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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Roulox Baro e o “país dos tapuias”. Representações acerca do gentio
no Brasil do século XVII.
James Emanuel de Albuquerque
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-graduação em
História Social (PPGHIS), Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em História.
Orientadora:
Professora Dra. Jacqueline Hermann
jea
Rio de Janeiro
Abril de 2006
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2
Roulox Baro e o “país dos tapuias”. Representações acerca do gentio
no Brasil do século XVII.
James Emanuel de Albuquerque
Orientadora:
Professora Dra. Jacqueline Hermann
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação
em História Social (PPGHIS), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
(IFCS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada por:
_______________________________
Profa. Dra. Jacqueline Hermann (Orientadora)
_______________________________
Prof. Dr. John Manuel Monteiro
_______________________________
Prof. Dr. Carlos Ziller Camemietzki
Rio de Janeiro
Abril de 2006
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3
Albuquerque, James Emanuel de
Roulox Baro e o “país dos tapuias”. Representações acerca do gentio no
Brasil do século XVII/ James Emanuel de Albuquerque. Rio de Janeiro:
UFRJ/ IFCS, 2006.
vii, 108f.
Orientadora: Jacqueline Hermann
Dissertação UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História
Social, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 101 - 108
1. Índios da América do Sul – Brasil – História . 2. Brasil – Período
colonial, Século XVII. I. Hermann, Jacqueline. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-
Graduação em História Social. III. Título.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos colegas, professores e funcionários do Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, pela forma gentil como me suportaram durante a graduação e o
mestrado.
Agradeço ao professor Dr. Flávio dos Santos Gomes, por ter acreditado no
meu tema de pesquisa e orientado minha monografia de bacharelado.
Agradeço à professora Dra. Jacqueline Hermann, por orientar esta
pesquisa e pela paciência e elegância com que tentou me ensinar a escrever.
Agradeço à professora Maria Regina Celestino de Almeida, pelas
orientações fundamentais por ocasião da qualificação.
Agradeço ao Almirante Max Justo Guedes, nome maior de historiador de
nossa marinha, pela atenção e o entusiasmo com que respondeu às minhas
consultas.
E, principalmente, agradeço aos meus filhos e ao meu amor.
5
RESUMO
Roulox Baro e o “país dos tapuias”. Representações acerca do gentio no Brasil do
século XVII.
James Emanuel de Albuquerque
Orientadora:
Jacqueline Hermann
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em História.
O presente trabalho procurou pensar os processos de contato inter-étnicos
presentes na Relação da Viagem ao País dos Tapuias, de Roulox Baro, intérprete
junto aos tapuias no Brasil holandês, procurando enfatizar o dinamismo, a
variabilidade e a historicidade da cultura. Para tanto, indo buscar no possível
cenário da permanência do seu autor entre as forças de Martim de Sá, entre 1617 e
início dos anos 1640, elementos que o teriam formado como mediador cultural.
Para encontrar, na primeira metade do século XVII, uma contínua combinação de
acordos, conflitos e adaptações de práticas culturais entre indígenas, mestiços e
europeus, que teria acompanhado nossa história social e cultural.
Palavras-chave: tapuias; Brasil holandês; crônicas.
Rio de Janeiro
Abril de 2006
6
ABSTRACT
This work intended to think the processes of Inter-ethnic contact present in
Relação da Viagem ao País dos Tapuias, by Roulox Baro, interpreter to the tapuias
in Dutch-Brazil, trying to emphasize the dynamism, the variability and the
historicity of the culture. In order to achieve that, we’ve searched in the possible
scenario of the permanence of its author among the forces of Martim de Sá,
between 1617 and the early 1640’s, elements that would have shaped him as
cultural mediator. To find, in the first half of the 17
th
Century, a continuous
combination of agreements, conflicts and adaptations of cultural acts between
aboriginals, mestizos and Europeans, who would have followed our social and
cultural history.
Keywords: tapuias; Dutch Brazil; chronicles.
7
SUMÁRIO
Introdução ..................................................................................................................... 08
Capítulo 1: Trajetória de um “embaixador” da Companhia das Índias Ocidentais ....
16
Capítulo 2: Cenários da “indianização” de um holandês.............................................
38
Capítulo 3: O gentio na Relação da Viagem ao País dos Tapuias................................
67
Conclusão ...................................................................................................................... 98
Fontes .............................................................................................................................
100
Bibliografia ....................................................................................................................
102
8
Introdução
“É célebre no Brasil holandês o nome dos tapuias, por causa do seu ódio aos
portugueses, das guerras com os seus vizinhos e dos auxílios mais de uma vez
prestados a nós. Habitam o sertão brasileiro, bastante longe do litoral, onde dominam
os lusitanos ou os batavos. Distinguem-se por suas designações, línguas, costumes e
territórios. São-nos mais conhecidos os que moram nas vizinhanças do Rio Grande e
do Ceará e no Maranhão, onde impera Janduí ou João Wy.” (Gaspar Barleus – 1647)
A Relação da Viagem ao País dos Tapuias
1
de Roulox Baro, editada pela
primeira vez em Paris
2
, em 1651, relata em formato de diário a expedição deste
“intérprete e embaixador ordinário da Companhia das Índias Ocidentais” (MOREAU,
BARO; p.91)
3
, ao interior do continente, partindo da sede da capitania do Rio Grande
4
,
entre abril e julho de 1647.
Este trabalho propõe uma leitura deste documento gerado pela administração do
Brasil holandês, com vistas a uma reflexão sobre a participação dos povos indígenas do
interior do continente no processo de exploração e domínio da costa brasílica pelas
forças européias. Para isso, procuramos o que havia publicado sobre sua trajetória como
funcionário da dita Companhia, e, ainda, nos aprofundarmos na investigação sobre os
possíveis cenários em que o autor viveu. De forma mais ampla, esperamos que este
trabalho contribua para o estudo das populações indígenas como agentes de nossa
história colonial.
Uma visão geral da missão atribuída à Roulox Baro, e de sua capacidade para a
empreitada, pode ser lida no registro do francês, funcionário da referida Companhia e
contemporâneo de Baro, Pierre Moreau, em História das últimas lutas no Brasil entre
1
MOREAU, P.,BARO, R. História das Últimas Lutas Entre Holandeses e Portugueses e Relação da
viagem ao País dos Tapuias. [1651]. Tradução e notas Lêda Boechat Rodrigues ; nota introdutória José
Honório Rodrigues. Belo Horizonte/ São Paulo, Ed. Itatiaia/ Edusp, 1979
2
O título completo da crônica de Roulox Baro na edição de 1651 é: "Relation du voyage de Roulox Baro,
Interprète et Ambassadeur Ordinaire de la Compagnie des Indes d' Occident, de la Part des Illustrissimes
Seigneurs des Provinces Unies, au pays des Tapuies dans la terre ferme du Brasil Commencé le
troisiesme Avril 1647, & finy le quatorzièsme Juillet de la mesme année. Traduict d' Hollandois en
François par Pierre Moreau, de Paray en Charolois".
3
A Companhia das Índias Ocidentais era uma sociedade por ações que detinha o monopólio de todo o
comércio e navegação holandeses com a América e a África Ocidental, sendo autorizada a promover
guerra ou paz com os poderes indígenas, manter forças militares e navais, e exercer funções judiciais e
administrativas nas regiões ocupadas. Para uma descrição mais detalhada de sua operação, veja-se
BOXER, Charles R. The Dutch Seaborne Empire 1600-1800. Harmondsworth, Middlesex: Penguin
Books, 1973, especialmente pp.26-27. Ao longo do texto, ao utilizarmos a expressão “Companhia”,
estaremos nos referindo à Companhia das Índias Ocidentais, holandesa.
4
Atual cidade de Natal, capital do estado brasileiro do Rio Grande do Norte.
9
holandeses e portugueses. Nesta crônica, publicada junto com o relatório de Baro, em
1651, Moreau informa que em função das notícias de que alguns grupos indígenas,
antes aliados dos holandeses, haviam debandado para o lado dos luso-brasileiros, a
administração da Companhia no Recife teria enviado ao sertão Roulox Baro, que lhes
servia comumente de intérprete, o qual, tendo convivido desde a sua juventude com os
tapuias (...) [e] sabia perfeitamente sua língua e era muito querido deles.”.
Sua missão junto a Janduí, chefe dos tapuias que mantinham a aliança com os
holandeses, seria: agradecer-lhe em seu nome a amizade que lhes dispensava e, em
testemunho da sua, presenteá-lo de sua parte com machados, machadinhas, facas,
espelhos, pentes e objetos semelhantes”, e, ao mesmo tempo: “demonstrar-lhe os
embustes e infidelidades dos portugueses, convidando-o a não nos abandonar.”
(MOREAU, BARO; p.66)
5
.
Joan Nieuhof
6
, em sua crônica: Memorável viagem marítima e terrestre
ao Brasil, de 1682
7
, analisando a “população do Brasil”, afirma que a encontrou
dividida em indivíduos livres e escravos, destacando, porém, que esses grupos eram
compostos de diversas nações, tanto nativas quanto alienígenas”. Os homens livres
seriam os holandeses, os portugueses e, com certas exceções, os nativos do país,
enquanto os escravos eram negros e indígenas cativos “comprados no Maranhão, dentre
5
Quanto à grafia de certos nomes próprios que aparecem de diversas formas nos diferentes documentos,
optei por adotar apenas uma delas para todas as referências. Por exemplo, “Janduí” pode ser encontrado,
de acordo com a fonte utilizada, como: “Jan Duwy”, “Jan de Wy”,”Jandovi”, “Ïandovius”, “Iandovin”,
“Joan de Wy”, “João Wy”, “Iandhuy”, etc O mesmo ocorrendo com “Jacob Rabbi” ; “Roulox Baro”, e
outros.
6
Na “Introdução” da edição que utilizamos, José Honório Rodrigues nos informa que Joan Nieuhof,
nascido em Ulsen, no condado de Benthem, na Westfália, veio para o Brasil em 1640, a serviço da
Companhia das Índias Ocidentais, e aqui chegou aos 15 de dezembro daquele ano. Ficou em Pernambuco
até 23 de julho de 1649, quando embarcou de volta para a Holanda, chegando a 19 de setembro. Ficou
no Brasil 8 anos e 5 meses, “o suficiente para dar ao seu livro o caráter fidedigno que ele possui, como a
melhor fonte do lado holandês, dos quatro anos do governo nassoviano, e do pós-nassoviano constituído
por um triunvirato incompetente.” Apesar de conter de tudo: geografia, história natural, etnografia e a
história do domínio holandês no Brasil, sua força maior consiste no estudo das razões da “revolta dos
luso-brasileios” contra a dominação holandesa com transcrição de documentos. A descrição dos índios,
seus usos e costumes, tornou sua obra uma importante fonte para a etnografia nacional, principalmente no
que se refere aos tapuias. Nos trechos dedicados a botânica, zoológica ou medicinal, Nieuhof recorreu,
segundo Rodrigues, aos trabalhos de Marcgrave e Piso
6
, “os primeiros e maiores médicos que
escreveram sobre o Brasil do século dezessete.” Ao contrário de Barleus, que era “escritor de nomeada”
em sua terra, Nieuhof não é senão um agente comercial, um servidor da Companhia, transformado em
cronista, não tendo, portanto, sua obra a elaboração refinada do livro de Barleus. Para Rodrigues, o
Memorável...” é um dos livros holandeses essenciais sobre a revolta luso-brasileira contra o domínio
holandês. Nieuhof, alemão, e Moreau, francês, são “as duas testemunhas mais autênticas e fidedignas na
divulgação e interpretação do ponto de vista holandês sobre a rebelião luso-brasileira”. (NIEUHOF; pp.
13-18).
7
NIEUHOF, Joan Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. Belo Horizonte / São Paulo: Ed.
Itatiaia / Edusp, 1981. Traduzido do Inglês por Moacir N. Vasconcelos. Confronto com a edição
holandesa de 1682, introdução, notas, crítica biográfica e bibliografia por José Honório Rodrigues.
10
prisioneiros de guerra, ou adquiridos aos tapuias que também escravizavam ou
executavam, segundo seus costumes guerreiros” ( NIEUHOF; p.334).
Os nativos eram os tupis ou brasilianos, como são chamados nos documentos
holandeses e os tapuias, incluindo nessas denominações diversas nações, tanto entre
os brasilianos quanto entre os tapuias. Sobre os tupis, nos informa Nieuhof:
“Os brasilianos viviam em aldeias ou vilas especialmente designadas.
podiam eles fazer suas plantações e trabalhar para os portugueses mediante salário
mensal que lhes facultava a aquisição de roupas e outras cousas que necessitavam. (...)
Não suportam o jugo da escravidão, nem qualquer fadiga por menor que seja. Vivem
muito quietos, a menos que bebam; nessas ocasiões cantam e dançam dia e noite. A
bebedeira avassala os indivíduos de ambos os sexos e lugar a brigas, bem como
vícios inomináveis. (...) Os do litoral, que mantêm contato com os holandeses e
portugueses, usam uma camisa de algodão ou linho. Durante o tempo em que estive no
Brasil, alguns dos principais aborígenes procuravam imitar os europeus na maneira de
vestir.” (NIEUHOF; p.348).
Os tapuias termo que em tupi designaria os grupos indígenas: “que são
estranhos à sua tribo”; que não falavam o tupi” ainda segundo Nieuhof, habitavam o
interior ao poente das regiões que se acham sob o domínio dos portugueses e
holandeses, entre o Rio Grande, o Rio Ceará e o São Francisco”, estavam divididos em
diversas nações: “que se distinguem tanto pela língua como pela denominação” e
demonstravam “ódio mortal” pelos portugueses, e por isso: “onde os encontravam,
matavam-nos na certa.”. Nieuhof registra ainda que: Diversas nações tapuias,
principalmente as que estavam sob a autoridade de Janduí, mantinham boas relações
com os holandeses com os quais prestaram bom auxílio em várias ocasiões, enquanto
se não submetessem a estes..” (NIEUHOF.; p.359).
Nos dá mais informações sobre os indígenas no Brasil holandês o cronista
“oficial” do governo de Maurício de Nassau, Gaspar Barleus
8
: “À força de armas
8
BARLEUS, Gaspar História dos feitos recentes praticados durante oito anos no Brasil. Recife:
Prefeitura da Cidade do Recife, 1980. Fac-símile da edição do Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do
Ministério da Educação, 1940. Tradução e Notas de Cláudio Brandão.
Texto escrito por Gaspar Barleus, forma aportuguesada de Kaspar van Baerle, por encomenda de
João Maurício de Nassau, para registrar os seus oito anos como governador do Brasil Holandês (1637-
1644), enviado pela Companhia das Índias Ocidentais. O autor, como nos informa Leonardo Dantas
Silva, na “Nota do Editorda edição que utilizamos , nascido em Antuérpia a 12 de fevereiro de 1584, e
falecido em Amsterdam a 14 de janeiro de 1648, foi poeta, literato e teólogo. Exerceu as funções de
11
defendem os indígenas do sertão as suas terras contra os portugueses. Os do litoral
vivem misturados com eles e sujeitos ao seu domínio. (...) Depois de se haver
introduzido entre esses selvagens a religião e os estudos das artes liberais, foram
distribuídos em aldeias e vilas os que moram à beira-mar, e adotaram os costumes dos
europeus”. Sobre os tapuias, Barleus os define como gentio do sertão e todo aquele
que conserva os costumes pátrios”, e que seriam mais feras do que homens,
avidíssimos de vingança e de sangue humano”, considerando inimigos os
desconhecidos que com eles vão ter. O cronista afirma que os tapuias o teriam seus
espíritos temperados com boas leis algumas, com cultura alguma”, obstinando-se em
guardar o caráter conforme aos costumes e ao natural dos seus maiores”. (BARLEUS;
p.24-25).
Sobre a relação da Companhia com os brasilianos, Barleus transcreve em sua
crônica uma descrição constante do Relatório sobre o estado do Brasil, apresentado
aos Diretores da Companhia pelo conselheiro van der Dussen” , de 1639, :
“Põem à frente de cada uma de suas aldeias um chefe, mais para exemplo e admiração
do que para mandar. Designam um principal para cada uma das casas, ao qual
obedecem espontaneamente, aprendendo da natureza que não se pode reger uma
multidão sem a concórdia entre governadores e governados. Além disso, a cada uma das
aldeias preside um capitão holandês, que tem por ofício avisar dos trabalhos os
preguiçosos e os tardos, e acautelar que não sejam fraudados de sua paga pelos senhores
de engenho Ajustam seus trabalhos por 20 dias seguidos, transcorridos os quais,
dificilmente seriam persuadidos a novos, e não esperam o pagamento, mas, incrédulos de
receber a soldada, exigem-na antes de executarem a sua tarefa. Daí resulta que, fugindo,
enganam os senhores de engenho. As mais das vezes se ocupam em cortar madeira para
uso dos engenhos. Hoje, porém, pela escassez e carestia dos negros, são empregados
também noutros afãs , e, não os.sabendo, antes querem fugir perfidamente que fatigar-se
com o trabalho. Muito inclinados à guerra, temem procurar com o suor o que preferem
procurar com o sangue, não tendo nenhum escrúpulo de desertar de suas parcialidades e
bandeiras. Sempre que se fazem levas nas aldeias, escapolem-se antes de ser intimidados.
Pastor, em Nieuwe Tonge (1608); Vice-Regente do Colégio Estatal de Lieden (1612) e professor de
Lógica (1618). A obra editada em latim, em Amsterdam (1647), através do impressor João Blaeu, foi
traduzida, mas não no seu texto integral, para o alemão em 1659, e, na sua integralidade, para o holandês
em 1923, por Samuel Pierre L’Honoré e para a nossa língua, em 1940 pelo Prof. Cláudio Brandão.
Na introdução, a cargo de José Antônio Gonsalves de Mello, encontramos informações complementares
sobre Barleus e sua obra, as quais condensaremos em seguida. Ao contrário de Nieuhof e Moreau, Gaspar
Barleus nunca esteve no Brasil. Para a execução do seu trabalho, contou com a documentação reunida
pelo Conde em sua estada em Pernambuco, com informações relatadas diretamente por Nassau, além de
depoimentos de um português, amigo pessoal de João Maurício: Gaspar Dias Ferreira. Ao seu nome
prestigioso no campo das letras e ao tema brasileiro deve-se a divulgação deste livro no restrito mundo
intelectual português do século XVII, onde as publicações holandesas eram temidas pelas idéias heréticas
que podiam difundir. Mesmo assim, esta História foi conhecida e citada por D. Francisco Manuel de
Melo no D. Teodósio (1648) e por Francisco de Brito Freyre, a quem serviu de paradigma para realizar
uma das obras primas da arte gráfica portuguesa, que é a Nova Luzitânia História da Guerra Brasílica
(1675). No Brasil, somente a partir do século XIX o livro começou a merecer atenção, quando ocorrem as
primeiras tentativas de tradução; tendo Varnhagen utilizado-o na sua História do Brasil (1854).
12
Sujeitam-se com dificuldade à mesma disciplina dos nossos, recebendo soldo menor. São
terríveis para os inimigos, não tanto pela força quanto pela fama de
ferocidade.”...”Muito remissos em matéria de religião, aprenderam com os católicos as
orações cristãs, a Oração Dominical e o Símbolo dos Apóstolos, ignorando tudo mais. O
predicante Davílio, para instruir aquela gente ignorante nas coisas divinas, aprendeu-lhe
a língua, fixou-se no meio de suas aldeias, ensinou a infância, arrancou-os ao paganismo
com o santo batismo da Igreja Reformada e casou-os segundo nosso rito.” (Barleus;
p.132-133)
9
.
Roulox Baro teria se encontrado tanto com grupos de brasilianos quanto com
grupos de tapuias
10
na viagem que resultou na Relação da Viagem ao País dos Tapuias,
como veremos com detalhes mais adiante.
Em nosso trabalho, no primeiro capítulo, procuramos reunir as informações
levantadas sobre as atividades de Baro como funcionário da Companhia, entre 1643 e
1648, discutindo como a historiografia que aborda a ação e a obra de Roulox Baro
identifica sua chegada ao Novo Mundo, na região da Ilha Grande
11
, em 1617, aos sete
anos de idade, quando teria sido um dos poucos sobreviventes do ataque sofrido pelo
navio vindo dos Países Baixos, pelas forças de Martim de Sá. O capitão do navio
atacado teria sido enviado à Salvador, de onde voltaria para a Europa, enquanto o
pequeno Baro, grumete, teria sido entregue aos tupis de uma aldeia próxima da costa.
A mencionada produção historiográfica, como veremos, não valorizou aspectos
das relações interétnicas na região e no período onde se presume ter o autor da Viagem
ao País dos Tapuias vivido seus primeiros contatos com os indígenas brasileiros.
Consolidou-se a imagem de que os indígenas nas redondezas da Ilha Grande, entre 1617
e os anos quarenta do século XVII, estariam, desde muito tempo cristianizados por
padres jesuítas, reduzidos em aldeias e assim integrados ao processo colonial.
9
Apesar de não haver nenhuma nota explicativa na edição que utilizamos, é provável que o predicante
referido por van der Dussen como Davílio seja David van Doorenslaer, assim mencionado por Gonsalves
de Mello em seu Tempo dos Flamengos (p.214-215): “Somente em janeiro de 1638 é que se iniciou
verdadeiramente a catequese quando, desaprovada a proposta para serem trazidos índios para o Recife,
onde seriam instruídos, ofereceu-se um jovem pregador – que revelou verdadeira vocação de missionário
David van Doorenslaer, para levar às próprias aldeias a palavra divina; a pregação seria feita em
português, cujo conhecimento, bem como do tupi, Doorenslaer possuía”.
10
Alguns autores se referem aos tapuias liderados por Janduí como Tarairiu, outros como Janduís,
prefrimos, diante da dificuldade de localizar e definir etnias acentuada pelos problemas de língua e de
compreensões culturais equivocadas dos cronistas, manter a denominação genérica de “tapuias”, sem
procurar identificar grupos específicos dentro da grande heterogeneidade dos grupos indígenas
localizados no sertão. Sobre esta heterogeneidade, veja-se DANTAS, B. et alii “Os povos indígenas no
nordeste brasileiro: um esboço histórico” In. CUNHA, Manuela C. (Org.) História dos índios no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
11
No litoral norte do atual estado brasileiro do Rio de Janeiro.
13
A partir desta “construção”, onde vimos poucas variantes nas relações entre
índios e europeus, procuramos levantar registros em fontes da época, capazes de revelar
uma visão menos generalizada da convivência entre os luso-brasileiros e os grupos
indígenas no referido período naquela região. O resultado dessa pesquisa, acompanhado
de uma tentativa de interpretação das características que emergem dos registros das
relações interétnicas entre os diversos grupos em contato, é o assunto do segundo
capítulo. A partir destas reflexões, propomos uma leitura das representações de Roulox
Baro para a ação dos indígenas presentes em seu relatório, objeto do terceiro capítulo.
As reflexões aqui propostas procuram dialogar com as teses mais conhecidas
acerca do papel e das relações entre europeus e indígenas no Brasil colonial.
A geração de intelectuais ligados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
fundado em 1838, teve como preocupação principal, em seus primeiros anos de
funcionamento, a descoberta, recuperação e divulgação dos documentos necessários
para escrita de uma história para o Império do Brasil.
Sobre o processo de trazer para os trópicos o que entendiam como “nação” e
“civilização”, encontramos no trabalho “Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional”
12
, do professor
Manuel Luiz Salgado Guimarães, um comentário que nos parece resumir suas principais
características, enquanto aponta para seus ecos para além das circunstâncias daquela
época, que reproduzimos abaixo:
“Ao definir a Nação brasileira enquanto representante da idéia de civilização
no Novo Mundo, esta mesma historiografia estará definindo aqueles que internamente
ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores da noção de civilização:
índios e negros. O conceito de Nação operado é eminentemente restrito aos brancos,
sem ter, portanto, aquela abrangência a que o conceito se propunha no espaço
europeu. Construída no campo limitado da academia de letrados, a Nação brasileira
traz consigo forte marca excludente, carregada de imagens depreciativas do “outro”,
cujo poder de reprodução e ação extrapola o momento histórico preciso de sua
construção.” (GUIMARÃES; p.7)
12
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos: Rio de Janeiro,n.1:p.5-
27,1988.
14
No primeiro concurso promovido pelo instituto, em 1847, com o fim de
selecionar o melhor trabalho acerca de “Como se deve escrever a História do Brasil”
13
,
o vencedor von Martius dizia que mesmo tendo o português como descobridor,
conquistador e senhor” poderosamente influído em seu desenvolvimento, dando as
condições e garantias morais e físicas para um reino independente (...) seria um grande
erro para todos os princípios da historiografia pragmática, se se desprezassem as
forças dos indígenas e dos negros importados, forças estas que igualmente
concorreram para o desenvolvimento físico, moral e civil da totalidade da
população..(...) Sei muito bem que “brancos” haverá, que a uma tal ou qual
concorrência dessas raças inferiores taxem de menoscabo à sua prosápia”. (Von
Martius; p.381)
Ainda sobre este processo, o antropólogo e historiador John Manuel Monteiro, em
artigo publicado por ocasião das comemorações dos “500 anos”
14
, apontou para a
necessidade da releitura de documentos coloniais que produzisse um renovado retrato
da participação das populações indígenas diante do avanço dos europeus”, lembrando
que muitas leituras críticas promovidas pela mencionada geração de intelectuais
estariam marcadas pelo fardo de uma sociedade escravista cuja imagem carregava os
estigmas do atraso”. Segundo Monteiro, a conseqüente minimização do lugar das
populações indígenas na história colonial as teria condenado “a uma nebulosa pré-
história ou ao domínio exclusivo da antropologia.” (Monteiro, 2000).
Em outro trabalho Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de Historiografia
Indígena e do Indigenismo”
15
, o mencionado pesquisador John M.Monteiro registra sua
observação de que o maior obstáculo impedindo a inclusão dos atores indígenas no
palco da historiografia brasileiranão seria a quase total ausência de fontes textuais e
iconográficas produzidas por escritores e artistas índios, mas a resistência dos
historiadores ao tema, considerado, desde há muito, como alçada exclusiva dos
antropólogos.” (Monteiro 2001; p.2).
13
VON MARTIUS, Carl Friedrich Philipe. “Como se deve escrever a História do Brasil”. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 6(24);381-403.
14
MONTEIRO, John M. “A Ótica dos Colonizadores”. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil – Caderno Idéias
Especial, 22 de abril de 2000.
15
MONTEIRO, John M. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do
Indigenismo. Tese de Livre-Docência, IFCH-Unicamp, 2001. Disponível em:
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/estudos.htm Visita em fevereiro de 2006.
15
Até a década de 1980, a história dos índios no Brasil resumia-se basicamente à
crônica de sua extinção. Monteiro aponta para um dos riscos dessa abordagem, que seria
o da manutenção da imagem dos índios como eternos prisioneiros de formações isoladas
e primitivas, o que teria “dificultado a compreensão dos múltiplos processos de
transformação étnica que ajudariam a explicar uma parte considerável da história
social e cultural do país” (Monteiro 2001; p.5). A partir do final dos anos 1970, uma
nova vertente de estudos buscou unir as preocupações teóricas referentes à relação
história/antropologia com as demandas de um emergente movimento indígena, o que
estimulou a produção de trabalhos acadêmicos sobre a história dos índios
16
.
(MONTEIRO, 2001; p.5).
As perspectivas desenvolvidas a partir da confluência da história com a
antropologia, das quais destacamos contribuições de antropólogos como Sidney
Mintz
17
, preocupados em enfatizar o dinamismo, a variabilidade e a historicidade da
cultura, permitiram pensar o processo de contato como algo mais que perdas e extinção,
mas também de mediação e reformulação de identidades, de construção de novas
formações sociais e culturais. Características que acreditamos estarem presentes nos
encontros entre os diversos grupos étnicos e sociais que abordaremos em nosso
trabalho.
16
Entre os diversos trabalhos publicados nessa área, a partir da década de 80, podemos destacar:
FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões. Rio de Janeiro: Paz e Terra/ANPOCS, 1991; CUNHA,
Manuela C. (Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; MONTEIRO,
John Manuel. Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de o Paulo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994; VAINFAS, Ronaldo. Heresia dos índios. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995;
RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização. Rio de Janeiro/ São Paulo: Jorge Zahar Editor/Edusp,
1996; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2003; e POMPA, Cristina Religião como Tradução. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
17
MINTZ, Sidney. “Culture: An anthropological View”. The Yale Review. Yale University Press, 1982.
Pp. 499-512
16
Capítulo I
Trajetória de um “embaixador” da Companhia das Índias Ocidentais.
No presente capítulo faremos uma revisão do que encontramos publicado sobre
Roulox Baro e seu relatório, procurando justificar a perspectiva de análise adotada em
nosso trabalho. Apresentaremos, adicionalmente, um resumo de sua biografia, referente
à fase posterior a sua apresentação aos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais.
A edição da relação da viagem de Roulox Baro deve-se à iniciativa do cronista
Pierre Moreau de traduzi-la do original em flamengo e, acompanhada pelas notas
ilustrativas de Claude B. Morisot
18
, oferecê-la para publicação junto com a sua História
das Últimas Lutas no Brasil Entre Holandeses e Portugueses. O texto foi incluído na
coletânea intitulada “Relations Veritables et Curieuses de I’sle de Madagascar et du
Bresil”, publicada em Paris, por Augustin Courbé, no ano de 1651. Em sua crônica,
Pierre Moreau assim se refere ao relato de Baro :
A relação da viagem feita por Roulox Baro ao país do Janduí, do que tratou com ele, as
conversas que junto tiveram, o que ele viu a respeito das maneiras e cerimônias desse
povo se lerá adiante, segundo a tradução que fiz do flamengo, à qual me reporto, e que
ajuntei separadamente no fim do presente discurso, como uma curiosidade para o
leitor,... (MOREAU, BARO;p.66)
Sobre Pierre Moreau, o historiador José Honório Rodrigues, em sua Nota
Introdutória” para a edição que utilizamos, registra que pouco se sabe de sua vida além
do que aparece em sua obra, especialmente na dedicatória e no prefácio. Moreau
acreditava que não se aprende com os livros, e deixou-se levar pela doce paixão de
viajar para conhecer pessoalmente o que existia de louvável e censurável nos outros
países. Dirigiu-se à Holanda, “verdadeiro ponto de encontro dos que tencionam dirigir-
se às regiões distantes”, e ao saber da revolta pernambucana contra os holandeses,
exercitou-se nas armas e se ofereceu para participar da expedição que iria ao Brasil.
18
Segundo J. H. Rodrigues, Claude Barthomy Morisot (1592-1661) foi um erudito que escreveu várias
obras, a grande maioria em latim, tendo se interessado pelas viagens e os viajantes; nunca esteve no Brasil
e em suas anotações limitou-se a uma bibliografia muito reduzida, com citações sempre incompletas
(MOREAU, BARO; p.10). Para Alfredo de Carvalho, Morisot seria um “erudito francês que, pela
natureza de seus estudos, hoje chamariamos de “americanista” e, pouco antes, dera à luz uma volumosa
dissertação latina sobre os selvagens do Novo Mundo. (CARVALHO; pp.167,168).
17
Moreau foi apresentado aos Senhores do Conselho que vinham governar o Brasil
Holandês, e foi escolhido para ser secretário de Michael van Goch. Este fora nomeado,
em 1645, juntamente com Walter van Schonenburgh e Hendrik Haecxs, para integrar o
referido governo do Brasil Holandês. Moreau era livre para voltar à Holanda quando
quisesse, o que fez depois de dois anos. Sua crônica cobre os anos de 1646 a 1648, seis
anos antes de terminada a guerra, mas não se resume ao depoimento do que teria
testemunhado, tendo consultado memórias e pesquisados registros da Companhia das
Índias Ocidentais. Moreau afirma ter refletido muito sobre os horrores da guerra, e sua
crônica espelha a face sangrenta do domínio holandês no Brasil.
José Honório Rodrigues chama atenção para o fato de que Moreau, ao contrário
dos cronistas portugueses anteriores, que diziam ser o Brasil um paraíso terrestre, teve
uma visão pessimista e torturada, especialmente no trecho do prefácio no qual assinala o
caráter sangrento dos dois primeiros séculos, com os portugueses massacrando índios,
as lutas com os franceses, os holandeses e os espanhóis, com grande derramamento de
sangue.
Gaspar Barleus, cronista do governo de Maurício de Nassau, registra em sua
crônica História dos feitos recentes praticados durante oito anos no Brasil, cuja
primeira edição é de1647, a expedição comandada por Roulox Baro, em 1643, que teria
levado à sua contratação pela Companhia: “Afamou-se no Brasil pelos seus arrojados
tentames certo Roulox Baro, que, auxiliado pelos tapuias, empreendeu, em companhia
de três desses selvagens, uma viagem para o ocidente com o fim de descobrir as terras
dos Waripebas e dos Caripatós. (...) Após um breve resumo dessa viagem, registraria:
“O Conde contratou este Baro, mediante um ordenado anual, para ele, como
explorador inquieto, dedicar-se ao descobrimento de terras.” (BARLEUS; p.259 e
260).
