Download PDF
ads:
MÔNICA URROZ SANCHOTENE
A RELAÇÃO ENTRE AS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS PELOS PROFESSORES DE
EDUCAÇÃO FÍSICA E A SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA: UM ESTUDO DE CASO
Dissertação de Mestrado
Para obtenção do título de Mestre em
Ciências do Movimento Humano
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Ciências
do Movimento Humano
Escola de Educação Física
Orientador: Prof. Dr. Vicente Molina Neto
Porto Alegre
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
Mônica Urroz Sanchotene.
A relação entre as experiências vividas pelos professores de educação física e
a sua prática pedagógica: um estudo de caso.
Dissertação de Mestrado.
Objetivo do trabalho: Compreender qual a relação que se estabelece entre as
experiências vividas pelos professores de educação física na sua trajetória e a
prática pedagógica desenvolvida nas escolas da Rede Municipal de Ensino de
Porto Alegre.
Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano –
EsEF/UFRGS.
Linha de Pesquisa Formação de Professores e Prática Pedagógica.
Porto Alegre, 03 de Julho de 2007.
___________________________________________
Profa. Drª Zenólia Christina Campos Figueiredo.
___________________________________________
Profa. Drª Mari Margarete dos Santos Forster.
___________________________________________
Prof. Dr. Marco Paulo Stigger.
ads:
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram
para a realização desta pesquisa.
A elas dedico este trabalho e a citação abaixo:
Ando devagar porque já tive pressa
e levo esse sorriso porque já chorei demais.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe,
eu só levo a certeza de que muito pouco sei,
ou nada sei.
Conhecer as manhas e as manhãs
o sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor prá poder pulsar,
É preciso paz prá poder sorrir,
É preciso a chuva para florir.
[...]
Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora.
Um dia a gente chega
E no outro vai embora.
Cada um de nós compõe a sua própria história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
de ser feliz.
(Tocando em frente. Almir Sater e Renato Teixeira)
4
RESUMO
O objetivo da presente pesquisa foi o de compreender qual a relação que se
estabelece entre as experiências vividas pelos professores de educação física e
a prática pedagógica por eles desenvolvida em uma escola da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre. Neste sentido, a aproximação ao
problema e as interpretações fundamentaram-se nas teorias da ação e na
nova epistemologia da prática. As opções metodológicas pela abordagem
qualitativa e pelo estudo de caso etnográfico estão vinculadas ao interesse de
desvendar as teorizações implícitas dos professores e as rotinas de sua prática.
Para tanto, foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta de informações:
observações participantes com registro em diário de campo, análise de
documentos, entrevistas semi-estruturadas e entrevista escrita. Com a intenção
de construir conhecimento de forma dialógica, a pesquisa foi apresentada aos
professores colaboradores do estudo e suas impressões a respeito de todo o
processo e das considerações finais constam no posfácio desta dissertação. A
pesquisa empírica foi desenvolvida em uma escola da Rede Municipal de
Ensino (RMEPOA), com 7 professores de educação física e revelou que suas
práticas constituem-se de um saber plural, derivado de suas experiências
escolares, de suas vivências esportivas, de sua formação inicial e permanente e
de suas aulas na escola. Entretanto, a prática pedagógica não é desenvolvida
apenas baseada rotinas e em improvisações. Os professores refletem a respeito
de suas experiências, amparando-se em diferentes fontes de conhecimento.
Palavras-chave: Prática pedagógica, Formação de professores, Educação
física.
5
ABSTRACT
The objective of the present work was to comprehend what is the relation
established between the lived experiences of Physical Education Teachers and
their pedagogical practices developed in a school of the Municipal Educational
Network of Porto Alegre. In this sense, the problem approach and the
interpretations are founded on the theories of action and on the
epistemological practice. The methodological options for the quality approach
and for the study of ethnographical case are linked to the concern of revealing
teachers’ implicit theorizations and the routine of their practices. For such, the
following information collecting instruments were used: participative
observations with a recorded log, document analysis, semi-structured and
written interviews. With the intention of building up knowledge in a dialogical
form, the research was presented to the collaborative teachers of the study and
their impressions of all the process as well as their final considerations are inserted
in the epilogue of this dissertation. The empirical research was developed in a
school of the Municipal Educational Network of Porto Alegre with seven Physical
Education Teachers and it revealed that their practices are constituted by a
pluralized knowledge, deriving from their school, sportive and initial experiences
as well as their classes in school. However, the pedagogical practice is not
developed solely based on routines and on improvisations. Teachers reflect on
their experiences, seeking the support of diverse knowledge sources.
Key-words: Pedagogical practices, Teacher’s teaching, Physical education.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................
13
1 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA/REFERENCIAL TEÓRICO ........................ 15
1.1 AS DIVERSAS POSSIBILIDADES DE COMPREENDER A PRÁTICA (OU
PROBLEMATIZANDO O QUE SE CONVENCIONOU CHAMAR DE PRÁTICA)
16
1.2 A TRAJETÓRIA E A EXPERIÊNCIA NA INCORPORAÇÃO DO
HABITUS
...
1.3 O CONTEXTO E A PRÁTICA ......................................................................
1.3.1 Contextualizando o campo de estudo ..............................................
1.3.2 A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RMEPOA) .................
24
27
30
31
1.3.3 Escola por ciclos e educação física na RMEPOA ............................. 34
1.4 PROBLEMA DE PESQUISA .......................................................................... 37
1.5 QUESTÕES DE PESQUISA ........................................................................... 39
2 ASPECTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS .................................................... 40
2.1 ESTUDO PRELIMINAR .................................................................................
2.2 ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO ...........................................................
2.2.1 Trabalho de campo ..............................................................................
2.2.1.1 Observação participante .................................................................
2.2.1.2 Entrevista .............................................................................................
2.2.1.3 Análise de documentos ....................................................................
2.2.2 O processo de validação da pesquisa ..............................................
2.3 O BAIRRO RESTINGA ................................................................................
2.4 A ESCOLA RESTINGA ................................................................................
2.4.1 Os professores de educação física da Escola Restinga ..................
3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE ANÁLISE DAS CATEGORIAS ..........
3.1 DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DE
EDUCAÇÃO FÍSICA ........................................................................................
3.2 A PRÁTICA PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
ENTRE ROTINAS, ESTRATÉGIAS E SABERES .....................................................
3.2.1 As rotinas na/da prática pedagógica ...............................................
3.2.2 As estratégias da prática .....................................................................
3.2.3 A prática pedagógica: seus conhecimentos e seus saberes .........
3.2.4 O papel do esporte nas aulas de educação física ..........................
3.3 DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS PELOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO
FÍSICA E A RELAÇÃO COM A SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA (OU, DE
ONDE PROVÉM AS INCORPORAÇÕES?).......................................................
43
46
49
50
54
57
59
60
61
65
68
70
76
77
80
85
88
97
7
3.3.1 A influência das formações na prática pedagógica dos
professores de educação física ..................................................................
106
3.4 DA RELAÇÃO QUE SE ESTABELECE ENTRE O CONTEXTO ESCOLAR E A
PRÁTICA PEDAGÓGICA .................................................................................
3.4.1 A relação do professor com os alunos nos momentos de aula ...
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................
POSFÁCIO .......................................................................................................
REFERÊNCIAS ...................................................................................................
110
116
126
132
136
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Elementos que constituem a prática pedagógica ............ 23
QUADRO 2 – Entrevistas .................................................................................. 56
QUADRO 3 – Transcrições .............................................................................. 57
QUADRO 4 – Caracterização dos professores participantes da
pesquisa ...........................................................................................................
66
QUADRO 5 – Categorias e subcategorias ................................................... 70
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Planta da escola .......................................................................... 64
10
LISTA DE APÊNDICES
Apêndice A – Carta de apresentação do PPGCMH ................................. 143
Apêndice B – Carta de apresentação da SMED ........................................ 144
Apêndice C – Carta de apresentação do professor orientador .............. 145
Apêndice D – Termo de consentimento livre e esclarecido ..................... 146
Apêndice E – Declaração de consentimento dos professores ................ 149
Apêndice F – Declaração de consentimento da escola ......................... 150
Apêndice G – Carta aos professores colaboradores do estudo ............. 151
Apêndice H – Autorização do comitê de ética em pesquisa da UFRGS . 153
Apêndice I – Questões da entrevista semi-estruturada .............................. 154
Apêndice J – Entrevista da professora Glória .............................................. 155
Apêndice L – Cronograma das observações da pesquisa ....................... 167
Apêndice M – Trechos do diário de campo ................................................ 170
Apêndice N – Unidades de significado ........................................................ 174
Apêndice O – Blocos temáticos .................................................................... 184
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – Exemplo de planejamento de educação física .................... 186
ANEXO B – Modelo de avaliação trimestral da Escola Restinga ............. 187
11
LISTA DE ABREVIATURAS
ATEMPA – Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto
Alegre
CREF –
Conselho Regional de Educação Física
CONFEF – Conselho Federal de Educação Física
CPERS – Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – Sindicato dos
Trabalhadores em Educação
EF – Educação Física
EJA - Educação de jovens e adultos
EsEF – Escola de Educação Física
EsEF/UFRGS – Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul
F3P-EFICE -
Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Prática Pedagógica
em Educação Física e Ciências do Esporte
PMPA – Prefeitura Municipal de Porto Alegre
PPGCMH/UFRGS – Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento
Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
PPGEDU/UFRGS – Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RMEPOA – Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
SME – Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer de Porto Alegre
SME/POA – Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer de Porto Alegre
SMED – Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre
SIMPA – Sindicato dos Municipários de Porto Alegre
SP - Sala dos Professores (da escola na qual realizei o trabalho de campo)
SOE – Serviço de Orientação Educacional
SOP – Serviço de Orientação Pedagógica
SSE – Serviço de Supervisão Educacional
12
UFPEL – Universidade Federal de Pelotas
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
13
INTRODUÇÃO
O foco da presente dissertação é a prática pedagógica dos professores
de educação física. Examino-a a partir das teorias da ação. Meu interesse
nesse estudo emerge, fundamentalmente, de minhas inquietações cotidianas
como professora de educação física, trabalhando em escolas públicas
(municipais ou estaduais) há mais de 15 anos.
Durante este tempo de trabalho, indagava-me a respeito do porquê os
professores se depararem com tantas dificuldades ao tentarem promover
mudanças em suas práticas pedagógicas. O interesse pelas práticas
pedagógicas que se desenvolvem no interior da RMEPOA, especialmente dos
professores de educação física, não é individual. Este trabalho faz parte de um
conjunto de produções do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e
Prática Pedagógica em Educação Física e Ciências do Esporte (F3P-EFICE),
que, atualmente, está organizado a partir do Projeto de Pesquisa intitulado “A
formação profissional e a prática pedagógica dos professores de educação
física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: relações emergentes e
efeitos gerados pelas transformações sociais e profissionais no trabalho e na
vida dos docentes”.
A partir do referencial teórico adotado, busco compreender como se
estruturam as práticas pedagógicas dos professores, entendendo que elas são
o produto de um habitus e de um contexto. A discussão a respeito da noção de
habitus
estará ancorada na teorização de Pierre Bourdieu (1983, 2005) e o
contexto será compreendido como os espaços, os lugares, os tempos e as
relações interpessoais nas quais se desenvolvem estas práticas.
O trabalho está organizado em 3 capítulos. No capítulo 1 será
desenvolvida a aproximação ao problema, partindo da discussão teórica e da
contextualização do estudo. No segundo capítulo serão expostas as decisões
metodológicas adotadas e a descrição dos instrumentos de coleta de
informações utilizados, bem como uma série de informações que permitam ao
14
leitor acompanhar o desenvolvimento do trabalho de campo. Finalmente, no
terceiro capítulo, descrevo as práticas pedagógicas dos professores de
educação física e o processo de construção das categorias de análise, bem
como a discussão das mesmas. O trabalho é encerrado com as considerações
finais e o posfácio, que foi redigido após a apresentação da pesquisa aos
professores colaboradores.
15
1 APROXIMAÇÃO AO PROBLEMA/REFERENCIAL TEÓRICO
[...] as perguntas que fazemos, as teorias que utilizamos, guiam
nossa indagação; na realidade, o que chegamos a saber sobre o
mundo está influenciado pelas ferramentas de que dispomos (EISNER,
1998).
O presente referencial baseia-se nas teorias da ação. Através destas
pretendo discutir como se constitui a prática pedagógica dos professores de
educação física na RMEPOA, buscando compreendê-la a partir das
abordagens e dos conceitos de autores como Pierre Bourdieu, Bernard Lahire,
Claude Dubar e Philippe Perrenoud.
Para Bourdieu (2005) uma teoria da ação repousa na seguinte idéia:
Os “sujeitos” são, de fato, agentes que atuam e que sabem,
dotados de um senso prático [...], de um sistema adquirido de
preferências, de princípios de visão e de divisão (o que comumente
chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são
essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas) e de
esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta
adequada. O habitus é essa espécie de senso prático do que se deve
fazer em dada situação – o que chamamos, no esporte o senso do jogo,
a arte de antecipar o futuro do jogo inscrito, em esboço, no atual
estado do jogo (p. 42) [grifo do autor].
Busco, ao longo do trabalho, aproximar o conceito de habitus aos
conceitos de trajetória e de experiência, no intuito de compreender a prática
como uma reação não mecânica em uma determinada situação. Pretendo,
no entanto, problematizar a prática, afastando-me da noção de ato
mecânico, dos ideais de práticas pedagógicas ou, ainda, de uma resposta
racional. Trata-se de resgatá-la em sua materialidade (observações das aulas
de educação física) e de discutir com quem as produz: os professores de
educação física.
16
1.1 AS DIVERSAS POSSIBILIDADES DE COMPREENDER A PRÁTICA (OU
PROBLEMATIZANDO O QUE SE CONVENCIONOU CHAMAR DE PRÁTICA)
Penso que identificar a constituição das práticas é particularmente
importante para compreendê-las. Neste sentido, a abordagem se dará a partir
de teorias sociais e educacionais, mais especificamente através de autores
como Bourdieu (1983, 2005); Dubar (2005); Lahire (2002) e Perrenoud (1993,
2001). Algumas questões serão tratadas a partir da nova epistemologia da
prática, através de Schön (1992), Silva (2005), Tardif (2002) e Borges (2003). Esta
abordagem permitirá compreender como se constituem as práticas dos
professores, quais são seus condicionantes e quais são (e se existem) os espaços
para a reflexão na ação e para a reflexão sobre a ação.
Deste modo, busco problematizar o que se convencionou chamar de
prática, evitando abordagens simplistas que entendem a prática como uma
reação mecânica
1
e afastando-me dos ideais de práticas pedagógicas.
Perrenoud (1993) já encaminhava a discussão no sentido de romper com a
imagem racionalista e simplificada da ação; considerava, inclusive, que
subestimar a força da razão prática era falta de realismo.
Alio-me ao autor, ao considerar que a utilização da noção de habitus
2
,
para compreender a prática pedagógica dos professores, “[...] permite
articular consciência e inconsciência, razão e outras motivações, decisões e
rotinas, improvisação e regularidades” (PERRENOUD, 1993, p. 24).
Neste sentido, Bourdieu (1983) coloca que a prática é o produto da
relação dialética entre uma situação e um habitus. Nas palavras do autor:
1
A este respeito Lahire (2002) faz uma crítica à sociologia que, por muito tempo, associou os
hábitos à idéia de “reação mecânica a estímulos determinados” desprovendo-o de
reflexividade e auto-engendrado. Afirma que “No pensamento de numerosos sociólogos
americanos do começo do século, o termo “hábito” estava obrigatoriamente ligado à
concepção reducionista do behaviorismo em matéria de estudo da ação humana” (p. 75)
[grifo do autor].
2
Refiro-me a elaboração de Pierre Bordieu a respeito da noção de habitus.
17
A prática é, ao mesmo tempo, necessária e relativamente
autônoma em relação à situação considerada em sua imediatidade
pontual, porque ela é o produto da relação dialética entre uma
situação e um habitus - entendido como um sistema de disposições
duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas,
funciona em cada momento como uma matriz de percepções,
apreciações e ações - e torna possível a realização de tarefas
infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de
esquemas, que permitem resolver os problemas da mesma forma, e às
correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas
por esses resultados (BOURDIEU, 1983, p. 65).
O autor considera que o habitus é o produto da história e um princípio
estruturador e gerador de práticas individuais e coletivas. Para Bourdieu,
as estruturas constitutivas de um tipo particular de meio [...], que podem
ser apreendidas empiricamente sob a forma de regularidades
associadas a um meio socialmente estruturado, produzem habitus,
sistemas de disposições duráveis, [...] estruturas estruturadas predispostas
a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador
e estruturador de práticas e das representações (1983, p. 60-61) [grifo
nosso].
Cabe destacar que, segundo Dubar (2005), o termo habitus foi utilizado
por Durkheim e que Bourdieu retoma esta noção “[...] e lhe dá uma definição
mais complexa, mais dialética e com a pretensão de ser mais operacional”
(DUBAR, 2005, p. 77).
Especificamente, no que se refere às práticas dos professores de
educação física, o habitus (ou as disposições para a prática) dos professores
seria estruturado a partir da escolarização do futuro professor, da formação
inicial e de suas experiências corporais e esportivas, influenciando a prática
pedagógica e, algumas vezes, se impondo como uma limitação às mudanças
da prática
3
.
3
Mais adiante neste trabalho trabalharei com as idéias de Silva (2005) para quem, durante a
escolarização são incorporados habitus de estudante e não de professor.
18
Gostaria de antecipar que, posteriormente, tratarei de forma mais
aprofundada a relação entre habitus e experiência, compreendendo-a como
um dos elementos constituintes da prática dos professores.
Relativizando esta concepção de habitus como incorporação, Dubar
(2005) ressalta que: “o passado não determina mecanicamente a visão do
futuro [...]” (p. 93), e:
Por isso, a hipótese “visões do futuro reproduzindo as percepções
do passado” é apenas uma das configurações possíveis da articulação
entre representações (e categorias) herdadas da trajetória passada e
estratégias (e categorizações) possibilitadas pelas oportunidades do
sistema”
4
(DUBAR, 2005, p. 93) [grifo do autor].
Assim, para o autor, a socialização pode ser entendida como um “[...]
processo biográfico de incorporação das disposições sociais oriundas não
somente da família e da classe de origem, mas também do conjunto dos
sistemas de ação atravessados pelo indivíduo no decorrer de sua existência” (p.
93, 94).
Uma terceira possibilidade de compreensão do processo de constituição
das práticas é discutida por Lahire (2002). A intenção deste autor é a de “[...]
tratar teoricamente a questão do passado incorporado, das experiências
socializadoras anteriores, evitando negligenciar ou anular o papel do presente
(situação) [...]” (p. 47). Neste sentido, nem o acontecimento desencadeador,
nem a disposição incorporada podem ser entendidos como os únicos
determinantes da prática. Para Lahire (2002), existem formas variadas de
estruturação de um
habitus
que não somente a ação, como a linguagem (o
autor refere-se a práticas linguageiras), por exemplo. Considera que as
experiências passadas estão presentes em nossos esquemas de ação.
4
Dubar (2005) considera, ainda, que “[...] essa causalidade é probabilista: exclui toda a
determinação mecânica dos momentos seguintes por um ‘momento’ privilegiado” (p. 94) [grifo
do autor].
19
A ação (a prática, o comportamento, ...)
5
é sempre o ponto de
encontro das experiências passadas individuais que foram incorporadas
sob forma de esquemas de ação (esquemas sensório-motores,
esquemas de percepção, de avaliação, de apreciação, etc.), de
hábitos, de maneiras (de ver, de sentir, de dizer e de fazer) e de uma
situação social presente (LAHIRE, 2002, p. 69).
Porém, Lahire (2002) chama atenção para o fato que em uma sociedade
complexa há uma grande diversidade em relação ao momento da
incorporação e ao momento da ação. Neste sentido, o autor critica a
teorização de Pierre Bourdieu, especialmente em relação à excepcionalidade
do contexto histórico estudado. Lahire (2002) considera que Bourdieu “[...]
captou o funcionamento de uma sociedade tradicional fracamente
diferenciada [...]” (p. 24), na qual “[...] os atores modelados por tais sociedades
estão dotados de um estoque particularmente homogêneo de esquemas
incorporados de ação” (p. 24).
Sendo assim, Lahire (2002), considera que os homens são plurais, que
incorporam diversos esquemas de ação (constituindo um estoque de
conhecimentos) que estarão disponíveis no momento da ação. E, ainda, que
estes diversos repertórios podem coexistir pacificamente e se exprimem em
contextos sociais diferentes.
Na sociologia da educação, compreender a ação dos professores a
partir da noção de habitus não é algo novo. Perrenoud (2001) considera que a
ação pedagógica dos professores é constantemente orientada pelo habitus,
colocando-o como uma gramática geradora das práticas. Para o autor, o
habitus é moldado pela interiorização de um aprendizado baseado em
tentativas e erros e pela seleção das respostas adequadas ao meio físico e
social.
5
Lahire (2002) trata como sinônimos a prática, a ação e o comportamento.
20
Assim, para Perrenoud (1993), os professores produzem rotinas que são
colocadas em ação sem avaliar seu caráter arbitrário: “É a parte da
reprodução, de tradição coletiva retomada por conta própria ou de hábitos
pessoais cuja origem se perde no tempo” (p. 21). O autor considera, ainda, que
há uma tendência racionalista e que, por várias razões, a prática é
apresentada como sendo mais consciente e racional do que o é na realidade.
Enfatiza que muitas das ações e das rotinas desenvolvidas pelos professores não
são conscientes. Neste sentido, utiliza-se da noção de habitus no sentido de
romper com a imagem racionalista e simplificada da ação, buscando entendê-
la em seus aspectos não conscientes, em suas motivações, improvisações e
rotinas.
Para Perrenoud (2001), a ação pedagógica
6
é constantemente
orientada pelo habitus. Este autor trata da transformação dos esquemas de
ação em rotinas sugerindo que, no período inicial da carreira, os professores
testam e selecionam procedimentos, transformando as ações que deram certo
em rotinas. Alguns saberes se extinguem ou enfraquecem, enquanto outros vão
se transformando em rotinas, sendo incorporados às disposições e
conformando o habitus profissional. O autor destaca a gestão da urgência, que
é considerada a parte de imprevisto na ação planejada, pois, algumas ações
do professor são ponderadas, fundadas em valores e raciocínios; outras, são
tomadas na urgência, na improvisação. No entanto, para agir na urgência o
professor mobiliza reflexos, e “[...] Bourdieu insistiu justamente no fato de que
não reagimos ao acaso, mas em função de nosso habitus, na ilusão da
espontaneidade e da liberdade” (PERRENOUD, 2001, p. 168). Perrenoud (2001)
6
Cabe esclarecer que a mudança de designação de prática pedagógica para ação
pedagógica deve-se ao fato que estou apresentando a concepção teórica de Perrenoud. Este
fato acontecerá outras vezes neste trabalho devido à designação que os autores dão: prática
ou ação. Na minha perspectiva o que os professores realizam é uma prática, neste caso, uma
prática pedagógica.
21
considera que: “Nossa dependência mais forte é em relação à parte menos
explícita e reconhecida de nosso próprio habitus” (p. 169).
Neste sentido, para Perrenoud (2001), o habitus também é investido na
preparação das aulas, em sua organização e na escolha das atividades,
traduzindo a nossa capacidade de operar “sem saber”, em uma rotina
econômica ou para fazer face às emergências do cotidiano. Em toda ação
complexa, mesmo em situação de urgência ou no quadro de uma rotina,
manipulamos informações, representações, conhecimentos pessoais e saberes
sociais; “[...] mas é o habitus que governa esses tratamentos” (p. 170).
No Brasil, Silva (2005) trata deste tema com bastante propriedade,
centrando seu interesse em “[...] investigar como se aprende para ensinar na
sala de aula” (p. 154). Para tanto, utilizou-se da teoria da ação prática de
Bourdieu aliada ao conceito de experiência (THOMPSON, 1981), ressaltando
que, para Bourdieu “[...] práticas deixam de ser meros saberes práticos e
configuram um comportamento que denominou habitus” (SILVA, 2005, p. 156).
Em relação ao papel da experiência na prática dos professores ressalta,
concordando com Thompson, que a experiência é fruto de “[...] muitos
acontecimentos inter-relacionados ou de muitas repetições do mesmo tipo de
acontecimento” (THOMPSON, 1981, p. 15). Ao relacionar habitus e experiência,
a autora considera que são “[...] duas noções fundamentais aos estudos sobre
o lugar da teoria e da prática na formação e atuação docentes, tendo em
conta a estruturação do objeto de estudo das investigações sobre o ato de
ensinar na sala de aula” (SILVA, 2005, p. 158)
7
.
Partindo desta base teórica e de pesquisas empíricas, Silva (2005)
denomina de habitus professoral,
7
Silva (2005) ainda ressalta que “Bourdieu e Thompson usaram a mesma lógica para formular
instrumentos explicativos de denominações diferentes, mas logicamente semelhantes e
intercomplementares sobre a ação prática dos homens” (p. 158).
22
o conjunto de ações que visivelmente eram exercidas pelo professor e
pelas professoras (respectivamente, um professor e três professoras)
observados, que recebiam respostas imediatas, objetivas e espontâneas
de seus alunos, que estabeleciam relação direta com os gestos de
ensino decididamente intencionais praticados por esses profissionais (p.
158).
A autora lembra, ainda, que “[...] um habitus pode ser reestruturado com
outras práticas, configurando um outro habitus” (p. 159). E conclui, dizendo que,
durante a formação os discentes estruturam o habitus estudantil, e não o
habitus professoral, pois o último será desenvolvido somente no e com o
exercício da docência. E é exatamente por isso que se afirma que o ato
de ensinar na sala de aula denomina-se habitus, e não prática docente,
sobretudo quando o que está em jogo é a constituição do objeto das
investigações sobre o ensino na sala de aula (p. 160).
Partindo da teorização até aqui apresentada, pretendo discutir a respeito
de quais disposições são incorporadas na escolarização e a partir de nossas
experiências: um habitus profissional (PERRENOUD, 2001), um habitus estudantil
(SILVA, 2005) ou um habitus professoral (SILVA, 2005)?
Apesar de concordar com as teorizações dos autores acima, sobretudo
no que se refere à utilização da noção de habitus na compreensão das
práticas pedagógicas, penso que a prática pedagógica não se trata,
exclusivamente, de um habitus. Entendo que o habitus (como estruturas
estruturantes) constitui a prática dos professores, inclusive inconscientemente.
Pois os professores, durante a sua própria escolarização e através de distintas
vivências, incorporam disposições para a ação; ou seja, incorporam
expectativas em relação aos alunos e ao funcionamento da escola que vêm a
ser fundamentais nas tomadas de decisões, no sentido de orientar suas práticas.
Deste modo, as experiências vividas pelos professores são incorporadas e
constituem suas disposições para a ação, seus esquemas de julgamento e de
23
avaliação, e tendem a influenciar na organização das aulas e na organização
escolar.
Estas disposições constituem e configuram a prática pedagógica e os
padrões de avaliação e de comportamento, influenciando no planejamento
das aulas e nos relacionamentos do professor com os alunos. Neste sentido
Lahire (2002) observa que:
A criança, o adolescente e, depois, o adulto não incorporam,
propriamente falando, “estruturas sociais”, mas hábitos corporais,
cognitivos, avaliadores, apreciativos, etc., isto é, esquemas deão,
maneiras de fazer, de pensar, de sentir e de dizer adaptadas (e às vezes
limitadas) a contextos sociais específicos (p. 173) [grifo do autor].
Lembro que não considero que o habitus (profissional ou professoral) seja
a prática; mas que o habitus é um dos aspectos fundamentais na constituição
das práticas pedagógicas dos professores.
Nesta perspectiva, a prática pedagógica dos professores de educação
física será entendida como resultante da interação entre um habitus e um
contexto. Com o intuito de tornar mais clara a perspectiva de análise proponho
o seguinte esquema:
Experiências vividas
Habitus
Prática pedagógica
Contexto Escolar (situação)
Quadro 1: Elementos que constituem a prática pedagógica.
Considero importante esclarecer que a centralidade da pesquisa
repousa na constituição das práticas pedagógicas. O contexto, como um dos
fatores constituintes da prática, será tratado mais adiante neste trabalho e
24
abarcará aspectos relativos à escola, como: os espaços destinados às aulas de
educação física, as relações que se estabelecem entre os professores de
educação física e os de outras disciplinas, as relações interpessoais e as
situações desencadeadoras nas quais se desenvolve esta prática.
1.2 A TRAJETÓRIA E A EXPERIÊNCIA NA INCORPORAÇÃO DO HABITUS
Entendo que compreender a estruturação das práticas a partir do
conceito de habitus permite aprofundar o conhecimento em relação à
constituição das mesmas. Porém, aliado à possibilidade de aprofundamento a
respeito de como se estruturam estas práticas, outras questões se colocam:
Como são estruturados os esquemas de ação dos professores? Quais as
possibilidades de mudança dos mesmos? Que limites se impõem às mudanças?
A partir destas questões se estabelece um amplo debate em torno do
papel da trajetória e da experiência na estruturação de um habitus. Procurei
tratar, inicialmente de alguns pontos da teoria inspirada em autores
estrangeiros, para posteriormente citar os autores nacionais.
Neste sentido, Lahire (2002) destaca que:
[...] o campo de investigação proposto aqui levanta a questão
das modalidades de desencadeamento dos esquemas de ação
incorporados (produzidos no decorrer do conjunto das experiências
passadas) pelos elementos ou pela configuração da situação presente,
isto é, a questão das maneiras como uma parte – e somente uma parte
– das experiências passadas incorporadas é mobilizada, convocada e
despertada pela situação presente (p. 52).
Ou seja, o interesse do autor repousa não somente na constituição dos
esquemas de ação, mas, fortemente, em como se dá a mobilização destes
esquemas de ação.
No entanto, Dubar (2005), ao entender que há distinção entre as
condições de produção e as condições de funcionamento do habitus
considera que este possa ser o produto tanto de condições objetivas quanto
25
proveniente de uma impregnação de atitudes subjetivas. Para este autor o
habitus é entendido como produto de uma trajetória social.
É com o intuito de problematizar estas questões que utilizo os
conceitos/noções de experiência e habitus, na tentativa de compreender
como se incorporam os esquemas de ação que constituem as práticas. Como
já explicitado neste trabalho, para Bourdieu (1983) as experiências passadas
integram o habitus. Nesta perspectiva, Silva (2005) fez uma aproximação dos
conceitos de habitus e de experiência com o objetivo de compreender como
se estruturam as práticas dos professores de sala de aula, pois para a autora,
“[...] a semelhança entre a lógica da noção de experiência e a noção de
habitus é visível. O que seguramente se pode dizer é que uma não existe sem a
outra, já que o habitus é a substância da experiência, e vice-versa” (p. 158)
[grifo da autora].
Sendo assim, a utilização do conceito de experiência
8
permite apreender
as condições objetivas da ação, ao mesmo tempo em que evita uma visão
“determinista” que a reduziria a uma resposta mecânica e direta a
determinações. Sobretudo, se pensarmos como Thompson (1981), para quem:
A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não
surge sem pensamentos. Surge porque homens e mulheres (e não
apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e
ao seu mundo. Se tivermos de empregar a (difícil) noção de que o ser
social determina a consciência social como iremos supor que isto se dá?
[...] O que queremos dizer é que ocorrem mudanças no ser social que
dão origem a experiência modificada; e essa experiência é
determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência
social existente, propõem novas questões e proporciona grande parte
do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais
elaborados (p. 16).
8
Experiência é um conceito bastante presente no debate sociológico e filosófico. Para Giles
(1993) é o conhecimento que deriva de atividades, práticas e aptidões pessoais; enquanto que
para Mora (1996) é um termo empregado em vários sentidos, podendo ser o ensinamento
adquirido com a prática: ofício, profissão ou experiência de vida.
26
O autor segue dizendo que, fora dos recintos da universidade outro tipo
de conhecimentos se processa o tempo todo:
Mas devo lembrar a um filósofo marxista que conhecimentos se
formaram, e ainda se formam, fora dos procedimentos acadêmicos. E
tampouco eles têm sido, no teste da prática, desprezíveis. Ajudaram
homens e mulheres a trabalhar nos campos, a construir casas, a manter
complicadas organizações sociais, e mesmo, ocasionalmente, a
questionar eficazmente as conclusões do pensamento acadêmico
(THOMPSON, 1981, p.17).
Esta discussão também se faz presente no âmbito da educação física,
mais especificamente no trabalho de Borges (2003). A autora coloca que não
pretende fazer uma apologia ao saber da prática, mas dar relevo a outros
aspectos da formação do saber/prática dos professores de educação física
que vêm sendo desconsiderados em sua formação. Neste trabalho, a autora
busca investigar as múltiplas influências que envolvem a prática pedagógica
de dois professores no que diz respeito à construção de saberes e considera
que, possivelmente, estes saberes provêm das experiências profissionais
vivenciadas no contexto escolar. Borges (2003) refere-se “[...] à idéia de que
muitos dos saberes que formam os professores são resultantes das experiências
que estes adquirem na trajetória profissional, no desenvolvimento de atividades
pedagógicas vivenciadas nas instituições onde atuam e atuaram” (p. 109-110).
No entanto, para evitar uma análise mecânica contexto-prática, a autora
utiliza o conceito de habitus para partir da prática pedagógica dos professores
e “[...] buscar identificar como se dá e quais elementos influenciam a
construção dos saberes” (p. 111). Neste sentido, a expressão saberes da
experiência, diz respeito, principalmente, às interações vivenciadas pelos
docentes.
O conceito de saberes da experiência, para Tardif (2002), refere-se a
saberes específicos que são desenvolvidos pelos professores, fundados nos
saberes do cotidiano e no conhecimento do seu meio. Estes saberes brotam da
27
experiência e são validados por ela: “Eles incorporam-se à vivência individual e
coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser”
(p. 39). Neste sentido, para o autor, o saber dos professores é pessoal e está
relacionado com a sua identidade, com a sua experiência de vida, com a
história profissional, no relacionamento com os alunos, com os outros
trabalhadores da escola, ou seja, é necessário estudá-lo vinculando-o aos
elementos constitutivos do trabalho docente.
Assim, é reforçada a idéia de que o habitus constitui a prática
pedagógica dos professores através da incorporação de experiências vividas e
da repetição de ações que deram certo. Encontram-se presentes no habitus
dos professores saberes que foram constituindo-se ao longo do exercício da
docência, conhecimentos adquiridos a partir de suas experiências e crenças
relativas ao seu período de escolarização.
Deste modo, pode-se observar que outro fator importante na constituição
destas práticas é o contexto no qual estas se desenvolvem, aspecto que será
tratado a seguir.
1.3 O CONTEXTO E A PRÁTICA
Ao compreender a prática como o produto da interação entre um
habitus e um contexto, torna-se necessário expor o que será entendido por
contexto na presente dissertação. Buscar conceituar esta palavra pode ser
algo bastante delicado, devido a diversidade de possibilidades encontradas
nas literaturas sociológica, educacional e na educação física.
Pretendo tratar do contexto em um entendimento mais amplo,
abarcando-o como um espaço de relações, como um espaço de tempo e
como um espaço lugar
9
.
9
Frago (2001) diferencia espaço e lugar. Neste sentido, o autor discute a dimensão espacial do
ensino ao considerar as dimensões espacial e temporal da atividade educativa.
28
Para Bourdieu
10
(1983, 2005) o contexto/a situação desencadeadora é
um dos aspectos constituintes da prática. No entanto, o contexto não pode ser
entendido como um espaço físico, Bourdieu refere-se ao espaço social como o
“[...] lugar da coexistência de posições sociais, de pontos mutuamente
exclusivos os quais, para seus ocupantes, constituem o princípio de pontos de
vista” (2001, p. 159).
Porém, como já citado neste trabalho, uma das críticas de Lahire (2002) é
que o habitus, ao qual Bourdieu se refere, foi estudado em uma sociedade
simples, enquanto que, atualmente, vivemos em sociedades complexas, nas
quais não há unicidade nos momentos de incorporação dos esquemas de
ação e do momento da ação.
Neste sentido, para Lahire (2002),
[...] as situações sociais (das mais formais e institucionais às mais
informais) nas quais vivemos constituem verdadeiros “ativadores” de
resumos de experiências incorporados que são nossos esquemas de
ação (no sentido amplo do termo) ou nossos hábitos e que
dependemos assim fortemente dos contextos sociais [...] que “tiram” de
nós certas experiências e deixam outras em estado de gestação ou de
vigília. Mudar de contexto (profissional, conjugal, familiar, de amizade,
religioso, político,...) é mudar as forças que agem sobre nós (p. 59) [grifo
do autor].
Na educação física existem algumas divergências entre os autores
11
no
que venha a ser entendido como o contexto das aulas. No entanto, todos
concordam que há forte influência do contexto na organização e no
desenvolvimento das aulas. Borges (2003) chama de poder educativo das
instituições a forte influência que a organização escolar exerce sobre a prática.
A pesquisadora constata que as práticas mudam de instituição para instituição,
evidenciando que há influência do contexto no trabalho do professor e que
10
Para Bourdieu o habitus dos agentes está diretamente relacionado à posição que ele ocupa
no espaço de relações no qual se dá a prática, ou seja, no interior do campo.
11
Refiro-me aos autores que serão citados ao longo deste teste tópico.
29
“[...] como lócus da prática docente, a escola é um espaço de produção e
socialização de saberes do indivíduo com o coletivo e vice-versa” (p. 112). E, no
sentido de identificar as condições objetivas nas quais se desenvolve a prática
dos professores procurou mapear o contexto escolar através de sua
caracterização. Esforço que também será realizado neste trabalho,
posteriormente.
Numa perspectiva próxima a anterior, Gariglio (2005) chama a atenção
para o fato que as aulas de educação física acontecem em um contexto que
se difere das demais disciplinas por suas condições ambientais da sala de aula,
pela interação professor-aluno afetivamente mais intensa, por seus objetos
didáticos peculiares, entre outros. O autor constata que “[...] os saberes
docentes são elaborados dentro de um contexto situado de trabalho, ou seja,
construídos em função de situações particulares e singulares” (p. 1986).
Sendo assim, no caso específico da educação física, torna-se importante
considerar a situação nas quais ocorrem as aulas: o espaço e o tempo
destinados pela instituição a estas aulas, a relação numérica professor-aluno, a
relação da escola com a disciplina de educação física, as normas escolares, o
material disponível, entre outros aspectos.
No presente estudo, o contexto será tratado de forma abrangente
(espaço escolar, comunidade escolar e tempo destinado às aulas de
educação física), na tentativa de compreender uma prática determinada no
interior de uma instituição determinada: a escola. Especialmente, porque
parece haver um consenso entre autores da área, como Bracht (2003), Borges
(2003), Gariglio (2005) e Günther (2006) de sua influência nas aulas de
educação física.
Outro aspecto relativo ao contexto escolar e que atua como fator
interveniente nas práticas dos professores é a arquitetura escolar. Para Escolano
(2001) a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou
seja,
30
como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela
seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta. A localização da escola
e suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado
arquitetônico do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou
incorporados e a decoração exterior e interior respondem a padrões
culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende (p. 45).
Neste sentido Bracht (2003) problematiza a questão do espaço escolar
destinado às aulas de educação física:
Ressalte-se que não se deve reduzir o problema do espaço escolar
no caso específico do espaço destinado às aulas de Educação Física,
a uma questão meramente material, isto é, de sua existência ou não. É
preciso também discutir a dimensão simbólica e pedagógica dos
espaços escolares (p. 40).
Ainda no sentido de reforçar a importância do espaço e do tempo na
constituição das práticas pretendo refletir a partir das considerações de Frago
(2001), para quem a escola é um lugar
12
, e:
Qualquer atividade humana precisa de um espaço e de um
tempo determinados. Assim acontece com o ensinar e o aprender,
com a educação. Resulta disso que a educação possui uma dimensão
espacial e que, também, o espaço seja, junto com o tempo, um
elemento básico, constitutivo, da atividade educativa (p. 61).
A dimensão temporal das aulas de educação física materializa-se através
de sua distribuição na grade curricular e na grade horária da escola. Com a
implementação dos ciclos de formação pode-se observar um avanço para a
área no que se refere a sua inserção, nos primeiros anos de escolarização, com
professores graduados.
No entanto, Wittizorecki (2005) coloca que outros aspectos relativos ao
tempo influenciam o trabalho docente dos professores de educação física,
12
Frago (2001) ressalta que o espaço pode vir a ser um lugar.
