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HELENA LÚCIA FROELICH
EXPERIÊNCIAS DE MIGRANTES DE MUNICÍPIOS PRÓXIMOS EM
RONDONÓPOLIS-MT (1960-1980)
Cuiabá, MT
2006
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1
HELENA LÚCIA FROELICH
EXPERIÊNCIAS DE MIGRANTES DE MUNICÍPIOS PRÓXIMOS EM
RONDONÓPOLIS-MT (1960-1980)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Universidade Federal de Mato Grosso,
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em História.
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Leite.
Cuiabá, MT
2006
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2
Ficha catalográfica elaborada pela equipe da Biblioteca do CESUR
F926e Froelich, Helena Lúcia.
Experiências de migrantes de municípios próximos em
Rondonópolis-MT (1960-1980) / Helena Lúcia Froelich. Cuiabá : UFMT,
2006.
128 p.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato
Grosso, 2005 - Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Leite
1. História regional Mato Grosso. 2. Migrações
internas no Mato Grosso. 3. Reocupação de Rondonópolis. 4.
Índice para catálogo sistemático
:
1. História de Mato Grosso 981.72
2. Mato Grosso – História 981.72
2. Migração – Mato Grosso 314.72
3
HELENA LÚCIA FROELICH
EXPERIÊNCIAS DE MIGRANTES DE MUNICÍPIOS PRÓXIMOS EM
RONDONÓPOLIS-MT (1960-1980)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Universidade Federal de Mato Grosso,
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em História.
Aprovada em ___________________________2006, pela Banca Examinadora.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________
Prof. Dr. José Carlos Leite (orientador)
_______________________________________________
Prof. Dr. José D’ Assunção Barros (membro externo)
________________________________________________
Profª Dra. Maria Elsa Markus (membro interno)
_______________________________________________
Profª Dra. Leny Caselli Anzai (suplente)
4
DEDICATÓRIA
Dedico este estudo aos migrantes, Seu Valdemar, Dona
Ana, Dária, Maria e Benedita, que nele participaram através
de seus relatos.
Ao meu pai (in memoriam) e minha mãe, migrantes no Rio
Grande do Sul, que se deslocaram inúmeras vezes dentro do
próprio estado, sonhando com uma vida melhor.
Ao Celso, meu companheiro de vida, pelo incansável apoio.
Às filhas, Loiane e Mendalli que são a razão maior do meu
viver.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Prof. Dr. José Carlos Leite, meu orientador, pela sua dedicação e
compromisso profissional; pela paciência com que lidou com minhas dificuldades e,
principalmente, pela liberdade que me proporcionou no desenvolvimento desta pesquisa; pela
flexibilidade concedida para o diálogo com outros pesquisadores e pesquisadoras, o que
contribuiu muito para o enfrentamento de dificuldades colocadas.
Agradeço à banca examinadora do relatório de qualificação: Prof. Dr. Vitale Joanoni
Neto, pelas suas preciosas contribuições. Igualmente, agradeço à Profª Dra. Regina Beatriz
Guimarães Neto, pelas suas contribuições no momento da qualificação, mas, principalmente,
pelo contínuo diálogo posterior, o que contribuiu imensamente para avançar na pesquisa.
Agradeço, em especial, ao Prof. Ms. Ivanildo, Prof. Dr. Jones e Profª. Dra. Maria
Elsa, pelo apoio, pelo estímulo e pelo contínuo diálogo, o que foi fundamental para o
amadurecimento na pesquisa.
Agradeço também ao Prof. Dr. João Henrique Negrão, pela sua dedicação e apoio ao
acompanhar meu estágio de docência.
Agradeço aos amigos e amigas que, de alguma forma, estiveram presentes durante
este período. São eles: Plínio, Rosimeire, Júlio, Leandro, João Ivo ...
Agradeço aos colegas de turma pela amizade e apoio, e aos professores e professoras
do Programa de Mestrado, em especial, àqueles e àquelas que contribuíram com minha
formação, através das disciplinas ministradas.
Agradeço ao Celso, Loiane e Mendalli, pelo carinho e apoio que me deram durante o
período do mestrado.
Agradeço aos migrantes que colaboraram com minha pesquisa, através de seus
depoimentos.
Agradeço ao CNPq
1
, pela ajuda financeira que dela recebi.
1
CNPq é o Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa.
6
RESUMO
O presente estudo tem como tema migrações internas ao estado do Mato Grosso, vivenciadas
por migrantes que se deslocaram de municípios próximos a Rondonópolis-MT, nas décadas
de 60 e 70, para aqui viver. Nele, busquei conhecer e compreender histórias múltiplas de
migrantes, vividas por sujeitos sociais “comuns”, que se estabeleceram em Rondonópolis,
sem, no entanto, perder de vista que a migração dessas pessoas é apenas parte de um processo
migratório que se desencadeou no Nordeste, no Sudeste, no Sul. Esta pesquisa teve como
objetivo conhecer a partir de experiências relatadas por sujeitos sociais que migraram, as
razões que se colocaram na vida de cada um e de cada uma para que buscassem um novo
lugar. Ou ainda, o que os levou a “escolher” Rondonópolis e não outro município próximo
como lugar para construir/reconstruir seu espaço de vida. Procurei identificar trajetórias que
os sujeitos migrantes percorreram e as dificuldades que nelas encontraram. Por fim, em que
medida as propagandas oficiais influenciaram na “escolha” por Rondonópolis. O que
buscavam no novo lugar e o que encontraram, bem como passaram a viver. Elaborei esta
pesquisa numa perspectiva da História Oral, adotando como um dos seus métodos, os relatos
de memória por meio da construção e uso da fonte oral. Fonte esta que me permitiu, através
de falas dos migrantes entrevistados, conhecer vivências, experiências e práticas desses
sujeitos sociais os migrantes internos ao estado do Mato Grosso. Os relatos de memória
possibilitaram-me conhecer histórias múltiplas de sujeitos “comuns” que migraram de lugares
próximos para Rondonópolis. As muitas dificuldades que estas pessoas experienciaram nos
lugares de onde vieram como a falta de emprego, de escola, de terra; enfim, de perspectivas
de melhorar de vida, foram destacadas como razões para a migração. A realidade
experienciada no lugar onde viviam foi fundamental para que as propagandas oficiais
tivessem poder de convencimento levando pessoas que viviam situações difíceis e que
desejavam buscar novas oportunidades a se deslocarem para Mato Grosso (Rondonópolis),
o lugar das “oportunidades” e do “progresso”. Os relatos ainda revelaram os múltiplos modos
de construir o espaço de vida de cada migrante no novo lugar: a busca pelo trabalho urbano,
pela escolaridade, pela nova profissão; revelaram ainda uma nova sociabilidade no novo
espaço, o enfrentamento das dificuldades, bem como as estratégias adotadas para alcançar as
metas que haviam sido propostas no ato da migração.
Palavras-chave: Migrações – Experiências vivenciadas – Memória – Rondonópolis.
7
ABSTRACT
The present research theme is the migration happening within the state of Mato Grosso,
suffered by migrants that leave nearby towns to go to Rondonópolis M.T., in the 60’s and
70’s, to live. When doing this research, I tried to meet and understand multiple histories of
migrants, lived by ordinary citizens that have established in Rondonópolis, not forgetting,
though, that these people’s migration is just part of a migrating process that took place in the
Northeast, Southeast and South of Brazil. The aim of this research was to know, from
experiments reported by citizens that migrated, the reasons that caused everyone to search for
a new place. Or still, what made them “choose” Rondonópolis and not any other town in the
vicinity as the place to build or rebuild their space in life. I tried to identify the routes the
migrants took, and the difficulties they had on the route, and, at last, how official
advertisements influenced their choice” for Rondonópolis, what they hoped to find in the
new place and what they found there, as well as how they started to live there. I’ve done this
research by means of Oral History, adopting the report of their memories as one of the
methods, which allows, through the interviewed migrants’ talk, to know experiences and
practices of these people the migrants coming to the state of Mato Grosso. The memory
reports allowed me to know multiple histories of “ordinary” people that migrated from places
nearby to Rondonópolis. The various difficulties these people experienced in the places where
they used to live (such as unemployment, lack of schools, lack of properties, not having
prospects of improving their lives) were pointed out as reasons for the migration. This reality
experienced in the place where they used to live was fundamental for the fact that the official
advertisements had the power of convincing people that used to live hard times and that
wished to find new opportunities to move to Mato Grosso (Rondonópolis), the place of
“opportunities” and “progress”. Reports also revealed the various ways of building each
migrant’s life in the new place: the search for urban work, for schools, for a new profession;
they still reveal a new sociability in the new space, the facing of difficulties, as well as the
strategies used to achieve the objectives that were proposed when migrating.
