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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FÍSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
Igor Ferreira Nörnberg
CIÊNCIA EM REVISTA:
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS
ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS.
Porto Alegre
2008
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IGOR FERREIRA NÖRNBERG
CIÊNCIA EM REVISTA:
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS
ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação em Ciências e
Matemática.
Orientador: Dr. ROQUE MORAES
PORTO ALEGRE
2008
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CIP - BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: Vanessa I. Souza CRB - 10/1468
N961c Nörnberg, Igor Ferreira
Ciência em revista: a construção de conhecimentos científicos
através da utilização de histórias em quadrinhos. / Igor Ferreira
Nörnberg. – 2008.
119 f.; il.
Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Ca
tólica do Rio
Grande do Sul. Faculdade de Física. Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Matemática, Porto Alegre, BR-RS, 2008.
Orientador: Moraes, Roque.
1. Ciências: ensino. 2. Histórias em quadrinhos. I. Moraes, Roque.
II. Título.
CDU 57:37
IGOR FERREIRA NORNBERG
CIÊNCIA EM REVISTA:
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS ATRAVÉS DA
UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação em Ciências e
Matemática.
Aprovado em ___ de _________________ de ______
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________
Dr. Roque Moraes (PUCRS)
______________________________________
Dra. Regina Maria Rabello Borges (PUCRS)
______________________________________
Dra. Russel Terezinha Dutra da Rosa (UFRGS)
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram para que esse trabalho se concretizasse.
Umas de maneira direta, e outras sem mesmo se dar conta.
Agradeço por todo apoio, amor e dedicação que recebi de minha mulher, de
meus pais, irmã, familiares, amigos e amigas.
Agradeço também ao meu orientador, que me deu a liberdade que eu
precisava e conselhos importantes.
A todas estas pessoas o meu MUITO OBRIGADO!
Navegadores antigos tinham uma frase
gloriosa: “Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar com o que eu
sou: Viver não é necessário; o que é necessário é
criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-
la penso. Só quero torná-la grande, ainda que
para isso tenha de ser o meu corpo e a minha
alma a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais
ponho na essência anímica do meu sangue o
propósito impessoal de engrandecer a pátria e
contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo
da nossa Raça.
Palavras de Pórtico, Fernando Pessoa
RESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
O ensino de Ciências tem como uma de suas funções a construção de uma
nova linguagem que possibilite a ampliação da leitura do mundo. A apropriação
deste tipo de linguagem requer uma constante impregnação, além de abordagens
dinâmicas que permitam aos alunos desenvolverem seus saberes de maneira lógica
e crítica. O uso das histórias em quadrinhos pode possibilitar o desenvolvimento
do conhecimento científico devido ao seu caráter singular de expressão que
desperta a criatividade e a imaginação. O objetivo desta dissertação foi analisar
a interpretação que alunos da sexta série do Ensino Fundamental fazem a partir
dos quadrinhos, além de investigar a sua utilização como instrumento didático.
Para isso, foram coletadas interpretações dos alunos sobre tirinhas do Níquel
Náusea. Também foi desenvolvido um trabalho de pesquisa que teve como ponto
de partida tirinhas que os próprios alunos levaram para a aula. A pesquisa
apresenta uma abordagem naturalística-construtiva, e as informações foram
analisadas por meio da Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2007).
As histórias em quadrinhos demonstraram ser uma importante ferramenta que
aproxima a vida escolar com o cotidiano dos alunos, o que pode facilitar a
verificação dos conhecimentos prévios. A utilização dos quadrinhos nas aulas de
Ciências não pretende ser uma metodologia única, tratando-se apenas de mais
uma opção para a alfabetização científica.
Palavras-chave: ensino de Ciências. história em quadrinhos. linguagem.
ABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Teaching Science has as one of its functions building a new language that
enables a broad reading of the world. The appropriation of this kind of language
needs constant impregnation as well as dynamic approaches that allow students
to develop their knowledge in a logical and critical way. Using comic strips can
enable the development of scientific knowledge due to their unique
characteristic of expression that can arise creativity and imagination. The aim
of this dissertation has been analyze six grade students' comic strips
interpretation, besides investigating the use of this material as a didactic tool.
In order to do it, students' interpretations about Níquel Náusea's comic strips
have been collected. A research has also been developed and had its starting
point from comic strips brought by the students themselves.
The research
presents a constructive-naturalistic approach, and the information has been
analyzed through the Discursive Textual Analysis (MORAES; GALIAZZI, 2007).
The comic strips have proved to be an important tool that could approach school
and everyday students' lives. Using comic strips in Science teaching do not
intend to be the only methodology to be used, but one more option to the
scientific literacy.
Keywords: teaching Science. Comic strips. language.
LISTA DE ILUSTRA
LISTA DE ILUSTRALISTA DE ILUSTRA
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ESES
ES
Figura 1 – Kiss V, de Roy Lichtenstein (1964) p. 17
Figura 2 – Superman, de Andy Warhol (1981) p. 17
Figura 3 – Revista
O Pato Donald
(nº 1, de 1950) p. 19
Figura 4
Pererê
, de Ziraldo p. 20
Figura 5
Turma da Mônica
, de Maurício de Sousa p. 20
Figura 6 – Revista
Tico Tico
p. 21
Figura 7
O Pasquim
p. 23
Figura 8 – A primeira revista
MAD
em português p. 24
Figura 9 – Fernando Gonsales p. 25
Figura 10 – Tira do
Níquel Náusea
p. 25
Figura 11 – Lei da selva
versus
lei da gravidade p. 55
Figura 12 – Pérola ou
piercing
? p. 56
Figura 13 – Caçadora de marido p. 58
Figura 14 – Desequilíbrio ambiental p. 59
Figura 15 – Manipulação genética p. 61
Figura 16 – Inteligência p. 64
Figura 17 – O engano do morcego p. 65
Figura 18 – Observação da natureza p. 66
Figura 19 – E agora? p. 68
Figura 20 Quem está perdido? p. 69
Figura 21 – Uma questão de contexto... p. 70
Figura 22 – O problema do par ou ímpar entre cavalos p. 70
Figura 23 – Esportes radicais p. 72
Figura 24 – Pai solteiro p. 75
Figura 25 – Não deu... p. 76
SUM
SUMSUM
SUM
Á
RIO
RIORIO
RIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................... 9
2 SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA... EM QUADRINHOS. ......................... 13
2.1 A SAGA SECULAR DE UMA HISTÓRIA SEM FIM .................................................... 14
2.2 FILHO DE PEIXE, PEIXINHO É. ................................................................................. 24
3 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE LINGUAGEM... ..................................... 27
3.1 A PLURALIDADE DE UMA LINGUAGEM SINGULAR ............................................... 32
3.2 ALÉM DA PALAVRA... ..................................................................................................... 33
4 HQs: UMA PONTE ENTRE A CIÊNCIA E A ARTE. ................................ 39
5 METODOLOGIA: O CAMINHO DAS PEDRAS. ..................................... 45
5.1 APRESENTAÇÃO DOS PROTAGONISTAS E DO CENÁRIO. .................................. 45
5.2 A CONSTRUÇÃO DO CAMINHO. ................................................................................ 47
5.2.1 A primeira etapa e a escolha da metodologia. ....................................................... 48
5.2.2 A segunda etapa. ........................................................................................................ 51
6 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: UM ALFABETO DE INTERPRETAÇÕES. ....... 54
6.1 O CONJUNTO DA OBRA ............................................................................................... 77
7 REFLEXÕES SOBRE O VÔO DOS PÁSSAROS ...................................... 85
8 TERRA À VISTA: ÚLTIMAS PALAVRAS ANTES DE APORTAR... ............. 106
REFERÊNCIAS ......................................................................... 111
APÊNDICE A – Seleção de perguntas dos alunos .................................... 116
ANEXO A - Resultados do desempenho em Ciências no PISA ..................... 118
9
1 INTRODU
1 INTRODU1 INTRODU
1 INTRODUÇÃO
OO
O
Quem nunca leu uma história em quadrinhos? Pois é, seja criança, adolescente
ou adulto, todos se depararam com esta forma de linguagem. Mesmo com a
invasão tecnológica transformando vários personagens em produções
cinematográficas milionárias, os quadrinhos continuam a divertir e encantar muita
gente.
Quem nunca foi à escola? Exatamente, aquela casa com várias salas, crianças
e adolescentes separados por turmas, professores ensinando conhecimentos, sinais
para a troca de período, e etc. Mesmo com a invasão tecnológica e a maior
possibilidade de trocas de experiência, as escolas continuam a divertir e a encantar
cada vez menos.
Quem sabe a escola não aprende um pouco com os quadrinhos? É através
desta provocação que inicio esta dissertação, procurando desconstruir os
preconceitos que acompanharam, e que ainda acompanham, a utilização dos
quadrinhos na escola, além de tentar construir novos horizontes para a entrada
desta linguagem em sala de aula.
A idéia de realizar esta dissertação partiu da necessidade de conferir ao
ensino de Ciências uma dimensão que incluísse o aluno como participante ativo do
processo de aprendizagem. Mas não se tratava apenas de incluir o aluno como
sujeito protagonista da construção do seu saber. Sentia também a necessidade de
despir a ciência do caráter hermético em que costuma ser abordada.
E para isto, encontrei nas histórias em quadrinhos (HQs) um instrumento que
apresenta uma multiplicidade de oportunidades para se trabalhar nas escolas, além
10
de ser um material de fácil acesso e que leva diversão ao ensino. Tomando um
contato maior com esta ferramenta dinâmica, singular e lúdica comecei a delimitar o
cenário de minha pesquisa.
Num movimento crescente de impregnação com o assunto surgiram os
seguintes problemas de pesquisa:
1. Como as HQs podem contribuir para a construção do conhecimento
científico na disciplina de Ciências?
2. De que maneira as HQs podem ser utilizadas como instrumentos
didáticos?
3. Como a Biologia é representada nas tiras do
Níquel
Náusea
?
Resolvi desenvolver a pesquisa com uma turma de alunos da 6ª série do Ensino
Fundamental e trabalhar principalmente com as tiras do personagem
Níquel Náusea
,
do quadrinista Fernando Gonsales, com os seguintes objetivos:
1. Analisar a interpretação que alunos da rie do ensino fundamental fazem
a partir de tirinhas/histórias em quadrinhos na disciplina de Ciências.
2. Investigar o uso das histórias em quadrinhos como instrumento didático no
ensino de Ciências.
3. Analisar a apropriação de assuntos relacionados à Biologia pelas tiras do
Níquel Náusea
.
A escolha das tirinhas do
Níquel Náusea
se deu em virtude do retrato que
elas fazem da diversidade dos seres vivos com traços simples e diálogos que
11
apresentam um humor agridoce. Com isso, foi possível estabelecer uma ligação entre
o conteúdo programático da série e o universo dos quadrinhos.
Cabe esclarecer aqui uma dúvida que acompanha a maioria das pessoas: tiras
são histórias em quadrinhos? A resposta é sim, tirinhas também são consideradas
histórias em quadrinhos. A diferença na denominação reside no fato das tiras serem
histórias em quadrinhos apresentadas num número reduzido de quadros.
A realização da pesquisa pode ser dividida em duas etapas principais. Em uma
delas entreguei aos alunos algumas tirinhas do
Níquel
Náusea
e solicitei que
fizessem reflexões, e na outra etapa, foi desenvolvido um trabalho de pesquisa em
sala de aula que teve como ponto de partida tirinhas levadas pelos alunos.
Procurei organizar os capítulos de maneira a possibilitar primeiramente ao
leitor uma visão do mundo dos quadrinhos, seguindo para uma abordagem que traça
elementos essenciais para o entendimento da pesquisa.
Apresento um pouco da história das histórias em quadrinhos no capítulo 2,
discutindo sobre como elas conseguiram através dos anos diminuir a resistência a
sua entrada em ambientes escolares. Apresento também os principais marcos do
desenvolvimento dos quadrinhos no Brasil. No final deste capítulo, dedico um tópico
a Fernando Gonsales e seu irreverente rato
Níquel Náusea
.
No capítulo 3, dedico algumas palavras à linguagem e suas manifestações no
cotidiano escolar e social. Abordo ainda a linguagem dinâmica e plural presente na
singularidade dos quadrinhos. A união de signos verbais com não-verbais confere aos
quadrinhos um sistema narrativo único que permite um intenso diálogo com o leitor.
O último tópico deste capítulo traz os mecanismos que envolvem as interpretações e
utilizações das imagens, visto que os quadrinhos têm nas ilustrações um alicerce
muito importante.
12
No capítulo 4, estabeleço uma ligação entre as duas áreas que podem ter seus
vínculos estreitados pelas HQs: a ciência e a arte. Do fruto desta relação, preciosos
diálogos podem emergir e contribuir para a ampliação do pensamento, seja ele
artístico ou científico.
A metodologia utilizada nesta pesquisa possui uma abordagem naturalístico-
construtiva e pode ser conferida em maiores detalhes no capítulo 5. A análise das
informações coletadas foi realizada por meio da Análise Textual Discursiva
(MORAES; GALIAZZI, 2007), possuindo como uma característica importante o
constante movimento do pesquisador no sentido de romper com uma linearidade
metodológica. As informações coletadas a partir das reflexões feitas pelos alunos
das tirinhas do
Níquel Náusea
são analisadas no capítulo 6.
O capítulo 7 é um espaço destinado à reflexão didática do conjunto de
atividades desenvolvidas em sala de aula que teve as HQs como pano de fundo. O
trabalho desenvolvido em parceria com os alunos aposta na pesquisa em sala de aula
como instrumento para combater a estagnação do pensamento.
As considerações e conclusões finais encontram um lugar nas palavras do
capítulo 8, onde tento expressar por meio de metáforas todos os pensamentos
gerados durante o processo de pesquisa. Entendo, assim como Moraes e Galiazzi
(2007, p. 133), “que o exercício do uso de metáforas é um modo interessante e
criativo de expressar novos significados [...]”.
Desta forma, a dissertação ganha vida nas páginas que seguem, propondo um
olhar diferente para o ensino de Ciências. Ela não pretende lançar uma metodologia,
mas provocar e desassossegar os espíritos daqueles que relegam a educação a um
lugar sem criatividade e criticidade.
13
2 SENTA QUE L
2 SENTA QUE L2 SENTA QUE L
2 SENTA QUE LÁ
VEM HIST
VEM HISTVEM HIST
VEM HISTÓRIA... EM QUADRI
RIA... EM QUADRIRIA... EM QUADRI
RIA... EM QUADRINHOS.
NHOS.NHOS.
NHOS.
Numa época em que as escolas parecem estar cada vez menos atrativas para
os alunos, a busca de motivações para tornar o aprendizado mais dinâmico, agradável
e eficiente é uma tarefa árdua, mas que deve ser enfrentada para que possamos
modificar a realidade educacional brasileira. O ensino de Ciências no Brasil vem
apresentando resultados que nos deixam nas últimas posições do PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Alunos), colocando-nos em dúvida sobre a qualidade
do ensino que vem sendo realizado
1
.
Pensando em contribuir para a formação de um aluno pesquisador, engajado
com os problemas sociais, a criação de novas abordagens no ensino de Ciências seria
de grande utilidade. Seria muito importante que o processo de construção deste
aluno pesquisador começasse nos primeiros anos da vida escolar, tendo continuidade
até a conclusão do Ensino Médio. Isto pode permitir que os estudantes cheguem às
universidades melhor preparados para a construção de uma sociedade com menos
desigualdades e com avanço tecnológico sustentável.
As histórias em quadrinhos (HQs) são capazes de contribuir de diferentes
maneiras para a construção do conhecimento científico, abrangendo desde o
desenvolvimento da capacidade analítica, interpretativa e reflexiva dos alunos até a
estimulação da imaginação e da criatividade (CALAZANS, 2005).
Até os
comics
(nome que as HQs receberam nos EUA no seu surgimento)
serem “levados a sério”, eles sofreram com o preconceito, não sendo considerados
como um produto literário ou artístico (RAMA et al., 2004).
1
Ver, no Anexo A, uma tabela com os resultados de diversos países na prova de Ciências do PISA.
14
Felizmente a situação está mudando, e hoje em dia é possível ver os primeiros
passos dos quadrinhos nas páginas de alguns (ainda poucos) livros didáticos.
Com uma linguagem característica que engloba texto e imagem, as HQs
ampliam as possibilidades de interpretação e provocam um sentimento único em seus
leitores. Por meio desta forma de expressão artística e literária o aluno pode ser
capaz de desenvolver-se pesquisador e construtor de seu saber.
2.1 A SAGA SECULAR DE UMA HISTÓRIA SEM FIM
As HQs representam, atualmente em todo mundo, um meio de comunicação de
massa de grande circulação. Existem milhares de títulos que se enquadram nos mais
diferentes gêneros.
Além de serem conhecidas como
comics
nos Estados Unidos, na França
recebem o nome de
bandes dessinées
, na Itália são
fumetti
, na Espanha,
tebeo
, e em
Portugal temos as
histórias aos quadradinhos
. Embora existam denominações
distintas para as HQs, os nossos
gibis
, todas se referem à mesma arte seqüencial, e
representam formas narrativas através de uma linguagem única.
A tamanha popularidade dos quadrinhos despertou em alguns setores da
sociedade um sentimento de preocupação sobre os efeitos que eles causavam nos
leitores. Foram durante muito tempo considerados como uma subliteratura, sendo
condenados por pais e professores, cujos argumentos versavam a respeito do
distanciamento de “leituras mais sérias” que eles provocavam nas crianças e
adolescentes. Além disso, a “elite pensante” da sociedade considerava que as HQs
15
prejudicavam o desempenho escolar, causando problemas na formação de raciocínio
lógico e abstrato, gerando, dessa maneira, dificuldades de relacionamentos sociais e
afetivos em seus leitores. Estes foram alguns dos motivos que levaram os
quadrinhos a permanecer do lado de fora da escola durante muitos anos (RAMA et
al., 2004).
Rama et al. (2004, p. 6), referindo-se às críticas que as HQs sofreram,
destacam:
[...] as histórias em quadrinhos quase tornaram-se as responsáveis por todos
os males do mundo, inimigas do ensino e do aprendizado, corruptoras das
inocentes mentes de seus indefesos leitores. [...] qualquer idéia de
aproveitamento da linguagem dos quadrinhos em ambiente escolar seria, à
época, considerada uma insanidade.
Apenas nas últimas décadas do século XX, com um maior desenvolvimento das
ciências da comunicação, os quadrinhos receberam um tratamento mais digno dos
intelectuais e começaram a ser vistos como uma arte e como um agente de
comunicação. A fragilidade dos argumentos que criticavam as HQs foi, aos poucos,
sendo detectada, e a resistência a elas foi diminuindo (RAMA et al., 2004).
Durante a década de 1970, os quadrinhos ganharam espaço nas escolas
européias como forma de apoio lúdico aos conteúdos escolares, permitindo que o
processo de aprendizagem se fizesse de maneira mais agradável. De maneira lenta e
gradual, os quadrinhos foram estampando as páginas dos livros didáticos e
garantindo um lugar nas escolas (RAMA et al., 2004).
Segundo Rama et al. (2004, p. 8):
Ainda que nem sempre essa apropriação da linguagem tenha ocorrido da
maneira mais adequada na verdade, houve erros e exageros inevitáveis
devido à inexperiência na utilização dela em ambiente didático a
proliferação de iniciativas certamente contribuiu para refinar o processo,
16
resultando, muitas vezes, em produtos bem satisfatórios. Atualmente, é
muito comum a publicação de livros didáticos, em praticamente todas as
áreas, que fazem farta utilização das histórias em quadrinhos para
transmissão de seu conteúdo. No Brasil, principalmente após a avaliação
realizada pelo Ministério da Educação a partir de meados dos anos de 1990,
muitos autores de livros didáticos passaram a diversificar a linguagem no
que diz respeito aos textos informativos e às atividades apresentadas como
complementares para os alunos, incorporando a linguagem dos quadrinhos em
suas produções.
O meio acadêmico também não foi muito simpático com os quadrinhos,
sofrendo dificuldades em se constituir como linhas de pesquisa. Sobre este
preconceito, Vergueiro (2005, p. 15) afirma:
Os intelectuais universitários sempre tiveram uma ressalva quanto aos
produtos de massa. Levaram um certo tempo para aceitar os meios de
comunicação de impacto mundial incontestável, como o cinema ou o rádio, e
para acreditar que pudessem representar um objeto de estudo digno dos
bancos acadêmicos ou que pudessem oferecer como resultado verdadeiras
obras de arte.
Ainda segundo Vergueiro (2005), a abertura acadêmica aos quadrinhos deve-
se aos trabalhos de artes plásticas de Roy Lichtenstein e de Andy Warhol, além do
interesse confesso de personagens como Orson Welles e Federico Fellini pelas HQs.
