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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS
SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA
E SOCIEDADE
TESE
A Intervenção no Mercado de Terras Rurais no Brasil: um
estudo sobre o crédito fundiário e o imposto territorial
rural no período 1997-2002
Alberto Di Sabbato
2008
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ii
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
A INTERVENÇÃO NO MERCADO DE TERRAS RURAIS NO BRASIL:
UM ESTUDO SOBRE O CRÉDITO FUNDIÁRIO E O IMPOSTO
TERRITORIAL RURAL NO PERÍODO 1997-2002
ALBERTO DI SABBATO
Sob a Orientação do Professor
Sérgio Pereira Leite
Tese submetida como requisito parcial
para obtenção do grau de Doutor em
Ciências, no Curso de Pós-Graduação de
Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade
Seropédica, RJ
Abril de 2008
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iii
333.335
D536i
T
Di Sabbato, Alberto
A intervenção no mercado de terras
rurais no Brasil: um estudo sobre o
crédito fundiário e o imposto territorial
rural no período 1997-2002 / Alberto Di
Sabbato.
148 f.
Orientador: Sérgio Pereira Leite.
Tese (doutorado) – Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Instituto de
Ciências Humanas e Sociais.
Bibliografia: f. 125-133.
1. Crédito Fundiário - Brasil - Teses.
2. Imposto Territorial Rural – Brasil
Teses 3. Reforma Agrária – Brasil- Teses.
I. Leite, Sérgio Pereira. II. Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro. Instituto
de Ciências Humanas e Sociais. III.
Título.
iv
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
ALBERTO DI SABBATO
Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciências, no
Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
TESE APROVADA EM 10 DE ABRIL DE 2008.
_________________________________________________________
Sérgio Pereira Leite, Dr., CPDA/UFRRJ
(Orientador)
_________________________________________________________
Antônio Márcio Buainain, Dr., Unicamp
_________________________________________________________
Gervásio Castro de Rezende, Ph.D., UFF
_________________________________________________________
Leonilde Servolo de Medeiros, Dra., CPDA/UFRRJ
_________________________________________________________
Nelson Giordano Delgado, Dr., CPDA/UFRRJ
v
Para Juan, Carolina, Manuel, Maria e Antônio,
meus netos.
vi
AGRADECIMENTOS
Aos meus colegas do Departamento de Economia da UFF, pela licença conferida para
a realização do doutorado.
Aos meus caros amigos, professores Airton Queiroz, Ana Urraca Ruiz, Carlos
Guanziroli, Célia Lessa Kerstenetsky, Hildete Pereira de Melo, Jorge Britto, Marta Castilho,
Ruth Dweck e Ruy Santacruz, pela convivência e pelo incentivo.
Aos membros da banca examinadora, professores Leonilde Medeiros, Antônio Márcio
Buainain, Gervásio Rezende e Nelson Delgado, pelas sugestões e pelos comentários críticos,
que muito contribuíram para melhorar o trabalho.
Ao professor Sérgio Leite, pela seriedade, dedicação e, sobretudo, paciência com que
conduziu a orientação da tese.
Evidentemente, nenhum dos citados é responsável pelas possíveis falhas e omissões do
trabalho.
vii
RESUMO
DI SABBATO, Alberto. A intervenção no mercado de terras rurais no Brasil: um estudo
sobre o crédito fundiário e o imposto territorial rural no período 1997-2002. 2008. 148p.
Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade).
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Seropédica, RJ, 2008.
O trabalho tem por objetivo estudar os instrumentos de intervenção no mercado de terras
rurais utilizados no Brasil no período 1997-2002, que são o crédito fundiário e o imposto
territorial rural (ITR), com vistas a analisar suas possibilidades e limitações como
mecanismos de ampliação do acesso à terra aos trabalhadores rurais sem terra e com terra
insuficiente. A questão central que está subjacente à análise realizada é em que medida tais
instrumentos são capazes de servir efetivamente de substitutos do processo de reforma agrária
mediante desapropriação de terras ociosas. Para a elaboração do trabalho foi realizado, de um
lado, levantamento bibliográfico que permitisse dar conta da teoria relativa ao mercado de
terras rurais e à tributação da terra agrícola, assim como dos aspectos históricos e
institucionais referentes à intervenção no mercado de terras rurais de alguns países latino-
americanos. Além disso, foi igualmente considerada a literatura especializada sobre o caso
brasileiro, no que diz respeito tanto ao mercado de terras rurais, quanto ao crédito fundiário e
ao ITR. De outro lado, para a análise empírica pertinente ao tema em estudo, lançou-se mão
das seguintes informações estatísticas: Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA, e respectivas
Estatísticas Cadastrais, ambos de 1998; Censo Agropecuário do IBGE, de 1995-1996, e, em
particular, informações das tabulações especiais deste Censo produzidas no âmbito do Projeto
de Cooperação Técnica INCRA/FAO; Listagem consolidada do Programa Cédula da Terra
(PCT), Relatório de famílias beneficiadas pelo PCT e Relatório de famílias beneficiadas pelo
Banco da Terra, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), abrangendo,
respectivamente, os períodos 1997-2002, 2000-2004 e 1999-2004; Relatório com quadros
demonstrativos das áreas declaradas de interesse social para fins de desapropriação e
Relatório analítico da desapropriação de imóveis rurais, ambos do INCRA, abrangendo,
respectivamente, os períodos 1964-1985 e 1979-2002; Estatísticas de preços de terras
agrícolas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), relativas aos anos de 1982 a 1998; Estatísticas
Tributárias do INCRA, nos períodos 1975-1978 e 1982-1989; Estatísticas relativas ao Perfil
do ITR, de 1997, da Secretaria da Receita Federal (SRF); e Estatísticas de arrecadação da
receita administrada pela SRF, no período 1990-2001. O estudo conclui que, ao contrário do
que tem sido propagado pelos seus defensores, os instrumentos adotados no país, no período
considerado, não foram capazes de garantir de forma significativa a referida ampliação do
acesso à terra. Ademais, a análise de aspectos relevantes da realidade institucional do mercado
de terras rurais brasileiro indica que dificilmente estes instrumentos, tal como foram
implementados, seriam capazes de promover modificação importante em nossa estrutura
fundiária.
Palavras-chave: Crédito Fundiário, Imposto Territorial Rural, Reforma Agrária.
viii
ABSTRACT
DI SABBATO, Alberto. The rural land market intervention in Brazil: a study about land
credit and agricultural land taxation in the period 1997-2002. 2008. 148p. Thesis
(Doctorate on Social Sciences in Development, Agriculture and Society). Instituto de Ciências
Humanas e Sociais, Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2008.
The thesis has for objective to study the instruments of intervention in the land market used
by the Brazilian government in the period 1997-2002, and that were the concession of credit
for the purchase of land and the taxation of agricultural land (the ITR). The purpose of this
study was to investigate the possibilities and limitations of these instruments as mechanisms
of increasing the access to the land by the rural landless workers as well as by the small
farmers endowed with insufficient land. The central question underlying the analysis
presented is to what extent such instruments were sufficient to serve effectively as substitutes
of the traditional process of agrarian reform, centered on land redistribution. This analysis is
based on a bibliographic survey covering the theories of the agricultural land markets and also
of the agricultural land taxation, in both cases focusing on the Brazilian case. However, the
thesis extends itself also to the experiences of some Latin American countries in what matters
the experiences with the new agrarian reform policy tools adopted in Brazil in the period
under analysis. The empirical analysis presented in the thesis used extensively the following
data sources: 1) the “Cadastro de Imóveis Rurais” of INCRA, accompanied by the respective
“Estatísticas Cadastrais”, both of them relative to 1998; 2) the 1995-96 Agricultural Census of
IBGE, and, in particular, the special tabulations of this Census generated for the Project of
Technical Cooperation INCRA/FAO; 3) consolidated listing of the "Cédula da Terra"
Program (PCT) and report on the families benefited by the PCT and Land Bank, both of them
provided by the Ministry of Agrarian Development (MDA), including, respectively, the
periods 1997-2002 , 2000-2004 and 1999-2004; 4) report with tables showing the areas
declared of social interest for the purpose of land reform, and report on the farms that were
expropriated for the purpose of agrarian reform, both of them provided by INCRA, covering,
respectively, the periods 1964-1985 and 1979-2002. The arguments developed in the thesis
are based, also, on data on agricultural land prices collected by Getulio Vargas Foundation
(covering the period 1982-1998); Statistics on Land Taxes of INCRA, for the periods 1975-
1978 and 1982-1989; Statistics relative to the ITR profile, relative to 1997, furnished by the
Secretaria da Receita Federal (SRF); and Statistics on the revenues administered by the SRF,
for the period 1990-2001. The study concludes that, contrary to what has been propagated by
its defenders, the new agrarian reform instruments, implemented by the country in the period
under analysis, were not capable of generating an effective increase in the access to the land
by the small producer in Brazil. In addition, the analysis of relevant aspects of the institutional
reality of the rural land markets in Brazil indicates that these instruments, at least in the form
that they were conceived, would not be capable of promoting a significant change in our
agrarian structure.
Key words: Land Credit, Agricultural Land Taxation, Agrarian Reform.
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I MERCADO DE TERRAS RURAIS 4
1.1 Os Determinantes do Preço da Terra Rural 5
1.2 O Mercado de Terras Rurais como Instituição 8
1.3 Teorias sobre o Mercado de Terras Rurais: Análise Crítica e Síntese 11
CAPÍTULO II TRIBUTAÇÃO DA TERRA AGRÍCOLA 16
2.1 Tipologia dos Sistemas de Tributação da Terra Agrícola 16
2.2 Por Que a Tributação da Terra é Pouco Utilizada 19
CAPÍTULO III ESTADO E INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO NO
MERCADO DE TERRAS RURAIS: A EXPERIÊNCIA
DE ALGUNS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA 22
3.1 Chile: Ampla Liberalização do Mercado de Terras Rurais 24
3.2 Equador: Crédito Fundiário Não Governamental 27
3.3 México e Peru: Desregulamentação Contra a Propriedade Comunitária 31
3.4 Colômbia: Muita Legislação por (Quase) Nada 34
3.5 Nicarágua e El Salvador: Reforma e Contra-Reforma Separadas por (Apenas ) uma
Década 37
CAPÍTULO IV ASPECTOS INSTITUCIONAIS DO MERCADO DE TERRAS
RURAIS NO BRASIL 41
4.1 Estimativas de Disponibilidade e Necessidade de Terras Rurais 41
4.2 Dinâmica do Mercado de Terras Rurais 47
4.3 Concentração e Grilagem de Terras Rurais 50
CAPÍTULO V CRÉDITO FUNDIÁRIO NO BRASIL 86
5.1 Breve Histórico do Crédito Fundiário 86
5.2 Resultados do Crédito Fundiário 90
5.3 Crédito Fundiário e Estimativas de Necessidade e de Preços de Terras Rurais 94
5.4 Crédito Fundiário e Desapropriação 102
CAPÍTULO VI TRIBUTAÇÃO DA TERRA AGRÍCOLA NO BRASIL 108
6.1 Breve Histórico do ITR 109
6.2 Evolução Recente e Situação Atual do ITR 114
CONCLUSÕES 122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 125
ANEXO – Metodologia para caracterização do perfil da agricultura familiar
e de seus principais sistemas de produção 134
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como pano de fundo o fato de que a questão agrária está longe
de ter sido resolvida no país, o que pode ser atestado pela brutal concentração fundiária ainda
hoje existente e pelo enorme contingente de trabalhadores rurais sem terra ou com terra
insuficiente, a despeito – e, em parte, por causa – da modernização que se verificou na
atividade agropecuária nacional. Se se toma como marco o ano de 1964, quando foi aprovado
o Estatuto da Terra, o principal instrumento legal existente para sua solução a reforma
agrária mediante a desapropriação de terras ociosas sofreu toda a sorte de obstáculos,
embora nunca tenha sido eliminado formalmente da legislação. Diversas foram as alternativas
apresentadas – e implementadas –, ao longo dessas mais de quatro décadas, para que não se
utilizasse plenamente o instrumento da desapropriação, que foi, em grande parte do período,
relegado a um papel secundário. Mais recentemente, apresentaram-se novas propostas de
alternativa à desapropriação que, não obstante as controvérsias suscitadas, foram
implementadas pelo governo federal na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Tais propostas
fazem parte do que se tem denominado de “reforma agrária de mercado”, e estão inseridas no
contexto mais geral das políticas liberalizantes patrocinadas pelos organismos internacionais –
FMI e Banco Mundial, principalmente –, no âmbito dos acordos de renegociação da dívida
externa dos países em desenvolvimento.
O objetivo deste trabalho é estudar os “novos” instrumentos de intervenção no
mercado de terras rurais no caso brasileiro, que são o crédito fundiário e o imposto sobre a
propriedade territorial rural – ITR, com vistas a analisar suas possibilidades e limitações como
mecanismos de ampliação do acesso à terra aos trabalhadores rurais sem terra e com terra
insuficiente.
O crédito fundiário adotado no Brasil tem como pressuposto que a escolha das terras a
serem adquiridas, bem como a negociação com os respectivos proprietários, será feita por
associações comunitárias formadas pelos potenciais beneficiários, auxiliadas pelos
organismos governamentais. Os beneficiários são trabalhadores rurais sem terra e pequenos
produtores rurais com acesso precário à terra ou com insuficiência de terra. Para esses
beneficiários são estabelecidos valores máximos de renda e de patrimônio, de modo a garantir
que os mais pobres sejam beneficiados. Além do financiamento da aquisição de terras, que é
reembolsável, são financiados projetos de investimentos comunitários complementares, para
os quais não é exigido reembolso, mas pode-se estabelecer que as associações comunitárias
assegurem a contrapartida de um pequeno percentual do total financiado. O ITR voltou à
ordem do dia, em virtude de alteração efetuada pelo governo federal na legislação sobre este
imposto com o objetivo explícito de torná-lo um instrumento auxiliar do processo de reforma
agrária, mediante forte taxação sobre as propriedades improdutivas.
O trabalho definiu o estudo dos referidos instrumentos no período 1997-2002 pelas
razões a seguir expostas. O ano de 1997 foi aquele em que se deu o início da implementação
da primeira experiência no âmbito do governo federal, patrocinada em conjunto com o Banco
Mundial, de crédito fundiário no Brasil: o Projeto Cédula da Terra (PCT), que abrangeu os
estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia e o norte de Minas Gerais. Este também foi
o primeiro ano de vigência da nova legislação do ITR, aprovada no final de 1996. Ao longo
do período, além do PCT, foram criados dois novos programas de crédito fundiário no âmbito
do governo federal, igualmente em conjunto com o Banco Mundial: o Banco da Terra, em
2
1998, e o Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural, em 2001, este último
contando também com a participação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG). Foi nesse período que o governo federal incentivou as ações dos
programas de crédito fundiário criados, assim como defendeu a idéia de que o “novo” ITR
seria um instrumento auxiliar do processo de reforma agrária. O ano de 2002, definido como o
último do período de estudo, coincide, não por acaso, com o término do segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso. Pode-se dizer que o fim deste período encerra a experiência do
crédito fundiário no Brasil da maneira como vinha sendo concebida, já que o novo governo,
que assumiu no início de 2003, extinguiu o Banco da Terra e, em conseqüência, reformulou
os programas de crédito fundiário, assim como deixou de conferir ao ITR as virtualidades
extrafiscais anteriormente propaladas. Em suma, o que se está afirmando é que o período
1997-2002 tem peculiaridades próprias, do ponto de vista deste estudo, o que justifica a sua
definição.
Para a elaboração do trabalho foi realizado, de um lado, levantamento bibliográfico
que permitisse dar conta da teoria relativa ao mercado de terras rurais e à tributação da terra
agrícola, assim como dos aspectos históricos e institucionais referentes à intervenção no
mercado de terras rurais de alguns países latino-americanos. Além disso, foi igualmente
considerada a literatura especializada sobre o caso brasileiro, no que diz respeito tanto ao
mercado de terras rurais, quanto ao crédito fundiário e ao ITR.
De outro lado, para análise empírica pertinente ao tema em estudo, lançou-se mão das
informações estatísticas a seguir sumariadas, com a indicação das finalidades gerais do seu
uso. Os procedimentos metodológicos específicos adotados no tratamento de tais
informações, necessários à obtenção das análises, estimativas e simulações abaixo
mencionadas, são descritos no interior dos capítulos em que estas são utilizadas.
a) Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA, e respectivas Estatísticas Cadastrais, ambos
de 1998: 1) cálculo da estimativa de disponibilidade de terras rurais; 2) análise da
concentração e grilagem de terras rurais; e 3) simulação utilizando os dados deste Cadastro
para cálculo dos parâmetros da nova legislação do ITR, de modo a obter o valor potencial do
imposto e possibilitar a comparação com os resultados divulgados pela Secretaria da Receita
Federal (SRF).
b) Censo Agropecuário do IBGE, de 1995-1996, e, em particular, informações das
tabulações especiais deste Censo produzidas no âmbito do Projeto de Cooperação Técnica
INCRA/FAO: 1) cálculo das estimativas de necessidade de terras rurais; e 2) cálculo dos
indicadores relativos à dinâmica do mercado de terras rurais.
c) Listagem consolidada do Programa Cédula da Terra (PCT), Relatório de famílias
beneficiadas pelo PCT e Relatório de famílias beneficiadas pelo Banco da Terra, do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), abrangendo, respectivamente, os períodos
1997-2002, 2000-2004 e 1999-2004: 1) elaboração das estatísticas sobre os resultados do
crédito fundiário; 2) comparação com as estimativas de necessidade de terras; e 3)
comparação com os resultados da desapropriação de terras.
d) Relatório com quadros demonstrativos das áreas declaradas de interesse social para
fins de desapropriação e Relatório analítico da desapropriação de imóveis rurais, ambos do
INCRA, abrangendo, respectivamente, os períodos 1964-1985 e 1979-2002: 1) elaboração de
estatísticas sobre desapropriação; e 2) comparação com os resultados de aquisição de terras
pelo crédito fundiário.
e) Estatísticas de preços de terras agrícolas da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
relativas aos anos de 1982 a 1998: 1) comparação com os preços praticados na aquisição de
terras pelos programas de crédito fundiário; e 2) comparação com os valores de terra nua
(VTN) que serviram de base de cálculo do ITR.
3
f) Estatísticas Tributárias do INCRA, nos períodos 1975-1978 e 1982-1989: 1)
elaboração de série histórica sobre arrecadação do ITR; 2) elaboração de estatísticas sobre o
VTN declarado; e 3) cálculo sobre a evasão fiscal do ITR.
g) Estatísticas relativas ao Perfil do ITR, de 1997, da Secretaria da Receita Federal
(SRF)
1
: comparação com os dados da simulação realizada com o Cadastro de Imóveis Rurais
do INCRA.
h) Estatísticas de arrecadação da receita administrada pela SRF, no período 1990-
2001: elaboração de série histórica sobre arrecadação do ITR.
O trabalho está dividido em seis capítulos, além desta Introdução e das Conclusões.
No primeiro e segundo capítulos são realizadas análises dos aspectos teóricos do mercado de
terras rurais e da tributação da terra agrícola, que servem de base para o estudo,
respectivamente, do crédito fundiário e do imposto sobre a propriedade territorial rural no
Brasil. O terceiro capítulo é dedicado à análise da experiência de alguns países latino-
americanos em relação à intervenção no mercado de terras rurais, com o objetivo de
estabelecer um contraponto com os mecanismos utilizados no caso brasileiro. O quarto
capítulo estuda o mercado de terras rurais no Brasil, analisando os seguintes aspectos
institucionais relevantes sobre seu funcionamento: estimativas de disponibilidade e
necessidade de terras, dinâmica do processo de compra e venda de terras, e concentração e
grilagem verificadas neste mercado. O quinto capítulo estuda o crédito fundiário, buscando
estabelecer sua relação com o mercado de terras rurais no Brasil, de modo a analisar o seu
desempenho na prática. O sexto e último capítulo faz uma análise da tributação da terra
agrícola no Brasil, com especial atenção para o comportamento efetivo do ITR com a nova
legislação.
A questão central que está subjacente ao estudo realizado é em que medida os
instrumentos analisados são capazes de servir efetivamente de alternativa ao processo de
reforma agrária mediante desapropriação. De modo geral, a “reforma agrária de mercado”
está baseada na afirmação de que a desapropriação é inexeqüível como instrumento de
obtenção de terras com fins redistributivos, em função do seu alto custo financeiro, e também
político. Em contrapartida, preconiza a adoção de instrumentos que seriam viáveis em virtude
do desenho institucional proposto para sua implementação – que pressupõe ações
descentralizadas com a participação dos beneficiários – e do preço declinante da terra,
ocasionado, fundamentalmente, pelas políticas macroeconômicas de ajuste estrutural adotadas
nos países em desenvolvimento. Pela análise empreendida, como se verá, o resultado prático
da adoção desses “novos” instrumentos – tanto o crédito fundiário quanto o ITR – revelou, no
período considerado, um desempenho bastante modesto em face da magnitude da questão
agrária brasileira, o que desautoriza considerá-los como substitutos da reforma agrária
mediante desapropriação.
1
É importante ressaltar que este foi o único ano, até hoje, para o qual a SRF divulgou, com algum detalhamento,
estatísticas relativas ao funcionamento do ITR sob a nova legislação.
4
CAPÍTULO I
MERCADO DE TERRAS RURAIS
O capítulo faz uma análise de aspectos teóricos relativos ao mercado de terras rurais,
de modo a embasar o estudo do crédito fundiário, que, como ficou explicitado na Introdução,
é um dos objetivos do trabalho.
O crédito fundiário é um instrumento de intervenção no mercado de terras rurais, razão
pela qual optou-se por um estudo deste último, sob o ponto de vista teórico, de modo a
compreender os seus determinantes. Esta tem sido, de modo geral, a tendência da literatura
especializada, o que reforça a opção adotada. Parte dessa literatura, contudo, aborda o
mercado de terras sob um prisma estritamente neoclássico, atribuindo-lhe imperfeições que
são estabelecidas em confronto com uma visão idealizada de um mercado de concorrência
perfeita, que é o paradigma a ser alcançado. Daí derivam formulações genéricas sobre os
instrumentos de intervenção que, ao desconsiderar as características histórico-institucionais de
cada país, preconizam a sua adoção independentemente da realidade sobre a qual deverão
atuar. Por essa razão, buscou-se adotar uma perspectiva que superasse essa abordagem ao
mesmo tempo simplificadora e generalizante, o que levou à escolha dos autores e das
concepções que são especificados adiante. O objetivo é não apenas fazer uma análise crítica
da teoria, mas também estabelecer pontos de convergência entre as diferentes teorias que
sirvam de suporte à análise do caso brasileiro.
A análise do mercado de terras rurais foi marcada, no pós-guerra, pela necessidade de
explicar as razões da tendência à elevação do preço da terra acima de seus ganhos produtivos
(REYDON, 1992, p. 37), o que ficou caracterizado como o “paradoxo do preço da terra”. Tal
“paradoxo” decorre do fato de que a teoria econômica, nas suas diversas vertentes, sempre
associou o preço da terra à sua capacidade produtiva, vinculando-o à renda da terra, nas
teorias clássica e marxista, ou à produtividade marginal desse fator de produção, na teoria
neoclássica. Por conseguinte, resultados divergentes entre a renda agrícola e o preço da terra
impuseram a necessidade de buscar outros determinantes, além dos produtivos, para este
último. No caso brasileiro, a partir de meados dos anos 1970, desenvolveu-se um esforço de
pesquisa para compreender os determinantes do preço da terra, esforço esse que resultou de
“dois conjuntos de fenômenos que ocorreram durante aquela década: o ‘boom’ da bolsa de
valores verificado entre [19]69 e [19]71 e a intensificação da política de crédito rural
subsidiado” (BRANDÃO, 1986, p. 1).
O capítulo tem por objetivo realizar uma revisão da teoria sobre o mercado de terras
rurais, a partir dos trabalhos de Rangel (1979), Sayad (1982), Reydon (1992), Vogelgesang
(1996), Polanyi (1980) e Block (1997). Os três primeiros autores, tratados na primeira seção,
embora partindo de vertentes teóricas distintas, analisam os determinantes do preço da terra
rural, em que se destaca o papel da incerteza e da especulação na sua formação. O quarto
autor, ao adotar uma abordagem institucionalista, ressalta, principalmente, a importância da
análise sobre os direitos de propriedade para o entendimento do mercado de terras rurais. Os
trabalhos desses quatro primeiros autores têm em comum o fato de que a análise teórica está
referenciada à realidade dos países em desenvolvimento. Os dois últimos autores, que
abordam o tema a partir da sociologia econômica, são aqui destacados pela análise acerca da
construção social dos mercados do que denominam de mercadorias fictícias – trabalho, terra e
dinheiro –, com importantes implicações para os propósitos do presente trabalho. Na segunda
5
seção analisam-se as concepções desses três últimos autores. Na terceira e última seção são
feitas observações críticas acerca das teorias expostas, ao mesmo tempo em que se procura
destacar aspectos que possam servir de base à análise do caso brasileiro.
1.1 Os Determinantes do Preço da Terra Rural
Rangel (1979) considera que a chave de todo o problema relativo à questão agrária no
Brasil é o preço da terra, que, nas condições por ele analisadas, “não é uma questão agrícola,
mas financeira” (p. 192, grifo no original). Sua análise baseia-se no que considera o
mecanismo “perverso” de formação do preço da terra em nosso país, uma vez que, com a
abolição da escravatura, o monopólio da terra “emergiu como fator fundamental da nova
ordem econômica e social” (p. 187).
Ele parte da idéia de que o preço da terra se forma por analogia, na medida em que,
por não ser mercadoria, não tem valor. Desse modo, “uma propriedade que assegure
determinada renda vale tanto quanto o capital que assegure lucro comparável” (p. 189).
Assim, dada a taxa de lucro, o preço da terra será função da renda que ela propicia. No caso
brasileiro, segundo ele, em função da grande ociosidade das terras produtivas existentes e a
crescente incorporação de novas terras, seria de se esperar que o preço da terra fosse muito
baixo e tendesse ao declínio. Como, não obstante o aumento da oferta de terra, o seu preço se
eleva, a causa dessa elevação deve ser buscada do lado da demanda. Ele descarta, de pronto,
tanto a demanda agrícola quanto a predial como responsáveis pela pressão sobre o preço da
terra, uma vez que ambas tendem a declinar, em virtude da introdução de inovações
tecnológicas
2
. Assim, Rangel afirma que deve “haver uma outra demanda de terra,
responsável por uma 4ª Renda, causadora última da ‘valorização’ da terra, tanto rural quanto
urbana” (p. 189)
3
.
Para construir a sua explicação acerca dessa 4ª Renda, Rangel parte do suposto de que
dada a renda territorial, pouco importando saber se alta ou baixa, o preço da terra será uma
função inversa da taxa de lucro” (p. 189, grifos no original). Considerando que a taxa de lucro
cai nos períodos de recessão, o preço da terra, dada a renda, deverá elevar-se nestas
circunstâncias. Para que o preço da terra se eleve, por conseguinte, não é necessário que a
renda cresça, mas que não se reduza, ou que se reduza a taxa inferior à do mercado de
capitais: “uma renda menor, mas nas condições de uma taxa de lucro menor ainda, implicará
num preço maior da terra” (p. 190, grifo no original). Deflagrado o processo de elevação do
preço da terra, estabelece-se uma expectativa de elevação futura que resultará no
estabelecimento da 4ª Renda, entendida como “o diferencial esperado do preço da terra de um
ano para outro” (p. 190), que se comporta como se ele próprio fosse uma renda. Desse modo,
essa 4ª Renda resulta do estado das expectativas na economia, e tem, portanto, um
componente especulativo, o que faz com que ela se mantenha durante algum tempo após a
cessação das causas que a originaram.
Para Sayad (1982), o mercado de terras funciona como mercado de reserva de valor,
entendida esta como um “ativo real que consegue transferir poder de compra de um período
para outro” (p. 88). As razões por ele apontadas para que a terra represente uma reserva de
valor, no caso específico da economia brasileira, são, em resumo, as seguintes: 1) o fato de
que os mercados financeiros são recentes e sujeitos a instabilidade; 2) a herança cultural de
um país de industrialização tardia e o rápido crescimento populacional, que implica pressões
2
No caso da demanda agrícola, “como resposta às inovações agronômicas, no sentido de elevar a produtividade
por unidade de área”; no caso da demanda predial, “em função das novas técnicas de construção e os outros
fatores que influem sobre a densidade da ocupação do solo residencial” (p. 189).
3
Rangel está se referindo, evidentemente, à teoria marxista da renda de terra, que identifica três formas de renda:
a renda absoluta e as rendas diferenciais I e II.
6
de demanda sobre a terra; e 3) o que ele denomina de “inércia” – “a escolha da terra como
reserva de valor por alguns faz com que outros também a escolham” (p. 89) – e o seu “lado
político”, que é a proteção ao investidor resultante da garantia da propriedade da terra em
razão do poder político de seus detentores. Num mercado desse tipo, “a expectativa de
variação de preços assume papel fundamental na determinação do preço corrente” (p. 90).
Mas a terra é, simultaneamente, um ativo produtivo que gera lucro na produção de
produtos agrícolas. Desse modo, a formação do preço da terra resulta da incorporação de uma
expectativa de valorização adicionada à taxa de retorno da atividade agrícola. As decisões de
compra e venda de terra dependem da comparação do preço assim formado – expresso como
o que podemos chamar de taxa de retorno da terra – com o ganho esperado em ativos
alternativos: o comprador de terra espera que a taxa de retorno da terra seja maior que a de
ativos alternativos, enquanto que o vendedor espera o contrário. Evidentemente que, quanto
maior for o crescimento esperado dos preços da terra, menor poderá ser a taxa de retorno da
atividade agrícola, já que assim “espera-se que a maior parte do retorno decorrente da posse
da terra venha de sua valorização” (p. 91).
Segundo o autor, “mercados de reservas de valor podem ser dominados pela
especulação” (p. 95). Sayad interpreta esta última como a preocupação de compradores e
vendedores de ativos, em determinados períodos, com a valorização ou desvalorização desses
ativos em detrimento dos seus retornos de curto prazo
4
. No caso do mercado de terras, por
exemplo, “existiria uma preocupação maior com a variação do preço do metro quadrado do
que com os retornos da atividade agrícola”
5
(p. 95).
No caso específico do mercado de terras rurais, ele caracteriza a especulação como “o
processo de transações com terras rurais visando ao lucro através da previsão da evolução
futura dos preços” (p. 95). Segundo ele, a especulação pode gerar um resultado “desejável”,
quando os especuladores – tanto compradores quanto vendedores – “prevêem” com exatidão a
evolução dos preços (para cima ou para baixo); e um resultado “desconhecido”, quando há
uma desestabilização do mercado de terras, “elevando os seus preços em determinado
momento e deixando-os cair mais tarde, com isso gerando uma variância maior dos preços da
terra do que prevaleceria caso não houvesse especulação” (p. 96). Entretanto, em ambos os
casos, “a especulação com terras tem efeitos sobre a produção agrícola e a localização das
atividades econômicas” (p. 96).
Não obstante admitir isso, ele irá questionar “as freqüentes alegações sobre os efeitos
nocivos da especulação sobre as atividades do setor rural” (p. 96). Esquematicamente, são
essas as suas conclusões: 1) a especulação apenas antecipa a ocupação de terras na fronteira,
uma vez que, mesmo na sua ausência, em virtude de estabilidade ou queda dos preços, a terra
permaneceria tendo valor positivo, dado o seu potencial produtivo, gerando “disputas e
conflitos na definição dos direitos de propriedade sobre ele” (p. 96); 2) não é o preço da terra
que determina o preço dos produtos agrícolas, e sim o contrário, tendo em vista que a terra
agrícola não tem uso alternativo
6
, é ou não é cultivada, e o seu retorno, quando cultivada
4
Esta concepção será criticada por Reydon (1992, p. 50), que considera que a especulação “é elemento
constitutivo normal do capitalismo (...) a forma geral de valorizar a riqueza no capitalismo”, e não um processo
que pode “ocorrer em alguns momentos (...) como alternativa aos resultados econômicos produtivos, encarados
como ‘normais’”. Parece, entretanto, que Sayad, não obstante referir-se a um processo que ocorre “em
determinados períodos”, não considera a especulação como uma “alternativa” à produção.
5
Deve-se considerar, a propósito, o que Keynes denominou de “véu monetário” que, ao se interpor entre o ativo
real e o possuidor de riqueza monetária, afeta o valor do primeiro (BELLUZZO & ALMEIDA, 1989, p. 124).
Ver adiante análise mais detalhada sobre este assunto.
6
O autor considera que a incorporação na zona urbana como uso alternativo da terra agrícola depende de um
conjunto de variáveis que caracterizam o amplo e complexo fenômeno da urbanização tais como evolução
demográfica e das redes de transporte e localização espacial das atividades econômicas que minimizam a
importância do papel dos preços agrícolas nesse processo.
7
(excetuado o ganho especulativo), será dado pela taxa de lucro decorrente da venda dos
produtos colhidos; e que o mercado de produtos agrícolas é essencialmente competitivo, o que
impede que os produtores “segurem” seus preços para impor uma taxa mínima de retorno.
Finalmente, o autor, ao analisar os efeitos do ITR
7
sobre a formação dos preços de
imóveis rurais e as decisões sobre a produção agrícola, utiliza algumas hipóteses, derivadas da
análise empreendida, duas das quais são importantes destacar: 1) a especulação não impede o
cultivo de terras, que só não será realizado se der prejuízo; e 2) a expectativa de valorização
da terra é a mesma tanto para agricultores quanto para não agricultores.
Reydon (1992) parte das formulações de Keynes
8
, e de seus sucessores
9
, para formular
o que posteriormente denominará de “uma interpretação pós-keynesiana dos determinantes do
preço da terra” (ROMEIRO & REYDON, 1994)
10
. Sua análise tem como pressupostos: 1) a
existência simultânea de um mercado de terras consolidado, definido como “aquele no qual há
títulos de propriedade, aceitos pelo conjunto dos agentes econômicos, em troca de dinheiro”, e
de uma “economia empresarial”, cuja principal característica é de que se trata de “uma
economia monetária generalizada, onde todas as transações e os cálculos capitalistas podem
ser expressos em moeda” (p. 63); e 2) em decorrência disso, as economias capitalistas são
estruturalmente instáveis, do que resulta que nelas “há uma incerteza irredutível frente ao
futuro” (p. 64). É para se defender da incerteza que os portadores de riqueza aplicam-na em
diferentes ativos, com diferentes graus de liquidez, estabelecendo sempre a referência a um
ativo que mantém a riqueza ao longo do tempo: a moeda.
Segundo o autor, a terra se constitui em um ativo porque possui escassez econômica,
definida em função de seu caráter expectacional
11
, e tendo em vista que a terra é
“praticamente irreprodutível, com elasticidade de produção e de substituição baixas, e de ser
apropriada privadamente por alguns” (p. 89). Em virtude disso, o autor aplica à terra a análise
relativa aos determinantes do preço dos ativos. Desse modo, o preço do ativo terra (P) tem a
seguinte equação:
P = q – c + l + a,
e é, portanto, determinado pelas seguintes variáveis: 1) q – quase-rendas, retornos decorrentes
da capacidade produtiva da terra. O autor inclui aqui também os eventuais benefícios de
políticas agrícolas (crédito rural subsidiado e incentivos fiscais, por exemplo), bem como o
valor do arrendamento de terras; 2) c – custo de manutenção da terra, que engloba todas as
despesas não associadas ao processo produtivo
12
; 3) l – prêmio de liquidez, que “é um atributo
que gera rendimentos implícitos associados ao grau de incerteza dos ganhos futuros, em
relação ao prazo de realização, ou das perdas que esta pode implicar” (p.102); e 4) a – ganho
patrimonial, que “consiste num fluxo de renda esperado associado à expectativa de
valorização quando da revenda do ativo” (p. 106).
Além dos determinantes do preço da terra, é estabelecida uma classificação para esse
ativo. Baseando-se na classificação de ativos realizada por alguns autores
13
, Reydon, em
7
Deve-se salientar que o ITR analisado por Sayad em 1982 teve sua legislação modificada.
8
Em particular do capítulo 17 de sua Teoria Geral.
9
Entre os quais, V. Chick, H. Minsky e P. Davidson.
10
O texto de 1994, como apontam os autores, é uma versão resumida do capítulo 3 de Reydon (1992).
11
“Um ativo é escasso porque se espera uma grande demanda pelo mesmo em relação ao seu estoque existente e
sua produção” (REYDON, 1992, p. 86).
12
Reydon (1992, p. 100-101) inclui nesse item “os custos de transação, obtenção de informações sobre o ativo e
seu mercado, depreciação e uma provisão para financiamento, se for o caso”, “o imposto sobre a propriedade da
terra (ITR) e o custo associado à transformação de formas precárias de posse em propriedade legalmente aceita”
e, ainda, “os custos de financiar os débitos correspondentes”.
13
Basicamente, J. Hicks, H. Minsky e P. Davidson.
8
resumo, conclui que a terra é, simultaneamente, um ativo líquido e um ativo de capital. A
terra é um ativo líquido porque possui as seguintes características (REYDON, 1992, p. 93)
14
:
o estoque existente é comparativamente grande em relação aos fluxos do mesmo; é durável; é
passível de “normatização”; é de demanda geral; e existem compradores e vendedores que
garantem a continuidade do mercado
15
. E é um ativo de capital, porque pode ser utilizada
produtivamente
16
. Dessa dupla determinação decorre que a terra “enquanto ativo de capital,
tem seu prêmio de liquidez aumentado quando se esperam melhores condições de realização
nos seus mercados e/ou quando há menos incerteza diante do futuro” (p. 104), ao mesmo
tempo em que “por ser um ativo líquido, também tem seu preço elevado quando a preferência
pela liquidez se eleva”, o que está associado a “momentos de maior incerteza, devendo atingir
os ativos em ordem decrescente de sua liquidez relativa” (REYDON, 1992, p. 104). Desse
modo, a demanda por terras e seus preços tanto podem se elevar em momentos de expansão
quanto de retração da atividade econômica.
1.2 O Mercado de Terras Rurais como Instituição
Em sua análise, Vogelgesang (1996) destaca como “muito valiosa” a perspectiva
institucional para análise do funcionamento dos mercados de terras rurais, rejeitando
explicitamente a utilização de um “marco neoclássico convencional”. Segundo o autor, o
institucionalismo pode ser descrito a partir de duas premissas centrais: 1) “as instituições
sociais influem tanto no comportamento como no desempenho econômico”
17
(p. 98); e 2) as
instituições evoluem ao longo do tempo, em resposta às circunstâncias econômicas que se
transformam. Filiando-se ao “novo institucionalismo”, o autor baseia suas idéias em
uma abstração, segundo a qual a origem das instituições se encontra nas
decisões adotadas por indivíduos com o objetivo de obter resultados ótimos
e respondem a conjuntos cambiantes de preços relativos, sem deixar de
reconhecer fatores tais como a posição social, a identidade grupal e o poder,
que indubitavelmente podem influir na conduta dos habitantes das zonas
rurais (VOGELGESANG, 1996, p. 98).
Para ele, os mercados não são senão as transações que se realizam entre os agentes
econômicos, e os custos de transação
18
influem significativamente na forma como se dão
essas transações. Desse modo, “uma das causas do surgimento de instituições sociais e
econômicas, como os direitos de propriedade, é precisamente o interesse em reduzir os custos
de transação” (p. 98).
14
Reydon cita a 1ª edição, de 1972, do livro de Paul Davidson, Money and the real world, para fundamentar a sua
idéia de que essas são as características de um ativo líquido. Entretanto, na 2ª edição do mesmo livro, Davidson
(1978, p. 87) atribui tais características à mercadoria (commodity) como necessárias à existência de mercados
bem organizados, não relacionando-as obrigatoriamente ao grau de liquidez das mercadorias ou dos ativos.
15
Segundo Reydon (1992, p. 93-94), apenas duas das sete condições não são atendidas, “que são irrelevantes para
o caso da terra”: que o ativo possua um grande valor em relação ao seu volume e que ativos velhos sejam
facilmente convertidos em novos.
16
Nesse caso, “Hicks (1967) e Davidson (1972) apontam para a separação entre os ativos reais de capital, que são
os bens de capital, e os ativos financeiros, que têm tempo de validade fixado em contrato” (REYDON, 1992, p.
91).
17
Todas as citações dos textos referenciados que se encontram originalmente em língua estrangeira (de modo
geral, espanhol e inglês) foram traduzidas para o português pelo autor do presente trabalho.
18
Como exemplos dos custos de transação, o autor menciona os custos de informação, de negociação, de redação
e execução de contratos, ou de definição e supervisão dos direitos de propriedade.
9
Sua análise recai sobre os direitos de propriedade, considerados como uma instituição
social
19
, que são muito importantes pois “determinam a alocação de recursos em um mundo
dominado pelos interesses conflitantes de distintos usuários” (p. 99). Para o caso específico
que se está tratando, isso significa dizer que a distribuição e a redistribuição da terra mediante
transações no mercado também dependem do sistema vigente de direitos de propriedade
20
.
Segundo o autor, os direitos de propriedade aplicáveis à terra podem ser classificados em
quatro categorias ideais: 1) direitos inexistentes ou livre acesso; 2) propriedade comunal; 3)
propriedade estatal; e 4) propriedade privada. Tais categorias podem coexistir em uma dada
sociedade e, além disso, “é possível que se aplique mais de uma a um determinado terreno”
(p. 100). Enquanto que os conceitos de propriedade estatal e propriedade privada estão bem
definidos, o mesmo não ocorre com os regimes de propriedade comunal e de livre acesso, que
têm uma linha divisória pouco clara, uma vez que “a estrutura de incentivos no caso da
propriedade comunal pode dar origem a um comportamento econômico muito similar ao do
regime de livre acesso” (p. 100).
Vogelgesang destaca o artigo de Demsetz (1967) como uma importante contribuição
na análise dos direitos de propriedade. Segundo este último, “uma das principais funções dos
direitos de propriedade é a orientação dos incentivos a fim de obter uma maior internalização
das externalidades” (DEMSETZ, 1967, p. 348). O raciocínio é de que as externalidades
21
, por
não terem um preço conexo, pouco ou nada influem nas decisões dos agentes econômicos,
visto que não transmitem informação através do mecanismo de preços. Desse modo, a
“internalização” dos efeitos externos é “um processo ou mecanismo pelo qual esses efeitos
passam a influir no comportamento dos afetados” (VOGELGESANG, 1996, p. 100).
Uma outra razão, apontada por Vogelgesang (1996), que confere importância ao
direito de propriedade é a de que “fomenta o uso eficiente da terra e dos investimentos, no
sentido de que reduz a informação assimétrica – e as deficiências e incertezas conexas – e,
portanto, facilita as transações nos mercados financeiros” (p. 101). Nesse caso, considera-se
que o processo de desenvolvimento agrário provoca a difusão de informação assimétrica nos
mercados de terras, na medida em que as transações se deslocam dos membros de uma mesma
comunidade para indivíduos de fora da comunidade. Quando a maioria das transações se dá
entre membros de uma mesma comunidade, o acesso à informação é principalmente
simétrico, uma vez que os indivíduos “sabem com quem estão tratando e a quem pertence
cada terreno” (p. 101). Com o aumento da mobilidade pessoal e do capital, aumentam as
transações com indivíduos de fora da comunidade, estabelecendo-se o problema de
informação imperfeita e de conflitos pela posse de terras.
Vogelgesang (1996) empreende também uma análise sobre o mercado de terras
rurais
22
, dividindo-o em mercado de venda e mercado de aluguel. No que refere ao mercado
de venda, destaca as principais limitações que afetam tanto a oferta quanto a demanda. Do
19
Vogelgesang utiliza a classificação de Feder & Feeney, que distinguem três categorias básicas de instituições:
1) a ordem constitucional, que são as normas fundamentais que estruturam a sociedade; 2) as disposições
institucionais, estabelecidas no marco da ordem constitucional, entre as quais se incluem os direitos de
propriedade; e 3) os códigos normativos de conduta, determinados por valores culturais que legitimam as
disposições institucionais. Segundo ele, as instituições da primeira e terceira categorias evoluem lentamente, ao
passo que as da segunda podem se modificar com certa rapidez.
20
O autor considera que a pouca atenção dada aos direitos de propriedade decorre do fato de que a análise
econômica supõe, em geral, que os direitos de propriedade considerados são os “tipicamente ocidentais, vale
dizer exclusivos, transferíveis, alienáveis e exigíveis”, o que não é necessariamente verdadeiro sobretudo para os
países em desenvolvimento.
21
Definidas como “todo efeito benéfico ou prejudicial que têm para alguém os atos alheios”.
22
O autor trata exclusivamente das transações no mercado formal, embora reconheça que “os meios de aquisição
de terras são muito variados (entre outros, herança, concessão de títulos de propriedade por parte do Estado e
ocupação ilegal) e todos eles podem contribuir em uma medida importante para determinar a estrutura de
detenção da terra” (VOGELGESANG, 1996, p.102).
10
lado da oferta
23
, as limitações são, esquematicamente: 1) devidas à concentração da terra, que
tende a se perpetuar “porque os grandes proprietários raramente estão dispostos a vender, o
que se pode atribuir, entre outras coisas, à preferência pela terra como depósito de riqueza,
defesa contra a inflação e fonte de poder” (p. 103); 2) devidas à falta de títulos de domínio,
que impede a incorporação de terras ao mercado ou reduz o seu preço de venda para
compensar a incerteza; 3) jurídicas, administrativas e fiscais, entre as quais longos e caros
trâmites de transferência e registro, restrições à venda ou aluguel impostas aos beneficiários
de programas de reforma agrária, e impostos sobre transferências e ganhos de capital. Pelo
lado da demanda, as limitações são, principalmente, a falta de recursos para a compra de
terras e os altos custos de transferência.
No que se refere ao mercado de aluguel, o autor considera que ele deve ter uma
atenção maior do que se confere comumente
24
. Ele destaca que,
ao contrário do que sustentam muitos encarregados da formulação de
políticas, nos estudos sobre os mercados de terras ficou praticamente
demonstrado que os acordos de aluguel ou arrendamento são uma resposta
racional dos agentes econômicos a uma série de variáveis, porque eles
permitem superar ou reduzir alguns dos fatores que impedem uma
distribuição mais eqüitativa da terra. (VOGELGESANG, 1996, p. 104)
No sexto capítulo de sua obra, Polanyi (1980) trata do que denomina de mercadorias
fictícias: trabalho, terra e dinheiro. Block (1997), seguindo a sua influência, desenvolverá
análise semelhante. Procura-se, evidentemente, destacar da análise os aspectos que se referem
à terra, que é o que interessa ao presente trabalho.
Polanyi (1980) conceitua economia de mercado como um sistema econômico
controlado, regulado e dirigido apenas por mercados: “a ordem na produção e distribuição dos
bens é confiada a esse mecanismo auto-regulável” (p. 91). Os mercados, por sua vez, são
entendidos, empiricamente, como contatos reais entre compradores e vendedores de
mercadorias. Estas são, empiricamente, objetos produzidos para a venda no mercado.
Segundo ele, “a auto-regulação significa que toda a produção é para venda no mercado, e que
todos os rendimentos derivam de tais vendas” (p. 81). Desse modo, deve haver mercados para
todos os “componentes da indústria”, ou seja, tanto para bens e serviços, quanto para trabalho,
terra e dinheiro. A idéia de auto-regulação pressupõe que a formação dos mercados não
sofrerá nenhum tipo de inibição e que os rendimentos gerados no processo econômico serão
derivados unicamente das vendas efetuadas. Além disso, os ajustamentos de preços
decorrentes das mudanças nas condições de mercado não devem sofrer nenhuma
interferência. Desse modo, “é preciso que existam não apenas mercados para todos os
elementos da indústria, como também não deve ser adotada qualquer medida ou política que
possa influenciar a ação desses mercados” (p. 82).
Segundo Polanyi, é aí que reside o “ponto crucial”: trabalho, terra e dinheiro “são
elementos essenciais da indústria”, na medida em que uma sociedade moderna não pode deles
prescindir; mas “obviamente não são mercadorias” (p. 84), dado que não podem ser
produzidas: “terra é apenas um outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem”
(p. 85). Por essa razão, não é possível manter, em relação a trabalho, terra e dinheiro, o
postulado de não interferência no funcionamento do mercado: “permitir que o mecanismo de
mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até
mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento
da sociedade” (p. 85). Especificamente em relação à terra, Polanyi observa que “a natureza
23
Para o caso, Vogelgesang se utiliza do trabalho de Shearer, Lastarria-Cornhiel & Mesbah (1991).
24
A esse respeito, ver também Rezende (2003, p. 243-246).
11
seria reduzida a seus elementos mínimos, conspurcadas as paisagens e arredores, poluídos os
rios, a segurança militar ameaçada e destruído o poder de produzir alimentos e matérias-
primas” (p. 85). Desse modo, ele considera que a história social do século XIX foi o resultado
de um duplo movimento: “a ampliação da organização do mercado em relação às mercadorias
genuínas foi acompanhada pela sua restrição em relação às mercadorias fictícias” (p. 88).
Essa análise aponta para o fato de que a auto-regulação do mercado não funciona
apropriadamente com mercadorias fictícias
25
. Segundo Block (1997), “uma vez que não são
produzidas para venda em mercado, o mecanismo de preço não pode equilibrar
adequadamente oferta e demanda ou proteger esses valiosos recursos da exploração
destrutiva” (p. 2). Portanto, ainda de acordo com Block, “não há alternativa à criação de
regimes regulatórios que estabeleçam regras para a estruturação de mercados particulares e a
disposição dos modos pelos quais esses mercados particulares se interconectam” (p. 3).
1.3 Teorias sobre o Mercado de Terras Rurais: Análise Crítica e Síntese
A presente seção tem dois objetivos. O primeiro deles é fazer uma análise crítica das
teorias acima expostas. O segundo é realizar uma síntese que possibilite auxiliar o estudo
específico a ser empreendido adiante sobre o caso brasileiro.
Rangel, em sua análise, desconsidera dois aspectos que relativizam a sua
argumentação em relação aos impactos da demanda e da oferta de terras sobre o seu preço: 1º)
embora a demanda de terras para a agricultura tenda a se reduzir com a introdução de
inovações tecnológicas, em virtude de seus efeitos positivos sobre a produtividade agrícola,
isso não se dá sem custos, uma vez que o aumento de produtividade é acompanhado por “um
concomitante aumento dos custos marginais associados com pesquisa agropecuária e com uso
de novos insumos no processo de produção” (BRANDÃO, 1986, p. 7); e 2º) com relação à
ampliação da fronteira agrícola, a incorporação de novas terras não se realiza sem custos, seja
em razão da sua qualidade inferior, seja em função da grande distância em relação aos
principais centros urbanos, o que resulta em investimentos adicionais e/ou despesas de
transportes. Uma outra questão a ser destacada na análise de Rangel é que ele não confere
nenhuma importância ao papel do setor agrícola na determinação do preço da terra, quando
afirma que “a chave de todo o problema é o preço da terra e que este, nas presentes condições,
não é uma questão agrícola, mas financeira”. Esta última afirmação deve ser entendida no
contexto em que se dá a análise deste autor, uma vez que as “presentes condições”
significavam um mercado financeiro incipiente, no qual a terra tinha um papel relevante como
ativo financeiro.
No que se refere a Sayad, é importante destacar que as duas hipóteses por ele
formuladas – a especulação não impede o cultivo de terras e a expectativa de valorização da
terra é semelhante para agricultores e não agricultores – são relevantes para o caso brasileiro,
pois abrem perspectivas para uma análise pouco usual na literatura, a de que a ociosidade das
terras não deriva necessariamente – ou, pelo menos, não integralmente – de razões ligadas à
especulação financeira
26
. Nesse caso, a ociosidade de terras rurais poderia ser atribuída a
fatores ligados ao poder dos proprietários de terras, na medida em que se utilizam da terra não
apenas como reserva de valor, mas fundamentalmente como fonte de influência política, o que
implicaria baixa sensibilidade a estímulos econômicos, relativos à produção ou especulação,
resultando em um reduzido interesse pelo cultivo das terras.
25
Embora deva-se considerar que tampouco para as “mercadorias genuínas” a auto-regulação do mercado
funciona plenamente.
26
Deve-se ter em conta que existe também a possibilidade de retenção da terra ociosa para servir de colateral na
obtenção de crédito, que se assemelha à retenção especulativa, na medida em que depende do custo de
manutenção da terra para a sua existência.
12
Reydon, embora baseie sua análise fundamentalmente no capítulo 17 da Teoria Geral,
não leva em conta que a formulação de Keynes refere-se ao que se pode denominar de um
modelo de escolha de ativos (CARVALHO, 1992, p. 81). Para a construção desse modelo,
Keynes utiliza-se do conceito de taxa-própria de juros de um dado ativo, que pode ser
definida como a “taxa líquida de retorno que se obtém com a retenção do ativo por um
determinado período, medida em termos do próprio ativo” (CHICK, 1993, p. 328). Segundo
Carvalho (1992, p. 81), esta
é uma medida adequada a uma economia monetária uma vez que reconhece
que alguns ativos podem oferecer outras recompensas além de valores
monetários, tais como o prêmio de liquidez (...). Esta visão dos retornos de
um ativo abre caminho para considerar a moeda como um ativo mesmo que
não “pague” nenhuma forma de rendimento monetário.
É esta taxa-própria de juros de um ativo que tem como componentes os elementos
acima descritos, e que Reydon associa ao preço do ativo. Há, entretanto, uma diferença
crucial entre o preço de um ativo e os rendimentos que ele gera, não obstante a relação
existente entre eles. Os componentes da taxa-própria de juros – que, por sua vez, são
representados igualmente por taxas, como se verá adiante – influem no preço de um dado
ativo, mas não podem ser considerados diretamente como os elementos constitutivos desse
preço.
Os atributos da taxa-própria de juros podem ser definidos da seguinte forma
(CARVALHO, 1992, p. 83-84): 1) q – a taxa de quase-rendas esperadas – é a razão entre os
retornos esperados pela posse e/ou uso do ativo (Q) e o seu preço corrente (CP), ou seja, é
igual a Q/CP; 2) c é a razão entre os custos de manutenção esperados pela retenção do ativo
(C) e o seu preço corrente (CP), isto é, igual a C/CP; 3) l é o prêmio de liquidez, que Keynes
define como “a quantidade (medida em termos de si mesma) que se está disposto a pagar pela
conveniência ou segurança potenciais proporcionadas pelo poder de se dispor de um bem
(deduzidos o rendimento e o custo de manutenção do bem)”
27
(KEYNES, 1971, p. 201); 4) a
– ganho (ou perda) pela apreciação (ou depreciação) na venda do ativo – é a relação entre a
mudança nos preços do ativo no fim do seu período de retenção e o seu preço corrente, ou
seja, a divisão da diferença entre o preço futuro (EP) e o preço corrente (CP) pelo preço
corrente (CP), (EP – CP)/CP. Como se pode verificar, além de serem expressos por taxas, três
dos quatro atributos da taxa-própria de juros de um ativo dependem do preço do ativo, sendo
que o último depende exclusivamente dos preços corrente e futuro do ativo. Por conseguinte,
conceitualmente, o que está expresso pela fórmula adotada é a taxa de retorno de um ativo e
não o seu preço.
