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ELOISA TAVARES FERREIRA
Condições de origem, trajetórias escolares e sociais de alunos
pertencentes à classe popular: um estudo sobre alunos que cursaram
ensino médio em escola privada
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
História, Política, Sociedade
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2008
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ELOISA TAVARES FERREIRA
Condições de origem, trajetórias escolares e sociais de alunos
pertencentes à classe popular: um estudo sobre alunos que cursaram
ensino médio em escola privada
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
Educação: História, Política, Sociedade, sob a
orientação do Prof. Doutor José Geraldo
Silveira Bueno
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
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Resumo
A presente dissertação é resultado de pesquisa realizada em 2007, que visou analisar as
condições de origem e as trajetórias escolares e sociais de alunos de famílias pertencentes a uma
determinada fração da classe popular que adotam estratégias específicas, comuns nas classes
médias, visando à continuidade dos estudos de seus filhos em nível superior ou uma melhor
colocação no mercado de trabalho. O interesse pelo tema está relacionado à experiência pessoal
como Professora do Ensino Médio de uma escola privada situada na periferia da cidade de
Fortaleza, preocupada com os caminhos seguidos por estes alunos. O universo trabalhado foram
alunos egressos do Ensino Médio de uma Instituição privada de ensino, localizada em bairro
periférico do município de Fortaleza. Foram selecionados 06 alunos que concluíram este nível
de ensino no ano de 2004, com os quais foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, que
tiveram por fim a coleta de dados a respeito das configurações familiares de origem, as relações
sociais construídas, bem como as trajetórias escolares, procurando levantar os fatores mais
significativos que levaram cada um desses alunos a percorrerem trajetórias semelhantes. Para
proceder à análise dos dados, nos apoiamos no conceito de capital cultural e capital social de
Bourdieu, como também nas contribuições metodológicas de Lahire (1997), na medida em que
nos propusemos a compreender as trajetórias singulares seguidas por cada indivíduo que foram
determinantes ou não para a continuidade dos estudos em nível superior ou para a inserção no
mercado de trabalho.
Palavras chaves: ensino médio, ensino privado, classe popular, trajetórias
singulares
ABSTRACT
This dissertation is the result of research done in 2007, which aimed to analyze the
origin and conditions of the school and social trajectories of students from families
belonging to a certain fraction of popular classes who take specific strategies, common
in middle classes, targeting the continuity of studies of their children at the top level or
better placement in the job market. The interest in the subject is related to personal
experience as a high school teacher at a private school located on the outskirts of the
city of Fortaleza, concerned about the paths followed by these students. The universe of
work was made of former high school students from a private educational institution,
located in peripheral district of the city of Fortaleza. We selected 06 students who
completed this level of education in 2004, which were conducted semi-structured
interviews, which were ultimately to collect data about the origin of family settings,
social relationships built, as well as their school trajectories, trying to raise the most
significant factors that led each of these students to take similar trajectories. To proceed
to the analysis of data we looked for support in the concept of cultural capital and social
capital of Bourdieu, as well as the methodological contributions of Lahire (1997), in
that we have proposed to understand the singular trajectory followed by every
individual who were instrumental or not for the continuation of studies at college or for
insertion in the labor market.
Key words: education, private education, popular class, singular trajectory
DEDICATÓRIA
Aos meus Pais,
Pelo permanente estímulo e presença constante.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor José Geraldo Silveira Bueno, pela seriedade de seu trabalho e
pela enorme paciência e compreensão para comigo.
Às Professoras Doutoras Ani Martins da Silva e Leda Maria de Oliveira
Rodrigues, pelas valiosas orientações como membro da Banca de Qualificação.
À Betinha do Programa EHPS, sempre presente e sorridente.
Ao CNPq, pela concessão de Bolsa Integral.
Ao meu irmão Henrique e minha cunhada Lídia, que me acolheram em São Paulo.
A todos que contribuíram para o meu aprendizado.
SUMÁRIO
Introdução
Capítulo I - O Ensino Médio no Brasil p. 06
- O ensino médio hoje p. 11
Capítulo II - Trajetórias singulares p. 18
- Elementos centrais da Sociologia de Pierre Bourdieu p. 22
Capítulo III - As trajetórias singulares de alunos de classe popular p. 30
que cursaram ensino médio em escola privada
- A entrevista p. 30
- Eixos centrais dos conteúdos das entrevistas p. 32
- Sujeitos da pesquisa p. 33
- As trajetórias singulares p. 35
- Daniel p. 35
- Caroline p. 41
- Ana p.45
- Cláudio p. 49
- Pedro p. 53
- Márcia p. 58
Considerações Finais
Lista de Quadros e tabelas
Referências Bibliográficas
Anexos
2
INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema está relacionado à experiência pessoal como Professora do
Ensino Médio de uma escola privada situada na periferia da cidade de Fortaleza,
preocupada com os caminhos seguidos por alunos egressos do Ensino Médio,
pertencentes a uma determinada fração da classe popular, que buscam na escolarização
novas portas e novos caminhos para a continuidade dos estudos em nível superior ou
uma melhor colocação no mercado de trabalho.
Estes alunos e suas famílias, pertencentes a uma fração da classe popular,
parecem sacrificar-se financeiramente para realizar seus estudos na escola privada que,
mesmo situada longe dos bairros nobres, tem certo destaque em relação às escolas
públicas, na medida em que atende a um determinado público capaz de arcar com os
custos da escola privada, como por exemplo, mensalidades, visitas culturais, material
didático, fardamento, dentre outros.
A maioria destes alunos, ao final da série do Ensino Médio, sente-se
despreparada para enfrentar o vestibular das universidades públicas e reconhecem não
estar em condições de arcar como o ônus de uma faculdade privada. Reconhece, ainda,
que a escola privada situada na periferia da cidade não tem como oferecer um
determinado “padrão de qualidade” comum nas escolas consideradas de elite. Outra
questão é o fato de que estes alunos não dispõem de capital cultural e até mesmo
econômico, que poderiam ser determinantes fundamentais na continuidade dos estudos
ou para a inserção mais qualificada no mercado de trabalho.
Convivendo com estes alunos, foi possível constatar que alguns terminavam por
vencer o “bicho papão” chamado vestibular e eram aprovados nas universidades
públicas; outros, com condições econômicas diferenciadas, acabavam no ensino
superior privado; e, outros tantos desistiam no meio do caminho, finalizando seus
estudos na educação básica, procurando logo o mercado de trabalho. Mas, mesmo entre
esses últimos, parecia haver uma diversidade muito grande entre as oportunidades,
melhores ou piores, de inserção profissional.
A escolha do curso resulta do interesse do estudante por determinada área de
conhecimento e da profissão a ela associada, da avaliação das profissões e do mercado
3
de trabalho, das condições financeiras para arcar com os custos diretos e indiretos da
escolarização, das informações de que dispõe sobre as instituições de ensino, das
orientações, explícitas ou indiretas, recebidas da família e das possibilidades de contar,
mesmo que eventualmente, com o suporte material dos pais. Depende, portanto, de uma
configuração de fatores (Lahire, 1997), multiplamente articulados, que incluem ainda o
capital cultural e escolar do aluno. Esse último é considerado, por eles próprios,
insuficiente para concorrerem aos vestibulares das universidades públicas e de maior
prestígio.
Zago faz referência a algumas tendências de pesquisa que elegem a problemática
do estudante universitário de origem popular.
Nas últimas décadas, estudos no campo da sociologia da educação produzidos
no Brasil e no exterior vêm fornecendo indicadores teóricos importantes para
problematizar o que tem sido chamado “longevidade escolar”, casos “atípicos” ou
“trajetórias excepcionais” nos meios populares. Trata-se de uma linha inovadora, haja
vista ser relativamente recente na disciplina o interesse pelos casos que fogem à
tendência dominante, voltada para o chamado fracasso escolar nesses meios sociais.
(2006, p. 226)
Com relação à questão da trajetória singular de alunos concluintes do Ensino
Médio, objeto de interesse deste estudo, foi possível constatar estudos como o de Zago
(2006), que vários anos desenvolve pesquisas sobre escolarização nos meios
populares, voltada especialmente para as trajetórias escolares no ensino fundamental e
médio e, mais recentemente, no ensino superior. Suas pesquisas chegam à conclusão
que a presença das camadas populares no ensino superior não oculta as reais diferenças
sociais dos estudantes. Os resultados da pesquisa indicam efeitos dessas diferenças
verificados na composição social dos cursos e no exercício da vida acadêmica, nas suas
mais variadas dimensões.
Assim, é possível considerar que as camadas populares não constituem um
universo social homogêneo, havendo segmentos diversos em seu interior, seja em
função de condições socioeconômicas, seja devido ao capital cultural de que dispõem.
Por isso, os integrantes de cada segmento dessas camadas desenvolvem práticas
específicas, objetivando o sucesso escolar dos filhos.
Neste estudo, nos deteremos na análise das trajetórias singulares de famílias
pertencentes a uma determinada fração da classe popular que adotam estratégias
4
específicas, comuns nas classes médias, visando à continuidade dos estudos de seus
filhos em nível superior ou uma melhor colocação no mercado de trabalho.
Partindo da necessidade de investigar a direção seguida por alunos egressos do
ensino médio, pertencentes a esta fração de classe, elegemos as seguintes questões a
serem investigadas em nosso estudo:
- Quais os principais determinantes que levaram os alunos com reduzido capital
econômico e cultural a escolherem cursar o Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio em
escola privada?
- Qual a influência da família e da rede de relações sociais mantidas pelo jovem
na sua decisão em dar continuidade aos estudos ou de inserção diferenciada no mercado
de trabalho?
A partir dessas questões, elegemos como objetivo geral de nosso estudo, a análise
das trajetórias singulares de famílias pertencentes a uma determinada fração da classe
popular que, como citamos, adotam estratégias até então comuns nas classes médias,
visando à continuidade dos estudos de seus filhos em nível superior ou uma melhor
colocação no mercado de trabalho.
Sob o ângulo específico nossa proposta é a de analisar:
a influência da rede de relações sociais destes indivíduos no seu ingresso no
mercado de trabalho e/ou na continuidade de sua escolarização;
a influência do capital cultural familiar destes alunos para a continuidade de
seus estudos;
as práticas específicas adotadas no grupo de alunos pesquisados, objetivando
o sucesso escolar.
Para tanto, se faz necessário compreender e analisar as trajetórias escolares
individuais destes alunos, considerando a origem social e as condições econômicas e
culturais, como fatores determinantes que facilitaram ou dificultaram o seu progresso
educacional.
Na área específica do nosso objeto de estudo, realizamos uma pesquisa destinada
a investigar a influência que a origem familiar, as relações sociais e o processo de
escolarização tiveram em relação às escolhas profissionais destes alunos, egressos do
ensino médio de uma instituição privada de ensino.
5
O campo empírico da pesquisa foi uma instituição privada de ensino situada em
um bairro periférico da cidade de Fortaleza-CE. A decisão de realizar o trabalho em
uma instituição privada de ensino deve-se ao fato de que situa-se na periferia da cidade,
onde os pais parecem se sacrificar financeiramente para manter os filhos em escola
particular, na crença de que esta possa preparar melhor o aluno para o ingresso no
ensino superior ou mesmo para encaminhamento ao mercado de trabalho.
O universo trabalhado foram ex-alunos egressos do ensino médio da referida
Instituição de ensino. Realizou-se um levantamento dos alunos que concluíram este
nível de ensino no ano de 2004 e, posteriormente, selecionamos seis destes alunos para
realização de entrevistas. Dos seis alunos, três freqüentaram o Ensino Fundamental em
escola pública e o ensino médio em escola privada e três estudaram sempre em escola
particular.
Os temas tratados na entrevista foram os seguintes:
1) A trajetória escolar do entrevistado;
2) A trajetória ocupacional do entrevistado;
3) A caracterização sócio-econômica e cultural dos pais e sua influência na
continuidade ou não dos estudos em nível superior;
4) Expectativas da família e projetos pessoais dos sujeitos entrevistados.
Para proceder à análise dos dados, nos apoiamos nos conceitos de capital
cultural e capital social de Bourdieu, como também nas contribuições metodológicas de
Lahire (1997), na medida em que nos propusemos a compreender as trajetórias
singulares de cada indivíduo, determinantes ou o para a continuidade dos estudos em
nível superior ou para inserção imediata no mercado de trabalho.
Neste sentido, o trabalho apresenta a seguinte organização:
No primeiro capítulo, apresentamos uma discussão sobre o Ensino Médio no
Brasil, seu histórico e bases legais, bem como um estudo sobre a sua reforma. O
segundo capítulo faz referências aos estudos atuais sobre trajetórias escolares e
apresenta alguns conceitos chaves desenvolvidos por Bourdieu. No terceiro capítulo
apresentamos o resultado empírico das entrevistas realizadas, buscando compreender e
6
explicar como se constituem as trajetórias singulares de alunos concludentes do Ensino
Médio, considerando a origem social e as condições econômicas e culturais como
fatores determinantes que facilitaram ou dificultaram o seu progresso educacional. Nas
considerações finais, procuramos relacionar os principais achados da pesquisa e
relacioná-los com o referencial teórico utilizado para a construção da mesma.
CAPÍTULO 1
O ENSINO MÉDIO NO BRASIL
O ensino médio no Brasil tem-se constituído, ao longo da história da educação
brasileira, como um nível de difícil enfrentamento, em termos de sua concepção,
estrutura e forma de organização, em decorrência de sua própria natureza de mediação
entre a educação fundamental e o ensino superior.
Segundo Kuenzer (2001), toda a problemática da educação média gira em torno
da tensão entre dois pólos: o formativo e o profissionalizante. Esse debate está
instalado, historicamente, ao se discutir as identidades propedêutica e profissionalizante.
Para a autora,
a formação dos trabalhadores e cidadãos no Brasil constituiu-se historicamente a
partir da categoria dualidade estrutural, uma vez que havia uma nítida demarcação da
trajetória educacional dos que iriam desempenhar as funções intelectuais ou
instrumentais, em uma sociedade cujo desenvolvimento das forças produtivas
delimitava claramente a divisão entre capital e trabalho traduzida no taylorismo-
fordismo como ruptura entre as atividades de planejamento e supervisão por um lado,
e de execução por outro (Kuenzer, 2001, p.27).
A essas duas funções do sistema produtivo correspondiam trajetórias
educacionais e escolas diferenciadas.
Para a autora, ao ensino médio, por estar no meio (médio), é exigido o
enfrentamento adequado de tensão entre educação geral e específica na elaboração da
proposta pedagógica de cada etapa do desenvolvimento das forças produtivas,
buscando, assim, a síntese historicamente possível de múltiplas determinações infra-
estruturais e políticas que caracterizam cada momento.
Dessa forma, a história do ensino médio no Brasil é a história do enfrentamento
desta tensão, que leva, segundo Kuenzer (2001), à polarização, em vez da síntese,
fazendo dessa dualidade estrutural a categoria de análise por excelência, para a
compreensão das propostas que se desenvolvem a partir dos anos 1940.
