da força que lhe
estava associada desde que foi, pela primeira vez, assumido por um homem, somente um
homem de características muito semelhantes poderia dar-lhe continuidade.
Sendo um patrimônio construído e tendo sido legado ao filho o direito de uso, nada
impede que esse direito seja cerceado. Talvez não fosse possível, na maioria das vezes,
obrigar ao usuário, por má utilização, fazer a “devolução” do nome, mas parece possível
que o elo, ou melhor, a fusão entre as pessoas de pai e filho, fosse rompida, por um ou por
outro, ou mesmo pela família e pela sociedade, já que não havia honradez no indivíduo
(aqui sim, cabendo este termo – pois agiu per se, em detrimento do grupo de
pertencimento) que o portava. Exemplo disso é um dos raros casos que, na documentação
consultada, há a explícita intenção de discernir pai de filho, que agora será comentado.
119
VII. Quando o elo é rompido
João de Magalhães nasceu em Portugal, em alguma localidade do arcebispado de
Braga, em data incerta, mas provavelmente ainda no século XVII. Era filho de outro João
de Magalhães e Maria Velosa (AHCMPA – 1
o
Livro de Batismos de Viamão. registro de
batismo de Benedita, fl. 63, 1755) — que muito provavelmente não vieram para a Colônia.
Em data também incerta passou às terras americanas. Casou-se com Ana de Brito, uma das
filhas que Francisco de Brito Peixoto, futuro Capitão-mor da Vila da Laguna, teve com
índias ditas “carijós”. O casamento provavelmente ocorreu em Santos, de onde procedia a
família Brito Peixoto.
Em 1715 já havia adentrado àquilo que viria a ser chamado de Continente do Rio
Grande de São Pedro, numa expedição para a busca de gados e de reconhecimento, muito
provavelmente atingindo a barra da Lagoa dos Patos, onde seria fundada a Vila de São
Pedro do Rio Grande. Em 1725, uma outra expedição, a qual contava com trinta e um
homens, entre pardos, negros e livres, foi por ele chefiada (Fortes, 1941: 22), fazendo vau à
Barra da Lagoa dos Patos para, no retorno, trazer gados e informações para as famílias
derivadas de seu sogro. Essas famílias dirigiram-se para o sul alguns anos depois.
Por volta de 1735, juntamente com esposa e filhos, já habitava as vastas terras que
seu sogro solicitara em sesmaria (mas não as recebera) nos Campos de Viamão. Da união
com Ana de Brito nasceram alguns filhos, dentre os quais um que recebera o nome de
João. Deste é citado o matrimônio na Genealogia Paulistana, de Luiz Gonzaga da Silva
Leme:
“Joanna Garcia Maciel, que foi 1
o
casada em 1733 em Sorocaba com
Theodosio Pires Bandeira, f
o
de Domingos Pires e de Domingas
Fernandes, naturais de Portugal; 2
a
vez casou-se em 1741 na mesma vila
com João de Magalhães, natural da vila da Laguna, f
o
de outro e de
Anna de Brito. (Leme, versão para Internet – grifo meu).
120
No ano de 1751, João de Magalhães, pai, já havia enviuvado e casado novamente.
Sua esposa, Maria Moreira Maciel, também já era viúva. Era oriunda da mesma Vila de
Sorocaba. O casamento ocorreu após o ano de 1745, ano no qual Maria ficou viúva pela
primeira vez. Maria foi para o sul, para a Vila da Laguna, onde muito provavelmente casou
com João. Posteriormente, passou com o seu segundo esposo para Viamão. Passou a viver
com o seu novo marido junto ao núcleo familiar dos Brito Peixoto. Com Maria Moreira
Maciel vieram alguns filhos de seu primeiro matrimônio, que conviveram com os rebentos
já tidos de João de Magalhães, pai, e Ana de Brito. Maria Moreira Maciel e João de
Magalhães tiveram prole.
O casamento de João de Magalhães, pai, deu-se dentro da mesma família na qual
casara o João de Magalhães, filho. Maria Moreira Maciel era irmã de Joana Gracia. Nesta
família também foi tomar esposa Lucas de Magalhães, outro dos filhos de João de
Magalhães. Casou-se com filha do primeiro casamento de Joana Gracia. Cláudio Guterres,
filho de uma irmã de Ana de Brito, primeira esposa de João de Magalhães, casou-se com
uma das filhas de Maria Moreira Maciel. Andreza Velosa Maciel, filha de João de
Magalhães, pai, e de Maria Moreira Maciel, casou-se com um parente de sua mãe, também
oriundo de São Paulo. As duas famílias se cruzavam em diferentes graus de parentesco
ante Deus e ante a comunidade das três localidades: Sorocaba, Laguna e Viamão. Tais
casamentos, pelos impedimentos e padrões religiosos vigentes à época, não poderiam (ou
não deveriam) acontecer; todavia, esses interditos eram com freqüência relevados.
Passavam por cima dos impedimentos porque o interesse maior nesse momento era povoar
o Continente e tornar a trazer à cristandade aqueles que cometeram pequenos desvios, no
caso uma relação em impedimento de incesto por parentesco afim ou consangüíneo nem
tão próximo assim. Também porque, na endogamia característica dessas famílias, as elites
locais reproduziam-se, dando lugar a estirpes que uniam atributos de conquistadores,
121
primeiros povoadores ou heróis. Esses atributos, tidos como diferenciais entre eles e o
restante da população, serviam para demonstrar sua posição superior, ordenando
hierarquicamente a sociedade e dando a ela uma forma.
João de Magalhães, pai, era um dos pioneiros da conquista e povoamento do
Continente do Rio Grande de São Pedro. Tivera filhos com uma filha do fundador da Vila
da Laguna, onde exerceu mais de um mandato de vereador (Cabral, 1976: 114). Deixara
seu nome gravado nos registros sobre as expedições de reconhecimento do território e
recolhimento de gados para a Vila da Laguna. Também fora, ao final da década de 1720 e
primeiros anos da década de 1730, um dos “descobridores” do caminho terrestre que ligou
o extremo-sul da Colônia às áreas mais centrais, dando vazão às miríades de gados vacuns
e cavalares até os locais que dele necessitavam. Os familiares de João de Magalhães e de
sua primeira esposa, Ana de Brito, venderam gado para a praça da Colônia de Sacramento
em 1735, socorrendo com alimentos os contingentes lusos sitiados pelos soldados e índios
dos espanhóis. Eram detentores de prestígio. As qualidades angariadas na formação do
povoado estavam agregadas ao seu nome.
João de Magalhães, assim como as demais famílias que derivavam de Francisco de
Brito Peixoto, faziam parte dos primeiros povoadores de Viamão. João de Magalhães,
portanto, era um nome consolidado na sociedade que se formava entre a Lagoa dos Patos e
o Oceano Atlântico. João de Magalhães era um nome, construído e fortalecido em e com
a sua trajetória.
Mais do que isso, também sobre João de Magalhães, suas cunhadas e cunhados,
filhos e sobrinhos, assim como dos outros membros de um restrito grupo que viera para os
Campos de Viamão na primeira metade da década de 1730, recaía a responsabilidade da
organização social do povoado. O empenho em apossar-se das terras, de trazer e aglutinar
alguns índios, em adquirir escravos, apresar gados, construir casas, benfeitorias e uma
122
capela para os serviços religiosos, foram obras destas primeiras famílias vinculadas a
Francisco de Brito Peixoto. Esses homens e seus atos eram, de certa maneira, os alicerces
da nova povoação que se formava. Eram a base humana de Viamão. A estabilidade dessa
ampliação dos domínios lusos sobre a fronteira recaía sobre os fundadores da sociedade e a
credibilidade/legitimidade que esses primeiros povoadores possuíam diante dos demais
habitantes dos Campos de Viamão. Isso dava ordem ao caos pré-existente, organizava a
sociedade. Disso tudo dependia a frágil estabilidade de uma sociedade em formação. João
de Magalhães fazia parte desse grupo identificado com o poder e com o topo da hierarquia
social nesse lugar.
João, o filho agraciado com o mesmo prenome do pai, não teve passos importantes
marcados nos registros documentais. Antes, seu nome “apenas” aparece no Rol dos
Confessados de Viamão de 1751 ou nos livros de batismos, como pai ou padrinho de uma
criança, mas nada que lhe dê um grande destaque. Era apenas mais um entre os menos de
mil paroquianos do povoado de Viamão no ano de 1751.
Somente há um pequeno detalhe que se faz notar, talvez por motivos já em
incubação e que viriam à tona apenas anos mais tarde: João é o único caso encontrado até o
presente, de homônimos cuja identidade entre os portadores de mesmo nome é claramente
separada nos róis de confessados consultados (AHCMPA – Róis dos Confessados de
Viamão 1751, 1776, 1778 e Treslado do Rol dos Confessados de Triunfo 1758). Somente
os João de Magalhães são assinalados no Rol dos Confessados de 1751 como “o moço” e
“o velho”. Ao que parece, as coisas se mantiveram assim, latentes, até faltar pouco menos
de três anos para o fim da década.
Em 1757, o padre José Carlos da Silva, pároco de Viamão, encaminhou um auto de
denúncia ao Juízo Eclesiástico contra Joana Gracia Maciel, “pelo escândalo público com
que vive e desonesto procedimento”. Nesse auto, tem-se uma idéia do circo de horrores
123
que cercava a prestigiosa família dos João de Magalhães. Joana Gracia Maciel, dada a
bebedeiras, foi dita “mulher de má língua”, acostumada a receber seus amigos com grande
intimidade “portas adentro” — nos dizeres da época —, a colocar suas índias
administradas “ao ganho”, “usando mal de si”, para trazer-lhe dinheiro e aguardente. Não
se sabe desde quando vinham esses comportamentos impróprios, mas é clara a ciência da
comunidade. É francamente perceptível através dos testemunhos dos depoentes que havia
um bom tempo que a infidelidade conjugal de Joana ocorria. Sua má fama a seguia desde
seus tempos na Vila de Sorocaba, segundo depoimento daqueles que de lá a conheciam.
(AHCMPA – Auto de denúncia que mandou fazer o Reverendo José Carlos da Silva contra
Joana Gracia Maciel... 1757).
Além de compelir suas índias à prostituição, Joana imputava-lhes severos castigos
físicos, sendo recorrentes os espancamentos e outras agressões. O Auto de Denúncia se
detém sobre o caso da infeliz índia Suzana, espancada e queimada com brasa nos recantos
mais recônditos de seu corpo. Suzana foi providencialmente salva por Manuel Vergueiros,
misto de padre e condutor de tropas de animais, que a levou para São Paulo com o intuito
de livrá-la da morte certa que sofreria pelas mãos de sua senhora. Justo aquela senhora que
devia zelar por sua vida e sua alma!
Como se tudo isso não bastasse, Joana Gracia Maciel, sabe-se lá por que motivos,
mandara Manuel, de alcunha “O Grosso”, filho de seu primeiro casamento, “desonestar”
algumas mulheres casadas da comunidade, espancando-as e forçando-as ao ato sexual. Não
é possível saber se Manuel conseguiu cumprir por completo as ordens de sua mãe, dado o
estado de corrosão do documento. Sabe-se, todavia, que um desses ataques resultou, no
mínimo, em uma senhora com um braço quebrado. As vítimas dos atentados eram todas
filhas de João de Magalhães, pai, irmãs de seu marido, João de Magalhães, filho. Cunhadas
124
de Joana, portanto. De Manuel, o Grosso, eram tias ante Deus e ante a sociedade desde o
dia em que Joana desposara João.
O comportamento destemperado de Joana Gracia Maciel provavelmente contribuiu
para a decadência da família. Essa vinha paulatinamente perdendo espaço nos registros
documentais e importância junto à sociedade que se formara em Viamão, em contraste com
a destacada posição de João de Magalhães, pai, na Vila da Laguna.
Entretanto, o aspecto que mais interessa para este estudo é o fato de serem, no Auto
de denúncia, assim como no Rol dos Confessados de 1751, diferenciados pai e filho. No
Auto de denúncia Joana Gracia Maciel é dita “esposa de João de Magalhães, o moço”. A
diferenciação é feita, tem-se a impressão, não para alertar a sociedade que se estabelecera
em Viamão, nem ao pároco que registrara as denúncias. Esses conheciam Joana e João, o
moço, muito bem, a ponto de não faltarem testemunhos detalhados acerca de suas vidas no
Auto de denúncia, mas sim, para os leitores do Rol e de tal auto, em locais distantes ou em
tempos futuros. Alertava-se, desse modo, que o comportamento desviante de Joana e a
tolerância ou “vistas grossas” de seu marido a seus tresloucados gestos simplesmente não
deveriam recair sobre João de Magalhães, pai. O elo, a fusão de pai e filho fora rompido.
Não podendo retomar o direito de uso do nome do filho, o pai, ou ainda, a sociedade com
seus costumes, tratou de quebrar a identidade única que este nome lhes conferia.
O moço e o velho foram novamente separados em duas pessoas distintas, não mais
fundidos, não mais unidos. Foram afastados da própria convivência diária, já que o final do
processo de Joana prevê a extradição dela e sua família para pouco mais de uma vintena de
quilômetros de onde viviam. Pena branda para tamanha crueldade, “escândalo público e
desonesto procedimento”. Talvez o degredo não fosse a punição maior. O afastamento
“moral” dela e dos seus do núcleo familiar, este sim. A punição atingia João de Magalhães,
o moço, não mais mesclado, no restante de sua existência a João de Magalhães, o velho.
125
Não mais incorporava a si e aos seus as qualidades de conquistador, primeiro povoador,
descobridor dos novos caminhos, fiel vassalo defensor dos interesses de Sua Majestade que
existiam em seu pai.
A punição, querendo ou não, também recaía sobre o pai, não mais podendo manter
aquela “entidade” interna à família e conhecida na sociedade local, originária da fusão de
pai e filho. João de Magalhães, o velho, não podia mais legar os atributos associados ao
seu nome para o filho. O grupo de conquistadores e povoadores não podia, na pessoa de
João de Magalhães, o velho, e de seu filho, ser identificado com atitudes que ameaçavam a
estabilidade.
A sociedade, esta sim, separava o joio do trigo. Separava de si os agressores de
mulheres honestas, os espancadores de índios — que em 1751 eram em torno de 5,4% da
população fixa da localidade (Kühn, 2001), presentes em praticamente todos os lares dos
povoadores mais importantes do Continente que haviam saído da Laguna (AHCMPA – Rol
dos Confessados de Viamão – 1751; Garcia, 2001). Se houvesse insistência em manter os
autores de tais brutalidades junto às suas vítimas, existiria também o risco de revoltas ou
crimes de vingança. A ameaça rondaria os domicílios de alguns dos mais importantes
moradores de Viamão. O forjar das famílias tradicionais, ainda inexistentes nesta fronteira
estava, então, posto em risco pelo comportamento extremado da mulher de João, o moço.
Uma operação quase que cirúrgica, pois o tumor social fora removido, foi feita neste
povoado.
O poderio da elite local, os conquistadores, os primeiros povoadores, não podiam
confundir-se com os desvarios de Joana nem com a falta de autoridade e de pulso firme de
seu marido João — pertencentes a uma das famílias deste grupo. Os respingos recaíram
sobre João de Magalhães, o velho, pois de alguma maneira permitira que os
acontecimentos chegassem a tal ponto. Mas não podiam recair sobre os pilares da
126
sociedade da Freguesia de Viamão. Deveriam ser preservados os valores calcados na
qualidade das boas famílias, em seu status, na justeza de seus atos, na hierarquia da qual
essas famílias eram o topo. Junto com a estabilidade desse microcosmo que era a freguesia,
estava em jogo a manutenção de um território de Sua Majestade. Na aplicação da pena, o
câncer fora extirpado, ainda que às custas da desagregação de uma das famílias que muito
contribuiu na formação do povoado.
O organismo sobreviveu ao trauma da cirurgia, recuperou-se. Recobrou a saúde.
Manteve-se forte para enfrentar novas adversidades. A sociedade dos Campos de Viamão,
e mais precisamente aqueles que detinham poder de mando, através da punição exemplar,
souberam zelar pela mantença da estabilidade social e da continuidade de sua posição ante
o restante da população. Garantiram, em seu gesto, sua posição na hierarquia e com ela a
ordem da sociedade, ou seja, o bem-comum (Fragoso, 2001:43-50).
VIII. O nome em uma ocupação territorial
recente
Em que pese a identificação dos soldados, moradores e andantes do Continente do
Rio Grande de São Pedro normalmente dar-se pelo nome, pôde ser observado o costume de
muitas vezes alguém auto-designar-se ou ser designado um sujeito por outro nome que não
o de sua família.
Como já foi dito, não era raro a incorporação de sobrenomes alheios ou
toponímicos ao nome de batismo. Conforme visto por Fonseca, essa prática foi recorrente
entre os judeus e cristãos novos que passaram à praça do Rio de Janeiro na segunda metade
do século XVII e primeira década do XVIII (Fonseca, 1999: 85-113). Também se verificou
o “aportuguesamento” das grafias de nomes estrangeiros, gerando novos e “genuínos”
sobrenomes coloniais. Assim, o sobrenome Clark transformou-se em Clarque e do
127
sobrenome alemão Schram surgiu a família Charão. Porém, é difícil, através dos registros
eclesiásticos do Continente que sobreviveram ao tempo, detectar as origens judaicas,
cristãs novas ou estrangeiras. É possível, isto sim, afirmar que a despeito do nome seguir
como receptador de atributos familiares e pessoais, de ser portador de histórias de vida e do
grupo, esta principal partícula identificadora dos sujeitos que viveram a formação do
Continente do Rio Grande de São Pedro, podia ser mudada. Senão a bel prazer, ao menos
sem grandes dificuldades.
Pode-se imaginar, então, considerando que se está ante um caso limite, no qual uma
fronteira entre dois impérios assiste o começo do processo de conquista e povoamento, que
certos nomes, com todos os atributos que lhes foram agregados no decorrer do tempo,
possam ser indesejados. No caso de cristãos-novos ou judeus, transmigrados da península
ou de outras localidades dentro do Império Português onde a perseguição inquisitorial se
fez mais forte, na troca de nome residiu não apenas a sobrevivência física e a protelação
dos processos inquisitoriais. Também o reiniciar da vida ou manutenção da vivência
anterior, com as mesmas relações pessoais e comerciais, diminuído o risco de prisão ou de
deixar sócios, parentes, amigos e clientes na posição desconfortável de serem chamados a
depor, fora possível com o câmbio do nome.
Pode-se também especular alguns outros motivos para a abdicação de um nome
e/ou sobrenome pré-existente e adoção de novos. A matriz da sociedade que se estabelecia
no Continente era calcada na organização social lusa. Era, portanto, calcada na
hierarquização social e nas diferenças entre os homens – tanto pelo estatuto de livres e
escravos e mais ainda pelas diferenças entre homens livres (Godinho,1975: 72). Os
atributos angariados em uma vida ou por várias existências em uma família qualificavam
homens, distinguindo-os. Todavia, a impureza de sangue, o defeito mecânico, a origem
campônia, eram fardos pesados para uma existência.
128
As crianças nasciam iguais ante os olhos de Deus, espíritos puros, cujo nome dado
por seus padrinhos — responsáveis pela sua renúncia ao demônio — seria aquele pelo qual
seriam chamados à presença do Senhor no Dia de Juízo. Mas as crianças não nasciam
iguais perante os homens. Mesmo antes de seu nascimento seus pais e seus avós haviam
planejado alianças, geralmente obtidas através de matrimônios. Haviam também planejado
suas carreiras — cuidar da propriedade familiar, ingressar nos exércitos, no clero, cursar a
Universidade de Coimbra, partir para as conquistas, migrar para terras estranhas. Eram
direcionados a fazer suas vidas, não como folhas secas lançadas ao vento, mas dentro do
leque das possibilidades que se abriam para si e para os seus, delineados pelas suas origens
familiares. Os passos de todos os membros eram planejados para que a família se
engrandecesse — social, política e financeiramente (Monteiro, 2001), ainda que, na
prática, nem sempre as coisas ocorressem dessa maneira.
Para os conquistadores e primeiros povoadores do Continente do Rio Grande de
São Pedro é possível observar alguns casos de alianças formadas com as populações
autóctones, visíveis principalmente através dos enlaces matrimoniais ou de uniões não
formais com moças indígenas, possivelmente filhas de maiorais das tribos da região ou de
aldeamentos próximos. Foi assim com Francisco de Brito Peixoto, fundador da Vila da
Laguna, descendente das primeiras estirpes paulistas e antigo morador da Vila de Santos.
Francisco de Brito Peixoto furtou-se ao casamento, mas não se furtou a tomar
mulheres ditas carijós, procriando em quantidade. Seus filhos, portadores dos sobrenomes
luso-brasileiros, tinham, no mínimo, metade de sangue indígena (Rheingantz, 1979; Silva
Leme, 2002). Tudo leva a crer que, para viver em terra de índios, o parentesco com os
povos da terra tenha sido uma estratégia importante para a sobrevivência e crescimento das
famílias. Em vez de combater, arriscando a vida e a sorte nestes embates, o parentesco com
129
os indígenas propiciaria uma coexistência relativamente pacífica e por vezes acesso a terras
e mão-de-obra inatingíveis para quem tentasse outra via.
Esse viés, a garantia do estabelecimento das famílias através das uniões inter-
étnicas luso-indígenas repetiu-se algumas gerações adiante na família de Brito Peixoto, na
figura de Rafael Pinto Bandeira, natural do Continente e bisneto de Francisco de Brito
Peixoto. A primeira união com relativa estabilidade de Rafael não se fez com mulher de
seu grupo social — os primeiros povoadores da região — e sim com Bárbara Vitória, filha
de um maioral dos indígenas da etnia minuano, este também mestiço com sangue espanhol.
O chamado Dom Miguel Caraí, com posição de chefe em um grupo dos minuanos, tinha
reconhecida a sua liderança sobre este entre os outros maiorais (Saldanha, 1938: 234-235,
Porto, 1943: 43, Silva, 1999 e Gil, 2002). Trabalhara vários anos como peão ou capataz
para Francisco Pinto Bandeira, neto de Brito Peixoto e pai de Rafael (Saldanha, 1938: 234-
235).
Provavelmente foi Dom Miguel o elo capaz de manter esta família em larga paz
com os minuanos. Essa “amizade”, ou aliança, consumou-se na união dos filhos de ambos,
que, segundo alguns autores, foi “formalizada” através de ritual minuano, mas não do
católico. Resultado de tal casamento pagão, por assim dizer, foi o nascimento de Bibiana
Bandeira, portadora do sobrenome do pai e da infelicidade de ceifar a vida da mãe ao vir à
luz. Essa aliança não se desfez com a morte de Bárbara Vitória, pois anos após seu
passamento Dom Miguel ainda era um dos principais homens da rede de contrabando de
gados e couros montada por Rafael Pinto Bandeira (Gil, 2003).
Não se sabe por quem Bibiana foi criada, mas ela recebeu o nome da família
Bandeira, e seu marido, o alferes de milícias Antônio Rodrigues Nicola, recebeu de Rafael,
como presente, 400 cabeças de gado vacum — não podendo ser chamado de dote, pois é
bem possível que não tenha sido subtraído dos bens de Rafael e sim da Fazenda Real
130
quando Rafael exercia o governo interino do Continente (AN. SEB (86), Cód. 104 v. 6
fls.329-344).
Após essa união, Rafael tornou a casar mais duas vezes, a primeira com uma índia
guarani, originária de um dos povos das Missões Jesuíticas, que faleceu sem lhe dar filhos,
e posteriormente com Josefa Eulália de Azevedo, a mais lusa de suas mulheres. De Josefa
Eulália vieram suas duas filhas e herdeiras legítimas (Silva: – inventário posto em anexo,
1999).
A proximidade, parentesco e procriação com indígenas em nada macularam a
trajetória de Rafael Pinto Bandeira. Pelo contrário, ele sempre foi designado para altas
patentes e cargos, como já dito, chegando a ser governador do Continente, ainda que de
forma interina, por pelo menos duas vezes. Além disso, sua fortuna, no momento de sua
morte, parece ter sido a maior de todo o Continente, denotando que seus negócios e suas
investidas aos campos em busca de gados e couros ou do escuso comércio com castelhanos
e índios (Silva, 1999; Gil, 2001) provavelmente tenham sido facilitados pelo parentesco
com as populações nativas. No caso de Rafael Pinto Bandeira, muito mais por ter
conseguido unir-se, em ocasiões distintas, às duas etnias mais importantes da região e que
eram freqüentemente inimigas entre si.
As famílias do Continente moldavam-se fora dos padrões de pureza de sangue
desejáveis e possíveis na península, através de acordos entre boas famílias em atenção às
necessidades conjunturais neste limiar povoamento do sul da América portuguesa. Os
nomes construíam-se neste contexto. José Pinto Bandeira, o primeiro deste ramo, era
migrante luso e pobre, ascendendo pelo casamento com uma das filhas de Francisco de
Brito Peixoto. Era analfabeto. Todavia, era vereador na Vila da Laguna (Abaixo-assinado.
In: Monteiro, 1937 v. 2: p. 179-180), talvez muito pelo prestígio do sogro. Seus filhos e
netos galgaram posições bem mais altas, sempre portando o sobrenome Pinto Bandeira.
131
Lícito pensar que os nomes também podiam ser moldados, modificados, adquiridos
ou descartados de acordo com as ocasiões e as urgências. Exemplo de uma troca de nome
que propiciou a continuidade de uma existência digna e aumentada em honrarias e serviços
à Sua Majestade é José Marcelino de Figueiredo — como era conhecido no Continente que
chegou a governar — ou Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, fidalgo da Casa de Sua
Majestade e condenado por um crime em Portugal:
“Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, como vimos anteriormente, não
tinha a “ficha limpa” em sua carreira militar na metrópole. Após matar
um oficial inglês, em nome da honra ao Rei, fora julgado e condenado à
morte por um Conselho de Guerra. Com a ajuda de Pombal, Sepúlveda
transfere-se para a colônia em 1765, ainda como coronel, mas
escondendo sua “perigosa identidade” no codinome de José Marcelino.
Em 1767 é transferido do Rio de Janeiro para a fronteira do Rio Grande,
na qual iria participar da primeira tentativa de reconquista da vila do Rio
Grande. O insucesso na referida ação tem como corolário a substituição
em 23.04.1769 do então Governador José Custódio de Sá e Faria pelo
Coronel José Marcelino”. (Silva, 2000: p. 80)
A possibilidade de uma nova vida distante de quem o condenara por um crime de
honra estava, então, associada à mudança de identidade. Mais do que isso, à geração de
uma nova identidade. Não podendo ser reconhecido como Manuel Jorge Gomes de
Sepúlveda, o fidalgo que assassinara um nobre oficial inglês detrator da Coroa portuguesa,
passara à América. Talvez por não poder reclamar ou por ser mais difícil de ser
reconhecido, fora conduzido para o distante Continente do Rio Grande de São Pedro.
Passou para a longínqua fronteira sulina, tão necessitada de homens capazes de agir na sua
defesa. Ainda que acobertado pelo Marquês de Pombal em sua evasão da península, da
troca de nomes surgiu-lhe a possibilidade de uma nova vida, repleta de serviços à Sua
Majestade e, a posteriori, devidamente reconhecida. Passando novamente a Portugal,
morreu com honra, pois não retornou à Colônia. Ficou em Portugal para a defesa contra as
hostes de Napoleão. Note-se bem: tudo isto — a troca de nome, inclusive — com o aval do
grande ministro Pombal. De alto a baixo, a sociedade admitia o recurso do câmbio de
132
nomes como estratégia de vida e sobrevida. Sepúlveda/Figueiredo reconquistou, com sua
trajetória, o direito de uso de seu nome primeiro, aquele que fora maculado.
É bem verdade que essa mácula era bastante leve, porque não dizer,
“hidrossolúvel”: dissipara-se no ato de cruzar duas vezes o oceano. Leve porque o
assassinato cometido contra um nobre inglês fora para preservar a honra de El-Rei, seu
amo e senhor. Não sendo possível o perdão, valeu-lhe o novo nome de substituto, até que o
velho, novamente honrado, pudesse ser reassumido. Mas, sem esta mudança de identidade,
talvez a pena de morte, à qual fora condenado, fosse levada a cabo.
Ao construir uma “nova sociedade”, havia sempre uma possibilidade dos homens
recém-chegados fazerem-se “homens novos”. A experiência, como formulado e utilizado
por Thompson (1987), e o aprendizado obtido na conquista e povoamento desta e de outras
terras pelos súditos de Sua Majestade, lhes abria uma pequena margem para a mudança. O
nome e a pessoa podiam mudar, honrar-se, engrandecer-se, definhar ou macular-se. As
características agregadas ao nome podiam ser ocultas ou relembradas nos momentos
especiais.
IX. O nome, a mobilidade social e a
sociedade de Antigo Regime
As genealogias e as memórias de descender de heróis na defesa dos interesses de
Sua Majestade eram constantemente rememorados. No ato de solicitar uma mercê, uma
patente, um cargo, os nomes e os feitos dos ancestrais eram aludidos, lembrando às
autoridades e ao rei quão justa e justificada era a solicitação e quão merecedor e distinto
era o suplicante. As mercês régias eram recebidas como distinções, ou seja, como
diferenciadores entre os homens. Tudo concorria, portanto, para que os nomes agissem
como qualificadores dos sujeitos — nestes casos, muito mais sujeitos coletivos, membros
de grupos, clãs ou famílias, do que sujeitos individuais.
133
Em situação oposta, algum pretendente a estas mercês que tivesse no passado —
seu ou familiar — origens escusas ou poucas qualidades, poderia não ser atendido em sua
súplica. Ainda que mais freqüentes fossem aqueles agraciados por mercês devido à
comprovação de sua competência e serviços prestados a El-Rei, não raros são os casos que
entre vários pretendentes a um mesmo posto, os eleitos tenham sido aqueles com
reconhecidas qualidades, em detrimento daqueles que iniciavam sua trajetória no serviço
da Coroa ou que possuíam origem inferior.
No ano de 1750, Henrique Cesar de Berenguer e Bitencourt, natural da Ilha da
Madeira, fez um requerimento ao Rei, através do Conselho Ultramarino. Seu caso será
mais detidamente analisado no terceiro capítulo, mas de momento cabe dizer que solicitava
que dessem terras às suas três filhas e a ele a patente de Capitão da Ordenança. Usando do
nome de sua família de reconhecida trajetória no bom serviço de Sua Majestade e
conhecida de um dos conselheiros do Conselho Ultramarino, obteve mercês de vulto. Ou
seja, um nobre falido da Ilha da Madeira, ao qual não restavam outros bens que não o
nome familiar, passou à Colônia com vantagens diferenciadas das dos outros colonos, em
geral agricultores ou artesãos em situação de pobreza pior que a de um filho segundo de
uma família de nobres. Fora privilegiado na concessão das mercês em terras e da patente
solicitada em função do bem familiar que portava, construído por gerações anteriores de
sua estirpe no constante serviço de Sua Majestade.
Porém, a contrapartida existia. Pessoas de modesta situação ou isenta de grande
prestígio, como campônios, oficiais mecânicos, soldados de baixa patente, muitas vezes
coagidos ao alistamento nas tropas, podiam ser preteridos em suas pretensões. A vida
pregressa, pessoal ou familiar, consubstanciada em um nome, poderia significar uma
alavanca ou um entrave para galgar novas posições.
134
O contexto da conquista dos novos territórios permitia, tanto pela migração para um
território semi-virgem, como também através da troca de nomes nessas novas povoações, o
distanciar-se das origens escusas e humildes. Um camponês, um homem pobre, um ilhéu
famélico, através da troca de nomes poderia angariar terras, riquezas, prestígio, bom
casamento, boas relações, patentes militares, mercês diversas. Mesmo que obtivesse apenas
um pouco disso tudo, muito pouco, talvez. Mas com o novo nome, com uma ficha “limpa”
de máculas anteriores, desvinculada das origens humildes, judaicas, cristãs-novas, do
trabalho mecânico ou de atos criminosos, uma nova vida se abria.
Provavelmente, na maioria dos casos, o que houve foi a possibilidade de passar de
“ninguém” a “alguém”. Um homem, de nome Ventura, “do gentio da Guiné”, que vivia na
casa do Mestre-de-Campo André Ribeiro Coutinho, foi batizado no povoado de São Pedro
do Rio Grande. André Ribeiro Coutinho a esse tempo governava a Fortaleza e o próprio
Continente do Rio Grande de São Pedro. Os padrinhos de Ventura eram escravos, mas
nada no registro de batismo de Ventura diz que ele também o era, apesar da observação do
pároco sobre dizerem “ser fugido das Minas” (ADPRG – 1LBat-RG, batismo de Ventura,
nat. do gentio da Guiné - 16/07/1739). Essa cerimônia possibilitou-lhe uma nova vida, com
a liberdade, ainda que passível de questionamento, surgindo em seu horizonte, dando-lhe
um nome cristão com o qual distanciava-se do provável cativeiro nas regiões mineradoras.
Deixar de ser um “zé ninguém” para possuir um novo nome e uma nova vida para
construir era o que estava ao alcance da maioria dos moradores do Continente. Isso pode
parecer pouco. Mas lembrando que se está ante uma sociedade de Antigo Regime, de
características estamentais, onde a posição dada ao nascimento, devido às origens
familiares, condicionava a posição de um homem ao longo de sua vida, isso é muito. Nessa
sociedade, ao menos aparentemente, tudo tenderia à mantença da ordem e hierarquia
social, na qual as posições sociais cristalizadas deveriam ser rígidas, imutáveis.
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A pequena brecha aberta na conquista de novos territórios, vinculada às várias
possibilidades de angariar um nome, construí-lo, mudá-lo, descartá-lo, no entanto, existia
aberta às mudanças. As experiências dos conquistadores e povoadores lhes forneciam
elementos para agregar novos atributos a um velho nome ou forjar uma existência nova sob
novo nome. O falido Berenguer agregou à sua família de primeiros povoadores da Ilha da
Madeira também o atributo de primeiros povoadores de Santa Catarina. Também lhes era
possível legar essas experiências, vivências e atributos aos seus. Berenguer obteve mercês
através do nome consolidado de seus ancestrais. Ventura aproximou-se da liberdade
juntamente com o registro de seu novo nome e da sua associação ao nome do comandante
do território, André Ribeiro Coutinho. Os nomes e sobrenomes agregavam, então, os
atributos de seus portadores e, de modo inverso, atribuíam certas qualidades aos seus
portadores.
Essa mobilidade dentro da hierarquia social podia funcionar de maneira ascendente,
como no caso de um escravo/ninguém passar a ser um livre/alguém; um camponês-
servo/ninguém migrado que podia transformar-se em um soldado, um pequeno funcionário
ou pequeno proprietário. Havia a possibilidade de tornar-se alguém no estabelecimento das
novas povoações. A mobilidade, possibilitada, então, pelos atributos agregados aos nomes,
agia mantendo o status e a vida de quem já era alguém, como no caso de um fidalgo
Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda. Condenado à morte, tornado José Marcelino de
Figueiredo, veio a ser coronel e governador do Continente do Rio Grande de São Pedro.
Podia destruir o que fora construído ao longo de uma ou mais gerações, como no caso de
João de Magalhães, conquistador dos territórios, e o João de Magalhães, cuja desvairada
mulher quase pôs a perder a estabilidade social. Mudanças de nomes e das vidas, são,
também, mudanças nas posições ocupadas na escala social em uma sociedade em que, ao
menos em teoria, a hierarquia não permitia tais modificações.
136
Percebe-se, então, por mínima que seja, que uma possibilidade de romper com a
condicionante da posição social ao nascimento estava dada. Ao mesmo tempo, essa
possibilidade foi usada com o intuito de estabelecer no novo local que se povoava uma
hierarquia tão rígida e uma sociedade tão excludente quanto aquelas que foram deixadas
para trás no momento das migrações individuais ou coletivas.
O “clube” dos conquistadores dos novos territórios — a bem da verdade poderia ser
dito um belo “bando” formado por muitos “ninguéns” em suas origens, salvo raríssimas
exceções — através da construção dos novos nomes “tradicionais” em uma terra ainda sem
tradições, aglutinava senhores de terras, índios, escravos, patentes militares, cargos de
administração, legislação e justiça. Esses homens, formando uma elite local, foram zelosos
de suas posições construídas. Concentraram em si e nos seus a riqueza e o prestígio. Foram
seletivos na admissão de novos membros. Foram impiedosos ao excluir velhos membros
que ameaçassem essa ordem e “tradição”.
Apesar de parecer contraditório — um espaço de mobilidade atuando na
permanência das velhas estruturas sociais —, foi assim que se deu. Há, portanto, que
considerar-se o componente “mobilidade social” como elemento dessa sociedade que tende
ao imutável. Um componente estranho, pois apontando para a mudança e ascensão da
posição social de homens, famílias ou grupos de famílias — o que aparentemente daria um
caráter “implosivo” para esta sociedade — acabava por reforçar o caráter de rígida
hierarquia, caracterizada pela permanência e imutabilidade, pela clivagem entre os setores
que a compunham, pela exclusão da imensa maioria da população da riqueza e do poder.
A contradição, entretanto, começa a dissipar-se quando se tem a compreensão de
que o que está sendo mantido não é a posição de uma ou outra família dentro da hierarquia
social, e sim a própria hierarquia social. Essas elites que se formaram nos povoados
sulinos, chamando para si os adjetivos e engrandecimentos obtidos nos serviços da
137
conquista dos territórios e no romper dos limites entre os dois impérios ibéricos na
América, construíam a sociedade dentro dos moldes de organização que conheciam. Ainda
que o ingresso no que poderia ser chamado de elite local fosse de famílias ou de alguns de
seus membros mais destacados, o que esta elite tratava de forjar e manter era o nicho do
topo da hierarquia social.
Ascender ou decair dessa posição dependia de atitudes de grupos e famílias, tendo
de comprovar ante seus pares as suas qualidades, bens e posses, forjar alianças e
estabelecer acordos, nem tanto firmados, mas tácitos. Esses grupos e famílias podiam ser
postos em questão. Ascender ao grupo que detinha bens e poder político ou decair na
escala social era possível. Mas a existência do hierarquia social não estava questionada.
Entende-se aqui “elite” não como um grupo, mas como um locus social, preenchido por
pessoas com qualidades reconhecidas pela sociedade como um todo. A mobilidade social,
portanto, não ameaçava a existência desse patamar social. Podia ameaçar alguns homens,
algumas famílias, alguns grupos de famílias, mas não o nicho que estes homens, famílias
ou bandos ocupavam na pirâmide social.
Abreviações usadas nesse capítulo:
ABN
Anais da Biblioteca Nacional
AAHRS
– Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ACMRJ
– Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
ADPRG – Arquivo da Diocese de Rio Grande
AHCMPA
– Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
AN – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
SEB – Fundo Secretaria de Estado do Brasil
LBat – Livro de Batismos
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
RG – Rio Grande
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
SEB – Secretaria de Estado do Brasil
138
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Capítulo 3
A construção de uma “identidade açoriana” na colonização do
Sul do Brasil ao século XVIII
I. Introdução ao tema
O intuito desse capítulo é colocar em pauta a discussão acerca da formação de
uma “identidade açoriana” durante o processo de ocupação e colonização do então
Continente do Rio Grande de São Pedro. Não sendo o objeto central da pesquisa que ora se
desenvolve, esse tema tem-se imposto ao longo da investigação, demandando sua
problematização e estudo. Assim, o tema é colocado aqui muito mais como uma tentativa
de chamar a atenção para essa questão e propor o seu debate, do que como apresentação de
conclusões finais acerca do assunto.
O capítulo tem o foco para além da Vila do Rio Grande e avança até o período
posterior à devolução da Vila aos portugueses (1776), após sua tomada pelas tropas
espanholas em 1763. Para destacar o processo de formação de identidade, foi necessário
acompanhar certas trajetórias familiares. Isso fez com que os recortes, tanto o geográfico
quanto o cronológico, fossem constantemente extrapolados, para que não se perdesse a
riqueza de detalhes dessas trajetórias que dão sustento às hipóteses que aqui serão
levantadas.
Cabe aqui afirmar, antes de mais nada, que essa “identidade” nada ou muito
143
pouco tem a ver com a “identidade açoriana” que atualmente e, cada vez mais, se afirma
nos estados sulinos entre os descendentes de ilhéus, moradores de localidades por eles
fundadas ou povoadas durante o período colonial. Pela exigüidade do espaço, fica esta
discussão — a “identidade açoriana” contemporânea — para uma próxima ocasião.
Na visão corrente, essa “identidade açoriana” é, em muito, associada ao local de
origem dos migrantes. Todavia, no desenvolvimento da pesquisa percebeu-se que, no
século XVIII, nem todo nativo das Ilhas que habitou o Rio Grande compartilhava do
pertencimento ao grupo. Alguns não eram vistos nem se viam como “gentes das Ilhas” ou
“Casais de Sua Majestade”. Pretende-se, assim, demonstrar que a “identidade açoriana” no
século XVIII foi historicamente construída no Continente do Rio Grande de São Pedro.
Valem algumas premissas dessa análise também para o caso de Santa Catarina, já que
ambos faziam parte de um mesmo processo migratório, regido pelas diretrizes da Coroa
lusa, intensificado no Período Pombalino.
Não se fará aqui uma vasta discussão acerca do tema “açorianos” na
historiografia. Somente isso já ocuparia um sem-fim de páginas. O que se pretende
destacar aqui é um aspecto comum que perpassa todas as obras das quais se procedeu à
leitura, das mais antigas às mais recentes: o fato de “ser açoriano”, nos escritos aos quais se
teve acesso, aparece como coisa dada e não como uma construção que ocorreu ao longo do
processo de conquista e povoamento dos territórios meridionais.
Podem ser citadas aqui, a título de exemplo, algumas obras produzidas na
historiografia tanto tradicional quanto acadêmica. Os Casais Açorianos, de João Borges
Fortes (1999) e A Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul, de Henrique Oscar
Wiedersphan (1979), são obras da historiografia tradicional que têm os açorianos como
objeto e que são permeadas por esta visão: os açorianos como um grupo coeso e
homogêneo, dada a sua origem comum. Publicada mais recentemente, há a coletânea de
144
artigos intitulada Açorianos no Brasil, organizada por Véra Lúcia Maciel Barroso (2002),
que reúne textos de produção acadêmica e não-acadêmica. Mais da metade dos artigos nela
contidos versa sobre os açorianos no sul do Brasil e, também, na totalidade destes, os
imigrantes são vistos do mesmo modo: um grupo já construído como tal desde antes de sua
chegada ao Continente, haja vista todos terem a origem comum insulana.
Na historiografia acadêmica, pode ser citada a obra A Vila do Rio Grande de São
Pedro, de Maria Luiza Bertuline Queiroz (1987). Ainda que não seja os açorianos o tema
central desse trabalho, o impacto demográfico causado pela chegada do grande contingente
de migrantes ilhéus à Vila de Rio Grande se coloca como tema em cinco sub-capítulos. Os
açorianos, nessa obra, talvez pelo destaque dado aos aspectos demográficos que a
permeiam, também são analisados como uma unidade, um grupo coeso, sem grandes
distinções internas e com a origem geográfica a conferir-lhe o traço comum e suficiente
para a identidade de seus componentes.
Como último exemplo, a tese de doutoramento recentemente defendida, intitulada
Sonhos, Desilusões e Formas Provisórias de Existência: os açorianos no Rio Grande de
São Pedro, de Cleusa Maria Gomes Graebin (2004). A autora, nesse trabalho, se propõe à
análise das estratégias de sobrevivência dos açorianos no Rio Grande do Sul durante o
século XVIII. Propõe também o estudo da vida cotidiana desse grupo. Preocupada com a
construção da imagem e das representações do açoriano na historiografia regional,
entretanto, a autora não concebe o fato da construção e consolidação de um grupo
identitário, com origem e interesses comuns, como sendo, também, uma estratégia e,
portanto, fruto de escolhas e de opções que se ofereciam ou que eram possíveis nessa
sociedade. Tampouco analisa a possibilidade de algumas famílias de origem insulana não
compartilharem o sentimento de pertencimento ao grupo. O trabalho de Graebin, que
também se utiliza das fontes paroquiais do Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de
145
Porto Alegre cedidas por Vanessa Gomes de Campos, colocadas em seus anexos, não
detecta, a partir dessas e outras fontes, as grandes diferenças sociais existentes entre os
migrantes insulanos. Essas diferenças já foram apontadas na monografia de Adriano
Comissoli (2002) sobre os Casais de Sua Majestade em Viamão. Boa parte dessas
diferenças, pensa-se aqui, pré-existiam nas localidades de origem.
Assim, mesmo nos trabalhos mais recentes sobre “os açorianos”, encontra-se
presente o tal traço comum: “ser açoriano” antecede à chegada ao Continente do Rio
Grande de São Pedro. É a origem no arquipélago que determina o pertencimento ao grupo,
que possui características homogêneas. “Ser açoriano” também é, nessas obras, uma
situação pré-determinada pelo local de nascimento, e não uma relação entre um certo grupo
de pessoas e aquilo que encontraram na nova localidade para onde se dirigiram. “Ser
açoriano” é, para todas as obras lidas, uma situação atemporal e imutável, não aparecendo
como processo dinâmico ocorrido em tempo e local específicos, ou seja, não é considerado
um processo histórico.
Pretende-se indicar, ao longo desse escrito, que não basta uma origem geográfica
comum para dar as características necessárias para a inclusão nesse grupo. Assim como
muitos dos migrantes dos Açores eram parte dos casais ou eram ditos das ilhas, alguns não
eram vistos assim e nem assim apercebiam-se. Ao contrário, pretende-se mostrar que uma
identidade como essa somente é construída em algumas ocasiões, fruto das condicionantes
e das escolhas possíveis em um determinado local e um determinado momento histórico. A
construção dessa identidade foi, afirma-se aqui, antes de mais nada, uma opção dos nativos
das Ilhas. Não era compartilhada de maneira homogênea por todos que de lá vieram.
Tampouco foi opção adotada pelos ilhéus em todas as localidades para as quais migraram.
Mais do que isso, era um grupo, de alguma forma, “permeável”, que permitia, através do
casamento ou de outras formas de aproximação, que outros elementos ingressassem em
146
suas fileiras, passando a gozar de prerrogativas pertinentes ao conjunto. Ou ao contrário,
que determinadas pessoas ou famílias se distanciassem do grupo ao qual originalmente
eram ligadas.
Em nenhum dos documentos utilizados nessa pesquisa, tais migrantes eram ditos
ou se diziam “açorianos”. Antes, as desinências mais comuns para tais homens e suas
famílias eram as de gente das Ilhas, dos Casais de Sua Majestade, dos Casais de Número
ou simplesmente dos Casais. Isso leva a crer que mesmo a idéia de o Arquipélago dos
Açores ser uma unidade geográfica suficiente para conferir traço comum aos seus naturais
é posterior à chegada e ao estabelecimento dos “açorianos” no Continente do Rio Grande
de São Pedro. Muitas vezes, a ilha de origem se sobrepõe, em importância, ao próprio
arquipélago. O termo “açoriano”, portanto, soa anacrônico para a realidade estudada. A
origem de seu emprego também pode ser investigada por historiadores, que muito
provavelmente encontrarão o seu enraizamento na historiografia nacionalista das primeiras
décadas do século XX.
O termo “açoriano” será empregado doravante, no máximo, como indicação de
origem geográfica e não mais como designação de um grupo. Essa ressalva é significativa,
pois a auto-desinência e a desinência por outros é de fundamental importância para forjar e
manter a identidade de um grupo quando em contato com outros grupos (Barth, 2000b: pp.
25-67). Nesse pressuposto se baseia o presente texto.
Sobre outros aspectos, a discussão assumirá forma pontual ao longo do texto, na
medida em que algumas questões colocadas a tornem necessária.
Também é necessário alertar que, para um melhor entendimento das questões aqui
levantadas, será esboçada uma comparação com o caso dos imigrantes ilhéus trasladados
para o Estado do Grão-Pará e Maranhão ao mesmo período em que eram enviados
açorianos para o Continente do Rio Grande de São Pedro. Tal comparação não será feita
147
através de pesquisa em manuscritos, e sim tendo o trabalho da professora Rosa Elisabeth
Acevedo Marin, da Universidade Federal do Pará, complementado com algumas fontes
impressas sobre o Período Pombalino no Pará como mediadores (Cortesão, 1951;
Mendonça, 1963; Mendonça, 1989; Acevedo Marin, 2002).
A discussão será apresentada em cinco partes. Na primeira será feita uma
digressão para situar o contexto em que se deu o início do povoamento da Vila do Rio
Grande. Após, uma exposição das situações de emigração nas Ilhas, bem como a reiterada
vinda de migrantes dos Açores para a América portuguesa. Na terceira parte, através do
bem documentado exemplo de um fidalgo madeirense que engajou a si e a sua família em
uma das levas migratórias saídas do arquipélago dos Açores, discorre-se um pouco sobre
situação dos filhos segundos das boas famílias de ilhéus e sobre a diferenciação de estatuto
social entre os próprios migrantes. A quarta parte apresenta, através da parca
documentação encontrada a esse respeito, a percepção dessa diferenciação social nas
famílias que saíram dos Açores e chegaram ao Continente do Rio Grande de São Pedro. Na
quinta e última parte, através de uma breve comparação com o caso dos migrantes dos
Açores enviados para o Estado do Pará e Maranhão, estudado por Acevedo Marin,
discutem-se os motivos que levaram “os casais de Sua Majestade”, no sul do Estado do
Brasil, a construírem uma identidade de Ilhéus ou a não necessitarem dela para a sua
sobrevivência.
II. O Início da Povoação da Vila do Rio
Grande e a posse dos territórios de Sua
Majestade
“Para dar calor à nova povoação” que se estabelecia à margem da Barra da Lagoa
dos Patos, à sombra protetora da fortificação de Jesus-Maria-José, erigida sob o comando
de José da Silva Paes, tratou-se de trasladar populações civis — fossem elas lusas, luso-
148
brasileiras ou indígenas. Especial atenção era dada para que fossem remanejadas as
mulheres desimpedidas, sozinhas ou acompanhadas de suas famílias. Grande incentivador
do crescimento populacional nas regiões meridionais, o Brigadeiro Silva Pais preocupava-
se com as deserções dos soldados. Boa parte deles já havia participado das batalhas em
defesa da Colônia do Sacramento. Preocupava-se com a fuga dos mais jovens. Ansiava
que, com a presença de mulheres, os casamentos passassem a ocorrer amiúde, gerando
laços familiais que, em sua concepção, dariam menos azo às fugas (Fortes, 1980: p. 113).
Primeiramente, Silva Pais, governador do Rio de Janeiro e comandante militar do
Rio Grande, tratou de remanejar aquelas que ficaram conhecidas na historiografia como as
mozuelas. Eram mulheres da “difícil vida fácil” que foram conduzidas desde o Rio de
Janeiro para o Continente do Rio Grande de São Pedro. Solicitou-as também à Bahia,
conforme carta de Silva Pais ao Vice-rei:
Mulheres desimpedidas que lá [Rio Grande] podem casar e que
aqui [Rio de Janeiro] eram nocivas, e se Vossa. Excelência dessa cidade
[Salvador] manda também algumas (suponho não faltarão) serão úteis,
pois servem de raízes que prendem a gente moça que ali existe (...) (apud
Fortes, 1980: p. 113)
Não se sabe se da Bahia também vieram as “recrutas”, mas existem registros de
batismos nessas primeiras décadas da localidade de Rio Grande de São Pedro de mulheres
da Bahia sendo madrinhas de algumas crianças ou tendo filhos naturais ou legítimos com
homens de procedências diversas (p. ex. batismo de João, 03/06/1747 e batismo de
Mariana, 19/07/1750. ADPRG - 1LBatRG). Esses dão margem para que se pense que o
Vice-rei também tenha enviado as tais “mulheres nocivas”.
Num tom panegírico à terra, Silva Paes, em outra missiva, falava do êxito de seu
“exército feminino” ao Prior de Chaves:
(...) podendo segurar que é o melhor clima que tem na América,
pois ainda ali se não experimentou, nem houve sezões, nem febres
malignas, e Mulheres que eu tinha mandado do Rio, as mais corridas, e
149
Galicadas sem cura melhoraram, e pariram quase todas.(Extrato das
notícias que em uma Carta escreveu José da Silva Pais ao Prior de
Chaves In: Cesar, 1969: p. 128)
Após sua saída do comando da fortificação e da governança militar do presídio e
do Continente, foi nomeado seu sucessor. Um guerreiro experimentado em três continentes
passou a responder pela Comandância Militar do Rio Grande de São Pedro (Junta: termo
sobre a expedição. In: Mendonça, 1989 p.171). O Mestre-de-Campo André Ribeiro
Coutinho também se preocupou em acolher gente disposta a “dar calor à povoação”.
Durante seu serviço na Comandância, foram chegando povoadores, além dos soldados, dos
peões, dos condutores de tropas e das mozuelas. Foram remanejados outros contingentes
populacionais, desde casais de outras áreas da Colônia até os ditos “índios de Sua
Majestade”, muitos dos quais vindos de São Paulo, para o bom serviço de El-Rei.
(Coutinho, 2002).
Entre outros motivos para promover o povoamento, há o de que, já em meados da
década de 1730, os tratados de fronteira com Espanha, baseados no Tratado de Tordesilhas
e na tese dos limites naturais, estavam com seus dias contados. As terras do Continente do
Rio Grande de São Pedro ficavam todas para além dos territórios portugueses assinalados
pelo Tratado de Tordesilhas. Foram, durante todo o século XVIII, motivo de disputa entre
as duas Coroas ibéricas. Se por um lado os avanços em direção ao sul e ao oeste, buscando
os tais limites naturais, davam sinais de falência nas tratativas diplomáticas, por outro os
tais avanços, na prática, prosseguiam com muita força. Já se esboçava, desde a década de
1730, elementos para fazer valer a tese do utis possidetis. Ou seja, em algum momento
futuro das negociações, cada uma das duas nações européias ficaria com o exato território
que estivesse sob seus pés (Prado, 2002: pp. 57-58).
Até a década de 1740, a “caça aos gados”, com finalidade de extração de couros,
era responsável pela maior parte da produção comercializável e das receitas que
150
ingressavam no extremo-sul do Estado do Brasil (Porto, 1943 pp. 354-355). Mas ao que
tudo indica, essa atividade dava mostras de declínio, devido à extinção dos animais
(Coutinho, 2002; Hameister, 2002 pp. 186-198). A conduta de tropas de eqüinos, bovinos e
muares, enviadas para São Paulo e Minas Gerais, era a nova possibilidade de obter
dinheiro e mercadorias para comércio ao retornar da viagem (Hameister, 2002: pp. 186-
193). Todavia, os habitantes da localidade sulina deveriam dedicar-se também à
agricultura. Deveriam prover seus próprios alimentos.
A missão de tomar conhecimento dos territórios interioranos e desenhar seus
mapas, delegada aos padres geógrafos Domingos Capaci e Diogo Soares, tentava, para a
Coroa de Portugal, dar conta dos mais longínquos rincões por onde andavam seus súditos.
Sem nenhum exagero, os padres tomaram ciência, um tanto por suas viagens, outro tanto
por informações tomadas de homens experimentados nos inóspitos caminhos, desde o Rio
da Prata até Belém do Pará, dos caminhos litorâneos àquilo que ainda viria a ser chamado
de Região do Pantanal (Notícias Práticas, 2002). Antevendo uma guinada na diplomacia
das fronteiras, assinalavam qualquer agrupamento de choças onde habitassem os lusos ou
gente leal à Coroa Portuguesa. Portugal precisava ocupar efetivamente todo o território que
conseguisse, para argumentar posteriormente que a terra era sua, por direito de posse.
Distante dos outros povoados de posse lusa inconteste, a Colônia do Sacramento
era uma estrela sem constelação. Sua fragilidade aos ataques espanhóis, dado seu
isolamento, ficara evidente durante o cerco que estes promoveram e que durou de 1735 a
1737, quando foi quase perdida para os inimigos da outra margem do Rio da Prata
(Monteiro, 1937; Prado, 2002). Em 1737, portanto, ficou patente a necessidade de outros
povoados que servissem simultaneamente de apoio a Sacramento e de porta de entrada às
miríades de gados. Os gados estavam inacessíveis pelo norte de Sacramento desde que os
espanhóis ergueram o Campo de Bloqueio àquela praça. Também era desejável que o novo
151
povoado que margeava a Barra da Lagoa dos Patos servisse de pólo irradiador de
povoadores, que adentrassem mais e mais as terras do interior, com suas casas, lavouras e
benfeitorias, para quando as novas tratativas de limites chegassem a gerar um acordo. Isso
só ocorreria em 1750, quando foi assinado o Tratado de Madri.
Urgia, portanto, por esses diversos motivos, a povoação do extremo-sul. Era de
suma importância reverter a situação de seu litoral ermo e o interior, a esse tempo,
pontilhado pelas Missões dos Jesuítas espanhóis e suas estâncias e reduções repletas de
indígenas.
III. Os povoadores vindos das Ilhas
para a América
O início da chegada dos açorianos à Vila do Rio Grande, desde a década de 1750,
trouxe a esse povoado de fundação recente — menos de quinze anos se passaram desde
que o Forte fora erigido — um grande contingente de famílias migradas em conjunto. Não
mais as mozuelas de vida desregrada, “regeneráveis” na nova vida, na nova localidade.
Vieram famílias inteiras, migradas do Arquipélago dos Açores, em atenção às solicitações
de Gomes Freire de Andrade e de seu colaborador José da Silva Pais (Parecer do Conselho
Ultramarino e despacho, março e abril de 1744. In Cortesão 1951: pp. 440-441).
Ainda que trasladar casais das Ilhas para a porção sul dos territórios lusos na
América fosse uma novidade, não o era no processo de expansão do Império Português em
direção ao Novo Mundo. Datam de 1550 as primeiras solicitações de povoadores para a
Bahia (Carta de D. João III a Pedro Anes do Canto... In: Cortesão, 1951: pp. 395-397). Ou
seja, apenas cinqüenta anos tinham se passado desde o achado de Cabral. Por seu lado, as
Ilhas mal tinham completado cem anos desde que foram ocupadas por migrantes vindos do
norte de Portugal e da Madeira, além de um significativo grupo de estrangeiros: flamengos
em sua maioria e, em menor número, genoveses, ingleses e outros mais (Vieira, 1992: pp.
152
53-103).
O argumento da Coroa, usado para proceder tal transporte, passava primeiramente
pelos desastres naturais. Esses faziam das Ilhas dos Açores um local muito arriscado: os
vulcões do arquipélago lançavam constantemente pedras, fumaça, cinzas e lava de suas
entranhas. Deitavam fogo sobre a lavoura e a criação, expulsando as famílias de suas casas,
deixando como terra arrasada algumas vilas e povoados. Por outro lado, ao final da
travessia do Atlântico, havia terras de dimensões quase infinitas, onde o solo era bom.
Assim diziam as notícias: uma terra imensa em que “se plantando tudo dá”. Entretanto,
terra esta carente de povoadores, tanto agricultores como gente de ofício: carpinteiros,
ferreiros, pedreiros e outros mais, necessários para “construir” a sociedade e seus bens
materiais (In: Cortesão, 1951: p. 411). Afinal, na terra do pau-brasil tudo ainda estava por
fazer. Assim, a Coroa propunha o que aqui será chamado de duplo remédio: para as
populações de insulanos, a possibilidade de viverem de modo mais próspero, sem as
catástrofes que lhes destruíam casas e plantações; para as novas terras, gente que as
povoasse, que estendesse, que ampliasse, no além-mar, os domínios povoados de Sua
Majestade. Assim foi feito nesses primeiros momentos.
Já no século XVII, além da Bahia, tiveram vez Pernambuco, Grão-Pará e
Maranhão, Rio de Janeiro, sempre avançando, atingindo São Paulo e o interior da
Amazônia. Tem-se a impressão de que, sempre que as expedições militares ou chefiadas
por particulares adentravam um novo território, solicitavam, imediatamente após,
povoadores. As expedições entravam em contato com indígenas, promovendo seu
apresamento para servirem de mão-de-obra nas lavouras, colocavam-nas a “correr para os
matos”, contagiavam-nas com doenças ou, por vezes, dizimavam as aldeias daqueles a
quem não podiam submeter. Via de regra, os novos povoadores eram requeridos aos
Açores (In: Cortesão, 1951: pp. 395-493).
153
Porém, no século XVII não apenas as catástrofes naturais impunham fome e
necessidade nas Ilhas. Outros problemas surgiam no Arquipélago, causados pela presença
humana de um modo geral e pelo sistema agrário português de um modo mais específico.
Nos Açores, assim como em outras partes de Portugal, as grandes porções de
terras eram propriedades indivisíveis das famílias nobres. As formas de sucessão e a
indivisibilidade das terras existentes no direito consuetudinário, mais precisamente na Lei
Mental, foram especificadas nas Ordenações Filipinas, regulamentando e esclarecendo
dúvidas relativas às interpretações da lei não escrita (Almeida, 1870 Livro 2, Tit. 35-37:
pp. 454-463).
As terras das famílias nobres deveriam ser, segundo o sistema de herança que
regia a transmissão de propriedades de raiz da nobreza, repassadas apenas ao primogênito,
o único herdeiro delas, deixando para os demais filhos apenas a possibilidade de receber
bens móveis, se colocados em testamento. Por serem as terras doadas pelo Rei a alguns de
seus súditos, em reconhecimento aos bons serviços prestados por famílias em campanhas
militares, deveriam seguir na família, não podendo ser alienadas. Os filhos seguintes
podiam receber de herança algumas jóias, roupas e tecidos, algum dinheiro, caso a família
os tivesse. Mas, a menos que o primogênito viesse a falecer, o filho seguinte na linha
sucessória não receberia um grão de terra sequer (Almeida, 1870 Livro 2, Tit. 35: pp. 454-
462).
Além das grandes propriedades e morgados das boas famílias, havia no
Arquipélago muitas propriedades religiosas, também indivisíveis e inalienáveis. A maior
parte dos agricultores que não procediam dessas ricas famílias não possuíam terras. Eram,
em sua maioria, camponeses livres que lavravam as terras dos grandes senhores e das
ordens religiosas (Vieira, 1992: p. 71). A propriedade fundiária nos Açores, portanto, era
em sua maioria concentrada em poucas mãos, não podia ser dividida, tampouco vendida.
154
Em conjunção com os desastres naturais e com essa concentração das terras nas
mãos de poucos senhores e dos conventos e ordens religiosas, as terras dos Açores, ao que
tudo indica, não eram muito férteis. Foram exaustivamente exploradas nas lavouras de
cana-de-açúcar e pastel — uma erva tintória produzida nessas ilhas —, assim como o trigo
para a exportação (Vieira, 1992: pp. 136-173). As lavouras com fins de comercialização
exigiam muito das qualidades nutritivas do solo que, sem nenhum manejo — adubação,
reflorestamento ou outra prática que lhes repusessem os nutrientes — viu-se esgotado e
incapaz de prover o sustento daqueles que o lavravam (Vieira, 1992: p. 143 e ss.). Além
disso, em intervalos impossíveis de serem previstos, continuavam a acontecer as tais
erupções, terremotos e maremotos de vagas imensas, inviabilizando, vez por outra, as
safras.
Se no primeiro momento da migração para a Bahia eram as erupções vulcânicas e
os terremotos os motores da migração, no século XVIII há a explícita insuficiência na
produção de alimentos como motivo da emigração. Em um dos documentos que tratam do
traslado de açorianos para a Colônia do Sacramento, encontra-se o seguinte trecho:
Nos anos seguintes se poderão mandar mais casais, que se
poderão tirar das Ilhas, onde são tantos que os não pode sustentar o
pequeno terreno que habitam, e a conveniência que se pode tirar
daquelas terras fertilíssimas do Rio da Prata só há de ser pelo meio dos
moradores que fazendo assento nela hão de procurar utilidades que pode
dar. (Parecer do Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa ... In: 1951: p.
411 - grifo meu)
As Ilhas, portanto, sofriam o problema da superpopulação. Não quer dizer,
necessariamente, que possuíssem uma população numericamente exagerada em termos
absolutos. Mas o exagero existia na relação desse número de habitantes com os recursos e
a capacidade ou a disponibilidade das terras em produzir alimentos. O terreno das Ilhas
dedicado à produção de grãos e outros gêneros para o consumo local era insuficiente para
prover seus habitantes. Para a obtenção do alimento necessário, os proprietários das
155
grandes glebas que também detinham as porções de terras mais férteis teriam que cessar a
produção voltada para a comercialização fora das Ilhas. Isso encontrava boa oposição dos
grandes senhores que dessas lavouras obtinham sua riqueza. Os Açores eram, com bastante
freqüência, a esse tempo, importadores de alimentos. Não foram poucos os conflitos e
revoltas causados pela falta de abastecimento (Vieira, 1992: pp. 136-203). Eis, então, que
fazer migrar os camponeses e os artesãos aliviava essa situação de carência de
mantimentos oriunda da pressão demográfica existente no arquipélago.
Aqui se faz necessário registrar a discordância com Graebin, que afirma em sua
tese de doutoramento serem os desastres naturais o motivo maior da retirada de
contingentes populacionais de ilhéus em direção à América (Graebin, 2004: pp. 80-89). A
longeva e reiterada migração de insulanos — a bem da verdade, ela estendeu-se até o
século XIX — pensa-se aqui, tinha como impulsionador o mesmo motivo que levava as
gentes do norte de Portugal, lugares não afeitos a tantos cataclismos, a deixarem para trás
sua terra natal de forma constante e sistemática: o sistema de heranças e propriedade de
terras vigente em Portugal. Nas palavras de Jorge Miguel Pedreira é dito: “regimes
sucessórios não igualitários que privavam da posse de terra uma grande parte dos
descendentes, obrigando-os a abandonar a exploração agrícola” (Pedreira, 1995: p. 207).
Entretanto, a migração periódica dessa população necessitada resolvia apenas
parte da equação que tem o Atlântico como separador de seus dois membros. As famílias
eram conduzidas para a América, podiam viver com maior prosperidade, procriar e povoar
os territórios, aliviando a pressão demográfica nos Açores. Todavia, faltava também gente
experimentada em mando e administração nas novas colônias que se fundavam no além-
mar. Em contrapartida, as boas famílias das Ilhas tinham seus filhos segundos distanciados
da herança das terras. Também havia de ter solução esse problema.
156
IV. Os filhos segundos e os novos
povoados, através do exemplo de
uma família madeirense
A migração dos setores menos aquinhoados resolvia a questão de reduzir a
população nas Ilhas e aumentar o número de povoadores nos novos territórios americanos.
Mas isso não dava solução ao problema das melhores famílias do Arquipélago, qual seja: o
que fazer com os outros filhos das boas famílias que tinham nome, nobreza, prestígio,
distinção e o cofre vazio? Ao que tudo indica, facilitar a migração desses outros filhos que
não os primogênitos também foi prática corrente nesse século XVIII. Foi, inclusive,
subsidiada pela Coroa lusa. Muito provavelmente os chamados segundões não viessem a
obter títulos de nobreza nos novos territórios americanos. Poderiam, entretanto, angariar
terras e prestígio, aumentando as folhas de serviços próprias e de suas famílias, agindo no
interesse de Sua Majestade.
Tem-se o exemplo de Henrique Cesar de Berenguer e Bitencourt, migrado para a
Ilha de Santa Catarina nos anos que cercam 1750 (Requerimento de Henrique Cesar
Berenguer e Bitencourt, natural da Ilha da Madeira - 1750 e anexos. In: AN-BN vol. 50,
1936: pp. 83-85). Esse homem não era um açoriano, mas um madeirense, ou seja, não
pertencia às Ilhas contempladas com a ênfase migratória para o extremo sul da Colônia
dada no Edital de 1747 (Fortes, 1999: pp. 26-27).
Segundo Walter Piazza, o engajamento de 59 migrantes da Madeira nos intentos
de povoamento do extremo-sul do Estado do Brasil ocorreu por insistentes solicitações de
Berenguer e Bitencourt, iniciadas em 1746, a despeito de mais de dois mil alistados nos
Açores (Piazza, 1997: p. 125). Somente de sua família vieram quinze pessoas. Isso acabou
contribuindo para que o arquipélago da Madeira fosse incluído na área de emigração nessa
metade do século XVIII (Santos, 1999: pp. 110-113).
Berenguer e Bitencourt pediu ao Conselho Ultramarino especial atenção ao seu
157
caso e de seus familiares. Solicitou que fossem trasladados para a Ilha de Santa Catarina às
custas da Real Fazenda, como os demais migrantes, para dar contribuição para o
povoamento, com sua qualidade e com sua experiência em uma situação de mando: fora
Capitão da Sala do General na sua cidade natal, Funchal, capital do Arquipélago da
Madeira (Consulta do Conselho Ultramarino, anexa ao Requerimento de Henrique Cesar
Berenguer e Bitencourt... 1750. In: AN-BN vol. 50, 1936: p. 84). Sua trajetória, das Ilhas
Atlânticas ao sul do Estado do Brasil, dá as pistas para entender o drama que se passava
com as melhores famílias das Ilhas e como ele era resolvido. Tentava-se solução e, ao
mesmo tempo, alívio à pressão demográfica “específica” que pesava sobre os membros
dessas famílias nobres, e ao problema da falta de gente de mando nas terras por povoar.
Seria esse, também, uma espécie de duplo remédio à situação de “excedente populacional”
específica entre os fidalgos.
Berenguer e Bitencourt solicitou ao Conselho Ultramarino que lhe fosse permitido
embarcar junto com os nativos dos Açores que partiam para a Ilha de Santa Catarina.
Argumentava que Sua Majestade teria nele um bom e laborioso súdito. Contando a seu
favor, tinha a trajetória de seus ancestrais. Pedia, então:
(....) atenção ao serviço que tem feito, e seus antepassados e
qualidades de sua pessoa, na certeza de que não passará àquelas partes
outro de qualquer das Ilhas que o exceda em nobreza (...) para passar à
América a povoar aquelas terras incultas com a diferença na ajuda de
custo segundo o número de sua família e distinção de sua pessoa.
(Requerimento de Henrique Cesar Berenguer e Bitencourt, natural da
Ilha da Madeira e um dos povoadores da Ilha de Santa Catarina - 1750.
In: AN-BN vol. 50, 1936: pp. 83-85).
O Executor do Conselho Ultramarino contribuiu com informações a respeito de
Berenguer e Bitencourt:
Sem embargo de não ter do suplicante conhecimento, o tive
bastante de seu pai, que foi meu condiscípulo nos estudos, é com efeito
de famílias ilustres e das primeiras daquela Ilha, que suposto haja na sua
casa um morgado ou dois, o suplicante procede de um filho segundo
dela e não tem cabedais para conservar-se, com tratamento igual à
sua pessoa; e a razão de ficarem pobres os filhos segundos daquela
158
casa foi por seus avós despenderem todo o valor dos bens livres que
possuíam, na fundação de um Mosteiro de Religiosas Capuchas de que
são os Padroeiros e haverem-no reedificado por duas vezes.
(Requerimento de Henrique Cesar Berenguer e Bitencourt, natural da
Ilha da Madeira e um dos povoadores da Ilha de Santa Catarina - 1750.
In: AN-BN vol. 50, 1936: pp. 83-85 - grifos meus).
Houve o reconhecimento das qualidades, suas e de sua família, já que sua
solicitação acabou sendo atendida em todos os seus pormenores. Isso o diferenciava, em
muito, das demais famílias migrantes.
Pouco tempo após a chegada de Berenguer e Bitencourt às terras americanas,
encaminhou nova solicitação. Dessa vez, além do pedido de ajuda de custo diferenciada,
pedia que lhes fossem dadas quatro porções de terra medindo meia légua quadrada. Meia
légua para si e meia légua para cada uma de suas três filhas, como dote para o casamento
das moças. Talvez por não ter idéia das reais dimensões do território para aonde estava
sendo (havia sido) enviado, talvez por não saber que os homens que acumulavam serviços
à Coroa estavam solicitando e recebendo sesmarias de até “três léguas de comprido por
uma de largo” na década de 1750 (RAPM, 1933), solicitara uma parcela de terras muito
inferior aos dos “melhores” que se envolviam na conquista dos territórios do extremo-sul
da América. Entretanto, o somatório das terras pedidas por Berenguer e Bitencourt era de
duas léguas de comprido, por meia légua de largura. Isso era uma grande quantidade de
terras em comparação ao que se podia obter nas superpovoadas Ilhas portuguesas. Isso
também era muito mais do que o quarto de légua em quadro que receberiam os demais
ilhéus, como ressaltava o próprio parecer do Conselho Ultramarino.
Pedia, também, que lhe fosse dada a patente de Capitão das Ordenanças da
localidade onde se estabelecera. Este, assim como seus demais pedidos, foi atendido, com
a ressalva em destaque na citação que abaixo segue:
(...) e como o suplicante quer levar na sua companhia 3 filhas,
se dê para o casamento de cada uma delas meia légua de terras em quadra
de sesmaria, e o mais que se manda a dar a cada um dos casais que
159
naquela parte se estabelecerem, dando-se também ao mesmo suplicante
meia légua de terra em quadra, sem embargo de se dar a cada um dos
casais um quarto de légua, e vistas as razões que o suplicante refere e
informação que dele há, se lhe dêem 150$000 rs de ajuda de custo para o
seu transporte, com as seguranças necessárias e uma patente de Capitão
da Ordenança do distrito aonde se lhe determinar o seu
estabelecimento, com declaração que não terá menos de 50 casais na
sua jurisdição, o que é conveniente acautelar para que se não
multipliquem os cargos da ordenança desnecessariamente... (Anexo
ao Requerimento de Henrique Cesar Berenguer e Bitencourt.... In: AN-
BN vol. 50, 1936: pp. 84-85- em itálico na publicação, negritos meus)
Supondo-se uma família, constando de pai, mãe e três filhos — ainda que seja um
número pequeno de filhos para a época e desconsiderando a existência de outros parentes e
agregados — Berenguer e Bitencourt tinha garantido, sob o seu mando, numa estimativa
que deve ficar aquém do número real, um mínimo de duzentas e cinqüenta pessoas. Em um
território não povoado, isso significa ser o principal poder de uma nova aldeia. Era o líder,
nomeado pelo próprio Rei, de praticamente toda a população livre de uma localidade. Na
localidade onde Berenguer e Bitencourt assentou-se, Desterro, hoje Florianópolis,
acumulou os cargos de Capitão de Ordenanças, Juiz de Órfãos, e Juiz Ordinário (Santos,
1999: p. 113).
De forma diferente, aos “casais” recrutados nas Ilhas, o Edital de 1747 colocava
apenas uma ajuda de custo de
dois mil e quatrocentos réis para cada mulher acima de doze
anos que embarcasse, e ajuda “para vestir” de um mil réis para cada filho ou filha, além de
insumos e ferramentas (Edital. In: Fortes, 1941: pp. 26-27). Ainda que adendos posteriores
a esse edital tenham estendido benefícios aos filhos e agregados dos casais, a presteza no
atendimento da solicitação desse madeirense não é, nem de longe, comparável aos vinte ou
mais anos que levaram os Casais para receber seu quinhão de terras. A Coroa, nas novas
terras conquistadas, numa visível redistribuição social das riquezas da conquista,
privilegiava alguns em detrimento de outros. Propiciou, na mercê de terras, o dote das
filhas do fidalgo segundão da Ilha da Madeira e sua liderança sobre os demais povoadores.
160
Percebe-se, portanto, nos pareceres às solicitações de Henrique Cesar de
Berenguer e Bitencourt, notada diferença entre o tratamento que ele e sua família
receberam e aquele usualmente dispensado aos Casais de Sua Majestade. O filho segundo
e demais membros de uma família de nobres vindos das Ilhas, sejam elas do Arquipélago
dos Açores ou da Madeira, não eram igualados aos demais habitantes que migraram para a
América. As diferenças de estatuto social não se esvaeciam na migração. Isso é plenamente
compatível com a idéia de justiça distributiva vigente nas sociedades mediterrâneas de
Antigo Regime, as quais possuíam uma forte hierarquização social. Uma desigual
distribuição social de recursos, pois os homens possuem diferentes qualidades, e ainda
assim justa, pois a cada um há o quinhão que lhe compete de acordo com uma avaliação de
seus pares e coevos sobre sua posição nessa sociedade (Levi, 2002).
Semelhante ao caso de Berenguer e Bitencourt, tem-se a família de Antônio
Rodrigues Carneiro, trasmontano que conduzira casais de sua região para a Colônia do
Sacramento. Rodrigues Carneiro foi agraciado com a patente de Sargento-mor daquela
praça, com soldo equivalente aos sargentos-mores dos Terços do Rio de Janeiro, além da
superintendência do linho-cânhamo. Os homens prometidos como noivos às suas quatro
filhas receberam patentes de Alferes e Tenentes, também sendo transportados às custas da
Coroa (Parecer do Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa... In: Cortesão, 1951: p. 413).
A cada um dos casais de trasmontanos foi dado, além de ferramentas e sementes,
um tostão por cabeça a cada dia de viagem, supondo-se 4 pessoas em cada casal, como
ajuda “para se fardar”, a quantia de 12$000 por casal. Em terras ser-lhes-iam dadas “10
jeiras de terra em quadra, para nelas poderem fazer roças, currais e o mais que lhe parecer
em benefício próprio”, onde uma jeira equivale a 400 braças ou 0,2 hectare (Parecer do
Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa... In: Cortesão, 1951: p. 414). Todavia,
161
Ao Capitão Antônio Rodrigues Carneiro parece se devem dar
20 jeiras de terra na vizinhança da praça e duas léguas em quadra no
território e para fazer a jornada para esta Corte e conduzir a sua família
60$000 e para se fardar 120$000 (Parecer do Conselheiro Antônio
Rodrigues da Costa... In: Cortesão1951c: pp. 413-415).
O território, portanto, era novo, mas a estrutura social era calcada na velha
sociedade portuguesa do Antigo Regime, que muita distinção fazia entre os homens livres.
Eram todos povoadores, mas uns já partiam das ilhas ou da península com possibilidades
de obtenção de patentes e mercês diferenciadas. A acumulação de bens, poder de mando e
prestígio eram possibilitados a uma família (a algumas famílias), ou seja, a quem já tinha
um lastro familiar e aquilo que poderia se chamar de “um bom berço”.
A responsabilidade do mando em uma sociedade recente recaía, então, sobre
membros de antigas e boas famílias portuguesas, considerando aqui as Ilhas como a última
fronteira atlântica do território português em toda a acepção desses termos, não como
colônias de Portugal. A estruturação da sociedade nas colônias do extremo-sul da América,
portanto, era moldada na mesma forma da sociedade portuguesa de Antigo Regime, ou
seja, calcada nas diferenças de estatuto social entre os homens livres, na hierarquia, na
distribuição desigual dos recursos. Um camponês ou um artífice não se igualava a
Berenguer e Bitencourt em origens e qualidades.
A segunda parte da equação encontrava, assim, uma solução plausível. Os
segundões da nobreza das Ilhas partiam para as novas terras recém-conquistadas.
Agregavam o atributo oriundo do desbravamento das terras e da formação de novos
povoados às folhas de serviço de suas famílias, já aludidas nos registros documentais como
sendo dos primeiros povoadores das Ilhas atlânticas, aumentando assim as suas qualidades
e os seus préstimos no “Real Serviço de Sua Majestade”.
Ao redor desses segundões e suas famílias organizava-se a sociedade. Davam
seqüência a trajetórias familiares que reuniam prestígio, terras, riquezas e poder de mando.
162
Sua migração aliviava a “pressão demográfica específica” das famílias nobres, ao mesmo
tempo em que contribuía para dar ordem ao caos pré-existente, dar ordem a algo que não
passaria de um aglomerado de pessoas, caso lhes faltassem os esteios da organização social
conhecida. As famílias de baixo estatuto social, sem ter quem os dirigisse e os colocasse no
caminho do bem-servir à Coroa, da qual eram súditos, talvez não levassem a bom termo a
colonização americana. Os fidalgos “empobrecidos” contribuíam, assim, com sua presença
e com sua posição nos novos povoados para que, em tudo, a ordem sobrepujasse o caos nos
novos territórios de Sua Majestade.
Em se tratando de estratégias, a migração para a América demonstrou ser uma
possibilidade de sobrevida às famílias fidalgas, através de seus filhos segundos. Tanto
quanto era uma perspectiva de alívio de uma situação de fome iminente que sempre
assombrava os despossuídos agricultores ilhéus. Um mesmo fenômeno histórico — a
migração para terras americanas — possuía, então, significados e importâncias diferentes
para os agentes sociais, diferenças essas associadas às diferenças sociais pré-existentes nas
Ilhas.