Na crônica citada de Joan Nieuhof, Memorável viagem marítima e terrestre
ao Brasil, de 1682, Roulox Baro é mencionado pela primeira vez como um dos
emissários de cartas para a administração holandesa em Recife, relatando a situação
reinante no Rio Grande diante da ameaça dos rebeldes, provenientes do sul, e pelos
índios do Ceará e Maranhão, em julho de 1645 (NIEUHOF; p.188). A partir dessa data,
até abril de 1646, o nome de Baro apareceria, associado ao de Jacob Rabbi
19
, nos
19
Como veremos adiante, Jacob Rabbi, conforme Gaspar Barleus, teria vindo para o Brasil em 1637,
acompanhando a Maurício de Nassau
19
, e: “a pedido do rei Janduí e com permissão do Conde de
Nassau, partira para as terras dos tapuias, afim de servir de intérprete entre os holandeses e aquela
18
registros referentes às providências tomadas junto aos tapuias na luta contra as forças
luso-brasileiras. Todas as providencias junto aos tapuias chefiados por Janduí,
registradas por Niehof seriam, então, atribuídas à Roulox Baro. O último registro de
Nieuhof sobre Roulox Baro refere-se a agosto de 1646:
“A 13 de agosto Roulox Baro, que como relatamos, fora incubido de levar alguns
presentes a Janduí, rei dos tapuias, trouxe uma carta desse chefe indígena, datada de 1
de julho, endereçada ao Conselho, na qual agradecia os presentes e pedia que lhe
enviasse armas de ferro, pois estava em guerra com os Paiacus, e, logo que os tivesse
subjugado, marcharia com todas as suas forças contra os portugueses.”
(NIEUHOF;
p.295).
Outros estudos se debruçaram sobre Roulox Baro e sua obra. Trabalhos que
contribuíram para a formação do nosso entendimento sobre a relevância do objetivo
central de nossa pesquisa, um aprofundamento do estudo dos contextos prováveis onde
Roulox Baro teria formado a “parte brasileira” de sua visão de mundo, de forma a
propor uma nova leitura dos temas de relacionamentos interétnicos abordados em sua
crônica.
Conforme nos informa José Antônio Gonsalves de Mello, em seu clássico
Tempo dos Flamengos
20
, com a entrega por José Hygino Pereira ao Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano da documentação trazida, em
cópia, da Holanda, uma série de traduções e estudos detalhados seriam produzidos para
jornais e revistas históricas a partir de 1886. Exemplos desses estudos foram elaborados
pelo próprio José Hygino e pelo seu “seguidor próximo” Alfredo de Carvalho
(GONSALVES DE MELLO,1978; pp.21-22).
Alfredo de Carvalho é o autor do ensaio “Um Intérprete dos Tapuios”
21
, no qual
trata das atividades de Jacob Rabbi. O que torna “Um Intérprete dos Tapuios”
especialmente importante para o nosso trabalho é o destaque que o autor a Roulox
Baro e sua obra. Sobre sua biografia, inicia repetindo as informações da nota 1 de
nação. Viveu quatro anos com os costumes deles, agradável ao rei, espectador e testemunha bem aceita
de tudo.” (BARLEUS; p.269). Pierre Moreau, que o menciona como alemão”, descrevia Jacob Rabbi
como um “homem intrépido, o qual “de tal forma se adaptara a estes selvagens em seus costumes e
modo de viver, que se tornara como se fosse um deles, e estes de tal modo a ele se afeiçoaram, que o
fizeram um de seus principais capitães.” (MOREAU, BARO; p.63). Foi assassinado em 1646.
20
GONSALVES DE MELLO, José Antônio Tempo de Flamengos. Recife: Governo do Estado de
Pernambuco. 1978.
21
CARVALHO, Alfredo de “Um Intérprete dos Tapuios”, Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico Pernambucano, vol. XIV, n° 78, 657-667. Foi tirada uma separata (Recife, 1912, 18 págs.), e
foi reimpresso em Aventuras e Aventureiros, Rio de Janeiro, Pongetti, 1930, 165-176.
19
Morisot [1651] sobre a vinda de Baro para o Brasil, a qual aparece com a seguinte
redação na edição das notas que utilizamos:
“Roulox Baro foi enviado, quando criança, ao Brasil, na frota das Índias Ocidentais, que
partiu da Holanda em 1617 e pode ter, atualmente, quarenta anos. Aprendeu, em pouco
tempo, a língua do país, privou com os bárbaros e viveu com eles.” (MOREAU, BARO;
p.111)
Carvalho não se refere ao período anterior a sua apresentação aos holandeses no
Recife. Segundo suas pesquisas Roulox Baro seria de nacionalidade alemã e teria
tomado parte na várias expedições “enviadas pelos holandeses ao interior do país a
procura de minas de ouro, ou para travar relações com os chefes indígenas”. Em 3 de
abril de 1647 foi nomeado substituto de Jacob Rabbi. (CARVALHO; p.167).
Carvalho considera a Relação “uma curiosa narrativa da viagem que então
realizou à principal aldeia dos tapuios do Rio Grande do Norte, governados pelo
famoso Janduí”, e destaca a sua importância para os modernos ethnólogos, por ser o
mais abundante repositório de notícias sobre os tapuios que chegou até nós”, além de
“conter outras matérias de interesse para a história do Rio Grande do Norte”
(CARVALHO; pp167-168). Carvalho conclui suas considerações sobre a biografia de
Baro com uma curiosa comparação com Jacob Rabbi:
“O seu autor parece ter sido um indivíduo calmo, humano, sem grandes luzes, mas
dotado de natural engenho; pelo menos o seu nome não está ligado a nenhuma das
lúgubres façanhas que tanto celebrizaram o seu protervo colega, cuja carreira sinistra
vamos resumir, mercê de documentos holandeses inéditos, entre os quais o próprio
original do inquérito procedido por ocasião de sua morte.” (CARVALHO; p.168).
Roulox Baro volta a ter seu nome destacado na historiografia sobre o período de
domínio holandês com a publicação, em 1944, de Tempo dos Flamengos – Influência da
Ocupação Holandesa na Vida e na Cultura do Norte do Brasil, de José Antônio
Gonsalves de Mello. Inspirado nas pesquisas de Alfredo de Carvalho, Gonsalves de
Mello não retomou e completou, página por página”, a análise da documentação
trazida por José Hygino
22
, como examinou os documentos do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, copiados na Holanda por iniciativa de Joaquim Caetano da Silva,
22
Como registra Gonsalves de Mello: “Desde a morte de Alfredo de Carvalho, em 1916, - de fato, desde
1910, quando deixou de colaborar em revistas e jornais os documentos trazidos da Holanda dormiram
nas estantes do Instituto Arqueológico de Pernambuco. Fui encontrá-los empoeirados e roídos de bicho,
20
além do material recolhido na Biblioteca Nacional (GONSALVES DE MELLO, 1978;
p.21). Esta intensa atividade de pesquisa, associada ao exame da vasta bibliografia sobre
o período de dominação holandesa em Pernambuco, resultou em um livro que, nas
palavras de Gilberto Freyre:
junta-se às melhores obras de pesquisa histórica e de interpretação sociológica do
passado brasileiro. Sobre o “tempo dos flamengos” no Brasil é a sua a obra mais
completa, mais minuciosa e mais compreensiva que hoje existe em qualquer língua.”
(GONSALVES DE MELLO,1978; p.13-20).
Com um capítulo tratando especificamente das interações entre os holandeses e as
populações indígenas, no qual encontramos a maioria das referências a Baro, a leitura
dessa obra, em seu todo, serviu de base e inspiração original para as questões que me
levaram à presente pesquisa, sobretudo no que se refere às crônicas que seriam
importantes para uma análise do texto.
No capítulo intitulado “Atitude dos holandeses para com os índios e a catequese”
Gonsalves de Mello destaca
23
que, se os agentes da Companhia procuraram atrair os
indígenas como aliados, e agiram assim, em obediência a uma política traçada pelo
Conselho dos XIX, muito antes da invasão de Pernambuco.” (GONSALVES DE
MELLO, 1978; p.197)
24
. Com exceção do episódio que envolveu o combate aos
“palmares”, registrado no capítulo “Atitude dos Holandeses para com os Negros e a
Escravidão”, que citaremos mais adiante, todas as referência a Baro e sua crônica, que
aqui destacaremos, se encontram neste capítulo dedicado aos indígenas.
As pesquisas de Gonsalves de Mello idebntificaram Roulox Baro como um dos
agentes utilizados pela Companhia para manter a todo custo a amizade com os índios,
sem mencionar as indicações presentes na crônica de Pierre Moreau sobre ter Roulox
Baro “convivido desde a sua juventude com os tapuias, e que “sabia perfeitamente
sua língua” (MOREAU, BARO; p.66), nem as informações contidas na nota 1 de
Morisot quanto à circunstância de Baro ter sido “enviado, quando criança, ao Brasil,
com as encadernações soltas, alguns exemplares com falta de páginas.” (GONSALVES DE MELLO,
1978; p.22)
23
Citando um trecho do ensaio de Alfredo de Carvalho, “Um Intérprete dos Tapuios”, em que este afirma
que uma das “preocupações constantes da política dos invasores holandeses do Brasil Oriental foi, sem
dúvida, a aliança das tribos indígenas do país, aliança que procuraram angariar e manter por todos os
meios” (CARVALHO; p.165).
24
O “Conselho dos XIX”, tradução para Heeren XIX, mencionado por Gonsalves de Mello, era o
conselho de diretores que regiam a Companhia das Índias Ocidentais. Sobre sua formação e atuação, veja-
se BOXER, Charles R. The Dutch Seaborne Empire 1600-1800. Harmondsworth, Middlesex: Penguin
Books, 1973, especialmente pp.26-27.
21
na frota das Índias Ocidentais, que partiu da Holanda em 1617” (MOREAU, BARO;
p.111).
O historiador pernambucano inicia sua exposição sobre nosso cronista abordando
os registros da participação de Baro nas providências tomadas pelo governador do
Brasil Holandês, Maurício de Nassau
25
, no sentido de consolidar suas alianças com os
indígenas o que Gonsalves de Mello entende como um plano militar de defesa das
fronteira. Depois de obtido o apoio dos tapuias de Janduí no Rio Grande, mantendo a
fronteira norte, Nassau procurou atrair e manter a amizade dos índios do Rio São
Francisco, fronteira sul, e, ainda, visitar as tribos indígenas situadas a oeste da colônia.
Para essa última missão foi nomeado “um holandês de Amsterdã que se sentiu tão à
vontade com os índios como Rabbi, mas sem a dureza e ferocidade deste: Roulox
Baro.” (GONSALVES DE MELLO, 1978; p.202).
Com base em dois documentos, a Dag. Notule
26
em 6 de agosto de 1643 e uma
carta ao Conselho dos XIX, datada de Recife, 31 de agosto de 1643, o autor aponta
algumas características atribuídas à mencionada expedição. Sob o comando de Baro,
teriam saído, em 26 de abril de 1643, em direção ao sertão para descobrir e procurar
a amizade das nações indígenas Waipebas e Caripatous”. Levando alguns machados e
“quinquilharias” como presentes, voltou da aldeia dos tapuias Cariris, na companhia de
alguns de seus habitantes
27
.
Resumindo algumas referências geográficas sobre o alcance dessa viagem, temos
que: atravessaram a serra Capoava, deixando-a ao lado direito seguiram o rio Paraíba 70
a 80 milhas, terra a dentro, voltando rumo sul, chegando às aldeias Waipebas e
Caripatous. Estes grupos “o receberam bem, do mesmo modo que aos seus tapuias”, e
de cada aldeia Baro recrutou alguns índios para trazê-los ao Recife, onde teria chegado
em companhia de 40 deles, os quais receberam presentes e foram mandados de volta.
25
Johan Maurits van Nassau-Siegen (1604-1679) governou o Brasil Holandês entre 1636 e 1644. Sobre
Nassau veja-se GONSALVES DE MELLO, José Antônio Tempo de Flamengos. Recife: Governo do
Estado de Pernambuco. 1978; MELLO, Evaldo Cabral de Olinda Restaurada. Rio de Janeiro: Ed.
Topbooks, 1998; e BRUNN, Gerhard. “Johann Moritz. Vida e legado.” In. Seminário Internacional “A
Presença Holandesa no Brasil: Memória e Imaginário Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2005;
pp. 325-340.
26
A referência “Dag. Notule” informa ser o documento mencionado integrante da coleção “Dagelijksche
Notulen der Hooge Raden in Brazilië” (Livro de atas do Alto Conselho do Brasil), em 12 volumes,
compreendendo os anos de 1635 a 1654, uma das coleções trazidas em cópia da Holanda por José Hygino
para o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.(GONSALVES DE MELLO, 1978;
p.23).
27
Destaca o autor o fato de não levarem mantimentos, como explica o documento: “porque o uso deles
[tapuias] é procurar o sustento de cada dia, nas matas.” (GONSALVES DE MELLO; p.203).
22
(Gonsalves de Mello; p.203). Em nota, Gonsalves de Mello reproduz um longo trecho
de sua tradução para a carta de agosto de 1643, no qual, além informações sobre a
região e algumas características dos Waipebas e Caripatous, atribuídas a um relatório de
Baro, encontramos um importante registro sobre o nosso cronista, que reproduzimos a
seguir. Gonsalves de Mello acredita que “Talvez os holandeses conjecturassem poder
atingir o Peru e as suas minas, pelo interior”.
“.Nós contratamos esse Roulox Baro, que se propõe prosseguir a exploração dessa
região, pagando-lhe soldo de alferes (vaendrich) e estamos dispostos a enviá-lo de volta
àquelas aldeias para inquirir tudo o que for possível a respeito do sertão e das terras que
com ele confinam e as nações que habitam porque com essas informações poderemos
prosseguir e isto parece-nos coisa que dará resultado.” (GONSALVES DE MELLO,
1978; pp.204-205, nota 16)
De acordo com as pesquisas de Gonsalves de Mello, logo em seguida, em
setembro de 1643, Baro se preparava para prosseguir a exploração, tendo se proposto a
visitar as nações situadas acima dos Waipebas e Caripatous. Expedição esta que não
atingiria seus objetivos
28
. Depois de enfrentar a resistência dos índios nesta malograda
expedição, Roulox Baro se envolveria na luta contra os quilombos, apontados pela
documentação examinada por Gonsalves de Mello, desde 1638, como uma grave
ameaça para as populações e os bens dos moradores.” (GONSALVES DE MELLO,
1978; p.184). Gonsalves de Mello, ao longo do capítulo em pauta, registra, em notas,
uma compilação dos dados biográficos sobre Roulox Baro que encontrou na
documentação holandesa, informações que se tornariam referência para os autores de
trabalhos posteriores sobre o tema.
No capítulo de Tempo dos Flamengos intitulado “Atitude dos Holandeses para
com os Negros e a Escravidão”, o autor registra que Baro, após desistir de prosseguir no
objetivo de “descobrir a zona situada para os lados do sertão, onde se diz existirem
belas e ricas terras”, em função de terem os brasilianos se amotinado, “reuniu à sua
gente uns cem tapuias e resolveu atacar o que ele chamou de Pequeno Palmares”.
(GONSALVES DE MELLO, 1978; p.185). Detalhes da referida luta e dos quilombos,
28
Sobre esta expedição, o autor registra uma interferência dos administradores holandeses quanto a sua
composição que se mostraria desastrosa. Em vez de alguns tapuias, como na primeira, experimentaram
uma formação para a equipe que não teria o mesmo rendimento, conforme registra Gonsalves de Mello
apresentando a tradução de uma Dag. Notule de 2 de fevereiro de 1643:“Deram-lhe ordens para recrutar
60 brasilianos que, livremente, o quisessem acompanhar e lhe foram dados ainda 2 holandeses,
empregados da Companhia, para em caso de doença ou morte do chefe a expedição pudesse ser
conduzida a termo. Apesar de todos os cuidados não foi concluída: os índios amotinaram-se e Baro foi
forçado a retroceder..” (GONSALVES DE MELLO, 1978; p.204).
23
que aparecem em carta datada de Porto Calvo de 25 de janeiro de 1644, estão
reproduzidos no mencionado capítulo, em tradução do autor.
Em 1979, dentro da coleção “Reconquista do Brasil”, foi publicada, formando um
único volume, uma edição em português da crônica História das Últimas Lutas no
Brasil Entre os Holandeses e Portugueses, de Pierre Moreau, seguida da Relação da
Viagem ao País dos Tapuias, de Roulox Baro, esta, por sua vez, acompanhada das
Notas do Senhor Morisot
29
. A tradução das obras coube à escritora Leda Boechat
Rodrigues. Em uma “Nota Introdutória”, José Honório Rodrigues registra, em relação a
Roulox Baro e sua crônica, laconicamente, que “Nada se sabe de Roulox Baro, a não
ser o que se colhe no seu relato e nos testemunhos da época. A relação é um documento
etnográfico, descritivo da chamada cultura tapuia.” Este autor indica alguns estudos
sobre Jacob Rabbi, da lavra de Alfredo de Carvalho, como fontes para informações
adicionais acerca de Baro. (MOREAU, BARO; p.9).
Ainda em 1979, temos a publicação do ensaio do professor Ernst van den
Boogart, “Infernal Allies: The Dutch West India Company and the Tarairiu, 1630-
1654”
30
. O autor se propõe a investigar as relações entre os empregados da Companhia
das Índias Ocidentais holandesa e os tapuias do interior do Rio Grande, auto-
denominados Tarairiu, e adicionalmente estudar o modo como estas relações são
refletidas nos relatórios coloniais
31
. Boogart, não pretende recuperar a maneira de viver
dos Tarairiu, mas elaborar uma investigação etno-histórica de uma construção cultural
dos colonizadores do século XVII a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, destes
selvagens que seriam nossos antepassados.
Neste trabalho encontramos um detalhado levantamento dos registros envolvendo
os Tarairiu na documentação holandesa relacionada à colônia no nordeste do Brasil,
desde os primeiros contatos com Janduí (1631) até a inclusão deste grupo tapuia nas
cláusulas de anistia da rendição (1654). Ao mencionar as visitas de Roulox Baro ao país
dos tapuias, Boogart remete o leitor para o capítulo sobre os indígenas do Tempo dos
29
Segundo informa Leda Boechat Rodrigues, em sua “Nota da Tradutora”, já existia uma tradução
completa, em português, das obras de Baro e Moreau, feita pelo Major Mário Barreto e publicada no
Boletim do Estado Maior do Exército, vol. XXII, 1, janeiro a março de 1923, 123-140; sendo que a
Viagem de Baro vem antes da História de Moreau, invertendo-se a ordem que aparecem no original.
(Moreau, Baro; p.13).
30
Ernst van den Boogaart, “Infernal Allies: The Dutch West India Company and the Tarairiu, 1630-
1654,” in: Ernst van den Boogaart, ed., in collaboration with, H.R. Hoetink, and P.J.P. Whitehead, Johan
Maurits van Nassau-Siegen: A Humanist Prince in Europe and Brazil.Essays on the Tercentenary of His
Death (The Hague: Johan Maurits van Nassau Stichting,1979): 519-538
31
Uma edição deste ensaio, ainda em língua inglesa, foi publicado em Almeida, L.S., Galindo, M., Elias,
J.L., (Orgs.) Índios do Nordeste: temas e problemas, v.2, Maceió: Edufal, 2000.
24
Flamengos, no qual existem dados biográficos daquele cronista. Quando analisa os
documentos contendo descrições de costumes e hábitos dos tapuias, observa que a
Relação da Viagem ao País dos Tapuias não é uma descrição “etnográfica”, sendo mais
um diário de sua viagem até Janduí em 1647.
Para Boogart, embora o texto de Baro contenha uma riqueza de detalhes sobre a
vida dos Tarairiu, ele não procura, como os demais textos que abordam o assunto, dar
uma imagem de sua sociedade que se encaixe dentro de um determinado esquema. Baro
parecia aceitá-los pelo que eram, raramente descrevendo-os como selvagens. Descreve
ainda, de maneira sucinta e imparcial, como os tapuias se sustentavam e quais contatos
mantinham com outros grupos indígenas no “sertão”.
Em 1998, voltamos a encontrar Roulox Baro em destaque na historiografia,
quando Benjamim Nicolaas Teensma
32
publica o seu artigo “O Diário de Rodolfo Baro
(1647) Como Monumento aos Índios Tarairiú do Rio Grande do Norte”
33
. Com base
em pesquisa nos manuscritos da Biblioteca da Universidade de Leyden referentes ao
período da ocupação holandesa no Brasil, o autor faz uma análise literária do diário de
Roulox Baro. Analisa com mais ênfase a terminologia utilizada pelo autor, os erros de
tradução e o uso incorreto de dados, os quais, segundo o autor, comprometem a
compreensão da trama histórica; destacando que não se encontrou, até época da
publicação de seu ensaio, nenhum vestígio do original em flamengo. Teensma,
adicionalmente, procura analisar politicamente as ações de Baro em sua missão.
Entretanto, o aspecto que nos parece mais importante em seu trabalho, é o seu destaque
para a importância em sua formação cultural do período em que Roulox Baro viveu no
Brasil, e, consequentemente, na ótica que presidiu seu relato.
Segundo a pesquisa de Teensma, no começo do ano de 1617 o navio neerlandês
Blauwe Zee (Mar Azul) teria partido de um porto na província de Zelândia, no sul dos
Países Baixos, com destino ao Brasil. Seu capitão, Dierick Ruiters, alguns meses depois,
32
Benjamim Nicolaas Teensma, professor aposentado do Departamento de Línguas e Culturas da
América Latina da Rijksuniversiteit , Leiden, Países-Baixos, lecionou língua e cultura portuguesa durante
24 anos e toda a sua carreira foi dedicada aos estudos portugueses e hispânicos. Entre outras contribuições
para a divulgação da cultura luso-brasileira, registramos a revisão detalhada da tradução da obra de José
Antônia Gonsalves de Mello, Tempo dos Flamengos, publicada em 2001, pela Walburg Pers, com o título
de De Nederlanders in Brazilië: De invloed van de Hollandse bezetting op het leven en de cultuur in
Noord-Brazilië. A iniciativa da revisão e publicação dessa tradução, existente em manuscrito desde 1956,
de autoria do holandês Germand Visser, pelo professor Teensma, deve-se ao professor da Universidade
Federal de Pernambuco, Dr. Marcus Galindo, com o apoio do Ministério da Cultura e da Embaixada do
Brasil em Haia.
25
aportou em uma praia da Ilha Grande, atual litoral fluminense, quando assistiu seus
patrícios serem atacados e trucidados por índios sob comando português. Entre os
sobreviventes se encontravam o capitão e o grumete Roulox Baro, então com apenas
sete anos de idade. As autoridades portuguesas teriam mandado o pequeno Baro para
uma aldeia de índios no interior , e o capitão Ruiters a Salvador, capital do atual estado
brasileiro da Bahia, para ser interrogado. Este capitão, depois de algum tempo,
conseguiu evadir-se e regressar à Holanda onde, em 1623, publicou, na cidade de
Flisinga, um livro, que Teensma considera como “bem conhecido”, entitulado Tocha da
Navegação
34
.
Ainda no ensaio em pauta, Teensma inicia sua anotação biográfica sobre Baro,
se referindo à já mencionada “Nota 1” de Morissot, informando a vinda de Baro na frota
de 1617 da Holanda para as Índias Ocidentais, acrescentando um trecho da “Nota 65”
daqueles comentários. Neste trecho, transcrito por Teensma em seu ensaio, Morissot,
citando o capítulo 14° da crônica de Jean de Léry, Histoire d’na Voyage faict en la terre
du Brèsil [1578], descreve uma aldeia tupi do litoral na época da visita de Léry (fim de
outubro de 1557, início de janeiro de 1558). O autor destaca sua importância por
descrever “o tipo de aldeias índias em que Rodolfo [como o autor se refere a Roulox
Baro] passara a sua juventude”, assim como “da vida cotidiana dos Tupi.”
(TEENSMA; p. s/n).
“Por volta de 1620, os índios de tradição lingüística Tupi acima descritos, encontravam-
se desde muito tempo cristianizados por padres jesuítas. Reduzidos em aldeias e
integrados no processo colonial, sustentavam-se da caça e da agricultura, viviam em
comunidades dirigidas por superiores brancos, e falavam além do próprio vernáculo a
Língua Geral, idioma franco amplamente difundido no Brasil a esta época. Entre eles,
Rodolfo Baro, no decorrer dos anos, sem dúvida que teria apreendido o tupi e a Língua
Geral, como talvez também algum português elementar. Ainda mais importante foi que lá
apreendia a aceitar como realidades evidentes, a sociedade e a mentalidade dos índios,
sem qualquer sentimento de superioridade para com as culturas ultramarinas, que nessa
33
TEENSMA, B. N. “O Diário de Rodolfo Baro (1647) Como Monumento aos Índios Tarairiú do Rio
Grande do Norte” In. Revista Ethnos. Ano II, n. 3 Jul/Dez 1998. Disponível em
http://www.galindo.demon.nl/ethnos3/teensma.html
34
Em nota, Teensma registra sua tradução para um trecho deste livro: "Quantas vezes o acontece que
nós: Neerlandeses, Ingleses e Franceses, chegando à terra nestas costas [brasileiras],somos assassinados,
mortos; e outros capturados em grande miséria durante seis e sete anos; da qual [prisão] alguns finalmente
por puro milagre puderam libertar-se. Como eu que, astutamente surpreendido, e dela fugido
milagrosamente pela graça de Deus, tive que errar como preso dos Portugueses durante trinta meses por
estas costas americanas" Dierick Ruiters, Toortse der Zee-vaert, (Tocha da Navegação) trad. B.N.
Teensma pp. V-VII. Os capítulos referentes ao Brasil do referido livro foram traduzidos por J. de Sousa
Leão, filho, e publicados em RUITERS, Dierick A Tocha da Navegação, Separata da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 269, outubro-dezembro de 1965, pp. 3 a 84, Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1966.
26
altura era tão comum na Europa. E também que sabia manter-se em vida na natureza
brasileira.” (TEENSMA; p. s/n).
Teensma destaca, em seguida, a importância do convívio de Baro com os
indígenas, e do seu distanciamento em relação às questões transcendentais que os
habitantes do Novo Mundo levantaram na Europa na época. Como podemos ler no
trecho de seu trabalho que reproduzimos a seguir:
“..o pequeno Rodolfo se criou na sua aldeia brasileira sem preocupações metafísicas,
apreendia a caçar, pescar, agricultar, e brincava com seus camaradas índios nas roças
de milho e de mandioca, brigava com eles, e sabia como pensavam, cheiravam e
apalpavam. Para ele eram os companheiros diários de carne e osso. Mais tarde, já como
funcionário da Companhia das Índias Ocidentais, atravessava com eles as matas,
caçando sempre e abrindo-se um caminho pela vegetação. Junto com eles, durante a
jornada, assava de passo os veados e répteis capturados, e juntos subiam as árvores para
apanharem mel silvestre, A psique índia, por tanto, no Diário Brasileiro de Baro de
1647, é muito mais humana do que nos textos mais distanciados de seus colegas europeus
Herckmans e Rabe.” (TEENSMA; p. s/n).
Na passagem dessas considerações sobre a vivência com os indígenas, para seus
comentários sobre a fase da biografia de Baro como explorador da Companhia das
Índias Ocidentais, o autor prefere não se aprofundar na análise das relações interétnicas
que permearam as décadas em que o cronista viveu em outras regiões das terras
brasileiras. Relações estas que teriam permitido, por exemplo, que ele mantivesse sua
capacidade de falar, e mesmo escrever, em holandês. Assim resumindo suas
considerações sobre este referido período:
“Até por entre as selvas tropicais os rumores se movem rapidamente Em 1624, Baro
teria sabido sem dúvida da conquista neerlandesa de Salvador da Bahia, mas como
criança de catorze anos ainda não se tinha atrevido a deixar a sua comunidade índia
para unir-se com os compatriotas. Mas como jovem de vinte anos sim que teve a ousadia
para fazê-lo ao saber, em 1630, que os Holandeses se tinham apoderado de Pernambuco
no nordeste do país. Secretamente pôs-se em marcha, apresentando-se numa data
desconhecida às autoridades neerlandesas no Recife. E elas compreenderam logo quão
importantes serviços esse jovem desconhecido com tão excepcionais qualidades poderia
prestar à Companhia das Índias Ocidentais.” (TEENSMA; p. s/n).
Em seguida, Teensma faz um resumo da importância do conhecimento das terras
do sertão para os holandeses, bem como do processo de reconhecimento das qualidades
de Baro e de sua contratação como explorador pela Companhia, baseando-se
principalmente em Tempo dos Flamengos, de José Antônio Gonsalves de Mello. Cita,
ao abordar os prováveis motivos que determinaram a empreitada dos holandeses em
27
terras brasílicas, o trecho de Alfredo de Carvalho: “..certo não faltou a esperança de
aqui deparar com alguma das cobiçadas jazidas de metais preciosos que faziam das
colônias da contracosta as jóias mais fulgentes da Coroa Espanhola.”
35
. A seguir,
passa a abordar temas diretamente relacionados com o texto de Baro, procurando,
inicialmente, verificar a exatidão das referências aos personagens indígenas e as
características geográficas mencionadas ao longo do texto.
Teensma alude à plausibilidade de Baro ser fluente na língua tapuia, o autor
levanta algumas questões que o levaram a conclusão de que o nosso cronista devia se
utilizar de intérpretes em suas conversas com os tapuias. Apesar de conhecer a
afirmação de Pierre Moreau de que Baro dominava perfeitamente a língua dos Tarairiú,
“tendo convivido desde a sua juventude com os tapuias” (MOREAU, BARO; p.66),
Teensma considera que essa hipótese pode o ser correta. Em favor de sua tese,
argumenta, primeiramente, o fato de Baro ter sido capturado na costa do Rio de Janeiro,
onde, segundo o autor, não havia tapuias. E, ainda, por considerar “óbvio” que Pierre
Moreau e Roulox Baro nunca tinham se encontrado pessoalmente, pelo fato de Moreau
ter mantido na edição de sua obra, em 1651, a redação que Morissot deu à já
mencionada Nota 1 de seus comentários: "Roulox Baro foi enviado, quando criança, ao
Brasil, na FROTA das Índias Ocidentais, que partiu da Holanda em 1617", quando,
segundo Teensma, “ naquela época, só navios individuais empreendiam a viagem desde
a Europa.”. Adicionalmente, também porque Moreau teria corrompido o nome
neerlandês Roeloff em Roulox. Assim concluindo sua argumentação sobre a questão:
“A única razão porque Moreau e Morisot supuseram que Baro falava fluentemente o
Tarairiú é, provavelmente porque ele e o cacique Nhandui, no texto do Diário, se
tratavam de "meu pai" e "meu filho", sem que eles interpretassem tal tratamento como
simples termos de cortesia. É natural que Baro, pelos seus contatos com os Tarairiú,
deve ter adquirido, no decorrer dos anos, algumas noções do idioma deles, mas a
terminologia índia no seu Diário de 1647 é exclusivamente tupi.” (TEENSMA; p. s/n).
Ao procurar descrever as circunstâncias que motivaram a missão de Baro, o autor
faz um resumo da movimentação das populações indígenas e as alianças formadas em
função dos conflitos decorrentes da rebelião dos moradores portugueses de
Pernambuco. Teensma entende que todas as facções dos grupos indígenas envolvidos, e
seus respectivos chefes, são mencionados no texto de Baro. Entretanto, segundo o autor,
35
Segundo TEENSMA (apud CARVALHO, Alfredo de “Minas de Ouro e Prata no Brasil Oriental.
Explorações Holandezas no século XVII”. In: Revista do Instituto Histórico do Ceará, 1906:96).
28
de forma tão deturpada que tornaria sua leitura incompreensível. Citando alguns
exemplos de nomes de personagens indígenas cujos nomes em tupi estariam mutilados,
avalia que com uma restauração de suas formas corretas o texto se tornaria mais claro.
Em seus comentários sobre a crônica de Roulox Baro, ao resumir alguns episódios
do relato, o autor procura dar um sentido aos mesmos, baseado em sua visão do
processo histórico que permeava aquela missão. Em seu artigo, Teensma comenta,
adicionalmente, curiosidades sobre a cultura tapuia incluídas no texto de Baro;
lamentando o fato de que o mesmo “não prestou muita atenção a fenômenos naturais
como o clima e a vegetação, considerando-os evidências óbvias que não precisavam de
comentário.”
. Entre suas considerações sobre a oportunidade de um conhecimento mais
elaborado sobre a obra de Baro, enquanto elemento para reflexão sobre a participação
das populações indígenas diante do avanço dos europeus, destacamos o trecho que
reproduzimos a seguir:
“O Diário de Rodolfo Baro pode considerar-se como digno monumento à memória desse
povo índio, porque a partir da segunda metade do século dezessete, todos os
acontecimentos contribuíram para extingui-lo da memória dos Brasileiros. Depois da
retirada dos Holandeses do nordeste do Brasil, os Portugueses e seus colaboradores
penetraram cada vez mais longe no sertão, para instituir nele as próprias normas e leis.
Os Índios que não queriam sujeitar-se a elas, foram combatidos e exterminados como
inimigos. Também deviam ser castigados por terem sido os aliados dos odiados
Neerlandeses. Os brancos foram melhor armados, melhor organizados, possessos de
anseio da terra, e estimulados por proselitismo religioso, Em face de semelhante
superioridade, os Tarairiú, havia pouco tão orgulhosos e conscientes do próprio valer,
foram aniquilados em breve tempo.” (TEENSMA; p. s/n).
Roulox Baro volta à historiografia em 2003, quando Marcus Meuwese defende a
sua tese de doutorado sobre os mediadores culturais e as relações entre holandeses e
indígenas nos territórios do Brasil Holandês e de New Netherland, entre 1600 e 1654.