Para Kuenzer ,
7
A análise das propostas de estrutura e organização do sistema escolar, no
transcurso das nove reformas por que passou o ensino secundário, mostra que sua
característica mais geral sempre foi a de ensino primário seguido pelo ensino
secundário propedêutico e completado pelo ensino superior, este sim dividido em
ramos profissionais. Para atingi-lo, o estudante sempre teve que vencer inúmeras
barreiras, entre vestibulares e aprovações sucessivas, para que, ao final de no mínimo
15 anos tivesse acesso à certificação formal superior que pretensamente lhe abriria as
portas do mercado de trabalho
(2001, p.11).
Mesmo a formação intelectual estando sob a responsabilidade da escola, a
dualidade estrutural se faz sentir desde o início do século, sendo inicialmente como
diferenciação restrita aos cursos primário e ginasial. Assim,
até 1932, ao curso primário havia as opções de curso rural e curso profissional, todas
com quatro anos de duração, às quais poderiam suceder outras alternativas de
formação exclusiva para o mundo no trabalho no nível ginasial: normal, técnico
comercial e técnico agrícola. Essas modalidades voltavam-se para as demandas de um
processo produtivo em que as atividades nos setores secundário e terciário eram
incipientes, e não davam acesso ao ensino superior. (2001; p.11)
Para as elites havia outra trajetória: o ensino primário seguido pelo secundário
propedêutico, completado pelo ensino superior, este sim dividido em ramos
profissionais.
Fica claro, então, que essa sociedade delimitava a ação de seu sujeito, a partir
de suas opções acadêmicas, deixando claramente demarcada a divisão social e técnica
dos que “pensam e dos que fazem”.
Mesmo com advento da reforma Francisco Campos, em1932, esta característica
marcante não se alterou. Apenas iniciou-se a estruturação do que foi, posteriormente, o
ciclo, secundário, com a criação dos cursos complementares. Esses cursos, sempre
propedêuticos, constituíram-se, segundo Kuenzer (2001; p.12),
em propostas pedagógicas diferenciadas, articuladas ao curso superior desejado: pré-
jurídico e pré-politécnico. Esses cursos complementares eram realizados na própria escola
de nível superior e tinham dois anos de duração, destinando-se aos que concluíram a 5ª
série do curso ginasial.
As demais modalidades (curso normal e o curso técnico profissional) também
passaram por processos de expansão, sem, contudo, alcançar equivalência para fins de
acesso aos cursos superiores.
8
Com a reforma Capanema (1942), e com a promulgação das leis orgânicas,
aqueles cursos (complementares), foram substituídos por cursos médios de ciclo, os
cursos colegiais os famosos científico e clássico. Nessa reforma, apesar da
manutenção de ramos distintos entre esse curso e os de caráter profissional, verifica-se,
de forma sutil, a primeira tentativa de articulação entre eles admitida mediante exames
de adaptação. Dessa forma, abria-se uma porta de acesso ao nível superior para aqueles
que cursavam os cursos secundários profissionalizantes.
Neste momento histórico, surgiram para atender a essa demanda bem definida de
divisão social e técnica, os sistemas SENAI (1942) e SENAC (1946). Neste mesmo
período, as escolas de aprendizes artífices transformaram-se em escolas técnicas
federais, com a Lei Orgânica do Ensino Industrial (l942).
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LBD
n
o
4024/61, manifesta-se pela primeira vez a articulação completa entre o secundário de
2º ciclo e profissional, para fins de acesso ao ensino superior.
Para Kuenzer (2001, p.15):
A diferenciação e o desenvolvimento dos vários ramos profissionais, em
decorrência do desenvolvimento crescente dos setores secundário e terciário,
acabaram por viabilizar o reconhecimento da legitimidade de outros saberes, não só
os de cunho geral, na etapa que se caracteriza como tradicional nova, do ponto de
vista do principio educativo.
A partir daí, Kuenzer (2001), nos diz que houve uma diferenciação no
princípio educativo que passou a mesclar um projeto pedagógico humanista de cunho
clássico, fundamentado no aprendizado das letras, artes, e humanidade (que continuou
sendo a ‘via’ para o ensino superior) com as opções profissionalizantes. Essa
diferenciação, contudo, alterou o princípio educativo tradicional que contemplou as
duas vertentes definidas pela divisão técnica e social, formando, assim, trabalhadores
instrumentais e trabalhadores intelectuais por meio de sistemas distintos.
Com isso, Kuenzer encerra seu pensamento com a seguinte reflexão:
A equivalência estabelecida pela Lei 4024/61, em que pese não superar a
dualidade estrutural, posto que permanecem duas redes, e a reconhecida,
socialmente continua a ser a que passa pelo secundário, sem sombra de duvida
trouxe significativo avanço para a democracia do ensino ( 2001, p.16 )
9
Em 1971, a Lei nº. 5.692/71 pretendeu substituir a dualidade pelo
estabelecimento da profissionalização compulsória no Ensino Médio. Desta forma,
todos teriam uma única trajetória.
A proposta de profissionalização universal e compulsória para o ensino de
grau (Lei 5692/71) representou uma tentativa de superar a dualidade estrutural do
ensino médio brasileiro, que separou a educação geral da formação profissional.
O fracasso das idéias presentes em seu contexto e nas linhas da legislação que
imediatamente a seguiram, porém, não apenas resgatou o dualismo anteriormente
vigente, como também acentuou a falta de identidade do grau como patamar de
ensino:
As dificuldades relativas à implantação do novo modelo complementadas
pela constatação de que, por várias razões, a euforia do milagre econômico não se
concretizaria nos patamares esperados de desenvolvimento pretendido, fizeram com
que a proposta de generalização da profissionalização no ensino médio caísse por
terra, antes mesmo de começar a ser implementada, através do parecer 76/1975,
que restabelecia a modalidade educação geral, posteriormente consagrada pela Lei
7.044/1982. Essa legislação apenas normatizou um novo arranjo conservador que já
vinha ocorrendo na prática nas escolas, reafirmando a organicidade da concepção de
ensino médio ao projeto dos já incluídos nos benefícios da produção e do consumo de
bens materiais e culturais: entrar na Universidade. (Kuenzer, 2001a, p. 30)
Para
Piletti e Piletti (2002, p.207), a lei Nº. 5692/71 ocasionou uma total
desorganização no ensino de 2º grau, na medida em que
os estabelecimentos foram obrigados a implantar habilitações profissionais, mesmo
sem as mínimas condições para tanto. O que se verificou então foi que grande parte
procurou burlar a lei ou cumpri-la da forma mais fácil possível: alguns elaboravam
um currículo oficial para fiscalização e outro para preparar o aluno para o vestibular:
muitos estabelecimentos implantaram as habilitações de menor custo, que exigissem
menos recursos, mesmo que não houvesse mercado de trabalho.
Para encerrar esse resumido momento da história da reforma do ensino de 2º Grau,
vale a pena recorrer à Chauí (1977), para quem a reforma não havia sido aqui planejada,
mas era decorrência do acordo MEC-USAID, com base na relação entre a educação e o
desenvolvimento, a segurança e a comunidade:
O item educação e desenvolvimento propunha a formação rápida de
profissionais que atendessem às necessidades urgentes do País quanto à
10
tecnologia avançada. Profissionalização rápida e privatização do ensino foram
objetivos prioritários da reforma voltada à criação de mão-de-obra-especializada
para um mercado em expansão (...) Educação e desenvolvimento não significa
mais do que educação e reprodução da dependência. Educação e segurança
visavam à formação do cidadão consciente, entendo-se por consciência o
civismo e o desejo de resolver os “problemas brasileiros”. (...) O item educação
e comunidade (...) Traduzido em miúdos, era esse o tópico referente à ligação
escola-empresa (já que por comunidade se entendia os empresários) esta
integração visava ao fornecimento de mão-de-obra barata às empresas e o
surgimento de uma elite de pseudo- pesquisadores (que seriam capazes de tudo,
menos de pesquisa).
Abordando ainda a questão da especificidade das regiões mais desfavorecidas do
País, onde os reformadores recusaram utilizar como parâmetro o padrão de ensino nos
estados mais privilegiados, mas também deram ênfase aos critérios regionais, ela cita as
aberrações em decorrência disso: falta de recursos materiais humanos somada à busca
do lucro fez que os cursos profissionalizantes fossem qualquer coisa, menos
profissionalizantes.
Outro aspecto da reforma, enfatizado por Chauí (1977), refere-se à idéia do saber.
A tarefa inicial da escola (diz a reforma) é trazer à consciência da criança aquilo que é
vivido espontaneamente por ela. Como suas experiências são fragmentárias, a tarefa das
áreas de estudo e, posteriormente, das disciplinas seria a organização sistemática de tais
experiências na forma de conhecimento. Aparentemente é progressiva: “motiva” a
criança, amplia seus horizontes, mas ao contrário disso, no lugar de tomar o
conhecimento como reflexão crítica sobre os dados da experiência, a lei afirma que o
saber sistematiza a experiência imediata: Há um empirismo grosseiro nesta lei que
supõe ser o conhecimento a mera ordenação do que a experiência imediata fornece de
forma dispersa.
Chauí (1977), ainda, faz críticas aos reformadores, na medida em que considera
que eles seriam tão ineptos, que nem conseguiriam entender as críticas que ela lhes
fazia:
A reforma é mais lamentável do que poderíamos supor, porque os
reformadores nem podem entender a critica que lhes fazemos em nome da pesquisa;
nem sabem eles o que estamos falando. O conhecimento, segundo a reforma não é
mais do que o espelho ordenado do real, trazendo à nossa consciência a imagem de
um mundo unitário e sem tensões. Sob o empirismo grosseiro e uma visão grotesca do
saber esconde-se na reforma uma concepção burocrática da razão e da sociedade.
11
Por fim, destaca o caráter ideológico da reforma, que, segundo Chauí (1977),
pretendia fazer levar aos estudantes uma visão harmônica da sociedade brasileira de
então:
A paz racional e a paz social sustentam uma reforma de ensino que é a exaltação
da “razão burocrática”, isto é, a destruição da reflexão crítica em nome de uma
racionalidade reduzida à integração e a ordenação. Assim se preocupa inculcar nos
estudantes a imagem de que são membros de uma sociedade homogênea e harmônica na
qual as diferenças entre os cidadãos decorrem da natureza ou do acaso, e onde os conflitos
são um mero acidente perfeitamente suprimível. Saber integrado e sociedade integrada
são uma só e mesma coisa.
O Ensino Médio hoje
A atual LDB Nº. 9394/96 foi aprovada em 17 de Dezembro de 1996, como lei
ordinária no Congresso Nacional, cuja aprovação aconteceu após aproximadamente oito
anos de discussões, com acordos e desacordos em torno de seu processo de elaboração.
Como toda lei de alto interesse para os diferentes segmentos sociais, causou
muitas polêmicas que foram compondo um cenário formado por diferentes grupos
sociais que procuravam defender interesses distintos e, até mesmo, antagônicos,
provocando a necessidade de novas negociações devido à divergência de interesses de
natureza conflitante.
Em meio a tanta divergência, na avaliação de Pino (1997), era até previsível que
a nova Lei acumulasse uma significativa quantidade de substitutivos durante a
tramitação de todo o processo de sua elaboração, uma vez que representantes de
aproximadamente quarenta entidades nacionais ligadas à educação, dentre eles o Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB, além de órgãos oficiais e deputados,
discutiam e defendiam as suas posições, frente a outros grupos, mais conservadores, que
procuravam, por sua vez, a aprovação de medidas de cunho mais elitista.
Outro ponto que contribuiu para retardar ainda mais este processo, foi, segundo
Pino (1997, p. 15), o fato de que
com o avanço dos anos 90, as posições no campo educacional, longe de se tornarem
mais convergentes, tornaram-se mais embaralhadas. Elas convergem apenas na
identificação da existência da crise dos sistemas e das políticas educacionais.
Divergem na análise dos encaminhamentos das soluções e práticas sociais.
12
Em meio a grandes divergências político-ideológicas, a LDB foi finalmente
votada e aprovada, em 17 de dezembro de 1996, pela Câmara dos Deputados e
sancionada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
transformando-se na Lei nº. 9394/96, em 20 de dezembro de 1996, publicada no Diário
Oficial da União, em 23 de dezembro de 1996, quando efetivamente passou a vigorar.
Com relação ao ensino médio, uma primeira grande modificação da nova lei
consta de seu artigo 35, pelo qual o ensino médio é definido como a etapa final da
educação básica, com duração mínima de três anos, apresentando as seguintes
finalidades:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética
e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV a compreensão dos fundamentos científicos tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (Brasil,
Lei N
o
. 9394/96, Art 35)
No que se refere ao currículo e organização pedagógica do ensino médio, a Lei
9394/96 propõe:
Art. 36 o currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste
capitulo e as seguintes diretrizes:
I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da
ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e
da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao
conhecimento e exercício da cidadania;
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa
dos estudantes;
III será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,
dentro das disponibilidades da instituição;
§ - Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:
I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a formação
moderna;
II – conhecimentos das formas contemporâneas de linguagem;
III domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania.
§ 2º - O ensino médio atendia a formação geral do educando, poderá prepará-
lo para o exercício de profissões técnicas.
13
§ - Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao
prosseguimento dos estudos.
§ - A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação
profissional, poderá ser desenvolvida nos próprios estabelecimentos de ensino médio
ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.
Sendo assim caracterizado, o ensino médio deveria se constituir na última etapa
da educação básica a que todos tivessem direito. Porém, se no texto original da
Constituição Federal de 1988 estava garantida, no seu artigo 208, inciso II, a
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio”, este direito
sofre restrição a partir da Emenda Constitucional 14, que, no seu artigo 2º, nova
redação ao inciso I e II do artigo 208 da Constituição Federal:
I ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita
para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio.
O governo brasileiro, por meio da referida Emenda Constitucional 14, prioriza o
ensino fundamental. Embora tenha, com tal estratégia, postergado a necessidade de
responder de imediato à oferta do ensino médio para toda a população demandante, vê-
se diante do desafio de desenvolver estruturas de atendimento para esta etapa de ensino,
tendo em vista a crescente procura por matrícula dos egressos do ensino fundamental.
Assim, a “redução” da educação básica constitui-se em umas das principais
insuficiências a que assistimos nessa reforma, na medida em que o ensino médio terá
sua universalização garantida de forma progressiva, e mais, sem que essa
universalização implique na sua obrigatoriedade.
Porém, as estratégias de focalização do ensino fundamental têm resultado, como
esperado, em um aumento significativo do contingente de seus concluintes, o que tem
elevado em números expressivos a demanda por matrícula no ensino médio, como
mostra o quadro seguinte:
14
Quadro 1
Matrículas totais no ensino médio no Brasil (1991/2004)
Abrangência geográfica:
Brasil
Total
1991 3.772.698
1994 4.932.552
1995 5.739.077
1998 6.968.531
1999 7.769.199
2000 8.192.948
2001 8.398.008
2002 8.710.584
2003 9.072.942
2004 9.169.357
Fonte: Mec/Inep (1991/2004)
Assim, esta etapa da educação básica vem sendo cada vez mais procurada.