V. As boas famílias dos Açores e o
povoamento do Rio Grande
Para o Continente do Rio Grande de São Pedro encontram-se casos semelhantes
ao desse “pobre nobre” madeirense e do Capitão trasmontano. Ainda que não se tenham
encontrado explicitamente solicitações ou pareceres do Conselho Ultramarino que os
diferenciassem, tais como as citadas no tópico anterior, é muito pouco provável que
houvesse tanta diferença nas práticas da Coroa e dos ilhéus. Eles eram portugueses, e como
portugueses se organizavam. Eis aqui o papel das regularidades percebidas ao longo do
tempo e em diferentes locais a ajudar a suprir as lacunas da documentação.
Encontraram-se, todavia, referências menos substanciosas em seus conteúdos,
163
mas que deixam antever distância entre certas famílias de insulanos e o restante dos
migrados.
As filhas de Antônio Furtado de Mendonça e Isabel da Silveira, oriundos da Ilha
do Faial, freguesia de São Salvador da Vila da Horta, por exemplo, têm o tratamento de
“Dona” desde que chegaram ao Continente (ADPRG - Livros 1, 2, 3 e 4 de Batismos da
Vila do Rio Grande, 1738-1763). Também se verificou que seus maridos não faziam parte
do contingente de camponeses de poucas posses ou de homens de ofício. Essas moças, em
sua maioria solteiras quando da chegada, casaram-se dentro do seleto grupo de detentores
de sesmarias de grandes proporções, de grandes rebanhos de gado, arrematadores de
contratos e oficiais da Câmara, conforme se verá a seguir. As moças de sobrenome
Silveira, da família Furtado de Mendonça, destacavam-se do conjunto dos insulanos,
mesmo quando casadas com insulanos.
Tanto as filhas de Antônio Furtado de Mendonça quanto os seus genros, não
compartilharam dos momentos de penúria que atingiram os migrantes dos Açores à sua
chegada no Continente. Veja-se, a seguir, a qualidade das relações sociais estabelecidas
por esse grupo de migrantes, cujas conexões foram identificadas através dos registros de
batismo dos filhos de um desses casais. Francisco Pires Casado, filho de Francisco Pires
Casado e Felipa Antônia da Silveira, natural da Ilha do Pico, freguesia de Santa Luzia, era
casado com Dona Mariana Eufrásia da Silveira, filha de Antônio Furtado de Mendonça e
Isabel da Silveira. Ela era natural da Ilha do Faial, freguesia de São Salvador da Vila da
Horta. Provavelmente as mães de Francisco e de Mariana Eufrásia guardavam parentesco
próximo. O pai de Dona Mariana Eufrásia, falecido antes de 1761, era alferes,
provavelmente da Companhia da Ordenança (Jaccottet & Minetti, 2001: p. 61).
No ano de 1778, em seu domicílio na freguesia de Viamão estavam arrolados,
além de familiares e agregados, 19 escravos. Francisco Pires Casado, em registro
164
documental de 1784, detinha campos em sociedade com Manuel Bento da Rocha, nos
quais animais foram contados em quantidade
“8000 animais vacunares, 700 animais
cavalares, 90 burros/burras, 30 bois mansos, 100 mulas 60 cavalos mansos e 300 ovelhas”.
No 1
o
Livro de Óbitos da Freguesia de Viamão é dito Capitão (AHCMPA - Rol dos
Confessados de Viamão -1778; AHRS - Relação dos Moradores de Viamão, 1778 - códs.
F1198 A e B1784; Neumann & Kühn, prelo 1º LObt Viamão).
Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia tiveram no mínimo quatro filhos
batizados na Vila do Rio Grande, os quais também registram os padrinhos. São eles:
Quadro I – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia
Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Rosália 12/01/1755 Francisco Antônio da
Silveira
Das Ilhas Dona Joana Margarida
da Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Maurícia 01/10/1758 Manuel Fernandes Vieira Braga, Póvoa de
Lanhoso
Dona Maria Antônia da
Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Manuel 17/02/1760 Manuel Bento da Rocha não consta
(península?)
Dona Isabel Francisca
da Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Francisca 02/08/1762 Domingos de Lima Veiga Portugal não consta não consta
Fonte: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)
Vejam-se agora, quem eram os padrinhos dos filhos desse casal e com quem
guardavam relações, fossem estas de parentesco sangüíneo, parentesco afim, parentesco
fictício ou de negócios:
Francisco Antônio da Silveira: provavelmente irmão ou primo de Dona Mariana
Eufrásia da Silveira, casado com Úrsula Maria da Conceição. Além da menina Rosália,
possui apenas um outro afilhado, juntamente com Úrsula. A madrinha não compareceu à
cerimônia desse segundo afilhado, dando procuração para que a representassem na
cerimônia (Jaccottet & Minetti, 2001: p. 93) Francisco Antônio possuía, em 1767, marca
de gado registrada nos livros da Câmara de Viamão (Fortes, 1941: p. 175).
Manuel Fernandes Vieira: natural de Povoa de Lanhoso, arcebispado de Braga,
freguesia de Fonte da Arcada. Casado com Dona Ana Inácia da Silveira, natural da Ilha do
165
Faial, fr. São Salvador da Vila da Horta, irmã de Dona Maria Eufrásia. Dos batismos
levantados até o momento, Manuel Fernandes Vieira foi padrinho de quatro crianças,
incluindo a filha de Pires Casado. Fernandes Vieira deve ter chegado ao Continente por
volta de 1751, com os contingentes convocados por Gomes Freire de Andrade para a
expedição de demarcação de limites do Tratado de Madri. Em 1752 foi nomeado Tabelião
da Vila do Rio Grande, podendo ter renovação do cargo em seis meses. Essa renovação
deu-se várias vezes, sendo-lhe acrescentado ainda ofício de Escrivão de Órfãos da Vila do
Rio Grande. Teve sucessivamente as patentes de Sargento-supra da Ordenança e de
Capitão da mesma companhia, todas essas mercês dadas ou ratificadas por Gomes Freire
de Andrade (RAPM, 1929: pp. 452, 488 e 574). Ainda na Vila do Rio Grande foi
Contratador dos Açougues, em sociedade com Manuel Bento da Rocha. Uma vez tendo
deixado a Vila do Rio Grande, foi oficial da Câmara em Viamão, logo após a reinstalação
desta, em 1766, provavelmente continuidade de um mandato interrompido com “a correria
que promoveram os castelhanos” (PMPA, 1992: pp.14). Essa era a única câmara existente
no Continente do Rio Grande de São Pedro. Registrou marca de gado nessa mesma
Câmara em 1767 (Fortes, 1941: p. 167), e em 1776, morador nos Campos de Viamão, tinha
arrolados em sua propriedade, além de sua família, cerca de dezessete escravos (AHCMPA
Rol dos Confessados de Viamão, 1776). Manuel Fernandes Vieira registrou três filhos
nos livros de batismo de Rio Grande. A menina mais velha, Vicência, não tem padrinhos
registrados, pois seu batismo deu-se em casa, em situação de emergência. Da segunda
filha, Clemência, o padrinho é Antônio Lopes da Costa, morador do Rio de Janeiro.
Ausente na cerimônia, Lopes da Costa passou procuração para o Capitão de Mar e Guerra
ad honorem Mateus Inácio da Silveira, natural da Ilha do Faial, Freguesia de São Salvador,
casado com Maria Antônia Silveira, outra das irmãs de Dona Mariana Eufrásia. Mateus
Inácio era parente próximo de sua esposa. Por último, o menino Manuel, cujo padrinho foi
166
Anacleto Elias de Afonseca (Jaccottet & Minetti, 2001: p.80), um dos mais importantes
comerciantes da praça do Rio de Janeiro (Fragoso, 1998) e arrematador do contrato dos
Registros das Passagens dos Animais de Viamão e Santa Vitória na década de 1770 (Kühn,
2000).
Manuel Bento da Rocha: não se tem por certo a sua procedência. Provavelmente
fora vereador na Vila do Rio Grande, sendo também membro da Câmara em Viamão, após
a transferência. Era casado com Dona Isabel Francisca da Silveira, outra das irmãs de Dona
Maria Eufrásia e sócio de Manuel Fernandes Vieira no contrato dos Açougues. Em 1755
recebeu carta de sesmaria de uns campos chamados Curral de Arroios, constando neles
edificações de casas, plantações das quais já fizera colheitas (RAPM, 1933: pp. 150-152).
Na nova freguesia do Triunfo possuía terras em sociedade com Francisco Pires Casado,
com os já citados numerosos animais (AHRS- Relação dos Moradores de Triunfo, cód.
F1198-A 1784). Consta ter mais dois rincões, sem sociedade. Nessas terras possuiria
12.000 vacuns, 4.600 cavalos e éguas, 1160 burros e burras; todavia, essas últimas
informações não estão confirmadas (Pawels, 1930: nota 13 e nota 23). Em Rio Grande foi
padrinho de mais quatro crianças, além do filho de Francisco Pires Casado, seu sócio em
terras e cunhado. Seus afilhados são filhos de gente provinda das ilhas de São Jorge,
Graciosa, Pico e Faial, dentre os quais uma das filhas do também já citado Capitão de Mar
e Guerra ad honorem Mateus Inácio da Silveira, (Jaccottet & Minetti, 2001: pp. 90). Entre
os anos de 1766 e 1775 estão registrados cinco óbitos de escravos seus em Viamão
(Neumann & Kühn, prelo 1º LObt Viamão 1748-1777), ainda que não se tenha encontrado
outros registros de sua escravaria.
Domingos de Lima Veiga: Natural da Península, casado com Gertrudes Pais de
Araújo. Segundo Queiroz, possuía no mínimo entre cinco e sete escravos na Vila do Rio
Grande. Deteve patente de Sargento, Alferes da Cavalaria de Ordenança e de Capitão da
167
Ordenança do Rio Grande, foi oficial da Câmara em Viamão em 1767 (PMPA, 1992: p.14)
e escrivão da Fazenda Real na década de 1770. Na vila do Rio Grande foi padrinho de oito
crianças açorianas, o que denota o seu prestígio entre os ilhéus. Muito mais se visto que
sua família
esposa e filhos era constantemente convidada ao compadrio, ainda que não
houvesse grande concentração de afilhados em quaisquer de seus membros. Domingos de
Lima Veiga é o único dos padrinhos dos filhos de Francisco Pires Casado que não
pertencia à família, mas não deixava de pertencer ao pequeno “clube” de detentores de
escravos, terras, patentes e privilégios na Vila do Rio Grande. A assinatura de Domingos
de Lima Veiga aparece num grande número de documentos de datas de terras entregues
aos açorianos e, coincidentemente, sua família, quando ainda era moradora de Rio Grande,
foi uma das que mais apadrinhou filhos de migrantes ilhéus. Isso aponta para uma estreita
relação entre a “popularidade” daqueles que são amiúde convidados para padrinhos e a
existência de uma base social de apoio que dê sustento às posições de mando em uma
localidade (Hameister, 2003a). Também aponta para a existência de uma via de duas mãos:
de alguma forma, o Capitão participou da aplicação da justiça distributiva quando fez
medir e assegurar as terras a seus compadres e afilhados ilhéus ou descendentes,
retornando a eles a dádiva inicial de ser incluído em suas famílias através de um parentesco
religioso e espiritual.
Retornando aos batismos do genro de Antônio Furtado de Mendonça, tem-se que,
entre Francisco Pires Casado, seus parentes, seus compadres ou cunhados, encontram-se,
no mínimo, as seguintes mercês, cargos, patentes, escravos, terras e animais,
concomitantemente ou dispersas ao longo de suas trajetórias:
4 marcas de gado;
1 patente de Capitão-de-Mar e Guerra ad honorem, 1 de Sargento-supra da
168
Ordenança, 2 patentes de Sargento das Ordenanças, 3 patentes de Capitão das Ordenanças;
2 patentes de Alferes das Ordenanças
3 vereadores;
4 sesmarias;
41 escravos
20.000 cabeças de gado vacum; 5.000 cavalos, 1.200 asininos;
ofício de Tabelião da Vila do Rio Grande, ofício de Escrivão do Juizado de
Órfãos, ofício de escrivão da Fazenda Real;
contrato dos Açougues.
Outras comprovações do estatuto social elevado dessas famílias podem ser
observadas na qualidade dos dotes quando do casamento de suas filhas, estudados por
Fábio Kühn (Kühn, 2003; Kühn 2006).
Não há como dizer que a família derivada de Antônio Furtado de Mendonça se
igualava, na pobreza e na necessidade, com os demais insulanos. Observando a qualidade
dos compadres de Francisco Pires Casado e dos compadres de seus cunhados, vê-se que
jamais convidaram ao compadrio alguém em situação inferior à sua. Todos os compadres
de Francisco Pires Casado detinham bens, cargos e privilégios suficientes para inseri-los
nos altos escalões da pirâmide social do Continente do Rio Grande de São Pedro.
Francisco Pires Casado e seus familiares, cientes de sua posição na sociedade, não abriam
as portas das relações mais próximas com sua família às outras famílias que não detinham
posição semelhante à sua.
Importante registrar que, salvo os registros de batismo, nos quais as “Ilhas” são
mencionadas de forma genérica ou com seu nome próprio — elas aparecem apenas como
local de origem dos pais, padrinhos ou avós das crianças —, não se localizou nenhum
outro registro documental no qual Francisco Pires Casado ou qualquer um de seus
compadres ou familiares que de lá viessem, alegassem ser “gente das Ilhas”, ou
169
pertencerem aos “casais de Sua Majestade”. As terras que dispunham não lhes foram dadas
como datas de Casais. Foram doadas na década de 1750, durante a distribuição de
sesmarias promovida por Gomes Freire de Andrade em sua expedição de demarcação de
limites do Tratado de Madri (RAPM, 1929; RAPM, 1933) ou adquiridas por compra.
Tampouco suas terras se comparavam a essas datas de casais em tamanho (dimensões).
Disso é possível antever que, nem eles, nem a sociedade na qual viviam, os
percebiam como “gente das Ilhas”, aqueles que durante vinte ou mais anos aglutinaram-se
em torno da reivindicação comum: receber as terras e incentivos prometidos quando de sua
partida das Ilhas. No conjunto das relações mais próximas de Francisco Pires Casado,
portanto, encontramos muitas pessoas nascidas nos Açores, com toda a certeza, mas não
que compartilhavam da “identidade açoriana” que se forjou no Continente do Rio Grande
de São Pedro. Essa “identidade”, tudo leva a crer, tinha como agente aglutinador a
insistência em fazer cumprir os termos do Edital de 1747, que prometia aos Casais de Sua
Majestade terras, insumos e auxílios. Não é, então, essa identidade prerrogativa do local de
origem e sim fruto de um processo histórico do qual algumas famílias participaram e outras
abdicaram de sua inclusão no grupo.
Se os homens e mulheres da família de Antônio Furtado de Mendonça não eram
“açorianos” na acepção de desinência de uma identidade, resta perguntar quem o era e por
que o era. Assim como cabe também perguntar o porquê de as filhas e genros de Antônio
Furtado de Mendonça não o serem. O caso dos migrantes ilhéus para o Estado do Grão-
Pará e Maranhão pode vir a trazer alguma luz sobre esse problema.
VI. Açoriano: “ser ou não ser,
eis a questão”
No tópico anterior, foi visto que nem todos os que migraram padeciam da mesma
sorte. A alegada “pobreza” de Berenguer e Bitencourt, que possuía um ou dois morgados
170
em sua família, nem de longe se compara à perspectiva de fome pela qual passavam os
agricultores não proprietários ou a gente de ofício, pertencentes aos estratos livres mais
baixos da sociedade insulana. Como já visto, a pressão demográfica que existia nas ilhas
apresentava duas faces específicas: uma para os estratos subalternos e outra para os bem
nascidos, mas que, todavia, não eram os primogênitos.
Entretanto, como sói acontecer nas sociedades de Antigo Regime, os mais
aquinhoados eram uma minoria, uma parcela diminuta da sociedade. Os arquipélagos dos
Açores e da Madeira não eram exceção dentro da sociedade portuguesa (Vieira, 1992). Isso
significa que a maioria dos migrantes também era oriunda desses estratos inferiores da
sociedade. Eram famílias de agricultores sem terras, em sua maioria, e alguns artesãos.
Os membros dos estratos inferiores também se engajavam, voluntariamente ou não,
nas tropas de Sua Majestade, podendo vir a servir em qualquer ponto do Império
Português, fosse na América, na África ou na Ásia. Isso hes dava uma possibilidade de
ascensão social, através das promoções por mérito e, também, do uso da farda, o que os
punha a certa distância de um mundo majoritariamente camponês. Muitos desses soldados
oriundos das Ilhas chegaram ao Continente do Rio Grande de São Pedro antes da migração
em massa das famílias dos Açores. Se chegaram ao extremo-sul como soldados (Parecer
do Conselho Ultramarino assinado por Alexandre de Gusmão, e um despacho real
ordenando o embarque de soldados... In: Cortesão, 1951 442-443), fica claro que não
faziam parte dos “Casais de Sua Majestade”. Mas, dependendo das opções que se abriram
a eles, não se escusaram de tentar tornar-se membros dos casais, principalmente através do
casamento com moças ou viúvas vindas dos Açores. Verificam-se, também, soldados e
civis que, não tendo nenhuma relação com os Açores, buscaram, através de alianças
matrimoniais, seu ingresso nesse grupo de migrantes, com seus filhos passando a ser
identificados como “gente das Ilhas”. Isso é perceptível através de solicitações de “não-
171
açorianos” nas cartas de datas de terras passadas aos que se reivindicavam do direito de
recebê-las a partir dos termos do Edital de 1747 e adendos posteriores (Barroso, Brochado
& Tassoni, 2002).
Existe, portanto, uma série de intentos distintos, fazendo parte de um mesmo
grande fenômeno: nativos dos Açores que não se identificam como “das Ilhas”; nativos dos
Açores que faziam questão de serem identificados como “das Ilhas”; gente que jamais
havia posto os pés nas Ilhas, ocupada em juntar-se às gentes “das Ilhas”. Resta entender
esses fenômenos e tentar explicar por que eles ocorriam.
Busca-se, pois, comparação com o caso estudado por Acevedo Marin (2002) para
os ilhéus que migraram para o Estado do Grão-Pará e Maranhão no mesmo período em que
migraram também para o extremo-sul do Estado do Brasil. Acevedo Marin destaca a Vila
de São José de Macapá, uma povoação levada a cabo, principalmente, por nativos das
Ilhas. Em uma outra localidade, com diferentes especificidades, essa comparação pode
trazer luz à sorte de fenômenos que aconteceram no sul e, talvez, auxilie na explicação
para a acentuada diferença entre esses dois procedimentos nas fronteiras americanas do
Império Português.
Segundo essa autora, os açorianos migrados na década de 1750 experimentaram
um processo de decadência, pois, ao final de pouco mais de cinqüenta anos, em um
arrolamento populacional feito em 1808 no qual também são listadas posses e
propriedades, só restavam alguns poucos açorianos. Destes, a imensa maioria achava-se em
estado de pobreza. A posse de escravos por parte dos açorianos seria muito pequena em
comparação a outros setores, assim como o restante de seus bens. Achou, também, muitas
viúvas com sua prole ou poucos agregados, ocupados na execução das funções domésticas,
do artesanato e da agricultura.
Como motivo alegado por essa autora para tal decadência financeira estariam o
172
fato de serem os açorianos majoritariamente pequenos agricultores, e que o Grão-Pará, a
este tempo, passava pela inserção de seus produtos naquilo que ela chama de “uma política
mercantilista”. Os açorianos não estariam, portanto, aptos a uma produção em larga escala
que suprisse essa demanda. Além disso, a produção dessas pequenas propriedades seria
escoada e comercializada dentro da política pombalina de incentivo ao desenvolvimento do
comércio nessa região. Isso colocaria os ilhéus na dependência da Companhia de
Comércio do Pará para a vazão dos grãos e farinhas produzidos, bem como os colocaria
como usuários dos créditos cedidos pela mesma Companhia. Por ser a produção diminuta,
não teriam podido concorrer no mercado de exportações com os “grandes” da Capitania,
tampouco saldar as dívidas oriundas da cessão de créditos. Isso teria corroído a economia
que, nos primeiros momentos, dava sinais de prosperidade, mas que com o transcorrer dos
anos teria levado à bancarrota os “açorianos” da Vila de São José de Macapá.
Ante os dados colocados pela autora, não é possível duvidar que, passados
cinqüenta anos, os “açorianos”, ainda que assim não se identificassem, estavam de fato em
uma situação pouco favorável. Mas essa parece uma explicação por demais simples para
uma situação que, mesmo através dos dados fornecidos pela autora, apercebe-se com uma
configuração muito mais complexa.
Em primeiro lugar, há o recorrente alerta de que o povoamento dessa fronteira
norte foi modificado pela política pombalina. Mas isso também ocorreu no sul, não sendo
esse, portanto, motivo de diferenciação entre as duas distantes regiões. Todavia, fica num
segundo plano o fato de que todas as diretrizes pombalinas experimentadas no Norte
previam e privilegiavam a inserção das populações autóctones através, inclusive, de
alianças matrimonias na sociedade de características predominantemente lusas que se
formava.
Durante os anos do Ministério de Pombal, a obtenção de privilégios, mercês,
173
cargos, patentes e terras, assim como honras passava pela integração das populações de
origem européia com os indígenas. Ilhéus ou gente de outra procedência entrariam nessa
cadeia de prestações e contraprestações de dádivas com a Coroa lusa — o sistema de
mercês — principalmente se procedessem alianças com as populações autóctones. O maior
incentivo era dado aos que gerassem filhos miscigenados. Essa era a ênfase das diretrizes
de Pombal, expressas principalmente na Lei de Liberdades e no Diretório dos Índios
(1757). Caso isso não ocorresse, ainda assim poderiam usufruir de algumas benesses reais.
Todavia, a prioridade era para aqueles que obtiveram sucesso nessas alianças.
Diferente foi o caso do Continente do Rio Grande de São Pedro, no qual a
aplicação da legislação pombalina, como foi visto por Elisa Frühauf Garcia em sua
dissertação de mestrado acerca da integração dos indígenas na sociedade sulina, atingiu
muito mais as práticas de particulares em sua utilização dos índios como mão-de-obra do
que apresentando alterações no acesso a privilégios e mercês dados pela Coroa aos que
miscigenaram (Garcia, 2003).
Em segundo lugar, e corroborando essa idéia, Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, governador da Capitania e irmão do Marquês de Pombal, quando da chegada das
primeiras levas de colonos dos Açores em Belém, em citação feita pela autora, reclama do
fato de estarem sendo envidadas muito mais mulheres do que homens (Acevedo Marin,
2002: p. 50). Não se sabe aqui se essas migravam sozinhas ou em famílias. Todavia, esse
detalhe pouca diferença faz. O que importa é que ali ocorria o contrário do que se
verificava no sul, onde os casais com prole numerosa e, mais ainda, aqueles que levavam
consigo mulheres acima dos doze anos, eram claramente privilegiados nas ajudas de custo.
Havia um plus nessa ajuda: 2$500 réis eram dados por cada mulher que se dirigisse para lá,
conforme o Edital de 1747 (Fortes, 1999: pp. 26-27). Isso porque, conforme visto
anteriormente, o extremo-sul necessitava de mulheres para estabelecer famílias com os
174
soldados e demais povoadores. Desejavam que essas famílias, juntamente com a promessa
de terras e insumos, servissem de âncora aos povoadores.
A ajuda de custo extra oferecida aos “açorianos” do extremo norte era,
inicialmente, em maio de 1751, de 2$400 réis pelas mulheres desimpedidas entre 12 e 25
anos, à semelhança do que fora oferecido para o Rio Grade e Santa Catarina (Carta de D.
José I para o Governador do Maranhão-Pará, 1951a), não sendo oferecido nenhum plus
aos homens. Entretanto, por algum motivo, em dezembro de 1751 passou a haver uma
diferença na ajuda de custo efetivamente dada, em favor dos homens. Passou para um
tostão para cada homem e dois vinténs para cada mulher. Ou seja, ao contrário do sul, as
mulheres lusas eram pouco “valorizadas” nesse povoamento, haja vista que recebiam ajuda
menor que a dos homens. Além, é claro, da reclamação de que seguiam muitas mulheres
nas embarcações.
Disso depreende-se que, ao contrário do extremo-sul, o extremo-norte não tinha
um desequilíbrio na relação entre os sexos, com diferença favorável ao setor masculino
luso na formação dos povoados. Tudo induz a pensar que, ao contrário, no extremo-norte,
havia oferta de mulheres o bastante para que casamentos fossem realizados e para que a
procriação dos colonizadores ocorresse. Ora, é recorrente na historiografia e na
documentação colonial que, ao iniciar um povoamento, principalmente em áreas de
fronteira aberta, dada a necessidade de conquista bélica ou de defesa militar dos territórios,
o contingente masculino seja mais numeroso e as mulheres pouco dispostas a irem para
esses locais ermos, violentos e instáveis. José da Silva Pais recorreu, inclusive, às tais
mozuelas, já que os soldados, se casados, raramente conduziam às fronteiras as suas
esposas e filhas.
Se as mulheres européias não eram bem-vindas na região do Pará, significa dizer
que havia mulheres em abundância para proceder ao povoamento. Mulheres estas,
175
portanto, oriundas dos inúmeros grupamentos e aldeias indígenas existentes na região. Não
parece por acaso que Francisco Xavier de Mendonça Furtado tenha aconselhado que as
novas povoações ficassem intercaladas entre duas aldeias indígenas, fossem elas
autônomas, fossem elas geridas pelos padres da Companhia de Jesus (Acevedo Marin,
2002) .
Também aos colonos ilhéus, com alegação de evitar a nociva ociosidade, era
recomendado que trabalhassem a terra com as próprias mãos (Instrução que levou o
Capitão-mor João Batista de Oliveira ... In: Mendonça, 1963 v. 1: p. 116). Isso os
colocava distantes da possibilidade de ter concessão, estatal ou dos padres da Companhia,
para explorar a mão-de-obra indígena como os demais povoadores podiam fazer.
Necessitavam, assim, para ter acesso a essa mão-de-obra ainda abundante na região, a
formação de alianças com os autóctones. O casamento com as índias, mais do que uma
mulher e uma prole, significava formar uma família nesse meio, possuir cunhados, adentrar
nas cadeias de reciprocidade das populações indígenas. Muitas destas, tradicionalmente,
trabalhavam em mutirão. A obtenção de tal força de trabalho, portanto, passava por
alianças. Dessas, as alianças matrimoniais eram mais fáceis de serem obtidas do que
acordos negociados. Essas alianças eram estimuladas pela Coroa e recompensadas com
mercês e privilégios (Diretório dos Índios, 1757).
Para que com esses casamentos miscigenados fosse obtido sucesso, a identidade
de “gente das Ilhas” deveria desaparecer. Deveriam esses ilhéus, e principalmente sua
prole, tornarem-se tão nativos quanto os nativos. Para obter o acesso aos recursos locais, a
abdicação de uma identidade de “gente das Ilhas” se fez necessária, assim como a
construção de uma nova identidade, consoante com os estímulos régios e às possibilidades
de formação de alianças com as populações locais. Casos como esse, de formação de uma
identidade e de padrões sociais e culturais associados ao acesso a recursos, foram
176
estudados e discutidos por Fredrik Barth, cujas conclusões e indicações auxiliam no
entendimento do tema aqui abordado (Barth, 1961; Barth, 1980 [1959]; Barth, 1981; Barth,
2000a).
No entanto, diz uma carta do Governador do Grão-Pará para o Conselheiro
Ultramarino Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 1752, referindo-se a São José de
Macapá:
A mim me parecia que com o grande estabelecimento que tem a
podia Sua Majestade fazer cidade, porque de primeiros povoadores há de
ter perto de 600 pessoas brancas que, certamente, sem mescla, não as
tem nenhuma deste Estado (....) (In: Mendonça, 1963 v. 1: p. 210)
Se em 1752 a população da localidade era branca e sem mesclas, muito
possivelmente assim ainda o era em 1757, quando foi instituído o Diretório dos Índios. Ou
seja, quando passou a vigorar a legislação que premiava e concedia mercês às populações
com mescla. Os recursos econômicos e políticos a serem conferidos com base no
Diretório, portanto, passaram longe da população branca — os nativos das Ilhas e seus
descendentes — de São José de Macapá. Sem grandes porções de terras, sem a farta mão-
de-obra indígena, de fato, parece muito lógico e provável que não prosperassem.
Na referida listagem de 1808, Acevedo Marin destaca a quantidade de viúvas
açorianas, também empobrecidas e que lavravam a terra com o auxílio da mão-de-obra
familiar e/ou poucos agregados e menos ainda com escravos. Ao que parece, “açorianas”, e
mais especialmente as “viúvas açorianas” no extremo-norte, possuíam “pouco valor” no
mercado matrimonial da região. Isso também contrasta com a situação do extremo-sul. No
norte elas não representavam um “passaporte” para uma data de terras. Essas doações
régias estavam reservadas — ou ao menos eram dadas com mais freqüência — às famílias
que geraram prole miscigenada e, com isso, aproximaram grupos indígenas da sociedade
portuguesa no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Parece que um segundo casamento a
177
essas mulheres não era uma possibilidade posta ao dia. De forma antagônica, encontram-se
registrados nas datas de terras do Rio Grande de São Pedro alguns homens que não
procediam dos Açores e solicitavam uma porção de terras por serem casados com “viúva
de casal”. Também são recorrentes os pedidos de terra para homens casados com “filhas de
casal” ou “agregadas de casal” (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002). Isso ressalta o
“valor” dessas “açorianas” em uma escolha matrimonial no extremo-sul. Através do
matrimônio com algumas delas, homens viram-se habilitados a uma mercê régia, sob
forma de terras e outros incentivos.
Em outras palavras, não é surpreendente que, em São José de Macapá, um
povoado formado essencialmente por “açorianos”, ao cabo de cinqüenta anos estes não
mais existissem como setor mais abastado da população paraense. Mais ainda, os que
reivindicavam a identidade “açoriana” ou “gente das Ilhas”, ao que parece, investiram em
uma estratégia que se revelou equivocada na obtenção de terras, mão-de-obra, privilégios,
patentes, distinções e honras. Nessa porção da América Portuguesa a ênfase ao acesso de
recursos era, antes de tudo, oferecida àqueles que povoaram de acordo com as orientações
do Diretório dos Índios (1757).
Retornando ao extremo-sul, verifica-se, portanto, que o acesso aos recursos, ao
contrário do extremo-norte, tinha como ênfase a ligação com gente dos “casais” ou “das
Ilhas”. Assim reza o Edital de 1747 e seus posteriores adendos. As populações recém
chegadas das Ilhas a partir 1749 deveriam, portanto, manter-se como “gente das Ilhas” até
um matrimônio dado no prazo de, no máximo, cinco anos, como diziam as ordens. Esse
item, num primeiro momento, atingia apenas os “filhos dos casais”. Posteriormente foi
estendido aos “agregados dos casais”. Houve uma demora de aproximadamente vinte anos,
até o início da década de 1770, para o início da distribuição de terras. O retardo foi
provocado, num primeiro momento, pela impossibilidade de serem assentados os colonos
178
nas terras pertencentes às Missões dos padres espanhóis, cujos índios levantaram-se no
episódio denominado na historiografia como Guerras Guaraníticas. Num segundo
momento, complicaram-se ainda mais, dada a invasão da Vila do Rio Grande pelos
espanhóis e perda de boa parte do Continente do Rio Grande para os castelhanos. O prazo
para que os “Casais”, “filhos de Casais”, os “casados com filhos de Casais”, os “agregados
de Casais”, os “casados com agregados de Casais”, os casados com “viúvas de Casais”
requeressem a terra e os incentivos foi dilatado quase que ad infinitum.
Por outro lado, nos documentos de registro das datas de terras conferidas a partir
de 1770 e que contemplaram um grande número de imigrantes dos Açores, entre outros
outorgados, não se encontrou nenhuma reivindicação vinda de alguém que alegava ser
casado com índia, ter filho com índia ou descender de índios. Encontram-se veteranos das
campanhas militares, moradores antigos reivindicando a terra por compra que haviam feito
ou herança que haviam recebido com intuito de legalizar a posse. Mas não há nenhuma
alegação, nos mais de 600 registros vistos, de laços familiares com indígenas. Isso não
quer dizer, de forma alguma, que essas uniões mistas não ocorressem. Prole natural ou
legítima de brancos e indígenas não são raras nos registros de batismo da Vila do Rio
Grande ou de Viamão. Todavia, o que se percebe é que a ênfase na distribuição de recursos
do extremo-sul passou ao largo do Diretório dos Índios, sendo privilegiados os termos do
Edital de 1747 e seus adendos posteriores. Muito provavelmente por terem os nativos das
Ilhas conseguido uma aglutinação e uma geração de identidade. Conseguiram forjar
elementos de pertença a um grupo com interesses comuns e que, como tal, de alguma
forma, pressionavam as autoridades no sentido de fazer cumprir os termos do Edital.
Novamente retoma-se a discussão acerca de estratégias. Se foi visto que dentro de
um mesmo grupo de origem pessoas ou famílias podiam fazer a escolha de não-inclusão
em um grupo identitário, o caso paraense demonstra que aqueles que insistiram em manter
179
a sua “identidade” pregressa foram malfadados. Assim, há que se pensar estratégias, no
plural, quando se remete a essa construção ou abdicação de identidades. Também há que se
entender estratégias como fruto de uma relação de um grupo social com o restante da
sociedade. Ou seja, pode-se investir em uma determinada direção, com intuito de obtenção
de uma melhor vida, mas o resultado não é perfeitamente previsível, pois depende de
coisas sobre as quais nem sempre esses agentes sociais possuíam o controle. As escolhas,
condicionadas pelo meio, não possuem um resultado matematicamente calculado, havendo
sempre lugar para que o imprevisto e o acaso interfiram.
VII. Algumas considerações
Essa identidade de “gente das Ilhas”, forjada e sustentada no Continente do Rio
Grande de São Pedro, foi estendida por esses vinte anos e mais além, haja vista ainda em
1800 estarem sendo concedidas as tais datas de terras aos “Casais de Sua Majestade”, sua
descendência e seus agregados.
O Diretório dos Índios, ainda que aplicado em outros territórios luso-brasileiros
após seu “teste” no Estado do Grão-Pará e Maranhão, não teve no extremo-sul impacto
semelhante, conforme é percebido no trabalho de Garcia (2003). Não foi encontrado nas
solicitações de sesmarias, tampouco nas datas de terras de um quarto de légua cedidas aos
colonos, nenhum homem que se alegasse habilitado a uma mercê por ter se casado com
índia ou por ser filho de europeu com índia. Isso porque a ênfase para a distribuição dos
recursos fora dada ou, antes, conquistada, através da aglutinação de ilhéus em torno de
seus anseios comuns — o cumprimento dos itens que os favoreciam no Edital de 1747.
A geração da identidade “açoriana” foi, assim, estritamente ligada aos motivos
bastante objetivos que não são exclusivos dos açorianos, mas característica comum a toda a
humanidade: ter acesso a recursos lhes garantisse a sobrevivência. A identidade
180
“miscigenada”, por não ter sido privilegiada ou por não ter mobilizado os colonos no
sentido de conquistar os direitos previstos no Diretório dos Índios no extremo-sul, não foi
“construída”. Ou ainda, se nessas famílias miscigenadas houvesse um componente
açoriano, este sim, por motivos estratégicos, seria destacado como desinência identitária.
Logo, as estratégias vinculadas à geração de uma identidade como a das “gentes das ilhas”
ou como a de “mestiços” de sangue europeu e indígena, são fruto de processos históricos,
somente possíveis em dadas localidades e regiões. Fazem parte do universo de escolhas
possíveis a essa população.
Fica claro, então, na comparação entre os casos do norte e do sul, que a
permanência e o fortalecimento da desinência “casal de Sua Majestade” ou outros de seus
sinônimos, no caso sulino, resultou de uma opção racional. Opção essa condicionada pela
necessidade de acesso a recursos que lhes permitissem a sobrevivência ou uma vida
melhor, condicionada pelo meio social em que se deu. Associam-se, assim, à noção de
estratégia, os atos desse grupo que construiu e manteve uma identidade como recurso de
sobrevivência. Essa noção, muito cara aos micro-historiadores e, em particular, a Giovanni
Levi, numa apropriação do trabalho do antropólogo Fredrik Barth, surge em oposição à
noção de estratégia como concernente a
(....) um agente livre e perfeitamente racional que escolhe a
partir de um conhecimento perfeito das regras do jogo e de suas
conseqüências, tendo a mão todos os recursos necessários para tanto. Em
contraposição a esse “homo economicus” – que era o modelo do
indivíduo da economia clássica – o que o modelo de Barth colocava em
cena era um ator que deveria agir dentro de uma sociedade (qualquer
sociedade onde os recursos materiais, culturais e cognitivos disponíveis
eram distribuídos de modo desigual. Um indivíduo racional, certamente,
mas não dotado de uma “racionalidade absoluta: ao contrário, o que se
propõe é um indivíduo que age – nas palavras de Levi – a partir de uma
“racionalidade limitada”, isto é, a partir dos recursos limitados que o seu
lugar na trama social lhe confere, em contextos onde sua ação depende da
interação com as ações alheias, e onde, portanto, o controle sobre o seu
resultado é limitado por um horizonte de constante incerteza. (Lima F
o
,
1999 259-260 - grifos do autor).
181
Tanto no sul como no norte, a construção de identidades seguiu critérios racionais,
práticos e objetivos na vida dessas pessoas. As estratégias para vida e sobrevida nos
territórios americanos, crê-se aqui, comandaram esse espetáculo de formação de
identidades ou abdicação das mesmas no processo de colonização.
Abreviações usadas nesse capítulo:
ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AN-BN: Anais da Biblioteca Nacional
LBat – Livro de Batismos
LObt – Livro de Óbitos
PMPA – Prefeitura Municipal de Porto Alegre
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
Fontes e Referências Bibliográficas usadas nesse capítulo
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Capítulo 4
O Mundo que os Homens Criaram e a Lei de Deus;
O Mundo que Deus Criou e a Lei dos Homens
I. Sobre o tema e as fontes
Ao serem eleitos os registros batismais da localidade de Rio Grande como corpus
documental principal para esta pesquisa, deu-se a necessidade de entender a instituição do
batismo da Igreja Católica e seus significados para a cristandade que se estabelecia nesta
fronteira, que atraía para seu convívio gente nascida e criada sob outras crenças.
Também foi exigido um mergulho na antropologia social para entender o significado
das relações de reciprocidade simétricas e assimétricas que tal instituição impõe em uma
sociedade. Portanto, antes de discorrer sobre a análise do material empírico levantado e
estudado, há que se discorrer sobre esses aspectos que fundamentam as relações que se
estabeleceram na Vila, tendo a Santa Madre Igreja a propiciá-las dentro de suas próprias
regras. Regras essas que, tampouco, foram seguidas à risca, havendo sempre algum espaço
para adequações locais do que era válido para o mundo cristão. Bem provável que não
pudesse deixar de ser assim: tratava-se de um povoado novo, erigido sobre um terreno onde
“não havia nada”, mas que deveria, para seu bom funcionamento, aglutinar gente de distintas
tradições religiosas e culturais. Essas características não são específicas da Vila do Rio
Grande, mas estão presentes nas sociedades católicas que se firmaram na América. Diz o
186
antropólogo Stephen Gudeman em um de seus artigos dedicados ao batismo e às relações de
compadrio:
Eu acredito que todos os sistemas de compadrazgo, incluindo a
versão da Igreja, podem ser vistos como um conjunto de variações que
ocorrem através do tempo e do espaço. As formas correntes do complexo
derivam do dogma da Igreja, o qual foi enunciado ao tempo da Conquista
(século XVI). Desde então, o contato entre muitas áreas rurais e a Igreja são
esporádicos. As regras eclesiásticas atuais foram codificadas ao longo do
tempo por especialistas da Igreja; os domas folclóricos foram codificados
através de gerações de leigos. Todas as formas têm um fundamento similar
mas se desenvolvem em diferentes direções. Todavia, desde as versões
contemporâneas, são derivadas da mesma “grande tradição” e são vinculadas
por suas conexões históricas à difusão do Cristianismo, do qual são variantes
(Gudeman, 1971: p. 50).
II. O Mundo que os homens criaram e
as leis de Deus
A pequena Vila do Rio Grande, a despeito de lá poder haver outras práticas religiosas
que não as da Santa Madre Igreja, era uma Vila Católica, também fruto dessa difusão do
cristianismo pós Concílio de Trento, através da conquista e povoamento da América.
Entretanto, o mundo no qual se impunham as leis e dogmas da Igreja, a difundir a salvação
que só era encontrada em Deus todo poderoso, era o mundo dos homens de diferentes origens
e tradições.
Sob a bandeira da cristandade viviam lá, junto com os cristãos europeus e de outros
continentes, os africanos e indígenas não-cristianizados, adeptos de diferentes crenças, que na
pequena localidade do Rio Grande receberam o batismo e alguma instrução cristã. Além
deles, era bem possível que houvesse algum judeu ou cristão novo, já que essa foi uma
constante no Novo Mundo, ainda que não constem nos documentos consultados nenhuma
referência. Pouco provável também que fossem encontrados. As práticas judaizantes eram
alvo de sanções e perseguições e o defeito de sangue pesava sobre os cristãos novos no
julgamento dos méritos para a obtenção de mercês e inclusão nas ordens militares. Se havia
187
judeus e cristãos novos na Vila, estes não se dão a perceber nos livros de registros
eclesiásticos dessa paróquia.
Se aqueles que em suas existências anteriores à chegada na Vila tinham outras
crenças e práticas religiosas que não o catolicismo as abandonaram de todo, é algo
praticamente impossível de saber através dos registros batismais, de casamento e óbito. É,
portanto, muito difícil perceber através da documentação histórica que restou do período
inicial deste povoado quais eram as práticas religiosas domésticas ou veladas que não são
pertinentes ou condizentes com a religião católica e o culto aos seus dogmas e santos. Essas
práticas, caso tenham existido, colocariam seus adeptos, no mínimo, na mira do Juízo
Eclesiástico e sob risco de abertura de processos por heresia ou paganismo, se fossem de
conhecimento público e notório.
Mais fácil perceber, todavia, a partir desses mesmos registros que, de alguma forma,
as experiências de vida pregressas dessas populações que vieram a formar a sociedade
riograndina readequaram à sua nova vida as práticas tão européias e católicas como são o
próprio batismo e as relações de compadrio. As alianças e relações tecidas na pia batismal
acabam por dar mostras de um quase inacreditável mundo, no qual, por exemplo, indígenas de
etnias distintas e, com freqüência, inimigas, elegiam padrinhos para seus filhos e cônjuges
para “todo o sempre”. Não se pode ter certeza de influências pregressas semelhantes nas
práticas do dia-a-dia para os escravos africanos. Dificilmente é dado a perceber as alianças
que antecediam sua migração forçada para a América ou problemas de convívio entre
membros de grupos distintos em uma única unidade domiciliar. Entretanto, é possível notar
que havia algo nessa prática cristã que poderia ser utilizada em proveito próprio por quem
quer que seja e em que condições houvesse chegado a Rio Grande. Ter um padrinho
significava ter alguém que lhe dava fiança ante Deus e ante a sociedade. Algum esforço nesse
sentido, de buscar uma continuidade das práticas sociais, sejam elas familiares ou religiosas,
188
será feito a partir de alguns estudos de antropólogos e historiadores que tiveram várias regiões
e populações africanas como objeto. Haverá, portanto, a preocupação em ver no
comportamento à pia batismal dos africanos e seus descendentes a aproximação com práticas
de suas culturas originárias.
Os registros de batismo, para toda a Colônia, são os mais “democráticos” – no
sentido de cobrirem uma mais variada gama da população e, por conseqüência, um número
bem maior de pessoas do que outras fontes documentais. Toda a sorte de documentação que
propicia registros nominais é excludente em sua essência. Se é um Rol de Confessados, exclui
de sua listagem nominal, salvo preciosismo de algum pároco, os menores de sete anos. Se é
uma relação de cobrança de impostos, exclui os pobres. Se são os testamentos, excluem quem
não tem o que legar. Se é uma listagem de recrutamento militar, exclui as mulheres. E assim
por diante. Segundo Wrigley, os muito pobres e os muito jovens e os que migram muito são,
geralmente, a população excluída dos registros (Wrigley, 1976: p.12). Os registros batismais,
apesar de deixarem “escapar” parte dos nascimentos, incluem neles todos os setores da
sociedade. Assim pobres como ricos, assim livres como escravos.
Diferente para países nos quais católicos e protestantes conviviam apesar de toda a
intolerância, a Vila do Rio Grande nasceu católica. A cristandade deste território era,
oficialmente, católica. Dado, também o fato de ser El-Rey a autoridade leiga que regia os
membros da Igreja em seus domínios, a associação entre Igreja Católica e o Estado português
se fazia sentir de maneira muito forte. Os domínios portugueses eram domínios católicos e a
heresia e o paganismo, ao menos em tese, não eram tolerados. Isso fez com que a população
da Vila do Rio Grande, a despeito da possibilidade de ter outras crenças que não o catolicismo
praticadas de maneira velada, publicamente professasse o catolicismo.
Com isso, os sacramentos da Igreja, e em especial o batismo de crianças e adultos
pagãos, eram bastante procurado, pois, segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado
189
da Bahia, “o batismo é o primeiro de todos os Sacramentos e porta por onde se entra na Igreja
Católica” (Da Vide, 1707, Livro I, Título X, § 33). Entrar na Igreja Católica, dada a junção
Igreja e Estado, era condição sine qua non para ingressar por inteiro na sociedade lusa, seja
ela na península ou em suas colônias.
O batismo foi o sacramento da Igreja mais buscado na localidade. Para o período em
questão foram produzidos quatro livros de batismos, dois de casamento e um de óbitos. Casar
ou não casar podia ser uma opção, podia ser fruto da falta de oportunidade. Ter pais casados
também nunca foi requisito obrigatório para que as crianças viessem ao mundo. Entretanto, se
tem por certo que morrer é ocasião que chega de maneira irrevogável para todos que vieram
ao mundo. Se o intervalo de tempo abrangido por este estudo não compreende o lapso de uma
vida, nascer e morrer no Rio Grande em pouco menos de trinta anos, essa sociedade foi
formada por adultos e suas crianças. Por um lado, não se espera um número de registros de
óbitos semelhante ao número dos registros de nascimento. Mas a proporção que há entre um e
outro não deve corresponder ao número de mortes que houve na localidade.
Para o Rio Grande vieram ou foram trazidos, por exemplo, índios que sofreram os
males e as epidemias adquiridas dos europeus e muitos maus-tratos praticados contra seus
corpos e seu modo de vida. A vila experimentou, como toda a Colônia, uma alta mortalidade
infantil, dadas as condições de higiene. Tamanha disparidade entre nascimentos e óbitos é
fruto da mobilidade espacial dessa população, que chegava à localidade portuária, quedava-se
por algum tempo e seguia em busca de terras e melhores condições de vida, mas também é
fruto de menor rigor em registrar os falecimentos. A sede da Vila não continha toda a
população que vivia sob sua jurisdição. Havia muitas fazendas e estâncias no território sob os
cuidados dessa paróquia e que, frise-se aqui, não tinha limites bem definidos. Uma pessoa
que, tendo morrido em uma dessas estâncias, sem o sacramento da extrema-unção e que fora
enterrada em chão a isso destinado na área das próprias fazendas, se não tinha o que legar, se
190
não devia para ninguém ou se não fez testamento, muito provavelmente não teve seu óbito
registrado. As crianças moradoras de áreas distantes do centro da freguesia, falecidas logo
após o nascimento ou um viajante vítima de agressão em seu roteiro muito provavelmente não
tiveram seus óbitos informados.
Assim sendo, o batismo foi o mais praticado de todos os sacramentos. O batismo se
impunha com regras e normas bastante claras e restritivas quanto à seleção de padrinhos
possíveis. Tem-se no disposto abaixo, considerações que restringem em muito o universo dos
padrinhos possíveis para uma criança ou adulto que serão batizados:
E mandamos aos Párocos não tomem outros padrinhos senão
aqueles, que os sobreditos [pais ou responsáveis pelo batizando], nomearem,
e escolherem, sendo pessoas já batizadas, e o padrinhos não será menor de
quatorze anos, e a madrinha não será menor de doze, salvo de especial
licença nossa. E não poderão ser padrinhos o pai ou mãe do batizado,
nem também infiéis, hereges, ou públicos excomungados, os interditos,
os surdos, ou mudos, e os que ignoram os princípios de nossa Santa Fé,
nem Frade, Freira, Cônego Regrante, ou outro qualquer Religioso
professo de Religião aprovada, (exceto o das Ordens Miltares) per si,
nem por procurador. (Da Vide, 1707, Título XVIII, § 64 - grifos meus)
A despeito de toda essa regulamentação, amiúde os padrinhos escolhidos na Vila do
Rio Grande fugiam a estas recomendações, como será visto mais adiante. Religiosos eram
padrinhos com muita freqüência. Crianças foram registradas como madrinhas e padrinhos de
recém-nascidos, sem que constasse qualquer registro de licença especial obtida. A aplicação
rigorosa do que estava determinado pelo Concílio Tridentino e pelas Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia (1707), não apenas no que concerne aos batismos, mas também às
demais práticas e sacramentos cristãos, ao que tudo indica, poderia mais afastar do que atrair
novos povoadores para as práticas religiosas católicas. Como aplicar essas normas da Igreja
sem lançar de imediato ao inferno, por exemplo, os polígamos indígenas minuano, um dos
grupos que a Coroa desejava atrair para o convívio na Vila?
Observam-se nos registros paroquiais da Vila do Rio Grande alguns batismos de
191
filhos de índios minuano que, tendo o mesmo pai, não eram filhos das mesmas mães. Nem
por isso, foram ditos filhos naturais, ilegítimos ou espúrios nos registros batismais. Há casos
em que são ditos “legítimos”. Nesses casos, não foi incomum o pároco registrar apenas “filho
de” seguido do nome do pai, sem qualquer alusão à legitimidade. Em vários registros há a
omissão do nome da mãe do batizando ou se seus pais eram ou não casados. Isso não era
usual nos registros batismais de afro-descendentes, da população “branca e livre” ou dos
indígenas tape que se diziam – por vezes, de fato o eram – casados com benção dos padres
espanhóis da Companhia de Jesus em suas Missões, ou mesmo solteiros. Muitas vezes, para
os outros grupos batizados na Vila do Rio Grande há a omissão do nome dos pais, dito pelo
pároco como sendo “pai incógnito” ou “pais incógnitos”, para o caso dos poucos expostos
havidos nesse conjunto. Mas a omissão do nome das mães era pouco comum na Vila do Rio
Grande como um todo e bastante freqüente para os índios minuano em especial.
As omissões do nome das mães dos batizandos ocorreram, amiúde, nos batismos
coletivos de filhos de índios minuano no primeiro livro de batismos da Vila (ADPRG - Rol
dos Minuanes batizados na Capela de Santa Ana em 08/09/1749 - 06/12/1749 - 1LBatRG,
1738-1744). Entre eles, filhos de chefes – ou maiorais, como diziam à época – cuja poligamia
foi indicada por demarcadores de fronteiras décadas mais tarde (Saldanha, 2003: pp. 9-10).
No mesmo primeiro livro de batismos há o registro de uma cerimônia coletiva de
índios tapes. Todas as crianças tiveram pai e mãe nominados, fossem elas filhas naturais ou
legítimas dos casais. Tais índios não estavam aldeados nesse momento ou, como diz o
registro, eram “filhos de índios Tapes que andam pelo campo sem domicílio” (ADPRG -
termo de batizado de 17 crianças de 2 até 3 anos “filhos de índios Tapes.. ” 24/07/1751 - ,
1LBat-RG, 1738-1744). Isso pode representar um abandono maior da prática poligâmica entre
esses índios, que já haviam tido contato mais duradouro com o cristianismo nas aldeias dos
padres jesuítas e um convívio mais estreito de índios tape com lusos na área sob jurisdição da
192
paróquia. Além disso, membros do tronco lingüístico tupi, como eram os tape, tinham a
contar como elo de ligação entre eles e os lusos e luso-brasileiros, os “índios das aldeias de
São Paulo”, que foram trazidos nos primeiros anos de povoamento por iniciativa dos oficias
da Coroa. As aldeias de São Paulo foram formadas a partir do apresamento de indígenas dos
sertões e das reduções jesuíticas espanholas do Guarirá, Tape e Uruguai (Monteiro, 1994 : pp.
58-85). Uma ou duas gerações, portanto, entre os abduzidos das aldeias e os que migraram
para o povoamento do sul, conduzidos pelas autoridades. Podiam guardar memória do
parentesco com os que haviam sido levados e vice-versa, transmitidos através das tradições
orais. Muitos desses eram batizados e viviam, mesmo que minimamente, dentro da fé católica,
sabe-se lá com que intensidade de fé ou com que interpretações das crenças e dogmas da
religião. O padre jesuíta Antônio Sepp afirmava que esses índios eram, mais que aos santos,
muito simpáticos às figuras da Sagrada Família e às imagens do Presépio. Contando as
histórias de Jesus e sua família conseguia transmitir ensinamentos cristãos aos guarani que se
comoviam ante a imagem do menino e sua mãe (Sepp, 1980).
Se a ausência de uma qualificação social e de uma ascendência materna devidamente
registrada não ocorria nos outros grupos sociais que viviam no Rio Grande, ocorria,
entretanto, com os membros de um grupo que, para o bom andamento do povoamento luso
nas margens da Lagoa dos Patos, deveriam ser tidos como amigos. Aproximar e manter em
amizade os índios minuano havia sido de muito proveito na defesa da Colônia do Sacramento,
poucos anos antes da fundação de Rio Grande e da chegada do primeiro pároco. A poligamia
expressa foi banida dos registros batismais dos índios minuano, mas aparece dessa forma
velada, como uma espécie de acordo entre os modos de vida cristãos e minuano.
As Ordenações Filipinas, o maior código de direito do Império Português vigente ao
século XVIII, previa penas duríssimas aos faltosos. Os polígamos tiveram espaço nas
preocupações com faltas e penas no Livro Quinto das Ordenações Filipinas, o qual prevê
193
castigo para este comportamento:
Todo homem, que sendo casado e recebido com uma mulher, e não
sendo o Matrimônio julgado por inválido per Juízo da Igreja, se com outra
casar, e se receber, morra por isso (Ordenações Filipinas, 1870, Livro 5,
Título XVIII)
Sendo o matrimônio um Sacramento ministrado pelos próprios nubentes, as
promessas feitas de um a outro são consideradas válidas e são um contrato firmado através da
palavra ou por meio de sinais:
O Último Sacramento dos sete instituídos por Cristo Nosso Senhor
é o do Matrimônio. E sendo ao princípio um contrato com vínculo perpétuo
e indissolúvel, pelo qual o homem, e a mulher se entregam um ao outro, o
mesmo Cristo Senhor nosso o levantou com a excelência do Sacramento,
significando a união, que há entre o mesmo Senhor, e a sua Igreja, por cuja
razão confere graça aos que dignamente o recebem. A matéria deste
Sacramento é o domínio dos corpos, que mutuamente se fazem casados,
quando se recebem, explicado por palavras, ou sinais, que declaram o
consentimento mútuo, que de presente tem. A forma são as palavras, ou
sinais do consentimento, enquanto significam a mútua aceitação. Os
Ministros são os mesmos contraentes. (Da Vide, 1707 Livro I, Título LXII, §
259)
O compromisso firmado entre os que pretendiam casar também era algo muito sério,
a ponto de as Constituições Primeiras terem um título específico sobre os desposórios de
futuro, ou seja,
Desposórios de futuro são o mesmo, que promessa de futuro
Matrimônio: para eles é necessário que tenham os promitentes, assim
homens como mulheres sete anos completos de idade. E declaramos ainda
que entre desposados se siga cópula depois dos desposórios, não ficam por
isso casados de presentes, segundo a disposição do Sagrado Concílio
Tridentino, o qual nessa parte emendou o direito antigo.
Se alguém, tendo celebrado os desposórios de futuro antes de estar
deles desobrigado, se desposar segunda ou mais vezes, incorra em pena de
vinte cruzados para o Meirinho, e acusador (...). E tendo cópula nos
segundos ou mais desposórios serão presos e se livrarão do aljube, e serão
condenados em degredo (...). E casando-se por palavra de presente se livrará
da prisão, e será castigado com tão graves penas pecuniárias, e degredo a
nosso arbítrio, que seja exemplo aos mais para fugirem de semelhante culpa
(Da Vide, 1707, Livro I, título LXIII, §§ 262-263).
Ainda que não seja um casamento, o desposório de futuro, fazendo valer o peso da
194
palavra dada em intenção de um casamento, era assumido como compromisso e, não havendo
cópula, poderia ser liberado. Havendo cópula, melhor remédio seria a consumação do
casamento ou matrimônio de palavra presente – a afirmação em presente através da promessa
e compromisso de matrimônio, com a graça da Santa Madre Igreja a ser-lhe conferida através
do Pároco.
A participação do pároco, portanto, não é como ministrante do Sagrado Sacramento
do Matrimônio e sim como uma testemunha e representante do poder divino que abençoa e
confere graça ao contrato firmado entre o marido e a mulher. Mas este pré-existe à bênção
dada. Assim sendo, o casamento de índios batizados, o contrato, a promessa, ainda que não
houvesse recebido a bênção, seria considerado válido ante os olhos da cristandade e apenas
seria invalidado sob certas circunstâncias – como, por exemplo, ter sido contraído sob
coerção. Os vários casamentos dos índios minuanos seriam, portanto, casos explícitos de
poligamia, a serem punidos com pena capital. Entretanto, não o foram. Mais do que isso,
foram dissimulados sob múltiplas formas, desde negar a condição de legítimo, espúrio,
ilegítimo ou natural de prole até omitir estrategicamente o nome das mães das crianças,
possivelmente esposas diferentes de um mesmo homem.
As Ordenações Filipinas, em tese um código civil sob os auspícios da lei cristã,
dedica boa parte de seu Livro Quinto a tratar dessas questões acerca de infidelidade conjugal,
poligamia, relações sexuais forçadas ou incestuosas. As punições para as faltas e crimes eram
muito duras. Se olhado detidamente o temido Livro Quinto das Ordenações, a conclusão seria
uma única: Portugal quedar-se-ia despovoado em pouco tempo se as penas fossem aplicadas
com o rigor da dura letra da lei. Boa parte das pessoas sairia das terras lusas por pena de
degredo para outras regiões do Império – África e Brasil, principalmente – e outra parte se
extinguiria sob as penas capitais aplicadas a casos como os de bigamia ou mesmo de
adultério, entre outros passíveis de aplicação de tal pena.
195
Uma “pequena concessão” como essa, feita aos índios polígamos e condenáveis na
lei, na ética e na moral cristãs, poderia significar, entre outras coisas, o que foi dito pelo
Mestre-de-Campo André Ribeiro Coutinho: a “dissimulação das faltas leves” (Coutinho,
1921) em favor do bem maior que era tecer e fortalecer as relações com os minuanos para a
própria segurança do povoado, sempre no bom serviço de Sua Majestade Fidelíssima.
Até mesmo o bom André Ribeiro Coutinho, oficial da Coroa, católico praticante,
governador militar que foi do Continente do Rio Grande de São Pedro, também teve suas
“faltas leves” dissimuladas em prol do bom andamento da conquista e da manutenção dos
territórios de Sua Majestade no extremo-sul do Estado do Brasil. Sendo casado em Portugal,
André Ribeiro Coutinho batizou filha sua com uma mulher, também casada, que vivia no Rio
Grande (ADPRG - Registro de Batismo de Eufrásia, filha natural do Mestre-de-Campo André
Ribeiro Coutinho - 29/03/1740,1738-1744 1LBat-RG, 1738-1744). O Mestre-de-Campo, no
mínimo, estaria sujeito à pena de degredo de um ano para a África, se fosse invocada a sua
situação de oficial de Sua Majestade:
Todo o Desembargador, ou Oficial de Justiça, e outro algum nosso
Oficial, assim da Corte, como de nossos Reinos, Advogado, Procurador,
Escrivão, Porteiro, Meirinho, que dormir com mulher que demanda, ou
desembargo requeira perante ele, se for leigo perca o Ofício e mais seja
degredado para a África por um ano.(Ordenações Filipinas, 1870, Livro 5,
Título XX)
Manuel de Almeida, o marido de Ana Maria da Conceição, conhecida como “A
Mineira”, com quem André Ribeiro Coutinho teve esta filha, poderia ter matado sua mulher
pelo crime de adultério que cometera sem incorrer em punição por isso. O adultério feminino,
com a correlata ofensa à honra de seu marido, redimia de culpa o cônjuge que assassinasse a
esposa em um ato passional ou de vingança fria:
Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente
poderá matar assim a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão e o
adúltero Fidalgo, ou nosso Desembargador ou pessoa de maior qualidade.
Porém quando matasse alguma das sobreditas pessoas achando-a com sua
196
mulher em adultério, não morrerá por isso, mas será degredado para a África
(...) não passando de três anos.
E não somente poderá o marido matar a sua mulher e o adúltero,
que achar com ela, mas ainda os pode licitamente matar, sendo certo que lhe
cometerem adultério; e entendendo assim provar, e provando depois o
adultério per prova lícita e bastante conforme o Direito, será livre sem pena
alguma, salvo nos casos sobreditos (...). (Ordenações Filipinas, 1870, Livro
V, Título XXXVIII, §§ 1-2)
Se assim não fosse feito, a justiça local poderia tê-la julgado culpada do crime de
adultério e mandado executá-la, pois era a pena para adúlteras e para os adúlteros, os de
qualidade inferior. Um assassinato por honra, mesmo para os de menor qualidade que o
cometiam contra pessoa de qualidade superior, poderia livrar o assassino da pena capital.
No entanto, nada disso ocorreu. André Ribeiro Coutinho não foi morto pela justiça
nem pelo marido traído. Muito menos foi conduzido para a África em pena de degredo para
oficiais da Coroa que dormiam com mulheres casadas. Ao deixar o Continente do Rio Grande
de São Pedro, o André Ribeiro Coutinho continuou servindo na América Portuguesa, vindo a
falecer no Rio de Janeiro em 1751 (Torres (ed), 1904-1915: p. 283). Seu nome ficou
associado à defesa do sul e à estratégia militar, assunto sobre o qual publicou livros
1
. Quanto
à adultera, no livro primeiro de Batismos de Rio Grande há uma Ana Maria da Conceição que
surge como madrinha de algumas crianças que bem poderia ser “A Mineira”, ainda que jamais
se possa ter certeza disso.
Em complemento a esses exemplos, pode-se perceber que a aplicação indistinta das
regras e leis da Igreja ou quaisquer outras, não fazia parte do direito que vigia ao século
XVIII. Para as sociedades cristãs mediterrâneas, das quais fazia parte Portugal e a Vila do Rio
1
São obras de André Ribeiro Coutinho os seguintes livros: Prototypo constituído das partes mais
essenciaes de um general perfeito, delineado em perfeitíssimo governador das armas do Alemtejo o sr. Pedro
Mascarenhas, Lisboa, 1713; Relação diaria da expugnaçâo e rendimento da praça de Bicholym, Lisboa, 1728;
O capitão de Infantaria portuguez, com a theorica e pratica das suas funcções, assim nas armadas terrestres e
navaes, como nas praças e côrte, Lisboa, 1751, cf. Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico,
Biográfico, Numismático e Artístico. Lisboa: 1904-1915. O Capitão de Infantaria foi escrito nos anos em que
viveu no Brasil com base na suas experiências militares, incluindo a do Grande Cerco à Colônia do Sacramento
(1735-1737), com atuação elogiada por Gomes Freire de Andrade.
197
Grande, por conseqüência, também era tributária, segundo Giovanni Levi (2002), do princípio
da eqüidade e do direito distributivo. Ou seja, ainda que houvesse uma lei geral, a justiça
existia para corrigir as distorções de uma aplicação indistinta de seus dispostos.
Segundo os preceitos aristotélicos, a sociedade era – e devia ser – composta por
desiguais. Da desigualdade advinha a hierarquia e a hierarquia organizava a sociedade. Da
desigualdade, portanto, derivava a ordem que punha fim ao caos. Um dos exemplos dessa
idéia da necessária desigualdade e da deletéria igualdade em Aristóteles é colocado abaixo:
... a alma governa o corpo, assim como ao servo o amo. (...) É evidente,
portanto, que a obediência do corpo ao espírito, da parte afetiva à
inteligência e à razão, é coisa útil e de acordo com a natureza. A igualdade
ou direito de governar de cada qual, por sua vez, seria prejudicial a ambos
(Aristóteles, 2005: p. 18)
São Tomás de Aquino encontrou em Aristóteles uma grande fonte de inspiração para
suas premissas e suas discussões. Seguidores da filosofia tomista são encontrados na prática
da filosofia e da teologia de toda a cristandade, inclusive a ibérica. Sendo a sociedade
organizada a partir do princípio da desigualdade, nada impunha, portanto, uma aplicação
igualitária das penas existentes nos dispostos legais. Ao contrário, cada caso deveria ser
avaliado de acordo com a situação sócio-econômica dos implicados, com a sua posição na
escala social ou, em outras palavras, com o seu estatuto social. Essa questão será retomada
mais adiante. Essa evidente aplicação desigual da lei que pode ser uma para todos e geral em
sua formulação, quando se retorna à legislação lusa e como esta era posta em prática, com
freqüência são verificadas situações em que a pena de degredo ou a pena pecuniária é
substituída por penas físicas e castigos corpóreos àqueles que compunham os escalões mais
baixos da pirâmide social.
Nas Ordenações Filipinas, a pena para o crime de “dormir com uma mulher casada”,
o crime de André Ribeiro Coutinho, portanto, é a pena capital. Mas o específico do Livro
Quinto apresenta pena distinta se o ato for cometido por oficiais da Coroa, membros do clero
198
ou que exercessem certos cargos: transmuta para pena de degredo a pena que seria capital
para o homem comum. Revendo o caso de André Ribeiro Coutinho, tem-se que um mesmo
crime teria uma pena diferentes para cada um dos envolvidos, ambos pessoas casadas e que,
juntas, cometeram o mesmo crime de adultério. “A Mineira”, por ser pessoa comum, estaria
condenada à morte; o oficial da Coroa estaria condenado ao degredo por um ano. Tudo isso
muito bonito, em teoria.
Na prática, nem “A Mineira” foi condenada e muito menos André Ribeiro Coutinho
foi degredado. Impossível, inclusive, a alegação de que esse adultério seria desconhecido das
autoridades, já que foi lavrado com todas as letras no livro de registros batismais da paróquia
de Rio Grande. Foi feito por um vigário, autoridade moral, religiosa e ética que, entre outras
responsabilidades, tinha a de zelar pelas almas e pelo cumprimento das leis da Santa Madre
Igreja. Disso pode-se dizer apenas uma dessas duas coisas: ou esse sistema de justiça é
irracional e ilógico ou obedece a uma racionalidade e uma lógica muito distintas das que
regem esse século XXI no qual vivemos.
Partindo do pressuposto de que esse código vigeu por alguns séculos e que em sua
aplicação na recém fundada Vila do Rio Grande não houve registro de grandes distúrbios ou
revoltas contra ele, há que se buscar, portanto, ao menos alguns contornos de seu
funcionamento e aplicação, para tentar uma aproximação do que seria viver as primeiras
décadas de existência de um povoado luso de fronteira na América.
Com isso, logo após uma explanação sobre a instituição do batismo e seus
significados para a cristandade ibérica, antes que se parta para a análise de alguns casos
significativos registrados entre os batismos da Vila do Rio Grande, faz-se necessário, também,
um passeio rápido pelo direito e pela justiça vigentes. Acredita-se que isso auxiliará no
entendimento do que seriam os princípios da reciprocidade e da justiça distributiva que
vigeram a este tempo nas sociedades mediterrâneas e como estes princípios se estenderam
199
para além do Atlântico. Para tanto, haverá o apoio nas obras de Giovanni Levi, Reciprocidad
mediterrânea (2002) e Antidora: Antropologia Catolica de la Economía Moderna, de
Bartolomé Clavero (1991).
II.1. O ato do Batismo e as relações a
ele subjacentes
Segundo o antropólogo Stephen Gudeman (1971), para uma melhor percepção do ato
do Batismo e as relações a ele subjacentes, há a necessidade de uma compreensão mais
profunda de sua origem num dos dogmas da Igreja Católica e a sua significação para a
sociedade cristã. Essa ressalva, feita pelo autor, muito mais vale no caso das sociedades
coloniais que se fundaram na América ibérica, uma vez que se tratava de povoados nascidos
sob a égide da Igreja Católica, de estados europeus que eram católicos e cujos reis receberam
os títulos hereditários de Majestade Católica e Majestade Fidelíssima, dados pelo Papa. Ao se
ter, portanto, os registros batismais como fonte, é mais do que necessário ter a compreensão
de que todos os registros e todas as informações foram tomados sob os auspícios da Igreja
Católica e efetuados por um de seus ministros. Mesmo que se busquem informações
quantitativas, que se intente uma análise através de uma aproximação demográfica, os
critérios, por exemplo, de legitimidade e ilegitimidade têm como base as normas católicas. As
uniões não formais muitas vezes o eram em função dos impedimentos matrimoniais ditados
pela Igreja e não há como desconsiderá-los quando é feita uma análise das estratégias sociais
e familiares.
As normas das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, se não se
impunham como um todo, condicionavam as escolhas matrimoniais e de compadrio,
restringindo as possibilidades de escolhas para cônjuges e padrinhos dados os impedimentos
gerados pelos laços de parentesco afins, consangüíneos ou espirituais.
200
Como toda a instituição, o batismo cristão passou por profundas modificações desde
que começou a ser praticado. Em uma análise da evolução histórica desta instituição, Stephen
Gudeman — enfatizando sempre que não há como proceder à análise dos laços sociais e
espirituais que o batismo gera sem considerá-lo como fruto de um dos dogmas da Igreja —
traz à tona as discussões ocorridas no seio da própria Igreja Católica, através dos teólogos e
filósofos que, durante séculos, se ocuparam em ver os fundamentos dessa instituição. As
formas que assumiu o batismo e as relações a ela subjacentes são reflexo, também, da
sacralização de certos laços que por muito tempo pertenceram à esfera das relações humanas e
não divinas (Gudeman, 1971: pp. 48-59).
Certas mudanças nas concepções da igreja e da sociedade acerca do parentesco e dos
papéis representados por homens e mulheres no interior da família e no grupo social
refletiram-se também nas relações subjacentes ao batismo. Isso fez com que o processo de
modificação e transformação dos conceitos associados ao batismo e à família natural tivessem
influência mútua e recíproca e se alterassem as práticas – ou ao menos o discurso sobre as
práticas – mundanas ou sacralizadas.
Colocam-se aqui, em poucas páginas, observações mais significativas de Gudeman
para, mais adiante, embasar nelas análises e conclusões acerca das relações subjacentes ao
batismo que foram observadas na Vila do Rio Grande.
Gudeman atribui a instituição do batismo a uma profunda elaboração acerca de um
dos dogmas da Igreja Católica, qual seja, o pecado original, o pecado de Adão, que a toda sua
descendência teria sido repassado. O batismo, a imersão na água benta, acompanhado dos
demais atos do rito, purifica a alma e purga este pecado. Através do batismo, o ser humano –
carnal, imperfeito, pecador em sua essência – renasce para o Reino de Deus, tocado pela graça
divina, purificado, limpo de alma, redimido tanto do pecado original como dos atuais. O
batizando, através do rito do batismo, morre para sua vida carnal e renasce para a vida em
201
Deus. Ratificando essa idéia do renascimento espiritual, dizem as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia:
Causa o Sacramento do Batismo efeitos maravilhosos, porque por
ele se perdoam todos os pecados, assim original, como atuais, ainda que
sejam muitos, e mui graves. É o batizado adotado em filho de Deus, e feito
herdeiro da Glória, e do Reino da Fé. (...) E se por este Sacramento de tal
maneira se abre o Céu aos batizados, que se depois do Batismo recebido
morrerem, certamente se salvarão, não tendo antes da morte algum pecado
mortal. (Da Vide, 1707, Livro I, Título 10, § 34)
O rito do batismo seria, portanto, a representação sacramental da morte e
ressurreição de Cristo. Os conceitos básicos que regem tal rito são regeneração e
renascimento. O batizando viveria, dessa forma, a sua própria paixão (Gudeman, 1971: p. 49).
O rito do batismo e o mito do Pecado Original, vinculados desde as primeiras vezes
que o ato foi percebido, eram praticados pelos cristãos primitivos. Segundo Gudeman, a esse
tempo os pais de uma criança geralmente eram seus padrinhos, não havendo nenhum
impedimento para que aqueles que geraram a carne propiciassem ao novo cristão a sua
apresentação a essa comunidade religiosa, nem tampouco respondessem às perguntas feitas
pelo ministro – o nome da criança, se renunciava a Satanás e se aceitava Cristo como seu
salvador – fossem respondidas pelo pai do batizando. O conjunto de pessoas participantes do
rito do batismo – doravante conjunto do batismo – seriam o ministro, os pais e o próprio
batizando. Ainda segundo esse autor, o ministro estaria em substituição à presença física de
Deus, e o padrinho – nesse caso o próprio pai – estaria representando a Santa Madre Igreja
que o acolhia em seu seio.
Mesmo percebendo o batismo como uma instituição cristã, o autor detecta nas
práticas e crenças do judaísmo e de outras religiões orientais alguns elementos presentes no
rito. A água que purifica estaria associada ao mito do dilúvio, o renascimento à Páscoa e a
necessidade de padrinhos – testemunhas do ato do batismo – à circuncisão, cerimônia que
marca o ingresso de um menino no judaísmo e necessita de ao menos duas testemunhas.
202
Gudeman (1971: p. 49) afirma que a garantia imediata da salvação e renascimento, entretanto,
vem do próprio Cristo, dada na seguinte passagem bíblica:
Entre os fariseus havia um homem chamado Nicodemos. Era um
judeu importante. Ele foi encontrar-se de noite com Jesus, e disse: “Rabi,
sabemos que tu és um Mestre vindo da parte de Deus. Realmente, ninguém
pode realizar os sinais que tu fazes, se Deus não está com ele.” Jesus
respondeu: “Eu garanto a você: se alguém não nasce do alto, não poderá ver
o Reino de Deus.”
Nicodemos disse: “Como é que um homem pode nascer de novo,
se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer?” Jesus
respondeu: “Eu garanto a você: ninguém pode entrar no Reino de Deus, se
não nasce da água e do Espírito. Quem nasce da carne é carne, quem nasce
do Espírito é espírito. Não se espante se eu digo que é preciso vocês
nascerem do alto. (Bíblia Sagrada, 1990, J. 3:1 - J. 3:8)
Ainda com relação ao ato do batismo, Gudeman assinala a importância da marca
indelével feita no batizando pelo ministro. Indelével aos olhos de Deus e invisível aos olhos
dos homens. Quer-se destacar aqui que, acerca do nome atribuído ao novo cristão no
momento do batismo, há uma importante associação de termos e que, conforme o capítulo
aqui intitulado O Segredo do Pajé, confere características sobrenaturais ao nome que as
pessoas portam. Ao ser batizado, um cristão recebe a graça do Senhor e também a graça lhe
é concedida pelo padrinho, onde graça é, ainda hoje, um dos sinônimos de prenome ou
nome de batismo, tanto quanto o é de benefício e salvação concedidos por Deus
2
. Gudeman
observa que para os hispânicos há a expressão padres de gracia como sinônimo de padrinhos.
Se os pais carnais trouxeram a criança ao mundo, os padrinhos a conduzem à graça de Deus e
dão-lhe a graça de um nome ao qual serão chamados a ter com o Senhor no dia de Juízo.
Santo Agostinho teria sido o primeiro teólogo a resumir as várias doutrinas
concernentes ao batismo. A partir dessa compilação feita por Santo Agostinho, São Tomás de
Aquino, em sua Summa Theológica estabeleceu os preceitos dos quais derivam todas as
2
Cf. verbete “graça”, acepções 7, 9 e 10 em HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio
Eletrônico Século XXII, versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Lexikon, 1999. Edição em CD. e acepções
3-8 e 13 em HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002. Edição em CD.
203
demais formas do batismo até os dias de hoje. Se as distinções feitas por Santo Agostinho
sobre o caractere indelével e a graça atingida ao batismo geraram muitas discussões, o
Concílio de Trento (1545-1563), diz Gudeman, já as tinha bem claras e cristalizadas, e foram
as resoluções de Trento que se disseminaram na América Latina em processo de conquista
territorial e espiritual. Todas as variações do rito, do conjunto do batismo, dos laços que ali se
firmam, sejam elas ao longo do tempo ou em diferentes espaços, são derivadas do conteúdo
religioso do Concílio de Trento e, ao mesmo tempo, são reflexos parciais dele (Gudeman,
1971: pp. 48-50).
Ainda segundo Gudeman, os argumentos filosófico e teológico de discussão tomista
são dados sob forma de analogias e oposições, sendo que Gudeman detectou na parte
concernente ao batismo da Summa Theológica a fórmula mais freqüente em quatro termos,
havendo oposição análoga entre os dois primeiros e os dois segundos, na seguinte disposição:
Nascimento : Batismo : : Família : Compadrio
Dessa oposição análoga inicial, derivam que, o natural está para o espiritual assim
como o nascimento está para o renascimento; o nascimento está para o renascimento assim
como a vida está para a morte; a vida está para a morte assim como os pais naturais estão para
os pais espirituais, nas seguintes disposições:
Natural : Espiritual :: Nascimento : Renascimento :: Morte : Vida :: Pais Naturais : Pais Espirituais
Dessa constante oposição entre os mundos espirituais e temporais, entre o sagrado e
o profano, é que seria dada a substância do rito do batismo e às relações a ele subjacentes. A
análise desse argumento bem como da prática do batismo e dos deveres e direitos a que estão
obrigados os participantes do batismo num tipo de relação que abrange todo o conjunto de
204
batismo, foi denominado por Gudeman Complex of the Compadrazgo
3
.
Retornando ao histórico da instituição do batismo na Igreja Católica, as modificações
apresentaram certas rupturas no conjunto de relações que antes não havia. Se ao tempo da
Igreja do cristianismo primitivo os pais podiam ser os padrinhos dos seus filhos e o ministro
adquiria vínculo espiritual com a criança batizada, nos séculos IV e V já há mostras, em Santo
Agostinho, de que outras pessoas conduziam e elevavam a criança à condição de cristã,
respondendo por ela as questões feitas pelo ministro durante o ritual. Em outras palavras,
assumem a posição de fiadoras de sua renúncia ao demônio, até o dia de ministrar o
Sacramento da Confirmação, na qual o jovem não mais inocente, capaz de responder por si
próprio no uso de seu arbítrio, reafirmará o compromisso de renúncia ao demônio, feito em
seu nome por seus padrinhos e zelosos protetores de sua alma no dia do batismo. O ministro,
alegadamente por falta de tempo, teve suas responsabilidades reduzidas sobre os batizandos
em especial, zelando com mais afinco pelo rebanho de Deus como um todo. Essas
responsabilidades de educação e acompanhamento religioso do novo membro da cristandade
também foram delegadas àquele que conduzia, elevava a criança e a retirava da pia.
Dissociado, portanto, da figura do pai carnal e do ministro que representava a Santa Madre
3
Importante notar que o Complexo de Compadrazgo conforme definido por Gudeman, abrange não
somente a relação entre compadres (pais e padrinhos) como também as relações entre os fiéis e a Santa Madre
Igreja; entre os fiéis e Deus; entre os fiéis e o ministro; entre pais e filho; e entre pais espirituais e filho espiritual
(padrinhos e afilhado). Já o compadrazgo ou o compadrio são as relações existentes apenas entre os compadres.
Doravante, será aqui chamado de Complexo do Compadrio a esse conjunto de relações e de compadrio como as
relações entre os compadres. Importante, também, buscar ver a alteração que o termo compadrazgo, em sua
outra grafia compadradgo, sofreu ao longo do tempo. Em 1729 em espanhol significava “ a conexão, ou
parentesco que resulta entre o Padrinho e os Pais do menino ou menina batizados. (...) Confirmação e Batismo
são dois Sacramentos de que nasce o compadradgo, que é parentesco espiritual” (REAL ACADEMIA
ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española. Madrid: Real Academia Espanola, 1729. verbete
Compadradgo o Compadrazgo), sendo muito diferente da definição atual no mesmo idioma, “Conexão ou
afinidade que contrai com os pais de uma criatura o padrinho que a retira da pia ou o assiste na confirmação”
(REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española. Madrid: Real Academia Española,
2001. verbete Compadrazgo), na qual as palavras “parentesco” e “parentesco espiritual” estão ausentes, ou seja,
o pertencimento à família e a sacralização da relação desapareceram, assumindo, portanto, um teor laico.
