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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
DE SÃO PAULO – PUC-SP
Saulo de Aguiar Bonassi
A gestão da estratégia
como processo de aprendizado
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
DE SÃO PAULO – PUC-SP
A gestão da estratégia
como processo de aprendizado
Dissertação apresentada à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Administração sob orientação
da Professora Doutora Neusa Maria Bastos
F. Santos.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
À Mônica, minha companheira de jornada.
Ao Victor, minha alegria de viver.
Aos meus pais, meus pilares e eterno porto seguro.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Neusa Maria Bastos F. Santos, pela valiosa orientação ao longo deste
trabalho.
Ao Prof. Dr. Moacir de Miranda Oliveira Júnior e ao Prof. Dr. Arnaldo J. F. Mazzei
Nogueira, pelas suas contribuições por ocasião do Exame de Qualificação.
À Rita de Cássia, por ser tão prestativa e ajudar a tornar minha vida acadêmica mais
simples.
Aos colegas da Symnetics, em especial ao Mathias, por ter sido sempre fonte de
inspiração.
Aos amigos, que sabem muito bem quem são, e que serão sempre meus amigos, e
sem os quais a vida não teria nenhuma graça.
A meus pais e minhas irmãs, por serem minhas fortalezas. E por deixarem os
almoços de domingo tão mais gostosos.
À Mônica, por seu constante e irrestrito incentivo, preciosa ajuda na revisão, e
principalmente por cuidar de nosso bem mais precioso enquanto trabalhava horas e mais
horas no projeto.
Ao Victor, por seus sorrisos.
RESUMO
Esta dissertação busca entender como ocorre a aprendizagem estratégica nas
organizações, e quais são elementos importantes para estimulá-la. Os dois principais
motivadores para o estudo foram, de um lado, a percepção de um contexto cada vez mais
desafiante para a sobrevivência das organizações, cujo ciclo de vida mostra-se cada vez
menor; e, de outro, uma forte visão mecanicista, ainda predominante ao tratar os temas
relacionados à estratégia e gestão, desprezando o aprendizado ao longo do processo.
Nessa perspectiva, o objetivo geral do estudo foi explorar o processo de
aprendizagem estratégica e os desafios a ele relacionados sob um paradigma mais
descritivo que prescritivo, através da realização de um estudo de caso. Além disso, buscou-
se na revisão bibliográfica contextualizar o tema focando a intersecção entre estratégia e
aprendizagem organizacional.
Para realização da pesquisa foi selecionada uma empresa com forte capacidade de
adaptação e transformação, na qual foi possível identificar claramente alguns ciclos de
aprendizagem estratégica pelos quais passou a organização, e que contribuíram de maneira
significativa para sua sobrevivência e crescimento. Para identificar estes ciclos e entender
como eles aconteceram foi resgatada a história da organização em suas quase duas décadas
de existência, usando a técnica narrativa do storytelling.
A identificação e exploração dos grandes ciclos de aprendizagem do nosso caso
permitiram entender como eles ocorreram. Percebeu-se claramente um processo muito
mais fundamentado em estratégias emergentes e criação de sentido do que de estratégias
deliberadas ou planejadas. Um processo marcado por um forte espírito visionário e
empreendedor, baseado na experimentação, levando a organização a grandes reorientações,
segundo as quais produtos, serviços, competências e até modelos mentais eram
abandonados ou destruídos para a criação de um novo conjunto de referências. Estes ciclos
parecem de uma forma ou de outra terem sido sistemáticos, ocorrendo sempre a cada três
ou quatro anos, permitindo à organização pesquisada se adaptar, se transformar e seguir
adiante.
A análise realizada permitiu ao pesquisador identificar algumas características
marcantes da organização, que de uma forma ou de outra permearam todos os ciclos de
aprendizagem, e que se mostram elementos valiosos para ocorrência da aprendizagem
estratégica. Todavia, mais que buscar elaborar uma teoria ou tratar de ser prescritivo, a
contribuição maior do projeto está em fomentar uma reflexão sobre o processo de
planejamento e gestão da estratégia, permitindo vislumbrar a sua construção sobre outros
pressupostos que incentivem de fato o aprendizado e a inovação constante.
Palavras-chave: Aprendizagem estratégica, Gestão da estratégia, Estratégias emergentes,
Criação de sentido.
ABSTRACT
The main objective of the project is to understand how strategic learning actually
occurs within organizations and what elements are important to foster it. What basically
motivated the project was, on the one hand, the perception of a context that increasingly
challenges the survival of organizations, whose life cycles turn out to be shorter and
shorter. On the other hand, a mechanistic view still prevails, when dealing with themes
related to strategy and management, which underestimates the learning throughout the
process.
From this perspective, the general object was to explore, by means of a case study,
the process of strategic learning and the challenges related to it in the light of a paradigm
that is more descriptive than prescriptive. Furthermore, an attempt was made to
contextualize the theme through the bibliography focusing on the intersection between
strategy and organizational learning.
For the purposes of this study, a company was selected which boasted a large
capacity for adaptation and transformation. It was possible to clearly identify some
strategic learning cycles that the company went through and which significantly
contributed to its survival and growth. In order to identify these cycles and understand how
they came about, the history of the organization was salvaged throughout its nearly twenty
years of existence by using the storytelling technique.
Defining and exploring the great learning cycles undergone by the organization
enables their comprehension. A process was clearly perceived which was much more
based upon emerging strategies and sense making than on deliberate or planned strategies.
This process bore the mark of a powerful entrepreneurial and visionary spirit and was built
upon experimenting. This led the organization to broad reorientations, where products,
services, competences and even mental models were abandoned or destroyed, thus
allowing for the creation of a new set of references. These cycles somehow seem to have
been systematic, taking place every three or four years and making it possible for the
organization to adapt, transform and move ahead.
The analysis of such cycles has enabled the researcher to identify some noteworthy
characteristics of the organization which, one way or another, have permeated all these
learning cycles and which prove to be invaluable to bring about strategic learning.
Nevertheless, rather than drafting a theory or aspiring to be prescriptive, this project
intends, as its greatest contribution, to be an instrument to foment reflection concerning the
process of planning and managing strategy, hence affording a glimpse into how such a
process evolves into one constructed upon other assumptions and actually nurturing
constant learning and innovation.
Key words: Strategic Learning, Strategy Management, Emerging Strategies, Sense
Making.
Para prosperar em um mundo progressivamente
inovador, as empresas terão de ser tão
estrategicamente adaptáveis como são
operacionalmente eficientes.
Gary Hamel
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................1
CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................8
1.1
A
PRENDIZADO
E
STRATÉGICO
:
Q
UESTÃO DE
S
OBREVIVÊNCIA
.................................8
1.2
A
V
ISÃO DA
A
PRENDIZAGEM NAS
D
IVERSAS
T
EORIAS DA
A
DMINISTRAÇÃO
.........12
1.3
A
A
PRENDIZAGEM
S
EGUNDO AS
P
RINCIPAIS
E
SCOLAS DE
E
STRATÉGIA
................19
1.4
A
FINAL
,
O QUE
É
O
P
ROCESSO DE
G
ESTÃO DA
E
STRATÉGIA
?................................37
1.5
D
ESAFIOS NA
I
MPLANTAÇÃO DE UM
C
ICLO DE
A
PRENDIZAGEM
E
STRATÉGICA
.....47
1.6
E
LEMENTOS
I
MPORTANTES PARA
E
STIMULAR A
A
PRENDIZAGEM
E
STRATÉGICA
...51
CAPÍTULO II - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................60
2.1
E
STRATÉGIA
A
DOTADA
......................................................................................61
2.2
O
M
ÉTODO DO
E
STUDO DE
C
ASO
........................................................................62
2.3
S
ELEÇÃO DO
C
ASO
.............................................................................................64
2.4
E
STRUTURA
G
ERAL DA
P
ESQUISA
.......................................................................65
2.5
P
REPARAÇÃO
.....................................................................................................67
2.6
C
OLETA DE
E
VIDÊNCIAS
:
R
ESGATE DA
H
ISTÓRIA
................................................67
2.7
P
ROCESSO DE
E
NTREVISTAS
................................................................................70
2.8
A
NÁLISE DAS
E
VIDÊNCIAS
..................................................................................71
CAPÍTULO III - A HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO...................................................74
3.1
O
L
ANÇAMENTO DA
E
MPRESA E SEUS
P
RIMEIROS
A
NOS
......................................74
3.2
N
O
M
UNDO DOS
P
ROCESSOS
...............................................................................80
3.3
S
URFANDO A
O
NDA DOS
S
ISTEMAS
ERPS ...........................................................85
3.4
BSC
E
G
ESTÃO DA
E
STRATÉGIA
..........................................................................92
3.5
I
NTERNACIONALIZAÇÃO
.....................................................................................99
3.6
M
OMENTO
A
TUAL E UM
P
OUCO DA
V
ISÃO DE
F
UTURO
......................................107
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS CICLOS DE APRENDIZAGEM ESTRATÉGICA...113
4.1
I
DENTIFICAÇÃO DOS
P
RINCIPAIS
C
ICLOS DE
A
PRENDIZAGEM
.............................115
4.2
P
ROCESSO DE
E
VOLUÇÃO DAS
E
STRATÉGIAS E DOS
C
ICLOS DE
A
PRENDIZADO
...121
4.3
A
LGUMAS
C
ARACTERÍSTICAS
M
ARCANTES DA
O
RGANIZAÇÃO QUE
F
ACILITARAM A
A
PRENDIZAGEM
E
STRATÉGICA
..........................................................................125
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................140
APÊNDICE: ROTEIRO PARA ENTREVISTAS ..........................................................144
RELAÇÃO DE FIGURAS
Figura 1 Foco da pesquisa: intersecção entre estratégia e aprendizagem organizacional. ....6
Figura 1.1 Tempo de vida médio das empresas.................................................................10
Figura 1.2 Evolução das teorias de sistemas e aprendizagem organizacional. ...................15
Figura 1.3 Os ciclos de aprendizagem.. ............................................................................16
Figura 1.4 Estratégias deliberadas e emergentes...............................................................38
Figura 1.5 Os dois ciclos de gestão...................................................................................40
Figura 1.6 O processo de gestão da estratégia...................................................................43
Figura 4.2 Processo de evolução das estratégias na organização pesquisada.. .................121
Figura 4.3 Principais pilares do pioneirismo da organização pesquisada.........................124
Figura 4.4 Identificação de características marcantes que permearam todos os ciclos.. ...125
RELAÇÃO DE QUADROS
Quadro 1.1 Principais contribuições das diversas teorias da administração a aprendizagem
organizacional...............................................................................................13
Quadro 1.2 Síntese das principais Escolas de Estratégia.. .................................................20
Quadro 2.1 Estrutura geral do estudo: passos para a coleta e análise dos dados ................66
Quadro 2.2 Linha do tempo com a história da empresa.....................................................69
Quadro 3.1 De gerador de conhecimento para gestor de conhecimento...........................111
Quadro 3.2 Modelo futuro..............................................................................................111
1
INTRODUÇÃO
A vida das organizações parece marcada por fases ou ciclos, elas nascem, crescem,
amadurecem e muitas vezes morrem. O curioso é que aquelas que conseguem envelhecer,
ou melhor, viver, são justamente as que se reinventam, se renovam, se destroem como já
defendia Schumpeter em 1942 –, para se manterem jovens e fortes. Neste mundo, sucesso
e crise convivem lado a lado, se alternam, assim como liderança e fracasso. Estabilidade é
palavra em extinção, não se acha mais no vasto vocabulário corporativo.
Além de competirem entre si, conseguir navegar e aproveitar os bons ventos sem se
perder parece de fato um grande desafio para as organizações. Assim, talvez a questão
maior que se coloca seja de fato a da própria sustentabilidade. Para as organizações, locais
ou internacionais, o desafio de sobrevivência parece cada vez maior. Um impressionante
aumento do número de aquisições e fusões faz com que todos queiram estar na posição de
caçador para não ser a próxima caça, e o ciclo de vida das organizações torna-se cada vez
menor.
Enquanto isso, o mar da administração, por onde navegam as organizações, é
repleto de conceitos e teorias. Conceitos estes que surgem a todo o momento, como rajadas
de vento. Alguns vem e vão; outros, por sorte, desaparecem tão cedo que nem
conseguimos senti-los. Mas na maioria das vezes se torna fácil perder-se no meio da
ventania. É interessante que alguns ganham tamanha força que formam ondas enormes que
vêm abraçando as organizações que encontram ao seu caminho. O “Movimento pela
Qualidade”, nos anos 1980, e a “Reengenharia”, nos anos 1990, tiveram um impacto
importante para muitas organizações nas últimas décadas e servem como exemplo.
O interessante é que grande parte dessas teorias, conceitos e ferramentas que foram
se desenvolvendo e que usamos até hoje, mesmo para discutir e gerir estratégias foram
construídos de uma forma ou de outra sobre as mesmas bases: o paradigma taylorista-
fordista. O problema é que o arquétipo no qual a administração cientifica está
fundamentada foi concebido para melhorar a eficiência, e o para a transformação. Ele
nunca considerou a mudança e os fatores exógenos como variáveis importantes no modelo.
No cenário atual, onde o mar é revolto e o ritmo das mudanças é cada vez mais
acelerado, como já previa Peter Drucker (1969) na década de 1960, a capacidade das
2
organizações de se transformar, se adaptar e gerir suas estratégias com eficácia torna-se
cada vez mais crítica. No entanto, apesar de o planejamento estratégico ser uma prática
corrente em quase todas as organizações, parece que este não tem conseguido responder a
este novo contexto, que está fundamentado sobre estes mesmos preceitos. A questão de
existirem vários métodos e ferramentas para o planejamento e gestão desse tipo parece não
minimizar o problema. Dado que, de uma forma geral, eles são fundamentados na mesmas
bases da Escola Clássica, numa visão mecanicista e cartesiana que separa o planejamento
da ação, a concepção da implantação, e despreza o aprendizado ao longo do processo.
Se no passado era mais e mais importante ter modelos e ferramentas que ajudassem
a planejar e controlar, hoje parecem ser cada vez mais necessárias novas abordagens para o
processo de gestão da estratégia. Estas abordagens deveriam integrar o pensamento a ação,
estimular o desenvolvimento de estratégias emergentes, a inovação e o aprendizado.
E isto tudo está muito relacionado com a aprendizagem estratégica, tema central
deste trabalho. Compreender como ela acontece e explorar este processo de maneira mais
descritiva do que prescritiva é o propósito deste projeto.
Pode-se definir aprendizagem estratégica como um nível de aprendizagem
organizacional que melhora a capacidade estratégica da organização, muda suas premissas
básicas e permite a ela um novo conjunto de referências (Kuwada, 1998). Ou ainda, os
comportamentos e processos de aprendizagem que possibilitam às empresas esta
capacidade de adaptação de longo prazo têm sido definidos como aprendizagem estratégica
(Thomas et al., 2001).
Mas implementar este processo, como dito, não é uma tarefa fácil. Diversas
organizações parecem ter dificuldades de fazer da estratégia um processo contínuo, que
permita a organização se transformar, se adaptar, competir e sobreviver. Neste estudo
buscar-se-á entender algumas destas principais barreiras e paradigmas que envolvem o
processo de gestão da estratégia distanciando o processo de tomada da decisão e a
liderança de um real processo de aprendizado.
Explorando as distintas barreiras que estão associadas a este processo é possível
vislumbrar aspectos importantes para facilitar o processo de aprendizagem estratégica nas
organizações e ver o processo de formulação e gestão da estratégia através de outras
perspectivas.
Deste modo, este tudo exploratório busca fornecer subsídios para a construção de
um processo de planejamento e gestão da estratégia fundamentado em outros pressupostos.
3
Um processo que incentive o aprendizado e adaptação constante. Como insumo para este
estudo utilizou-se da abordagem do Balanced Scorecard (BSC), desenvolvido por Kaplan
e Norton em 1992. Neste modelo, a estratégia deve ser vista como um todo, a partir de
relações de causa e feito, traduzida de maneira clara de modo que todos possam
compreendê-la e assim contribuir para sua execução. Os autores definem a gestão da
estratégia nas organizações a partir de dois ciclos: um primeiro, de monitoramento ou
controle; e um segundo; de aprendizado, foco primordial deste trabalho.
O primeiro tem um papel fundamental de garantir a implementação do que foi
planejado. O segundo é que permite questionar o que foi planejado e adaptar a organização
às condições externas, explorando estratégias emergentes e fazendo com que a estratégia
esteja sempre viva na organização.
visões diferenciadas em relação a quanto o próprio BSC suporta este processo.
Alguns estudos apontam que ao mesmo tempo em que o modelo suporta o aprendizado, à
medida que facilita a comunicação e o entendimento da estratégia, também pode enrijecer
a organização, tendo em vista que orienta e foca toda a organização numa determinada
direção. Neste sentido, poder-se-ia dizer que este trabalho tem o desafio de compreender
melhor como de fato acontece a aprendizagem estratégica nas organizações, podendo deste
modo a complementar as metodologias existentes com outras premissas, abordagens e
ferramentas de forma que se possa fortalecer este ciclo de aprendizado nas organizações.
Todavia, justamente por ser uma pesquisa exploratória, o objetivo é estimular uma reflexão
que possa fornecer subsídios para futuros estudos e abordagens, eo fechar o tema ou ser
conclusivo. O que se busca, enfim, é somente abrir uma janela que desperte o olhar para
novos horizontes, que vão além dos processos tradicionais de planejamento.
Baseado no problema da pesquisa, a pergunta-problema pode ser colocada da
seguinte forma:
Como ocorre a aprendizagem estratégica nas organizações e que elementos
são importantes para estimulá-la?
4
O
BJETIVO
G
ERAL
Estudar o processo de aprendizagem estratégica e os desafios a ele relacionados sob
um paradigma mais descritivo que prescritivo.
O
BJETIVOS
E
SPECÍFICOS
Identificar e analisar os principais ciclos de aprendizado estratégico na
empresa objeto de estudo.
Compreender como estratégias emergentes surgem e como elas podem ser
estimuladas.
Elucidar o papel da criação de sentido na aprendizagem estratégica.
Explicitar a relação entre o processo de tomada de decisão e aprendizagem
estratégica.
A
ÇÕES
M
ETODOLÓGICAS
Para explorar as diversas perspectivas abrangidas pelos tópicos referentes à
aprendizagem estratégica, além da pesquisa bibliográfica optou-se por uma pesquisa
exploratória, fundamentada no método de estudo de caso.
Para realização deste estudo optou-se pela análise de um único caso, com uma
abordagem holística, olhando a organização como um todo, e não focando em
subunidades. Esta decisão é justificada a partir das observações de Yin (2001), ao
recomendar esta abordagem quando nos deparamos com um caso considerado crítico, o
qual pode ser utilizado para conduzir análises sobre a aplicação e validade da teoria. Deste
modo, pretende-se analisar em uma situação real como se deu o processo de aprendizado
estratégico, explorando os diversos aspectos e elementos deste processo.
A empresa escolhida para o estudo é a Symnetics, uma empresa brasileira, com
foco em serviços, que possui quase duas décadas de existência e forte atuação
internacional. Hoje a empresa pode ser considerada uma multinacional brasileira, com
5
atuação em toda a América Latina e ainda com operações na Europa e no continente
africano. O principal motivador da escolha da empresa foi justamente o fato de esta possuir
uma história de transformações importantes, na qual se percebe claramente alguns ciclos
de aprendizagem estratégica que fizeram com que ela conseguisse se manter viva e com
uma trajetória de crescimento ao longo destes anos. Alguns destes ciclos incluíram
mudanças importantes no foco, culminando como a destruição ou abandono de produtos e
serviços e grandes redirecionamentos.
Outro aspecto importante foi o fato de o pesquisador ter amplo acesso ao caso, ou
melhor, às pessoas que construíram e fizeram esta história, que até então grande parte
desta história encontrava-se na cabeça dos fundadores e executivos, havendo poucos
documentos de outras fontes, como a escrita.
Para realização da pesquisa buscou-se estruturar o estudo de caso em três grandes
partes:
Preparação: durante a qual foi realizado todo o planejamento do estudo de caso.
Coleta de evidências: levantamento de dados, série de entrevistas e resgate da
história da organização usando da técnica narrativa do storytelling.
Análise das evidências: identificação e análise dos ciclos de aprendizado
estratégico e identificação de características marcantes culturais e de gestão que
facilitaram este processo.
F
OCO E
D
ELIMITAÇÕES DO
E
STUDO
Cabe aqui destacar um conjunto de premissas e limitantes impostos neste trabalho.
Primeiramente, relativo ao tema, uma vez que dada a sua natureza ampla levou o
pesquisador a ter muito cuidado ao longo da pesquisa para não perder o foco, apesar de
haver tantos e apaixonantes assuntos ao redor destes dois mundos relacionados à estratégia
e à aprendizagem organizacional. Deste modo, o se pretende aqui fazer um estudo
exaustivo sobre estratégia, ainda que haja uma preocupação na fundamentação teórica de
navegar pelas suas principais escolas e correntes de modo que se possa situar o problema.
Tampouco se pretende realizar um vasto estudo ou levantamento sobre aprendizagem
organizacional, a qual se entende ser um tema muito mais amplo do que o proposto neste
projeto, contemplando desde aspectos como cultura e liderança até questões relacionadas
às competências, clima e outras vertentes. Buscou-se, assim, limitar-se justamente à
6
interseção entre estes dois campos, focando em como estimular estratégias emergentes,
adaptação e aprendizagem estratégica.
Fig. 1 Foco da pesquisa: intersecção entre estratégia e aprendizagem organizacional.
Uma limitação importante do estudo diz respeito ao método de pesquisa, que,
justamente por ser exploratório, não pretende ser conclusivo. Mais do que testar uma
hipótese, ou entregar respostas, o estudo busca prover subsídios ou insights sobre o tema,
incentivando uma reflexão sobre o desafio de transformar a estratégia em um processo
contínuo que permita as organizações aprender e se transformar.
Outra limitação é o fato de ao narrar ou contar uma história, esta estará sempre
sujeita às interpretações do autor, ainda que o pesquisador tenha buscado ao máximo
possível concentrar-se em dados e fatos.
E, por fim, como se sabe, um estudo de caso não deveria ser usado para fazer
generalizações.
Estratégia
Apr
endizagem
Aprendizagem Estratégica
7
E
STRUTURA DA
D
ISSERTAÇÃO
Além desta introdução, o estudo está organizado em quatros capítulos, mais uma
seção final com breves considerações a título de conclusão, o referencial bibliográfico
utilizado e um apêndice.
No primeiro capítulo Fundamentação teórica apresenta-se o universo da
aprendizagem estratégica, de modo a entender sua importância e seu papel no campo da
administração e da estratégia, assim como os principais desafios relacionados ao tema e às
possíveis maneiras de facilitar este processo.
No segundo capítulo Procedimentos metodológicos detalha-se a estratégia
adotada, o porquê do estudo de caso, a seleção deste, o processo de preparação da
pesquisa, a coleta de evidências, e explica-se o processo de entrevistas adotado e a
estrutura geral das análises.
O terceiro capítulo apresenta o estudo de caso propriamente dito, buscando resgatar
e registrar a história da organização pesquisada por meio de uma técnica narrativa, também
conhecida como storytelling. Conta-se a história da organização, com seus principais fatos
marcantes, enfatizando as grandes transformações pelas quais passou a empresa através
dos depoimentos de seus sócios e fundadores.
O quarto capítulo es focado na análise dos ciclos de aprendizagem estratégica.
Busca-se primeiro identificar quais foram os principais ciclos de aprendizagem pelos quais
passou a organização, e principalmente explorar como se deu este processo. Após entender
como ocorreram os grandes saltos ou ciclos de aprendizagem da organização, procura-se
capturar elementos importantes que foram preponderantes para que a organização
conseguisse aprender, mudar e se transformar. Pretende-se, dessa maneira, identificar
algumas características marcantes e comuns a todos estes ciclos, explicitando os principais
aprendizados neste processo, os quais eventualmente poderiam ser utilizados por outras
organizações.
8
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1
A
PRENDIZADO
E
STRATÉGICO
:
Q
UESTÃO DE
S
OBREVIVÊNCIA
Este estudo começa com a percepção de que aprendizagem e estratégia o temas
cada vez mais relevantes para as organizações. Sem eles é difícil introduzir mudanças. Sem
aprender não como mudar. Somente ao aprender a organização pode agir de uma outra
forma, adaptar seus processos, repensar velhos paradigmas, inovar. Mas, afinal, o que é
inovar senão fazer diferente, diferente do que existe hoje, diferente em relação ao modo
como era feito antes?
É interessante porque inovação e mudança, dentro deste prisma, são quase
sinônimos, embora tenham conotações distintas. Enquanto a inovação é geralmente
considerada de forma positiva, e até com certo fascínio, uma vez que todos querem ser
inovadores, considera-se a mudança como algo negativo: ninguém quer mudar, temos
medo da mudança. Essa situação parece ser um paradoxo interessante, mas trata-se
somente um jogo de palavras, duas faces de uma mesma moeda ao falarmos de
aprendizagem estratégica.
E por que necessitamos tanto mudar ou inovar? Por questão de sobrevivência,
segundo Katz e Kahn (1978). Para eles, para sobreviver, os sistemas abertos, ou seja,
qualquer organização que interaja com seu meio, precisa se mover para deter o processo
entrópico, lei universal que rege o movimento de todas as formas de organização, seja no
sentido da desorganização ou da morte. Assim, como a tendência natural de toda e
qualquer organização é caminhar em direção a morte, se não houver uma ação de
intervenção, se não lutarmos contra esta natureza intrínseca do modelo, estamos fadados a
deixar de existir, ser apenas passado, apenas a lembrança de uma organização que não mais
existe. Talvez por isso mesmo presenciemos essa busca desenfreada por crescimento. A
palavra “crescimento” tornou-se um “mantra” para as organizações: aquelas que não
9
conseguem crescer são penalizadas pelo mercado de capitais, tornam-se alvo fácil de
aquisições, quando não são obrigadas a fechar as portas.
São muitos os casos de organizações, dos mais diversos setores, que vemos ou
vimos agonizar e morrer. Algumas, graças a crises que provocam verdadeiros choques,
conseguem despertar a tempo, se recuperar, se reinventar, e, o mais importante, sobreviver.
Para citar alguns exemplos recentes, temos o caso da Varig no Brasil, e da General Motors
no estrangeiro. Quem diria: empresas grandes, com boa reputação...
Assim como esses muitos casos na história. Segundo Arie de Geus (1988), a
maioria das organizações tem dificuldades de aprender e se adaptar, ou, quando o fazem,
não conseguem agir na velocidade adequada. Segundo ele, um terço das que figuravam
entre as “500 maiores” segundo a Fortune em 1970 havia sumido em 1983.
A grande questão é que uma clara percepção de que o ritmo das mudanças vem
se acelerando. De certa forma Peter Drucker previa isso em The Age of Discontinuity
(1969). Hoje, novas tecnologias, novos mercados, clientes cada vez mais sofisticados e
exigentes, preocupações ambientais, uma enorme liquidez nos mercados, um volume de
aquisições e fusões crescente, além de outros fatores, tornam os negócios muito mais
voláteis e instáveis, aumentando ainda mais o desafio pela sobrevivência.
A figura 1.1, apresentada a seguir, retrata o tempo de vida médio das empresas
listadas na S&P, com base nos dados das 500 maiores empresas dos EUA, e deixa claro
que o tempo médio de vida das empresas vem diminuindo drasticamente ao longo do
tempo.
10
Fig. 1.1 Tempo de vida médio das empresas. Fonte: Foster & Kaplan (2002).
Analisando este gráfico, percebe-se que nas décadas de 1920 e 1930 as empresas
permaneciam em média na lista das empresas mais importantes dos EUA durante mais de
65 anos. Naquela época a mudança não era um tema relevante, e as empresas eram criadas
com base na suposição da continuidade, sendo apenas considerados importantes fatores o
controle da eficiência da operação e os custos. Segundo Foster e Kaplan (2002), em 1998 a
taxa de rotatividade do S&P 500 chegou a quase 10%, e, de acordo com projeções dos
autores, antes de 2020 o tempo dio de vida de um empresa na lista da S&P terá sido
reduzido para dez anos.
No Brasil, quando olhamos para pequenos e dios negócios, a taxa de
sobrevivência medida pelo Sebrae é baixíssima.
1
Segundo a instituição, metade das
empresas brasileiras fecha as portas antes de completar dois anos de atividade.
Outro estudo, realizado pela Fundação Dom Cabral sobre Longevidade e
Performance Empresarial”, mostra que das 500 maiores empresas no Brasil em 1973,
apenas 117 (23,4%) sobrevivem até hoje uma taxa de mortalidade assustadoramente alta
1
Fonte: Agência Brasil, Jornal do Comércio, 01 jun. 2006.
Tempo de Vida Médio das Empresas do S&P 500
0
10
20
30
40
50
60
70
1928 1938 1948 1958 1968 1978 1988 1998 2008 2018
11
de 76,6%. A pesquisa mostra ainda que entre os fatores que contribuíram para a falência
dessas 383 empresas estão: crises, incapacidade de reverter decisões prejudiciais à
organização, falta de transparência na alta gestão, e uma liderança voltada para o passado e
o presente, ao invés de uma visão de futuro. Constatou-se que a sobrevivência das
empresas depende da forma como se lida com fatores externos, tais como as mudanças
tecnológicas, os novos sistemas regulatórios, a maior abertura de mercado, as mudanças
nos gostos do consumidor, além da maior competição baseada em escala de produção.
entre os fatores internos podemos destacar: a presença de executivos com visão de futuro,
concentrados em formar alicerces para o crescimento da organização; o profundo
conhecimento sobre o setor em que atua; uma cultura empresarial transparente, que
favoreça e incentive transições; além da habilidade para superar crises. Todos este fatores,
sejam internos ou externos, identificados como chave para a sobrevivência das
organizações, estão relacionados de uma forma ou de outra com o aprendizado estratégico,
e estaremos explorando e retomando alguns deles mais adiante.
Como já sugeriu Gareth Morgan (1996), as organizações podem ser vistas como um
organismo vivo. Assim como qualquer organismo, elas possuem um ciclo de vida: nascem,
amadurecem, envelhecem e podem morrer. E muitas delas nem chegam a amadurecer,
que o tempo médio de vida para a maioria parece estar cada vez menor. Neste contexto, tal
como assinalam Fleury e Fleury (1998): “A necessidade de introduzir e cultivar a noção de
mudança e inovação deixou de ser apenas um modismo para se tornar uma questão de
sobrevivência e sucesso”. Assim, em ambientes turbulentos, ou de mudanças mais
aceleradas, os modelos de planejamento, controle e gestão dos negócios habituais, ou
usados aentão, parecem não responder mais a esta nova dinâmica do mercado. É como
se os modelos mais mecanicistas com os quais nos acostumamos a ver o processo de
gestão da estratégia não fossem mais suficientes, e tivéssemos que buscar outras
perspectivas.
Neste sentido, o conceito de aprendizagem estratégica, proposto neste trabalho,
adota uma visão de processo e não de evento em relação à estratégia. Assim, ao invés de
resistir às mudanças, a organização deverá tentar criá-las naquele que é chamado de
“aprendizado de duplo laço” ou “de circuito duplo”. Neste aprendizado, o sistema não
tenta fazer ajustes de forma a poder manter a condição predeterminada preferida, como
também modifica sua condição preferida para adequá-la ao ambiente (Argyris & Schon,
1978). Ao explorar os elementos que facilitam ou o estimulam o aprendizado estratégico,
12
pretende-se ver o processo de planejamento e gestão da estratégia sobre outras perspectivas
que favoreçam a adaptação e conseqüente sobrevivência das organizações neste contexto
que parece cada vez mais desafiador.
1.2
A
V
ISÃO DA
A
PRENDIZAGEM NAS
D
IVERSAS
T
EORIAS DA
A
DMINISTRAÇÃO
Conceituando “aprendizagem”
Antes de navegar pelo mundo da aprendizagem organizacional, cabe definir
“aprendizagem”, um termo que por si tem um amplo sentido. É preciso esclarecer, no
que se refere a este amplo e rico conceito, do que estamos falando. Na obra Moderno
Dicionário da Língua Portuguesa de Michaelis (2007) encontram-se as seguintes
definições para o termo aprendizagem:
1. Ação de aprender qualquer ofício, arte ou ciência. 2. O tempo gasto para
aprender uma arte ou ofício. 3. Psicol. Denominação geral dada a mudanças
permanentes de comportamento como resultado de treino ou experiência anterior;
processo pelo qual se adquirem essas mudanças.
Neste trabalho nos concentramos na terceira acepção, segundo a qual a
aprendizagem é um processo relacionado a mudanças. Ao consultar a Wikipédia – a
enciclopédia livre da internet percebemos que o processo de aprendizagem pode ser
definido de forma sintética como: “o modo como os seres adquirem novos conhecimentos,
desenvolvem competências e mudam o comportamento”.
Assim, se não há mudança de comportamento não há aprendizado, não há inovação,
não adaptação e são minimizadas as chances de sobrevivência. Afinal, segundo Miller
(1978), a adaptabilidade é um contínuo processo de aprendizagem e auto-organização.
A aprendizagem em relação as principais Escolas da Administração
É interessante perceber que, ao olharmos as diversas teorias e enfoques da
administração sob uma perspectiva histórica, o conceito de aprendizagem organizacional é
relativamente novo. Percebe-se que se trata de uma preocupação recente, e que tem
ganhado maior atenção ao longo do tempo. Nas próximas seções apresentaremos como as
principais escolas que fundamentaram o que hoje entendemos por administração
13
compreendem a aprendizagem organizacional, buscando entender suas respectivas
contribuições para o sentido de processo de aprendizagem proposto neste estudo.
Principais contribuições ou considerações sobre o tema da aprendizagem
organizacional
Administração
Científica
Relações
Humanas
Behaviorismo Estruturalismo Sistemas
Não considera.
Visão
mecanicista e
funcional.
Não considera.
A preocupação é
com o individuo.
Começa a
aparecer o
conceito de
“mudança”
Processo de
tomada de
decisão.
Sistema social
cooperativo
Estrutura
Conflito
inevitável
Planejamento e
controle vs.
iniciativa e
criatividade
Ambiente
Entropia
negativa
Biologia:
adaptabilidade e
integração com
o meio
Quadro 1.1 Principais contribuições das diversas teorias da administração para a aprendizagem
organizacional. Fonte: Autor
Apesar do inegável aporte de Taylor e Fayol, que fundamentaram a Escola Clássica
e muito do que entendemos hoje como Administração, não há contribuições específicas
desta escola para o processo de aprendizado e adaptação. Pelo contrário, podemos dizer
que sua principal herança é uma certa visão mecanicista e funcional, tão presente e
enraizada em nossas organizações, um verdadeiro obstáculo ao processo de aprendizado. O
principal foco da Escola Clássica é a produtividade e eficiência, mas despreza-se o meio, o
contexto e a necessidade de mudança.
A Escola das Relações Humanas também não grande ênfase ao processo de
aprendizado e adaptação. No entanto, é possível perceber a organização como uma força
viva, móvel e mais dinâmica. Segundo essa escola, uma organização representa pessoas
que reagem e respondem a estímulos que o podem ser definidos com precisão. Surge o
conceito de mudança, base do conceito de aprendizagem organizacional descrito neste
trabalho.
na Escola Comportamental (ou Behaviorista), percebe-se que o tema da
aprendizagem, ainda que não seja tratado tal como proposto aqui, começa a aparecer por
meio das ênfases no sistema social cooperativo, e principalmente no processo de tomada de
decisão. Esse processo, até então desprezado nas outras teorias, desempenha um papel-
14
chave dentro do contexto de aprendizagem estratégica proposto neste estudo, já que,
segundo Motta (2002) que trata de recuperar a contribuição de Herbert Simon e Chester
Barnard a organização com maior capacidade de decisão deveria ter maiores
possibilidades de sobrevivência e desenvolvimento.
Com o Estruturalismo, assim como na Escola Comportamental, surge também a
preocupação com o ambiente, ainda que a ênfase seja voltada para a estrutura e a
burocracia. No entanto, talvez o ponto de maior contribuição do estruturalismo para o
processo de aprendizagem estaje na ênfase dada aos conflitos, e no entendimento de que
eles o inevitáveis e por vezes desejáveis. Retomando Blau e Scott, Motta (2002) discute
o dilema entre o planejamento e a iniciativa, ou entre o controle e a criatividade. Segundo
esse autor, as organizações no mundo moderno necessitam um enorme esforço criativo
para sobreviver e crescer, ainda que exista uma forte necessidade de planejamento e
controle. E a maior parte dos mecanismos de controle são justamente os responsáveis pela
inibição da iniciativa e da criatividade. Começa então a aparecer o desafio de encontrar o
equilíbrio entre controle e aprendizado.
Por fim, percebe-se uma forte preocupação com o tema da aprendizagem pela
Teoria dos Sistemas, já que o ambiente passa a ter um papel preponderante nas suas
considerações, por vezes até mesmo excessivo, conforme afirmam alguns críticos desta
teoria. A Teoria dos Sistemas trabalha com conceitos tais como à “entropia”, mencionada
anteriormente, e “eqüifinidade”, segundo os quais não existe uma única maneira certa de a
organização atingir um estado estável. Como essa teoria procura adaptar diversos conceitos
da biologia, a capacidade de adaptação ao meio passa a ser considerada um fator
fundamental no que tange à sobrevivência das organizações. Segundo essa concepção, o
são os mais fortes ou grandes que sobreviveram, mas aqueles com a maior capacidade de
adaptação e mudança, ou seja, de aprendizado. Dentre os autores que escreveram sobre a
aprendizagem organizacional, e dos quais trataremos adiante (como Peter Senge, Daniel
Kim e Garvin), muitos utilizaram a teoria de sistemas como base para seus estudos.
A figura a seguir mostra a evolução da Teoria de Sistemas e algumas de suas
principais vertentes.
15
Fig. 1.2 Evolução da Teoria de Sistemas com relação ao conceito de aprendizagem organizacional. Fonte:
Adaptado de apresentação realizada pelo Prof. Dr. Júlio Figueiredo, abr., 2007.
Na figura acima destaca-se o double loop learning (aprendizagem em circuito
duplo), de Argyris e Schon, modelo que será descrito em seguida e que constitui um dos
principais pilares deste trabalho. Como veremos adiante, este modelo foi recuperado por
Kaplan e Norton na elaboração do conceito do Balanced Scorecard (BSC) para definir os
ciclos de gestão da estratégia. Avancemos um pouco mais no tema, enfatizando este e
outros modelos de aprendizagem organizacional propostos.
Aprendizagem em circuito duplo, ou por acomodação
Segundo Cris Argyris (1999), o modelo de aprendizado é fundamentado por dois
ciclos (vide figura 1.3). O primeiro, “de uma volta”, é caracterizado pelo fato de nele se
detectar e se corrigir um erro, mas não se mexer no modelo. no modelo de aprendizado
“de duas voltas”, corrige-se o erro uma vez detectado, mas só depois de os valores
inerentes ao modelo serem revistos. Por isso, segundo ele, este é o modelo mais adequado
para transformações. Quando o aprendizado de uma volta funciona, torna-se rotina, e é por
16
isso que somente através do aprendizado de duas voltas que se pode promover a
adaptabilidade e a flexibilidade, questões-chave para o tema da sobrevivência
anteriormente mencionado.
Fig. 1.3: Os ciclos de aprendizagem. Fonte: Adaptado de Morgan (1996: 92).
Pode-se também fazer um paralelo entre o aprendizado de circuito único e duplo
com o conceito de aprendizado por assimilação e acomodação, postulado por Jean Piaget
(1996), teórico educacional suíço. Aprender por assimilação é equivalente ao aprendizado
de uma volta, no qual absorvem-se informações, e, através de estruturas montadas, o
aprendiz consegue perceber, assimilar e agir com base nesta informação.
para aprender por acomodação, é necessário uma mudança estrutural interna em
suas crenças, idéias e atitudes. Para Aries de Geus (1998), as empresas bem-sucedidas
conseguem aprender por acomodação, encontrando maneiras de responder a sinais de
mudança no meio ambiente e mudando sua própria estrutura interna. O autor afirma ainda
Passo 2’
Passo 1
Passo 2Passo 3
Passo 1
Passo 2Passo 3
Passo 1: O Processo de percepção, exploração e controle do ambiente
Passo 2: Comparação entre a informação obtida e normas de funcionamento
Passo 2’: Processo de questionamento da pertinência das normas de funcionamento
Passo 3: Processo de iniciação de ações apropriadas
Aprendizagem em
circuito único
Aprendizagem em
circuito duplo
Passo 2’
Passo 1
Passo 2Passo 3
Passo 1
Passo 2Passo 3
Passo 1
Passo 2Passo 3
Passo 1: O Processo de percepção, exploração e controle do ambiente
Passo 2: Comparação entre a informação obtida e normas de funcionamento
Passo 2’: Processo de questionamento da pertinência das normas de funcionamento
Passo 3: Processo de iniciação de ações apropriadas
Aprendizagem em
circuito único
Aprendizagem em
circuito duplo
17
que as verdadeiras decisões estratégicas, nas quais se chega a um novo entendimento e à
tomada de alguma ação, são em si exemplos de aprendizado por acomodação.