Segundo dados do quadro acima, a matrícula no ensino médio cresceu mais de 140%
entre os anos de 1991 e 1999, sendo que entre os anos de 1994 e 1999 teve uma taxa
anual de crescimento superior a 10%. Embora a taxa de escolarização líquida dos alunos
entre 15 e 17 anos tenha crescido, também, no mesmo período, chegando a 43,6%, o
MEC ainda a considera baixa que não ultrapassa os 33,4% desta faixa etária. Por
essas razões, o MEC considera que os atuais esforços deverão se concentrar na reforma
e expansão do ensino médio
1
. Embora o Ministério faça esse discurso, nos últimos anos
a taxa de crescimento desse nível de ensino caiu: se, em 1999, o crescimento da
matrícula foi na proporção 11,5% em relação ao ano anterior, em 2004 esse crescimento
caiu para 1,1% em relação ao número de matrículas em 2003. Além disso, embora o
índice de crescimento de 2004 tenha sido o mais baixo dos últimos sete anos, nos anos
posteriores a 1999 eles nunca ultrapassaram 5,5%.
A tabela a seguir nos mostra como ocorreu o crescimento do número de
matrículas no ensino médio entre os anos de 2000 e 2004, de acordo com cada
dependência administrativa (pública: federal, estadual e municipal e privada).
1
“Brasil mostra resultados e desafios na educação em fórum que reúne 196 países”. Disponível em
www.inep.gov.br (Notícias) 26/04/2000.
15
Tabela 1
Variação do número das matrículas no ensino médio, por
instância administrativa, entre 2000 e 2004
Crescimento/
Redução
Dependência
administrativa
2000 2004
%
Federal 112.343 67.652
-44.691 -39,8
Estadual 6.662.727 7.800.983
1.138.256 17,1
Municipal 264.459 189.331
-75.128 -28,4
Privada 1.153.419 1.111.391
-42.028 -03,6
Total 8.192.948 9.169.357
976.409 11,9
Fonte: MEC/INEP (2000/2004)
De acordo com os dados acima, é possível observar um aumento de 11,9% no
número de matrículas do ensino médio, causado pela ampliação das redes estaduais, já
que o número de matrículas nas redes federal, municipal e privada sofreram um
decréscimo. Observamos que foi a rede municipal, em termos de números absolutos,
que sofreu a maior redução no número de matrículas, enquanto que a rede privada,
tantos em termos percentuais quanto em números absolutos, foi a que sofreu menor
redução, podendo-se afirmar que, praticamente, manteve-se com número de matrículas
inalteradas nesse período.
No município de Fortaleza CE, de acordo com os resultados finais do Censo
Escolar, promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais -
INEP, temos a seguinte tabela de matrículas no ensino médio:
Tabela 2
Distribuição das matrículas no ensino médio, no município de Fortaleza,
por instância administrativa – 2000 a 2005
Rede
Ano
2000 2001 2002 2003 2004 2005
Estadual
75.834 81.721 95.078 105.601 108.955 115.714
Federal
2.380 2.071 1.807 1.610 1.357 1.302
Municipal
816 772 689 877 821 584
Privada
39.841 41.042 40.702 40.118 38.875 35.336
TOTAL 118.871 125.606 138.276 148.206 150.008 152.936
Fonte: MEC/INEP. Censo Educacional 2000, 2001, 2002, 2003, 2004.
16
De acordo com os dados da tabela anterior, a situação do ensino médio em
Fortaleza é muito semelhante ao quadro nacional, com ampliação expressiva das
matrículas na rede estadual, redução significativa nas redes federal e municipal (com
maior força na primeira) e pequena redução na rede privada, embora, aqui, o número
seja mais expressivo que no nível nacional, pois, embora tenha ocorrido um pequeno
aumento de matrículas nos anos de 2001 a 2003, chega a 2005 com índices mais baixos
que o ano base 2000 (11.3% contra 3,6%).
O MEC avalia que as razões para este crescimento do ensino médio devem ser
encontradas na ampliação da oferta e na melhoria do ensino fundamental, que resultou
na queda dos índices de repetência e evasão. Considera ainda as novas exigências do
mundo produtivo como um outro fator que tem trazido de volta à escola um contingente
significativo que dela estava afastado. Contudo, o próprio MEC reconhece que houve
uma explosão desordenada do ensino médio público, que foi obrigado a crescer
ocupando espaços ociosos do ensino fundamental. Desta forma, o ensino médio vem
sendo realizado em condições bastante precárias e sem condições físicas e pedagógicas
condizentes
2
.
Assim, ao mesmo tempo em que essa busca pela escolarização, assistimos
também ao descaso com que a educação pública vem sendo tratada no país. Sampaio
(2004), em seus estudos, questiona a reconfiguração das funções desempenhadas pela
escola pública, especialmente nas metrópoles, face às novas demandas sociais, que a
fazem depositária de múltiplas expectativas, como a maior proteção aos alunos e apoio
às famílias no enfrentamento da violência, a satisfação de necessidades de lazer da
população de seu entorno, a realização de projetos criados por organizações não-
governamentais, acarretando crescente secundarização e mesmo obscurecimento de seu
trabalho mais específico, relativo ao conhecimento, ao processo de ensinar e fazer
aprender - ferramentas básicas para compreender este mundo.
Com sua função específica o processo de ensinar e fazer aprender
secundarizada, parcela daqueles pais pertencentes à classe popular, que antes
mantinham seus filhos na escola pública de nível médio, passaram a acreditar que a
saída à desclassificação seria a escola privada. Desta forma, mesmo com reduzido
capital econômico, estas famílias passaram a sacrificar-se sobremaneira para matricular
2
Os desafios da inclusão. Disponível em www.mec.gov.br /semtec
17
e manter seus filhos na escola privada de nível médio, pois a escolarização formal é
ainda por eles considerada como instrumento que possibilitaria superar as barreiras de
classe.
18
CAPÍTULO 2
TRAJETÓRIAS SINGULARES
Nas últimas décadas, os acontecimentos relacionados às transformações no
contexto social, político e educacional (tais como o prolongamento da escolaridade e o
aumento das taxas de desemprego, especialmente entre os jovens), as mudanças no
campo da sociologia com a recomposição da problemática das desigualdades de
escolarização entre classes sociais, como também a uma renovação nas pesquisas,
contribuíram, para que os estudantes ocupassem um novo lugar nos estudos
sociológicos da educação. Dessa renovação, destacam-se estudos voltados para os
processos escolares, envolvendo, entre outras questões, as estratégias familiares de
escolarização, as variações nas configurações escolares entre grupos sociais e no interior
de um mesmo grupo.
Zago (2006, p. 226) cita, entre os trabalhos produzidos nesta direção, algumas
tendências de pesquisa que elegem a problemática do estudante universitário de origem
popular.
Nas últimas décadas, estudos no campo da sociologia da educação produzidos no
Brasil e no exterior vêm fornecendo indicadores teóricos importantes para
problematizar o que tem sido chamado “longevidade escolar”, casos “atípicos” ou
“trajetórias excepcionais” nos meios populares. Trata-se de uma linha inovadora, haja
vista ser relativamente recente na disciplina o interesse pelos casos que fogem à
tendência dominante, voltada para o chamado fracasso escolar nesses meios sociais.
Zago (2006) cita alguns exemplos dessas contribuições. Dente eles destacamos
a produção estrangeira de Lahire (1997) e Laureans (1992), e no Brasil, os trabalhos de
Zago, Romanelli, Nogueira, M. A (2000); Viana (1998); Silva (2003). Parte desta
produção define-se, mais explicitamente, na linha de investigação da relação família-
escola e na busca de explicações dos processos que possibilitam aos jovens o
rompimento com a tradição freqüente em seu meio de origem: uma escolaridade de
curta duração. O interesse destes estudos volta-se para outros elementos constitutivos de
trajetórias bem-sucedidas, como por exemplo, as práticas dos pais no processo de
escolarização dos filhos (Zago, 2006; p. 227).
19
O estudo de Lahire (1997), por exemplo, trata das possibilidades de sucesso
escolar de crianças pertencentes a famílias dos meios populares de Lyon. Embora as
relações sócio-afetivas não assumam papel relevante na pesquisa, ainda assim Lahire
aponta, mesmo que tangencialmente e em situações específicas, a importância deste
vínculo entre pais e filhos para o seu bom desempenho escolar:
O apoio moral, afetivo, simbólico se mostra tanto mais importante quanto sejam
pequenos os investimentos familiares (por exemplo, o caso de pais analfabetos). Ele
possibilita à criança sentir-se investida de uma importância exatamente por aqueles de
quem ela está em via de separar-se (1997, p. 172).
Nessa mesma linha de problematização, identificaram-se pesquisas com
universitários moradores da favela, cujo objetivo foi conhecer que elementos motivam
estes jovens a desenvolver estratégias integradoras que se contrapõem ao processo de
exclusão. Observam Mariz, Fernades e Batista (1999, p. 324-325) que
o aparecimento desses universitários indica uma tendência de mudança nas favelas, e
que o perfil desses indivíduos e sua visão de mundo pode ajudar a entender que
mudança é essa, que fatores contribuem para ela e que direção parece estar tomando.
Nesse sentido, concordam que estudar esses casos, identificando “o que permite
alguns fugir ao círculo vicioso que leva à exclusão e à marginalidade, pode ser tão ou
mais útil para propostas de políticas sociais quanto apontar esse circulo vicioso” (1999,
p 324-325).
A constatação de que “existe um grupo de estudantes pobres e muito pobres que
estão conseguindo ultrapassar barreiras ao longo de suas trajetórias escolares, ingressar
e permanecer nas universidades públicas” (Bori & Durham, 2000, p. 41) deve ser
acompanhada de estudos que permitam conhecer as reais condições desta escolarização.
Esta tendência remete à pesquisa sociológica voltada para a condição do aluno
universitário, linha identificada nos estudos de Zago (2006).
De acordo com Zago, a reduzida representatividade no ensino superior por parte
dos habitantes da favela pode igualmente ser verificada entre a população incluída nos
níveis mais baixos de renda.
20
Não se está falando, portanto, de “minorias”, mas de uma grande maioria
excluída do sistema de ensino superior brasileiro, sobretudo se considerarmos que na
faixa etária de 18 a 24 anos apenas 9% freqüenta esse nível de ensino, um dos
percentuais mais baixos do mundo, mesmo entre os paises da América Latina. A
expansão quantitativa do ensino superior brasileiro não beneficiou a população de
baixa renda, que depende essencialmente do ensino público. A universidade pública
expandiu-se no período compreendido entre 1930 e 1970, mas desse período até os
dias atuais as políticas mercantilistas do ensino superior fortaleceram o setor privado,
que hoje detém aproximadamente 90% das instituições e 70% do total de matrículas
(INEP, 2004; p. 8-19). A ampliação do número de vagas foi considerável nos últimos
anos, mas sua polarização no ensino pago não reduziu as desigualdades entre grupos
sociais (2006; p. 227-228).
Com relação à questão da trajetória singular de alunos concluintes do ensino
médio, objeto de interesse deste estudo, foi possível constatar estudos como o de Zago
(2002, 2006), que vários anos desenvolve pesquisas sobre escolarização nos meios
populares, voltadas especialmente para as trajetórias escolares no ensino fundamental e
médio e, mais recentemente, no ensino superior. Suas pesquisas chegam à conclusão
que a presença das camadas populares no ensino superior não oculta as reais diferenças
sociais dos estudantes. Os resultados das pesquisas indicam efeitos dessas diferenças
verificados na composição social dos cursos e no exercício da vida acadêmica, nas suas
mais variadas dimensões.
Como nosso estudo volta-se para análise de trajetórias singulares de famílias
pertencentes a uma determinada fração da classe popular que adotam estratégias
específicas, comuns nas classes médias, consideramos importante destacar, também, os
estudos de grupos de pesquisas que procura examinar e discutir o modo como as
famílias de classe média mobilizam-se para que seus filhos obtenham um diploma de
cursos superior. Neste grupo, podemos citar Almeida, Nogueira, Prado (2000);
Foracchi, (1965); Nogueira M.A, (1995, 1998); Romanelli, (1986, 1995).
Segundo Romanelli, para se apreender como as famílias das camadas
médias pensam a escolarização dos filhos, é necessário examinar a relação
família/escola, pois, de um modo geral, a família é unidade de reprodução social, e
como tal, tem “um papel determinante na manutenção da ordem social, na reprodução,
não apenas biológica, mas social, isto é, na reprodução da estrutura do espaço social e
das relações sociais” (Bourdieu, 1996; p. 131, apud Romanelli 2000; p.104).
A reprodução social como processo de transmissão da herança familiar para os
filhos ocorre através da difusão de diversos tipos de capital simbólico, econômico,
21
cultural, social. Nesse sentido, “a família permanece um dos lugares de acumulação, de
conservação e de reprodução de diferentes tipos de capital” (Bourdieu, 1996, p. 177).
Para fazer a análise destas trajetórias singulares em nosso estudo, faz-se
necessário recorrer aos estudos teóricos de Pierre Bourdieu, sociólogo francês que,
segundo Nogueira e Nogueira (2002, p.16), teve o mérito de formular, a partir dos anos
60, uma resposta original, abrangente e bem fundamentada, teórica e empiricamente,
para o problema das desigualdades escolares, oferecendo-nos um novo modelo de
interpretação da escola e da educação.
Sua obra é resultado de inúmeras pesquisas empíricas realizadas no sistema
escolar francês. Ainda segundo Nogueira e Nogueira, uma das teses centrais da
sociologia da educação de Bourdieu é a de que
os alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições relativamente
igualitárias na escola, mas atores socialmente constituídos que trazem, em larga
medida incorporada, uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos
rentável no mercado escolar. O grau variado de sucesso alcançado pelos alunos ao
longo de seus percursos escolares não poderia ser explicado por seus dons pessoais
relacionados à sua constituição biológica ou psicológica particular -, mas por sua
origem social, que os colocaria em condições mais ou menos favoráveis diante das
exigências escolares (Nogueira e Nogueira, 2002, p.18).
Bourdieu nos oferece um novo modelo de interpretar a educação e a escola. Até
então “supunha-se que através da escola pública e gratuita seria resolvido o problema do
acesso à educação e, assim, garantida, em princípio, a igualdade de oportunidades entre
os cidadãos” (Nogueira e Nogueira; 2006, p.12). A escola seria, nessa perspectiva, uma
instituição neutra, que difundiria um conhecimento racional e objetivo e que
selecionaria seus alunos com base em critérios racionais.