Key words: Migrations – Lived Experiences – Memory – Rondonópolis.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Localização da região em estudo .........................................................................30
Figura 2 – Hidrografia da Mesorregião Sudeste Mato-grossense .........................................36
Figura 3 – Principais colônias agrícolas na região de Rondonópolis....................................44
Figura 4 – Caminho percorrido pelos migrantes...................................................................61
Figura 5 Traçado das rodovias federais e estaduais que servem a Mesorregião
Sudeste.................................................................................................................89
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Desmembramento dos municípios no estado do Mato Grosso os quais compõem
a mesorregião Sudeste mato-grossense ....................................................................................39
10
LISTA DE SIGLAS
ASPIR – Associação de Pioneiros de Rondonópolis-MT
BASA – Banco da Amazônia S/A
CIPA – Companhia Industrial e Agrícola Presidente Dutra
CODEMAT – Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa
CPP – Comissão de Planejamento da Produção
DTC – Departamento de Terras e Colonização
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PLADESCO III – Plano de Desenvolvimento Econômico-Social da Região Centro-Oeste
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INIC – Instituto Nacional de Imigração e Colonização
PERGEB – Programa Especial de Desenvolvimento da Região Geoeconômica de Brasília.
PIN – Plano de Integração Nacional
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
POLAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados
PRODEPAN – Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal
SEDUC – Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11
CAPÍTULO I: A CIDADE DE RONDONÓPOLIS-MT:
O LUGAR DE ONDE FALAM OS DEPOENTES.............................................................29
1.1 A (re)ocupação de Rondonópolis-MT: nos tempos iniciais...............................................32
1.2 (Re)povoamento de Rondonópolis-MT: um processo permanente....................................35
1.3 Colonização e expansão agrícola........................................................................................40
1.4 Políticas públicas de desenvolvimento e integração nacional............................................46
CAPÍTULO II: OS CAMINHOS PERCORRIDOS ANTES DE
CHEGAR EM RONDONÓPOLIS .......................................................................................51
2.1 O encontro com os migrantes.............................................................................................51
2.2 O lugar onde viviam, antes de Rondonópolis-MT .............................................................63
2.2.1 Seu Valdemar, em Guiratinga-MT..................................................................................65
2.2.2 Dona Ana, Dária e Maria, em Poxoréo-MT....................................................................70
2.2.3 Benedita, em Guiratinga-MT...........................................................................................79
CAPÍTULO III: O FAZER-SE LUGAR, NUM OUTRO LUGAR...................................87
3.1 Construindo um espaço de vida em Rondonópolis-MT.....................................................87
3.2 Buscando escola, profissão, trabalho..................................................................................92
CAPÍTULO IV: O FAZER, REFAZER E O DESFAZER:
SONHOS, PERSPECTIVAS, FRACASSOS, DESILUSÕES... E AGORA?.................105
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................119
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................122
APÊNDICES........................................................................................................................128
11
INTRODUÇÃO
A história oral muda a forma de escrever da história da mesma
maneira que a novela moderna transformou a forma de escrever da
ficção literária: a mais importante mudança é que o narrador é
agora empurrado para dentro da narrativa e se torna parte da
história.
Alessandro Portelli
O ato de migrar de homens e mulheres pressupõe a saída de um espaço social,
econômico e cultural onde viviam, que, por algum motivo, impulsionou-os a tomar tal
decisão. Mas, a saída não ocorre de forma total, pois quem migra traz consigo experiências
vivenciadas, que acumulou no lugar de onde viera, as quais foram guardadas no espaço da
memória, podendo ser recordadas e resssignificadas
2
no lugar para onde migrou. Por outro
lado, migrar é ultrapassar fronteiras, lidar com realidades que envolvem outras condições
políticas, econômicas, culturais; é encontrar-se com o outro, que, por sua vez, pode acolher ou
rejeitar a ou o migrante. As portas podem abrir-se ou simplesmente se fechar. Mas, o desejo
que move o sujeito social que migra, normalmente, é mais forte que a adversidade, e pode
levá-lo a superar com sucesso as barreiras encontradas pelo caminho, possibilitando-lhe
conquistar um outro espaço para sua inserção material, econômica, cultural e social,
construindo/reconstruindo e estabelecendo novas relações no lugar que o recebe.
De acordo com Jones Dari Goettert
3
, a migração pode ser definida por diversos
sonhos que a impulsionam, como por exemplo, pelo “sonho da melhoria das condições de
vida. O sonho do estudo. O sonho da profissão. O sonho da terra. O sonho acordado.
Acordado também no novo lugar, o sonho encontra seu território de realização. Ou não”
4
.
Por outro lado, convém dizer que a migração também pode ser definida pelas
condições de vida colocadas no lugar onde os sujeitos que migram moram, como por
exemplo: a falta de trabalho, de escola, de terra e tantas outras dificuldades enfrentadas, que
2
Atribuir um novo significado, um novo olhar.
3
GOETTERT, Jones Dari. O espaço e o vento: olhares da migração gaúcha para Mato Grosso de quem partiu e
de quem ficou. 2004, 466 f. (Tese de Doutorado em Geografia). Presidente Prudente-SP, 2004, p.112.
4
Trago para o texto o nome completo dos autores e das autoras com quem dialoguei através de suas obras, para
assim estabelecer uma relação mais próxima com meus interlocutores.
12
podem ser fundamentais no momento de decidir a busca por um novo lugar para viver, na
esperança de melhorar suas condições de vida.
Foi à medida que percorri a memória, recordando minha própria trajetória e
experiência de migrante, que me despertou o interesse de desenvolver um estudo sobre a
temática das migrações internas no estado do Mato Grosso. A trajetória pessoal à qual me
refiro, iniciou-se com meus ascendentes, que partiram da Alemanha, rumo ao Rio Grande do
Sul, estado no qual nasci. Quando digo que minha experiência me motivou ou me instigou, foi
porque, provavelmente, vivi momentos semelhantes aos dos sujeitos sociais que vivem em
Rondonópolis-MT, os quais focalizo neste estudo, pois me desloquei por diversas vezes
dentro do estado em que nasci, por razões que envolviam, essencialmente, trabalho e estudo.