Implementar um processo de aprendizado é um grande desafio não só para as
organizações, mas principalmente para os indivíduos que dela fazem parte. Superar estes
desafios é por si um processo de aprendizado de circuito duplo, sendo que o sucesso de
sua implementação depende fundamentalmente de quanto conseguimos questionar nossos
próprios paradigmas. Neste sentido, para aprender muitas vezes é necessário desaprender.
E isto está relacionado a questionar ou rever nossos modelos mentais.
Fleury e Fleury (1995) defendem que da mesma forma que no processo de
aprendizagem individual, durante o qual as crenças e os valores da pessoa precisam ser
levados em consideração, no conceito de aprendizagem organizacional os conceitos de
cultura e modelo mental são muito relevantes.
Modelos mentais e cultura organizacional
Segundo Peter Senge (1990) e Daniel Kim (1993), modelos mentais, são
frameworks, ou paradigmas compostos por crenças profundamente enraizadas e
desenvolvidas ao longo do tempo através da experiência; modelos que determinam como
as pessoas processam informação e o que vêem como relevante ou importante. Sendo
assim, eles acabam sendo a fundação para julgamentos intuitivos, nos quais as análises
rigorosas não são aplicadas.
Em A força dos modelos mentais (Wind et al., 2005), os autores afirmam que
estudos de neurociência indicam que a sensação que temos das coisas externas está
baseada em uma pequena parte no que vemos fora e em grande parte nos padrões
localizados em nossa mente. Sendo assim, quando o mundo muda de forma significativa
corremos o risco de ficar com um modelo completamente irrelevante para a situação atual.
Deste modo, a experiência pode ser uma faca de dois gumes. Daí a importância do
aprendizado em circuito duplo proposto anteriormente.
Já a cultura organizacional pode ser definida, segundo Edgar Shein (1986), como:
[Um] conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu, ou
desenvolveu, ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e
integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados
válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e
sentir com relação a esses problemas.
18
Ao juntar estas duas definições podemos dizer que a cultura organizacional
representa a soma ou a intersecção dos modelos mentais individuais, ou o modelo mental
coletivo, sendo a cultura organizacional formada ou influenciada pelos modelos mentais.
O desafio é que a tendência natural da maioria das organizações caminha muito
mais no sentido de preservação de padrões culturais do que de mudança. Daí a importância
de se discutir o tema da aprendizagem por uma perspectiva mais estratégica para as
organizações. Voltaremos a tratar do tema da cultura mais adiante, ao explorar as diversas
Escolas Estratégicas.
A aprendizagem organizacional segundo alguns de seus principais autores
Com relação à aprendizagem organizacional, diversos autores estudaram ou vêm
estudando formas de facilitar ou introduzir aprendizagem organizacional e a mudança nas
organizações, principalmente quando olhamos sob a perspectiva da Escola Sistêmica,
como visto anteriormente. Para Peter Senge (1990), as organizações precisam trabalhar
cinco pontos fundamentais:
Domínio pessoal;
Modelos mentais;
Visões partilhadas;
Aprendizagem em grupo;
Pensamento sistêmico.
Outro autor que explora o tema é D. Garvin (1993). Para ele, os pontos
fundamentais são:
Resolução sistemática de problemas;
Experimentação;
Experiências passadas;
Circulação de conhecimento;
Experiências realizadas por outros.
Daniel Kim (1993) defende que dois tipos de aprendizagem: a “aprendizagem
operacional” e a “aprendizagem conceitual”. Aqui poderíamos fazer um paralelo com o
ciclo simples e duplo, respectivamente, que ele qualifica a primeira como know how e a
segunda como know why. Para ele, o fundamental é que o processo de aprendizagem
19
operacional e conceitual ocorra em todos os níveis da organização. Pretende-se justamente
superar a concepção taylorista entre aqueles que pensam e aqueles que fazem.
Como mencionado anteriormente, não se pretende neste trabalho adentrar em
profundidade no mundo da aprendizagem organizacional, que o foco está na
aprendizagem estratégica. No entanto, cabe mencionar que apesar de diversas alternativas
ou recomendações serem propostas para a aprendizagem organizacional, percebemos que
esta é uma questão complexa, para o qual não uma solução única, simples ou de fácil
aplicação. Talvez seja esse justamente um dos maiores desafios dos gestores e
administradores, ou, por que não dizer, talvez esse deveria ser o principal papel do gestor:
trabalhar para garantir a sustentabilidade, a sobrevivência e o desenvolvimento da
organização em que atua; nem que para isso tenha que repensar sua própria forma de
administrar, reaprender, se adaptar e, por que não, desenvolver novas teorias e conceitos.
Aliás, qual seria o propósito das teorias de administração senão ajudar as organizações
neste sentido.
1.3
A
A
PRENDIZAGEM
S
EGUNDO AS
P
RINCIPAIS
E
SCOLAS DE
E
STRATÉGIA
Assim como na aprendizagem organizacional, o mundo da estratégia é fascinante e
perigoso. Fascinante porque de uma forma ou de outra tudo o que fazemos tanto na vida
pessoal como na organizacional envolve estratégia. Perigoso porque é um mundo vasto,
com centenas, para não dizer milhares de autores, conceitos e abordagens que por vezes
são contraditórias e nos fazem ficar perdidos no meio deste emaranhado de teorias e
“gurus”.
Para se ter uma idéia desta imensidão, entrando com a palavra “strategyno site de
busca Google aparecem como resultado mais de 280 milhões de referências. Ao realizar
uma busca na livraria virtual Amazon na data em que este trabalho foi escrito foram
encontrados 362.755 livros que possuem a palavra “estratégia” como tulo. Uma pessoa
que conseguisse “devorar” um livro por dia teria que viver mais de mil anos para poder ler
todos os títulos relacionados à estratégia, isto é, sem considerar que neste exato momento
inúmeros estudiosos da administração entre professores, consultores e gurus”, tanto
atuais como futuros pretendentes devem estar sentados escrevendo sobre o tema,
buscando lançar um novo referencial sobre esta questão.
20
Neste vasto e extenso mundo, que consagrou Igor Ansoff, Michel Porter, Prahalad,
Arnaldo Hax e Michel Tracy, entre tantos outros, um autor se destaca por ter uma visão
pluralista do tema, apesar de o deixar de ter ele próprio suas preferências. Estamos nos
referindo a Henry Mintzberg, que juntamente com dois colegas, Bruce Ahlstrand e Joseph
Lampel, escreveram um clássico chamado Safári da estratégia: um roteiro pela selva do
planejamento estratégico. Nesta obra os autores definem para efeitos didáticos 10 Escolas
da Estratégia, e agrupam as diversas correntes de pensamento sobre o tema, desde aquelas
de natureza mais prescritiva quanto às de natureza mais descritivas. No quadro 1.2, abaixo,
encontra-se uma síntese das principais escolas.
Quadro 1.2 Síntese das principais Escolas de Estratégia. Fonte: Adaptado de Mintzberg et al. (2000).
Para uma melhor compreensão de como o tema proposto neste trabalho está
conectado com este amplo mundo da estratégia, destacamos em especial alguns trabalhos
deste autor. A motivação para selecionar a obra de Mintzberg é que além de sua visão
plural do tema, parece que sua especialidade e seu maior mérito são justamente questionar
modelos pré-estabelecidos no mundo da administração. Num de seus trabalhos mais
recentes (2006), o autor questiona duramente os tão consagrados programas de MBA, e a
forma como vem sendo formados supostos líderes e gestores. O que Mintzberg mais
TRANSFORMAÇÃO
REATIVO
COLETIVO
NEGOCIAÇÃO
EMERGENTE
MENTAL
VISIONÁRIO
ANALÍTICO
FORMAL
CONCEPÇÃO
FORMULAÇÃO DA
ESTRATÉGIA
COMO UM
PROCESSO DE
INTEGRAR,
TRANSFORMAR
HISTORIA
CHANDLER, 1962
MINTZBERG, MILLER, 1978
CONFIGURAÇÃO
LUTARBIOLOGÍA, SOCIOLOGÍA POLÍTICA HANNAN E FREEMAN, 1977AMBIENTAL
AGLUTINARANTROPOLOGÌA RYENMAN E NORMANN, 1960CULTURAL
AGARRARCIENCIA POLÍTICA
ALLISON, 1971
PFEFFER E SALANCIK, 1978
ASTLEY, 1984
PODER
APRENDER
NENHUMA (TALVEZ LIGAÇÕES
PERIFÉRICAS COM A TEORIA DO
APRENDIZADO EM PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO); TEORIA DO CAOS EM
MATEMÁTICA
LINDBLOM, 1959,1968
CYERT E MARCH, 1963
QUINN, 1980
PRAHALAD E HAMEL, 1990
APRENDIZAGEM
ENQUADRARPSICOLOGÍA (COGNITIVA)
SIMON, 1947 / 1957
MARCH E SIMON, 1958
COGNITIVA
PRESSENTIR
NENHUMA (EMBORA OS INCRITOS
INICIAS SEJAM DE ECONOMISTAS)
SCHUMPETER, 1950
COLE, 1959
EMPREENDEDORA
ANALISARECONOMÌA, HISTÓRIA MILITAR
PURDUE, 1970,
PORTER, 1980 / 1985
POSICIONAMENTO
FORMALIZAR
ALGUMAS LIGAÇÕES COM
ENGENHARÍA, TEORÍA DE SISTEMAS,
CIBERNÉTICA
ANSOFF, 1965PLANEJAMENTO
ADEQUAÇÃO
NENHUMA (ARQUITETURA COMO
METÁFORA)
SELZNICK, 1957DESIGN
MENSAGEM
PRETENDIDA
DISCIPLINA(S)-BASEFONTESESCOLA
TRANSFORMAÇÃO
REATIVO
COLETIVO
NEGOCIAÇÃO
EMERGENTE
MENTAL
VISIONÁRIO
ANALÍTICO
FORMAL
CONCEPÇÃO
FORMULAÇÃO DA
ESTRATÉGIA
COMO UM
PROCESSO DE
INTEGRAR,
TRANSFORMAR
HISTORIA
CHANDLER, 1962
MINTZBERG, MILLER, 1978
CONFIGURAÇÃO
LUTARBIOLOGÍA, SOCIOLOGÍA POLÍTICA HANNAN E FREEMAN, 1977AMBIENTAL
AGLUTINARANTROPOLOGÌA RYENMAN E NORMANN, 1960CULTURAL
AGARRARCIENCIA POLÍTICA
ALLISON, 1971
PFEFFER E SALANCIK, 1978
ASTLEY, 1984
PODER
APRENDER
NENHUMA (TALVEZ LIGAÇÕES
PERIFÉRICAS COM A TEORIA DO
APRENDIZADO EM PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO); TEORIA DO CAOS EM
MATEMÁTICA
LINDBLOM, 1959,1968
CYERT E MARCH, 1963
QUINN, 1980
PRAHALAD E HAMEL, 1990
APRENDIZAGEM
ENQUADRARPSICOLOGÍA (COGNITIVA)
SIMON, 1947 / 1957
MARCH E SIMON, 1958
COGNITIVA
PRESSENTIR
NENHUMA (EMBORA OS INCRITOS
INICIAS SEJAM DE ECONOMISTAS)
SCHUMPETER, 1950
COLE, 1959
EMPREENDEDORA
ANALISARECONOMÌA, HISTÓRIA MILITAR
PURDUE, 1970,
PORTER, 1980 / 1985
POSICIONAMENTO
FORMALIZAR
ALGUMAS LIGAÇÕES COM
ENGENHARÍA, TEORÍA DE SISTEMAS,
CIBERNÉTICA
ANSOFF, 1965PLANEJAMENTO
ADEQUAÇÃO
NENHUMA (ARQUITETURA COMO
METÁFORA)
SELZNICK, 1957DESIGN
MENSAGEM
PRETENDIDA
DISCIPLINA(S)-BASEFONTESESCOLA
21
questiona é justamente o caráter prescritivo destes cursos, juntamente com as críticas que
faz a algumas das Escolas de Estratégia apresentadas no quadro acima. Em sua visão, estes
cursos e seus estudos de caso desprezam a complexidade das organizações e seu ambiente,
simplificando a realidade a uma série de templates e ferramentas de gestão, formando
pessoas despreparadas e pretensiosas para assumir supostas posições de liderança.
Afinal, Mintzberg não é um típico guru. Pelo contrario, ele é o “anti-guru”, descrito
como um profissional controverso. De acordo com a revista Fast Company,
Mintzberg está para o “management” como Mick Jagger está para o negócio de
música. Grande parte de sua carreira foi investida em desbancar mitos sobre
estratégias corporativas e estruturas organizacionais. Muitas vezes propondo
alternativas radicais. Sua notoriedade pelo pensamento não-convencional começou
com sua primeira publicação em 1973, The Nature of Managerial Work, baseado
na sua pesquisa de doutorado. Mintzberg decidiu adotar o método antiortodoxo de
estudar o que os gestores de fato faziam, em vez de o que os gestores deveriam
fazer, e tentar concluir verdades absolutas. Desde então, Mintzberg tem buscado
com sua técnica ateísta e língua ácida questionar varias áreas do campo da
administração, particularmente a abordagem de formulação da estratégia que
tornou-se dominante nos corredores corporativos (Australian Financial Review, 6
dec. 2002; tradução nossa).
Dada a importância da contribuição de Mintzberg, adotaremos uma de suas
principais obras como base deste capítulo, que buscará navegar pelas diversas escolas e
correntes do pensamento estratégico e entender a sua relação com o tema da aprendizagem
tal como proposto neste estudo.
Conceituando “estratégia”
No entanto, antes de tratarmos de cada uma das escolas, e até para uma boa
compreensão das mesmas, é importante definir um pouco melhor o que se entende por
“estratégia”. Apesar das muitas definições possíveis, Mintzberg (2000) propõe cinco
definições mais genéricas para o conceito: enquanto um plano, um padrão, uma posição,
uma perspectiva, ou um truque.
A definição de estratégia como um plano está baseada na sugestão de que uma
estratégia indica uma direção, uma guia ou curso de ação para o futuro, um caminho para ir
daqui até ali. Esta é uma definição clássica e uma das mais utilizadas.
A estratégia enquanto um padrão, por sua vez, denota uma consistência de
comportamento ao longo do tempo, ou seja, esta definição enfatiza mais o comportamento
passado da organização que o olhar para frente, considerado na definição de anterior.
22
A definição de estratégia enquanto uma posição enfatiza a localização de
determinados produtos e ou serviços em determinados mercados. Nas palavras de Michael
Porter (1996), um dos principais representantes da escola que adota esta definição,
“estratégia é a criação de uma posição única e valiosa envolvendo um conjunto diferente
de atividades”.
A definição de estratégia enquanto uma perspectiva valoriza a maneira fundamental
de uma organização fazer as coisas. Por fim, a estratégia pode ser vista como um truque,
ou seja, uma manobra especifica para enganar um concorrente ou oponente.
Explicitadas as diferentes definições do conceito de estratégia tal como elaboradas
por Mintzberg, pode-se compreender melhor as distintas escolas de pensamento estratégico
que serão descritas a seguir. Além de descrever cada uma destas correntes ou escolas,
buscar-se-á identificar e destacar em cada uma delas contribuições para o tema aqui
desenvolvivo, isto é, a aprendizagem estratégica.
A Escola do Design
A primeira é a Escola do Design, que tem como um de seus conceitos chave a
análise de pontos fortes, fracos, ameaças e oportunidades, conhecida pelo nome na língua
inglesa de SWOT Analysis. Em sua versão mais simples, esta escola propõe um modelo de
formulação que atinja uma adequação entre as capacidades internas e as oportunidades
externas. Uma crítica a esta escola é que ela promove uma separação entre formulação e
implementação, entre pensamento e ação. Ou seja: esta escola despreza de certa maneira o
conceito de aprendizado proposto neste trabalho; para ela uma clara diferenciação entre
“formuladores” e “implementadores”. Neste contexto, se as condições mudam de forma
inesperada as estratégias pretendidas deixam de ter validade. Para Mintzberg, em um
ambiente instável e complexo esta distinção entre desenho e ação deve ser eliminada, ou o
“formulador” deve ser o “implementador” ou os “implementadores” devem participar da
formulação.
A Escola do Planejamento
A segunda Escola, a do Planejamento, originou-se quase que simultaneamente à
Escola do Design, e teve entre seus principais nomes Igor Ansoff, com seu livro Corporate
Strategy (1965). Para esta escola, o processo de formulação da estratégia, que deveria
seguir regras claras e definidas, muitas vezes era tão importante quanto a própria
23
estratégia. A Escola do Planejamento aceitou a maior parte das premissas da Escola de
Design, com algumas poucas e importantes exceções. Uma delas é que apesar de o modelo
ser similar, nesta escola a formulação é um processo extremamente formal, quase
mecanicamente programado, com sua seqüência de etapas.
Na década de 1980 o planejamento estratégico começou a sofrer fortes críticas e
chegou a ser reduzido em muitas empresas. Um dos momentos mais dramáticos desta
escola foi seu enfraquecimento na General Electric, a empresa que era até então referência
no assunto. A revista Business Week publicou uma matéria de capa em setembro de 1984
que dizia: “Depois de mais de uma década de controle quase ditatorial sobre o futuro das
corporações americanas, o reinado do planejador estratégico pode estar no fim (...) poucas
das estratégias supostamente brilhantes, elaboradas pelos planejadores, foram
implementadas com sucesso”. Para a revista, havia uma batalha sangrenta entre
planejadores e gerentes. Um década depois o próprio Mintzberg publicou um artigo
clássico sobre o tema intitulado “The Rise and Fall of Strategic Planning”. Algumas das
principais falácias do planejamento estratégico destacadas por ele são:
Falácia da predeterminação – O planejamento estratégico requer não
previsibilidade, mas também estabilidade. É como se o mundo tivesse que
ficar parado durante o desenrolar do planejamento.
Falácia do desligamento – Neste ponto o planejamento estratégico foi para a
direção da empresa aquilo que os trabalhos de Frederick Taylor foram para
as fábricas. Ambos se propõem a evitar as idiossincrasias humanas para
sistematizar o comportamento. Ou seja: se o sistema faz o trabalho de
pensar, então o pensamento deve ser desligado da ação; a estratégia, da
operação; a formulação, da implementação; os pensadores, dos executores;
e também os estrategistas, dos objetos de suas estratégias.
Falácia da formalização A pergunta que se coloca aqui é a inovação, o
empreendedorismo, a criatividade pode de fato ser institucionalizada? A
criação de estratégias é um processo imensamente complexo, envolvendo os
mais sofisticados, sutis e, às vezes, subconscientes processos sociais e
cognitivos. Os sistemas formais podem processar mais informações, pelo
menos factuais, consolidá-las, agregá-las, movimentá-las. Mas eles não
podem internalizá-las, assimilá-las, compreendê-las ou até sintetizá-las.
24
É interessante que, apesar desta suposta crise, ao olharmos para as organizações
hoje se percebe que muitas delas praticam este processo formal e mecânico de
planejamento estratégico, quase como num ritual que acontece anualmente. Sobre a Escola
do Planejamento, os autores assim concluem:
O nome planejamento estratégico está errado. Ele deveria ter sido chamado de
programação estratégica. E deveria ter sido promovido como um processo para
formalizar, onde necessário, as conseqüências das estratégias desenvolvidas por
outros meios. Em última análise, a expressão planejamento estratégico” mostrou-
se uma contradição (Mintzberg et al., 2000: 64).
Cabe salientar que podemos destacar dois progressos recentes em relação a esta
escola. Um deles é o “planejamento de cenários”, o qual, este sim, parece ter potencial de
incentivar o aprendizado estratégico e é fortemente defendido por alguns autores, com
Geus (1988) e Heijden (2004). O outro progresso seriam os modelos ou instrumentos de
controle estratégico”, entre os quais o Balanced Scorecard de Kaplan e Norton (1995)
poderia se encaixar como instrumento para acompanhar a estratégia uma vez que ela tenha
sido formulada.
A Escola do Posicionamento
A terceira Escola, do Posicionamento, data do início dos anos 1980, e assim como a
do Planejamento está entre uma das mais influentes entre todas as escolas. Sua origem vem
da economia, e tem na figura de Michael Porter o seu principal expoente. Esta escola
inaugura um conceito novo, que é a “prescrição de estratégias”, ou seja, diferentemente das
anteriores, que enfatizavam o processo e que as estratégias deveriam ser únicas
dependendo do contexto, para esta escola as escolhas estratégicas são limitadas e estão
dadas, bastando para isso apenas identificar as condições vigentes e escolher a mais
adequada (Mintzberg et al., 2000: 68-75).
Percebe-se que a Escola de Posicionamento influenciou muito a forma como vemos
a estratégia até os dias atuais. Muitos dos principais autores relacionados à estratégia se
consagraram escrevendo livros nessa linha. Primeiramente, Porter (1996), ao definir que as
organizações para competir e ter sucesso teriam que escolher entre duas estratégias
genéricas diferenciação ou competitividade em custo –, e que as organizações deveriam
se decidir por qual caminho seguir. Segundo a sua visão, tentar ir pelos dois caminhos era
25
pedir para fracassar; era necessário escolher. Aliás, esta é uma grande contribuição do
autor: a necessidade de fazer escolhas ao falarmos de estratégia.
Depois de Porter vieram Treacy e Wiersema (1993), que defendem que as
organizações tinham que escolher entre três posicionamentos competitivos: liderança de
produto, menor custo total ou intimidade com o cliente. Esses autores defendiam que
somente as organizações que fizessem uma escolha estratégica clara por um desses
caminhos teriam sucesso. Outro autor a se destacar nessa escola foi Arnoldo Hax (2001),
do MIT. Ele defendeu o modelo de “aprisionamento”, ou lock-in em inglês. Para Hax, este
era o posicionamento perfeito, pois criava condições de dominar o mercado. A Microsoft
era o grande exemplo. Até Kaplan e Norton usaram estas referências como base para seu
livro Mapas estratégicos (2004), no qual demonstram diferentes modelos de mapas para
cada posicionamento.
De toda forma, esta escola recebe críticas por reduzir o papel da formulação da
estratégia com seu caráter genérico e prescritivo deixando pouco espaço para inovação.
Em nossa visão, ninguém jamais desenvolveu uma estratégia através de técnicas
analíticas. Injetou informações úteis no processo de criação de estratégia: sim.
Extrapolou as estratégias correntes ou copiou as estratégias de um concorrente:
sim. Mas desenvolveu uma estratégia: nunca. Como comentou Hamel, em artigo
recente na revista Fortune, como sendo aplicável ao posicionamento e também ao
planejamento: “O segredo sujo da indústria de estratégia é que ela não tem
nenhuma teoria de criação de estratégias” (Mintzberg et al., 2000: 90).
De toda forma, apesar de as Escolas do Design, Planejamento e Posicionamento
terem servido de base e ajudado a fundamentar muito do que entendemos sobre estratégia
hoje, influenciando de maneira expressiva o modo como os executivos e as organizações
lidam com o tema, elas desprezam o conceito de aprendizagem estratégica proposto neste
projeto, separando a formulação da implementação.
A Escola de Posicionamento pode ser criticada pelos mesmos motivos que as
Escolas do Design e de Planejamento, uma vez que leva mais longe as
predisposições das mesmas (...) pode tornar o processo de criação de estratégias
excessivamente deliberado e, assim, prejudicar o aprendizado estratégico.
(Mintzberg et al., 2000: 90).
Os autores ainda fazem forte crítica a Michel Porter: “Porter continua a ver a
estratégia como sendo necessariamente dedutiva e deliberada, como se aprendizado
estratégico e estratégias emergentes não existissem” (Mintzberg et al., 2000: 95).
26
O entendimento dessa questão é crítico da perspectiva de nossa pergunta-problema
apresentada na introdução deste trabalho e ajuda a entender por que tanta insatisfação e
insucesso na implementação das estratégias. As escolas descritas nos próximos parágrafos
são menos prescritivas e mais descritivas e, apesar de mais incipientes ou menos clássicas
do que as anteriores, ajudam a fundamentar melhor o tema da aprendizagem estratégica. E
por que não já começar a levantar indícios e elementos para estimulá-la?
A Escola Empreendedora
Comecemos pela Escola Empreendedora, que também tem suas origens na
economia, sobretudo no autor austríaco Joseph Schumpeter. Essa escola enfatiza o papel
do líder empreendedor, que desenvolve a visão estratégica de forma semiconsciente e
intuitiva. O conceito mais central desta escola é a visão, compreendida como algo que
serve como inspiração, como guia, e o um plano plenamente articulado, o que a deixa
flexível para poder se adaptar e aprender. Isto sugere que a estratégia empreendedora é, ao
mesmo tempo, deliberada e emergente: deliberada em suas linhas amplas e seu senso de
direção; emergente em seus detalhes para que estes possam ser adaptados durante o curso.
Um pesquisa sobre empreendedorismo e planejamento, com os fundadores de 100
companhias das 500 de crescimento mais rápido nos Estados Unidos, em 1989, demonstra
bem o espírito desta escola (apud Mintzberg et al., 2000: 105) :
41% simplesmente não tinham um plano de negócios;
26% tinha apenas um esboço rudimentar de plano;
5% elaboraram projeções financeiras para investidores;
28% redigiram um plano completo.
Segundo o estudo, muitos empreendedores o se dão ao trabalho de redigir planos
bem elaborados porque prosperam em mercados que sofrem mudanças rápidas, nos quais a
capacidade de dançar conforme a música é tão ou mais importante que ter um plano
cuidadoso.
Apesar de esta escola ter contribuições importantes para o tema proposto neste
trabalho, abrindo um espaço emergente para o aprendizado, ela também recebeu algumas
críticas. Talvez a principal delas seja justamente a dependência da liderança visionária e do
espírito empreendedor, que seus pressupostos estão quase que inteiramente calcados no
comportamento de um único indivíduo. Alguns dizem que é melhor construir uma
organização visionária do que se basear em um líder com visão. No entanto, cabe destacar
27
a importância desta escola e principalmente de Schumpeter, com o conceito de “destruição
criativa” para muito do que entendemos hoje como inovação.
O processo da mutação industrial (...) revoluciona incessantemente a estrutura da
economia de dentro para fora, destruindo incessantemente a antiga, criando
incessantemente uma nova. Esse processo de destruição criativa é o fato essencial
do capitalismo. É nisso que o capitalismo consiste e no que cada preocupação
capitalista deve se concentrar (Schumpeter, 1984; grifo nosso).
A Escola Cognitiva
A quinta Escola é a Cognitiva. Ela trata de como as estratégias se formam,
sobretudo na mente do estrategista. Para ela, as estratégias emergem como perspectivas, na
forma de conceitos, mapas, esquemas e molduras, orientando o modo como as pessoas
lidam com as informações vindas do ambiente. Pode-se dizer que esta escola ainda
apresenta-se em formação, ou seja, as obras que a compõem ainda apresentam certa
dispersão em termos de conteúdo. Tem sua origem ou motivador a obra de Herbert Simon,
que popularizou a noção de que o mundo é grande e complexo, ao passo que o cérebro
humano e sua capacidade de processamento de informações são altamente limitados. Deste
modo, nesta escola ganha importância o processo de tomada de decisão, que se torna
menos racional. Tanto o processo de tomada de decisão como a existência de estruturas
mentais para organizar o conhecimento são relevantes no conceito de aprendizagem
estratégica defendido neste trabalho, porque, em última instância, quem aprende o os
líderes, os gestores, os tomadores de decisão, que acabam tendo condições de influenciar
ou alterar o rumo de suas organizações. Assim como são os modelos ou mapas mentais que
se formam durante as discussões que envolvem o processo de tomada de decisão,
Mintzberg defende que todo executivo experimentado carrega em sua mente todos os tipos
desses mapas causais ou modelos mentais, e reforça ainda que o impacto sobre o
comportamento pode ser profundo.
Por exemplo, Barr, Stinpert e Huff (1992) compararam duas ferrrovias, a Rock
Island e a C&NW, ao longo de um período de 25 anos (1949-1973). No início, as
duas eram semelhantes, mas uma acabou falindo enquanto a outra sobreviveu. Os
pesquisadores atribuíram o fato aos mapas causais dos executivos a respeito do
ambiente. Inicialmente, ambas as empresas atribuíam o mau desempenho ao mau
tempo, a programas de governo e a regulamentações. Então, os mapas de uma delas
passaram para um foco sobre as relações entre custos, produtividade e estilo
gerencial e isso provocou as mudanças necessárias (Mintzberg et al., 2000: 124).
28
Neste caso, o que aconteceu o deixa de ser um exemplo de aprendizagem
estratégica, pela qual a organização por meio do questionamento e revisão dos modelos
mentais de seus executivos passou a atuar e organizar-se de outra forma, ou seja, adotou
uma nova estratégia que a possibilitou sobreviver.
Assim, nesta escola os mapas ou modelos mentais possuem grande relevância. Para
destacar a sua importância para as pessoas e organizações, Karl Weick (1990), autor do
conceito de “criação de sentido” (sensemaking), cita a história de um grupo de soldados
perdidos na montanhas:
Um pequeno destacamento húngaro fazia manobras militares nos Alpes. Seu jovem
tenente-comandante enviou uma unidade de reconhecimento exatamente quando
começou a nevar. Nevou durante dois dias, e a unidade não voltava. O tenente
temia que tivesse enviado seus homens para a morte, mas no terceiro dia a unidade
retornou. Onde eles tinham estado? Como haviam achado o caminho de volta?
“Sim”, disseram eles, “nós nos considerávamos perdidos e esperamos pelo fim,
mas então um de nós achou um mapa em seu bolso. Isso nos acalmou.
Acampamos, esperamos a nevasca passar e com o mapa encontramos nosso
caminho e aqui estamos”. O tenente examinou bem o mapa e descobriu, para seu
espanto, que era o mapa dos Pirineus (Heijden, 2004: 39).
Heijden conclui a estória com a seguinte moral: Se você está perdido, qualquer
mapa velho é melhor do que nada”. O mapa possibilitou que os soldados entrassem em
ação. Eles haviam ficado incapacitados, mas o mapa, que acreditavam representar os
arredores, deu-lhes um razão para agir num momento em que a exatidão não era algo
extremamente importante. Ao entrar em ão os soldados começaram a obter novas
informações a respeito do ambiente que os cercava, e “entraram em um novo laço de
aprendizagem”, o qual gradualmente aumentou sua compreensão e seu mapa mental. Ou
seja: o mapa tirou-os do estado de paralisia que estavam e os ajudou rodar um ciclo de
aprendizado estratégico.
Esta escola defende que as situações organizacionais são demasiadamente
complexas para que sejam analisadas inteiramente. O fato de a resposta estratégica estar
certa ou errada inicialmente não vem ao caso, até porque sabemos se a estratégia foi
correta ou não depois de implementada. Deste modo, Heijden diz: “É preciso entrar em um
laço que ligue ação, percepção e pensamento no sentido do aprendizado contínuo. Uma
estratégia eficaz é aquela que provoca nossa entrada no laço de aprendizado” (Heijden,
2004: 40).
29
Isso é interessante porque pode-se fazer uma analogia deste caso com o uso dos
mapas estratégicos de Kaplan e Norton, descritos no conceito do Balanced Scorecard. Os
mapas estratégicos, que vêm sendo cada vez mais usados pelas organizações, possuem
também este papel de ajudar a criar sentido numa estratégia existente, amarrar
pensamento e ação, e, por que não, estimular a aprendizagem estratégica. Voltaremos a
falar de mapas estratégicos um pouco mais adiante.
2
Assim, ao analisar algumas escolas torna-se tênue a relação entre o mundo da
estratégia e o mundo da aprendizagem organizacional explorado anteriormente,
principalmente nesta e na Escola Cultural, que têm suas bases respectivamente na
psicologia cognitiva e na antropologia. Percebe-se que os autores que influenciaram estas
escolas pertencem a estes dois mundos; são estudiosos de estratégia, mas também da
aprendizagem organizacional.
Para concluir, a Escola Cognitiva, por centrar-se na mente humana, chama a
atenção para determinados estágios do processo de formação de estratégia, períodos de
concepção original, períodos de reconcepção das estratégias existentes, e períodos de
apego, devido a fixações cognitivas, que neste caso podem atrapalhar o processo de
adaptação e mudança. Assim, a Escola Cognitiva nos diz que precisamos compreender a
mente humana, assim como o cérebro humano, para compreender a formação da estratégia.
O desafio está em encontrar a dose certa, que estes estudos podem ter implicações mais
importantes para a psicologia cognitiva, como fornecedora de teoria, do que para a
administração estratégica, como sua consumidora. De toda forma, é indiscutível a
contribuição desta escola para o tema proposto neste trabalho.
A Escola da Aprendizagem
Se a Escola Cognitiva questiona e esmaga as prescrições das Escolas do Design,
Planejamento e Posicionamento, explicitando e dizendo que este mundo da estratégia é
bem mais complexo do que parece, a Escola de Aprendizado busca dar uma indicação de
como acontecem e são desenvolvidas as estratégias. Ela simplesmente diz que os líderes,
estrategistas, ou a própria organização aprendem ao longo do tempo. O que parece ser
muito simples como idéia central parece complexo quando vamos pôr em prática.
Investiguemos um pouco mais esta escola que parece atacar o cerne da nossa questão.
2
De toda forma, para maiores informações sobre mapas estratégicos, ver: Kaplan, & Norton (2004).
30
Para a Escola de Aprendizado, as estratégias emergem quando as pessoas, tanto
individualmente como, principalmente, coletivamente, aprendem a respeito de uma
situação e mudam sua forma de atuar em relação a ela. Nesta escola, o conceito de
estratégia se baseia mais em descrição do que em prescrição. A grande pergunta que esta
escola busca responder é: como de fato as estratégias se formam nas organizações?
Para os pesquisadores simpatizantes desta escola – como o próprio Mintzberg – isso
pode ser resumido da seguinte maneira:
Quando ocorria um redirecionamento estratégico importante, este raramente se
originava de um esforço formal de planejamento, e, de fato, muitas vezes nem
mesmo das salas da alta administração. Em vez disso, as estratégias se deviam a
uma variedade de pequenas ações e decisões tomadas por todos os tipos de pessoas
diferentes (algumas vezes de forma acidental ou por sorte, sem nenhuma
consideração quanto às suas conseqüências estratégicas). Tomadas em conjunto ao
longo do tempo, essas pequenas mudanças freqüentemente produziam grandes
mudanças de direção (Mintzberg et al., 2000: 135).
Deste modo, em qualquer parte da organização pessoas podem contribuir para o
processo de estratégia, desde um pesquisador num laboratório, a equipe de vendas que está
mais próxima dos clientes, a equipe da fábrica com um novo processo industrial ou os
diretores ou líderes da organização. Por isso, esta escola enfatiza o papel dos
empreendedores internos (intrapreneurship), que são agentes de mudança que podem a
qualquer momento sugerir iniciativas estratégicas, defendê-las e lograr apoio para
implementá-las. O desafio que se coloca é como integrar estas iniciativas, como garantir
coerência. A Escola de Aprendizado também se preocupa com isso, para ela deve haver um
cuidado especial com a coordenação das iniciativas.
O próprio Balanced Scorecard contribui neste aspecto, ao buscar alinhar as
iniciativas estratégicas da organização, explicitando o impacto de cada uma delas no mapa
estratégico. Porém, talvez isso não seja suficiente. Há dois conceitos fundamentais
desenvolvidos no espírito desta escola que contribuem fortemente para a aprendizagem
estratégica: as chamadas “estratégias emergentes”, e o que chamam de “compreensão
retrospectiva”.
O termo estratégia emergente foi cunhado por Mintzberg (1978) em trabalho pela
Faculdade de Administração da McGill University, que incluiu uma longa lista de estudos
empíricos que acompanharam estratégias de diferentes organizações. Enquanto a estratégia
deliberada foca o controle, na emergente o foco é o aprendizado. Nas três primeiras
31
Escolas Estratégicas apresentadas o foco era somente o controle; aquelas escolas
desprezam o aprendizado, tal como foi mencionado anteriormente. Mas, como se pode
perceber pela citação a seguir, o conceito de estratégia emergente é chave dentro do tema
proposto neste trabalho:
O conceito de estratégia emergente abre a porta para o aprendizado estratégico,
porque reconhece a capacidade da organização para experimentar. Uma ação
isolada pode ser empreendida, o “feedback” pode ser recebido e o processo pode
prosseguir até a organização convergir sobre o padrão que passa a ser sua estratégia
(Mintzberg et al., 2000: 143).
Os autores sugerem a seguinte metáfora:
Inicialmente as estratégias crescem como ervas daninhas em um jardim, lançando
raízes em todas as espécies de lugares estranhos. Algumas proliferam e se tornam
amplamente organizacionais, às vezes sem nem mesmo serem reconhecidas como
tais ou serem gerenciadas de forma consciente (Mintzberg et al., 1988: 214).
É claro que este um exemplo é um pouco exagerado. O próprio autor defende que
todo comportamento estratégico real precisa combinar controle deliberado com
aprendizado emergente.
Além do conceito de estratégias emergentes, esta escola se apóia também, assim
como a cognitiva, em Karl Weick (1995; 1999), com o conceito de “criação de sentido” ou
“compreensão retrospectiva”. Ou seja: tentamos coisas, vemos as conseqüências, e então
explicamos e vamos em frente. Tudo parece bastante sensato, contudo trata-se de um
rompimento com décadas de tradição em administração estratégica, a qual tem insistido
que o pensamento deve terminar antes que ação se inicie. Na visão de Weick, aprender não
é possível sem agir. A criação de sentido é “um processo que utiliza um conhecimento
prévio para atribuir significado a uma nova informação” (Schwandt, 2005: 182).
A criação de sentido retrata o relacionamento entre ação e a construção de
significado como sendo inseparáveis e mutuamente dependentes. Este processo pode ser
facilitado através de estímulos (informações) dispostos de maneira a reduzir a
complexidade das informações e possibilitar suas associação com ações e significados
passados. A essência do processo de construção de significado (meaning making) reside na
interação de três componentes básicos: a) sinais, ou informações provenientes do ambiente
que disparam a necessidade de construção de significado; b) uma estrutura de
32
conhecimento que serve como um guia na compreensão; e c) e uma relação que conectará
a nova informação à estrutura de conhecimento (Weick, 1995).
um famoso caso o da Honda que é usado para exemplificar e consolidar os
conceitos de aprendizagem estratégica, estratégias emergentes e criação de sentido. Tudo
se inicia quando o governo britânico contratou a consultoria BCG (Boston Consulting
Group) para ajudar a explicar por que a Honda, e as empresas japonesas em geral,
superavam de forma tão agressiva as inglesas no mercado de motos dos Estados Unidos. O
estudo foi elaborado: um exemplo clássico de posicionamento racional. Tornou-se um
exemplo de formulação de estratégia, passando a ser usado como estudo de caso nas mais
prestigiosas universidades, como Harvard e em outras escolas americanas. O estudo
demonstrava estratégias deliberadas, cuidadosamente elaboradas com suas ferramentas e
análises, quase que deixando claro quais os passos que deveriam ser dados para uma
estratégia exitosa. Passado alguns anos, Richard Pascale (1984) voou para o Japão e
entrevistou os executivos que haviam feito tudo aquilo, e encontrou uma história bem
diferente. Ele percebeu que as estratégias adotadas pela Honda foram fundamentadas no
paradigma da aprendizagem organizacional, segundo a qual a estratégia foi emergindo e
ganhando sentido ao longo do tempo, e que não havia de forma alguma sido totalmente
planejada, ou predeterminada de antemão, como se defendia até então. Este estudo
desencadeou uma série de outros estudos e artigos, gerando um grande debate na literatura
de administração. O próprio Mintzberg (1990) usou esta história em um artigo publicado
no Strategic Management Journal para criticar a Escola de Design e defender a de
Aprendizado.