17
Figura 1
Kiss V
, de Roy Lichtenstein (1964)
Fonte: http://images.easyart.com/i/prints/rw/lg/1/3/Roy-Lichtenstein-Kiss-V-133905.jpg
Figura 2
Superman
, de Andy Warhol (1981)
Fonte: http://www.warholprints.com/cgi-bin/Warhol.Andy/gallery.cgi?category=Warhol.E.P&item=FS-II.260&type=gallery
18
Como se pode ver, os quadrinhos trilharam um longo caminho até receber uma
devida atenção pelas instituições de ensino.
A abertura deste caminho pode ter sido iniciada a partir da segunda metade
do século XX. Depois da 2ª Guerra Mundial ocorreu um
boom
de quadrinhos norte-
americanos, espalhando pelos países ocidentais sua produção. Os quadrinhos
deixaram de ser, em sua maioria, histórias para crianças, com temáticas infantis, e
passaram a estar mais estreitamente ligados com o mercado consumidor adulto
(PATATI; BRAGA, 2006).
As aventuras em quadrinhos ampliaram o universo de produções de tiras e
páginas cômicas, que não tinham seqüências com as histórias seguintes, passando por
algumas reformulações na sua construção. As histórias começaram a ganhar
seqüência. Foi a origem das histórias em quadrinhos de aventura (PATATI; BRAGA,
2006).
As tiras possuem tempos diferentes entre um quadrinho e outro em relação
às histórias de aventura, representadas também através de tiras seriadas. Na tira
seriada o tempo entre os quadrinhos é curto, ou seja, existem pequenas variações
de desenho entre um quadro e outro. nas tiras sem seqüência, este tempo,
geralmente, é maior.
Neste período, surgiram diversos personagens do “Mundo Disney”, sendo que
um deles foi responsável pela fundação da editora Abril. Em 1950, o gibi do
Pato
Donald
inaugurou as produções da Abril e dominou por anos a sua linha editorial
(PATATI; BRAGA, 2006).
19
Figura 3 – Revista
O Pato Donald
(nº 1, de 1950)
Fonte: http://veiorosa.blogspot.com/2007/12/revista-pato-donald-n-01-de-1950.html
Além dos personagens da Disney, era possível encontrar nas páginas dos gibis
a rivalidade entre duas famosas turmas, que viraram expressões populares e, até
hoje, aparecem nas conversas sobre homens e mulheres. Refiro-me ao “clube da
Luluzinha
”, de John Stanley. Outro autor, Hank Ketchan, trouxe ao público as
travessuras de um menino chamado Dennis, e também atingiu sucesso no Brasil com
o gibi
Pimentinha
.
Os desenhos animados acabaram importando estes personagens das páginas
dos quadrinhos, porém sem compromisso em seguir as histórias das HQs originais.
Em tempos de
Pato Donald
,
Mickey
,
Luluzinha
,
Bolinha
,
Pimentinha
,
Gasparzinho
e
Recruta Zero
, surgem os primeiros gibis infantis brasileiros de sucesso:
Pererê
, de
Ziraldo e a
Turma da Mônica
, de Maurício de Sousa.
20
Figura 4
Pererê
, de Ziraldo
Fonte: http://www.universohq.com/quadrinhos/n06062002_03.cfm
Figura 5
Turma da Mônica
, de Maurício de Sousa
Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2007/09/55_2843-TIRASMAU.jpg
21
Com muita dificuldade a produção de quadrinhos no Brasil dava os primeiros
passos de mãos dadas com o sucesso. Enquanto isso, nossos
hermanos
argentinos
freqüentavam o mercado europeu com desenhistas e roteiristas. Nessa época,
novos super-heróis invadiam o mercado ianque e reencontravam o público. No Brasil,
foram as HQs de humor que ganhavam cada vez mais espaço.
Tudo começou com a revista
Tico Tico
, em 1905, que atingiu com os
personagens
Reco Reco
,
Bolão
e
Azeitona
, em 1931, uma identidade gráfica única e
um nível excelente de humor. Ainda na década de 30, as páginas dos gibis
estampavam tramas de aventura, embora sem o mesmo sucesso alcançado pelas HQs
humorísticas.
Figura 6 – Revista
Tico Tico
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/64/Revista_tico_tico.jpg
22
No final da década de 40, os quadrinhos brasileiros ganhavam adaptações de
romances norte-americanos e europeus através da editora EBAL. Os romances
brasileiros começaram a ser adaptados a partir de 1950. Destaque para a adaptação
do romance
Iracema
, de José de Alencar, realizada por André Le Blanc, que não
cometeu erros, como excesso de texto e imagens soltas, vistos nas adaptações
posteriores.
Estamos de volta aos anos 50, quando a turma do
Bolinha
e da
Luluzinha
freqüentavam as páginas das HQs junto com a turma da Disney. Foi quando o gênero
de terror feito no Brasil começou a roubar fatias do mercado de adaptações
literárias, que apresentavam baixa qualidade.
Profissionais brasileiros dos quadrinhos, que tinham interesse em nacionalizar
a produção de HQs no Brasil, receberam até o apoio do governador do Rio Grande
do Sul na época, Leonel Brizola, criando em 1961 a CETPA (Cooperativa Editora de
Trabalhos de Porto Alegre). Mas mesmo assim, o mercado para os super-heróis
tupiniquins não decolou e, junto com as histórias brasileiras de terror, sucumbiram
com o golpe de 64.
Ganhavam espaços os heróis importados da Marvel e DC Comics, que
trouxeram muito dinheiro para a Rio Gráfica Editora (atual editora Globo), EBAL e
Abril. A história das HQs no Brasil sofre fortes influências do semanário
O
Pasquim
, fundado em 1969. Jaguar, Millôr, Ziraldo, Henfil, entre outros, mantinham
vivo o humor em tempos de ditadura militar. Embora não fosse uma revista
específica de quadrinhos, abriu espaço para muitos de seus autores. Artistas como
Laerte, Angeli e Paulo Caruso entraram em cena com a publicação
O Balão
, de 1972,
uma importante revista de quadrinhos, que unia aventura e humor.
23
Figura 7
O Pasquim
Fonte: http://quadro-magico.blogspot.com/2007/10/quadro-mgico-entrevista-ral-o-pasquim.html
O criador das tiras que o parte do objeto de estudo desta dissertação, o
biólogo e veterinário Fernando Gonsales, contou com pessoas como Angeli para
entrar no mundo dos quadrinhos.
Invadindo os anos 70, a revista
MAD
rendeu muitas risadas sobre as sátiras
de telenovelas e costumes verde-amarelos. E durante muito tempo “fez a cabeça” de
gerações. É nesta mesma década que o humor gaúcho de Edgar Vasques, Allan
Sieber e Fabio Zimbres adquire popularidade, divertindo os leitores. Na seqüência
veio Adão Iturrusgarai, de
Rocky & Hudson
e
Aline
, e em meados dos anos 90,
Louzada, com suas estórias e “causos” gaudérios do último guasca, o
Tapejara
.
24
Figura 8 – A primeira revista
MAD
em português
Fonte: http://www.micromania.com.br/mad/mad_1ed_num1_arquivos/madbraz1001.jpg
Nas últimas décadas o mercado nacional de quadrinhos viu pouca novidade.
Ganharam espaços nas prateleiras das livrarias, sob forma de livros e álbuns,
compilações de Angeli, Fernando Gonsales, Louzada, reedição do
Pererê
, de Ziraldo,
e as primeiras histórias da
Turma da Mônica
, de Maurício de Sousa.
2.2 FILHO DE PEIXE, PEIXINHO
É
.
Fernando Gonsales, criador de um participante ativo desta dissertação,
Níquel Náusea
, é tão irreverente quanto seu personagem principal. Tal pai, tal filho.
25
Dono de um humor privilegiado, Gonsales emprestou a seu roedor toda a
irreverência e simplicidade que lhe é peculiar. A fruta não cai longe do pé.
Figura 9 – Fernando Gonsales
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/divulgacao/BDNUH/NUH_3928/NUH_3928.html
Foi em 1986 que ele começou a trilhar um caminho de sucesso com seu
parceiro de trabalho,
Níquel Náusea
. Neste mesmo ano ele venceu um concurso de
HQs realizado pelo jornal Folha de São Paulo.
Hoje, seus quadrinhos podem ser encontrados diariamente em vários jornais
do país, como Zero Hora (RS) e Correio Brasiliense (DF), além do jornal lisboeta
Diário de Notícias e da revista inglesa
Jungle Drums
.
Figura 10 – Tira do
Níquel Náusea
Fonte: http://www.niquel.com.br
26
Em entrevista ao portal de imprensa do
site
UOL, em outubro de 2004, o
autor revelou que prefere as manhãs para fazer as tiras, e que, em média, faz uma
por dia. Ele pensa num assunto, e a idéia vai brotando. Faz os quadrinhos a lápis no
papel e depois passa o nanquim com pincel. Logo após o desenho é escaneado para
que sua esposa coloque a cor (TARAPANOFF, 2004).
Fernando Gonsales, em sua vida
pré-Níquel
, publicou uma história de terror
numa revista da Vecchi, chamada
Sobrenatural
, do editor Ota. Além disso, exerceu
durante 1 ano, em Tucuruí, no Pará, sua verve veterinária. Ele resgatava animais
vítimas das inundações causadas por uma hidroelétrica. Com este trabalho, Gonsales
pode perceber os estragos decorrentes da instalação desse tipo de
empreendimento, que acaba não com a fauna local, como também destrói seu
habitat (TARAPANOFF, 2004).
Seu humor irreverente de fino recorte tem influência de Canini, e entre suas
tiras preferidas estão:
Hägar
, de Dik Brousne;
Os Bichos
, de Frank & Ernest; o
Mago
de Id;
Mafalda
, de Quino; além das histórias da Disney feitas por Carl Barks
(TARAPANOFF, 2004).
27
3 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE LINGUAGEM...
3 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE LINGUAGEM...3 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE LINGUAGEM...
3 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE LINGUAGEM...
[...] todos aqueles que ainda têm a ousadia de falar e
escrever, acreditam, ainda que de forma tênue, que
o seu falar faz uma diferença. (ALVES, 1987, p. 24).
Ser professor exige um esforço enorme de compreensão dos diversos mundos
existentes. E vai além, porque o professor é um modelo que auxilia os alunos nas
(re)construções de seus universos particulares.
Fala-se de linguagem sempre que se busca uma adequação de nossa fala para
uma melhor compreensão dos alunos. Deseja-se chegar mais próximo da freqüência
inteligível por eles, numa tentativa de “falar a mesma língua”.
Por não considerar os saberes prévios dos estudantes, os professores acabam
falando para quem não quer ou não consegue escutar. Mas não esqueçamos que a
linguagem não se manifesta apenas pela fala, ela está presente desde os nossos
gestos até a construção do nosso discurso interior.
Vivemos numa sociedade em que o poder da comunicação dita as regras.
Entretanto vivemos também numa sociedade marcada pela cópia, pela falta de
criatividade. O professor tem um importante papel na construção de um espaço
onde o aluno possa exercitar seu próprio discurso. Um lugar onde possa construir
sua própria fala, não ficando a mercê do discurso alheio.
Uma das ferramentas imprescindíveis na escola é a linguagem, uma vez que é
através dela que os pensamentos são exteriorizados e mostramos o que é construído
dentro de cada um de nós. Freitas (1999, p. 98) afirma que:
28
Através da linguagem a criança entra em contato com o conhecimento
humano e adquire conceitos sobre o mundo que a rodeia, apropriando-se da
experiência acumulada pelo gênero humano no decurso da história social. É
também, a partir da interação social, da qual a linguagem é expressão
fundamental, que a criança constrói sua própria individualidade.
Ela é um meio indispensável no estabelecimento de relações entre as pessoas
e o mundo em que vivem. É através dela que interpretamos e damos sentido ao
mundo, atribuindo significados às coisas. Na ausência da linguagem o mundo perde
seu sentido. Já dizia Wittgenstein
2
(1968, p. 111 citado por ALVES, 1987, p. 51): “Os
limites da minha linguagem denotam os limites de meu mundo.”
A linguagem se traduz como o veículo de idéias, transportando significados e
possibilitando interpretações que visam à compreensão do mundo. No ensino de
Ciências, espera-se uma ampliação da competência de expressar-se nos seus
conteúdos, abrindo novas janelas para o saber.
O ensino de Ciências tem como uma de suas funções a apropriação da
linguagem científica, objetivando a compreensão dos fenômenos. O professor é o
responsável por essa aproximação entre o aluno e a linguagem científica, construindo
subsídios para o estabelecimento de um diálogo com o conhecimento.
A apropriação da linguagem científica nos permitirá uma maior locomoção no
campo das interpretações das realidades. Para isso é importante explorar e
exercitar a leitura, a escrita e o diálogo.
Para que se consiga a apropriação da linguagem científica pelo aluno é
importante introduzir suas terminologias e expressões aos poucos, respeitando o
tempo de reconstrução dos saberes. Esse tempo é variável devido aos diferentes
conhecimentos prévios apresentados pelos alunos (WELLS, 2001). Aprendemos
2
WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1968.
29
ciências falando sobre ciências e ensinamos ciências ouvindo os alunos, auxiliando-os
no avanço de sua linguagem.
O educador trabalha com a palavra. É ela que norteia todas suas ações,
orientando os estudantes na busca da compreensão de um novo mundo. Bakhtin
(2006) considera a palavra o material privilegiado da consciência, sendo através dela
que o homem elabora sua concepção de mundo, seu entendimento de si mesmo e dos
outros.
A palavra está ligada tanto aos processos de produção como às esferas das
diferentes ideologias especializadas e formalizadas, sendo o material primordial da
comunicação no nosso dia-a-dia. Funciona também como material semiótico da
consciência, tornando-se a primeira via de expressão da consciência individual.
Para Bakhtin (2006, p. 41): “a palavra é capaz de registrar as fases
transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais”. Os grupos sociais
pensam de diferentes formas, tendo concepções de mundo variadas, manifestando-
se através da linguagem. É na linguagem que, segundo o mesmo autor, ocorrem os
conflitos sociais. Ele diz ainda que:
[...] não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou
mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou
desgradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de
um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e
somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida. (BAKHTIN, 2006, p. 98-99).
A palavra é um movimento dialético entre o emissor e o receptor. Ela é o
produto desta interação entre locutor e ouvinte, funcionando como expressão de um
em relação ao outro. É o elo entre o sujeito que fala e os outros que escutam
(BAKHTIN, 2006).
30
Falando ainda sobre a importância da palavra como objeto de interação entre
os sujeitos e peça fundamental da linguagem, Bakhtin (2006, p. 117) diz:
Na realidade toda a palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto
pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige a
alguém. Ela constitui justamente o produto de interação entre o locutor e o
ouvinte. Toda a palavra serve de expressão a um em relação ao outro.[...] A
palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se
apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu
interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.
Nosso discurso, assim como a palavra, é dialético, sendo formado por tudo
aquilo que escutamos, vimos e lemos, ou seja, forma-se a partir de nossa
interação com o cosmos. Só teremos um discurso próprio quando este for
impregnado de nossa intencionalidade, caso não nos posicionemos em relação aos
fenômenos seremos apenas porta-vozes da fala das outras pessoas.
Devemos atuar em sala de aula como ajudantes de nossos alunos na
construção de um novo mundo, proporcionando espaços para trocas de experiências
e para manifestações do nosso ser que é formado de palavras.
Quando um professor cobra numa verificação aquela resposta que ele havia
fornecido em aula, sem abertura para contestação, ele está indo de encontro a tudo
o que foi dito acima. Do mesmo modo age aquele professor que desconsidera o peso
da bagagem cultural riquíssima que cada aluno traz para escola sem se dar conta.
Deve-se ter clareza de que a compreensão de algo está diretamente
relacionada com o que é conhecido. Sempre que nos é apresentada alguma coisa,
nos movimentamos no sentido de aproximar o objeto apresentado àquilo que de mais
semelhante conhecemos. De acordo com Bakhtin (2006, p. 34), “compreender um
31
signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos conhecidos; em
outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos”.
A construção de conceitos varia entre um indivíduo e outro, pois esta é fruto
de uma história única pertencente a cada pessoa. O significado que o professor
emprega para uma palavra pode ser diferente daquele que é entendido pelo aluno.
Para Vygotsky (2005), os conceitos científicos são os que apresentam o mais
alto grau de complexidade, e sua construção se ao longo do desenvolvimento da
criança. Ainda segundo Vygotsky (2005, p. 104):
[...] um conceito é mais que a soma de certas conexões associativas formadas
pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e
complexo de pensamento que não pode ser ensinado por meio de
treinamento, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento
intelectual da criança já tiver atingido o nível necessário.
Segundo Berger
3
(1967, p. 22 citado por ALVES, 1987, p. 51): “O mundo
começa a tremer no mesmo instante em que a conversação que o sustenta começa a
vacilar”.
Com isso, esta dissertação sugere o uso dos quadrinhos como forma de ajudar
o aluno a construir sua fala, visto que as HQs utilizam uma linguagem particular que
explora um universo próximo ao estudante.
3
BERGER, P. The sacred canopy. Garden City: Doubleday, 1967.
32
3.1 A PLURALIDADE DE UMA LINGUAGEM SINGULAR
Quando escutamos um relâmpago, sabemos que poderá chover, e quando as
folhas começam a cair das árvores, sabemos que estamos no outono. Isto são sinais.
Vivemos num mundo cercado de sinais, que estão presentes desde nossa
comunicação até a interpretação de um fenômeno natural. Podem-se distinguir dois
tipos básicos de sinais: os naturais, encontrados na natureza, e os artificiais, feitos
pelo homem. Os sinais que não são naturais, como os números e as letras, são
denominados
signos,
e os utilizamos como elemento de comunicação social (CAGNIN,
1975).
A HQ é um sistema narrativo que é formado por dois códigos de signos
gráficos, representados pela imagem e pela linguagem escrita. A interligação de
imagens e palavras numa HQ permite um entendimento conceitual maior do que
quando alguns desses signos são vistos em separado. Esta interligação não
representa apenas a união de dois tipos de linguagem, mas cria outro tipo de
comunicação, onde a imagem forma um único signo com a palavra, ampliando a
compreensão de significados (CAGNIN, 1975).
O leitor, constantemente, é instigado a usar sua imaginação para completar os
momentos entre um quadrinho e outro (que não são expressos graficamente),
desenvolvendo, desta forma, seu raciocínio lógico. Além disso, os quadrinhos
permitem a utilização de propostas interdisciplinares de ensino, pois permitem a
integração de diferentes áreas do conhecimento.
As HQs alcançam um público mais extenso e mais diversificado do que as
produções acadêmicas, entre outros motivos, pela sua associação com o
33
divertimento, despindo o caráter sisudo do conhecimento científico (RAMA et al.,
2004).
Para se ter uma idéia da qualidade atingida por determinados quadrinistas, o
semiólogo Roland Barthes chegou a falar que os quadrinhos de Guido Crepax, criador
de
Valentina
, eram “uma grande metáfora da vida”. (PATATI; BRAGA, 2006, p. 213).
É em virtude desse caráter mais descontraído que as HQs oferecem, em
conjunto com sua popularidade, que resolvi mergulhar nesse assunto, numa tentativa
de propor novas abordagens para o ensino de Ciências.
3.2 AL
É
M DA PALAVRA...
Os quadrinhos têm nas imagens um elemento crucial para o entendimento das
tramas. A leitura das imagens pelo indivíduo envolve um complexo processo de
produção de sentidos. O contexto sociocultural, a situação imediata e o próprio
sujeito estão relacionados na atribuição de significados à imagem. Este processo é
único para cada pessoa, funcionando de formas desiguais entre os indivíduos
(SILVA, 2006).
A interpretação de uma imagem é um confronto entre o que pensamos e aquilo
que se coloca diante de nossos olhos. É uma busca interior por algo que se assemelha
com o objeto na tentativa de relacionar sentidos em prol do que pensamos ser o
mais próximo da nossa realidade.
Pode-se pensar como um jogo entre os conhecimentos do cotidiano e
científico. Ou melhor, entre o que é familiar e o que é estranho. O familiar é
34
familiar porque passou por processos de reconstrução, passando não mais a ser visto
como estranho. É um movimento de impregnação de significados que ocorre através
do ato reconstrutivo, que consiste neste confronto entre o que se quer saber e o
que já é sabido (DEMO, 2003).
Todas as nossas vivências participam deste processo de reconstrução e
posterior apropriação da interpretação daquilo que é visualizado. E quanto mais as
usamos, mais nos apropriamos, até que chega um ponto onde elas se tornam parte
indissociável do nosso corpo, como se sempre o tivessem habitado.
Como afirma Silva (2006, p. 77):
[...] é uma construçãonaturalizada” pelo uso. O que aconteceu foi um
apagamento da construção dessa última imagem. Ela não nos aparece como
imagem de um objeto, ela é como se fosse o próprio objeto. uma
transferência, um efeito ideológico, que liga a representação da coisa à coisa
no mundo, numa identificação que apaga a própria mediação e a diferença da
representação.