Meuwese procura analisar as interações holandesas com as populações nativas, dentro
de uma perspectiva geograficamente ampliada. Seu estudo tem perspectiva do Mundo
Atlântico, e propõe uma comparação entre as relações holandeses indígenas da
colônia na América do Norte, New Netherland
36
, e no Brasil Holandês. Para isso se
utiliza dos mediadores culturais como uma ferramenta para analisar as relações
holandeses nativos nas duas colônias holandesas nas Américas. Meuwese, ao
29
comparar mediadores em New Netherland com os no Brasil Holandês, demonstra que
os contextos locais desempenharam um importante papel na modelagem das interações
inter-culturais em cada uma das colônias.
No caso do Brasil, a luta dos holandeses contra os colonos portugueses
determinaram, preliminarmente, as relações holandês indígena. Tanto a Companhia
das Índias Ocidentais holandesa quanto as diversas populações tupi e tarairiu do
nordeste do Brasil precisavam uns dos outros como aliados contra os portugueses. Em
New Netherland a situação era diferente, porque havia menos medo de um inimigo
europeu até o surgimento da agressão inglesa na década de 1650.
Ao contrário do Brasil, na colônia da América do Norte os colonos e os indígenas
foram postos em contato próximo e freqüente pela economia informal de comércio de
fronteira. O autor considera que a despeito de suas diferentes respostas aos holandeses,
as populações nativas no Brasil e em New Netherland compartilharam o feito de
manterem independência em relação aos seus aliados e parceiros comerciais holandeses.
Seu estudo dos mediadores culturais em duas diferentes colônias, segundo Meuwese,
complexifica as afirmativas tradicionais que retratam os holandeses movidos apenas
pelas trocas materiais, mostrando que as interações holandês–nativo no mundo atlântico
foram também moldadas por motivações religiosas e imperiais; demonstrando, ainda,
que os intermediários não levaram indígenas e colonos holandeses à uma aproximação
mais profunda. Segundo sua pesquisa, ainda que os negociadores entre indígenas e
holandeses cruzassem freqüentemente fronteiras culturais para manter alianças ou evitar
banhos de sangue, eles não criaram um campo intermediário de práticas e símbolos
compartilhados.
Como justificativa para a abordagem geograficamente ampliada de seu estudo,
Meuwese aponta algumas características semelhantes entre estas duas experiências
coloniais holandesas. Em ambas as colônias os holandeses estiveram em contato
continuado com as populações indígenas durante aproximadamente o mesmo período.
As relações holandês indígena em New Netherland duraram de 1609 até 1664, e os
contatos inter-culturais no Brasil Holandês aconteceram dos anos 1620 até 1654. Ambas
foram partes integrantes do império atlântico da Companhia e compartilharam
instituições políticas e judiciárias holandesas comuns. Ambas as experiências teriam
36
Sobre “New Netherland” (1624-1664), colônia holandesa nas margens do rio Hudson e na ilha de
Manhattan ( América do Norte, onde atualmente se localiza a cidade de New York ), veja-se BOXER,
Charles R. The Dutch Seaborne Empire 1600-1800. Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books, 1973.
30
deixado um número considerável de fontes impressas e de arquivo que permitem um
estudo comparativo de relações inter-culturais. Segundo o autor, não havia ainda
estudos abordando, coletivamente, os mediadores inter-culturais em nenhuma das
colônias em pauta. Sobre os mediadores entre os Tarairiu e a Companhia, Meuwese cita
os trabalhos de Alfredo de Carvalho, José Antônio Gonsalves de Mello, B. N. Teensma
e Ernst van den Boogart, já aqui comentados.
Destacando que o Alto Conselho em Recife empregou um grande número de
indivíduos europeus como diplomatas inter-culturais no Brasil Holandês, Meuwese
inclui em seu trabalho um capítulo
37
, no qual aparece um perfil social e cultural desses
colonizadores, os quais teriam servido de mediadores entre a Companhia e as diversas
populações nativas brasileiras. Para o autor, é importante perceber que esses
negociadores europeus não formavam um grupo monolítico, podendo ser agrupados,
para efeito de análise, em cinco diferentes categorias. Esses cinco grupos não seriam
apenas um reflexo da sociedade colonial hierárquica e segmentada, mas revelariam
também a variedade de relações entre a Companhia e as populações indígenas ao longo
do nordeste do Brasil. No capítulo onde aborda o desempenho dos “diplomatas inter-
culturais”, com o título que em português seria “Proteger os brasileiros sob seu
comando”: agentes diplomáticos europeus entre os indígenas brasileiros, 1635-1654.”,
Meuwese analisa sucessivamente os seguintes grupos. Um grupo de diplomatas inter-
culturais composto por oficiais coloniais de nível médio que serviam como
“Comanders” comandantes dos brasilianos. Outro grupo de mediadores formado por
soldados de menor soldo da Companhia que ficavam estacionados nas aldeias ou
missões dos tupis. Um terceiro grupo de negociadores formado por missionários cristãos
protestantes que tentavam converter os indígenas ao calvinismo holandês; os quais,
embora não fossem agentes oficiais da Companhia, seu programa de transformar os
índios tupi em fazendeiros cristãos sedentários correspondia ao objetivo da mesma de
tornar os indígenas brasileiros leais aliados protestantes. Uma quarta categoria distinta
de mediadores europeus, a de indivíduos empregados como oficiais de ligação entre os
Tarairius na província do Rio Grande, onde aparecem as referências a Roulox Baro e
sua crônica. Observando o autor, sobre esse grupo, que por serem os Tarairiu vistos
como selvagens “incontroláveis” pela Companhia, eles requeriam negociadores
especiais que estivessem dispostos a estar em contato próximo com eles. Concluindo o
37
No original: Chapter 4: “To Protect the Brazilians under Their Command”: European Diplomatic
Agents among the Brazilian Indians, 1635-1654. (MEUWESE; pp.217-318).
31
capítulo com uma quinta categoria formada por diplomatas inter-culturais estacionados
nas províncias fronteiriças do Ceará e Maranhão; grupo com características especiais
devido ao fato de que nestas províncias era necessário seguir uma delicada política com
os indígenas por ser a população nativa muito superior à dos colonos europeus e
escravos africanos.
Na seção do referido capítulo em que aborda o quarto grupo de mediadores, que
intitulou de “Agentes Diplomáticos entre os Tarairiu”
38
, Meuwese, privilegia suas
considerações sobre o intérprete Jacob Rabbi, utilizando para isso além das informações
encontradas nas Dag Notulen, as pesquisas de Gonsalves de Mello, Alfredo de
Carvalho, Van den Boogart e B. N. Teensma. Sobre Roulox Baro, que viria a substituir
Jacob Rabbi, Meuwese o aponta como um explorador familiarizado com os Tarairiu e
outros povos nativos do interior do nordeste, e considera que este seria o mais
proeminente e bem documentado membro do reduzido número de indivíduos que foram
empregados pela Companhia para explorar o interior e estabelecer contato com
potenciais aliados indígenas (MEUWESE; p.277). Sobre a vida de Roulox Baro, na fase
anterior à sua incorporação pela Companhia, o autor se resume às informações que
reproduzimos em seguida:
“Baro supposedly marooned on the southern Brazilian shore in 1617 while serving
aboard a Dutch vessel. Because of his young age, local Portuguese authorities who
captured him hoped to use the young Dutchman as an Indian interpreter. Baro was
reportedly placed in an aldeia where he learned the Tupi language. After the Dutch
invasion in 1631, Baro made his way to Recife, where he offered his services to the WIC
as explorer of the mountainous dry hinterlands of the northeast.”
(MEUWESE; p.277)
39
Ao comentar a carreira de Roulox Baro como explorador, Meuwese registra que
este apareceria pela primeira vez na documentação da Companhia em agosto de 1643,
quando é mencionado no retorno da expedição à “Terra Nova”, região à qual voltaria
em 1644 para contato com os nativos, tendo se envolvido na campanha contra
comunidades africanos fugitivos no sertão.
Um ano mais tarde teria trabalhado com Jacob Rabbi na negociação de um
armistício com os indígenas do Ceará. Nomeado substituto de Jacob Rabbi, foi enviado
38
No original: “Diplomatic Agents among the Tarairius”, (MEUWESE; pp.263-290).
39
O que poderíamos traduzir como: “Baro supostamente foi abandonado em uma praia no litoral sul
brasileiro em 1617 quando servia a bordo de um navio holandês. Em função de sua pouca idade, as
autoridades portuguesas locais que o capturaram pretenderam usar o pequeno holandês como um
intérprete junto aos indígenas. Constando que Baro teria sido colocado em uma “aldeia” onde aprendeu a
32
logo após o assassinato do mesmo com uma carta do Alto Conselho para Janduí,
explicando àquele chefe tapuia que o assassinato de Rabbi fora cometido por soldados
irresponsáveis que seriam punidos. Baro teria, nessa ocasião, recebido ordens para que
acompanhasse uma delegação Tarairiu ao Recife objetivando manter a aliança e
apresentar os novos membros do governo que haviam chegado da Holanda. Após citar
as observações de Pierre Moreau sobre as conseqüências entre os indígenas da não
entrega de Garstman, o autor registra que em 1647, em plena rebelião dos portugueses,
Roulox Baro foi mandado novamente para ter com Janduí, missão que redundaria na sua
Viagem ao País dos Tapuias. (MEUWESE; pp. 277-278). Nessa altura, Meuwese
comenta que afortunadamente o diário de Baro foi preservado em uma tradução em
francês, e que suas anotações detalhadas forneceram não apenas uma grande quantidade
de informação etnográfica sobre os Taraitius, mas especialmente traz luz sobre as
atitudes de Baro em relação àqueles indígenas.
O autor analisa episódios do relacionamento entre Baro e alguns nativos descritos
na crônica, e conclui que “suas notas mostram claramente que seu relacionamento com
os Tarairius era tudo menos amigável”
40
. Ao continuar seus registros sobre a trajetória
de Baro, registra, em seguida, um relatório de 1648 onde ele comunica que os grupos
indígenas inimigos estavam empurrando os Tarairiu para o litoral; onde relataria,
adicionalmente, que a maioria dos soldados da Companhia que tinham vindo apoiar os
Tarairiu tinham retornado muito rapidamente ao Forte Ceulen
41
. Segundo o autor, ainda
em 1648, Baro aparece na documentação na transferência de algumas centenas de
guerreiros Tarairiu para Recife onde o Alto Conselho os utilizaria em um ataque mal
sucedido à posições portuguesas; avaliando ter sido essa sua última contribuição, posto
ter solicitado dispensa de seus serviços junto aos tapuias em agosto de 1646.
Registrando, adicionalmente, um documento de agosto de 1650 onde são solicitadas
informações sobre Roulox Baro, morto no ano de 1648, para regularização do
pagamento de seus soldos para sua viúva na Holanda. (MEUWESE; pp.277-284).
A parte dedicada aos diplomatas junto aos Tarairius é concluída com uma
comparação entre sua leitura das atitudes dos três principais intérpretes, Jacob Rabbi,
Roulox Baro e Pieter Persijn, da qual reproduzimos o trecho a seguir:
língua tupi. Após a invasão holandesa em 1631, Baro se dirigiu à Recife, onde ofereceu seus serviços para
a Companhia como explorador do interior montanhoso e seco do nordeste
40
No original: “his notes clearly showed that his relationship with the Tarairius was anything but
amicable.” (MEUWESE; p.280).
33
“Em retrospecto, Jacob Rabe era o único mediador europeu que pessoalmente teve
associação muito próxima com os Tarairius. Embora Roelof Baro e Pieter Persijn
também estivessem em contato freqüente com os Tarairius, estes dois indivíduos, ao
contrário de Rabe, nunca moraram com eles. Enquanto Rabe desenvolveu interesse
pessoal pela cultura dos Tarairius, tendo inclusive escrito uma curta etnografia deles,
Baro e Persijn consideravam a maioria dos costumes Tarairius repugnantes.”
42
(MEUWESE; p.290) .
O trabalho mais recente que encontramos, ligado diretamente ao tema central de
nossa pesquisa, é a obra de Cristina Pompa, Religião como Tradição: missionários,
Tupi e Tapuia no Brasil colonial
43
, de 2003. Nele, a autora propõe uma releitura da
história da evangelização, procurando entender os múltiplos sentidos da conversão entre
os povos indígenas, e revelar a dialética do encontro entre índios e missionários. Para a
autora, houve, de um e de outro lado, “um constante trabalho de transformação no
plano das práticas e dos símbolos, as primeiras veiculando os segundos e sendo, ao
mesmo tempo, determinadas por estes.” (POMPA; p.23).
Quando Pompa trata especificamente do relato de Roulox Baro, diz:
“O último relato que examinarei é a famosa Relação da viagem ao país dos Tapuia de
Roulox Baro, escrita em 1647. Baro foi o sucessor de Jacob Rabbi como intérprete e
embaixador dos Holandeses entre os Janduí. Seu interesse principal, o de tratar questões
militares com o “rei” que ele chama simplesmente “chefe” Janduí, faz que suas
observações (como presumivelmente as de Rabbi antes dele) sejam despojadas de
exotismo, monstruosidade ou gosto por citações eruditas. Está clara uma certa simpatia
para com os “Tapuia”, que são tratados de igual para igual e de quem são admiradas a
força e a habilidade guerreiras. O feroz “rei” é definido como “o bom velho Janduí”,
que ainda tem força, com mais de cem anos, para “correr a árvore” com os jovens.”
(POMPA; p.251).
Em seguida, a autora transcreve o trecho onde Baro registra a “corrida das
árvores” (MOREAU, BARO; p.99) , afirmando que a mesma foi realizada na ocasião
41
Denominação dada ao Forte dos Santos Reis, no litoral da capitania do Rio Grande, após sua tomada,
em 1633, por uma expedição enviada do Recife.
42
O que poderiamos traduzir como: “Em retrospecto, Jacob Rabbi foi o único mediador europeu que se
associou pessoalmente de forma íntima com os Tarairius. Enquanto Roulox Baro e Pieter Persijn
estivessem também em contato freqüente com os Tarairius, estes dois indivíduos, ao contrário de Rabbi,
nunca habitaram entre eles. Enquanto Rabbi dedicou um interesse especial na cultura dos Tarairius,
escrevendo mesmo uma pequena descrição etnográfica dos mesmos, Baro e Persijn consideravam a maior
parte dos costumes Tarairiu repugnantes.”.
43
POMPA, Cristina Religião como Tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil colonial. Bauru, SP:
EDUSC, 2003.
34
de sua chegada e durante todo o tempo em que Baro permaneceu no acampamento de
Janduí, ou seja, quase um mês”, e que a mesma “é descrita em detalhes.” (POMPA;
p.251). E, ainda, trechos que registram a descrição de uma cerimônia de casamento e
puberdade (MOREAU, BARO; pp. 105-106) ; rituais de canibalismo funerário
(MOREAU, BARO; p.104) ; relações de alianças com outros grupos principalmente
de “brasilianos”, com os quais os Janduí mantinham complicadas relações de
alianças” (MOREAU, BARO; p.97); distribuição dos presentes e a “presença maciça
de holandeses e portugueses e seus produtos” (MOREAU, BARO; pp. 98, 100, 101).
Concluindo sua abordagem da crônica de Baro se referindo à alguns comentários sobre
a mesma encontrados no Infernal Allies de Ernst van den Boogart.
Pompa volta a transcrever trechos de Baro na seção denominada “Janduí:
Demônios e Feiticeiros”, dentro do capítulo 9 “A religião tapuia” onde observa ser
Roulox Baro “a mais “objetiva” das fontes holandesas sobre os Tarairiú do “rei”
Janduí”, não parecendo particularmente impressionado com a evocação do Diabo,
descrito como se ele tivesse presenciado a sua aparição” (POMPA; p.343). Dois
trechos estão incluídos, o primeiro descrevendo a consulta “ao Diabo” de Janduí ao
tomar conhecimento de que os homens de Paiacu tinham se posto em marcha contra
ele” (MOREAU, BARO; pp. 104, 105); e o segundo quando o Diabo reaparece alguns
dias depois (MOREAU, BARO;p.106) , trecho que revelaria, segundo a autora, “a
razão da grande tolerância de Baro para com ele: este Diabo se torna intérprete dos
pensamentos do próprio Baro e dos holandeses, com respeito às alianças dos Janduís.”
(POMPA; p.344).
Em seguida, vamos reunir as informações sobre a trajetória de Roulox Baro
levantadas pelos autores aqui mencionados, procurando montar uma pequena biografia
de seu período como colaborador da Companhia das Índias Ocidentais.
Com base no que nos revela Gonsalves de Mello, em Tempo dos Flamengos,
baseado nas informações que levantou sobre Roulox Baro na coleção “Dagelijksche
Notulen der Hooge Raden in Brazilië” (Livro de atas do Alto Conselho do Brasil),
podemos compor o seguinte quadro:
Roulox Baro, auxiliar dos mais decididos com que contou o governo holandês,
identificou-se com o estilo e hábitos de vida dos selvagens brasileiros e nos deixou um
precioso relatório de sua viagem ao “país dos tapuias”, no interior do continente. Em
agosto de 1643, Baro foi admitido como funcionário da Companhia, tendo porém,
anteriormente prestado serviços à empresa como explorador de terras brasileiras. O
35
sucesso de sua expedição ao sertão, em 1643, onde contou apenas com o auxílio de
alguns tapuias, promovendo contatos com algumas tribos importantes para a defesa da
fronteira oeste, e trazendo alguns representantes de cada uma delas para negociar em
Recife, levou os holandeses a contratá-lo com o salário de alferes. Ao se preparar para
retornar àquelas aldeias, visando investigar melhor as terras do sertão, recebeu ordens
para adotar uma equipe mais nos moldes das que os holandeses estavam acostumados a
mandar para o interior
44
: 80 brasilianos voluntários e dois funcionários holandeses
para que em caso de doença ou morte do chefe a expedição pudesse ser conduzida a
termo. Os índios se amotinaram, e Baro foi obrigado a retroceder. Em seu retorno,
abandonado pelos brasilianos, reuniu “uns cem tapuias” e atacou um quilombo, no qual,
segundo seu informe, moravam quase mil famílias. Em 1644 foi autorizado a visitar a
Holanda, onde se casou com Lobberich Wijbrantsdochter, em Amsterdã. Serviu à
Companhia até 1648, ano em que pediu demissão. Baro realizou várias viagens ao “país
dos tapuias”, e chegou a interessar a algumas pessoas nessa vida de aventuras, como ao
polonês Jan Stras. Em 1646 substituiu Jacob Rabbi como intérprete junto aos tapuias.
Com seu afastamento, foi substituído por Pieter Perijn. A Companhia recusou seu
pedido para se estabelecer como criador de gado no Rio Grande, e seu falecimento teria
ocorrido ainda em 1648, como parece indicar uma correspondência de 1650. Sua viúva,
na Holanda, em 1650 requereu o pagamento de seus soldos em atraso.
Ernst van den Boogart, em Infernal Allies, se refere aos dados sobre Roulox Baro,
pesquisados por Gonsalves de Mello, acrescentando outras informações. A primeira
expedição de Baro para convencer Janduí a permanecer aliado dos holandeses foi
enviada logo após o assassinato de Jacob Rabbi, em junho de 1646, quando, sem
encontrá-lo pessoalmente, foi informado de que aquele chefe não poderia dar nenhum
apoio militar por estar em guerra com Pajucu. Quando de seu retorno da viagem que
resultou na Relação da Viagem ao País dos Tapuias, Baro defendeu em Recife o pedido
de tropas formulado por Janduí. O Conselho Político inicialmente rejeitou a idéia, e
44
Encontramos em Aventuras e Aventureiros no Brasil, de Alfredo de Carvalho, uma descrição de uma
expedição ao sertão, anterior à contratação de Roulox Baro: “A 3 de setembro de 1641 partiu do Recife
acompanhado de 53 soldados, alguns voluntários, 60 indígenas e sete carros de bagagem. A jornada,
desde o começo, apresentou dificuldades tamanhas, que dentro em breve o mero dos soldados ficou
reduzido a 40 e o dos brasilianos a 36. Os expedicionários tiveram que atravessar muitos rios, entre eles
o largo Mongaguaba, abrir a machado picadas na espessura das matas, vadear pântanos extensos, e
quase pereceram vítimas do incêndio que os selvagens lançaram à relva ressequida do sertão. (......) Mas,
as dificuldades cresciam e começaram a padecer falta d’água e de viveres, e a custo, diz Barleus,
conseguia Herckmans mover a sua gente a prosseguir; avançavam no máximo duas a três milhas por dia.
Por fim, achando-se à vista dum outeiro, que supunham ser o monte Capoaba, foi resolvido regressar, e,
a 4 de novembro, o resto da malfadada expedição entrava no Recife.” (CARVALHO; pp. 103-104).
36
depois decidiu mandar alguns homens e um grande “presente” consistindo de 100 libras
de pólvora, 50 libras de chumbo
45
, 24 pares de sapatos, 500 anzóis, 12 talhadeiras, um
instrumento de sopro e um livro de salmos. Boogart associa a demissão de Baro a um
comunicado vindo do Forte Ceulen, em junho de 1648, de que os tapuias de Janduí
estariam novamente promovendo estragos nas roças dos colonos e matando um grande
número de animais.
Eugene Meuwese (MEUWESE; pp.276-290) também se refere às informações de
Gonsalves de Mello, agregando mais alguns dados. Em 1645, Roulox Baro, juntamente
com Jacob Rabbi, tentou conseguir junto aos índios do Ceará uma trégua com a
Companhia. Roulox Baro convidou, acompanhou e apresentou a delegação dos tapuias
que em 1646 foi a Recife negociar com os novos membros do Conselho, tendo em vista
a manutenção da aliança. Em abril de 1648, Baro faria seu último serviço registrado
para a Companhia, ao trazer algumas centenas de guerreiros tapuias para o Recife,
utilizados pelo Alto Conselho em um ataque mal sucedido à posições luso-brasileiras
nos arredores daquela cidade. Segundo Meuwese, Baro teria pedido dispensa em agosto
de 1648, sendo atendido sem maiores argumentações.
Minha leitura dos trabalhos que mencionamos nessa compilação me leva a
conclusão de que seus autores preferiram não procurar uma montagem de cenários
plausíveis para o que poderíamos denominar de período de “indianização” de Roulox
Baro. De Baro ao Brasil, supostamente em 1617, na região da Ilha Grande, atual sul do
estado do Rio de Janeiro, até o registro de sua expedição à “Terra Nova”, em 1643, a
serviço da Companhia das Índias Ocidentais holandesa, a qual teria partido da região
onde hoje se situa a cidade de Recife, no estado de Pernambuco. Acredito que algumas
informações, colhidas de fontes da época e da historiografia, sobre a convivência entre
europeus e grupos indígenas nas regiões e no período onde sua trajetória se deu, serão
de alguma valia para uma avaliação da visão de mundo do autor, e, ainda, para a
elaboração de novas interpretações de suas representações sobre os contatos interétnicos
que permearam sua viagem ao país dos tapuias. Assim, com o cruzamento entre o que
se pode conhecer do nosso cronista e a macro-história das disputas entre europeus pela
exploração do Novo Mundo no período, procuraremos, nos próximos capítulos,
entender melhor as referências que teriam presidido a “produção” das representações
presentes no relatório de Roulox Baro, tendo como focos principais a maneira como os
45
Ao registrar esta lista, Boogart afirma sua suposição de que essa munição para armas de fogo se
destinaria aos soldados europeus, posto que aqueles tapuias não pareciam utilizá-las e terem medo delas.
37
grupos indígenas aparecem em relação à questão da guerra, a intermediação cultural
com os europeus, e suas relações inter-grupais.
38
Capítulo II
Cenários da “indianização” de um holandês.
Nosso objetivo, neste capítulo, será a busca por dados relativos a interações
entre colonos europeus e grupos indígenas, a partir de registros de processos
compatíveis aos que teriam cercado a estadia de Roulox Baro na Brasil, antes de seu
deslocamento para o Recife
46
. Procuraremos interpretar alguns aspectos que estariam
presentes no processo da formação da “visão de mundo” de nosso cronista.
Como já vimos na revisão do que encontramos publicado sobre o autor da
Relação da Viagem ao País dos Tapuias, a maior parte do que encontramos sobre a
biografia de Roulox Baro pode ser sintetizada como uma soma da indicação da nota 1
de Morisot, com o resultado das pesquisas de José Antônio Gonsalves de Mello
apresentado em sua obra Tempo de Flamengos.
Alguns registros sobre possíveis práticas culturais que cercaram os anos de
Roulox Baro ainda na Europa podem ser encontrados entre os que procuram descrever
algumas características de sua provável região de origem
47
, na época. Segundo Charles
R. Boxer
48
, entre seus comentários sobre os prováveis motivos que permitiriam a
evolução dos Países Baixos na virada do século XVI para o XVII, encontramos a
afirmação de que a maior razão isolada para este sucesso teria sido o destacado
desenvolvimento econômico das duas províncias litorâneas da Holanda e da Zeelândia,
particularmente o súbito e grandioso crescimento do comércio marítimo a partir de
1590. Boxer lembra ainda que, em meados do século XVI, os mercadores e navegadores
da Holanda e da Zeelândia foram responsáveis por uma boa parte do comércio por via
marítima entre o Mar Báltico e a Europa Ocidental e entre o Mar do Norte e a Península
Ibérica. Mercadores e navegadores tinham importante poder político e controlavam os
conselhos municipais (BOXER, 1973a; pp.6 a 7). Estas considerações podem indicar a
hipótese de que Roulox Baro tenha sido admitido como grumete por fazer parte de uma
família envolvida com a navegação. Sua possível posição na sociedade zeelandesa
justificaria o domínio da língua flamenga, e, ainda, a provável clemência que o piloto
46
No capítulo seguinte, procuraremos desenvolver nosso comentário sobre as representações de
brasilianos e tapuias presentes no relato de Baro.
47
A Zeelândia, uma das províncias que formavam a república dos Países Baixos.
48
BOXER, Charles R. The Dutch Seaborne Empire 1600-1800. Harmondsworth, Middlesex: Penguin
Books, 1973a.
39
Dierick Ruiters teria procurado para ele junto às forças de Martim de Sá. Clemência que
se justificaria, na prática, pela importância para a defesa da costa, da formação” de um
mediador inter-cultural entre os indígenas, com a capacidade adicional para ler
documentos eventualmente apreendidos com os holandeses. Sobre esta capacidade de
escrever, Paul Zumthor
49
, informa que o número de analfabetos era o menor da Europa
da época, e que: “Normalmente, a criança é submetida desde seus jovens anos à
disciplina escolar.” (ZUMTHOR; p.129); e, ainda, “Dos três aos sete anos, as crianças
freqüentavam a escola maternal, que se sediava numa casa qualquer, assinalada por
uma insígnia com o nome da professora ou do prédio.” (ZUMTHOR; p.131).
Especificamente na Holanda e na Zeelândia, se daria muita importância ao ensino da
escrita, A escrita, considerada a primeira das artes úteis, gozava de imenso prestígio.
Certos mestres faziam da caligrafia uma verdadeira estética. Escreviam como se grava.
O renome dos mestres de escrita holandeses e zeelandeses ultrapassara as fronteiras do
país.” (ZUMTHOR; p.134).
Entre os trabalhos que examinamos abordando a vida de Roulox Baro, o único
que tece algum tipo de consideração sobre o período que vai de seu desembarque no
Novo Mundo à primeira referência ao seu nome na documentação da Companhia das
Índias Ocidentais, é o artigo de Teensma, “O Diário de Rodolfo Baro (1647) Como
Monumento aos Índios Tarairiú do Rio Grande do Norte”.
50
Como vimos no capítulo
anterior, os comentários de Teensma iniciam com a transcrição da nota 65 de Morissot .
Nessa anotação, Morissot, cita o capítulo 14° da crônica de Jean de Léry
51
, com uma
descrição de uma aldeia tupi do litoral de fins do século XVI. Teensma, ao reproduzi-la,
destaca sua importância por descrever “o tipo de aldeias índias em que Rodolfo [como o
autor se refere a Roulox Baro] passara a sua juventude”, assim como “da vida
cotidiana dos Tupi.” (TEENSMA; p. s/n).
Iniciamos nossa leitura das fontes que pudessem fornecer indicações sobre os
cenários que permearam o processo de formação da “visão de mundo” de Roulox Baro,
pela tradução de José Hygino Duarte Pereira, publicada em 1878
52
, do relato da
49
ZUMTHOR, Paul A Holanda no Tempo de Rembrandt. São Paulo: Cia. Das Letras, 1989.
50
TEENSMA, B. N. “O Diário de Rodolfo Baro (1647) Como Monumento aos Índios Tarairiú do Rio
Grande do Norte” In. Revista Ethnos. Ano II, n. 3 Jul/Dez 1998. Disponível em
http://www.galindo.demon.nl/ethnos3/teensma.html Acesso em jan. de 2002
51
Histoire d’na Voyage faict en la terre du Brèsil [1578].
52
KNIVET, A. “Narração da viagem que, nos anos de 1591 e seguintes, fez Antônio Knivet, da
Inglaterra ao mar do sul, em companhia de Thomas Candish. Tradução do hollandez (Offerecida ao
40
peregrinação, entre 1591 e 1601, de Antony Knivet por terras brasileiras
53
. Desta
crônica, cuja primeira edição é de 1625, procuramos compilar as informações sobre as
relações de contato interétnicos, especialmente as que envolveram grupos indígenas. A
maior parte das interações entre colonos e indígenas, narradas por Knivet, teria ocorrido
na mesma região onde as evidências apontam ter Roulox Baro transitado durante sua
primeira etapa no Novo Mundo, e em um período muito próximo ao que supomos ter o
mesmo permanecido a serviço de Martim de Sá, ou seja, de sua chegada em 1617 até
sua transferência para Recife, no início dos anos 40 do século XVII. Antony Knivet
teria partido de Plymouth, na Inglaterra, em agosto de 1591, no Galleon Leicester, nau
capitânia de uma armada de cinco navios em direção ao “mar do sul” (Oceano Pacífico),
liderada por Thomas Cavendish
54
, experiente navegador que havia completado a
primeira viagem de circum-navegação inglesa em 1588.
Em seu relato, Knivet, ao comentar um episódio ocorrido ainda antes da
expedição atingir a costa do Brasil, conta sobre o que seria sua primeira referência aos
indígenas brasileiros: “com quanto seja coisa impossível atravessar por terra a
América, de Santos ao mar do sul, visto como são essas regiões selvas povoadas do
gentio.”
55
(KNIVET; p.186). Esta observação pode ser interpretada como uma
demonstração do seu conhecimento – ao escrever o relato, após suas excursões ao
interior do continente da ocupação das terras afastadas do litoral pelas populações
indígenas. Imagem esta que, ao nosso entender, se antepõe a idéia de “vazio”, por vezes
atribuída ao “sertão” em algumas crônicas
56
, e, adicionalmente, parece corroborar a
indicada por Pero de Magalhães Gândavo, no seu Tratado da Terra do Brasil
57
, escrito
Instituto Histórico pelo traductor)”. Trad. José Hygino Duarte Pereira. Separata da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XLI, Parte Primeira, pp. 183-272. Rio de Janeiro: Typ. De
Pinheiro &Cia.,1878
53
Escrita originalmente em inglês com o título: « The admirable adventures and strange fortunes of
Master Antony Knivet, which went with Master Tomas Candish [Cavendish] in his second voyage to the
south sea. 1591. What befell in their voyage to the straits, and after till he was taken by the Portugals »,
publicada pela primeira vez, em 1625, na coleção de Samuel Purchas, Hakluytus Posthumus or Purchas
his Pilgrims, 1625, part IV, p. 1201-42. A tradução de José H. D. Pereira se baseou na edição traduzida
para o holandês publicada em Leyde, em 1707.
54
Sobre esta expedição liderada por Thomas Cavendish, veja-se CAVENDISH, Thomas The last voyage
of Thomas Cavendish. Edited and with an Introduction by David B. Quinn. Chicago: The University of
Chicago Press, 1975.
55
Nas referências à tradução de José Hygino Duarte Pereira para o relato de Knivet, procuramos atualizar
a ortografia para facilitar a leitura.
56
Sobre esta idéia de “vazio”, veja-se MADER, M. Elisa Noronha de O vazio: o sertão no imaginário
da Colônia nos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1995. Dissertação de mestrado.
57
GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil – História da província Santa Cruz. Belo
Horizonte, Itatiaia, São Paulo, Edusp, 1980. (1
ª
publ. do Tratado :1826; 1
ª
publ. da História: 1576).
41
algumas décadas antes, quando este afirma: “Não pela terra dentro povoações de
portugueses por causa dos índios que não no consentem..” (GÂNDAVO; p.23).
Em seguida Kniet informa que, ao chegar à costa, na altura de Cabo Frio, sua
frota apreendeu um navio que levava escravos africanos e alguma mercadoria de Recife
para negociar no Rio da Prata. O piloto dessa embarcação, neste momento em poder dos
ingleses, teria dirigido as embarcações até Santos, que seria saqueada. Após tomarem a
cidade, Cavendish (que Knivet chama de “general”) alojou-se no “convento dos
jesuítas”, ali permanecendo enquanto durou esta escala da expedição, entre 22 de
dezembro de 1591 e 24 de janeiro de 1592. Em um aposento deste convento, teria se
dado um episódio que, além de estar relacionado à capacidade de adaptação dos índios
para sobreviverem diante do assalto dos europeus, uma idéia da fragilidade e do
desconhecimento do grupo de ingleses que havia tomado a cidade dos “portugueses”
58
.