31
como a exigüidade de tempo para a troca de experiências, para a avaliação
de suas práticas e para a articulação das ações entre os professores.
Sendo assim, ao tratar do contexto como aspecto constituinte da prática
pedagógica estarei abordando questões relativas ao espaço e aos horários nos
quais estas práticas se materializam, as relações que se desenvolvem em seu
interior e buscando qual a influência do contexto maior (comunidade na qual a
escola está inserida) nestas aulas.
1.3.1 Contextualizando o campo de estudo
Entendo que, no esforço por descrever e compreender esta prática
acabo por construir uma visão de prática, sobretudo quando me filio a uma
corrente de pensamento que a compreende como fruto de um habitus e de
um contexto.
Problematizar a prática, descrevê-la, discuti-la é o objetivo central deste
trabalho. Para tanto, tratarei de contextualizá-la, descrevendo a forma como
está organizada a Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RMEPOA) e
situando a educação física neste contexto; para, posteriormente, tentar
compreender como se estrutura/constitui a prática dos professores de
educação física.
1.3.2 A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RMEPOA)
A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RMEPOA) está composta de
45 escolas de ensino fundamental, 33 escolas de educação infantil, 4 escolas
de ensino fundamental especial, 1 escola de educação básica, 1 de ensino
médio e profissional, 1 escola de educação de jovens e adultos e 7 jardins de
praça, totalizando 92 unidades. Atende, aproximadamente, 69.157 alunos,
sendo que destes 41.375 estão nas escolas de ensino fundamental
13
.
13
Informações retiradas do site da SMED:
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smed/default.php?p_secao=2.
32
As escolas de ensino fundamental da RMEPOA estão organizadas por
ciclos de formação com a duração de nove anos. A proposta está baseada
nos ciclos de desenvolvimento humano. E, para Lima (2000):
Ciclo de formação não é uma novidade pedagógica. É
equivocada a noção de que ciclo signifique simplesmente uma nova
proposta pedagógica, pois ele é, na verdade, uma proposta de
estruturão da escola [...] (p. 09).
Ainda para esta autora, a educação por ciclos de formação é “[...] uma
forma de se adequar melhor às características biológicas e culturais do
desenvolvimento de todos os alunos” (2000, p. 10).
Esta rede atende, prioritariamente, crianças dos 6 aos 14 anos de idade,
em três ciclos, com a duração de três anos cada ciclo. Em relação à estrutura
curricular e as faixas etárias, pode-se colocar que:
a) O Primeiro Ciclo caracteriza-se por um período com estreita
articulação com a educação infantil, pois desenvolve o trabalho com
crianças de 6 a 8 anos. É dada maior atenção “[...] aos recursos de
pensamento e habilidades exploratórias, identificando formas de
representar realidades, idéia, explicações de fatos e fenômenos,
especialmente as que se referem as diferentes expressões como a
escrita (inclusive a linguagem do computador), a oral, corporal e os
conceitos matemáticos” (p. 21).
b) O Segundo Ciclo é compreendido como uma etapa intermediária aos
ciclos I e III, que deve dar continuidade e aprofundar o ciclo anterior.
“Incorpora-se aí, gradualmente, a lógica da conquista da autonomia
pessoal e social na relação do educando com o conhecimento e
com os demais segmentos da escola” (p. 21).
33
c) O Terceiro Ciclo torna-se uma etapa de culminância da Educação
Básica e de transição para o segundo grau (atualmente, ensino
médio), ao concluí-lo espera-se que o educando seja um sujeito
detentor de uma cultura geral razoável, com destreza de pensamento
e de comunicação.
A organização curricular por ciclos de formação da RMEPOA começou a
ser implantada no ano de 1995. Bossle (2003) ressalta que, a formulação da
proposta de currículo organizado por ciclos de formação na RMEPOA inspirou-
se, também, em experiências de outras administrações públicas que já haviam
implantado este tipo de organização escolar, como: Rede Estadual de São
Paulo (1983), Rede Estadual de Pernambuco (1987), Rede Municipal de São
Paulo (1991) e Rede Municipal de Belo Horizonte (1994).
Fernandes (2005) fez um estudo comparativo a partir de algumas destas
experiências e as peculiaridades de cada uma delas. Para esta autora a nova
organização pressupõe uma nova lógica do ensino na qual seria propiciada e
valorizada a participação da comunidade nas decisões escolares, haveria uma
preocupação com a inclusão e com a aprendizagem dos alunos e uma
participação mais efetiva dos professores na vida da escola. Caberia ressaltar
que, para a autora:
Os conhecimentos construídos com base em reflexões sobre a
prática, por meio de oficinas e projetos, parecem ter maior legitimidade
entre os professores de escolas cicladas. Escolas com ciclos, por
trazerem mudanças efetivas para a prática, demandam mais
insistentemente a criação de soluções que não estão prescritas em livros
e nem em manuais (FERNANDES, 2005, p. 67).
Logo, a organização do ensino por ciclos pressupõe mudanças nas
práticas pedagógicas dos professores. Em relação ao caso francês, Perrenoud
(1999) observa que,
34
[...] a introdução dos ciclos de aprendizagem
14
é uma reforma de
terceiro tipo, ainda que aparentemente ela se apresente como uma
reforma de estrutura e de currículo. No final das contas, são as práticas
15
profissionais que é preciso transformar (p. 11).
Não se trata de concordar com o autor e classificar a escola por ciclos
como uma mudança de terceiro tipo, mas de concordar que, para o êxito da
implementação dos ciclos, há a necessidade de mudanças nas práticas dos
professores diante desta diferenciada organização escolar.
Nesta perspectiva, podemos considerar que numa proposta de escola
por ciclos de formação existe a necessidade de transformação das práticas
pedagógicas. Sendo assim, garantir as mudanças curriculares e estruturais da
escola de acordo com a proposta não significa sua implementação.
Neste sentido, pretendo traçar um paralelo da proposta por ciclos de
formação da RMEPOA com algumas pesquisas recentes desta área de
conhecimento, no intuito de contextualizar a realidade na qual se inserem as
práticas pedagógicas dos professores de educação física e o presente
trabalho.
1.3.3 Escola por ciclos e educação física na RMEPOA
Tratarei, neste tópico, da proposta (pedagógica) para a educação física
na RMEPOA e como vêm sendo desenvolvidas, nesta rede de ensino, as aulas
de educação física, segundo pesquisadores da área.
A organização do ensino por ciclos de formação, segundo o caderno
pedagógico n. 9
16
, garante aulas de educação física com professores
graduados durante todo o ensino fundamental. Esta disciplina compõe a área
14
Perrenoud (1999) refere-se a ciclos de aprendizagem por realizar suas pesquisas na França
onde se denomina ciclos de aprendizagem; as propostas, porém, são bastante semelhantes.
15
Para Perrenoud (2000) “[...] é preciso atingir as práticas, a relação pedagógica, o contrato
pedagógico, as culturas profissionais, a colaboração entre professores” (p. 160) [grifo do autor].
16
O caderno pedagógico n. 9 é uma publicação da Secretaria Municipal de Educação de
Porto Alegre. Este caderno é o documento referência da proposta de organização do ensino
por ciclos de formação.
35
de Expressão, juntamente com as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura,
Língua e Cultura Estrangeira e Arte-Educação. Há um reordenamento na grade
curricular, a partir do qual passa a haver uma maior paridade entre as
disciplinas, no que se refere à quantidade de períodos semanais,
principalmente no 3
o
ciclo (GÜNTHER, 2006). A educação física passa a ser
oferecida aos alunos de 1
o
e 2
o
ciclos com carga horária de 2 períodos
semanais, enquanto que no 3
o
ciclo são 3 períodos semanais.
A organização curricular por ciclos na RMEPOA tem a duração de 9 anos
para o ensino fundamental
17
. A mudança da escola seriada para a escola por
ciclos envolve aspectos estruturais, aspectos curriculares e a própria prática
pedagógica dos professores. Segundo a proposta de organização da escola
por ciclos
18
a ação educativa deverá levar em conta a prática social como
fonte de conhecimento e critério de verdade, deverá ter uma concepção de
conhecimento interdisciplinar e uma atitude interdisciplinar, que estabeleça
uma nova relação entre currículo, conteúdos e realidade.
Esta nova organização curricular e nova concepção de ensino-
aprendizagem instigou pesquisadores da área da educação física, como
Wittizorecki (2001), Bossle (2003), Santini (2004), Günther (2006), entre outros. O
conjunto destas obras nos permite compor um quadro da prática pedagógica
dos professores de educação física da RMEPOA. A seguir, com esta intenção,
ressaltarei alguns pontos destes trabalhos, os quais considero que possam
contribuir na compreensão da prática pedagógica dos professores de
educação física.
Ao problematizar o trabalho docente dos professores de educação física,
Wittizorecki (2001) observa que estes professores encontram-se frente a
situações inusitadas, situações que requerem uma pronta tomada de decisão,
17
O ensino fundamental de nove anos está dividido em três ciclos com a duração de três anos
cada ciclo, nos quais os alunos são agrupados de acordo com suas idades.
18
Secretaria Municipal de Educação. Cadernos Pedagógicos 9: Ciclos de Formação: Proposta
político-pedagógica da escola cidadã. Porto Alegre, 1996.
36
e afirma que alguns dos traços característicos do trabalho nesta rede de ensino
são as contingências enfrentadas no cotidiano e o empenho dos professores
em desenvolver estratégias de sobrevivência (WOODS, 1995). Para Wittizorecki
(2001) são estratégias de sobrevivência: a produção de materiais de trabalho
alternativos, as relações de cooperação e os movimentos de organização
sindical e reivindicações da classe. Porém, existe dificuldade em produzirem
mudanças pedagógicas, além de pouco respaldo institucional.
Bossle (2003), ao abordar o planejamento de ensino em escolas da
RMEPOA, considera que ainda há dificuldades dos professores em relação à
compreensão da proposta. Entende que as reestruturações expostas na
proposta, apesar de importantes, são de “[...] difícil execução nas
comunidades em que as escolas estão inseridas” (p. 203). E finaliza dizendo
que:
[...] o que os professores de educação física das escolas desta
Rede de Ensino estão fazendo, hoje, nas escolas, não é a educação
física crítica, superadora ou transformadora, mas a educação física
possível (p. 208).
Em tese recente, Günther (2006) coloca que a representação de currículo
entre os professores de educação física é bastante diversa e que convivem em
escolas da RMEPOA “novos e velhos tempos e espaços pedagógicos”. Reforça
que “[...] as representações que os professores de algumas escolas expressam
em relação ao currículo organizado por ciclos deixam transparecer as
particularidades de cada contexto que possibilitam tanto quanto limitam ações
inovadoras” (p. 285). Também reconhece que há uma mudança de atitude na
avaliação na disciplina de educação física, que passa a ser compreendida
muito mais como processo, envolvendo alunos e professores e que este
processo é extensivo às aulas de educação física dos professores.
É possível observar, no conjunto das obras, que a organização do ensino
por ciclos não atinge aos professores e às escolas da mesma forma. Porém, em
37
todas elas a prática pedagógica dos professores de educação física aparece
como algo diversificado, que tem muito de improvisação e de urgência.
Apesar das raras exceções
19
, não há unidade no trabalho destes professores. A
proposta do ensino por ciclos é entendida por alguns professores como algo
incompleto, que os deixa perdidos, enquanto que para outros é considerada
uma possibilidade de abertura a novas práticas.
Estes achados e questionamentos fizeram com que eu buscasse
compreender como os professores de educação física organizam suas práticas.
Através deste trabalho, pretendo avançar na discussão a respeito da
constituição das práticas, buscando relacioná-las com as experiências vividas
pelos professores, ampliando a discussão sobre as possibilidades e limitações de
mudança das mesmas.
Como segundo fator norteador da pesquisa coloco as dificuldades
encontradas em minha própria prática e a busca por compreender como isto
estava acontecendo para outros professores, ou mesmo em outros coletivos de
professores de educação física da RMEPOA.
Por ser professora desta rede de ensino desde o ano de 1996 participei do
processo de implementação do ensino por ciclos na escola na qual trabalho. E,
deste modo, me encontro implicada com a situação e com a problemática
vivenciada pelos coletivos docentes desta rede.
Neste sentido, Woods (1995) coloca que existe o risco dos anos de
docência interferirem na observação, pois ao mesmo tempo em que atuamos
sobre o campo ele atua sobre nós, não permitindo o distanciamento necessário
ao estudo. Porém, para o autor, as notas de campo e uma atitude reflexiva
podem nos preservar deste risco.
19
Constituem exceções as escolas ou o grupo de professores que conseguem realizar um
planejamento para a disciplina de educação física ou mesmo o planejamento coletivo com
outros professores da escola.
38
1.4 PROBLEMA DE PESQUISA
Para compreender como se estrutura a prática pedagógica dos
professores de educação física a partir da noção de habitus, centrarei minha
argumentação nas condições de produção e nas condições de
funcionamento destas práticas.
A análise das condições de produção das práticas e sua relação com o
habitus estarão centradas em três pressupostos: em primeiro lugar que a
constituição do habitus de uma pessoa estará vinculada às experiências pelas
quais o indivíduo passou; em segundo lugar, que sua incorporação precoce
(socialização primária e secundária) faz com que os indivíduos não tenham
consciência de quão suas ações são orquestradas pelo habitus; e, finalmente
que o habitus não é imutável, apesar de ser uma disposição duradoura. Desta
forma, concordo com Dubar (2005) quando destaca que “[...] pode-se fazer do
habitus não o produto de uma condição social de origem mas o de uma
trajeria social” (p. 80).
Penso que as constatações de Perrenoud (2002) e de Günther (2006) a
respeito da docência são importantes para compreender a prática dos
professores. Para os autores a docência ocorre, muitas vezes, em meio à
urgência e que, para dar conta desta tarefa os professores recorrem a um
conhecimento prático. Porém, considero que não são todas as ações dos
professores aconteçam na urgência e, portanto, há um espaço para
refletir/pensar sobre suas ações. Desta forma, compreendo que a prática
pedagógica dos professores de educação física se dá na imediatidade, na
urgência, mas que estes professores também elaboram suas experiências por
meio de pensamentos (THOMPSON, 1981).
Neste sentido, me aproximo de Schön (1992), quando o autor ressalta que
as ações podem se realizar a partir de um conhecimento em ação, de uma
reflexão na ação ou de uma reflexão sobre a reflexão na ação. Desta forma, as
ações podem ser repetições de ações passadas, ou ações com reflexão
39
durante a ação (na urgência) ou, ainda, ações com reflexão a posteriori,
baseada em sua reflexão sobre a ação. Schön (1992) também reconhece que
algumas aprendizagens não se dão de forma consciente e, deste modo,
algumas ações podem estar sendo influenciadas por experiências passadas.
Partindo da discussão apresentada nas seções anteriores se configura o
seguinte problema de pesquisa:
Como as experiências vividas pelos professores de educação física
influenciam as práticas pedagógicas desenvolvidas na Rede Municipal de
Ensino de Porto Alegre?
Logo, o objetivo deste trabalho é: Compreender qual a relação que se
estabelece entre as experiências vividas pelos professores de educação física
na sua trajetória e a prática pedagógica desenvolvida nas escolas da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre.
1.5 QUESTÕES DE PESQUISA
- Como se constitui o habitus dos professores de educação física?
-
Quais os fatores relativos ao habitus e ao contexto que interferem nas
práticas pedagógicas?
-
Qual a influência das experiências vividas pelos professores em sua
prática pedagógica?
- Como se relacionam as disposições incorporadas e as mudanças nas
práticas dos professores de educação física?
- Quais os fatores que possibilitam aos professores reorganizarem/
formarem/deformarem sua prática pedagógica, que promovem a constituição
de um novo habitus?
40
2. ASPECTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS
O presente capítulo trata das escolhas metodológicas adotadas neste
estudo. Apresento, inicialmente, a decisão de realizar um estudo de natureza
qualitativa, em uma perspectiva etnográfica. Na seqüência da descrição
pretendo mostrar como a pesquisa, inicialmente planejada para ser um estudo
de caso, apresentou elementos de uma análise das relações entre as trajetórias
dos professores.
A aproximação ao objeto de estudo e a revisão teórica que permitiu a
construção do problema de pesquisa vieram apontando, durante o percurso,
que a perspectiva qualitativa seria a mais adequada para analisar a prática
cotidiana dos professores como resultante de um habitus e de um contexto
escolar.
A fim de compreender como se constitui a prática pedagógica dos
professores de educação física da RMEPOA, considerei a importância de
observar as aulas dos professores de educação física buscando relacioná-las
com as suas experiências vividas e entender os motivos que os levaram a
produzir esta organização de aulas. Neste sentido, Negrine (1999) observa que
o paradigma qualitativo, mais especificamente a etnografia “[...] passa a ser
utilizada no campo da educação, fundamentalmente em estudos que se
propõem a investigar relações e comportamentos complexos e subjetivos como
os que ocorrem no âmbito escolar” (p. 61).
Desta forma, para Woods (1995), é através da etnografia que podemos
encontrar resultados os quais seria impossível encontrá-los de outra maneira;
como a construção do conhecimento escolar e as regras rotineiras não escritas
que guiam a ação do professor.
Na pesquisa qualitativa, segundo Pérez Gómez (1998), o investigador é o
principal instrumento da investigação. É ele que capta a complexidade e a
polissemia dos fenômenos educativos. Assim:
41
O investigador mergulha num processo permanente de
indagação, reflexão e comparação, para captar os significados latentes
dos acontecimentos observáveis, para identificar as características do
contexto físico e psicossocial da sala de aula e da escola e para
estabelecer as relações conflitantes, difusas e mutantes entre o contexto
e os indivíduos (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 109).
Neste sentido, estar implicada com a situação a ser estudada me
colocava frente a duas perspectivas distintas. De um ponto de vista havia a
dificuldade em estranhar a realidade observada, que segundo André (1998),
seria a dificuldade de lidar com a complexa questão objetividade-
participação, com a confusão entre o sujeito e o objeto de estudo, entre as
opiniões pré-existentes e as revelações evidenciadas pelo estudo. A autora
sugere que uma das formas de enfrentar esta questão é manter um
distanciamento, que não significa neutralidade, mas que preserva o rigor.
Portanto, sugere que o pesquisador realize “um esforço sistemático de análise
numa situação familiar como se fosse estranha” (ANDRÉ, 1998, p. 48). Porém, de
outro ponto de vista, a pesquisa seria a possibilidade de descobrir coisas sobre
a minha própria prática, pois como aponta Woods (1998): “Em algumas
ocasiões, as pessoas que investigam o fazem para descobrir coisas sobre si
mesmas” (p. 15).
No entanto, para Merriam apud Sarmento (2003), esta é uma “atividade
esquizofrênica” (p. 160) devido à necessidade de se estar dentro e fora do
campo de observação ao mesmo tempo. Sarmento (2003) trata da
importância da compreensão dos mundos de vida dos atores sociais nos seus
mundos, que é tanto maior quanto se penetrar em suas práticas e partilhar de
suas interpretações; porém, ao mesmo tempo “o distanciamento crítico exige
que se escape às redes de significação com que nesses mundos de vida se
‘naturalizam’ as relações e acontecimentos” (p. 160) [grifo do autor].
Para este autor, o principal instrumento da pesquisa no terreno da
etnografia é o próprio pesquisador, assim como sua disponibilidade para
observar, escutar, sentir, interrogar e examinar o que o rodeia. Neste sentido,
42
Sarmento (2003) ressalta a importância do design da investigação [grifo do
autor] e suas implicações com o tempo e o modo nos quais ela se estrutura.
Sendo assim, coloca que deve ser considerado o tempo institucional e que este
deve ser compatível com os pressupostos teóricos e conceituais do trabalho.
Enquanto que o modo de investigação relaciona-se com os métodos utilizados
para a obtenção, análise e tratamento da informação, que são: “[...] a
observação participante das práticas cotidianas nas escolas, as entrevistas aos
alunos, aos (às) professoras e outros membros das comunidades educativas, e a
análise de conteúdo do conjunto de documentos produzidos pela escola” (p.
156).
O modo de pesquisar está relacionado às técnicas que serão utilizadas
para a obtenção da informação e com o cruzamento destas informações, no
sentido de buscar esclarecer um determinado fato ou acontecimento a partir
de três tipos diferentes de dados.
Desta forma, para Molina Neto (1999) e Sarmento (2003), em uma
pesquisa etnográfica a informação pode ser obtida através da observação
participante, da análise de documentos e da entrevista. Para os autores, estas
fontes devem ser trianguladas, no sentido de buscar a confirmação das
informações que foram recolhidas. Para Sarmento (2003)a triangulação da
informação permite detectar, sempre que ocorre a divergência entre os dados,
um ponto de tensão, a contradição, a expressão de um modo singular de ser,
ou de pensar e agir, em suma, a exceção [...]” (p. 157).
Partindo dos pressupostos acima citados, principiei o estudo preliminar,
em outubro de 2005, cujo objetivo central era refinar os instrumentos de coleta
de informações a serem utilizados na pesquisa e realizar uma espécie de
treinamento da pesquisadora nesta nova condição: a de observadora
participante.
43
2.1 ESTUDO PRELIMINAR
A realização do estudo preliminar foi de extrema importância, porque
permitiu organizar o turbilhão de idéias, sistematizá-las e reavaliar o que poderia
ser pesquisado. A partir da qualificação do projeto de pesquisa, o estudo foi
redimensionado, no sentido de adequar seus objetivos ao tempo de duração
de um mestrado.
Estes dois momentos (estudo preliminar e banca de qualificação)
apontaram alguns caminhos a serem seguidos e outros que deveriam ser
abandonados, pelo menos temporariamente, para que eu pudesse realizar um
estudo de, aproximadamente dois anos, com o rigor necessário de um estudo
de caso etnográfico.
O estudo preliminar, realizado por ocasião da confecção do projeto de
pesquisa, foi utilizado no trabalho final, por opção da pesquisadora.
Compreendeu o período de outubro a dezembro de 2005, totalizando 40 horas
de observação participante na escola, que foram focalizadas sobre a prática
pedagógica de dois professores de educação física. Ainda realizei duas
entrevistas semi-estruturadas e a análise dos planejamentos de educação física
do terceiro trimestre
20
das turmas que foram observadas.
A escolha da escola na qual eu realizaria o estudo preliminar se deu por
meio de informações obtidas no site da SMED, centrada nos seguintes
elementos: ser escola de ensino fundamental, estar localizada na região sul da
cidade
21
e com elevado número de alunos, que conseqüentemente me
possibilitaria chegar ao número de professores de educação física da escola.
Deste modo, selecionei algumas escolas que se enquadravam nas condições
que eu buscava e dei início ao trabalho de campo, propriamente dito.
20
O ano letivo na Escola Restinga está dividido em três trimestres. No ano de 2005, o terceiro
trimestre começou na metade do mês de setembro e se estendeu até o final da primeira
quinzena de dezembro.
21
Procurei realizar o estudo na região sul da cidade, mais especificamente no bairro Restinga
porque haviam poucos estudos qualitativos da educação física focalizando esta região da
cidade.
44
Em um estudo etnográfico, a negociação de acesso é parte importante
da pesquisa. No clássico “Sociedade de Esquina”, White (2005) descreve suas
três tentativas de acesso ao campo, obtendo sucesso apenas na terceira
tentativa, através do contato com um dos moradores da região que desejava
estudar. Mesmo desta forma, se fazia necessário que este fosse um informante
privilegiado. Sendo assim, busquei uma escola na qual eu tivesse acesso por
meio de uma colega, de uma “porteira”, que para Rodríguez, Gil e García
apud García e Cervantes (2004) “[...] são terceiras pessoas que tendo
estabelecido vínculos com o coletivo que se deseja acessar, facilitam o acesso
do investigador ao campo fazendo um papel de mediador entre ambas as
partes” (p. 117).
Assim, meu segundo passo em direção a escolha da escola foi encontrar
uma “porteira”. Por ser professora desta rede de ensino e por trabalhar em um
bairro não muito distante do Bairro Restinga, tive facilidade de encontrar
colegas que trabalhavam em escolas desta região da cidade.
Minha “porteira” foi Helena
22
. Ela fez os primeiros contatos com as
supervisoras da escola e conversou com alguns professores de educação física
a respeito de meu interesse em realizar uma pesquisa na Escola Restinga.
No primeiro dia que fui à Escola Restinga optei por fazer o trajeto de
ônibus, a fim de conhecer o entorno da escola. Observei que eram casas
construídas em terrenos muito pequenos e a maioria delas era feita com sobras
de material de construção e estavam sem pintura. Muitas delas abrigavam
algum tipo de comércio informal como “conserta-se bicicletas”, “costureira” ou
“vende-se sacolé”
23
.
Cheguei no horário do recreio, como eu havia planejado. Encontrei com
Helena que me mostrou a escola e me apresentou à Paula e à Renata,
22
Nome fictício.
23
Sacolé é o nome dado a um suco artificial congelado em um saco plástico estreito e
comprido, semelhante a uma régua de 20 cm, que custa, aproximadamente, R$ 0,10 a R$ 0,20.
Geralmente é vendido em pequenos armazéns ou na porta das residências.
45
supervisoras da escola. Em conversa de apresentação pessoal e breve
apresentação do projeto para as supervisoras, concluímos que eu deveria me
apresentar individualmente aos professores de educação física, sob pena de
não haver outra possibilidade de início do trabalho. Ainda sugeriram que
aquele seria um bom dia para tal tarefa, pois havia poucos professores de
folga/compensação.
Elas me informaram o número de professores, seus horários, seus dias de
folga e, ainda, arriscaram dizer que ali naquela escola não tinha nada de
interessante para eu pesquisar (e isto me pareceu muito interessante!).
Neste dia conversei individualmente com os professores de educação
física, apresentei meu projeto (que estava em andamento) e solicitei que
colaborassem com o estudo. Todos os professores que eu mantive contato
concordaram em participar do estudo.
Depois de “garantido” o acesso pelas vias informais e de ter sido aceita
pelos professores de educação física, iniciei os procedimentos formais de
apresentação:
- Carta de apresentação do PPGCMH (apêndice A);
- Carta de apresentação da SMED (apêndice B);
-
Carta de apresentação do professor orientador (apêndice C);
-
Declaração de consentimento dos professores (apêndice E);
-
Declaração de consentimento da escola (apêndice F);
-
Carta aos professores colaboradores do estudo (apêndice G).
Através destes documentos, me comprometi com os colaboradores de
manter o sigilo da fonte, prevendo a utilização de nomes fictícios no trabalho
final: dos professores colaboradores, da escola e de outras pessoas envolvidas
na pesquisa. Também me comprometi com os professores a apresentar os
resultados da pesquisa primeiramente a eles, antes mesmo da apresentação à
banca avaliadora.
46
A partir do estudo preliminar percebi que a escola configurava-se um
ambiente empírico adequado para o estudo proposto. Neste sentido, Lüdke e
André (2005) ressaltam que o estudo de caso vai se delineando a medida que
o estudo se desenvolve e deve-se captar a realidade como ela é e não como
se quereria que fosse.
2.2 ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO
Desta forma, a opção por desenvolver um estudo de caso etnográfico
levou-me a considerar alguns fatores, como a representatividade tipológica da
escola: trabalhavam 8 professores de educação física, com diferentes idades e
diferentes tempos de inserção naquela escola e na RMEPOA. Através de
conversas informais percebia que suas experiências anteriores eram bastante
diversificadas, bem como suas concepções de educação física. Outro fator
que considerei importante na elaboração do caso foi o amplo espaço
destinado às aulas de educação física, pois ao entender que o contexto é um
dos aspectos constituinte das práticas, o estudo não poderia ser realizado em
um contexto inadequado a estas práticas, sob pena de ser inviabilizado. As
aulas, ao acontecerem em um contexto semelhante minimizavam sua
influência nas práticas, permitindo que a atenção estivesse mais focada no
papel do habitus na constituição das práticas.
Neste sentido, para Molina (1999), “[...] o estudo de caso não é em si uma
eleição metodológica, é, sobretudo, a eleição de um objeto a estudar” (p. 95).
E, Stake (1983), observa que a partir da percepção de um fenômeno
educacional, o pesquisador irá procurar eventos ou casos que sejam de
interesse; logo: “O caso pode ser uma pessoa, mas freqüentemente será um
grupo de indivíduos, um programa ou algum esforço coletivo indeterminado”
(p. 21).
Para Yin (2005) o estudo de caso é uma estratégia escolhida ao se
examinarem acontecimentos contemporâneos e deve contar com a
47
observação direta dos acontecimentos que estão sendo estudados e com
entrevistas de pessoas nele envolvidas.
Em relação ao pesquisador, Molina (1999) destaca que deve haver
empenho em avaliar com cautela o local no qual se dará a pesquisa. Para esta
autora, em um estudo etnográfico “[...] deve-se decidir onde e quando
observar, com quem conversar, que informações registrar e, sobretudo, que
decisões metodológicas tomar” (p. 101). Neste sentido, considerei a
necessidade de permanecer por longo período de tempo em trabalho de
campo, de fazer observações aprofundadas da prática dos professores em
diferentes momentos (nos horários de aula, nas reuniões pedagógicas, em
formações, em conselhos de classe, nos horários de recreio, no refeitório com os
alunos e em reuniões com os pais), com diversas turmas e em diferentes turnos e
de realizar entrevista(s) com os professores colaboradores do estudo.
Considero importante esclarecer que este desenho investigativo é
dotado de características singulares. Neste sentido, para Sarmento (2003), o
que distingue a etnografia de outros tipos de estudos qualitativos não é uma
questão de método, “[...] mas a perspectiva, enfoque ou orientação” (p. 152).
Para este autor, um estudo de caso etnográfico impõe a adoção de um
desenho investigativo baseado nos seguintes pressupostos:
a) Permanência prolongada no campo a fim de que o investigador
possa, pessoalmente, colher suas informações;
b) Interesse por todos os detalhes e pormenores da vida escolar;
c) Interesse voltado para os comportamentos e atitudes dos atores
sociais;
48
d) Esforço para produzir um relato enraizado nos aspectos significativos
para os atores;
e) Esforço por ir estruturando o conhecimento obtido, ou seja, buscar
produzir conhecimento de forma dialógica e compreensiva;
f) Um relato final criativo e capaz de casar a narração/descrição dos
contextos com a perspectiva teórica da análise.
Nesta perspectiva, a coleta de informações foi realizada através dos
seguintes instrumentos: observação participante, entrevista semi-estruturada,
análise de documentos e entrevista escrita. A utilização de várias fontes de
evidências permitiu a triangulação e a convergência das evidências.
Finalmente, com o intuito de produzir conhecimento de forma dialógica,
realizei a devolução do estudo para os professores colaboradores. Para García
e Cervantes (2004), esta pode ser considerada como uma forma de validação
da pesquisa. Neste sentido, organizei um encontro com os professores
participantes, com o objetivo de expor os ‘achados’ da pesquisa. Além de
informá-los, foram respeitadas suas manifestações de concordância ou de
discordância em relação ao estudo, que constam no posfácio desta
dissertação.
A opção pelo estudo de caso possibilitou que a pesquisa se
desenvolvesse em um contexto relativamente homogêneo, a respeito do qual,
posteriormente, será realizada uma descrição pormenorizada. Deste modo será
reforçada como aspecto central da pesquisa a relação que se estabelece
entre as experiências vividas pelos professores e a sua prática pedagógica.
49
2.2.1 Trabalho de campo
Em uma pesquisa etnográfica, o caminho vai sendo traçado durante o
estudo. Desta forma, as decisões que tomamos no estudo preliminar nem
sempre serão mantidas até o final. Este fato se deve às significativas diferenças
encontradas entre os indivíduos no universo pesquisado. Deste modo, a
unidade de análise não foi, necessariamente, o grupo. E a fim de esclarecer as
questões de pesquisa, o estudo exigiu que fosse realizada a análise das
trajetórias e das práticas de cada um dos professores.
O trabalho de campo da pesquisa teve início com o estudo preliminar em
outubro de 2005 e foi encerrado com a observação da banca de dissertação
de mestrado de um dos colaboradores, em dezembro de 2006. Nele, foram
utilizados os seguintes instrumentos de coleta de informações: observação
participante com registro em diário de campo, análise de documentos,
entrevista semi-estruturada e uma entrevista escrita.
Durante o longo tempo de permanência no campo, produzi um diário de
campo digitalizado com 240 páginas (fonte tamanho 12 e espaço 1,5) e 8
entrevistas semi-estruturadas com duração média de 56 minutos cada uma.
Uma das professoras colaboradoras optou pela não utilização da entrevista
transcrita e me entregou uma entrevista escrita de 4 páginas.
Os documentos
24
utilizados na análise foram os seguintes:
-
Cadastro dos professores (documento da secretaria da escola);
-
Planta baixa da escola;
- Planejamentos dos professores;
- Fichas trimestrais de avaliação dos alunos;
- Bilhetes e avisos endereçados aos pais ou aos professores.
24
Alguns destes documentos foram disponibilizados pela direção e outros pelo setor
pedagógico. Os planejamentos e as fichas de avaliação foram disponibilizados pelos próprios
professores.
50
Inicialmente havia a intenção de trabalhar com as narrativas dos
professores, com o intuito de conhecer mais a respeito de suas trajetórias. Esta
narrativa foi solicitada no final da entrevista, durante o procedimento de
validação. Porém, apenas duas professoras me entregaram materiais escritos. A
professora Glória, que colocou no final de sua entrevista alguns dos cursos que
participou, principalmente os de formação continuada da EsEF/UFRGS, e a
professora Eliane, que solicitou que eu não utilizasse sua entrevista, apenas a
entrevista escrita que ela havia organizado a partir dos itens da entrevista semi-
estruturada.
A seguir, tratarei dos instrumentos de coleta de informações utilizados
durante o trabalho de campo da presente dissertação.
2.2.1.1 Observação participante
Em um estudo etnográfico a observação participante é um instrumento
de pesquisa privilegiado. Segundo Woods (1995) é o método mais importante
da etnografia, porque a idéia central da participação é a inserção nas
experiências dos participantes de um grupo ou instituição e pressupõe o acesso
a todas as atividades do grupo. No entanto, para o autor, é necessária uma
‘limpeza’ nos próprios processos de pensamento e a necessidade de converter
o grupo e/ou a escola em algo antropologicamente estranho.
Para Pérez Gómez (1998): “A observação no campo parece
imprescindível para ir além das meras verbalizações sobre o pensamento ou a
conduta, detectando o reflexo na prática das representações subjetivas” (p.
109).
As primeiras observações do estudo preliminar não tinham uma pauta
definida e poderiam ser classificadas como não-estruturadas, que segundo
Negrine (1999), é o registro das observações que se faz sem indicativos
determinados a priori. E, a partir das informações colhidas nesta fase, delimita-
51
se as observações através da elaboração da pauta de observação,
focalizando-a para determinados fenômenos.
Através da observação participante acompanhei o cotidiano escolar dos
professores de educação física, no sentido de poder descrever suas formas de
organização das aulas, o relacionamento que os professores estabelecem com
os alunos, as maneiras de trabalharem os conteúdos e suas rotinas nas aulas.
Assim, busquei entender “como” os professores organizam suas aulas e suas
rotinas. Enquanto que, através das entrevistas procurei compreender o
“porquê” desta organização das aulas.
Foram 73 visitas à escola e, aproximadamente, 200 horas de observação
participante. Além das observações na escola, estive presente em algumas
formações fora da escola, em encontros regionais, na residência de uma das
colaboradoras e na banca de dissertação de mestrado de um dos
professores
25
.
Os professores foram observados em diferentes momentos de sua prática:
nas aulas práticas de educação física, em aulas na sala de vídeo, em
conselhos de classe, na organização de torneios entre suas turmas, em reuniões
pedagógicas, durante os períodos vagos e nos horários de recreio, em
momentos de formação da RMEPOA, em uma defesa de dissertação, entre
outros.
Antes das observações eu solicitava a autorização dos professores para
permanecer em suas aulas, perguntava se havia algum empecilho em observá-
los naquele dia e, geralmente, após as aulas eu questionava em relação às
possíveis interferências que eu pudesse ter provocado nas mesmas.
As observações foram registradas em um diário de campo e,
posteriormente, digitalizadas
26
. A importância da observação e de seu registro
25
O cronograma de observações consta no apêndice L.
26
Tive o cuidado de digitalizar as informações do diário de campo logo após sua coleta.
Sempre que possível, empenhava-me em enriquecê-lo com informações que porventura não
52
pormenorizado no diário de campo se deve a singularidade na tarefa de
trabalhar com as disposições incorporadas, pois, para Lahire (2002), estas não
são diretamente observáveis. Para este autor, o pesquisador as reconstrói com
base na descrição das práticas, na descrição das situações nas quais estas
práticas se desenvolveram e na reconstrução de elementos que julga
importante na história do praticante (trajetória, biografia, entre outros).
Para que se torne um instrumento válido e fidedigno a observação deve
ser controlada e sistemática. Para Lüdke e André (2005) é necessário definir “o
quê” e “o como” observar. Também é de grande importância aprender a fazer
registros descritivos, separar detalhes relevantes dos triviais, fazer anotações
organizadas e utilizar métodos rigorosos da validação das observações. Assim, a
observação possibilitará “[...] um contato pessoal e estreito do pesquisador com
o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens” (LÜDKE;
ANDRÉ, 2005, p. 26). Para as autoras o registro escrito deve acontecer o mais
próximo possível do momento da observação, porém, não será muito fácil de
encontrar momentos próximos à observação para se fazer os registros,
sobretudo nos papéis de participante observador e de observador participante.
Por buscar ser observadora e participante, em alguns momentos me senti
como Woods (1995), que como observador “criou” um papel na escola (grifo
do autor). Transitava entre conselheiro e auxílio nas horas de socorro, tanto de
professores, como de alunos e sentiu-se completamente comprometido na vida
da escola, sem assumir nenhum papel formal nela. Em alguns momentos, me
envolvi com as tarefas escolares, como socorrer alunos nas aulas de educação
física (aula da professora Glória, diário de campo do dia 30/06/2006, turno da
manhã) ou como em um debate entre o professor Beto e a professora Glória a
respeito do cumprimento de uma das regras da Copinha do Mundo (diário de
campo do dia 22/08/2006), entre outras. Porém, o fato que me fez perceber
estivessem registradas devido a exigüidade do tempo para as descrições, ou mesmo por se
tratar de uma conversa com os colaboradores.
53
que estava chegando o momento de me retirar do trabalho de campo foi
quando, numa aula da EJA, o professor Denis foi chamado a socorrer uma
aluna e acompanhá-la a um atendimento fora da escola. Eu estava no ginásio
com os alunos aguardando o retorno do professor, mas ele não retornou. Então,
chegou a supervisora da EJA e pediu que eu ‘olhasse’ os alunos enquanto o
professor não voltasse. Concordei em ficar com os alunos, visto se tratar de um
momento de emergência. Fiquei com a turma até o horário do recreio. Percebi
que chegava o momento de me retirar do trabalho de campo, em outras
palavras, “dar um tempo” para que eu pudesse me distanciar da vida escolar e
começar o procedimento de análise dos dados. Embora, em uma etnografia,
estas fases da pesquisa não estejam necessariamente separadas.
O ‘papel’ de observadora me possibilitou algumas aprendizagens. Neste
sentido, entendo que se trata de uma tarefa bastante delicada e, algumas
vezes, polêmica; especialmente se nos questionarmos o quanto um observador
interfere na cena observada.
Inicialmente, observei a escola, suas instalações, professores, etcétera.
Aos poucos, fui focalizando as aulas de educação física e, finalmente, consegui
enxergar meu objeto nas práticas dos professores. Penso que três fatores foram
fundamentais nesta focalização: o treino em observação, o aprofundamento
do referencial teórico (maior delimitação) e a aproximação com os
participantes do estudo.
Durante o trabalho de campo, desenvolvi algumas estratégias que me
permitiram refinar as descrições do diário de campo. Algumas vezes, entre uma
observação e outra, me dirigia a secretaria ou ao SSE a fim de solicitar
documentos para a análise, tais como: planejamentos dos professores, fichas
trimestrais de avaliação, entre outros. Estes materiais foram utilizados como
instrumentos privilegiados na triangulação com as observações. Para Yin (2005),
o tempo dedicado às visitas de campo deve ser dividido com visitas à
biblioteca e à busca de arquivos e documentos importantes à pesquisa. Outra
54
estratégia utilizada foi, durante o horário de almoço, me dirigir a um restaurante
um pouco distante da escola para reler o que estava escrito e acrescentar
algumas informações que eu julgasse necessárias ou mesmo para refletir a
respeito do que estava escrito.