Ademais, como se trata de um modelo de escolha de ativos, relevante é a comparação
entre as taxas-próprias de juros de diversos ativos
28
, que possibilitará aos investidores
escolherem aqueles que oferecem as maiores taxas possíveis de retorno. Assim,
a concorrência entre possuidores de riqueza para obter os melhores ativos
(aqueles com os maiores rendimentos) determinará os preços desses ativos.
Esses preços sinalizarão que ativos são relativamente escassos e quais têm
excesso de oferta (escassez sendo medida pela razão entre preços de
27
Segundo Chick (1993 p. 328), o prêmio pela liquidez “é pura negociabilidade – a facilidade de trocar o ativo
por algo mais. Isto é determinado pelas características inerentes ao ativo, por exemplo, a divisibilidade, não ao
preço que ele pode alcançar”.
28
Deve-se observar que o modelo assume que o período de retenção é o mesmo para todos os ativos, com as
diferenças de conversibilidade dentro do período de retenção incorporadas aos seus prêmios de liquidez (ver
CARVALHO, 1992, p. 82-83).
13
demanda e de oferta) e determinarão a composição da riqueza total
acumulada pela comunidade no período em estudo. (CARVALHO, 1992, p.
81)
No que diz respeito à classificação, feita por Reydon, da terra como um ativo líquido,
deve-se fazer algumas considerações, principalmente a respeito do conceito de liquidez.
Segundo Keynes (1971, p. 213), “é claro que não existe um padrão de ‘liquidez’ absoluto,
mas simplesmente uma escala de liquidez”. Carvalho conclui, a partir de sua análise, que
“liquidez é uma questão de grau” (1992, p. 88). Segundo este autor (1992, p. 85), liquidez é
um conceito bidimensional, referindo-se simultaneamente: 1) ao período de tempo necessário
(ou que se espera ser necessário) para se desfazer de um ativo; e 2) à capacidade do ativo de
conservar seu valor ao longo do tempo
29
. Assim, “podemos dizer que um ativo é líquido na
medida em que o tempo para a sua conversibilidade é curto e que a mudança esperada no seu
valor é pequena” (CARVALHO, 1992, p. 86). A liquidez de um ativo é função das
expectativas quanto à sua revenda sem perdas de capital significativas e depende, por
conseguinte, da eficiência do mercado para o ativo, que pode ser considerada a partir de três
características (CARVALHO, 1992, p. 86-87): 1) densidade, que tem a ver com o tamanho do
mercado, e, fundamentalmente, com a capacidade de substituição entre itens de um mesmo
tipo de ativo. Ou seja, quanto menor o grau de substituição, mais específico é o mercado para
um dado item e menores são as condições de se obter compradores para ele; 2) permanência,
que se refere ao período de tempo em que o mercado está em funcionamento, isto é, quanto
mais permanente é o mercado, mais líquido torna-se o ativo porque maior é a probabilidade
de seu detentor atual encontrar um comprador para ele; 3) organização, que é a característica
mais importante, porque “mercados são instituições, eles não são um fenômeno natural”.
Quanto mais organizado é o mercado mais regular é o modo pelo qual se espera que se
desenvolvam as suas transações
30
.
Para classificar a terra como ativo, é importante indagar das características de seu
mercado. Considerando que mercados são instituições, eles são histórica e espacialmente
determinados. Além disso, a liquidez de um ativo é definida em relação aos demais ativos, em
circunstâncias dadas. Assim, a terra poderá ser um ativo mais ou menos líquido, ou até
mesmo ilíquido, dependendo das condições de funcionamento de seus mercados e da sua
relação com os demais ativos, em tempo e local determinados. Não se pode afirmar, portanto,
que a terra é, sempre e permanentemente, um ativo líquido. No caso brasileiro, em particular,
tal generalização parece ser inadequada tanto do ponto de vista espacial, na medida em que a
economia – e, em particular, o mercado de terras rurais – tem diferenças regionais
significativas, quanto do ponto de vista temporal, uma vez que, sobretudo no passado recente,
as políticas macroeconômicas adotadas têm provocado relevantes mudanças de cenário que
implicam, entre outros fenômenos, um reposicionamento dos ativos quanto à sua liquidez. Em
relação a esse aspecto é importante ter em conta o que Keynes denominou de “véu monetário”
que, ao se interpor entre o ativo real e o possuidor de riqueza monetária, afeta o primeiro. Isso
decorre do fato de que “os verdadeiros possuidores de riqueza detêm direitos, não sobre os
ativos reais, mas sobre o dinheiro”. Desse modo, “a riqueza, enquanto propriedade, só pode
ser medida enquanto capacidade aquisitiva, poder sobre os demais possuidores de riqueza,
enquanto riqueza geral”. Assim sendo, a liquidez depende da percepção dos detentores de
dinheiro sobre a capacidade de conversão dos ativos reais em ativos monetários, ou seja, da
transformação do “dinheiro particular” no “dinheiro social”. Em situações de rompimento do
29
Para Chick (1993, p. 335), “a liquidez tem três dimensões: uma probabilidade, um preço e um período de
tempo”.
30
A tipologia de Davidson, mencionada por Reydon, trata justamente das características que uma mercadoria
deve ter para que existam mercados bem organizados (DAVIDSON, 1978, p. 87).
14
estado de confiança, “os detentores do dinheiro diretamente social (...) revelam sua
preferência pela liquidez, subindo a taxa de conversão da riqueza privada na riqueza social”,
fazendo convergir para o dinheiro ou o ativo que o substitua “a esperança de resguardo do
valor da riqueza” (BELLUZZO & ALMEIDA, 1989, p. 124-126). Por conseguinte, isso
afetará tanto a liquidez quanto o preço dos ativos, na medida em que “os detentores de riqueza
têm que imaginar a existência de uma medida e forma do enriquecimento que não esteja
sujeita à contestação dos demais, isto é, que seja socialmente reconhecida” (BELLUZZO &
ALMEIDA, 1989, p. 126, grifos no original).
A concepção neo-institucionalista de Vogelgesang, embora represente um avanço em
relação à teoria neoclássica convencional, não rompe com ela inteiramente, na medida em que
mantém a visão teleológica do “mercado perfeito”, considerando as características dos
mercados existentes no mundo real, quando divergentes desse mercado perfeito, como
“imperfeições” ou “limitações” dos mercados reais. Segundo Kerstenetsky (1995, p. 26),
o neo-institucionalismo apresenta-se a si mesmo como complementar à
teoria neoclássica, e não como seu substituto. Como conseqüência, a
proposta de uso dos conceitos de custos de transação e demais características
institucionais (com destaque para contratos e direitos de propriedade) pela
escola neo-institucionalista incorre nas mesmas limitações da abordagem
estática do equilíbrio ao qual se filia.
De qualquer modo, as concepções que conferem importância ao papel das instituições
– tanto a de Vogelgesang quanto a de Polanyi e Block, não obstante as diferenças de enfoque
– têm importantes implicações para a análise da formação e do funcionamento do mercado de
terras rurais. Em primeiro lugar, deve-se considerar que, historicamente, a criação desse
mercado na sociedade moderna sofreu influência decisiva da ação do Estado, que se
consubstanciou, fundamentalmente, na elaboração de “leis de terras” nos diferentes países
31
, o
que, por sua vez, condicionou o conseqüente desenvolvimento das relações sociais no campo.
Por conseguinte, não é possível entender o atual funcionamento do mercado de terras num
dado país sem levar em conta o arcabouço histórico-institucional que o engendrou. Em
segundo lugar, os mecanismos de funcionamento desse mercado permanecem sujeitos a
alguma forma de intervenção estatal, em virtude do fato de que, por ser não ser produzida, a
terra sofrerá sempre a injunção de um conjunto significativo de forças institucionais. Assim,
não é possível desconsiderar, dentre os determinantes do preço da terra rural, os fatores
institucionais
32
.
Da análise precedente depreende-se que é necessário analisar mercados de terras rurais
específicos não apenas no que diz respeito aos determinantes econômicos do preço da terra,
que é o foco principal de grande parte da literatura sobre o tema, mas sobretudo quanto aos
aspectos institucionais relativos a esse mercado, em especial o papel exercido por mecanismos
regulatórios na sua configuração e no seu funcionamento. Isto porque julga-se insuficiente
uma análise que considere o mercado como dado – ou como um “fenômeno natural” –,
devendo-se levar em conta o arcabouço histórico-institucional que o engendrou, bem como a
31
As “Enclosure Laws” inglesas, o “Homestead Act” norte-americano, a “Lei de Terras de 1850” brasileira.
32
Um exemplo disso, aplicado ao caso da avaliação do preço da terra para fins tributários, pode ser encontrado
em Wald (1964, p. 73-74), que afirma que “na maioria dos tributos agrários, a ênfase corresponde propriamente
à natureza hipotética ou fictícia do valor tomado como base, mais do que à existência de uma presunção de que
o valor taxado seja indicativo do valor real. Esta última presunção é freqüentemente indefensável” (grifos
nossos). Desse modo, ele observa que os valores adotados são nocionais, podendo ser exigidos por lei ou
sancionados pelo costume. As razões para a adoção de valores nocionais para a terra, segundo Wald, derivam do
seguinte: a) “apenas uma pequena porção das propriedades sujeitas à tributação são vendidas durante qualquer
período de taxação”; e b) “os preços de venda são influenciados por uma multidão de forças institucionais e por
imperfeições de mercado”.
15
multiplicidade de fatores que o condiciona. Para tanto, é importante desenvolver um esforço
no sentido de conciliar distintas vertentes teóricas para que se consiga alcançar uma
satisfatória abordagem do tema.
A concepção básica que deve nortear a análise do funcionamento do mercado de terras
rurais num país como o Brasil é a de que o modelo keynesiano de escolha de ativos, embora
seja necessário para compreender a determinação e variação do preço da terra rural, não é
suficiente para explicar, de forma abrangente, o movimento desse mercado, sobretudo se se
considera que tal modelo tem como pressuposto a concorrência perfeita nos mercados de
ativos, sem tipo algum de segmentação (CARVALHO, 1992, p. 91).
A análise do funcionamento de um específico mercado de terras rurais deve levar em
conta atributos, considerados como sendo endógenos, expressivos das condições históricas de
sua existência, assim como os fatores institucionais que o condicionam. Em termos mais
concretos, pode-se relacionar esses atributos aos seguintes aspectos, entre outros: a
disponibilidade e a necessidade de terras, bem como a sua ociosidade, que podem condicionar
o funcionamento do mercado, não sendo esta última necessariamente conseqüência da
especulação com terras, como visto acima; a dinâmica do mercado de terras, que influi na
qualidade e quantidade das transações realizadas no mercado; a concentração e a grilagem de
terras rurais, que certamente exercem influência na determinação do preço da terra agrícola e
nas condições de funcionamento deste mercado.
O exame de diferentes teorias relativas ao funcionamento do mercado de terras rurais
permite afirmar que não existe uma que seja plenamente satisfatória para explicar a realidade
de um país como o Brasil, na medida em que cada uma delas privilegia um aspecto em
detrimento de outros. Em função disso, procurou-se estabelecer, na presente seção, alguns
princípios básicos para a construção de uma análise que seja suficientemente abrangente para
dar conta da nossa realidade. Além disso, foram apontados alguns aspectos que possam servir
de base a uma análise específica do caso brasileiro, na certeza de que é fundamental validar a
teoria frente à realidade que se quer explicar.
16
CAPÍTULO II
TRIBUTAÇÃO DA TERRA AGRÍCOLA
Para o estudo teórico da tributação da terra agrícola, que é objeto do capítulo, partiu-se
dos trabalhos clássicos sobre o tema, de modo a estabelecer uma tipologia dos sistemas
relativos a esta tributação. Em seguida, empreendeu-se uma análise sobre as possíveis razões
que levam a tributação da terra a ser pouco utilizada, apesar de a literatura que trata do
assunto considerá-la eficiente.
A tributação da terra agrícola, ao influir sobre a demanda e oferta de terras, e, em
conseqüência, sobre o seu preço, tem impacto sobre o funcionamento do mercado de terras
rurais. Desse modo, o presente capítulo, ao empreender estudo sobre o tema, serve de
complemento à análise anteriormente realizada.
Esta tributação, que historicamente teve um grande peso em muitos países, tem
declinado de importância ao longo das últimas décadas. Não obstante, vários autores
prosseguem considerando que o tributo sobre a terra é relevante. Binswanger, Deininger &
Feder (1995, p. 2723), por exemplo, consideram que, em teoria, esse imposto tem as seguintes
três principais vantagens em relação a impostos sobre a produção ou exportação agrícolas: 1)
se o imposto sobre a terra é baseado na renda monetária potencial de uma dada propriedade
em condições normais, ele tem efeitos mínimos de desincentivo; 2) ele facilita a taxação do
setor agrícola doméstico na medida em que é menos regressivo que impostos pessoais (poll
taxes); 3) se a base tributária varia pouco, o imposto sobre a terra não desencoraja
investimentos em benfeitorias. Além disso, um imposto progressivo sobre a terra tem sido
apontado como um meio de desestimular a ociosidade das terras, mediante o desestímulo à
especulação e o incentivo ao aumento da produção e produtividade agrícolas.
Apesar disso, verifica-se empiricamente que essa forma de tributação não tem logrado
o êxito esperado. Este capítulo tem por objetivo discutir essa questão. Para tanto, ele está
dividido em duas seções. A primeira analisa a tipologia dos diferentes tributos sobre a terra,
de modo a facilitar a compreensão sobre a complexidade do problema. A segunda seção
apresenta os principais argumentos que buscam explicar o aparente paradoxo entre a teoria e a
prática da tributação da terra agrícola.
2.1 Tipologia dos Sistemas de Tributação da Terra Agrícola
Os trabalhos clássicos de Wald, publicado originalmente em 1959
33
, e de Bird, de
1974, seguem sendo as principais referências no que diz respeito à análise dos sistemas de
tributação da terra agrícola nos países em desenvolvimento, razão pela qual são utilizados
nesta seção. Segundo eles, são três as categorias principais de tributos agrários, tendo como
critério fundamental a base tributária: 1) os tributos com base na superfície das terras; 2) os
tributos que consideram o conceito de valor da renda da terra; e 3) os tributos que se baseiam
no conceito de rendimento. A essas três é acrescentada uma quarta categoria, relativa aos
tributos para fins especiais. Trata-se de uma classificação que reúne em alguns tipos gerais a
diversidade de bases impositivas existentes, não pretendendo esgotar os diferentes arranjos
tributários específicos dos vários países, que podem, inclusive, adotar sistemas híbridos, com
a combinação de duas ou mais categorias. É precisamente nessa capacidade de generalização
33
O presente trabalho utiliza a edição mexicana de 1964.
17
que reside a importância da tipologia adotada, e o que lhe confere a força para permanecer
válida até o presente
34
.
Os tributos baseados na superfície das terras são os mais simples em estrutura e
administração e estão entre os primeiros historicamente, podendo se apresentar segundo uma
taxa uniforme ou uma taxa classificada ou graduada. No que respeita à taxa uniforme, o
tributo é aplicado de acordo com a superfície possuída por cada contribuinte, sem levar em
conta a capacidade produtiva das terras. O montante do imposto é determinado pela
multiplicação da taxa, expressa por um valor fixo por unidade de superfície, pelo número de
unidades sujeitas à tributação. Quanto ao segundo tipo de tributo baseado na superfície, a taxa
é, em geral, graduada de acordo com a classificação econômica das terras. Em princípio,
bonificações por diferenças na capacidade produtiva ou no valor econômico das terras podem
ser feitas por ajustes tanto na taxa quanto no valor da base tributária. Em termos práticos,
entretanto, a taxa classificada reconhece apenas algumas amplas categorias econômicas das
terras, que podem ser identificadas num rudimentar sistema de classificação agrícola.
Os tributos que utilizam o conceito de valor da renda da terra são os mais importantes
de todos e derivam, em parte, da teoria ricardiana da renda da terra. O valor da renda da terra,
no caso específico da terra agrícola, é o pagamento que se pode obter em um mercado
competitivo pela oportunidade de utilizar técnicas agrícolas usuais para o cultivo da terra,
levando em conta sua localização e outras qualidades intrínsecas bem como qualidades
adicionais adquiridas como resultado da ação pretérita do homem
35
. Este valor pode ser
expresso tanto por uma taxa de pagamento pelo uso da terra por um determinado período de
tempo quanto por uma equivalente soma de capital. O primeiro método, normalmente
instituído como uma renda anual, é a base dos antigos tributos agrários, enquanto que o valor
do capital constitui a base dos mais modernos tributos sobre a propriedade agrária. A questão
central deste tipo de tributo refere-se à avaliação da sua base de cálculo. Quanto àquele que
tem por base o valor anual, há dois grupos de métodos de taxação que são considerados como
os melhores: 1) aqueles que exigem da autoridade fiscal uma estimativa ou avaliação da
capacidade produtora de rendimentos de cada classe de terra, seguida, presumivelmente, de
uma classificação agrária e procedimentos de taxação uniformes, separando então a parte que
representa o valor da renda; e 2) aqueles que exigem da autoridade fiscal avaliação do valor
de capitalização das terras, seja mediante referência aos seus preços de venda, seja de acordo
com normas estabelecidas de avaliação, calculando então o montante da renda com base em
uma suposta taxa de lucro. Note-se que, em ambos os casos, se trata de uma taxação
presumida, e não baseada em algum registro individual fidedigno
36
. No caso do tributo
baseado no valor do capital, este costuma ser definido, nas disposições legais dos diferentes
países, como o valor de troca ou de mercado, ou seja, como o preço em que se vendem ou
podem ser vendidas as propriedades rurais
37
. Deve-se ter em conta que o valor da renda da
34
Segundo Wald (1964, p. 59), trata-se de uma difícil e absorvente tarefa de “fazer uma exposição ordenada de
um assunto incrivelmente desordenado”.
35
Não obstante ser quase sempre impossível distinguir, em terras de uso prolongado, os efeitos da natureza dos
da atividade humana (BIRD, 1974, p. 150).
36
A adoção de métodos de imputação tem que ver com aspectos administrativos e de princípio. No primeiro caso,
inscreve-se tanto a necessidade de garantir fidedignidade ao valor da base tributária, quanto a possibilidade de
estabelecer ajustes tendo em conta uma mudança no nível de preços ou necessidades de arrecadação
governamental. No segundo caso, busca-se impor um tributo baseado em valores de longa duração, tidos como
“normais”, e não necessariamente ao valor monetário verificado em um dado momento do tempo (ver WALD,
1964, p. 36-37).
37
É importante destacar que se o valor da terra é determinado exclusivamente por fatores econômicos que atuam
em um mercado de terras concorrencial, ele não é senão o seu valor líquido da renda, anual, capitalizado. Nesse
caso hipotético, as duas medidas de valor, adequadamente definidas, relacionam-se reciprocamente, como o juro
ao capital. Entretanto, não obstante essa interdependência, “é importante classificar cada imposto separadamente
posto que existem diferenças consideráveis no funcionamento real de ambos” (WALD, 1964, p. 43).
18
terra para fins tributários, seja anual ou do capital, tende a ser um valor nocional
38
, na medida
em que reflete um valor hipotético que se atribui à propriedade e não o que expressa a
realidade imediata de cada caso individual. As razões para isso estão ligadas, por um lado, ao
fato de que os preços de mercado das terras, por influências institucionais ou imperfeições de
mercado, não expressam o verdadeiro valor da terra, e, por outro, porque o valor da renda da
terra está sujeito a diversas interpretações, uma vez que se pode considerá-lo como o valor
real no momento da taxação, como um valor “normal” medido pela experiência anterior ou
como um valor antecipado para um período futuro. Além disso, este valor pode ser medido
pelo rendimento provável da utilização atual da terra ou pelo rendimento potencial relativo a
uma utilização ótima.
Os tributos que se baseiam no conceito de rendimento têm uma base tributária mais
abrangente do que os anteriores, uma vez que, além dos rendimentos relativos às
características da terra
39
, atingem também os rendimentos relativos aos demais meios de
produção, tais como o trabalho do agricultor e sua família e o retorno do capital investido em
benfeitorias e equipamentos produtivos. A base tributária pode ser medida tanto em termos de
produção física como em seu equivalente monetário, e estar vinculada ao rendimento total ou
monetário, “bruto” ou “líquido” (depois de deduzidas as despesas), podendo haver isenções
individuais e outras deduções. O mais antigo dos tributos dessa categoria, hoje praticamente
extinto, é o dízimo, que é aplicado como uma cota proporcional
40
à colheita total ou
rendimento bruto
41
. Os tributos baseados na produção bruta ou rendimento bruto se impõem
de acordo com a produtividade classificada das terras, diferenciando-se assim do dízimo que,
em geral, é imposto mediante inspeções no campo na época da colheita. Mais raros são os
exemplos de tributos baseados no rendimento líquido. De acordo com Wald (1964, p. 53),
geralmente, quando um país decide mudar sua tributação agrícola para uma
base de rendimento líquido, está preparado para abandonar o ponto de vista
de que os rendimentos agrícolas devem ser taxados distintamente dos outros
rendimentos, o que leva à integração do novo tributo ao imposto geral sobre
a renda.
Uma modalidade de tributo muito próxima à do rendimento líquido é a do produto
líquido, que é o resultado da diferença entre o valor bruto e as despesas de cultivo (incluídos
os pagamentos da mão-de-obra). Ainda nessa categoria consideram-se alguns tributos
cobrados sobre a produção comercializada que são, na realidade, uma forma de tributação
agrária.
Por fim, entre os tributos para fins especiais podem ser citados: a) tributos que estão
ligados aos incrementos de valor das propriedades que são independentes dos investimentos
realizados pelos proprietários, em geral decorrentes de investimentos públicos, que podem
resultar na imposição de uma “contribuição de melhoria”; b) tributos de penalização e/ou
incentivo, que são aqueles destinados, por exemplo, a desestimular a propriedade improdutiva
e a estimular a produção e a produtividade agrícolas; e c) tributos especiais sobre certos
recursos naturais. Em relação aos tributos de penalização e/ou incentivo, que são os que mais
interessam aos objetivos do presente trabalho, podem ser adotadas, em tese, medidas tais
38
“O adjetivo ‘nocional’ é preferível para descrever a típica base impositiva agrária ao de ‘presumido’, embora
este último seja mais comum na literatuta tributária.” (WALD, 1964, p. 73).
39
Qualidade, topografia, localização quanto ao clima, irrigação, acessibilidade aos mercados.
40
Segundo Wald (1964, p. 49), “embora seu nome implique uma alíquota de 10%, (...) o dízimo se impunha
freqüentemente com alíquotas mais elevadas”.
41
“O dízimo foi aplicado universalmente pelos primitivos proprietários muçulmanos, constituindo a principal
fonte de renda dos senhores feudais, assim como da Igreja na Europa medieval. Também existem muitos
exemplos de ter sido cobrado por soberanos no Extremo Oriente.” (WALD, 1964, p. 49).
19
como: 1) um tributo agrário progressivo que varie em relação direta com a importância das
propriedades, de modo a recair fortemente sobre os latifúndios; 2) um tributo que penalize as
terras cultiváveis que estejam ociosas; 3) um tributo especial sobre terras de proprietários
absenteístas; e 4) um substancial tributo adicional sobre ganhos especulativos sobre o valor
das terras.
2.2 Por Que a Tributação da Terra é Pouco Utilizada
Uma constatação relativamente simples acerca da tributação da terra agrícola é de que
ela é hoje raramente utilizada, não obstante ser considerada eficiente. O declínio da sua
utilização já podia ser verificado, por exemplo, em meados do século XX (BIRD, 1974, p. 34-
35)
42
. Skinner (1991) analisa esse fenômeno a partir de três possíveis explicações: 1) os
efeitos de capitalização da tributação da terra imporiam uma ampla carga para a atual geração
de proprietários rurais; 2) a tributação da terra aumentaria o risco em relação ao rendimento
agrícola líquido; e 3) a administração da tributação da terra acarretaria dispendiosas
exigências de informação.
Com relação à primeira explicação, o autor faz uma distinção entre o curto e o longo
prazos, uma vez que uma mudança na tributação da terra afeta de forma bastante diferente as
gerações atual e futura de proprietários. O curto prazo é definido como o período no qual toda
a terra é possuída por uma determinada geração. Com o aumento da tributação, o preço de
mercado da terra deve cair o suficiente para recuperar a igualdade entre a renda da terra pós-
taxação e os ativos de capital. Desse modo, no curto prazo, mantida constante a taxa de juros,
esta geração sofrerá uma perda, o que explica a razão pela qual ela se opõe tão energicamente
a uma tributação da terra
43
. No longo prazo, entretanto, um novo regime de tributação da terra
é altamente favorável aos futuros proprietários, tendo em vista que eles comprarão e venderão
terras a um preço reduzido. Assim sendo, se a atual geração suporta mais do que a carga
tributária, não há carga para a futura geração. O autor nega igualmente que os efeitos de
capitalização sejam responsáveis pela preferência, em muitos países em desenvolvimento, por
impostos de exportação em lugar de impostos sobre a terra, uma vez que aqueles têm efeitos
de capitalização semelhantes que podem ser maiores em magnitude do que os destes.
A segunda explicação diz respeito ao fato de que os produtores agrícolas estariam
sujeitos a riscos indesejáveis em virtude da tributação da terra na presença de mercados de
seguro imperfeitos, uma vez que o imposto sobre a terra deve ser pago anualmente
independentemente do sucesso ou do preço da colheita, enquanto que impostos sobre as
mercadorias partilham o risco por taxarem somente o valor da produção comercializada. A
questão é direcionada para determinar qual a magnitude de incerteza que é necessária para
determinar um imposto sobre a terra eficiente em comparação com um imposto de
exportação. Quando não há incerteza, há um ganho de eficiência na substituição do imposto
de exportação pelo imposto sobre a terra. Na medida em que a incerteza se torna mais
acentuada, o imposto de exportação pode sobrepujar o imposto sobre a terra. Entretanto, os
cálculos realizados pelo autor sugerem que o grau de incerteza da renda agrícola deve ser
muito alto, e em geral o nível de taxação baixo, antes que um imposto de exportação seja
preferível ao imposto sobre a terra. No caso de mercados de seguro imperfeitos, Hoff (1991)
conclui que uma correta combinação de impostos sobre a produção e sobre a terra é preferível
42
Os dados apresentados por Bird, relativos, em geral, aos anos de 1950 ou 1953, já revelavam uma baixa
participação da tributação da terra agrícola no total da arrecadação tributária para um significativo conjunto de
países em desenvolvimento.
43
Segundo Skinner (1991, p. 120), “o pressuposto de mercados de capitais perfeitos é robusto, especialmente
para países em desenvolvimento. Mas os efeitos de capitalização se mantêm mesmo em mercados imperfeitos”.
20
à aplicação de cada um deles separadamente, pela mesma razão que um contrato de parceria é
preferível a um contrato de arrendamento com valor fixo.
Para Skinner, a terceira explicação é a mais convincente, porque embora em teoria a
solução do problema seja evidente, não é trivial a sua adoção na prática
44
. A questão está
ligada fundamentalmente à determinação do valor da terra – que, como se viu, é a base de
cálculo dos principais tributos atuais sobre a terra agrícola
45
. A dificuldade na determinação
do verdadeiro valor da terra e o forte incentivo à sua manipulação leva o governo a ter que
decidir entre permitir uma ampla evasão tributária e gastar vultosos recursos para impor
fidedignidade à informação
46
. O autor centra o foco na eqüidade e utilidade entre produtores
agrícolas diferenciados pela detenção de terras de distintas qualidades. Simplificadamente,
pressupõe a existência de dois tipos de produtores, com terras normais e de alta qualidade, e o
fato de toda a produção comercializada ser exportada. Nessas circunstâncias, dado um regime
puro de tributação sobre a produção, os dois tipos de produtores revelam sua capacidade
produtiva mediante sua produção comercializada. Desse modo, as autoridades tributárias
necessitam apenas recolher o imposto por unidade de produção, em vez de determinar quem
possui terras de baixa ou alta qualidade. Se as autoridades tributárias tiverem condições de
identificar que terra é a de melhor qualidade, um imposto sobre a terra mais eficiente pode ser
estabelecido
47
. O problema, entretanto, reside no critério de auto-seleção: diferentemente de
um imposto sobre mercadorias, produtores de alta qualidade podem obter ganhos se
declararem suas terras como de baixa qualidade, atingindo, portanto, maior nível de utilidade.
Assim sendo, a menos que sejam feitos gastos efetivos para forçar a separação entre
proprietários de alta e baixa qualidade de terras, todos declararão suas terras como de baixa
qualidade
48
. A questão é saber se é melhor para o governo gastar mais com administração
tributária para garantir a fidedignidade das informações. De acordo com Skinner, não
necessariamente, visto que os custos de administração reduzem a arrecadação líquida. Para
aumentar a arrecadação com a tributação da terra o governo se vê diante de duas opções: ou
gasta mais em administração ou aumenta a alíquota. Aumentar os gastos em administração faz
pouco sentido quando as alíquotas são baixas, pois pode ser socialmente ineficiente aumentar
os custos se a conseqüente arrecadação tributária é mínima. Aumentar a alíquota pode não ser
eqüitativo se, por exemplo, o grau de evasão tributária dos produtores de terras de alta
qualidade é elevado. O aumento pode resultar em redução da arrecadação se, em
conseqüência, a evasão se ampliar.
Uma outra explicação sobre a pouca utilização da tributação da terra está ligada à
resistência dos proprietários. Segundo Ahmad & Stern (1989, p. 1074-1075), “uma das razões
para isso parece ser a de que os ricos e poderosos têm sido particularmente bem sucedidos em
44
Segundo Skinner (1991, p. 125), em teoria, trata-se de realizar um levantamento cadastral que determine o
valor de mercado ou de localização de cada propriedade e enviar uma guia de cobrança para cada proprietário.
Na prática, entretanto, os levantamentos cadastrais são caros e consomem tempo, os organismos de tributação
têm escassez de pessoal qualificado, as avaliações são corroídas pela inflação e os tribunais ficam
freqüentemente abarrotados de recursos de proprietários irados.
45
Wald (1964, p. 176-179) considera o número de contribuintes e o procedimento relativo às avaliações como os
principais fatores determinantes do custo da administração tributária.
46
O autor dá como exemplo o caso de Bangladesh, em meados dos anos 80, onde os custos de administração do
imposto sobre a terra foram superiores ao valor equivalente à metade da arrecadação (SKINNER, 1991, p. 125).
47
Skinner (1991, p. 126) considera que o imposto de exportação não tem custos administrativos. Segundo ele,
embora seja uma evidente simplificação, isso significa que tal imposto, por ser administrado em portos e
aeroportos, acarreta baixos custos de administração. Nesse caso, o contrabando pode ser desencorajado por
amplas penalidades impostas à sonegação do imposto, mesmo que não se possa atingir todo contrabandista. Em
contrapartida, é difícil estabelecer amplas penalidades por subdeclaração da qualidade da terra, uma vez que se
pode divergir sobre o “verdadeiro” valor da terra.
48
Uma opção poderia ser a de utilizar como base impositiva exclusivamente o tamanho da terra, que, segundo o
autor, é perfeitamente eficiente porém menos eqüitativo (SKINNER, 1991, p. 128).
21
resistir ao imposto”. Uma análise muito interessante acerca dessa resistência, para uma
situação específica – no caso, a da Colômbia nas décadas de 1950 e 1960 –, é realizada por
Hirschman (1972, p. 236-246), que afirma que “o ponto fraco da tributação da terra é o fato
de que ela desperta a oposição dos interesses fundiários sem estender um apelo consistente a
qualquer outro grupo social importante”
49
.
Apesar do declínio da tributação da terra agrícola, verificado na maioria dos países
desde meados deste século, ela continua sendo considerada eficiente, desde que sejam
ultrapassados os obstáculos ligados principalmente à sua administração.
Uma das soluções apontadas para superar os problemas de administração do imposto
sobre a terra diz respeito à sua descentralização: “os Estados Unidos obtiveram sucesso com a
transferência da administração dos impostos sobre a terra para as autoridades locais e a
vinculação da arrecadação tributária à infra-estrutura e aos serviços governamentais locais”
(BINSWANGER, DEININGER & FEDER, 1995, p. 2725). Skinner (1991, p. 130) afirma
que a tributação da terra por governos locais aparentemente não experimentou declínio no seu
uso. As razões para isso seriam: 1) os governos locais não dispõem de melhores opções; e 2)
as necessidades modestas de arrecadação implicam uma alíquota baixa, reduzindo a evasão e
possibilitando uma estrutura tributária mais simples.
Entretanto, é essencial, antes de definir o nível de competência para legislar sobre o
ITR, estabelecer com clareza a que objetivos o imposto deve servir, levando-se em conta que
é difícil conciliar suas finalidades fiscais e extrafiscais. Se o objetivo do ITR é o de servir de
instrumento auxiliar de reforma agrária, como coadjuvante na correção da estrutura fundiária,
o seu potencial de arrecadação, ao longo do tempo, tenderá a zero, uma vez que o ideal a ser
alcançado é a eliminação das propriedades ociosas e a constituição de propriedades produtivas
que, por definição, deverão recolher o mínimo, senão zero, de imposto. Por outro lado, os
objetivos extrafiscais do ITR pressupõem, em princípio, uma uniformidade de procedimentos
para todo o país, o que torna difícil a sua descentralização, se esta for entendida como a
transferência da competência para legislar sobre o imposto para estados e/ou municípios.
Nesse caso, poder-se-ia pensar a descentralização no sentido de estabelecer uma
administração tributária conjunta dos diversos níveis de governo. Se, ao contrário, o objetivo
passa a ser o de servir para o incremento da arrecadação, ainda que os recursos sejam
utilizados na promoção de uma reforma agrária, não é possível estabelecer uma configuração
para o ITR que desconsidere a renda proveniente do conjunto das propriedades rurais, o que
tenderia a onerar também as propriedades produtivas. Em contrapartida, é possível que, nessas
circunstâncias, a descentralização, com a transferência da competência do imposto para os
governos municipais, pudesse se tornar mais eficaz.
49
O texto de Hirschman, utilizado na coletânea citada, foi extraído de seu livro Journeys toward progress:
studies of economic policy-making in Latin America, New York, The Twentieth Century Fund, 1963.
22
CAPÍTULO III
ESTADO E INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO NO MERCADO DE
TERRAS RURAIS: A EXPERIÊNCIA DE ALGUNS PAÍSES DA
AMÉRICA LATINA
Há uma variada gama de instrumentos de intervenção no mercado de terras rurais, entre
os quais podem-se mencionar os seguintes: titulação da terra; modernização dos sistemas de
registro da terra; hipoteca da terra; programas de colonização; expropriação de terras ociosas e
assentamento de sem terras; e expansão e transparência do arrendamento (REYDON &
PLATA, 1996, p. 58-66)
50
.
Os seguintes mecanismos de acesso à terra para redução da pobreza rural são
apresentados por de Janvry & Sadoulet (1999): 1) mercado de venda de terras; 2) mercado de
aluguel de terras; 3) pressões de base e apreensão (capture) estatal da terra; 4) reforma agrária
auxiliada pelo mercado de terras (land market-assisted); e 5) auxílio aos contratos de
arrendamento (tenancy). Dentre estes mecanismos, não se inclui a reforma agrária mediante a
desapropriação de terras pelo Estado, que os autores consideram uma forma de acesso à terra
ultrapassada, uma vez que é “amplamente incompatível com as atuais realidades econômica e
política” (p. 3).
De modo geral, a literatura que trata dos “novos” mecanismos de intervenção no
mercado de terras rurais com o objetivo de ampliar o acesso à terra às populações rurais
pobres (agricultores sem terra ou com terra insuficiente) tende a considerar como esgotadas as
experiências de reforma agrária baseadas na desapropriação de propriedades ociosas,
estabelecendo-se uma oposição entre o que se denomina de “reforma agrária tradicional”,
baseada na desapropriação, e a “reforma agrária de mercado”
51
, que tende a utilizar, entre
outros, o crédito fundiário e a tributação da terra
52
.
É importante que se ressalte, no que diz respeito às formas de intervenção no mercado
de terras rurais, que ela não é necessária nem exclusivamente estatal. Pode-se encontrar, por
exemplo, na análise empírica relativa a países latino-americanos, desde ações não
50
Um elenco de ações voltadas para a intervenção no mercado de terras pode ser encontrado também em
documento relativo a Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável. Nesse documento, são
enfatizadas ações fundiárias em complemento à desapropriação, entre as quais se incluem “o ordenamento
agrário, o acesso indireto (arrendamento e parceria) e a tributação” (FAO/INCRA, 1995, p. 12).
51
A literatura apresenta diferentes denominações, entre as quais: reforma do mercado de terras – land market
reform (CARTER & MESBAH, 1993); reforma agrária redistributiva – redistributive land reform e novo
modelo de reforma agrária “baseada na comunidade” – new “community-based” model of land reform
(DEININGER & BINSWANGER, 1999); reforma agrária auxiliada pelo mercado de terras – land market-
assisted land reform (de JANVRY & SADOULET, 1999); reforma agrária negociada – negotiated land reform,
reforma agrária amistosa com o mercado – market-friendly land reform, reforma agrária orientada pela demanda
da sociedade civil – civil society demand-driven land reform (EL-GHONEMY, 1999). A respeito dessa
variedade, é relevante a observação de Sauer (2001, p. 5), segundo a qual a mudança de denominação,
principalmente com a eliminação da palavra “mercado”, serviria para tentar estabelecer uma identificação da
reforma agrária de mercado com as comunidades beneficiárias.
52
É de se ressaltar que, no caso brasileiro, o discurso oficial, à época do governo de Fernando Henrique Cardoso,
apresentava a desapropriação e os “novos instrumentos” como complementares [ver, a respeito, BRASIL.
MEPF/INCRA (s. d.)].
23
governamentais, como é o caso do Equador
53
, até políticas liberalizantes, como as que foram
adotadas no Chile.
Algumas questões de caráter geral devem ser objeto de preocupação quando se
considera a intervenção no mercado de terras rurais. A primeira delas diz respeito à própria
viabilidade da intervenção, seja do ponto de vista institucional (em que medida os diferentes
atores sociais envolvidos a assimilam), seja do ponto de vista estritamente econômico (em que
condições econômico-financeiras se dá a sua implementação)
54
.
Uma segunda questão está ligada a possíveis “efeitos indesejados” (ou “perversos”)
55
que podem advir da implementação de alguns tipos de intervenção, como seria o caso de uma
elevação do preço da terra em virtude da existência de uma instituição que estivesse
capacitada a intermediar e financiar a aquisição de terras para agricultores de baixa renda
56
.
Uma terceira questão diz respeito ao grau de centralização/descentralização em que se
deve dar a implementação dos mecanismos de intervenção e quais instituições e atores sociais
devem dela participar efetivamente. Embora se possa formular essa questão para a
generalidade de situações, ela é seguramente mais relevante para o caso em que a direção do
processo está a cargo de organismos estatais, em que os fatores relativos a controle e
avaliação assumem crucial importância.
O presente capítulo tem por objetivo analisar, com base na literatura disponível, essas
questões à luz da experiência internacional. Como já salientado no primeiro capítulo deste
trabalho, o estudo de um mercado específico de terras rurais deve levar em conta o arcabouço
histórico-institucional que o engendrou, bem como a multiplicidade de fatores que o
condiciona. Desse modo, julga-se importante examinar os mecanismos de intervenção neste
mercado em diversas situações concretas, considerando as particularidades de cada caso, de
modo a servir de reflexão sobre possíveis convergências e/ou divergências no que diz respeito
ao caso brasileiro. Diversos países operaram, nos anos mais recentes, modificações na sua
política agrária, alicerçadas em mudanças na legislação que, em geral, apontam para uma
clara tendência à desregulamentação especialmente dos mecanismos de intervenção no
mercado de terras rurais.
Optou-se por analisar alguns países latino-americanos pelo fato de que, apesar das
singularidades, possuem características que os aproximam da trajetória de nosso país, tendo
em vista as injunções de natureza econômica e também política à que têm sido submetidos
historicamente, em especial no que diz respeito à questão agrária. Ademais, tais países são
portadores de peculiaridades que os tornam exemplos da intervenção no mercado de terras
rurais, não tendo havido, contudo, a pretensão de que essa análise fosse exaustiva. Tais
intervenções, em maior ou menor grau, visam à liberalização do mercado de terras rurais, e
têm sido em geral capitaneadas por uma mesma concepção, cuja matriz pode ser encontrada
nas formulações do FMI e do Banco Mundial. O Chile promoveu, após o golpe militar de
1973, uma acentuada política de liberalização do mercado de terras, como também do
53
Através do Fondo Ecuatoriano Populorum Progressio (FEPP), organização ligada à Igreja Católica.
54
Como exemplo sobre este aspecto, pode-se mencionar a simulação realizada para o Egito por El-Ghonemy
(1999, p. 19), que, levando em conta os salários dos trabalhadores rurais e o preço da terra, afirma que “o
trabalhador sem terra necessitaria acumular todos os seus rendimentos, sem gastar nada para sua subsistência,
durante esses anos [entre 19 e 39 anos] para comprar um feddan [equivalente a 0,42 hectare]” (grifos do autor).
Ele acrescenta que “durante o período de predominância das forças de mercado, hipotecas estão indisponíveis,
uma vez que arrendatários (tenants) e trabalhadores sem terra não tinham (e ainda não têm) acesso ao crédito
institucional que requer terra como colateral” (p. 20).
55
Não confundir esta afirmação com o conceito de efeito perverso utilizado por Hirschman, que diz respeito,
fundamentalmente, a uma atitude “reacionária” diante de situações de mudança e/ou promoção social e que pode
ser resumida no argumento segundo o qual “a tentativa de empurrar a sociedade numa certa direção resultará,
sim, em seu deslocamento, mas na direção oposta” (HIRSCHMAN, 1989, p. 108).
56
Tal fenômeno ocorreu precisamente na já mencionada experiência equatoriana (VALLEJO, NAVARRO &
VILLAVERDE, 1996, p. 79-80).
24
conjunto de sua economia, podendo ser considerado o país pioneiro na América Latina na
adoção das políticas neoliberais. Num certo sentido, o Chile é o contra-exemplo da
intervenção no mercado de terras, ou, melhor dito, de uma forte intervenção estatal
liberalizante. No caso do Equador, trata-se de uma experiência não governamental de
intervenção no mercado de terras, o que, por si só, merece uma análise mais acurada. México
e Peru, apesar de possuírem histórias agrárias distintas, são analisados em conjunto por terem
sofrido intervenções que buscaram atingir particularmente as propriedades comunitárias,
indígenas ou não. A Colômbia é um caso de excesso de legislação para um mínimo de
resultados, podendo-se considerar quase sempre fracassadas as intervenções realizadas desde
os anos 1930. Nicarágua e El Salvador representam situações em que houve intervenções
efetuadas a partir de rupturas político-institucionais – revolucionária, no primeiro caso;
reformista, no segundo – que acabaram por sucumbir, uma década depois, à “lógica do
mercado”.
Deve-se ressaltar que, embora a literatura sobre o tema seja razoavelmente ampla, há
ainda carência de informações quantitativas atualizadas e confiáveis, possivelmente fruto, na
maioria dos casos, da insuficiência de instituições e sistemas estatísticos nacionais. Esse fato
limita a possibilidade de se avaliar de forma objetiva os resultados alcançados, o que leva
alguns autores a lançar mão de julgamentos que têm um forte componente subjetivo, muitas
vezes assinalando tendências que mais se aproximam de desejos do que da realidade
observável. Tal preocupação é pertinente sobretudo em razão do fato de que grande parte da
literatura disponível está marcada pela idéia de que estão esgotadas as possibilidades da
reforma agrária dita “tradicional”, levando-a a preconizar a criação dos “novos” instrumentos.
3.1 Chile: Ampla Liberalização do Mercado de Terras Rurais
O Chile foi o primeiro país da América Latina a pôr em prática a liberalização do
mercado de terras rurais, no âmbito de uma política geral de desregulamentação dos mercados
iniciada com o golpe militar de setembro de 1973. No caso específico do campo chileno, o
golpe militar interrompeu uma experiência de reforma agrária realizada em um ambiente
democrático, que, entre 1964 e 1973, promoveu uma profunda modificação na estrutura
agrária chilena, com a eliminação do latifúndio e o fortalecimento da agricultura camponesa.
A política de liberalização do mercado de terras significou, na prática, “uma ação
sistemática por parte do Estado, depois do golpe militar, para desmontar o tipo de economia
camponesa criada entre 1965 e 1973 e para criar outro tipo de campesinato” (CRISPI, 1982,
p. 176). Essa política de liberalização foi viabilizada pelo enfraquecimento da organização
camponesa mediante um conjunto de medidas que, entre 1973 e 1979, cercearam e proibiram
as atividades sindicais e organizativas dos camponeses e trabalhadores agrícolas. Entre essas
medidas destacam-se: proibição das eleições de dirigentes sindicais, limitação do direito de
reunião e eliminação da negociação coletiva e do direito de greve (Decreto lei 198, de 1973);
supressão, em 1976, do Fundo de Educação e Extensão Sindical, cujo objetivo era a
capacitação e o financiamento das federações e confederações de trabalhadores agrícolas;
dissolução legal, em 1978, de duas confederações sindicais camponesas; eliminação, em
1979, do desconto obrigatório dos trabalhadores agrícolas para seus sindicatos e
obrigatoriedade de renovação, a cada dois anos, da filiação a federação ou confederação da
maioria absoluta dos sócios dos sindicatos. Foi igualmente sistemático o esforço para eliminar
as cooperativas camponesas, tanto pelo fechamento de uma grande quantidade delas, sob a
acusação de realização de ativismo político, quanto pela pressão para que se integrassem a
cooperativas regionais controladas pelos grandes produtores. Disso resultou que, de mais de
300 cooperativas camponesas que funcionavam em 1973, restaram, no início da década de
1980, cerca de 90 com alguma atividade, enfraquecendo, em conseqüência, a Confederação
25
de Cooperativas Camponesas. O mesmo aconteceu com as organizações representativas do
setor reformado: as cooperativas multiativas foram desaparecendo gradativamente, enquanto
que a Confederação de Assentamentos foi rapidamente cooptada pelo governo e passou a
servir a seus interesses (CRISPI, 1982, p. 179).
De outro lado, foram adotadas medidas que não apenas interromperam o processo de
reforma agrária como buscaram eliminar as conquistas alcançadas, sobretudo com a
destruição da área de exploração comunitária. Houve uma declaração de intenção de revisar o
processo de expropriação, com a devolução aos antigos donos dos imóveis considerados
injustamente desapropriados. Foram declarados, em dezembro de 1973, não expropriáveis os
imóveis com área igual ou inferior a 40 hectares de “riego básico” (HRB)
57
, limite que foi
ampliado para 80 HRB menos de um ano depois (novembro de 1974)
58
. A revisão do
processo expropriatório possibilitou que se entregasse ao setor privado, a partir de 1974, uma
parte da área do setor reformado, enquanto que a parte restante resultou em 37 mil pequenas
parcelas entregues, pelo governo, de forma individual
59
. Num primeiro momento (1974), era
obrigatório que estas parcelas fossem cultivadas pelos seus beneficiários diretos, sendo
posteriormente permitida a venda, de acordo com uma certa regulamentação. Mais adiante
(1977) foram permitidos o arrendamento e a parceria nestas parcelas, até que em 1979 foi
liberada a sua venda e autorizada a operação de sociedades anônimas no campo. Com isso,
parte considerável destas parcelas acabou por ser vendida
60
. Em 1980, foi permitida a divisão
de imóveis até um mínimo de 0,5 hectare, revogando a legislação anterior que fixava a área
mínima em 8 HRB.
Além do setor reformado, a atomização da exploração da terra atingiu também as
comunidades indígenas, por força dos decretos-lei 2.568 e 2.750, de 1979, que aceleraram os
processos de divisão dessas comunidades (MUÑOZ, 1999, p. 16). Entre os objetivos
explícitos desses instrumentos legais destacam-se: a supressão do Instituto de Desarrollo
Indígena, cujas funções foram absorvidas pelo Instituto de Desarrollo Agropecuario; a
tentativa de acabar com a propriedade comunitária indígena, assegurando a detenção
individual; a conclusão do problema do minifúndio Mapuche, incorporando as terras
indígenas ao sistema produtivo nacional. Implicitamente, tal legislação almejava a
diferenciação interna das comunidades para liberar terras para o mercado e possibilitar sua
aquisição por empresários eficientes e acabar com o “problema” indígena, propiciando a
absorção dos mapuches pela sociedade chilena [Valenzuela
61
(apud Muñoz, 1999)]
62
.
57
O hectare de “riego básico” é uma unidade relativa de área criada pela lei de reforma agrária chilena (Lei nº
16.640, de 1967) para garantir a comparabilidade das terras de diferentes qualidades. Possibilita transformar,
mediante coeficientes regionais, todas as terras do país a um hectare irrigado de classe I da Zona Central.
Corresponde, grosso modo, ao conceito de módulo rural adotado na legislação brasileira.
58
A lei de reforma agrária de 1967 possibilitava a expropriação de imóveis de área superior a 80 HRB e de
imóveis mal explorados de qualquer tamanho.
59
Essas proporções diferem segundo a fonte consultada. Para Crispi (1982), dois terços da área do setor
reformado foi entregue ao setor privado, sendo o terço restante destinado a parcelas de propriedade individual.
Para Echenique (1996), das terras expropriadas durante a reforma agrária de 1964-1973, 29% foram devolvidas
aos seus antigos proprietários, 15% foram oferecidas em licitação pública, e as terras restantes – portanto, 56% –
foram destinadas a parcelas de propriedade individual. Nesse último caso, Crispi e Echenique mencionam o
mesmo número de parcelas: 37 mil.
60
Segundo Crispi (1982, p. 180), foram vendidas em torno de 40% das parcelas. Para Echenique (1996, p. 88), a
evolução do percentual de parcelas vendidas é a seguinte: 1978, 15%; 1983, 45%; e 1991, 51%.
61
VALENZUELA, M. La Política Indígena del Estado Chileno y la legislación Mapuche. Universidad de Chile,
Facultad de Derecho. Tesis para optar al grado de Ciencias Jurídicas y Sociales. Versión ampliada y revisada,
1990.
62
Não se tem a pretensão, no presente trabalho, de tratar em profundidade a questão dos povos indígenas,
complexa tanto no Chile como em inúmeros outros países. Ela é aqui abordada por ter sido objeto explícito de
ação da política de liberalização do mercado de terras no Chile. Para maiores detalhes sobre o assunto, ver o
mencionado trabalho de Muñoz (1999).
26
A política de liberalização do mercado de terras, como parte integrante de uma política
geral de redução do tamanho do Estado, de ampla abertura comercial e, especificamente, de
inserção da agricultura no mercado internacional, produziu, de um lado, a emergência de
novos atores
63
, resultando numa certa modernização do campo chileno
64
, que, de outro lado,
produziu o empobrecimento da maioria dos pequenos produtores camponeses, que Crispi
(1982) denominou de “campesinización pauperizante”.
É importante destacar que, não obstante uma certa reconcentração da propriedade da
terra posterior a 1973, a eliminação do latifúndio provocada pela reforma agrária de 1964-
1973 pode ser considerada como fator decisivo para a manutenção de uma desconcentrada
estrutura agrária chilena
65
.
A tabela 3.1 permite visualizar as modificações ocorridas na estrutura agrária chilena a
partir da reforma agrária de 1964. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta a profundidade
da reforma agrária levada a cabo, uma vez que as propriedades de maior tamanho (mais de 80
HRB) foram praticamente eliminadas no período 1965-1973
66
. Em 1965 elas representavam
2% do total (4.900 unidades) e detinham mais da metade das terras, e passaram, em 1973, a
representar apenas 0,1% do total (260 unidades), detendo somente 2,7% da área total. Uma
proporção significativa dessa área foi destinada ao setor reformado, que passou a deter 39%
da área total. O número relativamente pequeno de unidades reformadas, 2,4% do total (5.800
unidades), se deve ao fato de que prevaleceu, sobretudo no período 1970-73, a forma coletiva
de propriedade.
Tabela 3.1 - Evolução da detenção da terra – Chile – 1965-1987
Classes de tamanho 1965 1973 1987
(em hectares de “riego % % % % % %
básico” – HRB) Unidades HRB Unidades HRB Unidades HRB
Até 20 92,9 22,4 91,1 25,0 91,7 41,0
21 a 40 3,0 9,4 3,7 12,7 4,0 15,0
41 a 80 2,0 12,8 2,7 19,7 3,2 26,0
Mais de 80 2,1 55,4 0,1 2,7 1,1 18,0
Setor reformado - - 2,4 39,9 - -
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Elaborado a partir de Echenique (1999, p. 88).
63
“Na nova estrutura podem se distinguir na atualidade quatro estratos de produtores: Grandes Grupos
Econômicos, Empresas Modernizadas, Empresas Tradicionais e Pequenos Produtores Camponeses.”
(ECHENIQUE, 1996, p. 89).
64
De acordo com Ribeiro (1988, p. 124), os regimes militares que se instauraram no Continente Latino-
americano, nesse período, “optaram claramente, em sua quase totalidade (...), por uma política de modernização
seletiva e diferenciada – ou seja, com efeitos e benefícios para setores reduzidos –, que excluía as reformas de
base”.
65
Barraclough (1999, p. 26-27) afirma que, não obstante a interrupção do processo de reforma agrária pelo
regime militar, “a estrutura agrária do país havia sido radicalmente transformada. Os grandes latifúndios tinham
praticamente desaparecido, enquanto que os pequenos proprietários controlavam um terço da terra, em contraste
com apenas um décimo dez anos antes. As fazendas capitalistas de médio porte, cultivadas principalmente por
força de trabalho não residente, predominavam na estrutura agrária chilena nos anos oitenta e noventa, após a
contra-reforma.”
66
A reforma agrária chilena se deu em dois períodos distintos: o primeiro, de 1964 a 1970, sob o governo
democrata-cristão de Eduardo Frei, no qual foram expropriadas 15,1% das terras do país, medidas em hectares
de “riego básico” (HRB); o segundo, de 1970 a 1973, sob o governo da Unidade Popular de Salvador Allende,
em que se expropriaram 24,4% das terras chilenas, também medidas em HRB (ECHENIQUE, 1996).
27
A experiência chilena constitui-se em um caso bastante específico, uma vez que o
processo de liberalização do mercado de terras rurais se dá após uma exitosa reforma agrária
que, parece consenso, logrou eliminar definitivamente o latifúndio do país. Ainda assim, tal
processo, acompanhado que foi por uma deliberada política de destruição da economia
camponesa de base coletiva, provocou algum tipo de reconcentração da propriedade fundiária,
embora não tenha conseguido retornar à situação anterior, em virtude mesmo da profundidade
da reforma agrária posta em prática no período 1964-73. Por conseguinte, o que irá distinguir
a evolução da agricultura chilena no pós-1973 será fundamentalmente a existência de uma
estrutura agrária desconcentrada, na qual um mercado de terras rurais liberalizado se fará
presente.
3.2 Equador: Crédito Fundiário Não Governamental
A peculiaridade da experiência equatoriana está no fato de que se trata de uma
iniciativa de crédito fundiário realizada por uma organização não governamental, o Fondo
Ecuatoriano Populorum Progressio (FEPP), vinculado à Igreja Católica. Criado em 1970, o
FEPP começou a promover ações de apoio às organizações camponesas para o acesso à terra a
partir de 1977, intensificando-as significativamente a partir de 1990.