Pelo menos dois índios chegaram ao leito do comandante sem encontrar qualquer
resistência ou vigília. Tendo Knivet registrado este evento como transcrevemos em
seguida:
“Dois indígenas, maltratados dos portugueses, fugiram deles, e, como conhecessem bem
as entradas do convento, foram ter certa noite à câmara do general, e se apresentaram
diante do seu leito com alguns porcos e galinhas que consigo trouxeram. Acordando o
general, começou a bradar por socorro; mas um dos selvagens, que falava português,
caiu de joelhos dizendo que ali viera, não para fazer-lhe mal, mas para implorar seu
patrocínio. Quando amanheceu, o general praticou com eles, e por eles soube da força
dos portugueses, e bem assim que estes tencionavam, quando nos retirássemos da cidade,
acometer-nos e bater-nos. Informaram mais que três embrulhos grandes com dinheiro
e...
59
estavam enterrados debaixo de certa figueira, e nos conduziram a um campo, onde
encontramos trezentas cabeças de gado, de que nos servimos, enquanto estivemos.”
(KNIVET; pp.191-192)
60
.
Sobre outras ofertas de apoio dos indígenas à expedição de Cavendish, Knivet nos
conta que:
“Quando estávamos em Santos, vieram ter conosco vários canibais ou antropófagos, e
pediram ao general que aniquilasse os portugueses e conservassem para si o lugar,
assegurando-lhe que todos eles tomariam voz pelo general. Este, porém, agradeceu-lhes
as boas disposições e declarou que tinha coisa diferente que fazer.” (KNIVET; p.192).
58
A rigor, devemos supor a existência de espanhóis entre os que estavam estabelecidos nas áreas da costa
mencionadas por Knivet e Cavendish, especialmente por estar em vigor, desde 1580, a União Ibérica. No
entanto, ambos os autores sempre mencionam os ocupantes brancos da terra como “portugueses
59
A lacuna é do original.
60
Mais adiante, Knivet informa que estes indígenas teriam acompanhado a frota quando esta deixou
Santos :Os dois índios, que entraram de noite no quarto de dormir do general, iam também conosco
para o estreito de Magalhães.” (KNIVET; p.194).
42
Estas referências a ofertas de alianças podem ser interpretadas como uma das
faces das práticas que alguns grupos indígenas adotavam no esforço para se adaptarem à
presença dos europeus. Sobre o mesmo episódio, encontramos registros indicando um
outro aspecto dessa adaptação, dessa vez envolvendo uma possível colaboração de
alguns grupos indígenas com os colonos luso-brasileiros que ali se encontravam
estabelecidos até então.
Segundo informa David Beers Quinn
61
, John Jane, no seu relato da viagem do
navio que comandava, o Desire
62
, na primeira fase da tomada de Santos, a maioria dos
luso-brasileiros teria caído refém numa igreja, pegos durante uma missa, e, enquanto os
ingleses esperavam as demais naus inglesas para o controle completo da cidade,
perderam muitos mantimentos pela ação dos indígenas. Registro que reproduzimos a
seguir: “..this coup was not adequately exploited since the local Indians were allowed
to move freely in and out the town and consequently were able to remove, under the
eyes of the English, most of the food stored there.” (CAVENDISH; p.23)
63
.
Knivet, em seguida, relata as tentativas da expedição de vencer o Estreito de
Magalhães e as causas do insucesso, o retorno ao ponto da costa brasileira de onde
tinham partido, bem como as circunstâncias que o levaram a estar em péssimo estado de
saúde nesta altura da viagem. Quando do regresso ao porto de Santos, houve um assalto
a um engenho à beira mar para obtenção de víveres, no qual participou como guia um
dos índios que havia invadido o colégio dos jesuítas
64
. Após o embarque de alguns
mantimentos, Knivet informa ter chegado a notícia de que os que desembarcaram teriam
sido mortos pelos ditos “portugueses”, afirmando, ainda :
“Quando estes e os contrários se achavam no mais aceso da briga, o índio, vendo-se
ferido de flecha no pescoço, boca e demais partes do corpo, e conhecendo a disposição
do lugar se pôs em fuga, nadou para o Leicester em um pedaço de madeira, e nos referiu
que toda a nossa gente havia sido rôta.”
65
(KNIVET; pp. 201-202).
61
Em sua “Introduction” para a edição mencionada da The Last Voyage of Thomas Cavendish 1591-1592.
62
Além dos já mencionados Galleon Leicester e Desire, integravam a frota o Roebuck, o Daintie e o
Black Pinnace (CAVENDISH; p.21).
63
Trecho que podemos traduzir como: ..essa vitória não foi adequadamente aproveitada uma vez que aos
indígenas locais foi permitido se movimentarem livremente entrando e saindo da cidade, e,
consequentemente, capazes de remover, sob os olhos dos ingleses, a maior parte da comida ali estocada.
64
O segundo índio teria morrido afogado durante a tentativa de vencer o Estreito de Magalhães, conforme
registra Knivet: “Aqui um daqueles índios, que foram de noite à mara do general, acertou de cair no
mar e morreu. (KNIVET; p.201).
65
Segundo Cavendish, o índio afirmou que foram atacados por 80 portugueses e 300 índios
(CAVENDISH; p.76).
43
Cavendish, segundo nos informa Knivet, pretendia bombardear Santos como
vingança pela perda de seus homens
66
, entretanto, tendo o Galleon Leicester encalhado
no Canal de Bertioga, teria se contentado em mandar uma equipe saquear uma plantação
das redondezas, para, em seguida, rumar para o Espírito Santo. Ali chegando, registra
nosso autor que, ao notar que o canal de entrada não teria a profundidade suficiente para
a aproximação dos navios e tomada da cidade, Cavendish, diante da insistência de
alguns de seus oficiais, teria permitido que cento e vinte homens tentassem entrar na
cidade
67
, aventura que se mostraria desastrosa pela reação dos “portugueses” e
indígenas
68
. Sobre este episódio, afirma Knivet: Em uma palavra, perdemos oitenta
homens, e dos quarenta que voltaram não havia um que não estivesse ferido de flecha, e
alguns o estavam em cinco e seis partes do corpo”. (KNIVET; p.204).
Conforme seu relato, a frota decidira voltar à ilha de São Sebastião, para em
seguida seguir para o Estreito de Magalhães. Registra Knivet sobre o estado de suas
condições físicas, nesta oportunidade: “Neste entretanto permanecia eu debaixo da
coberta, enfermo, estropiado e quase morto de fome, e tão desfalecido estava que não
podia subir nem descer.” (KNIVET; p.204); e, ainda, que a primeira providência ao
chegar na ilha teria sido o abandono dos doentes em terra, “afim de que eles se
houvessem como melhor pudessem.” (KNIVET; p.204)
69
. Assim começaria a parte do
relato de Knivet referente a sua convivência com os habitantes do continente.
Destes primeiros contatos envolvendo os indígenas que encontramos registrados
por Knivet, emerge, ao nosso ver, uma primeira situação cultural que poderia ser
incluída em um tipo de relação que foge às interpretações tradicionais que opõem
radicalmente conquistadores e colonizadores aos indígenas. Nestes primeiros embates
com as forças de defesa dos colonos luso-brasileiros, o relato de Knivet, reforçado pelas
anotações da carta de Cavendish, apontam para descrições em que a maioria da tropa
dos por ele denominados “portugueses” seria composta por arqueiros indígenas. Além
66
Cavendish se refere à perda de 25 de seus melhores homens, “..25 of my principale men”
(CAVENDISH; p.76).
67
Segundo Cavendish, o grupo teria oitenta homens, ..some 80 men as well furnished with
weapons” (CAVENDISH; p.92).
68
Knivet se refere aos portugueses, mas Cavendish registra “Indians & Poringales” (CAVENDISH;
p.96).
69
Esta seria a última viagem de Cavendish, não tendo sucesso em alcançar o “mar do sul”, viria a falecer
no regresso à Inglaterra. Para informações sobre a biografia de Thomas Cavendish e sobre esta sua última
viagem, veja-se a introdução de David B. Quinn, em Cavendish, T.; Op. Cit., pp. 1-46.
44
de permitir que conheçamos algumas características de mistura de culturas, quando,
entre outras evidências, destaca que o transporte era preponderantemente feito por
canoas indígenas, e ao se referir aos feridos por essa “tropa”, estes teriam sido sempre
tidos como atingidos por flechas.
Após narrar suas peripécias para sobreviver e se reabilitar se alimentando de
caranguejos e de uma baleia encalhada, Knivet conta ter se sentido recuperado e se
apresentado a um grupo de quarenta homens que o “general” havia mandado à terra para
que pescassem e limpassem “o seu batel”. Neste ínterim, enquanto este grupo preparava
água e lenha para o navio, “desembarcaram portugueses do Rio de Janeiro na ponta do
norte da ilha”, tendo estes “portugueses e selvagens” atacado e matado vinte e oito do
grupo, “escapando somente eu e Henrique Barraway, pela minha intervenção”.
(KNIVET; p.207-208). Ao descrever sua captura, Knivet conta que teria se dirigido, em
português
70
, tanto a um indígena quanto a um “português” sugerindo “que lhes
contaria algumas novidades se [lhe] poupassem a vida” (KNIVET; p.207). Este
“português” teria dito que Knivet não precisava se preocupar: visto que o selvagem era
um dos seus escravos e conduzir-me-ia ao capitão”. (KNIVET; p.207). Transcrevo, em
seguida, o trecho do relato de seu transporte pelo indígena até o capitão português e
como foi recebido. Neste podemos perceber importantes indicações sobre a convivência
dos “portugueses” e dos indígenas em suas ações militares, em época e região muito
próximas da que teria recebido o grumete Roulox Baro:
“Levou-me este canibal pela praia, e fomos ter a uma penha que sabe ao mar; tomou-me
ele nas costas, e, tendo nadado comigo por fora dos parceis, continuamos a nossa
viagem, e caminhamos quase toda a noite, até que enfim chegamos a um grande banco
na costa. o selvagem assobiou, foi respondido por um outro selvagem, e apareceram
imediatamente cinco ou seis portugueses, e entre eles o capitão.
Este trazia nas mãos um pedaço de pão e marmelada, e ao ver-me perguntou o que tinha
de novo a lhe dizer? Respondi que tinha muita fome, pelo que me rogava que me desse
alguma coisa para comer, e depois lhe contaria tudo o que soubesse. Entraram os
portugueses a rir, e deram-me pão e peixe. Feita a refeição, respondi com verdade a tudo
que me perguntaram.” (KNIVET; pp. 207-208).
Até este ponto estávamos percorrendo o “Capítulo I” do relato de Knivet,
intitulado “Knivet parte da Inglaterra e vai Ter ao estreito de Magalhães Cai nas mãos
dos portugueses”, agora entramos no “Capítulo II”, que recebeu o tulo “Knivet é
70
Knivet não esclarece como tinha aprendido a se expressar em português. J. de Sousa Leão, filho, em
seu prefácio para a tradução do Toortse der Zee-vaert de Dierick Ruiters, que abordaremos adiante,
45
levado ao Rio de Janeiro e convive com os portugueses e índios Faz varias excursões
naquelas partes”. Neste destacamos sua referência de que ao ser levado pelos
portugueses para o Rio de Janeiro, estaria sob as ordens “do sujeito que, na noite em
que me aprisionaram, salvou-me a vida”, e que este tal sujeito seria “um mestiço, o que
quer dizer – meio português, meio índio”, e que teriam chegado “em numerosas
canoas” com os portugueses “à cidade de S. Sebastião, sita no Rio de Janeiro.”
(KNIVET; p.208). Para este mesmo sujeito, ele teria sido dado como presente pelo
governador
71
, “com o que muito folguei, porque não havia sido maltratado por esse
sujeito, desde que com ele vim da ilha de S. Sebastião” (KNIVET; p.209). Knivet
passou três meses fazendo serviços para o referido mestiço.
Este período de convívio com este “mestiço”, Knivet considerou como uma “vida
muito cômoda”, pois “meu amo chamava-me de filho; jantávamos e ceiávamos juntos;
dormia eu em uma rede no mesmo quarto que ele ocupava”
72
(KNIVET; p.209).
Levado ao governador Sebastião Correia de Sá, ao se identificar como marinheiro foi
enviado para um engenho, “incumbido de andar acima e abaixo, em um batel, a
transportar canas e madeira para o engenho.” (KNIVET; p.210). Passados alguns
meses nessa tarefa, sua situação viria a mudar, permitindo a sua participação em
relações mais diretas com os elementos que estariam mais proximamente envolvidos
com a provável primeira fase de Roulox Baro no Novo Mundo. Esta possibilidade teria
surgido em função de um acontecimento assim registrado por Knivet:
“Havia quatro meses que eu lidava com o batel, quando chegou do Espírito Santo
Martim de Sá, um dos filhos do governador.
Este homem, compadecido de minha sorte e mísera vida, pediu ao pai que me desse a ele,
o que lhe foi concedido, e muito contente fiquei com o meu novo amo.” (KNIVET;
p.210).
Sem tecer comentário algum sobre os dois primeiros anos que teria servido à
Martim de Sá, Knivet passa a narrar uma missão que lhe foi confiada por seu “amo”
junto a um grupo indígena. Este teria parte das providências que o governador teria
considera provável que o português, na época, foi a língua franca do navegante na rota da África.
(RUITERS; p.7).
71
Salvador Correia de Sá, que exercia o seu segundo governo desde 1578. Para a relação dos
governadores da cidade do Rio de Janeiro ao longo do século XVII veja-se COARACY, Vivaldo. O Rio
de Janeiro no século XVII. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1965, p.xxxvi
72
Analisando esta temporada de Knivet com o “mestiço”, tendo conhecimento da futura utilização do
mesmo nas atividades de preação de índios, podemos interpretar como um “estágio” junto a um mediador
inter-cultural.
46
confiado ao seu filho em um “lugar chamado Wianasses
73
, cujos moradores tinham
pazes com os portugueses, e por facas e machados lhes vendiam mulher e filhos.”
(KNIVET; p.211). As ordens recebidas ao chegarem na tal região tiveram o seguinte
registro:
“Vendo Martim de que eu o servia com solicitude, ordenou-me que com oito dos seus
escravos, carregados de machados e facas, fosse buscar um outro gênero de selvagens
chamados Pories (Puris), que haviam igualmente assentado pazes com os portugueses;
desde muito, porém, os portugueses os não procuravam.” (KNIVET; p.211).
Em seguida, encontramos registros de suas impressões sobre os costumes dos
“selvagens”, entremeados da narração de “façanhas”, nas quais pretendia demonstrar
sua valentia e esperteza no trato com o gentio, para, mais adiante, assim relatar o
cumprimento de sua missão:
“À tarde fiz presente ao velho de todos os meus haveres, e lhe pedi que em retribuição
houvesse de mandar-me por fora de suas terras.
No outro dia deu-me o velho setenta escravos e trezentos flecheiros para me conduzirem
até a outra banda do rio Paraíba. Dali voltou essa escolta, e em quarenta dias fui ter
facilmente à Ilha Grande, onde encontrei Martim de Sá, que muito folgou com minha
volta e prometeu dar-me um dos selvagens por escravo; mas, quando chegou ao Rio de
Janeiro, vendeu-os todos e não me deu nenhum.” (KNIVET; p.214).
Knivet conta que, dois meses depois Martim de Sá, o mandou para outra missão
semelhante, mas diante de sua recusa o devolveu para o engenho de seu pai.
sob as ordens do governador, passou a “pescar em um batelzinho, afim de tirar
do pescado azeite para o engenho” (KNIVET; p.214), o que lhe deu oportunidade para
uma tentativa de fuga, quando tentou alcançar navios ingleses que se abasteciam de
água na ilha de S. Sebastião. Atrapalhado por uma tempestade, foi encontrado náufrago
em uma ilha e condenado como fugitivo, e escapou de ser enforcado, mas não de
trabalhos forçados, passando a carregar “ferros de trinta libras” e a “trabalhar no
engenho como escravo” (KNIVET; p.217). Para escapar, conta que atacou o feitor e se
embrenhou nas matas, onde, alguns dias depois, foi caçado pelos índios do governador.
73
Em nota, o tradutor assim interpretou esta denominação: “Os habitantes é que se chamavam
Guayanazes, e senhoreavam a costa desde Angra dos Reis até Cananea” (KNIVET; p.211, nota 26). A
Dra. Nanci Vieira de Oliveira adota a denominação “os Guaianá”, avaliando que a dita aldeia localizava-
se provavelmente na baia de Sepetiba, conforme Nanci Vieira de Oliveira LAB/UERJ, Pedro Paulo A.
Funari NEE/UNICAMP, “Projeto Conjunto Estratégias de ocupação e defesa do litoral sul
fluminense: uma análise da rede de fortificações na baia de Ilha Grande”. Disponível em
http://www.unicamp.br/nee/arqueologia/ilha_grande.html Acesso em Janeiro de 2006.
47
Knivet se dirigiu, então, para a região onde estivera quando negociava escravos entre os
indígenas, onde ficou por nove meses. Esta convivência com os Guaianases teria durado
até Martim de retornar por aqueles lados em busca de mais “mercadoria”, quando,
nas palavras de Knivet, os selvagens, sem mais deliberação, me entregaram de mãos e
pés atados”. (KNIVET; p.221). Assim registrou Knivet a sua volta ao poder do filho de
seu “amo”:
“Entregue a Martim de pelos canibais, todos os que anteriormente me haviam
protestado ser os meus melhores amigos, mostraram-se agora os meus maiores e
encarniçados inimigos. Zombavam de mim e me injuriavam, batiam-me na cabeça, e
contavam aos portugueses que eu envidara esforços para concitá-los a se levantarem
contra eles.” (KNIVET; p.221).
Algumas características que se depreendem do relato de Knivet sobre as relações
entre este grupo indígena e as forças de Martim de Sá, caracterizariam, no nosso
entendimento, uma aliança onde através de adaptações de seus valores culturais ambos
os grupos procuravam atingir seus propósitos quanto à sobrevivência. Podemos
destacar, entre as múltiplas adaptações de formas culturais que emergem da narrativa de
Knivet envolvendo os indígenas e os colonos luso-brasileiros, os registros de que, se os
prisioneiros não serviam apenas para rituais antropofágicos para os indígenas, os
brancos, por seu lado, abriam mão do seu papel de agentes de conversão do gentio. A
posição adotada pela liderança deste grupo, tanto na negociação de escravos com
Knivet, enquanto preposto de Martim de Sá, quanto na sua devolução sem mais
deliberação” como fugitivo, somada à liberdade encontrada por Knivet em seu
cotidiano na aldeia, parecem indicar a situação de aliança baseada numa relação de
troca, não se enquadrando na idéia da colonização como uma simples sucessão de
genocídio e aculturação dos conquistadores contra as populações indígenas.
Adicionalmente, a permanência de Knivet por nove meses entre estes indígenas, reforça
a possibilidade de ter sido nesta aldeia, ou em outra com parceria semelhante com
Martim de Sá, que este teria deixado o grumete Roulox Baro, para depois utilizá-lo
como mediador inter-cultural.
Continuando sua narrativa, Knivet afirma que, temendo ser morto ao chegar ao
Rio de Janeiro, aceitou a proposta de Martim de Sá de liderar uma missão, assim
descrita: “.. que eu fosse buscar mulheres, rapazes e raparigas ao lugar chamado
48
Paraíba-Wereob” (KNIVET; p.222). Registra Knivet: “Dirigi-me, pois, para as
florestas, acompanhado de doze selvagens, sem saber para onde.” (KNIVET; p.222);
afirmação que parece indicar a importância da presença de um branco na expedição para
negociar com os grupos indígenas, posto que Knivet declara sua total ignorância sobre o
destino de sua viagem. Após uma jornada de vinte e cinco dias pela selva, o grupo teria
se encontrado com dois indígenas, os quais seriam da nação com quem deviam
negociar, episódio assim narrado por Knivet:
“Quiseram eles evitar-nos, mas como lhes levávamos vantagem em número, os
alcançamos antes que eles abiscassem à terra.
Achava-se em minha companhia um selvagem da nação daqueles, chamado Morosoey, o
qual foi tomado pelos Wainasses e vendido aos portugueses. Sabia, pois, falar a língua
dos Tamoios, que eu entendia muito bem.”
“Mui admirados ficaram os dois canibais da canoa com verem homens vestidos, e como
seu compatriota estivesse também a portuguesa, não o reconheceram a princípio.”
(KNIVET; p.223).
Transcrevemos este episódio, por acreditarmos nele estarem presentes elementos
que representariam a flexibilidade que marcaria estes contatos inter-culturais, quando,
mesmo vestidos “à portuguesa”, os companheiros de Knivet não deixavam de serem
descritos como “selvagens”, enquanto, por estar assim trajado, “Morosoey” não teria
sido reconhecido pelos da sua gente.
Depois de descrever as cerimônias que cercaram a sua recepção naquela aldeia,
registra Knivet: No dia imediato entrei a fazer trato de escravos com eles. Comprei
noventa e levei-os todos a Martim de Sá, que me esperava na Ilha Grande.” (KNIVET;
p.224). Após registrar ter pedido para continuar nos serviços entre os indígenas, por
ainda temer as conseqüências da morte do feitor, Knivet teria sido informado de que
aquele teria sobrevivido e seguido para o Rio da Prata, e devolvido ao governador, para
quem teria trabalhado no engenho pelo ano que se seguiu: “empregado em encaixotar
açúcares.” (KNIVET; p.224). O próximo registro envolvendo diretamente os grupos
indígenas se refere ao episódio em que os Guaianases teriam sido atacados por uma
casta de selvagens chamados Tamoyos”
74
, que Knivet registra como “os mais
encarniçados inimigos que os colonos tinham na América.” (KNIVET; p.224), tendo
pedido auxílio aos luso-brasileiros. Ocasião para a sua participação junto as forças de
74
O tradutor, em nota, informa: “Os Tamoyos, que haviam ocupado a costa desde o Cabo Frio até Angra
dos Reis, se achavam internados.” (KNIVET; p.224, nota 33). Sobre este processo veja-se HEMMING,
John Red Gold: The conquest of the Brazilian Indians. London: Papermac, 1995, especialmente pp.136-
138.
49
Martim de Sá, que teria sido enviado pelo governador para socorrê-los com “setecentos
portugueses e dois mil índios.” (KNIVET; p.225). Knivet dedica várias páginas à
narrativa dessa ação militar, onde teria sido reunida uma formação similar às que tinham
aparecido nos registros da defesa dos colonos contra ameaças de missões lideradas pelos
ingleses, mas que nesta oportunidade seria utilizada para a auxiliar uma população
indígena que era parceira comercial dos luso-brasileiros. Ocupando com a descrição
desta expedição o restante do capítulo II. Entre as diversas interações entre colonos e
indígenas registradas nas movimentações dessa tropa, primeiro até Paratí, por mar, e
depois atravessando o vale do Paraíba, em busca dos Tamoios, procuraremos destacar
algumas que, ao nosso ver, possam servir para uma avaliação da influência que teriam
na formação da visão de mundo de Roulox Baro, no caso de sua eventual participação
em ações semelhantes.
Ainda em Paratí, antes de começarem a jornada por terra, temos um registro que
se refere ao engajamento de novos indígenas na expedição, mostrando, além da
circulação das notícias entre as aldeias, uma situação onde se revelariam alguns detalhes
do cerimonial no trato com as lideranças indígenas. Assim registrou Knivet este
episódio:
“Quando chegamos a Parati, veio ter conosco, noite fechada, um selvagem de nome
Alecio, da aldeia Jequerequere, sita na costa defronte da ilha de S. Sebastião.
Este Alecio trouxe consigo oitenta flecheiros, e ofereceu-se a acompanhar o capitão com
os seus.
Pusemo-nos, pois, a caminho pelos montes.
Na seguinte noite, vendo o capitão que Alecio estava deitado no chão, tomou-me a rede
em que eu tencionava dormir, e deu-a ao canibal, de modo que tive de resignar-me a
pernoitar no chão.” (KNIVET; p.226).
Mais adiante, encontramos o registro de um episódio em que aparece um exemplo
da facilidade com que o homem branco, mesmo com alguma experiência entre os
grupos indígenas e convivendo com mestiços, perdia a orientação nas matas do interior;
assim como mais uma indicação da referida “densidade demográfica na região.
Merecendo destaque, adicionalmente, a reação, aparentemente movida por interesses de
troca com os expedicionários, da parte de um grupo dos Puris. Episódio este cujo
registro transcrevemos abaixo:
“Certo dia sai a pescar. Como chovia um pouco, voltaram os três índios que me haviam
acompanhado, de modo que fiquei só. Quando pretendi voltar ao acampamento pelo
50
mesmo caminho através dos bosques, por onde tinha vindo com os índios, perdi-me.
Tornei, pois, outra vez ao rio, certo de que permanecendo em suas margens, havia de dar
com o lugar em que acampava o capitão. Sendo um pouco tarde, fui Ter
inesperadamente a um sítio, onde se achavam alguns cem Puris entre homens e mulheres.
Conjeturei que morreria nas mãos desses canibais; não me fizeram, porém, mal algum.
Tomaram-me a faca e instrumentos de pesca, e deram-me a comer do seu alimento, que
era um assado de carne de macaco. Comi satisfatoriamente, e, terminada a refeição,
fizeram-me eles um aparelho de algumas canas secas, que pudesse servir para nadar, e
nele vim ter com brevidade ao nosso acampamento na margem do rio.
Esses selvagens nos indicaram um lugar a dois dias de viagem dali, no qual
encontraríamos favas ou ervilhas, milho e raízes.” (KNIVET; p.228).
Algumas características registradas por Knivet dão indicações sobre condições
peculiares enfrentadas por essas excursões ao interior do continente na época. Durante
todo o trajeto as tropas utilizavam “canibais” como guias. Mesmo antes de qualquer
combate, teriam ocorrido diversas baixas por doenças e fome. E, ainda, o que pode ser
interpretado como uma soma dessas duas condições anteriores, a ocorrência do receio
da tropa de que os guias estariam informando caminhos errados para sabotar a
expedição, como registra Knivet: “Isto levou os portugueses a conjurarem-se e
representarem ao capitão que, ao seu ver, o fim dos canibais era levá-los por ali e
acolá até que perecessem.” (KNIVET; p.232). Em nosso entender, podemos considerar
que as cenas de interação descritas na narrativa que acabamos de nos referir, no que
envolve os encontros entre os colonos luso-brasileiros e as populações indígenas,
parecem revelar um equilíbrio dinâmico de forças que difere fundamentalmente do
modelo de encontro entre “civilização” e “barbárie”.
A expedição, segundo o relato de Knivet, teria terminado sem encontrar os
Tamoios, apesar de afirmar ter encontrar a aldeia dos mesmos abandonada e ter
permanecido por dois meses. No seu registro de um episódio em que teria sido
condenado a morte por Martim de em função de desordens envolvendo um primo
daquele “capitão”, Knivet fornece uma indicação do caráter de negócio particular
75
que
a missão de proteção aos Guaianá teria se revestido, presente na fala atribuída a um
grupo de colonos ditos “portugueses” que procuravam interceder para que poupassem a
sua vida:
75
Apesar do caráter “particular” desta expedição, Knivet registra que nela havia assistência religiosa,
como no trecho em que comentando a situação de fome em certa altura da viagem afirma: “Comemos
também um couro de vaca que o frade trazia para resguardar da chuva o seu serviço (KNIVET; p.231).
Nas missões de negócio com as aldeias na compra de índios não encontramos registro dessa presença. Em
tempo, o tradutor, em nota quando o termo frade aparece pela primeira vez, esclarece que: “O tradutor
holandês usa invariavelmente da palavra monnik (monge) para designar, quer frade, quer padre. É
51
“Encolerizaram-se então os portugueses com o carrasco. João de Sousa, Graned del
Galbo, Fostino Albanos e uma grande parte dos portugueses entraram a murmurar,
perguntando uns aos outros: “Que poder tem o capitão para dar morte a este homem?
Não viemos a estes sertões em serviço do rei, senão em proveito próprio, e o capitão não
é mais que um filho bastardo do governador.” Do que resultou ficar sustada a
execução.” (KNIVET; p.237).
Ao tomarem a decisão de retornar ao Rio de Janeiro, Knivet relata que ele e um
grupo de doze “portugueses” teriam resolvido permanecer no interior, encerrando o
capítulo II com a descrição desse episódio, onde justifica a sua decisão e a do grupo que
o teria acompanhado:
“Desta aldeia tornaram os portugueses para casa, menos eu e doze galhardos mancebos,
pois pedimos ao capitão a nossa dispensa afim de irmos correr aventuras, o que nos foi
concedido.
Quanto a mim, solicitei a minha dispensa, porque receava que o capitão me maltratasse
durante a volta. Demais, parecia a todos pouco avisado voltarmos ao Rio de Janeiro,
uma vez que não sabíamos onde estávamos, e não ousávamos retornar o caminho por
onde viéramos, pois os Pories, Lepos, Tominenos e outros canibais, vendo-nos tão
fracos, certamente haviam de dar sobre nós.” (KNIVET; p.238).
Knivet deu ao terceiro e último capítulo o título: “Singulares peregrinações de
Knivet e doze portugueses Estes são vítimas dos selvagens antropófagos Knivet
assiste entre os selvagens e depois entre os portugueses Foge para Angola, de onde é
reenviado para o Brasil Depois de muitas aventuras parte para Lisboa”. Nas páginas
iniciais descreve sua aventura com os companheiros luso-brasileiros, entremeando
sugestões da presença de metais preciosos, e não registra nenhum encontro com
indígenas durante as primeiras semanas. Em seguida, temos o encontro com uma aldeia,
cujos habitantes teriam massacrado todos os ditos “portugueses” do grupo em rituais
semelhantes aos descritos por Jean de Lery
76
, em obra publicada pela primeira vez em
1578, tendo Knivet sido poupado pela conveniente combinação que teria feito o mesmo
se declarar francês, enquanto os demais teriam assumido serem “portugueses”. Segundo
Knivet, estaria nessa ocasião entre os Tamoios, os quais teriam afirmado que seus
antepassados tinham sido amigos dos franceses, Knivet os acompanharia em ações de
combate contra os Temiminós, e habitaria entre eles por diversos meses. Após a
assim, por exemplo, que se exprime com relação aos jesuitas, que não eram monges.” (KNIVET; p.187,
nota3).
76
DE LÉRY, Jean Viagem à Terra do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1961. Trad.
Sérgio Milliet. Primeira edição – 1578.
52
descrição de muitas viagens e enfrentamentos com outros grupos que teria
testemunhado durante a sua permanência entre os Tamoios, Knivet narra a queda de
seus novos companheiros, quando, após conquistarem uma aldeia dos Carijós, no litoral,
a perderam nas mão das forças de Martim de Sá. Registro que reproduzimos a seguir:
“Passando a notícia de S. Vicente ao Rio de Janeiro, equiparam logo os portugueses
uma frota de caravelas e canoas, cujo comando foi dado a Martim de Sá, que se
achava de volta de sua viagem ao rio Javary, onde eu havia me apartado dele.
Chegados os portugueses, saíram a noite contra nossa aldeia e a cercaram. Pelas três
horas da madrugada um índio, que viera com os portugueses, gritou aos nossos que se
não mexessem, pois do contrário seriam passados todos à espada. Os Tamoios, ouvindo
o que lhes dizia o índio, entraram a fazer grande soada com seus arcos e flechas; mas,
apenas os portugueses dispararam um tiro, ficaram todos mofinos e sem pingo de sangue
metidos em suas redes.
Quando amanheceu, dando comigo o filho de meu amo, persignou-se e benzeu-se.
Perguntou-me onde ficaram meus companheiros, respondi-lhe que os índios os mataram
e comeram.
Pelas dez horas foram tirados das casas e interrogados os índios. Alguns deles
asseguraram que eu os movera a matarem os portugueses, mentira que, se se
confirmasse, acarretar-me-ia a morte. Mas aprouve a Deus desmascarar os caluniadores
pela própria boca dos índios.
Após isto os portugueses mataram, em número de dez mil, todos os velhos e mulheres, e
particularmente os que eram réus no assassinato dos meus companheiros. Os vinte mil
restantes foram repartidos como escravos.
Assim voltei à casa do meu velho amo, e fui enviado com os Tamoios para um engenho
que ele levantara recentemente.” (KNIVET; pp.247-248).
Após alguns meses a serviço do governador Salvador Correia de Sá, transportando
madeira nas matas junto aos outros escravos, Knivet relata seu engajamento em uma
missão contra os Goytacazes. Em função de notícias vindas de Cabo Frio de que teriam
se instalado em “certos sítios dantes ocupados pelos Tamoios”, registra Knivet:
“Salvador Correia de Sá despachou para ali seu filho Gonçalo Correia de Sá, e eu tive
de acompanhá-lo, posto que de vontade.” (KNIVET; p.249). No retorno desta ação,
que teria contado com o apoio de um grupo Tamoio remanescente na região, Knivet
conta ter se reabilitado junto ao governador: “Quando chegou à casa deu Gonçalo
Correia de tão favorável testemunho de mim a seu pai, que este me ordenou que
velasse sobre ele por toda parte.” (KNIVET; p.250).
Neste ponto, Knivet registra mais uma amostra das recorrentes ameaças de ataque
por forças provenientes de nações européias sofridas nas posições do continente
ocupadas pelos “portugueses”. Situação que pode ser interpretada como mais uma
indicação para o interesse de parte de Martim de em formar um mediador inter-
cultural conhecedor da ngua flamenga, e posicioná-lo entre os indígenas, como parte
53
integrante e importante das forças de defesa, como pode ter ocorrido no caso de Roulox
Baro. Assim tendo registrado Knivet, o mencionado episódio: “Por esse tempo veio de
Portugal a notícia de que uma frota inglesa estava a partir para o Brasil. Esta notícia
levou o governador a mandar levantar um forte sobre certa altura à boca do porto.”