O
Vocabulário Portuguez e Latino de Raphael Bluteau não traz o verbete compadrio e define compadre como
sendo o companheiro da madrinha à pia batismal. Entretanto, para os verbetes padrinho e madrinha há extensa
explicação acerca do rito batismal e dos elos espirituais entre os pais da criança batizada, a criança batizada e
eles, seus pais espirituais (BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino - 1712. . Rio de Janeiro: UERJ,
2000 , edição em CD-Rom, verbetes compadre, comadre, padrinho e madrinha).
205
Igreja, o padrinho passou a incorporar funções que cabiam a eles.
No século VI houve a proibição, pelo Código de Justiniano, de casamento entre
padrinho/madrinha e afilhado/afilhada, denotando que as figuras de pais e padrinhos já
estavam por completo dissociadas, não vigendo mais a prática de pais serem padrinhos de
seus filhos. Isso fica por demais claro por ser a prática do incesto condenada pela religião
católica desde muito tempo. Portanto, se um impedimento matrimonial entre padrinho e
afilhado foi gerado, isso significa que não guardavam mais parentesco de
paternidade/maternidade carnal.
Também no século VI, na segunda metade, houve a proibição de clérigos serem
padrinhos de batismo, separando, também definitivamente, a figura do ministro e a do
padrinho. O padrinho passou a ser, portanto, figura constante e necessária, presente ao ato
batismal, dando os contornos do conjunto de batismo
4
que hoje se tem. Não há certeza quanto
ao número de padrinhos exigidos na cerimônia a essa época, nem idéia precisa de quando o
elo espiritual, o perfilhamento existente entre padrinho e afilhado foi também aplicado aos
compadres (termo derivado de co-padres ou co-pais). Entretanto, quando da canonização do
Código de Justiniano, houve a extensão do impedimento matrimonial para mãe e padrinho da
criança:
Aqueles que são padrinhos de uma criança não podem desposar sua
mãe. A relação espiritual é mais alta que a corporal. (Hefele, 1896 apud
Gudeman, 1971: p. 51)
Isso denota que o elo espiritual entre pais carnais e padrinhos já estava há mais
tempo em gestação, marcando sempre a superioridade do vínculo espiritual sobre o mundano.
Por volta do século VI foi permitido que as mulheres agissem como padrinhos, e adiante nos
séculos VII e VIII, com a ênfase na analogia entre a geração natural e espiritual, um homem e
4
Conjunto de batismo vêm a ser as pessoas necessárias ou envolvidas no rito batismal. São a criança,
os pais carnais, os pais espirituais e o ministro.
206
uma mulher passaram a ser utilizados como padrinhos. O conjunto de compadrio reflete
também a natureza dual de Cristo e o dogma da virgindade de Maria. Há natureza mundana de
Cristo, cuja família era formada por Jesus, José e Maria, e há a sua natureza espiritual, tendo
Deus/Espírito Santo atuando na concepção de Maria. Essa dupla natureza se reproduz no
batismo quando a família carnal da criança, formada por ela, por seu pai e sua mãe é colocada
em contraposição, segundo Gudeman, em complementaridade a ela, concordando com o que
diz Pitt-Rivers sobre o tema:
Ele [Pitt-Rivers] argumentou que o compadrazgo é o que “o
parentesco cognático aspira, mas não pode ser”. O compadrazgo estabelece
laços de relacionamento de confiança que podem ser postos em usos
diferentes. Essa idéia é uma variante do tema da solidariedade social. Pitt-
Rivers também ligou o compadrazgo com o parentesco em de um modo mais
profundo. (Gudeman, 1971: p. 46)
O complexo do compadrio, portanto, estabelece elos profundos e espirituais. É a
conexão do mundo carnal da criança com o mundo espiritual, sendo os padrinhos – pessoas de
carne e osso – que mediam a relação entre o conjunto do nascimento (pai, mãe e filho) ao
Reino de Deus.
Tudo no nascimento carnal, de acordo com a tese de Gudeman, estaria relacionado
ao mundano, ao imperfeito, ao pecaminoso. Do ponto de vista dos atos e ações sociais, o
nascimento carnal tenderia à vergonha e à introspecção, ao passo que o renascimento
espiritual remeteria à pureza e à extroversão. A concepção de uma criança é restrita ao casal
que copula, em local privado e longe das vistas dos demais. O nascimento ocorre em casa,
sem mais testemunhas que uma parteira ou um médico. Da família carnal, qualquer um dos
elos pode ser negado ou mesmo rompido, nem que seja pela morte. O nascimento ocorre em
meio à dor e ao sangue. Já o batismo – renascimento da alma para Deus – é cerimônia pública
e comemorada. Há testemunhas, é um dos Sagrados Sacramentos, a Madre Igreja e Deus estão
presentes ao ato. O ocorre em local santo, em meio a símbolos de pureza e de purificação,
207
como a água benta e as chamas das velas. Após o nascimento, a reclusão da mãe e a
apreensão pelo risco de morte que mães e crianças correm no pós-parto. Após o batismo, a
confraternização e a certeza de que, sucedendo algo nefasto, Deus receberá a alma do
pequeno e a conduzirá à vida eterna.
Assim como é dual a natureza de Cristo e de suas duas parentelas, parte humana,
parte sobrenatural, são as duas famílias presentes no complexo do compadrio. Os laços
gerados por esse são firmados na esfera sobrenatural, na presença de Deus e sobrevivem até
mesmo à morte, já que os que se irmanam ou quem perfilha no ato do batismo não são os
corpos e sim os espíritos. Esses, por definição, são imortais. Assim, há também, a natureza
dual das relações presentes no complexo do compadrio. A irmandade entre os espíritos de pais
e padrinhos e a paternidade espiritual do padrinho para com a criança geram obrigações
mútuas e desiguais que têm expressão no mundo terreno.
Segundo Gudeman, portanto, as relações subjacentes ao batismo possuem dois
aspectos principais: o aspecto funcional, que fomenta as solidariedades sociais, e o aspecto
religioso, no qual os laços espirituais amarrados sob os auspícios da Igreja se dão não no
mundo dos humanos, mas na esfera divina. Sob essa ótica ficam irmanados os espíritos dos
compadres perfilhando espiritualmente o batizando. Se a relação entre compadres na esfera
espiritual é equilibrada, na esfera mundana ela denota certas hierarquias e diferenças
existentes nas relações da sociedade. Na relação padrinho-afilhado, tida por muitos como a
menos importante, há fortemente marcada, tanto na esfera espiritual como no mundo terreno,
a hierarquia existente no interior de uma família. Ao padrinho correspondem a educação, os
conselhos, o encaminhamento do jovem a uma profissão ou a um casamento, e ao jovem
competem as atitudes de respeito e apoio aos seus padrinhos.
Ainda segundo Gudeman, os parentescos espirituais formados ao batismo são
superiores aos parentescos mundanos, já que estes acabam com a extinção da vida na matéria.
208
Os laços espirituais, por serem laços que existem entre as almas, são levados pela eternidade,
até o Dia de Juízo. As relações parentais podem ser rompidas através da negação da
paternidade ou do abandono de filhos e da família. Mas não há meios de negar as relações
espirituais, já que estas se dão no âmbito místico e com Deus, através da Santa Madre Igreja e
seus representantes, conferindo graça a esses laços. O pecado original purgado das almas dos
batizandos os insere, ao mesmo tempo, no rebanho divino e no mundo social. Os pais dão à
criança o ser e os padrinhos lhes dão o ser social no seio da cristandade.
Se é um tanto difícil perceber a maior parte das obrigações instituídas pelo aspecto
religioso do compadrio, seu aspecto funcional, ou seja, a expressão mundana desses laços
sacralizados, é dado a ver em uma série de atitudes que foram documentadas nos registros da
Igreja. Os Róis de Confessados de Viamão, de 1776 e 1778 têm em dois domicílios jovens
designados como afilhados do chefe da família, em categoria semelhante a de outros parentes
e não como eram ditos os agregados, ou os “camaradas”, designação de outras relações que
não pertencem ao âmbito da família consangüínea ou dos parentescos espirituais.
A Devassa Sobre a Entrega da Vila do Rio Grande às Tropas Castelhanas
(Biblioteca Riograndense, 1937) arrola quinze questões a serem respondidas pelas
testemunhas e implicados. Há, entretanto, uma décima sexta questão que não está inscrita
entre essas quinze. Antes da assinatura ou da colocação do sinal característico dos
analfabetos, há uma observação acerca “do costume”, o que, em termos jurídicos, significa a
relação pessoal de uma testemunha com a pessoa sobre a qual vai depor
5
.
Nessa Devassa de cinqüenta e oito testemunhas previstas ao início, às quais se
somaram mais quinze “referidas”, ou seja, que foram chamadas a depor por serem referidas
em depoimentos de testemunhas, poucos foram os que tinham algo a dizer do costume, ou
5
Cf. verbete “costume”, acepção 8, in: HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Edição em CD.
209
seja, de suas relações pessoais com os implicados na Devassa. Havia ali, alegando-se como
tal, um primo-irmão; um ex-sócio “mas não inimigo”; um “procurador para lhe assistir a casa
em sua absência”, um homem “casado com uma neta” de um dos referentes, e seis homens
que diziam “ser compadre de”. Ou seja, mesmo documentos oficiais como uma devassa, que
assumem aspectos de inquérito em busca de responsáveis por fatos ocorridos, fazem anotar a
situação de compadrio como possível interferente no teor do depoimento. Muito
provavelmente para alertar que, de acordo com os laços sagrados do compadrio, essa
testemunha não diria voluntariamente nada que pusessem em perigo o seu irmão espiritual. As
obrigações religiosas e morais advindas do compadrio colocam um em eterna solidariedade
com o outro. Se isso se expressava assim, de modo claro em documentos dessa sorte, é
porque, também, os laços, a solidariedade, as responsabilidades, as obrigações mútuas deviam
se fazer presentes no quotidiano das famílias e no interior dos grupos sociais. Nessa devassa
há uma afirmação muito interessante:
do costume disse ser compadre do dito José da Silveira [Bitencourt] porém
que era seu inimigo e que juntamente era compadre do dito referente
[Antônio de Souza Fernando] (Biblioteca Riograndense, 1937, Devassa
Sobre a Entrega..., depoimento de Eusébio Alves de Souza, p: 147)
Isso significa que o elo mundano, o aspecto funcional da relação de compadrio de
Eusébio Alves de Souza com o implicado José da Silveira Bitencourt foram rompidos. A
solidariedade e o auxílio mútuo, decorrentes da relação que se estabeleceu à Pia Batismal, se
transformaram em inimizade. Entretanto, o elo espiritual permanecia. Negava-se a amizade,
mas não o compadrio. Negava-se o que decorria da carne, mas não se negava a relação
superior entre espíritos. Tanto isso era importante que, para além da amizade rompida, há a
afirmativa de uma outra relação de compadrio completa, sem a quebra da solidariedade e da
reciprocidade funcionais, entre os compadres, Eusébio Alves de Souza e Antônio de Souza
Fernando. Isso vai ao encontro da idéia do parentesco espiritual subsistindo às coisas terrenas
210
que é apresentada em Gudeman (1971).
II.2.Um pouco sobre os estudos sobre
compadrio no mundo
O estudo acerca das relações de compadrio tomou novo impulso com este trabalho de
Gudeman de 1971. Outros autores, em adendo ou em discordância com Gudeman, produzem
outras explicações aos papéis desempenhados pelos participantes do rito do batismo ou
ampliam a extensão das relações de compadrio para outras esferas religiosas ou não.
Destacam-se alguns aqui.
Peter Coy em 1974 publicou An Elementary Structure of Ritual Kinship: A Case of
Prescription in the Compadrazgo, cuja principal intenção, baseado em pesquisas de campo, é
incluir o matrimônio entre os sacramentos da Igreja que geram relações de compadrio, neste
caso, entre os nubentes e suas testemunhas, além de tentar ampliar as conclusões de Gudeman
acerca do compadrio gerado à pia batismal (Coy, 1974). Em 1975 o próprio Stephen
Gudeman retornou ao tema com o artigo intitulado Spiritual Relationship and Selecting
Godparent (Gudeman, 1975). Sem discutir o dito por Coy, Gudeman reafirma o Complexo
do Compadrio apenas como surgido do batismo e confirmação, explorando as regras para
seleção de padrinhos a partir das normas da Igreja e de sua interpretação popular, levando em
consideração os impedimentos matrimoniais gerados pelas relações do Complexo do
Compadrio e a superioridade dos laços espirituais sobre os laços terrenos.
Nesse mesmo ano o antropólogo Roderick L. Stirrat publicou o artigo Compadrazgo
in Catholic Sri Lanka, saindo, portanto, do âmbito estudado pelos autores anteriores, que se
detinham na Europa, em especial a Europa mediterrânea e a América Latina. Discute também
a diferença que considera crucial entre o compadrio da pia batismal e o que ocorre no
casamento. Esse trabalho é importante pois, de um modo mais contundente, discute o aparato
211
conceitual utilizado por Gudeman, problemático em sua concepção, no que concerne à
dicotomia entre as esferas espiritual e natural. Segundo Stirrat, aí reside o maior problema de
sua análise, sendo que o que é dito “espiritual” em Gudeman poderia ser dito “cultural”, ou
seja, a dicotomia poderia aparecer como sendo entre “homem cultural” e “homem natural”,
em vez de “homem espiritual” e “homem natural”. Apesar de suas discordâncias com
Gudeman, de seu trabalho Stirrat toma a idéia de que o compadrazgo é um produto da
teologia católica. De Pitt-Rivers assume a idéia de que na relação de compadrio padrinho
guarda semelhanças com o tio materno, ou seja que há uma afinidade espiritual. Conclui
dizendo que, se por um lado Gudeman enfatiza apenas um aspecto do problema, focando a
relação entre nascimento e batismo, reduzindo o conjunto do compadrio ao contraste entre as
famílias espiritual e terrena, por outro Pitt-Rivers via o compadrazgo apenas como família,
enfatizando essas coletividades e o papel individual dos padrinhos. Segundo Stirrat, ambas as
análises são falhas ao analisar o compadrio em separado do matrimônio, sem analisar as
regras positivas e negativas do primeiro agindo sobre o segundo e vice-versa. Conclui dizendo
sobre seu estudo: “A análise que eu propus é concernente a uma variante da Grande Tradição
do Catolicismo: uma Pequena Tradição” (Stirrat, 1975: p. 604) e por conseqüência, clama por
novos estudos que ampliem os horizontes neste tema.
O ano de 1976 foi marcado pelo início da produção mais intensiva de autores
franceses que se voltaram para esse assunto. Curiosamente, assim como nos temas vinculados
à onomástica, as tradições de pesquisa de um lado inglesa e norte-americana, e de outro,
francesa ignoraram-se mutuamente, não discutindo entre si. Jean Louis Christinat publicou
artigo sobre padrinhos de batismo e seus afilhados no Bulletin de Institut Franças d'Études
Andines, tendo como objeto de estudo o compadrazgo praticado no Peru. (Christinat, 1976).
A ênfase desse estudo é a sacralidade do laço, a importância das relações de compadrio e o
alcance social de uma relação sacralizada. Em sua bibliografia não estão incluídos os autores
212
anteriormente mencionados, de onde se conclui que ignorava a existência de vasta literatura
em língua inglesa.
Françoise Zonabend, dois anos após, publicou o artigo La Parenté Babtismale a
Minot (Côte-D'Or) (1978), hoje considerado clássico para quem se inicia no estudo do
compadrio e suas relações. Não constando a produção em língua inglesa em sua bibliografia,
em certos pontos, chega a algumas constatações semelhantes as de seus colegas ingleses e
norte-americanos. Demonstrando, ao longo do estudo, quanto da cultura popular e de
modificações que ocorreram nessas práticas ao longo do recorte cronológico, Zonabend
identifica certas práticas e crendices associadas à mortalidade infantil e à crença em uma
“fragilidade” da criança enquanto não for tocada pelo Espírito, enquanto não renascer pelo
batismo. Indo além, a autora percebe também padrões de escolha para os padrinhos das
crianças, socialmente condicionados, dando a ver que os padrinhos das crianças mais velhas
são geralmente pessoas da família com uma certa regularidade dos graus de parentesco entre
padrinhos, pais e crianças, e em menor medida, pessoas do mesmo grupo social. Os últimos
filhos tendiam a ser batizados com mais freqüência por pessoas alheias à família e/ou de
estatuto social superior. Zonabend coloca que o compadrio nessa região ocorre em três fases
distintas, todas elas ritualizadas, senão pelas práticas cristãs, pelos costumes populares. Esse
artigo, que abrange o batismo de crianças e vários ritos e práticas dessa sociedade a ele
associadas, é, dito de outra maneira, o estudo aprofundado de uma das assim chamadas
variantes locais do dogma cristão. Ele será, de certo modo, ponto de partida para muitos
outros estudos da antropologia francesa sobre o parentesco ritual contraído ao batismo.
Interessante também notar que as ciências humanas, como fruto de seu tempo,
também passam a enfatizar, nos estudos do compadrio, temáticas e abordagens e discussões
em voga ao tempo em que foram produzidos. Bloch & Guggenheim, que em Compadrazgo,
Baptism and the Symbolism of a Second Birth (1981) também enfatizam a oposição entre o
213
natural e o espiritual na comparação entre o conjunto de nascimento e o conjunto de
compadrio, demonstram a crença na superioridade do segundo sobre o primeiro, afirmando
ser isso decorrência de uma intencional diminuição, no discurso e na prática cristãs, do papel
da mulher na sociedade. Todo o mal que vem da carne – o sangue, o sofrimento, a dor e o
pecado – viria através da mulher, a mãe. O bem, a limpeza, a purgação, a salvação e a vida
eterna vêm da relação espírito, onde a mulher – mesmo a madrinha – desempenha um papel
secundário. Uma mulher seria capaz de gerar uma criança, mas esta nasce imperfeita,
necessitando ser redimida das falhas que precede seu nascimento e que derivam do pecado
não apenas de Adão, mas de Adão e Eva, sendo ela a indutora do pecado. Muito
provavelmente influenciadas pelos ideais e teorias feministas das décadas de 1970 e 1980, as
autoras, para além da oposição carne-espírito, enxergam uma depreciação da capacidade
criadora e geradora da mulher. Independente dessa ênfase demasiada na depreciação feminina
no ato batismal, o destaque da oposição sagrado-profano vêm a contribuir na análise que se
faz das relações subjacentes ao ato do batismo na Vila do Rio Grande.
Talvez numa tentativa de romper com a ignorância mútua entre a historiografia de
língua francesa e inglesa acerca das relações de compadrio, em 1981 Jacques Dupâquier
publicou Naming Practices, Godparenthood, and Kinship in the Vexin, 1540-1900 na revista
norte-americana Journal of Family History (1981) e, em contrapartida, a autora norte-
americana Cheryll Ann Cody, no ano de 1980, levou artigo seu sobre as práticas de nomeação
entre escravos norte-americanos a um evento organizado pelos franceses acerca de parentesco
ritual e práticas de nomeação, publicado posteriormente em uma coletânea dos trabalhos
apresentados neste evento (1984).
Na década seguinte, Salvatore D’Onofrio, no artigo L’Atome de parenté spirituelle
(1991), também destacou a oposição entre os laços sagrados estabelecidos ao batismo e os
laços mundanos das relações carnais e de parentesco consangüíneo, e avançou por onde a
214
investigação de Gudeman não obteve resposta: a origem do impedimento matrimonial entre a
mãe e o padrinho ou entre o pai e a madrinha. Sua idéia é a de que o rito batismal tenta imitar
a “família espiritual” de Cristo, invocando a presença de uma concepção sem pecado tanto
quanto o “nascimento espiritual” prescinde do contato entre padrinho e madrinha.
A década de 1990 foi marcada também por muitos estudos de caso acerca do
parentesco batismal não apenas na forma da Igreja Católica, como fazem alguns
pesquisadores italianos, como é o artigo Family, kin, and the quest for community: A study of
three social networks in early-modern Italy, de Sandro Lombardini (1996) mas, também para
locais nos quais o protestantismo vigorava, trazendo à tona outras tantas variações de um
ritual que não é somente católico, mas cristão em sua essência. Sua publicação em periódicos
internacionais ganhou fôlego a partir do ano 2000. Citam-se aqui, a título de exemplo, os
artigos Godparents, witnesses, and social class in mid-nineteenth century sweden, de Tom
Ericsson (2000); Women and men as godparents in an early modern swedish town, de Solveig
Fagerlund (Fagerlund, 2000) e Cementing alliances? witnesses to marriage and baptism in
early nineteenth-century Iceland de Gisli August Gunnlaugsson e Loftur Guttormsson (2000).
Portanto, estudos sobre as explicações acerca do tipo de relações espirituais e
seculares dadas a partir do comparecimento à pia batismal, longe de demonstrarem dar um
fim à questão, vêm colocando mais e mais perguntas a serem respondidas. Os estudos de caso
para localidades que antes estavam ausentes do debate trazem novos dados e novos
significados para as relações de compadrio, de parentesco fictício e de solidariedade, que
implicam numa conjunção de aspectos da vida social, política, religiosa e econômica daqueles
que tem o batismo de crianças e adultos como um ritual nas suas sociedades.
215
II.3. Um pouco sobre estudos acerca de compadrio e
batismos no Brasil
No Brasil os estudos acerca do batismo e relações de compadrio iniciaram de um
modo tímido, muitas vezes aparecendo como um aspecto relevante, mas de menor
importância, em trabalhos que focalizavam temáticas outras, alguns direcionados para a
demografia histórica ou para a história da família, que se utilizaram de registros batismais
como fontes para a investigação. Sheila de Castro Faria, em A Colônia em Movimento:
fortuna e família no cotidiano colonial (1998), usa registros batismais e neles, além de
padrões de legitimidade, também tece considerações acerca das relações que o batismo e o
compadrio criam na vida da população colonial. Seu trabalho é consecução de um esforço
iniciado na segunda metade da década anterior.
Do mesmo modo que foi observado por Gudeman e por Guggenheim & Bloch que a
presença masculina normalmente é mais freqüente à pia batismal, não deixa de ser também
notável para todo o período colonial da história brasileira que se no conjunto de compadrio
falta apenas um dos padrinhos, este será necessariamente a mulher. Havendo apenas um
padrinho, não foram anotados casos em que houvesse madrinha e o padrinho estivesse
ausente. Já o contrário, a presença de um único padrinho (e em casos muito raros dois
padrinhos de mesmo sexo), este necessariamente era um homem. Ao mesmo tempo, muito
raramente foram percebidos casos em que o padrinho fosse substituído por ente sobrenatural,
como um ou outro registro de santo como padrinho de alguma pessoa, substituindo ente
humano (Venâncio, 1986; Ramos, 2004). Ao contrário, o nome de santas, registradas como
madrinha das crianças – em geral Sant’Ana, avó do Cristo, ou Maria, sua mãe em uma de
aparições como Nossa Senhora – foram registradas, ainda que com muito pouca freqüência
para o período abrangido por esse estudo (ADPRG, LBat1-RG, LBat2-RG, LBat3-RG,
LBat4-RG1738-1763).
216
Essa constatação, a ausência de madrinhas na pia batismal, foi tema do artigo A
Madrinha Ausente – condição feminina no Rio de Janeiro (1750-1800), de autoria de Renato
Pinto Venâncio (1986) que, como o título indica, investiga a condição feminina através dos
registros batismais. Nesse ano se inauguram os intentos mais intensivos acerca dos batismos e
relações de compadrio, sendo este um dos primeiros estudos voltados inteiramente para o
tema. Ainda que sem um forte discurso feminista, visível no trabalho de Guggenheim &
Bloch, o autor argumenta que a ausência da madrinha seria, principalmente, fruto da
sociedade patriarcal luso-brasileira, que tendia a manter suas mulheres em forte reclusão para
dar menor azo à infidelidade conjugal ou a relações sexuais precoces ou não desejadas pelas
boas famílias para as suas filhas. A substituição de madrinhas de carne e osso por entidades
místicas, como Nossa Senhora, a Virgem Maria e outras santas, para este autor, preencheriam
o vazio deixado na pia batismal pelas mulheres reclusas. Reclusas, ainda segundo ele, por
terem a natureza a lhes dominar, por serem naturalmente frágeis, físicas e moralmente, não
fazendo, portanto, frente aos assédios e brutalidades que os homens lhes impunham. Essa é
uma interpretação. Mas, como se verá adiante, não é válida para a colônia como um todo. Se
certo é que a ausência feminina na pia batismal é maior que a dos homens, também é certo,
como será demonstrado em momento oportuno tendo por base os compadrios das famílias
açorianas na Vila do Rio Grande, as mulheres das boas famílias que mais batizaram crianças
na localidade comparecerem muito mais vezes à pia batismal do que seus maridos, filhos e
irmãos. O problema da freqüência feminina nos ritos de batismo da Vila do Rio Grande,
portanto, requer outra explicação.
Despontando como um dos primeiros trabalhos brasileiros, senão o primeiro, a dar
destaque ao compadrio tem-se Pais, Padrinhos e o Espírito Santo: um resultado de
Compadrio, de Antônio Augusto Arantes (1982), seguido do já comentado trabalho de Renato
Pinto Venâncio. Uma outra importante pesquisa que tem o compadrio como tema é o capítulo
217
Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII
(1988), escrito por Stephen Gudeman e Stuart Schwartz e publicado em livro organizado por
João José Reis. Discorrendo acerca do compadrio para as famílias escravas da Bahia, os
autores deram grande impulso às pesquisas realizadas com registros paroquiais e àquelas com
interesse nas relações estabelecidas à pia batismal.
Esse é o primeiro estudo que se encontrou para as relações de compadrio específicas
dos escravos do período colonial brasileiro. Gudeman & Schwartz, partindo da premissa da
existência de um aspecto religioso e de um aspecto funcional nas relações de compadrio,
afirmam, entre outros, a insignificância numérica de senhores batizando seus escravos como
derivado do laço espiritual contraído ao batismo, momento no qual estariam irmanados aos
pais das crianças que batizaram. Uma vez irmanados espiritualmente aos seus escravos,
estariam em uma situação na qual não poderiam exercer a violência sobre os mesmos. De tal
forma, evitariam ao máximo participar como padrinhos dos batismos das crianças suas
escravas para que sua autoridade, expressa também pelo direito de submeter a castigos
corpóreos os seus escravos, não se visse diminuída. Também esse ponto será discutido em
momento oportuno. Destaca-se aqui a grande contribuição que esse artigo dá ao estudo do
parentesco entre escravos, seja ele consangüíneo, afim ou fictício. Os autores demonstram que
uma rede social unia escravos de diferentes propriedades através do comparecimento à pia
batismal e mostram, também, que as escolhas de compadres eram feitas dentro de padrões
condicionados socialmente, deixando perceber a penetração dos dogmas da Igreja católica nas
populações escravizadas e suas formas de interpretação e utilização dos sagrados laços do
compadrio.
Em seguimento a esses estudos primeiros, outros tantos surgiram. Citam-se aqui, não
mais que para demonstrar que a produção historiográfica sobre o tema não estagnou, alguns
entre os tantos trabalhos de pesquisa publicados, Família e compadrio entre escravos das
218
Fazendas de Café: Paraíba do Sul, 1871-1888, e The politics of kinship: Compadrio Among
Slaves in Nineteenth-Century Brazil, de Ana Maria Lugão Rios (1990; 2000); Compadrio,
Relação Social e Libertação Espiritual em Sociedade Escravistas, de S.M. Brügger e T.M
Kjerfe (1991); O compadrio batismal a partir dos registros paroquiais: sugestões
metodológicas, de Sérgio Odilon Nadalin (1997); Na Pia Batismal: família e compadrio entre
escravos na Freguesia de São José no Rio de Janeiro (primeira metade do século XIX)
dissertação de mestrado de Roberto Guedes Ferreira (2000) e o capítulo quinto de Minas
Patriarcal - Família e Sociedade (São João del Rei, séculos XVIII e XIX), tese de
doutoramento de Sílvia Maria Jardim Brügger, dedicado ao parentesco ritual e às estratégias
sociais.
No ano de 2003, em evento da Associação Brasileira de Pesquisadores em História
Econômica, ao menos três trabalhos se utilizaram de registros batismais para investigar
mobilidade e inserção social, para escravos, forros e livres. São eles De pai para filho:
legitimação de escravos, herança e ascensão social de forros nos Campos dos Goitacases, c.
1750-c.1839, de Márcio de Souza Soares (2003); Trabalho, família, aliança e mobilidade
social: estratégias de forros e seus descendentes - Vila de Porto Feliz, São Paulo, século XIX,
de Roberto Guedes Ferreira (2003) e Na Pia Batismal: estratégias de interação, inserção e
exclusão social entre os migrantes açorianos e a população estabelecida na Vila do Rio
Grande através do estudo das relações de compadrio e parentescos fictícios (1738-1763) de
Martha Daisson Hameister (2003). Como traço comum, os três trabalhos se utilizam do
“método onomástico” ou cruzamento de registros nominais para traçar trajetórias de famílias,
delinear a parentela carnal ou espiritual e tentar identificar as estratégias que podem ser
percebidas a partir destes registros.
Em 2004, a revista Varia História, da Universidade Federal de Minas Gerais,
publicou seu número 31 com artigos dedicados à história da família e aos registros
219
eclesiásticos. Chama-se especial atenção para os artigos Teias Sagradas e Profanas: o lugar
do batismo e compadrio na sociedade de Vila Rica durante o século do ouro, de Donald
Ramos (2004), que busca padrões de escolha de padrinhos para escravos, forros e livres,
tentando se ater aos aspectos seculares e sagrados da relação de compadrio; Filhos de Deus:
batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro
Preto, de Douglas Libby e Tarcísio Botelho (2004), que abrange um recorte de quase cem
anos de registros batismais de uma paróquia mineira, e Aspectos da Função Política das
Elites na Sociedade Colonial Brasileira: o parentesco batismal como elemento de coesão
social, de Vera Alice Cardoso Silva (2004), que enfatiza a importância da escolha de
padrinhos como elemento que reduz as tensões sociais entre grupos e pessoas de estatutos
sociais diferentes, bem como a importância da formação de redes de parentesco fictício
numerosas e abrangentes de vários setores da sociedade para a sustentação do poder das elites.
Cada um desses três artigos explora, de modo diferente, as implicações das escolhas de
padrinhos e das teias de parentesco fictício gerados ao batismo.
No mesmo ano de 2004, mais três trabalhos importantes foram apresentados no
Encontro Nacional de Estudos Populacionais. São eles Casamento & Compadrio: estudo
sobre relações sociais entre livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o
XIX (São José dos Pinhais - PR), de Cacilda Machado (2004), que analisando trajetórias de
casais formados por escravos com livres e libertos e de seus filhos, verifica essas relações
serem estratégicas para a garantia ou obtenção da liberdade, ao mesmo tempo que reiteravam
a hierarquia e a estrutura social escravistas; Compadrio em uma Freguesia Escravista:
Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG) 1838-1888, de Jonis Freire (2004), que vê nas relações
de compadrio dos escravos e nos padrões de escolha de compadres um leque muito maior de
opções do que o imaginado anteriormente, além de afirmar ser o compadrio instrumento
fundamental para o estabelecimento de solidariedades, não apenas entre os cativos, mas dos
220
cativos com aqueles de estatuto social superior: forros e livres, abrangendo também pessoas
do topo da hierarquia social da localidade; e Compadrio e Escravidão: uma análise do
apadrinhamento de cativos em São João del Rei, 1730-1850 de Sílvia Maria Jardim Brügger
(2004). Assim, excetuando o trabalho de Machado, que enfatiza as trajetórias de casais
mistos, os dois outros trabalhos destacam os compadrios dos cativos em períodos distintos.
Esse crescente interesse pelas relações de compadrio se confirmou no ano de 2005, no qual
alguns eventos nacionais tiveram sessões com trabalhos nessa temática. Haja vista que
nenhum desses trabalhos é algo encerrado e sim observações iniciais ou intermediárias, ao
que tudo indica, os anos vindouros serão bastante férteis nesse terreno.
No Brasil, percebe-se que há uma grande ênfase nas análises de batismos e
compadrios da parcela escrava da população em detrimento de famílias livres, talvez
respondendo à antiga e cada vez mais infundada queixa de que não existem fontes para o
estudo da escravidão. Também surgem esses estudos em resposta a uma discussão antiga na
historiografia acerca da escravidão, entre aqueles que acreditam na reificação do escravo
dadas as condições opressivas e degradantes da escravidão e aqueles que acreditam ser o
escravo um agente social e, portanto, agente histórico.
O fato de gerar famílias e o fato de estabelecer uma malha de relações sociais entre
os de estatuto social semelhante ou superior, se utilizando das solidariedades implícitas a estas
relações em proveito próprio, como estratégia de manutenção de uma qualidade de vida ou de
melhoria desta, vai contra à idéia de um escravo tornado coisa, sem possibilidade outra de
ação que não a submissão, o suicídio ou a rebelião. A violência que é a própria escravidão não
é diminuída em nada com essa constatação. Apenas se acrescentam aspectos mais sutis de
dominação na “instituição escravidão” que também não é “uma coisa” e sim uma relação.
Sendo a escravidão uma relação, não é nem estática nem imutável. Apresentou várias faces ao
longo do tempo e ao longo do território onde existiu, podendo, portanto, diferir em formas e
221
práticas sociais inerentes a esta relação.
A perspectiva que se adotará nos casos que serão adiante analisados destoa dos
estudos anteriores apresentados por uma opção que tem dois motivos, um prático e um
teórico-metodológico. O motivo prático diz respeito às condições das fontes disponíveis para
esse estudo. Como já dito, os livros exclusivos de registros batismais de escravos na Vila do
Rio Grande desapareceram do Arquivo da Diocese. Não há fontes suficientes para que se
proceda nem ao acompanhamento das trajetórias dessas famílias nem que se aplique
metodologia da reconstituição de famílias. Maria Luiza Bertulini Queiroz, em sua tese,
abdicou da inclusão das famílias escravas, provavelmente por este mesmo motivo (1992).
Havendo portanto, essas dificuldades notadas na carência de fontes, buscou-se,
então, um modo de abranger essa parcela no estudo sem que se incorresse no erro de tentar
fazer coisas inexeqüíveis, dando razão ao segundo motivo para que se destoe das abordagens
anteriores.
Eis, então que o segundo motivo é de cunho teórico-metodológico, surgido a partir
da percepção, ainda que incipiente, no momento em que os dados eram agregados às
respectivas bases de dados, da existência de teias de relações estabelecidas pelas famílias em
seus compadrios. Essas, cruzadas com outros registros disponíveis para a época e o lugar sob
estudo induziram a uma concepção diferente do usual sobre o que sejam “as famílias” na Vila
do Rio Grande ao século XVIII.
Retornando à questão de que a escravidão constitui uma relação, tem-se que, apesar
da impossibilidade de seguir a trajetória das famílias formadas por mãe, filhos e, com menor
freqüência, pais escravos, é correto afirmar que estes eram escravos “de alguém”. Não
existem escravos sem proprietários, mesmo que os proprietários sejam instituições como as
irmandades, a igreja ou o Estado. Assim, se não é possível quantificar, por lacunas na
documentação, o número de famílias escravas, tem-se a certeza que estas faziam parte de
222
alguma unidade que foi quantificada no estudo de Maria Luiza Bertulini Queiroz, que estudou
a parcela livre desta sociedade, abdicando de estudar a parcela escravizada. A tentativa que se
faz neste estudo é, quando identificados escravos e seus proprietários, investigá-los como
parte componente da unidade domiciliar a que pertenciam. Embora uma coisa não substitua a
outra, pensa-se aqui que esta seja, senão a única, uma das formas de incluir estes escravos que
desapareceram junto com os registros subtraídos à Diocese na sociedade na qual viveram,
procriaram e morreram.
III. O Mundo que Deus Criou e a Lei
dos Homens
Um documento singular
Aos doze dias do mês de junho de mil setecentos e quarenta e
cinco anos nesta Igreja Matriz de Jesus-Maria-José da povoação do Rio
Grande de São Pedro estando eu de cama enfermo dei licença ao Reverendo
Manuel Henriques para batizar por forra e pôr os santos óleos a Felícia
inocente filha natural de Francisca parda escrava do Comissário Cristóvão da
Costa Freire e de Antônio Pires homem paisano e dando eu licença ao dito
Reverendo padre para batizar por forra no dia onze ele a batizou no dia doze
muito cedo por fazer gosto ao dito Comissário, amigo seu muito particular,
que não queria se batizasse por forra a dita criança, e a Pedro da Costa
Marim, a quem o dito Comissário fez a venda da dita sua escrava Francisca
para melhor se escusar de forrar a filha e também porque não houvesse quem
lhe levasse à pia batismal o dinheiro que o pai dela dava para se forrar
conforme o estilo e costume de todas as freguesias do Bispado, porque para
ele a não levar à pia o fez prender o dito Reverendo padre pelo governo deste
estabelecimento e preso esteve até fazer o dito batizado a gosto do
Comissário e Ajudante Pedro da Costa Marim e não do pobre pai, que à
cama me veio trazer o dinheiro para forrar sua filha e logo a deu por forra
pedindo-me assim a mandasse batizar e eu assim a mandei batizar por forra e
livre como se forra e livre nascesse o dito Reverendo Padre não o fez foi por
dolo e malícia e se não apareceu pessoa alguma que requeresse na pia o dito
batismo e levasse o dinheiro para tal, foi por estar o pai preso e ele vir muito
cedo batizar a criança, a qual, como conheço ser estilo e costume nas mais
freguesias do Bispado e o pai querer dar o valor dela segundo o estado de
pequenez, dou por forra e liberta no seu batismo, havendo o senhor a todo o
tempo que quiser o valor da dita Felícia no estado da inocência em que foi
batizada, pois é a Igreja mãe e não quer filhos que a ela chegam cativos e por
descargo de minha consciência e saber se fez todo o contrário do que é
costume por traição, ódio e malquerença que contra uns e outros há nesta
freguesia, é que julgo ser forra a dita Felícia inocente, da qual foram
padrinhos Manuel Francisco da Costa e NS
ra
do Rosário e por verdade de
todo e ter batizado e posto os santos óleos à dita Felícia o dito Reverendo
223
Padre fiz este assento dia e era ut supra. Pe. João da Costa Azevedo.
(Domingues, 1981 pp. 34-35).
III.1. Do batismo de Felícia
O registro do batismo de Felícia nem de longe se assemelha aos demais assentos nos
livros da Vila de Rio Grande. Normalmente esses anotavam aquilo que era exigido pelas
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Segundo essas, era mister “que em um
livro se escrevam seus nomes, e o dos seus pais, e mães, e dos padrinhos” (Da Vide, 1707:
Livro Primeiro, Título XII.).
Tampouco os registros normais eram usualmente tão sumários quanto o disposto nas
Constituições. Dependendo do rigor do pároco ou da passagem recente de um visitador, os
registros podiam conter outras tantas informações, tais como a procedência dos pais, a data de
nascimento da criança, os estatutos de “forro”, “escravo”, “administrado” ou “liberto”, mesmo
que em condição pretérita (p. ex. “escravo que foi”); anotações sobre o que poderia ser dito
como cor mas que, ao mesmo tempo poderiam designar o fenótipo, designavam também uma
situação social: “pardo”, “preto”, “índio”. Poderia ser uma classificação até social bastante
precisa, se não percebêssemos que muitas dessas desinências somem ou transformam-se com
o passar do tempo; nome e procedência dos avós; procedência dos padrinhos e o local atual de
residência dos partícipes do ato batismal. Também era dito do batizando sua situação legal:
legítimo, natural – muito raramente bastardo –, ou exposto. Ainda que filhos de relações
adulterinas ou espúrias estivessem sendo batizados na vila, a nenhum deles coube a anotação
de “ilegítimo”, ainda que o registro expressasse a condição de casado de um de seus pais ou
ainda de ambos serem casados com outras pessoas. Era a leitura do pároco, quiçá da
sociedade em formação: filhos naturais. E se assim foi lavrado nos livros, aqui serão ditos
naturais. Variações nos dados contidos nos assentos batismais foram percebidas em estudos
anteriores que se debruçaram sobre fontes semelhantes (Gudeman & Schwartz, 1988;
224
Ferreira, 2000; Rios, 2000; Brügger, 2002). Fica, então, anotado aqui que os assentos
produzidos pelos párocos da Vila e imediações, ainda que contenham peculiaridades, não
destoam dessa variada gama de possibilidades acrescidas ao mínimo exigido pelas
Constituições.
Entretanto, no batismo de Felícia há um longo texto a trazer tantas mais informações
das práticas sociais e costumes da Vila do Rio Grande e mesmo do Bispado do Rio de Janeiro.
Com um pai camponês e uma mãe parda escrava – sem que isso necessariamente indique uma
origem africana, haja vista os índios amiúde serem ditos pardos – Felícia tinha, de acordo com
os planos de sua família, a liberdade iminente. Para seu azar e para a sorte dos historiadores,
essa liberdade não estava nos planos do comissário. Sobre esse texto se lançarão os olhares na
tentativa de enxergar para além do que está registrado.
Em primeiro lugar, destaca-se aqui que, margeando a evidente “tramóia” que foi
armada para que a menina Felícia permanecesse em estado de escravidão, houve o
rompimento de um trato. Apesar do pai de Felícia ter entregue o dinheiro referente ao preço
da criança “em seu estado de pequenez” ao vigário adoentado, sua alforria não ocorreu. O
proprietário, o comissário Cristóvão da Costa Freire, agiu de má fé ao contrariar um trato que
havia sido feito com o padre. Mas há que se perguntar por que o trato havia sido feito com o
vigário e não com o proprietário da criança. Eis aqui o que diz o vigário convalescente acerca
da instituição Igreja: “é a Igreja mãe e não quer filhos que a ela chegam cativos” (Domingues,
1981: p.35).
Para essa sociedade, Deus é o pai e a Igreja é a mãe dos filhos que vagam pela Terra.
Não há mãe nem pai neste e no outro mundo que desejem ver seus filhos cativos. O amor
cristão almeja a isenção do cativeiro, usualmente associado ao pecado e ao serviço do
demônio. O pior dos cativeiros é ser escravo do pecado, um escravo do demônio, colocando a
alma em cativeiro por toda a eternidade. Para tanto, a Santa Madre Igreja tem o batismo como
225
primeiro sacramento dado aos seus filhos. O batismo é a expiação do Pecado Original, a
libertação do pecado primeiro, herdado de Adão e Eva que, tendo provado o fruto da Árvore
do Conhecimento, repassaram seu fardo à sua descendência.
O batismo liberta a alma. O padrinho, que em nome da criança renuncia ao demônio,
fornece-lhe um prenome cristão ou de santo. Com os Santos Óleos o pároco unge em cruz a
testa do pequenino. Esse sinal, que desaparecerá da pele da criança, é perene em sua alma:
marca indelével dos membros do rebanho do Senhor, daqueles que foram libertos do pecado
original. Por essa marca Deus reconhece seus filhos e pelo prenome dado ao batismo eles
serão chamados no Dia de Juízo, para terem seus atos avaliados e direcionados à chama
eterna, em companhia de hediondos seres, ou ao Paraíso, ao lado de Deus Pai e todos os
anjos.
Muito bem observado por Gudeman & Schwartz (1988), as instituições da
escravidão e do batismo são opostas entre si. A escravidão remete pessoas ao cativeiro e o
batismo as liberta. As Constituições Primeiras tentam, de alguma maneira, gerar regra para a
libertação espiritual dos corpos cativos. De alguma maneira, isso também foi percebido pela
sociedade que via, conforme o descrito pelo vigário de Rio Grande, o batismo como um
momento propício para a libertação do corpo, indo, então, além do significado de libertação
da alma que o rito possuía. Claro fica não ser norma escrita, mas ser “estilo e costume de
todas as freguesias do Bispado”, a saber, o Bispado do Rio de Janeiro, o senhor da criança
aceitar o valor em “seu estado de inocência” oferecido para a sua alforria. Ao que tudo indica,
não uma punição formal, na dura letra da lei, mas um constrangimento social haveria de dar
lugar a quem se negasse a receber tal oferta. O hábito e o costume eram tão fortes que tão
logo pôde, o pároco redigiu a anotação e reverteu a situação de cativeiro, aliviando sua
própria consciência. A menina Felícia, belo nome escolhido para a criança que tendo nascido
escrava teria a felicidade de tornar-se livre de corpo e alma no dia de seu batismo, tinha pai e
226
mãe que a amavam e a queriam livre. Livre do pecado, livre do cativeiro. Tinha um padre
disposto a fazer valer a vontade de Deus Pai e da Santa Madre Igreja, advogando a sua causa.
Desse documento, de suas linhas e entrelinhas, há mais o que ser dito. O Padre João
da Costa Azevedo, vigário de Rio Grande tinha por certo estar praticando a justiça quando
reparou os atos praticados por dolo e malícia. Mais do que isso: estava corrigindo o que
poderia ser dito “uma distorção” do aparato legal. Legalmente, o proprietário da mãe e da
criança poderia ter efetuado a venda e negado a alforria à pia. Isso estava dentro das suas
prerrogativas de senhor de um escravo. Entretanto, percebe-se que “por uso e costume”
geravam-se constrangimentos a quem fizesse valer suas prerrogativas de proprietário de
escravos por sobre o praticado no Bispado. Apoiado na lei, o comissário Cristóvão da Costa
Freire poderia ter feito tudo o que fez, dispensando a sórdida tramóia. Assim, vê-se o “estilo e
costume” assumir forma de lei de fato, já que outra havia de direito. Foi baseado nisso que o
Padre João da Costa Azevedo reverteu os atos praticados pelo comissário e seus “amigos”,
que impediam a prática dos usos e costumes. O direito consuetudinário prevaleceu sobre a
normatização. Reverteu a situação de cativeiro a qual fora lançada a pequena Felícia. Ao
corrigir o legal com o costume, corrigir o abuso de quem muito tinha sobre quem pouco
possuía, o vigário aplicou o princípio da justiça distributiva, cujo preceito é: a cada um o que
lhe compete de acordo com o seu estatuto social, nem mais, nem menos. A cada um de acordo
com o seu mérito:
Portanto, a medida é a proporção, que pode definir-se caso por
caso através da avaliação que só uma autoridade pode determinar. Mas se
trata de uma medida exata, não arbitrária, ‘posto que ao dar ou premiar sem
mérito não será ato de virtude de liberdade, e sim vício de prodigalidade, que
comporta injustiça ao quitar os meritórios e dar aos que carecem de mérito’.
(Levi, 2002: p. 6).
Em uma rápida passada de olhos poder-se-ia dizer que a tendência seria favorecer
Cristóvão da Costa Freire, nomeado Comissário de Mostras da Expedição que acudiu
227
Sacramento e posteriormente indicado pelo Provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, ratificado
pelo governador interino José da Silva Pais, para o cargo no Rio Grande. Ao cargo, a este
tempo por falta de uma administração formal instituída, competia fazer as vezes de Provedor
da Fazenda e existiu até que um fosse nomeado. Cristóvão da Costa Freire era um dos homens
mais poderosos da localidade, agraciado por mercê real. Todos os bens das Estâncias Reais de
Bojuru e Torotama, produtoras de gados bovinos e cavalares, estavam sob sua
responsabilidade. Um percentual da receita obtida com os couros – principal produto da
região, com vistas à exportação para fora do Continente e, inclusive, para fora do Estado do
Brasil – lhe competiam, sob a forma dos “prós e percalços” correlatos à sua função (AAHRS,
v. 1, 1977 p. 73). Os outros envolvidos na venda e no batismo de Felícia eram o Reverendo
Padre Manuel Henriques, também produtor de gados e cavalos e proprietário de escravos
(AAHRS, 1977: p.214; Queiroz, 1987: p.100) e Pedro da Costa Marim, braço-direito de
Cristóvão da Costa Freire, em sua função de comissário, e por ele nomeado ajudante nos
Serviços das Guardas e Passagens dos Animais.
Esses três homens, sem sombra de dúvidas, tinham estatuto social mais elevado que
o de “Antônio Pires, homem paisano”. Mas a atitude dos três vai de encontro ao que deles se
esperava. De Cristóvão da Costa Freire, um homem em tal posição, deveria se esperar, antes
de tudo, ser portador de atitude pia e cristã. Ora, se Deus Pai e a Santa Madre Igreja não
desejam que os filhos cheguem a eles escravos, era de se esperar que um bom cristão não se
colocasse contrário aos desejos de Deus Pai e da Mãe Igreja. Nisso, Cristóvão da Costa Freire,
o reverendo Padre Manuel Henriques e o ajudante Pedro da Costa Marim, a despeito de suas
posições sociais, agiram como gente mesquinha e que tem o lucro e o valor material acima
dos valores cristãos. Não agiram como competiria a alguém de seu estatuto social. Valeu o
costume sobre a lei e os princípios da graça e da piedade sobre o da ganância.
Ao corrigir a lei e o ato dos que por “traição, ódio e malquerença que contra uns e
228
outros há nesta freguesia” prejudicavam os demais, ou seja, que quitavam aos outros o que
lhes competia segundo o seu mérito e sua posição dentro da sociedade, o vigário foi
autoridade que avaliou as duas posições que nessa querela havia. Se a posição social de
Cristóvão da Costa Freire e os seus lhes permitia certos desmandos, a autoridade responsável
pelas almas desta freguesia era o vigário, e não apenas negócios estavam envolvidos neste
assunto, mas os preceitos da própria cristandade: a libertação das almas, a graça e a piedade.
Giovanni Levi, ao discorrer sobre este tema, afirma que a liberdade que a Idade
Moderna trouxe aos homens, a liberdade decorrente de seu livre arbítrio, é um tanto ilusória.
Se não havia nas Sagradas Escrituras, ou seja, na Palavra do Senhor, disposições sobre tais
assuntos, a Igreja assumia a função de “tutela” de seus membros. “Portanto, a liberdade dos
homens deve estar presidida pela superioridade moral da Igreja, com sua função corretiva e de
controle.” (Levi, 2002: p. 7). Ou, dito mais adiante: “é a liberdade do pecador sob tutela”
(Levi, 2002: p.8). Levi baseia suas conclusões no exame do aparato legal e de costumes à luz
da filosofia de Aristóteles, que não pode prescindir do princípio de eqüidade. Eqüidade
assume não o sentido de igualdade, como consta em dicionários atuais
6
, mas o princípio de ser
equânime ante seus pares ou, melhor dito, ante às diferenças existentes e que são
estruturadoras da sociedade.
O justo e o eqüitativo são iguais, e apesar de serem excelentes
ambas as coisas, o eqüitativo é melhor. A aporia é produto de que o
eqüitativo é justo, mas não o é segundo a lei e sim que, pelo contrário, é uma
correção do legalmente justo. Causa disto é que toda a lei é universal, mas
sobre determinados temas é impossível pronunciar-se de uma maneira
universal (...) portanto, quando a lei se pronuncia em geral, mas no âmbito
da ação sucede algo que vai contra o universal é justo corrigir a omissão ali
onde o legislador deixou o caso às meias e errou porque se pronunciou em
geral (....) portanto, o eqüitativo é justo e é melhor que um certo tipo de
justo, não que o justo em absoluto, e sim que o erro que tem como causa a
formulação absoluta. E esta é a natureza do eqüitativo, a de ser a correção da
lei na medida em que esta perde seu valor por causa de sua formulação geral.
(Aristóteles. Ética a Nicômaco. apud Levi, 2002: 8)
6
Cf. Dicionários Aurélio XXI.
229
O princípio da eqüidade se faz valer em uma sociedade que, ao contrário do que se
apregoa neste início de século XXI, os homens não eram iguais perante a lei. Os homens
nasciam diferentes, alguns livres, outros escravos; alguns nobres, outros campônios. Os
homens moviam-se na escala social, ao longo de suas existências partindo de pontos
diferentes e, galgando degraus diferentes, atingiam patamares diferentes. A cada um havia um
leque de possibilidades de acordo com sua posição no interior dessa sociedade complexa e
hierarquizada, estruturada, justamente, sobre a desigualdade entre os homens e na eqüidade.
Mas o conceito surgiu e teve importância em sociedades que não
reconheciam a igualdade entre cidadãos abstratos – segundo a qual a lei é
igual para todos – e sim que, ao contrário, carregavam o acento na
desigualdade de uma sociedade hierárquica e segmentada, na qual convivem
sistemas hierárquicos correspondentes a diversos sistemas de privilégio e de
classificação social. Portanto, uma pluralidade de eqüidades segundo o
direito de cada um a que se lhe reconheça o que lhe corresponde sobre a base
de sua situação social e de acordo com o princípio de justiça distributiva. Na
sociedade de Antigo Regime, o conceito de eqüidade era o protagonista
central de seu sonho impossível – ou melhor dito, desde o princípio
impossível – de construir uma sociedade justa de desiguais. Nela a
possibilidade não estava tanto no conflito de aequitas e aequalitas como no
sonho em que cada um fosse classificável com exatidão em um papel ou em
uma condição social unívoca, definível e estável. A lei difere para cada
estrato social, quando não para cada pessoa, em uma justiça do caso
concreto, determinado segundo as desigualdades sociais definidas. (Levi,
2002: p.9).
O fenômeno da articulação dos três homens que tentavam impedir a alforria à Pia
Batismal também é objeto de estudo (Fragoso, 2001; Fragoso, 2003; Gil, 2003). Os
denominados “bandos” juntavam e punham em movimento gente de diferentes setores sociais,
compondo grupos que muitas vezes continham gente de diferentes estratos em seu interior.
Não é de se duvidar que o padrinho arranjado para a menina Felícia em seu batismo fora da
data marcada também fosse membro do “bando” de Cristóvão da Costa Freire. Do padrinho
tem-se apenas ciência de ter ficado viúvo por volta do ano de 1744 e ter sido proprietário de
escravos e padrinho de outras crianças. Seus escravos compareciam com freqüência à igreja
para batizarem crianças filhas de escravos de outros proprietários (Domingues, 1981). Fica
230
claro no documento que o tal bando possuía rivais, contra os quais usavam de vários recursos
e o faziam “por traição, ódio e malquerença”. Essa era uma localidade que entrava em seu
sétimo ano de existência e seu povoamento ainda dava mostras de chegada irregular de
moradores oriundos de diferentes localidades do Império Português, mas, ao que tudo indica,
esse tempo fora mais que suficiente para que as pessoas se amassem ou se odiassem. Por
razões óbvias, exclui-se aqui Nossa Senhora do Rosário de qualquer participação mal-
intencionada sobre o futuro de Felícia ou na constituição dos bandos.
Quanto à Nossa Senhora do Rosário fazer parte do set do compadrio, não é fenômeno
isolado. Outros estudos, amiúde, vêm colocando em evidência essa prática (Venâncio, 1986;
Gudeman & Schwartz, 1988; Ferreira, 2000; Rios, 2000; Brügger, 2002). Entretanto, ela não
era recorrente nos batismos de Rio Grande. Até o presente, menos de 1% das madrinhas
pertencem à esfera sobrenatural, no período sob análise, nos registros batismais levantados.
Apesar de não estarem completamente transcritos todos os livros de batismo, é possível
observar que quando ocorre de uma madrinha ser uma santa, a criança geralmente é escrava
ou filha de escravos. No caso de Felícia, provavelmente pelo fato da criança ter sido batizada
em uma situação anormal, ou seja, em outra data que não a previamente acertada para o seu
batismo e com responsáveis outros que não seus pais – a quem compete, ao menos pelas
regras da Igreja, fazer a escolha dos padrinhos – ao que tudo indica, Nossa Senhora do
Rosário ocupou lugar no conjunto do compadrio por ser o padrinho viúvo e por não haver,
possivelmente, tempo hábil de se encontrar mulher que participasse da manobra, haja vista
nem o Reverendo Padre – também por razões óbvias –, nem Cristóvão da Costa Freire ou
Pedro da Costa Marim serem casados no Rio Grande ou haverem levado suas famílias para
este território em processo de conquista. Nossa Senhora do Rosário, registrada nesse batismo,
só traz mais certeza de que não eram todos os membros da comunidade que compactuavam
com atitudes que iam contra o “estilo e costume” do bispado do Rio de Janeiro.
231
Com esses elementos aqui destacados, começa-se a delinear o pano de fundo da
sociedade surgida no extremo-sul do Estado do Brasil. Uma sociedade que avaliava a justiça
como sendo superior à lei, na qual as famílias se formavam também na interseção entre a
liberdade e o cativeiro, onde bandos se articulavam e na qual os princípios do amor cristão, da
piedade, da reciprocidade e da eqüidade guiavam a sua formação. Passa-se então, a discorrer
sobre outros registros batismais e outras famílias de Rio Grande, não tão cheios de palavras,
detalhes, ódios e malquerenças, mas que também dizem muito da formação de um povoado da
fronteira lusa na América.
III. 2. Sobre o compadrio em geral e o
compadrio em Rio Grande em particular
Antes de passar aos registros de batismos de Rio Grande, necessário reiterar o que já
foi dito sobre as relações de compadrio conforme estabelecido pela Igreja Católica e
normatizado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Destaca-se como ponto
de partida para as discussões que seguirão, o artigo de Gudeman & Schwartz (1988) acerca do
compadrio de escravos na sociedade colonial brasileira, entre outros trabalhos que analisam a
questão.
O compadrio é uma das relações subjacentes ao ato do batismo. Ela existe entre os
pais carnais e os padrinhos – pais espirituais de uma criança. Portanto, todo o compadrio
acontece sob os auspícios da Santa Madre Igreja, que regulamenta também quem pode servir
de padrinho e dita as regras – positivas e negativas – do conjunto de relações estabelecidas na
pia batismal entre os parentes carnais e consangüíneos e entre os parentes espirituais – que
podiam ser membros da família consangüínea ou afim. Como pais e padrinhos irmanam-se
espiritualmente no batismo, tem-se como exemplo de regra positiva o respeito e o auxílio
mútuo que entre uns e outros deve haver. Como exemplo de regra negativa, os impedimentos
matrimoniais que geram: um compadre não poderá desposar sua comadre, seja ela solteira ou
232
viúva (Gudeman, 1971). Assim como o batismo, o compadrio também tem sua história, e
assim como as regras do sacramento, a relação modificou-se com o passar do tempo
(Gudeman, 1971; Gudeman & Schwartz, 1988).
Para a Colônia, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707)
acrescentam a tantas outras normas já pré-existentes alguns itens relativos ao batismo de
escravos, sendo este o primeiro dos sacramentos “e a porta por onde se entra na Igreja
Católica, e se faz o que recebe, capaz dos mais Sacramentos, sem o qual nenhum dos mais
fará nele o efeito” (Constituições Primeiras... Livro Primeiro, Tit. X, 1707 p. 10). O batismo
deveria ser ministrado por padre ou vigário, mas em caso de necessidade, por estar o
batizando em perigo de morte iminente, o mesmo poderia ser ministrado por leigo – homem
ou mulher – ou mesmo infiel, desde que não faltassem “alguma das coisas essenciais”, a
saber, a água natural e as palavras ditas em latim ou em vulgo: “Eu te batizo em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo”. Era mister que quem o ministrou “tenham a intenção de fazê-lo,
como faz a Igreja Católica”.
Causa o batismo efeitos maravilhosos, porque por ele se perdoam
todos os pecados, assim o original como atuais, ainda que sejam muitos e
mui graves. (...) É o batizado adotado em filho de Deus, e feito herdeiro da
Glória, e do Reino do Céu. (...) E por este Sacramento de tal maneira se abre
o Céu aos batizados, que se depois do Batismo recebido morrerem,
certamente se salvam, não tendo antes da morte cometido algum pecado
mortal. (Constituições Primeiras, Tít. X, 1707: p. 11)
O prazo para o batismo ser ministrado era dito como sendo de oito dias a partir do
nascimento, sendo imputadas penas pecuniárias progressivas por semana de atraso, recolhidas
ao cofre da “fábrica da nossa Sé”. Se a criança estivesse em risco de morte, poderia ser
batizada em casa e depois de comunicado o batismo ao pároco, poderia o padre fazer o
exorcismo deste batismo e se lhe ungir com os Santos Óleos e conferir-lhe padrinhos. Ciente
das dificuldades de locomoção no interior da Colônia e que existiam locais que distavam mais
de vinte léguas de uma igreja, as Constituções Primeiras instruíam para que se erigissem
233
capelas e que se guardassem dignamente os objetos e as “coisas essenciais”. Nessas capelas
ou mesmo em casa, o batismo poderia ser ministrado por mais pessoas que,
preferencialmente, tivessem recebido previamente alguma instrução religiosa e que
comunicassem ao pároco assim que possível. É perceptível o interesse em manter
centralizadas as informações acerca desses atos e seus registros, pois nem mesmo um outro
sacerdote poderia batizar em outra circunstância que não a de urgência. Precisava, para assim
proceder, licença do pároco da sede da Igreja. Os dois expedientes, o batizado por leigos em
urgência e por padres que obtiveram licença e davam procedimento ao primeiro dos
sacramentos às pessoas que moravam distantes da sede da paróquia, são observados em Rio
Grande. Entretanto, os párocos, a exemplo do que ocorreu no batismo de Felícia, mantiveram
como válido o batismo feito em situação especial, não lhes conferindo novo batismo nem
atribuindo padrinhos a este conjunto de compadrio desfalcado. Poucos foram os casos
excepcionais em que um padrinho foi adicionado a posteriori (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º
de Batismos de Rio Grande, 1738-1763). O batismo emergencial era confirmado no registro,
conforme os exemplos abaixo:
Francisco filho legítimo de Francisco de Góes da Costa natural de
São Paulo, e de Catarina Machada natural da Freguesia de São Mateus da
Ilha de São Jorge (...) e foi batizado em casa por Jerônima mulher de Manuel
Álvares, por estar em perigo, e aos dois dias do mês de Março Recebeu os
Óleos Santos por mim Vigário Manuel Francisco da Silva nesta Matriz de
São Pedro do Rio Grande. Por verdade fiz este assento. Vigário Manuel
Francisco da Silva
ou
Inês filha legítima de Antônio de Souza Reis Cardoso, e de Vitória
Maria de São José (...), e foi batizada em casa por necessidade por Manuel
Rodrigues solteiro filho de João Rodrigues, e de Maria Silveira, e Recebeu
os Óleos Santos por mim Vigário Manuel Francisco da Silva nesta Matriz de
São Pedro do Rio Grande aos nove dias do mês de Outubro do dito ano.
Foram Padrinhos, ou neste caso testemunhas, Manuel da Costa de Carvalho,
e sua mulher Inês de Santo Antônio. Por Verdade fiz este assento. O Vigário
Manuel Francisco da Silva.
Talvez o fato de se fazer registrar as testemunhas satisfizesse o costume de atribuir
234
padrinhos e gerar ou reiterar laços entre as famílias que participavam do batismo. Não seria
um laço sacramentado, como o existente no batismo padrão, mas no costume e na intenção,
talvez tivessem os mesmos deveres e direitos de um padrinho e compadre formalizado pela
bênção da Igreja.
Os laços de compadrio, gerados no ato do batismo, são irreversíveis e não podem ser
desfeitos. Aqueles que assumem a responsabilidade de levar uma criança à pia batismal
tornam-se seus pais espirituais, responsáveis pela sua orientação religiosa e tornam-se irmãos
dos pais das crianças, unindo-se em cadeias de auxílio mútuo e ações de solidariedade como
ou segundo Gudeman, mais ainda – que de uma família consangüínea. Isso era válido para
todo o mundo católico.
Entretanto, Gudeman alerta que, para além das regras formais do compadrio os
costumes locais são adicionados à cerimônia e às relações subjacentes ao ato, se não forem
excludentes com este. Gudeman observou, para a população centro-americana que estudou, o
acréscimo de “damas acompanhantes” da madrinha, ficando o conjunto presente à pia
batismal ampliada em uma pessoa. Entretanto, o que mais vai interessar nos casos que se
seguem, está parcialmente contemplado nas Constituições Primeiras e vem a ser o ato do
batismo em uma sociedade que possui escravos e livres em sua composição. Como já dito, as
duas instituições, que são estruturais nessa sociedade, são antagônicas em seu princípio, e ao
mesmo tempo, coexistiram sem que se percebam grandes conflitos de consciência gerados por
este antagonismo. De alguma forma, a sociedade soube superar os constrangimentos surgidos
dessas contradições e mesmo se utilizar delas para seu benefício, fosse pelo que consta nas
Constituições, fosse através do que era “estilo e costume”.
IV. A Ciranda dos Compadrios
Na Vila do Rio Grande algumas famílias primavam por fazer uma alternância de
235
compadres, indo buscá-los, senão nas mesmas famílias, ao menos nos mesmos grupos de
atividades sociais e econômicas. Isso faz com que o “desenho” dessas redes de compadrio seja
bastante circunspecto. Para tanto, observem-se os quadros dos compadrios dos genros do
alferes das Ordenanças dos casais Antônio Furtado de Mendonça e de Dona Isabel da Silveira,
naturais da Ilha do Faial, durante o tempo em que viveram na localidade, ou seja, até a tomada
da vila pelos soldados espanhóis. Toma-se aqui, novamente, essa família de ilhéus como
exemplo. Mostra-se o quadro com os compadrios de Francisco Pires Casado e de sua esposa,
acrescentando-se os quadros de compadrio de outras duas filhas de Furtado de Mendonça, de
cujos casamentos foi encontrada descendência nascida na Vila do Rio Grande. São os casais
que seguem:
- Dona Ana Inácia da Silveira, casada com Manuel Fernandes Vieira, este natural da
Península e presente no Continente, no mínimo, desde a metade da década de 1740. Seu
casamento com Ana Inácia deve datar do início da década de 1750, sem que se possa precisar
data dado o desaparecimento do primeiro Livro de Registro de Casamentos de Rio Grande.
Manuel Fernandes Vieira possuía patente de Capitão das Ordenanças e ofício de Tabelião e
Escrivão de Órfãos da vila, além de sociedades com alguns dos cunhados no Contrato dos
Açougues e estâncias de criação de gado vacum e cavalar, além de ter participação em
negócios outros (Kühn, 2003). Possivelmente foi vereador na Vila do Rio Grande, mas
impossível afirmar dado o desaparecimento dos livros da Câmara.
- Dona Maria Antônia da Silveira, casada com Mateus Inácio da Silveira, natural da Ilha
do Faial e provavelmente primo ou parente próximo da família materna de sua esposa. Mateus
Inácio recebeu patente de Capitão de Mar-e-Guerra ad honorem por ter debelado rebelião de
índios a bordo de uma sumaca. Sua patente trazia junto “privilégios, graças e isenções”.
- Dona Mariana Eufrásia da Silveira, casada com Francisco Pires Casado, natural da Ilha
do Pico e também provavelmente parente da família materna de sua esposa. Francisco Pires
236
Casado era proprietário de escravos, criador de gado, detinha patente de Capitão e produzia
gados em sociedade com um de seus cunhados.
Quadro II – Compadrio de Manuel Fernandes Vieira e Dona Ana Inácia da Silveira
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)
Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Vicência 20/07/1753 João de Souza Rocha Das Ilhas não consta não consta
Clemência 15/08/1756 Antônio Lopes da
Costa
? (morador do Rio de
Janeiro) passou
procuração p/ Mateus
Inácio da Silveira
Dona Mariana Eufrásia
da Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Manuel 15/08/1761 Anacleto Elias da
Fonseca
? (morador da cidade do
Rio de Janeiro) passou
procuração a Domingos
de Lima Veiga (Porto)
não consta não consta
Francisca 02/08/1762 Domingos de Lima
Veiga
Porto não consta não consta
Quadro III – Compadrio de Mateus Inácio da Silveira e Dona Maria Antônia Silveira
Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Nicolau 21/12/1754 Manuel Fernandes
Vieira
Braga, Póvoa de
Lanhoso
não consta (batizado
em casa pelo Frei João
Batista)
não consta
Francisco 03/10/1756 Francisco Pires
Casado
Ilha do Pico, fr. Santa
Luzia
Dona Mariana Eufrásia
da Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Alexandre 17/08/1758 Francisco Lopes de
Souza (procuração a
José Antônio de Brito)
não consta
(península? Porto?)
Não consta não consta
Dorotéia 17/02/1760 Manuel Bento da
Rocha
não consta
(península?)
Joana Maria da Silveira
(Joana Margarida da
Silveira)
não consta
Maurício 07/03/1762 Francisco Coelho
Osório
não consta
(península?)
Isabel Francisca da
Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)
Quadro IV – Compadrio de Francisco Pires Casado e Dona Mariana Eufrásia
Criança data bat. Padrinho Nat. padrinho Madrinha nat. madrinha
Rosália 12/01/1755 Francisco Antônio da
Silveira
Das Ilhas Dona Joana Margarida
da Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Maurícia 01/10/1758 Manuel Fernandes
Vieira
Braga, Póvoa de
Lanhoso
Dona Maria Antônia da
Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Manuel 17/02/1760 Manuel Bento da
Rocha
não consta
(península?)
Dona Isabel Francisca
da Silveira
Faial, fr. S. Salvador da
Vila da Horta
Francisca 02/08/1762 Domingos de Lima
Veiga
Porto não consta não consta
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)
No mínimo, mais duas filhas de Antônio Furtado de Mendonça eram casadas no
Continente. Joana Margarida (também dita Joana Maria) da Silveira, casada com
Antônio Moreira da Cruz, Sargento de Dragões que foi exonerado em 1738 por dar azo à
237
fuga de um prisioneiro e, principalmente, de índios recolhidos à fortaleza, que eram a mão-de-
obra nas construções da vila recém-nascida (AAHRS - v. 11977: p.56). De todos os genros de
Furtado de Mendonça, ao que tudo indica, Moreira da Cruz era o menos aquinhoado, mas não
deixava convidado ao compadrio de crianças de setores menos abastados da sociedade, como
índios e escravos (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763).
Em no mínimo uma ocasião teve participação ativa na alforria de um dos seus afilhados,
conforme registro abaixo:
Joaquina filha natural de Suzana preta solteira de nação Angola escrava de João
Antônio Fernandes, e de pai incógnito (...) Foi padrinho Antônio Moreira da Cruz, e madrinha
Teresa Rosa de Jesus solteira filha do dito João Antônio Fernandes. E declaro que o dito João
Antônio Fernandes recebeu do dito Antônio Moreira da Cruz padrinho da dita criança
dobra e meia para alforria da dita criança e a deu por forra, como se forra nascesse, e
como tal foi batizada, e por verdade de tudo assinaram comigo este termo o dito Padrinho, e o
dito Senhor da escrava. O Vigário Manuel Francisco da Silva. Antônio Moreira da Cruz João
Antônio Fernandes (ADPRG - L4Bat RG - 1759-1763: fl. 107v.)
A outra filha, Isabel Francisca da Silveira, era casada com Manuel Bento da
Rocha, proprietário de, no mínimo, duas grandes porções de terras, uma delas em sociedade
com um dos cunhados, povoadas com mais de 8000 animais vacuns e 700 cavalares. Detentor
do Contrato dos Açougues, também exerceu vereança. Manuel Bento da Rocha foi Capitão-
mor da Vila do Rio Grande e Capitão das Ordenanças. Em 1782 ganhou a preferência para a
nomeação de Capitão da Nobreza dos Auxiliares de Viamão, onde se estabeleceu após a
tomada da Vila (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763;
RAPM, ano XXIV, 1933 pp. 150-152; AARRS, 1977). De Isabel e Manuel Bento, assim
como de Joana Margarida e Antônio Moreira da Cruz, não se viu descendência nascida em
Rio Grande.
Como é possível observar nos quadros do compadrio acima colocados, as madrinhas,
quando existem, eram todas cunhadas dos pais da criança. Ou seja, não foi eleita madrinha
externa à família consangüínea. Já os padrinhos, ou eram os cunhados ou gente de estatuto
social semelhante. As filhas e genros de Furtado de Mendonça se alternavam no batismo de
238
seus sobrinhos. Vê-se nesse ato, a reiteração de alianças e amizades previamente existentes,
amalgamadas nos casamentos que inseriram os homens nesta família que tinha
predominantemente, senão somente, mulheres colocadas ao mercado matrimonial. Os demais
compadres das filhas e genros de Furtado de Mendonça também pertenciam aos estratos mais
privilegiados dessa sociedade. Aqui, resumidamente, o que já foi colocado no capítulo 3:
- Domingos de Lima Veiga: natural do Porto, Portugal, casado com Gertrudes Pais de
Araújo, natural de São Paulo. Foi Sargento e Capitão da Ordenança, era proprietário de
escravos e sua família era uma das mais concorridas como padrinhos de crianças, fossem elas
escravas, forras, livres e de ascendência diversas, luso-brasileiras, indígenas, peninsulares ou
açorianas (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763).
- Francisco Coelho Osório: não consta ser casado. Provavelmente nascido na Península, foi
Capitão-mor do Distrito do Rio Grande até o ano de 1763, quando se deu a entrega da Vila
do Rio Grande aos Castelhanos. Possuía escravos e foi constantemente convidado à Pia
Batismal (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763; ADPRG -
Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, Arquivo Histórico Do Estado Do Rio
Grande Do Sul, 1977).
- João de Souza Rocha: casado com Antônia Maria Luísa, Almoxarife da Fazenda Real nos
anos 1752 e 1753 e depois nomeado Tesoureiro da Fazenda Real (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e
4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763; AAHRS, v.1, 1977 pp. 297-299, 303-304, 318).
- Antônio Lopes da Costa: não consta ser casado. Tinha patente de Capitão e era, ao tempo
dos batismos, morador do Rio de Janeiro. Provavelmente sócio de Manuel Fernandes Vieira
em seus negócios naquela região.
- Francisco Lopes de Souza: Alferes da Ordenança. Natural do Porto, é dito “homem de
negócios” (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763).
- Anacleto Elias da Fonseca: não consta procedência. Homem de negócios da Praça do Rio
239
de Janeiro (Fragoso, 1998), contratador do Registro de Viamão, associado aos negócios de
Manuel Fernandes Vieira na Praça do Rio de Janeiro (Kühn, 2003).
- Francisco Antônio da Silveira: parente da esposa de Francisco Pires Casado, irmão ou
primo. Casado com Úrsula Maria da Conceição (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos
de Rio Grande, 1738-1763). Não se obteve mais informações.
Assim, consideram-se aqui todas as famílias derivadas de Antônio Furtado de
Mendonça como sendo uma única e extensa família, haja vista as reiteradas ocasiões em que
demonstravam suas afinidades e alianças, fossem elas nos negócios, nos matrimônios, nos
compadrios ou mesmo em eventos sociais e religiosos. Pode-se observar os batismos de
Dorotéia e Manuel, primos consangüíneos não co-residentes, terem sido efetuados no mesmo
dia, com o mesmo tio e sócio de seus pais a servir-lhes de padrinho e suas tias maternas como
madrinhas. As relações familiares, religiosas e de negócios estavam todas enredadas de tal
forma que parece impossível dizer onde uma começa e termina a outra. Ou seja, aqui se fala
de uma sociedade que tem a família como o modelo de organização do tecido social, ou o
menor tipo de associação entre os homens que tem os mesmos elementos da sociedade. A
filosofia escolástica e o modelo de sociedade corporativa autorizam esta percepção. Indo mais
longe e buscando em Aristóteles essa idéia, tem-se:
Sabemos que uma cidade é como uma associação, e que qualquer
associação é formada tendo em vista um bem. (...) Deve-se primeiro unir em
dupla os seres que, como o homem e a mulher, não têm existência
individual, devido à reprodução. A dupla união entre o homem e a mulher, o
senhor e o escravo, forma, antes de mais nada, a família. Afirmou Hesíodo,
com razão, que a primeira família foi constituída pela mulher e pelo boi
próprio para a lavra. Efetivamente, o boi é o escravo dos pobres. Desse
modo a sociedade formada para atender as necessidades diárias é a família,
constituída por aqueles que Carondas denomina de “homo pyens” (tirando o
pão da mesma arca) e que Emimenides de Creta chama “homo capiens” (que
comem na mesma manjedoura). A primeira sociedade constituída de muitas
famílias, visando a utilidade comum, porém não diária, é o pequeno burgo;
este parece ser, de modo natural, algo assim como uma colônia da família
(...). (Aristóteles, 2005: pp.11-13)
Indo por essa progressão, da forma de organização mais simples para a mais
240
complexa, expressa além da natureza do homem, um ser essencialmente político, a noção de
corpo para a organização social:
Na ordem natural, o Estado antepõe-se à família e a cada
indivíduo, visto que o todo deve, obrigatoriamente, ser posto antes da parte.
Levantai o todo: dele não restará nem pé nem mão senão o nome, como se
poderá afirmar, por exemplo, que a mão separada do corpo não será mão
senão pelo nome.(Aristóteles, 2005: p.14)
Para Aristóteles, aquele que não consegue viver em sociedade ou que a si se basta
“ou é um bruto ou uma divindade” (Aristóteles, 2005: p.15). Para os padrinhos externos à
família, pressupõe-se também que, ao estabelecer uma relação de compadrio, estreitavam-se
os laços e as relações de negócio, haja vista os fatores extra-econômicos que são componentes
das relações comerciais. Ou, dito por Levi, levando em consideração que a reciprocidade
entre os comerciantes age como mediadora:
(...) em uma sociedade que não tem uma definição clara da
determinação dos valores econômicos, que não conhece um mercado
impessoal e auto-regulado, os problemas de definição do preço justo e do
salário justo são complexos e remetem continuamente ao conceito de
eqüidade. Não se trata de deduzir o valor dos bens intercambiados (...) e sim
de construir um sistema de intercâmbio no qual os valores estejam
determinados por características específicas de quem os intercambia, ao
ponto de que um mesmo bem adote valores distintos segundo quem sejam as
pessoas que entram na transação. (Levi, 2002: p. 21).
Em uma sociedade em que não existem separações claras entre religião, política e
economia, Bartolomé Clavero busca contribuir em sua elucidação usando o conceito de
oiconomia. Para Clavero, os mercadores formam um corpo e o direito de comércio é um
privilégio de signo corporativo (Clavero, 1991: 167). E mais do que isso:
O setor não era alheio à religião, ainda que a corporação não
pudesse facilmente na interioridade de alguns negócios.(...) A própria
companhia mercantil resultava família ainda que não o fosse: é “species
amicitiae” e tem “instar fraternitatis”; a mesma correspondência cambiária
podia ser encontrada na família: a troca “si dice litterario, cioè, che por
mezzo delle lettere familiari tra corrispontenti si ottiene comotamente il
transporto della moneta”. (...) Dizia Palacio: há uma “disciplina rei
familiaris”, oiconômica ou doméstica, como também a qualificava, que é e
deve ser “secundum naturam”. (Clavero, 1991 :p. 169)
241
A “família” dos homens de negócio, fraterna, irmanava-se também em espírito ao
contrair relações de compadrio. Como os demais setores desse corpo oiconômico, como quer
Clavero, reiterava e reforçava os laços pré-existentes à Pia Batismal. E, retornando à família
de Furtado de Mendonça, coloca-se aqui o quadro dos compadrios de alguns escravos
localizados na documentação parcialmente transcrita:
Quadro V – Batismo de crianças escravas das Famílias Furtado de Mendonça e correlatas
Criança data bat. Mães (escravas) Madrinha Padrinho Proprietário Proprietário
Padrinhos
Joaquim 10/07/1749 Luzia, angola Rosa Maria da
Conceição
Manuel Fernandes
Vieira
Domingos Gomes
Ribeiro
Livres
Vicente* 30/04/1750 Antônia, mulata Ana Maria Manuel Fernandes
Vieira
Domingos Gomes
Ribeiro
Livres
Teresa 22/10/1752 Joana, angola Mariana Eufrásia
da Silveira
Francisco Pires
Casado
Manuel Fernandes
Vieira
Livres
Catarina,
mina
09/04/1756 não consta Luzia de Aranda Inácio de Aranda Francisco Pires
Casado
Antônio de Aranda
Januária 11/10/1756 Maria, angola n consta (batismo
emergencial)
n consta (batismo
emergencial)
Manuel Fernandes
Vieira
n consta
Leonardo 04/03/1757 Catarina, mina n consta (batismo
emergencial)
n consta (batismo
emergencial)
Francisco Pires
Casado
n consta
Aniceto 27/04/1757 Maria, congo Catarina Antônio Manuel Bento da
Rocha
Francisco Pires
Casado
Jacinto 26/02/1758 Rosa, angola Maria João Ferreira [João
Pinto]
Mateus Inácio da
Silveira
Manuel Bento da
Rocha e padrinho
livre
Fontes: (ADPRG - Livros 1º, 2º, 3º e 4º de Batismos de Rio Grande, 1738-1763)
IV. A família e a economia do lar
Impossível não perceber a repetição de nomes existentes também nos compadrios
dos netos de Furtado de Mendonça, sejam estes nomes os dos padrinhos ou dos proprietários
dos padrinhos. Contra o argumento de que a escolha dos padrinhos poderia ser feita pelos
senhores, Gudeman & Schwartz afirmam que estudos vêm comprovando que, mesmo quando
há liberdade de escolha, os padrões, por condicionados pelas práticas sociais que são,
dificilmente apresentam alterações significativas (Gudeman & Schwartz, 1988: p.41).