Com a formação do discurso ocorre o mesmo processo. Tornamos-nos autores
dos nossos próprios pensamentos depois de travar diversos conflitos entre o que
pensávamos com o que nos é apresentado.
Sobre a leitura de imagem, Silva (2006, p. 77) acrescenta:
[...] a leitura (interpretação) de imagens integra-se numa história que é
maior do que s, num processo do qual não somos a origem; uma imagem, ao
ser lida, insere-se numa rede de imagens já vistas, produzidas, que
compõem a nossa cotidianidade, a nossa sensação de realidade diante do
mundo. A leitura (interpretação) de imagens não depende apenas do
contexto imediato da relação entre leitor e imagem: para lê-la o leitor se
envolve num processo de leitura (interpretação) que já está iniciado.
35
Quando se está diante de uma imagem, o se está diante do objeto em si,
daquilo que ela deseja representar, e sim, diante de uma representação que produz
construções internas que permitem uma interpretação própria. Com relação a essa
representação, ela pode se aproximar mais, ou menos, do objeto real, o que Moles
(1976) chama de grau de iconicidade.
A fotografia, por exemplo, seria uma representação mais próxima do objeto
fotografado do que um desenho do mesmo objeto. A própria fotografia não seria
nada mais do que uma imagem de um instante em um dado momento, não sendo,
portanto, o objeto real que foi fotografado. Ou seja, estamos sempre diante de
construções internas daquilo que vemos, e como internas, são próprias do sujeito e
estão em permanente construção de acordo com o nosso conhecimento.
Quanto mais detalhes a imagem contiver, mais próxima do real ela será, além
de aproximar o significado que diferentes leitores terão em relação a ela. Já quando
se está diante de apenas um detalhe do objeto que se deseja representar, a
tendência é que haja uma maior diferença entre as interpretações dos leitores, em
virtude do conhecimento de cada um.
Silva (2006, p. 82) propõe que:
Ao explicitar a imagem como construção, temos uma oportunidade de
trabalhar as suas condições de produção, e, em se tratando de imagens de
objetos-modelo da Ciência, também as condições de produção do
conhecimento científico em relação ao conhecimento comum.
Por objetos-modelo, entende-se o modelo conceitual que criamos de uma coisa
a partir de um referencial externo, ou seja, uma idealização da realidade (BUNGE,
1974).
Num mundo onde o apelo visual está cada vez mais em ascensão, onde é
possível ver o que se deseja com um simples
click
do mouse, o trabalho com imagens
36
em sala de aula possibilita ao professor “visualizar as mais diferentes
interpretações que seus alunos fazem a respeito de uma imagem.
O estudo de Ciências baseia-se fortemente na capacidade interpretativa de
imagens. Através delas é possível uma maior aproximação do objeto em questão, o
que torna o entendimento facilitado. Não por acaso, os primeiros sinais de
comunicação foram as imagens. Inclusive, existe até um ditado popular que se
refere à imagem como mais valiosa que mil palavras.
Os experimentos científicos utilizam bastante a linguagem visual para
mostrar seus resultados, valendo-se de gráficos e figuras que permitem o leitor
imaginar de forma mais clara e rápida aquilo que o autor da pesquisa visualizou, além
de aproximar os saberes. A própria “imaginação” é utilizada no sentido de promover
um modelo através de sucessivas imagens do que se deseja.
O trabalho com imagens amplia e facilita a comunicação, principalmente com
crianças, que demoram mais para conseguirem se expressar mediante a fala ou a
escrita. Contrariamente a isso, Compiani (2006, p. 87) afirma que: “Trabalhar com o
não-verbal traz, provavelmente, muito mais problemas de interpretação das idéias
das crianças do que, erroneamente pensa-se, auxílio no desvendar das limitações da
escrita”.
Acredito que isso se deva, em parte, à diversidade de interpretações que a
imagem possibilita pela bagagem de conhecimentos que cada um traz consigo. E para
resolver este impasse, ele aponta para o casamento do verbal com o não verbal
dizendo que:
Para levar em conta as ilustrações, os gráficos, os desenhos e outros
recursos não-verbais, deve-se aceitar o quão fundamentais estes são para a
compreensão das experiências e para os pensamentos mais abstratos. Para
uma proposta didática de integração, de comunicação, com ênfase na
37
utilização de conceitos abstratos e modelos, a função dos signos verbais e
não-verbais é igualmente relevante. (COMPIANI, 2006, p. 87).
A imagem tem a capacidade de singularizar uma descrição verbal. Quando eu
falo: “A árvore está com flores”, se pode pensar numa infinidade de árvores com os
mais variados tipos de flores. Agora, quando falo que “A árvore está com flores”, e
apresento a imagem referente logo abaixo, quero que seja imaginada uma árvore
com flores conforme a figura mostrada. Ou seja, correlaciona-se o conceito verbal
“árvore” e “flores” com todas as representações que temos dessas palavras, ao
mesmo tempo em que se limita todo universo de “árvores” e “flores” imagináveis
àquele modelo único que compõe a imagem. Essa imagem guiará o leitor para ver esta
representação sob um determinado ângulo, período do dia, lugar e cores.
Os filmes que assistimos são singularizações de um roteiro efetuado por uma
equipe de produção. Por isso, com freqüência, após lermos um livro e assistirmos sua
adaptação para as telas, discordarmos do cenário, do jeito dos personagens, de seu
figurino, etc. Isso acontece porque nem sempre as imagens que produzimos durante
a leitura do livro são as mesmas realizadas pela direção do filme.
Quantas vezes escutamos manifestações de que o livro é melhor que o filme?
É justamente porque o livro nos deixa livres para imaginar e criar os cenários e
personagens de acordo com as nossas próprias vivências, ou seja, ele se torna mais
próximo e autoral.
As HQs também trabalham com a intuição do leitor, que é convidado a recriar
as lacunas entre um quadrinho e outro. O leitor torna-se um co-autor, e singulariza
os acontecimentos a partir de uma singularização existente, tornando-se um bom
exercício para trabalhar tanto com a racionalidade quanto com a intuição. A
racionalidade é expressa quando o indivíduo contextualiza e classifica a situação
38
apresentada. Já a intuição é responsável pela elaboração das lacunas entre os
quadrinhos (COMPIANI, 2006).
39
4 HQs: UMA PONTE ENTRE A CI
4 HQs: UMA PONTE ENTRE A CI4 HQs: UMA PONTE ENTRE A CI
4 HQs: UMA PONTE ENTRE A CI
Ê
NCIA E A
NCIA E A NCIA E A
NCIA E A ARTE
ARTEARTE
ARTE.
..
.
Sei que a arte é irmã da ciência. Ambas filhas de um
Deus fugaz que faz num momento e no mesmo
momento desfaz.
4
Vejo de maneira crescente a desmobilização das crianças e dos jovens em
relação à escola. Tento voltar no tempo, num esforço de conseguir enxergar pistas
que me apontem para os fatores que fizeram com que tal situação ocorresse.
Neste movimento de certa nostalgia, recordo-me de professores, colegas,
aulas, e inclusive do cheiro dos materiais escolares. A tecnologia engatinhava e
tentava dar os primeiros passos nos corredores do colégio. As artes ficavam, quase
que exclusivamente, por conta da disciplina de Educação Artística.
Hoje, com um mundo cada vez mais sem fronteiras, com a globalização
batendo a nossa porta, e a tecnologia pedindo passagem em nossas vidas, o acesso à
informação adquiriu velocidade. Não se vai mais ao colégio apenas para buscar
informação.
Sobre isso, Du Gay
5
(1997 citado por FABRIS, 2000, p. 258) diz:
[...] a nova mídia eletrônica não apenas possibilita a expansão das relações
sociais pelo tempo e espaço, como também aprofunda a interconexão global,
anulando a distância entre as pessoas e os lugares, lançando-as em um
contato intenso e imediato entre si, em um “presente” perpétuo, onde o que
ocorre em um lugar pode estar ocorrendo em qualquer parte [...]. Isto não
significa que as pessoas não tenham mais vida local que não mais estejam
4
Trecho da música “Quanta”, faixa que dá nome ao CD de Gilberto Gil lançado em 1997.
5
DU GAY, Paul de et al. Doing Cultural Studies: The story of the Sony Walk-man. Londres: Sage,
1997.
40
situadas contextualmente no tempo e espaço. Significa apenas que a vida
local é inerentemente deslocada que o local não tem mais uma identidade
“objetiva” fora de sua relação com o global.
Com isso, os indivíduos ampliaram suas fronteiras com saberes nômades e
adisciplinares. Entretanto, as escolas continuam com suas aulas de delimitações
estabelecidas pelos sinais sonoros regulares e pela visão reducionista de alguns
professores. Naturalmente pode ocorrer o estabelecimento de um conflito, a não
ser que sejam quebrados alguns muros disciplinares, de modo a permitir o flerte
entre as diversas áreas do conhecimento.
A expansão do acesso à informação fez com que as manifestações artísticas
ganhassem um espaço cada vez maior em nossas vidas, seja através de um
tour
virtual pelo Museu do Louvre, ou através da facilidade de comprar ingressos para
espetáculos e cinema pela internet. Tudo isso a um
click
de distância.
Acredito que a escola deva avançar neste sentido, tornando-se também um
espaço sem fronteiras entre os vários tipos de saber. Trazendo o cotidiano
globalizado para dentro da sala de aula.
É neste contexto que as HQs se inserem como um material auxiliar na ligação
dos diferentes universos culturais e disciplinares. Um movimento que busca
resgatar o mundo pra dentro da escola.
A ciência e a arte, juntas, podem permitir um diálogo ainda mais inteligente
com o cotidiano. Os avanços tecnológicos são fortemente baseados na ciência, que
por sua vez possui laços estreitos com a ficção científica. Os aparelhos celulares,
atualmente popularizados entre as mais diferentes culturas e classes sociais, foram
vistos, muito tempo, nas páginas dos quadrinhos de
Dick Trace
. O contrário
também é verdadeiro. A ciência exerce influência e é acompanhada de perto pelas
artes.
41
Os clones ganharam as páginas dos quadrinhos do
Homem-Aranha
na época em
que a ovelha Dolly surgiu. Ainda sobre o
Homem-Aranha
, porém agora no cinema, viu-
se a substituição da picada de uma aranha radioativa pela picada de uma aranha
geneticamente modificada para explicar a aquisição de poderes do super-herói. Mais
de cem anos antes do homem conseguir chegar à lua, o escritor lio Verne, em seu
livro
Viagem à Lua
, de 1865, previa o feito ao visualizar a possibilidade do
funcionamento do foguete no vácuo, e não somente na atmosfera.
Acredito que a ciência não possa prescindir do convívio com as outras áreas
culturais como a música, a literatura, o cinema e os quadrinhos. Pode-se empregar o
uso destes elementos como auxiliares no estudo da ciência. Veja a letra da música
6
abaixo:
“O Pulso”
O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa
Peste bubônica, câncer, pneumonia
Raiva, rubéola, tuberculose, anemia
Rancor, cisticercose, caxumba, difteria
Encefalite, faringite, gripe, leucemia
O pulso ainda pulsa (pulsa)
O pulso ainda pulsa (pulsa)
Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia
Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia
Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria
Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania
E o corpo ainda é pouco
E o corpo ainda é pouco
Reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia
Hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia
Brucelose, febre tifóide, arteriosclerose, miopia
Catapora, culpa, cárie, câimbra, lepra, afasia
O pulso ainda pulsa
6
Letra da música “O Pulso”, faixa 6 do CD “Acústico MTV - Titãs” (1997), do grupo Titãs.
42
O corpo ainda é pouco
Ainda pulsa
Através desta música, por exemplo, abre-se espaço para o estudo de diversos
assuntos, desde os mais pontuais como o estudo da morfologia de bactérias e vírus,
bem como temas amplos como saúde pública, permitindo um estudo interdisciplinar.
Pode-se também discutir um trecho da obra
Admirável Mundo Novo
, de
Aldous Huxley, que, em 1932, antevia o futuro e escrevia o seguinte:
Um ovo, um embrião, um adulto é normal. Mas um ovo Bokanoskizado tem a
propriedade de germinar, proliferar, dividir-se: de oito a noventa e seis
germes, e cada um destes se tornará um embrião perfeitamente formado, e
cada embrião, um adulto completo. Assim se consegue fazer crescer noventa
e seis seres humanos em lugar de um só, como no passado. Progresso.
(HUXLEY, 1988, p. 10).
Ou ainda, debater o filme
Os sem–floresta
7
e abordar a atual questão que
envolve a devastação da natureza frente aos avanços crescentes da urbanização.
Centralizarei meu discurso nas HQs, outro instrumento artístico que também
pode render bons trabalhos em sala de aula. As HQs conseguem atingir uma faixa
etária ampla, além de ser acessível aos bolsos. Elas têm a capacidade de falar sobre
o presente, o passado e até mesmo o futuro, contribuindo para a difusão de novos
avanços científicos.
As ciências estão presentes nos quadrinhos de diversas formas, desde
questionamentos sobre a interferência da ciência em nossas vidas, como é o caso de
Watchmen
, de Alan Moore, até a representação das relações existentes na
natureza propostas nas tiras de
Níquel Náusea
, de Fernando Gonsales. Segundo
7
Comédia animada de 2006 da DreamWorks, dirigida por Tim Johnson e Karey Kirkpatrick.
43
Edgard Franco, professor da PUC de Poços de Caldas: “A arte e os quadrinhos
devem manter uma visão crítica madura em relação às ciências, pois estas últimas
precisam de algumas pedras nos sapatos”. (DIAS, 2004).
Mas, muitas vezes, os conceitos científicos são abordados de forma
equivocada e distorcida, não correspondendo à ciência produzida nos laboratórios. E
sobre este tipo de apropriação da ciência feita tanto pelos quadrinhos, quanto pelo
cinema, Edgar Franco ressalta:
São formas de arte legítima e que têm todo o direito de se apropriar da
ciência como bem entenderem. Elas devem mesmo funcionar como
questionadoras e colocar em xeque as conquistas da ciência, pois os avanços
tecnológicos não têm sido acompanhados por um avanço ético. O discurso da
ciência neutra, ou da ciência em prol do bem comum é simplista e não cola
mais, todos sabemos que boa parte dos avanços se devem a iniciativas
relacionadas com o poder. (DIAS, 2004).
Penso que a ciência, mesmo quando apresentada de forma equivocada nas
páginas dos gibis ou nas telas de cinema, pode ser trazida para dentro da sala de
aula, no sentido de promover um debate sobre os eventuais erros conceituais e suas
reais possibilidades. E mais, acredito que por mais leigo que seja o leitor, a leitura
dos quadrinhos pode aumentar ou despertar o seu gosto pelas ciências, além de
estimular o hábito da leitura.
As HQs oferecem tipos diferentes de leitura, assim como filmes, sicas e
livros em geral, que podem ser interpretados de diversas maneiras dependendo da
vivência de cada um. E mesmo o próprio indivíduo pode ter leituras variadas de
acordo com o momento em que a realiza.
Seria interessante se os professores de diversas disciplinas trabalhassem em
conjunto, unindo olhares e extraindo o máximo de relações possíveis. O aluno teria a
44
oportunidade de refletir sobre as coisas como elas são: multifacetadas e inter-
relacionadas. Um olhar global e interdisciplinar favorece uma interpretação mais
nítida e contextualizada, o que possibilita um movimento dialógico mais inteligente
com o mundo.
Corriqueiramente ouço vozes dizendo que a abordagem de assuntos
transversais demanda um tempo grande, e que sobraria pouco tempo para trabalhar
todo o conteúdo. A interdisciplinaridade realmente exige um olhar mais próximo,
mas, principalmente, exige disposição. O professor precisa querer ser
interdisciplinar. Professores que acreditam que o aluno deva ter caderno cheio, onde
a quantidade é fundamental, terão dificuldades de trabalhar desta maneira. O
trabalho conjunto com outras disciplinas precisa primar pela qualidade, onde a
quantidade se torna apenas mais um elemento a ser considerado.
A ligação entre ciência e arte é um elemento que pode subsidiar a
ultrapassagem das delimitações disciplinares favorecendo a execução de um
trabalho pautado pela superação de pensamentos estéreis. O fruto desta relação
impulsiona a ampliação dos conhecimentos e permite a construção de saberes mais
sólidos e criativos.
45
5 METODOLOGIA: O CAMINHO DAS PEDRAS.
5 METODOLOGIA: O CAMINHO DAS PEDRAS.5 METODOLOGIA: O CAMINHO DAS PEDRAS.
5 METODOLOGIA: O CAMINHO DAS PEDRAS.
Se fosse fácil achar o caminho das pedras, tantas
pedras no caminho não seria ruim.
8
5.1 APRESENTA
ÇÃ
O DOS PROTAGONISTAS E DO CEN
Á
RIO.
A pesquisa foi desenvolvida tendo como público alvo uma turma de 35 alunos
da série de um Colégio da Rede Pública de Ensino situado na cidade de Porto
Alegre. Em termos curriculares, esta série representa o ano de contato formal
com a disciplina de Ciências. Na maioria das escolas a Ciência ganha
status
de
disciplina na série do Ensino Fundamental. Dessa forma, é possível analisar os
primeiros olhares que os alunos tecem a respeito de assuntos relacionados a essa
disciplina.
A construção de uma atitude investigativa desde os primeiros contatos com a
ciência se faz necessária para fugir da “aula copiada”, do repasse de informações
vazias (DEMO, 2003). Sendo assim, o estudo acerca da construção do conhecimento
por este público pode indicar alguns caminhos que permitam um melhor
entendimento de como tornar o ensino de Ciências mais significativo.
Nesta escola, a grade de horários desta rie é flexível, e sendo assim, as
disciplinas não têm períodos e dias fixos. Para cada semana existe uma grade de
horários. Numa determinada semana, por exemplo, a disciplina de Ciências pode
8
Trecho da música “Outras freqüências”, faixa 15 do CD “Acústico MTV – Engenheiros do Hawaii
(2004), do grupo Engenheiros do Hawaii.
46
ocorrer em 3 períodos de uma segunda-feira, e na semana seguinte pode ocupar 2
períodos de uma quarta e sexta-feira, ocupando então 4 períodos na semana em
questão.
Além da grade de horários ser montada a cada semana, existe a possibilidade
de duas disciplinas dividirem o mesmo horário, através da divisão da turma. Para
melhor explicar o funcionamento desta dinâmica, exemplificarei com a seguinte
situação: digamos que nos três primeiros períodos da manhã (8h às 10h15min) de
terça-feira, as disciplinas de Geografia e Ciências dividam o horário; a turma de 35
alunos é dividida em duas partes, A e B; das 8h às 9h10min, a disciplina de Ciências
fica com o grupo A e a disciplina de Geografia com o B; no restante do horário, das
9h10min às 10h15min, acontece a inversão dos grupos, ficando Ciências com o grupo
B e Geografia com o A.
Com esta dinâmica, é possível realizar trabalhos em que o professor possa
orientar o aluno de maneira mais próxima, visto a redução da turma. Na tentativa de
conseguir essa proximidade, a fim de melhor analisar a introdução das HQs nas
atividades da disciplina de Ciências, trabalhei com a turma reduzida. Dividi a turma
em duas partes: uma consistia do 1 da chamada até o 17, sendo a outra do 18
ao 35. Ora o primeiro grupo iniciava com Ciências, ora o trabalho começava com o
segundo grupo. Resolvi optar por esta alternância para que o houvesse um
entendimento de preferência de algum grupo por parte dos alunos, visto que sempre
havia pedidos por parte dos alunos para que seu grupo tivesse primeiro a disciplina
de Ciências.
47
5.2 A CONSTRU
ÇÃ
O DO CAMINHO.
O trabalho com os quadrinhos consistiu em duas etapas: numa primeira, os
alunos fizeram reflexões sobre algumas tirinhas levadas por mim; e na segunda, foi
desenvolvido um trabalho de pesquisa, que teve como ponto de partida tiras que eles
levaram para a aula. A seguir, explicarei com detalhes o trabalho desenvolvido em
cada uma destas etapas.
Antes, cabe ressaltar que esta pesquisa foi desenvolvida através de uma
abordagem naturalística-construtiva. Segundo Moraes
9
(em fase de elaboração), ela
busca compreender os fenômenos no próprio contexto em que eles ocorrem. Baseia-
se num envolvimento intenso nos fenômenos que investiga, possibilitando, então, sua
descrição, interpretação e teorização.
A abordagem naturalística-construtiva parte do princípio que a realidade é
uma construção dos sujeitos. Sua atenção é direcionada para a compreensão das
percepções dos sujeitos envolvidos. Neste sentido, acontece uma valorização dos
conhecimentos prévios dos indivíduos.
9
MORAES, R. Da noite ao dia: tomada de consciência de pressupostos assumidos dentro das
pesquisas sociais. Texto utilizado na disciplina “Teoria e Prática da Pesquisa”, do curso de mestrado
em Educação em Ciências e Matemática, em 2006.