2.2.1.2 Entrevista
Um ponto importante, porém sutil, é que a linguagem, como
qualquer outra forma de representação, é constitutiva da experiência, e
não meramente um comunicador dela. A linguagem conforma, enfoca
e dirige nossa atenção: transforma nossa experiência no processo de
fazê-la pública (EISNER, 1998).
A decisão de dar início a este tópico do trabalho com a citação de Eisner
(1998) está diretamente relacionada às experiências que tive no trabalho de
campo, sobretudo durante a realização das entrevistas e da devolução das
mesmas aos colaboradores do estudo.
Foram várias as conversas com os colaboradores a este respeito.
Tratamos da dificuldade de manter o diálogo restrito a questão colocada pela
pesquisadora, da dificuldade em expressar as experiências de forma clara,
entre outras. Porém, a fala do professor Denis, durante a entrevista, é bastante
ilustrativa:
Assim como essa conversa contigo agora está colaborando,
porque no momento que eu tenho que falar eu tenho que elaborar um
discurso e eu tenho que tentar que esse discurso não vá muito de
encontro, não vá muito contra aos discursos que eu uso para dar a
minha aula, que tem divergência. Eno assim, tem esse conjunto... essa
falão toda... é o que acaba nos constituindo, nos mostrando... não
nos mostrando, mas nos explicando como que nós fazemos as nossas
coisas (Denis, entrevista em 30/10/2006).
Desta forma, para Pérez Gómez (1998), o objetivo prioritário da entrevista
é “[...] captar as representações e impressões subjetivas, mais ou menos
elaboradas dos participantes, a partir de sua própria perspectiva com o intuito
55
de buscar os pontos críticos, as teorias implícitas e as proposições latentes dos
professores” (p. 109).
Entendo, concordando com Triviños (2001), que em uma entrevista a
relação é de interação. Neste sentido, é fundamental que tenhamos a clareza
de que o pesquisador também possui crenças, valores e um modo particular de
vida que torna decisiva a escolha do assunto que deseja estudar.
A entrevista semi-estruturada é conversação, estando muito próxima a
um diálogo. Permite a captação imediata e corrente da informação desejada
e possibilita que se façam correções, esclarecimentos e alterações na
informação desejada (LÜDKE e ANDRÉ, 2005).
Durante a pesquisa, foram realizadas oito entrevistas semi-estruturadas.
Destas, sete entrevistas foram com professores de educação física e uma com
a diretora da escola. Todas foram gravadas, com o consentimento dos
professores, para a posterior transcrição. O tempo de duração de cada uma
variou de 35 a 70 minutos.
No intuito de demonstrar o esforço dedicado a esta etapa da pesquisa,
segue uma série de quadros que buscam descrever o trabalho realizado com
as entrevistas e suas transcrições. Através do quadro abaixo é possível observar
algumas informações a este respeito:
56
Entrevistado/a Data Local Horário
de início
Horário
de
término
Tempo de
entrevista
Beto 30/11/2005 Biblioteca 10h50min 11h30min 40minutos
Carlos 01/12/2005 Biblioteca 14h50min 15h50min 60minutos
Nara
27
08/08/2006 Secretaria 13h30min 14h40min 70minutos
Ana 21/08/2006 Sala dos
professores
8h40min 9h50min 70minutos
Eliane 30/08/2006 Sala das
fumantes
10h40min 11h50min 70minutos
Flávia 19/09/2006 Biblioteca 13h20min 13h55min 35 minutos
Glória 03/10/2006 Residência
da
professora
14h30min 15h20min 50 minutos
Denis 31/10/2006 Quadra
da escola
14h25min 15h55min 65 minutos
Quadro 2: Entrevistas.
Nas primeiras entrevistas me preocupei em escolher um local silencioso,
no qual houvesse poucas interrupções à mesma. No entanto, criou uma
atmosfera de expectativa para os professores que tinham que se deslocar à
biblioteca no momento da entrevista. O local que parecia ser adequado
estava sujeito a repentinas mudanças: chegada de um grupo de alunos,
arrastar de cadeiras na sala de aula do andar acima, fechamento da
biblioteca antes do término das aulas, etc. Já as entrevistas que aconteceram
nos locais onde os professores indicaram, apesar de terem sido mais delicadas
de transcrever devido aos ruídos, conversas e barulhos no entorno, deixaram os
colaboradores mais descontraídos e falantes.
As transcrições foram feitas pela própria pesquisadora, todas com o
auxílio do Philips Dictation Systems
28
. Depois de realizada a transcrição, a
27
Nara é a diretora da escola. Fizemos esta entrevista porque haviam informações que eu
gostaria de coletar sem me deter apenas nos dados, mas tinha interesse em saber como a
escola estava tratando de algumas demandas, como o excesso de faltas dos alunos,
principalmente no turno da tarde, como estava sendo tratado o processo de organização do
projeto político-pedagógico, entre outros.
57
entrevista era ouvida na íntegra com o intuito de verificar a correspondência
entre o que era falado e o que estava escrito, sobretudo no que se referia à
entonação e a pontuação. Finalmente era feito o copidesk
29
, que era entregue
aos professores junto com a entrevista para ser validada. O quadro abaixo
explicita o tempo utilizado para estas tarefas.
Entrevistado/a Data Tempo de
entrevista
Tempo de
transcrição
30
Beto 30/11/2005 40min 5h30min
Carlos 01/12/2005 60min 7h30min
Nara 08/08/2006 1h10min 6 horas
Ana 21/08/2006 1h10min 8 h 40min
Eliane 30/08/2006 1h10min 7 horas
Flávia 19/09/2006 35 min 6h 30min
Glória 03/10/2006 50 min 5h15min
Denis 31/10/2006 65 min 7h25min
Quadro 3: Transcrições.
A análise das entrevistas resultou em 480 unidades de significado
31
, que
posteriormente foram agrupadas em 30 blocos temáticos
32
, processo que será
descrito posteriormente no capítulo 3.
2.2.1.3 Análise de documentos
Os documentos constituem um aspecto importante da vida escolar. Eles
não se constituem em uma ação, mas são por ela produzidos e tendem a
28
Equipamento mais conhecido como transcritora.
29
Comecei a fazer o copy desk das entrevistas no final do estudo preliminar, ao perceber que
os professores estranhavam bastante sua fala (a passagem da língua falada para a língua
escrita). Este fato me levou a apresentar as entrevistas para os professores, para sua validação,
em duas versões. Uma das versões era a transcrição direta da entrevista e a outra versão com o
copidesk realizado. O tempo utilizado para fazer o copidesk não está computado no quadro
das transcrições.
30
Foram computadas somente as horas necessárias à transcrição das entrevistas, sem o tempo
demandado com o copy desk das mesmas.
31
Apêndice N desta dissertação.
32
Apêndice O desta dissertação.
58
influenciá-las no cotidiano escolar. É através deles que a escola informa os pais,
os alunos e os professores.
Para Sarmento (2003) os documentos podem ser:
a) Textos projetivos de ação:
como planos de aula, projetos ou
regimentos;
b) Produtos da ação: como relatório, atas, memorandos;
c) Documentos performativos: com fim em si mesmo, como jornais
escolares, murais, diários ou redações.
O interesse no processo da análise de documentos reside na possibilidade
de[...] aferir o processo de construção e consagração formal das
interpretações” (SARMENTO, 2003, p. 164).
Para Lüdke e André (2005), a análise de documentos, embora pouco
explorada, pode servir como valiosa técnica a fim de complementar as
informações obtidas por outras técnicas. Podem ser considerados quaisquer
materiais escritos que possam servir de informação a respeito do conhecimento
humano. Para as autoras, os documentos “Não são apenas uma fonte de
informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e
fornecem informações sobre esse contexto” (p. 39). Em geral, estes documentos
podem ser analisados por seu conteúdo, com todas as suas possibilidades:
sociológica, psicológica, histórica, entre outros.
Durante o trabalho de campo foram colhidas diferentes informações
através de documentos. Como coloca Sarmento (2003), busquei os seguintes
documentos:
59
-
Projetivos de ação: planejamentos anuais e trimestrais dos professores
e fichas de avaliação trimestral;
-
Produtos da ação: memorandos, atas de reuniões (da disciplina de
educação física), cadastro dos professores;
-
Documentos performativos:
murais, trabalhos dos alunos e fotos de
atividades realizadas pela escola, que ficavam expostos no corredor
ou que os professores me mostravam.
Nos estudos de caso, os documentos constituem em instrumento
importante no sentido de “[...] corroborar e valorizar as evidências oriundas de
outras fontes” (YIN, 2005, p. 112).
Desta forma, os documentos me possibilitaram a realização da
triangulação das informações, me informaram quanto ao cotidiano escolar e
ao contexto a partir do qual se davam as práticas.
2.2.2 O processo de validação da pesquisa
Em um estudo de caso etnográfico, o processo de validação vai sendo
construído durante a pesquisa. No presente trabalho, a validação foi construída
através da autorização de uso das entrevistas, da triangulação das
informações, de conversas com professores que conheciam aquela realidade
(no caso, Helena) e da devolução dos resultados da pesquisa aos professores
colaboradores do estudo.
Durante o processo de validação das entrevistas, os professores faziam
algumas perguntas a respeito de como eu utilizaria as informações ali contidas.
Sempre fui bastante clara em explicar que os nomes utilizados seriam fictícios e
que as entrevistas seriam analisadas a partir de categorias de significado.
Apenas uma professora solicitou que sua entrevista não fosse utilizada no
estudo. Porém, conversei com ela sobre a importância do material coletado
para o desenvolvimento da pesquisa e a mesma ficou de pensar mais um
pouco. No outro dia, ela me entregou uma entrevista toda respondida a mão,
60
semelhante a uma narrativa a respeito de cada um dos itens da entrevista
semi-estruturada, a qual denominei de entrevista escrita. Apesar de sua atitude
inicial, a professora Eliane rubricou as duas versões da entrevista: transcrita e
escrita. Apenas a entrevista escrita foi incluída na análise que deu origem às
unidades de significado. Por entender que algumas falas da professora foram
extremamente significativas, optei por utilizá-las apenas nas ocasiões que
julguei imprescindíveis.
Outro elemento importante na construção da validação foi a utilização
de diversificadas fontes de informação. Para Lüdke e André (2005), a utilização
de diferentes métodos de coleta de dados permite a triangulação das
informações, ou seja, favorece a validação das informações a serem utilizadas
no estudo.
Finalmente, procedi a apresentação do estudo aos professores
colaboradores da pesquisa. Para García e Cervantes (2004), a negociação do
informe pode ser considerada a “pedra angular” da investigação qualitativa.
Os autores consideram que “[...] a negociação do informe seja a parte mais
importante de todo o processo” (p. 118).
2.3 O BAIRRO RESTINGA
A escola na qual realizei o estudo situa-se no Bairro Restinga, localizado
na região sul da cidade de Porto Alegre. Este bairro surgiu da remoção de
famílias que moravam em vilas próximas ao centro da capital.
Segundo Nunes (1997), as remoções datam de 1966
33
. As populações não
eram consultadas, mas surpreendidas e levadas a um local a 22 Km de
distância do centro da cidade, sem água, sem luz, sem estrada, atualmente
conhecido como Restinga Velha.
33
Esta remoção fazia parte de um sistema desenvolvimentista que utilizava slogans do tipo
“Remover para Promover”, que pode ser entendido da seguinte maneira: remover as
contradições do sistema, escamotear os efeitos indesejados do sistema capitalista.
61
Ao acessar o site do observatório de Porto Alegre, pude obter
informações mais recentes sobre o Bairro Restinga. De acordo com o mapa da
inclusão e exclusão social de Porto Alegre (p. 35, tabela 4: Regiões do
Orçamento Participativo, composição por bairros, população, densidade
demográfica, taxas de crescimento e participação no total da população)
este bairro abriga 3,95% do total populacional de Porto Alegre, totalizando
53.764 residentes, com uma densidade demográfica de 1394,29 hab/km
2
e em
uma área de 38,56 Km
2
. Está entre os 5 bairros mais populosos da cidade
34
.
Neste bairro, segundo informações do site da Secretaria do Planejamento
Municipal, o rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio/2000 é
de 3,03 salários mínimos
35
.
No caminho que fiz de ônibus
36
para a escola pude observar que as
casas são, em sua maioria, precárias (feitas com sobras de material ou de
madeira, sem pintura,...). Muitas delas abrigam algum tipo de comércio
informal. No entanto, por ser um bairro grande e que continua se expandindo,
existem, também, algumas casas de alvenaria em bom estado de
conservação.
2.4 A ESCOLA RESTINGA
37
A escola é classificada pela SMED como grande (G) ou extra-grande
(GG), dependendo do número de alunos matriculados no início do ano
38
. Foi
34
Para mais informações sobre o Bairro Restinga acessar
http:///proweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatório/usu_doc/MapaIncExcPOA.pdf.
35
Informação obtida no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
36
Ônibus de linha da cidade que faz o trajeto Restinga-PUC (Pontifícia Universidade
Católica/RS)-Restinga.
37
Nome fictício da escola.
38
A imprecisão desta informação se deve ao fato de haver grande flutuação no número de
alunos. Informação recebida através de entrevista com a diretora e da análise de documentos
da secretaria da escola.
62
construída e fundada no final dos anos 80, na administração de Alceu Collares
(1986-1988) na prefeitura de Porto Alegre
39
.
As dependências da escola ocupam meio quarteirão e sua construção
tem características mais horizontais. Apenas os blocos 1A e 2A tem dois
andares, o restante das construções são planas. Os locais que no projeto estão
destinados à horta, a hora cívica e o areião atualmente tem outro uso. No
bloco 1A se encontram a maioria dos setores da escola (direção, secretaria,
SSE, SOE, biblioteca) e algumas salas de aula. Enquanto que no bloco 2A está
localizado o refeitório, a sala de informática e algumas salas de aula. No
espaço entre os prédios foi colocada uma pracinha e um quiosque com
bancos.
Foram construídas 6 salas emergenciais em diferentes locais do pátio. São
prédios de madeira (pré-fabricados), construídos pela mantenedora com o
objetivo de elevar o número de crianças matriculadas na escola.
No pátio, existem painéis pintados por uma professora de Arte-
educação
40
. Um deles era uma reprodução do quadro “O quarto” de Van
Gogh: pintado com cuidado, as cores foram bem escolhidas e o trabalho com
a perspectiva foi cuidadoso. No pátio também existe um mural com notícias
mais ou menos recentes (Semana da Pátria e Independência do Brasil,
plebiscito, desarmamento, mensalão,...).
Os espaços destinados às aulas de educação física são as duas quadras
polivalentes descobertas, o ginásio e a quadrinha
41
, que, inicialmente, era um
pátio e foi adaptado para as aulas de educação física com a colocação de
postes de rede de voleibol. Porém, em determinados períodos, mais de quatro
professores se encontram no pátio; nestes casos, os professores que não estão
39
Informações retiradas da placa de inauguração da escola.
40
Me interessei em saber quem havia feito aquele trabalho e me informaram que o mural havia
sido pintado pela professora de educação artística. Que alguns murais ela teria pintado sozinha
e outros em conjunto com alunas do terceiro ciclo.
41
Espaço do pátio que fica entre o ginásio e as quadras, no qual, geralmente, é desenvolvido o
conteúdo voleibol.
63
contemplados com nenhum destes locais, se colocam em pequenos espaços
do pátio
42
.
A presença dos pais é significativa nos momentos que a escola faz o
chamamento (como no conselho de classe), porém sua participação é quase
inexistente. Nas reuniões que acompanhei, a expressão dos pais é garantida
por meio da pesquisa realizada pela escola (informações retiradas da leitura do
diário de campo).
Nesta escola, os professores de educação física permanecem na sala dos
professores e mantém diálogo constante com os colegas das outras disciplinas.
Também têm participação política que ficou evidenciada pela adesão
coletiva às paralisações realizadas pelos professores e funcionários da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, bem como por seus relatos em reuniões e nos
horários de recreio, relativas a eleições do SIMPA, paralisações, entre outros
informes provenientes de atividades sindicais, sobretudo da ATEMPA.
42
A planta original da escola pode ser observada na próxima página.
64
Figura 1: Planta da Escola.
Fonte: Arquivos da Escola Restinga.
65
2.4.1 Os professores de educação física da Escola Restinga
Trabalham na Escola Restinga aproximadamente 102 professores
43
, sendo
que 8 destes são da disciplina de educação física. Há grande diversidade neste
grupo no que se refere aos locais nos quais realizaram suas graduações, suas
especializações e seu início de carreira em educação física.
Porém, neste momento, pretendo ilustrar a diversidade do grupo de
professores em relação ao tempo de trabalho na RMEPOA e no magistério,
quantas horas semanais estes se encontram envolvidos com atividades em
escola e se os professores têm envolvimento com outro tipo de trabalho além
da docência.
Serão considerados com pouco tempo de magistério os professores que
estiverem em estágio probatório
44
(ou recém finalizado) na RMEPOA. Este
período também pode ser considerado como a fase de entrada do professor
em seu ciclo de vida profissional (HUBERMAN, 1995). Serão considerados com
bastante tempo no magistério os professores que estiverem com mais de 25
anos de trabalho (HUBERMAN, 1995). Para Huberman (1995), os professores com
25 a 35 anos de trabalho estão na fase de conservantismo, com características
de serenidade e de distanciamento afetivo, enquanto que aqueles que estão
com 35 a 40 anos de trabalho se encontram na fase do desinvestimento (sereno
ou amargo). Porém, este estudo foi desenvolvido na realidade européia. Fiz a
necessária adaptação à realidade brasileira, por existirem diferenças nos
tempos de carreira profissional.
43
O número é aproximado porque, segundo a diretora da escola, existem alguns professores
em Licença de Saúde prolongada que não estão trabalhando efetivamente na escola. Alguns
professores estão com delimitação de tarefa, entre outros.
44
Estágio probatório é o período de 3 anos de exercício do funcionário nomeado em caráter
efetivo, durante o qual é apurada a conveniência de sua confirmação no serviço público
municipal, mediante a verificação dos seguintes requisitos: idoneidade moral, disciplina,
dedicação ao serviço, eficiência. (Lei complementar N. 133 de 31 de dezembro de 1985:
Estatuto dos funcionários públicos do município de Porto Alegre). Durante o estágio, os
professores são avaliados pelas equipes pedagógicas e pela direção da escola.
66
Através do quadro de caracterização dos professores participantes do
estudo, pretendo expor suas distintas trajetórias, principalmente no que se refere
à diversidade nas experiências de trabalho e do tempo de trabalho na
RMEPOA. Os dados que não foram informados referem-se à professora
Gabriela, que optou por não participar da pesquisa porque no ano de 2006
suas atividades eram muito diversificadas: escolinhas esportivas, coordenação
de turno e duas turmas de C20 (atendidas no turno inverso às aulas).
Neste quadro todos os nomes são fictícios e algumas informações foram
suprimidas no sentido de garantir o sigilo da fonte.
Nome Horas de
trabalho
semanais na
escola
Horas de
trabalho
semanais fora
da escola
Outros
envolvimentos
profissionais
Tempo de
serviço na
RME/POA
Tempo de
serviço no
magistério
Ana 20 horas Não informado Trabalha com yoga
e personal trainning
2,5 anos 2,5 anos
Beto 30 horas 20 horas Escola Pública
Estadual
3 anos 20 anos
Carlos
45
20 horas 40 horas SME/POA 30 anos Ver nota 45
Denis 40 horas Não tem Mestrando do
PPGEDU
2,5 anos 3 anos
Eliane 30 horas Não tem Não tem 19 anos 21 anos
Flávia 10 horas 30 horas RMEPOA 19 anos 19 anos
Glória 10 horas 20 horas RMEPOA 15 anos 25 anos
Gabriela
46
40 horas Não tem Na Escola: escolinha
de volei e
coordenadora de
turno
Não
informado
Não
informado
Quadro 4: Caracterização dos professores participantes da pesquisa.
Através da descrição do Bairro Restinga, da escola pesquisada e de seus
professores busquei contextualizar o campo de estudo. Inicialmente, por
45
A trajetória do professor Carlos é bastante peculiar. Trabalhou em praças da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, foi diretor de escola, trabalha atualmente na SME e na SMED, com
escolinhas esportivas e aulas de educação física, respectivamente. Não há precisão neste
dado porque o professor não tem uma trajetória linear em seu tempo de trabalho em escolas.
46
A professora Gabriela optou por não participar do estudo. Justificou que trabalha com a
coordenação de turno e com as escolinhas esportivas e tem pouco envolvimento com as aulas
de educação física. Nos apêndices referentes ao diário de campo selecionei algumas de
nossas conversas.
67
entender que o contexto é um aspecto importante na construção de um caso
e, posteriormente, por considerá-lo como um elemento que tem centralidade
na constituição das práticas pedagógicas. No próximo capítulo, será realizada
a descrição das práticas dos professores de educação física e a análise das
categorias desta dissertação.
68
3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE ANÁLISE DAS CATEGORIAS
No presente capítulo trato do processo de construção das categorias de
análise, da descrição das práticas dos professores de educação física e,
posteriormente, da discussão das categorias de análise que compõe o estudo.
Através das categorias de análise busco compreender como se
constituem as práticas pedagógicas dos professores de educação física no
caso estudado, bem como identificar seus limites e suas possibilidades de
mudança e de reflexão sobre as mesmas. Estas temáticas serão discutidas por
meio das seguintes categorias:
a) A prática pedagógica dos professores de educação física: entre
rotinas, estratégias e saberes (3.2);
b) Das experiências vividas pelos professores de educação física e a
relação com a sua prática pedagógica (ou, de onde provém as
incorporações?) (3.3);
c) Da relação que se estabelece entre o contexto escolar e a prática
pedagógica (3.4).
A construção das categorias de análise foi um processo bastante
trabalhoso devido ao excessivo número de unidades de significado
encontradas nas entrevistas. Penso que, por ter demandado tamanha
dedicação, tenha sido tão rico em aprendizagens.
As categorias de análise foram construídas ao longo do estudo.
Conforme André (1998), busquei organizá-las com base em um diálogo
constante com a teoria e com os dados obtidos, buscando estabelecer a
vinculação do referencial teórico com as observações e com as entrevistas.
69
Em muitos momentos tive dificuldade em estabelecer as fronteiras entre
uma categoria e outra. Penso que isto se deve ao fato da prática ser
extremamente ampla e complexa, dificultando a produção de rupturas,
mesmo que estas tenham sido feitas no intuito de aprofundar a análise.
Das oito entrevistas transcritas apenas seis
47
delas foram incluídas no
processo de seleção das unidades de significado, juntamente com a entrevista
escrita da professora Eliane. Neste processo foram retiradas 480 unidades de
significado, que foram reagrupadas em 30 blocos temáticos.
Partindo dos blocos temáticos cheguei a um total de 8 categorias.
Durante um mês trabalhei com as 8 categorias, tentando discuti-las
teoricamente. Finalmente, depois de um exaustivo trabalho de escrita, percebi
que não se tratavam de 8 categorias, mas de 6 categorias. No entanto,
também não foi desta vez que consegui concluir o estudo, e, posteriormente,
compreendi que se tratavam de 3 categorias e 3 subcategorias, as quais serão
discutidas posteriormente neste trabalho.
Penso que a escrita e a sistematização das informações foram
importantes processos de amadurecimento da pesquisadora e do texto em
questão. Segue, abaixo, o quadro resultante destas aprendizagens,
explicitando as 3 categorias e as 3 subcategorias de análise:
47
As seis entrevistas transcritas categorizadas foram as dos seguintes professores: Ana, Beto,
Carlos, Denis, Flávia e Glória. A entrevista escrita da professora Eliane foi incluída no processo de
categorização e a entrevista com a diretora da escola não foi categorizada, mas foi utilizada
como fonte de informação para uma maior compreensão do contexto e como instrumento de
triangulação de algumas informações.
70
Categorias
Subcategorias
A prática pedagógica dos
professores de EF: entre rotinas,
estratégias e saberes.
O papel do esporte nas aulas
de educação física.
Das experiências vividas pelos
professores de educação física e a
relação com a sua prática
pedagógica (ou, de onde provém
as incorporações?)
A influência das formações na
prática pedagógica dos
professores de educação física.
Da relação que se estabelece
entre o contexto escolar
e a prática pedagógica.
A relação do professor com os
alunos nos momentos de aula.
Quadro 5: Categorias e subcategorias.
A seguir, com o objetivo de dar suporte a posterior discussão das
categorias, apresento a descrição das práticas dos professores de educação
física da escola pesquisada, a partir de minha perspectiva. Durante a discussão
das categorias de análise será explicitada a perspectiva dos professores.
3.1 DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO
FÍSICA
Descrevo, nesta seção, as práticas pedagógicas dos professores de
educação física, a partir de minha perspectiva buscando, em alguns
momentos, estabelecer um diálogo entre a minha visão e a visão dos
professores.
Na Escola Restinga, as aulas de educação física são ministradas por oito
professores. No ano de 2006 havia a seguinte divisão das turmas:
71
a) Primeiro Ciclo: A10 e A20 com a professora Eliane e A30 com a
professora Ana;
b) Segundo Ciclo: B10 com os professores Beto e Glória, B20 com os
professores Beto e Flávia e B30 com o professor Beto;
c) Terceiro Ciclo: C10 com o professor Denis, C20 com os professores
Beto, Gabriela e Carlos e C30 com o professor Carlos.
Observei que há grande diversidade de práticas entre estes professores,
apesar da maioria das aulas se desenvolverem sob um mesmo conteúdo: os
esportes.
Parece haver uma unidade no trabalho no interior dos ciclos, não no
sentido de que exista uma progressão de conteúdos ou ainda um plano de
trabalho da educação física, pois de acordo com a professora Ana:
Acho que tem coisas para melhorar, até porque quando eu
cheguei aqui não existia nenhum
plano da educação física na escola.
E
eu fiz. Peguei os Parâmetros Nacionais, fiz um plano anual, que é o que
eu me baseio (Ana, entrevista em 21/08/2006) [Altera o tom de voz no
intuito de dar ênfase a esta parte da frase].
Porém, através da análise dos planejamentos trimestrais e anuais dos
professores e das observações das aulas foi possível constatar que: no primeiro
ciclo, as professoras trabalham com aspectos como coordenação motora
ampla, equilíbrio, rodas cantadas (ritmo), brincadeiras e jogos recreativos
(noções de espaço e de tempo), circuítos, entre outros; no segundo ciclo, os
professores buscam o desenvolvimento de algumas habilidades básicas para os
esportes, ou seja, uma iniciação desportiva através da experimentação de
diversos tipos de bolas e de jogos pré-desportivos e alguns exercícios da
ginástica; no terceiro ciclo, os professores trabalham quase que exclusivamente
72
com os conteúdos esportivos, como handebol, futebol, basquetebol, voleibol,
além de alongamento e condicionamento físico.
A descrição das práticas de cada um dos professores estará baseada nas
observações realizadas durante o trabalho de campo. Para tanto, foram
selecionados alguns aspectos considerados significativos nas observações.
Sendo assim, exponho os critérios a partir dos quais estão organizadas as
descrições: através da leitura do diário de campo busquei as regularidades nas
aulas, ou seja, os aspectos que se repetiam aula após aula, sempre evitando a
emissão de juízo de valor a respeito das mesmas.
Neste primeiro momento, as descrições serão breves. Gradualmente, em
conjunto com a análise das práticas, as descrições vão sendo aprofundadas.
As aulas que observei na sala do vídeo e em sala de aula não serão descritas,
porque constituem exceção.
Na maioria das aulas, a professora Ana (A’s 30) buscava os alunos na
sala. Mesmo no início da manhã, ela não se dirigia com a fila de alunos
diretamente ao ginásio. Conversava com eles em sala de aula, realizava a
meditação ou a concentração, explicava como seria a aula no pátio, fazia a
chamada e organizava a fila com os alunos, na qual um colega chamava o
outro. Desciam em fila. Os alunos, algumas vezes, aguardavam que a
professora pegasse o material na sala de educação física e, finalmente, se
dirigiam para o espaço destinado às aulas. A professora Ana exigia silêncio,
principalmente nos corredores da escola. Faziam seu deslocamento sempre em
filas, para tanto utilizavam brincadeiras como: “todos com pezinhos de
algodão” ou “ninguém pode acordar o bebê que está dormindo”. As
atividades propostas pela professora eram variadas, como brincadeiras
recreativas, circuitos, iniciação aos jogos pré-desportivos (nilcon e futebol),
pular corda, etc. Ana mantinha um relacionamento bastante afetivo com as
crianças, os chamava de queridos, escutava algumas estórias dos alunos e
73
conversava com eles. Procurava estimular os alunos durante as aulas,
elogiando suas atitudes e seu empenho.
A descrição das aulas do professor Beto, no entanto, se torna um pouco
mais complicada devido ao fato deste professor trabalhar com diversos anos
ciclos. Com as turmas de B10 e B20 suas aulas pareciam seguir, basicamente,
três modelos: em alguns dias o professor trabalhava com grandes jogos de
iniciação desportiva, em outros organizava a aula tipo estafetas (sem
competição) e, em outros, faziam um jogo. Os dias nos quais o trabalho era
com grandes jogos estes eram explicados na sala de aula e os alunos
chegavam no pátio já sabendo como seria a aula. Algumas vezes utilizou vídeo
e, uma vez, observei que, durante a finalização de uma aula, ele levou os
alunos para a sala para ler o trecho de um livro. Apesar do professor Beto utilizar
diversas estratégias foram em suas aulas que percebi o menor interesse dos
alunos (comentei com ele este fato na entrevista do estudo preliminar). A
relação do professor com os alunos pareceu um pouco distante, com algumas
exceções, e as atividades nem sempre envolviam a todos em uma mesma
aula. Nas turmas de C20 este quadro parecia se repetir, porém as aulas
estavam voltadas para o aprendizado do desporto. Os alunos não
demonstravam muito empenho em participar das aulas, principalmente as
meninas.
As aulas do professor Carlos iniciavam, geralmente, no espaço das aulas
de educação física (ginásio ou quadras). O professor aguardava os alunos no
meio da quadra, em pé. Esperava que eles chegassem, se colocassem no
círculo e fizessem silêncio. Assim que o professor julgasse que existiam
condições, começava a aula. Dava algumas informações relativas aos esportes
que estavam trabalhando, explicava como seria a aula e iniciavam as
atividades práticas com corrida e alongamento. Após este início, as aulas
seguiam, basicamente, dois modelos: trabalho com os fundamentos dos
desportos (basquete, voleibol, futebol e handebol) ou jogo esportivo. Este
74
professor abre espaço para os alunos avaliarem suas aulas no final dos
trimestres ou no final do ano. Estabelece uma relação de muito respeito com os
alunos, raramente levanta a voz a eles e as turmas, em geral, parecem não ter
problemas disciplinares
48
. Quando isto acontece o professor se dirige ao aluno e
conversa. Uma das ‘marcas’ deste professor é a forma de finalização das aulas,
que geralmente, são terminadas com a palavra: Acabou!!! E, algumas vezes, os
alunos gritam juntos.
O professor Denis, que trabalhava com as C’s10 buscava a turma na sala
de aula. Conversava com os alunos, fazia a chamada, organizava a aula e
descia com o grupo. Reuniam-se em um círculo e faziam uma seqüência de
alongamentos, durante a qual o professor ia explicando qual o grupo muscular
que estava sendo trabalhado e qual a sua importância. Também tratava de
diversos assuntos, como a roupa que os alunos estavam usando, os riscos de
não fazerem adequadamente o alongamento e qual a importância do
desenvolvimento da força muscular (postura, evacuação, etc). O
relacionamento do professor com os alunos era bastante próximo, chamava-os
de meus queridos, de bonitão, entre outros elogios (como o professor relatou
em entrevista). As aulas se desenvolviam sob conteúdos esportivos. Observei,
basicamente, três tipos: aulas com jogos pré-desportivos, aulas de aprendizado
do gesto esportivo e aulas com jogos esportivos (logo após o alongamento).
Durante os jogos, o professor ficava explicando a respeito dos posicionamentos,
das regras, etc. Algumas vezes, os próprios alunos dividiam os grupos e
‘apitavam’ o jogo demonstrando relativa autonomia, dado o nível de
organização observado, enquanto Denis conversava com os outros alunos que
estavam esperando a vez de jogar. Os meninos e as meninas geralmente
jogavam juntos e pareciam divertir-se muito com isto.
48
Considerei como problemas disciplinares os atrasos dos alunos que chegam depois do início
da corrida, os conflitos com outros professores que estejam no pátio, os palavrões e as brigas
(que não presenciei).
75
A professora Eliane, que trabalhava com as menores crianças da escola,
chegava ao pátio com os alunos em fila. Iniciava as aulas com brincadeiras
infantis ou rodas cantadas. Ela propunha de duas a três brincadeiras para as
crianças e finalizava a aula trilhando a corda para as meninas pularem,
enquanto que os meninos jogavam futebol ao seu modo. Eliane participava
junto com as crianças de quase todas as brincadeiras. Porém, em alguns
momentos, sua aula se desorganizava: as crianças saiam do lugar combinado
ou começavam a comer a merenda. Em algumas turmas, aconteciam
problemas disciplinares que, segundo a professora, tinham causas diversas,
como turma com ausência de professores, o local destinado às aulas, entre
outros fatores.
Os alunos da professora Flávia chegavam aos poucos no ginásio, eles não
se deslocavam em filas. Geralmente demoravam de 10 a 15 minutos para
descerem. As aulas iniciavam com um ‘aquecimento’ em círculo, no qual as
crianças faziam saltitos, polichinelos, movimentos articulares, etc. No segundo
momento da aula eles jogavam nilcon. Foi possível perceber os esforços da
professora no sentido de garantir a participação de todos os alunos nas suas
aulas: colocava mais de nove crianças de cada lado da quadra e estimulava a
participação de todos fazendo o revezamento de alunos nos jogos. Flávia
demonstrava ter um relacionamento próximo aos alunos, alguns vinham contar
estórias de sua vida privada à professora, como o nascimento de irmãos ou
mesmo um problema de saúde na família.
A iniciação desportiva desenvolvida por meio de jogos era o principal
conteúdo da professora Glória. Ela começava as aulas na sala, fazia a
chamada, organizava as equipes, explicava o que seria trabalhado naquele
encontro e se dirigia com a turma para o pátio ou ginásio. A parte prática das
aulas começava com uma brincadeira de corrida e depois seguiam fazendo
jogos diversos. As turmas estavam divididas em equipes e todos eram
estimulados a jogar. A professora conferia seguidamente a divisão da turma e
76
alterava algumas regras dos jogos com o objetivo de garantir a participação
de todos. Sempre que julgava necessário reunia a turma: faziam um círculo e se
abraçavam para conversar enquanto a professora dava algumas instruções.
Em geral a aula tinha três atividades: a brincadeira de corrida, um jogo pré-
desportivo e o jogo final (algumas vezes a segunda e a terceira atividades
mesclavam-se). A aula era finalizada em um círculo, no qual a professora e os
alunos conversavam a respeito do que havia acontecido.
Todos os professores, com maior ou menor freqüência, utilizavam-se de
aulas livres.
3.2 A PRÁTICA PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ENTRE
ROTINAS, ESTRATÉGIAS E SABERES
Neste tópico utilizarei quase que exclusivamente informações das
entrevistas no sentido de expor a visão dos professores a respeito de suas aulas:
como e porque estão organizadas nestes formatos. Também abordo a sub-
categoria “o papel do esporte nas aulas de educação física”.
A discussão que pretendo fazer a respeito do papel das rotinas, das
estratégias e dos saberes nas práticas dos professores de educação física está
amparada nos debates que vêm se desenvolvendo em torno da nova
epistemologia da prática. Conforme abordado no capítulo 1, autores como
Silva (2005), Tardif (2002), Perrenoud (1993, 2001, 2002), Borges (2003), Bracht
(2003), Tardif e Gauthier (2001), Lelis (2001) e Monteiro (2001) têm realizado
pesquisas que tematizam os saberes, as rotinas e as estratégias que os
professores se utilizam para dar conta das demandas da prática pedagógica.
Neste sentido, serão tratados, separadamente, estes aspectos da prática
pedagógica dos professores.
77
3.2.1 As rotinas na/da prática pedagógica
De uma maneira geral, os professores que colaboraram com o estudo
organizavam suas aulas baseados em rotinas e em reflexões sobre a prática. Na
maior parte das vezes, estas reflexões têm a própria prática como parâmetro.
Neste sentido, para Perrenoud (2001) a prática de um professor se desenvolve a
partir de um número impressionante de rotinas que vão fazendo parte de seu
habitus e se constituem em saberes procedimentais, que vão crescendo à
medida que se avança no ciclo de vida profissional.
Nesta perspectiva, e através das observações de aulas e de entrevistas,
pude constatar que os professores baseiam-se em rotinas para desenvolver seu
trabalho. Porém, estas podem estar influenciadas pela organização escolar ou
pela reflexão que os professores produzem a partir de suas aulas, com ou sem o
auxílio de teorias.
A utilização de rotinas pelos professores é justificada de diferentes formas.
A professora Eliane relatou que segue algumas rotinas que acredita serem
necessárias para a manutenção da organização escolar, como nestes trechos
da entrevista:
Eu busco eles na sala, normalmente eu faço a chamada, como eu
de repente passei o ano inteiro com problema de voz, eu normalmente
faço assim. Eu faço a chamada em sala. [...] Normalmente eu explico já
na sala, comecei a explicar na sala a atividade que a gente vai fazer na
quadra. Para facilitar. E quando eles chegam na quadra eles já sabem o
que vão fazer. Esperar na quadra nem pensar. Porque eles vão no
banheiro e não voltam nunca mais, imagina se a professora abrir a porta
e disser: - agora vocês vão tudo para a quadra que a professora está lá.
Não dá, não tem como. Como eu trabalho com os pequenos, nenhuma
turma, eu acho, talvez os grandes. Só os grandes. Mas eu acho que os
de A e B, todos os alunos, os professores vão na sala buscar (Eliane,
entrevista em 30/08/2006).
Não, não foi determinado. [...] porque o que acontecia era o
seguinte, os alunos não vinham, não vinham, não vinham,... não
liberavam. E aí começou correria... e então eu acho que em função de
controle, eu acho que em função de não ter aluno circulando, fora da
sala de aula, foi que se... mas não foi determinado: não. Eu não me
lembro de alguém ter dito não, vocês tem que ir na sala de aula pegar
78
o aluno. No jardim claro, tem que pegar. Mas os outros, não, ninguém
determinou que tinha que ir na sala buscar. Foi uma coisa que acabou
acontecendo... naturalmente (Eliane, entrevista em 30/08/2006).
No entanto, a professora Glória desenvolve rotinas com o objetivo de
estimular a auto-crítica dos alunos:
A gente sempre tem o primeiro momento na sala de aula, porque
eu busco os alunos na sala. Então, ali na sala, são colocados os
objetivos, o que eu pretendo com eles, que atividades nós vamos fazer.
Às vezes eles propõe atividades. Por exemplo, sempre, naquela primeira
parte, de descontração, de aquecimento, eu sempre busco uma
brincadeira deles, algo que eles me trazem. [...] Sempre uma brincadeira
já conhecida, depois eu ponho uma nova, uma minha. Para que eles
[...] vão aumentando os seus conhecimentos. Depois eu entro na
atividade que eu vou direcionar para aquele objetivo que eu quero. Se
eu estou trabalhando futsal e quero que eles desenvolvam melhor a
questão de passes eu vou fazer várias atividades, em forma de jogos, de
brincadeiras, para que eles desenvolvam esse passe, para concluir com
um jogo, um grande jogo, onde todo mundo joga ou nos jogos, nas
equipes menores. Quando estiver mais avançado, equipes menores.
Finalizando sempre com uma conversa: como foi, o que aconteceu,
alguém ficou de fora, porque ficou? Para se colocar, para fazer com
que eles façam esse conhecimento. Se alguém ficou de fora,
normalmente as meninas, se é o jogo... eu saí porque o fulano não me
passa a bola, porque não sei o quê. Então, essas coisas todas que
passam... que são próprias do grupo (Glória, entrevista em 03/10/2006).
Sempre procurando que eles tenham uma auto-crítica de como
foi o seu desenvolvimento. Como eu busco um conhecimento deles e
uma interação deles em função das discriminações, eles têm que fazer
uma crítica. Porque se aquele, por exemplo, que discriminou o outro
porque ele não sabia jogar ele tem que entender que ele está num
processo diferente, que o direito é de todos, que o espaço é de todos...
não é exclusivo dele porque ele já domina alguma habilidade. Então
sempre baseado nisso, buscando uma crítica... minha mesmo. [...]