O que ocorre nos anos 60 é uma profunda crise desta concepção de escola. Sobre
esta crise, Nogueira e Nogueira nos diz, em primeiro lugar,
que a partir dos anos 50 , a divulgação de uma série de grandes pesquisas quantitativas
patrocinadas pelos governos inglês, americano e francês que em resumo, mostraram de
forma clara, o peso da origem social sobre os destinos escolares [...]. A partir deles,
tornou-se imperativo reconhecer que o desempenho escolar não dependia apenas, o
simplesmente, dos dons individuais, mas da origem social dos alunos (classe, etnia,
sexo, local de moradia, etc). Em segundo lugar, a mudança no olhar sobre a educação
nos anos 60 está relacionada a certos efeitos inesperados da massificação de ensino.
Assim, deve-se considerar o progressivo sentimento de frustração dos estudantes,
particularmente os franceses, com o caráter autoritário e elitista do sistema educacional
22
e com o baixo retorno social e econômico auferido pelos certificados escolares no
mercado de trabalho (2006; pp.13,14).
Bourdieu propõe então, um novo modelo de escola que, pelo menos num
primeiro momento, segundo Nogueira e Nogueira (2006; p. 14), “pareceu ser capaz de
explicar tudo o que a perspectiva anterior não conseguia. A frustração dos jovens das
camadas médias e populares diante das falsas promessas do sistema de ensino converte-
se em uma evidência a mais que corrobora as novas teses propostas por Bourdieu”.
Onde se via igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a
ver reprodução e legitimação das desigualdades sociais.
Resumidamente, as reflexões de Bourdieu sobre a escola é que esta não seria
“uma instituição neutra que transmitiria uma forma de conhecimento superior às outras
formas de conhecimento, e que avaliaria os alunos com base em critérios universalistas;
mas, ao contrário, ela é concebida como uma instituição a serviço da reprodução e da
legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes” (Nogueira e Nogueira;
2006; p. 83).
Sua Sociologia segue alguns conceitos chaves. Em seguida, analisaremos alguns
dos conceitos desenvolvidos por este autor – notadamente os de habitus, espaço social e
capital (econômico, cultural, social) – buscando evidenciar o modo como eles servem na
construção de uma sociologia renovada.
Elementos centrais da Sociologia de Pierre Bourdieu
Segundo Nogueira e Nogueira (2006; p.23),
umas das possibilidades de se interpretar a obra de Bourdieu consiste em concebê-la
como orientada por um desafio teórico central: constituir uma abordagem sociológica
capaz de superar, simultaneamente, as distorções e os reducionismos associados ao que
ele chama de formas subjetivistas e objetivistas de conhecimento, ou seja, por um lado,
evitar que a Sociologia restrinja-se tomando-o como independente, ao plano da
experiência e consciência prática imediata dos sujeitos, às percepções intenções e ações
dos membros da sociedade, e, por outro, que ela se atenha exclusivamente ao plano das
estruturas objetivas, reduzindo a ação a uma execução mecânica de determinismos
estruturais reificados.
Bourdieu (1983) nos diz que é possível conhecer o mundo social de três formas:
fenomenológica, objetivista e praxiológica. O primeiro, restringir-se-ia, segundo o
23
autor, a captar a experiência primeira do mundo social, tal como vivida cotidianamente
pelos membros da sociedade. Tal enfoque, por não considerar o caráter socialmente
condicionado das atitudes e comportamentos individuais, contribui para uma concepção
ilusória do mundo social e do sujeito, a quem atribui excessiva autonomia e consciência,
quanto à condução de suas ações e interações.
Em contraposição ao subjetivismo, o conhecimento objetivista caracteriza-se
pela ruptura que promove em relação à experiência subjetiva imediata. Essa experiência
seria entendida como estruturada por relações objetivas que ultrapassam o plano da
consciência e intencionalidade individuais. Nogueira e Nogueira nos dizem que,
Por um lado como sugerem suas críticas ao subjetivismo, Bourdieu considera legítima e
necessária essa ruptura com a experiência imediata promovida pelo objetivismo. Essa
ruptura seria a condição primeira para um conhecimento científico do mundo social [...]
Por outro lado, no entanto, o objetivismo implicaria certos riscos bastante sérios.
Fundamentalmente Bourdieu mostra-se preocupado com a dificuldade do objetivismo
de construir uma teoria da prática, ou seja, de explicar como se dá a articulação entre os
planos da estrutura e da ação [...] Em poucas palavras, o conhecimento objetivista não
forneceria instrumentos conceituais adequados para se compreender a mediação entre
estrutura e prática. A prática seria apresentada como decorrência direta, mecânica, da
estrutura, tal como definida pelo sociólogo. Os mecanismos ou processos intervenientes
nessa passagem da estrutura para a prática não seriam suficientemente explicitados.
(2006; p.25, 26)
Por fim, Bourdieu nos fala sobre o terceiro tipo de conhecimento, chamado
praxiológico. Segundo Nogueira e Nogueira (2006; p.26), este tipo de conhecimento
chamado praxiológico é apresentado e definido por Bourdieu como uma alternativa
capaz de solucionar os problemas do subjetivismo e do objetivismo. Nos termos do
autor (1983; p.47),
Esse tipo de conhecimento “tem como objeto não somente o sistema de relações
objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações
dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas, nas quais elas se atualizam
e que tendem a reproduzi-las”. O conhecimento praxiológico não se restringiria a
identificar estruturas objetivas externas aos indivíduos, tal como o faz o objetivismo,
mas buscaria investigar como essas estruturas encontram-se interiorizadas nos sujeitos
constituindo um conjunto estável de disposições estruturadas que, por sua vez,
estruturam as práticas e as representações das práticas. Essa forma de conhecimento
buscaria apreender, então, a própria articulação entre o plano de ação ou das práticas
subjetivas e o plano das estruturas, ou, como repetidamente refere-se o autor, o processo
de “interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade”. (apud Nogueira
e Nogueira; 2006; p,26)
24
Ainda segundo Nogueira e Nogueira (2006; p. 27), a questão fundamental de
Bourdieu é a de como entender o caráter estruturado ou ordenado das práticas sociais
sem cair, por um lado, na concepção subjetivista segundo a qual essas práticas seriam
organizadas autônoma, consciente e deliberadamente pelos sujeitos sociais, e por outro,
na perspectiva objetivista, que as reduziria à execução mecânica de estruturas externas e
reificadas.
Para resolver essa questão, Bourdieu afirma
que seria necessário e suficiente ir do opus operatum ao modus operandi, da
regularidade estatística ou da estrutura algébrica ao princípio de produção dessa ordem
observada”. A esse principio de produção, incorporado nos próprios sujeitos, Bourdieu
denomina “habitus”, entendido como sistema de disposições duráveis estruturadas de
acordo com o meio social dos sujeitos e que seriam “predispostas a funcionar como
estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das
representações (Bourdieu, 1983; p. 61 apud Nogueira e Nogueira 2006; p. 27)
O conceito de habitus seria, assim, a ponte, a mediação entre as dimensões
objetiva e subjetiva do mundo social, ou simplesmente, entre a estrutura e a prática.
Para Nogueira e Nogueira (2006; 29), é importante, então, observar
que o conceito de habitus desempenha, na obra de Bourdieu, o papel de elo articulador
entre três dimensões fundamentais de análise: a estrutura das posições objetivas, a
subjetividade dos indivíduos e as situações concretas de ão. É por meio dele que
Bourdieu acredita superar os inconvenientes do subjetivismo e objetivismo. A posição
de cada sujeito na estrutura das relações objetivas proporcionaria um conjunto de
vivências típicas que tenderiam a se consolidar na forma de um habitus adequado à sua
posição social. Esse habitus, por sua vez, faria com que esse sujeito agisse nas mais
diversas situações sociais, não como um indivíduo qualquer, mas como um membro
típico de um grupo ou classe social que ocupa uma posição determinada nas estruturas
sociais. Ao agir dessa forma, finalmente, o sujeito colaboraria, sem o saber, para
reproduzir as propriedades de origem e a própria estrutura das posições sociais na qual
ele foi formado.
Bourdieu formulou também, a partir de suas investigações, os conceitos de
capital cultural e capital social. O primeiro foi formulado
para dar conta da desigualdade de desempenho escolar de crianças provenientes de
diferentes classes sociais, relacionando o “sucesso escolar”, ou seja, os benefícios
específicos que as crianças das diferentes classes e frações de classe podem obter no
mercado escolar, à distribuição do capital cultural entre as classes e frações de classes.
(Bourdieu, 1998; p. 73)
25
Ainda segundo o autor, o capital cultural existe sob três formas: a) no estado
incorporado sua acumulação está ligada ao corpo, exigindo incorporação, que
demanda tempo e pressupõe um trabalho de inculcação e assimilação. Esse tempo
necessário deve ser investido pessoalmente pelo receptor; b) no estado objetivado sob
a forma de bens culturais (quadros, livros, dicionários) transmissíveis de maneira
relativamente instantânea; c) no estado institucionalizado consolidando-se nos títulos
e certificados escolares.
Cabe desde já observar, segundo Nogueira e Nogueira (2002, p.21), que do
ponto de vista de Bourdieu,
o capital cultural constitui (sobretudo, na sua forma incorporada), o elemento da
bagagem familiar que teria o maior impacto na definição do destino escolar. A
sociologia da educação de Bourdieu se notabiliza, justamente, pela diminuição que
promove do peso do fator econômico, comparativamente ao cultural, na explicação das
desigualdades escolares. Em primeiro lugar, a posse de capital cultural favoreceria o
desempenho escolar na medida em que facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e
códigos escolares. As referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos
(cultos, apropriados) e o domínio maior ou menor da língua culta, trazidos de casa por
certas crianças, facilitariam o aprendizado escolar na medida em que funcionariam
como uma ponte entre o mundo familiar e a cultura escolar. A educação escolar, no
caso das crianças oriundas de meios culturalmente favorecidos, seria uma espécie de
continuação da educação familiar, enquanto para as outras crianças significaria algo
estranho, distante, ou mesmo ameaçador.
Desta forma, o capital cultural constitui um elemento muito forte na garantia de
êxito escolar, pois o nível cultural global do grupo familiar mantém estreita relação com
o êxito escolar da criança. No entanto, ao analisar as vantagens e desvantagens culturais,
é necessário levar em conta não apenas o nível cultural do pai e da mãe, mas também os
dos antecedentes e do conjunto dos membros da família extensa, bem como o do local
de residência. Segundo Bourdieu,
uma análise multivariada, levando em conta não somente o nível cultural do pai e da
mãe, o dos avós maternos e paternos e a residência no momento dos estudos superiores
e durante a adolescência, mas também um conjunto de características do passado
escolar, como, por exemplo, o ramo do curso secundário (clássico, moderno ou outro) e
o tipo de estabelecimento (colégio ou liceu, instituição pública ou privada), permite
explicar quase inteiramente os diferentes graus de êxito obtidos pelos diferentes
subgrupos definidos pela combinação desses critérios; e isso sem apelar, absolutamente,
para as desigualdades inatas. (1998; p.43)
Já o conceito de capital social, é para Bourdieu,
26
o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede
durável de relações mais ou menos institucionalizadas de inter-reconhecimento ou, em
outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são
dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos
outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis.
[...] O volume do capital social que um agente individual possui depende da extensão da
rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital
(econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem
está ligado. (Bourdieu,
1998, p.67),
Bourdieu escreve ainda que a reprodução do capital social é tributária de
instituições que visam favorecer as trocas legítimas e excluir as trocas ilegítimas,
produzindo ocasiões, lugares ou práticas que reúnem de maneira aparentemente fortuita,
indivíduos tão homogêneos quanto possível, sob todos os aspectos pertinentes do ponto
de vista da existência e pertinência do grupo.
A existência desta rede de relações não é, segundo Bourdieu,
um dado natural, nem mesmo um dado social, constituído de uma vez por todas e para
sempre por um ato social de instituição; mas o produto do trabalho de instauração e de
manutenção que é necessário para produzir e reproduzir relações duráveis e úteis aptas a
proporcionar lucros materiais e simbólicos. A reprodução do capital social também é
tributária do trabalho de sociabilidade, série contínua de trocas onde se afirma e
reafirma incessantemente e que supõe, além de uma competência específica e de uma
disposição adquirida para obter e manter essa competência, um dispêndio constante de
tempo e esforços e também, muito freqüentemente, de capital econômico.
(Bourdieu;
1998, p.68),
Outro aspecto a ser considerado é a familiaridade com o sistema escolar, que
permite aos pais formularem estratégias para melhor encaminhamento escolar de seus
filhos. Desta forma, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes
sociais estarão contribuindo para que alunos de determinadas classes sociais tenham
maiores chances de sucesso na escola, isto porque a cultura de elite é muito próxima da
cultura escolar e o acesso às informações sobre o mundo escolar, das melhores escolas e
cursos, é facultada, principalmente, aos mais abastados.
Ainda segundo Bourdieu (1998), a cultura escolar que consagra a cultura das
classes dominantes como universal e a legitima como superior e neutra,
conseqüentemente, privilegia os alunos provenientes dessas classes, até mesmo no
momento da escolha do melhor curso, da melhor escola.
27
Sendo assim, percebe-se uma estreita relação entre capital cultural, capital social
e capital econômico. O capital social e o capital econômico auxiliam na ampliação do
cultural, na medida em que facilitam o acesso aos bens culturais e às melhores escolas.
Para Bourdieu (1998; p. 45), “em todos os domínios da cultura, teatro, sica, pintura,
jazz, cinema, os conhecimentos dos estudantes são tão mais ricos e extensos quanto
mais elevada é a sua origem social”. No entanto, o autor também afirma que “o
rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido
pela família e que o rendimento econômico e social do certificado depende do capital
social – também herdado – que pode ser colocado a seu serviço” (1998; p.74).
Nogueira e Nogueira (2002) nos dizem que Bourdieu distingue freqüentemente
três conjuntos de disposições e de estratégias de investimento escolar que seriam
adotadas tendencialmente pelas classes populares, classes médias (ou pequena
burguesia) e elite. Cada grupo social, de acordo com as suas condições objetivas, exclui
a possibilidade de desejar o impossível e cria estratégia de investimento escolar de
acordo com as possibilidades reais. Com relação às estratégias adotadas pela classe
popular grupo de interesse deste estudo com limitações econômicas e culturais,
tenderia a investir de modo moderado no sistema de ensino:
a vida escolar dos filhos não seria acompanhada de modo muito sistemático e nem
haveria uma cobrança intensiva em relação ao sucesso escolar. As aspirações escolares
deste grupo seriam moderadas. Esperar-se-ia dos filhos que eles estudassem apenas o
suficiente para se manter (o que, normalmente, dada a inflação dos títulos, significa,
de qualquer forma, alcançar uma escolarização superior à dos pais) ou se elevar
ligeiramente em relação ao nível socioeconômico dos pais. Essas famílias tenderiam,
assim, a privilegiar as carreiras escolares mais curtas, que dão acesso mais rapidamente
à inserção profissional (2002; p. 24).