48
5.2.1 A primeira etapa e a escolha da metodologia.
No começo desta etapa, realizei uma apresentação aos alunos contando um
pouco da história das HQs e as influências que estas tiveram nos diversos setores
da sociedade. Considero importante estabelecer uma ligação entre o objeto de
estudo e seu contexto histórico para os alunos, visto que muitas pessoas consideram
os quadrinhos apenas como um eventual objeto de entretenimento, destituído de
uma história. Devido a uma questão cultural, ainda que em modificação, os alunos
poderiam compartilhar do mesmo tipo de pensamento, enxergando superficialmente
a utilidade dos quadrinhos.
Após, mostrei algumas tiras do
Níquel Náusea
, do quadrinista Fernando
Gonsales, cujos temas versam sobre a diversidade de seres vivos. Estas tiras foram
entregues para cada aluno, que tinha a tarefa de registrar numa folha a sua
interpretação da tira recebida. Terminada a interpretação, cada aluno deveria
trocar com seu colega do lado a tirinha que havia recebido para que realizasse a
interpretação de uma segunda tira. Desta forma, cada estudante realizou a análise
de duas tiras. Selecionei os materiais que julguei possuírem um maior potencial de
análise, de modo que, nem sempre, haverá análise de duas interpretações da mesma
tira.
O processo de escolha de um método para analisar um conjunto de
informações não é uma tarefa simples. Sempre existe uma “pedra no meio do
caminho”. Cada autor apresenta uma visão própria sobre o método que descreve, e
muitas vezes são gerados conflitos com outro autor que descreve o mesmo método.
Feyerabend (1989) afirmou que não existem receitas para se fazer pesquisa,
pois cada uma é única, apresentando peculiaridades que fazem emergir uma nova
49
metodologia. É o que ele chama de pluralismo metodológico: uma busca em várias
fontes para compor um arsenal que melhor se adapte às condições ideais da sua
pesquisa.
Em virtude disso, dedico os próximos parágrafos a uma explicação mais
detalhada sobre o tipo de análise realizada nesta etapa. Com isso, a compreensão do
produto analisado se tornará mais interessante.
No movimento de busca para análise do material coletado, acabei me
deparando com a Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2007), que foi a
metodologia de análise escolhida para realizar a tarefa de análise.
A Análise Textual Discursiva se insere como uma “nova opção de análise para
pesquisas de natureza qualitativa e de caráter hermenêutico”. (MORAES;
GALIAZZI, 2007, p. 140).
Não existe um limite nitidamente marcado entre estas abordagens, mesmo
porque elas não funcionam como “conjuntos rígidos de procedimentos, mas como
conjuntos de orientações abertas, reconstruídas em cada trabalho”. (MORAES;
GALIAZZI, 2007, p. 141).
Entre os elementos que caracterizam a Análise Textual Discursiva, destaco
segundo Moraes e Galiazzi (2007):
- a ampliação da capacidade de compreensão;
- a busca pela produção de teorias durante o processo da pesquisa;
- a reconstrução de significados com base na diversidade dos sujeitos
participantes da pesquisa;
- um gradual movimento de construção da compreensão, que começa a partir
daqueles sentidos mais explícitos, caminhando para aqueles mais complexos e que
exigem um maior aprofundamento;
50
- a tendência de considerar seus objetos de análise como discursos, e não
como conceitos isolados;
- o foco na totalidade, num movimento de superação da fragmentação, que
entende o discurso como uma manifestação construída e reconstruída
coletivamente;
- o surgimento de teorias emergentes a partir das manifestações discursivas
dos sujeitos da pesquisa.
A Análise Textual Discursiva rompe com uma linearidade metodológica, pois
necessita, muitas vezes, que o pesquisador navegue por mares antes não navegados.
Existe uma valorização do estar indo, mesmo que isso implique superar incertezas e
romper limites (MORAES; GALIAZZI, 2007).
Ao optar pela Análise Textual Discursiva, entra-se num mundo que não está
pronto, que vai sendo construído conforme a movimentação do pesquisador. O
processo de construção metodológica é como um andar sob névoas, onde cada passo
que se é cercado de expectativas, porque o pesquisador “não sabe exatamente
para onde se move, nem por onde deve andar”. (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 165).
É um desafio que envolve por parte do pesquisador um movimento de
construção e reconstrução permanente. Existem várias possibilidades e múltiplos
caminhos. Cabe ao pesquisador trilhar aquele caminho que melhor contribua às suas
pretensões naquele instante.
Anda-se numa escada em espiral, onde para alcançar o topo é necessário
percorrer caminhos que vão e vem. Ainda que este topo não exista, pois sempre
existirá a possibilidade de subir mais degraus.
Considerando que “uma pesquisa que trabalhe em torno de um problema
original requer do pesquisador percorrer um caminho que está indefinido o tempo
51
todo” (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 165), procurarei nas próximas linhas mapear
a trajetória que percorri durante o processo de análise textual.
Os objetos analisados são textos que foram produzidos individualmente pelos
alunos a partir de tiras do personagem
Níquel Náusea
. Cada texto se constitui da
interpretação de cada aluno sobre a história trazida pela tirinha. A análise dos
textos foi organizada de modo a considerar cada tirinha como uma categoria, visto
que em sua maioria, cada tira foi alvo de interpretação de apenas um aluno, não
possuindo então, mais de uma visão. Foram realizadas leituras aprofundadas de cada
texto com a finalidade de compreender tudo aquilo que pode estar envolvido no
discurso de cada aluno. Após o término da análise de cada interpretação foi
produzido um texto com o objetivo de relacionar elementos de todas as
interpretações realizadas pelos alunos, e, dessa forma, proporcionar um
entendimento do assunto em sua totalidade.
As análises dos materiais produzidos pelos alunos a partir das tirinhas podem
ser vistas no capítulo 6, intitulado:
Análises das informações: um alfabeto de
interpretações.
5.2.2 A segunda etapa.
Esta etapa teve como referência o educar pela pesquisa (DEMO, 2003),
voltando-se para o desenvolvimento de um aluno questionador e criativo. Segundo
Demo (2003, p. 1): “Este modo de ver parte da definição de educação como
processo
52
de formação da competência humana
, com qualidade formal e política, encontrando
no conhecimento inovador a alavanca principal da intervenção ética.”.
Trata-se de uma busca constante pela construção de um ambiente que
favoreça ao aluno desenvolver sua autonomia, num constante exercício de
formulação própria e participação efetiva. Todo este processo exige uma
reorganização do currículo, que tem na flexibilidade e na superação da cópia uma de
suas marcas (DEMO, 2003).
Para que se conseguisse criar essa atmosfera de pesquisa foi solicitada,
primeiramente, a participação dos alunos. Após a tarefa de interpretação das
tirinhas do
Níquel Náusea
, foi pedido aos alunos que levassem, para a aula seguinte,
tiras que tivessem como assunto os seres vivos. A partir do material levado pelos
alunos, foi pedido que cada um escolhesse um ser vivo da tira levada com o objetivo
de realizar uma pesquisa sobre ele, que deveria ser apresentada aos colegas.
A atividade de pesquisa foi realizada durante os períodos da disciplina de
Ciências, e aconteceu durante duas semanas. A apresentação dos resultados da
pesquisa sobre cada ser vivo estudado foi realizada na semana seguinte ao término
das pesquisas. Cada aluno teve 10 minutos para a exposição de seus dados. Além da
argumentação oral, o aluno tinha a tarefa de entregar um resumo de sua pesquisa
através de um texto escrito.
Durante a apresentação dos colegas, cada aluno deveria formular, pelo menos,
uma pergunta sobre o assunto que estava sendo apresentado e redigi-las no caderno.
Ao final de cada apresentação, as perguntas poderiam ser realizadas diretamente
para o estudante que estava apresentando.
Com isso, procurei estabelecer um momento de diálogo, de confronto de
visões e fortalecimento de argumentações.
53
No capítulo 7, analiso o processo de pesquisa realizado pelos alunos segundo o
desenho teórico-prático do desafio de educar pela pesquisa proposto por Demo
(2003). Segundo ele, “o que melhor distingue a educação escolar de outros tipos e
espaços educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa”. (DEMO, 2003,
p.5).
54
6 AN
6 AN6 AN
6 ANÁLISE
LISE LISE
LISE DAS INFORMA
DAS INFORMADAS INFORMA
DAS INFORMA
ÇÕ
ES
ESES
ES: UM ALFA
: UM ALFA: UM ALFA
: UM ALFABETO DE INTERPRETA
BETO DE INTERPRETABETO DE INTERPRETA
BETO DE INTERPRETA
ÇÕ
ES.
ES.ES.
ES.
Este capítulo consiste na análise da etapa desta pesquisa. Refere-se às
análises das interpretações que os alunos fizeram das tiras do
Níquel
Náusea
.
Assume como objetivo desvendar o universo de cada aluno, interpretando as
relações que estabeleceram entre o que encontraram nas tiras e suas vivências. É
um passo importantíssimo para a construção de um trabalho que visa auxiliar o aluno
na construção de um conhecimento significativo.
Nas interpretações dos estudantes foram observadas questões que
evidenciam a influência do cotidiano em seus pensamentos. Além disso, foi possível
perceber dificuldades de escrita que trazem prejuízos para a comunicação.
A união de signos verbais com não-verbais proporcionada pelas HQs forma
uma linguagem única, conferindo uma nova dimensão para a reconstrução dos
saberes. A imaginação aparece como elemento indispensável para preencher as
lacunas deixadas pelos quadrinhos, o que acontece após a leitura racional do
contexto elaborado em cada quadro.
As HQs oferecem leituras variadas que encontram na bagagem cultural do
leitor a fonte desta diversidade. As inúmeras interpretações possíveis colaboram
para o estabelecimento de um ambiente de diálogo, estimulando a reconstrução do
pensamento.
Nas páginas que seguem são apresentadas as tirinhas do
Níquel Náusea
seguidas das interpretações dos alunos, que estão representados por uma letra do
alfabeto para fins de identificação.
55
Figura 11Lei da selva
versus
lei da gravidade
Fonte: http://www.niquel.com.br
A reflexão realizada a partir desta tirinha foi muito interessante. A aluna [A]
escreve:
Também
(gostei)
na hora que ele disse é lei da gravidade, eu gostei porque
parece que ele está nos direitos dele
”. Nitidamente, observa-se uma confusão entre
as leis científicas e as leis jurídicas. Após ler o que a aluna escreveu, conversei com
outros professores e fiquei sabendo que a mãe desta aluna é advogada. Isso explica
uma possível raiz da origem do pensamento da estudante. Percebe-se a influência
que a família pode exercer em seus integrantes.
A partir desta reflexão, percebo que esta tira pode ser usada pelo professor
como um disparador de pensamentos sobre os diversos tipos de emprego da palavra
“lei”. Na tira somos apresentados a dois deles:
lei da selva
, expressão popular que
faz alusão a cadeia alimentar; e
lei da gravidade
, expressão que designa uma das
mais populares leis da Física. Além destes tipos citados, podem-se incluir as
leis
jurídicas
, presentes nos diversos códigos que regem nossas condutas, e que, como
visto acima, podem estar presentes no pensamento das pessoas desde a mais tenra
idade.
56
Figura 12 – Pérola ou
piercing
?
Fonte: http://www.niquel.com.br
A aluna [A] também analisou esta tirinha. Percebe-se claramente que não
houve um entendimento, por parte da estudante, do que o autor da tira quis
representar. A aluna escreve:
O que me chamou a atenção foi a ostra pensando que
é uma argola, mas é um
piercing.”
Através deste depoimento, evidencia-se que a aluna confundiu
pégola
com
argola
, quando
pégola
queria dizer
pérola
. Penso que não houve uma relação com a
produção de pérolas realizada pelas ostras. Isto fez com que a aluna relacionasse a
palavra
pégola
com o objeto mais próximo do contexto e com uma sonoridade
semelhante, chegando-se a palavra
argola
.
Esta tira pode ser uma oportunidade de trabalhar com aspectos relacionados
aos moluscos, fazendo ligação com a importância econômica de determinadas
espécies, seja para uso na produção de artigos de luxo como a pérola, seja como
fonte alimentar, como o
escargot
e a lula.
Em relação a essa mesma tirinha, a aluna [R] mostrou em seu depoimento a
influência da moda no dia-a-dia das pessoas. Isto demonstra que quando um aluno
entra na da sala de aula, ele traz consigo um corpo constituído por fatores diversos,
como a mídia e as relações afetivas, que são indissociáveis do processo de
aprendizagem, participando deste ativamente.
57
No final de seu texto, esta aluna [R] diz:
Na minha opinião, ele faz isso para
se exibir, pois a ostra amiga dele não tem uma pérola
”. Entendo esta fala como uma
situação em que, possivelmente, o uso de artigos como
piercings
/pérolas são vistos
como tentativa de chamar a atenção, e, desta forma, tentar algum tipo de
valorização social.
Em qualquer ambiente, seja de trabalho ou escolar, a formação de grupos é
algo natural, e o ingresso nestes, principalmente na adolescência, é cercada de
atitudes impulsivas e apoiadas na moda, cabendo uma atenção especial para a
sinalização de comportamentos deste tipo. As capacidades cognitivas e emocionais
apresentam-se ligadas mutualisticamente, sendo, portanto, os reflexos de uma,
sentidos na outra, e vice-versa.
E onde entra a disciplina de Ciências? Entra, como qualquer outra disciplina,
no sentido de olhar o aluno como um ser único, composto não somente de um
telencéfalo desenvolvido, com capacidade de saber quais eram as capitanias
hereditárias, ou quais são os anexos embrionários presentes no ovo do ornitorrinco.
Um olhar que veja o aluno como sendo também possuidor de uma capacidade de
influenciar e sofrer influências, de expressar sentimentos e de movimentar-se.
Em certa ocasião, li um relato de um professor de Educação Física, que saiu
publicado num jornal desta capital, onde fazia referência ao fato dos alunos serem,
de certa forma, obrigados a deixar o corpo do lado de fora da sala de aula, em
virtude de um ensino que se mostra voltado apenas para o intelecto, uma educação
cerebral. O espaço para a utilização do corpo seria destinado apenas às aulas de Ed.
Física? Seria uma heresia educacional. É um atentado a qualquer tentativa de
melhoria na qualidade do ensino dividir o aluno em pedaços. Isso soa como um
não-
saber-lidar
com o aluno. Culpa dos professores? Da escola? Ou das faculdades de
58
licenciatura? Para mim, o importante é que cada um reflita sobre sua prática,
incluindo o corpo no currículo escolar.
Figura 13Caçadora de marido
Fonte: http://www.niquel.com.br
Nesta tira observa-se uma planta possuidora de uma substância pegajosa que
desempenha alguma função para sua sobrevivência. Um inseto aproveita-se deste
artifício produzido pela planta para capturar outro inseto e se casar com ele.
A aluna [B] escreve sobre a tirinha:
Nesta história uma planta com uma
gosma que gruda os insetos. E o
Níquel Náusea (???)
estava passando e grudou. Ele
iria se casar. que ele sempre fugia do casamento. A sua mulher falou:
‘Manda
brasa padre’
. Agora ele não foge do casamento, já que está grudado numa planta”.
Este discurso sobre a tira evidencia uma interpretação coerente com a idéia
que, possivelmente, o autor da tira queria passar. Retrata os homens que fogem do
casamento, e mostra uma estratégia utilizada para fisgá-los. É uma tirinha que se
mostrou ser de fácil compreensão e que poderia ser utilizada numa transposição
para as relações entre os seres vivos, abordando o porquê de determinadas plantas
possuírem tais substâncias. Além disso, poderia ser vista também a importância da
relação que as flores e os insetos desenvolveram ao longo dos tempos, sendo um
fator de grande relevância para o sucesso evolutivo das espécies envolvidas.
59
Figura 14Desequilíbrio ambiental
Fonte: http://www.niquel.com.br
Esta tira apresenta um assunto atual e que es presente diariamente em
todos os veículos de comunicação: a interferência humana na natureza. São inúmeras
as formas de abordagem em sala de aula sobre o impacto das ações do homem no
meio ambiente. Pode-se trabalhar com as questões relativas ao aquecimento global,
efeito estufa, destruição da camada de ozônio, extinção da fauna e flora, etc.
Todos estes fenômenos acabam, de alguma forma, se relacionando e nos fornecendo
subsídios para o desenvolvimento de um pensamento ecologicamente sustentável.
A aluna [C], percebendo do que trata a tira, escreve:
Essa tira fala sobre as
invenções do homem que podem causar o desequilíbrio dos seres. Tinha um fósforo
no meio do caminho de uma pulga
daí ela tropesso e caiu de cara
”. Mas tão
importante quanto entender a “moral da história”, fazendo ligações com outros
assuntos, é a possibilidade deste aluno se manifestar e colocar em prática sua
escrita. A partir deste movimento dialógico, estreitamos o caminho que separa o
professor do aluno, e dessa maneira se consegue entender melhor o que cada aluno
pensa e o que leva ele a ter determinado pensamento. Toma-se o conhecimento
prévio apresentado pelo aluno como ponto de partida para auxiliá-lo na reconstrução
do conhecimento.
60
A aluna, neste caso, confundiu o personagem da barata
fliti
com uma pulga, o
que pelo desenho é passível de acontecer. Mas esta pode ser uma oportunidade para
o estudo dos insetos, mundo a que pertencem baratas e pulgas, analisando as
características morfológicas de cada grupo. Outro equívoco que a aluna comete é
relativo à grafia da palavra tropeçou. Acredito que os professores devam investir na
realização de um olhar mais próximo da escrita de seus alunos a fim de colaborar
para um melhor desenvolvimento da língua portuguesa.
Habilmente o autor da tira, Fernando Gonsales, coloca um tom irônico na
mensagem, fazendo um trocadilho com a palavra desequilíbrio. Ao longo das análises
dos discursos dos alunos é possível perceber que é muito difícil para uma criança
numa faixa etária ao redor dos 12 anos ter a maturidade necessária para entender
as ironias presentes nas HQs. Em virtude disso, é mister uma seleção adequada de
HQs por parte do professor. Mas é importante ressaltar, que nem por isso devemos
excluir as HQs da sala de aula. O que se tem a fazer é levá-las para a apreciação
dos alunos, fazendo um exercício constante para o desenvolvimento de habilidades
como a interpretação e a escrita.
61
Figura 15 – Manipulação genética
Fonte: http://www.niquel.com.br
O conteúdo presente nestes quadrinhos retrata o avanço da engenharia
genética, e traz à tona um debate sobre os benefícios e prejuízos desta prática.
Considero esta uma tira de difícil compreensão para alunos que estão iniciando seus
estudos em Ciências, mas resolvi colocá-la para análise dos alunos numa tentativa de
saber como este tipo de informação é interpretada e quais saberes prévios eles
possuem sobre o assunto. Como é um tema bastante abordado na mídia, e que nem
sempre é tratado de forma correta, ele pode fazer parte da construção do
imaginário científico das pessoas. Além disso, a indústria cinematográfica apresenta
diversas produções como o
Homem Aranha
,
X-Men
e
Quarteto Fantástico
, que
retratam a Engenharia Genética e que são populares entre todas as faixas etárias.
Cabe lembrar aqui que os filmes citados foram inspirados no grande sucesso obtido
por estas histórias nas páginas dos gibis. E mais: muitos destes personagens
invadem as festas de aniversários infantis e tomam formas de objetos decorativos
dos mais variados! Todos esses fatores acabaram aguçando a minha curiosidade para
saber como as crianças lidam com informações deste tipo.
E sobre esta tira, a aluna [D] escreveu:
Eu entendi que um cientista pegou
uma parte de um animal e outra de um humano e juntou. Eu achei muito louca a tira,
porque eu acho queo daria para fazer isso
”.
62
Pode-se observar pelo depoimento deste aluno, que embora ele não tenha um
entendimento correto do que vem a ser a Engenharia Genética, ele comete um
equívoco que acaba tirando a espécie humana do Reino Animal.
Mesmo tendo dificuldades na sua interpretação, o aluno mostra o que
comumente se vê, inclusive, dentro de alguns cursos universitários: a presença de
duas naturezas. Uma delas é a humana, e a outra, aquela onde é colocado todo o
resto dos seres. Isso permite uma reflexão sobre a necessidade contínua de um
exercício de pensamento sobre a origem da vida na Terra e os processos evolutivos.
O currículo escolar do Ensino Fundamental passa superficialmente pelas áreas
da Biologia Molecular. Conceitos como cromossomos e enzimas dificilmente fazem
parte do vocabulário de alunos desta idade, mesmo aparecendo desde desenhos
animados até tele-novelas. E pela resposta da aluna, suponho que ela tenha
imaginado partes do corpo de animais sendo unidas, e não seqüências do material
genético. A figura do centauro no último quadrinho pode ter reforçado este tipo de
pensamento, o que levou a aluna a considerar a Engenharia Genética uma “loucura”.
O debate sobre esta prática acaba nos remetendo ao personagem do
Frankstein
, figura histórica, resultado de uma colcha de retalhos humanos. A ciência
presente no cotidiano poderia ser mais explorada nas salas de aula, e o uso dos
quadrinhos e até mesmo de filmes e desenhos animados poderia ser utilizado como
ponto de partida no estudo destas questões.