Também afirmam estes autores, corroborado em estudos já citados ao início deste
escrito, que era padrão que as pessoas convidadas ao compadrio tivessem estatuto social igual
ou superior ao daqueles que emitiam o convite. Tem-se aqui uma repetição do padrão. As
242
pessoas que fazem parte dos compadres eleitos para as crianças escravas ou são escravos ou
são livres. Todavia, dificilmente alguém pudesse ter um estatuto social inferior ao de escravo
nessa sociedade. Mas não é impossível que assim ocorresse. Buscando novamente apoio em
Aristóteles, vê-se que pior que um servo, pior que um escravo, é a condição de alguém
socialmente desapegado, “pois se o homem, chegado à sua perfeição, é o mais excelente dos
animais, também é o pior quando vive isolado, sem leis e sem preconceitos.” (Aristóteles,
2005: p.15). De onde se conclui que não basta o estatuto de livre para ser socialmente superior
a um escravo. Há que estar socialmente arranjado.
Os escravos das famílias de Furtado de Mendonça não estavam desgarrados.
Estavam muito bem entrosados no esquema familiar, tendo esta organização em seu interior
todos os estatutos sociais também verificados na organização maior externa a ela: a própria
sociedade. A exemplo de um corpo, o pater familias era a cabeça que dirigia o corpo e
seguindo nessa hierarquia descendente:
(...) é preciso falar da economia do lar, já que o Estado é formado
pela reunião de famílias. Os elementos da economia doméstica são,
precipuamente, os da família, a qual, para estar completa, deve compreender
servos e indivíduos livres (....) conhecendo-se que na família elas são [partes
primitivas e indecomponíveis] o senhor e o servo, o marido e a mulher, os
pais e os filhos. (Aristóteles, 2005: p.15)
Assim, dentro de todo o embasamento filosófico do Estado e do Direito da sociedade
lusa que bebe diretamente da taça de Aristóteles, esses preceitos, da família estendida sobre
laços que não são de parentesco afim ou consangüíneo e que não possuem nem a coabitação
como limite, mas sim ter lugar e função neste corpo articulado e que trabalha pelo bem
comum há lugar para, além dos agregados, os escravos. Esses cumprem funções que não
competem às demais partes do corpo. Retornando ao tema da eqüidade, assim como não basta
ser livre para ser superior a um escravo, não basta ser escravo para igualarem-se. Os escravos
da família Furtado de Mendonça não convocaram quaisquer escravos para padrinhos de seus
243
filhos e sim escravos de famílias da elite, tais como eles também eram.
Dos nomes que não aparecem na listagem dos padrinhos dos netos de Furtado de
Mendonça, dizem-se algumas palavras agora: Domingos Gomes Ribeiro foi identificado
como o maior proprietário de escravos da Vila do Rio Grande por Queiroz (Queiroz, 1987:
p.98), possuía duas sesmarias de três léguas por uma, exerceu vereança na Vila da Laguna, foi
Capitão da Cavalaria e da Ordenança, tendo sido apontado como uma das pessoas mais
abonadas da Vila do Rio Grande em 1752. Tinha conexões comerciais no Rio de Janeiro. De
Antônio de Aranda sabe-se apenas que ostentava o título de Dom, que era Capitão de
Dragões (AAHRS, 1977: pp. 152-156) e era casado com Dona Antônia Rita. Muito pouco,
mas o suficiente para distingui-lo da maioria dos habitantes deste povoado. Deste senhor,
também perceptível o lugar de seus escravos dentro da família: compartilhavam, inclusive, o
sobrenome.
Impossível de momento, trazer outros tantos exemplos de famílias de elite com seus
escravos, para demonstrar que se a escolha dos padrinhos dos escravos dessas famílias de elite
não era um padrão, tampouco era exceção. Justifica-se afirmando-se que os livros de batismos
da Vila de Rio Grande ainda estão em processo de transcrição e mais casos podem surgir ou
mesmo outros comportamentos recorrentes. De todo o modo, afirma-se aqui que ao menos
duas crianças filhas de escravos de Domingos de Lima Veiga – outro dos padrinhos dos netos
de Furtado de Mendonça – foram batizados dentro dos mesmos moldes, com padrinhos
escolhidos nessas mesmas famílias.
Demonstrada através do exemplo das famílias de Furtado de Mendonça a “ciranda de
compadrios” passível de acontecer nessa sociedade, torna-se a refletir sobre os elos e as
decorrências morais e éticas desses elos existentes entre senhores e escravos firmados ao
compadrio, decorrentes da contradição assinalada por Gudeman & Schwartz entre as
instituições do batismo e da escravidão.
244
V. Corpo Cativo x Espírito Liberto
O batismo é a libertação da alma. A escravidão torna homens cativos de outros
homens. As duas instituições eram práticas dos habitantes do Rio Grande assim como de todo
o Estado do Brasil. Discutido por Gudeman & Schwartz, o impedimento moral que pairava
sobre um senhor/compadre que fizesse punir a seu escravo/compadre. Impedimento ou
constrangimento advindo do elo que se gerava à Pia Batismal. Mas uma contradição dessas
não poderia sobreviver por tanto tempo se a própria sociedade não tivesse meios de eludi-la
dentro da própria regra estabelecida para este jogo de compadrios e almas. Ou como no
ditado: “hecha la ley, hecha la trampa”.
Para Gudeman (1971), o parentesco espiritual firmado no compadrio apresentava
aspectos que o colocavam como superior ao parentesco consangüíneo. Para tanto, mostra as
oposições entre o nascimento (nascer para este mundo) e o batismo (nascer para o mundo
cristão). Como já dito, este autor demonstra que tudo o que está relacionado ao nascimento
carnal de uma criança é introspectivo, interno à família, ao passo que o nascimento espiritual
dela é exteriorizado, externado em cerimônias públicas. A cópula é restrita e compartilhada –
assim se espera pelo bom costume cristão – apenas entre os pais que, inclusive, podem estar
em pecado, caso não tenham se unido pelo laço do sagrado matrimônio. Já o nascimento
espiritual, o batismo pelo qual a mácula do pecado é removida da alma do batizando, é
público e comemorado. Há o regozijo de incluir mais um na cristandade e, por conseqüência,
na vida social.
Os pais dão aos filhos o ser. Os padrinhos dão aos afilhados o ser cristão, o ser
social. No batismo, o apadrinhamento, ao contrário da paternidade carnal, não pode ser
negado. O elo entre os participantes do batismo, por se dar na esfera sobrenatural, não pode
ser revertido, ao contrário do que muito se observa, pais abandonarem seus filhos, negando-
245
lhes a presença paterna e/ou materna. O fenômeno da exposição de crianças, em que pese
todos os seus outros significados é, em síntese, o abandono de crianças. Esse abandono jamais
pode ocorrer entre pais e filhos espirituais, pois suas almas estão vinculadas até o Dia de
Juízo. O mesmo se verifica entre irmãos. Pode haver o ódio e, amiúde, crimes ocorrem nas
famílias. Ainda que isso possa ocorrer entre os compadres, o elo não é quebrado, pois não são
os seus corpos que são irmãos, e sim os seus espíritos. E esses, segundo os cristãos, têm vida
eterna.
Como decorrência desta oposição, Gudeman & Schwartz (1988: p. 43) observaram
que os senhores não batizavam seus escravos. Seria incompatível, dada a ligação existente,
que um senhor imputasse pena física a seu escravo. Observaram também que outros senhores
ou parentes ocasionalmente batizavam os escravos. Afirma-se que “ocasionalmente” não é
apropriado para os compadrios dos escravos da Vila do Rio Grande. Muitas vezes os filhos
dos senhores ou mesmo a sua esposa serviam de padrinhos às crianças de seus escravos e,
muito raramente, o senhor também servia de padrinho a seu próprio escravo.
Entre os genros de Furtado de Mendonça observa-se a mesma ciranda de compadrios
para os escravos e para os seus próprios filhos. Pensa-se aqui que, nos estudos já citados, pode
haver uma aparente lassidão neste tipo de escolha devido à metodologia empregada na análise
dos casos. Se não se investigam os laços parentais consangüíneos e de parentescos fictícios ou
afins, fazendo o cruzamento dos dados obtidos para uma grande quantidade de agentes sociais
e seus co-relacionados, pouco se pode afirmar acerca de serem ou não vinculadas a eles as
pessoas que batizam seus escravos. Outra coisa que pode induzir a este engano é secionar a
sociedade entre “livres” e “escravos”, na medida em que os estudiosos da família senhorial se
atêm no núcleo livre e principal desta, e os que investigam as relações de compadrio dos
escravos não adentram às relações semelhantes dos senhores. Assim, diz-se de escravos que
têm compadrios no conjunto de escravos de outros senhores, que há nessa sociedade um
246
espaço de sociabilidade para os cativos, que circulam, que estabelecem suas próprias relações
com outros cativos. Afirma-se aqui que não somente podiam estabelecer suas próprias
relações com outros cativos mas que também estas ocorriam com outros tantos setores da
sociedade. Possivelmente reproduziam o “desenho” da malha de relações da família na qual
estavam inseridos. Essa é uma hipótese que será testada oportunamente, com a conclusão da
transcrição dos registros batismais e tabulação de seus dados, para verificar se o padrão da
família de Furtado de Mendonça também ocorre em muitos outros lares.
Tentando entender as relações subjacentes ao batismo, observa-se que elas são não
individualizadas — já que a noção de indivíduo não pertence a essa sociedade —, mas são
personalizadas. Se a esposa de alguém é madrinha, seu marido, se não compareceu à
cerimônia na posição de padrinho, não teve nenhum vínculo instituído com a família carnal da
criança nem com a própria. Se era ética e moralmente condenável um irmão espiritual colocar
à venda o outro irmão ou, como colocam os autores acima citados, impossível mandar
castigá-lo, não o seria para alguém que fosse pai ou casado com um destes irmãos espirituais,
já que, por mais próximos que fossem, a relação era pessoal. Retornando à situação da família
como incorporadora de todos os estratos sociais nela contidos, a família senhorial mantém um
vínculo espiritual – que implica em lealdade, proteção e reciprocidade entre desiguais –
através de seus outros parentes, de uma forma personalizada e não abrangente. Vejam-se os
exemplos abaixo, no qual o padrinho de Ana é filho do proprietário, assim como a jovem
madrinha de Inácio também é filha do proprietário, sem que isso esteja explícito nos
documentos:
Ana preta de nação Mina de idade pouco mais, ou menos de doze
anos escrava de Antônio Simões (...). Foram Padrinhos Manuel Marques de
Souza, e Ana de Azevedo mulher de Silvestre de Moura. Por verdade fiz este
assento. O Vigário Manuel Francisco da Silva.(ADPRG 3º LBat, 1757-
1759: fl. 20v)
Inácio filho natural de Teodora preta solteira escrava de Manuel da
247
Costa de Carvalho (...) Foram Padrinhos Inácio Francisco e Laureana
solteira. Por verdade fiz este assento. O Vigário Manuel Francisco da
Silva.(ADPRG, 4º LBat, 1759-1763: fl 55v)
Mas por ser a ligação personalizada, entre seus filhos e os escravos em questão, está
redimido de culpa quando, em seu papel de senhor, o pater familias, castiga os seus escravos.
Tanto quanto está redimido de culpa quando, para preservar o bem maior, ou seja, o
funcionamento da própria família, pune fisicamente um filho seu. Ou um mestre castiga o seu
aluno para afastá-lo do vício, impelindo-o, literalmente às pancadas, para o caminho da
virtude. Preservam-se, assim, amarrando os laços espirituais desse todo familiar em outros
membros da família – e nesta podem ser incluídos até mesmo os sócios e os amigos, muito
mais aqueles que já foram vinculados a ela através de compadrios anteriores – e liberando o
pater familias para o pleno exercício de seu patrio poder.
Por outro lado, o que dizer dos batismos, ainda que raros, de crianças escravas
apadrinhadas por seus senhores? Estes casos eram poucos, mas ocorriam na Vila do Rio
Grande, como no exemplo abaixo:
Joaquina filha legítima de Manuel, e de Luísa, pretos escravos do
Ajudante João Gomes de Melo (...) Foram Padrinhos o Ajudante João
Gomes de Melo e Josefa Maria da Conceição sua mulher. Por verdade fiz
este assento. Vigário Manuel Francisco da Silva.
Indo pela mesma lógica, pensa-se numa forma de amenizar quaisquer contradições
existentes entre a mão-de-obra escrava e o seu proprietário em uma unidade doméstica. Um
registro desse tipo parece implicar na certeza de que a família da menina Joaquina – filha
legítima, ou seja, de um casal de escravos com a união formalizada na Igreja – não seria
desfeita e que a criança não seria vendida em separado de seus pais quanto tivesse idade para
tanto. Gozaria de alguns privilégios e talvez até de uma alforria ou uma parcela, por mais
ínfima que fosse, no testamento de seus padrinhos. Esses teriam uma afilhada, um membro
próximo da família espiritual cristã e a eles devotado quando entrassem na velhice. Os
248
estratos inferiores de uma família tão hierarquizada quanto a própria sociedade também
tinham benefícios no estabelecimento desta relação. Os membros da família eram cristãos –
inclusive seus escravos. Viviam de acordo com as regras da cristandade. Senão pelas regras
formalizadas à tinta e ao papel, nas regras do “estilo e costume”, como dissera certa feita o
vigário.
A plasticidade de arranjos sociais que essa relação espiritual cristã permitia e que
lançava vínculos estreitos a todos os âmbitos da vida social talvez ajude a explicar a total
ausência de conflitos violentos na relação senhor-escravo na vila do Rio Grande entre os anos
de 1738 e 1763. A opressão existia, a violência da escravidão era presente em toda a vila. Mas
não foram encontrados registros de casos concretos de rebelião coletiva ou individual contra
os próprios senhores, ficando estes casos de violência pessoal, quando muito, restritos a
pessoas distanciadas da família proprietária de escravos e geralmente por brigas entre
bêbados, dívidas ou passional. Um pouco mais freqüentes foram as fugas, cujo estudo
também é dificultado pela já dita carência de fontes, desaparecidas no contexto da guerra.
Ainda assim, não são tão numerosas que possam configurar uma estratégia de uso constante e
reiterado pelos escravos da Vila. Tampouco, à exceção de uma fuga coletiva de índios, um
prisioneiro e um escravo nos anos iniciais da formação do povoado, no qual foram ajudados
por pessoa de boa situação social da Vila, não foram vistas iniciativas grupais de fuga, mas
empreendimentos pessoais de uns poucos.
Impregnar as escravarias e aos seus senhores com os ensinamentos católicos e em
especial com a apreensão dos significados dos sagrados laços do compadrio, parece ter sido
uma vacina, um tratamento preventivo contra a doença da rebelião e da rebeldia que podia
contaminar as relativamente pequenas escravarias da Vila do Rio Grande. Também poderia
contribuir na diminuição dos excessos senhoriais sobre seus escravos, reduzindo o grau de
insatisfação e de violenta passionalidade de seus escravos.
249
A inserção de escravos, índios, agregados e mais setores sociais de baixo estatuto no
âmbito da família espiritual cristã, compartilhando da fé e dos auspícios de um mesmo clã,
favorecia a todos na medida em que dava a cada um seu lugar no corpo social. Não dava
espaço nem a brutos nem a divindades. Não restam dúvidas que alguns foram muito mais
favorecidos que os outros nessa sorte de inserção. Mas esse era o parâmetro da organização da
sociedade lusa, quer européia, quer em suas conquistas: a cada um de acordo com sua posição
social, nem mais nem menos. Introjetar esses valores através da fé cristã foi obra de muito
efeito!
VII. Algumas Considerações
Pretensão seria tentar, aqui, concluir alguma coisa. O estudo que vai por estas sendas
recém se inicia. Deixam-se algumas outras questões em aberto, indicadas como rumos futuros
da investigação. Uma delas, não poderia deixar sua falta: se foram detectadas percepções de
diferenças de estatuto social entre os escravos de diferentes proprietários, deve-se tentar
averiguar, também, as diferenças existentes, ou seja uma escala social, interna às escravarias
de uma unidade doméstica. Não é impossível a existência de pessoas com um prestígio ou um
grau maior de reconhecimento dentro deste estrato. Todavia, ainda não se pode obter
instrumentos que o acusassem a partir da documentação parcialmente transcrita.
Entretanto, algumas coisas já podem ser ditas. A principal delas é a ampliação do
conceito de família para a vila do Rio Grande ao tempo de sua formação. Não pode ser vista
como a família nuclear, nem como a família co-residente. Isso vai ao encontro do observado
por Levi para a região Piemontesa (Levi, 2000: p. 121). Não pode também ser dita como
composta de parentes consangüíneos e afins, somente. Os padrões de compadrio dos escravos
de algumas famílias investigadas indicam que mesmo os cativos compartilhavam de
comportamentos semelhantes na eleição de padrinhos e mesmo nos prenomes e na aquisição
de sobrenomes. Mais do que um setor separado pela clivagem livre x escravo, os servos,
250
como coloca Aristóteles, eram membros da família, do oikos grego. Em sua analogia, dizia:
a alma governa o corpo, assim como ao servo o amo. (...) É
evidente, portanto, que a obediência do corpo ao espírito, da parte afetiva à
inteligência e à razão, é coisa útil e de acordo com a natureza. A igualdade
ou direito de governar de cada qual, por sua vez, seria prejudicial a ambos.
(Aristóteles, 2005: p.18)
O grande corpo familiar não podia prescindir de nenhum de seus membros, que
trabalhavam em desejada, mas nem sempre obtida, harmonia. Dar ordens, assim como
sujeitar-se a elas é bom para os componentes de um corpo assim como é salutar para o próprio
corpo. Cada um de acordo com sua posição dentro do organismo, Entretanto, as mesmas
instituições que estruturavam a sociedade e eram contraditórias entre si, deixavam brechas
para que a contradição fosse aplacada. Fosse pelo disposto por Deus, fosse através do “estilo e
costume”. Estes, como no caso de Felícia, apresentado ao início, muitas vezes sobrepujavam a
própria lei. Então, encerra-se esta reflexão da mesma forma que ela iniciou, falando de alguns
traços característicos dessa sociedade que devem ser levados em consideração; eis a
observação de Clavero: “o anacronismo é o pecado do historiador”(Clavero, 1991: 20).
Quando se analisa este povoado de fronteira, ao longo dos seus primeiros cinqüenta
anos, há que se ter certeza de estar diante de uma sociedade que está impregnada pelas noções
de reciprocidade e de eqüidade. Reciprocidade entre desiguais e eqüidade como base da
justiça distributiva, aquela que apresenta o que é justo na desigualdade: a cada um o que lhe
compete de acordo com seu estatuto social. Mais que isso seria o vício da prodigalidade,
menos que isso, o vício da mesquinhez.
A sociedade, assim como a família, nessa visão, era e tinha de ser composta por
diferentes categorias de pessoas, pois assim, impregnada pela noção corporativa, não pode
dispensar nenhuma de suas partes às quais competiam funções diferenciadas, mas essenciais
para seu bom funcionamento. As famílias se formavam e existiam na interseção entre
escravidão e liberdade, e não em sua secção entre os que são escravos e os que são livres. As
251
famílias e a própria sociedade, considerada como um grande espaço de relacionamento das
muitas famílias, tinham em seus fundamentos um pensamento de cunho religioso, que regrava
não apenas as relações pessoais, mas o que poderia ser chamado de política e de economia.
Estabeleciam-se relações que eram políticas e organizavam-se sobre as bases das famílias
amplas. Organizavam-se de forma oiconômica, como quer Clavero (1991: p.161). Essa
percepção pode, enfim, dar outro contorno aos estudos sobre povoados de fronteira no Estado
do Brasil ao período colonial, no qual os fatores extra-econômicos não sejam assim, tão
externos a esta óiconomia.
Abreviações usadas nesse capítulo:
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
AAHRS – Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
LBat – Livro de Batismo
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Capítulo 5
Os meus, os teus e os nossos: a construção de um patrimônio
imaterial na Vila do Rio Grande
O contexto da conquista e povoamento do Rio Grande de São Pedro, marcado
pela alternância de períodos de guerra declarada e de frágil paz, dava como certo aos
participantes do processo apenas a incerteza. Fossem vindos da Colônia do Sacramento, do
restante do Estado do Brasil ou nas levas migratórias de ilhéus, indígenas, africanos, lusos,
luso-americanos, quem quer que seja, todos experimentaram a situação de “recomeçar a
vida” numa situação que lhes era, no mínimo parcialmente, estranha.
As famílias que migraram de Sacramento para iniciar o povoado do Rio Grande
vivenciaram os ataques em tempos de paz e o inesperado cerco que lhes fizeram os
espanhóis ainda naquela praça. Muito provavelmente em sua vida em Sacramento
conseguiram desenvolver algumas atividades de comércio e negócios e iniciar produções
agro-pecuárias no tempo decorrido desde a partida de Trás-os-Montes até os ataques que
isolaram a Colônia do Sacramento do restante do Estado do Brasil por via terrestre e via
marítima. Entretanto. A guerra lhes tirou tudo o que haviam obtido. Em sua nova
migração, dessa vez para a barra da Lagoa dos Patos, provavelmente só levaram o que
coube em alguns parcos baús e aquilo que não pode ser contido em recipientes: suas
256
relações familiares, de amizade, de compadrio, do trato com outras pessoas. As famílias
derivadas de Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando e suas respectivas
esposas, trasmontanos que foram fazer o povoamento da Colônia do Sacramento, são
exemplares nesse sentido. Ainda que representem apenas uma parcela da população que
chegou para fazer o povoamento – aqueles que migraram para Sacramento e fizeram nova
migração para a Vila de Rio Grande – certos traços que serão aqui destacados valem para o
restante dos habitantes. Muitas dessas práticas poderão ser percebidas mais adiante,
quando o quando será analisado o comportamento à pia batismal de outras famílias, com
origens bastante diferentes das que derivaram dos Souza Fernando. Outras se mostrarão
diferenciadas, o que denota a existência de opções para a realização das alianças e para a
geração dos elos sagrados que, para além da amizade, uniam pessoas e famílias sob a égide
do sal, do óleo, da água benta e da benção de Deus Pai e da Madre Igreja.
I. As famílias Souza Fernando
No ano de 1716, a Colônia do Sacramento foi devolvida à posse portuguesa. Após
ter sido tomada pelos espanhóis em 1705, Sacramento foi evacuada pelos portugueses, cuja
maioria dirigiu-se para o Rio de Janeiro, mas não exclusivamente. Parte dos evadidos
retornou à Península Ibérica, outros foram para a região das Minas. Com a devolução de
Sacramento, a Coroa promoveu mais um de seus intentos de migração de famílias, coletiva
e direcionada, como já havia feito outras tantas vezes na colonização dos territórios de seu
vasto Império ultramarino. Houve a convocação de colonos do norte de Portugal que tinha
terras pouco férteis. Também o sistema de herança da nobreza que privilegiava os
primogênitos colocava sempre a população por vivenciar situações de carência de
alimentos e outros problemas correlatos à insuficiência no abastecimento. Da região de
Trás-os-Montes, em 1718, chegaram partidas de imigrantes (Relatório do Conselheiro
257
Antônio Rodrigues da Costa sobre o transporte dos Casais de Trás-os-Montes..., In:
Cortesão, 1951: pp. 413-415).
Na lista em que estão relacionados os chefes de famílias que atenderam a
convocação, constam Nicolau de Souza e Antônio de Souza (Relação dos casais que foram
para a Colônia em 1718. In: Monteiro, 1937: pp.68-70). Seus nomes completos: Nicolau
de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando. Estes dois homens, tio e sobrinho,
migraram com suas famílias, já que esse era o intento para o extremo-sul do Estado do
Brasil: ocupar e povoar o território com famílias, naquilo que Jaime Cortesão explicitaria
como sendo a “Política dos Casais” da Coroa portuguesa.
Segundo esta listagem, Nicolau de Souza Fernando teria embarcado com mais seis
pessoas. Uma delas provavelmente sua esposa, Ana Marques, de quem era primo em
terceiro grau (Rheigantz, Título Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 406). A família de
Nicolau, portanto, compunha-se do casal e alguns dos seus filhos e, todos eles nascidos no
Valongo (Rheigantz, Título Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 406-487).
Os anos que antecederam a chegada desta família não devem ter sido fáceis. Dona
Ana Marques, de inconteste fecundidade, já que trouxera ao mundo no mínimo dez
rebentos, viu cinco deles partirem desta vida. Crisanto, nascido em 1698; Romão, em
1700; Anastácia, em 1702; Josefa, em 1705 e Beatriz, em 1707. Faleceram ainda no
Valongo, provavelmente quatro deles na tenra infância, haja vista não lhes ter sido
agregado um sobrenome qualquer e apenas Josefa era Josefa Marques (Rheigantz, Título
Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 470).
As três filhas mais velhas dessa família, em ordem, Maria Marques de Souza, Ana
Marques, e Teresa Marques, contraíram matrimônio no Quartel da Torre da Marca,
enquanto aguardavam o embarque para o Brasil. Provavelmente, seus casamentos haviam
sido arranjados há mais tempo haja vista que Maria Marques e Teresa Marques foram
258
tomadas como esposas por dois irmãos, sendo José de Azevedo Barbosa o marido de Maria
e Francisco de Azevedo Barbosa o de Teresa. Não se exclui a possibilidade de ter sido o
marido de Ana Marques também eleito dentro dessas famílias. Chamava-se Francisco de
Souza Soares, tinha patente de alferes, e era filho de Francisco de Souza e Maria de Souza
Barbosa (Rheigantz, Título Nicolau de Souza Fernando, 1979: p. 406-487).
A descendência desses três casais também está vinculada à conquista e
manutenção dos territórios do Continente do Rio Grande de São Pedro, tanto através de
suas trajetórias de militares e homens que exerceram cargos da Coroa como também
através das famílias com as quais teceram alianças matrimoniais ou ao compadrio.
Uma vez que foram identificados esses três casais que também migraram para
Sacramento em uma mesma partida, decorre uma discrepância entre o número de membros
da família de Nicolau de Souza Fernando listados na Relação dos Casais e o número de
filhos que co-habitavam com ele. Os genros compõe casais aparte do encabeçado por
Nicolau. José de Azevedo Barbosa e Francisco de Souza Soares passaram à Colônia como
“casal” composto de duas pessoas – muito provavelmente eles próprios e suas esposas – e
Francisco de Azevedo Barbosa passou como “casal” com três pessoas em sua comitiva.
Interessante notar que nesse caso, as filhas casadas de Nicolau de Souza Fernando
passam a integrar outro casal. Muito provavelmente, não deixaram de integrar a “família’
encabeçada por seu pai, haja vista as ligações reiteradas ao compadrio e em casamentos
intra-familiares que ainda teriam lugar na Vila do Rio Grande. Entretanto, como era
costume, os editais de convocação de migrantes ofereciam auxílio, sementes, insumos,
pagamentos por casal. Nesse momento, parece que seria mais benéfico, inclusive, à família
extensa, subpartir-se em vários casais, multiplicando o número de núcleos ou “casais” a
serem favorecidos pelos incentivos prometidos.
Dessa forma, Francisco de Azevedo, genro de Nicolau, foi beneficiado, em 1718,
259
com uma quota sementes de trigo que vieram de Portugal. Recebendo dois alqueires e
meio de sementes, colheu dois alqueires, com a colheita prejudicada como foram as de
todos os colonos, pois plantaram as sementes fora da época propícia, além de terem esses
grãos sofrido deterioração no transporte. Nicolau de Souza Fernando, por sua vez, obteve
sementes em Buenos Aires, das quais com um alqueire comprado, colheu dois, assim como
seu genro José de Azevedo que, com sementes obtidas do mesmo modo, também plantou
um e colheu dois. Apesar de terem uma colheita melhor, não era ainda a desejada. Os
colonos, talvez como prenúncio dos prejuízos que teriam com as rivalidades entre Portugal
e Espanha nesse Brasil meridional, foram sabotados pelos Espanhóis. Os grãos do trigo
adquiridos em Buenos Aires foram escaldados em água quente antes de lhes serem
entregues. Assim, cozidas, não germinaram como era o esperado. (AHU - Lista do pão que
receberam os casais este ano passado de 1718 das sementes que vieram de Portugal e se
repartiram conforme Sua Majestade ordenou... -1719). Não foi fácil começar a vida em
Sacramento.
Continuando o levantamento dos benefícios recebidos que foi possível fazer, tem-
se que Francisco de Azevedo obteve um boi manso, Nicolau de Souza Fernando e seu
sobrinho Antônio de Souza Fernando, assim como o alferes Francisco de Souza,
receberam, cada um, um boi brabo dado a amansar para posteriormente servirem-se deles
(AHU - Listas dos bois que se deram aos casais - 1719). Assim, se continuassem
“oficialmente” agrupados como membros de um único casal, os insumos recebidos teriam
sido aproximadamente um terço do que efetivamente lhes foi dado. Considera-se, portanto,
a aceitação dessa condição de aparente fracionamento da família como uma estratégia para
a obtenção de recursos já que, como será visto adiante, os Souza Fernando mantiveram
estreitas ligações e reiteradas alianças registradas nos livros paroquiais da Vila do Rio
Grande.
260
Segundo Fredrik Barth, ao falar sobre questões acerca do lugar dos valores, das
utilizações sociais e suas variações, diz que estas se refletem no comportamento das
pessoas e podem mostrar os fatores que geraram essas alterações (Barth, 1981b). Tais
variações são fruto de escolhas racionais, todavia restritas pelos valores e normas sociais,
de forma que, ainda que com um variado leque de opções para a ação, ele não é ilimitado
nem infinito. Ainda segundo um alerta bem-humorado deste antropólogo, quem vive em
sociedade é capaz de dizer o quanto essa vida pode ser impraticável (Barth, 1981a: p.14).
Esse é um dos objetivos desse trabalho: tentar ver, por mínimas que sejam, as
variações nos comportamentos sociais das famílias e grupos sociais com o intuito de
perceber quais os ganhos obtidos ou almejados e quais as estratégias sociais e familiares
que subjazem às escolhas que direcionaram suas ações. Junto com isso, tentar ver o quanto
o desenvolvimento desses eventos tornaram mais ou menos “praticável” a vida na Vila do
Rio Grande.
Uma outra observação que pode ser feita é que a desinência “casal” inclui o casal
propriamente dito e seus filhos solteiros, talvez um ou outro agregado, um aparentado, um
afilhado ou sobrinho ou mesmo um dos prometidos às filhas solteiras. Isso dá a impressão
de que as pessoas que compõe a comitiva do “casal” são aquelas pela qual o cabeça desse
casal assumiu a responsabilidade durante o transporte. De outro modo, a “família” pode
configurar-se de um modo bem mais amplo, incluindo nela outras formas de parentesco e
ligações não tão visíveis quanto as dadas pelo nascimento. Podem, inclusive, dar-se a
perceber quando não se está de posse dos registros eclesiásticos. Esses ou não puderam ser
consultados ou não sobreviveram ao tempo.
Os nomes, conforme já foi dito, não mantinham uma lógica de composição e
transmissão semelhante a que hoje conhecemos. A falta de apreensão dessa lógica que lhes
é própria, em grande medida, anuvia a percepção de suas sutilezas e dessa própria lógica,
261
dando a parecer que sempre falta uma peça do quebra-cabeças quando se tenta montar o
quadro mais completo. Um pouco pelo que é peculiar ao período. Outro pouco pela
impossibilidade de contar com tais registros. De certo, tem-se que além dos filhos solteiros
de Nicolau de Souza Fernando, outras pessoas compunham sua comitiva de “casal”.
Dos descendentes de Nicolau de Souza Fernando, os dois filhos mais novos
tiveram grande importância no período que se seguiu à fundação da Vila do Rio Grande.
São eles o Reverendo Padre Manuel Marques de Souza e sua irmã caçula, Maria Quitéria
Marques de Souza. Desta última, a descendência foi vasta e reiterou a importância da
família nas constantes guerras de conquista e reconquista dos territórios, como se verá no
próximo capítulo.
Já o casal encabeçado por Antônio de Souza Fernando passou à Colônia, segundo
a listagem, com quatro pessoas. Uma, certamente sua esposa, Apolônia de Oliveira, mas os
outros dois membros deste “casal” permanecem uma incógnita: segundo Rheingantz, todos
os seus filhos nasceram em Sacramento. Além disso, Antônio, a exemplo de suas primas
acima referidas, também contraiu matrimônio no período que antecedeu o embarque.
Apesar de ser um casal novo, existe a possibilidade de Dona Antônia já haver concebido
alguma criança fora do casamento. Entretanto, a data de nascimento que se possui para sua
filha mais velha é o ano de 1718, já na Nova Colônia do Sacramento (Rheingantz - Tiítulo
Antônio de Souza Fernando - 1979: p. 370). Fica, então, o mistério dos acompanhantes do
casal que não eram seus filhos, ainda por resolver. Talvez a única forma de solucioná-lo
não esteja longe, já que foram localizados livros de registros batismais da Colônia do
Sacramento relativos a este período no Arquivo da Cúria do Rio de Janeiro que,
infelizmente, estavam com seu acesso vetado à pesquisa quando do período da coleta de
dado para este estudo, permanecendo essa situação, segundo consta, até o presente.
Após uma estada de aproximadamente dezoito anos em Sacramento, da qual
262
pouco se têm notícia, os novos ataques e o conseqüente cerco promovidos pelos
castelhanos roubaram-lhes a tranqüilidade. Nos tempos que duraram de 1735 a 1737
experimentaram, sem sombra de dúvidas, a carência de alimentos e mais gêneros de
abastecimento que lhes impuseram os espanhóis. Como alguns outros moradores daquela
praça, Antônio de Souza Fernando, juntamente com esposa, filhos e genros, passou ao
novo povoado que se fundava às margens do Canal da Lagoa dos Patos. Nesse tempo, seis
de seus filhos já haviam nascido junto ao Rio da Prata, a filha mais velha, Maria de
Oliveira, já havia casado na própria Colônia no ano de 1734, com João Garcia Dutra,
natural da Ilha do Faial (Rheingantz - Tiítulo Antônio de Souza Fernando - 1979: p. 370).
Apenas sua filha mais nova, Felícia Maria de Oliveira, nasceu em Rio Grande, no mesmo
ano em que chegava o primeiro pároco à localidade.
Por falta de acesso aos registros eclesiásticos da Colônia do Sacramento, pouco se
pode dizer de como estabeleceram suas relações sociais naquela localidade. Entretanto, no
ano de 1738, com o batismo de sua primeira filha, pode-se dizer alguma coisa de como
procediam em seu novo local de moradia. Felícia foi batizada no dia 29 de dezembro de
1738 e teve como padrinho Francisco de Barbuda e Maldonado, solteiro, e madrinha Maria
de Oliveira, filha mais velha de Antônio de Souza (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-1753 -
Registro de Batismo Felícia, filha de Antônio de Souza Fernando, 29/12//1738 ). Anotação
do pároco indica que todos os partícipes do ato do batismo eram moradores do presídio que
se erigira.
Essa não foi, entretanto, a primeira aparição dos Souza Fernando à pia batismal. O
Segundo registro de batismo efetuado no Primeiro Livro de Batismos da Vila do Rio
Grande traz como padrinhos o Capitão João Caetano de Barros e Clara Maria de Oliveira,
outra das filhas solteiras de Antônio de Souza Fernando (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-
1753- Registro de Batismo de Antônio, filho de João Antunes da Porciúncula, 03/07/1738).
263
O batizando, o menino Antônio, filho de Antônio Antunes da Porciúncula e Antônia Pinto,
guarda traços em comum com a menina Felícia. A primeira observação a ser feita sobre os
padrinhos: tanto o capitão João Caetano de Barros quanto Francisco de Barbuda e
Maldonado estavam vinculados à Colônia do Sacramento. O primeiro, tendo servido lá por
mais tempo, possivelmente desde os anos que cercaram a sua devolução em 1716, e o
segundo, chegado para um posto de comando da Artilharia em 1737, durante o grande
cerco (ABN - Carta de Gomes Freire de Andrade, para o Governador da Colônia -
20/03/1737, 1928: 342-342). Ambos homens de patente, ambos, portanto, membros
destacados do corpo da sociedade como um todo, composto majoritariamente por
agricultores e camponeses como, segundo a Relação dos Casais, também eram os Souza
Fernando:
Manda Vossa Majestade que se povoe a nova Colônia para a
qual vão 60 casais de gente Transmontana que só entendem de
Agricultura, de que aquelas tão dilatadas campinas necessitam, pelos
grandes interesses que prometem à sua Real Fazenda: como também não
só parece conveniente mas preciso irem algumas pessoas práticas, e de
inteligência para reduzirem a boa forma o que pertencer à conservação
dos Povoadores. (Relação dos casais que foram para a Colônia em 1728.
In: Monteiro, 1937:p. 70)
A segunda observação é sobre as famílias dos batizandos: tanto João Antunes da
Porciúncula como Antônio de Souza Fernandes foram moradores da Colônia do
Sacramento. João Antunes da Porciúncula era natural do termo de Santarém, em Portugal.
Casou-se na Colônia do Sacramento com Antônia Pinto, natural de Salamanca, em 1727 e,
no mínimo, seus dois primeiros filhos nasceram lá (Rheingantz - Título João Antunes da
Porciúncula, 1979: p. 11-12). Eram, portanto, veteranos em ocupação de territórios. A
primeira experiência foi a que se encerrara na Colônia do Sacramento e a segunda ,a que se
iniciava em Rio Grande.
As famílias migradas provavelmente compartilharam as mesmas desventuras:
264
perder tudo, terras, lavouras, animais, benfeitorias. Algumas delas perderam na guerra
filhos, pais e esposos. Na retirada da população civil da Colônia do Sacramento sob fortes
ataques, provavelmente não puderam levar a maior parte dos bens, por terem migrado sob
a insígnia da guerra. Entretanto, observam-se, comparando e tecendo as ligações contidas
nessas duas atas de batismo que uma sorte de bens que não são transportados em carretas e
navios, tampouco são acomodados em caixas, barris ou baús, foram levados junto para a
nova moradia: as relações parentais, de amizade, de parentesco real ou fictício também
foram trazidas desde a Colônia do Sacramento até o Rio Grande. Novamente, lamenta-se
aqui não ter sido possível rastrear essas ligações visíveis ao compadrio na Colônia do
Sacramento. Não seria de espantar se Antunes da Porciúncula e Souza Fernando ou
membros de suas famílias já houvessem compartilhado o espaço no batistério da Igreja da
praça da Colônia. Na falta dessa documentação apenas pode-se deixar aqui indicado para
pesquisas futuras, quando alguém tiver condições de investigar essa reiteração em Rio
Grande, dos laços já forjados na Colônia do Sacramento. Sempre que possível e observável
na documentação que se tem disponível, esse fato será alertado.
Dos descendentes de Nicolau e Antônio de Souza Fernando elegeram-se para
análise neste estudo, respectivamente, Maria Quitéria Marques de Souza e Clara Maria de
Oliveira. A primeira sendo a filha caçula de Nicolau de Souza Fernando e a outra a
secundogênita de Antônio de Souza Fernando. A escolha dessas duas descendências se fez
por vário motivos. O principal deles é que, devido a importância que assumiram seus filhos
na manutenção dos territórios sulinos para a Coroa portuguesa, as trajetórias de seus
membros são muito bem documentadas, muito mais se comparados com as pessoas
“comuns” da Vila do Rio Grande, cujas seqüências de suas vidas se perdem num
emaranhado de homônimos e na carência de dados mais significativos que permitam uma
identificação destes agentes sociais com muitas garantias de sua correção e meticulosidade.
265
O segundo motivo, talvez não menos importante, é que, preservando as
características já observadas na geração anterior e na mesma geração dessas mulheres,
tanto elas quanto seus descendentes mantiveram a cada geração certas práticas, que são
visíveis em menor intensidade em outras famílias moradoras da localidade. A saber, dessas
práticas: a cada geração “reservam” um dos filhos para o casamento com parentes – tal
como ocorreram nos casamentos de Nicolau de Souza Fernando, Maria Marques de Souza
e Teresa Marques – reiterando alianças anteriores ou tecendo novas alianças com novas
famílias. Também são perceptíveis, nas escolhas dos compadres, as práticas familiares e da
sociedade como um todo: chamar de tempos em tempos algum parente para o compadrio,
reiterando na pia batismal as alianças pregressas contraídas ao matrimônio, ao mesmo
tempo que convocam, também, companheiros de armas, autoridades locais ou do Império.
Uma outra característica importante dessas duas linhas de descendências dos
Souza Fernando é que, por estarem entre os “primeiros moradores” ou “principais
moradores” do Continente do Rio Grande de São Pedro, possuem uma significativa
quantidade de escravos de diferentes origens. O adjetivo “significativo” aqui é usado em
relação às posses de escravos visíveis nos registros da localidade, sendo aproximadamente
quinze cativos o número de escravos estimado por Maria Luiza Bertulini Queiroz para o
maior proprietário da Vila no período sob análise. Se comparado com outras regiões da
colônia, dedicados ao plantio e fabrico do açúcar, por exemplo, essa quantia é ínfima
1
.
Entretanto, quando se analisa as formas e processos de acumulação de bens e prestígio em
uma situação peculiar de fronteira entre as duas nações ibéricas na região sulina, não cabe,
ao menos nesse momento, a comparação com economias distintas em territórios de posse
1
Cf. SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhias das Letras, 1988; SCHWARTZ, Stuart. "O Brasil colonial c. 1580-1750: as grandes
lavouras e as perifierias". In: Leslie (org.) BETHELL. História da América Latina. A América Latina
Colonial. São Paulo /Brasília: Edusp/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999.
266
mais antiga e consolidada. Mais produtivo seria analisar as possibilidades e opções de
pessoas que vivenciaram uma mesma realidade, assinalando o que as aproximavam em
suas trajetórias e o que as distanciavam na escala social que eles próprios estabeleciam
como uma das formas de dar sentido às suas vidas.
As famílias derivadas dos Souza Fernando possuíam, portanto, sob sua influência
e em contato consigo, gente de diferentes estatutos e qualidades. Isso faz com que seja
visto, através dessas duas linhas de descendência, um esboço da própria sociedade. Essa
era, ao mesmo tempo, diversificada quanto à classificação e à qualificação sociais e
econômicas. Era organizada a partir de critérios inerentes a ela, tendo a hierarquia
estabelecida ou por estabelecer em um território ainda sob conquista, um de seus pilares.
Ainda que estejam as relações aqui sob análise, num primeiro momento,
separadas por categorias que foram definidas para esse trabalho, tais como os batismos dos
filhos do casal, os afilhados dos membros das famílias, os compadrios dos escravos, etc. é
importante frisar que são entendidas aqui estas relações como sendo um continuum e que
essa quebra nos níveis de articulação entre elas é meramente feita com o intuito de facilitar
uma primeira análise.
Marcando e salientando a artificialidade deste recurso, fica, ao menos nesse
momento, redimida a culpa por qualquer anacronismo decorrente dessas classificações
absolutamente insatisfatórias para dar conta do objeto em questão. Tendo em vista o aporte
teórico que será melhor explicitado quando da análise das famílias como um todo, terá
lugar um aprimoramento na conceituação que tenta dar conta de fazer entender família,
acrescentando como partícipes dela também os agregados e servis, gente de posição
subalterna e muito inferior à da parentela consangüínea e afim dos Souza Fernando.
267
Ilustração 8 – Famílias dos Casais Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando.
FONTES: (ADPRG, L1Bat-RG, 1738-1753; Rheingantz, Títulos Nicolau de Souza Fernando e Antônio de Souza Fernando, 1979)
268
Posteriormente, então, serão reagrupados o que se considera aqui inseparável para
uma análise mais completa: os membros de uma família incluindo os escravos e os
agregados, se forem visíveis aos registros. Desse momento em diante, a seção artificial será
substituída por uma nova maneira de se verificar o que é comum a uma família, com todos
os setores e graus hierárquicos que existem internos a ela. Passemos, pois, a uma olhada
nos compadrios estabelecidos para a família de Maria Quitéria Marques de Souza, filha de
Nicolau de Souza Fernando, incluindo filhos, marido.
1.1 Antônio Simões e Maria Quitéria
Quadro VI –Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões
Filho Ano Nasc Local Nasc Data Óbt Local Óbt
Teodósia Maria de Jesus 1730 Sacramento
José 1733 Sacramento
Ana Marques Vitorina 1735 Sacramento 1760 Sacramento
Bernardo Marques 1737 Rio Grande
2
1749 Sacramento
Luís Francisco Marques Fernandes 1740 Rio Grande
Manuel Marques de Souza 1743 Rio Grande 1822 Rio de Janeiro
Escolástica Marques de Souza 1746 Rio Grande
Feliciano Marques de Souza 1748 Rio Grande 1808 Porto Alegre
Joaquina Marques de Souza 1750 Rio Grande
Maria Joaquina Marques de Souza 1752 Rio Grande
FONTE: (ADPRG - 1LBat-RG, 1738-1753; Rheingantz - Título Nicolau de Souza Fernando - 1979: pp. 406-487)
Conforme já dito, os registros batismais da Colônia do Sacramento não estão
disponíveis para a consulta de pesquisadores, ficando esta lastimável lacuna insanável até
mudança de orientação do Arquivo da Diocese do Rio de Janeiro, onde tais livros se
encontram. Seria extremamente importante poder seguir toda a descendência de Antônio
2
Bernardo Marques, segundo Rheingantz, nasceu em Rio Grande cf. RHEINGANTZ, Carlos G.
"Povoamento do Rio Grande de São Pedro. A contribuição da Colônia do Sacramento". In: INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO / INSTITUTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA MILITAR
DO BRASIL. Anais do Simpósio Comemorativo do Bicentenário da Restauração do Rio Grande (1776-
1976). Rio de Janeiro: IHGB/IGHMB, 1979. . Entretanto, a data de seu nascimento antecede a chegada de
pároco ao local. Na falta deste registro de nascimento, pensa-se em duas possibilidades: houve engano na
construção desta genealogia por parte de Rheingantz ou a criança foi batizada na Colônia do Sacramento,
podendo ter ficado aos cuidados de seus avós ou tios que lá residiam.
269
Simões e Maria Quitéria, assim como conhecer os padrinhos dos seus primeiros filhos,
com o intuito de ver quanto dessas relações que antecederam a sua chegada em Rio Grande
foram renovadas na Vila. Deixando de lado o que é impossível fazer e indo para o que os
registros da Diocese do Rio Grande permitem, olhemos, pois, um segundo quadro,
composto dos filhos de Antônio Simões e Maria Quitéria que nasceram e foram batizados
em Rio Grande.
Quadro VII – Batismos dos Filhos de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio Simões
em Rio Grande
Criança Padrinho Tit. ou pat. Madrinha data
Luís Francisco José Carlos da Silva Vigário Eufrásia Maria de São Jose 04-10-1740
Manuel Francisco Barreto Pereira Pinto Tenente Catarina de Lima 07-03-1743
Escolástica Francisco Pinto do Rego Ten-Coronel Maria Josefa da Conceição 11-01-1745
Feliciano Domingos Martins Feliciana Domingues 03-06-1748
Joaquina João Gomes de Melo Ajudante Teodósia Marques 25-07-1750
Maria José da Silveira Capitão Brigida Antonia de Oliveira 11-03-1752
FONTE: (ADPRG - 1LBat-RG, 1738-1753)
Pois bem, com exceção de Feliciano, cujo registro não traz nenhum título
associado ao nome, todos os demais padrinhos são gente com algum título ou patente, o
que os distancia do corpo das pessoas comuns da sociedade. É necessário afirmar aqui que
Domingos Martins não possui título apenas nesta ata, já que existem outras que lhe
atribuem a patente de capitão (p. ex. ADPRG - 1LBat-RG, Registro de Batismo de Maria,
filha do soldado dragão Francisco da Silva, 17/02/1752). Portanto, todos os seis padrinhos
das crianças do casal Antônio Simões e Maria Quitéria possuem alguma distinção social.
Falemos mais um pouco sobre eles.
José Carlos da Silva foi o primeiro vigário da localidade de Rio Grande. O
último registro batismal assinado por ele, em Rio Grande, data de 18 de abril de 1741. Em
dezembro de 1750 estava na localidade de Viamão, de onde também foi pároco por muitos
anos. A Relação de moradores que tem campos e animais neste Continente 1784-1785
270
(AHRS – cód. F1198 A e B) indica que o Pe. José Carlos da Silva foi também proprietário
de terras; vendeu uma porção de três léguas de largo por uma de comprido que tinha em
sociedade com o capitão Antônio Teixeira da Cunha para o também padre João Diniz
Alves de Lima. No tempo em que foi batizada a menina, o Padre José Carlos da Silva era a
autoridade eclesiástica máxima da localidade, responsável pelas ovelhas do Senhor em Rio
Grande.
O batismo de Manuel Marques de Souza é um tanto atípico. O menino,
provavelmente por ter passado por perigo de morte após o nascimento, foi batizado em
casa por necessidade. Manuel Marques de Souza é um dos raros casos em que a criança
tendo sido batizada em situação de emergência, recebeu padrinhos. A preocupação
principal das autoridades eclesiásticas era a de que não ficasse sem batismo qualquer
criança que viesse a nascer, ou mesmo se
...perigarem as crianças, antes de acabarem de sair do ventre de suas
mães, mandamos às parteiras, que aparecendo a cabeça ou outra alguma
parte da criança, posto que seja mão, ou pé, ou dedo, quando tal perigo
houver, a batizem na parte que aparecer... (Da Vide, 1707, Livro
Primeiro, Título XIII, § 44)
A falta do batismo as condenaria a danação eterna. Provavelmente a
responsabilidade por omissão de batismo a uma criança fosse bastante pesada, assim como
o destino da alma do infante. A tal ponto de, normativamente, as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia (Da Vide, 1707) estabelecerem que a pessoa que ministrava esse
Sacramento não necessitava ser um cura ordenado ou menos ainda, não necessitava nem
ser cristã, podendo, inclusive, incluir os antigos praticantes da Santa Fé Católica que foram
punidos com a excomunhão:
...nem por isso se deixa de se poder administrar licitamente fora da Igreja
em qualquer lugar, e por efusão ou aspersão, e por qualquer pessoa nos
casos de necessidade, e todas as vezes que houver justa, e racionável
causa, que obrigue a que assim se faça: como são, se alguma criança, ou
adulto estiver em perigo, antes de poder receber o Batismo na Igreja,
271
pode, e deve ser batizado fora dela, em qualquer lugar, por efusão, ou
aspersão, e por qualquer pessoa, posto que seja leigo, ou excomungado,
herege, ou infiel, tendo intenção de batizar, como manda a Santa Madre
Igreja. E posto que o Batismo feito por qualquer das ditas pessoas fica
valioso... (Da Vide, 1707, Livro Primeiro, Título XIII, § 42)
Um batismo feito nessas circunstâncias especiais, ainda que válido, não tem os
mesmos elementos de um batismo efetuado nas condições normais. Rezam as
Constituições Primeiras que ao batizando não serão conferidos padrinhos, supondo-se ser
essa uma das atribuições do pároco como representante máximo de Deus em sua paróquia.
O batismo procedido em casa, em situação de emergência, não consagraria padrinhos à
criança e, para que padrinhos tivesse, a criança deveria ser exorcizada desse batismo
emergencial e passar por novo ritual na Igreja, quando então lhe seria conferidos padrinhos
pelo pároco.
Assim como é raro o caso de uma criança batizada em situação de emergência ter
padrinhos, é inexistente qualquer ata de batismo nos quatro primeiros livros de Rio Grande
que revele haver sido feito o exorcismo do ritual caseiro. Entretanto, anotado o batismo de
Manuel como sendo emergencial, ainda ali são visíveis padrinho e madrinha. Seria apenas
um fato curioso se a repetição não tornasse visível um certo padrão: as poucas crianças que
foram batizadas em casa e tiveram padrinhos pertenciam aos estratos sociais mais elevados
da localidade, como no exemplo dado anteriormente do batismo de Nicolau, filho de
Mateus Inácio da Silveira. De algum modo, a posição social das famílias das crianças
batizadas em situação de emergência poderia possibilitar-lhes a designação de um
padrinho, ou seja de um pai e uma família espiritual, não sendo o mesmo válido para as
crianças nascidas em famílias de condição inferior. O que era de extrema raridade para
estas não era exatamente uma exceção nas famílias mais bem situadas.
Francisco Barreto Pereira Pinto, o padrinho escolhido para o menino Manuel,
era natural de Portugal e, ao tempo do batismo, tinha patente de tenente de Dragões do
272
Regimento das Minas Gerais, tendo participando da fundação do Presídio na expedição de
José da Silva Pais. Chegara a Rio Grande possivelmente no mesmo período em que
chegavam as famílias evadidas de Sacramento. Não é impossível que tenha estado lá
anteriormente, já que muitos dos oficiais militares que se estabeleceram em Rio Grande
faziam parte das forças dos terços que fizeram reforço à praça sob ataque. Em 1750 foi
promovido a Capitão e em 1755 foi nomeado Sargento-mor do Regimento de Dragões
(Queiroz, 1987: p.98). Supõe-se ter alguns conhecimentos de engenharia, haja vista
também ter sido designado como “ajudante” em alguns documentos, desinência esta quase
sempre relativa a pessoas com certo grau de estudo técnico. Outra demonstração de boa
situação social da família do padrinho de Manuel é o título de Dona associado ao nome de
sua esposa, Francisca Veloso.
As relações de compadrio da família de Francisco Barreto Pereira Pinto com os
Souza Fernando não se extinguiram no batismo de Manuel. Alguns meses após, Dona
Francisca Veloso foi convidada para madrinha de uma prima de Manuel, a menina Felícia,
neta de Antônio de Souza Fernando, também batizada em casa por necessidade e também
com padrinhos atribuídos (ADPRG - 1LBat-RG - 1738-1753 - Registro de Batismo de
Felícia, filha de Sebastião Gomes de Carvalho, 23/12/1743 ). Segundo Queiroz, Francisco
Barreto situava-se na segunda faixa de maiores proprietários de escravos da Vila de Rio
Grande antes da tomada pelos espanhóis, detendo entre oito e dez cativos (Queiroz, 1987:
p. 98). Após a invasão da Vila, entre setembro de 1763 e junho de 1764, exerceu
interinamente o cargo de governador do Rio Grande de São Pedro. Não foi, portanto, uma
das “pessoas comuns” da localidade.
De Francisco Pinto do Rego, padrinho de Escolástica, além da patente de
coronel, pouco é possível saber através dos registros de Rio Grande. Francisco Pinto do
Rego não compareceu à cerimônia batismal de Escolástica, fazendo-se representar através
273
de procurador. Não foi morador da localidade e tampouco manteve maiores vínculos
visíveis através dos registros eclesiásticos. Entretanto, não foi difícil localizá-lo em outra
sorte de fontes primárias ou secundárias através dos procedimentos de buscas onomásticas
mais simples: Francisco Pinto do Rego era neto do antigo Capitão-mor da Capitania de São
Vicente, Diogo Pinto do Rego, cuja indicação para o cargo foi feita e aprovada pelo
Conselho Ultramarino, e nomeado pelo Rei como tal em 1678.
Há uma grande possibilidade de Francisco Pinto do Rego ter estado na Colônia do
Sacramento à época da chegada dos imigrantes de Trás-os-Montes, ainda que não se tenha
obtido nenhuma informação mais sólida quanto a isso. Entretanto, alguma ligações
familiares podem ser identificadas entre Francisco Pinto do Rego e os Souza Fernando,
através de um dos muitos braços que essa família estendia na Colônia. Voltando à
Ilustração I, posta acima, visualiza-se na descendência de Antônio de Souza Fernando o
casamento entre Clara Maria de Oliveira e o capitão Francisco Pinto Bandeira, cuja
ascendência paterna é oriunda da Laguna, por sua vez, fundada pelo capitão Francisco de
Brito Peixoto, de quem já se falou aqui, e avô materno de Pinto Bandeira (veja-se a
Ilustração II, posta adiante juntamente com a análise dos compadrios do casal Francisco
Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira).
Francisco de Brito Peixoto, nesse emaranhado de parentescos afins e
consangüíneos que uniam os que passaram por Sacramento e Laguna, era irmão da mãe de
Francisco Pinto do Rego. Seu tio materno, portanto. O elo familiar entre esses irmãos era
bastante forte, a ponto de Brito Peixoto designar o sobrinho e irmão de Francisco Pinto do
Rego, o mestre-de-campo Diogo Pinto do Rego, morador de São Paulo, como herdeiro de
suas mercês, em detrimento das filhas e filhos que vieram fazer o povoamento da Laguna e
do extremo-sul (BN - Manuscritos II-1,2,2,3- Notícia da Povoação, e fundação da Vila da
Laguna feita por Francisco de Brito Peixoto que foi Capitão-mor...). Francisco Pinto do
274
Rego, em São Paulo ou em qualquer outra localidade da colônia, também se destacava das
“pessoas comuns” dadas as qualidades suas e de sua família.
Domingos Martins, como já foi dito, apesar de não ter sua patente no registro da
ata batismal de Feliciano, era detentor de patente militar. Foi soldado do destacamento da
Bahia na Colônia do Sacramento, onde recebeu terras e gados (Queiroz, 1987: p. 98). Há,
na lista dos homens que acompanharam Dom Manuel Lobo na fundação da Colônia do
Sacramento, um Domingos Martins, sem que se possa saber se é o mesmo padrinho de
Feliciano ou não (Relação dos prisioneiros feitos pelos espanhóis na tomada da Colônia
em 1680, in: Monteiro, 19371937: pp. 47-48). Em 1738 o militar passou ao Regimento de
Dragões do Rio Grande, do qual deu baixa logo em seguida. Assim como Francisco
Barreto Pereira Pinto, está situado na segunda faixa estabelecida por Queiroz para os
maiores proprietários de escravos da localidade, possuindo, no mínimo, entre oito e dez
cativos. Tendo dado baixa do Regimento de Dragões, recebeu patente de capitão de
Infantaria das Ordenanças da Vila do Rio Grande. Em 1755 passou a capitão de Cavalos
das Ordenanças (Queiroz, 1987: p. 98). Dadas as patentes e mercês obtidas, tampouco
Domingos Martins poderia ser confundido com as pessoas comuns da Vila.
O Ajudante João Gomes de Melo, natural de Pernambuco, também foi
proprietário de um número mínimo de escravos entre oito e dez. Também compartilhava
dessa segunda faixa de maiores proprietários de cativos da Vila, estabelecida por Queiroz
(1987: p. 98). Sua patente de ajudante de engenharia era devida aos cursos técnicos de
Arquitetura Militar e Geometria e foi indicado para o cargo pelo mestre-de-campo André
Ribeiro Coutinho, sucessor de José da Silva Pais na Comandância Militar do Rio Grande
de São Pedro. Segundo parecer do Conselho Ultramarino, André Ribeiro Coutinho julgava
que em João Gomes de Melo
concorriam todas as circunstâncias necessárias para ocupar
275
aquele posto, assim pela sua suficiência e merecimento, como por ter se
empregado nos estudos da Arquitetura Militar e Geometria em tal forma
que, fazendo-lhe por várias vezes e em várias matérias individual exame,
o achara capacíssimo daquele emprego (AAHRS- Registro de uma carta
patente passada ao Cabo-de-Esquadra João Gomes de Melo... 1977 :
p.1124)
O mestre-de-campo André Ribeiro Coutinho era pessoa habilitada a emitir tal
parecer pois, além de guerreiro experimentado na Guerra da Sucessão ibérica, em Corfu na
Grécia, na Hungria, sargento-mor instrutor de disciplina militar no Estado da Índia sob o
comando de Gomes Freire de Andrade e tenente-coronel em Sacramento, era também
engenheiro militar, tendo escrito obras sobre a arte da guerra e as instalações militares,
tanto terrestres como marítimas (Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico,
Biográfico, Numismático e Artístico, 1904-1915).
No mesmo documento há um breve relato de serviços prestados por João Gomes
de Melo nos anos que antecederam sua chegada no Rio Grande. O cabo-de-esquadra da
infantaria da praça da Bahia que estava recebendo patente de ajudante de engenheiro havia
servido Sua Majestade no Rio de Janeiro, passando à Colônia do Sacramento, como
condestável nomeado por José da Silva Pais. Foi responsável pela correção dos planos
equivocados de construção da Guarda do Arroio do Taim, sendo indicado para continuar as
obras da fortificação de Rio Grande quando do recebimento da patente. No ano de 1740 já
estava casado com Maria Josefa da Conceição, moça de família mineira que teve a
infelicidade de ficar órfã de pai logo após a chegada de sua família ao Rio Grande. O
casamento deu-se por intercessão de André Ribeiro Coutinho, segundo petição do cunhado
de Maria Josefa:
passados poucos meses faleceu o dito seu sogro, deixando em total
desamparo sua mulher, a do Suplicante [Manuel de Almeida Peixoto],
três filhas e algumas escravas as quais só acharam a piedade e favor de
V.Sª [André Ribeiro Coutinho] que, casando duas de suas cunhadas com
o Ajudante João Gomes de Melo e com o Sargento João da Cunha,
evitou a ruína que a desgraça poderia ordenar na dita família (AAHRS -
Registro de um requerimento que fez Manuel de Almeida Peixoto...,
276
1977: p.147)
João Gomes de Melo foi agraciado com sesmaria de três léguas por uma légua, na
localidade de Palmares/Castilhos Grandes no ano de 1752, concedida por Gomes Freire de
Andrade durante a Expedição de Demarcação dos Limites do Tratado de Madri (RAPM v.
XXIII, 1929: pp. 502-503). Sua esposa, Maria Josefa, já comparecera à Pia Batismal a
convite dessa mesma família, sendo madrinha de Escolástica. O casal foi padrinhos de
outras crianças nessa mesma família e Maria Quitéria, juntamente com o Comissário de
Mostras Cristóvão da Costa Freire, batizou um dos filhos de João Gomes de Melo que,
curiosamente, recebeu o mesmo nome de um dos netos de Antônio de Souza Fernando
(ADPRG - 1LBat-RG - Registro de batismal de Venceslau, filho de João Gomes de Melo -
06/10/1749, 1738-1753). As relações entre os Souza Fernando e João Gomes de Melo
provavelmente também remontavam o tempo em que viveram em Sacramento e seu
casamento com Maria Josefa veio a acrescentar mais possibilidade de variação do conjunto
presente à pia batismal a reiterar alianças de compadrio já efetuadas anteriormente.
Pelas patentes e mercês recebidas, percebe-se que João Gomes de Melo tampouco
era uma pessoa pertencente a estratos inferiores dessa nascente sociedade. Fazendo valer a
condição de que, via de regra, convidam-se para padrinhos pessoas do mesmo estatuto
social ou estatuto social superior ao seu, a troca bilateral de afilhados entre essas duas
famílias sugere que a descendência dos Souza Fernando também fazia parte desses estratos
sociais superiores de Rio Grande, caso contrário apenas chamariam gente importante da
Vila para batizar seus filhos, sem nunca serem chamados por estes. Não é o que acontece,
como será visto adiante, quando do quadro dos afilhados dos membros desta família na
localidade de Rio Grande e os que foram encontrados em Viamão.
Por último, o capitão José da Silveira. A patente associada ao seu nome no
registro batismal de Maria já o apresenta como membro destacado da sociedade local.
277
Pelos registros batismais nos quais aparece o capitão José da Silveira, no primeiro livro de
registros batismais de Rio Grande, ele possuía no mínimo três escravos. Provavelmente é
um dos José da Silveira Bitencourt, pai ou filho, naturais da Ilha do Faial e que chegaram à
localidade por volta de 1742. Também foram proprietários de terras e comerciantes de
gados. Devido pai e filho serem homônimos e terem trajetórias bastante semelhantes,
conforme já apresentado no capítulo intitulado “O Segredo do Pajé”, não há como concluir
por um ou outro. Mas, sendo José da Silveira Bitencourt, pai ou filho, nesse caso não
importa qual seja, há na família uma patente de Alferes, duas patentes de Capitão de
Dragões, uma de Capitão da Ordenança, um ofício de Juiz de Órfãos, um ofício de Juiz
Ordinário, duas sesmarias, uma em Rio Grande e outra em Rio Pardo, e a posse de cinco a
oito cativos, que na classificação de Queiroz os coloca na terceira faixa de maiores
proprietários de escravos do Rio Grande. Pertence o capitão José da Silveira, padrinho da
menina Maria, a um seleto grupo de moradores da localidade.
Quanto às madrinhas, por geralmente haver menos informações sobre as mulheres
em todos os registros documentais do período, os comentários são mais sucintos.
A madrinha de Luís Francisco, Eufrásia Maria de São José era uma das filhas de
Antônio de Souza Fernando, casada com o cirurgião-licenciado Sebastião Gomes de
Carvalho. Pertencia à família Souza Fernando, portanto, apontando a reiteração espiritual
de parentescos consangüíneos existentes entre os Souza Fernando e sua descendência.
Catarina de Lima é dita apenas como solteira, podendo ser Catarina de Lima, filha de
Antônio Pinto e Isabel de Lima, que posteriormente casou-se com João Diniz Alves (ou
Álvares), sesmeiro que possuía no mínimo um escravo, ou Catarina de Lima, casada
posteriormente com José Antônio de Vasconcelos, também sesmeiro. Maria Josefa da
Conceição é tal boa moça mineira que tendo passado por penúria e miséria após a morte de
seu pai teve a sorte de ser dada por André Ribeiro Coutinho a casar com o ajudante João
278
Gomes de Melo. Feliciana Domingues, madrinha de Feliciano, era casada com o capitão
Domingos Martins. Teodósia Marques era irmã mais velha de sua afilhada Joaquina e
casada com o então tenente e posteriormente capitão Antônio Pinto da Costa. Brízida ou
Brígida Antônia de Oliveira era filha de Antônio de Souza Fernando, casada com o
capitão de dragões Manuel Pereira Roriz de Negrelos. Ou seja, também nas madrinhas
dessas crianças, em que pese incerteza sobre qual das duas Catarinas de Lima que viveram
em Rio Grande nesse período, são visualizados os atributos de quem está bastante mais
elevado do que o rés-do-chão da sociedade de Rio Grande. Através das características e
caracterizações encontradas nos registros eclesiásticos complementados com outras fontes
pode ser dito, com toda a segurança, que os atores sociais presentes nessas seis cerimônias
de batismo são membros destacados da sociedade Riograndina, dadas as qualidades suas e
das pessoas e famílias de suas relações. Boa parte deles fazia parte dos setores agraciados
por mercês de Sua Majestade, sob forma de sesmarias de terras, patentes, cargos e ofícios.
Muitos deles, como o próprio marido de Maria Quitéria e os padrinhos de Maria, eram
ativos comerciantes de gado, riqueza maior do extremo-sul do Estado do Brasil no período
sob análise. Eram, portanto, famílias e pessoas que, em consonância com o momento em
que viviam, teceram relações pessoais e estabeleceram atividades que podiam ser bem
rentáveis.
Se essa malha de compadrios dadas aos batismos dos filhos do casal Antônio
Simões e Maria Quitéria Marques de Souza já é complexa, a complexidade maior é
verificada quando são colocados em um quadro todos os batismos ao qual comparecerem
como padrinhos este casal ou um de seus filhos. Veja-se o quadro a seguir.
279
Quadro VIII – Compadrios do casal Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza e seus filhos
Criança Pai Mãe título patente padrinho Padrinho Madrinha data Estatuto
situação fonte
Narcisa Raimundo Fernandes Nataria Ribeiro ajudante João de Freitas Silva Maria Quitéria Marques de Souza 06-08-1741 livre legitimo 1Lbat RG
Antonio Antonio de Almeida Francisca Pereira capitão Tomas Luis Osório Maria Quitéria Marques de Souza 17-08-1741 livre natural 1Lbat RG
Rosa Rafael Rodrigues de Andrade Maria Josefa tenente Francisco Barreto Pereira Pinto Maria Quitéria Marques de Souza 09-10-1741 livre legitimo 1Lbat RG
Angélica - Antonia da Rosa Pedro Monis de Menezes Maria Quitéria Marques de Souza 18-02-1743 livre natural 1Lbat RG
Joaquim Inácio da Costa Santos Rosa Maria Antonio Simões Teodósia Marques 11-03-1743 livre natural 1Lbat RG
Isidora Luis Dias Helena, índia Comissário Cristóvão da Costa Freire Maria Quitéria Marques de Souza 27-10-1743 livre índia natural 1Lbat RG
Manuel Sebastião Gonçalves, índio cabo Manuel de Oliveira Braga Maria Quitéria Marques de Souza 27-10-1743 livre índio natural 1Lbat RG
Inacio - - tenente Antonio Pinto da Costa Teodósia de Jesus 04-11-1743 livre índio - 1Lbat RG
Quitéria Francisco Gonçalves Ana Pereira de Souza Tesoureiro Faz. Real Pedro Jacques Maria Quitéria Marques de Souza 07-01-1744 livre legitimo 1Lbat RG
Teodora Raimundo Fernandes Nataria Oliveira ajudante João de Freitas Silva Maria Quitéria Marques de Souza 12-03-1744 livre índia legitimo 1Lbat RG
Luis Estevão da Silva Isabel, índia Tape coronel Diogo Osório Cardoso Maria Quitéria Marques de Souza 08-11-1744 livre índio tape natural 1Lbat RG
Domingos Jose Dias Marta Antunes de Souza Domingos Gomes Ribeiro Maria Quitéria Marques de Souza 02-05-1745 livre legitimo 1Lbat RG
Albano João de Caldas Joana do Livramento Antonio Francisco Maria Quitéria Marques de Souza 20-05-1745 livre legitimo 1Lbat RG
Efigênia Manuel Afonso Ângela Pereira Manuel Francisco da Costa Maria Quitéria Marques de Souza 30-05-1745 livre legitimo 1Lbat RG
Jacinto Lucas Fernandes Joana Maria da Purificação Padre Manuel Henriques Maria Quitéria Marques de Souza 18-09-1746 livre legitimo 1Lbat RG
Bernarda Estevão Rodrigues Josefa, índia Minuane Governador Diogo Osório Cardoso Ana Marques de Souza 29-06-1747 livre índia minuane
natural 1Lbat RG
Ana João Gomes de Melo Maria Josefa da Conceição Joaquim Manuel da Trindade Ana Marques de Souza 17-07-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Inocência Máximo dos Santos Inácia Gouveia Francisco de Lemos Maria Quitéria Marques de Souza 31-07-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Inácio Francisco Ribeiro da Costa Inácia Maria dos Ramos ajudante João de Freitas Silva Ana Marques de Souza 09-08-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Francisca João da Silva Valadares Maria da Assunção Licenciado Jose Antonio de Vasconcelos Maria Quitéria Marques de Souza 11-10-1747 livre legitimo 1Lbat RG
Margarida Estevão da Silva Damásia Rodrigues Governador Diogo Osório Cardoso Maria Quitéria Marques de Souza 25-02-1748 livre legitimo 1Lbat RG
Antonio Luis de Queiroz Francisca Correia Francisco de Almeida Lisboa Maria Quitéria Marques de Souza 01-05-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Severina Domingos Martins Feliciana Domingues Manuel dos Santos Lobo Maria Quitéria Marques de Souza 05-05-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Escolástica Francisco de Seixas Josefa de Jesus Manuel Pinto Rabelo Maria Quitéria Marques de Souza 20-01-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Venceslau João Gomes de Melo Maria Josefa da Conceição Comissário Cristóvão da Costa Freire Maria Quitéria Marques de Souza 06-10-1749 livre legitimo 1Lbat RG
Sofia - - - Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
Faustina Tacu - Cabo Vilela Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
Rufina - - Padre Bento Pereira Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
Guiomar - - Padre Manuel Henriques Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
Águeda - - Francisco Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
Hilária - - Francisco Pinto Maria Quitéria Marques de Souza 08-09-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
280
Anacleta Faustino de Macedo Paula Teresa José da Silveira Ana Marques de Souza 20-02-1749 livre índia minuane
1Lbat RG
Joaquina Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza ajudante João Gomes de Melo Teodósia Marques 25-07-1750 livre legitimo 1Lbat RG
Bernardo Cipriano Jose de Oliveira Maria Antônia de Oliveira furriel de Dragões Manuel Osório Maria Quitéria Marques de Souza 28-08-1750 livre legitimo 1Lbat RG
João João de Oliveira Francisca Ferreira tenente de Dragões Antônio José de Figueroa Maria Quitéria Marques de Souza __-09-1750 livre legitimo 1Lbat RG
Antonio Manuel Bicudo da Luz Brígida de Oliveira cabo de Dragão Jose Coelho Maria Quitéria Marques de Souza 21-09-1750 livre legitimo 1Lbat RG
Amatildes Manuel de Assunção de As Antonia Maria de Faria capitão Manuel Carvalho de Lucena Maria Quitéria Marques de Souza 18-06-1751 livre legitimo 1Lbat RG
Fabiano Antônio Pinto da Costa Teodósia Marques alferes Antônio Pinto Carneiro Ana Marques de Souza 18-04-1752 livre legitimo 1Lbat RG
José José Pacheco Dionísia da Rosa capitão Gaspar dos Reis Ana Marques de Souza 30-04-1752 livre legitimo 1Lbat RG
João José Caetano Pereira Maria Eugênia de Figueiredo José da Silva Ribeiro Maria Quitéria Marques de Souza 23-05-1752 livre legitimo 1Lbat RG
Jacinto Luis da Rocha Maria da Costa tenente de Dragões Antônio Pinto da Costa Maria Quitéria Marques de Souza 15-02-1753 livre legitimo 1Lbat RG
João Pedro Quadrado Ângela de Souza Manuel Marques de Souza Luísa Maria 06-08-1753 livre legitimo 1Lbat RG
Ana Salvador Moreno Maria de Santo Antonio Francisco Coelho Osório Maria Quitéria Marques de Souza 27-08-1753 livre legitimo 1Lbat RG
Corroído Matias Gonçalves Isabel Maria Romão da Silva Maria Quitéria Marques de Souza 30-09-1753 livre legitimo 2Lbat RG
Luis incógnito [---] mulata escrava ? Maria Quitéria Marques de Souza 00-01-1754 escravo natural 2Lbat RG
Úrsula Luis Álvares dos Santos Mariana Rosa Antonio Francisco Maria Quitéria Marques de Souza 18-04-1754 livre legitimo 2Lbat RG
Felícia Pedro Lopes Bárbara de Jesus José Lopes Maria Quitéria Marques de Souza 10-06-1754 livre legitimo 2Lbat RG
Bernardina Miguel Pereira Rita Bernarda Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 13-03-1755 livre legitimo 2Lbat RG
João Mateus Marques Bárbara Maria Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 23-06-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Antonio Jose Caetano Pereira Maria Eugenia de Figueiredo João Martins da Costa Maria Quitéria Marques de Souza 11-08-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Joaquim Agostinho da Cunha Mariana de Souza Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 19-08-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Mariana Manuel Jose Soares Catarina Maria Jose da Costa Guimarães Maria Quitéria Marques de Souza 16-10-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Jacinto Estevão da Silva Damásia Rodrigues capitão Jacinto Rodrigues da Cunha Teodósia Marques 22-12-1755 livre legitimo 2Lbat RG
Manuel Jaques de Oliveira Angélica da Cruz Capitão-mor Francisco Coelho Osório Maria Quitéria Marques de Souza 13-04-1776 livre legitimo 2Lbat RG
Ana Antonio Machado Rita Maria Manuel Marques de Souza Escolástica Marques de Souza 18-05-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Joaquim - Joana, Mina Feliciano Antonio Marques Maria Marques 18-05-1756 escrava natural 2Lbat RG
Antonio Jose de Deus Paula Maria Antonio Francisco dos Santos Escolástica Marques de Souza 20-06-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Domingos Francisco Pires de Souza Josefa Isabel de Bitencourt Domingos Fernandes de Oliveira Maria Quitéria Marques de Souza 19-07-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Leonor João Caetano de Souza Joana Maria da Ressurreição alferes Francisco Lopes Maria Quitéria Marques de Souza 08-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Ana Antonio Teixeira Batista Teresa Maria Manuel Marques de Souza Apolinária de Souza 10-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Rosaria Sebastião Gomes de Carvalho Eufrásia Maria de São Jose Capitão Manuel de Araújo Gomes Maria Quitéria Marques de Souza 18-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Antonio Antonio Pinto da Costa Teodósia Marques Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 22-09-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Maria Jose Francisco Maria do Rosário Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 23-08-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Ana Jose Pacheco Dionísia da Rosa Antonio Teixeira de Abreu Maria Quitéria Marques de Souza 22-11-1756 livre legitimo 2Lbat RG
Joaquim Mateus Bárbara Maria Manuel Marques de Souza Joaquina Marques 26-01-1757 livre legitimo 2Lbat RG
281
Manuel Pedro Ca[?] de Alcântara Josefa Ana de Andrade Padre Manuel da Cruz Gomes Escolástica Marques de Souza 17-02-1757 livre legitimo 3LBatRG
Corroído [---]Teixeira Apolinária de Souza Manuel Marques de Souza Teresa Maria 27-03-1757 livre legitimo 3LBatRG
José Francisco Machado Maria de Jesus Antonio Simões Maria Quitéria Marques de Souza 10-04-1757 livre legitimo 3LBatRG
Antonio Antonio Francisco dos Santos Mariana Felícia da Encarnação Padre Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 09-05-1757 livre legitimo 3LBatRG
Ana, mina - - Manuel Marques de Souza Ana de Azevedo 17-06-1757 escrava - 3LBatRG
Manuel Miguel Pereira Rita Bernarda Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 02-08-1757 livre legitimo 3LBatRG
Joaquim Simão Pereira de Souza Maria Josefa Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 11-08-1757 livre legitimo 3LBatRG
Rosaria incógnito Jacinta, mina Feliciano Antonio Marques Joaquina Marques 10-10-1757 escrava natural 3LBatRG
Maria Antão de Ávila Luzia Maria Manuel Marques de Souza Teresa Maria 29-05-1758 livre legitimo 3LBatRG
Francisca incógnito Joana, mina Manuel Marques de Souza Rosa Maria Seria 18-10-1758 escrava natural 3LBatRG
Giralda incógnito Ana, Angola Manuel Marques de Souza Escolástica Marques de Souza 18-10-1758 escrava natural 3LBatRG
Antonio Antonio Francisco dos Santos Mariana Felícia da Encarnação Padre Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 19-10-1758 livre legitimo 3LBatRG
Carlos Manuel Teles de Bitencourt Maria do Carmo Lemos Inácio Osório Escolástica Marques de Souza 09-11-1758 livre legitimo 3LBatRG
José Mateus Marques Bárbara Maria Feliciano Antonio Marques Rosa Maria Seria 25-12-1758 livre legitimo 3LBatRG
Manuel Jose Francisco Ana Maria Manuel Marques de Souza Maria Marques 04-02-1759 livre legitimo 3LBatRG
Antonio Silvestre de Moura Ribeiro Ana Gomes de Azevedo Manuel Jorge Maria Quitéria Marques de Souza 22-04-1759 livre legitimo 3LBatRG
Marta Manuel Teixeira Apolinária de Souza Manuel Marques de Souza Luzia Maria 27-05-1759 livre legitimo 3LBatRG
Antonia Manuel Correia Simões Josefa Mariana da Luz Antonio Jose de Moura Maria Quitéria Marques de Souza 06-10-1759 livre legitimo 4LBatRG
João Sebastião Gomes de Carvalho Eufrásia Maria de São Jose Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 24-10-1759 livre legitimo 4LBatRG
Manuel Caetano Furtado Custodia Pereira Antonio Jose de Moura Maria Quitéria Marques de Souza 11-02-1760 livre legitimo 4LBatRG
Francisca Carlos Teixeira Maria do Rosário Padre Manuel Marques de Souza Maria Quitéria Marques de Souza 08-03-1760 livre legitimo 4LBatRG
Domingos Pedro Pais de Figueiredo Maria Antonia Domingos Martins Pereira Maria Quitéria Marques de Souza 08-04-1760 livre legitimo 4LBatRG
Jose Jose Rodrigues Nicola Inês de Lima Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 23-06-1760 livre legitimo 4LBatRG
Rosa Antonio Jose de Brito Catarina de Sena Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 31-07-1760 livre natural 4LBatRG
Antonio Luis da Rocha Maria da Costa Antonio Ferreira Maria Quitéria Marques de Souza 05-04-1761 livre legitimo 4LBatRG
Antonio Antonio Correia da Silva Josefa Maria Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 10-03-1762 livre legitimo 4LBatRG
Maria Antonio Francisco dos Santos Maria Josefa Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 05-09-1762 livre legitimo 4LBatRG
Antonio Jose Francisco Ana Maria Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 11-09-1762 livre legitimo 4LBatRG
Isabel Cristóvão Ferreira de Carvalho Isabel de Jesus Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 06-12-1762 livre legitimo 4LBatRG
Ana Antonio Pinto da Costa Teodósia Marques Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 23-01-1763 livre legitimo 4LBatRG
David Jose Rodrigues Nicola Inês de Lima Padre Francisco de Lima Pinto Joaquina Marques 22-02-1763 livre legitimo 4LBatRG
Manuel Manuel Lourenço Maria Silveira Manuel Marques de Souza Úrsula Teresa 12-04-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel Francisco Luís Isabel Inácia Capitão Manuel Marques de Souza Joana Maria 24-05-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Gertrudes Constantino José Rodrigues de Lima Maria da Conceição Manuel Marques de Souza Mariana 12-05-1768 livre legitimo 1LBEstreito
282
Maria Antão Pereira Machado Joana Maria Manuel Marques de Souza - 13-05-1768 livre legitimo 1LBEstreito
Custódio Gonçalo José Luísa Inácia Manuel Marques de Souza - 15-07-1764 livre legitimo 1LBEstreito
Ana João Caetano Joana Maria Manuel Marques de Souza - 30-09-1764 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel Joaquim Pires Teresa de Jesus Manuel Marques de Souza Antônia Teresa 20-10-1776 livre legitimo 1LBEstreito
José Francisco de Souza Ana Alexandra Fernandes Manuel Marques de Souza Josefa Marques 15-05-1764 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel Francisco de Souza Ana Alexandra Fernandes Manuel Marques de Souza - 14-10-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Manuel - Maria do Rosário Manuel Marques de Souza - 14-10-1766 livre natural 1LBEstreito
Joaquina Francisco de Souza Ana Alexandra Fernandes Manuel Marques de Souza - 14-10-1766 livre legitimo 1LBEstreito
Felipe Francisco de Souza Rita Maria da Ressurreição Manuel Marques de Souza Páscoa Maria da Ressurreição 09-06-1773 livre legitimo 1LBEstreito
José Francisco da Rosa Quitéria Maria Antônio Pinto Carneiro Maria Quitéria Marques de Souza 03-07-1763 livre legitimo 2LBViamão
Bernardina Francisco da Rosa Quitéria Maria Manuel Fernandes de Castro Joaquina Marques 06-08-1765 livre legitimo 2LBViamão
Joaquim Alberto Soares Leonarda Francisca Reverendo Francisco Rodrigues Xavier Prates Joaquina Marques 21-09-1762 livre legitimo 2LBViamão
Angélica Antônio da Terra Catarina Josefa Manuel Bento da Rocha Joaquina Marques 26-01-1766 livre legitimo 2LBViamão
Antônio Bartolomeu Bueno da Silva Margarida da Silveira Capitão Antônio Pinto Carneiro Maria Quitéria Marques de Souza 04-04-1766 livre legitimo 2LBViamão
Luis Luís Teixeira da Silva Bernarda Rosa Ramos Francisco de Oliveira Coutinho Escolástica Marques de Souza 20-10-1766 livre legitimo 2LBViamão
Joaquina Antônio Fernandes da Fonseca Brízida Maria de Jesus Capitão Antônio Pinto Carneiro Joaquina Marques 26-09-1767 livre legitimo 2LBViamão
Escolástica Domingos Martins Ana Francisca de [---] Antonio Jose de Moura Escolástica Marques de Souza 09-07-1768 livre legitimo 2LBViamão
Escolástica Antônio Francisco de Abreu Rita da Conceição Francisco Martins de [---] Escolástica Marques de Souza 03-04-1769 livre legitimo 2LBViamão
Escolástica Antônio da Terra Catarina Josefa Manuel Fernandes de Castro Joaquina Marques 16-07-1769 livre legitimo 2LBViamão
283
Foram, no mínimo, cento e dezoito as vezes nas quais ao menos um dos membros
do casal ou um de seus filhos compareceram à pia batismal como padrinhos de crianças
nas localidades de Rio Grande, Estreito e Viamão entre os anos de 1738 e 1776. Mais
seriam se fossem encontrados os desaparecidos livros específicos de registros batismais de
escravos de Rio Grande, se alguns registros fragmentados e corroídos pudessem ser lidos
ou se fossem acrescidos os livros dos escravos de Viamão.