Para se entender o contexto de atuação do FEPP, é importante conhecer os principais
momentos por que passou a reforma agrária no Equador
67
, expressos pelos atos legislativos
que caracterizaram as formas pelas quais tem se dado a intervenção do Estado na modificação
da estrutura agrária nesse país.
Não obstante a estrutura agrária altamente concentrada desde o período colonial, a
primeira Lei de Reforma Agrária foi promulgada somente em 1964
68
, fruto das lutas
camponesas, das pressões econômicas e sociais dos setores não agrários e de um contexto
internacional favorável (CHIRIBOGA, 2001, p. 8). Em 1974 foi editada uma Nova Lei de
Reforma Agrária, que, apesar da forte intervenção estatal na liquidação de formas pré-
capitalistas de produção agrária, não logrou alterar substancialmente as estruturas de
propriedade existentes. Alternativamente, foi implementada uma política de colonização,
tanto das terras baldías da Costa quanto da Amazônia equatoriana (VALLEJO, NAVARRO
& VILLAVERDE, 1996, p. 14). A promulgação da Ley de Fomento y Desarrollo
Agropecuario, em 1979
69
, inaugurou a retirada progressiva da intervenção do Estado na
modificação da estrutura agrária e abriu caminho para o processo de liberalização do mercado
de terras no Equador (JORDÁN, 1996, p. 109). Finalmente, em 1994, foi aprovada a Ley de
Desarrollo Agrario, que encerrou praticamente a ação redistributiva de quase trinta anos, uma
vez que, entre outros dispositivos, reduziu ao mínimo os motivos para expropriação de terras
e tornou inviável a adoção desse recurso legal, tendo em vista os mecanismos previstos para
sua execução. Além disso, a lei atacou a propriedade comunal, permitindo a repartição e
venda das terras das comunas legalmente constituídas [(VALLEJO, NAVARRO &
VILLAVERDE, 1996, p. 34); (CHIRIBOGA, 2001, p. 2)].
67
Segundo Jordán (1996), podem-se identificar três grandes momentos na evolução da estrutura agrária
equatoriana. No primeiro deles, prevalece a grande propriedade latifundiária, com exploração extensiva e baixo
nível tecnológico. O segundo, que se inicia em 1964 com a primeira lei de reforma agrária, caracteriza-se por
uma forte intervenção estatal. O terceiro momento, a partir de 1979, com a edição da lei de fomento e
desenvolvimento agrário, caracteriza-se pela retirada progressiva da intervenção estatal nas estruturas de
detenção da terra.
68
Nesse mesmo ano foi também editada uma Ley de Tierras Baldías y Colonización.
69
Um ano antes, em 1978, é editada uma lei de colonização da região amazônica, que complementa a já
mencionada Ley de Tierras Baldías y Colonización, de 1964.
28
A desaceleração do processo de reforma agrária no Equador pode ser visualizada na
tabela abaixo, já que a área destinada à reforma agrária reduziu-se, no período 1988-1990, a
cerca de um décimo, na média anual, da que era afetada no período 1974-1980.
Tabela 3.2 – Evolução das terras destinadas à reforma agrária – Equador –
1974-1990
Período Área total (ha) Área média anual (ha)
1974-1980 525.000 75.000
1984-1985 125.000 62.500
1986-1987 31.000 15.500
j
ulho 1988-agosto 1990 15.800 7.900
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em Chiriboga (2001, p. 8).
Ainda que limitada, a reforma agrária produziu modificações na estrutura agrária
equatoriana. Segundo Chiriboga (2001, p. 9), em 1974
70
já podiam ser percebidas as seguintes
mudanças: diminuição relativa das grandes propriedades, especialmente daquelas com área
superior a 500 hectares; significativo crescimento da média propriedade, com área entre 10 e
100 hectares; e crescimento em número das propriedades com área inferior a 10 hectares, e
redução de seu tamanho médio. Não obstante a inexistência de dados atualizados, pode-se
concluir, ainda segundo Chiriboga (2001, p. 9), da informação inferida das ações de reforma
agrária e colonização, que a estrutura agrária atual possui três setores, cada um deles detendo
1/3 da área total: um setor com propriedades de mais de 100 ha, um setor médio com áreas
entre 20 e 200 hectares e um setor camponês e de pequenos proprietários com áreas até 20
hectares. Jordán (1996, p. 110) é mais enfático ao afirmar que “a propriedade latifundiária,
praticamente, foi erradicada e em seu lugar consolidou-se a pequena e média exploração”.
Segundo ele, essa transição ocorreu pela ação combinada de três fatores: a aplicação da
reforma agrária; a expansão da fronteira agrícola por via da colonização; e o funcionamento
de um mercado de terras a partir do qual se subdividiu a grande propriedade.
A ação do FEPP, no que respeita ao apoio às organizações camponesas para o acesso à
terra
71
, pode ser dividida em duas etapas claramente distintas. A primeira delas, ainda
incipiente, abrange o período que vai de 1977 ao início de 1990, e a segunda, de maior
intensidade, inicia-se em 1990.
A partir de 1990, a ação do FEPP foi reforçada pelo aporte de recursos oriundos de um
processo de conversão de parte da dívida externa equatoriana
72
. No caso específico que se está
tratando, a operação de conversão da dívida externa foi conduzida pela Conferência Episcopal
Equatoriana (CEE) junto ao Banco Central do Equador (BCE), na qual estava incluído o
Programa de Acesso à Terra do FEPP. A este coube uma parte da dívida, equivalente ao valor
nominal de US$ 6 milhões
73
, tendo-lhe sido exigido o pagamento, ao credor original
74
, de
15,5% desse valor, ou seja, US$ 930 mil. Essa quantia foi obtida mediante a contribuição de
um conjunto de instituições solidárias, na maioria européias
75
. O valor nominal convertido
70
Ano do mais recente Censo Agropecuário realizado no país.
71
Deve-se ter em conta que esta é uma, e não a única, das ações do FEPP, não obstante a relevância e o peso que
ela foi adquirindo ao longo do tempo.
72
“O período de execução do programa com fundos da operação de dívida externa foi de 3 anos; posteriormente,
a paulatina recuperação do fundo rotativo de crédito para terras possibilitou a continuidade da ação.”
(VALLEJO, NAVARRO & VILLAVERDE, 1996, p. 82)
73
Além desses, foram destinados mais US$ 4 milhões para apoio ao desenvolvimento integral da população
indígena e afro-equatoriana que obteve terra.
74
A sucursal do Banco Santander em New York.
75
Dentre as instituições que contribuíram, destacam-se: Arquidiocese de Munich (Alemanha); Conferência
Episcopal Italiana; Movimento de Laicos para a América Latina (Itália); Deustsche Welthungerhilfe Agroaccion
29
para a moeda nacional equivaleu a 5.091 milhões de sucres, com os quais o FEPP pôde
incrementar consideravelmente a sua ação de apoio à aquisição de terras.
O programa do FEPP estabeleceu como beneficiários os camponeses, os indígenas da
Serra e da Amazônia e os afro-equatorianos. Foram apoiados três tipos de organizações: as em
conflito; as que desejavam obter terra mediante negociação; e as que deviam legalizar suas
posses ancestrais ou suas propriedades em zonas de colonização. Desse modo, o programa
tinha três modalidades de atuação: negociação-compra, titulação e legalização. Além disso, o
FEPP realizou acompanhamento com capacitação, assistência técnica, assistência legal,
crédito para produção, comercialização e apoiou com pequenas doações para obras de infra-
estrutura de benefício comunitário.
Na primeira modalidade, além da compra propriamente dita, estava incluída também a
recuperação com compra. A compra refere-se aos casos em que as organizações camponesas
puderam obter a terra pagando seu valor depois de uma negociação entre o vendedor e o
comprador, aí incluídos os casos de terras em conflito mas que ao final foram objeto de
negociação. A recuperação com compra se deu para aqueles casos em que as organizações
camponesas puderam recuperar terras que haviam sido de sua propriedade, mas que delas
foram tiradas por diversos mecanismos. Nesse caso, para recuperá-las tiveram que
desembolsar dinheiro por conta de indenização ou compra (VALLEJO, NAVARRO &
VILLAVERDE, 1996, p. 87).
A titulação é entendida como “a adjudicação de terras e territórios de assentamento
tradicional das comunidades indígenas amazônicas e afro-equatorianas de Esmeraldas”.
Partiu-se do pressuposto de que esses povos sempre foram donos das terras ocupadas
ancestralmente e que o Estado devia reconhecer esta propriedade imemorial, realizando as
devidas adjudicações. No que se refere à legalização, trata-se dos “camponeses que, das
distintas regiões da pátria, chegaram a tomar posse de terras nas zonas de colonização”.
Nestes casos, “o Estado ‘legaliza’ a posse dos imóveis destes camponeses, quando esta posse
não se opõe a direitos adquiridos ou interesses comuns definidos anteriormente” (VALLEJO,
NAVARRO & VILLAVERDE, 1996, p. 94).
Considerando o objetivo do presente trabalho, dá-se ênfase à primeira modalidade de
atuação do FEPP que, ademais, envolveu a maior parte dos recursos disponíveis, tendo sido
destinados, do total, 97,9% para compra e recuperação com compra, 1,4% para titulação e
0,7% para regularização (VALLEJO, NAVARRO & VILLAVERDE, 1996, p. 261).
Um primeiro aspecto importante do programa do FEPP é que a concessão do crédito
aos camponeses para a compra de terras pressupunha que foram “esgotados todos os meios
legais para conseguir dos organismos estatais um justo reconhecimento de suas aspirações”
(VALLEJO, NAVARRO & VILLAVERDE, 1996, p. 43). Por outro lado, a negociação para a
compra de terras, realizada pelas organizações camponesas, foi acompanhada, de forma
descentralizada, pelos responsáveis regionais do programa, sobretudo porque “em muitos dos
processos de negociação para a compra de terras os camponeses não foram os melhores
negociadores”, já que se dispunham a pagar o valor pedido pelos proprietários. Assim, o
FEPP, no papel de negociador, “conseguia reduções substanciais dos preços estipulados e às
vezes pactuados”. Desse modo, a negociação do preço da terra foi a atividade que demandou
mais tempo e dedicação (VALLEJO, NAVARRO & VILLAVERDE, 1996, p. 85; 90).
Quanto às condições de crédito, pressupôs-se a concessão de um crédito subsidiado,
com taxas de juros inferiores às do mercado. O prazo de resgate foi fixado em até 10 anos,
incluídos dois anos de carência, com taxas de juros variando entre 8% e 18%. Foram
estabelecidas garantias mediante convênio, letras de câmbio e hipoteca dos imóveis
e Misereor (Alemanha); Secours Catholique (França); Mensen in Nood (Holanda); Diocese de Graz (Áustria);
Resource Foundation e OCIMA (EUA); Fundação para os Índios (Suíça) (VALLEJO, NAVARRO &
VILLAVERDE, 1996, p. 63).
30
adquiridos, que complementavam as garantias principais que eram baseadas na solvência e
confiança da organização camponesa. Não foram estabelecidos limites ao montante de crédito
concedido, que variava segundo as características dos imóveis, tamanho e valores negociados,
entre outros. Foi estipulada a necessidade de que os beneficiários fizessem um aporte inicial
de recursos, que não devia ser inferior a 10% do montante do crédito. Além disso, estabelecia-
se também como condição a propriedade comunitária da terra sem intenção de divisão
posterior (VALLEJO, NAVARRO & VILLAVERDE, 1996, p. 92-93).
A tabela 3.3 apresenta os resultados quantitativos da ação do FEPP. Na primeira etapa,
que vai de 1977 a março de 1990, pode-se verificar que o número de beneficiários, tanto em
organizações como em famílias, é ainda bastante reduzido, abrangendo uma área
relativamente pequena, o que confere uma área média por organização de 34 hectares e por
família de pouco mais de 1 hectare. É nítida a aceleração do programa na segunda etapa, a
partir de abril de 1990, uma vez que a área média anual adquirida é multiplicada em mais de
30 vezes, o que resulta numa área média por organização de 188 hectares e por família de
quase 6 hectares.
Comparando a área média anual destinada à reforma agrária (tabela 3.2) com a área
média anual adquirida pelo crédito fundiário (tabela 3.3), verifica-se que a redução no ritmo
da reforma se propaga para o crédito fundiário, uma vez que a mais elevada área média deste
é inferior à mais baixa área média daquela, o que sugere que o crédito fundiário não parece
ser capaz de servir como substituto da reforma agrária dita “tradicional”.
Tabela 3.3 – Ação do FEPP na aquisição de terras – Equador – 1977-1997
Período Beneficiários Área adquirida (ha)
Nº orgs. Nº famílias Total Média anual
1977 a 1985 27 1.152 1.442,6 160,3
1986 a mar. 1990 38 548 762,7 179,5
Total da 1ª etapa 65 1.700 2.205,3 166,4
Abr. 1990 a jun. 1995 153 5.703 29.284,1 5.577,9
Jul. 1995 a dez. 1997 79 1.884 14.215,9 5.686,4
Total da 2ª etapa 232 7.587 43.500,0 5.612,9
Total geral 297 9.287 45.705,3 2.176,4
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em Vallejo, Navarro & Villaverde (1996, p. 44; 47-
48; 140-142; 274) e em Chiriboga (2001, p. 12).
Chiriboga confere a esses números uma grande importância, quando afirma que “a
ação do FEPP representa uma percentagem nada desprezível de 5,4% e 8,8% de todos os
hectares atingidos e famílias beneficiadas pelo IERAC [Instituto Equatoriano de Reforma
Agrária e Colonização] em virtude da reforma agrária nos seus trinta anos de atividade”
(2001, p. 12). Entretanto, esse mesmo autor considera insuficientes os resultados da reforma
agrária equatoriana, que atingiram, nos quase trinta de anos de ação do IERAC,
aproximadamente “9,34% da superfície agropecuária e 9,52% das famílias rurais”, o que o faz
concluir que, em relação a outros países da região, o “Equador se coloca entre aqueles com
menor ação redistributiva” (CHIRIBOGA, 2001, p. 8). Se se consideram os percentuais
apresentados, verifica-se que a ação do FEPP, em 21 anos, alcançou cerca de 0,5% da
superfície agropecuária e de 0,8% do número de famílias rurais. Há de se convir que, mesmo
levando em conta que se trata de um empreendimento não governamental, tais números não
permitem avaliar que a experiência de crédito fundiário equatoriana tenha tido êxito, seja no
ritmo do processo, seja na quantidade de famílias beneficiadas, não tendo funcionado, em
suma, como um mecanismo de redistribuição de terras.
31
3.3 México e Peru: Desregulamentação Contra a Propriedade Comunitária
No caso do México, a modificação da legislação agrária data de 1992, tendo sido
marcada pela desregulamentação do mercado de terras rurais, em particular no que se refere
às formas de propriedade social da terra, representadas pelos ejidos e pelas comunidades
76
.
Para se ter uma idéia do que significou essa desregulamentação é necessário levar em
conta que, como afirma Barraclough (1999, p. 10), “a primeira grande reforma agrária do
século XX ocorreu no México”. Esta reforma iniciou-se com a revolução de 1910 e perdurou,
pelo menos, até 1940
77
, quando “já havia incluído cerca de metade das terras agrícolas do país
e beneficiado mais da metade de seus pobres das zonas rurais” (BARRACLOUGH, 1999, p.
12). A importância da propriedade comunal no âmbito desta reforma pode ser medida não
apenas pelo peso que adquiriu e que manteve até os anos mais recentes
78
, mas também pelo
fato de ter significado um resgate, em favor dos camponeses pobres, das propriedades
comunais existentes historicamente no país, que foram usurpadas pelos latifundiários,
principalmente no final do século XIX e início do século XX (BARRACLOUGH, 1999, p.
11).
As modificações na legislação agrária mexicana resultaram na alteração do
mencionado artigo 27 da Constituição de 1917, o que, juntamente com as correspondentes leis
complementares, significou um novo modelo de desenvolvimento agrário, cujos principais
pontos foram: legalização da compra, venda e arrendamento de parcelas ejidales e terras
comunais; permissão para que as sociedades comerciais adquirissem terras; permissão para a
“associação em participação” entre investidores e ejidatarios, que contribuem com terra como
capital; término da distribuição de terras, dando-se com isso fim ao sentido redistributivo da
reforma agrária; e abandono do direito social agrário para dar lugar ao direito comercial e
civil (CONCHEIRO BÓRQUEZ, 1996, p. 225).
Por conseguinte, não apenas foi estancado, definitivamente, o processo de reforma
agrária mediante redistribuição da propriedade, como também passou-se a estimular a
dissolução da propriedade comunal, o que teve um impacto “pouco favorável às iniciativas de
natureza sustentável e à produção camponesa” (CONCHEIRO BÓRQUEZ, 1996, p. 227).
De acordo com este autor, passados mais de três anos de modificações na legislação
agrária, não houve mudanças visíveis no mercado de terras. “A grande concentração de terras
que alguns previam não se verificou, tampouco os ejidos e as comunidades foram
privatizados”. Em contrapartida, houve mudanças que em vez de dinamizar o mercado de
terras, provocou distorções, entre as quais “estragos entre os chamados produtores sociais,
desenvolvendo uma guerra fratricida e uma ampla disputa pela terra que dissolve os laços
76
Segundo Concheiro Bórquez (1996, p. 216), “o ejido e a comunidade representam as duas formas de
propriedade social sobre a terra, estabelecidas no artigo 27 da Constituição [de 1917]. A diferença que possuem
entre si está no procedimento para obter a terra e na forma de administrá-la, mas ambas são outorgadas a
coletividades e originalmente, até as mudanças da legislação agrária de 1992, não podiam ser vendidas,
arrendadas, transferidas ou embargadas, e eram consideradas um direito limitado e circunscrito ao bem social”.
77
O período de 1934 a 1940 é considerado o da “grande reforma agrária” sob o governo de Lázaro Cárdenas. Nos
anos 1950 e 60, a distribuição de terras prosseguiu a um ritmo menor, embora relevante (CONCHEIRO
BÓRQUEZ, 1996, p. 214). Segundo Barraclough (1999, p. 13), “os regimes pós-Cárdenas deram continuidade à
expropriação de terras e sua redistribuição, embora principalmente terras de má qualidade, para atender a
problemas sociais localizados e pressões clientelistas dos poderosos grupos de apoio”.
78
Segundo Concheiro Bórquez (1996, p. 216-217), “a chamada propriedade social conta atualmente com
106.520.833 hectares, 54,1% do total da superfície do país. Este tipo de propriedade se divide em 26.448 ejidos e
2.118 comunidades; os camponeses titulares são 3.207.978, dos quais 2.773.887 são ejidatarios e 443.091
comuneros, cifras que representam 67% do conjunto dos produtores agropecuários e uma população total de
cerca de 30 milhões de habitantes”.
32
comunitários”, provocados pela substituição do direito social e consuetudinário pelo direito
civil e comercial (CONCHEIRO BÓRQUEZ, 1996, p. 234-235).
É curioso notar que, apesar das críticas à liberalização do mercado de terras, o autor
acredita que é possível estabelecer algum tipo de regulamentação de “caráter camponês”
sobre este mercado. Isso fica claro na menção que faz, entre as “propostas para um mercado
de terras camponês”, à criação de Bancos de Terras, uma vez que “a possibilidade de um
mercado de terras com orientação camponesa passa necessariamente pelo acesso e
disponibilidade de financiamento”, assim como à criação de fundos de terras “que ajudem a
um encontro entre vendedores e compradores, expandindo com isso o mercado e controlando
a especulação e a politização destes mercados, a partir da socialização da informação, e com
isso contribuindo para a regulação dos preços da terra” (CONCHEIRO BÓRQUEZ, 1996, p.
241-242, grifos nossos).
O Peru é outro país latino-americano onde houve uma clara tendência à
desregulamentação no regime jurídico da terra, que culminou com a aprovação, em 1995, da
Lei de Terras
79
.
A estrutura fundiária peruana, altamente concentrada, permaneceu inalterada até os
anos de 1960, uma vez que “os grandes latifúndios estabelecidos no século XVI ainda
dominavam a estrutura agrária no início dos anos sessenta” (BARRACLOUGH, 1999, p. 29).
Embora tenha havido alguma ação no início da década de 1960
80
, a reforma agrária foi
efetivamente desencadeada a partir de 1969
81
, com a ascensão dos militares ao poder,
liderados pelo General Juan Velasco Alvarado. Segundo Zegarra Méndez (1999, p. 11), “esta
reforma alterou drasticamente as condições jurídicas e econômicas sobre a propriedade e
condução da terra no país com base em princípios redistributivos e no desmonte do poder
econômico da elite latifundiária”
82
. O governo militar desapropriou praticamente todos os
grandes latifúndios do país, que representavam um terço das terras e ocupavam um quinto da
força de trabalho agrícola (BARRACLOUGH, 1999, p. 30). A profunda modificação no
regime de posse e uso da terra provocada pela reforma agrária peruana pode ser aquilitada
pela evolução do grau de concentração da terra, medido pelo índice de Gini, que passou de
0,9425, em 1961, para 0,8842, em 1972, na primeira etapa da reforma, chegando a atingir, em
1994, 0,5072
83
(ZEGARRA MÉNDEZ, 1999, p. 13).
O processo de reforma agrária mediante desapropriação perdeu fôlego a partir da
década de 1980, encerrando-se praticamente no governo de Alan García (1985-1990). A
década de 1990 caracterizou-se pelo fim da reforma agrária dita “tradicional” e pelo início de
um regime de favorecimento da plena operação do mercado como mecanismo de obtenção de
terra. Um conjunto de mudanças legais, ao longo desse período, buscou promover esse
objetivo. É de se destacar a “Lei de Promoção dos Investimentos no Setor Agrário”
84
, de
1991, que aboliu formalmente a Lei de Reforma Agrária e transferiu grande parte dos temas
79
Lei nº 26.505.
80
“Em 1960 o exército foi engajado em diversas operações contra guerrilhas camponesas por todo o país. Um
conflito violento e prolongado num dos vales orientais, La Convención, levou o governo militar a impor uma
pequena reforma agrária no lugar, em 1962” (BARRACLOUGH, 1999, p. 29). De acordo com este autor, “do
ponto de vista do exército, esta experiência teve êxito em contribuir para a pacificação e foi um prelúdio para
uma reforma maior que estava por vir” (p. 29).
81
A Lei de Reforma Agrária (Decreto-lei nº 17.716) é de 1969.
82
Barraclough (1999, p. 30) afirma que “a reforma acelerou a desintegração do sistema quase feudal de
haciendas existente no Peru”.
83
Se se consideram os “hectares padronizados”, que refletem o ajuste das terras por sua qualidade, medido
basicamente pelo acesso a irrigação, o índice de Gini passa de 0,5719, em 1972, para apenas 0,2487, em 1994
(ZEGARRA MÉNDEZ, 1999, p. 13).
84
Decreto-lei nº 653.
33
relativos à propriedade para o Código Civil
85
. Com a nova Constituição de 1993, as mudanças
adquiriram “coerência constitucional”, e o novo regime de terras do país foi formalizado com
a já mencionada Lei de Terras, de 1995. Esta Lei, e dispositivos conexos, estabeleceu “um
regime livre para a propriedade das terras agrárias em geral, garantindo a toda pessoa, natural
ou jurídica, nacional ou estrangeira, o acesso à propriedade da terra”, não havendo limites de
área mínimos ou máximos. As limitações estabelecidas dizem respeito a: desapropriação, que
é prevista para o caso de execução de obras de infra-estrutura e serviços públicos, tendo as
terras desapropriadas valor de mercado e sendo pagas previamente e em dinheiro; abandono,
referente a terras adjudicadas em concessão pelo Estado em caso de descumprimento dos
termos e condições desta concessão
86
; e imposto sobre a grande propriedade da terra que
exceda o limite de 3.000 hectares, “excetuando-se os proprietários de tais extensões, na sua
maioria comunidades camponesas e nativas, no momento de aprovação da Lei”. No que se
refere a esse imposto, quase três anos após a aprovação da Lei este dispositivo ainda não
havia sido regulamentado (ZEGARRA MÉNDEZ, 1999, p. 12;16-17).
Ainda de acordo com Zegarra Méndez (1999, p. 18), talvez um dos aspectos mais
controvertidos desta Lei tenha sido a mudança no regime de terras das comunidades
camponesas e nativas, que gozavam de proteção especial, autonomia organizativa e regime
tributário especial. A Constituição de 1993 possibilitou que essas comunidades vendessem
suas terras, em parte ou no todo, caso houvesse decisão da maioria dos seus membros.
Entretanto, a Lei de Terras ampliou essa possibilidade ao mencionar, “com bastante
ambigüidade”, a abertura de um “processo de regularização da propriedade comunal”.
Segundo este autor (1999, p.18),
O maior tema de controvérsia neste caso foi que as normas estabelecidas
para as comunidades da costa foram menos exigentes: apenas metade dos
membros para obter o quorum necessário em contraposição a dois terços na
serra e selva para decidir sobre a venda de terras comunais a possuidores
individuais ou a terceiros.
Deve-se levar em conta que as terras da costa são as melhores do país e que, por conseguinte,
o “objetivo desta normatividade foi facilitar o processo de individualização das terras das
comunidades costeiras”
87
, ampliando a escassa oferta de terras no mercado da costa, de maior
potencial econômico. Apesar disso, dado que a lei específica sobre as comunidades costeiras
não foi regulamentada, “ainda não se conta com um único exemplo de titulação individual das
terras comunais” (ZEGARRA MÉNDEZ, 1999, p. 18; 44).
Em conclusão, Zegarra Méndez afirma que a mudança operada no sentido de proceder
à desregulamentação, no entanto, “não implicou ainda que o mercado de terras rurais no Peru
tenha um contexto institucional adequado”. Um indicador por ele ressaltado é a persistência
85
Do ponto de vista administrativo, isso se refletiu na eliminação, pelo Ministério da Agricultura, dos escritórios
de reforma agrária e a criação, a partir de 1992, do Projeto Especial de Titulação de Terras e Cadastro Rural
(PETT), que ficou encarregado basicamente de aperfeiçoar a propriedade agrária em âmbito nacional
(ZEGARRA MÉNDEZ, 1999, p. 24).
86
Para Zegarra Méndez (1999, p.17) há uma “aparente tergiversação da figura do abandono”, uma vez que se
confunde abandono com a resolução do contrato de adjudicação de terras por descumprimento do
concessionário, o que “tem o claro objetivo de reduzir ainda mais as possibilidades de que o Estado intervenha
nos direitos de propriedade sobre a terra”.
87
“Este objetivo ficou ainda mais claro quando o Congresso da República, em vez de regulamentar a Lei 26.505
em relação a este tema, aprovou uma nova e distinta lei (...) para as terras das comunidades da costa,
estabelecendo uma série de mecanismos que tornam ainda menos exigente e mais expedita a possibilidade de
que estas comunidades aprovem o processo de parcelamento em favor de possuidores individuais” (ZEGARRA
MÉNDEZ, 1999, p. 18).
34
de uma alta informalidade da propriedade rural, que se estima atingir 80% do universo dos
imóveis rurais do país (1999, p. 23; 43).
3.4 Colômbia: Muita Legislação por (Quase) Nada
As primeiras experiências de reforma agrária na Colômbia, no século XX, datam dos
anos 1930. Para o período que vai até os anos 1960, Hirschman (1965) identifica três fases. A
primeira, que ele denomina de “uso das armas legais”, foi marcada pela Lei 200, de 1936, que
tinha basicamente duas finalidades: 1) “esclarecer a incerteza reinante sobre a propriedade e
os títulos existentes, por meio de sistemas realistas de suposições, provas documentais e
processo judicial” (HIRSCHMAN, 1965, p. 114); e 2) vincular legalmente a propriedade da
terra à sua função produtiva. Um dos destaques desta Lei era o dispositivo (artigo 6º) que
previa a reversão ao domínio público de todas as terras de propriedade privada que
permanecessem incultas por dez anos consecutivos
88
. Segundo Hirschman (1965, p. 131),
“desnecessário dizer que este artigo da lei foi o que mais atenção despertou e menos vigorou”.
Não obstante, Hirschman considera que, em virtude de outros dispositivos (artigos 12 e 18),
“a Lei 200 elevou o colono de sua posição inferior e insegura, tornando muito mais difícil
expulsá-lo, e exigindo que ele fosse plenamente indenizado por quaisquer melhorias em caso
de despejo”
89
(1965, p. 133).
A segunda fase, denominada de “uso das armas fiscais”, caracterizou-se pela tentativa
de utilização do imposto territorial de modo a forçar os proprietários ao cultivo de suas terras.
A idéia acerca da aplicação do imposto, que já havia sido discutida e descartada nos anos
1930, foi relançada por uma missão do Banco Mundial, que esteve na Colômbia em 1949
(HIRSCHMAN, 1965, p. 138). Embora as propostas contidas no relatório desta missão não
tenham sido postas em prática, durante um período que vai até o início dos anos 1960 vários
dispositivos legais foram editados com objetivo de realizar uma modificação na estrutura
agrária mediante o imposto sobre a terra. Além da resistência dos proprietários de terra, vários
problemas técnicos conspiraram contra o imposto, entre os quais se destacam a questão da
efetiva avaliação do valor real da terra e das alíquotas
90
. O esforço legislativo em relação ao
imposto passou por medidas que tentavam resolver o problema da avaliação, em 1953 e
1954
91
, e culminou com a edição do Decreto 290, de 1957
92
. Algumas propostas
subseqüentes, no final do anos 1950, não chegaram a resultar em medidas concretas. Para
Hirschman, o julgamento desse período não é dos mais favoráveis, uma vez que, no
88
“A causa fundamental dos conflitos era de há muito a existência de terras de propriedade privada, abandonadas
e sem cultivo, representando um convite permanente aos lavradores sem terra” (HIRSCHMAN, 1965, p. 131).
89
Embora ele mesmo reconheça a existência de um “efeito imprevisto da lei”, na medida em que os donos de
terras, de forma preventiva, “expulsaram os rendeiros, queimaram-lhes as casas, substituíram colheitas
estimuladoras do trabalho pela pecuária, empregaram apenas trabalhadores solteiros por períodos curtos,
alojando-os comunalmente em vez de dar-lhes lotes, e assim por diante” (HIRSCHMAN, 1965, p. 133).
90
O que, de resto, são as questões relevantes em relação ao imposto sobre a terra (ver capítulos II e VI do
presente trabalho).
91
O decreto de 1953 “ordenou a valorização automática de todas as avaliações segundo o aumento do custo de
vida desde a data da última avaliação”, que foi praticamente revogado por um outro de 1954, “que continha a
ameaça de que o valor declarado pelo proprietário serviria de base para o pagamento pelo Estado, caso a
propriedade viesse a ser desapropriada a qualquer tempo”, o que não funcionou em virtude da “falta de
credibilidade da ameaça” (HIRSCHMAN, 1965, p. 144-145).
92
Este Decreto dividiu as terras em quatro tipos, de acordo com a sua qualidade, e exigiu que certas percentagens
mínimas destas terras fossem cultivadas. Os que não cumprissem essa obrigação pagariam um imposto territorial
suplementar, que começaria com 2% do valor da propriedade em 1958 e alcançaria 10% após quatro anos
(HIRSCHMAN, 1965, p. 148-149). Segundo Hirschman (1965, p. 150), “o Decreto 290 representa mais um
espetacular fracasso na história dos esforços pela solução do problema agrário colombiano”.
35
esforço pelo emprego dos poderes tributários do Estado para forçar as terras
ociosas a produzir, veremos transcorrer todo um decênio de intensa atividade
intelectual, de abundante experimentação legislativa... e de futilidade quase
completa, pelo menos se descontarmos o efeito que o contínuo debate
público do assunto pode ter tido sobre os proprietários incriminados
(HIRSCHMAN, 1965, p. 156).
A terceira fase, analisada por Hirschman no nascedouro
93
, refere-se à Lei de Reforma
Agrária
94
aprovada no final de 1961, que, basicamente, previa a desapropriação de terras não
cultivadas e o seu pagamento em títulos e criava o Instituto Colombiano de Reforma Agrária
(INCORA). Considerando de difícil explicação a aprovação de uma Lei de Reforma Agrária
contra os poderosos interesses das elites agrárias, Hirschman (1965, p. 181), de uma forma
um tanto cética, afirma que “a aprovação da Reforma Agrária pode ter sido facilitada pela
velha tradição de promulgar leis e decretos socialmente avançados e bem-intencionados que
acabam por se tornar ineficientes devido à falta de aplicação ou à inteligente obstrução”. Este
ceticismo, entretanto, não é de todo infundado se se considera que a concentrada estrutura
agrária colombiana praticamente não sofreu alteração entre 1960 e 1990, uma vez que índice
de Gini passou, nesse período, de 0,87 para 0,84 (DEININGER, 2000, p. 218).
Esta terceira fase, que Urbina (1996) intitula de “auge” da reforma agrária, foi até
1972. Nesse período foram outorgados cerca de 4 milhões de hectares, dos quais cerca de 715
mil hectares eram provenientes do Fundo Nacional Agrário (FNA)
95
e 3,3 milhões de hectares
da extinção do direito de domínio privado, o que indicou “a importância desta ação no
processo de redistribuição de terras aptas para a reforma agrária a um custo econômico e
social muito baixo” (URBINA, 1996, p. 183). Esta área destinada à reforma agrária
representava pouco menos de 6% da área agricultável do país, tendo beneficiado 157 mil
famílias (78% das quais com terras provenientes da extinção do direito de domínio privado), o
que levou à ampliação dos pequenos proprietários (com áreas entre 10 e 50 hectares), mas que
não chegou a alterar significativamente a estrutura agrária colombiana (URBINA, 1996, p.
184).
A fase seguinte compreende o período entre 1973 e 1982, caracterizada por Urbina
como a de “recessão na compra de terras”, na qual foram introduzidas modificações na
legislação agrária em 1973 e 1975. Em 1973, uma das modificações ampliou o conceito de
interesse social para desapropriação de terras adequadamente exploradas em benefício de
camponeses pobres, mas, ao mesmo tempo, condicionou esta desapropriação à eficiência dos
imóveis e ao tipo de produto cultivado (excetuando aqueles dedicados a produtos de alto
interesse nacional), o que dificultou o processo de obtenção de terras, tendo em vista a
dificuldade na determinação dos níveis mínimos de produtividade dos imóveis. Em 1975, uma
lei sobre parceria eliminou a caracterização de imóveis inadequadamente explorados àqueles
que possuíam essa modalidade de contrato. Como é de se supor, “todas essas mudanças
conduziram a que este fosse um período de paralisação no programa de dotação de terras
96
,
pelo que muitos estudiosos do problema agrário o caracterizam como de anti-reforma agrária”
(URBINA, 1996, p. 185-187).
O período compreendido entre 1983 e 1987, fase denominada por Urbina de “leve
impulso”, caracterizou-se pela expedição de lei, em 1982, que “amplia os benefícios dos
93
O seu trabalho foi publicado originalmente em 1963.
94
Lei nº 135, de 13 de dezembro de 1961.
95
O FNA é o organismo que recebe, em nome do Estado, as terras compradas para posterior redistribuição
(URBINA, 1996, p. 182).
96
Isso pode ser medido pelo fato de que, nesse período, o INCORA adquiriu apenas 122 mil hectares (o que
perfaz uma média 12,2 mil hectares ao ano), 28% dos quais relativos a desapropriações (URBINA, 1996, p.
187).
36
programas de reabilitação aos habitantes das zonas objeto de enfrentamentos armados ou
ações subversivas”, em virtude dos acordos de paz firmados entre os sublevados e o governo.
Esta lei autorizou o INCORA a distribuir terras a essa população e estabeleceu mecanismos
mais ágeis para acelerar os processos de aquisição de terras. Com isso, houve uma relativa
dinamização da aquisição de terras, obtendo-se um total de 139 mil hectares (média anual de
27,8 mil hectares), 72% dos quais em benefício das famílias dos reinseridos como resultado
do processo de paz (URBINA, 1996, p. 188).
A fase de 1988 a 1994 é identificada com “a era do novo estatuto de reforma agrária”.
De acordo com Urbina (1996, p. 189-190),
nela se elimina a qualificação de terras, melhoram-se as condições de
pagamento (15% a vista, 15% em 3 anos, e o saldo em 5 anos com juros de
80% do custo de vida), estabelecem-se recursos de destinação específica
para o fundo nacional agrário e desenham-se mecanismos de intervenção
estatal para garantir a integralidade da reforma agrária, conferir maior
agilidade ao processo de distribuição de terras, fortalecer a organização e
participação camponesa e tornar mais funcionais os organismos de
coordenação e consulta para a tomada de decisões.
Como resultado, neste período o programa de aquisição de terras adquiriu maior
dinamismo, com a obtenção de cerca de 482 mil hectares em seis anos, o que resultou em uma
média anual de cerca de 80 mil hectares (URBINA, 1996, p. 190).
A partir de 1994, inaugurou-se um processo que pode ser caracterizado como de
“reforma agrária de mercado”, com a aprovação de uma lei
97
“que criava condições para a
implantação de um processo descentralizado e orientado pela demanda” (DEININGER, 2000,
p. 218). Na avaliação deste autor, “apesar de precondições favoráveis e da determinação
expressa do governo de distribuir um milhão de hectares em um período de quatro anos, o
programa de reforma agrária teve uma implantação desapontadoramente lenta
(DEININGER, 2000, p. 218, grifo nosso).
Embora esteja inserida num trabalho intitulado “Fazendo a reforma agrária
negociada
98
funcionar”, a análise de Deininger sobre a reforma agrária de mercado na
Colômbia apresenta intenções (talvez se pudesse falar em “desejos”), mas, lamentavelmente,
nenhum resultado concreto, mesmo quando menciona que será usada “a experiência de cinco
municípios piloto” (p. 220, grifo no original). Isso pode ser corroborado por afirmações
encontradas ao longo do texto, tais como: “A expectativa é que as iniciativas implementadas
pelos governos locais para melhorar a infra-estrutura e o funcionamento de mercados de
outros fatores (...) irão incrementar a capacidade dos beneficiários para negociar e fazer uso
produtivo da terra” (p. 220, grifo nosso) e “Espera-se que um procedimento sistemático para
estabelecer o plano municipal traga três benefícios principais
99
” (p. 221, grifo nosso). Não são
apresentadas evidências, no texto, de que a expectativa e a esperança tenham se concretizado.
Em contrapartida, se se tomam como referência as informações estatísticas disponíveis
(tabela 3.4), pode-se afirmar que a adoção de um programa de reforma agrária de mercado na
Colômbia não provocou modificação significativa em relação aos métodos adotados no
passado. Como mostra a referida tabela, o número de famílias beneficiárias e a quantidade de
97
Lei nº 160, de 1994, que estabeleceu o mercado subsidiado de terras, proposto pelo Banco Mundial
(MONDRAGÓN, 2003, p. 149).
98
Sobre os distintos nomes atribuídos à reforma agrária de mercado, ver nota de rodapé no início do presente
capítulo.
99
Tais benefícios consistem em: 1º) identificar a demanda potencial; 2º) identificar a oferta potencial; e 3º)
estabelecer, em nível local, a infra-estrutura institucional necessária para a efetiva implementação da reforma
agrária (DEININGER, 2000, p. 221).
37
área adquirida são relativamente baixos
100
, e vêm se reduzindo a partir de 1996, o que indica
um ritmo muito lento e uma abrangência bastante modesta do programa
101
.
Tabela 3.4 - Nº de famílias beneficiárias e área adquirida pelo programa
de mercado subsidiado de terras - Colômbia - 1995-2001
Ano Nº de famílias Área (ha)
1995 1.308 17.479,3
1996 4.633 71.616,1
1997 3.113 42.527,0
1998 1.767 22.879,4
1999 845 10.454,0
2000 646 7.087,9
2001 662 8.167,3
Total 12.974 180.211,0
Fonte: Mondragón, 2003, p. 149. Dados do Instituto Colombiano de Reforma Agrária (INCORA).
A experiência colombiana parece indicar que, apesar de uma grande atividade
legislativa ao longo de quase 70 anos, com a adoção de diferentes enfoques que ensejaram
experiências distintas, não houve solução para a questão agrária, uma vez que “não foram
resolvidos os problemas de concentração da propriedade e com isso aqueles associados à
melhoria das condições de vida dos setores mais desprotegidos da área rural” (URBINA,
1996, p. 190).
3.5 Nicarágua e El Salvador: Reforma e Contra-Reforma Separadas por (Apenas) uma
Década
Nicarágua e El Salvador são os países que promoveram “as mais recentes e
importantes reformas agrárias da América Latina”
102
(BARRACLOUGH, 1999, p. 30),
durante os anos 1980. Ambas as reformas derivaram de situações de ruptura política, o que
lhes confere peculiaridade e leva a que, na literatura especializada, sejam, de modo geral,
analisadas em conjunto. Na Nicarágua, a reforma decorreu da vitória das forças sandinistas
sobre a ditadura de Somoza e da implantação de um governo revolucionário de natureza
socialista. Em El Salvador, originou-se de um golpe militar de caráter progressista, dando
lugar a um governo reformista, que estabeleceu um amplo programa de reformas
[(BARRACLOUGH, 1999, p. 30-31); (MOLINA, 1996, p. 251)].
A estrutura agrária nicaragüense era, no fim da década de 1960, extremamente
concentrada, já que 4% das famílias detinham 52,4% da terras agrícolas. Ademais, o
deslocamento massivo de camponeses, ao longo dos anos 1970, em virtude da expansão de
uma agricultura comercial de grande escala, produziu, no final desta década, uma população
rural sem terra de cerca de 34% do total. Como decorrência, o processo de invasão de terras,
que se iniciara no fim dos anos 1950, ampliou-se nas décadas seguintes. Em resposta, o
100
Segundo Mondragón (2003, p. 150), pesquisa domiciliar realizada em 1997 identificou mais de 1,5 milhão de
famílias interessadas em adquirir terra. Por outro lado, também em 1997, os proprietários ofereceram ao
INCORA mais de 1,1 milhão de hectares (p. 149).
101
Para Suhner (2005, p. 83), trata-se de “um microprograma para algumas elites camponesas, incapaz de afetar
ou transformar profundos problemas estruturais”. Este autor analisa o processo de contra-reforma agrária como
“o produto de uma aliança entre latifundiários tradicionais e novos atores sociais que estimulam a tendência ao
lucro mediante a compra de terras. Mais especificamente, focalizamos nossa atenção nas conseqüências da
intromissão nos mercados de terra pelos traficantes de drogas” (p. 69).
102
Para Baumeister (1999, p. 12), “na América Latina consideram-se dentro das reformas agrárias
comparativamente importantes do século XX”.
38
governo desenvolveu programas de distribuição de terras em meados dos anos 1960. Em 1963
foi aprovada uma lei de reforma agrária, com base na qual foram criados, para implementá-la,
o Instituto Agrário da Nicarágua (IAN) e o Instituto do Bem-estar Camponês (INVIERNO). O
IAN levou a cabo um programa de colonização e titulação de terras na região central, à época
a fronteira agrícola do país, que teve impacto limitado. No fim da década de 1970, o programa
de titulação havia beneficiado cerca de 16 mil famílias de camponeses sem terra, enquanto
que o programa de colonização beneficiou em torno de 2,6 mil famílias apenas, abrangendo
uma área de cerca de 28,7 mil hectares, a maior parte na fronteira agrícola da Costa Atlântica
do país (MOLINA, 1996, p. 252-253). Segundo este autor (p. 253),
um resultado aparente destes programas foi a redução das pressões sobre a
terra na região ocidental da Nicarágua, facilitando ainda mais a expansão dos
cultivos de agroexportação. No entanto, o problema agrário não foi
resolvido. No final da década de 70 as ocupações de terras se generalizaram,
especialmente no ocidente do país, mas desta vez dentro de um contexto
insurrecional geral contra o governo de Anastasio Somoza.
El Salvador é o menor e o mais densamente povoado país da América (AMAYA et al.,
2000, p. 11), característica essa que sempre teve forte impacto sobre sua estrutura agrária. No
início dos anos 1970, a concentração da terra era tal que se estimava
103
que 65% das famílias
rurais não tinham terra ou a possuíam em quantidade insuficiente
104
(AMAYA et al., 2000,
p.12). Este país, tal como a vizinha Nicarágua, tem uma longa história de insurgência
camponesa (BARRACLOUGH, 1999, p. 31), como é o caso do levantamento camponês de
1932
105
em sua região ocidental, que “evidenciou já naquela época a gravidade do problema
agrário em El Salvador”. Nas décadas de 1960 e 1970 as pressões sobre a terra tornaram-se
mais agudas, “particularmente em razão da expulsão de aproximadamente 300.000
salvadorenhos de Honduras em 1969 e do acelerado crescimento demográfico”. Diante disso,
o governo militar de então criou, em 1975, o Instituto Salvadoreño de Transformación
Agraria (ISTA) e, em 1976, aprovou o primeiro Projeto de Transformação Agrária, em cuja
implementação ficaram comprometidos os militares. Este projeto, entretanto, foi abandonado
por ter sido “bloqueado pelos grupos latifundiários”. No final dos anos 1970, “num contexto
geral de polarização política, estava evidente que o problema agrário (a pressão sobre a terra)
era uma das causas centrais da crescente crise do sistema” (MOLINA, 1996, p. 273-274).
Foi nesse ambiente de insatisfação em face de uma não resolvida questão agrária que
se deu a ruptura política nesses dois países, no fim dos anos 1970. Em conseqüência, não
havia como não ser concedida à reforma agrária uma das mais altas prioridades no conjunto
das transformações propostas pelas forças vitoriosas de ambos os países.
Baumeister (1999, p. 2-3), ao analisar em conjunto as reformas agrárias de
Honduras
106
, El Salvador e Nicarágua, identifica quatro etapas, sendo três etapas principais da
reforma e uma de pós-reforma. A primeira etapa diz respeito a “situações de máximo
desenvolvimento das propostas, em que o apoio estatal é relativamente elevado e se levam
103
Segundo o Censo Agropecuário de 1971.
104
Famílias com área inferior a 0,7 hectare.
105
De acordo com Barraclough (1999, p. 31), “o exército massacrou mais de 20.000 camponeses e trabalhadores
rurais que exigiam terra e melhores salários”.
106
As especificidades da reforma agrária neste país não fazem parte das análises realizadas pelo presente
trabalho. Deve-se considerar, entretanto, que o caso hondurenho difere dos outros dois pelo menos em dois
aspectos: a reforma agrária se deu ao longo dos anos 1970 e não decorreu de uma ruptura político-institucional
no país. Este dois aspectos estão possivelmente entrelaçados, se se levar em conta que, como destacam algumas
análises, “Honduras não entrou na espiral revolucionária de todos os seus vizinhos – Guatemala, El Salvador e
Nicarágua – em virtude da reforma agrária e da institucionalização de certa participação política dos sindicatos
operários e organizações camponesas” (BAUMEISTER, 1999, p. 14).
39
adiante os projetos mais importantes”, que corresponde à Fase I da reforma salvadorenha e ao
período 1979-1984 na Nicarágua. A segunda etapa refere-se a “uma mudança de orientação
dentro do próprio processo de reforma agrária, em que a preocupação central é deter o
impulso insurgente e buscar apoio direto dos pequenos produtores e camponeses sem terra”,
que corresponde à Fase III
107
de El Salvador e, na Nicarágua, à entrega de terras estatais a
beneficiários individuais e flexibilidade parcial do modelo cooperativo. A terceira etapa diz
respeito ao que Baumeister (1999) denomina de “Acordos de Paz e Reforma Agrária”, que
corresponde à reforma agrária como “um instrumento de ‘reinserção’ social de combatentes
de exércitos regulares e irregulares”, na qual “os próprios rebeldes e suas bases de apoio mais
imediatas foram os protagonistas da entrega de terras, ao mesmo tempo em que a vontade
estatal de desenvolvimento – muito presente nas etapas I e II – é de muito menor intensidade”.
Ao longo dos anos 1980, durante os quais se desenvolveu a reforma agrária nas três
primeiras etapas acima descritas, houve uma considerável transformação na estrutura agrária
de ambos os países. Segundo Baumeister (1999, p. 12), apesar de terem tido menor peso
relativo em área do que as reformas de México, Peru ou Chile, “as terras afetadas na América
Central eram comparavelmente de melhor qualidade do que a destes outros países”. Na
Nicarágua, a reforma atingiu cerca de 30% da terra agrícola do país e envolveu mais de 25%
de sua população rural. Em El Salvador, abrangeu em torno de 20% das terras agrícolas e
cerca de 20% da população rural do país
108
(MOLINA, 1996, p. 280-281).
A quarta etapa “se dá no marco em que a reforma agrária desaparece de maneira quase
total da agenda governamental”, na qual o Estado, entre outras medidas, “generaliza as
políticas de privatização de terras, a titulação, o parcelamento das terras de propriedade
coletiva”
109
(BAUMEISTER, 1999, p. 3).
Na Nicarágua, a partir de 1990, foi dado prosseguimento ao processo de distribuição
de terras iniciado anteriormente, redirecionando, contudo, a entrega de terras, que passou a
fazer parte do processo de pacificação do país, “o que implicou distribuir terras ao ex-
combatentes da Resistência bem como aos desmobilizados do exército”. Foi adotado também
um programa de titulação e registro da propriedade agrária, tendo sido titulados, até abril de
1995, cerca de 231,6 mil hectares, correspondentes a 10,2 mil títulos, que beneficiaram 15,3
mil famílias, equivalendo a cerca de um terço das metas estipuladas. Outra das ações foi a
privatização da área de propriedade agrária do Estado (que havia sido denominada de Área
Propiedad del Pueblo), que resultou na devolução de cerca de 119 mil hectares ao setor
privado e a entrega de 156,8 mil hectares a trabalhadores do campo
110
, “incluindo setores
desmobilizados das armas e trabalhadores tradicionais” (MOLINA, 1996, p. 261-262; 264).
Em El Salvador, o início dos anos 1990 também representou um redirecionamento da
reforma agrária. Os organismos que haviam levado a cabo a reforma até então, Instituto
107
A Fase II da reforma salvadorenha foi definida mas nunca executada. Nesta etapa seriam atingidas as
propriedades com área entre 100 e 500 hectares. Segundo Barraclough (1999, p. 32), esta segunda fase “nunca
foi implementada devido à oposição da oligarquia tradicional e a mudanças nas prioridades dos Estados Unidos”.
Baumeister (1999, p. 6) afirma que “em abril de 1980 promulgou-se a lei da Fase III da Reforma Agrária: ‘A
Terra para os cultivadores diretos’, que contou com a contribuição pessoal de Roy Prosterman, um assessor
norte-americano que havia atuado anteriormente no Vietnã do Sul em atividades similares”.
108
Os números apresentados por Baumeister (1999, p. 12), relativos ao ano de 1997, são os seguintes: Nicarágua,
28% da terra e 35% das famílias rurais; El Salvador, 24%, tanto da terra quanto das famílias rurais. Melmed-
Sanjak (2000, p. 131), contudo, considera que em relação a El Salvador “a reforma agrária não logrou sua meta
de realizar mudanças fundamentais na estrutura agrária; somente 22% da terra e 20% das famílias rurais foram
atingidas”.
109
Na Nicarágua, a redefinição da política agrária foi decorrência da mudança de governo, como resultado das
eleições de 1990, em que as forças sandinistas foram derrotadas (MOLINA, 1996, p. 260).
110
No trabalho de Molina (1996), as áreas estão expressas em manzanas, que equivalem a 0,7 hectare. No
presente trabalho foram convertidas e estão todas apresentadas em hectares, por ser a medida usual encontrada
na quase totalidade da literatura.
40
Salvadoreño de Transformación Agraria (ISTA) e Financiera Nacional de Tierras Agrícolas
(FINATA), passaram a titular as terras anteriormente transferidas, deixando de realizar novas
distribuições, o que passou a ser feito pelo Programa de Transferência de Terras (PTT). Este
programa fez parte dos Acordos de Paz firmados, em 1992, entre o governo salvadorenho e a
Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN), que seria “a última etapa em
termos de distribuição massiva de terra por parte do governo”. A partir daí, as aquisições de
terras por parte dos camponeses passaram a ser realizadas em caráter individual e por meio de
mecanismos de mercado. Para tanto foi criado, em 1991, o Banco de Terras, que,
posteriormente, incorporou a FINATA (MOLINA, 1996, p. 278). Segundo Amaya et al.
(2000, p. 48), no entanto, “os organismos públicos criados em apoio à reforma agrária
desapareceram ou estão em vias de extinção; este é o caso da FINATA, do Banco de Terras e
do ISTA”. Desse modo, ocorreu em El Salvador um amplo processo de privatização que
atingiu as atividades agropecuárias
111
, levando a uma total desregulamentação, entre outros,
do mercado de terras rurais. Na avaliação desses últimos autores, “os fatos evidenciam que o
processo de liberalização do mercado de terras poderia afetar negativamente os pequenos
produtores, em especial os pobres sem terra, os arrendatários e inclusive os beneficiários dos
programas de distribuição de terras” (AMAYA et al., 2000, p. 54).
111
Amaya et al. (2000, p. 48) relatam várias medidas de privatização no campo, entre as quais: venda ou cessão
em comodato de vários centros de armazenamento do Instituto Regulador de Abastecimientos (IRA); finalização
do processo de privatização dos engenhos de açúcar estatais; eliminação da venda de insumos agrícolas pelo
Banco de Fomento Agropecuário.
41
CAPÍTULO IV
ASPECTOS INSTITUCIONAIS DO MERCADO DE TERRAS RURAIS
NO BRASIL
Como mencionado no primeiro capítulo, a análise do funcionamento de um mercado
de terras específico deve considerar as condições histórico-institucionais que o condicionam.
Para tanto, optou-se, neste capítulo, por examinar aspectos relevantes do mercado de terras
rurais brasileiro, de modo a servir de base para o posterior estudo do crédito fundiário adotado
no país. A primeira seção empreende uma análise para estabelecer estimativas de
disponibilidade e necessidade de terras rurais no Brasil, com o intuito de permitir uma
posterior avaliação sobre a capacidade do crédito fundiário em fazer frente às carências dos
beneficiários potenciais de sua ação. Na segunda seção é feita uma análise acerca da dinâmica
do mercado de terras rurais no Brasil, com o objetivo de verificar a efetividade da ação do
crédito fundiário, tendo em vista que ele pressupõe, ou deveria pressupor, a existência de um
mercado de terras razoavelmente constituído e com um certo dinamismo, de modo a
possibilitar transações entre proprietários e potenciais beneficiários que garantam um preço
adequado para a terra a ser adquirida. Por último, na terceira seção, é realizado um estudo
sobre concentração e grilagem de terras rurais no Brasil, com o objetivo de caracterizar um
aspecto relevante da institucionalidade deste mercado.
4.1 Estimativas de Disponibilidade e Necessidade de Terras Rurais
A presente seção tem por objetivo apresentar estimativas de disponibilidade e
necessidade de terras rurais, tanto para o conjunto do país quanto para suas regiões. Embora
não se desconheça a existência de estimativas já realizadas por outros trabalhos, alguns
recentes
112
, julgou-se conveniente empreender esforço próprio sobre este aspecto, em virtude
de especificidades até então não contempladas, sobretudo no que diz respeito ao balizamento
institucional acerca de quem pode usufruir os benefícios do crédito fundiário.
Para dimensionar a disponibilidade de terras rurais foram utilizadas as informações
estatísticas referentes ao Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA, uma vez que se pretendeu
captar não apenas as áreas em produção como também aquelas que, sendo produtivas, não
estavam sendo utilizadas
113
. Foram consideradas as informações relativas à área explorável
total dos imóveis passíveis de desapropriação que, de acordo com a legislação em vigor, são
112
Ver, principalmente, Gasques & Conceição (2000), Del Grossi et al. (2000), Bergamasco (s.d.) e BRASIL.