Também tem que ter esse retorno para eu poder ver outras formas de
interagir com eles para que o trabalho realmente ande (Glória,
entrevista em 03/10/2006).
Enquanto que, para o professor Denis, a escola tem “rituais”:
É que eu acredito que a escola tem rituais. [...] e acho que esses
rituais são importantes. Tu tens que dar o conhecimento que está
começando. Então o que eu uso, qual é o meu ritual? [...] Eu vou buscá-
los na sala de aula, nunca combino que eles venham aqui em baixo.[...]
79
Vou na sala de aula, faço combinações iniciais, digo o que vai
acontecer e nesse momento a gente negocia.[...] É um espaço menor,
não precisa gritar tanto. Não gritar de brigar, mas falar tão alto para que
possa ser ouvido. Então eu uso isso, faço chamada na sala de aula e
depois nós descemos.[...] Mas hoje eu acho importante a gente reunir os
alunos na sala de aula, conversar com eles, organizar o negócio,
descer... se dá alguma confusão aqui embaixo eu volto para a sala de
aula, que é um ambiente menor e a gente vai poder discutir o que
aconteceu, não tenho problema nenhum de interromper uma aula e
subir com eles. Faço isso eventualmente, mesmo que eles protestem.
Porque eu acho que algumas coisas a gente tem que ter (Denis,
entrevista em 31/10/2006).
As rotinas parecem fazer parte do dia-a-dia dos professores, tanto no
sentido de dar conta de suas tarefas e de organizar o ambiente escolar, quanto
na busca de abrir espaços de crítica para os alunos. Sendo assim, a produção
de rotinas pode vir a ser um instrumento de reprodução das práticas e de
manutenção de uma ordem estabelecida ou uma possibilidade de
questionamento desta ordem, dependendo da concepção do professor na
organização das aulas.
Neste sentido, a possibilidade de reflexão aprofundada sobre a prática,
fundamentando-a teoricamente, tende a produzir rotinas que favoreçam a
crítica ao ambiente escolar e às aulas, enquanto que as rotinas organizadas no
intuito de se adequarem ao espaço escolar podem servir de instrumentos na
manutenção da estrutura escolar. Desta forma, podemos pensar que o
contexto escolar favorece a constituição e o desenvolvimento de rotinas.
Entretanto, ao buscarem mudar suas aulas, no que se refere aos
conteúdos ou a alteração das rotinas que facilitam a organização das aulas,
observei que os professores se deparavam com fatores que dificultavam a sua
superação.
Neste sentido, ao acompanhar a professora Flávia na série de aulas nas
quais ela objetivava trabalhar uma coreografia com os alunos pude perceber
os limites de se trabalhar com este conteúdo, ou seja, de produzir uma
80
mudança no que está estabelecido, neste caso, nas aulas com conteúdos
esportivos
49
. Observei o desenvolvimento de uma coreografia desta professora
por dois meses de trabalho, sendo um período de aula por semana
50
,
totalizando 9 aulas. Destas, apenas 5 vezes a aula foi realizada como a
professora havia planejado
51
. Ainda assim, por duas vezes esta atividade foi
realizada na sala de aula, ambiente pequeno em relação à quantidade de
alunos. No dia em que a turma foi para o ginásio havia problema na corrente
de luz e, conseqüentemente, a atividade foi realizada de forma adversa.
Também influenciaram estas aulas algumas mudanças de horários, os conselhos
de classe, solicitações do SSE a respeito das avaliações dos alunos, entre outros
fatores.
3.2.2 As estratégias da prática
Em contrapartida, a professora Glória, ao não se conformar com as
limitações do ambiente escolar, produz estratégias de sobrevivência (WOODS,
1995). Após a entrevista, realizada em sua residência, ela me mostrou o material
alternativo que produz para o trabalho com os alunos. Este material é
confeccionado por ela com o auxílio de seus familiares e, em alguns casos,
com os alunos. Este fato também foi observado durante as aulas da professora
Glória, que chegava com sacolas de panos, de bolas de meia, etc..
Esta realidade foi observada por Wittizoreck e Molina Neto (2005), e
permitiu aos autores constatarem que grande parte do coletivo de professores
da escola pública revela “[...] um sentimento de luta, resistência, criatividade e
esperança que os move frente a esses obstáculos” (p. 48).
49
Esta também pode ser considerada uma influência do contexto nas práticas, assunto que
será tratado no próximo capítulo deste trabalho.
50
A turma tinha dois períodos de educação física por semana, porém, a professora Flávia
negociou com eles que trabalhariam dança em um período e no outro seria aula livre.
51
Nos dias de trabalho com dança a professora Flávia tinha o primeiro período vago.
Geralmente, eu chegava cedo à escola e ficávamos conversando a respeito das aulas da
tarde, do horário, etc..
81
A professora Glória, no entanto, participou do Curso de Especialização
em Esporte Escolar, no formato de Ensino a Distância, através do Projeto
Segundo Tempo. Esta especialização possibilitou à Glória estar em contato com
a bibliografia recente da área (conforme a professora relatou em conversa
posterior à entrevista), através do qual ela se empenhou em refletir de forma
mais aprofundada a respeito de sua prática. Seu esforço é reconhecido por
colegas:
A Glória... tem uma bagagem bem legal. Eu tenho observado que
ela confecciona muito material, ela tem uma dedicação que eu, eu
assumo, que eu não tenho. De buscar alternativas, de confeccionar
outros materiais [...] (Eliane, entrevista em 30/08/2006).
Os professores que tem a oportunidade/possibilidade de se manterem em
constante atualização, como Glória
52
e Denis
53
parecem produzir reflexões mais
aprofundadas a respeito de suas aulas e, algumas vezes, conseguem mudar
alguns aspectos de sua prática. O professor Denis tece algumas críticas ao seu
trabalho, mas, em contrapartida, também consegue observar alguns avanços:
E os conceitos que eu venho estudando, o conceito de poder, as
relações de gênero, também são coisas que eu me preocupo, que eu
acho interessante. Acho que é uma conquista que a gente teve nessas
minhas turmas que eles conseguem... essa questão de gênero, da
divisão, dessa dicotomia grande entre meninos e meninas é bem legal
que a gente consegue superar, de alguma forma. Eu acho que rola. E
faço essas coisas e acho que essas coisas rolam dessa forma pelos
estudos que venho fazendo. Acho que colabora muito sim. Não para
que a gente consiga o ideal. Ou algo que seja bem interessante, que
funcione como um relógio, mas colaborar para que a gente consiga
nesse nosso caos ir organizando as coisas, temporariamente (Denis,
entrevista em 31/10/2006).
52
A professora Glória concluiu a Especialização em Esporte Escolar no ano de 2006.
53
O professor Denis concluiu o mestrado no ano de 2006.
82
Este professor relatou em uma reunião pedagógica por disciplina, na qual
eu estava presente, que o que se ensina nas aulas é muito mais amplo que o
planejamento:
[...] o que está no planejamento é uma coisa; a aula, o que
acontece nas aulas, é outra. Tratamos de diversos assuntos que não
estão escritos em lugar nenhum, como a roupa adequada, o
encurtamento muscular causado pelos saltos altos, etc. (Denis, trecho
do diário de campo, dia 06/04/2006).
Também nesta reunião, o mesmo professor relatou que as muitas tarefas
da vida cotidiana (40 horas de trabalho semanal, mestrado, comissão da
ATEMPA, entre outros) o absorviam e ele não conseguia dedicar mais tempo à
preparação das aulas: “Quando chego na escola acabo fazendo o que
sempre fiz e que dá certo” [...] (Denis, trecho do diário de campo, dia
06/04/2006).
Penso que isto não se deve, exclusivamente, a uma vontade do professor
de repetir as mesmas aulas, mas está vinculado a fatores como a intensificação
do trabalho docente. Para Hargreaves (1996), o fenômeno da intensificação
consiste de maiores expectativas em relação ao trabalho dos professores,
exigências mais amplas, com mais responsabilidades ligadas ao trabalho social,
que promovem uma sobrecarga crônica no trabalho.
Sendo assim, a utilização de rotinas pode estar relacionada à
intensificação e a constituição de um habitus baseado nas práticas que deram
certo:
Já tentei outras coisas e não tive competência para dar conta.
Tentei um ano trabalhar com expressão corporal e com outras vivências
e tal e não rolou. Foi um troço que, absolutamente, eu não consegui
fazer e não consegui nem negociar com eles, porque não tinha
disposição. Eles não tinham disposição para isso e a minha disposição
[...] acabou terminando. E aí o esporte foi uma coisa que me facilitou a
vida (Denis, entrevista em 31/10/2006).
83
Segundo Perrenoud (2001), o habitus profissional desenvolve-se por meio
de rotinas e de ações que deram certo e que tendem a influenciar a
organização das aulas. Neste sentido, podemos pensar que mesmo um
professor que busca refletir sobre a sua prática, que busca cursos de pós-
graduação, em alguns momentos, se vê ‘engolido’ por fatores como a
intensificação e vai desenvolvendo rotinas que o auxiliam na organização das
aulas. A discussão a respeito da intensificação no trabalho docente dos
professores da RMEPOA está presente em Wittizorecki (2001) e Wittizorecki e
Molina Neto (2005).
Entretanto, por meio de uma prática muito peculiar, a professora Ana
desenvolve a meditação e a concentração com seus alunos. Ela relata que
busca conhecimentos em outras áreas para subsidiar sua prática: “Onde é que
eu vou buscar recursos pra melhorar nesse sentido? Há recursos fora, em áreas
que eu acredito, como o Yoga, teatro e tal” (Ana, entrevista em 21/08/2006). E
explica que estes conhecimentos estão baseados em sua formação:
Olha, estão baseados na minha formação, mas não tanto
acadêmica, mais nesses caminhos assim que eu vou buscar de
educação e valores humanos do Sai Baba
54
ou no Yoga ou essa
questão mais oriental mesmo (Ana, entrevista em 21/08/2006).
Um dos aspectos que me chamou a atenção na observação do trabalho
da professora Ana é o caderno no qual anota o planejamento de suas aulas.
Tive acesso a este caderno e constatei que existe um plano escrito das aulas da
semana. Este plano não é detalhado, mas constam as atividades que serão
desenvolvidas e, algumas vezes, o objetivo que está sendo trabalhado naquela
semana. Para Lahire (2002), a utilização da escrita tem, basicamente, duas
funções: a primeira função seria de objetivar o que ainda não foi totalmente
54
Trata-se de Sathya Sai Baba. Segundo ele: “A verdadeira finalidade da educação é a
formação do caráter”. Sua proposta educacional está centrada nos Valores Humanos
Universais da verdade, paz, não-violência, amor e retidão (Informações retiradas do site:
http://www.sathyasai.org.br/saibaba).
84
incorporado e, quando os programas tiverem sido incorporados, “[...] a
memória interna substituirá progressivamente a memória objetivada externa”
(p. 120); a segunda função seria uma possibilidade de ruptura com o senso
prático e, neste sentido, o autor observa que:
Estas práticas representam verdadeiras rupturas com relação ao
senso prático, com a lógica prática, e podem ser compreendidas a
partir da relação negativa que mantêm com a memória prática,
incorporada, do
habitus
. Tornam possível o domínio simbólico de certas
atividades, bem como sua racionalização (LAHIRE, 2002, p. 117).
Nesta perspectiva, a professora Glória utiliza-se da escrita e não vai para
a aula sem o seu caderno, que, além de ter a função de planejamento, serve
de apoio para lembrar como estão divididas as turmas (equipes), servindo
também para a anotação de acontecimentos importantes (que não devam
ser ‘esquecidos’). As equipes configuram-se em um ponto importante da
professora Glória, sobretudo no 2
o
trimestre de 2006, no qual estavam
desenvolvendo o projeto Copinha do Mundo com as turmas de 1
o
ano do 2
o
ciclo.
Neste sentido, a utilização da escrita por professoras que se encontram
em diferentes momentos da carreira docente pode estar servindo a funções
distintas. Lahire (2002) destaca que, com o passar dos anos, há um
desinvestimento na utilização da escrita, pois, para os professores na fase inicial
da carreira, sua utilização se deve a dificuldade de interiorizar alguns aspectos
da profissão, e, na medida que as disposições vão sendo incorporadas os
professores vão minimizando este investimento. Enquanto que para os
professores com mais tempo de trabalho na docência a escrita pode servir
para promover rupturas com o senso prático.
Sendo assim, penso que, em alguns momentos, os professores conseguem
superar as aulas baseadas nas rotinas e no senso prático (habitus) e produzem
algumas mudanças em suas práticas pedagógicas. Logo, a reflexão
aprofundada e a utilização da escrita pelos professores pode estar auxiliando a
85
promover mudanças nas rotinas dos professores, seja no sentido de
modificação das práticas ou na utilização de estratégias de sobrevivência.
Neste sentido, Pérez Gómez (1998) ressalta que a reflexão supõe um sistemático
esforço de análise, porque “[...] implica na imersão consciente do homem no
mundo de sua experiência [...]” (p. 369). O que pode ser considerado, na
perspectiva de Thompson (1981), como o processo de produção de um
conhecimento.
3.2.3 A prática pedagógica: seus conhecimentos e seus saberes
Pretendo encaminhar a discussão a respeito dos conhecimentos e dos
saberes da prática ressaltando que, em meu ponto de vista,
[...] o conhecimento que se mobiliza para enfrentar as situações
divergentes da prática é do tipo idiossincrático, construído lentamente
pelo profissional no seu trabalho diário e na sua reflexão na e sobre a
ação. O conhecimento das ciências básicas tem um indubitável valor
instrumental, desde que se integre no pensamento prático do professor
(PÉREZ GÓMEZ, 1995, p. 111).
Deste modo, pretendo afastar-me de uma visão racionalista de prática
pedagógica, buscando compreendê-la não como algo necessariamente
pensado, planejado, refletido, e, ao mesmo tempo, procurando evitar a noção
de uma ação automática. Ou seja, entendendo que a prática pedagógica
constitui-se, também, de um conhecimento produzido pela reflexão a partir da
prática.
A noção de saber a ser utilizada neste trabalho aproxima-se a
concepção de Tardif e Gauthier (2001), quando observam que:
[...] pretendemos enfatizar a dimensão ‘argumentativa’ e social do
saber dos professores, propondo considerar esse saber como expressão
de uma razão prática, que é da ordem da argumentação e do
julgamento mais do que da cognição e da informação (p. 187) [grifo
dos autores].
86
Neste sentido, para os autores, o saber dos professores é uma razão
prática, social e voltada para o outro, porque,
o professor também se baseia, para atingir os objetivos pedagógicos,
em julgamentos que provêm de tradições escolares, pedagógicas e
profissionais, os quais ele próprio assimilou e interiorizou. Ele se baseia,
finalmente, em sua “experiência vivida” como fonte viva de sentido, a
partir da qual o passado permite-lhe esclarecer o presente e antecipar
o futuro (TARDIF e GAUTHIER, 2001, p. 202) [grifo dos autores].
Sendo assim, a noção de saber dos professores estará ancorada nos
conhecimentos e nas práticas dos professores, sejam estas anteriores a sua
formação ou provenientes de sua prática pedagógica. A este respeito, a fala
do professor Beto é bastante ilustrativa:
Então eu trabalho dentro das condições que nós temos, dentro
também, um pouco, da minha experiência; a minha experiência como
professor é mais voltada para o esporte. [...] Eu realizo as aulas
procurando dar as informações relacionadas ao esporte. Relacionar o
esporte com a parte de fundamentos... tanto na prática como também
na teoria, regras, e as relações de convivência, entre os alunos também
[...] (Beto, entrevista em 30/11/2005).
Para as professoras Eliane e Flávia, as suas vivências e a própria prática
parecem ser parâmetros fundamentais para suas reflexões e para o seu
planejamento:
Olha, eu, após 19 anos de profissão, eu já trabalho bastante
também com as minhas vivências, mas procuro fazer cursos,
aperfeiçoar, ver o que está acontecendo de novo. Mas utilizo ainda,
bastante, do que eu aprendi na faculdade (Flávia, entrevista em
19/09/2006).
Utilizo as atividades dos anos anteriores que funcionaram bem e
que tiveram boa aceitação entre os alunos. Eu penso em primeiro lugar
no perfil das turmas que eu vou trabalhar, verifico se a atividade não vai
agitar demais os alunos, se não é muito agressiva e, principalmente, se
os alunos tem condições de entender a brincadeira. Às vezes vejo
atividades de outras turmas e converso com o colega, se não tiver
problema eu utilizo nas minhas aulas (Eliane, entrevista dia 30/08/2006).
87
Neste sentido, entendo que os saberes utilizados pelos professores em
suas aulas não estão relacionados exclusivamente com a sua formação, mas
também com suas experiências vividas, mesmo que anteriores ao seu ingresso
na graduação. São as aulas de dança da professora Flávia, a meditação da
professora Ana, as aulas de basquete do professor Carlos que nos induzem a
pensar que suas práticas estão fortemente vinculadas a suas experiências
anteriores.
O que pretendo com estas afirmações é reduzir o peso da influência da
formação inicial e permanente nas aulas destes professores e refletir a respeito
da influência de suas experiências vividas e de sua trajetória em relação aos
seus saberes e suas maneiras de organizar uma aula de educação física.
Logo, considero que o saber dos professores de educação física é um
saber plural, que envolve aspectos relativos a suas experiências vividas em
todas as suas dimensões: escolarização, vivências esportivas, graduação,
prática na escola e formação permanente.
Neste sentido, cabe uma ressalva: no caso dos professores iniciantes,
como Ana e Denis, as rotinas parecem estar se consolidando baseadas,
principalmente, em práticas que deram certo, em suas reflexões sobre a prática
e em conhecimentos provenientes de diversas fontes, como os cursos que
realizam. Porém, as rotinas desenvolvidas ao longo do ciclo de vida dos
professores com mais tempo de docência parecem estar consolidadas, e as
reflexões que desenvolvem dizem respeito a alguns aspectos específicos de sua
prática, tendo, em geral, a própria prática como parâmetro.
Desta forma, a prática pedagógica constituída por rotinas, saberes e
estratégias pode estar fortemente relacionada aos conhecimentos que os
professores produzem ao longo de seu ciclo de vida, baseados em suas
experiências vividas, com ou sem uma reflexão aprofundada a partir da
prática. Entendo que, deste modo, constitui-se o saber plural dos professores de
educação física. Para Passos (2002), o ensino, como uma prática social
88
concreta e multidimensional, sempre inédita e imprevisível, não pode contar
com um conjunto de saberes estáveis. Logo, a autora considera que os
professores mobilizam um saber plural. Para Tardif (2002), esta é uma das
características do saber experiencial:
É um saber sincrético e plural que repousa não sobre um repertório
de conhecimentos unificado e coerente, mas sobre vários
conhecimentos e sobre um saber-fazer que são mobilizados e utilizados
em função dos contextos variáveis e contingentes da prática profissional
(p. 109).
No entanto, apesar da diversidade nas práticas, estas aulas estão
organizadas por meio de um conteúdo quase único: os esportes. Neste sentido,
pretendo enfatizar que, apesar deste mesmo formato, os objetivos atribuídos
pelos professores a suas aulas são bastante diversos.
3.2.4 O papel do esporte nas aulas de educação física
Pretendo, nesta subcategoria, refletir sobre as distintas expectativas dos
professores a respeito da utilização do esporte nas aulas de educação física e
sua relação com as experiências vividas pelos mesmos. Entendo que o esporte
esteja presente na constituição das práticas e que seja, também, resultado
destas práticas. Neste sentido, será considerado como parte do currículo
desenvolvido pelos professores de educação física.
A relevância dada ao esporte neste estudo provém da constatação de
que o esporte é o conteúdo central das aulas de educação física, conforme as
declarações dos colaboradores.
Ao longo do trabalho de campo, principalmente através das
observações participantes e das conversas informais no horário de entrada e
do recreio, fui percebendo que a centralidade do esporte nas aulas
configurava apenas um formato e que este adquiria diferentes contornos para
os professores e, conseqüentemente, para os alunos. Cada professor dava
relevância a um aspecto diferente deste fenômeno, sendo que, para alguns,
89
este nem era relevante, pois não lhe interessava o aprendizado esportivo, mas
as relações que se estabeleciam em seu interior.
Esta reflexão me fez recordar de Silva (1992), quando o autor conclui que
apesar da mesma aparência, do mesmo formato externo (séries, aulas,
professores, duração do ano escolar, horário escolar,...) os alunos
experimentam tipos diferentes de escolarização. Para o autor, o que distingue
as escolas diz respeito a processos de reprodução social e de sua distribuição
diferencial de conhecimento: “[...] o conhecimento e as habilidades
transmitidas nas três escolas são de natureza bastante diferente” (SILVA, 1992, p.
133)
55
. Segue tratando das diferenças que decorrem destas práticas e como as
crianças que estudam em escolas de periferia, que atendem a classes sociais
desfavorecidas, extraem da escolarização uma relação de subordinação ao
conhecimento, enquanto que as escolas freqüentadas por estudantes de
classes sociais em posição mais elevada ensinavam não só o conhecimento,
mas os princípios que estão por detrás de sua produção. Em outras palavras,
estamos frente a dois processos distintos: um processo de reprodução do
conhecimento e um processo de produção de conhecimento.
Faço, então, um paralelo destas conclusões com as aulas de educação
física observadas e encaminho a discussão a respeito de algumas das diversas
abordagens em relação ao esporte neste campo de conhecimento e sua
relação com a trajetória destes professores.
Considero que o conteúdo esporte tenha adquirido centralidade no caso
estudado porque os professores de 2
o
e 3
o
ciclos da escola trabalhavam
diariamente com handebol, futebol, voleibol, basquetebol, nilcon (pré-
desportivo), entre outros. Poucas foram às vezes nas quais observei aulas com
conteúdos como dança, meditação, recreação e conteúdos teóricos, por
55
Esta pesquisa foi desenvolvida em três escolas públicas da cidade de Porto Alegre.
90
exemplo, e estas, na maior parte das vezes, eram finalizadas com um jogo
esportivo.
Porém, apesar das aulas terem um mesmo formato, os alunos estavam
expostos a diferentes tipos de socialização através dos esportes, e os objetivos
das aulas estavam intimamente ligados às vivências anteriores dos professores,
como será discutido ainda nesta seção do trabalho.
Percebi que o gosto pessoal dos professores também exerce forte
influência nas aulas de educação física, por vezes limitando e por vezes
ampliando o leque de vivências dos alunos. Nas observações das aulas da
professora Ana, foi possível perceber que a sua vivência com o Yoga e com a
meditação influenciam fortemente sua prática e suas reflexões a respeito de
suas aulas e de como se relacionar com os alunos. A professora desenvolve seu
trabalho amparada na educação baseada nos valores humanos, como
relatado por ela:
Uma coisa que eu sempre busco, tento, porque eu acho que isso é
um aprendizado tanto para mim e para eles, resgatar essa coisa dos
valores. Mas valores humanos comuns que a gente precisa para
conviver, a coisa do respeito, da paciência, do auto-controle... não que
eu seja uma expert, eu também estou, todos estamos, nessa
caminhada, crescendo. Então eu sempre busco trabalhar esses
elementos através da meditação (Ana, entrevista em 21/08/2006).
Dos 7 professores participantes do estudo apenas dois não haviam tido
experiências significativas como esportistas de alta competição ou com o
esporte-espetáculo. Suas visões a respeito da utilização do esporte na escola
variavam bastante e considero que estas estejam estreitamente relacionadas
com o período de escolarização, de suas experiências como atleta ou como
treinador, sendo que em alguns casos, buscando sua negação.
Estas práticas, ancoradas muito mais em experiências vividas e em
saberes práticos, promovem socializações diversas. Ou seja, cada professor
promove uma socialização diferenciada, através do distinto trato com o
91
conhecimento. Desta forma, é possível pensar que os professores desenvolvem
e organizam suas aulas baseando-se em um saber plural, derivado não apenas
de sua formação inicial, mas de suas vivências, de sua graduação, da
formação permanente e de conhecimentos construídos no cotidiano, ao longo
de seu tempo de docência.
Neste sentido, podemos pensar que a ausência de um projeto político-
pedagógico de escola esteja permitindo a diversidade de abordagens em
relação aos esportes. Para o professor Carlos “[...] a escola tem que ter o seu
projeto, e o projeto da escola não vai ser o meu projeto, se for o meu está tudo
errado [...]”
56
. Porém, a questão que permanece é a seguinte: Se houvesse um
projeto de escola as práticas mudariam no intuito de contemplá-lo?
A diversidade a qual me refiro está presente nas práticas e nos discursos
dos professores, em seu modo de interagir com os alunos e de tratar o
conteúdo, e será exposta a seguir de modo a contribuir na compreensão deste
fenômeno.
A professora Glória
57
desenvolve suas aulas baseando-se em autores da
área, como Kunz (2003), e em alguns princípios: “Bom, eu tenho alguns
princípios que eu não abro mão: a participação, a integração com todos,
trabalhar bastante essa questão de gênero” [...] (Glória, entrevista em
03/10/2006).
No entanto, para o professor Beto, interessa desenvolver nos alunos uma
cultura corporal de movimento, que os alunos compreendam o esporte como
uma manifestação cultural, sendo que não há preocupação excessiva com a
performance motora, mas,
56
Trecho da entrevista realizada com o professor Carlos, no dia 1
o
de dezembro de 2005.
57
Esta professora atuou no Projeto Segundo Tempo e participou, recentemente, da
Especialização em Esporte Escolar dirigida aos coordenadores do Projeto nas escolas, nos anos
de 2005 e 2006.
92
[...] vai ter uma preocupação em que eles conheçam que existe um
esporte que podemos trabalhar, na escola, como fazendo parte dessa
cultura corporal, [...] uma forma de conhecimento. [E, ainda,] [...] toda
a preocupação é o conhecimento, teórico e prático (Beto, entrevista
em 30/11/2005).
A identificação do professor Beto com os autores que representam uma
educação física transformadora provém de sua graduação, que apesar de ter
sido voltada para a performance esportiva, tiveram professores que divulgaram
uma educação física,
[...] voltada para uma educação mais transformadora, nessa linha, na
formação inicial, foi muito forte. Depois, a partir dessa linha, dessa
opção, da minha... identificação, com essa visão, com uma visão de
educação transformadora, eu fui buscando: cursos, seminários [...]
(Beto, entrevista em 30/11/2005).
Para o professor Carlos, em contrapartida, o esporte deve servir para
subsidiar seus alunos nos momentos de lazer. Pensa que as técnicas constituem
parte importante neste aprendizado e que a educação física deve fazer com
que “[...] cada um perceba seus potenciais, entenda o seu corpo, respeite e
explore seus potenciais e construa a auto-confiança [...]”. A preocupação do
professor Carlos em subsidiar seus alunos para os momentos de lazer
possivelmente está ligada a suas experiências como atleta e, ainda, ao seu
trabalho na SME/POA.
Não pretendo, a partir destas breves citações, classificar os professores da
Escola Restinga nas já “famosas” concepções de educação física, mas
compreender como se constituíram estas práticas e que tipo de socialização ou
trato com o conhecimento podem estar promovendo. Esta inquietação partiu
da percepção de que os professores não desenvolvem suas aulas baseados,
unicamente, na sua graduação e nem na perspectiva teórica adotada pela
SMED.
Os professores parecem buscar conhecimentos em outras áreas para dar
conta das demandas da escola e das aulas, como Ana. Aqueles que não o
93
fazem, questionam-se quanto a isto, como o professor Carlos, que se sente
limitado: “Então acho que eu ainda estou muito limitado por formação, pela
arquitetura da própria escola, pela cultura que envolve ainda a prática
escolar”. Ou ainda, que sente a necessidade de entrar em outras áreas: “Essa
área da dança é uma área que eu acho que a gente deve entrar, mas não
estou conseguindo”. Como se pode observar, não há uma linha de trato com o
conhecimento na escola, nem de desenvolvimento da socialização. As linhas
de pensamento sob as quais se desenvolve a educação física na escola são
bastante diversas, o que ainda surpreende em uma rede de ensino que
construiu uma extensa política de formação permanente
58
e que tem um
projeto de escola
59
.
Estes fatos nos reforçam a convicção de que as disposições
desenvolvidas pelos professores e que subsidiam suas aulas/sua prática/seu
planejamento nem sempre estão em acordo com o que foi desenvolvido em
sua graduação, mas que elas estão mais ancoradas em experiências e crenças
dos professores ou mesmo nas resistências às práticas vivenciadas durante a
escolarização. Neste sentido, a formação dos professores não parece ser um
aspecto determinante em suas práticas.
De outra forma, para o professor Denis, o esporte tem uma função
disciplinar que auxilia na organização das aulas:
Bom, utilizo por organização. Tentar uma organização. Já tentei
outras coisas e não tive competência para dar conta. Tentei um ano
trabalhar com expressão corporal e com outras vivências e não rolou.
[...] Foi um troço que, absolutamente, eu não consegui fazer e não
consegui nem negociar com eles, porque não tinha disposição. Eles não
tinham disposição para isso e a minha disposição acabou terminando. E
o esporte foi uma coisa que me facilitou a vida. Não sou um partidário,
58
Para saber mais a respeito deste tema ver Günther e Molina Neto (2000).
59
Sob a forma de documentos este projeto ainda se encontra amparado na proposta de
escola por ciclos de formação no Caderno Pedagógico número 9 (SMED, 1996); apesar das
novas orientações teóricas desde a mudança de gestão da Secretaria Municipal de Educação
de Porto Alegre.
94
não acho que seja a coisa mais importante do mundo, mas nós
conseguimos nos organizar com o esporte. Ele tem assim meio essa
função disciplinar. E é legal (Denis, entrevista em 31/10/2006).
A diversidade no trato com o esporte é discutida por autores como
Bracht (2003), González (2006) e também está presente na tese de Günther
(2006), na qual as falas dos colaboradores confirmam que “[...] as categorias
socialização, formação integral, desenvolvimento motor aparecem como
possíveis justificativas para a EF escolar, outras manifestações avançam em
argumentações e práticas que sugerem elementos de legitimação desse
componente curricular, para além das categorias citadas” (GÜNTHER, 2006, p.
237).
Discutir a questão do esporte na/da escola é um dos temas centrais de
Bracht (2000), para quem “[...] o esporte é uma construção hisrico-social
humana em constante transformação e fruto de múltiplas determinações (p.
XVI)”. Ainda, para este autor a categoria socialização é bastante freqüente
quando se justifica a importância da educação física na escola, e acrescenta
que:
Não há nenhuma referência que a tarefa socializadora também
seja uma incumbência de outras matérias de ensino, e, num sentido
mais amplo, uma função da própria escola. Isso indica que a
socialização aparece, no imaginário social, como uma marca distintiva
da Educação Física no contexto escolar, como sua contribuição
específica; assume, pois, uma valoração positiva que legitimaria a
Educação Física enquanto um componente curricular (BRACHT, 2003, p.
57).
Bracht (2003) trata da necessidade de reinventarmos o esporte,
buscando não a inserção do esporte na escola, mas o desenvolvimento de um
esporte da escola.
Ao refletir sobre o esporte como uma das disposições incorporadas
precocemente e que vem a constituir as práticas pedagógicas dos professores,
penso que fazer uso das idéias de González (2006) possa ser importante e vir a
95
significar um avanço para o trato deste conhecimento nas aulas de educação
física:
[...] o esporte entra no espaço da matéria escolar educação física
no formato de conteúdo. Isto significa que não é tratado nem como
esporte rendimento, nem como esporte/lazer, nem como esporte
escolar, mas como esporte-conteúdo, fenômeno a ser reconstruído
desde o lugar específico do projeto escolar (p. 82).
Desta forma, considero que a possibilidade de discutirmos o esporte
como um dos aspectos constituintes das práticas pedagógicas e sua relação
com as experiências vividas pelos professores podem vir a ser importante no
sentido de relativizar o peso da graduação e da formação permanente
60
nas
práticas dos professores. Esta abordagem também traz consigo a possibilidade
da discussão a respeito da relação dos professores com o conhecimento e que
tipo de influência esta exerce no relacionamento que se estabelece entre
professores e alunos.
Recordo que as rotinas da prática pedagógica não buscam,
necessariamente, promover uma adequação ao ambiente escolar, que elas
podem estar sendo produzidas no sentido de possibilitarem a crítica dos alunos
às aulas e à escola.
Destaco também que os professores com pouco tempo de trabalho no
magistério e na RMEPOA parecem construir suas aulas baseados em reflexão
aprofundada sobre a prática ou buscando subsídios em outras áreas e, desta
forma, distanciam-se de uma prática baseada na própria prática.
No entanto, os professores com mais tempo de trabalho no magistério
e/ou na RMEPOA, tendem a organizar suas aulas baseados, principalmente, na
reflexão a partir de sua experiência de trabalho e de sua prática (suas aulas).
Neste sentido, tendem a produzir rotinas adequadas ao ambiente/sistema
60
É importante esclarecer que não estou desconsiderando a importância da formação
permanente para os professores, somente estou buscando relativizar sua importância,
principalmente em relação ao formato no qual vem sendo desenvolvida.
96
escolar. Estas afirmações podem ser trianguladas a partir do conteúdo da
entrevista realizada com a diretora da escola, na qual estes professores foram
elogiados. A diretora referiu-se a eles como “pegadores”, ou seja, que pegam
junto, que auxiliam a escola:
E agora nós estamos com a Eliane de novo na sala de aula, com
todo o gás e tudo. Eu tenho professoras ‘pegadoras’ como a Flávia que
na mesma linha assim do Hélio
61
, a Flávia da tarde, o Carlos que foi
diretor da escola e a... de manhã, a professora Glória. Numa visão assim
de... o que era tranqüilo com esse grupo e com o todo, que já mudou
um pouco é que [assim] valores como... o respeito ainda, entre colegas,
algumas coisas do aluno, um mínimo básico ainda precisa, e um pulso
firme para levar essas coisas adiante. Falam mais ou menos a mesma
linguagem que a direção. Mas aí tem outras visões que chegaram,
novas, pessoas com bastantes horas também, e aí é aquela mistura
(Entrevista com Nara, diretora da escola, em 08/08/2006).
Entretanto, considero que a reflexão aprofundada que a professora
Glória vem fazendo, constitui, ainda, um outro tipo de prática. Esta professora,
apesar de 25 anos de trabalho na docência, produz reflexões sobre a prática a
partir de seu curso de especialização, e vem promovendo mudanças
significativas em suas aulas, no sentido de adequar conteúdos provenientes do
cotidiano dos alunos, de abrir espaço para as críticas dos alunos às aulas e da
valorização de uma relação afetiva nas aulas.
Logo, reconhecer que as práticas pedagógicas dos professores estão
relacionadas a rotinas, a saberes e a estratégias, que por sua vez estão
relacionadas às experiências vividas pelos mesmos pode ser, como colocado
por Perrenoud (2001), “[...] um passo em direção ao realismo na descrição de
como os professores exercem seu ofício” (p. 170). Este autor reconhece que
parte importante da ação pedagógica está amparada em rotinas e em
improvisações regradas, que evocam muito mais um habitus pessoal ou
profissional do que saberes.
61
Ex-professor de educação física da escola, já falecido.
97
Neste sentido, encaminho a discussão para o aprofundamento da
relação entre as experiências vividas pelos professores como aspectos
constituintes de sua prática pedagógica e discuto a possibilidade de
compreendermos que os professores de educação física organizam suas aulas
a partir de um saber plural, proveniente de suas vivências, de sua formação, de
seus conhecimentos e saberes práticos.
3.3 DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS PELOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA E A
RELAÇÃO COM A SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA (OU, DE ONDE PROVÉM AS
INCORPORAÇÕES?)
Sempre nos colocamos em uma posição construtiva. Construímos nossas
experiências, não simplesmente as temos (GEERTZ, 1998).
Na seção anterior busquei descrever, discutir e entender as práticas
pedagógicas dos professores de educação física: suas aulas, seus saberes e a
relação que se estabelece entre os professores, os alunos e o conhecimento.
Nesta seção trato de identificar quais são os elementos constituintes da prática
pedagógica dos professores de educação física e quais são seus limites e
possibilidades de mudança e de reflexão sobre as mesmas. Esta temática será
discutida através das seguintes categorias de análise:
a) Das experiências vividas pelos professores de educação física e a
relação com a sua prática pedagógica (ou, de onde provém as
incorporações?) (3.3); e
b) Da relação que se estabelece entre o contexto escolar e a prática
pedagógica (3.4).
98
Nesta categoria serão apresentadas algumas das vivências que os
professores relataram como significativas em sua escolha pela educação física.
Também será abordada a questão da incorporação destas experiências, seja
na forma de disposições para a ação ou para a reflexão, e serão discutidas as
resistências a reproduzir aspectos de sua escolarização. Finalizo discutindo a
segunda subcategoria: “A influência das formações na prática pedagógica
dos professores de educação física”.
Os autores citados no referencial teórico deste trabalho, que
desenvolveram os estudos denominados de teorias da ação, identificaram a
influência das experiências vividas nas práticas ordinárias dos agentes. Penso
que a constituição das práticas pedagógicas esteja vinculada às experiências
vividas pelos mesmos e a práticas que deram certo e que vem a configurar o
habitus destes professores.
No entanto, no intuito de dar tratamento teórico à experiência dos
professores, torna-se necessário explicitar que as mesmas têm diferentes
dimensões:
- a dimensão escolar: período de escolarização do professor;
- a dimensão esportiva: vivências esportivas;
-
a dimensão acadêmica: graduação e pós-graduação; e,
-
as experiências como professor: suas aulas e a formação
permanente.
Neste sentido, tratar da incorporação das disposições para a ação
prática através das experiências vividas pelos professores é algo que deve ser
feito com extremo cuidado. Através do trabalho de campo foi possível
perceber a forte influência destas experiências na prática pedagógica dos
professores e em sua opção pela área da educação física. Porém, esta relação
não se dá de modo automático: incorporação-ação. Em geral, ela é refletida e
existe a intenção de promover uma prática que não esteja diretamente
vinculada às experiências vividas, através das distintas formas de reflexão.
99
As visões dos professores a respeito da utilização do esporte na escola
variavam bastante. Considero que estas diferenciações estejam estreitamente
relacionadas ao seu período de escolarização, de suas experiências como
atleta ou como treinador, sendo que em alguns casos, existe a busca por uma
modificação das práticas. Como citado na entrevista pela professora Ana e
pelo professor Beto, respectivamente, quando perguntados a respeito da
relação de suas vivências com suas aulas:
E, com relação às minhas experiências pessoais esportivas, eu
sempre competi, sempre fui atleta, joguei na SOGIPA um tempão e
gosto de jogar, mas o que eu tenho trabalhado, e foi o que me trouxe
de experiência, é que o jogo, por mais que tu queiras que todo mundo
participe, todo mundo... não adianta, sempre tem velado uma coisa de
que tu queres ganhar e que tu vais rejeitar aquele que não joga. [...]
Acho que essa minha experiência como atleta me traz isso, de ter muito
esse cuidado (Ana, entrevista em 21/08/2006).
Beto:
É, atletismo sim, eu tive uma experiência como atleta no
atletismo...
Mônica:
E tu não trabalhas atletismo com eles?
Beto:
Pouco, não muito. Esse ano eu fiz algumas coisas só de salto
em distância no início do primeiro trimestre, uma aulinha só de salto, fiz
alguma coisa de corrida, no primeiro trimestre. De forma sistemática
assim, não dá para dizer... não foi trabalhado (Beto, entrevista em
30/11/2005).
O professor Carlos tem clareza quanto à força de suas experiências em
suas aulas:
Formação inicial, ela certamente está junto mas tem muitas outras
coisas que se juntaram a ela. Tem também a minha experiência antes
como atleta, antes como aluno, as coisas que meus professores de
educação física de escola também faziam, me ensinaram, que
marcaram, algumas. Mas eu acho que tem, mas não está sozinha. Muita
coisa que foi se somar aí (Carlos, entrevista em 01/12/2005).
No entanto, o caso do professor Denis parece ser bastante peculiar. Ele
não se envolvia com práticas esportivas e tampouco participava das aulas na
escola:
100
E como eu falei agora há pouco, que eu não entendo porque
cheguei na educação física, mas eu lembro que eu era um aluno que
não gostava do que acontecia. Talvez por isso e acho que sim por isso, é
uma das coisas que me atravessa e que fazem eu ser como eu sou. De
não ter esse... não querer ser essa figura central, que determina tudo
que deve acontecer. Porque eu não gostava disso quando eu era
aluno. E tenho um cuidado muito grande de tentar não reproduzir isso
(Denis, entrevista em 31/10/2006).