Se Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza foram pouco ecléticos ao
eleger os padrinhos de seus filhos, uma rápida passada de olhos no quadro acima colocado
demonstra a variedade de compadres que os convidaram a eles e a seus filhos para
padrinhos e madrinhas de suas crianças nessa localidade. Entre os compadres deste casal e
os de seus filhos, além das pessoas pertencentes ao seu estrato social, estão índios tape,
índios minuano, escravos, forros, agricultores açorianos e mais gente cuja procedência,
origem étnica, ocupação e posses não pode ser verificada. A família em questão era uma
das mais procuradas para o compadrio em Rio Grande. Deviam ter, portanto, algumas
qualidades que os tornavam desejáveis para esse tipo de relação. De algum modo, a
proximidade com os membros da família deveria favorecer seus compadres e afilhados.
Treze crianças nomeadamente indígenas foram batizadas por membros dessa
família. Todas elas num período em que ainda não vigoravam nem a Lei de Liberdades
nem Diretório dos Índios, que devolviam a liberdade que fora subtraída aos indígenas,
datados ambos de 1755. Ainda que nem sempre fosse expresso, instituição da
administração de indígenas por particulares ainda se fazia notar em Rio Grande. Apesar de
não poderem ser consideradas escravas por não haver nesses registros nada que vincule os
pais das crianças ao estado de escravidão, as afilhadas indígenas das famílias livres eram
usadas para suprir mão-de-obra nas unidades domésticas. Uma espécie de negociação feita
284
entre a sociedade indígena que se buscava atrair para a localidade e os lusos que ali
chegaram, utilizava-se o sacramento cristão do batismo como forma de aproximação.
Nove moças, das quais seis eram da etnia minuano, foram batizadas por Maria
Quitéria Marques e duas, também ditas minuano, por sua filha Ana Marques Vitorina,
nascida em Sacramento e ainda solteira quando desses batizados. Antônio Simões foi
colocado na segunda faixa de maiores proprietários de escravos na Vila por Queiroz.
Entretanto, a contagem foi feita a partir dos pais e crianças nomeadamente escravos nos
registros batismais. Se houvesse a possibilidade de fazer-se contagem diferente, ou seja,
que fossem contados aqueles que podiam estar submetidos a alguma forma de trabalho
compulsório, essa situação seria brutalmente alterada.
Se as afilhadas indígenas foram dadas a criar por Maria Quitéria Marques de
Souza e sua filha, como era costume, esse núcleo familiar saltaria de súbito para a primeira
faixa de utilizadores de mão-de-obra sem obrigação de pagamento sob seu mando. Sobre
esse costume, das moças indígenas serem dadas a criar por suas madrinhas, há o registro de
uma carta de um padre anônimo que se refere a um batismo coletivo ocorrido em outubro
de 1750, batismo para o qual não se encontra registro lançado nos livros de Rio Grande
nem neste ano nem no seguinte. Provavelmente por deslizes da memória, o padre referia-se
ao batismo coletivo ocorrido um ano antes, em setembro de 1749, e lançado no livro de
batismo de Rio Grande em dezembro do mesmo ano. Um bom indicativo de que possa ser
esse o motivo de diferença nas datas é que o anônimo cita a mediação de José Ladino, um
minuano catequizado e catequista, que falava o idioma dos minuano e também o espanhol,
sendo usado como língua no contato com os grupos que viviam nas imediações das
fortalezas e nas terras reais de Bojuru. Ladino tinha filhos incluídos nos batismos de 1749.
Também o padre Bento Pereira, presente como padrinho em alguns desses batizados de
1749, é dito pelo padre anônimo como sendo Bento Nogueira, o que autoriza uma certa
285
desconfiança para com a fidelidade às datas e nomes citados pelo anônimo. Entretanto,
acerca do costume, veja-se o que diz o anônimo:
Mas os Índios batizados, com suas mulheres, por conselho dos
Padres, foram servir a el –Rei nas terras do Boiuru, pertencentes à Coroa,
onde ganhavam o mesmo salário dos homens de trabalho, ficando as
moças índias ao cuidado de suas madrinhas para instruir e doutrinar.
Em outubro de 1750 celebraram-se os batismos dos índios
Minuanos, sendo seus padrinhos o mesmo Governador e todas as outras
pessoas importantes do Presídio. Os batizados, entre adultos e crianças,
foram pouco mais de 60 (Autor Anônimo, Catequese e Aldeamento dos
Minuanos - in: Cesar, 1988.: p.122).
O tema da incorporação dos indígenas à sociedade lusa nas terras sulinas foi
objeto da dissertação de mestrado de Elisa Frühauf Garcia (2003: pp.102-103). Essa
autora, entretanto, para a Vila do Rio Grande, não obteve mais sucesso na confirmação e
coleta de dados empíricos para o estudo das práticas de educação e catequese das moças
indígenas nessa localidade do que o que aqui acima está posto. De todo o modo, se as
moças minuano foram de fato deixadas sob a guarda de Maria Quitéria e Ana Marques, a
família possuía um séqüito feminino, do que decorre muito mais coisa, das quais algumas
passaram despercebidas a Garcia. A que aqui se pretende destacar é que, em uma região de
fronteira, sujeita a guerras e necessitada de gente para o seu povoamento, ter autoridade
sobre tantas moças que estão recebendo uma educação cristã, em uma localidade como
essa significa deter um tanto mais de poder e influência no mercado matrimonial da Vila.
As relações de compadrio, forneceram afilhadas – filhas espirituais – aos Souza Fernando,
aqui analisados através de Maria Quitéria Marques de Souza, seu marido e filhos, e
compadres entre os minuano que foram alocados na aldeia de Bojuru. Nunca é demais
lembrar que as famílias de migrantes açorianos, agricultores e camponeses em sua maioria,
que se destinaram a Rio Grande com seus filhos e filhas ainda por casar, somente
começaram a chegar em fins de 1749, e apenas a partir de 1752 ou 1753 seu peso começa a
fazer-se notar na população da Vila.
286
A família tinha, por seu prestígio e posição social, através de suas filhas, um
recurso inestimável para captar bons matrimônios. A Ilustração I demonstra a qualidade
dos maridos dos Souza Fernando expressa em seus títulos e patentes. Entretanto, não
somente de pessoas situadas no alto se compõe uma sociedade. Há gente de todos os
estatutos sociais e, através do recurso de tornarem-se madrinhas e preceptoras de moças,
ou ao menos das oito moças da etnia minuano, muito provavelmente eram colocadas Maria
Quitéria Marques de Souza e sua filha Ana Marques na posição de obter obséquios e
gratidão dos pretendentes às mesmas, a quem foi concedida a mão.
Através das meninas batizadas e educadas, os Souza Fernando acabavam por
exercer influência sobre setores sociais aos quais não pertenciam diretamente. Faziam,
portanto, ligações fortes através de elos de reciprocidade com os setores situados abaixo do
seu. Com isso, ainda que as moças tenham sido exploradas e usurpadas em sua força de
trabalho como retribuição à educação que lhes seria dada na casa de suas madrinhas, talvez
não seja a mão-de-obra a maior contribuição das afilhadas indígenas para o
enriquecimento, engrandecimento e prestígio de uma família que já tem posses. Um grande
número de homens da vila, soldados, agricultores, através dessa possibilidade de
matrimônio que lhes era dada pela descendência dos Souza Fernando, lhes deviam respeito
e gratidão, colocando-os como área de influência desta família. Convém lembrar aqui que
esta é uma sociedade na qual os bens, alguns deles os mais importantes para a vida e para a
sobrevivência, não eram todos obtidos no mercado. Existiam outros fatores que
influenciam a vida econômica para além do comprar e vender. Uma boa família só
conseguia manter-se acima das demais porque existem outras tantas situadas abaixo a lhes
dar sustentação.
Os batismos das moças indígenas, pensa-se aqui, era uma das formas de gerar
uma base social diversificada e cômoda. Cômoda porque amenizava a tensão social sempre
287
existente quando se obriga alguém ao trabalho ou quando se lhes acomoda no convívio em
uma situação subalterna que, nesse caso, fica devida, além da submissão ao trabalho, por
ser espiritualmente subalterna a posição de uma afilhada ante sua madrinha, já que
respeito, cuidado e gratidão são devidos àqueles que, de forma pia, as receberam em suas
casas, alimentaram, educaram, colocaram Deus em suas vidas e as inseriram no corpo da
cristandade.
Os grilhões da reciprocidade com os quais as futuras famílias de suas afilhadas se
vincularam aos Souza Fernando valeria a eles bem mais que anos de salário que pudessem
ser pagos a empregados ou jornaleiros. Muito mais porque dentre as moças tornadas noivas
e esposas provavelmente algumas seriam concedidas a pessoas que não pertenciam ao
mesmo nicho social de suas madrinhas. Através das mulheres da família e de suas novas
afilhadas, a influência, o prestigio e o aguardo do contradom – sempre esperado mas nunca
exigido – eram estendidos em reciprocidades entre desiguais, atingindo, portanto, um
espectro social muito mais amplo do que as boas famílias ali chegadas, que não trocaram
favores com gente de estatuto social diferente do seu. Se pelo costume do compadrio e do
mercado matrimonial seria impraticável trazer, através de seus filhos, gente dos estratos
inferiores para dentro do seu círculo de relações, através das afilhadas de origem social
diferente da sua, podiam atrair aliados espalhados por toda a pirâmide social.
Cabe ainda uma outra observação. Não é porque essas moças eram indígenas que
sua situação social era necessariamente muito inferior à dos seus padrinhos. Destaca-se
aqui a moça Faustina, afilhada de Maria Quitéria Marques de Souza e do Cabo Vilela.
Faustina era filha de Tacu, um dos chefes de grupos minuano que viviam na região. Os
Souza Fernando, assim, aliavam-se com gente do topo da hierarquia social própria dos
minuano.
Combinando essa sorte de relações com a cessão de moças ao matrimônio com
288
gente não pertencente à família ou aos estratos superiores da sociedade, têm-se com isso
que ampliavam a sua rede de relações e de influência tanto horizontalmente, se comparado
o prestígio e a posição social do chefe minuano que lhes dava uma filha para educar com o
da família que a recebia. Mas também ampliavam suas relações e influências verticalmente
nessa sociedade.
Tanto as moças quanto seus possíveis maridos estariam obrigados ao respeito e à
gratidão devidos pelos dons recebidos. Colocavam-se, portanto, na posição de devedores
de uma graça dada, no caso uma família a ser constituída e a inclusão das moças na
sociedade cristã. Os Souza Fernando, através de suas esposas e filhas, detinham um bem
muito cobiçado nessa sociedade, que não poderia ser comprado ou vendido, mas cujos
valores e benefícios trazidos eram inestimáveis tanto para quem recebia uma mulher
“livre”, cristã e casadoira, como para quem a concedia em casamento, ou ainda para quem,
ocupando posição de destaque na sociedade de origem, tal como o chefe Tacu, adentra as
relações de quem tem posição de destaque na sociedade que se implantava, sendo o inverso
também verdadeiro.
Para os Souza Fernando e para Antônio Simões, homens que se ocuparam das
atividades de preia de gado nas campanhas pra sua posterior comercialização, a aliança
com os minuano, os primeiros e mais aguerridos indígenas a dominarem esta vasta área de
campinas ricas em animais, era parte de sua fortuna, novamente dito aqui, imensurável e
impossível de quantificar em valores monetários. Os Souza Fernando, com essa sorte de
compadres e afilhadas, além de suas próprias descendentes, dominavam uma importante
fatia do mercado matrimonial da Vila do Rio Grande. Essas relações de compadrios e
apadrinhamento compunham, portanto, um patrimônio imaterial, intangível e não avaliável
em termos financeiros, mas certamente fundamentais nos termos da economia do dom
praticada nas sociedades de Antigo Regime.
289
Antes de encerrar as observações aqui cabíveis sobre esse assunto, um último
comentário acerca do que se divisa a partir disso: a sociedade lusa que se implantava ao sul
do Estado do Brasil se utilizava de diferentes mecanismos e instituições que concorriam
todos para um mesmo fim: a inclusão de parcelas minuano em seu corpo. Através das
relações de compadrio, a conquista de aliados nesse importante grupo que ao longo de todo
o século XVIII manteve sua relativa autonomia das parcelas européias. Através da criação
das afilhadas dessa etnia, a cristianização das moças e de sua prole, dando-as ao
casamento, o reforço, através da formação de famílias miscigenadas às alianças políticas
conquistadas com presentes e mimos. Através de contratos de trabalho remunerado, a
inclusão dos homens como mão-de-obra nas estâncias de cria de gado e, principalmente de
cavalos, como era Bojuru. Pode-se dizer, portanto, que a sociedade lusa, fortemente
hierarquizada e que primava por deixar claras as diferenças sociais era tudo, menos
excludente. Tratava, antes, de gerar mecanismos muito sutis para incluir novos membros
em seu corpo. Buscava, e esse é o assunto que concerne a esse estudo, através da
instituição Igreja e seus sacramentos e laços sacralizados, unir ao corpo social, usando de
um rito de iniciação como é o batismo – isso pode ser lido por qualquer sociedade que os
possua: atribuição de nome, recepção de um novo membro, geração de parentescos rituais
– novos e desejáveis membros. Muito mais do que ao apresamento forçado, a inclusão de
indígenas minuano foi feita com a utilização dessas sutilezas religiosas, das madrinhas, da
devoção de suas afilhadas.
Além da diversidade de compadres que convidaram os membros da família para o
compadrio, ficou evidente, na análise do quadro, o prematuro comparecimento dos
meninos e meninas da família como padrinhos nos rituais de batismo. As Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia estabeleciam critérios para que alguém pudesse se
tornar padrinho de outrem:
290
Conformados com a disposição do Santo Concílio Tridentino
mandamos, que no Batismo não haja mais que um só padrinho, e uma só
madrinha, e que se não admitam juntamente dois padrinhos, e duas
madrinhas; os quais padrinhos serão nomeados pelo pai, ou mãe ou
pessoa, a cujo cago estiver a criança; e sendo adulto, os que ele escolher.
E mandamos aos Párocos não tomem outros padrinhos senão aqueles, que
os sobreditos nomearem, e escolherem, sendo pessoas já batizadas, e o
padrinho não será menor de quatorze anos, e a madrinha de doze,
salvo especial licença nossa (Da Vide, Livro Primeiro, Tit. XVIII, § 64,
1707 - grifo meu).
Se calculada a idade de Manuel Marques de Souza, batizado logo após o
nascimento em 1743, quando de sua primeira aparição como padrinho, tem-se que batizou
seu primeiro afilhado em Rio Grande com dez anos, apenas. Essa também foi a idade da
primeira aparição como madrinha de sua irmã Escolástica. Feliciano batizou pela primeira
vez em Rio Grande com oito anos, acompanhando sua irmã Maria, de quatro anos de
idade, também “debutante” como madrinha. Joaquina, nascida entre Feliciano e Maria,
tinha cinco anos de idade quando batizou pela primeira vez. Fez par à pia com seu irmão
Manuel Marques de Souza. Frisa-se aqui que, por falta de dados acerca do compadrio
dessa família na Colônia do Sacramento, onde já haviam morado os pais e onde parte da
descendência de Nicolau de Souza Fernando ainda vivia, não é conclusiva a idade da
primeira aparição de Manuel Marques e de Teodósia. Estes podem ter batizado em
Sacramento algumas crianças, antes de surgirem como presença freqüente nas cerimônias
de batismo na Vila.
Contrariando, portanto, o disposto no livro que regulava a vida cristã no Estado do
Brasil, as crianças filhas de Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza, algumas
delas ainda inocentes, ficavam responsáveis pela salvação da alma, pela purgação do
pecado original, pela educação cristã e pela atribuição de nome a muitas crianças nessa
Vila. Isso não poderia ter sido feito sem intenção. Há algo, portanto, algo perceptível e que
demanda uma resposta que agora se tenta esboçar. Se essas relações tecidas à pia batismal
fazem parte do patrimônio de uma família, crê-se que se está assistindo a formação de um
291
legado em relações sociais aos filhos. Como o restante dos bens que serão repassados pelas
famílias por herança ou dote, esse patrimônio em alianças e relações também é repassado
dentro das famílias, e uma boa maneira de fazer isso é induzindo as crianças à situação de
padrinhos o mais cedo possível.
Imagine-se a aqui a menina Maria, com dezesseis anos de idade e um afilhado
com doze, a prestar-lhe respeito e obediência. Jovem e com ascendência sobre pessoas. Seu
primeiro afilhado era escravo do marido de Teodósia Marques de Souza, Antônio Pinto da
Costa. A menina madrinha realiza, no mínimo, dois tipos de intenção, ambas vinculadas à
ampliação da rede de relacionamentos socialmente desejáveis. A primeira, como
comentado no parágrafo anterior, a formação de um conjunto de compadres e afilhados que
serão, sacramentados pelos laços religiosos, seus aliados nessa vida e na próxima. A
segunda, a intensificação de uma relação que é de trabalho e de subordinação em outros
âmbitos da vida social.
O menino ingressa na família espiritual de seus padrinhos – ambos irmãos da
senhora da casa – em uma condição de débito: deve-lhes seu nome, deve-lhes o ingresso no
mundo cristão, deve-lhes o respeito e o auxílio, em troca de orientação religiosa. Para o
proprietário do menino Joaquim, um modo de reforçar a lealdade e pertencimento à família
através do compadrio e uma forma de elidir as normas sociais que constrangiam a venda
ou castigos, jogando esses laços, que são pessoais, a parentes colaterais e não diretamente
para si. Alinhavar, portanto, relações lançadas ao futuro, formar um pecúlio imaterial para
esses jovens, subjaz ao ato de torná-los disponíveis ao compadrio ainda em tenra idade.
Podendo parecer uma exceção, Feliciano e Maria Marques são exemplos de uma prática
recorrente na Vila. Lá se percebem outras tantas crianças de famílias de posição iniciarem
suas carreiras de madrinhas sem serem ainda confessadas ou ter deixado sua condição de
inocentes. A norma era clara e o costume a sobrepujava.
292
Para o menino escravo e sua mãe, também deveria haver vantagens nesse tipo de
relação, considerando que as opções ao compadrio nessa localidade não são ilimitadas, mas
não são tão poucas. Esses escravos teriam pessoas muito próximas aos seus senhores, em
igualdade de condições sócio-econômicas às deles, a interceder por suas questões. Podia
ser uma via para escapar da vala-comum de ser apenas “escravo de Antônio Pinto da
Costa” para ser, além disso, afilhado de Feliciano Antônio Marques de Souza e Maria
Marques. Pode parecer pouca coisa, mas em uma sociedade na qual seus partícipes eram
avaliados pelos coevos não apenas em relação ao que tinham, mas com quem estavam
vinculados, isso poderia gerar uma diferenciação social entre os escravos da Vila e mesmo
internas à escravaria de um mesmo proprietário. Para ser escravo, basta ser legalmente
privado da liberdade e submetido a regime compulsório de trabalho, com subordinação ao
senhor. Para ser afilhado ou compadre de alguém, há que passar por rituais que circundam
e antecedem o próprio batismo, desde o convite até o final da cerimônia
3
. Entende-se que,
ainda que não fosse condizente com as regras estabelecidas pela Igreja através das
Constituições Primeiras, essa situação de batismos levados a cabo por padrinhos jovens
era desejável para o bem comum. Atenuava tensões entre setores sociais em tese
antagônicos e, ao mesmo tempo, contribuía para a manutenção da hierarquia social,
delegando ascensão de uma parcela sobre outras.
3
Sobre alguns dos ritos sociais não estabelecidos pela Igreja nem pelas normas de administração
do batismo que antecedem o ato batismal propriamente dito, em sociedade contemporânea, há o trabalho da
antropóloga Françoise Zonabend, um dos textos inaugurais do estudo das relações e ritos de compadrio na
França, cf. ZONABEND, Françoise."La Parenté Babtismale a Minot (Côte-D'Or)". In: Annales. Histoire,
Sciences Sociales.v. 33 (3). 1978. Esse estudo indica que tais ritos, que remetem às antigas tradições cristãs
da localidade por ela estudada, eram práticas sociais derivadas de interpretações populares do próprio
sacramento e das obrigações mútuas dele derivados. Sendo a vida em sociedades de Antigo Regime
fortemente ritualizada em vários âmbitos, crê-se aqui, que muito principalmente nas questões que circundam
importantes atos vinculados aos sacramentos cristãos, também o fossem, ainda que não se conheça estudo
específico sobre as práticas e ritos populares de origem religiosa que antecediam o ato batismal no Brasil
Colonial.
293
Comentando, então, um outro aspecto bastante visível no quadro que traz os
afilhados desse núcleo familiar: há reiterada presença da parentela feminina sobrepujando
a presença masculina à pia batismal, sendo que para os últimos anos, fez-se a contagem
dos homens da família incluindo os genros maridos das filhas já casadas.
Aqui cabe uma breve discussão sobre a presença das mulheres de elite no período
colonial nos atos de batismo. O assunto foi tema de artigo de autoria de Renato Pinto
Venâncio, cuja idéia principal defendida é “a existência de uma valorização do recato
doméstico feminino e, por vezes, uma real obediência a ele” (Venâncio, 1986: p. 95).
Venâncio afirma que as mulheres da elite carioca “evitavam sair às ruas, até mesmo para
comparecer a cerimônias simples, como a de ser madrinha em um batizado” (idem: p. 96).
Sem entrar no mérito da afirmativa quanto a ser a cerimônia de batismo algo
simples, já que a complexidade da mesma foi demonstrada por Gudeman (1971; 1975),
Zonabend (1978) e Christinat (1976) entre outros, e o discutido aqui em capítulos
anteriores, o intento será tentar entender porque as mulheres dessa e de algumas outras
famílias de Rio Grande tinham comportamento tão distante do verificado por Venâncio em
período concomitante à parte de seu estudo, que abrange de 1750 a 1800.
As mulheres descendentes dos Souza Fernando compareciam sim, e muito, à pia
batismal, com ou sem o acompanhamento de seus maridos ou irmãos. Essas mulheres
foram madrinhas noventa e oito vezes nos cento e dezoito batismos arrolados, sendo que
nesses noventa e oito não estão computadas as vezes em que Rosa Maria Séria, filha de
Teodósia Maria, batizou. Se computada essa neta de Maria Quitéria, seriam cem vezes. Os
homens da família compareceram à pia batismal por trinta e cinco vezes; quarenta, se
incluídas as vezes que o genro Antônio Pinto da Costa fez par à pia com sua esposa, e
quarenta e três se computados os compadrios do Reverendo Padre quando também em par
com alguma das mulheres da família. Noventa e oito era o número mínimo de
294
comparecimento dessas mulheres diretamente vinculadas ao núcleo do casal Antônio
Simões e Maria Quitéria, contra as trinta e cinco vezes que compareceram os homens, o
que parece descartar a idéia de reclusão e não comparecimento às cerimônias batismais.
Com tudo o que foi dito aqui, fica evidente que eram mulheres pertencentes à elite
local. Entretanto, sua presença à pia batismal na condição de madrinhas de batizandos clara
e evidentemente ultrapassa a presença masculina nessa sorte de cerimônia. Tampouco se
crê que os homens da família eram descuidados da proteção e zelo para com suas
mulheres. Percebe-se através da “bifurcação” dos compadrios, durante os anos em que a
Vila do Rio Grande esteve sob domínio espanhol, que “esta fronteira do Rio Grande” —
como costumava o Padre Manuel Francisco da Silva anotar nos registros batismais do
Estreito — era área limítrofe e em contexto de guerra. Manuel Marques de Souza,
incorporado à força dos Dragões, permanecia na “fronteira”. As mulheres passaram a ser
madrinhas na localidade de Viamão, que nunca esteve sob ameaça espanhola direta.
Proteger mulheres e crianças, afastando-as da área de perigo, é atitude de zelo condizente
com quem prima pela preservação da família e de sua continuidade. Se o termo “recato” no
texto de Venâncio é usado no sentido de precaução para evitar dano, transtorno ou perigo
4
,
não há cuidado mais extremo do que o tomado pela família de Maria Quitéria Marques de
Souza. Ela e seus filhos e filhas mais jovens foram protegidos do risco que era
permanecerem em suas casas, na Vila do Rio Grande. Entretanto, se recato vem com o
sentido do que se oculta à vista
5
, não pode estar mais distante do que se encontra registrado
nos livros de batismo. As mulheres da família, assim como suas crianças, eram por demais
visíveis nesses registros. Protegidos, entretanto, com uma visibilidade imensa.
4
Conforme acepção 1 do verbete “recato”, in: HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss
da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Edição em CD.
5
Conforme acepção 3 do mesmo dicionário.
295
Tentando entender esta tamanha diferença entre o comportamento das mulheres
de famílias de elite do Rio de Janeiro e das mulheres descendentes dos Souza Fernando,
pensa-se na diferença de modos de vida entre as duas localidades. O Rio de Janeiro era
uma cidade já constituída, estava assumindo o posto de principal porto de comércio do
Império português na América e, a despeito das investidas francesas do início do século
XVIII, não se pode dizer que era um local de frágil defesa. Na década de 1750 havia
muitas fortificações e outras formas de proteção a ataques que usavam a costa, sua face
mais exposta, como via de acesso. O Rio de Janeiro era um dos pontos mais importantes do
conjunto de portos portugueses existentes pelo mundo.
A Vila do Rio Grande, por sua vez, em 1750 ainda era uma localidade nova, em
vias de construção. A igreja matriz teve sua obra concluída por esses anos e ainda estava
na memória de todos os dissabores experimentados pelos ataques à Colônia do Sacramento
entre 1735 e 1737. Natural seria pensar que nesse contexto de possibilidades de ataques e
revides de indígenas às propriedades rurais, de exposição direta ao inimigo espanhol quer
por mar, quer por terra, as famílias e, mui principalmente suas mulheres, deveriam estar
recolhidas ao lar, sem muito mostrar o rosto em locais amplos, inclusive pela situação de
carência de mulheres na localidade fundada por tropas militares, evidenciada na
correspondência das autoridades. Mais do que no contexto estudado por Venâncio, seria
concebível a essas famílias uma espécie de agorafobia no que tange às suas mulheres. De
forma diferente do Rio de Janeiro, em Rio Grande tudo ainda estava sendo construído. Não
apenas casas, prédios públicos, armazéns e instalações militares, mas as próprias famílias,
a economia, as escravarias, as unidades domésticas com a variedade de tipos sociais que
lhes compete, a agregação de pessoas e, principalmente, as relações pessoais mais sólidas e
duráveis. Uma maneira de adquiri-las e consolidá-las, pelo que até aqui foi visto, era
296
através da participação em cerimônias religiosas, dentre as quais é destacado o batismo e
as relações a ele subjacentes.
Tornar-se padrinho ou madrinha, compadre ou comadre, afilhado ou afilhada era
estabelecer vínculo para além da vida terrena. Era contrair laços que disputas, discórdias,
maledicências, brigas e guerras não podiam romper. Considerando que boa parte dos
homens necessitavam ausentar-se com freqüência ou sazonalmente da localidade por suas
atividades, as mulheres tomavam conta da vida em suas unidades domésticas. Quer
militares, quer vinculados às condutas e comércio de tropas de animais ou mesmo
engajados nas muitas tentativas de aliciar indígenas ou demarcar e vigiar as fronteiras, os
homens se ausentavam amiúde. Ainda que fossem nomeadamente os chefes das famílias,
estas permaneceriam acéfalas se outras pessoas não assumissem “interinamente” o posto
de administradores dessas unidades domésticas, econômicas e sociais. Antônio Simões
ausentava-se por seu vínculo com as condutas e comércio de tropas. Manuel Marques de
Souza distanciou-se das mulheres da família, sua mãe e suas irmãs, por ser militar
destacado para a fronteira em guerra.
Não é remota a possibilidade de que muitas das suas mulheres se incumbiam das
tarefas de administração das suas famílias por períodos relativamente longos. Correlatas a
essas tarefas também estariam o fato de fazer-se presente em cerimônias de batismo. Ainda
que os laços sagrados entre compadres e entre padrinhos e afilhados fosse pessoal, não
recaindo sobre os cônjuges de quem apadrinha ou amadrinha uma criança, as famílias eram
grupos de pertencimento importantes e primavam por isso. O afilhado e o laço sagrado do
compadrio eram de responsabilidade pessoal, mas as obrigações mundanas podiam ser
estendidas às famílias, gerando relações que eram capitalizadas por essa organização
social. As mulheres faziam-se visíveis por serem membros de um corpo com bastante
coesão, que necessitava da reiterada aparição pública e de manifestações de seu prestigio e
297
de sua influência. Com essa visibilidade, a despeito de qualquer intenção de recato no
sentido de recolhimento ao lar, tornaram-se pessoas públicas, talvez quase tanto quanto a
parcela masculina da família e, acostumados a vê-las e tê-las em cerimônias e festividades
na paróquia, não deveria haver muitos constrangimentos em convidá-las para madrinhas de
uma criança sem que o convite fosse estendido a seus maridos ou filhos.
Um outro motivo perceptível nos muitos registros batismais da vila, haja vista o
exemplo da menina Violante, citado em capítulo anterior, que ocorria principalmente nas
famílias sem maiores destaques na sociedade, é a existência de um padrinho pertencente à
família e uma madrinha externa a ela. O padrinho, portanto, de condição social semelhante
a dos pais das crianças, e a madrinha, com condição social superior a dos pais do
batizando. Pensa-se isso ser explicado pela própria situação de inconstância na paz. Essa
era uma localidade na qual muitos dos habitantes, fossem eles indígenas, africanos, lusos,
luso-brasileiros, espanhóis, hispano-americanos, se viram, de uma hora para a outra, sob
ameaça de ataques, seqüestro ou aprisionamento. A guerra, se por um lado provoca a
destruição, por outro constrói algo muito forte: a oposição entre “nós” e “eles”. Em uma
situação de emergência, o padrinho – pai espiritual da criança – também se encarregaria
dos deveres mundanos de um pai: prover o alimento e demais necessidades de uma
criança. Confiar esses cuidados ao tio, avô ou irmão mais velho do batizando parece uma
decisão muito sábia, pois os elos mundanos, dados pelo parentesco consangüíneo, seriam
reforçados no parentesco espiritual. Já aos deveres da madrinha poderiam ser acrescidos os
deveres de uma mãe carnal: cuidar para que estejam dignamente vestidos, que façam suas
orações, que freqüentem as missas e outros ofícios religiosos, investigar os pretendentes,
travar relações com suas famílias, fazer o papel de casamenteiras para seus afilhados,
interceder por eles junto às suas comadres e seus compadres – gente de seu mesmo estatuto
298
social ou superior – por uma mercê, por um consentimento de casamento, por relevar faltas
leves, por um serviço, por um cargo, por uma inclusão nos contingentes militares.
Também é visível um outro padrão, muito usado por famílias melhor situadas
social e economicamente. Visível na descendência de Antônio Furtado de Mendonça, as
madrinhas são todas pertencentes ao núcleo familiar, enquanto alguns padrinhos são
buscados fora da família. A intenção é clara: o cuidado diário das crianças é
responsabilidade das mulheres e o compadrio pelo lado masculino busca novas alianças ou
reforço dos elos que já existiam em outros âmbitos da vida, no caso dessa família, relações
de comércio e exercício do poder na Câmara ou em outras áreas do poder, como os
Juizados e forças da Companhia das Ordenanças.
Nesse contexto de incertezas e inseguranças, sobretudo as que expunham a
existência física das crianças, não se podia sempre investir todas as possibilidades de
relações pessoais e familiares em uma única direção. Muitas vezes, portanto, o compadrio
tinha um outro sentido, apresentando uma tendência a internalizar e reiterar laços
familiares já existentes, oriundos dos casamentos ou de compadrios anteriores. Ao que
tudo indica, os habitantes de Rio Grande eram por demais cientes da necessidade de gerar
elos pessoais e familiares fortes, com os quais pudessem contar em momentos de extrema
dificuldade. As madrinhas pertencentes à esfera sobrenatural, as Nossas Senhoras e as
Santas Anãs, são muito raras nesse período sob estudo, ao passo que no quinto livro de
registros de batismos de Rio Grande, após a devolução da Vila ao domínio luso sob novos
pactos de paz, passa a ocorrer com maior freqüência. Em uma conjuntura de fragilidade de
paz e de risco de morte para as crianças, foram amiúde privilegiados padrinhos e
madrinhas com existência real e terrena. Com um apaziguamento mais perene, os elos com
o mundo sagrado, com as santas e protetores de características divinas, podia tornar-se
mais freqüente.
299
Ainda sobre as mulheres dessa família, é curioso notar que, ainda que geralmente
quando há a falta de um dos padrinhos em Rio Grande, é a madrinha quem está ausente,
concordando, aí sim, com o dito por Venâncio. Entretanto, Maria Quitéria Marques de
Souza é um dos raríssimos casos em que há madrinha mas não há padrinho. Veja-se os
casos de Sofia, índia minuano, no qual homem nenhum acompanhou Maria Quitéria no
ritual, configurando um extremamente raro caso de “padrinho ausente”. Em se tratando de
um batismo coletivo, com dificuldades de compreensão da língua dos indígenas pelo padre,
como foi dito na ata dos mesmos:
e dos homens foram os mesmos padrinhos de muitos e não pude fazer
este termo com mais clareza por lhe não entender a língua ainda se lhe
fez a diligência (ADPRG - 1LBatRG - 1738-1753 - Lançamento do rol
dos batizados celebrados a 08/09/1749, )
aventa-se a possibilidade de tratar-se de uma omissão involuntária. Entretanto, diferente
dos registros de batismo das crianças de famílias mais abastadas, não foi corrigido a
posteriori, podendo ser, também, o que de fato ocorreu naquele dia. Desse modo, esse
batismo fica aqui colocado apenas como demonstração de que a variedade de combinações
do conjunto presente na pia batismal e as variações no seus registros são muitas. Sendo
feitas generalizações a partir dos padrões mais recorrentes, esses não podem apagar as
especificidades encontradas. Essas também existiam e faziam parte das possibilidades na
vida dos habitantes da Vila do Rio Grande, assim como mulheres que compareciam às
cerimônias batismais para amadrinhar uma criança muito mais que seus filhos ou maridos.
Para não alongar mais a análise acerca desse casal e sua descendência, passa-se
agora ao casal Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira, sendo ela filha de
Antônio de Souza Fernando e Apolônia de Oliveira. Como muitos dos aspectos
perceptíveis nos compadrios e nos casamentos desse ramo dos Souza Fernando foram
300
comentados quando da análise de Antônio Simões e Maria Quitéria e sua descendência,
isso será feito de modo mais sucinto.
1.2. Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de
Oliveira
O casal Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira une os Souza
Fernando aos “paulistas”, descendentes de Francisco de Brito Peixoto, o conquistador e
fundador da Laguna. Também através desse casal as duas formas de conquista, ocupação
de territórios e colonização que se deram no extremo-sul (Prado, 2002: p. 44), se unem em
matrimônio.
Da descendência dos paulistas vêm as práticas bastante elaboradas de avançarem
de herança, matrimônio e migração para as fronteiras abertas a cada mostra de limitação
dos recursos para a sobrevivência, tanto nos termos básicos de bens necessários para um
mínimo de conforto como para sobrevivência como parcela da elite “paulista”, o que eram
(Metcalf, 1983: p. 189; Metcalf, 1992). Francisco Pinto Bandeira, nascido na Laguna,
migrou para o sul juntamente com seus tios maternos, os quais, em grande medida,
situaram suas moradias em Viamão e nas imediações do Caminho das Tropas (Hameister,
2002). Já Clara Maria de Oliveira, nascida na Colônia do Sacramento, foi uma das
primeiras moradoras da Vila do Rio Grande, tendo migrado para lá juntamente com seus
pais após os ataques espanhóis de 1735-1737. Fazia parte dos intentos oficiais de conquista
e povoação da Coroa que se levassem casais da Península e das Ilhas dos Açores e Madeira
para as localidades ainda sob processo de conquista, para que promovessem a agricultura,
os serviços artesanais e, com suas filhas disponíveis ao casamento, um mercado
matrimonial efetivo, que fixasse os conquistadores e os soldados nas localidades
granjeadas para a Coroa.
301
Ilustração 9 - Ascendência e Descendência de Francisco Pinto Bandeira (simplificado)
Fontes: Rheigantz, 1977, Cabral, 1976, AHCMPA – Livros 1 e 2 de Batismos de Viamão, ADPRG – Livros 1, 2, 3 e 4 de Batismos de Rio Grande, Leme, 2002, Leme, 2006
302
Dona Clara, assim como Francisco Pinto Bandeira, figuram como padrinhos de
crianças já nos primeiros assentos de batismos de Rio Grande, o que comprova sua
chegada entre os “primeiros da povoação”, como seria anotado em tempos posteriores pelo
pároco Manuel Francisco da Silva, como forma de distingui-los dos que chegaram depois,
principalmente dos imigrantes açorianos que começaram a se estabelecer na localidade na
década de 1750. Vejam-se os filhos nascidos no Continente do Rio Grande de São Pedro:
Quadro IX – Filhos de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira
Criança Padrinho Tit Madrinha data Fonte
Rafael Diogo Osório Cardoso coronel Eufrásia Maria de São José 04-01-1741 1LbatRG
Desidéria 01-09-1743 1LBatRG
Maurícia 1744* Rheingantz
Evaristo Manuel Luís Vergueiro pároco Nossa Senhora da Conceição 06-12-1749 1LBatViamão
Felisberto José Carlos da Silva padre Teresa Gracia de Jesus 08-12-1753 1LBatViamão
José José Carlos da Silva padre Felícia Maria de Oliveira 20-05-1760 2LBatViamão
Francisca Antônio José Pinto Felícia Maria de Oliveira 04-6-1762 2LBatViamão
*Não foi localizado o registro de batismo, podendo estar entre os muitos danificados pela ação do tempo e insetos
Poucos comentários acerca dos padrinhos das crianças. Em termos de escolha
feita, ela pouco difere dos padrinhos dos filhos de Antônio Simões e Maria Quitéria. O
padrinho de Rafael, anotado pelo pároco como sendo coronel, era também o Comandante
do Continente do Rio Grande de São Pedro. Amiúde chamado e tratado por Governador
tanto nos registros paroquiais como na correspondência oficial trocada com demais
autoridades. Desidéria foi batizada em casa e não foram dados padrinhos. De Maurícia não
foi localizado o registro, podendo ter sido um dos tantos que se perderam por ação do
tempo e dos insetos. Evaristo Pinto Bandeira tinha por padrinho o pároco Manuel Luís
Vergueiro. Esse padre, além das suas atribuições religiosas, era também condutor de tropas
de animais nos caminhos dos sertões, fazendo o comércio de gados e cavalgaduras. Com
bastante freqüência, ausentava-se para São Paulo nessa sua segunda e provavelmente mais
lucrativa atividade (ADPRG – Auto de Denúncia que mandou fazer O Reverendo Vigário
José Carlos da Silva) O padrinho de Antônia agregou-se à família através do casamento
303
com Felícia Antônia de Oliveira. Esta, juntamente com Eufrásia Maria, era também
descendente dos Souza Fernando. Teresa Gracia de Jesus, ainda que não se possua certeza
quanto à sua identidade, é possivelmente a mesma Teresa de Jesus, filha de Dionísio
Rodrigues Mendes e Beatriz Barbosa, com quem a família Pinto Bandeira guardava
distante parentesco, ou ainda Teresa, filha de Antônio de Souza Fernando. Nessa família
também há o compadrio com ente místico, invocando a proteção de Nossa Senhora da
Conceição, padroeira da Capela de Viamão. Provavelmente promessa feita e cumprida para
a proteção no parto, como foi visto por Renato Pinto Venâncio (Venâncio, 1986: p.97), já
que o ato de dar a luz era o maior responsável pela morte de mulheres em idade fértil,
assim como um momento de muito risco para a criança que vinha ao mundo. Para esses
casos, as Constituições Primeiras estabeleciam, inclusive, instruções e treinamentos para
que as parteiras pudessem ministrar o sacramento do batismo em situação de emergência
no melhor cumprimento das exigências da Igreja (Da Vide, Título XVI, § 62, 1707).
Nesses compadrios de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira estão
as características básicas do mesmo tipo de relação firmada à pia batismal por seus
parentes Antônio Simões e Maria Quitéria: pessoas do mesmo estatuto social ou superior
convidadas para padrinhos. As madrinhas majoritariamente pertencentes à família e
homens com posição de destaque, não pertencentes a ela. Reiteravam, por meio dos laços
sagrados com essas mulheres pertencentes à família, alianças pregressas contraídas ao
matrimônio ou de laços de parentesco consangüíneo. Além de cunhadas, tornavam-se co-
mães das crianças e irmanavam-se em espírito aos seus cunhados.
Através do compadrio com os homens, reiteravam também alianças outras, tais
como o companheirismo e pertencimento ao corpo dos comerciantes de tropas de animais,
atividade também exercida por Francisco Pinto Bandeira e pelo padre Manoel Vergueiros,
antigo pároco de Viamão. Ainda que não existisse uma corporação comercial formalmente
304
constituída no Continente do Rio Grande de São Pedro — e não se tem informações sobre
a formação de uma Irmandade religiosa que os aglutinasse em específico —, os praticantes
de certas atividades, na sociedade de Antigo Regime, comportavam-se e pensavam-se
como um corpo, legitimados pela idéia corporativa que permeava toda a sociedade
originada na filosofia aristotélica à luz da filosofia escolástica.
... possuíam uma idéia de economia bastante distinta da que
vulgarmente utilizamos hoje. Não havia
uma economia, mas uma
pluralidade de “economias”, na acepção de que nos falava Bluteau: era a
arte ou ciência “...que ensina o governo e regimento particular da casa,
família, mulher, criados e administração da fazenda.” De um modo
geral, esta noção de economia, mais exatamente de “oikonomia”,
prevaleceu durante toda a idade moderna. Por casa se podia entender,
inclusive, o Reino, do qual o Rei era o grande pater familias, sendo a
analogia entre rei, senhor e pai amplamente difundida. Da mesma forma,
uma irmandade ou corporação era entendida como uma espécie de
família, com sua jurisdição, direitos e obrigações próprios dos irmãos
(Gil, 2005 - grifo e itálicos do autor).
Segundo Bartolomé Clavero, dom e contradom, ou a reciprocidade antidoral são
fundamentais para a existência e legitimação desses corpos, instituindo-lhes as obrigações
da dádiva como espinha dorsal e parâmetro para todas as medidas
Sabemos as maneiras que articulavam à família em sua
diversidade de espécies, das menos às mais artificiais, todas naturais: a
reverência e o obséquio, a correspondência e a amizade. Têm sido uma
referência contínua e pacífica de nossa doutrina. Suas trocas brindavam a
melhor ilustração, os exemplos mais inteligíveis para ao mesmo
tratamento da economia menos natural do tráfico de dinheiro.
Representava uma profundidade social mais subentendida do que
explicada. Oferecia o modelo da antidora. Era a economia que todos
conheciam, mas a qual poucos lhe davam um nome e ninguém realmente,
com distinção e suficiência, um tratamento (Clavero, 1991: p. 161).
Se não possuíam por certo uma corporação e possivelmente não havia uma
irmandade específica no Continente que os irmanassem sob o auspício da religião católica,
nem por essa falta ficavam sem derramar a graça divina sobre essas relações mundanas e,
de certo modo, depreciativas. Provavelmente faziam isso também através das relações de
compadrio, quando membros de um mesmo corpo, no caso criadores e comerciantes de
305
tropas, se irmanavam espiritualmente ao contrair o parentesco ritualizado à pia batismal,
elevando-as, portanto, de mundanas e depreciativas, à esfera das relações especialmente
abençoadas por Deus e com direitos e deveres mútuos semelhantes à dos irmãos por
parentesco carnal.
Parece ter sido utilizado também para os praticantes das atividades castrenses, já
que Francisco Pinto Bandeira era tenente quando do nascimento de seu filho Rafael e
subordinado ao coronel governador Diogo Osório Cardoso, seu compadre. Não era
incomum membros do Corpo de Dragões servirem como padrinhos ou testemunhas de
autos matrimoniais e atividades pregressas de seus subordinados ou companheiros de
armas (AHCMPA- Autos Matrimoniais - 1756-1769).
Dos outros padrinhos, vê-se que o padre José Carlos da Silva é o mesmo que já
havia sido vigário de Rio Grande, conhecido de longa data dos Souza Fernando e de
Francisco Pinto Bandeira. Com esses também compartilhava a posição de sesmeiro nas
terras de Viamão. Era a autoridade religiosa, moral e ética que adentrava à família
espiritual dos Pinto Bandeira, que no mundo terreno também compartilhava certas
qualidades e posses que o aproximava destas famílias bem situadas. Passa-se às
observações que podem ser feitas acerca dos afilhados e escravos da família de Francisco
Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira, a partir dos quadros postos a seguir.
306
Quadro X – Afilhados da família de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira
Criança Pai Mãe tit p Padrinho Madrinha data Estatuto situação fonte
Alexandre José Rodrigues Nicola Inês de Lima ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 08-12-1738 livre legítimo 1LBatRG
Luís Zeferino Sebastião Gomes de Carvalho Eufrásia Maria de São José coronel Diogo Osório Cardoso Clara Maria de Oliveira 05-09-1740 livre legítimo 1LBatRG
Inocência Sivestre Domingues Antônia Pereira ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Maria de Oliveira 14-04-1741 livre legítimo 1LBatRG
Maria Bartolomeu Gonçalves de Magalhães Francisca Teresa de Jesus Francisco Manuel de Souza Távora
Clara Maria de Oliveira 25-12-1747 livre legítimo 1LBatViamão
Manuel Francisco Manuel de Souza Teresa Antônia ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Felícia Maria 21-01-1751 livre legítimo 1LBatViamão
Gertrudes Bernardo [_] Joana Dias Vieira ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 12-04-1751 livre legítimo 1LBatViamão
Francisco José Pinto Bandeira Bernarda Gonçalves Rafael Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 05-04-1752 livre legítimo 1LBatViamão
Ricardo Bartolomeu Gonçalves de Magalhães Francisca Teresa de Jesus ten. dragões Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 13-08-1752 livre legítimo 1LBatViamão
Ana Manuel Dias, pardo forro Rosa Maria, índia Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 31-05-1751 livre legítimo 1LBatViamão
Josefa Bernardo Pinto Bandeira Maria Sancha licenciado José Vasconcelos Clara Maria de Oliveira 16-08-1753 livre legítimo 1LBatViamão
Inácia Martinho Correia Garcia Ana Maria Rafael Pinto Bandeira 27-12-1753 pardo for. legítimo 1LBatViamão
Maria Miguel Fernandes Maria Mendes Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 29-03-1755 livre legítimo 1LBatViamão
José Manuel Duarte do Amaral Rosa Rosa Maria Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 30-03-1758 livre legítimo 1LBatViamão
Ana Bartolomeu Bueno da Silva Margarida da Silveira capitão Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 23-09-1759 livre legítimo 2LBatViamão
Pedro Manuel Duarte do Amaral Rosa Rosa Maria Antônio José Pinto Desidéria Maria Bandeira 24-07-1760 livre legítimo 2LBatViamão
Antônio Antônio José Pinto Felícia Maria de Oliveira Rafael Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 15-08-1760 livre legítimo 2LBatViamão
Maria Bartolomeu Antônio Francisco Pinto Bandeira Clara Maria de Oliveira 09-05-1762 livre legítimo 3LBatRG
Joaquim Bartolomeu Bueno da Silva Margarida da Silveira Rafael Pinto Bandeira Desidéria Maria Bandeira 05-06-1762 livre legítimo 2LBatViamão
Gertrudes Francisco Álvares Maria da Silva Rafael Pinto Bandeira Bernarda Gonçalves 21-09-1762 livre legítimo 2LBatViamão
Pedro José Garcia de Morais Teresa de Jesus Custódio Ferreira Desidéria Maria Bandeira 26-01-1764 livre legítimo 2LBatViamão
Francisco José de Souza Bárbara Maria capitão Francisco Pinto Bandeira Maria de Jesus 03-04-1764 livre legítimo 1LBatEstreito
Venâncio Luís Antônio Narcisa do Espírito Santo capitão Francisco Pinto Bandeira Genoveva Maria do Livramento 19-08-1764 livre legítimo 1LBatEstreito
João Francisco Ferreira Jardim Ana do Sacramento capitão Francisco Pinto Bandeira Genoveva Maria do Livramento 01-10-1764 livre legítimo 1LBatEstreito
Jacinta Pascoal de Souza Maria do Sacramento capitão Francisco Pinto Bandeira Maria Bárbara ??-09-1765 livre legítimo 1LBatEstreito
Hilário Antônio José da Silva Quitéria Maria da Ressurreição capitão Francisco Pinto Bandeira Páscoa Maria da Ressurreição 01-03-1765 livre legítimo 1LBatEstreito
307
Maria incógnito Maria de Jesus Felisberto Pinto Bandeira Bárbara de Souza 16-06-1765 livre legítimo 1LBatEstreito
Ricarda Francisco de Oliveira Maria da Silva Bernardo José Pereira Clara Maria de Oliveira 13-11-1765 livre legítimo 2LBatViamão
Felizarda João Carvalho Francês Lourença Antônia Francisco Pinto Bandeira Rita da [---] 03-03-1766 livre legítimo 1LBatEstreito
Eufrásia Antônio José da Silva Quitéria Maria da Ressurreição coronel Francisco Pinto Bandeira Úrsula Teresa Fernandes 13-02-1777 livre legítimo 1LBatEstreito
Ezequiel incógnito incógnita coronel Rafael Pinto Bandeira 22-07-1779 livre exposto 1LBatEstreito
Quadro XI – Batizados de escravos de Francisco Pinto Bandeira
batizando pai mãe padrinho Proprietário pd madrinha proprietário md fonte data
José Antônio de Souza Fernando Maria de Oliveira 1LBatRG 03/08/1738
João, Cabo Verde Antônio de Souza Fernando Teresa de Jesus 1LBatRG 18-09-1740
Quitéria Manuel Josefa legítimo Manuel de Souza Teresa de Jesus 1LBatRG 01-09-1743
Jacinto
Bartolomeu Sanches,
mameluco
Antônia Tapanhuma legítimo Antônio de Souza Fernando Maria de Oliveira 1LBatViamão 08-12-1747
Quitéria Antônio Tapanhuma Maria Tapanhuma legítimo Sebastião Tapanhuma Cristóvão da Costa Freire Teresa Tapanhuma Cristóvão da Costa Freire 1LBatViamão 08-12-1747
Anastácia Manuel Tapanhuma Josefa Tapahuma legítimo Antônio Tapanhuma Francisco Pinto Bandeira Maria Tapanhuma Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 23-06-1748
Maria Antônio, guiné Isabel, guiné legítimo João, guiné Francisco Pinto Bandeira Maria, guiné Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 06-03-1749
Manuel Manuel de Souza Silveira Ana Silveira natural Francisco Manuel de Souza Eufrásia de Ribeiro forro 1LBatViamão 25-07-1750
Vitorino Mateus Josefa legítimo Casemiro Pinto Bandeira Mariana, mulata 1LBatViamão 26-12-1750
Florência Antônio Maria legítimo Sebastião Cristóvão da Costa Freire Teresa Cristóvão da Costa Freire 1LBatViamão 20-10-1749
Jerônima, mulata incógnito Engrácia natural Jacinto Mateus Dona Isabel Francisca 1LBatViamão 28-08-1752
Marta Manuel da Silva Pinto Josefa Pinta legítimo Luís José Rodrigues Prates Maria Rodrigues José Rodrigues Prates 1LBatViamão 16-10-1752
Tomásia Antônio Maria da Silva legítimo Domingos Bamba Domingos Gomes Ribeiro Gracia Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 14-01-1753
Inácia
Martinho, pardo forro
escravo
A
na Maria, parda
forra escrava
legítimo Rafael Pinto Bandeira 1LBatViamão 27/12/1753
Luciana, crioula João Baracu Gracia Benguela legítimo José Gracia Francisco Pinto Bandeira 1LBatViamão 14-04-1754
Felipe Manuel Josefa legítimo Francisco João de Macedo Maria Padre Tomás Clarque 1LBatViamão 27-10-1754
Maria João Cabaru Gracia Angola legítimo Antônio, forro Maria, tape 1LBatViamão 12-05-1758
Nazario, pardo Martinho, parda Ana Silveira, parda legítimo Estevão da Silva Conde Maria da Encarnação pardo 1LBatViamão 12-09-1756
Damásio Manuel Josefa legítimo Ventura, solteiro Rosa, casada 1LBatViamão 26-12-1756
308
A família de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira compareceu
menor número de vezes à pia batismal na qualidade de padrinhos de crianças. Trinta vezes
puderam ser computadas no mesmo lapso de tempo em que seus parentes, o casal Antônio
Simões e Maria Quitéria, compareceram mais de uma centena de vezes.
A diversidade social de seus compadres é menos expressiva. Existem pessoas
pertencentes a todos os setores sociais, mas em menor medida. Nos livros de batismos
consultados para esse estudo pessoas nomeadamente indígenas não foram encontrados com
a mesma profusão com que foram vistos nos registros do casal anterior. Isso não quer dizer
que não houvesse. Há escravos, há índios, há pardos forros. Há casais de açorianos, como
Pascoal de Souza e Maria do Sacramento, pais da menina Jacinta. Há pobres e ricos. Mas
com menos representantes em cada um desses grupos sociais, ficando os parentes.
As mulheres vinculadas aos Pinto Bandeira compareceram em menor medida
sozinhas à pia. Com muita freqüência formavam par com seus pais, irmãos ou maridos e
raramente com alguém alheio à família. Clara Maria de Oliveira foi à pia batismal em
companhia de Diogo Osório Cardoso que, mesmo sem pertencer à família consangüínea ou
afim, apresentava uma ligação mais forte com o casal: este batizado aconteceu em
setembro de 1740, e em janeiro do ano seguinte Diogo Osório Cardoso estaria novamente
com essa família à pia batismal, dessa vez para o batismo do primogênito Rafael. A criança
batizada por Dona Clara Maria de Oliveira e pelo coronel comandante Diogo Osório
Cardoso era da descendência dos Souza Fernando, um sobrinho de Dona Clara, filho de
sua irmã Eufrásia e do cirurgião-mor do presídio Sebastião Gomes de Carvalho.
Rafael Pinto Bandeira, a exemplo de seu primo Manuel Marques de Souza, fez
sua primeira aparição como padrinho antes da idade determinada pelas Constituições
Primeiras e seu primeiro afilhado foi criança da família. Desidéria teve como primeira
afilhada uma menina forra, filha de índia com um pardo forro – o que não significa
309
exatamente uma ascendência africana, pois o termo era usado também para designar
índios. De um modo geral, essas identidades indígenas estão mais ocultas nos registros
batismais de Viamão do que em Rio Grande, talvez porque boa parte dos primeiros
povoadores de Viamão também tivessem ascendência indígena.
Ainda que se perceba a clara intenção, nos batismos dos filhos de Francisco Pinto
Bandeira e Clara Maria de Oliveira, de estreitar os laços existentes entre essas duas
famílias, não se pode deixar de notar que os convites que receberam os membros dessa
família ampliam a sua esfera de influência. Alguns casais de açorianos, os migrantes que
“chegaram depois do início do povoamento”, estão incluídos como compadres. Também a
crença na perenidade ou, ao menos, na longevidade dessas relações, é percebida quando
sabemos, dada a posição privilegiada do historiador que vê os registros com uma grande
distância no tempo, que o primeiro afilhado de Francisco Pinto Bandeira e Clara Maria de
Oliveira na localidade de Rio Grande terá vínculo por parentesco afim com esta família.
A filha bastarda “minuano” de Rafael Pinto Bandeira encontrou casamento nessa
família décadas depois, vindo a desposar um irmão do menino Alexandre, dando origem,
segundo Aurélio Porto, aos Rodrigues Lima, família de importância no Rio Grande do Sul
(Porto, 1946: p. 66). Os laços de compadrio serviam, portanto, não somente para fortalecer
alianças antigas; também serviam para lançar alicerce para novas alianças que podiam
ampliar o leque de opções futuras para aproximações, fossem essas nos negócios, nos
matrimônios ou em outros âmbitos da vida. Se iam ou não render frutos, era-lhes
impossível dizer, mas podiam investir em relações novas, geradas em seus novos locais de
moradia, tentando fazer com que a vida futura tivesse a alternativa de tornar-se melhor.
Com os compadrios constituíam e investiam nessa sorte de bens que não são materiais,
mas podem consubstanciar-se em favores e dádivas que influenciam no bem estar material
e pessoal.
310
Colocaram-se aqui também os batismos dos escravos dessa família por acharem-
se ali certas ocorrências que merecem atenção. Todos os escravos encontrados nos livros
de batismo que serviram de base para este estudo pertenciam a Francisco Pinto Bandeira.
Nem sua mulher nem seus filhos possuíam, a esse tempo, escravos registrados nesses
livros batismais como sendo seus. Segundo Fábio Kühn (2001), Francisco Pinto Bandeira
era o maior proprietário de escravos no Continente do Rio Grande de São Pedro no ano de
1751, o que demonstra que tinha uma capacidade para a acumulação bastante grande,
revertida na mão-de-obra adquirida no mercado escravista bem como em possibilitar um
mínimo de recursos e qualidade de vida para que sua escravaria procriasse e suas crianças
subsistissem à infância.
A bem da verdade, o tempo das grandes charqueadas, com produção em larga
escala para o abastecimento de carnes destinadas às propriedades escravistas ainda não
havia chegado. A fabricação de carnes – expressão da época para a feitura do charque – era
ainda em pequenas quantidades, tendo sido documentada uma maior demanda durante os
anos do Grande Cerco à Colônia do Sacramento, a partir de gados adquiridos dos
lagunistas que já viviam no Continente – majoritariamente membros da parentalha de Brito
Peixoto (Monteiro, 1979), incluindo o próprio Francisco Pinto Bandeira, que vendeu 100
cabeças para o encarregado da Coroa. Talvez, para o fornecimento de carnes nas
expedições de demarcação de limites e no combate aos índios missioneiros amotinados
contra sua expulsão e a dos padres jesuítas, na primeira metade da década de 1750,
tenham-se “feito carnes” em uma escala maior.
Entretanto, fazer carnes em grande quantidade não era a preocupação maior, ao
menos não nesse momento, dos proprietários de terras, gados e escravos. Durante os três
primeiros quartéis do século XVIII o responsável pelo ingresso de valores em metais e
moedas foi o transporte e o comércio de gados em pé. Com isso, provavelmente os
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escravos passavam mais tempo ocupados nas lavouras, na feitura dos couros e no trato dos
gados, transferindo-os de pastagens, arrebanhando-os e procedendo a marcação, do que na
faina extenuante e insalubre do fabrico do charque. A sazonalidade era a marca das tarefas
braçais, havendo uma época para o plantio e outra para a colheita, uma época para a
marcação e outra para o abate de reses, uma época para separar as crias e engordá-las e
outra para colocar as tropas de animais vivos a caminho das feiras do Sudeste. Era uma
economia diversificada e, ao mesmo tempo, bastante restrita, sem um único grande produto
a capitanear o ingresso de receitas.
Havia também as guerras, ataques, saques e defesas preparadas para deter tais
ataques. Essas podiam ocorrer a toda hora, ainda que o período para o qual esse estudo se
dirige talvez tenha sido o de mais prolongada paz no primeiro século de existência de
povoados nessa fronteira. Mas o risco de uma invasão, sempre presente nas preocupações
das autoridades e dos moradores da região, expressava-se nas negociações do final da
década de 1750, quando da proibição da criação de muares no Continente do Rio Grande
de São Pedro. A alegação dos vereadores – boa parte deles vivendo dessa produção muar
ou mantendo estreita relação com os produtores – era a de não haver no Rio Grande outras
minas e que, uma vez interrompida a mais lucrativa de suas atividades, teriam de se retirar
do território, deixando-o ermo e disponível à penetração espanhola. Blefe ou não, o
argumento foi levado em consideração pelas autoridades de Portugal e o Rio Grande do
Sul obteve permissão para dar continuidade à produção de muares, que continuava
proibida no restante do Estado do Brasil.
As atividades bélicas faziam não menos parte dos afazeres dos escravos, havendo,
inclusive, um escalonamento na divisão do butim de guerra que também os contemplasse.
A década de 1770 foi farta em embates e em saques de guerra. Havia nas falanges do
exército chefiado pelos Pinto Bandeira um grande número escravos, incluindo os seus, que
312
recebiam a parte que lhes cabia do que fosse tomado dos castelhanos (Gil, 2003: pp. 35 e
ss.).
Para a tomada de São Martinho dispomos do cálculo realizado
para a divisão do butim. O valor total do saque, retirado o quinto de Sua
Majestade, foi calculado em 6.015$184 réis.
Para fins de divisão cada
oficial inferior, soldado, agregado, bombeiro, peão ou escravo
participante foi contado como um. Os oficiais subalternos foram contados
como dois. Os capitães tiveram peso três, e o comandante, peso doze
(Gil, 2003: p. 39).
Os escravos dessa família, portanto, sem serem oficialmente membros das tropas,
eram membros de fato, com um percentual a receber dos ganhos feitos em guerra. Sem
pertencer legalmente ao corpo de guerra da Coroa portuguesa, pertenciam como
combatentes que eram. E, em posição subalterna, como os soldados, agregados, bombeiros
tinham uma parte do saque, assim como parte do butim tinha Sua Majestade Fidelíssima.
Ao rei, cabeça de todo o corpo da sociedade portuguesa, cabia um quinto do montante ou
20% do total. Os quatro quintos restantes eram divididos de acordo com o escalonamento
acima. Ora, vê-se, portanto, o reconhecimento dos escravos fazendo parte de um dos mais
importantes corpos nessa situação de fronteira: aquele que fazia a efetiva manutenção dos
territórios. Se recebiam pouco por sua participação, recebiam tão pouco quanto os setores
livres de menor qualidade nessa sociedade.
A hierarquia das tropas, refletindo também a importância da manutenção da
sociedade hierarquizada que vigia ao Antigo Regime, mantinham-nos no mais baixo
patamar do corpo, mas incluso nele. A situação de guerra, portanto, contribuía para o
estabelecimento e mantença dessa hierarquização tão importante e que dava formato ao
corpo social. Se as forças militares e a sociedade lusa eram fortemente hierarquizadas, não
há onde pousar dúvidas. Entretanto, não eram excludentes. Tratavam de incluir todos os
setores dentro dessa mesma massa social, que tinha a forte hierarquização a suplantar o
caos que se lhe imporia em situações em que a igualdade fosse pleiteada. O que vemos
313
aqui, então, são escravos incluídos – em óbvia situação inferior – no corpo militar do reino.
O que tentaremos ver com os registros batismais de escravos de Francisco Pinto Bandeira é
se essa inclusão era possível em outros corpos sociais.
Uma opção adotada nos compadrios é estender os laços formados sob a benção da
Igreja a outras famílias de igual ou superior condição social. Isso é perceptível, por
exemplo, nas duas vezes em que o casal de escravos do comissário de mostras Cristóvão da
Costa Freire batizaram filhos de escravos de Pinto Bandeira, ou ainda na escrava do Padre
Tomás Clarque, comparecendo como madrinha a um desses batizados. No entendimento
luso das relações de compadrio, o padrinho ou a madrinha de uma criança ou adulto teria a
responsabilidade de sua orientação religiosa, nesse mundo em que a religião era o grande
normatizador ético e moral da população. Um casal de escravos pertencente a uma pessoa
de tão destacada posição social e, segundo Gudeman & Schwartz, por serem casados sob a
benção da Igreja, já tinham introjetados muitos dos valores da sociedade cristã e seriam
bons preceptores para a vida em sociedade. O mesmo pode-se supor da escrava do padre,
possivelmente não apenas escolhida pelas qualidades de seu proprietário, autoridade moral
e ética sobre os cristãos, mas também pelos conhecimentos do catolicismo colhidos junto
ao seu senhor. Para conduzir uma criança no mundo católico, a escrava do padre pode ter
tido orientação religiosa muito superior a de muitos cristãos livres da comunidade de
Viamão.
Nos primeiros registros que foram feitos em Rio Grande percebe-se que, mesmo
sendo a localidade muito recente, Francisco Pinto Bandeira estava despendendo recursos
para adquirir escravos africanos. Isso significa, entre outras coisas, que Francisco Pinto
Bandeira, ainda que recém-chegado na localidade, era portador de cabedais que lhe
permitiam essas aquisições. Não estava, portanto, despojado de bens, podendo ser esse,
314
juntamente com sua patente militar, alguns dos atrativos que possuía para ingressar no clã
dos Souza Fernando através do matrimônio com uma de suas filhas.
Nesse quadro dos batismos de escravos de Francisco Pinto Bandeira, algumas
coisas saltam aos olhos desde o primeiro momento: os dois primeiros escravos
provavelmente eram adultos, adquiridos ao mercado. José e João Cabo Verde foram
batizados pelo sogro ou cunhado homônimo desse e duas de suas cunhadas. Um outro
padrinho, Manuel de Souza, sem acréscimo de outro sobrenome, pode ser um deslize do
pároco ao atribuir Antônio de Souza como pai de Manuel de Souza ou um dos muitos
homens que portavam o nome de Manuel de Souza, mas que têm alguns quesitos
semelhantes. Se assim for, um dos mais prováveis era Manuel de Souza Torino, vereador
em Rio Grande no ano de 1753, que tinha como cônjuge de seu primeiro matrimônio
Josefa de Jesus. O nome de sua companheira à pia batismal é Teresa de Jesus, podendo ser
também deslize do pároco ou mesmo um dos outros nomes adotados por Josefa. A
madrinha podia ser tanto a Josefa de Jesus como Teresa de Jesus, filha de Antônio de
Souza Fernando. Podia ser também o sargento de dragões Manuel de Souza, entre outras
possibilidades de “Antônios de Souza” existentes na localidade nesse ano. No caso
específico desse registro de batismo, jamais se saberá exatamente quem são os padrinhos.
Entretanto, isso não impede alguns dados para análise: tratava-se de homem e
mulher livres, nada tendo sido anotado quanto a ser índio, forro, pardo, escravo ou
qualquer outro qualificativo junto a seu nome. Qualquer um deles possuía características
que os diferenciavam das famílias comuns da população, fosse uma patente, fosse o cargo
de vereador ou posse de terras, gados e escravos. Esses três escravos, os primeiros de
Francisco Pinto Bandeira batizados em Rio Grande, tinham como padrinhos pessoas bem
além de sua própria condição e alguns deles pertencentes à família de seu senhor. Estavam,
portanto, do ponto de vista da família espiritual, inseridos na grande família formada por
315
parentescos rituais e fictícios. E como a sociedade e a família se organizavam a partir da
hierarquização das posições, estavam inseridos nela nos estratos inferiores desse corpo
social, como escravos, privados de sua liberdade.
Um outro traço marcante na escravaria de Francisco Pinto Bandeira é a quase
inexistência de crianças bastardas filhas de seus escravos. Em sua maioria ou são escravos
novos, cujos pais são ignorados nos registros, ou são crianças filhas legítimas desses
escravos. As únicas exceções são duas crianças ditas naturais, uma delas, o menino
Manuel, filho de pai livre, nomeadamente Manuel de Souza Vieira. O menino Manuel,
homônimo de seu pai livre, foi alforriado à pia, recebendo de seu pai o nome e muito
provavelmente a liberdade adquirida pelo costume de não ser negada a alforria no batismo.
Seu padrinho era, possivelmente, seu tio paterno.
A outra, a menina Jerônima, dita mulata em seu registro, era filha de pai incógnito
com a escrava Engrácia. O pai, dada a característica de miscigenação expressa na situação
de “mulata” da criança, provavelmente era “branco” e provavelmente livre. Muitos desses
filhos de pais “incógnitos” eram filhos de pessoas conhecidas e reconhecidas na
comunidade, como expresso nas Constituições Primeiras:
E quando o batizado não for havido de legítimo matrimônio,
também se declarará no mesmo assento do livro o nome de seus pais, se
for cousa notória e sabida, e não houver escândalo; porém havendo
escândalo em se declarar o nome do pai, só se declarará o nome da mãe,
se também não houver escândalo, nem o perigo de haver(Da Vide, Livro
I, Título XX, § 71, 1707).
O restante das crianças filhas de escravos eram nascidos de legítimo matrimônio e
foram registrados como filhos legítimos. Essas crianças continuaram sendo batizadas por
membros da família, ao mesmo tempo em que se introduziam outros recursos para
amalgamar as famílias escravas que viviam nas propriedades de Francisco Pinto Bandeira.
Parece haver um estímulo para a formação de parentescos fictícios ou espirituais dentro da
316
própria escravaria. Pares de escravos de Francisco Pinto Bandeira eram padrinhos de seus
companheiros. Geravam-se no parentesco espiritual as relações, ou simulacro das relações,
que haviam sido abruptamente interrompidas com a captura de escravos na África e sua
posterior venda como “peças” no mercado escravista desse lado do Atlântico. Diz James
H. Sweet:
A despeito de um punhado de exemplos de relações ancestrais
que sobreviveram à travessia, a dolorosa realidade da escravidão nas
Américas fez com que as linhagens natais da maioria dos africanos fosse
quebrada para sempre. E não importa como sucedesse de um indivíduo
criar novas redes parentais, essas redes de relações de parentesco
corporativo ou fictício podiam nunca restaurar as que foram perdidas no
rompimento do parentesco da unidade natal. Ser removido de uma rede
parentesco fazia alterar todo o ciclo vital de modo inimaginável à maioria
dos ocidentais. (...). Encarar esse desafio sozinhos, sem o suporte coletivo
e compreensões compartilhadas com a rede de parentesco natal, era
equivalente à morte social
6
. E, apesar da recriação de uma variedade de
parentescos formados nas Américas, a perda dos parentes natais deve ter
pesado fortemente nas vidas daqueles que foram escravizados e nas vidas
daqueles parentes consangüíneos que foram deixados para trás na África.
(Sweet, 2003: pp. 31-32)
Sweet interpreta a baixa quantidade de escravos casados sob os auspícios da Igreja
e que têm seus filhos como filhos naturais, com “pai ignorado”, como uma forma de recusa
e resistência aos ensinamentos dos cristãos e seu modo de vida, ao mesmo tempo em que
era uma afirmativa de seus antigos costumes de liberdade sexual (Sweet, 2003: pp. 34-50) .
Entretanto silencia quanto ao grande número de escravos africanos ou filhos de africanos
que eram batizados. A baixa incidência de filhos naturais entre a escravaria de Francisco
Pinto Bandeira será comentada adiante. Os casos de registros de filhos naturais, com ou
sem paternidade reconhecida, eram bastante freqüentes, sendo essa configuração da
escravaria de Pinto Bandeira não necessariamente uma exceção, mas um tanto mais difícil
de ser encontrada.
6
O autor refere-se à “morte social” conforme o trabalhado por Orlando Patterson, em Slavery and
Social Death. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1982.
317
Registra-se aqui que, a introdução no mundo cristão dava-se, e ainda é assim, pelo
batismo, assim como na religiosidade africana se dava através de rituais de iniciação. Em
nenhum dos dois casos a inclusão nos âmbitos social, econômico, religioso e cultural é
feita através do matrimônio. Pode-se pensar que, para uma nova realidade, em que o
mercado matrimonial é bastante restrito aos cativos e que estes normalmente ocorriam
dentro de uma mesma escravaria, que essa recusa ao matrimônio podia ser uma estratégia
bastante simples para fazer valer alguns dos costumes e práticas matrimoniais ancestrais. A
Igreja católica estabelecia o parentesco de até quinto grau como motivo de impedimento
matrimonial. Ao serem ocultos os nomes dos pais das crianças, preservava-se, portanto, ao
menos a linha paterna para os matrimônios e procriações endógenas, já que não havendo o
parentesco reconhecido tampouco haveria a interdição ou o empecilho do matrimônio entre
primos ou entre tios e sobrinhos. Essa possibilidade merece mais atenção e um estudo mais
detalhado.
O que assistimos, portanto, com os compadrios entre os próprios escravos de
Francisco Pinto Bandeira e entre estes e escravos de pessoas de situação social semelhante
ou superior, como era o comissário de mostras Cristóvão da Costa Freire, proprietário de
padrinhos “tapanhumas” de duas crianças, filhas de “tapanhumas”, era, possivelmente, a
formação de uma rede parental fictícia que reproduzia ou simulava laços que lhes foram
rompidos com a escravização. Uma reinvenção de parentelas que se assemelhassem
àquelas que foram deixadas na África ou que ficaram esparsas na América, quando da
venda de escravos oriundos de uma mesma localidade para regiões diferentes. A
desinência “tapanhuma”, é corruptela de tapanhuna ou tapanhuno, herdada dos paulistas,
palavra de origem indígena usada para os escravos negros (Monteiro, 1994 : p. 119).
A aglutinação predominante de escravos negros em famílias e parentesco fictício
não excluía a introdução de indígenas nessas redes que tentavam reconstituir um terreno
318
mais ou menos seguro para a existência em grupo. Há um “mameluco”, referência a filhos
de brancos com indígenas, entre qualificativos dados a esses escravos e forros, assim como
há a estranha desinência de “pardo forro escravo de Francisco Pinto Bandeira”. O
antagonismo dos termos “forro” e “escravo” deve ter sido a solução dada pelo pároco para
a situação dos indígenas sob administração particular sob a luz da nova legislação
pombalina que a proibia, em especial a Lei de Liberdades e o Diretório dos Índios. Esse
batismo deu-se no ano de 1756, ou seja, no momento em que tais leis eram ainda novidade.
Faz-se a especial observação de que a existência de parentescos rituais não era estranha
nem aos índios nativos do sul ou os que para lá foram conduzidos desde o sudeste.
Também não eram novidade para a imensa maioria dos africanos. A utilização de um meio
tipicamente cristão para a geração de redes de parentesco fictício e ritual pode ter sido uma
porta convidativa aos “estrangeiros” – índios ou africanos – para ingressarem nessa
sociedade cristã.
Para os escravos, talvez a utilização dessa forma de ingresso no mundo da
cristandade admitida pelos conquistadores e povoadores e, mais do que isso, estimulada
por eles, pode ter permitido a recriação de laços em moldes semelhantes aos conhecidos
desde a infância na África. Podem ter sido “lidos” e interpretados pelos africanos e afro-
descendentes a partir de uma ótica que em seus traços mínimos pôde ser captada dos
ensinamentos cristãos.
Ainda que não se possa generalizar, boa parte das sociedades africanas tinha na
base de suas religiões a crença na dualidade corpo e espírito. Um corpo como portador de
uma alma de vida eterna, independente, que pode ausentar-se do corpo por momentos,
procedendo a viagens místicas e que sobrevive à morte do corpo. Após o passamento, a
alma dos mortos podia ir visitar parentes ou locais onde tinha vivido. Os dissabores que os
vivos experimentavam em sua existência estariam, em muitas dessas concepções,
319
vinculados a falhas e desleixo no culto dessas almas ancestrais (Sweet, 2003: pp. 104-
105.).
A idéia, portanto, da possibilidade de um perfilhamento que faziam os espíritos
dos adultos ao tomar para seu cuidado as almas das crianças ou dos que recém haviam feito
a travessia do oceano – que para muitas religiões era uma analogia para a morte – e o
irmanar-se das almas no ato do batismo, não deveria estar tão longínquo assim de quem
previamente sabia que existia um mundo que pertencia somente aos espíritos, inacessível
aos corpos que ainda vagavam no mundo de sofrimento e dor, possivelmente os maiores
seriam aqueles que se iniciaram com a captura na África, seguindo-se de doenças, morte e
dor durante a travessia e a realidade da escravidão que seguiu-se a esses.