Mas, em 1986, calejada, porém acostumada com a idéia de deslocamentos, de
encontro com novas realidades, parti do estado onde nasci rumo ao estado de Mato Grosso,
para a cidade de Rondonópolis, onde ainda resido. Meus conterrâneos, que deixei para trás,
ficaram pasmos diante de minha coragem, pois acreditavam que, para onde eu estava
deslocando-me, as pessoas eram atacadas freqüentemente por animais selvagens. Claro que
esta é uma idéia distorcida, que foi construída no imaginário
5
daquela gente. É um modo de
perceber uma realidade que se diferencia ou se contrapõe àquela experienciada por estas
pessoas. São representações que foram construídas através de discursos, de estórias contadas,
e, neste caso, parecem expressar a existência de uma fronteira entre um mundo “civilizado”
o Sul, e um mundo “selvagem” o Centro-Oeste. Estes mundos tão opostos são
representações construídas e que, de acordo com Lylia da Silva Guedes Galetti, partindo do
olhar dos viajantes europeus que percorreram os sertões do Brasil entre meados do século
XIX e início do XX, possivelmente, contribuíram para a difusão dessas idéias, pois, para eles,
o mundo civilizado estava inscrito nos espaços constituídos por cidades, as quais concentram
altos contingentes populacionais. Ou ainda, se caracteriza “com o maior mito do ideário
liberal: o mercado”
6
. É o lugar onde um “fluxo ininterrupto de mercadorias, pessoas e
informações”
7
. Portanto, para eles, os espaços distantes das grandes cidades, onde a ação
humana ainda não explorou a natureza a seu favor, eram concebidos como selvagens. Isso
5
José D’Assunção Barros concebe
o Imaginário como “um sistema ou universo complexo e interativo que
abrange a produção e circulação de imagens visuais, mentais e verbais, incorporando sistemas simbólicos
diversificados e atuando na construção de representações diversas”
.
BARROS, José D’Assunção. O Campo da
História: especialidades e abordagens. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 93.
6
GALETTI, Lylia S.Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações sobre
o Mato Grosso. 2000, 358 f. (Tese de Doutorado em História). São Paulo, USP, 2000, p.88.
7
Id. p. 88.
13
porque, nesses lugares, os benefícios da industrialização, do mercado liberal, idéias inscritas
no ideário positivista de “progresso” de Augusto Comte, ainda não chegaram.
Percebe-se que, embora estas idéias construídas, a exemplo de “constantes ataques de
animais selvagens”, não correspondam à realidade, elas têm um razoável poder de
convencimento. Todavia, os comentários negativos acerca de Rondonópolis, a mim não
afetaram, posto que não geraram dúvidas em relação à decisão de migrar para um outro lugar,
descrito como “selvagem”, portanto, atrasado e perigoso, pelas pessoas de meu convívio
social e familiar, no Rio Grande do Sul. Porém, foi diferente, por exemplo, com “Ana”,
colaboradora da pesquisa de Jones Dari Goettert
8
, que migrou do Rio Grande do Sul para o
Paraná, retornou ao Rio Grande do Sul e depois migrou para o estado do Mato Grosso, a qual
ficou tensa e insegura em pensar no aspecto “selvagem”, identificado na sua fala pelo tom
da sua voz e pelas expressões “índio”, “puro mato”, realidade que ela imaginava encontrar no
novo lugar.
Por meio da minha própria história como migrante, percebi que os sujeitos sociais
que migram, vivem experiências que os modificam, assim como modificam os espaços sociais
que percorrem, dos quais passam a fazer parte. E isso se apresentou para mim como uma das
razões do presente estudo: conhecer e compreender um pouco melhor experiências vividas no
processo de migração.
A partir do momento no qual me tornei parte integrante do cotidiano que configura
Rondonópolis-MT, percebi viverem neste lugar pessoas provenientes dos mais diversos
pontos do país. Porém, notei também haver neste lugar pessoas oriundas de movimentos de
deslocamentos internos no estado do Mato Grosso. Encontrei, portanto, muitas pessoas
nascidas em municípios próximos, como por exemplo em Guiratinga, Poxoréo
9
, Alto
Araguaia, Dom Aquino. Esses deslocamentos internos no estado chamaram a minha atenção,
pois me reportaram à minha experiência pessoal no Rio Grande do Sul, onde migrei diversas
vezes, dentro daquele estado. E comecei a perguntar-me: por que boa parte de pessoas,
nascidas em municípios próximos, deslocaram-se para Rondonópolis? Que razões levaram
essas pessoas a saírem dos municípios onde nasceram? Por que “escolheram” Rondonópolis
8
GOETTERT, Jones Dari, op. cit., p. 91, nota 1.
9
A nomenclatura “Poxoréo” tem sido escrito de várias maneiras, sendo que até 1967 a forma mais usada era
“Poxoréu”. Em 1967, o prefeito municipal mudou a pronúncia para “Poxoréo”, citando fontes históricas e a
pronúncia local como justificativa. “Poxoréo” tem sido desde então a escrita oficial. BAXTER, Michael.
Garimpeiros de Poxoréo - Mineradores de pequena escala de diamantes e seu meio ambiente no Brasil [1975].
Brasília, Senado Federal, 1988, p.71.
14
para viver? O que aqui encontraram? Como aqui passaram a viver? etc., questões essas que
suscitaram inicialmente a minha pesquisa.
Em 1998, ingressei no curso de graduação de Licenciatura Plena em História, na
UFMT- Campus de Rondonópolis. Neste, tive uma oportunidade de conhecer mais sobre a
História de Rondonópolis e do estado do Mato Grosso. Meu trabalho de conclusão do curso
da graduação propiciou-me ainda maior motivação para continuar na pesquisa, que foi um
elemento presente nesta minha formação. Naquela ocasião, desenvolvi um estudo sobre o
desemprego na Vila Olinda II-Rondonópolis-MT, bairro periférico deste município
10
. Nele,
busquei compreender de que modo a experiência do desemprego se reflete na vida das
pessoas, nas relações familiares e comunitárias. Percebi, através do mesmo, por meio de
depoimentos orais, que entre os sujeitos sociais que eu ouvi, encontravam-se vários provindos
de municípios próximos de Rondonópolis, principalmente de Guiratinga, Poxoréo, Dom
Aquino, Alto Araguaia, entre outros. Isso me instigou a levar adiante a idéia de conhecer e
compreender melhor as migrações internas no estado de Mato Grosso, problematizando
experiências vividas em migrações dessa natureza. Desse modo, nasceu o projeto cuja
pesquisa que eu desenvolveria no mestrado em História.
Durante a rememoração e reflexão acerca de minha experiência pessoal, contatando e
dialogando com diversas produções acadêmicas
11
que abordam a temática das migrações,
deparei-me com estudos produzidos sobre Rondonópolis-MT, lugar que me acolheu e me
proporcionou condições para estabelecer-me e nele integrar-me. Constatei que esta cidade é
formada, basicamente, por migrantes ou descendentes de migrantes, que vieram dos mais
diferentes lugares, próximos ou distantes
12
, para cuja formação, a maioria – porque aqui
10
ALTENHOFEN, Helena cia. Conseqüências do Desemprego: O Caso da Vila Olinda II –Rondonópolis-MT.
2003, 119 f. (Monografia de Final de Curso). Departamento de História. IHCS/CUR/UFMT, Rondonópolis-MT, 2003.
11
Entre elas destaco: SILVA, Advair Mendes. O Migrante Rondonopolitano. 1998. 233 f. (Dissertação de Mestrado
em Geografia). Rio Claro, UNESP, 1988; GOETTERT, Jones Dari. O o Das Pandorgas Migração Sulista Para
Rondonópolis MT. 2000. 372 f. (Dissertação de Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP, 2000; SUZUKI, Júlio sar. De Povoado a Cidade: A
Transição do Rural ao Urbano em Rondonópolis. 1996, 214 f. (Dissertação de Mestrado em Geografia Humana).
UNESP, São Paulo, 1996; TESORO, Luci Lea Lopes Martins. Rondonópolis MT: um entroncamento de mão
única – lembranças e experiências dos pioneiros. São Paulo, 1993 ... p. li. P&b.
12
Migraram para Rondonópolis, (...) nordestinos (baianos e cearenses) (...) mineiros e capixabas (...) e os naturais do
próprio Estado (antigos garimpeiros de Cuiabá, Alto Araguia e Poxoréu); entraram na área também descendentes de
italianos, japoneses e espanhóis, antigos colonos de café da zona do noroeste de São Paulo, além de paranaenses do
Noroeste do Estado (Paranav) e goianos do Sudeste (Jat) e planalto goiano (Pirenópolis). No final dos anos 60,
grande mero de proprietários paulistas, grupos de empresários da região de Araçatuba, São José do Rio Preto e
Fernanpolis, além de fazendeiros do Triângulo Mineiro, e, em menor proporção gaúchos e paranaenses (...)
migraram para a rego de Rondopolis MT (TESOURO, Lucia Martins, op. cit., p. 28–29 , nota 9).