Assim, na Escola de Aprendizado a liderança tem um papel interessante, isto é,o
se trata de preconceber estratégias deliberadas, mas de gerenciar o processo de aprendizado
estratégico pelo qual novas estratégias possam emergir. Deste modo, a administração
estratégica envolve o equilíbrio entre pensamento e ação, controle e aprendizado,
estabilidade e mudança (Mintzberg, 2000: 156).
Entre os principais nomes dessa escola é possível citar o próprio Henry Mintzberg,
James Quinn e Charles Lindblom, que no início dos anos 1960 lançaram suas bases
conceituais, além de outros que influenciaram esta escola como Chris Argyris e Donald
Schon, com o modelo da aprendizado de duas voltas descrito acima. Mas estes últimos,
assim como Senge com a A quinta disciplina não chegam a tratar diretamente do tema
estratégia, e sim de maneira indireta via estudos dentro do campo da aprendizagem
33
organizacional. De toda forma, apesar de haver grande número de publicações nesta
escola, não podemos dizer que um modelo único, completo e consagrado de
aprendizagem estratégica.
Cabe destacar que este trabalho tampouco possui esta pretensão. Busca-se sim
explicitar alguns dos principais elementos que são importantes para que este processo
aconteça, despertando o interesse para futuros estudos.
Como toda Escola Estratégica aqui mencionada, esta também recebeu algumas
críticas. Uma delas afirma que situações nas quais não se pode confiar no aprendizado
reativo ou de maneira paciente, como, por exemplo, em uma crise; neste caso talvez seja
necessário uma liderança forte e vigorosa, um redirecionamento e uma nova visão. Outro
ponto, como foi mencionado anteriormente, é o risco de desarticulação entre as diversas
idéias ou ões emergentes, ou ainda de abondonar estratégias preestabelecidas em função
de novas e emergentes idéias, perdendo o foco.
Mas é claro que a principal contribuição desta escola é fazer um contraponto à
visão mecanicista e racional tão enraizada ao tratarmos das organizações e suas estratégias.
Porém, ela não é nenhuma panacéia que busca resolver todos os problemas nos quais as
organizações e suas estratégias estão envolvidos. Além disso, que considerar que as
escolas tratadas aqui foram “segmentadas” para efeito de classificação, e, como toda
classificação ou tipologia, a proposta de Mintzberg possui um caráter didático e agrupador
de idéias comuns, que não deve ser considerada de forma única, ou seja, deve-se sempre
buscar um equilíbrio entre as diversas escolas existentes.
Outro ponto fundamental a destacar é que o conceito de aprendizagem estratégica
defendido neste trabalho possui forte influência desta escola, mas não só dela. Assim como
vimos que a Escola Empreendedora e a Cognitiva têm contribuições importantes no
processo de aprendizagem estratégica, outras também terão.
Porém, antes de prosseguir, continuemos a navegar pelas escolas. Não com a
mesma atenção destinada a esta última, que trata especificamente do tema da
aprendizagem, mas sempre buscando descrevê-las sinteticamente, e principalmente
destacando sua relação ou contribuições para o tema proposto neste estudo.
A Escola do Poder
A Escola do Poder a sétima escola tem o processo de formulação da estratégia
como um processo aberto de negociação e influência, enfatizando o uso de poder e da
34
política para negociar estratégias favoráveis a determinados interesses. Esta escola pode ser
classificada em duas grandes vertentes: a que trata do poder em seu caráter micro nas
organizações, isto é, o jogo político interno dentro da organização que está mais
relacionado com os processos de administração estratégica explorados aqui; e o poder
macro, que trata do uso do poder pela organização em seio ambiente externo, como, por
exemplo, com relação ao governo ou órgãos reguladores para conseguir algum benefício
ou minimizar alguma ação negativa de intervenção. Esta teve início nos anos 1970 e
mantém-se como uma escola de pequeno porte. Entre os principais autores pode-se citar
MacMillan (1978), Pettigrew e Sarrazin. As estratégias resultantes desta escola tendem a
ser emergentes, fruto da interação, através de persuasão, barganha e até conflitos diretos,
formando jogos políticos entre interesses estreitos e coalizões inconstantes, em que
nenhuma predomina por um período significativo (Mintzberg et al., 2000: 174-92).
Apesar de haver algumas contribuições para o tema da aprendizagem estratégica,
como, por exemplo, explicitar os interesses políticos que envolvem o processo de tomada
de decisão, suas contribuições o menores ao compararmos com as escolas citadas
anteriormente, ou mesmo ao considerarmos toda a força que envolve os fatores culturais
nas organizações, tema da próxima escola.
A Escola Cultural
Para a Escola Cultural, a formulação da estratégia é um processo coletivo.
Enquanto a escola anterior lida com a influência interna da política nos processos de
mudança estratégica, esta se preocupa com a influência da cultura na manutenção da
estabilidade estratégica, e, em alguns casos, resistindo ativamente às mudanças
estratégicas. Com suas origens na antropologia, começou a ser descoberta na administração
estratégica no início dos anos 1980, influenciada fortemente pelo sucesso das organizações
japonesas.
Para compreender melhor o papel da cultura dentro das organizações faz-se
necessário, antes de mais nada, voltar às raízes do termo, à antropologia, e a partir daí
buscar o “fio condutor” que sustenta o tema diante de tantas e diversas definições. Neste
ponto percebe-se que o valor de uma análise cultural es justamente em compreender
melhor as contradições que envolvem os indivíduos e as organizações.
Esta escola, sim, tem uma contribuição ou impacto importante para o tema proposto
neste estudo. No entanto, ainda que cultura seja um conceito muito mais amplo e profundo
35
do que de fato nos habituamos a utilizar nas organizações, o desafio parece ser justamente
trazer um conceito que possui raízes tão complexas de maneira que possa ser usado nas
organizações de maneira simples, mas não simplista..
Uma discussão ou polêmica importante relacionada ao tema é o quanto a cultura
organizacional pode ser gerenciada. Algumas teorias da administração tratam a cultura
organizacional como uma ferramenta. Desde essa perspectiva, haveria possibilidade de
gerenciá-la e controlá-la a fim de atingir ou “alavancar” objetivos definidos. Por outro
lado, observa-se que gerenciar a cultura parece ser o contraditório quanto o termo
“gerenciamento de mudanças”, que tanto vemos no mundo dos negócios. Sobre isso, Jim
Clemmer assim se expressou:
Desenvolveu-se uma profissão e uma indústria de consultoria dúbias, afirmando
promover serviços de gerenciamento de mudanças. Essas duas palavras fazem
tanto sentido juntas quanto guerra santa” e “mãe que não trabalha” (...)
gerenciamento de mudanças provém do mesmo raciocínio perigosamente sedutor,
do planejamento estratégico (apud Mintzberg et al., 2000).
Se levarmos em consideração também a visão de Geertz (1989), gerenciar a cultura
pode parecer ser algo utópico, assim como gerenciar uma espécie de inconsciente. Talvez,
o que ela possa é explicitar algumas das contradições existentes nas organizações e nos
indivíduos, e a partir delas permitir que os mesmos façam uma reflexão acerca dos pontos
a serem trabalhados, e não ter a pretensão de, como ferramenta de gestão, “tomar as
rédeas” da cultura da organização a fim de conduzi-la com um propósito predeterminado.
Assim, defende-se aqui a idéia de que a mudança cultural pode ser estimulada e trabalhada,
mas não ser totalmente gerenciada ou controlada, o que, de maneira análoga, acontece com
as estratégias, entre deliberadas e emergentes.
A Escola Ambiental
A próxima e penúltima Escola é marcada pela preocupação com o conjunto de
forças fora da organização, ao qual chamamos de ambiente. Enquanto nas outras escolas o
ambiente é apenas mais um fator, e em algumas até não tão explorado, nesta é o fator
principal ou primordial. Como conseqüência, uma característica da Escola Ambiental é que
seus atores acreditam que a formulação da estratégia seja um processo reativo pelo qual as
organizações nada mais devem fazer que se adaptar ao ambiente, ou seja, as organizações
36
são de certa forma passivas e o ambiente determina a pauta para as mudanças e aquelas que
não se adaptam tendem a desaparecer.
Esta escola ajuda a colocar em equilíbrio a visão global da formação de estratégia,
posicionando o ambiente como uma das três forças centrais no processo, ao lado de
liderança e organização. Na Escola de Aprendizado também uma ênfase na questão do
ambiente e sua complexidade, mas menos para reagir e mais para sentir, experimentar,
interpretar e aprender. Naquela escola a liderança torna-se um elemento passivo para fins
de ler o ambiente e garantir uma adequada adaptação pela organização. A Escola
Ambiental, por outro lado, tem suas origens na teoria de contingência, em oposição às
Escolas Clássicas, segundo as quais uma maneira melhor de dirigir a organização. Para
a Escola Ambiental tudo depende do porte, da tecnologia, da estabilidade, do contexto, da
hostilidade externa, etc. (Mintzberg et al., 2000: 210-8).
A Escola da Configuração
E, finalmente, chegamos à décima e última Escola, a de Configuração, ou de
Transformação. Esta escola busca explorar estes dois lados. Se uma organização adota
estados de ser, então a geração de estratégia torna-se um processo de saltar de um estado
para outro. Em outras palavras, a transformação é uma conseqüência inevitável da
configuração; um tempo para coerência e um tempo para mudar. Para os autores desta
escola é fundamental sustentar a estabilidade, mas reconhecer periodicamente a
necessidade de transformação e ser capaz de gerenciar o processo de ruptura sem destruir a
organização. Dado isso, o processo de geração da estratégia pode assumir várias naturezas,
como as descritas anteriormente, dependendo do contexto e momento da organização. A
temática desta escola é agrupar e integrar. Ela busca usar o que de melhor em todas as
escolas, dependendo do contexto.
A principal crítica que a Escola da Configuração parece merecer é o fato de ser
vazia em si mesma, e não se basear numa bibliografia relevante. E aqui nos permitimos
criticar o autor que até agora tem sido o grande reverenciado ao tratarmos da administração
estratégica neste estudo. Mintzberg parece posicionar esta escola juntamente com as
demais de sua lista somente para enaltecer sua própria obra, uma vez que são justamente os
projetos de pesquisa da McGill University, faculdade da qual o autor faz parte, que
compõem o conjunto dos trabalhos da chamada Escola da Configuração. Lex Donadson
(1996) chegou a descrever esta escola como “McGillomania”. De toda forma, a
37
contribuição da Escola de Configuração, se considerada esta como justamente a lente que
possibilitou compreender as escolas anteriores, é evidente. Por este prisma, ela ajuda a
trazer ordem ao confuso mundo de formação de estratégia, em particular para sua enorme
literatura e proliferação de conceitos como salientado no início deste capítulo.
Para fechar este capítulo, entre as diversas críticas ao esforço de Mintzberg e seus
colaboradores para agrupar as diferentes escolas que vimos tratando até então, duas
parecem ser as mais relevantes: a primeira diz respeito ao fato de os próprios autores da
tipologia serem representantes de algumas das escolas listadas, sobretudo a do aprendizado
e a da configuração, indicando que a sua análise sobre as premissas e os pontos fracos das
demais pode não ser exatamente imparcial. A segunda crítica é sobre a segmentação para
tentar compreender o todo em partes, o que no livro de Mintzberg é traduzido pela
metáfora do elefante:
Somos cegos e a formulação da estratégia é nosso elefante. Como ninguém teve a
visão para enxergar o animal inteiro, cada um tocou uma ou outra parte e
prosseguiu em total ignorância a respeito do elefante. Somando as partes,
certamente não teremos um elefante. Um elefante é mais que isso. Contudo, para
compreender o todo, também precisamos compreender as partes (Mintzberg et al.,
2000: 13).
1.4
A
FINAL
,
O QUE
É
O
P
ROCESSO DE
G
ESTÃO DA
E
STRATÉGIA
?
Se a estratégia não é somente um plano, algo predeterminado, no qual a formulação
e a implementação são duas partes distintas, pode-se dizer que o processo de gestão da
estratégia significa uma tentativa de juntar formulação e execução em um processo
contínuo. Pode-se dizer ainda que a essência da gestão da estratégia é o aprendizado: a
partir de uma direção, ou de uma estratégia pretendida busca-se aprender com sua
implementação, abandonar ações que se mostraram inviáveis e incorporar outras, que
apesar de não haverem sido totalmente previstas de antemão surgiram de forma emergente.
Deste modo, as estratégias que de fato são realizadas pelas organizações são resultado de
uma intenção original, seja ela explicitada ou não em um plano formal, sendo por vezes
expressa somente por uma visão ou um sonho maior do empreendedor, adquirindo o
sentido de um aprendizado ao longo do processo. A figura abaixo ilustra este processo.
38
Fig. 1.4 Estratégias deliberadas e emergentes. Fonte: Mintzberg et al. (2000)
Para Mintzberg, nenhuma estratégia é puramente deliberada, assim como poucas
são totalmente emergentes. Uma significaria aprendizado zero, a outra controle zero. Na
verdade, todas as estratégias da vida real precisam misturar as duas de alguma forma. Isto
porque realização perfeita significaria previsão brilhante, para não mencionar a falta de
disposição para aprender e adaptar-se a eventos inesperados, ao passo que a o realização
sugere certa dose de negligência. Assim, o mundo real exige pensar à frente, mas também
alguma adaptação ao longo do processo.
A criação eficaz de estratégias liga a ão ao pensamento que, por sua vez, liga a
implementação à formulação. É certo que pensamos para agir, mas também agimos
para pensar. Tentamos coisas e aquelas que funcionam convergem gradualmente
para padrões que se transformam em estratégias. Não se trata de comportamento
evasivo de pessoas desorganizadas, mas sim da própria essência do aprendizado
estratégico (Mintzberg et al., 2000: 59).
Kees Van Der Heijden (2004) reforça este ponto. Para ele, o desvio da estratégia
emergente, ou realizada em relação à pretendida, é a força motriz do laço de aprendizado
institucional.
Kuwada (1998) defende que a aprendizagem estratégica é um nível de
aprendizagem organizacional que melhora a capacidade estratégica da organização, muda
suas premissas básicas e permite a ela um novo conjunto de referências.
Thomas, Sussman e Henderson (2001), por sua vez, definem a aprendizagem
estratégica como um processo que fomenta a inovação no longo prazo, e gera um tipo de
aprendizagem que dará suporte a futuras iniciativas estratégicas que fomentarão uma
39
assimetria de conhecimento entre empresas, as quais irão se configurar em termos de
diferenças no desempenho organizacional.
Outra definição para o conceito de aprendizagem estratégica alinhada com as
demais a apresenta como um processo aberto de exploração de temas complexos e
ambíguos que afetam organizações, times e indivíduos (Grundy, 1994).
Deste modo, pode-se dizer que o aprendizado estratégico está diretamente
associado à transformação das organizações. Ao implementar novas estratégias, sejam elas
deliberadas ou não, a organização se transforma, mudando muitas vezes suas premissas
básicas de atuação.
Brian Quinn, com toda sua experiência como acadêmico e executivo na General
Eletric e em outras grandes corporações, descreve muito bem como se este processo de
formulação e gestão da estratégia:
A estratégia por inteiro raramente está escrita em um único lugar. Os processos
usados para se chegar à estratégia total são tipicamente fragmentados,
evolucionários e em grande parte intuitivos (...) Embora se possa encontrar,
embutidas nesses fragmentos, amostras muito refinadas de análise estratégica
formal, a verdadeira estratégia tende a evoluir à medida que as decisões internas e
os eventos externos fluem em conjunto para criar um novo e amplo consenso para a
ação entre os membros-chave da equipe dirigente (Quinn, 1980).
Dois ciclos de gestão, dois ciclos de aprendizado
Para muitas das organizações o processo de gestão é construído ao redor de uma
peça ou instrumento chamado orçamento, um planejamento financeiro anual. O orçamento
tornou-se a principal ferramenta de gestão para as organizações. O problema é que ele é
focado em uma visão de curto prazo, estática e predeterminada, que facilita pouco a
reflexão e aprendizagem estratégica.
De fato, os orçamentos m pouco a ver com a realidade (…) são números e
exercícios de apostas, (…) as pessoas dedicam meses para encontrar uma maneira
de proteger seus interesses em lugar de focar-se nos assuntos críticos do negócio
(Bossidy & Charan, 2002: 229; tradução nossa).
No modelo fundamentado no orçamento, o processo de gestão ou revisão se limita
muitas vezes a reuniões mensais utilizadas para olhar o desempenho do passado e propor
ações para lidar com estas questões. E não há nada errado nesta abordagem. A gestão tática
40
é necessária. Mas, para muitas organizações, isto é tudo a que se resume o processo de
gestão, ou seja, não fóruns ou reuniões sistemáticas cujo foco seja discutir a gestão da
estratégia. Uma pesquisa realizada por Kaplan e Norton (2000) indica que 85% dos
gerentes gastam menos de uma hora por s para discutir a estratégia. É como se o
houvesse espaço nas organizações e nas agendas dos executivos para refletir sobre a
estratégia.
Além de investirmos pouco tempo em questões estratégicas, parece que quando o
fazemos tendemos a trabalhar nestas questões da mesma forma como estamos habituados a
lidar com o processo de gestão tático-operacional, utilizando os mesmos modelos mentais.
E, segundo Kaplan e Norton, gerir a estratégia é fundamentalmente diferente de gerir a
operação.
Neste sentido, Kaplan e Norton propõem dois ciclos de gestão (double-loop
management).
Fig. 1.5 Os dois ciclos de gestão. Fonte: Kaplan & Norton (2000).
O primeiro é basicamente um ciclo de controle, o ciclo tradicional de gestão
operacional, durante o qual se analisa o desempenho da organização frente às metas
preestabelecidas. Mas os autores, por meio do Balanced Scorecard, questionam a ênfase
financeira que permeia este processo, dizendo que ao gerir a organização
Ciclo de Aprendizado
Estragico
(Strategic Learning Loop)
Iniciativas e Programas
Testar as
hipóteses
Saída
(Resultados)
reportar
Ciclo de Controle
(Management Control Loop)
financiar
Entrada
(Recursos)
atualizar a
estratégia
DESEMPENHO
ESTRATÉGIA
BSC
ORÇAMENTO
41
preponderantemente com indicadores financeiros se está fazendo uma gestão olhando
pelo espelho retrovisor”, uma gestão desbalanceada e com foco no passado.
Neste sentido, segundo o conceito, o foco deste primeiro ciclo deve ser a
implementação da estratégia. Este ciclo pode se dar através de reuniões mensais, que
podem substituir as típicas reuniões para rever os desvios do orçamento. A ênfase muda de
rever indicadores basicamente financeiros, ou de ter uma discussão orientada pelos ciclos
funcionais, para uma revisão da performance estratégica como um todo. As perguntas
chave neste ciclo são:
Como esnosso “painel de bordo”? Qual o desempenho dos indicadores
estratégicos definidos?
Como estão indo nossos projetos estratégicos?
Este ciclo apresenta ganhos significativos em relação a uma reunião típica de
análise de desempenho, que o foco está mais equilibrado entre as dimensões financeiras
e as outras perspectivas importantes para organização, sejam elas clientes, processos e
pessoas, ou outras perspectivas que a organização queira destacar. Fornecendo uma visão
holística de todos os componentes importantes da estratégia evolui-se de uma reunião de
controle tático-operacional para uma reunião de controle estratégico.
No entanto, apesar dos ganhos mencionados, o processo de aprendizado neste
primeiro ciclo ainda é de certa forma limitado, que a ênfase é no controle da estratégia,
na análise do realizado versus o que havia sido planejado, sem questionar os fundamentos
do modelo.
O segundo ciclo, chamado ciclo de aprendizado estratégico, foi fundamentado no
modelo de aprendizado de duas voltas – ou double-loop learning desenvolvido por Chris
Argyris em 1977 (vide figura 1.3). Este ciclo permite questionar o sistema que foi
aprendido. Nele são questionadas as premissas por trás da estratégia. São examinadas as
estratégias emergentes e o impacto de fatores externos.
Exemplos de questões-chave são:
Nossa estratégia ainda é válida?
Que outras estratégias estão emergindo?
Qual o impacto de determinados fatores externos?
Segundo Kaplan e Norton, pelo fato de o Balanced Scorecard (BSC), por meio de
seus “mapas estratégicos”, explicitar as relações de causa-efeito que envolvem a estratégia,
os executivos podem ser mais analíticos, facilitando assim a avaliação do impacto que
42
certas decisões isoladas podem ter na estratégia como um todo, abrindo espaço para que
novas idéias surjam e outras estratégias possam emergir tanto interna como externamente.
No entanto, em pesquisa recente realizada no Brasil esta hipótese é de certo modo
questionada, à medida que o modelo pode, por outro lado, focar a organização em demasia
e deixar pouco espaço para estratégias emergentes:
Os resultados da sondagem mostraram forte contribuição do Balanced Scorecard
para a criação de sentido, mas uma contribuição ambígua no que tange à ocorrência
de estratégias emergentes, ou seja, por um lado o Balanced Scorecard favorece sua
ocorrência, aumentando o grau de conhecimento e o contato com a estratégia, mas,
por outro lado, a abertura ao surgimento de novas estratégias foi o fator em que se
observou o menor crescimento dentre todos os analisados, sendo também o único
onde apareceram respostas individuais de redução de intensidade (Carvalho, 2006).
Daí o cuidado para o desenho e o uso adequado do modelo do BSC. De todo modo,
Kaplan e Norton reforçam que estes dois ciclos de planejamento integrados tornam-se uma
ferramenta poderosa de gestão, habilitando os gestores tanto a controlar a implementação
da estratégia, como adaptá-la a mudanças de ambiente, tornando a estratégia um processo
contínuo. A questão é que apesar do grande valor em se explicitar a importância destes
dois ciclos, os autores não entram em maior profundidade no ciclo de aprendizagem
estratégica, deixando espaço para novos estudos e investigações.
A figura a seguir busca ilustrar o processo de gestão da estratégia como um todo,
destacando o ciclo de aprendizado e controle como peça central neste processo:
43
Fig. 1.6 O processo de gestão da estratégia. Fonte: Kallás & Coutinho (2005).
Para efeitos didáticos, podemos dividir este grande processo em formulação,
tradução, execução e feedback, formando um grande círculo integrado no qual o início e o
fim se confundem num processo contínuo. O modelo também incorpora e integra de certa
forma algumas das principais escolas vistas anteriormente, buscando reforçar a
importância da tradução e do feedback no processo mais formal de formulação da
estratégia.
No modelo proposto inicia-se pelos fundamentos estratégicos, que é composto
principalmente pela missão e visão do negócio, assim como seus valores. Eles servirão de
alicerce para o processo de planejamento e gestão da estratégia, uma etapa que, poder-se-ia
dizer, está mais influenciada pelas Escolas do Design e Empreendedora. Numa próxima
etapa, muito influenciada pela Escola do Planejamento, concentram-se as análises. Nesta
etapa são analisadas as informações internas e externas à organização por meio de diversas
ferramentas, entre as quais destacam-se o modelo de cinco forças de Porter, análise SWOT,
matriz BCG, análise de cenários, curva de valor, entre outras. O resultado desta etapa
busca ter uma visão clara das possibilidades de ações e seus possíveis impactos.
44
Uma vez levantadas as possibilidades, chega à hora de escolher a estratégia a ser
aplicada. Nesta etapa, além da proposta de valor, que reflete quais mercados a organização
quer focar e como ela irá se diferenciar nestes mercados, o modelo de negócio, a estrutura
e até grandes direcionadores ou temas estratégicos são definidos. Esta etapa, como se pode
perceber, é fortemente influenciada pela Escola do Posicionamento.
Definida a estratégia, esta deveria ser traduzida em termos operacionais. No caso
deste modelo foi adotado o Balanced Scorecard (BSC) ao longo do processo. No entanto,
outros instrumentos poderiam ser utilizados, tais como o “Gerenciamento pelas Diretrizes”,
a “Pirâmide de Performance”, o PEMP” (Progresso Efetivo e Medição de Performance),
ou o Tableau de Bord”, entre outros. A adoção do BSC se deve à maturidade e
consistência desta ferramenta que vem sendo mais e mais utilizada por diversas
organizações.
No BSC, o primeiro passo é representar a estratégia em um mapa com objetivos em
relações de causa e efeito, de modo a traduzir a estratégia da organização e demonstrar a
lógica de criação de valor. Uma vez definidos os objetivos o estabelecidos indicadores
específicos para cada um deles. Cada indicador, por sua vez, deverá ter uma meta de longo
prazo que é desdobrada em metas de médio e curto-prazo. E, por fim, são identificados,
selecionados e priorizados os projetos, ou iniciativas estratégicas, que suportarão o alcance
dos objetivos e das metas propostas.
45
Figura 1.7 Os componentes do Balanced Scorecard. Fonte: BSCOL (2000).
Uma vez traduzida à estratégia, ela deve ser desdobrada num planejamento
financeiro, sendo que um plano de negócio para sustentar a estratégia é elaborado,
aprovado e detalhado no orçamento. É interessante notar que, conforme mencionado
anteriormente, para muitas organizações todo o processo de planejamento e gestão da
estratégia se resume ao orçamento, desprezando esta perspectiva mais ampla.
E, finalmente, e talvez o mais importante, comunica-se e executa-se a estratégia.
Sem considerar o ciclo de feedback, este processo passaria a incorporar todas as questões
mencionadas anteriormente ao processo tradicional e formal de planejamento estratégico,
separando a formulação da execução, e desprezando o aprendizado. Deste modo, aqui se
busca reforçar ou incorporar neste modelo esta etapa fundamental, e por muitas vezes
esquecida ou negligenciada, de feedback, na qual se encontram os dois ciclos explicados
anteriormente.
Estes ciclos são alimentados tanto por informações internas como externas. Como
informações internas temos o próprio desempenho da organização frente às metas, ou os
desafios propostos, analisados no ciclo de controle. As informações externas também têm
um papel fundamental no modelo, pois nos ajudam a perceber alterações no contexto,
sejam no mercado, no perfil dos consumidores, tendências macroeconômicas, ações dos
Objetivo
- Rápida
preparação em
solo
O que a
estratégia deve
alcançar e o
que é crítico
para seu
sucesso?
Metas
O nível de
desempenho
ou a taxa de
melhoria
necessários
Strategic Theme:
Operating Efficiency
Profitability
Financial
Learning
More
Customers
Ground Crew
Alignment
Lowest
Prices
Fewer Planes
Custome
r
Intern
al
Fast Ground
Turnaround
Diagrama das relações de causa e
efeito entre objetivos estratégicos
Flight
Is on Time
- Programa de
otimização
da duração
do ciclo
Ações chave
para
alcançar os
objetivos
ProjetosIndicadores
- Tempo de parada
- Partida pontual
Como será
medido e
acompanhado o
sucesso do
alcance da
estratégia?
EXCELÊNCIA OPERACIONAL
Rentabilidade
Financeira
Aprendizado &
Crescimento
Mais clientes
Alinhamento
do pessoal
de terra
Preços mais
baixos
Menos aviões
Vôo pontual
Cliente
Interno
Rápida preparação
em solo
- 20 min
- 90%
46
concorrentes, ou outras que irão requerer um questionamento ou reflexão sobre a
estratégia. Este questionamento, utilizando este segundo ciclo, que chamamos aqui de
“aprendizado estratégico”, pode desencadear mudanças importantes seja nos
direcionamentos estratégicos, nas escolhas que a empresa fez no passado, como até mesmo
nas premissas e fundamentos estratégicos do negócio. Nesse momento a organização pode
ter que revisar totalmente seu modelo de atuação e até sua visão e missão.
Diversos estudos apontam que somente as organizações que apresentam habilidades
de se adaptar e viver em harmonia com o ambiente, incorporando uma reflexão estratégica
mais profunda, ou como denominamos aqui um “ciclo de aprendizagem estratégica”,
conseguem navegar tanto em períodos turbulentos como em mares mais calmos,
expandindo, recuando, redirecionando esforços, de modo a sobreviverem e permaneceram
competitivas.
Para Aries de Geus, entusiasta deste processo, que escreveu um artigo publicado
pela Harvard Business Review em 1988 chamado “Planning as Learning”, este processo de
adaptação não acontece por acaso; ele depende da habilidade da alta gestão de perceber o
que está acontecendo no ambiente e atuar com estas informações realizando movimentos
adequados. Isto, em outras palavras, depende de aprendizado, durante o qual as pessoas
mudam seus próprios modelos mentais e constroem um modelo compartilhado enquanto
conversam. Para o autor, o processo de tomada de decisão raramente é individual; trata-se
sobretudo de um processo social, simples, não heróico ou cientifico.
Segundo Cris Argyris, inspirador dos ciclos de gestão propostos por Kaplan e
Norton, o ciclo de aprendizado “de uma volta” é caracterizado pelo fato de nele se detectar
e se corrigir um erro, mas não se mexer no modelo. no modelo de aprendizado “de duas
voltas”, corrige-se o erro uma vez que ele é detectado, mas só depois de os valores
inerentes ao modelo serem revistos. Por isso, segundo ele, este é o ciclo mais adequado
para transformações. Quando o aprendizado de uma volta funciona torna-se rotina; por
isso, somente através do aprendizado de duas voltas pode-se promover a adaptabilidade e a
flexibilidade.
Como citado anteriormente, pode-se também fazer um paralelo entre o aprendizado
de ciclo único e duplo com o conceito de aprendizado por assimilação e acomodação,
postulado por Jean Piaget. Aprender por assimilação é equivalente ao aprendizado de uma
volta; absorvem-se informações, e através de estruturas montadas o aprendiz consegue
perceber, assimilar e agir com base nesta informação.
47
A maioria das decisões operacionais utiliza este modelo de aprendizado, segundo o
qual os gestores tomam decisões a partir de estruturas preestabelecidas. Um banco, por
exemplo, ao perceber que haverá um aumento dos juros possui estruturas ou modelos
para lidar com esta informação. para aprender por acomodação é necessário uma
mudança estrutural interna em termos de crenças, idéias e atitudes. Para Geus (1988), as
empresas bem-sucedidas conseguem aprender por acomodação, encontrando maneiras de
responder a sinais de mudança no meio ambiente e mudando sua própria estrutura interna.
O autor afirma ainda que as verdadeiras decisões estratégicas, nas quais se chega a um
novo entendimento e à tomada de alguma ação, são em si exemplos de aprendizado por
acomodação.
Neste estudo, o foco é justamente compreender melhor como se esse ciclo de
aprendizado estratégico nas organizações. Na próxima seção serão explorados alguns dos
principais desafios enfrentados pelas organizações para incorporar a aprendizagem
estratégica. Depois explicitaremos alguns elementos identificados na pesquisa bibliográfica
como importantes para facilitá-la.
Como acreditamos que esta compreensão só poderá acontecer a partir de uma
análise descritiva do processo, não se buscam aqui traçar prescrições ou ditar receitas, mas
apenas investigar melhor o processo em si a partir da observação da prática de um caso
real, tal como será detalhado na metodologia de pesquisa apresentada no capítulo II.
1.5
D
ESAFIOS NA
I
MPLANTAÇÃO DE UM
C
ICLO DE
A
PRENDIZAGEM
E
STRATÉGICA
Apesar de sua importância, constata-se que muitos dos autores citados concordam
que implementar o processo de aprendizado estratégico nas organizações é um grande
desafio.
Para Aries de Geus (1988), um passo importante é quebrar o paradigma de que
aprender e tomar decisões constituem processos separados. Ele defende que muitas vezes
nos bancos acadêmicos a tomada de decisão é chamada de ciência, e mesmo técnicas,
livros e cursos específicos sobre o assunto. Segundo ele, as pessoas pensam que não
qualquer necessidade de aprender durante o processo decisório, e que já aprenderam tudo o
que precisavam aprender antes.
48
Ironicamente, o autor divide a vida humana em duas fases. Na primeira delas se
adquire conhecimento, como se pessoas fossem automóveis enchendo o tanque de
conhecimento nas universidades. Na segunda, este conhecimento seria empregado,
avançando pela estrada da vida. Segundo esse ponto de vista, não existe necessidade de as
instituições fazerem o aprendizado acontecer de forma mais eficaz ou em maior escala.
Todo conhecimento da empresa foi plantado na cabeça de seus funcionários. O
aprendizado, segundo ele, exceto por uns “toques” para se manter atualizado com novas
tecnologias, supostamente já foi adquirido.
Outro autor que reforça a dificuldade de se implementar o ciclo duplo de
aprendizado é Gareth Morgan (1996). Em Imagens da organização, quando analisa as
organizações a partir da metáfora do cérebro humano, Morgan afirma que o desafio de
planejar organizações que possam inovar é o desafio de planejar organizações que possam
se auto-organizar. Pois, segundo ele, a não ser que a organização seja capaz de mudar para
acomodar as idéias e valores que produz, fica suscetível a bloquear as suas próprias
inovações.
Para Morgan, muitas organizações tornam-se proficientes na aprendizagem de
circuito único, desenvolvendo a habilidade de colocar objetivos e de monitorar o
desempenho geral do sistema em relação a esses objetivos. Essa habilidade básica é na
maioria das vezes institucionalizada sob a forma de sistemas de informação planejados
para manter a organização “em curso”. Como exemplo, cita os orçamentos, que teriam este
papel de manter uma aprendizagem de circuito único, como mencionamos anteriormente.
Morgan defende ainda que os avanços na tecnologia de informação fizeram muito para
promover este tipo de controle de circuito único. Para ele, a própria função da memória é
construída por esses controles de mão única, tendo os níveis prévios de realização sido
usados como padrões para controlar os níveis vigentes.
a habilidade de atingir proficiência em termos de aprendizagem em circuito
duplo é um desafio. Como afirma Morgan:
Enquanto algumas organizações têm sido bem-sucedidas insitucionalizando
sistemas que revêem e desafiam normas básicas, políticas e procedimentos em
relação a mudanças que ocorrem em seu ambiente , encorajando o debate contínuo
e a inovação, muitas falham em fazer isto (Morgan 1996: 93).
Então, quais são de fato as principais barreiras que dificultam a implementação do
ciclo de aprendizado estratégico proposto por Kapan e Norton? Ou que impedem o acesso
49
à essência do aprendizado de circuito duplo, tal como cunhou Argyris? Ou ainda o
aprendizado por acomodação de Piaget?
Cris Argyris aborda e questão a partir dos indivíduos. Para ele, o ponto central que
dificulta o processo de aprendizado de circuito duplo está relacionado a mecanismos de
defesas dos indivíduos.
O que parece interessante é que justamente as pessoas inteligentes, que
supostamente ocupam cargos de gestão na organização, têm mais dificuldades de utilizar
este segundo modelo de aprendizado. Argyris identificou isso numa interessante pesquisa
que acabou sendo publicada na Harvard Business Review, intitulada “Teaching Smart
People How to Learn” (Argyris, 1991). Ele afirma que estes profissionais, altamente
capacitados, freqüentemente são muito bons no processo de aprendizado de ciclo único, e
isso é justamente o que ajuda a explicar por que eles freqüentemente o tão ruins no
aprendizado de circuito duplo. São pessoas que passaram grande parte de suas vidas
estudando, adquirindo conhecimento com o objetivo de resolver problemas. Estas pessoas,
na maioria das vezes bem-sucedidas, poucas vezes experimentaram o fracasso. E por isso
não aprenderam a aprender com o fracasso. Desta forma, sempre que o caminho do
aprendizado de uma volta falha, tornam-se defensivos. E, visto que são inteligentes,
desenvolvem todo tipo de truque para evitar a experiência do fracasso. Alguns desses
artifícios envolvem falar mais do que as demais pessoas, ter mais poder, etc. o pessoas
que têm mecanismos de defesa mais sofisticados. No entanto, este mecanismo mais
aguçado paralisa a sua habilidade de aprendizado justamente no momento em que mais
precisam dela.
Arie de Geus reforça este ponto ao indicar que, pela visão predominante, liderança
e aprendizado m pouquíssima relação com o aprendizado e o processo de tomada de
decisão. Como efeito, quando um líder diz “aprendi algo que não sabia antes”, ele reduz
sua capacidade de parecer seguro e, portanto, de inspirar confiança. Neste sentido, o líder
que aprende é supostamente um líder inseguro.
Henry Mintzberg (2000) sugere que talvez necessitemos de um pouco menos de
esperteza em administração estratégica, apresentando a seguinte metáfora:
Se você colocar em uma garrafa meia dúzia de abelhas e o mesmo número de
moscas e deitar a garrafa horizontalmente, com a base virada para janela, irá
constatar que as abelhas irão persistir, até morrerem por exaustão ou fome, na
tentativa de descobrir uma abertura no vidro; ao passo que as moscas, em menos de
dois minutos, já terão saído pelo gargalo no lado oposto (...) É o amor das abelhas
50
pelo voô, é a sua própria inteligência que acaba com elas neste experimento. Elas,
evidentemente, imaginam que a saída para toda a prisão deve estar onde a luz
brilha mais, e agem de acordo com esse raciocínio lógico. Para as abelhas, o vidro
é um mistério sobrenatural, e quanto maior sua inteligência, mais inadmissível,
mais incompreensível parecerá o estranho obstáculo. Ao passo que as imbecis das
moscas, sem pensar na lógica (...) esvoaçam de um lado para outro e têm a sorte
que, muitas vezes, acompanha a simplicidade: acabam necessariamente
descobrindo a abertura que as leva de volta a liberdade (Mintzberg et al., 2000).
olhando pelo prisma das organizações, seus modelos, sistemas e estruturas, um
ponto interessante que levanta Argyris é que o senso comum diz que fazer as pessoas
aprenderem é questão de motivação, e que quando as pessoas têm a atitude certa e
comprometimento o aprendizado flui naturalmente. Deste modo, as empresas criam
políticas e processos, como programas de recompensa e avaliação de desempenho, que são
desenhados para criar empregados motivados e comprometidos. Mas o que coloca Argyris
é que o processo de aprendizado de circuito duplo não é simplesmente função de como as
pessoas sentem. É um reflexo do que as pessoas pensam, ou as regras e razões cognitivas
usadas para desenhar e implementar as ões. Enfim, mecanismos de defesa podem
bloquear o aprendizado mesmo quando o comprometimento das pessoas é muito alto.
Morgan (1996) afirma que o fracasso das organizações em utilizar o circuito
duplo de aprendizado é especialmente verdade nas empresas que possuem características
burocráticas mais acentuadas, uma vez que seus princípios funcionais operam de maneira a
obstruir o processo de aprendizagem. O autor ressalta três obstruções como mais
relevantes.
A primeira é que estas organizações impõem estruturas fragmentadas de
pensamento. Este ponto também é bastante enfatizado por Peter Senge (1990) em A quinta
disciplina, através de um mecanismo que ele denomina como “falta de raciocínio
sistêmico”.
A segunda barreira é chamada de “responsabilidade burocrática”, sendo formada
justamente pelos sistemas que recompensam o sucesso e punem falhas nas organização,
acabando por incentivar um comportamento de proteção e inibindo ações que possam
representar riscos.
Neste ponto poderíamos dizer, acompanhando Jack Welch, ex-presidente da GE em
entrevista para a revista Fortune, que o próprio orçamento acaba fazendo este papel:
O orçamento é o pesadelo das empresas nos EUA. Nunca deveria ter existido. O
orçamento é isso: se [o funcionário] cumpre com ele, recebe um tapinha nas costas
51
e alguns dólares. Se não cumpre é castigado ou algo pior (Fortune, 29 maio
1995).
A última barreira destacada por Morgan está relacionada ao fato de existir uma
defasagem entre aquilo que as pessoas dizem e aquilo que fazem. Argyris chama isso de
defasagem entre “teoria adotada” e “teoria utilizada”: muitas vezes as pessoas tendem a
abordar o problema de forma retórica ou com racionalizações, ao invés de questionar a sua
natureza e seus efeitos, impedindo assim o processo de aprendizado.
1.6
E
LEMENTOS
I
MPORTANTES PARA
E
STIMULAR A
A
PRENDIZAGEM
E
STRATÉGICA
Depois de muito analisar os autores e suas teorias percebe-se que não uma
fórmula ou “receita de bolo” para se implementar um processo de aprendizado estratégico
nas organizações. Caso existisse, ele seria um contradição, já que a Escola do Aprendizado
Estratégico, como mencionado, é mais descritiva do que prescritiva. Assim, cabe
suspeitar de falsos “gurus” que eventualmente apresentem 10 passos para o aprendizado
estratégico efetivo. Como toda questão complexa, o tema envolve diversas variáveis e
soluções, passando pelos processos, organização e indivíduos que dela fazem parte. Para
compreender e trabalhar o tema parece ser necessário uma abordagem mais experimental e
pluralista. De toda forma, para iluminar este caminho busca-se aqui destacar alguns
importantes aspectos identificados na pesquisa bibliográfica e que depois serão verificados
no estudo de caso.