Eu sempre fui um aluno muito resistente às aulas de educação
física, nunca gostei. Sempre fui dos que ficavam fugindo, se escondendo
[...] (Denis, entrevista em 31/10/2006).
Este parece ser um dos casos no qual o professor não compactua com a
experiência vivida. O seu envolvimento com a educação física deriva da
necessidade de modificar algumas experiências. Porém, estas, em algum
momento serviram de parâmetro para suas aulas e para sua reflexão. Na
entrevista, o professor Denis relatou seu início de carreira no ensino
fundamental, em escola estadual:
Eu tive uma experiência no Estado, antes de chegar na Prefeitura,
esqueci de falar isso antes. Trabalhei durante 3 anos numa escola
estadual e pedi exoneração, porque eu comecei errado lá. Eu comecei
de uma forma... não sei como é que eu vou dizer... como é que foi a
forma... eu acho colaborei muito para estragar a minha relação com os
alunos. Eu era extremamente autoritário, brigão. E lá não era como
nessa escola aqui. Era uma escola pequena, então os alunos
começavam comigo na quarta série e iam comigo até a oitava, sempre
eu, e a nossa relação ficou estressada [...] (Denis, entrevista em
31/10/2006).
Depois desta vivência o professor conseguiu pensar/refletir
62
sobre a sua
prática, a partir de sua experiência e buscar a transformação de alguns
aspectos:
62
Ao longo da dissertação venho trabalhando com a noção de reflexão, porém, neste caso,
utilizei as palavras pensar/refletir, porque para o professor Denis pensar é diferente de refletir,
conforme relatado em sua entrevista.
101
Mas quando eu cheguei aqui nessa escola eu já tinha aprendido
com o meu fracasso lá na outra. Então aqui eu já cheguei em outra
perspectiva. E que acho que está funcionando melhor, porque eu não
tenho atrito com aluno, as turmas são tranqüilas [...] (Denis, entrevista em
31/10/2006).
Neste sentido, parece ser possível, como entende Thompson (1981), que
as pessoas pensem a respeito de suas experiências, que elaborem
pensamentos e modifiquem suas práticas, produzindo conhecimento. Estes
relatos ainda remetem ao conceito de ação racional de Perrenoud (2001), ou
seja, uma ação/prática inicialmente amparada em aspectos incorporados da
escolarização e, posteriormente, sendo reconfigurados através de
aprendizagens práticas. Para o autor, as ações são desenvolvidas com um
habitus de iniciante, nem sempre adequado à situação desencadeadora. E,
complementa: “Com a experiência, o professor construirá outros esquemas,
mais bem adaptados, ainda que, e sobretudo, às vezes pareçam
estranhamente ‘soltos’ ao observador eventual” (p. 166-167) [grifo do autor]. Ou
seja, uma prática que parece ter sido constituída através de um movimento de
incorporação-ação-reflexão-ação, produzindo um novo habitus, que vai se
formando a partir de novas experiências nas escolas.
No entanto, a professora Flávia prefere valorizar suas vivências positivas,
“esquecendo-se” das negativas:
As vivências que eu tive em escola, as que mais me deixaram
marcas positivas no caso, foi quando eu participei do grupo de dança e
foi daí que me veio essa... sempre gostei da dança. Quando eu
participei desse grupo sempre foi uma coisa meio de ideal. De ter então,
com as vivências que eu tive, depois mais o que eu busquei, então tem
o trabalho com o grupo de dança
63
(Flávia, entrevista em 19/09/2006).
63
A professora Flávia trabalha em mais duas escolas de RMEPOA. Seu trabalho com o grupo de
dança não é na Escola Restinga. Nesta escola, trabalhou com dança, no ano de 2006, em um
dos sábados de atividades integradoras e na apresentação de uma coreografia.
102
Eu procuro evitar os negativos. Não deixar o aluno por conta, eu
procuro trabalhar com toda a parte de iniciação desportiva, que eles
experimentem todos, todos não, mas pelo menos o que for possível a
escola oferecer dentro do desporto e aqueles alunos que tem
dificuldade eu procuro que eles participem também, que não é porque
eles tem dificuldade que eles deixem de participar (Flávia, entrevista em
19/09/2006).
A professora Eliane utiliza em sua prática algumas vivências de sua
escolarização e de sua formação:
Também utilizo atividades que eu gostava de brincar quando
estava no colégio, aproveito brincadeiras que eles trazem e vivências
práticas de cursos que fiz (Eliane, entrevista escrita, agosto de 2006).
As atividades que eu proponho são bem parecidas com as que eu
vivenciei no tempo do colegial, só que existia respeito pelo professor e os
alunos não eram agressivos e sem limites (Eliane, entrevista escrita,
agosto de 2006).
Sendo assim, para as professoras Flávia e Eliane a escolarização parece
estar servindo de parâmetro para a organização de suas aulas, tanto no que se
refere aos conteúdos a serem trabalhados quanto às possibilidades de reflexão
sobre a prática.
No entanto, para Ana, Glória e Denis a escolarização pode estar
influenciando na reflexão que produzem sobre a prática. Nas palavras destes
professores, respectivamente:
O que eu trago da escolaridade é observar bem o que eu não
quero [...] (Ana, entrevista em 21/08/2006).
É o que eu não repito, o que eu procuro não repetir. Por exemplo,
porque eu, como eu venho da pedagogia tecnicista, do rendimento, da
valorização dos melhores, eu procuro retirar isso do meu trabalho [...]
(Glória, entrevista em 03/10/2006).
E como eu falei agora há pouco, que eu não entendo porque
cheguei na educação física, mas eu lembro que eu era um aluno que
não gostava do que acontecia. [...] E tenho um cuidado muito grande
de tentar não reproduzir isso (Denis, entrevista em 31/10/2006).
103
No caso destes três professores, existe uma busca que visa a modificação
da experiência vivida e que não se restringe aos horizontes da educação física.
Como já citado neste trabalho, estes professores fazem cursos de pós-
graduação ou voltam-se para outras áreas que os possibilitem mudar alguns
aspectos constituintes de sua prática.
As experiências vividas pelo professor Carlos parecem estar presente em
sua prática através de sua satisfação em trabalhar aspectos médicos e
biológicos, sua admiração pelas técnicas e da importância da aprendizagem
dos esportes para os momentos de lazer. Este professor, ao fazer sua opção
profissional, prestou vestibulares para medicina e para odontologia. Também foi
atleta de basquete e auxiliava alguns professores em suas aulas, quando aluno
da EsEF/UFRGS, como relatado na entrevista: “Sendo que a última aula que eu
faltei, eu faltei por solicitação de um outro professor, que pediu que eu desse
aula de voleibol, que ele não poderia dar”. Sua aproximação com os esportes,
principalmente voleibol e basquetebol, parece estar relacionada ao período
anterior a sua graduação, e ter sido reforçado por experiências durante a
realização do curso superior. Sua ligação com o lazer provém de seu trabalho
na SME/POA, que se desenvolve no mesmo bairro em que atua como professor.
Ainda procura promover intercâmbios entre os alunos de diferentes escolas e
informar aos alunos quais equipamentos públicos estão disponíveis à
comunidade.
De outra forma, com longo tempo de trabalho no magistério estadual e
iniciando suas atividades na RMEPOA
64
, o professor Beto visa desenvolver junto
aos alunos uma concepção de esporte ligada à cultura corporal do
movimento. Apesar de ter sido atleta, busca promover uma socialização
diferenciada com os alunos, baseada em conhecimentos adquiridos em sua
formação inicial e relacionados à educação física transformadora. Neste
64
Quando o trabalho de campo foi iniciado este professor ainda estava em estágio probatório.
104
sentido, utilizava-se de vídeos esportivos educativos, com os quais trabalhava o
ensino dos esportes, seus fundamentos e jogos, para desenvolver a iniciação
desportiva. Ou ainda, no caso das turmas de C 20, os esportes. Reconhece que
seu planejamento anual está baseado, principalmente, na prática dos anos
anteriores, e a este respeito relatou que baseia-se:
Na prática, na prática. Dependendo da situação busco algum...
faço alguma leitura, para alguma dificuldade, alguma dúvida, busco
uma leitura para esclarecer, ficar com mais condições de trabalhar [...]
em determinado momento, quando eu acho que tenho que trabalhar
determinada coisa, mas não tenho planejamento, como é que eu vou
dizer... sistemático. [Tenho] Planejamento geral, depois o planejamento
do dia a dia de aula, se dá pela prática (Beto, entrevista em
30/11/2005).
No entanto, o professor Beto não obtém a participação desejada, como
já explicitado neste trabalho. Para ele, a resistência dos alunos às aulas de
educação física se deve a uma resistência à escola e não é exclusiva em suas
aulas. O professor coloca que, para dar aulas, utiliza os conhecimentos de sua
experiência em escola e de sua formação inicial.
Penso que, no caso do professor Beto, com seu longo tempo de trabalho
em escolas, sua identificação com a cultura de movimento e com sua prática
baseada na própria prática, é possível de perceber que houve uma
modificação das experiências como atleta e que sua prática e sua reflexão
estão quase que exclusivamente voltadas para o trabalho em escola.
Observei, no extenso trabalho de campo, que os professores estão
fortemente identificados com as práticas esportivas e que esta provém de suas
experiências anteriores. Pude constatar que o gosto pessoal
65
dos professores
também exerce forte influência nas aulas de educação física, por vezes
65
Ao me referir ao gosto pessoal não estou relacionando-o com o gosto de classe, no sentido
atribuído por Bourdieu, mas de preferências construídas a partir das experiências que os
professores tiveram anteriormente ou durante o seu ingresso no curso de graduação.
105
ampliando o leque de vivências dos alunos e por vezes limitando, como
relatado pelo professor Carlos:
O handebol eu não tenho muita simpatia, não sei, acho que é
uma resistência de quem praticou basquete, então fica meio
preconceituoso com handebol, hoje já estou mais aberto [...] (Carlos,
entrevista em 01/12/2005).
Considero que através da incorporação de repertórios esportivos, do
gosto por esportes específicos e pela importância dada ao esporte ao longo
das vidas destes professores, este venha a ser um conteúdo privilegiado nas
aulas. Deste modo, as expectativas quanto a sua utilização, a modalidade
escolhida ou a forma de ser trabalhado relaciona-se às suas experiências
vividas.
Porém, pude observar que as incorporações nem sempre se transformam
diretamente em ações. Elas podem ou não ser elaboradas e, algumas vezes,
estão diretamente baseadas na situação desencadeadora. Neste sentido,
Lahire (2002) critica as idéias de que toda ação é somente prática ou, ao
contrário, é sempre refletida. O autor considera que há um mau hábito
intelectual que leva a fazer da ação e da reflexão duas realidades,
obrigatoriamente, distintas. E que, portanto, “[...] uma teoria da ação deve
integrar em seu programa científico o estudo das diferentes formas de reflexão
que agem nos diferentes tipos de ação (p. 156)”.
Deste modo, entendo que os professores estão envolvidos com a reflexão
a partir de sua prática de distintas formas. Enquanto alguns refletem suas
vivências apoiando-se em teorias, outros o fazem baseando-se na própria
prática ou, ainda, buscam em outras áreas os subsídios para a sua reflexão. No
entanto, penso que a reflexão sobre a experiência vivida não produz,
necessariamente, mudanças nas práticas deste professores. É neste sentido que
considero a influência do habitus como fator de limitação às mudanças nas
práticas dos professores de educação, sobretudo por entender que estas
106
práticas ainda estão mais relacionadas a suas vivências do que propriamente a
suas reflexões.
No entanto, a reflexão aprofundada sobre a prática, que, como
colocado neste trabalho, pode ser obtida através de cursos de longa duração,
tende a produzir algumas mudanças nas aulas dos professores
66
.
Porém, é importante lembrar que há um forte empenho nas
administrações municipais e, em especial na SMED em proporcionar aos
professores eventos de formação permanente, no sentido de expor a linha
pedagógica da mantenedora. Este processo de formação permanente foi
objeto de estudo de Günther (2000). Também será considerada a perspectiva
de formação dos professores, os cursos que os professores buscam no intuito de
enriquecer sua prática pedagógica. Neste sentido, busco tratar desta
dimensão da experiência e de sua influência na prática pedagógica dos
professores.
3.3.1 A influência das formações na prática pedagógica dos professores de
educação física
Discutirei, nesta seção, a relação entre a formação dos professores de
educação física e a prática pedagógica desenvolvida pelos mesmos. O
entendimento do termo formação estará ligado a um “continum”, a um
processo, que para Günther e Molina Neto (2000) “[...] se inicia antes mesmo de
seu ingresso na graduação e se estende por toda a sua vida profissional” (p.
72).
Tratarei de forma distinta as formações de inserção acadêmica e
profissional (graduação e formação permanente desenvolvida pela
SMED/POA) e as formações que os professores buscam, individualmente, em
sua trajetória, no sentido de subsidiar a prática.
66
Penso que os cursos de longa duração são apenas um dos aspectos que podem auxiliar nas
reflexões aprofundadas, não considero que seja a única forma.
107
A influência das formações inicial e permanente na prática pedagógica
dos professores parece ser limitada. Ela parece estar mais presente em suas
reflexões do que nas práticas. E, neste sentido, concordo com Günther e Molina
Neto (2000), para quem o processo de mudanças de concepções e de prática
pedagógica não pode ser atribuído unicamente ao processo de formação
permanente da RMEPOA.
Além de perceber as limitações das formações da RMEPOA na prática
pedagógica dos professores, foi possível constatar que estes são os responsáveis
diretos por sua formação
67
. Partindo de suas vivências, de suas dificuldades
diárias e de seus interesses eles “correm atrás” de cursos, de leituras, de
especializações e mestrados, com o objetivo de qualificar sua prática. No
entanto, o aspecto mais interessante é que esta busca não está voltada e nem
restrita ao ambiente acadêmico da educação física, mas a práticas
alternativas, a faculdades de educação, os cursos e mini-cursos promovidos por
instituições conhecidas pelos professores, como CREF, CONFEF, CPERS, entre
outros.
Os professores demonstraram interesse em continuar estudando, mas não
buscam qualificar-se apenas nas Escolas de Educação Física. Nas conversas
informais, registradas no diário de campo, a professora Ana relatou que
desejava estudar, fazer especialização, mas que não estava encontrando
nada na área da educação em valores humanos. Assim como o professor Beto
que pensa em fazer um mestrado, mas está inclinado a buscar na Faculdade
de Educação e não na Educação Física. Isto pode estar demonstrando que há
um alargamento nos horizontes dos professores de educação física, que eles
não estão pensando apenas em termos esportivos, mas que sentem
67
A formação, a qual me refiro, é a que sugere Bracht (2003): “A formação do educador é um
contínuo bem mais abrangente que o momento de sua formação inicial. A trajetória singular do
indivíduo, a sua história de vida se amalgamam com as marcas de sua formação inicial e de
sua formação continuada” (p. 41).
108
necessidade de pensar a educação física de forma mais abrangente, incluindo
aspectos sociais e culturais.
Uma das ações que os professores vêm valorizando é a troca de
experiências. Penso que por se tratar de uma rede de ensino com
peculiaridades, com dúvidas e dificuldades específicas, algumas inclusive
relacionadas à proposta, há grande interesse em saber como os professores de
outras escolas estão resolvendo estas questões. As citações abaixo se referem
aos pensamentos dos professores a respeito das formações promovidas pela
SMED/POA no ano de 2006:
E isso é muito legal porque nessa discussão toda a gente sai de lá
diferente. A gente sai pensando algumas coisas além da euforia, da
choradeira e cai na real. Conversa algumas coisas, e isso acaba nos
ajudando... saber das experiências dos outros (Denis, entrevista em
31/10/2006).
Eu procuro sempre estar presente nas formações. Não faltar. E não
por ser obrigatório, porque eu acho que a gente sempre consegue algo,
sempre cresce um pouquinho mais, que é nessa troca que a gente, até
às vezes, vem um novo ânimo para continuar, novas forças... (Glória,
entrevista em 03/10/2006).
Este movimento não ocorre somente na RMEPOA; Fernandes (2005)
constata que em escolas organizadas por ciclos há maior valorização do saber
construído coletivamente, pela análise das práticas, e legitimado entre os
professores de escolas com esse tipo de organização.
No entanto, não há uniformidade no modo de pensar dos professores no
que se refere às formações da SMED. Sobre este tema a professora Eliane se
posiciona de forma diversa:
Este ano aconteceram somente 3 formações para os professores
de educação física, achei boas, mas muito teóricas. A segunda
formação foi numa escola da Restinga e achei muito boa, pois foram
falados vários assuntos importantes para todos. E após aconteceu uma
visita aos espaços físicos da escola e podemos ver como os professores
aproveitam e exploram este espaço, gostei muito. O terceiro encontro
foi troca de experiência com um trabalho de dança que foi com um
109
vídeo, mas eu gostaria que as formações fossem mais práticas (Eliane,
narrativa escrita, agosto de 2006).
Bem como a professora Flávia, para quem, das formações,
[...] não se aproveita muita coisa, mas outras se aproveita mais para si
mesmo. Não como aplicação, porque como é muito amplo não se
aplica na aula em si, mas, de alguma maneira, traz algum tipo de
conhecimento na melhora individual, do professor (Flávia, entrevista em
19/09/2006).
Neste sentido, Hernández (1999) observa que quando se transmite uma
mesma informação ou experiência aos professores, cada um a incorpora de
forma diferente em sua prática. Logo, “[...] o que para uma pessoa pode ser
uma experiência importante de formação, para outra pode ser algo que não
facilite sua evolução e sua aprendizagem” (p. 53).
Durante o trabalho de campo, observei que há interesse dos professores
em se manterem atualizados, pois ao aceitarem participar da pesquisa
solicitaram que eu colaborasse com a educação física da escola, sugerindo
leituras e apresentando os resultados do trabalho final para o grupo. Considero
que uma das dificuldades em se manterem atualizados são as excessivas
cargas horárias de trabalho. Dos sete professores participantes do estudo
quatro deles trabalham 40 horas semanais ou mais e, em geral, em mais de um
local de trabalho. Portanto, o se manter atualizado significa, na maioria das
vezes participar de mini-cursos, de cursos específicos da área da educação
física.
Logo, entendo que as diversas experiências dos professores, sejam em sua
dimensão acadêmica, nas suas vivências esportivas ou nas aulas da escola e
seus distintos objetivos na educação física tendem a influenciar o julgamento
que fazem das formações e suas expectativas em relação às mesmas.
110
Neste sentido, nos aproximamos do entendimento de Tardif (2002), ao
constatar que é a partir dos saberes práticos ou experienciais que os professores
julgam a sua formação anterior ou a formação ao longo da carreira.
Sendo assim, penso que os professores que refletem constantemente
sobre sua prática e entendem como positivas as formações, estão se referindo
a possibilidade de reflexão coletiva propiciada por estes momentos; enquanto
que os professores que organizam suas aulas e suas rotinas baseadas na própria
prática desejam obter conhecimentos de uso prático e direto às aulas e que os
auxiliem nas demandas da escola por ciclos. Logo, podemos perceber que as
formações influenciam de distintas maneiras as práticas dos professores de
educação física, dependendo da perspectiva que cada um deles desenvolve
suas aulas.
3.4 DA RELAÇÃO QUE SE ESTABELECE ENTRE O CONTEXTO ESCOLAR E A PRÁTICA
PEDAGÓGICA
Nesta categoria pretendo aprofundar a discussão a respeito do contexto
no qual acontecem as aulas de educação física, incluindo as questões relativas
ao espaço no qual elas se desenvolvem, a organização escolar e os horários a
elas destinados. As relações que se estabelecem nas aulas serão discutidas
posteriormente, na subcategoria: “A relação do professor com seus alunos nos
momentos de aula”.
As aulas de educação física acontecem em contextos bastante
diferenciados em relação às demais disciplinas escolares. Para Molina Neto
(1996), esta disciplina encerra características distintas das demais, como o local
de trabalho (geralmente um espaço aberto a vista de todos), o trabalho com o
corpo, a proximidade do professor com os alunos, entre outros. Algumas das
peculiaridades destas aulas estão expressas em Bracht (2003), Gariglio (2005) e
Günther (2006). Para estes autores as aulas se desenvolvem em contextos e
espaços específicos e são fortemente influenciadas por estes.
111
Neste sentido, para Lahire (2002) a situação desencadeadora tem papel
importante nas práticas. Porém, nem o acontecimento desencadeador, nem a
disposição incorporada podem ser entendidos como determinantes das
práticas. Para o autor: “O comportamento ou a ação é o produto de um
encontro no qual cada elemento do encontro não é nem mais nem menos
determinante que o outro” (p. 56).
Entretanto, se faz necessário lembrar que, para Lahire (2002), uma
mudança de contexto poderá influenciar uma mudança de comportamento.
Bracht (2003) trata do ‘espaço’ das aulas de educação física, este autor
sugere que se faça a discussão da dimensão simbólica e pedagógica dos
espaços escolares, pois este não é um cenário, mas uma espécie de discurso
“[...] que institui, em sua materialidade, um sistema de valores, marcos para a
aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes
símbolos estéticos, culturais e ainda ideológicos” (p. 40). Coloca que os espaços
escolares são fixos e monofuncionais em detrimento de espaços flexíveis e
multifuncionais. E que estes ‘falam’ de um tipo de socialização promovida pela
escola.
Voltando à educação física e ao caso estudado: os professores da Escola
Restinga relataram em suas entrevistas e, algumas vezes, falaram a seus alunos
(anotações do diário de campo), que trabalham em um local privilegiado,
porque a escola possui um ginásio com quadra poliesportiva, duas quadras
poliesportivas descobertas e mais um pátio que pode ser utilizado nas aulas
práticas de educação física. Porém, em entrevista, o professor Beto reconsidera
esta afirmação:
Nós temos uma boa estrutura de instalação esportiva, mas não
temos uma sala adequada para fazer atividades de dança, de
ginástica... como isso também é uma atividade corporal. Aí, voltando
àquela pergunta anterior, realmente, isso é uma coisa que falta na
escola. Eu acho que em quase todas... eu acho que a gente sabe do
problema, a força que tem o esporte (Beto, entrevista em 30/11/2005).
112
E os professores sentem a necessidade de mais espaços flexíveis, como
salas de multiuso:
O espaço é fundamental para tu fazeres um bom planejamento,
para que tu possas dar mais condições para eles. Uma sala apropriada...
ali a gente não tem... o ginásio, fica muito grande, falta uma sala para
uma ginástica com música, um espaço um pouco menor seria ideal,
mas ali não tem (Glória, entrevista em 03/10/2006).
A questão arquitetônica esta aí. Seria muito bom se a gente tivesse
uma sala de multiuso. Diversificar materiais também (Carlos, entrevista
em 01/12/2005).
No entanto, existe um pátio na escola que recebeu marcação de
quadra de voleibol (que já está bastante apagada) e postes fixos para a
colocação da rede. De alguma maneira, os professores adaptaram para a
prática de esportes um espaço que poderia ser flexível. Assim como Frago
(2001), penso que o educador é, de fato, sempre arquiteto. Ele pode intervir no
espaço ou deixá-lo como está, sendo que, nas duas formas há uma relação do
educador com o espaço.
Neste sentido, os espaços destinados às aulas de educação física
influenciam a prática a ser desenvolvida, tanto no que se refere ao
planejamento quanto o momento da aula propriamente dita. A este respeito as
professoras Flávia e Eliane relatam que:
Me influencia muito é o espaço físico. A divisão de espaços que a
gente faz aqui, porque conforme o espaço que eu tenho disponível, eu
mais ou menos organizo a aula em cima daquele espaço que eu tenho
disponível e basicamente é essa função. A escola, no caso, a
interferência básica que seria, em cima das minhas aulas, é mais a
função do espaço (Flávia, entrevista em 19/09/2006).
Às vezes, principalmente a tarde, eu fico num espaço que não é
muito adequado, e dependendo da turma os alunos são muito
dispersivos e fica complicado controlá-los. Outro dia eu fiquei num lugar
com a turma que eu estava e a atividade não foi legal, pois eles se
dispersaram demais, subiram em escada (caixa d´água), tentaram subir
113
na árvore para pegar amoras,... Mas isso só acontece em alguns dias
(Eliane, entrevista escrita, agosto de 2006).
Ao ampliar o conceito de contexto e entendê-lo como transcendente ao
espaço escolar os professores relataram que percebem a influência da
comunidade na qual está inserida a escola em suas aulas. O professor Carlos
fala desta influência em sua entrevista:
Já tiveram momentos, nessa escola, que eu fazia atividade de
corrida em volta da escola (Carlos, entrevista em 01/12/2005).
[...] e aí sempre tem um momento, principalmente aqui, que a
direção chama e diz, olha não faz mais porque tem muita violência lá
fora, nós não podemos permitir que tu leves os alunos para fora da
escola. Mas, eu acho que a escola tinha que se abrir mais, tanto para
sair quanto para deixar que outros grupos, pessoas, entrassem e
participassem do processo (Carlos, entrevista em 01/12/2005).
No entanto, o contexto exerce outros tipos de influência na prática dos
professores, como percebe o professor Denis:
Mas a escola está muito imbricada na comunidade. Então, o
funcionamento da comunidade é bem parecido com o funcionamento
da escola. Que não é uma coisa que me agrade. Eu acho que aqui a
gente trabalha com muita violência. Nós somos violentos na maneira de
tratar com os alunos, nós ‘cortamos’ eles, a gente não deixa fazerem
uma série de coisas... quando eu falo a gente eu estou botando a
escola como... eu como parte da escola, todo o bando (Denis,
entrevista em 31/10/2006).
Podemos perceber, na fala dos professores, que tanto o espaço escolar
destinado às atividades da educação física, quanto a comunidade na qual a
escola está inserida exercem influência sobre estas aulas.
Outro fator do contexto que está presente na organização das aulas é o
horário destinado às aulas de educação física. A divisão dos períodos na grade
horária da escola nem sempre é realizada em função de aspectos
exclusivamente pedagógicos. Observei que, principalmente nas turmas de 1
o
114
ciclo, há colisão das aulas de educação física com o horário das turmas
almoçarem no refeitório da escola. As observações das aulas deste ciclo eram
praticamente inviáveis após o recreio porque algumas turmas almoçavam
ainda durante o 4
o
período.
Deste modo, podemos considerar que nas turmas de 1
o
ciclo havia forte
influência dos horários destinados às aulas educação física: horário de almoço,
períodos conjuntos, entre outros. Reconheço que havia um esforço da equipe
pedagógica da Escola Restinga em organizar horários mais adequados para as
aulas de educação física, fato relatado pela professora Ana que no ano de
2006 não trabalhava com períodos juntos. Porém, a estrutura escolar, incluindo
os horários de almoço, a organização de horários de professores que trabalham
em mais de um ano ciclo, entre outros, tende a influenciar nas aulas de
educação física.
No entanto, nas turmas de 3
o
ciclo, a influência do horário parece estar
mais vinculada a fatores “extraordinários”
68
, como o fato dos professores terem
que atender, em alguns momentos, duas turmas em um mesmo período. Posso
dizer que este fato se repetia quase que semanalmente, com mais ênfase nos
períodos de conselho de classe
69
. As aulas de educação física também sofriam
influências das licenças de outros professores, que causavam alterações no
horário e, conseqüentemente os professores se deparavam com mais de uma
turma para ser atendida em um único período.
As alterações nos horários diários da escola eram tão freqüentes que
havia um espaço no pátio no qual a coordenadora de turno colocava o
horário do dia, de todas as turmas. Os alunos chegavam na escola e faziam
uma consulta para saber qual seria a ordem dos períodos e em qual horário
68
A palavra está colocada entre aspas porque no cotidiano escolar não eram fatos tão
extraordinários.
69
Com o objetivo de dimensionar o número de dias nos quais a escola estava envolvida com o
período de conselhos de classe: Conselhos de classe do 1
o
trimestre de 2006: de 22/05/06 a
14/06/2006 (informação registrada no diário de campo, dia 25/04/2006).
115
terminaria sua aula. Este mesmo horário também estava exposto na sala dos
professores, que ao chegarem na escola, revisavam seus horários e as aulas
daquele dia: “subir” períodos, turmas juntas, entre outros.
Sendo assim, as aulas de educação física parecem ser influenciadas por
fatores contextuais de diversas ordens: espaços destinados às aulas, grade
horária, contexto escolar e comunidade escolar. Logo, pensar a respeito da
prática dos professores é refletir também a respeito do contexto no qual está
inserida, pois, como constatado por Günther (2006) o contexto, em alguns
casos, tem papel limitador, enquanto que em outros casos
potencializa/possibilita mudanças.
Neste caso, penso que a direção e o setor pedagógico da escola
empenham-se em promover mudanças no contexto escolar, no sentido de
atender as solicitações dos professores e mesmo da comunidade escolar. Os
professores de educação física relataram que seus horários são bons, em geral
bem distribuídos, com algumas exceções já expostas nesta dissertação. Convivi
com o esforço dos setores da escola
70
na tentativa de avançarem em relação
a algumas solicitações dos professores e de aspectos da proposta dos ciclos de
formação, como:
a) A implantação de uma nova modalidade de avaliação, na qual
consta não só a avaliação dos professores, mas também uma
avaliação do aluno a respeito de seu
trabalho/desempenho/envolvimento no trimestre
71
;
b) A solicitação de apoio da SMED, pela direção, no sentido de discutir
e sistematizar o Projeto Político-pedagógico da escola;
70
Na perspectiva dos professores são considerados setores da escola: direção, vice-direção,
SSE, SOE, biblioteca e coordenação cultural.
71
Pode ser analisada no anexo B.
116
c) O questionário enviado aos pais para que estes avaliem e dêem
sugestões em relação ao cotidiano escolar: conservação da escola,
atuação dos professores, organização da entrada e do recreio, por
exemplo, o qual tem suas respostas tabuladas e lidas nos conselhos
de classe.
Considero que há um esforço dos setores da escola no sentido de
garantir condições mais adequadas de trabalho para os professores de
educação física: aulas com períodos separados; material em quantidade
suficiente, apesar de pouco diversificado; algumas reuniões por disciplina, etc..
No entanto, existe um contexto mais amplo, que também influencia a prática
dos professores e o próprio cotidiano escolar e que sobre o qual nem os
professores nem a direção têm gerência, que se referem a atual estrutura da
escola, como horários dos professores e novas funções da escola: controle da
freqüência de alunos que recebem auxílios financeiros do governo federal,
alimentação, entre outros; ou mesmo à comunidade na qual a escola está
inserida.
Neste sentido, entendo que as aulas de educação física sofrem influência
dos contextos escolar, político e social nos quais elas se desenvolvem, das
relações entre os professores e os alunos e das expectativas de ambos em
relação às aulas. Os fatores políticos e sociais, apesar de citados no parágrafo
anterior não se constituem como temas desta dissertação e, portanto, não
serão aprofundados neste trabalho. Porém, buscarei aprofundamento em
relação a alguns aspectos da relação dos professores com os alunos durante as
aulas de educação física.
3.4.1 A relação do professor com os alunos nos momentos de aula
Considero que este seja um dos aspectos mais delicados da prática
pedagógica dos professores, sobretudo por estar mais ligado a questões
117
pessoais e subjetivas do que propriamente a formação ou aos conhecimentos.
No entanto, esta divisão não existe na prática, me utilizo dela apenas para
conseguir tratar de sua amplitude e de sua complexidade. Logo, para
compreendermos a sua amplitude terei de chamar a atenção para alguns
pontos desta relação, separadamente: como se dá a relação do professor com
o conhecimento, como é o relacionamento dos professores com os alunos e
como eles procedem para garantir a participação dos alunos nas aulas.
Através da leitura atenta das observações registradas em diário de
campo constatei que a relação professor-conteúdo-aluno, em grande parte
das vezes, é uma relação hierárquica, na qual o professor ensina os conteúdos.
Em alguns momentos os professores chegam a se questionar quanto a este
modelo, como na conversa de Ana e de Beto, porém, não demonstraram
efetivar mudanças na prática.
Beto disse que gostaria de trabalhar com outras atividades, dança,
por exemplo, porém, não sabia como fazer. Ana rebateu dizendo que
ele poderia ser apenas um organizador, porque as crianças tinham
algum conhecimento a respeito e que este deveria ser levado em conta
(Diário de campo, 26/10/2005, turno da manhã).
Não estou, entretanto, julgando o mérito das aulas destes professores,
nem querendo impor modelos. Minha reflexão parte da percepção de que, em
determinadas situações, os próprios professores questionam-se quanto a este
modelo e, ainda assim, têm dificuldade em transformá-lo.
Considero que a prática esteja fortemente influenciada por um habitus
incorporado durante a escolarização, tão precocemente, que pode ser
considerado inconsciente e que reforçado durante a graduação, sobrepõem-
se à vontade dos professores:
[...] e isso é uma coisa que eu aprendi com meus professores, de
muito tempo atrás. Eles sabiam tudo, sempre, sempre. Eu sou o céu,
vocês nunca vão além de mim. E os meus alunos sabem que eu não sei
(Denis, entrevista em 31/10/2006).
118
Neste sentido, o professor Denis busca superar, em alguns pontos, uma
concepção de ensino na qual a aula tem que partir do professor, ou seja, que
este tem que ser o detentor do conhecimento. Utilizo como exemplo o fato dos
alunos participarem da organização das aulas e ‘apitando’ jogos. O que
parece ser um pequeno detalhe pode ser entendido como uma demonstração
de que o “poder é circulante” como relatado pelo professor na entrevista:
Tenho certeza que as coisas não são dadas, que não adianta
querer que tudo aconteça como eu quero, porque eu não tenho esse...
o poder ele é circulante e não adianta eu querer ser o ditador ali,
mandar e ser intransigente com aquilo que estão me respondendo.
Então eu tento mediar isso e eles me ajudam muito nisso. Me cobram...
quando eu estou muito gandaia assim... ah, porque não es fazendo
nada, eles me cobram, e isso é uma coisa que eu acho interessante. E é
isso (Denis, entrevista em 31/10/2006).
Penso que os professores sentem-se “obrigados” a ensinar conteúdos a
seus alunos, a ensiná-los a jogar e até mesmo a conviver
72
. Para Schön (1992),
fatos semelhantes a esses acontecem porque a aprendizagem através da
exposição e da imersão, ou seja, a aprendizagem experiencial
73
,
freqüentemente se desenvolve sem um conhecimento consciente, ainda que
ele possa se tornar consciente mais tarde, com uma mudança de contexto.
Neste sentido, muito do que os professores fazem pode estar sendo influenciado
por seu período de escolarização, principalmente no que se refere às formas de
organização de uma aula.
Sendo assim, parece haver pouco espaço para as manifestações dos
alunos, ou mesmo, para que os professores aprendam com os alunos. Persiste
na escola a aula centrada nos conhecimentos dos professores. E, desta forma,
a cultura escolar se mantém impregnada pela cultura dos professores.
72
Os professores colocam em seus planejamentos objetivos voltados a socialização dos alunos,
ver anexo A.
73
Refiro-me ao período de escolarização dos professores como uma aprendizagem
experiencial, derivada de sua vivência no ambiente escolar, que vai produzindo aprendizagens
conscientes e não-conscientes.
119
O espaço para a cultura dos alunos parece existir nos 4 anos iniciais do
ensino por ciclos, quando as professoras Ana, Glória e Eliane perguntam a seus
alunos a respeito de brincadeiras que eles gostariam de brincar com os colegas
e que são utilizadas em aula, mesmo que em alguns casos, necessitem de
adaptações.
Enquanto tomávamos café, Glória me contou de sua experiência
de adaptação de jogos. Os alunos costumavam brincar na rua de um
jogo conhecido como “18”. Ela relatou que adaptou o jogo “18”
74
para
suas aulas, que ao invés de fazer com bolas que machucam,
confeccionou bolas de meia e que desta forma pode realizar esta
brincadeira em aula (Trecho do diário de campo, 03/10/2006).
A dedicação de Glória
75
na busca por adaptar jogos do repertório dos
alunos parece ser recompensada com a expressiva participação dos alunos
em suas aulas. Penso que este fator possa estar vinculado ao modo como os
professores se relacionam com os alunos e ao fato de haverem professores que
estejam receptivos aos seus interesses. Glória parece cativar as crianças com
algumas atividades do repertório deles, da afetividade demonstrada com os
alunos e com o espaço de escuta e avaliação no final das aulas.
Observei que as aulas do professor Denis também contam com a
expressiva participação dos alunos. Denis demonstrou em sua entrevista
valorizar a relação professor-aluno:
É que eu acho que a gente tem que criar o espaço. Eu vejo esses
caras muito, entende? Três vezes por semana eu estou diretamente com
eles e mais o tempo que a gente está por aí, que eles vem puxar
assunto, que a gente conversa e tal. Eu acho que quanto mais próxima
a relação, melhor. E os professores que foram mais legais na minha
74
Em um círculo os jogadores passam a bola um para o outro, até chegar ao passe número 18.
O jogador que estiver com a bola neste momento deve sair atrás dos outros e tentar acertá-los
com a bola, enquanto que o restante do grupo sai correndo. Quem for acertado vai para o
“paredão” para levar boladas. No entanto, nunca observei nas aulas da professora Glória esta
última parte da brincadeira.
75
A professora Glória trabalha 10 horas na Escola Restinga. No ano de 2006 dava aula para
turmas de 1º ano do 2º ciclo (B’s 10).
120
opinião, meus professores, eram esses que conseguiam criar esse vínculo.
Isso eu acho que é uma coisa que eu trago também da educação
infantil. De criar vínculo. Acho fundamental criar vínculo, acho que tu
não podes ser um estranho para o aluno, nem o aluno ser um estranho
para ti (Denis, entrevista em 31/10/2006).
Neste sentido, Tardif e Lessard (2005) observam que: “[...] ensinar é
trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Esta
impregnação do trabalho pelo “objeto humano” merece ser problematizada,
pois ela é o coração da profissão docente” (p. 141) [grifo dos autores].
Para Hargreaves (2002), o ensino é uma prática emocional e “a maneira
como os professores conduzem seus sentimentos e manifestam suas emoções é
sempre importante” (p. 132) e acrescenta que as emoções são centrais à
agenda do aprendizado, dos padrões e do aperfeiçoamento. Nesta
perspectiva, Gariglio (2005) relata que os professores de educação física
desenvolvem com os alunos relações mais afetivas.
O envolvimento afetivo dos professores pode estar fortemente
relacionado à participação dos estudantes nas aulas. Os professores que
valorizam esta relação e que buscam se aproximar dos alunos, seja
desenvolvendo conteúdos de seu interesse ou tratando-os de forma mais
próxima, conseguem um maior envolvimento dos mesmos. Neste sentido,
Günther coloca que: “É difícil precisar o quanto de “investimento emocional”
está presente nas práticas pedagógicas desses professores” (2006, p. 260) [grifo
da autora].
Em contrapartida, nas aulas do professor Beto havia pouca participação
dos alunos e esta questão foi levada para a entrevista. Em relação a este fato o
professor coloca que:
Como... o que é educação física? Sair, pegar uma bola e jogar.
Então ele (o aluno) passa a resistir, como resiste em qualquer momento
dentro da escola, como em qualquer disciplina, a resistir a uma aula, [...]
sistemática, com algum grau de atenção, uma certa organização, uma
certa disciplina para aprender, um determinado conhecimento. Se
numa sala de aula, que existe um regramento mais definido, já é difícil,
121
quando vai para a Educação física parece que é um momento que
não... isso seria inadmissível um aluno entender que uma aula de
educação física é para isso, que tem que ter um regramento, que tem
que ter uma organização (Beto, entrevista em 30/11/2005).
Que eu acho que a desmotivação... um aspecto é esse.
Compreensão do que é uma aula, compreender que é uma aula. E, às
vezes, também, a desmotivação, pode ser também pelo meu método,
pelo meu jeito de abordar a aula, pode também não agradar tanto. A
desmotivação, que aí não é geral, é de aluno para aluno, que tem o
interesse em gostar de uma atividade e não gostar de outra. Isso é
muito, é bem diferente de uma turma para outra. De C20, tem duas
turmas de C20, elas são totalmente diferentes. Uma C20 tem uma
dinâmica que desmotiva até a mim, tem outra C20 que já motiva...tem
outro perfil, já tem uma outra... motiva muito... um outro grau de
motivão... só entre uma turma e outra de C20 (Beto, entrevista em
30/11/2005).
No relato o professor Beto coloca que as expectativas dos alunos em
relação às aulas de educação física também influenciam na participação da
turma nas aulas. Neste sentido, Wittizorecki e Molina Neto (2005) destacam que
os alunos têm representações de educação física e que estas estão vinculadas
a experiências anteriores com outros professores ou outras escolas, em espaços
e instituições que tratam da cultura corporal de movimento.