15
também viviam os índios Bororo deixou em algum momento o seu lugar de nascimento,
trazendo na memória experiências vivenciadas, modos de viver, de pensar e lutar
13
.
É necessário destacar que os índios Bororo, segundo registros, no século XVII,
habitavam esta terra. Conforme Carmem Lúcia Senra Itaborahi de Moura, os Bororo no
estado de Mato Grosso atingiam em torno de 10.000 habitantes, que ocupavam uma extensão
territorial de 48 milhões de hectares, sendo que, no final do século XX, somavam apenas 706
habitantes e ocupavam uma extensão territorial de 128.520ha
14
. Porém, com a chegada de
migrantes, além de perderem, gradativamente, o domínio sobre o seu território, que foi
reduzindo-se, eles perderam grande parte de sua população. Foram ainda sujeitados ao
trabalho escravo e a um processo de desagregação cultural
15
.
Assim, fica visível que, nesse processo, considerado por mim de “(re)ocupação”
territorial desse lugar, uma vez que já era habitado pelos índios, e abarca a “frente de
expansão e frente pioneira” visando ao desenvolvimento do capitalismo, que a luta se travou
entre “desiguais”, pois indígenas e não-indígenas fazem parte de “espaços e tempos distintos”.
De acordo com Ariovaldo Umbelino de Oliveira, o “espaço e tempo do universo
cultural índio foram sendo moldados ao espaço e tempo do capital”. Assim, constituiu-se um
espaço de conflito na fronteira amazônica mato-grossense, que se transformou num
verdadeiro “genocídio histórico”
16
.
Para José de Souza Martins, a “frente de expansão” é uma forma de expansão do
capital que não é “essencialmente capitalista”, mas trata-se de uma “rede de trocas e de
comércio”, na qual o valor monetário, normalmente, está ausente. Porém, o mercado opera
por intermédio dos comerciantes dos povoados, geralmente, através de critérios monopolistas,
perante relações que, de modo geral, são práticas violentas, em que prevalece a dominação
pessoal. Esta prática ocorre tanto no âmbito da comercialização dos produtos, quanto nas
relações de trabalho que, em muitos casos, resulta em “peonagem ou escravidão por dívida”.
13
A esse respeito consultar MARKUS, Maria Elsa. Trabalhadores migrantes na preparação da luta pela terra. In:
Migrantes em Rondonópolis: o fazer, o lembrar e o falar; GOETTERT, Jones Dari; FERREIRA, Ivanildo José.
2002, 230 p.
14
MOURA, Carmem cia Senra Itaborahi de. Homens sem terra e terra sem homens: os posseiros da Gleba
Cascata. Rondonópolis – MT. 1975-1985. 1992, 183 f. (Dissertação de Mestrado em História). PUC-SP, 1992, p. 48.
15
A questão indígena não é o foco desta pesquisa; portanto, ela não foi aqui aprofundada. Sobre o processo
violento em relação aos Bororo com a chegada dos migrantes, consultar SUZUKI, Júlio Cezar. De Povoado a
Cidade: A Transição do Rural ao Urbano em Rondonópolis, op. cit; NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva.
Aceleração Temporal na Fronteira: o caso de Rondonópolis-MT. 1997. 330 f. (Tese de Doutorado em História
Social). São Paulo, 1997; dentre outros.
16
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Fronteira Amazônica Mato-Grossense: Grilagem, Corrupção e
Violência. 1997. 383 f. (Tese de Doutorado em Geografia). São Paulo, 1997, p.8.
16
Enfim, “frente de expansão” também pode ser identificada como uma “fronteira
demográfica”. Já a “frente pioneira se define essencialmente pela presença do capital na
produção” e também nas relações de trabalho. A terra é convertida em mercadoria, passando a
ter valor de renda e é submetida à especulação mobiliária com a presença de empresas
17
.
Flávio Antônio da Silva Nascimento se refere ao período inicial que resultou na
formação de Rondonópolis, como “fase pioneira”. Para ele, essa fase foi o tempo no qual se
deu a preparação do território, abrindo caminhos e criando as condições favoráveis para,
posteriormente, promover o desenvolvimento da colonização. Na visão desse autor, a fase
pioneira”, no caso de Rondonópolis, abarca o período de 1875 a 1940. Ele aponta como
contribuições importantes ocorridas naquele momento e que desencadearam o processo de
colonização posterior,
o desmembramento da região, de acordo com as motivações da
sociedade nacional; o estabelecimento de vias de comunicação; a
construção de espaço rural e urbano, modesto; a reiteração do
apaziguamento da nação bororo e a coexistência dos índios com os
brancos como fato natural; a aculturação inicial dos bororo; a
ocupação parcial do patrimônio indígena pela sociedade nacional, o
emprego dos índios em trabalhos diretos e indiretos; a ajuda dos
índios aos brancos, e a própria persistência do povoado
18
.
Mas, será que não houve acontecimentos anteriores a 1875, que contribuíram para
impulsionar a chamada “fase pioneira” deste lugar? Ou, ainda, será que é possível delimitar
1940 como marco que encerra um evento histórico para dar início a outro? Na avaliação do
autor, uma segunda fase desencadeou-se em meados da década de 1940, e esta se explica
pelas melhorias empreendidas pelo poder público no setor das comunicações, pelas diversas
levas de colonos que haviam se dirigido para o local, possibilitando “gerar uma produção
excedente diversificada para penetrar nos contextos regional e nacional, de forma articulada,
subordinada e dependente”
19
.
Parece ser de consenso entre grande parte dos autores e autoras que se dedicaram a
estudos e análises sobre o povoamento do território de Rondonópolis, que esse povoamento se
tornou mais consistente a partir do final da década de 1940, quando se intensificou a chegada
17
MARTINS, Jode Souza. A degradação do Outro nos confins do humano. (cap. 4). Co-edição. Programa
de Pós-Graduação Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. Editora HUCITEC, São Paulo, 1997.
18
NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. op. cit., p. 44-45.
19
Id. p.45.
17
de famílias migrantes em busca do “sonho da terra”
20
. Convém ressaltar que esse desejo de
adquirir um pedaço de terra não pode ser entendido como ponto de partida para impulsionar
os deslocamentos; mas é preciso ter presente, neste caso, o contexto econômico, político e
cultural que normalmente privilegia a concentração da terra e riqueza de modo geral,
explorando e expropriando inúmeros trabalhadores e trabalhadoras nos lugares onde
construíram seu espaço de vida. Sendo assim, muitos destes, na tentativa de assegurar a
condição de possuir terra para nela trabalhar, deslocam-se para outros lugares na esperança de
recuperar a condição de possuí-la. Mas, seque todos se deslocaram motivados pelo mesmo
sonho, “o sonho da terra”? Não, nem todos vieram motivados pelo mesmo sonho, como
poderá ser percebido no decorrer deste trabalho, pois falas de pessoas que vivenciaram
experiências migratórias revelaram também outras motivações que as levaram a deslocar-se
de um lugar para outro.
De acordo com Flávio Antônio da Silva Nascimento, a (re)ocupação” de
Rondonópolis nas décadas de 1940-1950 se situa no contexto nacional do momento em que
experiencia a “modernização agrária” parcial, ocorrida no Nordeste e também em São Paulo,
e isso, por sua vez, dispensava grande parte de sua força de trabalho. Estes trabalhadores
buscavam um novo espaço para a sua reprodução, podendo encontrar em Mato Grosso um
lugar de esperança. Mas, por que o estado de Mato Grosso aparece como um dos lugares de
esperança para as pessoas que buscam novas oportunidades?