(KNIVET; p.251). Situação que teria se repetiria, por exemplo, sob o governo de
Francisco de Mendonça e Vasconcelos (1599-1601), desta vez com o seguinte registro:
“Neste mesmo ano lançaram âncoras à boca do porto quatro navios holandeses, do que
se causou tomar armas toda a cidade.” (KNIVET; p.259).
Nas aventuras narradas a partir deste ponto, as poucas referências envolvendo o
convívio com povos indígenas ocorrem durante uma viagem que Salvador Correia de Sá
teria feito à Pernambuco, depois de ter sido substituído no governo por Francisco de
Mendonça e Vasconcelos
77
, da qual Knivet teria participado. Durante a ida, ainda
embarcados na urca em que deixaram o Rio de Janeiro, ao se verem embaraçados nos
recifes próximos da costa, distante, segundo Knivet, quarenta léguas de Pernambuco, o
governador o teria mandado desembarcar e dialogar com indígenas que teriam sido
avistados na praia, para “saber que costa era aquela e se podíamos ir por terra a
Pernambuco.” (KNIVET; p.264). Estes teriam informado não estarem longe do Rio de
S. Francisco, e, ainda, que "“eles eram escravos dos portugueses de Pernambuco, e
haviam levado gado à Bahia, de onde voltavam para casa."”(KNIVET; p.265). O
governador e sua comitiva, segundo os registros de Knivet, teriam desembarcado e
continuado a viagem por terra e navegando por rios da região.
Após seu retorno a Pernambuco, Knivet narra sua ida para Lisboa na frota que
levou Salvador Correia de àquela cidade, onde terminaria seus registros sem incluir
como teria conseguido retornar a Inglaterra. Algumas observações de Knivet ao longo
de sua narrativa apontam para a presença de indivíduos com origem em diversas
regiões, tanto em seu período embarcado, quanto no Rio de Janeiro, Pernambuco ou
Lisboa. Enquanto na expedição de Cavendish, Knivet registra uma conspiração
envolvendo dois japoneses e um português; além das diversas indicações que parecem
levar a impressão de que o português era uma língua cujo conhecimento seria essencial
77
Francisco Mendonça e Vasconcelos teria governado a cidade do Rio de Janeiro de 1599 até 1602, ano
em que foi substituído por Martim de Sá, que teria governado até 1607; tendo, ainda, este último um
segundo mandato de governador entre 1623 e 1632. Para a relação dos governadores da cidade do Rio de
Janeiro ao longo do século XVII veja-se Coaracy, V.; Op. Cit., p.xxxvi.
54
para quem se envolvesse nas grandes navegações
78
. Durante sua permanência na região
do Rio de Janeiro, como exemplo de indicação da presença dessa multiplicidade de
etnias européias, podemos lembrar, como exemplo, o seguinte trecho:
“Andava eu então nas graças do governador, e pelo meu valimento receberam os
prisioneiros todos os favores que pude obter, particularmente em deles chamado Robert
Heixt, que os outros disseram ser pessoa nobre.
Durante obra de três meses assistimos em um povoado na costa, onde um tal de Thomas
Cooper, homem casado, residia e fazia o seu negócio. Éramos nove ingleses e três
neerlandeses.
resolvemos assenhorear-mos de uma das embarcações do Rio da Prata, quando elas
viessem ao porto, e nela fugir.
Freqüentava eu diariamente com Heixt a casa de um português, onde eu era mui bem
visto. Uma certa noite foi Heixt a essa casa, e furtou uma bolsa com sessenta piastras e
duas ou três moedas holandesas.” (KNIVET; p.255).
Em Pernambuco, Knivet afirma ter encontrado dois ingleses: um deles era um
gentil-homem chamadoThomaz Turner; o outro chamava-se Musgrave, e era piloto de
uma fusta de Newton, negociante em Londres.”; acrescentando que: “Por conselho meu
Turner foi ao Rio de Janeiro, e daí se passou para Angola, onde realizou grandes
lucros, negociando com suas mercadorias, pelo que me agradeceu depois na
Inglaterra.” (KNIVET; p.269). Transcrevemos, a seguir, como exemplo dessa mesma
circunstância multi-étnica que parecia cercar o “eixo” Europa Novo Mundo na virada
do século XVI para o XVII, o trecho que registra uma parte de sua estadia em Lisboa,
última etapa de seu relato:
“Tendo saído do hospital, pareceu-me mais acertado abandonar a casa do meu amo e
procurar meios de vida. Comestas vistas dirigi-me à alfândega do rei, onde, entre toda
sorte de estrangeiros, encontrei alguns escoceses, que procuravam quem os entendesse.
Ouvindo isto, ofereci-lhes os meus serviços, e ganhei tanto quanto desejava, pois me
pagavam muito bem o meu trabalho de traduzir (ou interpretar).
Propuseram-me vários negociantes holandeses que eu tornasse, em proveito deles, ao
Brasil e às Índias; respondi-lhes que desejava visitar primeiro a Inglaterra, pois
alimentava a esperança de poder ganhar aí honradamente o meu pão.” (KNIVET;
p.271).
78
Sobre essa circunstância, temos a consideração de J. De Sousa Leão, filho, em seu “Prefácio da
Tradução” do Toortse der Zee-vaert de Dierick Ruiters, de 1623, quando afirma, sobre o holandês escrito
por Ruiters: “Seu pedestre e por vezes cru “zelandês” curiosamente impregnado de portuguesismos,
comprova, que o português na época foi a língua franca do navegante na rota da África."”(RUITERS;
p.7).
55
A presença de portugueses e indígenas aliados na Ilha Grande aparece indicada ao
longo de diversos episódios. O mesmo ocorrendo com a destruição de suas casas nas
mãos de visitantes hostis, como na narrativa da parada do Galleon Leicester , quando
Knivet registra: “A tarde pusemos fogo a um navio novo, queimamos todas as casas,
e...nos fizemos a vela desta ilha.” (KNIVET; p.188).Encontramos registros em vários
pontos da narrativa de Knivet com relação a Ilha Grande, palco onde teria ocorrido a
captura pelas forças de Martim de Sá do navio Blauwen Zeeu, em 1617, com o
conseqüente envio do grumete Roulox Baro para, aos sete anos de idade, habitar em
uma aldeia no continente. Além de ser mencionada como ponto de encontro de Knivet
com Martim de no retorno das duas missões relatadas para negociação de escravos
indígenas, como vimos anteriormente, a Ilha Grande é citada como ponto de parada para
abastecimento de embarcações, caso do Galleon Leicester (KNIVET; p.187); do Desire
em seu retorno do Estreito de Magalhães (KNIVET; p.251); sendo essa característica de
ponto de parada dos navios evidenciada no trecho que reproduzimos a seguir:
“Obra de dois meses depois aportou na Ilha Grande um pequeno navio de guerra, cujo
capitão chamava-se Abraham Kock. Andava espreitando os navios que estavam a vir do
Rio da Prata, e certamente os teria apresado se não lhe fugisse um batel cinco dos seus,
os quais descobriram que o dito navio ali se achava. E, com efeito sete dias depois da
partida de Abraham Kock surgiram no mesmo porto três caravelas.” (KNIVET; p.255).
Do que compilamos da narração de Antony Knivet, destacamos algumas
impressões que podem ajudar em uma visão de alguns aspectos relevantes para uma
tentativa de interpretação do ambiente onde Roulox Baro teria passado os primeiros
anos de sua estada no Brasil. Entre elas podemos destacar a posição e o poder de
Martim de Sá e seus índios no entorno da cidade do Rio de Janeiro, ainda antes de ter se
tornado governador. Martim de manteve alianças com aldeias que permaneciam com
o direito de viverem livres em seus territórios em troca da ação como “coletoras” de
indígenas de outros grupos para serem negociados com os prepostos do Governador.
Alianças, estas, que chegavam a causar a mobilização de grandes expedições, com a
participação de contingentes de colonos “portugueses”, para socorrê-las em caso de
ameaça grave de outros grupos indígenas, bem como a particularidade da constituição
das forças de defesa da posição dos “portugueses” no continente, os colonizadores
tiveram que agir em meio à preponderância do elemento indígena tanto em número,
quanto em certos aspectos culturais como transporte e armamento.
56
Além da importância da presença de indivíduos que aliassem a força simbólica de
ser um “homem branco” e o conhecimento dos valores culturais dos indígenas, tanto
para a liderança de expedições comerciais como nas ações de combate. E, para o caso
específico de uma possível “utilidade” para Roulox Baro, poderíamos destacar também
o início da presença dos holandeses como ameaça, e a necessidade de Martim de
contar com intérpretes que facilitassem a obtenção de informações de eventuais
prisioneiros e desertores.
Sobre as circunstâncias que se apresentavam nesta região da costa brasílica na
época da chegada de Roulox Baro, contamos com o depoimento do capitão do navio
que o teria transportado, Dierick Ruiters, da província da Zelândia, através da tradução
de Joaquim de Souza Leão, filho, para os capítulos referentes ao Brasil de seu livro A
Tocha da Navegação (Toortse der Zee-vaert), cuja primeira edição é de 1623
79
. Os seus
comentários sobre as causas de sua detenção pelos portugueses e indígenas (os quais
denomina de americanos) na Ilha Grande em 1617, trazem, ao nosso ver, indicações
valiosas para uma avaliação da estratégia das forças combinadas de colonos e indígenas
na defesa de suas posições. Reproduzimos, a seguir, o trecho do “Prefácio” do Toortse
der Zee-vaert, de Dierick Ruiters, que inclui alguns destes comentários:
“A causa principal do engano ao chegar a todas estas costas, situadas ao sul do Trópico
de Câncer, é que, não se encontra gente e a terra está em geral coberta de densas matas,
jamais penetradas pelos homens. Não se encontra cabana, pegadas ou qualquer indício
que faça suspeitar a presença de seres humanos. Toma-se água, corta-se madeira, anda-
se pelos bosques, volta-se a bordo e desembarca-se outra vez, não suspeitando que se
possa ser atacado aprisionado ou morto, ainda que estejamos armados de espingarda e
tudo mais. Foi o que me aconteceu, para minha desgraça, numa ilha deserta e ainda
desabitada, sendo agredido e preso por americanos e portugueses, por isso quero
aconselhar o próximo a que esteja sempre alerta e não desembarque na moita é o que
me parece mais prudente sobretudo se possibilidade de espanhóis e portugueses na
vizinhança, mas, saltando em terra, dispares teu mosquete duas ou três vezes, para que
eles apareçam e não se apanhem, não somente uma vez mas quantas te aproximares de
terra em teu bote. Não havendo porém, espanhóis e portugueses e se quiseres falar com
os nativos, não atires para que não se espantem. Poderia citar aqui os nomes de muitos
comandante hábil, Almirante e Vice-Almirante (ingleses, franceses como de nossa
nação), que, por causa de surpresas dessas, perderam gente e a muito custo se
salvaram.” (RUITERS; pp.23-24).
79
RUITERS, Dierick A Tocha da Navegação, Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, vol. 269, outubro-dezembro de 1965, pp. 3 a 84, Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional, 1966.
57
Segundo informa o texto introdutório da edição que utilizamos da obra de Ruiters
80
, este “esteve na América do Sul em 1617... no mesmo ano...foi feito prisioneiro em
Angra dos Reis e de foi levado para o Rio de Janeiro, onde se encontrava em 1618”
(RUITERS; p.11). Após descrever as fortificações que protegeriam a cidade do Rio de
Janeiro, Ruiters diz: Mas, a principal defesa são mesmo os brasilienses mantidos, em
maioria, pelos portugueses sob a escravidão e são-lhes tão obedientes que entrariam
para eles no fogo” (RUITERS; p.64). Sobre estes “brasilienses” sob escravidão dos
portugueses, o capitão afirma que “Nestes é que os portugueses confiam”, descrevendo
dois dos serviços habituais a que estavam submetidos, no trecho que transcrevemos a
seguir:
“As saídas que estes fazem ao mar quando vêem na costa alguma navio de nacionalidade
alemã, francesa ou inglesa, visam, por toda sorte de astúcias, atraí-lo à terra, para se
assenhoarem do mesmo e matar a tripulação. As expedições que fazem em terra são
contra os próprios habitantes que não querem se submeter à escravidão, os quais por
isso chamam os portugueses de “Levantados”, que é o mesmo que dizer rebeldes.”
(RUITERS; pp. 64-65).
Na edição da A Tocha da Navegação que utilizamos, foi incluída uma tradução
para o “Requerimento da mulher do piloto Dirck Ruyter para solicitar cartas de
recomendação em favor de seu marido, preso na Baia de Todos os Santos, às
autoridades lá, 1618”, no qual “Catharyna Willems, esposa de Dirck de Ruiter, de
Middelbugh na província da Zelândia” explica aos “Nobres e Altos Senhores” o que
teria ocorrido ao seu marido e solicitava uma recomendação em língua espanhola
dirigida ao “Governador Geral da Baya de Todos Santos”, pedindo a sua libertação.
Reproduzimos a seguir um trecho que mostra uma descrição do ponto de vista do
“derrotado” nas estratégias desenvolvidas pelas forças lideradas por Martim de na
defesa de suas posições:
“que ele partiu como piloto no Blauwen Zeen, e não obstante ter navegado segundo as
instruções, foi surpreendido por ventos contrários, aos 23 graus sul do equador, e,
desviado da rota em direção à costa, desembarcou desarmado, para tomar água. foi
surpreendido, cercado e preso, não sabendo que ali encontraria gente, pois em ocasião
anterior não vira ninguém, razão pela qual não levava armas. Em seguida, foi seu
marido levado com mais dois homens para Rio de Genero, dali para outro lugar e afinal
para a Baya de todos Santos” (RUITERS; p.84
A
).
80
“Introdução – D. Ruiters e A Tocha” de S. P. L’Honoré Naber.
58
Em O Roteiro do Rico Brasil... (Reysboeck van het Rycke Brasilien...)
81
,
publicado em 1624, de autoria desconhecida, considerado pelo tradutor Joaquim de
Sousa Leão, filho, “o primeiro livro na opulenta bibliografia de viagens holandesas do
século dezessete que trata exclusivamente do continente sul americano e em especial do
Brasil”
82
, temos, na parte onde se descreve a Ilha Grande, o registro de um episódio
que, como veremos adiante, teve a participação das forças de defesa de Martim de Sá:
“Nesta ilha, Spilberghen perdeu alguns de seus homens, entre os quais o tenente
François de Chena, que recebeu ferimentos graves e foi levado para a baía de Todos os
Santos e lá mantido preso até que conseguiu escapar ardilosamente, voltando à pátria.
Promovido a capitão, mandaram-no, de novo, à Bahia, a fim de vingar-se da mão
mutilada, praticando alguns assaltos que ele mesmo dirigiu.” (Revista do IHGB, v.303 –
Abril-Junho – 1974; p.198).
Deste episódio
83
, temos o registro no capítulo nono do livro quinto da História do
Brasil de frei Vicente do Salvador
84
, obra escrita ao longo da terceira cada do século
XVII, no qual aparecem as principais características comuns às ações envolvendo as
forças combinadas de portugueses e indígenas lideradas por Martim de na defesa das
posições da União Ibérica no continente.
“Neste tempo sendo capitão-mor do Rio de Janeiro Constantino de Menelau, que
sucedeu a Afonso de Albuquerque, foi aportar à enseada do rio da Marambaia, que dista
nove léguas abaixo do Rio de Janeiro, uma armada de seis naus holandesas, cujo general
se chamava Jorge: soube-o Martim de Sá, que tinha um engenho ali perto na Tijuca, e
entendendo como experimentado que por necessidade de água iam ali, e que haviam de
desembarcar com o beneplácito do capitão-mor, a quem escreveu, se foi lá uma noite
com doze canoas de gente, em que iriam 300 homens portugueses, e Índios, os quais
deixando-as escondidas no rio, se desembarcaram delas, e conjeturando por três batéis,
que viram na praia da enseada, que andavam holandeses em terra, como de feito
andavam uns à água, outros às frutas, bem descuidados, os cercaram, e deram sobre eles
tão subitamente, que ainda que se quiseram defender trinta e seis holandeses que eram,
não puderam, antes lhes mataram 22, e cativaram 14 com as lanchas, sem que das naus
lhes pudessem valer, porque ficavam longe, e logo se fizeram à vela para seguir sua
viagem, que era para o estreito de Magalhães, e por ele ao mar do Sul,..”
85
81
Roteiro do Rico Brasil. Tradução, introdução e notas por Joaquim de Sousa Leão, filho. Separata da
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.303 Abril-Junho 1974. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1975.
82
Revista do IHGB, v.303 – Abril-Junho – 1974; p.181.
83
Episódio que teria ocorrido em outubro de 1614. Sobre a expedição liderada por Joris Van Spilbergen
ao “mar do sul”, veja-se NETSCHER, Pieter Marinus. Holandeses no Brasil, notícia histórica dos Países-
Baixos e do Brasil no século XVII . Tradução de Mário Sette. São Paulo : : Cia. Ed. Nacional, , 1942.
84
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. Literatura Brasileira. Textos literários em meio
eletrônico. Edição de base: Biblioteca Nacional setor de obras digitalizadas. Disponível em:
http://www.cervantesvirtual.com/Buscar.html?letraObras=*&PO=5&portal=55 , visita junho de 2005.
85
Os trechos reproduzidos da crônica de Frei Vicente do Salvador estão referenciados pelo capítulo e pelo
livro correspondentes, não constando numeração de página na versão virtual consultada, a saber: Edição
59
A partir de uma análise da rede de fortificações na Baía de Ilha Grande
86
,
encontramos uma síntese da estratégia de Martim de para a defesa da costa, no
trecho: “Para a vigilância constante do litoral, Martim de utiliza como estratégia o
deslocamento de aldeias de índios de outras áreas para as bandas de Cabo Frio e baia
de Ilha Grande, de forma a garantir a defesa.” Sobre o episódio envolvendo a
expedição de Joris Van Spilbergen e a participação de indígenas provenientes de
aldeamentos administrados por jesuítas nas ações de Martim de Sá, temos que:
“Joris van Spilbergen (1614), comandante holandês, esteve por um bom tempo ancorado
provavelmente próximo às ilhas de Jaguanon e Itacuruçá, até que Martim de Sá, avisado
pelos índios de sua sesmaria, atacou com o auxílio dos índios do aldeamento de São
Barnabé, as embarcações holandesas que se encontravam na enseada da Marambaia.”
87
Certamente, existe a possibilidade de Roulox Baro ter sido abrigado em uma
aldeia sob a administração de jesuítas, entretanto, não encontramos nenhuma referência
que pudesse levar a essa conclusão, nem em seu relato, nem nas referências a ele nas
crônicas coevas e nos documentos analisados. Esta opção de fato pouco provável,
tendo em vista a sua condição de ser originalmente da Igreja Reformada, e Martim de
dispor de aldeias onde não precisaria dividir sua autoridade com a Companhia de
Jesus para alocar seus “escravos”, como mostra a narrativa de Knivet, apontado como
“luterano”
88
.
de base: Biblioteca Nacional setor de obras digitalizadas. Disponível em:
http://www.cervantesvirtual.com/Buscar.html?letraObras=*&PO=5&portal=55 .
86
Na “Apresentação” do projeto conjunto do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e do
Laboratório de Antropologia Biológica da Uerj para o estudo das estratégias de ocupação e defesa do
litoral fluminense.
87
Este trecho e o anterior, referentes a “Apresentação” do projeto conjunto LAB/UERJ
NEE/UNICAMP, conforme Nanci Vieira de Oliveira LAB/UERJ, Pedro Paulo A. Funari
NEE/UNICAMP, “Projeto Conjunto Estratégias de ocupação e defesa do litoral sul fluminense: uma
análise da rede de fortificações na baia de Ilha Grande”. Disponível em
http://www.unicamp.br/nee/arqueologia/ilha_grande.html .
88
Nos registros de sua prisão, quando tentava alcançar um navio inglês para fugir, Knivet comenta:
“Estive encerrado quatorze dias, jazendo no chão como um cachorro, e tendo por único alimento água e
farinha de cassave. Tendo resistido a toda essa miséria, condenaram-me à forca por transfuga e luterano.”
(KNIVET; p.216).
60
Nos registros do jesuíta Fernão Cardim (1548-1625) referentes à visita que fez à
capitania do Rio de Janeiro, entre dezembro de 1584 e janeiro de 1585
89
, o padre
informa ter sido recebido pelo governador (Salvador Correia de Sá), descrevendo, entre
os festejos organizados pelos principais da terra para a chegada da missão, uma
procissão marítima com a presença de “algumas vinte canoas bem equipadas”, e que
“entre elas vinha Martim Afonso, comendador de Cristo, índio antigo...grande
cavaleiro e valente, que ajudou muito os portugueses na tomada deste Rio.”
(CARDIM; p.208), e, ainda, “uma dança de meninos índios, o mais velho seria de oito
anos, todos nusinhos” executada em frente a “nossa igreja.” (CARDIM; p.209). Sobre
os aldeamentos jesuíticos no Rio de Janeiro, temos o seguinte registro:
“Têm os padres duas aldeias de índios, uma delas de S. Lourenço , uma légua da
cidade por mar; e a outra de S. Barnabé , 7 léguas também por mar, terão ambas três mil
índios cristãos. Foi o padre visitador à de S. Lourenço, aonde residem os padres, e dia
dos Reis lhes disse missa cantada oficiada pelos índios em canto d’orgão com suas
frautas; casou alguns em lei de graça, e deu a comunhão a outros poucos. Eu batizei dois
adultos somente, por os mais serem todos cristãos.”(CARDIM; p.209)
90
.
Nestes aldeamentos
91
, com exceção dos breves períodos em que leigos foram
designados para administrá-los, a presença de brancos no interior das aldeias costumava
ser proibida, como indica Celestino de Almeida
92
. A autora acrescenta que tal proibição
não teve efeito prático no Rio de Janeiro, pois “Ali, brancos, mestiços e negros não
apenas freqüentavam, mas trabalhavam e viviam no interior das aldeias, pois desde o
início do seiscentos aforavam terras, pelo menos em São Barnabé e São Lourenço.”
(ALMEIDA; pp131-132). A autora analisa ainda o papel dos aldeamentos em relação à
integração dos índios à colonização em suas duas vertentes principais. Se a política de
aldeamentos religiosos tinha a função primordial de reunir os índios aliados em grandes
aldeias próximas aos núcleos portugueses, onde sob a administração espiritual e
temporal dos jesuítas tornar-se-iam súditos cristãos, a prática de descer índios, constituir
89
Presentes em sua “Informação da Missão do P. Christovão Gouvêa as Partes do Brasil – Anno de 83, ou
Narrativa Epistolar de uma Viagem e Missão Jesuítica”, incluída na edição CARDIM, Pe. Fernão.Tratado
da Terra e Gente do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
90
Neste mesmo documento, o padre Fernão Cardim, ao descrever a visita à Capitania do Espírito Santo,
afirma que “Os portugueses têm muita escravaria destes índios cristãos.” (CARDIM; p.206).
91
Este aldeamento de São Barnabé, na época se localizava em uma região próxima à lagoa de Maricá.
Sobre esta aldeia, veja-se OLIVEIRA, Nanci Vieira de. São Barnabé: lugar e memória. Campinas:
UNICAMP, 2002. Tese de doutorado.
92
Em seu trabalho ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura
nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
61
e administrar aldeias eram atividades que atraíam também os colonos, podendo
significar a possibilidade de controlar um grande contingente de índios ou privilégio na
repartição do seu trabalho. Não raramente eles pediam permissão para realizar estas
expedições, principalmente no século XVII, quando os escravos negros eram caros e
pouco acessíveis.
Durante todo o período colonial, a Coroa e os missionários tiveram objetivos
ambivalentes quanto à forma de integrar os indígenas , pois visavam torná-los súditos
cristãos e força de trabalho, contra a pressão contínua dos colonos, mais interessados em
tê-los como mão-de-obra ou soldados numa força militar.
Quando do estada de Cavendish em Santos (1591)
93
, o escritor Thomas Lodge
encontrou, e levou consigo em seu retorno à Inglaterra, um manuscrito da biblioteca dos
jesuítas que seria um exemplo da tentativa dos missionários de tornar acessíveis aos
indígenas as fórmulas da Igreja, com o título “Doutrina Christãa na lingua Brasilica”,
que seria uma tradução e adaptação de um catecismo para a ngua do gentio
(CAVENDISH; pp22-23). As aldeias missionárias, embora povoadas
predominantemente por índios de origem Tupi, também abrigavam residentes
provenientes de outras origens étnicas, tornando-se os principais focos da interação
entre jesuítas e índios, campo onde teria sido sistematizada uma “língua geral” baseada
no Tupi falado, que se tornaria o principal instrumento de uma política lingüística que a
tornaria o “idioma colonial”
94
.
Sobre a ação de Martim de Sá na fundação e administração de aldeamentos no Rio
de Janeiro do início do século XVII, Celestino de Almeida indica ser ele o responsável
pelo primeiro aldeamento fora da administração da Companhia de Jesus no Rio de
Janeiro. Ao abordar a ocupação da região a sudoeste da baía de Guanabara, no
mencionado período, a autora registra o estabelecimento de duas aldeias, a de São
Francisco Xavier de Itinga (depois Itaguaí), sob a administração dos jesuítas, e a de
Mangaratiba, cujo controle é atribuído a Martim de Sá, afirma:
93
Segundo nos informa David B. Quinn, em CAVENDISH, Thomas The last voyage of Thomas
Cavendish. Edited and with an Introduction by David B. Quinn. Chicago: The University of Chicago
Press, 1975.
94
Sobre essa “política lingüística, esposada pelos jesuítas e encampada pelos colonos particulares e pelas
autoridades régias” que transformaria a “língua geral” na “língua mais usada na costa do Brasil”, veja-se
MONTEIRO, John M. “Traduzindo tradições: Gramáticas, Vocabulários e Catecismos em Línguas
Nativas na América Portuguesa”. In. Pais de Brito Joaquim. Os Índios, Nós. Lisboa: Museu Nacional de
Etnologia, 2000. Pp.36-43.
62
“Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba foi a primeira aldeia não jesuítica do Rio de
Janeiro. Estabeleceu-se com índios tupiniquins trazidos de Porto Segura por Martim de
Sá, aos quais depois misturaram-se outros vindos de diversas aldeias. Martim de
demarcou e cedeu parte de suas terras para os índios nela se estabelecerem e cultivarem.
Foi sempre uma aldeia pequena que não contava com a assistência dos jesuítas e, até o
século XVIII, não teve missionários ali residentes.” (ALMEIDA; p.88).
A autoridade de Martim de nas questões que envolveriam uma possível estadia
de Roulox Baro em uma aldeia na região do Rio de Janeiro, que transparece nos
registros de Knivet, aparentemente teria aumentado com o seu primeiro mandato
como governador, entre 1602 e 1607. É o que parece indicar a referência a um alvará de
22 de fevereiro de 1618 nomeando Martim de Sá, “administrador dos serviços de
guerra, com a superintendência das gentes e índios de todas as aldeias da costa.”
(COARACY; p.46), que encontramos, no O Rio de Janeiro do Século Dezesete de
Vivaldo Coaracy; Coaracy comenta que este ato representaria uma restrição a
autoridade do então governador da cidade, Rui Vaz Pinto, cujo mandato teria coberto o
período de 1617 a 1620. Martim de Sá, ainda segundo nos informa Coaracy, cumpriria
um segundo mandato como governador do Rio de Janeiro, entre 1623 e 1632
(COARACY; pp.57-79).
Em “Instrumentos de conquista: O papel da cartografia no desenvolvimento do
poder naval batavo”, ensaio de autoria do Almirante Max Justo Guedes
95
, podemos
acompanhar o processo pelo qual a navegação flamenga, basicamente costeira,
procurou, ao longo do século XVI, enfronhar-se na arte de navegação de longo curso,
bastante desenvolvida pelos portugueses, promovendo uma intensa publicação de
roteiros, livros náuticos e cartas de marear, que, nas últimas décadas dos quinhentos
dominavam o mercado especializado, ampliando os horizontes dos navegadores
batavos.
Segundo José Antônio Gonsalves de Mello
96
, a mais antiga notícia da presença
no Brasil de navios holandeses é do ano de 1587, quando Robert Withrington, ao atacar
a Bahia, encontrou ancorada no Recôncavo uma urca de Vlissingen de 250 toneladas
fretada por um “mercador flamengo”. Esta contava com mais de cem navios holandeses
e alemães em serviço de transporte no Brasil no período de 1587 a 1599, e que de 1600
95
GUEDES, Max Justo. “Instrumentos da conquista: O papel da cartografia no desenvolvimento do poder
naval batavo”. In. TOSTES, V. L. B., BENCHETRIT, S. F. Orgs. Seminário Internacional “A Presença
Holandesa no Brasil: Memória e Imaginário. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2005. Pp. 43-88.
96
Em “O Domínio Holandês na Bahia e no Nordeste”
96
, incluído na obra organizada por Sérgio Buarque
de Holanda, História Geral da Civilização Brasileira, cuja primeira edição é de 1961.
63
a 1605 esse total deveria ser pelo menos duplicado. (GONSALVES DE MELLO, 2003;
p.261).
Esta situação de ameaça de ataque de uma grande frota holandesa, que se
concretizaria em 1624 na Bahia e em 1630 em Pernambuco, levaria os responsáveis pela
administração das posições luso-brasileiras na região do Rio de Janeiro a adotarem
diversas providências de defesa, entre as quais a formação de aldeamentos e a
mobilização das populações indígenas aliadas
97
. Neste contexto, podemos supor o
interesse pela manutenção de elementos com conhecimento da língua flamenga entre os
“flecheiros”, uma das possíveis utilizações de Roulox Baro durante sua possível estadia
na região do Rio de Janeiro.
Partindo da suposição de que a presença em Recife de um holandês, com as
características que Pierre Moreau mencionou em sua crônica
98
, ou seja, que teria
“convivido desde a sua juventude com os tapuias” e “sabia perfeitamente sua língua e
era muito querido deles” (MOREAU, BARO; p.66), não ficaria sem registro por muito
tempo, podemos avaliar que Roulox Baro teria se dirigido àquela cidade por volta do
início da década de 40 do século XVII, época correspondente à primeira menção
conhecida das suas atividades de explorador para a Companhia das Índias Ocidentais
99
.
Outra evidência que apontaria para ter sido a transferência de Baro para terras
pernambucanas ocorrido no referido período, seria a trégua entre Portugal e Holanda
assinada na mesma época, o que teria facilitado o seu deslocamento para o território
ocupado pelos holandeses. Sobre os efeitos dessa trégua nas relações entre a
administração dos territórios ocupados pelos batavos e as autoridades das posições
dominadas pelos “portugueses”, transcrevemos o registro de Joan Nieuhof, em sua
crônica
100
:
“Em junho de 1641, o Conde Maurício e o Grande Conselho foram informados da
conclusão de uma trégua de dez anos entre os Estados da Holanda e o Rei de Portugal,
bem como de todas as cláusulas a ela pertinentes. Os termos desse tratado foram
97
Sobre este conjunto de providências, veja-se ALENCASTRO, Luís Felipe de. O Trato dos Viventes.
Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000. Especialmente pp. 123-125.
98
MOREAU, Pierre., BARO Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses
e Relação da Viagem ao País dos Tapuias. Belo Horizonte / São Paulo: Ed. Itatiaia / Edusp, 1979.
99
Segundo Gonsalves de Mello, em 1643 Baro teria sido mencionado como tendo efetuado serviços
como explorador para a Companhia das Índias Ocidentais. Sobre o assunto, veja-se GONSALVES DE
MELLO, José Antônio. Tempo de Flamengos. Recife: Governo do Estado de Pernambuco. 1978.
Especialmente: pp.202-203, nota 15
100
NIEUHOF, Joan Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. Belo Horizonte / o Paulo: Ed.
Itatiaia / Edusp, 1981. Traduzido do Inglês por Moacir N. Vasconcelos. Confronto com a edição
holandesa de 1682, introdução, notas, crítica biográfica e bibliografia por José Honório Rodrigues.
64
divulgados em todas as nossas Capitanias, por meio de proclamações, cessando, assim,
as hostilidades de ambas as partes. Passaram, então, os holandeses a viver em boas
relações com os moradores da Bahia, oferecendo-lhes amplas demonstrações de
amizade, suficientes para convencer os portugueses de que jamais teriam motivo para
temer, de nossa parte, qualquer infração da trégua pactuada.” (NIEUHOF; p.108).
Além da sua eventual participação no “comércio” de escravos indígenas, e no
esquema de defesa da costa em torno do Rio de Janeiro, dentro do período que vai de
sua chegada, em 1617, aseu provável deslocamento para Recife, no início dos anos
1640, podemos supor a participação de Roulox Baro em outras atividades que teriam
contado com a participação de contingentes indígenas. Uma delas seria uma possível
participação na expedição que Martim de teria equipado e aparelhado, dando o seu
comando a seu filho Salvador Correia de e Benevides, e enviado em socorro da
capital da colônia, tomada pelos holandeses, em fevereiro de 1625 (BOXER,1973;
p.72). Frei Vicente do Salvador aponta
101
, em nosso entendimento, não apenas a
participação dos indígenas nessa expedição, como a interação entre as práticas de
combate de europeus e indígenas, na atuação das “forças armadas” de Martim de Sá
102
.