As diferentes visões dos professores a respeito de seu relacionamento com
os alunos, bem como da forma de trabalhar os conteúdos, parecem estar
ancoradas nas suas experiências e tendem a influenciar a participação dos
alunos em aula.
Um aspecto que chamou minha atenção na relação professor-aluno foi
que nas aulas da professora Glória (B’s 10) os alunos criticam e opinam,
enquanto que nas aulas do professor Carlos, apesar de também haver espaço
para a manifestação dos alunos, eles, na maior parte das vezes, não se
manifestam. É possível pensar que a escolarização ensina os alunos muito mais
a ouvir do que a falar? Que os alunos, com o passar dos anos, vão
desacreditando na importância de sua participação ou abrindo mão destes
espaços? Ou os alunos não falam mais por conta de uma relação de hierarquia
122
que já está estabelecida na escola? Ou por acreditarem que não adianta
falar? Por enquanto estes questionamentos permanecerão em aberto, assim
como muitos outros presentes neste trabalho, pois apesar de sua importância
não colaboram diretamente no sentido de apontar respostas à questão de
pesquisa.
Uma outra face desta relação pode ser observada no planejamento
anual dos professores. No planejamento parece haver espaço para a
solicitação dos alunos, porém, cada professor utiliza-se de diferentes estratégias
no que se refere a esta participação. Cada um, ao seu modo, escuta as
solicitações dos alunos no início do ano e tenta contemplá-las em seu
planejamento:
É, eu acho que me baseio muito na minha experiência, naquilo
que a escola me possibilita, muito pouco no pedido dos alunos, embora
a gente faça [...] no início do ano uma consulta. Mas muitas vezes a
gente não consegue oportunizar algumas coisas que aparecem (Carlos,
entrevista em 01/12/2005).
Eu tenho, eu tenho uma rotina de avaliação, que eu faço com
eles, com todos meus alunos. Os do dia, os da noite. Eu sempre pergunto
para eles e quero que eles escrevam, porque eu acho que o registro
escrito ele é mais ‘bacaninha’, porque na hora que tu vais escrever tu
tens que elaborar a resposta que tu vais fazer, que tu vais dar... então eu
peço que eles escrevam sempre. E nessa escrita eu levanto algumas
questões: o que vocês acham que é interessante que nós façamos?
Para que a gente consiga definir, coletivamente, quais são as formas. O
que nós vamos fazer já está definido, como eu disse, que vão ser esses 3
esportes, mas como que nós vamos fazer isso. Isso eles me ajudam [...]
(Denis, entrevista em 31/10/2006).
Então a gente sempre conversa no início, no primeiro dia de aula
eu faço toda uma conversa com eles. Em cima do que eles falam e do
que eu tenho como proposta eu organizo as aulas por trimestre. Já
tenho aquilo que eu vou desenvolver normalmente e aí procuro inserir o
deles, o que eles gostariam de fazer ou de aprender ou de repetir o que
eles já fizeram (Flávia, entrevista em 19/09/2006).
123
Porém, apesar da intenção dos professores em ouvir as solicitações dos
alunos nos planejamentos, seus interesses nem sempre são contemplados,
como relatado na citação anterior do professor Carlos.
A este respeito retomo as aulas dos 4 anos iniciais dos ciclos, nos quais os
alunos contribuem através de sugestões de atividades ou tecendo críticas e
elogios às aulas, e entendo que esta seja uma via de participação dos alunos,
não somente no que se refere ao conteúdo, mas a possibilidade dos alunos
estarem participando mais ativamente nos planejamentos anuais ou mesmo na
realização das aulas.
Penso que não se trata dos alunos aplicarem os conhecimentos
adquiridos em aula, como os momentos que presenciei, nos quais eles realizam
os alongamentos sozinhos. Não reconheço que isto aconteça baseado na
autonomia dos alunos, mas como uma aplicação direta de um conhecimento
ensinado pelo professor. Neste sentido, considero que não exista uma
valorização do saber do aluno, promovendo assim, de antemão uma relação
hierarquizada. A este respeito o professor Denis coloca que:
Acho isso importante, acho que o espaço da escola não é só o
lugar do professor ordenando e dizendo o que deve ser feito e os alunos
obedecendo. Não que eu ache isso um problema, eu acho que tem
vezes que nós temos que ter essa hierarquia, a gente tem que entender
que nós estamos aqui e que alguma coisa nós achamos importante que
sejam feitas. Mas essa liberdade também [...] (Denis, entrevista em
30/10/2006).
Deste modo, Denis pensa
76
sobre a sua condição de professor e que,
enquanto tal, tem objetivos a serem desenvolvidos. Porém, entende que deve
haver um espaço para os alunos nas aulas, seja no sentido de participar da
76
A utilização do verbo pensar ao invés do verbo refletir se deve a uma fala do professor em
sua entrevista: “[...] eu não gosto do termo reflexo, não é reflexo... reflexo pressupõe que tu
estás do lado de fora, só refletindo, e não é isso”.
124
organização das aulas, como na possibilidade de utilizar o espaço das aulas
para a realização de atividades escolhidas pelos mesmos.
Podemos perceber que na relação do professor com os alunos parecem
estar presentes suas experiências vividas, seu habitus incorporado a partir da
escolarização e que os coloca, como professores, como os únicos responsáveis
por suas aulas. Como contraponto exponho o ponto de vista de Neira (2006),
que propõem a valorização do “[...] papel do professor como mediador entre
o/a aluno/a e o mundo cultural, [...]” (p. 239), enfatizando a importância de
conhecimentos dialogicamente construídos.
Em outra perspectiva, a professora Ana relata que seu trabalho vai deixar
marcas nos alunos: “Dependendo da forma como eu vou trabalhar, eu vou
deixar marcas ali” (entrevista da professora Ana, dia 21/08/2006). Sendo assim
pensa que o trabalho que desenvolve com os alunos deve ser entendido como
um trabalho de longo prazo e fala na sua busca, na relação com as crianças,
de “alimentar o cachorro bom que existe dentro delas”:
É... perguntaram para o índio como é que era ele interiormente e
ele diz: “- Eu tenho dois cachorros dentro de mim, um bom e um mau e
eles estão sempre brigando. E qual que ganha? Aquele que eu mais
alimento.” Então assim, o que eu quero alimentar nessas crianças...
talvez o cachorrinho delas, o bom – forma de dizer -, mas o mais
harmônico, sei lá, mais adequado para viver em grupo. [Talvez esse] seja
pequeninho, e por mais que eu alimente, o grande ainda está grande.
Mas, com o tempo, ele vai crescer e talvez eu não veja esse... E isso não
deixa de ser uma prática espiritual também, porque dentro dessa linha
se trabalha muito a coisa do desapegar do resultado. E eu acho que o
professor tem que estar lidando muito com isso. Eu acho que o grande
sofrimento do professor é que ele não vê o resultado (Ana, entrevista em
21/08/2006).
Neste sentido, é possível pensar que as relações que se estabelecem
entre os professores e os alunos também estão fortemente marcadas por suas
experiências vividas em todas as suas dimensões: escolarização, vivências
esportivas, formação e, como pudemos perceber no parágrafo acima, por
125
práticas e pensamentos que os professores julgam como positivas para si
próprios e que desejam estimular em seus alunos.
Logo, pudemos observar que as práticas dos professores são
influenciadas pelo contexto no qual se desenvolvem, seja pelo contexto
escolar, pela comunidade escolar ou pelas relações que se desenvolvem em
seu interior. Desta maneira é reforçada a noção de prática como algo que não
é automático, nem tampouco o resultado da vontade dos agentes. Para
Bracht (2003):
É fundamental abandonar um certo otimismo voluntarista e
ingênuo que atribui aos agentes particulares poderes transformadores
que extrapolam em muito suas reais forças. Trata-se, também, de evitar
cair no discurso meramente denunciante da impossibilidade de solução
de problemas específicos da Educação Física, da escola e da
educação em função da dependência da resolução de problemas
macroestruturais (p. 60).
Sendo assim, a questão teórica que se coloca neste momento da
dissertação pode estar mais identificada com Bourdieu (1983, 2005), pois para o
autor o habitus é mutável no limite das estruturas que o constituíram, ou com
Lahire (2002), para quem a situação desencadeadora tem forte influência
sobre a ação. Neste sentido, encaminho o estudo para o fechamento,
indicando algumas aprendizagens individuais e buscando contribuir com a
construção de conhecimento a respeito das aulas de educação física nas
escolas organizadas por ciclos de formação. E, fundamentalmente,
vislumbrando a possibilidade de constituição de novas práticas, mais
adequadas a uma escola que respeite a cultura e o ciclo de desenvolvimento
dos alunos.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gostaria de iniciar estas considerações enfatizando o caráter singular,
provisório e inacabado do conhecimento produzido. Singular por se tratar de
um estudo de caso, do qual não se pretendem generalizações; provisório
porque entendo que as práticas não são estáticas, apesar de suas limitações;
e, inacabado por ter a convicção de que ainda há muito por explorar e que
esta dissertação é apenas mais um passo do longo caminho na busca por
problematizar a prática dos professores e por promover mudanças em práticas
que estão naturalizadas nas escolas.
Encerro este trabalho com a seguinte convicção: “A resposta é sempre
uma parte do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode
apontar o caminho para a frente” (GAARDNER, 1997, p. 28).
Partindo destas premissas e considerando a prática pedagógica dos
professores de educação física como produto de uma relação dialética entre
um habitus e um contexto, sistematizo algumas aprendizagens construídas
durante a realização deste estudo.
Considero que a constituição de um habitus, a partir das experiências
vividas pelos professores, tende a configurar as disposições para a prática. Estas
disposições estão presentes nas aulas dos professores, seja como prática, como
instrumento de reflexão ou, ainda, como expectativas e/ou padrões de
julgamento e de avaliação de alunos e de comportamentos.
No entanto, estas práticas podem estar sendo estruturadas mais a partir
de um habitus ou de uma situação desencadeadora. Neste sentido, relembro a
discussão realizada a respeito do papel do esporte nas aulas de educação
física, não apenas neste trabalho, mas ao fenômeno tratado nas produções da
área e conhecido como esportivização da educação física. Penso que a
quase exclusiva utilização do esporte como conteúdo principal da educação
física esteja vinculada a experiências vividas pelos professores que, por
estruturarem, precocemente, um habitus, constituem as práticas. É possível fazer
127
esta afirmação devido a predominante utilização de conteúdos esportivos nas
aulas ou mesmo na preferência dos professores em trabalharem com
determinados esportes. Este habitus é, geralmente, reforçado durante a
graduação, devido ao tratamento dado aos esportes e, também, pela
arquitetura escolar, através dos espaços destinados às aulas de educação
física nas escolas.
Neste sentido, as disposições para a prática dos (futuros) professores são
incorporadas a partir de sua escolarização, da formação inicial e de suas
experiências esportivas, e tendem a influenciar as práticas pedagógicas, muitas
vezes se impondo como uma limitação às mudanças. Sobretudo porque
apesar dos professores desejarem promover mudanças em sua prática estas
são dificultadas devido a um habitus constituído precocemente.
As experiências vividas pelos professores e incorporadas como
disposições para a ação podem também estar presentes em sua reflexão. No
entanto, as reflexões que visam adequar a prática ao contexto ou, ainda,
aquelas amparadas exclusivamente na prática tendem a reproduzir as práticas
que deram certo, enquanto que as reflexões mais aprofundadas, baseadas
também em teorias, proporcionam a constituição de rotinas mais críticas em
relação às aulas e ao ambiente escolar. Neste sentido, os professores que
refletem mais profundamente sobre a sua prática buscam conhecimentos em
cursos de pós-graduação ou em outras áreas, e não necessariamente na
educação física.
Sendo assim, considero que me encontrei frente a práticas pedagógicas
distintas. Porém, existiam algumas regularidades entre as mesmas. Através da
análise das 3 categorias e suas subcategorias, aliadas a descrição das práticas
dos professores compreendi que as aulas estavam organizadas a partir de
padrões de práticas. Considerei a existência de 3 tipos de padrões de prática,
com seus distintos modos de reflexão sobre as mesmas:
128
a) Práticas com padrão prático: Nelas os professores privilegiam a própria
prática como meio de reflexão. A escolarização vivenciada pelos
professores serve muito mais de apoio para a organização das aulas
do que parâmetro em suas reflexões e, desta forma, é bastante forte a
influência da experiência vivida nestas aulas. As rotinas são construídas
privilegiando a organização das aulas e em função da estrutura
escolar. A relação que se estabelece entre professor e alunos é
hierárquica, visto que há uma organização das aulas baseadas nas
práticas que deram certo. Há dificuldade em modificar a organização
das aulas, ou seja, as rotinas estão estabelecidas e, neste sentido, há
resistência a mudanças.
b) Práticas com padrão reflexivo e busca efetiva de respostas em outras
áreas:
Estas práticas, apesar de buscarem uma adequação ao
ambiente escolar são fruto de reflexão. Esta reflexão nem sempre está
vinculada ao âmbito da educação física ou da educação, mas
possibilitam práticas mais diversificadas em relação às aulas
fortemente ancoradas em conhecimentos esportivos. Há uma busca
por novos conhecimentos a serem trabalhados nas aulas. Porém,
como esta busca se encontra fora da área da educação e da
educação física, questiona-se pouco a organização escolar. Apesar
da escolarização servir de parâmetro para a reflexão, no sentido de
questionamento das experiências vividas, a relação entre o professor e
os alunos é hierárquica. As experiências que estão sendo vivenciadas
exercem influência sobre a prática.
c) Práticas com padrão reflexivo aprofundado: A respeito das quais os
professores buscam não somente pensar sobre as mesmas, mas o
fazem através de cursos de longa duração: especialização e
129
mestrado. Nestas aulas há espaço para os alunos fazerem críticas e
participarem dos planejamentos anuais e das aulas. Professores e
alunos estabelecem relações menos hierárquicas, com mais espaço
para as críticas ou mesmo para a negociação, seja no que se refere
aos conteúdos desenvolvidos em aula ou ao planejamento. As rotinas
que vão sendo construídas visam promover a crítica dos alunos às
aulas e à escola. A escolarização vivenciada pelos professores serve
de apoio para a reflexão, porém, a influência de suas experiências
vividas e de seu habitus parece ser menor, visto que é uma prática
constantemente questionada.
Neste sentido, relembro a contribuição de Lahire (2002), pois para o autor
diferentes formas de reflexão agem nos diferentes tipos de ação. Considero
que as diferentes experiências reflexivas podem vir a constituir diferentes
práticas, sobretudo no que se refere à prática pedagógica dos professores de
educação física. Esta possibilidade pode ser ilustrada com os exemplos de
Glória e de Denis, que tiveram suas práticas modificadas em função dos
estudos que estavam realizando: esporte escolar e relações de poder e de
gênero, respectivamente.
Sendo assim, cabe destacar que num encontro cultural e pedagógico,
como entendo que sejam as aulas de educação física, o tratamento dado ao
conteúdo e a metodologia empregada pelo professor estabelecem padrões
de relações entre ele e seus alunos. Estas relações devem ser compreendidas,
também, em seus aspectos constituintes, como fatores relativos à escolarização
dos professores, seu entendimento a respeito do papel da educação física na
escola e o ambiente no qual acontecem as aulas, ou seja, buscando
compreender os aspectos constituintes desta prática e das relações que se
estabelecem com os estudantes e sua interação com os diferentes segmentos
da comunidade escolar.
130
Deste modo, o saber dos professores de educação física pode ser
entendido como um saber plural, constituído por saberes provenientes das
diferentes dimensões de sua experiência. Nesta perspectiva considero que a
prática pedagógica dos professores de educação física seja um misto de suas
vivências, dos saberes de sua experiência na escola e dos saberes relativos à
sua formação. Não pretendo, desta forma, fazer uma ‘salada de frutas’,
afirmando que tudo constitui a prática, mas de ressaltar que as influências de
nossas vivências, crenças e experiências são, em grande parte das vezes,
superiores ao peso da formação inicial. Em outras palavras, a formação inicial
dos professores, muito voltada ao desporto acadêmico (Carlos) ou com uma
perspectiva tecnicista (Ana e Glória) não corresponde às
necessidades/demandas da prática de uma escola organizada por ciclos de
formação. E, sendo assim, os professores apegam-se as suas experiências
vividas para dar conta das demandas cotidianas.
No entanto, considero que a formação permanente promovida pela
SMED possa estar presente nas reflexões dos professores; porém, não chega a
produzir mudanças em suas práticas, no sentido de torná-las interdisciplinares,
identificadas com a prática social como fonte de conhecimento, ou fruto de
um projeto coletivo, como consta na proposta da escola por ciclos de
formação. Ou seja, entre as experiências, a formação parece não ser o que
está determinando as práticas.
Porém, parece estar emergindo entre o grupo de professores a
necessidade de trocar experiências entre eles próprios, no sentido de
produzirem conhecimentos ancoradas nas realidades/nos contextos nos quais
se desenvolve a prática.
Desta forma, considero que existam possibilidades de mudança nas
práticas, através da possibilidade de constituição de um novo habitus. Porém,
se faz necessário que compreendamos quais os fatores que interferem nestas
possibilidades e que se apresentam como limites e condicionantes a estas
131
mudanças. Neste sentido, Günther (2006) reconhece o quanto é difícil e
complexa a iniciativa de inovar no âmbito da educação, de modo a atingir as
práticas pedagógicas cotidianas.
As mudanças nas práticas dos professores de educação física ocorrem
lenta e gradualmente. Eles precisam se sentir seguros, elaborar a experiência e
produzir novas práticas. E, para tanto, é necessário tempo para a reflexão.
Segundo os professores, o grupo exerce papel importante no sentido de permitir
uma discussão mais aprofundada sobre a prática ou mesmo no sentido de
trocar experiências. Esta necessidade de segurança, algumas vezes, faz com
que os professores reproduzam as práticas que deram certo e reforcem seu
habitus.
Através deste estudo pretendo ter contribuído com o debate que se
trava na busca de construir uma nova epistemologia da prática, que fuja da
concepção de mera repetição, e que busque, na materialidade da prática, os
subsídios para a discussão.
Para finalizar, gostaria de sublinhar que o grupo de professores
colaboradores, com o qual trabalhei, é muito peculiar. Que suas diferentes
trajetórias, suas experiências distintas, seus diversificados modos de pensar não
estão tão explícitos como aparecem neste trabalho. Foi necessária muita
dedicação para entender a constituição das práticas, suas possibilidades de
mudança e o porquê de algumas limitações. O que agora parece estar
descoberto se ‘escondia’ sob um aparente mesmo formato: as aulas de
educação física fortemente ancoradas em conteúdos esportivos. Porém,
apesar das diferentes incorporações e de sua diversidade de práticas parece
haver, em todos os professores, um grande comprometimento com a docência
e com a qualidade de suas aulas. Desta maneira, cada um a seu modo, busca
fazer a sua parte.
132
POSFÁCIO
Neste posfácio tenho como objetivo inicial descrever a apresentação da
pesquisa aos professores colaboradores, bem como expor algumas
considerações que os mesmos realizaram a respeito do trabalho.
Posteriormente, exponho algumas aprendizagens resultantes deste momento,
as quais entendo que devam ser destacadas. Cabe relembrar que a
apresentação foi considerada como uma etapa importante da pesquisa,
prevista desde o início do trabalho de campo.
Voltei à Escola Restinga no dia 18/04/2007 no intuito de marcar um
encontro para realizar a apresentação da pesquisa aos professores
colaboradores. Combinei a data com a diretora e com uma das supervisoras.
Apesar dos professores de educação física terem, no ano de 2007, um horário
de reunião, consideramos que o tempo não seria suficiente, visto se tratar de
apenas um período (50 minutos). Neste sentido, achamos que o tempo de uma
reunião pedagógica seria mais adequado. Assim, marcamos para o dia 03 de
maio, às 16 horas, o encontro de apresentação dos resultados da pesquisa aos
professores.
No dia 03 de maio cheguei na escola por volta das 15h30min,
acompanhada de uma colega de mestrado, que estaria junto conosco na
apresentação.
Iniciei a apresentação por volta das 16 horas. Com o auxílio de lâminas e
de retroprojetor apresentei a pesquisa em 16 slides. Dei ênfase ao referencial
teórico: teorias da ação e conceito de prática. Falei dos aspectos relativos ao
contexto que eu havia observado e apresentei o esquema da noção de
prática. Finalizei a apresentação com algumas considerações do estudo.
Os professores solicitaram que nos mudássemos de sala, devido ao som
da rua que estava nos atrapalhando. E, principalmente, porque a nossa
conversa seria gravada.
133
Um dos professores questionou o título do trabalho
77
, pois considerou que
havia uma generalização ao colocar “na RMEPOA”, enquanto que o trabalho
havia sido realizado “em uma escola da Rede”.
Os professores consideraram que a pesquisa desestabiliza e provoca
discussões, sobretudo relativas ao tema em questão. Eles colocaram que os
leva a refletir sobre o que estão fazendo nas aulas, o porquê de fazer deste jeito
e de onde provém este modo de agir.
Entenderam que a pesquisa também influencia em seu modo de pensar.
Neste sentido, o professor Beto falou: “a gente começa a pensar de outro jeito”.
Destacaram que uma pesquisadora na escola deixa mais presente
algumas coisas que já são de sua preocupação, pois os professores estão, na
escola, querendo repensar a prática. E o professor Carlos observou que: “Essa
presença de alguém, que junto contigo, olha, pensa, discute deveria ser o
normal na escola”.
Durante a conversa aconteceram alguns debates interessantes. Os
professores demonstraram interesse no trabalho mas deixaram claro que
gostariam de aprofundar/entender melhor as considerações finais.
O professor Beto colocou que eles têm clareza em relação ao quanto os
horários e os espaços influenciam nas aulas de educação física e considera
que estes sejam fatores determinantes nas práticas, assim como o perfil de
turma.
Neste sentido, discutimos a respeito da influência do contexto nas aulas.
Os professores colocaram que têm consciência da influência do espaço nas
aulas e que, desta forma, não precisariam de uma pesquisa para alertá-los
quanto a isto. Ressaltei que, algumas vezes, estamos tão imersos em um
77
O trabalho foi apresentado com o mesmo título do projeto: Mudanças nas práticas
pedagógicas dos professores de educação física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre:
limites e possibilidades.
134
contexto, que nos torna difícil saber até que ponto somos influenciados pelo
mesmo.
O grupo demonstrou curiosidade quanto ao mesmo formato das aulas,
embora sob diferentes perspectivas. Grande parte da conversa esteve voltada
para o aprofundamento de alguns destes aspectos, principalmente a questão
do formato esportivo. Interessaram-se pelos diferentes objetivos das aulas e pela
organização amparada nas experiências vividas como um dos fatores limitantes
às mudanças nas práticas.
Nesta segunda parte pretendo salientar três aspectos: a relevância deste
momento para a formação da pesquisadora; o que pensam os professores
colaboradores a respeito da pesquisa realizada; e qual a contribuição deste
momento para a área de conhecimento da educação física.
Entendo que a importância deste momento esteja vinculada à
possibilidade de um diálogo menos hierárquico com os colaboradores a
respeito do trabalho em questão. Em meu ponto de vista, considerei que,
durante o desenvolvimento do trabalho de campo havia uma relação
hierárquica da pesquisadora em relação aos colaboradores. Quem observava
e selecionava os aspectos a serem observados, organizava a entrevista e
decidia quais perguntas seriam feitas? Entretanto, durante a apresentação, os
professores puderam refletir sobre o conhecimento produzido e questionar a
respeito de algumas considerações. Desta forma, colocaram suas opiniões de
maneira mais livre e pautaram as discussões que julgaram mais oportunas.
Durante o diálogo com os colaboradores ficou mais evidente a
dificuldade de realizar o estranhamento e o distanciamento crítico de um meio
no qual eu estava tão envolvida, a escola municipal.
No entanto, os professores colaboradores afirmaram que a presença de
uma pesquisadora na escola desestabiliza, provoca e inquieta. Que a
possibilidade de estar discutindo as considerações do trabalho os leva a pensar
sobre o que fazem e o porquê fazem.
135
Havia um esforço dos professores em compreender o ponto de vista da
pesquisadora. Em alguns momentos, pareceu que o esforço dedicado no
trabalho para compreender a prática reverteu no interesse dos professores em
conhecer e compreender a pesquisa. Neste sentido, discutimos a respeito da
possibilidade de trabalhar com os alunos de forma menos hierárquica,
buscando abrir espaço para a cultura dos alunos e seus conhecimentos nas
aulas. Discutimos a respeito do papel da graduação e das experiências em
suas práticas.
Durante as várias audições da fita da devolução pareceu bastante claro
o interesse dos professores em conhecerem mais sobre o trabalho. Foi um
momento de repensar coletivamente a prática pedagógica que realizam na
escola.
Para finalizar, considero que pesquisar na perspectiva dos professores, na
área da educação física, seja algo relativamente novo, e que deva ser
realizado sistematicamente. Desta forma poderemos compreender como esta
área se constitui na escola, evitando os julgamentos apressados ou mesmo as
prescrições. E, sobretudo, possibilitando que os professores detenham os
elementos necessários à reflexão aprofundada de sua prática.
Entendo que a busca pela construção de conhecimento a partir de um
diálogo com os envolvidos na pesquisa possa servir de ferramenta aos
professores, sobretudo àqueles que almejam refletir a respeito de suas aulas de
forma mais aprofundada e com vistas à construção de novas práticas, mais
significativas para os professores e para os alunos.
136
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Marli Eliza D.
Etnografia da prática educativa.
2.ed. Campinas, SP:
Papirus, 1998 (série prática pedagógica).
BORGES, Cecília Maria Ferreira. O professor de educação física e a construção
do saber. Campinas, SP: Papirus, 2003.
BOSSLE, Fabiano. Planejamento de ensino dos professores de Educação Física
do 2
o
e 3
o
ciclos da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: um estudo do
tipo etnográfico em quatro escolas desta rede de ensino. Porto Alegre: UFRGS,
2003. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), Escola de
Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 6.ed. Campinas:
Papirus, 2005.
BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria de prática. In: ORTIZ, Renato. Pierre
Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983.
BRACHT, Valter et al. Pesquisa em ação: educação física na escola. Ijuí: Editora
Unijuí, 2003.
BRACHT, Valter. Esporte na escola e esporte de rendimento. Revista Movimento,
Porto Alegre, v. 06, n. 12, p. XIV-XXIV, 2000.
DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e
profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
EISNER, Elliot W. El ojo ilustrado: indagación cualitativa y mejora de la práctica
educativa. Barcelona: Paydós, 1998.
ESCOLANO, Augustín. Arquitetura como programa. Espaço-escola e currículo. In
FRAGO, Antonio Viñao; ESCOLANO, Agustín. Alfredo Veiga-Neto (trad.).
Currículo, Espaço e Subjetividade: a arquitetura como programa. 2.ed. Rio de
Janeiro: DP&A editora, 2001.
FERNANDES, Cláudia de Oliveira. A escolaridade em ciclos: a escola sob uma
nova lógica. Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, v. 35,
n. 124, p. 57-82, jan/abr/2005.
137
FRAGO, Antonio Viñao. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostas e
questões. In FRAGO, Antonio Viñao; ESCOLANO, Agustín. Alfredo Veiga-Neto
(trad.).
Currículo, Espaço e Subjetividade:
a arquitetura como programa.
2.ed.
Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001.
FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas técnicas para o trabalho científico: nova ABNT.
13.ed. Porto Alegre: s.n., 2005.
GAARDNER, Jostein. Ei! Tem alguém aí? São Paulo: Companhia das Letrinhas,
1997.
GARIGLIO, José Ângelo. A cultura docente de professores de educação física:
saberes e práticas profissionais em contexto de ações situadas. In: Congresso
Brasileiro de Ciências do Esporte, XIV, 2005, Porto Alegre. Anais. p.1983-1998.
GARCÍA, Enrique; CERVANTES, Carmem. La negociación. Piedra angular de la
investigación cualitativa. In: CAMACHO, Álvaro; FERNANDEZ-BALBOA, Juan M.
(orgs). La otra cara de la investigación: reflexiones desde la educación física
(p.109-125). Sevilla: Wanceullen, 2004.
GEERTZ, Clifford. Objetividad y subjetividad en la investigación y la evaluación
cualitativas. In: EISNER, Elliot W. El ojo ilustrado: indagación cualitativa y mejora
de la práctica educativa. Barcelona: Paydós, 1998.
GILES, Thomas Ransom. Dicionário de Filosofia: termos e filósofos. São Paulo: EPU,
1993.
GONZÁLEZ, Fernando Jaime. Projeto curricular e educação física: o esporte
como conteúdo escolar. In: REZER, Ricardo (org.). O fenômeno esportivo:
ensaios crítico-reflexivos. Chapecó: Argos, 2006.
GÜNTHER, Maria Cecília Camargo. A prática pedagógica dos professores de
educação física e o currículo organizado por ciclos: um estudo na Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese
(Doutorado em Ciências do Movimento Humano), Escola de Educação Física,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.
GÜNTHER, Maria Cecília Camargo.
Formação permanente de professores de
educação física na rede municipal de ensino de Porto Alegre no período de
1989 a 1999: um estudo a partir de quatro escolas da rede. Porto Alegre: UFRGS,
2000. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), Escola de
Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.
138
GÜNTHER, Maria Cecília Camargo; MOLINA NETO, Vicente. Formação
permanente de professores de educação física na rede municipal de ensino de
Porto Alegre: uma abordagem etnográfica.
Revista Paulista de Educação Física,
São Paulo, v. 14, p. 72-84, 2000.
HARGREAVES, Andy et al. Aprendendo a mudar: o ensino para além dos
conteúdos e da padronização. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
HARGREAVES, Andy. Profesorado, cultura y postmodernidad: cambian los
tempos, cambia el profesorado. Madrid: Morata, 1996.
HERNÁNDEZ, Fernando. A formação do professorado e a investigação sobre a
aprendizagem dos docentes. In: MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S.
(orgs.). A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas.
Porto Alegre: Editora da Universidade, 1999.
HUBERMAN, Michael. O ciclo de vida profissional dos professores. 2.ed. In:
NÓVOA, Antônio (org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1995.
KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 5.ed. Ij, RS,
Brasil: Editora Unijuí, 2003.
LAHIRE, Bernard. O homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002.
LELIS, Isabel A. O. M. . Do ensino de conteúdos aos saberes do professor:
mudança de idioma pedagógico?. Revista Educação e Sociedade, Campinas,
v. 74, n. Ano XIII, p. 43-58, 2001.
LIMA, Elvira Souza. Ciclos de formação – uma reorganização do tempo escolar.
São Paulo: Grupo de Estudos de Desenvolvimento Humano (GEDH), 2000.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
(Temas básicos de educação e ensino). São Paulo: EPU, 1986. (9
a
reimpressão,
2005).
MOLINA, Rosane M. K. O enfoque teórico metodológico qualitativo e o estudo
de caso: uma reflexão introdutória. In: MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS,
Augusto N. S. (orgs.). A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas
metodológicas. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1999.
MOLINA NETO, Vicente. Etnografia: uma opção metodológica para alguns
problemas de investigação no âmbito da Educação Física. In: MOLINA NETO,
139
Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S. (orgs.). A pesquisa qualitativa na educação
física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1999.
MOLINA NETO, Vicente. A cultura do professorado de Educação Física nas
escolas públicas de Porto Alegre. Revista Movimento, Porto Alegre: EsEF/UFRGS,
ano IV, p. 31-46, 1997/2.
MOLINA NETO, Vicente. La Cultura Docente del Profesorado de educación física
de las Escuelas Públicas de Porto Alegre. Barcelona: Universitat de Barcelona,
1992-1994. Tesis (Doctorado Innovació Curricular i Formació del Professorat),
Universitat de Barcelona, 1992-1994.
MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores entre saberes e práticas.
Educação e Sociedade, Campinas, SP, ano 2001, v. 22, n. 74, abril/2001. (121-
142).
MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes
editora, 1996.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Propostas curriculares alternativas: limites e
avanços. Educação e Sociedade, Campinas, SP, dez/2000, v. 21, n. 73.
NEGRINE, Airton. Instrumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa.
In: MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S. (orgs.). A pesquisa qualitativa
na educação física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Editora da
Universidade, 1999.
NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mario Luiz F. Pedagogia da cultura corporal:
críticas e alternativas. São Paulo: Phorte editora, 2006.
NUNES, Marion K. Memória dos bairros: Restinga. 2.ed. Prefeitura Municipal de
Porto Alegre: Unidade Editorial Porto Alegre, 1997.
PASSOS, Carmensita M. B. Trabalho docente: características e especificidades.
Notas de aula: Fortaleza, junho/2002. (Rede de valorização do ensino superior)
(Universidade Federal do Ceará). Disponível em:
<http://www.prg.ufc.br/cpad/rves/documentos/Palestras/Trabalho%20docente.
pdf> Acesso em 02 jun. 2007.
PEREIRA, Ricardo Reuter. A interdisciplinaridade na ação pedagógica do
professor de educação física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
Porto Alegre: UFRGS, 2004. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento
Humano), Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, 2004.
140
PÉREZ GÓMEZ, Angel. Compreender o ensino na escola: modelos
metodológicos de investigação educativa. In: PÉREZ GÓMEZ, Angel; GIMENO
SACRISTÁN, J. Compreender e transformar o ensino. 4.ed. Porto Alegre: Artmed,
1998.
PÉREZ GÓMEZ, Angel. A função e formação do professor/a no ensino para a
compreensão: diferentes perspectivas. In: PÉREZ GÓMEZ, Angel; GIMENO
SACRISTÁN, J. Compreender e transformar o ensino. 4.ed. Porto Alegre: Artmed,
1998.
PÉREZ GÓMEZ, Angel. O pensamento prático do professor: a formação do
professor como profissional reflexivo. In NÓVOA, Antônio. Os professores e a sua
formação. 2.ed. Portugal: Publicações Dom Quixote, 1995.
PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor:
profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
PERRENOUD, Philippe; PAQUAY, Léopold et al. Formando professores
profissionais: Quais estratégias? Quais competências? 2.ed. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto
Alegre: Artes médicas sul, 2000.
PERRENOUD, Philippe. Profissionalização do professor e desenvolvimento dos
ciclos de aprendizagem. Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos
Chagas, n. 106, p. 7-26, nov/1999.
PERRENOUD, Philippe. Práticas Pedagógicas, profissão docente e formação:
perspectivas sociológicas. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote. (Temas
de educação 3). Instituto de Inovação educacional. 1993.
SANCHOTENE, Mônica Urroz; MOLINA NETO, Vicente. Habitus profissional,
currículo oculto e cultura docente: perspectivas para a análise da prática
pedagógica dos professores de educação física. Pensar a prática, Goiânia, vol.
9, n. 2, p. 267-280, jul/dez 2006.
SANTINI, Joarez. A síndrome do esgotamento profissional: o “abandono” da
carreira docente pelos professores de educação física da Rede Municipal de
Ensino de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2004. Dissertação (Mestrado em
Ciências do Movimento Humano), Escola de Educação Física, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2004.
141
SARMENTO, Manuel Jacinto. O estudo de caso etnográfico em educação. In:
ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira. (orgs.).
Itinerários de Pesquisa:
perspectivas qualitativas em sociologia da educação.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
SCHÖN, Donald A. La formación de profesionales reflexivos: hacia un nuevo
diseño de la enseñanza y el aprendizaje en las profesiones. (Temas de
educación) Paidós. Ministerio de Educacion y Ciencia, 1992.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE. Cadernos
Pedagógicos
, n. 9: Ciclos de formação Proposta Político-Pedagógica da Escola
Cidadã. Porto Alegre, dez. 1996.
SILVA, Marilda. O habitus professoral: o objeto dos estudos sobre o ato de
ensinar na sala de aula.
Revista Brasileira de Educação,
Rio de Janeiro, n. 29,
maio/agosto 2005, p. 152-163.
SILVA, Tomaz Tadeu. O que produz e o que reproduz em educação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1992.
STAKE, Robert. Pesquisa qualitativa/naturalista – problemas epistemológicos (19-
27). Educação e seleção, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n. 7, jan-jun
1983.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma
teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: RJ,
Editora Vozes, 2005.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes, 2002.
TARDIF, Maurice; GAUTHIER, Clermont. O professor como “ator racional”: que
racionalidade, que saber, que julgamento? In PAQUAY, Léopold et al.
Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências?
2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Bases teórico-metodológicas da pesquisa
qualitativa em ciências sociais: idéias gerais para a elaboração de um projeto
de pesquisa. Porto Alegre: Faculdades Integradas Ritter dos Reis, 2001.
(Cadernos de Pesquisa Ritter dos Reis, v. 4).
142
YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 3
a
ed. Porto Alegre:
Bookman, 2005.
WHITE, William F. Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
WITTIZORECKI, Elisandro Schultz.
O Trabalho Docente dos Professores de
Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: Um estudo nas
escolas do Morro da Cruz. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Dissertação (Mestrado em
Ciências do Movimento Humano), Escola de Educação Física, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2001.
WITTIZORECKI, Elisandro Schultz; MOLINA NETO, Vicente. O Trabalho Docente dos
Professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
Revista Movimento.
Porto Alegre, v. 11, n. 1, jan/abr 2005, p. 47-70.
WOODS, Peter. La Escuela por Dentro: la etnografía en la investigación
educativa. (Temas de Educacion). Paidós, MEC, 1995 (3
a
reimpressão).
WOODS, Peter. Investigar el arte de la enseñanza: el uso de la etnografía en
educación. (Temas de educación). Barcelona: Paidós, MEC, 1998.
<http:///proweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatório/usu_doc/Map
aIncExcPOA.pdf> Acesso em 27 dez. 2006.
<http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smed/default.php?reg=2&p secão=33>
Acesso em 09 jan. 2007.
<http://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.php?reg=67&p_secao=43>
Acesso em 16 abr. 2007.
<http://www.sathyasai.org.br/saibaba> Acesso em 05 jun. 2007.
143
APÊNDICE A – Carta de Apresentação do PPGCMH
144
APÊNDICE B – Carta de Apresentação da SMED
145
APÊNDICE C – Carta de Apresentação do Professor Orientador
146
APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Termo de consentimento livre e esclarecido
Você está sendo convidado(a) a participar do estudo intitulado
“Mudanças nas práticas pedagógicas dos professores de educação física da
Rede Municipal de Ensino: limites e possibilidades”.
Nesse sentido, pedimos que você leia este documento e esclareça suas
dúvidas antes de consentir, com a sua assinatura, com este estudo. Você
receberá uma cópia deste termo para que possa questionar eventuais dúvidas
que venham a surgir, a qualquer momento e sempre que desejar.
Objetivos do estudo:
-
Compreender o habitus profissional dos professores de educação
física;
- Identificar em quais conhecimentos, práticas e rotinas está
amparado este habitus profissional;
- Sugerir a inclusão das informações obtidas na pesquisa nos
programas de formação de educadores;
-
Publicar resultados da pesquisa em revistas e congressos
relacionados com as áreas da educação, educação física e saúde.
Procedimentos:
1
o
) Observação das aulas dos professores de educação física, das
reuniões pedagógicas e participação em atividades integradoras e
formações;
2
o
) Realização de uma entrevista, previamente agendada, a ser
realizada nas dependências de seu local de trabalho, com duração
máxima de uma hora. Esta entrevista será gravada, transcrita e devolvida
para sua confirmação das informações coletadas.
147
Riscos e benefícios do estudo:
1
o
) Sua adesão como colaborador(a) com o nosso estudo não oferece
nenhum risco a sua saúde, nem o(a) submeterá a situações
constrangedoras.
2
o
) Você receberá cópia da sua entrevista (individual e/ou coletiva) para
validar, retirar ou modificar as informações, a seu critério, antes do texto
ser transformado em fonte de pesquisa.
3
o
) Este estudo poderá contribuir no entendimento científico dos
problemas relacionados à prática pedagógica dos professores de
educação física, possibilitando, também, informações à formação de
professores.
Confidencialidade:
Todas as informações coletadas, sob a responsabilidade do pesquisador,
preservarão a identificação dos sujeitos pesquisados e ficarão protegidas
de utilização não autorizada.
Voluntariedade:
A recusa do(a) participante em seguir contribuindo com o estudo será
sempre respeitada, possibilitando que seja interrompido o processo de
coleta de informações, a qualquer momento, se assim for seu desejo.