Adotar um fórum ou reunião periódica focada no ciclo de aprendizado estratégico,
como sugerem Kaplan e Norton, parece ser um primeiro passo importante, mas por si
insuficiente. Outros aspectos e condições devem ser trabalhados para que essa ocasião
funcione realmente como uma etapa do aprendizado estratégico, e não como uma mera
reunião de controle estratégico. Este momento ou fórum deve ser considerado como parte
de um todo. Como um evento isolado jamais produzirá os resultados adequados.
Reforçamos abaixo alguns dos elementos importantes para estimular a aprendizagem
estratégica no processo de gestão da estratégia:
Criar um ambiente propício.
Definir condições de contorno ao invés de alvos fixos.
52
Incentivar um planejamento participativo, ou “de baixo para cima”, para que
estratégias emergentes possam surgir;
Ver o processo de tomada de decisão como um processo de aprendizado,
permitindo-se “brincar” e simular;
Quebrar o status quo, alterando regras e políticas;
Encontrar o equilíbrio entre liberdade e controle;
Trabalhar os indivíduos e seus mecanismos de defesa.
Criar um ambiente propício
Para facilitar o processo de aprendizagem em circuito duplo, um primeiro ponto
importante é a criação de um ambiente que encoraje e valorize a abertura e a flexibilidade,
que aceite erros e incertezas como aspectos inevitáveis em ambientes complexos e
mutáveis. Outro ponto importante é encorajar um enfoque de análise e solução de
problemas que reconheça a importância da exploração de diferentes pontos de vista. Neste
sentido, ter diversidade na equipe gestora da organização pode ser um importante aliado ao
processo.
Quinn (1989) defende que a organização deve estruturar conscientemente a
flexibilidade, já que ninguém pode prever a forma ou o momento específico que irá
encontrar ameaças ou oportunidades. Assim, os executivos deveriam incluir
intencionalmente maior flexibilidade nas organizações, e ter recursos prontos para aplicar
de forma incremental. Seria como criar “amortecedores” ou “folgas” de recursos
suficientes para responder aos eventos à medida que estes se desenrolem.
Outro ponto interessante aqui pode ser o de ter um ambiente que desenvolva e
incentive “empreendedores” internos, um ambiente no qual as pessoas trabalhem como
empreendedores, podendo contribuir de forma ativa para a implementação e eventual
revisão da estratégia, e não como puros executores de suas atividades. Isto de certa forma
foi defendido por Shumpeter e pela Escola Empreendedora de Estratégia.
Definir condições de contorno ao invés de alvos fixos
Outra abordagem muito interessante para incentivar o processo de aprendizado e
inovação nas organizações é trabalhar no processo de planejamento com grandes
direcionadores, ao invés de alvos fixos e predeterminados. Para Morgan, quando metas e
53
objetivos têm um caráter predeterminado, tendem a levar a uma estrutura de aprendizagem
em circuito único, desencorajando a aprendizagem de circuito duplo.
Enquanto a filosofia tradicional consiste em produzir um plano com alvos fixos,
esta abordagem, por meio de uma analogia com a cibernética, sugere que pode ser mais
prudente focalizar a definição de restrições desafiantes, tendo diretrizes como limites, em
lugar de alvos específicos a serem atingidos, criando-se, assim, um novo sentido para o
processo de planejamento, conforme afirma Morgan (1996).
Isso de certa forma é coerente com a visão dos professores Norton e Kaplan,
quando estes questionam o papel do orçamento nas organizações. Os autores reforçam que
o orçamento deveria ser mais simples, explicitando as grandes restrições e condições de
contorno, e não com todo os detalhes que acabam tornando o processo orçamentário
desgastante, tanto pelo seu tempo de elaboração como pela real praticidade de uso, que
provavelmente ele estará obsoleto logo depois de finalizado.
Michael Porter (1996) também aborda este modelo de planejamento, quando, ao
conceituar estratégia, afirma que ela está relacionada com escolhas, e que mais difícil eo
importante quanto escolher o que a empresa irá fazer é escolher o que a empresa não vai
fazer, ou o que não deverá ser o foco de atuação da organização.
É nesse sentido que Morgan (1996) afirma que em lugar de somente especificar
objetivos de lucro ou a participação desejada de mercado, uma organização deveria
também planejar aquilo que quer evitar, como, por exemplo, uma excessiva concentração
ou uma dependência em um produto ou segmento, ou em uma fonte de suprimento, etc.
Enfim, o efeito deste enfoque estratégico é definir um espaço emergente de possíveisões
que satisfaçam os limites críticos.
Incentivar um planejamento participativo, ou “de baixo para cima”, para que
estratégias emergentes possam surgir
Outra abordagem que pode facilitar o processo de aprendizado é utilizar uma
abordagem participativa no processo de planejamento. Em contraste com os enfoques
tradicionais de planejamento, que tendem a impor objetivos e metas, encoraja-se um
enfoque também de “baixo para cima”.
Para Kaplan e Norton (1997) este ponto é fundamental. Não no sentido de que
todos devem decidir, mas que a estratégia deve ser comunicada de forma eficaz para todos
os funcionários da empresa, e que estes devem ser incentivados a darem sugestões. O que
54
na verdade estão propondo os autores é criar um ambiente que seja propício para o
surgimento daquilo que Mintzberg chamou de “estratégias emergentes”. Assim, os
funcionários, tendo um claro entendimento da estratégia, podem inovar e encontrar novos
caminhos para atingir grandes e macro objetivos estratégicos.
Os funcionários devem ser encorajados a formular estratégias emergentes, e deve-
se justamente usar as reuniões de aprendizado estratégico para avaliar a viabilidade destas
iniciativas ou estratégias e tomar decisões. Por outro lado, sempre o risco numa
abordagem mais participativa de se perder o foco durante o processo. Assim, as condições
de contornos mencionadas anteriormente são não apenas necessárias como fundamentais,
servindo como guias de ação para a inovação.
Ver o processo de tomada de decisão como um processo de aprendizado
permitindo-se “brincar” e simular
Neste ponto, Arie de Geus (1988; 1998) apresenta grandes contribuições, ao trazer
para as organizações conceitos de aprendizagem explorados até então somente por
pesquisadores pedagógicos. Este autor defende que o principal impulsionador para que as
empresas tenham que aprender e se adaptar é a dor, ou as crises. Mas o gerenciamento
através de crises é uma forma perigosa de gerenciar a mudança, pois, apesar de este
processo ter como característica uma maior agilidade do processo decisório, que por
necessidade tende a ser um processo autocrático, a implementação derivada deste processo
raramente é boa, e muitas empresas acabam falhando em mudar e sobreviver.
Deste modo, o grande desafio das organizações é reconhecer e reagir ao ambiente
antes da crise. E, para Geus, foi exatamente isto que as empresas que conseguiram
sobreviver por tanto tempo conseguiram fazer. Algumas até criam supostas crises antes de
ela existir para poder se antecipar e agir antes que seja tarde, ou antes que a verdadeira
crise aconteça. Na visão do autor, a questão chave para poder perceber e se antecipar às
crises é acelerar o processo de tomada de decisão.
Segundo Geus, o processo de tomada de decisão é em geral muito lento, lento
demais para um mundo em que a agilidade de aprender mais rápido que os competidores
pode ser a única vantagem competitiva. O autor reforça que nas grandes organizações um
processo de tomada de decisão estratégica normalmente leva de 12 a 18 meses do
momento que em os líderes recebem um sinal até a ação em si. Vale ressaltar que não
estamos falando aqui de decisões operacionais da empresa, mas sim de decisões de grande
55
impacto estratégico, como fechar uma unidade, descontinuar um produto ou serviço, ou
entrar em um novo mercado.
A grande contribuição do autor no sentido de acelerar e fortalecer o processo de
tomada de decisão é o uso da “brincadeira” no processo de aprendizado nas organizações.
Para ele, a essência do ato de aprender é a descoberta pela brincadeira. Quanto mais
profunda a simulação, e quanto mais a brincadeira” estimula a imaginação e o
aprendizado, mais eficaz parece ser o processo decisório. Para o autor, decisões precisam
de interação, reflexão intuitiva e desenvolvimento cooperativo de modelos mentais. Deste
modo, ele defende intensamente o uso de modelos de simulação e cenários, empregados
como objetos transicionais, que representam a realidade.
Assim, reforça-se a diferença entre os dois ciclos de gestão, o de controle e o de
aprendizado estratégico. Ao contrário de uma reunião típica de controle estratégico, na
qual o objetivo é analisar como estamos em relação ao planejado, e o que deve ser feito
para atingi-lo, na reunião de aprendizado estratégico o objetivo é identificar possíveis
estratégias emergentes, permitindo-se “brincar” ou simular cenários analisando o que
poderiam ser impactos futuros das decisões tomadas hoje. Deste modo, enquanto na
reunião de controle impera o pragmatismo e a assertividade, a reunião de aprendizado
estratégico deve possuir um espaço para a criação de hipóteses e análise de suas
conseqüências. É como se reservássemos um tempo da reunião para a “brincadeira”,
durante a qual é permitido sonhar e construir cenários futuros, para só depois fazer um
filtro destas idéias e definir ações especificas.
Quebrar o status quo, alterando regras e políticas
Outra forma de acelerar o aprendizado é mudar as regras ou suspendê-las. Geus
(1988) afirma que através de mudanças de regras ou políticas as pessoas são forçadas a
pensarem de outra forma e mudarem seus modelos mentais, e ilustra essa questão com um
exemplo simples. Quando a área de planejamento da Shell da qual ele era responsável
resolveu mudar o ciclo de planejamento estratégico do segundo semestre do ano para o
primeiro, isso primeiramente causou choque, mas fez as pessoas entenderem que neste
caso o mais importante eram as idéias e não os números, como estavam acostumados a
fazer com o planejamento orçamentário.
56
Encontrar o equilíbrio entre liberdade e controle
Outro ponto-chave, e talvez um dos mais desafiantes para executivos e
organizações, é contrabalançar liberdade e controle. Liberdade e tolerância são
fundamentais para aumentar as habilidades de aprendizado da organização. Entretanto, é
preciso que haja controle para manter sua coesão.
Assim, esta parece ser uma das grandes questões que as empresas enfrentam ao
adotar os dois ciclos propostos por Kaplan e Norton, que o primeiro ciclo depende
basicamente de controle, e o segundo de liberdade. Integrar e balancear estes dois ciclos
muitas vezes parece um desafio para as organizações.
Como visto anteriormente, para Henry Mintzberg, uma estratégia nunca é
puramente deliberada ou emergente, pois a primeira significaria aprendizado zero e a
segunda significaria controle zero. Todas as estratégias da vida real precisam misturar as
duas formas: exercendo controle e fomentando o aprendizado.
Olhando pela perspectiva do Balanced Scorecard, um bom equilíbrio entre estes
dois ciclos também é fundamental, que um dos grandes benefícios do BSC para a
organização é alinhar e focar todos os recursos na implementação da estratégia. Porém,
supondo que a estratégia articulada não é adequada, e focando somente no primeiro ciclo, o
BSC pode levar a organização a falhar muito mais pido, que todos os esforços o
estão mais na direção adequada. Assim, segundo os autores, as empresas bem-sucedidas
precisam dos dois processos de gestão balanceados: o primeiro para verificar se a trajetória
continua sendo seguida; e o segundo como um sistema de feedback”, no qual as
estratégias equivocadas podem ser identificadas e corrigidas antes que os estragos
aconteçam. Um exemplo interessante neste sentido ocorreu com a uma loja de
conveniência inglesa, a Store 24. Neste caso, os executivos traçaram toda uma estratégia, e
no meio do caminho perceberam que a estratégia não era adequada, que os clientes
estavam cada vez menos satisfeitos e os resultados caindo. Empregando o método BSC, os
executivos perceberam isso e mudaram sua estratégia de forma radical, de modo a definir
uma estratégia mais adequada ao mercado em que estavam operando. De toda forma, como
dito anteriormente, questionamentos sobre o quanto o BSC de fato estimula este
processo de aprendizagem estratégica.
57
Trabalhar os indivíduos e seus mecanismos de defesa
Por último, mas talvez um do mais importantes aspectos identificados na pesquisa
bibliográfica para superar os desafios e facilitar o processo de aprendizado nas
organizações, seja trabalhar os indivíduos e seus mecanismos de defesa. Na verdade, as
organizações só aprendem e se adaptam por meio dos indivíduos. E, se estes não estiverem
desarmados de seus mecanismos de defesa, todo o esforço anterior será inútil. Assim, se as
pessoas não forem capazes de aprender segundo o modelo de aprendizagem de circuito
duplo, no qual se questiona os fundamentos do modelo, a organização não será capaz de
implementar o ciclo de aprendizagem estratégico de maneira eficaz.
Para Argyris, primeiramente é importante que as pessoas tomem consciência de
seus modelos de defesa, explicitando e se conscientizando das conseqüências deste modelo
para o indivíduo e para a organização, deixando as pessoas relacionarem este tipo de
modelo às decisões empresarias do dia-a-dia. O autor sugere, então, que as pessoas
pratiquem estas novas habilidades. E, finalmente, mas talvez um dos pontos mais
importantes, ele indica que o primeiro passo deve ser começar com os executivos no topo
da organização, examinando seus próprios modelos, passando para um próximo nível
hierárquico somente quando este primeiro nível já tiver trabalhado suas questões.
Neste sentido, Kaplan e Norton defendem que o BSC deve ser visto como um
sistema interativo, que provoque questões, discussão, debate e diálogo. Segundo os
autores, o poder do modelo não está em explicar o passado, e sim estimular o aprendizado
e guiar questões e discussões sobre como caminhar no futuro.
A habilidade de se criar organizações com um processo de aprendizado estratégico
depende menos de processos e sistemas, e mais de liderança. O papel dos líderes é criar
uma visão, um clima para a mudança, e um processo que promova comunicação,
interações e aprendizado sobre a estratégia. Assim, pode ser que o problema não seja do
modelo do BSC em si, e sim da forma como ele é usado e do estilo de liderança. De toda
forma, o objetivo aqui não é julgar o BSC, mas identificar elementos que ajudem a
estimular a aprendizagem estratégica.
Talvez, considerar o processo de planejamento de uma forma não tão
determinística, como propõe Mintzberg, facilite também para que os executivos percebam
que erros e desacertos no processo de gestão da estratégia o normais, e não somente
culpa de um ou de outro. Assim, tratar a estratégia e sua gestão de forma não o mecânica
poderá ser mais fácil trabalhar a questão dos mecanismos de defesa apontados por Argyris.
58
Um exemplo
Para exemplificar estes conceitos vejamos o caso da farmacêutica Pfizer (citado por
Chesbrough, 2003). No final dos anos 1980, a empresa investigava uma droga para o
tratamento de amidalite, conhecida como UK-92.480. Apesar de alguns resultados, as
provas clinicas o mostravam benefícios significativos. No entanto, os resultados
negativos não desencorajaram as equipes da Pfizer, que encontraram num efeito secundário
uma nova linha de investigação. Esta linha pareceu interessante e conduziu o processo de
inovação em outra direção. Esta nova direção levou a uma conquista histórica: o UK-
92.480 acabou sendo comercializado com o nome de Viagra.
Se aplicássemos somente o ciclo de controle estratégico, a tendência natural seria
discutir por que o projeto não estava dando certo, procurar outras fórmulas e receitas para o
tratamento da amidalite, verificar o que poderia ser feito para consertar o projeto. Esta
abordagem, por si só construtiva para muitas organizações, seria um desafio, uma vez
que, como vimos, muitas vezes imperam mecanismos de defesa: em muitos casos
primeiramente necessidade de investir um grande esforço para identificar culpados, ouvir
uma área colocando a culpa na outra, para, por fim, decidir por abandonar o projeto ou
mudar a equipe.
Neste caso, podemos perceber que havia um ambiente propício para o processo de
aprendizagem estratégica; não havia fixação por um único objetivo predeterminado, ou
uma única enfermidade, e sim grandes condições de contorno. Havia espaço para que
estratégias emergissem de baixo para cima, vindo dos cientistas no laboratório e não da
sala da alta gestão. Os líderes permitiram-se brincar” com estas novas variáveis e
enxergar alternativas bem diferentes da inicialmente planejada. Liberdade e controle
pareciam estar bem equilibrados, e os indivíduos não se fixaram nos seus mecanismos de
defesa.
Deste modo, implementar um processo de aprendizado estratégico parece ser um
grande desafio não só para as organizações, mas principalmente para os indivíduos que
dela fazem parte. Superar estes desafios é por si só um processo de aprendizado de circuito
duplo, sendo que o sucesso de implementação depende muitas vezes de quanto
conseguimos questionar nossos próprios paradigmas.
Acreditamos que nosso esforço para estabelecer a fundamentação teórica de nosso
estudo permitiu situar o problema, contextualizá-lo, entender a visão de diversos autores
sobre este processo, e até identificar alguns elementos que parecem ser importantes no
59
processo de aprendizagem estratégica. No próximo capítulo serão apresentados os
procedimentos metodológicos e a estratégia de pesquisa adotada, de modo que se possa
verificar a aplicação ou não destes elementos num caso real, e até mesmo identificar outros
elementos que são importantes e que não foram explicitados aqui.
60
CAPÍTULO II
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Cada estratégia de pesquisa em ciências sociais apresenta vantagens e
desvantagens, dependendo basicamente de três condições:
a) do tipo de questão da pesquisa;
b) do controle que o pesquisador possui sobre os eventos comportamentais
efetivos;
c) do foco em fenômenos históricos, em oposição a fenômenos
contemporâneos (Yin, 2001: 19).
Os limites entre as estratégias de pesquisa, ou as ocasiões em que cada uma é usada
não são claros e bem delimitados. Algumas situações podem não apresentar uma estratégia
preferível, na medida que os pontos fortes e fracos das várias estratégias podem se
sobrepor. A técnica básica, no entanto, é considerar todas as estratégias de uma maneira
pluralística, como parte de um repertório para se realizar pesquisa em ciências sociais a
partir da qual o pesquisador pode estabelecer seu procedimento de acordo com uma
determinada situação (Yin, 2001).
Uma crítica ativa ao racionalismo científico foi realizada pelo filósofo Paul
Feyerabend, que relaciona os grandes desenvolvimentos da atividade científica e apresenta
sua teoria de desenvolvimento do conhecimento a partir do pressuposto de que o
conhecimento progride considerando a irracionalidade como um dos fundamentos do
progresso científico.
A idéia de um método estático ou de uma teoria estática de racionalidade funda-se
em uma concepção demasiado ingênua do homem e de sua circunstância social. Os
que tomam do rico material da história, sem a preocupação de empobrecê-lo para
agradar a seus baixos instintos, a seu anseio de segurança intelectual (que se
manifesta como desejo de clareza, precisão, “objetividade”, “verdade”), esses
vêem claro que um princípio que pode ser defendido em todas as
circunstâncias e em todos os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio
do: tudo vale (Feyerabend, 1989: 34; itálico no original).
O autor apresenta um certo anarquismo epistemológico como alternativa para busca
de saltos metodológicos, capaz de romper a lógica produzida pelos métodos utilizados no
61
presente, que gerariam a auto-referenciação, reproduzindo crenças e fatos contidos dentro
de um sistema epistemológico, não permitindo o rompimento para novas percepções da
realidade ou a criação de novas cosmologias.
Um meio complexo, onde há elementos surpreendentes e imprevistos, reclama
procedimentos complexos e desafia uma análise apoiada em regras que foram
estabelecidas de antemão (Feyerabend, 1989: 20).
2.1
E
STRATÉGIA ADOTADA
Apesar de compartilharmos as visões de Feyerabend, buscou-se adotar neste
trabalho uma estratégia de pesquisa sólida que orientasse o estudo em questão, sendo
simples sem ser simplista, e permitindo explorar o tema em toda sua complexidade. Assim,
para abordar as diversas perspectivas abrangidas pelos tópicos referentes à aprendizagem
estratégica, além da pesquisa bibliográfica optou-se por uma pesquisa exploratória e
qualitativa fundamentada num estudo de caso.
A natureza do problema da pesquisa desempenha um importante papel na
determinação da abordagem mais adequada para a condução de um estudo cientifico (Isaac
& Michael, 1971). Deste modo, a questão principal deste estudo sugere que a pesquisa seja
conduzida através de um enfoque exploratório.
Segundo Malhotra (2001), quanto aos fins, a pesquisa pode ser classificada de
forma ampla como exploratória ou conclusiva, sendo que as pesquisas conclusivas podem
ser descritivas ou causais. Segundo Selltiz e outros (1974), enquadram-se na categoria dos
estudos exploratórios todos aqueles que buscam descobrir idéias e intuições na tentativa de
adquirir maior familiaridade com o fenômeno pesquisado. Um ponto importante é que nem
sempre necessidade de formulação de hipóteses nestes estudos. Eles possibilitam
aumentar o conhecimento do pesquisador sobre os fatos, permitindo a formulação mais
precisa de problemas, criar novas hipóteses e a realização de novas pesquisas. Nesta
situação, o planejamento da pesquisa necessita ser flexível o bastante para permitir a
análise dos vários aspectos relacionados com o fenômeno.
Godoy (1995) destaca que quando lidamos com problemas pouco conhecidos, e a
pesquisa é de caráter exploratório, a investigação utilizando métodos qualitativos parece
62
ser a mais apropriada. Isso reforça a opção neste trabalho pela abordagem qualitativa de
investigação.
rias razões para se usar a pesquisa qualitativa. Nem sempre é possível, ou
conveniente, utilizar métodos plenamente estruturados ou formais para obter informações
dos respondentes. Em tais casos, a melhor maneira de obter-se a informação desejada é
mediante a pesquisa qualitativa (Malhotra, 2001: 156).
A pesquisa qualitativa é de natureza exploratória, baseada em amostras pequenas,
para prover critérios e compreensão do cenário do problema. A pesquisa qualitativa
proporciona melhor visão e compreensão do contexto do problema, mas seus resultados
são usados incorretamente quando considerados conclusivos e utilizados para fazer
generalizações em relação à população-alvo (Malhotra, 2001).
2.2
O
M
ÉTODO DO
E
STUDO DE
C
ASO
Sendo assim, na condução desta pesquisa optou-se pelo todo de estudo de caso.
Segundo Yin (2001), em geral os estudos de caso representam a estratégia preferida
quando se colocam questões do tipo “como” e “por quê”, quando o pesquisador tem pouco
controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos
inseridos em algum contexto da vida real. Este é exatamente o caso do problema
pesquisado.
Uma das aplicações mais importantes do estudo de caso é explicar os vínculos
causais em intervenções da vida real que são complexos demais para as estratégias
experimentais ou aquelas utilizadas em levantamentos (Yin, 2001: 34).
Outro ponto interessante a destacar é que atualmente muitos dos estudos em
administração, principalmente aqueles relativos a processos de gestão, estão cada vez mais
orientados para a prática do que para a ciência. Emory (1980) observa que, enquanto as
ciências buscam o conhecimento como fim último, as pesquisas em gestão orientam-se
para uma situação de diagnóstico. Nesta condição, o grande objetivo da busca do
conhecimento é a solução de problemas práticos preexistentes.
A definição adotada aqui para estudo de caso é a seguinte:
63
(...) uma investigação empírica que investiga um fenômeno dentro do seu contexto
da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não
estão claramente definidos (Yin, 2001: 32).
Segundo Yin, o pesquisador deve decidir se o estudo estará baseado em um único
caso ou em múltiplos casos. A realização de estudos somente em um caso é recomendável
quando o estudo:
Retrata um caso considerado crítico, o qual tem o potencial para confirmar,
complementar ou refutar determinados conceitos teóricos;
Apresenta a descrição de um caso extremo ou único, tão raro de ocorrer que
seu registro e análise justificam a realização do trabalho;
Apresenta um caso considerado revelador. Esta situação ocorre quando o
investigador tem a oportunidade de observar e analisar fenômenos
previamente inacessíveis para a investigação cientifica.
Ainda segundo o mesmo autor, o pesquisador que utiliza o estudo de caso tem
também diante de si outras duas possibilidades:
Abordagem holística: esta opção deve ser feita quando nenhuma subunidade
pode ser identificada, e quando a teoria subjacente ao estudo é em si mesma
de natureza genérica. Alguns problemas, no entanto, podem surgir neste
caso quando não permitir que o investigador examine o fenômeno de forma
mais detalhada.
Enfocar as subunidades do(s) caso(s): ao optar por este cenário incorpora-se
maior complexidade ao estudo, uma vez que as subunidades podem
significar a oportunidade de acrescentar análises extensivas, permitindo
aumentar as chances de descobertas reveladoras sobre o fenômeno
pesquisado. O risco é a possibilidade de desvio do objetivo principal e a
dificuldade em integrar os vários aspectos levantados no estudo das
subunidades.
Para realização deste estudo optou-se pela análise de um único caso, com uma
abordagem holística. Esta decisão é justificada a partir das observações de Yin, ao
recomendar esta abordagem quando nos deparamos com um caso considerado crítico, o
qual pode ser utilizado para conduzir análises sobre a aplicação e validade da teoria. Além
disso, podemos considerar também que nosso caso é razoavelmente raro no contexto
brasileiro, dado o aspecto de internacionalização de uma empresa de serviços. Deste modo,
64
pretende-se analisar em uma situação real como se deu o processo de aprendizagem
estratégica, explorando os diversos aspectos e elementos deste processo, permitindo assim
lançar novas luzes sobre os processos tradicionais de planejamento e gestão da estratégia.
Outros fatores importantes que influenciaram o pesquisador a escolher por um
estudo de caso foram:
Entender “como de fato acontece” e não “como deveria ser”. Ou seja:
trabalhar mais com o paradigma da “descrição” do que o da “prescrição”. A
literatura moderna da administração está repleta de falsos magos, ou gurus
da administração, que com suas receitas prontas prescrevem soluções
mágicas para todas as questões enfrentadas pelas as organizações. O estudo
de caso permite ser mais descritivo e exploratório do que buscar verdades
ou conclusões absolutas.
Oportunidade de ir mais a fundo no tema. Dado a percepção que o tema da
pesquisa é demasiado complexo para soluções simples, o estudo de caso
permite aprofundar o entendimento do tema ao analisar a fundo a questão
em uma situação real.
2.3
S
ELEÇÃO DO
C
ASO
A escolha do caso, para a condução deste estudo, seguiu fundamentalmente as
orientações de Yin (2001) para a realização de estudos de casos únicos.
A empresa escolhida para o estudo é a Symnetics, uma empresa brasileira, com
foco em serviços profissionais, que possui 18 anos de existência e forte atuação
internacional. Hoje a empresa pode ser considerada uma multinacional brasileira, com
atuação em toda a América Latina e ainda com operações na Europa e no continente
africano. O principal motivador da escolha da empresa foi justamente o fato de esta possuir
uma história de transformações importantes, na qual se percebem claramente alguns ciclos
de aprendizagem estratégica que fizeram com que ela conseguisse se manter viva e com
uma trajetória de crescimento ao longo destes anos. Alguns destes ciclos incluíram
mudanças importantes do foco de atuação, com a destruição ou abandono de produtos e
serviços, e revisão de seu foco de atuação.
Outro aspecto importante foi o fato de o pesquisador ter amplo acesso ao caso, ou
melhor, às pessoas que construíram e fizeram esta história, que até então grande parte
65
desta história existia apenas enquanto memória dos fundadores e executivos, havendo
poucas outras fontes de evidência, como documentos e demais fontes escritas.
2.4
E
STRUTURA
G
ERAL DA
P
ESQUISA
Para realização do estudo buscou-se estruturar a pesquisa do caso em três grandes
partes (Quadro 2.1):
Preparação: planejamento do projeto.
Coleta de evidências: reconstituição da história usando de técnica narrativa,
apresentada no capítulo III.
Análise das evidências: análise dos ciclos de aprendizado estratégico e
identificação de características marcantes culturais e de gestão que facilitaram
este processo, foco do capítulo IV.
A seguir são descritas cada uma destas etapas.
66
Passos para a coleta e análise dos dados
Quadro 2.1 Passos para a coleta e análise dos dados
Coleta de evidências – Reconstituição da história
Consolidação e
preparação
entrevistas
1ª Rodada
entrevistas
Escrita do caso
usando
técnica narrativa
(Story Telling)
2ª Rodada de
entrevistas
Análise
dos ciclos de
aprendizado
• Levantamento e
análise dos documentos
existentes:
- Notícias na imprensa
- Registros em arquivos
- Contratos
- Vídeo 12 anos da
empresa
Preparação e
seleção do caso
• Escrita do caso
• Consolidação das
diversas partes da
história numa
seqüência lógica e
temporal
• Checagem dos fatos
e ajustes na história
Verificação do
potencial do caso
dentro do tema
de pesquisa
proposto
• Autorização da
empresa
• Preparação para
coleta de dados e
delimitação e
foco do estudo
de caso
• Análise prévia das
informações;
• Elaboração da linha
do tempo
• Seleção e agenda
dos entrevistados
• Preparação do
roteiro ou guia de
entrevistas (a ser
usado na 2ª rodada)
• Exploração dos
ciclos de
transformação ou
aprendizagem
estratégica
• Investigação de
características e
elementos marcantes
tanto culturais como
de gestão que
facilitaram este
processo
• Nesta etapa foi
usado o roteiro-guia
(Apêndice I)
* Pela complexidade de conciliar agendas, algumas entrevistas foram dividias em
duas partes, com a realização da 1ª e a 2ª rodada numa única ocasião.
Levantamento de
fontes e registros
• Objetivo: levantar
dados e fatos para
resgatar e construir a
história
• Como instrumento de
apoio a estas
entrevistas foi usado
somente a linha do
tempo, que foi
revisada e ajustada ao
longo das entrevistas
• Realização das
análises a luz das
evidências coletadas,
da interpretação da
história e do
referencial teórico
estudado
Análises das evidênciasColeta de evidências – Reconstituição da história
Consolidação e
preparação
entrevistas
1ª Rodada
entrevistas
Escrita do caso
usando
técnica narrativa
(Story Telling)
2ª Rodada de
entrevistas
Análise
dos ciclos de
aprendizado
• Levantamento e
análise dos documentos
existentes:
- Notícias na imprensa
- Registros em arquivos
- Contratos
- Vídeo 12 anos da
empresa
Preparação e
seleção do caso
• Escrita do caso
• Consolidação das
diversas partes da
história numa
seqüência lógica e
temporal
• Checagem dos fatos
e ajustes na história
Verificação do
potencial do caso
dentro do tema
de pesquisa
proposto
• Autorização da
empresa
• Preparação para
coleta de dados e
delimitação e
foco do estudo
de caso
• Análise prévia das
informações;
• Elaboração da linha
do tempo
• Seleção e agenda
dos entrevistados
• Preparação do
roteiro ou guia de
entrevistas (a ser
usado na 2ª rodada)
• Exploração dos
ciclos de
transformação ou
aprendizagem
estratégica
• Investigação de
características e
elementos marcantes
tanto culturais como
de gestão que
facilitaram este
processo
• Nesta etapa foi
usado o roteiro-guia
(Apêndice I)
* Pela complexidade de conciliar agendas, algumas entrevistas foram dividias em
duas partes, com a realização da 1ª e a 2ª rodada numa única ocasião.
Levantamento de
fontes e registros
• Objetivo: levantar
dados e fatos para
resgatar e construir a
história
• Como instrumento de
apoio a estas
entrevistas foi usado
somente a linha do
tempo, que foi
revisada e ajustada ao
longo das entrevistas
• Realização das
análises a luz das
evidências coletadas,
da interpretação da
história e do
referencial teórico
estudado
Análises das evidências
67
2.5
P
REPARAÇÃO
Nesta etapa foi identificada e selecionada a organização a ser estudada. Foi
realizado um pré-projeto, no qual se buscou, ainda que de forma incipiente, verificar se o
caso tinha de fato potencial para explorar o tema proposto na pesquisa. E finalmente foi
pedida autorização formal para a realização do estudo.
O pré-projeto teve também como objetivo preparar a coleta de dados e
principalmente delimitar o foco do estudo. Assim, foram identificadas as potenciais fontes
de evidência, buscando explorar todas as fontes disponíveis. Foi também definido o
processo de entrevistas, que contemplaria duas rodadas: uma para levantar dados e fatos e
reconstruir a história da organização, e outra para explorar elementos relacionados à
aprendizagem estratégica.
Outro ponto importante na construção de um estudo de caso é a delimitação de sua
abrangência de análise. No presente trabalho definiu-se que seria reconstituída a história da
organização, mas o foco da análise se localizaria nos momentos de transformação, ou nas
grandes mudanças de direção, buscando entender como elas se deram. Assim, apesar de
buscar resgatar os principais marcos que fizeram parte da história da organização, a ênfase
foi nas zonas de transição e nos grandes ciclos de aprendizagem estratégica.
2.6
C
OLETA DE
E
VIDÊNCIAS
:
R
ECONSTITUIÇÃO DA
H
ISTÓRIA
Conforme mencionado, o primeiro passo ao adentrar no estudo de caso foi contar a
história da organização. Neste ponto buscou-se explorar todas as fontes de evidências
possíveis. Segundo Yin, são seis as principais fontes de evidência em um estudo de caso:
documentação, registros em arquivos, entrevistas, observações diretas, observação
participante e artefatos físicos.
No caso em questão, reconstruir a história da empresa foi um grande desafio,
que, salvo por alguns poucos registros isolados, não era possível até então contar com o
apoio de documentos ou registros em arquivos. Deste modo, a história da organização
concentrava-se principalmente, para não dizer quase que exclusivamente, na memória de
algumas pessoas, mais especificamente de seu sócio-fundador. Apesar de haver outras
68
pessoas na organização que fizeram parte desta história, e puderam contribuir nas
entrevistas, elas possuíam visões parciais, ou de partes da história e não do todo.
Antes das entrevistas, que foram o grande pilar da coleta de evidências, buscou-se
trabalhar com outras fontes. Os poucos documentos ou registros em arquivos disponíveis
foram resgatados. Foi utilizado também um pequeno vídeo que celebrava os primeiros 12
anos da empresa, o qual foi transcrito para facilitar seu uso pelo pesquisador. Foram ainda
levantadas publicações da imprensa, como artigos em jornais e revistas e também alguns
documentos internos, como todos os contratos sociais da empresa.
Com base nestas informações, no levantamento e análise dos documentos
existentes, foi construído uma “linha do tempo”, um quadro que ilustra de forma sintética a
história da organização e seus grandes marcos (Quadro 2.2), o qual foi revisado e ajustado
ao longo da primeira rodada de entrevistas.
O quadro ilumina alguns momentos significativos da história da organização, e
procura principalmente explicitar como foi mudando o foco de atuação da organização ao
longo do tempo. Além disso, registra alguns fatos importantes que marcaram a história da
empresa, além dos principais parceiros estratégicos que influenciaram e foram
influenciados por ela. Além disso, destaca também os principais marcos da
internacionalização da empresa, do primeiro escritório na Argentina ao mais recente na
Angola; e, finalmente, são indicados alguns dos principais clientes que também, de uma
forma ou de outra, são parte fundamental desta história. Como se revelou, este foi um
instrumento valioso para a nossa pesquisa, e serviu como base e principal insumo para a
primeira rodada de entrevistas, ajudando ainda a viabilizar a escrita do caso.
69
Quadro 2.2 Linha do tempo com a história da empresa. Fonte: Autor.
70
2.7
P
ROCESSO DE
E
NTREVISTAS
Segundo Yin (2001), o estudo de caso conta com muitas das técnicas utilizadas
pelas pesquisas históricas, mas acrescenta duas fontes de evidências que usualmente não
são incluídas no repertório do historiador: a observação direta e uma série sistemática de
entrevistas. E estas duas fontes foram muito exploradas no projeto em questão.
Para seleção das pessoas a serem entrevistadas foram utilizados basicamente dois
critérios:
“Tempo de casa”, ou seja, foram priorizadas as pessoas mais antigas na
empresa que poderiam contribuir no esforço de contar a sua história. Estas
pessoas não necessariamente deveriam estar trabalhando hoje na
organização, e poderiam ser pessoas que tiveram um papel importante em
algum momento no passado, e que porventura não fazem mais parte da
organização hoje, mais que pudessem também ajudar fornecendo partes e
peças deste “quebra-cabeça”;
Pessoas que de certa forma foram protagonistas dos processos de
aprendizagem estratégica pelos quais passou a organização, ou seja, líderes
e tomadores de decisão que ajudaram a influenciar os rumos da empresa.
No total foram entrevistadas oito pessoas: os dois atuais sócios e principais líderes
do negócio; outras duas pessoas que foram sócios da organização no passado e tiveram
papéis importantes na história da empresa; além de outras quatro pessoas, que são alguns
dos principais executivos da organização, e que se encaixam nos critérios acima, todos eles
contando com cerca de 10 anos ou mais de organização, e que também foram protagonistas
de algumas de suas principais transformações.
Foram realizadas duas rodadas de entrevistas ou uma única em duas partes. As
entrevistas duraram em média uma hora e meia, sendo que, com o sócio-fundador, dado a
relevância e o volume de informações, foram duas rodadas que levaram cerca de três horas
cada uma. Pela complexidade de agenda alguns dos entrevistados passaram pelas duas
rodadas numa única ocasião, e neste caso a entrevista foi dividida em duas partes bem
distintas. Esse fato não atrapalhou o processo, que o propósito das duas partes eram bem
claros e definidos. A primeira, concentrando somente em dados e fatos, na história da
71
organização, e a segunda explorando os aspectos relacionados às transformações pelas
quais passou a empresa, os ciclos de aprendizagem e algumas características marcantes da
organização.
Todas as entrevistas foram realizadas individualmente, o que propiciou agregar
diferentes perspectivas. Elas foram gravadas com autorização prévia dos entrevistados e
depois transcritas.
Para realização da segunda rodada de entrevistas foi preparado um questionário-
guia (Anexo I), cujo objetivo foi somente servir de apoio ao entrevistador. As entrevistas
não necessariamente seguiram a ordem do questionário, ou se restringiram a ele, já que se
buscou preservar a lógica de raciocínio e as prioridades de cada entrevistado, servindo o
questionário por vezes somente para checar se os principais pontos haviam sido abordados,
ou aprofundar algum tema específico.
As entrevistas transcritas serviram de base para a sistematização dos dados e para
extração de trechos ou depoimentos que pudessem ilustrar a história ou reforçar algum
ponto da análise.
Outro privilégio do pesquisador foi poder contar com o que Yin (2001) chamou de
“observação direta”, já que, por possuir amplo acesso a organização e ter tido oportunidade
de vivenciar alguns dos principais fatos marcantes de sua história, conseguiu facilitar o
entendimento e o resgate de muitos dos aspectos críticos para o projeto.
2.8
A
NÁLISE DAS
E
VIDÊNCIAS
Analisar as evidências em um estudo de caso não é uma tarefa fácil, pois as
estratégias e as técnicas não foram muito bem definidas no passado. Diferente da análise
estatística, poucas fórmulas ou receitas fixas para orientar o principiante. Segundo Yin
(2001: 131-5), podem-se reduzir as dificuldades analíticas potenciais se o pesquisador
possuir uma estratégia geral para analisar os dados.
Assim, a análise das evidências foi conduzida com a seguinte estratégia.
O primeiro passo foi a descrição do caso a partir de uma estrutura narrativa,
fundamentada na técnica do storytelling,
1
que permite acompanhar a evolução histórica dos
1
A tradução literal seria “contando histórias”, técnica que apesar de ancestral tem conquistado espaço dentro
do mundo da administração por seu potencial de transmitir valores e conhecimento.
72
fatos, identificar as variáveis intervenientes e situar o fenômeno do contexto
organizacional. Nesta etapa buscou-se focar apenas nos fatos, deixar de lado
interpretações, seja do pesquisador ou mesmo dos entrevistados. Yin (2001) recomenda
que as evidências de um estudo de caso não estejam acompanhadas das interpretações
dadas pelo pesquisador. Isto é fundamental para evitar críticas que os pesquisadores,
utilizando o método do caso, apresentam somente as evidências que comprovam suas
interpretações.