Assim, essas famílias tenderiam a investir pouco na carreira escolar de seus
filhos, pois o retorno do investimento e as chances reais de ascensão não estão
garantidas.
Com relação às estratégias adotadas pela classe média, Nogueira e Nogueira nos
dizem que
as classes médias ou pequena burguesia tenderiam a investir pesada e
sistematicamente na escolarização dos filhos. Esse comportamento se explicaria, em
primeiro lugar, pelas chances objetivamente superiores (em comparação com as
28
classes populares) dos filhos das classes médias alcançarem o sucesso escolar. As
famílias desse grupo social possuiriam um volume razoável de capitais que lhes
permitiria apostar no mercado escolar sem correr tantos riscos. Para Bourdieu, no
entanto, o comportamento das famílias das classes médias não pode ser explicado
apenas pelas chances comparativamente superiores dos filhos dessas famílias
alcançarem o sucesso escolar. Bourdieu observa que é necessário considerar,
igualmente, as expectativas quanto ao futuro sustentadas por esses grupos sociais.
Originárias, em grande parte, das camadas populares e tendo ascendido às classes
médias por meio da escolarização, as famílias de classe média nutririam esperanças
de continuarem sua ascensão social, em direção às elites. Todas as condutas das
classes médias poderiam ser entendidas, então, como parte de um esforço mais amplo
com vistas a criar condições favoráveis à ascensão social.[...] As famílias de classe
média – particularmente aquelas originárias das camadas populares e que detêm,
portanto, um limitado capital cultural empreenderiam um série de ações (compra de
livros freqüência a eventos culturais, etc.) com vistas à aquisição de capital cultural.
(2002; p. 24-25)
Com relação às estratégias adotadas pela elite, Bourdieu nos fala que este grupo
tenderia a investir na escola de uma forma mais diletante e descontraída. Segundo
Bourdieu, as condições objetivas, configuradas na posse de um volume expressivo de
capitais econômicos, sociais e culturais, tornariam o fracasso escolar bastante
improvável (Nogueira e Nogueira; 2006; p. 82).
Ainda segundo Nogueira e Nogueira (2002), essa análise de Bourdieu, centrada
no conceito de classe social, tem sido criticada por pelo menos duas razões principais.
Em primeiro lugar, uma série de pesquisas tem acentuado que a categoria classe social
não seria suficiente como critério de diferenciação dos grupos familiares, segundo suas
práticas escolares. Mesmo a divisão em frações de classes, utilizada largamente pelo
próprio Bourdieu, seria por demais abrangente para captar certas diferenças entre as
famílias.
Um segundo problema apontado pelos críticos na teoria das classes sociais de
Bourdieu diz respeito aos processos de formação e de transmissão do habitus familiar.
Esse habitus não seria formado necessariamente na direção que se poderia imaginar,
dadas às condições objetivas, e nem seria transmitido aos filhos de modo automático.
Lahire (1997) observa que é necessário estudar a dinâmica interna de cada família, as
relações de interdependência social e afetiva entre seus membros, para se entender o
grau e o modo como os recursos disponíveis (os vários capitais e o habitus incorporado
dos pais) são ou não transmitidos aos filhos. A tese central subentendida no argumento
de Lahire é, segundo Nogueira e Nogueira, que a experiência de vida de um sujeito
29
particular dificilmente pode ser deduzida do seu pertencimento a uma única coletividade
ou do fato de estar inserido numa posição específica da estrutura social. Cada indivíduo
possuiria uma história social particular e lidaria, a cada momento, com um conjunto
específico de vínculos sociais que fariam com que ele constituísse um quadro
diferenciado de disposições e agisse de forma singular diante das situações de ação
(2006; p. 110).
Nessas circunstâncias, o acesso aos vários veis do sistema educacional
depende da origem socioeconômica dos estudantes, o que coloca em pauta as condições
econômicas e culturais da família, como também de singularidades e particularidades
desenvolvidas pelas famílias visando à continuidade dos estudos.
Como a população a ser analisada neste estudo não constitui um universo social
homogêneo, havendo segmentos diversos em seu interior, seja em função das condições
socioeconômicas, seja devido ao capital cultural que dispõem, seus integrantes irão
desenvolver práticas específicas, objetivando o sucesso escolar de seus filhos.
30
CAPÍTULO 3
AS TRAJETÓRIAS SINGULARES DE ALUNOS DA CLASSE POPULAR QUE
CURSARAM ENINO MÉDIO EM ESCOLA PRIVADA
Para apresentar os dados principais colhidos, organizamos o presente capítulo
que detalha os procedimentos utilizados, bem como expõe os resultados da pesquisa
realizada.
3.1. A entrevista
Para atender ao objetivo deste estudo, que pretendeu analisar as trajetórias
singulares de famílias pertencentes a uma determinada fração da classe popular que
adotaram estratégias específicas, comuns nas classes médias, visando à continuidade
dos estudos de seus filhos em nível superior ou uma melhor colocação no mercado de
trabalho, tendo como fundamento teórico os conceitos de capital cultural e capital social
de Pierre Bourdieu (1998), utilizamos entrevistas semi-estruturadas, como
procedimento de coleta de dados, realizadas com os alunos concludentes do ensino
médio, em instituição privada de ensino, do ano de 2004.
O universo trabalhado foram alunos egressos do ensino médio de um Colégio
particular, situado na periferia da cidade de Fortaleza CE. Denominaremos, nesta
pesquisa, a referida instituição de Colégio Alfa
3
. Inicialmente, realizou-se um
levantamento dos alunos que concluíram o ensino médio no ano de 2004 e,
posteriormente, selecionamos 06 destes alunos para realização das entrevistas.
Os critérios adotados para seleção da entrevista foram:
1) Três alunos que concluíram o Ensino Fundamental em Escola pública e o
Ensino Médio em Instituição Privada e
2) Três alunos que concluíram o Ensino Fundamental e Médio em Instituição
Privada.
Além deste critério, consideramos também a disponibilidade do entrevistado,
bem como a participação voluntária.
3
Colégio Alfa: nome fictício dado à instituição de ensino em que foi realizada a pesquisa. Todos os
alunos pesquisados concluíram a última série do ensino médio na referida instituição.
31
No ano de 2004 concluíram o Ensino Médio, nesta instituição, um total de 104
alunos. Deste total, 53% cursaram o Ensino Fundamental II e Médio na referida
instituição; 23% cursaram o Ensino Fundamental em escola pública e o Ensino Médio
no Colégio Alfa; 18% estudaram em outras Escolas particulares no Ensino Fundamental
e no Colégio Alfa durante o Ensino Médio e 6% teve sua trajetória escolar alternada
entre Escola pública e privada.
Após a seleção dos alunos, realizamos as entrevistas, num total diferenciado
dependendo da situação de cada aluno. As entrevistas semi-estruturadas foram sempre
gravadas e transcritas. Os temas gerais tratados foram os seguintes:
1) A trajetória escolar do entrevistado;
2) A trajetória ocupacional do entrevistado;
3) A caracterização sócio-econômica e cultural dos pais e sua influência na
continuidade ou não dos estudos em nível superior;
4) Expectativas da família e projetos pessoais dos sujeitos entrevistados.
Os entrevistados pertenciam a uma mesma região geográfica (moradores do
bairro e adjacências) e estabeleceram entre si relações de convivência no espaço escolar
durante sua trajetória de estudante. Alguns destes alunos permanecem amigos até hoje,
outros perderam o contato e, por ocasião da entrevista, ficaram entusiasmados com a
possibilidade de revê-los. Cada entrevista guardou sua peculiaridade, tornando possível
verificar práticas específicas seguidas por cada um, que foram determinantes ou não
para a continuidade dos estudos em nível superior ou o ingresso imediato no mercado
de trabalho.
Com relação à entrevista como procedimento de pesquisa adotado, Bourdieu nos
convida a refletir e compreender o seu papel como instrumento metodológico de coleta
de dados para pesquisa em ciências sociais, alertando-nos para seus efeitos,
especialmente aqueles relacionados a interferências no universo e sujeitos pesquisados.
Tentar saber o que se faz quando se inicia uma relação de entrevista é, em primeiro
lugar, tentar conhecer os efeitos que se podem produzir sem o saber por esta espécie de
intrusão sempre um pouco arbitrária que está no princípio da troca (1999, p. 695).
32
É importante ressaltar que o pesquisador deve atentar para seus atos procurando
tornar a entrevista a mais próxima possível do limite da realidade, pois embora as
pesquisas científicas não tenham a intenção de exercer qualquer forma de violência
simbólica, essa muitas vezes se faz presente, mesmo que inconscientemente, talvez pelo
desconhecimento dos efeitos que os diferentes tipos de relações podem produzir no
momento da entrevista.
O fato de ter convivido no espaço escolar com estes alunos, quando então
cursavam o último ano do ensino médio, parecia-me a princípio um aspecto positivo,
pois acreditava conhecer um pouco da realidade de cada um, o que poderia facilitar a
integração pesquisador-entrevistado na condução das entrevistas. No entanto, como
afirma Charlot (2000, p. 15),
a característica do pesquisado é a de questionar a questão que lhe é feita, interrogar os
termos nos quais ela é formulada. Deve desconstruir e reconstruir o objeto que lhe é
proposto e a questão que lhe é submetida. Isto é muito difícil, tanto mais, que esse
objeto parece amiúde evidente para o próprio pesquisador, o qual se preso,
enquanto pessoa particular, nos desafios ideológicos que conferem uma aparente
consistência ao objeto.
Os primeiros contatos foram realizados de forma muito agradável. Os
pesquisados mostravam-se sempre alegres por retornar ao Colégio onde haviam
estudado, mas, na hora da entrevista propriamente dita, percebi que não estavam
totalmente à vontade para falar, ficavam um pouco receosos. Com o desenrolar das
entrevistas, percebi que ficavam mais “soltos” e falavam sem medo.
As entrevistas realizaram-se no Colégio Alfa, local onde os alunos concluíram o
Ensino Médio, com exceção de uma, que foi realizada na casa da entrevistada, pois
como trabalhava o dia todo, não tinha tempo de comparecer ao Colégio. A escolha do
local foi aceita unanimemente por todos, pois, para estes sujeitos, era uma oportunidade
de rever o Colégio, bem como os funcionários e professores.
3.2. Eixos centrais dos conteúdos das entrevistas
33
Ambiente familiar neste eixo, reunimos os dados sobre a
caracterização sócio-econômico-cultural da família, as formas de
organização da família, bem como as relações sociais por ela travadas;
Relações sociais dos entrevistados neste eixo, verificamos quais as
relações sociais travadas pelos entrevistados, tanto as que nasceram na
família e que se tornaram mais intensas para eles, quanto de outros
ambientes, como a vizinhança, os grupos de amizade e a escola;
Vida familiar este eixo abrangeu as relações travadas no ambiente
familiar e o impacto destas relações nas trajetórias escolares seguidas
pelos entrevistados. É dentro desta unidade social (a família) que a
criança, inicialmente, desenvolverá sua personalidade, pois, como afirma
Lahire (1997; p.17),
a criança constitui seus esquemas comportamentais, cognitivos e de avaliação
através das formas que assumem as relações de interdependência com as
pessoas que a cercam com mais freqüência e por mais tempo, ou seja, os
membros de sua família.
Assim, os jovens entrevistados falaram sobre sua vida escolar, as relações com o
grupo de amigos, de professores, as dificuldades encontradas nos diferentes momentos
deste percurso, podendo então revelar sua percepção sobre o funcionamento da escola,
sua relação com os fracassos e sucessos vividos no ambiente escolar, bem como sua
relação no ambiente familiar destacando as influências familiares de apoio, incentivo
para o sucesso (ou não) na escola.
3.3 - Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos escolhidos para pesquisa são ex-alunos que concluíram o Ensino
Médio no ano de 2004 em instituição privada de ensino, situada na periferia da cidade
de Fortaleza – Ceará.
O Colégio Alfa, instituição onde foi realizada a pesquisa, está a 25 anos no
bairro e funciona nos turnos manhã, tarde e noite, com as seguintes modalidades de
ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Supletivo do Ensino
34
Fundamental e Médio e Cursos preparatórios para Concursos. Especificamente, o
Ensino Médio funciona nos turnos manhã e tarde.
Com relação às condições sociais dos entrevistados, classificamos como
pertencentes a uma determinada fração da classe popular.
A classe popular é uma classe social presente no capitalismo moderno que se
convencionou tratar como a que menos possui poder aquisitivo e é dona de um padrão
de vida e de consumo baixo em relação às demais camadas da população, de forma a
suprir suas necessidades de sobrevivência com dificuldade e muitas vezes
impossibilitada de permitir-se formas variadas de lazer e entretenimento. É composta,
principalmente, por trabalhadores manuais. Ressaltamos que a referente pesquisa visa
analisar uma determinada fração desta classe, que diferencia-se dos demais
componentes da mesma, por adotar estratégias comuns na classe média, como por
exemplo, custear a escola privada de ensino médio para seus filhos, visando a uma
possibilidade de melhor preparação para estes alunos no que diz respeito à continuidade
dos estudos em nível superior ou melhor colocação no mercado de trabalho.
Os ex-alunos selecionados são moradores do bairro e adjacências. De acordo
com os dados fornecidos pela secretaria do Colégio, constatamos, com relação à
escolarização dos pais, que no ano de 2004, dos 104 alunos concludentes, apenas 12 %
dos pais possuíam o ensino superior completo. As profissões mais comuns
desenvolvidas pelos pais destes alunos eram: mecânico, eletro-eletrônico, comerciantes
(do bairro), segurança, motoristas, taxistas, vendedores de loja, auxiliares de escritórios
e autônomos e que a renda familiar destas famílias girava em torno de 3 a 6 salários
mínimos.
Logo, entrevistamos seis sujeitos
4
, todos residentes do bairro e adjacências, que
cursaram o ensino médio na referida Instituição e que freqüentaram as demais séries do
ensino fundamental e médio nas seguintes instituições:
1) Daniel, Carolina e Ana - concluíram o Ensino Fundamental em Escola pública
e o Ensino Médio em Colégio Particular;
2) Cláudio, Pedro e Márcia - concluíram o Ensino Fundamental e Médio em
Colégio Particular.
4
Os nomes dos alunos entrevistados são fictícios.
35
Com relação ao bairro da Instituição pesquisada, está situado na periferia da
cidade de Fortaleza. Sua população é de aproximadamente vinte e cinco mil habitantes.
Gerado nas cercanias dos trilhos da Rede Ferroviária Federal, o bairro Alvorada tem sua
população constituída, em sua maioria, por pessoas carentes, mas caracterizada pela
grande qualidade de seus artesãos, costureiras e cozinheiras.
Possui em seu entorno um total de duas Escolas Estaduais (com Ensino Médio) e
três Escolas particulares que oferecem Ensino Médio. As Escolas públicas contam com
um total de, aproximadamente, 2.500 alunos matriculados no Ensino Médio (1º, e
ano), contra um total de, aproximadamente, 1.000 alunos das Escolas particulares.