Contatos e questões:
* Escola de Educação Física/UFRGS
Av. Felizardo, 750 – Jardim Botânico
CEP: 90690-200
Fones: 33165830 e 33165811
* Comissão de pesquisa
* Professor orientador
148
Vicente Molina Neto
Fone: 33165821
* Mônica Urroz Sanchotene
msanchotene@yahoo.com.br
Fones: 34464015 e 99782971
____________________________
Mônica Urroz Sanchotene
149
APÊNDICE E – Declaração de Consentimento dos Professores
Declaração de consentimento
Eu................................................................., professor(a) da Rede Municipal
de Ensino de Porto Alegre, tendo lido as informações oferecidas acima e tendo
sido esclarecido(a) das questões referentes à pesquisa, concordo em participar
livremente do estudo.
Assinatura:.................................................
Data:..........................................................
150
APÊNDICE F – Declaração de Consentimento da Escola
Nome da escola:....................................................................................................
Nome da diretora:..................................................................................................
Endereço:................................................................................................................
Cidade:................................................................CEP:............................................
Telefone:..............................................................
Declaro que a profa. Mônica Urroz Sanchotene está autorizada a
realizar a coleta de dados da pesquisa intitulada “Mudanças nas práticas
pedagógicas dos professores de educação física da Rede Municipal de
Ensino de Porto Alegre: limites e possibilidades”, de outubro de 2005 a
outubro de 2006, nesta escola.
Para efetivar a coleta de dados a professora terá permissão de
acessar e analisar documentos, além de realizar as entrevistas e reuniões
com os professores de educação física desta escola.
Estou ciente de que a pesquisadora preservará a identidade dos
sujeitos colaboradores e observará os procedimentos éticos no manejo
das informações obtidas.
As atividades da pesquisadora deverão ser executadas com
planejamento prévio e sem prejuízo nas atividades da comunidade
escolar.
Porto Alegre,.....de novembro de 2005.
(Assinatura e carimbo da diretora da escola)
151
APÊNDICE G – Carta aos Professores Colaboradores do Estudo
Porto Alegre, 20 de outubro de 2005.
Caros colegas:
Gostaria de me apresentar de maneira breve e expor alguns aspectos
que considero importantes na pesquisa que estou realizando.
Sou professora da RME/POA desde março de 1996 e trabalho em escola
pública desde o ano de 1990, quando ingressei na rede municipal de Guaíba e
logo após na rede estadual, naquela cidade.
Entrei no mestrado, na EsEF/UFRGS, em março deste ano, sob a
orientação do prof. Vicente Molina Neto. Devo defender minha dissertação até
o mês de agosto de 2007. No primeiro semestre deste ano cursei disciplinas e,
neste semestre, curso uma disciplina e comecei o trabalho de campo que
estará dividido em duas partes:
- De outubro de 2005 até dezembro de 2005: estudo preliminar, no
qual eu conhecerei a escola e realizarei observações; sendo que farei
entrevista com apenas um/uma professor/a, a fim de concluir o projeto de
pesquisa para a qualificação, que deverá ocorrer em março de 2006.
- De março de 2006 a outubro de 2006: quando estarei mais tempo na
escola, buscando aprofundar as observações e fazer o estudo propriamente
dito.
O tema da pesquisa é a prática pedagógica dos professores de
educação física em escola organizada por ciclos de formação. Encontrei
pesquisas que buscaram compreender o conhecimento que os professores de
EF utilizam em suas aulas, os saberes da EF (como componente curricular), etc.
Porém, meu interesse repousa em dois aspectos centrais: os aspectos
relacionais da aula de EF e quais os saberes que os professores mobilizam para
articular/organizar sua prática.
152
Pretendo identificar avanços, limites e possibilidades na EF em escola
organizada por ciclos de formação.
Aproveito esta pequena carta para tranqüilizá-los quanto a divulgação
dos resultados da pesquisa. Será mantido o sigilo da fonte, ou seja, não será
identificada a escola e nem seus professores. A escola será caracterizada e os
professores receberão nomes fictícios.
Comprometo-me a apresentar os resultados da pesquisa aos professores
participantes e asseguro que não utilizarei informações sem o consentimento de
vocês. As entrevistas serão transcritas e entregues a/ao entrevistada/o para
validação.
Grata pela colaboração
Mônica Sanchotene
153
APÊNDICE H – Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS
154
APÊNDICE I – Questões da Entrevista Semi-estruturada
QUESTÕES PARA A ENTREVISTA
1) Vou pedir que tu faças uma pequena narrativa da tua história, conte um
pouco da tua trajetória como professor de educação física:
2) Gostaria que tu falasses um pouco sobre a tua prática nesta escola.
Como são tuas aulas no dia-a-dia:
3) Quais os conhecimentos que utilizas na prática? Eles estão baseados na
tua formação inicial, nas tuas experiências pessoais esportivas (dentro e fora da
escola),...?
4) Me fala das rotinas que utilizas em aula: buscar alunos na sala, esperar na
quadra, alongar, ...Como elas se consolidaram?
5) Quando tu estavas na EsEF, qual a disciplina e/ou o professor que tu mais
gostava? Em qual disciplina aprendeste mais? Qual o motivo?
6) O que mais influencia na tua prática cotidiana, quais os saberes e
conteúdos?
7) Como planejas? Em que te baseias: nas aulas anteriores, nos anos
anteriores,...?
8) Quais os aspectos da escola que consideras que influenciam tua prática
diária?
9) Qual a tua formação (local, época, instituição): superior,
especialização,...?
10) Como tu entende a EF? Qual o papel da EF na escola e nesta escola
(ciclada, de periferia, ....)?
11) Existe alguma semelhança entre as atividades que propões em aula e as
atividades que vivenciaste em tua escolarização/escolinhas esportivas/treinos?
12) E sobre as formações da SMED, como é tua participação, elas têm
servido para tuas aulas? O que achas das formações?
155
APÊNDICE J – Entrevista da Professora Glória
ENTREVISTA COM A PROFa. GLÓRIA
Mônica - Entrevista com a professora Glória, na sua residência. Eu vou
pedir que tu faças uma pequena narrativa da tua história, que tu me contes um
pouco da tua trajetória como professora de educação física. Sobre o teu
trabalho...
Glória – Bom, eu tenho 25 anos de atividade em educação física,
comecei na escola D., aqui na Restinga. Dei aula em quase todas as escolas
aqui na Restinga. Foram poucas as que eu não trabalhei. Trabalhei no estado
também, quase 10 anos, e em função da baixa remuneração eu saí. Mas não
foi só isso... Porque na rede do estado, o entendimento da educação física nas
escolas que eu trabalhei... se o aluno, se não havia problema, não havia
queixa, não havia nenhuma reclamação de aluno ou de pais a educação
física estava excelente, mas no momento em que surgia alguma cobrança em
relação por exemplo, se o professor era mais exigente, que o aluno .... que
vinham os pais ou vinham... parecia assim que o pai e o aluno tinham mais
razão. Eu preferi “largar fora” do estado porque eu não me sentia valorizada no
meu trabalho e aí fiquei só no município.
Mônica – E todo o tempo tu trabalhaste em escola?
Glória - Sempre em escola.
Mônica – Sempre em escola. Vinte e cinco nos em escola.
Glória – É uma data, né?
Mônica – É. E a tua prática na escola... na Escola Restinga, como são tuas
aulas no dia a dia? Me fala delas... bem a vontade.
Glória – Bom, eu tenho alguns princípios que eu não abro mão: a
participação, a integração com todos, trabalhar bastante essa questão de
gênero. Porque eu vejo a grande desvalorização feminina nas aulas de
educação física, a baixa auto-estima das meninas, não só no gênero, não
seriam só as meninas, seriam também os gordinhos e os menos habilidosos.
Aqueles que, de alguma forma, ficam a parte. E esse princípio para mim é
fundamental e para todo o meu trabalho. A questão da diferença, da
compreensão do aluno dele próprio, do que ele pode, do que ele é capaz.
Nesse reforço da auto-estima e também no conhecimento dos outros, na
percepção do outro e que o espaço é de ambos. Que eles precisam interagir
indiferente das habilidades que cada um traz. Procurar levar, avançar aqueles
que já tem habilidades. Porque o aluno não pode entrar com um
conhecimento e sair com o mesmo, se ele já domina. Então, ele precisa
avançar, trabalhar além da habilidade... a cooperação, a auto-ajuda, a
questão do grupo, o grupo. Trabalhar o máximo possível em grupo, em equipe,
um ajudando o outro, um resolvendo... nós temos um determinado problema a
gente tem que resolver dentro daquele grupo... Se percebendo como é e
156
aceitando o outro. Isso para mim é fundamental no trabalho, independente do
rendimento, isso daí para mim é secundário. E além disso, aprender que se eles
conseguem dominar certas habilidades eles começam a gostar da atividade,
seja do esporte, seja da ginástica, ... Quando ele se vê dominando algumas
habilidades essenciais, não se vê ridicularizado pelos outros, isso é fundamental.
Os gordinhos também, fundamentalmente, essa questão do ridículo, dos
outros...
Mônica – De se expor.
Glória – De se expor, da vergonha... Para as gurias é a vergonha primeiro.
Em primeiro lugar vergonha de... Então, trabalhar com os outros, mas deixar
cada um se expor, da sua maneira. Eu trabalho muito a equipe. Esse ano eu fiz
uma experiência bem interessante lá no A. que foi a questão do salto em
distância por equipe. Então, o que eles têm que valorizar é cada um deles,
porque se eles tem 10 e 2 desistirem, por menos que eles saltem vai interferir nos
outros 10. Então eles têm que buscar aquele colega que está para trás, que
está encabulado, que não está a fim de fazer, desmotivado pelo rendimento,
mostrar que ele é peça importante do grupo, porque ele vai alterar o
rendimento final do grupo. E eles assim, sempre há resistência, esse trabalho é
um trabalho de resistência, de insistência. Porque o que que eles dizem?
Normalmente aquele que joga bem, aquele que salta bem ele quer ser visto.
Ele é o que comanda ali. Então ele quer sempre que a coisa vá por esse lado,
do rendimento, do melhor, do maior... e eu busco o outro lado. Os alunos ficam
brabos comigo, custam a entender... mas quando eles entendem a
participação então vira uma beleza. É isso... Eu queria terminar assim: eles
aprendendo algumas coisas eles começam a gostar do esporte... e gostar é
isso que a gente quer, que eles levem esse gosto e que sirva para o resto da
vida.
Mônica – Hm, hm.
Glória – Então esses princípios é que norteiam o meu trabalho.
Mônica – E quais os conhecimentos que tu utilizas no teu trabalho? E da
onde é que tu tiraste eles? Onde é que tu aprendeste esse conhecimentos?
Glória – Bom, de leituras, de cursos também, de vários cursos que eu fui,
do último que eu fiz agora. Assim, realmente, também muito da prática. Daquilo
que eu priorizo como fundamental para o trabalho eu vou buscar autores que
me embasem o trabalho. Procuro, às vezes, trabalhar os jogos, das mais
variadas formas. Não trabalhar o fundamento, mas utilizar jogos. Meu início foi
totalmente tecnicista e há muito nós já saímos dessa fase. No jogo: buscar as
habilidades e ainda a inteligência do jogo. Mostrar para eles a .....(não foi
possível entender esta palavra), porque o aluno em educação física ele quer o
movimento, ele quer o jogo, mas ele não... pensar nele é difícil. Então parar,
sentar... às vezes a gente para muito, às vezes eu mesmo me cobro... puxa vida,
eles fizeram pouca coisa hoje. Mas a gente tinha que parar para eles poderem
entender a mecânica. O que seria mais interessante nesse trabalho. Porque
podes ver... no jogo, normalmente, o que domina, domina e vai... ele não... a
157
interferência... olha tu tens que jogar com o colega. Tudo bem, mas tu tens que
fazer uma jogada com o colega. Então, às vezes, eu até proponho: vocês vão
criar uma jogada que envolvam no mínimo, se são 6, no mínimo 4. Não pode,
se é o gol, se é cesta, se é o saque ou se é o... não pode passar sem interferir,
no mínimo... e aí vocês vão estabelecer como vocês vão fazer isso. Vou
pegando mais exemplos do futsal porque na escola se eu não trabalhar com o
futsal, com o futebol, olha, a gente passa o ano todo numa incomodação...
porque é a cultura deles. É o dia a dia deles, aonde uma lata, é uma pedra... é
o futebol. Mas eu também trago assim, não quero ficar só no futebol, a aula de
educação física é o lugar onde eles vão buscar aprender novos esportes, novas
situações para a vida deles. Então eu não aceito trabalhar só futebol.
Mônica – E quais que tu trabalhas? Quais os esportes que tu trabalhas?
Glória – Eu trabalho, eu gosto de iniciar com o handebol, que eu acho o
handebol, assim... ele é, ele é o futebol com a mão, digamos assim, fazendo
grosseiramente uma comparação. Te dá um trabalho de visão de espaço, de
tempo, de... tu trabalhares para todos os outros, na questão de espaço, de
tempo, todos os outros jogos. E eu procuro trabalhar handebol, futebol (que se
eu passar sem, né?), o voleibol... com os pequenos eu trabalho o nilcon. Nunca
trabalho nenhum deles assim puro. Sempre eu procuro estabelecer formas
diferentes de jogar, eu trabalho nilcon já misturando com o vôlei, que é
diferente. Na medida que eles vão dominando algumas coisas ele vai
crescendo – porque os meus lá são pequenos, são B10 – ele vai crescendo para
o vôlei. O basquete ainda não trabalhei porque o basquete (aqui até teria) mas
eu tenho lá os menores. Acho mais complicado. Faço atividades com eles, mas
não para o jogo. Lá no A. nós temos...(não foi possível entender). Normalmente
são esses. Mais ginástica, mais o atletismo que não falta nunca, não pode faltar.
Eu trabalho saltos, as corridas e...
Mônica – E algum outro desses alternativos tipo dança, capoeira,... tu
consegues trabalhar?
Glória – Eu trabalho com a ginástica olímpica e alguma coisa com
ginástica artística. Eu tenho uma limitação comigo mesma na questão da
dança, é bem como dizem os autores, a gente acaba influenciando naquilo
que a gente trabalha. Eu procuro, às vezes, passar algumas coisas mais na
ginástica artística, na ginástica rítmica, alguma coisa, mas muito elementar.
Porque, na verdade, é mais um esforço do que.. (risos) nesse aspecto, né?
Mônica – Vamos ver... E as rotinas que tu utilizas na aula? Porque quando
tu começas uma aula, seja lá de handebol, de futebol, tem coisas que a gente
repete. Então, como é que elas se consolidaram, como é que elas...
Glória – A gente sempre tem o primeiro momento na sala de aula, porque
a gente busca os alunos na sala. Então, ali na sala, são colocados os objetivos,
o que eu pretendo com eles, que atividades nós vamos fazer. Às vezes eles
propõe atividades. Por exemplo, sempre, naquela primeira parte, de
descontração, de aquecimento, eu sempre busco uma brincadeira deles, algo
que eles me trazem. No primeiro trimestre eu trabalho com eles as brincadeiras,
158
os jogos que eles fazem na rua, na praça ou em casa. Eu procuro tomar
conhecimento, e lógico, muitos deles a gente tem que transformar para a
escola porque alguns são bem, são mais violentos... são bem pesados às
vezes
78
. Oh, esse não vai dar professora, esse aqui não dá, esse de massacrar o
outro. Eu digo não, eu vou achar uma possibilidade, uma forma. Aí eu faço as
bolas diferentes, eu faço as bolas de meia... porque daí eles podem se jogar. Eu
procuro assim... as brincadeiras de pega-pega, de rua, tudo aquilo que a gente
pode colocar nessa primeira parte, eu procuro trabalhar sempre assim. Sempre
uma brincadeira já conhecida, depois ai eu ponho uma nova, uma minha. Para
que eles criem essa... e vão aumentando os seus conhecimentos. Depois eu
entro na atividade que eu vou direcionar para aquele objetivo que eu quero.
Se eu estou trabalhando futsal e quero que eles desenvolvam melhor a questão
de passes eu vou fazer várias atividades, em forma de jogos, de brincadeiras,
para que eles desenvolvam esse passe, para concluir com um jogo, um grande
jogo, onde todo mundo joga ou nos jogos, nas equipes menores, quando
estiver mais avançado, equipes menores. Finalizando sempre com uma
conversa, como foi, o que aconteceu, alguém ficou de fora, porque ficou?
Para se colocar, para fazer com que eles façam esse conhecimento. Se
alguém ficou de fora, normalmente as meninas, se é o jogo... eu saí porque o
fulano não me passa a bola, porque não sei o quê. Então, essas coisas todas
que passam, né? Que são próprias do grupo.
Mônica – E como é que tu produziste estas rotinas? Baseada em que tu
organizas a aula dessa forma? Baseada em que, por exemplo, que tu fazes a
rodinha no final da aula? Porque tu fazes isso?
Glória – Sempre procurando que eles tenham uma auto-crítica de como
foi o seu desenvolvimento. Como eu busco um conhecimento deles e uma
interação deles em função das discriminações eles têm que fazer uma crítica.
Porque se aquele, por exemplo, que discriminou o outro porque ele não sabia
jogar ele tem que entender que ele está num processo diferente, que o direito
é de todos, que o espaço é de todos... não é exclusivo dele porque ele já
domina alguma habilidade. Então sempre baseado nisso, buscando uma
crítica... minha mesmo. Muitas vezes eles dizem: - Bah professora! Hoje foi ótimo
ou bah professora! Foi ruim, não deu... a gente não gostou. Também tem que
ter esse retorno para eu poder ver outras formas de interagir com eles para que
o trabalho realmente ande.
Mônica – E a gente vê que eles participam mesmo.
Glória – Eles gostam.
Mônica
– Eles falam na rodinha, eles participam, eu vi.
Glória – Falam até para dizer que foi ruim...
Mônica – É.
78
Enquanto conversávamos sem o gravador Glória falou do jogo “18” que os alunos brincam na
rua e que ela adaptou para a escola, utilizando outro tipo de bola.
159
Glória – E eu acho importante porque até o outro diz: - Mas foi ruim
porquê? Porque tu isso, então, isso é que faz com que eles comecem a pensar.
Eu acho que a educação física já saiu daquela forma...(foi difícil de entender).
Eles falarem não só bobagem uns com os outros, falarem exatamente aquilo
que aconteceu.
Mônica – Quando tu estavas na Esef, qual a disciplina ou professor que tu
mais gostavas, em qual disciplina que tu mais aprendeste e qual foi o motivo?
Glória – Bom, o atletismo para mim sempre foi meu ponto principal e os
jogos também. Na verdade eu gostava de todas as coisas, porque eu já no
ensino, no ensino médio, no 2
o
grau (lá antigamente) eu fazia a minha
educação física e se tivesse possibilidade eu fazia todas as aulas. Pedia para
ficar de monitor para o professor no restante. Então... não tem, mas o que eu
mais, realmente, e trabalho até hoje em tudo, onde eu posso, já tive grupo,
equipe de atletismo aqui na praça... a oficina de atletismo eu passei a
trabalhar com eles aqui na praça, de graça, ficamos uns cinco anos. Depois eu
consegui oficina lá no A., eu continuo trabalhando o atletismo lá. O atletismo
assim para mim é um ponto de realização, realmente. Eu corro. Estou aqui,
assim
79
, chateada porque estou nessa questão, imóvel. Então, e eu vejo que as
escolas trabalham pouco o atletismo. E eu fico muito sentida porque inclusive
agora na UFRGS se tornou opcional no currículo... o pessoal não gosta do
atletismo. Acho que não gosta porque ele não é bem iniciado, porque cobra
rendimento, exclusivamente. Porque o atletismo tem... tem uma gama de
atividades, que é rica, do movimento...
Mônica – Eles adoram.
Glória – Eu acho que não existe... tanto que ele é considerado a base dos
esportes não é por nada. Aprimora quantas habilidades ali que tu vês que...
Fora isso também o voleibol, seria o segundo. O que mais me deu problemas,
aliás a única coisa que me deu problemas assim, exatamente, é o que tu falas,
a questão da dança. Até pelas minhas vivências anteriores. Quando eu
cheguei na faculdade, eu vinha de uma família bastante humilde e a gente
não tinha experiência fora de casa com dança, foi bem complicado... e isso
me gerou um problema sério, inclusive de quase abandono da faculdade. Se
não fosse... por isso eu digo, a questão do colega, da cooperação, do
incentivo, mostrar que as pessoas são capazes, isso foi o que me fez concluir a
faculdade. Por professores, principalmente professora dessa área da dança, foi
complicado. (risos)
Mônica – E o que mais influencia na tua prática cotidiana? Hoje, o que
mais influencia na hora que tu dás aula?
Glória – Não sei, acho que é essa questão social de ver a dificuldade das
... (não foi possível entender). Até o tipo de esporte da escola particular para a
79
Refere-se a cirurgia que fez no pé e por este motivo está com tala no pé e só consegue
caminhar de muletas.
160
escola pública. A gente tem que se esforçar muito para dar, realmente, a
valorização da educação física. Porque através dela tu resgatas muitos
problemas de disciplina... eu saindo com eles. O tempo todo que eu estou com
eles, é para eles. E eu tenho uma certa dificuldade até em aceitar a atividade
livre, se a gente vai lá a gente tem que ter uma intenção... não que não
tenham horas de momentos livres porque isso também é importante para que
eles ponham em prática aquilo que eles já aprenderam. E eles vão fazer agora
aquilo que realmente mais gostaram, mais se identificaram. Mas a minha
dificuldade é quando o professor entrega o material e senta. E ali aqueles
trabalham, outros não... Minha preocupação, quando estou com eles é fazer
com que a maioria participe e se não todos... eu busco sempre conseguir
todos, às vezes na pressão, eu crio regras. Acho que deu para tu perceberes
nos jogos. Eu crio regras que eles brigam, brigam, brigam, mas eles têm que
entender que eles têm que desenvolver, cada um com as suas limitações,
exatamente para isso, para fazer com que todos estejam trabalhando. Porque
na verdade aquilo ali é o trabalho deles. Não é o momento de... o momento de
lazer como a gente tem fora de tudo. Então é isso que eu penso.
Mônica – E como é que tu planeja as tuas aulas? Em que tu te baseias
para planejar? Tu te baseias na aula anterior? Nos anos anteriores? Em que tu te
baseias para planejar as tuas aulas?
Glória – No primeiro momento é aquela iniciação com o grupo. Vejo com
eles o que eles mais gostam, o que eles não gostam... Normalmente não gosta
porque não sabe, não gosta porque não experimentou. Então eu procuro
trabalhar primeiro com as coisas que eles gostam, daí eu tenho aquela questão
da motivação de conhecer coisas diferentes. Trabalho basicamente com os
esportes, como tu já viste. A dança é uma coisa... já trabalhei bastante com
ginástica aeróbica, mas não é formal, algo extra. E introduzo o esporte, sempre
esse primeiro momento é com eles. Todo o ano, as primeiras aulas é saber o
interesse deles, o que eles já sabem, o que eles já dominam, o que eles
gostariam de conhecer e também com o que está acontecendo. Por exemplo,
nos jogos olímpicos tu vais buscar coisas dentro, envolvendo todos jogos
olímpicos
80
, os conhecimentos históricos já produzidos para que eles entendam
e dentro daquilo que eles já dominam outras coisas que eles não dominam.
Mônica – Sim. E quais os aspectos da escola que tu consideras que
influenciam na tua prática diária?
Glória – A questão da organização em si da escola. A questão dos
espaços é fundamental, nós temos um excelente espaço na escola, que é o
ginásio, mas com aquele problema das pombas. Tu vês, eu estou lá desde 97 e
até hoje não foi resolvido, não conseguiram uma solução. Aquilo ali acarreta
80
Quando estávamos tomando cafezinho a professora Glória falou que trabalha com recortes
de jornais para informá-los, para questionar algumas “verdades” dos alunos, como por
exemplo, que futebol não é para mulher.
161
problemas de saúde. O espaço é fundamental para tu fazeres um bom
planejamento, para que tu possas dar mais condições para eles. Uma sala
apropriada... ali a gente não tem... o ginásio, como fica muito grande, falta
uma sala para uma ginástica com música, um espaço um pouco menor seria
ideal, mas ali não tem. Os espaços... A sala de vídeo que a gente tem, dá para
um trabalho. Porque tem que passar alguma coisa de visual para eles, de
motivação mesmo. Eu passei esse ano aquele filme, que eu gosto muito...
Mônica – Tu estavas falando da influência dos espaços...
Glória – Isso, dos espaços que possibilitam maior número de atividades.
Inclusive nos dias de chuva o ginásio é fundamental, para a gente poder dar
aula. Ainda, o nosso aluno da educação física acha que educação física é
essencialmente prática. Ele tem dificuldade de entender que tu tens um
conteúdo, que tu tens um outro tipo de conhecimento. E que eles precisam
melhorar nesse outro lado, não só as habilidades. A questão com a supervisão e
com a orientação também é fundamental porque na medida em que tu
encontras resistências, encontras dificuldades, tu tens que ter esse suporte, até
para conversar. Porque às vezes teu modo de dirigir, de colocar as coisas pode
não estar sendo bem interpretado, tu tens que ter a visão de uma outra pessoa
para te ajudar. E eu estou sempre procurando conversar com um, com outro,
para resolver várias dificuldades que acontecem no dia a dia. E acho que isso é
.... no momento que tu tens 30, naquele momento ou tu para todos, para um.
Às vezes é algo que não é do grupo todo, é de um aluno que está com uma
outra situação, que já trouxe de casa e que está interferindo e que ele não está
conseguindo interagir com os outros. Não é tirar o aluno por uma aula e por
num castigo. Por exemplo quando eu ponho um aluno na biblioteca, quero
trabalhar na biblioteca, ela não entende como uma situação especial,
momentânea e que não é exatamente um castigo para o aluno. Então ali eu
não tenho, não posso usar esse espaço da biblioteca para fazer esse trabalho.
Não havendo possibilidade de entendimento tu acabas tendo que retirar
aquele aluno. Vai retirar e vai deixar sentado não dá, não. E esse trabalho com
a nossa bibliotecária lá
81
não ... mesmo colocando para ela que seria eventual,
que eu não costumo tirar aluno mesmo... não houve condições disso. No mais
eu acho que... a direção. A gente tem ... e acho que os serviços da escola, na
medida em que podem eles até ajudam. O que mais interfere nessa minha
interação com o restante é o tempo que eu tenho lá. São 10 horas, é pouco
tempo para sentar e resolver alguma coisa, é mais ali...
Mônica – Na hora...
Glória
– Na hora.
Mônica – Eu queria que tu falasse sobre a tua formação, o local, a
época, a instituição,... se tu fizeste pós-graduação ou não?
81
Referindo-se a E.M.E.F. Restinga.
162
Glória – Eu me formei na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, era a
mais valorizada até... inclusive nas condições, nas condições físicas. E não foi
excelente em alguns aspectos. Porque a gente não teve um trabalho voltado
para a escola, direto. Nós não tínhamos nenhum contato, em todas as nossas
atividades era entre nós mesmos. A gente só foi ter o contato com o aluno no
estágio. E eu acho que a gente tem que estar mais próximo da realidade, até
para definir, por exemplo, em qual área tu vais continuar atuando... Não são
todos agora que querem ir para a escola, mas na época não tínhamos, eram
poucas escolhas. Era praticamente a escola, nossa atuação seria para a
escola.
Mônica
– E pós-graduação?
Glória – Eu fiz outros cursos menores, vários outros cursos menores e agora,
esse ano eu conclui, então, foi um trabalho que eu busquei, em primeira mão,
eu busquei o projeto, foi o Projeto Segundo Tempo, oferecido pelo Ministério do
Esporte para trazer atividades diversificadas para as escolas que eu trabalhava.
Isso foi o primeiro objetivo e lá eles nos ofereceram então o curso. Cada
coordenador de escola poderia, teria aliás, na verdade, que fazer o curso. A
princípio eu não estava muito interessada, mas depois, realmente, fiz, assumi,
acho que foi muito bom, apesar de ser a distância. A gente teve bastante
material, teve acesso a bastante leitura. Com as implicações do que é um a
distância. Quando se via às vezes a internet atrapalhava, tínhamos dois dias
apenas para conversar com a orientação. Eu, graças a Deus, não tive
problemas com a orientação, mas nesse curso... foi Especialização em Esporte
Escolar. A gente passou por todas, por muitas questões teóricas da educação
física, das metodologias e tal, foi muito bom.
Mônica – Como é que tu entendes educação física e qual o papel da
educação física na escola, ainda mais na escola ciclada que a gente trabalha,
de periferia. Qual o papel da educação física?
Glória – Para mim a educação física tem um papel importantíssimo.
Porque ela faz, ela trabalha, ela vê o aluno em todos os seus momentos.
Momento de explosão, tranqüilo, momento de entendimento, da situação
competitiva que é a vida. E a educação física consegue trabalhar todos os
aspectos que, às vezes, na sala de aula tu te preocupas apenas com o
conhecimento. O corpo, a questão do corpo, o aluno inquieto. Então a
educação física, realmente, tem essa possibilidade, de observar o aluno em
todas as situações. Quando estou com eles, exatamente, compreender esses
momentos, o porquê que ele age desta ou daquela forma, o que o mundo nos
pede? Porque que eles são tão competitivos? O mundo... tudo é uma
competição constante, para subsistência até, principalmente dessas nossas
camadas... é a vida deles. Mesmo que às vezes a gente tenha colegas que
digam que educação física é só brincar. O que é o brincar? É uma
representação, nessa representação tu pões todas as tuas emoções nela. Por
isso eu acho que tem, que na educação física tu consegues visualizar esses
163
outros aspectos. O tímido, que não consegue se expor, para a aula é coisa
boa, não fala (risos), mas na educação física eu considero isso um problema.
Mônica
– E qual é o nosso papel no caso?
Glória – Exatamente esse, fazer com que se conheçam, se entendam e se
entendam capazes. A primeira coisa é dizer que... não existe essas coisas
prontas e que só os outros dominam, e eu tenho que fazer a minha parte e eu
tenho que trabalhar comigo mesmo, que eu posso, eu tenho condições de
superar. Tenho limitações, tenho. Mas eu tenho como vencê-las, então essa
questão para eles é fundamental, e isso se transporta para a vida. Onde tu
melhoras a auto-estima de uma criança, e que se observa bem quando tu
fazes um jogo e que tu vês que a criança (respira fundo para expressar)
experimentou pela primeira vez e que ela viu que ela teve sucesso. As coisas
mudam dali para a frente e mudam não só na educação física, ela começa a
se ver capaz de fazer aquele trabalho lá da matemática, da geografia, que ela
achava que ela não iria fazer. Eu acho que é fundamental nessa questão da
melhora da auto-estima, com todas as dificuldades que a gente tem.
Mônica – E tem semelhanças entre as atividades que tu propões em aula
e as atividades que tu vivenciaste na tua escolarização, ou em escolinhas
esportivas ou em treinos... Quais das tuas vivências, das tuas experiências, tu
transportas para a escola?
Glória – A primeira coisa é o gosto. É gostar do que faz e eu, realmente
me sinto...
(virei o lado da fita)
Glória – Então.... O gosto pela atividade. Isso é algo que eu acho que é a
mola que nos move para enfrentar todas as dificuldades que vem, que surgem.
O que mais que seria?
Mônica – As semelhanças entre as atividades...
Glória – Do que eu já tive.
Mônica – É, entre as tuas vivências, do que tu vivenciaste...
Glória - É o que eu não repito, o que eu procuro não repetir, por exemplo.
Porque a gente, porque eu, como eu venho da pedagogia tecnicista, do
rendimento, da valorização dos melhores, eu procuro retirar isso do meu
trabalho. Normalmente as equipes que eu formo eu não deixo que eles se
agrupem por expoentes, porque eu acho que isso faz alguns crescerem, alguns
se tornarem donos e os outros não avançam. Então, isso é algo que eu não
copio. Participei muito das competições, fui a muitas competições, aqui tem
algumas... na sala... de medalhas e tal...
Mônica
– Ah, ali.
Glória – Mas eu acho assim, que a competição tem que dar prazer e tu
tens que entender como competir. Nem sempre tu vais ser o primeiro. Então, a
frustração, do outro lado, tem que ser bem entendida. Então eu procuro
trabalhar com esse outro lado. Prepará-los para competir, mas mostrar que nem
sempre a gente vence. Não buscar sempre os melhores, e que aqueles que no
momento são melhores em outras situações também não são. Então para que
164
eles possam, para dar essa possibilidade para todo mundo, nesse sentido. Eu
posso ser melhor aqui, mas vão ter outras vezes que eu não vou ser o melhor e
eu não vou me sentir mal por isso. Isso é normal da vida. A gente sempre é... se
sai bem em alguns pontos e em outros não. Porque se não tu te frustras, e não
vai adiante.
Mônica – Teria mais alguma semelhança entre tua vivência na escola ou
em treinos e que tu transportas para a escola?
Glória – É, eu procuro não ser assim tanto treinador, porque o treinador, só
pelo nome já visa rendimento e competição nessa questão. Eu procuro é
exatamente esclarecer pontos e buscar um crescimento deles, e que eles
visualizem isso, que eles precisam. Assim como eu quando estou treinando
quero tempos melhores, o que eu digo? Tu estás nesse estágio, tu estás
conseguindo isso, então se tu conseguires avançar um pouquinho mais tu estás
vendo que tu estás evoluindo. O que eu não posso é regredir, então quando
eles fazem, eventualmente eu faço algum teste para verificar alguma coisa, e
eles às vezes mentem. Eu digo: - Isso não vai te auxiliar em nada. Porque o fato
de tu não estares sendo real, o que vai acontecer? Quando eu refizer o teste tu
não vais apresentar avanço nenhum... Então, esclarecê-los bem de como eles
estão e o que eu pretendo com eles. Isso é algo que... até no treinamento tu
tens. Um objetivo a chegar, uma meta a alcançar. Mas não uma meta de
rendimento pura e simples. Tanto que nas minhas aulas eu tento colocar todo
esse envolvimento, de relacionamento entre eles.
Mônica– E falando nisso eu até queria te pedir, acho que tu não deves ter
em casa, mas eu queria ter acesso na escola, de repente pediria para as gurias
do SOP
82
, uma cópia da tua avaliação.
Glória – Eu tenho aí.
Mônica – Que bom. Mas tu não preferes que eu peça lá para as gurias, se
já tiver pronto?
Glória – Eles tem também lá.
Mônica – Tu podes me mandar por e-mail depois?
Glória – Tu podes me deixar e eu te mando meu planejamento, minhas
avaliações...
Mônica – Ah, que legal.
Glória – Eu te mando todos sem problema.
Mônica – Aí eu vou te mandar essa entrevista por e-mail depois. Para tu
validar.
Glória – Está bom.
Mônica
– Vamos ver... sobre as formações da Smed, como é a tua
participação, elas tem servido para as tuas aulas? O que tu estás achando das
formações?
82
SOP – Serviço de orientação pedagógica.
165
Glória – Bom, eu participei de uma formação, a inicial, a da abertura do
ano, de mais uma. Normalmente, nas formações a gente procura receitas. A
gente quer alguma coisa de prático, que a gente possa aplicar em seguida. E
o que tem acontecido, claro, é importante, é a colocação de cada um como
atua, como resolve determinados problemas, a tua vivência, como é o teu dia
a dia. ... e tu podes confrontar com o que tu fazes para poder aumentar as
possibilidades de interação a que tu te propões. Mais assim, mais em termos de
vivências, de incentivo e eu acho importante isso, porque cada um é um, é
diferente. É como tu fazes a tua rotina, ou tem outras experiências. Por exemplo
a Ana com o Yoga. Eu faço Yoga mais para mim. Uso, eventualmente, mas
eventualmente assim, alguns colegas usam diariamente. Então é importante
isso para o teu conhecimento, de como tu procuras, em determinas situações,
com determinados grupos, fazer atividades diferenciadas. Eu procuro sempre
estar presente nas formações. Não faltar, e não por ser obrigatório, porque eu
acho que a gente sempre consegue algo, sempre cresce um pouquinho mais,
que é nessa troca que a gente, até às vezes, vem um novo ânimo para
continuar, novas forças...
Mônica – É verdade.
Glória – Porque às vezes a coisa está complicada.
Mônica – A troca entre os iguais? E tem mais alguma coisa que tu queiras
falar da tua prática, das tuas aulas ou até aquela comparação que tu estavas
fazendo antes...
Glória – A comparação entre as escolas? Entre, entre...
Mônica - Os contextos. Entre as realidades que são bem diferentes.
Glória – São realidades diferentes.
Mônica – E antes disso, quantas horas tu tens na outra escola?
Glória – Eu tenho 20 horas.
Mônica – E 10 lá? (Referindo-me à Escola Restinga).
Glória – É, 10 aqui.
Mônica – Tu estás trabalhando 30.
Glória – 30.
Mônica – Então tu vais fazer uma comparação das 10 com as 20.
Glória – Primeiro o tempo de escola, que já cria um vínculo bem maior
com o grupo. Como as parcerias com o Soe, com a supervisão, a gente tem
um tempo disponível maior. Então eu acho que a atuação acaba sendo
melhor, com essa integração mesmo... já tem determinado.... e na outra
escola. Mas na escola que eu tenho 20 horas tem espaço limitado, eu trabalho
na praça lá, eu saio com os alunos da escola. O espaço físico é ínfimo, em
relação aqui. Procuro aproveitar todos os espaços pequenos que tem para
poder fazer um trabalho. E o que mais que eu poderia colocar... eu trabalho lá
também com a oficina de atletismo e aqui eu tenho, normalmente, alunos
menores. E eu me acho com mais capacidade, gosto mais de trabalhar com
aluno maior. Então, eu acho que eu rendo mais, meu próprio... minha forma,
minha maneira de ser, eu sou muito ativa então com a criança pequena... eu
166
preciso ir mais devagar, tu tens que... parar mais, e isso tem a ver com a própria
maneira de agir de cada um...
Mônica
– E tu tens 10 e 10?
Glória – 10 e 10. Dez no atletismo e dez com alunos de 3º ciclo, 1ª série
83
.
Mônica – E lá (Escola Restinga)?
Glória – E aqui eu tenho aulas com B10.
Mônica
– Mais alguma coisa Glória?
Glória – Eu sinto falta, por exemplo, aqui nessa escola, de fazer a ligação
com atividades fora da escola. Porque eu acho fundamental o aluno da
educação física ter experiências, competitivas ou não, de participar de
atividades fora da escola. Ele precisa se enxergar num outro universo, que não
a escola. Porque eu faço muita comparação com os meus lá porque a gente
vai e apanha, apanha no sentido, a gente perde e perde feio. Na escola eles
são os melhores, eles se sentem os melhores, se sentem os melhores. Então, tu
aproveitas para conversar com eles esse outro lado que, exatamente,... tu és
melhor aqui, mas tem pessoas que nos superam ... Mas aqui na Escola Restinga
eu não tenho essa possibilidade pelo tempo. Eu trabalho muito fim de semana,
eu acabo não conseguindo, mais fim de semana aqui, aí eu não tenho
família...(risos). Aí esse lado fica complicado.
Mônica – A gente não consegue resolver tudo... Tem que atacar um lado
e...
Glória – É exatamente.
Mônica – Bom, da minha parte era isso, e tu querias falar mais alguma
coisa?
Glória – Não... eu acho que era isso.
Como de praxe eu desliguei o gravador, agradeci a participação da
professora Glória e expliquei os procedimentos da pesquisa: transcrição,
validação, devolução da análise de dados para os professores, etc.
Permanecemos conversando na residência da professora Glória.
Sessão Final - Narrativa Escrita
Este espaço existe para você acrescentar informações que julga
importante e que não ficaram claras na entrevista. Também pode ser utilizado
para que seja feita uma narrativa escrita
84
de sua trajetória como professor de
educação física.
83
Glória está se referindo a alunos do 1
o
ano do 3
o
ciclo, ou seja, alunos de C10.
84
Caso deseje fazer a narrativa no computador enviá-la para [email protected].
167
Apêndice L – Cronograma das Observações da Pesquisa
Cronograma das observações – estudo preliminar
Outubro, novembro e dezembro (aproximadamente 40 horas)
Dia do mês Dia da semana Horário das
observações
Total de horas
da observação
Pauta da
observação
19/10 Quarta-feira 10h às 16h 6h
26/10 Quarta-feira 10h às 16h 6h
O3/11 Quinta-feira 8h às 17h 9h
09/11 Quarta-feira 13h às 17h 4h
17/11 Quinta-feira *
23/11 Quarta-feira 13h20min às 17h 3h40min
30/11 Quarta-feira 9h40min às
11h40min
2h Entrevista com o
prof. Beto
30/11 Quarta-feira 13h às 16h 3h
1
o
/12 Quinta-feira 14h às 16h 2h Entrevista com o
prof. Carlos
07/12 Quarta-feira 9h45min às 11h 1h15min
14/12 Quarta-feira 13h às 14h30min 1h30min
* Neste dia não pude comparecer a escola e justifiquei minha ausência, por telefone,
aos colaboradores.