Segundo Gabriel (2000), a técnica do storytelling é considerada como uma arte de
tecer, de construir o produto do conhecimento profundo. A humanidade vem contando
histórias de forma ininterrupta desde que adquiriu a fala, ou mesmo antes disso, desde que
aprendeu a gesticular e se comunicar. De fato, muitos antropólogos dizem que foi a nossa
capacidade de contar histórias que nos separou de outros primatas ao longo da evolução.
No caso das organizações, estas têm percebido o potencial da técnica para transferir
conhecimentos, cultura e valores. E também inspirar, gerar coesão social e conectividade
emotiva entre indivíduos.
Toda organização, à medida que evolui, acumula uma série de experiências, casos
e aprendizados associados à experiência adquirida pelas equipes e líderes enquanto
em ação nas operações e projetos. Desafios técnicos, de mercado e de gestão são
superados e, muitas vezes, acabam embutidos nos processos operacionais,
documentos, softwares e patentes da organização. Este tipo de conhecimento
explícito, no entanto, não traz consigo os contextos, valores e as histórias pessoais
que ajudaram na evolução da organização. Histórias, por sua vez, são ricas em
todos estes elementos e têm permeado a vida das organizações (Cyrineu, 2007).
No caso em questão, reconstituir a história da organização não foi uma tarefa fácil,
que grande parte dela concentrava-se apenas na memória de poucas pessoas. E, ainda
assim, para algumas passagens surgiram diferentes versões. Isso aconteceu principalmente
ao levantar os primeiros anos da empresa, e requereu um retorno a alguns dos entrevistados
bem como a documentos para checagem dos fatos. De toda maneira, uma história sempre
estará sujeita à memória daqueles que dela fizeram parte, dos documentos existentes e das
interpretações do autor. Neste sentido, pede-se desde já desculpas por eventuais erros.
Acreditamos que esta etapa, além de grande valor para a pesquisa, possui para a
organização pesquisada um papel relevante. Resgatar, registrar e documentar a história de
uma determinada organização é fundamental para a disseminação do conhecimento, de
valores e princípios entre os seus membros.
73
Buscamos inicialmente identificar os grandes ciclos de aprendizado estratégico, e
posteriormente analisá-los frente a todo o referencial teórico estudado, e também com o
apoio de uma segunda rodada de entrevistas. Assim, enquanto a primeira rodada de
entrevistas concentrou-se apenas em fatos e dados da história da organização, na segunda
se explorou, na percepção dos entrevistados, quais elementos foram importantes na
ocorrência da aprendizagem estratégica, e também se os elementos identificados na
fundamentação teórica tinham correspondência com a experiência dos entrevistados
acumulada ao longo do processo. No entanto, apesar de a condução da análise das
evidências ser a partir das proposições teóricas estabelecidas, buscou-se não se restringir
somente a elas, permitindo que outros elementos não considerados até então surgissem e
fossem analisados. Assim, todas as evidências coletadas, a partir dos documentos
consultados, das entrevistas realizadas e das observações efetuadas, foram organizadas.
Esta organização dos dados pretendeu focar a análise nos aspectos relevantes do caso e
desenvolver a estrutura lógica que permitisse avaliar as questões propostas.
Por fim, o objetivo principal da pesquisa foi identificar características marcantes da
organização, tanto culturais como de gestão, que facilitaram o processo de aprendizagem
estratégica no caso em questão, e que de certa forma permeiam ou permearam todos estes
ciclos de aprendizagem. Permitindo, assim, voltar à pergunta-problema e aos objetivos do
estudo, e refletir sobre quais elementos parecem de fato ser importantes para estimular a
aprendizagem estratégica.
74
CAPÍTULO III
A HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO
3.1
O
L
ANÇAMENTO DA
E
MPRESA E SEUS
P
RIMEIROS
A
NOS
A semente inicial
O nascimento de uma empresa mistura-se muitas vezes com a história de
empreendedorismo das pessoas que dela fizeram parte. Neste caso não é diferente. Essa
história começa por volta dos anos 1980, por influência de outra empresa chamada Maxitec
e dentro do grupo Mangels.
A Maxitec foi a semente inicial do que hoje é a Symnetics. Houve na época uma
“Lei de Informática” que proibia as empresas multinacionais de fabricarem eletrônica no
Brasil. Nessa oportunidade, a Siemens, multinacional alemã, fabricava comandos
numéricos e controladores programáveis no mercado brasileiro. Quando apareceu essa lei,
o presidente da Siemens se viu impedido de continuar com a produção desses
equipamentos e teve que buscar um parceiro nacional. Encontrou esse parceiro nacional na
figura do sr. Peter Mangels, sócio da Mangels e pai de Mathias Mangels, que se tornaria o
sócio-fundador da Symnetics. O pai do Mathias não era um profundo conhecedor do
mundo da eletrônica, mais ficou rapidamente convencido que fabricar eletrônica poderia
ser um bom negócio.
Segundo sr. Luis Alberto Piemonte, que foi diretor da Maxitec e sócio da
Symnetics, a situação foi mais ou menos assim:
O presidente da Siemens na época, convidou o sr. Peter para um jantar, e disse
assim: “Sr. Peter o senhor não se interessa em participar do negócio da eletrônica?”
O senhor Peter de imediato falou: “Claro que me interesso!”. Daí vocês podem
começar a estabelecer uma conexão entre o sr. Peter e o Mathias, que esse grau de
entusiasmo, de dinamismo que vocês vêm no Mathias ele não vem assim
gratuitamente. O pai realmente tinha o mesmo espírito empreendedor e a mesma
dinâmica que tem o filho. Então, o pai, na época sem entender muito de eletrônica,
falou: “Claro que eu quero e vai ser um grande negócio”. O presidente da Siemens
disse para ele: “Então, é muito simples, encosta uma perua aqui, carrega a máquina
de soldar circuitos eletrônicos e leva para a sua fábrica em São Bernardo que eu
75
mando mais uma ou duas pessoas que vão te ajudar a fazer disso um grande
negócio” (Depoimento).
Uma dessas pessoas enviadas foi justamente o sr. Piemonte que, como foi dito,
futuramente se tornaria sócio da Symnetics juntamente com Mathias.
Em 1984, em São Bernardo do Campo-SP, começava a Maxitec, um negócio de
produção de componentes eletrônicos que era uma joint venture das empresas Mangels e
Siemens. Este negócio era tocado por Mathias Mangels e Piemonte, que assim definiu seu
primeiro contato:
Qual não foi a minha surpresa quando no primeiro dia nessa empresa o sr. Peter
veio a minha mesa e disse assim: “Piemonte, vamos fazer um grande negócio de
eletrônica e você vai receber um colega aqui com você”. “Ah, é? e como é esse
colega senhor Peter?” Ele falou: “Bom, esse colega é um rapaz muito bom, que
está na Suíça no momento, mas que eu vou convidar para vir trabalhar aqui em
vendas com você; e você então vai ajudar um pouquinho ele, ensinar esse negócio
de eletrônica, complementar o conhecimento que ele tem para fazer disso aqui uma
empresa de sucesso”. “Ótimo, tudo bem!” (Pensando eu que ia receber um ajudante
na empresa para me ajudar fazer daquilo um negócio). o Sr. Peter me disse
assim: “Mas tem um pequeno detalhe, o rapaz é meu filho”. Bom, quando ele falou
isso, eu pensei: Então estou recebendo mais que um colega...” Assim, em 1984
começou uma amizade com Mathias que se estende até os dias de hoje,
chegando ao redor de 20 anos (Depoimento).
Somente para contextualizar, a empresa Mangels foi fundada em 1929, por Max
Mangels Junior e Heinrich Kreutzberg. O primeiro produto da empresa foi a fabricação de
baldes de aço galvanizados. Anos mais tarde estes baldes transformar-se-iam em botijões
de s. Em conversas com empresários, como Ernesto Igel que havia recém-fundado a
Companhia de Gás a Domicílio que se tornaria a Companhia Ultragaz do grupo Ultra
percebeu-se a necessidade de botijões para levar o gás às milhares de residências no Brasil.
Até então eles eram importados.
Uma famosa anedota contada sempre por Mathias Mangels ilustra este episódio: o
Sr. Max Mangels pensou: “Ora, é fácil! produzimos baldes... É juntar dois deles,
soldá-los e temos um botijão”. Na verdade, a produção dos botijões se provou o ser o
fácil assim, mas, de toda forma, em 1938, a Mangels se tornou a primeira empresa
brasileira a fabricar botijões para gás liquefeito de petróleo, o GLP, famoso gás de cozinha.
E contribuiu para introduzir na vida brasileira o GLP como gás de cozinha, passando o
fogão a gás a substituir os tradicionais à lenha, e, em menor escala, os fogões a álcool,
querosene e gás de carvão mineral.
76
Esta passagem ilustra o espírito empreendedor que parece correr pelas veias destes
executivos. Décadas depois Mathias iria fundar a Symnetics, uma multinacional brasileira
de serviços profissionais de consultoria, e ter o grupo Ultra como um grande e importante
cliente de projetos de gestão empresarial.
Voltando à história da Maxitec, de 1984 a 1994 produziu-se e vendeu-se eletrônica,
controladores e comandos numéricos pelo país. Por volta de 1988, durante a implantação
destes projetos de eletrônica e automação de chão de fábrica, começou-se a vislumbrar a
oportunidade de olhar o negócio do cliente de um ponto de vista mais sistêmico, olhar todo
o seu processo produtivo e oferecer soluções mais amplas. Mathias definiu assim este
momento:
Para te contar um pouco da história, dentro da Maxitec o foco todo era a fabricação
de hardware, produtos eletrônicos para a fabricação de máquinas-ferramentas para
a indústria automobilística. Então, era uma empresa de fazer produtos. Nossa
competência era fabricar produtos eletrônicos. E aí, o que se percebeu, é que o
cliente queria mais do que isso. O cliente deu um pontapé na gente e disse:
“Precisamos de mais!” Então, naturalmente, nessa discussão falamos: Olha,
estamos precisando, o cliente vem na frente, o cliente está querendo isso, não
temos soluções para isso e ninguém no Brasil tinha essas soluções. Então
pensamos: “Esta é a chance, vamos entrar nesse negócio!” (Depoimento).
Paralelo a tudo isso já se começava a prever o fim da Lei da Informática no Brasil,
que ameaçaria a competitividade do negócio da Maxitec. Dentro deste contexto,
percebendo uma oportunidade de um lado, e pressionados pelo fim da lei de outro, começa
a nascer a Symnetics, que na época era uma empresa que ia se desprender da Mangels e do
negócio de eletrônica para fazer projetos de consultoria, deixar o mundo dos hardwares e
componentes eletrônicos para trabalhar mais com sistemas e processos.
Buscaram-se alguns sócios na época para este negócio, como a própria Siemens e a
Itautec, que afinal decidiram por diferentes razões não entrar no negócio. De toda maneira,
mais uma vez guiado por um forte espírito empreendedor decidiu-se abrir o negócio: “E aí,
no final, na Mangels eu me lembro muito bem um dia, até o meu pai tomou parte na
decisão e falou: “Faz e pronto, depois eles se juntam a nós” (Depoimento de Mathias
Mangels).
No dia 6 julho de 1989 a Symnetics é constituída como empresa. Nesta época, com
a razão social de Symnetics Informática Industrial S.A. e sede na Av. Paulista no 2073,
Edifício Horsa II. Neste endereço ficava a holding da Mangels, que no início foi
77
financiando o negócio aqui e ali. Além de Mathias Peter Mangels como diretor-presidente,
eram sócios estatutários Sérgio da Cunha Tavares e Thomas Paulo Roberto Angyalossy.
O nome
A curiosidade sobre a origem e o significado do nome da empresa é recorrente. Um
nome que, diga-se de passagem, sempre foi e continua sendo complicado, mas que com os
anos e o seu reconhecimento acabou se firmando como uma marca reconhecida no meio
empresarial brasileiro como uma das principais consultorias em gestão do país.
Ainda que possa parecer, a criação do nome não foi fruto de uma pesquisa de
avaliação de marca ou de um projeto de marketing. Pelo contrário, foi criada e inspirada
por um pouco de álcool, sol e praia, talvez mais o primeiro elemento do que os demais.
Segundo depoimentos, foi fruto de um brainstorming, ou uma “chuva de idéias”, regada a
algumas caipirinhas num final de semana no litoral norte de São Paulo. Na semana
anterior, a equipe, que tinha não mais do que três ou quatro pessoas naquele momento,
decidiu que já estava mais do que na hora de definir um nome para o negócio que recém-
começava. Decidiram que cada um da equipe deveria pensar no final de semana e trazer
idéias e que na segunda-feira juntariam todas as sugestões e fariam uma votação ou a
escolha final.
Mathias acabou indo viajar com a família e, sentados na beira da praia, pediu ajuda
e idéias de nomes. Uma de suas tias sugeriu Symnetics. Era a junção de diversas palavras
ou conceitos: Symde sistemas, sistêmico, net de redes, se começava a pensar na
importância de trabalhar em redes e ics que até hoje ninguém sabe explicar bem o
porquê. Alguns dizem que é de sistemas eletrônicos ou talvez fosse somente pela questão
fonética. E assim, na semana seguinte, a equipe acabou escolhendo este nome como a
melhor das alternativas. Surgia então o nome Symnetics, nome que pouco a pouco a equipe
aprendeu a gostar, mas que até hoje dá muito trabalho todas as vezes que é preciso
identificar-se em algum lugar.
Cabe ressaltar que apesar de bem posicionada no Brasil, consolidar a marca
Symnetics nos demais países da América Latina sempre foi um desafio. Mas, pouco a
pouco, há seu reconhecimento é cada vez maior também nestes paises.
78
A independência da Maxitec e da Mangels
A Maxitec e a Symnetics chegaram a conviver juntas por algum tempo,
compartilhando a gestão, recursos e o próprio escritório. Logo depois de sua formação, a
Symnetics se mudou para o bairro do Itaim, na rua Atílio Inocentti, onde ficava uma filial
da Maxitec e havia espaço disponível. As duas organizações conviveram juntas até 1994,
quando do fechamento da Maxitec e transferência de suas operações de volta para a
Siemens. O trecho a seguir, extraído do website oficial da Siemens, explica esta passagem:
As primeiras máquinas-ferramenta automatizadas com CNC (Comando Numérico
Computadorizado) Sinumerik Siemens chegavam ao Brasil em 1976. Era o início
do Sinumerik no Brasil e das atividades com o suporte pós-venda ao cliente usuário
de máquinas.
De 1984 a 1994, a produção de CNCs foi transferida à Maxitec, devido à reserva
de mercado de informática. A Maxitec produziu os modelos Sinumerik 3 e 805
com grande sucesso de vendas. Em paralelo, a Siemens introduzia no mercado a
linha de acionamentos em corrente alternada da linha Simodrive, com
servomotores brushless 1FT5 de fábricação nacional. Ao longo dos 15 anos
seguintes, os fábricantes de máquinas-ferramenta a CNC nacionais e estrangeiros
puderam se desenvolver aliados ao pacote completo de alta tecnologia que a
Siemens oferecia na época.
Após este período, com o fim da reserva de mercado e a abertura às importações, a
Maxitec foi incorporada pela Siemens. Devido à decisão estratégica de se unificar
globalmente linhas de fábricação de produtos para se obter economia de escala,
decidiu-se suspender a produção do Sinumerik e Simodrive no Brasil. De 1995 a
1997, a Siemens comercializou o Sinumerik 805, passando de 1998 até hoje a
oferecer linhas digitais Sinumerik 840D, 810D, 802D, e acionamentos Simodrive
611 A, D e U (Siemens Ltda. Comunicação corporativa. São Paulo, Acesso em set.
2002).
Há um outro marco fundamental nesta história que motivou tanto a Maxitec como a
Symnetics a se desligarem da Mangels e procurarem seu próprio caminho: um grande
projeto de reestruturação da Mangels.
Justamente no fim da década de 1980, quando a Symnetics estava recém-
começando, a família Mangels se juntou e decidiu que era hora de começar a passar o
negócio para a próxima geração. O pai e o tio de Mathias iam lentamente sair da empresa e
a terceira geração ia assumir o negócio. Com essa mudança de geração na empresa,
Mathias havia recebido a responsabilidade de tocar todos os negócios de eletrônicos, de
software, e uma série de outros negócios menores. Neste momento, com a nova gestão
recém-assumindo decidiu-se que havia uma forte necessidade de rever o foco de atuação
da Mangels como um todo. Durante a década de 1970 e 1980, a Mangels havia se
79
diversificado muito, entrando nos mais diversos setores, como transportes e logística,
turismo, telecomunicações, eletro-eletrônicos, e outros. Neste momento percebeu-se que
era necessário repensar este modelo. Foi contratado um projeto de consultoria para ajudar a
avaliar todo o portfólio de negócios. Neste projeto, depois de analisar cada um dos
negócios, decidiu-se por se desfazer e vender aqueles que não tinham sinergia com o
negócio principal, e focalizar-se em aço, cilindros e rodas. A Maxitec e a Symnetics
estavam entre os negócios a serem vendidos ou simplesmente abandonados.
É interessante notar aqui que este mesmo espírito empreendedor, com esta
voracidade e disposição para abrir e entrar em novos mercados que fez com que a Mangels
pudesse crescer, também fez com que ela perdesse o foco e se desviasse de seu negócio
principal. Esta característica e dilema seriam enfrentados também pela Symnetics algumas
vezes no futuro.
De toda forma, Mathias definiu assim este episódio na Mangels:
Estávamos analisando os negócios: esse sim, esse não, esse não, esse sim. Aí
chegou a Symnetics. Nunca me esqueço... Meu primo olhou para esse negócio
junto com o meu tio e falaram: “Isso é uma loucura! Esse negócio aqui, da
Symnetics, tem uma boa rentabilidade até, mas não temos competência para isso,
nós temos que lutar por cada pedido, por cada projeto. É difícil! Não tem uma
oportunidade clara, você vende um depois não tem nada... Era muito diferente. Não
tinha nada a ver, nenhuma sinergia... Vamos vender esse também, e na lista,
Symnetics vende, vende Maxitec, fecha Maxtrade..., esse também vende, Mathias
você ajuda a vender”. Então eu assumi o papel de vender essas partes e peças
todas.
Quando chegou a hora de vender a Symnetics começamos a estudar as coisas e
meu primo olhou para mim e falou: “Olha, Mathias, eu vou te dizer uma coisa bem
sincera, aqui entre nós dois: isso aqui eu acho que vale mais a pena a gente fechar
do que a gente vender, porque qualquer pessoa que comprar esse negócio vai
ver que não tem muita história, não tem nada lá”.
nunca me esqueço, me juntei com o Alberto Rutman e com o Piemonte, isso
deve ter sido em 1990, 1991, não sei a data certinha, mas foi depois da Ericsson. Aí
o Piemonte e o Alberto disseram: “Mathias, nós vamos comprar a empresa. Falei:
”O que você quer dizer, nós? Espera aí, eu estou no meio das outras (eu
administrava a Maxitec na época), não vou ter como trabalhar com vocês, não vou
ter tempo”. E o Piemonte insistiu: “Não, mas é preciso e tal”. E começamos a
discutir e falaram: “Ok, faz a proposta para o seu primo”. Então falei com o meu
primo a respeito e ele falou: “Mathias, é o seguinte: se vocês quiserem podem ficar
com isso, mas todas as despesas, todos os custos vocês têm que assumir. Eu
entrego para vocês esse negócio e vocês me pagam um valor mínimo”. Não me
lembro qual o valor. Pagamos alguma coisa, mas foi um valor pequeno. Alberto
Rutman colocou 30%, Piemonte colocou 30% e eu coloquei 40%, ou foi
35,3535%, alguma coisa assim. No fundo dividimos por três esse negócio e cada
um assumiu uma parte (Depoimento).
80
O primeiro grande cliente
O primeiro grande projeto da Symnetics foi na Ericsson, em São José dos Campos.
Antes disso houve projetos menores, que o tiveram a mesma relevância. A Ericsson
estava montando uma planta que seria uma das líderes no mundo na fabricação de centrais
telefônicas, na época ainda analógicas. Ia ser uma fábrica enorme e toda automatizada. A
empresa precisava de um sistema que ajudasse a controlar a fábrica.
O presidente na ocasião dizia ter as competências humanas – as pessoas que
entendiam de eletrônica, bons mestres –, mas não possuía uma maneira de planejar,
executar e controlar essa produção. O objetivo da Symnetics foi ajudar com esse tema. Daí
surgiu o primeiro grande projeto da Symnetics, que levou praticamente um ano e foi aa
inauguração da fábrica.
No início, a Symnetics trabalhava basicamente com manufatura discreta, em
sistemas de controle dos processos produtivos e na automação de chão de fábrica com
comandos numéricos. Este havia sido justamente o foco deste projeto na Ericsson. Apesar
de desenvolver um excelente relacionamento com o cliente e uma ótima solução, houve
algumas crises durante o projeto, crises estas motivaram a busca de soluções mais amplas
que pudessem ajudar não na automação de chão de fábrica, mas também permitir olhar
os processos da organização de forma mais completa. Na busca destas soluções, surgiu o
que seria uma próxima onda na história da Symnetics.
3.2
N
O
M
UNDO DOS
P
ROCESSOS
Numa de suas constantes peregrinações pelo mundo em busca de melhores práticas
de gestão, Mathias, desta vez motivado por clientes como a Ericsson e também pela
necessidade de enriquecer o portfólio de soluções da empresa, conheceu, numa feira na
Alemanha, um professor um tanto excêntrico, Prof. Dr. August Wilhelm Scheer, mais
conhecido como professor Scheer. Reconhecido hoje por alguns especialistas como o
fundador do modelo de gestão por processos, em inglês BPM (Business Process
Management), o professor Scheer, além de soluções para o chão de fábrica, vinha
desenvolvendo modelos que se tornariam a base para o mundo do mapeamento e análise de
processos de negócios.
Começava a despontar uma das maiores vocações da Symnetics: identificar e
buscar melhores práticas de gestão onde quer que estivessem no mundo; estudá-las e trazê-
81
las para o Brasil e América Latina, adaptando-as a realidade local e necessidades dos
clientes; ainda que muitas vezes de maneira exploratória e sem um plano ou alvo
predeterminado, conforme depoimento abaixo:
Por que eu entrei nesse negócio dos processos empresariais? Eu acho que eu entrei
por acaso, realmente por um acaso, porque na verdade a razão primeira foi buscar
soluções para a Symnetics para a questão do desenho do chão da fábrica e sistemas
de controle de chão da fábrica. Essa foi a razão primeira. Na verdade, procurando
mais soluções de chão de fábrica aqui e ali é que conheci o Scheer (Depoimento de
Mathias Mangels).
Assim, a partir deste contato a Symnetics reforçou suas soluções para automação de
chão de fábrica, que era seu negócio principal, e começou a vislumbrar esta questão mais
nova de processos empresariais.
Eu conheci o Scheer na feira e ele me disse: “Puxa vida, Mathias, você sabe que
eu tenho uma solução legal para você para esse negócio de chão de fábrica”.
Mostrou-me a solução de chão de fábrica, que eu vi que ele estava muito
emocionado com todo esse contato comigo e tal e falou: Mathias, eu acho que
você tem que conhecer outras coisas que eu faço, estou desenvolvendo uma
arquitetura de desenho de processos”. Comentei: “Mas o que é esse negócio?”. E
ele disse: “Olha, para eu te mostrar não vai ser aqui na feira não, você vai na
minha escola que eu te mostro (Depoimento de Mathias Mangels).
As soluções de planejamento de chão da brica estavam maduras na Alemanha, e
ao trazê-las para o Brasil não foi difícil vender. Nesta época a Symnetics comercializou
estas soluções para uma série de empresas, como Embraco, Brasolite, BASF, etc. O
negócio de vender software de automação de chão de fábrica parecia ser um bom negócio,
ainda que suas vendas fossem inconstantes; vendia-se um projeto aqui outro ali, sem muita
regularidade. A questão foi que a empresa teve que se estruturar para isso. Passou a ter
uma equipe de cerca de 15 pessoas dedicadas para este negócio. Havia que dar
manutenção, configurar o software, criar terminais de coletas de dados, ligação com rede
de comunicação de fábrica, ligação com controladores, com computadores, com outros
pacotes de softwares. Então, esse negócio se tornou um tanto quanto complexo.
Neste período, o que aconteceu foi que a HP (Hewlett-Packard), um grande aliado
do Scheer na Alemanha, abraçou a Symnetics no Brasil, e acabou se tornando um elo
importante de marketing para vender essas ferramentas. Como tinha interesse em vender o
hardware, abria portas para a Symnetics, que vendia mais e mais suas soluções para o chão
82
de fábrica, soluções estas que se concentravam basicamente para atender a indústria
discreta, que se tornou o segmento alvo da Symnetics nestes seus primeiros anos.
Cerca de um ano depois de conhecer a IDS Scheer, Mathias foi procurado pelo
professor alemão que havia evoluído com seus estudos, envolvendo processos e
desenvolvido um software para seu mapeamento e análise: o ARIS Toolset.
E nunca me esqueço um dia que o professor Scheer me chamou e falou:
“Mathias, na Alemanha eu estou desenvolvendo aquela arquitetura ARIS, que você
conheceu para desenho de processos e que não tinha ferramenta. Agora eu tenho a
ferramenta, e, como você está mexendo na manufatura, venha conhecer a
ferramenta porque ela é ideal para a manufatura”. ele me convidou e eu fui
conhecer o produto e fiquei pasmo: era um negócio de louco! Era uma ferramenta
poderosa, com a qual você desenhava seus processos empresariais e fazia análises e
comparações com outros processos e referências (Depoimento de Mathias
Mangels).
Logo em seguida, a Symnetics trazia o Aris Toolset para o Brasil. A ferramenta
ainda era muito incipiente, mas logo surgiu uma oportunidade de colocá-la em prática. A
HP acabou dando uma chance interessante para a Symnetics ao disponibilizar quase meio
stand na feira de informática em São Paulo. Nesta feira fechou-se o que seria o primeiro de
muitos projetos de redesenho de processos com o ARIS na história da empresa.
Foi interessante. A solução funcionou bem na feira, mas infelizmente o que
aconteceu foi que a gente vendeu um projeto (risos). Vendemos um projeto para a
Mercedes-Benz. Veio o vice-presidente de toda a informática do Brasil, viu aquele
negócio e disse: “Amanhã vocês estão comigo. Esse é o projeto, vamos fazer isso!”
Eu sabia que o produto não estava 100% maduro, e sabia que não ia ser fácil de
usar, mas o diretor tanto fez, falou e tal, que a gente pensou: Vamos fazer!” Ele
sabia que tinha um risco. Eu tive muita sorte porque o gerente do projeto da
Mercedes-Benz era uma pessoa muito entusiasmada, e ele entendeu também que a
ferramenta funcionava com algumas deficiências, mas que era um negócio bárbaro
para sensibilizar uma empresa como a Mercedez a melhorar seus processos
(Depoimento de Mathias Mangels).
A parceria com o prof. Scheer se consolidou e foi um grande sucesso. Desde os
primeiros contatos até trazer o conceito e a ferramenta para o Brasil foi rápido. Logo a
Symnetics estava vendendo diversos projetos de análise de processos com a ferramenta
ARIS Toolset. As vendas da ferramenta no Brasil surpreenderam as expectativas de seu
próprio criador. Surgiram diversos projetos em clientes como Unilever (na época
GessyLever), na Embraco, no Grupo Iochpe, AKROS, Grupo Ultra, etc. Foram muitos
projetos. na Lever, por exemplo, foram dezenas de projetos, redesenhando todos e
83
qualquer tipo de processos da organização. Uma enorme habilidade de relacionamento, o
espírito desbravador de desenvolver e aprimorar metodologias dos sócios aliados a uma
boa solução fizeram a Symnetics crescer rápido.
No começo, a idéia era usar a ferramenta somente como apoio nos projetos de
consultoria, mas por fim ela acabou se tornando um produto por si só. O interessante desta
história, que também ilustra uma outra característica marcante da Symnetics, foi que a
organização acabou, de certo modo, sempre influenciando a trajetória de seus parceiros.
Isso aconteceu com o prof. Scheer, mas também com outras alianças importantes desta
jornada, como a própria BSCol, que veremos mais adiante. Assim, a Symnetics, mais do
que trazer e replicar modelos e ferramentas prontas, acabava ajudando a refinar e melhorar
estes modelos. A primeira venda do ARIS na Mercedes ilustra este tema:
E finalmente, depois de muito esforço, entregamos o projeto na Mercedes e eles
adoraram e pediram mais: “Nós queremos mais, queremos consultoria e queremos
a ferramenta, quanto sai a ferramenta?” Eu disse: “A gente não vende a ferramenta,
ela ainda não está totalmente funcional”. Mas eles insistiram: Não! Quanto sai a
ferramenta?” Aí eu telefonei para o Scheer e perguntei: “Scheer, quanto sai a
ferramenta?” E ele me respondeu: “Ah, não sei... Eu nunca vendi nenhuma”. Eu
falei: “Mas Scheer, o executivo está querendo comprar aqui... E ele retrucou:
“Então vende, então vende cada uma por... (acho que era vinte mil marcos)”. “Mas
eles querem dez”, eu disse. “Dez! Então 200 mil marcos”, comentou o professor.
eu telefonei para o VP da Mercedez e falei: “Olha, custa 200 mil”. “Ah, então
vamos comprar quinze”, ele me disse. O quê?!, exclamei. Mas insistiram: “Não!
eu quero mais, mais cinco, quinze, quando é que você entrega?” Eu falei: “Poxa,
quando é que eu entrego? Em um mês eu entrego”. Aí liguei para o Scheer e disse:
“Vendi quinze!”.
Assim, enquanto que no período de 1990 a 1994 o foco principal da empresa esteve
no chão de fábrica e no segmento industrial, a parceria com o prof. Scheer permitiu a
organização ampliar sua oferta de serviços e clientes. As soluções foram expandidas para o
desenvolvimento e aplicação de metodologias e ferramentas para a análise e otimização de
processos empresariais dos mais diversos setores. Nesta perspectiva, a Symnetics saiu da
programação e passou a entrar no planejamento de empresas, para o mundo da análise e
redesenho de processos. Foi vendendo Aris que a Symnetics também deu seus primeiros
passos rumo à internacionalização. A empresa começou a vislumbrar algumas
oportunidades na Argentina, e acabou estabelecendo relacionamento com um executivo
local para distribuir o produto. Essa história será melhor tratada na seção 3.5, que trata da
internacionalização da empresa.
84
Nesta época, com as vendas de sistemas de automação e ARIS, a organização
acabou ficando bastante dividida entre ser uma empresa de tecnologia versus ser uma
empresa de consultoria, auxiliando as empresas com “melhores práticas” de gestão. O
negócio de tecnologia parecia interessante, as vendas de licenças do ARIS Toolset, da qual
era representante oficial no Brasil, eram um verdadeiro sucesso e a Symnetics neste
momento ainda tinha a palavra “informática” em seu nome.
1
De toda forma, parecia sim
haver um entendimento comum entre os líderes da organização de que o negócio principal
da empresa deveria sim ser a prestação de serviços, serviços profissionais de consultoria, e
que se deveria focar aí, ainda que a venda de softwares fosse um bom negócio para a
empresa.
A relação entre o prof. Scheer e a Symnetics se manteve a 1997. Os negócios
relacionados ao ARIS e a IDS, empresa do prof. Scheer na Alemanha, eram
substancialmente grandes dentro da Symnetics, e o conflito entre vender as licenças do
software e focar na consultoria chegaram a seu ponto culminante. Decidiu-se assim por
separar os dois negócios e fundar a IDS Scheer Latino-América como joint venture entre
IDS AG, Mathias Mangels e Luis Piemonte. A Symnetics ficou focada na consultoria e a
IDS no ARIS e modelagem de processos. O sr. Piemonte acabou assumindo o negócio da
IDS no Brasil, o qual tocou até final de 2007. Mathias continuou como sócio e executivo
principal da Symnetics, e também participou como sócio da IDS por mais alguns anos, por
imposição do prof. Scheer, que não queria que ele se afastasse totalmente do negócio.
É interessante notar que as transições ou as grandes mudanças em termos de foco
de atuação acabaram coincidindo também com a saída de membros importantes da equipe.
Durante a transição entre o mundo do chão de fábrica e o de processos, a Symnetics tinha
três sócios: Mathias, Piemonte e Alberto Rutmann. Este último, que teve um papel
importante no início da empresa, acabou saindo por questões pessoais, mas que também
tiveram a ver com a mudança de foco da organização. Agora, dessa vez, era Piemonte que
deixava a Symnetics para liderar a IDS, deixando espaço para que outros assumissem um
papel relevante ao lado de Mathias.
Outro aspecto relevante é que a Symnetics acabou se antecipando à onda do
redesenho de processos. Quando Michael Hammer começou a fazer sucesso e defender a
1
Até esse momento a razão social da empresa era Symnetics Informática Industrial S.A., que depois foi
mudada para Symnetics Consultoria Empresarial Ltda.
85
questão da integração nas empresas, de quebrar os silos funcionais e ter uma visão de
processos, a Symnetics já atuava e defendia estes temas.
Eu me lembro muito bem que a gente falava daquele negócio do redesenho dos
processos e do ARIS, e de repente apareceu no horizonte o Michael Hammer. E
a gente pensou: “O que isso tem a ver com que a gente faz?”. Ficamos debatendo,
junto com a equipe, o que ele estava falando e o que a gente estava defendendo. E
percebemos que tinha muito a ver (Depoimento de Mathias Mangels).
Neste meio tempo, a Symnetics havia firmado outras parcerias, uma delas com uma
empresa norte-americana chamada Benchmarking Partners. Esta busca por parceiros
relacionados a melhores práticas foi sempre uma constante. Durante alguns projetos de
redesenho, muitas vezes eram requeridas melhores práticas de gestão. Qual é a melhor
maneira de organizar este processo? Quais são os melhores parâmetros para avaliá-lo?
Quais são os indicadores e quais são as referências, ou benchmarks neste processo ou nesta
indústria?
Uma vez mais, motivado pela demanda de seus clientes e aqui cabe destacar a
Embraco, que teve um papel importante nesta história a Symnetics e seus executivos
foram estudar e buscar referências. Encontraram duas empresas nos EUA, com as quais
acabaram trabalhando. O International Benchmarking Institute, que era um instituto de
pesquisa de benchmarks, com o qual foi firmado um acordo e do qual compravam-se
alguns estudos, e a Benchmarking Partners, empresa com sede em Boston, e que, assim
como a IDS do prof. Scheer, influenciou a história da Symnetics de maneira significativa e
motivou a entrada da empresa numa nova onda, a da análise dos sistemas integrados de
Gestão, os famosos ERPs.
3.3
S
URFANDO A
O
NDA DOS
S
ISTEMAS
ERPS
Com a saída de Piemonte, que até então juntamente com o Mathias eram os cabeças
do negócio, outra pessoa assumiu um papel relevante. Foi Aerton Paiva, que teve seu
primeiro contato com a Symnetics através de um projeto no Grupo Iochpe. Paiva, que no
início era somente um consultor com uma habilidade incrível para documentar processos,
se tornaria no futuro um dos diretores, e durante alguns anos braço direito de Mathias.
Formavam uma boa dupla: um empreendedor nato, abrindo portas e garimpando
oportunidades, melhores práticas de gestão e parceiros no mundo; e o outro, um grande
86
“executor” e estruturador. Aerton Paiva tinha o papel de ir costurando e estruturando as
idéias, metodologias, e oportunidades identificadas por Mathias:
Eu sentia a Symnetics como uma jangada que a gente inçava a vela e deixava o
vento tocar. que a gente não se conformava de estar em uma jangada, a gente
ficava falando o tempo todo que essa jangada não tem uma boa performance na
água. Então, vamos colocar uma proa diferente, vamos colocar um leme diferente,
mas o leme estava lá. A diferença e a aprendizagem estava em assumir que existe
vento, e que o vento é uma força natural, renovável, permanente, que te leva para
algum lugar (Depoimento de Aerton Paiva).
No final parece que Mathias, mesmo que de forma inconsciente, buscava sempre
encontrar outros membros da equipe, sócios ou diretores, que o complementassem. Foi
assim com Alberto e Piemonte, na primeira metade da década de 1990, e com Aerton, ao
final da mesma década. Enquanto um olhava mais para fora da organização, outro olhava
mais para dentro. Aqui fica explícita outra característica importante da Symnetics: a
diversidade da sua equipe gestora. Desde seus primórdios a organização sempre teve em
seu comando líderes com perfis bem distintos, mas que de certa forma se complementavam
e proviam um equilíbrio maior ao negócio.
Nesta época, a busca por competitividade, integração das empresas e o próprio
BUG do milênio, que se aproximava, fez com que explodisse no Brasil e no mundo a
implementação dos sistemas integrados de gestão, os ERPs (Enterprise Resource
Planning), um agrupamento coerente de softwares que proporcionam as empresas visão
geral de suas operações em tempo real.
Mais uma vez a Symnetics acabou se antecipando a esta onda. Quando os ERPs
ainda eram bem incipientes no Brasil, e a SAP, hoje um dos maiores players deste
mercado, estava recém-começando no Brasil, a Symnetics começou a atuar neste mercado
via redesenho de processos. O prof. Scheer tinha uma forte ligação com a SAP na
Alemanha, tanto que sua equipe ajudou a SAP no desenvolvimento de algumas de suas
soluções. Como exemplo, a SAP havia desenvolvido um repositório de melhores práticas
todo modelado no ARIS. O prof. Scheer sempre insistia com Mathias que seria uma boa
oportunidade entrar no negócio de sistemas integrados de gestão, ou nos ERPs. No final, a
Symnetics começou a atuar ainda de forma incipiente em redesenho de processos prévios a
implementação dos sistemas ERPs.
A empresa acabou se empolgando, e em 1997 criou a Symple, que seria outra
empresa com o propósito de implementar essas soluções. Essa foi uma das raras decisões
87
de entrada em novos mercados em que a empresa se equivocou e teve que voltar atrás. O
negócio de implementação de ERPs era para “peixe grande”, e logo em seguida, tão rápido
como se criou um novo negócio, decidiu-se por acabar com ele, ainda no mesmo ano de
1997. Aerton Paiva comentou como era o processo decisório na época:
Era pouco estudado. Aproveitar as oportunidades que estavam aí. Se para se
aproveitar é preciso fazer isso, façamos isso! A SAP alemã tinha forte relação com
a IDS. Nós também tínhamos forte relação com a IDS, então vamos fazer. Nunca
se parou para montar um business plan. Era muito instintivo. E, depois, como
tínhamos competência para fazer, acabávamos nos arriscando mais (Depoimento).
Mas este, de modo algum seria o maior foco da Symnetics dentro deste mundo.
Outras janelas se abriram à medida que as organizações começaram a usar os ERPs e a
parceria com a Benchmarking Partners se fortaleceu.
A implementação destes sistemas era, e continua sendo, complexa, cara, com
investimentos enormes, tanto em termos de recursos financeiros como humanos. Muitos
destes sistemas traziam consigo melhores práticas de gestão, e, ao mesmo tempo em que
prometiam maior transparência e integração dos processos, surgiam cada vez mais casos de
implementações malsucedidas, usuários insatisfeitos, investimentos enormes que eram
muitas vezes subestimados.
Em meados da década de 1990, este se tornou um negócio enorme, tanto para as
empresas que vendiam software como para as consultorias, que se esbaldavam e se
atacavam neste mercado. Dentro desta gama de oportunidades, a Symnetics encontrou, de
forma não totalmente planejada ou estruturada, um outro nicho importante através de seu
parceiro, a Benchmarking Partners. Tratava-se de posicionar-se exatamente entre as
empresas e as casas de software e consultorias de implementação da ferramenta.
Dentro deste posicionamento, a Symnetics criou uma forte expertise em dois
serviços. De um lado, o chamado Partner Selection (PS), que consistia em realizar análises
prévias para auxiliar as organizações a escolher seus melhores parceiros, tanto de software,
como a SAP, ORACLE, JD Edwards, People Soft, etc., como entre as consultorias para
implantação, entre PWC, Accenture, E&Y e outros. De outro lado, além de ajudar a
escolher o melhor parceiro, a Symnetics criou uma grande especialidade em realizar
estudos de viabilidade destas soluções, que consistiam em entender a estratégia da
empresa, seus processos, e verificar qual o custo-benefício destas implementações. Este
produto era chamado de Business Case (BC), e foi um grande sucesso. Os BC eram
88
estudos, fundamentados numa metodologia de 10 passos, nos quais se analisavam os
investimentos e os ganhos potenciais com a implementação do sistema de modo que as
empresas pudessem embarcar nesta empreitada de forma mais estruturada e segura.