O aluno [P], interpretando a tira, faz relações com estudos de mitologia grega
realizados na série, onde a figura do centauro aparecia. E ele encerra seus
escritos com a seguinte frase:
A tira mostra também que tem gente grande que
engana os pequenos
”. Foi olhar para os primeiros quadrinhos da tira, que me
surgiu a compreensão da conclusão deste aluno. O
rato sábio
(“gente” grande), em
63
conversa com a barata
fliti
(pequena), estaria contando um mito (centauro), ou seja,
todo o “papo” envolvendo engenharia genética não passava de fantasia, mitologia.
Essa situação aflora a importância que os conhecimentos prévios
desempenham na construção do pensamento. O professor que não enxerga este
universo particular poderá encontrar dificuldades em auxiliar seu aluno na
caminhada rumo a complexificação do saber. Desta vez, a relação com o conteúdo
histórico referente à mitologia emergiu da tira apresentada, o que talvez não
acontecesse de outro modo.
vi estampada em campanhas publicitárias de uma Organização Não-
Governamental a figura referida anteriormente do
Frankstein
como resultado da
ingestão de produtos geneticamente modificados. Imagens sensacionalistas como
esta podem habitar o pensamento das pessoas, criando obstáculos para a construção
de um conhecimento mais isento de posições ideológicas.
Portanto, o movimento empregado no sentido de fazer brotar todos os
pensamentos que os alunos possuem acerca de um assunto é traduzido numa
produção de saber menos carregada de ideologias econômico-político-sociais
sensacionalistas, que nos inundam através dos meios de comunicação.
64
Figura 16Inteligência
Fonte: http://www.niquel.com.br
Em sua interpretação o aluno [E] diz:
Quatro pesquisadores estão falando
que o macaco é inteligente, mas na verdade o macaco é muito burro. A os
cientistas erram de vez em quando
”.
Através deste depoimento podem-se abordar alguns tópicos relativos à
inteligência e ao erro. O aluno coloca o macaco como sendo um animal burro em
decorrência do segundo quadrinho, ao contrário do que os pesquisadores afirmam no
quadro inicial, tendo como base o tamanho do crânio.
Algumas perguntas poderiam ser realizadas para a turma a fim de promover
um debate sobre a evolução biológica, como: O que vem a ser inteligência? O
tamanho do crânio é um parâmetro para medida de inteligência? O que torna a
espécie humana diferente das outras espécies de animais?
Outra questão interessante que aparece na interpretação deste aluno é a do
erro dos cientistas. Percebe-se que o a figura do cientista é cercada de mitos como
o de ser uma pessoa que está acima da verdade, capaz de determinar a vida das
pessoas. Isso fica evidente quando este aluno fala:
Até os cientistas erram de vez
em quando
”. Repare nas expressões
até
” e
de vez em quando
”, que dão a impressão
de um personagem quase perfeito. Essa é uma boa oportunidade para falar do que
vem a ser “fazer ciência”. Será que ela é feita apenas por homens de jaleco, de
65
óculos e descabelados? Pode-se fazer ciência em sala de aula, em casa ou em
qualquer lugar? Qual o papel do erro na história da ciência?
A compreensão de que a ciência está presente diariamente na vida deles, e
que, por vezes, agimos como cientistas é determinante para a construção de uma
visão crítica sobre o mundo, e coloca cada um como personagem principal de sua
própria vida.
Figura 17O engano do morcego
Fonte: http://www.niquel.com.br
Esta tira foi interpretada da seguinte forma pelo aluno [F]:
No meu
entender, o morcego começa a contar para o cachorro as características do sangue
que ele sugou, o cachorro por sua vez associou uma coisa vermelha, densa e
adocicada, ele tirou uma conclusão que não passou tão longe do que é o
catchup”.
Pode-se perceber que houve o estabelecimento de relações entre as
características descritas pelo morcego com o condimento extraído do tomate.
Além de podermos construir conhecimentos científicos através dos
quadrinhos, é possível também verificar por meio de tiras com diferentes níveis de
interpretação a capacidade do relacionamento de informações por parte dos alunos.
A tira mostra um morcego que pode ter se alimentado de
catchup
ao invés de
sangue. Popularmente o mamífero voador que inspirou a criação do
Batman
é
66
conhecido por se alimentar de sangue. Estes quadrinhos poderiam fazer parte de um
estudo dos hábitos alimentares dos seres vivos, onde a exceção que virou regra, no
caso dos morcegos, poderia ser reconstruída. Sabe-se que poucas espécies de
morcego m em seu cardápio o sangue como fonte de alimentação, sendo que a
maioria apresenta néctar, frutos e insetos como pratos principais.
Portanto, é possível explorar o conteúdo desta tira em tópicos como cadeia e
teia alimentar, além de um estudo mais detalhado sobre morcegos, o único mamífero
voador.
Figura 18 – Observação da natureza
Fonte: http://www.niquel.com.br
A interpretação que a aluna [G] fez desta tira ultrapassou as fronteiras do
conhecimento biológico, e refletiu acerca dos olhares das pessoas sobre o mundo.
Ela escreveu:
Eu acho que essa tira retrata sobre como as pessoas têm que olhar o
mundo de um outro lado, para ver como é o mundo de verdade
”.
A aluna propõe uma mudança de visão sobre as coisas, o que me leva a pensar
que se trata de um olhar mais maduro e crítico quando comparado com os
pensamentos dos outros estudantes sobre as tirinhas. Além disso, traz a idéia de
que, muitas vezes, as coisas não são como parecem ser. É um tipo de pensamento
semelhante àqueles que habitam as mentes dos pesquisadores.
67
Agora veja o que o aluno [L] comenta sobre a mesma tira:
Eu gostei bastante
da tira porque mostra o interesse da criança pela natureza, que ela não sabe que
a lupa está virada e ela não consegue perceber, e ele se confunde o olho dele com o
inseto
” (sublinhado do autor).
Repare que a parte sublinhada é referente ao desenho do olho inscrito na
lente da lupa. Num primeiro momento esta cena pode passar despercebida, mas com
um olhar mais atento percebe-se o porquê da interpretação do aluno.
Podem-se investigar a partir destes quadrinhos as diferentes metodologias
de pesquisa e suas conseqüências para a mesma. Esta tira é um convite ao debate de
como se pode realizar uma pesquisa científica, onde é possível explorar elementos
como a curiosidade, os materiais utilizados, a observação e suas conclusões, além da
metodologia referida anteriormente.
Comumente os livros didáticos trazem um olhar rígido dos métodos científicos
baseados no positivismo, sendo esta uma oportunidade para analisar as diferenças
existentes entre as várias maneiras de se fazer pesquisa.
68
Figura 19 – E agora?
Fonte: http://www.niquel.com.br
Esta tira envolve conhecimentos relacionados à cadeia alimentar, podendo ser
trabalhada num contexto ecológico. O aluno [H] fez a seguinte análise destes
quadrinhos:
Eu entendi que a garçonete ouviu três ‘pessoas’ dizerem que queriam:
costeleta, salada de alface e peixe cru. Mas quando ela chega, ela se depara com 3
animais: o pingüim havia pedido peixe cru, a cabra havia pedido salada de alface e o
lobo havia pedido costeleta. Por isto que depois ela perguntou: Quem pediu o quê?
Embora o depoimento do aluno apresente certa confusão estrutural, percebe-
se que na construção de seu texto ele atribui os pratos pedidos a cada um dos
animais presentes na mesa. Em momento algum da tirinha fica estabelecido o que
cada um iria comer, mostrando que houve uma elaboração por parte deste aluno nas
ligações existentes entre os hábitos alimentares dos animais. A construção de tais
ligações baseadas nos conhecimentos prévios torna possível dirigir um trabalho de
forma mais eficiente que pode ser realizado um aproveitamento do que era
sabido por parte deste aluno.
Segundo a aluna [Q]: “
... o lobo teria de comer a costela pois é seu cardápio na
vida real, sibem
que não é comum e nem acontece de animais freqüentarem um
restaurante, e sim deles caçarem seu próprio alimento. O pingüim comeria peixe cru
porque nos pólos que ele vivi
ele comeria isto. O bode comeria salada de alface
69
porque ele come legumes e verduras. Obs.: Estes animais vivem em habitates
diferentes e não poderiam se encontrar, muito menos em uma lancheria.
Como pode ser visto, a distribuição do cardápio é bem realizada, embora
ocorram alguns erros ortográficos, ressaltados no texto. Destaco a
Obs.:
feita,
que parece carecer de uma postura fantasiosa, mas que se mostra um olhar crítico
aguçado. E outro elemento que também merece destaque é a passagem do texto que
coloca o pingüim como habitante dos dois extremos do nosso planeta. Um equívoco,
visto que o pingüim preferiu os ventos austrais, deixando os
inuits
na companhia dos
ursos polares no Ártico. Abaixo, é apresentada uma tirinha que aborda o assunto:
Figura 20 – Quem está perdido?
Fonte: Livro didático “Ciências – A vida na Terra” (2007), de Fernando Gewandsznajder, p. 200.
Vê-se que existem diversas maneiras de trilhar um caminho em direção ao
processo de aprendizagem através da arte seqüencial.
70
Figura 21Uma questão de contexto...
Fonte: http://www.niquel.com.br
Além de ser um ótimo instrumento para analisar os conhecimentos prévios dos
estudantes, as HQs podem ser muito úteis para avaliar a capacidade de escrita e
lógica. A partir de pequenas reflexões sobre as tiras, os alunos exercitam a
produção textual, tornando os quadrinhos um ótimo objeto de trabalho para
construir e reconstruir habilidades de argumentação e estabelecimento de ligações.
O depoimento abaixo do aluno [I] evidencia um caso onde se pode trabalhar
com reconstruções textuais a partir do escrito. Observe:
Esta tirinha mostra uma
velha dizendo que o gato é um animal muito inteligente porque ele faz cocô na areia,
logo depois desse quadrinho mostra um outro quadrinho mostrando
um camelo
dizendo que também faz
(sublinhado do autor). Agora veja o que este mesmo aluno
escreveu sobre a tirinha abaixo:
Figura 22 – O problema do par ou ímpar entre cavalos
Fonte: http://www.niquel.com.br
71
Esta tirinha é uma tirinha dizendo que um rato diz que o cavalo tem um
dedo em cada pata, logo depois deste quadrinho mostra dois cavalos tirando par ou
ímpar. Este quadrinho me lembra uma piadinha que diz assim: qual é o cúmulo da
burrice? Tirar par ou ímpar com o espelho
” (sublinhado do autor).
Repare nos trechos sublinhados. Eles mostram uma desatenção deste aluno no
momento da escrita. Em dois momentos distintos ele comete o mesmo equívoco,
repetindo palavras e provocando uma redundância de significados, o que confere à
leitura uma maior dificuldade. O trecho sublinhado lembrou-me uma situação
ocorrida num dos Salões de Iniciação Cientifica que participei durante a graduação.
No resumo enviado à comissão julgadora, um estudante começa o texto escrevendo:
O fungo
Metarrizium anisoplae
é um fungo que (...)
”. A primeira intervenção feita
por um dos julgadores foi referente a este trecho. Penso ser relevante este fato
por mostrar que independente do nível de escolaridade que nos encontremos sempre
se faz necessária uma revisão de nossas produções textuais, o que possibilita uma
reconstrução do material feito.
Se o professor, independente da disciplina, começar um trabalho constante
de elaborações e re-elaborações de textos fará com que, cada vez mais, se consiga
obter produções com melhor qualidade.
72
Figura 23Esportes radicais
Fonte: http://www.niquel.com.br
Mais uma tira onde a cadeia alimentar se faz presente. Quadrinhos que
expressam quase que diretamente sua mensagem e que se tornam engraçados pela
associação feita com algo que tem bastante apelo popular como os esportes radicais.
No entanto, quem nunca ouviu falar que os sapos se alimentam de moscas e que o sal
mata as lesmas, não irá entender tão diretamente o que o autor se propõe a dizer. É
sempre bom repetir que nem sempre o que parece ser para nós, é para os outros.
Especialmente quando estamos falando de mentes que não foram totalmente
“formatadas” como a dos adultos.
As idéias das crianças e dos adolescentes ainda carregam uma
espontaneidade que os adultos, muitas vezes, deixaram pelo caminho sem se dar
conta. Segue-se uma porção de convenções estabelecidas que nunca são
questionadas. E quando esses questionamentos florescem das cabeças ainda não
padronizadas, logo se trata de abafá-los com um sonoro “agora não é hora” ou um
“porque não” em tom grave. Respostas que podem soar como um aborto para
qualquer pensamento embrionário.
Por isso, necessita-se trocar de posição constantemente com os alunos,
tentando enxergar o que eles em, escutar o que eles ouvem e, se possível, pensar
o que pensariam. Parece uma tarefa sobrenatural, mas que pode facilitar a
comunicação e ajudá-los na reconstrução de seus saberes. Conhecer os pensamentos
prévios dos alunos vai permitir uma maior aproximação das mentes, o que facilita a
tarefa mediadora do professor.
73
Veja o caso da interpretação da tira apresentada na figura 23 pelo aluno [J]:
Eu entendi que os bichos estão fugindo dos seus predadores e a lesma está fugindo
da água salgada
”.
Nota-se que ele tem noção que o tamanduá se alimenta de formiga e que as
moscas são presas dos sapos, além de saber que o sal é prejudicial às lesmas. Desta
forma o professor pode trabalhar com a relação existente, por exemplo, dos
ambientes que esses animais vivem e a disponibilidade de suas presas,
contextualizando evolutivamente a formação desses cardápios. Além da
possibilidade de pedir para que eles imaginem e criem outros esportes radicais
“animais”.
Com relação à lesma, este aluno pode ter conhecido o fenômeno osmótico pela
cruel “experiência” de colocar sal nas lesmas. A partir daí, temos uma poderosa
ferramenta para trabalhar o mais popular transporte celular, que consiste na
passagem de líquido do lugar menos concentrado para o mais concentrado, e que é
conhecido como osmose. Sendo possível estabelecer diversas ligações de ocorrência
deste fenômeno com o cotidiano deste aluno, desde a formação de uma urina mais
concentrada até o simples preparo de uma salada de frutas. Caso este aluno não
manifestasse o seu conhecimento em relação à ação do sal sobre a lesma, a
construção de um pensamento sobre o que vem a ser osmose poderia ser diferente.
Sobre esta mesma tirinha, a aluna [O] chega a conclusões parecidas com as do
aluno [J], dizendo: “
A minha tirinha fala sobre os animais que fazem o oposto do que
eles podem fazer. Tipo as formigas subindo nas costas do tamanduá é impossível as
formigas subindo nas costas de um dos seus maiores predadores por isso que é
esporte muito radical. A outra fala sobre uma lesma fazendo surf logo surf ela que
74
é bem lenta fazendo isso e ainda em água salgada já era para ela estar morta porque
elas morrem com sal né
”.
Note que ela acrescenta o fato das lesmas serem lentas, o que permite ao
professor uma ligação dos assuntos referentes à cadeia alimentar com o
metabolismo, no que se refere à anatomia do sistema cardiovascular. Pode-se traçar
um paralelo entre os organismos e verificar as diferenças existentes entre a
circulação aberta e fechada, relacionando conceitos físicos como “pressão”, com a
finalidade de construir um raciocínio sobre o funcionamento e as implicações de
cada tipo de circulação.
Partindo do material produzido por esta aluna é possível ainda notar a
ausência de elementos de pontuação textuais, que dificultam a compreensão do
leitor. É muito importante que as atividades escritas e de interpretação não se
restrinjam às propostas pelos professores da área de Língua Portuguesa. Um
esforço conjunto de todas as áreas se faz necessário para que nossos alunos
aprendam a se comunicar eficientemente.
Figura 24 – Pai solteiro
Fonte: http://www.niquel.com.br
75
Quando Fernando Gonsales construiu esta tira, ele uniu um fato muito comum
observado na natureza (a geração de vários filhotes em uma mesma ninhada) a outro
fato observado entre os humanos (a fuga da maternidade ou, principalmente, da
paternidade).
É comum ver vários cachorrinhos e gatinhos nascendo, ou um passarinho
“chocando” muitos ovos, e diversos peixes nadando em um aquário a partir do
cruzamento de um casal. É comum também encontramos, em números cada vez mais
crescentes, mães solteiras.
Fica evidente esta relação no depoimento da aluna [M], quando escreve:
É
muito semelhante a de a mãe ir embora e o pai com os filhos
”. Ela faz referência à
situação mostrada no último quadrinho da tira. Lembre-se que este relato parte de
uma menina que esentrando na adolescência, ou seja, mostra que a dimensão que
este assunto possui não é exclusividade do universo adulto.
Acredito que este assunto necessita de um olhar atento, não de
professores de Biologia e Ciências, como também de professores de todas as áreas,
podendo um trabalho interdisciplinar ser realizado. Além disso, pode-se tratar
desta temática tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio.
É só ligarmos a televisão que veremos em novelas, filmes, telejornais e
programas de variedade, fatos como o marido saindo de casa quando a mulher
engravida, ou até mesmo o abandono do bebê pelos pais, ficando este sob cuidado
dos avós. Isto quando não é encontrado dentro de um saco plástico boiando num rio.
Também é comum nos dias de hoje encontrarmos estes casos associados à gravidez
na adolescência, outra problema vivido, percebido e sentido dentro das escolas.
76
Uma reflexão acerca desses fatores poderá colaborar para uma
conscientização sobre problemas tão presentes e impactantes na sociedade
contemporânea. Saindo de uma ecologia urbana, indo para uma ecologia geral, pode-
se estudar as questões relacionadas ao cuidado parental. Por que alguns animais
geram mais filhotes por ninhada do que outros? Por que o rato da tirinha tem 23
filhotes e nós, humanos, temos em dia um filho por gestação? Estas são
perguntas que podem desencadear um debate importante para o estudo ecológico
das populações.
Figura 25Não deu...
Fonte: http://www.niquel.com.br
Leia o que a aluna [N] escreveu,
ipsis
literis
, sobre esta tira:
Tira fala de um
sire
que perdeu o braço no trabalha. Fala que tem muitas pessoas que ganho
aposentadoria por coisa nada ave
. O sire querinha granha mais com a metira você
não ganha nada. Eu gostei porque fala de um grande problema que é aposentadoria
no Brasil. Estam
tirando o dinheiro de coisa que sam importante para a cidade
”.
Pode-se perceber que a aluna demonstra neste depoimento dificuldades de
escrita que podem atrapalhar sua comunicação. Mais uma vez é possível perceber a
utilidade das HQs como forma de trabalhar com a linguagem escrita. Embora sua
escrita apresente problemas que beiram a incompreensão do que deseja expressar,
77
ela demonstra um conhecimento prévio de um assunto que tem sido pauta de
inúmeros programas televisivos e fonte de inúmeros debates políticos. Por esta
razão, cresce a possibilidade de temáticas como esta ganharem espaço no cotidiano
familiar, freqüentando até os almoços de domingo. E o que a ciência “tem a ver” com
a aposentadoria do “sire” e de milhões de brasileiros?
A “aposentadoria do siri”, além de proporcionar uma oportunidade de
diferenciar um siri de um caranguejo, o que também poderia ser realizado com o
auxílio do personagem
Siriguejo,
do desenho animado
Bob Esponja
, propicia um
estudo sobre a capacidade de regeneração apresentada por alguns animais como o
próprio siri, assim como as estrelas-do-mar.
A aposentadoria dos brasileiros, citada pela aluna [N], passa por conteúdos
relacionados à ecologia e biologia da saúde no que diz respeito às estatísticas sobre
a expectativa de vida de uma população. Poderia se fazer um trabalho sobre os
fatores que influenciam no aumento da expectativa de vida da população brasileira,
afetando a pirâmide etária dos brasileiros. Dessa forma, naturalmente, se
verificaria a população gaúcha encabeçando a lista dos que, em média, vivem mais.
Por que vivemos mais? Certamente, uma pergunta que surgirá e proporcionará mais
um debate da série “Interdisciplinar”.
6.1 O CONJUNTO DA OBRA
Durante toda a minha trajetória acadêmica, sempre me deparei com textos
que tinham como objetivo central a passagem de um ensino centrado no professor
para um ensino centrado no aluno. O primeiro tipo parte de uma idéia que trata da
78
realidade como constituída. O professor seria a pessoa mais inteligente com a
função de “abastecer” a cabeça dos alunos com informações. Esta proposta
conhecida como “tradicional” assume uma passividade do estudante, que apenas
espera pelos conhecimentos transmitidos pelo professor. Já o ensino que privilegia o
aluno, entende que o conhecimento se produz por meio de negociações entre o aluno
e seu ambiente, visto que a realidade não é dada pronta, e sim construída pelos
sujeitos.