“..e entraram no rio do Espírito Santo a 10 de março de 1625, onde havia poucos dias
era chegado Salvador Correa de e Benevides com 250 homens brancos e índios em
quatro canoas e uma caravela, que seu pai Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro,
mandava em socorro da Bahia, o qual ajudou a Francisco de Aguiar Coutinho,
governador e senhor daquela terra do Espírito Santo, a trincheirar a vila, pondo nas
trincheiras quatro roqueiras, que na terra havia, e desembarcando os holandeses lhes
tiraram com uma delas, e lhes mataram um homem; e depois de entrados na vila lhe
saíram os nossos por todas as partes, com grande urro do gentio, e lhes mataram 35, e
cativaram dois, (......)de sorte que o general dos holandeses se retirou para as naus com
perto de 100 feridos, de 300 que haviam desembarcado, e alguns. mortos, entre os quais
foi um o seu almirante Guilherme Ians, e outro o traidor Rodrigo Pedro, que na mesma
vila havia sido morador, e casado com mulher portuguesa, e sendo trazido por culpas a
esta Bahia, fugiu do cárcere para Holanda, e vinha por capitão em uma nau nesta
jornada, e com esta raiva mandou o general uma nau, e. quatro lanchas a queimar a
caravela de Salvador Correa, que havia mandado meter pelo rio acima, em um estreito,
mas ele acudiu nas suas canoas, e lhes matou quarenta homens, e tomou uma das
lanchas.”
103
101
Em sua História do Brasil, capítulo trigésimo sétimo do livro quinto.
102
Ao comentar o resultado desse encontro entre forças luso-brasileiras e holandesas, Charles R. Boxer,
em seu BOXER, Charles R. Salvador de e a luta pelo Brasil e Angola 1602-1686. São Paulo: Cia
Editora Nacional, 1973, afirma “Em suas vitórias, os portugueses ficaram devendo muito à destreza dos
índios arqueiros que Salvador de Sá trouxera consigo dos aldeamentos fundados pelos jesuítas nas
capitanias do Rio de Janeiro e São Vicente, pois a maioria dos óbitos foi causada por ferimentos feitos
por flechas.” (BOXER, 1973; p.74).
103
Os trechos reproduzidos da crônica de Frei Vicente do Salvador estão referenciados pelo capítulo e
pelo livro correspondentes, não constando numeração de gina na versão virtual consultada, a saber:
Edição de base: Biblioteca Nacional setor de obras digitalizadas. Disponível em:
http://www.cervantesvirtual.com/Buscar.html?letraObras=*&PO=5&portal=55 , visita junho de 2005.
65
Em seu livro Salvador de e a luta pelo Brasil e Angola 1602-1686, Charles R.
Boxer informa ter Salvador Correia de Sá e Benevides retornado ao Rio de Janeiro, após
participar dos últimos quinze dias do cerco à cidade de Salvador, para onde se dirigiu
após os combates no Espírito Santo. Boxer reproduz um registro de D. Manuel de
Menezes
104
, em sua crônica “Recuperação da cidade do Salvador”
105
, onde afirma sua
visão sobre as assimilações da cultura de guerra indígena nas forças montadas por
Martim de Sá. Ao registrar ter Salvador Correia de e Benevides oferecido “seus
índios e suas canoas de guerra para um ataque noturno aos navios holandeses
ancorados no porto, oferta que teria sido recusada, sendo recebida com escárnio por
D. Manuel de Menezes a idéia de se conseguir algum êxito:
“..com canoas feitas de um tronco ocado, fáceis de afundar, e tendo como remadores
miseráveis índios nus, tão aconchegados uns nos outros que um disparo seria capaz
de varrê-los de proa a popa, matando todos eles num fechar de olhos, caso houvesse
ânimo de desperdiçar um tiro com tão desprezíveis criaturas.” (D. Manuel de Menezes
apud BOXER, 1973; p.77).
Outra ocasião na qual podemos supor uma possível participação de Roulox Baro
data de fins de 1639, quando do Rio de Janeiro teriam partido 1200 homens, entre
brancos e índios, para a cidade de Salvador, com a finalidade de reforçar a armada do
conde da Torre. Esta armada travou combate com uma frota de navios holandeses, ao
largo da ilha de Itamaracá, levando Torre a desistir de atacar Pernambuco (BOXER,
1973; p.132). Dentre as diversas etapas dessa malograda investida, segundo registra
Gaspar Barleus em sua crônica
106
, algumas poderiam ter servido para uma eventual
passagem de Baro para o território controlado pelos holandeses. Nos enfrentamentos
navais, encontramos registros de ocorrências com aprisionamentos ou fugas para a
praia, tanto pelo afundamento quanto pela debandada de sua possível embarcação. Nas
ações em terra, temos como exemplos dessas situações os registros referentes ao
desembarque, às margens do Cunhaú, “de uma partida de 300 soldados”...”morrendo-
lhes oitenta e sete e ficando-lhes diversos feridos e prisioneiros” (BARLEUS; p.188),
104
Líder da esquadra que partiu de Lisboa e se reuniu à armada espanhola comandada por Dom Fradique
de Toledo y Osorio , a qual viria a se somar a frota comandada por Salvador Correia de Sá e Benevides.
105
MENEZES, D. Manuel de. “Recuperação da cidade do Salvador”, em Revista trimestral do IHGB,
XXII, pp. 357 a 411 e 527 a 633. (Apud BOXER,1973)
106
BARLEUS, Gaspar História dos feitos recentes praticados durante oito anos no Brasil. [1647]
Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 1980. Fac-símile da edição do Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do
Ministério da Educação, 1940. Tradução e Notas de Cláudio Brandão.
66
ou, ainda, aqueles referentes ao retorno por terra de cerca de 2500 homens
desembarcados próximo ao Cabo de São Roque, sob o comando de Luís Barbalho
Bezerra
107
, o desembarque gerou o seguinte comentário de Barleus:
“Barbalho, encetando a jornada, mandou trucidar, por dura necessidade militar, os
enfermos e os incapazes de acompanhá-lo para evitar que, aprisionados pelos nossos,
dessem notícias dele e de sua marcha por terra, o que receava ansiosamente, conforme
viemos a saber dos que haviam escondido nos matos e foram por nós capturados.”
(BARLEUS; pp.190-191).
A partir da leitura desses trechos, quando procuramos compilar registros de
processos envolvendo a interação entre os colonos e os povos indígenas na região e na
época em que provavelmente hospedaram Roulox Baro, antes do mesmo se tornar
empregado dos batavos, algumas conclusões nos parecem evidentes. As considerações
do professor Teensma, referindo-se aos indígenas que teriam recebido Roulox Baro, no
sentido de que “Por volta de 1620, os índios de tradição lingüística Tupi acima
descritos, encontravam-se desde muito tempo cristianizados por padres jesuítas.
Reduzidos em aldeias e integrados no processo colonial..”, nos parece uma tentativa de
simplificação que não se justificaria. Ao contrário do que apontam as abordagens que,
como lembra John Manuel Monteiro
108
, investem numa imagem dos índios como
habitantes de um passado longínquo ou de uma floresta distante, a esfera da
sociabilidade nativa não é apenas aquela que está totalmente externa à esfera colonial.
Dos registros desta sociabilidade, parecem emergir a permeabilidade e a flexibilidade
das formas culturais presentes nas interações cotidianas entre os europeus e alguns
grupos indígenas. A partir destas observações, propomos uma análise das
representações de Roulox Baro sobre os brasilianos e tapuias presentes em sua Relação
da Viagem ao País dos Tapuias, alvo de nosso próximo capítulo.
107
Vivaldo Coaracy, em seu O Rio de Janeiro no Século Dezessete, faz a seguinte observação a respeito
dos reforços enviados para o Conde da Torre: “Finalmente, seguiram, parte do porto de Santos e parte do
Rio de Janeiro, as tropas recrutadas, completadas por grande quantidade de índios flecheiros, para a
Bahia, onde foram incorporadas à expedição de Luís Barbalho para a tentativa de restauração de
Pernambuco”. (COARACY; p.93). Este Luís Barbalho Bezerra viria a governar o Rio de Janeiro (1643-
1644) quando do término do primeiro mandato de Salvador Correia de e Benevides (1637-1643).
(COARACY; p.117).
108
MONTEIRO, John M. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do
Indigenismo. Tese de Livre-Docência, IFCH-Unicamp, 2001. Disponível em:
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/estudos.htm Visita em fevereiro de 2006.
67
Capítulo III
O gentio na Relação da Viagem ao País dos Tapuias.
Em linhas gerais, nosso texto se limita a descrever a viagem de Baro registrando
com bastante detalhe os acontecimentos ocorridos no cumprimento de sua missão junto
à liderança dos tapuias, no interior da capitania do Rio Grande. Segundo seus registros,
a ordem para a viagem foi recebida em 3 de abril de 1647, tendo partido imediatamente
de onde se encontrava, nas cercanias da sede da capitania, no litoral do atual estado do
Rio Grande do Norte, na companhia de “João Straffi, brasiliano, 3 tapuias e 4 es,
para termos com que caçar e obter alimentos.”
109
(MOREAU, BARO; p.92) Foram em
direção ao interior do continente, onde habitavam os tapuias liderados por Janduí. Em
função da espera por baixarem os níveis das águas dos rios em torno da região onde
residia, no dia 21, com a ajuda de dois homens de uma aldeia de brasilianos
110
,
teriam atravessado o rio Camaragibe. Neste ponto receberam uma delegação de tapuias
enviada por Janduí, episódio assim registrado:
“Vieram ao nosso encontro dez tapuias que tinham atravessado o Rio Potengi a nado e
entre eles estava Muroti, filho do velho Janduí, seu rei. Comunicou-me que seu pai
mandara dizer-lhe para encontrá-lo logo, pois o inimigo lhe pedira sua colaboração.
Retruquei-lhe que havia três semanas deixara minha casa para defrontar o rei seu pai e
fora impedido pela enchente. Respondeu-me que me ensinaria um lugar pelo qual
facilmente poderia passar com os meus.” (MOREAU, BARO; pp. 92-93).
No dia 24, após terem passado pelo Forte de Ceulen (atual Forte dos Reis Magos)
e atravessado o rio Potengí, foram recebidos na casa de um funcionário da Companhia,
e no dia 26 passado pelo último sinal da presença de colonos, “o curral de André
Claesten”, partindo, em seguida, em direção às terras onde Janduí se encontrava. A 7 de
109
A redação do quarto parágrafo da relação: Preparei-me imediatamente para partir e tomei para
acompanhar-me João Straffi, brasiliano, três tapuias e quatro cães, para termos em caminho com que
caçar e obter alimentos”, pode levar a interpretação de que João Straffi, que também aparece em outras
circunstâncias no documento, seria um brasiliano. Segundo Gonsalves de Mello, que adota a grafia Jan
Stras, este companheiro de viagem seria um aprendiz polonês de Baro; citando o registro de uma Dag.
Notule de 11 de março de 1647: Baro chegou a interessar algumas pessoas nessa vida de
aventuras;...com ele é que quis trabalhar certo polonês, Jan Stras.” (GONSALVES DE MELLO, 1978;
p.203).
110
Como vimos em capítulos anteriores, na maioria dos documentos relativos ao Brasil Holandês, a
palavra em holandês cuja tradução foi tradicionalmente adotada como “brasilianos”, parecem indicar
estarem se referindo aos diversos grupos tupi que habitavam os aldeamentos da costa.
68
maio, chegaram “a uma aldeia Terapissina cujo chefe era João Vvioauin, o qual nos
recebeu amavelmente e nos deu para comer milho”; o chefe explicou a Baro a razão
desses brasilianos se refugiarem no sertão, bem como o arranjo que eles tinham feito
com os tapuias para permanecerem na área. Durante a permanência de Baro nessa
aldeia, que se estendeu ao dia 15, ele atendeu a um grupo de brasilianos que teriam
pedido proteção e um salvo-conduto para residirem no sertão. A caminho para se
encontrar com Janduí, no dia 19, Baro deparou-se com outra aldeia de brasilianos, tal
como os outros vivendo nas terras dos tapuias sob determinadas condições.
Aos 26 de maio, Baro registra seu primeiro encontro com Janduí e o início das
conversações, que durariam até o dia 6 de julho. Conta que passou a maior parte desses
dias marchando em companhia daquele chefe e de seus guerreiros, em conversas que se
concentraram em dois assuntos: a situação de conflito gerada pela passagem para o lado
dos luso-brasileiros de grupos tapuias antigos aliados de Janduí, com a decorrente
necessidade de apoio militar vindo dos holandeses; e o comportamento que Roulox
Baro desejava que os tapuias tivessem em relação aos colonos da sede da capitania do
Rio Grande, em comparação ao adotado nos tempos em que o “embaixador” era o
falecido Jacob Rabbi.
Ao longo desses dias com Janduí presenciou práticas características da cultura
tapuia tais como a corrida de árvores”, consultas ao “diabo”, “batismos” de um grupo
de meninos, um casamento coletivo e um episódio de antropofagia ritual quando da
morte de uma criança. Sobre a forma como Baro procura descrever aspectos da vida
cotidiana dos tapuias, ao contrário de outros cronistas, nosso autor não tenta encaixar
em esquemas previamente determinados suas imagens da sociedade tapuia. Passando a
impressão de que os aceitava como eram, e, como destaca Ernst van den Boogart
111
,
nunca os descreve como “selvagens”, o que pode ser encarado como mais uma
evidência da influência de sua formação cultural peculiar na forma de perceber e
registrar o que viveu em sua missão.
Após se separar de Janduí, a caminho de sua residência, Baro ainda teria
pernoitado em uma aldeia de brasilianos nas margens do Potengi, tendo chegado em
casa, em Incarenigi, no Governo do Rio Grande”, em 14 de julho de 1647.
111
Ernst van den Boogaart, “Infernal Allies: The Dutch West India Company and the Tarairiu, 1630-
1654,” in: Ernst van den Boogaart, ed., in collaboration with, H.R. Hoetink, and P.J.P. Whitehead, Johan
Maurits van Nassau-Siegen: A Humanist Prince in Europe and Brazil.Essays on the Tercentenary of His
Death (The Hague: Johan Maurits van Nassau Stichting,1979): 519-538
69
Adicionalmente, seus registros incluem detalhes sobre as atividades de caça, pesca e
coleta de alimentos, além de sua preparação e consumo, durante o percurso
112
.
Ao longo da leitura dos registros dessa viagem, procuraremos extrair uma série
de aspectos, algumas expressos indiretamente, que nos permitam uma reflexão sobre as
interações entre os diversos grupos étnicos e sociais mencionadas no diário de Roulox
Baro. Primeiramente, podemos perceber um quadro no qual o controle do denominado
“país dos tapuias” parecia ser exercido efetivamente pelos tapuias. Essa idéia é sugerida
pela ausência de referências à presença de agentes dos grupos que disputavam o
controle da costa, sejam civis ou religiosos, ao longo da viagem. Essa percepção pode
servir, ao nosso ver, para uma melhor avaliação da real extensão geográfica da
“ocupação holandesa do Nordeste”.
Outra indicação que os registros parecem revelar é a de que Baro seria encarado
pelos tapuias como uma pessoa que conhecia os códigos das alianças entre indígenas e
europeus, e não como um europeu “amigo”, como pareciam encarar o, naquela altura
falecido, antigo intérprete Jacob Rabbi. Observamos, também, registros sugerindo uma
demonstração por parte dos tapuias apontando para uma percepção de que, até aqueles
dias, os holandeses faziam o possível para manter a aliança com este grupo,
independentemente de suas ações contra os colonos que habitavam as proximidades de
suas terras. Encontramos ainda indicações de uma preocupação quanto ao
comportamento que estaria sendo cobrado por Baro em relação a essas citadas ações.
Destaca-se, nos registros das negociações entre Janduí e Baro, a indicação de uma
percepção por parte da liderança tapuia da necessidade premente de ajuda militar ao seu
grupo pelas tropas dos holandeses, em virtude do rumo dos acontecimentos. Quanto ao
relacionamento com os tupis aldeados que teriam fugido para o sertão, fica-se com a
impressão de que os tapuias haviam encontrado uma fórmula conveniente. A partir
destas conclusões, procuraremos desenvolver nossa interpretação sobre as relações
inter-étnicas presentes no texto.
Como o relato de Baro faz referência a diversos acidentes geográficos da região
por onde teria se desenrolado a sua missão, convém alertar que a “idéia básica” que nos
referimos como possível elemento para uma avaliação da “real extensão geográfica” da
“invasão” holandesa, não está relacionada a uma identificação dos rios, montes,
112
Como bem observou B. N. Teensma, em seu estudo mencionado anteriormente, Baro, em seu relato,
não teria prestado muita atenção a fenômenos naturais como o clima e a vegetação, considerando-os
evidências óbvias que não precisavam de comentário. (TEENSMA, 1998).
70
caminhos da topografia atual, visando a uma possível reconstituição do caminho da
viagem ao País dos Tapuias. O que identificamos como de interesse no que nos informa
o documento são as indicações sobre os “limites” deste “país”, e o quanto pode ser
confirmado, em nossos cronistas, sobre sua existência e sua autonomia, a partir dos
indícios apontados por Baro em seu relatório.
A indicação contida na escolha da expressão “País dos Tapuias” para informar o
destino da viagem de Baro, “na terra firme do Brasil”, poderia ser interpretada como
uma tentativa de um cronista estrangeiro em indicar a grande fragilidade do domínio
português na região, na medida em que um país autônomo, e demonstrando uma
posição hostil, cercaria suas posições no litoral. Entretanto, a leitura do que informa
Baro sobre o seu deslocamento entre sua residência, no litoral, e a região onde Janduí
vivia (80 léguas da costa)
113
, parece confirmar diretamente a inexistência de qualquer
forma de resistência ao poder dos tapuias a partir de uma certa distância do litoral. Entre
os registros que indicam esta suposta situação, podemos destacar o fato da última
referência a uma residência de colono, o curral de André Claesen” (MOREAU,
BARO; p.93), ter aparecido nas anotações referentes ao dia 26 de abril, ou seja, no
terceiro dia após a travessia do Potengi, início efetivo da viagem.
Adicionalmente, encontramos referências diversas passando a idéia de dois
territórios distintos. Primeiro quando Baro teria pedido aos brasilianos, no sertão, para
notificarem por mensageiro especial, aos nossos que estivessem no Rio Grande, os
atentados e traições que se praticassem contra os nossos.” (MOREAU, BARO; p.96):
em declarações, como: “Afirmei-lhes que, quando viessem do lado do Rio Grande, eu os
receberia cortesmente e pedi-lhes que tomassem cuidado de não ofender ninguém.”
(MOREAU, BARO; p.97); em recordações de Janduí : Quando Jacob Rabbi vivia,
juntava-se aos seus tapuias, com os quais descia à minha (de Baro) Capitania do Rio
Grande...” (MOREAU, BARO; p.99); ou, ainda, em registros do tipo Enviei João
Straffi na manhã seguinte ao Rio Grande para reunir os meus homens...” ( MOREAU,
BARO; p.102).
Em crônicas sobre o período, contemporâneas à produção do texto de Baro,
encontramos indicações que apontam para a confirmação desta pequena faixa de
domínio holandês junto ao litoral, na região dos acontecimentos narrados, sendo que,
113
JoHonório Rodrigues, em nota da edição que aqui utulizamos da crônica de Joan Nieuhof, situa o
destino da expedição como a região dos ribeiros do Assu, Mossoró e Apodi, hoje parte do estado do Rio
Grande do Norte. (Nieuhof; p.354-Nota 450).
71
especialmente naquela ocasião, devido ao estado de beligerância pela revolta dos luso-
brasileiros, somava-se um êxodo tanto de colonos quanto de brasilianos. Uma visão
mais geral sobre o território que efetivamente chegou a ser administrado pela
Companhia pode ser útil para uma melhor percepção das condições nas quais se
desenvolveram as relações inter-étnicas que buscamos identificar entre as idéias básicas
percebidas no documento. Sobre a região do Rio Grande, Joan Nieuhof diz em sua
Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil [1682]
114
, que: Era hábito dos
Tapuias fazerem uma ou duas incursões anuais, nessa Capitania. Principalmente
durante a seca que os privava de água fresca. Mantinha-se, assim, a animosidade entre
portugueses e nativos”. (NIEUHOF; p.88).
Encontramos na crônica de Pierre Moreau uma avaliação da situação dos
“habitantes do campo”, sem determinar o quanto afastados do litoral estariam estes
colonos, o que indica a ausência da administração, tanto holandesa quanto portuguesa,
dando a entender, ainda, que “no campo” o poder seria exercido, de fato, pelos tapuias.
Neste sentido, o referido trecho, que reproduzimos em seguida, parece bem claro:
Os habitantes do campo, tomados sob a proteção da Companhia das Índias, ainda que
lhes dessem salvo-conduto, jamais estavam seguros. Assim, o povo português gemia
oprimido por desolação tão imprevista, via o ouro e a prata, grandes bens de que
regurgitavam, ao abandono e à pilhagem, e seus vizinhos, parentes e amigos seriam a
todo instante vítimas miseráveis destes selvagens que se banqueteavam com os seus
corpos, aos quais tinham feito experimentar toda espécie de barbaridades.” (MOREAU,
BARO; p.26).
Sobre a capitania do Rio Grande, as pesquisas de Câmara Cascudo, publicadas em
seu História do Rio Grande do Norte
115
, indicam que, as vésperas do domínio
holandês”, ela praticamente se limitariam a um âmbito redondo de 15 a 18 léguas; com
sesmarias, em sua maioria, sem benefícios. Os aldeamentos seriam de cinco a seis
povoados, sendo o mais populoso o de Mipibu. Natal tinha de 35 a 40 casas de palha e
barro; a vida organizava-se fora da cidade, acorrendo-se apenas para as reuniões
administrativas ou religiosas, o número de camponeses não ultrapassaria o número de
120 a 130 almas em um raio de seis a nove milhas. O único engenho que estaria em
114
NIEUHOF, Joan Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. Belo Horizonte / São Paulo: Ed.
Itatiaia / Edusp, 1981. Traduzido do Inglês por Moacir N. Vasconcelos. Confronto com a edição
holandesa de 1682, introdução, notas, crítica biográfica e bibliografia por José Honório Rodrigues
115
CASCUDO, Luiz da Câmara. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura, 1984.
72
produção, Cunhaú, “safrejava 6000 a 7000 arrobas de açúcar.”, embarcadas para
Pernambuco. (CÂMARA CASCUDO; p.59).
Nos registros referentes aos acontecimentos envolvendo Baro e Muroti, logo nos
primeiros dias da viagem, podemos encontrar indicações que parecem revelar uma
percepção, por parte do grupo comandado pelo filho de Janduí, tanto da posição de Baro
entre os holandeses, quanto da importância dada pela administração da Companhia à
aliança com os tapuias. Quanto à importância de Muroti junto aos tapuias, na visão de
Baro, esta pode ser avaliada pelo fato de nosso cronista ter confiado ao mesmo, ainda na
“sede da capitania”, os presentes que precisaria ofertar para Janduí. Como aparece no
registro que transcrevemos em seguida:
“No dia seguinte entreguei ao referido Muroti os presentes que Suas Senhorias, os
nobres e poderosos Senhores, representantes dos Estados Gerais, enviavam ao Rei
Janduí, seu pai, rogando-lhe que os fizesse levar pelos seus acompanhantes.”
(MOREAU, BARO; p.93).
Pouco mais adiante, após a travessia do rio Monpabu, Baro registra que os
homens de Muroti teriam pedido permissão para ir caçar e pegar alguns animais no
curral de André Claesen”, tendo Baro recusado, afirmando “que havia suficiente nos
bosques e campos sem entrar nos parques dos particulares”. Ameaçando mandar
amarrar a uma árvore o primeiro que tentasse. O grupo avisou que assim que Baro se
afastasse iriam matar tudo que pudessem pegar no mencionado curral.”. Diante da
ameaça de Baro de que saberia como tratá-los nesse caso, teriam perguntado “E que nos
farás?”, e, em seguida “Compete a ti ou aos holandeses agir contra nós?”.
Acreditamos que a última questão mencionada merece uma leitura mais atenta.
Esta distinção explícita, entre a posição de Baro e a dos holandeses em geral, parece
indicar a percepção pelo grupo de Muroti de que Roulox Baro deveria ser encarado
como um elemento com formação brida, uma pessoa que estava vendendo sua
familiaridade com os processos de convivência entre os luso-brasileiros e os indígenas,
e cujos interesses pessoais envolviam a valorização e a estabilidade da aliança dos
holandeses com os tapuias.
A diferença entre as práticas que os tapuias percebiam no cotidiano dos
holandeses e as que permeavam a atuação de Roulox Baro aparece em registros
posteriores, quando o chefe Janduí, em diálogo com Baro, parece demonstrar sua visão
da posição de Baro em relação aos holandeses. Percebendo, ao que parece, uma
73
aparente relativização, da parte de Baro supostamente em decorrência de sua
formação junto aos povos indígenas da importância dada ao tipo de “liturgia” que
cercava os “europeus” ocupando cargos no poder, os quais, em função dos mesmos,
mereceriam sinais que despertassem o respeito e a admiração de seus liderados
116
. Idéia
que transpareceria no registro do debate sobre o comportamento dos tapuias, que
abordaremos mais adiante, na seguinte fala atribuída a Janduí: Jacob Rabbi, continuou
ele, tinha mais poderes do que tu: estava sempre provido de um bom comando e
acompanhado de diversos soldados, ao passo que tu vens aqui sem comando e sem um
soldado.” (MOREAU, BARO; p.100).
Retornando ao episódio do “curral de Claesen”, o representante do grupo de
Muroti teria acrescentado “Pois mesmo que tivéssemos cometido toda sorte de
maldades, como recentemente fizeram os do Ceará, virieis sempre procurar-nos tendo
em vista a paz.”
117
. Baro respondeu que castigaria os do Ceará pela traição, e que
doravante eles iriam perder a sua confiança. Ficando assim registrado o final deste
episódio:
“Então, para mostrar que pouco ligavam ao que lhes afirmava, entraram no dito curral e
apossaram-se de duas vacas, que queriam matar. Dirigindo-me a Muroti, avisei-o de que
me queixaria a seu pai, que não o mandara ao meu encontro para comportar-se mal.
Jurei que qualquer deles que descesse, daí em diante, ao Rio Grande sem a senha que eu
próprio daria a Janduí, seria preso no forte e que eu o castigaria à minha discrição.
Muroti nada retrucou e, tendo anoitecido, fomos repousar.” (MOREAU, BARO; p.93).
A afirmação, atribuída ao representante dos homens de Muroti, de que apesar de
todos os abusos que cometessem os holandeses não romperiam a aliança, é coerente
com o que mostra a pesquisa de José Antônio Gonsalves de Mello, em seu Tempo de
Flamengos
118
. O referido autor encontrou na coleção Dagelijksche Notulen vários
registros de incursões dos tapuias nas terras dos colonos, parecendo serem frutos diretos
116
Sobre essa “liturgia de poderno Brasil Holandês, veja-se WEHLING, Arno. “A organização política
bo Brasil holandês e o papel das liturgias de poder no governo de Nassau”. In. Seminário Internacional
“A Presença Holandesa no Brasil: Memória e Imaginário” Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional,
2005; pp.11-30. Segundo este autor, este quadro se apresentava, na época, nos dois lados do Atlântico.”
p.15.
117
Se referindo ao episódio assim narrado na crônica de Pierre Moreau: “..aconteceu que os tapuias e
brasilianos dissidentes de Jand deixaram o partido holandês e adotaram o dos portugueses, não
devido a morte de Jacob Rabbi, como porque não lhes haviam querido entregar Garstman. Fizeram uma
incursão ao Ceará, onde mataram e massacraram todos os habitantes holandeses do interior e
solicitaram insistentemente a Janduí, rei de sua nação, que se unisse a eles e socorresse os portugueses,
mandando-lhe pequenos presentes a fim de melhor convencê-lo.”(MOREAU, BARO; p.66).
118
GONSALVES DE MELLO, José Antônio Tempo de Flamengos. Recife: Governo do Estado de
Pernambuco. 1978.
74
da política de manter a aliança com os tapuias a qualquer preço. Ações como, por
exemplo, a incursão descrita na “Dag. Notule” de 26 de novembro de 1639, compilada
por Gonsalves de Mello, e que transcrevemos em seguida:
Assim, por exemplo, em 1639, quando Janduí com 2000 tapuias homens, mulheres e
meninos – aproximou-se do povoado do Rio Grande, causando grandes danos aos
moradores. Com a maior sem-cerimônia iam arrancando as roças, novas e velhas, que
encontravam. O Conselho despachou logo os filhos de Janduí que se achavam em Recife,
recomendando-lhes que fizessem voltar os seus para o lugar donde haviam procedido,
quando fossem necessários seriam chamados” (GONSALVES DE MELLO, 1978;
p.204).
Para uma melhor compreensão da evolução para a ausência de submissão por
parte dos tapuias, tolerado pelos holandeses, procuramos registros referentes às
circunstâncias que cercaram os primeiros passos desta aliança, cuja duração teria
merecido afirmações de Janduí, como registra Baro: que sempre servira aos
holandeses em suas necessidades” (MOREAU, BARO; p.102); ou ainda “..vinte e
cinco anos que guerreio a favor deles..” (MOREAU, BARO; p.98). Os relatos das
primeiras ações conjuntas, entre tapuias e holandeses, sugerem algumas
“especificidades”
no que se tornou a política da Companhia para com os tapuias de
Janduí. Como analisa Gonsalves de Mello, política que não seria bastante clara nem
mesmo para os funcionários da mesma, que se viam obrigados a consultas diretas ao
Conselho, o qual, repetidamente, exigia que se deveria manter favoráveis a nós os
tapuias, por todos os meios.” (Dag. Notule de 28 de janeiro de 1636) (GONSALVES
DE MELLO, 1978; p.201).
A descrição da atuação dos homens de Janduí na operação militar planejada
com auxílio de informações transferidas pelos próprios tapuias, a partir dos contatos de
1631
119
– que teria levado ao domínio da sede da capitania do Rio Grande pelos
holandeses, iniciada com a tomada do Forte dos Santos Reis, em 1633, pela expedição
enviada do Recife
120
, ajuda a perceber as bases em que teria se desenvolvido a aliança
119
Para uma descrição desses contatos entre os tapuias e a Companhia, veja-se: BOOGAART, E. van den.
“Infernal Allies: The Dutch West India Company and the Tarairiu 1631-1654”. In. BOOGART, E. van
den, ed. In collaboration with HOETINK, H. R. and Whitehead, P. J. P. Johan Maurits van Nassau-
Siegen, 1604-1679: A Humanist Prince in Europe and Brazil. The Hague: Johan Maurits van Nassau-
Siegen Stiching, 1979. pp.519-538.
120
Como podemos encontrar, por exemplo, em CASCUDO, Luiz da mara. História do Rio Grande do
Norte. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1984 esta expedição, comandada pelos chefes
militares Jan Corlisz Lichthardt e Baltazar Bijma, acompanhados de Mathijs van Ceulen e Servaes
Carpenter, assumiu o controle do forte, mudando o nome para Castelo de Ceulen, e entregando o
comando para o capitão Joris Garstman
75
entre aquele grupo indígena e os holandeses da Companhia. Duarte de Albuquerque
Coelho, em sua Memórias diárias da guerra do Brasil 1630-1638
121
, afirma que o
“inimigo”, “depois de entrar no forte enviou logo dois índios à Janduí, chefe dos
tapuias, que viviam a 80 léguas no interior.”, e, em seguida, participa ao mesmo estar
de posse do forte, pelo que podiam descer seguramente, e que os esperavam com afã;
que no campo achariam muito gado e alguns moradores, em que poderiam cevar sua
ira.”. Para, em seguida, fazer o relato que transcrevemos abaixo:
“Baixando logo Janduí com muitos destes Tapuias, deu inesperadamente no engenho de
Francisco Coelho, para onde pouco antes se tinham retirado alguns moradores, e o
mataram juntamente com sua mulher, cinco filhos, e todos os que ali acharam,
excedendo talvez a 60 pessoas, sem que a algum concedessem a vida, propriedade destes
bárbaros. Feito isto, dirigiram-se ao forte, onde entrou Janduí com poucos, e todos se
viram bem hospedados, e brindados com dádivas para eles estimáveis. Porém o inimigo
conservava-os menos por amar sua companhia que por servir-se deles contra nós. Assim
acontece a quem é glutão (estes o são muito) e pouco seguro na amizade, como soem ser
outros que não são Tapuias, bem que nisto o parecem. Eram enfim tais e tantos os
trabalhos que cada dia cresciam àqueles infelizes moradores, que com a vinda dos
Tapuias lhes pareciam menos ímpios os Holandeses. Mas é de crer que seus pecados lhes
iam multiplicando os inimigos e castigos.” (ALBUQUERQUE COELHO; p.139)
Nesta, que poderíamos considerar uma das primeiras ações militares onde Janduí
servira aos holandeses em suas necessidades”, encontramos algumas das
circunstâncias que parecem ter cercado a relação entre os holandeses e os tapuias de
Janduí, e que se mostrariam evidentes em nosso documento. A observação de
Albuquerque Coelho de que “ o inimigo conservava-os menos por amar sua companhia
que por servir-se deles contra nós.”, parece revelar a dificuldade que as características
culturais do grupo liderado por Janduí traziam para uma convivência mais próxima. No
relatório de Baro, encontramos registrada a reação deste intérprete, apesar de seu longo
período de convivência com práticas culturais dos grupos indígenas, diante da
possibilidade de Janduí se transferir para o Rio Grande, na passagem:
“..., de sorte que, não podendo resistir-lhes, estava resolvido, caso não fosse socorrido
por mim e pelos meus homens, a retirar-se para o Rio Grande, próximo do nosso forte.