Dessa maneira, fazendo uso das metodologias da Benchmarking Partners, a
Symnetics conseguiu encontrar um posicionamento único no mercado, exatamente no meio
entre as empresas usuárias e as casas de software e as outras consultorias. Pelo fato de não
atuar na implantação propriamente dita dos sistemas, ou tampouco vender e ter qualquer
comissão pelas vendas dos softwares, passou a ter uma idoneidade reconhecida no
mercado, o que permitiu a organização navegar num “oceano azul”
2
no meio de uma onda
de oportunidades e tubarões querendo abocanhá-las. No entanto, os valores dos projetos da
Symnetics nem de perto se aproximavam dos valores recebidos pelas grandes consultorias
que atuavam na implementação dos sistemas. De toda forma, a Symnetics também tinha
uma estrutura muito menor que as grandes consultorias, o que permitia ter um bom retorno.
Nesta época, um projeto muito marcante na história da organização foi um grande
projeto de Partner Selection e Business Case na Petrobrás. A maior empresa brasileira
havia decidido implementar um sistema de gestão integrado, e acabou, depois de um longo
processo licitatório, contratando a Symnetics para ajudá-los na escolha do seu sistema e na
avaliação de seus benefícios potenciais. Este era na época a maior implantação de um
sistema ERP da América Latina, o que deixou todas as empresas de software e grandes
consultorias alvoroçadas e de olho nesta oportunidade. Coube a Symnetics ajudar a
Petrobrás a intermediar este processo. Por sua magnitude, este projeto ficou muito em
evidência e levou quase um ano para ser concluído, contando com uma equipe enorme para
os padrões de projetos da Symnetics. Depois de centenas de reuniões, sessões de trabalho
com as equipes de processos da Petrobrás, apresentações, análises, estudos e visitas
internacionais a empresas de petróleo, o processo se afunilou e chegaram duas empresas ao
final, que foram SAP e Oracle. As duas tinham uma boa relação com a Symnetics, da qual,
inlcusive, haviam sido até clientes. Ao afinal, a Petrobrás optou pela SAP, dando-lhe
uma pequena vantagem. Este processo foi envolvido de muita pressão de todos os lados,
mas de toda forma foi de grande valor para o cliente, e a Symnetics ficou orgulhosa de ter
podido apoiar a Petrobrás em tão importante decisão.
2
Esse termo foi usado para definir um novo espaço de mercado onde não concorrentes. Ver Kim &
Mauborgne (2005).
89
Nesta época, os projetos de Business Case e Partner Selection se tornaram de longe
o carro-chefe da empresa. O que talvez tenha sido um erro, que desviou o foco da
organização de outras abordagens. Enquanto se vendia projetos e mais projetos de BC e
PS, não no Brasil mas também na Argentina e no Chile, outras soluções foram de certa
forma negligenciadas, ou não empreendidas com o mesmo esforço. Parecia ser fácil vender
BC e PS, todos precisavam, e não havia concorrentes com força dentro deste negócio. Era
um verdadeiro oceano azul.
Em paralelo a tudo isso, a Symnetics continuava, ou pelo menos tentava, atuar no
negócio de processos e em outras frentes, indo desde o planejamento estratégico, análises
de processos e avaliação de tecnologias. Por volta de 1997, a Symnetics chegou a ter uma
unidade de negócio somente para desenvolver abordagens e conteúdos, mas afinal chegou-
se a conclusão de que neste negócio o conhecimento era gerado junto com o mercado, e
não através de uma equipe dedicada dentro do escritório. Esta unidade acabou sendo
abolida e sua equipe incorporada em projetos.
Já no final da década de 1990, o negócio de ERPs começava a decair. A maioria das
grandes empresas haviam implementado seus sistemas, e os esforços da Symnetics de
buscar novas abordagens e se antecipar a uma próxima onda pareciam não ter êxito desta
vez. Buscavam-se por todos os lados novas abordagens ou soluções, sem haver um foco
definido.
Neste momento, a internet começava a despontar como a bola da vez”. Dizia-se
que a web iria revolucionar os negócios, e, de fato, milhares de novos negócios surgiam
neste mundo das ponto-com”. Alguns diziam que os negócios tradicionais estavam
ameaçados. Sem querer ficar fora deste mercado, e nesta busca quase frenética por novas
soluções, a Symnetics acabou também tateando este mundo, que nunca afinal chegou a ser
o foco principal da empresa. No entanto, foram desenvolvidos alguns projetos interessantes
de análise, desenvolvimento de negócios e implantação de portais e negócios web em
geral.
O principal parceiro da Symnetics nesta época, a Benchmarking Partners, que
estava dentro do olho do furacão, com sua sede em Boston e grande parte de sua equipe
vinda do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ganhou um grande projeto na
CISCO no Vale do Silício, e parecia apostar todas as suas fichas neste novo mundo. Com o
90
estouro da bolha, muitos negócios sucumbiram, o ceticismo passou a ser predominante e
supostas fortunas viraram pó. A Benchmarking Partners, que se posicionava cada vez mais
próxima do epicentro do boom da internet, sentiu os efeitos e acabou tendo que fechar suas
portas.
Enquanto isso, no Brasil, a Symnetics também passava por um momento difícil. O
negócio de avaliação de sistemas ERPs definitivamente se esgotava, e, por outro lado, a
organização tentava sem muito êxito encontrar novas frentes que iam desde o planejamento
estratégico, o redesenho de processos, o benchmarking, a análise de sistemas e estratégias
de e-business, a redesenhos organizacionais, como organizações celulares. Enfim, havia
pouco, para não dizer nenhum, foco. Os resultados demonstraram isso, e foram meses
difíceis.
Dada a crise, a organização, talvez pela primeira vez em sua história, agora já com
quase 12 anos, sentiu falta de fazer uma reflexão mais profunda sobre suas estratégias e seu
posicionamento. Cabe ressaltar que no meio deste período Aerton Paiva deixa a
organização. Mais uma vez, por coincidência ou não, neste período de transição pelo qual
passava a organização houve baixas importantes no time gestor. De toda maneira, com a
saída de Aerton se consolidou uma nova célula gestora”. Assim se chamava a equipe de
diretores que conduzia o negócio. Faziam parte deste time Reinaldo Manzine e Teresinha
Cesena, que tiveram um papel importante nesta nova etapa. Com esta equipe foram
conduzidas diversas seções de planejamento, nas quais se resgatou a visão, missão e as
principais estratégias do negócio.
Depois de muitas sessões internas de planejamento se chegou ao modelo que foi
apelidado de GET, que juntamente com outro modelo, o de Syndication (Werbach, 2000),
iriam definir a forma de atuar da Symnetics. O GET significava “Gestão Estratégica da
Transformação”, e tinha como propósito sintetizar a essência do que se buscava como
empresa: atuar muito orientado aos clientes e não em produtos, fundamentado num forte
relacionamento e entendimento profundo das sua necessidades, e buscando ajudá-los em
todo seu processo de transformação.
Com relação à abordagem de produtos ou soluções, usava-se o modelo de
Syndication, segundo o qual a empresa queria se posicionar como syndicator, que se
fundamentava em buscar e incorporar o que houvesse de melhor em termos de práticas de
gestão no mundo para atender as necessidades do cliente. Definitivamente o seria
propósito da organização desenvolver metodologias próprias, e sim congregar o que
91
houvesse de melhor em termos de práticas de gestão com o propósito de ajudar os clientes
em sua transformação. Extraído de um artigo da Harvard, escrito por Kevin Werbach, esta
era a essência do modelo, que contemplava também os originators e os distributors, além
do syndicator. Os originators eram aqueles que produziam conteúdo, no caso
metodologias e conceitos originais; os distributors somente vendiam ou distribuíam.
Consolidava-se também o modelo de trabalhar em rede com parceiros, e a Symnetics, com
o conhecimento do cliente e de suas reais necessidades, poderia construir uma solução
única para melhor atendê-lo, utilizando os melhores parceiros em determinados assuntos
ou práticas.
É interessante notar que o modelo, mais do que algo totalmente novo, de certo
modo resumia e fazia criar sentido em muito do que a Symnetics sempre foi. A questão da
orientação ao cliente e a habilidade de estar sempre buscando e adaptando melhores
práticas de gestão ao contexto do cliente, assim como a habilidade para desenvolver e
trabalhar com parceiros, parecia ter sido sempre uma constante na empresa. Características
que talvez tivessem sido deixadas de lado com o entusiasmo de surfar a onda dos ERPs.
Assim, nestas seções de planejamento estas essências foram de certa forma recuperadas e
reforçadas.
A Symnetics, apesar de não possuir um foco específico em planejamento
estratégico, buscava em todos os projetos em que atuava, fossem eles mais relacionados à
análise de processos ou à tecnologia, alinhá-los com a estratégia da organização. Havia
uma primeira etapa nas metodologias utilizadas, que era justamente entender a estratégia
da organização. Fosse qual fosse à abordagem, tanto num redesenho, com a metodologia
SWAM (Symnetics Wide Approach Methodology)
4
, como num Business Case, havia
sempre uma primeira etapa de entender, traduzir ou explicitar a estratégia da empresa. Esta
etapa era fundamental para garantir o alinhamento de todo o projeto. Na metodologia de
redesenho havia um instrumento chamado FEOM (Folha Estratégica de Objetivos e
Metas), e no método de BC, dentro dos 10 passos, o primeiro era entender ou definir as
diretrizes estratégicas da organização.
Apesar de usar estas ferramentas para traduzir e alinhar a estratégia da organização,
percebia-se que havia uma oportunidade de agregar mais valor aí. Para explorar melhor
esta interface entre estratégia e operação, ou entre a estratégia e os processos de negócio,
4
Em meados de 1997 a Symnetics consolidou suas experiências em redesenho de processos numa
metodologia própria que foi apelidada de SWAM.
92
estudavam-se alternativas. Os modelos até então existentes não eram suficientemente
robustos para isso. Nesta busca por soluções para melhor conectar as estratégias à operação
e seus processos, encontrou-se no Balanced Scorecard (BSC), conceito que vinha sendo
desenvolvido por Kaplan e Norton, um modelo interessante. Começava-se assim, como
uma paquera à distância, uma direção não totalmente planejada, uma nova onda na
Symnetics que, como veremos a seguir, a levaria a um outro patamar.
3.4
BSC
E
G
ESTÃO DA
E
STRATÉGIA
O BSC surgiu como conceito no início da década de 90, mais precisamente em
1992. No entanto, somente no final desta década as empresas começaram a adotá-lo
efetivamente. Em 2000, Kaplan e Norton lançam seu segundo livro Organizações
orientadas para a estratégia uma obra repleta de casos práticos de aplicação dos
conceitos. Os avanços empíricos registrados neste livro ajudaram a levar o BSC de um
modelo mais teórico e acadêmico de mensuração de desempenho para um modelo prático
de avaliação e gestão da estratégia.
No final da década de 1990, a Symnetics vinha estudando o BSC e tentando,
ainda que de forma incipiente, incorporá-lo em seus projetos para ajudar a traduzir e
explicitar as estratégias das organizações. Desde os seus primórdios, a metodologia
havia chamado bastante a atenção da empresa. Mathias se recorda de ter estudado o
modelo e de -lo usado dentro de um projeto na Embraco ainda no início dos anos 1990,
por estímulo principalmente do executivo Enersto Heinzelmann, que pediu a Symnetics
uma abordagem para gerenciar e aprimorar a estratégia.
No final da mesma década foram realizados dois projetos com foco primordial em
BSC, um na Embratel e em seguida outro na Suzano Papel e Celulose. Nestes primeiros
projetos, a ênfase ainda era em indicadores de desempenho. No entanto, vislumbrando o
potencial da ferramenta e do modelo, a Symnetics entrou em contato com o prof. Kaplan.
O primeiro contato foi um email, mas logo depois Mathias e Fanny Schwarz, consultora da
Symnetics na época, aproveitaram uma visita a Boston, cujo propósito inicial era reunir-se
com a Benchmarking Partners, e foram conversar com os criadores do conceito, conhecê-
los e apresentar seu interesse em trabalhar com um tema que ainda era muito novo no
Brasil.
93
Inicialmente não foi demonstrado muito interesse na parceria. A preocupação deles
no momento era se estruturar internamente, estavam recém-criando uma organização, que
seria a Balanced Scorecard Collaborative (BSCol), organização esta que teria a missão de
pesquisar e divulgar práticas de gestão relacionadas ao BSC. A prioridade dos professores
estava em tentar finalizar o desenvolvimento do que seria o primeiro curso específico de
BSC, apelidado de How To”. Este curso teria o propósito de estruturar e depois ensinar o
passo a passo da construção do BSC de modo que qualquer organização ou executivo
pudesse aprender a desenhá-lo, contemplando as principais etapas e princípios para se
construir o modelo. A Symnetics deixou explícito para os norte-americanos o grande
interesse no tema, e disse que assim que terminassem o desenvolvimento do curso e o
estruturassem gostaria de levar o conceito ao Brasil, e que de uma forma ou de outra
estava trabalhando com o tema na região.
Depois de algum tempo e de muita insistência, quando finalmente finalizaram o
material nos EUA no início de 2001, a Symnetics conseguiu trazer o conceito oficialmente
para o Brasil. Na verdade, trouxe o curso, que foi ministrado por consultores da Symnetics
em conjunto com um consultor norte americano da BSCol na Fundação Dom Cabral
(FDC). Este foi o primeiro curso oficial de BSC no Brasil, curso este que era certificado
pela BSCol e os criadores do conceito.
Não demorou muito e a Symnetics estava realizando importantes projetos de BSC
no Brasil, agora com uma abordagem muito mais ampla e completa, e com a metodologia
oficial, que havia sido recém-estruturada. Antes disso, ajá se usava a abordagem como
foi mencionado, mais de forma parcial e como parte secundária dentro de outros projetos.
Por coincidência, um dos primeiros clientes que resolveram implementar o BSC com essa
visão foi a Oxiteno, empresa do Grupo Ultra, com a qual a Symnetics já tinha um bom
relacionamento, e com a qual o sr. Max Mangels havia começado o negócio de botijões de
gás. O mundo realmente dá voltas...
Foi um projeto muito interessante, que envolveu fortemente os principais líderes da
organização. Outros projetos foram acontecendo e no final do ano seguinte a empresa
vencia, depois de um rigoroso e árduo processo, uma licitação para realizar a construção do
BSC na Petrobras, que foi na época o maior projeto de BSC do mundo.
Mais uma vez a Petrobrás voltaria a ter um papel importante na história da
Symnetics, desta vez não com o apoio na escolha de um sistema integrado de gestão, mas
ajudando a maior empresa do Brasil a estruturar seu processo de gestão da estratégia com o
94
BSC. Mais que um simples projeto, era quase que uma centena de projetos em uma única
organização,que foram desenhados 98 painéis estratégicos (ou BSCs) na empresa. Estes
projetos contemplavam todos os principais negócios da Petrobras e seus desdobramentos.
O curioso é que na discussão de planejamento da Symnetics, ocorrida dois anos
antes, havia o compromisso pela abordagem cunhada de GET, que tinha como implicação
para a empresa trabalhar com poucos clientes, justamente para poder ter muita intimidade e
foco centrado neles. A analogia feita até então era que se tinha um aquário com cerca de 20
clientes, com os quais iria se cultivar uma forte relação. Não era o objetivo da Symnetics
atender muitos clientes, e sim poucos, e com muita proximidade, para poder auxiliá-los em
seu processo de transformação, ou a serem mais competitivos.
O que aconteceu foi que, com a entrada da Petrobras, tinha-se uma baleia dentro do
aquário, um projeto gigantesco, que ao mesmo tempo em que dava fôlego para a
organização crescer, drenava recursos e deixava pouco espaço para atender os demais
clientes, que mobilizava grande parte da equipe. De toda forma, o projeto na Petrobras,
que durou quase dois anos, foi um grande sucesso, apesar do enorme desafio, e ahoje é
considerado uma referência em termos de grandes implementações de BSC no Brasil e no
mundo.
Ainda em 2002 foi realizado o primeiro Fórum Brasileiro de BSC, com a presença
de diversas empresas. Este fórum contou com uma centena de executivos e foi a semente
inicial do que se tornaria o BSC Latin América Summit. em 2003, a Symnetics
organizava o primeiro summit latino-americado, um grande evento realizado anualmente
com foco em BSC e gestão da estratégia. Este evento contou com quase 300 participantes,
executivos do porte de Jorge Gerdau Johannpeter, Edson Vaz Musa e outros presidentes e
executivos de diversas organizações latinas, além de muitos casos e apresentações de
David Norton e Robert Kaplan. Enfim, foi um evento muito marcante na história da
empresa, talvez mesmo o mais marcante de toda a sua história.
Um pouco antes de iniciar os trabalhos na Petrobras, a Symnetics iniciava um outro
projeto importante em sua trajetória, que foi em uma das unidades do Grupo Gerdau, em
Aços Longos. Este projeto acabou se tornando o primeiro de um forte e longo
relacionamento com esta empresa, tão reconhecida e admirada por sua excelência em
gestão. Diversos projetos de BSC foram posteriormente conduzidos no grupo, tanto no
Brasil como em suas unidades no exterior.
95
Além de Petrobras, Gerdau e Grupo Ultra, diversas outras empresas desenvolveram
projetos de BSC e gestão da estratégia com a Symnetics, tanto empresas que haviam
sido clientes da Symnetics no passado como novos clientes. Entre estes pode-se destacar
também um grande projeto na Siemens do Brasil. Mais uma vez percebe-se a história
dando voltas e as organizações voltando a se encontrar.
Nesta etapa, a empresa acabou expandindo suas operações para outros países da
região e se consolidou como referência no tema na América Latina. A parceria com a
BSCol deu tão certo que a Symnetics acabou influenciando o modelo de crescimento da
própria organização dos professores Kaplan e Norton. Através da aliança com a Symnetics,
eles perceberam que este modelo poderia ser replicado para outras regiões, assim a BSCol,
que até então era uma organização orientada somente para o mercado interno norte-
americano e sem grandes pretensões de internacionalização, acabou vislumbrando uma
grande oportunidade e replicou o modelo de parceria com a Symnetics com outras
organizações ao redor do mundo.
Nessa perspectiva, Mathias acabou sendo convidado para apoiar os negócios da
Palladium, uma holding controladora da BSCol na Europa. Essa oportunidade começou
com uma parceria com os professores para abrir um escritório na Alemanha. A Symnetics
com 50% e a BSCol, ou os profs. David Norton e Kaplan com os outros 50%. O que
parecia ser uma grande oportunidade para a Symnetics, já que ia começar a atuar na
Europa, transformou-se numa crise interna, já que Mathias, ao assumir este posto na
Europa, deixava a organização no Brasil, assim como os demais escritórios da Symnetics
na região. Ele se afastava da operação, deixava de ser executivo, mas continuava a ser o
principal sócio, mesmo sem participar do dia-a-dia dos negócios.
Ao sair, Mathias acaba deixando um buraco, já que parecia ser onipresente, atuando
próximo de muitas frentes. Ele era um grande catalisador e o principal líder regional. Era
ele que acabava sendo o articulador e integrador das diversas unidades regionais, o que
será melhor explicado na seção 3.5, quando tratamos do processo de internacionalização da
empresa. Este elo de ligação no processo de internacionalização foi coberto por Alejandro
Toculesco, sócio de Mathias, que com sua saída assumia a posição de COO, isto é, o
principal líder regional.
A unidade brasileira foi talvez a que mais sentiu a sua saída, já que ele sempre foi
muito presente na operação brasileira. Coincidentemente ou não, concomitante com sua
mudança para a Europa, alguns profissionais da organização no Brasil deixam a empresa.
96
Assim, apesar de se encontrar num excelente momento em termos de atuação de mercado,
internamente a Symnetics Brasil enfrentava outra crise. Isso ocorreu no final de 2004.
Em 2005, com a saída de Mathias, Alejandro assumiu o comando da região, e
Fanny Schwarz, que havia entrado na Symnetics como trainee em 1997, acabou assumindo
a operação do Brasil. Foi traçado um plano para retomar o clima interno, recuperar e
fortalecer a equipe, e foram definidas metas que suportavam um plano de crescimento para
os próximos três anos. Este plano acabou sendo muito bem executado, e o negócio no
Brasil se fortaleceu novamente, como indicaremos adiante na seção 3.6, que descreve com
mais detalhes o momento atual.
Educação
Cabe destacar que durante toda sua história a Symnetics sempre prezou muito sua
habilidade de capacitar e transferir conhecimento para seus clientes. Ao contrário de outras
consultorias, a Symnetics sempre acreditou que o projeto era do cliente e não seu, e que os
consultores eram apenas os facilitadores de um processo maior, durante o qual estariam
mais preocupados em fazer as perguntas certas do que entregar soluções prontas. Havia a
premissa de que qualquer projeto seria implementado e incorporado pela organização se
houvesse de fato transferência de conhecimento, se provocasse reflexões e se os conceitos
pudessem ser absorvidos pelos executivos que seriam protagonistas da construção de um
novo modelo de gestão para a empresa.
Acreditou-se sempre que mais vale construir junto com o cliente uma nova forma
de pensar e fazer a gestão do seu negócio do que realizar um trabalho de maneira
“asséptica”, e, ao término, lhe entregar um conjunto de relatórios e recomendações. Para
isso, a crença sempre foi de que as metodologias e ferramentas são um meio, e não um fim
em si mesmas; são somente alavancas de um processo de mudança ou da transformação
para as organizações poderem ser em geral mais competitivas.
Essa habilidade de transferir conhecimento e o forte pioneirismo em trazer práticas
de gestão para o mercado local e seus clientes fez com que a organização desenvolvesse
um outro negócio, além do principal de consultoria: o de educação de executivos. Um dos
primeiros embriões da educação da Symnetics foi o CIM College, em 1995. Ele tinha
como objetivo auxiliar executivos no debate de melhores práticas industriais, e os
benefícios de informatizar os processos empresariais para o seu monitoramento e
planejamento. Os executivos se encontravam uma vez a cada dois meses, e a Symnetics
97
possuía um gerente 100% dedicado ao tema. Alguns sócios desse projeto foram a AT
Kearney, a HP e a SAP, entre outros.
Em 2001 decidiu-se ampliar o alcance desta premissa de compartilhar o
conhecimento e aprender junto com o cliente, e investir nisso também como oportunidade
de negócio e geração de oportunidades para a consultoria. Nascia, então, a SymSchool, um
novo braço de atuação da Symnetics, voltado para a realização de cursos de capacitação e
seminários executivos, hoje chamado de Symnetics Educação.
O primeiro curso da SymSchool foi de o Customer Relationship Management
(CRM) com foco em call centerministrado por consultores da Symnetics nas instalações
da Fundação Instituto de Administração (FIA). Nesta época, o CRM também foi uma das
frentes de atuação. Era o final da transição, uma época em que havia aquela carência de
foco na atuação.
Mais adiante foi realizado o primeiro curso de capacitação em Balanced Scorecard,
o How Tomencionado acima. Uma curiosidade a ser relembrada é que este curso foi o
primeiro trabalho realizado em conjunto com a BSCol, e também serviu como um “teste”
para ser aceito como representantes de Kaplan e Norton no Brasil. Este curso evoluiu, e até
hoje existe, atualmente sob a denominação “Mapeando a estratégia com o Balanced
Scorecard”.
Essa unidade de negócio cresceu e se fortaleceu com todo um portfólio de cursos
com temas relacionados à gestão da estratégia, cursos estes que podem ser abertos para
diversas empresas, e o público em geral, ou fechado para uma única organização, e
também chamados também de in companies”, uma vez que normalmente são feitos sob
medida, ou customizados.
O negócio de educação de certo modo sempre existiu na Symnetics. Na época dos
redesenhos foram ministrados muitos treinamentos de ARIS ToolSet, e na fase dos ERPs
foram muitos e muitos cursos e palestras sobre Business Case e sistemas integrados de
98
gestão. Somente depois de 2001 esse foi oficializado como um negócio independente, e
passou a ter uma equipe dedicada para a coordenação de suas atividades. Passou-se a
investir no reforço da didática dos instrutores, os quais sempre pertenceram ao próprio
corpo de consultores da empresa, o que de certo modo sempre foi valorizado pelo mercado,
que os instrutores-consultores podiam levar não somente conceitos de maneira fria, mas
muitas experiências práticas para compartilhar.
O Grupo de Melhores Práticas (GMP)
Outra iniciativa pioneira da empresa foi colocar seus clientes para conversar e
intercambiar experiências sobre gestão da estratégia. A idéia foi criar uma comunidade de
executivos e organizações em geral no Brasil interessados em debater práticas avançadas
de gestão da estratégia, no sentido de adquirir, aprimorar e adaptar certos conceitos ao
contexto brasileiro. O que parecia uma idéia maluca e audaciosa no início, até porque
podia canibalizar” o negócio de consultoria, já que os clientes estariam aprendendo por si
mesmos e trocando experiências, tanto positivas como também negativas, mostrou-se um
verdadeiro sucesso.
Era uma quebra de paradigma dentro do mundo das consultorias, no qual o sigilo e
a confidencialidade muitas vezes é algo mandatório. E também significou uma quebra de
paradigma para as empresas, que partia da premissa que para funcionar o grupo deveria
abrir informações muitas vezes aíntimas das organizações, compartilhar não sucessos
mas também dificuldades ou fracassos. A Symnetics sempre acreditou nessa idéia. Mais
uma vez a organização inovava na maneira de atuar com seus clientes.
Esta iniciativa foi apelidada de GMP (Grupo de Melhores Práticas), e se expandiu
para outras organizações, não necessariamente clientes da Symnetics, e para outros países
da região em que a empresa possui escritório. Hoje trata-se de uma comunidade com cerca
de 30 empresas, entre as maiores da América Latina, que se reúnem periodicamente para
discutir práticas de gestão relacionadas à estratégia. Estes encontros são normalmente
bimestrais, e anualmente um encontro latino-americano que junta as diversas
comunidades, ou grupos de cada país, em uma só comunidade.
Esta mesma iniciativa deu origem a um livro, intitulado Gestão da estratégia:
experiências e lições de empresas brasileiras (Kallás & Coutinho, 2005), escrito
literalmente a quatro mãos entre a Symnetics e seus clientes, uma obra criada em conjunto
com a comunidade, que busca intercalar teoria e a prática através de uma série de casos e
99
relatos reais. Toda a receita resultante da venda do livro é doada a instituições de caridade.
Essa relação de parceria e até cumplicidade com seus clientes é motivo de orgulho na
empresa.
3.5
I
NTERNACIONALIZAÇÃO
A história de internacionalização da Symnetics se inicia na época dos redesenhos de
processos e do uso do ARIS Toolset, isto é, por volta de 1994-1995. O primeiro passo
deste processo foi acompanhar um de seus clientes, no caso a Unilever (na época Gessy
Lever), num projeto de análise de processos na Argentina.
Concomitante a este projeto, o sr. Piemonte havia realizado uma apresentação em
uma universidade de Buenos Aires, uma vez que ele tinha relações familiares com este
país. Um dos diretores da escola de negócios que abrigou a apresentação se chamava
Donadelo, e já era conhecido de Piemonte. Donadelo se encantou com o Aris e todo este
mundo de modelagem de processos, e propôs à Symnetics uma parceria, investigando a
possibilidade de trabalhar junto com a Symnetics, ou sejam representar a empresa na
Argentina. Mathias relatou assim este episódio:
“Olha, Piemonte e Mathias, eu estou montando uma empresa independente da
minha função aqui de diretor na escola e estou incorporando, assim, novas
metodologias de gestão e etc., e eu queria muito incorporar essa questão do Aris”.
discutimos, nos pareceu legal. “Vamos lá, Donabelo, vamos fazer isso!
(Depoimento).
Então, Donadelo viaja ao Brasil num final de semana juntamente com a esposa,
com o propósito de juntar-se a Mathias e Piemonte para discutir como se daria o negócio
na Argentina. Definiu-se que Donadelo seria um representante da Symnetics no seu país, e
passaria a ter uma participação no negócio e na sociedade.
No entanto, os dois primeiros anos da Symnetics na Argentina foram difíceis. O
negócio não andava. Vendiam-se alguns escassos projetos e começou a haver necessidade
de aportes extras de capital dos sócios. Afinal, com o negócio enfrentando muitas
dificuldades para avançar, e um certo desgaste no relacionamento, resolveu-se entre ambas
as partes que o melhor seria Donadelo deixar o negócio. Justo ao término deste período,
Alejandro Toculesco, que se tornaria sócio no futuro e uma pessoa importante do processo
de internacionalização, havia se integrado a equipe argentina da Symnetics, tendo se
100
encantado pelo tema do ARIS e processos antes mesmo que conhecer a empresa. Com a
saída de Donadelo, Alejandro, que recentemente havia ingressado na empresa, assumiu o
desafio de tocar o negócio da Symnetics na Argentina.
É interessante perceber como as histórias vão se juntando: as histórias das pessoas,
das empresas... Por vezes, casualmente, mas na maioria das vezes através de um fio
condutor. O modo como Alejandro se juntou a Symnetics ilustra este tema, que se repetiu
muitas vezes na história da Symnetics e com relação aos seus profissionais.
Alejandro havia ido complementar seus estudos na Alemanha. foi contratado
pela BASF, onde trabalhou por 6 anos. A BASF havia decidido implementar a SAP
primeiramente na Alemanha, e depois em todas as suas unidades ao redor do mundo, e
para isso montou uma grande equipe de consultores internos. No final, Alejandro ficou
com o desafio de coordenar a implementação na América Latina, e fazer a integração com
a Alemanha.
Ele já conhecia o ARIS na Alemanha, que a BASF havia usado este modelo para
documentar os seus processos e apoiar na implantação do SAP. Conhecia a mesmo o
prof. Scheer, a IDS e o ARIS, antes mesmo de entrar na Symnetics. Numa decisão pessoal,
Alejandro decide voltar a Argentina com a idéia de tornar-se independente e abrir uma
consultoria, quando foi contratado por uma distribuidora da Coca-Cola na Argentina que
queria redesenhar e ajustar seus processos. Alejandro entrou então em contato com o prof.
Scheer, e acabou sendo indicado por este a conversar com Mathias, conforme depoimento
abaixo:
O primeiro que eu faço, quando me contrata essa empresa na Argentina, é falar
com Scheer e dizer: “Olha, me contrataram para isso, eu conheço bem seu produto,
(eu já o conhecia por causa da BASF na Alemanha), e na verdade, eu gostaria de
trazer a representação do Aris à Argentina. Aqui eu tenho um projeto e vou utilizá-
lo...” Então, o Scheer me disse: “Olhe, eu tenho um representante no Brasil. Por
que não fala com o pessoal do Brasil e vêem o que podem fazer?”. contacto,
nessa época, o Brasil. Creio que a primeira conversa foi com Mathias, mas depois
quem veio para a Argentina foi o Aerton Paiva (Depoimento).
Foi assim que Alejandro acaba entrando em contato com a Symnetics,
incorporando-se a equipe, e finalmente assumindo um negócio que até então o avançava
muito. Em 1997, estando à frente do negócio, o enfoque da Symnetics na Argentina
muda um pouco, e se repete o ciclo que ocorreu no Brasil. Enquanto que nos primeiros
anos na Argentina o foco da Symnetics era de praticamente ser um representante da IDS,
101
do prof. Scheer, vendendo ARIS e alguns projetos de consultoria de redesenho, com o
passar do tempo este começa a migrar para Business Case e análises dos ERPs. Alejandro
conhecia muito bem o pessoal da SAP pelo seu tempo na BASF, e também, por sorte, tinha
uma relação pessoal com o diretor-geral da SAP na Argentina, que havia sido seu colega
de colégio.
Através da SAP, mas o dela como dos outros provedores como Oracle e
Peoplesoft, com os quais também havia uma relação muito boa, se venderam muitos
projetos de BC na Argentina. Ao final desta década, o escritório da Argentina também
começou a atuar ajudando empresas a estruturam seus planos de negócio (business plan)
para o mundo da internet. Assim, entre 1997 e 1999, o foco da Symnetics na Argentina foi
um pouco de processos, muito Business Case e um pouco de Business Plan para negócios
web. Este redirecionamento e a gestão de Alejandro permitiram ao escritório estruturar
uma boa equipe e alcançar bons resultados. Foi neste período também que começaram as
incursões da Symnetics pelo Chile.
Dado a excelente relação conquistada com os provedores de software na Argentina,
estes levaram a Symnetics ao Chile. Os escritórios dos provedores de software no Chile
respondiam na maioria das vezes para o escritório da Argentina, que havia se consolidado
na região, e a Symnetics foi muitas vezes contratada por estes provedores para fazer
projetos no Chile. Isto permitiu à Symnetics entrar e começar a atuar no mercado chileno.
Ou seja, muitas vezes nos contratavam da Argentina para fazer projetos no Chile,
porque eram projetos regionais e muitas vezes a SAP Chile chamava-nos por
recomendação da Argentina para irmos ao Chile para fazer projetos de business
case e todo esse tipo de coisa. Então, isso nos possibilitou entrar no mercado
chileno. Na verdade, não tanto porque o buscamos, senão porque o parceiro nosso,
nesse caso a SAP, nos pedia que fossemos também a Chile (Depoimento de
Alejandro Toculesco).
Ainda que de maneira mais reativa do que pró-ativa, a Symnetics começou a atuar
no Chile, primeiramente atendendo o país via o escritório da Argentina, e posteriormente
com escritório próprio. Num desses eventos de provedores de software, nos quais a
Symnetics era convidada ou muitas vezes contratada para palestrar, Alejandro conheceu
Julio Neme.
Neme tinha sua própria consultoria no Chile e se entusiasmou com a Symnetics,
questionando como poderia se relacionar ou representá-la neste país. Os primeiros passos
da Symnetics no Chile foram através dos provedores, especificamente da SAP. A partir de
102
então começam a surgir clientes próprios no Chile, mas tudo ainda gerenciado desde a
Argentina. Em um dado momento, Mathias e Alejandro cogitaram abrir um escritório no
Chile, e quando refletiam sobre esta possibilidade surgiu a oportunidade de trabalhar com
Julio Neme.
Julio já era um executivo experiente, que apesar de ser argentino de nacionalidade
vivia há muitos anos no Chile e conhecia muito bem o mercado local. Ele propôs uma joint
venture, uma sociedade, ao invés de Mathias e Alejandro abrirem um escritório do zero.
Julio iria colocar sua consultoria a serviço da Symnetics, consultoria esta que se chamava
Simplex, o que, por absoluta coincidência, era um nome até parecido com o da Symnetics.
E foi assim que, entre 2000 e 2001, a Symnetics abriu seu segundo escritório fora do
Brasil. Com o passar dos anos o negócio da Symnetics no Chile foi se consolidando e a
Simplex deixou de existir.
Em 1999, a economia Argentina começava a dar sinais de que iria sucumbir, o que
de fato ocorreu em 2000. Foi uma enorme crise econômica que afetou a todos. O país
praticamente entrou em colapso. E o escritório da Symnetics na Argentina, como não
poderia ser diferente, sofreu muito com a crise. Já em 1999 começavam-se a sentir os
efeitos do que viria ser a crise, e grande parte do sustento do escritório da Argentina
começou a vir do Chile. Entre 1999 e 2000, de 50% a 60% das receitas do escritório
Argentino vinham do país vizinho. Por isso, abrir o escritório do Chile teve um papel o
importante neste momento, não para “fincar o pé” neste novo mercado, mas também
para ajudar a sustentar a Argentina.
A investida da Symnetics no México começa também a partir daí. De fato, a crise
da Argentina foi o grande motivador para a abertura dos negócios no México. Alejandro
conta com precisão este acontecimento:
O fato é que em 2001 a Argentina estava em meio à crise total. Nós tínhamos uma
equipe nesse momento de mais ou menos 20 pessoas, e passamos uma crise muito,
muito forte. Realmente uma crise durante a qual por 3 ou 4 meses não se pagaram
os salários, ou seja, não havia consultoria, não havia projetos, não havia dinheiro,
não havia nada. O dinheiro que podíamos pôr já havíamos posto. Num dado
momento eu reúno toda a equipe da Symnetics na Argentina e digo: “Senhores, a
situação está muito mal! Não por conta da Symnetics, senão porque a Argentina
vivencia em uma crise terrível, e ninguém contrata consultoria. Assim, quem quiser
ir que se vá; quem quiser ficar que fique, mas saibam todos que não podemos pagar
os salários”. A duras penas, me lembro que fizemos um compromisso e definimos
que com o pouquinho de dinheiro que iria entrar seriam pagas as pessoas mais
necessitadas. Havia pessoas com um pouco mais de nível econômico e que podiam
agüentar sem cobrar salário, e havia pessoas com mais baixo poder econômico que
103
realmente necessitavam do dinheiro para comer. Então, chegamos a esse
combinado entre toda a equipe da Symnetics, e para algumas pessoas se pagava
com o pouquinho dinheiro que entrava, e para as outras pessoas não se pagava
nada. E tenho que ressaltar que ninguém se foi. Todos ficaram e disseram: “Esta
crise vamos passar todos juntos”. Então, um pouco levado pela crise, mas também
pela oportunidade, digamos, de uma empresa chilena que nos contratou para fazer
uma projeto no México, decidimos ir para lá.. fui para o México com uma
empresa chilena que nos havia contratado. (Depoimento).
Com esta oportunidade de estar no México para desenvolver um projeto de
Business Case para uma empresa chilena de explosivos para indústria de mineração,
Alejandro aproveita e realiza uma análise do mercado deste país. Ao voltar, Alejandro se
reúne com Mathias e propõe começar a atuar no xico. Discutem-se os prós e os contras
e, ao final, decidem que teriam que seguir adiante.
É interessante notar que justo neste período, entre 2000 e 2001, além da crise
Argentina que afetava fortemente a operação da Symnetics local, o escritório do Brasil,
onde a empresa havia nascido, vivia uma crise de identidade, sem um foco claro de atuação
e resultados fracos, o que tornava o cenário ainda mais desafiante, que aentão era o
escritório brasileiro que suportava os outros escritórios, tanto em termos de direcionadores
como em relação a abordagens e conteúdos. Apesar de o Brasil ser o escritório original, ele
nunca foi considerado a sede da Symnetics. As operações foram sempre bem
independentes, compartilhando práticas de gestão e clientes quando fazia sentido. O grande
elo de ligação sempre esteve na figura de Mathias, que era o sócio principal de todos os
escritórios, e o agente articulador.
Voltando à história, em 2001 a Symnetics começa a atuar no xico. O primeiro
escritório foi uma sala emprestada da Galderma, um cliente com o qual havia uma
excelente relação no Brasil. A empresa os estava auxiliando a montar um projeto de um
novo negócio na web, que seria um portal para os dermatologistas (Dermaweb). Este
acabou por se tornar um projeto latino-americano, o qual a Symnetics acabou não
ajudando a estruturar, mas entrando também com uma participação no negócio.
Sem muito capital para investir neste momento, começou-se no México bem
devagar. O primeiro projeto vendido acabou sendo em Honduras, depois da realização de
um curso de BSC no México, do qual também participaram algumas empresas da América
Central. Além desse projeto, Alejandro buscou explorar outras contas, ou referências que
havia no Brasil e que poderiam ser exploradas regionalmente. Foi então que surgiu o
primeiro projeto no México do escritório da Symnetics neste país, que foi com a Siemens.
104
Depois deste surgiu um segundo, um terceiro, e assim rapidamente o escritório do México
ganhou força.
Neste momento, a equipe argentina da Symnetics, que era formada por excelentes
profissionais, basicamente migrou toda para o México. Isso foi bom para a Symnetics, que
tinha excelentes profissionais para atuar na operação mexicana, e, melhor ainda, para as
pessoas, que passaram a ter alguma perspectiva, uma vez que neste período a situação
econômica da Argentina era infelizmente lastimável. Nesta época, brinca-se que acabou
ficando no escritório da Argentina apenas uma ou duas pessoas, para abri-lo e fechá-lo
todos os dias, tirar o pó e não deixá-lo às “moscas”.