Com isso, o aluno passa a participar ativamente da construção do seu próprio
conhecimento. Mas para que isso aconteça se faz necessário o estabelecimento de
conexões entre as atividades realizadas em aula com os interesses pessoais dos
alunos (POPE; GILBERT, 1997). Devemos lembrar que:
[...] a menos que o aluno perceba um problema como problema e o que se há
para aprender como algo que valha a pena ser aprendido, ele não chegará a
ser ativo, disciplinado e comprometido em seus estudos. (POSTMAN;
WEINGARTNER
10
, 1971 citado por POPE; GILBERT, 1997, p. 75).
Uma das maneiras de aproximar a vida escolar com a vida existente fora dela
é saber o que o estudante conhece sobre aquilo que se deseja ensinar. Ausubel
11
(1968 citado por NOVAK, 1997, p. 25) assinalava que: ”Se tiver que reduzir toda
a psicologia da educação a um princípio, diria isto: o fator simples mais
importante que influencia a aprendizagem é o que aquele que aprende já sabe.
Averigúe e ensine em concordância com isso”.
10
POSTMAN, N.; WEINGARTNER, L. Teachings as a subversive activity. Hammondsworth: Penguin,
1971.
11
AUSUBEL, D. P. Educational Psychology: a cognitive view. New York: Holt/Rinehart/Winston, 1968.
79
Pois bem. Como podemos nos certificar do que o aluno sabe? Esta é uma
questão que pode acompanhar todos aqueles que visam uma aprendizagem
significativa para seus alunos.
Diversos têm sido os meios pelos quais os docentes procuram uma
aproximação com os conhecimentos prévios dos alunos. Questionários, entrevistas,
mapas conceituais, entre outros, são apenas alguns instrumentos que compõem a
gama de opções.
O que pretendo é acrescentar mais uma opção: o uso de história em
quadrinhos. Sintetizando todos os motivos expostos ao longo desta dissertação que
me fazem crer na utilização dos quadrinhos como método de enxergar através dos
óculos dos alunos, estão o poder de trabalhar com a imaginação e a criatividade, ao
mesmo tempo em que estimula a participação ativa do aluno.
O uso de uma linguagem singular, que associa o verbal ao não-verbal de
maneira a formar um efeito sinergético e mutualístico, transforma os quadrinhos
num exercício constante de estabelecimento de lógica e sentido. Além de permitir
livremente o preenchimento das lacunas com o sabor da imaginação. Do fruto da
fecundação do pensamento criativo proporcionado pelos quadrinhos surgem
associações dos mais diversos assuntos, o que colabora para a construção por parte
do professor de um movimento transdisciplinar.
A participação constante do aluno faz com que ele assuma o timão do navio e
comande a sua própria viagem exploratória pelos oceanos do conhecimento. Dentre
os caminhos percorridos estão as aventuras pelos mares da metacognição, que
permitem a ele desenvolver sua autonomia e confiança.
As reflexões realizadas pelos alunos sobre as tirinhas do Níquel Náusea
revelaram a quantidade de assuntos que podem ser desenvolvidos com o auxílio dos
80
quadrinhos. Percebe-se que é praticamente impossível ficar centrado em assuntos
somente de natureza científica, o que considero uma qualidade, pois atribui um
caráter mais universal para a ciência, tirando-a dos laboratórios e a colocando
direto na vida das pessoas.
Nas reflexões sobre as tiras representadas pelas figuras 12 e 13 é
possível ver que os alunos fizeram relações entre aspectos relacionados ao corpo,
bem como aos seres vivos. Nos currículos escolares adotados pelas escolas,
comumente os seres vivos são abordados na 6ª série e o corpo humano na série.
Mas estes conhecimentos se comunicam a todo o momento, não havendo motivo para
ficarem guardados em gavetas diferentes. Não vejo motivos para que esses
conhecimentos, assim como outros, sejam abordados de maneira estanque,
acabando-se neles mesmos.
No discurso realizado pela aluna sobre a tirinha representada pela figura
12 fica evidente o seu olhar sobre aspectos que ultrapassam os currículos vigentes
nas escolas. Ainda mais numa fase de mudanças físicas e comportamentais, não se
pode fazer de conta que assuntos como
piercings
e tatuagens fiquem de fora do
portão da escola. Aproveitar o surgimento destas questões em sala de aula, além de
enriquecer e ampliar o conhecimento, estabelece uma proximidade entre o
professor e o aluno.
Na tira da figura 13, o assunto reprodução está intimamente ligado aos
comportamentos presentes em nossa sociedade. Deixar de trazer questões deste
tipo para um debate sério e esclarecedor no ambiente escolar pode significar a
falta de oportunidade de crianças e adolescentes conversarem com um adulto sobre
assuntos que ainda são tratados como tabus em algumas famílias.
81
Questões relativas à escrita também não podem ficar de fora da disciplina de
Ciências. Embora existam situações em que até mesmo os professores possuem
dúvidas com relação às normas gramaticais, erros ortográficos como os presentes
nas reflexões sobre as tiras das figuras 14, 19 e 25 não podem passar
despercebidos pelo professor. Ignorar estes tipos de erro pode representar um
descaso para com o aluno.
Considero tarefa de todas as áreas o compromisso com a escrita. Por se
tratar de uma linguagem mais sofisticada que a fala, ela envolve uma elaboração
mais complexa por parte do aluno.
As interpretações das tiras representadas pelas figuras nº 21 e 22,
realizadas ambas pelo mesmo aluno apontam, ainda para a necessidade de um
exercício constante da escrita, que envolve, além do que foi dito, capacidade de
concentração. As interpretações dos estudantes revelam uma desatenção que pode
ter acontecido somente nesta atividade, mas dão evidências para que o professor
tenha uma maior atenção em relação às produções deste aluno, a fim de poder
auxiliá-lo de maneira mais efetiva na resolução de suas dificuldades.
A emergência de questões que colocam a figura do cientista como o detentor
da chave que guarda os conhecimentos verdadeiros, como evidenciado na
interpretação da tira da figura nº 16, traz a necessidade da abertura de um espaço
em sala de aula para uma conversa sobre o significado de ser cientista e do que vem
a ser ciência. Os alunos podem, desta maneira, constatar que várias atitudes que
eles mesmos tomam têm muito em comum com o pensamento científico.
A imagem de uma pessoa descabelada de jaleco branco e de óculos é a campeã
de associações com a figura do cientista. Esta visão mostra que o “fazer ciência”
parece estar distante do alcance dos alunos, quando na realidade ele se encontra
82
muito próximo deles. Fazer ciência é entrar no universo da pesquisa, que tem a
curiosidade como elemento transcendental. Obviamente, não se espera que os
resultados obtidos por um aluno do ensino fundamental ou médio sejam tão
complexos quanto aqueles conseguidos por doutores. Deve-se ter em consideração
que resultados por nós considerados simples são encarados como descobertas
importantes para o aluno. Tudo tem seu tempo.
O que não pode acontecer é deixar que a curiosidade pela investigação seja
barrada por um ensino fragmentado e desinteressante, focado na “decoreba” de
estruturas e conceitos.
Desenvolver o espírito crítico e questionador é uma tarefa que o professor
sempre deve ter em mente ao entrar numa sala de aula. Num mundo em que
tropeçamos em informações, onde tudo é dado pronto, existe a necessidade de
remar contra a maré e não ficar sob o controle de poucas pessoas.
As HQs fornecem elementos que nos permitem trabalhar com a pesquisa em
sala de aula, como poderá ser visto no próximo capítulo. O professor pode usar os
quadrinhos como uma ferramenta capaz de aproximar o cotidiano da escola.
Entendo que existe uma relação muito próxima entre ciência e pesquisa, pois
ambas apresentam o questionamento como passo essencial para a reconstrução do
conhecimento. Nesse sentido, os quadrinhos podem atuar no desenvolvimento de
uma alfabetização científica. Ainda mais que, dentre as HQs, podemos encontrar
menções diretas às ciências, como nas estórias dos
X-Men
,
Watchmen
, etc., e, mais
especificamente neste trabalho, nas figuras nº 11, 14, 15 e 16.
Mas o que vem a ser uma alfabetização científica? Segundo Durant (2005, p.
13):
83
Alfabetização científica é uma expressão da moda nos círculos educacionais
dos Estados Unidos e da Inglaterra. Ela designa o que o público em geral
deveria saber a respeito da ciência, e a difusão do seu uso reflete uma
preocupação acerca do desempenho dos sistemas educacionais vigentes.
Durant (2005) acrescenta ainda que existem três abordagens que podem ser
feitas sobre a alfabetização científica. A primeira, que domina os currículos
escolares, trata da alfabetização científica como sinônimo de acúmulo de conceitos,
teorias e leis científicas. A segunda acredita que os currículos devam dar ênfase
para o ensino dos processos pelos quais a ciência é produzida. A terceira abordagem
da alfabetização científica imagina a ciência como uma prática social, e dessa forma
deve-se saber o alcance público do conhecimento científico.
A união das abordagens mostradas acima pode ser a melhor alternativa para
traçar um currículo que permita aos alunos se movimentarem pelo conhecimento
científico, sendo capazes de entender notícias vinculadas em jornais e revistas,
além de poder questionar com criticidade os avanços científicos. De antemão,
digo que não atribuo ao conhecimento científico um caráter superior aos demais
tipos de conhecimentos. A ciência se traduz em apenas mais um tipo de linguagem
que possibilita uma ampliação do entendimento sobre o mundo.
A tira da figura 15 contempla um avanço científico que, por vezes, recebe
um tratamento inadequado dos veículos de comunicação. A partir dela, por exemplo,
podem-se reunir as três abordagens anteriormente vistas sobre alfabetização
científica: é possível aprender sobre conceitos de Biologia Molecular, debater sobre
procedimentos da Engenharia Genética, além de discutir sobre as implicações dos
conhecimentos produzidos por esta prática na sociedade.
Um trabalho contínuo baseado nas interpretações de HQs pode contribuir
para uma mudança no comportamento dos alunos, tirando-os da posição passiva que
84
se encontram hoje nas salas de aula e chamando-os para a tomada de uma postura
mais questionadora e participativa. A linguagem diferenciada existente nas HQs
outra roupagem para o conhecimento que pode ser abordado a partir dela. Torna o
ato de aprender mais leve e saboroso pela proximidade gerada por esta arte.
O ensino sai da estrutura baseada apenas no entendimento de conceitos
estéreis que não encontram no aluno um olhar interessado. Parte-se para um mundo
dinâmico e atraente, repleto de novidades, contextualizado e globalizado. É a arte
de mãos dadas com a ciência, uma união que pode ser proveitosa para melhorar a
qualidade do ensino.
85
7 REFLEX
7 REFLEX7 REFLEX
7 REFLEX
Õ
ES SOBRE
ES SOBREES SOBRE
ES SOBRE
O V
O VO V
O V
Ô
O
OO
O
DOS P
DOS PDOS P
DOS PÁSS
SSSS
SSAROS
AROSAROS
AROS
12
O que distingue a educação escolar e acadêmica de
outras tantas maneiras de educar, é o fato de estar
baseada no processo de pesquisa e formulação
própria. (DEMO, 2003, p. 1)
O uso das histórias em quadrinhos pode contribuir para que o aluno passe de
coadjuvante a protagonista em sala de aula. Elas possibilitam infinitas alternativas
de trabalho que estimulam a participação intensiva do aluno durante o processo de
construção do conhecimento.
Durante as atividades de pesquisa desenvolvidas com meus alunos pude
constatar um elemento muito importante na educação: a curiosidade. A pesquisa
nasce da curiosidade que temos, provocando-nos dúvidas sobre o fenômeno em
questão. Surge então, a expressão desta dúvida como uma pergunta. Goldenberg
(1993, p. 3) diz:
A pesquisa inicia-se sempre de uma pergunta. Existem perguntas cujas
respostas são encontradas na literatura. Há perguntas cujas respostas não
são conhecidas. O pesquisador deve procurar respostas às perguntas que
ainda não foram respondidas ou o foram de maneira incompleta,
insatisfatória ou inadequada. A finalidade do exercício da pesquisa é a busca
de novos conhecimentos, e em conseqüência, o avanço científico.
O ensino que é centrado no professor, fazendo deste um repassador de
informações, torna o aluno um mero objeto com a função de reproduzir um discurso
12
Este capítulo é uma reflexão acerca das atividades que desenvolvi em sala de aula com o uso das
histórias em quadrinhos. Maiores detalhes com relação à metodologia de cada tarefa realizada pelos
alunos podem ser vistos no Capítulo 5.
86
do qual o participa. O aluno ficando em segundo plano, deixa sua curiosidade para
trás.
Assim como Demo (2003) afirma, o aluno deve ser mais do que um simples
objeto, devendo ser um parceiro de trabalho. Ele destaca ainda:
A aula que apenas repassa conhecimento, ou a escola que somente se define
como socializadora de conhecimento, não sai do ponto de partida, e, na
prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de ensino e instrução.
Vira treinamento. É equívoco fantástico imaginar que o “contato pedagógico”
se estabeleça em ambiente de repasse e cópia [...]. A aula copiada não
constrói nada de distintivo, e por isso não educa mais do que a fofoca, a
conversa fiada dos vizinhos, o bate-papo numa festa animada. (DEMO, 2003,
p. 7)
O cientista e divulgador da ciência Carl Sagan costuma dizer que as crianças
são como cientistas, curiosas com o mundo que as cerca e pelo funcionamento das
coisas. Atribui ainda o afastamento das pessoas em relação à ciência ao tratamento
que é dado a ela nas salas de aula (ROGERS, 2005).
Rubem Alves (2004)
escreveu que ouviu relatos de professoras do ensino médio, de escolas de periferia,
que diziam reinar nas salas de aula a gritaria e o desrespeito. A partir disto,
comparou estes alunos com pássaros engaiolados. Segundo ele, algumas escolas
representam uma gaiola que faz com que seus alunos (pássaros) desaprendam a arte
do vôo. Quando os pássaros estão engaiolados, o professor (dono) passa a ter
controle sobre eles. Dessa forma, os pássaros deixam de ser pássaros, porque
perdem a essência do vôo. Quem é mais violento: o pássaro (aluno) que tenta
escapar, ou a gaiola (escola) que, imóvel, limita seu universo? As escolas que amam
seus alunos deveriam ser asas, dando coragem para o o. Elas não ensinam, apenas
encorajam, pois o vôo é instintivo e já nasce com os pássaros (ALVES, 2004).
87
Podemos imaginar a curiosidade sufocada dentro da gaiola descrita acima, que
aos poucos vai se atrofiando até não mais se expressar. Em conversa com o diretor
e professor do Centro de Biotecnologia da UFRGS, Arnaldo Zaha, este me relatou o
que vem constatando durante suas aulas: a falta de curiosidade apresentada por
estudantes de graduação e pós-graduação. Ele se mostra assustado com o crescente
avanço do desestímulo pela pesquisa e com a falta de uma participação mais ativa do
aluno. Uma de suas indagações era justamente sobre o motivo que faz com que os
estudantes cheguem às universidades apresentando o quadro descrito por ele.
Os sujeitos participativos que as universidades esperam que cheguem a elas
somente se desenvolverão através da promoção do processo de pesquisa em sala de
aula, tirando o aluno da posição de objeto e qualificando-o como parceiro de
trabalho (DEMO, 2003).
Segundo Demo (2003, p. 1): “O critério diferencial da pesquisa é o
questionamento reconstrutivo, que engloba teoria e prática, qualidade formal e
política, inovação e ética”.
O “questionamento” envolve a formação de um sujeito autônomo, capaz de
criar seu próprio caminho a partir de um olhar crítico e participativo, além de
significar um redirecionamento de posição, que coloca o indivíduo como personagem
principal de seu destino. A “reconstrução” significa imprimir uma marca pessoal no
conhecimento através da intervenção pela elaboração própria, fugindo da
reprodução de discursos alheios (DEMO, 2003).
O aluno pesquisador constrói uma consciência crítica, capaz de modificar sua
realidade, pois a pesquisa ultrapassa a sala de aula e se estende pelo seu dia-a-dia.
Torna-se membro efetivo da sociedade, não ficando como marionete a serviço de
uma elite pensante.
88
O trabalho com HQs pode ser o começo de uma série de atividades de
pesquisa, como a que realizei com meus alunos. A pesquisa através da utilização dos
quadrinhos, objeto de reflexão deste capítulo, não constitui um modelo a ser
seguido, apenas é um registro de um desafio cujo objetivo é aumentar a qualidade
de ensino. Trata-se também de uma mudança na estrutura de funcionamento da sala
de aula, rompendo com um modelo centrado no professor como um ser poderoso e
detentor da verdade. A formação que a escola deve proporcionar a seus alunos não
pode derivar do substantivo “forma”, utensílio que tem a função de modelar, de
padronizar. A diversidade de alunos que entram na escola não pode ser modelada
para que fiquem todos com a mesma cara.
Demo (2003, p. 11) destaca:
Na criança que, brincando, tudo quer saber, pergunta sem parar, mexe nas
coisas, desmonta os brinquedos, aparece o mesmo espírito
(questionador e
inovador)
, embora o seja o caso esperar algo formalmente elaborado. De
fato, a criança é, por vocação, um pesquisador pertinaz, compulsivo. A escola,
muitas vezes, atrapalha esta volúpia infantil, privilegiando em excesso
disciplina, ordem, atenção subserviente, imitação do comportamento adulto,
como se estivesse para escutar e fazer o que os outros lhe mandam. Isto
também faz parte, mas é a menor parte. Um profissional competente não
perderia a ocasião de aproveitar esta motivação lúdica para impulsionar
ainda mais o questionamento reconstrutivo, fazendo dele processo tanto
mais produtivo, provocativo, instigador e prazeroso.
A curiosidade é o elemento fundamental de nossa imaginação, e vive nos
provocando a ir em busca de respostas para nossas dúvidas. Ela nos conduz ao
“despertar” para aquilo que paira no desconhecido, atraindo nossa atenção e
interesse. Aprendemos a nos movimentar neste mundo através de nossa curiosidade.
Da vontade de provar algo desconhecido ao desejo de saber de onde viemos e para
89
onde vamos, a curiosidade atravessa a humanidade, levando do aprimoramento do
paladar às conquistas da Biologia Molecular.
Vou me permitir usar mais uma metáfora presente nos textos de Rubem
Alves, que expressa bem o universo de uma criança, falando sobre sua curiosidade.
Ele diz que:
As crianças têm, naturalmente, um interesse enorme pelo mundo. Os
olhinhos delas ficam deslumbrados com tudo o que vêem. Devoram tudo.
Lembro-me da minha neta de um ano, agachada no gramado encharcado,
encantada com uma minhoca que se mexia. Que coisa fascinante é uma
minhoca aos olhos de uma criança que a pela primeira vez! Tudo é motivo
de espanto. Nunca esteve no mundo. Tudo é novidade, surpresa, provocação à
curiosidade. Visitando uma reserva florestal no Espírito Santo a bióloga
encarregada de educação ambiental me contou que era um prazer trabalhar
com as crianças. Não era necessário nenhum artifício de motivação. As
crianças queriam comer tudo o que viam. Tudo provocava a fome dos seus
olhos: insetos, pássaros, ninhos, cogumelos, cascas de arvores, folhas,
bichos, pedras. (ALVES, 2004, p. 82 - 83)
O professor pode aproveitar todo esse potencial natural existente em cada
um de seus alunos, procurando dessa forma aproximar a escola de suas vidas. Um
caminho pelo qual se pode fazer isso é através do investimento em escutar e deixar
com que eles se manifestem, participando ativamente da construção da aula. Não se
pode transformar o aluno no que Demo (2003) chama de “ouvinte domesticado”,
provocando um adestramento cognitivo, impondo atividades que fazem sentido
para os olhos adultos, produtos de um processo bem sucedido de formatação. O tipo
de aula centrada na cópia faz do aluno a cópia da cópia, visto que o professor é a
própria.
Rubem Alves (2004, p. 82) diz:
Uma aula é como comida. O professor é o cozinheiro. O aluno é quem vai
comer. Se a criança se recusa a comer pode haver duas explicações.
90
Primeira: a criança está doente. A doença lhe tira a fome. Quando se obriga
a criança a comer quando ela está sem fome, sempre o perigo de que ela
vomite o que comeu e acabe por odiar o ato de comer. É assim que muitas
crianças acabam por odiar as escolas. O vômito está para o ato de comer
como o esquecimento está para o ato de aprender. [...] Segunda: a comida
não é a comida que a criança deseja comer [...] O corpo é sábio.[...] Algumas
coisas ele deseja. Prova. Se são gostosas, ele come com prazer e quer
repetir. Outras não lhe agradam, e ele recusa.
Por que será que as crianças recusam tanto provar alguns pratos? A resposta
talvez resida no fato de que estes pratos não façam parte de suas vidas, são
exóticos, são distantes. Assim como os programas escolares. Qual aluno se
interessaria, a princípio, pelos pés ambulacrais das estrelas-do-mar? Desconheço.