Convém pontuar que a idéia que demarcou o território mato-grossense como lugar de
muita riqueza, e que ainda era inexplorado; portanto, à espera do mundo civilizado, capaz de
explorá-lo e incorporá-lo aos contextos da civilização e do desenvolvimento do capitalismo,
foi construída ao longo da sua história. Assim, também representações positivas e negativas
foram difundidas por este Brasil afora, através de discursos e do poder da escrita, que
apresentavam o espaço mato-grossense, mostrando-o, de um lado, como um lugar da riqueza
e, portanto, lugar de oportunidades, e de outro lado, como um lugar de desafio, de encontro
com o desconhecido, este visto como “selvagem”. Ou ainda, como diz Lylia da Silva Guedes
Galetti, “é um lugar remotíssimo, isolado, cercado por quilômetros e quilômetros de mata
virgem, rodeado pelo mais bruto sertão”
21
. Representações estas, que emitem signos e
20
Autores que se destacam: SILVA, Advair Mendes. op. cit; NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. op. cit;
TESORO, Luci Léa Martins. op. cit., entre outros.
21
GALETTI, Lylia S.Guedes. O Poder das Imagens: O Lugar de Mato Grosso no Mapa da Civilização. In:
Relações cidade-campo: Fronteiras. Luiz Sérgio Duarte da Silva ( org.). Goiânia: UFG, 2000, 289 f. p.23.
18
produzem o “outro” e o “lugar do outro” que, no seu modo de conceber, está na fronteira do
seu mundo; portanto, no mundo incivilizado.
Na visão de José D’Assunção Barros, “a noção de imaginário”, por vezes, “conserva
interfaces com a noção de representação e que em algumas situações os dois campos se
invadem”, como parece ocorrer no caso enfatizado
22
. Roger Chartier diz que as
“representações” são construções forjadas, visando atender a interesses de determinados
grupos, que tendem a impor sua autoridade, seu domínio sobre o outro, ou ainda justificar sua
prática
23
.
Neste sentido, pode-se destacar a literatura de viagens, especialmente de viajantes
estrangeiros que percorreram a “região”, principalmente entre a segunda metade do século
XIX e as primeiras décadas do século XX, registrando suas impressões.
Aqui cabe observar que a literatura, ao longo da história, também se encarregou de
construir a idéia de “região” que é uma invenção “simbólica de poder”, onde se constroem
representações impostas a determinadas realidades sociais. De acordo com Pierre Bordieu, ao
dividir-se o mundo social, classificando-o em “regiões”, projeta-se “lutas pelo monopólio de
fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer conhecer, de impor a definição legítima das
divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer os grupos”
24
.
De acordo com Lylia S. Guedes Galetti, o espaço mato-grossense era descrito por
esses viajantes como possuidor de uma
fantástica abundância, remota localização geográfica, dimensão
territorial excessiva, baixíssima densidade populacional e natureza
primitiva [que] são elementos fundamentais na composição da
imagem de Mato-Grosso como um imenso, rico, incivilizado e
longínquo vazio
25
.
Desse modo, parece ter-se despertado o interesse, em vários segmentos sociais, de
apostar num futuro promissor, que poderia ser construído no Mato Grosso. Por outro lado, o
crescimento da urbanização brasileira em curso, não estava preparada para absorver toda mão-
de-obra disponível nos grandes centros. Assim, foram sendo criadas as condições para que os
22
BARROS, José D’Assunção. op. cit., p. 92.
23
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e representações. Tradução: Manuela Galhardo.
Lisboa: Difel, 1990, 240 p.
24
BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Bertrond Brasil. 2000, p. 113.
25
GALETTI, Lylia S.Guedes. op. cit., p. 28, nota 19.
19
trabalhadores “excedentes”, provindos das “regiões tradicionais”, se dirigissem para as
fronteiras agrícolas em construção. Rondonópolis é um exemplo disso.
Para Flávio Antônio da Silva Nascimento, as migrações ocorreram de forma
diversificada, dirigindo-se para o espaço que constitui o município de Rondonópolis-MT.
Muitas pessoas, na sua avaliação, vinham espontaneamente, enquanto outras vinham
motivadas pelas colonizações públicas ou privadas. No seu entendimento, o trabalho desses
migrantes parece ter sido essencial para impulsionar o desenvolvimento econômico de
Rondonópolis, que se deu com base na pecuária e na produção agrícola.
No entanto, a partir de 1970, foram “atraídos”, para o território de Rondonópolis, o
médio e o grande proprietário, que expandiram o desenvolvimento agrícola, iniciando o
processo de industrialização no campo, com a introdução de máquinas, equipamentos,
insumos em geral, enfim, implantaram uma nova dinâmica na atividade agropecuária. Desse
modo, de acordo com o autor acima citado, os migrantes do período anterior, perdem, em
parte, seu destaque na economia, fato provocado pelo aprofundamento da “modernização
agrária conservadora”
26
.
Com o apoio do governo federal, a iniciativa privada implantou grandes projetos
agrários na “região”, o que deveria simbolizar o “progresso”, que para o governo militar
significava expansão e crescimento econômico, porém, não para todos, mas para uma minoria
privilegiada. Esse governo, para alcançar suas metas, colocou em prática uma forte repressão
política, visando coibir e esvaziar os movimentos sociais organizados, que reclamavam uma
sociedade mais igualitária, com melhor distribuição de renda e riqueza. Enquanto isso, o
trabalhador de subsistência, ou seja, aquele que cultivava suas terras através do trabalho
manual, sem auxílio de tecnologias, de melhoramento das sementes, máquinas, equipamentos,
insumos etc., que até então era importante, ficou de lado, sem nenhum incentivo do governo.
Este trabalhador, que basicamente plantava para a subsistência de sua família e
comercializava apenas o excedente de sua produção, não era o ideal para promover o
“progresso”. Aos poucos, a maior parte destes sujeitos sociais foi sufocada pelo agro-negócio,
que estava em curso com toda força.
Contudo, na opinião de Flávio Antônio da Silva Nascimento, mesmo assim, grande
parte desses migrantes continuou sendo importante para o desenvolvimento. Não como
produtores autônomos, mas como trabalhadores e trabalhadoras que passaram a vender sua
26
NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. op. cit., p.48.
20
força de trabalho, no campo ou na cidade. Dessa maneira, o “sonho da terra própria”, que
muitos almejavam conquistar, não se tornou realidade.
Mas, convém lembrar que, nesse período, nem todos se deslocavam em busca de
terra. Boa parte dos trabalhadores e trabalhadoras provenientes de municípios adjacentes a
Rondonópolis, como é o caso de Seu Valdemar Francisco Douraldo
27
, vinha em busca de algo
que não era somente a terra. Ele assim me falou durante a entrevista: em Guiratinga era
muito parado para o comércio, nós queríamos melhorar nossa situação econômica e
estudar”
28
. Já Benedita Rosálio da Silva Valério, enfatizou: “mudei para Rondonópolis porque
em Guiratinga não tinha emprego e eu tinha acabado de fazer o curso normal, o primeiro
ciclo, e aqui em Rondonópolis tinha o segundo ciclo”
29
. As falas desses dois entrevistados
revelam que as razões motivadoras da migração para Rondonópolis, no primeiro caso, foi a
possibilidade de desenvolver uma atividade comercial num lugar mais dinâmico, mas também
a continuidade dos estudos. Já, no segundo caso, a primeira motivação parece ter sido a busca
de emprego, e também a continuidade dos estudos. Desse modo, fica explícito que motivações
diversas impulsionaram pessoas procedentes de municípios mato-grossenses a deslocarem-se
para Rondonópolis-MT.
Constatei, a partir da literatura consultada, que os acontecimentos a envolverem a
“(re)ocupação” do espaço mato-grossense, não se deram naturalmente, mas foram, em boa
medida, construídos e arquitetados pela elite econômica e política do país, envolvendo
práticas diversas.