Cronograma das observações 2006
Março, abril, maio (aproximadamente 51horas)
Dia do mês Dia da semana Horário das
observações
Total das horas
de observação
Pauta de
observação
1
o
, 2 e 3 /03 Conversações
pedagógicas
09/03 10h às 11h30min 1:30
16/03 13h às 17h30min 4:30
21,22,23/03 II SPQ
85
06/04 13h às 17h30min 4:30
11/04 13h às 17h 4
17/04 10h às 12h 2
20/04 13h às 16h 3
25/04 7h40min às 12h 4:20
27/04 13h às 15h40min 2:40
04/05 14h às 15h40min 1:40
05/05 8h às 11h 3
09/05 14h às 16h 2
11/05 13h15min às 16h 3h +-
13/05 8h40min às 10h 1:30 +-
15/05 8h30min às 11h 2:30
16/05 14h às 15h40min 1:40
17/05 13h às 14h30min 1:30
23/05 13h30min às 17h 3:30
29/05 10h20min às 1:20
85
II Seminário de Pesquisa Qualitativa, do qual Ana participou representando a escola.
168
11h40min
Cronograma das observações 2006
Junho e julho de 2006 (aproximadamente 53h20min)
Data Turno Horário Tempo de
observação
Pauta
1
o
/06 Tarde 13h às 16h30min 3h30min
06/06 manhã 8h30min às 11h30min 3h
06/06 Tarde 13h às 16h
4h
14/06 manhã 7h40min às 11h40min 4h
16/06 Manhã 8h às 10h 2h
20/06 Tarde 13h às 16h 3h
21/06 manhã 7h40min às 10h 2h20min
22/06 manhã 7h40min às 11h 3h20min
23/06 Tarde 13h às 17h30min 4h30min
29/06 manhã 7h40min às 11h40min 4h
30/06 manhã 7h40min às 11h 3h20min
30/06 Tarde 13h30min às 17h 4h
04/07 manhã 7h40min às 11h 3h20min
05/07 manhã 7h40min às 11h40min 4h
11/07 manhã 7h40min às 10h40min 3h
13/07 Tarde 14h às 17h 3h Formação
regional SMED
Cronograma das observações 2006
Agosto, setembro, outubro e novembro
(aproximadamente 55 horas)
Data Turno Horário Tempo de
observação
Pauta
03/08/2006 Tarde 13h10min às 17h30min 4h20min
08/08/2006 Manhã 9h30min às 12h 2h30min
08/08/2006 Tarde 13h às 15h 2h
15/08/2006 Manhã 9h às 12h 3h
15/08/2006 Tarde 14h às 16h 2h
17/08/2006 Tarde 15h às 16h30min 1h30min
21/08/2006 Manhã 8h20min às 10h 1h40min Entrevista Ana
22/08/2006 Manhã 8h20min às 10h30min 2h10min
22/08/2006 Tarde 14h às 16h 2h
28/08/2006 Manhã 9h às 9h30min 30min
29/08/2006 Tarde 14h às 16h 2h
30/08/2006 Manhã 10h30min às 12h 1h30min Entrevista Eliane
05/09/2006 Tarde 13h10min às 16h30min 3h20min Conselho de
classe
12/09/2006 Tarde 13h10min às 15h10min 2h
18/09/2006 Manhã 9h às 10h 1h
19/09/2006 Tarde 13h15min às 15h15min 2h Entrevista Flávia
e aula Flávia
169
26/09/2006 Tarde 15h30min às 16h30min 1h
28/09/2006 Tarde Não havia aula de EF
neste dia
86
02/10/2006 Manhã Telefonema
para Glória
87
03/10/2006 Manhã 9h30min às 10h30min 1h Entregar livros
aos professores
88
03/10/2006 Tarde 13h30min às 14h 30min Escola:
autorização de
uso da
entrevista da
profa. Flávia
03/10/2006 Tarde 14h30min às 16h 1h30min Entrevista com
Glória
89
17/10/2006 Tarde 16h às 16h50min 50min Buscar
informações a
respeito da
entrega das
avaliações
18/10/2006 Tarde 13h às 16h40min 3h40min Entrega das
avaliações e
entrevista com o
prof. Denis
24/10/2006 Noite 18h45min às 20h45min 2h EJA: “Adote um
escritor”
31/10/2006 Noite 18h30min às 21h 2h30min EJA: aula de
educação física
09/11/2006 Tarde 14h às 15h40min 1h40min Validação de
entrevistas
14/11/2006 Tarde 14h às 15h 1h Torneio de New-
lei
23/11/2006 Tarde 14h30min às 15h30min 1h Planejamento e
avaliações
XXXX Manhã 9h às 12h 3h Defesa de
dissertação
22/12/2006 Tarde 14h às 15h 1h Planejamento e
avaliações
Até 14/11/2006 foram 194h 20min de observação participante e entrevistas.
86
Os professores estavam em reuniões ou em conselhos de classe.
87
Objetivo: marcar entrevista com a profa. Glória.
88
Foram entregues 3 livros na biblioteca.
89
A entrevista foi realizada na residência da professora Glória porque a mesma estava em
Licença Saúde.
170
APÊNDICE M – Trechos do Diário de Campo
Escola: EMEF Restinga Professores de educação física
Data: 06/04/2006 - quinta-feira Turno: tarde
Horário de início: 13h15min Horário de término: 16h
Objetivo: Participar das reuniões com os pais.
Quando cheguei na escola estava começando o turno da tarde e a
movimentação estava diferente dos dias anteriores.
Me dirigi à sala dos professores e procurei o horário das aulas do turno,
notei que havia algo diferente. As turmas de C30 estavam na sala do vídeo e as
turmas de C20 estavam no refeitório, o restante em suas salas de aula. Alguns
professores iriam circular nas reuniões.
Carlos e Eliane estavam conversando na sala dos professores. Me
aproximei deles e Carlos informou que hoje seriam reuniões de pais, alunos e
professores, nas quais a comunidade receberia as regras da escola. Carlos foi
para a reunião das C’s20 (o professor Carlos trabalhava com duas turmas de
C20).
Nesta tarde observei a reunião de C20 (prof. Carlos), os painéis do pátio e
a reunião de EF, por disciplina (que não consta neste apêndice).
Roteiro da tarde:
13:10 às 14:30 – reunião pais, professores e alunos. Assunto: regras da
escola.
14:40min – Reunião de professores. Assunto: projetos
90
.
90
Beto me informou que estes projetos estão sendo organizados em função de uma solicitação
da direção, pois existe uma verba de + ou – R$ 17.000,00 que virá para projetos. Esta reunião é
continuação da formação do sábado anterior.
171
intervalo (com lanche oferecido pela biblioteca).
reunião de planejamento (das atividades de integração)
91
.
A reunião pais, professores e alunos
A reunião das C’s20 foi no refeitório, começou por volta das 13h20min e
terminou por volta das 14h30min. Foram informadas as regras da escola aos
pais. Havia mais de 120 pessoas (entre pais e alunos), dentre eles uns 6
professores estavam a frente da reunião e uns 3 inseridos junto aos pais.
Praticamente todas as falas partiram dos professores. Fazendo um paralelo do
tempo utilizado pelos pais e professores posso dizer que os pais falaram 10
minutos, enquanto que os professores e a direção utilizaram os 60 minutos
restantes.
A dinâmica da reunião foi a seguinte: uma professora lia a regra,
explicava com exemplos e, algumas vezes, um professor justificativa a regra a
partir da legislação existente
92
.
O professor Carlos tratou das roupas adequadas para a EF e da higiene
antes e após a aula. Lembrando os problemas do uso de piercing e da
autorização que os pais devem assinar para que os alunos possam participar
das aulas de educação física com o piercing.
Este assunto trouxe outro: o da roupa adequada para se utilizar na escola.
No final da reunião uma professora de Português fez uma intervenção
interessante, porém não houve eco na platéia. Relatou que ao falar sobre
regras e leis com os alunos questionou para que elas servem, e os alunos
responderam que são para serem cumpridas. A professora espantou-se e quis
91
As atividades de integração acontecem nos sábados letivos e nas pontes (datas nas quais os
feriados são emendados com o final de semana).
92
Durante a reunião permaneci junto aos pais e me senti um tanto oprimida com a série de
reprimendas que constavam naquele bilhete da escola. Não haviam possibilidades
pedagógicas, não havia possibilidade de conversar sobre as regras, elas estavam dadas. O
mais impressionante foi que os pais não se manifestaram. Alguns, saíram visivelmente
incomodados.
172
mostrar o outro lado da regra, que ela permitia a todos viverem em sociedade
respeitando os direitos uns dos outros.
O intervalo
No intervalo da tarde havia um lanchinho para os professores na
biblioteca (preferi não ficar lá para não sufocar meus colaboradores). Havia
uma preparação para uma breve reunião para tratar dos projetos. O professor
Beto me explicou que no sábado (1
o
/04), dia de formação um dos pontos foi
uma verba de 17.000,00 que deverá ser distribuída entre projetos. Por isto os
professores dividiram-se em grupos para tratar dos projetos e das verbas a
serem solicitadas. Os grupos estão organizados a partir dos seguintes temas:
água, lixo e anti-discriminatório.
O painel
O painel intitulado “Restinga: teu povo te adora” está muito significativo,
nele estão recortes de jornais e textos de alunos mostrando “A Restinga que eu
conheço”. Os 14 recortes provém de diferentes jornais: Diário Gaúcho, Correio
do Povo e Zero Hora (do dia 04/03/06, contendo alguns dados sobre o Bairro
Restinga). São 23 textos de alunos, onde percebe-se descrição, desejos, leitura
da realidade, etc.:
-
descrição da Restinga: muitas casas amontoadas;
-
locais de diversão: bares, festas e a esplanada (espaço entre as duas
vias da avenida do trabalhador, é calçado, tipo uma praça, onde acontecem
feiras, shows, encontros, etc);
- frases elogiosas ao Projeto Escola Aberta (responsável pela abertura
das escolas nos finais de semana com atividades recreativas e culturais,
oficinas, jogos, etc.) e ao Cecores (Centro Comunitário da Restinga);
- orgulho pela escola de samba bi-campeã do carnaval: Estado Maior
da Restinga;
-
valor pelas amizades;
173
-
reconhecimento às dificuldades dos trabalhadores que saem às 5
horas da manhã para o trabalho e não são ‘notados’,
-
gostariam que a Restinga fosse vista com “outros olhos”, que
aparecesse menos a violência e mais as pessoas trabalhadoras;
- a violência e o tráfico que fazem parte do cotidiano;
- referem-se às melhorias da Restinga: escolas, postos de saúde (apesar
das filas), bancos, comércio, etc.;
- as pessoas já não querem mais sair da Restinga.
174
APÊNDICE N – Unidades de Significado
- Uma das atividades da cultura corporal é o esporte
-
A EF vai propiciar o conhecimento de uma cultura (esportiva/corporal)
- Me apóio no conceito de cultura corporal de movimento, no coletivo de autores
-
Relaciono o esporte com a parte de fundamentos
- A EF deve contribuir para a formação geral
- A EF deve contribuir para o conhecimento
-
O esporte entrou como conteúdo
- A escola é construída pensando primeiro na instalação esportiva
- Não se pensa em um espaço adequado para as outras atividades corporais
-
Não tenho uma preocupação excessiva com a performance motora
- A preocupação é que eles conheçam que existe um esporte
-
Eu posso avançar, trabalhar um pouco mais de conhecimento
- Gostaria de incluir música nas minhas aulas
- Refletir sobre o que nós estamos fazendo
-
Eu estou numa situação que eu consigo aproveitar de tudo
- Tenho o maior respeito pelas técnicas, admiro demais
-
Admiro toda essa construção que é cultural, que é humana
-
Procuro trabalhar não só as técnicas
- Tenho satisfação na parte médica e biológica
-
Trago alguma coisa da linha da percepção do próprio corpo
- Deles perceberem a sua relação com os outros
- Tentar ouvir o próprio corpo
-
Às vezes me aproximo das práticas alternativas
- Estou bastante aberto
-
Possibilitar aos alunos que eles conheçam seu potencial
- Possibilitar aos alunos que conheçam seu corpo
- Auxiliar os alunos com informações técnicas e práticas
-
Aprender, porque aquilo vai com os alunos para o resto da vida
- Eu vejo muito por mim
- Procuro informá-los
-
Meu objetivo é fazer com que tenham sentimento de turma
- Quero que os meninos aceitem as meninas
-
Quero que os mais habilidosos acolham os menos habilidosos
- Que o encontro entre as turmas seja um momento de desafio e de satisfação
- A EF tem a possibilidade de vincular todos os conjuntos de práticas
-
Estamos tentando desenhar isso para nós da EF
- Trabalho através do jogo
- Trabalhar a coordenação motora geral e o esquema corporal
-
No jogo tem a coisa do ganhar
- Eles se excluem pela habilidade, rejeitam aquele que não joga
-
A competição não deve ser a ênfase na EF
- A competição não deve ser negada
- A EF é o único espaço de liberdade que eles têm
-
Na EF a gente consegue trabalhar a base holística: corporal, relacional
- A idéia de que basta recrear é culpa nossa também
-
A criança nunca vai se apropriar do espaço da folha se não se apropriar do espaço do corpo
dela
- A EF tem importância na conscientização social
-
O esporte se presta para a inclusão, se este for o foco
175
- A EF é muito invadida (por profissionais de outras áreas)
- Pode torcer a favor, mas contra o outro não
-
Gosto muito de discutir o que é EF
- A EF serve para a gente ser feliz
- Acho que prazer é uma coisa muito legal
-
Ter prazer e se divertir com o nosso corpo
- Os meus alunos sabem que eu não sei jogar (futebol)
-
Uso um discurso da saúde
- Uso o discurso do aluno como parâmetro dele mesmo
- Ninguém está aqui para ser atleta
-
Me preocupo com os alunos como um todo
- Me preocupo, principalmente, com os que tem mais dificuldade
-
Com os menores trabalho mais desenvolvimento motor, habilidades
- Com os maiores trabalho mais o desporto coletivo
- Procuro trabalhar com a parte de iniciação desportiva
-
Faço com que todos alunos participem das aulas
- O aluno precisa trabalhar além da habilidade
- O aluno precisa trabalhar a cooperação, a auto-estima, a questão do grupo
-
Tenho feito muitas experiências com trabalho em equipe
- E eles procuram estimular a participação de todos
-
No jogo: buscar as habilidades e a inteligência do jogo
- O jogo não é só movimento, é planejar estratégias, é pensar
- A gente tem que se esforçar muito para a valorização da EF
-
Minha dificuldade é quando um professor entrega o material e senta
- Existe um conteúdo teórico da EF
- A EF não é essencialmente prática
-
A EF tem a possibilidade de ver os alunos em todos os seus momentos
- Porque eles são tão competitivos? O mundo... tudo é competitivo
-
EF também é brincar
- O brincar é representação, tu pões as tuas emoções nela
- Trabalhar com os alunos a idéia que nós temos limitações e temos condições de superá-las
-
O aluno leva estes aprendizados para a vida
- O mais importante é formar um aluno participativo, consciente e humano nas suas relações
-
A competição tem que dar prazer
- A frustração tem que ser bem entendida
- O aluno tem que vivenciar diferentes situações
-
A gente trabalha, principalmente, socialização, auto-estima, o corpo, a expressão
- Faço adaptações quando um aluno não consegue
- Eu trabalhava com as meninas e ele com os meninos
-
Na época da separação por sexos eu trabalhava com Ginástica Rítmica Desportiva, dança e
jogos
-
Fazer pequenos cursos: capoeira, dança, meditação, ...
- Estabelecer objetivos com relação às minhas atitudes
- Estabelecer objetivos quanto à atitude deles (alunos)
-
Mudar o padrão, quebrar o padrão
- Observo meus colegas
- Estou construindo
-
Se reunir com os colegas da área para pensar a EF da escola
- Utilizo brincadeiras e dinâmicas
-
Não fiz sempre assim
- É fundamental o trabalho em equipe, o rendimento é secundário
- Deixar cada um se expor, da sua maneira
-
Eles falam até para dizer que está ruim, falam do que aconteceu e propõem alternativas
176
- Busco a participação de todos, às vezes na pressão
- Redução de 10 horas para não trabalhar com alguns alunos de B30
-
Fazer cursos na área da EF e fora da área
- Buscar embasamento na literatura e em autores da área
- Trabalhar a partir da experiência e mais voltado para o esporte
-
Utilizo conhecimentos da formação e da experiência
- Opção por uma educação transformadora
-
Adoraria poder trabalhar com dança, me falta conhecimento
- Existe semelhança entre a escolarização, a formação inicial e a prática, mas não é a única
fonte
-
Há poucas semelhanças entre o que vivenciei na escola
- Na escola era a aptidão física, eu trabalho com cultura corporal
-
Tem minha experiência como atleta, como aluno e algumas coisas que meus professores
fizeram e me marcaram
- Resgate dos valores humanos
-
Meditação e jogos cooperativos
- Negociação: não é só o professor ordenando e os alunos obedecendo
- Tenho um cuidado para não reproduzir isso
-
Existe um espaço de crítica e os alunos podem utilizar
- Os conceitos que eu venho estudando interferem
-
O esporte vale para isso, me subsidiar em algum lugar
- A gente faz pequenas violências
- Acabamos absorvidos por esse discurso violento
-
Sempre gostei muito de dança, participei de grupo de dança
- Sempre gostei de Ginástica Rítmica Desportiva
- Eu trabalho bastante com as minhas vivências
-
Também procuro fazer cursos
- Ainda utilizo bastante o que aprendi na faculdade
-
Trabalho com a área recreativa, com a área esportiva, ter um objetivo bem traçado para ver
alguma coisa de diferente no aluno
- As aulas variam entre o desenvolvimento motor, as habilidades motoras e, se os alunos são
maiores, desporto coletivo
- Não abro mão de alguns princípios: participação, integração e a questão do gênero
-
Também é muito da prática
- Utilizo alguns polígrafos do tempo da faculdade, livros e observo aulas
- Utilizo as atividades dos anos anteriores que funcionaram bem e que tiveram aceitação entre
os alunos
- Ter planejamento e estar antenado no momento
- Busco qualificar os relacionamentos, que tenham mais prazer no convívio
-
Planejamento anual baseado na prática
- Em alguns momentos fiz leituras para superar as dificuldades
-
Tenho planejamento geral
- O planejamento de aula se dá pela prática
- Não são aulas de vôlei, são aulas de EF com o conteúdo voleibol
-
Toda a preocupação é o conhecimento: teórico e prático
- Embora eu precise melhorar um pouco mais na teoria
- Me baseio na minha experiência
-
Muito pouco no pedido dos alunos
- Faço uma consulta com os alunos
-
Pergunto aos alunos quais as atividades que gostariam de fazer
- Negocio com os alunos, dou tempo livre
- Defini que vamos trabalhar os 3 esportes, pergunto aos alunos o como vamos fazer
-
Procuro saber o que os alunos fizeram no ano anterior
177
- Já tenho o que vou trabalhar e tento inserir o deles
- Utilizo o planejamento da escola e mais o interesse dos alunos
-
Trabalho com brincadeiras que os alunos fazem na rua, adapto para as aulas
- Busco a participação dos alunos
- Geralmente as meninas querem pular corda e os meninos jogar futebol
-
Muitas vezes a gente não consegue oportunizar as coisas que aparecem (pedidos dos alunos)
- Falta entrar na área da dança, da capoeira, das práticas alternativas
-
Colocar também jogos cooperativos
- Trabalho com circuito, com coordenação motora geral,...
- O planejamento ainda é muito limitado
-
Procuro diversificar, dentro dos limites que a gente tem
- Tem coisas para melhorar (nas aulas)
-
Quando cheguei não havia nenhum plano da EF da escola
- Peguei os PCN’s, fiz um plano anual, no qual me baseio
- Todo ano eu tento seguir um planejamento
-
Mas me sinto muito medíocre
- Tentei outras coisas, mas não tive competência para dar conta: expressão corporal e outras
vivências
-
Através de jogos recreativos estimulo a cooperação e a questão do grupo
- Confecciono brinquedos, peteca,s-de-lata, jogos de tabuleiro
-
Tenho limitação na área da dança
- Dou duas ou três atividades recreativas, no final eles ficam livres
- Utilizo brincadeiras que eu gostava quando era criança
-
Utilizo rodas cantadas e sessões historiadas
- Trabalho com meditação e concentração
- Tenho um objetivo e avalio em cima desse objetivo
-
Eu trabalho um pouco de tudo
- Procuro saber o interesse deles
-
Procuro saber o que eles já sabem
- Procuro saber o que eles gostariam de conhecer
- Utilizo as atividades dos anos anteriores que eles gostaram
-
Penso no perfil das turmas que eu vou trabalhar
- Verifico se a atividade não vai agitar muito os alunos
-
Verifico se a atividade não é muito agressiva
- Verifico se os alunos têm condições de entender a brincadeira
- Acho que algumas coisas são importantes, dão segurança para o aluno e para o professor
-
Organizar a aula
- O ritual de iniciar a aula em círculo
- Estou construindo, nunca tem que deixar de construir
-
A escola tem rituais
- Converso com os alunos em sala de aula
-
Uso a roda como recurso para espiar
- As rotinas foram consolidadas na experiência
- Utilizo rotinas em função do que aprendi na faculdade
-
Busco os alunos na sala, exponho os objetivos
- Finalizo a aula com uma conversa
- Produzi rotinas procurando que os alunos tenham uma auto-crítica de como foi seu
desenvolvimento e buscando uma crítica do meu trabalho
- Produzi rotinas que favorecessem o andamento da escola
-
Busco os alunos menores em sala de aula para evitar estripulias no corredor
- Busco os alunos em sala de aula para falar dos objetivos da aula e combinar algumas coisas
- Trabalho com esporte, procurando transmitir informações e conhecimentos
-
Trabalho pouco atletismo
178
- O futebol é recreativo
- Trabalho o conceito de aquecimento
-
Faço alongamento, como uma reflexão sobre o próprio corpo
- Eu gosto de trabalhar os conteúdos
- Procuro passar o gosto pelo esporte para eles
-
Esporte para os momentos de lazer
- Não tenho muita simpatia pelo handebol, já pratiquei basquete
-
Alguma coisa de atletismo e de ginástica formativa
- Geralmente divido um esporte por trimestre: vôlei, handebol e basquete
- O esporte ma facilitou a vida
-
Não acho que seja a coisa mais importante, mas conseguimos nos organizar com o esporte
- O esporte tem essa função meio disciplinar
-
Negocio com eles e dou atividade livre
- Começo o ano com atividades recreativas e depois começa o desporto
- Dou atividade livre, também
-
Procuro trabalhar com iniciação desportiva, procuro que participem
- Não favoreço só os habilidosos
- É importante que eles consigam dominar certas habilidades essenciais (para não serem
ridicularizados pelos outros)
- Trabalho basicamente os esportes: futebol, voleibol, handebol, inicio o nilcon.
-
Nunca na forma tradicional, mas através de jogos e conforme as habilidades que eles
apresentam
- Faço confecção de brinquedos e jogos, atividades recreativas, ginástica olímpica, pré-
desportivos e alguma coisa de rítmica
- Trabalho com atividades recreativas, rodas cantadas, sessões historiadas e momentos livres
- Desenvolvo a coordenação motora geral, uso circuitos
-
Eles jogam futebol e nilcon
- Para o aluno EF é simplesmente jogar
-
O nosso aluno acha que EF é essencialmente prática
- O aluno tem dificuldade de entender que existe um conhecimento teórico
- Trabalho dentro das condições que temos e também com a minha experiência que é voltada
para o esporte
- Tem muito mais ainda por fazer e por buscar
-
As aulas são separadas por trimestre
- A desmotivação dos alunos vem de um hábito da EF
- Os alunos assimilaram que EF é jogar
-
O aluno resiste na EF assim como resiste em qualquer momento dentro da escola
- A desmotivação também pode ser pelo meu jeito de abordar a aula
- As turmas são muito diferentes entre si
-
Eu sou sempre um insatisfeito com aquilo que eu estou produzindo
- Estou constantemente procurando
-
Começo com aquecimento e alongamento
- Procuro que sempre tenha o momento do jogo
- Procuro vincular o meu trabalho com o que acontece lá fora
-
Eu trabalho muito fim-de-semana
- A escola tem que ter o seu projeto, que não é o meu
- Avalio as habilidades motoras pela observação
-
O conhecimento fiz perguntas para ver se eles conheciam as regras
- Não fiz avaliação teórica, foi uma conversa em aula
-
Avalio no dia-a-dia, no olho (as relações e o convívio)
- Não pensei em outra forma de avaliar
- Tenho uma rotina de avaliação, quero que eles escrevam, registro escrito
-
Eles me avaliam o tempo inteiro, criticam e eu vou refazendo
179
- Tenho alguns objetivos mas sou tri complacente na avaliação
- Acho bacana o discurso do aluno como parâmetro dele mesmo
-
Tiro a avaliação, principalmente, das coisas que me agradam
- O fundamental é que ela está ali, se valendo do corpinho dela para jogar, para se divertir,
para rir, é isso que eu conto na minha avaliação
-
Eu avalio o positivo
- Não conseguiu arremessar mas participou, jogou, se interessou, tentou, para mim é tudo
-
Procuro ter um objetivo traçado e avalio esse objetivo
- Quero ver alguma coisa de diferente no aluno, que ele melhore
- Busco o crescimento deles em alguns pontos, que eles visualizem isso
-
A escola tem boa instalação: ginásio e 3 quadras
- Temos boa estrutura de instalação esportiva
-
Não temos uma sala para as outras atividades corporais
- Não temos uma sala para trabalhar com música, isso limita
- A estrutura influencia
-
Temos uma estrutura física boa
- Me influencia muito os espaços físicos
- Eu, mais ou menos, organizo a aula em cima do espaço que eu tenho disponível
-
A questão da organização da escola em si
- A questão dos espaços é fundamental
-
Os espaços ao ar livre são ótimos
- Às vezes fico num espaço que não é muito adequado
- Nossos tempos são muito rígidos
-
A gente se impõe um certo ritmo para dar conta dos conteúdos
- O horário que é montado pela escola também influencia
- Colocar a EF de tapa-furo
-
Questiono, inclusive, ter 2 períodos no 1
o
ciclo e 3 períodos no 3
o
ciclo
- A necessidade de se expressar fisicamente é no 1
o
ciclo
-
Se eles construíram a base, no 2
o
ou no 3
o
ciclo 2 períodos será bem aproveitado
- Estou tendo um olhar da EF
- As turmas que eu pego nos últimos períodos não tem aula (refeitório)
-
As turmas ficam prejudicadas
- A forma como é montado o horário influencia na prática diária da gente
-
Montar o horário é complicada, às vezes tem gente faltando
- O tempo que eu tenho interfere, são só 10 horas
- Não participo de reuniões que são importantes para fazer a integração
-
O horário do refeitório influencia nas aulas
- O material é sempre uma limitação
- Aqui a quantidade de material é razoável
-
Diversificar materiais também é importante
- Eu acho que não se deve sempre trabalhar com material
-
O ginásio possibilita um maior número de atividades
- Temos sala de vídeo para audiovisual, para motivação
- Falta uma sala para contemplar várias atividades corporais
-
Na hora de construir uma escola não se tem uma noção mais ampla de cultura corporal
- A questão arquitetônica está aí. Seria muito bom ter uma sala de multiuso
- Ainda estou muito limitado por formação, pela arquitetura e pela cultura que ainda envolve a
escola
- Acho que a estrutura influencia a prática escolar
-
Os professores de EF, neste ano, conseguiram mais tempo para se reunir
- Eu sempre procuro, no 1
o
dia de aula, fazer algumas combinações
- Tenho o ritual de iniciar a aula em círculo, ouvindo todos
-
Tiveram aulas que eles conquistaram o prazer da atividade
180
- Consegui fazer com eles vivências de capoeira (não falou em que ano)
- São os relacionamentos, fazer com que eles ampliem seus laços de amizade
-
Busco resgatar a coisa dos valores: respeito, paciência, auto-controle
- Eu gosto de trabalhar com os pequenos, eles são mais autênticos
- O meu relacionamento com eles é bom
-
Me incomoda ter que lançar mão de uma postura muito firme
- Importância da cooperação e da compreensão (quando o outro erra)
-
A questão da equipe é interessante, tu vês as relações
- Eles não internalizaram a idéia de que tem que ficar quieto
- A gente tem que construir uma relação com eles
-
Eu acho que o professor de EF tem uma relação mais próxima
- Esse ano eu não tenho nenhuma turma tão difícil
-
A questão da professora referência influencia, principalmente quando as linguagens são
muito diferentes
- Não é assim para a gente mudar
-
Mas com o aluno a gente quer para ontem
- Como a criança vai aprender a lidar com o outro?
- Como a criança vai aprender a lidar com a limitação do outro?
-
A EF se presta muito para a inclusão, se este for o foco
- A EF se presta muito para a exclusão também
-
A escola ciclada tem a questão de preservar o espaço da EF
- É importante trocar experiências com os colegas
- Dar limite eu acredito que seja uma ação correta
-
A violência é muito velada
- Desde que eu entrei na prefeitura eu comecei a diminuir a rigidez com os meus alunos
- O fundamental, numa aula, é que nós tenhamos que ser felizes
-
Eu acho que tem que negociar o tempo inteiro
- O poder é circulante, eu não quero ser o ditador ali
-
Eu tento mediar isso
- Comentei com os pais que nós “brigávamos”, esse é um negócio bacana
- E a gente conseguia chegar num acordo
-
Eu acho muito legal quando os alunos conseguem se organizar
- Os conceitos que eu venho estudando, poder e gênero, também são coisas que eu me
preocupo
- A gente consegue uma história de ficar todo mundo no mesmo espaço, ao mesmo tempo
- Meus alunos não fogem
-
Eu faço assim porque eu tenho um conjunto de atravessamentos
- A minha história de vida, a história de vida dos alunos e essa confusão acaba formando esse
negócio que eu chamo de aula
-
Aqui a gente trabalha com muita violência
- Nós somos violentos na forma de tratar os alunos
-
É uma forma violenta de trabalhar, se diferencia do poder
93
- É a violência de dizer: agora tu cala a boca porque eu falo
- Acabamos absorvidos por esse discurso violento
-
A gente faz parte disso
- Às vezes me dou conta, às vezes não
- A gente tem alunos bacanas, bem legai, isso facilita muito as coisas
-
Os alunos me cobram coisas que eu detestava quando eu era aluno
- Eu tento convencê-los que gostar é conhecer
93
O professor diferencia, na entrevista, poder e violência.
181
- Eu elogio muito meus alunos
- Eu aprendi com os meus professores que eles sabiam tudo, sempre
-
Eu mostro para meus alunos que eu não estou com essa bola toda
- Acho fundamental criar vínculo
- Eu acho um ponto muito importante a relação professor-aluno
-
Eu consigo ter uma relação ‘bacaninha’ com eles
- Faço isso porque os professores que eram assim me marcaram
-
O direito de jogar é de todos
- O espaço de jogar é de todos
- Tem o retorno deles e eu busco outras formas de interagir
-
Às vezes não é algo do grupo, é um aluno que está com uma outra situação
- Não é tirar o aluno por castigo
-
A clientela era bem melhor, não eram tão agressivos
- Tudo aquilo que tinha sido planejado se conseguia trabalhar
- Tenho o hábito de construir regras com os alunos no início do ano
-
Tenho encontrado resistência, os alunos só gostam de futebol
- Estou enfrentando dificuldades com duas turmas, são totalmente sem limites e agitados
- A diretora chama e diz: - não faz porque tem muita violência lá fora
-
A escola tinha que se abrir mais para o intercâmbio com a comunidade
- A questão da supervisão e da orientação também é fundamental
-
Tu tens que ter esse suporte
- O SOE tem que dar informações sobre o aluno
- Na escola eu não posso deixar o aluno lendo na biblioteca
-
Os serviços da escola, na medida em que podem, eles ajudam
- Com as parcerias com o SOE, com a supervisão, a gente tem um tempo disponível maior
- Esse ano eu não consegui fazer intercâmbio com as outras escolas
-
Isto vem diminuindo, não sei exatamente porque motivo
- Eu gostaria de poder sair mais da escola
-
Tiveram momentos que eu fazia corrida em volta da escola
- A escola tinha que se abrir mais
- A escola está muito imbricada na comunidade
-
O funcionamento da escola é bem parecido com o da comunidade
- Que não é uma coisa que me agrade
-
Somos violentos na maneira de tratar os alunos, cortamos eles
- Não é a violência de ficar dando porrada
- Através da EF tu resgatas muitos problemas de disciplina e de envolvimento na escola
-
O tempo todo que eu estou com eles é para eles
- Eu sinto falta de fazer ligação com atividades fora da escola
- O aluno precisa se enxergar em um outro universo, que não a escola
-
Eu tive alguns professores que eu tive grande admiração
- Eu tinha admiração pelo respeito que ele tinha pelos alunos
-
Tive formação completamente voltada para o desporto acadêmico
- Sempre gostei de EF
- Gostava de pular corda e de trabalhar o físico
-
Eu tinha uma natureza muito competitiva
- O que eu trago da escolaridade é observar bem o que eu não quero
- Eles rejeitam pela habilidade, minha experiência como atleta me traz isso
-
Sempre fui um aluno muito resistente às aulas de EF
- Nunca gostei de EF
-
Não sei como cheguei na EF
- Não quero ser a figura central
- Eu não gostava da figura central
-
Tenho cuidado para não reproduzir isso
182
- Quero evitar que meus alunos fiquem na condição que eu fiquei
- As atividades que eu tinha muita resistência estão presentes em mim
-
Meus professores mais legais foram os que conseguiram criar vínculos
- Minha EF foi muito em cima do quem sabe jogar joga
- Se eu fosse professora me preocuparia com os alunos como um todo
-
Sempre gostei de dança
- Participei de grupo de dança
-
Era um ideal ter um grupo de dança na escola que eu fosse dar aula
- Pedia para ficar de monitora
- É o que eu não repito
-
Venho da pedagogia tecnicista, da valorização dos melhores
- Procuro não ser treinadora
-
Busco o crescimento deles
- Utilizo atividades que eu gostava de brincar quando estava no colégio
- Utilizo vivências práticas dos cursos que fiz
-
No tempo do colegial existia respeito pelo professor e os alunos não eram tão agressivos e sem
limites
- A escola era mais valorizada
-
No meu tempo de colégio fazia-se muitas estafetas, jogava-se caçador, voleibol e futebol
- O grupo de dança me deixou marcas positivas
-
Procuro evitar os negativos
- Pode-se dizer que eu trabalho mais a partir da minha formação e da prática
- A formação ainda influencia minhas atividades, mas não é a única fonte
-
São 30 anos de caminhada
- Busco a área da cooperação na prática, que não tive em minha formação
- Nós não tivemos um trabalho voltado para a escola
-
Nos últimos 3 anos a formação foi bem geral
- A formação reforça a convicção de uma EF voltada para a transformação
-
A formação reforça a convicção de uma EF voltada para a construção do conhecimento
- Acho que deveria acontecer também a parte específica
- Não me lembro de nenhuma formação que eu possa dizer que não serviu de nada
-
A gente sempre pode aproveitar alguma coisa, nem que seja pelo lado inverso
- A rede tem que ter uma postura agressiva de formação
-
Não acho que a rede tenha que impor, mas tem o compromisso de oferecer
- Esse ano eu estou gostando das formações
- Até então não tinha formação para a EF
-
Para mim as formações estão sendo positivas
- Precisamos ver como é que está esse currículo da prefeitura
- O que a gente vai trabalhar no 1
o
, no 2
o
e no 3
o
ciclo
-
Não de uma forma rígida, mas uma noção
- As formações da EF estão sendo bem conduzidas, de uma forma bem democrática
-
Esse ano não dá para saber o que é formação e o que não é
- Acho que algumas formações não colaboram
- Colaboram naquele discurso ridículo, porque desestabiliza, faz pensar
-
A vida já é bem desestabilizada
- A gente podia fazer um discurso mais importante, com outros referenciais
- As discussões em grupo são bem bacanas
-
Deixar as pessoas conversarem
- Tem a fase inicial, da euforia; depois a choradeira e, no final, a gente discute EF
-
A gente sai de lá diferente
- É importante saber das experiências dos outros
- Eu acho que a iniciativa da troca é válida
-
De algumas não se aproveita muita coisa
183
- Normalmente, nas formações, a gente procura receitas
- E o que tem acontecido é o relato de experiências de cada um
-
Eu procuro estar sempre presente nas formações
- Nessa troca vem um novo ânimo para continuar, novas forças
- Eu gostaria que as formações fossem mais práticas
-
Tenho satisfação na parte médica e nas ciências biológicas
- Busco informações com colegas, em oficinas
-
Às vezes faço oficina de malabares
- Temos que buscar práticas com mais significado para os alunos
- Há recursos fora, em outras áreas que eu acredito, como Yoga, teatro
-
Eu fazia mais atividade de concentração
- Tenho cursos em educação e valores humanos, reiki, biopsicologia
-
Tenho formação em yoga
- Fiz cursos de educação física continuada na ESEF/UFRGS
- Judô eu aprendi muito pouco
-
Tinha muita admiração e respeito pelo trabalho dele
- Dependendo da forma como eu vou trabalhar eu vou deixar marcas ali
- Para mim tentar é tudo
-
Acho muito legal as tentativas
- Ninguém está aqui para ser atleta
-
O ciclo não é solução para tudo
- Esquecemos de outras coisas, relaxamos, e elas estão fazendo falta
- As modas acontecem: turno integral, construtivismo, ciclos
-
Em 1997 a escola ciclou
- Tenho satisfação em conviver com colegas que estão pesquisando
- Nós utilizamos os testes do Projeto Esporte Brasil - Talento Esportivo
-
Tu vais fazer o fechamento?
- Assim como essa conversa contigo está colaborando
-
Quando tu estás lendo uma teoria tu acabas te teorizando junto
- Tu vais te inventando naquela teoria
- Tudo é transitório
-
Teu trabalho me interessa, se falar desse tipo de coisa (professor-aluno)
- Eu gostaria de ver depois tua “tese”
-
Eu acho que o grande sofrimento do professor é que ele não vê os resultados
- Os alunos não entendem outro linguajar
- Estar retomando muito com eles é uma das coisas mais cansativas
-
A perfeição não rola
- Procuro uma maneira de não estressar eles, de não me estressar
- Às vezes a coisa está complicada
-
A questão social, a dificuldade da família em colocar limite e o futebol como sinônimo de EF
- Pedi redução de 10 horas para não trabalhar com estes alunos de B30
-
Comecei a me incomodar muito com eles, encontrar muita resistência
- Num espaço aberto até a questão da voz
184
APÊNDICE O – Blocos Temáticos
1. Atividades da EF, conhecimentos da EF: possibilidades, realidade, limites
2. Esporte e jogo
3. Conhecimentos e crenças que são utilizados para a organização da
prática
4. Objetivos das aulas de educação física
5. Contexto Escolar/ espaços das aulas
6. Coletivo de professores da educação física
7. Conhecimentos práticos dos professores
8. Curiosidades a respeito do pensamento dos professores de EF
9. Educação física, esporte e socialização
10. Relação professor-aluno
11. Subsídios para a prática (na EF e em outras áreas)
12. Espaços para a fala dos alunos
13. Estratégias de sobrevivência
14. Escolarização/experiências e a relação com o trabalho e as práticas
(incorporações e “marcas”)
15. A relação entre o que os professores estudam e sua prática
16. Planejamento (pedagógico, anual, aulas)
17. Aulas de educação física
18. Rotinas e rituais
19. A educação física para o aluno
20. Alunos/turmas
21. Projeto de Escola
22. Avaliação
23. Influência da escola, do contexto, do horário nas aulas de EF
24. Ciclos
25. Comunidade-escola
26. Formação inicial
185
27. Considerações a respeito das formações da SMED/troca de experiências
28. Relação dos professores com a pesquisa
29. Motivos de stress e de cansaço
30. Problemas de saúde
186
ANEXO A – Exemplo de Planejamento de Educação Física
187
ANEXO B – Modelo de Avaliação Trimestral da Escola Restinga
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo