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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Departamento de História
Programa de Pós-Graduação em História
A Trama das Vontades
Negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social.
(São José dos Pinhais - PR, passagem do XVIII para o XIX)
Cacilda Machado
Rio de Janeiro
2006
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225
Cacilda Machado
A Trama das Vontades
Negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social.
(São José dos Pinhais - PR, passagem do XVIII para o XIX)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Doutor em História.
Orientador: Professor Doutor João Luis Ribeiro Fragoso
Rio de Janeiro
2006
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226
Machado, C.S.
A Trama das Vontades. Negros, pardos
e brancos na produção da hierarquia social
(São José dos Pinhais Pr, passagem do
XVIII para o XIX) / Cacilda Machado, Rio
de Janeiro, 2006.
Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
2006.
Orientador: João Luis Ribeiro Fragoso
Hierarquia Social. 2. Escravidão. 3.
Relações patriarcais Tese.
Fragoso, João Luis Ribeiro (Orient.) . II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
III. Título: A Trama das Vontades. Negros,
pardos e brancos na produção da
hierarquia social (São José dos Pinhais
Pr, passagem do XVIII para o XIX).
CDD:
227
Cacilda Machado
A Trama das Vontades
Negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social.
(São José dos Pinhais - PR, passagem do XVIII para o XIX)
Rio de Janeiro, ........ de ................ de 2006
_________________________________________________________
Orientador: Professor Doutor João Luis R. Fragoso
Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________________________
Professora Doutora Hebe Mattos
Universidade Federal Fluminense
_________________________________________________________
Professora Doutora Ida Lewkowicz
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
228
___________________________________________________________
Professor Doutor José Roberto Pinto de Góes
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
___________________________________________________________
Professora Doutora Maria Luiza Andreazza
Universidade Federal do Paraná
___________________________________________________________
Professora Doutora Ana Maria Lugão Rios
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Suplente
___________________________________________________________
Professor Doutor Manolo Garcia Florentino
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Suplente
229
Dedicatória
230
Agradecimentos
231
232
RESUMO
MACHADO, Cacilda. A Trama das Vontades. Negros, pardos e brancos na
produção da hierarquia social (São José dos Pinhais – PR, passagem do XVIII
para o XIX). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências
sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
O presente trabalho trata das relações entre escravos e livres, e entre
brancos, pardos e negros, na freguesia de São José dos Pinhais, localizada
nas proximidades da Vila de Curitiba, e pertencente à 5
a
. Comarca da
Capitania de São Paulo, território que atualmente conforma, grosso modo, o
Estado do Paraná, na passagem do XVIII para o XIX. O objetivo da pesquisa
foi apreender a natureza e a dinâmica dessas relações, a fim de conhecer os
mecanismos de produção e reprodução da hierarquia escravista em
ambientes com predomínio de pequenas escravarias e com uma grande
população de pardos e negros livres. Para tanto, foram efetuados
cruzamentos de dados de censos populacionais (Mapas populacionais e
Listas nominativas de habitantes) e de um censo fundiário da época
(Inventário de Bens Rústicos), a fim de produzir indicadores demográficos e
econômicos. No entanto, no trabalho não se pretendeu enfatizar o
comportamento padrão ou as características típicas, ao contrário, partiu-se
da premissa de que as relações de poder e o dinamismo de uma hierarquia
social só se podem expressar nos diversos comportamentos. A pesquisa
comportou, igualmente, uma abordagem metodológica qualitativa, e para
sua formulação buscou-se operacionalizar o conceito de rede social,
ferramenta que se mostrou capaz de tornar mais evidentes as interações
entre os indivíduos e os contextos sociais, e assim a análise deixou de
priorizar a estrutura social em si, para privilegiar os processos e as
interações no interior da sociedade estudada. A reconstituição dessas redes
foi possível principalmente por meio do cruzamento de dados de registros
paroquiais (batismos, casamentos e óbitos) com os das listas nominativas de
habitantes. Esse procedimento permitiu detectar a vigência de um conjunto
de práticas patriarcalistas naquele ambiente, levadas a efeito por brancos,
pardos e negros, que imperfeitamente, por vezes de forma transitória,
conseguiam exibir o status patriarcal, ainda que o perseguissem. Tais
práticas envolviam ativamente os diversos atores sociais, inclusive os
escravos, mantendo o conjunto social em um estado de permanente tensão.
Todavia, ressalte-se que o acompanhamento das trajetórias revelou que a
generalização das práticas patriarcalistas não se constituía pura e simples
adesão ao ideário da elite, mas um esforço de movimentação ascendente na
hierarquia social. Por essa razão todos os grupos tinham que continuamente
marcar e reiterar as desigualdades ou mesmo produzir novos índices de
diferenciação.
233
ABSTRACT
MACHADO, Cacilda. A Trama das Vontades. Negros, pardos e brancos na
produção da hierarquia social (São José dos Pinhais – PR, passagem do XVIII
para o XIX). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
In this work I approach the relations of slaves and free peoples, of whites,
pardos and blacks, in Freguesia de São José dos Pinhais, part of 5a.
Comarca da Capitania de São Paulo, region that today shape the state of
Paraná.(Brazil), on XVIII and XIX centuries. The objective of study was
understand nature and dynamic of these relations, to know the production
and reproduction’s mechanisms of slavery hierarchy in a locus with
predominancy of owners with few slaves and great free populacion of pardos
and blacks. This was carry out through crossing census data (Lista
Nominativas de Habitantes, Mapas Populacionais and Invenrio de Bens
Rústicos), to produce demografics and economics evidences. However, I
didn’t intend emphatize the pattern behavior, on the contrary, I tried to show
that power relationships and dynamism of social hierarchy only could
express through several behaviors. The research comprehends, identically, a
quality approach, and to formulate it I apply the concept of social networks,
instrument able to show the interaction individual and context. From that
point, the analysis did emphasize more the process and interaction than
social structure. These social networks were reconstruct through cross
parochial records (baptisms, marriages and deaths) with census data (Listas
Nominativas de Habitantes). These procedure permitted to show existence of
peculiar configuration of patriarchalism, practiced by whites, pardos and
blacks, of which only imperfectment, or in transitory form, can get exhibit a
patriarchal status, though even persecute. These practices envolved all
social actors, including slaves, maintaining social complex in state of
permanent tension. However, the accompanyment of trajectories showed the
generalization of patriarchal practices didn’t consist simple adhesion to elite
ideology, but a effort of social ascent movement. For this razion, all groups
continuously must to mark and to reiterate the inequalities or to produce
news rates of distinction.
234
LISTA DE MAPAS, FIGURAS, TABELAS E GRÁFICOS
Capítulo 1
Mapa 1.1 - Área do Paraná pioneiramente incorporada ao domínio
português
41
Mapa 1.2 - A Capitania de São Paulo em 1830 47
Tabela 1.1 - Participação (absoluta e relativa) da população escrava
no Paraná– séculos XVIII e XIX
63
Gráfico 1.1 - Variação % de escravos na população de quatro
localidades do Planalto paranaenses. (1782-1830)
65
Capítulo 2
Tabela 2.1: Distribuição dos domicílios e dos escravos no planalto
curitibano - 1765
69
Tabela 2.2 – População de São José dos Pinhais em relação ao
Paraná (1798 – 1830)
70
Tabela 2.3 - Concentração dos escravos do planalto paranaense em
São José dos Pinhais (1798 a 1830)
71
Tabela 2.4 – Estrutura de posse de escravos. São José dos Pinhais
(1782, 1803 e 1827)
72
Tabela 2.5 - Indicadores da propriedade de escravos em Curitiba e
São José dos Pinhais (1804-1824-1875)
74
Tabela 2.6 - % de domicílios com escravos, agregados e parentes ou
expostos. São José dos Pinhais (1782, 1803 e 1827)
80
Tabela 2.7 - Número de propriedades e de área ocupada de acordo
com o tamanho das propriedades. Curitiba + São José dos Pinhais,
1818
103
Tabela 2.8 - Número de propriedades e de área ocupada de acordo
com o tamanho das propriedades. Curitiba e São José dos Pinhais,
1818
104
Tabela 2.9 - Produção média dos domicílios, de acordo com o
número de integrantes. São José dos Pinhais, 1818
108
Tabela 2.10 - Produção média dos domicílios, de acordo com o
tamanho das propriedades rurais. São José dos Pinhais, 1818
109
Tabela 2.11: Produção Média dos domicílios de acordo com o
número de integrantes. Porto Feliz (SP) -1820
109
Gráfico 2.1 - Variação % dos domicílios com escravos, por tamanho
da escravaria (São José dos Pinhais, 1782, 1803 e 1827)
75
Gráfico 2.2 - Variação % dos domicílios com escravos, por tamanho
da escravaria.(Paranaguá, 1783-1830)
75
Gráfico 2.3 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, de acordo com o número de integrantes. São José
dos Pinhais, 1803
90
Gráfico 2.4 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, de acordo com o número de integrantes. Paranaguá,
1803
91
Gráfico 2.5 - Relação % entre o número de propriedades rurais e a
área de terras que ocupavam (em ha). São José dos Pinhais, 1818
100
235
Capítulo 3
Tabela 3.1 - % de homens na população escrava do Paraná,
e em três localidades do Planalto. 1798 a 1830
133
Tabela 3.2 - % de escravos e de brancos, por faixa etária
Paraná (1798-1830)
134
Tabela 3.3 - % de população de escravos e livres, por cor
Paraná (1798 – 1830)
135
Tabela 3.4 - Distribuição dos cativos de acordo com o tamanho da
escravaria. São José dos Pinhais (1782, 1803 e 1827)
144
Tabela 3.5 - Composição sexo-etária da população livre e escrava
São José dos Pinhais, 1803
144
Tabela 3.6 - Composição sexo-etária da população livre e escrava
São José dos Pinhais, 1827
145
Figura 3.1: Esquema genealógico destacando a condição jurídica
dos membros de uma família de São José dos Pinhais – PR
(aprox. 1765-1834)
156
Figura 3.2 - Localização das famílias de Dorotea e Elena, escravas
do Alferes Antonio dos Santos Teixeira. São José dos Pinhais, 1803
159
Figura 3.3 Localização da família de Antonio Guine e Esperança,
escravos de Manoel José da Cruz, 1803-1818
161
Figura 3.4 Localização da família de Antonio Angola e Simoa,
escravos de Bernardo Marins Ferreira, em São José dos Pinhais,
1783, 1791, 1803 e 1818.
165
Capítulo 4
Tabela 4.1 - Posição domiciliar dos livres, por cor (%). São José dos
Pinhais - 1803 e 1827
176
Tabela 4.2 - composição sexo-etária (%) da população livre, por
cor. São José dos Pinhais – 1803 e 1827
181
Tabela 4.3 - Distribuição dos agregados por cor, sexo e idade. São
José dos Pinhais, 1803
183
Tabela 4.4 - Distribuição dos agregados por cor, sexo e idade. São
José dos Pinhais, 1827
183
Tabela 4.5 - Médias de parentes (nucleares ou não), escravos e
agregados no total de domicílios e na amostragem de proprietários
de terras (total e até 10 alqueires de terras).
São José dos Pinhais, 1818
206
Tabela 4.6 - Quantidade de agregados, de acordo à cor.
Porto Feliz-SP. (1798 e 1843)
223
Gráfico 4.1 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia. São José dos Pinhais, 1803
201
Gráfico 4.2 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia. São José dos Pinhais, 1827
201
Gráfico 4.3 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia. (Paranaguá, 1803)
202
Gráfico 4.4 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia (Paranaguá, 1830)
203
236
Gráfico 4.5 - % de brancos e de não brancos entre os proprietários
de terras, de acordo com o tamanho das propriedades (em alqueires
paulistas) São José dos Pinhais, 1818
205
Gráfico 4.6 - Variação % de brancos, pardos e negros na população
livre. (Paraná, 1798-1830)
219
Gráfico 4.7 - Variação % de brancos, pardos e negros na população
livre. (Curitiba, 1798-1830)
220
Gráfico 4.8 - Variação % de brancos, pardos e negros na população
livre. (Paranaguá, 1798-1830)
220
Gráfico 4.9 - Variação % de brancos, pardos e negros na população
livre (São José dos Pinhais, 1798-1830)
221
Capítulo 5
Figura 5.1: Casamentos de filhos e netos do cativo Jerônimo e de
Verônica administrada
269
Figura 5.2: Relações de parentesco entre os proprietários dos
cônjuges de filhos e netos de Jerônimo e Verônica ou testemunhas
de seus casamentos
272
Capítulo 6
Figura 6.1: Compadrio do casal Antonio e Esperança, escravos de
Manoel José da Cruz (MJC)
291
Figura 6.2: Compadrio do casal João e Teresa, escravos de
Francisco Bueno da Rocha (FBR)
292
Figura 6.3: Compadrio do casal Antonio e Simoa, escravos de
Bernardo Martins Ferreira (BMF)
294
Figura 6.4: Compadrio de Liberata, escrava de Bernardo Martins
Ferreira (BMF) e de sua filha Gertrudes Maria da Luz (GML)
295
Figura 6.5: Compadrio do casal Joaquim e Feliciana, escravos do
Capitão João da Rocha Loures (JRL)
297
Figura 6.6: Compadrio do casal José e Águida, escravos de
Margarida Oliveira Leão (MOL) e de sua filha Gertrudes Maria da
Luz (GML
298
Figura 6.7: Compadrio de Escolástica, escrava do Capitão João da
Rocha Loures (JRL)
302
Figura 6.8: Compadrio do casal Joaquim Manoel (forro) e de
Feliciana, escrava de Gertrudes Maria da Luz (GML)
303
Figura 6.9: Laços de compadrio de escravos de São José dos
Pinhais com a família senhorial
307
237
ABREVIATURAS
Instituições
AESP = Arquivo do Estado de São Paulo.
APSJP = Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais.
ADLDCMSP = Arquivo Dom Leopoldo Duarte, da Cúria Metropolitana de São
Paulo.
CEDOPE/DEHIS = Centro de Documentação e Pesquisa da História nos
Domínios Portugueses/Departamento de História/Universidade Federal do
Paraná.
Fontes
LNSJP = Listas Nominativas de São José dos Pinhais.
LBSJP = Livro de Batismos da Paróquia de São José dos Pinhais.
LCSJP = Livro de Casamentos da Paróquia de São José dos Pinhais.
LOSJP = Livro de Óbitos da Paróquia de São José dos Pinhais.
238
SUMÁRIO
Introdução
15
Capítulo 1 - A formação do espaço socioeconômico paranaense
38
1.1 A paisagem rural 47
1.2 A paisagem urbana 52
1.3 A mão-de-obra servil 56
1.3.1 As origens 56
1.3.2 Os escravos do Paraná na passagem do XVIII para o XIX 62
Capítulo 2 - Hierarquias sociais em São José dos Pinhais
68
2.1 A posse de escravos 71
2.2 A produção de dependentes 77
2.3 Organização econômica dos domicílios 93
2.4 Propriedade das terras 98
2.5 Relações de dependência numa sociedade de economia familiar 110
Capítulo 3 - O lugar social dos escravos
129
3.1 A cor dos escravos 132
3.2 Os escravos no olhar senhorial 139
3.3 A família escrava 143
3.3.1 Dorothéa e Elena, escravas do Alferes Antonio dos Santos 156
3.3.2 Antonio Guiné e Esperança, escravos de Manoel da Cruz 160
3.3.3 Antonio Angola e Simoa, escravos de Bernardo Martins 162
3.4 O cálculo senhorial e a vontade dos cativos 166
Capítulo 4 - O lugar social dos pardos e negros livres
174
4.1 Os agregados 175
4.1.1 A reincorporação de livres ao mundo dos cativos 189
4.2 Os chefes de domicílio 197
4.2.1 Cor e composição domiciliar 198
4.2.2 Cor e posse de terras 204
4.2.3 Cor e atividades econômicas 206
4.3 Cor e status social no mundo dos livres 210
239
Capítulo 5 - Casamento: dependência e conflito
224
5.1 Casamento no Brasil colonial 225
5.2 Casamento de escravos e livres de cor em São José dos Pinhais 235
5.2.1 Izidoro Soares da Silva e a escrava Mariana 248
5.2.2 Vicente Francisco e a escrava Antonia 250
5.2.3 Antonio escravo e Gertrudes Leme 252
5.2.4 Joaquim Antonio Barbosa e a escrava Quitéria 254
5.2.5 Lauriano escravo e Anna Maria de Jesus 258
5.2.6 O escravo Joaquim e Maria Moreira 261
5.2.7 Luciano Rocha Dantas e a cativa Joanna 262
5.3 As marcas dos confrontos sociais nas trajetórias individuais 265
Capítulo 6 - Compadrio: alianças sociais de escravos e de
negros e pardos livres
279
6.1 Compadrio de Dorotéa e de Elena, escravas de Antonio dos
Santos Teixeira
285
6.2 Compadrio de Antonio e Esperança, escravos de Manoel José
da Cruz
290
6.3 Compadrio de Angola e Simoa, escravos de Bernardo Martins
Ferreira
293
6.4 Compadrio de Liberata e dos filhos de Antonio Angola e Simoa 295
6.5 Compadrio de netos de Antonio Angola e Simoa e de uma filha
de Liberata
301
6.6 Controle senhorial, comunidade de escravos e de pardos e
negros livres e hierarquia social
305
Considerações finais 320
Fontes 326
Referências bibliográficas 329
Anexos 344
Introdução
240
Em 1885 o Juiz de Órfãos de Paranaguá (Paraná), José Emygdio
Gonçalves Lima, denunciou o promotor público da comarca, José Eugênio
Machado Lima, por crime de irregularidade de conduta. O promotor foi
acusado de deflorar a menor Leopoldina, de dezoito anos de idade, filha
natural de Rita Maria da Graça. Nas palavras do juiz de órfãos, das “relações
ilícitas publicamente mantidas com essa menor tem uma filha, como é
público e notório e arranjando-a assim ao caminho torpe da prostituição,
vive na mesma casa com ela em mancebia pública e escandalosa”.
1
Em 1884, ainda antes da abertura do processo, o denunciante
tomou o depoimento de Rita Maria da Graça, que se declarou cozinheira,
solteira, natural de São Francisco de Santa Catarina, com “trinta e tantos
annos a quarenta mais ou menos”. Perguntada sobre o fato, respondeu que
há aproximadamente 11 meses sua filha Leopoldina fora deflorada pelo
promotor público. Explicou que ambas viviam na casa de Dona Sebastiana
Pinheiro, onde também residia o acusado. Segundo a depoente, Dona
Sebastiana era “tia bastarda” de Leopoldina e “tia legítima” do promotor José
Eugênio Machado Lima. Disse, ainda, que o senhor Joaquim Pinheiro, tio do
promotor e pai de Leopoldina, entregara sua filha à irmã, quando ela era
ainda uma criança. Sobre sua relação com Joaquim Pinheiro, disse ser
“alugada do mesmo” no tempo em que teve a filha.
Através do depoimento de Rita Maria ficamos sabendo que
efetivamente Leopoldina tivera uma criança, nascida na casa de Dona
Sebastiana cerca de dois meses, mas ainda por batizar, e que o promotor
1
Autos crimes de responsabilidade em que o a justiça por seu promotor o Bacharel José
Emygdio Gonçalves Lima e Juiz municipal do termo denunciado. Juizo da delegacia de
polícia de Paranaguá. Arquivo da Primeira Vara Criminal de Paranaguá, s/n, 1885.
241
“a tinha como sua filha”. Declarou não saber se ele estaria disposto a
“reparar o mal feito com pronto casamento”, tampouco se ele usou de
violência para conseguir “os seus intentos libidinosos”, por “viver a menor
mais em contato com sua tia do que com ela respondente”.
Aberto o processo, a primeira testemunha convocada foi o
farmacêutico José Ricardo Pereira Pitta. Ele declarou saber que a menina
Leopoldina era “donzela” e como tal vivia na companhia de sua tia Dona
Sebastiana. No entanto, depois que o promotor público chegou à Paranaguá
e foi morar na casa de Dona Sebastiana, começou a “passear a sós” com a
jovem, até que se chegou a dizer que namoravam. Mais tarde comentava-se
que Leopoldina estaria grávida, o que se confirmou com o nascimento de
uma menina. O fato foi publicado na imprensa, e o promotor não contestou
a notícia, ao contrário, continuou “a passear com ela e vê-se pela janela eles
juntos, e algumas vezes com a criança”.
Disse mais o farmacêutico: quando Leopoldina estava grávida,
chegou da casa do promotor uma nota com o pedido de uma poção a ser
preparada em sua farmácia, mas ele recusou-se a fazê-la sem apresentação
de receita médica. Na ocasião estava presente na botica o inspetor de saúde
Doutor Leocádio José Correia, o qual determinou que procurasse o
promotor, a fim de preveni-lo do boato de que em sua casa existia uma
menor grávida, e que ficaria o inspetor de saúde em “expectativa”, a fim de
verificar se “dará algum fato grave, qual seja, aborto, hemorragia ou morte,
que poderia provir de semelhante poção, para em tempo denunciar à
polícia”.
242
José Ricardo Pereira Pitta transmitiu o recado ao promotor, que se
declarou surpreso, dizendo ignorar o pedido da poção. Foi contraditado pelo
farmacêutico, o qual afirmou que o pedido estava “escrito de seu punho”. O
promotor mudou o tom da conversa, dizendo que, achando-se meses a
sua prima Leopoldina “com falta de sinal” e já tendo tomado alguns remédios
caseiros, mas sem efeito algum, e sabendo que a poção era indicada para
isso, ele havia copiado sua receita. Agradeceu por ter lhe avisado dos perigos
de seu uso e solicitou que avisasse ao inspetor de sáude “que nada haveria”.
As testemunhas seguintes - Manoel Martins Marinho, tipógrafo, e o
Alferes Joaquim Ferreira dos Santos, negociante - confirmaram que
Leopoldina era “honrada” e “por todos considerada”, e que desde a chegada
do promotor José Eugênio Machado Lima à cidade começaram os “passeios a
sós”, seguidos da “defloração”, da gravidez e do nascimento da criança.
Confirmaram, ainda, que a despeito da veiculação do escândalo pela
imprensa, o casal “continua em mancebia pública e escandalosa”, visto que
vivem na mesma casa, juntos ficam à janela, “sem escrúpulo algum”, e
continuam a “passear sós”.
O réu enviou sua defesa por escrito, resumida e parcialmente
transcrita no processo. Escreveu ele que a queixa contra sua pessoa era
“caluniosa e falsa, contra mim dada neste juizo pelo meu gratuito inimigo, o
juiz de órfãos”, e que “imorais há que não recuam ante um ataque à família e
à consideração do lar doméstico, (...) covardes ainda que para ferirem um
seu inimigo não duvidam sacrificar a reputação de uma fraca mulher”.
Afirma que os boatos “são apenas boatos, talvez espalhados pelos
que o acusam”, e que “as provas que oferecem não têm o menor mérito, nem
243
merecem o necessário crédito”. Diz que as testemunhas são todas seus
inimigos, “e vivem intimamente relacionados com o denunciante”. Manoel
Martins Marinho é, segundo suas palavras, “proprietário e editor de um
jornal que usando de torpíssima linguagem, tem atacado furiosamente a
minha reputação pelo motivo de ter eu, quando promotor público desta
comarca, o denunciado como ofensor da moral pública”. Informa que as
outras duas testemunhas, bem como o seu denunciante, eram redatores
desse jornal, que bem poucos dias declarava que “se estava preparando
uma bomba contra mim que havia de fazer rir as pedras”.
Ainda segundo o denunciado, era falso o conteúdo do depoimento
de Rita Maria da Graça: “vendo que tratava com uma mulher analfabeta e
timorada, o meu pouco escrupuloso denunciante, em companhia do Curador
Geral dos Órfãos, Tácito Correia, também meu inimigo por ser candidato ao
cargo que eu ocupava, forjaram um depoimento falso contra mim”. Afirma
que Rita Maria da Graça, sabendo da falsificação, foi perante a delegacia de
polícia queixar-se do fato e declarar como se dera o seu depoimento.
Segundo o réu, “essa declaração se acha em cartório e dela não pude obter
certidão pela vontade do escrivão João José Pinto, íntimo amigo do meu
denunciante e que se prestou a assinar o falso depoimento”.
José Eugênio Machado Lima argumenta, finalmente, que segundo
a lei, a queixa compete unicamente ao ofendido, seu pai ou mãe, tutor ou
curador, sendo menor, senhor ou cônjuge. “Desgraçado seria o país em que
um funcionário, a quem a lei incumbe enorme soma de garantias
individuais, pudesse entrar no seio da família, sem ser chamado, para
divulgar fatos particulares que a honra manda ocultar”!
244
O juiz do processo convocou novamente as testemunhas, as quais
confirmaram seus depoimentos anteriores. Nessas novas declarações,
ademais, aqueles homens forneceram outras informações sobre Rita Maria
da Graça, mãe de Leopoldina: era uma parda que fora escrava de Joaquim
Pinheiro, de quem teve a referida menor, sendo por então liberta. Também o
inspetor de saúde, Doutor Leocádio José Correia, foi chamado a depor,
quando confirmou o episódio do pedido da poção na farmácia e disse jamais
ter, o denunciado, escrúpulo de disfarçar “as relações que o prendiam à
menor, vendo-o em uma festa pública, no bairro do Rocio, sob censura das
famílias, de braços dados com Leopoldina”.
Ao final, o juiz julgou procedente a denúncia contra o Doutor José
Eugênio Machado Lima e mandou lançar seu nome no rol dos culpados. O
juiz considerou “evasiva do acusado” o argumento “de que se tratava de um
fato de natureza particular, a respeito do qual não estava o juizo autorizado
a entrar em investigação alguma, sem queixa, de pessoa competente”. Para o
magistrado, por se tratar de um ato qualificado criminalmente no Código
Penal, “e sendo público, escandaloso, testemunhado por toda a população
desta cidade (...) inquestionavelmente está sujeito a investigações e
apreciação legal de sua existência”.
* * *
245
Quando eu estava iniciando o doutorado, um amigo me presenteou
com uma cópia deste processo crime.
2
Como no projeto me propunha a
estudar as relações entre escravos e livres, e entre brancos e negros, na
primeira vez que li o processo não pude deixar de notar que o quadro nele
exposto poderia ilustrar, e muito bem, as inúmeras teses que compõem
Casagrande & Senzala.
Em uma conjuntura em que o Estado começava a se impôr ao
poder privado, o réu, um advogado conceituado, ainda considerava a
prioridade da família e do “lar doméstico” um argumento judicialmente
eficaz. Além disso, as histórias de Joaquim Pinheiro e Rita Maria e de José
Eugênio e Leopoldina, embora ocorridas na fase final da escravidão, são
uma síntese do pensamento freyreano. Nelas está o tema da miscigenação,
sobretudo decorrente da “confraternização sexual” do homem branco com a
mulher negra ou mulata, do senhor com a escrava; nelas está a família
patriarcal hierarquicamente organizada, com parentes legítimos e ilegítimos,
livres, libertos e escravos, brancos, mulatos e negros.
Talvez José Eugênio e Leopoldina estivessem vivendo uma
verdadeira história de amor seus passeios de braços dados, suas pequenas
alegrias domésticas, capturadas na rua através das janelas, parecem atestar
essa possibilidade. Pode ser também que o caso seja apenas um exemplo da
peculiar forma de submissão, no Brasil escravista, da mulher pelo homem,
do negro pelo branco e do escravo pelo livre. O mais provável é que ambas as
explicações sejam verdadeiras, posto que, como nos ensinou Gilberto Freyre,
naquele ambiente elas não eram necessariamente conflitantes.
2
O amigo em questão é José Augusto Leandro, professor do departamento de História da
Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR).
246
Mesmo que a querela fosse apenas o desdobramento de uma
guerra política, como sugere a defesa do acusado, que se atentar,
especialmente nos depoimentos do farmacêutico e do inspetor de saúde,
para preocupações de cunho mais moderno, isto é, marcadas pela
impessoalidade, como a recusa em aviar a poção sem receita médica e o
empenho do poder público na proteção de uma menor, mesmo sendo o
envolvido um promotor público da comarca. A maior parte das falas, no
entanto, inclusive as do boticário e do médico, tem uma conotação
tradicional, recheadas de expressões típicas do Antigo Regime, como
“bastardia”, “mancebia pública e escandalosa”, “censura das famílias”, e
também “moral pública”, “honra” e “consideração”.
Por essa razão, aquela situação deveria ser mais “escandalosa” do
que tantas outras, semelhantes, que certamente ocorreram antes. É que se
tratava, o acusado, de filho de família das mais importantes do lugar. Seu
avô, João Machado da Silva Lima, fora capitão-mor de Paranaguá; o pai,
também capitão em Curitiba, era um renomado advogado e jornalista. Seu
irmão, Vicente Machado da Silva Lima, também fora promotor público, além
de secretário do presidente da província, e desde 1884 era juiz municipal de
Ponta Grossa. Mais tarde, no Partido Republicano, Vicente Machado seria
deputado do Congresso Constituinte do Estado, deputado estadual, vice-
governador, senador da República e, finalmente, presidente do Estado, a
partir de 1904.
3
Todavia, desde o início eu também suspeitava que o quadro
descrito no processo dificilmente poderia ser considerado o modelo mais
3
LEÃO, Ermelino de Leão. Diccionário Histórico e Geográfico do Paraná, vol. VI. Curitiba:
IHGEPR, 1994 (1
a
. edição de 1926), p. 2485 – 2489.
247
típico do conjunto de relações de poder que forjaram os diversos grupos de
cor e condição jurídica da sociedade escravista parananaense, mesmo no
período colonial, foco de meu projeto de pesquisa. Isso porque desde a
década de 1970, inúmeros historiadores vêm realizando estudos sobre
população e família em vilas e freguesias da capitania paulista (alguns deles
sobre regiões da comarca do Paraná), nos séculos XVIII e XIX, e quase todos
destacaram o predomínio de outras formas de família que não a de nítidos
traços patriarcais. Embora sem negar o caráter escravista daquela
sociedade, esses autores em geral ressaltam que nas áreas paulistas de
agricultura de alimentos e de abastecimento era quase sempre escassa a
população cativa, pequenas as escravarias, e a grande maioria da população
pouco se diferenciava internamente, pois que formada por lavradores pobres,
muitos deles pardos, vivendo em pequenos sítios e sobrevivendo do trabalho
familiar.
4
Depois de algum tempo cursando o doutorado, tive que desistir de
estudar a vila de Paranaguá, face às dificuldades de acesso à parte das
fontes, e acabei optando por centrar a pesquisa unicamente na
documentação referente à freguesia de São José dos Pinhais. Localizada no
litoral, no final do século XVIII Paranaguá era a sede e a maior vila da
comarca paranaense. Ela me parecia um locus social especialmente fecundo
para estudos sobre mobilidade e relações sociais, uma vez que, devido à
4
Por exemplo: MARCÍLIO, Maria Luiza. A cidade de São Paulo. Povoamento e População.
São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1973; BURMESTER, Ana Maria Burmester. Population de
Curitiba au XVIIIe siécle. Tese de PhD pela Universidade de Montreal, Canadá, 1981; SILVA,
Maria Beatriz N. Sistema de Casamento no Brasil colonial. o Paulo: T.A. Queiroz/EDUSP,
1984; SAMARA, Eni de Mesquita. Família Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1984 e
LONDOÑO, Fernando T. A Outra Família: concubinato, Igreja e Escândalo na Colônia. São
Paulo: Ed. Loyola, 1999.
248
tradição mineradora e a existência de um porto, desde o início da
colonização teve uma fisionomia que, embora não se possa chamar de
urbana, tal como usamos o termo modernamente, apresentava algumas de
suas características, e ali o comércio sempre teve importância econômica
considerável.
5
São José dos Pinhais era, na passagem do século XVIII para o
XIX, um vilarejo rural no qual aquelas características realçadas pela
historiografia colonial paulista isto é, escassez de população cativa e
predomínio de pequenas escravarias e de domicílios com famílias nucleares
de brancos e pardos pobres sem escravos – apresentavam-se de forma
extremada. Por essa razão seu estudo constituía-se um desafio ainda maior,
pois eu deveria capturar as relações de poder que reproduziam uma ordem
estamental e escravista em um locus em que eram precários os elementos
que costumam caracterizar tal ordenamento. Nesse trabalho, eu apresento o
resultado desse empenho.
No capítulo 1 começo construindo um quadro da formação do
espaço socioeconômico paranaense, especialmente voltado para o leitor
pouco familiarizado com a história daquela região. A seguir, detive-me na
passagem no século XVIII para o XIX, que as principais fontes utilizadas
ao longo do trabalho referem-se a esse período. Ainda nesse capítulo trato da
história da escravidão na região, cuja característica original foi a simultânea
utilização de mão-de-obra de origem africana e indígena, sendo que esta
última foi até mais importante nos primeiros séculos. Ao final, procurei
quantificar e avaliar a relevância social da escravidão negra no Paraná.
5
MEQUELUSSE, Jair. A população de Paranaguá no final do século XVIII. Dissertação de
mestrado, DEHIS-UFPR, Curitiba, 1975.
249
O capítulo 2 é um dos mais importantes, no conjunto da tese. Utilizando dados de mapas populacionais e
principalmente de listas nominativas de habitantes de São José dos Pinhais, e cruzando-os com as informações
do Inventário de Bens Rústicos de 1818, nele procuro compreender a lógica que organizava e diferenciava os
domicílios e os diferentes grupos sociais da freguesia.
As listas nominativas e os mapas populacionais são fonte
tradicional na historiografia brasileira, mais especialmente daquela voltada
para o estudo da região paulista no final do período colonial, quando, por
determinação da Coroa, esses censos domiciliares começaram a ser
elaborados. Embora devessem ser anuais, em muitos lugares elas
apresentam lacunas, e tampouco o conteúdo é uniforme, posto que variou,
conforme a época, os objetivos de sua elaboração. Conforme anotou Carlos
Bacelar, também a boa vontade do recenseador refletiu na qualidade do
texto, na veracidade das informações e mesmo na qualidade gráfica do
documento. Pode-se, de modo geral, distinguir três fases distintas:
“de 1765 a 1797 as listas têm fins eminentemente militares,
com vistas ao recrutamento para os conflitos do Sul. Daí os
sub-registros de homens (fuga ao recrutamento) e simples
contagem do total de escravos. De 1798 a 1822 é a fase de
organização da lista como censo, quando tencionou-se
conhecer a fundo a composição da população e a produção
agrícola local, numa tentativa de melhor desenvolver, povoar e
defender o território da capitania. De 1823 a 1850 é a fase de
desorganização dos trabalhos, devido à independência.
Procurou-se seguir os modelos anteriores, e ao final do período
intentou-se introduzir algumas modificações no sistema, sem
sucesso. São feitas a espaços irregulares, variando de vila para
vila, e por fim extinguiram-se”.
6
O banco de dados que forneceu as bases para a elaboração desse
capítulo 2 foi elaborado a partir das informações das listas nominativas de
6
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Os Senhores da Terra: família e sistema sucessório
entre os senhores de engenho do Oeste Paulista. 1765-1855. Coleção Campiniana 13,
Campinas, Centro de Memória-Unicamp, 1997, p. 33-34.
250
habitantes de São José dos Pinhais de 1782, 1803 e 1827.
7
A escolha
desses três anos deveu-se não apenas ao objetivo óbvio de sondar três
momentos ao longo do período em foco (1780-1830), mas também por serem
as mais completas e mais legiveis dentre aquelas que cobrem cada um dos
momentos observados.
A lista nominativa de 1782 é mais escassa em informações. Nela
constam apenas nome, sexo e idade das pessoas livres, bem como a posição
no domicilio (se chefe, cônjuge, filho ou agregado). Os escravos estão apenas
quantificados nos fogos, sem que se possa saber nome, sexo ou idade.
Constam também as patentes dos milicianos e ordenanças e, muito
eventualmente, ao lado de um nome, a condição de mulato(a), crioulo(a),
pardo(a), forro(a) ou liberto(a), porém nada que garanta serem estes os
únicos alforriados e livres de cor vivendo na povoação. Mais eventualmente
ainda, aparece anotado a condição de viúvo ou viúva.
A Lista Nominativa de 1803 é, das três, a que contém o maior
número de informações. Ali livres e escravos são identificados pelo nome,
sexo, idade, estado matrimonial, cor e posição no domicilio (se chefe,
cônjuge, filho ou outro parente do chefe; se agregado ou escravo). Para
agregados e cativos, no entanto, raramente há referências aos laços de
parentesco que os unem. Além disso, constam as patentes dos chefes, suas
ocupações, o tipo e o volume da produção, assim como o valor do que cada
domicílio vendeu no ano. Finalmente, na Lista de 1827, formada por três
7
De acordo ao lugar e ao período, esses censos receberam diferentes títulos, mas no
conjunto são conhecidos como listas nominativas. A lista de São José dos Pinhais de 1782
tinha originalmente o nome de Lista Geral da Freguesia do Patrocinio de São José. A de 1803
recebeu o título de Mapa Geral dos habitantes existentes na Freguesia do Patrocinio de São
José, e a de 1827, Lista Geral das Ordenanças das companhias da vila de Curitiba e
Freguesia de São José.
251
companhias de ordenanças, se encontram os mesmos dados presentes na de
1803, exceto aqueles sobre tipo de produção e sobre quantidade e valor das
vendas.
Os mapas populacionais são um sub-produto das listas
nominativas, pois a partir de 1798 a elas era anexado um resumo, no qual
se discriminava o número de pessoas recenseadas, de acordo ao sexo, faixa
de idade, cor e condição jurídica. As informações dos mapas populacionais
por mim utilizadas foram retiradas da publicação “Paraná. Mapas de
Habitantes 1798-1830”, de Iraci Del Nero da Costa e Horácio Gutiérrez.
Como o nome sugere, a partir dessa fonte os autores elaboraram uma série
de tabelas com o quantitativo populacional de cada uma das vilas do Paraná
colonial, para seis diferentes anos entre as balizas temporais indicadas, de
acordo com a idade, sexo, cor e condição jurídica.
Trata-se o Inventário de Bens Rústicos de um censo de
propriedades rurais, realizado em 1818 em toda a Capitania de São Paulo (à
qual o Paraná esteve incorporado como sua 5
a
. Comarca até 1853). A parte
relativa a Curitiba traz embutido os dados das propriedades rurais de São
José dos Pinhais (são duas das companhias daquela vila) e contém as
seguintes informações: nome e, quando é o caso, patente do proprietário.
Constam ainda o nome da propriedade, o local de residência do proprietário,
o tipo de posse (se sesmaria, herança, posse pessoal ou compra), as medidas
da propriedade (em braças, de testada e de fundos), se cultivada ou não, e
com qual propriedade confronta. Para que pudesse obter dados mais
detalhados, cruzei as informações dos Bens Rústicos de São José com as da
Lista nominativa de 1818. Essa última traz nome, sexo, idade, estado
252
matrimonial e cor de todos os habitantes (livres ou escravos), os nascimentos
e falecimentos ocorridos em cada domicílio naquele ano e a ocupação do
chefe do fogo. No final desse documento existe um mapa econômico dos
domicilios, na forma de uma listagem de chefes de fogos (pelo que pude
depreender, trata-se daqueles que não plantaram apenas para comer) com
informações sobre o tipo e a quantidade de suas produções, vendas e
compras no ano.
Do ponto de vista metodológico esse segundo capítulo é o resultado
de um estudo do tipo quantitativo e marcadamente demográfico. Ressalto,
no entanto, que ao escrevê-lo não pretendi enfatizar o comportamento
padrão ou as características típicas daquela sociedade na passagem do XVIII
para o XIX. Ao contrário, parti da premissa de que as relações de poder e o
dinamismo de uma hierarquia social se podem expressar nos diversos
comportamentos.
Nesse sentido foi particularmente útil o princípio geral, formulado
por Fredrick Barth, de que as estruturas mais significativas da cultura ou
seja, aquelas que mais conseqüências sistemáticas têm para os atos e
relações das pessoas talvez não estejam em suas formas, mas em sua
distribuição e padrões de não-compartilhamento.
8
Creio que somente esse
modo de ver me permitiu detectar a vigência de um conjunto de práticas
patriarcalistas naquele ambiente, levadas a efeito por homens e mulheres
pouco poderosos e que imperfeitamente, e por vezes de forma transitória,
conseguiam exibir o status patriarcal, ainda que o perseguissem.
8
BARTH, Fredrick. O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. RJ: Contracapa,
2000, p. 128-130.
253
Busquei, nos demais capítulos, revelar o lugar social de escravos e
de livres de cor naquela específica hierarquia patriarcal, bem como suas
estratégias e alianças sociais. Neles, a perspectiva metodológica observada
no capítulo 2 ainda está presente, mas a abordagem torna-se
eminentemente qualitativa. Para a elaboração desses capítulos busquei,
mais especificamente, operacionalizar o conceito de rede social, aqui
entendida como um complexo sistema relacional que permite a circulação de
bens e serviços, tanto materiais como imateriais, dentro de um conjunto de
relações estabelecidas entre seus membros, que os afeta a todos, direta ou
indiretamente, ainda que de maneira muito desigual.
Como a rede social é uma ferramenta capaz de tornar mais
evidentes as interações entre os indivíduos e os contextos sociais em que se
encontram e atuam, a análise deixou de priorizar a estrutura social em si,
para privilegiar os processos e as interações no interior da sociedade
estudada.
9
Evidentemente pude realizar apenas a identificação de redes
parciais, com base nas quais se podem desvendar as lógicas relacionais que
por elas transitam.
Nessa reconstrução procurei colocar em cena um indivíduo
racional, certamente, mas não dotado de uma “racionalidade absoluta”. Nas
palavras de Levi, um indivíduo que age a partir de uma “racionalidade
limitada”, isto é, a partir dos recursos limitados que o seu lugar na trama
social lhe confere, em contextos onde sua ação depende da interação com as
ações alheias, e onde, portanto, o controle sobre o seu resultado é limitado
9
BERTRAND, Michel. Elites y configuraciones sociales en Hispanoamérica colonial. In:
Revista de Historia, n. 13, 1
o
. Semestre de 1999. Instituto de Historia de Nicaragua y
Centroamérica, p. 7 a 12.
254
por um horizonte de constante incerteza.
10
Nessa linha, preciso salientar, cor
e situação jurídica foram entendidas principalmente como condições que
constituíam limites das várias “racionalidades” encontradas naquela
sociedade, ainda que as especificidades individuais pudessem influir nas
suas conformações.
Nesse “exercício metodológico”, no capítulo 3 busquei construir
uma nova visão sobre o lugar social dos escravos. Por meio do cruzamento
de listas nominativas de habitantes com registros paroquiais - de batismo,
casamento e óbito - creio ter identificado, no acompanhamento de alguns
casos, a lógica que norteava as práticas senhoriais que determinavam o
fracionamento das famílias dos escravos. Mais especialmente, procurei
destacar o quanto a concretização daquelas práticas dependia das vontades
cativas, exatamente porque, num ambiente em que a reprodução da
população escrava era basicamente endógena, a própria manutenção do
status senhorial tinha que ser negociada.
Na virada do século XVIII para o XIX, era grande a presença de não
brancos na população livre da freguesia de São José dos Pinhais. A partir
dos mapas populacionais compilados por Costa & Gutiérrez, calculei que
entre 1798 e 1830, em média, eles representavam 37,6% da população livre
do lugar.
11
Dada sua expressividade demográfica, no capítulo 4 centrei
minha atenção nesse grande contingente populacional - quase todo ele
10
Citado por LIMA, Henrique Espada. Microhistória: escalas, indícios e singularidades.
Campinas, tese de Doutorado em História. Universidade Estadual de Campinas, 1999, pp
259-260.
11
A média foi calculada com dados dos seguintes anos: 1798, 1804, 1810, 1816, 1824 e
1830. COSTA, Iraci & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná, mapas de habitantes 1798-1830. São
Paulo: IPE/USP-FINEP, 1985, passim.
255
formado por pardos. Ainda com base em listas nominativas, neste capítulo
analiso a posição e o status social de brancos e não brancos nos fogos da
freguesia, ressaltando a grande freqüência de famílias pardas vivendo em
domicílios autônomos, mas também, em relação aos brancos, a maior
concentração de pardos livres na condição de parente não nuclear e,
especialmente, na de agregado (majoritariamente mulheres e crianças).
Na análise da forma como os agregados eram relacionados nos
domícilios recenseados, da própria designação da cor das pessoas incluídas
nesse grupo, e pelo acompanhamento de algumas trajetórias individuais,
encontrei indícios de que, naquele ambiente em que se tinha cada vez menos
capacidade de investir em escravos, também cresciam os esforços senhoriais
para, informalmente, incorporar pessoas livres ao cativeiro. Tratava-se de
um locus social onde uma escravidão “rarefeita” não impedia, ou até
impulsionava, uma prática reiterativa (portanto, estrutural) que contribuía
para a reprodução de uma hierarquia fundada na escravidão.
Sobre essa questão destaco, ainda, que o status social dos livres de
cor não era determinado apenas por aqueles esforços dos escravistas. Ele
era, sobretudo, produto da luta cotidiana entre senhores e ex-senhores, de
um lado, e de escravos, forros e negros ou pardos livres, de outro. Por essa
razão, um grande contingente de pardos livres conseguia manter-se em
domicílios autônomos, alguns deles, inclusive, tornando-se partícipes do
processo de reiteração daquela hierarquia patriarcalista, ao manter parentes
e agregados sob sua autoridade, e até mesmo a posse de escravos.
Uma explicação para a ocorrência desta “adesão” de certa forma
tornou-se o objetivo central da pesquisa no processo de elaboração dos
256
capítulos 5 e 6, nos quais trato das relações políticas e das alianças sociais
desenvolvidas no vilarejo, aquelas identificadas por meio da análise do
casamento e do compadrio de escravos, e de pardos e negros livres.
Nesses dois últimos capítulos, os dados dos registros paroquiais de
batismo, casamento e óbito foram fundamentais, pois com eles procurei
realizar uma mudança na escala de observação. Esse empreendimento se
encaixa bem no espírito da micro-história e seu empenho na criação de
condições de observação que possam fazer aparecer formas, organizações e
histórias inéditas, particularmente a proposta de circunscrever o âmbito da
investigação, para que séries documentais possam “sobrepor-se no tempo e
no espaço de modo a permitir-nos encontrar o mesmo indivíduo ou grupos
de indivíduos em contextos sociais diversos”.
12
Nos dois capítulos o caminho proposto foi a reconstituição de
trajetórias a partir de atos primordiais (a união conjugal e o compadrio), Isso
porque compartilho com Barth a crença de que não basta apenas mudar a
escala de observação. Para que a vida social emerja em toda a sua riqueza e
variedade, é preciso ligar um “fragmento de cultura” e seus atores à
constelação particular de experiências, conhecimentos e orientações de cada
um.
13
Finalmente, parti da premissa de que o nexo dessa construção
deve ser procurado na grande gama de relações desenvolvidas numa
sociedade cuja reprodução fundamentava-se na dependência interpessoal -
entendendo-se este último conceito como o conjunto de laços unindo
membros de diferentes grupos, laços originados da própria ação dos sujeitos
12
GINSBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1991, p.173-174.
13
BARTH, Fredrick. Op. Cit., p.128-130.
257
sociais, de acordo a suas necessidades, seus interesses e suas
possibilidades. É que, embora a sociedade, a Igreja e o Estado fossem as
principais instâncias definidoras da distinção entre senhor e escravo,
legítimo e bastardo, livre e liberto, branco, negro, índio e mestiços,
14
foi no
âmbito das ações interpessoais que estas categorias surgiram e se
reproduziram, e também no âmbito das relações interpessoais se definia a
mobilidade dos indivíduos por essas categorias, movimento perceptível ao
longo das gerações e, por vezes, de uma única trajetória de vida. Daí o
interesse em se deslocar o foco da investigação da constituição interna e da
história de cada grupo para as fronteiras e a sua manutenção.
15
No capítulo 5 procurei reconstituir a história de casais formados
por escravos e pardos ou negros livres que viveram na freguesia de São José
dos Pinhais durante o século XVIII e início do XIX. Dei especial atenção às
uniões mistas, isto é, aquelas efetuadas com um parceiro de cor ou condição
jurídica desigual. Tal reconstituição foi possível graças ao cruzamento dos
dados de registros de casamento e de listas nominativas, complementado
com informações de alguns autos de casamento e da genealogia dos Rocha
Loures, uma família de pequenos escravistas cuja história foi reconstituída
14
Existe uma vasta historiografia sobre a ação da Igreja e da Coroa portuguesa nas
colônias, particularmente acerca das prerrogativas e privilégios da “nobreza da terra” - a
elite da população branca -, dos direitos e restrições a indígenas, negros (escravos, forros ou
livres), concubinos e bastardos. Ver, por exemplo: BOXER, C.R. Relações raciais no império
colonial português 1415-1825. Porto: Afrontamento, 1977; SILVA, Maria Beatriz N. Sistema
de Casamento no Brasil colonial. São Paulo: T.A. Queiroz/EDUSP, 1984; SILVA, Maria
Beatriz Nizza da. História da Família no Brasil Colonial. Rio, Edit. Nova Fronteira, 1998;
CAMPOS, Alzira. O casamento e a família em São Paulo colonial: caminhos e descaminhos.
Tesis FFLCH, USP, 1986; MELLO E SOUZA, Laura de. Cotidiano e vida privada na América
portuguesa. I: NOVAIS, Fernando (org). História da vida privada no Brasil. Vol 1, São Paulo:
Companhia das Letras, 1997; VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e
Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
15
BARTH, Fredrick, op. Cit., p. 27.
258
por um de seus descendentes por meio de registros de batismo, casamento e
óbito, bem como bibliografia histórica.
16
Dentre as conclusões desse quinto capítulo, destaco o predomínio
de uniões matrimoniais de escravos com livres e a provável alta incidência de
casamentos de pardos com brancos. Tais uniões estariam revelando traços
de uma intrincada rede na qual se cruzam e se interligam laços de
subordinação e de dependência, relações familiares, identidades sociais,
estratégias de sobrevivência e de mobilidade social. Os casos analisados
sugerem, de fato, a vigência de um relacionamento político construído e
reproduzido pelos diferentes grupos, todos eles informados por um mesmo
contexto (escravista), cada um, porém, buscando alcançar ou consolidar
interesses distintos, por vezes conflitantes. Para os escravos e livres de cor, o
casamento seria uma das estratégias socialmente disponíveis para assegurar
a liberdade para si e para a sua geração, ainda que nesse empenho eles se
tornassem partícipes do processo de produção e reiteração das hierarquias
sociais.
A mesma documentação e os mesmos cruzamentos (inclusive a
utilização das informações sobre a família Rocha Loures) foram as bases do
capítulo 6, voltado para o estudo das alianças de parentesco ritual que
alguns daqueles casais formados por escravos e/ou por livres de cor
realizaram em São José dos Pinhais. A pesquisa me permitiu sugerir que,
embora o estabelecimento de relações de compadrio com pessoas de status
superior pudesse funcionar bem na busca de proteção social, e mesmo como
mecanismo de manutenção e de ampliação de uma comunidade de negros e
16
Genealogia da Família Rocha Loures. Arquivo pessoal do Professor Doutor Helio Rocha,
Curitiba-Pr.
259
pardos, tal privilegiamento (sobretudo por parte de cativos de pequenas
escravarias e de pardos e negros livres e pobres) acabou por reforçar senão
criar o componente de dominação/submissão da relação, bem como
ajudou a sublimar o caráter igualitário que o parentesco espiritual tridentino
também pressupunha.
Acredito, pois, que os fragmentos de histórias apresentados nesses
dois últimos capítulos permitiram vislumbrar o papel ativo de pardos e
negros (escravos ou livres) no processo de produção e reprodução de uma
sociedade escravista que, como nos mostrou Gilberto Freyre, se misturava
sem deixar de preservar as diferenças. No entanto, e esse é um ponto
importante, tais práticas não seriam expressão da adesão passiva ao ideário
senhorial. Elas talvez tenham sido os meios mais à mão para que cativos,
forros e negros livres pudessem reiterar sua humanidade e tornar a si
próprios, cada vez mais, participantes da construção de suas histórias. O
patriarcalismo vigente estava disseminado em todos os grupos, no meu
modo de ver, porque era um produto histórico do conjunto de relações que
conformaram os diversos grupos sociais.
* * *
Em trabalho recente, Silvia Lara relembra que a presença
estrutural da escravidão foi sempre apontada pela historiografia como o
aspecto mais importante para caracterizar aquilo que distinguia o mundo
colonial do metropolitano. Porém, acrescenta a autora, a partir da segunda
metade do século XVIII, não era apenas a escravidão, mas a presença cada
260
vez maior da massa de homens e mulheres negros e mulatos, livres e
libertos, que impactava e tensionava as relações sociais e políticas na
sociedade colonial.
17
Ela procura fundamentar tal assertiva, lembrando que
o assombro demonstrado por administradores e pelos inúmeros viajantes
que visitaram as principais cidades da América portuguesa na passagem do
XVIII para o XIX, diante da “multidão” de negros e mulatos em suas ruas,
não destoa dos dados demográficos disponíveis para o período. Nos informa,
por exemplo, que um censo de 1797 computou quase 33 mil habitantes na
cidade do Rio de Janeiro, dos quais pouco mais de um terço eram escravos.
Também um terço dos indivíduos livres foram identificados no censo como
negros ou mulatos.
18
De resto, um panorama que pouco diferia de outras
regiões da América portuguesa.
19
Nesse sentido,
“a presença estruturadora da escravidão e aquela
desestruturante dos negros e mulatos libertos oferecem a
chave para compreendermos a dinâmica das relações entre
escravidão, cultura e poder na América portuguesa. Neste
contraponto está a liga, a juntar as partes - seus significados
puderam ser decodificados de muitos modos pelos sujeitos que
viveram aqueles mundos e podem, agora, ajudar a pensar as
tensões que deram forma à sociedade que, sob domínio
português, se desenvolveu nestas terras da América.
20
Retomo estas importantes considerações de Silvia Lara, porque
elas foram, para mim, reveladoras de um aspecto para o qual estive pouco
atenta quando comecei a realizar a presente tese. Por então, eu acreditava
que a freguesia de São José dos Pinhais (e mesmo a comarca paranaense)
17
LARA, Silvia Hunold. Fragmentos Setecentistas: Escravidão, Cultura e Poder na América
Portuguesa. Tese de Livre Docência. Campinas: UNICAMP, 2004, p. 17 a 24.
18
Conforme anotou Silvia Lara, foram contados 13.993 brancos, 3.884 pardos livres, 2. 298
pretos livres e 11.182 escravos. Incluindo as pessoas pertencentes a corporações, que foram
contadas separadamente, o total da população da cidade chegava a 32.553 pessoas, das
quais certamente quase 54% não eram brancas.
19
LARA, Silvia Hunold. Op. Cit, 2004, p. 141 a 143.
20
LARA, Silvia Hunold. Op. Cit, 2004, p. 342.
261
era um locus social cujo estudo poderia contribuir para um maior
conhecimento de nosso passado porque o predomínio de pequenos
escravistas, uma característica regional, teria muito a revelar sobre o
conjunto das relações entre senhores e cativos no Brasil escravista, onde a
propriedade escrava era altamente disseminada e, portanto, menos
concentrada do que em outras partes das Américas. Somente a partir da
leitura daquelas considerações eu pude perceber que a exemplaridade
paranaense não reside apenas nesse aspecto. Reside também, ou talvez mais
especialmente, na forte presença de forros e livres de origem africana e/ou
indígena na sua população, característica, aliás, que por um bom tempo foi
utilizada como argumento para afirmar que o Paraná seria “um Brasil
diferente” devido à irrelevância histórica e sociológica da escravidão em seu
território.
21
21
Refiro-me ao clássico regional “Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de
aculturação no Paraná”, de Wilson Martins, cuja primeira edição é de 1955. A referência da
segunda edição desta obra está na bibliografia.
262
Capítulo 1:
A formação do espaço socioeconômico paranaense
263
Ainda que a maior parte do território meridional do Brasil fosse,
desde o século XVI, reivindicada pelos espanhóis, a historiografia desde
sempre registra serem aquelas terras, por então, sistematicamente
percorridas também por outros europeus, especialmente por portugueses
organizados em expedições exploradoras e preadoras. Apenas para a área
que hoje forma o Estado do Paraná, existem registros de pelo menos dez
grandes expedições no século XVI, saindo ora do Atlântico ora da região
platina.
22
Um dos testemunhos mais antigos e mais conhecidos é o de Hans
Staden, que veio ao Brasil em 1547 e em 1549, na primeira vez em navio
português, na segunda em uma embarcação espanhola. Ele percorreu o
litoral dos atuais Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, e em seu
relato descreve contatos com portugueses, espanhóis e franceses.
23
Contudo, a ocupação portuguesa tornou-se mais efetiva somente a partir de 1570-1580, quando foram encontrados os primeiros vestígios
de faíscas de ouro no litoral paranaense. Desde então, populações provenientes de Cananéia, São Vicente, Santos, São Paulo e Rio de
Janeiro começaram a estabelecer sítios na região, utilizando o trabalho de índios – do litoral ou apresados no interior - e, mais tarde,
também de negros escravizados.
A primeira povoação foi Paranaguá, originada na ilha da Cotinga,
em 1617, e elevada à categoria de vila em 1649. Em 1656, Paranaguá se
tornou centro da então recém-criada Capitania de Nossa Senhora do Rosário
de Paranaguá subordinada ao Rio de Janeiro. Ao longo do século XVII
manteve-se o interesse pelo ouro e, em sua busca, os mineradores
ultrapassaram a Serra do Mar, atingindo as terras altas do interior. Ali, a
cata de ouro desenvolveu-se por todo o Planalto de Curitiba (como as lavras
22
Dentre elas a expedição comandada por Aleixo Garcia (1516), Francisco de Chaves e Pero
Lobo (1530), Álvaro Nuñez Cabeza de Vaca (1541), Ulrich Schmidel (1553), Hans Staden
(1549), Cristobal Saavedra (1551), Hernando Salazar (1552), Ruy Diaz Melgarejo (1554) e
Martinez de Irala (1553). CARDOSO, Jaime Antonio; WESTPHALEN, Cecília Maria. Atlas
histórico do Paraná. 2
a
. ed., Curitiba: Editora do Chain, 1986. p. 24.
23
STADEN, Hans. Meu cativeiro entre os selvagens do Brasil. Coleção Farol do Saber.
Curitiba: Fundação Cultural, 1995, p. 12.
264
do Arraial Grande, em São José dos Pinhais), chegando a atingir a vasta
região do Assungui, Jaguariaiva e do Tibagi.
24
A partir do inicio do XVIII o ouro das Minas Gerais eclipsou a
modesta produção paranaense,
25
que no entanto existiu pelo menos até
meados do século XVIII. Em 1711, a capitania passou à condição de
comarca da então recém-criada Capitania de São Paulo e em 1735 a casa de
fundição de Paranaguá foi definitivamente fechada.
26
Em busca do ouro, no planalto os mineradores formaram alguns
núcleos populacionais, que mais tarde se transformaram em vilas e
freguesias. Dois deles deram origem às povoações de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais (Curitiba) freguesia de Paranaguá desde 1654, distrito desde
1660, e finalmente elevada à categoria de vila em 1693 e São José e Bom
Jesus dos Perdões (São José dos Pinhais), na região contígua a Curitiba.
Esse último vilarejo tornou-se freguesia ligada a Curitiba em 1757, mas o
inicio de seu povoamento data de fins do século XVII, e foi anterior mesmo
ao de Curitiba.
O número de pessoas que viviam nas terras paranaenses, no
século XVII, não pode ser precisado. De todo modo, os pesquisadores
realizaram algumas estimativas, através das escassas referências
24
LICCARDO, A; SOBANSKI, A & CHODUR, N.L. O Paraná na história da mineração no
Brasil do século XVII. Boletim Paranaense de Geociências, n. 54, pp. 41-49, Curitiba:
Editoria da UFPR, 2004, p. 46.
25
Por muitos annos se continuou a tirar em Paranaguá, e Coritiba, primeiro por oitavas,
depois por libras, que chegarão a alguma arroba, posto que com muito trabalho para ajuntar,
sendo o rendimento no catar limitado; até que se largarão, depois de serem descobertas pelos
Paulistas as minas geraes dos Cataguas, e as que chamão do caeté: e as mais modernas no
rio das Velhas, e em outras partes, que descobrirão outros Paulistas Andre João Antonil,
citado por IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. 2.ed., São Paulo: Hucitec/Curitiba:
Scientia et Labor, 1988, pp. 24-25.
26
WACHOWICZ, Ruy C. História do Paraná. 6 ed., Curitiba: Editora Gráfica Vicentina,
1988, p. 57.
265
disponíveis. O Requerimento para a criação das Justiças que os habitantes de
Curitiba encaminharam ao capitão-povoador, em 1693, por exemplo, permite
estimar a população do planalto curitibano. Segundo este documento havia
na vila de Curitiba noventa homens e três povos, e considerando a média de
pessoas nos domicílios da São Paulo colonial, estimou-se que na vila deveria
existir uma população de aproximadamente 540 pessoas.
27
Em 1720, o
Ouvidor Pardinho calculou que em Curitiba e São José, juntas, haveria 200
casais e mais 1400 pessoas de confissão; e em Paranaguá 360 casais e mais
de 2000 pessoas de confissão.
28
27
BALHANA, Altiva. Estruturas Populacionais do Paraná no ano da Independência. PARANÁ
1822. Boletim no. 19. Comemorativo do Sesquicenternário da Independência do Brasil.
Curitiba: UFPR-ICH-DEHIS, 1972, p.10-11.
28
Carta do ouvidor Rafael Pires Pardinho ao rei D. João V, 30 de agosto de 1721. Revista
Monumenta, vol. 3, n.10. Curitiba: Aos Quatro Ventos, Inverno de 2000, p. 15. Para
informar o número de moradores, Pardinho utilizou os róis de confessados das duas
paróquias; ou seja, uma parcela da população não foi computada os que o recebiam
comunhão (crianças, em geral).
266
MAPA 1.1 – Área do Paraná pioneiramente incorporada ao domínio português
Fonte: LICCARDO, A, SOBANSKI, A & CHODUR, N.L. O Paraná na história da
mineração no Brasil do século XVII. Boletim Paranaense de Geociências, n. 54,
Curitiba: Editoria da UFPR, 2004, p. 43.
Mesmo antes do declínio da economia aurífera, se desenvolvia
alguma agricultura e pecuária na região. Na medida em que se exauria o
ouro, contudo, os moradores intensificaram a produção de alimentos, a
criação de gado, e envolveram-se mais no tropeirismo, atividades que
rapidamente se vincularam à economia do Centro-sul, em face da grande
demanda por alimentos em Minas Gerais. No século XVIII, o alto preço do
gado nas Minas contribuiu para a multiplicação das fazendas de criação e de
invernagem, especialmente após 1730, quando da abertura do Caminho do
Viamão, que ligava o Continente do Sul a Sorocaba, passando
267
necessariamente pelo Paraná. Esse caminho propiciou a formação de novas
povoações no planalto, como Itararé, Jaguariaiva, Piraí, Iapó (Castro),
Carrapatos, Santa Cruz (Ponta Grossa), Lapa, Palmeira, etc., que eram
primitivamente lugares de pouso e currais de descanso ou invernadas de
gado.
29
O desenvolvimento da pecuária no sul em pouco tempo consolidou
o papel de grande centro comercializador de Sorocaba. Se ao longo do século
XVIII a demanda por gado na região mineira tendeu a se estabilizar e mesmo
a retroceder, houve um notável aumento da procura na nova capital da
colônia, Rio de Janeiro, instalada em 1763, e no Oeste paulista, onde a
lavoura canavieira se expandia a partir de meados do século XVIII.
30
Apesar
dos desafios da empreitada,
31
estima-se que entre 1750 e 1780, cerca de
5.000 mulas, por ano, foram enviadas do sul para São Paulo, entre 1780 e
1800 esse número subiu para 10.000 por ano, e para 20.000 entre 1800 e
1826. As terras do sul seguiram envolvidas na atividade do criatório no
século XIX, chegando a remeter para Sorocaba mais de dois milhões de
animais entre 1825 e 1889 - dos quais mais da metade eram mulas.
32
29
MARTINS, Romário. História do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores, 1995, p. 524.
30
PETRONE, Maria Thereza S., A lavoura canavieira em São Paulo, expansão e declínio
(1765-1851), São Paulo: Difel, 1968.
31
Em novembro de 1773 o governador e capitão general da capitania de São Paulo, Dom
Luis Antonio de Sousa Botelho e Mourão, em oficio ao governador e capitão general de
Angola, pedia instruções a respeito da defesa do Viamão e queixava-se das dificuldades que
vinha tendo em seu governo motivadas pelas enormes distâncias, pela dispersão da
população, pelos rios caudalosos e pelas feras e doenças que grassavam o sertão.
(AHU_ACL_CU:023,Cx 6, D. 376. In: ARRUDA, José Jobson (coord.). Documentos
manuscritos avulsos da Capitania de São Paulo, Catálogo 1 (1644-1830) Bauru (SP):EDUSC;
São Paulo:FAPESP/IMESP , p.97.
32
KLEIN, Herbert. A oferta de muares no Brasil Central: O mercado se Sorocaba, 1825-
1880. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 19, n. 2,p.347-372, Maio-Agosto.1989, p. 356.
268
Na verdade, a atividade criatória e o comércio com Sorocaba
existiam mesmo antes da abertura do Caminho do Viamão.
33
Conforme
anotou Carlos Bacellar, a criação do Registro do Rio Negro ou Curitiba, já em
1734, traduzia a grandeza dos negócios à época realizados, a ponto de
justificarem o esforço da Coroa em fiscalizar e arrecadar tributos.
34
Além
disso, quando percorreu a região meridional da colônia, entre 1719 e 1721,
para correicionar as povoações, o Ouvidor Rafael Pires Pardinho escreveu
que as duas freguesias de Curitiba, a de Nossa Senhora da Luz, a principal,
e a de São José e Bom Jesus dos Perdões, tinham suas populações
distribuídas por um perímetro de até sete léguas, em geral vivendo da
criação de “gado vacum”, que era levado para a feira de Sorocaba, enquanto
alguns ainda exploravam ouro de lavagem nos contrafortes da serra.
35
Na
mesma carta ao Rei de Portugal, o ouvidor Pardinho indicava as
potencialidades econômicas do planalto:
“Dizem aquelles moradores [de Curitiba], que tem penetrado o
sertão para o Poente, que todo he de Campos com seos capões,
e restingas de mattos, com boas aguas, e ferteis para curraes, e
criações nos quaes se poderão fazer grandes fazendas se para
elles se alargarem os gados: que o gentio he mui pouco por elle
porque apenas se achão algûs pequenos lotes. Os mesmos
campos vão correndo pelo dos mattos da Serra de
Pernampiacaba; e algûs dizem ser facil abrir para elles caminho
da Villa de Laguna, donde se lhe podem introdusir gados, que
se condusam, e tragão pelas praias do Rio grande de São
33
A seção meridional do Caminho do Viamão, isto é, de Curitiba aos campos do Rio Grande,
é mais moderna que a de São Paulo a Curitiba. Primitivamente essa via de comunicação
chegava a Curitiba passando por Campo Largo e São José dos Pinhais, mas com a abertura
da estrada da Mata, do rio Negro para o Sul, as próprias tropas lhe foram dando curso mais
direto, seguindo da Lapa ao rio do Registro. MARTINS, Romário. Op. Cit., p. 524.
34
BACELLAR, Carlos A.P. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, s. XVIII e XIX.
São Paulo: Annablume, 2001, p. 8.
35
Carta do ouvidor... Op. Cit, p. 22. O capitão Tigre, um dos povoadores dos Campos de
Curitiba e dono do sitio do Barigui, e outros moradores, desenvolviam um pequeno
intercâmbio comercial com a região paulista. Este capitão, em 1709, pagara à Câmara dez mil
réis do gado que tinha mandado para a vila de São Paulo”. RITTER, Marina L. A sociedade
nos Campos de Curitiba na época da independência. Curitiba: BRDES, 1982, p. 27.
269
Pedro, com que brevemente se estabelecerão neles grandes
fazendas de currais.”
36
Pardinho se referia aos Campos Gerais, que ao longo do XVIII e do
XIX tornou-se a mais importante área paranaense de criação e de
invernagem dos animais comprados no Rio Grande do Sul, e revendidos em
Sorocaba. Em seus primórdios, a instalação de terras de invernada nos
Campos Gerais foi levada adiante por proprietários quase sempre
absenteístas, em geral comerciantes paulistas que delegavam a prepostos ou
a escravos a responsabilidade pela administração das propriedades. a
partir de meados do XVIII, muitos deles, ou seus descendentes, foram
adquirindo mais terras e gado com os lucros do comércio, e casando-se com
membros das antigas famílias locais, até estabelecerem-se como fazendeiros,
alguns bastante ricos e poderosos, ostentando títulos de coronel, sargento-
mor ou capitão.
37
A atividade criatória também incentivou a colonização dos sertões
mais a oeste, território muito disputado por portugueses e espanhóis.
38
36
Carta do ouvidor... Op. Cit, pp. 22-23.
37
Em 1747 dos 56 fogos ou domicílios, os proprietários das fazendas eram absenteístas,
residindo em Santos, Paranaguá, Itú, São Paulo e Curitiba. CARDOSO, Jaime &
WESTPHALEN, Cecilia. Atlas histórico do Paraná, 2
a
. ed., Curitiba: Editora do Chain, 1986.
Dentre os estudos sobre o Caminho do Viamão e o tropeirismo, destacam-se POLINARI,
Marcelo. Tropeirismo: um modo de vida. Cadernos do Patrimônio, Curitiba: Secretaria do
Estado da Cultura, 1989 e TRINDADE, Jaelson Britan. Tropeiros. São Paulo: Editora
Publicações e Comunicações Ltda, 1992.
38
A anulação do Tratado de Madrid (1750) e a guerra entre a Espanha e Portugal (1761-
1777) determinou a restauração da Capitania de São Paulo e as providências do governador
tendentes à segurança das fronteiras, de modo a possibilitar, finda a guerra, ser novo tratado
negociado. Foram criadas as vilas de Guaratuba e Lages, e o posto militar de Iguatemi;
tentou-se a ressurreição de Vila Rica, realizaram-se o descobrimento, a exploração e o
povoamento de Guarapuava, e a construção de uma fortaleza na barra de Paranaguá (1767 a
1769). Em 1816, recrudesceram as periódicas perturbações no rio da Prata, com a irrupção
dos caudilhos Artigas e Frutuoso Rivera nas savanas da Banda Oriental, com intuitos
militares sobre o Rio Grande. O concurso da Comarca de Curitiba à campanha de Montevidéu
foi notável. Os batalhões de milicianos foram mobilizados para a defesa dos sertões do Sul,
além de 400 guerrilherios de Curitiba que, finda a guerra, ficaram residindo em Montevidéu e
no Rio Grande do Sul. Tanto se abusou em pedir reforços para a campanha do sul e depois
270
Em 1809, Diogo Pinto de Azevedo Portugal chefiou a primeira bandeira
povoadora dos Campos de Guarapuava,
39
descobertos e explorados no
século XVIII por grupos de sertanistas, como o liderado por Estevão Ribeiro
Bayão, que em 1770 entrou pelo sertão do Tibagi, atingindo as barrancas do
Rio Paraná. Seguindo pelo Rio Ivaí, o grupo passou por Sete Quedas,
chegando à fronteira paraguaia. De lá, explorou o Piquiri, subiu o Rio
Paraná, e desceu o Tietê até São Paulo.
40
Mais tarde (1785), uma expedição
chefiada por Francisco Martins Lustosa chegou aos Campos de Guarapuava,
e atrás da desembocadura do Rio Iguaçu acabou descobrindo os Campos de
Palmas.
41
Como bem sintetizou o Brasil Pinheiro Machado,
“sobre o sistema épico do bandeirismo do século XVII e da
conquista militar do século XVIII, sobreveio no século XIX o
movimento de ocupação das terras conquistadas para o seu
aproveitamento econômico”.
42
Ocupação e aproveitamento econômico, completaria Ianni,
especialmente em função da necessidade de pastagens e do interesse pela
mão de obra indígena.
43
Entre 1820 e 1845 haviam sido ocupados os
campos de Guarapuava e Palmas, de tal modo que, na década de 1860, as
grandes propriedades de gado estavam localizadas principalmente nesses
campos, abandonando-se até certo ponto os Campos Gerais. Esse
para Guarapuava, que por fim já os curitibanos preferiam alargar a terra como se dizia então,
homizando-se no sertão”. In: MARTINS, Romário. Op. Cit, pp. 281-283.
39
Nessas expedições participavam pequenos sitiantes e trabalhadores em busca de terras e
oportunidades, mas chefiados predominantemente por criadores ou invernistas, ou seus
prepostos, que estavam interessados em instalar-se em novas pastagens. No processo,
posterior, de ocupação dos campos de Palmas, isso se repete. In: IANNI, Octavio. Op. Cit, p.
39.
40
MARTINS, Romário.Op. Cit, p. 524.
41
MACHADO, Brasil Pinheiro. Esboço de uma sinopse da história regional do Paraná.
Revista História: Questões & Debates, ano 8, número 14, dezembro de 1987, (Escrito em
1951), p.194.
42
MACHADO, Brasil Pinheiro, Op. Cit, 1987, p. 198.
43
IANNI, Octavio. Op. Cit, p. 39.
271
movimento em direção ao oeste, ao longo do tempo, se expressa nas próprias
estatísticas da época. Em 1772, Afonso Botelho assinalou a existência de 59
fazendas na região do Planalto de Curitiba (17 fazendas em Curitiba, 20 em
São José dos Pinhais), 12 em Palmeira e 10 na Lapa; em 1836, Daniel Pedro
Müller apontava a existência de 88 fazendas de criar na comarca, sendo 38
nos Campos de Curitiba, 13 na Lapa e 37 em Castro.
44
De um modo geral, se pode afirmar que coexistiam, nas terras do
Planalto do Paraná, nas primeiras décadas do século XIX, três formas
distintas de povoamento ainda que oriundas de um mesmo movimento: a
dos Campos de Curitiba, onde a população consolidava a pequena
propriedade, quase sempre apossamentos, desenvolvendo o comércio
interno; a dos Campos Gerais, onde a existência de grandes fazendas
contribuiu para o comércio exportador em grande escala, configurado pela
criação de gado e as invernadas; por fim a integração dos Campos de
Guarapuava (e depois os Campos de Palmas) para a ampliação dos
rebanhos.
45
44
WESTPHALEN, Cecilia M. & BALHANA, Altiva P. Nota prévia ao estudo da expansão
agrícola no Paraná moderno. Boletim do Departamento de História da UFPR, n. 25, Curitiba,
1977, pp. 10-14.
45
RITTER, Marina L. Op. Cit, 1982, p. 43.
272
MAPA 1.2. A Capitania de São Paulo em 1830.
Fonte: MARCÍLIO, M.L. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista: 1700: 1836.
São Paulo: Hucitec/Edusp, 2000.
1.1 A paisagem rural
A historiografia tradicionalmente descreve as grandes fazendas dos
campos do Paraná como propriedades auto-suficientes, produzindo o
necessário para sua alimentação, vestuário, mobiliário, instrumentos de
trabalho, material para a construção das casas, entre outros. Além dos
proprietários e seus parentes, nelas viviam indivíduos e famílias de
agregados, foreiros, fazendeiros e assistentes, estes últimos responsáveis
pela comercialização dos produtos das fazendas que assistiam,
principalmente junto aos pousos.