121
A obra do Marquês de Basto, donatário da capitania de Pernambuco, Duarte de Albuquerque Coelho,
cuja primeira edição é de 1654, é apontada por Gonsalves de Mello como documento da maior
importância enquanto “crônica pernambucana” da guerra, onde, além de registrar o ânimo dos naturais da
terra em defender a sua capitania, os seus engenhos, as suas capelas, os seus rios...”, esta repleto de
nomes de pessoas, de lugares, de engenhos pernambucanos e paraibanos.”(GONSALVES DE MELLO,
1978;p.30). Dando uma especial atenção às informações de caráter militar; especialmente com a
“estratégia de guerra lenta”, adotada pelo “exército pernambucano”; aborda episódios envolvendo os
tapuias particularmente nos registros referentes a 1634 e 1637.
76
Este discurso me sobressaltou, pois não tinha nenhuma vontade de vê-lo tão perto de
mim.” (MOREAU, BARO; p.103).
Nos registros do que seria o primeiro dia do encontro entre Roulox Baro e Janduí,
26 de maio, ainda nas saudações iniciais, podemos perceber a circulação de
informações, em uma região situada 80 léguas no interior do continente, sobre o que
acontecia no litoral. Segundo Roulox Baro, Janduí teria perguntado se havia alguma
novidade que tivesse motivado a sua viagem ao sertão, no que Roulox Baro teria feito
um “discurso formal de embaixador”: “Respondi-lhe que, graças a Deus, não sofríamos
qualquer falta; tínhamos recebido socorro e hortaliças da Holanda, e depois disso
nossa força volante se apoderara do Rio São Francisco e a nossa armada conquistara
aos portugueses a Ilha de Itaparica e três léguas de terra na Baía de Todos os Santos.”
(MOREAU, BARO; p.98). Ao que Janduí retrucou, afirmando que teria ouvido
“justamente o contrário da gente de Camarão, que lhe assegurava que nós estávamos
em tal estado de penúria que dentro em breve seríamos forçados a nos render.”
(MOREAU, BARO; p.98).
Ainda neste encontro do dia 26, Roulox Baro registra um episódio em que Janduí
parece procurar fazer entender que a situação de conflito em que “sua terra” estaria
mergulhada, fazia com que os presentes que Baro lhe trazia não fossem o suficiente para
selar a aliança, encaminhando um processo de convencimento para que Baro entendesse
que o apoio de tropas teria ganho uma nova importância. Após mandar trazer um lote de
objetos, Janduí teria declarado:
“Eis aqui os presentes que me enviaram pouco, convidando-me para seguir o seu
partido contra vós outros, holandeses, prometendo-me muitos outros, caso eu quisesse
ser dos seus. Veja estes machados, estas machadinhas, estas foices, estes facões e outros
instrumentos de ferro; a menos peça vale mais que tudo aquilo que os vossos Senhores
holandeses jamais me enviaram.” (MOREAU, BARO; p.98)
.
Baro não soube como responder a isso, e perguntou se por causa de belos
presentes ele romperia sua aliança. Segundo Baro, Janduí, após comentar que tinha
perseguido os partidários dos portugueses até o rio Paraíba, obrigando-os a atravessá-lo
a nado, teria afirmado que “Fora e era ainda amigo dos holandeses, os quais jamais
tinham dado motivo de queixa de sua fidelidade”, no que Baro teria acrescentado
“Disse-lhe que estes não duvidavam absolutamente disso, e que quando ele tivesse
77
necessidade de socorro o encontraria prontamente.” (MOREAU, BARO; p.98). Janduí
concluiu este primeiro encontro, com uma ameaça que parece indicar o que os tapuias
esperavam de seus parceiros, além dos habituais presentes:
“Sempre assim me prometeram, replicou, e verei no momento da necessidade; vinte e
cinco anos que guerreio a favor deles e seria muito fácil para mim chegar a um
acordo com os meus vizinhos e reunir aqueles que se revoltam contra mim. Eles me
odeiam porque eu não os segui e porque não fiz nas minhas terras como eles fizeram no
Ceará, onde degolaram os vossos homens.” (MOREAU, BARO; p.98).
No dia seguinte, Janduí examinou os presentes levados por Roulox Baro e
declarado que suas preocupações não seriam resolvidas com aquele tipo de oferta. O
diálogo que foi assim registrado por Roulox Baro:
“Não valia a pena trazer-me tais coisas de tão longe. Os portugueses têm razão de dizer
que o ferro dos holandeses não vale nada e menos ainda seus espelhos e pentes; nunca vi
coisas tão desprezíveis. Eu estava acostumado a receber antigamente de vossa gente
belas trombetas, grandes alabardas, belos espelhos, lindos copos e belas taças bem
trabalhadas, que guardo em minha taba para mostrá-los aos outros tapuias que me vêm
visitar, dizendo-lhes: um certo senhor holandês me enviou isto, outro aquilo.”
(MOREAU, BARO; p.98).
Baro procurou contornar a situação afirmando “que aquilo com que eu lhe
presenteava tinha vindo recentemente da Holanda e que nós nada possuíamos de
melhor; que era preciso que ele não se deixasse levar pelo que diziam os portugueses,
porque não eram nossos amigos.”. Ao que Janduí respondeu: Não, não, disse ele, eu
bem vejo que os machados que me deram são mais bonitos e de melhor têmpera do que
os vossos; não faço caso, porém, dos presentes deles, porque sei muito bem que são uns
impostores”. Mas Janduí “Não deixava de aceitar o que os Nobres Poderosos meus
senhores lhe enviavam, na esperança de que, no futuro, lhe seriam enviados objetos
mais belos e melhores.” (MOREAU, BARO; p.99).
Nestes dois diálogos envolvendo os presentes oferecidos por ambos os partidos
que pretendiam o apoio de Janduí, podemos encontrar indicações que, somadas ao fato
de que outros grupos tapuias estavam sendo acusados de terem debandado para o lado
dos luso-brasileiros, apontam para uma maleabilidade, uma abertura para negociar
aliança, contrariando a tese de que “odiavam” os “portugueses”.
Nas referências relativas ao dia 28 de maio, encontramos registros de uma
conversa entre Roulox Baro e Janduí sobre a mudança de comportamento que Roulox
78
Baro pretendia obter dos tapuias, em relação aos “tempos de Jacob Rabbi”.
Inicialmente, Roulox Baro propõe o tipo de atitude que espera dos comandados de
Janduí, quando no Rio Grande: O que existisse no tempo da colheita estaria a seu
dispor e ao dos seus; contanto que não enviasse homens armados para pedir esses
víveres
;
e, também, o que não deveria continuar a acontecer, denunciando que os que
vinham de sua parte à Capitania do Rio Grande não se contentavam com o que se lhes
dava de boa mente, mas queriam tudo carregar, com ameaças de morte, dizendo um
deles: Eu sou o Capitão fulano”, outro, que era filho de Janduí; um terceiro, que era
senhor de tal lugar, e assim por diante, e com essas palavras levavam os trastes e o
gado dos moradores
.” (MOREAU, BARO; p.99).
A reação de Janduí, Eis uma boa
conversa...”, parece soar como se, finalmente, poderiam discutir as conseqüências do
assassinato de Jacob Rabbi no futuro das relações entre tapuias e holandeses, assunto
que até então tinha sido evitado, como de resto não se tocaria no restante do relatório.
Esta espécie de silêncio diplomático em torno desse assunto pode ser atribuído, além da
urgência das preocupações de defesa militar, ao fato de que Joris Garstman estaria
preso, apesar de não ter sido entregue aos tapuias, como estes teriam exigido.
Mas antes de continuarmos a análise do diálogo acima referido, procuraremos
compilar alguns registros sobre as circunstâncias que teriam cercado o episódio do
assassinato de Jacob Rabbi, por estarem associados diretamente a diversos aspectos dos
acontecimentos tratados em nosso documento.
Jacob Rabbi, conforme registra Gaspar Barleus, teria vindo para o Brasil em
1637, acompanhando Maurício de Nassau, a pedido do rei Janduí e com permissão do
Conde de Nassau, partira para as terras dos tapuias, afim de servir de intérprete entre
os holandeses e aquela nação.”, ainda, que o mesmo teria vivido porquatro anos com
os costumes deles, agradável ao rei, espectador e testemunha bem aceita de tudo.”
(BARLEUS; p.269).
O perfil de Jacob Rabbi mostrado por Alfredo de Carvalho, sem mencionar as
fontes diretas, mas, aparentemente, baseando-se nos inimigos daquele intérprete, tem o
seguinte teor:
“..um aventureiro rude e brutal, valente e cruel, astuto e cúpido, no qual dominavam os
instintos puramente animais; favorecendo a sua perfeita assimilação aos representantes
duma raça primitiva, afazendo-se aos seus costumes e chegando a escolher entre eles a
companheira.” ( CARVALHO; p.169).
79
Conforme nos informa Joan Nieuhof, Jacob Rabbi, que outrora, fora
encarregado de estar no meio dos tapuias, comissionado pela Companhia, para manter
os tapuias em amizade e boas disposições para com este governo; assim como ele os
tinha, por várias vezes, conduzido das montanhas (onde eles habitavam), em nosso
auxílio”, foi assassinado em uma emboscada atribuída ao Tenente-Coronel Joris
Garstman, comandante holandês do Rio Grande, na madrugada de 5 de abril de 1646.
Acrescenta Nieuhof que Rabbi: morava no Rio Grande, no forte Ceulen, e era casado
com uma brasiliana, embora fosse de ascendência alemã”; e, ainda, da preocupação das
autoridades holandesas: O Conselho chocou-se profundamente com essa vilania,
porque Jacob Rabbi era casado com uma brasiliana e gozava de grande estima entre os
tapuias, sendo, pois, de se recear que o crime fizesse com que tanto os tapuias como os
brasilianos se revoltassem contra nós.” Joan Nieuhof diz ainda que Conforme
revelara a amigos seus, havia já tempo que Rabbi suspeitava da traição de Garstman e,
justamente por esse motivo, estava de partida para o Rio Grande a fim de se refugiar
entre os tapuias “. Considerado autor do crime, por ordem dos Altos Comissários da
Justiça e Finanças, aos 24 de abril, Joris Garstman foi preso sob custódia, sendo
substituído em seu posto pelo Major Bayert
122
. (NIEUHOF; p.277).
Entre os documentos pesquisados por Gonsalves de Mello, com referências às
incursões dos tapuias, aparecem as indicações tanto do envolvimento de Jacob Rabbi,
quanto da desaprovação de Joris Gartsman quanto ao tratamento dado aos colonos na
capitania do Rio Grande pelos homens de Janduí. Em 1643 uns 800 a 900 tapuias
aproximam-se de Mompabu, matando o gado e destruindo as roças. Registro daquele
mesmo, daria conta de que Joris Garstman teria comparecido perante o Alto Conselho
do Recife queixando-se dos abusos e estragos que os moradores do Rio Grande teriam
sofrido dos tapuias conduzidos por Jacob Rabbi, e que, em função desse episódio, o
pagamento a este dos seus vencimentos de empregado da Companhia teria sido
suspenso. Jacob Rabbi era acusado ainda de instigar os tapuias contra os habitantes
hoje é sabido”, dizia Joris Garstman, que o dito Jacob Rabbi mandara os tapuias
saquear as casas dos moradores e trazer-lhe o produto do roubo”. Essas acusações
teriam levado o Alto Conselho a demitir Rabbi e autorizar a sua prisão. (GONSALVES
DE MELLO, 1978; p.205). Segundo Gaspar Barleus, Jacob Rabbi apareceria como
interlocutor entre Nassau e Janduí, quando o Conde preparava sua partida para a
122
Segundo Gonsalves de Mello, que adota a grafia Bayart, Cornelis Bayart seria um dos seis majores na
80
Holanda; ou seja, de alguma forma estaria reabilitado por volta de maio de
1644.(BARLEUS; p.269).
Para Alfredo de Carvalho
123
, entre os documentos contemporâneos por ele
examinados, Rabbi raramente aparece até as proximidades da campanha
restauradora de Pernambuco, quando atingiu ao apogeu e fim de sua inglória
existência.” (CARVALHO; p.170). Nesta fase teriam acontecido, entre julho e outubro
de 1645, uma série de atentados com morte de moradores e pilhagens e incêndios de
casas e engenhos, atribuídos aos tapuias, sob o comando de Jacob Rabbi. Estando entre
estas ações os massacres de Cunhaú (julho de 1645) e de Uruassú (outubro de 1645),
conhecidos por estarem relacionados com a recente beatificação dos sacerdotes
católicos André de Soveral e Francisco Ferro, “e seus companheiros”, mortos nesses
atentados, segundo a interpretação do Vaticano, “in odium fidei” (por ódio à fé)
124
.
Em seu registro sobre estes massacres, o cronista Joan Nieuhof afirmou que: os
tapuias tomados de ódio para com os lusos, atacaram alguns deles, a 16 de julho, no
engenho de Cunhaú, matando todos os que se encontravam, sem que os holandeses
das redondezas conseguissem impedi-lo”, informando, em seguida, que após atacarem
outras localidades do Rio Grande, conseguiram a capitulação dos rebeldes luso-
brasileiros com a promessa de terem os colonos as vidas preservadas : alguns
portugueses fugiram para Paraíba e os tapuias tomando esse ato como quebra do
tratado que acabavam de fazer, combinaram com os demais brasilianos executar os
portugueses remanescentes onde quer que os encontrassem, o que logo fizeram
(NIEUHOF; pp.262-263). E conclui:
O resultado de tudo isso foi que o Rio Grande ficou inteiramente expurgado de rebeldes,
a exceção de uns poucos sobre os quais os tapuias não puderam lançar mão. Suas
propriedades, inclusive gado, foram depois vendidas, em benefício da Companhia e de
seus credores e os armazéns públicos foram supridos com boas reservas de carne em boa
hora recebidas.”(NIEUHOF; p.263).
Pierre Moreau, que teria chegado ao Recife na mesma época da repercussão do
assassinato de Rabbí, em 1646, considerou sinal de sorte para o novo Conselho que
colônia em 1643, na ocasião lotado na Cidade Maurícia. (GONSALVES DE MELLO, 1978; p.167).
123
Em seu estudo sobre Jacob Rabbi, “Um Intérprete dos Tapuios”, editado na coletânea CARVALHO,
Alfredo de Aventuras e Aventureiros no Brasil. Rio de Janeiro: Paulo Pongetti & Cia., 1930.
124
Segundo informa SALES, D. Eugênio de Araújo. “Mártires Brasileiros”, coluna “Voz do Pastor”. Rio
de Janeiro: Jornal do Brasil, 11/12/1998.
81
tomava posse, que a primeira notícia que lhes teria sido trazida tinha sido a de que as
alianças com os povos indígenas estariam ameaçadas, pois :
a maior parte dos tapuias e brasilianos, que sempre tinham sido aliados dos holandeses
e combatido a seu serviço, os haviam abandonado e adotado o partido de seus inimigos,
por ódio àquilo que Joris Garstman, general da milícia, fizera seis meses antes,
mandando matar o alemão Jacob Rabbi; este homem intrépido de tal forma se adaptara
a estes selvagens em seus costumes e modo de viver, que se tornara como se fosse um
deles, e estes de tal modo a ele se afeiçoaram, que o fizeram um de seus principais
capitães.” (MOREAU, BARO; p.63).
Pelo que foi apurado por Pierre Moreau, na versão dos amigos de Joris
Garstman, o crime foi causado pelo assassinato por Jacob Rabbi do sogro de Joris
Garstman, e que a morte de Jacob Rabbi apresentava vantagens para a população,
posto que este escolhia os piores tapuias e com eles efetuava diversas pilhagens no
país”. Entretanto, havia os que sustentavam que outros tinham sido os motivos de Joris
Garstman, conforme o registro que transcrevemos em seguida, afirmando que o mesmo:
sabendo que Jacob Rabbi reunira, com o fruto de seus roubos, uma rica presa e a
escondera em lugar que ele bem conhecia, mandara matá-lo para disso tirar proveito; e,
com efeito, encontraram-se em seu poder algumas jóias, reconhecidas por aqueles que
Jacob Rabbi tinha roubado (MOREAU, BARO; pp.63-64).
Ainda segundo a crônica de Pierre Moreau, Janduí teria solicitado a entrega de
Joris Garstman para ser justiçado pelos tapuias: de acordo com o privilégio que lhes
tinha sido outorgado pelos Estados Gerais e a Companhia das Índias, de somente eles
serem os juizes dos criminosos de sua nação.”; e, ainda, que a delegação daquele chefe
tapuia teria alegado, em defesa de Jacob Rabbi, a argumentação que se segue:
Quanto ao assassinato do sogro de Garstman, este é que dera o motivo, como todos
sabiam muito bem, quanto aos seus roubos e furtos, se ele tinha tomado gado, era
somente para viver, pois não era razoável que ele e sua gente morressem de fome quando
lhes era recusado comida. Se tomara instrumentos de ferro, era para servir-se deles no
campo, a serviço dos próprios holandeses, aos quais os tapuias jamais tinham pedido
soldo, e pelos quais muitas vezes se tinham expostos.” (MOREAU, BARO; pp.63-64).
Segundo Pierre Moreau, os tapuias teriam considerado, adicionalmente, que se,
em todo caso, Jacob Rabbi tivesse de ser castigado: “devia-se ter seguido o costume dos
holandeses; em vez disso tinham-no assassinado, quando poderiam facilmente mandar
prendê-lo” (MOREAU, BARO; p.64). Os “Senhores do Conselho” teriam respondido
82
aos enviados de Janduí que não poderiam entregar Joris Garstman pelo fato de ele ser
um oficial superior, sendo que se o mesmo fosse condenado a morte teria ainda direito a
apelação junto aos Dezenove, na Holanda. Em seguida, teriam mandado vir Joris
Garstman, que teria sido encarcerado na presença dos delegados dos tapuias, os quais,
conforme informa Pierre Moreau: , no entanto, voltaram descontentes para os seus,
por ter sido recusado Garstman, e disseram, ao partir, que os holandeses se
arrependeriam.” (MOREAU, BARO; p.64).
Esta argumentação entre a delegação dos tapuias e as autoridades do Recife sobre
quem deveria punir Joris Gartsman, contém uma indicação sobre o processo de
reconstrução cultural que os tapuias vinham passando diante da circunstância de
precisarem lidar com os invasores europeus: a alegação da quebra de um acordo,
firmado anteriormente, definindo a jurisdição para os crimes cometidos. Esta prática
parece se confirmar como assimilada com a assinatura de tratado
125
de paz entre os
tapuias e os luso-brasileiros no final do século XVII . Outra evidência deste referido
processo seria a inclusão de dinheiro entre os presentes enviados ao chefe Janduí, como
veremos mais adiante.
Retornando para a análise dos registros da “boa conversa” entre Roulox Baro e
Janduí, dois pontos parecem se destacar na posição do líder indígena em relação ao
comportamento que os seus liderados deviam adotar segundo o discurso de Roulox
Baro. A defesa dos saques eventuais aos colonos, antigamente permitidos, ou
“coordenados”, por Jacob Rabbi, em função da falta de apoio dos holandeses em retorno
aos serviços prestados; repetindo a posição adotada perante o Conselho, quando do
pedido para que pudessem julgar Joris Garstman. E, ainda, a efetividade da autoridade
de Roulox Baro. Após o comentário “Eis uma boa conversa”, Janduí teria
argumentado: “Meus homens sempre se contentaram com algumas ferramentas que
puderam apanhar e não era preciso fazer tanto barulho por um pouco de carne que
tivessem levado e comido.” (MOREAU, BARO; p.99). Para, em seguida acrescentar,
conforme a tradução de Alfredo de Carvalho:
Quando Jacob Rabbi era vivo, juntava-se aos meus tapuias, com os quais descia à
capitania do Rio Grande e dizia a este ou àquele: “Dá-me um boi para minha gente, do
contrário mandarei matá-lo, e todos o obedeciam. Jacob tinha muito mais poder sobre a
125
Conforme podemos ler nas “Cópias das Capitulações realizadas entre o Governador Geral do Brasil,
Antonio Luiz Gonçalves da Camara e Canindé, Rei dos Janduins. Cidade do Salvador, Baia de Todos os
Santos, 10 de Abril de 1692.”. Incluída no trabalho: ENNES, Ernesto A s guerras nos Palmares São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Pp. 422-426.
83
sua gente do que tu, porque se fazia temer dos moradores, enquanto tu o temes”
(CARVALHO; p.169).
Diante desta posição desafiadora de Janduí, Roulox Baro registra ter argumentado
que Jacob Rabbi nunca tivera “quer o poder, quer o comando” que ele possuía, e que
Jacob Rabbi fora homem de má vida, odiado dos seus e de todos aqueles que o
conheciam”, e, ainda, que: “não cuidava de imitá-lo, temendo terminar como ele.”
(MOREAU, BARO; p.100). Nessa altura Janduí retrucou com a declaração, que nos
referimos, em que parece demonstrar sua percepção da falta, em torno de Roulox Baro,
de elementos simbólicos convencionais que envolveriam normalmente as autoridades
holandesas com as quais tivera contato: “Jacob Rabbi, continuou ele, tinha mais
poderes do que tu: estava sempre provido de um bom comando e acompanhado de
diversos soldados, ao passo que tu vens aqui sem comando e sem um soldado.”
(MOREAU, BARO; p.100).
Na seqüência de sua argumentação, Roulox Baro tenta demonstrar não precisar do
aparato que Janduí estranhava não acompanhá-lo. Posição que se poderia atribuir a sua
criação dentro das características da formação multicultural das forças de defesa do Rio
de Janeiro. Ou, ainda, que estivesse procurando disfarçar o fato da administração
holandesa não lhe fornecer o tal aparato, em função da sua condição de “mestiço”, uma
das razões “econômicas” que teriam ajudado ao seu estabelecimento como sucessor de
Jacob Rabbi como “embaixador” junto aos povos do sertão. E disse a Janduí: “Não
desejo, disse-lhe, ser acompanhado de ladrões, como ele o era, que poupavam os
inimigos para saquear os vizinhos e amigos.”, acrescentando que era uma felicidade
Jacob Rabbi ter morrido, porque se ainda vivesse seria obrigado a prestar contas das
extorsões e pilhagens que praticara contra os seus, e que ninguém poderia inocentá-
los.” (MOREAU, BARO; p.100).
A resposta atribuída nos registros de Roulox Baro ao chefe Janduí, pode, em
nosso entender, ser interpretada como uma tentativa de demonstrar para nosso cronista
que a sua posição de intermediário, nos termos de independência em relação aos demais
funcionários da Companhia que seu modo de ação revelava, seria compreendida, desde
que Baro não abusasse de sua “autoridade”, evitando agir como se tivesse uma tropa
para respaldá-lo. Ou, em outras palavras, como se fosse realmente “um holandês”.
“Não, replicou, mas se tu falasses com maior brandura a mim e à minha gente do que o
fazes, terias maior satisfação do que pensas, pois eles não toleram ser tratados
84
rudemente.” (MOREAU, BARO; p.100). Mas Baro promete: “Se eles se abstiverem,
disse-lhe, de maltratar a minha gente e os que estão sob minha proteção, eu lhes darei
presentes da Europa.”, e a conclusão da conversa: “Eles assim o farão”, respondeu-
me, e tomando-me pela mão conduziu-me a cear com ele frutas do jenipapo e caldo
feito com farinha de mandioca e milho.” (MOREAU, BARO; p.100).
Analisando o nosso texto, e buscando os indícios que apontam para a idéia de um
forte apelo de Janduí por assistência militar como uma das idéias centrais , parece se
revelar um enredo diplomático, onde partindo da ameaça de uma possível mudança para
as hostes do inimigo, terminaria com o nosso líder indígena aceitando uma promessa
vaga de uma futura ajuda, e, ainda, dentro das condições impostas por Roulox Baro. A
posição inicial estaria caracterizada na justificativa apontada por Pierre Moreau para
aquela viagem de Roulox Baro:
“Quando o Conselho do Recife soube de tudo isso e ficou certo da boa vontade de Janduí
para com ele, temeroso que o mesmo se deixasse conquistar e desejando conservar sua
aliança, decidiu enviar-lhe Roulox Baro, que lhes servia comumente de intérprete, o
qual, tendo convivido desde a sua juventude com os tapuias, sabia perfeitamente sua
língua e era muito querido deles. Este devia agradecer-lhe em seu nome a amizade que
lhes dispensava e, em testemunho da sua, presenteá-lo de sua parte com machados,
machadinhas, facas, espelhos, pentes e objetos semelhantes, ao mesmo tempo que deveria
demonstrar-lhe os embustes e infidelidades dos portugueses, convidando-o a não nos
abandonar.” (MOREAU, BARO; p.66).
Pierre Moreau, pelo que registra em sua crônica quando do retorno de Roulox
Baro, teria percebido a importância atribuída por Janduí aos que o estavam ameaçando,
e o grau de urgência da necessidade de auxílio que este esperava dos holandeses.
Demonstra ainda que teria conhecimento do verdadeiro quadro militar vivido pela
administração em Recife, impossibilitando, naquele momento, o cumprimento das
promessas de Roulox Baro. Como podemos ver no trecho a seguir:
Roulox Baro encontrou Janduí disposto a permanecer sempre seu amigo e ser-lhes fiel
no futuro, como fora no passado, apesar dos agrados que lhe tinham feito os portugueses
para conquistá-lo para o seu lado; não o conseguindo, tinham-lhe ódio e declararam-se,
com os outros tapuias e brasilianos descontentes, seus inimigos mortais e ameaçavam e
aos seus de destruição, conservando-os em perpétuo alarme e receosos de alguma
surpresa. O diabo invocado por este Rei, e no qual ele confia, consultando-o sobre os
seus negócios, nada lhe prognosticou de bom. Ele implorou, então, a assistência dos
holandeses e Roulox Baro prometeu-lhe um poderoso socorro do Recife, que a esse
tempo quase não dispunha de forças para se manter e esperava reforços da Europa para
si mesmo, estando, pois, incapacitado de ir protegê-los tão depressa.” ( MOREAU,
BARO; p.66)
85
Uma série de fatores teriam levado ao cenário que, segundo o registro de Pierre
Moreau, teria obrigado Janduí a “implorar” a assistência dos holandeses. Segundo Joan
Nieuhof, em abril de 1645, chegavam informações sobre a extensão para a região de
Janduí das atividades dos rebeldes pernambucanos: era voz corrente naquela região
que Camarão, chefe dos brasileiros se achava em marcha do Sertão para o Ceará, a
fim de se reunir com os brasilianos da região e atacar a Capitania do Rio Grande.”
(NIEUHOF; p.139). Se, neste momento, ainda havia um tipo de situação que justificasse
a hipótese de que os tapuias poderiam ser deslocados para ajudar a controlar a rebelião
no sul, os acontecimentos que se seguiram levariam sucessivamente ao cenário pouco
seguro em que encontramos Janduí no nosso documento. Segundo este referido cronista,
o Conselho do Brasil Holandês teria discutido, em julho de 1645, “se, para a segurança
do país, não necessitariam do auxílio dos tapuias, sob o comando de seu rei Janduí
residente no Rio Grande”, solução que seria descartada com a seguinte argumentação:
“Entretanto, levando em consideração as devastações que forçosamente acarretaria a
marcha de um povo bárbaro, através do país, julgaram de bom alvitre nada decidir
sobre esse ponto..” (NIEUHOF; p.183).
Ainda sobre a posição dos tapuias, em 1645, no panorama estratégico das forças
que disputavam o controle da área sob domínio formal da Companhia, Joan Nieuhof
transcreve em sua crônica um documento que aponta um aspecto pouco explorado na
historiografia sobre a “restauração pernambucana”. Em carta de 19/7/1645, onde
respondia ao Conselho sobre os motivos alegados pelos portugueses do Brasil Holandês
para as atividades dos rebeldes, que o governo na Bahia estaria sendo acusado de apoiar,
numa atitude que poderia ser interpretada como quebra da trégua celebrada entre o rei
de Portugal e o Governo holandês, o Governador Antônio Teles da Silva assim
mencionava a citada ameaça tapuia que pesava sobre a população, segundo a transcrição
do cronista: Os portugueses sob seu governo comunicaram-me as razões que os
impeliram a esta rebelião, solicitando o meu auxílio na qualidade de súdito do Rei meu
Senhor. Disseram-me que receavam ser sacrificados à fúria de 4000 Tapuias
especialmente enviados do Rio Grande para esse fim,..” (NIEUHOF; p.177).
Através de algumas notícias para o Conselho sobre a situação no Rio Grande,
compiladas nos registros da crônica de Joan Nieuhof, podemos ter uma noção da
evolução dos referidos acontecimentos que viriam a contribuir para a mudança da
86
situação dos tapuias liderados por Janduí. Em princípios de julho de 1645, diversos
informes, inclusive vindos de Roulox Baro e de Jacob Rabbi, teriam comunicado que:
diante da ameaça de invasão pelas forças de Camarão, provenientes do sul e pelos
índios de Ceará e Maranhão, haviam desarmado todos os portugueses e recolhido as
armas ao forte de Ceulen”
126
; informando que o chefe Janduí e suas forças tapuias
estavam prontos para se lançarem contra os lusos logo que recebessem ordens”; e,
ainda que: Cientes disso, muitos peninsulares haviam fugido para Paraíba.”
(NIEUHOF; p.188). Em seqüência teriam ocorrido os massacres já mencionados sob a
liderança de Jacob Rabbi, cuja motivação, na visão de Joan Nieuhof foi assim
registrada: Informados de que os portugueses de Pernambuco estavam revoltados, os
tapuias, tomados de ódio para com os lusos, atacaram..” (NIEUHOF; p.262), o que
teria resultado no “expurgo de rebeldes” no Rio Grande, cujo registro pragmático
daquele cronista já foi aqui mencionado.
Em novembro de 1645, encontramos notícias dos movimentos de tropas entre
soldados holandeses e o inimigo recém-chegado ao Rio Grande, procedente da
Paraíba.” ( NIEUHOF; p.267). Teria início uma série de combates procurando não
permitir que as tropas de Camarão ocupassem o interior da capitania, e assim impedir
que as nossas guarnições de lá recebessem gado e farinha”, com a participação ativa os
tapuias liderados por Jacob Rabbi e pelos filhos do rei Janduí” (NIEUHOF; p.269). A
ação dos tapuias teria se estendido aos combates na Paraíba, como registra o relatório do
Capitão Willem Lambertsz, de setembro de 1645, onde informa, segundo o registro de
Joan Nieuhof:
“Não sem grande dificuldade, conseguira, finalmente, do rei Janduí, uma força de 200
tapuias, pois o rei fingia temer que, durante a ausência de suas tropas, fosse vítima de
alguma incursão de seus vizinhos para massacrá-lo, juntamente com sua família,
exigindo, ao mesmo tempo, que todos os portugueses da Paraíba fossem passados a fio
de espada. Continuando sua informação diz Lambertsz que, marchando com esses
tapuias para a Capitania de Paraíba, exterminaram eles todos os portugueses que
encontraram no trajeto, em número de 100, aproximadamente, tendo igualmente
saqueado suas propriedades..” ( NIEUHOF; p.257)
126
O “Camarão”, mencionado pelo cronista, seria Antônio Felipe Camarão, índio potiguar, também
conhecido por Poti (camarão na língua tupi), e que teria atuado como “Capitão-mor” dos índios na
campanha de restauração do domínio da região pelos luso-brasileiros. Para informações sobre a sua
atuação, veja-se: VARNHAGEN, Francisco A. de. História das lutas com os holandeses no Brasil. Rio
de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2002.
87
Em abril de 1646, de acordo com as cartas dirigidas ao Conselho pelo Coronel
Joris Garstman, o inimigo havia abandonado o Rio Grande”. ( NIEUHOF; p.276).
Abril de 1646, mesma data da ocorrência que marcaria o aumento das dificuldades nas
relações entre holandeses e os povos indígenas, o assassinato de Jacob Rabbi. Entre os
diversos aspectos em que a influência deste acontecimento se mostra presente em nosso
documento, encontramos a mudança na correlação de forças entre aliados e inimigos de
Janduí na região. Aparecendo como divisor de águas, em diversas ocasiões, como no
episódio envolvendo as ações dos tapuias e brasilianos do Ceará, com referência a
conveniência ou não de se continuar apoiando os holandeses; registrado, por exemplo,
na afirmação de Janduí para Baro:
.
Eles me odeiam porque eu não os segui e porque
não fiz nas minhas terras como eles fizeram no Ceará, onde degolaram os vossos
homens”. (MOREAU, BARO; p.98). Segue-se, a transcrição do registro na crônica de
Pierre Moreau, do citado episódio; segundo este autor, ainda em 1647.
“..aconteceu que os tapuias e brasilianos dissidentes de Janduí deixaram o partido
holandês e adotaram o dos portugueses, não devido a morte de Jacob Rabbi, como
porque não lhes haviam querido entregar Garstman. Fizeram uma incursão ao Ceará,
onde mataram e massacraram todos os habitantes holandeses do interior e solicitaram
insistentemente a Janduí, rei de sua nação, que se unisse a eles e socorresse os
portugueses, mandando-lhe pequenos presentes a fim de melhor convencê-lo. Este
respondeu-lhes, entretanto, que preferia guerreá-los a consentir e aprovar sua ação
no Ceará.” (MOREAU, BARO; p.66).