Os alunos se interessam por aquilo que eles vêem, sentem, escutam, cheiram. A
maior parte dos alunos nunca viu ou tocou numa estrela-do-mar ao vivo, no seu
ambiente. Talvez agora, graças ao
Patrick
, personagem do
Bob Esponja
que é uma
estrela-do-mar, algumas crianças devam querer saber mais sobre os equinodermos.
Não seria mais simples começar estudando coisas que fazem parte do cotidiano dos
alunos, como cachorro, gato, barata, formiga, rato, cavalo, homem, etc.? Além disso,
existem outras alternativas. Que tal começarmos a falar dos equinodermos
utilizando personagens, como o
Patrick
, que se aproximam de suas realidades?
podemos aproveitar e explicar as diferenças do que é ficção e do que representa a
ciência na vida real.
Moraes (2004, p. 22), escrevendo sobre a importância de se organizar o
currículo a partir de questões significativas para os alunos, diz que: “Os conteúdos e
todos os elementos curriculares são organizados, preferencialmente, a partir de
problemas socioambientais, especialmente problemáticas derivadas das realidades
em que os alunos estão inseridos”.
91
Adequar o currículo à vida dos alunos é um constante exercício que pode ser
feito pelos professores. Para isso é essencial movimentar-se no mundo dos alunos,
usando a sensibilidade para perceber os elementos presentes em suas vidas. Além
disso, também se faz necessário um investimento para detectar os conhecimentos
prévios dos estudantes, estabelecendo a partir daí, os caminhos que o programa a
ser seguido percorrerá.
A inadequação das propostas oferecidas aos estudantes faz Alves (2004, p.
146) ficar convicto de que as escolas só podem não gostar das crianças:
Convicção que é partilhada por muita gente, inclusive Calvin e o Charlie
Brown. Parece que as escolas são máquinas de moer carne: numa
extremidade entram as crianças com suas fantasias e seus brinquedos. Na
outra saem rolos de carne moída, prontos para o consumo, “formados” em
adultos produtivos.
Esta visão se assemelha muito a que é apresentada no videoclipe do começo
dos anos 80 da música
Another Brick in the Wall
, do grupo inglês
Pink
Floyd
. O clipe
mostra a história de um garoto que é surpreendido pelo seu professor enquanto lia
um poema em sala de aula durante suas explicações. O custo desta leitura é a
palmatória. Enquanto isso, o aluno imagina um processo semelhante ao descrito acima
por Rubem Alves. E em coro, os alunos cantam:
Hey! Teachers! Leave the kids alone!
Claro que o tempo da palmatória passou, mas ainda nos deparamos com
professores que não dão espaço para a imaginação e a criatividade, representadas
no videoclipe pelo poema. E a escola, muitas vezes, também é cercada por um muro
que a separa da realidade.
Os personagens do
Calvin
e do
Charlie Brown
, citados anteriormente,
poderiam receber a companhia da inconformada
Mafalda
. Personagens infantis com
92
questionamentos adultos. E pode ser por meio do uso dos quadrinhos que a
investigação dos conhecimentos prévios dos alunos possa começar.
Segundo Moraes (2004, p. 24):
Na pesquisa dos conhecimentos iniciais, em geral, é melhor utilizar formas
indiretas de chegar até eles, tais como solicitar que os alunos escrevam
histórias, realizar e interpretar pequenas atividades práticas e usar jogos,
desenhos e dramatizações em que possam demonstrar seu entendimento
sobre os temas a serem trabalhados.
Eu acrescentaria os quadrinhos nessa série de instrumentos apresentados.
Eles podem ser um importante passo para ir tecendo a rede complexa de
significados presentes em cada idéia expressa pelos alunos.
Pretendendo tornar o ambiente de sala de aula um ambiente de pesquisa, pedi
aos meus alunos que trouxessem tirinhas, para, a partir delas, iniciar uma pesquisa
sobre um ser vivo contemplado nos quadrinhos.
Por que começar uma pesquisa sobre seres vivos utilizando como ponto de
partida uma tirinha? Como foi tratado ao longo desta dissertação, os quadrinhos
falam sobre o cotidiano, mesmo que alguns utilizem metáforas fantasiosas, eles
partem de coisas próximas aos leitores. Eles se comunicam se a ponte entre a
história e o leitor é estabelecida. Em virtude disso, salientei que o aluno, em seu
processo de escolha da tira, deveria entender o que ela queria dizer. Caso contrário,
a pesquisa não iria se iniciar de um ponto significativo para esse aluno. E como
lembra Alves (2004, p. 146): “Só se pode pensar e aprender aquilo sobre que se pode
falar”.
Com isso, o processo de aproximar a vida do aluno da sala de aula estava
iniciado. Num primeiro momento eu pensei que os seres vivos escolhidos para serem
pesquisados se repetiriam, o que não impediria de confrontar as diferentes visões
93
de cada aluno sobre o mesmo ser vivo. Eis que fui surpreendido pela diversidade
faunística apresentada. Apareceram os urbanos cachorro, gato e rato; os rurais
cavalo, burro e ovelha; os distantes leões e girafas; os próximos evolutivamente,
primatas; as misteriosas corujas; passando pelos extintos e, para muitos,
mitológicos dinossauros; os inteligentes golfinhos; os sapos dos contos de fadas;
além dos incontáveis insetos, dos rápidos coelhos, das microscópicas bactérias e dos
racionais seres humanos.
Mas teve uma coisa que não me surpreendeu: a ausência das plantas! Coitada
das samambaias e avencas, das cactáceas e orquidáceas, dos pinheiros e ervas-de-
passarinho... O que se dirá então dos diminutos musgos!
O que eles possuem em comum: não se movem como os outros, e com exceção
de algumas obras como o clássico
Senhor dos Anéis
, dificilmente falam. E como diz o
popular ditado:
quem não é visto, não é lembrado
.
Através deste “esquecimento”, o professor pode aproveitar e lançar
questionamentos aos alunos no sentido de procurar saber o motivo de tal exclusão.
Será que em suas visões os vegetais não possuem importância? Qual a diferença
entre eles e os seres escolhidos?
Moraes (2004, p. 25) escreve:
Aprender num sentido reconstrutivo é avançar em direção ao desconhecido a
partir do sabido. Aprender é reconstruir o conhecimento existente,
tornando-o mais complexo. O papel do professor nesse processo é de
mediação, de ajudar na ampliação e no aprofundamento de conhecimentos
existentes. Uma parte dessa mediação é a problematização. [...] Questionar
conhecimentos existentes é provocar sua superação.
94
Precisamos de mais interrogações do que certezas. Convicções devem ser
questionadas e os saberes acomodados devem ser incomodados. É importante
desassossegar os espíritos.
O sábio Bachelard (1996, p. 10) escreveu: “[...] ninguém pode arrogar-se o
espírito científico enquanto não estiver seguro, em qualquer momento da vida do
pensamento, de reconstruir todo o próprio saber”.
Durante o processo de pesquisa, a fase de busca de materiais é muito
importante. Precisa-se superar a idéia de que o professor é quem fornece os
materiais. Os alunos estão tão acostumados a receber tudo pronto que muitos
reclamam de ter que procurar. Mas se o objetivo é formar um cidadão autônomo e
independente e, para isso, é necessário fazer com que o aluno tenha iniciativa para
ir em busca de informação.
Demo (2003) alerta para o fato de que mesmo quando a única fonte que se
tem é o livro didático, que ele seja utilizado como fonte de pesquisa e não como um
manual a ser seguido. Deve haver um estímulo para freqüentar a biblioteca, seja ela
da escola, ou da própria cidade.
Em minha experiência docente, comumente sou surpreendido por alunos no
último ano do ensino médio que não sabem procurar um assunto no índice. Fico me
perguntando o que foi feito durante todos os anos que esse aluno passou na escola. E
essa herança acaba entrando universidade adentro. Segundo a professora da
Faculdade de Educação da PUCRS, Délcia Enricone, em pesquisa realizada na
universidade se constatou que uma parte considerável dos alunos se forma sem
nunca ter pisado no tapete da entrada da biblioteca. Mas o que existe numa
biblioteca? Livros, revistas, enciclopédias, jornais... Existe, principalmente, um fator
que está ligado mutualisticamente com o ato de pesquisar: o ato de ler. O começo de
95
tudo. Como Alves (2004, p. 59) diz: “Educação, como se sabe, se faz com livros. Mas,
com os inúmeros estímulos da televisão e a correria da vida, as pessoas lêem cada
vez menos [...]”.
O exercício constante da leitura contribui para aumentar a qualidade
interpretativa dos alunos, e o professor é uma figura importante no papel de
desenvolver esse costume. Calazans (2005, p. 10), acrescenta que:
Os quadrinhos pertencem à categoria de dia impressa, portanto, são
similares aos livros; o manuseio e o contato constante com esse tipo de
suporte cria um hábito e uma intimidade que podem ser gradualmente
transferidos para os livros.
Portanto, se tem mais uma função para os quadrinhos, servindo como um passo
intermediário para a leitura de livros.
Temos, além do problema da falta do hábito da leitura, a falta de qualidade
dos livros didáticos agravando a situação. É possível, hoje em dia, abrir os livros
didáticos de Ciências e ver o cotidiano espremido num box de uma página, destinado
a assuntos especiais, como se não fosse possível explicar tudo o que se explicou
anteriormente dentro do dia-a-dia do leitor. Os conteúdos podem estar inseridos no
cotidiano, e não o contrário, como ocorre, dentro de quadros especiais nos livros
didáticos.
Bachelard (1996, p. 31) há algumas décadas já escrevia:
Peguem um livro de ensino científico moderno: apresenta a ciência como
ligada a uma teoria geral. [...] Passadas as primeiras páginas, já não resta
lugar para o senso comum; nem se ouvem as perguntas do leitor. Amigo leitor
será substituído pela severa advertência: preste atenção, aluno! O livro
formula suas próprias perguntas. O livro comanda.
96
O livro didático é distante do aluno, não interage com ele. O mundo
apresentado não condiz com o que ele vive. Se o mercado editorial se voltasse para
essa questão como procura fazer com os vestibulares, creio que o aluno se
sentiria mais à vontade lendo seu livro.
Timidamente as HQs m ganhando espaços em alguns livros, o que colabora
para a aproximação do aluno ao conteúdo. As HQs funcionam como metáforas da
realidade, e que muitas vezes usam de ironia para ilustrar um assunto.
Retomando a pesquisa dos alunos sobre os seres das tiras levadas para a aula,
cabe salientar uma etapa fundamental neste processo: a interpretação própria.
Como diz Demo (2003, p. 23):
Uma coisa é manejar textos, copiá-los, decorá-los, reproduzi-los. Outra é
interpretá-los com alguma autonomia, para saber fazê-los e refazê-los. Na
primeira condição, o aluno ainda é objeto de ensino. Na segunda, começa a
despontar o sujeito com proposta própria.
Desde o começo da proposta os alunos foram seguidamente alertados para
pensar com suas próprias cabeças. Através de uma elaboração própria o aluno
exercita seu raciocínio crítico, entrando num movimento dialógico com o que está
sendo lido. Este movimento que busca dar sentido e compreender o objeto que está
sendo estudado exercita a problematização e o questionamento reconstrutivo.
Moraes (2004, p. 26) ressalta que:
É importante compreender a problematização como parte de um processo
mais amplo, o educar pela pesquisa. Insere-se em processos investigativos e
de reconstrução crítica de conhecimentos. A partir dessas pesquisas que a
problematização encaminha surgirão novas verdades e argumentos,
substituindo formas de discursos existentes.
97
“A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto
uma bastante modesta, mas bem organizada”, dizia Schopenhauer (2007, p. 39).
Esta citação se refere à quantidade de conhecimentos, que pode ser grande, mas de
pouca valia se não tiver passado por uma elaboração própria. pequenas
quantidades de conhecimentos próprios, construídos e reconstruídos diversas vezes
têm alto valor.
Somente quando se incorpora no próprio discurso aquela voz interior, produto
do pensamento elaborado, se está falando com propriedade. De nada adianta repetir
o que os outros dizem se não é acrescentado nenhum conhecimento que torne o
discurso verdadeiro e autoral. A necessidade de se colocar no discurso é
fundamental para o desenvolvimento da capacidade crítica e política.
As informações devem ser ruminadas, num sentido de trabalhar
constantemente nas reconstruções do que serviu de alimento ao nosso espírito. A
informação é um meio, não o fim. Para aqueles que a tratam como ponto final,
Schopenhauer critica dizendo que:
[...] sua cabeça é semelhante a um estômago e a um intestino dos quais a
comida sai sem ser digerida. Justamente por isso, seu ensino e seus escritos
têm pouca utilidade. Não é possível alimentar os outros com restos não
digeridos, mas com o leite que se formou a partir do próprio sangue.
(SCHOPENHAUER, 2007, p. 22).
A verdade adquirida sem elaborações próprias é como um acúleo, estrutura da
planta semelhante a um espinho, de origem epidérmica e que pode ser facilmente
destacada, como nas roseiras. O pensamento elaborado, conquistado pelo esforço de
nosso corpo, onde é possível identificar uma marca pessoal e intransferível, é como
um espinho, estrutura resistente que tem origem no cerne do caule.
98
Cada vez mais se o conhecimento sendo trabalhado de forma epidérmica,
na superficialidade. Em sua obra “Fausto”, Goethe versa:
“O que herdaste de teus pais,
Adquire, para que o possuas”.
Ou seja, é permanente e indissociável aquele pensamento que foi
construído por nós mesmos. Em contrapartida, aquele que foi acrescentado de
forma rápida, sem elaboração própria, é esquecido com a mesma rapidez com que foi
adquirido. Não passa de um conhecimento emprestado, que é devolvido sem que se
perceba.
Durante o processo de pesquisa foi pedido aos alunos que entregassem o
material que eles haviam produzido até então. Com base no material entregue, eu
pude auxiliá-los, fazendo encaminhamentos indicando caminhos que eles pudessem ir
para deixar a pesquisa mais completa. Esta etapa se mostrou importante em virtude
de que a partir dela também foi possível identificar os alunos que não estavam
participando, possibilitando chamá-los para conversar sobre o porquê do não
desenvolvimento da atividade.
Mesmo sendo uma atividade que permite que os alunos escolham seu objeto de
pesquisa, não se pode garantir uma participação efetiva de todos. Contudo, acredito
que o mero de alunos descompromissados ainda seja menor do que o apresentado
nas aulas copiadas. As atividades de pesquisa em sala de aula permitem que se
chegue mais perto do aluno, o que abre a possibilidade de um contato mais intenso e
produtivo.
Embora ciente de todos estes argumentos e convencido de que uma prática
como esta envolva os alunos de uma forma diferenciada e mais ampla, abre-se uma
99
interrogação que considero natural e até mesmo essencial na elaboração de um
currículo reconstrutivo: e os conteúdos, onde ficam nessa história toda?
É bastante comum ouvir dos próprios professores críticas com relação à falta
de conteúdo ao se trabalhar por meio de abordagens que envolvem metodologias
diferentes. Mas o que é o conteúdo na ordem das coisas?
Segundo Maldaner e Zanon (2004, p. 45):
Os conteúdos do ensino de Ciências têm sido marcados pela forma
essencialmente disciplinar de organização. Os poucos aprendizados em
Ciências mostram-se usualmente fragmentados, descontextualizados,
lineares e não costumam extrapolar os limites de cada campo disciplinar.
Evidencia-se isso nos próprios livros didáticos mais em uso, que, como
sabemos, acabam determinando os programas de ensino, os modelos de
estudo e de formação escolar.
Voar para novos horizontes implica avançar rumo ao desconhecido, ultrapassar
as fronteira que delimitam nosso mundo. Este vôo é cercado de incertezas e
angústias, mas tem como objetivo a superação de um modelo que não está dando
certo.
O trabalho de pesquisa com os quadrinhos incluiu, além dos conteúdos
formais, implícitos em cada pesquisa, as vozes dos alunos como ponto essencial para
a construção de um currículo significativo. Também possibilitou que os alunos
aprendessem a aprender através da constante procura por materiais, juntamente
com a elaboração de pensamentos próprios.
A relação mais estreita estabelecida pela proximidade de contato entre
professor-aluno, bem como aluno-aluno, inseriu a construção de conteúdos afetivos,
éticos e de valores, que, segundo Moraes (2004), é um avanço importante na
superação dos conteúdos voltados apenas para o cognitivo. Embora a pesquisa tenha
100
sido realizada de maneira individual por cada estudante, a troca de materiais em
virtude de assuntos afins colaborou para o estabelecimento de um contato baseado
no respeito e no diálogo.
O estudo dos seres vivos por meio dos quadrinhos, além de inserir uma nova
linguagem em sala de aula, permite a integração de assuntos que comumente são
vistos de maneira fragmentada. O favorecimento, por exemplo, neste caso, da
ligação entre o ser vivo e seu habitat é de papel central na construção de uma visão
global sobre a natureza.
Normalmente o que se vê nas escolas quando os seres vivos são estudados é
uma abordagem voltada para a sistematização dos diversos grupos existentes. É
uma fragmentação de uma realidade já fragmentada.
Através de uma abordagem ecológica e evolutiva proporcionada pelo uso das
HQs essa visão é ultrapassada, rumando para uma aprendizagem mais significativa,
além de ser mais prazerosa.
A valorização dos aspectos que concernem ao dia-a-dia do aluno por si
provocam um aumento do interesse demonstrado nas aulas. Valorização esta que
deve ser constante, refazendo-se como um exercício diário.
Pode-se ainda ressaltar o potencial transdisciplinar que a utilização dos
quadrinhos gera. Calazans (2005, p. 15) apresenta algumas possibilidades a seguir:
Quadrinhos com super-heróis permitem que os professores façam
abordagens de algumas teorias científicas. Alguns quadrinhos abrangem
temas como radioatividade que cria mutações genéticas em personagens
como X-Men, Hulk e Homem-Aranha , poderes pseudo-científicos como os
do Super-Homem –, o emprego de tecnologias avançadas em Tony Stark
(Homem de Ferro) e Batman –, estrutura atômica, química e anatomia.
Outros temas, como política e geografia, também são abordados com
freqüência: nesse tipo de quadrinhos há inúmeras citações que envolvem
literatura, teatro e artes norte-americanas.
101
E não é em quadrinhos da terra do Tio Sam que podemos explorar diversas
relações. No próprio trabalho de pesquisa realizado pelos alunos apareceram muitas
tiras feitas por brasileiros, como as do nosso companheiro nesta dissertação,
Fernando Gonsales. Não podemos nos esquecer também da bem sucedida
Turma da
Mônica
, que passa de geração em geração como uma herança bem quista do popular
Maurício de Sousa.
Sobre a turminha comandada pela dentuça
Mônica
, pode-se explorar,
conforme Calazans (2005), uma enormidade de assuntos que incluem desde a
ausência de características regionais (com exceção do preguiçoso Chico Bento),
passando pelo estudo dos sete pecados capitais encarnados em alguns personagens,
e adentrando na análise da fala do caipira citado acima, transformando-se numa
oportunidade de aprender os mistérios da língua portuguesa.
Terminadas as atividades de pesquisa, chegou a etapa das apresentações, e
com um tempero especial: cada aluno teve que exercitar a arte da pergunta.
Enquanto um aluno apresentava o fruto de sua pesquisa, os restantes tinham a
tarefa de formular questionamentos que poderiam ou não ser explicitados ao
término da apresentação.
No começo deste capítulo fiz referência a uma conversa minha com o um
professor da UFRGS. A falta de questionamentos e a apatia demonstrada pelos
estudantes universitários o incomodavam. A curiosidade e a agitação natural das
crianças cedeu lugar a um constrangedor e irritante silêncio. Em algum lugar isso se
perdeu. Onde?
Vou tentar esboçar uma resposta, mas, principalmente, tecer soluções.
Começo pela avaliação. Em uma prova, por exemplo. As perguntas foram formuladas
102
por quem? E as respostas: quem foi o responsável por fornecer os conceitos que
encaixam nas perguntas? Ambas as perguntas acabam na mesma resposta: o
professor. Ele quer que o aluno responda questionamentos que não são deles. Rubem
Alves se atreveu a sugerir que uma prova perfeita seria uma folha em branco. Nela
os estudantes é quem fariam as perguntas. Perguntas inteligentes surgiram de
mentes que se impregnaram no assunto.
Segundo Giordan e Vecchi (1996, p. 161):
[...] toda a nossa cultura impede que um certo número dentre nós se faça
perguntas, pois estas são precedidas por respostas diretamente fornecidas.
Os jornalistas, por exemplo, são curiosos por nós, interrogam-se por nós,
debatem por nós... pensam por nós. Como, nesse caso, não tender logo para
uma certa passividade? No ensino, isso fica ainda mais claro; o professor é
que faz perguntas, suas perguntas, deveríamos escrever. Ora, é difícil ser
ativo ante um problema que não é nosso.
Ao pedir que os alunos exercitassem a elaboração de questionamentos, tinha
como objetivo, mais uma vez, reorganizar o espaço de sala de aula. Meu desejo era
romper com o comportamento tradicional encontrado nas aulas, onde quem faz a
pergunta é o professor e quem responde é o aluno. Resposta que muitas vezes é uma
reprodução do que o professor disse anteriormente, e que não faz nenhum sentido
para o aluno.