José de Souza Martins contribui para compreender esse processo, ao explicar que a
frente de expansão tem uma prática semelhante à da frente pioneira. Para ele, ambas
provocam deslocamentos humanos e travam conflitos para limpar o espaço que pretendem
ocupar. De acordo com este autor,
tanto a frente de expansão quanto a frente pioneira têm uma dinâmica
regulada pelo conflito e pela violência, por critérios de justiça
privada do pistoleiro, do crime de encomenda, geralmente do crime
impune
30
.
27
Optei denominar este migrante por “Seu” Valdemar porque assim ele é conhecido no meio social onde vive.
28
Entrevista cedida por Valdemar Francisco Douraldo em 22/11/2004, Rondonópolis-MT.
29
Entrevista cedida por Benedita Rosálio da Silva Valério em 03/03/2005, Rondonópolis-MT.
30
MARTINS, José de Souza. Frente de Expansão: os novos espaços dos velhos problemas. Travessia Revista
do Migrante. Fronteiras. Publicação do CEM – ano XII, nº 48, janeiro-abril/2004.
21
Portanto, o processo de “(re)ocupação” de Rondonópolis, assim como o dos demais
municípios mato-grossenses que constituem o recorte espacial deste estudo, também se
enquadraria no modelo de “(re)ocupação” que gerou práticas violentas no decorrer dos
acontecimentos. Mas, o somente aconteceram práticas violentas. Muitas pessoas que aqui
chegaram, dos mais diversos lugares, nele materializaram o seu jeito de viver, construíram
redes de socialibilidade, de solidariedade. Fizeram deste lugar o seu espaço de vida, como
ainda parece se repetir em meus ouvidos a fala de Benedita, na entrevista referida, quando em
tom de voz séria disse: “Fiz de Rondonópolis minha cidade natal”
31
!
Assim, os migrantes internos no próprio estado, nele movimentando-se de um lugar
para outro, de um município para outro, têm significativa expressão para este estudo, uma vez
que detectei, no levantamento documental realizado, a presença marcante de pessoas nascidas
em Poxoréo, assim como em outros municípios mato-grossenses, que vivem atualmente em
Rondonópolis-MT, lugar este que constitui o recorte espacial do presente estudo, o qual
apresenta como tema migrações internas no estado do Mato Grosso, vividas e experienciadas
por sujeitos sociais que se deslocaram de municípios próximos a Rondonópolis-MT, para esta
cidade.
Dando mais um passo neste ofício - o de historiadora - fiz intensas buscas em fontes
bibliográficas, consultas às fontes do IBGE, mas, principalmente, travei um diálogo com
pesquisadores acerca da temática que queria desenvolver. Percebi com eles que a fonte oral
seria um método viável para conhecer histórias de migrações vividas pelos sujeitos sociais
que eu pretendia focalizar no estudo que propunha. Percebi, ainda, que a Associação de
Pioneiros de Rondonópolis-MT- ASPIR era um caminho para o encontro com aqueles e
aquelas que vivenciaram esse tipo de migração.
32
Desse modo, em dezembro de 2004, adentrando janeiro de 2005, dediquei-me a fazer
um levantamento no arquivo dos sócios da entidade anteriormente assinalada. Encontrei 666
(seissentos e sessenta e seis) pessoas associadas à mesma. Na medida que investigava esse
arquivo, eu me perguntava: quem são os “pioneiros” que constituem este conjunto de
registros? Dialogando com alguns desses sujeitos sociais que circulavam, ocasionalmente, o
ambiente dessa associação enquanto me encontrava no local investigando esses documentos,
percebi que são homens e mulheres que se autodenominam como “pioneiros” pelo fato de
terem chegado em Rondonópolis nos tempos iniciais de sua formação e vivenciado tempos
31
Entrevista já citada de Benedita Rosálio da Silva Valério.
32
ASPIR – Associação de Pioneiros de Rondonópolis-MT foi fundada em abril de 1993.
22
difíceis neste lugar, pelo seu isolamento, ausência de uma infra-estrutura organizada, entre
outros.
Outra questão despertava-me curiosidades: por que criaram uma associação para os
“pioneiros”? Percebi, através de um bate-papo informal com aqueles com quem encontrava
esporadicamente, no cotidiano da minha pesquisa, que pretendiam dar a conhecer suas
experiências, para deixar registrada a sua história e para serem vistos como “heróis”.
Esta representação incutida na memória dessas pessoas foi construída, em grande
medida, pelos discursos oficiais também em estudos acadêmicos, que apresentam os
primeiros habitantes brancos como “pioneiros” e como os verdadeiros impulsionadores do
desenvolvimento deste município. Mas, lá estão os pobres e os ricos; a que grupo esse
discurso privilegia? Detectei, através de contatos com estes sujeitos sociais, que há,
predominantemente, preocupação em ressaltar a presença dos “pioneiros” que se destacaram
econômica e politicamente, a exemplo do Sr. José Youssef Merhi (Zé Sobrinho), que
construiu para si um estrondoso patrimônio neste município. No entanto, foi justamente este
homem um dos grandes idealizadores da criação dessa associação.
Em diálogo com o referido “pioneiro”, durante o tempo da investigação no arquivo,
este deixou transparecer em sua fala a preocupação em ser lembrado como herói, que
contribuiu muito para o crescimento e desenvolvimento deste lugar.
também quem reivindica o título de herói para os “pioneiros” que se sentem
marginalizados, “os pobres”, como fez Luci Léa Lopes Martins Tesoro, em sua pesquisa de
doutorado, dizendo: “em Rondonópolis, são homenageados os pioneiros ricos; os pobres
são esquecidos, nunca são lembrados para coisa alguma...”
33
.
Todavia, de acordo com Jones Dari Goettert
34
, uma outra questão fundamental no
discurso de pioneiro: a Associação busca preservar uma certa importância a mulheres e
homens que, social, econômica e politicamente, perderam espaço para as mulheres e homens
do agro-negócio que chegaram depois. Este é o caso de Zé Sobrinho que, por exemplo, era um
grande comerciante, ligado a uma hegemonia passada e que, atualmente, parece sentir-se
esquecido em sua importância. No caso de Rondonópolis, quando algumas mulheres e alguns
homens perdem seu espaço, é que se inicia o discurso de pioneiro construtor silencioso de sua
história e registra as suas contribuições e experiências através da Associação criada, pois a
33
TESORO, Luci Léa Lopes Martins, op. cit., p.11.
34
GOETTERT, Jones Dari, op. cit., p. 47-48, nota 9.
23
história oficial do presente, muitas vezes, negligencia a história daqueles que aqui chegaram
nos tempos iniciais de sua formação.
Os discursos que instituem “heróis pioneiros”, homogeneizando as experiências
desses sujeitos sociais, apagam as diferenças vivenciadas no processo da formação social. No
entanto, não é esta a minha proposta de estudo: a de compreender a construção de discursos
que instauram o “pioneirismo” e nem de reconhecer estes sujeitos sociais que migraram para
Rondonópolis, de municípios próximos como “heróis pioneiros”. O que pretendo é conhecer
as experiências múltiplas vivenciadas por eles e elas na migração. Conhecer as trajetórias
percorridas e as dificuldades nelas encontradas. As razões que se colocaram na vida de cada
um e uma para buscar um novo lugar de vida. Em que medida as propagandas oficiais
influenciaram na escolha desse lugar. O que buscaram e o que encontraram no novo lugar. E
como nele passaram a viver.
No universo de registros existente na ASPIR, inúmeras fichas encontravam-se com
os dados incompletos e outros estavam desatualizados. Isso dificultou alguns contatos no
momento das entrevistas. Porém, não inviabilizou a construção e uso do recurso metodológico
de depoimentos orais. Encontrei, nas fontes consultadas, registros de pessoas procedentes de
estados diversos, mas também de pessoas provenientes de municípios próximos a
Rondonópolis-MT. Isso me levou a observar, com maior atenção, os registros consultados,
pois buscava saber, no contexto do levantamento que eu iniciava, de quais municípios do
estado do Mato Grosso se deslocavam habitantes, para o município de Rondonópolis. Por
outro lado, ainda buscava saber em que época estes sujeitos sociais se deslocaram para cá.