MDA (2003). Para um resumo das estimativas realizadas entre 1971 e 1994, ver Gomes da Silva (1995, p. 18-
19).
113
Para esse fim, os dados do INCRA são mais adequados, porque adotam o conceito de imóvel rural, que é uma
unidade de propriedade, o que permite conhecer não apenas as terras que se encontram em produção como
também as que, embora produtivas, se encontram ociosas. Em contrapartida, o Censo Agropecuário do IBGE
adota o conceito de estabelecimento agropecuário, que, por ser uma unidade de produção, tende a considerar
apenas as terras utilizadas produtivamente. Pode-se afirmar que as discrepâncias entre os dois conjuntos de
informações é bem menor do que em geral se supõe, quando se comparam os dados relativos às terras
produtivas: a área produtiva total do Censo Agropecuário de 1995-96 é de 338.458.638 hectares, enquanto que a
área explorável total do Cadastro do INCRA de 1998 é de 323.351.243 hectares, o que representa uma diferença
de menos de 5% entre eles. A grande diferença entre a área total cadastrada no INCRA, em 1998, e a área total
recenseada pelo IBGE, em 1995-96, que é de cerca de 62 milhões de hectares, deve-se em grande parte à
existência de terras produtivas ociosas, cuja informação é captada pelo Cadastro do INCRA.
42
aqueles classificados como grandes propriedades não produtivas, e à área explorável não
utilizada dos imóveis insuscetíveis de desapropriação, que compreendem aqueles
classificados como pequenas e médias propriedades, bem como os classificados como grandes
propriedades produtivas. A adoção de tal procedimento teve por objetivo contabilizar apenas
as terras efetivamente agricultáveis, considerando-as como potencialmente disponíveis para o
mercado. Desse modo, as terras agricultáveis dos imóveis passíveis de desapropriação foram
tomadas em sua totalidade, ao passo que, dos imóveis insuscetíveis de desapropriação,
tomaram-se apenas as terras agricultáveis que não estão sendo utilizadas, na suposição de que
essas seriam as terras com as melhores condições de ser negociadas em mercado, dado o
modelo institucional do crédito fundiário adotado
114
. A tabela 4.1 apresenta o resultado dos
cálculos realizados. Como se pode observar, a maior disponibilidade de terras encontra-se nas
regiões de menor dinamismo relativo do mercado, de acordo com a análise a seguir realizada,
ao passo que as regiões com maior dinamismo são as que dispõem de uma oferta
relativamente baixa de terras rurais. A única exceção é o Centro-Oeste, que alia um certo
dinamismo do mercado a uma oferta de terras relativamente abundante.
Tabela 4.1 – Estimativa da disponibilidade de terras rurais – Brasil e Regiões – 1998
Área explorável total Área explorável não utilizada Disponibilidade total
Região
dos imóveis
desapropriáveis (ha)
dos imóveis não
desapropriáveis (ha)
de terras
rurais (ha)
Brasil 120.472.462,0 26.394.415,4 146.866.877,4
Norte 39.872.946,0 10.325.328,2 50.198.274,2
Nordeste 22.189.507,7 9.487.746,1 31.677.253,8
Sudeste 9.703.016,7 834.970,1 10.537.986,8
Sul 5.109.965,2 940.918,8 6.050.884,0
Centro-Oeste 43.597.026,4 4.805.452,2 48.402.478,6
Fonte: Elaboração própria a partir de INCRA, Estatísticas Cadastrais/1998, 1999.
Para determinação da necessidade de terras rurais lançou-se mão das informações de
tabulações especiais
115
do Censo Agropecuário de 1995-1996, do IBGE, levando-se em conta
os dispositivos legais que definem os beneficiários potenciais do crédito fundiário
116
. De
acordo com a legislação pertinente
117
, são eles os “trabalhadores rurais não-proprietários,
preferencialmente os assalariados, parceiros, posseiros e arrendatários” e os “agricultores
114
Poder-se-ia argumentar que é impróprio contabilizar a área dos imóveis passíveis de desapropriação como
disponível para o mercado, uma vez que dever-se-ia dar prioridade, na adoção do crédito fundiário, aos imóveis
rurais sobre os quais recai a impossibilidade de desapropriação. Em favor do procedimento aqui adotado podem-
se fazer as seguintes considerações: 1º) não havia, no período estudado (até 2002), impedimento legal para que
se negociasse imóvel rural desapropriável; 2º) considerar a área desapropriável como disponível para o mercado
significa levar em conta que se deve ampliar, e não restringir, a adoção de diferentes instrumentos utilizados para
a obtenção de terras.
115
Realizadas no âmbito do Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, cuja metodologia encontra-se no
Anexo do presente trabalho.
116
Optou-se, para fins de cálculo das estimativas de necessidade de terras, por utilizar os parâmetros de dois dos
programas de crédito fundiário adotados no Brasil, o Banco da Terra e o Projeto de Crédito Fundiário e Combate
à Pobreza Rural, tendo em vista que são aqueles que têm abrangência geográfica mais ampla. O Projeto Cédula
da Terra, que será objeto de análise posterior, não teve seus parâmetros considerados para esta finalidade, em
virtude de a sua abrangência estar limitada a alguns estados do Nordeste e ao norte de Minas Gerais.
117
Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998, que instituiu o Fundo de Terras e Reforma Agrária –
Banco da Terra. Essa é também a definição do Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural,
instituído pela Resolução nº 14, de 07.03.2001, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
(CNDRS).
43
proprietários de imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar”
118
. É
vedado o financiamento aos agricultores que, entre outras limitações, disponham de “renda
anual bruta familiar, originária de qualquer meio ou atividade, superior a quinze mil reais” e
de “patrimônio, composto de bens de qualquer natureza, de valor superior a trinta mil
reais”
119
. No que se refere ao Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural, estes
valores são de R$ 4.300 para a renda familiar e de R$ 8.000 para o patrimônio.
Foram considerados, das referidas tabulações especiais do Censo Agropecuário, os
estabelecimentos familiares
120
que empregavam apenas mão-de-obra familiar
121
, qualquer que
fosse a condição do produtor (proprietário, parceiro, arrendatário e ocupante). Para obtenção
das famílias de assalariados, considerou-se o total de assalariados permanentes e temporários e
parceiros empregados informados pelo Censo Agropecuário dividido pela média de pessoas da
família empregadas nos estabelecimentos familiares acima definidos. Deve-se ressaltar que
tais cálculos foram realizados para cada município
122
, de modo a considerar as especificidades
regionais e locais
123
.
A renda bruta familiar foi obtida pela soma dos seguintes valores apurados pelos
estabelecimentos familiares considerados: a) valor bruto da produção ajustado, que é igual à
soma do valor da produção vendida de milho, do valor da produção dos principais produtos
utilizados na indústria rural e do valor da produção colhida/obtida dos demais produtos
animais e vegetais; b) receita indireta, que é a soma das receitas provenientes da venda de
esterco, de serviços prestados a terceiros, de exploração mineral; de venda de máquinas,
veículos e implementos e de outras receitas; c) valor da produção da indústria rural, que é
informada diretamente pelo Censo
124
.
Para a apuração do patrimônio familiar optou-se por utilizar dados sobre investimentos
realizados pelos estabelecimentos familiares, na falta de informações sobre o valor dos bens
possuídos, que não foram coletadas pelo Censo Agropecuário de 1995-96. Para evitar maior
distorção de uma informação que, reconhece-se, apresenta imprecisão, foi subtraído, do valor
dos investimentos realizados, o valor dos financiamentos obtidos. É evidente que esse
procedimento não capta adequadamente o patrimônio de todos os estabelecimentos familiares,
restringindo-se a registrar o valor agregado aos estabelecimentos que realizaram investimentos
no período de coleta do Censo. Ainda assim, julgou-se preferível, à completa ausência de
informação, adotar algum parâmetro para obtenção do patrimônio familiar dos
estabelecimentos.
Considerando a presente metodologia e de posse dos parâmetros dos dois programas de
crédito fundiário, foi possível construir as tabelas a seguir, que apresentam os beneficiários
potenciais do Banco da Terra (tabela 4.2) e do Projeto de Crédito Fundiário e Combate à
Pobreza Rural (tabela 4.3), discriminadas de acordo com as diversas categorias de produtores,
118
Lei nº 93, art. 1º, parágrafo único.
119
Lei nº 93, art. 8º.
120
Nas tabulações especiais, foi considerado familiar o estabelecimento que atendia, simultaneamente, às
seguintes condições: a) a direção dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor; e b) o trabalho
familiar era superior ao trabalho contratado. Para maiores detalhes, ver Anexo.
121
Nas referidas tabulações especiais, considera-se em geral um universo familiar mais amplo, uma vez que
contempla os estabelecimentos familiares que empregam assalariados.
122
Que é a menor unidade de agregação geográfica em que os dados estão disponíveis.
123
A título de informação, a média de pessoas da família empregadas nesses estabelecimentos familiares foi
calculada, para o conjunto do país, em 3,025.
124
Ver Anexo. A renda apurada para o presente trabalho difere da Renda Total do texto citado por incluir a
receita de exploração mineral e não ser subtraída do valor total das despesas, uma vez que a definição legal aqui
considerada menciona a renda bruta familiar originária de qualquer meio ou atividade. Deve-se ressaltar,
contudo, que não foi possível incluir todas as receitas de atividades não agrícolas, já que o Censo Agropecuário
de 1995-96 coletou apenas as receitas que dizem respeito aos estabelecimentos (ver IBGE, Censo Agropecuário
1995-1996, Manual do Recenseador, p. 77-80).
44
segundo as macrorregiões do país
125
. Como era de se esperar, as maiores restrições quanto a
renda e patrimônio do segundo programa considerado ensejaram uma redução da estimativa
de beneficiários potenciais, o que representou cerca de 13% a menos de famílias estimadas
para o conjunto do país. As maiores reduções ocorreram nas regiões Norte e Sul (25% e 34%,
respectivamente), ao passo que a menor redução verificou-se no Nordeste (5%). Esses
resultados tornam-se ainda mais significativos se se levar em conta apenas as quatro categorias
de produtores, excluindo-se do cálculo as famílias de assalariados, cujo número permanece o
mesmo em ambas as simulações, uma vez que não houve alteração dos parâmetros adotados.
Nesse caso, a redução média para o Brasil alcança 20%, com significativos decréscimos para
quatro das cinco regiões, com destaque para o Sul, cujo número de famílias estimadas reduz-
se à metade. A única exceção é o Nordeste, cuja queda representa apenas 7% entre as duas
estimativas. Isso está coerente com análises realizadas sobre o tema, e indica que a região Sul
possui maior número de estabelecimentos familiares consolidados, com renda e patrimônio
mais elevados, enquanto que o Nordeste abriga o maior número de estabelecimentos
familiares pobres, com baixas renda e patrimônio.
Tabela 4.2 – Estimativa do número de famílias beneficiárias potenciais
do Banco da Terra – Brasil e Regiões – 1995-1996
Região Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes Assalariados Total
Brasil 1.801.291 178.464 221.390 473.751 1.465.411 4.140.307
Norte 193.761 2.334 4.737 45.401 62.783 309.016
Nordeste 969.997 123.237 154.338 350.843 500.001 2.098.416
Sudeste 259.622 14.045 23.674 24.889 541.949 864.179
Sul 327.534 36.422 37.348 46.812 212.651 660.767
C.-Oeste 50.377 2.426 1.293 5.806 148.028 207.930
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Tabela 4.3 – Estimativa do número de famílias beneficiárias potenciais do
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural –
Brasil e Regiões – 1995-1996
Região Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes Assalariados Total
Brasil 1.390.945 147.625 186.341 420.535 1.465.411 3.610.857
Norte 131.354 1.731 3.377 33.581 62.783 232.826
Nordeste 885.540 119.486 149.425 336.039 500.001 1.990.491
Sudeste 185.431 7.397 13.719 18.117 541.949 766.613
Sul 156.074 17.697 18.994 28.728 212.651 434.144
C.-Oeste 32.546 1.314 826 4.070 148.028 186.784
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Para se chegar à necessidade de terras rurais, deve-se determinar qual é a quantidade de
terra que cabe a cada família para garantir o seu sustento e progresso socioeconômico. Foram
adotadas duas hipóteses. A primeira delas consistiu em considerar o módulo fiscal municipal,
de acordo com a respectiva tabela atualmente em vigor, que é o parâmetro adotado pela
125
As estimativas dos recentes trabalhos mencionados são as seguintes: Bergamasco (s. d., p. 47), entre 2,1
milhões e 2,5 milhões de famílias; Gasques & Conceição (2000, p. 102), 4,5 milhões de famílias; Del Grossi et
al. (2000, p. 21), entre 6,1 milhões e 6,4 milhões de famílias. Os números aqui apresentados situam-se dentro
desse intervalo e estão mais próximos da estimativa de Gasques & Conceição (2000), possivelmente em virtude
de ter sido adotada a mesma base de dados.
45
legislação para discriminar as propriedades rurais em pequenas, médias e grandes, e que serve
igualmente para estabelecer a dimensão da propriedade familiar em cada município
126
. Para o
caso das famílias de proprietários, que são, pela definição legal, aqueles que possuem terra em
quantidade insuficiente, ou seja, inferior à propriedade familiar, foi considerada apenas a
quantidade de área necessária para atingir a dimensão do módulo fiscal municipal. Nos demais
casos, foi considerada a dimensão integral do módulo fiscal municipal, de vez que se trata de
famílias sem terra. Feitos os cálculos, chegou-se às estimativas de necessidade de terras rurais
referentes à primeira hipótese, conforme expresso nas tabelas 4.4 e 4.5.
Tabela 4.4 – Estimativa de necessidade de terras rurais dos beneficiários potenciais
do Banco da Terra (1ª hipótese) – Brasil e Regiões – 1995-1996
(áreas em hectares)
Região Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes Assalariados Total
Brasil 58.589.605,6 7.989.783,0 9.852.205,0 23.972.359,0 52.116.697,3 152.520.649,9
Norte 9.620.227,8 167.749,0 296.960,0 3.471.719,0 4.450.876,1 18.007.531,8
Nordeste 37.467.720,3 6.640.592,0 8.184.333,0 18.389.520,0 22.408.414,7 93.090.580,1
Sudeste 5.921.917,7 358.328,0 578.998,0 833.043,0 13.805.868,2 21.498.154,9
Sul 3.535.752,5 710.276,0 719.276,0 912.081,0 4.204.569,7 10.081.955,2
C.-Oeste 2.043.987,3 112.838,0 72.638,0 365.996,0 7.246.968,6 9.842.427,9
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Tabela 4.5 – Estimativa de necessidade de terras rurais dos beneficiários potenciais
do Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
(1ª hipótese) – Brasil e Regiões – 1995-1996
(áreas em hectares)
Região Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes Assalariados Total
Brasil 49.722.380,3 7.190.638,0 8.927.927,0 21.700.453,0 52.116.697,3 139.658.095,6
Norte 6.692.078,2 122.715,0 212.120,0 2.548.233,0 4.450.876,1 14.026.022,3
Nordeste 34.902.965,7 6.456.204,0 7.935.539,0 17.662.134,0 22.408.414,7 89.365.257,4
Sudeste 4.750.103,7 195.623,0 364.026,0 648.825,0 13.805.868,2 19.764.445,9
Sul 1.974.807,0 349.812,0 369.109,0 566.585,0 4.204.569,7 7.464.882,7
C.-Oeste 1.402.425,8 66.284,0 47.133,0 274.676,0 7.246.968,6 9.037.487,4
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
A segunda hipótese levou em conta a área média da agricultura familiar, segundo as
referidas tabulações especiais. Neste caso, foram consideradas as informações relativas aos
estabelecimentos familiares de tipos A e B, que são aqueles que possuem rendas médias e
altas, de acordo com os critérios utilizados no mencionado estudo, e que correspondem aos
agricultores familiares que se encontram numa situação consolidada ou tendente à
consolidação
127
. A área média obtida a partir dessas informações foi multiplicada, para cada
unidade da federação, pelo número estimado de beneficiários potenciais, tendo-se chegado aos
resultados a seguir expostos (tabelas 4.6 e 4.7). De forma semelhante ao que se adotou
anteriormente, a estimativa de necessidade de terras para as famílias de proprietários
considerou somente a quantidade requerida para atingir a área média calculada.
126
Para uma análise detalhada do módulo, ver Di Sabbato (1994).
127
Ver Anexo.
46
Tabela 4.6 – Estimativa de necessidade de terras rurais dos beneficiários potenciais
do Banco da Terra (2ª hipótese) – Brasil e Regiões – 1995-1996
(áreas em hectares)
Região Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes Assalariados Total
Brasil 26.101.405,0 6.969.756,7 8.922.753,6 19.655.650,7 67.398.382,9 129.047.949,0
Norte 6.732.361,7 176.520,8 329.380,7 2.962.650,2 5.792.867,3 15.993.780,8
Nordeste 6.462.582,6 4.975.903,1 6.503.213,1 13.732.945,9 17.711.087,2 49.385.732,0
Sudeste 4.919.805,6 586.870,4 942.712,1 1.079.226,6 22.541.001,5 30.069.616,3
Sul 4.140.681,2 971.707,9 1.008.464,8 1.253.567,7 5.737.843,1 13.112.264,6
C.-Oeste 3.085.272,6 258.754,5 138.982,9 627.260,3 15.615.583,7 19.725.854,0
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Tabela 4.7 – Estimativa de necessidade de terras rurais dos beneficiários potenciais
do Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
(2ª hipótese) – Brasil e Regiões – 1995-1996
(áreas em hectares)
Região Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes Assalariados Total
Brasil 26.101.405,0 5.903.573,0 7.718.349,7 17.480.392,7 67.398.382,9 124.602.103,4
Norte 6.732.361,7 141.460,9 239.406,6 2.301.771,3 5.792.867,3 15.207.867,9
Nordeste 6.462.582,6 4.836.308,1 6.309.023,8 13.173.935,2 17.711.087,2 48.492.937,0
Sudeste 4.919.805,6 310.109,8 565.409,1 789.718,2 22.541.001,5 29.126.044,3
Sul 4.140.681,2 475.032,5 515.471,4 774.296,0 5.737.843,1 11.643.324,1
C.-Oeste 3.085.272,6 140.661,8 89.038,8 440.671,9 15.615.583,7 19.371.228,8
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
As diferentes estimativas apresentadas sobre a necessidade de terras rurais permitem
realizar uma análise que considera esse tipo de exercício numérico ao mesmo tempo relativo e
flexível, na compreensão de que se está em um terreno especulativo no qual afirmações
absolutas e categóricas pouco contribuem para o esclarecimento da questão. No caso, mais do
que cada estimativa em si, importa a relação entre os resultados obtidos e, sobretudo, a
comparação das estimativas de necessidade com a de disponibilidade. A tabela 4.8 apresenta
um resumo dessa comparação sob a forma de relações percentuais entre a estimativa de
disponibilidade e as quatro estimativas de necessidade. É interessante observar que apenas na
primeira estimativa, relativa à combinação dos parâmetros do Banco da Terra com a
utilização da área do módulo fiscal municipal, a necessidade não conseguiria, para o conjunto
do país, ser atendida pela terra disponível, segundo a estimativa calculada. Esse resultado diz
respeito a condições de disponibilidade calculadas de acordo com a legislação atualmente em
vigor, e poderia estar sinalizando uma dificuldade para a solução do problema agrário.
Entretanto, deve-se também considerar que se está diante de um possível problema referente à
própria estimativa de necessidade, ao se adotar o módulo fiscal municipal como limite
mínimo de área, o que sugere que os atuais valores modulares podem estar inadequados para a
presente realidade do campo brasileiro
128
. Essa inadequação pode ser constatada igualmente
quando se analisam as relações percentuais das diferentes estimativas referentes às
macrorregiões do país, principalmente naquelas em que há escassez de terras. Para o
Nordeste, a substituição da área do módulo fiscal pela área média familiar provoca uma
128
O autor já empreendeu por duas vezes, em 1994 e em 2000, estudos técnicos sobre a tabela de módulos fiscais
municipais, dos quais resultaram propostas de modificação dos valores existentes que não lograram ser postas
em prática. Para além da questão técnica, a alteração dos valores dos módulos fiscais encerra uma disputa de
caráter político, uma vez que o seu aumento resulta em ampliação da área passível de desapropriação, ocorrendo
evidentemente o contrário com a sua redução.
47
sensível queda na necessidade de terras, enquanto que para as regiões Sudeste e Sul ocorre o
contrário, ainda que relativamente em menor proporção. Nas demais estimativas, verifica-se,
para o Brasil como um todo, a possibilidade de atendimento da necessidade.
Tabela 4.8 – Relação percentual entre as estimativas de disponibilidade e necessidade
de terras rurais segundo os programas de crédito fundiário e as
hipóteses consideradas – Brasil e Regiões
Banco da Terra
Projeto de Crédito Fundiário e
Combate à Pobreza Rural
Região
1ª hipótese 2ª hipótese 1ª hipótese 2ª hipótese
Brasil 96,3 113,8 105,2 117,9
Norte 278,8 313,9 357,9 330,1
Nordeste 34,0 64,1 35,4 65,3
Sudeste 49,0 35,0 53,3 36,2
Sul 60,0 46,1 81,1 52,0
Centro-Oeste 491,8 245,4 535,6 249,9
Fonte: Elaboração própria a partir de INCRA, Estatísticas Cadastrais/1998, 1999 e
de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Mais importante do que isso, contudo, é a observação de que existe um sério
desequilíbrio regional entre disponibilidade e necessidade de terras rurais. Em todas as
estimativas, verifica-se que há uma superadundância de terras nas regiões Norte e Centro-
Oeste, ao passo que existe uma grande escassez nas demais regiões. Esse é, seguramente, um
dos principais problemas referentes à obtenção de terras para destinação aos agricultores sem
terra ou com pouca terra e, possivelmente, uma das causas relevantes dos conflitos e tensões
existentes no campo, já que o deslocamento de uma grande parte das famílias beneficiárias de
seus locais habituais de vida e trabalho não tem solução trivial.
4.2 Dinâmica do Mercado de Terras Rurais
Um importante aspecto a ser analisado, relativamente ao mercado de terras rurais, diz
respeito ao volume de terras rurais que são transacionadas num determinado período de
tempo. Isso é particularmente relevante tendo em vista que o crédito fundiário, objeto do
presente estudo, pressupõe – ou deveria pressupor – a existência de um mercado de terras
razoavelmente constituído e com um certo dinamismo, de modo a possibilitar transações entre
proprietários e potenciais beneficiários que garantam um preço adequado
129
para a terra a ser
adquirida.
Para o caso, o ideal seria que se tivesse informação, em âmbito nacional, que
possibilitasse a análise desse fenômeno. Infelizmente, as estatísticas disponíveis não permitem
conhecer, para o conjunto do país, a proporção de terras adquiridas por compra e venda, o que
poderia sinalizar o maior ou menor dinamismo do mercado
130
. Em virtude da ausência dessa
informação, procurou-se criar um indicador que servisse de alternativa, tomando por base as
129
O que se está denominando de preço adequado da terra implica capacidade de barganha entre compradores e
vendedores – vale dizer, mercado concorrencial – que evite elevação artificial desse preço em virtude do
aumento induzido da demanda no curto prazo.
130
A Declaração para Cadastro de Imóvel Rural (DP), do INCRA, possui quesito sobre a origem dos títulos
(registrados e não registrados) que poderiam revelar essa informação. Embora não se tenha uma avaliação sobre
a sua confiabilidade, parece ser esta a única fonte atualmente existente que permitiria elaborar estatísticas sobre
as formas de obtenção de terras para o país como um todo. As Estatísticas Cadastrais do INCRA, entretanto, não
contemplam esse tipo de informação.
48
informações do Censo Agropecuário de 1995-1996 do IBGE
131
. Tal indicador leva em conta
os investimentos realizados em aquisição de terras pelos estabelecimentos agropecuários, na
suposição de que a proporção de estabelecimentos que realizam esse tipo de investimento
pode revelar a maior ou menor propensão dos agricultores a integrar o mercado de terras, o
que sinaliza, em última análise, o dinamismo desse mercado. É evidente que, nesse caso, se
está diante de uma medida que é significativa sobretudo em termos relativos, ou seja, na
comparação de seus resultados entre as diferentes regiões e as diferentes categorias de
produtores
132
.
A tabela 4.9 apresenta os resultados relativos ao indicador em questão para o total de
estabelecimentos agropecuários recenseados, bem como para os estabelecimentos patronais e
familiares
133
, segundo as macrorregiões brasileiras. A discriminação entre estabelecimentos
patronais e familiares se prende ao fato de que o crédito fundiário se destina a agricultores
familiares sem terra ou com terra insuficiente, que, ao menos parcialmente, estão
contemplados na categoria aqui utilizada
134
. Pode-se observar que, embora sendo
relativamente baixa, a proporção de estabelecimentos que realizaram investimentos na
aquisição de terras, na safra 1995-96, é bastante diferenciada entre as regiões do país:
enquanto que essa proporção é de apenas 0,5% na região Nordeste, atinge 2% na região Sul.
Assim também, há uma clara diferenciação entre os estabelecimentos agropecuários patronais
e familiares: em média, para o Brasil, a proporção dos estabelecimentos patronais que
investem em aquisição de terras é quase o dobro da dos estabelecimentos familiares. Essa
relação atinge 2,6 vezes em favor dos estabelecimentos patronais na região Nordeste. As
regiões Sul e Centro-Oeste são aquelas nas quais a diferença entre os estabelecimentos
patronais e familiares é menor.
131
Duas questões devem ser levadas em conta quando se utilizam os dados do Censo Agropecuário de 1995-
1996, do IBGE, que têm sido objeto de considerações na literatura especializada. A primeira delas diz respeito às
mudanças metodológicas introduzidas neste Censo em relação aos anteriores, sobretudo a relativa à alteração do
período de referência, que passou do ano civil para o ano agrícola, o que comprometeu a comparabilidade com
os censos anteriores. A segunda refere-se ao baixo desempenho da agricultura brasileira na safra 1995-96,
justamente aquela que serviu de referência ao Censo, o que sugere uma análise cautelosa de seus resultados. De
qualquer modo, este é o mais recente Censo Agropecuário disponível, o que torna a sua utilização praticamente
inevitável, sobretudo quando se pretende obter informações para o conjunto do país.
132
Não se desconhece que é importante o estudo dos determinantes do investimento em aquisição de terras, que
são complexos e podem influir sobre os resultados obtidos. Contudo, como o que se quer observar é o efeito
sobre a dinâmica do mercado, não são consideradas, para o caso em questão, as causas que determinam esse tipo
de investimento.
133
A caracterização dos estabelecimentos patronais e familiares segue a metodologia utilizada em estudo
realizado no âmbito do Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, que pode ser encontrada no Anexo.
134
Dentre os estabelecimentos familiares, não estão contemplados, a rigor, apenas os trabalhadores assalariados,
o que permite afirmar que esses estabelecimentos representam uma aproximação bastante razoável do universo
abrangido pelos beneficiários potenciais do crédito fundiário.
49
Tabela 4.9 – Proporção do número de estabelecimentos que realizaram
investimentos em compra de terras sobre o número total de
estabelecimentos (%) – Brasil e Regiões – 1995-1996
Região Total de Estabelecimentos Estabelecimentos
estabelecimentos patronais familiares
Brasil 1,00 1,81 0,93
Norte 0,89 2,04 0,83
Nordeste 0,50 1,21 0,46
Sudeste 1,05 1,65 0,87
Sul 2,00 2,88 1,93
Centro-Oeste 1,75 2,21 1,63
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Em contrapartida, se se toma em consideração a proporção do valor dos investimentos
em aquisição de terras sobre o valor total investido, os resultados apontam para uma maior
proporção relativa aos estabelecimentos familiares, no conjunto do país, o que é influenciado
sobretudo pela proporção obtida nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (tabela 4.10). Na região
Norte dá-se o contrário, ou seja, a proporção é superior para os estabelecimentos patronais,
enquanto que Nordeste e Sul possuem proporções praticamente iguais entre os
estabelecimentos familiares e patronais. Aqui também a diferenciação entre as regiões é
significativa: a proporção no Sul é mais do que o dobro daquela no Nordeste.
Tabela 4.10 – Proporção do valor dos investimentos em compra de terras sobre o
valor do investimento total dos estabelecimentos agropecuários (%) –
Brasil e Regiões – 1995-1996
Região Total de Estabelecimentos Estabelecimentos
estabelecimentos patronais familiares
Brasil 13,52 12,45 15,99
Norte 13,13 15,19 9,64
Nordeste 8,19 8,26 8,45
Sudeste 13,16 12,33 16,04
Sul 18,54 18,54 18,73
Centro-Oeste 11,08 9,75 17,91
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Uma outra forma de aquilatar a importância do mercado de terras entre as regiões,
vista sob a ótica dos investimentos em aquisição de terras, é verificar a distribuição regional
desses investimentos. Como se pode verificar na tabela 4.11, o investimento em aquisição de
terras concentra-se nas regiões Sudeste e Sul, secundadas pela região Centro-Oeste. Este
resultado é ainda mais significativo para os estabelecimentos familiares, cujo investimento em
aquisição de terras das regiões Sudeste e Sul representa ¾ do total, sendo que mais de metade
somente na região Sul.
50
Tabela 4.11 – Distribuição regional do valor dos investimentos em compra de
terras dos estabelecimentos agropecuários (%) – Brasil e Regiões –
1995-1996
Região Total de Estabelecimentos Estabelecimentos
estabelecimentos patronais familiares
Brasil 100,00 100,00 100,00
Norte 5,87 7,08 3,84
Nordeste 7,37 7,33 7,41
Sudeste 31,07 36,08 23,29
Sul 36,81 27,28 51,84
Centro-Oeste 18,89 22,22 13,62
Fonte: Elaboração própria a partir de Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
4.3 Concentração e Grilagem de Terras Rurais
Não há novidade alguma na constatação de que a concentração de terras no Brasil é
não apenas extremamente elevada como tem persistido ao longo de muitas décadas. Basta
dizer que, em 45 anos, a evolução do índice Gini aponta para uma variação positiva de 0,840,
em 1950, para 0,856, em 1995, segundo cálculos efetuados com base nos dados dos Censos
Agropecuários do IBGE (GASQUES & CONCEIÇÃO, 2000, p. 94-98). Por outro lado, a esta
concentração está associado um relativamente alto grau de grilagem de terras rurais,
conseqüência da evolução institucional do mercado de terras em nosso país.
A presente seção procura abordar a concentração e a grilagem de terras de um ponto
de vista específico e, em certa medida, pouco estudado, empreendendo uma análise dos
grandes imóveis rurais existentes no país e do perfil de seus proprietários ou detentores a
qualquer título
135
. Para tanto, foram utilizadas informações do Cadastro de Imóveis Rurais do
INCRA, referentes aos imóveis rurais cadastrados que possuem área total igual ou superior a
dez mil hectares
136
. Esta análise se justifica, como se verá, pelo peso relativo desses imóveis
no total. Adicionalmente, em virtude de peculiaridades desta análise, é possível obter
indicadores que apontam para um aspecto que é particularmente relevante no caso brasileiro,
que trata da grilagem de terras.
Esta seção apresenta trabalho que se origina de pesquisa realizada com dados, do
início do ano de 2001, dos grandes imóveis existentes no Cadastro de Imóveis Rurais do
INCRA e com a informação, do final do ano de 2000, sobre o atendimento ou não, por parte
dos proprietários/detentores desses imóveis, à convocação do INCRA realizada mediante a
Portaria nº 558, de 15/12/1999. Esta Portaria cancelou os cadastros dos grandes imóveis rurais
e convocou seus proprietários/detentores a apresentar, no prazo de 120 dias, documentação
comprobatória desses imóveis. Por conseguinte, considerou-se que o não atendimento a essa
convocação, decorrido um ano da data da Portaria, constitui um indicador da possível
irregularidade na titularidade desses imóveis, o que levou a considerá-los como “suspeitos de
135
Com a finalidade de simplificar a exposição serão, doravante, denominados de proprietários/detentores.
136
Deve-se ressaltar que o corte de dez mil hectares não foi uma opção do presente trabalho, e prende-se ao fato
de que este foi o limite de área adotado pelo INCRA para verificação da documentação dos grandes imóveis
rurais. Esta foi a oportunidade encontrada pelo autor para aproveitar o estudo realizado em favor de uma análise
específica do mercado de terras rurais no Brasil. Considera-se, contudo, que o ideal seria adotar procedimentos
que permitissem conhecer os grandes imóveis relativamente às suas respectivas localidades, ou seja, que se
fizesse o corte em número de módulos e não em um valor absoluto de área. Por outro lado, seria mais adequado
que se levasse em conta os grandes proprietários/detentores, isto é, que fossem agregados todos os imóveis rurais
de um mesmo titular, de modo a alcançar os proprietários/detentores de dois ou mais imóveis que, somados,
ultrapassassem o limite mínimo estabelecido. Ver, a respeito, Di Sabbato (2001, p. 25).
51
grilagem”
137
. Embora esta seja uma análise dos grandes imóveis rurais e de seus
proprietários/detentores num dado momento do tempo, considera-se que os resultados
alcançados, em termos estruturais, permanecem válidos e permitem chegar a conclusões que
são particularmente relevantes para os propósitos do presente trabalho
138
.
A seção está organizada da seguinte forma. No primeiro item analisa-se a importância
dos grandes imóveis rurais em relação ao conjunto dos imóveis cadastrados no INCRA. No
segundo item são apresentadas as seguintes características dos grandes imóveis rurais: data da
atualização cadastral mais recente, forma e condição de detenção, distribuição das áreas
registradas e sob posse, existência de litígio e localização em faixa de fronteira, zona urbana e
demais zonas especiais. Para todas essas características procurou-se analisar o comportamento
face ao atendimento ou não à convocação do INCRA. No terceiro item é traçado o perfil dos
proprietários/detentores dos grande imóveis rurais, com base nas seguintes características:
atendimento à Portaria 558/99, localização dos imóveis, endereço de correspondência e
situação jurídica (se pessoa física ou jurídica). Foram consideradas ainda: para as pessoas
físicas, nacionalidade, local de nascimento, data de nascimento, residência e filiação a
sindicato rural; para as pessoas jurídicas, nacionalidade, sede social, controle do capital,
natureza jurídica e data de constituição. Ainda neste item são analisadas, para todos os
proprietários/detentores, as informações relativas aos registros do Cadastro de Pessoas Físicas
(CPF) e do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), disponíveis no site da Secretaria da
Receita Federal na Internet. Por fim, são apresentadas algumas conclusões, em especial sobre
os indícios de irregularidade encontrados, que sinalizam para um alto índice de grilagem de
terras.
4.3.1 Importância dos grandes imóveis rurais
Estavam cadastrados no INCRA em 2001, em todo o país, 3.065 imóveis rurais com
área de dez mil hectares e mais (doravante denominados grandes imóveis rurais), abrangendo
uma área total de 93,6 milhões hectares. Isso significa que 0,085% dos imóveis possuem uma
área correspondente a 22,5% do total cadastrado (tabela 4.12). Essa concentração revela-se
particularmente significativa na região Norte, onde 0,4% dos imóveis são responsáveis por
47% da área total. Seguem-se, em ordem de importância, as regiões Centro-Oeste, onde 0,5%
dos imóveis possuem 23,6% da área, e a região Nordeste, com 0,055% dos imóveis
abrangendo 16,4% da área. Os estados nos quais essa concentração é mais evidente, todos da
região Norte, são Amazonas (0,5% dos imóveis, 81% da área), Acre (0,7% dos imóveis,
68,5% da área) e Pará (0,6% dos imóveis, 55% da área). No Centro-Oeste destacam-se o Mato
Grosso (1% dos imóveis, 31% da área) e o Mato Grosso do Sul (0,6% dos imóveis, 22% da
área), e, no Nordeste, sobressaem os estados do Maranhão (0,2% dos imóveis, 26,6% da área),
do Piauí (0,1% dos imóveis, 26% da área) e da Bahia (0,07% dos imóveis e 19% da área). No
137
Ver, a propósito, Di Sabbato (2001, p. 3). Deve-se frisar que o não atendimento à convocação significa a total
omissão dos proprietários/detentores quanto à apresentação de documentos. Não parece razoável supor que
indivíduos possuidores de grandes extensões de terras sejam desinformados em relação às suas obrigações legais,
o que leva à mencionada suspeição. Esta afirmação pode ser relativizada pela consideração de que, à época,
houve orientação da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) no sentido de que os proprietários/detentores
não atendessem à convocação do INCRA. Por outro lado, aqueles que atenderam à convocação não
necessariamente estão com a documentação regular, tendo sido, evidentemente, adotados procedimentos de
verificação por parte do INCRA. Aqui também deve-se considerar que nem toda irregularidade é sempre dolosa,
tendo em vista a complexidade da questão possessória.
138
Deve-se ressaltar que houve modificações em relação à situação atual, sobretudo quanto aos números relativos
à suspeição de grilagem, tendo em vista a ação fiscalizadora do INCRA. Entretanto, os dados mais recentes,
principalmente em relação às áreas dos imóveis, apresentam índices de irregularidades superiores aos verificados
no início de 2001: 53% da área do total de imóveis notificados estão irregulares, totalizando mais de 63 milhões
de hectares (BRASIL. MDA/INCRA, 2003).
52
Sudeste, onde a concentração é relativamente baixa, destaca-se o estado de São Paulo (0,01%
dos imóveis, 11% da área). Em contrapartida, a região Sul é aquela onde a concentração é
bastante baixa, sendo destaque Santa Catarina, no qual se registra apenas um imóvel com
mais de 10 mil hectares. É digno de nota, igualmente, que os estados da Paraíba, de Sergipe e
do Distrito Federal não possuem registro cadastral de imóveis com essas dimensões.
Tabela 4.12 – Comparação entre o total de imóveis e os grandes imóveis rurais
segundo a localização dos imóveis –
Brasil, Regiões e Unidades da Federação - 2001
Região/UF Total de imóveis Grandes imóveis Grandes/total
Nº imov. Área (ha) Nº imov. Área (ha) % imov. % área
Brasil 3.587.967 415.570.812,3 3.065 93.620.598,2 0,085 22,5
Norte 225.520 93.013.657,8 896 43.596.291,6 0,397 46,9
Nordeste 1.007.819 79.725.034,8 555 13.085.432,4 0,055 16,4
Sudeste 945.961 66.361.006,9 186 4.933.054,8 0,020 7,4
Sul 1.132.762 43.738.826,1 30 708.040,8 0,003 1,6
Centro-Oeste 275.905 132.732.286,7 1.398 31.297.778,6 0,507 23,6
RO 43.453 6.557.893,8 56 1.381.622,3 0,129 21,1
AC 13.267 5.244.582,8 90 3.593.342,0 0,678 68,5
AM 36.182 17.190.488,6 187 13.905.002,9 0,517 80,9
RR 15.884 5.188.083,8 9 219.863,2 0,057 4,2
PA 73.218 38.019.689,8 422 20.817.477,6 0,576 54,8
AP 5.406 1.881.688,7 15 813.977,9 0,277 43,3
TO 38.110 18.931.230,3 117 2.865.005,7 0,307 15,1
MA 63.114 15.336.605,9 153 4.087.079,7 0,242 26,6
PI 90.331 11.483.050,0 128 2.965.726,4 0,142 25,8
CE 120.214 8.375.460,7 11 153.133,9 0,009 1,8
RN 42.007 3.005.648,6 4 66.977,6 0,010 2,2
PB 98.888 3.643.608,7 0 0,0 0,000 0,0
PE 124.751 4.705.910,6 1 21.850,5 0,001 0,5
AL 35.924 1.297.714,7 3 41.004,0 0,008 3,2
SE 50.765 1.326.087,7 0 0,0 0,000 0,0
BA 381.825 30.550.947,9 255 5.749.660,3 0,067 18,8
MG 515.980 40.661.687,9 138 2.635.468,6 0,027 6,5
ES 73.131 3.627.478,6 6 159.622,9 0,008 4,4
RJ 56.112 2.415.906,4 2 23.423,6 0,004 1,0
SP 300.738 19.655.934,0 40 2.114.539,7 0,013 10,8
PR 401.960 16.353.410,1 19 584.193,9 0,005 3,6
SC 238.499 7.108.205,2 1 10.664,5 0,000 0,2
RS 492.303 20.277.210,8 10 113.182,4 0,002 0,6
MS 57.857 32.392.076,2 362 7.169.132,0 0,626 22,1
MT 94.712 72.814.441,7 960 22.779.591,1 1,014 31,3
GO 116.683 27.320.410,9 76 1.349.055,5 0,065 4,9
DF 6.653 205.357,9 0 0,0 0,000 0,0
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Cadastrais/1998, 1999 e
INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A distribuição regional dos imóveis rurais está apresentada na tabela 4.13 e no gráfico
4.1, que revelam que a região Norte, isoladamente, é responsável por quase metade de toda a
área dos grandes imóveis. Se se adiciona a área abrangida pelas regiões Centro-Oeste e
53
Nordeste, tem-se que as três regiões detêm a quase totalidade (94%) da área dos grandes
imóveis rurais cadastrados no país. A concentração nessas regiões é tal que provoca uma
distorção na distribuição regional dos grandes imóveis, tanto em número quanto em área, em
relação à distribuição regional referente ao total de imóveis rurais cadastrados. Assim é que a
região Norte, que possui 6,3% dos imóveis do país, abrangendo 22,4% da área, detém 29%
dos grandes imóveis do país, atingindo 47% de toda a área cadastrada desses grandes imóveis.
É igualmente gritante a posição do Centro-Oeste que, embora possua apenas 7,7% do total de
imóveis do país e 32% da área, é responsável por 45,6% dos grandes imóveis, abrangendo
33,4% da área. Em contrapartida, as regiões Sudeste e Sul, que possuem 58% do total de
imóveis rurais cadastrados, com 26,5% da área, detêm apenas 7% dos grandes imóveis e 6%
de sua área.
Tabela 4.13 – Total de imóveis e grandes imóveis rurais segundo a localização
dos imóveis – Proporção de imóveis e área em relação
ao total Brasil (%) – Brasil e Regiões – 2001
Região/UF Total de imóveis Grandes imóveis
% imóveis % área % imóveis % área
Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0
Norte 6,3 22,4 29,2 46,6
Nordeste 28,1 19,2 18,1 14,0
Sudeste 26,4 16,0 6,1 5,3
Sul 31,6 10,5 1,0 0,8
Centro-Oeste 7,7 31,9 45,6 33,4
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Cadastrais, 1998 e INCRA,
Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Gráfico 4.1 - Distribuição regional da área dos grandes imóveis rurais (%) - Brasil - 2001
Nordeste
14,0%
Sul
0,8%
Norte
46,6%
Centro-Oeste
33,4%
Sudeste
5,3%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
4.3.2 Características dos grandes imóveis rurais
Definida a sua importância frente ao universo cadastrado no INCRA, passa-se à
análise de algumas características desses grandes imóveis rurais. Uma dessas características
diz respeito ao atendimento ou não, por parte dos proprietários/detentores desses grandes
imóveis, da convocação relativa à Portaria INCRA nº 558/99 (tabela 4.14 e gráfico 4.2).
54
Como já se observou acima, o não atendimento à convocação do INCRA pode ser
considerado um forte indício de grilagem de terras. Observa-se que os proprietários/detentores
de quase metade dos grandes imóveis (48%) não responderam ao INCRA, o que significa
pouco mais de metade da sua área (53%). Esse índice de não atendimento é ainda maior se
consideradas as regiões Norte e Nordeste, sendo relativamente mais baixo, se se considerar o
percentual relativo à área dos grandes imóveis, apenas no Sul. Nos estados de Roraima, Rio
Grande do Norte e Pernambuco, ainda que sejam poucos os grandes imóveis, nenhum dos
seus proprietários/detentores respondeu à notificação do INCRA. Considerando-se o número
de imóveis, têm alto percentual de não atendimento à Portaria 558/99 (mais de 50%) os
seguintes estados: Bahia (87%), Tocantins (80%), Acre (71%), Amazonas (70%), Mato
Grosso (53%) e Rondônia (52%). Se se considera a área dos grandes imóveis, a esses
agregam-se os estados de São Paulo (78%), do Pará (64%) e do Maranhão (51%). Por
conseguinte, é possível afirmar que há forte correlação entre concentração de terras e indícios
de grilagem, uma vez que esses são, de modo geral, os estados nos quais se verifica maior
concentração de grandes imóveis.
55
Tabela 4.14 – Grandes imóveis rurais – Atendimento à convocação do INCRA
segundo a localização dos imóveis –
Brasil, Regiões e Unidades da Federação – 2001
Região/UF Atenderam Não atenderam % não atend.
Nº imov. Área (ha) Nº imov. Área (ha) Imov. Área
Brasil 1.595 43.730.341,4 1.470 49.890.256,8 48,0 53,3
Norte 360 15.934.890,4 536 27.661.401,2 59,8 63,4
Nordeste 239 5.957.736,1 316 7.127.696,3 56,9 54,5
Sudeste 138 2.739.045,8 48 2.194.009,0 25,8 44,5
Sul 23 562.095,7 7 145.945,1 23,3 20,6
Centro-Oeste 835 18.536.573,4 563 12.761.205,2 40,3 40,8
RO 27 616.718,0 29 764.904,3 51,8 55,4
AC 26 933.453,5 64 2.659.888,5 71,1 74,0
AM 57 5.559.763,7 130 8.345.239,2 69,5 60,0
RR 0 0,0 9 219.863,2 100,0 100,0
PA 213 7.537.979,8 209 13.279.497,8 49,5 63,8
AP 14 800.753,9 1 13.224,0 6,7 1,6
TO 23 486.221,5 94 2.378.784,2 80,3 83,0
MA 86 2.004.665,6 67 2.082.414,1 43,8 51,0
PI 108 2.594.157,2 20 371.569,2 15,6 12,5
CE 10 139.191,4 1 13.942,5 9,1 9,1
RN 0 0,0 4 66.977,6 100,0 100,0
PB 0 0,0 0 0,0 - -
PE 0 0,0 1 21.850,5 100,0 100,0
AL 2 26.601,0 1 14.403,0 33,3 35,1
SE 0 0,0 0 0,0 - -
BA 33 1.193.120,9 222 4.556.539,4 87,1 79,2
MG 102 2.094.746,6 36 540.722,0 26,1 20,5
ES 6 159.622,9 0 0,0 0,0 0,0
RJ 2 23.423,6 0 0,0 0,0 0,0
SP 28 461.252,7 12 1.653.287,0 30,0 78,2
PR 13 448.248,8 6 135.945,1 31,6 23,3
SC 1 10.664,5 0 0,0 0,0 0,0
RS 9 103.182,4 1 10.000,0 10,0 8,8
MS 328 6.465.690,1 34 703.441,9 9,4 9,8
MT 450 11.006.261,1 510 11.773.330,0 53,1 51,7
GO 57 1.064.622,2 19 284.433,3 25,0 21,1
DF 0 0,0 0 0,0 - -
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
56
Gráfico 4.2 - Distribuição re
g
ional da área dos
g
randes imóveis rurais cu
j
os proprietários
não atenderam à convocação do INCRA (%) - Brasil - 2001
Norte
55,4%
Centro-Oeste
25,6%
Nordeste
14,3%
Sudeste
4,4%
Sul
0,3%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A correlação entre concentração e indício de grilagem pode ser constatada igualmente
na tabela 4.15, que apresenta a distribuição dos grandes imóveis segundo o seu tamanho, uma
vez que o índice de não atendimento à Portaria 558/99 se eleva à medida que aumenta o
tamanho dos imóveis. Enquanto que os imóveis com área total entre 10 mil e 20 mil hectares
possuem um percentual de não atendimento de 47%, tanto em número quanto em área, para os
imóveis de 500 mil hectares e mais esse percentual é de 71%.
Tabela 4.15 – Grandes imóveis rurais - Atendimento à convocação do INCRA
segundo o tamanho dos imóveis – Brasil – 2001
Classes de Total Não atenderam % não atend.
área total
(ha)
imov.
Área
(ha)
imov.
Área
(ha)
Imov. Área
10.000 a menos de 20.000 1.863 25.492.129,0 870 11.886.223,4 46,7 46,6
20.000 a menos de 50.000 889 26.028.831,3 420 12.383.025,2 47,2 47,6
50.000 a menos de 100.000 188 12.888.540,3 101 6.871.817,2 53,7 53,3
100.000 a menos de 200.000 83 11.564.241,9 53 7.344.545,0 63,9 63,5
200.000 a menos de 500.000 35 10.215.467,5 21 6.088.031,7 60,0 59,6
500.000 e mais 7 7.431.388,2 5 5.316.614,3 71,4 71,5
Total 3.065 93.620.598,2 1.470 49.890.256,8 48,0 53,3
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Outro aspecto a ser considerado refere-se ao ano da mais recente Declaração para
Cadastro de Imóvel Rural (DP) existente nos registros cadastrais
139
. Parece haver uma relação
entre idade da DP e indício de grilagem, uma vez que a proporção de não atendimento à
Portaria 558/99 é menor para os imóveis cujo ano da DP é mais recente (tabela 4.16).
139
Deve-se atentar para o fato de que a atualização cadastral pode ter sido feita pelo proprietário/detentor do
imóvel ou, em caráter ex-oficio, pelo próprio INCRA.
57
Descontando-se os poucos imóveis cujo ano da DP não está informado, verifica-se que o grau
de atualização é maior para os imóveis cujos proprietários/detentores atenderam à convocação
do INCRA: 77,5% desses imóveis, correspondendo a 75,8% da área, têm DPs de 1996 em
diante, ao passo que para os imóveis cujos proprietários/detentores são inadimplentes essa
proporção é de apenas 48,2%, abrangendo 53,0% da área (gráfico 4.3).
Tabela 4.16 – Grandes imóveis rurais – Atendimento à convocação do INCRA
segundo o ano da Declaração – Brasil – 2001
Ano da DP Total Não atenderam % não atend.
Nº imov. Área (ha) Nº imov. Área (ha) Imov. Área
1992 636 18.989.063,9 405 12.969.139,5 63,7 68,3
1993 109 2.572.016,0 86 2.040.751,8 78,9 79,3
1994 122 3.857.036,5 103 2.575.413,5 84,4 66,8
1995 235 7.771.009,7 154 5.562.785,2 65,5 71,6
1996 674 17.615.150,0 229 7.325.655,2 34,0 41,6
1997 352 12.340.711,4 170 7.911.964,7 48,3 64,1
1998 371 14.755.776,2 179 7.906.222,7 48,2 53,6
1999 313 8.787.261,7 109 2.709.408,8 34,8 30,8
2000 174 3.444.398,9 4 83.681,2 2,3 2,4
2001 31 628.356,1 6 118.101,6 19,4 18,8
NÃO INF. 48 2.859.817,8 25 687.132,6 52,1 24,0
TOTAL 3.065 93.620.598,2 1.470 49.890.256,8 48,0 53,3
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentage
m
NÃO ATENDERAM ATENDERAM
Atendimento à convocação do INCRA
Gráfico 4.3 - Proporção dos grandes imóveis rurais segundo o atendimento à
convocação do INCRA e o ano da DP - Brasil - 2001
1992-1995
1996-2001
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
58
A forma de detenção dos grandes imóveis é predominantemente a propriedade (94%),
seguida da posse (4%), sendo pouco significativas as demais formas (tabela 4.17 e gráfico
4.4). Ainda assim, é a posse que, embora pouco expressiva, detém o índice de não
atendimento à Portaria 558/99 mais elevado, possivelmente em virtude da maior dificuldade
de sua comprovação. Deve-se destacar que a área média dos grandes imóveis detidos sob a
forma de concessão de uso é bastante superior à das demais formas de detenção, atingindo
cerca de 92 mil hectares. Esse resultado é tão mais surpreendente se se considera que isso
significa a posse “proveniente de uma concessão de uso, fornecida pelo Governo Federal,
Estadual ou Municipal, em função de execução de programa de redistribuição de terras ou
regularização fundiária”
140
. Em contrapartida, a menor área média é a dos imóveis detidos em
usufruto. A área média dos imóveis sob posse é ligeiramente superior à dos imóveis detidos
sob a forma de propriedade (gráfico 4.5).
Tabela 4.17 – Grandes imóveis rurais – Atendimento à convocação do INCRA
segundo a forma de detenção do imóvel – Brasil – 2001
Forma de Total Não atenderam % não atend.
detenção Nº imov. Área
(ha)
imov.
Área
(ha)
Imov. Área
Propriedade 2.874 87.662.226,0 1.352 45.828.132,1 47,0 52,3
Posse 122 3.955.609,4 90 3.254.751,6 73,8 82,3
Concessão de uso 5 461.699,4 2 24.750,6 40,0 5,4
Foro ou enfiteuse 5 158.763,1 2 95.790,8 40,0 60,3
Usufruto 36 653.950,1 7 106.425,9 19,4 16,3
Não informada 23 728.350,2 17 580.405,8 73,9 79,7
Total 3.065 93.620.598,2 1.470 49.890.256,8 48,0 53,3
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Gráfico 4.4 - Distribuição da área dos grandes imóveis rurais segundo a forma de detenção (%) - Brasil - 2001
Não inf.
0,8%
Usufruto
0,7%
Posse
4,2%
Foro ou enfiteuse
0,2%
Concessão de uso
0,5%
Propriedade
93,6%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
140
INCRA. Sistema Nacional de Cadastro Rural – Cadastro de Imóveis Rurais – Manual de Orientação.
Brasília, s. d., p. 13.
59
30.501,8
32.423,0
92.339,9
31.752,6
18.165,3
31.667,4
30.545,1
0,0
10.000,0
20.000,0
30.000,0
40.000,0
50.000,0
60.000,0
70.000,0
80.000,0
90.000,0
100.000,0
Área média (ha)
Propriedade Posse Concessão de uso Foro ou enfiteuse Usufruto Não inf. Total
Forma de detenção
Gráfico 4.5 - Área média dos grandes imóveis rurais segundo a forma de detenção - Brasil - 2001
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A condição de detenção individual predomina nos grandes imóveis, representando
86% do total. Não há diferenças significativas no que se refere à área média dos imóveis
detidos sob a condição individual ou em comum. Assim também, não é discrepante o índice
de não atendimento à Portaria 558/99 entre as duas condições de detenção (tabela 4.18 e
gráfico 4.6).
Tabela 4.18 – Grandes imóveis rurais – Atendimento à convocação do INCRA
segundo a condição de detenção do imóvel – Brasil – 2001
Condição de Total Não atenderam % não atend.
detenção Nº imov. Área (ha)
imov.
Área (ha) Imov. Área
Individual 2.631 81.088.159,1 1.258 43.053.106,6 47,8 53,1
Em comum 373 10.918.880,2 171 5.911.503,5 45,8 54,1
Não informada 61 1.613.558,9 41 925.646,7 67,2 57,4
Total 3.065 93.620.598,2 1.470 49.890.256,8 48,0 53,3
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
60
Gráfico 4.6 - Distribuição da área dos grandes imóveis rurais segundo a condição de detenção - Brasil - 2001
Individual
86%
Em comum
12%
Não inf.