3.4. As trajetórias singulares
As entrevistas foram sempre gravadas em áudio e transcritas. Realizamos
também anotações sobre a maneira como a entrevista se desenvolveu bem como a forma
de como o sujeito narrou os fatos.
Assim, apresentamos a seguir os dados que puderam ser colhidos para a
compreensão do contexto familiar, social e escolar que parecem ter exercido influência
significativa em sua vida.
Incluímos, também, quadros síntese sobre os principais dados sobre as
características familiares e da escolarização de cada um dos alunos entrevistados.
3.4.1. Daniel
A entrevista com Daniel ocorreu como as demais, no Colégio Alfa. Ele cursou
todo o ensino médio neste Colégio, como também estagiou no Laboratório de
Informática, custeando sua mensalidade. Após seis meses de estágio, foi incorporado ao
quadro de funcionários e permaneceu por mais um ano, quando foi aprovado na seleção
de uma empresa na área de informática. O primeiro encontro ocorreu em março de
2007, e trouxe grande satisfação para o entrevistado, pois guardava boas e carinhosas
recordações do tempo em que estudava e trabalhava nesta Instituição. Inicialmente
expliquei-lhe o motivo da entrevista, bem como o motivo dele ter sido selecionado
dentre os concludentes de turma de 2004. A conversa fluiu tranqüilamente, sempre
36
demonstrando interesse do entrevistado em fornecer os dados com grande autenticidade.
Daniel é desinibido, o que facilita o diálogo, tem organização das idéias e as transmite
com facilidade. O único empecilho foi o tempo. Com seu horário de trabalho
“apertado”, dispôs apenas de seu horário de almoço para a entrevista. Mas
disponibilizou-se para fornecer outros dados sempre que necessário, o que de fato
ocorreu em junho do mesmo ano, devido à necessidade de coletar novos dados. Em
junho, ele retornou ao Colégio e como sempre, muito atencioso, nos deu a oportunidade
de realizar nova entrevista para coletar dados mais precisos de sua escolaridade.
A segunda entrevista foi realizada com mais tranqüilidade, pois o mesmo estava
liberado, por motivos pessoais, do trabalho. Então, chegou por volta das 15 horas no
Colégio e teve a oportunidade de rever funcionários, professores e diretores.
Impressionou-me a alegria de alguns professores e dos diretores em revê-lo. Daniel era
um aluno e funcionário muito querido por todos da Instituição. E o fato dele ter dado
continuidade aos estudos, ao trabalho e, especialmente, à carreira que tanto almejava,
parece ter causado muita satisfação a todos. Ele, quando aluno, e mesmo quando
funcionário, comentava da dificuldade de seguir sua carreia, pois a área tecnológica era
uma área com custo muito elevado, o que até mesmo tornou quase inviável adquirir, por
exemplo, seu próprio computador.
O terceiro contato com Daniel foi realizado por e-mail, apenas para coletar
alguns dados que ainda estavam pendentes. Deixou mais uma vez clara sua
disponibilidade em colaborar, caso houvesse a necessidade de um novo contato.
3.4.5.1) Eixos das entrevistas
a) Capital cultural de origem
Quadro 1 – Características Sócio-familiares
Dados Daniel
Idade 21
Local de Nascimento Fortaleza – Ce
Estado Civil Solteiro
Posição de nascimento Mais novo dos de 3 irmãos
Filhos Não
Local de Residência
Bairro Nossa Senhora das Graças, zona
periférica de Fortaleza
Numero de pessoas que moram na 5
37
residência
Renda Familiar Total (aproximada) Entre 4 e 5 salários
Pai: idade, escolaridade e profissão
Idade: 51
Profissão: motorista
Escolaridade: 6ª série do ensino
fundamental I
Mãe: idade, escolaridade e profissão
Idade: 50
Profissão: dona de casa (nunca trabalhou)
Escolaridade: 3ª série do ensino
fundamental I
Daniel mora em um dos bairros mais problemáticos de Fortaleza, com infra-
estrutura bem abaixo dos veis recomendáveis pela Organização Mundial de Saúde.
Este Bairro situa-se próximo à praia e agrega uma das maiores favelas de Fortaleza,
bem como um dos maiores pontos de drogas da cidade. No Bairro, algumas ruas são
asfaltadas e algumas casas contam com água encanada, luz elétrica e esgoto. Mas,
segundo relata o entrevistado, no caminho de sua casa podemos encontrar muita sujeira,
esgoto a céu aberto, que exalam mau cheiro pelas ruas. As casas são bastante simples e
com construções precárias.
Daniel iniciou seus estudos em uma creche comunitária do seu bairro. Cursou
todo o Ensino Fundamental em instituição pública, característica natural dos moradores
do seu bairro, onde as condições financeiras não permitem, na grande maioria dos casos,
sequer pensar em custeá-los em instituição privada.
Seu pai era motorista e cursou até a 6ª série do E. Fundamental. Sua mãe sempre
foi dona de casa, de tal maneira que nunca conheceu o mercado de trabalho. A grande
influência que teve para continuidade dos estudos partiu de seus amigos, pois seu pai
entendia de mecânica e de dirigir ônibus: “Mas eles sempre me incentivaram da
maneira deles”.
A expectativa que sua família tinha com a conclusão do Ensino Médio era que
após a conclusão do mesmo, Daniel deveria trabalhar:
Meus pais queriam que eu terminasse o Ensino Médio e fosse trabalhar.
Assim, parece que a decisão de cursar escola privada não foi uma iniciativa
espontânea da família.
b) Relações sociais
38
A grande influência para uma mudança de perspectiva parece ter surgido da amizade
com um aluno de escola privada:
Eu tinha muitas amizades e um deles até hoje é meu melhor amigo e a mãe dele era
professora de colégio do estado e ele estudava em particular, então eu me perguntava: Se
colégio do estado fosse bom, a mãe dele economizaria colocando o filho no estado. Eu
cresci com ele no colégio particular e eu no público, ele me ensinava o que aprendia e eu
ajudava a fazer os trabalhos dele e era muito divertido. A diferença do particular para o
público é que no estado você faz dever e no particular você se diverte aprendendo. Até
que no 1º ano ele me convidou para estudar no Colégio Beta
5
com ele. Foi difícil, mas deu
certo. A influência vem das minhas amizades. Não só dele.
A partir desse convite, Daniel procurou convencer a família de que valeria a
pena fazer o ensino médio em escola privada:
Eu quem expliquei [para os pais] o quanto era importante uma faculdade, até porque, eu
serei o primeiro a me formar da minha família.
Devido à grande dificuldade financeira vivida por sua família, e vendo todos os
seus irmãos concluindo o Ensino Médio sem perspectivas de trabalho, o entrevistado,
em conversa com sua família decidiu sair do ensino público, passando a estudar na
escola privada no Ensino Médio, tendo em vista a possibilidade de dar continuidade aos
estudos:
Conversei com meus pais e fiz meu primeiro ano do ensino médio, em escola particular,
mas eu terminei o primeiro ano e eles queriam que eu voltasse para um colégio público,
devido o valor e aos meus irmãos que reivindicaram porque eles nunca estudaram em
escola privada.
Tentando dar continuidade aos seus estudos em escola privada, o aluno procurou
um colégio com mensalidade mais acessível. Foi que começou a estudar no Colégio
Alfa (colégio que está sendo realizada a pesquisa).
Desta forma, foi possível continuar o Ensino Médio em instituição privada, pois
considerava que, se voltasse a estudar na instituição pública, suas chances de ingressar
no ensino superior diminuiriam, face à baixa qualidade que encontram-se as instituições
públicas de ensino em Fortaleza.
Quando eu estudava na escola pública, poucos me estimulavam. Acho que a visão geral
de todos era a de apenas concluir o ensino fundamental ou, no máximo, o médio. Os
professores também não estimulavam muito. Tinham sempre uma visão, acho que posso
dizer, negativa do futuro. E os alunos queriam mesmo era mesmo era trabalhar. Tinha
5
Nome fictício.
39
um pequeno grupo que tinha muita vontade de continuar a estudar, mas acho que eles
não tinham um rumo, não sabiam, como eu não sabia sequer o que era Universidade.
Mas tem professores na rede pública que se esforçam bastante, é porque realmente é
muito difícil disputar com a praia que era perto, com amigos da pracinha, enfim tudo era
melhor do que assistir aula.
Para ele, as possibilidades de acesso escolar em veis mais elevados dependem
de cada um, embora reconheça as dificuldades das pessoas de seu nível econômico.
Não tenho medo de trabalho, apesar da minha família ser de vel baixo, eu aprendi a
andar em um nível melhor. Ainda gente que estranha quando digo que moro neste
Bairro, e eu digo que não tem violência, classe baixa. Onde eu moro tem muito
pescador e se eu falar eles pensam logo em praia. Outros pensam em Dragão do Mar,
mas não pensam naquele pescador que batalha para trazer o alimento para casa. O
Bairro onde moro é um bairro muito pobre, todo dia tem fila enorme nos hospitais e não
são atendidos, as pessoas são assalariadas, tem deles que são pais e estão
desempregados e seus filhos o podem estudar, as escolas públicas o tem ensino
adequado, até o ano passado elas serviam de creche.
Mas considera que a situação de pobreza de cada um pode ser reversível:
Mas outros se destacam, vão atrás e procuram colégio mais próximo do centro para mudar
até de amizades e conhecer outro mundo, a cultura vai abrindo espaço e transforma a
pessoa, que conversa com todo mundo. Tem gente que diz que rico é pessoal besta, mas
não é. A pessoa besta é aquela que é pobre e fica rico, porque ela vai querer ensinar o
“gari”. Sempre tem muita dificuldade, por exemplo: passagem de ônibus não ra de
aumentar, e o valor que se paga pra comprar um alimento que pode servir para o
almoço e isso é um absurdo, porque dificulta mais a saída da periferia, porque tudo custa
caro para a periferia.
Daniel também mostra estar bem informado sobre as possibilidades de ascensão
escolar existentes na cidade:
Hoje em dia tem um projeto do CEFET que o teste de seleção é só pro pessoal da
comunidade, então eles vão poder competir entre si. Isso é um avanço muito grande. Tem
gente que está saindo de e se tornando um engenheiro, trabalhando com energia eólica.
Graças a um desses projetos que o do CEFET. Existem outros projetos também, mas que
não vão pra frente porque não tem ajuda do governo.
O que Daniel parece não se aperceber é que o fato de ser o filho caçula e com seus
dois irmãos mais velhos já trabalhando aumentou as possibilidades financeiras da
família custear seus estudos em escola privada, pois um de seus irmãos não chegou a
concluir o Ensino Médio, entrando logo no mercado de trabalho informal. O segundo
irmão concluiu este vel, mas não pretende dar continuidade aos estudos em vel
superior, pois considera desnecessário.
40
c) Trajetória escolar
Quadro 2 – Dados sobre a Escolarização
Ano de Conclusão Escolaridade Escola Resultado
1996 E. Fundamental I Pública
1ª ,2ª séries –
aprovado
3ª série – reprovado
4ª série – aprovado
2000 E. Fundamental II Pública
Aprovado em todas
as séries
2004 Ensino Médio Particular
Aprovado em todas
as séries
2006 Ensino Superior Particular Cursando
Pelo quadro acima, pode-se verificar que, após um início satisfatório no ensino
fundamental, Daniel foi reprovado por no ano, mas a partir de 1999, nunca mais foi
reprovado, nem mesmo quando ingressou no ensino privado.
Após a conclusão do ensino médio, Daniel conseguiu ingressar no ensino
superior em instituição privada, onde cursa Faculdade de Informática e, seo primeiro
de sua família a ter o diploma de nível superior.
Quanto às perspectivas profissionais, Daniel nos diz que
comecei a trabalhar muito cedo, ainda no ensino médio, depois continuei no
mercado de trabalho onde continuo até hoje, mas ainda no ensino médio, foi
fundamental fazer cursos técnicos, pois minha área (informática) exige
conhecimentos técnicos atualizados[...] Quanto ao futuro profissional quero
muito abrir minha empresa na área de Informática. Por menor que seja. Eu vejo
que meus pais trabalharam tanto e meus irmãos continuam correndo atrás de
algo melhor. Então vou abrir uma empresa para deixar uma herança para a
família inteira. Pretendo tirar esse negócio de que minha família é analfabeta e
a oportunidade deles estudarem. Quando eu vejo alguém da minha idade
trabalhando demais, eu digo que essa pessoa deixe um tempo para estudar, como
agora, eu trabalho numa empresa e faço faculdade à noite. Fiz uma seleção para
outra empresa e não sei se eu vou ficar, porque ou trabalho ou estudo (à noite) e,
se eu trabalhar agora prejudico meus estudos e eu estudando vai ficar pelo resto
da vida, abrindo as portas pra mim. Eu fujo da área militar e de concurso
públicos, porque você nunca vai mostrar o seu máximo. Então pretendo abrir a
empresa para mostrar pra todos que da família tem um que luta e se destaca.
41
3.4.2. Caroline
As entrevistas com Caroline ocorreram no Colégio Alfa e uma delas em sua
casa. Como também apresentava dificuldade de disponibilidade de tempo com relação
ao trabalho, optamos por agendar suas entrevistas aos sábados. A primeira foi realizada
no inicio do mês de abril de 2007 e a segunda em junho do mesmo ano. Caroline é uma
jovem tranqüila, tímida e no início apresentou certo “bloqueio” para falar sobre si. Aos
poucos e com o desenrolar da entrevista foi falando com mais desenvoltura sobre sua
escolaridade, sua vida, sua família. Esta dificuldade ocorreu, segundo a entrevistada, por
nunca ter falado de si em outra oportunidade. Na primeira entrevista ela estava apenas
respondendo às perguntas com respostas curtas. Na segunda entrevista, expliquei-lhe
mais detalhadamente os objetivos da entrevista, de tal forma que ela ficou mais à
vontade para responder, sendo possível coletar mais detalhes de sua trajetória familiar e
escolar.
Após transcrição das duas entrevistas, senti a necessidade de uma terceira, pois
estava necessitando de alguns dados mais específicos sobre sua escolaridade anterior. A
terceira e última entrevista foi realizada em sua casa, também em um sábado, em agosto
de 2007. Por ocasião da entrevista, conheci seu esposo e seu filho. Seu esposo foi muito
receptivo, logo me convidando para entrar, deixando-me à vontade. Na rápida passagem
de quarenta minutos que estive em sua casa, foi possível perceber um clima de
harmonia e tranqüilidade. Sua rua é calma, apesar de ter um restaurante na esquina que,
segundo a entrevistada, fica com som um pouco alto gerando poluição auditiva.
Próximo a sua casa uma pracinha que antes era um local agradável para passeio com
crianças, papear com amigos e caminhar. Mas esta praça vem agregando um grupo de
rapazes suspeitos, gerando insegurança para a comunidade local.