46
Podiam ser brancos pobres, mas também
46
RITTER, Marina L. Op. Cit, 1982, p. 33.
273
libertos e livres de cor (afro ou indodescendentes), por vezes ocupados nas
funções de capatazes, feitores, capangas e vigilantes. Alguns tinham sítios,
onde criavam cavalos e vacas, plantavam milho e feijão, e negociavam suas
pequenas produções com os tropeiros que vinham do Sul.
47
O escravo era mão-de-obra fundamental nas fazendas, e os
grandes proprietários dos Campos Gerais eram geralmente senhores de
escravarias maiores dos que os das terras curitibanas. Existiam africanos
entre os cativos, mas estes eram principalmente crioulos. Além disso, no
século XVIII e mesmo no principio do XIX, ainda que em menor número,
também era possível encontrar cativos de origem indígena.
48
No entanto, mesmo os grandes senhores dos Campos Gerais
tinham escravarias mais modestas do que as comumente encontradas nas
regiões agroexportadores do Sudeste brasileiro, pois, de uma maneira geral,
a pecuária exigia poucos braços. Octavio Ianni, por exemplo, calculou que 3
a 4 mil cabeças de gado podiam ser cuidadas por 4 a 6 peões liderados por
um capataz.
49
Parte desses peões podiam ser escravos, porém, Carlos
Roberto Antunes dos Santos calculou que apenas 1/3 dos cativos eram
empregados diretamente na pecuária e no tropeirismo, os demais se
dedicavam a outras atividades das fazendas.
50
O tropeiro José Felix da Silva,
por exemplo, um dos mais importantes da região campeira, em 1817 possuía
47
MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação da estrutura agrária tradicional nos Campos
Gerais. Boletim da Universidade do Paraná, Departamento de História, no. 3, junho de 1963,
p. 12.
48
Saint-Hilaire, por exemplo, em 1820 registrou sua presença nas fazendas em que visitou.
49
Spix e Martius, citados por IANNI, Octavio, op. Cit., p.48.
50
SANTOS, Carlos Antunes dos. Vida Material e econômica, Curitiba: SEED, 2001, p.32.
Nas coleções de atos de compra e venda de escravos constata-se que, nas fazendas
existentes nas mediações da Lapa e de Castro, existiam escravos especializados em
atividades da pecuária: laçadores, domadores campeiros, tropeiros e outros. (Idem, p. 60)
274
92 cativos divididos em três fazendas, o que uma média de 30 escravos
por unidade produtiva.
51
O naturalista Auguste de Saint-Hilaire, que em 1820 atravessou a
região dos Campos Gerais seguindo o Caminho das Tropas (o Viamão), ao
chegar à Fazenda Jaguariaiva, uma das propriedades do Coronel Luciano
Carneiro Lobo nos Campos Gerais, anotou que ela
“se compunha de uma duzia de casas para os negros, de
algumas cabanas que serviam à cultura da região e à casa do
dono. Esta era maior do que todas as que havia visto desde que
deixara Sorocaba, mas teria sido considerada uma das mais
modestas na parte oriental de Minas Gerais.”
52
Saint-Hilaire prossegue comentando acerca da rusticidade do
lugar, mesmo na casa senhorial, e da perigosa vizinhança de índios hostis,
que por vezes atacavam as propriedades. Tal precariedade, no entanto, não
impediu que o naturalista se admirasse com a produção: ele calculou que
somente nessa fazenda do Coronel Luciano Carneiro Lobo (e ele possuía
outras) haveria pelo menos duas mil vacas, sem falar nos touros e
bezerros.
53
Ali o coronel também mantinha 800 éguas, e costumava comprar
potros no Sul, que revendia depois de mandar domá-los.
54
Nos sítios, quase sempre a família estava diretamente empenhada
no trabalho da terra. Além da agricultura de subsistência, as propriedades
localizadas nos caminhos tornaram-se unidades de sustentação dos
tropeiros e militares. Aquelas próximas às vilas dedicavam-se ao
51
WESTPHALEN, Cecília Maria. Afinal, existiu ou não regime escravo no Paraná? Revista da
SBPH, nº 13: 25-63, 1997. p. 47.
52
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação
Cultural, 1995, p. 44.
53
Idem, p. 20.
54
Idem, p. 24.
275
abastecimento das populações urbanas.
55
A agricultura (geralmente milho,
trigo, feijão e mandioca, mas também fumo, linho, árvores frutíferas etc.) era
praticada com excessivo trabalho manual, baseada em métodos
rudimentares. O cultivo era feito sobre queimadas, rotação de campos, uso
predominante de enxada, ausência de fertilizantes e um certo nomadismo
das plantações.
56
Em sua maioria, os sitiantes eram posseiros estabelecidos nos
contornos das fazendas ou em terras não tituladas. Assim, é a imposição da
posse mediante o cultivo das áreas que representa a situação mais
freqüente. Outros eram herdeiros que iniciavam a vida com seu pedaço de
terra, a maioria com expressiva quantidade de filhos, e eventualmente com
agregados e alguns poucos escravos. Os agregados representam a parte dos
moradores que mais se deslocava de uma região para outra, e muitos deles
eram antigos escravos libertos ou pardos e negros livres.
57
Na região de Curitiba, a paisagem agrária compunha-se
principalmente de sítios agrícolas, e de quando em quando uma fazenda, em
geral menor e com menos escravos e agregados do que as dos Campos
Gerais.
58
No século XVIII, parte da produção regional seguia para São Paulo
55
RITTER, Marina. Op. Cit, 1982, p. 33.
56
Idem, p. 69.
57
Idem, pp. 72-78.
58
As fazendas dos Campos Gerais compunham verdadeiros latifúndios. É fato que a
legislação portuguesa restringia as dimensões das terras doadas a título de sesmarias.
Porém, indicadores suficientes evidenciando que uma forma de burlar a lei era a
solicitação, por membros da mesma família, de sesmarias contíguas o que na prática
resultava em aumento do patrimônio familiar. A doação de sesmarias nesse espaço principia
em 1704 com a expedição do alvará de sesmaria ao capitão-mor Pedro Taques de Almeida.
Sua requisição é clara evidência da estratégia de ocupação familiar: Pedro Taques solicita ao
governador do Rio de Janeiro Dom Álvaro da Siqueira terras por si e por seus filhos e
genros”, mencionando-os nominalmente: o Provedor Mor da Fazenda Real Timóteo Correia
de Gois, com três filhas e um filho; José de Goes e Moraes, Inácio Almeida de Lara, Dona
Tereza de Araújo, D. Catarina de Siqueira, Dona Ângela de Siqueira, Dona Apolônia de Góes
casada com o capitão Martinho de Oliveira, Dona Maria de Araújo casada com o capitão
276
pelo Viamão, ou era exportada pelo porto de Paranaguá principalmente
para o Rio de Janeiro, Salvador e Santos. Também por Paranaguá, os
habitantes do planalto tinham acesso a vinhos, panos de lã, linho e algodão,
sal, louças, vinagre, açúcar e outros artigos, oriundos daqueles mesmos
portos, e também de Lisboa.
59
No período aqui tratado, a extração e beneficiamento da erva mate
tinha certa importância econômica no planalto de Curitiba e no litoral.
Aparentemente, os primórdios dessa produção coincidem com a época em
que se começou a sofrer o impacto da decadência mineradora. Até princípios
do século XIX os engenhos localizavam-se basicamente no litoral (Morretes,
Antonina e Paranaguá), e a erva semi-elaborada era transportada, à ou
em lombos de burros, das zonas de coleta (os arredores de Curitiba) para a
marinha, onde se encerrava o seu beneficiamento e se operava o embarque
para a região do Prata.
60
Durante a primeira metade do século XIX, os
engenhos do litoral foram paulatinamente transferidos para Curitiba, e
novos foram criados. Mas apenas na segunda metade do XIX a erva mate se
tornará a maior fonte de riqueza da Província.
61
Os historiadores regionais
Francisco Rendom com quatro filhas e dois filhos, Dona Branca de Almeida casada com
Antonio Pinto Guedes com um filho; Dona Leonor de Siqueira casada com Bartolomeu Paes
de Abreu. Grosso modo, pedia, no sentido norte-sul, dos dois lados da estrada, sete a oito
léguas e no sentido leste-oeste, poderia ser de doze a quatorze léguas. O governador houve
por bem fazer mercê. VEIGA, José Carlos L. Fazendas e sítios de Castro e Carambeí.
Curitiba: Torre de Papel, 2004, pp. 8-9. (documento original: Arquivo do Estado de o
Paulo).
59
Cf. Mapas econômicos de Paranaguá´... A respeito do porto de Paranaguá cf.
WESTPHALEN, Cecília Maria. O porto de Paranaguá e as flutuações da economia ocidental no
século XIX. Boletim do Departamento de História da UFPR, 20, 1973. Em fins do século
XVIII Paranaguá também servia de ponto de comércio de mercadoria da Europa e do
nordeste do Brasil com destino ao Rio da Prata.
60
IANNI, Octavio, Op. Cit, p. 52. A provisão régia de 19 de abril de 1722 facultava a livre
navegação aos paranaguenses para comerciar em suas embarcações não à nova Colônia
do Sacramento, conduzindo suas madeiras, cal de ostras, telhas e tijolos, e mais frutos da
terra, e especialmente a congonha” (Idem, p. 53)
61
Idem, p. 58-62.
277
costumam destacar, inclusive, que a atividade comercial do porto de
Paranaguá ganhou maior destaque somente a partir da segunda ou terceira
década do século XIX, quando se torna escoadouro do mate paranaense para
a região do Rio da Prata.
62
Tradicionalmente, o beneficiamento da congonha era realizado em
engenhos de soque, tocados a força humana, sendo depois substituídos por
força hidráulica e vapor.
63
Durante o período em que nos detemos, o pilão e
o trabalho do escravo e do índio caboclo eram os componentes básicos do
engenho.
64
Mas a despeito da modernização da segunda metade do XIX,
enquanto perdurou a escravidão, a mão de obra cativa continuou importante
nos ervais e nos engenhos de beneficiamento.
65
1.2 A paisagem urbana
Ao chegar na Vila de Castro, em 1820, o naturalista Auguste Saint
Hilaire descreveu o seu núcleo urbano como um conjunto de uma centena
62
Por exemplo: Carlos Antunes dos. Paraná: Vida Material e econômica. Curitiba: SEED,
2001.
63
um minucioso detalhamento desse processo em: PEREIRA, Magnus de Mello.
Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da sociedade
paranaense. 1829-1889. Curitiba: Editora da UFPR, 1996, pp. 46-59.
64
HELM, Cecilia Maria Vieira. O Índio no Paraná na Conjuntura da Independência. PARANÁ
1822. Boletim no. 19. Comemorativo do Sesquicenternário da Independência do Brasil.
Curitiba: UFPR-ICH-DEHIS, 1972, pp. 27-31.
65
Estudando inventários post mortem de Curitiba, nos últimos anos da escravidão, Eduardo
Spiller Pena observou que a posse relativa de escravos pelos proprietários de ervais cresceu
mesmo nos anos 1870 para os anos 1880. Os ervateiros falecidos entre 1871-70 chegaram a
reunir 50,6% dos cativos da amostra, enquanto entre os anos 1880-87, eles alcançaram
quase 2/3 do total. Mesmo nos engenhos de beneficiamento, a aplicação do trabalho
escravo continuava a todo vapor. Nos inventários, a média de escravos por engenho sempre
foi mais elevada do que a média de escravos por erval. Para os anos 70, a dia nos
engenhos foi de 6,2 cativos por senhor, ao passo que no interior da colheita e preparo ela
não ultrapassou os 5,4. Para os anos 80 o desnível ficou ainda maior: a média permaneceu
estável para os primeiros (6,3), e ocorreu uma queda brusca no número médio de escravos
para as unidades agrícolas ervateiras (somente 3,4). PENA, Eduardo Spiller. O Jogo da Face.
A astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 1999, pp. 80-81.
278
de casas muito pequenas, sendo que depois das emigrações provocadas pela
construção do caminho de Guarapuava, a maioria delas estava abandonada
e em ruínas. A igreja paroquial era muito baixa e pequena, desprovida de
ornamento e em mau estado. Três ou quatro comerciantes, prostitutas e
alguns artesãos constituíam praticamente toda a população. Segundo o seu
testemunho, Palmeira era ainda mais insignificante, pois não passava de um
lugarejo de doze ou quinze casas, que nem mesmo igreja possuía.
66
Sobre
Curitiba, o naturalista anotou que a vila
“mostra-se tão deserta, no meio da semana, quanto a maioria
das cidades do interior do Brasil. Ali, como em inúmeros outros
lugares, quase todos os habitantes são agricultores que vêm
à cidade nos domingos e dias santos, trazidos pelo dever do
ofício divino“
67
Aparentemente esse era o aspecto da principal cidade da região do
planalto até meados do XIX. Em 1858, a capital da agora Província do
Paraná
68
foi descrita como “despovoada”, por Avé-Lallemant. Após participar
de uma festa na Igreja matriz em comemoração à padroeira da cidade, este
médico e viajante alemão escreveu em seu diário que a maior parte dos
participantes da festividade vinha dos arredores do núcleo urbano
especialmente nessas ocasiões. Passando os eventos, eles voltariam ao
campo, e a cidade retornaria ao seu ritmo normal, vazia como as demais.
69
Esta característica, de fato, se aproxima da realidade de muitas
outras vilas coloniais descritas por historiadores. Conforme observou
Maria Luiza Marcílio, a localidade paulista de Ubatuba manteve seu núcleo
66
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. Cit, pp. 75, 76-90.
67
SAINT-HILAIRE, Op. Cit, pp. 75, 76-90, pp. 106-107.
68
Apenas relembrando: a emancipação política do Paraná ocorreu em 1853.
69
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelas provincias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo
(1858). Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUFF, 1980, p. 282.
279
urbano praticamente inalterado desde sua fundação, em fins do século XVII,
até princípios do século XIX, enquanto o povoamento rural, ao longo das
praias, aumentava continuamente o espaço agrícola.
70
Até mesmo um centro
comercial importante como Sorocaba manteve
“basicamente as mesmas habitações desde os tempos de fundação.
Em contrapartida, o meio rural sofreu uma expansão notável,
consolidando o processo de desbravamento e povoação do território
circundante e avolumando os recursos humanos e materiais”.
71
Todavia, ainda que acanhada em relação ao Rio de Janeiro ou
Salvador, por exemplo, a principal vila do planalto paranaense certamente
tinha, no início do século XIX, alguma expressividade regional. A produção
do interior que se destinasse ao porto de Paranaguá, necessariamente
passava por Curitiba (principalmente) ou por São José dos Pinhais, onde se
tinha acesso aos dois únicos caminhos que ligavam o planalto ao litoral. No
núcleo urbano de Curitiba conviviam comerciantes, proprietários de
fazendas e criadores, sitiantes, tropeiros e um grande número de artesãos
qualificados (alfaiates, sapateiros, ferreiros, carpinteiros), além de agregados
e escravos. Em 1822, por exemplo, em Curitiba foram recenseados 12
indivíduos do corpo militar, oito do clero secular, 13 da magistratura e
empregos civis, e 13 artistas.
72
O próprio Saint-Hilaire esteve atento a esse aspecto, quando
escreveu que, “embora deserta no meio da semana”,
“havia em Curitiba várias lojas muito bem abastecidas. Os
negociantes traziam suas mercadorias diretamente da capital
70
MARCÍLIO, Maria Luiza. Caiçara: terra e população. Estudo de demografia histórica e da
história social de Ubatuba. São Paulo: Edições Paulinas/Cedhal, 1986, pp. 40-49.
71
BACELLAR, Carlos. Op. Cit, 2001, p. 15, nota 28.
72
BALHANA, Altiva. Op. Cit, 1972, p.19.
280
do Império, mas só as vendiam aos fazendeiros do distrito,
porque os comerciantes das cidades vizinhas também se
abasteciam no Rio de Janeiro. (...) A cidade de Curitiba enviava
ao porto de Paranaguá,(...), toucinho, milho, feijão, trigo, fumo,
carne seca e mate, sendo este último consumido em parte no
litoral e em parte despachado para as cidades de Buenos Aires
e Montevidéu (...). Entre os artigos de exportação não posso
deixar de mencionar uma certa quantidade de gado que
Curitiba vendia a São Paulo ou ao Rio de Janeiro.”
73
O núcleo urbano de Curitiba apresentava uma estrutura bem mais
complexa do que as vilas mais ao interior. Em 1820 havia ali cerca de 220
casas, quase todas de um pavimento, sendo um grande número delas
feitas de pedra. As ruas eram largas e bastante regulares, algumas
totalmente pavimentadas. Havia uma praça pública, três igrejas e uma
capela.
74
De todo modo, o dinamismo econômico do planalto paranaense na
passagem do século XVIII para o XIX poderia ser avaliado menos pelo
aspecto de suas áreas urbanas, e mais pela riqueza das fazendas dos
Campos Gerais, pelo movimento de expansão em direção aos Campos de
Guarapuava e Palmas, pelo intenso comércio entre o planalto e o litoral e
especialmente ao longo do Caminho do Viamão. Uma tradução deste
dinamismo se encontra no próprio incremento populacional da comarca no
período (em 1772 sua população era de 7.627 habitantes, subindo para
32.887 em 1824), e particularmente nas mudanças na distribuição dos
moradores: em 1720 apenas 41% da população vivia no planalto, índice que
subiu para 56% em 1772, para 65% em 1824, e para 69% em 1854. Nesse
73
SAINT-HILAIRE, Auguste. Op. Cit., p. 107.
74
SAINT-HILAIRE, Auguste. Op. Cit, p. 105 e 106.
281
período também ocorreu certa concentração dos escravos no planalto: 55%
deles viviam ali em 1798, subindo esse índice para 60% em 1830.
75
Não por acaso, na segunda metade do século XVIII Curitiba
disputou com Paranaguá a hegemonia econômica e política local, até que em
1812 tornou-se sede da Comarca. Em 1822, Curitiba era a segunda maior
vila da capitania paulista (11.867 habitantes), atrás apenas de São Paulo
(24.311), sendo maior do que Sorocaba (8.908) e Itu (8.247).
76
1.3 A mão-de-obra servil
1.3.1 As origens
Ao descrever o ambiente demográfico e cultural do Rio de Janeiro
no início do século XIX, José Roberto Góes se refere à série de relatos de
viajantes espantados e perturbados com a prodigiosa quantidade de
negros”, enxame de negros”, turba agitada de negrosque obstruía as ruas
da cidade. Tais impressões, inclusive, sugeriram ao autor a idéia da
produção de uma África no Brasil, expressão que título ao item em que
trata do assunto,
77
e que tão bem sintetiza a história da constituição da
população e da mão-de-obra escrava no Rio de Janeiro colonial. Retrato um
tanto diverso, todavia, daquele que se poderia traçar para a região
paranaense, assim como para boa parte da capitania de São Paulo.
75
COSTA, Iraci & GUTIERREZ, Horácio. Paraná, mapas de habitantes 1798-1830. São
Paulo: IPE/USP-FINEP, 1985.
76
BALHANA, Altiva. Op. Cit, 1972, pp.5-26.
77
GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravidão no Rio de
Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória : Lineart, 1993, pp. 35-40.
282
Graças ao clássico trabalho de John Monteiro, Negros da
Terra,
78
hoje se pode contar com uma primorosa história da constituição,
reprodução e declínio da escravidão indígena em São Paulo nos séculos XVI
e XVII.
Nesta obra, o apresamento e o usufruto do trabalho dos índios - cuja
contrapartida mais trágica foi a destruição física e cultural de centenas de
povos que habitavam as terras portuguesas na América, sobretudo na sua
porção meridional - se revela o propósito maior da aventura bandeirante, até
então comumente caracterizada, pela historiografia, por sua dimensão
geopolítica, na qual o índio quando mencionado desempenha um papel
apenas secundário e efêmero, ocupando a ante-sala de um edifício maior onde
reside a escravidão africana”.
79
Para John Monteiro,
“as freqüentes incursões ao interior, em vez de abastecerem um
suposto mercado de escravos índios no litoral, alimentavam
uma crescente força de trabalho indígena no planalto,
possibilitando a produção e o transporte de excedentes
agrícolas; assim, articulava-se a região da chamada Serra
Acima a outras partes da colônia portuguesa e mesmo ao
circuito mercantil do Atlântico meridional.”
80
John Monteiro chega mesmo a afirmar que se podem situar as
origens da escravidão no Brasil nesta fase inicial das relações luso-
indígenas.
81
Nesse sentido, destaco não apenas esta noção de que um
fenômeno relativamente concentrado num espaço e num tempo
determinados pudesse ter tal reverberação, mas em especial sua preciosa
idéia de que a escravidão brasileira não foi uma instituição exógena aqui
78
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
79
Idem, p. 8.
80
Idem, p. 8
81
Idem, p. 18.
283
estabelecida, mas sobretudo um aprendizado, o produto histórico de uma
multiplicidade de relações culturais e políticas. Nas palavras do pesquisador,
“das diversas formas de exploração ensaiadas, nenhuma delas
resultou satisfatória e, igualmente, todas tiveram um impacto
negativo sobre as sociedades indígenas, contribuindo para a
desorganização social e o declínio demográfico dos povos
nativos. Como conseqüência, os colonizadores voltaram-se cada
vez mais para a opção do trabalho forçado na tentativa de
construir uma base para a economia e sociedade colonial.
82
Desse processo resultou, a partir do final do século XVII, a
Administração Particular, um arranjo institucional que permitiu a
manutenção e a reprodução de relações escravistas, a despeito da
resistência indígena e da legislação contrária ao trabalho forçado dos povos
nativos. Como administradores particulares dos índios considerados
incapazes de administrarem a si mesmos -, os colonos produziram um
artificio no qual se apropriaram do direito de exercer pleno controle sobre a
pessoa e propriedade dos mesmos sem que isso fosse caracterizado
juridicamente como escravidão”,
83
embora não impedisse que os
administrados fossem arrolados em inventários e entrassem nas partilhas,
ou que fossem vendidos.
No Paraná, cuja colonização é parte da história da expansão
paulista, desde o inicio da ocupação do litoral e do planalto ocorriam
entradas de cativos africanos. No entanto, os carijós do litoral e os coroados
do planalto estavam mais à mão, e exigiam menores investimentos para
serem transformados em escravos. Embora em seus Provimentos, em 1721,
o ouvidor Pardinho insistisse no fim da prática, comum entre os moradores
82
MONTEIRO, John Manuel. Op. Cit, p. 18.
83
Idem, p. 137.
284
da região, de escravizar índios,
84
em bando de 1736 as autoridades
reconheciam explicitamente a necessidade de utilização de escravos
indígenas na mineração em Curitiba. Da mesma forma, em 1745 um
regimento estabelecia que aqueles indígenas “tomados em guerras justas”
poderiam ser escravizados, pois Portugal sabia que os administrados eram o
esteio da economia da parte meridional da colônia.
85
Para se ter uma idéia da importância dessa mão-de-obra na região,
vale lembrar os números encontrados por Schwartz, em seu estudo sobre
compadrio de escravos em Curitiba. Esse autor menciona que entre 1685 e
1709 era irrelevante o número de negros batizados na vila, e que só em 1740
africanos e afro-brasileiros batizados finalmente excederam em número aos
índios.
86
Chegaram africanos ao Paraná ao menos até 1855, em geral pelo
porto de Paranaguá. Contudo, acredita-se que o mais comum era a aquisição
de escravos negros nos principais centros de comércio de gado por onde
passavam os tropeiros dos Campos Gerais e dos Campos de Curitiba. Isso
teria propiciado a conformação de uma população negra cativa
majoritariamente crioula.
87
Desde os primórdios da colonização, portanto, a mão-de-obra servil
do Paraná era formada tanto pelos “administrados” indígenas, como por
africanos ou crioulos. Nesse contexto, cativos de origens e histórias muito
heterogêneas eram reunidos num mesmo plantel, passando a conviver
84
Provimentos do Ouvidor Pardinho para Curitiba e Paranaguá (1721). Revista Monumenta,
vol.3, no. 10, Curitiba: Aos Quatro Ventos, Inverno de 2000.
85
IANNI, Octavio. Op. Cit., p. 125.
86
SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru (SP): Edusc, 2001, p. 218.
87
WESTPHALEN, Cecilia Maria. A introdução de escravos novos no litoral paranaense.
Revista de História. São Paulo, Universidade de São Paulo, 44(89): 139-154, jan./mar. 1972
e GUTIÉRREZ, Horácio. Crioulos e africanos no Paraná, 1798-1830. Revista Brasileira de
História. V. 8, n. 16, março-agosto/1988.
285
cotidianamente, respondendo a um mesmo senhor, dividindo as tarefas da
labuta diária. Exemplo disso encontra-se no testamento aberto em 1722, de
Isabel Fernandes da Rocha, moradora de São José dos Pinhais. Nele foram
declarados dezoito “servos”,
“a saber inferiores de velhice Balthazar, Breutis escrava, [ileg.],
Severina, Rufina Pascoa, todos carijós, pessoas de serviço,
Anna mollata escrava, Lourenço mollato, Manoel mina, Antonio
Tobe mina, Esmeria carijó; duas raparigas de dez annos de
idade pouco mais ou menos por nome Barbara, mollata,
Narciza, carijó, dous rapazes de campanha de sete para oito
annos chamados [cor.+- 3 pal.] Outro de idade de seis annos
chamado Salvador, duas crianças mollatas por nome Angela e
Clara escravas, mas hum rapas chamado João escravo.”
88
Um outro exemplo, dos muitos que eu poderia citar, está registrado
na Lista Geral de Habitantes da Freguesia de São José de 1782, quando
foram recenseados 152 escravos e 28 administrados e ressalto que por
então o uso do termo “administrado” denotava uma desatualização em
relação à lei, que após 1755, tanto os índios que estavam libertos como
os que eram administrados foram considerados forros, por ter sido extinta a
instituição da administração particular.
89
Esta mescla se manteve por muito tempo, pois no Paraná o
“costume” de apresar e escravizar índios foi garantido ao menos até o
princípio do século XIX. Em uma carta régia expedida ao governador e
capitão general de São Paulo em 1808, Dom João VI fala de suas
preocupações diante “do quase total abandono em que se acham os Campos
88
Processos de Auto de contas, 1727, cópias do CEDOPE-UFPR, originais no Arquivo Dom
Leopoldo Duarte. Cúria Metropolitana de São Paulo.
89
GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Réa. Casamentos Mistos de escravos em São Paulo colonial.
Dissertação de mestrado, FFLCH-USP, São Paulo, 1986, p. 20.
286
Gerais de Curitiba e os de Guarapuava, infestados pelos índios que atacam
fazendeiros e proprietários”. Diante disso o rei determina que todo o
miliciano, ou qualquer morador que segurar alguns índios poderá considerá-
los por quinze anos como prisioneiros de guerra, destinando-os ao serviço que
mais lhe convier”.
90
No ano seguinte, outra carta régia, relativa à organização
de uma expedição para a conquista dos Campos de Guarapuava, autorizava
o cativeiro dos aborígines, por quinze anos contados desde o dia em que
foram batizados”.
91
A reiteração desta prática, ao longo de quase todo o período
escravista, está perfeitamente expressa nesse trecho do depoimento do
longevo Mariano Pereira dos Santos (1868-1982), um ex-escravo que cresceu
em uma fazenda no norte do Paraná.
92
Perguntado se havia conhecido o avô,
Mariano respondeu:
Conhecia (...) Ele também era escravo.(...) Eles traziam, os
chefes. O primeiro avô era africano. O segundo baiano. Eles
trouxeram da Bahia. O meu pai ...Eu não conto! que faziam os
escravos. Trabaiavam, pro chefe. Carecia de (...) bugrada.
Levavam tudo, em mio (talvez milho) verde. Eles bijavam (?) os
escravos. Mandava. Queimando foguete e grito e batiam de lata
e tiro. A bugrada dentro do mato. Tinha medo. Corriam. Eles
saíam. E tinha uma bugrada nova. E fizeram um caminho
p’uma palandera de pedra. E ela não guentou o tranco dos mais
velhos. Eles laçaram. Laçaram essa bugrinha, que ela não
guentou a carrera dos bugre criado. Porque é a mesma coisa
que uma criança. Você vai levando. Fazendo ele andar, quando
é de repente, ele grita: - Pai, cansado. me doendo minha
perna, me carregue. Eu não guento. Senta. Cansa. Agora viu, o
senhor que tem...O senhor leve, carregue. Então, é a mesma
coisa. Foi essa bugra nova. Laçaram. E trouxeram. Daí foram
amansando. E ela também foi compreendendo a fala dos
90
IANNI, Octavio. Op Cit, p. 40.
91
IANNI, Octavio. . Op Cit, p. 125.
92
MAESTRI FILHO, Mário José. Depoimentos de Escravos Brasileiros. São Paulo: Ícone,
1988. Depoimento tomado por Fernando de Mello, em 1982, no hospital Erasto Gaertner,
em Curitiba, publicado pela primeira vez sob o título: É como eu digo: de agora, depois da
libertação, “tamo na glória”, com apresentação de Mario Maestri Filho. Revista
História:Questões & Debates, ano 4, número 6, junho de 1983, pp. 81-97.
287
brasileiro. E fica. Então, papai era cria dessa bugra. E, depois,
entreverado. Depois dos escravidão foi entreverando com
brasileiro. [...] Então, papai era fio dela.”
93
Se tomarmos como verdadeiros os detalhes do depoimento de Mariano, o seu pai seria, legalmente, um homem livre, já que de ventre
livre e, quem sabe, talvez mesmo Mariano o fosse. Por todos os exemplos até aqui mencionados, se uma característica de origem
pudesse ser atribuída à escravidão nessa região (e certamente em outras) da Capitania de São Paulo, certamente seria a capacidade
senhorial de criar um ambiente favorável à legitimação - mais social do que propriamente jurídica - da condição servil de populações de
origens, culturas e histórias tão distintas.
1.3.2 Os escravos do Paraná na passagem do século XVIII para o XIX
A ausência de estatísticas torna difícil a tarefa de estimar o peso
percentual da população escrava no Paraná do século XVIII. Octavio Ianni
escreveu que em meados daquele século teria ocorrido o apogeu do regime
escravocrata na região. O autor cita a estimativa do Capitão-general de São
Paulo, Dom Luis Antonio de Souza Botelho e Mourão (o Morgado de Mateus),
que em 1767 calculou em 50% a proporção de escravos entre os habitantes
da região. Esse número parece exagerado, e o próprio Ianni não confiou na
contagem, deduzindo que o Morgado de Mateus teria considerado todos os
negros, índios e mestiços como escravos. Ianni indica, ainda, que no último
quartel do XVIII, certamente teve início um decréscimo acentuado da
população cativa, e credita isso ao fato de, desde então, a expansão
econômica da área se efetuar em um ritmo mais lento, não exigindo um
afluxo intenso de escravos, e à possibilidade de que parte da razão da queda
da participação relativa do grupo se devesse ao crescimento vegetativo maior
dos livres.
94
Tabela 1.1 - Participação (absoluta e relativa)
da população escrava no Paraná
Séculos XVIII e XIX
93
MAESTRI FILHO, Mário José. Op. Cit, pp. 38-39.
94
IANNI, Octavio. Op. Cit, p. 70.
288
Anos Escravos % Total da
população
1772 1.712 22,4%
7.627
1798 4.273 20,3 20.999
1804 5.077 19,3 26.370
1810 5.135 18,6 27.589
1816 5.010 17,6 28.470
1824 5.855 17,8 32.887
1830 6.260 17,1 36.701
1836 7.873 18,4 42.890
1854 10.189 16,4 62.258
1858 8.493 12.2 69.380
1868 10.000 10,0 100.000
1874 11.249 8,8 127.411
Fontes: Dados para o ano de 1772: WESTPHALEN, Cecilia.
Verbete freguesia de São José dos Pinhais. Dicionário Histórico
Biográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Editora Livraria do
Chain/BANESTADO, 1991, p. 180. Para os anos entre 1798 e
1830: COSTA, Iraci & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Mapas de
População 1798-1830. São Paulo: IPE/USP, 1985, passim.
Dados de 1836 a 1874: PENA, Eduardo Spiller. O Jogo da Face:
a astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba
provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p.29.
Os dados são mais confiáveis a partir do final do XVIII. Na tabela
1.1, é possível acompanhar a evolução da participação relativa dos escravos
na população da Comarca no período. No final do XVIII essa participação se
encontrava na faixa de 20%, caindo sensivelmente até meados do século
XIX, e de forma mais acentuada nas últimas décadas da escravidão. Note-se,
portanto, que o percentual de escravos na população de toda essa região era
relativamente baixo, quando comparado ao das áreas de plantation do Brasil
colonial. Na capitania do Rio de Janeiro, por exemplo, metade da população
era formada por cativos em 1789. No início da década de 1820 esse
289
contingente baixou sua representação para um terço, embora na área rural
os escravos continuassem compondo a metade da população.
95
Porém, tal como ocorria no Rio de Janeiro, também no Paraná
havia diferenças regionais. Na leitura do gráfico 1.1 é possível observar que,
ao longo do período, no planalto o declínio da população cativa foi constante
apenas para Curitiba e São José dos Pinhais, localidades certamente
envolvidas com o tropeirismo, mas onde a agricultura de alimentos tinha,
como indiquei, grande destaque. Nas vilas de Castro e Santo Antonio da
Lapa, mais “especializadas” na criação e nas invernadas, o montante de
cativos, a despeito das oscilações, manteve-se relativamente estável, e isso
apesar da baixa sensível, ao longo desse período, nos preços dos animais de
transporte e de gado, devido à saturação dos mercados centrais, tornando o
escravo mais caro para os pecuaristas. Carlos Roberto Antunes dos Santos
calculou que em 1740, um escravo robusto com 18 a 30 anos custava o
equivalente a cinco cavalos ou a 15 bois; em 1790 um escravo desse tipo
valia o equivalente a 30 cavalos ou 60 bois.
96
Gráfico 1.1 - Variação % de escravos na população
de quatro localidades do Planalto paranaense (1782-1830)
95
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A Paz nas Senzalas: famílias escravas e
tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790, c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1997, p. 45.
96
SANTOS, Carlos Roberto Antunes. Op. Cit, p. 33.
290
0
5
10
15
20
25
30
35
1782 1790 1798 1804 1810 1816 1824 1830
%
São José Curitiba Castro Lapa
Fonte: Anexo 1
Obs: para 1790, os índices de Curitiba, Castro e
Lapa são hipotéticos, calculados pela média dos anos de
1782 e 1798.
As informações do gráfico fazem ainda mais sentido se comparadas
ao quantitativo de escravos de outras regiões econômicas, como os
apresentados por Iraci Costa para inúmeras áreas da capitania de São
Paulo. No final do século XVIII, a população escrava de Bananal (no vale do
Paraíba), por exemplo, equivalia a 42,5% da população total, subindo este
índice para 57% em 1820. A proporção de cativos em Itu (região açucareira)
era de 30% em fins do XVIII, chegando a 52% em 1820. na vila de
Cananéia situada no litoral sul de São Paulo e de organização econômica
bastante semelhante à de Paranaguá, Curitiba e São José dos Pinhais o
grupo escravo equivalia a 34,2% da população total no final do XVIII,
baixando para 28 ou 29% na década de 1820. No mesmo período, a
291
proporção de escravos manteve-se estável em Sorocaba (na faixa de 21%),
como ocorreu em Castro e na Lapa.
97
Horácio Gutierrez analisou a estrutura de posse de escravos no
Paraná nas primeiras décadas do século XIX, encontrando nas listas
nominativas de 1804 e 1824 a presença marcante de proprietários com 1 a 5
escravos (70 a 74% dos senhores, nos respectivos anos). Além disso, este
autor indicou a significativa desconcentração na posse dos cativos. Em
1824, por exemplo, a parcela majoritária dos pequenos senhores possuia
cerca de 34,5% dos cativos, ao passo que os grandes proprietários (mais de
40 cativos) concentravam somente 5,3%. Os senhores de grandes plantéis
não chegaram ao patamar de 1% da amostra para ambos os anos
pesquisados.
98
De tudo que se viu neste capítulo, penso ter ficado claro que,
embora conformasse um espaço singular, a ocupação lusitana do território
paranaense caracterizou-se por sua estreita relação com o conjunto
socioeconômico maior, que constituía a América Portuguesa. Relação
traduzida na atividade mineradora dos primeiros tempos, e na pecuária e
invernagem ao longo dos séculos XVIII e XIX, destacando-se sua importante
atuação como ponte entre o Centro-sul e as terras meridionais, garantindo o
abastecimento das regiões paulistas e mineiras e, portanto, contribuindo
para a própria viabilização da produção colonial de exportação. Por fim,
acredito ter conseguido enfatizar a relevância sociológica desse ambiente, no
qual muito precocemente povos de diferentes origens aprenderam a ser
97
COSTA, Iraci del Nero. Arráia Miúda: estudo sobre os não proprietários de escravos no
Brasil. São Paulo: MGSP Editores Ltda, 1992, p. 28-29.
98
GUTIÉRREZ, Horácio. A posse de escravos no Paraná nas primeiras décadas do século
XIX. São Paulo, IPE-USP, s.d. mimeo, citado por PENA, Eduarto Spiller. Op. Cit, p. 29.
292
escravos e senhores, dessa forma participando do processo histórico de
constituição dessa peculiar instituição que foi a escravidão no Brasil.
Capítulo 2:
Hierarquias sociais em São José dos Pinhais
293
Embora tenha sido elevada à categoria de vila somente em 1852, a
freguesia de São José dos Pinhais tinha certa relevância no âmbito regional
desde muito antes. Conforme verificou Maria Luiza Andreazza, a partir de
dados do Livro de Ordenanças de Curitiba de 1765, São Joera, dentre as
freguesias e bairros do planalto paranaense, a que possuía o maior número
de domicílios e de escravos (21% dos fogos e 27% dos escravos do planalto
estavam naquela freguesia). Esses índices eram mais altos inclusive do que
os da região dos Campos Gerais - a área de invernada e pecuária por
excelência, porém ainda em formação naquele momento (tabela 2.1).
99
Tabela 2.1 - Distribuição dos domicílios e dos escravos
no planalto curitibano - 1765
Localidade Domicílios Escravos Localidade Domicílios Escravos
# % # % # % # %
Vila
35 4,5
88 11,0
Borda do
Campo
14 1,8
29 3,6
Rocio 53 6,8 29 3,6 Campo Largo 39 5,0 14 1,8
Atuba 13 1,7 5 0,6 Rio Verde 20 2,6 12 1,5
Barigüi 21 2,7 17 2,1 Tindiquiera 86 11,1
5 0,6
Passaúna 18 2,3 53 6,6 S.José Pinhais 161 20,8
216*
27,0
Boa Vista
12 1,6
3 0,4
Minas de
Itambé
35 4,5
99 12,4
Tatuquara 26 3,3 14 1,8 Registro 51 6,6 43 5,4
Botiatuva 24 3,1 1 0,1 Campos Gerais 145 18,7
165 20,7
Palmital 16 2,1 2 0,2
Arraial
Queimado
6 0,8
4 0,5 Planalto
775
100,
0 799
100,
0
Fonte: Livro de ordenanças da vila de Curitiba, 1765. Cópia do acervo do CEDOPE-UFPR, originais no
AESP. * Na verdade foram computados 316 cativos, porém 100 deles tinham vínculo com a fazenda de
N. Sra das Neves, e provavelmente estavam ali apenas temporariamente, para realocação. Por esta
razão resolvi não considerá-los, para não distorcer os índices comparativos.
99
ANDREAZZA, Maria Luiza. Os pobres de Santo Antonio da Lapa. Relatório parcial das
atividades em estágio de pós-doutorado enviado ao CNPQ – agosto de 2004.
294
Em 1772, dentre os moradores do planalto (7.627), 10,9% (833)
residiam na freguesia de São José. Daí em diante esse peso percentual
manteve-se estável, por vezes subindo sensivelmente, e mantendo-se, de
1798 a 1830, entre 11,5 e 13,5% (tabela 2.2).
Tabela 2.2 – População de São José dos Pinhais em relação ao Paraná
1798 - 1830
São José dos Pinhais Ano População
do planalto
População %
1798 12.452 1.460 11,7%
1804 16.579 1.894 11,4%
1810 17.880 2.160 12,1%
1816 17.860 2.326 13,0%
1824 20.849 2.753 13,2%
1830 24.146 3.240 13,4%
Fonte: COSTA, Iraci Del Nero da & GUTIÉRREZ, Horácio.
Paraná.Mapas de Habitantes 1798-1830. São Paulo: IPE-USP, 1985,
passim.
Contudo, talvez expressando aquela expansão econômica para o
oeste, referida no capítulo anterior, caiu o percentual de escravos que ali
viviam: em 1765, como se viu, 27% dos cativos do planalto viviam em São
José dos Pinhais; em 1798 esse índice havia caído para 9,3%, sendo que a
média, para as três primeiras décadas do oitocentos girava em torno de 8,4%
(tabela 2.3, adiante). Em consequência dessa redução, ao longo do período
também caiu o peso percentual dos cativos no vilarejo: eles representavam
cerca de 15% da população em 1782, 11,6% em 1804, 10,1% em 1816 e
10,2% em 1830.
Enfim, confiando nos números produzidos pelas estatísticas da
época, tem-se que, entre 1782 e 1830 a população livre da freguesia de São
José dos Pinhais cresceu 278%, enquanto a população escrava sofreu um
295
incremento de apenas 62,5%. A mesma defasagem se apresenta em Curitiba:
ao longo desse período, a população livre da localidade cresceu 191,5%, e o
grupo cativo pouco menos de 33%. Já na região dos Campos Gerais o
incremento dos dois grupos foi mais equilibrado: em Santo Antonio da Lapa,
naquele intervalo de tempo, a população livre cresceu 252% e o grupo cativo
233,5%; para Castro esses índices foram calculados em 145% e 109%,
respectivamente (ver números absolutos no anexo 1).
Tabela 2.3 - Concentração dos escravos do planalto paranaense
em São José dos Pinhais. 1798 - 1830
São José dos Pinhais Ano Escravos do
planalto
Escravos %
1798 2341 219 9,3
1804 2968 219 7,4
1810 3094 267 8,6
1816 3047 235 7,7
1824 3480 296 8,5
1830 3772 330 8,7
Média 8,4
Fonte COSTA, Iraci Del Nero da & GUTIÉRREZ, Horácio.
Paraná. Mapas de Habitantes 1798-1830. São Paulo: IPE-USP,
1985, passim.
2.1 A posse de escravos
Ao longo de todo o período eram poucos os que podiam ter
escravos em São José dos Pinhais: em 1765, não havia escravos em 79% dos
domicílios da freguesia; em 1782 e em 1803 esse índice era de 80,5%,
chegando em 1827 a 83,6%. Porém a mais interessante alteração decorrente
do decréscimo percentual da população escrava de São José dos Pinhais deu
se na estrutura de posse dos cativos. Do seleto grupo de escravistas, 58%
296
deles tinham apenas 1 a 4 cativos em 1782; em 1803 esse grupo chefiava
66% dos domicílios com escravos, e 72% em 1827. O peso percentual de
unidades domiciliares com escravarias médias cinco a nove escravos - caiu
sensivelmente no período (de 29 para 27 e depois para 24%), assim como o
índice percentual dos domicílios com grandes escravarias (de 13 para 6 e
finalmente para apenas 1%), conforme se pode observar na tabela 2.4.
Tabela 2.4 – Estrutura de posse de escravos.
São José dos Pinhais (1782, 1803 e 1827)
Número de domicílios
1782 1803 1827
Número
de
escravos
No.
domicílios
% No.
domicílios
% No.
domicílios
%
1 4 13 17 27 37 38
2 7 22 10 16 18 19
3 3 10 11 18 11 11
4 4 13 3 5 6 6
Subtotal 1 18 58 41 66 72 75
5-9 9 29 17 27 23 24
10-19 4 13 4 6 1 1
Subtotal 2 13 42 21 34 24 25
Total
geral
31 100 62 100 96 100
Fonte: Listas nominativas de São José dos Pinhais de 1782, 1803 e 1827.
Cópias CEDOPE-UFPR, originais no AESP.
Este, como se sabe, não é um quadro exclusivo de São José dos
Pinhais ou da região paranaense. Douglas Libby, trabalhando com mapas
populacionais de Minas Gerais, afirma que dos quase 20.000 domicílios
levantados em sua amostra, 66,7% não possuíam escravos, e que havia um
grande número de proprietários de até cinco cativos (pouco mais de dois
297
terços do conjunto de proprietários).
100
Para São Paulo, Francisco Vidal Luna
e Iraci Costa, ao compararem a estrutura de posse de escravos em Curitiba
com a de cidades açucareiras da capitania, observaram que nessa vila da
comarca paranaense havia uma percentagem sempre maior de pequenos
plantéis no início do século XIX, embora estes estivessem também presentes,
em larga margem, nos municípios açucareiros. Enquanto o total de escravos
situados em plantéis de um a cinco cativos era de quase 32% em Curitiba, o
mesmo total não excedia a 17% em Itu, por exemplo. No entanto, e é
importante o destaque dos autores, tanto uma como a outra vila possuíam
uma taxa representativa de pequenas escravarias (70,5 e 60,1%,
respectivamente).
101
Conforme se anotou, Curitiba e São José dos Pinhais
foram os casos mais extremos da representatividade do pequeno plantel
escravista no Paraná na primeira metade do século XIX:
“Para o ano de 1824, [São José dos Pinhais] teve o maior índice
dos proprietários com cinco ou menos cativos de todo o Para
(85,5%), plantéis esses que chegaram a congregar 63% de todos
os cativos da mesma localidade. Curitiba não ficou muito atrás,
tendo 77,2% de proprietários da mesma faixa reunindo em torno
de 44,4% do total dos escravos do municipio. Para ambas as
cidades, no mesmo ano citado, não se registrou a presença de
grandes proprietários, possuidores de mais de 40 escravos.”
102
A tabela 2.5, a seguir, traz alguns indicadores que expressam bem
essa predominância de senhores de poucos escravos em Curitiba e São José
dos Pinhais, característica que se manteve até o final da escravidão.
100
LIBBY, Douglas C. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais
no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988. v. 1, p. 97 e 98.
101
LUNA, Francisco & COSTA, Iraci. A posse de escravos em São Paulo no inicio do século
XIX. Estudos econômicos, São Paulo, 13(1): 259-87, jan/abril 1983, p. 281.
102
PENA, Eduardo Spiller. O Jogo da Face. A astúcia escrava frente aos senhores e à lei na
Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 30.
298
Tabela 2.5 - Indicadores da propriedade de escravos
em Curitiba e São José dos Pinhais (1804-1824-1875)
Indicadores Curitiba São José dos Pinhais
1804 1824 1875 1804 1824 1875
Média 5,3 4,0 3,0 3,9 3,0 3,3
Mediana 3 3 2 3 2 2
Moda 1 1 1 1 1 1
Proprietários
com apenas um
escravo
32,6 28,8 41,1 25,0 34,4 39,3
Fonte: PENA, Eduardo Spiller, O Jogo da Face. A astúcia escrava frente aos senhores
e à lei na Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 38.
Mas esse quadro de desconcentração da posse de cativos não deve,
a meu ver, ser interpretado como indício de afrouxamento da hierarquia que
organizava as relações entre os homens livres. A progressiva retração da
população cativa no século XIX sugere que muitos dos grandes e médios
proprietários do vilarejo tiveram seus plantéis esvaziados (por venda ou
impossibilidade de repor as perdas) e/ou se transferiram para outras
regiões. Todavia, se a posse de escravos pode ser interpretada como
indicador de riqueza e poder, diria que o ápice da “pirâmide social” de São
José de fato tornou-se menos rico, porém também mais estreito, ou mais
seleto. Disso a meu ver resultou um locus social mais hierarquizado do que
provavelmente jamais fora.
Aqueles dados, enfim, parecem dizer muito da dinâmica das
relações políticas internas do local: quanto menor a proporção de cativos na
freguesia, mais marcada ficava a hierarquia que organizava o grupo dos
livres e, sobretudo, tornavam-se mais claras as diferenças no interior do
grupo escravista. O gráfico 2.1 mostra mais claramente esse processo de
reformulação do status quo em São José dos Pinhais.
299
Gráfico 2.1 - Variação % dos domicílios com escravos, por tamanho da escravaria
(São José dos Pinhais, 1782, 1803 e 1827)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1782 1803 1827
%
Pequenos (1 a 4 escravos) Médios (5 a 9 escravos) Grandes (10 ou + escravos)
Fonte: tabela 2. 4
Gráfico 2.2 - Variação % dos domicílios com escravos, por tamanho da
escravaria
(Paranaguá, 1783-1830)
Fonte: anexo 2
Encontrei o mesmo quadro em Paranaguá. Naquela vila do litoral
da comarca paranaense, em 1783 os escravos eram 30,3% da população
total, em 1803 eles eram 21,3%, daí em diante estabilizando até alcançar a
faixa de 20% em 1830. O gráfico 2.2 (acima) mostra que, ao final desse
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1783 1803 1830
%
1 a 4 escravos 5 a 9 escravos 10 OU +
300
período de retração da população cativa, o peso percentual dos médios e
grandes escravistas também se reduziu.
Outros autores registraram dados que podem ser lido por este
viés. Escrevi, páginas atrás, que Iraci Costa registrou o incremento de 42,5%
para 57,0% da população cativa de Bananal (Vale do Paraíba), entre o final
do século XVIII e 1820. Nesse mesmo período, segundo o mesmo autor, o
percentual de pessoas vivendo em domicílios com escravos subiu de 37%
para 48%. A proporção de cativos em Itu (região açucareira) era de 30% em
fins do XVIII, chegando a 52% em 1820; no mesmo período, o percentual de
população de fogos escravistas subiu de 31% para 39%. Já na vila de
Cananéia, o grupo escravo equivalia a 34,2% da população total no final do
XVIII, baixando para 28 ou 29% na década de 1820. Nesse mesmo período, a
população livre vivendo em domicílios sem escravos passou de 71% para
79%; em Sorocaba, a proporção de escravos manteve-se estável (na faixa de
21,0%), assim como o percentual de população vivendo em fogos sem
escravos (em torno de 81%).
103
Em Porto Feliz, Roberto Guedes Ferreira também observou a
mesma relação. Na primeira metade do XIX esta vila paulista viu crescer
rapidamente o seu contingente cativo, e embora ao longo do período tenha
crescido o percentual de fogos sem escravos (62,5% em 1798 para 72,5% em
1843), o autor notou que no mesmo intervalo de tempo decresceu a
proporção de pequenos escravistas (até cinco cativos): eles representavam
75,8% dos proprietários de cativos em 1798, e eram 68,5% em 1843. De
103
. COSTA, Iraci del Nero. Arráia Miúda: estudo sobre os o proprietários de escravos no
Brasil. São Paulo: MGSP Editores Ltda, 1992,
p
p
. 28 a 30
.
301
outra parte, em 1798 os grandes escravistas (+ de 21 cativos) representavam
8,2% do conjunto em 1798, chegando a 19,3% em 1843.
104
Diante desses indicadores, talvez se possa generalizar minha
hipótese,
deste modo podendo-se inferir que, porque a escravidão torna a
posse de cativos elemento crucial de diferenciação social, a hierarquização
dos livres seria ainda mais marcante em áreas ou períodos em que os
escravos formassem um grupo com pouca representatividade percentual.
2.2 A produção de dependentes
Em Populações Meridionais do Brasil, Oliveira Vianna escreveu que
as três classes fundamentais das regiões rurais do Centro Sul eram a família
senhorial, os agregados e os escravos. Sobre os agregados este autor
sublinhou que constituíam uma sorte de colonos livres.
“Habitam fora dos perímetros das senzadas, em pequenos
lotes, em toscas choupanas, circundantes ao casario
senhorial, que do alto da sua colina, os centraliza e domina.
Da terra extraem o bastante em caça, frutos e cereais para
viverem vida frugal e indolente. Representam o tipo do
pequeno produtor consumidor, vegetando ao lado do grande
produtor fazendeiro. Essa é a origem da classe dos agregados
ou moradores do domínio. Ela é o refúgio, a que se ocolhem os
peninsulares, de estração plebéia, sem meios para requererem
sesmarias, lançados na agitação colonial e postos defronte da
escravaria dos grandes domínios. É uma resultante lógica do
regime sesmeiro e do regime servil. No princípio são todos de
raça branca. Porém, logo essa plebe entra a receber o
transbordo das senzalas repletas, as récovas da escravaria, o
sobejo da mestiçagem das fazendas. São os mamelucos, são os
cafusos, são os mulatos alforriados. O elemento branco acaba
afundando-se nessa ralé absorvente que, um pouco mais
tarde, se fará o peso específico da população dos
moradores”.
105
104
FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto
Feliz, São Paulo, c. 1798 – c. 1850. Tese de doutorado, PPGHIS-UFRJ, 2005, pp. 107-108.
105
OLIVEIRA VIANNA. Francisco J. Populações Meridionais do Brasil. Vol. 1 (Populações
Rurais do Centro Sul) 7 ed., Belo Horizonte:Itatiaia Rio de Janeiro: EDUFF, 1987, pp. 65 a
68.
302
A despeito do conteúdo elitista e até mesmo racista desta
caracterização, o fato é que nela Oliveira Vianna anuncia uma disposição em
pensar a sociedade rural do Centro Sul de modo a incluir a imensa faixa de
sua população que não era escrava nem escravista.
Muito tempo depois, em um trabalho voltado exclusivamente para
o tema, Eni Samara procurou definir melhor a categoria “agregado”. A partir
de pesquisa sobre a vila de Itu, nas primeiras décadas do novecentos, esta
autora afirma tratar-se de uma sorte de homens, mulheres e crianças que
tinham em comum o fato de não possuírem terras ou casa própria, tendo,
portanto, que se ajustar aos proprietários das áreas rurais ou urbanas,
dentro dos mais diferentes tipos de relações.
106
Por seu lado, Carlos Bacellar enfatiza que a agregação era um
sintoma de uma sociedade onde alguns segmentos, por diversas razões, não
encontravam condições de estabelecer-se autonomamente. Buscava-se,
assim, trocar trabalho por teto e comida, ou instalar-se “de favor” em terras
de outrem. Muitos agregados eram indivíduos solitários e extremamente
pobres e desenraizados, mas também podiam ser chefes de família que
detinham, inclusive, a posse de um ou dois escravos.
Também variava o
status do agregado no interior de um domicílio ou de uma propriedade: ele
podia ser um idoso, um inválido ou uma mulher sozinha com filhos
pequenos, podia ser um ex-escravo com parentes no plantel do chefe do fogo,
ou mesmo um migrante recém-chegado à espera de oportunidade de
106
SAMARA, Eni de Mesquita. O papel do agregado na região de Itu. 1780 a 1830. Coleção
Museu Paulista, série História, vol. 6, São Paulo: Museu Paulista, 1977, p. 42.
303
ascensão social. Mas também podia ser o filho recém-casado, o irmão ou o
pai do chefe do domicílio.
107
Do que pude observar nas listas nominativas de São José dos
Pinhais, tendo a confirmar a caracterização desses autores. De fato, nessa
fonte aparecem três categorias de individuos livres agregados a algumas
unidades formadas por famílias nucleares: parentes não nucleares,
expostos
108
e pessoas sem vínculos de parentesco com o chefe do fogo, estes,
os que mais sistematicamente são identificados, nas listas nominativas de
São José, pelo termo agregado e, portanto, assim serão referenciados daqui
por diante.
Em 1782, cerca de 4% da população livre de São José dos Pinhais
era formada por indivíduos que viviam agregados em domicílio alheio; eram
pouco mais de 5% em 1803, e 3,7% em 1827. Não tenho dados sobre
expostos e parentes para 1782, que nesse ano as informações da lista de
habitantes são muito lacunares quanto a estes quesitos. De qualquer forma,
ao menos 10% da população da freguesia vivia sob uma destas condições em
1803, e 4,2% em 1827. Esses números, especialmente o de 1827, podiam
ser ainda maiores, pois a relação com o chefe do domicílio nem sempre era
corretamente anotada, tanto para parentes como para expostos (por
exemplo, o mesmo indivíduo que num determinado ano aparece listado como
filho, no outro é identificado como neto ou como exposto). Mas se aceitamos
107
BACELLAR, Carlos. Agregados em casa, agregados na roça: uma discussão In: SILVA.
Maria Beatriz Nizza da (org) Sexualidade, família e religião na colonização do Brasil. Lisboa:
Livros Horizonte, 2001, p. 187-199.
108
Exposto e enjeitado são vocábulos que no passado serviam para designar um sem
número de recém nascidos que foram, em várias circunstâncias, por diversos motivos,
abandonados por seus pais.
304
os índices aqui calculados, têm-se 15% de população de agregados, parentes
e expostos em 1803, e de 8% em 1827, lembrando que são anos em que o
peso percentual da população cativa era de 13% e de 9,2%, respectivamente.
Não eram poucos os domicílios com agregados, parentes e expostos
em São José dos Pinhais. Pela tabela 2.6 observa-se que eles tinham
presença marcante, especialmente em 1803, ano cuja lista nominativa de
habitantes apresenta maior detalhamento das informações, se comparada
com as demais. Assim, 10% dos 160 fogos da freguesia tinham agregados em
1783; nada menos que 18,5% dos 319 domicílios registrados em 1803, e em
cerca de 12% das 589 unidades, em 1827. Em 1803, 23,2% tinham ao
menos um parente não nuclear ou um exposto, sendo este índice de 9,7%
em 1827. No entanto, não acredito que eles estivessem presentes em menor
número, ao menos não tanto, em 1827. Tudo indica ser este um caso de
sub-registro.
Tabela 2.6 - % de domicílios com escravos, agregados e parentes ou expostos
São José dos Pinhais (1782, 1803 e 1827)
1782 1803 1827
Escravos 19,4 20,1 16,4
Agregados 10,0 18,5 12,0
Parentes/expostos 0,0 23,2 9,7
Escravos, agregados
e/ou parentes e
expostos
29,4 61,8 38,1
Fonte: LNSJP 1782, 1803 e 1827
Em São José, o grupo de agregados era marcadamente feminino:
nos três anos observados 2/3 deles eram mulheres, enquanto na população
livre não agregada essa proporção ficou em torno de ½. O grupo também era
305
mais jovem: calculei a idade média dos agregados em 22,6 anos em 1782,
em 19,7 anos em 1803 e em 17 anos em 1827. a idade média dos livres
não agregados era de 24,2 anos em 1782, 20,8 anos em 1803 e 19,6 anos
em 1827. Contudo, em relação à população livre não agregada, apenas em
1782 havia uma proporção maior de crianças entre os agregados. A principal
característica desse grupo era o baixo peso percentual de idosos
(especialmente em 1803).
Este quadro não difere muito do encontrado em Itu, por Eni
Samara, e a autora chega a afirmar que o mesmo era regra geral na
Capitania de São Paulo. No conjunto dos recenseamentos paulistas iniciados
na segunda metade do século XVIII, era grande o número de mulheres
solteiras e viúvas, muitas vezes com filhos, que se agregavam às famílias
locais. No entanto, apesar da relativa freqüência com que aparecem crianças
agregadas nos fogos, eram mais numerosos os agregados adultos.
109
Nos três anos por mim observados, em São José dos Pinhais a
imensa maioria dos fogos com agregados abrigava apenas um ou dois deles,
e em nenhum havia mais do que sete. Embora existissem agregados em
fogos escravistas, a agregação era mais comum naqueles sem cativos (estes
constituiam 75% dos domicílios com agregados em 1782, quase 70% em
1803 e 63% em 1827), e a maior parte dos agregados encontrava-se neste
tipo de domicílio (80% em 1782, 64% em 1803 e 61% em 1827).
Todavia, por esses mesmos números também se infere que,
conforme se reduzia o contingente cativo na freguesia, mais os proprietários
escravistas reuniam agregados. O que talvez se possa depreender destes
109
SAMARA, Eni de M. Op. Cit, 1977, pp. 55-60.
306
dados é que, embora a prática da agregação não possa ser caracterizada
exclusivamente como um sistema de arregimentação de mão-de-obra, para
alguns escravistas, especialmente em conjunturas em que o acesso ao
mercado de cativos se tornava proibitivo até mesmo àqueles com “maiores
cabedais”, esses indivíduos livres, quando agregados a seus domicílios,
podiam se constituir em força de trabalho complementar.
Manter agregados em sua propriedade, especialmente nesse meio
econômico em que me detenho, podia mesmo ser uma empresa importante
inclusive para não escravistas. Carlos Lima, por exemplo, em estudo sobre
trajetórias de forros livres na vila de Castro (nos Campos Gerais), nas
primeiras décadas do XIX, interpretou que podia fazer muito sentido
constituir domicílios de grande amplitude e estrutura relativamente
complexa. Para o autor, nesse meio a autonomia mantinha ligações muito
fortes com perspectivas de diferenciação e de criação de relações de
dependência.
110
Ora, considerando que a capacidade de agregar pessoas (isto é,
reunir dependentes) também pode ser entendida como fonte de distinção
social, tal quadro, mais uma vez, vem reforçar o que afirmei anteriormente,
acerca da reformulação do status quo na freguesia, na conjuntura de
redução da população cativa. Dito de outro modo, a possibilidade de homens
e mulheres pobres em atrair agregados para seus domicílios provavelmente
se reduzia quando os escravistas (homens e mulheres de maior poder
110
LIMA, Carlos A.Medeiros de. Sertanejos e pessoas republicanas: livres de cor em Castro e
Guaratuba (1801-1835), Estudos Afro-asiáticos, ano 24, n. 2, 2002. Salienta esse autor que
essa busca por “autonomia” tinha a virtualidade de tornar um campesinato negro presa,
também ele, do sentido aristocrático que atravessava a trama social no período. Essa,
porém, é uma discussão que farei mais adiante.
307
econômico e político no interior do vilarejo) passavam a se interessar mais
por esta mão-de-obra, devido à dificuldade em adquirir cativos.
Os dados referentes à Itu, estudados por Eni Samara, tendem a
confirmar o que eu afirmei acima. Como indicado, a autora observou esta
vila na passagem do XVIII para o XIX, momento de expansão da economia
açucareira. Ela percebeu que a larga penetração de mão-de-obra escrava
relegava a segundo plano a mão-de-obra livre nas grandes fazendas, e que os
agregados se concentravam mais nas propriedades de lavoura de
mantimentos e nas unidades domiciliares da vila. Em 1798, em um bairro
onde se localizavam grandes propriedades canavieiras, a pesquisadora não
computou nenhum agregado e os escravos representavam 83% dos
moradores, enquanto na rua do Ouvidor, no mesmo ano, 32% dos
moradores eram agregados e menos de 11% escravos. Os índices que
levantou para os demais bairros e ruas de Itu seguem praticamente o mesmo
padrão. Por esta razão, Samara depreende que os agregados eram utilizados
como mão-de-obra nas áreas de lavoura comercial somente em períodos de
carência de escravos. Além disso, observou que, quanto mais crescia a
população cativa na região, mais se reduzia a população agregada: entre
1785 e 1829 o percentual de escravos subiu paulatinamente de 25% até a
casa de 55%; os agregados, que no início do período representavam em
torno de 10% da população, chegam ao final do período a apenas 4%.
111
Também os dados reunidos por Roberto Guedes Ferreira reforçam
minha assertiva. A vila de Porto Feliz, vizinha à de Itu, no século XIX viu
crescer significavamente sua população cativa, devido à expansão da
111
SAMARA, Op. Cit, 1977, pp. 43-47 e 73-74.
308
economia canavieira. Entre 1798 e 1818 os escravos representavam entre 31
e 36% da população total do lugar. Desde então este percentual subiu para
40% em 1820 e 45% em 1824, chegando a 51% em 1829. Em movimento
inverso, a proporção de agregados na população total, que girava em torno
de 9% e 13% entre 1798 e 1818, daí em diante caiu para 11,5% em 1820 e
9,5% em 1824, chegando em 1829 a apenas 5%. Além disso, 36,5% dos
fogos registrados em 1820 tinham agregados; esse índice baixou para 30,6%
em 1824, chegando a 19% em 1829. Finalmente, em 1818 os domicílios
escravistas que também agregavam livres representavam 12,5% do total de
fogos da vila, e 38,5% dos fogos escravistas; esses percentuais baixaram
para 8% e 26%, respectivamente, em 1829. Do mesmo modo, 48,5% dos
agregados de Porto Feliz estavam em fogos escravistas em 1798, e esse
índice caiu para 45% em 1829.
112
Do ponto de vista do agregado, estabelecer-se em domicílio alheio
podia funcionar como estratégia de sobrevivência. Em estudo sobre a Lapa
(PR), Maria Luiza Andreazza observa que muitas mulheres, especialmente as
mães-solteiras, por certa fase da criação dos filhos agregavam-se a um
domicílio, à espera de condições para alçar autonomia.
113
Em São José dos
112
Esses dados me foram generosamente cedidos por Roberto Guedes Ferreira, retirados de
um banco de dados por ele criado para a confecção de tese de doutoramento defendida
(FERREIRA, Roberto Guedes. Op. Cit. 2005)
113
A autora nos o exemplo do fogo de José Corrêa Porto e Quitéria Maria da Luz Buena.
Em todo seu ciclo conjugal, encerrado em 1806 quando morre Quitéria, eles contaram com
o trabalho de um ou dois escravos. A partir de 1782, constantemente tiveram agregados.
Neste ano, estavam com eles Izabel Carvalho (70 anos), a parda Escolástica Domingas do
Espírito Santo (30 anos) e as filhas desta, Gertrudes e Rita (com 5 e 3 anos). Passada uma
década, quem vivia com o casal eram Anna Maria, viúva, e seus dois filhos, Manoel e Rosa.
Vizinhos de longa data, é provável que a viuvez de Anna Maria tenha encaminhado à
agregação. Neste meio tempo, é crível que Izabel Carvalho tenha morrido, e quanto a
Escolástica, encontrava-se agregada em outro domicílio, e sua prole aumentara em mais
duas filhas, Antonia e Joanna. No final da década de 1790, as coisas estão novamente
modificadas: Anna Maria não está mais com Quitéria e José Correa Porto. Escolástica, com
43 anos em 1798, era então chefe de um fogo e com ela vivia a filha Antonia, com 14 anos. A
309
Pinhais isso também não deveria ser incomum, pois, como se viu, era grande
o número de mulheres nesse grupo. Um outro aspecto foi recuperado por
Bert Barickman, que estudou os plantadores de mandioca do Recôncavo
baiano. Ele sugere que, apesar de a região contar com uma fronteira aberta,
nem todos os homens pobres se interessavam em desbravar novas terras,
preferindo permanecer agregados de algum engenho, onde teriam acesso
mais fácil ao mercado para vender sua produção excedente.
114
Com estes exemplos quero salientar, enfim, que a perda da
autonomia era o preço a pagar pela possibilidade de viver da melhor maneira
possivel, até conseguir alçar a uma melhor condição. Ainda que nem sempre
isso se concretizasse, talvez muitos agregados acreditassem que suas
expectativas poderiam ser mais facilmente concretizadas sob a proteção de
homens mais poderosos. Como já se constatou,
“a dependência e a submissão não devem ser entendidas
apenas de forma unilateral, sendo preciso atentar para o
interesse do dependente pela dependência, do submisso pela
submissão. Podem ser estratégicas, uma maneira de tentar
aumentar a segurança em meio aos recursos disponíveis e às
incertezas dos intentos”.
115
Por outro lado, Eni Samara nos remete para o potencial conflito
que mediava essas relações de dependência, quando sugere que a falta de
serviço na fazenda e a abertura de novas áreas para o plantio ou mesmo
filha mais velha, Gertrudes, casou-se com um tropeiro e morava no domicílio subseqüente
ao seu na lista nominativa daquele ano ANDREAZZA, Maria Luiza. Olhares para a ordem
social de Santo Antonio da Lapa (1763-1805). ANAIS do XII Encontro Nacional da ABEP,
Ouro Preto, 2002, pp. 12-15.
114
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano. Açúcar, fumo, mandioca e escravidão no
Recôncavo baiano, 1780-1860. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, pp. 167-209.
115
FERREIRA, Roberto Guedes, 2005, Op. Cit, p. 250-251. O autor faz esse comentário
depois de expor uma série de casos de artesãos pardos que, graças ao bom desempenho
profissional e, especialmente, a postura de submissão e respeito às hierarquias locais
puderam obter a dispensa do recrutamento militar.
310
novas possibilidades de trabalho na vila de Itu, nos séculos XVIII e XIX, pode
ser uma das explicações para a instabilidade residencial dos agregados:
num ano estão num domicílio, no outro não se encontram mais ”.
116
Dessas palavras deduzo que, se em algumas situações reafirmar a
submissão podia ser boa estratégia, em outras, sair de uma relação de
dependência para outra era a estratégia mais eficaz.
De uma maneira geral, a historiografia indica que o agregado era
visto, na sociedade colonial brasileira, como gente de menor “qualidade”. Um
exemplo pode ser encontrado em Vilhena. Ao descrever a população da
Bahia, ele afirma que a duração dos tempos tem feito sensível confusão entre
nobres e abjetos plebeus”. Entre suas observações consta que “há mesmo um
ou outro que, não passando de um doméstico ou agregado à família de algum
dos fidalgos, que têm vindo por governadores, quer ser o grão Tamerlão.
117
Tratando da região paranaense, Octavio Ianni escreveu que ali a condição
peculiar do agregado o colocava na situação de substituto e equivalente do
escravo.
“De um lado, ele não recebe salário em moeda, mas pagamento
em espécie, segundo as condições da economia doméstica e
não de conformidade com um contrato tácito de obrigações
minimas. Por outro, ele isenta os seus ‘senhores’ dos trabalhos
pesados, braçais, ou brutos, que na sociedade escravista são
apanágio do cativo. Desta maneira, o agregado preenche
funções do escravo. E isto se torna ainda mais significativo
quando ele se encontra ligado a uma família de pardos livres,
que deste modo se projetam econômica e socialmente como
‘senhores’”.
118
116
SAMARA, Eni M. Op. Cit, 1977, pp. 69-71.
117
VILHENA, Luiz dos Santos. Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas contidas
em XX cartas [1802] Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1921., pp. 44-45. Apud: LARA, Silvia
Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. Tese
de Livre Docência. Campinas: UNICAMP, 2004. pp. 186-187.
118
IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. 2.ed., São Paulo: Hucitec/Curitiba: Scientia
et Labor, 1988, pp. 74-75.
311
De todo modo, era melhor ser agregado do que ser escravo. Para
citar apenas um exemplo extremo, Roberto Guedes Ferreira nos relata a
história da fuga de alguns escravos na região de Porto Feliz, mais tarde
encontrados vivendo sob a administração de um padre. Segundo o relato,
eram tratados com “brandura e docilidade”, a ponto de os cativos se
conservarem “não como escravos, mas sim como agregados”.
119
Além disso,
embora certamente muitos agregados estivessem condenados a viver nesta
condição até a morte, para alguns era possivel ascender a uma certa
autonomia, constituindo domicílio em pequenas posses ou mesmo
adquirindo um minifúndio.
Outros podiam ir ainda mais longe. Mais uma vez Roberto Guedes
Ferreira nos fornece um exemplo disso. Ele abre sua tese de doutorado
resumindo a trajetória de Jesuíno José da Rocha, nascido da união conjugal
de Maria e Francisco, escravos do vigário de Porto Feliz entre 1803 e 1820,
André da Rocha Abreu. Em 1803 o vigário alforriou o casal e seus filhos, e a
família viveu agregada em sua casa até sua morte. Em vida, o padre André
doou terras, engenho, escravos e um piano aos forros agregados, instituindo
os filhos do casal como herdeiros. O piano foi dado a Jesuíno, que se tornou
organista da vila ainda quando era agregado do padre, com quem o forro
aprendeu a arte da música. Após a morte de André, o pardo Jesuíno José da
Rocha passou a ser reconhecido com senhor de engenho.
120
Como anotei no início desse ítem, além dos agregados, uma parcela
dos membros de algumas unidades domésticas de São José era formada por
parentes não nucleares, ou por expostos. Essa última categoria era
119
FERREIRA, Roberto Guedes, op. Cit., cap.2, P. 40/41
120
FERREIRA, Roberto Guedes, op. Cit, p. 1
312
comumente encontrada nas inúmeras vilas e freguesias do Brasil à época.
Carlos Bacellar procurou reunir uma série de razões para o acolhimento de
crianças expostas em Sorocaba, sendo as mais freqüentes, ao que tudo
indica, a ausência de filhos, seja porque não haviam nascido ou não mais
viviam na casa paterna (e nesse caso eram geralmente domicílios sem
escravos), mas também o acolhimento de consangüineos ilegítimos, cujo
reconhecimento poderia gerar escândalo.
121
A condição de exposto era em geral bastante dúbia, ora inserido no
fogo como se filho fosse, ora tratado como agregado. A própria forma como
foram recenseados em São José uma dimensão dessa dubiedade, pois
encontramos expostos apenas em 1803, e certamente eles existiam em 1782
e em 1827, que a exposição era comum na freguesia,
122
mas
provavelmente foram contabilizados como filhos ou como agregados,
especialmente os que viviam tempo no domicílio. No ano de 1803 foi
indicada a presença de 40 expostos em São José dos Pinhais, sendo 21
homens e 19 mulheres, e deles, 29 foram identificados como brancos e 11
como pardos, quase todos eles crianças e jovens. O mais velho era uma
mulher de 28 anos, que inclusive tinha uma filha. Nesse ano havia expostos
em 27 domicílios de São José dos Pinhais, sendo que em 17 havia apenas
um exposto, em sete havia dois expostos e em três estavam três expostos.
Um exemplo da prática recorrente de acolhimento de expostos está no fogo
cinco de 1803, chefiado por José Nabos, um branco de 41 anos que vivia
121
BACELLAR, Carlos de A. P. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, séculos
XVIII e XIX. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001, caps. 7 e 8.
122
Em 30 anos (de 1775 a 1804) foram batizadas 1965 crianças em São José dos Pinhais,
sendo que 206 delas (10,5%) eram expostas (Livros 1 e 2 de batismos), dando uma média de
6 a 7 batismos de expostos por ano.
313
com a esposa de 25 anos, cinco filhos entre um e nove anos e três expostos:
Manoel (branco,14 anos), Francisco (branco,12 anos) e Izabel (parda, oito
anos).
Nos dois anos aqui observados, os parentes eram
predominantemente mulheres e crianças. As mulheres adultas eram em
geral irmãs, mas também mães, tias, sogras, noras e cunhadas; as crianças
eram principalmente netos (a prole, sobretudo, das filhas solteiras ou viúvas
vivendo com os pais) e sobrinhos. Homens adultos na condição de parentes
do chefe do domicílio eram bem raros: apenas três (dois irmãos e um pai) em
1803, e seis (todos irmãos) em 1827. Quase o mesmo padrão foi encontrado
em Itu: os parentes de forma geral eram irmãs, mães, sobrinhas, genros ou
filhas do casal chefe.
123
Num cômputo geral, e ressalvando-se que ao longo do ciclo familiar
a formação dos fogos se alterava periodicamente, calculei que em 1782 os
domicílios de São José tinham em média 6,2 membros. Essa média se
manteve em 1803 (6,1), em função do alto índice de parentes em 1803,
caindo para 5,2 membros em 1827, movimento que pode ser explicado,
basicamente, pela redução da média de escravos (de um escravo em 1782 e
0,8 em 1803, para 0,5 em 1827).