2%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A comparação entre a área total e a soma das áreas registradas e sob posse a justo
título e por simples ocupação dos grandes imóveis revela uma situação interessante. De
acordo com as instruções de preenchimento da DP, a área total deve ser igual à soma dessas
áreas, a menos que haja diferença de medição
141
. Como se pode constatar na tabela 4.19, as
“diferenças de medição” dos grandes imóveis rurais atingem 3,5 milhões de hectares. É
importante notar, contudo, que, se se consideram os imóveis dos proprietários/detentores que
não atenderam à Portaria 558/99, a diferença alcança 4 milhões de hectares, uma vez que,
para os imóveis cujos proprietários/detentores atenderam à notificação do INCRA, o resultado
da diferença entre a área total e a soma das áreas é positivo. Além disso, é bastante forte a
discrepância entre esses dois segmentos, no que diz respeito às diferenças de medição:
enquanto que a diferença de medição representa apenas 1% da área total para os imóveis que
atenderam à Portaria 558/99, ela chega a 8% da área total para os que não atenderam à
notificação do INCRA. Observando com mais detalhe esses últimos, verifica-se que são os
maiores imóveis os responsáveis por essas diferenças de medição: os imóveis com área total
entre 200 mil e menos de 500 mil hectares apresentam uma diferença de cerca de 3,5 milhões
de hectares e os de 500 mil hectares e mais, uma diferença de cerca 1 milhão de hectares.
Mais ainda, em ambas as classes a área registrada é superior à área total, atingindo, na classe
de 200 mil a menos de 500 mil hectares, a diferença de 2,6 milhões de hectares, o que
representa 43% da área total da classe (tabela 4.20). Essas diferenças, sobretudo em relação
aos imóveis cujos proprietários não atenderam à Portaria 558/99, representam fortes indícios
de grilagem de terras.
141
De acordo com o INCRA, a área total deve ser igual ao somatório das áreas registrada, sob posse a justo título
e sob posse por simples ocupação, “excetuados os casos em que foi encontrada, por medição, diferença na área
constante dos documentos de titulação, não tendo sido ainda levada a registro a área resultante da medição” (ver
INCRA. Sistema Nacional de Cadastro Rural – Cadastro de Imóveis Rurais – Manual de Orientação. Brasília,
s. d., p. 15).
61
Tabela 4.19 – Grandes imóveis rurais – Atendimento à convocação do INCRA
segundo a distribuição das áreas – Brasil – 2001
Distribuição das áreas Total Atenderam Não atend.
Nº de imóveis 3.065 1.595 1.470
A) Área total (ha) 93.620.598,2 43.730.341,4 49.890.256,8
B) Área registrada (ha) 89.458.813,6 41.844.479,6 47.614.334,0
C) Área sob posse a justo título (ha) 6.604.712,7 1.253.894,1 5.350.818,6
D) Área sob posse por simples ocupação (ha) 1.039.588,6 154.729,8 884.858,8
E) Soma de B, C e D (ha) 97.103.114,9 43.253.103,5 53.850.011,4
F) Resultado de A menos E (ha) -3.482.516,7 477.237,9 -3.959.754,6
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Tabela 4.20 – Grandes imóveis rurais – Proprietários/detentores que não
atenderam ao INCRA – Distribuição das áreas segundo o
tamanho dos imóveis – Brasil – 2001
(áreas em ha)
Classes de Número Área Área Área sob posse B + C + D A - E
área de total registrada Justo título Simples ocup.
total (ha) imóveis (A) (B) (C) (D) (E) (F)
10.000 a menos de 20.000 870 11.886.223,4 10.524.185,2 1.159.883,9 294.142,4 11.978.211,5 -91.988,1
20.000 a menos de 50.000 420 12.383.025,2 11.134.240,5 834.280,3 194.109,3 12.162.630,1 220.395,1
50.000 a menos de 100.000 101 6.871.817,2 6.018.082,2 611.551,1 16.593,8 6.646.227,1 225.590,1
100.000 a menos de 200.000 53 7.344.545,0 5.879.124,4 854.469,3 380.013,3 7.113.607,0 230.938,0
200.000 a menos de 500.000 21 6.088.031,7 8.712.603,1 922.634,0 0,0 9.635.237,1 -3.547.205,4
500.000 e mais 5 5.316.614,3 5.346.098,6 968.000,0 0,0 6.314.098,6 -997.484,3
TOTAL 1.470 49.890.256,8 47.614.334,0 5.350.818,6 884.858,8 53.850.011,4 -3.959.754,6
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
As tabelas 4.21 e 4.22 possibilitam examinar mais detidamente os grandes imóveis
cujos proprietários/detentores declararam apenas área sob posse, tanto a justo título quanto
por simples ocupação. Eles representam, somados, 6% do número e 7% da área total dos
grandes imóveis, e possuem um índice de não atendimento à Portaria 558/99 bastante elevado
em ambos os casos. Isso sugere que a declaração de área apenas sob posse pode estar
encobrindo detenção irregular desses imóveis. No que se refere aos imóveis que declararam
apenas área sob posse a justo título, verifica-se que o índice de não atendimento à notificação
do INCRA não somente é bastante alto, como se eleva com o tamanho dos imóveis, atingindo
a totalidade dos maiores imóveis. Ademais, persistem, para o caso, as diferenças de medição
acima apontadas, embora em proporção relativamente baixa (tabela 4.21). Quanto aos imóveis
que declararam apenas área sob posse por simples ocupação, constata-se que os
proprietários/detentores da quase totalidade deles não atenderam à Portaria 558/99. Note-se
que, para esses imóveis, não é possível encontrar diferenças de medição, uma vez que não
possuem documentos de titulação (tabela 4.22).
62
Tabela 4.21 – Grandes imóveis rurais – Imóveis que declararam apenas
área sob posse a justo título segundo o atendimento à convocação do
INCRA e o tamanho – Brasil – 2001
(áreas em ha)
Classes de Total Não atenderam % não atend.
área total (ha)
imov.
Área
total
Área
sob posse
imov.
Área
total
Área
sob posse
Imov. Área
total
Área
sob posse
10.000 a menos de 20.000 101 1.285.914,9 1.411.935,8 71 913.959,3 1.039.759,3 70,3 71,1 73,6
20.000 a menos de 50.000 35 1.101.542,2 1.062.308,2 25 769.685,6 730.451,5 71,4 69,9 68,8
50.000 a menos de 100.000 9 568.286,1 568.286,1 7 458.233,9 458.233,9 77,8 80,6 80,6
100.000 a menos de 200.000 8 1.217.264,3 961.469,3 7 1.086.269,3 854.469,3 87,5 89,2 88,9
200.000 a menos de 500.000 3 922.634,0 922.634,0 3 922.634,0 922.634,0 100,0 100,0 100,0
500.000 e mais 1 968.000,0 968.000,0 1 968.000,0 968.000,0 100,0 100,0 100,0
TOTAL 157 6.063.641,5 5.894.633,4 114 5.118.782,1 4.973.548,0 72,6 84,4 84,4
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Tabela 4.22 – Grandes imóveis rurais – Imóveis que declararam apenas
área sob posse por simples ocupação segundo o atendimento à
convocação do INCRA e o tamanho – Brasil – 2001
(áreas em ha)
Classes de Total Não atenderam % não atend.
área total (ha)
imov.
Área
total
Área
sob posse
imov.
Área
total
Área
sob posse
Imov. Área
total
Área
sob posse
10.000 a menos de 20.000 21 280.784,1 280.784,1 19 256.284,1 256.284,1 90,5 91,3 91,3
20.000 a menos de 50.000 5 149.403,3 149.403,3 4 127.623,3 127.623,3 80,0 85,4 85,4
50.000 a menos de 100.000 0 0,0 0,0 0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
100.000 a menos de 200.000 3 380.013,3 380.013,3 3 380.013,3 380.013,3 100,0 100,0 100,0
200.000 a menos de 500.000 0 0,0 0,0 0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
500.000 e mais 0 0,0 0,0 0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
TOTAL 29 810.200,7 810.200,7 26 763.920,7 763.920,7 89,7 94,3 94,3
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A existência de litígio atinge cerca de 6%, tanto em número quanto em área, dos
grandes imóveis, dos quais a maioria (62% dos imóveis, correspondendo a 64% da área total)
não atendeu à Portaria 558/99 (tabela 4.23). Dentre esses imóveis, predominam aqueles cuja
origem do litígio é a existência de área com posseiros, seguidos dos que têm questões quanto
à posse e/ou ao domínio. Em ambos os casos, é elevado o índice de não atendimento à
notificação do INCRA, chegando à totalidade dos imóveis que possuem questões quanto ao
domínio.
63
Tabela 4.23 – Grandes imóveis rurais – Imóveis com litígio segundo a origem do
litígio e o atendimento à convocação do INCRA – Brasil – 2001
Origem do Total com litígio Não atenderam % não atend.
litígio Nº
imov.
Área
(ha)
imov.
Área
(ha)
Imov. Área
Área com posseiros 115 3.132.362,9 76 2.101.573,7 66,1 67,1
Questão de limite 7 256.188,0 2 35.600,0 28,6 13,9
Questão de titulação 6 95.415,9 2 32.650,6 33,3 34,2
Questão quanto à posse 5 160.992,7 2 23.204,9 40,0 14,4
Questão quanto a posse/domínio 12 255.001,3 7 148.800,3 58,3 58,4
Questão quanto ao domínio 4 503.876,5 4 503.876,5 100,0 100,0
Questão restrição uso da terra 4 52.482,8 2 25.653,7 50,0 48,9
Outros 19 541.906,1 13 319.361,3 68,4 58,9
Não informado/ Cód. inválido 8 294.853,4 4 189.800,2 50,0 64,4
Total 180 5.293.079,6 112 3.380.521,2 62,2 63,9
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Os grandes imóveis localizados em zonas especiais representam 6,5% do total,
abrangendo 9% da área. Considerando-se o total desses imóveis, 44% deles, correspondendo a
58% da área, não atenderam à Portaria 558/99 (tabela 4.24). Se se leva em conta a área, as
zonas especiais predominantes são as relativas a Projeto fundiário (40,7% do total da área
desses imóveis), Projeto de assentamento (12,5%), Reserva indígena (9,7%), Área de
relevante interesse ecológico (7,5%) e Gleba de colonização particular (6,4%), o que totaliza
76,8% da área dos grandes imóveis localizados em zonas especiais. Se se considera o número
de imóveis, a essas agrega-se a Área de proteção ambiental (7,5% do total desses imóveis),
além do inespecífico Outros (11,6%). Destaque-se o elevado índice de não atendimento dos
imóveis localizados nas seguintes zonas especiais: Projeto de assentamento (50% dos imóveis
e 97% da área), Floresta (67% dos imóveis e 85% da área) e Reserva indígena (77% dos
imóveis e 84% da área).
64
Tabela 4.24 – Grandes imóveis rurais – Imóveis localizados em zona especial
segundo o atendimento à convocação do INCRA – Brasil – 2001
Zona Total em zona
especial
Não atenderam % não atend.
especial Nº
imov.
Área
(ha)
imov.
Área
(ha)
Imov. Área
Área de proteção ambiental 15 376.159,2 3 185.669,1 20,0 49,4
Área de pesq. agropec. oficial 2 27.104,7 1 14.964,7 50,0 55,2
Área relevante interesse ecológico 19 610.210,1 8 331.194,3 42,1 54,3
Floresta (nacional/estadual/mun.) 3 165.883,0 2 141.683,0 66,7 85,4
Gleba de colonização oficial 6 95.439,5 2 26.795,2 33,3 28,1
Gleba de colonização particular 16 521.774,9 5 202.851,5 31,3 38,9
Parque (nacional/estadual/mun.) 8 173.548,3 1 23.939,0 12,5 13,8
Projeto de assentamento 4 1.012.200,0 2 986.013,7 50,0 97,4
Projeto fundiário 74 3.303.799,3 32 1.619.500,7 43,2 49,0
Reserva biológica 1 17.511,0 0 0,0 0,0 0,0
Reserva ecológica 3 114.981,8 1 14.420,0 33,3 12,5
Reserva indígena 13 786.286,9 10 663.232,4 76,9 84,3
Reserva part. patrimônio natural 3 56.248,3 0 0,0 0,0 0,0
Outros 23 494.268,1 17 381.945,9 73,9 77,3
Não informado/ Cód. inválido 9 362.042,7 4 108.883,0 44,4 30,1
Total 199 8.117.457,8 88 4.701.092,5 44,2 57,9
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Por fim, analisa-se a incidência de grandes imóveis rurais localizados, no todo ou em
parte, em faixa de fronteira e na zona urbana. Quanto aos primeiros, observa-se que há certa
relevância, uma vez que representam 10% do total, abrangendo 8% da área. O índice de não
atendimento à convocação do INCRA dos imóveis localizados em faixa de fronteira é, em
média, relativamente baixo, embora tenda a crescer com o tamanho (tabela 4.25). Em
contrapartida, os imóveis localizados em zona urbana são escassos, mas os poucos existentes
apresentam um elevado índice de não atendimento à Portaria 558/99 (tabela 4.26).
Tabela 4.25 – Grandes imóveis rurais – Imóveis localizados em faixa de fronteira
segundo o tamanho e o atendimento à convocação do INCRA –
Brasil 2001
Classes de Total em faixa de
fronteira
Não atenderam % não atend.
área total (ha) Nº imov. Área (ha) Nº imov. Área (ha) Imov. Área
10.000 a menos de 20.000 195 2.745.963,8 57 809.612,3 29,2 29,5
20.000 a menos de 50.000 93 2.707.503,7 33 970.404,1 35,5 35,8
50.000 a menos de 100.000 14 882.734,8 8 527.051,2 57,1 59,7
100.000 a menos de 200.000 4 561.566,5 2 345.898,3 50,0 61,6
200.000 a menos de 500.000 3 723.818,5 1 248.466,1 33,3 34,3
500.000 e mais 0 0,0 0 0,0 - -
TOTAL 309 7.621.587,3 101 2.901.432,0 32,7 38,1
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
65
Tabela 4.26 – Grandes imóveis rurais – Imóveis localizados em zona urbana
segundo o tamanho e o atendimento à convocação do INCRA –
Brasil 2001
Classes de Total em zona urbana Não atenderam % não atend.
área total (ha) Nº imov. Área (ha) Nº imov. Área (ha) Imov. Área
10.000 a menos de 20.000 4 54.179,3 3 43.921,4 75,0 81,1
20.000 a menos de 50.000 3 88.475,6 2 66.445,0 66,7 75,1
50.000 a menos de 100.000 4 264.364,5 3 201.182,7 75,0 76,1
100.000 a menos de 200.000 0 0,0 0 0,0 - -
200.000 a menos de 500.000 0 0,0 0 0,0 - -
500.000 e mais 0 0,0 0 0,0 - -
TOTAL 11 407.019,4 8 311.549,1 72,7 76,5
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
4.3.3 Perfil dos proprietários/detentores dos grandes imóveis rurais
Apresentadas as principais características dos grandes imóveis rurais cadastrados no
INCRA, passa-se à análise do perfil de seus proprietários/detentores. Para tanto foi necessário,
antes de mais nada, agregar os imóveis pertencentes a um mesmo proprietário/detentor, uma
vez que o tratamento dado pelo INCRA enfoca basicamente o imóvel rural, do que resulta que
todas as informações estão disponíveis nessa unidade de análise. A agregação foi realizada
considerando-se o registro dos proprietários/detentores no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)
ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Para as pessoas físicas, manteve-se a
distinção no caso de números de CPF diferentes, mesmo quando se tratava de homônimos.
Para as empresas, no entanto, foi possível, em alguns casos, agregar homônimas, quando se
pôde constatar evidentes erros no seu número de registro. Assim também foram agregadas as
filiais de uma mesma empresa, o que foi feito considerando-se apenas os oito primeiros
algarismos do número no CNPJ. Com isso, foi possível obter a totalidade dos imóveis de uma
mesma empresa, independentemente de estarem registradas em nome da matriz ou de suas
filiais. No caso de proprietários/detentores com imóveis em mais de uma unidade da
federação (UF), optou-se, para fins estatísticos, por localizá-los na UF em que a área total
fosse predominante. Para os proprietários/detentores que possuem mais de um imóvel,
considerou-se, também para fins estatísticos, a situação relativa ao atendimento à Portaria
558/99 que fosse predominante na maioria de seus imóveis. Desse modo, é possível que as
informações relativas aos imóveis rurais associados aos seus proprietários/detentores, no que
tange à localização dos imóveis e à situação de atendimento à notificação do INCRA, não
coincidam integralmente com as informações anteriormente analisadas.
Os dados da tabela 4.27 permitem verificar que, quando agregados por
proprietário/detentor, os grandes imóveis rurais revelam-se ainda mais concentrados do que
parecem ser quando são tomados isoladamente. Nesse último caso, os imóveis com 100 mil
hectares e mais representam 4% do total, abrangendo 31% da área (tabela 4.15), enquanto
que, quando agregados por proprietário/detentor, passam a representar 14% do total,
abrangendo 42% da área e sendo detidos por 6% dos proprietários/detentores. Observa-se que
um contingente bastante elevado de proprietários/detentores (47% do total) deixou de
apresentar qualquer documentação ao INCRA, em face da Portaria 558/99, abrangendo 46%
do total de imóveis e 51% de sua área
142
. Ademais, como já mencionado anteriormente,
142
Deve-se lembrar que esse resultado difere ligeiramente daquele apresentado anteriormente (tabela 4.15), em
virtude do ajuste estatístico efetuado na agregação dos imóveis por proprietário/detentor, que consistiu em
considerar a situação de atendimento à Portaria 558/99 da maioria dos imóveis de um mesmo
66
verifica-se que o índice de não atendimento à referida Portaria eleva-se com o tamanho dos
imóveis.
Tabela 4.27 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição segundo o atendimento à convocação do INCRA e
o tamanho – Brasil – 2001
CLASSES DE Total Não atenderam % não atend.
ÁREA TOTAL (HA)
Nº de
prop.
Nº de
imov.
Área total
(ha)
Nº de
prop.
Nº de
imov.
Área total
(ha)
Prop. Imov. Área
10.000 a menos de 20.000
1.305 1.305 17.705.405,9 600 600 8.097.022,5 46,0 46,0 45,7
20.000 a menos de 50.000
782 984 23.155.120,0 378 466 11.123.647,7 48,3 47,4 48,0
50.000 a menos de 100.000
201 356 13.778.101,5 95 153 6.655.996,8 47,3 43,0 48,3
100.000 a menos de 200.000
97 232 13.181.724,0 51 94 6.970.062,2 52,6 40,5 52,9
200.000 a menos de 500.000
47 158 14.046.030,3 27 86 8.478.401,4 57,4 54,4 60,4
500.000 e mais
10 30 11.754.216,5 6 13 6.550.708,4 60,0 43,3 55,7
TOTAL
2.442 3.065 93.620.598,2 1.157 1.412 47.875.839,0 47,4 46,1 51,1
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Apresenta-se, a seguir, a distribuição dos proprietários/detentores e seus respectivos
imóveis e áreas segundo a localização dos imóveis (tabela 4.28 e gráfico 4.7). Os 3.065
grandes imóveis rurais cadastrados no INCRA são detidos por 2.442 pessoas, físicas e
jurídicas, do que resulta, para o conjunto do país, a média de 1,3 imóvel por proprietário e a
área média por proprietário de 38.337,7 hectares. O Norte se destaca por possuir a maior área
média por proprietário dentre as regiões do país (68.106,3 ha), ao passo que o Sul é a região
que registra a menor área média por proprietário, 24.415,2 hectares (gráfico 4.8). As regiões
Norte e Sudeste são as que possuem o maior número médio de imóveis por proprietário (1,4),
enquanto que esse número é o menor no Sul (1,0). Deve-se observar que os
proprietários/detentores de grandes imóveis rurais concentram-se no Centro-Oeste (49% dos
proprietários e 34% da área) e no Norte (26% dos proprietários e 46% da área). Em
contrapartida, a região Sul apresenta uma pequena participação de proprietários/detentores de
grandes imóveis (1,2% dos proprietários e 1,0% da área). Os estados que concentram o maior
número de proprietários/detentores de grandes imóveis rurais são Mato Grosso (33,7% do
total), Mato Grosso do Sul (12,3%), Pará (12,0%), Bahia (8,4%), Maranhão (5,3%),
Amazonas (5,1%), Piauí (4,1%) e Tocantins (4,1%). Esses estados totalizam 85,1% dos
proprietários/detentores, 84,6% dos grandes imóveis e 86,6% da área. Dentre eles, o
Amazonas é o que possui o maior número médio de imóveis por proprietário (1,6) e também a
maior área média por proprietário (113.507,3 ha), seguido do Pará (1,5 imóvel por
proprietário e 72.713,2 ha de área média por proprietário).
proprietário/detentor. A diferença de resultados significa que alguns proprietários/detentores de mais de um
imóvel deixaram de atender apenas parcialmente à notificação do INCRA.
67
Tabela 4.28 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição segundo a localização dos imóveis –
Brasil, Regiões e Unidades da Federação – 2001
Região/UF Nº prop. % Nº imov. % Área %
Brasil 2.442 100,0 3.065 100,0 93.620.598,2 100,0
Norte 638 26,1 896 29,2 43.451.790,7 46,4
Nordeste 454 18,6 548 17,9 12.972.136,0 13,9
Sudeste 130 5,3 186 6,1 4.935.623,0 5,3
Sul 29 1,2 30 1,0 708.040,8 0,8
Centro-Oeste 1.191 48,8 1.405 45,8 31.553.007,7 33,7
RO 37 1,5 55 1,8 1.337.393,7 1,4
AC 66 2,7 82 2,7 3.302.194,0 3,5
AM 125 5,1 194 6,3 14.188.414,9 15,2
RR 7 0,3 9 0,3 219.863,2 0,2
PA 293 12,0 427 13,9 21.304.972,3 22,8
AP 9 0,4 14 0,5 333.977,9 0,4
TO 101 4,1 115 3,8 2.764.974,7 3,0
MA 130 5,3 148 4,8 4.016.702,0 4,3
PI 101 4,1 126 4,1 2.945.059,4 3,1
CE 10 0,4 13 0,4 174.989,6 0,2
RN 4 0,2 4 0,1 66.977,6 0,1
PB 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
PE 1 0,0 1 0,0 21.850,5 0,0
AL 2 0,1 3 0,1 41.004,0 0,0
SE 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
BA 206 8,4 253 8,3 5.705.552,9 6,1
MG 91 3,7 139 4,5 2.665.736,4 2,8
ES 2 0,1 4 0,1 127.367,0 0,1
RJ 2 0,1 2 0,1 23.423,6 0,0
SP 35 1,4 41 1,3 2.119.096,0 2,3
PR 18 0,7 19 0,6 584.193,9 0,6
SC 1 0,0 1 0,0 10.664,5 0,0
RS 10 0,4 10 0,3 113.182,4 0,1
MS 300 12,3 357 11,6 7.109.172,0 7,6
MT 823 33,7 974 31,8 23.054.995,2 24,6
GO 68 2,8 74 2,4 1.388.840,5 1,5
DF 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
68
Gráfico 4.7 - Distribuição regional dos proprietários/detentores de grandes imóveis rurais
segundo a localização dos imóveis - Brasil - 2001
Nordeste
18,6%
Sudeste
5,3%
Sul
1,2%
C.-Oeste
48,8%
Norte
26,1%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
38.337,7
68.106,3
28.573,0
37.966,3
24.415,2
26.492,9
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
Área média (ha)
BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL C.-OESTE
Gráfico 4.8 - Áreadia por proprietário/detentor dos
g
randes imóveis rurais -
Brasil e Regiões - 2001
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A tabela 4.29 e o gráfico 4.9 apresentam uma distribuição diferente da anterior, pois a
referência é o endereço de correspondência informado pelos proprietários/detentores. Deve-se
destacar que, visto desse ângulo, o universo dos grandes imóveis revela uma situação
interessante: embora a região Norte concentre 46% da área total dos grandes imóveis (tabela
4.28), a proporção de área dos proprietários/detentores que nela têm endereço de
correspondência é de apenas 14%, enquanto que o Sudeste, que tem uma área de grandes
imóveis relativamente baixa (apenas 5% do total), possui uma proporção de área dos
proprietários/detentores que nele têm o seu endereço de 18%. Dentre as unidades da federação
do endereço de correspondência, destacam-se Mato Grosso, São Paulo e Mato Grosso do Sul,
69
que juntas detêm 45% da área dos grandes imóveis, correspondendo a 51% dos
proprietários/detentores e 49% dos imóveis. Pode-se observar que um contingente
considerável de proprietários/detentores (13% do total) não informou endereço para
correspondência, o que abrange 17% da área total dos grandes imóveis rurais cadastrados.
Tabela 4.29 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição segundo a UF do endereço de correspondência –
Brasil, Regiões e Unidades da Federação – 2001
Região/UF do endereço Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Brasil 2.442 100,0 3.065 100,0 93.620.598,2 100,0
Norte 207 8,5 279 9,1 13.492.476,8 14,4
Nordeste 311 12,7 384 12,5 10.024.216,2 10,7
Sudeste 357 14,6 516 16,8 16.516.856,9 17,6
Sul 88 3,6 113 3,7 3.124.081,4 3,3
Centro-Oeste 1.160 47,5 1.365 44,5 34.670.505,9 37,0
Endereço não informado 319 13,1 408 13,3 15.792.461,0 16,9
RO 38 1,6 53 1,7 1.513.114,1 1,6
AC 29 1,2 33 1,1 915.342,4 1,0
AM 36 1,5 54 1,8 5.195.541,2 5,5
RR 4 0,2 6 0,2 160.949,7 0,2
PA 78 3,2 105 3,4 5.005.441,2 5,3
AP 3 0,1 8 0,3 201.019,7 0,2
TO 19 0,8 20 0,7 501.068,5 0,5
MA 133 5,4 152 5,0 4.432.241,6 4,7
PI 104 4,3 132 4,3 3.357.067,2 3,6
CE 10 0,4 13 0,4 174.989,6 0,2
RN 18 0,7 29 0,9 955.139,1 1,0
PB 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
PE 14 0,6 15 0,5 281.483,2 0,3
AL 2 0,1 3 0,1 43.591,2 0,0
SE 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
BA 30 1,2 40 1,3 779.704,3 0,8
MG 117 4,8 176 5,7 3.739.477,9 4,0
ES 4 0,2 7 0,2 536.388,4 0,6
RJ 43 1,8 73 2,4 2.172.347,5 2,3
SP 193 7,9 260 8,5 10.068.643,1 10,8
PR 57 2,3 73 2,4 2.331.322,2 2,5
SC 7 0,3 7 0,2 138.945,5 0,1
RS 24 1,0 33 1,1 653.813,7 0,7
MS 214 8,8 272 8,9 8.218.411,3 8,8
MT 826 33,8 962 31,4 23.370.854,4 25,0
GO 98 4,0 108 3,5 2.778.509,1 3,0
DF 22 0,9 23 0,8 302.731,1 0,3
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
70
Gráfico 4.9 - Distribuição regional dos proprietários/detentores de grande imóveis rurais
segundo o endereço o endereço de correspondência (%) - Brasil - 2001
Sudeste
15%
Sul
4%
C.-Oeste
47%
Nordeste
13%
Norte
8%
Não inf.
13%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Ainda com respeito ao endereço de correspondência, destacam-se pela alta proporção
de endereços não informados os proprietários/detentores de grandes imóveis localizados nos
estados da Bahia, do Pará e de Tocantins (tabela 4.30). Além desses, note-se que metade dos
poucos proprietários/detentores de imóveis localizados nos estados de Alagoas e do Espírito
Santo também não informaram seus endereços.
Tabela 4.30 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Endereço de correspondência não informado segundo a UF de
localização dos imóveis – Brasil e Unidades da Federação – 2001
UF de Endereço não informado % sobre total da UF
localização Nº de Nº de Área
dos imóveis propr. imóveis (ha)
Propr. Imov. Área
AC 16 22 492.425,4 24,2 26,8 14,9
AL 1 1 14.403,0 50,0 33,3 35,1
AM 5 7 370.552,6 4,0 3,6 2,6
AP 1 1 65.793,3 11,1 7,1 19,7
BA 118 139 3.380.800,3 57,3 54,9 59,3
ES 1 3 85.367,0 50,0 75,0 67,0
MS 10 10 205.652,7 3,3 2,8 2,9
MT 1 3 43.280,0 0,1 0,3 0,2
PA 120 170 9.674.604,4 41,0 39,8 45,4
PR 1 1 11.685,3 5,6 5,3 2,0
RS 2 2 22.447,1 20,0 20,0 19,8
SP 6 6 331.792,4 17,1 14,6 15,7
TO 37 43 1.093.657,5 36,6 37,4 39,6
TOTAL BRASIL 319 408 15.792.461,0 13,1 13,3 16,9
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
A tabela 4.31 e o gráfico 4.10 apresentam a distribuição dos proprietários/detentores
segundo a sua situação jurídica, ou seja, estabelece a distinção entre pessoas físicas e
jurídicas, de acordo com a existência de informação do número do CPF ou do CNPJ. No
71
conjunto do país, as pessoas físicas são majoritárias, tanto em número de proprietários quanto
em número e área dos imóveis, embora seja significativa a participação das empresas. Essas
últimas têm uma participação predominante nas regiões Sudeste (69% dos
proprietários/detentores, 77% dos imóveis e 61% da área) e Sul (55% dos
proprietários/detentores, 57% dos imóveis e 71% da área), sendo também majoritárias, em
proporção de número de proprietários/detentores, no Nordeste (52% dos
proprietários/detentores, 54% dos imóveis e 49% da área). Em proporção de área, as empresas
predominam nos estados do Ceará (94%), Amapá (89%), Minas Gerais (87%) e Paraná
(75%), sendo também majoritárias no Piauí (60%), na Bahia (55%), em Mato Grosso (54%) e
em Goiás (54%). Assim também, os poucos imóveis existentes no Rio Grande do Norte, em
Alagoas e no Espírito Santo têm proporção de área majoritariamente de pessoas jurídicas. Nos
estados de Pernambuco e Santa Catarina os únicos imóveis existentes em cada um deles
pertencem a pessoas jurídicas. No que concerne à proporção de número de proprietários, as
empresas se destacam igualmente no Pará (56% de proprietários/detentores, 53% de imóveis e
41% de área) e em São Paulo (54% de proprietários/detentores, 59% de imóveis e 27% de
área). Metade dos poucos imóveis do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul pertencem a
empresas. As pessoas físicas são majoritárias, em proporção de área, na região Norte (56% de
proprietários/detentores, 57% de imóveis e 62% de área) e nos estados de Roraima (81%), do
Acre (80%), de São Paulo (73%), de Rondônia (71%), do Maranhão (69%), Mato Grosso do
Sul (67%), Tocantins (67%), Amazonas (62%) e Pará (59%). Em proporção do número de
proprietários, as pessoas físicas predominam ainda na região Centro-Oeste (60% de
proprietários/detentores, 58% de imóveis e 51% de área) e na maioria dos estados antes
mencionados.
72
Tabela 4.31 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição segundo a situação jurídica dos proprietários/detentores
– Brasil, Regiões e Unidades da Federação
Região/ Pessoa física Pessoa jurídica
UF Nº prop. Nº imov. Área (ha) Nº prop.
imov.
Área (ha)
Brasil 1.345 1.632 51.746.174,0 1.097 1.433 41.874.424,2
Norte 359 509 26.987.905,4 279 387 16.463.885,3
Nordeste 219 252 6.565.043,4 235 296 6.407.092,6
Sudeste 40 42 1.940.226,7 90 144 2.995.396,3
Sul 13 13 207.370,4 16 17 500.670,4
Centro-Oeste 714 816 16.045.628,1 477 589 15.507.379,6
RO 24 40 942.490,3 13 15 394.903,4
AC 52 64 2.635.862,0 14 18 666.332,0
AM 80 116 8.746.961,2 45 78 5.441.453,7
RR 5 7 177.237,2 2 2 42.626,0
PA 128 202 12.609.308,0 165 225 8.695.664,3
AP 3 3 37.719,2 6 11 296.258,7
TO 67 77 1.838.327,5 34 38 926.647,2
MA 76 86 2.753.036,2 54 62 1.263.665,8
PI 35 41 1.189.953,1 66 85 1.755.106,3
CE 1 1 11.284,4 9 12 163.705,2
RN 1 1 11.842,4 3 3 55.135,2
PB 0 0 0,0 0 0 0,0
PE 0 0 0,0 1 1 21.850,5
AL 1 1 14.403,0 1 2 26.601,0
SE 0 0 0,0 0 0 0,0
BA 105 122 2.584.524,3 101 131 3.121.028,6
MG 22 23 348.092,6 69 116 2.317.643,8
ES 1 1 42.000,0 1 3 85.367,0
RJ 1 1 12.690,4 1 1 10.733,2
SP 16 17 1.537.443,7 19 24 581.652,3
PR 8 8 149.226,1 10 11 434.967,8
SC 0 0 0,0 1 1 10.664,5
RS 5 5 58.144,3 5 5 55.038,1
MS 220 256 4.766.766,6 80 101 2.342.405,4
MT 452 516 10.645.722,1 371 458 12.409.273,1
GO 42 44 633.139,4 26 30 755.701,1
DF 0 0 0,0 0 0 0,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
73
0%
20%
40%
60%
80%
100%
NORTE NORDESTE SUDESTE SUL C.-OESTE BRASIL
Gráfico 4.10 - Proporção dos proprietários/detentores de grandes imóveis rurais
segundo a situação jurídica - Brasil e Regiões - 2001
JURÍDICA
FÍSICA
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Uma outra forma de medir a importância das pessoas físicas e jurídicas
proprietárias/detentoras de grandes imóveis rurais é compará-las com as informações
provenientes das Estatísticas Cadastrais do INCRA, de 1998 (tabela 4.32). Desse ponto de
vista, as empresas proprietárias/detentoras adquirem um peso considerável, uma vez que,
embora tenham apenas 2% dos grandes imóveis, em relação ao total dos imóveis de pessoas
jurídicas cadastrados no país, são responsáveis por 50% da área total cadastrada em nome de
pessoas jurídicas. No caso de pessoas físicas, essas proporções são, respectivamente, 0,04%
de imóveis e 15% de área. As empresas têm peso considerável, em proporção da área, nas
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ao passo que as pessoas físicas adquirem maior
importância principalmente na região Norte.
Tabela 4.32 – Total de imóveis e grandes imóveis rurais segundo a situação
jurídica dos proprietários/detentores – Proporção de número e área
dos grandes imóveis em relação ao total cadastrado (%) –
Brasil e Regiões – 2001
Região/UF Pessoa física Pessoa jurídica
% imóveis % área % imóveis % área
Brasil 0,045 14,7 2,048 49,6
Norte 0,222 38,9 10,451 58,4
Nordeste 0,024 9,1 3,036 47,4
Sudeste 0,004 3,4 0,648 26,0
Sul 0,001 0,5 0,080 9,8
Centro-Oeste 0,301 14,5 4,554 59,3
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Cadastrais/1998, 1999 e
INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Em virtude das especificidades inerentes às pessoas físicas e jurídicas, passa-se, em
seguida, a analisar separadamente algumas características de cada um desses conjuntos. No
que se refere às pessoas físicas, foram elaboradas informações estatísticas referentes à
nacionalidade, local de nascimento, data de nascimento, residência e filiação a sindicato rural.
74
Como se pode observar na tabela 4.33, a quase totalidade das pessoas físicas
proprietárias/detentoras de grandes imóveis rurais têm nacionalidade brasileira. Note-se que a
proporção de área das que não informaram a nacionalidade é relativamente elevada,
ultrapassando 2,4 milhões de hectares.
Tabela 4.33 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas segundo a nacionalidade – Brasil –
2001
Nacionalidade Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Brasileira 1.280 95,2 1.558 95,5 48.953.001,1 94,6
Estrangeira 14 1,0 15 0,9 363.868,4 0,7
Não informada 51 3,8 59 3,6 2.429.304,5 4,7
Total 1.345 100,0 1.632 100,0 51.746.174,0 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Para as pessoas físicas brasileiras é possível conhecer a sua origem (tabela 4.34 e
gráfico 4.11), o que permite constatar que um grande contingente deles é natural dos estados
da região Sudeste (41% dos proprietários/detentores, abrangendo 33% da área), seguido do
Centro-Oeste (21% dos proprietários/detentores, 15% da área). A região Norte é a que possui
a menor participação de proprietários/detentores originários de seus estados (7% do total,
abrangendo 25% da área). Dentre os estados, predominam as pessoas físicas naturais de São
Paulo (29% dos proprietários/detentores, abrangendo 22% da área), de Minas Gerais (9% dos
proprietários/detentores e 8% da área), Mato Grosso do Sul (9% dos proprietários/detentores e
6% da área), Mato Grosso (7% dos proprietários/detentores e 4% da área) e Paraná (6% dos
proprietários/detentores e 5% da área), o que totaliza 60% dos proprietários e 31% da área. Se
se considera a proporção de área, a esses agregam-se os naturais do Pará (3% dos
proprietários/detentores e 16% da área) e do Acre (1% dos proprietários/detentores e 6% da
área).
75
Tabela 4.34 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas brasileiras segundo a UF de
nascimento – Brasil, Regiões e Unidades da Federação - 2001
Região/UF de nascimento Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Brasil 1.280 100,0 1.558 100,0 48.953.001,1 100,0
Norte 85 6,6 129 8,3 12.252.859,1 25,0
Nordeste 156 12,2 182 11,7 5.121.225,3 10,5
Sudeste 529 41,3 625 40,1 16.177.803,3 33,0
Sul 176 13,8 222 14,2 4.874.880,8 10,0
Centro-Oeste 270 21,1 310 19,9 7.428.992,9 15,2
Não informada/inválida 64 5,0 90 5,8 3.097.239,7 6,3
RO 2 0,2 2 0,1 36.025,0 0,1
AC 17 1,3 26 1,7 2.769.950,3 5,7
AM 20 1,6 28 1,8 1.773.649,2 3,6
RR 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
PA 43 3,4 69 4,4 7.618.980,0 15,6
AP 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
TO 3 0,2 4 0,3 54.254,6 0,1
MA 41 3,2 47 3,0 1.684.524,1 3,4
PI 10 0,8 10 0,6 176.984,3 0,4
CE 18 1,4 23 1,5 523.103,6 1,1
RN 6 0,5 6 0,4 254.870,4 0,5
PB 4 0,3 4 0,3 80.074,2 0,2
PE 21 1,6 28 1,8 750.175,0 1,5
AL 4 0,3 5 0,3 69.387,7 0,1
SE 7 0,5 10 0,6 237.101,0 0,5
BA 45 3,5 49 3,1 1.345.005,0 2,7
MG 117 9,1 136 8,7 3.855.070,6 7,9
ES 10 0,8 10 0,6 228.478,1 0,5
RJ 37 2,9 48 3,1 1.506.292,2 3,1
SP 365 28,5 431 27,7 10.587.962,4 21,6
PR 82 6,4 114 7,3 2.341.659,3 4,8
SC 26 2,0 34 2,2 654.101,8 1,3
RS 68 5,3 74 4,7 1.879.119,7 3,8
MS 112 8,8 135 8,7 2.972.432,9 6,1
MT 86 6,7 98 6,3 2.104.833,8 4,3
GO 70 5,5 75 4,8 2.324.336,7 4,7
DF 2 0,2 2 0,1 27.389,5 0,1
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
76
Gráfico 4.11 - Distribuição regional das pessoaos físicas brasileiras proprietárias/detentoras de grandes imóveis
rurais segundo a UF de nascimento (%) - Brasil - 2001
Sudeste
41%
Sul
14%
Nordeste
12%
Norte
7%
Não inf.
5%
C.-Oeste
21%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
Os dados relativos às poucas pessoas físicas estrangeiras são apresentados na tabela
4.35. Em proporção de proprietários/detentores, predominam os portugueses, ao passo que,
em relação à área, destacam-se os originais do Líbano.
Tabela 4.35 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas estrangeiras segundo o país de
nascimento – Brasil – 2001
País de nascimento Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Alemanha 1 7,1 1 6,7 40.237,1 11,1
Espanha 1 7,1 1 6,7 10.493,5 2,9
Itália 1 7,1 1 6,7 10.299,0 2,8
Líbano 2 14,3 2 13,3 146.693,3 40,3
Portugal 6 42,9 7 46,7 89.871,6 24,7
Suíça 1 7,1 1 6,7 21.211,3 5,8
Uruguai 1 7,1 1 6,7 25.062,1 6,9
Não informado 1 7,1 1 6,7 20.000,5 5,5
Total 14 100,0 15 100,0 363.868,4 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Quando à idade das pessoas físicas proprietárias/detentoras de grandes imóveis rurais
(tabela 4.36), deve-se observar que, embora a maioria tenha nascido após 1921, o que parece
razoável, não é desprezível o contingente de pessoas mais idosas, assim como aquelas cuja
data de nascimento está não informada ou inválida, que totalizam 21% dos
proprietários/detentores, abrangendo 26% da área.
77
Tabela 4.36 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas segundo o ano de nascimento –
Brasil 2001
Ano de nascimento Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Até 1900 6 0,4 7 0,4 146.108,1 0,3
1901 a 1910 26 1,9 39 2,4 1.176.880,9 2,3
1911 a 1920 98 7,3 125 7,7 5.411.401,8 10,5
1921 a 1930 224 16,7 284 17,4 8.015.484,6 15,5
1931 a 1940 310 23,0 373 22,9 13.483.982,9 26,1
1941 a 1950 301 22,4 352 21,6 10.190.575,6 19,7
1951 a 1960 160 11,9 189 11,6 4.773.840,6 9,2
1961 a 1970 56 4,2 62 3,8 1.386.301,9 2,7
1971 e mais 15 1,1 21 1,3 524.541,9 1,0
Não informado/inválido 149 11,1 180 11,0 6.637.055,7 12,8
Total 1.345 100,0 1.632 100,0 51.746.174,0 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
A quase totalidade das pessoas físicas proprietárias/detentoras de grandes imóveis
rurais reside no país (tabela 4.37). Entretanto, poucas delas residem no imóvel (tabela 4.38).
Deve-se notar que a área média por proprietário/detentor das pessoas que residem fora do
imóvel (41.434,7 hectares) é bem superior à das que residem no imóvel (25.443,9 hectares).
Tabela 4.37 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas segundo a residência relativa ao país
– Brasil – 2001
Residência Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
No país 1.274 94,7 1.539 94,3 49.101.061,4 94,9
No exterior 5 0,4 5 0,3 148.248,7 0,3
Não informada 66 4,9 88 5,4 2.496.863,9 4,8
Total 1.345 100,0 1.632 100,0 51.746.174,0 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Tabela 4.38 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas segundo a residência relativa ao
imóvel – Brasil – 2001
Residência Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
No imóvel 128 10,0 143 9,3 3.256.813,2 6,6
Fora do imóvel 1.126 88,4 1.371 89,1 44.655.321,0 90,9
Não informada 20 1,6 25 1,6 1.188.927,2 2,4
Total 1.274 100,0 1.539 100,0 49.101.061,4 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Entre as pessoas físicas proprietárias/detentoras predominam as que não estão filiadas
a qualquer sindicato rural (tabela 4.39). É curioso observar que, embora poucas, existem
pessoas físicas filiadas a sindicato de trabalhadores, cuja área média por proprietário/detentor
(29.088,4 hectares) é superior à das que são filiadas a sindicato patronal (24.291,6 hectares);
por sua vez, a área média das não filiadas alcança 44.007,3 hectares.
78
Tabela 4.39 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas físicas segundo a filiação a sindicato rural –
Brasil 2001
Filiação a sindicato Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
De trabalhadores 25 1,9 29 1,8 727.210,6 1,4
Patronal 359 26,7 434 26,6 8.720.690,6 16,9
Não é filiado 846 62,9 1.024 62,7 37.230.189,4 71,9
Não informada 115 8,6 145 8,9 5.068.083,4 9,8
Total 1.345 100,0 1.632 100,0 51.746.174,0 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Em relação às pessoas jurídicas, foram consideradas as seguintes informações
estatísticas: nacionalidade, sede social, controle do capital, natureza jurídica e data de
constituição.
A grande maioria das empresas proprietárias/detentoras de grandes imóveis tem
nacionalidade brasileira, assim considerada “a empresa constituída sob as leis brasileiras e que
tenha sua sede e administração no país, de acordo com o artigo 171 da Constituição
Federal”
143
. Note-se, contudo, que a proporção de empresas cuja nacionalidade não está
informada é relativamente elevada, abrangendo uma área superior a 2,6 milhões de hectares.
Desse modo, se se adicionam as áreas pertencentes a pessoas físicas (tabela 4.33) e jurídicas
(tabela 4.40), desconhece-se a nacionalidade de proprietários/detentores de grandes imóveis
rurais que abrangem uma área superior a 5 milhões de hectares.
Tabela 4.40 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas jurídicas segundo a nacionalidade –
Brasil 2001
Nacionalidade Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Brasileira 1.026 93,5 1.340 93,5 39.062.098,5 93,3
Estrangeira 8 0,7 11 0,8 207.018,0 0,5
Não informada 63 5,7 82 5,7 2.605.307,7 6,2
Total 1.097 100,0 1.433 100,0 41.874.424,2 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Para as empresas brasileiras, foi identificada sua sede social (tabela 4.41 e gráfico
4.12). Entre as regiões do país, predominam as empresas que têm sua sede social no Sudeste
(31% dos proprietários/detentores, abrangendo 32% da área), seguida pelo Centro-Oeste (27%
dos proprietários/detentores e 24% da área). Os principais estados nos quais as empresas têm
sua sede social são, em ordem de importância relativa, São Paulo, Mato Grosso, Pará, Minas
Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul, que totalizam 67% dos proprietários/detentores,
abrangendo 68% da área. Destaque-se o baixíssimo índice de não informação ou de
incorreção, situação rara dentre os diversos itens analisados neste trabalho.
143
INCRA. Sistema Nacional de Cadastro Rural – Cadastro de Imóveis Rurais – Manual de Orientação.
Brasília, s. d., p. 41. Deve-se observar que o artigo 171 da Constituição foi revogado pela Emenda Constitucional
nº 6, de 15/08/1995.
79
Tabela 4.41 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas jurídicas brasileiras segundo a sede social –
Brasil, Regiões e Unidades da Federação – 2001
Região/UF da sede da PJ Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Brasil 1.026 100,0 1.340 100,0 39.062.098,5 100,0
Norte 176 17,2 244 18,2 10.511.376,5 26,9
Nordeste 164 16,0 198 14,8 3.940.516,0 10,1
Sudeste 317 30,9 445 33,2 12.555.309,4 32,1
Sul 87 8,5 104 7,8 2.341.487,1 6,0
Centro-Oeste 274 26,7 335 25,0 9.451.302,7 24,2
Não informada/inválida 8 0,8 14 1,0 262.106,8 0,7
RO 9 0,9 13 1,0 425.764,5 1,1
AC 16 1,6 21 1,6 901.252,3 2,3
AM 12 1,2 21 1,6 2.281.843,1 5,8
RR 3 0,3 7 0,5 218.846,0 0,6
PA 117 11,4 157 11,7 6.093.700,9 15,6
AP 3 0,3 8 0,6 248.400,9 0,6
TO 16 1,6 17 1,3 341.568,8 0,9
MA 33 3,2 39 2,9 929.706,2 2,4
PI 24 2,3 30 2,2 583.577,5 1,5
CE 31 3,0 38 2,8 786.400,3 2,0
RN 3 0,3 3 0,2 55.135,2 0,1
PB 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
PE 36 3,5 39 2,9 665.160,9 1,7
AL 4 0,4 5 0,4 92.203,3 0,2
SE 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
BA 33 3,2 44 3,3 828.332,6 2,1
MG 67 6,5 122 9,1 2.847.613,2 7,3
ES 2 0,2 2 0,1 32.254,3 0,1
RJ 33 3,2 39 2,9 1.623.161,1 4,2
SP 215 21,0 282 21,0 8.052.280,8 20,6
PR 54 5,3 60 4,5 1.465.972,6 3,8
SC 10 1,0 14 1,0 306.124,4 0,8
RS 23 2,2 30 2,2 569.390,1 1,5
MS 49 4,8 65 4,9 2.218.324,0 5,7
MT 188 18,3 225 16,8 5.915.049,6 15,1
GO 24 2,3 26 1,9 761.192,1 1,9
DF 13 1,3 19 1,4 556.737,0 1,4
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
80
Gráfico 4.12 - Distribuição regional das pessoas jurídicas brasileiras proprietárias/detentoras de grandes imóveis
rurais segundo a sede (%) - Brasil - 2001
Sudeste
31%
Sul
8%
Nordeste
16%
Norte
17%
Não inf.
1%
C.-Oeste
27%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A grande maioria das empresas brasileiras está sob controle de capital nacional (tabela
4.42). No que se refere ao capital estrangeiro, se se adicionam as informações das empresas
estrangeiras (tabela 4.40) e das brasileiras com controle do capital estrangeiro, chega-se ao
resultado de que estão em mãos de 18 empresas com controle estrangeiro 24 grandes imóveis
rurais abrangendo cerca de 500 mil hectares. Se a esses dados agregam-se os de pessoas
físicas estrangeiras (tabela 4.33), tem-se que estão sob controle estrangeiro 39 grandes
imóveis, que abrangem cerca de 900 mil hectares.
Tabela 4.42 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas jurídicas brasileiras segundo o controle do
capital – Brasil – 2001
Controle do capital Nº propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Nacional 997 97,2 1.293 96,5 37.793.302,4 96,8
Estrangeiro 10 1,0 13 1,0 313.192,2 0,8
Não informado 19 1,9 34 2,5 955.603,9 2,4
Total 1.026 100,0 1.340 100,0 39.062.098,5 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Quanto à natureza jurídica (tabela 4.43 e gráfico 4.13), predominam as empresas de
capital fechado, divididas entre sociedades por quotas de responsabilidade limitada e
sociedades anônimas de capital fechado, que juntas alcançam 78% do total de empresas e
80% de sua área. Note-se que as instituições cuja natureza jurídica se caracteriza,
explicitamente, pela participação de capital público
144
são proprietárias/detentoras de 18
grandes imóveis rurais, abrangendo uma área de cerca de 700 mil hectares. Aqui também é
significativamente elevada a proporção de informação inexistente ou incorreta, atingindo 10%
das empresas e 8% da área, o que equivale a mais de 3 milhões de hectares.
144
Sociedades de economia mista, órgão público (federal e estadual) e empresa pública.
81
Tabela 4.43 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas jurídicas segundo a natureza jurídica –
Brasil 2001
Natureza jurídica
propr.
% Nº
imov.
% Área (HA) %
Soc. p/ quotas de resp. limitada 482 43,9 588 41,0 15.692.303,6 37,5
Soc. anônima (capital fechado) 376 34,3 535 37,3 17.889.903,6 42,7
Soc. anônima (capital aberto) 79 7,2 117 8,2 3.019.322,0 7,2
Soc. civil (c/ fins lucrativos) 12 1,1 13 0,9 355.782,4 0,8
Soc. em nome coletivo 6 0,5 8 0,6 204.048,6 0,5
Empr. individual (comércio e indústria) 6 0,5 7 0,5 106.893,0 0,3
Soc. em cota de participação 5 0,5 5 0,3 63.362,7 0,2
Soc. de econ. mista (cap. aberto/fechado) 5 0,5 13 0,9 588.942,0 1,4
Associação 4 0,4 4 0,3 70.697,5 0,2
Soc. de capital e indústria 2 0,2 2 0,1 44.635,4 0,1
Soc. em comandita p/ ações 2 0,2 2 0,1 34.022,8 0,1
Soc. cooperativa 2 0,2 5 0,3 112.702,7 0,3
Empr. individual (prest. de serv.) 2 0,2 2 0,1 95.947,0 0,2
Órgão público estadual 2 0,2 3 0,2 63.804,6 0,2
Soc. em comandita simples 1 0,1 2 0,1 69.475,3 0,2
Filial, sucursal, ag. de empr. sediada ext. 1 0,1 1 0,1 16.024,7 0,0
Empresa pública 1 0,1 1 0,1 18.013,7 0,0
Fundação 1 0,1 1 0,1 104.000,0 0,2
Instituição religiosa 1 0,1 1 0,1 11.709,8 0,0
Órgão público federal 1 0,1 1 0,1 20.073,0 0,0
Não informada/ Cód. inválido 106 9,7 122 8,5 3.292.760 7,9
Total 1.097 100,0 1.433 100,0 41.874.424,2 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos
pela Portaria 558/99, 2001.
Gráfico 4.13 - Distribuição da área das empresas proprietárias/detentoras de grandes imóveis rurais segundo a
natureza jurídica (%) - Brasil - 2001
Soc. p/ quotas de resp. ltda.
37,47%
Empr. individual
0,48%
S. A. (cap. fechado)
42,72%
Soc. civil (c/ fins lucr.)
0,85%
Outras org. societárias
0,99%
Instituições c/ cap. público
1,65%
Assoc./Coop./Fund./Inst. relig.
0,71%
Filial empr. sediada ext.
0,04%
S. A. (cap. aberto)
7,21%
o inf./ Cód. inv.
7,86%
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001.
A grande maioria das empresas foi constituída a partir do ano de 1961, sendo
igualmente significativa a proporção de empresas surgidas a partir de 1981 (tabela 4.44). As
82
empresas mais antigas, embora poucas, detêm uma área considerável, do que resulta que a sua
área média (74.907,2 hectares) é superior a duas vezes à das mais recentes (35.633,2
hectares). Mais uma vez, a proporção de informação inexistente ou inválida é elevada.
Tabela 4.44 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais –
Distribuição das pessoas jurídicas segundo o ano de constituição –
Brasil 2001
Ano de constituição da PJ Nº Propr. % Nº imov. % Área (ha) %
Até 1920 3 0,3 4 0,3 93.162,9 0,2
1921 a 1940 12 1,1 22 1,5 682.947,2 1,6
1941 a 1960 45 4,1 76 5,3 3.718.320,3 8,9
1961 a 1980 420 38,3 579 40,4 17.505.960,0 41,8
1981 a 1999 510 46,5 606 42,3 15.632.925,5 37,3
Não informado/ Ano inválido 107 9,8 146 10,2 4.241.108,3 10,1
Total 1.097 100,0 1.433 100,0 41.874.424,2 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria
558/99, 2001.
Por fim, é apresentada a situação dos proprietários/detentores de grandes imóveis
rurais pessoas físicas e jurídicas em relação aos cadastros da Receita Federal. Essa informação
foi obtida mediante consulta ao site desta instituição na Internet. Como se trata de uma
consulta pública, as informações disponíveis estão limitadas a apontar se o registro das
pessoas físicas e jurídicas possui ou não alguma irregularidade. É evidente que seria
extremamente valioso poder contar com informações resultantes do cruzamento entre os
dados do INCRA e os da Receita Federal, o que foge ao escopo do presente trabalho. De
qualquer modo, a existência de irregularidades nos registros dos proprietários junto ao fisco
pode ser considerado um indício de que se está diante de situações de fraude, sobretudo por se
tratar de proprietários/detentores de grandes extensões de terra que, como já se afirmou, não
devem ser propriamente desinformados quanto a suas obrigações legais.
As tabelas 4.45 e 4.46 apresentam a situação do CPF
145
dos proprietários/detentores
pessoas físicas que, respectivamente, não atenderam e atenderam à Portaria 558/99. É nítida a
distinção entre esse dois conjuntos quanto à regularidade ou não do CPF. Enquanto que entre
os que não atenderam à Portaria, 36,7% dos proprietários/detentores têm CPF irregular, no
caso dos que atenderam à Portaria, 13,9% têm irregularidade no CPF. Note-se que é elevada a
proporção de CPF incorreto e não informado, o que não se justifica, tendo em vista tratar-se
de proprietários/detentores de grandes imóveis rurais, para os quais dever-se-ia exigir a
comprovação efetiva de seu registro junto ao fisco.