Com o foco mais orientado para BSC e gestão da estratégia, com a liderança de
Alejandro e o apoio de toda a equipe argentina, o negócio do México se desenvolveu e
cresceu rápido, a ponto de em cerca de 5 anos chegar a ter mais ou menos as mesmas
dimensões do escritório do Brasil. Em 2002, o faturamento no México foi de cerca de 600
mil dólares; em 2003 subiu para 1 milhão de dólares; e em 2004 saltou para 5,5 milhões de
dólares, impulsionado pela venda de um grande projeto na PEMEX.
Aqui, mais uma vez, a história se repete. Dois anos antes, apesar de consumir
muitos recursos e energia da organização, um grande projeto de BSC com a Petrobras
negociado pela unidade brasileira deu certo fôlego financeiro para ajudar a organização a
se estruturar. De modo análogo, até a PEMEX, a operação mexicana crescia com recursos
próprios. Nunca foi da filosofia da empresa realizar grandes investimentos ou aportes de
capital, até porque este acabava sendo derivado dos recursos dos próprios sócios.
Parece sempre ter existido este paradigma de não se trabalhar com capital de
terceiros, ou outras fontes de financiamento. Assim, a PEMEX acabou sendo um
trampolim para o desenvolvimento da Symnetics no México, já que aentão a Symnetics
havia crescido no país com o orçamento próprio, com poucos recursos e muito risco. Este
projeto proveu a organização de energia, capital e segurança para melhor estruturar o
negócio no país e continuar crescendo. Em 2005 o faturamento foi de 7,5 milhões de
dólares; em 2006, 9 milhões de dólares.
Enquanto a unidade do México crescia e se desenvolvia, o negócio na Argentina
estava em compasso de espera, com sua a equipe toda desmantelada, atuando no México e
na América Central. À medida que a situação na Argentina foi voltando aos eixos, ou
melhor, à medida que o pior da tempestade havia passado, o país começou lentamente a
se recuperar e alguns consultores puderam voltar. Decidiu-se, então, que era hora de
105
relançar o escritório da Argentina. Pela primeira vez dentro da história de
internacionalização da Symnetic foi contratado um head-hunter para indicar um executivo
que assumisse a operação Argentina, tendo em vista que Alejandro estava no México e
teria uma posição mais de coordenação de todos os negócios. Em 2004 foi contratado Jo
A. Mostany para ser o responsável pelo negócio neste país, e neste mesmo ano ocorre o
relançamento da operação argentina. Por coincidência, Mostany também havia acabado de
chegar do México, onde era responsável pela HSM Management, e havia decidido que
era hora de voltar à Argentina com a família.
Neste meio tempo, com o crescimento dos projetos relacionados ao Balanced
Scorecard, e a parceria com a BSCollaborative cada vez mais fortalecida, começaram a
surgir algumas oportunidades na Colômbia. A Symnetics do Brasil tinha um consultor
colombiano casado com uma brasileira, e que vivia no país. Ele aproveitou a oportunidade
de estar na Colômbia realizando um ou dois projetos e apoiou a Symnetics na realização de
um estudo do mercado, ou seja, um plano de negócio detalhado analisando os riscos e
oportunidades. Além do relacionamento com algumas contas na Colômbia, a Symnetics
havia desenvolvido um relacionamento muito bom com uma empresa chamada
Seminarium, uma empresa que atua com eventos em diversos países latino-americanos.
Assim, Mathias e Alejandro, decidiram contratar um executivo local para tocar o
negócio neste país, e, assim como foi feito na Argentina, encontrou-se, através de um
head-hunter, Willy Mayenberger, que assumia a operação colombiana. Nesta ocasião, pela
primeira vez dentro deste processo de internacionalização da Symnetics, havia sido dado
um passo de forma mais planejada e estruturada, com base em um planejamento detalhado,
ao contrário das outras unidades, nas quais o processo de internacionalização foi
acontecendo de forma mais natural, e não totalmente deliberado.
Paulatinamente, a Symnetics conquistava uma posição de destaque na América
Latina, com escritórios no Brasil, Argentina, Chile, xico e Colômbia. Um dos poucos,
para não dizer raro, caso de empresa brasileira de serviços a se internacionalizar.
Atualmente as operações da Symnetics fora do Brasil somadas são maiores que a operação
local.
Com esta dimensão surgiu o desafio da integração. A coordenação do processo de
internacionalização da Symnetics esteve sempre concentrada nas os de Mathias e
Alejandro. Eram eles que, afinal, tomavam as decisões e que tinham uma responsabilidade
latino-americana. Os demais executivos estavam concentrados cada um em seu escritório.
106
Em 2004, tomou-se a decisão de buscar integrar mais as unidades, resultando num fórum
latino americano (LATAM), um encontro trimestral que reuniria os principais executivos
de cada país.
No entanto, o processo de internacionalização da Symnetics o parava por ai.
Mathias e Alejandro sempre muito empreendedores sonhavam em abrir uma unidade da
Symnetics na Europa. Durante um tempo, pensou-se em abrir um escritório da Symnetics
na Espanha e Portugal, escritório este que por diferentes motivos nunca saiu do papel, ou
melhor, nunca se tornou realidade já que era apenas uma idéia solta e que estava mais na
mente dos principais líderes sem jamais haver um plano formal.
Como o negócio na Espanha e Portugal tornou-se mais difícil, já que a BSCol havia
encontrado um parceiro por lá, Mathias e Alejandro pensaram em se estabelecer na
Alemanha. Os dois falavam alemão fluente, haviam vivido na Alemanha, e acreditaram
que esta poderia ser uma boa oportunidade.
Neste momento, a parceria com a BSCol estava mais do que consolidada. Os
professores Kaplan e Norton se sentiam muito à vontade com a Symnetics, e consideravam
a empresa uma grande referência em gestão da estratégia e BSC na América Latina.
Usavam a mesmo do conhecimento gerado pela Symnetics em algumas de suas
publicações. Eles viam no modelo que se consolidou com a Symnetics, ainda meio que por
acaso, como um modelo de crescimento e internacionalização da BSCol no mundo. Assim,
Alejandro e Mathias propuseram aos professores montar um escritório na Alemanha, do
qual a Symnetics teria 50% de participação e a BSCol os outros 50%. Nesse sentido, a
Symnetics deu mais um passo na sua internacionalização, este talvez maior que as próprias
pernas, mas motivado por um incansável espírito empreendedor. Faltava decidir quem iria
tocar este negócio na Alemanha, Mathias ou Alejandro, que ambos eram os únicos que
tinham condição de fazê-lo. Alejandro resumiu assim esta decisão:
Era uma noite em uma trattoria, em um restaurante em Boston, em um restaurante
italiano de massas. Fomos comer eu e Mathias um fettutine com vinho e discutimos
quem poderia ir de nós dois. Então, fizemos os prós e os contras de cada um.
Afinal, que poderia ir qualquer um de s dois, acreditamos que o Brasil estava
maduro para poder seguir operando sem o Mathias, e que o México ainda não
estava afiançado como organização. Então decidimos que eu seguiria
desenvolvendo o México, e que faria um pouco cargo da América Latina, e
Mathias iria para a Alemanha. Essa foi então uma decisão tomada em uma noite
acompanhada de vinho tinto e fettutine (risos). No dia seguinte apresentamos isso a
Norton e ele achou fantástico, e assim iniciamos nossa joint venture com eles na
Alemanha (Depoimento).
107
Uma vez na Alemanha, Mathias acabou assumindo uma posição dentro da
BSCollaborative como vice-presidente, com o desafio de ajudar a BSCol em todas as suas
operações fora dos EUA, incluindo sua expansão pela Europa e também para a Ásia. Hoje,
Mathias vive em Londres, e continua sendo o principal sócio da Symnetics, juntamente
com Alejandro, ainda que não atue mais como executivo da empresa, fazendo parte
somente de um recém-formado “conselho”.
Mas a história de internacionalização da Symnetics não termina aí, com referências
como Petrobras e PEMEX. A Sonangol, a maior empresa angolana, se interessou muito
pelos trabalhos da Symnetics. Eles haviam participado de um BSC Summit no Brasil, e se
encantado com os casos brasileiros, principalmente com a Petrobras. Ao final de 2006
acabou se fechando um contrato importante com esta empresa, contrato este que acabou se
ampliando e derivando para outros trabalhos no país. Com um país recém-saído de uma
longa guerra civil, e com necessidade de se reconstruir quase que por completo, crescendo
a taxas de quase 20% ao ano e com certa familiaridade cultural e lingüística com o Brasil,
dado a colonização portuguesa, a Angola acabou se tornando uma grande oportunidade
para a Symnetics. Além da Sonangol, a Symnetics acabou desenvolvendo outros trabalhos,
como com o Ministério da Agricultura deste país. também uma referência brasileira, que
antes a empresa havia realizado um grande trabalho com o Ministério da Agricultura
brasileiro. Deste modo, ainda em 2007, e depois de muitas discussões, resolveu-se, apesar
de todos os desafios logísticos e burocráticos, abrir um escritório em Luanda, a mais
recente unidade internacional da Symnetics.
3.6
M
OMENTO
A
TUAL E UM
P
OUCO DA
V
ISÃO DE
F
UTURO
Neste último, ou melhor, mais recente ciclo, a Symnetics se profissionalizou, com a
saída de seu sócio-fundador das operações em 2004 e os escritórios comandados por
executivos contratados. No início de 2005 foram elaborados para cada escritório planos de
negócio para os próximos três anos, e definidas metas por país.
Cada escritório sempre possuiu muita autonomia para definir suas próprias
estratégias, No entanto, pela primeira vez na história da organização, existiam metas claras,
tanto em termos de crescimento como de rentabilidade, e os meios para se chegar eram
discutidos unidade a unidade. Essa pressão por metas, e acompanhamento de resultados
108
trimestrais, era uma característica nova para organização, que de certo modo foi bastante
influenciada pela parceria com a BSCollaborative, parceria esta que ao mesmo tempo em
que ampliava o acesso a pesquisas e referências e fortalecia a marca da Symnetics nos
diversos países onde atuava, também trazia uma cultura mais norte-americana de gestão,
com metas claras de crescimento, pressão por resultado trimestrais, e, pode-se dizer
também, uma visão de mais curto prazo.
Isso é interessante, pois não deixa de ser um paradoxo importante que a
organização passou a viver. De um lado, uma maior disciplina e cobrança por resultados
que parecia ser saudável para o negócio, que até então este sempre teve características
mais orgânicas. Mas, por outro lado, esta mesma característica parecia limitar os
investimentos e o estímulo a pensar em termos de longo prazo.
No Brasil foi traçado um plano agressivo de crescimento que visava consolidar a
proposta de valor de ser uma organização especialista em execução da estratégia,
possuindo várias referências e casos concretos de sucesso, com forte compromisso com a
mudança e transformação de seus clientes, uma metodologia sólida em Strategy Execution,
e buscando sempre transferir conhecimento para seus clientes e parceiros. Este plano
continha três grandes ondas de implementação:
Onda 01 (2005) Reconstruir a casa e a equipe (clima e quadro de
Profissionais)
Onda 02 (2006) – Investir na eficiência e melhoria dos processos (ênfase no
comercial)
Onda 03 (2007) Colher os resultados, investir na integração e sinergias
entre as funções e fortalecer o foco do cliente.
A primeira onda tinha o objetivo de recompor a equipe, que no final de 2004,
como citado, além da saída de Mathias a empresa perdeu pessoas importantes, o que
abalou um pouco o clima. Numa segunda onda, com a casa arrumada, a idéia era
empreender importantes esforços comercias e de entrega de projetos, buscando melhorar a
eficiência da operação e de seus processos. E, por último, na terceira onda, colher os
resultados e investir ainda mais na relação com seus clientes.
O plano de três anos traçado pela organização no Brasil foi muito bem executado, e
a organização cresceu quase 100% em receita neste período, além de ampliar seu escopo
de atuação, tanto em termos de mercado como de práticas de gestão. Em relação aos
segmentos de atuação, cabe destacar uma atuação mais forte na esfera pública, para a qual
109
foram realizados dezenas de projetos que trazem grande satisfação para organização pelo
seu aspecto social de contribuir para o país e ajudar a melhorar sua gestão. Como exemplo,
foi realizado um belo projeto no Ministério da Agricultura do governo Lula, no governo do
estado do Rio Grande do Sul, na prefeitura de Porto Alegre, etc. Hoje, este segmento é o
segundo em importância em termos de receitas para organização, só perdendo para o
segmento de energia, que contempla as empresas de petróleo. Além deste, a Symnetics
também tem uma atuação em organizações o-governamentais (ONGs), instituições e
confederações, como, por exemplo, no bonito projeto chamado “Todos Pela Educação”.
7
Também houve outro, na Confederação Nacional das Indústrias (CNI), no qual a
Symnetics ajudou a construir o “Mapa Estratégico da Indústria Brasileira”,
8
entre tantos
outros que muito orgulham a empresa.
Neste meio tempo a empresa continuou sua trajetória de busca de melhores práticas
de gestão. Num evento realizado em São Francisco, nos EUA, em 2004, alguns diretores
da Symnetics participaram de um fórum internacional de BSC o North América BSC
Summit. Neste evento tiveram oportunidade de ver uma apresentação que entusiasmou
muito a equipe. Era Francis Goulliart, consultor internacional de estratégia e inovação em
empresas nos EUA, Europa, China e Índia, que fizera uma apresentação reforçando a
importância da inovação na definição da proposta de valor das organizações para a
construção dos mapas estratégicos. A paquera com Francis rapidamente se transformou em
namoro, com sua vinda ao Brasil e sua ajuda em alguns projetos. Ele estava trabalhando
com outros professores do INSEAD numa nova abordagem para trabalhar estratégia, a de
“inovação de valor”, que daria origem ao livro Estratégia do oceano azul, de Kim e
Mauborgne. A Symnetics mais uma vez se antecipou e acabou ajudando a trazer o conceito
ao Brasil, tendo participado da tradução do livro e escrito o prefácio da edição nacional.
O interesse pelo tema da inovação se fortalecia. Francis acabou se aproximando
nos EUA do prof. Venkat Ramaswamy, da Michigan Business School, e de Prahalad,
7
Em setembro de 2005, representantes da iniciativa privada, educadores, economistas, comunicadores e
gestores blicos da educação passaram a se reunir para discutir caminhos e alternativas para a efetivação do
direito à educação pública de qualidade no Brasil. Assim nasceu o compromisso Todos pela Educação”,
uma mobilização nacional aberta à participação de todos em prol de uma meta comum, acima de interesses
classistas, corporativistas ou político-partidários.
8
O Fórum Nacional da Indústria da CNI mobilizou, ao longo de seis meses em 2005, dezenas de
organizações e empresários para uma reflexão sobre o futuro da indústria no Brasil. O resultado desse
trabalho é o “Mapa Estratégico da Indústria”, que define objetivos e programas capazes de transformar o
Brasil numa economia competitiva. Para tal, a indústria propõe um conjunto de ações interligadas que
possibilitam o crescimento sustentável e a geração de empregos.
110
talvez um dos mais respeitados gurus em estratégia da atualidade, que estavam também
desenvolvendo uma abordagem relacionada ao tema da inovação. Era o Experience Co-
Criation (ECC), ou a co-criação de experiências com os clientes. O desenvolvimento deste
conceito deu origem ao livro O futuro da competição, escrito pelos dois autores. A
Symnetics se encantou pelo tema, e, mais uma vez, como na época dos processos ou das
análises de sistemas e do próprio BSC, foi a pioneira ao trazer o conceito ao país,
realizando apresentações e desenvolvendo os primeiros projetos no Brasil.
Por fim, a Symnetics reforçou sua rede de parcerias internacionais, consolidando
uma aliança com a Experience Co-Creation Partnership, organização que acabara de ser
fundada pelo prof. Venkat Ramaswamy e Francis Goulliart. Essa aliança tem a missão de
assegurar a aplicação e disseminação na América Latina dos conceitos e práticas
relacionadas à co-criação de experiências para formulação de estratégias inovadoras nas
organizações. A Symnetics não parou aí, e acabou juntado os dois conceitos, o de inovação
de valor e do ECC em suas abordagens. Aliás, esta também parecia ser uma forte
habilidade da organização: agarrar os melhores conceitos e práticas de gestão e fazer a
mistura mais adequada para atender as necessidades dos clientes.
Ou seja, nos últimos anos a organização se consolidou, tanto no Brasil como na
América Latina, graças a diversos projetos bem-sucedidos e um profissionalismo maior na
gestão que marcaram esta etapa. Por outro lado, a parceria com a BSCol, que havia se
fortalecido muito nos últimos anos, acabou deixando a organização num estado de letargia
em relação a pensar e planejar o futuro, já que muitos dos direcionadores vinham dados
de fora. Em 2007, esse ciclo de certa forma se quebra, ainda que o relacionamento com a
BSCol, agora Palladium, tenha continuado forte e sólido. No entanto, a Symnetics decidiu
que iria caminhar em direção ao futuro com suas próprias pernas, sem um vinculoo forte
e direto com a organização norte-americana. Começa aqui talvez uma nova etapa na
história da organização.
A Symnetics é uma empresa que sempre soube lidar bem com as mudanças, e
talvez tenha aprendido a mudar constantemente. Alguns dizem que a empresa tem a
capacidade de gerar suas próprias crises, se antecipando a possíveis ou futuras crises.
Quando a organização parece estar navegando por mares tranqüilos, o grupo de gestores,
inconformado por natureza e no bom sentido da palavra, busca criar, ainda que de forma
não totalmente estruturada, sua própria crise para repensar o caminho. Cabe aqui, no final
desta bonita história de empreendedorismo, profissionalismo e paixão por reinventar-se,
111
deixar algumas reflexões sobre o futuro da organização. Ainda que o propósito da escrita
do caso seja reconstruir a história e não prescrever um futuro, cabe apontar alguns aspectos
da visão de futuro que começa a se desenhar.
Numa das sessões de planejamento foi utilizada a referência abaixo para reforçar
um conjunto de atributos do modelo da organização que se vislumbra, mais orientada para
um “gestor de conhecimento” do que para um “gerador de conhecimento”:
“GERADOR DE CONHECIMENTO”
“GESTOR DE CONHECIMENTO”
FOCO
Conhecimento do negócio
do cliente
Conhecimento das necessidades dos
clientes
ESTRUTURA Verticals/Por segmento Parcerias globais e locais
ENTREGA Prescrição Alinhamento e mobilização
COMPORTAMENTO
“Tabela de calorias” “Mudança de hábitos alimentares”
Quadro 3.1 De gerador de conhecimento para gestor de conhecimento
Além desse conceito, que aponta mais na direção de uma proposta de valor que
parece sempre ter existido na organização, reforçando o tema da criação de sentido nos
momentos de planejamento, também se iniciou uma reflexão sobre um novo modelo de
consultoria, no qual a relação com os clientes, com as abordagens e métodos, e com os
próprios consultores seria diferente. O quadro abaixo ilustra este modelo:
ATUAL FUTURO
PROJETOS
PARA CLIENTES
EXPERIÊNCIAS COM OS
CLIENTES
COM MÉTODOS
PROPRIETÁRIOS
CÓDIGO ABERTO
PRODUTOS
E SERVIÇOS
APRENDIZAGEM
Quadro 3.2 Modelo futuro
112
Apesar da abordagem de entrega da Symnetics ser mais calcada na “mudança de
hábitos” do que numa “tabela de calorias”, o modelo atual da empresa e das consultorias
em geral foi o de desenvolver projetos para clientes. Num extremo, o que a empresa
visualiza é uma consultoria sem projetos, sem clientes e sem consultores, onde os papéis se
misturam, num intercâmbio constante e crescente de experiências, utilizando-se dos mais
diversos conceitos que estarão disponíveis numa estrutura em rede, que terão código
aberto, sem copyrights ou royalties, no qual mais do que produtos será construída uma
aprendizagem através da troca de experiências.
Neste modelo, o negócio de consultoria e educação se misturam, e tornam-se uma
coisa só, que visa promover aprendizagem através de uma co-criação de experiências entre
os clientes, a empresa e sua rede de parceiros. Talvez já não faça sentido chamar esse
negócio de consultoria; talvez tenha outro nome, como “construtoria”. De toda as
maneiras, não se sabe ainda exatamente como será essa organização no futuro. O que sim
parece haver em termos de consenso é que ela será bem diferente do que é hoje. Não em
sua essência, que parece sempre voltar à tona em toda reflexão estratégica, mas sim em sua
forma, modelo e estrutura de negócio.
Finalmente, para o propósito do trabalho em questão, pouco importa como se
exatamente este modelo no futuro, ainda que o tema apresente potencial para um belo
projeto de pesquisa. O que sim é relevante, tanto para o estudo como para a organização, é
entender que a transformação faz parte do processo, e que a organização no futuro
naturalmente será diferente do que é hoje. Não porque hoje não se goste da organização
como ela é, pelo contrário; mas porque até para sobreviver e continuar crescendo terá que
vivenciar um novo ciclo. E talvez ter a consciência de que possuir essa habilidade faça a
viagem parecer mais tranqüila. É como estar num trem em constante movimento, tendo-se
somente uma idéia do destino, sem estar totalmente seguro de como exatamente este será.
Mas desfrutando do caminho, que os trilhos por onde passam parecem ser sólidos,
fundamentados nas essências ou características marcantes da organização.
Tratemos de ousar entendê-las, ou melhor, explicitá-las, tendo consciência de que
esta análise jamais será completa, sendo influenciada pela ótica dos entrevistados e do
pesquisador. Espera-se somente que, tanto para a própria organização como para os
professores, alunos, executivos, ou pessoas em geral que venham a ler esta história, que
possam tirar suas próprias lições e aprendizados, e que estes possam ir além daqueles que
serão abordados no próximo capítulo.
113
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DOS CICLOS DE APRENDIZAGEM
ESTRATÉGICA
O segredo do sucesso não é prever o futuro, é criar
uma organização que prosperará em um futuro que
não pode ser previsto.
Michael Hammer
Uma vez descrita a história da Symnetics pode-se identificar claramente alguns
grandes ciclos de transformação pelos quais passou a organização, que neste trabalho
chamamos de “ciclos de aprendizado estratégico”, “aprendizagem de circuito duplo”, ou
ainda “aprendizagem por acomodação”, como conceituou Piaget (1996).
Para Piaget, a base da aprendizagem nas crianças está relacionada a estes dois
ciclos: a aprendizagem por assimilação e por acomodação. Para um bebê ou uma criança
pequena é muito fácil aprender por acomodação, que ela ainda tem poucas referências;
os primeiros passos, os primeiros sons ou palavras, perceber o seu próprio corpo, todo
um mundo para receber significado. com os adultos, cuja base do aprendizado consiste
no aprendizado por assimilação, torna-se cada vez mais difícil aprender por acomodação.
Talvez se possa fazer uma analogia com as organizações, que enquanto jovens, ou
ainda bebês, como tudo é muito novo torna-se mais fácil mudar ou transformar-se. À
medida que crescem, o desafio de incorporar este outro ciclo de aprendizagem parece cada
vez maior.
É interessante notar no caso em questão que cada novo ciclo parece durar ou ser um
pouco maior em termos de tempo que o anterior. Se o contexto muda cada vez mais rápido,
em tese esses ciclos deveriam ser cada vez mais curtos também. Assim, tanto para a
Symnetics como para as organizações em geral, ou mesmo para cada um de nós como
indivíduos, o desafio parece ser conseguir manter a capacidade de aprender, aprender
estrategicamente, por acomodação, aprender a desaprender, aprender para sobreviver e
viver para aprender.
114
A história da organização pesquisada mostra-se muito mais fundamentada num
forte espírito empreendedor e em estratégias emergentes do que em estratégias puramente
deliberadas ou planejadas de antemão. Fica evidente também que o caminho de forma
algum foi tranqüilo ou sem percalços, apesar de se tratar de uma clara história de sucesso,
que registra um caso raro no contexto nacional de uma empresa de serviços brasileira com
forte atuação internacional, reconhecida no mercado por sua seriedade e profissionalismo,
enfim, por ter conseguido chegar aonde chegou. Pelo contrário, parece ter sido percorrido
por uma estrada tortuosa, por vezes perigosa e com riscos.
Como um adolescente que se encanta pelo mundo e pelas opções que à sua
frente e tende a se perder um pouco, a organização parece também ter passado por isso em
algum momento em sua história, quando por volta do ano 2000 surgiu uma certa crise de
identidade complementada pela escassez de foco. Mas, assim como o adolescente, que com
o passar do tempo volta a reencontrar seu caminho, a organização parece ter feito o
mesmo, e seguiu mais forte e sólida do que antes.
É interessante notar também que parece haver duas grandes forças no mesmo
sentido, que ainda que pareçam contraditórias levam adiante a organização. De um lado
uma busca desenfreada por novas oportunidades e crescimento; do outro a busca constante
pela sobrevivência. A abertura do negócio do México ilustra bem este tema, entrando num
mercado enorme e cheio de oportunidades e ao mesmo tempo correndo da devastadora
crise econômica argentina. Independente do caso citado, parece que hoje o mundo das
organizações vive marcado por esta questão, quase que esquizofrênica, segundo a qual
todos buscam crescer para sobreviver.
O que alguns parecem esquecer é que muitas vezes é preciso diminuir para depois
voltar a crescer. É preciso se “auto-destruir”, ou abondonar certos modelos estabelecidos
para se reinventar. Quando a IBM decidiu se desfazer do negócio de computadores
pessoais, vendendo-o para os chineses,
1
num primeiro momento diminuiu de tamanho,
considerando seu faturamento. Mas acabou com essa decisão consolidando sua posição
como a maior empresa de serviços do mundo. Uma verdadeira revolução para uma
empresa que possui a palavra “máquina” no próprio nome (IBM Internacional Business
Machine).
1
Em 2005, a IBM vendeu sua divisão de PCs para a Lenovo.
115
Hoje, ao mesmo tempo em que se vislumbram oportunidades enormes num mundo
com amplo acesso – ao capital, a recursos, acesso ilimitado à informação, acesso a alianças
e parecerias em qualquer lugar do globo sempre uma série de ameaças pelo caminho
que desafiam a sobrevivência das organizações. Em estudo recente sobre demografia
empresarial realizado pelo IBGE, elaborado a partir de informações do Cadastro Central de
Empresas (Cempre 2005), mostrou que quase metade das empresas brasileiras criadas em
1997 deixou de existir oito anos depois. Segundo o estudo, que engloba registro de pessoas
jurídicas inscritas no CNPJ, do total das empresas criadas em 1997 observou-se que no
primeiro ano de vida cerca de 20% não sobreviveram. Após dois anos de criação, 27,2%
delas estavam com as portas fechadas, e, depois de oito anos, apenas 51,6% ainda
continuam ativas. Em 2005, 42% das empresas brasileiras tinham menos de cinco anos de
existência. Dentro deste contexto, a organização pesquisada, com quase duas décadas de
existência, pode ser considerada de fato um caso de sucesso. O desafio do pesquisador é
identificar que lições podem ser tiradas desta história que eventualmente se apliquem a
outras organizações.
4.1
I
DENTIFICAÇÃO DOS
P
RINCIPAIS
C
ICLOS DE
A
PRENDIZAGEM
Fica claro na história descrita que se a organização não tivesse se transformado, se
destruído e se reinventado diversas vezes, hoje o mais estaria viva. Aquela organização
que implantava sistemas de automação “de chão de fábrica” não existe mais, assim
como aquela que trabalhava com ARIS Toolset, ou mesmo a que se tornou referência no
mercado em análises de sistemas ERPs. Trata-se todos de serviços que a organização não
apenas não oferece mais, como o competências que não mais existem; um novo conjunto
de referências surgiu mais de uma vez nesta história, assim como novas premissas básicas
de atuação emergiram. Enfim, ao consideramos a definição de Kuwada (1998), de
116
aprendizagem estratégica como nível de aprendizagem organizacional que melhora a
capacidade estratégica da organização, muda suas premissas básicas e permite a ela um
novo conjunto de referências, fica explícito que esta talvez seja a única constante nesta
história, isto é, a habilidade de se transformar. Deste modo, parece se confirmar que a
organização estudada possui esta habilidade e que esta foi fundamental para a
sobrevivência da organização.
117
Figura 4.1 Grandes ciclos de transformação ou aprendizagem da empresa. Fonte: Dados da Pesquisa.
Automação de
Chão de Fábrica
Processos
Empresariais
Análise de
Sistemas ERPs
Gestão da
Estratégia e
BSC
???
Empresa
Nacional
Empresa
Internacional
Automação de
Chão de Fábrica
Processos
Empresariais
Análise de
Sistemas ERPs
Gestão da
Estratégia e
BSC
???
Empresa
Nacional
Empresa
Internacional
118
Na figura acima buscou-se explicitar os principais ciclos de aprendizado estratégico
da organização. Eles retratam os grandes saltos, ou transformações pelas quais passou a
empresa. A hipótese que está implícita no estudo é que se a organização não tivesse a
capacidade de aprender estrategicamente e se transformar continuamente talvez não tivesse
sobrevivido todos estes anos.
Um ponto importante a salientar é que estes grandes saltos, ou as rupturas com
modelos estabelecidos para um novo conjunto de referências, nunca foram eventos
instantâneos. Estes ciclos em geral levaram meses e alguns até anos para se consolidar.
Durante estes períodos, os modelos antigos e novos coexistiam até o momento do
abandono ou descarte total do antigo.
Outra questão a destacar é que os nomes usados para identificar os ciclos de
aprendizagem foram “apelidos” dados pelo autor, e poderiam eventualmente até receber
uma outra ou melhor identificação. Tratemos agora de explicitar cada um desses grandes
ciclos.
Um primeiro grande salto foi ao deixar o mundo dos hardwares para entrar no
mundo dos processos e de serviços de consultoria. Abandonar a venda de soluções de
comandos numéricos, venda e implementação de ferramentas e sistemas de chão de fábrica
para trabalhar mais e mais com processos empresariais. Este movimento não foi abrupto,
foi uma evolução natural. Claramente houve perdas de pessoas, competências e abandono
de partes do negócio, mas esse foi o preço para saltar para outro patamar.
Um segundo ciclo poderíamos entender como o do mundo dos processos para o da
análise de sistemas ERPs. Ele também aconteceu de forma gradual e com algumas
rupturas. Talvez a mais importante foi deixar o negócio de venda de softwares de
processos, que acabou culminando com o seu spin off e a criação de uma nova empresa no
Brasil, a IDS Sheer, que existe até hoje. Nesta transição, a organização se consolidou como
uma empresa de serviços, já que abandonou totalmente a venda de softwares. Nesta etapa,
com uma forte atuação em serviços, o escopo de atuação da organização se expandiu,
continuando a atuar em processos, mas passou a atuar também em diversas outras frentes.
Trabalhava-se com novas formas de organização, como organizações celulares, CRM
(Customer Relationship Management), análises de ERPs, e-business, planejamento
119
estratégico, e, naturalmente, com redesenho de processos. Entre todas essas soluções, a que
foi mais representativa neste momento foi a das análises prévias para implantação de
ERPs, tanto as análises de viabilidade (Business Case) como o apoio na seleção dos
parceiros (Partner Selection). Daí o “apelido” a este ciclo envolvendo este tema. Grande
parte das receitas e dos projetos da organização passou a vir destas soluções. Ao final deste
período, a diminuição das implementações dos sistemas ERPs e a ausência de um
posicionamento claro de atuação gerou a necessidade de um novo salto.
No terceiro ciclo de aprendizado houve uma grande reorientação, no sentido de
recuperar as essências e o foco da organização. Cristalizou-se a forte orientação ao cliente
e não a produtos; migrou-se mais e mais do mundo dos processos e sistemas para o mundo
da gestão das estratégias de negócio. Uma ruptura importante neste ciclo foi a decisão de
não vender mais BC e PS, mesmo com a insistência de alguns clientes que queriam esse
serviço. De modo algum essa foi uma decisão fácil, mas uma vez decidido seguiu-se em
frente com a nova proposta. Neste ciclo consolidou-se também a parceria com Kaplan e
Norton, que reforçou a imagem da empresa. Este ciclo foi longo, e poderia até ser dividido
em pelo menos outros dois ciclos menores: um grande salto, ao redor do ano 2000,
motivado por uma certa crise de identidade; e outro, entre 2004 e 2005, com a saída do
sócio-fundador do dia-a-dia dos negócios e uma maior profissionalização da empresa. De
toda forma, podemos considerar todo um grande ciclo de aprendizagem, que houve um
grande salto, a partir do qual se fortaleceu o posicionamento em gestão da estratégia com o
uso do Balanced Scorecard, foram criadas novas competências, e novamente houve o
abandono ou a destruição de antigas competências e serviços.
Talvez um quarto ciclo de aprendizado, que aconteceu em paralelo a estes dois
últimos, foi o da internacionalização, durante o qual as preocupações de uma empresa local
se transformaram em temas mais globais ou internacionais. Neste ciclo grandes esforços
foram empreendidos no sentido de ampliar as fronteiras geográficas de atuação da
empresa, na maioria das vezes suportando alguns de seus clientes neste processo. As
reuniões estratégicas e os fóruns de discussão mais corporativos passaram de uma hora
para outra a serem em outra língua, diferente do português. Foi necessário aprender a
trabalhar com uma maior diversidade cultural, realidades muito diferentes de mercado para
mercado, estágios de maturidade extremamente distintos de escritório para escritório.
Enquanto no Brasil havia uma organização madura, em outros países estava-se apenas
começando, e outros escritórios estavam no meio do caminho. Ter que trabalhar com estas
120
diferentes realidades, pensar em processos corporativos, o que deveria ser local e o que
deveria ser global, navegar num ambiente mais desconhecido, e com uma maior
dificuldade de manter os valores e cultura da organização, representou e representa um
grande desafio. Este, com certeza, foi um outro grande salto em termos de aprendizado, e
talvez ainda o tenha se encerrado. Mesmo tendo uma forte atuação internacional,
contemplando toda a América Latina, com uma maior participação no total das receitas
vindas de fora do que aquelas geradas internamente no Brasil, poder-se-ia dizer que este é
um ciclo ainda em processo, no qual muito que aprender quando falamos de uma
organização internacional, e não de um conjunto de organizações locais.
Considerando o momento atual, talvez a organização esteja no meio de um novo e
quinto grande ciclo. Busca-se agora ampliar a atuação em termos de serviços, considerando
novas abordagens como as relacionadas à inovação, novas geografias, como no continente
africano e em outros países em desenvolvimento, novos parceiros ou alianças estratégicas,
e, talvez o mais importante aspecto, a busca de repensar todo o prévio modelo de negócios.
Como dito anteriormente, definir ou prever como seeste novo e mais recente salto não é
o propósito do trabalho em questão, mas sim buscar entender melhor estes ciclos para
quem sabe, no futuro, estes possam ser facilitados.
É importante reforçar que estes grandes ciclos ou transformações não são
exatamente bem marcados no tempo, levando na maioria das vezes meses e anos para se
consolidar. E, como dito, nos momentos de transição na maioria das vezes houve dois
modelos andando em paralelo até um se consolidar e eliminar o anterior, até haver uma
ruptura. Se considerarmos cinco grandes ciclos em dezoito anos de existência, é como se
há cada três ou quatro anos a organização se reinventasse.
Me parece que foram ciclos de três anos ou um pouco mais, nos últimos anos
foram de três anos. A empresa teve a cada três anos que se replanejar. Mais do que
replanejar ela teve que conviver com mudança de foco. (...) de produto, de pessoas,
perfis, mudanças externas tipo acionistas e parcerias. Então, ela se re-configura
muito, e eu digo que isso é positivo para a empresa, e o que sobrevida a
empresa (Depoimento do Entrevistado n. 1).
Num cenário em que quase 30% das organizações o passa dos dois anos e as
perspectivas são justamente de ciclos de vida cada vez menores, fica aqui a pergunta: será
que a organização conseguirá manter este ritmo de transformação?
121
4.2
P
ROCESSO DE
E
VOLUÇÃO DAS
E
STRATÉGIAS E DOS
C
ICLOS DE
A
PRENDIZADO
Depois de identificado alguns grandes ciclos de transformação, cabe tentar entender
como estes se deram e que elementos foram importantes para que ocorressem. Tratemos
primeiro de compreender como se deu o processo de desenvolvimento de novas
estratégias, ou como essas principais transformações ocorreram. A figura abaixo tenta
ilustrar este processo:
Fig. 4.2 Processo de evolução das estratégias na organização pesquisada. Fonte: Dados da pesquisa.
O processo de evolução das estratégias na organização pesquisada parece muito
mais emergente e marcado pela criação de sentido do que deliberado ou totalmente
planejado. Este processo parece ter sido sempre puxado por uma visão maior, um sonho,
um grande norte fundamentado num forte espírito visionário e empreendedor. Baseado em
uma forte orientação ao cliente e numa boa tolerância a riscos, era possível experimentar
dando espaço para novas iniciativas, muitas das quais surgidas de forma emergente e não
totalmente planejadas.
Processo de Evolução das Estratégias na Organização
Espírito
Visionário
Criação de
Sentido
Decisão
Estratégica
Ciclo
de Aprendizado
Estratégico
Abandono de
experimentações
malsucedidas
Experimentação
Abandono dos modelos
preexistentes
(produtos, serviços,
parcerias, competências)
Reorientação
Estratégias
Emergentes
Processo de Evolução das Estratégias na Organização
Espírito
Visionário
Criação de
Sentido
Decisão
Estratégica
Ciclo
de Aprendizado
Estratégico
Abandono de
experimentações
malsucedidas
Experimentação
Abandono dos modelos
preexistentes
(produtos, serviços,
parcerias, competências)
Reorientação
Estratégias
Emergentes
122
A experimentação parece ter sido característica marcante deste processo. Essa
abertura permitia aos gestores perceber quais novas iniciativas ou estratégias pareciam ser
sólidas e quais deveriam ser descartadas. De um conjunto de experimentações bem-
sucedidas podia surgir uma nova direção que culminasse na necessidade de uma total
reorientação. Isso era resultado de uma decisão estratégica, que teria fortes implicações
para a organização, como o abandono de negócios, modelos, competências, parcerias, etc.
Essa é a característica da Symnetics: a experimentação. A gente precisa
experimentar para poder ficar ou abandonar. E essa experimentação requer um
tempo que pode ser de 6 meses, 3 anos ou 1 ano; mas sem a experimentação a
gente não consegue tomar a decisão (Depoimento do Entrevistado n. 2).
Ao reorganizar-se, naturalmente se buscava uma conexão com a visão e propósitos
iniciais, fechando o ciclo de aprendizado com a criação de sentido para essa nova direção.
Dava-se significado à mudança e reforçava-se a visão inicial. Desse modo, muitas vezes,
ao ter uma seção formal de planejamento ou de reflexão estratégica, o que era gerado era
muito mais a criação de sentido para muitas das ões ou mudanças que já estavam
ocorrendo na organização do que necessariamente a busca por novos caminhos, uma vez
que estes de uma forma ou de outra já haviam sido abertos na fase de experimentação. O
novo momento que se apresentava era apenas de canalizar as energias e rever a direção,
permitindo-se dar um novo salto.
Então, eu vejo muito assim: a gente faz acontecer e um tempo depois, um ou dois
anos depois, a gente senta e organiza o que a gente fez (Depoimento do
Entrevistado n. 1).
Como se percebe pelo depoimento transcrito abaixo, muitos dos grandes
redirecionamentos da organização surgiram no início de forma não totalmente planejada,
de maneira emergente, como no caso das soluções para processos empresariais. Na
verdade, a busca inicial foi com a intenção de encontrar melhores ferramentas para
automação de chão de fábrica, e de forma casual surgiu uma nova estratégia.
Na época foi por um acaso. Eu estava procurando uma coisa e encontrei outra, mas
na verdade fiquei com as duas: não quero uma, quero as duas. Quer dizer, depois
de muitas negociações, contratos, etc., ficamos com as duas. Então, entramos no
negócio de processo aqui [aponta o mapa com a linha do tempo], e
concomitantemente desenvolvemos uma solução de planejamento e controle de
123
chão de fábrica excelente, que vendemos muito bem... (Depoimento do
Entrevistado n. 3).
Relembrando, Morgan (1996) defende que uma forma de estimular a aprendizagem
estratégica é trabalhar com grandes condições de contorno, ao invés de alvos fixos e
predeterminados. Para o autor, quando metas e objetivos têm um caráter predeterminado,
tendem a levar a uma estrutura de aprendizagem em circuito único, desencorajando a
aprendizagem de circuito duplo. No caso da organização pesquisada, isto de certa forma se
aplica. A Symnetics parece ter sido muito mais motivada por essa forte visão e espírito
empreendedor do que por orçamentos ou planos formais. Também nesta história não
parece ter havido uma fixação por metas ou objetivos predeterminados. Percebe-se que as
transformações pelas quais passou a organização tiveram características muito mais
orgânicas e emergentes que mecânicas e predeterminadas.