Ao fazer a análise do parentesco espiritual dentro do complexo da Santeria
cubana, ritual de origem yorubá, Mary Ann Clarck, destaca em seu artigo Godparenthood
in the Afro-Cuban religious tradition of Santeria (2003), que essas davam-se em duas
esferas. De um lado as relações interpessoais, dadas entre os iniciados e seus iniciadores e,
por um conjunto de conexões religiosas, a existência de um vínculo entre um iniciado e os
demais, que foram iniciados pelo seu iniciador. A segunda, entre o iniciado e as deidades
da Santeria, no qual os protegidos de um mesmo orixá guardavam também relação entre si.
A autora optou por explorar algumas das origens dessas relações pessoais focalizando
também a origem cultural dos termos de parentesco e como elas foram transformadas no
contexto da Santeria.
Ainda que a realidade cubana enfrentada por aqueles que haviam completado e
sobrevivido à travessia do Atlântico fosse diferente dos que vieram para a Colônia lusa, a
origem não difere muito. A experiência de construção de parentescos fictícios nos ritos de
iniciação religiosa na África eram comuns. Também eram comuns muitos dos traços das
sociedades coloniais para as quais foram trazidos. Parentescos rituais existiam em África,
320
em Europa e também na América. Sílvia Maria Jardim Brügger (2004) desenvolve
raciocínio semelhante para os rituais afro-brasileiros durante o período escravista, nos
quais deidades africanas e figuras do rito de compadrio se juntam na iniciação de seus
membros. Essa autora vê a presença dos orixás e outras entidades contracenando com
padrinhos e madrinhas nos rituais que nominavam os escravos e os inseriam, ritualmente,
nas suas comunidades. Os ritos afro-brasileiros apresentam, por conseqüência e por mais
tênues que sejam, algumas semelhanças com os ritos afro-cubanos, tais como uma
existência espiritual que antecede ao nascimento para o mundo terreno, a dualidade
corpo/espírito, a iniciação religiosa através de um preceptor denominado padrinho ou
madrinha. Apresentam também suas idiossincrasias. Entretanto, as bases sobre as quais
foram construídas são comuns: a religiosidade africana pregressa e a religiosidade católica
na qual se construíram. Ainda que possuam características que por vezes muito as
diferenciam, há que se levar em consideração o rompimento dos elos de iniciação religiosa
quando do início do cativeiro, ainda na África: aquilo que se dava no seio da família e da
comunidade natal, unindo parentesco consangüíneo e afim não mais era exeqüível na nova
vida que lhes foi imposta.
Havia a possibilidade de levar à morte social que a abdução representou às vias de
fato: não inserir-se, não resistir, não sobreviver, inclusive fisicamente, ao novo meio.
Havia também a possibilidade de, através do conhecimento preexistente, reinventar elos e
laços parentais entre aqueles que não compartilhavam dos mesmos grupos de parentesco.
Segundo Mary Ann Clark, a iniciação religiosa nos ritos yorubá se dava com um iniciador
pertencente à família e mais velho do que o iniciado, pais ou avós iniciando seus filhos e
netos (Clark, 2003: p.45-47).
Dado o rompimento das famílias com o fenômeno da captura e escravização de
alguns de seus membros e posterior venda para diferentes localidades das colônias lusas, a
321
reinvenção de uma sociedade e de uma religiosidade não mais calcadas nos elos
consangüíneos ou afins, e sim usando dos mais antigos, provavelmente com
conhecimentos mais profundos dos ritos ancestrais, como iniciadores nos rituais religiosos,
veio dar lugar a uma nova forma e configuração de parentesco, uma nova organização
familiar, fictícia ou corporativa, que simulava e, ao mesmo tempo, tentava reproduzir
aquelas formas já conhecidas (Clark, 2003: p.45-47). Não era exatamente a mesma coisa,
mas vinha tentar suprir a lacuna do drástico rompimento ao qual se refere Sweet.
Na Santeria afro-cubana, os iniciadores religiosos foram os mais velhos das
comunidades de escravos e, posteriormente, os anciãos da comunidade afro-cubana. Os
adeptos dessas novas formas de manifestações religiosas que têm os cultos yorubá como
ponto de partida, chamam seu iniciadores, geralmente não pertencentes à rede parental
consangüínea e afim através da apropriação dos termos do parentesco ritual católico
construídos no rito do batismo. Os iniciadores na religião são chamados de padrino e/ou
madrina, que guardam extrema semelhança em suas funções religiosas e sociais com os
padrinos e madrinas: zelam pelas vidas religiosas e mundanas de seus ahiados como
protetores que eram. Evitavam assim, a referida “morte social” cujo conceito elaborado por
Patterson foi utilizado por Sweet ao analisar o que ele chama de uma recriação da África
para o contexto da América lusa.
Na Vila do Rio Grande, na qual uma comunidade de africanos e afro-descendentes
estava ainda por se constituir, da mesma forma que toda a sociedade ainda estava por
fazer-se a partir dos conhecimentos e experiências pregressas em localidade e realidade
nova para quem quer que ali chegasse, não havia muitos “anciãos africanos” para servirem
de iniciadores nos ritos religiosos. Por outro lado, encontraram na nova localidade formas
de parentesco ritualizado que vinculavam pessoas que não pertenciam necessariamente ao
mesmo núcleo familiar, fosse de parentesco afim ou consangüíneos. A esses africanos foi
322
oferecida a possibilidade de vincularem-se a “protetores espirituais”, iniciadores nos ritos
da cristandade no ato do batismo, que para os católicos também tem o significado de
renovação, renascimento, deixar para trás o pecado original, a vida pregressa e inserir-se
no novo mundo que a eles se lhe apresentava.
Não parece ser por acaso que os escravos novos de Francisco Pinto Bandeira
tiveram como padrinhos, ou seja, como preceptores, pertencentes à própria família, no caso
o sogro e cunhadas de Francisco Pinto Bandeira. Também não parece acaso que para
padrinhos das crianças filhas de “tapanhumas” tenham sido escolhidos padrinhos também
“tapanhumas”: guias espirituais e protetores pertencentes a este mundo, já iniciados nos
conhecimentos místicos tanto da cristandade como do mundo africano que havia sido
deixado para trás. Esses guias espirituais e protetores acabavam gerando ligações fortes
entre as famílias que se formavam internas à escravaria de Francisco Pinto Bandeira.
Também não parece por acaso que, eventualmente, um membro das famílias escravas
crioulas ou já ladinas fosse convocado ao compadrio com escravos africanos novos:
propiciavam para mais uma geração, além das cadeias de reciprocidade a proteção, auxílio,
orientação espiritual, as normas de comportamento social, respeito e devoção formadas nas
gerações anteriores.
Em uma seqüência de rompimentos e clivagens, tais como uma existência africana
que fora abortada com o cativeiro, os laços familiares e sociais rompidos com a abdução, a
necessária convivência com o desconhecido, as diferenças sociais marcantes existentes na
sociedade lusa, que separavam os melhores dos comuns, os livres dos escravos, os gentios
dos cristãos, a instituição do compadrio parece ter sido um dos tecidos instersticiais entre
esses inúmeros estatutos sociais e qualificadores sociais. Fazia com que se compartilhasse
o sentimento de pertença a uma ou mais de uma unidade política, econômica e social, que
eram as famílias.
323
A instituição cristã do compadrio e apadrinhamento pode ter contribuído,
portanto, não necessariamente de um modo sincrético como coloca Clark, mas no sentido
de uma re-elaboração dos conhecimentos trazidos das comunidades natais e a nova
realidade com que se defrontavam, gerando formas de convívio, de relacionamentos
parentais físicos e espirituais, de interpretação do mundo e de práticas religiosas híbridas.
Sendo as vertentes desse novo “parentesco” tão distintas, concorriam para um mesmo
ponto: a consecução da vida de tantos estranhos e migrantes na nova localidade que se
formava.
Seria possível que, através das bases mínimas dos conhecimentos religiosos
africanos, compreendessem e acabassem por serem inseridos por vontade própria na nova
realidade, sem que a anomia e o caos provocados pelo rompimento de suas vidas normais
junto às suas famílias, amigos e orientadores espirituais predominassem nessa nova
existência de privações e provações. As noções básicas da religiosidade dos ancestrais e a
aceitação mínima de alguns princípios do catolicismo os jogavam para dentro da sociedade
lusa nessa fronteira. Se todas as novas experiências geravam o efeito da entropia, o
parentesco religioso encontrado à pia batismal jogava um peso muito grande como uma
força centrípeta, atraído-os e mantendo-os junto ao núcleo familiar de seus senhores. Com
isso, não parece difícil entender porque e principalmente depois de alforriados, alguns
escravos conduzissem em seus nomes os sobrenomes ou os prenomes de seus senhores:
designavam o locus social de origem no mundo luso-brasileiro.
Os africanos e seus descendentes, se acreditarmos na existência de uma cultura
oral, do costume da educação e orientação moral e religiosa passados dos mais velhos para
os mais novos, puderam conduzir suas experiências pregressas mescladas aos novos
conhecimentos sociais, religiosos e econômicos, gerando uma forma peculiar de
pertencimento. A adoção do cristianismo, com maior ou menor conhecimento de seus
324
ensinamentos, com maior ou menor utilização das bases religiosas africanas, pode não ter
sido somente um fator de predomínio cultural dos conquistadores sobre o restante da
população. Pode ter sido, também, um fator que permitiu a essas populações escravizadas e
situadas no sopé da escala social na Colônia, gerarem formas de vinculação reais ou
fictícias que lhes possibilitaram a existência social em contrapartida à morte social que a
abdução representou em suas vidas. A incorporação dos mitos, ritos e santos da cristandade
ao panteão africano e aos comportamentos sociais pregressos pode ter significado um
fôlego na existência dessas tradições, ao invés de seu esmagamento por total pelo
escravizador luso.
O mais instigante de tudo é que, tanto sob a ótica dos senhores como da ótica de
suas escravarias, ambos se inseriam numa mesma rede de parentescos rituais e espirituais,
haja vista o filho do senhor de todos esses escravos, Rafael Pinto Bandeira, comparecer
como padrinho a um desses batizados, o mesmo acontecendo com outros parentes
próximos, tanto do ramo dos Pinto Bandeira como do ramo dos Souza Fernando. O
significado mais imediato desse parentesco ritual era amalgamar os diferentes estratos,
estatutos e qualificações sociais coexistentes em uma unidade doméstica, dando a noção de
pertencimento a um corpo que tinha representantes, em seu interior, de todas as camadas
existentes na própria sociedade. Os “meus ancestrais”, os “teus ancestrais”, vinculados
através dos ritos que uniam espíritos ou almas, com fundamentos diferentes para cada uma
dessas duas concepções religiosas, mas que compartilhavam da crença na existência dual
corpo/espírito, sendo o segundo eterno e superior ao primeiro; poderiam dar-lhes a noção
do “nosso corpo social e familiar” em contraste àquelas redes parentais – reais ou fictícias
– com as quais não guardavam relações. O “meu mundo”, unido ao “teu mundo” dava a
noção – verdadeira ou falsa, não vem ao caso – de estarem construindo, cientes da
necessidade de haver diferenças entre uns e outros, um “nosso mundo”, ordeiro e bastante
325
coeso, um corpo social e familiar único, nos quais as diferenças de estatutos internos que o
hierarquizasse era fundamental para seu funcionamento. A exclusão social, então,
voluntária ou imposta, estava ausente dos intentos de senhores e escravos ao levarem à pia
batismal os adultos boçais recém chegados e as crianças filhas de escravos recém-nascidas.
O ato do batismo servia para internalizá-los, incorporá-los espiritualmente às unidades
domésticas às quais pertenciam em suas existências mundanas. Agregados sob um
catalisador de relações sociais tão forte quanto o sistema de compadrio ibérico, parece
bastante compreensível que, durante todo o período sob estudo, não tenham havido
revoltas, fugas massivas nem atentados contra membros das famílias senhoriais por parte
desses escravos.
Uma outra opção amiúde adotada nos compadrios é estender os laços formados
sob a benção da Igreja a outras famílias de igual ou superior condição social. Isso é
perceptível, por exemplo, nas duas vezes em que o casal de escravos do comissário de
Mostras Cristóvão da Costa Freire batizou filhos de escravos de Pinto Bandeira, ou ainda
na escrava do Padre Tomás Clarque, comparecendo como madrinha a um desses batizados.
Interrompe-se aqui as observações acerca dos Souza Fernando e dos Pinto
Bandeira, passa-se a visualizar os compadrios de uma outra família de posses, tanto em
bens de raiz como em bens móveis nessa porção meridional da Colônia e que possui uma
configuração familiar um tanto mais complexa.
2. As famílias de Antônio Gonçalves dos Anjos,
Antônia de Morais Garcês e Domingos Gomes
Ribeiro
Desde a primeira década de existência do povoado de Rio Grande há registros de
batismos que anotam o nome dessas três pessoas. Antônio Gonçalves dos Anjos era natural
de Matosinhos. No tempo em que viveu em Rio Grande exerceu as atividades de condutor
326
de tropas (AAHRS, 1977 - Registro de um despacho do Mestre-de-Campo André Ribeiro
Coutinho: p. 105), conduzindo-as desde o sul através da Barra da Lagoa, possivelmente
dando prosseguimento às viagens que terminavam nas feiras de gados e cavalos que
existiam em São Paulo. Possivelmente, ainda que não se tenham encontrado registros dessa
atividade, foi também criador de animais, já que nas primeiras décadas da existência da
localidade não havia uma especialização muito grande nem a divisão por completo entre
aqueles que conduziam os animais a seus mercados e aqueles que os produziam para o
comércio. Atividade também correlacionada à criação dos animais era a extração de
subprodutos para o comércio, o fabrico dos couros, exercida por Antônio Gonçalves dos
Anjos (AAHRS, 1977, - Registro de uma petição feita a requerimento de Francisco Lopes
da Silva e Antônio dos Anjos, : pp. 74-74) .
Esse homem, em sua transferência para o Rio Grande, trouxe consigo sua mulher,
nascida no Rio de Janeiro e com família também nas Minas. Dona Antônia de Morais
Garcês, apesar da alegação de seu marido de possuir frágil saúde, era requisitada como
madrinha de crianças no povoado. Entre os anos de 1740 e 1748 Dona Antônia
compareceu à pia batismal na condição de madrinha ou nomeou procurador para que a
representasse por catorze vezes. Em contrapartida, seu marido compareceu apenas três
vezes, talvez em função de sua atividade de preador de gados e condutor de tropas. Nessas
ocasiões, o parceiro mais freqüente de Dona Antônia de Morais Garcês era o capitão
Domingos Gomes Ribeiro, que foi padrinho em seis dos batizados que Dona Antônia foi
madrinha (ADPRG - 1LBat-RG, 1738-1753).
Dona Antônia de Morais Garcês sofria de muitas doenças, segundo alegação de
seu marido Antônio Gonçalves dos Anjos. O requerimento que este encaminhou em 1740,
dizendo da necessidade de tratamento de sua esposa onde houvesse médico, medicamentos
de botica e solicitando autorização para que se dirigissem ao Rio de Janeiro em busca de
327
melhores ares para os maus humores que afligiam sua esposa, foi atendido depois de ter
esta sido examinada pelo cirurgião-mor do presídio, o licenciado Sebastião Gomes de
Carvalho, genro de Antônio de Souza Fernando. Dizia a certidão emitida pelo licenciado e
anexada ao requerimento:
Dona Antônia de Morais padece continuamente de moléstias,
tanto de erisipelas universais como também de moléstias nos olhos
continuamente, procedido tudo de um parto infeliz que teve, de que lhe
não ficou lúbrico o seu ordinário; e padece continuamente de dores de
cabeça que lhe dão grande moléstia... (AAHRS, 1977, - Registro de uma
petição feita a requerimento de Francisco Lopes da Silva e Antônio dos
Anjos, : pp. 74-74)
A despeito de sua frágil saúde, Dona Antônia de Morais sobreviveu à própria
existência do marido. No registro batismal do menino Manuel, filho de José Dias de
Menezes, feito no dia 12 de fevereiro de 1747, ela foi dita viúva. Nos dois batismos
seguintes em que foi convidada para madrinha, Dona Antônia não compareceu às
cerimônias. Passou procuração a dois representantes no mês de maio. Voltou a atuar como
madrinha no mês de setembro do mesmo ano. Em novembro foi madrinha de seu próprio
neto, Manuel, filho do alferes Joaquim Francisco Homem e de sua filha Ana Francisca. O
padrinho foi novamente Domingos Gomes Ribeiro. Depois de seu neto, foi madrinha de
mais uma criança, em maio de 1748 (ADPRG - 1LBat-RG. 1738-1753). Sua próxima
aparição como madrinha em Rio Grande deu-se no dia 28 de outubro de 1748, um ano e
seis meses após ter sido dita viúva pela primeira vez, sendo o padrinho Domingos Gomes
Ribeiro, agora seu marido (ADPRG - 1LBat-RG - Registro batismal de Eufêmia, filha de
Francisco Gonçalves, 28/10/1748.). Desse casamento ao menos duas crianças nasceram:
Vicente e Rosária.
Domingos Gomes Ribeiro, já tantas vezes citado aqui, também era viúvo. Fora
casado com Maria Engrácia Rodrigues Lima e com ela teve pelo menos um filho
homônimo seu. Natural da freguesia de São Miguel de Carvalho, no bispado de Braga,
328
Domingos Gomes Ribeiro teve passagem por Laguna e foi vereador de sua Câmara no ano
de 1732 (Cabral, 1976: p. 154). Transferiu-se para Rio Grande nos primeiros anos de
existência do povoado. Em Rio Grande possuía terras, duas sesmarias que lhes foram
dadas com posse homologada por Gomes Freire de Andrade, durante a expedição de
Demarcação dos Limites do Tratado de Madri. A despeito dessas cartas de sesmaria serem
datadas da primeira metade da década de 1750, em sua solicitação Domingos Gomes
Ribeiro alegava possuí-las de longa data (RAPM, v. XXIII, 1929: 474-475; RAPM, v.
XXIV, 1933: pp. 248-250). Também participou das atividades de conduta de gado,
subscrevendo em 1749 uma carta contendo a opinião dos moradores de Rio Grande acerca
do local onde deveriam ser cobrados os Direitos das Passagens dos Gados no Registro de
Curitiba (AAHRS - Resposta que deram os moradores casais desse estabelecimento, 1977:
pp. 234-235)
Domingos Gomes Ribeiro também era padrinho bastante solicitado na Vila do Rio
Grande, tendo comparecido à pia batismal mais cinco vezes além daquelas em que
acompanhou Dona Antônia antes de serem casados. Com a morte de Antônio Gonçalves
dos Anjos e posterior casamento de Domingos Gomes Ribeiro e Dona Antônia, tem-se a
impressão, ao analisar as qualidades dos compadrios dessa família, ter havido uma fusão
das redes de compadrio que vinham desde o núcleo Antônio Gonçalves e Antônia de
Morais com as que vinham da parte do então viúvo Domingos Gomes Ribeiro. Essas
relações, se as entendemos como patrimônio social construído na vivência da Vila do Rio
Grande, foram também repassadas como uma espécie de herança imaterial. A
complexidade da trama dos compadrios dessa família que tem seu início em dois casais
distintos é muito impressionante, pois envolve também os compadrios de seus escravos,
que puderam ser detectados a partir da lacunar documentação existente. Há, portanto, a
necessidade de colocação de vários quadros abaixo que são de certo modo contínuos e
329
interligados, mas cuja separação se fez necessária para que se pudesse analisar essa origem
bifurcada, bem como as suas diferenças e semelhanças quando da fusão dessa. O marco
para o momento da fusão é primeira aparição de Domingos Gomes Ribeiro e Dona Antônia
de Morais como marido e mulher nos registros batismais, ainda que o que foi chamado de
“compadrios Anjos-Garcês” tenham continuidade após a morte de Antônio Gonçalves dos
Anjos, com os compadrios da filha e do genro.
330
Quadro XII – Afilhados da Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de Morais Garcês
Criança Pai Mãe Padrinho Madrinha data fonte
Tomas Antonio de Almeida Joana Pereira Antonio Goncalves dos Anjos Antonia de Morais Garces 16-03-1740livre natural 1LBatRG
Jose Joao de Souza da Costa Maria Nogueira de Jesus Antonio Goncalves dos Anjos Antonia de Morais Garces 04-04-1740livre legitimo 1LBatRG
Helena Miguel de Mendonca Maria Teixeira padre Manuel Henriques Antonia de Morais Garces 29-04-1740livre legitimo 1LBatRG
Ana Joao da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 17-05-1741 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Manuel Duarte Vitoria da Costa Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 19-06-1741livre natural 1LBatRG
Domingos Manuel da Silva Varges Pascoa Maria Cosme da Silveira Antonia de Morais Garces 06-12-1741 livre legitimo 1LBatRG
Antonio Roberto Edmunds Jean Poor Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 27-05-1742 livre legitimo 1LBatRG
Joana Silvestre Domingues Pereira Antonia Pereira capitão Antonio Goncalves dos Anjos Dona Antonia de Morais Garces 17-11-1742livre legitimo 1LBatRG
Manuel Antonio Coelho Maria do Rosario alferes Manuel Pereira Roriz Antonia de Morais Garces 12-08-1743livre legitimo 1LBatRG
Jose sargento Joao da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 29-12-1744livre legitimo 1LBatRG
Joaquim soldado dragao Lourenco Marques Ana Maria alferes Joaquim Francisco Homem Nossa Senhora do Rosario 24-04-1746 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Joaquim Francisco Homem Ana Francisca Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 20-11-1747livre legitimo 1LBatRG
Manuel Jose Dias de Menezes Marta Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 12-02-1747 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Joao Gomes de Oliveira Apolonia da Silva sargento Luis Goncalves de Souza Antonia de Morais Garces 04-09-1747 livre legitimo 1LBatRG
Maria Manuel da Assuncao e As Antonia Maria de Oiveira Francisco Coelho Osorio Antonia de Morais Garces 07-05-1748 livre legitimo 1LBatRG
Inacia Eusebio Alvares de Souza Luisa Maria da Fonseca Jose da Silveira Ana Francisca dos Passos 10-08-1750livre legitimo 1LBatRG
Rogerio alferes dragões Manuel da Cunha e Souza Maria Gomes padre jesuita Manuel da Cunha Ana Francisca dos Passos 16-08-1750 livre legitimo 1LBatRG
Jose Antonio da Cunha Viegas Marta Antunes de Souza alferes dragoes Joaquim Francisco Homem Angelica Teresa 16-02-1751 livre legitimo 1LBatRG
Antonio Domingos de Lima Veiga Gertrudes Pais de Araujo Marcal de Lima Veiga Ana Francisca dos Passos 16-06-1751 livre legitimo 1LBatRG
Rosalia
A
ntonio Xavier Cavalcante,
pardo forro
Antonia de Morais, parda forra alferes Joaquim Francisco Homem 01-10-1756 livre natural 2LBatRG
331
Quadro XIII – Batismos de Escravos Família Antônio Gonçalves dos Anjos -Antônia de Morais Garcês
batizando pai mãe proprietário padrinho prop pad madrinha prop mad livro data
Manuel incognito Maria Goncalves
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Paulino da Costa Ascenca da Anunciacão natural escravo 1BatRG 25-01-1740
Inacio Manuel, cabo Verde Josefa, Benguela
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
escarvo Jacó
Manuel Francisco
da Costa
escrava Domingas
Manuel Francisco
da Costa
legitimo escravo 1BatRG 07-02-1740
Hilario Francisco, fula Maria, Benguela
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Luis Mendes Josefa de [---] escravo 1BatRG 20-02-1740
Nazario Manuel Goncalves Josefa do Rosario
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Inacio Soares
Maria da Encarnacao
Godinho
legítimo 1BatRGescravo 06-08-1741
Antonia Francisco Goncalves Maria dos Anjos
Antonio Goncalves dos
Anjos
Domingos Gomes
Ribeiro
preta Sebastiana Pinto legítimo 1BatRGescravo 29-11-1741
Bento Manuel, cabo Verde Josefa, Benguela
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
cabo Simplicio Antonio
parda
forra
Antonia do Prado legítimo
escravo 1BatRG 20-07-1743
Jose Francisco, Benguela Maria, Benguela
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Luis Vieira
parda
forra
Josefa de Jesus natural escravo 1BatRG 28-09-1743
Mariana Manuel Josefa
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Jose Meireles preta Domingas Luis da Cunha legítimo escravo 1BatRG 28-07-1745
Joao Joao, angola
Maria Pequena,
angola
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Diogo Francisco
Severim
Teresa Pedroso legítimo 1BatRGescravo 21-10-1745
Francisco Francisco Maria
A
ntonio Goncalves dos
Anjos
Rafael Rodrigues de
Andrade Maria Josefa de Azeredo legítimo escravo 1BatRG 04-01-1746
Teodosia Luis Vieira Antonia, mulata
A
ntonia de Morais
Garces
Manuel Lopes Vilas
Boas Angelica Teresa natural
mulata
forra 1BatRG 10-04-1747
Maxima Manuel dos Anjos Josefa de Morais
Antonia de Morais
Garces
Manuel Alves
Guimaraes Ana
A
ntonia de Morais
dos Anjos
legitimo escravo 1BatRG 03-07-1748
332
Quadro XIV – Afilhados de Domingos Gomes Ribeiro
Criança Pai Mãe Padrinho Madrinha data situação
fonte
Ana Joao da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 17-05-1741 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Manuel Duarte Vitoria da Costa Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 19-06-1741 livre natural 1LBatRG
Antonio Roberto Edmunds Jean Poor Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 27-05-1742 livre legitimo 1LBatRG
Joao Gaspar Nunes Florencia de Oliveira Domingos Gomes Ribeiro Ana Francisca dos Passos 24-06-1742 livre natural 1LBatRG
Luzia Antonio de Araujo Vilela Joana Correia Domingos Gomes Ribeiro Antonia Maria de Jesus 31-07-1742 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Manuel Duarte Quiteria da Cunha Domingos Gomes Ribeiro Maria Josefa 24-02-1743 livre natural 1LBatRG
Jose incognito Pascoa da Ressureicao Domingos Gomes Ribeiro Nossa Senhora do Rosario 07-11-1744 livre natural 1LBatRG
Jose sargento João da Cunha Antonia Maria de Jesus Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 29-12-1744 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Joao Ferreira Josefa da Silva Domingos Gomes Ribeiro viuva Margarida da Silva 30-03-1745 livre legitimo 1LBatRG
Domingos Jose Dias Marta Antunes de Souza Domingos Gomes Ribeiro Maria Quiteria Marques de Souza 02-05-1745 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Jose Dias de Menezes Marta Domingos Gomes Ribeiro viuva Antonia de Morais Garces 12-02-1747 livre legitimo 1LBatRG
Manuel alferes Joaquim Francisco Homem Ana Francisca dos Passos Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 20-11-1747 livre legitimo 1LBatRG
Quadro XV – Escravos de Domingos Gomes Ribeiro
batizando pai mãe proprietário padrinho prop pad madrinha prop mad data livro
Joaquim incognito Luzia, Angola Domingos Gomes Ribeiro Manuel Fernandes Vieira
Rosa Maria da
Conceicao
natural 10-02-1749escravo 1LBatRG
Tomas Joao Angola Maria Angola Domingos Gomes Ribeiro escravo Francisco escrava Brizida legitimo 05-01-1750escravo 1LBatRG
Vicente incognito Antonia, mulata Domingos Gomes Ribeiro Manuel Fernandes Vieira Ana Maria natural 30-04-1750escravo 1LBatRG
Mariana
Domingos
Bamba
Maria do Rosário Domingos Gomes Ribeiro
Dionisio Rodrigues
Mendes
Beatriz Barbosa
Rangel
legitimo 25-07-1751escravo 1LBatViamão
Maria
Manuel, cabo
verde
Josefa, angola Domingos Gomes Ribeiro João Martins legitimo 30-04-1752escravo 1LBatViamão
Joao Joao Silveira
Maria Garcês de
Morais
Domingos Gomes Ribeiro Inácio Fernandes Maria Fernandes legitimo 24-06-1752escravo 1LBatViamão
Amaro
Caetano
Angola
Rosa, índia forra Domingos Gomes Ribeiro capitão Felipe forra Maria legitimo 03-02-1753livre* 1LBatViamão
Joao
Francisco Luzia Antonia Domingos Gomes Ribeiro escravo Manuel Cabo Verde
Domingos Gomes
Ribeiro
crioula Maria
Domingos Gomes
Ribeiro
legitimo 29-06-1755escravo 1LBatViamão
333
Jose Joao Maria Domingos Gomes Ribeiro escravo Manuel Cabo Verde
Domingos Gomes
Ribeiro
escrava Caetana Rosa
Domingos Gomes
Ribeiro
legitimo 03-08-1755escravo 1LBatViamão
Santiago Joao Maria Domingos Gomes Ribeiro escravo Manuel Cabo Verde
Domingos Gomes
Ribeiro
escrava Caetana Rosa
Domingos Gomes
Ribeiro
legitimo 03-08-1755escravo 1LBatViamão
Isabel
Manuel, cabo
verde
Josefa, angola Domingos Gomes Ribeiro Domingos de Lima Veiga Maria de Lemos legitimo 20-11-1756escravo 1LatViamão
Brizida
incognito Teresa, Angola Domingos Gomes Ribeiro Manuel Ferreira da Silva
Luzia do Espirito
Santo
natural 25-01-1757escravo 2LBatRG
Giralda incognito
A
na, preta
Angola
Domingos Gomes Ribeiro
Manuel Marques de
Souza
Escolástica Marques
de Souza
natural 18-10-1758escravo 3LBatRG
Rosalia incognito Teresa, Angola Domingos Gomes Ribeiro escravo Inacio
Manuel Pereira
Roriz
escrava Francisca Gaspar dos Santos natural 27-10-1758escravo 3LBatRG
Clemencia
Florencio de
Sampaio
Rosa Maria Domingos Gomes Ribeiro
Dr. Prov.da
Fazenda
Manuel da Costa Morais
Barba Rica
parda
Domingas Ferreira
Pinto
legitimo 05-01-1761escravo 4LBatRG
Quadro XVI –Afilhados da família Domingos Gomes Ribeiro - Antônia de Morais Garcês
batizando tit pai Pai Mãe Padrinho Madrinha data fonte
Eufemia Francisco Goncalves Ana Pereria de Souza Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 28-10-1748 livre legitimo 1LBatRG
Ana Sebastiao Gomes de Carvalho Eufrasia Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 28-10-1748 livre legitimo 1LBatRG
Silvestre Silvestre Domingues Antônia Pereira Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 09-11-1748 livre legitimo 1LBatRG
Jose Joao Vieira Inacia Pereira Domingos Gomes Ribeiro 13-02-1751 livre natural 1LBatRG
Antonia Maximo dos Santos Inacia de Gouveia capitão Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 00-05-1751 livre legitimo 1LBatRG
Maria Joao Antunes da Porciuncula Josefa Maria Barbara Francisco Coelho Osório Antonia de Morais Garces 27-08-1751 livre legitimo 1LBatRG
Manuel Antonio Francisco dos Santos Mariana Felicia da Encarnacao capitão Domingos Gomes Ribeiro Antonia de Morais Garces 21-11-1751 livre legitimo 1LBatRG
Maria Luis Pereira Joana da Silva Francisco Moreira da Cruz Antonia de Morais Garces 22-08-1752 livre legitimo 1LBatRG
Inacia Luis de Queiroz capitão Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 15-09-1754 livre legitimo 2LBatRG
Ana incognito incognito Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 04-12-1756 livre exposto 2LBatRG
Joao Joao da Cunha Antonia Maria Manuel Jorge Dona Antonia de Morais Garces 17-06-1758 livre legitimo 3LBatRG
Jose ajudante Joao Gomes de Melo Mariana Josefa da Encarnacao governador Pascoal de Azevedo Dona Antonia de Morais Garces 18-11-1758 livre legitimo 3LBatRG
Joana incognito Sebastiana Gomes da Silva Andre de Sa Fonseca Dona Antonia de Morais Garces 24-01-1759 livre natural 3LBatRG
Brizida Lourenco Correia Florim Rita Maria de Jesus Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 2?-06-1759 livre legitimo 3LBatRG
Antonia soldado dragao Manuel Cabral Ana Inacia de Jesus Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 21-08-1759 livre legitimo 4LBatRG
334
Violante Gregorio Goncalves Josefa Maria
filho do
Sargento-mor
Domigos Gomes Ribeiro* Dona Antonia de Morais Garces 15-11-1760 livre legitimo 4LBatRG
Luciana incognito Florinda, mulata forra
filho do
Sargento-mor
Domingos Gomes Ribeiro* Josefa Maria 04-02-1761 livre natural 4LBatRG
Francisca soldado dragao Claudio Brandao Ursula Francisca Capitao-mor Francisco Coelho Osório Dona Antonia de Morais Garces 31-07-1761 livre legitimo 4LBatRG
Maria Joao Antonio Fernandes Luzia Rita da Esperanca sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 26-11-1761 livre legitimo 4LBatRG
Jose Jose da Costa Luis Inocencia Francisca Pereira sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Dona Antonia de Morais Garces 03-12-1761 livre legitimo 4LBatRG
Antonio incognito Antonia de Morais, parda forra
alferes de
Dragões
Joaquim Francisco Homem Dona Antonia de Morais Garces 06-02-1762 livre legitimo 4LBatRG
Antonio Salvador Pinto Bandeira Maria de Brito Sargento-mor Domingos Gomes Ribeiro Ana de Brito 19-05-1762 livre legitimo 1LBatViamão
*Trata-se do filho homônimo de Domingos Gomes Ribeiro
335
Parece claro que a separação que foi feita tendo os matrimônios de Dona Antônia
de Morais Garcês como marcos da existência dos núcleos familiares é por completo
artificial. Entretanto, a ênfase nesse ponto de articulação entre as vidas de Dona Antônia e
seus dois maridos traz à tona aspectos que a observação continuada deixaria muito
anuviada. O primeiro deles é, de fato, a continuidade das relações existentes entre
Domingos Gomes Ribeiro-Antônia de Morais Garcês e os membros do núcleo familiar
Antônio Gonçalves dos Anjos-Antônia de Morais Garcês. Dona Antônia comparece à pia
batismal ao lado do genro Joaquim Francisco Homem para batizar a criança filha de
Antônia de Morais, parda forra que fora sua escrava, possivelmente alforriada com o
passamento de Antônio Gonçalves dos Anjos. A criança, numa clara homenagem aos
antigos proprietários, recebeu o nome deles. Do mesmo modo, sua mãe, também Antônia,
portava o sobrenome “de Morais”. O mesmo acontecia com a escrava Maria de Morais
Garcês, que utilizava o sobrenome completo de Dona Antônia. No núcleo familiar Antônio
Gonçalves dos Anjos-Antônia de Morais Garcês não era novidade escravos usarem os
sobrenomes de seus proprietários, haja vista cinco deles, entre homens e mulheres,
portarem os sobrenomes Gonçalves ou dos Anjos. Muito destacado fica isso nos batizados
das crianças filhas de Francisco Gonçalves e Maria dos Anjos, escravos de Antônio
Gonçalves dos Anjos e Manuel dos Anjos e Josefa de Morais, escravos de Dona Antônia
de Morais Garcês.
A despeito da legislação e do costume de separar claramente os bens adquiridos
na vida que antecedia ao matrimônio, os escravos que eram de Antônio Gonçalves dos
Anjos e que teriam passado por herança à Dona Antônia, são amiúde ditos escravos de
Domingos Gomes Ribeiro. Em paralelo a isso, também é perceptível a inexistência de
escravos de Domingos Gomes Ribeiro fazendo batizar seus filhos no período que
antecedeu seu matrimônio com Dona Antônia. Pouco provável que não os tivesse, ao
336
mesmo tempo que muito provavelmente, dadas as suas atividades e as de seu filho
homônimo como criadores de gados e condutores de tropas que eram, esses seus possíveis
escravos fossem homens usados nessas atividades que, entre outras coisas, se dão afastadas
do núcleo de maior concentração populacional e mesmo obrigam a viagens longas e
demoradas. Havia a necessidade de cuidar de duas grandes sesmarias de três léguas de
comprido por uma légua de largo que se situavam em locais distantes do povoado e da
igreja da localidade.
Contribui para isso também o fato de ser viúvo, apesar de ser homem de posses,
dispensando a necessidade de escravas para o acompanhamento doméstico de sua esposa
em uma residência naquilo que poderia ser chamado de “núcleo urbano” de Rio Grande
nas primeiras décadas de sua existência. Uma criada ou uma índia daria conta do serviço
dos ranchos usualmente situados nas propriedades rurais de alguém que tanto se ausentava.
Muito possivelmente, se escravos de Domingos Gomes Ribeiro reproduziram antes do
matrimônio com Dona Antônia de Morais Garcês, eram alguns dos tantos pais das crianças
ditas “filhas de pais incógnitos” que nessa fronteira existiam.
No entanto, a partir de seu matrimônio com Dona Antônia, começam a surgir
crianças na sua escravaria, assim como aparece de súbito a índia Rosa, natural das
Missões, dita “parda forra”, que contraiu matrimônio com o escravo Caetano Angola, que
não aparecem nos batismos dos escravos do núcleo Antônio Gonçalves-Antônia de Morais.
Muito provavelmente fossem escravos que viviam nas propriedades rurais de Domingos
Gomes Ribeiro. A índia missioneira Rosa não somente deu esse filho a batizar como
também foi madrinha de uma outra criança, alheia à escravaria dessa família. Por ela foi
batizado o menino João, filho de Antônio Rodrigues Prates e Maria Rodrigues Prates,
escravos de João Rodrigues Prates. Esse homem era dito dos primeiros povoadores de
Viamão, sendo oriundo da Laguna, onde Domingos Gomes Ribeiro também viveu.
337
O menino Amaro, filho de Rosa, por ter nascido de mãe legalmente livre, herdou
a liberdade de ventre. No entanto, por ter o pai escravo e a mãe coexistindo com seu
marido dentro dos limites da propriedade de seu senhor, muito possivelmente nem ela nem
a sua mãe teriam uma condição de vida muito diferenciada dos escravos desta família.
Estariam sujeitos à execução de tarefas dentro da propriedade e, por fazerem parte da
família do escravo, pouco provável estivessem sujeitos à paga de jornal.
Infelizmente a insuficiência de registros das vidas de Antônio Gonçalves dos
Anjos, de Dona Antônia de Morais Garcês e de Domingos Gomes Ribeiro no tempo que
antecedeu a sua chegada em Rio Grande não permite que sejam sabidos quantos filhos
tiveram nem os destinos desses. Domingos Gomes Ribeiro, filho homônimo do capitão,
também como seu pai ingressou na Companhia de Dragões. Como seu pai, retirou-se dela,
transferindo-se para a Companhia da Ordenança. Comprou e vendeu terras em Viamão e
continuou envolvido em vendas de animais.
Se tudo indica que Antônio Gonçalves dos Anjos morreu de morte natural, de
Domingos Gomes Ribeiro sabe-se um fim distinto. No dia dois de junho do ano de 1762,
pouco mais de um mês após comparecer à pia batismal pela última vez, está registrado seu
óbito no Primeiro Livro de Registros de Óbitos de Viamão. Domingos Gomes Ribeiro
morreu “de um tiro que lhe deram ao cruzar o Arroio do Curral do Fiúza” (AHCMPA -
1LObt-Viamão, 1748-1777. Registro do Óbito de Domingos Gomes Ribeiro, 02/06/1762),
deixando Dona Antônia viúva pela segunda vez. Talvez isso tenha representado um baque
na saúde já fragilizada de Dona Antônia. Em junho de 1764 também Dona Antônia veio a
falecer (AHCMPA - 1LObt-Viamão, 1748-1777. Registro do Óbito de Antônia de Moraes
Garcês, 24/06/1764).
A filha de Antônio Gonçalves dos Anjos e Dona Antônia de Morais Garcês, Ana
Francisca dos Passos, foi beneficiada com a herança havida com o passamento de
338
Domingos Gomes Ribeiro. Ela e seu marido herdaram a Estância da Figueira e
posteriormente a legaram ao seu filho Manuel Joaquim Homem (Domingues, 1990: pp.
111-112)
Entretanto, a despeito da ciência do que se passou com cada um dos membros
dessa família de complexa composição, destaca-se aqui a fina malha de relações sociais
que souberam tecer, não apenas com os parentes, sejam consangüíneos, mas envolvendo
todos aqueles que viviam em suas propriedades ou sob as chefias das famílias. Os arranjos
foram muito bem imbricados e a idéia de pertença perpassava as distintas posições sociais
internas a esse tipo de família. Para viver em uma situação de fronteira, não bastava ter
posses, terras, casas, bens móveis e de raiz. As terras podiam ser tomadas a qualquer
momento, como de fato o foram com a chegada dos espanhóis invasores em 1763. A
produção, fosse ela em animais ou agrícola, podia ser requisitada pelos soldados de Sua
Majestade para o munício das tropas. Podia ser vítima de vandalismos, saques e ataques
dos índios ou dos inimigos espanhóis. Tudo o que tinham de bens tangíveis podia ser
levado ou deixado de um momento para o outro. Os autos da Devassa Sobre a Entrega da
Vila do Rio Grande às Tropas Castelhanas de 1764 são prolixos em relatar as perdas
sofridas com o ataque. Barcos, casas, lojas, animais, roupas, mantimentos, utensílios e
mais bens de quem os possuía foram deixados para trás, no que foi chamado de “os tempos
da corrida”.
Esses homens e mulheres que viviam em Rio Grande puderam reconstituir suas
vidas com base no mais importante dos bens que possuíam. Um patrimônio que não podia
ser perdido porque não podia ser tocado pelas mãos humanas. As relações de compadrio e
os deveres da reciprocidade que a estruturavam, eram levados para onde quer que fossem.
Apresenta-se, por último, uma família que, assim como a família de Maria Quitéria
Marques de Souza, viveu na Vila do Rio Grande até o momento da tomada pelas tropas
339
castelhanas e que, na urgência da fuga, levou consigo só o que podia carregar, além das
coisas que não precisam de sacolas nem baús para serem conduzidas, ou seja, as relações
inter-pessoais e inter-familiares que arranjaram no tempo em que viveram em Rio Grande.
Abreviações usadas nesse capítulo:
ABN
Anais da Biblioteca Nacional
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AAHRS
– Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ACMRJ
– Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
ADPRG – Arquivo da Diocese de Rio Grande
AHCMPA
– Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
AN – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
BN – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
SEB – Fundo Secretaria de Estado do Brasil
LBat – Livro de Batismos
LObt – Livro de Óbitos
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
RG – Rio Grande
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
SEB – Fundo Secretaria de Estado do Brasil
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ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Autos Matirmoniais.
1756-1769.
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Capítulo 6
As Sementes Para o Futuro: os padrinhos infantes, a formação
de um pecúlio imaterial e a subversão da lógica do dom na Vila
do Rio Grande
Alguma famílias do Rio Grande, em clara desatenção ao que era determinado nas
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, iniciavam seus filhos na carreira de
padrinhos com uma idade muito aquém da exigida nesse conjunto de ordenações para a
vida cristã e moral. Nos registros batismais da Vila do Rio Grande não é difícil encontrar
meninos com idade abaixo da exigida a comparecer em cerimônias de batismo no papel de
padrinhos nas cerimônias e, muito freqüente, é o comparecimento de algumas meninas em
tenra idade. Algumas madrinhas foram encontradas batizando dentro da faixa etária ainda
considerada como inocente – até sete anos ou até que cumprissem o segundo sacramento
da Igreja Cristã, a comunhão com Deus e demais membros da cristandade.
O estado de inocência dava-se após o batismo, quando a criança liberta do Pecado
Original estava livre de culpas. Estava também livre de responsabilidades. Ou como no
verbete “inocência”, do dicionário de Raphael Bluteau:
(...) pureza da alma, livre de todo o gênero de pecados. Neste sentido
dizemos que Adão foi criado no estado da inocência, e que a inocência
Batismal restitui o homem à sua primeira pureza, etc. A idade dourada da
inocência é a infância do homem no leite, com que se alimenta, se divisa
o seu candor; a ignorância daqueles anos é o seu preservativo, a
simplicidade o seu adorno. (...) (Bluteau, 2000 , verbete INOCÊNCIA)
344
Estando isento de culpa e de responsabilidades, um inocente não poderia, ao
menos não em tese, assumir para si as funções de padrinho ou madrinha de uma outra
criança. Ser apadrinhar era dar a graça de um nome cristão. Também era assumir a
responsabilidade pela salvação da alma de outrem, pela sua educação moral e religiosa.
Segundo as Constituições Primeiras,
...o padrinho, ou a madrinha nomeados toquem a criança, ou a recebam
ao tempo que o Sacerdote a tira da pia batismal feito já o Batismo, e que
o Sacerdote, que batizar, declare aos ditos padrinhos, como ficam sendo
fiadores para com Deus pela perseverança do batismo na Fé, e como por
serem seus pais espirituais, têm a obrigação de lhes ensinar a Doutrina
Cristã, e bons costumes (Da Vide, Tíluto XVIII, § 65, 1707).
Era tornar-se fiador ante o pároco, ante a comunidade e, acima de tudo, ante Deus,
pela renúncia ao Demônio. Passada a idade da inocência, a criança que fora batizada
reafirmaria o compromisso assumido por seus padrinhos no momento em que recebesse o
sacramento da Crisma ou Confirmação do Batismo. Nesse momento, aquela criança que
foi levada ao estado de inocência em seu batismo com os compromissos inerentes aos
cristãos afirmados por seus padrinhos, afirmaria ser sua própria vontade renuncias ao
Demônio e manter-se um cristão no seio da cristandade. Eram, portanto, os compromissos
assumidos pelos padrinhos no ato do batismo, por demais pesados para serem levados a
cabo por um inocente.
Para isso, as Constituições Primeiras recomendavam que uma vez nomeado o
padrinhos pelos pais ou responsáveis pela criança, o mesmo tivesse a idade mínima de
catorze anos se fosse rapaz e de doze anos no caso das moças (Da Vide, Título XVIII, §
64, 1707). Deveria ser essa idade a da perda completa da inocência ou de admissão na
idade adulta pois “O Varão para poder contrair Matrimônio deve ter quatorze anos
completos e a fêmea doze anos também completos...” (Da Vide, Título LXIV, § 267,
1707), vindo após observação sobre as exceções que possibilitariam contrair matrimônio
345
antes da idade recomendada. Entretanto, para a idade determinada para apadrinhar ou
amadrinhar uma criança não estão descritas as exceções e, caso pudessem haver, ficaria,
talvez, ao critério do pároco que deveria obter licença do bispado. Assim, como nos casos
de batismos por outros curas que não o vigário da igreja estão anotadas as referidas
licenças, os batismos que eram procedidos tendo crianças como padrinhos, deveriam ter
anotadas as referidas licenças no assento. Mas não era isso que ocorria. Em nenhum dos
registros batismais que tiveram meninos e meninas com a idade abaixo da determinada por
essa compilação de regras e normas traziam referência a alguma licença concedida.
I. Quem se busca para padrinho
Para que se possa tentar entender esse fenômeno, será feita uma breve análise da
qualidade dos compadrios buscados na vila. Será tomado como base para essa análise as
crianças filhas de nativos das Ilhas dos Açores, batizadas em Rio Grande desde a fundação
do povoado e seus padrinhos. Elegeu-se esse grupo por possuírem ao menos uma origem
geográfica semelhante e possivelmente hábitos sócio-culturais mais homogêneos do que
aqueles que chegaram em momentos e a partir de lugares distintos, fosse da península ou
da Colônia. A freqüente anotação acerca de sua origem no arquipélago dos Açores é
elemento que os distinguia dos demais segmentos da sociedade e que por essa facilidade
em sua identificação foi tomado aqui.
Desde meados da década de 1740 houve a chegada de nativos das Ilhas. No
primeiro momento como soldados que vieram para fazer a defesa dos territórios de Sua
Majestade. Posteriormente, com o envio de casais para que se procedesse o povoamento
(Parecer do Conselho Ultramarino assinado por Alexandre de Gusmão, e um despacho
real ordenando o embarque de soldados... In: Cortesão, 1951 442-443). A partir de 1749
os casais foram chegando a Rio Grande, a princípio com pouco ímpeto, sendo intensificada
346
essa chegada com o passar dos anos da primeira metade da década de 1750. Inicialmente
havia o plano de assentar os casais de açorianos, seus filhos e agregados na fronteira oeste,
ocupando as áreas das estâncias e povoamentos missioneiros desde que o Tratado de Madri
acordou a expulsão dos padres jesuítas do território. Não contavam as autoridades,
entretanto, com a resistência dos indígenas a este acordo feito entre as nações ibéricas. Sem
poderem ir para as terras que lhes seriam, ao menos em tese, destinadas, os ilhéus ficaram
“represados” na Vila do Rio Grande, aguardando solução para o caso.
Se as autoridades achavam que a derrocada da resistência indígena era uma
questão de tempo, as populações civis não podiam esperar para dar consecução às suas
vidas. Estabelecidos na Vila do Rio Grande, atendidos pela Ordenança dos Casais,
continuaram a viver com as parcas condições que ali possuíam. Muitos dos solteiros e
solteiras casaram-se e, juntamente com os que já vieram casados, começaram a reproduzir
na nova localidade onde estavam vivendo. O nascimento de crianças fazia parte dessa
continuidade, fossem seus pais solteiros e casados. Como cristãos que eram, buscaram
batizar seus filhos, livrando-os do pecado original. Junto com isso, reatavam laços, através
do parentesco espiritual que remontavam às Ilha e atavam novos laços com moradores que
já estavam na Vila há mais tempo. O resultado disso é uma bem elaborada malha de
relações que transparecem nos registros batismais, dando a esses novos moradores uma
base de sustento para suas existências sociais.
Têm-se coletados dos quatro primeiros livros de registros batismais da Vila do
Rio Grande desde o surgimento de seu primeiro pároco até o ano de 1763, quando a Vila
foi tomada por espanhóis, um total de 1368 registros legíveis na íntegra ou parcialmente
legíveis, haja vista os livros terem sofrido com ação do tempo, de agentes naturais como a
umidade ou ataque de insetos. Desses registros, 97 não têm padrinho registrados, o que
geralmente ocorria em casos em que o batismo havia sido efetuado em situação de
347
emergência ou não foi possível saber, dado o estado de corrosão do documento. Um pouco
distante desse número está aqueles em que não havia madrinha ou foi impossível saber.
São 227 os registros que não continham madrinha ou foi impossível coletar dados.
Considerando os dados encontrados por Renato Pinto Venâncio para as freguesias
do Rio de Janeiro que estudou, encontramos para o grupo de imigrantes vindos dos Açores
uma presença muito alta de mulheres à pia batismal como madrinhas em relação à
freqüência que o autor encontrou para aquela cidade. Venâncio achou um índice de
abstenção das madrinhas de 70% para as crianças filhas de escravos e de 60% para as
crianças nascidas livres (Venâncio, 1986). Os percentuais de ausências para os batismos de
filhos de imigrantes dos Açores foram de 16,5%, incluídos aqui os registros cujas
condições não permitiam saber se houve ou não a presença de uma madrinha. A ausência
de padrinhos ou impossibilidade de extração desse dado é praticamente a metade: somente
7,9% dos batismos não possuem padrinho ou não foi dado a coletar este dado. Infelizmente
Venâncio não apresenta números ou percentuais de ausências masculinas nesses batismos,
para que pudesse ser feita também uma comparação. Bem mais próximos aos índices
encontrados para a Vila do Rio Grande estão os percentuais fornecidos por Donald Ramos
para a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Esse autor encontrou 28% das
crianças livres, 20% das escravas, 27% das forras sem constar madrinha. Outro dado
interessante à contrapor os imigrantes dos Açores na Vila do Rio Grande e essas duas
outras localidades é a inexistência de madrinhas pertencentes à esfera sagrada. Donald
Ramos (2004) oferece os dados em números absolutos, 60 crianças escravas e livres num
universo de 11295 batizados. Renato Pinto Venâncio encontrou 22% do total de 2110
registros batismais.
Entre os filhos dos açorianos não foi localizada nenhuma criança com madrinha
santas, como Nossa Senhora ou Santa Ana. Ao que tudo indica, por mais que se invocasse
348
a proteção sobrenatural na hora do parto, a importância do estabelecimento de relação de
compadrio com pessoas do mundo terreno estava dada. A necessidade de pais espirituais
com existência de carne e osso era muito forte nessa região de fronteira, ainda mais quando
se vê um grupo de imigrantes chegando a uma localidade inteiramente nova para eles,
tendo ainda que firmar sua posição dentro do corpo social. Nesse ponto, o aspecto dito
funcional por Stephen Gudeman (1971) parece ter sido privilegiado na seleção de
padrinhos e madrinhas. Estabelecer contato e relação estreita sob a bênção da Igreja pode
ter sido fundamental para o dia de amanhã desses imigrantes.
II. Os padrinhos e as madrinhas
dos filhos dos ilhéus
Nas escolhas de padrinhos e madrinhas para as suas crianças, os ilhéus
transmigrados para Rio Grande deixaram transparecer clara preferência por alguns grupos
familiares, fossem eles de nativos dos Açores ou vindos de outras partes quaisquer. Dos
1259 batismos que tinham padrinhos nominados, 648 padrinhos compareceram apenas
uma vez à pia batismal, sendo que neste número estão aqueles de quem não se pode fazer
uma identificação positiva com pessoas homônimas constantes em outros registros; 118
compareceram, com identificação positiva, duas vezes à pia batismal, podendo haver
suspeição de outras vezes que apadrinharam, mas nesse caso, não havendo certeza, estão
colocados na categoria anterior; 52 compareceram apadrinharam por três vezes, valendo a
observação anterior. Apenas 22 compareceram quatro vezes à pia como padrinhos. Os que
compareceram cinco ou mais vezes, estão dispostos em quadro abaixo, em ordem
decrescente:
349
Quadro XVII – Padrinhos de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes
Padrinho
#
Manuel da Costa de Carvalho
18
Padre Manuel da Cruz Gomes
16
Manuel de Souza Torino
16
Manuel Marques de Souza
13
Joaquim Manuel da Trindade
13
João Martins da Costa
12
João Martins Lima
10
José Antônio de Brito
10
Lucas Fernandes da Costa
10
Bartolomeu Antônio
9
Domingos de Lima Veiga
9
Francisco Coelho Osório
9
Inácio Osório Vieira
9
Manuel Machado Fagundes
9
Antônio Gonçalves Passos
8
Domingos Martins
8
Manuel de Oliveira
8
Antônio Francisco dos Santos
7
Antônio José Coimbra de Andrade
7
Antônio Rodrigues Sardinha
7
Domingos Fernandes de Oliveira
7
Luís Gonçalves Viana
7
Manuel Bento da Rocha
7
Manuel Pinto Rabelo
7
Antão Pereira Machado
6
Antônio de Souza dos Reis Cardoso
6
Antônio Francisco
6
Domingos Simões Marques
6
Padre Francisco de Lima Pinto
6
João de Souza Rocha
6
José Gonçalves Dias
6
Manuel Jorge
6
Tomé Teixeira
6
André de Sá da Fonseca
5
André de Souza Aguiar
5
Antônio Gomes Pacheco
5
Antônio Goularte
5
Antônio José de Moura 1
5
Antônio Pereira
5
Antônio Simões
5
Francisco Pires Casado
5
João da Cunha Vale
5
José da Corte
5
José Luís de Queirós
5
Manuel da Costa Pimentel
5
Manuel da Silva
5
Padre Manuel Francisco da Silva
5
Manuel Leite Vieira
5
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
Um quadro semelhante, de concentração de compadrios, também aparece nas
madrinhas escolhidas por estes casais. 292 mulheres compareceram apenas uma vez como
madrinhas nas cerimônias de batismo, em que pese, por exemplo, haver 11 Teresas de
Jesus que não continham nenhuma outra informação que pudesse redundar em
identificação positiva com outra Teresa de Jesus, o mesmo acontecendo com Maria da
Conceição e outras mulheres com nomes comuns sem sobrenome. 80 mulheres foram
madrinhas por duas vezes, valendo para estas também as observações feitas anteriormente.
34 foram madrinhas por três vezes, 37 por quatro vezes. As que foram madrinhas por cinco
vezes ou mais estão dispostas em quadro abaixo, também organizadas de modo
decrescente.
350
Quadro II – Madrinhas de crianças filhas de ilhéus que batizaram 5 ou mais vezes
Madrinha #
Joana Maria da Purificação 36
Inês de Santo Antônio 23
Laureana Maria de Santo Antônio 20
Maria Quitéria Marques de Souza 20
Ana Maria 16
Ana Maria Pais 16
Maria Inácia 14
Maria Coelho 13
Maria Goularte [Maria do Rosário] 12
Margarida Luísa Rosa 11
Ana Maria Pinto [Ana Maria Pinta] 10
Joana Maria da Ressurreição 10
Maria Silveira 10
Rosa Maria 10
Rosa Maria [Rosa Francisca] 9
Helena do Espírito Santo 8
Isabel Francisca da Silveira 8
Maria Rodrigues 8
Catarina Josefa 7
Escolástica Marques de Souza 7
Josefa Maria 7
Maria Lauerana [Maria Lourenço] 7
Angélica Teresa 6
Francisca Correia 6
Isabel Maria 6
Joana Rosa 6
Luzia da Conceição 6
Maria do Espírito Santo 6
Maria do Rosário 6
Maria Francisca 6
Rosa Maria Pires 6
Águeda Maria 5
Águeda Teixeira 5
Ana Francisca 5
Ana Maria da Silva 5
Antônia Maria 5
Catarina de Sene 5
Cipriana Gonçalves 5
Francisca Fagundes de Oliveira 5
Francisca Joaquina de Almeida Castelbranco 5
Inácia Xavier 5
Josefa de Jesus 5
Luzia Maria 5
Madalena do Rosário 5
Maria de São José 5
Maria Rosa 5
Mariana Rosa 5
Rosália Inácia do Sacramento 5
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
De pronto tem-se a medida: o homem que mais vezes com pareceu à pia batismal
como padrinho, o fez exatamente a metade das vezes que foi madrinha a mulher que mais
batizou crianças filhas de ilhéus. A concentração de escolhas para madrinha que recaia
sobre certas mulheres era, então, muito maior do que a concentração de escolhas para os
homens.
Dos homens que constam nos quatro primeiros lugares da lista têm-se que Manuel
da Costa de Carvalho era Sargento-supra da Companhia das Ordenanças. A Companhia
das Ordenanças era responsável por dispensar recursos tanto em sementes como
ferramentas agrícolas, alimentação e vestimentas para os Casais de Sua Majestade. Sem a
menor sombra de dúvidas, Manuel da Costa de Carvalho era pessoa influente e interessante
de se ter como aliado nesse momento de chegada à Vila. Também é interessante notar que
351
sua primeira aparição nos registros batismais da Vila é do ano de 1753, coincidentemente
um ano de grande chegada de contingentes das Ilhas na localidade. Há portanto, grande
possibilidade de Manuel da Costa de Carvalho ser também um ilhéu, de qualidade mais
elevada, haja vista a patente da Ordenança. Também é bastante provável que seu posto de
Sargento-supra fosse referente à específica Companhia das Ordenanças dos Casais, o que o
tornava em situação de liderança direta sobre os Casais de Sua Majestade.
Manuel de Souza Torino era homem de posses, tendo exercido o cargo de
vereador da Câmara de Rio Grande no ano de 1753. Pode ter sido eleito outras vezes, mas
a documentação da Câmara foi perdida com a invasão que promoveram os espanhóis,
tendo sobrevivido um documento enviado pela Câmara de Rio Grande a el-Rei por estar no
acervo do Arquivo Histórico Ultramarino. Esse documento contém a assinatura de Manuel
de Souza Torino.
Com cinco ou mais afilhados entre os filhos de ilhéus havia padres, o que por si só
os colocam acima e distante da maioria dos mortais. Eram homens de Deus numa terra
estranha. Um deles foi padrinho por 16 vezes, a despeito das Constituições Primeiras
proibirem clérigos de serem padrinhos de crianças. Mas isso não era desrespeitado apenas
em Rio Grande, haja vista Sílvia Brügger ter encontrado padres entre os padrinhos mais
freqüentes de São João del Rei (Brügger, 2002).
Fazendo o caminho inverso, tentemos, pois, saber quem são as quatro mulheres
que mais batizavam crianças filhas de ilhéus na Vila do Rio Grande.
Joana Maria da Purificação era casada com Lucas Fernandes da Costa, que figura
como padrinho de dez crianças. Lucas Fernandes era criador de gados e detentor de larga
porção de terras, ainda que não homologadas. Foi fiador de tropas de animais que eram
enviadas para a o sudeste. Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação com
freqüência eram ditos “dos primeiros povoadores”, o que tem duplo significado a esse
352
tempo. Por um lado, significa que foram os que chegaram quando ainda estava tudo por
fazer, quando Rio Grande não passava de uma fortaleza militar e um amontoado de choças
daqueles que vinham da Colônia do Sacramento por lá morarem ou por lá estarem fazendo
sua defesa. O outro significado é de estarem inseridos entre os principais, os melhores da
terra, entre as primeiras famílias na hierarquia social.
Inês de Santo Antônio era esposa do primeiro colocado no ranking dos padrinhos,
sendo possivelmente uma nativa dos Açores de família com algum destaque entre eles, já
que era mulher do Sargento-supra da Ordenança. Laureana Maria de Santo Antônio, a
terceira colocada no ranking das madrinhas era filha deste casal. A quarta mulher
empatada com Laureana Maria era Maria Quitéria Marques de Souza, casada com Antônio
Simões, que batizou por cinco vezes. Também era mãe de Manuel Marques de Souza.
Tentando ver, portanto, qual a colocação da esposa de Manuel de Souza Torino no
quadro das madrinhas, encontramo-la. Maria Coelho tinha o expressivo número de treze
afilhados entre os filhos de açorianos.
Não é coincidência, então, o fato de estarem essas quatro mulheres que lideraram
esses batismos associadas a homens também bem posicionados nas escolhas dos ilhéus,
assim como não parece ser acaso que as esposas dos homens que eram casados e que
ocupavam as liderança nas escolhas também estarem associados a madrinhas de muitos
afilhados. Isso dá a certeza de que as escolhas para os compadrios se dava muito menos em
termos pessoais do que familiares. Havia, pois, uma concentração de preferência a para
padrinhos em torno de algumas famílias. Organizados abaixo, então, os padrinhos e
madrinhas identificados nos dois quadros acima, dispostos por núcleo familiar, nos quais
as datas indicam o primeiro e o último compadrios na localidade, não sendo
necessariamente de um filho de nativo dos Açores.
353
Quadros de Compadrios com açorianos por membro do núcleo familiar
Quadro XIX – Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação
Compadrio
na
localidade
último
compadrio
na
localidade
nome posição na
família
comparecimentos
à pia
16/06/1738 07/08/1761
Lucas Fernandes da Costa marido 10
16/06/1738 18/04/1763
Joana Maria da Purificação esposa 36
17/07/1747 14/11/1762
Joaquim Manuel da Trindade filho 13
07/08/1761 07/08/1761
Inácia Maria de Lima nora 1
25/10/1758 02/02/1762
Jacinto José Xavier filho 2
Total de comparecimentos à pia 61
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
Quadro XX – Manuel de Souza Torino e Maria Coelho
Compadrio
na
localidade
último
compadrio
na
localidade
nome posição na
família
comparecimentos
à pia
03/06/1743 05/10/1760
Manuel de Souza Torino marido 16
16/04/1739 05/10/1760
Maria Coelho esposa 13
Total de comparecimentos à pia 29
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
Quadro XXI – Antônio Simões e Maria Quitéria Marques de Souza
Compadrio
na
localidade
último
compadrio
na
localidade
nome posição na
família
comparecimentos
à pia
11/03/1743 10/04/1757
Antônio Simões* marido 5
06/08/1741 05/05/1761
Maria Quitéria Marques de Souza esposa 20
18/05/1756 16/05/1759
Manuel Marques de Souza filho 13
18/05/1756 14/01/1763
Escolástica Marques de Souza filha 7
05/09/1762 14/01/1763
Antônio José de Moura genro 5
18/05/1756 25/12/1758
Feliciano Marques de Souza filho 1
18/05/1756 22/03/1763
(Maria)Joaquina Marques de Souza filha 1
Total de comparecimentos à pia 55
* Faleceu em 31/05/1758 – L1Obt-RG, Registro do óbito de Antônio Simões
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
Quadro XXII – Manuel da Costa de Carvalho e Inês de Santo Antônio
Compadrio
na
localidade
último
compadrio
na
localidade
nome posição na
família
comparecimentos
à pia
25/10/1753 30/10/1762
Manuel da Costa de Carvalho marido 18
09/03/1755 30/10/1762
Inês de Santo Antônio esposa 23
25/10/1753 31/01/1762
Laureana Maria de Santo Antônio filho 20
Total de comparecimentos à pia 61
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
As esposas, portanto, tendiam a comparecer à pia batismal mais vezes que seus
maridos e filhos, com exceção do casal Manuel de Souza Torino e Maria Coelho. Ainda
assim, dadas as treze vezes que compareceu a cerimônias de batismo como madrinha,
Maria Coelho não é exatamente o tipo de mulher que viveria reclusa no lar, dando mostras
354
de sua presença em cerimônia públicas da Igreja Católica. Com certa freqüência, também
as filhas extrapolaram o número de compadrios estabelecidos por seus pais. O que se
verifica nesses quadros de padrinhos e madrinhas e nos quadros pro núcleo familiar é um
maciço comparecimento de mulheres de boas famílias aos atos batismais, o que torna a
explicação de Renato Pinto Venâncio para a ausência de mulheres de famílias de elite nas
cerimônias de batismo inválidas para o contexto da fronteira sulina. As mulheres saíam de
casa, ainda que pudesse ser somente para cerimônias religiosas e, muitas vezes o faziam
sem o estarem o tempo todo ao lado de seus maridos ou filhos, filhos ou irmãos, já que,
muitas vezes, não era com eles que formavam par ao batizar uma criança.
A outra constatação que pode ser feita ao ver estes quadros é que os ilhéus, antes
de investirem suas possibilidades de relacionamentos firmados pelo compadrio em
pessoas, investiam em famílias. As quatro famílias de “campeões” de compadrio entre os
açorianos na Vila do Rio Grande tinham posição de destaque. Ao mesmo tempo, o grande
número de pessoas que compareceram apenas uma ou duas vezes à pia batismal remete a
uma situação de diversificação do direcionamento das relações de compadrio. Um deles
voltado para as alianças de compadrio para com famílias bem posicionadas outro voltado
para outras possibilidades, muito provavelmente dentro do próprio grupo familiar ou de
origem social, econômica ou geográfica. Em tempos de instabilidade como a chegada e
estabelecimento em um novo povoado e numa situação de constante insegurança dada nos
contextos de fronteira sulina ao século XVIII, criar e reiterar as alianças entre esses grupos
de origem semelhante significa uma reciprocidade entre pares, podendo estar mais calcada
na solidariedade “entre os iguais que vivem situação semelhante”. O convite ao compadrio
entre os colonos dos Açores e as famílias de elite de Rio Grande construíam elos de
reciprocidade entre desiguais, com famílias situadas acima na escala social.
355
A opção por abordar mais as mulheres que os homens – com a exceção do casal
Manuel de Souza Torino e Maria Coelho – é por demais interessante para estudo. Em se
considerando Antônio Simões e Lucas Fernandes, uma das causas plausíveis é que, sendo
condutores de tropas, nem sempre estariam na localidade à época do batismo. Mas essa não
é a única explicação, pois encontra eco em algumas outras famílias, inclusive na de Manuel
da Costa de Carvalho que tinha suas atividades a Ordenança dos Casais e, portanto,
passava a maior parte do tempo dentro da jurisdição da freguesia onde estavam situados
estes casais.
Pensa se aqui que, para uma situação de instabilidade como era a de fronteira, na
qual a morte e o infortúnio espreitavam a todos, manter um compadre interno à família ou
interno ao grupo de origem social e/ou geográfica semelhante significava pronto auxílio
sem maiores formalidades, talvez necessárias, de quando se acorre a um homem de posição
social superior. Entretanto, ao buscar o compadrio com as esposas desses homens, ainda
assim conseguiam adentrar à rede de parentela espiritual dessa família. O compadre
responsável pelo sustento de uma criança, o braço provedor estaria ao alcance praticamente
imediato, ao passo que a solicitação respeitosa de um favor, de uma intercessão dos
homens de poder, poderiam ser feitas através da intermediação das comadres, suas filhas e
esposas. Também a estas poderiam caber outros aspectos mais sutis da vida: agirem como
casamenteiras, intercederem na obtenção de uma colocação de trabalho, pedirem o alívio
da aplicação de alguma pena. Enfim, uma faceta da vida que facilmente escapa dos
registros em fontes documentais.
Essa situação de desequilíbrio de condição social entre padrinhos e madrinhas das
crianças foi observada também por Solveig Fagerlund (2000), que analisou os compadrios
de Helsingborg, na Suécia, no período de 1688-1709, uma localidade na qual o predomínio
religioso era do luteranismo, o qual guarda diferenças importantes principalmente quanto à
356
importância do batismo. Sendo considerado menos importante que a confirmação, ainda
assim era uma cerimônia importante na vida as comunidade cristã. A constatação do autor,
é semelhante a constatação aqui feita para a Vila do Rio Grande e exemplificada no grupo
facilmente identificável como oriundo dos Açores. Segundo Fagerlund, as mulheres
desempenhavam papel importante na rede de relações de compadrio, nas quais os
padrinhos e madrinhas sempre eram buscadas entre famílias de mesmo estatuto social dos
pais das crianças ou estatuto superior, jamais inferior. As mulheres casadas oriundas de
estratos sociais superiores eram privilegiadas na escolha para madrinhas ao passo que os
homens casados de situação semelhante à da família dos batizandos eram privilegiados
para padrinhos. Não necessariamente situados em grupos de atividades profissionais,
ofícios ou companheiros de armas, mas também voltados para dentro das famílias. As
mulheres casadas de alto estatuto social eram, portanto, as mais visadas para o
estabelecimento de relações ditas verticais através do compadrio, ao passo que os homens
casados de mesmo estatuto social eram os mais visados para estabelecimento de relações
do tipo horizontais ao contrair o laço do compadrio. Um dos pontos de contato entre as
famílias de estatuto social distinto era feito, então, nessa localidade sueca, através das
mulheres das famílias de posses, em detrimento de seus maridos.
Observando então, a grande disparidade na escolha das madrinhas e padrinhos nas
família aqui colocadas para estudo, percebe-se que, na Vila o Rio Grande, as relações do
compadrio masculino, então, serviriam para reiterar alianças de companheirismo e
solidariedade oriundos da profissão: a atuação na conduta de tropas, na lavra de um mesmo
campo; de vida em um mesmo mundo, no qual, carentes de tudo, reivindicavam sementes,
rações de alimentos e a terra para viverem em produzirem; de parentesco consangüíneo ou
afim, obtidas em alianças matrimoniais pregressas, que muito provavelmente atravessaram
o oceano em sua bagagem imaterial.
357
Já as relações do compadrio feminino na Vila do Rio Grande, possibilitariam a
ampliação desse círculo de relações para além da família, para além do grupo de origem,
para além dos companheiros de ofício. Através do compadrio feminino era costurada a fina
teia da malha social que englobava todos os setores, por vezes com graves antagonismos
de interesses, como seria de se esperar os existentes entre senhores e escravos, entre
patrões e jornaleiros. Bem provável tenha sido essa malha tecida por Joanas, Marias,
Quitérias e Laureanas a dar coesão ao tecido social e minimizar as tensões internas.
Em Rio Grande, através do compadrio, diferentes setores dentro da fortemente
hierarquizada sociedade lusa desta fronteira se punham em contato e assumiam
compromissos mútuos de respeito e auxílio, sejam lá quais forem os significados que essas
palavras pudessem assumir para cada um desses segmentos sociais. Para os camponeses
migrados podia significar um trabalho, a venda de uma colheita, um teto e um prato de
comida para a criança que ficou órfã. Para as famílias mais aquinhoadas, a formação de
uma base de sustentação à sua posição dentro da sociedade, já que não basta estar no topo:
é preciso manter-se lá. O número de pessoas entre as crianças e compadres que lhes
deviam respeito na parcela oriunda dos Açores nessa localidade fala bem alto acerca de
quão abrangente podia ser a área de sua influência.
Não é exagerado lembrar novamente que compadrio assim como o que se passa
entre padrinho e afilhado são relações e, portanto têm de funcionar em mão-dupla. Dando-
se entre iguais, tendem à solidariedade. Entretanto, se entre desiguais, os bens trocados
nessa relação, e principalmente sendo bens não materiais na maioria das vezes, fazem com
que se criem relações de dependência mútua, com dívidas que nunca serão saldadas.
Mais ainda porque a há a tendência de serem os compadres pertencentes a grupos
com estatuto social superior ao de seus afilhados e também não é exagerado lembrar que o
topo da pirâmide social em sociedades hierarquizadas sempre é muito mais afilado que sua
358
base, essa alargada. Os que na sociedade riograndina não obtiveram tiveram o acesso
restrito a recursos e benesses era bem mais numeroso que os setores que por meios
diversos obtiveram e mantiveram privilégios, largas porções de terras, altas patentes
militares, cargos e ofícios régios, contratos para a distribuição de municio de tropas, dos
açougues do fisco sobre a passagem das tropas, etc. Se o compadrio funcionava como
instituição da Igreja Católica se manteve por tanto tempo e, dessa forma, foi tecendo
alianças entre setores desiguais na sociedade, deveria ter algo de benéfico a ambos. Não
seria tão longevo se permanentemente existisse grande prejuízo para o mesmo setor.
Para o setor situado nas camadas mais baixas da sociedade, não faltam as
afirmativas extraídas das próprias obrigações estabelecidas pelo sacramento do batismo:
contrapartida dada como proteção, educação religiosa e moral e mais cuidados para com o
afilhado. Para o grupo das famílias que apadrinhavam e mais ainda para essas que
apadrinhavam em quantidade, a contrapartida percebe-se com formação de um séqüito de
compadres apoiadores, que reconhecem nele qualidades suficientes para entregar-lhes a
salvação de seus filhos, no princípio a salvação religiosa, mas, muitas vezes, a salvação
física, com a cedência de mantimentos, roupas, com a introdução em outras redes de
relacionamentos através da indicação dos padrinhos e madrinhas mais bem situados.
Muitas famílias que, ligadas a eles por laços sacramentados, lhes deviam, no mínimo,
respeito. As relações subjacentes ao batismo foram tão fortes e tiveram permanência ao
longo do tempo de forma que, ainda hoje, passados mais de dois séculos do período sob
estudo, é de uso popular dizer que alguém que foi favorecido em uma disputa no mercado
de trabalho é “apadrinhado” de quem decide ou de quem é próximo a quem decide. Havia
então, a esse tempo, um mercado de influências cuja moeda não cabia em cofres ou no
bolso de quem detinha a fortuna. Mas ao que tudo indica, a “contabilidade” aproximada
359
dessa fortuna poderia ser feita através do que está registrado nos livros de batismo da
igreja.
Conforme Barrington Moore, (1988), não basta chegar ao topo da pirâmide social
para que uma família seja parte da elite ad infinitum. Moore afirma que tão difícil quanto
escalar os degraus da hierarquia social e chegar ao topo era manter-se nele. Nome,
propriedades, riqueza, prestigio em um dado momento nunca eram, por si só, suficientes
para a permanência de pessoas e famílias como membros da elite para pouco além de um
átimo da vida da coletividade, para além dos quinze minutos de fama como disse certa feita
Andy Whorroll. Há a constante necessidade de reiteração das qualidades que os alçaram a
tais posições e de reinvenção dos mecanismos que as sustentam (Moore, 1988).
Há que engendrar formas de manter-se lá. Há a necessidade de inventar e
reinventar modos de angariar aqueles quesitos que faziam com que alguns se destacassem
do corpo da sociedade, mostrando distinção e que detinham qualidades que os outros não
possuíam. Uma dessas qualidades, supõe-se aqui, era a de aglutinar gente de distintos
estatutos sociais em torno de si, com um apoio quase que irrestrito, como as obrigações
relativas ao ato do batismo se lhes impunham.
O pressuposto básico da superioridade do espírito sobre a matéria, da alma sobre o
corpo, fazia com que as obrigações recíprocas do compadrio se estendessem para além da
vida terrena. A morte não romperia os compromissos assumidos na pia batismal. Um
padrinho de muitos afilhados era alguém que tinha praticamente o dobro de compadres e
comadres do que tinham de afilhados. Como por vezes ocorria de as mesmas pessoas
servirem de padrinhos a mais de um filho de uma mesma família, esse número é inferior à
exatamente o dobro do número de afilhados. Talvez a alta mortalidade infantil existente à
época viesse a equilibrar novamente essa proporção.
360
Sendo assim, um padrinho de cinco crianças teria, além de aproximadamente dez
compadres, cinco afilhados a tratar-lhes com o devido respeito como fariam a um pai ou
mesmo mais do que deviam a um pai. Por outro lado, os padrinhos seriam a autoridade
externa à família consangüínea que poderia colocar-se de como amortecedor das tensões
entre pai e filho. Poderia levar, em momentos de crise familiar, o afilhado a viver em sua
casa, sem que isso pudesse parecer estranho a quem quer que fosse. Poderia castigar-lhe
fisicamente por desobediências ou pela falta de cumprimento de seus deveres domésticos.
Entretanto, por não se tratar de pessoa diretamente lesada com o mau comportamento, o
faria de modo mais brando, afastado da passionalidade do ofendido. Em benefício do
afilhado, poderia legar-lhe algo em testamento da parte da qual dispunha livremente; não
tendo herdeiros, poderia nomeá-lo como um. Junto com os cinco afilhados, teria
aproximadamente dez adultos, cinco homens e cinco mulheres a nomeá-lo como compadre
– alguém com quem dividiam a responsabilidade de serem pais. Um padrinho de cinco
afilhados teria algo próximo de quinze pessoas sob sua influência, nomeados e registrados
nos livros da igreja como sendo parte de sua família espiritual, aquela que, pela sacralidade
dos laços, era superior em qualidade e intenções à família carnal ou afim.
Assim como se percebe a diversificação de aliados a partir dos laços contraídos
nos compadrios, quando parte deles se direcionam para dentro do grupo de origem
familiar, social ou geográfica e outra parte para setores sociais mais bem posicionados que
o seu, se percebe também a diversificação no que tange às famílias escolhidas como
favoritas ao compadrio dentre essas mais bem posicionadas. Tomando as quatro primeiras
linhas dos dois quadros, excluindo o Padre Manuel da Cruz Gomes pelos motivos
seguintes: não foi encontrada nenhuma referência quanto a ter família no Rio Grande,
ficando então a preferência vinculada a sua condição de padre. Não obstante essa ocupação
que lhe dava ascendência espiritual, moral e ética e muita proficiência na orientação
361
religiosa de seus afilhados, Manuel da Cruz Gomes era um padre que fazia constantemente
“rondas” pelos sítios e fortalezas no entorno dos quais os novos colonos se colocavam.
Assim, mesmo quando os batismos ocorriam na matriz, as famílias que o convidavam,
podiam estar fazendo isso como um deferimento àquele que lhes levava a palavra de Deus
e as missas nos locais distantes ou ermos em que viviam.
Nas linhas superiores de cada quadro, portanto, foram encontradas quatro famílias
concentrando, com distância das outras, as preferências ao compadrio. Isso não significa
que não houvessem outras bem cotadas nessas predileções, mas indica também que não
foram investidas todas as possibilidades de alianças com os principais da Vila em apenas
uma. Havia mais de uma opção. E essa opção era daqueles que convidavam ao compadrio
e não daqueles que eram convidados. Isso acrescenta uma nova dimensão na idéia da
formação dos séqüitos de apoiadores por segmentos sociais que se divisa a partir dos
compadrios dos nativos dos Açores. Todos que nasciam na Vila necessitavam de
padrinhos, mas não necessitavam de padrinhos escolhidos necessariamente nessas famílias
mais bem situadas. Eis que somos levados a uma reflexão com base nos fundamentos da
economia do dom e nos deveres que a dádiva impõe aos que entram nas tramas da
reciprocidade.
III. A subversão da lógica do
dom
O antropólogo Marcel Mauss, em seu estudo sobre a dádiva, chega às três
obrigações do dom: dar, receber e retribuir (Mauss, 1974). Por sua vez, Maurice Godelier
aprofunda a discussão acerca do que chama “a quarta obrigação do dom”, advinda da
reciprocidade entre desiguais. Não apenas entre pessoas de estatuto social desigual mas
também da desigualdade na própria dádiva ofertada. Disso viriam os bens que uma vez
aceitos, jamais poderão ser retribuídos na mesma medida. Ainda segundo este autor, é
362
estabelecida uma relação de desigualdade. Quem recebe a oferta fica em dívida para com
quem a fez, fica obrigado à retribuição (Godelier, 2001: 23).