145
As irregularidades relacionadas no CPF têm o seguinte significado:
- CPF cancelado – ocorre nas seguintes situações: óbito; atribuição de mais de um número de inscrição no CPF
para uma mesma pessoa; constatação de fraude na inscrição; falta da apresentação da Declaração de Ajuste
Anual ou da Declaração de Isento por dois anos consecutivos;
- CPF incorreto – o número informado ao INCRA não é aceito como válido pela Secretaria da Receita Federal
(SRF);
- CPF inexistente – embora o número seja válido para a SRF, não consta do seu banco de dados;
- CPF não informado – não consta, no cadastro do INCRA, o número do CPF;
- CPF pendente de regularização - caso a pessoa física tenha deixado de entregar, no último exercício, a
Declaração de Ajuste Anual (Declaração de Imposto de Renda) ou a Declaração de Isento, se for o caso.
83
Tabela 4.45 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais cadastrados –
Pessoas físicas que não atenderam à convocação do INCRA –
Distribuição segundo a situação do CPF – Brasil – 2001
Situação do CPF Nº prop. % Nº imov. % Área (ha) %
Regular – Total 447 63,3 541 64,3 18.787.570,6 59,1
Com irregularidade – Total 259 36,7 300 35,7 13.028.214,1 40,9
Cancelado 110 15,6 128 15,2 4.883.548,2 15,3
Incorreto 70 9,9 82 9,8 3.077.067,0 9,7
Inexistente 8 1,1 8 1,0 410.802,2 1,3
Não informado 20 2,8 22 2,6 766.674,6 2,4
Pendente de regularização 51 7,2 60 7,1 3.890.122,1 12,2
Total 706 100,0 841 100,0 31.815.784,7 100,0
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001 e
consulta à página da Secretaria da Receita Federal na Internet (www.receita.fazenda.gov.br), em 2001.
Tabela 4.46 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais cadastrados –
Pessoas físicas que atenderam à convocação do INCRA –
Distribuição segundo a situação do CPF – Brasil – 2001
Situação do CPF Nº prop. % Nº imov. % Área (ha) %
Regular – Total 550 86,1 690 87,2 16.878.457,4 84,7
Com irregularidade - Total 89 13,9 101 12,8 3.051.931,9 15,3
Cancelado 40 6,3 48 6,1 1.061.839,6 5,3
Incorreto 30 4,7 32 4,0 1.432.710,4 7,2
Inexistente 2 0,3 2 0,3 82.593,0 0,4
Não informado 7 1,1 7 0,9 158.302,3 0,8
Pendente de regularização 10 1,6 12 1,5 316.486,6 1,6
Total 639 100,0 791 100,0 19.930.389,3 100,0
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001 e
consulta à página da Secretaria da Receita Federal na Internet (www.receita.fazenda.gov.br), em 2001.
As tabelas 4.47 e 4.48 apresentam a situação da inscrição no Cadastro Nacional de
Pessoas Jurídicas (CNPJ)
146
dos proprietários/detentores pessoas jurídicas segundo o mesmo
corte acima apresentado para as pessoas físicas. Aqui também é nítida a distinção entre a
situação dos que atenderam e dos que não atenderam à Portaria 558/99. Deve-se considerar
ainda que a situação “cancelada”, embora não seja irregular, parece estranha para empresas
que detêm um patrimônio correspondente a, no total, cerca de 1,9 milhões de hectares, o que
significa, em média, mais de 35 mil hectares por empresa cancelada.
146
O significado das situações de inscrição no CNPJ é o seguinte:
- Ativa – pode ser regular ou não regular, embora essa informação não seja disponibilizada na consulta pública.
A diferença entre esses dois casos reside basicamente na existência de pendências ou débitos para com o fisco;
- Cancelada - quando houver sido deferida sua solicitação de baixa;
- Inapta – quando for assim declarada pela SRF, por estar enquadrada como: omissa contumaz; omissa e não
localizada; inexistente de fato;
- Incorreta – o número da inscrição informado ao INCRA não é aceito como válido pela SRF;
- Não cadastrada – embora o número seja válido para a SRF, não consta do seu banco de dados como pessoa
jurídica cadastrada;
- Não informada – não consta, no cadastro do INCRA, o número de inscrição no CNPJ.
84
Tabela 4.47 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais cadastrados –
Pessoas jurídicas que não atenderam à convocação do INCRA –
Distribuição segundo a situação no CNPJ – Brasil – 2001
Situação no CNPJ Nº prop. % Nº imov. % Área (ha) %
Ativa 349 77,4 437 76,5 11.811.532,8 73,5
Cancelada 28 6,2 38 6,7 813.412,7 5,1
Com irregularidade – Total 74 16,4 96 16,8 3.435.108,8 21,4
Inapta 40 8,9 53 9,3 2.120.235,2 13,2
Incorreta 25 5,5 34 6,0 840.381,1 5,2
Não cadastrada 1 0,2 1 0,2 242.000,0 1,5
Não informada 8 1,8 8 1,4 232.492,5 1,4
Total 451 100,0 571 100,0 16.060.054,3 100,0
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001 e
consulta à página da Secretaria da Receita Federal na Internet (www.receita.fazenda.gov.br), em 2001.
Tabela 4.48 – Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais cadastrados –
Pessoas jurídicas que atenderam à convocação do INCRA –
Distribuição segundo a situação no CNPJ – Brasil – 2001
Situação no CNPJ Nº prop. % Nº imov. % Área (ha) %
Ativa 590 91,3 788 91,4 23.754.328,0 92,0
Cancelada 24 3,7 28 3,2 1.043.895,6 4,0
Com irregularidade – Total 32 5,0 46 5,3 1.016.146,3 3,9
Inapta 14 2,2 16 1,9 375.724,2 1,5
Incorreta 9 1,4 12 1,4 227.741,5 0,9
Não cadastrada 3 0,5 11 1,3 264.053,6 1,0
Não informada 6 0,9 7 0,8 148.627,0 0,6
Total 646 100,0 862 100,0 25.814.369,9 100,0
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Imóveis abrangidos pela Portaria 558/99, 2001 e
consulta à página da Secretaria da Receita Federal na Internet (www.receita.fazenda.gov.br), em 2001.
4.3.4 A grilagem de terras no Brasil: algumas características
147
Tem-se afirmado que o combate à grilagem, entre outros efeitos, permitiria liberar
vastas extensões de terras para a reforma agrária. Sem dúvida, parte das terras apropriadas
ilegalmente, uma vez recuperadas, terão essa destinação, o que, evidentemente, contribui para
o incremento da disponibilidade de terras para projetos de assentamento. Entretanto, deve-se
alertar para o fato de que nem toda a terra grilada e nem toda a grilagem de terras, uma vez
resolvidas as questões possessórias, resultará em áreas disponíveis. Para que se entenda de
maneira mais precisa essas afirmações, é importante estabelecer algumas características sobre
o fenômeno em questão.
A primeira característica diz respeito à existência de sobreposição de áreas griladas.
Uma das características da grilagem de terras, em razão de sua própria natureza de atividade
ilegal, é a multiplicidade de títulos e registros, em geral forjados, relativos à mesma área. É
possível encontrar situações nas quais há sobreposição de áreas cadastradas no INCRA, ou
entre áreas cadastradas e não cadastradas, que resulta em conflito possessório que, muitas
vezes, arrasta-se por anos nas diversas instâncias judiciais. Ademais, da resolução de conflitos
147
Este item está parcialmente baseado em Di Sabbato (2001, p. 22-26).
85
dessa natureza emerge uma área que é, necessariamente, menor do que aquela registrada pelos
supostos detentores em disputa.
Uma segunda característica é a existência de sobreposição de áreas griladas com terras
públicas, reservas florestais e reservas indígenas. Pela mesma razão que as áreas griladas se
sobrepõem entre si, abrangendo entes privados, assim também se verificam inúmeros casos de
sobreposição com áreas públicas, sobretudo naquelas regiões, como Norte e Centro-Oeste,
que, pelas suas vastas áreas, têm servido para expansão da fronteira agrícola ao longo das
últimas décadas. Da mesma forma que no caso anterior, a resolução do conflito não resultará
em área disponível para projetos de assentamento, uma vez que se está diante de uma situação
em que é necessária a reversão das terras griladas ao domínio público com sua destinação
original
148
.
A existência de terras griladas apenas “no papel” é uma terceira característica. A rigor,
toda grilagem de terras é, por definição, uma falsificação de documentos. O que se pode
chamar de grilagem “clássica”, contudo, tem o objetivo de apresentar papéis forjados que
correspondam a uma área efetivamente existente. Entretanto, é possível encontrar casos – que,
ao que parece, não são poucos nem raros – em que o que importa é a simples existência de
documentação, evidentemente falsa, acerca da propriedade de terras, com o intuito de servir
de colateral em transações financeiras. Por absurdo que possa parecer, há relatos de diversos
casos em que a simples posse da documentação relativa à propriedade de terras –
exclusivamente “papel”, portanto – é suficiente para a obtenção de empréstimos bancários. O
“papel” tem sido utilizado também para a obtenção de financiamentos de projetos, assim
como, no caso de madeireiras, para a aprovação de projetos de manejo florestal por parte do
IBAMA, condição essencial para a atuação legal dessas empresas. Mais recentemente, foram
constatados casos de grilagem “no papel”, em virtude da possibilidade, facultada pela Lei
9.711/98
149
, de abater dívidas previdenciárias mediante a dação em pagamento de imóveis
rurais.
Como quarta característica, pode-se apontar a existência de grilagem em áreas não
propícias a projetos de assentamento, que é o caso, principalmente, da região amazônica, onde
vastas extensões de terras griladas estão situadas em áreas cujas condições atuais não
recomendam a utilização para fins de reforma agrária, em virtude de uma série de limitações,
entre as quais podem-se mencionar questões de natureza ambiental, problemas de infra-
estrutura e de acesso e questões ligadas às modalidades históricas de ocupação e de manejo do
solo.
148
Deve-se observar que, em virtude da expansão de reservas indígenas, mediante novas demarcações efetuadas
pela FUNAI, nem todos os imóveis atualmente localizados em áreas indígenas foram objeto de grilagem. Nesses
casos, o poder público deverá indenizar o legítimo proprietário/detentor, em dinheiro e/ou por permuta de terras,
o que significa que não apenas a área localizada em reserva indígena, como também uma eventual área
permutada deverão ser descontadas do total de terras disponíveis para a reforma agrária.
149
Esta Lei, de 20/11/1998, teve um alcance limitado, uma vez que impôs a data de 31/12/1999 como prazo final
para a interposição de ações. Ainda assim, ensejou um razoável número de casos de fraude, em particular no
estado do Pará, resultando em ações judiciais que levaram à punição inclusive de servidores públicos. Ver, sobre
o assunto, texto publicado do Diário de Justiça do Pará (nº 2424, caderno 01, p. 5, de 10/01/2001), em que são
relacionadas diversas empresas pelo seu envolvimento em irregularidades em ações baseadas nesta Lei.
86
CAPÍTULO V
CRÉDITO FUNDIÁRIO NO BRASIL
O capítulo tem por objetivo analisar o crédito fundiário e sua relação com a realidade
do mercado de terras no Brasil, na medida em que se entende tal instrumento como um
mecanismo de intervenção neste mercado. Inicialmente, apresentam-se os aspectos
institucionais do crédito fundiário, tal como se configurou em nosso país, bem como de que
modo tem sido analisado pela literatura pertinente ao tema, que é objeto da primeira seção. Na
segunda seção são apresentados os resultados da ação deste instrumento no período 1997-
2002, que é aquele no qual se concentra este trabalho, e é, sobretudo, o período no qual ele
esteve efetivamente ativo no Brasil. Em seguida, na terceira seção, são estabelecidas
comparações entre os resultados alcançados pelo crédito fundiário e as estimativas tanto de
necessidade quanto de preços de terras, de modo a possibilitar um detalhamento da análise
deste instrumento. A quarta e última seção procura estabelecer uma comparação entre o
crédito fundiário e a desapropriação por interesse social, de modo a analisar em que medida
procede a afirmação de parte da literatura sobre aquele instrumento, que o apresenta como
complemento e/ou alternativa a esta.
5.1 Breve Histórico do Crédito Fundiário
A experiência recente de crédito fundiário no Brasil teve início em 1996, no Ceará,
numa iniciativa conjunta do governo estadual com o Banco Mundial, tendo sido criado um
segmento de ação fundiária no “Projeto de Combate à Pobreza Rural no Ceará – Projeto São
José”
150
, que foi denominado de “Programa de Reforma Agrária Solidária”. Esta experiência
foi ampliada em 1997, com participação do governo federal, para outros estados nordestinos
(Maranhão, Pernambuco e Bahia) e para o norte de Minas Gerais, passando a denominar-se
“Projeto Cédula da Terra”. Em 1998, foi criado, pelo governo federal, o “Fundo de Terras e
da Reforma Agrária – Banco da Terra” (Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998),
que começou a operar em 1999, abrangendo, em princípio, todas as unidades da federação. As
razões apresentadas oficialmente para a adoção de um projeto desse tipo em âmbito nacional
foram, fundamentalmente, as seguintes: 1) avaliação positiva dos resultados alcançados no
“Projeto Cédula da Terra”, que está ligada ao grande número de adesões num prazo
relativamente curto
151
; e 2) dificuldades que envolvem a adoção do mecanismo constitucional
da desapropriação por interesse social de terras improdutivas, em particular os altos custos da
indenização aos expropriados fixada judicialmente
152
. Como já mencionado, em 2001 foi
150
Segundo Xavier (1999, p. 13), “o Projeto São José é a continuidade de uma linha de projetos como o
Polonordeste, Projeto Sertanejo, Projeto São Vicente, Projeto Ceará, Programa de Apoio ao Pequeno Produtor –
PAPP, que desde o final da década de 70 vêm prometendo desenvolver o meio rural nordestino. A cada governo
são feitas algumas modificações em seus programas e nomes. O mesmo projeto ganha nome diferente em cada
estado do Nordeste. O Projeto de Combate à Pobreza Rural, executado no Ceará e popularizado como Projeto
São José, é a continuação aperfeiçoada do PAPP”.
151
De acordo com documento oficial da época (INCRA, 1999), “o Cédula da Terra tem 21 mil candidatos
inscritos. Quase 9 mil famílias fecharam contratos até 30 de novembro de 1998. A antecipação da meta – que era
beneficiar 15 mil famílias em três anos – levou o Congresso Nacional a aprovar lei complementar criando o
Banco da Terra.”.
152
Conforme afirmava o governo de então (BRASIL. MEPF/MA, 1999, p. 36), “a solução dessas dificuldades
passa pela adoção de mecanismos que não proponham o abandono das desapropriações, mas sim a incorporação
87
criado o “Projeto de Crédito Fundiário e de Combate à Pobreza Rural”, envolvendo, além do
governo federal e o Banco Mundial, como os anteriores, a CONTAG. Neste último projeto foi
prevista a abrangência de 14 unidades da federação (todas as das regiões Nordeste e Sul, mais
Espírito Santo e Minas Gerais). Com a mudança no governo federal, a partir de 2003, a
política relativa ao crédito fundiário sofreu modificações, com a edição de novo decreto
153
de
regulamentação da Lei Complementar nº 93/1998, extinção do programa do Banco da Terra e
criação do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF)
154
.
Todas essas modalidades de crédito fundiário têm um modelo institucional
semelhante, com variações quanto aos valores de renda e patrimônio dos beneficiários e aos
prazos e às condições de financiamento. Este modelo pressupõe que a escolha das terras a
serem adquiridas, bem como a negociação com os respectivos proprietários, será feita por
associações comunitárias formadas pelos potenciais beneficiários, auxiliadas pelos
organismos governamentais. Os beneficiários, de um modo geral, são trabalhadores rurais
sem terra (assalariados permanentes e temporários, diaristas etc.) e pequenos produtores rurais
com acesso precário à terra ou com insuficiência de terra (arrendatários, parceiros, agregados,
posseiros e proprietários minifundiários). Para esses beneficiários são estabelecidos valores
máximos de renda e de patrimônio, de modo a garantir que os mais pobres sejam
beneficiados. Além do financiamento da aquisição de terras, que é reembolsável, são
financiados projetos de investimentos comunitários complementares (produtivos, de infra-
estrutura e sociais). Para estes últimos não há reembolso, mas pode-se estabelecer que as
associações comunitárias assegurem a contrapartida de um pequeno percentual (10%, no caso
do “Projeto de Crédito Fundiário e de Combate à Pobreza Rural”). Os prazos de
financiamento da aquisição de terras variam de 10 anos, incluídos até 3 anos de carência, com
juros baseados na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) mais 6% ao ano (no caso do
Programa Cédula da Terra), até 20 anos, incluídos 3 anos de carência, com juros fixos de 6%
ao ano, sendo previsto um rebate de 50% nos juros para os beneficiários que pagam em dia
(no caso do Banco da Terra e do “Projeto de Crédito Fundiário e de Combate à Pobreza
Rural”). Além disso, são previstos tetos para os valores a serem financiados para cada família
de beneficiários.
A adoção do crédito fundiário como instrumento de reforma agrária tem sido objeto de
ampla controvérsia. Segundo Medeiros (2002, p. 114), “o eixo central do debate em torno da
reforma agrária hoje no Brasil [...] é o peso relativo da desapropriação versus mecanismos de
mercado”. Schwartzman, Sauer & Barros (2003, p. 35) destacam que, para os defensores dos
mecanismos de mercado (em especial o Banco Mundial), a questão chave é a noção “de que a
reforma agrária de mercado é uma alternativa bem sucedida à reforma agrária administrativa.
Ou que é uma alternativa bem sucedida para complementar a reforma agrária administrativa”.
de outros instrumentos que possam, a um só tempo, reduzir os custos (aumentando a quantidade de
beneficiários) e dar agilidade e transparência ao processo. A instituição do Banco da Terra e a experiência
recente do Projeto Cédula da Terra apontam na direção de que a diversificação de instrumentos para a obtenção
de recursos fundiários, em uma conjuntura em que as resistências foram extremamente reduzidas, favorecerá a
manutenção dos resultados obtidos no atual governo”.
153
Entre outras medidas, o Decreto nº 4.892, de 25/11/2003, estabeleceu que não seria financiada a aquisição de
imóveis “passíveis de desapropriação, isto é, imóveis improdutivos com área superior a quinze módulos fiscais”
(Art. 9º, inciso III).
154
De acordo com documento do Departamento de Crédito Fundiário, do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, o objetivo geral seria “desenvolver uma ação, coordenada pelo MDA/SRA/DCF [Ministério do
Desenvolvimento Agrário/Secretaria de Reordenamento Agrário/Departamento de Crédito Fundiário], em
parceria com os gestores estaduais, os movimentos sociais e os grupos de beneficiários, junto aos projetos
financiados com recursos do Fundo de Terras (Programas Banco da Terra e Cédula da Terra), tirando-os da
situação de passivo em que se encontram hoje e incluindo-os na nova concepção de gestão transparente e
participativa utilizada na execução Programa Nacional de Crédito Fundiário – PNCF” (BRASIL.
MDA/SRA/DCF, 2004).
88
Ghimire (2005, p. 7-10) identifica três grupos de movimentos da sociedade civil com
respeito à questão do mercado no desenvolvimento rural ou agrícola: 1) defensores do
mercado (market advocates), abrangendo, entre outros, empresas de agronegócio,
organizações de microcrédito, organizações não governamentais de promoção de negócios,
empresas e atividades geradoras de renda rurais, cooperativas de produtores especializadas em
produção rentável e exportação, que são militantes a favor de uma economia de mercado que
promova crescimento e liberalização econômica; 2) céticos em relação ao mercado (market
sceptics), que inclui, entre outros, organizações comunitárias, organizações de
desenvolvimento rural, associações de camponeses, sindicatos rurais, grupos de defesa
ambiental, povos indígenas e grupos de defesa dos direitos humanos, que apresentam dúvidas
quanto à possibilidade de o mecanismo de mercado resolver os problemas relativos à pobreza
rural e às desigualdades; e 3) adversários do mercado (market opponents), compreendendo,
entre outros, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil, os
Zapatistas no México e o movimento camponês KMP
155
na Filipinas, que, em particular,
vêem o mecanismo de mercado internacional como altamente explorador dos camponeses e
outros grupos de trabalhadores.
Navarro (1998) apresenta diferentes posicionamentos favoráveis e contrários ao
“Projeto Cédula da Terra”, que são a seguir sumariados. Os argumentos contrários ao Projeto,
formulados por diferentes organizações ligadas ao meio rural
156
, são os seguintes: 1) crítica à
“lógica mercantil do projeto”, em oposição a uma dada “visão de sociedade” de caráter
socialista ou, ao menos, anticapitalista; 2) crítica ao fato de que o projeto se constitui em
“prêmio aos latifundiários”, na medida em que acaba pagando preços de mercado para as
terras dos proprietários, em vez de serem “penalizados” mediante a desapropriação; 3)
preocupação com a possibilidade de manipulação local dos agricultores, motivada por razões
político-eleitorais ou para atender a interesses de lideranças locais; 4) constatação de que as
compras têm se concentrado em imóveis de tamanho médio a pequeno, raramente se
viabilizando aquisições de grandes áreas, o que impediria uma alteração significativa na
estrutura de propriedade da terra; 5) preocupação com a capacidade de os agricultores, nas
condições prevalecentes, pagarem os financiamentos adquiridos; e 6) preocupação com a
viabilidade de cooperação entre os agricultores, condição prevista pelo projeto, tendo em vista
a incipiente tradição de cooperação, sobretudo entre os agricultores mais pobres. Em
contrapartida, os argumentos favoráveis
157
, de acordo com o mesmo trabalho, são os
seguintes: 1) o mais baixo custo do projeto em relação aos processos de desapropriação por
interesse social; 2) a agilidade operacional do processo, em contraposição à lentidão
provocada por atrasos burocráticos e disputas judiciais; 3) a eliminação de conflitos pela
posse da terra, em virtude da natureza consensual entre as partes contratantes intrínseca ao
processo; 4) a possibilidade de completa transparência em todo o processo, tendo em vista a
participação dos beneficiários; 5) a possibilidade de que a proliferação de associações, que é o
primeiro requisito para habilitação ao projeto, possa ter repercussões sociais e políticas nos
municípios, contribuindo para o “adensamento do capital social”.
Para Buainain, Silveira & Teófilo (2000), as vantagens esperadas do “Projeto Cédula
da Terra” (PCT) são as seguintes: redução da burocracia e das disputas judiciais; aumento do
número de beneficiários devido à redução de custos, da dependência do governo federal e de
ingerências políticas; rápido processo de emancipação dos beneficiários; melhoria do bem-
estar e da produtividade associada à ausência de tutela do setor público e à liberdade de
decisão (p. 168). Segundo estes autores, o PCT tem como características: programa
155
Kilusang Magbubukid ng Pilipinas.
156
O trabalho analisa, em destaque, o movimento sindical estruturado em torno da CONTAG, o MST e a
Comissão Pastoral da Terra – CPT.
157
Segundo Navarro (1998), “quase sempre recebidos com ceticismo pelas organizações mencionadas”.
89
descentralizado; auto-seleção dos beneficiários; participação associativa e não individual; o
ativo é vendido, e não “distribuído”, através de uma operação de crédito fundiário; e
autonomia dos beneficiários. Estas características produziriam uma estrutura de governança
eficiente e sustentável, pelas seguintes razões: seleção de ativos de melhor qualidade; melhor
seleção de beneficiários; e eficiência alocativa e produtiva (p. 169). Os autores relacionam
também os possíveis “problemas” que poderiam ocorrer com o PCT (p. 170-173, grifos
nossos). Os aspectos básicos ligados ao Projeto dizem respeito a: auto-seleção eficiente dos
beneficiários; acesso a terras de qualidade adequada; e negociação como etapa fundamental
para a aquisição da terra. Os possíveis efeitos negativos poderiam advir do “inflacionamento”
dos preços das terras pelo crédito fundiário e do fato de que proprietários somente estariam
dispostos a vender terras de má qualidade e com baixo potencial produtivo. Os autores
consideram que o processo de auto-seleção é o fator mais crítico para o “esperado sucesso”
do programa, e que o caráter associativo da participação no programa é um elemento central
de sua estrutura de governança. São apontadas questões relativas à “artificialidade” de
algumas associações, cuja formação é “iniciativa do próprio proprietário, interessado em
vender terras aos seus meeiros ou arrendatários”, e à viabilidade das associações apenas
quando existe “uma massa crítica mínima de agricultores familiares convivendo, próximos
uns dos outros, com os mesmos problemas e dificuldades” (p. 172, grifo nosso). Os autores
concluem que “a existência de uma massa crítica mínima de agricultores familiares coloca-se
como condição fundamental para o desenvolvimento das formas associativas, dos serviços de
apoio necessários ao seu fortalecimento e para produzir sinergia com outras iniciativas” (p.
173, grifo nosso).
Sauer (2003), em contrapartida, afirma que “muitas das áreas adquiridas são de terras
ruins porque os recursos disponíveis não permitem comprar áreas de boa qualidade” (p. 99).
Ademais, “um gasto maior com a compra de terras melhores significa não ter recursos para
investimentos” (p. 100). Segundo conclusão deste autor, as dificuldades do PCT “são
resultados inerentes à própria lógica interna do projeto. A racionalidade do Cédula pressupõe
uma realidade histórica que não existe” (p. 100).
Segundo Borras Jr. (2003, p. 390), “o mercado, como defendido pelo modelo de
Reforma Agrária de Mercado (RAM), não pode desempenhar uma função redistributiva do
modo como o Estado o faz”. Este autor afirma que as evidências empíricas da implementação
inicial do modelo de RAM em países como Brasil, Colômbia e África do Sul sugerem que ele
simplesmente não funciona como previsto pelos seus proponentes.
Pereira (2004, p. 257), por sua vez, conclui que
os programas orientados pelo MRAM [Modelo de Reforma Agrária de
Mercado] mostraram até o momento que: a) não contribuem para
democratizar a estrutura agrária, nem esse é o seu objetivo, pois foram
criados tão-somente para aliviar seletivamente os efeitos sociais negativos
provocados pelas políticas de ajuste estrutural; b) não têm condições de
minimamente atender à demanda por terra existente, porque são desprovidos
da capacidade de ganhar escala social devido ao pagamento em dinheiro a
preços de mercado; c) são caros, o que os condena a serem programas de
pequena dimensão socioeconômica, incapazes de atender à magnitude do
problema agrário existente; d) em nada se assemelham a programas de
reforma agrária distributiva, nem tampouco se aproximam de qualquer
noção de justiça social.
90
5.2 Resultados do Crédito Fundiário
Como se pode constatar, a adoção do crédito fundiário como instrumento de aquisição
e distribuição de terras aos pobres rurais suscita polêmica tanto do ponto de vista técnico
quanto político.
Deve-se ter em conta que, como se verá adiante, o mais importante da análise é
confrontar os projetos de crédito fundiário com a realidade do mercado de terras rurais.
Entretanto, para que se possa estudar o seu desempenho efetivo é necessário, antes de mais
nada, levar em consideração os resultados alcançados por tais projetos. Para tanto, foram
compilados os dados disponíveis sobre o Projeto Cédula da Terra (PCT), no período 1997-
2002, e sobre o Banco da Terra (BT), no período 1999-2002. Não foram compilados dados do
Projeto de Crédito Fundiário e de Combate à Pobreza Rural, uma vez que, por ter se iniciado
em 2001, não apresenta série histórica e volume de informações significativos para análise do
período de estudo do presente trabalho
158
.
Os resultados obtidos pelo PCT, no período 1997-2002
159
, são apresentados nas
tabelas 5.1 e 5.2, abaixo
160
. Como se pode observar na tabela 5.1, o ano de 1997, primeiro de
implantação do projeto, obteve resultados bastante modestos, razão pela qual apresentaram-se,
na tabela 5.2, as médias anuais tanto para o período 1997-2002, quanto para 1998-2002. Pelos
dados da tabela 5.1, pode-se concluir que o PCT, após um forte impulso inicial, no ano de
1998, passou a ter um comportamento oscilante e com tendência declinante, não sendo capaz
de recuperar o desempenho inicial. No que se refere à distribuição pelos estados abrangidos
pelo projeto, considerando os totais apresentados na tabela 5.2, pode-se verificar que Bahia,
Ceará e Maranhão perfazem 76,4% do total de famílias beneficiadas, 83,5% do total de área
adquirida e 69,0% do total do valor de compra de terras, o que os tornam os estados mais
beneficiados.
158
Não foi possível obter informações específicas relativas a este Projeto, no período 2001-2002. Ao que parece,
os dados sobre os resultados alcançados pelo Projeto passaram a ser divulgados no âmbito do já mencionado
Projeto Nacional de Crédito Fundiário (PNCF).
159
Pelos dados disponíveis, ainda houve algumas operações realizadas nos anos de 2003 e 2004, nos estados do
Maranhão e do Ceará, totalizando 156 famílias, 2.532 hectares e R$ 633.171,00 na compra de terras.
160
Devem ser feitas as seguintes considerações sobre os dados obtidos sobre o PCT: 1º) de 1997 a 1999, os dados
foram obtidos de NEAD (2002), enquanto que de 2000 a 2002, de BRASIL. MDA/SRA/DCF (2008a); 2º) de
NEAD (2002) não foram computados os dados de 192 famílias da Bahia, totalizando 3.095 hectares e R$
948.622,00, em virtude de não haver informação sobre o ano de contratação, o que torna o dado inconsistente;
3º) por essas razões, os dados aqui apresentados divergem ligeiramente do de outros trabalhos, como, por
exemplo, de Pereira (2004, p. 169).
91
Tabela 5.1 - Nº de famílias, área adquirida e valor de compra da terra -
Projeto Cédula da Terra - 1997-2002
(valores em reais de 2002)
Nº de Área Valor da Nº de Área Valor da Nº de Área Valor da
UF
famílias (ha) terra (R$) famílias (ha) terra (R$) famílias (ha) terra (R$)
Ano 1997 1998 1999
Maranhão 0 0 0 1.531 42.484 8.966.279 60 1.813 381.216
Ceará 98 3.043 1.026.373 1.613 58.526 15.588.315 191 6.824 1.548.717
Pernambuco 0 0 0 689 13.223 8.948.962 169 3.335 1.740.586
Bahia 122 3.898 904.797 1.840 32.275 15.242.873 357 7.492 2.182.933
Minas Gerais 0 0 0 682 17.842 6.873.339 275 6.024 1.737.166
Total 220 6.941 1.931.170 6.355 164.350 55.619.768 1.052 25.488 7.590.618
Ano 2000 2001 2002
Maranhão 1.157 74.593 5.359.654 739 15.830 2.846.118 63 1.399 245.171
Ceará 725 28.198 6.868.976 764 27.550 5.632.602 224 9.793 1.517.355
Pernambuco 983 15.151 11.444.014 111 2.608 947.742 304 5.936 2.200.440
Bahia 778 22.908 5.025.556 755 13.982 4.368.237 699 15.108 4.464.393
Minas Gerais 200 3.767 1.549.062 31 750 180.160 180 3.532 989.812
Total 3.843 144.617 30.247.263 2.400 60.720 13.974.861 1.470 35.768 9.417.171
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002 e BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a.
Nota: Valores corrigidos pelo IGP-DI.
Tabela 5.2 - Nº de famílias, área adquirida e valor de compra da terra -
Projeto Cédula da Terra - Total 1997-2002 e
Médias anuais 1997-2002 e 1998-2002
(valores em reais de 2002)
Total 1997-2002 Média anual 1997-2002 Média anual 1998-2002
Nº de Área Valor da Nº de Área Valor da Nº de Área Valor da
UF
famílias (ha) terra (R$) famílias (ha) terra (R$) famílias (ha) terra (R$)
Maranhão 3.550 136.119 17.798.438 592 22.687 2.966.406 710 27.224 3.559.688
Ceará 3.615 133.934 32.182.338 603 22.322 5.363.723 703 26.178 6.231.193
Pernambuco 2.256 40.253 25.281.744 376 6.709 4.213.624 451 8.051 5.056.349
Bahia 4.551 95.663 32.188.789 759 15.944 5.364.798 886 18.353 6.256.798
Minas Gerais 1.368 31.915 11.329.539 228 5.319 1.888.257 274 6.383 2.265.908
Total 15.340 437.884 118.780.850 2.557 72.981 19.796.808 3.024 86.189 23.369.936
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002 e BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a.
Nota: Valores corrigidos pelo IGP-DI.
Quanto ao projeto do Banco da Terra, os resultados obtidos
161
no período 1999-
2002
162
estão apresentados nas tabelas 5.3a, 5.3b e 5.4, a seguir. Como se pode verificar,
dezoito estados foram contemplados com ações do Banco da Terra: na região Norte, apenas o
estado de Tocantins recebeu recursos do projeto; na região Nordeste, ficaram de fora Ceará e
Bahia, dois dos estados integrantes do PCT; todos os estados das regiões Sudeste e Sul
fizeram parte do projeto e na região Centro-Oeste ficou de fora apenas o Distrito Federal.
161
Os dados relativos ao Banco da Terra foram corrigidos, tendo em vista que se constataram inconsistências nas
áreas adquiridas em três municípios de Mato Grosso, uma vez que as áreas médias calculadas por família
atingiram valores muito elevados. Para que os resultados finais não ficassem distorcidos para este estado, optou-
se por eliminar as informações deste três municípios, o que resultou na supressão total de 404 famílias, 580.384
hectares e R$ 7.786.748,00 em compra de terras. Por esta razão, os dados são ligeiramente diferentes dos de
outros trabalhos, como, por exemplo, o de Pereira (2004, p. 198).
162
No caso do Banco da Terra, houve, pelos dados disponíveis, operações em 2003, em quinze estados,
totalizando 4.597 famílias, 198.780 hectares e R$ 97.509.889,00 em compra de terras. Em 2004, houve ainda
operações em Santa Catarina, no Rio de Grande do Sul e em Mato Grosso, totalizando 114 famílias, 1.577
hectares e R$ 3.260.315,00 em compra de terras.
92
Como se pode observar nas tabelas 5.3a e 5.3b, houve crescimento significativo de 2000 para
2001 (já que não se pode levar em conta o ano de 1999, com apenas uma família beneficiada),
para, em seguida, ocorrer uma estabilização no número de famílias beneficiadas.
Tabela 5.3a - Nº de famílias, área adquirida e valor dos contratos de compra da terra -
Projeto Banco da Terra - 1999-2000
(valores em reais de 2002)
1999 2000
Nº de Área Valor dos Nº de Área Valor dos
Região/UF
famílias (ha) contratos (R$) famílias (ha) contratos (R$)
Brasil 1 20 116.462 2.779 41.444 104.074.596
Norte 0 0 0 0 0 0
Nordeste 0 0 0 250 6.111 7.076.191
Sudeste 0 0 0 59 700 1.795.867
Sul 1 20 116.462 1.737 23.412 71.719.578
Centro-Oeste 0 0 0 733 11.221 23.482.960
Tocantins 0 0 0 0 0 0
Maranhão 0 0 0 0 0 0
Piauí 0 0 0 178 4.948 3.326.948
Rio Grande do Norte 0 0 0 0 0 0
Paraíba 0 0 0 0 0 0
Pernambuco 0 0 0 0 0 0
Alagoas 0 0 0 72 1.163 3.749.243
Sergipe 0 0 0 0 0 0
Minas Gerais 0 0 0 7 83 388.679
Espírito Santo 0 0 0 52 617 1.407.188
Rio de Janeiro 0 0 0 0 0 0
São Paulo 0 0 0 0 0 0
Paraná 0 0 0 200 2.411 12.019.473
Santa Catarina 1 20 116.462 772 12.432 36.674.565
Rio Grande do Sul 0 0 0 765 8.569 23.025.540
Mato Grosso do Sul 0 0 0 0 0 0
Mato Grosso 0 0 0 0 0 0
Goiás 0 0 0 733 11.221 23.482.960
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008b.
Nota: Valores corrigidos pelo IGP-DI.
93
Tabela 5.3b - Nº de famílias, área adquirida e valor dos contratos de compra da terra -
Projeto Banco da Terra - 2001-2002
(valores em reais de 2002)
2001 2002
Nº de Área Valor dos Nº de Área Valor dos
Região/UF
famílias (ha) contratos (R$) famílias (ha) contratos (R$)
Brasil 12.948 177.932 374.135.842 13.635 217.898 278.040.647
Norte 25 1.316 360.270 158 3.277 1.876.860
Nordeste 1.707 35.542 33.562.365 2.449 53.092 33.582.226
Sudeste 1.930 17.886 68.464.874 2.763 30.520 66.101.247
Sul 7.218 92.534 221.730.280 5.416 70.306 126.473.234
Centro-Oeste 2.068 30.654 50.018.053 2.849 60.703 50.007.080
Tocantins 25 1.316 360.270 158 3.277 1.876.860
Maranhão 0 0 0 33 827 120.296
Piauí 457 15.847 6.946.648 771 19.813 8.216.899
Rio Grande do Norte 15 285 283.413 438 9.146 6.827.806
Paraíba 355 9.371 6.226.911 511 11.818 6.928.361
Pernambuco 0 0 0 40 1.343 710.838
Alagoas 230 4.684 5.345.873 354 4.629 6.202.877
Sergipe 650 5.355 14.759.521 302 5.516 4.575.149
Minas Gerais 608 5.962 18.623.005 1.337 20.417 28.094.359
Espírito Santo 161 1.755 4.947.172 281 2.552 5.622.171
Rio de Janeiro 258 3.028 8.023.615 74 1.024 1.484.304
São Paulo 903 7.141 36.871.083 1.071 6.527 30.900.413
Paraná 913 9.122 35.344.210 660 9.224 17.541.424
Santa Catarina 2.034 32.589 74.190.489 1.325 21.513 38.385.716
Rio Grande do Sul 4.271 50.823 112.195.581 3.431 39.569 70.546.094
Mato Grosso do Sul 965 12.629 23.266.283 247 2.240 4.442.517
Mato Grosso 611 10.590 14.549.470 1.704 45.426 29.249.604
Goiás 492 7.435 12.202.300 898 13.037 16.314.959
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008b.
Nota: Valores corrigidos pelo IGP-DI.
Os dados apresentados na tabela 5.4 permitem verificar que as ações do Banco da
Terra concentraram-se fundamentalmente nos estados da região Sul e Centro-Oeste,
totalizando 68,2% das famílias beneficiadas, 66,1% da área adquirida e 71,9% do valor dos
contratos de compra de terra. Se se considerar em conjunto as ações do Projeto Cédula da
Terra e do Banco da Terra, pode-se afirmar que o crédito fundiário adotado no período em
estudo praticamente não se ocupou da região Norte, e relegou a região Sudeste a uma posição
secundária.
94
Tabela 5.4 - Nº de famílias, área adquirida e valor dos contratos de compra da terra -
Projeto Banco da Terra - Total 1999-2002 e Média anual 2000-2002
(valores em reais de 2002)
Total 1999-2002 Média anual 2000-2002
Nº de Área Valor dos Nº de Área Valor dos
Região/UF
famílias (ha) contratos (R$) famílias (ha) contratos (R$)
Brasil 29.363 437.294 756.367.547 9.787 145.759 252.083.695
Norte 183 4.593 2.237.130 61 1.531 745.710
Nordeste 4.406 94.745 74.220.781 1.469 31.582 24.740.260
Sudeste 4.752 49.106 136.361.988 1.584 16.369 45.453.996
Sul 14.372 186.272 420.039.553 4.790 62.084 139.974.364
Centro-Oeste 5.650 102.578 123.508.093 1.883 34.193 41.169.364
Tocantins 183 4.593 2.237.130 61 1.531 745.710
Maranhão 33 827 120.296 11 276 40.099
Piauí 1.406 40.608 18.490.495 469 13.536 6.163.498
Rio Grande do Norte 453 9.431 7.111.219 151 3.144 2.370.406
Paraíba 866 21.189 13.155.272 289 7.063 4.385.091
Pernambuco 40 1.343 710.838 13 448 236.946
Alagoas 656 10.476 15.297.992 219 3.492 5.099.331
Sergipe 952 10.871 19.334.670 317 3.624 6.444.890
Minas Gerais 1.952 26.462 47.106.043 651 8.821 15.702.014
Espírito Santo 494 4.924 11.976.531 165 1.641 3.992.177
Rio de Janeiro 332 4.052 9.507.919 111 1.351 3.169.306
São Paulo 1.974 13.668 67.771.496 658 4.556 22.590.499
Paraná 1.773 20.757 64.905.107 591 6.919 21.635.036
Santa Catarina 4.132 66.554 149.367.232 1.377 22.178 49.750.257
Rio Grande do Sul 8.467 98.961 205.767.215 2.822 32.987 68.589.072
Mato Grosso do Sul 1.212 14.869 27.708.800 404 4.956 9.236.267
Mato Grosso 2.315 56.016 43.799.074 771 18.672 14.599.691
Goiás 2.123 31.693 52.000.219 707 10.564 17.333.406
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008b.
Nota: Valores corrigidos pelo IGP-DI.
Podem-se somar os dados dos dois projetos, para se ter uma idéia da magnitude do
crédito fundiário praticado no Brasil, no período 1997-2002. É evidente que esta soma deve
ser considerada um mero exercício, uma vez que se estão agregando informações oriundas de
programas que utilizam parâmetros distintos para a seleção das famílias e, conseqüentemente,
para a destinação dos recursos. Feita a ressalva, chega-se aos seguintes resultados,
considerado o país como um todo: 44.703 famílias beneficiadas, 875.178 hectares de terras
adquiridas e R$ 875.148.397,00 na compra de terras
163
. Entretanto, a apresentação, por si só,
destes dados é insuficiente para possibilitar uma avaliação consistente do seu desempenho.
Por esta razão, julga-se importante cotejar os resultados alcançados pelo crédito fundiário com
as estimativas de necessidade e de preços de terras rurais, que é o objetivo da próxima seção.
5.3 Crédito Fundiário e Estimativas de Necessidade e de Preços de Terras Rurais
Esta seção tem por objetivo comparar os resultados alcançados pelo crédito fundiário
adotado no Brasil no período 1997-2002 com a necessidade estimada para os agricultores sem
terra ou com insuficiência de terra, e também com parâmetros relativos aos preços de terras
rurais.
163
Valores em reais de 2002, corrigidos pelo IGP-DI.
95
No caso da necessidade de terras, como já se viu, foram elaborados cálculos distintos
para estimar o número de famílias potenciais beneficiárias do Banco da Terra e do Projeto de
Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural (CFCPR)
164
. Os cálculos para estimar a área
necessária, por sua vez, considerou duas hipóteses para cada estimativa do número de
famílias. Desse modo, estão disponíveis duas estimativas para o número de famílias
potenciais beneficiárias e quatro estimativas para a área necessária. Considera-se que não é
preciso, para a presente análise, cotejar os dados do crédito fundiário com todas as estimativas
calculadas, tendo-se optado por utilizar os números estimados que, no total Brasil,
apresentaram os menores valores. Desse modo, as comparações foram realizadas com os
dados estimados para o CFCPR. No caso da estimativa de área, utilizou-se a 2ª hipótese, ou
seja, aquela que leva em conta a área média da agricultura familiar. No caso do crédito
fundiário, foram utilizadas as informações da média anual e do ano de melhor desempenho
dos projetos. Como as ações tanto do Projeto Cédula da Terra quanto do Banco da Terra não
abrangeram todos os estados brasileiros, optou-se por realizar as comparações de forma
desagregada, ou seja, por estado.
As tabelas 5.5, 5.6 e 5.7 mostram as comparações relativas ao Projeto Cédula da Terra.
Na tabela 5.5 é estabelecida a comparação entre o número de famílias beneficiárias estimado e
o realizado, enquanto que, na tabela 5.6, a comparação se dá entre a área estimada e a
adquirida. A relação entre os resultados estimados e os realizados expressam o ritmo da ação
do Projeto, ou seja, o número de anos que seriam necessários para atender à necessidade
estimada, na hipótese de que todas as demais variáveis permanecessem constantes. Como se
pode verificar, considerados os resultados alcançados pelo Projeto, o ritmo é bastante lento,
tanto no que diz respeito ao número de famílias beneficiárias quanto à área adquirida
165
. O
Ceará é o estado que apresenta o ritmo menos lento, tanto para o número de famílias quanto
para a área adquirida. Ainda assim, trata-se de um valor bastante elevado. Tais resultados
sugerem que o Projeto Cédula da Terra não teria como lograr resultados significativos em
prazo curto, mesmo que as ações realizadas em 1998 se mantivessem constantes para os anos
seguintes. Deve-se salientar que, como visto anteriormente, as ações do Projeto tornaram-se
declinantes a partir daquele ano.
164
Como já observado no capítulo anterior, para fins de cálculo das estimativas de necessidade de terras optou-se
por utilizar os parâmetros destes dois programas, tendo em vista que são aqueles que têm abrangência geográfica
mais ampla. O Projeto Cédula da Terra não teve seus parâmetros considerados para esta finalidade, em virtude
de a sua abrangência estar limitada a alguns estados do Nordeste e ao norte de Minas Gerais.
165
Deve-se ter em conta que, para Minas Gerais, a relação entre o estimado e o realizado está superestimada, uma
vez que a estimativa foi feita para todo o estado, enquanto que a ação do Cédula da Terra se circunscreveu ao
norte do estado.
96
Tabela 5.5 - Comparação entre nº de famílias beneficiárias
do Projeto Cédula da Terra e o nº estimado segundo o
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
Nº de famílias beneficiárias Estimado
Realizado Cédula da Terra Estimado sobre
Média CFCPR realizado
1998
1998-2002
UF
(a) (b) (c) (c) / (a) (c) / (b)
Maranhão 1.531 710 303.011 198 427
Ceará 1.613 703 304.335 189 433
Pernambuco 689 451 249.000 361 552
Bahia 1.840 886 547.469 298 618
Minas Gerais 682 274 422.572 620 1.544
Total 6.355 3.024 1.826.387 287 604
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002, BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e Tabulações
Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Tabela 5.6 - Comparação entre área adquirida
pelo Projeto Cédula da Terra e área estimada segundo o
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
Área (ha) Estimado
Realizado Cédula da Terra Estimado sobre
Média CFCPR realizado
1998
1998-2002
UF
(a) (b) (c) (c) / (a) (c) / (b)
Maranhão 42.484 27.224 10.145.165 239 373
Ceará 58.526 26.178 8.918.540 152 341
Pernambuco 13.223 8.051 4.105.846 311 510
Bahia 32.275 18.353 9.481.365 294 517
Minas Gerais 17.842 6.383 17.202.696 964 2.695
Total 164.350 86.189 49.853.612 303 578
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002, BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e Tabulações
Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
A tabela 5.7 apresenta comparação que pretende revelar se a área média destinada a
cada família beneficiária do Projeto era suficiente não apenas para o seu sustento, como
também para o seu desenvolvimento socioeconômico. Deve-se lembrar que as estimativas
sobre área aqui utilizadas levaram em consideração a área média dos agricultores familiares
consolidados ou em processo de consolidação. Isto significa que uma relação entre a área
média adquirida e a estimada superior a 100% indica que, do ponto de vista do tamanho da
propriedade, as famílias beneficiárias terão, potencialmente, condições para subsistir e
progredir
166
. Desse modo, os resultados expressos na tabela 5.7 sugerem que o Projeto, na
166
É evidente que o tamanho da propriedade é uma variável necessária mas não suficiente para garantir o êxito de
um empreendimento agícola. O presente trabalho faz, por conseguinte, uma hipótese simplificadora, tendo em
vista a análise agregada realizada.
97
maioria dos casos, possibilitou a aquisição de áreas de tamanho adequado para as famílias
beneficiárias
167
.
Tabela 5.7- Comparação entre área média adquirida
pelo Projeto Cédula da Terra e área média estimada segundo o
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
Área média (ha) Realizado
Realizado Cédula da Terra Estimado sobre
Média CFCPR estimado
1998
1998-2002 (%)
UF
(a) (b) (c) (c) / (a) (c) / (b)
Maranhão 27,7 38,3 33,5 82,9 114,5
Ceará 36,3 37,2 29,3 123,8 127,0
Pernambuco 19,2 17,8 16,5 116,4 108,2
Bahia 17,5 20,7 17,3 101,3 119,6
Minas Gerais 26,2 23,3 40,7 64,3 57,3
Total 25,9 28,5 27,3 94,7 104,4
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002, BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e Tabulações
Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Nas tabelas seguintes (5.8, 5.9 e 5.10) encontram-se os resultados das comparações
relativas ao Banco da Terra. As tabelas 5.8 e 5.9 revelam, em termos agregados, um ritmo
também bastante lento da ação do Banco da Terra. Análise anterior mostrou que as ações
deste programa foram direcionadas principalmente para os estados da região Sul, secundados
pelos da região Centro-Oeste. Talvez por esta razão, o ritmo é menos lento nestas duas
regiões. O ritmo de Mato Grosso é o menos lento no que refere ao número de famílias
beneficiárias, seguido de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. É possível que o resultado de
Mato Grosso esteja comprometido pelo expurgo realizado nos dados deste estado, conforme
relatado anteriormente. É de se salientar que há uma enorme disparidade entre os resultados
relativos à comparação do número de famílias e os da área, sendo bastante mais lento o ritmo
da ação no que diz respeito à área adquirida. Uma explicação para esta disparidade pode estar
no fato de que, ao contrário do que se verificou para o Projeto Cédula da Terra, as áreas
médias adquiridas pelo Banco da Terra são, na maioria dos estados (14, num total de 18),
insuficientes para o sustento e o progresso das famílias beneficiárias (tabela 4.10). Isto indica
uma inadequação, do ponto de vista de tamanho, das ações de aquisição de terras por parte do
Banco da Terra.
167
Os resultados da comparação sobre área média para Minas Gerais podem estar distorcidos, uma vez que a
estimativa foi feita para todo o estado, enquanto que a ação do Cédula da Terra se circunscreveu ao norte do
estado.
98
Tabela 5.8 - Comparação entre nº de famílias beneficiárias
do Banco da Terra e o nº estimado segundo o
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
Nº de famílias beneficiárias Estimado
Realizado Banco da Terra Estimado sobre
Média CFCPR realizado
2002
2000-2002
UF
(a) (b) (c) (c) / (a) (c) / (b)
Tocantins 158 61 25.550 162 419
Maranhão 33 11 303.011 9.182 27.546
Piauí 771 469 164.779 214 352
Rio Grande do Norte 438 151 88.930 203 589
Paraíba 511 289 124.529 244 431
Pernambuco 40 13 249.000 6.225 18.675
Alagoas 354 219 124.476 352 569
Sergipe 302 317 83.961 278 265
Minas Gerais 1.337 651 422.572 316 649
Espírito Santo 281 165 59.163 211 359
Rio de Janeiro 74 111 41.132 556 372
São Paulo 1.071 658 243.747 228 370
Paraná 660 591 206.172 312 349
Santa Catarina 1.325 1.377 67.960 51 49
Rio Grande do Sul 3.431 2.822 160.012 47 57
Mato Grosso do Sul 247 404 43.855 178 109
Mato Grosso 1.704 771 55.884 33 72
Goiás 898 707 84.284 94 119
Total 13.635 9.787 2.549.016 187 260
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e Tabulações Especiais do
Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
99
Tabela 5.9 - Comparação entre área adquirida
Pelo Banco da Terra e o área estimada segundo o
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
Área (ha) Estimado
Realizado Banco da Terra Estimado sobre
Média CFCPR realizado
2002
2000-2002
UF
(a) (b) (c) (c) / (a) (c) / (b)
Tocantins 3.277 1.531 4.632.032 1.413 3.025
Maranhão 827 276 10.145.165 12.267 36.758
Piauí 19.813 13.536 7.150.225 361 528
Rio Grande do Norte 9.146 3.144 2.828.769 309 900
Paraíba 11.818 7.063 2.751.512 233 390
Pernambuco 1.343 448 4.105.846 3.057 9.165
Alagoas 4.629 3.492 1.729.374 374 495
Sergipe 5.516 3.624 958.158 174 264
Minas Gerais 20.417 8.821 17.202.696 843 1.950
Espírito Santo 2.552 1.641 1.745.868 684 1.064
Rio de Janeiro 1.024 1.351 1.022.088 998 757
São Paulo 6.527 4.556 9.281.460 1.422 2.037
Paraná 9.224 6.919 5.242.056 568 758
Santa Catarina 21.513 22.178 1.801.534 84 81
Rio Grande do Sul 39.569 32.987 4.634.818 117 141
Mato Grosso do Sul 2.240 4.956 4.630.933 2.067 934
Mato Grosso 45.426 18.672 5.729.710 126 307
Goiás 13.037 10.564 8.939.234 686 846
Total 217.898 145.759 94.531.478 434 649
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e Tabulações Especiais do
Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
100
Tabela 5.10 - Comparação entre área média adquirida
Pelo Banco da Terra e área média estimada segundo o
Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural
Área média (ha) Realizado
Realizado Banco da Terra Estimado sobre
Média CFCPR estimado
2002
2000-2002 (%)
UF
(a) (b) (c) (a) / (c) (b) / (c)
Tocantins 20,7 25,1 181,3 11,4 13,8
Maranhão 25,1 25,1 33,5 74,8 74,9
Piauí 25,7 28,9 43,4 59,2 66,6
Rio Grande do Norte 20,9 20,8 31,8 65,6 65,5
Paraíba 23,1 24,5 22,1 104,7 110,7
Pernambuco 33,6 33,6 16,5 203,6 203,8
Alagoas 13,1 16,0 13,9 94,1 114,9
Sergipe 18,3 11,4 11,4 160,1 100,1
Minas Gerais 15,3 13,6 40,7 37,5 33,3
Espírito Santo 9,1 10,0 29,5 30,8 33,8
Rio de Janeiro 13,8 12,2 24,8 55,7 49,1
São Paulo 6,1 6,9 38,1 16,0 18,2
Paraná 14,0 11,7 25,4 55,0 46,0
Santa Catarina 16,2 16,1 26,5 61,2 60,8
Rio Grande do Sul 11,5 11,7 29,0 39,8 40,4
Mato Grosso do Sul 9,1 12,3 105,6 8,6 11,6
Mato Grosso 26,7 24,2 102,5 26,0 23,6
Goiás 14,5 14,9 106,1 13,7 14,1
Total 16,0 14,9 37,1 43,1 40,2
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e
Tabulações Especiais do Censo Agropecuário 1995-1996 do IBGE.
Outro aspecto relevante sobre o crédito fundiário é o preço pago pela aquisição das
terras pelas famílias beneficiárias. Para avaliar os preços praticados pelo programa foram
estabelecidos como parâmetros de comparação os preços de terras da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), para o caso do Projeto Cédula da Terra, e as estimativas de custo de obtenção
da terra oriundas do trabalho de Shiki, Neder & Teixeira (1998), para o Banco da Terra
168
.
Este trabalho aponta para o fato de que o custo total da terra chega a atingir cinco vezes o
custo do depósito inicial realizado pelo INCRA, no caso das desapropriações em que ocorre
processo judicial. Isso não significa, entretanto, que o custo total da terra é elevado e superior
ao preço de mercado e sim que o custo do depósito inicial é muito baixo, o que acaba
induzindo os proprietários das terras desapropriadas a recorrer à justiça. Portanto, parece
haver convergência entre o custo total da terra desapropriada e o preço de mercado, o que não
pode nem deve ser confundido com a discrepância verificada entre os custos inicial e final das
desapropriações
169
. Desse modo, ao menos no que se refere aos preços da terra, e tendo em
conta o estudo mencionado, não haveria vantagem significativa para o crédito fundiário
170
.
168
Estudo mais recente sobre gastos com reforma agrária pode ser encontrado em Marques (2007).
169
Poder-se-ia argumentar que, em se tratando de desapropriação por interesse social, é elevada a indenização a
preço de mercado. Essa é, contudo, uma questão juridicamente controversa, tendo em vista o preceito
101
No caso do Projeto Cédula da Terra, foram usados para comparação os dados de 1998,
ano de seu melhor desempenho. Tais dados foram comparados com a média dos preços de
terras da FGV para o mesmo ano
171
. Os resultados encontram-se na tabela 5.11, a seguir.
Como se pode observar, em todos os estados os valores das terras do PCT situam-se abaixo
dos preços das terras de lavouras da FGV. Isto poderia significar que a aquisição de terras
pelo Projeto logrou obter valores inferiores aos de mercado, o que seria um dado favorável à
sua execução. Entretanto, verifica-se que, à exceção do Ceará, os valores de aquisição do PCT
são significativamente inferiores aos preços das terras de lavouras da FGV, o que sugere que
podem estar sendo adquiridas terras de baixa qualidade, sobretudo se se considerar que, nos
casos de Pernambuco e Bahia, os valores se aproximam dos preços da terras de campos,
sabidamente as de pior qualidade
172
. É evidente que a garantia de êxito das famílias
beneficiárias depende, em boa parte, da qualidade das terras adquiridas, o que, no caso em
análise, significa que se deve dar preferência às terras aptas para lavoura. Desse modo, deve-
se olhar com cautela para os resultados alcançados pelo PCT
173
.
Tabela 5.11 - Comparação entre o valor das terras/ha do
Projeto Cédula da Terra e o preço das terras/ha da FGV - 1998
(valores em reais de 1998)
PCT FGV
Valor das Preço das terras/ha
UF
terras/ha Lavouras Campos Pastagens Matas Média
Maranhão 114,79 196,99 78,22 268,56 156,94 177,77
Ceará 144,87 168,55 97,98 116,11 103,31 120,47
Pernambuco 368,10 649,78 339,23 449,22 214,92 417,48
Bahia 256,88 595,99 221,63 396,10 220,88 333,72
Minas Gerais 209,53 1.025,15 413,91 602,05 375,30 544,68
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002, BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e
FGV, Preços de terras 1998.
Quanto ao Banco da Terra, optou-se por estabelecer uma comparação entre os valores
de terras obtidos na aquisição de terras e as estimativas de custos de obtenção de terras para a
reforma agrária. O objetivo aqui é verificar em que medida a prática do crédito fundiário
conseguiu atingir uma de suas metas mais importantes, qual seja, a de ter custos inferiores aos
da reforma agrária “tradicional”, vale dizer, a que utiliza o instrumento da desapropriação na
constitucional de “justa indenização” [ver, a respeito, Castilho (1998) e Rocha (1998)]. Ademais, o que se
pretende no caso é estabelecer uma comparação entre os custos da terra nos casos de utilização da
desapropriação e do crédito fundiário.
170
Um argumento adicional utilizado é o da “gratuidade”, para os beneficiários, da terra desapropriada, em
contraposição à cobrança no caso do crédito fundiário. Entretanto, o próprio Estatuto da Terra prevê, em seu
artigo 25, a venda de terras desapropriadas. Isso significa que não se pode atribuir ao instrumento da
desapropriação, tal como está regulamentado em nosso país, a responsabilidade pela referida gratuidade.
171
A FGV divulga semestralmente os preços das terras de lavouras, campos, pastagens e matas. Para obtenção de
um preço médio, foram ponderados tais preços pelas respectivas áreas, por estado, obtidas do Censo
Agropecuário 1995-96 do IBGE. Os preços médios para o ano de 1998 foram obtidos pela média aritmética dos
preços dos dois semestres deste ano.
172
No caso de Minas Gerais, é necessário levar em consideração o já exposto anteriormente acerca do fato de que
a ação do Cédula da Terra circunscreveu-se ao norte do estado, enquanto que as comparações foram realizadas
tendo em conta a realidade de todo o estado.
173
É importante observar que, no presente trabalho, são considerados os preços médios estaduais pagos para a
aquisição de terras, o que tende a encobrir diferenças existentes entre regiões de um mesmo estado. Desse modo,
é possível que haja casos de aquisições de terras de boa qualidade em algumas regiões no interior dos estados
analisados.
102
sua execução. Para tanto, foram utilizados os dados do Banco da Terra relativos a 2002, ano
de melhor desempenho do programa. A comparação foi realizada, como já se mencionou,
com os dados oriundos do trabalho de Shiki, Neder & Teixeira (1998, p. 28), feita a devida
correção dos valores monetários para o ano de 2002
174
. A tabela 5.12 mostra os resultados
obtidos. Como se observou anteriormente, as regiões Sul e Centro-Oeste foram as que
concentraram as ações do Banco da Terra. Justamente nestas duas regiões os valores por
hectare dos contratos de aquisição de terras é bastante superior às estimativas do custo total
por hectare de aquisição da terra para a reforma agrária. Desse modo, ao contrário do que se
poderia esperar, não se verificou o barateamento do preço da terra com a adoção do crédito
fundiário. Em contrapartida, nestas duas regiões, os resultados por família do Banco da Terra
são inferiores aos das estimativas de custo da terra. Deve-se ressaltar, contudo, como já visto,
que as áreas adquiridas pelo programa foram, na maioria dos estados, inferiores às áreas
médias estimadas. Assim, este último resultado indica tão-somente que as despesas por
família foram relativamente baixas, em virtude de o Banco da Terra ter adquirido terra em
quantidade insuficiente paras as famílias beneficiadas.
Tabela 5.12 - Comparação entre o valor dos contratos do
Banco da Terra e o custo total de aquisição da terra - 2002
(valores em reais de 2002)
Valor dos contratos Custo total de Comparação
Brasil e Banco da Terra (1) aquisição da terra (2) entre (1) e (2)
Regiões Valor/ha Valor/fam. Valor/ha Valor/fam. (a) / (b) /
(a) (b) (c) (d) (c) (d)
Brasil 1.276,01 20.391,69 319,28 12.902,25 4,00 1,58
Norte 572,74 11.878,86 190,83 9.781,41 3,00 1,21
Nordeste 632,53 13.712,63 1.182,33 103.130,82 0,53 0,13
Sudeste 2.165,83 23.923,72 2.552,09 42.410,94 0,85 0,56
Sul 1.798,90 23.351,78 553,35 32.245,22 3,25 0,72
C.-Oeste 823,80 17.552,50 394,66 20.028,59 2,09 0,88
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de BRASIL. MDA/SRA/DCF, 2008a e Shiki, Neder & Teixeira
(1998, p.28).
Os dados acima analisados revelam que o crédito fundiário adotado no Brasil, no
período 1997-2002, ficou longe de se constituir num programa adequado para promover a
aquisição de terras para os agricultores pobres.
5.4 Crédito Fundiário e Desapropriação
Já se chamou atenção para o fato de que o crédito fundiário tem sido apresentado
como um instrumento complementar e/ou alternativo à desapropriação de terras improdutivas.
Como já mencionado, Medeiros (2002, p. 114) considera que “o eixo central do debate em
torno da reforma agrária hoje no Brasil [...] é o peso relativo da desapropriação versus
mecanismos de mercado”.
Os defensores da adoção dos mecanismos de mercado tendem, de modo geral, a
contrapô-los ao “velho” instrumento da desapropriação de terras ociosas, que é visto como
174
Os valores do referido trabalho estão apresentados em dólares de dezembro de 1997. A correção para valores
em reais de 2002 foi feita da seguinte forma: 1) aplicou-se a taxa de câmbio média de dezembro de 1997, que era
de R$ 1,1128 (obtida em www.ipeadata.org.br em 10/01/2008); 2) sobre este valor foi aplicada a variação do
IGP-DI de dezembro de 1997 a dezembro de 2002.
103
ultrapassado e inadequado às atuais circunstâncias, tanto do ponto de vista econômico, quanto
político. Esse posicionamento é encontrado com freqüência na literatura sobre o tema, seja em
âmbito internacional, seja nacional. Os argumentos contrários à desapropriação comumente
utilizados dizem respeito à excessiva centralização das suas ações, à lentidão do processo
desapropriatório, em fase administrativa e judicial, e ao alto custo das indenizações pagas aos
proprietários das terras desapropriadas. A essa “reforma agrária tradicional”, lenta e custosa, é
contraposta uma “reforma agrária de mercado”, em que um dos mecanismos – o crédito
fundiário – seria viável por adotar um modelo descentralizado de implementação e gestão –
com a participação dos beneficiários diretos – e por se utilizar de mecanismos de mercado
para a aquisição de terras rurais, cujo preço seria declinante em virtude das políticas de ajuste
macroeconômico adotadas. Um outro mecanismo – a tributação da terra agrícola –, que tem
sido utilizado especialmente no Brasil, adotaria forte taxação progressiva sobre as terras
ociosas, o que levaria ao desestímulo da retenção de terras para fins especulativos, induzindo
ao aumento da produção e à redução do preço da terra. Entretanto, as formulações relativas
aos mecanismos de mercado não explicam por que razão não seria possível adotar o desenho
institucional proposto para o caso da reforma agrária via desapropriação, assim como não
consideram que o preço declinante da terra deveria influir também no custo de futuras
desapropriações, barateando-as.
A utilização da desapropriação por interesse social no Brasil tem uma trajetória
contraditória, como, de resto, é a história recente da reforma agrária brasileira. A utilização
desse instrumento passa a ter viabilidade jurídica no início do regime militar, com a
promulgação da Emenda Constitucional nº 10, de 09/11/1964, que possibilitou a
desapropriação mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da
dívida pública
175
, ao contrário da anterior prévia e justa indenização em dinheiro, que tornava
praticamente impossível a sua adoção. É interessante observar que tal dispositivo era uma das
reivindicações das forças progressistas no período pré-1964, e, possivelmente, foi, entre
muitos, um dos motivos para o golpe de abril de 1964. A partir desse marco constitucional, o
instrumento da desapropriação por interesse social como forma de acesso à propriedade rural
teve a sua definição no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/1964)
176
. No contexto da
época, a inclusão da desapropriação no texto da lei foi marcada por contradições no bloco
dominante que assumiu o poder em 1964
177
. Desse modo, embora dispusesse do instrumento
legal, o regime militar praticamente não o utilizou. A reorganização das forças progressistas
no final dos anos 1970 e início dos 1980 recolocou, entre outras, a questão agrária na agenda
política. Desse modo, a utilização da desapropriação por interesse social passou a se constituir
em uma das reivindicações dos movimentos favoráveis à reforma agrária, sob o argumento de
que o aparato legal disponível poderia ser acionado para tal fim. Esta foi a tônica de uma
primeira fase do governo da Nova República, que incorporou diversos dos quadros históricos
175
Art. 5º da Emenda Constitucional nº 10.
176
A reforma agrária é objeto do Título II (artigos 16 a 46) do Estatuto da Terra. A desapropriação por interesse
social é definida como a primeira das várias formas de acesso à propriedade rural no artigo 17.
177
Basta mencionar que a mensagem presidencial que encaminha o Estatuto da Terra ao Congresso, afirma, no
seu parágrafo 20, que “dentro das grandes determinantes reformistas que o projeto estabelece, são empregados os
mecanismos usuais de todos os processos de Reforma Agrária, democrática e não espolizada. O instrumento
fiscal foi utilizado, empregando-se sobretudo o princípio universal da tributação progressiva”. Assim também, o
Decreto nº 55.891, de 31/03/1965, que regulamenta o Estatuto, dispõe, no artigo 2º, que: “os meios a serem
utilizados pelo Poder Público, para execução da Reforma Agrária e para a promoção da Política Agrícola [...]
são: I - a Tributação, compreendendo a cobrança do Imposto Territorial Rural progressivo [...]; II - a Assistência
e Proteção à Economia Rural [...]; III - a desapropriação por interesse social e por necessidade ou utilidade
pública [...]; IV - a colonização oficial e particular [...]; V - os demais meios complementares previstos na
legislação em vigor [...]”. A idéia da existência de contradições no bloco dominante é reforçada por um de seus
protagonistas, com a afirmação de que ficou resolvido “que o eixo da reforma seria a tributação e não a
expropriação, que teria posição secundária” (VIANA FILHO, 1975, p. 276).
104
da luta pela reforma agrária no Brasil, permitindo que a desapropriação tomasse impulso. Foi
um processo eivado de contradições, que se caracterizou por uma derrota parcial das forças
reformistas e pela emergência do movimento contra-reformista
178
, que se agrupou na União
Democrática Ruralista (UDR), e que passou a ter influência política ativa, sobretudo na
Assembléia Nacional Constituinte. Embora não tenha sido eliminada da Constituição e da
legislação infra-constitucional, a desapropriação sofreu limitações quanto ao seu uso
(Medeiros, 2002, p. 36-39). Como resultado, no período final do governo da Nova República
a utilização da desapropriação reduziu-se, e, em seguida, foi praticamente eliminada no
governo Collor. No governo Itamar Franco, que se sucedeu ao impeachment de Collor, as
desapropriações foram retomadas
179
. O impulso dessa retomada, potencializado pela
articulação dos movimentos pró-reforma agrária, em particular o MST, possibilitou que a
desapropriação prosseguisse sendo utilizada significativamente no primeiro governo Fernando
Henrique Cardoso, tendo havido um declínio no seu segundo governo.
Este breve relato histórico serve de pano de fundo para análise da evolução da área
desapropriada no Brasil no período 1964-2002
180
(gráfico 5.1). Como já salientado, em grande
parte desse período o instrumento da desapropriação para fins de reforma agrária não foi
praticamente utilizado. A área média anual, no período 1964-84, foi de 281,8 mil hectares. No
período 1985-89, a média anual se eleva para 956,3 mil hectares, ao passo que, entre 1990 e
1992, a média despenca para 32,4 mil hectares anuais, não tendo se verificado desapropriação
alguma em 1992. Há uma recuperação em 1993-94, com média anual de 682,6 mil hectares,
que será potencializada no período 1995-98, quando a média passará para 1.896,2 mil
hectares anuais, sendo esta a maior média anual dos períodos considerados. No período mais
recente, 1999-2002, assiste-se a uma queda da média anual, que, ainda assim, mantém-se em
708,3 mil hectares. Não por acaso, os períodos mencionados referem-se a ciclos políticos
definidos: respectivamente, regime militar, Nova República, Governo Fernando Collor,
Governo Itamar Franco e os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Tão importante quanto analisar as médias anuais desses diferentes períodos é observar
a trajetória da desapropriação, vista sob a ótica da área afetada. É interessante verificar que,
no período mais recente, há um crescimento continuado da área desapropriada desde 1993 até
1998, com uma ligeira queda em 1997, e um sensível declínio a partir de 1999.
178
A esse respeito, ver Gomes da Silva (1987).
179
Segundo Medeiros (2002, p. 39), “as desapropriações foram retomadas pelo governo federal, ao mesmo tempo
em que se iniciou uma abertura de diálogo com os demandantes de terra, sendo nomeadas para a direção do Incra
pessoas com trânsito e repeitabilidade entre os movimento sociais”.
180
Para o ano de 1971, foi excluída a área relativa ao Polígono de Altamira, que totaliza 6.343.950 hectares, uma
vez que a maior parte dela se destinava à construção da rodovia Transamazônica. Para 2002, as informações
foram disponibilizadas até 4 de dezembro.
105
Gráfico 5.1 - Brasil - Área desapropriada no período 1964-2002 (ha)
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02
Ano
Área desapropriada (ha)
Fontes: INCRA, Áreas declaradas de interesse social para fins de desapropriação (paro os anos de 1964 a 1985);
BRASIL. MDA/INCRA, Relatório analítico da desapropriação de imóveis rurais (para os anos de 1986 a 2002).
Obs.: a) Para o ano de 1971, foi excluída a área dos imóveis relativa ao Polígono de Altamira.
b) Para o ano de 2002, foram disponibilizadas informações até 4 de dezembro.
É interessante observar que o declínio da área desapropriada no segundo governo
Fernando Henrique Cardoso praticamente coincide com a implementação do crédito fundiário
no Brasil
181
.
Como já se viu, o crédito fundiário foi apresentado como um instrumento
complementar e/ou alternativo à desapropriação de terras improdutivas. Com o intuito de
verificar o que ocorreu efetivamente, é feita uma análise da evolução da aplicação dos dois
instrumentos no período 1997-2001, nos estados abrangidos pelo Projeto Cédula da Terra
(PCT). A escolha deste Projeto, e não do Banco da Terra, se deveu ao fato de que o primeiro
possui uma série temporal mais longa, uma vez que o segundo somente começou a operar
efetivamente no ano de 2000.
Para garantir a comparabilidade das informações relativas a ambos os instrumentos e
evitar que dados demasiadamente agregados encobrissem o fenômeno que se pretendia
observar, esta análise foi realizada partindo-se das informações das áreas adquiridas pelo PCT
nos municípios de cada estado, para cada ano considerado. Em seguida, foram obtidas, para
estes mesmos municípios e anos, as informações relativas às desapropriações realizadas. Por
último, tais informações foram agregadas para cada estado e também para o conjunto dos
estados considerados. Os resultados estão apresentados nos dois gráficos a seguir, o primeiro
dos quais considera o total dos estados, e o segundo apresenta cada um dos estados
separadamente.
181
Embora não se possa afirmar que exista uma correlação entre o declínio da desapropriação e a utilização do
crédito fundiário.
106
Gráfico 5.2 - Total dos estados abrangidos pelo PCT - Evolução das áreas adquiridas
pelo PCT e áreas desapropriadas - 1997-2001
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002 e BRASIL. MDA/INCRA, 2003.
Como se pode observar no gráfico 5.2 acima, para o conjunto dos estados abrangidos
pelo PCT, houve um declínio na aquisição de terras para a reforma agrária a partir de 1998,
ocasionado principalmente pela queda na utilização do instrumento da desapropriação de
terras improdutivas. Por outro lado, a aquisição de áreas pelo Programa Cédula da Terra, nos
anos considerados, foi insuficiente para garantir o aumento da oferta de terras, não tendo
havido um crescimento sustentado de tais aquisições.
0
100
200
300
400
500
600
700
1997 1998 1999 2000 2001
Ano
Área (mil hectares)
dula
Desapropriação
Total
107
Gráfico 5.3 - Estados abrangidos pelo PCT - Evolução das Áreas Adquiridas pelo PCT
e Áreas Desapropriadas - 1997-2001
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de NEAD, 2002 e BRASIL. MDA/INCRA, 2003.
No gráfico 5.3 acima, no qual estão apresentados os resultados para cada estado, pode-
se constatar que o resultado global é acompanhado pela maioria dos estados, exceção feita
para Pernambuco, cujo aumento na oferta de terras se origina do aumento das desapropriações
em 2001, possivelmente em virtude da maior combatividade dos movimentos sociais deste
estado. No caso do Ceará, a oferta de terras para os anos de 2000 e 2001, ainda que em
declínio, é sustentada pelas aquisições do PCT, uma vez que as desapropriações praticamente
deixam de existir.
Bahia
0
50
100
150
200
1997 1998 1999 2000 2001
Ano
Área (mil hectares)
Cédula
Desapropriação
Total
Ceará
0
50
100
150
200
1997 1998 1999 2000 2001
Ano
Área (mil hectares)
Cédula
Desapropriação
Total
Maranhão
0
50
100
150
200
250
1997 1998 1999 2000 2001
Ano
Área (mil hectares)
Cédula
Desapropriação
Total
Minas Gerais
0
20
40
60
80
100
120
140
1997 1998 1999 2000 2001
Ano
Área (mil hectares)
Cédula
Desapropriação
Total
Pernambuco
0
10
20
30
40
50
60
1997 1998 1999 2000 2001
Ano
Área (mil hectares)
Cédula
Desapropriação
Total
108
CAPÍTULO VI
TRIBUTAÇÃO DA TERRA AGRÍCOLA NO BRASIL
Tendo sido introduzida há mais de cem anos, a tributação da terra agrícola no Brasil
sofreu significativas modificações sobretudo a partir de 1964, quando a ela foram atribuídas
virtualidades extrafiscais. Daí em diante, esse tributo, cuja denominação oficial é Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), passou a ser tratado, nas formulações da política
agrária governamental, como um instrumento indutor de modificação da estrutura fundiária
brasileira, reconhecidamente concentrada.
No período compreendido entre 1964 e 1996, o ITR foi apresentado inicialmente
como o principal instrumento de reforma agrária, em contraposição à desapropriação de
propriedades rurais improdutivas, e posteriormente como indutor do aumento da produção e
produtividade agropecuárias, e instrumento de desestímulo à propriedade rural ociosa.
Entretanto, nesse período em que explicitamente foi utilizado como um instrumento
extrafiscal não alcançou seus objetivos. O ITR não funcionou na prática, conforme
propunham os seus formuladores, principalmente pelas seguintes razões: 1) a alíquota efetiva
do ITR sempre foi muito baixa; 2) a base de cálculo do imposto (Valor da Terra Nua - VTN)
foi, na maior parte do período, enormemente subestimada em relação aos preços verificados
no mercado de terras; 3) a progressividade do imposto, função inversa da utilização e
produtividade do imóvel rural, não foi suficiente para desestimular a sua ociosidade; e 4)
verificou-se um alto grau de evasão e sonegação do ITR, em virtude da ausência de uma
efetiva fiscalização e da não punição dos infratores
182
.
Mais recentemente, após um período de descrédito, o ITR voltou à ordem do dia, em
virtude da edição, pelo governo federal, de medida provisória alterando a legislação sobre o
imposto com o objetivo explícito de torná-lo um instrumento auxiliar do processo de reforma
agrária, mediante forte taxação sobre as propriedades improdutivas
183
.
O presente capítulo destina-se a analisar a recente legislação do ITR de um ponto de
vista conceitual, assim como empreender uma avaliação sobre o funcionamento desse imposto
na prática, a partir das informações estatísticas existentes
184
, com o objetivo de verificar em
que medida a sua prática recente corrobora a idéia de que ele pode servir de instrumento de
intervenção no mercado em favor do aumento da obtenção de terras para os agricultores
pobres. Inicia-se com um breve histórico do ITR, tendo em vista que o conhecimento da sua
evolução possibilita um melhor entendimento das recentes modificações introduzidas na
legislação. Em seguida, é realizada a referida análise do ITR atual.
182
Ver, em particular para o período 1964-1980, Di Sabbato (1997, p. 118-119).
183
Medida Provisória nº 1.528, de 19.11.96, convertida na Lei nº 9.393, de 19/12/96.
184
Deve-se ressaltar que, apesar dos esforços empreendidos, não foi possível obter informações detalhadas e
atualizadas sobre o ITR após 1997, que foi único ano para o qual a Secretaria da Receita Federal apresentou, até
o momento, resultados estatísticos referentes à atual legislação do imposto. A esse propósito cabe destacar que
mesmo esforços interinstitucionais no âmbito do próprio governo federal foram infrutíferos na obtenção de
informações sobre o ITR atual, o que impediu o desdobramento de estudo empreendido sobre grilagem de terras
no país, conforme sugestão feita pelo autor em trabalho realizado em 2001 [ver Di Sabbato (2001, p. 26)].
109
6.1 Breve Histórico do ITR
185
O ITR no Brasil tem origem no início do período republicano, tendo sido frustradas as
tentativas de sua criação em épocas anteriores, notadamente no Império. Segundo Baleeiro
(1978, p. 314), “já antes da Independência se cogitava de instituí-lo como tributo nacional.
Alguns projetos, durante o Império, soçobraram ante a resistência da aristocracia rural que
constituía a classe dirigente”.
Apesar das várias tentativas de criação do imposto durante o Império
186
, o imposto
sobre a propriedade territorial rural só foi introduzido no Brasil pela primeira Constituição
republicana, que previa ser da competência exclusiva dos estados decretar impostos sobre
imóveis rurais e urbanos (Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, Art. 9º). Em
seguida, as Constituições de 1934 (Art. 8º), de 1937 (Art. 23) e de 1946 (Art. 19) mantiveram
a competência dos estados no que diz respeito aos impostos sobre a propriedade territorial
rural. Em 1961, através da Emenda Constitucional nº 5, de 21/11/1961, este imposto passou
para a competência dos municípios. Em 1964, a Emenda Constitucional nº 10, de 10/11/1964,
transferiu a competência do imposto sobre a propriedade rural para o âmbito da União.
Desse modo, durante um longo período o ITR esteve a cargo dos estados, tendo
permanecido no âmbito das prefeituras municipais por menos de três anos. De acordo com
Mignone (1982, p. 139),
a atribuição do ITR aos Estados quase nada representou na receita dos
mesmos, principalmente, devido à inexistência do cadastro de imóveis rurais.
(...) era comum os Estados aceitarem o valor histórico das propriedades para
efeito do cálculo do imposto, e este sempre era baixo, naturalmente. (...)
outro fator decisivo que contribuía para a ineficácia do lançamento, com
reflexos na arrecadação do imposto, era a conhecida influência de fatores
políticos partidários na elaboração e arrecadação do imposto.
No que respeita ao período de competência municipal do ITR, ainda segundo Mignone
(1982, p. 142), “não se tem notícias sobre o lançamento e arrecadação do Imposto Territorial
Rural durante os exercícios de 1962 e 1963, que ficaram a cargo das Prefeituras Municipais,
bem como, ainda, do exercício de 1964”.
Ao que tudo indica, o ITR, tanto no âmbito estadual quanto municipal, não resultou
em um imposto efetivo, como se pode depreender da seguinte afirmação:
Até aqui o imposto pouco produzia para os cofres públicos, sendo cobrado
por alíquotas reduzidíssimas. O fato se explica por duas razões. Primeiro,
porque se estendia às atividades rurais um protecionismo tributário
acentuado, manifestando-se ele já na legislação do imposto de renda.
Segundo, porque as pressões dos proprietários rurais contra aumentos do
imposto, inicialmente sobre o Governo regional, depois, com a mudança de
competência, sobre o Governo local, faziam-se sentir da maneira mais
efetiva do que aquela que eles puderam exercer sobre o Governo da União
(FANUCCHI, 1975, p. 43).
Por força da Emenda Constitucional nº 10, de 10 de novembro de 1964, o ITR passou
a ser de competência da União. Dessa forma, a sistemática de cálculo do imposto, que até
então variava de estado para estado, tornou-se única, tendo sido prevista, nas suas linhas
gerais, pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), tendo sido
185
Esta seção está parcialmente baseada em Di Sabbato (1997).
186
Ver também, a respeito, Silva (1996, p. 144-146) e Costa (1979, p. 133).
110
introduzida oficialmente em nosso país a concepção do ITR como instrumento básico de
reforma agrária
187
. O ITR previsto no Estatuto foi regulamentado pelo Decreto nº 56.792, de
26 de agosto de 1965 e pela Instrução Especial IBRA nº 1, de 15 de setembro do mesmo ano.
Em 1972/73 a sistemática de cálculo do imposto é alterada pela Lei nº 5.868, de 12 de
dezembro de 1972, que é regulamentada pelo Decreto nº 72.106, de 18 de abril de 1973 e
pelas Instruções Especiais INCRA nº
5 e nº 5A.
Somente em 1979/80 é que o imposto foi alterado em sua estrutura, pela Lei nº 6.746,
de 10 de dezembro de 1979, regulamentada pelo Decreto nº 84.685, de 6 de maio de 1980 e
pela Instrução Especial INCRA nº 19, de 28 de maio do mesmo ano. Esta alteração teve por
fim uma simplificação da sistemática de cálculo do imposto, ao mesmo tempo em que
procurou corrigir certas distorções apontadas por estudos específicos.
A Constituição de 1988 manteve a competência do ITR a cargo da União,
estabelecendo que o imposto “terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas” (art. 153, inciso VI e parágrafo 4º). Desse modo,
ficou mantida a concepção do ITR como instrumento de modificação da estrutura fundiária,
destacando-se, mais uma vez, os seus objetivos extrafiscais. De acordo com a Constituição em
vigor, o ITR “não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore,
só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel” (art. 153, parágrafo 4º).
Aos municípios serão destinados 50% do produto da arrecadação do ITR, relativamente aos
imóveis neles situados (art. 158, inciso II), tendo havido, portanto, uma perda de receita para
os municípios, uma vez que, na situação anterior, a eles eram destinados 100% do ITR
arrecadado.
A administração do ITR foi mantida a cargo do INCRA até abril de 1990, quando foi
transferida para a Secretaria da Receita Federal (SRF), de acordo com a Lei nº 8.022, de
12/04/1990.
A sistemática de cálculo do ITR, prevista na Lei nº 6.746, de 10/12/1979, foi mantida
até janeiro de 1994, quando foi substituída pela Lei nº 8.847, de 28/01/1994, que, por sua vez,
foi modificada pela Lei nº 9.393, de 19/12/1996, sendo este o dispositivo legal em vigor
atualmente.
6.1.1 As recentes modificações do ITR
Pode-se afirmar que a sistemática de cálculo de 1994 constituiu um retrocesso, uma
vez que manteve os defeitos da sistemática de 1979, principalmente no que diz respeito à
apuração da base de cálculo (Valor da Terra Nua - VTN), e introduziu modificações que
resultaram em redução da alíquota total, fazendo com que a alíquota total máxima ficasse em
9,0%
188
, contra 14% da sistemática de 1979. Ademais disso, ao eliminar o módulo fiscal, que
é uma medida relativa de área
189
, passou a utilizar faixas de área em hectares demasiadamente
amplas: a alíquota total máxima atingiria os imóveis rurais com área total acima de 15 mil
hectares, para o caso geral. Este limite era aumentado em 60% para os imóveis localizados em
municípios do Polígono da Seca e da Amazônia Oriental, e em 220% para aqueles localizados
na Amazônia Ocidental, Pantanal Mato-grossense e Sul Mato-grossense. A progressividade
do imposto é função direta do tamanho do imóvel, como anteriormente, e inversa da
“utilização efetiva da área aproveitável”, que substituiu o termo “grau de utilização da terra”
187
A rigor, esse papel atribuído ao ITR não se encontra explicitado no texto do Estatuto da Terra, mas na
mensagem presidencial que o encaminha ao Congresso e no artigo 2º do Decreto nº 55.891, de 31/03/1965, que o
regulamenta. Para maiores detalhes ver Di Sabbato (1997, p. 63-67).
188
Esta alíquota é aplicada aos imóveis com utilização efetiva da área aproveitável igual ou menor que 30% no
segundo ano consecutivo e seguintes em que isto ocorrer, mediante a utilização de um multiplicador dois sobre a
alíquota tabelada, que é de 4,5%.
189
Para uma análise detalhada sobre o módulo, ver Di Sabbato (1994).
111
(GUT), embora com conceito semelhante. Foi eliminada qualquer consideração acerca da
produtividade do imóvel, que era objeto do “grau de eficiência na exploração” (GEE), da
sistemática anterior
190
, o que possibilita considerar como efetivamente utilizadas áreas com
baixíssimo grau de rendimento, o que beneficia, evidentemente, os imóveis menos eficientes.
A legislação do ITR de 1996 mantém, de certa forma, alguns conceitos daquela de
1994, embora introduza alguns elementos interessantes. Antes porém de apresentar a sua
sistemática de cálculo é importante destacar que esta recente legislação vem acompanhada,
mais uma vez, da expectativa quanto à sua capacidade de servir de instrumento de reforma
agrária. Assim é que se pode encontrar afirmações como a de que
o recurso ao ITR como poderoso instrumento indutor da reforma agrária
pacífica no Brasil retoma a trilha aberta há 32 anos pelo governo Castello
Branco, que criou o Estatuto da Terra e adotou a tributação progressiva sobre
as terras nuas e improdutivas como a melhor forma de realizar a distribuição
de propriedades no país
191
.
Para uma análise acerca dessa concepção relativa ao ITR, em particular no período
1960-1980, remete-se ao trabalho de Di Sabbato (1997), em particular o capítulo dois, uma
vez que não cabe no presente texto a apresentação da argumentação nele desenvolvida.
Merece destaque, entretanto, o fato de que, de tempos em tempos, como que cumprindo
períodos cíclicos (1964, 1979, 1996), o ITR volta a ser apresentado como a solução
“democrática” (ou “pacífica”, ou “não revolucionária”) para a questão agrária no país. De
certo modo, estes “ciclos” estão associados ao recrudescimento da luta pela terra, e parecem
representar uma resposta alternativa à utilização da desapropriação como instrumento básico
de reforma agrária
192
.
A sistemática de cálculo introduzida pela Lei nº 9.393/96 é resumida a seguir. O
cálculo do ITR pode ser expresso pela fórmula:
ITR = VTNt x Alíquota, em que:
o VTNt é o valor da terra nua tributável, que é o produto do VTN
193
pelo quociente da área
tributável
194
sobre a área total do imóvel; e a Alíquota varia em função direta da área total e
inversa do grau de utilização (GU) do imóvel, conforme a tabela abaixo.
190
Apenas para os casos de pastagens naturais e de exploração extrativa é que se prevê, respectivamente, o índice
de lotação por zona de pecuária e o índice de rendimento por produto, fixados pelo Poder Executivo. Não se
considera a produtividade para os demais casos, que são as áreas plantadas com produtos vegetais, as de
pastagens plantadas, as de exploração granjeira e aqüícola, e as sob processos técnicos de formação ou
recuperação de pastagens.
191
Jornal do Brasil. Reforma Pacífica, editorial, 20/11/1996.
192
Embora, deve-se admitir, tal não tenha sido a concepção explicitada oficialmente por ocasião da discussão
sobre o novo ITR, uma vez que a proposta da nova legislação foi encaminhada juntamente com a do rito sumário
para as desapropriações, de modo a permitir a sua agilização. Entretanto, o citado editorial do Jornal do Brasil
não deixa dúvidas quanto à presença atual desta concepção, ainda que ela possa ser considerada anacrônica.
193
A idéia de se excluírem as benfeitorias da base de cálculo do imposto sobre a terra foi questionada por Hicks
& Hicks (1972), que fazem distinção entre benfeitorias novas e velhas. Segundo eles, se é correto isentar de
taxação as benfeitorias novas, como forma de estimulá-las, não há nenhuma razão para isentar as benfeitorias
antigas, uma vez que “não se poderá conseguir mais prédios velhos ou, de maneira geral, melhoramentos já
passados, deixando de tributá-los” (p. 232).
194
A área tributável é a área total do imóvel menos as áreas de preservação permanente e de reserva legal, as de
interesse ecológico e as comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração (art. 10, parágrafo 1º, inciso
II).
112
Tabela 6.1 – Alíquotas do ITR segundo a Área Total e
o Grau de Utilização do Imóvel – Brasil - 1996
Área Total do imóvel Grau de Utilização - GU (em %)
(em hectares)
Maior que
80
Maior que
65 até 80
Maior que
50 até 65
Maior que
30 até 50
Até 30
Até 50 0,03 0,20 0,40 0,70 1,00
Maior que 50 até 200 0,07 0,40 0,80 1,40 2,00
Maior que 200 até 500 0,10 0,60 1,30 2,30 3,30
Maior que 500 até 1.000 0,15 0,85 1,90 3,30 4,70
Maior que 1.000 até 5.000 0,30 1,60 3,40 6,00 8,60
Acima de 5.000 0,45 3,00 6,40 12,00 20,00
Fonte: Lei nº 9.393/96.
O grau de utilização (GU) é a relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a
área aproveitável. A área aproveitável é igual à área tributável menos as áreas ocupadas por
benfeitorias úteis e necessárias. A área efetivamente utilizada é definida como a porção do
imóvel que, no ano anterior, tenha: sido plantada com produtos vegetais; servido de pastagem
nativa ou plantada, observados índices de lotação por zona de pecuária; sido objeto de
exploração extrativa, observados os índices de rendimento por produto e a legislação
ambiental; servido para exploração de atividades granjeira e aqüícola; e sido objeto de
implantação de projeto técnico
195
.
Desse modo, em relação à sistemática de 1994, é corrigida a situação dos imóveis com
pastagens plantadas, para os quais não se exigia nenhum índice de lotação pecuária. Persiste,
entretanto, a ausência de exigência de produtividade para todos os imóveis rurais, o que, como
já foi observado, beneficia aqueles menos eficientes. São também reduzidas, na nova
sistemática, as faixas de área total da sistemática anterior que, como se disse, eram
demasiadamente amplas. Entretanto, a ausência de uma medida relativa de área, como eram
os módulos rural e fiscal, pode ensejar uma injustiça fiscal, na medida em que é aplicada a
mesma alíquota para imóveis com a mesma área situados em distintas regiões do país. Isto
porque um imóvel de, por exemplo, mil hectares na região Norte não tem o mesmo peso
relativo que um imóvel de mesma área na região Sul do país
196
.
Talvez o ponto mais significativo da nova legislação seja a vinculação que se faz entre
o VTN declarado para fins fiscais e o valor da terra nua para fins de depósito judicial na
hipótese de desapropriação do imóvel por interesse social, visando à reforma agrária
197
. Como
já foi visto, um dos pontos cruciais do ITR é a avaliação da sua base de cálculo, sobretudo
quando se trata de auto-avaliação. O estabelecimento de uma tabela de valores mínimos, sem
que esteja acompanhada de rigorosa fiscalização (que é, em princípio, de difícil e custosa
195
Neste último caso, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.629, de 25/02/1993 (com as alterações introduzidas por
sucessivas Medidas Provisórias, cuja mais recente é a de nº 2.183-56, de 24/08/2001), que prevê que “não será
passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de
implantação de projeto técnico que atenda aos seguintes requisitos: I - seja elaborado por profissional legalmente
habilitado e identificado; II - esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não
admitidas prorrogações dos prazos; III - preveja que, no mínimo, 80% da área aproveitável do imóvel esteja
efetivamente utilizada em, no máximo, três anos para as culturas anuais e cinco anos para as culturas
permanentes; IV - haja sido aprovado pelo órgão federal competente, na forma estabelecida em regulamento, no
mínimo seis meses antes da comunicação de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 2º”.
196
Esta mesma legislação reconhece este fato ao diferenciar, em dois de seus artigos (art. 2º e art. 10, parágrafo
3º), as áreas dos imóveis de acordo com macrorregiões.
197
Deve-se, entretanto, levar em conta a arguta observação de Hirschman (1972, p. 239) de que “essa idéia de
forçar declarações honestas através de uma ameaça de desapropriação é antiga [remonta a Sérvio Túlio, rei de
Roma, segundo o autor]. Mas, como a ameaça de futura desapropriação prevista na Lei nº 200 [da Colômbia], ela
não funcionou, em virtude do que nossos estrategistas atômicos chamam de falta de credibilidade das ameaças”.
113
execução) e/ou de dispositivo como o que foi introduzido na nova Lei, acaba por torná-los
valores “máximos” para os proprietários dos imóveis rurais. Desse modo, tal dispositivo
limita a tendência à informação de valores de terra subestimados para fins fiscais. Entretanto,
ele só será efetivo se o instrumento da desapropriação estiver sendo realmente aplicado para
execução da reforma agrária, significando que o imposto deve ser encarado como um
instrumento auxiliar do processo. A nova legislação, no que diz respeito à auto-avaliação do
valor da terra nua pelo declarante, foi bastante abrangente também na sua definição,
inexistente na legislação anterior, que prevê que o “VTN refletirá o preço de mercado de
terras (...) e será considerado auto-avaliação da terra a preço de mercado” (art. 8º, parágrafo
2º). Igualmente importante é o disposto no artigo 14, e principalmente no seu parágrafo 1º,
que prevê que “as informações sobre preços de terra observarão os critérios estabelecidos no
art. 12, parágrafo 1º, inciso II da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993
198
, e considerarão
levantamentos realizados pelas Secretarias de Agricultura das Unidades Federadas ou dos
Municípios”.
Outro aspecto a ser destacado diz respeito à alíquota do imposto. Pode-se afirmar que
esta é a lei que, comparada com a legislação anterior, mais elevou a alíquota total do ITR
199
.
O quadro seguinte serve para demonstrá-lo.
Quadro 6.1 – Comparação entre as alíquotas totais nas diferentes legislações do ITR
Lei nº Alíquota total (%)
Mínima Máxima
4.504, de 30.11.1964 0,024 3,456
6.746, de 10.12.1979 0,02 14,0
8.847, de 28.01.1994 0,02 9,0
9.393, de 19.12.1996 0,03 20,0
Fonte: Elaboração própria a partir das sistemáticas de cálculo previstas nas legislações do ITR.
Deve-se referir, particularmente, ao fato de que a proposta original encaminhada pelo
governo federal ao Congresso
200
previa alíquotas maiores para os imóveis com GU maior que
80%, o que implicava a alíquota mínima de 0,05%, e não 0,03%, como a que acabou sendo
aprovada
201
. É curioso que, apesar das pressões, tenha sido possível aprovar legislação com
elevadas alíquotas para os imóveis com grau de utilização mais baixo. Isto pode estar
sinalizando que os proprietários rurais optaram por se utilizar de informações “manipuladas”
para fugir das alíquotas mais altas. Tal suposição, que, como se verá, parece se confirmar pela
análise empreendida a seguir, repousa igualmente na experiência passada sobre a prática do
ITR, tendo se verificado que dispositivo relativo à progressividade do imposto não foi
acionado, em virtude das informações prestadas pelos proprietários (DI SABBATO, 1997, p.
83-93). Por conseguinte, parece que o ponto crucial para tornar a presente legislação efetiva
está na apuração das informações relativas à área aproveitável e à área efetivamente utilizada,
elementos definidores do grau de utilização (GU) do imóvel, o que implica a existência de
198
Estes critérios são os seguintes: a) localização do imóvel; b) capacidade potencial da terra; c) dimensão do
imóvel.
199
A rigor, as alíquotas totais não são diretamente comparáveis, uma vez que se referem a imóveis de
características distintas em cada uma das legislações apontadas. Entretanto, o que se pretende, com esta
comparação, é mostrar, principalmente, a que nível máximo de imposição se conseguiu chegar em cada uma das
legislações.
200
Através da Medida Provisória nº 1.528, de 19/11/1996.
201
O valor das alíquotas foi objeto de intensa negociação no Congresso, conforme se pode verificar pelo
noticiário da época.
114
fiscalização, não sendo, portanto, uma questão com solução trivial
202
. Além disso, como já
referido anteriormente, uma questão também preocupante é a ausência de medição da
produtividade da exploração agropecuária, que possibilita beneficiar um imóvel com alto grau
de utilização, mas com produção ineficiente.
6.2 Evolução Recente e Situação Atual do ITR
A presente seção tem por objetivo não apenas analisar o ITR em vigor, como também
comparar o seu comportamento presente com aquele verificado nas legislações anteriores, de
modo a aquilatar, em termos quantitativos, o peso e a dimensão da sua atual configuração
institucional e legal. Para tanto, lançou-se mão não apenas das informações quantitativas
disponíveis sobre o imposto, tais como alíquotas efetivamente praticadas, base de cálculo
informada e arrecadação obtida, como também de outras informações que pudessem servir de
referência, como é o caso do preço de mercado das terras rurais.
Em primeiro lugar, foi possível construir uma série razoavelmente longa (trinta anos)
sobre os valores de ITR arrecadados, o que possibilita analisar, ainda que parcialmente, o
efeito final do comportamento de diferentes configurações legais e institucionais desse
imposto. Essa série, expressa em valores constantes, abrange o período 1972-2001 e está
apresentada no gráfico 6.1. Deve-se destacar que, como já se viu, ao longo desse período o
ITR sofreu várias modificações, tanto na sua sistemática de cálculo quanto na sua
administração. A primeira delas ocorreu em 1979/80, quando foi alterada a sistemática de
cálculo do imposto, que provocou uma considerável elevação de sua alíquota máxima (ver
quadro 6.1). Poder-se-ia supor que esse foi o motivo para o aumento de arrecadação
verificado em 1980 e que se manteve nos dois anos seguintes. Deve-se notar, entretanto, que
houve uma sensível queda de arrecadação nos anos subseqüentes sem que tenha havido
modificação que a explique. A segunda modificação ocorreu em 1990, quando o ITR passou a
ser administrado pela SRF. Verifica-se um aumento de arrecadação em 1991, que poderia ser
atribuído à nova administração do imposto, não fosse o fato de que tal efeito, se realmente
ocorreu, não se sustentou em seguida, já que, no período 1992-94, a arrecadação retornou aos
baixos patamares do período anterior. Deve-se destacar, a esse respeito, que estes dados não
corroboram a idéia, recorrente na literatura sobre o tema, de que a administração do ITR a
cargo da Receita Federal teria o efeito de elevar a sua arrecadação, em virtude da maior
respeitabilidade desse órgão em comparação com o INCRA
203
[Lício (1994, p. 49); Reydon
(2000, p. 98)]. A terceira modificação ocorreu em 1994, novamente na sistemática de cálculo
do imposto, tendo havido uma redução na sua alíquota máxima (ver quadro 6.1). Ao contrário
do que se poderia esperar, houve um significativo aumento de arrecadação nos dois anos
seguintes a essa modificação, o que, seguramente, não pode ser atribuído a ela, já que, como
foi apresentado anteriormente, esta legislação representou um retrocesso em relação à sua
antecessora. A quarta e última modificação ocorreu no final de 1996, e é relativa à
202
Segundo Wald (1964, p. 173-174), “muitos dos requisitos administrativos básicos dos tributos agrários podem
ser satisfeitos em harmonia com a administração de um programa agrário do governo. Em conseqüência, não é
surpreendente encontrar que os tributos agrários melhor administrados são os que funcionam em países que
contam com sistemas bem desenvolvidos de administração agrária”. Nesse sentido, a dissociação entre os órgãos
tributários e agrários, como aparentemente acontece no caso brasileiro, significa uma dificuldade adicional.
203
Em sua análise, Lício (1994) verifica um aumento na arrecadação do ITR para 1990 em relação a 1989, o que
está em desacordo com a série aqui apresentada. Em favor das informações do presente trabalho, podem ser
feitas duas observações: 1ª) as estatísticas mais recentes da SRF apontam para uma queda de arrecadação do ITR
no ano de 1990 em relação a 1989; 2ª) há uma incongruência nos dados apresentados por aquele autor, uma vez
que na Tabela II.1 (p. 46) a arrecadação do ITR em 1990 atinge 122.823,2 milhões de cruzeiros (valores de
janeiro de 1992), enquanto que na Tabela II.2 (p. 47) a arrecadação total em 1990 (ITR e demais Taxas e
Contribuições) alcança apenas 82.336,4 milhões de cruzeiros (valores também de janeiro de 1992, corrigidos
pelo IGP-DI).
115
implantação da sistemática de cálculo atualmente em vigor. Pode-se observar que, não
obstante uma significativa elevação da alíquota máxima do imposto, a arrecadação sofre
queda em 1997, tem uma ligeira recuperação nos dois anos seguintes, e volta a cair em 2000
e, mais fortemente, em 2001. O comportamento da arrecadação nesse período mais recente
revela que, contrariando as expectativas criadas em torno da nova legislação
204
, o ITR não
logrou obter sucesso, o que compromete o seu papel de coadjuvante do processo de
redistribuição de terras.
Gráfico 6.1 – Arrecadação do ITR – Brasil – 1972-2001
(valores em milhões de reais de 2001)
0,0
50,0
100,0
150,0
200,0
250,0
300,0
350,0
400,0
450,0
1
9
72
1973
19
7
4
1
9
75
1976
19
77
1978
1979
19
80
1981
19
8
2
1
9
83
1984
19
8
5
1
9
86
19
8
7
1
9
88
1989
19
9
0
1
9
91
1992
19
9
3
1
9
94
1995
19
9
6
1997
19
9
8
19
99
2000
20
0
1
Ano
Valor arrecadado (R$ milhões)
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Tributárias (para os anos
de 1975 a 1978 e 1982 a 1989); SRF, Arrecadação da Receita Administrada pela SRF (para os anos de 1990 a
2001); Lício, 1994 (para os anos de 1972 a 1974 e 1979 a 1981).
A análise precedente, embora revele alguns aspectos do comportamento do ITR ao
longo do período analisado, não é suficiente para explicá-lo na sua totalidade. Isso decorre do
fato de que a arrecadação do imposto é determinada por um conjunto de fatores inter-
relacionados, entre os quais se destacam o peso efetivo da sua base de cálculo, as alíquotas
realmente aplicadas e o grau de evasão do imposto devido.
O gráfico 6.2 apresenta uma comparação entre a base de cálculo do ITR e o seu
volume de arrecadação nos períodos 1975-78, 1982-89 e 1996-97. Duas razões básicas
determinaram a escolha desses períodos de tempo: 1ª) eles representam distintas legislações
do ITR; 2ª) são aqueles para os quais há informações disponíveis. Como se pode observar, há
uma forte correlação positiva entre as duas variáveis
205
nos três períodos, vale dizer, em
legislações distintas. Esse resultado, em princípio, nada tem de surpreendente, já que a base
de cálculo, por definição, deve ser um fator determinante do volume de imposto arrecadado.
Entretanto, isso pode estar indicando que os demais fatores têm baixíssima influência no
resultado final do ITR.
Além disso, deve-se inquirir por que razão a base de cálculo do imposto apresenta uma
variabilidade tão grande. É importante lembrar que o Valor da Terra Nua é obtido pela
informação do declarante do imposto. Nas legislações anteriores, a auto-declaração estava
sujeita a um limite mínimo, estabelecido pela autoridade fiscal. Desse modo, a variação da
base de cálculo efetivamente utilizada era determinada pela tabela de valores mínimos de
204
O secretário da Receita Federal previu, à época, que a arrecadação do ITR atingiria R$ 1 bilhão em 1997 e R$
1,6 bilhão em 1998 (Jornal do Brasil. FH aumenta o imposto da terra. 20/11/1996, p. 13).
205
O coeficiente de correlação é de 0,83 para o período 1975-78 e de 0,94 para o período 1982-89.
116
VTN, estabelecida anualmente. Por conseguinte, o estabelecimento de índices de correção da
tabela era o elemento crucial para determinar o maior ou menor peso efetivo da base de
cálculo do imposto. Sobretudo em períodos de alta inflação, a não correção da tabela (ou a sua
correção por índices inferiores aos da inflação) resultava em queda de arrecadação do ITR,
mantidas constantes as demais condições. Pode-se supor que a correção da tabela de valores
mínimos da terra nua, nessas circunstâncias, devesse ultrapassar o seu caráter meramente
técnico, provocando pressões dos interessados. Na atual legislação, permanece a auto-
declaração. Entretanto, o limite mínimo do VTN foi substituído pela “ameaça” de utilização
do valor declarado para fins de desapropriação do imóvel.
Se se extrapola o resultado obtido no gráfico 6.2 para todo o período analisado, pode-
se supor que o aumento da arrecadação nos anos de 1995 e 1996 resultou de uma forte
correção da tabela de valores mínimos de terra nua. Em contrapartida, o abandono desse
limite mínimo, pela nova legislação vigente a partir de 1997, possibilitou uma redução nos
valores de terra nua auto-declarados.
Gráfico 6.2 – VTN/ha e Arrecadação do ITR em anos selecionados – Brasil
(valores em reais e em milhões de reais de 2001)
0,00
100,00
200,00
300,00
400,00
500,00
600,00
700,00
1975 1976 1977 1978 ... 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 ... 1996 1997
Ano
VTN/ha (R$)
0,00
50,00
100,00
150,00
200,00
250,00
300,00
350,00
400,00
450,00
ITR arrecadado (R$ milhões)
VTN/ha
ITR arrecadado
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Tributárias (para os anos
de 1975 a 1978 e 1982 a 1989); SRF, Arrecadação da Receita Administrada pela SRF e Perfil do ITR/1997 (para
os anos de 1996 e 1997).
A influência da base de cálculo na elevação do volume arrecadado de ITR nos anos
mais recentes pode ser aferida pela comparação do VTN declarado e aceito pela autoridade
fiscal com o preço de mercado das terras (gráfico 6.3). A relação percentual apresentada no
gráfico foi obtida pela divisão do VTN por hectare declarado e aceito pelo preço médio de
venda de terras divulgado pela FGV
206
. Como se pode observar, durante um longo período de
tempo o VTN utilizado como base de cálculo do imposto manteve-se num patamar muito
baixo, se comparado com preço de mercado de terras. A elevação verificada em 1996 deve-se
ao estabelecimento de uma tabela com valores mínimos de terra nua mais elevados. A
eliminação, pela nova legislação, desse limite mínimo, como já se disse, possibilitou uma
206
Os dados em questão referem-se aos preços divulgados semestralmente pela FGV relativos às terras de
lavouras, campos, pastagens e matas. Para obtenção de um preço médio anual de terras agrícolas, calculou-se,
para cada semestre dos anos selecionados, a média dos preços ponderada pela área ocupada por cada um dos
tipos de terra, segundo os dados dos Censos Agropecuários do IBGE, e, em seguida, obteve-se a média dos
preços dos dois semestres de cada ano.
117
redução no VTN declarado em 1997. Desse modo, a “ameaça” de utilização do valor
declarado para fins de desapropriação parece não ter funcionado.
Gráfico 6.3 – Relação entre VTN declarado e Preço de venda de terras
em anos selecionados (%) - Brasil
5,2
3,7
2,4
1,9
1,4
1,8
2,8
1,4
61,0
57,4
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 ... 1996 1997
Ano
VTN x Preço de terras (%)
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Tributárias (para o VTN
dos anos de 1975 a 1978 e 1982 a 1989); SRF, Perfil do ITR/1997 (para o VTN dos anos de 1996 e 1997); e
FGV/IBRE/Centro de Estudos Agrícolas, Preços Médios de Venda de Terras Agrícolas (para os anos
selecionados).
Uma outra medida que reforça a idéia de que o VTN é o maior responsável pela
elevação da arrecadação verificada recentemente é aquela da alíquota efetiva do imposto
arrecadado, que pode ser definida como a relação percentual entre o ITR arrecadado e o VTN
declarado (gráfico 6.4). A baixa alíquota efetiva verificada em 1997 indica que o aumento das
alíquotas básicas do imposto na nova legislação não surtiu o efeito esperado. Como se
verifica, esta alíquota efetiva referente a 1997 é a mais baixa de todos os anos considerados e
está muito distante da alíquota máxima do imposto na sua configuração atual. Como se verá
adiante, é bastante provável que tenha havido uma forte “manipulação” das informações pelos
declarantes, em particular no que respeita àquelas que permitem calcular o grau de utilização
do imóvel.
118
Gráfico 6.4 – Alíquota efetiva do ITR arrecadado em anos selecionados (%) –
Brasil
0,302
0,353
0,349
0,357
0,674
0,472
0,518
0,423
0,496
0,668
0,656
0,843
0,262
0,000
0,100
0,200
0,300
0,400
0,500
0,600
0,700
0,800
0,900
1975 1976 1977 1978 ... 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 ... 1997
Ano
Alíquota efetiva (%)
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Tributárias (para os anos
de 1975 a 1978 e 1982 a 1989); SRF, Perfil do ITR/1997 (para o ano de 1997).
A seguir é estabelecida uma comparação entre as informações apresentadas pela
Secretaria da Receita Federal (SRF) relativas ao ITR do exercício de 1997 (tabelas 6.2 e 6.3) e
aquelas do Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA de 1998 (tabelas 6.4 e 6.5). As
informações relativas a este último foram obtidas mediante simulação na qual consideraram-
se condições semelhantes às definidas pela atual legislação do ITR, o que garante a
comparabilidade dos dois conjuntos de estatísticas.
Há uma enorme discrepância na distribuição dos imóveis rurais entre os dois conjuntos
de informações, que se acentua sobremaneira nas classes de área mais elevadas. Segundo os
dados da SRF, 85% dos maiores imóveis (com área total acima de 5 mil hectares) possuem
grau de utilização superior a 80%, ao passo que, na simulação realizada com os dados do
INCRA, essa proporção é de 37%. No outro extremo, dos maiores imóveis rurais com
baixíssimo grau de utilização (30% ou menos), a diferença é ainda mais gritante: 6% para a
SRF contra 43% para o INCRA. Por outro lado, é de causar estranheza sobretudo a
distribuição praticamente homogênea dos imóveis em todas as classes de área que se verifica
nas informações da SRF. Tais divergências ocorrem também quando se comparam as
informações relativas às macrorregiões do país, com destaque para as discrepâncias
encontradas em relação às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Essas acentuadas diferenças indicam que pode estar havendo uma forte “manipulação”
das informações por parte dos contribuintes, que estariam dessa forma evitando uma elevação
do imposto que ocorreria com a incidência de altas alíquotas sobre os imóveis de baixo grau
de utilização. Constatada a presença de “manipulação” das informações, o que se deve
indagar é a razão pela qual ela é possível, já que se trata de elemento crucial do imposto, uma
vez que a progressividade do ITR depende justamente de uma rigorosa apuração do grau de
utilização da terra. A resposta pode ser encontrada em duas ordens de considerações,
evidentemente interligadas. A primeira delas diz respeito ao fato de que a legislação do
imposto, como já se viu, não estabelece parâmetros de produtividade para a área efetivamente
utilizada dos imóveis rurais, exceção feita às áreas com pastagens e com atividades extrativas.
A segunda está ligada ao modo pelo qual essas informações são obtidas, já que se trata, na
legislação atual, de um imposto auto-declarado. Desse modo, observando-se o preenchimento
119
da declaração
207
verifica-se que é bastante simples a informação sobre os dados que resultam,
em particular, nas áreas efetivamente utilizada e aproveitável do imóvel, a partir das quais é
calculado o seu grau de utilização. Associando-se as duas ordens de considerações conclui-se
que a única possibilidade de garantir a fidedignidade das informações é mediante uma ativa e
abrangente fiscalização no campo, o que não parece estar ocorrendo
208
.
Tabela 6.2 – Distribuição dos Imóveis Tributados segundo a Área Total e
o Grau de Utilização (%) – Brasil – 1997
Área Total do imóvel Grau de Utilização – GU (em %)
(em hectares)
Maior que
80
Maior que
65 até 80
Maior que
50 até 65
Maior que
30 até 50
Até 30
Até 50 88 4 2 1 4
Maior que 50 até 200 84 8 4 2 2
Maior que 200 até 500 86 7 3 2 2
Maior que 500 até 1.000 87 7 3 1 2
Maior que 1.000 até 5.000 86 6 3 2 4
Acima de 5.000 85 5 2 2 6
Fonte: SRF, Perfil do ITR/1997.
Tabela 6.3 – Distribuição dos Imóveis Tributados segundo a Região e
o Grau de Utilização (%) – Brasil – 1997
Grau de Utilização – GU (em %)
Região Maior que
80
Maior que
65 até 80
Maior que
50 até 65
Maior que
30 até 50
Até 30
Norte 61,4 14,0 9,2 7,3 8,2
Nordeste 66,4 13,5 7,2 4,4 8,5
Sudeste 93,5 2,9 0,9 0,5 2,1
Sul 94,4 2,5 0,8 0,4 2,0
Centro-Oeste 92,1 3,4 1,3 0,7 2,6
Brasil 86,9 5,4 2,5 1,5 3,7
Fonte: SRF, Perfil do ITR/1997.
Tabela 6.4 – Distribuição dos Imóveis Cadastrados no INCRA segundo
a Área Total e o Grau de Utilização (%) – Brasil – 1998
Área Total do imóvel Grau de Utilização – GU (em %)
(em hectares)
Maior que
80
Maior que
65 até 80
Maior que
50 até 65
Maior que
30 até 50
Até 30
Até 50 60 8 5 7 20
Maior que 50 até 200 50 8 7 10 25
Maior que 200 até 500 51 8 7 9 25
Maior que 500 até 1.000 52 8 6 9 25
Maior que 1.000 até 5.000 46 7 6 9 32
Acima de 5.000 37 6 5 9 43
Fonte: Elaboração própria a partir de simulação realizada com dados do Cadastro de Imóveis Rurais do
INCRA/1998.
207
Denominada de DITR – Declaração do Imposto Territorial Rural.
208
A Secretaria da Receita Federal é, basicamente, uma instituição com forte perfil urbano, não estando
preparada para esse tipo de fiscalização. Ademais, a atuação conjunta com órgãos rurais, estaduais ou federais,
não parece estar funcionando, o que resulta na ineficiência já mencionada quando se verifica a dissociação entre
os órgãos responsáveis pelas políticas tributária e agrária.
120
Tabela 6.5 – Distribuição dos Imóveis Cadastrados no INCRA segundo
a Região e o Grau de Utilização (%) – Brasil – 1998
Grau de Utilização – GU (em %)
Região Maior que
80
Maior que
65 até 80
Maior que
50 até 65
Maior que
30 até 50
Até 30
Norte 16,6 6,1 6,9 13,3 57,0
Nordeste 37,1 9,5 8,2 12,0 33,1
Sudeste 66,5 7,7 5,4 6,2 14,2
Sul 70,3 7,8 5,0 5,2 11,7
Centro-Oeste 51,6 8,3 5,4 8,1 26,7
Brasil 55,1 8,1 6,1 8,1 22,6
Fonte: Elaboração própria a partir de simulação realizada com dados do Cadastro de Imóveis Rurais do
INCRA/1998.
Tomando por base o Cadastro do INCRA acima referido, foi realizada também uma
simulação para estabelecer qual seria o ITR potencial para o ano de 1997. Além das
informações cadastrais, utilizou-se o preço de venda das terras da FGV, a partir do qual foi
determinada a base de cálculo do imposto. A comparação entre o resultado dessa simulação e
o ITR arrecadado em 1997 encontra-se na tabela 6.6. Tomou-se o cuidado, na simulação, de
manter uma base de cálculo semelhante àquela verificada no ITR de 1997, mediante a
utilização da relação entre o VTN declarado e o preço de terras da FGV encontrada para as
macrorregiões do país. Assim também, manteve-se a proporção de áreas não tributáveis
verificada em 1997, de modo a não alterar o VTN tributável encontrado. Por conseguinte, a
discrepância entre o ITR potencial e o arrecadado é, fundamentalmente, função das diferenças
existentes no grau de utilização, que determina a alíquota do imposto. Como já se viu, o grau
de utilização calculado a partir das informações prestadas à SRF resultam em um alto
contingente de imóveis rurais com alíquotas mínimas nas suas respectivas classes de área
total. Desse modo, pode-se afirmar que o altíssimo grau de evasão do ITR verificado em 1997
deveu-se, sobretudo, à “manipulação” das informações relativas à área efetivamente utilizada,
aumentando-a, ou à área aproveitável do imóvel, diminuindo-a.
Tabela 6.6 – ITR Potencial e Arrecadado segundo a Região – Brasil – 1997
(valores em reais de 1997)
Região ITR potencial ITR arrecadado ITR arrecadado/
(R$) (R$) potencial (%)
Norte 223.578.744 9.374.592 4,2
Nordeste 286.266.846 25.166.278 8,8
Sudeste 487.772.856 78.075.197 16,0
Sul 438.730.084 50.750.439 11,6
Centro-Oeste 723.721.170 45.633.495 6,3
Brasil 2.160.069.699 209.000.000 9,7
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em SRF, Arrecadação da Receita Administrada
pela SRF (ITR arrecadado); e simulação realizada com dados do Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA/1998
(ITR potencial).
Considerando-se o ITR potencial acima calculado, pode-se chegar a uma medida do
grau de evasão do imposto no ano de 1997. Com isso, é possível fazer uma comparação da
evasão do ITR em diferentes momentos do tempo, como está apresentada no gráfico 6.5 para
os períodos 1975-78 e 1982-90 e para o ano de 1997.
121
Deve-se alertar para o fato de que no cálculo da evasão, há uma diferença importante
entre os dois períodos selecionados e o ano de 1997, em virtude de diferenças nas respectivas
legislações do imposto. Na legislação atual, o ITR é auto-lançado, ou seja, a autoridade
tributária aceita, em princípio, a declaração do proprietário do imóvel rural, que deve recolher
o valor do imposto calculado a partir das informações por ele prestadas. Nas legislações
anteriores, o ITR era calculado e lançado pela autoridade tributária, no caso o INCRA, a partir
das informações constantes do seu Cadastro de Imóveis Rurais, que emitia uma guia a ser
paga pelo proprietário do imóvel. Desse modo, diferentemente do que ocorre hoje, conhecia-
se previamente o montante efetivo de imposto a ser arrecadado. A evasão, por conseguinte,
resultava do não pagamento da guia emitida e o grau de evasão era estabelecido a partir da
relação entre o valor não pago e o valor emitido. Nas circunstâncias atuais, o que se pode
obter é apenas uma previsão do montante a ser arrecadado, o que confere, evidentemente,
alguma imprecisão à medida do grau de evasão, de vez que os critérios para a estimativa do
ITR potencial podem ser questionados.
Feita a ressalva, pode-se observar no gráfico 6.5 que, considerada a estimativa para
1997, o grau de evasão, que já era elevado no passado, tornou-se absurdamente alto na
legislação vigente. Se se leva em conta a estimativa oficial apresentada para os anos de 1997 e
1998, que eram, respectivamente, de R$ 1 bilhão e R$ 1,6 bilhão
209
, pode-se julgar que o
cálculo do ITR potencial realizado pelo presente trabalho estaria superestimado. Ainda assim,
o grau de evasão calculado segundo a estimativa oficial continuaria extremamente elevado e
superior ao verificado nos períodos anteriores (79,1%, em 1997, e 86,0%, em 1998
210
).
Gráfico 6.5 – Evasão fiscal do ITR em anos selecionados (%) – Brasil
47,0
44,5
35,6
33,7
64,8
69,5
66,8
72,2
73,4
69,8
73,0
66,8
65,6
90,3
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
1975 1976 1977 1978 ... 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 ... 1997
Ano
Evasão fiscal (%)
Fontes: Elaboração própria a partir das informações contidas em INCRA, Estatísticas Tributárias (para os anos
de 1975 a 1978 e 1982 a 1990); e estimativa do autor (para o ano de 1997).
209
Conforme a já mencionada declaração do então secretário da Receita Federal (Jornal do Brasil. FH aumenta o
imposto da terra. 20/11/1996, p. 13).
210
Considerando-se os valores de arrecadação do ITR informados pela SRF, a preços correntes, de R$ 209
milhões, em 1997, e R$ 224 milhões, em 1998.
122
CONCLUSÕES
O presente estudo revela que, ao contrário do que tem sido propagado pelos seus
defensores, os instrumentos de intervenção no mercado de terras rurais no Brasil, no período
1997-2002, não foram capazes de garantir uma significativa ampliação do acesso à terra aos
agricultores sem terra ou com terra insuficiente. Esta afirmação está baseada na análise do
efetivo desempenho tanto do crédito fundiário quanto do ITR em nosso país, no período
considerado. Ademais, a análise de aspectos relevantes da realidade institucional do mercado
de terras rurais brasileiro indica que dificilmente estes instrumentos, tal como foram
implementados, seriam capazes de promover modificação relevante em nossa estrutura
fundiária. As razões que sustentam tais assertivas são apresentadas a seguir, como conclusões
do trabalho.
Antes de apresentar os resultados relativos ao caso brasileiro, porém, é necessário que
se destaque o fato de que, na análise empreendida acerca da intervenção no mercado de terras
rurais de alguns países latino-americanos, ficou evidenciado que, de modo geral, tal
experiência também não foi bem sucedida no que diz respeito à ampliação do acesso à terra
aos agricultores pobres, o que, em princípio, tem sido a razão alegada para a referida
intervenção.
O que predomina nos países latino-americanos analisados é a liberalização do mercado
de terras rurais, o que, ao contrário das intenções, resulta em redução, e não ampliação, do
acesso à terra aos agricultores que dela mais necessitam. Nesse sentido, a implementação de
mecanismos de intervenção nesses países pode ser caracterizada mais precisamente como uma
contra-reforma. Esse é particularmente o caso daqueles países que tiveram reformas agrárias
bem sucedidas no que se refere à modificação de uma estrutura fundiária altamente
concentrada mediante uma ampla e consistente distribuição de terras, que tem no Chile o seu
mais eloqüente exemplo.
A configuração da atual estrutura fundiária dos países analisados tem mais a ver com a
maneira como, historicamente, foram implementadas as medidas visando à sua correção do
que com os resultados da adoção dos recentes instrumentos de intervenção. Em nenhum dos
casos analisados parece ter havido uma dinamização do mercado de terras rurais em razão dos
recentes instrumentos, e para aqueles casos em que a estrutura fundiária está, no presente,
relativamente desconcentrada, a explicação deve ser buscada nas medidas adotadas no
passado.
Por outro lado, a abrangência e amplitude das recentes medidas, no que diz respeito ao
número de famílias beneficiadas e à área distribuída, são, em geral, bastante modestas. Nos
casos analisados não foram observados números que pudessem ser caracterizados como
significativos frente ao problema decorrente da existência de um grande contingente de
beneficiários potenciais.
Quanto aos instrumentos atualmente adotados, pode-se afirmar que o crédito fundiário,
nas suas diversas modalidades, tem sido utilizado em alguns dos diferentes países analisados.
O mesmo não pode ser dito com relação à utilização do imposto sobre a propriedade territorial
rural com finalidades redistributivas, razão pela qual o Brasil é um dos poucos países a se
valer deste instrumento.
Em relação ao caso brasileiro, são apresentadas, primeiramente, as conclusões acerca
do crédito fundiário e, em seguida, aquelas relativas ao ITR.
123
Antes de mais nada, deve-se salientar que o crédito fundiário, no período estudado,
atingiu apenas parte dos estados brasileiros, uma vez que, se se considerar em conjunto as
ações do Projeto Cédula da Terra e do Banco da Terra, verifica-se que ele não se ocupou da
região Norte, e relegou o Sudeste e parte do Nordeste a uma posição secundária. Além disso,
em termos globais, os dois programas somados beneficiaram pouco menos de 45 mil famílias,
numa área aproximada de 900 mil hectares. Comparando tais números com as menores
estimativas calculadas por este trabalho, isto significou o atendimento a 1,2% das famílias
potenciais beneficiárias, abrangendo 0,6% da área necessária. Estes resultados, por si só,
podem ser considerados limitações do instrumento utilizado.
Numa análise mais detalhada, comparando-se as ações realizadas com as menores
estimativas calculadas, constatou-se que não apenas o ritmo
211
dos dois projetos demonstrou
ser bastante lento, de modo geral, como também, no caso do Banco da Terra, que o tamanho
médio das propriedades, na maioria dos estados abrangidos pelo programa, ficou aquém do
necessário à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico das famílias beneficiárias.
Assim também o custo de aquisição da terra revelou dois problemas: 1º) no caso do Projeto
Cédula da Terra, o preço da terra muito abaixo do preço de mercado sugere que se está diante
de aquisições de terra de baixa qualidade; e 2º) quanto ao Banco da Terra, o valor de
aquisição da terra nas regiões em que se concentrou o programa foi bastante superior às
estimativas do custo de aquisição total da terra para a reforma agrária, o que permite afirmar
que não se verificou a tão propalada vantagem do crédito fundiário no que diz respeito ao
custo mais baixo de suas aquisições em relação ao das desapropriações.
Por outro lado, os resultados da comparação entre as aquisições de terra pelo crédito
fundiário, representado pelo Projeto Cédula da Terra (PCT), e a obtenção de terra mediante
desapropriações contrariam, na prática, a idéia de que o crédito fundiário é complementar e/ou
alternativo às desapropriações como instrumento de obtenção de terras para a reforma agrária.
Por um lado, a complementaridade não se verifica, uma vez que as informações obtidas
indicam que as aquisições de terras pelo PCT coincidiram com o declínio das
desapropriações. Por outro lado, tais aquisições, pela sua limitada dimensão, não foram
capazes de servir de alternativa à redução das áreas obtidas por desapropriação.
No que se refere à dinâmica do mercado de terras rurais, os resultados apontam que o
maior dinamismo encontra-se nas regiões Sudeste e Sul e, secundariamente, na região Centro-
Oeste. Ademais, indicam que a aquisição de terras está associada mais fortemente às
atividades dos estabelecimentos caracterizados como patronais, embora tenha maior peso, e
por conseguinte seja mais custosa, para os estabelecimentos familiares, particularmente nas
regiões Sudeste e Centro-Oeste. Deve-se considerar que o conjunto de estabelecimentos
familiares analisados engloba categorias de agricultores familiares distintas, entre as quais se
encontram tanto aqueles que têm renda elevada, estão capitalizados e já possuem terra
suficiente, quanto os que estão em situação diametralmente oposta. Desse modo, dado que os
beneficiários potenciais do crédito fundiário tendem a estar mais próximos à situação destes
últimos, é razoável afirmar que a dinâmica do mercado de terras não os favorece, o que é mais
uma limitação à adoção do crédito fundiário.
Quanto à concentração e grilagem de terras rurais, o presente trabalho, ao analisar os
grandes imóveis rurais e os seus proprietários/detentores, buscou ressaltar aspectos nos quais
ficam evidentes indícios de irregularidades. Os números apresentados não parecem deixar
dúvidas de que esse fenômeno possui proporções gigantescas em nosso país e está fortemente
associado à concentração das terras. A conjugação destes dois fenômenos concentração e
grilagem
é um obstáculo ao pleno funcionamento do mercado de terras rurais, uma vez que
proporciona uma elevação nos seus custos de transação, sobretudo pelo fato de que nele
211
Medido pela relação entre o estimado e o realizado, o que representa o número de anos necessário para o
atendimento de toda a necessidade estimada.
124
estabelece uma forte insegurança jurídica e possessória. Por outro lado, a concentração e a
grilagem têm raízes históricas e institucionais e não podem, por conseguinte, ser consideradas
meras “imperfeições de mercado”. Por essas razões, a superação de tais obstáculos nada tem a
ver com a adoção de instrumentos de intervenção como o crédito fundiário, significando, ao
contrário, um empecilho adicional à operação deste último.
No que diz respeito ao ITR, a análise realizada permite afirmar que, mais uma vez,
este imposto foi incapaz de servir de instrumento auxiliar da reforma agrária no país, seja
mediante o desestímulo à propriedade ociosa, seja contribuindo para a redução da especulação
com terras e a conseqüente queda do seu preço. A nova legislação do ITR, não obstante os
pontos positivos existentes na sua formulação, não atingiu, na prática, os seus objetivos, ao
contrário das previsões oficiais, bem como de afirmações encontradas na literatura sobre o
tema
212
.
Pelo que se pôde verificar, atuaram contra o novo ITR os fatores apontados pela
análise teórica como os seus principais obstáculos: a sua problemática administração e a
resistência dos proprietários de terras. No que se refere ao primeiro, é particularmente
significativa a dissociação entre a política tributária em relação à terra e a política agrária
propriamente dita. Não é conveniente que essas políticas sejam implementadas separadamente
e, muito menos, que se dêem de forma estanque, sem a necessária integração entre elas, que,
pelo que se observa, é o que vem ocorrendo no caso brasileiro. Por outro lado, possivelmente
devido ao baixíssimo volume de arrecadação, o ITR parece relegado, na estrutura da
administração tributária federal, a um papel pouco expressivo, o que, entre outras coisas, gera
um efeito perverso: a baixa arrecadação leva a uma redução da sua importância, que, por sua
vez, desestimula a fiscalização, que possibilita queda de arrecadação, e assim por diante.
Disso resulta que o custo de administração do imposto se eleva com a queda da arrecadação, o
que acaba por fazer com que se preconize a transferência de sua competência para os
governos subnacionais e até mesmo a sua extinção. Em relação ao segundo obstáculo, ele hoje
se manifesta de uma forma que se poderia caracterizar como de “resistência passiva” dos
proprietários: a lei é aprovada com uma forte taxação progressiva sobre a propriedade ociosa,
mas isso não produz resultados efetivos, uma vez que a grande maioria dos proprietários tem
a possibilidade prática de “manipular” as informações sobre os seus imóveis rurais,
neutralizando os efeitos dessa progressividade, tornando inócuo o imposto sobre a terra
quanto aos seus principais objetivos. Nesse sentido, o novo ITR segue a velha trilha de seus
antecessores, cujo destino foi o descrédito e a desmoralização.
212
Vários são os trabalhos que consideraram como reais os efeitos que, teoricamente, poderiam ter sido
alcançados, em particular associando o novo ITR à queda verificada no preço da terra. Ver, a propósito,
Guanziroli (2000, p. 288-289), Buainain, Silveira & Teófilo (2000, p. 165), Reydon (2000, p.178), Delgado &
Fernandes Filho (1997, p. 98).
125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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T. N. (eds.) Handbook of Development Economics, Vol. II, Amsterdam: North-Holland, 1989.
AMAYA, H. E. et al. La participación de pequeños productores en el mercado de tierras
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ANEXO
Metodologia para caracterização do perfil da agricultura familiar e de seus
principais sistemas de produção
213
Introdução
O presente trabalho é a evolução e o aprofundamento da metodologia anteriormente
elaborada, que utilizou os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1985
214
. A concepção
básica que norteou o estudo anterior é mantida: trata-se de caracterizar os agricultores
familiares a partir de suas relações sociais de produção
215
, o que implica superar a tendência
freqüente nas análises sobre o tema de atribuir um limite máximo de área ou de valor de
produção à unidade familiar, associando-a, equivocadamente, à “pequena produção”
216
. Tal
procedimento é, em parte, derivado da própria forma como em geral são apresentadas as
estatísticas agropecuárias
217
. Entretanto, isso não significa que se deva ficar limitado aos
dados divulgados, sobretudo se considerarmos a grande riqueza das informações dos Censos
Agropecuários do IBGE, que pode ser constatada pela simples análise do seu questionário de
coleta. Assim, o que o trabalho pioneiro iniciado em 1995 fez foi tornar operacional, mediante
a utilização de microdados
218
, um determinado conceito de agricultura familiar.
Algumas características distinguem o atual trabalho do anterior, entre as quais
destacam-se:
a) ampliação do escopo do trabalho, com a inclusão de procedimentos metodológicos
que permitem identificar os principais sistemas de produção característicos dos diversos tipos
de agricultores, nas diferentes unidades geográficas
219
(municípios, microrregiões geográficas,
unidades da federação, grandes regiões e país);
213
Texto elaborado pelo autor em novembro de 1999, a partir da proposta metodológica básica [Guanziroli, C.
(coord.) Reforma Agrária e Perfil da Agricultura Familiar no Brasil. Projeto INCRA/FAO, Brasília, outubro de
1997] e das conclusões adotadas nas reuniões realizadas ao longo de 1999. Parte deste texto foi posteriormente
apresentada nas seguintes publicações: BRASIL.MDA.INCRA. Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil
redescoberto. Brasília, 2000 e GUANZIROLI, C. E.; ROMEIRO, A.; BUAINAIN, A. M.; DI SABBATO, A.;
BITTENCOURT,G. Agricultura Familiar e Reforma Agrária no Século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2001.
Esta versão completa está disponível na página do INCRA: www.incra.gov.br.
214
Ver FAO/INCRA. Perfil da agricultura familiar no Brasil: dossiê estatístico. Brasília, 1996.
215
Como apontado pelo trabalho anteriormente realizado, “a agricultura familiar pode ser definida a partir de três
características centrais: a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados é feita por indivíduos
que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento; b) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos
membros da família; c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertence à família e
é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de falecimento ou de aposentadoria dos responsáveis
pela unidade produtiva.” (FAO/INCRA, op. cit., p. 4).
216
“Os limites deste procedimento são hoje cada vez mais evidentes. Por um lado, eles acabam por superestimar
a importância econômica das unidades familiares de produção já que não é incomum que imóveis pequenos em
área dependam, para seu funcionamento, de um montante de trabalho assalariado que extrapola o esforço
fornecido diretamente pela família. (...) Por outro lado, e mais grave ainda, identificar automaticamente pequenas
áreas à agricultura familiar supõe uma visão estática desta forma social, como se ela fosse incapaz de superar os
limites estatísticos assim estipulados.” (FAO/INCRA, op. cit., p. 4).
217
No caso brasileiro, os resultados dos Censos Agropecuários do IBGE são estratificados, basicamente, segundo
a área total dos estabelecimentos.
218
Esta é denominação utilizada pelo IBGE para designar os arquivos contendo os dados individualizados de
cada estabelecimento agropecuário.
219
No trabalho anterior, a unidade geográfica de menor agregação era a microrregião geográfica.
135
b) reavaliação crítica da metodologia anterior, com alteração dos procedimentos
metodológicos relativos à delimitação do universo familiar, sobretudo os relacionados ao
cálculo da renda da unidade familiar e à determinação da quantidade de trabalho não familiar;
c) ampliação das características associadas aos agricultores familiares, com a seleção
de um grande número de variáveis disponíveis, o que ensejou a construção de uma base de
dados municipais e de um conjunto de tabelas estatísticas básicas, agregadas por unidades da
federação, grandes regiões e país;
d) ampla discussão acerca da metodologia a ser adotada, tendo em vista a experiência
acumulada, o maior tempo disponível e o maior número de pessoas envolvidas na sua
elaboração
220
;
e) maior interatividade na operacionalização da metodologia, em virtude do acesso,
ainda que restrito, aos microdados do Censo Agropecuário do IBGE
221
.
Delimitação do Universo Familiar
O universo agrário é extremamente complexo, seja em função da grande diversidade
da paisagem agrária (meio físico, ambiente, variáveis econômicas etc.), seja em virtude da
existência de diferentes tipos de agricultores, os quais têm interesses particulares, estratégias
próprias de sobrevivência e de produção e que, portanto, respondem de maneira diferenciada a
desafios e restrições semelhantes. Na verdade, os vários tipos de produtores são portadores de
racionalidades específicas que, ademais, se adaptam ao meio no qual estão inseridos, fato que
reduz a validade de conclusões derivadas puramente de uma racionalidade econômica única,
universal e atemporal que, supostamente, caracterizaria o ser humano. Daí a importância de
identificar os principais tipos de produtores.
A escolha de um conceito para definir os agricultores familiares, ou a definição de um
critério para separar os estabelecimentos familiares dos patronais não é uma tarefa fácil, ainda
mais quando é preciso compatibilizar esta definição com as informações disponíveis no Censo
Agropecuário do IBGE, sabidamente não elaborado para este fim.
Existe uma multiplicidade de metodologias, critérios e variáveis para construir
tipologias de produtores. Nenhuma delas é inteiramente satisfatória, em parte porque o
comportamento e a racionalidade dos vários tipos de produtores respondem a um conjunto
amplo e complexo de variáveis com peso e significado diversos de acordo com o contexto, e
em parte devido às dificuldades de aplicação empírica de tipologias conceituais que levam em
conta um número grande de variáveis. Sem entrar no intenso debate que cerca o tema, o
estudo adotou uma tipologia simples que busca, em essência, classificar os produtores a partir
das condições básicas do processo de produção, que explicam, em boa medida, suas reações e
respostas ao conjunto de variáveis externas, assim como a sua forma de apropriação da
220
A elaboração da atual metodologia começou no final de 1997, tendo participado das discussões iniciais os
seguintes consultores, no âmbito do Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO: Carlos Enrique Guanziroli
(coord.), Ademar Ribeiro Romeiro, Alberto Di Sabbato, Antônio Márcio Buainain, Gervásio Castro de Rezende,
Gilson Alceu Bittencourt e Shigeo Shiki. Esta equipe elaborou uma proposta que serviu de base para uma nova
rodada de discussões, da qual participaram, além dos já citados, os seguintes representantes das Diretorias do
INCRA: Silvia Elizabeth C. S. Cardim (coord.), Elizabeth Prescott Ferraz, Gilberto Bampi, Josias Vieira
Alvarenga, José Leopoldo Ribeiro Viégas, Maria Alice Alves, Marlon Duarte Barbosa, Paulo de Tarso
Loguercio Vieira.
221
Um dos pontos fortes da metodologia adotada sempre foi a possibilidade de utilizar os microdados do Censo
Agropecuário. No trabalho anterior, os microdados foram processados pelo próprio pessoal do IBGE, a partir de
tabulações especiais encomendadas, o que restringiu a possibilidade de testes relativos às definições
metodológicas. Em contrapartida, para a elaboração do presente trabalho foi possível ter acesso aos microdados,
nas dependências do IBGE, o que tornou possível a realização de testes, inicialmente com os dados do estado do
Espírito Santo, e em seguida com Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Somente após a análise dos resultados dos
testes é que se chegou à metodologia tal como é apresentada no presente texto.
136
natureza. Muito embora o foco do estudo seja a agricultura familiar, a própria delimitação
deste universo implica a identificação dos agricultores não familiares ou patronais
222
.
O universo familiar foi caracterizado pelos estabelecimentos que atendiam,
simultaneamente, às seguintes condições:
a) a direção dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor;
b) o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado.
Adicionalmente, foi estabelecida uma área máxima regional como limite superior para
a área total dos estabelecimentos familiares
223
. Tal limite teve por fim evitar eventuais
distorções que decorreriam da inclusão de grandes latifúndios no universo de unidades
familiares, ainda que do ponto de vista conceitual a agricultura familiar não seja definida a
partir do tamanho do estabelecimento, cuja extensão máxima é determinada pelo que a família
pode explorar com base em seu próprio trabalho associado à tecnologia de que dispõe.
A primeira condição é obtida diretamente da resposta a um simples quesito do
questionário censitário, ao passo que, para a obtenção da segunda condição, é necessário
recorrer a um conjunto de operações envolvendo inclusive variáveis externas ao Censo, tendo
em vista não só a inadequação das informações censitárias para o caso, como também a
complexidade conceitual e operacional de que se reveste o tema.
No que se refere à determinação da quantidade de trabalho, tanto familiar quanto
contratado, o ideal seria que se pudesse determinar o número de homens-hora trabalhado, de
modo a determinar com maior exatidão a efetiva carga de trabalho de cada uma das categorias
de trabalhadores.
Para o caso do trabalho familiar, entretanto, pode-se supor que a informação sobre o
número de pessoas ocupadas da família na atividade produtiva
224
reflete, com razoável
precisão, a carga de trabalho efetivamente empregada. Desse modo, considerou-se como de
tempo integral o trabalho do “responsável”, que é o produtor familiar que, simultaneamente,
administra o seu estabelecimento
225
, bem como o dos “membros não remunerados” com 14 ou
mais anos de idade. Para evitar superestimação do trabalho familiar, computou-se pela metade
o pessoal ocupado da família com menos de 14 anos
226
, não apenas em virtude da sua menor
capacidade de trabalho, como também pela possibilidade de envolvimento em outras
atividades, como, por exemplo, as escolares. Assim, foi calculado o número de Unidades de
Trabalho Familiar (UTF), por estabelecimento/ano, como sendo a soma do número de
pessoas ocupadas da família com 14 anos e mais e da metade do número de pessoas
ocupadas da família com menos de 14 anos.
Em relação ao trabalho contratado, as informações censitárias são claramente
inadequadas, sobretudo as que se referem ao pessoal temporário. De um lado, tem-se a
informação do número de empregados permanentes, temporários e parceiros (empregados)
222
Os estabelecimentos agropecuários cuja condição do proprietário era “Instituição Pia ou Religiosa” ou
“Governo (Federal, Estadual ou Municipal)”, em virtude de suas características peculiares, foram excluídos do
conjunto utilizado para a referida delimitação.
223
Essa área máxima regional foi obtida do modo a seguir exposto. Foram consideradas as áreas dos módulos
fiscais municipais, segundo a tabela do INCRA. Calculou-se a área de um módulo médio ponderado, segundo o
número de municípios em que incide cada área de módulo fiscal municipal, para cada unidade da federação. A
partir desse “módulo médio ponderado estadual”, foi calculado um módulo médio para cada grande região do
país. O “módulo médio regional” foi multiplicado por 15 para determinação da área máxima regional, com o que
se procurou estabelecer uma aproximação com o que dispõe a legislação, tendo em vista que o limite máximo
legal da média propriedade é de 15 módulos fiscais (ver Quadro 1 ao final deste anexo).
224
A categoria de pessoal ocupado do Censo relativa ao trabalho familiar intitula-se “Responsável e membros
não remunerados da família”.
225
De acordo com as instruções de preenchimento do questionário do Censo, é obrigatório o registro de pelo
menos uma pessoa na categoria “Responsável e membros não remunerados da família” (ver IBGE. Censo
Agropecuário – Manual do Recenseador, p. 42-43).
226
Foram utilizados os limites de idade disponíveis no Censo.
137
numa determinada data
227
; de outro, é informado o número máximo de empregados
temporários em cada mês do ano. Em ambos os casos, não se tem a informação da carga de
trabalho efetivamente realizada, uma vez que não se dispõe do número de meses ou dias
trabalhados. Poder-se-ia, para os empregados permanentes e parceiros empregados, fazer
suposição semelhante à que se fez para o trabalho familiar. Entretanto, tal suposição seria
completamente equivocada para os empregados temporários
228
. Além disso, o Censo não
possui informação sobre a quantidade de mão-de-obra empregada indiretamente, sob o regime
de empreitada. Dessa forma, optou-se pela obtenção do trabalho contratado a partir das
despesas realizadas com mão-de-obra empregada, incluindo os serviços de empreitada de
mão-de-obra. O valor dessas despesas dividido pelo valor anual de remuneração de uma
unidade de mão-de-obra permite obter o número de unidades de trabalho contratadas pelo
estabelecimento.
Operacionalmente, o número de Unidades de Trabalho Contratado (UTC) foi
calculado da seguinte forma:
1) obteve-se o valor total das despesas com mão-de-obra contratada, pela soma de: a)
valor das despesas com o pagamento (em dinheiro ou em produtos) da mão-de-obra
assalariada (permanente ou temporária); b) valor das despesas com o pagamento efetuado a
parceiros empregados
229
; c) valor das despesas com o pagamento de serviços de empreitada
com fornecimento só de mão-de-obra;
2) calculou-se o valor do custo médio anual de um empregado no meio rural,
mediante a multiplicação do valor da diária média estadual
230
de um trabalhador rural pelo
número de dias úteis trabalhados no ano, calculado em 260;
3) por fim, determinou-se o número de Unidades de Trabalho Contratado (UTC), por
estabelecimento/ano, como sendo a divisão do valor total das despesas com mão-de-obra
contratada pelo valor do custo médio anual de um empregado no meio rural.
Os gastos com serviços de empreitada de mão-de-obra foram incluídos no cálculo do
trabalho não familiar, tal como indicado acima, a fim de evitar a inclusão de formas típicas de
contratação informal de mão-de-obra através de “gatos”, empreiteiros etc., utilizadas por
unidades patronais, muitas vezes com o objetivo de eludir obrigações previstas na legislação
trabalhista. No entanto, considerou-se que os gastos com serviços de empreitada com
fornecimento de máquinas não deveriam entrar na massa salarial contratada por várias razões,
entre as quais vale mencionar o fato de a empreita de serviços ser uma das características mais
marcantes das unidades familiares nos países desenvolvidos. Este recurso permite às unidades
familiares superarem a escassez de mão-de-obra e restrições de escala sem romper com sua
natureza familiar. Além disso, trata-se de tendência inevitável do desenvolvimento
econômico, da especialização das tarefas e do problema de escala que afeta em particular os
estabelecimentos de menor porte, como é o caso da grande maioria do universo de produtores
familiares. A possibilidade de recorrer ao serviço de empreitada, particularmente para os
casos que dificilmente podem ser eficientemente resolvidos via forma de cooperação direta
227
No Censo Agropecuário de 1995-1996, a data de referência para os dados estruturais foi 31/12/1995 (ver
IBGE. Censo Agropecuário 1995-1996 – número 1 – Brasil. Rio de Janeiro, 1998, p. 35) .
228
Tal afirmação pode se respaldar em um exemplo simples: para uma mesma jornada de trabalho, um
empregado temporário trabalhando durante trinta dias equivale, em homens-hora de trabalho, a 30 empregados
temporários trabalhando durante um dia. Entretanto, tal como estão dispostas as informações, haveria uma forte
divergência entre o primeiro caso (uma
unidade de trabalho) e o segundo (trinta unidades de trabalho).
229
Esse valor foi calculado, segundo o IBGE, mediante a conversão da cota-parte da produção (meia, terça,
quarta etc.), tomando por base o preço que se obteria na venda dos produtos (ver IBGE. Censo Agropecuário –
Manual do Recenseador, p. 76).
230
O valor da diária estadual foi obtido pelo cálculo da média dos valores informados de remuneração de diarista
na agricultura para os meses de junho de 1995, dezembro de 1995 e junho de 1996, segundo os dados do Centro
de Estudos Agrícolas da Fundação Getúlio Vargas (ver Quadro 2 ao final deste anexo).
138
entre produtores, facilita a viabilização da agricultura familiar. Por outro lado, é importante
lembrar que os gastos com aluguel de máquinas e implementos agrícolas, não contratados em
forma de empreitada, também não foram considerados como despesas com mão-de-obra.
139
Resumindo a metodologia de delimitação do universo familiar
Caracterização dos agricultores familiares
Direção dos trabalhos do estabelecimento é do produtor e
UTF > UTC e
Área total do estabelecimento área máxima regional
Unidade de Trabalho Familiar (UTF)
Pessoal ocupado da família de 14 anos e mais
+
(Pessoal ocupado da família de menos de 14 anos) / 2
Unidade de Trabalho Contratado (UTC)
(Salários + Valor da cota-parte entregue a parceiros empregados + Serviços de empreitada de
mão-de-obra)
÷
(Diária estadual x 260)
Tipologia dos Agricultores Familiares
Uma vez estabelecida a delimitação do universo familiar, ou seja, a separação entre
agricultores familiares e patronais, deve-se proceder à diferenciação no interior da agricultura
familiar, na medida em que se admite a existência de produtores familiares em distintos graus
de desenvolvimento socioeconômico e, portanto, como já se disse anteriormente, com
distintas lógicas de produção e sobrevivência.
Para caracterizar os tipos de agricultores familiares, optou-se por determinar a sua
Renda Total, de modo a captar os vários aspectos de sua atividade produtiva, entre os quais se
destacam a inserção no mercado, a transformação e o beneficiamento de produtos agrícolas no
interior do estabelecimento
231
e o autoconsumo. Tendo em vista as informações disponíveis, a
Renda Total (RT) foi calculada como segue:
1) obteve-se o Valor Bruto – ajustado – da Produção (VBP*) do estabelecimento,
calculado pela soma de: a) valor da produção vendida de milho
232
; b) valor da produção
231
O Censo denomina tal atividade de “indústria rural” e a conceitua como “transformação ou beneficiamento de
produtos agropecuários produzidos no estabelecimento ou adquiridos de terceiros, efetuados pelo produtor em
instalações do próprio estabelecimento, comunitárias (moinhos, moendas, casas de farinha, etc.) ou de terceiros
por prestação de serviços” (ver IBGE. Censo Agropecuário – Manual do Recenseador, p. 71).
232
De um modo geral deve-se considerar o valor bruto da produção colhida, já que a utilização da produção
vendida elimina o consumo humano de produtos agrícolas e animais e desfigura um conjunto importante de
sistemas caracterizados precisamente pelo elevado grau de “endogenia” e de aproveitamento de subprodutos.
Estes sistemas estão presentes tanto em formas “atrasadas” (sistema roça/farinha/capoeira) como em formas
“modernas” (sistema de criação avícola/milho/quintal). Este critério, no entanto, apresenta um problema,
140
vendida dos principais produtos utilizados na indústria rural
233
; c) valor da produção
colhida/obtida dos demais produtos animais e vegetais;
2) calculou-se a Receita Agropecuária Indireta, composta pelas receitas provenientes
de: venda de esterco; serviços prestados a terceiros; venda de máquinas, veículos e
implementos; e outras receitas
234
;
3) obteve-se o Valor da Produção da Indústria Rural, informada diretamente pelo
Censo;
4) da soma dos três itens acima foi subtraído o Valor Total das Despesas, com o que,
finalmente, determinou-se a Renda Total do estabelecimento.
Estabelecido o critério básico de estratificação do universo familiar, foi necessário
definir os parâmetros para discriminar os tipos de agricultores familiares. Optou-se por
utilizar como dado básico a diária média estadual já empregada no cálculo da Unidade de
Trabalho Contratado (UTC), conforme descrito acima. Tal escolha decorreu do fato de que se
pretendeu comparar a renda auferida pelo produtor nas atividades do estabelecimento com o
custo de oportunidade da mão-de-obra familiar, que pode ser definido, genericamente, como o
valor da remuneração paga a um diarista na agricultura. Ademais, ao se optar por um valor
para cada unidade da federação, procurou-se garantir a comparabilidade de valores
estabelecidos regionalmente, tendo em vista a grande heterogeneidade dos níveis de
remuneração e renda existente entre as diversas regiões e estados brasileiros.
Operacionalmente, tomou-se o Valor do Custo de Oportunidade (VCO) como sendo o
valor da diária média estadual, acrescido de 20%
235
e multiplicado pelo número de dia úteis
do ano (calculado em 260), tendo em vista a comparação com uma renda anual. Foram
estabelecidos quatro tipos de agricultores familiares, a saber:
1) Tipo A, com Renda Total superior a três vezes o Valor do Custo de Oportunidade;
2) Tipo B, com Renda Total superior a uma vez até três vezes o Valor do Custo de
Oportunidade;
3) Tipo C, com Renda Total superior à metade até uma vez o Valor do Custo de
Oportunidade;
4) Tipo D, com Renda Total igual ou inferior à metade do Valor do Custo de
Oportunidade.
Considerando que a tipologia elaborada tem por objetivo estabelecer uma
diferenciação socioeconômica entre os produtores familiares, e tendo em conta os cálculos
efetuados, poder-se-ia, grosso modo, associar os tipos A, B, C e D a, respectivamente,
agricultores consolidados, em processo de consolidação, estagnados e periféricos.
principalmente no caso do consumo intermediário de milho, que é largamente utilizado como alimento para
animais. Neste caso haveria dupla contagem, já que seria computado todo o milho colhido, assim como aquele
que se “transforma” em suínos/aves que dele se alimentam. Para evitar este problema, o milho foi contabilizado
a partir da produção vendida e não colhida.
233
Foram incluídos neste item os seguintes produtos: arroz em casca, café em coco, cana-de-açúcar, fumo em
folha, leite e mandioca, quando havia informação de valor da produção dos respectivos produtos da indústria
rural: arroz beneficiado em grão, café em grão, rapadura, fumo em rolo ou corda, queijo e farinha de mandioca.
Este procedimento, que implica alguma imprecisão, foi o único possível, de vez que a informação sobre matéria-
prima da indústria rural, existente nos Censos Agropecuários anteriores, foi suprimida no Censo atual.
234
É importante destacar que, à exceção da receita de exploração mineral, todas as receitas registradas pelo Censo
são provenientes, direta ou indiretamente, da atividade agropecuária do estabelecimento, não havendo, portanto,
informação acerca de eventuais remunerações do produtor fora do estabelecimento, tais como salários,
benefícios previdenciários etc.
235
A inclusão deste percentual, embora arbitrário, justifica-se porque as diárias são muito baixas e não asseguram
a estabilidade do agricultor.
141
Resumindo a metodologia de tipificação dos agricultores familiares
Renda Total (RT)
(VBP* + Receita Agropecuária Indireta + Valor da Produção da Indústria Rural )
Valor Total das Despesas
VBP*
Σ Valor da produção vendida de milho e dos principais produtos utilizados na indústria rural
+
Σ Valor da produção colhida/obtida dos demais produtos animais e vegetais
Receita Agropecuária Indireta
Venda de esterco + Serviços prestados a terceiros +
+ Venda de máquinas, veículos e implementos + Outras receitas
Valor do Custo de Oportunidade (VCO)
1,2 x Diária Média Estadual x 260
Tipos de agricultores familiares
Tipo A RT > 3 VCO
Tipo B VCO < RT 3 VCO
Tipo C VCO/2 < RT VCO
Tipo D RT VCO/2
Caracterização complementar dos agricultores familiares
Além da estratificação básica anteriormente descrita, critérios complementares foram
utilizados com o objetivo de tornar mais ampla e abrangente a caracterização do universo
familiar. Desse modo, o conjunto e cada um dos tipos de agricultores familiares foram
classificados segundo o Grau de Especialização, o Grau de Integração ao Mercado e as
Formas de Relações de Trabalho verificados nos seus respectivos estabelecimentos.
142
O Grau de Especialização foi calculado como a relação percentual entre o valor da
produção do produto principal
236
e o valor total da produção colhida/obtida (VBP)
237
do
estabelecimento. O Grau de Integração ao Mercado foi obtido pela relação percentual entre o
valor da produção vendida
238
e o valor total da produção colhida/obtida (VBP) do
estabelecimento. As Formas de Relações de Trabalho foram definidas de acordo com a
utilização ou não de mão-de-obra complementar à de origem familiar do estabelecimento.
Apresenta-se a seguir um resumo da estratificação para cada um desses indicadores.
236
Definido com aquele que tem o maior valor de produção do estabelecimento.
237
Neste caso, utiliza-se diretamente a informação calculada pelo IBGE, disponível nos arquivos de microdados
do Censo Agropecuário.
238
Expresso pelo valor da Receita Agropecuária Direta, que é a soma dos valores das receitas provenientes da
venda de: flores, plantas ornamentais e grama; produtos vegetais; rãs; peixes; coelhos; e animais e produtos de
origem animal.
143
Resumindo a Caracterização Complementar da Agricultura Familiar
Grau de Especialização do Estabelecimento
Seja PERCPROD = % Valor da produção do produto principal / VBP
Super especializado PERCPROD = 100%
Especializado 65% PERCPROD < 100%
Diversificado 35% PERCPROD < 65%
Muito diversificado PERCPROD < 35%
Grau de Integração ao Mercado
Seja PERCVEND = % Valor da Produção Vendida / VBP
Muito integrado PERCVEND 90%
Integrado 50% PERCVEND < 90%
Pouco integrado PERCVEND < 50%
Formas de Relações de Trabalho
Só mão-de-obra familiar
Mão-de-obra familiar + empregados temporários
Mão-de-obra familiar + empregados temporários + empregados permanentes
Mão-de-obra familiar + empreitada de máquinas + outros
Mão-de-obra familiar + demais combinações
Identificação dos Principais Sistemas de Produção
A tipificação socioeconômica não é completa se não se podem associar os vários tipos
aos sistemas de produção adotados pelos produtores nos contextos específicos de restrições e
disponibilidade de recursos naturais, financeiros, tecnológicos, institucionais e humanos com
os quais se defrontam nas várias regiões do país. Por si só a identificação, análise e descrição
dos principais sistemas é extremamente relevante para a formulação de políticas públicas, em
particular as políticas finas e descentralizadas de assistência técnica e extensão rural, pesquisa
tecnológica, desenvolvimento institucional etc.
144
Do ponto de vista puramente conceitual sustentam-se as hipóteses de que não apenas
os produtores adotam os sistemas mais adequados às restrições concretas por eles enfrentadas
— o que não significa que todos os sistemas sejam racionais e sustentáveis do ponto de vista
social e ambiental — como também os sistemas estão fortemente associados ao
desenvolvimento e à situação socioeconômica dos produtores. Desta maneira, a identificação
dos principais sistemas e a associação com os tipos de agricultores familiares permite não
apenas identificar a rationale e os principais pontos de estrangulamentos enfrentados pelos
agricultores como também projetar, com razoável margem de segurança, sua trajetória futura.
Trata-se, portanto, de conhecimento essencial para o planejamento de intervenções fundiárias
e de desenvolvimento agrário.
A tipificação de sistemas é um processo complexo não só porque pode envolver um
número muito elevado de variáveis como também resultar em uma infinidade de sistemas
particulares de pouca utilidade para a formulação de políticas públicas. Ademais, a forma de
coleta do Censo, que trata as informações de cada produto do estabelecimento de maneira
isolada, não permite a identificação precisa dos sistemas de produção, conforme prevê a
“Metodologia de Diagnóstico de Sistemas Agrários”
239
. Dessa forma, elaborou-se uma
metodologia simplificada que, contornando as limitações impostas pelas informações
disponíveis, possibilita identificar, de modo aproximado, os principais sistemas produtivos
existentes em cada unidade geográfica, sendo o município o menor nível de agregação
considerado.
Os principais sistemas de produção foram obtidos adotando-se os seguintes
procedimentos:
1) identificaram-se os dois principais produtos
240
de cada estabelecimento, assim
considerados aqueles que possuíam os maiores valores de produção colhida/obtida
241
. Cada
par de produtos foi identificado como o sistema de produção do estabelecimento
242
;
2) agruparam-se, para cada unidade geográfica e para cada tipo de agricultor, os
estabelecimentos, e suas respectivas características, com sistemas de produção idênticos;
3) consideraram-se principais os sistemas de produção, para cada unidade geográfica e
para cada tipo de agricultor, que possuíam o maior número de estabelecimentos
243
.
A cada sistema de produção foram associadas as seguintes variáveis:
- Área total
- Valor Bruto da Produção (VBP)
- Renda Total (RT)
- Renda Monetária (RM)
- Renda Não Monetária (RNM)
- Receita Agropecuária Total
- Despesa Total
- Unidades de Trabalho Familiar (UTF)
- Unidades de Trabalho Contratado (UTC)
239
Ver, a esse respeito, Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO. Guia Metodológico: Diagnóstico de
Sistemas Agrários, Brasília, 1999.
240
Ver relação de produtos no Quadro 3 ao final deste anexo.
241
É possível haver estabelecimentos sem informação de valor de produção colhida/obtida, em virtude, por
exemplo, da ocorrência, no período de referência do Censo, de culturas/criações em formação, quebra de safra
etc. Nesse caso, tais estabelecimentos foram desconsiderados para a identificação dos sistemas de produção.
242
Optou-se por associar cada sistema de produção a um par de produtos tendo em vista a enorme dispersão de
“sistemas” que ocorreria caso se aumentasse o número de produtos por estabelecimento. Como foram
relacionados 62 produtos para identificação dos sistemas, o número possível de pares é de 3.782 (que é o
resultado do número de arranjos de 62 produtos, 2 a 2). Se se utilizasse trincas de produtos, seriam possíveis
226.920 “sistemas” (número de arranjos de 62 produtos, 3 a 3).
243
Como a base de dados contém todos os sistemas de produção, aos quais estão associadas diversas variáveis
relevantes, pode-se, alternativamente, definir os principais sistemas segundo alguma dessas variáveis.
145
- Pessoal ocupado total
- Valor do investimento total
- Nº de bovinos (efetivo de 1 ano e mais) + búfalos (efetivo total)
- Área de pastagens
- Estratos de área total (em ha): menos de 5, de 5 a menos de 20, de 20 a menos de 50,
de 50 a menos de 100, 100 e mais
- Estratos de RT (em Reais): até 0, mais de 0 a 3.000, mais de 3.000 a 8.000, mais de
8.000 a 15.000, mais de 15.000 a 27.500, mais de 27.500
- Para cada um dos dois produtos principais: Valor da produção; Quantidade produzida
(se produtos de lavouras temporárias ou permanentes); Área plantada (se produtos de
lavouras temporárias ou permanentes)
146
Quadro 1 - Área máxima regional
Região Área máxima (ha)
Norte 1.122,0
Nordeste 694,5
Sudeste 384,0
Sul 280,5
Centro-Oeste 769,5
Quadro 2 - Diária Média Estadual
UF Valor
RO 8,32
AC 7,81
AM 5,50
RR 9,67
PA 5,57
AP 10,00
TO 5,07
MA 4,28
PI 4,60
CE 4,23
RN 5,07
PB 5,00
PE 5,13
AL 5,00
SE 5,01
BA 4,23
MG 6,18
ES 7,14
RJ 7,27
SP 8,99
PR 7,16
SC 10,13
RS 7,94
MS 7,99
MT 8,95
GO 7,09
DF 7,09
Observações:
a) A fonte das informações é o Centro de Estudos
Agrícolas da Fundação Getúlio Vargas.
b) A diária média estadual foi obtida pelo cálculo da
média dos valores informados de remuneração de
diarista na agricultura para os meses de junho de
1995, dezembro de 1995 e junho de 1996.
c) Para o Distrito Federal foi utilizado o valor de
Goiás, em virtude da inexistência de informação
específica.
147
Quadro 3 - Relação de produtos utilizados na identificação dos sistemas de produção
Produção animal, Horticultura, Extração vegetal e Silvicultura
Nome do produto Valor da produção obtido a partir de:
Abelhas Mel e cera produzidos
Bicho-da-seda Casulos produzidos
Caprinos Caprinos vendidos e leite de cabra produzido
Coelhos Coelhos vendidos
Eqüinos, asininos e muares Eqüinos, asininos e muares vendidos
Extração vegetal Todos os produtos de extração vegetal obtidos
Galinhas Pintos de um dia vendidos; galinhas, galos, frangas e frangos vendidos e
abatidos; ovos produzidos
Hortaliças Todos os produtos de horticultura colhidos
Outras aves Patos, gansos e marrecos, perus e codornas vendidos e abatidos; ovos de
codorna e de outras aves produzidos
Ovinos Ovinos vendidos e lã produzida
Pecuária de corte Bovinos vendidos (matrizes e reprodutores; outros fins) e abatidos; e
búfalos vendidos
Pecuária de leite Leite de vaca e de búfala produzidos
Peixes Peixes vendidos
Rãs Rãs vendidas
Silvicultura Todos os produtos de silvicultura obtidos
Suínos Suínos vendidos e abatidos
Lavouras permanentes
Nome do produto Cód. IGBE
Açaí (fruto) 76
Acerola 02
Ameixa 06
Banana 10
Cacau 13
Café em coco 14
Caju (castanha e fruto) 16 e 17
Coco-da-baía 25
Cupuaçu 77
Erva-mate 28
Goiaba 32
Jaca 36
Laranja 41
Limão 43
Maçã 46
Mamão 47
Manga 48
Maracujá 49
Outros produtos de lavouras permanentes -
Palmito 56
Pêssego 58
Pimenta do reino 59
Tangerina (bergamota, mexerica) 62
Uva (mesa e vinho) 65 e 66
148
Lavouras temporárias
Nome do produto Cód. IGBE
Abacaxi 01
Abóbora (jerimum, moranga) 02
Algodão em caroço (herbáceo) 03
Arroz em casca 08
Batata-inglesa (3 safras) 11, 12 e 13
Cana forrageira 63
Cana-de-açúcar 14
Capim elefante (napier) 62
Cebola 17
Fava 22
Feijão em grão (3 safras) 23, 24 e25
Fumo em folha 27
Inhame 32
Mandioca (aipim, macaxeira) 42
Melancia 43
Milho em grão 45
Milho forrageiro 64
Outros produtos de lavouras temporárias -
Palma forrageira 66
Soja em grão 53
Tomate 56
Trigo em grão 58
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