3.4.2.1 - Caroline -Entrevista
a) Capital cultural de origem
Quadro 3 – Características Sócio-familiares
Dados Caroline
Idade 22
Local de Nascimento Baturité – Ce
Estado Civil Casada
Filhos 1
42
Posição de nascimento 2ª dos 3 irmãos
Local de Residência
Bairro Álvorada, zona periférica de
Fortaleza
Numero de pessoas que moram na
residência
3
Renda Familiar Total (aproximada)
3 a 4 salários
Pai: idade, escolaridade e profissão
Idade: 52
Profissão: taxista
Escolaridade: 8ª série do ensino
fundamental I
Mãe: idade, escolaridade e
profissão
Idade: 45
Profissão: autônoma (vendedora de
roupas)
Escolaridade: ensino médio
Caroline iniciou seus estudos na cidade de Baturité (CE) onde morava com seus
pais e avós paternos. Com grande dificuldade financeira, seus pais vieram para
Fortaleza na tentativa de melhores condições de sobrevivência. Sua mãe, sempre muito
batalhadora, começou trabalhando em casas de família para ajudar no sustento do lar.
Seu pai, após passar por diversos trabalhos, firmou-se com taxista.
No início, Caroline, como seus irmãos, teve pouca assistência da família no
Colégio. Desta forma ela sempre apresentava baixo rendimento escolar. Com árduo
trabalho, sua mãe firmou-se como vendedora autônoma de roupas e, após 10 anos sem
estudar, retornou ao Colégio para conclusão do Ensino Médio. A volta ao Colégio
despertou em sua mãe a valorização e a importância dos estudos, o que levou a
matricular dois de seus filhos na escola particular, pois estava verificando, na escola
pública, o baixo rendimento, a falta de estímulo dos filhos, bem como a freqüência de
amizades “suspeitas” de amigos do Colégio em sua casa. A valorização dos estudos
tornou-se então prioridade da casa, tanto por parte de seu pai como de sua mãe,
passando a não medirem esforços financeiros quando o assunto era a melhoria da
escolarização de seus filhos.
Desta forma, quando seus pais perceberam que Caroline estava muito
desestimulada no Colégio, com notas baixas, aprendizado baixo, decidiram sacrificar-se
financeiramente e transferi-la para um colégio particular. Quando questionada o porquê
desta decisão, Caroline nos disse:
Tentei ver um outro Colégio público com melhor qualidade, sei que tem bons
colégio públicos mas, infelizmente não era próximo a minha casa, então teria
43
que pegar transporte e sairia caro. Então minha mãe visitou este Colégio, gostou
bastante e optou por me matricular e fiquei durante todo o ensino médio... Foi
difícil para meus pais pagar mensalidade e outras despesas que tinha, mas com
certeza foi uma boa opção. Passei a me dedicar mais aos estudos, mesmo tendo
mais dificuldades. Imagina que entrei no ensino médio sem nunca ter visto
física, química, biologia, literatura e muito pouco de inglês. Mas, estava
motivada e, logo entrei em grupos de estudo. Ficava na Biblioteca no turno da
tarde para estudar, pois lá em casa não tinha um ambiente legal de estudo... Fui
reprovada no ano, não por falta de estudo, mas por falta de base, não dava
para acompanhar. Mas a reprovação foi positiva, apesar de tudo, apesar de ser
um ano perdido financeiramente para meus pais, pois revisei a matéria e aprendi
mais. Tanto que não tive grandes dificuldades no 3º ano.
Sobre a caracterização sócio-cultural de seus pais, Carol nos diz,
Meus pais passaram por grandes dificuldades financeiras. Então praticamente não
saíamos de casa. Quando saíamos era uma festa. Eu e meus irmãos sempre brincávamos
na pracinha próximo a casa que morávamos. Minha mãe vive para o trabalho. Não gosta
de sair e não bebe. Nos finais de semana sempre fica vendendo roupa e fazendo
cobranças. Meu pai fica com o grupo de amigos taxistas, com os quais costuma fazer
churrasco e tomar cerveja e só. A verdade é que saímos muito pouco, principalmente
depois que viemos morar na cidade. Esse lado cultural que você perguntou, acho que
não tenho.
O que se verifica, portanto, é que seus pais, com a experiência de estudo de sua
mãe, passaram a valorizar mais a qualidade de ensino e, com isso, abriram a
oportunidade de ingresso no ensino privado, na perspectiva de que seus filhos tivessem
melhores condições para ampliar suas possibilidades de classificação social mais
elevada do que eles próprios conseguiram.
Caroline mora no bairro Alvorada em uma casa modesta, mas limpa e
organizada. As casas ao redor são simples, sua vizinhança ainda é bem tranqüila, mas
esta realidade está mudando devido a um mutirão da Prefeitura que está sendo entregue.
“Estou muito preocupada”, relatou Caroline quando o assunto foi o mutirão.
O bairro do Alvorada tem muitos problemas, assaltos diários, mas ainda temos uma boa
vizinhança, ainda é possível passear com meu filho na calçada, na praça aqui próximo
mas, acho que isso está perto de mudar. Daqui uns dias teremos que ficar dentro de casa
mesmo e, ainda correndo risco.
Caroline está casada dois anos e tem um filho de seis meses, o que parece ter
influenciado a sua decisão de parar de estudar (conforme pode ser verificado no item b
de seu depoimento).
44
b) Relações sociais
Quanto à rede de relações sociais, o relato de Caroline nos mostra que as amizades
na escola privada foram um incentivo para continuar estudando, mesmo após a
reprovação no 2º ano:
Bem, não tenho muitos amigos, diria que minhas melhores amigas eram colegas
de sala do Colégio, principalmente do e ano [do Ensino Médio]. no
Colégio freqüentávamos o grupo de estudo do turno da tarde e ficamos amigas.
Este grupo era muito positivo.
Esta experiência positiva parece ter marcado também as suas expectativas quanto
ao futuro, apesar de estar casada:
Acho que todos que freqüentavam estão hoje na Faculdade. Eu não estou porque
veio casamento e logo filhos. Mas, pretendo voltar em breve. [...] com certeza
esses amigos do grupo de estudo influenciou muito.
c) Trajetória escolar
Quadro 4 – Dados sobre a Escolarização
Ano de Conclusão
Escolaridade Escola Resultado
1996 E. Fundamental I Pública
Aprovado em todas
as séries
2000 E. Fundamental II Pública
Aprovado em todas
as séries
2004 Ensino Médio Particular
1º ano – Aprovada
2º ano – Reprovada
3º ano – Aprovada
De acordo com o quadro acima, Caroline não passou por nenhuma reprovação
no ensino fundamental. A única reprovação que teve durante a educação básica foi no 2º
ano do ensino médio, já na instituição privada.
Fui reprovada no ano do ensino médio. Foi um dia horrível. Mas, na verdade,
sabia que seria melhor repetir porque estava com muitas dificuldades,
especialmente nas disciplinas de cálculo. Então encarei a reprovação e por
incrível que pareça passei a me dedicar mais aos estudos. Foi que despertei
para o tempo que estava perdendo, e que seria possível principalmente neste ano
que seria apenas de revisão, estudar mais, porque tinha, como ainda tenho a
vontade de passar no Vestibular.
45
Quando questionada sobre suas expectativas e projetos profissionais, Caroline
nos diz que ainda não ingressou no ensino superior por motivos de casamento, filhos e
necessidade de trabalho. Mas vislumbra realizar este sonho em curto prazo, logo que
seu filho entrar no Colégio na Educação Infantil. Está consciente que não será fácil a
jornada de trabalho, família e mais estudos o que deverá ocorrer no turno da noite,
mas o sonho de trabalhar na área da saúde está muito vivo. Caroline trabalha como
atendente de uma clínica dentária dois anos. Pretende continuar neste trabalho, pois
fica na clínica nos turno da tarde e noite. De manhã fica com seu filho. Quando seu filho
iniciar os estudos, Caroline iniciará um Cursinho preparatório para o Vestibular.
3.4.3. Ana
A entrevista com Ana ocorreu no mês de Novembro de 2007. Realizamos dois
encontros, devido ao tempo curto que a entrevistada dispôs no primeiro dia. Neste dia,
ela ficou um pouco receosa para responder, mas explique-lhe mais detalhadamente o
convite para entrevista. Isto fez com que ela compreendesse o motivo da entrevista e
passou a responder voluntariamente da melhor maneira possível.
3.4.3.1) Ana – Entrevista
a) Capital Cultural de Origem
Quadro 5 – Características Sócio-familiares
Dados Ana
Idade 23
Local de Nascimento Fortaleza
Estado Civil Solteira
Filhos Não
Posição de nascimento 1º de 1 irmão
Local de Residência Bairro Alvorada – zona periférica da cidade
Numero de pessoas que moram na
residência
5
Renda Familiar Total (aproximada)
5 a 6 salários
Pai: idade, escolaridade e profissão
Idade: 60
Profissão: professor (já aposentado)
Escolaridade: ensino superior
46
Mãe: idade, escolaridade e
profissão
Idade: 59
Profissão: professora
Escolaridade: ensino médio (4º pedagógico)
A entrevista iniciou com questionamentos relativos à organização de sua família.
Segundo Ana, sua família era muito feliz e sem problemas significativos até a separação
de seus pais. Mesmo com problemas financeiros, passando por certas dificuldades até
então, seus pais viviam em um clima de harmonia e, como tinham muitos parentes, o
ambiente familiar era muito feliz.
Seus pais são professores, ambos aposentados, da rede estadual de ensino do
Ceará. Sua mãe era professora do ensino fundamental I e, é aposentada algum
tempo, por motivos de saúde. Seu pai era professor de Matemática do ensino
fundamental II e ensino médio e também já está aposentado 3 ou 4 anos,
aproximadamente. Seu pai trabalhava em uma escola pública considerada ‘modelo’,
devido à grande organização e qualidade do ensino. Por ter muito orgulho de seu
trabalho e da escola que trabalhava, optou por colocar seus filhos nesta Instituição de
ensino. Ana e seu irmão cursaram todo o ensino fundamental nesta escola. Como o
ensino médio era no turno da noite, seu pai optou por tirá-la desta escola devido ao
perigo do retorno para casa, pois, segundo a entrevistada, a escola situava-se em um
bairro com assaltos freqüentes, especialmente à noite. O outro motivo da saída de Ana
desta escola foi à mudança do Diretor, bem como a saída (por motivo de aposentadoria)
de alguns professores que lecionavam há algum tempo nesta Instituição. Estas
mudanças relativas ao quadro de funcionários estavam proporcionando, segundo Ana,
uma ‘grande queda’ no nível de ensino escola.
Apesar de ser um pouco longe de minha casa, gostava muito, muito mesmo de minha
escola. Ia com meu pai para lá, então me sentia protegida. Era um verdadeiro exemplo
de escola. Pena que essa realidade estava mudando. O novo Diretor tem que abrir os
olhos para não deixar uma escola pública com tanta qualidade simplesmente
degringolar.
Diferentemente dos sujeitos anteriores, a condição cultural dos pais parece ter
exercido influência significativa na sua trajetória escolar:
meus pais eram professores, então este lado de estudar sempre esteve presente na minha
casa, mas eles também gostavam muito de passear, curtir, sair, ir à praia. Minha família
é muito grande, tenho muitos primos, todos muito animados. Acho que resumiria assim:
47
na semana estudar, ler e trabalhar e no fim de semana curtir um pouco, ir à praia,
churrasco, enfim... Não sou muito ligada a cinema e filmes acho que não tenho muito
esse lado cultural, gosto muito de ler, estudo o necessário, gosto muito de trabalhar, mas
é só.
b) Rede de relações sociais
Ana é uma garota muito sociável. Sua família numerosa levou Ana a gostar
muito de conversar, dialogar com os primos de sua idade. O contato com a sua família
sempre esteve muito presente. Este contato foi, segundo a entrevistada, muito positivo
para seu desenvolvimento e construção de sua personalidade.
Minha família é muito numerosa. em casa sempre tem algum primo ou
algum parente. No fim de semana sempre tem algum aniversário ou reunião de encontro
de familiares. O bom é que todos os primos cresceram num ambiente saudável. Não
existe nenhum primo que seguiu ‘o mau caminho’. Não existe este negócio de drogas,
bebida, nada disso existe entre os primos. Alguns não gostavam de estudar, preferiam a
praia, o lazer, mas no mais todos cresceram longe do mundo das drogas. Isso foi muito
bom. Cresci neste clima de alegria. Com a separação dos meus pais, nos distanciamos
um pouco. E, foi a hora que cada primo seguiu seu caminho. Claro, que os primos
crescem e aí cada qual foi se encaminhando para algum ramo profissional.
Os primos e os familiares constituem-se na maior rede de amigos de Ana. No
Colégio ela tinha algumas amigas, que as considerava [verdadeiras amigas], mas nada
que ultrapassassem os muros do Colégio.
O grupo do colégio era para a hora do intervalo do Colégio e para estudar e trocar
idéias. Não me lembro de ter amigas do Colégio em casa, ou saindo para passear ou
indo para alguma festa. Eram verdadeiras amigas, algumas ainda mantenho até contato,
mas meus grandes amigos e amigas são meus primos e primas. Mas, estes amigos do
Colégio foram muito importantes para o meu crescimento. Logo quando mudei para o
Colégio particular elas me acolheram muito bem, sem nenhum problema.
c) Trajetória escolar
Quadro 6 – Dados sobre a Escolarização
Ano de Conclusão
Escolaridade Escola Resultado
1995 E. Fundamental I Pública
Aprovada
1999 E. Fundamental II Pública
Reprovada no 5º ano
2004 Ensino Médio Particular
Aprovada
2006 Superior Particular
Cursando
48
De acordo com o quadro acima, Ana estudou na escola pública no ensino
fundamental. A opção da mudança de escola no ensino médio foi uma escolha difícil:
Na época meu pai estava praticamente aposentado e percebia que a escola o
ia muito bem. Mas, meu pai queria que eu permanecesse no ensino público, mas estava
perdendo a confiança naquela escola. Pensou em me transferir para o Liceu, mas
sabíamos que o Liceu também não estava com um bom ensino, estava com sérios
problemas com o quadro de professores que estavam faltando muito, enfim achou
melhor que eu não estudasse lá. Então, como o Colégio Alfa era próximo à minha casa e
vários vizinhos estudavam lá, optei por fazer esta mudança. E também queria me
preparar para o Vestibular e querendo ou não sempre achamos que a escola particular
ensina melhor.
Quando questionada se Ana havia percebido alguma diferença entre as duas
redes de ensino, Ana nos diz que
na verdade existem escolas públicas e privadas de qualidade e escolas públicas e
privadas sem qualquer qualidade. Meus pais são professores então o assunto em casa
acabava sendo esse. Foi difícil a decisão de mudar para escola privada, mas me adaptei
legal, até porque a escola particular que estudei era uma escola de bairro. Não era escola
do centro ou de um bairro chique. Não percebei mudanças significativas e digo que tive
sorte, pois estudei tanto em uma excelente escola pública como privada.