Tomando apenas o ano de 1803, o mais preciso quanto as
informações sobre expostos e parentes não nucleares, observei que apenas
13% (43 de 319) dos domicílios possuiam dez ou mais integrantes. Desses
43, em sete (16,3%) viviam apenas famílias nucleares. Os demais adotavam
123
SAMARA, Eni M. Op. Cit, 1977, p. 58.
314
estratégias de composição mista
124
, e ao final, além dos parentes nucleares,
em 22 desses fogos havia escravos, 17 abrigavam agregados e 15 abrigavam
parentes não nucleares ou expostos. No mesmo ano, dos 276 fogos com até
nove membros, 168 (61%) eram nucleares (ou de solitários). Os demais
apresentavam composições mistas,
125
sendo que em 52 existiam parentes ou
expostos, 38 abrigavam agregados e em 37 havia escravos.
Gráfico 2.3 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, de acordo com o número de integrantes.
São José dos Pinhais, 1803
Fonte: LNSJP, 1803
Dito de outro modo, os domicílios com pequeno número de pessoas
possuíam esta característica exatamente porque suas chefias tinham mais
dificuldades para atrair dependentes. E essa dificuldade era mais real em
124
Em nove deles havia apenas escravos, em 8 escravos e agregados, em 5 parentes não
nucleares e escravos, em 5 parentes não nucleares e agregados, em 5 parentes o
nucleares, e em 4 também agregados.
125
39 abrigavam parentes ou expostos, 26 tinham agregados, 22 tinham escravos, 8 tinham
escravos e parentes, 7 tinham escravos e agregados e 5 abrigavam parentes e agregados.
0 10 20 30 40 50 60
até 9 pessoas
10 ou + pessoas
%
escravos agregados parentes
315
relação a escravos, um pouco menos em relação a agregados, e menor ainda
em relação a parentes. os domicílios mais extensos garantiam esta
característica preferencialmente com escravos, mas também com agregados
e, em menor grau, com parentes não nucleares. Essas diferenças podem ser
mais bem visualizadas no gráfico 2.3, acima.
Gráfico 2.4 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, de acordo com o número de integrantes.
Paranaguá, 1803
F
o
nte: LNPGUA, 1803
Em Paranaguá encontrei o mesmo quadro. Dos 99 fogos que, em
1803, tinham dez ou mais integrantes, apenas 18 (18,2%) eram formados
apenas pela família nuclear; dos 888 fogos com menos de dez integrantes,
585 (65,9%) tinham esta conformação. Dos domicílios com menos de dez
membros, em 169 havia parentes, 138 abrigavam agregados e 119 tinham
escravos. Dos domicílios com 10 ou mais membros, 78 possuíam escravos,
em 30 havia agregados e 17 abrigavam parentes. Nessa vila do litoral
paranaense, onde no período o peso percentual de cativos era maior do que
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
até 9 pessoas
10 ou + pessoas
%
escravos agregados parentes
316
em São José dos Pinhais, a preferência pela mão-de-obra cativa, por parte
dos mais poderosos, era ainda mais evidente (gráfico 2.4, acima).
Acredito, pois, que organizados desta maneira, os dados sobre a
composição dos domicílios põem em evidência a distribuição e padrões de
não-compartilhamento, de que nos fala Barth, desta forma possibilitando a
realização de interpretações que transcendem a identificação de morfologias
domésticas. Lidos por este viés, tais dados revelam práticas sociais cujo
conhecimento ajuda a aprimorar nossa compreensão acerca do
funcionamento de sociedades escravistas por certo, mas com poucos
escravos.
Até hoje, é comum que os pesquisadores observem a disseminação
da mentalidade escravocrata no Brasil colonial e no Império, mesmo entre a
população livre de cor. No entanto, o que esses dados sugerem é que o
campo das estratégias sociais abrigava outras possibilidades, algumas
inusitadas. De fato, a presença de agregados (principalmente), expostos e
parentes nos domicílios de São José dos Pinhais aponta para a necessidade
de uma releitura das relações de dependência possíveis numa sociedade
escravista.
126
Isso porque ela está indicando a generalização de uma prática,
na falta de um termo melhor, “patriarcalista”. Nela, alguns eram mais bem
sucedidos - aqueles com mais poder econômico e político para tornar um
estranho sua propriedade ou seu dependente -; os menos poderosos
126
No presente trabalho estou enfatizando a relação de dependência que envolvia
principalmente os agregados, porém acredito que não exclusivamente. Laura de Melo e
Souza, por exemplo, levanta a hipótese de que pessoas de cabedal adotavam expostos e que
para homens e mulheres mais bem situados na sociedade, a criação dessas crianças poderia
ter o objetivo de aumentar o número de agregados e apaniguados, visando antes conferir
estima e status do que vantagens pecuniárias. MELLO E SOUZA, Laura de. Cotidiano e Vida
Privada na América Portuguesa, In: NOVAIS, Fernando (org). História da Vida Privada no
Brasil, v. I, 1999, Pp. 53-54.
317
perseguiam o mesmo objetivo, embora mais raramente tivessem condições
de exercer seu poder de mando para além da parentela. A análise dos dados
sobre atividade econômica e posse de terras, nos itens a seguir, deve
contribuir para a clarificação do que até aqui foi exposto.
2.3 Organização econômica dos domicílios
Na passagem do XVIII para o XIX, a população da freguesia de São
José se mantinha, como indiquei, basicamente do fruto do trabalho na
agricultura e na criação, de resto, característica de toda a região de Curitiba
e seu entorno. Os mapas econômicos de 1798, que reunem informações
sobre Curitiba, São José dos Pinhais e Santo Antonio da Lapa, elencam 17
itens no campo da produção e consumo, e oito itens de exportação. Naquele
ano, o conjunto desta produção foi avaliado em 32.439 cruzados, sendo que
mais de 60% de seu valor teria sido exportado, em animais (bois, potros e
bestas), toucinho, congonha (erva-mate), fumo e farinha de trigo, e os outros
40% consumidos internamente.
Essa pauta era menor quando se trata apenas de São José. A
freguesia estava voltada principalmente para o cultivo de feijão, trigo e fumo,
para uma criação muito diversificada, e para a extração da congonha.
Conforme o mapa econômico, naquele ano essa produção foi avaliada em
7.316 cruzados, sendo que apenas 5% de seu valor representava o consumo
interno e 95%, em farinha de trigo, fumo, congonha, toucinho e bois, fora
318
exportado para São Paulo e para os portos de São Francisco do Sul e,
principalmente, Paranaguá.
127
Ainda em 1798, a pauta das importações efetivadas pela freguesia
indicou gastos no valor de 6.926 cruzados, empregados na compra de peças
de linho, e algodão, chapéus, aguardente e sal, produtos oriundos de
Lisboa (através do porto de Paranaguá), de São Francisco do Sul (também
provavelmente via Paranaguá) e de São Paulo (pelo Viamão). As importações
eram um pouco mais diversificadas quando se observa os números relativos
a toda a região do planalto de Curitiba: de Lisboa, Bahia, Rio de Janeiro e
Paranaguá, de São Paulo e Sorocaba, de São Francisco e do continente do
sul, chegavam vinho, aguardentes, vinagre, panos de linho, de e de
algodão, chapéus, bestas, açúcar e sal.
Os dados sobre as atividades econômicas, presentes nas listas
nominativas, permitem aprofundar o quadro exposto acima. Dadas as
evidentes diferenças no interior de algumas atividades exercidas pelos chefes
das unidades domésticas, para fins de análise criei categorias, e por vezes
sub-categorias. É o caso, em primeiro lugar, do tópico “lavoura”: numa
primeira categoria reuni os que declararam esta atividade sem estabelecer
maiores detalhes; na segunda aqueles registrados como proprietários de
fazendas; na seguinte os lavradores que comercializaram parte do que
produziram, e por fim os que plantavam “para o seu gasto”. Do tópico
“pecuária” recortei apenas a criação de vacum (embora na região fosse
comum a criação de carneiros e suínos, estes, para consumo e fabrico de
127
Mapa geral comparativo das produções da Paróquia de Curitiba, das freguesias de o
José e Santo Antonio da Lapa, com especificação do que se consumiu nas mesmas, e delas
se exportaram no ano de 1798. Cópia do acervo CEDOPE/UFPR, original no AESP.
319
toucinho e outros derivados). Desdobrei a pecuária em três categorias: os
que se identificaram pela atividade sem nada detalhar, os que declararam ter
vendido parte da produção, e os que declararam produzir para o próprio
sustento. Como artesãos agrupei alfaiates, sapateiros, ferreiros, etc; como
profissionais, inclui mestres, músicos, e outros; as demais categorias foram
referidas nominalmente. No entanto, não é demais lembrar, estudo uma
sociedade onde a especialização não estava colocada. Assim muitos dos que
se declararam agricultores eram também criadores, e vice-versa, e
praticamente todos os artesãos e outras categorias também plantavam e/ou
tinham criações.
A lista de 1803 traz a ocupação do chefe do domicílio bem como
suas exportações no ano. Levando em consideração esses dois elementos
(isto é, considerando como artesão e lavrador, por exemplo, um chefe de
domicílio que se identificou como sapateiro e exportou farinha de trigo; ou
como lavrador e pecuarista um chefe de domicílio que tenha se identificado
como lavrador, mas que também exportou bois), obtive os seguintes
resultados: dos 319 chefes de domicílios, 291 (91%) indicaram exercer algum
tipo de atividade agrícola; destes, quase 70% declararam plantar apenas
para o próprio sustento. Os demais, além de garantir a subsistência,
conseguiram gerar excedente para o mercado.
Da pecuária (criação de vacum) ocupavam-se ao menos 25
domicílios, cerca de 8% deles (em geral também lavradores), e quase todos
eles declararam ter exportado parte da produção naquele ano, sendo que
apenas dois homens foram identificados como proprietários de fazendas.
Nessa lista foram ainda recenseados um minerador, três individuos
320
ocupados na extração de congonha, dois tropeiros,
128
dois fazendeiros
129
e
15 jornaleiros. As demais eram ocupações mais ligadas ao meio urbano: três
artesãos, quatro no setor de serviços, um eclesiástico, um profissional, um
empregado da igreja, um militar e um individuo que declarou “viver de seus
negócios”. Ainda se faz referência a nove chefes de domicílios que estariam
no Sul (talvez conduzindo tropas ou negociando) e cinco que viviam de
esmolas.
A lista de 1827 é muito pobre em informações econômicas, pois
indica apenas a(s) ocupação(ões). Nela consta que, dos 589 domicílios, 422
eram de lavradores, 26 praticavam a pecuária, nove eram de fazendeiros,
dois de jornaleiros, dois boiadeiros, um tropeiro e um caçador. Nas
ocupações mais urbanas estavam 14 artesãos, nove comerciantes, um
eclesiástico, um profissional, um oleiro e um indivíduo que vivia “de seus
negócios”. Nada menos que 89 chefes de domicílios foram identificados
apenas como pobres ou mendigos e 15 estavam “para o sul”. Por essa razão,
para fins de comparação com a lista de 1803, preferi utilizar os dados da
lista nominativa de 1818, pois nela, além da ocupação e da exportação,
aparece a produção de cada domicílio.
Segundo a lista de 1818, dos 494 chefes de fogos, 417 (84,4%)
dedicavam-se à lavoura, e 146 (29,5%) à pecuária. Foi possivel apurar que
apenas sete deles eram donos de fazendas, 196 venderam parte de sua
produção, e 317 (56%) produziram apenas para o seu próprio sustento.
128
O dado é impreciso, pois tropeiro é, normalmente, o comerciante de animais, já o
condutor de tropas é aquele que leva os animais do comerciante até o ponto de revenda. O
mais provável é que nas Listas de São José fosse assim identificado o condutor de tropas,
pois os grandes tropeiros costumam aparecer como “negociantes” ou como proprietário de
fazendas e negociante”.
129
Fazendeiro era o administrador da fazenda, e não seu proprietário.
321
Dentre os chefes de domicílio da freguesia havia 26 apanhadores de
congonha, dez fazendeiros e quatro capitães do mato. Finalmente, foram
registrados dois artesãos, um eclesiástico, quatro profissionais liberais, dois
homens que “viviam de seus negócios” e 24 pessoas identificadas como
pobres ou mendigos. Ainda consta na lista que 12 individuos estavam “no
sul”, e 13 “na guerrilha”.
Em 1803, as unidades domiciliares que declararam vendas de
produtos agrícolas tinham em média 1,3 cativos; para os que declaravam
plantar apenas para o próprio sustento essa média era de 0,5 cativos. Em
1818, quando o percentual de escravos havia caído na freguesia, a
desigualdade no interior desse grupo de lavradores se manifestava ainda
mais claramente: as sete fazendas tinham em média seis cativos, os
lavradores que declararam vendas tinham em média um cativo (estas duas
categorias, juntas, tinham em média 1,3 cativos), e os que produziram para
o próprio sustento apenas 0,1 cativo, também em média.
Todavia, como se viu, a mão-de-obra não se restringia aos cativos.
Em 1803, aqueles que plantavam apenas para o sustento tinham em média
0,2 agregados, e a média dos que venderam parte de sua produção era de
0,3 agregados. Em 1818, quando era menor o peso percentual de escravos
na freguesia, a diferença se acentuou, com uma média 0,1 agregados para os
que plantavam para o sustento, e de 0,4 para os que venderam parte da
produção (incluidos os grandes proprietários). Parece que existia, de fato,
uma relação diretamente proporcional entre volume da produção e número
de pessoas no domicílio, pois, até mesmo no que respeita aos parentes
(nucleares e não), os lavradores com produção excedente apresentavam, em
322
média, um número maior de pessoas em seus domicílios: 5,7 em 1803 e 5
em 1818, contra 4,8 e 4,5 dos outros lavradores, nos respectivos anos.
130
Situação semelhante pode ser encontrada em Paranaguá. Em
1803, dentre os domicílios que tinham a agricultura como principal
atividade, aqueles que plantaram apenas para o consumo tinham em média
5,0 integrantes, e o índice era de 6,8 pessoas para os que produziram
excedentes. Os primeiros tinham em média 0,3 cativos e 0,15 agregados, e
nos fogos com produção de excedentes os mesmos índices foram calculados
em 1,8 e em 0,23. Em 1830, dos fogos de Paranaguá que tinham a
agricultura como principal atividade, aqueles que plantaram apenas para o
consumo tinham em média 4,7 integrantes, e os que produziram excedentes
a média era de 7,6 integrantes. Os primeiros tinham em média 0,5 escravos
e 0,2 agregados; para os últimos essas médias eram de 2,3 escravos e 0,3
agregados.
2.4 Propriedade das terras
Para o século XVIII os dados sobre as formas de aquisição das
terras no Paraná estão esparsos e são imprecisos. Sabe-se que na região as
sesmarias eram requeridas através da prática de alegar posse anterior. A
ocupação pura e simples e a usurpação também eram formas muito comuns
de obtenção de terras. A solicitação de sesmarias era feita ao capitão general
130
Alida Metcalf anotou que nas sociedades tradicionais a única maneira de ampliar a força
de trabalho do domicílio, além de ter mais filhos, era incorporar agregados. Uma família
camponesa podia obter mais trabalhadores permitindo que os agregados morassem em seus
domicílios. Esta autora cita um estudo de Berkner, de 1972, o qual mostra como os
camponeses austríacos incorporavam servos em seus domicílios para ter mais trabalhadores
nas roças, especialmente quando os filhos eram ainda jovens ou haviam saído de casa.
METCALF, Alida. A família e a sociedade rural paulista: Santana de Parnaíba, 1750-1850.
Revista Estudos Econômicos, São Paulo, v. 20, no. 2, p. 283-304. mai-ago, 1990, pp. 296-
297.
323
e confirmada pelo poder real e a posse efetiva da terra antecedia essa
solicitação. Mais tarde, quando o gado se multiplicava, o sesmeiro solicitava
uma outra sesmaria, aumentando com isso sua propriedade. As maiores
tinham em torno de quatro léguas em quadra, as médias três, e as menores,
que eram maioria, ½ légua, e algumas destas fazendas alcançaram 31
léguas.
131
Porém, o número de solicitantes de sesmarias era sempre menor
do que as demandas, sugerindo uma concentração das terras nas mãos de
uns poucos homens.
132
O século XVIII é, portanto, para os Campos de
Curitiba e Campos Gerais, uma época de grande movimentação fundiária.
Para o início do século XIX tem-se um quadro fundiário mais
detalhado, graças à existência de um censo de terras realizado em toda a
capitania de São Paulo em 1818: o Inventário de Bens Rústicos. Horácio
Gutierrez, que estudou esse documento na parte relativa ao Paraná, aponta
para a existência, em toda essa região, de grande número de pequenas
propriedades, particularmente no litoral e nas áreas mais urbanizadas do
planalto, voltadas basicamente para a agricultura de alimentos e o
autoconsumo. No entanto, ressalta o autor:
“Na verdade, o que os números do arrolamento indicam é uma
altíssima concentração da propriedade da terra no Paraná,
ilustrada pela comparação entre porcentagem do número de
estabelecimentos e a área que ocupavam. Enquanto as
propriedades com até 100 ha., perfazendo 64 % do número
total, representavam apenas 1,6% da área total, propriedades
acima de 5000 ha., correspondendo a 2,4% do número total,
apropriavam-se de 66,6% da superfície total ocupada no
Paraná.”
133
131
MACHADO, Brasil Pinheiro. Op.Cit, 1963.
132
HARTUNG, Miriam. F. Muito além do céu: escravidão e estratégias de liberdade no
Paraná do Século XIX. Revista de História Topói, Rio de Janeiro - UFRJ, v. 10, 2005, p.8.
133
GUTIÉRREZ, Horácio. A estrutura fundiária no Paraná antes da imigração. Estudos de
História, Franca, SP, v. 8, n. 2, 2001, p. 216-219.
324
Manipulando os dados apenas do Inventário de Bens Rústicos de
Curitiba (onde está incluído o registro das propriedades de São José dos
Pinhais), pude confirmar suas análises e também aprofundar alguns
detalhamentos. Das 872 propriedades registradas em sete companhias de
ordenanças,
134
524 (60%) tinham menos de 100 ha, ocupando apenas 3,4%
das terras (14.390,9 de um total de 422.831,5 ha). Apenas 11 propriedades
tinham mais de 5.000 ha (1,2%), no entanto ocupavam 32% do total de
terras (135.641 ha). Especificamente para a região de São José dos Pinhais
(3
a
. e 7
a
. companhias), encontrei o seguinte quadro: 115 propriedades com
até 100 ha compunham 56% do total de 205 propriedades, e ocupando
pouco menos de 4% da área total. as propriedades com mais de 4000 ha
(não foram registradas propriedades com mais de 5000 ha) eram apenas
quatro (perfazendo cerca de 2% do total de propriedades), ocupando 70% da
área total na freguesia. O desenho do gráfico 2.5 expressa bem este alto
índice de concentração.
Gráfico 2.5 - Relação % entre o número de propriedades rurais
e a área de terras que ocupavam (em ha).
São José dos Pinhais, 1818
0%
20%
40%
60%
80%
100%
100 300 500 1000 10000
Propriedades
Terras
134
São, na verdade, 873 propriedades, porém, na 6
a
. companhia, uma propriedade foi
registrada sem menção ao seu tamanho, por isso não foi computada aqui.
325
Fonte: Inventário de Bens Rústicos de São José dos Pinhais, 1818.
Originais no AESP.
Mas é possível matizar esse quadro, em duas direções. Por um
lado, porque na região não era incomum que uma pessoa tivesse duas ou
três propriedades não contíguas. Embora na freguesia de São José não se
tenha registrado propriedades com mais de 5000 ha, na manipulação dos
dados por vezes encontrei registro de duas ou três propriedades de uma
mesma pessoa. Era o caso do Capitão Francisco da Costa, que possuia três
propriedades, as quais, reunidas, perfaziam um total 5880,6 ha. Além disso,
não é improvável que alguns proprietários, especialmente os grandes,
também possuissem terras e escravos em outras freguesias do planalto e do
litoral. Essa possibilidade parece ainda mais plausível uma vez que, em São
José, foram registradas oito propriedades cujos donos viviam em Santa
Catarina, em São Francisco, em Paranaguá, em Antonina ou em Sorocaba.
Um exemplo concreto encontra-se no inventário de Maria Magdalena de
Lima, de 1834, estudado por Miriam Hartung. Ao morrer, Maria Magdalena
era proprietária da fazenda Santa Cruz, da região de Castro, de uma área de
campos adjacente à Santa Cruz, de uma sesmaria de três léguas nas
paragens de Linhares e, finalmente, de uma casa em Curitiba, defronte a
Igreja Matriz.
135
Por outro lado, das 205 propriedades da freguesia de São José, 27
estavam em nome de escravos. Na verdade, não há como decifrar exatamente
o que isso significa, pois a identificação é ambigua. Tem-se apenas a
indicação de que nessas propriedades as pessoas estabelecidas eram “os
escravos de Thomas João” ou “os escravos de Paulo da Rocha”, e assim por
135
HARTUNG, Miriam. Op. Cit, 2005, p. 28.
326
diante. Como quase todas essas propriedades eram heranças (apenas uma
fora comprada, e outras duas foram formadas por herança e compra), e uma
vez que na lista nominativa do mesmo ano encontrei apenas quatro
domicílios integrados somente por escravos (com senhores ausentes), tendo
a acreditar que em cada uma dessas propriedades viviam libertos de um
único senhor que, com seus descendentes, exploravam essas terras, ainda
que não necessariamente fossem legalmente suas. Ocorre que, juntas, tais
propriedades perfaziam o não desprezível índíce de 22,4% da área total,
chegando uma delas a medir pouco mais de 2900 ha.
136
Ainda sobre essas propriedades ocupadas por escravos, sua existência
talvez explique, ao menos parcialmente, a discrepância entre o número de
propriedades e o número de unidades: foram registradas 215 propriedades na
freguesia em 1818, no entanto, na lista nominativa do mesmo ano foram
recenseados 494 unidades domiciliares. Logo, deduzo que muitos desses domicílios
seriam de negros e pardos livres que nelas habitavam, embora certamente
existissem inúmeras propriedades em nome de uma só pessoa, porém habitadas e
cultivadas por sua família ampliada, organizada em domicílios nucleares, ou ainda
por agregados que mantinham domilio independente na propriedade.
Feitas essas ressalvas, para a avaliação das diferenças internas, no
que tange às dimensões, entre as propriedades arroladas no Inventário de
Bens Rústicos de 1818, transformei as medidas originais (em braças de
136
Na verdade, terras ocupadas por escravos, ex-escravos ou seus descendentes (não se
sabe exatamente) aparecem em registros de outras localidades do Paraná, de São Paulo e de
Minas Gerais, e precisariam ser estudadas mais detidamente, o que não é possível no
âmbito do presente trabalho.
327
fundos e testada) em alqueires paulistas,
137
o que considerei mais
apropriado pois assim geralmente obtive números redondos, que era a
medida utilizada na região. Os resultados desses cálculos estão resumidos
na tabela 2.7, cujos dados referendam a alta concentração da posse da terra
na região, uma vez que 73% das propriedades mediam até 100 alqueires,
ocupando apenas 7,2% das terras.
Tabela 2.7 - Número de propriedades e de área ocupada
de acordo com o tamanho das propriedades.
Curitiba + São José dos Pinhais, 1818
Tamanho da propriedade
(em alqueires paulistas)
Total de
propriedades
Área ocupada
(em alqueires paulistas)
fa %
fa %
Até 50 559 64,1 7426,4 4,2
De 50,1 a 100 75 8,6 5426,8 3,1
Sub-total (de 0,1 a 100)
634 72,7 12853,2 7,3
De 100,1 a 300 106 12,1 19498,5 11,0
De 300,1 a 500 62 7,1 27146,1 15,3
De 500,1 a 1000 39 4,5 28939,4 16,4
Sub-total (100,1 a 1000)
207 23,7 75584,0 42,7
1000,1 ou + 31 3,5 88 548,5 50,0
Total 872
99,9
176985,7
100,0
Fonte: Inventário de Bens Rústicos de Curitiba e São José dos Pinhais, 1818.
Originais no AESP.
Pela mesma tabela 2.7 se observa, ainda, que a grande maioria
dessas propriedades tinha no máximo 50 alqueires, sendo que, destas,
55,5% tinham no ximo 10 alqueires. As propriedades com mais de 1000
137
Quando se tem, por exemplo, tem um terreno de 100 x 500 braças, é preciso achar a
área do terreno. Para isto, multiplica-se: 500 x 2,20 = 1100m; e 100 x 2,20 = 220m. A área
do terreno é: 1100mx220m= 242.000 metros quadrados. Para transformar em ha se deve
dividir por 10.000, o que vai dar 24,2 ha. Para calcular quantos alqueires paulistas existem
em 24,2 ha é só dividir por 2,42, o que dá 10 alqueires paulistas.
328
alqueires paulistas, por outro lado, representavam apenas 3,5% do total de
propriedades, mas ocupavam 50% das terras.
138
Ainda na tabela 2.7,
também destaco a ocorrência significativa de médias propriedades (são
23,7% do total), as quais ocupavam 42,7% das terras. Nela esse grupo
aparece dividido em três, e sua análise permite inferir que não era
insignificante o percentual de propriedades entre 100 e 500 alqueires
(19,2%), as quais ocupavam quase 32% das terras da região.
Tabela 2.8 - Número de propriedades e de área ocupada
de acordo com o tamanho das propriedades.
Curitiba e São José dos Pinhais, 1818
Tamanho da propriedade
(em alqueires paulistas)
% do total de
propriedades
% da área total
Curitiba
São José
Curitiba
São José
Até 50 65,4 60,0 4,0 4,9
De 50,1 a 100 7,9 10,7 2,8 4,1
Sub-total 1 73,3 70,7 6,8 9,0
De 100,1 a 300 12,7 10,2 11,4 9,5
De 300,1 a 500 6,3 9,8 12,8 24,9
De 500,1 a 1000 4,0 5,9 14,1 25,1
Sub-total 2 23,0 25,9 38,3 59,5
1000,1 ou + 3,6 3,4 54,9 31,4
Fonte: Inventário de Bens Rústicos de Curitiba e São José dos Pinhais, 1818.
Originais no AESP.
Na análise isolada dos dados aqui apresentados (tabela 2.8)
constatei que, em relação às demais companhias de Curitiba, aquelas
referentes a São José apresentavam uma menor concentração de terras, pois
nesta freguesia existiam, proporcionalmente, menos propriedades com até
138
10 alqueires equivalem a 24,2 ha; 50 alqueires a 121,0 ha; 100 alqueires a 242,0 ha;
1000 alqueires a 2420,0 ha.
329
50 alqueires, que ocupavam uma área maior de terras do que suas similares
de Curitiba. Além disso, em São José as médias propriedades alcançavam
um percentual muito mais significativo da área total das terras, quando
comparado ao das médias propriedades nas demais companhias de
ordenanças da região. Finalmente, em Curitiba a elite latifundiária
incorporava uma porção muito maior das terras.
139
Segundo o Inventário de Bens Rústicos, para o conjunto das sete
companhias de ordenanças de Curitiba, 72% das propriedades (626) foram
adquiridas por compra e/ou herdadas, e 27% (237) eram posses. As demais
eram sesmarias (5), ou um misto de herança e posse (2), sesmaria e herança
(1), sesmaria e compra (1) e posse e compra (1). Exclusivamente para as
companhias de São José dos Pinhais, aquelas proporções foram de 76,8%
para compra ou herança, e apenas 14% para posse. Embora esse último
percentual pareça pequeno, a posse era forma de ocupação relativamente
usual para os mais pobres, pois 86% das propriedades obtidas por este meio
em São José tinham até 50 alqueires. Por outro lado, todas as maiores
propriedades da freguesia (500 ou mais alqueires) foram adquiridas por
compra ou herança. Esta característica pode estar indicando que parte dos
pecuaristas e invernistas do passado vendeu ou abandonou suas sesmarias,
transferindo-se de São José dos Pinhais para Lapa, Castro e outras
localidades dos Campos Gerais, com melhores pastagens e mais próximas do
Caminho do Viamão.
139
Deveria ser ainda maior a diferença entre o José e as localidades mais especializadas
na pecuária e no tropeirismo, como Castro, onde certamente os latifúndios monopolizam
mais as terras (ver GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit, 2001).
330
As informações do Inventário de Bens Rústicos de 1818 e da lista
nominativa de São José dos Pinhais, do mesmo ano, me permitiram realizar
outros cruzamentos. Porém, como nem todas as pessoas relacionadas no
inventário foram encontradas na lista nominativa, e como outras tinham
homônimos, levantei dados de apenas 90 proprietários, aqueles sobre os
quais não havia dúvida quanto à identificação. Embora se trate de uma
amostragem, ela é bastante significativa, que se refere a 95 das 205
propriedades registradas no Inventário (portanto 46% delas) e a cerca de
40% das terras ocupadas na freguesia. Além disso, abrange os diferentes
estratos de proprietários: dos 90 selecionados, 66 possuíam terras com até
100 alqueires, 18 eram donos de 101 a 500 alqueires, três eram
proprietários de 501 a 1000 alqueires, e três eram senhores de terras de
1001 alqueires ou mais. Nos casos em que a pessoa tivesse mais de uma
propriedade registrada em seu nome, somei os alqueires de todas, que
passaram a ser tratadas como se fosse uma única (anexo 3).
Na busca de relação entre o tamanho da propriedade e a produção
do domicílio deduzi que a posse de poucas terras podia dificultar a produção
de excedentes: dos 40 proprietários de até 50 alqueires sobre os quais obtive
informações acerca da produção agrícola e criatória, 25 declararam ter
plantado apenas para comer, e outros 15 disseram ter feito alguma venda de
lavoura e/ou criação naquele ano. Dentre os proprietários com mais de 50
alqueires, apenas quatro declararam ter plantado para o sustento, os
demais (26) venderam gado e/ou produtos agrícolas naquele ano.
Parece que existia ainda uma relação entre o tamanho da
propriedade e a idade do proprietário, pois em minha amostragem os mais
331
velhos, em geral, detinham a posse de propriedades maiores: entre os 15
proprietários com até 30 anos, o tamanho médio da terra foi calculado em
71,2 alqueires; para 40 proprietários entre 31 e 50 anos esse tamanho médio
era de 132,4 alqueires; para os 33 mais velhos (mais de 50 anos) o tamanho
médio era de 229,4 alqueires.
Encontrei relação também entre tamanho da propriedade e número
de pessoas no domicílio. Dos 52 proprietários de até 50 alqueires de terras,
41 (79%) não possuíam escravos, 33 (63,5%) não abrigavam agregados e 44
(84,5%) tinham no máximo 10 pessoas morando em seu domicílio. Dos 36
proprietários de terras com mais de 50 alqueires, 17 (47%) não possuíam
escravos, 21 (58%) não abrigavam agregados e 26 (72%) viviam em fogos com
no máximo 10 pessoas.
Este quadro parece conter aspectos relacionados à afirmação de
Berkner acerca de sociedades rurais do passado. Este autor observou que,
onde havia falta de terras, eram mais comuns famílias extensas e
extranucleares, enquanto os domicílios nucleares predominavam onde não
havia falta de terras.
140
Partindo dessa premissa, creio poder deduzir que,
não fosse a clara possibilidade de se apossar de um quinhão de terra na
freguesia de São José dos Pinhais, muitas daquelas famílias nucleares
vivendo em pequenas posses somente poderiam viabilizar sua sobrevivência
agregando-se em casa de parentes ou de um grande ou médio proprietário
do lugar.
140
BERKNER, Lutz. APUD: METCALF, Alida. A família e a sociedade rural paulista:
Santana de Parnaíba, 1750-1850. Revista Estudos Econômicos, São Paulo, v. 20, no. 2, p.
283-304. mai-ago, 1990. p. 288.
332
Os dados sugerem que também havia relação entre o número de
pessoas nas propriedades e a produtividade. Pela tabela 2.9 se pode observar
que, para as quatro mais importantes produções da freguesia (milho, feijão,
trigo e vacas), na amostragem os domicílios com dez ou mais pessoas
produziram mais, em média, do que as propriedades de até nove pessoas.
Tabela 2.9 - Produção média dos domicílios,
de acordo com o número de integrantes
São José dos Pinhais, 1818
Produção média nos domicílios Número de
pessoas no
domicílio
Milho
(arrobas)
Trigo
(arrobas)
Feijão
(arrobas)
Vacas
(cabeças)
Até 9 40 10 12 14
10 ou + 76 32 15 29
Fonte: LNHSJP, 1818.
Além disso, é provável que houvesse uma tendência a maior
diversificação das atividades nos domicílios mais numerosos, pois, embora a
moda fosse cinco atividades para os dois tipos de domicílios, no grupo
daqueles com até nove pessoas existia 13 unidades que desenvolviam
apenas três ou quatro atividades; no grupo de fogos com dez ou mais
pessoas nenhuma unidade desenvolvia menos de cinco atividades.
Havia, ainda, relação entre produtividade e tamanho da
propriedade. Pelos meus cálculos, as propriedades com até cinco atividades
tinham em média 85 alqueires, para as propriedades que desenvolviam
entre seis e oito atividades, essa média era de 212 alqueires. Além disso, as
produções médias de milho, feijão e vacas eram maiores quanto maiores
fossem as propriedades. Isso não era verdade apenas para o trigo, cultura de
exportação cuja produção das propriedades médias e pequenas (nesta
333
ordem) era maior, em média, do que a das propriedades maiores (tabela
2.10,a seguir).
Tabela 2.10 - Produção média dos domicílios,
de acordo com o tamanho das propriedades rurais
São José dos Pinhais, 1818
Produção média por domicílio Dimensões
das
propriedades
(em
alqueires)
Milho
(arrobas)
Trigo
(arrobas)
Feijão
(arrobas)
Vacas
(cabeças)
Até 50,0 39 20 12 14
De 50,1 a
100,0
58 21 13 14
100,1 ou + 64 17 14 32
Fonte: LNHSJP, 1818.
Mais uma vez recorrendo aos dados de Roberto Guedes Ferreira
para Porto Feliz, pude verificar o mesmo quadro naquela vila, em 1820, isto
é, a mesma relação entre o número de integrantes do fogo e a produtividade
(tabela 2.11).
Tabela 2.11: Produção Média dos domicílios
de acordo com o número de integrantes.
Porto Feliz (SP) -1820
# Pessoas no
domicílio
Açúcar
#
fogos
Milho
#
fogos
Feijão
#
fogos
Arroz
#
fogos
1-5 55,0 1 63,6 45 11,8 34 8,8 20
6-10 118,5 10 90,3 75 10,9 58 10,4
43
11-15 246,4 20 205,8
29 21,4 28 15,0
22
16-20 280,6 16 265,6
27 30,8 26 14,4
24
21-25 454,9 14 383,3
12 40,3 12 22,2
11
26-30 688,1 15 545,0
12 51,3 12 21,0
11
31-35 624,4 9 548,9
9 92,0 9 29,0
8
36-40 895,3 6 480,8
5 92,0 5 26,4
5
41 ou mais 1309,0
21 628,4
22 117,8
22 40,4
19
334
Produção
Média
do total de
fogos
587,8 112 233,4
236 36,0 206 17,8
163
Fonte: Banco de dados de Roberto Guedes Ferreira.
*Açúcar (arroba), Milho, Feijão e Arroz (alqueire).
Disse anteriormente que os dados sobre composição dos domicílios
estariam indicando a existência de uma prática “patriarcalista” na freguesia
de São José, da qual todos participavam. Para alguns estas práticas
permitiam a manutenção ou até a ampliação do poder de mando e de suas
redes de poder; para outros, fora recurso para alçar autonomia ou ascender
socialmente. Os cruzamentos dos dados sobre propriedade das terras e
produção agrícola indicam, ademais, que reunir dependentes em torno do
fogo não era fonte apenas de poder político, pois tal prática permitia,
potencialmente, maior produtividade e produção de excedentes, logo, a
atuação no mercado e, por sua vez, a possibilidade de incorporar mais
terras. E para a maioria das pessoas, somente com o correr do tempo isso se
tornava mais possível.
2.5 Relações de dependência numa sociedade de economia familiar
Em artigo antigo, mas até hoje polêmico, Mariza Corrêa resumiu
as mais contundentes críticas ao conceito de “família patriarcal” produzidas
pela historiografia brasileira. Nele a autora enfatiza o exagero de se imputar
a todas as áreas e grupos da sociedade colonial brasileira, e a todas as
épocas, a hegemonia de um modelo mais apropriado para definir a prática de
335
um grupo restrito da elite colonial - o dos senhores de engenho de açúcar de
Pernambuco.
141
A autora traça um quadro da diversidade econômica e social do
largo território que constituía os domínios portugueses na América entre os
séculos XVI e XIX - realidade que não poderia ser acomodada nos estreitos
limites do engenho ou da fazenda.
142
No seu modo de ver, Gilberto Freyre e
141
CORRÊA, Mariza. Repensando a Família Patriarcal Brasileira. In: ARANTES, Antonio A.
et al. Colcha de Retalhos: estudos sobre a família no Brasil. 3. ed., Campinas: Editora da
UNICAMP, 1994. O trabalho foi publicado antes nos Cadernos de Pesquisa da Fundação
Carlos Chagas, de maio de 1981.
142
Nas palavras da autora: “O litoral brasileiro abrigou, na Bahia e em Pernambuco, mas
também no Rio de Janeiro e em São Vicente, os engenhos de açúcar e de aguardente. Mas não
só: a Bahia foi um grande produtor de tabaco, quase simultaneamente à sua produção de
açúcar, produto que em determinadas épocas rendeu mais que o ouro das Gerais aos cofres
portugueses, além de ter sido o lugar onde se estabeleceram os primeiros pequenos
cultivadores de algodão. Essas duas culturas – o algodão e o tabaco - implicavam um
investimento inicial de capital muitíssimo menor do que o engenho de açúcar, não exigiam a
presença de um número elevado de escravos, em alguns casos até os dispensando, se o
cultivo se dava num terreno controlável pelo produtor e sua família. (...) devem-se lembrar
ainda os diferentes tipos de mão-de-obra envolvidos: no engenho não apenas escravos, mas
também o trabalho livre foi bastante utilizado – donos de sesmarias que não tinham condições
de cultivá-las inteiramente entregavam parte delas a lavradores, homens e mulheres que
muitas vezes, depois de anos e anos de posse, recusavam-se a continuar pagando a ‘meia’ ou
a ‘terça’, fosse qual fosse o regime de prestação de contas utilizado. Além desses lavradores,
técnicos no trabalho do engenho (...) eram também assalariados e livres. Se a esses
acrescentarmos os artesãos que viviam nas vilas,(...) os pequenos proprietários que cultivavam
algodão, tabaco ou gêneros de subsistência, a composição da sociedade colonial da costa
Bahia-Pernambuco teria uma tonalidade bem diferente da evocada por Gilberto Freyre. (...)
Dos engenhos pernambucanos e dos núcleos povoadores paulistas (...) partiram expedições
que deram origem, em ambas as margens do rio São Francisco, onde se encontraram, a um
outro tipo de ocupação da terra: as fazendas de criação de gado. Exigindo grandes extensões
de terra, muitas vezes obtidas através de doações por serviços prestados à Coroa, outras
vezes pela ocupação pura e simples, quando não pela usurpação, estas fazendas também não
exigiam grande investimento de capital: alguns poucos peões davam conta do gado e eram em
sua maioria homens “livres” (...). Com eles conviviam também moradores,pequenos produtores
de gêneros alimentícios e posseiros. (... Vemos então que à fixidez do engenho, produzindo
para o exterior, localizado perto dos centros de controle e decisão (...) podemos opor a intensa
mobilidade dos paulistas (...). Outro ponto de contraste entre eles é o tipo de trabalho e seu
destino: num caso o trabalho é coletivo, controlado coletivamente (...) e produzido para o
exterior. No outro, o trabalho é principalmente individual ou organizado pelo grupo doméstico,
e produzido para o consumo colonial interno. (...) um terceiro tipo de atividade produtiva,
importante pela larga escala em que empregou mão-de-obra indígena – escrava primeiro,
depois ‘livre’ e ‘assalariada’: a indústria extrativa do Norte, especialmente do Pará e do
Maranhão. Sobre as minas, é suficiente lembrar aqui que elas deram origem a uma intensa
migração interna de mão-de-obra escrava, ocasionando uma das mudanças estruturais
fundamentais na economia agrária do Nordeste e do Sul do país: o começo da ‘decadência’ da
instituição ‘engenho’ e a constituição de uma mão-de-obra disponível para as fazendas de
café (...) no Rio e em São Paulo, após se esgotarem o ouro e os diamantes do sertão mineiro e
goiano, além de terem deixado um rastro populacional que iria criar uma importante rede de
336
Antonio Cândido recuaram para o interior da instituição dominante num
certo momento do Brasil colonial e, assumindo o olhar dos senhores brancos
e suas famílias, negaram a possibilidade de autonomia aos demais grupos da
sociedade nascente. Para a autora, a família patriarcal pode ter existido, e
seu papel ter sido extremamente importante, “apenas não existiu sozinha,
nem comandou do alto da varanda da casa grande o processo total de
formação da sociedade brasileira”. Melhor seria aceitar que ela foi, de fato,
um instrumento disciplinador. Mas seria preciso lembrar que o Estado e a
Igreja também exerceram este mesmo papel, e em muitos momentos e
situações a ação dessas instituições era contestada.
143
Nessas críticas, Marisa Correa se baseou especialmente em dados
gestados por estudos sobre população e família, a partir da década de 1970,
os quais destacaram a existência, de acordo as regiões econômicas e à
condição social das populações, de múltiplas formas de composição
domiciliar, de um grande número de domicílios nucleares e de mulheres
chefiando famílias.
144
Questionando a validade dessas evidências, no
entanto, já se argumentou que,
se as famílias coloniais eram mais ou menos extensas,
[...] eis um dilema de pouca relevância nos trabalhos de Freyre e
Cândido. E quer-nos parecer, ainda, que a maior ou menor
concentração de indivíduos, fosse em solares, fosse em
casebres, em nada ofuscava o patriarcalismo dominante, a
menos que se pretenda que, pelo simples fato de não habitarem
a casa-grande, as assim chamadas “famílias alternativas”
abastecimento de gêneros de primeira necessidade, especialmente para São Paulo e Rio, mas
também para os tropeiros que percorriam o país”. CORREA, Mariza. Op. Cit, p. 21
a 23.
143
CORREA, Mariza. Op. Cit., p. 24-37.
144
Alguns exemplos dessa bibliografia: COSTA, Iraci del Nero. Vila Rica: População (1719-
1826). São Paulo: USP, 1979; KUSNESOF, Elizabeth. The Role of Female-headed Household
in Brazilian Modernization: 1765-1836. Journal of Social History. 13(4) 589-612, Summer,
1980; SAMARA, Eni de Mesquita. Família Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1984.
337
viviam alheias ao poder e aos valores patriarcais, o que
ninguém seria capaz de afirmar, seguramente.
145
De todo modo, nos anos 80 e 90 inúmeros historiadores
destacaram a vigência, no passado brasileiro, de modalidades de relações
consensuais entre iguais, conhecidas e aceitas pela comunidade, pelos
parentes e por autoridades civis e eclesiásticas, as quais estariam na origem
da constituição de outras formas de família que não aquela de nítidos traços
patriarcais.
146
Eni Samara sintetizou toda a polêmica, ao indicar que os
pesquisadores em geral se dividem em dois grandes “modos de ver”: Dain
Borges e Angela Mendes de Almeida, por exemplo, entendem a ordem
patriarcal como um grande modelo “ideológico” e paradigmático de família;
147
outros, como Muriel Nazzari, Alida Metcalf e Darrel Levi, ressaltam as suas
ambigüidades nos diversos contextos regionais, suas transformações ao
longo do tempo, e seus limites quando se põe em questão a raça e a
145
VAINFAS, R. Trópico dos pecados. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. v. 1, p.110.
146
Por exemplo: SILVA, Maria Beatriz N. Sistema de Casamento no Brasil colonial. São
Paulo: T.A. Queiroz/EDUSP, 1984; FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas famílias: vida familiar
em Minas Gerais no século XVIII. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FFLCH-USP, 1989;
LONDOÑO, Fernando T. A Outra Família: concubinato, Igreja e Escândalo na Colônia. São
Paulo: Ed. Loyola, 1999.
147
Numa visão muito próxima à de Sergio Buarque de Holanda. Ao caracterizar a família
patriarcal brasileira, este autor afirma que estava organizada segundo as normas clássicas
do velho direito romano-canônico, mantidas na Península Ibérica através de inúmeras
gerações. Nela, os escravos das plantações e das casas, assim como os agregados, dilatam o
círculo familiar e ampliam a autoridade imensa do pater-famílias. Esse núcleo bem
característico, em tudo se comporta como seu modelo da antiguidade, em que a própria
palavra família, derivada de famulus, se acha estreitamente vinculada à idéia de escravidão,
e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente
subordinado ao patriarca. Ainda segundo o autor, o quadro familiar persegue os indivíduos
mesmo fora do recinto doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, a entidade
pública. A família patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se hão de calcar, na
vida política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. 2.ed., Rio, Edit. José Olympio, 1975,
p. 49 a 53.
338
classe.
148
Mesmo em trabalhos mais recentes o tema persiste, numa
evidência do quanto as formulações de Freyre marcaram profundamentte a
historiografia nacional. Sheila de Castro Faria, por exemplo, interpreta o
patriarcalismo como um exercício de dominação, nem sempre efetivado,
destacando seu papel disciplinador - uma visão próxima a de Mariza Correa:
“Gilberto Freyre, em particular, mas também outros autores da
mesma época, buscava entender a origem do caráter do
brasileiro e achava que nas casas-grandes dos engenhos
poderia encontrar o resumo do que então se considerava como
“povo”. Os que estavam fora do universo das casas-grandes,
mesmo sendo numerosíssimos, não teriam lógica própria de
comportamento - não se organizavam em famílias, eram
promíscuos e, para sobreviver, se sujeitavam aos mandos e
desmandos dos ricos patriarcas. Este tipo de enfoque mostra o
exercício da história do ideal, ou seja, a história de uma
tentativa de domínio que poucas vezes se consumava
149
Por esta razão a autora acredita que não se pode colocar de lado o
patriarcalismo quando se analisa o período colonial, ao menos no nível das
idéias, ou dos ideais. E ressalta a necessidade de ampliar e aprofundar os
estudos sobre a organização e a atuação dos diversos grupos do conjunto
social, tentando entender a lógica de suas condutas.
150
Em sua tese de doutoramento, quando estudou a sociedade
mineira do século XVIII e início do XIX, Silvia Maria Brügger, a partir da
noção de patriarcalismo como um conjunto de valores e práticas que coloca
a família no centro da ação social, reitera a sua presença em Minas ou em
148
SAMARA, Eni M. (org.). História da Família no Brasil: bibliografia comentada. Cadernos
CEDHAL, série Fontes de Pesquisa, no. 1, São Paulo:CEDHAL/USP, 1998, p. 8.
149
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 47 e 48.
150
Idem, p. 49.
339
qualquer outra parte da Colônia ou do Império.
151
Para a autora, a
caracterização realizada por Freyre, em Casa Grande & Senzala e em
Sobrados & Mucambos,
“longe estava de atribuir à família patriarcal um predominio
quantitativo na população brasileira. O que ele afirma é a
existência de uma sociedade na qual os valores patriarcais são
os dominantes, embora não sejam os únicos. O que estava em
questão não era necessariamente o sexo do chefe da família,
mas a representação do poder familiar. Neste sentido, é
importante a afirmação do autor de que não se tratava de um
poder absoluto do ‘patriarca-indivíduo’, mas sim do poder da
família. A idéia central, sem dúvida, parece residir no fato de as
pessoas se pensarem mais como membros de determinada
família do que como individuos”.
152
Silvia Brügger também faz a crítica aos autores que mantêm a
identificação entre patriarcalismo e família extensa, especialmente a Luciano
Figueiredo, que defende a tese de que o modelo patriarcal teria surgido
em Minas com o declínio da mineração, e a conseqüente ruralização, quando
então a família patriarcal teria encontrado espaço para desenvolver-se.
153
Respaldada em extensa historiografia e em sua própria pesquisa, destaca a
importância fundamental dos laços de família na viabilização de projetos
político-econômicos na sociedade mineira. Nas palavras que fecham este seu
trabalho, Brügger afirma:
“Alguns poderiam preferir rotular esta realidade de familial’, ao
invés de patriarcal, fugindo assim à controvérsia sobre o
conceito. A mim, me parece não haver motivos para rejeitar um
termo consagrado na historiografia, desde que se precise o
sentido em que está sendo empregado. Além do mais, se
nenhum outro motivo houvesse para mantê-lo o que não me
parece ser o caso, (...) creio que seria suficiente alegar-se o
151
BRÜGGER, Silvia MJ. Minas Patriarcal - Família e Sociedade (São João del Rei, Séculos
XVIII e XIX), Tese de doutorado. Niterói, UFF, 2002, cap.1.
152
BRÜGGER, Silvia MJ. Op. Cit. , cap. 1, p.???/
153
FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII.
Dissertação de Mestrado. São Paulo;FFLCH-USP, 1989.
340
respeito e a homenagem a Gilberto Freyre, com certeza, um dos
estudiosos que maior contribuição legou para a compreensão da
sociedade brasileira”.
154
No presente capítulo procurei reunir dados para me inserir nessa
discussão. E parto do princípio de que a apropriação do patriarcalismo
freyreano apenas como um conjunto de valores e práticas que coloca a
família no centro da ação social, ou como um ideal disciplinador, presente
nos diversos ambientes escravistas do Brasil ao longo de toda a sua história,
não é útil para a ampliação do conhecimento. Apreendido de uma ou de
outra maneira, a meu ver o patriarcalismo se torna um conceito genérico de
dominação que pouco ou nada esclarece acerca de contextos e agentes
sociais específicos.
O patriarcalismo freyreano, concebido a partir do estudo dos
engenhos de Pernambuco, tem a grande força teórica que tem porque
sintetiza a arquitetura do poder gestado no conjunto das relações que ligava
os principais chefes da elite econômica aos seus familiares, aos seus (muitos)
escravos e à população de livres pobres que habitava seus domínios e o
entorno. Isso não significa dizer da ausência de diferenças no interior da
família senhorial, no interior da escravaria, no interior do grupo de livres
pobres. Afinal, uma das características fundamentais de sociedades com
traços de Antigo Regime é que nelas a mobilidade social não se resume à
passagem de um estamento a outro. A ascensão social ocorre, em geral, no
interior dos grupos.
155
Sobretudo quando se trata de locus sociais
aparentemente pouco hierarquizados, não se pode deixar de lado essas
154
BRÜGGER, Silvia M J. Op. Cit, 2002, conclusão
155
FERREIRA, Roberto Guedes, Op. Cit, 2005, p. 68-69.
341
(outras) relações de poder, para restringir-se ao estudo da organização e da
atuação dos diversos grupos do conjunto social e entender a lógica de suas
condutas. Na verdade me parece o oposto. Tal conhecimento somente pode
se realizar efetivamente na medida em se decifra a lógica das relações de
poder entre os diferentes grupos, pois, afinal de contas, são exatamente as
relações de poder que produzem a diferenciação social e, portanto, que fazem
surgir os diversos grupos do conjunto social e que orientam a lógica de suas
condutas.
Embora seja um antropólogo voltado para o estudo de grupos
étnicos contemporâneos, creio que tem pertinência a observação de Fredrick
Barth, quando afirma a tendência, quando nos voltamos para um contexto
colonial, em pensá-lo em termos de povos diferentes, com histórias e
culturas diferentes, que em dado momento se reúnem e se acomodam uns
aos outros. Barth argumenta que, para bem visualizar os requisitos básicos
da coexistência de diferentes grupos étnicos, deveríamos nos perguntar o
que é necessário para que as distinções étnicas surjam em uma dada
região.
156
Também preciosa é a idéia deste autor, quando sugere que
nenhum truque invocando estruturas profundas ou alguma outra
interpretação fácil pode reduzir os fenômenos a uma ‘cultura’
homogeneizada e unitária por meio da destilação e generalização de
quaisquer regularidades que se consiga reconhecer nas expressões
institucionalizadas. As pessoas participam de universos de discurso
múltiplos, mais ou menos discrepantes. Constroem mundos diferentes,
156
BARTH, Fredick. O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. RJ: Contracapa,
2000, pp. 37-38.
342
parciais e simultâneos, nos quais se movimentam. A construção cultural que
fazem da realidade não surge de uma única fonte e não é monolítica.
157
Ao longo do presente capítulo, procurei reconstituir ao menos parte
das redes de poder que organizavam hierarquicamente homens e mulheres
livres na freguesia de São José dos Pinhais (PR), uma região de agricultura
de subsistência e de abastecimento do Brasil escravista, na qual a população
cativa era pouco relevante, do ponto de vista demográfico, e onde mesmo a
elite tinha dificuldades em incorporar terras, escravos e dependentes aos
seus domínios. Sugeri, ainda, que nesse locus social as relações de poder
também apresentavam uma conformação patriarcalista, da qual todos
participavam, que determinava uma constituição hieraquizada dos
domicílios do vilarejo.
Ressalto, no entanto, que enfatizar as relações de mando e sujeição
que envolvem a dependência não significa afirmar a ausência de
solidariedade entre os integrantes dos domicílios. Ida Lewkowicz, por
exemplo, estudando as relações familiares em Mariana, nos séculos XVIII e
XIX, esteve atenta à importância da solidariedade nos laços de família.
Segundo a autora, as mudanças nas composições dos domicílios muitas
vezes respondiam a circunstâncias nas quais os laços de solidariedade, não
só entre consangüíneos, mas também amigos, vizinhos e compadres, se
manifestavam.
158
Creio ser possivel, nesse momento, resumir os aspectos que
aqueles dados me sugeriram para o enriquecimento da discussão acerca do
157
BARTH, Fredick. Op. Cit, 2000, p. 122 e123.
158
LEWKOWICZ, Ida. Vida em Família: Caminhos da Igualdade em Minas Gerais (Séculos
XVIII e XIX). SP, Tese de Doutorado, USP, 1992, p. 141.
343
patriarcalismo no Brasil escravista. Para tanto, tomo o trabalho de Maria
Luiza Marcílio, “Crescimento demográfico e evolução agrária paulista, 1700-
1836”, publicado em 2000, mas que se tornou “um clássico secreto”
159
desde que foi apresentado como tese de livre-docência na Universidade de
São Paulo em 1974, e que ainda é uma das pesquisas mais abrangentes
sobre a história paulista no período.
Para a discussão tratada no presente capítulo a referência a esta
obra é especialmente pertinente, pois o vilarejo de São José dos Pinhais fazia
parte da grande área socio-econômica estudada pela autora. Além disso, a
configuração dos domicílios e a posse de escravos de São José dos Pinhais
coincidem, no geral, com o quadro por ela encontrado em grande parte da
região paulista.
Com base nas listas nominativas de habitantes das vilas e
freguesias daquela capitania (incluindo o Paraná) Maria Luiza Marcilio
afirma que eram minoria os fogos de grandes dimensões, posto que a média
de pessoas livres girava em torno de 4,6 por fogo, e que embora fosse
crescente, no período, a entrada de escravos, em geral as escravarias eram
diminutas. Em todas as regiões da capitania, com pequenas diferenças que
não alteram o quadro total, havia a prevalência dos domicílios com estrutura
simples, inclusive entre os grandes proprietários: quase três quartos de
todos os domicílios paulistas, possuindo ou não escravos, eram formados
por casais com ou sem filhos, pais ou mães viúvos, solteiros ou casados
com filhos. Receber parentes próximos ou afastados em suas casas, ou a
159
Expressão cunhada por Stuart Schwartz no prefácio que escreveu para o livro de Maria
Luiza MARCÍLIO, citado na próxima nota.
344
convivência de vários núcleos familiares em um mesmo teto eram situações
excepcionais e temporárias. Anotou ainda, a autora, que nas pequenas
porcentagens de grupos domésticos de famílias extensas e de famílias
múltiplas, ao contrário do que se poderia esperar, a maioria dos indivíduos e
núcleos familiares que viviam sob a dependência do chefe do domicílio não
tinham vínculo de parentesco. Eram insignificantes as porcentagens das
pessoas vivendo de favor em casas de familiares, pois preferiam residir, em
casos de necessidade ou em situações anormais, agregados em casas de
estranhos. Desde que a necessidade fosse superada ou a anormalidade
contornada, estes agregados procuravam estabelecer sua residência
separada.
160
Exatamente por essas características, essa obra sempre foi
utilizada como contra-argumento à vigência da ordem patriarcal no centro-
sul do Brasil escravista. A própria autora faz uma breve referência ao tema,
argumentando que suas descobertas fazem cair por terra teses prevalecentes
na historiografia tradicional,
como a de Ellis Júnior, por exemplo, que pretendia uma
predominância patriarcal ‘onde viviam filhos e netos e até
mesmo os ramos bastardos colhidos com a maior isenção de
ânimos pelas donas paulistas’. E mais, que ‘elevado era o
número de pessoas que formavam a família, quase
constituída pelo casal de velhos e 10 ou 12 filhos do
primeiro matrimônio, outros tantos do segundo’.
161
Como muitos historiadores, também tendo a concordar que o
domicílio patriarcal, tal como aparece descrito em Oliveira Vianna, Ellis
160
MARCÍLIO, Maria Luiza. Crescimento Demográfico e Evolução Agrária Paulista 1700-
1836.SP: Hucitec/Edusp. 2000, cap. 5. Outros historiadores que, antes dela, confirmaram o
predomínio da família nuclear simples no sul, conforme indica a própria autora na nota 24
da página 63: Donald Pierson, Oracy Nogueira, Oracy, Emilio Willens, Lucilia Hermann,
entre outros.
161
MARCÍLIO, Maria Luiza. Op. Cit, 2000, p. 99.
345
Junior e mesmo em Gilberto Freyre e seus seguidores, dificilmente pode
funcionar como paradigma quando se considera os domicílios paulistas
daquele período. Porém acredito que o cruzamento dos dados sobre
composição domiciliar, produção e posse de terras, bem como a observação
da dinâmica da configuração domiciliar da freguesia de São José dos
Pinhais, isto é, suas mudanças no tempo, puderam ao menos nos sugerir o
caráter patriarcal das relações estabelecidas entre homens e mulheres livres
dos diferentes estratos sociais.
Se o quadro geral de uma sociedade se expressa bem no
comportamento padrão (no caso, família conjugal/estrutura domiciliar
simples), as relações de poder e a hierarquia que a organiza se podem
expressar nos diversos comportamentos. Nesse sentido, que ao menos 10%
da população livre de São José dos Pinhais, em 1803, e 4,2% em 1827 (este,
um provável sub-registro), estivesse estabelecida em casa de parentes não
nucleares não me parece um comportamento desprezível. Menos desprezivel
ainda seria o fato de que 23% dos domicílios da freguesia tinham ao menos
um parente não nuclear em 1803, e cerca de 10% em 1827. Da mesma
forma, 5% da população livre vivendo como agregada em 1782, 5% em 1803
e 3,7% em 1827, pode parecer pouco, mas é sociologicamente relevante
quando se atenta que 10% dos fogos de São José tinham agregados em
1782, 18,5% em 1803 e 12% em 1827. Ademais, se viver em casa de parente
ou agregado em domicílio de estranhos era situação temporária, isso não
torna desimportante o fenômeno, ao contrário, revela que era estratégico.
Tudo me leva a crer, desse modo, que a diversidade da organização
domiciliar é necessariamente um dos componentes explicativos da hierarquia
346
daquela sociedade, e sua dinâmica é especialmente estratégica para a
percepção dos esforços de movimentação das pessoas em ambientes
aparentemente pouco hierarquizados. A própria Maria Luiza Marcílio
detectou esse aspecto, quando indicou a existência, além de grandes
proprietários e escravos, de um grupo intermediário, formado pela grande
massa dos grupos domésticos de camponeses e roceiros, pequenos artesãos e
pequenos homens de comércio, pequenos proprietários de terras e de escravos
ou posseiros de terras alheias ou devolutas, com poucos escravos ou sem
eles”.
162
Foram exatamente os esforços de movimentação das pessoas no
interior dessa camada intermediária o que tentei salientar até aqui.
Outro argumento comumente utilizado contra a tese do
patriarcalismo é a inferência de Maria Luiza Marcilio de que
“a própria organização da produção agrícola, fundada em larga
escala no sistema de roça de alimentos aberta na mata, não
permitia a existência de casas com numerosas pessoas, de
famílias extensas ou múltiplas. O precário patrimônio do
camponês da roça de subsistência, a rusticidade de seu rancho
de sapé [...], as sucessivas mudanças de local da roça, todo
esse sistema requeria a prevalência de agrupamentos
familiares simples”.
163
Esse é, de fato, um quadro bastante fidedigno. Porém, creio que
não se deve generalizar a idéia de que “as sucessivas mudanças de local da
roça” necessariamente implicavam em mudanças também sucessivas de
residência. A estabilidade da população de São José é índicio do que estou
162
MARCÍLIO, Maria Luiza. Op. Cit, 2000, p. 116.
163
MARCÍLIO, Maria Luiza. Op. Cit, 2000, p. 98.
347
propondo.
164
Tendo a acreditar que em muitas regiões a rotatividade das
terras de plantio ocorria em um perímetro limitado. Para São José dos
Pinhais, um testemunho um pouco tardio, de meados dos anos de 1850,
vem referendar esta impressão. Trata-se do relato de um imigrante alemão
que por essa época ali se estabeleceu com sua família, o qual faz referência a
moradores que possuíam outras propriedades, nas vizinhanças, além
daquela em que viviam. Ele menciona, por exemplo, que tiveram como
vizinha uma viúva que mantinha uma grande horta em suas terras. Certo
dia ela os avisou que todos iriam à sua roça de milho para fazer a colheita, e
que se durante sua ausência precisassem de couve, bastaria falar com o
negro velho que ficaria para cuidar da propriedade, e que os atenderia.
Menciona também que um outro vizinho lhes propôs a venda de terras que
ficavam a meia hora de São José, na estrada que seguia para Morretes,
constituída por um terreno com uma boa casa, área cercada para plantação
e com um tanque com monjolo.
165
Além disso, o cruzamento de dados até aqui realizado sugere ser
possível relativizar a tese da inviabilidade econômica dos domicílios
numerosos. Ao menos em São José dos Pinhais, em Paranaguá e em Porto
Feliz, como se viu, o aumento da produtividade, a diversificação da
produção, a venda de excedentes no mercado e a incorporação de novas
terras estavam relacionadas com a capacidade de reunir um maior número
164
Nas listas nominativas consultadas, quase todos os chefes de domicílio aparecem
identificados como naturais da própria freguesia, ou dos arredores. Segundo Miriam
Sbravati, entre 1776 e 1852, 70,7% dos homens livres e 84% das mulheres livres casados
na paróquia eram naturais de o José dos Pinhais. SBRAVATI, Myriam. São José dos
Pinhais, 1776-1852; uma paróquia paranaense em estudo. Dissertação de Mestrado -
DEHIS/UFPR, Curitiba, 1980, p. 119.
165
STROBEL, Gustav Hermann. Relatos de um pioneiro da imigração alemã. Estante
Paranista volume 27, Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense,
1987, p. 63-64.
348
de pessoas no domicílio, ainda que poucos tivessem sucesso nessa
empreitada.
Talvez não por acaso as informações sobre composição domiciliar
do vilarejo mostraram que, conforme se reduzia a capacidade de comprar
escravos, mais a elite escravista se dispunha a incorporar os agregados que,
antes, estavam basicamente estabelecidos nos fogos não escravistas.
Somente a atenção à plasticidade dos elementos que sustentavam aquela
organização hierárquica nos permite entender, igualmente, porque tantos
dos mais pobres entre aqueles homens de “precário patrimônio” abrigavam
parentes não nucleares e agregados em seus ranchos rústicos.
Maria Luiza Marcílio percebeu muito bem tal empenho, quando
esclarece que na população livre da Capitania de São Paulo as razões de
dependência eram muito baixas, sugerindo utilização intensiva de mão-de-
obra infantil e feminina como meios necessários para a sobrevivência dos
grupos domésticos. E o costume de se aceitarem agregados foi a maneira
encontrada pela sociedade para complementar a diminuta força de trabalho
familiar e a estrutura da população livre com baixa razão de masculinidade
nas idades adultas, sendo que as famílias com maiores recursos recorriam à
importação de escravos.
166
Octavio Ianni, que realizou um estudo extensivo sobre a escravidão
no Paraná, não deixou de registrar a natureza mais sutil das relações de
poder que ligavam hierarquicamente aqueles homens livres pobres entre si, e
que estão expressas na composição domiciliar da região:
166
MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit, 2000, p. 105-107.
349
“Os que podem, compram escravos ou administrados; outros
utilizam agregados ou membros da própria família, além do
próprio trabalho. Estes, assim que alcançam alguma riqueza,
passam à força de trabalho escrava. Essas são exigências
peculiares ao sistema. O ‘povo’, que medeia entre as castas dos
senhores e escravos, vive e luta entre posições polares, às quais
procura aproximar-se ou fugir.”
167
No entanto, Ianni interpretou que...
“os padrões de organização patriarcal encontram-se presentes
nas famílias da camada superior da comunidade, onde as
condições econômicas próprias da ordem patrimonial
possibilitavam a sua elaboração e persistência. Por isso, os
padrões patriarcais regem também a organização de família
composta de pardos livres. À medida que os indivíduos se
afastam economica e socialmente do grupo cativo, tendem a
organizar a sua conduta segundo os valores e padrões das
camadas sociais nas quais almejam inscrever-se. Assim,
mulatos cujos cabedais o permitissem constituíam unidades
familiares amplas, incluindo a periferia dos dependentes. (...)
Ainda que os padrões organizatórios dominantes fossem
definidos e determinados pelas unidades da camada superior,
cujos fundamentos econômicos podiam suportá-la, famílias
colocadas em um nivel intermediário ou inferior não se
apresentam constituidas nesses termos.”
168
Do meu lado, após realizar intensivo cruzamento dos dados sobre
composição domiciliar, propriedade das terras e produção agrícola, creio
poder sugerir que, nessa região, a disseminação de práticas patriarcalistas
não seria, como pensava Ianni, expressão da pura e simples adesão passiva
aos valores e padrões das camadas sociais mais altas, pois reunir
dependentes em torno do fogo permitia, potencialmente, maior produtividade
e produção de excedentes, logo, a atuação no mercado e, por sua vez, a
possibilidade de incorporar mais terras.
Os dados me sugerem, sobretudo, que o predomínio estatístico de
domicílios simples (com famílias nucleares) não necessariamente significa
167
IANNI, Octavio. Op. Cit, p. 132.
168
IANNI, Octavio. Op. Cit, p. 145.
350
que as “famílias colocadas em um nivel intermediário ou inferior não se
apresentam constituidas nesses termos” [isto, é, patriarcais]. Significa
apenas, de um lado, que muitas delas não eram bem sucedidas em seus
intentos, e de outro, que para a maioria das chefias, somente com o correr
do tempo aquele empenho se expressava na conformação de seus domicílios,
como se viu no cruzamento da composição domiciliar com a idade do chefe
do fogo.
Finalmente, concordo quando Maria Luiza Marcilio enfatiza a
rusticidade e a precariedade econômica da maior parte da população da
região paulista. De modo que o poder patriarcal ali vigente seria sempre um
pouco “capenga”, permitindo à “arráia miúda” escapar mais facilmente das
teias da dependência.
No entanto, se individualmente a dependência em relação a um
parente ou a um estranho podia ser muitas vezes transitória, no conjunto
(ou estruturalmente), era mecanismo eficiente na constituição e reprodução
da desigualdade no interior do vilarejo, e mesmo no interior de cada
domicílio. Por esta razão, o desejo de autonomia, e de se tornar um “pequeno
patriarca”,
169
acabava por seduzir mesmo os mais modestos, posto que sua
concretização seria fonte de enriquecimento e de distinção social, portanto,
de mobilidade ascendente.
Tal quadro guarda certo nexo com a lógica da organização
domiciliar de diferentes regiões da Europa do Antigo Regime. Em “As mil e
uma famílias da Europa”, André Burguière, com base nos resultados de
169
Expressão cunhada por LIMA, Carlos A.Medeiros de. Pequenos patriarcas: Pequena
produção e comércio miúdo, domicílio e aliança na cidade do Rio de Janeiro (1786-1844),
Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
351
trabalhos de inúmeros pesquisadores, afirma que a dimensão das famílias
no Antigo Regime era mais um índice de poder social do que de vitalidade
demográfica. Embora a citação seja longa, vale a pena transcrevê-la quase
na íntegra.
“É a riqueza que permite às classes superiores manter em
suas casas um grande número de criados e albergar
parentes isolados. Esta superioridade observa-se
numericamente nos aglomerados onde reina uma certa
segregação social. Em Györ (Hungria), no século XVIII, as
famílias são nitidamente maiores no centro da cidade onde
reside a burguesia rica, e em Viena no aristocrático bairro
de Herrengassen.
Em compensação, quando uma casa nobre ou burguesa se
separa do conjunto e afirma a sua superioridade, as
estatísticas deixam de a localizar. É o caso da Inglaterra,
onde a gentry, ao contrário dos outros nobres europeus,
habita de preferência no campo. Das médias obtidas a partir
das ‘cem aldeias inglesas’ temos uma impressão de grande
uniformidade: um povo de famílias reduzidas. Ora era
exactamente a impressão oposta que os camponeses tinham
da presença imperiosa, em cada aldeia inglesa (ou pelo
menos quatro aldeias em cada cinco), do castelo senhorial.
Em Goodnestone next Wingham, o vigário recenseia em 1676
uma das três famílias de fidalgos, a do nobre Hales, e conta
23 pessoas, entre as quais 15 criados. Como estes criados,
muito jovens em relação ao agregado, são quase todos
procedentes da paróquia, podemos dizer que uma família em
cada cinco, em Goodnestone, está ao serviço do nobre Hales.
Este modesto fidalgo - nem sequer é proprietário – ilustra à
sua escala a dimensão ostentatória da família
aristocrática. A abundante criadagem, assim como o facto
de manter sob o seu tecto uma parte dos seus parentes, não
tem a ver com o aspecto económico, mas sim com uma
obrigação social. Consumir mão-de-obra até ser excessiva é
uma prova de poder e de generosidade em relação às
famílias que podem empregar os seus filhos.
Fora do círculo das elites, a dimensão das famílias tem a
ver com a situação económica, na base da capacidade de
produzir, não de gastar. Na Europa ocidental, as grandes
famílias camponesas (as dos yeomen em Inglaterra ou dos
‘lavradores’ em França) acumulam superioridade económica
e poder social. Mas na Europa Central e Oriental, o tamanho
das famílias já não coincide necessariamente com a posição
social. Em Villgraten, pequena aldeia dos Alpes austríacos
cujos habitantes se dedicam à criação de gado bovino
(grande consumidor de mão-de-obra), a dimensão das
famílias em 1781 varia exactamente com a das manadas.
Em Nagykovacsi, aldeia húngara perto de Buda, são servos
352
quem têm as maiores famílias (...) e a população livre as
mais pequenas (...). Nesta região, os camponeses
proprietários submetidos à servidão são muitas vezes os
mais ricos.
(...) Na Europa moderna, a hipertrofia do grupo doméstico
não é uma característica da servidão mas de todos os
sistemas de exploração em que a quantidade de mão-de-obra
investida regula, simultaneamente, o lucro do rendeiro e o
dinheiro retirado pelo proprietário”.
170
Se no Antigo Regime europeu uma mesma prática ajudava a
produzir diferentes relações políticas e específicas conformações sociais, isso
também deveria ocorrer no Brasil escravista. Assim, a despeito da aparência
de uniformidade social e de organização familiar reduzida, a ordem
patriarcal parecia vigir nesse ambiente de homens pouco poderosos, de
população escrava escassa, marcado pela alta miscigenação e pelo grande
peso percentual de afro e indo-descendentes livres.
Por todas estas razões, resta indagar sobre o lugar social de
escravos e de negros e pardos livres na hierarquia social do vilarejo de o
José dos Pinhais na passagem do XVIII para o XIX, e sobre as alianças
sociais por eles efetivadas. Esses são os assuntos dos próximos capítulos.
170
BURGUIÈRE, A. & LEBRUN, F. As mil e uma famílias da Europa. In: BURGUIÈRE, A. e
outros (dir.). História da Família. vol. 3. O Choque das modernidades: Ásia, África, América,
Europa. Lisboa, Terramar, 1998, pp. 31-32.
353
Capítulo 3:
O lugar social dos escravos
354
Em seu clássico livro “Ser escravo no Brasil”, Katia Mattoso atenta
ao leitor para a infinita variedade de condições materiais e afetivas
experimentadas pelos escravos brasileiros nos três séculos de sua
história”.
171
Ela não foi a única a fazê-lo, de todo modo sua frase resume
bem a dificuldade de se construir teoricamente o escravo tarefa coletiva e
sempre inacabada devido a diversidade que caracteriza essa experiência
histórica que foi a escravidão brasileira.
Por essa razão, quando da abordagem das relações entre senhores
e escravos, algum tempo nossa historiografia vem procurando ir além
das noções extremas de escravo-mercadoria e escravo-rebelde. Busca-se
agora, e de diferentes formas, descobrir as variantes das ações de
resistência, compreender seus significados, perceber mudanças ao longo do
tempo. Conforme sintetizou Sílvia Lara, “a experiência da escravidão
começou a ser inquirida de modo a recuperar a perspectiva dos sujeitos em
confronto”.
172
Assim procedendo, os autores têm conseguido fazer emergir o
escravo como um agente social ativo, participante da construção de sua
história. E por mais que sua localização nas redes de dependência que a
instituição da escravidão produzia contribuisse para a sua caracterização
como o grupo social com menos chances de “dispor de si”, ou mesmo de
impor limites ao mando e à sujeição senhoriais, do que essa historiografia
produziu depreende-se que tais possibilidades não estavam totalmente
171
MATTOSO, Katia. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.99.
172
LARA, Silvia H. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América
portuguesa. Tese de Livre Docência. Campinas, 2004, p. 15.
355
vetadas. Mais que isso, a maior parte dos pesquisadores procura demonstrar
que o lugar social do cativo não estava definido apenas pelo título de
propriedade ou pela identificação aparente de sua condição social, mas
principalmente pelo embate cotidiano entre senhores e escravos.
173
Enfim, como indicou Rebecca Scott, os estudiosos da escravidão já
romperam com a associação entre subordinação e passividade, encontrando
numerosos caminhos para examinar as iniciativas escravas sem negar a
opressão, ao enfatizarem a possibilidade de negociação e de escolhas, ainda
que em uma situação de extremo constrangimento e, freqüentemente,
violência. Essa mesma autora ressalta, contudo, a necessidade de se
observar a dinâmica das relações em nível local, pois em função do efeito
cumulativo das manumissões, nas diferentes áreas rurais do Brasil eram
estreitos os laços entre livres e escravos. E se era rara a identidade política e
de cor entre brancos ricos e brancos pobres, o caráter extensivo da
propriedade de escravos entre os pobres também criava tensões que dividiam
livres e cativos. Desta perspectiva, afirma, surge um quadro muito mais
complexo.
174
173
Alguns exemplos dessa produção: LARA, Silvia H. Campos da violência: escravos e
senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988;
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, 1790-1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997;
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família
escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999; REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil:
a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Para
obter um panorama desta produção ver, por exemplo, Lara, Silvia H. Escravidão no Brasil:
balanço historiográfico. LPH, Revista de História, 3 n. 1 (1992): 215 e SCHWARTZ, Stuart B.
Escravos, roceiros e rebeldes. (trad.) Bauru, Edusc, 2001, pp. 21-82; RUSSELL-WOOD, A. J.
R. Escravos e libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005,
capítulo: "A historiografia recente da escravidão brasileira".
174
SCOTT, Rebecca J. Exploring the Meaning of Freedom: post emancipation societies in
comparative perspective. In: SCOTT, Rebecca J. et al (orgs). The abolition of slavery and the
aftermath of emancipation in Brazil. Duke University Press, 1988, pp.407-428.
356
Embora Rebecca Scott esteja se referindo a estudos sobre o
processo de abolição, acredito que, no Brasil, podem e devem ser
desenvolvidos trabalhos desse tipo, mesmo quando voltados para períodos
mais recuados para todo o século XIX, e mesmo antes , dependendo do
locus social observado. Nesse sentido, tentei capturar alguns aspectos que
insinuam, para os cativos, diferentes resultados deste embate em São José
dos Pinhais. Em função das fontes aqui utilizadas, esse objetivo foi
alcançado a partir da análise de dados sobre o peso percentual do grupo na
população do vilarejo, sua composição sexo-etária, e sua distribuição nos
muitos sítios e poucas fazendas do lugar. Especificidades que muito se
assemelhavam, ressalte-se, às de dezenas de vilarejos do litoral e,
principalmente, do interior das capitanias do sul da colônia, dedicados à
agricultura de alimentos e à pecuária, e mesmo próximas àquelas
encontradas nos pequenos sítios instalados nos arredores das grandes
propriedades agroexportadoras.
3.1 A cor dos escravos
Ao longo do todo o século XIX a população escrava do Paraná
esteve sempre em situação de relativo equilíbrio no que respeita ao sexo,
mantendo um leve predominio masculino, especialmente na região dos
Campos Gerais, que na tabela 3.1, adiante, está representada pela vila de
Castro, onde se encontravam as grandes fazendas de criação e invernada.
Gutierrez creditou esse quadro de equilibrio sexual a um crescimento
357
natural positivo da população,
175
hipótese que se reforça pelo fato de que, na
passagem para o século XIX, a maior parte dos escravos da Comarca tinha
nascido na região. O autor nos o exemplo de Castro em 1804, onde 76%
dos escravos eram naturais da vila, os demais vinham principalmente de
áreas vizinhas, como Curitiba, Paranag e Lapa, e alguns poucos seriam
oriundos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul.
176
Também a estrutura etária dos cativos tende a confirmar essa tese.
Em seus dados, obtidos nos mapas de população do Paraná compilados por
Iraci Costa e Horácio Gutierrez, existe uma certa semelhança entre os
percentuais da população escrava e da população branca. Na tabela 3.2,
adiante, é possível observar que em todos os anos, em relação aos escravos
existia apenas um porcentual discretamente maior de crianças (0-10) na
população branca, e um percentual sensivelmente menor de adultos jovens
(10-40).
Tabela 3.1 - % de homens na população escrava do Paraná,
e em três localidades do Planalto. 1798 a 1830
% de homens Localidade
1798
1804
1810
1816
1824
1830
Média
PARANÁ * *
50,9
49,8 50,5 50,8 50,5
S. José dos Pinhais
52,9 50,7
45,7
47,2 46,3 53,6 49,4
Curitiba * 51,3
50,4
50,7 51,9 47,5 50,4
Castro 55,8 51,7
54,5
52,7 52,3 52,5 53,2
Fonte: Anexo 4.
Anos e locais em que não foi possivel apresentar os percentuais, porque nos mapas de
população os escravos casados não foram divididos por sexo.
Tabela 3.2 -: % de escravos e de brancos, por faixa etária
175
GUTIERREZ, Horácio. Demografia escrava numa economia não-exportadora: Paraná,
1800-1830. Estudos Econõmicos, São Paulo, 17 (2): 297-314, maio/ago. 1987, pp. 298-300.
176
GUTIÉRREZ, H. Crioulos e africanos no Paraná, 1798-1830. Revista Brasileira de
História. V. 8, n. 16, março-agosto/1988, pp. 168 –173.
358
Paraná (1798-1830)
Faixas etárias
Até 10 10 a 20 20 a 30 30 a 40 40 a 50 50 a 60 60 ou +
Anos
Esc
Br Esc
Br Esc
Br Esc
Br Esc
Br Esc
Br Esc
Br
1798
30,1
34,1
20,9
20,6
18,4
16,0
17,9
11,0
8,0 7,6 5,0 5,7 4,8 5,0
1804
30,7
34,6
22,5
21,1
18,1
16,5
10,9
10,6
8,5 7,2 5,6 5,7 3,6 4,3
1810
27,6
32,9
24,5
22,6
17,9
16,0
12,0
11,3
7,6 7,9 4,9 5,1 5,4 4,1
1816
30,3
33,9
23,9
22,1
19,9
15,8
10,7
10,5
7,0 7,7 4,4 5,5 3,7 4,4
1824
27,2
36,2
24,7
20,0
21,9
16,4
12,3
10,3
7,2 7,7 3,8 5,0 2,8 4,4
1830
25,6
35,8
26,0
21,4
21,5
15,2
13,9
10,9
6,4 7,7 4,0 4,9 2,5 4,0
Esc= escravos Br= brancos
Fonte: Anexos 5 e 6.
Salientei, anteriormente, a heterogeneidade original do grupo
cativo do Paraná, formado por africanos, crioulos e índios de diversas
nações. Dos dados sobre composição sexo-etária e naturalidade dos cativos
do Paraná no século XIX, creio poder afirmar que aquela heterogeneidade,
antes tão marcante, estaria por então mais diluída, posto se tratar de um
grupo com forte reprodução endógena.
Nesse novo contexto demográfico, também nas listas nominativas e
nos mapas populacionais isso de alguma forma aparece. Nelas, a partir de
1798 os escravos eram discriminados especialmente pela cor (pardos ou
negros). Um exemplo está na lista nominativa dos habitantes da freguesia de
São José, de 1803, na qual foram registrados 255 cativos, dos quais de 249
pude ler a cor. Destes, 157 (63%) foram identificados como pardos e 92 como
negros. Sobre os cativos pardos nada mais constava, mas para os negros
dava-se a informação de que quase todos eram crioulos, e apenas 16
escravos foram identificados como africanos, sendo cinco “da Costa”, quatro
da Guiné, quatro Angolas, dois Minas e um “do gentio”. Em 1827, dos 285
359
escravos registrados em São José, 119 (42%) foram considerados pardos e
166 negros. Desses últimos, apenas 8 foram recenseados como africanos,
sendo 6 da Guiné e 2 Benguelas.
Tabela 3.3 - % de população de escravos e livres, por cor
Paraná (1798 – 1830)
1798
1804
1810
1816
1824
1830
Média
População escrava
Negros
69,4
64,8
58,2
69,7
70,4
63,1
65,9
Pardos
30,6
35,2
41,8
30,3
29,6
36,9
34,1
Total 1
00,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
População livre
Negros 2,0
2,4
2,7
2,5
2,5
1,8
2,3
Pardos
23,2
27,8
30,9
32,3
29,1
28,0
28,8
Brancos
74,8
69,8
66,4
65,2
68,4
70,2
68,9
Total 100
,0
100
,0
100
,0
100
,0
100
,0
100
,0
100
,0
Fonte: Anexos 5 e 6.
Os dados sobre a cor do conjunto da população paranaense, no
período em que me detenho, fornecem outros indícios acerca da intensidade
das relações entre aqueles povos de diferentes origens. Na tabela 3.3, acima,
apresento os índices percentuais relativos à cor de escravos e livres nos
primeiros anos do Oitocentos. Por eles se pode perceber, em primeiro lugar,
que em toda a região paranaense, e não apenas em São José dos Pinhais, a
população cativa apresentava um alto percentual de pardos, com uma
média, ao longo do período, de 34,1%. O mesmo ocorria entre os livres: em
média, cerca de 28,8% deles eram pardos, enquanto apenas 2,3% eram
negros.
Se aceitarmos que, no Brasil, a cor “reforçava” socialmente a
condição de escravo, no Paraná isso era especialmente verdadeiro para
360
aqueles tidos como negros. Isso porque boa parte da população livre do lugar
tinha exatamente a cor (parda) como ponto em comum com cerca de 1/3 da
escravaria (os cativos pardos). Por um lado, isso pode sugerir que parte da
população livre era vista “com um na escravidão”, e/ou que parte da
população escrava, aos olhos dos recenseadores, tinha “um no mundo
dos livres”. Afinal, como já se anotou,
as designações de ‘negro’, ‘cabra’, ‘pardo’ e até mesmo a de
‘criolo’, embora não digam nada a respeito da condição
social das pessoas assim nomeadas, mas sim de sua origem
ou cor da pele, indicam a existência de outros níveis de
diferenciação social que, para aqueles homens e mulheres
coloniais, não eram subsumidos pelas distinções entre
livres, forros e escravos.
177
Para o caso dos escravos do Paraná (ou talvez para boa parte da
região meridional do Brasil colônia), a partir de uma observação de Carlos
Lima talvez se possa discutir um pouco mais este aspecto. O autor formulou
a hipótese de que haveria uma hierarquia dos cativos, a qual, tal como
acontecia com os livres, estaria impressa na cor designada. Em um trabalho
sobre a vila de Castro (nos Campos Gerais), nas primeiras décadas do século
XIX, Lima analisou dados sobre as escravarias de duas fazendas. E o que de
mais relevante percebeu foi a tendência de se identificar as mulheres como
pardas, e os velhos como negros. Para o autor, isso estaria sugerindo...
...que o tempo e as modificações do sistema escravista no
Brasil do século XIX interferiam no processo de diferenciação
dos escravos em pardos e negros. Mas não era isso. Lugares
possivelmente diferentes de homens e mulheres, assim como de
177
LARA, Silvia Hunold. Op Cit, 1988, p. 350.
361
jovens e de velhos nas relações escravistas também tinham
impactos na questão.”
178
De fato, nos dados sobre o conjunto dos cativos do Paraná,
registrados nos mapas populacionais, também encontrei estas
características. Em 1810, por exemplo, 45% das cativas do Paraná foram
recenseadas como pardas, sendo que em 1830 esse índice era de 38,5%.
Nesses mesmos anos, dos escravos do sexo masculino, 39% e 35,4%,
respectivamente, foram recenseados como pardos. Também encontrei uma
relação entre cor e idade: em 1810, dos cativos com até dez anos, 55% eram
negros, eram dessa cor 59% daqueles entre dez e 50 anos, e 65% dos idosos;
em 1830 esses percentuais eram, respectivamente, de 59%, 64% e 68%.
O mesmo quadro estava presente na freguesia de São José dos
Pinhais. Em 1803, 69,7% das escravas e 52,5% dos escravos eram pardos,
em 1827 estes índices eram, respectivamente, de 47,2% e 36,4%. Da mesma
forma, em 1803, dentre os cativos com até nove anos, 23,8% eram negros,
daqueles entre dez e 49 anos, 39,4% eram negros, e estes representavam
59,1% dos cativos com mais de 50 anos. Em 1827 esses índices eram,
respectivamente, de 47,3%, 62% e 72,7%.
No entanto, seria o caso de perguntar por que, afinal de contas,
o sexo e a idade de alguém seria fator condicionante da atribuição de sua
cor? Creio que se pode ao menos aventar a hipótese de que, na região em
estudo, se tendia a identificar os nascidos no lugar como pardos (até porque
muitos deveriam ter a pele mais clara, posto que descendentes também de
178
LIMA, Carlos A. M. Um pai amoroso os espera: sobre mestiçagem e hibridismo nas
Américas Ibéricas. In: GEBRAN, Philomena et al. Desigualdades. 1 ed. Rio de Janeiro, 2003,
v. 1, p. 71.
362
indígenas e/ou de brancos), e como negros os cativos comprados no mercado
externo ao vilarejo. E porque no grupo dos escravos nascidos nas localidades
em que estavam estabelecidos quando recenseados certamente existia
proporcionalmente mais mulheres e mais crianças, isso pode levar à
equivocada idéia de que ser homem e ser idoso pudesse ser fonte de
discriminação social.
Assim, se o tempo e as modificações do sistema escravista
interferiam no processo de diferenciação dos escravos em pardos e negros,
parece que esses dois fatores estariam contribuindo não tanto para a
constituição de lugares possivelmente diferentes de homens e mulheres,
assim como de jovens e de velhos nas relações escravistas, mas
principalmente para a distinção entre cativos “estrangeiros” e aqueles cujas
origens os integrava à população local (livre e escrava) mesmo antes de
nascer isso ao menos na ótica senhorial, que afinal, orientou a produção
dos censos por mim utilizados.
Cruzando as informações da lista de 1803 com uma listagem de
registros de batismos e de casamentos da paróquia do Patrocínio de São
José, pude levantar alguns laços de parentesco (que trato adiante). Embora
não seja uma observação conclusiva, encontrei uma forte tendência, nos
casos de mães solteiras pardas, em se identificar seus filhos pela mesma cor;
e no caso das mães solteiras negras, alguns dos filhos eram registrados
como negros e outros como pardos. Dos poucos casais que pude identificar,
encontrei a mesma tendência: um casal pardo teve seus filhos listados como
pardos, um casal negro e dois casais mistos (negro com parda) tiveram parte
dos filhos identificados como negros e outra parte como pardos. Enfim,
363
parece que a designação da cor (parda ou negra) dos escravos, no Paraná,
tinha ligação com a origem deles: aos nascidos no lugar haveria a tendência
de se designar a cor parda; aos “estrangeiros”, a cor negra.
3.2 Os escravos no olhar senhorial
Uma análise mais detida na forma como eram preenchidas as
Listas Nominativas de São José dos Pinhais talvez nos pistas de outras
diferenças no interior do grupo cativo, ao menos aos olhos de seus senhores.
Nos censos de 1803 e de 1827, como mencionei, existe um
padrão para apresentar a cor do indivíduo e sua condição jurídica: num
campo específico indica-se com B, P ou N caso fosse branco, pardo ou negro,
respectivamente. Ademais, dividia-se a relação de nomes do domicílio em
três grupos parentes (chefe do fogo, mulher e filhos e outros parentes, se
houvesse), agregados e escravos -, sendo que os primeiros eram listados
sempre em primeiro lugar. Os agregados geralmente eram listados antes dos
escravos, porém por vezes isso se invertia, e em alguns fogos os escravos e
os agregados encontravam-se misturados.
Quando se as listagens de cativos nota-se um padrão na
identificação, talvez determinado por instâncias superiores, que em outras
localidades o mesmo ocorria: buscava-se listar primeiro os negros e depois
os pardos, e dentro desses grupos primeiro os homens depois as mulheres, e
esses por idade, dos mais velhos para os mais jovens. Evidentemente, em
São José dos Pinhais este modelo estava perfeitamente concretizado em
pouquíssimos domicílios, posto que a maior parte deles pertencia a
pequenos escravistas (e em muitos havia apenas um ou dois cativos), e
364
porque parte considerável das escravarias maiores tinha apenas um ou dois
cativos negros, e um contingente maior de pardos.
Tomando a lista de 1803 como foco de análise, observei que, dos
plantéis com mais de um cativo, em 17 todos os cativos eram pardos, em
seis todos os cativos eram negros, em 14 listou-se primeiro os negros e
depois os pardos, em três primeiro os pardos e depois os negros, e em seis os
escravos de ambos os grupos de cor aparecem misturados, seja porque
priorizou-se o critério do sexo (primeiro os homens e depois as mulheres),
seja o de idade (do mais velho para o mais novo), ou uma conjugação desses
fatores. O mesmo ocorreu com os domicílios da lista de 1827: em 16 todos os
cativos eram pardos, em 23 todos os cativos eram negros; das escravarias
com cativos de ambos os grupos de cor, em oito os negros foram listados
antes, e em dois os pardos são os primeiros na lista. Em sete as cores
estavam misturadas, devido ao padrão sexo e/ou idade.
Mas por vezes outros critérios, mais subjetivos, orientavam a
confecção desse rol. Veja-se, a título de exemplo, a lista dos escravos do fogo
número 80, em 1803, pertencente à Gertrudes Maria da Luz:
José, 40 anos, casado, pardo.
Aguida, 20 anos, casada, parda.
Liberata, 35 anos, solteira, parda.
Joaquim, 20 anos, solteiro, pardo.
Lucrécia, 18 anos, solteira, parda.
Feliciana, 10 anos, parda.
Francisco, 8 anos, pardo.
Simoa, 60 anos, viúva, parda.
Não há critério de sexo ou idade no ordenamento desta lista.
Porém, em pesquisa nos registros de casamento e batismo de São José,
descobri que José e Aguida eram casados, e esta era filha de Simoa. Liberata
365
era mãe de Joaquim, Lucrécia, Feliciana e Francisco, todos de pai incógnito.
Desse modo, percebe-se que Gertrudes Maria da Luz listou seus cativos por
grupo familiar nuclear (um casal, depois uma mãe com seus filhos, e
finalmente a cativa viúva)
Na lista de 1798, quando o padrão ainda não estava bem
estabelecido e tampouco se usava o termo pardo,
179
no domicílio de Manoel
Vaz Torres, os cativos estão relacionados da seguinte forma:
Manoel ferreiro com sua tenda, 60 anos.
Thereza sua mulher, 54 anos.
Ana escrava, 26 anos.
Rita, 33 anos.
Lino, 14 anos.
Ricardo, 11 anos.
Antonio, 3 anos.
Miguel, 5 anos.
Valério, 40 anos.
Gertrudes, 13 anos.
Não há aqui a alusão à cor, tampouco uma ordem etária, sexual ou
familiar, pois, embora Manoel e Thereza tenham sido relacionados juntos,
dessa listagem são seus filhos (segundo os registros da paróquia) apenas
Lino, Ricardo e Gertrudes. Parece que o senhor listou seus cativos, talvez
conforme a importância que dava a cada um deles, ou à proximidade que
com eles mantinha. Nos dois exemplos acima, contudo, fica patente que,
enquanto um padrão de preenchimento da lista ainda não estava totalmente
implementado, a ligação entre marido e mulher e entre mãe e filhos era
respeitada pelos senhores quando listava seus escravos. Fazer parte de um
179
A Ordem Régia de 21/10/1797 introduz mudanças nas técnicas censitárias,
enriquecendo as informações, dando caráter universal, rigorosamente padronizado e
homogêneo às formas de se comporem as listas, obedecendo a modelos de formulários e de
mapas gerais a serem montados com base nas listas nominais de cada município.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Op. Cit, 2000, pp. 45-46.
366
grupo familiar era, ao que tudo indica, uma fonte de diferenciação no interior
das escravarias. Diante disso, tendo a concordar com Roberto Guedes,
quando este autor chega à conclusão que, aos olhos do senhor, uma
combinação de variáveis definia o lugar do cativo. Guedes observa, por
exemplo, que eram importantes condições para a alforria principalmente ser
casado e ser antigo no plantel. E ser crioulo também ajudava.
180
Alida Metcalf escreveu, sobre as listas nominativas paulistas,
que o recenseador percebia a autoridade dos homens nas famílias, pois
arrolava os maridos antes das esposas e os filhos do sexo masculino, mesmo
os mais novos, antes das crianças mais velhas, do sexo feminino.
181
Do
mesmo modo, ao comentar sobre dois censos realizados no Rio de Janeiro,
em 1779 e em 1791, Silvia Lara notou que
o que ordenava a contagem para brancos, e para pardos e
pretos libertos era a idéia de ‘chefe de família’ – ou seja, a
existência de uma unidade governada por alguém que tinha
poder sobre o conjunto de ‘pessoas que compõem uma casa,
pais, filhos e domésticos’. Mais que uma simples
consangüinidade, o que importava aqui era uma concepção
de poder.”
182
A autora acrescenta que nos dois censos os escravos foram
listados à parte. No mais antigo eles foram discriminados apenas por grupo
de idade; e por grupo de idade e sexo no censo de 1797. Para ela,
...como os que realizaram estes levantamentos
populacionais não podiam imaginar os escravos como
senhores de alguma "casa", eles foram contados em
180
FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto
Feliz, São Paulo, c. 1798 – c. 1850. Tese de doutorado, PPGHIS-UFRJ, 2005, p. 160.
181
METCALF, Alida. Recursos e Estruturas familiares no século XVIII, em Ubatuba, Brasil.
Revista Estudos Econômicos. 13 (n
o
. especial) 771-785, 1983, p. 774.
182
LARA, Silvia Hunold. Op Cit, 2004, p. 144.
367
separado, considerados fora do corpo político da cidade. Por
isso, para eles, não parecia ser necessário discriminar os
casados dos solteiros e viúvos, nem muitas vezes as
mulheres dos homens. Constituindo um grupo à parte, a
única distinção interna possível para o contingente de
cativos parece ter sido a da idade.
183
Nesse sentido, pode-se pensar que a imposição de um padrão de
preenchimento das listas e mapas populacionais, por parte de “instâncias
superiores”, talvez seja indício de que a “humanidade” e a “autonomia” dos
escravos, expressas na consideração senhorial pelos laços familiares de suas
propriedades, de alguma forma “perturbava” a economia política de onde
esses recenseamentos se originaram. Nesse sentido, a atenção à família
escrava pode nos dizer muito acerca das estratégias e das possibilidades
cativas nesse ambiente escravista.
3.3 A família escrava
Como indiquei antes, em 1782 a população do vilarejo de São José
dos Pinhais compunha-se de aproximadamente 1000 pessoas, sendo
escravas 15% delas. Em 1804 eles eram 11,5% dos 1894 habitantes, e em
1830 estavam nessa condição 10,2% dos 3240 moradores do lugar. Em todo
o período, esses cativos pertenciam a poucos senhores: em 1782 e em 1803,
não havia escravos em 80,5% dos domicílios da freguesia, índice que subiu
para 83,7% em 1827. Além disso, a maior parte dos escravistas tinha no
máximo quatro cativos, tendência que se acentuou ao longo do tempo: eram
58% dos senhores de escravos em 1782, 66% em 1803 e 75% em 1803. Em
função dessa mudança, se era alto o percentual de cativos vivendo em
pequenas escravarias em 1782 (quase 30%), esse índice cresceu ainda mais,
183
LARA, Silvia Hunold. Op Cit, 2004, p. 144.
368
de modo que, em 1827, quase metade deles vivia em plantéis de até quatro
escravos, e 96% estavam em escravarias com no máximo nove cativos (tabela
3.4, a seguir).
Tabela 3.4 - Distribuição dos cativos de acordo
ao tamanho da escravaria
São José dos Pinhais (1782, 1803 e 1827)
1782 1803 1827 Tamanho
da escravaria
No. % No. % No. %
1 a 4 escravos 43 27,7 82 32,0 130 45,6
5 a 9 escravos 62 40,0 111 43,4 144 50,5
10 ou + escravos 50 32,3 63 24,6 11 3,9
Total 155 100,0
256 100,0
285 100,
0
Fonte: LNSJP, 1782, 1803 e 1827. Consulta no acervo do CEDOPE/
originais no AESP.
Tabela 3.5 - Composição sexo-etária da população livre e escrava
São José dos Pinhais, 1803
Escravos Livres
# % # %
Até 9 anos 83* 35,8 552 33,3
10 a 49 anos
127 54,7 953 57,4
50 anos ou +
22 9,5 154 9,3
Total 232 100,0 1659 100,0
Quant.
homens
122/254*
48,0 827/1659
49,8
* Existe uma criança cujo sexo não pôde ser lido, e 15 homens e
7 mulheres cujas idades não puderem ser lidas.
Fonte: LNSJP 1803. Cópia do acervo do CEDOPE/Originais no AESP.
369
Tabela 3.6 - Composição sexo-etária da população livre e escrava
São José dos Pinhais, 1827
Escravos Livres
# % # %
Até 9 anos 91 32,2 1064 38,2
10 a 49 anos 181 63,9 1480 53,2
50 anos ou +
11 3,9 240 8,6
Total 283 100,0 2784 100,0
Quant.
homens
143/285*
50,2 1354/2784
48,6
* Existem 2 homens cujas idades não puderem ser lidas.
Fonte: LNSJP 1827. Consulta no acervo do CEDOPE
Originais no AESP.
Nas tabelas 3.5 e 3.6, acima, é possivel comparar o quantitativo
populacional, por idade e sexo, nos grupos livre e escravo da freguesia, para
os anos de 1803 e 1827.
184
Por elas se pode observar que eram praticamente
iguais em 1803, compondo-se ambos de muitas crianças e com equilibrio
dos sexos. Em 1827 os cativos tinham, proporcionalmente, um pouco mais
de adultos, mas ainda mantendo o equilibrio dos sexos. Isso significa que
pouco se comprava escravos no mercado externo à freguesia. Para a
reposição ou incremento de suas escravarias, portanto, aqueles pequenos
senhores dependiam basicamente da reprodução endógena da comunidade
de cativos, ao menos no período aqui observado.
Este quadro talvez possa ser estendido a boa parte da capitania de
São Paulo, pois os autores que estudam a escravidão paulista nas áreas
184
Na LNSJP, de 1782, consta apenas o número de escravos por domicílio, sem indicação de
nome, cor, idade e sexo.
370
econômicas de subsistência e abastecimento costumam encontrar uma
estrutura sexo-etária bastante semelhante à de São Jo dos Pinhais.
Francisco Vidal Luna, por exemplo, ao estudar treze localidades da capitania
de São Paulo, em 1776, 1804 e 1829, a partir de listas nominativas,
observou que nas áreas de exportação a razão de sexo era mais alta do que
nas de subsistência e abastecimento, nas quais existia maior equilibrio
quantitativo entre os sexos. As áreas de cultivo para exportação
apresentaram os menores índices de população cativa infantil. Inversamente,
em Curitiba, Mogi das Cruzes, São Paulo e São Sebastião resultaram os
maiores valores, a refletir, para o autor, a predominância de atividades
pouco voltadas para o mercado externo e, portanto, com menor capacidade
de compra de novos escravos em idade produtiva, servindo-se,
provavelmente, de uma maior parcela de cativos nascidos na própria
região.
185
No entanto, mesmo em áreas agroexportadoras, como a vila de
Porto Feliz (próxima a Itu) na primeira metade do XIX (área canavieira), esse
quadro podia ser encontrado na maior parte das escravarias. Nessa
localidade, Roberto Guedes Ferreira calculou que, entre 1798 e 1843, de 67
a 77% dos escravistas detinham a posse de no máximo 10 cativos. Nesses
plantéis havia mais crioulos, mais crianças e maior equilibrio dos sexos do
que nas escravarias médias e grandes, estas sim, em geral dependentes do
mercado atlântico de cativos.
186
185
LUNA, Francisco Vidal. Casamento de Escravos em São Paulo: 1776, 1804, 1829, pp.
226-136. In: NADALIN, MARCILIO & BALHANA. História e População. Estudos sobre a
América Latina. o Paulo: ABEP/IUSSP/CELADE, 1990, pp. 227-229.
186
FERREIRA, Roberto Guedes. Op Cit, 2005, p. 107-108.
371
Tal característica nos remete a um importante campo de estudo da
escravidão. Trata-se das pesquisas que se dedicam ao tema da família
escrava. Não cabe aqui efetuar uma análise minuciosa desses trabalhos, até
porque muitas foram realizadas.
187
Num balanço geral, no entanto, posso
destacar a importância dessa produção para a revisão dos estereótipos de
promiscuidade que por tanto tempo se atribuiu aos escravos e,
principalmente, por impor a aceitação de que os cativos podiam construir
outras relações sociais, para além daquela básica que o ligava a seu senhor,
e “obrigar a classe senhorial a levar em conta a família e a comunidade
escravas no cálculo econômico das empresas”.
188
Para o desenvolvimento
desse ítem, contudo, a partir de alguns poucos autores eu gostaria de
resgatar aspecto sempre presente nas discussões, e que diz respeito à maior
ou menor possibilidade de formação e manutenção de laços familiares,
conforme o tamanho do plantel em que o cativo se encontrava.
Dentre essas pesquisas está o referido estudo de João Fragoso e
Manolo Florentino, realizado a partir de documentação relativa a grandes
plantéis de fazendas do Vale do Paraíba fluminense. Uma das mais
marcantes contribuições desse trabalho foi a contestação de antigas teses
que negavam a possibilidade de existência de vida familiar entre os cativos
no Brasil, especialmente para aqueles estabelecidos nas fazendas
agroexportadoras, devido à escassez de mulheres e à preferência senhorial
pela reposição da mão-de-obra por meio do tráfico Atlântico. Em inventários
187
Um excelente inventário dessa produção, no Brasil e nos Estados Unidos, está em
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres. Posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume/FAPESP, 1999, capítulo IV: “Historiografia e
família escrava”, pp.179-225.
188
FRAGOSO, João Luis & FLORENTINO, Manolo. Marcelino, filho de Inocência Crioula,
neto de Joana Cabinda. Estudos econômicos. 17(2):151-73, 1987. pp. 151-172.
372
de grandes escravistas, esses pesquisadores encontraram um percentual
relativamente alto de escravos com laços parentais mesmo antes do fim do
tráfico (em torno de 36,5%). Puderam sugerir, inclusive, a existência de um
mercado de famílias na região: dos escravos comprados a 1872, 33,6%
estavam unidos por laços de parentesco de primeiro grau, e 54% das
famílias ali existentes foram total ou parcialmente compradas ou herdadas.
Além disso, conseguiram identificar um bom número de famílias estendidas,
bem como construir a genealogia de um grupo familiar cujas primeiras três
gerações surgiram e se consolidaram antes do fim do tráfico.
189
Um outro exemplo está no estudo de José Flávio Motta e Agnaldo
Valentin. Os pesquisadores estudaram um plantel de 144 escravos listados
em um inventário aberto na localidade de Apiaí (SP), no começo do século
XIX, e constataram que 118 deles (81,9%) compunham 24 famílias. Dentre
os 80 filhos pertencentes às 24 famílias cativas, quase metade (35) tinha 10
anos ou mais, e pouco menos de um quarto (18 cativos) tinha mais de 14
anos. Além disso, puderam registrar a existência de laços parentais entre
essas 24 famílias matrifocais ou conjugais.
190
Graças a trabalhos como esses hoje quase todos concordam que a
família escrava era perfeitamente viável na plantation. Acredita-se, inclusive,
que a despeito das elevadas razões de masculinidade, nessas áreas havia
uma maior incidência de casamentos legítimos entre os escravos, bem como
maior duração dos laços familiares, pois ali os plantéis eram maiores e mais
estáveis. Para os cativos pertencentes a pequenos escravistas, todavia, as
189
FRAGOSO, João Luis & FLORENTINO, Manolo. Op. Cit, pp. 153-169.
190
MOTTA, José Flávio & VALENTIN, Agnelo. A estabilidade das famílias em um plantel de
escravos de Apiaí (SP). Revista Afro-Ásia, 27 (2002), 161-192, pp. 169-174.
373
dificuldades deveriam ser maiores. algum tempo identificou-se uma
relação direta entre tamanho do plantel e família escrava, pois haveria maior
probabilidade de existência de famílias nos maiores, ainda que não se
descarte a existência delas nas pequenas escravarias. Stuart Schwartz, por
exemplo, acredita que:
em certa medida, quanto maior a propriedade e mais distante e
menos íntimo o relacionamento com o senhor, mais liberdade
tinham os escravos de tomar suas próprias decisões e fazer
seus próprios arranjos. Assim, os escravos de campo teriam
estado menos sujeitos a interferência que os cativos domésticos,
e os de unidades maiores teriam tido mais sorte a esse respeito
do que os escravos urbanos ou os de propriedade de lavradores
e pequenos agricultores.
191
Francisco Vidal Luna enfatiza que nas áreas em que a regra era a
posse de uns poucos cativos, embora ocorressem casamentos entre escravos
e livres, provavelmente o efeito inibidor provocado pela preferência senhorial
por uniões dentro dos plantéis reduzia a proporção de escravos que
conseguiam uma relação conjugal estável, pois dispunham de poucas
opções. Para treze vilas da capitania de São Paulo, esse autor calculou que,
em 1804 e em 1829, nos plantéis de até dez escravos, apenas 17 a 27% dos
cativos com mais de 15 anos eram casados e viúvos, enquanto para os
segmentos seguintes tais valores situavam-se entre 33 e 40%.
192
José Flavio
Motta, igualmente, calculou que em Bananal (SP), em 1801, 9/10 dos
191
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial.
1550-1835. o Paulo: Companhia das Letras, 1988. Outros exemplos: SLENES, Robert.
The demography and economics of brazilian slavery: 1850-1888. Tese de doutoramento.
Stanford University, mimeografado, 1976; COSTA, Iraci; SLENES, Robert & SCHWARTZ,
Stuart. A família escrava em Lorena (1801). Estudos Econômicos. Demografia da escravidão.
São Paulo: IPE/USP, 17(2):245-295, maio/agosto 1987; FLORENTINO, Manolo & GÓES,
José Roberto, Op Cit, 1997; MOTTA, José Flávio. Op Cit, 1999; FERREIRA, Roberto Guedes.
Op. Cit, 2005, cap. 3.
192
LUNA, Francisco Vidal. Op. Cit, 1990, pp. 228-233.
374
cativos casados ou viúvos (com mais de 14 anos) viviam em plantéis com
mais de dez escravos. Esse autor observou ainda que apenas 7,4% dos
cativos de pequenos plantéis (um a quatro) eram casados ou viúvos, sendo
esse índice de 27,3% nas escravarias médias (cinco a nove) e de 46% nas
maiores.
193
Para este mesmo ano, Iraci Costa e Nelson Nozoe notaram que os
percentuais de escravos casados ou viúvos tomados sobre os efetivos de
maiores de 14 anos de cada faixa de tamanho mostraram-se crescentes,
alçando-se de 3,44% (na faixa unitária) para 41,04% na faixa de 16 a 41
cativos.
194
Na comarca paranaense, região na qual, nesse período,
predominavam os pequenos escravistas, Iraci Costa e Horácio Gutierrez, a
partir de mapas de população para nove localidades, e considerando a
população escrava com mais de 10 anos de idade, encontraram apenas
20,4% de casados ou viúvos, sendo este índice de 19% para os homens, e de
21,9% para as mulheres.
195
Em São José dos Pinhais, ambiente de predomínio quase absoluto
de pequenos escravistas, os dados tendem, num primeiro momento, a
confirmar as dificuldades dos cativos em constituir e manter relações
parentais. Isto porque, na comparação com os livres, poucos escravos
legitimavam uniões matrimoniais. A partir de mapas de população,
196
mensurei o estado matrimonial dos cativos com mais de 20 anos,
193
MOTTA, José Flávio. Op. Cit, 1999, pp. 235-238.
194
COSTA, Iraci del Nero & NOZOE, Nelson. Elementos da Estrutura de Posse de Escravos
em Lorena no Alvorecer do Século XIX. Revista Estudos Econômicos, São Paulo, v. 19, no. 2,
p. 319-345, maio-ago, 1989, pp. 342-343.
195
COSTA, Iraci & GUTIERREZ, Horácio. Nota sobre o casamento de escravos em São Paulo
e no Paraná. História: Questões & Debates. Curitiba: APAH, 5(9): 313-321, dez. 1984.
196
COSTA, Iraci & Gutierrez. Paraná. Mapas de População. 1798-1830. o Paulo:IPE/USP,
1985.
375
encontrando, para Curitiba e São José, juntas, uma taxa de 19,5% de
casados e viúvos em 1804, e de 18,9% em 1830, índices bem mais baixos do
que os da população livre (73,8% em 1804 e 79,1% em 1830) e mesmo da
população livre de cor (57,9% em 1804 e 75,5% em 1830). Os dados sobre
legitimidade dos filhos de cativas da freguesia refletem esse quadro: dentre
271 crianças de mães escravas que ali foram batizadas entre 1775 e 1802,
55,4% (150) eram ilegítimas. Para 684 crianças de mães livres cujos
batismos estão registrados nesse mesmo período, as ilegítimas constituiam
apenas 26,2% (179).
197
Nessa freguesia também encontrei relação entre casamento cativo e
tamanho da escravaria. Nas menores (com até quatro cativos), apenas 16%
dos escravos com 20 anos ou mais eram casados ou viúvos em 1803,
embora fossem 42% nas escravarias maiores. Em 1827, apenas 19% deles
eram casados ou viúvos nas pequenas escravarias, e 37% nas maiores. Além
disso, ser o único escravo de um domicílio provavelmente podia representar
impecilio ao casamento. Em 1803, apenas um dos sete cativos nessa
condição (e com 20 anos ou mais) era casado, e somente dois dos 15
cadastrados em 1827.
198
No entanto, seria lógico deduzir que, nesse ambiente de senhores
de poucos cabedais, em que o mercado de cativos constituía alternativa
raramente acionada, não haveria porque obstar a formação de casais
escravos, visto a necessidade de reprodução da mão-de-obra. Assim,
possivelmente a maior parte dos cativos da freguesia tinha parentes, e as
dificuldades residiriam sobretudo na legitimação da família e na sua
197
LBPSJP 1, APSJP.
198
LNSJP, 1803 e 1827. Consulta no acervo do CEDOPE/originais no AESP.
376
estabilidade domiciliar. Creio, enfim, que nossa dificuldade em identificar
relações parentais entre os cativos de pequenos escravistas está relacionada
basicamente à sistemática omissão desses vínculos nas fontes, e
especialmente ao fracionamento das famílias em vários domicílios. No
entanto, vale a pena pesquisar mais acerca das características desse
fracionamento.
A partir do cruzamento da lista nominativa de 1803 com registros
de batismos, casamentos e óbitos pude resgatar algumas famílias de cativos
da freguesia de São José dos Pinhais, ou pedaços delas. Dos 63 domicílios
escravistas naquele ano, consegui confirmar a existência de relações
familiares em 34 deles, englobando 124 (48,4%) cativos dos 256 arrolados na
freguesia, percentual tão ou mais significativo do que aquele comumente
encontrado em plantéis de grandes escravistas. Ademais, muito
provavelmente este é um índice muito subestimado, pois os cativos para os
quais não encontrei laços parentais podem ter seus batismos e/ou
casamentos registrados em outras localidades, ou não puderam ser
encontrados na paróquia, devido à existência de homônimos, ou ainda
cativos com laços familiares com livres e com escravos de outros fogos,
difíceis de serem resgatados pelo pesquisador.
De todo modo, as relações recuperadas falam um pouco da
variedade dos arranjos familiares existentes. Começando pelo parentesco
mais comumente encontrado entre os historiadores da família escrava, qual
seja, as mulheres solteiras com seus filhos. Em minha amostragem
encontram-se 19 mulheres nesta condição, com um total de 33 filhos. Nem
todas essas crianças, contudo, seriam frutos de ligações eventuais. Um
377
indício disso está na casa número 241 da lista nominativa de 1803, chefiada
por Manoel Bueno. Em sua propriedade, além da família, viviam 12
escravos. Um de seus cativos era a parda Maria, de 25 anos, recenseada
como solteira. A busca em registros de batismos indicou que ela seria a mãe
de Gertrudes (sete anos), Eufrosina (cinco anos), Francisca (quatro anos) e
Manoel (três anos), todos eles presentes no fogo, e os dois últimos
registrados na paróquia como filhos seus com o forro Antonio Jorge, este,
por sua vez, filho de João Angola, escravo do capitão Jacinto Jorge.
199
Este
escravo do capitão, junto com sua segunda mulher, Eufrásia,
200
naquele
momento estava agregado no domicílio de Manoel Bueno (esse, aliás, antigo
fazendeiro do Capitão Jacinto Jorge e testemunha dos dois casamentos de
João Angola).
Encontrei ainda 22 escravos viúvos ou que formavam casais. Seus
filhos, juntos, compunham um grupo de 14 pessoas. Havia ainda 11
crianças escravas sem os pais, mas vivendo com irmãos. Também levantei a
existência de 16 escravos casados, porém sem que seus cônjuges estivessem
no plantel. Eram sete homens e nove mulheres, alguns deles casados com
forros ou livres. Era o caso do escravo Bento, um pardo de 48 anos, que
pertencia a Antonio Pereira do Valle
201
. Bento era casado com a parda livre
Ana Pereira, que vivia em domicílio autônomo na companhia de oito filhos,
todos eles também filhos de Bento.
202
Alguns desses homens e mulheres
199
LBPSJP 1, f.130v (1796), fl. 135v (1798), fl. 138v (1800) e fl. 139v (1802). APSJP.
200
LCPSJP 1, fl. 91. APSJP.
201
Domicílio 4, LNSJP de 1803.
202
Recenseada como chefe da casa de número 25 na LNSJP de 1803. Os batismos dos filhos
estão no LBPSJP 1: Maria (fl. 95v -1782), Antonio (fl. 99v - 1785), João e Simão, gêmeos (fls.
104v e 105 1787), Francisca e Escolástica, meas (106v 1790), Josefa (fl. 124 1794) e
Januário (fl.132 – 1796). APSJP.
378
livres viviam no domicílio do cônjuge cativo. Era esta a situação de João, que
em 1803 se encontrava agregado ao fogo da senhora de sua esposa, a
escrava Suzana (casa 117).
203
Finalmente, identifiquei oito cativos, filhos de
alguns desses escravos casados fora do plantel.
Esses últimos dados refletem bem uma característica de grande
interesse, relativa ao comportamento cativo em São José dos Pinhais (e
talvez também de outras localidades ou grupos de plantéis em que o tráfico
pouca influência tinha na caracterização demográfica dos escravos). Naquela
freguesia, as uniões matrimoniais legítimas dos cativos eram
majoritariamente mistas: dos 148 casamentos envolvendo escravos,
registrados na paróquia entre 1759 e 1888, 65 uniram dois cativos, e os
outros 83 uniram um escravo a um forro ou um livre.
Esta não é uma característica exclusiva da freguesia de o José
dos Pinhais. Ana Maria Burmester identificou que, entre 1731 e 1798, dos
233 casamentos envolvendo escravos em Curitiba, 57 (25%) eram uniões
mistas.
204
Na paróquia da Purificação, na Bahia, Stuart Schwartz calculou
que, entre 1774 e 1788, 21% dos casamentos envolvendo escravos (13 de 64)
incluíam um cônjuge forro.
205
Também Roberto Guedes Ferreira registrou
algo semelhante em Porto Feliz (SP). Este autor calculou que entre 1798 e
1843 havia 478 escravarias com apenas um escravo com mais de 13 anos, e
em 30 (6,3%) delas o cativo era casado. Além disso, nas pequenas
escravarias freqüentemente havia números ímpares de cativos casados,
sugerindo matrimônios com livres/forros ou com escravos de outras
203
LBPSJP 1, fl. 231, 1795. APSJP.
204
BURMESTER, Ana Maria. A nupcialidade em Curitiba no século XVIII. Revista História:
Questões & Debates. Curitiba: PAH, junho de 1981(b), pp. 63-68.
205
SCHWARTZ, Stuart. Op. Cit, 1988, p. 320.
379
unidades. Segundo Roberto Guedes, dentre os 149 pequenos escravistas
com mais de um escravo em 1803, 62 tinham cativos casados. Em 29 destas
escravarias, o número de casados era ímpar. Assim, por mais remota que
fosse, eram factíveis as uniões conjugais com pessoas de fora das
unidades.
206
Aliás, se o parentesco tem sido usado, pela historiografia, como
indício da existência de uma comunidade de escravos, as informações acima
indicadas a meu ver podem ser interpretadas como testemunhos da
existência, em São José dos Pinhais, mas também em numerosas vilas e
freguesias do Brasil escravista, de uma comunidade de escravos e livres
(estes, geralmente pardos ou negros).
207
Ao que parece, a família escrava muitas vezes atravessava o
cativeiro e a liberdade, sincrônica e diacronicamente. Veja-se o exemplo do
grupo familiar encabeçado por Jerônimo, escravo do Capitão Antonio João
da Costa, e Verônica, mulher livre que vivia sob a administração do mesmo
Capitão Antonio João. Esse casal, unido em torno de 1765, teve ao menos
seis filhos (quatro mulheres e dois homens), todos livres. Resgatei os
casamentos de quatro deles, sendo que dois (um homem e uma mulher) se
casaram com escravos, e ao menos dois netos livres se casaram com
escrava, determinando a reinserção do cativeiro na história familiar. O
206
FERREIRA, Roberto Guedes. Op. Cit, 2005, p.136.
207
Já de longa data, o inúmeros os autores que destacam a existência e a importância
dos casamentos mistos (de escravos com livres ou forros) para se entender melhor a
escravidão brasileira. São exemplos: METCALF, Alida. Families of planters, peasants and
slaves: strategies for survival in Santana de Parnaíba, Brazil, 1720-1820, Texas, 1983;
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial, São Paulo, 1984, p.
147; GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Réa. Casamentos mistos de escravos em São Paulo
colonial. Dissertação de Mestrado, FFLCH-USP, São Paulo, 1986.
380
esquema da genealogia (incompleta) dessa família, na figura 3.1, a seguir,
destaca este movimento.
381
Figura 3.1: Esquema genealógico destacando a condição jurídica
Dos membros de uma família de São José dos Pinhais – PR
(aprox. 1765-1834)
O cruzamento de dados das listas nominativas e dos registros
paroquiais me permitiu, igualmente, detectar alguns arranjos familiares
multidomiciliares, por vezes englobando avós, filhos e netos. É o caso das
famílias de Dorothéa e Elena, e dos casais Antonio Guiné e Esperança, e
Antonio Angola e Simoa.
3.3.1 Dorothéa e Elena, escravas do Alferes Antonio dos Santos Teixeira
No domicílio chefiado pelo Alferes Antonio dos Santos Teixeira em
1803 (casa 186) estava a cativa Dorothéa. Nos registros paroquiais encontrei
o batismo de cinco filhos desta escrava,
208
dois deles (Manoel e Elias, de dez
e oito anos no censo de 1803) vivendo em sua companhia, e outros três
ausentes Ignácio, Jacinta e Felizarda. Ocorre que, no domicílio 187 vivia
208
LBPSJP 1: Felizarda (fl. 97, 1784), Inácio (fl. 103v, 1787), Manoel (fl. 117, 1792), Elias (fl.
117, 1794) e Jacinta (fl. 132v, 1796). APSJP.
E = L
E=L L=E L=L L=L L = L ? = L
L
E
L=L=L L=E
L=E
E
L
E
L
L
Homem=Mulher
(L)livre (E) escravo
382
uma escrava de nome Felizarda, 20 anos (esta, com um filho, Domingos, de
dois anos) e na casa 199 havia dois cativos de nomes Ignácio e Jacinta (16 e
8 anos), todos eles com idades mais ou menos compatíveis com as que
teriam os filhos de Dorothéa.
Na mesma situação estava a parda Elena. Localizei o registro de
oito filhos desta escrava,
209
dentre os quais Felisberta, Izabel e Florentino. As
duas primeiras, com 20 e 7 anos, respectivamente, viviam com Elena no
domicílio do Alferes Antonio dos Santos, portanto eram certamente suas
filhas; o terceiro, Florentino (7 anos), tal como a filha e o neto de Dorothéa,
estava no domicílio 187. Encontrei também o registro de óbito de Antonio,
outro filho de Elena, falecido em 1797, aos três meses de idade.
210
Quanto
aos demais (Eleutério, Tomásia, Leonor e Maria), não pude obter qualquer
informação.
Mas a presença dos cativos nesses outros fogos não era aleatória. A
casa listada sob o número 187 era chefiada por Policarpo Eloy, filho do
Alferes Antonio dos Santos Teixeira e de Joanna Rodrigues França, e a casa
199 pertencia a Francisco Pinto, casado com Josefa Rodrigues França, filha
do mesmo casal.
211
O alferes Antonio dos Santos tinha outros dois filhos:
Antonio dos Santos Teixeira (2
o
.) e Anacleto José dos Santos, que naquele
momento não estavam vivendo na freguesia, e com quem talvez estivessem
os outros filhos da escrava Elena. Ou quem sabe eles tenham sido vendidos
para senhores de outra freguesia (figura 3. 2).
209
LBPSJP 1: Eleutério (fls. 96v/97, 1784), Tomásia (fl. 101, 1785), Felisberta (fl. 104v,
1787), Leonor (fl. 106v, 1790), Maria (fl. 119, 1792), Florentino (fl.124v, 1794), Antonio (fls.
132v/133, 1796) e Izabel (fl.136v, 1798). APSJP.
210
LOPSJP 1, f. 98. APSJP.
211
Genealogia da Família Rocha Loures. Arquivo pessoal do Professor Doutor Helio Rocha.
383
384
3.3.2 Antonio Guiné e Esperança, escravos de Manoel José da Cruz
A escrava Esperança teve ao menos cinco filhos: Feliciano, Teresa e
Ilária (crianças de pais incógnitos), além de Joaquim e Policarpo (seus filhos
com o também cativo Antonio Guiné).
212
Em 1803 o casal pertencia a Manoel
José da Cruz (casa 79), e viviam com os filhos Feliciano e Joaquim. Na lista,
anotou-se que a filha Ilária havia falecido há pouco, com nove anos de idade.
No mesmo ano, a filha Theresa (11 anos) vivia na casa de Francisco Bueno
da Rocha, recém-casado com Gertrudes, filha de Manoel José da Cruz (casa
84). De Policarpo (que teria dois anos) não encontrei registro.
Em 1818, a casa de Manoel José da Cruz foi recenseada sob o
número 59, e seu genro no domicílio 54. Nesse ano, o casal de escravos e
seus filhos Feliciano e Joaquim ainda viviam com Manoel José da Cruz. A
filha Theresa continuava cativa no domicílio do genro de Manoel José da
Cruz. Nesse fogo encontrava-se o escravo João (na casa desde 1803), marido
de Thereza desde 1805,
213
e também as crianças Ignácio, Salvador e Anna
(com respectivamente 10, 6 e 3 anos), todos eles filhos do casal
214
(ver figura
3.3, a seguir).
212
LBPSJP 1: Feliciano (fl. 106v/ 1789), Teresa (fl. 115, 1791), Ilária (fl. 128v, 1795),
Joaquim (fl. 132, 1796) e Policarpo (fl. 140v, 1801). APSJP.
213
LCPSJP 1 fl. 92, 1805. APSJP.
214
LBPSJP 3: Ignácio (fl.44v, 1809), Salvador fl.62, 1812) e Ana (fl. 79v, 1814). APSJP.
385
386
3.3.3 Antonio Angola e Simoa, escravos de Bernardo Martins Ferreira
A trajetória mais completa que pude levantar foi a da família de
Antonio Angola e da mulata Simoa. Os dois se casaram em São José dos
Pinhais em 1764,
215
e ambos eram propriedade de Bernardo Martins Ferreira
(que aliás era sogro de Manoel José da Cruz, chefe do domicílio do caso
anterior). Antonio e Simoa tiveram ao menos quatro filhos: Feliciana, João,
Salvador e Aguida.
216
Em 1803 o filho Salvador vivia na casa de Manoel José
da Cruz. Feliciana, a filha mais velha de Simoa e Antonio Angola, casou-se
em 1783 com Joaquim, que fora escravo de Manoel Ribeiro, da vila de São
Pedro do Rio Grande, mas que na ocasião do casamento pertencia ao
Tenente João da Rocha Loures, outro genro de Bernardo Martins. No registro
de casamento consta que também Feliciana naquele momento era
propriedade de João da Rocha Loures.
217
Joaquim e Feliciana tiveram ao menos cinco filhos: Cipriano,
Hilário, Inácio, Bento e Escolástica.
218
Os dois primeiros faleceram
precocemente: Hilário em 1786, aos sete meses,
219
e Cipriano em 1797, com
13 anos.
220
Em 1803, Inácio (15 anos), Bento (13 anos) e Escolástica (11
anos) encontravam-se na casa do agora Capitão João da Rocha Loures.
221
Não encontrei qualquer registro do paradeiro de Joaquim, pai das crianças.
215
LCPSJP 1: fl. 15, 1764. APSJP.
216
Os filhos João, Salvador e Agueda têm seus registros de batismos no LBPSJP 1 do
APSJP, em 1773 (fls. 74v e 75), 1776 (fl.79v) e 1783 (fl. 95v), respectivamente. A filha mais
velha, Feliciana, tem o registro de casamento, de 1783, no LCPSJP 1, do APSJP, fls. 74v e
75.
217
LCPSJP 1, fls. 74v e 75. APSJP.
218
LBPSJP 1: Cipriano (fl. 75v, 1784), Hilario (fl.101, 1785), Inacio (fl. 104, 1785), Bento (fl.
106, 1789) e Escolástica (fl. 114v, 1791). APSJP.
219
LOPSJP 1, fl. 88v. APSJP.
220
LOPSJP 1, fl. 98. APSJP.
221
LNSJP de 1803, casa 257.
387
No entanto, sei que a mãe, Feliciana, havia falecido em 1793, com apenas 26
anos de idade.
222
Aguida, a outra filha de Antonio e Simoa, em 1800 se casou com o
cativo José, propriedade de Gertrudes Maria da Luz (ou Gertrudes Martins),
filha solteira de Bernardo Martins. Naquele momento Aguida foi citada como
cativa de Margarida de Oliveira Leão (então viúva de Bernardo Martins).
223
Em 1798, ainda solteira, Aguida vivia na casa de sua senhora, com a mãe
Simoa (já viúva) e o irmão João. Em 1803, Margarida Oliveira havia
falecido, e agora Aguida e o marido, que viviam na casa de Gertrudes
Martins, tinham a companhia de Simoa (não encontrei o irmão João). Na
lista nominativa de 1818, Simoa (já com 80 anos) e o casal Aguida e José
ainda estavam naquele domicílio.
Nesse ano de 1818, na casa do Capitão João da Rocha Loures
224
havia cinco cativos. Inácio, Bento, e Escolástica ainda estavam lá, com 28,
23 e 21 anos de idade, respectivamente. Desde 1814 Inácio estava casado
com a forra Francisca, filha da escrava Antonia, de propriedade de Isabel
Buena,
225
esta última, uma prima da esposa de João da Rocha Loures.
226
Em 1818, Francisca encontrava-se agregada na casa do Capitão Rocha
Loures. Bento e Escolástica estavam solteiros. Os outros dois cativos do
domicílio eram as crianças José (pardo de cinco anos) e Antonia (parda de
222
LOPSJP 1, fl. 95. APSJP.
223
LCPSJP 1, fl. 90 e 90v. APSJP.
224
LNSJP, de 1818, 7
a
cia, casa 4.
225
LCSJP 1 fl. 95v. APSJP.
226
Genealogia da Família Rocha Loures. Arquivo pessoal do Professor Dr. Helio Rocha.
388
sete anos), filhos de Escolástica.
227
Um esquema da trajetória domiciliar dos
membros dessa família pode ser visto na figura 3.4, a seguir.
227
LBPSJP 3. Antonia, 1811, fl. 59 e José, 1814, fl. 79v. APSJP.
389
390
3.4 O cálculo senhorial e a vontade do cativo
As trajetórias familiares aqui recuperadas a meu ver permitem a
realização de algumas interpretações relevantes. Num cômputo geral, elas
me indicaram que a transferência de cativos, por pequenos escravistas, para
as casas dos filhos, expressa um lculo senhorial que pode ter sido
recorrente na lógica das partilhas. No caso do Alferes Antonio dos Santos,
me parece evidente o desejo deste em ajudar os filhos a formar plantel
próprio, e ao fazê-lo, separou as cativas Dorothéa e Elena de alguns de seus
filhos. E sobre sua estratégia, considero interessante observar que, ao
transferir para um dos filhos dois cativos irmãos e, para o outro, dois
escravos não aparentados, mas com idades muito diferentes (a cativa tinha
idade para ser mãe do cativo), o alferes Antonio dos Santos potencializou a
formação de duas famílias escravas para cada um dos filhos. Além disso,
para cada um ele cedeu um cativo e uma cativa, sendo as mulheres mais
velhas, portanto com amplas possibilidades de serem mães num tempo
relativamente curto (o que de fato aconteceu com Felizarda, que tinha um
filho de dois anos), e assim aumentar a escravaria dos domicílios,
propiciando-lhes ganho econômico e político.
o escravista Manoel José da Cruz manteve em seu domicílio o
casal de escravos Antonio e Esperança com alguns filhos, e (provavelmente
dote) passou à filha uma escrava que, em pouco tempo se casou e teve
filhos, aumentando assim o plantel do genro. O escravista Bernardo Martins
(e depois sua viúva Margarida de Oliveira), igualmente manteve o casal de
escravos original em sua casa, com um filho, transferiu um cativo para uma
391
das filhas, e uma cativa para cada uma das outras duas filhas. Quando
morreu Margarida de Oliveira, a viúva escrava Simoa, com seu filho João
também foram parar na casa da filha solteira, Gertrudes. Há, pois, nesses
casos, a confirmação da prática de transferir escravos, ainda crianças ou
jovens, para seus descendentes (como dote, certamente), a fim de ajudar a
constituir novos plantéis, e também uma certa preocupação em privilegiar a
filha solteira, por ocasião da partilha dos escravos a serem herdados.
Por tudo isso, creio que têm razão os autores, como Alida Metcalf,
quando sugerem que embora nos pequenos plantéis predominassem os
solitários e os arranjos matrifocais, é provável que muitos cativos fizessem
parte de uma família estendida ou de uma rede de parentesco, ainda que as
formas de sua manutenção se enlaçassem estreitamente com os eventos que
se desdobravam na vida de seus senhores.
228
O que de novo apareceu, aqui,
foi a lógica que norteava as transferências da propriedade de cativos dos pais
para os(as) filhos(as), entre escravistas de poucos recursos.
Mas se Metcalf está certa ao vincular a estabilidade da família
cativa aos eventos da vida dos senhores (o que impõe restrições à
manutenção dos laços familiares dos escravos), e se não posso deixar de
considerar que muitos certamente eram vendidos ou transferidos para
outras localidades, não se pode esquecer, por outro lado, que ao menos na
freguesia de São José, mesmo vivendo em diferentes propriedades, não
deveria ser difícil para os escravos conviver com seus parentes (e uma
convivência tão estável como a dos membros das famílias senhoriais, como
228
METCALF, Alida. A Família Escrava no Brasil Colonial: um Estudo de Caso em o
Paulo, p. 205/212. In: NADALIN, MARCILIO & BALHANA. História e População. Estudos
sobre a América Latina. São Paulo: ABEP/IUSSP/CELADE, 1990, pp 209-210.
392
se viu), que boa parte deles vivia em casas de parentes de seus
proprietários, estes, geralmente vizinhos entre si. Indício disso se encontra,
por exemplo, no caso da família iniciada por Antonio Angola e a mulata
Simoa. Consultando o Inventário de Bens Rústicos de São José dos Pinhais,
censo rural realizado em 1818, localizei as terras de alguns dos filhos e
genros de Bernardo Martins e Margarida Oliveira (antigos senhores de
Antonio e Simoa). Suas propriedades foram registradas na terceira
companhia, sob os números 2 (Manoel José da Cruz, genro), 3 (Gertrudes
Martins, filha), 10 (Sargento Comdte.Tomás João Ferreira, filho), 15 (Manoel
Ferreira de Melo, filho), 55 e 59 (Capitão João da Rocha Loures, genro).
229
Além disso, como indiquei no capítulo anterior, parte dos
domicílios escravistas também abrigava agregados, a população socialmente
mais próxima dos cativos. E essa convivência tendeu a crescer ao longo do
tempo: em 1782 apenas 1/7 dos fogos escravistas tinha agregados; em 1803
e em 1827 essa proporção cresceu para mais de ¼. Dessa forma, a
manutenção daquela “comunidade de escravos e livres de cor”, à qual me
referi anteriormente, ao longo do tempo provavelmente ficou ainda mais
fortalecida. Na verdade, nessa localidade de poucas fazendas e muitos sítios,
os contatos entre cativos de diferentes senhores, e entre cativos e livres, não
seriam incomuns e o padrão dos casamentos de escravos, referido
229
Inventário de Bens Rústicos da Capitania de São Paulo (seção Paraná). Originais no
AESP. José Flávio Motta e Agnelo Valentin sugerem outra possibilidade interessante: a de
que as partilhas de escravos nos inventários, algumas ao menos, pudessem ser apenas
“ideais”. Os autores encontraram, nas listas nominativas de Apiaí nas primeiras décadas do
XIX, famílias cativas num mesmo domicílio, embora em partilha de inventário elas tivessem
sido divididas. MOTTA, José Flávio & VALENTIN, Agnelo. A estabilidade das famílias em um
plantel de escravos de Apiaí (SP). Revista Afro-Ásia, 27 (2002), pp. 182-183.
393
anteriormente, preferencialmente com pessoas livres, é indicio forte da
ampla gama de relações sociais por eles desenvolvidas.
230
Mas não esse contexto me leva a sustentar que a família cativa
em regiões em que a regra era a posse de poucos escravos deveria ser muito
mais estável do que até agora a historiografia pôde afirmar. O que de mais
importante os exemplos até aqui tratados sugerem, a meu ver, é que a
manutenção da posse de famílias cativas era em muitos casos a própria
condição de constituição e manutenção de famílias escravistas. Afinal,
provavelmente muitos dos lavradores e criadores da freguesia puderam
transmitir o status senhorial a seus filhos e netos graças a uniões como as
de Antonio e Esperança, de Antonio e Simoa, graças ao nascimento de filhos
como os das escravas Elena e Dorothéa.
Tratando do escravismo em áreas plenamente integradas ao
mercado internacional, onde o tráfico atlântico era condição para sua
reiteração temporal, Manolo Florentino e José Roberto Góes escreveram que,
“organizando a vida no cativeiro, a família amainava os
enfrentamentos entre os cativos”. (...) A pacificação e a
organização parental eram importantes também ao próprio
sistema. Sem se constituir em instrumento direto de controle
senhorial, a família escrava funcionava como elemento de
estabilização social, ao permitir ao senhor auferir uma renda
política”.
231
230
Em estudo sobre a família escrava em Apiaí, nas primeiras décadas do XIX, José Flávio
Motta e Agnaldo Valentin também estiveram atentos a este aspecto. A partir de informações
de inventários eles questionam a relação entre desmembramento familiar e ruptura efetiva
de relações. Conforme observaram os autores, em uma comunidade pequena, que vivenciara
sim um certo apogeu no século anterior, com fundamento na extração aurífera, mas que
empobrecera e estagnara numa produção de subsistência, a qual provavelmente não
avançava muito além do autoconsumo, faria sentido pensarmos os distintos plantéis, os
inúmeros agregados forros, os múltiplos domicílios chefiados por ex-escravos, os variados
fogos habitados por indivíduos livres, amiúde pobres ou possuidores de modestos recursos,
enfim, esses diversos microcosmos como conformando universos estanques?”. MOTTA, José
Flavio & VALENTIN, Agnaldo. Op. Cit, 2002, p. 185.
231
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. Op. Cit, 1997, p. 175.
394
Num ambiente como o de São José dos Pinhais, no qual o tráfico
atlântico tinha um papel relativamente pequeno no processo de reiteração
temporal do escravismo, creio que a família escrava possuía também uma
outra dimensão. Do que até aqui foi visto se pode depreender que ali, ao fim
e ao cabo, a manutenção do status senhorial em boa medida dependia da
vontade escrava.
Para esclarecer a afirmação precedente, é preciso recuperar outro
aspecto da lógica escravista: para aqueles com poucos recursos para
adquirir escravos no mercado, a reprodução endógena do plantel era crucial.
Dito de outro modo, fosse qual fosse o tipo de união levada a efeito por suas
cativas, delas resultariam rebentos também de sua propriedade. Já das
uniões conjugais efetivadas pelos escravos do sexo masculino, caso não
houvesse controle, poderiam resultar rebentos livres (se o cativo se unisse a
uma mulher livre) ou cativos, porém de propriedade de outros (se o escravo
se unisse a uma cativa de outro plantel). Desta maneira, para aproveitar
todo o potencial reprodutivo de sua escravaria, seria mais interessante, a
esses pequenos proprietários, a união (sacramentada ou não) de seus
escravos com cativas de seu próprio plantel (ou do plantel de um filho ou
genro), e a união das escravas restantes com homens livres ou com cativos
de outras escravarias. Isto é, caso tivessem o efetivo controle sobre as uniões
conjugais de suas propriedades, o padrão dessas uniões matrimoniais
deveria se caracterizar por um índice maior de exogamia feminina.
Vale a pena, então, retornar e complementar os dados sobre
casamento cativo na freguesia de São José dos Pinhais. Indiquei
anteriormente que dos 148 casamentos envolvendo escravos registrados na
395
paróquia entre 1759 e 1888, 65 tinham dois cônjuges cativos, e os outros 83
tinham um cônjuge escravo e outro forro ou livre. Ocorre que, desses 83
casamentos mistos, 45 uniram escravos a mulheres livres, e apenas 38
uniram escravas a homens livres. E note-se que estou usando dados
referentes a uma minoria de uniões conjugais, aquelas legitimadas pela
Igreja e, sobretudo, aprovadas pelo senhor (indicação disso é que dos
casamentos mistos de São José por mim pesquisados, em todos eles o
proprietário ou um parente dele era uma das testemunhas do ato).
232
Se a autonomia das relações sociais dos escravos pôde ser aqui
entrevista mesmo nesses atos mais controlados pelo senhor, o que dizer
daqueles (majoritários) realizados e mantidos provavelmente à revelia dos
interesses senhoriais? Ou seja, não seria pequeno o número de cativos que
se uniam e tinham filhos com mulheres livres, ou com escravas de outros
plantéis a despeito da vontade de seus senhores. Talvez não por acaso os
ramos da família iniciada por Antonio Angola e a Simoa que não puderam
ser acompanhados ao longo do tempo tenham sido os de seus filhos do sexo
masculino, Salvador e João (cf. figura 3.4).
A dificuldade senhorial em controlar as vontades cativas, talvez
ajude a explicar os historicamente altos percentuais de população livre de
cor em São José dos Pinhais e em toda a região paranaense, num período em
que as alforrias ainda não eram uma prática generalizada. Esses cativos
unidos a mulheres livres deixavam de gerar escravos e, assim, contribuiam
232
MACHADO, Cacilda. Casamento & Compadrio. Estudo sobre relações sociais entre livres,
libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR).
ANAIS do Congresso da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2004.
Caxambu/MG.
396
para a manutenção de uma população livre de cor tão significativa na
freguesia de São José dos Pinhais.
De fato, os autores referidos anteriormente, que encontraram
uniões matrimoniais de escravos e livres, destacam o mesmo padrão. Ana
Maria Burmester salientou que dos 57 (de 233) casamentos mistos
realizados em Curitiba entre 1731 e 1798, 33 uniram homens escravos a
mulheres livres, e 24 ligaram mulheres escravas a homens livres.
233
Stuart
Schwartz enfatizou, para a paróquia da Purificação (BA), entre 1774 e 1788,
o padrão predominante era o de maridos escravos e mulheres forras. O autor
nos informa que o mesmo foi encontrado em Vila Rica em 1804, onde 25%
dos casamentos envolvendo escravos (250) incluíam um cõnjuge forro,
novamente com a predominância (19%) de uniões entre escravos e forras.
Também em Pernambuco não eram raros os enlaces entre cativos e livres.
234
Por fim, dentre os 66 autos de casamento abertos entre 1771 e 1799,
envolvendo escravos paranaenses, 40 referem-se a casais formados por
homem escravo e mulher livre, e 26 a homem livre e mulher escrava.
235
Aliás, Stuart Schwartz acredita que essa prática parece ter sido
incentivada por alguns senhores, pois assim fornecia parceiras aos seus
cativos e também obtinha trabalhadoras que se tornariam ligadas à sua
propriedade. Porém, anota o autor, do ponto de vista dos escravos, o
casamento com uma forra assegurava a liberdade legal dos filhos. Para uma
escrava que desposasse um forro, a possibilidade de que ele conseguisse
acumular dinheiro o bastante para libertá-la e a seus filhos pode ter sido um
233
BURMESTER, Ana Maria. Op. Cit, 1981(b), pp. 63-68.
234
COSTA e KOSTER, Apud SCHWARTZ, Stuart. Op. Cit, 1988, p. 202.
235
Autos de casamento, PARANÁ, 1771-1799, Curia Metropolitana de São Paulo.
397
fator em consideração.
236
Nessa interpretação, Schwartz se inspirou em
John Tutino, autor de “Slavery in a peasant society: Indians and Africans in
colonial Mexico”, um trabalho não publicado, mas antigo (1978). Tutino,
segundo Schwartz, refere-se a esse padrão como “casamento
emancipacionista”, enfatizando-o como uma razão para o declínio da
população escrava.
237
Por tudo isso, creio que têm mesmo razão Manolo
Florentino e José Roberto Góis quando afirmam que,
“a demografia da escravidão não é efeito exclusivo da lógica
econômica da empresa escravista, nem existe descolada da
pessoa do escravo. É, antes, um cenário conflitivo por definição,
espaço onde estratégias se delineiam e fazem conhecer melhor
a escravidão”.
238
Capítulo 4:
O lugar social dos pardos e negros livres
236
SCHWARTZ, Stuart. Op. Cit, 1988, pp. 320-321.
237
Idem, p. 441, nota 46.
238
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. Op. Cit, 1987. pp. 174-175.
398
4.1 Os agregados
Anotei anteriormente que as listas nominativas de habitantes de
São José nos informam sobre a organização domiciliar da população. Para a
observação desse dado, conforme a cor das pessoas livres, utilizei as listas
de 1803 e 1827, pois a de 1782 não reforca essa informação. Os dados estão
reunidos na tabela 4.1, adiante.
Nessa tabela efetuei a distribuição da população de acordo com as
seguintes posições no domicílio: chefe, cônjuge do chefe, filho(a), parente não
nuclear ou agregado. Destaco, no entanto, que resolvi contabilizar juntos
negros e pardos, dessa forma estabelecendo diferenças apenas entre brancos
e não brancos livres. Tal opção justifica-se porque, em 1803, dos 1691
habitantes livres com identificação de cor na freguesia, 55% foram
recenseados como pardos, quase 45% como brancos, e apenas uma pessoa
era negra; em 1827, dos 2795 livres com identificação da cor, 49,2% eram
pardos e outros 49,4% brancos, sendo apenas 27 (1,4%) aqueles designados
como negros.
Os dados da tabela indicam que em 1803 existia em São José dos
Pinhais uma proporção um pouco maior de brancos como chefes de
domicílio ou como cônjuges dos chefes (32,8% e 29,6% para brancos e não
brancos, respectivamente). Porém, considerando-se que naquele momento
havia diferenças nos percentuais de adultos nos dois grupos de cor (67,3%
dos brancos e 62,3% dos não brancos livres tinham mais de dez anos),
aquele diferencial na proporção de chefes e cônjuges pode ser mais uma
decorrência dessa distinção demográfica do que desigualdade de inserção
social. Em 1827 o mesmo quadro está presente: por então, 64,0% dos
399
brancos e 59,5% dos não brancos livres tinham mais de dez anos, e as
proporções de chefes de domicílios (ou cônjuges de) nos grupos branco e não
branco eram, respectivamente, de 36,8% e 34,3%.
Tabela 4.1 - Posição domiciliar dos livres, por cor (%).
São José dos Pinhais - 1803 e 1827
Brancos Não
brancos
Total
1803
Chefe masculino 15,7 12,9 14,1
Chefe feminino 4,5 4,8 4,6
Chefe masc/fem. 20,2 17,6 18,8
esposa do chefe 12,6 12,0 12,3
Filho 27,0 25,3 26,0
Filha 27,9 27,5 27,6
Filhos(as) 54,4 52,8 53,5
parente masculino
3,6 5,9 4,5
Parente feminimo 5,7 5,9 5,5
Parente masc/fem.
9,3 10,7 10,0
Agregado 0,9 2,6 1,8
Agregada 2,1 4,3 3,3
Agregados(as) 3,0 6,9 5,2
Total 100,0 100,0 100,0
1827
Chefe masculino 17,5 14,8 16,2
Chefe feminino 3,3 5,8 4,6
Chefe masc/fem. 20,9 20,7 20,8
Esposa do chefe 15,9 13,6 14,7
Filho 31,8 26,6 29,2
Filha 27,5 27,2 27,4
Filhos(as) 59,4 53,9 56,6
Parente masculino
1,0 2,6 1,8
Parente feminino 1,4 3,3 2,3
Parentes
masc/fem.
2,5 5,9 4,2
Agregado 0,4 2,2 1,3
Agregada 0,9 3,8 2,4
Agregados(as) 1,4 6,0 3,7
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: anexo 8
Em outras palavras, a despeito da desvantagem social dos livres de
cor afinal, pardos e negros tinham em sua história a marca da
400
dependência que a escravidão pressupõe, ainda que para muitos deles,
especialmente os de origem indígena, essa marca fosse mais uma herança do
que uma experiência direta -, em São José dos Pinhais eles aparentemente
vinham sendo bem sucedidos (ao menos tanto quanto os socialmente
brancos) no processo de constituição e manutenção de domicílios
independentes do ex-senhor ou de um outro “homem bom”, um dos signos
da conquista da autonomia.
Sobre essa questão, quando observei apenas os índices relativos às
mulheres um outro aspecto se destacou. Em 1803, elas representavam
53,2% dos brancos e 53,6% dos não brancos livres com mais de dez anos,
sendo que os índices de mulheres na condição de chefes ou esposa de chefes
de domicílios eram também praticamente os mesmos nos dois grupos. Em
1827, no entanto, quando eram mulheres 51,1% dos brancos e 57,3% dos
livres de cor com mais de dez anos, a soma dos percentuais de chefes
femininas com o das esposas de chefes de domicílios nesse grupo (19,6%)
ainda era semelhante ao dos brancos (19,4%).
Essa desproporção é mais significativa, porém, quando se analisa
as duas posições separadamente: havia proporcionalmente mais mulheres
brancas como esposas de chefes de domicílios, e mais mulheres não brancas
chefiando sozinhas um domicílio. Ou seja, como no conjunto da colônia,
também em São José viver e criar os filhos sem o cônjuge era condição mais
freqüente para as não brancas. E quando desse grupo retirei as recenseadas
como viúvas ou como casadas com maridos ausentes (escravos recenseados
em outros domicílios, soldados e tropeiros ausentes, etc.), embora os
percentuais tenham diminuído, estes ainda eram mais altos para as
401
mulheres de cor: 0,9% para as brancas, e 2,3% para as não brancas em
1803, e 0,6% e 2,6%, respectivamente, em 1827.
De fato, desde há muito os historiadores vêm constatando que
unidades domésticas chefiadas por mulheres eram comuns no Brasil
colônia. Donald Ramos, por exemplo, descobriu que as mulheres
comandavam 45% das unidades domésticas em Vila Rica, em 1804.
Elizabeth Kuznesof também documentou a elevada incidência de grupos
domésticos sob direção feminina na cidade de São Paulo, entre 1765 e 1836,
e Alida Metcalf encontrou o mesmo em Ubatuba, em 1798: as mulheres
chefiavam 52% das famílias complexas, 23% das nucleares e 24% das
simples, da população que não possuía escravos.
239
No entanto, em um outro estudo, sobre a vila de São Paulo no
início do século XIX, Kuznesof observou que a ilegitimidade era menor
quando se tratava de áreas rurais, como a freguesia que observo no presente
texto. A autora calculou que, em 1836, 19% das mães não eram casadas no
contexto rural paulistano, em comparação com 28% no centro urbano. A
proporção de mães brancas não casadas em relação ao total de mães
brancas era somente de 8,6% no meio rural, mas crescia para 26,3% na área
urbana. Havia também maior proporção de mães solteiras, negras, nas áreas
urbanas – 41,4% de mães negras contra 33.3% na área rural.
240
239 Donald Ramos (Marriage and family) e Elizabeth Kuznesof (Household compositian and economy ) são citados por
METCALF,
Alida. A Família Escrava no Brasil Colonial: um Estudo de Caso em São Paulo, p. 205/212.
In: NADALIN, MARCILIO & BALHANA. História e População. Estudos sobre a América Latina.
São Paulo: ABEP/IUSSP/CELADE, 1990, p. 782, nota 22.
240
KUZNESOF, Elizabeth.
Ilegitimidade, raça e laços de família no Brasil do século XIX: uma
análise da informação de censos e de batismos para São Paulo e Rio de Janeiro. História e
População. Estudos sobre a América Latina. São Paulo: ABEP, 1990
,
pp.
164
-
174.
402
Kuznesof acredita que provavelmente as áreas urbanas fossem
locais melhores do que as rurais para as mães solteiras pobres encontrarem
trabalho para sustentar as crianças. A agricultura de subsistência exigia
dois parceiros adultos, enquanto o trabalho como costureira, lavadeira ou
empregada podia ser mais facilmente combinado com o cuidado dos filhos.
Assim, mulheres solteiras e muitas mães não-casadas viviam sem a
companhia de um homem – teriam sido atraídas ao meio urbano.
241
Eu complementaria essa hipótese com a seguinte idéia: me parece
provável que o número de domicílios chefiados por mulheres sozinhas com
seus filhos fosse menor em áreas rurais porque em meios desse tipo era em
geral pequeno o número de migrantes femininas (ao contrário das áreas
urbanas) e, portanto, a maior parte das solteiras com filhos, se não tinham
um parceiro, podiam contar com o apoio dos pais, tios, irmãos, irmãs, e
outros parentes, e mesmo em casa de não parentes, posto que em domicílios
agrícolas, em geral, a presença de mais um membro era antes um beneficio
do que um fardo.
Foi o que me sugeriu a observação dos índices, ainda na tabela
4.1, relativos às pessoas listadas como agregadas ou parentes não nucleares
dos chefes dos domicílios da freguesia de São José. Dentre as mulheres
brancas presentes em 1803, 5,7% viviam como parentes não nucleares do
chefe do domicílio, e 2,1% estavam agregadas em casas de estranhos; em
241 Esta conclusão, nos lembra a autora, é coerente com o trabalho de Venâncio sobre o Rio de Janeiro. Sua análise dos registros paroquiais
forneceu um índice de 24,7% de ilegitimidade para a população livre da paróquia urbana de São José e o baixo índice de 13,5% de
ilegitimidade para a população livre da região rural de plantações de Jacarepaguá. Venâncio também conclui que, para ambas as áreas, a
proporção de escravas libertas entre as mães de crianças ilegítimas era muito alta cerca de 50% para a área rural de Jacarepaguá e 58%
para a de São José (urbana). V
ENANCIO
, Renato. Nos limites da sagrada fam
í
lia (p
p
. 113-119). In:
VAINFAS
, (org). História e
sexualidade no Brasil, Rio de Janeiro, Graal, 1986
. Silvia Brügger defende a mesma idéia. Esta autora sugere
que nas áreas urbanas as mulheres solteiras encontravam meios mais propícios para
garantir sua sobrevivência ou que, ali, talvez o casamento fosse menos necessário para seus
projetos de vida.(BRUGGER, CAP. 2, p. 22).
403
1827, esses índices eram, respectivamente, de 1,4% e de 0,9%. Dentre as
mulheres pardas ou negras, 5,9% eram parentes não nucleares do chefe do
domicílio, e 4,3% estavam agregadas em casas de estranhos em 1803; em
1827 estes índices eram, respectivamente, de 3,3% e de 3,8%. Enfim, para
as mulheres da freguesia, independentemente da cor, viver com parentes ou
com estranhos eram estratégias de sobrevivência, embora fossem práticas
mais comuns para as não brancas, especialmente a agregação em casa de
não parentes.
E mais: entre 1803, dentre as pessoas identificadas como
parentes do chefe do domicílio, 41 eram brancas (28 mulheres e 13 homens)
e 88 pardas (45 mulheres e 43 homens). Entre os pardos, mais de 90%
desses parentes eram irmãs (dez), sobrinhos (14) e principalmente netos (58)
de ambos os sexos; entre os brancos esta tendência também aparece,
embora um pouco menos acentuada: dez irmãs, seis sobrinhos e 14 netos
constituíam cerca de 70% dos parentes. Em 1827, dentre as pessoas
identificadas como parentes não nucleares, 35 eram brancas (20 mulheres e
15 homens) e 82 eram pardas ou negras (54 mulheres e 28 homens). Mais
uma vez predominavam as irmãs (nove), os sobrinhos (24) e os netos (35)
entre os não brancos (84% dos parentes), tendência também presente entre
os brancos: nove irmãs, dois sobrinhos e 17 netos constituiam 80% dos
parentes.
Desse quadro pude deduzir que aquela incidência de mulheres
sozinhas com filhos, sobretudo entre os não-brancos (indicada
anteriormente nos percentuais de chefes femininas sem parceiros ou vivendo
com parentes ou estranhos), não era mais alta em São José porque
404
também a permanência na casa paterna era estratégia freqüente entre as
mulheres (de todos os grupos de cor, mas em especial as pardas e negras)
que, com seus filhos, não tinham condições de manter domicílio autônomo.
Tabela 4.2 - composição sexo-etária (%) da população livre, por cor
São José dos Pinhais – 1803 e 1827
1803 1827 Faixa etária
Brancos Não
Brancos
Brancos Não
Brancos
Até 10 anos 32,5 37,8 36,0 40,6
De 10 a 50 anos 55,0 54,5 56,0 50,3
50 anos ou + 12,5 7,7 8,0 9,1
% Homens 47,2 46,1 51,3 46,3
Fonte: anexo 9
Finalmente, ainda em relação aos indivíduos relacionados como
filhos do chefe do domicílio, pude observar que - embora na região houvesse
proporcionalmente mais crianças entre os não brancos livres, nos dois anos
observados (tabela 4.2) - em São José dos Pinhais o percentual de filhos era
mais significativo entre os brancos (54,4% em 1803 e 59,4% em 1827) do
que entre os não brancos (52,8% em 1803 e 53,9% em 1827). De fato, da
amostra constituída pelos dados de 1803, as idades médias dos filhos dos
chefes dos domicílios foram calculadas em 11,7 anos, para os brancos, e em
10,2 para os não brancos. Para 1827 esses mesmos índices são,
respectivamente, de 9,3 e 8,4.
Os índices de ambos os anos, em suma, estão indicando que
pardos e negros saíam mais cedo do lar paterno e/ou materno. Percebi que
esse aspecto era especialmente verdadeiro para os homens: nos dois anos,
27,0% e 31,8% dos brancos viviam com seus pais, estando nesta condição
405
apenas 25,3% e 26,6% dos livres não brancos. Ora, considerando que os
homens eram minoria entre os parentes não nucleares e entre os agregados,
depreendo que muitos desses filhos migravam para outras localidades. Essa
suposição combina com o que Eni Samara observou, no mesmo período,
para a vila de Itu. Também ali as mulheres agregadas eram mais numerosas
do que os homens, fato que, segundo a autora, era regra geral na capitania
de São Paulo, devido à mobilidade dos homens em busca de meio de vida,
com as tropas de mulas, no comércio com outras capitanias.
242
No capítulo 2 vimos que os agregados constituíam uma parcela
pequena da população da freguesia (eram 5,2% dos livres em 1803 e 3,7%
em 1827). Vimos também que era um grupo marcadamente feminino, e mais
jovem do que a população livre não agregada: nos três anos observados, 2/3
dos agregados eram mulheres, enquanto na população livre não agregada
essa proporção encontrava-se em torno de ½. A idade média dos agregados
era de 22,6 anos em 1782, de 19,7 anos em 1803 e de 17 anos em 1827;
enquanto o mesmo índice, para os livres não agregados era de 24,2 anos em
1782, 20,8 anos em 1803 e 19,6 anos em 1827. Sobretudo, salientei que
entre os agregados havia poucos idosos.
Além disso, em São José dos Pinhais os agregados eram um grupo
predominantemente não-branco: 74% deles eram pardos ou negros em 1803;
índice que se ampliaria para 82% em 1827. Embora se trate de um grupo
reduzido (87 pessoas em 1803 e 103 em 1827), creio ser possível marcar
algumas diferenças internas, resumidas nas tabelas 4.3 e 4.4, a seguir.
242
SAMARA, Eni de Mesquita. Op. Cit, 1977, p. 55.
406
Tabela 4.3 - Distribuição dos agregados por cor, sexo e idade
São José dos Pinhais, 1803
brancos Não brancos Total Faixa etária
H M
T
H
M
T
H
M
T
Até 9 anos 1 4
5
3
13
16
4
17
21
10 a 49 anos 6 11
17
17
19
36
23
30
53
50 ou mais anos
- 1
1
1
2
3
1
3
4
Idade ilegível - - - 3
6
9
3
6
9
Total 7 16
23
24
40
64
31
56
87
H= homens; M= mulheres; T= homens+mulheres.
Tabela 4.4 - Distribuição dos agregados por cor, sexo e idade
São José dos Pinhais, 1827
Brancos Não brancos Total Faixa etária
H M
T
H
M
T
H
M
T
Até 9 anos 2 5
7
13
20
33
15
25
40
10 a 49 anos 4 5
9
18
29
47
22
34
56
50 ou mais anos
- 3
3
- 4
4
- 7
7
Total 6 13
19
31
53
84
37
66
103
H= homens; M= mulheres; T= homens+mulheres.
Das 21 crianças agregadas em 1803, 16 eram pardas e, desse
último grupo, 13 eram meninas. Também em 1827 as crianças pardas eram
maioria (31 pardas, duas negras e sete brancas), e das 33 crianças não-
brancas, 20 eram meninas. Nos dois anos, o predomínio de não brancos,
sobretudo pardos, entre os agregados adultos e idosos também é evidente,
ainda que de forma menos acentuada em 1803. Ademais, pouco mais da
metade dos agregados adultos e idosos não brancos eram mulheres em
1803; em 1827 as mulheres eram quase o dobro
A observação das listas nominativas de São José nos ajuda a
determinar quem eram esses agregados não-brancos. Não era incomum a
agregação de pardos e negros livres casados com escravos do domicílio. Um
exemplo, citado anteriormente, é o domicílio 117 da lista de 1803. Nele,
407
além do casal de proprietários com seu filho, viviam três cativos (Suzana,
uma crioula de 30 anos, casada, e as meninas Tereza e Josefa, de sete e três
anos) e um agregado (João, de 40 anos, pardo). Embora a fonte não explicite,
João [Rodrigues da Costa] era casado com a cativa Suzana,
243
e as duas
crianças escravas eram provavelmente suas filhas, embora eu não tenha
localizado seus registros de batismo. Também era o caso da casa 316 da
lista de 1803, de propriedade de Antonio de Sousa. Esse viúvo branco vivia
com os filhos, com dois meninos pardos sem indicação de filiação, exposição
ou agregação, 12 escravos e um agregado, Antonio Pinto, de 30 anos,
provavelmente casado com uma escrava, Anna, parda de 20 anos, pois
ambos aparecem identificados como casados, embora eu não tenha
encontrado o registro da união matrimonial.
Encontrei o mesmo, ainda em 1803, na casa 239, chefiada por
Manoel Gonçalves Padilha, onde viviam a família, dois escravos e dois
agregados. Um deles era Vicente Francisco, de 40 anos, agregado de Manoel
Padilha. Em pesquisa nos registros paroquiais descobri que Vicente era
casado com a cativa Antonia desde 1777, e tiveram ao menos três filhos:
Antonio, Rita e Anna,
244
sendo que naquele ano apenas o filho cativo
encontrava-se na casa de Manoel Padilha, junto aos pais.
Em Paranáguá é exemplo o caso de Sebastiana, parda liberta de 31
anos, que em 1830 morava na propriedade de Anna Ribeiro, senhora de seu
marido, o cativo pardo Miguel, também de 31 anos. Com eles estava o filho
Caetano, “liberto” de 14 anos. Ainda em Paranaguá, no domicílio chefiado
243
Como indiquei no item sobre os escravos. Apenas repetindo, o registro do casamento
deles está no LCPSJP 1, 1795, fl. 89. APSJP
244
LCPSJP 1, fl. 53v; LBPSJP 1, 1777(fl. 88v), 1780 (fls.92) e 1788 (fl.105v). APSJP.
408
pelo açoriano José Francisco, de 43 anos em 1803, viviam o escravo José
crioulo, de 42 anos, sua mulher Catharina, crioula livre de 28 anos, e os
dois filhos do casal, Rogério, de 11 anos, e Francisca, de cinco anos.
A formação desses casais expressa bem aquela tendência dos
cativos da região, indicada no capítulo 3, de se casarem mais
freqüentemente com livres do que com escravos. Apesar desses exemplos, no
entanto, não posso deixar de imaginar que alguns agregados poderiam ter
outros laços de parentesco com escravos dos domicílios - além do nuclear:
uma criança agregada, eventualmente órfã, poderia ser sobrinha de um(a)
escravo(a) de um domicílio, ou um agregado(a) idoso(a) poderia ser avô (avó)
de escravos de um fogo. No entanto, esses laços parentais muito dificilmente
podem ser recuperados pelo historiador.
Em alguns fogos talvez houvesse a agregação de forros, porém as
listas de São José não especificam este dado de forma sistemática. Tanto,
que somente em 1782 encontrei agregados indicados como forros em São
José (eram 11, estabelecidos em três domicílios), e não se sabe se
estabelecidos na propriedade do antigo senhor. Como nessa lista não consta
sequer o sexo e a idade dos agregados, não há como obter esse perfil,
entretanto a historiografia tem acentuado a grande ocorrência de agregação
de forros ou livres de cor, especialmente mulheres idosas ou jovens com seus
filhos pequenos. De fato, foi o que encontrei nas treze indicações de
agregados forros em listas nominativas de Paranaguá (nove em 1783, e
quatro em 1830).
245
245
Para Manuela Cardoso da Cunha a “esperança da manumissão (...) passava pela
dependência pessoal do senhor, ou eventualmente de outro senhor”. Ainda conforme a
autora, o que a “alforria revela é uma expectativa de transformar o escravo num cliente,
409
Em São José dos Pinhais, em 1803, indícios da existência de
algumas famílias agregadas em ao menos oito fogos. Algumas dessas
famílias aparecem com a anotação do vínculo na própria lista. Exemplo disso
está na casa 321, chefiada pelo vigário Theodoro José de Freitas, onde
viviam agregados Francisco Ignácio, branco de 25 anos, sua mulher
Francisca, também branca, de 26 anos, e os filhos Theodoro e Anna, de um e
três anos, respectivamente. Do mesmo modo, na casa 279 vivia a agregada
parda Maria, de 24 anos, com uma filha de dez anos. De 1827 trago o
exemplo do domicílio 97, da 3
a
. companhia de São José dos Pinhais,
chefiado por José Estevo da Luz, um branco de 43 anos, solteiro, onde
viviam agregados a parda Vitória, solteira de 57 anos e seus três filhos.
Mas em geral o vínculo parental, se existisse, não aparecia
explicitado. Vários casos poderiam ser listados, mas cito apenas dois deles:
na casa 313 de 1803, além da família de Francisco Antonio, viviam sete
escravos e cinco agregados. Uma delas (Maria) era casada com o escravo
Simão. Os demais poderiam formar uma ou duas famílias. Eram eles: Luzia,
30 anos, solteira, parda; Vitorina, 20 anos, solteira, parda; Claro, dez anos,
pardo; Eufrásia, sete anos, parda. Esse era o caso, igualmente, da casa 130,
do mesmo ano, onde viviam agregadas Izabel, de 24 anos, parda, solteira, e
as meninas – que poderiam ser suas filhas – Maria (três anos, parda) e Isabel
(dez anos, parda).
Também encontrei agregados adultos ou idosos (+ de 18 anos)
solitários em seis domicílios da lista de 1803. Assim vivia Anna, branca de
agregado” CUNHA, Manoela Carneiro da. Negros Estrangeiros: os escravos libertos e sua
volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985, pp. 48-51.
410
22 anos, agregada na casa 52, de Maria Pereira, viúva, também branca, que
tinha uma filha e um escravo. Era esta mesma a situação dos agregados
Maria do Rosário (viúva branca 70 anos, na casa 76); Thomé Ribeiro (80
anos, pardo, solteiro, na casa 81); Maria (19 anos, negra, solteira, na casa
88); e Angela (38 anos, branca, solteira, na casa 176).
Mas os agregados mais comumente encontrados na freguesia eram
crianças e jovens, especialmente não brancos. Dos 59 domicílios com
agregados em 1803, em 38 havia crianças e jovens agregados sem vínculos
parentais aparentes no interior do fogo. Juntos, eles formavam um grupo de
45 pessoas, sendo que 24 tinham no máximo dez anos. Desses 45 jovens e
crianças, 35 eram pardos, dois negros e oito brancos. Também entre os 45,
29 eram mulheres e 16 homens.
Apenas para citar alguns exemplos, esse era o caso de Angélica,
uma parda de seis anos, que vivia agregada no domicílio do lavrador José
Martins de Brito, um branco de 49 anos, casado e com seis filhos (domicílio
21, 1803). Ou ainda, dos jovens Sypriano (12 anos), Manoel (11 anos), Anna
(dez anos), Francisca (nove anos) e Antonia (seis anos), todos pardos,
agregados na casa de Camilio de Lima, fazendeiro branco, de 29 anos,
casado, sem filhos e proprietário de 11 escravos (domicílio 189).
Infelizmente não pude descobrir a origem desses jovens e crianças,
mas suponho que fossem órfãos ou filhos de famílias pobres, trabalhando e
vivendo em terras de criadores e lavradores da região. Seriam exemplos
similares ao encontrado por Eni Samara, quando esta autora procurou
demonstrar que a sobrevivência determinada pela pobreza levava muitos
pais a se separarem dos filhos. Ela nos conta que um recenseador da
411
paróquia de Santa Ifigência, na vila de São Paulo, em 1827, anotou que a
moradora Francisca de Paula, viúva, parda, de 69 anos, vivia de fiar algodão
juntamente com uma filha viúva e três netos. Sua outra filha morava com
Antonio Bueno no mesmo distrito.
246
Em Paranaguá as listas nominativas sugerem o mesmo. Em 1803,
o registro de uma agregada negra de nove anos onde consta que “serve a
casa” e outra, parda de 13 anos, que era lavadeira. Em 1830, ainda em
Paranaguá, havia 12 rapazes agregados em vários fogos, com idades entre
dez e 19 anos sendo sete brancos, três pardos e 2 negros –, todos
recenseados como aprendizes.
247
Para São José dos Pinhais também não detalhes sobre a
ocupação dos agregados adultos, mas possivelmente a maior parte deles
trabalhasse na lavoura ou no serviço doméstico, como de resto, o conjunto
da população do lugar. Em Paranaguá, um meio social com maior
diversidade e complexidade econômica, nas listas nominativas encontrei
referências à ocupação de alguns dos agregados, as quais, mais uma vez,
testemunham a diversidade de status desse grupo no interior dos vilarejos e
no interior dos fogos. Na lista de 1783 um agregado foi identificado como
feitor. Em 1803, num único fogo (chefiado pelo capitão-mor) havia nove
homens entre 24 e 40 anos, todos brancos e pertencentes ao corpo militar,
que viviam de seus soldos. Naquele ano também foram recenseados quatro
agregados homens, todos brancos, ocupados no “serviço doméstico”, duas
mulheres pardas, uma que servia a casa e outra lavadeira. Ainda, um
246
SAMARA, Eni M. Famílias e domicílios em sociedades escravistas (São Paulo, século XIX).
IN: História e População. Estudos sobre a América Latina. São Paulo: ABEP, 1990, p. 178.
247
Nesse ano havia também um escravo nessa condição: um negro de 18 anos.
412
carpinteiro, um comerciante, um caixeiro e uma meretriz (todos brancos),
uma lavradora e uma idosa que vivia de esmolas. Em 1830, além dos jovens
aprendizes, consta a ocupação de três agregadas brancas (duas vivendo de
suas agências e uma costureira) e duas idosas “acostadas”.
4.1.1 A reincorporação de livres ao mundo dos cativos
Mencionei, no capítulo anterior, que os agregados eram vistos, no
Brasil escravista, como gente de “menor qualidade”. Uma análise mais detida
acerca da forma como eram preenchidas as listas nominativas de São José
dos Pinhais talvez nos pistas sobre diferenças de status social no interior
desse grupo, especificamente no que diz respeito à cor.
Nos censos de 1803 e de 1827, como se viu, existe um padrão na
apresentação da cor do indivíduo e de sua condição jurídica, e mesmo na
ordem em que as pessoas eram relacionadas (parentes, agregados e
escravos). Analisando as 41 unidades com agregados, e sem escravos, na
lista de 1803 de o José dos Pinhais, pude observar algumas sutilezas na
forma de se listar os integrantes dos fogos. Em 13 desses domicílios a
hierarquia do rol de pessoas é inconclusiva, seja porque os agregados eram
os são integrantes do fogo, além do chefe e do cônjuge deste, seja porque o
agregado é o mais novo membro do fogo, e a regra era citar as pessoas por
idade, em ordem descrescente. Em oito unidades os agregados estão listados
misturados aos membros da família, e nesses casos, em sete unidades os
agregados e as famílias eram pardos, e em uma unidade tanto o agregado
como a família eram brancos. O mais comum, porém, era a prática de listar
primeiro a família e depois os agregados. Nesse ano de 1803, 20 fogos
413
apresentam esta configuração, sendo que em dez deles a chefia era branca,
sendo pardos ou negros os agregados. Nos outros dez domicílios, agregados e
família tinham a mesma cor (seis pardos e quatro brancos). Em suma,
mesmo quando se trata de homens e mulheres sem cativos, parece que
nesse ambiente escravista a cor parda ou negra do agregado reforçava sua
“menor qualidade”, especialmente quando o chefe do fogo era branco.
Além disso, analisando as 13 unidades com escravos e com
agregados, ainda na lista de 1803, observei que os pequenos escravistas
tendiam a listar primeiro os agregados (portanto, próximo aos parentes) e
depois os escravos. Os maiores listavam primeiro os cativos e depois os
agregados. Talvez uma indicação de que os agregados dos primeiros viviam
na mesma casa da família, e de que os agregados dos maiores escravistas
habitavam em separado, sendo vistos como as “outras pessoas que moravam
na propriedade”. Mas não isso apenas. Dos nove domicílios em que
agregados foram listados antes dos escravos, em seis os agregados eram
brancos e em cinco deles também o chefe do fogo era branco. Dos nove
domicílios em que os agregados foram listados depois dos escravos, ou
misturados a eles, em todos os agregados eram pardos, e brancos os chefes
dos domicílios. Em 1827, o mesmo padrão. Dos 26 domicílios com escravos e
agregados, 25 listaram primeiro os escravos e depois os agregados, sendo
que em apenas um deles eram brancos os agregados. Em outro domicílio os
agregados (brancos) aparecem antes dos escravos.
Enfim, no olhar senhorial, parece que a categoria “agregado”
comportava pessoas com status muito diferentes: alguns quase parentes,
outros quase escravos. Roberto Guedes Ferreira encontrou em Porto Feliz
414
um bom exemplo do primeiro caso. Ele relatou a trajetória do pardo Antonio
Pedroso de Campos, um carpinteiro. Em 1815 ele aparece na lista
nominativa chefiando um fogo onde viviam sua mulher, a filha Emília, com
13 anos, e um agregado pardo, Joaquim da Costa, de 17 anos, que mais
tarde se casou com Emília.
248
A despeito desse exemplo de agregação como uma relação
horizontal, o padrão de preenchimento da lista de integrantes dos domicílios
me propõe a idéia de que, em sua hierarquia interna, muito freqüentemente
os agregados ocupavam uma posição próxima à dos escravos. Mais que isso.
A listagem dos integrantes do domicílio de Antonio Pereira do Valle (fogo 45
da lista de 1798) me leva a outras inferências. Nela, os escravos e os
agregados estão relacionados da seguinte forma:
Escravos
Bento mulato casado 40 anos
Anna sua mulher forra, 45 anos
Maria, 15 anos
Antonio, 12 anos
João, 11 anos
Francisca, 7 anos
Escolástica gemea, 7 anos
Maria, 5 anos
Josepha, 4 anos
Januário, 2 anos
Agregados
Paula forra, 20 anos
Manoel seu filho, 2 anos
248
FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto
Feliz, São Paulo, c. 1798 – c. 1850. Tese de doutorado, PPGHIS-UFRJ, 2005, p. 5, p. 256.
415
Na verdade, Antonio Pereira do Valle possuía, naquele momento,
apenas um cativo: o mulato Bento. A mulher desse escravo era forra, e livres
eram os oito filhos do casal, os quais localizei nos registros de batismo da
paróquia, sendo que Anna era forra quando nasceu a mais velha.
249
No
entanto, somente a forra Paula e seu filho foram relacionados como
agregados. Enfim, como afirmei anteriormente, para alguns senhores certos
agregados eram quase parentes, e outros eram quase escravos. Desse
exemplo se deduz também que certos agregados eram efetivamente (ainda
que não legalmente) tidos como cativos.
250
No caso específico de Antonio Pereira do Valle e seu escravo Bento
(e certamente em outros), parece que estamos recuperando um peculiar
conflito, que somente o cruzamento de fontes pôde trazer à tona: como vimos
no ítem sobre os escravos, Bento estava maritalmente unido à forra Anna ao
menos desde 1782, quando nasceu a primeira filha do casal, talvez a
maneira mais eficaz que encontrou para lutar contra a sua condição, isto é,
garantir a liberdade a seus descendentes. No entanto, em 1798 (mais de 15
anos após a união) a família livre de Bento mantinha-se sob a dependência
de Antonio Pereira do Valle, o qual fez questão de expressar, na lista
nominativa, sua disposição de não se render àquele “ato de rebeldia” de seu
cativo. Somente em 1803, como vimos no capítulo anterior, Ana Pereira
aparece vivendo, com seus filhos, em domicílio autônomo, dessa forma
249
Conforme indiquei no capítulo 3
250
Roberto Guedes Ferreira também observou casos de escravos unidos a agregados em
Porto Feliz, sendo geralmente o homem cativo. Para o autor, certamente, manter o homem
cativo significava uma forma de produzir a dependência e restringir a autonomia da mulher
alforriada e de seus filhos. FERREIRA, Roberto Guedes. Op. Cit, p.159.
416
afastando-se um pouco mais do controle que Antonio Pereira do Valle exercia
legalmente sobre seu marido.
Provavelmente jamais saberemos acerca das inúmeras batalhas
que esta família teve que lutar para reafirmar continuamente sua livre
condição e para resgatar o pai do cativeiro. Mas de alguma forma isso foi
possível: em 1818, ano em que Antonio Pereira do Valle faleceu, conforme
anotação na casa 132, 3
a
. cia, da Lista de1818, encontrei um domicílio de
pardos livres (número 135, 3
a
. cia, lista de 1818), assim discriminado:
Bento José, 58 anos, casado, pardo, planta para comer.
Anna sua mulher, 56 anos, parda.
Filhos:
Sebastião, 12 anos, solteiro, pardo.
Joaquim, 10 anos,solteiro, pardo.
Antonio, 9 anos, solteiro, pardo.
Maria, 40 anos, solteira, parda.
Francisca, 39 anos, solteira, parda.
Maria, 8 anos, parda
Anna, 1 ano, parda, falecida.
José, 1 ano, pardo, falecido.
Tudo indica tratar-se do nosso casal Bento e Anna. Estão ali as
filhas Maria e Francisca, com idades compatíveis às datas de seus batismos.
Os demais são muito jovens, e provavelmente seriam, de fato, netos de Bento
e Anna que foram recenseados de forma incorreta. Devido à proximidade dos
domicílios de Antonio Pereira de Valle e de Bento José (fogos 132 e 135 na
lista de 1818, como se viu), é provável que a família desse ex-escravo
habitasse em terras de seu antigo senhor. De qualquer forma, sua liberdade
legal, e a de sua família, parece que estava, por então, socialmente
consolidada.
417
Do que até aqui levantei, parece evidente a diversidade de aspectos
envolvidos na avaliação dos escravos e agregados por parte do chefe do fogo.
Mas, principalmente, acredito ser possível inferir que listar as pessoas que
estavam fora do grupo de parentesco, em cada domicílio, era um ato político.
Considerando-se que o caso de Antonio Pereira do Valle, usado como
exemplo, não deve ser o único, até onde pude ir, em minha interpretação,
diria que se começava a listar os cativos por aqueles para os quais não
pairavam dúvidas acerca de sua condição, e à medida que se alongava a
lista, poderia haver, digamos, controvérsias.
Parece-me a tentativa de manutenção (de novas maneiras) da
tradicional prática de escravização da mão-de-obra “que estivesse à mão”,
observada pelo ouvidor Pardinho no inicio do século XVIII, e que se manteve
por um bom tempo. Octavio Ianni, em As Metamorfoses do Escravo, cita um
censo de 1776 realizado na freguesia de São José dos Pinhais,
251
segundo o
qual ali estavam estabelecidas...
“... 171 famílias dedicadas a atividades agrícolas, pecuárias,
extrativas, de comércio, etc. (...) [Delas,] apenas 50 possuíam
cativos, negros, mulatos ou administrados. Outras dez
contavam com agregados entre os componentes da unidade
econômica doméstica, e 111 não possuíam quer escravos quer
agregados. Com relação à condição jurídica da mão-de-obra
disponível, as famílias distribuíam-se do seguinte modo: cinco
têm apenas administrados, 46 têm somente escravos negros e
mulatos, 18 têm administrados além de outros cativos, 50
contavam com escravos negros, mulatos ou índios, 10 possuíam
apenas agregados, 111 não têm escravos nem agregados,
destas, três eram compostas de índios e descendentes e uma se
compunha de negros e mulatos livres.”
252
251
Este documento encontra-se no AESP, cx. 203, T C. 1765-1782. População, Curitiba, Pr.
252
IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. 2.ed., São Paulo: Hucitec/Curitiba: Scientia
et Labor, 1988, p. 71, notas 11 e 12.
418
Ou seja, nesse ambiente em que os livres tinham cada vez menos
capacidade de investir em escravos, também cresciam os esforços senhoriais
para incorporar pessoas ao cativeiro (especialmente parentes de escravos)
sem ter que comprá-las. A meu ver, trata-se de um locus social onde uma
escravidão “rarefeita” não impedia, ou até impulsionava, uma prática
reiterativa (portanto, estrutural) que contribuía para a reprodução de uma
hierarquia fundada na escravidão. No século XIX essa prática se mantém,
porém mudam as maneiras de descrever esta mão-de-obra, e as formas de
recrutá-la.
253
A despeito dos esforços senhoriais, porém, por vezes eles não foram
bem sucedidos nem mesmo com seus cativos. Nesse sentido, Adriano Moraes
Lima apresentou a história exemplar, de alguns cativos que viviam na
freguesia de Santa Anna do Yapó (Castro-PR) no final do século XVIII.
Informa-nos o autor que em 1794 a viúva Catarina de Oliveira redigiu a
escritura de alforria de oito escravos seus. A mãe desses cativos era a preta
Paula, falecida na ocasião. A viúva declarou que ela e o marido haviam
alforriado vocalmente a dita escrava há vários anos, e Paula viveu os últimos
anos de sua vida “já sobre si vestindo-se e alimentando a sua custa, e
pagando os ordenados das confissões como se fora senhora de si”. Disse
também, Catarina de Oliveira, que seu falecido marido, Sebastião Sutil,
253
Na verdade, mesmo onde a mão-de-obra cativa não era escassa, e onde era plena a
inserção no tráfico Atlântico, o escravo era um trabalhador disputado. José Roberto Góes
nos deu exemplos disso, quando menciona casos de rapto ou fuga de cativos para serem
vendidos a outras pessoas -uma espécie de mercado negro, nas décadas de 1830 e 40,
quando o trafico ainda vigia e se intensificava (GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito.
Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória
(ES): SEJC/SEE, 1993, p. 152 a 155). Também Mary Karasch recolheu algo nesse sentido,
ao comentar sobre o grande temor vivido pelos escravos da Corte de se verem raptados e
vendidos para o interior da província. KARASCH, Mary C. Slave life in Rio de Janeiro.
Princeton: Princeton University Press, 1987, p.50.
419
tivera quatro filhos com esta escrava, e com ela vivera “amigado” por muito
tempo, antes de se casar com a declarante. Esses quatro filhos eram
Francisco Sutil, Ignacio Sutil, Felipe Sutil e Ignes Sutil, todos nascidos
escravos. Os outros cinco, a dita escrava os teve com pai não mencionado na
carta de alforria, e provavelmente nasceram depois de Paula ter sido
“alforriada vocalmente”. Todavia, segundo declaração no documento, todos
eles encontravam-se sob a tutela da viúva Catarina na condição de escravos.
A partir destas informações, Adriano Lima procurou o domicílio de
Catarina Oliveira nas listas nominativas de Castro de diversos anos
anteriores a 1794 (data do registro das alforrias). O autor descobriu que 18
anos antes de conceder a liberdade a seus escravos, Catarina Oliveira
havia enviuvado de Sebastião Sutil e encontrava-se casada com Antonio
Martins Pedroso. O casal vivia com Joana, filha de Catarina com o falecido
Sebastião, e com quatro escravos. A princípio o pesquisador imaginou serem
estes escravos os filhos que a escrava Paula teve com Sebastião Sutil (na
época as listas nominativas não nomeavam os escravos). Porém, no mesmo
bairro em que Catarina vivia, ele encontrou três deles. Em novembro de
1776, Felipe Sutil, com 40 anos, encontrava-se fora da freguesia, conduzindo
tropas. Sua esposa Gertrudes Maria mantinha o domicílio do casal, com
seus quatro filhos menores e com a ajuda de uma escrava. Em domicílio
contíguo estava Francisco Sutil, de 39 anos, que também vivia de conduzir
tropas. Era casado com Rosa Gonçalves com quem teve cinco filhos. Ainda
no mesmo bairro vivia Ignes Sutil, unida maritalmente a Pedro da Silva,
também condutor de tropas, com quem teve sete filhos. O autor observa,
pois, que Felipe, Francisco e Ignes foram escravos durante toda a segunda
420
metade do século XVIII, mas, ao que parece, viveram em condições muito
semelhantes à de tantos outros homens e mulheres livres que habitavam
aquela vila colonial, e a condição jurídica deles nem mesmo foi mencionada
pelo recenseador.
254
Em suma, era a legitimidade e/ou o reconhecimento social de
determinada situação que caracterizava o status de livres e escravos naquela
sociedade, e não apenas a condição jurídica. Essa legitimidade e/ou
reconhecimento social era, de fato, produto da luta cotidiana entre senhores
e ex-senhores, de um lado, e de escravos, forros e negros ou pardos livres, de
outro. Porém, se a ordem escravista pôde se manter incólume no Brasil, e
por tanto tempo, ela não deixou de sofrer milhares de pequenas derrotas,
como estas que se pôde resgatar na trajetória da família do escravo Bento,
em São José dos Pinhais, e da família da escrava Paula, em Castro.
4.2 Os chefes de domicílios
Não foram poucos os pardos e negros livres que, a despeito das
dificuldades e das pressões sociais, na freguesia de São José dos Pinhais
conseguiram manter-se de forma mais ou menos autônoma. Eles serão o
foco de nossa atenção nesse ítem, até porque eram muitos: em 1803, dos
317 chefes de domicílio da freguesia, 163 eram pardos (51,4%); em 1827,
pardos e negros representavam 50% (288) das 576 chefias.
255
Conforme
indiquei, a partir da leitura da tabela 4.1, a despeito da histórica
desvantagem social dos livres de cor no Brasil escravista, ao menos em São
254
LIMA, Adriano B. Moraes. Trajetórias de crioulos. Um estudo das relações comunitárias
de escravos e forros no Termo da Vila de Curitiba (c.1760 – c.1830). Dissertação de
mestrado defendida no PPGHIS da UFPR. Curitiba, 2001, p. 22 a 25.
255
278 deles identificados como pardos e 10 como negros.
421
José dos Pinhais eles aparentemente eram bem sucedidos no que diz
respeito à constituição e manutenção de domicílios autônomos.
Observei também (no capítulo 2) que a manutenção de um
domicílio complexo e com muitas pessoas provavelmente estaria
expressando um maior sucesso no empenho em arregimentar dependentes.
Em função disso, um dos aspectos a serem considerados aqui é a posse de
cativos pelos não brancos que conseguiam manter sua autonomia, bem
como a presença de agregados e parentes não nucleares em seus domicílios.
4.2.1 Cor e composição dos domicílios
Vimos anteriormente que, especialmente em 1827, entre os não
brancos havia um percentual significativo de mulheres chefiando domicílios
(24,6% em 1803 e 28,2% em 1827), quando se compara com o percentual
entre os brancos (20,9% em 1803 e 15,6% em 1827). Também havia
diferenças entre brancos e não brancos, relativas à composição de seus
fogos, especialmente quando se tratava da posse de escravos: em 1803,
quase 40% dos 154 brancos chefes de domicílios possuíam escravos, e não
havia escravistas entre os 163 pardos chefes de fogos. Em 1827, tinham
cativos 31% dos 288 domicílios chefiados por brancos, e apenas dois (0,7%)
domicílios com cativos entre os 288 fogos com chefia não branca. Esses dois
proprietários de cativos eram ambos pardos, o primeiro, um lavrador e
criador de 50 anos, que vivia com a mulher e quatrp filhas entre dois e 20
anos. Seus escravos eram um idoso de 70 anos e uma moça de 15 anos,
ambos negros. O segundo era o domicílio de um arrieiro e lavrador de 48
anos, que vivia com a mulher e sete filhos com até 16 anos, senhor de dois
422
cativos do sexo masculino, sendo um africano de 30 anos e um crioulo de 20
anos, ambos negros.
Também em relação aos agregados havia uma defasagem, ainda
que muito menos acentuada: possuíam agregados cerca de 27% dos
domicílios chefiados por brancos em 1803, e 17% em 1827; entre os não
brancos esses índices foram calculados em torno de 11% e 7%, nos
respectivos anos. Além disso, embora a população agregada da freguesia
fosse marcadamente feminina, essa característica apresenta-se um pouco
mais acentuada nos domicílios de chefia parda: em 1803 e em 1827, dois em
cada três agregados em domicílios de brancos eram mulheres; nos fogos de
pardos elas eram três em cada quatro. Finalmente, em todos os anos, os
chefes de domicílios brancos tinham agregados de dois grupos de cor (1803
havia 15 brancos e 28 não brancos agregados em seus domicílios; 12
brancos e 39 não brancos em 1827). Já as chefias não brancas tendiam a
agregar mais indivíduos do mesmo grupo de cor (em 1803, 18 não brancos e
apenas um branco estavam agregados em seus domicílios; em 1827 havia 22
não brancos e um branco).
As diferenças eram ainda menores em se tratando do
estabelecimento de parentes não nucleares nos domicílios. Em 1803 e em
1827, respectivamente 26% e pouco mais de 6% dos fogos com chefia branca
abrigavam parentes não nucleares; nesses mesmos anos os índices dos
domicílios com chefia não branca foram calculados em 23% e em 13%,
respectivamente. Como se viu, também os indivíduos recenseados como
parentes não nucleares eram em geral mulheres, porém, quando observei
essa composição de acordo com a cor do chefe do domicílio, encontrei
423
diferenças em 1803: neste ano, três em cada quatro parentes em domicílios
de brancos eram mulheres, e essa proporção ficava em torno de ½ para os
não brancos; em 1827 elas eram 2/3 dos agregados dos domicílios de
brancos e de não brancos.
Ao final pude observar que, em 1803, em torno de 65% (101/154)
dos fogos chefiados por brancos contavam com outra mão-de-obra além do
núcleo familiar, e em 1827 eram cerca de 44,5% (128/288). Entre os não
brancos esses índices eram cerca de 30% (48/163) em 1803, e de 19,5%
(56/288) em 1827. Por esta razão, em geral os domicílios chefiados por
brancos eram mais numerosos: em 1803, 20% deles tinham dez ou mais
membros, em 1827 eles eram cerca de 14,5%. Dentre os domicílios de não
brancos, nos mesmos anos, os índices eram, respectivamente, de 6,7% e
3,8%. Os gráficos 4.1 e 4.2, a seguir, resumem esse quadro. Por eles pude
inferir, principalmente, que não brancos tentavam contornar a dificuldade de
adquirir escravos, agregando indivíduos livres e, principalmente, parentes
em seus domicílios.
Gráfico 4.1 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia.
São José dos Pinhais, 1803
424
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Chefia branca
Chefia não branca
%
escravos agregados parentes
Fonte: LNSJP, 1803
Gráfico 4.2 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia.
São José dos Pinhais, 1827
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Chefia branca
Chefia não branca
%
escravos agregados parentes
Fonte: LNSJP, 1827
Também em Paranaguá isso acontecia. Com os dados dessa vila
pude observar que, em 1803, 39% (326 de 838) dos fogos chefiados por
brancos contavam com outra mão-de-obra além do núcleo familiar, em 1830
eles eram cerca de 34,6% (385 de 1113). Entre os não brancos esses índices
425
eram cerca de 34% (47 de 137) em 1803, e de 26,3% (45 de 171) em 1830.
Por essa razão, em geral as unidades domiciliares chefiadas por brancos
eram mais numerosas: em 1803, 11,1% delas tinham dez ou mais membros
(93 de 838), em 1830 eram cerca de 8,4% (94 de 1113). Dentre os domicílios
de não brancos, nos mesmos anos, os índices eram, respectivamente, de
2,9% (quatro de 137) e 1,7% (quatro de 171).
Dos gráficos 4.3 e 4.4, a seguir, posso inferir que também em
Paranaguá os não brancos tentavam contornar a dificuldade de adquirir
escravos, agregando indivíduos livres, parentes ou não.
Gráfico 4.3 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia. (Paranaguá, 1803)
0 5 10 15 20 25
Chefia branca
Chefia não branca
%
escravos agregados parentes
Fonte: LNPGUA, 1803
Gráfico 4.4 - % de escravos, agregados e/ou parentes não nucleares
nos domicílios, por cor da chefia (Paranaguá, 1830)
426
0 5 10 15 20 25
Chefia branca
Chefia não branca
%
escravos agregados parentes
Fonte: LNPGUA, 1830
Finalmente, aquela relação entre a idade do chefe do fogo, e a presença
de escravos e/ou agregados no fogo (indicada no capítulo 2) também aparece
quando se comparam os grupos de cor, ainda que as chefias brancas fossem
mais bem sucedidas. Na freguesia de São José, em 1803, dentre os
domicílios com chefes brancos de até 25 anos, 40% tinham agregados e/ou
escravos; entre os não-brancos, todos os fogos com chefia jovem eram
formados apenas por parentes. Dos chefes com idade entre 26 e 50 anos,
45,7% dos brancos tinham agregados e/ou escravos, contra apenas 10,4%
dos não-brancos. Dentre os chefes brancos com mais de 50 anos, 86,6%
tinham escravos e/ou agregados no domicílio, contra apenas 15,6% dos não-
brancos.
4.2.2 Cor e posse de terras
427
O cruzamento das informações do Inventário de Bens Rústicos de
1818 com aquelas presentes na lista nominativa de São José dos Pinhais, do
mesmo ano, me permitiu uma avaliação também da relação entre a cor e a
propriedade de terras (anexo 3). Como indiquei no capítulo 2, desse
cruzamento obtive uma amostra de 90 proprietários que detinham 95 das
205 propriedades registradas no Inventário (portanto 46% delas) e a cerca de
40% das terras ocupadas na freguesia.
Desses 90 proprietários, 70 aparecem recenseados como brancos
na lista nominativa de 1818, 19 como pardos e apenas um como negro. Os
20 proprietários não brancos, juntos, detinham apenas 3,6% da área de
terras da amostragem (num ano em que os pardos e negros eram 42,5% da
população livre da freguesia), e suas propriedades eram quase sempre
minúsculas. O gráfico 4.5 mostra que a proporção de não brancos entre os
proprietários era mais significativa quanto menor o tamanho da propriedade,
e que somente no grupo dos proprietários de até dez alqueires de terras eles
aparecem na proporção mais ou menos equivalente à sua participação na
população livre. No entanto, não se pode esquecer aquela grande área
ocupada por escravos de fulano de tal”, referidas no capítulo 2, pois muito
provavelmente eram exploradas por população não branca livre ou liberta, as
quais, se computadas, mudariam significativamente o quadro aqui
apresentado.
Gráfico 4.5 - % de brancos e de não brancos entre os proprietários de
terras, de acordo com o tamanho das propriedades (em alqueires paulistas)
São José dos Pinhais, 1818
428
F
onte:
anexo
3.
O que gostaria de enfatizar, contudo, não é tanto a pequena quantidade de terras nas mãos daqueles tidos
como não brancos, mas o tipo de propriedade: se naquele meio, na luta pela autonomia, pardos e negros
podiam, em geral, tornar-se minifundiários, ainda assim ascender à condição de médio proprietário não
chegava a ser proibitivo. Era o caso de Antonio Alves de Araújo, nascido na freguesia e com 70 anos em 1818,
um pardo proprietário de 262,5 alqueires de terras, obtidos por herança e compra. Em suas terras ele vivia com
a mulher Anna, de 60 anos, com os filhos Theodoro (20 anos), Maria (22) e as crianças Joaquim (quatro) e
Manoel (dois), recenseadas como seus filhos, mas que eram provavelmente filhos de Maria ou de Theodoro.
Embora a extensão de suas terras não se compare a dos grandes proprietários, cabe lembrar, no entanto, que
em nossa amostra apenas 17% dos brancos com terras tinham propriedades maiores do que a de Antonio.
Tabela 4.5 - Médias de parentes (nucleares ou não), escravos e agregados no
total de domicílios e na amostragem de proprietários de terras
(total e até 10 alqueires de terras)
São José dos Pinhais, 1818
Parentes no
domicílio
Agregados no
domicílio
Escravos no
domicíilio
Total de
pessoas no
domicílio
Domicílios da Lista de 1818
Brancos 4,7 0,3 0,8 5,8
Não brancos
4,1 0,1 0,06 4,4
Total de proprietários da amostragem
Brancos 5,3 0,6 1,8 7,7
Não brancos
4,6 0,3 - 4,9
Proprietários da amostragem com até 10 alqueires de terras
Brancos 5,6 0,7 1,5 7,8
Não brancos
5,0 0,4 - 5,4
Fontes: LNSJP, 1818 e anexo 3.
0
20
40
60
80
100
120
0 a 10 10 a 20 20 a 50 50 a 150 150 a 300 + de 300
%
não brancos brancos
429
Páginas atrás indiquei que em 1803 e 1827 os domicílios de pardos e negros eram em geral menos numerosos.
Segundo meus cálculos, também em 1818 isso ocorria, pois as chefias brancas dispunham de mais parentes e
de um maior contingente de mão de obra agregada e escrava Quando calculei esses indices médios para a
amostragem dos 90 proprietários, e para a amostragem dos proprietários de até dez alqueires (faixa em que a
presença de proprietários pardos é tão expressiva quanto a de brancos) estas mesmas diferenças estavam
presentes (tabela 4.5, acima).
4.2.3 Cor e atividade econômica
Em 1803, os chefes de domicílios recenseados como brancos
formavam 48% das chefias de São José dos Pinhais, perfazendo um total de
152 fogos, dos quais 89% (136) voltados prioritariamente para a lavoura.
Desses, 62 (45,6%) produziram para o mercado e 74 plantaram apenas para
o próprio sustento. No mesmo ano, 52% (165) dos chefes de domicílios eram
pardos, e deles, 91,5% (151) estavam preferencialmente envolvidos com a
lavoura. Desses 151 fogos, apenas 22,5% (34) conseguiram produzir
excedentes para colocar no mercado, os demais (117) plantaram apenas para
seu consumo.
Em 1818, eram brancos 58,5% (288) dos 494 chefes de domicílios
da freguesia, sendo que 218 (75,7%) eram agricultores. Reuni informações
mais detalhadadas sobre a produção de apenas 185 deles, dos quais 53%
conseguiram produzir excedentes para o mercado. Dos 204 não brancos
chefes de domicílios naquele ano (196 pardos e oito negros), 166 (81,4%)
dedicavam-se basicamente à lavoura, sendo que destes, apenas 21,7%
produziram excedentes agrícolas.
Mais importante, contudo, é que essa diferença se manteve, ainda
que de forma menos acentuada, quando comparei as atividades econômicas
realizadas por não brancos com aquelas realizadas pelos brancos pobres (os
430
que não detinham a propriedade de escravos, ou que possuíam apenas um
ou dois cativos): em 1803, 60% desses lavradores brancos pobres e 78% dos
não brancos plantavam somente para o sustento; em 1818 esses índices
foram calculados em 61% e 83%.
Encontrei diferenças entre brancos e não brancos também no que
diz respeito às outras atividades desenvolvidas na freguesia. Em 1803,
dentre os chefes de domicílios brancos havia dois pecuaristas, dois
mineradores, um tropeiro, um fazendeiro, um jornaleiro, três artesãos, um
eclesiástico e um sacristão, um profissional e outro do setor de serviços, um
vivendo de negócios e um de esmolas. Dentre os não brancos havia um
minerador, dois jornaleiros, dois do setor de serviços, dois artesãos e quatro
identificados como pobres ou mendigos.
Em 1818 havia, entre os brancos, um pecuarista, um fazendeiro,
um artesão, um eclesiástico, quatro profissionais e dois que viviam de
negócios. Além disso, seis deles foram identificados como pobres, sete chefes
de fogos estavam na guerrilha e cinco estavam para o sul ou no Viamão.
Dentre os não brancos livres havia um pecuarista, quatro fazendeiros, um
capitão do mato, um artesão, 18 pobres ou mendigos, cinco individuos na
guerrilha e um no sul.
Enfim, os domicílios chefiados por brancos conseguiam produzir
mais excedentes para vender no mercado. Além disso, aqueles que não eram
preferencialmente agricultores ocupavam-se com atividades mais valorizadas
socialmente do que as dos não brancos. Junia Furtado também observou
isso no Arraial do Tejuco, em 1774. Ali, embora negros e pardos livres
tivessem uma ampla e diversificada participação econômica, os cargos
431
administrativos e eclesiásticos eram prerrogativas dos brancos.
256
Além
disso, não se pode esquecer que estava entre os não brancos o maior
contingente de indivíduos ou famílias identificados como pobres, muito
pobres, vadios ou mendigos.
Indiquei, no capítulo 2, a existência de relação entre o número
de pessoas e a produtividade do domicílio, pois, para as quatro mais
importantes produções da freguesia (milho, trigo, feijão e gado vacum) os
domicílios com dez ou mais pessoas produziram, em média, mais do que
aqueles com até nove pessoas. Além disso, havia uma tendência a maior
diversificação das atividades nos fogos mais numerosos. Também me referi à
existência de relação entre produtividade e tamanho da propriedade, pois as
propriedades com até cinco atividades tinham em média 85 alqueires,
enquanto nas propriedades que desenvolviam entre seis e oito atividades,
essa média era de 212 alqueires. E as produções médias de milho, feijão e
vacum eram maiores quanto maiores fossem as propriedades.
Sendo os domícilios de não brancos menos numerosos e
menores as suas propriedades, a avaliação desses aspectos, levando em
conta a cor, seria desejável. Porém, ela é problemática, pois na nossa
amostragem existe o detalhamento da produção para apenas 47 domicílios,
sendo que, destes, apenas quatro eram de não brancos. De qualquer forma
resolvi comparar a produção de milho, trigo e vacum destes últimos, com a
256
FURTADO, Junia F. Entre Becos e Vielas: o Arraial do Tejuco e a sociedade Diamantífera
Setecentista. In: PAIVA, Eduardo França & ANASTASIA, Carla Maria Junho (orgs.). O
trabalho mestiço. Maneiras de Pensar e Formas de Viver. Séculos XVI a XIX. São Paulo:
Annablume: PPGH/UFMG, 2002, p. 505.
432
dos proprietários brancos sem escravos (são 16 na amostra).
257
O resultado
confirma a desvantagem dos não brancos especialmente para a produção de
trigo e vacum: em média estes produziram 45,6 alqueires de milho, enquanto
para os não brancos essa média foi de 42,7 alqueires; a produção média
de trigo foi de 13,4 alqueires para brancos e sete alqueires para não brancos;
a de vacum foi de 13,8 para os brancos, e de apenas 1,7 para os não
brancos.
Enfim, no que diz respeito à vida econômica, os dados indicam que
pardos e negros livres produziam menos excedentes porque detinham a
posse de áreas de terras muito pequenas, provavelmente em função da
dificuldade em reunir um grande número de pessoas em seus fogos. E
embora nossa amostra seja pequena, ela sugere que, na administração
daquela desvantagem, em suas terras concentravam esforços na cultura do
milho, alimento básico, inclusive para viabilizar a criação de suínos - tanto,
que três dos quatro fogos da amostra indicaram a produção de charque e
toucinho.
Essa estratégia foi identificada anteriormente, ainda que referida
a lavradores pobres em geral. Em estudo sobre Jaú, no culo XIX, Flávia
Oliveira notou que os primeiros habitantes garantiam a ocupação econômica
de uma vasta área com a criação de gado suino, pois os animais eram
mantidos totalmente soltos com uma exigência mínima de mão-de-obra,
sendo necessário apenas plantar roças de milho onde os porcos consumiam
as espigas quando estivessem maduras para o consumo, e juntar as varas,
na hora de mandá-los para o mercado consumidor. A comercializaçao estava
257
Dos 4 não brancos, apenas 3 produziram vacas, os 16 brancos, apenas 10 produziram
trigo.
433
assegurada, pois atendia ao consumo de carne e gordura das áreas
ocupadas pela lavoura comercial. Portanto, além do custo do
empreendimento ser baixo, exigia pouca mão-de-obra, garantia a posse da
terra e integrava-a ao circuito comercial“.
258
4.3 Cor e status social no mundo dos livres
No início deste capítulo salientei que os agregados de São José
eram principalmente pardos, e que estes eram em geral mulheres, crianças e
jovens. Por essa razão é possível supor que a constituição e a reprodução da
rede de dependência que envolvia e definia esse grupo não fosse, ali,
tributária apenas da identificação senhorial do pardo e do negro com o
cativeiro. Provavelmente elas relacionavam-se também com a composição
sexo-etária dos livres de cor na freguesia naquele período (cf. tabela 4.2): o
alto percentual de mulheres e crianças nesse grupo (muitas delas filhos de
homens cativos unidos a mulheres livres) deveria contribuir para a
constituição de posições pouco privilegiadas, uma vez que geralmente
determinava a necessidade da agregação.
O predomínio das atividades agrícolas na freguesia foi, talvez,
outro fator decisivo para as desvantagens dos negros e pardos quando
adentravam ao mundo dos livres, posto que, para o estabelecimento
autônomo, se pressupunha a efetiva capacidade de ocupação de um pedaço
de terra, o que nem sempre era possível. Mesmo os que puderam realizar tal
258
OLIVEIRA, Flavia Arlanch Martins de. Famílias proprietárias e estratégias de poder local
no século passado. Revista Brasileira de História. Família e grupos de convívio. V. 9, número
17, pp. 65-85, set. 88/fev. 89, p.68.
434
empreendimento, provavelmente com muitas dificuldades puderam mantê-
lo.
No entanto, os argumentos acima podem ser apenas parte da
explicação para o predomínio de não brancos entre os agregados e entre os
mais pobres dentre os chefes de domicílios de São José dos Pinhais. Uma
outra hipótese poderia estar ligada à polêmica sobre designação da cor dos
livres no Brasil escravista.
Na passagem do XVIII para o XIX, como se viu, muitos pardos
livres do Paraná eram descendentes de indígenas ou mestiços de origem
indígena e africana e/ou portuguesa. Todavia, é dificil estimar o peso desse
grupo na população livre de cor, até porque quase nunca as fontes são
claras sobre a questão. Sérgio Nadalin, por exemplo, cita o caso de Gregório
Gonçalves e sua mulher Anna Maria de Lima, cuja ata de casamento, em
1772, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da luz dos Pinhais (Curitiba),
identifica Anna como mulata forra, mas é omissa quanto à origem de
Gregório. O autor aponta possibilidade de ser ele um mestiço, provavelmente
filho de um mameluco com indígena, como sugere sua descrição física
(Gregório Gonsalves Fernz [Fernandez] ... estatura baixa cara comprida
trigreiro cabelo pretto e corredio...).
259
Um outro exemplo dessa imprecisão,
agora nas listas nominativas de São José dos Pinhais, é o de Jerônimo
Teixeira, recenseado como pardo em 1782, como “oriundo da terra” em
1790, e como mulato em 1798.
260
259
NADALIN, S. O. A população no passado colonial brasileiro: mobilidade versus
estabilidade. Topoi, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, 2003. pp. 229-267.
260
LNSJP, 1782, LNSJP, 1790; LNSJP, 1798.
435
Outra parte da população de pardos e negros livres era,
certamente, formada por libertos crioulos ou africanos, e seus descendentes,
mestiços ou não. Em seu estudo sobre alforrias em Curitiba, Adriano Moraes
Lima encontrou nos arquivos do 1
o
. cartório da cidade a ocorrência de 222
cartas de alforria para o período compreendido entre 1760 e 1830.
261
No
entanto, certamente muitos cativos foram alforriados apenas em testamento.
Outros libertos e livres de cor seriam migrantes, ou filhos e netos destes.
Para a freguesia de São José dos Pinhais, por exemplo, as informações sobre
naturalidade são mais sistemáticas na lista nominativa de 1803, e revelam a
existência de fluxos migratórios vindos do sul (São Francisco e Ilha de Santa
Catarina), do litoral e do planalto paranaense (Antonina e Paranaguá,
Curitiba, Lapa e Castro), e por vezes de outras regiões da capitania de São
Paulo (Sorocaba, São Paulo, Mogi, Taubaté, Parnaíba, Lorena e Itu), de áreas
mais longínquas da colônia (Rio de Janeiro e Minas Gerais), ou da Europa
(Portugal e Espanha). Carlos Lima, em estudo com informações sobre a vila
de Castro, anotou que cerca de 24% dos livres de cor eram migrantes
internos em 1816 e em 1835.
262
Pela lista nominativa de 1803, calculei que
em São José dos Pinhais também em torno de 24% dos chefes de domicílios
não brancos eram migrantes internos.
263
Enfim, a região do Paraná é exemplo típico de área de fronteira
pobre da colônia, onde certamente existiam poucos homens brancos, e um
número ainda menor de mulheres brancas, com uma população mestiça
261
LIMA, Adriano Morais. Op. Cit, 2000.
262
LIMA, Carlos A.M. Sertanejos e pessoas republicanas: livres de cor em Castro e
Guaratuba (1801-1835), Estudos Afro-asiáticos, 2002, ano vol. 24, n. 2, pp. 317-344.
263
Sobre os agregados, infelizmente, as listas de São José não dão esta informação.
436
relativamente grande.
264
E a existência, ali, de um grupo cativo basicamente
crioulo, torna ainda mais complexa a tarefa de conhecer os critérios que
norteavam a designação da cor das pessoas.
Na verdade, essa não é uma dificuldade restrita à região do Paraná
colonial, pois em geral, como se viu, os historiadores concordam que, sob a
escravidão, no Brasil a designação da cor das pessoas tinha mais relação
com a sua inserção social do que propriamente com a ascendência étnica.
Quando se refere à escravidão indígena na região paulista no
século XVII, John Monteiro esteve atento à dimensão política da designação
da origem. Ele comenta que embora no ínício dos apresamentos a maior
parte dos cativos fosse do grupo Guarani (Carijós), os paulistas começaram a
introduzir no cativeiro índios das mais diferentes etnias. Neste sentido,
segundo o autor, a generalização do termo carijó pode refletir uma estratégia
dos colonos na tentativa de padronizar uma população tão diferenciada,
utilizando o modelo do cativo guarani.
265
Hebe Mattos, por sua vez, observou que a categoria “pardo”, típica
do final do período colonial, tinha uma significação muito mais abrangente
do que as de “mulato” ou “mestiço”. Destaca também que em todo o período
escravista os termos “negro” e “preto” foram usados exclusivamente para
designar escravos e forros, e que “preto” era sinônimo de africano, sendo os
índios escravizados chamados de negros da terra. A autora também esteve
atenta à historicidade dessas categorias, quando escreveu que:
264
SCHWARTZ, Stuart. O Brasil colonial; 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias.
In: BETHEL, Leslie. História da América Latina: A América Latina Colonial vol II, São Paulo:
Editora USP, Brasília DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999, pp. 384-385.
265
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp.165-166.
437
“Pardo’ foi inicialmente utilizado para designar a cor mais
clara de alguns escravos, especialmente sinalizando para a
ascendência européia de alguns deles, mas ampliou sua
significação quando se teve que dar conta de uma crescente
população para a qual não era mais cabível a classificação
de ‘preto’ ou de ‘crioulo’, na medida em que estes tendiam a
congelar socialmente a condição de escravo ou ex-escravo. A
emergência de uma população livre de ascendência africana
– não necessariamente mestiça, mas necessariamente
dissociada, já por algumas gerações, da experiência mais
direta do cativeiro – consolidou a categoria ‘pardo livre’
como condição lingüística para expressar a nova realidade,
sem que recaísse sobre ela o estigma da escravidão, mas
também sem que se perdesse a memória dela e das
restrições civis que implicava. Ou seja, a expressão ‘pardo
livre’ sinalizará para a ascendência escrava africana, assim
como a condição ‘cristão novo’ antes sinalizara para a
ascendência judaica. Era, assim, condição de diferenciação
em relação à população escrava e liberta, e também de
discriminação em relação à população branca; era a própria
expressão da mancha de sangue.”
266
O uso político de um termo para designar individuos e grupos
com histórias e inserções distintas não é o único aspecto a se considerar.
Em sua tese de doutoramento Roberto Guedes Ferreira procura explicar a
freqüente ocorrência de “mudança de cor” de um mesmo indivíduo,
dependendo da fonte em que foi mencionado, e/ou ao longo de sua vida.
Para esse autor, uma vez que, como assinalaram Hebe Mattos e outros,
hierarquia e posição social estão manifestas na cor, a designação dessa
última, seguindo as primeiras, também era fluida e dependia de
circunstâncias sociais, sendo negociada e reatualizada.
267
No que diz respeito às listas nominativas de Porto Feliz, com as
quais trabalhou, Guedes reconheceu a existência de uma caracterização
266
Mattos, Hebe. Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000. pp. 6-18.
267
FERREIRA, Roberto Guedes. Op. Cit, p. 82, complementa o autor que: Afinal, (...) a
concepção de branco e não branco, varia, no Brasil, em função do grau de mestiçagem, de
indivíduo para indivíduo, de classe para classe, de região para região
438
pontual e personalizada, determinando que as mesmas pessoas
freqüentemente mudassem de cor. Ele cita o exemplo de inúmeras famílias
de livres, ora registradas como negras, ora como pardas ou mesmo brancas.
Também nas listas de São José dos Pinhais pude recolher
exemplos destas mudanças. Esse foi o caso do lavrador Manoel Alves,
registrado como branco, em 1803, na lista da terceira companhia de São
José (casa 9). Por então ele estava casado com a parda Ana Ferraz (de 20
anos) e com eles viviam três filhos, todos recenseados como pardos. No
domicílio estavam agregadas uma viúva e sua neta de cinco anos (brancas) e
Manoel possuía um escravo. Em 1810 ele, a esposa e quatro filhos aparecem
como brancos na lista (casa 354). É identificado como lavrador, mas seu
domicílio não tem as agregadas e o escravo. Em 1817 Manoel estava
“ausente para sul” e Anna e seis filhos ainda são brancos, mas por então
foram identificados como pobres (casa 17, 3
a
. cia). Em 1818 Manoel Alves
novamente aparece como “ausente para o sul”, dessa vez registrado como
pardo, assim como sua mulher Anna e os seis filhos (casa 35, 3
a
. cia). Em
1824 Manoel continua no sul e Anna Ferraz encabeça da listagem do fogo,
vivendo com cinco filhos. Eles foram recenseados como pardos e pobres
(casa 56, 3
a
. cia). Em 1827, finalmente, Manoel Alves está de volta e foi
recenseado com a esposa e três filhos. Ele volta a ser identificado como
lavrador e todos foram registrados como pardos (casa 13, 3
a
. cia). Talvez um
caso em que o empobrecimento determina um descenso na hierarquia social,
expresso na designação da cor?
439
Na lista nominativa de Paranaguá encontrei situação contrária,
na casa de Manoel Lázaro, registrado como pardo em 1803.
268
Ele era
alfaiate e cabo de ordenança, e vivia com sua mãe Thereza Maria, viúva,
também parda, e com Marianna, uma menina exposta branca. Na lista de
1813 esse alfaiate foi novamente registrado, agora como branco, e casado
com a branca Maria Junqueira. Thereza Maria permanecia chefiando o
domicílio e identificada como parda, embora não haja a alusão de que fosse
a mãe de Manoel.
Também essa mudança é de dificil interpretação, pois inúmeras
hipóteses podem ser levantadas, e nenhuma delas poderia ser comprovada:
ele pode realmente ter omitido sua filiação para “passar por branco”, ou
talvez não fosse mesmo filho de Thereza Maria, sendo incorreta a informação
fornecida pelo resenceador de 1803; pode ser também que em 1813, com
base na cor da esposa, o recenseador tenha presumido a cor do marido, e
assim por diante. Qualquer uma dessas hipóteses, contudo, nos indica que
deve estar correta uma outra inferência de Roberto Guedes Ferreira, a de
que a designação da cor do individuo tendia a acompanhar a da família
(nesse exemplo, o laço parental mencionado, primeiro com a mãe e depois
com a esposa, foi o fator determinante para a designação da cor do
indivíduo).
Carlos Lima formulou outra hipótese interessante, ao observar
duas vilas do Paraná, também naquele período, uma menor e menos
diferenciada socialmente (Guaratuba, do litoral) e outra maior e mais
diferenciada (Curitiba, no planalto), esta, com um significativo grupo de não
268
LNPGUA, 1803, 3
a
. Cia, casa 4.
440
brancos livres que eram proprietários de escravos. O autor partiu do
princípio de que as diferentes aberturas para processos de acumulação nas
duas vilas significavam brechas de tamanho também diverso para processos
de mobilidade ascendente, inclusive de não-brancos. Isso se traduzia em
mecanismos díspares de atribuição da cor às pessoas. Assim,
“as possibilidades diferentes de ascensão social embora
dentro de limites modestos levavam a que se enxergassem
mestiços de maneiras diversas. No ambiente mais dinâmico de
Curitiba, o espectro de atribuições de cor se ampliava. Na
estagnada Guaratuba, por outro lado, a situação era mais
simples do ponto de vista social, com uma pobreza plana, pouco
diferenciada internamente. Neste último caso, todos os que
fossem livres não brancos eram vistos como pardos.”
269
Outro complicador era a existência de distinção social apesar da
cor. Exemplo disso é a história de Manoel de Carvalho e Melo (decerto rara,
porém emblemática), resgatada por Silvia Lara a partir de uma carta por ele
dirigida ao Vice-Rei, na qual afirmava ser homem pardo e filho de homem
branco senhor de engenho, que sempre o criou com estimação, tanto nos
estudos da gramática como tamm das artes liberais”. Manoel apresentou-
se como Mestre de Capela e de meninas na vila de São Salvador, e pedia ao
Vice-Rei que lhe concedesse a faculdade para poder usar (...) do ornato da
espada ou espadim, quando sair composto”. Na análise da autora, isso
significa que, sendo pardo, Manoel podia ser identificado com categorias
sociais não condizentes com sua pessoa. Aos seus olhos e aos dos demais,
entretanto, bastava-lhe trazer uma espada ou espadim à cinta, para que
qualquer dúvida fosse logo dirimida. Portanto, cor, símbolos da condição
senhorial, relações familiares, instrução e poderio eram articulados,
269
Um pai amoroso os espera: sobre mestiçagem e hibridismo nas Américas Ibéricas. In:
GEBRAN, Philomena et al (Orgs.). Desigualdades. 1 ed. Rio de Janeiro, 2003, v. 1, pp 71-72.
441
utilizados e aceitos como marcas distintivas da condição social
diferenciada.
270
Enfim, o conjunto de inferências formuladas por esses e por outros
autores nos faz acreditar que a arbitrariedade quanto ao fenótipo obedecia a
padrões sociais, à reiteração das hierarquias, tanto a que caracterizava o
conjunto maior, quanto suas múltiplas expressões, presentes no interior das
centenas de vilas e freguesias que formavam a sociedade colonial e
escravista brasileira.
De minha parte, diria ainda que é possível, ao menos na região
aqui estudada, pensar esse quadro não apenas frente às oscilações entre as
categorias de negros e pardos, mas especialmente entre esta última e a de
brancos. Foi o que pude intuir dos exemplos expostos mais acima e ao
observar as variações percentuais das populações das vilas paranaenses no
período.
De acordo com os dados dos mapas populacionais, para seis anos
entre 1798 e 1830, o peso proporcional dos grupos de brancos e de pardos
variou, no tempo, sempre no sentido inversamente proporcional, indicando
mudanças na atribuição da cor de uma parcela de indivíduos, ora como
brancos, ora como pardos. No mesmo período, a variação do percentual de
negros tinha uma dinâmica independente (gráfico 4.6). Aliás, encontrei essas
características igualmente em Curitiba (gráfico 4.7), em Paranaguá (gráfico
4.8) para citar as duas principais vilas da comarca no período e mesmo
no conjunto da população da freguesia de São José dos Pinhais (gráfico 4.9).
270
LARA, Silvia H. Campos da Violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro,
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, pp. 350-351. Roberto Guedes Ferreira, em
sua tese de doutorado já citada (2005) também traz alguns ótimos exemplos dessa distinção
social apesar da cor.
442
Gráfico 4.6 - Variação % de brancos, pardos e negros na população livre
(Paraná, 1798-1830)
Fonte: Mapas da população de São José dos Pinhais (COSTA & GUTIERREZ)
Fonte: anexo 7
Gráfico 4.7 - Variação % de brancos, pardos e negros na população livre
(Curitiba, 1798-1830)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1798 1804 1810 1816 1824 1830
%
0
1
2
3
4
5
brancos pardos negros
443
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1798 1804 1810 1816 1824 1830
%
0
1
2
3
4
5
brancos pardos negros
Fonte: anexo 7
Gráfico 4.8 - Variação % de brancos, pardos e negros na população livre
(Paranaguá, 1798-1830)
Fonte: anexo 7
Gráfico 4.9 - Variação % de brancos, pardos e negros na população livre
(São José dos Pinhais, 1798-1830)
0
20
40
60
80
100
1798 1804 1810 1816 1824 1830
%
0
1
2
3
4
5
brancos pardos negros
444
Fonte: anexo 7
Tal variação sugere que a designação da cor nos censos paulistas
(as listas nominativas) e nos mapas populacionais dependia também de
quem o preenchia, ou de quem fornecia as informações. Como bem indicou
Russel-Wood,
“..em nenhum lugar como na América portuguesa a população
desafiou tanto a classificação fenotípica somente por cor,
cabelo, constituição física e carcterísticas faciais e foram tão
importantes a visão do outro, a visão de si mesmo, a postura e a
“qualidade” palavra que foge à definição mas que todo mundo
entendia para decidir qual o adjetivo ou expressão mais
adequado para referir-se à cor do indivíduo. A cor da pele de
alguém estava nos olhos do observador, mas o status social e
econômico do observador e sua cor também desempenhavam
seu papel em qualquer dessas atribuições, assim como a ópoca
e a região.”
271
Por essa razão, que se olhar com mais vagar aquela
interessante inferência de Carlos Lima, de que o espectro de atribuições de
cor da população se ampliava em ambientes escravistas economicamente
mais dinâmicos. Quando se tratava de locus sociais pouco diferenciados
271
RUSSEL-WOOD, A J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005, p. 297.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1798 1804 1810 1816 1824 1830
%
0
1
2
3
4
5
brancos pardos negros
445
internamente, haveria a tendência a perceber os livres não brancos de forma
mais homogênea, sendo eles, em geral, identificados como pardos. Tendo a
concordar com esse autor, como indiquei, mas acrescentaria que talvez a
cor dos livres fosse avaliada também em função da maior ou menor presença
de cativos no lugar.
Minha observação de que, em São José dos Pinhais, provavelmente
a cor negra era atribuida a escravos recém-chegados, e a cor parda aos
cativos ali nascidos e integrados socialmente, sugere que muitos escravos
eram designados como pardos exatamente porque eram vistos como
integrantes da comunidade de não-brancos (livres ou não) do lugar. Talvez
tal percepção ocorresse também porque o grupo cativo era muito pequeno (e
cada vez menor) na freguesia. Não por acaso, conforme se reduzia a presença
de escravos, ao longo das primeiras décadas do Oitocentos, crescia o peso
percentual de pardos entre os agregados (como se viu, 74% deles eram
pardos ou negros em 1803; índice subiu para 82% em 1827), certamente o
grupo de livres socialmente mais próximo do grupo cativo.
Mas não apenas em ambientes de “escravidão rarefeita” esses
critérios atuavam. Novamente recorrendo às pesquisas sobre Porto Feliz,
efetuada por Roberto Guedes Ferreira, observei que naquela vila paulista,
num período de incremento acelerado da população escrava, devido à
expansão da economia canavieira, ocorreram alterações importantes na
designação da cor dos agregados (tabela 4.6).
Tabela 4.6 - Quantidade de agregados, de acordo à cor
Porto Feliz-SP (1798 e 1843)
446
Branco Pardo Preto/Negro Total
Ano
# % # % # % # %
1798 18 7,2 125 50,4
105 42,3
248 100,0
1843 204 39,8
225 43,8
84 16,4
513 100,0
Fonte: Banco de Dados de Roberto Guedes Ferreira, elaborado a partir das listas
nominativas de habitantes de Porto Feliz, de 1798 e 1843.
Note-se, na tabela, que em 1798, quando ainda era pequena a população cativa da vila, quase todos os
agregados foram identificados como pardos ou negros. Com a entrada maciça de escravos (quase todos
africanos) uma grande parcela da população agregada marcou (ou teve marcado) seu afastamento em relação à
comunidade dos escravos: muitos deixaram de ser negros, e um contingente ainda maior se tornou branco.
Embora ao longo desse período Porto Feliz tenha recebido muitos migrantes, não há como explicar apenas por
esse viés aquela tão brusca transformação na configuração da cor do grupo agregado. Enfim, conquanto fossem
homens e mulheres livres, em São José dos Pinhais ou em Porto Feliz, era a escravidão (com suas especifidades
regionais e conjunturais), eu suponho, que em grande medida orientava a designação social da cor dos livres e,
portanto, também a construção social da hierarquia que os diferenciava.
Capítulo 5:
Casamento: dependência e conflito
447
5.1 Casamento no Brasil colonial
O primeiro Pai da linhagem humana declarou,
inspirado pelo Espírito Santo, que o vínculo do matrimônio é
perpétuo e indissolúvel, quando disse: "Já és osso de meus
ossos, carne de minhas carnes: assim, deixará o homem seu pai
e sua e e se unirá a sua mulher e serão os dois um
corpo".(...)
O próprio Cristo, autor que estabeleceu e levou à sua
perfeição os veneráveis Sacramentos, nos brindou com sua
posição, a graça com que haveria de ser aperfeiçoado aquele
amor natural, confirmar sua indissolubilidade e santificar os
consortes. Isto insinua o Apóstolo São Paulo quando diz:
"Homens, amai a vossas mulheres como Cristo amou à sua
Igreja e se entregou a Si mesmo por ela", acrescentando
imediatamente: “Este sacramento é grande, quero dizer, em
Cristo e na Igreja." Pois como na lei Evangélica, tenha o
Matrimônio sua excelência em relação aos antigos
casamentos, pela graça que Jesus Cristo nos conseguiu. Com
razão nos ensinaram sempre nossos santos Padres, os
Concílios e a tradição da Igreja universal, que se deve contar
entre os Sacramentos da Nova Lei.
Enfurecidos contra esta tradição, muitos homens
deste século não apenas adotaram um mau sentido deste
venerável Sacramento, mas também introduziram,
segundo seu próprio costume, a liberdade carnal com
pretexto do Evangelho, adotaram por escrito e por
palavra muitos assentamentos contrários ao que sente a
Igreja Católica e ao costume aprovado desde os tempos
Apostólicos, com gravíssimo detrimento dos fiéis
cristãos.
272
Assim se inicia o documento que expõe a "Doutrina do Sacramento do
Matrimônio" adotada pela Igreja Católica após a sessão XXIV do Concílio de
Trento, celebrada em 11 de novembro de 1563. No trecho aqui transcrito, as
partes por mim destacadas deixam claro que para a Igreja se tratava, o
casamento, de uma questão teológica profundamente informada por práticas
sociais da população da Europa.
272
CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO - Sessão XXIV (grifo meu).
448
Para estabelecer o caráter sacramental do matrimônio, o Concílio
tratou de redigir seus cânones, condenando a poligamia e o casamento de
eclesiásticos. Também buscou restringir à Igreja o direito e o poder de
dissolver matrimônios e proibir um novo casamento, de estabelecer
impedimentos por parentesco de consangüinidade de afinidade e espiritual.
Finalmente, por exclusão, definiu o que a partir de então seria considerado
adultério ou concubinato, bem como defiiniu o caráter pecaminoso deles.
Os capítulos dessa sessão do Concílio são, todos eles, um esforço no
sentido de alargar a influência da Igreja no século. O caráter sacramental
outorgado ao matrimônio e sua minuciosa normatização foram os caminhos
escolhidos para tentar coibir as uniões sucessivas, e disciplinar práticas
matrimoniais costumeiras como o casamento clandestino ou de juras —,
trazendo-as para o âmbito da Igreja.
O embate social deflagrado pela Igreja a partir da
instituição da doutrina do sacramento do matrimônio
teve, para Jack Goody, profundo significado. Mais que
um projeto moralizante, doutrinal ou teológico, para
este autor as normas da Igreja expressavam
principalmente interesses políticos e econômicos. A
resistência e oposição a elas, na forma de crenças e
práticas alternativas, representavam interesses e
ideologias em aberta contradição com o "outro"
sistema. Segundo Goody, na Europa, a ideologia da
Igreja e a prática do povo diferiam com freqüência.
Cada classe ou estamento tinha suas próprias práticas,
e por vezes as diferentes ordens se uniam em sua
resistência às normas da Igreja, quando estas impediam
que os indivíduos fizessem o que consideravam que iria
em benefício de si mesmos e de suas famílias.
449
A imposição da concepção do matrimônio como vínculo indissolúvel é
um exemplo desse impasse. Se o divórcio era difícil, contrair novas núpcias
era impossível para o divorciado. A Igreja inclusive desaconselhava as novas
núpcias dos viúvos. Mas a morte precoce de um dos cônjuges era algo
freqüente devido às altas taxas de mortalidade. Desse modo, novas núpcias
eram práticas habituais, e a comunidade costumava protestar apenas contra
recasamento ou adultério e concubinato com pessoa desigual em riqueza, e
não contra a prática geral.
Outro exemplo: a Igreja proibia os matrimônios entre parentes
próximos, mas estes seguiram celebrando-se em grande número os
pedidos de dispensas matrimoniais aparecem em tão grande proporção que
não se pode tratar de um desvio, mas de uma alternativa admitida ao
modelo de ação social que a Igreja tentava impor , parecendo indicar que
tanto os contraentes como suas famílias tinham interesses coincidentes em
assuntos distintos do casamento propriamente dito, seja como recurso
estratégico para ascensão social, seja para a reprodução do grupo de
parentes, da comunidade, da casta, etc.
Este embate acabou por provocar desdobramentos de grande
importância. O casamento clandestino, por exemplo, considerado válido
ainda que ilícito para a Igreja, possibilitava aos filhos casar contra a vontade
dos pais, o que fez surgir o casamento imposto sob a ameaça de
deserdamento. O estabelecimento de períodos de abstinência sexual ao longo
do ano, do celibato sacerdotal e laico, a indissolubilidade do casamento
mesmo em caso de esterilidade do cônjuge, tudo isso contribuiu, em longo
prazo, para o controle do crescimento da população. Outra conseqüência de
450
relevo foi a transformação do conceito de paternidade, em função da
ilegitimidade imposta à descendência de uniões concubinárias e pré-
matrimoniais, e a conseqüente restrição do direito de herança aos filhos
legítimos. Num cômputo geral o autor reitera que as normas da Igreja
relativas ao casamento e ao parentesco espiritual trabalharam no sentido de
declinar o poder dos parentes, de enfatizar a conjugalidade mais do que a
consangüinidade, o quase-parentesco do que o parentesco propriamente
dito, a multiplicação de redes sociais levadas a cabo pelo indivíduo.
273
O capítulo IX da sessão XXIV do Concílio de Trento expressa bem a disputa entre o poder religioso e o poder
temporal pelo controle das "almas":
Cap. IX - Nada maquinem contra a liberdade do Matrimônio os senhores
temporais, nem os magistrados.
Chegam a cegar muitas vezes em alto grau, a cobiça e outros
males terrenos os olhos da alma dos senhores temporais e
magistrados, que forçam com ameaças e penas aos homens e
mulheres que vivem sob sua jurisdição, em especial aos ricos,
ou aqueles que esperam grandes heranças, para que contraiam
matrimônio, ainda que repugnantes, com as pessoas que os
mesmos senhores ou magistrados os destinam. Portanto, sendo
em extremo detestável tiranizar a liberdade do Matrimônio, e
que provenham as injúrias dos mesmos de quem se espera a
justiça, ordena o Santo concílio a todos, de qualquer grau,
dignidade ou condição, que sejam, sob pena de excomunhão
que hão de incorrer ipso facto, que de nenhum modo violentem
direta ou indiretamente a seus súditos, nem a nenhum outro,
em termos de que deixem de contrair com toda a liberdade seus
Matrimônios.
A imposição dos cânones da Igreja foi, porém, um longo processo.
Kuznesof, por exemplo, salienta que uma definição precisa de casamento
parece não ter existido junto à população de qualquer parte da Europa
ocidental no período que vai da Idade média até as primeiras décadas do
273
Toda essa discussão apoiou-se em GOODY, Jack. La Evolución de la familia y del
matrimonio en Europa.Barcelona: Herder, 1986. cap. 8: La economía oculta del parentesco.
451
século XX.
274
No caso de Portugal, a Igreja publicou em 1564 um resumo
do Concílio de Trento em língua portuguesa e nele se transcreveu
integralmente a condenação ao concubinato. Da mesma forma o Concílio de
Lisboa de 1566 assumiu as disposições de Trento, à luz das quais se fizeram
as novas constituições eclesiásticas. Para as colônias portuguesas têm-se
notícias de que se condenava a coabitação dos futuros esposos antes de dar
início ao processo de matrimônio, um crime que, no Brasil e em Angola,
podia ser julgado pelos bispos locais, sendo que em Angola o mesmo ocorria
quando se tratasse de concubinato por mais de três anos.
275
Mas a despeito
deste empenho, no início do século XIX a proporção de nascimentos
ilegítimos em Lisboa, por exemplo, estava bem acima de 25%.
276
No Brasil,
durante o período colonial, o quadro era ainda mais complicado:
"os esforços em Portugal para forçar os casais a contraírem
matrimônio na Igreja foram razoavelmente contínuos após o
Concílio de Trento, mas isso parece não ter afetado muito os
representantes da Igreja brasileira nos séculos XVI e XVII. A
maior preocupação, na época, ainda era o problema essencial
da colonização estabelecer paróquias que pudessem ser
usadas como bases para que os clérigos implantassem o
respeito adequado pelos sacramentos e pela missa e continuar
a evangelização dos índios".
277
Talvez por isso as diretrizes do Concílio de Trento nunca foram
sistematicamente comunicadas ao Brasil até 1707. Somente com a
publicação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, naquele
274
KUZNESOF, Elizabeth. Ilegitimidade, raça e laços de família no Brasil do século XIX:
uma análise da informação de censos e de batismos para São Paulo e Rio de Janeiro. In:
NADALIN, MARCILIO & BALHANA. História e População. Estudos sobre a América Latina.
São Paulo: ABEP, 1990, p. 165.
275
LONDOÑO, Fernando T. El concubinato y la Iglesia en el Brasil colonial. São Paulo:
Estudos CEDHAL. n. 2. São Paulo:CEDHAL/USP, 1988, p. 11.
276
KUZNESOF, Elizabeth. In: NADALIN, MARCÍLIO & BALHANA, Op. Cit, 1990, p. 168.
277
Idem, p. 165
452
ano, e sua posterior divulgação, um esforço de normatização do matrimônio
pôde ser observado. Tal como na Europa, embora fosse obrigada a aceitar a
prática dos desposórios de futuro e por essa razão os considerava um
impedimento dirimente aqui a Igreja tratou de neutralizar as disposições
do antigo direito português que reconhecia como igualmente legítimos o
casamento celebrado diante do padre e o casamento de juras, com ou sem a
presença de um eclesiástico, assim como procurou restringir as uniões entre
parentes. Índices reveladores do desejo de controle eclesiástico sobre as
uniões conjugais são as detalhadas instruções para as denunciações, a
verificação de possíveis impedimentos, a condução da cerimônia e o próprio
registro do casamento, atos, todos eles, conduzidos na esfera eclesiástica.
278
Todavia, como em Portugal, também na colônia indícios da
existência de interesses e práticas conflitantes. Do lado do Estado, em
reação à ênfase no consentimento mútuo por parte da Igreja, houve um
esforço no sentido de reiterar a autoridade paterna. A lei de 19 de junho de
1775, válida para todo o Império, estabelecia penas para aqueles que
seduzissem moças para em seguida forçarem os pais a consentir em um
casamento, que em outras condições seria recusado, e também a pais que
aliciassem e solicitassem filhos alheios "para entrarem nas suas casas, e
nelas terem trato, e comunicação com suas filhas, a fim de se queixarem
depois deles, e os obrigarem a que com elas casem". Previam, igualmente, a
punição com "desnaturalização da família" e deserdamento, das filhas e
278
LONDOÑO, Fernando T. Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia.
In: LONDOÑO, Fernando T. (org.). Paróquia e comunidade no Brasil. Perspectiva histórica.
São Paulo, Paulus, 1997, p.65.
453
filhos de famílias que se deixassem corromper ou se casassem sem o
consentimento de seus pais, tutores ou curadores.
A lei de 25 de novembro do mesmo ano moderou o texto da anterior,
sobretudo com o objetivo de fortalecer o poder real, ao observar que
importava conter o poder paterno "nos seus justos e racionáveis limites": de
acordo com a hierarquia social, os jovens podiam apelar diretamente ao rei,
ou aos seus magistrados e, obtendo permissão para o casamento,
apresentar-se diante do pároco mesmo sem o consentimento de seus pais ou
tutores.
279
Situações como esta permitiram aos estudiosos sugerir que
"podemos então falar de cristandade como de um sistema de relações da
Igreja e do Estado na sociedade”.
280
Nesse trabalho interessa, sobretudo, pensar os efeitos desse embate
na população escrava e livre pobre, esta última, no Brasil colônia,
basicamente de origem africana e indígena ou miscigenada. Sobre essa
questão se mostra relevante, portanto, o tema do casamento envolvendo
escravos. As Constituições Primeiras tratam do assunto em seu título LXXI,
destacando o "direito divino e humano" dos escravos e escravas de casar com
outro cativo e mesmo com pessoa livre, sem que seus senhores pudessem
impedi-los,
"nem por esse respeito os podem tratar pior, nem vender
para outros lugares remotos, para onde o outro por ser
cativo, ou por ter outro justo impedimento o não possa
seguir, e fazendo o contrário pecam mortalmente, e tomam
sobre suas consciências as culpas de seus escravos, que
279
SILVA, Maria Beatriz N. Cultura no Brasil Colônia, Petrópolis, Vozes, 1981. pp. 26-27.
280
GOMES, Francisco José. A Igreja e o Poder: Representações e discursos. In: RIBEIRO,
Maria Eurydice B. R. (org). A Vida na Idade Média. Brasília: UnB, 1997, pp. 33-34.
454
por este temor se deixam muitas vezes estar, e permanecer
em estado de condenação".
281
Em se tratando da população cativa, portanto, o Arcebispado manteve
a orientação de Trento no sentido de enfatizar a livre escolha dos cônjuges.
Mas seu texto trata também de pacientar os proprietários ao declarar que
"posto que casem ficam escravos como de antes eram, e obrigados a todo o
serviço de seu senhor". Pouco efeito surtia tal reparação, sobretudo quando
se observa que as Constituições não apresentam qualquer regulamentação
quanto aos casamentos entre escravos de diferentes senhores. Como bem
observou Nizza da Silva,
"os senhores deparavam-se com duas normas: o direito
canônico declarava que não se devia impedir, mas sim
favorecer, os casamentos entre escravos para evitar o pecado
da concupiscência; e o mesmo direito canônico afirmava que não
era permitido ao senhor separar marido e mulher. E não
dúvida de que eles preferiam infringir a primeira do que a
segunda"
282
Tudo indica que, em inícios do século XVIII, o concubinato era, no
Brasil, prática geral entre livres, forros e cativos, porém muito mais
freqüente entre estes últimos. Aliás, se anotou que, na colônia portuguesa
na América, a prioridade da Igreja não era tanto exaltar a indissolubilidade
do matrimônio e condenar o adultério, como ocorria na Europa, e sim
combater as uniões conjugais ilícitas junto a toda a população.
283
Considerava mais grave, no entanto, a disseminação dessas relações no seio
da escravaria, tanto que no Livro V das Constituições, no trecho em que
281
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Livro 5, Título XXII, parágrafo 979.
282
SILVA, Op. Cit, 1981, p. 32.
283
GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Réa. Casamentos Mistos de escravos em São Paulo
colonial. Dissertação de mestrado, FFLCH-USP, São Paulo, 1986, pp. 147-148.
455
trata do concubinato assim denominada toda "ilícita conversação do
homem com mulher continuada por tempo considerável"
284
assume-se que
na colônia, o concubinato de escravos era "usual, e quase comum". As
Constituições chegam a prever punições aos senhores que permitiam o
amancebamento de suas escravas, exaltando-os para que as fizessem
contrair matrimônio ou que se "apartassem" definitivamente.
285
São bem conhecidos os estudos brasileiros sobre escravos e livres que
enfatizam a existência de um grande número de uniões conjugais, estáveis
ou não, consideradas "ilícitas" pela Igreja colonial. Maria Luiza Marcílio, por
exemplo, encontrou elevados níveis de crianças livres ilegítimas e
abandonadas e proporções impressionantes de domicílios dirigidos por mães
solteiras. Estudos similares, como o de Athayde, para a cidade de Salvador
no século XIX, e de Costa, para Vila Rica no XVIII, demonstram que os níveis
de bastardia foram quase sempre elevados no Brasil, podendo chegar, em
certas regiões ou períodos, à extraordinária proporção de quase 70% de
nascimentos ilegítimos.
286
As Constituições do Arcebispado da Bahia previam pesadas penas
pecuniárias para o "grave delito da carne", que era o concubinato, sobretudo
se o denunciado persistisse ou reincidisse no erro. Para os escravos a pena
284
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Livro 5, Titulo XXII, parágrafo 979
285
LONDOÑO, Op. Cit, 1988, p. 22.
286
MARCÍLIO, Maria Luiza. A cidade de São Paulo. Povoamento e População. São Paulo:
Pioneira/EDUSP. 1973.; ATHAYDE, Johildo L. Filhos ilegítimos e crianças expostas (notas
para o estudo da família baiana no século XIX). Salvador: RALB, n. 27, setembro, 1980;
COSTA, Iraci del Nero da. Vila Rica: População (1719-1826). São Paulo: USP, 1979. Para um
quadro mais geral sobre o comportamento da taxa de legitimidade, na Europa Ocidental e
no Brasil ver: FARIA, Sheila de Castro. História da Família e Demografia Histórica, in
CARDOSO, Ciro F. e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: Ensaios de Teoria e
Metodologia. RJ, Campos, 1997. Para uma análise comparativa entre os índices de
legitimidade observados em diversas regiões brasileiras ver; FARIA, Sheila de Castro. A
Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1998.
456
podia chegar à prisão e ao degredo, "sem atender à perda que os ditos
senhores podem ter em lhe faltarem os ditos escravos para seu serviço;
porque o serem cativos os não isenta da pena, que por seus crimes
merecem".
287
As Constituições, no entanto, não estipulam penalidade
específica para concubinato de senhor com uma sua escrava. Mais que isso,
enfatiza que "viverem das mesmas portas adentro, estando um deles na casa
com o título de servir, ou por outra razão semelhante de si honesta, se além da
dita fama não houver outro indício mais do que estar na dita casa", não seria
suficiente para a condenação. Porém se o delito fosse provado, a concubina
deveria ser "lançada fora", mesmo se seus serviços fossem de grande valia, e
o senhor pagaria as penas pecuniárias previstas.
288
A alta incidência do concubinato no Brasil colonial, para alguns dos
autores, foi o resultado da desclassificação das mulheres indígenas e
africanas, identificadas com as "mancebas" portuguesas. Eram as relações
possíveis, num meio misógino e escravista.
289
Porém, muitas vezes a
ocorrência de amancebamento refletia interesses pessoais importantes,
especialmente entre homens e mulheres das camadas pobres: a necessidade
de garantir a sobrevivência sem ter que se submeter à prostituição, ajuda
econômica surgida do trabalho a dois, esperança na compra da alforria com
o concurso do outro, possibilidade de uma companheira sem os entraves do
casamento, segurança e proteção masculinas, etc.
290
287
Constituições....Livro 5, título 22, parágrafos 980 e 982
288
Constituições...., livro 1, parágrafos. 159 a162.
289
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio
de Janeiro:Nova Fronteira, 1997.
290
Ver, por exemplo, BOXER, C.R. Relações raciais no Império Colonial Português. 1415-
1825. Porto: Edições Afrontamento, 1977; SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos
e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988; LONDOÑO,
457
Kuznesof nos resume o quadro de conclusões de trabalhos desse tipo,
detalhamento que não nos cabe reproduzir. Basta-nos aqui destacar que os
pesquisadores afirmam serem mulheres brancas pobres, e principalmente
mestiças e negras, as que apresentam os mais altos índices de ilegitimidade
na sua prole. Para além da misoginia e do racismo, ou dos interesses
pessoais envolvidos, as explicações para tal quadro remetem para os altos
custos do casamento, o próprio desinteresse pelo sacramento devido à
tradição portuguesa do casamento por juras, e aos padrões de parentesco e
corte africanos que teriam influenciado o comportamento dos escravos e
seus descendentes libertos e livres. A autora, ela própria, matiza essas
conclusões, ao salientar que, evidentemente, ilegitimidade não significa, de
forma alguma, ausência de laços de parentesco.
291
5.2 Casamento de escravos e livres de cor em São José dos Pinhais
Incluir toda a população colonial, inclusive a
cativa, no seio da Cristandade e ao mesmo tempo
ajudar a preservar a hierarquia social foi a árdua tarefa
que o corpo eclesiástico colonial tomou para si. Nesse
empenho, manteve uma perseverante prática e uma
pregação continuada, principalmente de cunho
paroquial, que por vezes demoravam décadas e décadas
para frutificar. Os registros de batismo de São José dos
Pinhais são particularmente eficazes para mensurar a
adesão da população do vilarejo ao sacramento do
matrimônio, inferida pelos índices de legitimidade dos
nascimentos: entre 1770 e 1779, dos 313 batizados
realizados na paróquia, 31,7% foram de crianças
Fernando T. A Outra Família: concubinato, Igreja e Escândalo na Colônia. São Paulo: Ed.
Loyola, 1999.
291
KUZNESOF, Elizabeth. Op. Cit, 1990, passim.
458
nascidas de uniões "ilícitas". Esse índice atingiu o
patamar de 41,3% entre 1790 e 1799, daí em diante
declinando muito lentamente, para 27,1% entre 1840 e
1849 e chegando em 10,9% entre 1890 e 1899.
292
Os mesmos registros paroquiais confirmam as mais altas taxas de
ilegitimidade entre os escravos: entre 1757 e 1835, dos 833 casamentos
ocorridos na paróquia, somente 7,7% envolviam ao menos um escravo, e dos
1666 indivíduos listados como cônjuges daquele total de uniões, apenas 86
(5%) eram cativos. Considerando que entre 1798 e 1830 a média de
população escrava da vila era da 11%, pode-se imaginar que, no período, a
população escrava do lugar sacramentava suas uniões conjugais ao menos
50% a menos que os livres. Esse cálculo mais ou menos confere com as
taxas de ilegitimidade: dentre as 271 crianças de mães escravas batizadas
em São José dos Pinhais entre 1775 e 1802, 55,4% (150) eram ilegítimas;
das 684 crianças de mães livres cujos batismos estão registrados nesse
mesmo período, 179 eram ilegítimas e constituíam apenas 26,2% do total de
mães livres.
Tal tendência é corroborada pela comparação dos percentuais de
casados e viúvos nos diferentes grupos, efetuada no capítulo 3: apenas
relembrando, em Curitiba e São José dos Pinhais, juntas, dentre os cativos
com mais de 20 anos, apenas 19,5% eram casados e viúvos em 1804, e
18,9% em 1830, índices bem mais baixos do que os da população livre
(73,8% em 1804 e 79,1% em 1830) e mesmo da população livre de cor
(57,9% em 1804 e 75,5% em 1830).
292
ANDREAZZA, Maria Luiza el al. Uma análise demográfica da população da Freguesia de
São José dos Pinhais. Monografia de conclusão de curso de graduação. DEHIS-UFPR, 1974,
passim.
459
Todos esses números referendam o fato de que, no final século do
XVIII, a população escrava de São José casava-se muito menos do que a
livre, os negros e pardos menos do que os brancos. Indicam ainda que em
1830 a Igreja havia obtido algum sucesso em seu empenho pelo controle
das uniões matrimoniais, especialmente junto à população livre de cor local.
A observação das assinaturas do pároco nos registros dos livros de
casamento que cobrem o período estudado
293
permitiu determinar que até
1795 diversos vigários alternaram-se na tarefa de administrar o sacramento.
Após essa data os registros são assinados por um único roco, Theodoro
José de Freitas Costa, que pouco tempo depois passa a assinar como vigário
colado, permanecendo na paróquia até 1829. A presença constante de um
pároco na freguesia, a partir de 1795 e até 1829, talvez tenha sido o mais
importante fator a determinar o incremento dos casamentos junto à
população livre de cor, embora esta situação pouco efeito tenha surtido no
que diz respeito às uniões matrimoniais dos cativos.
Na leitura dos dois primeiros livros de casamentos da paróquia, pude
observar que, dos 51 registros de uniões entre escravos, 44 tinham cônjuges
pertencentes a um mesmo senhor. Dos sete casamentos com cônjuges de
senhores diferentes, possivelmente a maior parte deles envolvia escravistas
aparentados. Era o caso da união de Águida e José, em 1800, que, como
vimos, pertenciam, respectivamente, a Margarida Oliveira e a Gertrudes
293
O Livro de Casamentos 1 contém 138 registros, foi aberto em 1757 e fechado em 1835. O
Livro de Casamentos 2 contém 695 registros, tendo sido aberto em 1786 e fechado em 1832.
Ao contrário do que usualmente se praticava na colônia, não houve ali preocupação em
abrir livros separados para livres e para escravos. O Livro de Casamentos 1, porém, contém
mais registros desse último tipo: dos 60 casamentos envolvendo escravos entre 1780 e
1830, somente 7 estão registrados no livro 2.
460
Maria da Luz, que eram mãe e filha. Após o casamento, além disso, Águida
transferiu-se para a casa de Gertrudes Maria, proprietária de José.
294
Isso me parece indicativo de que embora os escravos provavelmente
pudessem escolher seus parceiros (livres, forros, ou cativos como eles)
sobretudo em se tratando de um vilarejo de pequenos e médios proprietários
rurais, onde certamente os contatos cotidianos entre escravos de diferentes
senhores, e de escravos com a população forra e livre eram muito mais
freqüentes do que, por exemplo, num engenho isolado e quase auto-
suficiente , eram sacramentados somente aqueles casamentos que não se
mostrassem inconvenientes para o senhor.
Nesse sentido se pode ler também o predomínio de casamentos de
escravos com livres ou com forros
295
aparentemente homens ou mulheres
que teriam menores impedimentos para acompanhar o cônjuge cativo em
caso de venda ou, ainda mais relevante, o cônjuge poderia ser incorporado
como agregado à propriedade do senhor. Do lado do escravo (e de sua
família), o casamento com pessoa livre promovia alianças sociais externas ao
cativeiro, e talvez fosse mesmo fator de diferenciação no interior do grupo
escravo. Além disso, como se sabe, sendo o escravo do sexo masculino, a
união com uma mulher livre significava a garantia de liberdade para os
futuros filhos.
294
Silvia Brügger encontrou o mesmo quadro em Vila Rica. Ela anotou que todos os casais
legitimamente constituídos eram formados por cativos de um mesmo proprietário,
apontando para a existência de impedimentos impostos pelos senhores para a contração de
matrimônios entre cativos de escravarias diversas, o que, aliás, segundo a autora, já foi
observado em outras áreas da colônia. BRÜGGER, Silvia MJ. Minas Patriarcal. Família e
Sociedade (São João del Rei, Séculos XVIII e XIX), Tese de doutorado. Niterói, UFF,
2002,,cap. 2?
295
Como indiquei no capítulo 3, dos 148 casamentos envolvendo cativos em São José dos
Pinhais, mais da metade deles (83) foram realizados com uma pessoa forra ou livre.
461
Penso poder afirmar, que ao menos no caso de São José dos Pinhais,
onde, no período estudado, quase todos os escravos eram nascidos e tinham
parentes no próprio vilarejo, o casamento de um cativo só se realizava se ele,
sua família e o senhor quisessem que se realizasse. Isso porque, se o
proprietário de um cativo podia impedir uma união matrimonial
inconveniente aos seus interesses, a Igreja preconizava que o escravo não
poderia ser obrigado a casar-se contra a vontade. Daí, talvez, a razão para
que o empenho do pároco de São José dos Pinhais em promover casamentos
de escravos tenha sido menos bem sucedido do que junto aos livres.
Em sua tese de doutoramento, Silvia Brügger questiona a idéia de que
a contraposição entre casamento e concubinato seja suficiente para se
entender o comportamento conjugal. Para a autora,
“casamento e concubinato parecem ter sido instituições
distintas que, como tais, tinham funções e objetivos próprios na
sociedade. O casamento era, acima de tudo, um arranjo familiar
calcado em interesses de ordem socioeconômica e/ou política.
Era, portanto, um projeto e uma escolha que visavam a
satisfação da família. o concubinato abria espaço para a
satisfação de interesses pessoais, inclusive os de cunho afetivo
e sexual. É claro que se podem encontrar situações de relações
não sancionadas pela Igreja, que longe estavam de atender
exclusivamente aos interesses pessoais, mas que também
podiam satisfazer à unidade familiar como um todo”.
296
Vistos sob aquele prisma, eu diria que, mais do que “instituições
distintas”, com “funções e objetivos próprios na sociedade”, casamento e
concubinato eram diferentes desfechos para um mesmo tipo de tensão,
nascida no confronto das diversas expectativas dos agentes sociais direta ou
296
BRUGGER. Silvia MJ. Op. Cit. 2002, CAP. 2.
462
indiretamente afetados pela busca individual de um parceiro a fim de
estabelecer descendência.
O perfil dos casamentos mistos, a meu ver, insinua que também no
interior do grupo dos pobres livres a decisão pelo matrimônio passava por
questões outras, além da vontade dos cônjuges. A maior incidência de
casamentos mistos entre homens escravos e mulheres livres (como indiquei
no capítulo 3, das 83 uniões entre escravos e livres, em 45 o cônjuge escravo
era do sexo masculino) sugere que as mulheres (e suas famílias) se
dispunham mais do que os homens a casar com um cativo, provavelmente
porque tal união não condenaria a prole ao cativeiro.
297
Essa pode ser,
inclusive, a explicação para as mais altas taxas de celibato definitivo entre as
escravas de São José dos Pinhais: em média, metade das cativas com mais
de 50 anos foram registradas como solteiras nos mapas de população entre
1795 e 1830. Entre os homens cativos dessa faixa etária, nessa mesma
fonte, os solteiros representavam cerca de 1/3.
Mas não apenas. Embora quase nunca os vigários anotassem a cor
dos noivos livres, dos 83 casamentos mistos ocorridos no vilarejo até 1888,
em 14 os cônjuges livres foram registrados como forros, ao menos dez deles
tinham ascendentes escravos ou ex-escravos e dois foram citados como
administrados. É provável que esse número seja muito maior, pois de oito
registros de casamentos mistos cujas trajetórias familiares acompanhei mais
acuradamente (conforme se verá adiante), apenas em três deles se fazia
297
Embora mais dados se refiram a um número pequeno de casamentos, relembro aqui os
dados fornecidos no capítulo 3, de que outros autores encontraram este padrão em outras
regiões do Brasil, como Schwartz, para a paróquia da Purificação (BA), entre 1774 e 1788;
por Costa, em Vila Rica em 1804, onde 25% dos casamentos envolvendo escravos (250)
incluíam um cônjuge forro, com a predominância (19%) de uniões entre escravos e forras.
Também em Pernambuco, segundo Koster, não eram raros os enlaces entre cativos e livres.
463
menção à cor ou à condição jurídica dos cônjuges livres ou de seus
ascendentes. No entanto, quando seus nomes foram encontrados em outros
documentos, todos acabaram sendo identificados como forros pardos ou
pretos livres, administrados (ou filhos de), enfim, categorias que remetem a
uma ligação mais ou menos próxima ao cativeiro. Em outras palavras: a
despeito da inexistência, no Brasil, de legislação proibindo ou condenando
casamentos entre brancos e negros ou entre livres e escravos, os indivíduos
socialmente brancos evitavam sacramentar uniões com escravos.
298
Por outro lado, acredito que não era incomum a ocorrência de casamentos mistos, do ponto de vista da cor, no
interior da população pobre livre da Freguesia. A leitura dos 1025 registros de casamentos dos livros 1 e 2 da
paróquia, realizados entre 1757 e 1835, permitiu uma avaliação pouco satisfatória, pois quase nunca se pôde
determinar a cor dos cônjuges, a não ser quando, na identificação de seus pais, o pároco informou a origem
portuguesa, africana ou indígena, o que raramente acontece.
299
No livro 1, dos 301 registros matrimoniais de livres, em 270 não havia qualquer alusão à cor ou à origem dos
cônjuges, entretanto não se pode deduzir que fossem todos brancos, dado o alto percentual de pardos na
população livre da freguesia, ou que entre eles não houvesse registros de casamentos mistos, do ponto de vista
da cor. Em 16 casamentos desse livro, ambos os cônjuges foram citados como pardos e sete casamentos
uniram um pardo ou parda a um branco ou branca. Os registros de oito uniões estavam ilegíveis. No livro 2, o
mesmo quadro. Dos 724 casamentos com ambos os cônjuges livres, fez-se referência à cor ou à origem em
apenas 16 deles sendo seis uniões de pardos, e dez uniões entre pardos(as) e brancos(as).
Também encontrei casais mistos nas listas nominativas, mas nenhum deles formado por um branco e um
negro. Na lista de 1803, por exemplo, foram recenseados nove chefes de domicílio com cônjuge de cor diferente
da sua, sendo sete homens brancos casados com pardas, e dois homens pardos casados com brancas. Em
1818 havia apenas quatro casais nessa situação, sendo dois pardos casados com brancas e dois brancos
casados com pardas. No entanto, lembrando que no passado brasileiro a hierarquia e a posição social estavam
manifestas na cor, e que havia a tendência de designar uma só cor a todo grupo familiar (capítulo 4), muito
provavelmente alguns casais mistos não aparecem como tal nas listas.
Finalmente, foi possível observar que dos 38 homens livres casados
com escravas, para 32 a naturalidade foi citada, e desses, 18 não haviam
nascido em São José dos Pinhais. Das 45 mulheres casadas com escravos,
para 36 foi anotada a naturalidade, sendo que apenas 12 não nasceram na
298
Situação diversa da encontrada na Virgínia (EUA), por exemplo, onde uma lei de 1691
estipulava que mulher branca que ali parisse filho mulato era pesadamente multada, ou
serva virava por cinco anos (os filhos, por trinta). FLORENTINO, Manolo. Alforrias e
Etnicidade no Rio de Janeiro Oitocentista (Notas de Pesquisa). Revista Topoi, Rio de Janeiro,
v. 5, p. 9-40, 2002, pp. 9-10.
299
Em ambos os livros se encontram casamentos de escravos, mistos e com os dois
cônjuges livres, porém no livro 1 os dois primeiros tipos são mais frequentes. Neste livro
registraram-se uniões entre 1757 e 1835; no segundo livro há uniões ocorridas entre 1786 e
1832. O primeiro é mais antigo, portanto, e a abertura do segundo indica uma tentativa de
separar populações de diferentes “qualidades”, embora na prática isso tenha ocorrido de
forma imperfeita.
464
paróquia. Portanto, pode-se supor que parte dessas uniões, especialmente a
de mulheres livres com escravos, teve origem na convivência e contato entre
pais e/ou parentes dos cônjuges, seja por vizinhança, amizade ou mesmo
relação de parentesco: dos registros de casamento estudados, em cinco deles
fez-se referência à dispensa matrimonial (por afinidade de primeiro e
segundo graus, de segundo grau de afinidade, de primeiro grau de afinidade
por cópula ilícita, de afinidade ilícita em linha transversal no segundo grau e
um último impedimento não explicitado). No entanto, não é desprezível (é até
bastante alto) o número de cônjuges nascidos em outros lugares.
300
Eram
principalmente homens migrantes, vivendo fora do controle familiar,
portanto, os que se casavam com escravas.
Embora eu tenha conseguido resgatar poucos casamentos mistos, do
ponto de vista da cor, entre cônjuges livres, dos que encontrei se infere que
possivelmente também nesse caso o padrão da naturalidade vigia. Joaquim
Ferreira Braga e Izabel Maria de Jesus, por exemplo, em 1803 foram
recenseados, respectivamente, como branco e parda.
301
Ele foi identificado
como lavrador, oriundo de São Francisco (SC). No registro de casamento,
ocorrido em 1794,
302
confirma-se a procedência do noivo (consta que seus
pais viviam na vila de São Francisco, sendo o pai natural da cidade de
Braga, e a mãe de São Francisco). Izabel Maria de Jesus, por sua vez, era
natural e batizada na freguesia de São José dos Pinhais.
300
Esses migrantes provinham principalmente de vilas próximas (Curitiba, Castro,
Palmeira, Paranaguá, Antonina, Morretes, Iguape, Rio Pardo, São Francisco e Sorocaba),
alguns, porém, vinham de lugares bem mais distantes (Espírito Santo, Pernambuco e
Alemanha).
301
LNSJP, 1803, 3
a
. cia, domicílio 300.
302
LCPSJP 2, 1794, fl. 11 e verso. APSJP
465
Esse foi ainda o caso de Antonio Joaquim e Maria do Rosário, ele
identificado como branco na lista de 1803, e ela como parda.
303
No registro
do casamento, ocorrido em 1802, o pároco anotou ser o noivo natural de
Portugal (Bispado de Lamego) e a noiva da própria freguesia, filha de João
Tavares e de Rita Maria. João Tavares, por sua vez, foi recenseado naquele
mesmo ano como um lavrador pardo, sendo tambem parda a sua mulher
Rita.
O casal Salvador Luiz e Gertrudes Mártires representa exemplo
inverso. Ele foi recenseado como pardo, e ela como branca, em 1803.
304
Através do registro de casamento, ocorrido em 1800, sabe-se que o pai de
Gertrudes era um migrante, oriundo da vila de Parnaíba,
305
para o qual o
casamento da filha com o pardo Salvador Luiz talvez tenha sido um
mecanismo importante de inserção no vilarejo.
o exemplo do casal Francisco Soares e Maria do Rosário reforça a
idéia de que a ausência de laços familiares favorecia a ocorrência de uniões
mistas. Em 1818 ele foi recenseado como branco, e ela como parda.
306
Graças ao registro do casamento, ocorrido em 1817,
307
sabe-se que
Francisco era um exposto criado na casa da viúva Joana Rocha, e que Maria
do Rosário era filha de José Leandro e Anna Maria Buena, todos naturais da
freguesia e recenseados como pardos em 1810.
308
Mais uma breve observação. O fato de eu ter localizado casais
formados por livres brancos e pardos apenas entre os jovens, talvez seja
303
LNSJP, 1803, 3
a
, domicílio 298.
304
LNSJP, 1803, 3.cia, domicílio 244.
305
LCPSJP 2, f. 35v e 36. APSJP.
306
LNSJP, 1818, 3.cia, domicílio169.
307
LCPSJP 2, fl.102 e verso. APSJP
308
LNSJP, 1810, domicílio 70.
466
outro indício de que haveria a tendência, com o passar do tempo, de igualar
a cor dos membros da família: um dos cônjuges “embranquecia” ou
“empardecia”.
Páginas atrás, eu relacionei a ocorrência de casamentos mistos, entre
os escravos, ao interesse de alguns senhores não apenas em fornecer
parceiros aos seus cativos, mas também em obter trabalhadores que dessa
forma se vinculariam à sua propriedade. Por outro lado, para um escravo o
casamento com uma forra ou livre assegurava a liberdade legal de sua prole;
para uma escrava, poderia ser o caminho para acumular dinheiro o bastante
para sua alforria, e de seus filhos. No capítulo 3 mencionei, inclusive, que
autores como John Tutino chegam a referir-se a esse padrão como
“casamento emancipacionista”, enfatizando-o como uma razão para o
declínio da população escrava em algumas regiões.
Os dados sobre naturalidade das pessoas forras ou livres que se
casaram com escravos de São José dos Pinhais, a meu ver sugerem algo
mais. Para um pardo ou negro livre recém-chegado, sem laços sociais
estabelecidos, casar, mesmo com uma escrava, podia ser o meio mais eficaz
de inserir-se na comunidade de escravos e livres de cor da freguesia. Uma
situação que apresenta certa semelhança com o que Manolo Florentino e
José Roberto Góes encontraram entre os escravos do Norte Fluminense, no
mesmo período (é claro, guardadas as diferenças entre aquele meio e o
vilarejo de São José dos Pinhais), quando afirmam que a sociedade
escravista precisava integrar a si os estrangeiros (...) e o sacramento do
467
matrimônio a isto se prestava”.
309
E o que pude levantar sobre casamentos
mistos, do ponto de vista da cor, sugere que isso também ocorria no interior
da população livre.
Ainda em “A Paz das Senzalas”, Florentino & Góes defendem que
haveria um “mercado matrimonial” entre os escravos do norte fluminense,
controlado pelos homens mais idosos, o que provavelmente indica uma
“experiência de regras cativas voltadas à regulamentação” deste mercado: o
homem idoso casava com a jovem, e a mulher idosa africana, preterida pelos
idosos, com os jovens. Ao homem mais novo restava a mulher mais velha, e
o homem maduro tinha acesso à mulher capaz de gerar filhos.
310
Embora eu
esteja trabalhando com poucos casamentos, eles são à totalidade das uniões
ocorridas no vilarejo de São José dos Pinhais ao longo de um grande período.
Assim, os muitos migrantes entre os livres casados com escravas da
freguesia, talvez sejam indicação de que os cativos do lugar reservavam para
si boa parcela das pardas e negras livres da comunidade, bem como
incentivavam o casamento de migrantes livres com suas filhas escravas.
Também os poucos dados sobre casamentos mistos, do ponto de vista da
cor, ajudam a sustentar a hipótese de que haveria controle do mercado
matrimonial pelos livres de cor do vilarejo, estes, reservando para si parcela
da população feminina branca e incentivando a união de suas filhas com
migrantes brancos.
Por isso têm razão Florentino & Góes, quando fazem a crítica à tese de
que, por serem minoria em regiões ligadas ao mercado transatlântico de
309
FLORENTINO, Manolo & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, 1790-1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p.
143
310
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. Cit, 1997, pp. 154-155.
468
cativos, as mulheres estariam em condições privilegiadas na escolha do
parceiro. Nessa obra os autores buscam demonstrar que no norte
fluminense as uniões conjugais não se davam ao acaso, não eram simples
função do cruel desequilíbrio entre os sexos, nem se verificavam ao
descompasso de regras culturalmente aceitas.
311
De fato, do que até aqui indiquei em relação ao casamento em São
José dos Pinhais, depreende-se que também ali não se trata, esta questão,
de “um mero problema matemático”. Penso ter encontrado indícios de que o
casamento e o concubinato de escravos e de livres de cor delineavam-se
como atos políticos, pois sua ocorrência (ou não ocorrência) refletia os
interesses e expectativas (por vezes conflitantes) dos diversos atores sociais
envolvidos.
Nesse cenário de confronto tinha-se, de um lado, um grupo de
escravistas com dificuldades em recorrer ao mercado para repor a mão-de-
obra cativa, e que se utilizava da posição senhorial para promover ou
impedir uniões matrimoniais de seus escravos, na expectativa de atrair
pobres livres (trabalhadores) para as teias de sua dependência. Os cativos e
suas famílias, por outro lado, empenhavam-se em realizar casamento com
pessoa livre, um meio eficaz para a conquista da alforria para si, e da
liberdade para sua descendência. Também os livres pobres (brancos ou não)
envolviam-se nesse confronto, disputando a efetivação de vínculos, através
do casamento, que lhes possibilitasse a integração (quando migrante), bem
como a ascensão ou ao menos a manutenção do status social.
311
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. Op. Cit, 1997. p.155.
469
O desenrolar das tensões entre as distintas expectativas promovia não
apenas diferentes desfechos para histórias individuais, mas afetava o próprio
processo histórico de reprodução de uma comunidade de escravos e livres de
cor do vilarejo. Assim, se a relativa incapacidade da elite local em adquirir
escravos no mercado determinou o progressivo declínio da população cativa
do vilarejo ao longo do século XIX, por outro lado, a entrada de migrantes e
as freqüentes uniões de escravos com mulheres livres (sacramentadas ou
não), gerando filhos também livres, alimentavam continuamente a cada vez
mais significativa população de livres de cor. E se o empenho senhorial em
arregimentar dependentes fazia com que parte do grupo dos livres de cor
vivesse na condição de agregados, a disposição em reforçar socialmente sua
condição de livre garantiu que a maioria dos pardos e negros da freguesia
alcançasse e mantivesse um grau mínimo de autonomia.
Para tentar saber mais sobre os contextos que propiciaram uniões
matrimoniais de livres com escravos, realizei o cruzamento das informações
contidas nos registros de alguns desses casamentos com outras fontes
disponíveis, o que se verá a seguir.
5.2.1 Izidoro Soares da Silva e a escrava Marianna
Em 6 de fevereiro de 1766 na Paróquia de São José casaram-se Izidoro
Soares da Silva nascido em Paranaguá e filho natural de Luzia Soares e
Marianna, escrava de Nazário Ferreira. Foram testemunhas o próprio senhor
de Marianna e Manoel Pinto Ribeiro.
312
Consultando-se o Livro de
Ordenanças da Vila de Curitiba, de 1765, descobri que Izidoro, então com 40
312
LCPSJP 1, fl. 21v. APSJP.
470
anos, era um agregado no domicílio de Nazário Ferreira (56 anos), este,
proprietário de oito escravos.
313
A outra testemunha, Manoel Pinto Ribeiro,
era um vizinho, senhor de apenas um escravo.
Os autos do casamento de Izidoro e Marianna nos fornecem mais
dados sobre o noivo. Nele consta que sua mãe era falecida e que não
houve registro do seu batismo, mas obtém licença para casar, porque o
então pároco de Paranaguá habilita como legítima a declaração de uma
testemunha de que "haverá posto (...) nove anos pouco mais ou menos que o
Padre Pedro da Silva Pereira o batizou na Igreja Matriz desta vila e que por ser
muito velho lhe não podem fazer o assento de seu batismo". Seus
padrinhos, nomeados na justificação de batismo, foram Salvador da Silva e
Ignes Soares.
Embora socialmente distintos, pois que de condição jurídica diferente,
Izidoro e Marianna compartilhavam cotidianamente as mesmas experiências:
viviam sob o mesmo teto ao menos um ano, provavelmente enfrentavam
juntos a labuta diária, tinham os mesmos amigos — escravos e agregados da
casa e das vizinhanças -, obedeciam a um só "senhor".
Marianna e Izidoro tiveram ao menos uma filha: Julia. A menina,
porém, faleceu aos seis meses de idade. No registro, consta o óbito em julho
de 1772.
314
O documento nos esclarece um pouco mais sobre os pais:
Marianna era parda e Izidoro foi citado como administrado, e ambos
identificados como “escravos” do Tenente Nazário Ferreira. Izidoro, portanto,
313
Este Livro de Ordenanças traz a relação apenas de homens (e quando casados consta o
nome de suas esposas). Assim, com exceção das esposas, as mulheres residentes não estão
listadas, e portanto não é possível saber da presença de filhas, irmãs, sobrinhas e outras
agregadas, parentes ou não. Tampouco se sabe o nome, sexo e idade dos escravos, pois
apresenta-se apenas a quantidade de cativos em cada domicílio.
314
LOPSJP 1, fl. 45v. APSJP.
471
tinha muito provavelmente origem indígena, hipótese que se reforça quando
atentamos para a informação de que fora batizado já adulto. Dois anos
depois faleceu o próprio Izidoro (em julho de 1774), com 50 e tantos anos.
Nele consta que Marianna permanecia escrava de Nazário Ferreira, e que
Izidoro morreu sem deixar testamento pois “nem tinha de que fazer”. Mas
teve missa de corpo presente e foi sepultado na Igreja matriz “acompanhado
com a Cruz da Fábrica”
315
– certamente por sua pobreza e por não pertencer
a nenhuma irmandade ou corporação.
316
5.2.2 Vicente Francisco e a escrava Antonia
Em 19 de setembro de 1777 uniam-se pelo matrimônio Vicente Francisco e Antônia, ele, nascido em
Curitiba e filho de Lourenço de Siqueira e de Tomázia Francisca, ela, nascida em São José, escrava de Manoel
Gonçalves Padilha e filha natural da falecida Maria, escrava de Manoel Correia de Castro. Foram testemunhas o
senhor da noiva e Diogo Bueno Barbosa, ambos da freguesia.
317
Os autos do casamento
318
reproduzem os registros de seus batismos, e assim fica-se sabendo que Antônia
nasceu em abril de 1759, como escrava de Manoel Correia de Castro. Vicente nasceu em outubro de 1755, e
seus pais eram administrados de Miguel Francisco. Um dos padrinhos de batismo de Vicente foi o Capitão
Amador Bueno da Rocha, homem de ilustre família paranaense, de origem paulista, neto materno do capitão
Antonio Bicudo Camacho, um dos primeiros povoadores de São Francisco, em Santa Catarina. Amador Bueno
exerceu vários cargos públicos em Curitiba, e foi senhor de fazenda que herdou do pai.
319
Graças a um processo eclesiástico de 1757 podemos supor que Vicente
e Antônia conheciam-se desde a mais tenra infância. Por ele descobrimos
que Amador Bueno da Rocha e Escolástica Rodrigues do Prado (esposa de
Manoel Correia de Castro) eram irmãos.
320
Vicente era, portanto, afilhado do
315
LOPSJP 1, fl 50. APSJP.
316
Enterrava-se com a cruz da fábrica as pessoas de maior pobreza e que não
pertenciam a nenhuma irmandade/corporação. Agradecer ao Jaelson pela informação.
317
LCPSJP 1, fl. 53v. APSJP.
318
Originais pertencentes a: Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva da Mitra
Arquidiocesana de São Paulo. Autos de casamentos, 1777. Consulta no Rolo 14, microfilme
do acervo do CEDOPE.
319
LEÃO, Ermelino de. Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná. Curitiba: IHGPr, 1994,
vol 1, p. 52.
320
Escolástica Rodrigues do Prado era, na verdade, meia-irmã de Amador Bueno da Rocha.
Ambos eram filhos de Antonio Bueno da Veiga, porém de casamentos distintos. No processo
citado, Amador Bueno da Rocha e Manoel Correia de Castro aparecem entre os vários
denunciados, acusados de ocultação de parentesco de consangüinidade em 4.
o
grau entre
João da Silva de Abreu e Luzia de Morais Castro, cujo casamento fora realizado naquele
mesmo ano. Manoel Correia de Castro era o pai da noiva, e Amador Bueno fora uma das
472
cunhado do primeiro proprietário de Antonia. E nem mesmo o fato de
Antonia ter se tornado propriedade de Manoel Gonçalves Padilha impediu o
casamento. Pode-se imaginar, igualmente, que os vínculos de Vicente com o
padrinho fossem bem estreitos, pois Diogo Bueno Barbosa, a outra
testemunha do casamento, poderia muito bem ser parente de Amador Bueno
da Rocha. Mais do que convivência cotidiana, têm-se aqui indícios de que os
laços de parentesco dos senhores envolviam seus escravos e administrados.
Embora Vicente Francisco não tenha sido localizado nas listas
nominativas de São José dos Pinhais de 1781 e de 1783, o casamento
manteve-se estável, pois eles tiveram ao menos três filhos: Antonio, batizado
em 1777; Rita, batizada em outubro de 1780, e Anna, batizada em agosto de
1788.
321
Nos três registros Vicente aparece identificado como forro e Antonia
como escrava de Antonio Gonçalves Padilha.
Ao longo desse período Vicente certamente mantinha laços com o
senhor de sua mulher. Encontrei autos de livramento de 1785, no qual
consta que Vicente Francisco, ali identificado como cabra forro, estava preso
por furto de uma vaca a Francisco Bueno da Cunha e Pedro Machado
Fagundes, “a mando de Manoel Gonçalves Padilha”. Em 1803 Vicente
Francisco novamente aparece no domicílio de Manoel Padilha, junto com
Antonia e um dos filhos.
322
Finalmente, em 1810 o casal vivia sozinho em
domicílio autônomo (aparentemente Antonia estaria forra), identificados
como pardos e pobres.
323
testemunhas. Originais pertencentes ao ADLDCMSP. Consulta no Rolo 2- Curitiba/Crimes,
microfilme do acervo do CEDOPE/DEHIS/Processo de dispensas matrimoniais (1757).
321
LBPSJP 1, fl.88v (Antonio), fl. 92v (Rita) e fl. 105v (Anna). APSJP.
322
LNSJP, 1803, domicílio n
o
. 234.
323
LNSJP, 1810, domicílio n
o
. 189.
473
5.2.3 Antonio escravo e Gertrudes Leme
Em agosto de 1783 casaram-se Antônio e Gertrudes Leme. Ele era
viúvo, e escravo de Paulo da Rocha; ela era filha de Gregório Leme e
Domingas do Rosário. As testemunhas do casamento foram Antonio de
Souza Pereira e Manoel Bueno da Rocha. Não consegui estabelecer
parentesco este último e Paulo da Rocha, o senhor de Antonio, mas
provavelmente existia, devido ao sobrenome em comum (e Manoel Bueno da
Rocha era filho de Amador Bueno da Rocha). Além disso, sei que Souza
Pereira e Bueno da Rocha eram cunhados, casados com filhas de Pedro
Antonio Moreira e Joana França Moreira. No ano do casamento de Antonio e
Gertrudes, Antonio de Souza Pereira era viúvo, e em um processo
eclesiástico de 1782, ele é citado como capitão-mor em São José dos
Pinhais.
324
Consultando a lista nominativa de 1783 fica-se sabendo que o pai de
Gertrudes era um forro de 60 anos, e que a mãe, Domingas do Rosário,
havia falecido. Gertrudes, então com 14 anos, vivia na companhia do pai e
das irmãs Izabel (de 25 anos) e Maria (de dez anos). Encontrei apenas os
registros de batismo das irmãs de Gertrudes. Izabel foi batizada em
novembro de 1755 e Maria, em 1774.
325
Nos registros consta que Domingas
era administrada de Estevão Ribeiro.
324
Autos de contas tomadas ao requerente como esmoler da Igreja da Freguesia de o
José, 1782. Original no ADLDCMSP. Consulta em pia microfilmadas do acervo do
CEDOPE-UFPR.
325
LBPSJP 1, fl. 83 e fl. 106v/107. APSJP.
474
Quatorze anos após o casamento, isto é, em 1797, Gertrudes
encontrava-se vivendo como agregada no domicílio de Paulo Rocha, porém
não consta o nome do marido: no fogo estão arrolados somente o próprio
Paulo da Rocha, sua esposa e quatro filhos, além dos escravos Antônio (de
sete anos), José (de 18 anos), Manoel (de cinco anos), Francisca (de 30 anos)
e Catharina (de seis anos). Como agregada aparece também Izabel, de cinco
anos.
Pesquisas nos livros de batismos de São José, contudo, revelaram
que Gertrudes e Antonio tiveram uma longa vida conjugal, Em 1784 nasceu
Francisco, e em seu registro Gertrudes foi citada como administrada de
Paulo Rocha. Em 1789 foi registrada Leonor, e em 1792 a filha Maria.
Nesses últimos registros de batismo, Gertrudes Leme foi identificada como
parda forra. O casal batizou mais quatro filhos: Izabel (1793, a menina
agregada com Gertrudes na casa de Paula da Rocha em 1797), Joaquim
(1795), Manoel (1797) e João (1800). Nestes quatro últimos batismos,
Gertrudes Leme foi identificada apenas como forra.
5.2.4 Joaquim Antonio Barbosa e a escrava Quitéria
Em 16 de fevereiro de 1779, o vigário da Igreja Matriz do Patrocínio
de São José casou Joaquim Antônio Barbosa - nascido em Paranaguá, e
morador de São José, filho natural de Mariana, forra administrada que foi
de José de Aguiar, falecido”, natural da freguesia de São José com
Quitéria, nascida na freguesia escrava de Antônio de Souza Pereira, filha
de Miguel e de Catharina, já falecidos, escravos de Rosa Maria Guedes, todos
475
de São José. Foram testemunhas Sirino Dias Castilho, casado, e Paulo,
solteiro, escravo de Antônio Bueno, ambos de São José dos Pinhais.
326
Localizei os autos desse casamento,
327
e sua leitura revelou
informações de múltiplos interesses, a começar pelo teor do registro de
batismo de Quitéria. Ela nasceu em 1760, e sua mãe era uma africana de
nação Angola. Os pais, e portanto também ela, eram por então propriedade
de Felipe Pereira Magalhães (marido de Rosa Maria Guedes, esta, tia-avó da
esposa de Antonio de Souza Pereira, o senhor de Quitéria por ocasião do
casamento).
328
Os padrinhos do batismo foram Mariana, igualmente de
nação Angola, escrava de João Bastos Coimbra (genro de Felipe Pereira
Magalhães e Rosa Maria Guedes)
329
e Paulo, também de nação Angola,
escravo de Amador Bueno da Rocha.
Rosa Maria Guedes descendia de família tradicional em terras
paranaenses, pois alguns de seus ascendentes estão entre os primeiros
povoadores da região. Em 1776 e em 1783 vivia em São José com filhos,
netos e cinco escravos. Seu falecido marido, Felipe Pereira de Magalhães, era
natural de Vianna, arcebispado de Braga, nascido no final do século XVII.
Veio para o Rio de Janeiro por volta de 1724, mas logo seguiu para Santos,
depois para as minas do Paranapanema, até chegar a Paranaguá, sempre
como negociante, onde desposou Rosa.
330
326
LCPSJP 1, fl. 59v. APSJP.
327
Originais pertencentes a ADLDCMSP. Consulta em microfilme do CEDOPE/UFPR, Autos
de casamento, 1779. Rolo 15.
328
Segundo genealogia da Família Rocha Loures, realizada pelo Professor Hélio Rocha,
Curitiba.
329
Idem
330
Autos de casamento. 1728 (original no ADLDCMSP, consulta em pia microfilmada do
acervo do CEDOPE/UFPR.
476
João de Bastos Coimbra, genro de Felipe e Rosa
Maria, nasceu em Molelinhos, Bispado de Vizeu –
Portugal. Exerceu vários cargos públicos em Curitiba e
em São José dos Pinhais entre 1747 e 1762,
331
e
encontrei seu nome nas listas nominativas de 1776 e
1783, de São José dos Pinhais. Nessa última data, ele
estava com 70 anos e vivia com a mulher, filhos e mais
um escravo.
Antonio de Souza Pereira fora casado com Coleta
Maria, filha de Pedro Antonio Moreira e Joanna Franca
Moreira, e neta materna de Luzia Cardoso Leão (irmã de
Rosa Maria Guedes). Em 1779, nos autos de casamento
de Joaquim e Quitéria, Souza Pereira se declarou viúvo
e negociante, natural do Porto. Segundo o processo
eclesiástico já citado, em 1782 ele era capitão-mor em
São José dos Pinhais. Também Amador Bueno da Rocha
é um nosso conhecido. E conforme indiquei no item
sobre o casamento de Antonio e Gertrudes Leme, um
dos filhos de Amador Bueno - Manoel Bueno da Rocha –
era casado com uma das filhas de Joana França
Moreira.
Do que se recuperou da trajetória de Quitéria,
deduz-se a existência de relações ligando escravos de
senhores aparentados, e também a manutenção de uma
identidade étnica entre os cativos africanos, já que uma
mãe Angola convidou membros de sua etnia para o
batismo da filha. E o fato de que o Paulo Angola que
batizou Quitéria pudesse ser o mesmo que testemunhou
seu casamento (já que Antônio Bueno, proprietário de
Paulo à época do casamento, era filho de Amador Bueno
da Rocha),
332
indica a reiteração, no tempo, de um
parentesco espiritual ligando escravos, bem como a
331
LEÃO, Ermilino de. Op. Cit, vol. III, p. 958.
332
No Livro de Ordenanças de 1765 constam Antonio Bueno, com 17 anos, e Manoel da
Rocha, de 20 anos, filhos de Amador Bueno, então viuvo, com 66 anos. Na lista nominativa
de São José dos Pinhais, de 1783, Antônio Bueno da Rocha, agora com 37 anos, aparece
casado com Veríssima da Veiga, 28 anos, com uma filha de 2 anos, Maria, o filho João, de
13 anos, e ainda com 2 escravos. (consulta de cópias do acervo do CEDOPE/UFPR dos
originais do AESP)
477
valorização dos sacramentos cristãos por parte desses
africanos.
A polêmica acerca do batismo de Joaquim Antônio Barbosa, que ocupa
boa parte dos autos desse casamento, pode igualmente apontar para
questões de relevo. Como não constava o batismo de Joaquim nos livros de
Paranaguá, três testemunhas declararam que ele fora efetivamente batizado,
e que a falta do registro teria sido produto da negligência do pároco da
época. Declararam ainda que aos três anos de idade mais ou menos,
Joaquim mudou-se para São José, e que estaria no momento com 18 ou 19
anos ou seja, teria vindo para São José por volta de 1763. De fato, no Livro
de Ordenanças de 1765 consta, na freguesia de São José, o domicílio de José
de Aguiar, com 60 anos por então, casado com Izabel Veiga da Silva, e
mantendo quatro agregados: Manoel (23 anos), Francisco (15), Joaquim
(cinco) e Victorino (um ano). É praticamente certo que esse Joaquim de cinco
anos seja o mesmo Joaquim Antônio Barbosa que ocupa nossas atenções.
Além de sugerirem a manutenção de relações de dependência e
sujeição entre a mãe de Joaquim e seu antigo administrador, esses
testemunhos indicam que esses laços estenderam-se ao filho livre, muito
provavelmente até a morte de Aguiar: todas as testemunhas declararam ser
Joaquim um administrado de Aguiar, e uma delas, Sirilo Castilho, que se
disse parente de Joaquim, informou que desde os três anos de idade o rapaz
vivia em São José, saindo da vila somente uma vez, "numa leva de soldados
para Santos e sua ausência não se demorou senão cinco meses". O próprio
Joaquim afirmou, nos autos, que “veio daquela vila de Paranaguá debaixo da
administração do dito Aguiar e nunca mais saiu desta freguesia e seu termo
478
para outra alguma parte”. Apenas mais uma observação: dentre essas
testemunhas estava Antônio de Souza Pereira, o senhor de Quitéria. Ele
declarou nos autos que conhecia muito bem o justificante e sua mãe
(Marianna), parecendo, pois, empenhado na legalização da união
matrimonial de Quitéria e Joaquim, talvez de olho nos serviços desse
administrado que, com a morte de Aguiar, tornou-se um desgarrado.
Esse empenho, de fato, não foi em vão. Em maio de 1780, quando do
batizado de Bento, primeiro filho do casal, o pároco anotou no registro que
Joaquim Antonio Barbosa e Quitéria eram escravos de Antonio de Souza.
333
Em 1784, no registro de batizado de outro filho (Serafino), Joaquim Antonio
foi citado como mulato forro, e Quitéria como crioula, ambos, escravos de
Antonio de Souza Pereira.
334
O casamento de Joaquim e Quitéria se encerrou em outubro de 1785,
quando ela faleceu, um ano após o nascimento desse último filho, aos 25
anos. Ganhou penitência in voto e extrema unção, porém não o sacramento
da eucaristia “por impedimento da enfermidade e por estar sem sensação
dos sentidos”. Foi sepultada na Igreja Matriz, “das travessas para baixo”.
335
Das trajetórias até aqui resgatadas se pode destacar a indicação de
que casar com uma pessoa livre ou liberta não necessariamente facilitava ao
cativo o acesso à alforria (afinal, Marianna, Antonio, e Quitéria ao que tudo
indica permaneceram escravos, e Antonia se tornou forra em idade
avançada). Se para Antonio tal união abrira as portas da liberdade a seus
333
LBPSJP 1, fl. 92 e 92v. APSJP.
334
LBPSJP 1, fl. 98v. APSJP.
335
LOPSJP 1, fl. 87v. APSJP.
479
filhos, a situação domiciliar de sua mulher, Gertrudes Leme (e também a de
Izidoro e Vicente Francisco), bem como a anotação, nos registros de batismo,
de que esses indivíduos livres eram forros, administrados ou até escravos
dos proprietários de seus cônjuges (inclusive Gertrudes, que certamente
nasceu livre), sugerem que a união matrimonial com um escravo podia
arrastar um indivíduo livre e seus descendentes para uma escravidão
informal, e enredá-los na teia de relações que até a morte, e por vezes
mesmo depois dela, envolvia um senhor e sua propriedade.
No entanto, como enfatizei páginas atrás, o casamento de escravos
com pessoas livres era um jogo de resultados imprevisíveis, pois dependia do
maior ou menor grau de sucesso na concretização das expectativas (por
vezes conflitantes) dos agentes sociais envolvidos. Por essa razão, outros
desfechos eram possíveis.
5.2.5 Lauriano escravo e Anna Maria de Jesus
Em junho de 1780 casaram-se, na paróquia de São José, Lauriano,
escravo de Joanna Franca Moreira, e Anna Maria de Jesus, filha de Geraldo
da Veiga e de Gertrudes Maria, esta última, uma liberta.
336
Nos livros de
batismo descobri o registro de Rafael, em outubro de 1774, filho ilegítimo de
Anna, filha de Geraldo da Veiga. Ele talvez fosse filho da nossa Ana Maria.
337
Anna Maria de Jesus nasceu em São José, sendo batizada em maio de
1751 (tinha, portanto, 29 anos à época de seu casamento), e no registro
consta que seus pais, Geraldo e Gertrudes, eram mulatos forros, ex-
336
LCPSJP 1, fl. 85. APSJP.
337
LBPSJP 1, fl. 62v. APSJP.
480
administrados de Jerônimo da Veiga.
338
Também localizei os registros de
batismo de mais duas filhas do casal Geraldo e Gertrudes. No de Rita, em
março de 1745, os pais foram identificados como “servos” da viúva Anna da
Cunha de Abreu.
339
No registro de Maria, no natal de 1748, Geraldo e
Gertrudes já aparecem como forros.
340
Também Lauriano pertencia a uma família muito instalada em São
José dos Pinhais. Em seu registro de batismo, de novembro de 1751, consta
que seus pais, Domingos e Izabel, eram escravos de Pedro Antonio
Moreira.
341
Luis, irmão de Lauriano, foi batizado em março de 1747, quando
seus pais eram escravos de Pedro Antonio Moreira,
342
e assim se
mantiveram até ao menos 1753, quando batizaram a filha Inês.
343
Sobre esse casamento, bem como sobre aquele abordado no item
anterior, que se atentar para um primeiro ponto de interesse. Através do
casamento de seus escravos, parece que a família de Pedro Antonio Moreira
estaria tentando trazer para as teias de sua dependência, indivíduos e
famílias até então ligados a uma outra Casa. Vimos que, ao se casar com a
escrava Quitéria (propriedade de Antonio de Souza Pereira, genro de Pedro
Antonio Moreira), Joaquim Antonio passou da administração de José de
Aguiar, para a de Pedro Antonio Moreira. O mesmo aconteceu a partir do
casamento de Ana Maria de Jesus com o escravo Lauriano, pois ela era filha
de um ex-administrado de Jerônimo da Veiga, pai de Izabel Veiga da Silva,
338
LBPSJP 1, fl. 91. APSJP.
339
LBPSJP 1, fl. 67v. APSJP.
340
LBPSJP 1, fl. 82. APSJP.
341
LBPSJP 1, fl. 92v. APSJP.
342
LBPSJP 1, fl. 74. APSJP.
343
LBPSJP 1, fl. 99. APSJP.
481
esta, mulher de José de Aguiar. Esses casamentos, pois, falam também de
conflitos entre senhores, disputando dependentes.
Porém, parece que essa família senhorial não obteve pleno êxito. Três
anos após o casamento de Ana Maria e Lauriano (ou seja, em 1783), nós a
encontramos vivendo com o pai, de 80 anos, e agora viúvo, e com os irmãos
Francisca (20 anos) e José (nove anos). No domicílio viviam ainda os netos
Maria (seis anos), Rita (cinco anos) e Custódio (um ano). Não localizei
Laurianno, pois não é possível verificar se foi registrado no fogo de sua
senhora, visto que a lista nominativa daquele ano traz somente a quantidade
de escravos por domicílio. Porém, o casal se manteve unido por muitos anos,
que em novembro de 1788 eles batizaram uma filha, Joanna, em
Morretes. Na ocasião Laurianno ainda era escravo de Joanna Franca
Moreira, e Ana Maria de Jesus foi identificada como uma mulata forra.
344
Em janeiro de 1791, de volta a São José, batizaram o filho Manuel. Dessa
vez Lauriano foi identificado como escravo de Antonio Moreira e Anna
aparece com o sobrenome de seu pai, Veiga.
345
5.2.6 O escravo Joaquim e Maria Moreira
A parda liberta Maria Moreira e o escravo Joaquim, de propriedade de
Joaquim Álvares, casaram-se em novembro de 1829. Em 1836 ela aparece
na Lista de habitantes de São José chefiando o domicílio de número 27: um
sítio dedicato à produção de milho, feijão e erva mate. Não posso afirmar que
344
LBPSJP 1, fl. 106. APSJP.
345
LBPSJP 1, fl. 116. APSJP.
482
essa propriedade seja anterior ao casamento, mas sei que nessa ocasião
Maria tinha uma família constituída, pois em 1836 com ela viviam os
filhos Joaquim (de 16 anos) e Maria (de 13 anos), portanto nascidos antes de
1829 e, quem sabe, filhos ilegítimos do próprio Joaquim. Na verdade Maria
Moreira teve mais filhos, pois nos livros de batismos encontramos três
registros de rebentos seus. O batismo de Maria ocorreu em 1816,
346
o de
Antonio em 1825,
347
e, em 1827, o de Salvador.
348
No sítio de Maria Moreira viviam também a parda Francisca (30 anos)
e duas crianças: Jo(quatro anos) e Maria (três anos). Nessa mesma lista
nominativa, em domicílio próximo (número 29), o marido de Maria Moreira
mantinha-se como cativo de Joaquim Álvares, ao lado de mais quatro
escravos e um agregado.
5.2.7 Luciano Rocha Dantas e a cativa Joanna
Em maio de 1831 uniram-se em matrimônio Luciano da Rocha Dantas
filho de Ângela, cativa de José da Rocha Dantas e a escrava Joanna, de
propriedade de José Teixeira da Cruz. Os noivos foram dispensados de
impedimento de primeiro grau de afinidade por cópula ilícita.
349
Luciano era
forro, pois em um cartório de Curitiba existem arquivadas duas cartas
declarando sua liberdade. A primeira, de março de 1822, foi apresentada ao
tabelião pelo próprio Luciano. Nela consta ser ele um mulato de propriedade
de José da Rocha Dantas, morador de Mandirituba. Foi onerosa (a quantia
não é especificada), mas o preço da liberdade foi pago por sua irmandade. A
346
LBPSJP 3, fl. 93. APSJP.
347
LBPSJP 3, fl. 158. APSJP.
348
LBPSJP 2, fl. 174v. APSJP.
349
LCPSJP 2, fl. 182. APSJP.
483
segunda data de janeiro de 1824 (não sei se a primeira foi cancelada ou se
esta é o fim de uma negociação iniciada na primeira). Nela Luciano declara
que pagou por sua liberdade, e ainda teria que servir ao senhor até a morte
deste.
350
Luciano nasceu em 1792, em São José, quando sua mãe Angela era
escrava de Pedro Machado.
351
Não tenho informações sobre o nascimento de
Joanna, e é provável que o impedimento de afinidade por cópula ilícita,
citado no registro do casamento, seja conseqüência de um seu concubinato
com parente do marido, no passado. É que encontrei, nos livros de batismo
de São José, o registro de três filhos de uma Joanna, escrava de José
Teixeira. O primeiro data de outubro de 1819, quando do nascimento do
ilegítimo Miguel.
352
Em janeiro de 1824 foi a vez de Izabel,
353
e finalmente,
em outubro de 1829, foi batizado o inocente Antonio.
354
Embora tenha se empenhado na conquista de sua liberdade, Luciano
não se importou de desposar uma escrava com filhos também cativos
(naturalmente, se estiverem corretas minhas conjecturas). Talvez ela fosse
uma cunhada (era muito comum esse tipo de pedido de dispensa
matrimonial), e as crianças, seus sobrinhos. E logo esse liberto geraria
crianças cativas. A primeira, Gertrudes, foi batizada em julho de 1832 como
filha legítima do casal. Nele Luciana é citado como pardo liberto, e Joanna
como escrava de José Teixeira da Cruz.
355
O segundo rebento foi Amâncio,
batizado em julho de 1833. Nesse registro Joanna é identificada como parda
350
Banco de Dados de Adriano Moraes Lima.
351
LBPSJP 1, fl. 117v. APSJP.
352
LBPSJP 3, fl. 111v. APSJP.
353
LBPSJP 3, fl. 144v. APSJP.
354
LBPSJP 3, fls. 190v e 191. APSJP.
355
LBPSJP 3, fl. 247. APSJP.
484
e forra, mas também nele o pároco frisa que o menino é escravo de José
Teixeira da Cruz (talvez a alforria de Joanna teve como condição a
permanência de seus filhos no cativeiro, mesmo desse, nascido de ventre
livre).
356
Em 1838 encontrei o registro do casal na lista nominativa. Luciano
(com 44 anos, pardo, livre, sapateiro) aparece como cabeça de um fogo, na
verdade um sítio, onde vivia somente com a esposa Joanna, então com 29
anos.
357
Não se faz menção à condição jurídica dela, mas, sabemos nós, por
então era forra. Seus filhos cativos não estavam lá, pois provavelmente
moravam na propriedade de José Teixeira da Cruz, mas não encontrei o
domicílio deste na lista. Luciano e Joanna tiveram ao menos mais dois
filhos, estes, nascidos livres. A inocente Laurinda foi batizada em dezembro
de 1838;
358
em fevereiro de 1844 foi a vez de Francisco.
359
Desses três últimos casos eu destacaria três questões: a primeira,
mais relacionada às trajetórias dos casais Lauriano e Ana Maria e Joaquim e
Maria Moreira, refere-se à antiga discussão acerca da distinção
necessária, quando se manipula listas de habitantes, entre domicílio e
família. Embora o domicílio de Geraldo da Veiga, contabilizado em 1783 com
filhas e netos, e o de Maria Moreira (na lista de 1836) pudessem ser
testemunho do grande número de mulheres sozinhas com seus filhos, os
registros de casamento e batismo nos indicaram, na verdade, a existência de
famílias extensas invisíveis naqueles censos (a história de Lauriano e Ana
Maria é exemplar, nesse sentido), bem como, quando um dos cônjuges era
356
LBPSJP 3, fl. 268. APSJP.
357
LNSJP, 1838, domicílio 69.
358
LBPSJP 4, fl. 113. APSJP.
359
LBPSJP 4, fl. 190v. APSJP.
485
cativo, a existência de arranjos conjugais baseados em dois domicílios (como
no caso de Joaquim e Maria Moreira).
Assim, os números calculados para São José dos Pinhais, e
apresentados no capítulo 4, sugerindo maiores percentuais de mulheres
vivendo sozinhas (ou com seus filhos) na população livre parda ou negra,
quando comparada à população branca, podem ser uma decorrência da
própria situação desse grupo de cor nesta sociedade escravista, na qual seus
membros pertenciam e transitavam nos dois mundos: o da liberdade e o do
cativeiro.
A segunda e a terceira questão dizem respeito à união de Luciano e
Joanna. Embora não fosse necessariamente a regra, a história desse casal é
um ótimo exemplo de como o casamento com um indivíduo livre podia
beneficiar um cativo. Afinal, pouco mais de dois anos após sua união com
Luciano, a escrava Joanna alcança a liberdade, e se torna a respeitável
senhora de um sapateiro e proprietário de um sítio avaliado em 100$000,
valor modesto por certo, mas equivalente, por exemplo, a metade do valor do
sítio de Joaquim Álvares, terra que naquele ano garantia o sustento de nove
pessoas (cinco livres e quatro escravos).
Finalmente, a trajetória de Luciano e Joanna nos indicações de
algumas das estratégias dos cativos na busca pela liberdade. A difícil
negociação com o senhor de Luciano, inferida nas duas cartas de alforria,
que envolveu sua irmandade, o pagamento e a condição de servir o senhor
até a morte, e talvez muito mais. Do lado de Joanna, a também difícil
negociação de sua saída do cativeiro (ainda que a obrigando a nele deixar
seus cinco filhos), para que dali em diante pudesse gerar rebentos livres.
486
5. 3 As marcas dos confrontos sociais nas trajetórias individuais
Por meio das histórias desses casamentos incompletas,
fragmentadas — a meu ver se revelam traços de uma intrincada rede na qual
se cruzam e se interligam laços de subordinação e de dependência, relações
familiares, identidades sociais, estratégias de sobrevivência e de mobilidade
social.
Destaque-se, novamente, que se unir maritalmente a um escravo
poderia ser uma das opções para o indivíduo livre sem eira nem beira
garantir sua sobrevivência. Do mesmo modo, que nesse meio social, no qual
mesmo os indivíduos mais bem posicionados eram senhores de poucos
escravos, casar seus cativos com pessoas livres poderia realmente ser uma
das muitas estratégias possíveis para arregimentar dependentes. E no caso
da comarca do Paraná (na verdade de toda a Capitania de São Paulo), a
existência de um grande contingente populacional de descendentes de índios
- aliada à intensa utilização dessa mão-de-obra até ao menos 1750 - a meu
ver fez do casamento entre escravos e indígenas uma prática bastante eficaz
para angariar dependentes.
360
A construção e a manutenção dessas relações de subordinação
certamente tinham várias facetas, uma das quais passava pelo lugar que se
dava a cada um, de acordo a terminologia que os identificava. Schwartz
observou, em estudo sobre batismos em Curitiba, que a mutação da
terminologia referente ao elemento indígena ou descendente dele (de “sevito”
ou “serviço”, para “servo” e depois para “administrado”) é estimulante, pois
360
Sobre este assunto ver GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Réa. Op. Cit, 1986.
487
talvez indique separação ou distanciamento cada vez maior entre senhores e
servos e uma mudança na percepção do relacionamento e de sua
justificativa por parte desses senhores.
361
Os registros paroquiais que me
permitiram recuperar as trajetórias desses casais parecem indicar que as
palavras tinham função política ainda mais complexa, pois que visavam criar
a administração onde ela não existia: por exemplo, Gertrudes Leme, filha de
administrados, em algum momento se torna “administrada” do senhor de
seu marido.
As palavras tinham também a função política de reunir livres de origem indígena e de origem africana numa
única categoria. Assim, Vicente Francisco, filho de administrados, após o casamento com a escrava Antonia
passa a ser identificado como forro, ou cabra forro; Gertrudes Leme, filha de uma administrada, após sua união
com o cativo Antonio torna-se, como se viu “administrada” de Paulo da Rocha e depois “parda forra”; Anna
Maria de Jesus, nascida livre (porém filha de libertos ou mulatos forros ou administrados ou servos – parece
que, por então, na lógica senhorial essas terminologias eram sinônimos) acabou mulata forra. Talvez porque, na
segunda metade do século XVIII, o termo “forro” conseguisse diluir as diferenças entre populações de diferentes
culturas e de condição jurídica há muito legalmente distinguidas, e enfatizar aquilo que no passado tiveram em
comum: o cativeiro. Parece, pois, que, tal como nas listas nominativas, também nos registros paroquiais as
palavras atuavam no peculiar processo de construção de uma hierarquia informada pela escravidão, em uma
sociedade com um cada vez maior contingente de população livre de origem africana e/ou indígena.
No entanto, forros e livres de cor utilizavam-se dessa mesma lógica,
ainda que à sua maneira. Indicativo disso é, por exemplo, a própria
identificação de alguns desses indivíduos, inscrita em seus nomes: Izidoro
Soares da Silva adotou os sobrenomes de seus dois padrinhos; Luciano
Rocha Dantas trazia o sobrenome de seu antigo senhor; Vicente Francisco o
de seu antigo administrador; Anna Maria (esposa do escravo Lauriano), ao
batizar um de seus filhos, foi identificada (ou se identificou) pelo sobrenome
de seu pai Geraldo da Veiga, este, por sua vez, um liberto que fora
administrado de Jerônimo da Veiga. Joaquim Antonio Barbosa, nos autos do
casamento, declarou estar “sob a administração” de José de Aguiar. Ainda
que tal prática possa ser interpretada como signo de submissão (e talvez ela
fosse assim entendida apenas pela classe senhorial), para aqueles forros e
361
SCHWARTZ, Stuart. Op. Cit, 2001, p. 278.
488
livres de cor um sobrenome senhorial ou a ligação com um “homem bom”
poderia, talvez, funcionar como signo de consideração social.
No capítulo 3 utilizei a história da família de Jerônimo, escravo do
Capitão Antonio João da Costa, e de Verônica, administrada do mesmo
capitão, para sugerir que em São José dos Pinhais não se pode falar de uma
comunidade de escravos e outra de livres de cor, separadamente, visto que
numa mesma família se podia encontrar membros escravos, forros e livres
(cf. figura 5.1, a seguir).
489
Figura 5.1: Casamentos de filhos e netos do cativo Jerônimo e de Verônica administrada
Francisca
escrava
Francisco
Fernandes
viúvo de
escrava
JERONIMO
ESCRAVO
VERÔNICA
ANTONIA
Matias
escravo
1785
Manoel
escravo
Bernarda
escrava
EUSÉBIA
DE
JESUS
1785
Clemente
Soares
João
Soares
Silvina
CAETANO
ANTONIO
DO NAVIO
1786
Maria
Francisca
Francisco
Tomé
administrado
Vitória
Teixeira
administrada
ANTONIO
DO
CARMO
1830
Angela
escrava
JOSÉ
SOARES
1814
Francisca
Escrava
Vitória
escrava
JULIANA
SOARES
1821
Antonio
José
Antonio
Rodrigues
Anna
Manoela
1834
JOAQUIM
DONAIRE
Maria
escrava
1812
Rita
Escrava
Antonio
Lopes
MICAELA
DE
JESUS
Manoel
Francisco
1787
A história dessa família pode ser utilizada também como exemplo da
reiteração temporal entre a família senhorial e a família escrava, mesmo
sobre seus membros livres. Isso porque o Capitão João da Rocha Loures,
filho de Antonio João da Costa (proprietário de Jerônimo e administrador de
Verônica) testemunhou o casamento de uma filha do casal, Euzébia de
Jesus, com Clemente Soares, em 1785. Antonia, outra filha do casal,
também se casou em 1785, com Mateus (ou Matias), escravo de Izabel
Bueno da Rocha, prima da esposa de João Rocha Loures.
362
As testemunhas
do casamento de Antonia foram Diogo Bueno Barbosa e Manoel Bueno da
Rocha. O primeiro teve como agregados em sua casa os pais de Clemente
Soares (casado com Euzébia de Jesus). O segundo era cunhado de Francisco
Antonio Moreira e de Antonio Souza Pereira. Francisco Antonio Moreira era o
proprietário da escrava Francisca, que se casou com Antonio do Carmo,
também filho de Jerônimo e Verônica; Antonio Souza Pereira foi testemunha
do casamento de Caetano Antonio, outro filho do casal. A filha Micaela se
casou em 1787, na vila da Lapa, com Manoel Francisco, e uma das
testemunhas da união foi José Correa Porto, cunhado de Antonio João da
Costa.
As ligações com a família senhorial se estenderam aos netos de
Jerônimo e Verônica: José Soares (filho de Euzébia e Clemente Soares) se
casou em 1814 com uma escrava de Manoel Bueno da Rocha, e um filho de
Manoel José da Cruz (cunhado de João da Rocha Loures) foi testemunha do
362
Provavelmente Antonia tornou a casar, pois embora não haja registro do ato, encontrei os
Autos de seu casamento com Benedito, escravo de Antonia Pádua de Vasconcelos.
Dispensas (autos de casamento), 1797. Nos autos, o pároco de São Jodeclarou o ter
encontrado o assento do falecimento de Mateus, primeiro marido de Antonia, mas que,
conforme conhecimento público, indo à vila do Rio São Francisco do Sul com mais
camaradas, mandado por sua senhora, por lá naufragaram no mar, aonde Mateus faleceu.
280
sacramento. Juliana Soares (também filha de Euzébia e Clemente Soares)
casou-se em segundas núpcias com Francisco Fernandes, viúvo de uma
escrava de Joaquim Pereira do Valle, este, irmão de uma nora de João da
Rocha Loures. Uma das testemunhas do casamento foi João Antonio da
Rocha, neto do Capitão João da Rocha Loures. Joaquim Donaire, filho de
Caetano Antonio, casou-se em 1812 com Maria, filha de Antonio Lopes e de
Rita, escrava da citada Izabel Bueno da Rocha. Testemunharam o
casamento Francisco Pereira e Manoel Alvares Pereira, esse último, avô de
uma nora do Capitão João da Rocha Loures (ver figura 5.2).
281
Figura 5.2: Relações de parentesco entre os proprietários dos cônjuges
de filhos e netos de Jerônimo e Verônica ou testemunhas de seus
casamentos
Antonio
Pereira
do Valle
Josefa
Maria
Joaquim
Pereira
do Valle
Manoel José
da Cruz
Margarida
Angélica
José
Anna Ferreira
Oliveira
João
da Rocha
Loures
Margarida
Oliveira
Antonio
João da
Costa
Miguel João
de Carvalho
Quitéria
Maria
José
Correa
Porto
Luzia
Cardoso
Leão
Isabel Buena
da
Rocha
Coleta
Maria
Antonio
de Souza
Pereira
Gertrudes
Manoel Bueno
da Rocha
Joanna
França
Pedro
Antonio
Moreira
Maria
Carvalho
da rocha
Francisco
Antonio
Moreira
Antonio
João de
Carvalho
Córdula
Alves
Cardoso
Moreira
Diogo
Bueno
Barbosa
???
Testemunha do
casamento de Euzébia
de Jesus, em 1785.
Proprietária do escravo
Mateus, casado em 1785
com Antonia.
Proprietária da escrava
Maria, casada com
Joaquim Donaire em
1812.
Testemunha do
casamento de Micaela,
na Lapa, em 1787.
Testemunha do casamento
de Antonia, em 1785.
Agregou os pais de
Clemente Soares, casado
com Euzébia de Jesus em
1785.
Testemunha do casamento de
Antonia, em 1785.
Proprietário da escrava
Francisca, que se casou com
José Soares em 1814.
Proprietário da escrava
Francisca, casada com
Antonio do Carmo em
1830.
Testemunha do
casamento de
Caetano Antonio,
em 1786.
Testemunha
do casamento
de José
Soares,
em 1814
Proprietário da falecida
esposa de Francisco
Fernandes, casado
com Juliana em 1834.
Anna Ferreira
da Rocha
João
Antonio
da Rocha
Testemunha do
segundo
casamento de
Juliana, em 1834.
Proprietário de Jerônimo
e administrador de
Verônica
Francisco
Rocha
Loures
Anna Alves
Pereira
Manoel
Alves
Pereira
Testemunha do
casamento de Joaquim
Donaire, em 1812.
Maria
Rocha
282
Tudo isso não significa simplesmente aceitar a vigência de uma postura
paternalista dos senhores com relação aos seus cativos e ex-cativos. Ao menos não a ponto
de assumir que tal postura tivesse o poder de anular qualquer iniciativa dos escravos e
libertos, dentro ou fora de seus cânones. Na verdade, os casos aqui analisados apresentam
indícios da vigência de um determinado tipo de relacionamento político construído e
reproduzido pelos diferentes grupos, todos eles informados por um mesmo contexto
(escravista), cada um, porém, buscando alcançar ou consolidar interesses distintos, muitos
provavelmente conflitantes.
Talvez isso fique mais claro por meio da
avaliação de um tema de grande interesse. Já há algum
tempo a historiografia brasileira enfatiza que o
contingente das populações pobres de nosso passado
não deve ser analisado como uma massa
indiferenciada.
363
Concordando como tal assertiva,
Roberto Guedes Ferreira ressalta, porém, que dividi-los
em livres, libertos e escravos despreza as diferenças
entre forros e seus descendentes, e deixa de lado o que
era chamado de ‘qualidade’ naquela época (branco,
preto, crioulo, pardo, mulato, cabra entre outras
designações), uma vez que as expressões referentes à
cor não necessariamente aludiam a caracteres
somáticos, antes à condição social. O autor enfatiza que
o Brasil “era uma sociedade na qual a escravidão
impunha referenciais de hierarquia social, distinguindo
social e juridicamente escravos, livres, forros, e
descendentes de escravos, e a transposição de uma
363
Como se sabe, no Brasil existe uma tradição historiográfica, inaugurada por Caio Prado
Junior, que tende a classificar os homens livres da sociedade escravista como um grupo mal
ajustado, marginal mesmo, à estrutura social da colônia. São exemplos algumas obras de
Florestan Fernandes e Jacob Gorender. Mais recentemente uma nova visão tem se afirmado
quase hegemonicamente, a partir de pesquisas como as de Maria Sylvia de Carvalho Franco,
Laura de Mello e Souza, Maria Inês Côrtes de Oliveira, M. Odila. S. Dias, Ida Lewkowicz,
Eduardo França Paiva, Katia M. de Queirós Mattoso, Iraci del Nero da Costa e Russel-Wood.
No conjunto, esses autores vêm procurando avaliar não apenas a relevância demográfica e o
lugar social dessa camada de homens livres, como suas relações políticas com os demais
grupos sociais. Ver: LARA, Silvia Hunold. Op. Cit, 2004.
283
esfera a outra pressupõe um passo na hierarquia
social”.
364
Desta maneira,
“a projeção social que remonta à escravidão, considerando
alforria como mobilidade social, ia-se ampliando ao longo das
gerações. Obviamente, isto não elimina a distinção entre livres,
libertos e escravos, mas ressalta a necessidade de distinguir
forros e seus descendentes, em termos de distanciamento de
um antepassado escravo. Em suma, a mobilidade social é
geracional”.
365
As uniões mistas abordadas neste texto, mescladas pelas histórias dos
pais desses casais, e pelas suas próprias histórias, mostram de fato
mudanças geracionais. Mas definiram também a formação de diferentes
laços de parentesco entre desiguais: entre eles encontramos pais cativos com
filhos livres (nos casos de Lauriano, Joaquim, Antonio e Jerônimo),
encontramos também pais livres e filhos cativos (nos casos de Izidoro,
Luciano e Joanna, de Joaquim Barbosa e Vicente Francisco), irmãos cativos
e irmãos livres (no caso dos filhos de Joanna e Luciano); sogros, cunhados,
avós, tios, sobrinhos e primos de cor e condição diversas, especialmente
dedutível nas histórias de Lauriano e Anna Maria de Jesus, e de Jerônimo e
Verônica.
Assim, embora a liberdade pudesse funcionar como signo de
mobilidade social para os cativos, com base nos casos aqui expostos de
nossa parte diria que nem sempre tal mobilidade pôde se ampliar ao longo
das gerações, podendo um escravo ter filho forro, neto livre, e novamente
364
FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto
Feliz, São Paulo, c. 1798 – c. 1850. Tese de doutorado, PPGHIS-UFRJ, 2005, p. 19.
365
Idem, p. 20-21. Diz o autor: “Suponho que esta seja uma diferença básica entre a
mobilidade social em sociedades capitalistas e em sociedades estamentais. Evidentemente,
isto não quer dizer que nas segundas uma pessoa não possa ao longo de sua vida ascender
socialmente, em termos econômicos ou no gozo de estima social. Porém, se a ascensão não
se perpetua em seus descendentes e não se processa no âmbito familiar – em sentido amplo,
está-se no campo do self made man da sociedade burguesa”. (Idem, p. ?)
284
bisneto escravo. Unindo-se a um cativo, além disso, um forro ou livre corria
o risco de mudar de status, sem que houvesse alteração de sua condição
jurídica. Foi o que ocorreu com Izidoro, identificado em 1772 como
administrado e “escravo” de Nazário Teixeira no registro de óbito de sua
filha; foi assim com Joaquim Antonio, que embora livre em 1779, foi
identificado como escravo pelo pároco que batizou seu filho com a cativa
Quitéria, em 1780; e também com Anna Maria de Jesus, que embora
nascida livre, foi identificada como mulata forra em 1788, quando batizou a
filha que teve com o escravo Lauriano.
Em outras palavras, a condição do forro (e mesmo
de livre) era instável, no Brasil escravista, não apenas
porque uma alforria poderia ser cancelada a qualquer
momento, mas também, ou principalmente, porque nem
mesmo a obediência e a fidelidade ao antigo senhor ou
a um padrinho podiam garantir a liberdade aos
descendentes. A conquista da “liberdade perfeita”, isto
é, aquela tornada permanente graças à ampliação da
mobilidade social ascendente ao longo das gerações, no
Brasil escravista necessariamente implicaria na
“mudança social de cor”, um processo que teriam
maiores ou menores dificuldades para acionar,
dependendo da efetiva cor de sua pele (certamente era
mais fácil para os mestiços), e especialmente do que
pudessem (ou tivessem para) negociar. Tem razão
Roberto Guedes quando afirma que a mobilidade
ascendente era geracional. No entanto, enfatizo que seu
sentido (para cima ou para baixo, formal ou informal)
era o resultado de uma constante luta de interesses
conflitantes.
Uma vez que o casamento (ou a união consensual) produzia
parentesco, no caso de casamentos entre livres e escravos ele determinava a
formação de parentelas mistas (por vezes colaterais e multigeracionais) no
285
que diz respeito à cor e à condição jurídica. Ainda que a condição de parente
pudesse igualar seus membros, as diferenças sociais entre cativos, forros,
administrados e livres de cor, e entre pretos, pardos ou mulatos não
deveriam ser imperceptíveis aos próprios. Daí talvez os também não tão
incomuns esforços de pais, irmãos, mães e tios para evitar uniões
matrimoniais indesejadas, não apenas na elite branca, mas inclusive nessa
população pobre livre de cor, que aparentemente não teria nada a ganhar
ou a perder. Como bem formulou Silva Lara, na América portuguesa na
maioria das vezes as disputas se davam entre gente que não se distinguia
“naturalmente” por sua nobreza: homens e mulheres forros, pequenos
comerciantes ou artesãos, soldados com postos medianos. Talvez por isso
precisassem ser tão ciosos dos qualificativos com que eram tratados.
366
Um testemunho a esse respeito está registrado em um processo de
1750, em Paranaguá, envolvendo Catarina Gonçalves (embargante), seu pai
Domingos Gonçalves (denunciante) e Manoel Pereira, marinheiro (réu
embargado). Nele o réu afirma que não podia se casar com Catarina
Gonçalves por ser esta “bastarda e de baixa esfera e tem de branca pouco ou
nada”.
367
Encontrei outro processo, de 1769, também relativo a Paranaguá,
de Maria da Costa contra Joaquim Barbosa, um sapateiro. Queixou-se a
autora de estar sendo “induzida” a não se casar com Francisco Ferreira
Lobo, por ser ele pardo.
368
366
LARA, Silvia H. Op. Cit, 2004, p. 153.
367 Autos de petição de caução. 1750. 40 p. Série ESPONSAIS / SÉCULO XVIII (1720-1750), microfilme rolo 6, do acervo do CEDOPE.
Original no ADLDCMSP
.
368
Processo Eclesiástico: INDUÇÃO PARA QUE A AUTORA NÃO CASE COM UM PARDO
1769 20 p. Consulta no rolo de microfilmes 7, do acervo do CEDOPE, originais no
ADLDCMSP.
286
Também Roberto Guedes Ferreira resgatou um bom exemplo, em
documentação relativa a Itu. Em julho de 1797, Tomás de Aquino havia feito
uma solicitação para que seu próprio filho, Alexandre Garcia, fosse preso. O
pedido foi aceito pelo governador e a captura efetuada pelo capitão-mor da
vila. Porém, o capitão declarou que o requerimento era cheio de falsidade,
acrescentando que,
“requereu ele prisão e praça ao dito seu filho a fim de não
efetuar-se o injusto e desigual casamento pretendido,
quando este há vinte e dois dias se achava efetuado,
pois no dia 13 de junho próximo pretérito, pública e
constantemente se receberam. [O pai] alegou tamm que
estava tratado para casar com a filha de uma negra,
quando é filha de Gabriel Antunes e de sua mulher, Maria
Leite, pardos em grau remoto, que, sendo em qualidade de
sangue, pouco ou nada diferentes do casal do Suplicante
(...).Inculca-se o mesmo suplicante com estímulos de honra
não convindo neste casamento por ignominioso (...) quando
ele mesmo há tempos ajustou esse casamento, e ao depois
(...) procurou desfazer o ajuste (...) me consta ao certo que o
Suplicante variara daquele ajuste por induções de seu
irmão, Agostinho Garcia, que procurava casar o dito
Alexandre, seu sobrinho, com outra moça de seu
empenho.”
369
Talvez por isso faça sentido serem em geral órfãos, expostos e/ou
migrantes os livres casados com escravos de São José dos Pinhais, isto é,
indivíduos para os quais os interesses familiares pouco ou nenhum peso
tinham na escolha do cônjuge. Tais interesses familiares, ressalte-se, deviam
ser os fatores preponderantes para a instalação do conflito também no
369
AESP, Ordenanças de Itu, Cx. 55, Pasta 3, doc. 22, in: GUEDES, CAP. 2, p.73?).
287
interior da comunidade de escravos e livres de cor que venho descrevendo,
por vezes envolvendo até mesmo a população de brancos pobres.
Em suma, aparentemente estamos diante de um confronto social não
belicoso, porém de enormes dimensões. Informados por um mesmo contexto
social, de um lado temos senhores tentando angariar novos dependentes ou
manter sua ascendência sobre ex-cativos; de outro, uma população de
escravos e libertos de cor tentando conquistar a plena autonomia para si e
para seus descendentes. E as variáveis aqui expostas eram certamente
apenas algumas das muitas maneiras que esses grupos dispunham para
atingir seus interesses divergentes.
Contudo, é preciso enfatizar que casamentos de escravos com forros
ou livres, de negros com pardos e destes com brancos - assim como a posse
de escravos e a manutenção de agregados, por forros e livres de cor - me
parecem menos adesão a uma ideologia escravista e mais algumas das
estratégias socialmente disponíveis para assegurar a liberdade para si e para
a sua geração, ainda que nesse empenho escravos, libertos e livres de cor se
tornassem partícipes do nosso peculiar processo de produção e reiteração
das hierarquias sociais. No entanto, a amplitude de nossa histórica
miscigenação é talvez o testemunho mais veemente de que, mesmo
reiterando as hierarquias sociais, este tipo de luta pela liberdade foi a que
mais fundo nos marcou.
288
Capítulo 6:
Compadrio: alianças sociais de escravos e de negros
e pardos livres
289
Dentre os estudos sobre escravidão, algum tempo vêm se
destacando aqueles que dedicam especial atenção às relações de compadrio.
Talvez porque o batismo foi o sacramento católico mais comum entre os
escravos, que através dele multiplicaram os laços de parentesco espiritual,
dentro e fora do cativeiro.
A partir dos resultados das pesquisas empreendidas, alguns
tópicos de discussão se destacam. Dentre eles está a compreensão do
compadrio no âmbito da relação senhor-escravo. Em um estudo pioneiro no
Brasil, Gudeman & Schwartz indicaram que, no Recôncavo baiano, na
década de 1780, foi extremamente raro o apadrinhamento de cativos por
seus senhores.
370
Para os autores, havia incompatibilidade entre propriedade
escrava e parentesco espiritual, e a saída para esta incompatibilidade não foi
abolir o batismo ou a escravidão, mas mantê-los separados. Dessa forma,
põem em dúvida a existência de relações paternalistas entre senhores e seus
cativos.
Trabalhos posteriores vêm confirmando tais inferências, pois, em
geral, os pesquisadores encontraram pouquíssimos casos de compadrio de
escravos com seus senhores.
371
Quase todos concordam, além disso, que a
370
GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e
batismo de escravos na Bahia no século XVIII, In: REIS, João José (Org.) Escravidão e
Invenção da Liberdade. Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
371
Por exemplo: FERREIRA, Roberto Guedes. Na Pia Batismal. Família e Compadrio entre
Escravos na Freguesia de São José do Rio de Janeiro (Primeira Metade do Século XIX).
Dissertação de mestrado. PPGHIS-UFF, 2000; NEVES, Maria de F. Rodrigues das.
Ampliando a família escrava: compadrio de escravos em São Paulo do século XIX. In:
História e População. São Paulo: ABEP/IUSSP/CELADE, 1989; BOTELHO, Tarcísio R.
Batismo e compadrio de escravos: Montes Claros (MG), século XIX. Locus Revista de
História. Juiz de Fora: EDUFJF, 1997, vol. 3, pp. 108-115; FARIA, Sheila de Castro. A
Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova
290
despeito disso a instituição não deixava de se constituir em uma aliança
hierárquica, que muito raramente um escravo era padrinho ou madrinha
de uma criança livre, e os cativos tendiam a preferir madrinhas e,
especialmente, padrinhos forros ou livres para seus filhos, sobretudo os
cativos de unidades escravistas de pequeno porte. Robert Slenes, por
exemplo, diz que a construção, pelos escravos, de relações de compadrio que
ultrapassavam os limites do cativeiro demonstra a necessidade, num mundo
hostil, de criar laços morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e
aos filhos”.
372
De fato, muitos autores nos forneceram notáveis
testemunhos de como os laços de compadrio com pessoa de maior
importância podia beneficiar um compadre/comadre ou um afilhado,
sobretudo através de heranças. Silvia Brügger, além disso, já demonstrou a
complexidade do compadrio, indicando a existência de laços de solidariedade
entre padrinhos e afilhados e entre compadres, mas principalmente
revelando o componente de dominação presente nessas relações.
373
De fato, o compadrio comportava inúmeros conteúdos políticos.
Nas regiões com predomínio de grandes escravarias, por exemplo, o
percentual de escravos apadrinhando escravos era bem mais significativo.
374
Fronteira, 1998; BRÜGGER, Silvia MJ. Minas Patriarcal - Família e Sociedade (São João del
Rei, Séculos XVIII e XIX), Tese de doutorado. Niterói, UFF, 2002, cap. 5 .
372
SLENES, Robert W. “Senhores e Subalternos no Oeste Paulista”, in ALENCASTRO, Luiz
Felipe de (Org.). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade
nacional. SP, Cia. das Letras, 1997, p. 271.
373
BRÜGGER, Silvia MJ. Op. Cit, 2002, capítulo 5.
374
José Roberto Góes, analisando a Freguesia de Inhaúma, no Rio de Janeiro, entre 1816 e
1842, afirma que 65% dos padrinhos de escravos eram da mesma condição, 25%, libertos e
10%, livres (1993). GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a
escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória (ES): SEJC/SEE,
1993. Ana Lugão, abordando os batismos de cativos, entre 1872 e 1888, em Paraíba do Sul,
encontrou cerca de 40% de padrinhos livres e mais de 57% de escravos, sendo os padrinhos
forros absolutamente minoritários.
RIOS, Ana Maria Lugão. Família e Transição. Famílias
negras em Paraíba do Sul 1872-1920. Dissertação de mestrado, PPGHIS-UFF, 1990, pp. 56-
59.
291
Para José Roberto Góes, nesses casos o compadrio era uma das formas de
incorporar os africanos recém-chegados, e de propiciar meios de socialização
de modo a formar uma comunidade escrava.
375
No entanto, alguns autores
ressaltam que o caráter hierárquico não estava necessariamente ausente no
compadrio entre cativos, pois em geral os escravos domésticos ou os que
possuíam algum tipo de qualificação profissional apadrinhavam mais do que
os escravos de roça.
376
Um estudo sobre compadrio de escravos tem especial interesse
para o presente trabalho, pois resultou de uma ampla pesquisa nos registros
de batismo da paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais (em Curitiba),
nos séculos XVIII e XIX, coordenada por Stuart Schwartz. No artigo em que
relata os resultados do trabalho, o autor destaca que, tal como em sua
pesquisa anterior, com Gudeman, na Bahia,
377
também em Curitiba o
padrão era o apadrinhamento de crianças escravas preferencialmente por
pessoas livres ou libertas.
Esse padrão aparece desde fins do século XVII, alterando-se entre
1750 e 1799, quando a proporção de padrinhos livres caiu para menos da
metade. Para o autor, a mudança talvez se deva ao grande número de
adultos que chegaram nesses anos, e os escravos adultos do Brasil
raramente tinham padrinhos livres. Depois de 1800 ressurgiu o antigo
padrão. Dos 504 batismos da paróquia curitibana entre 1800 e 1869, 70%
tiveram um par de padrinhos livres, menos de 20% tiveram dois escravos
375
GÓES, José Roberto. Op. Cit., 1993.
376
SLENES, Robert W. “Senhores e Subalternos no Oeste Paulista”, in: ALENCASTRO, Luiz
Felipe de (Org.). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade
nacional. SP, Cia. das Letras, 1997.
377
GUDEMAN, Sthepen e SCHWARTZ, Stuart. Op. Cit., 1988.
292
como padrinhos, e quando os dois padrinhos tinham status desigual, o
afilhado tinha duas vezes mais probabilidade de ter madrinha escrava e
padrinho livre do que o contrário. Quando se escolhiam escravos para
apadrinhar, na maioria dos casos não eram escravos do mesmo proprietário
do batizado, talvez porque em geral as escravarias fossem pequenas em
Curitiba, mas também sugerindo a capacidade de formar laços além dos
limites da propriedade. Segundo Schwartz, o padrão da Bahia e do Paraná
indica que talvez houvesse reconhecimento da importância social do
padrinho livre, que poderia fazer as vezes de protetor e intercessor no futuro.
Mas uma estratégia paralela e prática era levar em conta a possibilidade de,
em caso de morte da mãe, a madrinha escrava assumir a responsabilidade
pela criação do afilhado.
378
No texto Schwartz enfatiza a maior diferença entre uma e outra
região: no Paraná, sob o regime da “administração”, a mão-de-obra indígena
foi amplamente utilizada até meados do século XVIII. Embora esses
administrados vivessem de fato como escravos, o autor observou que na
comparação com os cativos havia diferenças importantes nos batismos de
seus filhos: entre 1685 e 1750, somente 7% dos escravos de Curitiba tiveram
o senhor ou um parente deste como padrinho ou madrinha. No entanto, eles
ou seus parentes batizaram 21% dos filhos de seus administrados. No
período entre 1750 e 1820, nenhum escravo negro foi batizado pelo próprio
senhor, e em somente 5% dos batismos o padrinho ou madrinha era parente
do senhor.
378
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru (SP): Edusc, 2001, pp. 223-
225.
293
De 1820 até a abolição da escravatura em 1888, a separação entre
o status de senhor e o de padrinho continuava sendo a norma
predominante. Nesse período, dos 444 casos examinados, em somente três
deles os senhores batizaram os próprios escravos. Também não se
demonstrava paternalismo por meio do batismo por algum membro da
família do senhor de escravos. De 1685 a 1850, somente 2,3% (41/1764) dos
padrinhos eram parentes dos senhores dos escravos batizados. A partir
desses resultados o autor sugere a existência de uma postura geral com
relação aos índios bem diferente daquela expressa com relação aos negros.
Afinal, a justificativa de administrar indios eram os aspectos
civilizadores de fazer com que tivessem contato com cristãos,
que lhes ensinariam o comportamanto apropriado de membros
da igreja e da sociedade civil. Assim, se os senhores levavam a
sério seu papel, não havia incongruência e, de fato, haveria
motivos consideráveis para que fossem tanto senhores quanto
padrinhos de batismos dos índios que estavam sob sua tutela
(...).Está bem claro que, com o deslocamento para a escravidão
negra, surgira outro padrão de compadrio, semelhante ao
observado na Bahia, no qual os papéis de senhor e padrinho
eram considerados contraditórios.
379
Sendo São José dos Pinhais freguesia de Curitiba e
apresentando características econômicas e demográficas semelhantes -
inclusive a forte presença de pequenas escravarias -, é praticamente certo
que também ali os livres, predominantemente, apadrinhassem as crianças
escravas. De fato, para a confecção do presente capítulo manipulei 29
registros de batismos de filhos de negros ou pardos forros ou livres, e 85
registros de batismos de crianças que tinham ao menos um dos pais
escravo. Desse último total, 67 eram crianças de mãe escrava (e pai livre,
379
SCHWARTZ, Stuart B. Op. Cit, 2001, pp. 220-222.
294
forro ou escravo), sendo que 55 tiveram padrinhos e madrinhas livres (em
apenas um deles a senhora era a madrinha). Em dois desses batismos o
padrinho era livre e a madrinha escrava; um batismo teve padrinho escravo
e madrinha forra; em 9 batismos ambos os padrinhos eram escravos. Dos 18
batismos em que apenas o pai da criança era cativo, 17 tiveram padrinhos
livres, e em um o padrinho era livre e a madrinha escrava. Finalmente, dos
29 batismos em que ambos os pais eram forros ou livres de cor, em todos
eles os padrinhos eram livres. Por essas características, portanto, vale a
pena analisá-los no contexto em que ocorreram e, dessa forma, tentar
acrescentar novos aspectos ao quadro historiográfico já existente.
6.1 Compadrio de Dorotéa e de Elena, escravas de Antonio dos Santos
Teixeira
Indiquei, no terceiro capítulo, que a escrava Dorotéia batizou ao
menos cinco filhos, e teve oito filhos a cativa Elena. Embora pertencessem a
um mesmo senhor (o Alferes Antonio dos Santos Teixeira) e tivessem, ambas,
prole ilegítima, no que diz respeito ao status dos padrinhos fizeram escolhas
muito distintas: eram todos brancos os compadres de Dorotéia, enquanto os
filhos de Elena foram batizados por brancos, livres de cor e escravos.
Acrescente-se que, para além da cor e da condição jurídica,
Dorotéia estabeleceu laços de compadrio com pessoas de maior distinção.
Sua primeira filha, Felizarda, foi batizada em 1784, tendo como padrinhos
José e Josefa, filhos de Ignácio José Preto.
380
Esse último possivelmente era
vizinho do Alferes Antonio dos Santos, pois no período os seus domicílios
380
LBPSJP 1, fl. 97. APSJP.
295
aparecem um após o outro ou próximos, nas listas nominativas da freguesia.
Além disso, Ignácio José Preto era sobrinho de Margarida Oliveira Leão
(esposa de Bernardo Martins Ferreira, o escravista proprietário de Antonio e
Simoa, cujo compadrio veremos adiante).
381
O segundo filho de Dorotéia foi batizado em 1787, e apadrinhado
por Manoel Vaz Torres e Angélica, filha de Antonio João de Oliveira,
382
ambos da elite escravista do lugar. Manoel Vaz Torres tinha um filho com o
mesmo nome, de modo que não sei de qual se trata. Ambos, o pai e o filho,
estavam registrados como proprietários de lojas e negociantes entre 1765 e
1784, e o primeiro fez o registro de dois escravos, como ferreiros, um em
1778 e outro em 1779.
383
Antonio João de Oliveira foi recenseado em 1790
com a mulher, os filhos e dois escravos.
384
Dorotéia batizou outro menino em 1792, cujos padrinhos foram
Francisco dos Santos e Francisca de Assis Pacheco, filhos solteiros de José
dos Santos Pacheco, homem da elite da vila da Lapa,
385
recenseado em 1798
como proprietário de 23 escravos.
386
Aliás, outras escravas do alferes
Antonio dos Santos Teixeira tinham ligações com pessoas dessa localidade. A
cerimônia de batismo de uma filha dos cativos Felipe e Verônica, em 1776,
embora tenha ocorrido em São José dos Pinhais, foi oficiada pelo vigário da
Lapa, tendo como padrinhos dois moradores daquela vila.
387
Da mesma
forma, Quitéria, filha de Anna, outra escrava de Antonio dos Santos, teve
381
Genealogia dos Rocha Loures, Arquivo pessoal do Prof. Dr. Hélio Rocha.
382
LBPSJP 1, fl. 103v. APSJP.
383
Livro de registro de comerciantes e artesãos, Câmara de Vereança de Curitiba, 1765 a
1784. Cópia CEDOPE-UFPR, originais no Arquivo da Câmara Municipal de Curitiba.
384
LNSJP, 1790, p. 26.
385
LBPSJP 1, fl. 117. APSJP
386
Lista Nominativa de Habitantes de Santo Antonio da Lapa, 1798, domicílio 86.
387
LBPSJP 1, fl. 87. APSJP.
296
sua cerimônia de batismo realizada pelo vigário da Lapa em 1776, em São
José dos Pinhais.
388
No entanto, não foi possível descobrir qual era essa
ligação, mas pode ser que essas cativas ou suas famílias fossem naturais da
Lapa.
Elias, também filho de Dorotéia, foi batizado em 1794 por Teodoro
e Josefa, filhos solteiros do Sargento Comandante Tomás João Ferreira,
portanto netos do nosso conhecido Bernardo Martins Ferreira.
389
O batismo
da última filha ocorreu em 1796, e a menina foi apadrinhada por Francisco
da Silva, casado, e Luiza Maria, viúva.
390
Sobre a última não consegui obter
qualquer informação, mas Francisco da Silva era casado desde 1784 com
uma exposta e não tinha escravos em 1793.
Eleutério, o primeiro filho de Elena, foi apadrinhado em 1784 por
Agostinho, escravo do vigário da freguesia, e por Verônica, escrava do mesmo
alferes Antonio dos Santos.
391
A escrava Verônica, agora com seu marido
Felipe, também escravo do alferes, batizou uma outra filha de Elena em
1785.
392
Os filhos de Elena nascidos após essa data tiveram todos
padrinhos livres: Felisberta (em 1787), foi apadrinhada por Luis Antonio de
Albuquerque, de Curitiba, e por Bárbara Cascais, filha de Maria Antonia
Albuquerque, da freguesia.
393
Devido ao sobrenome eles provavelmente
tinham parentesco entre si, e eram brancos, possivelmente. Além disso,
Maria Antonia Albuquerque também tinha relações com pessoas da Lapa,
388
LBPSJP 1, fl. 86v. APSJP.
389
LBPSJP 1, fl. 127. APSJP.
390
LBPSJP 1, fl. 132v. APSJP.
391
LBPSJP 1, fL 96v/97. APSJP.
392
LBPSJP 1, fl. 101. APSJP.
393
LBPSJP 1, fl. 104v. APSJP.
297
pois em 1790, quando um sobrinho do Capitão João da Rocha Loures foi
batizado em São Jo dos Pinhais, os padrinhos foram um casal da Lapa,
por procuração apresentada por Maria Antonia.
A filha de Elena nascida em 1790 teve Salvador Siqueira e sua filha
Maria do Rosário como padrinhos,
394
sendo o primeiro identificado como
“bastardo” na lista nominativa de 1790. Maria, a filha batizada em 1792, foi
apadrinhada por Francisco Oliveira Bueno, filho de Francisco Franco, e por
Maria da Veiga, filha do falecido Antonio da Veiga Leme.
395
O filho seguinte,
cujo batismo ocorreu em 1794, teve como padrinho José Leonel da Silva,
também filho de Antonio da Veiga Leme, identificado em 1803 como branco,
fazendeiro, sem escravos.
396
A madrinha foi Rita Cabral, filha de João
Cabral, um músico branco.
397
Em 1796, um outro filho de Elena foi batizado
pelo próprio João Cabral, e Maria, filha de Antonio da Veiga Leme, foi
novamente a madrinha,
398
mas o menino faleceu aos 3 meses de idade. No
batismo da última filha de Elena, em 1798, o padrinho foi Manoel Simões da
Costa, um sapateiro branco, sem escravos. Mais uma vez, Maria, filha de
Antonio da Veiga Leme, foi a madrinha.
399
Ao escolher os padrinhos dos filhos, Dorotéia, ao que tudo indica,
priorizou o amparo que a ligação com membros da elite poderia proporcionar
a si e a seus filhos. Por outro lado, os laços de compadrio efetuados por
Elena nos sugerem a opção pelo reforço de laços de amizade com membros
394
LBPSJP 1, fl. 106v. APSJP.
395
LBPSJP 1, fl. 119. APSJP.
396
LNSJP, 1803, domicílio 119. APSJP.
397
LBPSJP 1, fl. 124v. A informação de que João Cabral era branco e músico está em
LNSJP, 1803, domicílio 39.
398
LBPSJP 1, fls. 132v/133. APSJP.
399
LBPSJP 1, fl. 136v. APSJP.
298
da comunidade de escravos e livres pobres, especialmente com a escrava
Verônica, com os filhos do falecido Antonio da Veiga Leme e com a família do
músico João Cabral. Aliás, embora Rita Cabral, o pai e os irmãos apareçam
sempre identificados como brancos, em 1802 ela se casou com Antonio
Rodrigues,
400
identificado na lista nominativa de 1803 como pardo.
401
Ele era
filho de Inácio Rodrigues e Maria de Jesus, os quais, na lista nominativa do
mesmo ano, foram recenseados como branco, o marido, e como parda, a
esposa.
402
Parece, enfim, que Dorotéia e Elena tinham diferentes expectativas
em relação ao estabelecimento de alianças sociais por ocasião do batismo
dos filhos. Como bem observou Silvia Maria Brügger, a especificidade do
compadrio talvez residisse exatamente no fato de apresentar uma grande
possibilidade de extensão, permitindo a criação de sólidos vínculos entre
pessoas das mais diferentes condições sociais, que passavam a se
reconhecer como parentes. Entre elas não haveria qualquer implicação de
ordem patrimonial, como ocorria, por exemplo, no estabelecimento de
alianças matrimoniais.
403
Assim, o parentesco espiritual poderia ser utilizado como estratégia
para “criar laços morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos
filhos”, como salientou Slenes. Mas também poderia funcionar como meio de
socialização de modo a formar uma comunidade escrava, como sugeriu
Góes, ou, no ambiente de poucos escravos e muitos livres de cor, como era o
400
LCPSJP 2, fl. 45. APSJP.
401
LNSJP, 3
a
. cia, domicílio 319.
402
LNSJP, 3
a
. cia, domicílio 291.
403
BRÜGGER, Silvia MJ. Op. Cit, cap. 5.
299
caso da freguesia de São José dos Pinhais, uma comunidade de escravos e
livres pobres.
6.2 Compadrio de Antonio Guiné e Esperança, escravos de Manoel José
da Cruz
Esperança, escrava de Manoel José da Cruz (também
mencionada no capítulo 3), batizou cinco filhos entre 1789 e 1801. Os três
primeiros eram de pais incógnitos, os demais, filhos seus com Antonio
Guiné, também escravo de Manoel José da Cruz.
O primeiro filho de Esperança foi apadrinhado por Manoel, escravo
de Manoel Fernandes, morador de Paranaguá, e pela escrava Teresa, de
propriedade de Rosa Maria Guedes.
404
Não consegui descobrir quem era
Manoel Fernandes, mas sei que Rosa Maria Guedes, a proprietária da
madrinha, era tia materna de Margarida Angélica de Oliveira, esposa de
Manoel José da Cruz. A segunda filha, Teresa, foi batizada em 1791 por
Francisco, filho de Tomás João Ferreira, e por Gertrudes, filha do Capitão
João da Rocha Loures,
405
ambos sobrinhos da esposa de Manoel José da
Cruz.
A terceira filha, nascida em 1795, teve Tomás João Ferreira (irmão
de Margarida Angélica) e sua filha Josefa (portanto, sobrinha de Margarida
Angélica) como padrinhos.
406
Joaquim, filho de Esperança e Antonio, foi
batizado em 1796 por Teodoro, outro filho de Tomás João Ferreira, e por
Francisca do Rosário Freitas, solteira.
407
Sei que tempos depois esta
404
LBPSJP 1, 1789, fl. 106v. APSJP.
405
LBPSJP 1, fl. 115. APSJP.
406
LBPSJP 1, fl. 128v. APSJP.
407
LBPSJP 1, fl 132. APSJP.
300
madrinha se casou com Francisco Ignácio de Andrade, pois encontrei o
registro de três filhos deles, em 1798, 1799 e 1801.
408
Encontrei Francisco
Inácio na lista nominativa de 1798 (fl. 7). Ele e a mulher foram registrados
como brancos, e na casa viviam também um escravo e três agregados. Em
1803 o casal vivia agregado na casa do vigário Theodoro José de Freitas, com
os filhos Theodoro e Anna, de um e três anos, respectivamente. Mas
Francisca logo ficou viúva, pois em 1806 tornar a se casar, com João
Mendes Machado,
409
este, recenseado em 1818 como capitão da nona
companhia de São José, e proprietário de 13 escravos.
410
O último filho de Antonio e Esperança foi apadrinhado, em 1801,
por Francisco e Rosa, filhos de Maria do Carmo, solteira.
411
Esta última
aparece na lista nominativa de 1798 como forra e fazendeira da Fazenda
Bom Jesus. Na lista de 1803 consta que era parda e lavradora.
Figura 6.1: Compadrio do casal Antonio e Esperança,
escravos de Manoel José da Cruz (MJC)
408
LBPSJP 2, fl. 85v (Anna, 1798), fl. 100v (Teodoro,1799) e fl. 113v (Francisco, 1801).
APSJP.
409
LCPSJP 2, 1806, fls. 56v. APSJP.
410
LNSJP, 1818, 9
a
. cia, domicílio 1. APSJP.
411
LBPSJP 1, 1801, fs. 140v. APSJP.
MJC
1
1
Escravos
2
3
2
3
4
4
Branca
5
5
Pardos livres
301
Como se pode observar, tal como Elena, também Esperança
convidou padrinhos dos vários estratos sociais. No entanto, o que se destaca
no seu caso era a ligação que tinha com a família de Tomás João Ferreira,
irmão de sua senhora, Margarida Angélica (figura 6.1, acima).
Teresa, filha de Esperança batizada em 1791, também estabeleceu
laços de compadrio com a família senhorial. Vimos no capítulo 3 que ela se
casou em 1805 com o escravo João, quando ambos eram propriedade de
Francisco Bueno da Rocha, genro de Manoel José da Cruz (ítem 3.3.2). O
primeiro filho desse casal foi à pia batismal em 1809, e teve por padrinhos
Bernardo Martins Ferreira (neto) e Maria Francisca, sua mulher. O padrinho
era filho de Manoel José da Cruz e, portanto, irmão da senhora. O segundo
filho foi batizado em 1812, e apadrinhado por Manoel da Cruz, filho de
Manoel José da Cruz (portanto, também irmão da senhora) e por Francisca,
filha de Joaquim Bastos. Esta madrinha tinha parentesco com Margarida
Oliveira Leão (avó da senhora dos pais da criança batizada). Ela era bisneta
de Rosa Maria Guedes, irmã de Margarida Oliveira Leão. O terceiro filho,
batizado em 1814, teve por padrinhos Manoel e Anna, também filhos do
mesmo Joaquim Bastos.
Figura 6.2: Compadrio do casal João e Teresa,
escravos de Francisco Bueno da Rocha (FBR)
FBR
2 3
3
2
1
1
302
Esse tipo de vínculo com a parentela senhorial aparece de forma ainda mais
marcante nos batismos dos filhos e principalmente dos netos e bisnetos do casal Antonio e
Simoa e dos filhos e netos da escrava Liberata, todos eles escravos de Bernardo Martins,
que analiso nos próximos itens.
6.3 Compadrio de Antonio Angola e Simoa, escravos de Bernardo
Martins Ferreira
Antonio e Simoa, como já mencionei antes, casaram-se em 1764.
Por então eram cativos de Bernardo Martins Ferreira, e embora nas listas
nominativas e nos batismos dos filhos Antonio apareça identificado como
Angola, no registro de seu casamento ele foi citado como Benguela. Em São
José dos Pinhais não existe o registro do batismo de Feliciana, a filha mais
velha. Entretanto, na figura 6.3, adiante, resumi os laços de compadrio
efetuados a partir do batismo dos demais filhos deste casal.
João, o primeiro filho batizado na paróquia de São José, em 1773,
teve como padrinhos Manoel, filho de Nazário Texeira da Cruz, e Maria, filha
de Manoel Vaz Torres.
412
Trata-se, o primeiro, de Manoel José da Cruz, que
sete anos depois se casaria com Margarida, filha de Bernardo Martins.
413
Maria, filha de Manoel Vaz Torres, deve ser sobrinha de Maria Vaz, esposa
de Tomás João Ferreira (filho de Bernardo Martins). Isso porque, de acordo
com o registro de casamento de Tomás João e Maria Vaz, ocorrido em 1768,
a noiva era neta de Manoel Vaz Torres (1
o
.), português que nunca veio para o
Brasil, e filha de Manoel Vaz Torres (2
o
.), que veio de Portugal e aqui se
412
LBPSJP 1, fl. 79v. APSJP.
413
LCPSJP 1, fl. 167. APSJP.
303
casou. Maria, a madrinha, deve ser filha de Manoel Vaz Torres (3
o
.), filho
do anterior e portanto irmão de Maria Vaz.
414
Salvador, filho de Antonio e Simoa batizado em 1776, foi
apadrinhado por Francisco, filho de Pedro Antonio Moreira, e por Maria, filha
do falecido João Franco Moreira.
415
Também esses faziam parte da família
senhorial. O padrinho era sobrinho neto e a madrinha era sobrinha de
Margarida Oliveira Leão, mulher de Bernardo Martins.
Os padrinhos de Águida, a última filha de Antonio e Simoa,
batizada em 1783, foram Bento Ferraz Lima e Josefa Álvares Pereira, esposa
de Nazário Teixeira da Cruz.
416
Os dois últimos eram os pais de Manoel José
da Cruz, então marido de uma filha de Bernardo Martins. Bento Ferraz
Lima também era sobrinho neto de Margarida Oliveira Leão.
Figura 6.3: Compadrio do casal Antonio e Simoa,
escravos de Bernardo Martins Ferreira (BMF)
414
LCPSJP 1, fl. 29. APSJP.
415
LBPSJP 1, fl. 86. APSJP.
416
LBPSJP 1, fl. 95v. APSJP.
BMF
1
3
1
3
2
2
304
6.4 Compadrio de Liberata e dos filhos de Antonio Angola e Simoa
Mencionei anteriormente que eu só pude identificar a cativa Feliciana como filha
do casal Antonio e Simoa porque encontrei seu registro de casamento em São José dos
Pinhais, onde se anotou sua filiação. Portanto, não é improvável que a cativa Liberata
também fosse filha daquele casal, o que não se pôde comprovar por ela não ter se casado.
De modo que resolvi analisar os batismos de seus filhos e netos junto com os da família de
Antonio e Simoa, posto que eram escravos de um mesmo senhor. Um resumo dos laços de
compadrio desta escrava encontra-se efetuada na figura 6.4, a seguir.
Figura 6.4: Compadrio de Liberata, escrava de Bernardo Martins Ferreira
(BMF) e de sua filha Gertrudes Maria da Luz (GML)
O primeiro dos quatro filhos de Liberata recebeu o nome de
Joaquim e foi apadrinhado em 1783 por Manoel da Cruz Teixeira e por
Luzia, filha de João Bastos Coimbra.
417
Não é improvável que o padrinho
fosse Manoel José da Cruz - filho de Nazário Teixeira da Cruz e genro de
Bernardo Martins - sendo identificado de outra forma, o que não era
incomum no passado, ou então era parente dele. A madrinha era neta de
Rosa Maria Guedes, essa, irmã de Margarida Oliveira Leão.
417
LBPSJP 1, fl. 96. APSJP.
B
MF
3
3
GML
1
2
1
4
2
4
305
Em 1784 Liberata teve seu segundo filho, a menina Lucrécia. Por
então, a mãe era escrava de Gertrudes Maria da Luz (filha de Bernardo
Martins e Margarida Oliveira Leão). A criança foi batizada por Francisco
Ferreira de Paula, filho de Tomás João Ferreira (este, irmão de sua nova
senhora), e por Margarida Angélica (também irmã de sua senhora).
418
Em
1791 foi batizada a filha Feliciana, apadrinhada pelo Capitão João da Rocha
Loures e sua esposa Ana Ferreira, respectivamente cunhado e irmã de
Gertrudes Maria da Luz.
419
Em 1794, o último filho dessa escrava,
Francisco, teve por padrinhos Antonio João da Costa (2
o
.), filho do Capitão
João da Rocha Loures, e por Maria Teresa, filha de Antonio Pereira do
Valle.
420
A madrinha era enteada de Luzia Fernandes Bastos, que
apadrinhou seu primeiro filho, em 1783.
Feliciana, a filha mais velha de Antonio e Simoa, se casou em 1783
com o escravo Joaquim. Naquele momento ela e o marido eram propriedade
do Capitão João da Rocha Loures, genro de Bernardo Martins. O quadro do
apadrinhamento dos filhos desse casal encontra-se na figura 6.5, a seguir.
Figura 6.5: Compadrio do casal Joaquim e Feliciana,
escravos do Capitão João da Rocha Loures (JRL)
418
LBPSJP 1, fl. 98v. APSJP.
419
LBPSJP 1, fl. 113v. APSJP.
420
LBPSJP 1, fl. 125v. APSJP.
306
O filho Cipriano foi apadrinhado, em 1784, por Manoel José da
Cruz (cunhado da senhora) e por Gertrudes, filha de Bernardo Martins
(portanto, irmã da senhora).
421
Em 1785 Joaquim e Feliciana batizaram
Hilário, que teve por padrinhos Tomás João Ferreira (irmão da esposa de
Rocha Loures) e Margarida de Oliveira Loba ou Leão (sogra de Rocha
Loures).
422
Dois anos depois o casal levou à pia batismal o filho Inácio,
apadrinhado por Miguel Arcângelo e Maria de Nazaré, irmãos de seu
senhor.
423
O compadrio estabelecido por ocasião do batismo de Bento,
penúltimo filho de Joaquim e Feliciana, ocorrido em 1789, distingue-se dos
anteriores. Seus padrinhos foram José Paes de Almeida e sua esposa
Francisca Maria do Pilar.
424
Infelizmente não consegui localizar esse casal
nas listas nominativas. Mas encontrei seu registro de casamento, bem como
o batismo de dois de seus filhos. Neles consta que José Paes de Almeida era
421
LBPSJP 1, fl. 75v. APSJP.
422
LBPSJP 1, fl. 101. APSJP.
423
LBPSJP 1, fl. 104. APSJP.
424
LBPSJP 1, fl. 106. APSJP.
JRL
3
3
2
5
1 5
1
2
4
4
Indeterminados
307
natural da Vila de São José de Mogi Mirim, em São Paulo, e que Francisca
era da freguesia, embora não houvesse referência a seus pais, nem mesmo
no registro do casamento. De qualquer forma pode-se afirmar que eram
gente das relações do Capitão João da Rocha Loures, proprietário de
Joaquim e Feliciana, pois a primeira filha do casal foi batizada em 1788 pelo
próprio Capitão Rocha Loures, e por uma cunhada deste, Teresa de Jesus do
Nascimento.
425
A segunda filha foi batizada em 1790 por Miguel Arcângelo e
Francisca de Paula, irmãos de João Rocha Loures.
426
Em 1791, a última filha de Joaquim e Feliciana recebeu o nome de
Escolástica,
427
e foi apadrinhada por Francisco, filho de Tomás João
Ferreira, e por Margarida Angélica, respectivamente sobrinho e irmã de sua
senhora.
Figura 6.6: Compadrio do casal José e Águida,
escravos de Margarida Oliveira Leão (MOL)
e de sua filha Gertrudes Maria da Luz (GML)
425
LBPSJP 2, fl. 26v. APSJP.
426
LBPSJP 2, fl. 35. APSJP.
427
LBPSJP 1, fl. 114v. APSJP.
1 4
5
5
Brancos
6/7
6/7
Pardos forros
2 GML
1
3
3/4
MOL
In extremis
308
Também encontrei os batismos dos filhos de Águida, a caçula do
casal Antonio e Simoa. No capítulo 3 mencionei que havia se tornado
propriedade de Gertrudes Maria da Luz (filha solteira de Bernardo Martins e
Margarida Oliveira), algum tempo depois de se casar com José, escravo de
Gertrudes. O casal teve ao menos sete filhos, cujo quadro de
apadrinhamento está resumido na figura 6.6, acima.
A primeira filha, a menina Josefa, nascida quando Águida ainda
pertencia a Margarida Oliveira, foi batizada em 1801 por José Joaquim,
casado, e por Izabel de Souza, esposa de José Alvares.
428
O padrinho era
provavelmente o português José Joaquim dos Santos, casado com Anna
Ferreira da Rocha, filha de João da Rocha Loures.
O segundo filho, nascido quando Águida já era propriedade de
Gertrudes Maria, foi batizado in extremis em 1804, por Margarida Angélica,
irmã de Gertrudes Maria.
429
O terceiro, Domingos, foi à pia batismal em
1808 sob o apadrinhamento de João e Gertrudes, filhos do Capitão João da
Rocha Loures.
430
Antonia, nascida em 1810, também foi batizada por João,
filho do Capitão Loures, e por Maria Antonia, viúva.
431
Esta última pode ser
a mesma Maria Antonia (Albuquerque), que em 1787 batizou uma filha da
cativa Elena, mencionada anteriormente. Mas não como saber, pois na
lista nominativa de 1810 existem duas viúvas, ambas brancas, com o nome
de Maria Antonia e sem a indicação dos sobrenomes.
428
LBPSJP 1, fl. 139. APSJP.
429
LBPSJP 3, fl. 6. APSJP.
430
LBPSJP 3, fl. 34. APSJP.
431
LBPSJP 3, fl. 49. APSJP.
309
Antonio, nascido dois anos depois (1812), foi apadrinhado por
Manoel de Jesus e por Anna, enteada de João Mendes.
432
Encontrei um
Manoel de Jesus, na lista nominativa de 1810, recenseado como lavrador,
branco, 30 anos, vivendo com mulher, dois escravos e uma menina parda
agregada.
433
João Mendes, padrasto da madrinha, era provavelmente Joao
Mendes Machado, casado desde 1806 com Francisca do Rosário Freitas
(madrinha de um filho de Antonio e Esperança em 1796). Penso estar correta
porque, no registro de casamento dos dois, consta que Francisca do Rosário
Freitas era viúva.
434
Em 1818, como mencionei, ele era capitão da 9
a
.
companhia de São José e proprietário de 13 escravos.
As coisas começaram a mudar para o casal José e Águida somente
em 1823, quando do batismo do filho Francisco. Nele, a senhora “mandou
que assentasse por forro [o menino], pois pretendia que todos ficassem
forros, visto não ter herdeiro forçado nenhum”.
435
Os padrinhos do menino
foram Joaquim e Lucrécia, filhos de Liberata, também escrava de Gertrudes
Maria. Naquela data Joaquim e Lucrécia eram forros, embora sua mãe
permanecesse cativa de Gertrudes Maria. Nesse período Lucrécia estava
agregada na casa da ex-senhora, e Joaquim (que adotou o sobrenome Cruz,
provavelmente em homenagem ao seu padrinho Manoel José da Cruz) vivia
com a mulher e os filhos em domicílio independente, porém vizinho ao de
sua ex-senhora.
436
432
LBPSJP 3, fl. 66v. APSJP.
433
LNSJP, 1810, domicílio 231.
434
LCPSJP 2, fls. 56v, 1806. APSJP.
435
LBPSJP 3, fl. 155. APSJP.
436
Na lista nominativa de 1824 a casa de Gertrudes Maria da Luz era a de número 25, e a
de Joaquim Cruz a de número 27.
310
Embora tivesse a sorte de ser alforriado na pia, o menino Francisco
não deve ter sobrevivido, pois em 1825 José e Águida deram o mesmo nome
a um outro filho, e os mesmos padrinhos.
437
Nesse registro os pais da
criança foram identificados como “administrados” de Gertrudes Maria da
Luz, logo, também eles haviam conquistado a alforria.
6.5 Compadrio de netos de Antonio Angola e Simoa e de uma filha de
Liberata
Escolástica, filha caçula de Joaquim e Feliciana e escrava do
Capitão João da Rocha Loures, teve ao menos três filhos (figura 6.7,
adiante). A menina Antonia, batizada em 1811, foi apadrinhada por Joaquim
José da Cruz e Reginalda da Silva, sua mulher.
438
Joaquim José da Cruz era
o filho liberto da escrava Liberata, que mencionei acima como padrinho dos
dois últimos filhos de José e Águida. Na época em que batizaram a filha de
Escolástica, porém, ele e sua esposa ainda viviam como agregados na casa
da ex-senhora.
Em 1814, o segundo filho de Escolástica foi apadrinhado por
Francisco da Rocha e por Ana, filha de João Nepomuceno.
439
Francisco da
Rocha era casado com Gertrudes da Cruz, filha de Manoel José da Cruz e
Margarida Angélica, portanto, sobrinha da senhora de Escolástica. A
madrinha era sobrinha de João Rocha Loures.
Em 1820 nasceu o último filho de Escolástica, cujos padrinhos
foram Joaquim Pereira, casado, e Gertrudes da Cruz, casada com Francisco
437
LBPSJP 3, fl. 157v. APSJP.
438
LBPSJP 3, fl. 59. APSJP.
439
LBSSJP 3, fl. 79v. APSJP.
311
da Rocha.
440
Gertrudes, se sabe, era sobrinha da senhora de Escolástica.
O padrinho é provavelmente Joaquim Pereira do Valle, irmão de uma nora
do Capitão João da Rocha Loures.
Figura 6.7: Compadrio de Escolástica,
escrava do Capitão João da Rocha Loures (JRL)
Feliciana, filha de Liberata nascida em 1791, casou-se em 1809
com Joaquim Manoel, pardo livre oriundo de São Francisco (SC).
441
Desde o
casamento, Joaquim Manoel tornou-se agregado de Gertrudes Maria,
proprietária de Feliciana. Na figura 6.8, adiante, resumi a história do
apadrinhamento de seus filhos.
O primeiro filho do casal recebeu o nome de José e foi batizado em
1810. Embora o pai fosse livre, o padrinho foi escolhido dentro da família
senhorial: o jovem João, filho do Capitão João da Rocha Loures (portanto
sobrinho de Gertrudes Maria da Luz). A madrinha foi Apelônia Ribeiro,
casada com José Simões.
442
A família de Apelônia está registrada na lista de
1810 no domícilio 366 (e o domicílio de Gertrudes era o 360). José Simões
440
LBPSJP 3, fl. 120v. APSJP.
441
LCPSJP 1, fl. 93. APSJP.
442
LBPSJP 3, fl. 49. APSJP.
JRL
1
1
3
2
2
3
Pardos forros
312
era lavrador e o casal vivia com sete filhos, sem escravos ou agregados.
Foram identificados como brancos.
Figura 6.8: Compadrio do casal Joaquim Manoel (forro) e de Feliciana,
escrava de Gertrudes Maria da Luz (GML)
Em 1813 Joaquim Manoel e Feliciana tiveram um filho que
recebeu o nome de Joaquim. No registro o pai é citado como forro e a mãe
permanecia escrava de Gertrudes. O menino teve apenas madrinha: Anna
Rita, filha solteira de Francisco Inácio, falecido.
443
Certamente é a mesma
Anna que batizou um filho de José e Aguida em 1812, filha de Francisca do
Rosário de Freitas (esta, madrinha do filho de Antonio e Esperança batizado
em 1796).
Em 1818 nasceu Fortunato, o terceiro filho do casal. No registro foi
anotado que por então a mãe estava forra, mas que o filho ainda era cativo
de Gertrudes Maria da Luz. No entanto, o pároco indicou que “quando se
baptizou, o pai o forrou, e a mesma Senhora me disse estava forro”. Os
443
LBPSJP 3, fl. 72v. APSJP.
GML
4
3
3
1
5
6
6
5
1 2
7
7
Brancos
4
Pardo
313
padrinhos do menino foram Miguel e Maria, filhos solteiros de Manoel José
da Cruz (ou seja, sobrinhos da senhora).
444
Joaquim Manoel e Feliciana tiveram ainda mais quatro filhos. Em
1820 nasceu Silvestre. Embora no registro de batismo do filho anterior a
mãe tenha sido citada como forra, neste ela aparece como escrava. No
registro o pároco anotou que “a Senhora me disse que forrava o dito Silvestre
por ser seu afilhado, quando o livrou na pia me disse que o forrava, e
deixava forro”. O outro padrinho da criança era Joaquim Ribeiro da Silva,
solteiro.
445
Existe um Joaquim Ribeiro recenseado na lista nominativa de
1818. Era pardo, com 22 anos, natural de Antonina. Vivia com a mulher,
Rosa, de 16 anos, e plantava para comer.
Em 1824, no registro de batismo de Mateus, novamente
Feliciana foi identificada como escrava, e a “Senhora mandou assentar por
forro” [a criança]. Os padrinhos do menino foram Joaquim Bastos e
Rosária.
446
Ele deve ser Joaquim Bastos Coimbra, neto de uma irmã de
Margarida Oliveira Leão (esta, mãe de Gertrudes Maria da Luz). Pode ser que
a madrinha, Rosária, fosse Rosária da Rocha, filha de Jo Joaquim dos
Santos, o qual havia batizado um filho de José e Águida em 1801 e que era
genro do Capitão João da Rocha Loures.
Em 1826 ocorreu o batismo de Hermenegildo, nele, a mãe foi
identificada como forra, e o casal vivia em domicílio autônomo, porém
próximo ao da ex-proprietária de Feliciana. Aparentemente os dois primeiros
filhos do casal, que não foram alforriados ao nascer, por então também
444
LBPSJP 3, fl. 101. APSJP.
445
LBPSJP 3, fl. 119. APSJP.
446
LBPSJP 3, fl. 152. APSJP.
314
estavam livres.
447
Os padrinhos de Hermenegildo foram o Capitão João da
Rocha Loures e sua filha Gertrudes.
448
Em 1828 nasceu o último filho. No
registro os pais foram identificados apenas como pardos e o menino, Pedro,
foi apadrinhado por Matias Carneiro Mendes de e sua irmã Luiza Maria
de Sá, filhos do Capitão Manoel Mendes Leitão.
449
Este capitão era uma das
pessoas mais proeminentes do lugar e em 1824 foi recenseado como
proprietário de fazendas de criar, sendo que em São José dos Pinhais
mantinha 17 escravos.
6.6 Controle senhorial, comunidade de escravos e de pardos e negros
livres e hierarquia social
Mencionei anteriormente que em seu estudo sobre batismos de
escravos de Curitiba, Schwartz destacou que raramente os padrinhos eram
os senhores ou seus parentes. O mesmo quadro se desenhou na Bahia, por
Gudeman e Schwartz, e em Minas Gerais, por Higgins, e por outros autores.
Na interpretação desses padrões, Schwartz reitera sua tese da
incompatibilidade entre propriedade escrava e parentesco espiritual, bem
como põe em dúvida o uso do compadrio para reforçar as relações
paternalistas entre senhores e seus cativos.
Acredito que as relações de compadrio até aqui recuperadas
permitem-me tecer algumas considerações sobre essa questão. A primeira
delas é que muito dificilmente o parentesco do padrinho de um escravo é
revelado em estudos que utilizam como fonte apenas registros de batismo,
447
Na lista de 1824 o domicílio de Joaquim Manoel era o de número 23, e o de Gertrudes
Maria da Luz o de número 25.
448
LBPSJP 3, fl. 165. APSJP.
449
LBPSJP 3, fl. 178. APSJP.
315
posto que neste tipo de documento eclesiástico nomeava-se somente o
cônjuge ou o pai dos padrinhos, e isso quando a madrinha era casada ou
quando o(a) padrinho/madrinha era solteiro(a). De modo que em geral o
parentesco que se pode levantar é o que unia marido e mulher, e pais e
filhos (quando estes eram solteiros). Nos casos aqui expostos, encontramos
com mais freqüência outros vínculos parentais, especialmente sobrinhos,
irmãos e cunhados, e mesmo parentes mais distantes.
Assim, tem razão Stuart Schwartz quando afirma a
incompatibilidade entre propriedade escrava e parentesco espiritual. De fato,
raramente o senhor batizava seus escravos e, ao menos nos casos aqui
vistos, tampouco os seus filhos e genros (prováveis herdeiros) o fizeram.
Creio ser preciso, contudo, relativizar sua tese de que o compadrio não era
utilizado como reforço das relações paternalistas. É preciso admitir ao
menos algum grau de controle dos senhores sobre a socialização de seus
cativos. Na figura 6.9, a seguir, é possível observar o grande número de
alianças que unia esses cativos e membros das famílias senhoriais.
316
Figura 6.9: Laços de compadrio de escravos de São José dos Pinhais
com a família senhorial
MJC
JRL
PROPRIETÁRIOS
BMF = Bernardo Martins
Ferreira
MJC = Manoel José da Cruz
JRL = João da Rocha Loures
GML = Gertrudes Maria
da Luz
FBR = Francisco Bueno da
Rocha
Antonio e Esperança (MJC)
Liberata
(
B
MF
-
GML)
Joaquim e Feliciana (JRL)
José e Águida (GML)
Escolástica (JRL)
João e Teresa (FBR)
BMF
GML
FBR
Parece que esse mesmo quadro estava presente quando se
tratava de casais mistos, isto é, aqueles em que um dos cônjuges era
escravo e o outro forro ou livre. Revejam-se, nesse sentido, as relações de
compadrio efetivadas pelo casal Joaquim Manoel e a escrava Feliciana (cf.
figura 6.8).
Esse foi ainda o caso de Joaquim Antonio Barbosa e sua mulher
Quitéria. No capítulo anterior indiquei que eles se casaram em 1779. O
marido era filho de uma ex-administrada de José de Aguiar, e a esposa era
escrava de Antonio de Souza Pereira. Quitéria nasceu escrava de Felipe
Pereira de Magalhães e de Rosa Maria Guedes, esta, irmã de Luzia Cardoso
Leão, que por sua vez era avó de Coleta Maria, a esposa de Antonio de
Souza Pereira. Quitéria faleceu precocemente, de modo que o casal teve
apenas dois filhos.
Em maio de 1780 eles batizaram Bento, apadrinhado por
Manoel, filho solteiro de Manoel Vaz Torres, e por Maria, filha solteira de
Felipe Valente, de Curitiba.
450
Sobre a madrinha não tenho informações,
mas Manoel, filho de Manoel Vaz Torres, tinha parentesco por afinidade
com os Cardoso Leão, pois, como mencionei antes, sua irmã Maria Vaz
Torres de Araújo era casada com Thomas João Ferreira, filho de Margarida
Oliveira Leão (irmã de Rosa Maria Guedes).
Em 1784, no batismo do filho Serafino, os laços com a família do
proprietário de Quitéria se consolidaram. O menino foi apadrinhado por
450
LBPSJP 1, fls. 92 e 92v. APSJP.
345
Gertrudes Maria da Luz e por João Rocha Loures.
451
Como se sabe, eles
eram, respectivamente, filha e genro de Margarida Oliveira Leão (também
irmã de Rosa Maria Guedes).
O mesmo tipo de relação com o senhor parece ter ocorrido com
Antonio, escravo de Paulo da Rocha, e Gertrudes Leme, filha dos ex-
administrados Gregório Leme e Domingas do Rosário. Eles se casaram em
1783 e, como indiquei no capítulo anterior, tiveram ao menos seis filhos.
Em 1784 o primeiro filho foi apadrinhado pelo casal proprietário
de Antonio. Em 1789 foi batizada a menina Leonor, que teve como
padrinhos Jerônimo Caixes e Rita, filha de Bonifácio da Silva. Em 1792
nasceu Maria. Os padrinhos foram os mesmos Bonifácio da Silva e sua
filha Rita. Em 1793 a filha Izabel foi apadrinhada por Francisco da Cunha
Bueno e Izabel Maria, ambos casados e da freguesia. Em 1795 nasceu
Joaquim, apadrinhado por João Bueno e Ângela Maria sua mulher. Em
1797, o menino Manoel foi apadrinhado por Manoel Pires e Anna, filha
solteira de Joanna da Rocha. Finalmente, em 1800 nasceu João, batizado
pelo alferes Luis Cardoso, solteiro, e pela mesma Anna da Rocha, agora
casada com José Joaquim. Nesses quatro últimos batismos, Gertrudes
Leme foi identificada apenas como forra.
Mais uma vez, tem-se aqui a confirmação dos laços entre o
escravo e a família de seu proprietário, sugeridos pelo grande número de
padrinhos com sobrenomes Bueno e Rocha, muito provavelmente
451
LBPSJP 1, fl. 98v. APSJP.
346
familiares do casal Paulo da Rocha e Maria Buena da Rocha. Além disso,
novamente constata-se o predomínio de laços de compadrio com pessoas
livres.
Todavia, aqui o destaque, a meu ver, foi o apadrinhamento de um filho de
Antonio por seus senhores. Embora a criança fosse livre (como a mãe, Gertrudes), o fato é
que a partir de então o escravo Antonio se tornou compadre de seus proprietários. Mas
essa pode ter sido a interpretação apenas do cativo, que talvez pensasse ser esse um
caminho possível para a obtenção de sua alforria (o que não aconteceu). Relembrando que
Gertrudes vivia agregada na casa, pode-se supor que, para Paulo da Rocha, batizar um
filho livre de seu cativo não seria fonte de constrangimento, ao contrário, poderia ser uma
forma de reforçar ou consolidar sua autoridade sobre a família do escravo. Um ponto de
vista que se aproximaria muito daquele observado por Stuart Schwartz, na passagem do
XVII para o XVIII em Curitiba, acerca do apadrinhamento senhorial de filhos de
administrados, citado no início do capítulo.
No entanto, como sugeri, quando se tratava do casamento
(capítulo 5), acredito que também no caso do compadrio não se pode
aceitar que o controle senhorial implicava na anulação de qualquer
iniciativa escrava. Assim, se a raridade do apadrinhamento pelo
proprietário e o grande número de padrinhos aparentados com o senhor do
batizando sugerem que o cálculo escravista também vigia nesse assunto, é
igualmente certo que as preferências dos cativos contavam. Relembre-se,
nesse sentido (ainda na figura 6.9), que a escrava Esperança estabeleceu
laços de compadrio basicamente com a família de Tomás João Ferreira,
irmão de sua senhora Margarida Angélica. Igualmente, que alguns
parentes foram padrinhos de vários escravos, especialmente o jovem
347
Francisco (filho de Tomás João Ferreira), Margarida Angélica (esposa de
Manoel José da Cruz) e João (filho de João da Rocha Loures), este,
padrinho de dois filhos de José e Águida, escravos de Gertrudes Maria da
Luz.
Por outro lado, alguns parentes nunca foram chamados para
apadrinhar: Bernardo Martins Ferreira e Margarida Oliveira Leão tiveram
ao menos oito filhos, porém apenas quatro deles (ou seus cônjuges e filhos)
em algum momento apadrinharam os descendentes dos escravos de seus
pais. Dentre os quatro filhos que não apadrinharam, ao menos um vivia
em São José dos Pinhais: Manoel Ferreira de Melo, que aparece chefiando
domicílio (com sua família e alguns escravos) no mínimo em cinco listas
nominativas no período (1781, 1783, 1790, 1803 e 1818).
Além disso, por vezes esses escravos tornaram-se compadres de
pessoas com parentesco bastante indireto com o proprietário dos pais da
criança batizada. Foi o caso de Liberata, cujo primeiro filho teve como
madrinha uma sobrinha-neta de sua senhora naquele momento. Quando
era propriedade de Gertrudes Maria da Luz, Liberata chamou, para
apadrinhar um seu outro filho, a enteada daquela madrinha. Veja-se
também o caso de Escolástica, escrava do Capitão João de Rocha Loures.
Um filho desta cativa teve por padrinho o irmão de uma nora do Capitão.
Finalmente, um dos filhos do forro Joaquim Manoel e sua esposa
Feliciana, escrava de Gertrudes Maria da Luz, foi apadrinhado por
Joaquim Bastos Coimbra, primo de segundo grau de sua senhora, e filhos
348
dos escravos João e Teresa foram apadrinhados por outros dois filhos
deste mesmo Joaquim Bastos.
Esses cativos também puderam estabelecer laços com não-
parentes de seus proprietários, muitos deles da elite, inclusive de outras
vilas, como foi o caso das escravas de Antonio dos Santos Teixeira (ítem
6.1), cujos vínculos com pessoas da vila da Lapa talvez fossem anteriores
ao que as ligava ao senhor. Casos como esses sugerem que os escravos
não se pautavam apenas por estratégias visando intermediação de um livre
nos conflitos com o senhor, ou a viabilização da comunidade de cativos.
Tais escolhas podem estar relacionadas à valorização de antigos laços
sociais e afetivos. Num período em que o deslocamento de uma vila para
outra era complicado e demorado, a vinda dos filhos de José dos Santos
Pacheco, da Lapa para São José dos Pinhais, apenas para batizar um filho
da escrava Dorotéia, a meu ver demonstra que aqueles laços eram
igualmente valorizados por eles. O mesmo se pode dizer dos padrinhos e
do vigário (todos da Lapa) que participaram do batismo de outra escrava
de Antonio dos Santos Teixeira, em São José dos Pinhais.
Mas constituição de alianças com homens livres podia, de fato,
ser um recurso importante nessa sociedade extremamente hierarquizada,
onde escravos, forros e livres de cor eram vistos como pessoas de “menor
qualidade”. Um exemplo da importância desses laços está na trajetória do
“cabra forro” Vicente Francisco. No capítulo 5 procurei reconstruir sua
história desde a sua união matrimonial, em 1777, com Antonia, escrava de
349
Manoel Gonçalves Padilha. Mencionei que as testemunhas da união foram
o senhor de Antonia e Diogo Bueno Barbosa. Vicente e Antonia tiveram ao
menos três filhos. Em dezembro de 1777 batizaram Antonio, em cujo
registro consta o apadrinhamento de Paulo da Rocha e Maria Buena sua
mulher.
452
A filha Rita foi batizada em outubro de 1780, e apadrinhada por
Amaro e Anna, ambos filhos de Antonio da Veiga de Godoy.
Também mencionei antes ter encontrado autos de livramento de
1785, no qual consta que Vicente Francisco estava preso por furto de uma
vaca a Francisco Bueno da Cunha e Pedro Machado Fagundes, “a mando
de Manoel Gonçalves Padilha”. Naquela ocasião o próprio Francisco Bueno
da Cunha testemunhou em favor do réu, dizendo que se equivocara, pois
teria sido outro o autor do furto. Dentre as testemunhas de defesa estavam
Antonio da Veiga de Godoy e Diogo Bueno Barbosa.
453
O primeiro, como se
viu, era, à época, pai dos padrinhos de um dos filhos de Vicente Francisco,
e o segundo fora testemunha de seu casamento.
Após esse incidente com a justiça, Vicente Francisco teve mais
uma filha, que em 1788 foi batizada com o nome de Anna. Ela teve como
padrinhos Diogo Bueno Barbosa e novamente Anna Clara, filha de Antonio
da Veiga de Godoy.
454
Ou seja, depois de absolvido da acusação de roubo,
Vicente buscou reiterar os laços de compadrio com seus defensores por
ocasião do nascimento da filha. Nesse sentido, os registros do casamento
452
LBPSJP 1, fl.88v. APSJP.
453
Autos de Livramento, 1785, Ouvidoria geral de Paranaguá, 26p., JP1433 CX 69,
Arquivo Público do Paraná.
454
LBPSJP 1, fl. 92. APSJP.
350
de Vicente Francisco e de batismo de seus filhos nos permitem depreender
que nessa sociedade o compadrio podia funcionar não apenas no sentido
de gerar alianças entre as famílias de cativos e administrados às de seus
senhores, como também o estabelecimento de outros laços sociais, os
quais, no caso presente, mostraram sua eficácia num momento de
dificuldade.
A observação das idades dos padrinhos é outro indício a sugerir
que os cativos participavam na escolha das pessoas com quem
estabeleceriam laços de compadrio. Tomando apenas os batismos de
filhos, netos e bisnetos de Antonio Angola e Simoa, e de filhos e netos de
Liberata, têm-se que 24 dos 56 padrinhos foram citados como “filhos de
alguém” (11 padrinhos e 13 madrinhas). Foi possível descobrir as idades
exatas ou aproximadas de 19 deles,
455
sendo que 14 (seis homens e oito
mulheres) tinham menos de 25 anos no momento do batismo, dos quais,
seis tinham menos de 18 anos. Além disso, muitos dos padrinhos e
madrinhas identificados como casados, eram jovens com menos de 25
anos. A meu ver, tal quadro reflete a preocupação dos escravos em
assegurar que sua prole teria protetores e aliados ao longo da maior parte
da vida, ou ao menos até que pudesse realizar suas próprias alianças.
Finalmente, destaco que, a despeito da importância estratégica
do compadrio com membros da parentela senhorial e da elite branca, esses
escravos nunca deixaram de se relacionar com outros cativos, com forros,
455
Nos registros de batismo da paróquia ou nas listas nominativas.
351
com livres de cor, e mesmo com brancos pobres. Assim foi com Elena, que
teve por compadres os escravos Agostinho, Felipe e Verônica, o “bastardo”
Salvador Siqueira e sua filha, os irmãos José Leonel e Maria, e o músico
João Cabral e sua filha. Assim foi com Esperança, que criou vínculos com
os cativos Manoel e Teresa e com a família da parda Maria do Carmo. Do
mesmo modo, por ocasião dos batismos dos filhos de Escolástica (em
1811) e de José e Águida (em 1823), apadrinhados por Joaquim José da
Cruz e sua mulher Reginalda, o primeiro, e pelo mesmo Joaquim José com
sua irmã Lucrécia, o segundo. Estes dois últimos batismos confirmam os
laços que as uniam a Joaquim José e Lucrécia desde quando estes ainda
eram escravos de Gertrudes Maria da Luz.
Esse foi o caso, igualmente, da cativa Joana, casada com o forro
Luciano da Rocha Dantas, casal cuja trajetória também foi descrita no
capítulo anterior. Antes de se unir a Luciano, em 1831, Joana teve três
filhos. Em 1819 ela batizou Miguel, que foi apadrinhado por Joaquim
Manoel, casado, e por Lucrécia, escrava de Gertrudes Martins Ferreira (ou
Gertrudes Maria da Luz).
456
A madrinha é, evidentemente, a filha da
escrava Liberata, que pouco tempo depois conquistaria a liberdade
(conforme vimos em item anterior). O padrinho era o cunhado livre dessa
escrava, marido de Feliciana, a outra filha de Liberata.
O segundo filho de Joanna, a menina Izabel, foi batizada em
1824 por José, escravo de Pedro Teixeira, e por Luciana, escrava de
456
LBPSJP 3, fl. 111v. APSJP.
352
Francisco Franco.
457
Não tenho certeza de quem seja Francisco Franco,
mas Pedro Teixeira era filho de Nazário Teixeira da Cruz (portanto, irmão
de Manoel José da Cruz) e em 1818 proprietário de nove escravos.
458
Somente quando teve o terceiro filho Joanna convidou pessoas
livres para apadrinhar. O menino Antonio, batizado em 1829, teve por
padrinhos Miguel João, solteiro, e Rosa Machada, casada.
459
Sobre a
madrinha não consegui qualquer informação, mas o padrinho deve ser
Miguel João Carvalho (2
o
.), neto do primeiro (este último, irmão de João da
Rocha Loures).
Não consegui localizar o casal Francisco das Chagas Cruz e
Saturnina Alvares Pereira, que batizou Gertrudes, a primeira filha de
Luciano com Joana, em 1832.
460
Mas o filho nascido em 1833, Amâncio,
foi batizado por Joaquim José da Cruz e por Felicidade Alvares. O
padrinho era, como se sabe, o filho forro da nossa conhecida escrava
Liberata.
461
Como indiquei no capítulo anterior, Joanna foi declarada forra
nesse registro, mas seu filho permanecia escravo de José Teixeira da Cruz.
Em 1838 o casal novamente batizou uma filha, Laurinda,
apadrinhada por Francisco Franco de Oliveira e sua mulher Izabel
Ferraz.
462
O padrinho talvez seja o mesmo Francisco Franco que
apadrinhou Izabel em 1824. E lembro que Bernarda, filha de Nazário
457
LBPSJP 3, fl. 144v. APSJP.
458
LNSJP, 1818, 9
a
. cia, domicílio 40.
459
LBPSJP 3, fl. 190v e 191. APSJP.
460
LBPSJP 3, fl. 247. APSJP.
461
LBPSJP 3, fl. 268. APSJP.
462
LBPSJP 4, fl. 113. APSJP.
353
Teixeira da Cruz, se casou com Bento Ferraz Lima em 1782 e teve, dentre
outros filhos, uma menina de nome Izabel.
463
Os dados aqui trabalhados, pode-se dizer, tendem a confirmar as
teses dos mais recentes estudos, comentadas no início do capítulo, de que
o compadrio era uma aliança utilizada de diversas maneiras por escravos e
libertos. Foi um instrumento efetivo na formação e consolidação de uma
comunidade de escravos e livres de cor, mas também ligava essa
população com a sociedade branca de todos os estratos sociais, e ao
menos em São Jose dos Pinhais, com a parentela senhorial.
Sabemos que a utilização histórica do rito do compadrio
transcende seu significado religioso. Estar compadre de alguém, segundo o
dicionarista Morais e Silva (1789), também significava estar em boa
amizade. Relatos coevos aludem à extrema importância dada na sociedade
colonial às relações de compadrio, havendo registro de parentes
consanguíneos preferirem se intitular de compadres, dado o prestígio
dessa relação”.
464
Enfim, o compadrio com uma pessoa de status social mais alto
poderia se constituir uma aliança decorrente da “necessidade, num mundo
hostil, de criar laços morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si
e aos filhos”.
465
Sobre o apadrinhamento de escravo por parentes do
senhor poder-se-ia acrescentar que, da perspectiva do pai ou da mãe da
463
LBPSJP 4, fl. 190v APSJP.
464
VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro:
Edit. Objetiva, 2000. Autor do Verbete: Sheila Siqueira de Castro Faria (SCF) pp. 126-
127.
465
SLENES, Robert W. Op. Cit, 1997, p. 271.
354
criança, seria estratégico ter como aliado alguém que, embora não
pertencesse à casa do Senhor, era seu parente, portanto suficientemente
próximo para poder interferir em caso de conflitos.
Mas o compadrio também se constituía em uma aliança que
sacramentava a paz (ou dirimia as diferenças).
466
Dito de outro modo, a
casa de um compadre passava à condição de território amigo, ou familiar,
onde o outro compadre e sua família (escravos ou não) teriam trânsito
livre. Dessa perspectiva, o parentesco ritual com membros de famílias
escravistas permitia a cativos, forros e a pardos e negros livres a
comunicação e a convivência com a escravaria e os agregados das casas
senhoriais, muitos deles seus parentes.
Assim, sem desconsiderar o conteúdo paternalista implícito
naqueles laços, talvez seja possível ao menos sugerir que o compadrio
escravo também pudesse ser utilizado para estreitar os laços com as casas
em que seus parentes e amigos viviam como cativos ou como agregados.
Dessa perspectiva, constituir alianças com escravistas e com a parentela
do senhor seria um outro caminho para a viabilização de uma comunidade
de cativos nessa freguesia de predomínio de pequenas escravarias.
Entendendo o compadrio desta forma, têm-se um testemunho de
sua eficácia no exemplo de Antonio e Simoa. Através do compadrio, entre
1773 e 1823 este casal, suas duas filhas (Feliciana e Águida) e a neta
Escolástica estabeleceram laços com 21 casas do vilarejo, sem contar que
466
GÓES, José Roberto. Op. Cit. 1993, p 102.
355
ao longo do tempo muitos dos padrinhos, filhos dos chefes dessas casas,
se casaram e constituíram domicílio próprio, ampliando ainda mais o
leque de relações dessa família de cativos.
Daquelas 21 casas originais, mais ou menos à época dos
batismos em 16 delas havia escravos e/ou agregados. Somando-se os
escravos das casas em que viviam pessoas que batizaram membros da
família cativa até 1799, calculei que eles variaram entre 35 e 45 cativos.
Nas casas em que viviam pessoas com laços de compadrio com a família,
estabelecidos nas primeiras décadas do oitocentos, encontravam-se ao
menos cinco agregados e entre 35 e 40 escravos.
467
No capítulo anterior, sugeri que a alta freqüência, em São José
dos Pinhais, de casamentos de escravos com forros e de pardos com
brancos não deveria ser interpretada como simples adesão a uma ideologia
escravista, e sim como uma estratégia socialmente disponível para
enfrentar o empenho senhorial em atrair novos dependentes ou manter
sua ascendência sobre ex-escravos. No entanto, ressaltei também que,
nessa busca da plena autonomia para si e para seus descendentes, muitas
vezes escravos e livres de cor se tornavam partícipes do processo de
produção e reiteração das hierarquias sociais.
Creio que através do conjunto de inferências realizadas no
presente capítulo pode-se acrescentar algo mais. A meu ver, ainda que o
estabelecimento de relações de compadrio com pessoas de status superior
467
Fiz esses cálculos aproximados a partir das listas nominativas de São José dos Pinhais
dos anos de 1765, 1781, 1783, 1790, 1793, 1798, 1803, 1810, 1816 e 1818.
356
pudesse funcionar bem na busca de proteção social e mesmo como
mecanismo de manutenção e de ampliação de uma comunidade de negros
e pardos, o fato é que aquele privilegiamento - sobretudo da parte de
cativos de pequenas escravarias e da grande massa de pardos e negros
livres e pobres acabou por reforçar, senão criar, o componente de
dominação/submissão da relação, bem como ajudou a sublimar o caráter
igualitário que o parentesco espiritual tridentino também pressupunha.
Por sua vez, somente funcionando desta maneira o compadrio -
muito mais do que o casamento - promovia o estreitamento das relações
entre escravos e proprietários, entre livres e cativos, entre negros, pardos e
brancos. Por esta razão, no Brasil escravista o parentesco ritual foi
decisivo no peculiar processo de produção e reprodução de uma sociedade
que, como nos mostrou Gilberto Freyre, se misturava sem deixar de
preservar as diferenças.
Enfim, os dados sobre compadrio analisados no presente capítulo sugerem
que talvez tenha razão Giovanni Levi quando afirma que,
nos interstícios dos sistemas normativos esveis ou em
formação, grupos e pessoas jogam uma estratégia
significativa própria, capaz de marcar a realidade política de
uma maneira duradoura, não de impedir as formas de
dominação, mas de condicioná-las e modificá-las.
468
Considerações Finais
468
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século
XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 45.
357
Creio não ser necessário retornar, nessas considerações finais,
às principais conclusões do trabalho, apresentadas ao longo do texto.
Tampouco pretendo reafirmar teses aqui apresentadas, como a que
defende a natureza estamental do Antigo Regime brasileiro, a que entende
o escravo como um sujeito social ativo e postula a possibilidade de
mobilidade social de egressos do cativeiro, ou a que remete à importância
central dos negros e pardos livres no jogo político do Brasil escravista. No
entanto, não posso deixar de ao menos mencionar que os indicadores por
mim produzidos certamente podem reforçá-las, assim como afirmar que
todas essas teses têm estreita ligação com o que desejo realçar a seguir.
Nos seis capítulos em que busquei descrever a hierarquia que
organizava os indivíduos e os diferentes grupos da sociedade escravista em
foco no meu estudo, uma multiplicidade de aspectos foi revelada.
Observados em conjunto, a meu ver eles sugerem um nexo para a
dinâmica das relações sociais daquela população, o qual poderia ser
resumido como um estado de permanente tensão.
Tensão revelada nos processos de incorporação de
dependentes. Um conflito que envolvia atores sociais de todos os grupos,
pois à medida que escasseavam os recursos para a compra de escravos,
mais a elite senhorial disputava agregados entre si e com livres pobres
(brancos ou não), estes, os que mais dependiam da agregação de parentes
e não-parentes para consolidar sua autonomia econômica, social e política,
358
e mesmo fugir da possibilidade de tornarem-se dependentes, eles próprios.
Por poder escolher a relação de dependência que lhes parecesse mais
conveniente, também as populações pobres que para sobreviver eram
obrigadas a agregar-se em terras ou domicílios alheios envolviam-se
ativamente no confronto. O desenrolar das tensões entre as distintas
expectativas promovia não apenas diferentes desfechos para histórias
individuais, mas afetava o próprio processo histórico de constituição do
perfil demográfico daquela população.
Foi justamente a identificação desse quadro o que me permitiu
constatar que a generalização de práticas patriarcalistas não se constituía
pura e simples adesão ao ideário da elite, mas um esforço de
movimentação ascendente na hierarquia social. Por essa razão todos os
grupos tinham que marcar e reiterar as desigualdades ou mesmo produzir
novos índices de diferenciação. Lembro, por exemplo, que através da
designação da cor e da condição jurídica nas listas nominativas e nos
registros de batismo e casamento, parte da população livre era vista, ao
menos aos olhos da elite, “com um pé na escravidão”, e parte da população
escrava (notadamente aquela nascida no lugar) tinha “um no mundo
dos livres”. Creio que tal visão não era a consciência das diferenças, e sim
um dos mecanismos produzidos e sistematicamentes acionados no esforço
de criar as diferenças.
A este estado de permanente tensão tampouco os escravos
estavam alheios. A atividade” cativa em busca da liberdade para si e para
359
seus descendentes tem no predomínio de casamentos com pessoas livres
um argumento contundente nesse sentido. A ocorrência de uniões
matrimoniais de pardos com brancos me parece indício de que também
para os livres de cor o sacramento do matrimônio era instrumento político
na busca por autonomia e por ascensão social, além de funcionar como
mecanismo de integração social dos “estrangeiros”. Cheguei mesmo a
sugerir que tais aspirações estariam conformando um peculiar mercado
matrimonial no interior da comunidade de escravos e de pardos, negros e
mesmo de brancos livres. Todavia, também procurei enfatizar que esta
“atividade” acabava reiterando a hierarquia escravista e produzindo
diferenças no interior da própria comunidade.
Aceitar o princípio da relativa autonomia dos escravos e dos
pardos e negros livres na instrumentalização dos casamentos não significa
menosprezar a autoridade senhorial. Os baixos percentuais de casados e
viúvos (assim como os altos índices de ilegitimidade) entre os cativos de
pequenos escravistas, por exemplo, sugerem que também neste aspecto os
confrontos de interesses vigiam. Embora os proprietários pudessem evitar
as uniões matrimoniais de cativos que fossem inconvenientes aos seus
interesses, não podiam obrigá-los a casar contra a vontade – afinal, mesmo
em relação ao casamento de escravos, as Constituições Primeiras
mantiveram a orientação do Concílio de Trento no sentido de enfatizar a
livre escolha dos cônjuges.
360
Essa tensão potencialmente explosiva não se tornou um conflito
coletivo provavelmente porque, afinal, aqueles pequenos escravistas eram
obrigados a aceitar e mesmo incentivar que seus escravos constituíssem
família, legítimas ou consensuais. Como destaquei, a manutenção da
posse de famílias cativas era em muitos casos a própria condição de
constituição e manutenção de famílias escravistas; logo, ao fim e ao cabo,
a manutenção do status senhorial em boa medida dependia da vontade
escrava.
No gerenciamento dessa desvantagem, no entanto, os senhores
não mediam esforços para manter o controle sobre os familiares livres de
seus escravos e mesmo de ex-escravos. Empenho que nesse trabalho pude
captar na análise da trajetória domiciliar de casais mistos, e dos batismos
e casamentos de seus filhos e, por vezes, de seus netos. A atenção a esses
mesmos aspectos também revelou que escravos, forros e pardos e negros
livres tinham consciência de que aquela vantagem inicial poderia se
reverter em favor do senhor. Assim pude resgatar uma série de pequenas
batalhas desses indivíduos a fim de, paulatinamente, assegurar a
legitimidade social da liberdade de membros familiares juridicamente
livres, e de conquistar a liberdade jurídica e social de membros familiares
cativos. Tais trajetórias, no meu modo de ver, são alguns dos poucos
registros que ficaram das milhares de pequenas derrotas que a ordem
escravista sofreu na América portuguesa, a despeito da sua estabilidade
temporal.
361
O estudo sobre compadrio, efetuado no último capítulo, a
princípio parece matizar o contínuo quadro de tensão, ou de conflito
latente, no interior do vilarejo de São José dos Pinhais, que os capítulos
anteriores acentuaram. Afinal, nele eu pude verificar a pertinência das
teses historiográficas prevalecentes, de que o parentesco espiritual seria
utilizado como estratégia para criar laços com pessoas de recursos, para
proteger-se a si e aos filhos, e também poderia funcionar como meio de
socialização de modo a formar uma comunidade de escravos e livres
pobres. Meus dados destacaram, igualmente, que o apadrinhamento de
escravos era utilizado como reforço das relações paternalistas, ainda que
nesse empenho os senhores mantivessem separadas as duas instituições
escravidão e compadrio , reservando a alguns membros da família
senhorial a primeira, e a outros a segunda. Em qualquer um desses casos,
o compadrio se caracteriza, sobretudo, pelo seu caráter agregativo.
Porém, as mesmas informações permitiram inferir que o
compadrio contribuiu para a constituição de diferenças no interior da
própria comunidade de escravos e livres de cor de São José dos Pinhais.
Sugeri ainda que o uso político do compadrio acabou por reforçar senão
criar – o componente de dominação/submissão da relação, bem como
ajudou a sublimar o caráter igualitário que o parentesco espiritual
tridentino também pressupunha. Mais que tudo, acredito que a aliança do
compadrio é instituição exemplar, pois expõe a natureza daquela sociedade
362
estamental, na qual os conflitos ficavam contidos no plano das relações
interpessoais.
Para encerrar essas considerações finais, que pretendia fossem
breves, espero ter conseguido demonstrar que a sociedade escravista na
América portuguesa tinha muitas faces. A história de José Eugênio e
Leopoldina, relatada na introdução, bem como a da escrava Paula e seus
filhos, apresentada no capítulo 4, são testemunhos veementes de que a
família patriarcal freyreana hierarquicamente organizada, com parentes
legítimos e ilegítimos, livres, libertos e escravos, brancos, mulatos e negros
– não esteve confinada nos engenhos pernambucanos. No entanto, quando
se tratava de senhores bem menos poderosos e de ambientes com grandes
contigentes de população livre de origem africana e/ou indígena, a
sobrevivência da ordem escravista e patriarcal foi garantida por outros
ajustes e movimentos, captados de diversas maneiras na pesquisa.
A dinâmica conflituosa dessas relações desvelou uma das faces
do peculiar processo de produção e reprodução de uma sociedade
escravista que, como nos mostrou Gilberto Freyre, se misturava sem
deixar de preservar as diferenças. Permite, por fim, considerar que a
estabilidade da escravidão no Brasil provavelmente dependeu menos do
ilimitado poder senhorial sobre os corpos escravos que teoricamente a
instituição pressupõe e mais da conformação específica da trama social
tecida no confronto das vontades pessoais.
363
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ANEXOS
381
Anexo 1: População escrava, livre e total
em quatro localidades do Planalto paranaense (1772-1830)
São José dos Pinhais
Curitiba Lapa Castro
escravos
livres
total escravos
livres
total escravos
livres
total escravos
livres
total
1782
203 770 973 785 2971
3756
143 913 1056
551 1274
1825
1790
184 1156
1340
- - - - - - - - -
1798
219 1241
1460
1180 5298
6478
196 978 1174
746 2594
3340
1804
219 1675
1894
1447 6397
7844
257 1706
1963
1045 3833
4878
1810
267 1893
2160
1405 6859
8264
323 2097
2420
1099 3937
5036
1816
235 2091
2326
809 5299
6108
402 2286
2688
1116 3559
4675
1824
296 2457
2753
974 7158
8132
443 2613
3056
1022 2765
3787
1830
330 2910
3240
1043 8661
9704
477 3216
3693
1150 3120
4270
Fonte: Livro de Ordenanças de Curitiba de 1765, LNSJP, 1790. Cópias do acervo do CEDOPE-UFPR,
originais no APESP. Para os demais anos, mapas da população São José dos Pinhais, Curitiba,
Castro e Lapa, publicados em COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Mapas de
População. 1798-1830. São Paulo: IPE/USP, 1985.
382
Anexo 2: Estrutura de posse de escravos
(Paranaguá, 1783, 1803 e 1830)
faixas No.
escravistas
No.
escravos
No.
escravistas
No.
escravos
No.
escravistas
No.
escravos
1783 1803 1830
S/escravos
871 - 790 - 1042 -
1 45 45 40 40 78 78
2 70 140 24 48 43 86
3 34 102 27 81 25 75
4 35 140 20 80 20 80
Subtotal1 184 427 111 249 166 319
5-9 75 509 40 260 41 282
10-19 54 735 38 488 22 292
20-49 14 397 7 186 15 409
50 ou + 5 351 - - - -
Subtotal2 148 1992 85 934 78 983
ST1+ST2 332 2419 196 1183 244 1302
Fonte: LNHPGUA, 1783, 1803 e 1830. Cópias do acervo do CEDOPE-UFPR, originais no AESP.
383
ANEXO 3: Amostragem de proprietários de terras. São José dos Pinhais, 1818.
No.
Lista
C
ia/
No.Inv.
Escr.
Agr.
Par.
Cor
Patente
Ativ.
Aquis
.
Alq.
Produção
Exportação
3/29
C
60,0
1
01/3
3/40
05
01
07
B
Capitão, filho
auxiliar
vive de suas
fazendas de
lavoura
H
8,0
50 milho, 9 feijão, 60 trigo, 50 vacas, 4
cavalos, 20 carneiros.
60 trigo
3/01
C
900,0
2
03/3
7/58
12
-
07
B
Alferes
vive de suas
fazendas de
lavoura
C
480,0
80 milho, 6 feijão, 10 trigo, 80 vacas, 10
cavalos
10trigo, 150
vacas
3/03
H
22,0
3
.31/3
3/58
14
01
01
B
Mulher
lavradora
C
21,0
30 milho, 8 feijão, 26 charque, 20 vacas,
4 cavalos
24 sal, 26
charque
4
34/3
3/05
-
01
06
B
lavrador
H
2,4
12 milho, 20trigo, 20 charque, 10 vacas
20 trigo, 20
charque
5
42/3
3/06
-
-
01
B
planta p/
comer
H
54,0
6
53/3
3/08
03
-
08
B
Auxiliar
lavrador
H
70,0
20 milho, 40 feijão, 10 trigo, 20 vacas, 3
cavalos
40 feijao, 10
trigo
7
56/3
7/82
-
-
07
B
lavrador
H
450,0
8
58/3
3/07
-
-
10
B
lavrador
C
96,0
87 milho,8 feijão,36 trigo,20 vacas, 2
cavalos
36 trigo
9
59/3
3/02
06
-
04
B
lavrador
P
20,0
10
62/3
3/54
05
03
08
B
Cabo, 2f..aux.
lavrador
C
450,0
100 milho, 20 feijão, 70 trigo, 10 farinha,
50 vacas, 5 cavalos, 8 carneiros
70 trigo, 10
farinha
3/30
C
1800,0
3/51
C
450,0
11
63/3
7/57
06
01
02
B
Capitão, 1
filho aux.
vive de suas
fazendas de
lavoura
C
180,0
36 milho, 80 feijão, 9 trigo, 40 vacas, 8
cavalos
80 feijão, 9 trigo,
16 vacas
3/31
C
50,0
12
65/3
3/49
02
-
07
B
Auxiliar
lavrador
H
21,0
92 milho,6 feijão, 30 trigo, 12 farinha, 10
charque, 7 vacas, 2 cavalos,1 carneiro
30 trigo, 12
farinha, 10
charque
13
66/3
3/47
-
-
02
B
lavrador
C
112,5
14
*67/3
3/39
-
-
04
B
pobre
H
18,0
Planta para comer
15
71/3
3/37
03
01
06
B
Auxiliar
lavrador
H
112,5
100 milho, 20 feijão, 20 trigo, 5 fumo, 20
toucinho, 10 vacas
20 trigo,5 ffumo,
20 toucinho
384
Amostragem de proprietários de terras. São José dos Pinhais, 1818 (continuação)
No.
Lista
Cia./
No Inv.
Escr.
Agr.
Par.
Cor
Patente
Atividades
Aquis.
Alqueres
produção
exportação
16
*73/3
3/32
2
-
8
B
auxiliar
lavrador
C
18,0
3/35
H
18,0
17
75/3
3/41
01
-
08
B
planta para
cormer
C
8,0
20 milho, 8 trigo, 10 vacas
8 trigo
18
78/3
3/33
-
01
06
B
Mulher
planta para
comer
H/C
18,0
19
87/3
3/43
-
01
01
B
planta p/
comer
C
32,0
20
99/3
3/13
-
-
07
B
Cabo,2f.guer.
planta p/
comer
H/C
6,0
40 milho, 40 charque, 2 vacas
40 charque
21
132/3
3/20
02
-
04
B
falecido
C
80,0
22
133/3
3/27
01
01
05
B
Mulher
lavradora
C
20,0
50 milho, 6 feijão, 18 trigo, 15 vacas
18 trigo
23
140/3
3/12
02
-
07
B
Auxiliar
lavrador
C
2,0
30 milho, 8 feijão, 12 trigo, 20
charque, 10 cavalos
12 trigo, 20
charque, 30
cavalos
24
141/3
3/11
02
01
03
B
Mulher
planta p/
comer
C
9,0
28 milho, 3 feijão, 16 trigo, 4 vacas
16 trigo
25
144/3
3/18
05
02
07
B
lavrador
P
4,0
66 milho, 6 feijão, 80 trigo, 25 vacas,
2 cavalos
80 trigo
26
151/3
3/19
-
04
02
B
Mulher
planta p/
comer
C
0,6
27
159/3
3/21
-
-
05
B
lavrador
S/H
180,0
3/17
P
4,0
3/42
C
14,0
28
01/7
7/75
04
-
08
B
Capitão
vive de seu
negócio
C
8,0
20 milho, 60 trigo, 40 charque, 25
vacas, 3 cavalos
60 trigo, 80 sal,
40 charque, 2
fazendas secas
29
03/7
3/74
-
01
10
B
Cabo
falecido
C
20,0
3/55
H
96,0
30
04/7
3/59
05
01
02
B
Capitão
lavrador
C
140,0
40 milho, 5 trigo, 6 feijão, 17 vacas
5 trigo
31
07/7
3/60
-
-
07
B
lavrador
H
48,0
S/C
31,5
32
09/7
3/45
3/56
09
-
05
B
lavrador
H
104,0
14 milho, 5 trigo, 4 feijão, 21 vacas, 4
cavalos
5 trigo
385
33
10/7
3/57
01
-
06
B
lavrador
H
480,0
13 milho, 6 feijão, 30 vacas, 2 cavalos
Amostragem de proprietários de terras. São José dos Pinhais, 1818 (continuação)
Cia/No.
Lista
Cia./
No. Inv.
Escr.
Agr.
Par.
Cor
Patente
Atividade
Aquis.
Alq.
Produção
Exportação
34
12/7
3/62
04
01
06
B
lavrador
H
9,0
80 milho, 10 trigo, 30 feijão, 10
toucinho, 20 charque, 10 vacas, 2
cavqalos, 6 carneiros
30 feijão, 10
toucinho, 20
charque
35
13/7
3/61
03
-
03
B
Mulher
de lavouras
H
48,0
5 milho, 5 trigo, 10 feijão, 3 vacas
5 trigo
36
14/7
3/71
-
-
03
B
Auxiliar
lavrador
H/C
960,00
37
25/7
7/30
04
03
05
B
Mulher
planta p/
comer
C
24,0
38
27/7
3/63
01
01
06
B
lavrador
H
98,0
30 milho, 10 trigo, 12 feijão, 40
charque,10 vacas.
12 feijão,40
charque
7/61
C
8,0
39
29/7
7/67
02
01
08
B
lavrador
P
2,0
80 milho, 25 trigo, 20 feijão, 30
charque, 12 vacas
20 feijão,30
charque
40
34/7
3/67
-
-
01
B
Mulher
planta p/
comer
H/C
31,2
60 milho, 10 trigo, 16 feijão, 100 vacas
16 feijão
41
39/7
3/79
-
-
06
P
planta p/
comer
P/C
42,0
42
41/7
7/63
-
01
07
B
Auxiliar
lavrador
H
69,0
30 milho, 5 trigo, 4 feijão, 10 charque,
10 vacas
5 trigo, 10
charque
43
42/7
7/64
02
01
07
B
Auxiliar
lavrador
H
69,0
44
43/7
7/62
01
03
05
B
Auxiliar
lavrador
H
690,0
34 milho, 5 feijão, 60 congonha, 18
vacas, 1 cavalo
60 congonha
45
54/7
3/92
-
-
05
B
planta p/
comer
C
2,0
46
57/7
3/89
-
-
05
P
planta p/
comer
H
12,0
47
72/7
3/93
-
-
04
P
planta p/
comer
H
0,5
48
83/7
3/70
-
-
06
P
planta p/
comer
H/C
262,5
49
86/7
3/65
07
02
03
B
Capitão
falecido
H/C
900,0
50
94/7
3/25
-
-
03
B
Mulher
planta p/
comer
P
6,0
51
99/7
7/85
-
-
03
B
planta p/ P
2,0
386
comer
Amostragem de proprietários de terras. São José dos Pinhais, 1818 (continuação)
Cia.No.
Lista
Cia./
No.Inv.
Escr.
Agr
.
Par
.
Cor
Patente
Atividade
Aquis.
Alq.
Produção
Exportação.
52
102/7
7/88
-
-
04
B
planta p/
comer
P
2,0
53
105/7
7/93
-
-
06
B
Mulher
planta p/
comer
H
6,0
54
118/7
7/101
-
-
07
B
lavrador
P
225,0
50 millho, 10 trigo, 8 feijão,60
congonha, 9 vacas
10 trigo, 60
congonha
55
119/7
7/97
08
-
-
B
Somente
escravos
escravo
fazendeiro
C
1800,
0
200 vacas
30 vacas
56
125/7
7/98
02
01
09
B
Auxiliar
Lavrador
C
450,0
60 milho, 9 trigo, 6 feijão, 60
congonha, 2 fumo, 20 toucinho,
30 charque, 14 vacas, 5 cavalos
6 feijão, 60
congonha, 2
fumo, 20
toucinho, 30
charque
57
137/7
7/86
-
-
04
P
planta p/
comer
P
2,0
58
3/75
C
32,0
144/7
7/100
-
01
08
B
Filho.
aux.
lavrador
H
450,0
59
148/7
7/110
-
01
03
P
planta p/
comer
P
2,0
60
152/7
7/111
-
-
09
P
planta p/
comer
P
2,0
61
162/7
7/106
-
-
09
B
planta p/
comer
C
8,0
62
01/9
7/40
13
-
03
B
Capitão
vive de sua
fazenda de
lavoura
C
120,0
150 milho, 25 trigo, 20 charque, 80
vacas, 10 carneiros
20 charque
63
06/9
7/104
03
01
01
B
lavrador
C
180,0
20 milho,6 feijão, 30 vacas
64
08/9
7/32
-
01
03
P
lavrador
C
2,0
50 milho, 4 trigo, 2 vacas
65
7/55
C
12,0
13/9
7/71
-
01
05
B
Mulher
planta
p/comer
P
6,0
20 milho, 6 trigo, 6 feijão, 5
toucinho, 3 vacas,3 cavalos
6 trigo, 5
toucinho
387
Amostragem de proprietários de terras. São José dos Pinhais, 1818 (continuação)
Cia.No.
Lista
Cia./
No.Inv.
Escr.
Agr.
Par.
Cor
Patente
Atividade
Aquis.
Alq.
Produção
Exportação
66
15/9
7/36
-
01
07
B
lavrador
C
4,0
50 milho, 10 feijão, 3 fumo
2 fumo
67
23/9
7/56
-
-
02
P
planta p/ comer
C
0,2
68
37/9
7/08
-
- 02
P
Planta p/ comer
C
2,0
69
40/9
7/29
09
-
06
B
Auxiliar
lavrador
C
0,2
58 milho, 40 trigo, 25 feijão, 12
vaccas, 2 cavalos
40 trigo, 10
feijão
7/38
C
12,0
70
43/9
7/45
-
-
01
P
planta p/ comer
C
0,2
7/73
P
22,5
71
52/9
7/78
-
-
04
N
lavrador
C
22,5
36 milho, 16 trigo, 14 feijão, 10
toucinho, 2 vacas
16 trigo, 10
toucinho
7/74
P
16,0
72
53/9
7/80
-
-
05
B
Mulher
planta p/ comer
C
15,0
57/9
7/72
-
-
04
P
Mulher
pobre
P
4,0
73
61/9
7/68
-
02
03
P
planta p/comer
P
5,0
7/76
P
2,0
74
62/9
7/81
-
01
04
P
Auxiliar
lavrador
C
18,0
60 milho, 4 trigo, 8 feijão, 10
toucinho, 10 charque, 2 cavalos
8 feijão, 10
toucinho, 10
charque
75
64/9
7/77
-
-
07
P
planta p/ comer
P
2,0
76
74/9
7/52
-
-
07
P
lavrador
C
0,4
25 milho, 4 trigo, 2 fumo, 12
toucinho, 1 vaca, 1 cavalo
2 fumo, 12
toucinho
77
93/9
7/49
-
-
06
P
planta p/ comer
H
112,5
78
97/9
7/48
-
-
05
B
lavrador
H
60,0
42 milho, 10 trigo, 6 toucinho, 2
vacas
6 toucinho
79
112/9
7/18
-
-
10
B
Cabo
lavrador
H/C
60,0
100 milho, 20 trigo, 10
toucinho, 7 vacas, 1 cavalo
10 trigo, 10
toucinho
80
114/9
7/23
05
-
06
B
vive de fazenda de
lavoura
H
180,0
200 milho, 30 trigo, 12 feijão, 20
toucinho, 40 vacas, 3 cavalos, 2
carneiros
10 trigo, 12
feijão, 20
toucinho, 7
vacas
388
Amostragem de proprietários de terras. São José dos Pinhais, 1818 (continuação)
Cia.No.
Lista
Cia./
No.Inv.
Escr.
Agr
.
Par
.
Cor
Patente
Atividade
Aquis.
Alq.
Produção
Exportação
81
115/9
7/22
-
-
04
B
lavrador
C
450,0
82
119/9
7/17
01
-
07
B
vive de suas
fazendas de
lavoura
C
900,0
100 milho, 6 trigo, 10 feijão, 5
fumo, 40 toucinho, 35 vacas
10 feijão, 5 fumo, 40
toucinho, 30 vacas
83
121/9
7/19
-
01
06
B
lavrador
H
60,0
84
122/9
7/15
-
-
05
B
Auxiliar
lavrador
HC
60,0
50 milho, 12 toucinho, 8
charque, 4 vacas, 3 carneiros
12 toucinho, 8
charque
85
133/9
7/12
-
01
07
P
planta p/
comer
H
0,7
86
136/9
7/20
-
01
02
B
lavrador
C
450,0
50 milho, 7 trigo, 10 feijão, 20
toucinho, 4 vacas
10 feijão, 20
toucinho
87
138/9
7/16
-
-
05
B
Auxiliar
lavrador
H
45,0
30 milho, 12 toucinho, 10
charque, 4 vacas, 1 cavalo
12 toucinho, 10
charque
88
142/9
7/03
-
-
05
B
1 filho
guerrilha
lavrador
C
75,0
75 milho, 10 trigo, 20 toucinho,
6 vacas, 2 cavalos, 3 carneiros
20 toucinho, 2 vacas
89
144/9
7/05
-
-
08
B
lavrador
H
12,0
90
153/9
7/01
-
-
04
B
Auxiliar
lavrador
H/C
30,0
14 milho, 17 toucinho, 8
charque, 10 vacas, 2 carneiros
17 toucinho, 8
charque
Fonte: Inventário de Bens Rústicos, 1818; LNHSJP, 1817 e 1818. Cópias do acervo do CEDOPE-UFPR, originais no AESP.
No. Lista = número e companhia do domicílio da Lista nominativa de 1818
Cia/No.Inv. = companhia e número do proprietário no Inventário de Bens Rústicos
Escr. – número de cativos arrolados no domícilio na lista de 1818.
Agr. – número de agregados arrolados no domícilio na lista de 1818.
Par. – número de pessoas da família (inclusive o chefe) arroladas no domicilio na lista de 1818.
Cor – cor atribuída ao chefe do domicilio na lista de 1818.
Patente – patente atribuida ao chefe (e/ou a seus filhos) do domicilio na lista de 1818.
Atividade – Declaração da atividade do chefe do domicilio na Lista nominativa de 1818
Aquis. – Forma de aquisição da propriedade (C= compra, H = herança, P= posse pessoal, S= sesmaria), cf. anotado no Inventário.
Alq. – tamanho da propriedade, calculado em alqueire Paulista (original do inventário está em braças).
Produção – produção do domicilio em 1818, cf. mapa econômico anexo à lista de 1818.
Exportação –exportação do domicilio em 1818, cf. mapa econômico anexo a lista de 1818.
389
Medidas: milho, feijão, trigo, fumo e toucinho (arrobas); sal e congonha (em alqueires); animais (unidade).
390
Anexo 4: População escrava, por sexo
Paraná, Castro, Curitiba e São José dos pinhais (1798 a
1830)
Anos
Paraná Castro Curitiba São José dos
Pinhais
H
M
T
H
M
T
H
M
T
H
M
T
1798
*
4273
416
330
746
*
1180
116
103
219
1804
*
5077
540
505
1045
743
704
1447
111
108
219
1810
2613
2522
5135
599
500
1099
708
697
1405
122
145
267
1816
2495
2515
5010
588
528
1116
410
399
809
111
124
235
1824
2957
2898
5855
535
487
1022
506
468
974
137
159
296
1830
3178
3082
6260
604
546
1150
496
547
1043
177
153
330
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, passim.
* Anos e locais em que não foi possivel apresentar os percentuais, porque nos mapas de população os
escravos casados não foram divididos por sexo.
391
Anexo 5: População escrava do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
1798
Pardos Negros
solteiros
viúvos
solteiros
viúvos
Faixa
etária
H
M
casados
H
M
total
H
M
casados
H
M
total
0 -5
122
122
- -
-
244
200
221
- -
-
421
5-10
93
100
- -
-
193
227
201
- -
-
428
10-20
148
169
8 -
-
325
301
244
23 -
-
568
20-30
85
110
41 -
2
238
241
215
105 1
1
563
30-40
36
62
40 1
2
141
154
109
125 2
1
391
40-50
15
29
28 1
2
75
89
79
94 4
2
268
50-60
21
11
16 -
4
52
69
38
45 2
8
162
60-70 9
9
9 -
-
27
42
21
27 1
4
95
70-80 3
2
4 1
-
10
22
8
7 2
4
43
80-90 -
1
1 -
1
3
9
4
7 -
1
21
90-100 -
-
- -
-
-
1
2
2 -
-
5
Total
532
615
147 3
11
1308
1355
1142
435 12
21
2965
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio.Op. Cit., 1985, p. 20.
1804
Pardos Negros
solteiros
viúvos
solteiros
viúvos
Faixa
etária
H
M
casados
H
M
total
H
M
casados
H
M
total
0 -5
179
191
- -
-
370
224
213
- -
-
437
5-10
163
161
- -
-
324
202
227
- -
-
429
10-20
202
180
32 2
1
417
331
361
32 -
1
725
20-30
134
143
44 3
1
325
246
237
103 7
3
596
30-40
41
51
64 4
-
160
139
123
125 1
8
396
40-50
22
40
25 3
4
94
119
87
115 11
6
338
50-60
18
11
17 9
1
56
77
49
88 6
9
229
60-70 3
7
9 1
5
25
37
14
25 5
5
86
70-80 -
1
3 -
2
6
14
6
8 3
3
34
80-90 2
2
3 -
2
9
6
3
4 1
3
17
90-100 -
-
- -
-
-
2
2
- -
-
4
Total
764
787
197 22
16
1786
1397
1322
500 34
38
3291
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 46.
392
População escrava do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial -1798 a 1830
(continuação)
1810
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
152
194
-
-
-
-
346
235
205
-
-
-
-
440
5-10
134
162
-
-
-
-
296
184
152
-
-
-
-
336
10-20
275
254
4
11
-
-
544
368
321
6
17
1
-
713
20-30
159
154
22
53
-
1
389
200
216
53
59
1
3
532
30-40
77
75
29
51
3
3
238
133
124
50
57
5
10
379
40-50
38
44
28
30
3
5
148
65
58
60
40
10
9
242
50-60
17
22
21
14
2
8
84
59
45
36
14
9
5
168
60-70 7
8
8
6
2
3
34
40
23
19
9
11
11
113
70-80
13
11
12
4
2
3
45
23
4
6
3
2
5
43
80-90 5
4
8
4
-
-
21
8
3
2
-
2
2
17
90-100 1
-
-
-
-
2
3
2
-
1
1
-
-
4
Total
878
928
132
173
12
25
2148
1317
1151
233
200
41
45
2987
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p.72.
1816
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Fai
xa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
143
143
-
-
-
-
286
241
244
-
-
-
-
485
5-10
118
137
-
-
-
-
255
254
237
-
-
-
-
491
10-20
163
193
3
18
-
-
377
424
372
6
19
-
1
822
20-30
113
104
13
42
1
3
276
297
270
58
86
1
7
719
30-40
38
54
24
30
5
3
154
117
121
74
59
6
7
384
40-50
18
33
25
11
-
1
88
71
59
66
51
6
10
263
50-60 7
13
11
7
3
1
42
38
43
40
34
9
17
181
60-70 2
4
4
3
2
5
20
27
16
23
5
10
12
93
70-80 2
1
3
2
-
2
10
6
9
6
-
3
7
31
80-90 1
1
-
2
1
1
6
4
7
3
2
2
3
21
90-100 1
1
-
-
-
-
2
1
2
1
-
-
-
4
Total
606
684
83
115
12
16
1516
1480
1380
277
256
37
64
3494
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p 98.
393
População escrava do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial -1798 a 1830
(continuação)
1824
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
144
154
-
-
-
-
298
261
247
-
-
-
-
508
5-10
140
138
-
-
-
-
278
253
259
-
-
-
-
512
10-20
224
243
2
9
-
2
480
502
426
19
21
1
-
969
20-30
117
160
18
32
-
2
329
413
334
88
109
3
6
953
30-40
42
57
33
34
5
7
178
197
167
85
76
6
9
540
40-50
19
32
19
11
5
7
93
90
103
76
40
8
13
330
50-60 9
19
14
6
1
2
51
35
60
38
26
1
14
174
60-70 -
11
4
1
-
1
17
24
19
20
9
10
3
85
70-80 -
3
-
2
1
1
7
14
6
8
3
2
5
38
80-90 -
-
-
-
-
-
-
1
4
2
-
1
2
10
90-100 -
-
-
-
-
-
-
1
2
1
-
-
1
5
Total
695
817
90
95
12
22
1731
1791
1627
337
284
32
53
4124
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 126.
1830
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
144
170
-
-
-
-
314
208
234
-
-
-
-
442
5-10
170
171
-
-
-
-
341
254
254
-
-
-
-
508
10-20
253
287
2
7
1
2
552
578
471
7
22
-
1
1079
20-30
227
190
35
43
1
3
499
396
302
60
84
1
3
846
30-40
106
115
46
58
2
4
331
171
169
97
88
6
10
541
40-50
49
43
22
20
2
7
143
68
75
50
33
9
22
257
50-60
16
22
17
17
1
3
76
45
48
42
20
9
11
175
60-70 4
8
11
3
2
5
33
13
16
16
4
9
9
67
70-80 4
4
4
1
1
2
16
7
7
3
1
-
6
24
80-90 3
2
-
-
-
-
5
4
1
-
2
1
1
9
90-100
1
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
1
1
Total
977
1012
137
149
10
26
2311
1744
1577
275
254
35
64
3949
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 158.
394
Anexo 6: População livre do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
1798
brancos pardos negros
solteiros viúvos
solteiros
viúvos
solteiros
viúvos
Faixa
etária
H
M
casados
H
M
total
H
M
casados
H
M
total
H
M
casados
H
M
total
0 -5
1129
1130
- - -
2259
337
361
- -
-
698
32
21
- -
-
53
5-10
1036
979
- - -
2015
356
361
- -
-
717
28
29
- -
-
57
10-20
1152
1186
242 - 4
2584
401
387
92 -
1
881
36
27
10 -
-
73
20-30
441
500
1029 11
23
2004
137
212
264
3
8
624
8
21
15 -
-
44
30-40
138
169
981 12
73
1373
36
84
227
3
15
365
-
13
21 -
1
35
40-50
58
85 687 28
91
949
16
34
151
6
15
222
6
6
13 -
2
27
50-60
40
36 500 37
97
710
16
44
124
9
17
210
2
4
8 -
3
17
60-70
17
15 203 44
88
367
3 20
39 9
16
87
4
6
8 1
2
21
70-80
12
8 103 18
33
174
9 11
14 5
7
46
1
3
2 1
1
8
80-90
2 2 34 11
17
66
6 - 4 1
2
13
2
1
- -
-
3
90-100
3 2 7 2 5
19
- - - 3
2
5 -
-
- -
-
-
395
Total
4028
4112
3786 163
431
12520
1317
1514
915
39
83
3868
119
131
77 2
9
338
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 18 e 19.
396
População livre do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
(continuação)
1804
brancos pardos negros
solteiros viúvos
solteiros
viúvos
solteiros
viúvos
Faixa
etária
H M
casados
H
M
total
H
M
casados
H
M
total
H
M
casados
H
M
total
0 -5
1331
1363
- -
-
2694
558
559
- -
-
1117
34
25
- -
-
59
5-10
1194
1247
- -
-
2441
569
544
- -
-
1113
34
31
- -
-
65
10-20
1461
1297
373 3
3
3137
569
575
214 -
7
1365
62
26
12 -
-
100
20-30
522
564
1331
13
27
2457
192
230
455 8
18
903
30
21
25 -
1
77
30-40
133
198
1152
28
62
1573
60
133
356
10
28
587
18
13
21 6
5
63
40-50
73 77
766
55
100
1071
21
73
222
16
36
368
12
19
22 4
2
59
50-60
46 84
584
39
91
844
20
35
130
13
40
238
12
7
13 7
1
40
60-70
29 32
212
37
87
397
13
25
56
18
20
132
6
6
7 1
1
21
70-80
13 16
76
24
47
176
7 3 19 7
21
57
3
4
1 1
1
10
80-90
4 7 19 5
16
51
5 2 12 4
20
43
3
-
3 1
-
7
90-100
1 1 2 6
8
18
- - 5 -
2
7 -
-
1 2
-
3
Total
4807
4886
4515
210
441
14859
2014
2179
1469
76
192
5930
214
152
105
22
11
504
397
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 44 e 45.
398
População livre do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
(continuação)
1810
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
1317
1302
- - -
-
2619
670
629
- - -
-
1299
44
46
-
-
-
-
90
5-10
1172
1113
- - -
-
2285
568
519
- - -
-
1087
44
33
-
-
-
-
77
10-20
1584
1467
77
248
-
1
3377
803
741
26
108
-
1
1679
47
58
1
9
-
1
116
20-30
474
502
549
821
14
33
2393
232
279
216
358
9
16
1110
24
26
15
20
-
3
88
30-40
128
203
626
630
30
67
1684
44
157
223
237
15
40
716
10
11
15
16
2
4
58
40-50
49 94 516
380
39
100
1178
34
76
157
134
13
27
441
3
12
18
14
1
4
52
50-60
24 48 344
198
44
105
763
19
52
105
75
15
52
318
7
12
15
2
3
13
52
60-70
36 31 135
56
48
94
400
9 23
55
29
19
34
169
5
4
4
3
4
6
26
70-80
5 6 48
30
22
45
156
9 9 14
10
16
21
79
3
4
7
4
2
9
29
80-90
5 4 12
1
15
10
47 4 2 5 2 4
8
25
2
1
3
1
4
4
15
90-100
1 1 3 1 2
5
13 1 1 2 2 1
4
11
1
-
-
-
-
1
2
Total
4795
4771
2310
2365
214
460
14915
2393
2488
803
955
92
203
6934
190
207
78
69
16
45
605
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 70 e 71.
399
População livre do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
(continuação)
1816
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
1328
1325
- - -
-
2653
704
740
- - -
-
1444
39
40
-
-
-
-
79
5-10
1318
1209
- - -
-
2527
684
591
- - -
-
1275
37
43
-
-
-
-
80
10-20
1559
1524
46
256
1
-
3386
784
744
45
124
-
1
1698
61
54
2
5
-
-
122
20-30
452
525
566
838
10
33
2424
218
344
282
318
9
19
1190
22
33
17
22
1
3
98
30-40
106
163
597
635
22
83
1606
49
135
248
268
13
37
750
6
16
15
17
2
4
60
40-50
54 76 498
421
32
93
1174
27
118
199
182
21
57
604
5
14
19
20
-
2
60
50-60
31 57 342
213
57
141
841
24
63
114
58
37
55
351
3
7
13
9
2
5
39
60-70
26 28 176
83
46
80
439
12
26
51
24
9
43
165
3
4
8
2
5
7
29
70-80
4 5 61
19
26
42
157
6 5 15
6 9
21
62
1
2
6
1
2
5
17
80-90
9 5 13
3
16
27
73 3 - 3 2 6
12
26
1
-
1
-
2
1
5
90-100
- - 1 - 4
5
10 1 - 3 1 4
3
12
1
-
1
-
-
2
4
Total
4887
4917
2300
2468
214
504
15290
2512
2766
960
983
108
248
7577
179
213
82
76
76
29
593
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 96 e 97.
400
População livre do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
(continuação)
1824
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
1809
1772
- - -
-
3581
735
762
- - -
-
1497
50
49
-
-
-
-
99
5-10
1655
1450
- - -
-
3105
662
668
- - -
-
1330
41
47
-
-
-
-
88
10-20
1624
1518
142
424
-
8
3716
686
705
81
212
-
4
1688
43
61
3
6
-
6
119
20-30
487
498
834
1160
9
39
3027
188
317
336
389
9
30
1269
23
36
27
19
-
5
110
30-40
113
187
731
739
27
101
1898
40
183
269
277
9
63
841
7
20
25
33
2
7
94
40-50
69 103
583
502
33
125
1415
29
89
219
174
15
55
581
4
3
19
15
1
7
49
50-60
42 67 391
246
41
151
938
16
52
121
75
27
46
337
10
11
15
6
1
8
51
60-70
21 36 227
75
56
116
531
6 37
58
30
18
47
196
5
5
12
10
-
3
35
70-80
7 9 54
15
28
55
168
2 13
24
8
15
21
83
3
2
5
5
1
4
20
80-90
5 6 23
12
14
28
88 2 8 9 2 1
12
34
1
1
3
-
1
3
9
90-100
2 - 3 1 5
10
21 2 2 3 - 2
4
13
-
-
-
-
-
1
1
Total
5834
5646
2988
3174
213
633
18488
2368
2836
1120
1167
96
282
7869
187
235
109
94
6
44
675
401
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 124 e 125.
402
População livre do Paraná,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial - 1798 a 1830
(continuação)
1830
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
1991
1877
- - -
-
3868
786
713
- - -
-
1499
41
36
-
-
-
-
77
5-10
1971
1813
- - -
-
3784
792
742
- - -
-
1534
41
20
-
-
-
-
61
10-20
2080
1850
134
503
1
3
4571
801
834
106
186
3
2
1932
46
40
9
6
-
-
101
20-30
460
531
998
1181
24
51
3245
158
311
353
463
4
20
1309
22
29
9
13
1
3
77
30-40
150
236
884
935
33
102
2340
53
175
306
314
13
45
906
8
12
29
20
-
6
75
40-50
81 146
653
557
50
168
1655
48
96
231
171
24
56
626
4
13
19
15
2
9
62
50-60
57 67 450
250
68
165
1057
16
38
136
100
34
48
372
5
7
21
7
2
4
46
60-70
25 37 229
97
46
135
569
12
24
73
31
18
38
196
2
5
12
3
1
5
28
70-80
8 11 55
23
27
47
171
8 17
28
6
18
26
103
-
2
2
2
3
3
12
80-90
4 4 34
4 9
34
89 3 3 11
- 4
9
30
-
2
3
1
-
2
8
90-100
3 1 9 1 1
8
23 1 - 4 - 2
4
11
-
1
-
-
1
2
4
Total
6830
6573
3446
3551
259
713
21372
2678
2953
1248
1271
120
248
8518
169
167
104
67
10
34
551
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p.156 e 157.
403
404
Anexo 7: População livre, por cor.
Paraná, Curitiba, Paranaguá e São José dos Pinhais,
(1798-1830)
Anos
brancos
pardos
negros
Total
Paraná
1798
12520
3868 338 16726
1804
14859
5930 504 21293
1810
14915
2148 2987 22454
1816
15290
7577 593 23460
1824
18488
7869 675 27032
1830
21372
8518 551 30441
Curitiba
1798
3684 1479 135 5298
1804
4212 1983 202 6397
1810
4860 1725 274 6859
1816
3285 1980 34 5299
1824
4786 2208 164 7158
1830
6123 2382 156 8661
Paranaguá
1798
3303 501 62 3866
1804
3512 629 80 4221
1810
3655 545 77 4277
1816
4087 458 139 4684
1824
4395 785 111 5291
1830
4539 735 108 5382
Saõ José dos Pinhais
1798
701 538 2 1241
1804
1297 378 - 1675
1810
1117 760 16 1893
1816
1306 760 25 2091
1824
1486 949 22 2457
1830
1702 1162 46 2910
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit.,
1985, passim.
405
Anexo 8: Posição domiciliar dos livres, por cor.
São José dos Pinhais - 1803 e 1827
1803
Brancos Não
Brancos
Negros Total
Chefe masculino 118 118 1 237
Chefe feminino 34 44 - 78
Chefe masc/fem. 152 162 1 315
esposa do chefe 95 111 - 206
Filho 203 234 - 437
Filha 210 254 - 464
Filhos(as) 410 488 - 898
expostos 13 06 - 19
expostas 17 05 - 22
Expostos(as) 31 11 - 41
Parente masculino 27 49 - 76
Parente feminimo 43 50 - 93
Parente
masc/fem.+exp.
70 99 - 168
Agregado 7 24 - 31
Agregada 16 39 1 56
Agregados(as) 23 63 1 87
Total 753* 923 2 1677
1827
Chefe masculino 242 199 9 450
Chefe feminino 46 80 2 128
Chefe masc/fem. 288 279 11 578
Esposa do chefe 219 190 1 410
Filho 439 372 2 813
Filha 380 378 4 762
Filhos(as) 819 750 6 1575
Espostos - - - -
Expostas - - - -
Expostos(as) - - - -
Parente masculino 15 36 - 51
Parente feminino 19 45 1 64
Parentes
masc/fem.
34 81 1 116
Agregados 6 26 5 37
Agregadas 13 50 3 66
Agregados(as) 19 76 8 103
Total 1379 1376 27 2782
Fonte: LNSJP, 1783 e 1827. Cópia do acervo do CEDOPE-UFPR, originais no
AESP.
* faltam duas mulheres cuja situação domiciliar não foi possivel identificar
406
Anexo 9: População livre, de acordo a cor, sexo e idade
São José dos Pinhais – 1803 e 1827
1803
homens mulheres subtotal Sexo
indet.
total
brancos
0 a 9 109 122 231 - 231
10 a 19 88 85 173 - 173
20 a 29 38 52 90 - 90
30 a 39 28 36 64 - 64
40 a 49 26 35 61 - 61
50 a 59 17 16 33 - 33
60 ou + 25 30 55 - 55
subtotal 331 376 707 - 707
Idade indet. 24 25 49 - 49
total 355 401 756 - 756
pardos
0 a 9 156 166 322 - 322
10 a 19 85 106 191 - 191
20 a 29 63 72 135 - 135
30 a 39 33 39 72 - 72
40 a 49 26 39 65 - 65
50 a 59 13 15 28 - 28
60 ou + 19 19 38 - 38
subtotal 395 456 851 - 851
Idade indet. 32 42 74 - 74
total 427 498 925 - 925
negros
0 a 9 - - - - -
10 a 19 - 1 - - 1
20 a 29 - - - - -
30 a 39 - - - - -
40 a 49 - - - - -
50 a 59 - - - - -
60 ou + - - - - -
subtotal
- - - - -
Idade indet. - - - - -
total
-
1
- -
1
Fonte: LNSJP, 1803. Cópia do acervo do CEDOPE-UFPR, originais no AESP.
407
População livre, de acordo a cor, sexo e idade
São José dos Pinhais – 1803 e 1827
(continuação)
1827
homens mulheres subtotal Sexo
indet.
total
brancos
0 a 9 265 231 496 - 496
10 a 19 160 164 324 - 324
20 a 29 99 105 204 - 204
30 a 39 59 64 123 - 123
40 a 49 61 60 121 - 121
50 a 59 29 29 58 - 58
60 ou + 29 24 53 - 53
subtotal 702 677 1379
-
1379
Idade indet. - - - - -
total 702 677 1379
-
1379
pardos
0 a 9 281 283 564 - 564
10 a 19 118 138 256 - 256
20 a 29 94 138 232 - 232
30 a 39 60 70 130 - 130
40 a 49 34 41 75 - 75
50 a 59 27 36 63 - 63
60 ou + 19 35 54 - 54
subtotal 633 741 1374
-
1374
Idade indet. - 2 2 - 2
total 633 743 1376
-
1376
negros
0 a 9 3 1 4 - 4
10 a 19 2 2 4 - 4
20 a 29 - 3 3 - 3
30 a 39 2 - 2 - 2
40 a 49 3 1 4 - 4
50 a 59 4 3 7 - 7
60 ou + 1 2 3 - 3
subtotal 15 12 27
-
27
Idade indet. - - - - -
total 15 12 27
-
27
Fonte: LNSJP, 1803. Cópia do acervo CEDOPE-UFPR, original no AESP.
408
Anexo 10: População escrava de São José dos Pinhais,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
1798
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solt
eiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
11
12
-
-
-
-
23
14
6
-
-
-
-
20
5-10 4
9
-
-
-
-
13
9
5
-
-
-
-
14
10-20
10
12
-
-
-
-
22
12
6
-
-
-
-
18
20-30
17
10
-
-
-
-
28
12
15
-
-
-
-
27
30-40 2
4
1
1
-
-
7
3
7
2
1
-
-
13
40-50 1
2
-
-
-
-
3
4
3
1
-
-
-
8
50-60 -
2
-
-
-
-
2
5
4
-
1
-
-
10
60-70 1
2
-
-
-
-
3
3
1
-
-
-
-
4
70-80 -
-
-
-
-
-
-
4
-
-
-
-
-
4
80-90 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
90-100 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Total
46
53
1
1
-
-
101
66
47
3
2
-
-
118
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 41.
1804
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
14
16
-
-
-
-
30
3
4
-
-
-
-
7
5-10
16
19
-
-
-
-
35
3
5
-
-
-
-
8
10-20
22
-
-
-
-
-
22
1
9
-
-
-
-
10
20-30 3
23
-
-
-
-
26
14
10
-
-
4
-
28
30-40 3
3
2
1
1
-
10
6
2
-
-
-
-
8
40-50 3
1
-
-
1
-
5
2
2
1
-
1
2
8
50-60 4
2
-
-
2
1
9
1
2
2
1
-
-
6
60-70 -
3
-
-
-
1
4
-
-
-
-
1
1
2
70-80 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
80-90 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
90-100 -
-
-
-1 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Total
65
67
2
4
2
141
31
34
3
1
6
3
78
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 67.
409
População escrava de São José dos Pinhais,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1810
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
5
16
-
-
-
-
21
6
5
-
-
-
-
11
5-10
10
30
-
-
-
-
40
6
7
-
-
-
-
13
10-20
32
20
2
3
-
-
57
12
7
-
-
-
-
19
20-30
8
12
1
2
-
-
23
5
6
1
-
-
-
12
30-40
5
12
2
6
1
-
26
4
3
1
-
-
-
8
40-50
2
4
4
3
-
-
13
1
1
3
2
-
1
8
50-60
2
-
4
2
1
1
10
-
-
1
-
-
-
1
60-70
2
-
1
1
-
1
5
-
-
-
-
-
-
-
70-80
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
80-90
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
90-100
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Total
66
94
14
17
2
2
195
34
29 6
2
-
1
72
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 93.
1816
Pardos Negros
solteiros
casa
dos
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5 4
5
-
-
-
-
9
14
13
-
-
-
-
27
5-10 7
7
-
-
-
-
14
7
13
-
-
-
-
20
10-20
10
13
-
3
-
-
26
24
27
-
1
-
-
52
20-30 5
4
-
1
-
-
10
8
6
3
5
-
-
22
30-40 -
4
-
1
1
-
6
5
6
5
2
-
-
18
40-50 -
2
1
1
-
-
4
3
2
5
2
-
-
12
50-60 -
-
1
-
-
-
1
3
1
2
1
-
-
7
60-70 -
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
1
-
2
70-80 -
-
-
-
-
1
1
-
-
1
-
-
1
2
280-90 -
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
1
2
90-100 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Total
26
35
2
6
1
1
71
65
69
1
6
11
1
2
164
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 122.
410
População escrava de São José dos Pinhais,
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1824
Pardos Negros
solteiros
casad
os
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
17
20
-
-
-
-
37
10
10
-
-
-
-
20
5-10 8
14
-
-
-
-
22
15
7
-
-
-
-
22
10-20
14
25
1
1
-
-
41
20
13
-
2
-
-
35
20-30 7
16
5
4
-
-
32
9
14
5
3
-
-
31
30-40 4
3
2
2
-
-
11
2
4
3
4
-
-
13
40-50 1
2
-
1
1
-
5
5
5
1
-
-
1
12
50-60 2
-
-
1
-
-
3
1
3
1
1
-
-
6
60-70 -
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
2
-
3
70-80 -
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
1
2
80-90 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
90-100 -
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
1
Total
53
80
8
9
1
-
151
6
3
58
10
10
2
2
145
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 153.
1830
Pardos Negros
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
26
24
-
-
-
-
50
17
13
-
-
-
-
30
5-10
15
20
-
-
-
-
35
9
14
-
-
-
-
23
10-20
22
5
-
1
-
-
28
13
12
-
-
-
-
25
20-30
19
15
4
5
-
-
43
4
13
7
3
-
-
27
30-40
14
5
2
3
-
-
24
8
3
2
4
2
1
20
40-50 2
-
-
2
1
-
5
2
1
1
-
1
1
6
50-60 2
1
1
4
-
-
8
-
1
-
1
-
-
2
60-70 -
-
1
-
-
-
1
-
-
1
-
-
-
1
70-80 1
-
-
-
-
-
1
-
-
-
1
-
-
1
80-90 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
90-100 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Total
101
70
8
15
1
-
195
53
57
11
9
3
2
135
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 185.
411
Anexo 11: População livre de São José dos Pinhais
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
1798
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
60 57 - - -
-
117
34
52
- - -
-
86
-
-
-
-
-
-
-
5-10
66 51 - - -
-
117
52
52
- - -
-
104
-
-
-
-
-
-
-
10-20
75 72 4 12
-
-
163
66
60
2 3 -
-
131
-
-
-
-
-
-
-
20-30
18 31 18
31
-
1
99 22
29
11
15
-
-
77
-
1
-
-
-
-
1
30-40
7 10 21
24
-
5
67 3 17
19
22
-
1
62
-
-
-
-
-
-
-
40-50
2 7 23
12
2
5
51 2 8 8 10
-
1
29
-
-
-
-
-
-
-
50-60
3 2 16
7 4
5
37 1 7 11
11
1
2
33
-
-
-
-
-
-
-
60-70
2 2 5 9 4
6
29 - 2 2 1 1
2
8 -
-
-
-
-
1
1
70-80
1 1 8 2 2
5
19 1 - 4 1 1
-
7 -
-
-
-
-
-
-
80-90
- - 1 1 -
-
2 - - 1 - -
-
1 -
-
-
-
-
-
-
90-100
- - - - -
-
- - - - - -
-
- -
-
-
-
-
-
-
Total
234
233
97
98
12
27
701
181
227
58
63
3
6
538
-
1
-
-
-
1
2
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Op. Cit., 1985, p. 39 e 40.
412
População livre de São José dos Pinhais
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1804
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
112
113
- - -
-
225
39
36
- - -
-
75
-
-
-
-
-
-
-
5-10
106
121
- - -
-
227
70
62
- - -
-
132
-
-
-
-
-
-
-
10-20
137
125
3 5 -
-
270
15
20
9 14
-
-
58
-
-
-
-
-
-
-
20-30
41 47 43
55
-
-
186
9 12
8 22
-
1
52
-
-
-
-
-
-
-
30-40
6 4 50
62
4
4
130
2 4 10
6 -
4
26
-
-
-
-
-
-
-
40-50
10 2 32
34
4
7
89 2 4 4 4 3
3
20
-
-
-
-
-
-
-
50-60
1 4 30
16
9
5
65 - - 3 3 2
-
8 -
-
-
-
-
-
-
60-70
13 - 18
6 7
17
61 - - 2 1 1
-
4 -
-
-
-
-
-
-
70-80
4 7 5 2 7
6
31 - - 2 - -
-
2 -
-
-
-
-
-
-
80-90
- 4 1 2 3
1
11 - - - - -
1
1 -
-
-
-
-
-
-
90-100
- - - - -
2
2 - - - - -
-
- -
-
-
-
-
-
-
Total
430
427
182
182
34
42
1297
137
138
38
50
6
9
378
-
-
-
-
-
-
-
413
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Op. Cit., 1985, p.65 e 66.
414
População livre de São José dos Pinhais
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1810
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
89 98 - - -
-
187
53
71
- - -
-
124
2
3
-
-
-
-
5
5-10
90 91 - - -
-
181
80
71
- - -
-
151
2
4
-
-
-
-
6
10-20
120
102
6 19
-
-
247
90
76
5 13
-
-
184
-
2
-
-
-
-
2
20-30
30 40 43
60
1
3
177
27
27
18
30
3
4
109
-
2
-
-
-
-
2
30-40
15 25 37
49
3
3
132
5 16
24
32
1
4
82
-
1
-
-
-
-
1
40-50
2 8 34
25
2
6
77 6 7 13
10
3
4
43
-
-
-
-
-
-
-
50-60
2 9 22
10
6
12
61 4 7 9 10
1
3
34
-
-
-
-
-
-
-
60-70
8 7 5 4 6
9
39 3 3 5 2 2
5
20
-
-
-
-
-
-
-
70-80
- 1 3 3 2
3
12 1 1 2 2 1
1
8 -
-
-
-
-
-
-
80-90
- - 1 1 1
1
4 2 - 2 - 1
-
5 -
-
-
-
-
-
-
90-100
- - - - -
-
- - - - - -
-
- -
-
-
-
-
-
-
Total
356
381
151
171
21
37
1117
271
279
78
99
12
21
760
4
12
-
-
-
-
16
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Op. Cit., 1985, p. 91 e 92.
415
População livre de São José dos Pinhais
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1816
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
116
128
- - -
-
244
71
75
- - -
-
146
3
-
-
-
-
-
3
5-10
102
108
- - -
-
210
55
60
- - -
-
115
2
-
-
-
-
-
2
10-20
152
133
6 20
-
-
311
94
76
2 25
-
1
198
2
2
-
1
-
-
5
20-30
51 33 54
76
-
-
214
16
33
45
30
-
-
124
-
1
-
1
-
-
2
30-40
10 26 47
43
-
2
128
2 11
22
25
1
-
61
1
-
-
-
-
-
1
40-50
3 12 34
30
1
7
87 4 8 22
18
2
7
61
1
2
-
-
-
-
3
50-60
4 12 21
17
2
10
66 2 7 11
3 1
6
30
2
-
1
2
-
-
5
60-70
1 3 11
6 5
1
27 - 1 5 3 -
6
15
-
1
1
1
-
-
3
70-80
1 - 5 2 2
3
13 1 - 2 - -
3
6 -
-
1
-
-
-
1
80-90
1 - 1 - 1
3
6 - - 1 1 -
1
3 -
-
-
-
-
-
-
90-100
- - - - -
-
- - - 1 - -
-
1 -
-
-
-
-
-
-
Total
441
455
179
194
11
26
1306
245
271
111
105
4
24
760
11
6
3
5
-
-
25
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Op. Cit., 1985, p.120 e 121.
416
População livre de São José dos Pinhais
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1824
brancos pardos negros
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
176
195
- - -
-
371
106
105
- - -
-
211
-
4
-
-
-
-
4
5-10
133
113
- - -
-
246
70
100
- - -
-
170
1
1
-
-
-
-
2
10-20
127
111
17
47
-
2
304
67
69
11
34
-
-
181
3
2
-
-
-
-
5
20-30
31 23 80
96
1
1
232
34
25
47
53
1
5
165
-
-
-
-
-
-
-
30-40
4 10 69
53
1
4
141
4 22
30
31
-
7
94
-
3
2
-
-
-
5
40-50
2 9 32
32
1
7
83 1 14
29
12
2
1
59
-
-
1
-
-
-
1
50-60
- 5 23
14
2
11
55 1 7 6 8 1
8
31
-
1
2
-
-
-
3
60-70
1 8 16
6 4
7
42 2 11
7 2 2
5
29
-
1
-
-
-
-
1
70-80
1 - 2 2 1
3
9 1 1 1 - 2
1
6 -
-
-
-
-
-
-
80-90
- - - - 2
-
2 - - 1 - -
2
3 -
1
-
-
-
-
1
90-100
- - 1 - -
-
1 - - - - -
-
- -
-
-
-
-
-
-
Total
475
474
240
250
12
35
1486
286
354
132
140
8
29
949
4
13
5
-
-
-
22
417
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Op. Cit., 1985, p.151 e 152.
418
População livre de São José dos Pinhais
por cor, sexo, idade e estado matrimonial – 1798 a 1830
(continuação)
1830
brancos pardos
solteiros casados
viúvos
solteiros
casados
viúvos
solteiros
Faixa
etária
H M H
M
H
M
total
H
M
H
M
H
M
total
0 -5
224
219
- - -
-
443
132
134
- - -
-
266
5-10
125
149
- - -
-
274
85
95
- - -
-
180
10-20
131
130
14
26
1
-
302
76
96
51
50
2
-
275
20-30
24 47 85
75
3
-
234
13
26
71
71
1
3
185
30-40
12 17 63
79
5
2
178
9 8 55
34
3
6
115
40-50
22 24 36
53
3
1
139
10
10
20
17
1
6
64
50-60
15 10 39
19
8
-
91 4 2 13
16
8
-
43
60-70
1 - 6 2 2
-
11 3 4 4 1 3
3
18
70-80
2 - 1 7 7
10
27 2 1 6 - 4
3
16
80-90
1 - - - 1
-
2 - - - - -
-
-
90-100
1 - - - -
-
1 - - - - -
-
-
Total
558
596
244
261
30
13
1702
334
376
220
189
21
21
1162
Fonte: COSTA, Iraci del Nero & GUTIÉRREZ, Horácio. Paraná. Op. Cit., 1985, p.183 e 184.
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