No que se refere ao cerne das negociações, ou seja, às condições para a
manutenção da fidelidade de Janduí aos holandeses, um dos fatores que o teria levado à
implorar a assistência dos holandeses”, foi a pressão que as forças lideradas por
Camarão estaria fazendo no sentido de desestabilizar a liderança de Janduí entre os
grupos tapuias da região. No registro de Roulox Baro que reproduziremos a seguir,
narrando um episódio que teria ocorrido em primeiro de julho, podemos avaliar a rede
de intrigas com a qual Janduí tinha que lidar. Na declaração final atribuída a Janduí para
o nosso cronista, encontramos o que parece resumir a “mensagem” que ele esperava
que chegasse aos holandeses que o teriam enviado como “embaixador”.
“..um capitão dos tapuias, chamado Vvariju, veio visitar Janduí, com sua gente
conduzida por trinta e quatro chefes e regalaram-se com farinha, ratos e milho, que
tinham trazido. Janduí indagou dele o motivo de sua viagem, dizendo-lhe Vvariju que
vinha da caça aos inimigos e que, pensando ir juntar-se a Paicu, que a tal os convidara,
não conseguira encontrar o caminho. “Tu devias trazer-me, disse Janduí, os presentes
que ele te enviou.” “Acreditei, replicou Vvariju, que isso não seria necessário, porque
88
eles me asseguraram que tinham vindo de tua parte e que tinham me avisado do seu
desejo.” “Isto é falso, disse o ancião; é certo que me enviaram alguns presentes por
brasilianos, os quais lhe devolvi, a fim de que me viessem encontrar e trazer-me o resto
daquilo que me pertencia. Mas esses marotos tomaram outro caminho e fugiram com a
gente de Paicu. Deram-te alguma coisa?” “Sim, disse Vvariju, machados e facas.
Procederam igualmente com Paicu.” Janduí gritou: “Ah! Traidores! Se eu estivesse
agora ao do Rio de Vvariju, daria cabo deles, com suas mulheres e filhos.” Depois,
voltando-se para mim, disse: - “Este povo não quer outra coisa senão levar-me para o
lado dos portugueses. Não lhes basta ter massacrado os do Ceará, querem acabar com
todos os holandeses: eis porque é preciso que te resolvas a voltar aqui com a maior
quantidade de soldados que puderes, juntar-te aos brasilianos teus aliados e vires
encontrar-me para, todos juntos, nós os atacarmos e destruirmos.” Disse-lhe que assim o
faria.” (MOREAU, BARO; p.101)
127
.
Ao se despedir de Vvariju, em 3 de junho, conforme os registros do relatório,
Janduí teria dado “uma parte dos presentes que eu lhe trouxera, sob a promessa de
seguir o seu partido, que é o nosso”; tendo, em seguida, comentado com Roulox Baro:
“Vês, meu filho, como é necessário que eu aos tapuias parte do que me ofereceste?
Pois, de outro modo, eu ficaria só; não tenho o suficiente para distribuir aos outros
chefes”; que teria respondido: “Prometi-lhe que, dali em diante, eu me abasteceria de
presentes suficientes para todos.” (MOREAU, BARO; p.101). Promessa registrada no
relatório, talvez, como forma de reivindicar o envio de mais presentes por parte da
administração da Companhia.
No registro referente ao dia 7 de junho, Roulox Baro narra outro episódio
relacionado com a referida pressão sobre os aliados, onde podemos interpretar na
declaração atribuída à Janduí, uma argumentação que, mais uma vez, procuraria
destacar a sua percepção do caráter de “mestiço” da posição de Roulox Baro, e a sua
importância em relação aos grupos mencionados: “os holandeses” e “os brasilianos”.
Além de parecer reconhecer, pela primeira vez, que estava em desvantagem em termos
militares. E na resposta de Roulox Baro, podemos ver, tanto uma tentativa de ganhar
tempo antes de prometer ajuda efetiva:
“Cerca de meio-dia, dois tapuias de Preciaua vieram ter conosco, assegurando que
Paicu e sua gente tinha feito um acordo com os inimigos, resolvidos a vir todos juntos
guerrear contra Janduí. Este magoou-se, sentou-se no chão e, após um longo silêncio,
disse-me: - “Vês, meu filho, o que se passa? Não queres socorrer-me contra teus
127
Este conflito com outros grupos tapuias estaria presente na época de uma visita anterior de Roulox
Baro. Conforme registra Joan Nieuhof, a 13 de agosto de 1646, Roulox Baro: que como relatamos,
fora incumbido de levar alguns presentes a Janduí, rei dos tapuias, trouxe uma carta desse chefe
indígena, datada de primeiro de julho, endereçada ao Conselho, na qual agradecia os presentes e pedia
que lhe enviasse armas de ferro, pois estava em guerra com os Paiacus, e, logo que os tivesse subjugado,
marcharia com todas as suas forças contra os portugueses.” ( Nieuhof; p.295).
89
inimigos e os meus? Tu me asseguravas dias que tinhas tanto poder e comando sobre
os teus, quanto tivera Jacob Rabbi, e que podias levantar tantos holandeses e brasilianos
quantos quisesses. Eis o momento de prová-lo, visto que os nossos inimigos estão mais
fortes do que eu.”
“Respondi-lhe nestes termos “É preciso, primeiramente, meu pai, que te informes se a
notícia que vem de lhe ser dada é verdadeira e, se for, que reunas tantos tapuias quantos
puderes. Por mim, irei à minha morada e te trarei dos meus tudo o que puder conseguir
para o teu socorro; mas creio que o que te disseram é inventado; e o tempo i
demonstrar isso”. (MOREAU, BARO; p.102).
Mais adiante, no registro referente ao dia 13 de junho, em outra conversa entre
Janduí e Roulox Baro, na qual o chefe tapuia procura mostrar ao cronista detalhes sobre
o quadro dos acontecimentos, além de, após reconhecer mais uma vez a inferioridade
militar que atribuía às suas forças frente aos inimigos, “ameaçava” com a possibilidade
de ser obrigado a levar seu povo para a sede da capitania.
“..Janduí, conversando comigo, disse-me que sempre servira aos holandeses em suas
necessidades; que pedia retribuição contra aqueles que haviam matado os da minha
nação em Salinas e em Ipanema, os quais, indignados pelo fato de eles não terem seguido
o seu partido, tendo sido amigos anteriormente, procuravam sua perda; tinham-se aliado
à gente de Camarão e aumentado sua armada de grandes e temíveis tropas, que estavam
acampadas acima do Paraíba com Vvajapeba, que tinha estado sempre do seu lado e
morara longo tempo entre eles na Várzea; eles é que lhes tinham enviado os presentes
que me mostrara, da parte do referido Camarão. Que eles todos se tinham juntado a
Paiucu, de sorte que, não podendo resistir-lhes, estava resolvido, caso não fosse
socorrido por mim e pelos meus homens, a retirar-se para o Rio Grande, próximo do
nosso forte. Este discurso me sobressaltou, pois não tinha nenhuma vontade de vê-lo tão
perto de mim. Eis porque lhe disse que não devia ele abandonar a sua terra e que ali
devia esperar o inimigo, caso fosse verdadeiro que este estava pronto para atacar.”
(MOREAU, BARO; pp.102-103).
Nos dias que se seguiram, segundo o relato de Roulox Baro, as respostas do
“diabo” às consultas dos feiticeiros insistiam para que as forças de Janduí não entrassem
em combate antes da chegada do reforço dos holandeses, e, ainda, que deveriam
“atravessar o rio, e vir para o Rio Grande” (MOREAU, BARO; p.106). Roulox Baro
argumentou ser mais conveniente eles se dirigirem para um local pobre, onde os
inimigos, ao perseguí-los, não pudessem encontrar o que comer. Prometeu que o
socorro viria, mas “que era necessário que eu próprio fosse buscá-los.”, o que Janduí
não gostou: “O ancião não ficou muito contente e respondeu-me que, se eu não fosse
depressa e voltasse ainda mais rapidamente, os seus inimigos e os meus deitariam a
perder a eles e a nós, até mesmo no Rio Grande”. (MOREAU, BARO; p.106). Em 5 de
90
julho, encontramos o último diálogo entre Roulox Baro e Janduí, quando o chefe teria
perguntado se ele voltaria breve, recebendo como resposta:
“..informei-lhe que sim, acrescentando que enquanto ele me esperava, devia mandar
alguns de seus homens à busca do inimigo, a fim de capturar prisioneiros, para saber
dos seus intuitos e de suas forças. Deveria esperá-los o maior tempo que pudesse caso
acreditasse que não poderia resistir-lhes, se retirasse para Vvahy. Se isso acontecesse,
deveria enviar-me dois ou três homens ao Rio Grande, que me avisariam do que se
passava. Assim me prometeu. Despedi-me, então, de Janduí, recusando a companhia dos
tapuias que ofereceu para me guiarem.” (MOREAU, BARO; p.107).
Nesta passagem que acabamos de reproduzir é de ressaltar a segurança
demonstrada por Baro no que se refere ao seu deslocamento até a chegada em sua casa.
Como pudemos ler no depoimento de Knivet, mesmo alguns europeus experientes não
costumavam prescindir de tais guias.
Antes de passarmos aos comentários sobre os brasilianos citados no relatório,
podemos montar um pequeno resumo dos acontecimentos envolvendo os tapuias de
Janduí, entre o retorno de Roulox Baro e a rendição dos holandeses, utilizando as
informações compiladas por Ernst van den Boogaart
128
. De volta de sua viagem, o
Conselho teria fornecido a Baro, após alguma relutância, um pequeno grupo de
soldados, munição, fardas e ferramentas. Apesar deste auxílio, Janduí foi derrotado
pelos inimigos. O Conselho teria, então, enviado um reforço de vinte homens para, com
o auxílio de índios aliados do Ceará, vingarem esta derrota. Após uma segunda derrota,
os tapuias de Janduí e seus aliados do Ceará viriam a se recolher ao forte Ceulen. Em
junho de 1648 apareceriam restabelecidos no sertão, promovendo as habituais
incursões na capitania. Foi quando Roulox Baro renunciou, sendo substituído por Pieter
Persijn. Os tapuias de Janduí mantiveram a lealdade aos holandeses até a capitulação
das tropas da Companhia no Rio Grande, negociando com os colonos e sendo visitados
no sertão anualmente por Persijn. Os tapuias de Janduí teriam sido incluídos na clausula
de anistia para os índios que ficaram do lado dos holandeses.
Sobre o relacionamento dos tapuias de Janduí com as autoridades do Brasil
Holandês, na fase posterior à missão de Baro, temos o registro de Joan Nieuhof, no
final de outubro de 1647: os tapuias, exasperados pelo assassínio de seu comandante
128
BOOGAART, E. van den. “Infernal Allies: The Dutch West India Company and the Tarairiu 1631-
1654”. In. BOOGART, E. van den, ed. In collaboration with HOETINK, H. R. and Whitehead, P. J. P.
Johan Maurits van Nassau-Siegen, 1604-1679: A Humanist Prince in Europe and Brazil. The Hague:
Johan Maurits van Nassau-Siegen Stiching, 1979. pp.519-538.
91
Jacob Rabbi, abandonaram-nos. O Conselho fez o que pôde para os acalmar
aprisionando e desterrando Garstman, o autor do delito e confiscando seus haveres.
Contudo, não se conseguiu persuadir os tapuias que se reunissem a nós como antes.” (
NIEUHOF; p.307). Esta seria a sua última referência aos tapuias de Janduí; Joan
Nieuhof partiria para a Holanda em julho de 1649.
A forma de denominação genérica de brasilianos adotada no relatório, não
acompanha a forma costumeira dos holandeses se referirem aos tupis
129
, como parece
apontar para uma extensão dessa identificação como um “grupo étnico” pelos próprios
tupis, ao se verem diante da necessidade de demonstrarem uma posição comum em
relação aos desmandos dos “comandantes” e em relação aos tapuias
.
Baro denomina
como brasilianos, basicamente, os membros das aldeias vizinhas a sede da capitania
citados na partida e na chegada da viagem , e os grupos que aparecem como
“refugiados” no território dos tapuias.
No caso dos encontros com os vizinhos, não são registrados diálogos, nem
comentários específicos, aparentemente mostrando um relacionamento habitual, como
podemos ler nos respectivos registros. No trecho referente ao início efetivo da viagem,
em abril de 1647, a respeito da superação das dificuldades causadas pela enchente nos
rios das redondezas da sede da capitania, assim são mencionados os brasilianos: “No
dia 21, além dos homens que tinha comigo, tomei dois na aldeia dos brasilianos, para
nos conduzirem ao outro lado do rio, onde chegamos aproximadamente ao meio-dia.”
(MOREAU, BARO; p.92). No que se refere aos registros relativos à chegada, em julho
de 1647, encontramos referências aos brasilianos no trecho que reproduzimos em
seguida:
“.. chegamos à tarde à aldeia que existia à margem do Rio Potengi, onde passei o dia
seguinte, a fim de que me mostrassem onde estavam aquelas belas pedras negras das
quais falei acima. Dois habitantes me conduziram e mostraram-me grande quantidade
delas. Na volta, mandei pilar um pouco de milho para comer durante à viagem.
No dia 10, querendo eu partir, trouxeram-me uma beberagem feita com milho e mel
selvagem; bebi-a toda e depois caminhei pela encosta e pela serra, até chegar no rio. Na
noite do dia 11, mandei de volta os brasilianos da mencionada aldeia que me
acompanhavam; encontramos milho e peixe para cear.
No dia 12, atravessei o rio, no qual pescamos o suficiente para alimentar-nos.
129
Sobre este costume, registra Gonsalves de Mello: “Se bem que fosse conhecida a política dos
holandeses com relação aos tupis ou brasilianos, como são chamados nos documentos holandeses a
que dizia respeito aos tapuias ainda não era bastante clara em 1636.” (GONSALVES DE MELLO,
1978: p.201).
92
E no dia seguinte, tendo encontrado brasilianos que pescavam, juntamo-nos a eles, e
misturamos com a sua pesca os ratos que os meus negros tinham apanhado.
Cheguei a Cameru no dia 14, cerca do meio-dia, e à tarde à minha casa, em Incarenigi,
no Governo do Rio Grande, depois de ter suportado a fome e as fadigas que lestes.
(MOREAU, BARO; p.107).
O primeiro encontro com brasilianos que estariam como “exilados” no sertão
aparece nos registros do período entre os dias 7 e 12 de maio (MOREAU, BARO.; p.94-
96). No final do dia 7, a expedição chegava “a uma aldeia Terapissima cujo chefe era
João Vviouin, o qual nos recebeu amavelmente e nos deu para comer milho...e deu-nos
a beber mel silvestre.” (MOREAU, BARO, p.94). Note-se o nome (João) mostrando
um provável batismo, indicação dos novos hábitos e costumes que teriam adquirido nas
aldeamentos
130
. No registro do diálogo entre Roulox Baro e Vviouin, que teria ocorrido
no dia seguinte, destacamos a presença da idéia de identidade genérica de “brasiliano” –
associada aos tupis aldeados – bem como o teor do acordo entre aqueles brasilianos e os
tapuias de Janduí para o refúgio no sertão. Encontramos, ainda o registro da pressão dos
grupos aliados dos lusos – “ os inimigos”:
“No dia 8, Vvioauin veio procurar-me e, tendo-lhe eu perguntado que fazia ele nestas
matas, tão distante de nós e de seus compatriotas, respondeu-me que era por causa da
guerra, mantendo-se em paz com os seus vizinhos, os tapuias, e dando-lhes de boa
vontade o que tinha, quando estes o vinham visitar. Que, entretanto, os inimigos tinham
estado duas vezes em sua casa, a fim de procurar atraí-lo para o seu partido. Tinham
feito o mesmo com Janduí há um mês e ele não sabia o que haviam resolvido juntos, nada
mais conhecendo a respeito senão o que tinha ouvido dizer pelos tapuias que moravam a
uma distância dele de apenas dois dias de marcha” (MOREAU, BARO; p.95
)
Ainda em sua permanência na aldeia de Vvioauin, Roulox Baro teria sido
procurado por um grupo de brasilianos que pretendiam se fixar na região, e que para
isso, pediam um salvo-conduto. Estes registros nos parecem ricos de informações sobre
as intensas relações de diferentes grupos étnicos e sociais, envolvendo brasilianos,
tapuias, comandantes de aldeias (“oficiais de brasilianos”), e um intérprete
representando os “Nobres Poderosos” do Recife, que frequentavam o sertão:
“Perguntei-lhes como sabiam da minha chegada e porque me pediam salvo-conduto; se
tinham feito mal a alguém, uma vez que queriam mudar de residência. Responderam que
130
Segundo registra Frans Leonard Schalkwuk, em seu Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630 a
1654), em sua maioria, os brasilianos das aldeias tinham sido batizadas, e os missionários da Igreja
Cristã Reformada trabalharam no fundamento lançado pelos padres católicos romanos.
(SCHALKWUK; p. 209).
93
sabiam muito bem da minha chegada, que os oficiais dos brasilianos residentes mais
abaixo os ameaçavam constantemente de expulsão, e, por isso, tinham resolvido
procurar outra morada, ligando-se aos tapuias, a fim de facilmente conseguir víveres nas
matas para eles próprios, suas mulheres e crianças. Sofriam muito no lugar que iriam
deixar e, estando no mato, poderiam resistir a seus inimigos e servir a seus amigos.
Desejavam construir uma grande aldeia e manter-se em paz pelo seu número, sem nada
temer, sustentando o esforço de guerra, se isso fosse necessário.”
“Propus à todos esses brasilianos que, se prometessem nada tentar contra os holandeses
e seus aliados, mas, ao contrário, seguir o seu partido e interesses perante e contra
todos, serem amigos de seus amigos e inimigos de seus inimigos, bem como avisar-me de
tudo quanto se tramasse contra eles no Rio Grande, onde eu morava, eu os receberia sob
a minha proteção e salvaguarda. Assim me juraram. Prometendo-me conduzir
incontinente à minha presença todos os de seu grupo. A fim de fazerem o mesmo, desde
que eu lhes desse o salvo-conduto que pediam, esperando a aprovação dos Nobres
Poderosos e o consentimento dos senhores da Companhia das Índias Ocidentais.”
(MOREAU, BARO; p.95).
Em seguida, o grupo de brasilianos teria sido trazido à presença de Roulox Baro, e
insistido na necessidade do salvo-conduto, a fim de que nenhum oficial brasiliano
pudesse obrigá-los a partir de suas residências”. Diante da argumentação de que sem a
aprovação dos “Nobres Poderosos meus Senhores” de nada adiantaria um salvo-
conduto, de seu próprio punho, teriam insistido em um documento provisório, episódio
assim registrado no relatório:
“...porque no sertão havia tapuias e brasilianos que recrutavam todos aqueles que
encontravam, o que causava grande temor entre eles; de posse do salvo-conduto, nada
mais temeriam, e diriam a todos os que viessem procurá-los que nenhum poder tinham
mais sobre eles, visto que pertenciam à minha nação e não à deles; prometiam-me
permanecer fiéis e descobrir as traições tramadas contra nós, mediante remuneração.
Todos assim o juraram e também os seus chefes, que eram quase em número de vinte e
seis. Feito isto, dei-lhes o salvo-conduto, cujo teor era este: Que ninguém se atrevesse a
tirar brasilianos destes lugares, nem ultrajá-los por meio de palavras ou de outra
qualquer forma. Eles estavam autorizados a construir ali uma nova aldeia, fazer
plantações e residir tanto e tão longamente quanto perseverassem em sua fidelidade,
obrigando-se a notificar, incessantemente, por mensageiro especial, aos nossos que
estivessem no Rio Grande, os atentados e traições que se praticassem contra os nossos.
Feito provisoriamente e dependente da aprovação dos Nobres Poderosos, a 11 de maio
de 1647” (MOREAU, BARO; p.96)
Um episódio que pode adicionar elementos para uma leitura da rede de relações
entre os diversos grupos sociais envolvidos, é o registro do aparecimento de “dois
brasilianos e uma mulher”, na aldeia de Vviouin, durante a permanência de Roulox
Baro, que teriam afirmado que este viera para enganá-los e levá-los para fora do
sertão”, segundo lhes haviam assegurado em Potengi. Conforme registra nosso cronista,
se revelaria uma rede de intrigas:
94
“Tive bastante trabalho para desfazer este boato, perguntando-lhes de onde tinham tido
notícia desta mentira. Responderam-me que fora de um certo Luís Caravata, português, e
de um chamado Vitapitanga, tapuia, que era de seu partido. Comuniquei-lhes que se os
capturasse, ensinar-lhes-ia a falar a verdade e não mais fazer correr boatos maldosos
contra a minha pessoa” (MOREAU, BARO; p.96).
Novas perspectivas sobre a dinâmica do cotidiano desses encontros culturais,
podem ser encontradas nos registros do dia 19 de maio, quando a expedição chegou em
uma região habitada por um grupo de brasilianos, encontrando-a abandonada, com
apenas alguns velhos. Estes informaram estarem sem o seu “principal” – dito Diego – o
qual teria sido procurado e trazido para uma entrevista com Baro. No diálogo que teria
ocorrido nos parece presente a influência da identificação de Roulox Baro com um
representante da cultura tupi, na qual teria passado importantes anos de sua formação.
Baro se posicionou questionando agressivamente o que levaria um tupi a se afastar de
seu povo (“nos abandonarem assim”), ao mesmo tempo que oferecia amparo se
resolvessem voltar para o litoral, e, ainda, alertando para se cuidarem em relação à
agressividade característica dos tapuias. Episódio assim registrado:
“Disse-me que Janduí lhe dera este lugar para nele habitar com os seus, mas o mesmo
não era seguro contra os seus inimigos, motivo por que era obrigado, ao primeiro ruído
de guerra, a abandoná-lo e fugir para o mato. Ponderei-lhe que eles eram uns sem-
vergonha por nos abandonarem assim e à sua própria nação. Respondeu-me que não
eram sem-vergonha, mas que, não tendo recorrido aos seus inimigos, aos quais não
podiam resistir, era prudente fugir; oprimidos pela fome em sua aldeia, tinham sido
obrigados a procurar seus amigos para obter víveres, quando deles careceram. Sem isso,
sentir-se-iam felizes em viverem em paz, pois, devido à sua pobreza, raramente eram
atacados pelos seus inimigos, e dispunham de todas as matas ao redor para uma retirada
segura. Janduí deixara-lhes a liberdade de cultivar estas terras, e eles tinham plantado
raízes e semeado ervilhas e favas, além daquilo que encontravam nas florestas. Não eram
ingratos para com Janduí, a quem davam, liberalmente, uma parte daquilo que haviam
plantado e semeado; à hora que ele falava, seus homens estavam nas roças semeando
milho; não tinham ainda varas de raízes de fazer farinha, mas Janduí lhes prometera dá-
las quando, com o bom tempo, descesse ao vale. Afirmei-lhes que, quando viessem do
lado do Rio Grande, eu os receberia cortesmente e pedi-lhes que tomassem cuidado de
não ofender ninguém.” (MOREAU, BARO; p.97).
Sobre os motivos que poderiam ter levado os brasilianos a procurarem sua
transferência para o sertão, ou, como disse Roulox Baro: nos abandonarem assim e à
sua própria nação”, encontramos: a situação de fome na antiga aldeia; o atual estado de
guerra; e o abuso dos “comandantes” de brasilianos. Abusos estes, que aparecem
explicitamente na insistência que teria sido demonstrada pelos brasilianos na obtenção
95
de salvo-conduto de Roulox Baro, apesar de pretenderem se estabelecer na região
dominada por Janduí e da alegação de que teria validade com a aprovação dos
“Nobres Poderosos”no Recife.
Segundo Joan Nieuhof, na rebelião dos brasilianos do Ceará, em 1644, quando
massacraram a guarnição do forte e os operários das salinas próximas do rio Upanema:
se buscarmos a verdadeira explicação desse desastre, encontrá-la-emos nos
desmandos dos nossos oficiais que, por seus abusos e arbitrariedades, forçaram os
moradores da região a reagirem contra as injúrias recebidas.” (NIEUHOF; p.94). Em
Tempo de Flamengos, José Antônio Gonsalves de Melloindica a proximidade da capital,
ou uma comunicação fácil com o Recife, como em Alagoas, Goiana e Paraíba, para
explicar o que teria favorecido o cuidado e interesse do governo flamengo com os
ameríndios aldeados; enquanto o afastamento e as dificuldades de comunicação com
Pernambuco, como no Rio Grande, no Ceará e no Maranhão, parecem ter facilitado todo
o gênero de exploração dos naturais. Registrando ainda que os “comandantes”, que
teriam se encarregado do governo civil e da direção do serviço dos indígenas: não
eram pessoas recrutadas com requisitos especiais; muitos não tinham em mira senão
enriquecer rapidamente.” ( GONSALVES DE MELLO, 1978; p.207).
Um registro a ser destacado, envolvendo os brasilianos, seria um episódio em que
alguns brasilianos haviam se retirado para suas casas, abandonando a expedição, no dia
29 de maio, causando uma observação de Roulox Baro para Janduí onde parece se
revelar a complexidade da rede de leituras dos elementos das diversas culturas
presentes:
“Pedi-lhe que não mais se fiasse nos brasilianos, pois, de outro modo, lhe pregariam
alguma peça e ele não tinha razão para confiar naqueles que tinham abandonado a sua
própria nação, à qual retornariam todas as vezes que a ocasião lhes parecesse favorável.
Retrucou-me que teria cautela, e então nos separamos para ir dormir.” (MOREAU,
BARO; p.100).
Podemos ler nessa fala de Roulox Baro uma preocupação com uma falta de
lealdade no comportamento dos indígenas de origem tupi que abandonavam os seus
companheiros que haviam permanecido nos aldeamentos próximos da costa. Em nosso
entender, este tipo de comportamento teria se tornado alvo de observação, devido a sua
formação entre elementos de cultura similar. Adicionalmente, parece confirmar o
processo de rearticulação onde os diversos grupos tupis recebiam a identificação
genérica de “aldeados” (“brasilianos”), identidade assumida, por vezes, para servir aos
96
interesses dos próprios indígenas, e que Roulox Baro parece assumir ao longo de todo o
seu discurso, mesmo tendo em mente a dificuldade de se saber até que ponto, como bem
observa Maria Regina Celestino de Oliveira, os indígenas mantinham suas
identificações próprias entre si e com as outras etnias e assumiam outra diante dos
agentes dos brancos
131
.
Em relação a estes grupos de brasilianos, moradores das aldeias próximas a sede
da capitania do Rio Grande, um retrospecto de algumas circunstâncias em que se viram
envolvidos pode dar uma idéia da diversidade de situações em que foram pressionados
para mudanças em seus comportamentos e hábitos. Com o deslocamento para as aldeias
jesuíticas, sofreram um primeiro incentivo, da parte dos jesuítas, para se adequarem a
“cultura de aldeia”
132
. Conforme John Hemming
133
, o padre jesuíta que comandava as
aldeias no Rio Grande na época da chegada dos holandeses, padre Manuel de Moraes,
que possuía sangue indígena e era fluente na língua geral, recebeu ordens de seus
superiores para, junto com “seus” índios, combaterem os “protestantes”, e, antes de ser
capturado, em janeiro de 1635, teria enfrentado as forças da Companhia durante seis
meses em Itamaracá e durante dois anos na Paraíba. Ainda segundo Hemming, após sua
captura Moraes teria surpreendido os holandeses oferecendo-se para servir à
Companhia, levando 1600 de “seus” índios de várias idades “voluntariamente” para o
lado dos holandeses; se tornando publicamente um calvinista e viajado, posteriormente,
para a Holanda, onde viria a se casar (HEMMINGS; pp.302-303). Com essa nova
situação passariam a serem instruídos na religião reformada pelos predicantes
134
. E,
finalmente, como mostra o relatório de Roulox Baro, teriam sido levados a se
estabelecerem nas terras do interior sob as condições impostas pelos tapuias.
A leitura das representações das interações entre os grupos indígenas, e entre estes
e os “brancos”, presentes ao longo do texto de Roulox Baro, nos parece, em função do
processo de “indianização” ao qual seu autor teria passado, útil para uma melhor
131
Sobre este processo de rearticulação, ver a obra da Professora Doutora Maria Regina Celestino de
Almeida – Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
132
Sobre a participação dos jesuítas na formação desta “cultura das aldeias”, vejam-se: Metarmofoses
Indígenas, mencionado na nota anterior, e, ainda, a tese de doutorado de Charlotte Castelnau-L’Estoile,
CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlotte. Les ouvriers d’une vigne stérile. Les jésuites et la conversion des
Indiens au Brésil. 1580-1620. Thèse de doctorat. Paris: Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales,
1999.
133
HEMMING, John Red Gold: The conquest of the Brazilian Indians. London: Papermac, 1995.
134
Sobre as medidas e atitudes adotadas pelos holandeses visando à educação e à instrução religiosa dos
índios, veja-se GONSALVES DE MELLO, 1978; pp. 211-225.
97
compreensão tanto da fluidez das fronteiras culturais, quanto das constantes adaptações
culturais que teriam cercado aquelas relações interétnicas.
98
Conclusão.
A leitura que procuramos desenvolver acerca dos contatos inter-étnicos
presentes no relatório da Viagem ao País dos Tapuias, nos levou, pela história de vida
peculiar de seu autor, a levantar um leque de questões sobre os índios na sociedade
colonial, envolvendo uma série de aspectos que vêm sendo valorizados nos últimos anos
em abordagens interdisciplinares. A procura por elementos que nos permitisse uma
melhor avaliação do cenário onde nosso autor passou parte de sua passagem e da idade
adulta, mostrou-se muito frutífera neste aspecto. A consulta à narrativas de
contemporâneos, que transitaram por caminhos semelhantes aos que supostamente teria
seguido Roulox Baro, descortinou um material rico em informações sobre a convivência
entre grupos indígenas e entre estes e os “brancos” que procuravam se estabelecer
em limites geográficos mais amplos do que os do Brasil Holandês.
Da crônica de Knivet, apoiada pelos registros de Cavendish sobre a que seria sua
última viagem, podemos encontrar um alto grau de sociabilidade, entre o gentio e os
luso-brasileiros, pouco valorizado ou mesmo mencionado em análises sobre o encontro
entre “civilização” e “barbárie”. No âmbito das forças de defesa do litoral, assim como
nas parcerias para obtenção de mão-de-obra escrava, os registros apontam para um
esforço de adaptação, envolvendo a assimilação de diversos elementos de ambas as
culturas pelos envolvidos, dentro dos objetivos próprios de cada grupo. O relato de
Knivet parece mostrar uma formação para o “exército” liderado por Martim de Sá, que
combinaria não apenas “portugueses” e indígenas, mas, também, um contingente de
mestiços e de brancos nascidos no Brasil, dos quais seu chefe seria o maior exemplo
135
.
O fato de Martim de Sá, elemento central na coordenação das alianças com os indígenas
na maior parte do período, ter sido não o primeiro governador do Rio de Janeiro
nascido nesta cidade, mas de ter afirmado em carta dirigida à Câmara do Rio ser aqui
nascido e criado” (COARACY; p.19), parece justificar “simbolicamente” a percepção
de que certos elementos denominados por alguns cronistas como “portugueses”
deveriam receber, em nossa leitura, a classificação de “luso-brasileiros”.
A trajetória de Roulox Baro nos quadros da administração da Companhia das
Índias Ocidentais, passando em poucos anos de um desconhecido (“um certo Roulox
Baro”) para intermediário junto aos aliados tapuias e responsável pela segurança dos
99
colonos da capitania do Rio Grande, parece mostrar a importância, para a sobrevivência
de qualquer dos grupos europeus em terras brasílicas, da presença de “diplomatas” com
formação adequada junto às culturas em fase de profundas reformulações. A economia,
tanto de materiais quanto de funcionários, e a capacidade de viajar pelo sertão caçando e
pescando sua alimentação diária, se completava-se com a sua identificação com os
indígenas, posto que se ganhava sua confiança é porque comportava-se conforme os
seus padrões.
A leitura de seu relatório transmite a idéia de um “sertão” que abrigava uma
diversidade de grupos humanos, os quais, por vezes demonstravam Ter um alto grau de
consciência das adaptações necessárias para suas próprias sobrevivências, e do papel
que desempenhavam nas lutas que os rivais europeus travavam para dominarem trechos
do litoral. Apesar da circunstância sempre presente da necessidade dos indígenas
representarem uma imagem para os representantes dos brancos, uma identidade étnica
de “brasiliano”, incentivada no período nos aldeamentos religiosos, parece emergir dos
registros de Baro sobre o comportamento dos grupos de tupis abrigados nas terras dos
tapuias. O “ódio” aos portugueses que as crônicas costumam atribuir genericamente aos
tapuias, pelo que transparece das falas atribuídas aos mesmos no relatório, seriam mais
uma justificativa sugerida pelos próprios europeus, tanto para a sugestão de que deviam
manter aliança com seus inimigos (os holandeses), quanto para justificar e incentivar os
massacres, o que parece ter se mostrado muito útil para manter os colonos luso-
brasileiros sob controle.
Ao longo de todo o trabalho temos a presença e a participação dos povos
indígenas nos diversos processos de conquista, ocupação e defesa das terras brasílicas
cobiçadas pelos europeus. Uma contínua combinação de acordos, conflitos e adaptações
de práticas culturais entre indígenas, mestiços e europeus, acompanhou, no período que
observamos, nossa história social e cultural.
135
Como vimos anteriormente, Knivet registra ter ouvido o comentário, a respeito de Martim de Sá, de
que: “o capitão não é mais que um filho bastardo do governador.” (KNIVET; p.237).
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