Percebi que, no início da cada de 1940, ocorreram deslocamentos dessa natureza,
acentuando-se no final dessa mesma cada, coincidindo, em boa medida, com o início da
implantação das colônias agrícolas estaduais
35
. Tendo como uma das preocupações conhecer
de que forma a política de direcionamento do governo teve peso na sua estratégia de orientar
os fluxos migratórios provenientes desses municípios próximos para Rondonópolis-MT,
considerei importante também entrevistar pessoas que vieram para durante o período de
implantação dessas colônias públicas, a fim de perceber se elas funcionaram ou não, como
“fatores de atração” para os migrantes em questão.
Portanto, temporalmente, o período em que focalizo esta pesquisa está centrado nas
décadas de 60 e 70, em que ocorreram deslocamentos de pessoas para o estado do Mato
35
A implantação das colônias agrícolas estaduais em Rondonópolis-MT teve início em 1948, estendendo-se este
processo ao final da década de 60. Ver figura 3, p. 37.
24
Grosso, procedentes de várias partes do país, principalmente do Nordeste e Sudeste. No
mesmo período ocorreram também inúmeros deslocamentos internos no estado. Porém,
convém alertar que, embora o foco da pesquisa esteja centrado nas duas referidas décadas, ele
o se fecha nelas, pois no trabalho com fontes orais que utiliza, o recurso da memória não
permite enquadrar um recorte temporal na perspectiva cronológica, fixando um determinado
tempo. Os depoentes, embora busquem recordar experiências vivenciadas no período indicado,
vivem no tempo presente. No ato de recordar, transitam entre vários tempos vivenciados,
podendo, inclusive, transcender em direção ao futuro novos sonhos, planos e novas
esperanças são assinaladas. Assim, os acontecimentos e experiências vividos, que transparecem
em suas falas, podem tanto trazer elementos referentes a períodos anteriores como posteriores
daquele período em foco.
Mais uma questão pode ser aqui destacada: se existiu um intenso movimento de
deslocamentos de vários lugares do país para o estado de Mato Grosso, por que Rondonópolis,
um dos municípios que lhe é constitutivo, atraiu, além de pessoas oriundas de outros estados,
pessoas vindas de Poxoréo, Guiratinga, Alto Araguaia, Dom Aquino e dos vários outros
municípios, que configuram o estado mato-grossense em igual período?
Trabalhos produzidos a partir da década de 1980 sobre o estado do Mato Grosso dão
conta de que o município de Rondonópolis se destacou no contexto regional, principalmente na
implantação de colônias públicas estaduais, na expansão da fronteira agrícola, na centralidade
comercial e na importância política e econômica que disso decorre
36
. Por outro lado, teria
ocorrido uma perda progressiva da importância econômica e política dos municípios que foram
formando-se pela atividade garimpeira, como Guiratinga e Poxoréo. Ainda convém destacar,
como apontou Luci Léa Lopes Martins Tesoro
37
, que Rondonópolis apresenta uma “localização
privilegiada”, e disponibilidade de terra, o que possibilitou a expansão demográfica e
econômica. Estes aspectos me fazem pensar que a migração para Rondonópolis-MT é parte
desse contexto em que o lugar Rondonópolis apresenta "fatores de atração" mais relevantes que
outros lugares dentro do estado mato-grossense. Sem esquecer que os “fatores de atração”,
geralmente, o a criação de políticas públicas com o intuito de direcionar populações que
desejam buscar novas oportunidades de vida. Desse modo, os “fatores de atração” não são algo
dado, mas construídos pelo poder público.
36
A esse respeito ver ROSSO, Gilberto Silva de. Influência da Cidade de Rondonópolis na Rede Urbana da
Mesorregião Sudeste Mato-Grossense. 1999. 122 f. (Dissertação de Mestrado em Geografia). UNESP,
Presidente Prudente – SP, 1999; SILVA, Advair Mendes, op. cit; SUZUKI, Júlio César, op. cit, entre outros.
37
TESORO, Luci Léa Lopes Martins, op. cit.
25
Partindo dos aspectos colocados, a minha preocupação é conhecer e compreender
migrações vividas por sujeitos sociais que se deslocaram desses lugares próximos, para o
município de Rondonópolis, sem, no entanto, perder de vista que a migração dessas pessoas é
apenas parte do processo migratório maior, que se desencadeou no Nordeste, no Sudeste, no
Sul.
Uma das minhas preocupações é "desnudar", a partir de experiências relatadas por
sujeitos sociais que migraram, o papel que o contexto regional mais atual desenvolve para que
Rondonópolis-MT se destaque em crescimento, dos demais municípios que constituem o
recorte espacial em estudo, especificamente, em relação às migrações internas no estado do
Mato Grosso.
Busco, também, através das falas de migrantes entrevistados, conhecer as razões que
os levaram a deixar seu lugar de nascimento e as razões que os fizeram a “escolher”
Rondonópolis-MT e a deslocarem-se para cá; o que encontraram em Rondonópolis e como aqui
passaram a viver. Assim, partindo de experiências vividas por esses migrantes internos no
estado do Mato Grosso os quais hoje moram em Rondonópolis, pretendo desenvolver uma
reflexão sobre a problemática das migrações neste contexto, contribuindo, assim, para a
construção de conhecimentos históricos no âmbito da História de Mato Grosso.
Para a elaboração dessa pesquisa, adoto um todo da História Oral, por meio da
construção e uso da fonte oral, fonte esta que me permite, através de falas dos entrevistados,
conhecer vivências, experiências e práticas desses sujeitos sociais os migrantes internos no
estado do Mato Grosso, cujos depoimentos podem ser tratados como construções que se fazem
pelo trabalho da memória.
Para Jacques Le Goff, a memória é tida
como propriedade de conservar certas informações, [e que] remete-nos
em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais
o homem pode atualizar impressões passadas, ou que ele representa
como passadas
38
.
Esta definição sobre “memóriafeita pelo autor, é importante para o trabalho com
depoimentos de migrantes, pois permite compreender que os mesmos, ao falarem de
38
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradão: Bernardo Leitão. et. al. 4. ed. Campinas: UNICAMP, 1996,
p. 423.
26
experiências vividas, deslocam-nas do passado para o presente, sempre as atualizando,
(re)interpretando-as.
Considero o trabalho com depoimentos orais um caminho apropriado para o
conhecimento do tema em questão, à medida em que eles tornam possível conhecer os sujeitos
sociais, ou melhor, reconhecer o direito desses ao uso da palavra, vendo-os como indivíduos
que têm nomes, rostos, fazendo-se visível na escrita, e, portanto, na construção de um possível
conhecimento histórico, retirando-os do anonimato, tornando suas histórias mais conhecidas.
Porém, sem esquecer o que é dito por Antônio Torres Montenegro, que os registros orais ou
escritos serão sempre representações acerca da realidade, e jamais a apreensão do acontecido
em si
39
.
Portanto, depoimentos orais são um caminho pertinente, pois eles permitem ao
historiador ou historiadora dar visibilidade, em sua escrita, aos sujeitos sociais que participam
de sua narrativa. Além disso, as fontes orais, conforme argumenta Alessandro Portelli, “contam-
nos não apenas o que o povo fez [neste caso os migrantes em estudo], mas o que queria fazer, o
que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez”
40
. Assim, entendo que o trabalho com
fontes orais para o tema em questão é imprescindível para se conhecer as vivências e
experiências de sujeitos sociais que migraram de municípios próximos para Rondonópolis-MT.
Convém ainda ressaltar o que diz Regina Beatriz Guimarães Neto: ela alerta aos
historiadores e historiadoras que operam com fontes orais em suas pesquisas que esse recurso
metodológico “(...) obriga-nos a experimentar tratamentos inéditos, sobretudo relevando a
construção do passado recente, e também a refletir sobre a elaboração de questões que têm
poder para modificar, ampliar e direcionar as pesquisas”
41
.