Com relação ao processo decisório, apesar de não ser uma empresa enorme em
termos de porte, as decisões estratégicas também levaram tempo para amadurecer.
2
As
decisões entre deixar ou abondonar totalmente um ciclo e começar outro em geral levaram
muito tempo. Talvez por isso perceba-se que ao passar de um ciclo para outro essa
transição não é bem marcada na história. Alguns destes momentos de transição também
parecem ser marcados por tensões e eventuais crises.
Agora, mais difícil do que a decisão de entrar em um negócio novo, parece ter sido
sempre a de sair ou abandonar um negócio ou modelo existente. E talvez esteja de fato
um dos maiores desafios na aprendizagem estratégica: abandonar modelos estabelecidos.
No caso em questão, abandonar um determinado serviço não foi de modo algum
uma decisão fácil. Era como decidir destruir uma parte da história, abandonar não um
produto ou serviço, mas competências que implicam em eventualmente perder pessoas, as
quais não queriam ou não conseguiriam se adaptar ao novo contexto. Nas empresas de
serviços isso parece ser ainda mais difícil do que em outras organizações industriais, que
podem simplesmente vender um de seus negócios, uma de suas fábricas, ou a licença de
determinado produto, decisão esta que, uma vez decidida e executada, não tem mais volta.
Ainda que a dor, a sensação de perda, e a dificuldade no processo de tomada de decisão
2
Segundo Geus (1998), normalmente nas grandes organizações um processo de tomada de decisão
estratégica leva de 12 a 18 meses do momento que os líderes recebem um sinal até a ação. Lembrando que
não estamos falando aqui de decisões operacionais da empresa (ou de aprendizagem em circuito único), mas
sim de decisões de grande impacto estratégico.
124
sejam as mesmas, numa empresa de serviços é sempre mais fácil e tentador voltar a
oferecer um serviço.
É interessante notar também alguns pilares da organização que parecem
naturalmente ter sustentado este forte pioneirismo ao longo de sua história:
Fig. 4.3 Principais pilares do pioneirismo da organização pesquisada. Fonte: Dados da pesquisa
Todos os ciclos de transformação pelos quais passou a organização envolveram de
uma forma ou de outra alianças estratégicas, as quais, na maioria das vezes, foram
motivadas por uma forte orientação ao cliente. Buscando melhores soluções para atender
as necessidades dos clientes encontraram-se parceiros estratégicos que ajudaram a ampliar
o portfólio da organização. Outro ponto interessante a salientar é o elevado grau de
tolerância a riscos. A organização pesquisada parece ter sido sempre audaciosa ao propor e
trazer novos modelos, e isso quando muitos deles ainda não eram conhecidos no mercado
local e nem estavam maduros em seus países de origem, tais como o Aris Toolset, o
próprio BSC, e agora o tema do ECC.
Esta disposição ao risco fez a organização estar sempre aberta à experimentação e
novas abordagens, realizando “apostas” e correndo riscos por vezes ade forma pouco
conseqüente e sem muito planejamento prévio. Esta característica fez com que a
organização pudesse sempre fugir da “commoditização” de seus serviços.
125
Outro ponto interessante a salientar nesta história é que, apesar de uma forte
vinculação com parceiros estratégicos, nunca houve uma total relação de dependência; as
soluções da empresa nunca se restringiram somente às soluções de seus parceiros. Tanto
que alguns dos parceiros importantes nesta jornada simplesmente deixaram de existir ao
longo do tempo, enquanto a organização seguiu firme e forte.
Tratemos agora de explicitar algumas características marcantes da organização que
foram importantes nesse processo.
4.3
A
LGUMAS
C
ARACTERÍSTICAS
M
ARCANTES DA
O
RGANIZAÇÃO QUE
F
ACILITARAM A
A
PRENDIZAGEM
E
STRATÉGICA
À luz da fundamentação teórica, dos elementos lá identificados, das entrevistas e da
observação direta, foram identificadas algumas características marcantes da organização
que permearam praticamente todos os ciclos de aprendizado estratégico pelos quais passou
a empresa e que de alguma maneira foram importantes para que eles ocorressem.
Fig. 4.4 Identificação de características marcantes que permearam todos os ciclos. Fonte: Dados da pesquisa.
Mas, antes de explicitar estas características, um aspecto importante a salientar é
que os elementos identificados nem sempre tiveram a mesma intensidade ao longo do
tempo. Buscou-se olhar por uma perspectiva mais ampla e de largo prazo. Alguns destes
elementos ou características tiveram ênfases distintas em diferentes momentos, sendo mais
ou menos presentes dependendo da situação e do contexto da organização. Outro aspecto a
Análise de
Sistemas ERPs
???
Empresa
Nacional
Empresa
Internacional
Automação de
chão de fábrica
Processos
Gestão da
Estratégia e
BSC
Características marcantes culturais e de gestão que facilitaram o processo de
aprendizagem estratégica
126
considerar é que dado o tamanho da organização hoje, também é um desafio que estes
sejam totalmente uniformes em todos os lugares e países onde a organização atua. Nessa
perspectiva, eles possuem variações tanto no tempo como no espaço. De toda forma,
concentrou-se em aspectos que fossem genéricos e amplos o bastante, e que parecem ter
facilitado e muito o processo de aprendizagem estratégica e as várias transformações pelas
quais passou a organização.
Os principais elementos identificados foram:
Grande diversidade da equipe gestora;
Forte influência do sócio-fundador, no sentido de transmitir valores e
cultura;
Empreendedorismo em todos os níveis;
Liberdade com responsabilização, descentralização e senso de propriedade;
Flexibilidade na alocação de recursos, resultados financeiros como
conseqüência;
Processo de tomada de decisão baseado em consenso com forte troca de
modelos mentais;
Mais comunidade, menos hierarquia;
Habilidade para lidar e superar crises.
Tratemos agora de buscar entendê-los um a um.
Diversidade da equipe gestora
Como defendeu Quinn (1989), um dos pontos fundamentais para a ocorrência da
aprendizagem estratégica é a existência de um ambiente propício, ambiente este que
valorize a abertura e a flexibilidade, que favoreça a diversidade e que respeite diferentes
pontos de vista. É interessante notar que no caso em questão percebe-se um forte ambiente
de abertura. Trata-se de uma organização que apesar de um ter a figura clara de um dono,
sempre foi marcada pelo consenso, que teve sempre em sua equipe gestora, ou de líderes,
pessoas com características e perfis muito diferentes. Isto é de fato muito marcante na
organização. Ao longo de toda a sua história, desde sua fundação até os dias de hoje,
sempre existiu muita diversidade, perfis que se complementavam, que permitiam ter o
ponto e o contraponto, ter um equilíbrio maior na gestão. o que este convívio seja
sempre fácil, mas no sentido de respeito e entendimento das diferentes contribuições
127
individuais. Isto muitas vezes é raro em empresas familiares, com a figura forte do dono,
nas quais as decisões muitas vezes são tomadas de forma autocrática, e a verdade, ou visão
que impera é a de seu próprio fundador.
Forte influência do sócio-fundador, no sentido de transmitir valores e
cultura
O que dissemos acima não é o mesmo que afirmar que a organização pesquisada
não mantenha as características marcantes de seu sócio-fundador. Pelo contrário, a visão de
Shein (1992), que defende que liderança e cultura são duas faces de uma mesma moeda, se
aplica perfeitamente à empresa pesquisada. Percebem-se claramente na Symnetics traços
muito fortes em seu ambiente e cultura que são características do sócio-fundador. A
questão aqui é que essa influência sempre foi no sentido de transmitir valores, cultura e não
necessariamente a direção e o caminho a seguir, que era construído com o grupo.
Transmitia-se, isso sim, um sonho, de representar muitas vezes o espírito visionário que
puxava todo o processo, mas o a definição detalhada das estratégias ou ações a serem
tomadas.
Mathias sempre foi muito gentil, aberto e respeitoso com todos, fossem os outros
diretores ou sócios, consultores, as assistentes, ou a dona Maria, famosa na Symnetics por,
além de cuidar do café da equipe, manter o escritório limpo e ser muito querida. As vagas
no estacionamento nunca foram marcadas, e mesmo o lay-out do escritório sempre foi
muito aberto, facilitando a comunicação e a abertura. O sócio nunca teve uma sala isolada,
sua mesa esteve sempre acessível a todos.
Poder-se-ia aqui discorrer sobre as várias características marcantes de seu sócio-
fundador, e o quanto elas permearam e permeiam a cultura da organização, seja para o
positivo como também para o negativo. Seu principal líder e fundador sempre foi uma
pessoa muito orientada para o futuro, como se o passado tivesse pouco valor. Assim,
estava sempre recomeçando, como, por exemplo, todas as manhãs, ao regravar sua
mensagem eletrônica no celular. Uma pessoa com uma capacidade enorme de lançar e
começar coisas novas, com um desapego muito grande a questões ou mesmo decisões
tomadas anteriormente. Esta característica, por exemplo, permitiu a Symnetics estar
sempre se renovando. Por outro lado, por vezes ficavam temas em aberto, ou questões sem
serem concluídas. Desse modo, Mathias buscava ter sempre ao seu lado alguém mais
estruturador, que pudesse ajudar a finalizar e consolidar temas ou iniciativas abertas. E até
128
hoje os dois atuais sócios tem perfis bem diferentes: Alejandro, mais direto, objetivo e com
um perfil mais centralizador, é bem diferente de Mathias, mas, como sempre, de alguma
maneira com aspectos bem complementares.
Poder-se-ia desenvolver todo um outro projeto, explicitando o quanto a cultura da
organização está impregnada de traços da personalidade e estilo do sócio-fundador, mas
esse não é o propósito aqui. De toda forma, com certeza elementos importantes nessa
intersecção que levaram a um ambiente e uma cultura de estímulo à aprendizagem
estratégica.
Não para ignorar a figura que era o Mathias e que deve ser até hoje.
Primeiramente, o mundo para ele é do tamanho de um botão; o mundo para o
Mathias é tão simples quanto ir até a esquina e comprar um pãozinho. Eu acho que
tem esse lado. Eu nunca ouvi um “não” do Mathias. Ao mesmo tempo que ele era
assim, ele era um crítico, mas um crítico sempre construtivo. O Mathias nunca
fazia uma crítica destrutiva. Outra coisa: o Mathias tem outra qualidade que é rara
encontrar nas lideranças, que é você confiar acima de tudo. Primeiro ele confia. É
diferente do normal, que você desconfia até que me provem o contrário
(Depoimento do Entrevistado n. 4).
Empreendedorismo em todos os níveis
Ainda neste tema do ambiente e cultura propícia para a aprendizagem, o que
Shumpeter defendia como o motor da economia e das organizações, o empreendedor, ou o
espírito empreendedor parece ter sido sempre uma constante na história da organização
pesquisada. E isso não só na figura do dono, mas incorporado na cultura, com um ambiente
que favorece e incentiva “empreendedores” internos. Este tema foi defendido por alguns
autores, como o próprio Mintzberg, como fundamental para que ocorra inovação ou
estratégias emergentes, e, conseqüentemente, para que se a aprendizagem estratégica.
Um ambiente onde as pessoas possam trabalhar como empreendedores, além de mais
motivante, acaba sendo fértil para estratégias emergentes.
Na organização pesquisada parece que novas idéias, conceitos, abordagens ou
mesmo alianças e parcerias podiam surgir das mais diversas formas e fontes internas.
casos interessantes de novas iniciativas que surgiram a partir de um encontro, ou de um
jantar com algum consultor, como uma nova abordagem, um curso, ou uma parceria.
Segundo depoimentos, a iniciativa de Angola, o primeiro projeto no país, se originou de
um primeiro contato que aconteceu por casualidade num bar na Vila Madalena, entre um
129
angolano que buscava soluções relacionadas à metodologia de BSC e um parceiro da
Symnetics. Uma nova iniciativa de desenvolvimento de um programa de MBA em Gestão
da Estratégia surgiu de um jantar em que por coincidência estavam presentes um consultor
da empresa e um executivo de uma importante escola de negócio. Assim como esses,
vários exemplos de iniciativas, ou novas estratégias, que surgiram de forma emergente, e
que contaram com a participação de pessoas dos mais diversos níveis da organização. “Na
symnetics é interessante porque todos podem ser portadores de estratégias emergentes”
(Depoimento do Entrevistado n. 2).
Por outro lado, a organização parece ter sofrido também com o que Mintzberg
classificou como um “risco” deste ambiente de forte empreendedorismo, que é por vezes a
falta de foco, uma vez que novas idéias ou supostas estratégias emergentes podem tirar a
organização do eixo. Isto aconteceu, por exemplo, com todo o tema do e-business, ou em
diversas outras situações menores ou maiores. Este ambiente muito participativo também
por vezes torna o processo de tomada de decisão mais lento, causando algumas entropias
para a organização.
De toda forma, é interessante notar que ao longo de sua história, em maior ou
menor intensidade, dependendo da época, parece sempre ter existido um senso de
propriedade, de pertencer e poder fazer acontecer, de se sentir dono também do negócio,
ainda que de parte dele. Algumas destas características vão se perdendo à medida que a
organização cresce e se profissionaliza, e talvez o desafio seja recuperá-las.
Liberdade com responsabilização, descentralização e senso de propriedade
Outro ponto fundamental identificado na pesquisa bibliográfica e defendido por
diversos autores é o equilíbrio entre liberdade e controle. Para muitos, liberdade e
tolerância são fundamentais para aumentar as habilidades de aprendizado da organização.
Entretanto, é preciso que haja controle para manter sua coesão.
Olhando para o caso estudado, parece que a balança entre liberdade e controle
sempre esteve mais inclinada para o lado da liberdade, com grande ênfase na
experimentação, forte descentralização e um ambiente de confiança sem grandes
instrumentos de controle. Até pelo perfil do sócio-fundador, que, como bom
empreendedor, nunca foi muito do mundo do controle.
130
A Symnetics foi gerenciada, desde o seu começo até pelo menos quando eu saí,
com burocracia quase zero, mas isso tem a ver com as características dos
fundadores: o Mathias, burocracia não é com ele; controle, custos, tudo isso não é
com ele. Não sei como é hoje, com o passar dos anos pode ter mudado, mas na
época nenhum de nós dois tínhamos afinidades com essas coisas. O que nós
buscávamos era onde está o mercado, o que o mercado precisa, o que podemos
fornecer (Depoimento do Entrevistado n. 5).
A Symnetics parece ter exercitado a liberdade e a flexibilidade para inovar e se
reinventar a todo o momento. A organização nunca teve regras muito claras, políticas ou
procedimentos bem definidos. Parecia, sim, seguir um condigo de ética e de conduta,
muito mais influenciado pela figura de suas lideranças do que por políticas formais e
escritas. Talvez esta característica tivesse permitido a organização estar sempre se
reinventando. Por outro lado, esta excessiva falta de controle parecia ser de certo modo
contrabalanceada com aquele senso de propriedade e responsabilidade. Não precisava tanto
de controle, porque existia confiança e este senso de responsabilidade.
Por outro lado, com a organização crescendo, se internacionalizando e se
profissionalizando, estas características são minimizadas. Com o tempo o controle parece
se tornar mais e mais importante, o que talvez seja o preço do crescimento e do
profissionalismo. Nem todos se conhecem como antes, e parece ser necessário cada vez
mais normas e procedimentos. Evoluiu-se muito em relação às políticas, mas ainda assim
parece haver uma carência delas. Ainda mais para os novos, aqueles que entram na
empresa e vem de outros ambientes, muitas vezes de grandes organizações, ao chegar na
empresa encontram um ambiente muito aberto, informal, com fácil acesso às pessoas e
pouca estrutura e burocracia. Mal sabem estas pessoas que isso já foi muito pior ou melhor,
dependendo do ponto de vista; que isso tudo que percebem já foi muito mais marcado no
passado.
O desafio que se coloca aqui mais uma vez é como incorporar estes elementos de
controle, que são importantes, mas sem perder a identidade, a flexibilidade e a liberdade
que também foram tão fundamentais para a empresa conseguir se reinventar durante todo
esse tempo.
Ou será que a resposta não é de fato assumir menos controle, mas fortalecer e
resgatar a cultura de liberdade com responsabilização, uma grande descentralização e
autonomia, com um enorme senso de propriedade, e o orgulho de pertencer? Fica aqui a
reflexão.
131
Flexibilidade na alocação de recursos e resultado financeiro como
conseqüência
A flexibilidade na alocação de recursos está profundamente relacionada ao tópico
anterior. Alguns autores, como o próprio Quinn (1989), e Hamel (2007), entre outros,
defendem que a inflexibilidade na alocação de recursos é um grande obstáculo à inovação,
e que para a organização conseguir se adaptar e transformar ela deveria ter certas “folgas”
intencionais no sistema. Na organização pesquisada, este ponto não que fosse intencional,
mas até mesmo por não ser tão presa a orçamentos e planos muito detalhados naturalmente
havia flexibilidade para alocação de recursos. Assim, isso talvez fosse mais uma
conseqüência de sua cultura e forma de gerir do que algo intencional. De toda forma,
parece ter contribuído para a aprendizagem estratégica.
Outro aspecto interessante é como ao longo de sua história a organização tratou o
tema financeiro de geração de resultados. Sempre existiu e existe até hoje uma forte
preocupação com a sustentabilidade financeira do negócio e a geração de valor. Mas a
geração de lucro nunca foi o propósito maior da empresa. O sonho, a visão, o espírito
empreendedor, a coragem para assumir riscos e a orientação ou satisfação do cliente
sempre foram prioritários, sempre tiveram um papel protagonista.
Acho que tem um ponto muito importante e que determina tudo isso, que é a
relação que os cios e as pessoas tinham com o retorno financeiro que a empresa
deveria dar. Isso foi uma coisa muito importante. Durante os primeiros anos a
empresa trabalhou no breakeven, todos esses anos. Mas a gente sabia que o
breakeven vinha não por uma performance ruim da empresa, mas porque a gente
investia muito; proporcionalmente ao que a empresa faturava a gente investia
muito. Investia muito na internacionalização. Investia muito em coisa novas,
investia muito em parcerias novas... Eu acho que isso era uma coisa importante,
porque isso mata; uma empresa que está começando se voficar olhando muito
para o resultado que ela tem que dar, isso mata. Eu diria o seguinte: o resultado tem
que ser uma conseqüência, ele não pode ser uma meta (Depoimento do
Entrevistado n. 4).
Não que não exista na empresa uma forte preocupação com resultados, mas esse
não pode vir na frente dos clientes, da inovação, da aprendizagem, se não haveria pouco
espaço para a experimentação e o pioneirismo. Enfim, hoje talvez a organização também
sofra um pouco com esse que é um tema complexo e que impregna o mundo corporativo.
Uma forte pressão por resultados de curto prazo, em que o resultado do ano, quando não do
trimestre, é o grande objetivo, e a reflexão ou preocupação com as estratégias de longo
132
prazo muitas vezes tornam-se secundárias, para não dizer esquecidas. É provável que esse
seja também mais um dos fatores para contribuir com a diminuição do ciclo de vida das
organizações.
Processo de tomada de decisão baseado em consenso com forte troca de
modelos mentais
Um objetivo secundário deste estudo era entender melhor a relação entre o processo
de tomada de decisão e a aprendizagem estratégica. O processo de tomada de decisão nos
ajuda a compreender como de fato as intenções se materializam em ações, ainda que por
vezes isso o garanta a sua execução. É através dele que o planejamento e estratégias,
sejam elas deliberadas ou emergentes, tomam forma e se cristalizam para sua posterior
implementação. Por vezes, a falta de uma decisão por si diz muito. E às vezes as
coisas vão acontecendo e depois percebemos onde estamos, e que é necessário tomar
uma decisão.
Na organização pesquisada o processo de tomada de decisão parece haver sido
sempre marcado pelo consenso, num estilo de gestão participativo, no qual as decisões
estratégicas o tomadas no “colegiado”. Um processo na maioria das vezes lento” e
pouco analítico.
No que tange a grandes decisões estratégicas, de reorientação de rumo, parece que a
organização seguiu exatamente aquilo que foi descrito na revisão bibliográfica, quando se
coloca que o processo de tomada destas decisões raramente é um processo individual,
caracterizando-se mais como um processo coletivo, no qual as pessoas compartilham suas
visões e modelos mentais achegarem a um novo paradigma, ou mesmo quando um novo
modelo mental se forma graças às diversas interações entre os membros da equipe. São
idas e vindas até o modelo ir ganhando forma, um forma que passe a fazer sentido.
Não sei se é exatamente intuitivo. O interessante é que esses indícios nascem do
diálogo, nunca nasce da cabeça de alguém. Ele é construído, é uma riqueza muito
grande o diálogo para a empresa... A decisão é mais qualificada, mas desgastante.
A opinião vai mudando. Começamos a reunião com uma opinião e fechamos com
outra. Isso já aconteceu muito comigo algumas vezes. Nasce uma decisão, ninguém
tem a decisão, ela é construída (Depoimento do Entrevistado n. 1).
Uma oportunidade de melhoria que se percebe é buscar acelerar o processo de
tomada de decisão estratégicas. A hipótese que está implícita é que ao acelerar esse
133
processo permite-se diminuir os ciclos de aprendizagem estratégica. Lembrando que não
estamos falando de decisões operacionais e tampouco estamos falando de decidir rápido no
sentido de entrar na sala discutir pouco e tomar logo a decisão. Até mesmo porque neste
sentido sabemos que as decisões autocráticas são muito mais rápidas, ainda que não
necessariamente eficazes.
Estamos entendendo aqui o processo de tomada de decisão como do momento da
percepção de um sinal. Todas as discussões e diversas reuniões intermediárias nas quais o
tema é tratado antes de chegar a uma decisão final. E muitas vezes esta decisão final não
acontece necessariamente na sala de reunião; ela acontece a partir do momento que todos,
ou a maioria do grupo, teve a idéia amadurecida e começou a fazer sentido, quando um
novo modelo mental passou a ser compartilhado.
No caso em questão, pegando por exemplo a abertura de sua última unidade
internacional, o escritório na Angola, do momento inicial de percepção de que poderia ser
uma boa oportunidade até a decisão de fato levaram-se meses e meses. Ao final, durou
mais de um ano para amadurecer a decisão. Talvez esse fosse o tempo necessário para
minimizar os riscos do negócio. Por outro lado, gerou-se certo desgaste e insegurança com
relação à equipe que estava atuando no país. Assim, nem toda mudança importante ou
decisão estratégica poderá levar todo este tempo para amadurecer. É preciso buscar formas
de acelerar este processo. Talvez um maior uso de simulação e técnica de cenários como
objetos transicionais que representem possíveis realidades possa ser interessante.
Mais comunidade e menos hierarquia
Percebe-se claramente na organização pesquisada uma cultura não muito
hierárquica, com uma certa resistência a formalizar papéis, processos e procedimentos;
3
uma forte cultura de colaboração e apoio entre as pessoas, com a organização marcada pelo
trabalho em equipe. O coletivo sempre prevalece sobre o individual, até com certo exagero.
um “processo” espontâneo e informal de transferência de informação e conhecimento.
Por vezes, a organização parece se comportar muito mais como uma comunidade,
como no caso da crise argentina e da abertura do escritório do xico, quando um grupo
3
Serviu de insumo para esta análise dados extraídos de pesquisa realizada recentemente na organização sobre
gestão do conhecimento, apelidada de projeto ATENA. Relatório Final: Relatório Situacional de Gestão do
Conhecimento, maio, 2007.
134
de pessoas se juntou, discutiram abertamente os desafios e problemas, e juntos buscaram
encontrar uma solução.
Historicamente, as hierarquias têm sido boas para agregar esforços e coordenar
atividades. Mas elas não são muito boas para mobilizar esforços e inspirar pessoas a irem
além do que se espera. Quando se trata de mobilizar a capacidade humana, as comunidades
superam as burocracias em desempenho (Hamel, 2007).
Não que na organização pesquisada não exista hierarquia. Em qualquer
organização, por mais informal que seja, sempre irá existir. Mas os princípios que regem a
organização ou as relações entre as pessoas na organização estudada se parecem mais com
uma comunidade.
Em uma comunidade os resultados gerados são distribuídos para o grupo. Na
Symnetics a remuneração variável das pessoas sempre foi coletiva, não existindo uma
parcela individual. A capacidade e a disposição sempre valeram mais que as credenciais ou
a descrição do cargo no momento de determinar quem deveria fazer o quê, o que também é
uma característica da comunidade.
Na empresa parece difícil identificar quem é seu chefe”. Como se trabalha muito
por projetos, há um líder ou gestor do projeto. Mas as pessoas trabalham em vários
projetos. aconteceu de pessoas novas na organização, vindas de empresas mais formais
neste sentido, se perguntarem quem é o “seu chefe”, a quem elas deveriam responder.
Parece que as pessoas que de fato estão acostumadas a trabalhar com “chefes” estranham
ou até não se adaptam à cultura da organização.
Enfim, essa característica de comunidade parece ter sido uma constante na
organização, e parece ter sido importante nos momentos de transformação pelos quais
passou a organização. Talvez isso tenha feito o grupo saltar de um estágio a outro sem
grades traumas, de maneira evolutiva e não por uma determinação superior.
Habilidade para lidar e superar crises
Toda organização ou indivíduo já passou por momentos difíceis, por crises. Alguns
autores defendem que elas são muitas vezes o maior impulsionador para que as
organizações ou pessoas aprendam e se adaptem. Mas o gerenciamento através de crises
parece uma forma perigosa de gerenciar a mudança. O desafio está em como se antecipar
às crises, ou como tirar o melhor proveito delas. Como afirma Hamel (2007: 41):
135
É aí que reside o desafio: tornar a mudança profunda em um processo mais
autônomo; construir organizações capazes de auto-renovação contínua na ausência
de crise.
Segundo alguns depoimentos, a organização pesquisada tem a capacidade de gerar
suas próprias crises, ainda quando esteja tudo bem e o negócio pareça ir de vento em popa.
O grupo gestor possui a capacidade de questionar, mas este é de fato o caminho. Devemos
ir por aí? Esta capacidade de questionamento e autogeração de crise parece ter ajudado a
organização a se transformar. Ainda que ao longo desta história de quase 20 anos houvesse
crises de fato, que fizeram a organização repensar seu caminho, e estas foram, por vezes,
dolorosas e marcantes, houve sem dúvida uma capacidade de superação, de se reinventar.
Mas esta capacidade não aconteceu em momentos de crises; ela foi usada também ao
longo do percurso buscando antever possíveis tormentas ou tempestades. Isso porque
parece haver um espírito critico muito forte na organização, pessoas de perfil questionador
e que não se contentam com o básico, querendo ir sempre além.
É um grupo inconformado com o status quo, está sempre buscando alguma coisa,
nunca se conforma com a situação atual, nunca, nunca, nunca. Isso eu posso falar
que é um fato, está no sangue (Depoimento do Entrevistado n. 6).
Desse modo, parece que a organização pesquisada, além de saber lidar, sabe se
antecipar ou gerar suas próprias crises, e isso parece ter tido um papel fundamental na
ocorrência da aprendizagem estratégica.
Se não tivesse crise o negócio ficava chato. É uma empresa que cria crise. A
Symnetics é uma empresa e eu acho que isso é bom é uma empresa movida à
crise. Ela dá um jeito, a crise surge, e tudo vira motivo para essa crise, é incrível!
(Depoimento do Entrevistado n. 2).
Seria pretensão achar que foram esgotadas toda as características da organização, e
que esta pode ser definida assim, apenas com esses elementos. Não foi e não é o propósito
aqui fazer uma descrição ou definição da empresa. Simplesmente buscou-se olhá-la pelas
lentes da aprendizagem estratégica. E, através desta ótica, identificar elementos ou
características que eventualmente possam ter contribuído para este processo. Desse modo,
com certeza deve haver várias outras características tanto positivas como também
negativas que não foram exploradas aqui.
136
Por outro lado, olhando à luz da fundamentação teórica, percebe-se que em grandes
linhas praticamente todos os elementos apresentados puderam ser, em maior ou menor
intensidade, identificados na organização.
Primeiramente, percebeu-se um ambiente propício para estimular a aprendizagem
estratégica, um ambiente de abertura e flexibilidade. Com relação a trabalhar com
condições de contorno, ao invés de alvos fixos, ainda que de forma o totalmente
consciente, o processo de evolução das estratégias da organização se deu muito mais
através de uma visão e algumas condições de contorno do que através de planos e metas
muito detalhados. Também é possível perceber um ambiente participativo, no qual novas
estratégias podem emergir em todos os níveis. Com relação ao processo de tomada de
decisão, percebe-se um processo marcado pela busca de consenso, e que talvez pudesse
explorar melhor algumas ferramentas de simulação e cenários. Percebeu-se também várias
vezes a quebra do status quo, principalmente em relação ao foco de atuação da
organização. E, por fim, encontrou-se um ambiente em que os mecanismos de defesa e
modelos mentais o são tão rígidos, ainda que construir um novo modelo mental
represente sempre um enorme desafio.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de ser pai, eu tinha seis teorias sobre como
criar filhos. Agora tenho seis filhos e nenhuma teoria.
John Wilmot
As teorias e práticas da administração em geral nos ensinaram a como produzir
mais com menos. Aliás, foi com este propósito que a administração cientifica foi criada, e
as pregações de Taylor, Ford, Fayol, entre outros, se disseminaram e serviram de base para
a evolução desta disciplina. Contudo, esta evolução parece ter se dado ainda sobre este
mesmo pressuposto: o da eficiência. É inegável este aporte. Aprendemos todos como
melhor administrar os recursos humanos e físicos para produzir mais, vender mais,
melhorar a qualidade, reduzir tempos, melhorar os produtos ou serviços, etc.
Agora a administração parece ainda engatinhar quando falamos de mudança, de
transformação, de inovação, de como organizar, se é que isso é possível, uma empresa
para torná-la apta a aprender estrategicamente, de modo que se possa transformar e se
adaptar constantemente. O tema chamado aqui de aprendizagem estratégica” tem esse
significado, denominação dada a mudanças permanentes de comportamento, processo pelo
qual se adquirem essas mudanças, aprendizado de circuito duplo, ou por acomodação. Não
que o tema seja uma resposta em si, sendo somente a conceituação de um fenômeno, o qual
se buscou entender.
Parece hoje evidente também para as organizações em geral, sejam elas privadas,
públicas ou instituições não-governamentais, a importância deste tema. Num contexto de
mudanças aceleradas e de certo modo imprevisíveis, em que o ciclo de vida das
organizações é cada vez menor, assim como a obsolescência de seus produtos e serviços, o
desafio consiste em possuir ou desenvolver mecanismos que estimulem uma aprendizagem
estratégica constante.
E aqui surge um paradoxo: necessitamos mecanismos que nos ajudem num
processo que tem características não-mecânicas. É que tudo o que estudamos e sabemos
fazer até hoje para administrar funciona nesse paradigma.
138
Como, afinal, criar e administrar uma organização mais orgânica? Uma organização
que não pode ser administrada. Não com os mesmos pressupostos usados até então.
Isso é particularmente interessante porque estamos rodeados por todos os lados de
teorias prescritivas, desde como educar os filhos, como tornar-se milionário ou como gerir
uma organização. E, por mais que neguemos, parece haver um certo fascínio por soluções
prontas.
Nesta dissertação buscou-se trabalhar mais com o paradigma da descrição do que o
da prescrição. No entanto, como fechar um projeto sem apontar direções ou caminhos?
Talvez deixando mais reflexões ou questões, e também alguns elementos para que outros
possam seguir adiante em seus respectivos aprendizados.
No estudo de caso em questão ficou explicito que a organização pesquisada passou
por alguns grandes ciclos de aprendizado, ou transformação; e que estes foram
fundamentais para sua sobrevivência. Outro aspecto que se tornou evidente é que suas
estratégias foram muito mais emergentes e guiadas por uma forte visão e espírito
empreendedor do que planejadas e deliberadas.
Percebe-se que, na organização pesquisada, a analogia mais adequada para o
processo de gestão da estratégia esteve muito mais para jazz, do que para música clássica.
Na qual a criação de sentido teve o papel da harmonia, de criar ligação entre os diversos
acordes ou estratégias que surgiram ao longo do caminho. Enquanto a música clássica é
regida pela disciplina do interprete de executar a sica como está escrita; no jazz, que é
marcado pela improvisação, o gestor ou músico irá interpretar a música de forma peculiar,
nunca executando a mesma composição exatamente da mesma forma mais de uma vez, o
que torna ainda mais difícil a tarefa de “encaixotar” os ensinamentos para outros.
De toda forma, conseguiu-se atingir os objetivos de explorar como ocorre na prática
o processo de aprendizagem estratégica, analisando os desafios relacionados a este e
também alguns elementos que podem facilitá-lo. Em grandes linhas, muitos dos elementos
que surgiram na fase da pesquisa bibliográfica puderam ser confirmados para o caso em
questão, o que nos permite considerar que de certa forma eles funcionem como
estimuladores desse processo.
Cabe lembrar que na pesquisa qualitativa e de natureza exploratória, apesar de
proporcionar uma melhor visão e compreensão do contexto do problema por permitir ir
mais a fundo no tema, seus resultados serão sempre usados incorretamente se considerados
conclusivos ou se utilizados para fazer generalizações em relação à população-alvo.
139
No que tange a escrita do caso, ter a oportunidade de contar a história dessa
organização foi de grande riqueza. Sabemos que as histórias servem para transferir valores,
princípios e conhecimento. Resta agradecer pela oportunidade e pedir desculpas por
eventuais fatos não explicitados. Reconstituir uma história é sempre um grande desafio e
responsabilidade.
Uma contribuição deste trabalho é explicitar a importância para as organizações de
compreender bem suas fortalezas, suas características marcantes, suas essências, e alguns
elementos que deveriam ser preservados; mas, principalmente, identificar aqueles que
podem e por vezes até devem ser descartados ou eliminados, até mesmo para fomentar e
possibilitar o processo de aprendizagem estratégica. No caso em questão, e talvez sirva
para outras organizações, os produtos e serviços, algumas de suas competências técnicas
podem e até devem ser destruídos, abandonados ou transformados e justamente os valores
ou elementos que contribuíram para que ela conseguisse se transformar, esses sim
deveriam ser preservados e estimulados.
Por fim, talvez o maior valor deste estudo foi permitir olhar para estratégia e sua
gestão com outras lentes que o as tradicionais, estimulando uma maior reflexão e futuras
pesquisas sobre modos de administrar que levem de fato a uma aprendizagem estratégica
contínua.
140
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144
APÊNDICE
ROTEIRO PARA ENTREVISTAS
Este instrumento serviu como um guia de apoio às entrevistas. Priorizou-se
respeitar as visões e lógica do próprio entrevistado, tentando ao máximo não influenciá-lo
com o questionário.
Principais temas abordados:
I) Capacidade de adaptação
A Symnetics passou por grandes transformações ao longo de sua história.
Você acredita que se a empresa não tivesse esta habilidade de se transformar
continuamente talvez não estivesse viva até hoje?
Quais na sua visão são características marcantes da Symnetics que fizeram
com que a organização pudesse sobreviver durante todos estes anos? Que
elementos ajudaram a facilitar este processo?
Como você definiria a Symnetics?
II) O processo de planejamento e gestão da estratégia
Olhando para o passado, como foi o processo de desenvolvimento de novas
Estratégias na organização? Mais deliberado ou emergente?
Deliberado Emergente
Planejado Aprendizado
145
Como estratégias emergentes surgem no negócio? Seria possível citar um
exemplo de uma estratégia emergente que surgiu nos últimos anos? Como
foi o processo?
Descrever alguma estratégia emergente para entender como essas surgem
Existia um ambiente que incentivava um planejamento participativo, onde
estratégias emergentes podiam surgir “de baixo para cima”?
Condições de contorno ao invés de alvos fixos
Enquanto a filosofia tradicional consiste em produzir um plano com alvos fixos,
esta abordagem, por meio de uma analogia com a cibernética, sugere que pode ser mais
prudente focalizar a definição de restrições desafiantes, tendo diretrizes como limites, em
lugar de alvos específicos a serem atingidos.
Com relação ao processo de planejamento ainda a organização a ênfase sempre foi
mais grandes direcionadores/Visão de futuro ou alvos mais fixos e determinados?
Grandes Direcionadores/Visão Alvos Fixos
Para checar:
A empresa nunca foi muita presa a orçamentos, metas fixas?
Preocupação com a dependência de um determinado produto ou serviço
sempre existiu?
III) Ambiente/cultura
Que características mais relacionadas ao ambiente e a cultura da
organização na sua visão contribuíram ou contribuem para esse processo?
Alguns pontos para checagem:
o Ambiente propício, que valorize a abertura e a flexibilidade, como
defendeu Quinn, que favoreça a diversidade, que respeite diferentes
pontos de vista.
o Diversidade da equipe gestora
o Ambiente de abertura/participativo
o Flexibilidade
146
o Espírito empreendedor - incentiva “empreendedores” internos
o Networking e parcerias
o Habilidade para antecipar ou lidar com crises
o Influência do sócio-fundador na cultura da organização
IV) Crises
Alguns autores defendem que são elas muitas vezes o maior impulsionador
para que as organizações ou pessoas aprendam ou se adaptem...
Na sua visão, quais foram as principais crises pelas quais passou a
organização?
Essas crises ou os momentos difíceis pelos quais passou a organização
tiveram um papel importante nessa história de transformações? Como a
organização lida ou lidou com elas? Ou se antecipa a possíveis ou potenciais
crises?
V) Equilíbrio entre liberdade e controle
Para alguns autores liberdade e tolerância são fundamentais para aumentar as
habilidades de aprendizado da organização. Entretanto é preciso que haja controle para
manter sua coesão.
Como a empresa balanceia liberdade e controle? Qual a ênfase?
Que rituais foram ou são importantes?
VI) O processo de tomada de decisões estratégicas
Comente um pouco sobre o processo de tomada de decisão, as decisões
estratégicas
Pense numa decisão estratégica importante na história da empresa. Quanto
tempo em média você diria que a organização levou para tomar decisões
realmente estratégicas, aquelas que tiveram um grande impacto na
organização?
o 1 mês – 3 meses
147
o 3 meses – 6 meses
o 6 meses – 1 ano
o Mais de um ano
Como foi o processo?
VIII) Modelos mentais
Você já sentiu em algum momento que a organização ou você mesmo
estariam presos em alguns de seus próprios paradigmas?
algum exemplo? Alguma verdade inquestionada no passado que hoje
percebe-se que não faz mais sentido ou não é bem assim?
Como foi o processo de superar essas barreiras? O que facilitou?
IX) Conciliar o crescimento e a flexibilidade
À medida que a organização cresce e se profissionaliza torna-se mais difícil
manter suas características mais orgânicas e flexíveis. Você concorda com
esta afirmação? Como manter esta capacidade de adaptação? Você acredita
que este pode ser um dos maiores ativos da empresa? Quais os principais
desafios que vê para o futuro?
X) Geral
Como na sua visão poderia se estimular o aprendizado estratégico? Ou
estimular uma maior reflexão e questionamento das estratégias vigentes e o
surgimento de novas idéias, ou estratégias emergentes?
As descrições abaixo se aplicam à realidade da empresa:
Quando ocorria um redirecionamento estratégico importante, este raramente se
originava de um esforço formal de planejamento, e de fato, muitas vezes nem
mesmo das salas da alta administração. Em vez disso, as estratégias se deviam a
uma variedade de pequenas ações e decisões tomadas por todos os tipos de pessoas
diferentes (algumas vezes de forma acidental ou por sorte, sem nenhuma
148
consideração quanto às suas conseqüências estratégicas). Tomadas em conjunto ao
longo do tempo, essas pequenas mudanças frequentemente produziam grandes
mudanças de direção. (Mintzberg et al., 2000: 135).
A estratégia por inteiro raramente está escrita em um único lugar. Os processos
usados para se chegar à estratégia total são tipicamente fragmentados,
evolucionários e em grande parte intuitivos...Embora se possa encontrar, embutidas
nesses fragmentos, amostras muito refinadas de análise estratégica formal, a
verdadeira estratégia tende a evoluir à medida que as decisões internas e os eventos
externos fluem em conjunto, para criar um novo e amplo consenso para a ação
entre os membros-chave da equipe dirigente (Quinn, 1980).
Fale um pouco disso...
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