Dar, parece instaurar assim uma diferença e uma desigualdade
de status entre doador e donatário, desigualdade que em certas
circunstâncias pode se transformar em hierarquia. Se essa já existisse
entre eles, antes do dom, ele virá expressá-la e legitimá-la ao mesmo
tempo. Portanto, dois movimentos opostos estariam contidos em um
único mesmo ato. O dom aproxima os protagonista porque é partilha e os
afasta socialmente porque transforma um deles em devedor do outro.
Pode-se divisar o formidável campo de manobras e de estratégias
possíveis contidos virtualmente na prática do dom e a gama de interesses
opostos a que ele pode servir. O dom é, em sua própria essência, uma
prática ambivalente que une ou pode unir paixões e forças contrárias. Ele
pode ser, ao mesmo tempo ou sucessivamente, ato de generosidade ou ato
de violência, mas nesse caso de uma violência disfarçada de gesto
desinteressado, pois se exerce por meio e sob a forma de partilha.
(Godelier, 2001: 23)
Usualmente, a dádiva parte de quem tem mais para quem tem menos, de quem
está em uma posição privilegiada em direção aquele que menos possui. Segundo António
Manuel Hespanha, era o dom quem cimentava as reações sociais e essas as relações
políticas.
(...) Deste modo, o dom podia acabar por tornar-se um princípio e uma
epifania do Poder. Assim, era freqüente que o prestígio político de uma
pessoa estivesse estreitamente ligado à sua capacidade de dispensar
benefícios, bem como à sua fiabilidade no modo de retribuir os benefícios
recebidos. (...) Usualmente o benefício não possuía uma dimensão
meramente econômica. Daí que fosse difícil definir os limites exatos do
seu montante. Esse caráter incerto do montante da dádiva instituía um
campo indefinido de possibilidades de retribuição. (...) Uma das formas
mais comuns de manifestação desse estado de desequilíbrio é a idéia de
“amizade” (“desigual”, no sentido aristotélico) – que, para o pólo
dominante, (credor), se traduz na disponibilidade de quem dá um
benefício e não exige contrapartida expressa e/ou imediata, e, do lado do
pólo dominado (do devedor), está associada às idéias de “respeito”,
“serviços”, “atenção”, significando a disponibilidade de prestar serviços
futuros e incertos. (Xavier & Hespanha, 1988: 340).
e mais adiante, fala dos termos em que se dá essa “amizade” no sentido aristotélico:
...a amizade desigual é, formalmente, aquela que legitima as relações de
poder entre homens livres. Sob este ponto de vista, a regra será a da
proporção entre a posição social dos dois ‘amigos’, quer no plano das
363
prestações (em que o inferior é obrigado a prestações menos
importantes), quer também, de modo inverso, no plano do amor, (em que
o inferior é obrigado a dar mais que o superior). O modelo de troca é o
mesmo – prestações materiais em troca de submissão política, effectus em
troca de affectus”. (Xavier & Hespanha, 1988: 343).
Muito instigante é pensar a relação de compadrio como agindo na contra-mão
dessa troca de effectus e affectus notada por Xavier & Hespanha, subvertendo a lógica do
dom na sociedade de Antigo Regime. Havendo uma relativa equiparação de posições
sociais entre os compadres, a dádiva inicial poderia ser quitada na mesma moeda. Uma
família convida pessoas de outra família para adentrarem à sua, sob o laço sagrado do
compadrio. A recíproca seria um convite semelhante, quando do nascimento de uma
criança, convidar os já compadres que lhes convidaram para batizar um filho seu. Isso só é
possível em uma situação.
Pelo que foi mostrado anteriormente houve um grupo situado majoritariamente
em camadas subalternas da sociedade oferecendo constantemente seus filhos como via de
acesso às suas famílias e às suas redes de reciprocidade. Nesse caso, assim como no
compadrio de escravos, forros ou índios, tem-se que os compadres que batizaram os filhos
nesses estratos inferiores jamais ou muito excepcionalmente – talvez no caso de uma
parteira que acompanhou o sofrimento e socorreu mãe e criança ao longo do parto ou de
alguém com quem já tivessem alguma dívida moral que só pudesse ser retribuída dessa
maneira – seriam chamados a apadrinhar uma criança de seus compadres bem situados
socialmente. Essa dívida jamais seria quitada, pois o uso e o costume não eram os de
convidar pessoas de estatuto social inferior para batizar as crianças de estrato superior.
Inclusive porque, provavelmente através dessa mesma lógica, pudessem agrilhoar aqueles
que estavam em situação social mais privilegiada ainda nas cadeias do dom e contradom.
Inverteria-se assim não a direção dessa relação, mas o sentido da mesma, partindo de quem
tem menos a oferta inicial e a impossibilidade de retribuição na mesma moeda por parte de
364
quem tem mais. Havendo uma relação assimétrica, dos menos aquinhoados, ver-se á
melhor mais adiante, viria o ato de “generosidade ou violência”, havido sob forma de uma
oferta de cunho religioso.
As nuanças intermediárias entre estatutos sociais claramente visíveis pelos
historiadores eram, antes de mais nada, uma complexa combinação de prestígio, bens e
outros atributos angariados ao longo da existência das pessoas e, de modo geracional, pelas
famílias. Essa complexidade dificilmente pode ser apreendida pelos estudiosos do período,
mas estavam presentes na vida dos habitantes de Rio Grande. Tanto é que, mesmo a
situação de cativeiro, não tornava os escravos iguais uns aos outros. Existiam qualificativos
anotados nos documentos que dão pistas para essa desigualdade de condição. Ser dito “de
nação” ou “crioulo” já distinguia aquele que era um estrangeiro e aquele que tinha raízes
familiares e sociais na América. Acredita-se que a alusão aos proprietários também
acrescentava qualificativos a esses escravos, uma vez que colocava a público pertencer a
uma família que, na ciência dos moradores da localidade possuía certos atributos. Estaria
assim o escravo associado aos qualificadores que cercavam aquela família. Faria diferença
ser escravo de um Capitão de Dragões e escravo de um “homem paisano”.
Tanto fazia diferença que percebem-se em muitos registros batismais dos escravos
da Vila de Rio Grande nos quais os proprietários puderam ser identificados que, em se
tratando de criança nascida no cativeiro, mas dentre a escravaria de uma família
prestigiosa, os padrinhos dessa criança, ainda que escravos, eram pertencentes às famílias
de mesma condição social superior ou de condição social semelhante a de seu proprietário.
Não raro essas crianças filhas de escravos eram batizados por pessoas livres e de estatuto
social bastante elevado, como foi o caso, por exemplo, do menino José, filho de Tomás e
Rosa, escravos de Antônio Simões. O padrinho do menino, um dos tantos Antônio
Rodrigues existentes em Rio Grande, era soldado de Dragões, e a sua madrinha Rita era
365
escrava do Capitão Domingos Martins. Os escravos de Antônio Simões também
participavam de compadrios cujos pais das crianças eram escravos de famílias bem
situadas, como essa mesma escrava Rosa, que foi madrinha da menina Anastácia, filha de
José Congo e Maria Benguela, escravos de Francisco Coelho Osório, capitão-mor do
Distrito de Rio Grande.
Segundo Giovanni Levi, os atributos que acompanhavam uma pessoa eram muitos
e emanavam das distintas facetas da vida familiar e pessoal. A avaliação desses atributos
pelos coevos e autoridades aptas a discernir “quem é quem”, quem eram os seus pares e o
que lhe competia nessa sociedade, tanto em deveres como em direitos (Levi, 2002). A
máxima verificada aos compadrios, de que os padrinhos sempre eram pessoas de estatuto
social igual ou superior vêm a mostrar que, ainda que se faça um “achatamento” das
categorias sociais, discernindo, por exemplo entre livres e escravos, tanto uma categoria
quanto a outra eram bem mais ricas em atributos de seus membros. De tal forma, não basta
ser livre para ser igualado a outro livre. Também não basta ser escravo para igualar-se aos
demais escravos.
Assim como é perceptível no caso dos compadrios dos setores inferiores dessa
sociedade, isso também transparece nas famílias da elite riograndina. Por exemplo, o
padrinho de Manuel Marques de Souza, filho de Maria Quitéria Marques de Souza e de
Antônio Simões, uma das famílias favoritas para o compadrios dos nativos dos Açores, era
Francisco Barreto Pereira Pinto. Ao tempo do batismo de Manuel Marques, Pereira Pinto
tinha a patente de Capitão de Dragões e fora também Sargento-mor da mesma companhia.
Esse homem nasceu por volta de 1708, na freguesia de Lagoalva, Terra da Feira, no
bispado de Coimbra. Seu pai foi Capitão-mor dessa freguesia e comarca do mesmo nome.
Francisco Barreto Pereira Pinto também era um dos homens que vivenciaram o lançamento
das fundações do presídio militar da Vila do Rio Grande, vindo pelo Regimento das Minas
366
Gerais na expedição de José da Silva Pais. De acordo com Maria Luiza Bertulini Queiroz,
Pereira Pinto estaria situado na segunda faixa de maiores proprietários de escravos da
localidade (Queiroz, 1987: p. 98), mesma faixa em que se encontrava Antônio Simões, pai
de Manuel Marques de Souza. Pereira Pinto foi também um dos dois padrinhos – situação
que só ocorreu duas vezes nos registros que foram consultados – de Dom Agostinho,
cacique minuano. O outro padrinho era Diogo Osório Cardoso, governador militar do
Continente do Rio Grande de São Pedro no tempo em que ocorreu esse batismo. No ano de
1763, após a tomada da Vila do Rio Grande pelas tropas espanholas, Pereira Pinto assumiu
o governo interino do Continente do Rio Grande de São Pedro. Na devassa que foi feita
sobre incidente com os espanhóis, foi ele um dos principais acusadores dos atos do seu
antecessor, ditos por ele como sendo atos de covardia do antigo governador (Biblioteca
Riograndense, 1937: p. 19).
Visível, pois, que mesmo a família de Antônio Simões e Maria Quitéria
encontravam em Rio Grande gente situada acima de seu estatuto social para chamar ao
compadrio e induzir a laços eternos de reciprocidade. E se não existia mais gente de
posição superior na localidade, ainda assim podiam, dentro da vastas redes familiares, de
parentesco fictício, de negócios e amizades, buscar alguém que, de longe, se inserisse
nessas cadeias da reciprocidade do compadrio. Isso é ocorreu no compadrio estabelecido
pelo Tenente-coronel de Dragões Tomás Luís Osório. Seu filho Belchior, batizado em Rio
Grande, tinha como padrinhos O “Excelentíssimo Gomes Freire de Andrade”, que a esse
tempo nada mais era do que o Governador do Rio de Janeiro e da Repartição Sul, que o
batizou por procuração. Teve também como a madrinha Dona Ana de Lorena, camareira-
mor da Rainha, que deu procuração ao Capitão-mor Francisco Coelho Osório que o
batizasse em seu nome (ADPRG - Registro batismal de Belchior, filho de Tomás Luís
Osório, 30/09/1752 - 1LBat-RG, 1738-1753).
367
A oferta inicial, o convite ao compadrio era feito, nos casos de assimetria entre os
estatutos sociais dos partícipes, pelos setores que menos tinham a ofertar em termos
materiais, mas que mais tinham em muito termos de parentela ou mesmo de pessoas de sua
mesma condição, pertencentes a seu grupo de relações. Em uma sociedade eminentemente
agropecuária, o número de pequenos agricultores, peões, jornaleiros nas estâncias, deveria
extrapolar em muito o número de capitães nela existentes, em que pese se uma localidade
com um grande contingente militar devido a sua situação de fronteira em risco de invasões.
Entretanto quem ficava obrigado à retribuição da dádiva ao aceitar o convite para o
compadrio, não eram os pequenos agricultores, os peões e mais gente de modestas
condições na Vila. Pelo contrário, quem estava obrigado a uma contra-prestação, sem
exigência de compensação imediata e sem um valor atribuído ao dom inicial, eram
justamente as pessoas mais proeminentes na Vila. Talvez fosse justamente essa “contra-
mão” das obrigações do dom que equilibrava um pouco as relações tão díspares dessa
sociedade fortemente hierarquizada.
Segundo Giovanni Levi:
... essas eram sociedades em que a arte da sobrevivência baseava-se para
muitos, na capacidade de proteger-se contra a ameaça permanente de
flutuações conjunturais e de eventualidades ligadas ao ciclo de vida.
(Levi, 1998: pp. 218-219)
Os setores menos aquinhoados, não-destacados, tornaram-se, através das relações
de compadrio, credores dos setores mais aquinhoados. Esses, para manter e ampliar a sua
base de apoiadores na seqüência de suas vidas ou repassando o prestígio e a ascendência
sobre um grande número de pessoas e famílias, deveriam corresponder às expectativas de
seus compadres. Deveriam ser solidários, prestar auxílio, promover casamentos, arrumar
emprego, educar, punir as falhas de seus afilhados, ajudar inclusive se necessário, com
algum bem material as famílias que investiram neles a sua “fortuna” de alianças. Deveriam
368
dar a proteção necessária aos seus compadres e afilhados, ou seja, suas famílias espirituais.
Não corresponder a essas expectativas poderia significar serem preteridos em novos
convites, reduzindo para tempos futuros o leque de relações e, por conseqüência, a
manutenção e ampliação do leque de relações sociais possíveis de obter com outros setores
sociais que não o seu.
As relações de compadrio poderiam, portanto, agir como meio de regular a
conduta de oficiais da Coroa, militares de altas patentes, administradores, sesmeiros,
criadores e comerciantes de gados. Ainda que não pudesse ser cancelado o compromisso
sagrado assumido anteriormente, de uma hora para outra poderia cessar o afluxo de
convites, fragilizando sua posição não ante aos setores que por interesses próprios lhes
seriam antagônicos, mas muito pior que isso: fragilizavam-nos ante pessoas e famílias que
competiam com eles por terras, cargos, contratos, patentes, mão-de-obra, etc. Sem dúvida,
esse era um poder de barganha muito forte, lançado contra a elite e situado na mão de
gente tão comum. Havia, portanto, uma situação sempre tensa entre os estratos inferiores e
os estratos superiores da sociedade que, no caso dos compadrios, favorecia aos inferiores.
Da aprovação deles dependia a reiteração dos laços sociais que permeavam a sociedade
desde baixo ao alto e deles dependia a reiteração das famílias da elite no tempo, através
dos legados em relações pessoais que podiam deixar aos seus filhos.
Um exemplo da não reiteração do apoio incondicional que o batismo suscita foi
visto por João Fragoso para algumas das famílias de elite do Rio de Janeiro ao século
XVII. As famílias Barbalhos e Lobo Pereira, envolvidas nas disputas de poder intra-elite,
foram derrotados. Juntos, detinham 15% dos compadrios da localidade. Após a conclusão
desses embates políticos, nos anos seguintes, os Barbalhos não batizaram mais, não foram
padrinhos de nenhuma criança e os Lobo Pereira compareceram à pia batismal apenas uma
vez (Fragoso, 2001b: p. 252). Isso indica um redirecionamento do “investimento” em
369
relações sociais das famílias da localidade, alimentando a base social de apoio de outras
parcelas dessa elite. Os compadrios que já existiam não podiam ser retirados, mas não
foram reiterados na forma manifesta de novos convites. A sempre tensa relação entre os
setores que detêm mando e prestígio e os setores subalternos da sociedade são, então,
visíveis nos convites e intenções de compadrio. Os registros batismais desses setores
subalternos são quantitativamente indicadores dessa barganha tácita, assim como a
predileção dos setores privilegiados por padrinhos de estatuto social muito elevado, por
vezes distantes geograficamente, tambémo mostras da qualidade dos compadrios que
eram buscados por todos: gente de posição social mais elevada que era atraída para dentro
da família pelo parentesco espiritual e era amarrada a ela pelas obrigações do dom, ou os
deveres antidorais, como quer Bartolomé Clavero (Clavero, 1991).
IV. Tentando entender os
padrinhos infantes
Retornando ao assunto esboçado ao início, acerca dos padrinhos e madrinhas de
tenra idade, comentam-se sobre o debut e posterior carreira à pia batismal de algumas
crianças.
Feliciano Antônio Marques, filho de Maria Quitéria Marques de Souza e Antônio
Simões, foi batizado em no dia 3 de junho de 1748 (ADPRG- 1LBat-RG,1738-1753 -
Registro batismal de Feliciano, filho de Antônio Simões, 03/06/1748). Seu primeiro
comparecimento à pia batismal como padrinho foi para batizar o menino Joaquim, “filho
natural de Joana de nação Mina preta escrava do Capitão Antônio Pinto da Costa” e a
madrinha foi sua irmã Maria Marques. A cerimônia deu-se no dia 18 de maio de 1756
(ADPRG, 2LBat-RG, 1753-1757 - Registro Batismal de Joaquim, filho de Maria,
18/05/1756 -), quando Feliciano tinha, seis anos, prestes a completar sete e sair da “idade
370
da inocência”. Maria Marques foi batizada no dia 11 de março de 1752 (ADPRG- 1LBat-
RG, 1738-1753, Registro Batismal de Maria, filha de Antônio Simões, 11/05/1752), tinha
três anos de idade - quatro incompletos – quando do seu debut como madrinha. Nenhum
dos dois irmãos respondiam por seus atos, mas foram convocados para fiadores de Joaquim
ante Deus e a comunidade cristã de Rio Grande. Feliciano foi padrinho em Rio Grande por
mais duas vezes, nos anos seguintes de 1757 e 1758.
A menina Joaquina Marques de Souza foi batizada em 25 de julho de 1750
(ADPRG- 1LBat-RG, 1738-1753 - Registro batismal de Joaquina, filha de Antônio
Simões, 25/07/1750) e iniciou sua carreira de madrinha no dia 26 de janeiro de 1757, com
sete anos incompletos, batizando o menino Joaquim. Seu par à pia foi seu irmão mais
velho, Manuel Marques de Souza (ADPRG- 1LBat-RG, 1753-1757 - Registro Batismal de
Joaquim, filho de Mateus Marques, 26/01/1757). Os pais do menino eram livres e naturais
dos Açores. A despeito do sobrenome do pai, não parecem guardar parentesco com os
Marques de Souza. O nome da criança foi escolhido provavelmente em homenagem à
madrinha, estreitando ainda mais os laços que ambos contraíam à pia batismal. No futuro,
conviveriam no espaço da Vila Joaquina Marques e seu afilhado Joaquim Marques, se esse
fosse o sobrenome escolhido para portar. Joaquina foi madrinha mais sete vezes além
desta, sendo o último registro batismal que cita seu nome nessa localidade, antes da
invasão espanhola, datado de 26 de janeiro de 1762, ano em que poderia começar a
iniciação de crianças no mundo cristão de acordo com as Constituções Primeiras do
Arcebispado da Bahia. Sua participação como madrinha em batizados teve continuidade na
freguesia de Viamão, para onde as mulheres e crianças da família dirigiram-se quando da
invasão da Vila do Rio Grande.
371
De outra família, temos a menina ou moça Laureana de Santo Antônio
1
. Essa
sempre dita solteira, batizou muitas crianças, não apenas entre os filhos dos ilhéus mas
também em outros estratos sociais, como por exemplo, a vezes em que foi madrinha uma
criança filha de uma escrava de seu próprio pai. Por um deslize do pároco que registrou o
batismo equivocadamente no livro de registros dos livres, para depois proceder a
transferência do assento para o livro dos escravos, que está desaparecido, tornou-se
possível saber que Manuel da Costa de Carvalho possuía escravos, já que nenhum outro
documento visto até o presente acusa este fato (ADPRG - 4LBat-RG - Registro de Inácio,
filho de Teodora - 09/10/1760, 1759-1763).
Laureana Maria de Santo Antônio é um caso interessante de “hereditariedade” da
preferência ao compadrio para uma de suas filhas espirituais. De certo modo, já era
“herdeira” das qualidades que seu pai e sua mãe possuíam aos olhos dos ilhéus povoadores
de Rio Grande, haja vista o grande número de compadrios, tanto dele quanto dela,
estabelecidos com gente desse segmento social. Dentre as afilhadas de Laureana Maria
encontramos a menina também chamada Laureana, filha de José da Silveira de Andrade e
Maria Silveira, ambos naturais da Ilha do Faial. O padrinho foi seu pai, Manuel da Costa
de Carvalho (ADPRG - 1LBat-RG, 1753-1757- Registro batismal de Laureana, filha de
José da Silveira de Andrade, 08/06/1755).
Após a invasão castelhana, Manuel da Costa de Carvalho e Inês de Santo Antônio
se transferiram para o Estreito e podem ser vistos atuando em batismos por um curto lapso
de tempo. De sua filha Laureana perdeu-se o rastro. Pode ter morrido com a invasão, pode
ter casado e mudado para longe. Em Viamão tampouco soube-se dela. A menina Laureana,
1
Laureana Maria, nos livros de registros batismais de Rio Grande foi dita também Laureana Maria
do Espírito Santo, Laureana Maria de São José, Laureana Maria de Santa Rosa e Laureana Maria e Jesus. Em
todos estes casos têm-se a certeza de tratar-se da mesma moça, dada a recorrência de padrinhos com quem
forma par e/ou ou a referência expressa a seus pais. As diferenças nos modos com que era chamada podem
acusar ou a sua pouca idade ou a indefinição acerca de qual nome portaria para o restante da vida.
372
afilhada de Laureana Maria, fez sua estréia como madrinha portando o nome de Laureana
de Jesus no dia 23 de dezembro de 1770, com dez anos então, batizando mais algumas
crianças nos anos seguintes.
Eis que, a pergunta que não quer calar: por que essas famílias, geralmente bem
posicionadas na sociedade local expunham seus filhos desde a tenra idade assumindo um
dos compromissos mais sérios que um cristão poderia ter ante Deus e ante a cristandade?
Uma das respostas possíveis é que, cientes da necessidade de reafirmação de seu prestígio
e posição nessa sociedade, tinham intenções de reiteração destes ao longo do tempo. A
constatação de que as pessoas não vivem para sempre e que é dever dos pais construir
legado para os seus filhos também são pertinentes. A noção de que essas relações, apesar
de serem nominais, pessoais, eram direcionadas a famílias específicas e não a apenas um
de seus membros vem a reforçar esta idéia.
Algumas vezes, o primeiro afilhado de uma criança de pouca idade era um
escravo da família, fosse dos pais do padrinho, fosse dos cunhados ou tios. Nesses casos,
parece ser intencional fazer a inauguração da carreira de padrinhos, mesmo que o convite
não venha de um outro núcleo familiar, como que alertando que a família já estava
disponibilizando-o ao compadrio. Também soam comuns os filhados dos núcleos
familiares vindos dos Açores. Esses eram “estrangeiros”, na localidade, chegados depois
de transcorrida mais de uma década desde a fundação do povoado e buscando vínculos
com as famílias que já viviam lá há mais tempo. Como raramente se pode conferir as
idades que muitas dessas crianças tinham ou com quantos anos iniciaram como padrinhos e
madrinhas, qualquer quantificação nesse momento, devido à forma de coleta e a
metodologia com que foram trabalhados esses dados, seria inconseqüente. Entretanto, tem
o mérito de apontar para uma questão a ser pesquisada futuramente: a origem social e
geográfica desses pequenos padrinhos e madrinhas. O que pode ser feito aqui, apenas, é
373
colocar à discussão alguns dos casos que puderam ser identificados e que podem ser dados
como exemplo.
Pode-se pensar, a partir dessas recorrências, que os filhos mais velhos e as filhas
mulheres eram os “herdeiros” da popularidade dos pais à pia batismal. Tudo dá mostras de
que a família estava formando um patrimônio em relações sociais e legando aos seus
filhos, numa clara estratégia de lançar estas alianças ao futuro da família. Estavam, de
certo modo, gerando um pecúlio imaterial que servia como um dote que não podia ser
descrito e quantificado nos inventários que restaram desse período. Muriel Nazzari em seu
extenso estudo sobre o dote em São Paulo, usou os inventários como fonte principal.
Conclui por uma decadência dessa prática que já dava algumas de suas mostras ao século
XVIII e que culminou com o seu desaparecimento na primeira metade do século XX
(Nazzari, 1991). Essa autora vê, na dotação das noivas, a parte material do pacto de
alianças inter-famílias que concretizava ao matrimônio, sendo o dote uma transferência de
bens da família da noiva ao novo casal.
João Fragoso, ao estudar as famílias de elite do Rio de Janeiro percebeu que as
escrituras de dotes ainda que fossem pouco menos de dez por cento do total de 110
escrituras vistas para o período, representavam um terço do valor registrado nessa sorte de
documentos. Ou seja, um terço dos valores movimentados nessa sociedade não era feito
através do mercado de compra e venda e sim através de acordos entre as famílias. Conclui
este autor:
...as pessoas que fizeram tais escrituras criaram a imagem de um mercado
definitivamente marcado não somente pela oferta e procura, mas também
por outras relações sociais (Fragoso, 2001a: pp. 61-62)
Fábio Kühn (2003), ao analisar a prática do dote entre as famílias sulinas, percebe
que algumas famílias não mais dotavam suas filhas e que a colação dos bens nos
inventários, ou seja, o retorno do montante do dote ao monte-mor para a posterior divisão
374
dos bens entre os herdeiros, tornou-se comum naquelas famílias em que o dote havia sido
dado quando do casamento das moças, reforçando a idéia que também é colocada por
Sílvia Brügger em sua tese, que o dote antes de ser um presente, era um adiantamento da
herança à moça que se casava (Brügger, 2002: pp. 201-202).
Mas o aspecto que aqui se levanta, da imaterialidade de certos bens que eram
repassados no interior das famílias, não é e nem pode ser dimensionado com essa sorte de
fontes. Se a dotação em forma de bens materiais, fossem eles em bens móveis ou de raiz
apareceria na colação dos inventários e nas próprias escrituras de dote. Mas não é nessa
sorte de documentação que serão encontradas aquelas relações sociais que, segundo
Fragoso, também marcavam o mercado dito imperfeito, no qual há valores e bens que não
passam por ele. Nisso concordam Brügger e Kühn.
As posses dessas famílias, devido às migrações que tiveram como motor as
instabilidades da diplomacia ibérica refletida em guerras de fronteira, possivelmente foram
perdidas e refeitas, algumas por mais de uma vez. Mas a rede de alianças que teceram ao
tornarem-se compadres de outros moradores – e nesse caso tanto faz se na Colônia do
Sacramento ou na Vila do Rio Grande – estavam feitas para todo o sempre.
Durante as migrações e as reinstalações dos núcleos familiares em novas
localidades, os compadres, a verdadeira fortuna em relacionamentos humanos e espirituais
movia-se junto com os migrantes. Junto com eles, as obrigações mútuas relativas à
economia do dom. Ao que tudo indica, os livros dos registros batismais, assim como os
registros de matrimônios, que para este estudo não foram analisados de forma intensiva,
guardam registro desse patrimônio imaterial no momento de sua formação. Ao ato do
batismo de uma criança seriam sacralizadas certas relações que, a despeito de um possível
ganho imediato sob forma de presentes ao afilhado, eram carregadas para o restante da
vida e para além dela. Dessa forma, mesmo laços mundanos como as sociedades aos
375
negócios ou fazer parte de um mesmo corpo militar, reiteravam-se no ato do batismo
recebendo a bênção da Igreja.
Os filhos de Antônio Simões e Maria Quitéria que nasceram em Rio Grande
começaram a batizar em Rio Grande fora da idade determinada pelas Constituições
Primeiras, havendo também possibilidade de terem sido realizados outros batismos
Colônia do Sacramento, mesmo antes destes.
Manuel Marques de Souza estreou com dez anos de idade e seu primeiro afilhado
era filho de um casal das Ilhas. A segunda criança que batizou, também filha de ilhéus, foi
a estréia de sua irmã, Escolástica, como madrinha em Rio Grande, aos nove anos de idade.
No ano de 1756, Manuel Marques de Souza fez par à pia batismal com sua sobrinha, Rosa
Maria Séria natural de Rio Grande e filha de sua irmã mais velha, Teodósia, nascida na
Colônia do Sacramento. A menina Rosa tinha nove anos de idade e sua primeira afilhada
em Rio Grande era filha de uma escrava de seu pai, Antônio Pinto da Costa. Feliciano
Antônio Marques e Maria Marques começaram a batizar, respectivamente, aos sete e
quatro anos incompletos, quando fizeram par à pia batismal para o batismos de um menino
chamado Joaquim, também filho de uma escrava de Antônio Pinto da Costa. Joaquina
Marques foi madrinha pela primeira vez quando tinha seis anos de idade, seu par também
foi Manuel Marques de Souza e a criança batizada, Joaquim, era filha de ilhéus. A
recorrência de crianças apadrinhando outras crianças nessa e em outras famílias chamou a
atenção.
A um outro núcleo familiar, encabeçado pelo casal Domingos de Lima Veiga e
Gertrudes Pais de Araújo, estende-se essa análise. Domingos de Lima Veiga, nascido no
Bispado do Porto, em Portugal, acumulou diversos ofícios e patentes na Vila do Rio
Grande. Foi Sargento e, posteriormente, Capitão da Ordenança e foi situado por Queiroz na
terceira faixa de proprietários de escravos da Vila (Queiroz, 1987: p. 100). Sua esposa,
376
Gertrudes Pais de Araújo era sorocabana, descendente das famílias paulistas já
tradicionais. Os nomes da filha deste casal que foi madrinhas em Rio Grande aparecem
com grandes variações nos registros batismais de Rio Grande, talvez denotando, como já
foi dito anteriormente, uma certa indefinição na juventude acerca de qual deles seria
adotado para o restante de suas vidas. Não se exclui a possibilidade de haver mais de uma
menina com nome semelhante, fato comum a este período e por vezes impossível de dar a
perceber.
Após a evasão para Rio Grande, transferiram-se para Viamão, onde tiveram mais
filhos e de onde novamente migraram, dessa vez para Porto Alegre, acompanhando
também o deslocamento da única Câmara de Veradores que existiu no Continente do Rio
Grande de São Pedro ao longo do século XVIII.
Este núcleo não se encontra entre as que estão no topo dos quadros apresentados
acima, mas que, ainda assim, possuem um considerável número de afilhados entre os
ilhéus e em outros setores da sociedade. O grande número de membros dessa família
assegurava que, ainda que não houvesse grande concentração em uma única pessoa, os
batismos dispersos por vários deles, eram bastante significativos. Diferente dos outros
quadros, não é a esposa desponta na predileções dos açorianos, mas uma filha e o marido.
De forma semelhante aos outros núcleos familiares citados anteriormente, com a honrosa
exceção de Manuel de Souza Torino e Maria Coelho os compadrios da parcela masculina,
se somados, não ultrapassam os compadrios da parcela feminina.
377
Quadro XXIII - Domingos de Lima Veiga e Gertrudes Pais de Araújo
Compadrio
na
localidade
último
compadrio
na
localidade
nome posição na
família
comparecimentos
à pia
03/09/1754 02/08/1762
Domingos de Lima Veiga marido 9
03/09/1754 10/07/1757
Gertrudes Pais de Araújo esposa 4
16/06/1750 29/09/1760
Marçal de Lima Veiga* pai 2
14/11/1760 14/11/1760
Narciso de Lima Veiga filho 1
30/09/1755 15/09/1760
Ana Maria Pais/Ana Joaquina filha 16
Total de comparecimentos à pia 32
Faleceu em 02/09/1762, 1LObt-Rg
Fonte: ADPRG – 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG
A quantidade dos compadrios convertida em qualidade dos compadres pode ter
sido um dos fatores que colocavam essas moças e rapazes numa posição privilegiada
quando na idade de casar. Da família de Domingos de Lima Veiga sabe-se ao menos de um
bom casamento. Tanto para os rapazes quanto para as moças que eram padrinhos com certa
popularidade, a quantidade e a qualidade diversificada de seus afilhados e compadres dava
a demonstração sobre quais os setores sociais sobre os quais tinham ascendência, o quão
eram alastradas essas relações e quantas pessoas lhes deviam respeito e deferência.
Não encontrou-se o registro de nascimento de Ana Maria ou Ana Joaquina na Vila
do Rio Grande, sendo possivelmente, natural Sorocaba, onde nasceu casou sua mãe em
1744 (Leme, Título Lemes, 2002) ou qualquer outro lugar que o casal tenha residido, não
se descartando a possibilidade de terem vivido na Colônia do Sacramento. Por
conseqüência, não se tem a menor idéia da idade com que ela começou a batizar crianças
na Vila. Entretanto, a julgar por seu irmão mais novo, Narciso, batizado em Rio Grande em
dez de outubro de 1756, acredita-se que tenha sido mais uma das madrinhas infantes da
localidade. Narciso teve um triste fim, como que uma sina do próprio nome: morreu
afogado em Viamão, em 1764, aos oito anos de idade (AHCMPA - 1748-1777 - 1LObt-
Viamão- Registro do óbito de Narciso, filho de Domingos de Lima Veiga, 21/11/1764,).
Mas nada impediu que antes do nefasto pudesse ter batizado duas crianças na Vila do Rio
378
Grande, a primeira delas aos quatro anos de idade, aumentando a lista dos parentes fictícios
correlatos à família dos Lima Veiga/Paes de Araújo.
A despeito das posses do pai de Ana, que tudo indica não serem poucas, haja vista
ter sido o Almoxarife da Fazenda, cargo que exigia certo cabedal para o seu exercício,
estava sendo formado um outro pecúlio para ela. Assim como as demais famílias aqui
citadas, esse núcleo familiar não possuía compadres apenas entre os ilhéus, fazendo parte
do circuito de relações por eles formadas ao batismo de crianças, filhos de gente de
estatuto social semelhante ao seu – sesmeiros, militares, oficiais da Coroa, comerciantes de
tropas, contratadores – além de escravos, forros, pardos, índios, camponeses, peões,
soldados de baixa patente. Como as outras famílias que eram preferidas ao compadrio em
Rio Grande, havia uma diversificação de origem sócio-econômica e geográfica entre os
seus compadres. Ao que tudo indica, essa diversificação podia demonstrar ou construir um
referencial de inserção na sociedade, não apenas na camada social de onde eram
originários, mas na capacidade de cativar – aqui usando os dois sentidos da palavra,
seduzir ou angariar simpatia, como no de tornar escravo, tornar preso moralmente e estar
obrigado a algo – pessoas de outra situação que não a sua.
Ana, por sua vez, casou-se com o também popular padrinho Manuel Marques de
Souza, filho de Antônio Simões e Maria Quitéria. Somente entre os ilhéus que tiveram
filhos batizados em Rio Grande, eles amealharam um dote em relações pessoais
sacramentadas pelo batismo o montante mínimo vinte e nove afilhados. Em compadres
ilhéus, talvez um pouco menos que o dobro disso, pois pode ter havido núcleos familiares
que os convidaram mais de uma vez. Teriam, portanto, somente entre compadres e
afilhados com origem nos Açores, algo em torno de oitenta pessoas, ligadas a eles de modo
sagrado e direto. Parece ser isso uma fortuna bastante sólida para um jovem casal que
inicia a vida.
379
Havendo documentos suficientes, ao historiador é dada a possibilidade de uma
visão do “futuro” dos protagonistas que fazem parte do seu objeto de estudo. Devido às
características muito chamativas desse casal que se formou na Vila do Rio Grande, não foi
possível resistir uma escapadela ao “futuro”, para ver da descendência deste casal, para
tentar saber se as estratégias montadas por suas famílias que era visíveis aos registros
batismais foram ou não bem sucedidas. Extrapolando, então, o recorte cronológico desse
estudo, verificou-se que o filho homônimo de Manuel Marques de Souza, assim como seu
pai, também teve carreira militar, sendo, assim como seu pai, guerreiro em lutas contra
espanhóis. Obteve a patente de Tenente General e exerceu o governo interino do Rio
Grande do Sul como Presidente do Triunvirato nos entre setembro de 1820 e agosto de
1821. O neto de Manuel Marques de Souza e da então chamada Dona Ana Maria (ou Ana
Joaquina) também guerreiro experimentado em lutas de fronteira, atuou na Guerra da
Cisplatina, na Guerra dos Farrapos ao lado das tropas legalistas, foi herói da Guerra do
Paraguai, entre outros feitos – podendo haver um outro homônimo em descendência direta
do qual não se encontrou referência. Esses feitos pessoais seus e os serviços de sua família
lhe renderam título de nobreza, sendo agraciado como Visconde e posteriormente Conde
de Porto Alegre.
As bem sucedidas estratégias familiares e sociais dos Marques de Souza suscitam
a continuidade desse estudo, aí sim, perseguindo ao longo do tempo tanto sua descendência
quanto sua ascendência, escrutinando suas práticas matrimoniais que incluem o casamento
endogâmico, que incluem alianças com diversos setores da sociedade, visíveis através do
compadrio e que inclui a experiência geracional em guerras intestinas e contra o
estrangeiro. Uma estirpe de guerreiros especializados em guerras de fronteira formou-se ao
sul. Desse seu conhecimento, especialização e vivência de fronteira veio o reconhecimento
e a retribuição sob forma de mercês.
380
Em trabalho anterior (Hameister, 2002: p. 203), foi dito que a guerra só tem como
frutos a morte e a destruição. Entretanto, acompanhando o processo de estabelecimento de
famílias povoadoras na fronteira sul do Império português, assinala-se aqui o grande erro
contido nessa afirmativa. Corrige-se agora o equívoco anterior: a guerra, deletéria em sua
essência, também trouxe benefícios para a sociedade sulina. As guerras, nessa fronteira
meridional, contribuíram para o estabelecimento das hierarquias e para a sua manutenção.
A hierarquia, muito dela emanente das atividades bélicas, dava forma a sociedade lusa que
se formou ao sul fazendo com que o caos oriundo de uma possível igualação de posições
dentro dela não corresse o menor risco de acontecer. Por mais paradoxal que possa parecer,
a guerra teve seus efeitos positivos na medida em que trouxe mais uma forma de
organização para a sociedade que, sem essas hierarquias tenderia ao tão amedrontador caos
social.
A sempre presente ameaça de invasões e conflitos fazia com que toda a sociedade
muito necessitasse de quem houvesse de fazer sua defesa. As famílias que investiram
forças e membros nessas carreiras, fossem as famílias de elite, fossem as pertencentes a
outros setores da sociedade, estavam entre os agraciados privilegiados pelas mercês de Sua
Majestade, sempre recebendo o justo: aquilo que era proporcional aos seus serviços e à sua
qualidade, de acordo com o discutido por Levi (2002). Isso contribuía, inclusive, para o
estabelecimento de qualidades diferenciadas dentro de estratos sociais semelhantes. Havia
peões, escravos, pardos, forros, índios minuano, índios tape, índios del-rei que foram à
guerra e os que não foram. Isso aumentava a complexidade dessas escalas da
hierarquização social de fronteira ao mesmo tempo em que gerava distinções internas aos
muitos setores, avaliáveis e perceptíveis pelas autoridades morais e legais de seu próprio
tempo. Contribuía para que escravos, pardos, livre, forros, e gente de “nação”
apresentassem diferenças internas dentro dessas mesmas categorias, podendo, inclusive,
381
gerar “elites” dentro desses mesmos setores: escravos com ascendência social e política
sobre outros escravos ou um “rei dos pardos” entre aqueles que eram classificados e
qualificados como pardos.
Estirpes de guerreiros se fundaram e se firmaram na defesa dos territórios de sua
Majestade, permitindo um aprendizado nessas funções militares que eram ao mesmo tempo
familiares e geracionais. Os descendentes de Francisco de Brito Peixoto que se firmaram
ao sul foram partícipes da conquista e defesa dos territórios lusos contra os ataques dos
espanhóis. Lutaram na Colônia do Sacramento, lutaram pela manutenção do Rio Grande
sob a égide da Coroa portuguesa – Francisco e seu filho, Rafael Pinto Bandeira
acumularam fortunas significativas em uma terra em que o normal era nada ou quase nada
ter de sólido (Silva, 1999; Gil, 2003).
Os descendentes de Antônio Simões e Maria Quitéria fizeram construíram seu
nome e sua carreira em meio às guerras. A hereditariedade nas carreiras militares e o
repasse dos nomes dentro dessas famílias, muito bem exemplificado no caso dos três –
talvez quatro – militares Manuel Marques de Souza que, em descendência direta, fizeram
com que o nome e os atos – partes intangíveis de suas trajetórias – se perpetuassem e se
engrandecessem ao longo das três gerações nascidas na América. Com isso chegaram à
obtenção de título nobiliárquico a uma família que teria, quando muito, uma pequena
fidalguia desde quando deixou o Trás-os-Montes, arrolados como “gente que só entende de
agricultura”. Na península, provavelmente isso seria impensável para essas famílias. O
contexto de fronteira e de guerras, ao mesmo tempo que primava pelo estabelecimento de
hierarquias sociais nessa sociedade que tinha nessa hierarquização um de seus pilares,
permitia uma mobilidade bastante acentuada, quer para os setores situados mais acima na
escala social, quer para aqueles menos favorecidos pela sorte ou pelo nascimento.
382
V. Os destinos diferentes
Ainda ficou no ar a questão: e os açorianos credores do dom feito inicialmente e
que deram inicio a esta discussão, o que receberam nessa toca de bens não mensuráveis? A
resposta a essa pergunta também é difícil, pois trata-se desse patrimônio imaterial e das
trocas imateriais que praticamente não são passíveis de mensurar e raras vezes são
perceptíveis aos olhos. O recurso da analogia e o apoio teórico conferem suporte ao tentar
suprir o que a documentação não diz com aquilo que se percebeu como sendo práticas
sociais e religiosas do período. Permitem, ainda assim, dizer algo dessas relações e dos
bens trocados.
Das famílias que mais receberam o “investimento” em convites ao compadrio,
nem todas foi encontrada a seqüência de suas vidas cuja “normalidade” – se é que esse
termo pode ser aplicado a um breve período de paz em uma localidade na qual até mesmo
sua fundação foi fruto da guerra – foi interrompida pela tomada da Vila promovida pelos
espanhóis. De Manuel de Souza Torino e Maria Coelho nada mais se soube. Talvez
estivessem entre os mortos na invasão, podem ter sido levados para San Carlos de
Maldonado pelos invasores como podem ter migrado para qualquer outra localidade do
Império luso. Um de seus filhos transferiu-se para o Estreito, onde foram batizados e
crismados filhos seus sem, no entanto, comparecer como padrinho a nenhuma cerimônia.
Bem mais adiante, foram percebidos com alguma atividade junto aos ritos batismais em
Viamão, ainda que sem a expressão que tiveram em Rio Grande. Era um outro contexto,
havia tantos mais habitantes que já viviam lá. Jamais recobraram a predileção ao
compadrio que tinham antes, talvez por já estarem envelhecidos, talvez porque Torino foi
um dos que fugiu da Vila aos primeiros sinais da invasão, não ficando para o
enfrentamento nem para a proteção das demais famílias. Bem provável não tenha
conseguido, em um momento que testou ao limite a capacidade de zelo e proteção às
383
famílias espirituais formadas anteriormente. Talvez não tenha sido, em momento extremo,
o padrinho e compadre que todos esperavam.
Da família de Manuel Gonçalves de Carvalho, de quem já foi falado um pouco,
quedam dúvidas que poderão ser diminuídas ou eliminadas com o exame dos registros
eclesiásticos de San Carlos de Maldonado, já que Moacyr Domingues cita pessoas com o
nome dos membros dessa família sem que os dados que os circunstanciam possam refutar
ou afirmar peremptoriamente uma identificação. Manuel Gonçalves de Carvalho e Inês de
Santo Antônio passaram para a localidade do Estreito, que recebeu fugitivos da Invasão e
para onde o pároco de Rio Grande, Manuel Francisco da Silva, deu continuidade ao seu
trabalho de pastor desse rebanho. Ambos desaparecem subitamente dos registros sem que
tenham sido localizados na freguesia de Viamão e Laureana não aparece em nenhum outro
registro, quer em Viamão, quer no Estreito, ficando, então a continuidade do estudo dessa
família aguardando ocasião e documentação que permitam a continuidade.
Lucas Fernandes da Costa e Joana Maria da Purificação transferiram-se para a
jurisdição de Viamão, também não tendo expressão maior na vida da freguesia, fosse em
cargo da Câmara, fosse em algum ofício. Muito provavelmente as perdas de gados e terras
para uma família que concentrava suas atividades quase que exclusivamente na criação de
animais e seu comércio não pode ser revertida, principalmente por já estar a família Pinto
Bandeira e mais descendentes de Francisco de Brito Peixoto, que atuavam nesse mesmo
comércio já estabelecidos há décadas na localidade, deixando pouco espaço para a
reinstalação dos que fugiram de Rio Grande. Dos filhos de Lucas Fernandes, um ordenou-
se padre. O outro casado, viveu em Viamão. Com o peso da idade já se fazendo sentir,
tampouco Lucas Fernandes da Costa atuou nas campanhas de defesa do Rio Grande, vindo
a falecer em 1776, por volta dos noventa anos de idade (ADPRG, 1LObt-Viamão, 1748-
1777 - Registro do Óbito de Lucas Fernandes, 20/04/1776 ). Provavelmente a falta de
384
disposição e de condições de atuarem na defesa do território e dos seus moradores, como
possivelmente ocorreu com Manuel de Souza Torino e sua mulher Maria Coelho, foi fator
decisivo para a decadência dessa nas preferências batismais na década de 1770. Nessa
década, Lucas Fernandes e Joana Maria compareceram apenas uma vez à pia batismal e
seu filho, Joaquim Manuel da Trindade não foi padrinho sequer uma vez. A família de
Lucas Fernandes não foi capaz de dar a proteção e amparo aos compadres nos momentos
de maior dificuldade pelos quais passaram os habitantes de Rio Grande. A dádiva não foi
retribuída e tampouco reiterados os laços que vinham sendo firmados e reafirmados na
Vila do Rio Grande.
Das cinco famílias aqui analisadas, duas tiveram consecução. Curiosamente, essas
duas famílias uniram-se através do matrimônio de Manuel Marques de Souza e Ana de
Lima. Isso trás à discussão a questão da racionalidade limitada, posta em ação em situação
de recursos também limitados e cujo resultado também é limitado “por um horizonte de
constante incerteza” (Lima F
o
, 1999: pp. 259-260). Os grilhões da dádiva que partiam dos
açorianos nessa localidade foram concentrados nessas cinco famílias, entretanto, os
embates entre lusos e espanhóis nessa fronteira não lhes dava segurança nenhuma quanto
aos resultados. Nem a eles, nem às cinco famílias de padrinhos de muitos afilhados, na
expressão de Sílivia Brügger (2002: pp. 351 e ss.). Entretanto, essas duas famílias que
“vingaram”, continuaram a batizar filhos e netos de açorianos no Estreito e em Viamão,
dando a entender que de alguma forma conseguiam cumprir com o que deles era esperado,
ainda que na maioria das vezes escape à apreensão do pesquisador o que se esperava de
padrinhos ou famílias de padrinhos que muito batizaram.
Somando-se a essa evidente e bem sucedida trajetória dos Marques de
Souza/Lima Veiga, há interessante querela dois nativos dos Açores, um deles compadre de
Domingos de Lima Veiga e arbitrado pelo próprio. Essa querela entre dois nativos dos
385
Açores, um com patentes, sesmarias de terras, contratos de fornecimento de carnes, criação
de gados e cargo na Câmara e outro com poucas distinções.
VI. O que ganharam com isso os credores
do dom primeiro? Um caso revelador da
dádiva e da subversão de sua lógica
Eis que no ano de 1778, André Pereira Maciel, natural das Ilhas, casado com uma
filha de nativo das Ilhas, entrou com um requerimento pedindo confirmação da posse de
umas terras havidas por dote de seu já defunto sogro, Francisco da Fonseca Quintanilha, de
alcunha Francisquinho. Argumentava estar de posse das terras por mais de dez anos,bem
como de um retalho de terra em uma várzea que sobejara quando da divisão da Estância de
Itapuã. Essas terras antigamente pertencentes ao Capitão Domingos Gomes Ribeiro, foram
desapropriadas para o assentamento dos Casais de Sua Majestade em datas de terra que
deveriam ter um quarto de légua em quadra ou tamanho menor se houvesse a concordância
do pretendente a elas. A terra foi dada a Quintanilha e o retalho de terras, na alegação do
mesmo requerente, era insuficientes para alojar mais um casal mas que muito serviriam a
ele, lindeiro de tal retalho. Ambas haviam sido dados por carta de autoridades a esse
requerente primeiro (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002: pp. 554-555).
Não obstante, André Pereira Maciel solicitava a confirmação da posse de ambas
as porções com certa urgência, já que um homem de destacada posição na sociedade
também as pretendia. Dizia ele em seu requerimento:
...que informasse o Capitão do Distrito com o seu parecer, e sendo-lhe
que este apresentando o deu sem informação por conhecer se de justiça o
que alegava o antecessor do suplicante, e como agora o mesmo Capitão
Francisco Pires Casado requereu a Vossa Senhoria se lhe desse a dita
vargem com o pretexto de que esta se acha devoluta, e que assim ficou
quando se arrumaram os moradores da Freguesia da Senhora de Santa
Anna, quanto tudo é pelo contrário, visto os documentos juntos, e bem
certo estará Vossa Senhoria que estando naquela mesma paragem
estabelecido o sogro do suplicante lhe pôs Vossa Senhoria em sua vida
duas bestas para correrem as paradas, e é bem certo que não haver ali
386
moradores e estarem devolutas nem Vossa Senhoria lhe poria as ditas
bestas nem teria aquela paragem o nome de Vargem do Francisquinho,
nestes termos e a vista dos documentos juntos, e dos mais que alega o
suplicante com aquela verdade que costuma (Barroso, Brochado &
Tassoni, 2002: pp. 554 - grifo meu)
O escrivão da Provedoria Real da Fazenda a este tempo era Domingos de Lima
Veiga. O seu despacho nesse requerimento foi o que segue:
Da Certidão junta consta ter-se medido e demarcado as terras na mesma
mencionadas a Francisco da Fonseca Quintanilha sogro do suplicante, e
como este alega o pertencerem por lhe serem dadas em dote parece se
deve conservar na posse em que está, e que estava o dito seu sogro,
requerendo a confirmação da referida data para a poder possuir com o
título justo como se conferiram os casais. É o que posso informar a vossa
mercê. Porto Alegre, trinta e um de julho de mil setecentos e setenta e
oito = Domingos de Lima Veiga = (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002:
pp. 554)
O Provedor da Fazenda Real considerou o despacho do Escrivão e deu o “cumpra-
se” dando a posse definitiva da terra e do retalho de várzea, medidas por um Capitão-
Engenheiro, a André Pereira Machado, casado com filha de ilhéu. Resolveu-se portanto,
baseado num julgamento que competiu ao Escrivão da Fazenda Real fazer a justiça, com
parecer dado ao Provedor. Resolveu então, Domingos de Lima Veiga, uma querela em que
estava envolvido um de seus muitos compadres. Entretanto, não se encerra aqui a
discussão acerca das relações de compadrio e sua relação com o exercício do poder. Ao
contrário, mais interessante fica. O compadre de Domingos de Lima Veiga, ao contrário do
que se poderia pensar, não era André Pereira Machado e sim Francisco Pires Casado!
Como interpretar essa atitude de “compadre que emite parecer contra compadre”?
Aparentemente contraria os compromissos assumidos à pia batismal. Aparentemente, o
favorecimento a um compadre estaria na ordem do dia ao distribuir os bens da Coroa cuja
responsabilidade estava em suas mãos. Havia inúmeras formas de negar o requerimento de
André Pereira Machado. Uma delas era alegar estarem as terras devolutas, com apenas
algumas cabeças de animais que bem poderiam ser fugidas das terras de seu dono. Poderia
387
ser alegada a necessidade maior do compadre Pires Casado no uso dessa terra. Alegações
não faltariam e tampouco deixaram de ser usadas em processos por disputas de posse de
terras no Brasil colonial. Entretanto, Domingos de Lima Veiga, não o fez. Lembrando aqui
o caso da menina Felícia, havia outros compromissos que aqueles ocupados em dispensar
justiça deviam respeitar. Com a própria justiça que dá a cada um o que lhe compete.
Também posição de quem dispensa justiça exigia o compromisso com o bem-comum e
com a ordem social. Bem possível também tenha Lima Veiga pressentido alguma ameaça à
ordem e à estabilidade contida na frase de André Pereira Machado:
Pede a Vossa Senhora mandar que se conserve o suplicante nas ditas
terras que ocupa, visto estar na posse delas há mais de dez anos para que
não seja inquietado por outros requerimentos semelhantes ao do
suplicado, pois deseja viver pacífico, debaixo da proteção de Vossa
Senhoria (Barroso, Brochado & Tassoni, 2002: pp. 554 - grifo meu.) .
Novamente, há a necessidade de retorno aos estudos da dádiva. Foi dito
anteriormente que a dádiva primeira caberia a quem oferece seu filho como afilhado de
outrem, caberia a quem convida o outro a adentrar a sua família através dos laços sagrados
do compadrio. As obrigações de receber e retribuir caberiam a quem foi feito o convite.
Maurice Godelier, ao discutir várias formas de dons, agonísticos e não-agonístico, diz que
em alguns casos o que interessa é não quitar jamais as dívidas e sim criar dívidas que
durem o maior tempo possível, guardando o bem ofertado primeiro, de tal modo que o
prestígio possa ser acumulado e o nome engrandecido. Nesse tipo de trocas estariam o kula
e o potlatch. Os dons não-agonísticos funcionariam com resultado distinto no interior da
sociedade. Teriam, portanto, uma função diferente também.
Isto nos permite destacar a grande diferença que existe entre a
prática de dons e contra-dons não agonísticos e o kula ou o potlacht. No
kula quando um objeto de igual categoria e de valor equivalente vêm a
ocupar o lugar do dom inicial, a dívida é anulada. O contradom apaga a
dívida. Isso é completamente diferente, como vimos, com os dons não-
agonísticos. Nesse caso, os contradons não anulam os dons. O objeto não
é “devolvido”, ele é dado de novo. Os dons criam dívidas de longo prazo
388
que, muitas vezes, ultrapassam a duração da vida dos doadores e os
contradons têm como motivo primeiro restaurar o equilíbrio entre
parceiros, a equivalência de seus status – não a anulação da dívida
(Godelier, 2001: p. 143).
A quarta obrigação do dom estaria em guardar, reter o bem ofertado, conservando
aquele que recebe tudo o que representa pelo maior tempo possível. Engrandece assim a
sua história e a história de sua família com tudo o que está associado ao bem recebido.
Guardar, reter e protelar a retribuição faria parte, portanto, da economia do dom.
O sacramento do batismo e as relações que este gera são formas de dom e
contradom. Godelier afirma que nas trocas os objetos que são doados tomam o lugar das
pessoas, substituindo-as e representando-as. Quando se dá algo, se dá algo de si. No caso
dos batismos, não há um objeto trocado e sim crianças que se oferecem tomando o lugar
das famílias nessa troca. O bem oferecido – um filho – é aceito em outra família, uma
família espiritual como um afilhado ou filho espiritual. O batizando representa a família
que se oferece, consubstanciada nele. O elo gerado entre pais da criança e os padrinhos
ultrapassam a duração da vida e nem sempre pode ser a oferta retribuída de imediato ou
mesmo decorrido muito tempo.
As relações de compadrio, dependendo da qualidade das famílias envolvidas,
podem ser trocas do tipos diferentes. Uma vez parceiros na troca possuindo posições
sociais diferentes, cai-se no caso em que a dívida nunca será cancelada. A criança que
representa a família nessa troca, pelos costumes dessa sociedade, não será batizada por
uma pessoa de qualidade inferior à de sua família. Assim, ao convidar pessoa de estatuto
social superior, a família de condição inferior sabe, de antemão, que jamais será convidada
a ir à pia batismal proceder o batismo de um filho de seu compadre. O bem ofertado, o
filho que foi batizado ficará “retido” para todo o sempre sob forma de afilhado por seus
padrinhos. Os compadrios que se formam nesse momento tampouco serão re-alimentados
389
com uma oferta de valor semelhante, um filho espiritual para a família daqueles com quem
já se teceu uma primeira ligação sob forma de afilhamento e compadrio. Quem recebeu o e
aceitou o convite feito, esse, ficará ad eternum devedor desse dom primeiro. Como
observou Godelier (2002) tendo como ponto de partida os estudos de Annette Weiner, esse
tipo de troca não engrandece o nome de quem fez a doação primeira, mas aquele que, de
certo modo, teve a coragem de deixar-se agrilhoar nas cadeias da dádiva por uma família,
por um grupo social, de condição inferior à sua e reteve o bem ofertado sem retribuí-lo.
Quem se engrandece na relação de compadrio entre desiguais são aqueles que, pertencendo
às camadas superiores da sociedade, se deixam cativar pelas inferiores, e demonstram isso
nem que seja nos registros dos livros de batismo. São padrinhos de muitos afilhados que
têm origem em muitos estratos sociais.
Por outro lado, a relação de compadrio, quando estabelecida entre pares, pode ser
retribuída na mesma moeda. O que pode parecer uma quitação da dívida, mas não. É “dar
de volta”, é “dar de novo”. Talvez haja constrangimento social em recusar um convite ao
compadrio, mas não há nada que obrigue a fazer a oferta. Se nessa situação de compadrio
entre famílias de estatuto social semelhante o que batizou primeiro opta por manter os
grilhões da dívida com o que ofertou primeiro, a equiparação de seus estatutos não é feita.
O bem ofertado é retido a despeito da possibilidade de ser saldado com bem de igual valor.
Nessa condição, o receptor do bem primeiro sairia engrandecido com este
compadrio procedido dentro de seu próprio nicho social, mas não teria autonomia para
certas decisões sobre a sua vida que afetassem a vida de seu compadre, pois não dera de
novo um bem equiparável à dádiva inicial. Não demonstraria aos seus pares e mais gentes
com quem compartilha a existência em uma mesma sociedade a existência de equivalência
entre as posições sociais dos envolvidos na troca.
390
Esta seria uma situação sempre tensa, o que não quer dizer que não pudesse ser
proveitosa. Muitos compadrios entre pares ocorreram sem a mão-dupla. Houve a oferta de
um bem inicial que não foi novamente ofertado, mas que pode ser retribuído sob forma de
proteção e auxílio que se dão entre iguais, ou seja, retribuído na forma de solidariedade.
Demonstravam a ascendência reconhecida entre um e outro e colocavam um como sendo
“gente do outro”, protegido, aliado. Mostravam que junto com a partilha do filho de um
como afilhado do outro estava o reconhecimento de posições desiguais e de compromissos
assumidos entre um e outro que os vinculavam nessa situação de diferença de status e,
portanto, de dívida em aberto até que houvesse a retribuição do dom inicial. Essa poderia,
então, nunca ocorrer.
Outras vezes, o bem era dado de volta. E esse é o caso da relação existente entre
Domingos de Lima Veiga e Francisco Pires Casado. No ano de 1761, Domingos de Lima
Veiga ofertou seu filho Francisco para ser afilhado de Francisco Pires Casado. Deu algo de
si, de sua família, representado pela criança, para Pires Casado. Note-se que a busca por
uma ligação perene também foi manifesta na escolha do nome da criança, que recebeu o
nome de seu padrinho. No ano de 1762, Francisco Pires Casado fez a retribuição da dádiva
inicial: ofertou sua filha Francisca – e note-se também o nome da menina: Francisca e não
Domingas – para Domingos de Lima Veiga tê-la como afilhada. As posições foram
equiparadas no contradom ofertado, na mesma moeda da troca, excetuando-se o nome da
criança – mas essa já e uma dádiva de padrinho para afilhado e não entre compadres – feito
por Pires Casado. A partir desse momento, a relação passou a ser de estatuto social
equilibrado e, portanto, conferindo a ambos uma maior autonomia para as decisões que
afetassem a vida de seu compadre. A oferta primeira, o dom maior, a doação da família
consubstanciada na criança ofertada como afilhada fora retribuída em bem de igual valor.
Gerou-se, nesse caso, uma relação de solidariedade entre pares, mas não uma relação de
391
poder propriamente dito, já que um não se deixou ficar em posição inferior ao outro na
troca que fora feita por mais de um ano. Francisco Pires Casado não reteve o bem ofertado,
deu de volta na primeira oportunidade que teve. Não engrandeceu nem a si nem à sua
família com a retenção da oferta por muito mais que um ano. Não houve, para nenhum dos
lados, um “engrandecimento” do status ou de posição social. Houve, isso sim, por parte de
Pires Casado, o anseio de demonstrar que sua situação social não era superior à de Lima
Veiga, não subordinando sua existência a uma dádiva não retribuída de mesmo modo.
Equiparou-se e não deveu mais obrigações díspares a Lima Veiga. Suas almas estavam
unidas, irmanadas ad eternum, mas até irmãos têm suas diferenças e por vezes são levados
a agir com certa dureza um sobre o outro para a manutenção do justo e do certo.
André Pereira Machado não era compadre de Domingos de Lima Veiga. Não
possuía relação nenhuma que colocasse o então Escrivão da Fazenda Real em dívida para
consigo. Entretanto, por casamento, estava vinculado a um grupo que, somente na Vila do
Rio Grande, dera à família de Lima Veiga a oportunidade de comparecer por trinta e duas
vezes à pia batismal, tornando-se uma família com muitos afilhados dentro desse grupo de
origem e com necessidades e anseios em comum. Os nativos das Ilhas dos Açores
compartilharam das mesmas agruras, das mesmas e constantes reivindicações de terras,
alimentos, roupas e insumos prometidos no Edital que os convocara e os seduzira à
migração nas Ilhas.
Nessas trinta e duas ocasiões em que compareceram à pia batismal para o
compadrio com ilhéus, geraram-se dívidas que nunca foram retribuídas na mesma moeda,
portanto, nunca foram e nunca seriam quitadas. Somaram-se em torno de noventa parentes
espirituais à família de Lima Veiga. O nome dos Lima Veiga foi engrandecido com esses
tantos comparecimentos à pia, reiterados ano após ano, agregando afilhados e compadres a
si e aos seus. Uma relação de poder, por ser desigual, foi instaurada nesse instante em que
392
alguém de estatuto social inferior ofertou algo de si a Lima Veiga e este aceitou, certo de
que, por usos e costumes dessa sociedade, não poderia retribuir, jamais, na mesma moeda.
A quantidade de afilhados e compadres dos Lima Veiga era uma manifestação da
ascendência e influência dessa família – ou uma epifania do poder, como quer Godelier –
sobre um grupo relativamente coeso de habitantes de Rio Grande e, mais tarde, de Viamão
e Porto Alegre, localidades para onde muitos nativos das ilhas com suas famílias
migraram, assim como Lima Veiga. Ao mesmo tempo, como a dádiva inicial nunca seria
equiparada, Lima Veiga para a reiteração dessas relações e sustentação futura ou
geracional dessa ascendência, devia retribuir, ainda parcialmente ou com bens inferiores
aos que lhe foram ofertados no início. Obtinha respeito, distinção, prestígio e
engrandecimento nessa relação, mas havia a necessidade de retribuir com, no mínimo o ato
de dispensar justiça em um caso como o de André Pereira Machado, para que não decaísse
– nem ele nem os seus – na preferência de um dos grupos sociais que geravam e
mantinham o seu poder na localidade.
Com essas retribuições feitas sob forma de “dons menores”, contraprestações que
não se igualavam ao bem ofertado inicialmente, de modo constante, mantinha um certo
grau de satisfação das necessidades e apelos de um dos grupos sociais que lhe sustentavam
o poder e mesmo a predileção na escolha para certos cargos e ofícios, tais como o próprio
ofício de Escrivão da Provedoria. Com isso também mantinha-se a relação de “mão-dupla”
e uma certa limitação do poder delegado aos setores da elite, cujos membros estariam a
mercê de seus próprios pares com os quais disputavam recursos caso não soubessem
manter e reiterar constantemente a base social de onde emanava seu prestígio e que era
demonstração clara de sua ascendência sobre homens e suas famílias, fossem elas livres,
fossem elas escravas, fossem elas cativas ou agregadas de outrem. Tendo em vista que
Lima Veiga e os seus continuaram a batizar em profusão em Viamão, conclui-se que essa
393
família estava desempenhando a contento, ao menos aos olhos dessa comunidade, as suas
obrigações de padrinhos e madrinhas.
Assim, conclui-se aqui que, os setores subalternos tinham a ganhar com esse tipo
de relação no qual delegavam ascendência sobre si a um compadre de muitas qualidades.
Também fica evidente que os compadres de muitas qualidades tinham a ganhar nessa troca
desigual. De certo modo, a grande oferta de afilhados como representantes de suas famílias
em uma troca como essa, servia como demonstração de uma delegação de poder e
ascendência, mas também em um limitador desse poder cedido às elites locais. Era um
elemento que coibia o abuso desse poder, que impedia que fosse utilizado de forma
descomedida e descompromissada com o bem-estar dos que estavam situados em patamar
inferior ao seu.
A estratégia das famílias situadas na base da pirâmide social de Rio Grande
mostrou-se efetiva e bem elaborada. Uma retribuição sob forma de “bem menor” às
famílias de ilhéus, ainda que a longo prazo, ocorreu. A assinatura de Domingos de Lima
Veiga, cabeça de uma família que era uma das favoritas ao compadrio, consta não apenas
na data de terras de André Pereira Machado, mas em aproximadamente 50% das 631 datas
de terras conferidas entre os anos de 1770 e 1800, quando dadas finalmente as terras
prometidas em 1745 no Edital de Convocatória lançado nas Ilhas. Ainda que não se tenha
podido por enquanto verificar o percentual de famílias vinculadas por compadrio a Lima
Veiga por terem sido muitas vezes dadas aos herdeiros das terras, como foi o caso de
André Pereira Machado, não constando o nome dos que pleiteavam a terra já falecidos, não
é de duvidar que entre os muitos que receberam terras estivessem parentes dos parentes
espirituais do Escrivão ou mesmo seus afilhados, dos quais as atas batismais registraram
apenas o primeiro nome que pode ter sido trocado por outro ao longo da existência.
394
O investimento concentrado em poucas famílias com preferência majoritária ao
compadrio rendeu-lhes como contrapartida, no mínimo a proteção física, através da defesa
das gentes e dos territórios pelos Marques de Souza e a proteção da justiça, na distribuição
do que lhes competia nessa sociedade, pela mão do Escrivão da Provedoria. Se de cinco
famílias que receberam o investimento apenas duas foram capazes de retribuí-lo, isso fazia
parte da incerteza com relação ao futuro e que é parte da existência humana. Entretanto,
não há como negar que os habitantes da Vila do Rio Grande prepararam de algum modo,
através das estratégias das quais pode se ver o esboço nos seus livros de batismo, a
possibilidade de um futuro no qual pudessem viver.
A estratégia dos Marques de Souza e da família de Lima Veiga, ao aceitar o risco
de deixarem-se cativar pela dádiva, não retribuir a mesma, reter o bem ofertado e
formarem um pecúlio de prestigio, ascendência e distinções teve resultados positivos.
Também na união dessas duas famílias isso é demonstrado. Esse resultado foi expressa na
trajetória de sua descendência. Com três gerações de existência na América chegaram a um
título nobiliárquico, passando por importantes comandos dentro das tropas regulares, tanto
da Coroa lusa como, posteriormente, no Imrio do Brasil. Souberam não apenas receber a
dádiva inicial ofertada por seus compadres de situação social inferior mas também
souberam retê-la e dar a correta moeda para a retribuição parcial. A não quitação da dívida
e a prestação de dons menores ao longo do tempo os manteve na preferência dos convites
que por sua vez realimentava a cadeia de dons e contra-dons.
Por último, só resta dizer que em nessa situação de uma fronteira com alto risco
de conflito com o país limítrofe, o bem maior e o patrimônio mais sólido que as famílias
podiam constituir era intangível. Não podia ser tirado, não podia ser roubado. Não
necessitava de armários e baús para acondicioná-lo. Unia as pessoas e as famílias sem que
as disputas e rivalidades por detê-los se transformassem em conflitos entre os setores
395
sociais que podiam conservar antagonismos entre si, pois não podiam ser comprados ou
vendidos, mas eram ofertados de bom grado. Não se transformavam em riqueza imediata
na mão de saqueadores nem de contrabandistas, mas era a riqueza maior tinham e que, com
sabedoria e cuidado, transmutavam-se em sobrevivência para alguns e em melhoria da
situação de existência para outros. As relações sociais tecidas na Igreja e nas capelas eram
o bem maior dessa gente toda. Por outro lado, como visto no parentesco espiritual entre
Lima Veiga e Pires Casado, podia despertar até mesmo a rivalidade entre as frações da
elite que dependiam deles para manter sua situação social. Eram intangíveis e elemento da
maior importância para a mantença da sempre frágil paz em uma sociedade que se mostra
mais complexa na medida em que são averiguadas estas e outras possibilidades de arranjos
sociais.
Abreviações usadas nesse capítulo
ADPRG- Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
LBat – Livro de Batismos
LObt – Livro de Óbitos
Fontes e referências bibliográficas usadas nesse capítulo:
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ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livros 1
o
, 2
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, 3
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e 4
o
de Batismos da Vila do
Rio Grande 1738-1763.
ARQUIVO DA DIOCESE PASTORAL DO RIO GRANDE. Livro 1
o
de Óbitos da Vila de Rio Grande.
1738-1763.
ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Primeiro Livro de
Óbitos de Viamão. 1748-1777.
396
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Capítulo 7
“A mão separada do corpo não será mão senão pelo nome”
1
:
experimentando conceitos e métodos
O que até aqui foi visto, sempre tendo os registros batismais como fonte principal
para o estudo, trouxe várias facetas de fenômenos sociais que sucederam na Vila do Rio
Grande. Estes tiveram como eixo comum, além das fontes, as famílias que lá se
estabeleceram. Estas famílias foram tomadas como janelas privilegiadas para dar vistas ao
passado na fronteira sul do Estado do Brasil. A discussão acerca de uma possível formação
de identidade entre o grupo de migrantes originários das Ilhas dos Açores deu-se a partir da
observação de algumas famílias. A utilização e repasses de prenomes e sobrenomes do
Continente do Rio Grande foi feita a partir da observação do que ocorria no interior de
algumas famílias. A geração de alianças entre pessoas e grupos de diferentes estatutos
sociais foi demonstrado através dos batizados nos quais participaram algumas famílias, nos
papéis de parentes consangüíneos e afins ou como padrinhos, testemunhas ou procuradores
nos atos batismais. Quando viu-se a formação e repasse do pecúlio formado em relações
sociais, viu-se isso no seio das famílias.
Cabe, agora, tentar entender o que é essa família que se formou ao sul e da qual
tanto se falou até agora. Com isso, os diferentes temas abordados até aqui de modo
1
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 14.
399
aparentemente desconexo, nos quais cada capítulo apresentado tem início, meio e fim,
podendo ser tomado em separado, receberá a ligação que está faltando. Os aspectos
isolados das manifestações de práticas sociais se mostrarão um tanto mais coesos e
componentes de uma trama complexa que envolvia a todos nessa localidade, através das
tais famílias e das relações inter e intra familiares.
Com toda a certeza, a família que foi vista até agora em “funcionamento”, na Vila
do Rio Grande, extrapola os limites da família formada por pai, mãe e prole. Esse tipo de
família quase sempre era aludido como “casal” quando das migrações e os filhos dos
migrantes se diziam filho de casal. Dona Antônia de Morais Garcês teve que proceder
requerimento especial para seu tratamento no hospício do presídio – hospital da fortaleza –
e sua licença para tratamento no Rio de Janeiro porque seu nome e de seu marido, Antônio
Gonçalves dos Anjos não estavam na lista de casais. Casais também foram chamados os
pais, mães e filhos que se alistaram em Trás-os-Montes para migrarem para Sacramento.
Três décadas depois, os pares de marido e mulher, ainda que acompanhados de seus filhos,
alistados nos Açores e Madeira, também eram ditos casais.
Os genros de Antônio Furtando de Mendonça, que além desse parentesco político
desfrutavam de negócios em comum, teceram relações de compadrio entre si e entre seus
outros sócios ou pessoas com quem mantinham negócios em outras localidades.
Trouxeram para dentro da família espiritual – a família fictícia para os historiadores mas
muito real para a cristandade do século XVIII nessa fronteira – uma sorte de pessoas com
quem estavam ligados por laços mundanos, menos dignos que o parentesco, menos dignos
que os laços abençoados das relações de compadrio. Utilizaram a instituição da Igreja
Católica e um de seus sacramentos, talvez o mais importante deles, pois era o batismo que
inseria as pessoas no seio da cristandade, para conferir um outro caráter às relações de tipo
inferior. Acrescenta-se a isso a participação de seus escravos naquilo que foi chamado aqui
400
de “ciranda de compadrios”, através do compadrio estabelecido a partir dos batismos de
seus filhos que nasciam ou do batismos de escravos africanos novos. As escravarias
estavam colocadas nessa mesma “ciranda” que abrangia também este setor situado no mais
baixo escalão da sociedade e a outras pessoas que viviam em uma unidade doméstica. Os
escravos estavam colocados em uma posição inferior, mas participando, mesmo que fosse
como a mais baixa posição hierárquica nessa família, dentro do mesmo movimento e
intento de captação novas relações e reiteração das já existentes. Eram os mesmos “jogos” ,
por assim dizer, sociais e familiares dos quais participavam seus senhores. Por mais
estranho que possa parecer, as fontes e a interpretação dos dados nelas coletados
apontavam nessa direção. Não sendo parte da família, os escravos tendiam a um
comportamento semelhante ao dos seus senhores na hora de tecer as relações lançadas ao
futuro na pia batismal. Como explicar esse fenômeno? Se sua configuração é complexa,
sua interpretação e sua explicação não podem ser menos.
I. Buscando entender os
significados
Para melhor entender essa sorte de organização social e familiar, buscou-se,
portanto, algumas definições em dicionários de época, tanto lusos quanto espanhóis.
Segundo verbete Família do dicionário elaborado por Raphael Bluteau (2000 ) publicado
em 1717: “As pessoas que de que se compõe uma casa, pais, filhos e domésticos”. No
verbete Familiar encontra-se: “Familiar da casa. Doméstico. Ser um dos familiares da casa
ou pessoa de alguém”. Nesse mesmo dicionário, uma das acepções do termo Casa é:
“Geração. Família” e para Doméstico há: “cousa da casa”. Para Escravo, encontramos,
dentre muitas acepções: “Aquele que nasceu cativo, ou foi vendido e está debaixo do poder
de Senhor”. Dando seqüência, buscou-se a significação de outros termos correlacionados a
401
estes. Escravaria: “Os servos”. Escravidão: “servidão, cativeiro”. Servo: “Criado.
Servidor. Escravo. Cativo”.
Já no dicionário elaborado pela Academia de Autoridades da Espanha (Real
Academia Española, 1726-1739), volume que contém a letra C, datado de 1729, dentre as
acepções de Casa. encontram-se as palavras:
“Vale asimismo la familia de criados, y sirvientes, que assisten
y sirven como domesticos al señor y cabeza o dueño de ella”(...) “Se
llama tambien la descendência o lináge que tiene un mismo apellido, que
viene de un mismo orígens”. (Real Academia Española, 1726-1739)
No volume ao qual corresponde a letra F, lançado em 1732, tem entre as acepções
de Família:
La gente que vive en una casa debaxo del mando del señor de ella. Es voz
puramente Latina. Por esta palabra família se entiende el señor de ella, e
su muger, e todos los que viven só el, sobre quien há mandamiento, assi
como los hijos e los sirvientes e los otros criados (...) Se toma mui
comunmente por el numero de los criados de alguno, aunque no vivan
dentro de su casa (Real Academia Española, 1726-1739)
Para Familiar tem-se: “vale tambien Amigo” e “se toma comunmente por el
Criado o sirviente a una casa: y en este sentido y otros se usa esta voz como substantivo”
(Real Academia Española, 1726-1739).
O volume que guarda os vocábulos iniciados com P foi lançado em 1737, e nele
foram buscados Parentela: “conjunto de todo género de parientes. Es voz Latina. Lat.
Congnatio. Singnifica lo mismo que parentesco” e Parentesco: “Vinculo, connexion ò
ligacion, por consguinidade ò afinidad. Unido con el vinculo de amistad, mas estrecho que
de parentesco” (Real Academia Española, 1726-1739).
O Tesoro de la Lengua Castellana o Española, do Padre Sebastian de Covarrubias
Orozco (1674) também é bastante inclusivo a pessoas outras que não os parentes
consangüíneos ou afins no âmbito da família ibérica. Encontra-se no vocábulo:
FAMÍLIA, en comun significacion vale la gente que un señor sustenta
402
dentro de su casa, de donde tomô el nombre de padre de familias: dixo-
se del nombre Latino famelia: y se entendia de solos los siervos, trayendo
origen de la diccion Osca, famel, que cerca los Oscos siginficavan siervo,
pero ya no solo debaxo deste nombre se comprehenden los hijos, pero
tambien los padres, y abuelos, y los demás ascendientes del linage, y
dezimos la familia de los Cesares, de los Scipiones: ni mas; ni menos a
los vivos, que son de la mesma casa, y decendencia, que por otro
nombre dezimos parentela: y debaxo desta palbra familia se
enteiende el señor, su muger, y los demás que tiene de su mando,
como hijos, criados, esclavos (...) (Orozco, 1674 - grifos meus)
Essas definições coevas aos eventos em que aqui há a tentativa de analisar dão
todos os indícios de que os parentes consangüíneos e afins, como eram as filhas e os
genros de Furtado de Mendonça, mas também mais gente que pudesse viver sob seu
Domínio, que assume também acepções distintas no dicionário de Bluteau:
Direito de propriedade sobre terras, rios, etc. (...) Bens, que se possuem e
de que se pode usar e dispor como próprios. (...) Poder, mando. (...)
Autoridade, para persuadir, e para inclinar a vontade alheia ao que
se quer. Ter domínio sobre alguém. (...) Vale o mesmo que influência
poderosa na produção de algum efeito” (Bluteau, 2000 ).
Tais significados, provavelmente presentes para as pessoas que fizeram parte da
formação da Vila do Rio Grande autorizam então a ampliação dessa família que lá se
instaurou. Ao que tudo indica, assim como o conceito de Nação aponta:
Nome coletivo que se diz da Gente, que vive em uma grande região, ou
Reino, debaixo de um mesmo senhorio. Nisto se diferencia nação de
povo, porque nação compreende muitos povos (Bluteau, 2000 ),
estavam ligados a uma relação que tinha entre seus componentes a lealdade e a proteção,
colocar-se debaixo de seu domínio e ao mesmo tempo, estar obrigado a serviços e respeito.
Somente os partícipe dessas relações que amalgamavam a família é que poderiam
estabelecer os limites das suas próprias famílias, quais as pessoas que incluíam e que
excluíam. Resta saber o que dava suporte a essa maior abrangência de estratos sociais e
qualidades diversas no seio das famílias.
403
II. Tentando perceber os
conceitos
Diz Aristóteles:
(...) é preciso falar da economia do lar, já que o Estado é formado pela
reunião de famílias. Os elementos da economia doméstica são,
precipuamente, os da família, a qual, para estar completa, deve
compreender servos e indivíduos livres (....) conhecendo-se que na
família elas são [partes primitivas e indecomponíveis] o senhor e o servo,
o marido e a mulher, os pais e os filhos. (Aristóteles, 2005: p.15)
Eis então que, na visão aristotélica, entre partes componentes de uma família,
cujas relações a estruturam estão aquelas travadas entre senhor e escravo. De onde é
possível pensar que os escravos faziam parte desta família abrangente na visão aristotélica
que permeia a filosofia escolástica que era predominante ao período sob estudo. Ainda que
possa parecer difícil entender que gente analfabeta ou mesmo escravos pudessem ter
acesso à filosofia de Aristóteles, esse absurdo se desfaz quando as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia, em cujo texto não faltam citações de obras de Aristóteles, e de
filósofos de importância para a cristandade moderna e estabelecem com um dos deveres
dos párocos proceder a educação de seus fregueses
Porque aos Párocos, como Pastores, e Mestres espirituais, obriga mais o
cuidado de apascentar suas ovelhas com a Católica e verdadeira doutrina,
exortamos a todos os do nosso Arcebispado, e a todas e quaisquer
pessoas, a que nele estiver encarregada a cura das Almas, ainda que
sejam isentas, que todos os Domingos do ano em que não concorrer
alguma festa solene, ensinem aos meninos, e escravos a Doutrina
Cristã no tempo e hora que lhe parecer mais conveniente, atendendo
aos lugares e distâncias das suas Paróquias, ou sejam nas cidades ou
fora delas (...) E para se conseguir o fruto desejado, ordenem os párocos
aos Pais, que mandem aos lugares, e horas determinadas seus filhos,
e aos senhores seus escravos (...). E aos Padres Capelães
encomendamos que nas suas Capelas façam a mesma diligência,
principalmente com os escravos (Da Vide, Livro I, Título III - Da
especial obrigação dos Párocos para ensinarem a doutrina Cristã a seus
fregueses, §§ 6º e 7º - grifos meus)
Fosse aos domingos que não tinham festa, nos quais o público alvo eram “os
meninos e os escravos”, fosse com seus sermões, sempre com função de serem feitos com
404
intuito de indicar o caminho cristão e livrar os fiéis do caminho do pecado. Idéias e juízos
morais aristotélicos e tomísticos, mediados pela interpretação dos agentes de divulgação,
chegavam até os lugares mais distantes. Assim, os párocos, os curas e mais gente
autorizada a fazer a pregação da palavra divina agiam como vetores do repasse ou
mediadores do pensamento cristão acerca da virtude e do pecado, acerca das próprias
instituições da Igreja para. Não fica então, completamente absurdo que, seja lá como foi
apreendido por meninos e escravos, um tanto dessa visão de sociedade cristã que está
esboçada nas Constituições Primeiras, a qual também encerra em si recomendações do
Concílio de Trento. Não se pode esquecer também que os principais juristas lusos e
espanhóis da Idade Moderna, tinham rígida formação religiosa quando não eram também
doutores em teologia. Dá-se como exemplo o espanhol Luís de Molina, também presente
nas notas e citações que margeiam as páginas das Constituições Primeiras.
O comportamento à pia batismal dos escravos dos genros de Furtado de
Mendonça assumiam uma feição semelhante à de seus senhores ou da família da qual
faziam parte quer como servos, quer como domésticos. Isso reflete um tanto do que pode
ter chegado até eles, com as devidas mediações, das normas cristãs ensinadas por
homens doutos, e versados nas Divinas letras, lição dos Santos, e de boa
vida, e costumes para Pregadores desse Arcebispado, e no conceder das
licenças se hajam com grande exame como requer o tal ofício (Da Vide,
Livro III, Título XX – Da Pregação e dos Pregadores, § 512º)
As relações cristãs eram delineada pelas possibilidades de relações cabíveis ao seu
estatuto social mas eram lançadas às famílias – e aqui também entendendo as escravarias
dessas famílias como partes componentes dos domínios dos senhores delas – de estatuto
social semelhante ou superior à família na qual estavam inseridos.
Não parece, portanto, absurdo pensar que a utilização do sobrenome de um chefe
de família ou de um proprietário ou proprietária de escravos por parte de seus cativos, de
405
seus agregados, de seus afilhados, de seus subordinados, fosse uma forma de demonstrar o
pertencimento a uma dessas unidades domésticas, família ou casa. Estas, também definiam
os seus membros como aquela gente “que tiene un mismo apellido”. No já citado exemplo
dos compadrios dos escravos de Antônio Gonçalves e Antônia de Morais Garcês, seus
escravos assumiam o nome de família de um ou de outro. E se é possível pensar como
“origem” um mesmo ponto de referência e este sendo a casa da qual faziam parte, essa
também seria compartilhada pelos seus membros, independente de sua posição na
hierarquia interna dessa família ou casa.
Entretanto, a tal “economia do lar” encontrada no texto de Aristóteles, também
teria que ter uma expressão, uma face visível nessa sociedade, se assim ela pensasse e visse
a si própria, tendo um modelo de organização que levasse em conta essas considerações.
Quem trata disso, pensando no âmbito da economia ou melhor, da economia em uma
sociedade moderna católica é Bartolomé Clavero, em Antidora: Antropología Catolica de
la Economía Moderna (1991). Quanto a essa antropologia e a essa sociedade, Clavero vai
buscar no léxico da época e na filosofia coeva os elementos que eram seus estruturadores,
percebendo que a noção de indivíduo não pertencia a nem uma nem outra.
Si avanzándose en la edad moderna ya pudía apuntar de alguna
parte la ocurrencia física y es piritual, lo fuera el indivíduo también
jurídica, parece un "vulgare axioma" descartable sin mayor problema. La
sociedad no se construía con evidencias tan burdas. No tenía el indivíduo
espacio propio ni contaba con consistencia para determinarlo. Nos
encontramos con una antroponogía que no merece su nombre: no conoce
un sujeto individualizadamente humano.
Nos encontramos con un orden de sujetos plurales. El hombre
en sentido individual genrérico no podía ser entonces más que un tópico
de reagrupación de una materia jurídica que, sin principio propio, no cabe
reducir a sistema. (...) No hay espacio común ni ámbito alguno que el
individuo pueda determinar. Como no habia ni podría haber una
economía, tampoco, mas sustantivamente un derecho. Con la pluralidad
de sujetos no reducibles a categoría unitaria, con la multiplicación de
cuerpos sociales, distinciones de ámbitos habia desde la misma base del
espacio oiconómico primario. Tenían su derecho las familias
particularmente privilegiadas. Podían tenerlo las corporaciones o cuerpos
sociales. Solo el individuo derecho en rigor no tenia (Clavero, 1991: pp.
164-165).
406
Para entender a existência desses sujeitos coletivos, inseridos nos corpos sociais,
Xavier & Hespanha (1998) buscam os paradigmas políticos que davam substância ao modo
como essa sociedade compreendia a si mesma. Dizem esses autores da existência de uma
tensão entre dois modelos, quais seriam, o tradicional, que concebia a sociedade como um
corpo e o moderno ou pós-cartesiano, que explica os movimentos e estabilidades sociais a
partir de sua materialidade (Xavier & Hespanha, 1998: p. 113).
Sendo projetos alternativos de sociedade e poder, decorrem, no entanto,
de uma tradição largamente comum. O universo literário dos juristas
seiscentistas e setecentistas era composto por obras (de teologia moral,
direito e, mais tarde, política) de juristas e teólogos. Daí que nos tópicos
ocorrentes em ambos se encontrem mútuas contaminações (Xavier &
Hespanha, 1998: p. 113).
O modelo corporativo medieval sofreu algumas transformações com a Segunda
Escolástica, mas o principal pressuposto, a sociedade como um corpo, tendo o Rei como
cabeça
2
e mais corporações como o corpo, persistiu na sociedade lusa por largo tempo.
Entretanto, as modificações sofridas não concernem à importância das atividades
articuladas das partes para o bom funcionamento do corpo. Não podia ser diferente. A
Segunda Escolástica, através da filosofia de São Tomás de Aquino, ainda era tributária das
idéias de Aristóteles no que tange à organização social, começando de suas unidades
básicas até chegar ao organismo completo, qual seja, a própria sociedade. Citado por
Xavier & Hespanha, há o pensamento de Luís Marinho Azevedo da sujeição do rei às leis,
retirado da obra Exclamaciones Politicas, datada de 1645, que dá a idéia da prevalência
desse modelo corporativo como analogia para o funcionamento da sociedade:
como si fuera com fortisima cadena, y desobligarse el Principe de
semejantes leyes fundamentales seria el mismo que atropellar los direitos
del Reyno, arracar la vabeza de los miembros, arruinar todo su Imperio
(Luís Marinho Azevedo, Exclamaciones... Exclamação II, apud Xavier &
Hespanha, 1998: p. 120)
2
Sobre a concepção medieval do Rei como cabeça do corpo social, há importantes elaborações na obra de
Ernest Kantorowicz, Os Dois Corpos do Rei. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
407
O que aqui interessa para a seqüência da análise da formação da sociedade
riograndina é justamente o modelo que, segundo esses autores, começou a entrar em
decadência ao final do século XVIII, decadência essa que se aceleraria a partir das
reformas pombalinas. O modelo de sociedade corporativa coloca o funcionamento da
mesma de forma análoga ao corpo humano. O Rei, como cabeça simbólica do reino
(Hespanha, 1994: p. 490) e, com função análoga, a do pater familias, chefe de uma
unidade doméstica, de uma família. O restante da sociedade, comporia demais partes do
corpo social, sendo que as muitas formas de organização por setores ou grupos de
interesses também teriam a organização corporativa a reger-lhes internamente. Tal como o
homem, tinha uma ordem natural que universal que orientava homens e coisas, orientava-
os para um destino final, que seria, na sociedade cristã, seu próprio Criador. Os corpos
sociais eram diferentes partes componentes do grande corpo dessa monarquia. Essa
organização corporativa, quer do grande corpo como dos pequenos corpos seus
componentes, pressupunha diferentes funções a cada uma das partes:
(...) a unidade dos objetivos da criação não exigia que as funções de cada
uma das partes do todo na consecução desses objetivos fosse idêntica às
outras. Pelo contrário, o pensamento medieval sempre manteve
firmemente agarrado à idéia de que cada parte do todo cooperava de
forma diferente na realização do destino cósmico. Por outras palavras, a
unidade da criação era uma “unidade de ordenação” (unitas ordinis,
totum universale ordinatum) – ou seja, uma unidade em virtude do
arranjo das partes em vista de um fim comum – que não comprometia,
antes pressupunha, a especificidade e irredutibilidade dos objetivos de
cada uma das “ordens da criação, e dentro da espécie humana, de cada
grupo ou corpo social”. (Xavier & Hespanha, 1998 p. 114).
Chega-se então, ao ponto em questão. Tal modelo de organização social exigia
que diferentes corpos e diferentes pessoas tivessem também diferentes funções nos
organismos sociais, fossem os pequenos corpos que compunham a sociedade, fosse o
grande corpo social. Nas funções diferenciadas encontram-se também fundamentos para a
hierarquização da sociedade, já que algumas funções são de órgãos únicos e vitais para o
408
funcionamento do todo, não havendo substituição. Outras são de menor importância, por
serem múltiplos e exercerem funções secundárias. Entretanto, para o seu funcionamento, é
necessário que todas as partes estejam atuando em favor do bem comum e que a cada um
seja conferida a autonomia necessária ao desempenho de suas funções (Xavier &
Hespanha, 1998: p. 115). Havia, ainda, a necessidade de leis que para que tal organismo ou
seus componentes não se afastem de sua natureza, de tal forma que um tirano, um mau
governante, revoltas e revoluções fossem “acidentes” no desenvolver-se desse corpo social
do que a sua negação propriamente dita.
Do ponto de vista social, o corporativismo promovia a imagem de uma
sociedade rigorosamente hierarquizada, pois, numa sociedade
naturalmente ordenada, a irredutibilidade das funções sociais conduz à
irredutibilidade dos estatutos jurídico-institucionais. (dos “estados”, das
ordens). O direito e o governo temporais não podem fazer outra coisa que
não seja ratificar essa ordenação superior (Xavier & Hespanha, 1998: p.
20).
E regressando ao tema da família, elo que une as várias discussões apresentadas
nessa pesquisa, tenta-se ver em Aristóteles alguns dos fundamentos da sociedade e da
família que podem ter perdurado até o período sob análise. Organizando a sociedade do
menor ao maior, agrupa primeiro homem e mulher, ainda que essa seja uma união que tem
por finalidade a reprodução e não outros fins que não os biológicos. Em torno da relação
homem-mulher, outros se aglutinariam, aí sim visando benefícios que só a socialização
seria capaz de oferecer. Diz ele:
Estas duas primeiras associações, a do senhor e o escravo, a do
esposo e a mulher, são as bases da família, e Hesíodo o disse muito bem
neste verso “A casa, depois a mulher e boi arador;” porque o pobre não
tem outro escravo que o boi. Assim, pois, a associação natural e
permandente é a famíla, e Corondas pode dizer dos membros que a
compõe “ que comiam na mesma mesa”, e Epimenides de Creta “que se
aqueciam no mesmo lar”.
A primeira associação de muitas famílias, mas formadas em
virtude de relações que não são cotidianas é o povoado, que justamente
pode chamar-se colônia natural da família, porque os indivíduos que
compõe o povoado, como dizem alguns autores “mamaram o leite da
família, são seus filhos, “os filhos de seus filhos”. Se os primeiros
409
Estados se viram submetidos a reis, e se as grandes nações o estão ainda
hoje, é porque tais Estados se formaram com elementos habituados à
autoridade real, posto que na família o de mais idade é o verdadeiro rei, e
as colônias de famílias seguiram fielmente o exemplo que lhes foi dado
(Aristóteles, 2000: pp. 6-7).
Entendia Aristóteles a família como sendo o primeiro tipo de associação e que,
como tal, também deveria funcionar a exemplo de um corpo. Acerca do funcionamento do
corpo, da necessidade de manter unidas todas as suas partes ao mesmo tempo em que o
corpo é mais do que o somatório das partes isoladas, também era bastante claro:
Não pode pôr-se em dúvida que o Estado está naturalmente
sobre a família e sobre cada indivíduo, porque o todo é necessariamente
superior à parte, posto que uma vez destruído o todo, já não há partes,
não há pés, não há mãos, (Aristóteles, 2000: p. 8).
Ou como consta em outra tradução:
Levantai o todo: dele não restará nem pé nem mão senão o
nome, como se poderá afirmar, por exemplo, que a mão separada do
corpo não será mão senão pelo nome. (Aristóteles, 2005: p.14)
Mais adiante, afirma:
Ora, o que não consegue viver em sociedade, o que não
necessita de nada porque se basta a si mesmo, não participa do Estado; é
um bruto ou uma divindade. A natureza faz assim com que todos os
homens se associem. Ao que primeiro estabeleceu essa fórmula se deve o
bem maior; pois se o homem, chegado à sua perfeição é o mais
excelente dos animais, também é o pior quando vive isolado e sem leis
e sem preconceitos. Tremenda calamidade constitui-se a injustiça com
armas na mão. As armas que a natureza fornece ao homem são a
prudência e a virtude. Não possuindo a virtude, torna-se o mais ímpio e o
mais feroz de todos os entes vivos; não sabe, para a sua vergonha, mais
do que amar e comer. (Aristóteles, 2005 - grifo meu).
Assim, o agrupamento de homens e mulheres com diferentes posições em sua
organização hierarquizada, sendo aglutinados em torno de um mesmo senhor, formam uma
família. A extensão dessa família pode ser variável, pois parece evidente que o critério
principal para sua inclusão é a mútua aceitação, seja essa obtida de forma consensual ou
sob coerção.
410
III. Experimentação de um
método
A título de experimento
3
, utilizou-se a metodologia empregada na análise de redes
sociais
4
(social network analysis) e tomou-se uma das famílias já apresentadas
anteriormente como “grupo teste”. Autores como Jeremy Boissevain afirmam não se tratar
de uma teoria para a análise social, mas uma metodologia a ser empregada e, como tal, tem
suas implicações teóricas e suas limitações. Tal metodologia não é recente:
As análises de redes sociais surgiram no final dos anos 60,
através dos trabalhos pioneiros de Mitchell, Boissevain e Barnes.
5
Trata-
se de uma metodologia que percebe nas interações humanas o objeto de
análise primordial, sem, contudo, dispensar o diálogo com outras
metodologias. A preocupação central desta abordagem são os tipos e
forma de relacionamentos mantidos pelas unidades de análise (que podem
ser pessoas, empresas, cidades, palavras) e como estes laços podem
interferir no comportamento e nas escolhas destas unidades (Gil, 2005).
Seu emprego vem crescendo no interesse dos historiadores e tem acrescentado
bastante às análises de fenômenos históricos e sociais. Ela vêm sendo utilizada por autores
como Zacharias Moutoukias, no estudo de redes sociais da elite portenha, tomando os
comerciantes de Buenos Aires como grupo-chave (Moutoukias, 1992) e Susan Socolow,
também tendo como alvo as famílias dos comerciantes portenhos (Socolow, 1991).
Daniel Santilli (2003) se utilizou desta metodologia para o estudo do compadrio
em Quilmes e alerta que as relações por ele estabelecidas podem encontrar nuances que
vão desde o parentesco, seja ele real ou fictício ou como redes sociais com outros
fundamentos, tais como as percebidas em documentos judiciais que implicam em relações
3
Agradeço a Tiago Luís Gil o convite, o incentivo e o coleguismo nessa “aventura” de trilhar por sendas que
me eram completamente desconhecidas. Devo-lhe também a interlocução e a constante discussão quanto aos
empregos do método e aos resultados parciais obtidos. Isso auxiliou por demais num refinamento das análises
obtidas e principalmente em tentar definir o que pode e o que não pode ser feito com o método.
4
Há há excelentes referências bibliográficas sobre o tema disponíveis na Internet. Especial destaque para
http://www.redes-sociales.net/ para artigos especializados bem como ponto inicial para novas buscas.
5
BARNES, John A."Class and comittees in a Norwegian Island parish". In: Human Relations.(7). 1954;
BOISSEVAIN, Jeremy."Network Analysis: a reappraisal". In: Current Anthropology. v. 20 (2). Jun.
1979.1979.
411
que vão além do matrimônio ou compadrio (Santilli, 2003). Em suma, alerta o autor, para o
fato de que por vezes família pode apenas mostrar a existência de laços familiares e,
portanto, a rede familiar de parentesco e não redes sociais mais complexas como a que
envolve sociedades, empréstimos, transações de terras, crimes, contrabando e outras tantas
situações que envolvem pessoas que nelas podem estar contidas. Para o contexto dessa
fronteira, uma geração adiante, Tiago Luís Gil recentemente a empregou para a
visualização da importância de certos pontos nodais na rede de contrabandos de Rafael
Pinto Bandeira (Gil, 2005).
A partir do estabelecimento de matrizes quadradas que envolvem os partícipes das
relações percebidas nos livros de batismos da Vila do Rio Grande que encabeçam linhas e
colunas, buscou-se, através de software próprio
6
a elaboração de representações gráficas
dessas mesmas relações, com a tentativa de visualizar aspectos que não eram claros na
mera exposição dos dados em quadros e tabelas. O recurso mostrou-se bastante útil e
apresentou alguns resultados que instigam a continuidade das pesquisas nesse sentido.
Para a utilização da metodologia empregada pela social network analysis e das
ferramentas até então estranhas a essa pesquisa, utilizou-se a obra Introducción a los
Métodos del Análises de Redes Sociales (Hanneman, 2001) como referência mais
elementar. Este manual foi de grande auxílio para a compreensão da importância das
escolhas a serem feitas pelo pesquisador ao analisar as múltiplas qualidades de relações
que podem ser estabelecidas pelos agentes sociais participantes de uma mesma
coletividade ou de grupos sociais distintos.
6
Para esse estudo foram feitos testes com os softwares Pajek (disponível em http://vlado.fmf.uni-
lj.si/pub/networks/pajek/), Ucinet+NetDraw (disponíveis em http://www.analytictech.com/), e Netminer
(disponível em http://www.netminer.com/NetMiner/home_01.jsp). Optou-se pela execução dos gráficos
através do Ucinet/NetDraw por oferecer interface simples e qualidade de objetos gráficos de bom nível, além
do oferecimento de um uma versão para testes bastante completa, sem desmerecimento dos outros softwares
testados, todos eles bastante competentes para a realização das funções às quais se propõem.
412
No caso da sociedade que se formou em Rio Grande, cuja interação em vários
aspectos do mundo social, econômico, político e religioso vividos em simultâneo se
colocaram evidentes, houve a necessidade de abdicar da representação gráfica de algumas
dessas interações para que outras se tornassem óbvias aos primeiros olhares. Definir o
imprescindível e o prescindível não é atribuição da ferramenta, mas obrigação do
pesquisador quando define seus objetos de estudo, os objetivos a serem alcançados com ele
e o aporte teórico de sua investigação. As ferramentas oferecem a possibilidade de mostrar
toda a sorte relações percebidas entre esses agentes sociais e suas interlocuções à pia
batismal mas a seleção do que deve ser priorizado, o estabelecimento de hierarquias nessas
interlocuções é de inteira responsabilidade do executor.
Como não há regras para tanto, no ímpeto e no alvoroço, de início pensou-se em
incluir todas as relações possíveis que apareciam ou eram deduzidas a partir dos registros
de batismo. Por exemplo, o fato de todas as mulheres livres envolvidas nos batizados dos
netos de Furtado de Mendonça serem irmãs. Por conseqüência, eram cunhadas do núcleo
masculino livre dessa família. Estes homens, por sua vez, eram todos co-cunhados entre si.
Os filhos dos casais eram irmãos ou primos, sobrinhos, afilhados e filhos dos adultos deste
núcleo central. Se essas frases acima parecem confusas e o leitor se perde no emaranhado
dos parentescos, os resultados das primeiras tentativas de representação gráfica, não
poderiam ser diferentes: gráficos saturados que mostravam “tudo” e ao mesmo tempo não
diziam nada a quem tentasse a sua leitura. Um emaranhado de linhas e setas partindo de
muitos pontos, em muitas direções. Por mais sofrido que seja o processo de escolha e
decisão para a eliminação de certas relações subjacentes ao batismo, cortou-se um número
bastante grande delas para que as representações gráficas ficassem mais limpas e por
conseqüência mais úteis aos propósitos de análise dessa família e dessa sociedade.
O segundo problema enfrentado foi como marcar as relações que podem ser
413
simples ou bilaterais, simétricas ou assimétricas. Também esse problema de escolhas a ser
resolvido e passa pela interpretação de coisas tão corriqueiras que normalmente ficam
desapercebidas até que se leve a cabo o intento. Tanto quanto as relações citadas no
parágrafo anterior há o complicador dos graus de relação existente entre agentes sociais:
irmãos entre si têm o mesmo grau de relação nas duas extremidades da linha que os liga,
assim como marido e mulher e co-cunhados são ligados pelo mesmo tipo de vínculo.
Isso não ocorre nas relações senhor-escravo, pai-filho, padrinho-afilhado são
diferentes, com diferentes obrigações morais, religiosas
ou legais, com “pesos” diferentes
em cada uma das pontas da linha que os liga. São ligações entre “pontos” – nodos da rede
que representam os partícipes dela – diferentes desde as mais básicas informações que se
têm sobre a organização da sociedade hierarquizada. São pessoas de estatutos jurídicos
diferentes ou de posições com diferentes valores atribuídos na escala social em que estão
inseridas. São relações que não encontram simetria entre as posições sociais dos dois nodos
da rede que estão vinculados por relação no conjunto agentes sociais dos representados.
Um caso aparte, dada uma complexidade que se desconhecia ao início de toda a
pesquisa e que é um dos fundamentos do trabalho desenvolvido até aqui é a desigualdade
constante e a possibilidade de equiparação entre os dois nodos ligados pela relação de
compadrio. A relação entre compadres, aparentemente uma relação equilibrada, na medida
em que compadres se irmanam espírito, ao menos dentro do princípio religioso, mostrou
ter três diferentes possibilidades que são condicionantes dos tipos de relações que podem
ser estabelecidas entre esses irmãos espirituais. Essas respondem muito mais aos aspectos
ditos funcionalistas por Stephen Gudeman (Gudeman, 1971) do que aos aspectos religiosos
de inserção num mundo cristão em que todas as almas, antes do dia de juízo, se equivalem
por serem almas. Entretanto, são distintas se há em mente que pode haver um dos nodos
que não equiparou a dádiva inicial com um dom semelhante.
414
Essa assimetria corriqueira nos compadrios e a possibilidade de tornar-se uma
relação simétrica é um importante espaço nas barganhas sociais entre os componentes de
uma relação desse tipo, pois significava ficar com uma dívida que jamais poderia ser paga
ao compadre que ofertou o afilhado, reter o bem por um tempo prolongado ou equiparar a
relação com bem ofertado de mesmo valor, qual seja a oferta de um filho como afilhado ao
compadre que primeiro fez a oferta. Desse pequeno e flexível espaço vinham, então,
possibilidades de arranjos político, sociais e econômicos. Não havendo a oferta de
contradom de igual valor, estava dada a possibilidade de benefícios, nem tanto materiais,
mas sociais que um compadre poderia esperar de outro.
Por um lado, da relação assimétrica entre desiguais vinha a possibilidade de
favorecimento e satisfação de necessidades sociais, por mínimas que fossem, das famílias e
grupos sociais de menor posse e credoras dessa oferta primeira. Vinha também a
possibilidade de formação de uma base social de apoio com compromisso moral de auxílio
e respeito firmado ante Deus, favorecendo ao compadre em situação social privilegiada.
Isso o deixava resguardado para agir com certa desenvoltura entre seus pares, entre seus
concorrentes no mesmo nicho social em que atuavam e por vezes competiam pelo acesso a
recursos, negócios, cargos e ofícios. Vinha, o que parece bastante importante, o cerceio ou
uma certa limitação de poder dos compadres pertencentes à elite, com muitos afilhados, já
que estavam em dívida impagável com seus compadres de menor qualidade social. Um
deslize ou não cumprimento do que era esperado poderia acarretar a não reiteração ou não
reprodução dessas relações para o futuro, ficando o compadre de boa situação social a
mercê de seus pares e concorrentes por faltar-lhe essa base social.
Por outro lado, a equiparação da oferta inicial com oferta de mesmo valor só
poderia ocorrer entre pessoas situadas em um mesmo estrato social e era, antes de mais
nada, uma opção ou parte de estratégias sociais dessas famílias. O dilema dessa decisão
415
seria ficar em dívida, cativo e obrigado a prestações menores, que não retribuíam todo o
valor do bem ofertado e ter como seu apoiador e parceiro solidário um compadre que
atuava no mesmo nicho social ou equiparar a dívida com a oferta de um filho ao compadre
credor, não se deixando cativar nas contraprestações intermináveis mas também
equiparando a novamente a situação e deixando que as disputas pelos bens, negócios e
mercês passíveis de serem angariados por gente de seu meio entrasse novamente na vida
desses compadres. Opção desse momento, trocando em miúdos, significava a paz
duradoura entre famílias que podiam competir entre si ou o retorno à disputa pelos bens e
recursos próprios de seu estrato social. Isso era parte do jogo social e político da Vila e
que, por serem tempos em que nem tudo o que se podia adquirir advinha do mercado, parte
das estratégias que podiam levar uma família ao sucesso e engrandecimento ao longo do
tempo ou a bancarrota em uma ou duas gerações. Impossível deixar de assinalar essa sorte
de escolhas e de demonstrações da equivalência ou desigualdade de posições sociais entre
os compadres.
Percebeu-se então, três formas de arranjos nas relações entre compadres. Na
primeira o compadre A oferece afilhado ao compadre B (AB); na segunda B oferece
afilhado a A (AB)
e na terceira, há “troca de afilhados”, na qual A oferece afilhado para
B e vice-versa (BA). A primeira e a segunda possibilidades aparecem como relações
assimétricas, na qual as posições sociais dos compadres podem ser equivalentes ou
diferenciadas, ficando a retribuição do dom inicial pendente da vontade ou da possibilidade
de ter um rebento a ofertar como contrapartida. Somente a terceira é uma relação simétrica
ou equilibrada e ocorria e apenas entre pessoas e famílias que, no momento em que foi
firmado o segundo compadrio – a retribuição com bem de igual valor – tinham posições
sociais reconhecidamente semelhantes.
416
Esses eram dados que foram considerados importantes e que não poderiam deixar
de ser mostrados em uma representações gráficas das relações de compadrio.
Principalmente pela pretensão de serem ressaltadas as relações punham em contato gente
de diferentes posições sociais e com diferentes ofertas de dons e contradons nesse
“mercado de compadrios” e possivelmente por acusarem uma das fontes de poder nessa
sociedade nascente.
Na sucessão de eliminações de algumas relações de parentesco simétricos ou de
fácil reconhecimento a partir dos quadros de compadrio sitos ao capítulo 4 deste, às
páginas 233 e 238, pensou-se ter eliminado as relações “excessivas” e “poluentes”.
Chegou-se a dez tipos de relações. Novamente feitos os testes, a saturação de linhas entre
os nodos da família ainda poluíam visualmente a figura, de tal forma que não eram
ressaltados alguns aspectos visíveis nos quadros acima citados e que serviram de base para
essa construção. Feita nova depuração, ficaram reduzidas a cinco tipos, rotuladas
numericamente sem que o valor do algarismo utilizado indique “força” ou importância da
relação. São estas:
1- relação marido e mulher (aqui considerada simétrica);
2- pais e filhos (assimétrica, com seta partindo de pais para filhos);
3- senhor e escravo (assimétrica, com seta partindo do senhor para seus
escravos);
4- compadrio (assimétrica, com seta partindo de quem oferece o afilhado ou
simétrica para o caso de “troca de afilhados”, com seta em ambas as
extremidades);
5- relação padrinho afilhado (assimétrica, com seta partindo do padrinho para o
afilhado).
Essas cinco deixavam perceber relações visíveis nos quadros montados e
tornavam evidentes outras, cuja percepção não era dada nesse tipo de arranjo de dados em
quadros e tabelas. Passou-se, então à produção dos arranjos gráficos das mesmas, com o já
citado par de softwares UCINET-NetDraw. Essa ferramenta permite que se mostrem as
417
relações por categorias rotuladas, o que foi de grande valia nos testes que se produziram e
que serão colocados logo adiante. Algumas dessas visualizações trouxeram à tona aspectos
antes não observados, que serão comentados a seguir, mostrando primeiramente as
relações do núcleos livres destas famílias e seus compadrios sem as crianças. Também, ao
longo do experimento,algumas relações foram deixadas “invisíveis” para que se percebesse
que sorte de vínculos outros uniam essas pessoas. Serão a seguir apresentados em passos
os elementos representados graficamente nessas relações, onde (e) significa escravo.
418
Ilustração 10 - Partícipes dos Compadrios nas famílias dos genros de Antônio Furtado de Mendonça
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
419
Essa é a aparência inicial da representação gráfica que se pode produzir. Com a
utilização das ferramentas próprias do UCINET-NetDraw, mostrou-se acima apenas os
partícipes. Esses foram, também por opção, representados com a figura geométrica do
círculo. Os partícipes dos atos batismais, excetuando-se padres e eventuais testemunhas
para o caso de batismos procedidos de modo emergencial, são, a partir dessa sucessão de
escolhas feitas, os nodos da rede formada pelos cinco tipos de relações selecionadas para
serem representadas graficamente nesse estudo. Constam na ilustração acima os pais das
crianças, as crianças, os padrinhos livres e escravos das famílias nucleares (ou “casais” no
sentido empregado na documentação da época) dos genros de Antônio Furtado de
Mendonça que se puderam coletar nos registros batismais dos quatro primeiros Livros de
Registros de Batismo de Rio Grande.
Na seqüência abaixo, serão apresentados os mais componentes do que seria a
figura completa para que, após, se tenha a representação gráfica da rede de compadrios
dessas famílias nucleares (ou dessa família extensa) mostradas na mesma figura.
Ilustração 11 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos e direção de relação
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
420
Ilustração 12 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça:nodos e linhas com sentido
e direção de relação
Ilustração 13 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos, linhas com sentido
e direção de relação e rótulo das relações
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
421
Ilustração 14 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: nodos nominados, linhas
com sentido e direção de relação e rótulo das relações (representação gráfica completa)
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
Nodos, linhas e setas são, portanto, os principais elementos na representação,
podendo ser acrescidos, a critério do pesquisador, a nominação dos nodos. Aqui, por se
tratarem de pessoas, os nodos são os partícipes, as linhas as relações que foram eleitas para
a análise e as setas indicam, também nesse caso, a critério do pesquisador, o sentido da
relação. Podem ser acrescidos os rótulos eleitos para as relações, explicitados acima e a
nomenclatura atribuída aos nodos. No caso em questão, por serem os nodos representações
das pessoas envolvidas nos atos batismais, o rótulo serão seus nomes próprios, acrescidos
de um número no caso de crianças homônimas e da letra “e” entre parêntesis no caso de
escravos.
Optou-se, para fins de ilustração geral o formato da Ilustração 8, por ser menos
saturada e ao mesmo tempo bastante clara, contendo os elementos básicos necessários à
sua compreensão. Elementos adicionais poderão ser usados para destaque de detalhes
específicos:
422
Ilustração 15 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica simplificada
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
423
Tendo sido apresentados nos capítulo 3 e 4 deste os atores das cenas sociais e
religiosas que se desenvolviam no ato batismal, passa-se a analisar agora os gráficos e os
aspectos salientados na representação gráfica que não eram visíveis ou ao menos
facilmente visualizados na organização dos dados em quadros e tabelas. Para tanto, será
recorrente a utilização de representações que tornam invisíveis os “excessos” visuais para
salientar aspectos considerados mais interessantes ou instigantes.
Antes disso, para que a explanação possa seguir com certa fluência, parece
necessário mostrar os partícipes e as relações específicas que os vinculam uns aos outros.
A seguir, então, usando o recurso de deixar visível apenas as relações com de mesmo
rótulo, mostram-se as representações gráficas dos cinco tipos de relações destacadas para
este capítulo.
Ilustração 16 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica
relação de tipo 1 (maridomulher)
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
424
Ilustração 17 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica
relação de tipo 2 (paifilhos)
Ilustração 18 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica
relação de tipo 3 (senhorescravo)
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
425
Ilustração 19 – Compadrios nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica
relação de tipo 4 (paispadrinhos)
Ilustração 20 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: representação gráfica
relação de tipo 5 (padrinhosafilhado)
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
426
Algumas coisas já podem ser ditas a partir dessas ilustrações apresentadas.
Em primeiro lugar, no canto superior direito da representação gráfica simplificada
(Ilustração 15) vê-se um losango formado por Antônio de Aranda, seus dois escravos
casados, Inácio e Luzia de Aranda e a afilhada desses, a escrava Catarina, de nação mina e
de propriedade de Francisco Pires Casado, genro de Antônio Furtado de Mendonça.
Luzia era escrava nova e adulta. Ainda que o registro batismal não traga a nação,
seu batizado vai ao encontro das afirmativas de Gudeman & Schwartz (1988) para as
escravarias da região açucareira da Bahia: a tendência de escravos novos ou boçais serem
batizados por casais de escravos, já inseridos em contextos familiares com um mínimo de
assimilação dos ensinamentos e hábitos católicos. Assim, vêem-se essas escravarias de
famílias de boa posição social formando suas próprias redes de parentesco fictício,
geralmente subjacentes à grande malha de compadrios das famílias às quais pertenciam,
mas que os vinculavam a outras pessoas com condições semelhantes, eram escravos com
pertencimento a outras boas casas da localidade. Infelizmente não foi dado a saber se os
padrinhos Inácio e Luzia eram escravos crioulos ou de nação e muito menos de que nação
seriam.
O pertencimento dos padrinhos de Catarina à casa, à família (extensa) conforme o
sentido dessas palavras nos dicionários coevos é evidente: compartilhavam inclusive do
uso do sobrenome dessa casa. Inácio e Luzia usavam um bem próprio da família de
Antônio de Aranda e que era um dos elementos possíveis de reconhecimento e de inclusão
em grupos familiares nessa sociedade. No verbete do dicionário Academia de Autoridades
(1726-1739): “que tiene un mismo apellido, que viene de un mismo orígens”, podendo ser
essa origem comum, então, a unidade doméstica à qual estavam vinculados. Essa área da
representação gráfica será novamente mencionada quando do destaque de outros aspectos
que encontram correlatos em áreas outras da representação gráfica. Isso levou à produção
427
de uma nova ilustração, na qual estão aglutinados os partícipes que estão associados a um
mesmo cabeça de casal. A opção foi atribuir cores diferentes a esses grupos, ficando eleita
a cor verde-clara para os padrinhos não relacionados por parentesco consangüíneo ou
político com os genros de Antônio Furtado de Mendonça valendo o mesmo para Francisco
Antônio da Silveira, parente cujo grau não se pôde saber.
Ilustração 21 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: partícipes aglutinados por
relação de pertença aos casais
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
A seguir, como já havia sido explanado na apresentação dos partícipes desta rede
familiar e de compadrios, o genro Antônio Moreira da Cruz, que apresentava trajetória
bastante diferenciada de seus co-cunhados, está situado em um ponto quase isolado, no
canto inferior direito da representação. Retornando aos gráficos das relações isoladas, vê-
se que se vincula a uma única pessoa por um único tipo de relação. O que havia sido
percebido para ele, através da comparação das trajetórias revelou-se igualmente peculiar na
representação gráfica. Moreira da Cruz é o único dos co-cunhados que não deu filhos a
batizar ou não foi padrinho de crianças dentro da família no período sob análise. Estava
428
vinculado a ela apenas por seu casamento com Joana Margarida da Silveira. Moreira da
Cruz e sua esposa estão representados em laranja na ilustração imediatamente acima.
Lembra-se aqui da recomendação de Santilli (2003) acerca da necessidade de
matizar a aplicação da metodologia de análise de redes sociais e a interpretação dessas
figuras produzidas à partir dos registros batismais. Por vezes o que elas mostram são
apenas os resultados de interações familiares, ou seja, em alguns lugares desta malha
desenhada vêem-se laços familiares e apenas isso, não dando a ver outra sorte de relações.
No caso de Moreira da Cruz, a inexistência de compadrios, ao menos até o momento da
Invasão Espanhola, não aparecem porque não existem. Não se encontrou nem nos registros
existentes na Provedoria da Fazenda – fossem eles petições, promoções, nomeações, ou
qualquer outra sorte de registros – nada que o vinculasse aos seus co-cunhados além do
fato de ter tomado esposa na mesma família. Sua trajetória destoante ajuda a compreender
essa falta de interação com demais membros masculinos dela. Não sendo sócio, não tendo
negócios em comum, não exercendo a mesma sorte de ofícios, ainda assim era parte da
família, havendo ingressado nela através do matrimônio com uma das moças.
Também visível quando dessa última representação é a ausência de madrinhas das
crianças das famílias, sejam essas crianças livres ou escravas, que fossem externas à
família. Todas as madrinhas, à exceção de Luzia de Aranda, estavam vinculadas por
casamento ou por escravidão a um dos cabeças de casal. A família de Antônio Furtado de
Mendonça e seus genros optou por reiterar laços outros através do compadrio das
mulheres, unindo todas irmãs Silveira a seus sobrinhos, cunhados e irmãs através das
relações de compadrio.
Algumas das escravas desses casais deram seus filhos a batizar por escravos de
um dos outros casais. Assim foi com Aniceto, filho da escrava Maria, congo, de Manuel
Bento da Rocha. Seus padrinhos foram Catarina, mina e Antônio, escravos de Francisco
429
Pires Casado. Configuração muito semelhante à dos compadrios do núcleo livre da família,
como por exemplo, o menino Manuel, filho de Francisco Pires Casado e Mariana Eufrásia
da Silveira, que foi dado a batizar para o casal de tios Manuel Bento da Rocha e Isabel
Francisca da Silveira.
O menino Jacinto, filho de Rosa, angola, escrava de Mateus Inácio, foi batizado
Maria congo, escrava de Francisco Pires Casado e por João Pinto, do qual não se encontrou
nenhuma evidência de pertencimento à família. Assemelha-se ao batismo de outras
crianças no núcleo livre dessas famílias, que tiveram a madrinha colhida entre os seus e o
padrinho buscado fora dos laços de parentesco afim ou consangüíneo. Até certo ponto, os
escravos dessas famílias tinham comportamento semelhante ao núcleo livre na eleição de
seus compadres. Mais um teste, dessa vez subtraindo do gráfico a relação senhorescravo.
Tem-se o que segue:
Ilustração 22 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: excluídos os senhores de
escravos pertencentes à família
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
430
Eis que surgem duas malhas subjacentes à primeira grande rede formada por essas
famílias. A primeira delas, à esquerda da ilustração, formada por uma mãe escrava, Maria
angola e sua filha Januária. A segunda e com maior número de componentes conectados
por relações outras, à direita da ilustração. Ambas são compostas majoritariamente por
escravos. A bem da verdade, com exceção de Antônio Pinto, homem livre do qual não se
obteve maiores informações, todos os demais componentes dessas duas sub-malhas são
escravos. E dessa representação gráfica há duas observações importantes a serem feitas.
A primeira, é relativa ao motivo de estarem desvinculadas da malha principal. Os
nodos que as conectam a essa malha são representados, justamente, pelos senhores. Ou
seja, não estabeleceram relação outra com a parcela livre das famílias. Se nas observações
anteriores tudo reforça inserção desses escravos na família, essas duas malhas mostram que
isso ocorria sem uma promiscuidade social em que escravos e senhores compartilhassem
de todos os aspectos de sua vida social. A sub-malha representada à direita do desenho
mostra que, para além das restrições a que estavam sujeitos por sua condição de escravos,
estes tinham uma certa autonomia ou possibilidades de escolhas de padrinhos para além de
uma reiteração da relação senhor/escravo através do compadrio interno à família. Teciam
malha própria, ainda que à sombra da malha senhorial.
Havia a possibilidade da invenção de arranjos parentais fictícios para esses
escravos que não passava necessariamente por pedir a bênção a um padrinho de condição
social superior dentro da família. Podiam eles (ou elas, já que nenhuma dessas crianças têm
pai nominado) reinventar famílias em substituição às que perderam quando foram tirados
de suas terras natais. Rosa angola, Maria congo, Catarina mina, Antônio, Luzia e Inácio de
Aranda e Antônio Pinto, os adultos envolvidos nessas relações, formavam uma família
espiritual bastante ampla. Através do compadrio, no ato do sagrado sacramento do batismo
431
administrado a seus filhos, construíam uma família espiritual para si. Escolheram seus
irmãos e irmãs.
A morte social, a qual James H. Sweet (2003: pp. 31-32) se refere tomando por
base o estudo de Patterson, encontrava também meios de ser revertida numa das
instituições cristãs mais tradicionais e não somente através de ritos que remetessem
exclusivamente à memória da vida que fora interrompida com a retirada dos africanos de
suas vidas sociais anteriores. Apenas a esta segunda se refere Sweet. Ao que tudo indica, a
incorporação desses rituais cristãos em suas vidas pode ter representado a possibilidade de
gerar lastro social que desse alguma razão às suas existências e não apenas a recriação dos
rituais e práticas africanas nas terras americanas. Isso ajuda a explicar um ponto muito
pouco trabalhado na obra de Sweet, que usa o baixo índice de casamentos legitimados e o
alto índice de filhos ditos naturais entre os escravos para concluir por uma rejeição aos
ensinamentos cristãos. Havia muitas crianças escravas de Francisco Pinto Bandeira que
eram legítimas, atestando outras estratégias.
Não havia, como já visto, uma rejeição ao sacramento do batismo, talvez por
formar parentela e por gerar uma laços parentais rituais em substituição aos drasticamente
rompidos com o apresamento e conseqüente cativeiro dos africanos. Há que se considerar,
então, que não havia uma rejeição a priori do catolicismo, mas de certas instituições do
catolicismo. E há de se comparar ainda, os índices de uniões não formais entre a população
livre de diferentes estatutos sociais para a afirmativa de que essa rejeição era
majoritariamente africana. Antes, fica a impressão de tratar-se não de uma rejeição dos
princípios religiosos associados ao matrimônio, mas uma rejeição estratégica, já que o
matrimônio legal gerava impedimentos também matrimoniais para as gerações futuras.
Aquilo que se percebia para o restante da sociedade visto através da janela aberta
pelas redes de compadrio das famílias de elite – uma inclusão quase que obrigatória em
432
algumas de suas redes de relacionamento – mostra que havia, por mínima que fosse, uma
possibilidade de escape e de constituir redes de relacionamentos, redes parentais e de
compadrio à margem delas. A independência relativa e desenvoltura evidente com que se
deu a construção da malha de sociabilidades dos escravos dessa família, representada na
sub-malha visível à direita da representação, gráfica demonstra que nem tudo passava “por
dentro da casa dos senhores”. Também os setores subalternos e cativos dessas famílias
podiam compor seus parentescos espirituais e suas relações sociais guardando vínculo
mínimo com seus proprietários.
As relações de compadrio uniam as escravarias que eram pertencentes às famílias
de elite, uniam essas famílias também em seus estratos mais baixos, mas prescindiam da
presença senhorial para serem tecidas. Vinculavam-se a seus pares: outros escravos de
famílias de situação semelhante. Mas não contavam com a participação direta dos senhores
na constituição dessas malhas.
A tessitura das malhas do compadrio que viu-se agindo na redução das tensões
existentes entre setores com poder de mando e setores subalternos da sociedade, nessa
representação gráfica, mostra que também poderia agir na coesão, pelos laços fortes e
sagrados do compadrio e todas as obrigações dele recorrentes, dos setores postados na base
da hierarquia social. O número de parentes fictícios que se podiam aglutinar em torno
dessas pessoas dão uma noção de quão grande poderia ser o problema gerado por ataques e
agressões diretas a ele. Dado que a malha se espalha por mais famílias, as animosidades
internas a uma poderiam atingir a casa das outras. A tensão aliviada pelo vínculo espiritual
entre os que pertenciam aos degraus mais baixos da escala social e os que estavam no topo
tinha sua contrapartida na formação de malhas próprias de seu estatuto social, que
poderiam se apresentar como uma força social a ser levada em consideração quando das
decisões e dos atos que a atingissem.
433
Os compadrios entre setores de mesmo estatuto social nessa sociedade queda por
ser estudado, já que dada a imprecisão nos registros das parcelas menos aquinhoadas e da
ausência de elementos que fornecessem a identificação positiva de muitos desses agentes
sociais, no momento não permitiu sua investigação. Há a necessidade de refinamento no
método empregado para cruzamento de registros nominais antes que isso possa ser feito.
Entretanto, esse parece ser terreno fértil para quem se debruçar sobre as relações de poder e
nas tensões sociais que possam surgir em um povoado do período colonial.
O segundo ponto a destacar, que também se refere à fragilidade do vínculo dessas
duas malhas encontrou explicação justamente na menor delas. Quando são vistas Maria
angola e sua filha Januária em separado do restante dessa rede, perguntar o porquê é quase
que ato reflexo. Voltando ao quadro dos compadrios dessas famílias, percebemos que tanto
Januária como o menino Leonardo, filho de Catarina mina, foram batizados em situação de
emergência. Nessa situação, conforme as Constituições Primeiras (Da Vide, 1707, Livro I,
Título XX,§ 71), não deveriam receber padrinhos, a menos que o batismo exorcizado e
nova cerimônia procedida.
Considerando que para fazer a anulação do primeiro batismo necessitaria de
autorização expressa do bispado, não há nenhum registro batismal na Vila do Rio Grande
que o tenha entre as anotações que marginam as atas batismais. Todo o acréscimo de
padrinhos em batismos emergenciais foram feitos em uma situação de informalidade. Isso
não é de espantar. Como já visto para os casos em que os padrinhos eram muito novos, os
costumes da localidade muitas vezes se sobrepunham à normatização expressa nas
Constituições Primeiras.
A falta de outros vínculos nessas duas malhas que se isolam com a ausência dos
laços senhores de escravos nessa representação, ajuda a dar resposta aos casos das crianças
das famílias de elite como o menino Nicolau, filho de Mateus Inácio da Silveira e Maria
434
Antônia da Silveira, nascido nessas famílias ou mesmo de Manuel Marques de Souza,
fil1ho de Antônio Simões e Maria Quitéria, mostrado em capítulo anterior. Ambos foram
batizados em situação de emergência e ambos receberam padrinhos a posteriori. A
situação de isolamento social já em idade tão tenra, visualizados em Leonardo e Januária
não se repetiu para nenhum dos dois. Além de suas famílias biológicas, ambos receberam a
família espiritual. De Manuel Marques de Souza, o governador foi padrinho “adicionado”
após o batismo emergencial, com anuência do pároco, e de Nicolau foi padrinho um de
seus tios. Para Nicolau, haja vista todas as madrinhas dessas crianças serem suas tias
maternas e em mais de um caso não ser nominada madrinha nos registros batismais (vide
quadros em capítulo 4 p. 233) dá a entender a possibilidade de ritos populares ou caseiros
nessa família, que lhes atribuíssem uma madrinha, uma das suas tias, ainda que isso não
fosse registrado e oficializado pela autoridade eclesiástica local. Seriam estas também
formas de elidir os impedimentos de atribuição de padrinhos aos escravos da família
batizados em situação de emergência. Entretanto, não havendo nenhum registro disso, não
pode passar da sugestão dessa possibilidade e um alerta para que sejam buscados em
investigações futuras e ou em outra sorte de documentação indícios desse tipo.
De todo o modo, se o batismo, como foi dito, era o sacramento mais abrangente
da Igreja Católica, do mesma maneira que observam-se através desses casos específicos e
minoritários nos registros dos batismos que o ato completo, assim como o conjunto de
partícipes também completo, registrado em atas não era dado a todos em iguais condições.
Às famílias de elite, numa troca de favores ou em negociações com o pároco, não
registradas na documentação, poderia ser facilitada a adição de padrinhos às crianças
batizadas em emergência – e por conseqüência, de compadres a seus pais – não deixando
de cumprir o papel funcional de geração de alianças e cadeias de reciprocidade. Essas,
conforme visto, eram uma das fontes de poder e uma das formas de contenção do mesmo.
435
A despeito da importância do papel religioso e cultural cristão, quais sejam purgar o
pecado dos herdeiros de Adão, atribuir nome cristão para o chamamento no Dia de Juízo,
marcar as ovelhas do Rebanho do Senhor, garantir a possibilidade da salvação da alma e
afastar as crianças do limbo destinado ao paganismo, o utilitarismo e instrumentalização
das relações subjacentes ao ato do batismo falavam mais forte nesse momento. O ato
batismal emergencial e incompleto cumpria todas as funções religiosas, mas não cumpria
todas as funções sociais e políticas. A complementação dessas, na análise que aqui se faz,
dá a perceber que eram possíveis apenas à uma minoria da população riograndina. E não
por acaso, a minoria era a elite social, política e econômica que vinha se formando na
localidade, com utilização de recursos sociais e instituições diversas.
Utilizando outras ferramentas pertencentes aos softwares que produzem
representações gráficas das redes relacionais, procedeu-se novo teste. Primeiramente com o
os adultos pertencentes “núcleo livre” dessas famílias e seus compadres e depois para
todos os adultos, incluindo os escravos. Essa ferramenta, após cálculos feitos pelo próprio
software, atribui “força” ou “peso” aos nodos, considerando o número de relações
estabelecidas em uma rede de relacionamentos. Quanto maior o número de relações
estabelecidas, maior a importância do nodo – que representam os agentes sociais – na
manutenção da rede. Essa ferramenta trouxe algumas surpresas e instigam a que novas
pesquisas para essa e outras realidades coloniais. Aqui lastima-se a inexistência de estudos
semelhantes para que a discussão sobre certos aspectos, tais como a já alertada importância
das mulheres na composição de trama e urdidura do tecido social percebida nos batismos
em que foram madrinhas as mulheres de famílias privilegiadas da Vila do Rio Grande.
Passa-se aos gráfico antes de tornar o texto mais explícito. Abaixo, a configuração da rede
de compadrios composta apenas pelas relações existentes entre adultos livres e a
representação gráfica dessa mesma rede após atribuição de importância aos nodos.
436
Ilustração 23 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres
Ilustração 24 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos livres com
atribuição de importância aos nodos
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
437
A importância dos nodos, de acordo com o número de relações estabelecidas é
representada no tamanho das circunferências e aglutinadas por cores. Assim, no grau
máximo dessa rede, têm-se seis círculos pretos, no segundo dois círculos vermelhos, no
terceiro dois círculos azuis, em quarto seis círculos verdes e em quinto e último, um círculo
cinza.
Antônio Moreira da Cruz, homem e pertencente à família, é o único representado
no último grau de importância. Isso não é nenhuma surpresa. A primeira surpresa foi que,
de dezessete participantes dessas relações, apenas cinco são mulheres. Três delas situadas
no primeiro grau de importância, uma no segundo e uma no terceiro. Os padrinhos, todos
externos à família, estão no quarto nível de importância, à exceção de Domingos de Lima
Veiga, situado uma posição acima.
Essa visualização deixa mais evidente o que já havia sido observado através dos
dados tabulados para outras famílias da elite riograndina: nas relações de compadrio há um
destacado papel das mulheres, muitas vezes sobrepujando o papel de seus maridos. Esse é
o caso de Joana Margarida da Silveira, que tinha número de relações suficiente para lhe
colocar em dois graus de importância acima de seu marido Moreira da Cruz. Somando-se
ao que foi apresentado no capítulo imediatamente anterior, a forte presença das mulheres
como madrinhas em relações sociais com estratos sociais inferiores ao seu, indica que estas
eram peça fundamental para tecer alianças das quais, dado o caráter assimétrico da relação,
decorriam relações de poder. O fato de serem os casais e famílias aqui apresentadas
chefiadas por homens, não significa que as mulheres estivessem relegadas a um plano
muito inferior ao dos seus maridos. Talvez o fossem nos aspectos relativos a negócios e
outros âmbitos da vida, mas não nos compadrios estabelecidos.
Contrabalançando uma possível fraca presença nesses outros âmbitos, encontram-
se mulheres angariando aliados às suas famílias através da participação nos ritos batismais.
438
Acredita-se que, a partir de tudo o que foi visto até aqui sobre a importância dessas
alianças e relações na vida dessa Vila, possa ser dito que as mulheres eram bem mais que
um vulto diáfano, quase que uma sombra de seus maridos. Considerando o número de
afilhados que as mulheres de boas famílias tinham nessa localidade, a construção das
relações de parentesco fictício passava muito mais pelo setor feminino das famílias do que
pelo setor masculino. Nem por isso, nesse aspecto da vida social e familiar – e que são ao
mesmo tempo aspectos político e econômico – diz-se que os homens eram menos
importantes que as mulheres. O que se divisa para essa situação é que seus papéis, como
não poderia deixar de ser, eram diferentes nessa sociedade, mas complementavam o
conjunto de relações das quais é composta uma família. A família começa a parecer mais
como uma teia interna de relações que não são estáticas e nem sempre são equilibradas. A
família assim composta, incluindo malhas subjacentes de compadrios de escravos e a
importância ampliada das mulheres no tecer dessas redes, ganha, desse modo, não apenas
um maior número de participantes, mas uma dimensão política entre os diversos setores
que a compõe, tornando-se muito mais complexa que a família patriarcal, onde o senhor
tudo pode e aos outros cabe apenas obedecê-lo. As mulheres e os setores subalternos
concorrem com seu poderio em alguns âmbitos da vida, cujo bom funcionamento é
necessário para o bom funcionamento do corpo familiar.
Para encerrar sem mais delongas esses testes com a representação gráfica das
relações de compadrio das famílias de Antônio Furtado de Mendonça, um último esboço.
Retornando à rede completa e excluindo apenas os batizandos. Nela, apenas a escrava
Catarina mina foi batizada no período em questão, mas comparece na representação gráfica
pois por ser adulta quando de seu batismo, foi também madrinha de uma criança e deu um
filho a batizar. Assim, tem-se:
439
Ilustração 25 – Compadrio nas famílias de Antônio Furtado de Mendonça: adultos com atribuição de
importância aos nodos
Fonte: Quadros em cap. 4, pp. 236 e 241, com base em 1LBat-RG, 2LBat-RG, 3LBat-RG, 4LBat-RG, 1738-1763
De onde é possível dizer, em primeiro lugar, que Antônio Moreira da Cruz não
está mais sozinho na posição de menor número de relações tecidas. Junto com ele
aparecem o misterioso João Pinto, do qual além de seu estatuto de livre nada se sabe e
Maria angola, a escrava que ficava junto com sua filha Januária na pequena malha isolada
à esquerda. Era essa a escrava que não tinha compadres por ter sido sua filha batizada em
situação de emergência. João Pinto por ter batizado apenas o menino Jacinto, filho de Rosa
angola, que por sua vez, não havia nominado o pai da criança na ata de batismo. João Pinto
possuía um afilhado e uma comadre. Antônio Moreira da Cruz está nessa posição
diminuída em comparação aos demais familiares por não ter tido filhos e por não ter sido
dada nenhuma criança para que batizasse. Sua relação, diferente ainda desses outros dois
440
últimos colocados é que Maria tinha a filha e um senhor, o que são duas relações e João
Pinto tinha um afilhado e uma comadre. Antônio Moreira da Cruz, para colocá-lo em
contato com os outros partícipes, tinha apenas sua esposa Joana Margarida.
Três das cinco irmãs, apesar da inclusão dos outros partícipes na representação
gráfica dos relacionamentos, o que poderia elevar em muito o peso dos homens nessa
malha, já que os homens eram os proprietários dos escravos dessas famílias, permanecem
em grau de importância máximo avaliado pelo número de relações tecidas. Joana
Margarida ocupa lugar entre aqueles com o segundo grau de importância e Antônia Maria
em terceiro. Nenhuma delas está situada nos dois graus inferiores. À exceção de Maria
angola, todos os escravos partícipes da rede de compadrios estão em posição superior a de
dois homens livres, sendo um deles Moreira da Cruz, membro da família por casamento.
A maior surpresa reservada por essa última representação gráfica é a posição no
terceiro grau de importância dado o número de relações tecidas nessa rede de compadrios
de Joana angola, escrava de Manuel Fernandes Vieira. Essa escrava está colocada em
mesmo grau de importância de uma das mulheres livres da família, Ana Inácia da Silveira
e compartilha também essa posição com Domingos de Lima Veiga, o mais “popular” dos
padrinhos externos à família e um dos homens mais procurados para padrinho na Vila do
Rio Grande. Isso induz à sugestão de estudos que aprofundem a questão das relações
sociais, matrimoniais e de compadrio dos escravos como um todo, com especial atenção ao
aspecto da possível geração de hierarquias internas ou pertinentes apenas a esse setor da
sociedade. Como já dito, escravos eram todos, mas nem por isso eram iguais. Alguns,
talvez pela idade, talvez por bagagem cultural que não se dissipou na travessia forçada do
Atlântico, podiam desempenhar papéis de liderança entre os cativos das localidades
coloniais.
441
Os resultados dos testes do uso da representação gráfica das relações sociais entre
os partícipes dos atos batismais das famílias dos genros de Antônio Furtado de Mendonça
despertaram a necessidade de ampliá-lo para mais famílias da localidade e de também
testá-lo em outras comunidades. Entretanto, como já foi dito, para que isso seja feito, é
necessário que se aprimore o método e as bases de dados usadas para a identificação dos
sujeitos da história que não deixaram tantas marcas em registros quanto os membros das
famílias de elite. No caso dos genros de Antônio Furtado de Mendonça, o número e a
qualidade dos partícipes permitiu de pronto sua utilização. Muito em função das madrinhas
serem todas elas pertencentes ao núcleo familiar e, mesmo as mulheres escravas, terem a
referência à casa a qual pertenciam.
O mesmo não ocorre para as famílias já comentadas de Antônio Simões,
Francisco Pinto Bandeira, Antônio Gonçalves dos Anjos, Domingos Gomes Ribeiro e
Domingos de Lima Veiga. Justamente onde essa técnica se revelaria mais útil, no esboço
das malhas que envolvem os setores não pertencentes às elites que deram seus filhos a
batizar por essas famílias, é onde as ferramentas que se construíram para a identificação
dos sujeitos apresentam resultados menos satisfatórios, necessitando passar por
reelaborações. Findo este trabalho há que empreender novas pesquisas e testes para as
bases de dados e para as técnicas empregadas para a reduzir a margem de incertezas na
identificação dos sujeitos históricos que deixaram suas marcas nos acervos documentais
sob forma de registros nominais. Deverá ser feito com intuito de aprimoramento e
refinamento do método empregado, de tal forma que o cruzamento das fontes nominativas
e em conjunto as técnicas de representação gráficas possa ser mais frutífero.
442
IV. De volta ao começo
Retornando ao tema com o qual foi aberto este capítulo, crê-se aqui que tomar
como ponto de partida para seu estudo a concepção própria da época, a idéia de que era um
corpo social, o menor corpo social que incluía as relações básicas existentes na sociedade é
bastante profícua para a análise. Assim, o que se manifesta como o corpo familiar
funcionando como um organismo vivo ao tecer suas relações, econômicas, políticas,
religiosas, enfim, exercendo economia do lar de Aristóteles não é secionado onde a
continuidade existe. Se raras foram as vezes que um proprietário de escravos apadrinhou o
filho de um de seus cativos, não foram poucas as vezes que seus filhos, cunhados, a esposa
ou outros parentes e amigos próximos o fizeram. Se existiram índios e índias de quaisquer
etnias afilhados e compadres dessas famílias, como tais devem ser tratados: como família
espiritual ou fictícia dos partícipes dessa relação.
Como já dito, o pertencimento a uma família não reduz a distância dos seus
membros na escala hierárquica. Um escravo pertencente a ela, inserido nela e mesmo
aparentado na família fictícia, segue sendo um escravo. O mesmo deveria acontecer com as
moças ditas minuano, aos pardos e forros que viviam sob as cumeeiras de uma mesma
propriedade. Para estarem inseridos nelas, compartilhavam um mínimo de experiências e
valores que eram percebidos desde fora delas. As vezes ocorre de forma mais sutil, ao
elegerem compadres à sombra da malha de compadrios dos senhores dessas casas ou ainda
serem escolhidos para padrinhos dos subalternos de outras famílias de estatuto social
semelhante a aquela que estavam inseridos. Há contudo, na medida do possível, que se
tentar divisar os limites para essa inclusão. Quais os critérios que cada família estabelecia
para que pessoas pudessem se dizer e serem ditas como membros delas. Por vezes é visível
por portarem o sobrenome do seu senhor, ou receberem o prenome da mulher ou do
443
marido, de um dos filhos. Ainda assim, viu-se uma relativa autonomia dos setores
subalternos das famílias que puderam tecer malha própria de parentesco espiritual, ainda
que subjacente à malha do setor livre. Elemento que servia para amenizar certas tensões, os
compadrios poderiam gerar outras forças solidárias comuns a apenas certos setores sociais.
Ainda que não se tenha conseguido perceber claramente os critérios de inclusão
de pessoas nas casas ou famílias percebeu-se que o parentesco consangüíneo e afim ou
político não eram os únicos a aglutinar essas pessoas. Tem-se a convicção que nela
estavam incluídas pessoas de diferentes estatutos sociais. Com diferentes funções. Todas
necessárias, algumas substituíveis outras imprescindíveis para o bom funcionamento. Mas
um todas com um papel nesse organismo vivo que era a família na qual existiam várias das
tantas relações existentes na própria sociedade. Coexistia e interagia com outros
organismos semelhantes ou com funções distintas, mas que faziam parte de um mesmo
grande corpo social. Sustenta-se assim a idéia da existência de uma família de tipo
corporativo, na falta de termo melhor para defini-la.
Essa família corporativa necessitava, assim como o corpo necessita, de uma
cabeça a guiá-la. Em geral era o homem mais velho e pai dos demais. Mas esta chefia
podia ser exercida pela mulher na ausência prolongada do marido ou quando de seu
falecimento. Mas se para a liderança, a “cabeça”, deste corpo estão os senhores, para os
“braços” e “pernas” deste corpo estão aqueles que executam justamente as tarefas braçais:
os escravos e mais serviçais destes senhores. Posto isso, parece resultar claro que um dos
componentes deste corpo, seja ele qual for, distanciado do mesmo, não existe como tal. A
existência de indivíduos não é favorecida nessa sociedade, ao passo que sua organização
em grupos – sejam eles familiares, de ofício, de armas, de origem, de famílias espirituais –
lhes dá a sua existência como membros de uma coletividade. Mesmo o pater familias na
acepção completa do termo e posição de chefia do corpo social familiar, só existe na
444
relação com seus filhos, esposa e escravos e mais gente que compunham a sua família
“completa”. Afinal, se “a mão separada do corpo não é mão senão pelo nome”, com a
cabeça, o pater familias, não poderia passar diferente.
Abreviações usadas nesse capítulo:
ADPRG – Arquivo da Diocese Pastoral de Rio Grande
LBat – Livro de Batismo
RAE – Real Academia Española
RG – Rio Grande
Fontes e referências bibliográficas usadas nesse capítulo:
Fontes primárias manuscritas:
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o
, 2
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e 4
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Rio Grande. 1738-1763.
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Menores. Madri: Melchor Sanchez, 1674.
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Universidade Federal de Juiz de Fora: LAHES - UFJF, 2005.
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Considerações Finais
O que aqui se apresentou, é resultado de muitas experimentações. As primeiras
considerações são feitas, portanto, acerca dos métodos e das ferramentas empregadas.
Começa-se, então, pela construção de uma base de dados para uso com o cruzamento de
fontes nominais. Esta base de utilidade inconteste, foi sendo modificada ao longo do
trabalho de pesquisa, re-adequada com acréscimo de campos que se mostraram necessários
e eliminação dos obsoletos. Houve a necessidade da geração de uma segunda e uma
terceira bases associadas a ela, para comportar sortes de dados extraídos de um único tipo
de documentação e, portanto, contendo dados específicos a ela de modo mais completo
mas que poderiam ser acrescentados de modo sucinto na ficha de entrada. Com toda a
certeza, a configuração atual ainda não é inteiramente adequada para responder novas
questões que surgiram. Mais modificações já estão previstas, talvez mesmo com alteração
na metodologia de composição das fichas nominais e nas tabelas de dados.
Ao longo da pesquisa também verificou-se que, como alertaram autores que
trabalham com essa metodologia, que é muito mais fácil coletar e registrar os dados de
pessoas pertencentes às elites do que para as pessoas comuns. As pessoas e as famílias com
posição de destaque nessa sociedade têm registradas as suas atividades e seus eventos
vitais de maneira muito mais completa do que o resto da população. Por mais que seus
447
nomes variem ao longo do tempo, por mais que mudem o local de moradia ou que tenham
ingresso em outros corpos sociais, sociedades, atividades várias, sempre são registrados
dados complementares que auxiliam na identificação positiva dessas pessoas. A gente
comum, os soldados de baixa patente, os camponeses, os peões, os índios, os escravos, os
pardos, os forros, esses possuem registros sumários além de variações grandes na escrita
do nome, na designação do local de origem, na filiação, no nome dos cônjuges. Isso,
quando aparecem esses dados complementares em vez de ficarem restritos a um “João,
pardo” ou uma “Maria”, simplesmente. Não havendo nenhuma sorte de dados
complementares que dessem uma “âncora” a essas pessoas, fosse a um grupo de
atividades, de origem, de inclusão em alguma família, fica impossível a associação a outro
“João, pardo” e a outra “Maria” que, por ventura, surjam na documentação.
De um lado, mostra a limitação do emprego do método para a conexão desses
registros batismais a outros, por mais que haja empenho e esforço do pesquisador, uma
parcela considerável da população jamais terá suas histórias de vida e suas trajetórias
investigadas de maneira minuciosa. Entretanto, também deixou claro que uma parte desses
setores sem muita expressividade, que por alegada falta de fontes jamais foi explorada de
modo intensivo ficando suas existências expressas em alguns parcos números frios,
ganharam vida e substância em suas relações sociais. Não sendo a análise quantitativa e a
análise qualitativa excludentes, a associação de ambos deverá, na maior parte das vezes,
resultar benéfica.
Quando no desenvolvimento da pesquisa viu-se que a presença de homônimos e a
inconstância na designação dos agentes sociais eram freqüentes, houve a necessidade de
considerar o nome próprio das pessoas como um objeto de estudo, problematizá-lo e tentar
entendê-lo. Como conclusão, chegou-se a certeza de serem os nomes – prenomes e
sobrenomes – construções dos sujeitos históricos. Compunham parte do patrimônio que
448
pertencia às famílias e que poderia ser negado ou legado a quem merecesse ou não o seu
uso. Pouco se avançou no sentido de encontrar uma lógica quase que cartesiana na
transmissão destes nomes. Mas avançou-se na medida em que se percebeu que a lógica que
existe não é a semelhante à que hoje vigora. Essa lógica pertencia aos que viveram o
século XVIII e que usavam esse bem construído para reiterar posições sociais, rememorar
ancestrais de destaque. Também viu-se que a mobilidade espacial e social por vezes ficava
registrada nas alterações do nome: a incorporação de um sobrenome ou o abandono de um
nome marcado por infortúnios em detrimento de um novo, sem mácula, sem “currículo”.
Espera-se, com isso, despertar maior interesse por estudos onomásticos que venham a dar
elementos de comparação dessas práticas para distintos locais da Colônia e do Império
Português, para que a discussão sobre essa estratégia construída para a geração de
pertencimentos a grupos sociais e familiares possa ser aprofundado.
A adoção de prenomes e sobrenomes era um dos indicadores visíveis de inclusão
em grupos sociais e principalmente familiares, de onde os que compartilhavam esse
mesmo bem familiar eram partes integrantes das famílias. Com isso, pensa-se ter chegado
a um tipo de família bem mais abrangente do que excludente, haja vista agregados, índios e
escravos muitas vezes compartilharem os sobrenomes da família senhorial, apontando
diretamente para a sua inclusão naquela família hierarquizada ou casa no sentido que
alguns dicionários da época a definiam.
Ao mesmo tempo, as definições dos dicionários e mesmo as definições filosóficas
do que seriam a família, cotejadas com o direito vigente à época, indicam seu
funcionamento como um corpo social, no qual era necessário partes com funções distintas
para que o todo pudesse operar de modo harmônico. Disso, novamente, decorre a
necessidade de inclusão de pessoas situadas nos estratos subalternos da sociedade e com
vínculos nessas famílias.
449
Recuperou-se a noção de que família não é uma “coisa” em si, mas é um conjunto
de relações. Segundo Aristóteles, três eram as básicas e necessárias para a sua existência:
marido e mulher, pais e filhos e senhor e escravo. A igualdade entre os sujeitos seria
nociva à sociedade e, não poderia deixar de ser diferente, também nociva à família. A
manutenção de distintos estatutos sociais internos à família vem a mostrar que mesmo as
famílias consideradas de elite tinham entre seus membros pessoas que não partilhavam do
topo da hierarquia social da localidade. Ao mesmo tempo, isso vem a mostrar também que
as famílias de elite eram como que uma “fatia dessa sociedade”, possuindo representação
em muitos estratos sociais e, por conseqüência, estavam relacionados com eles de
múltiplas maneiras. Um capitão ou um juiz de órfãos poderia ter como membro de sua
família ritual ou pela abrangência que assumia esse conceito, um camponês seu agregado,
compadre ou afilhado.
Os critérios de inclusão nessas famílias parecem muito mais de acordos de
aceitação da hierarquia e do mando com deveres e direitos recíprocos do que regras
formais tais como haver nascido de um de seus membros. Isso faz com que sejam mais
compreensíveis as variações que se percebem na configuração das famílias. Cada uma
tinha a abrangência que a situação social dos seus membros postos em relação permitia. A
continuidade das relações das famílias de Antônio Gonçalves dos Anjos, Antônia de
Morais Garcês e Domingos Gomes Ribeiro mostram quão incorporadora pode ser essa
instituição, a ponto de alguns dos escravos do defunto Antônio Gonçalves dos Anjos e de
propriedade da viúva Antônia de Morais Garcês serem ditos escravos de Domingos Gomes
Ribeiro, o novo cônjuge de Dona Antônia. Mais do que a propriedade legal dessa
escravaria, o que é evidenciado estarem sob o mando de um outro chefe de família e a ela
pertencerem. Ou seja, a família amplia-se sem que se tenha a priori, a extensão da mesma.
Mostrou-se com exemplos que dependiam das regras de aceitação inerentes a cada uma
450
delas, sempre situadas dentro de um universo limitado de possibilidades, ditado pelas
regras sociais próprias do tempo e do local.
Com o auxílio da metodologia da análise de redes sociais mostrou-se também
quão peculiares podem ser os vínculos entre os partícipes de uma mesma família. A
representação gráfica dos casais de genros de Antônio Furtado de Mendonça uma certeza
ficou: por vezes um subalterno poderia estar muito mais inserido, através da quantidade e
qualidade de relações que teceu nesse ambiente social do que um membro “legalmente”
participante dele. O genro preterido às relações de compadrio e nas sociedades é um dos
familiares dessa casa apenas por seu casamento, ao passo que algumas das escravas eram
simultaneamente mães, madrinhas, afilhadas e comadres de outros partícipes.
Com as representações gráficas experimentadas para as relações dessas famílias,
evidenciou-se de forma visual aquilo que fora percebido nos números coletados que
compõe os quadros dos compadrios das famílias: as mulheres tinham relações sociais,
familiares e religiosas muito expressivas e por conseqüência, seu papel dentro das famílias
e nessa sociedade era muito mais notável do que as tarefas domésticas e de criação dos
filhos que lhes podiam ser designadas.
De algum modo, a criação do tecido social passava pela participação das mulheres
muito mais pelas mulheres do que por seus maridos. Sem possuir cargos públicos, sem
exercerem ofícios régios, contratos de cobranças de taxas, sem terem função militar, a
essas mulheres recorriam um grande número de pessoas a oferecerem-lhes filhos para
batizar e por conseqüência o ingresso em suas redes de parentesco fictício. A elas era
devido o respeito e a deferência sem que houvesse motivo outro senão a busca voluntária
por integrar seus grupos de afinidades familiares ou religiosas. A captação de apoiadores às
famílias de elite passava, portanto, pela atuação dessas mulheres nos batismos e no bom
cumprimento do que delas pudesse se esperar como boas madrinhas. A reiteração ao longo
451
do tempo desses convites ao compadrio denotam que elas sabiam como responder a essas
expectativas.
Se nos modelos pensados para a família colonial cabe à mulher casada a
subordinação ao poder de seu marido, a quantidade de relações captadas por ela e que eram
patrimônio familiar faz com que essa subordinação também tenha uma possibilidade de
barganha, haja vista nenhum marido em sã consciência desejar perder, em nome da própria
família, tão hábeis angariadoras de simpatizantes e apoiadores. Ainda que não se tenha
avançado no sentido de um estudo de gênero, aponta-se aqui novo caminho para repensar o
papel da mulher nessa sociedade colonial. Ao que tudo indica há que se relativizar em
muito a inferioridade social feminina. Novamente, a partir desse experimento, há o
chamamento a mais interessados para que se aventurem por esses caminhos, criando massa
crítica suficiente para que os saudáveis diálogo e debate entre investigadores possa ocorrer.
Através das relações de compadrio também foi possível concluir que uma das
fontes de poder nessa localidade de instabilidade social e política, muito por estar sujeita a
guerras e invasões, eram justamente as relações tecidas na pia batismal. A autoridade
delegada sobre amplos setores sociais, já que percebeu-se, através dos compadrios
buscados pelos imigrantes dos Açores, a existência de padrinhos favoritos não era feita
apenas por processos “legais” de delegação de poder, tais como eleger um notável para
cargo na Câmara. Antes, era mais visível nessa sociedade a entrega de um bem maior que o
direito de estabelecer preços e taxas ou permitir e proibir certas práticas. A conquista de
apoiadores e de protetores era feita mediante a entrega de um dos filhos como filho
espiritual ao padrinho em questão. Convidava-se uma pessoa a ingressar na família de
modo ritual e com apoio nas crenças do catolicismo. Entregava-se um filho – ou seja o
futuro de uma família – à proteção de um padrinho. Com isso tornavam-se também
protegidos e credores de bem de igual importância. A impossibilidade de igualar o bem
452
ofertado pelas famílias de posição social mais baixa cativava homens e mulheres situados
em posições sociais mais elevadas.
Percebeu-se que o simples fato de ter nascido em uma família com estatuto
superior nessa sociedade não era suficiente para que isso continuasse até o fim da vida.
Havia a necessidade de reiterar essa posição e uma das formas de fazê-lo era deixando-se
cativar e caindo em dívida moral, ética e religiosa com os subalternos nessa sociedade. São
relações tensas e que da atuação dos dois setores representados nela podia depender a paz
social. Essa relações tensas também revelam que para além das “revoltas populares” ou
qualquer outro tipo de beligerância clara e explicita, os setores subalternos tinham um
poder de barganha muito forte nas relações com a elite. Eram seus credores e se não
fossem de tempos em temos satisfeitos com dádivas menores, poderiam não repetir os
convites, deixando o padrinho bem situado sem uma base de apoio que desse sustento às
suas ações em seu próprio meio, no qual disputava recursos sociais, políticos e econômicos
com seus pares. Manter a popularidade em meio ao setores subalternos era chave para o
equilíbrio entre os membros da elite. Ao mesmo tempo, requeria reiteradas ações para que
essa popularidade se mantivesse.
Com isso, esses laços, internos ou externos às famílias, ganham dimensão para
além do parentesco espiritual e para os deveres correlatos ao batismo. Assumem portanto,
dimensões políticas e denotam estratégias, também políticas, pensadas e postas em
execução para lá de um par de anos. Os “todo-poderosos” chefes de famílias pertencentes à
elite não podiam tanto assim. Tinham de regular suas ações para não perder suas bases
sociais que davam sustento à sua própria posição social. O estudo das relações internas e
externas à família ganham com isso uma nova possibilidade de investigação.
A partir daí, detectar a existência dessas relações não apenas através do
compadrio, mas com a utilização de outros vínculos entre as pessoas, tais como o
453
pertencimento a irmandades, a grupos de ofício, aos corpos militares, às associações com
fins beneficentes, etc. podem levar à descoberta de outras fontes de poder político e de
espaços de negociação entre membros de um mesmo grupo social ou de grupos sociais
distintos.
De todo o mais que poderia ser dito aqui, abrevia-se para destacar apenas mais um
ponto e que perece por demais importante para o estudo dessas situações de fronteira,
muito mais as que não estavam ainda formalmente definidas. Ante as incertezas do
amanhã, no qual podiam ser perdidos bens e posses, patrimônio mais duradouro e que
maior “liquidez” existia nessa sociedade eram as relações construídas entre os membros
dela. Estas relações não demandavam recipientes próprios ou meios de transportes para se
realocarem. Elas estavam presentes nos tempos de paz, nas fugas, nas migrações, na
prosperidade e eram a riqueza de quem se via na miséria. Contar com um familiar, com um
compadre, com um padrinho podia ser o único recurso e única fortuna perene para as
famílias que tiveram que deixar tudo para trás. Algumas por mais de uma vez.
Parece claro, ao se acompanhar por uma geração a criação de laços de parentesco
ritual ou fictício à pia batismal de certas famílias que o investimento nessas relações, com
tudo que pudesse acarretar, inclusive dispêndios em auxílios com alimentação, pequenos
presentes, vestimentas e outros que pudessem estar obrigados, esses podiam ser
investimentos na ampliação futura das redes de compadrio e, portanto, no aumento de uma
sorte de bens que, sem passar pelo mercado, forneciam aos seus detentores prestígio,
poder, acesso a cargos e terras.
Com os compadrios tecidos entre setores sociais de estatutos sociais diferentes –
por vezes muito distantes na escala social – acredita-se ter percebido, com auxílio da
antropologia social e de estudos específicos acerca da dádiva, um locus da gênese – ou
epifania, como quer Godelier – do poder nessa sociedade, bem distinta das sociedades por
454
ele estudada por apresentar auto grau de complexidade em suas instituições tais como o
Estado e a Igreja. Tendo claro que, como foi dito no parágrafo anterior, nem todos os bens
passavam pelo mercado, havendo por um lado, um baixo grau de monetarização nessa
porção das terras coloniais ao período analisado e, por outro, certos aspectos da vida nas
quais se realizavam trocas com bens cujo valor é impossível de atribuir em moeda ou
outros bens, viu-se que os convites ao compadrio, a aceitação do mesmo e a possibilidade
de recíproca na oferta de afilhados são exemplos de bens que podem ser retidos para o
engrandecimento de quem os recebeu. O poder delegado quando dessa troca, não a “coisa
poder”, que uns têm e outros não, mas a relação que entre uns e outros de posições sociais
e econômicas diferenciadas mantêm vem a reviver algo que tinha perdido muito de sua
dimensão dinâmica. Ao menos uma parte do poder das elites coloniais emanava dessa sorte
de relações que, como visto, necessitava de constante reiteração e de satisfação de ao
menos parte das demandas dos setores situados nos patamares mais baixos da sociedade
para continuar existindo como tal. Com isso politizam-se relações que podiam ser vistas
apenas como relações de opressão e coerção nas quais aos escravos, aos forros, aos pobres,
enfim aos despossuídos só cabia aceitar ou reagir com fugas ou revoltas. Tornam mais
complexas as percepções do viver nessa sociedade e demonstram serem mais tensas e sutis
os mecanismos de reiteração das posições sociais. Tornam-se maiores as possibilidades de
arranjos dessas relações e de arquitetar estratégias para além do prato de comida do dia
seguinte. Recobram-se a agência e os agentes sociais que quedavam quase que imóveis.
Assim, encerra-se esse: apontando algumas áreas de pesquisa para a história de
situações de fronteira do período colonial que demandam investigação. Algo foi feito aqui
nesse sentido e, como pode ser percebido ao final de cada um dos capítulos apresentados,
muito ainda há por fazer, muito ainda há por investigar acerca das sociedades das
fronteiras da Colônia.
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ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE. Livro
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