Ao trazer para o texto a expressão fazer-se”, tenho como objetivo valorizar o
conteúdo subjetivo apreendido dos sujeitos sociais que participam da minha pesquisa, quando
falam das experiências, vivências, desejos, realizações, angústias, derrotas e tantas outras
questões que são suscitadas em seus discursos. Ao exprimir experiências vividas, estes sujeitos
sociais que migram fazem-se e se refazem nas trajetórias, nos lugares de onde saíram e naqueles
39
MONTENEGRO, Antônio Torres. História oral e interdisciplinariedade. A invenção do olhar. In: SIMSON,
Olga Rodrigues de Moraes Von (org). Os desafios contemporâneos da História oral. 1996. Campinas.
UNICAMP, 1997, p.208.
40
PORTELLI, Alessandro. Forma e significado na História Oral. A pesquisa como um experimento em
igualdade. Revista Projeto História, São Paulo: Departamento de História – PUC, (14), fev. 1997, p. 31.
41
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Artes da memória, fontes orais e relato histórico. In: Revista História
& Perspectiva, Uberlândia, (23): 114, Jul/Dez. Ed. UFU, 2000, p. 100.
27
que chegam. Eles ressignificam a vida experienciada nos lugares que deixaram para trás e que,
através do recurso da memória, fazem aflorar as ltiplas lembraas no tempo presente.
Um fazer-se e refazer-se que é, no dizer de Edward P. Thompson, “um processo ativo,
que se deve tanto à ação humana como aos condicionamentos”
42
.
Para construir uma História fundada na trajeria de migrantes que se deslocaram de
municípios mato-grossenses para Rondopolis-MT, recorri à obra de Michel de Certeau, que
propõe em seu texto “A Operação Historiogfica”, um caminho inovador, atual, que pode ser
adotado pelo historiador e historiadora, para operar a construção do conhecimento histórico.
Nesse texto ele faz uma reflexão acerca do lugar social”, da prática” e da “escrita”, bem como
aborda aspectos que envolvem o trabalho do historiador e historiadora, no processo da construção
do conhecimento
43
.
Segundo Michel de Certeau,o passado é uma invenção do presente”. Porém, é o
presente que escolhe e tem interesse no passado, sobre determinados fatos, acontecimentos,
enfim, realidades sociais já vivenciadas. É o historiador que constrói seu objeto de estudo,
baseado nas questões que se colocam, nas respostas que quer buscar. Escolhe também suas fontes
e transforma seus documentos, ou ainda, escolhe os sujeitos sociais que pretende colocar em sua
escrita.
À medida em que me envolvia na leitura de reflexões feitas pelo historiador
anteriormente mencionado, fui pensando em como utili-las em minha pesquisa, para
desenvolver o estudo proposto.
Primeiramente, o autor me fez perceber o quão importante é ao pesquisador e
pesquisadora ter clareza do “lugar social” no qual es inserido o conjunto operatório da pesquisa
historiográfica. Fez-me situar, como mediadora da pesquisa, neste caso, referente às migrações
internas no estado mato-grossense, no ofício de historiadora. Ou seja, mostrou-me o lugar
primeiro que me direito e sustentabilidade para construir um trabalho de história. Jamais o
historiador deve perder de vista que o lugar de produção historiográfica está ligado e articulado a
um lugar sócio-econômico-político-cultural.
Por outro lado, o lugar da produção do conhecimento histórico, via de regra, es situado
dentro de uma instituição do saber. No meu caso, a Universidade Federal de Mato Grosso
42
THOMPSON, Edward. P. A formação da classe operária. vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p 9.
43
De acordo com CERTEAU, Michel de. A Operação Historiográfica. (cap. II). In: A Escrita da História. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
28
UFMT, na qual estou integrada, e, nela, aos historiadores que eso orientando-me no processo
investigativo, pois a pesquisa se produz a partir de regras específicas da disciplina histórica um
aprendizado que vou fazendo no processo investigativo, condição necessária para que esta seja
reconhecida pelos meus pares e adquira legitimidade.
Tendo presente a minha preocupação em conhecer e compreender migrações internas no
estado do Mato Grosso, vividas por pessoas que hoje moram em Rondonópolis, estruturei o
estudo que fiz da seguinte forma:
Catulo I: A Emergência da cidade de Rondopolis”, no qual faço uma breve
contextualização de aspectos que envolvem a construção social, política, econômica e cultural da
cidade de Rondopolis-MT. Desse modo, pretendo situar o leitor no espaço de onde falam os
meus depoentes, lugar em que os entrevistei.
Capítulo II: “O caminho antes de Rondopolis”, em que apresento experiências de
vida de migrantes no seu espaço de nascimento, nos municípios próximos de onde se deslocaram.
Nele, busco conhecer vivências nos lugares onde viviam e razões que os fizeram buscar novos
lugares para viver. A trajeria anterior, a de seus familiares, ou seja, pais e avós, tamm é nele
abordada.
Catulo III: “O fazer-se lugar, num novo lugar”, no qual desenvolvo uma discussão
acerca da construção dos espaços no novo lugar - em Rondonópolis-MT; fazer-se lugar no
caminho percorrido, na busca pelo trabalho, pela terra, pelo estudo, na construção das relações de
sociabilidade, nos muitos outros afazeres.
Catulo IV: “O fazer-se e o refazer-se”: sonhos, perspectivas, fracassos, desilusões... E
agora?”. Nele enfoco as experncias do “fazer” desses e dessas migrantes em Rondonópolis, que
de acordo com Jones Dari Goettert, baseado em Sandra Jatahy Pesavento, também é o “refazer e
o desfazer”. Assim, na medida que o e as migrantes e seus familiares, em foco neste estudo,
participam de um “fazer-se”, assim também, na condição de migrantes, participam de seu
refazer” e de um “desfazer”. “Esses três momentos devem ser pensados em sua unidade e
diversidade, como partes de um movimento que não apresenta, necessariamente, um começo, um
meio e um fim”
44
. No fazer, nem tudo o que almejavam se realiza. Desse modo, no ato do “fazer”
está também o “refazer” e o “desfazer”, experncias estas, que interagem entre si e participam de
um mesmo movimento. E, nesse percurso do “fazer”, “refazer” e “desfazero que ficou?
44
GOETTERT, Jones Dari, op. cit., p. 7, nota 1.
29
CAPÍTULO I
A CIDADE DE RONDONÓPOLIS-MT: O LUGAR DE ONDE FALAM
OS DEPOENTES
Escrever história é gerar um passado, circunscrevê-lo, organizar o
material heterogêneo dos fatos para construir no presente uma
razão.
Michel de Certeau
Neste capítulo, faço uma breve contextualização de aspectos que envolvem a
construção social, política, econômica e cultural da cidade de Rondonópolis-MT. Desse
modo, busco situar o leitor no espaço de onde falam os meus depoentes, o lugar em que os
entrevistei.
O município de Rondonópolis-MT está localizado à margem do rio Vermelho, no
Sudoeste do estado do Mato Grosso, na microrregião 336. Faz divisa, ao Norte, com os
municípios de Poxoréo e Dom Aquino, ao Sul com os municípios de Itiquira e Pedra Preta, a
Leste com o município de Guiratinga e a Oeste com os municípios de Juscimeira e Santo
Antônio do Leverger (Figura 1, p. 30).
O referido município contém uma área de 4.685 quilômetros quadrados e está
distante de Cuiabá, capital do estado, aproximadamente, 210 Km.
Seu território está imbricado pelo Vale São Lourenço e é cortado por vários cursos
d’água, sendo que o rio Vermelho e o rio Arareau, que banham a cidade, fazem parte do rio
São Lourenço, afluente do Pantanal. (Figura 2, p. 36
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