Sobre as causas da reprodução do discurso, Ramos (2002) destaca a
importância da comunicação e da argumentação, considerando-as base da interação
social. Escreve ainda que o conhecimento depende do ato de argumentar. Sendo
assim, se o espaço para argumentação for restrito, conseqüentemente o
conhecimento também será.
103
Os professores sabem o quanto é difícil fazer perguntas quando elaboram as
provas. Perguntas que acabam nelas mesmas, ou que permitem apenas o “sim” ou o
“não” como respostas, não são boas perguntas. Uma boa pergunta deve abrir espaço
para o aprofundamento da resposta, permitindo diferentes caminhos para ser
respondida.
Fazer boas perguntas é um exercício. Procurei abrir mais um espaço para que
eles colocassem em prática a atitude questionadora, além daquele que deve sempre
existir durante as aulas. Mas agora era diferente. As perguntas eram deles para
eles mesmos. De aluno para aluno
13
.
Giordan e Vecchi (1996, p. 163) ressaltam a importância do questionamento
dizendo:
Em primeiro lugar, traduz uma motivação, é um motor do saber. Se “não se
de beber a um asno que não está com sede”, observa-se a mesma situação
nos processos de elaboração dos conhecimentos. Somente assim é que o
aprendente tenta procurar uma informação que corresponde a uma real
necessidade de explicação. Por outro lado, as perguntas feitas permitem
caracterizar o nível de pensamento e as preocupações do aprendente;
medem também sua defasagem em relação ao saber que se pretende
ensinar-lhe.
A partir dos questionamentos inaugura-se um ambiente de diálogo e
interação, permitindo que cada sujeito do processo passos em direção a
complexificação do saber. A qualidade do questionamento reside em sua superação.
A arte de questionar é o primeiro passo para a construção do conhecimento
científico. Como Bachelard (1996, p.18) diz: “Para o espírito científico, todo
conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver
conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído”. E
13
Selecionei 75 perguntas que podem ser vistas no Apêndice A.
104
ainda completa dizendo que um conhecimento científico não questionado pode se
tornar um obstáculo epistemológico (BACHELARD, 1996).
Nesses moldes, as idéias funcionariam de maneira lamarckista: aquelas que
são mais usadas ganham força em detrimento das outras, tomando todos os espaços.
Por isso é importante que o professor permita a expressão de seus alunos, de forma
a permitir que os conhecimentos possam ser questionados. O professor tem uma
tarefa importante que é o estabelecimento de um ambiente interativo e sadio, onde
o respeito à diversidade de pensamentos deve ser considerado para que os alunos
sintam-se à vontade para se manifestar.
Os obstáculos impedem o próprio ato de conhecer, que se caracteriza por ir
de encontro a um conhecimento anterior, num processo constante de reconstruções.
O conhecimento do conhecimento do aluno é essencial para que se possam derrubar
os obstáculos constituídos no dia-a-dia.
A etapa seguinte à das apresentações dos trabalhos e das formulações de
questionamentos foi o registro das respostas. Cada pergunta realizada, mesmo que
respondida pelo colega durante a apresentação, deveria ter sua resposta pesquisada
e registrada no caderno. Trata-se de mais uma oportunidade para ampliação do
conhecimento através da pesquisa.
A busca pelo conhecimento final não tem fim. Mesmo porque ele não existe.
Através das atividades de pesquisa se procura ir além do que se sabe. Nesse
sentido, a utilização da produção escrita desempenha um fundamental papel. Ela
funcionaria como a consolidação de um processo argumentativo. se consegue
escrever sobre aquilo que está claro.
105
Através do processo de escrita a criança é impulsionada a atuar de maneira
mais intelectual. Sendo caracterizada por Vygotsky (2005) como uma forma mais
completa de atividade discursiva.
Wells (2001) salienta que o processo de escrita apresenta-se caracterizado
por um tempo maior de envolvimento, e em decorrência disto se torna mais
permanente. É um movimento que atua permitindo uma maior reflexão sobre o que
se está pensando.
Com base nas respostas pesquisadas e elaboradas pelos alunos foi realizada
uma aula onde cada aluno de falar sobre suas respostas, produzindo mais um
momento de interatividade. Foi possível fazer uma “grande síntese” de tudo aquilo
que foi estudado, encerrando este ciclo de atividades envolvendo as HQs.
Durante todo o processo percebi que, além dos resultados cognitivos
alcançados pelos alunos, instalou-se um ambiente alegre e afetivo que teve como
base o respeito e a transparência. Fiquei satisfeito com o resultado, porque por mais
que os conhecimentos construídos por eles sejam esquecidos pelo caminho, procurei
não atuar como um apanhador de sonhos e domesticador de pássaros. Espero ter
acrescentado alguns centímetros em suas asas...
106
8 TERRA
8 TERRA 8 TERRA
8 TERRA
À
VISTA:
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Ú
LTIMAS PALAVRAS ANTE
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LTIMAS PALAVRAS ANTES DE APORTAR
S DE APORTARS DE APORTAR
S DE APORTAR...
... ...
...
Todo o processo de pesquisa e impregnação realizado na construção desta
dissertação me permite chegar ao seu final com um gosto de começo. Início de uma
visão que enxerga com mais nitidez o continente de possibilidades proporcionadas
pelos quadrinhos como instrumento de ensino.
Foi um processo de ampliação de horizontes e perspectivas, que saiu de um
porto seguro em direção às Índias, mas a exemplo de Cabral, aportou em outras
terras. As correntes que me trouxeram até onde me encontro não significaram um
desvio de rota. A porque não existia um mapa, por conseguinte, não existiam
rotas. Não confundir ausência de rotas com ausência de objetivos. Estes sempre
acompanham a vida de um navegador. Representam desafios a serem superados,
limites a serem ultrapassados.
As rotas foram sendo construídas ao longo do percurso. Umas se deram ao
sabor do vento, resultado de forças naturais de natureza desconhecida. Talvez seja
a manifestação do inconsciente, lugar de onde acredito surgirem os
insights
.
outras, foram capitaneadas conscientemente por mim. Conforme o mapa se
construía, as Índias assumiam contornos de Brasil.
Rusavin (1990, p. 31) diz que: “Resolver um problema sempre pressupõe ir
além das fronteiras do já conhecido; portanto, não adianta recorrer
a priori
a
regras e métodos previstos de antemão para chegar a um final feliz”.
Sobre o seu objetivo de convencer os cientistas da não existência de um
método único, Feyerabend (1989, p. 43) afirma:
107
[...] todas as metodologias, inclusive as mais óbvias, têm limitações. A melhor
maneira de concretizar tal propósito é apontar esses limites e a
irracionalidade de algumas regras que alguém possa inclinar-se a considerar
fundamentais.
A navegação por mares desconhecidos, ao mesmo tempo em que é excitante, é
assustadora, pois traz a convivência com incertezas. Lidar com essas dúvidas é
expandir os horizontes do conhecimento e assumir novas preocupações teóricas.
A segurança trazida pela ancoragem no continente, simbolizada pelo término
desta dissertação é provisória. Ao mesmo tempo em que estar em terra firme pode
representar segurança, pode trazer também um enraizamento de idéias que
colaboram para a esterilização do pensamento.
Em virtude disso, jogar-se novamente ao mar das incertezas, sem mapas e
sem rotas, apenas com a experiência acumulada na bagagem, é a sina do navegador.
Pretendi fazer jus à sina dos navegadores. Além disso, acredito que um dos
objetivos implícitos neste trabalho é fazer com que cada professor se torne um
navegador e recolha suas ancoras, como tentei fazer. É um convite para se
aventurar pelos mares abertos que representam a atividade docente.
O uso das HQs no ensino de Ciências faz parte de uma dessas incursões pelo
desconhecido e procurei deixar apenas algumas pistas que podem colaborar para
trazer um pouco de alento nos dias em que o mar estiver de ressaca.
Saber que outras pessoas também trilharam caminhos cercados de
expectativas pode trazer instantes de conforto. No meu barco também estavam
histórias de outros navegadores, e naqueles momentos de dúvidas, elas serviram de
bússola para conduzir a embarcação.
Através dos mares das HQs percebi um caminho interessante para ser
percorrido com a finalidade de contribuir para o processo de construção do
108
conhecimento. Os quadrinhos mostraram-se instrumentos que oferecem ao
professor possibilidades de trabalhar em conjunto com o aluno numa atitude
cotidiana de pesquisa. O aluno torna-se protagonista de sua aprendizagem, e o
professor passa a ser um colaborador deste processo, deixando o trono de “senhor
do saber”.
O desenvolvimento de uma atitude de pesquisa em sala de aula aproxima o
cotidiano do aluno do espaço escolar, e oportuniza a manifestação das dúvidas e
curiosidades, normalmente excluídas do processo de aprendizagem. No entanto, o
desenvolvimento desta atitude fica restrito a poucos professores.
As HQs ainda podem ser utilizadas como mecanismos para o desenvolvimento
da criticidade a partir da elaboração de textos que analisam, por exemplo, o
emprego de conceitos científicos nos quadrinhos. São inúmeras as atividades que a
linguagem dos quadrinhos traz para a sala de aula. Desde as séries iniciais pode-se
incluir no currículo atividades que usem os quadrinhos, seja como meio para
incentivar a leitura, ou como instrumento para desenvolver a criatividade e a
imaginação.
Os quadrinhos têm como uma premissa a participação do leitor no papel de
co-autor quando este completa as lacunas existentes entre um quadro e outro, e a
possibilidade de autoria ainda pode ser ampliada numa atividade que envolva também
a escrita dos próprios diálogos dos personagens contidos nos balões. Basta o
professor apagar os diálogos já existentes e, pronto: surge mais uma tarefa.
Imagino ser este um passo que pode ser dado no sentido do próprio aluno ser
responsável pela construção de sua HQ, com personagens, cenários e diálogos
originais. Essas são apenas mais algumas opções de atividades que podem ser
somadas ao repertório mostrado ao longo desta dissertação.
109
Este somatório de atividades não pretende servir como métodos únicos de
utilização dos quadrinhos, capaz de resolver todas as mazelas do nosso encarcerado
sistema de ensino. Deixo a unicidade para o contexto. Este sim é único. E partindo
da singularidade de cada aluno e de cada escola, exige-se um esforço por parte do
professor para criar o seu próprio método. Tarefa esta que é facilitada pelo
dinamismo apresentado pelos quadrinhos.
Mas para que a metodologia criada pelo professor consiga fugir da
desvalorização do pensamento dos estudantes, é inevitável que ela tenha como
impulso a curiosidade. A curiosidade ultrapassa as fronteiras de qualquer método,
ela está sempre flertando com o pensamento dos sujeitos num incentivo de ir além
do que se sabe.
Uma das coisas mais interessantes para a qual fui despertado durante este
percurso foi à necessidade de se refletir sobre os objetivos da atividade docente.
O dia-a-dia da profissão vai fazendo tudo ficar mecanizado, como se no começo do
dia um botão com a inscrição “automático” fosse pressionado. Corre-se o risco de
chegar um determinado dia e ficarmos sem palavras diante de uma pergunta como:
“Por que tu ensinas este conteúdo?”.
Paradoxalmente, quando os professores são indagados sobre seus papéis, uma
grande parte responde: “Formar cidadãos críticos e criativos, capazes de atuar de
maneira significativa na sociedade”. Eu mesmo já dei essa resposta.
Mas digo que é um paradoxo porque a criticidade e a criatividade que
esperamos de nossos alunos podem não estar presentes no nosso trabalho se não
olharmos diariamente para a nossa prática. Por isso, a prática docente deve ser
reconstruída todos os dias, visando à aprendizagem daquele que é o centro da
educação: o aluno.
110
As histórias em quadrinhos se constituem de mais um meio dentre tantos
outros que podem significar a reconstrução da docência.
Navegamos para chegar a algum lugar que imaginamos, mas se não chegarmos
nesse lugar, certamente aportaremos em outro lugar tão ou mais recompensador do
que o inicialmente imaginado. E o bom nisso tudo é a viagem. O mais importante não é
a chegada, mas o estarmos indo.
111
REFER
REFERREFER
REFER
Ê
NCIAS
NCIASNCIAS
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116
AP
APAP
AP
Ê
NDICE A
NDICE A NDICE A
NDICE A
Sele
çã
o de perguntas dos alunos
1. Tem como pegar doenças com as bactérias?
2. As bactérias vivem em todos os locais?
3. Bactérias são fungos?
4. A pulga pode ser uma bactéria?
5. O que é onívoro?
6. Qual a diferença de herbívoro e vegetariano?
7. Adiposo é mesma coisa que camada de gordura?
8. Todos os mamíferos produzem suor?
9. O que é glândula?
10. Por que um animal grande tem menos batimentos (cardíaco) que um animal pequeno?
11. O que é próstata?
12. Tem alguma formiga que tem veneno?
13. Por que a formiga gosta de açúcar?
14. Qual a diferença da formiga operária para a formiga rainha?
15. Qual é o tamanho da formiga rainha?
16. Qual o máximo que o sapo pulou?
17. O sapo pode ficar dentro da água?
18. O sapo tem veneno?
19. Como é a respiração de um sapo?
20. Qual a diferença entre rã e perereca?
21. Por que os cientistas usam ratos para fazer experiências?
22. Qual a diferença entre o camundongo e o rato?
23. Quantos tipos de doenças os ratos têm?
24. O que é toxoplasmose?
25. O ser vivo que pega toxoplasmose pode passar?
26. O rato é mamífero?
27. Qual o nome da bolinha do olho do gato?
28. Quanto um gato pesa em média?
29. Quantos filhotes nascem de uma gata?
30. Por que o gato é tão ágil?
31. Por que o gato não gosta que puxem o rabo dele?
32. Quantas espécies de gatos existem no Brasil?
33. Quais são as doenças que os gatos transmitem?
34. Por que cai tanto os pelos dos gatos?
35. Qual a diferença entre gatos do mato e gatos doméstico?
36. Por que os gatos conseguem sempre cair de pé?
37. Por que dizem que o gato tem sete vidas?
38. Por que existe tanto confronto entre cão e gato?
39. Qual a diferença do vira-lata para o cão de raça?
40. Qual o maior predador do cachorro?
41. Quantos tipos de cachorro existem?
42. Quantos filhotes um cachorro pode ter em cada cria?
117
43. Por que o focinho do cachorro ta sempre úmido?
44. Aonde começou a surgir os cachorros?
45. Como se adestra um cão?
46. A pelagem do cavalo é igual a do cão?
47. O coelho é mamífero?
48. O coelho produz leite?
49. Por que os coelhos gostam de cenoura?
50. Por que só o macho da ovelha tem chifres?
51. Por que não existe leão no Brasil?
52. Quantos filhotes o leão pode ter numa gravidez?
53. Por que os leões machos têm jubas?
54. A orelha grande do burro ajuda na audição?
55. Qual a diferença entre o burro e o cavalo?
56. Qual a diferença entre o cavalo e a zebra?
57. Quantos dentes um cavalo tem na boca?
58. Quanto mede uma girafa?
59. Por que a girafa tem o pescoço grande?
60. Os macacos são os antigos humanos?
61. Por que comparam tanto o homem com os macacos?
62. Qual a diferença entre humano e primata?
63. O que é ser bípede?
64. Por que, antigamente, as pinturas eram chamadas de pinturas rupestres?
65. Por que nossos lábios são mais cheios do que dos primatas?
66. O que é albino?
67. Albino é característica só do ser humano ou também de outro ser vivo?
68. Por que algumas mulheres não podem ter filhos?
69. O golfinho é carnívoro ou vegetariano?
70. Qual a diferença entre um golfinho e um boto?
71. Como os golfinhos dormem?
72. O que as araras de zoológico comem?
73. Qual a maior ave do Brasil?
74. Qual a diferença entre o avestruz e a ema?
75. Por que a coruja não dorme a noite?
118
ANEXO A
ANEXO A ANEXO A
ANEXO A -
--
-
Resultados do desempenho em Ci
ê
ncias no PISA
2000 2003 2006
Clas. País Média
1
COREIA 552,12
2
JAPÃO 550,40
3
HONG KONG 540,81
4
FINLANDIA 537,74
5
REINO UNIDO 532,02
6
CANADA 529,36
7
HOLANDA 529,06
8
NOVA ZELANDIA 527,69
9
AUSTRALIA 527,50
10
AUSTRIA 518,64
11
IRLANDA 513,37
12
SUIÇA 512,13
13
REPUBLICA TCHECA 511,41
14
FRANÇA 500,49
15
NORUEGA 500,34
16
ESTADOS UNIDOS 499,46
17
HUNGRIA 496,08
18
ISLANDIA 495,91
19
BELGICA 495,73
20
SUIÇA 495,67
21
ESPANHA 490,94
22
ALEMANHA 487,11
23
POLONIA 483,12
24
DINAMARCA 481,01
25
ITÁLIA 477,60
26
LIECHTENSTEIN 476,10
27
GRECIA 460,55
28
RUSSIA 460,31
29
LETONIA 460,06
30
PORTUGAL 458,99
31
BULGARIA 448,28
32
LUXEMBURGO 443,07
33
ROMENIA 441,16
34
TAILANDIA 436,38
35
ISRAEL 434,14
36
MÉXICO 421,54
37
CHILE 414,85
38
MACEDONIA 400,71
39
ARGENTINA 396,17
40
INDONÉSIA 393,33
41
ALBANIA 376,45
42
BRASIL 375,17
Clas. País Média
1
FINLANDIA 548,22
2
JAPÃO 547,64
3
HONG KONG 539,50
4
COREIA 538,42
5
LIECHTENSTEIN 525,17
6
AUSTRALIA 525,05
7
MACAU 524,68
8
HOLANDA 524,37
9
REPUBLICA
TCHECA
523,25
10
NOVA ZELANDIA 520,90
11
CANADA 518,74
12
REINO UNIDO 518,40
13
SUIÇA 512,98
14
FRANÇA 511,22
15
BELGICA 508,83
16
SUÉCIA 506,12
17
IRLANDA 505,39
18
HUNGRIA 503,28
19
ALEMANHA 502,34
20
POLONIA 497,78
21
ESLOVÁQUIA 494,86
22
ISLANDIA 494,74
23
ESTADOS UNIDOS 491,26
24
AUSTRIA 490,98
25
RUSSIA 489,29
26
LETONIA 489,12
27
ESPANHA 487,09
28
ITÁLIA 486,45
29
NORUEGA 484,18
30
LUXEMBURGO 482,76
31
GRECIA 481,02
32
DINAMARCA 475,22
33
PROTUGAL 467,73
34
URUGUAI 438,37
35
SERVIA 436,37
36
TURQUIA 434,22
37
TAILANDIA 429,06
38
MÉXICO 404,90
39
INDONÉSIA 395,04
40
BRASIL 389,62
41
TUNISIA 384,68
Total 470,55
Clas. País Média
1
FINLANDIA 563,32
2
HONG KONG 542,21
3
CANADÁ 534,47
4
CHINA (TAIWAN) 532,47
5
ESTONIA 531,39
6
JAPÃO 531,39
7
NOVA ZELANDIA 530,38
8
AUSTRÁLIA 526,88
9
HOLANDA 524,86
10
LIECHTENSTEIN 522,16
11
COREIA 522,15
12
ESTONIA 518,82
13
ALEMANHA 515,65
14
REINO UNIDO 514,77
15
REP. TCHECA 512,86
16
SUIÇA 511,52
17
MACAO 510,84
18
AUSTRIA 510,84
19
BELGICA 510,36
20
IRLANDA 508,33
21
HUNGRIA 503,93
22
SUECIA 503,33
23
POLONIA 497,81
24
DINAMARCA 495,89
25
FRANÇA 495,22
26
CROACIA 493,20
27
ISLANDIA 490,79
28
LETÔNIA 489,54
29
ESTADOS UNIDOS 488,91
30
ESLOVÁQUIA 488,43
31
ESPANHA 488,42
32
LITUANIA 487,96
33
NORUEGA 486,53
34
LUXEMBURGO 486,32
35
RUSSIA 479,47
36
ITÁLIA 475,40
37
PORTUGAL 474,31
38
GRECIA 473,38
39
ISRAEL 453,90
40
CHILE 438,18
41
SERVIA 435,64
42
BULGÁRIA 434,08
43
URUGUAI 428,13
44
TURQUIA 423,83
45
JORDANIA 421,97
46
TAILANDIA 421,01
47
ROMENIA 418,39
48
MONTENEGRO 411,79
119
43
PERU 333,34
Total 460,85
Fonte: Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico.
49
MÉXICO 409,65
50
INDONÉSIA 393,48
51
ARGENTINA 391,24
52
BRASIL 390,33
53
COLOMBIA 388,04
54
TUNÍSIA 385,51
55
AZERBAIJÃO 382,33
56
CATAR 349,31
57
QUIRZIQUISTAO 322,03
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