Verifica-se, portanto, que o conhecimento familiar a respeito da qualidade de
ensino tanto da escola pública quanto da privada foi um fator significativo para seu
ingresso no ensino privado, na perspectiva de prevenção de uma futura desclassificação
social.
Com relação às perspectivas suas e de sua família após a conclusão do ensino
médio, Ana nos diz que
como meus pais são professores então existia sempre o apoio para que eu continuasse a
estudar, meu pai sempre me incentivou a estudar. Na verdade eu não era uma excelente
aluna, tinha algumas dificuldades para aprender, tanto que fui até reprovada, mas o
apoio e o incentivo de minha família era tão grande que não desisti, tanto que hoje faço
o curso de Enfermagem.
Ana cursa Enfermagem em uma Faculdade particular da cidade de Fortaleza.
Foi aprovada no Vestibular que prestou, após ter tentando na Universidade pública.
Ana nos diz que
como qualquer outra pessoa que conclui o ensino médio, tive o ‘sonho’ de estudar na
Universidade pública, mas a concorrência para Enfermagem é muito alta e sabia que
tinha limitações, especialmente nas disciplinas de cálculo. Não culpo as escolas que
49
estudei, era uma limitação minha. Claro, se eu me dedicasse poderia melhorar nestas
disciplinas e talvez ser aprovada na pública, mas já que passei na particular, ficou tudo
bem, o curso é muito bom e como consegui uma bolsa parcial, não sai tão caro estudar
lá.
Ana foi fortemente influenciada por seus parentes (avós e tias), que trabalhavam
na área de saúde.
tenho minha avó foi auxiliar de enfermagem, tenho uma Tia que é enfermeira, e com
certeza elas me influenciaram, pois sempre gostei da área de saúde. Meus pais são
professores e, realmente não gosto da área de ensino. Gosto de mexer com saúde.
Mas, mesmo com toda a informação e incentivo disponível, as limitações
objetivas em relação ao seu futuro aparecem quando questionada se pensou em fazer
algum outro curso da área de saúde:
Claro que pensei, quem não sonha em ser médica, pensei também em fisioterapia. Mas
sou muito realista e sei que este sonho seria difícil de tornar real, então optei por um
curso ligado a área de saúde e mais próximo de minha realidade.
Seu depoimento mostra também que, do ponto de vista econômico, houve
sempre uma possibilidade familiar que permitiu que, durante o ensino médio, fizesse
apenas alguns trabalhos em eventos, nos finais de semana, nada que atrapalhasse seus
estudos [eram apenas alguns ‘bicos’], bem como durante o ensino superior:
Minha faculdade é complicada porque tenho disciplinas no turno da manhã e no turno
da tarde. Fica difícil trabalhar, mas estou estagiando num hospital vinculado à
Faculdade nos dias que não tenho disciplina... Quanto à minha perspectiva de trabalho,
pretendo continuar na área de Enfermagem. Gosto muito do que faço apesar de ser um
trabalho muito difícil, pois exige muita dedicação e é pouco reconhecido e
recompensado. Posso até mudar de idéia, mas pretendo continuar nesta área, prestar um
concurso público e se, não passar, entrar nesta vida ‘louca’ de hospitais particulares.
3.4.4. Cláudio
A entrevista com Cláudio ocorreu no mês de Novembro de 2007. Como foi
realizado apenas um encontro, a entrevista foi longa para que os dados fossem
completamente contemplados. O entrevistado compareceu ao Colégio Alfa, local de
realização das demais entrevistas, e dispôs de toda tarde para responder aos
50
questionamentos. Por ser um pouco tímido limitava-se a responder aos questionamentos
com respostas curtas, mas precisas, não entrando em grandes detalhes nas respostas.
3.4.4.1. Cláudio - Entrevista
a) Capital cultural de origem
Quadro 7 – Características Sócio-familiares
Dados Cláudio
Idade 22
Local de Nascimento Fortaleza
Estado Civil Solteiro
Filhos Não
Posição de nascimento Filho Único
Local de Residência Bairro Alvorada
Numero de pessoas que moram na
residência
3
Renda Familiar Total (aproximada) 3 a 4 salários
Pai: idade, escolaridade e profissão
Idade: 48
Profissão: Fotógrafo
Escolaridade: Ensino Médio
Mãe: idade, escolaridade e profissão
Idade: 49
Profissão: autônoma
Escolaridade: ensino médio (incompleto)
O assunto inicial da entrevista tratava dos dados de identificação do
entrevistado, seguido dos dados familiares. Cláudio mora nas proximidades do Colégio
Alfa, mas desde a conclusão do ensino médio não havia retornado ao Colégio. Seu pai é
fotógrafo e sua mãe trabalha no comércio (autônoma). É filho único e, acredita ele, ser
este o motivo de tamanha preocupação e atenção de seus pais, especialmente de seu pai,
que acompanha a vida escolar do filho desde o primeiro dia de aula no jardim de
infância. Este acompanhamento pode ser comprovado mediante as fotografias, que o
entrevistado levou no outro dia ao Colégio. Nas fotos constam os principais
acontecimentos escolares vivenciados por Cláudio desde a infância até a aprovação no
Vestibular da Universidade Federal do Ceará – UFC. Quando questionado sobre a
organização familiar ele nos disse que seus pais
são casados mais de 20 anos e convivem em um clima de felicidade. Não costumo
ver brigas de meus pais. Tenho muita sorte por tê-los como pai e mãe. Não tenho irmãos
e por isso sou muito apegado aos dois.
51
Sobre a caracterização socioeconômica de seus pais, Cláudio nos respondeu:
meus pais sempre viveram com dificuldade financeira. Minha casa é modesta, não tem
nenhum luxo, a começar pela localização, mas também nunca faltou nada. Meus pais
sempre trabalharam muito, minha mãe sempre trabalhou fora de casa, meu pai trabalha
muito também, muitas vezes à noite; minha família é toda simples. Não tem ninguém
que viva muito bem ou sobrando dinheiro; tenho quatro tios (por parte de pai) e apenas
uma tia (por parte de mãe). Todos vivem normal, como a gente vive.
De seus cinco tios, dois deles possuem o ensino superior, sendo um advogado e
o outro matemático. Os demais concluíram apenas o ensino médio. Quando questionado
se havia uma proximidade com relação a seus tios e primos, ou seja, se havia uma
harmonia familiar, Cláudio nos disse que
alguns de meus tios moram no interior e, então não tenho contato; os demais entre ele o
matemático mora próximo a minha casa e me apoiou muito na minha decisão de fazer
Engenharia.
Observamos que a influência familiar não se restringe aos pais. A família pode
ser um grande incentivador, como neste caso, em que Cláudio conta com incentivo e
apoio do tio para decisões profissionais.
Com relação aos programas realizados pela família, Cláudio nos relata que seu
pai adora viajar.
Meus pais não costumam sair à noite até porque nos finais de semana meu pai trabalha
(com fotos em casamento, aniversários, etc), mas nas suas folgas e nas rias sempre
viajamos, não é para muito longe, mas curto bastante viajar.
Esta organização familiar, juntamente com o apoio e incentivo irrestrito do pai, foi
fundamental para formação de Cláudio.
b) Relações sociais.
Cláudio é filho único e, por esse motivo, sempre foi muito próximo à sua família,
especialmente ao seu pai. Na infância não possuía muitos amigos, apenas alguns
colegas no Colégio e na vizinhança. Sempre foi reservado, muito disciplinado e
estudioso. O grande apoio e incentivo veio sempre de seu pai e, em menor escala de seu
tio que é matemático. No Colégio aproximava-se muito dos professores. Estava sempre
52
questionando e tirando dúvidas, apesar da timidez. Possuía um amigo no Colégio, que
estudou com ele desde a série do ensino fundamental, e considera que o apoio deste
amigo foi fundamental para a aprovação no Vestibular.
... eu e o Mauro estudamos juntos desde a série. Na sala de aula sempre nos destacamos,
sempre tiramos os primeiros lugares e um incentivava o outro. Diria que disputávamos o
primeiro lugar, mas numa disputa saudável. Os dois saiam ganhando. E no Vestibular veio a
aprovação dos dois. Eu passei na UFC e ele passou na UECE. Perdemos um pouco o
contato, mas com certeza ele é um amigo muito importante.
Cláudio contou com o apoio de sua família, conviveu com amigos que tinham
como ele, objetivos claros e definidos. Daí fez sua trajetória escolar plena de sucesso,
como veremos a seguir.
c) Trajetórias escolares
Quadro 8 – Dados sobre a Escolarização
Ano de Conclusão Escolaridade Escola Resultado
1997 E. Fundamental I Particular
Aprovado
2001 E. Fundamental II Particular
Aprovado
2004 Ensino Médio Particular
Aprovado
2005 Superior Pública
Cursando
Cláudio sempre foi um aluno excepcional. Sempre tirou um dos primeiros
lugares desde a 1ª série do ensino fundamental até a conclusão do ensino médio. Era um
aluno admirado por seus professores e coordenadores; participava com bons resultados
em todas as atividades propostas do Colégio (por exemplo: olimpíadas de matemática,
olimpíada de física, etc). Sua única dificuldade era na produção textual, mas esta
dificuldade não chegava a comprometer seu desempenho.
Sobre a opção de cursar o ensino básico (sempre estudou em instituição
privada), Cláudio no diz que
na verdade nunca perguntei o meu pai porque eu não estudava na escola pública, mas
acredito que seja porque (bem eu acho), sempre gostei de estudar. Na pré-escola já sabia
ler, não tive dificuldades para aprender a ler e escrever e ele achou melhor que eu
estudasse na escola particular. A escola pública está com dificuldades, mas tem muito
53
aluno bom na escola blica também. Se tivessem melhores condições também
entrariam na universidade pública.
Quando questionado sobre a expectativa dos pais em relação à conclusão do
ensino médio ele nos relata
o meu pai, por ser fotógrafo, organiza seu próprio horário e como minha mãe trabalha o
dia todo fora, a responsabilidade de minha educação acabou ficando por conta de meu
pai. Ele ia me deixar e pegar no colégio, ele que ia receber meus boletins, enfim ele que
fazia esse papel. Então ele criou uma grande expectativa até porque eu sempre acabava
tirando os primeiros lugares na minha série. Ele acompanhou mesmo, acompanhou de
perto. Sempre conversava com os coordenadores, com os diretores, todos gostavam
muito dele no Colégio [...] e, com certeza dedico à vitória no vestibular a ele. Ele mais
do que ninguém merece. Ele sempre quis que eu passasse no vestibular. Lembro que no
dia em que meu primo foi fazer a inscrição no vestibular (eu ainda fazia o primeiro ano)
ele me levou junto. Fiquei admirado com o tamanho da universidade e achei que nunca
iria passar, mas acabei passando da 1º vez que tentei.
Por fim, Cláudio nos falou sobre expectativas e projetos de vida. Ele nos disse
que
estou cursando Engenharia mecânica na UFC, desenvolvo alguns projetos juntamente
com meus professores na Universidade (monitoria), mas ainda não trabalho. Nunca
trabalhei até porque nunca procurei emprego. Vou começar esta batalha nos próximos
dias. Até então me dediquei aos meus estudos até porque contava com o apoio dos
meus pais. O que pretendo? Continuar os estudos, na própria UFC ou em outra
Universidade (ainda não sei) e pretendo trabalhar na área. Vou começar a garimpar
trabalho.
Como vemos, sua trajetória escolar foi plena de sucesso. O acompanhamento de
seu pai, bem como o a influência positiva de seus amigos foi fundamental para sua
excelência educacional, pois esta excelência depende de um trabalho ativo realizado
tanto pelos pais quanto pelo próprio filho e, que pode ou não ser bem-sucedido. No caso
de Pedro, o sucesso foi constatado.
3.4.5. Pedro
A entrevista com Pedro ocorreu no mês de abril, no Colégio Alfa. A primeira
entrevista foi considerada um pouco conturbada, pois foi agendada no dia da Festa da
Páscoa do Colégio e o constante entra e sai de professores e alunos, além do ensaio
geral, desconcentrou um pouco. Durou cerca de uma hora, talvez um pouco mais, e os
54
assuntos tratados ficaram pela metade”. Pedro, apesar de ser um aluno sempre
simpático, receptivo, estava um tanto quanto tímido. Sua segunda entrevista, realizada
no mês de junho, foi mais proveitosa. Falou com mais fluência e desinibição.
3.4.5.1. Pedro - Entrevista
a) Capital cultural familiar
Quadro 09 – Características Sócio-familiares
Dados Pedro
Idade 21
Local de Nascimento Fortaleza-Ce
Estado Civil Solteiro
Filhos Não
Posição de nascimento É o irmão do meio. Tem mais dois irmãos
Local de Residência
Bairro Jardim Iracema, zona periférica da
cidade de Fortaleza
Numero de pessoas que moram na
residência
4
Renda Familiar Total (aproximada) 5 salários aproximadamente
Pai: idade, escolaridade e profissão
Idade: 53
Profissão: motorista
Escolaridade: E.Fundamental
Mãe: idade, escolaridade e
profissão
Idade: 52
Profissão: dona-de-casa
Escolaridade: ensino médio
(incompleto)
Pedro é o filho do meio de dois irmãos. Seu pai é motorista e sua mãe dona de
casa, mas sempre tiveram como ideal investir na educação dos filhos. Seus pais são
casados e Pedro considera sua família bem estruturada. Sempre apoiaram a área que
quis seguir (área de informática), sempre dizendo: [estude e você escolha qual área que
você deseja estudar].Segundo Pedro,
apesar da pouca escolaridade do meu pai, ele sempre foi ciente de que através do estudo
você pode melhorar.
Pedro mora no Bairro próximo ao bairro Alvorada, zona periférica da cidade de
Fortaleza. Apesar da proximidade de uma grande favela, sua rua e as proximidades,
contam com água encanada, luz elétrica e telefone. Sua residência é própria, o que é um
grande alívio para seus pais, que moraram pagando aluguel. Considera sua casa
55
simples, mas um ambiente tranqüilo. Não possuem carro próprio. Pedro divide o quarto
com o irmão, mas, para ele isto não é problema, pois os dois possuem uma relação bem
harmoniosa. Em seu quarto uma televisão. Não possui computador em casa, mas
há a promessa de adquirir muito em breve em face da necessidade dele e de seus irmãos
para acompanhamento dos estudos. Acessa a Internet em uma lan house próxima à sua
casa ou na Faculdade. Sua vizinhança é tranqüila, mas este quadro está mudando,
devido ao aumento considerável da favela próxima, o que vem acarretando assaltos
constantes nas redondezas.
Este quadro de insegurança tem se tornado cada vez mais comum na cidade de
Fortaleza, não na zona periférica como também nos bairros considerados nobres.
Assaltos à mão armada, na rua, nos sinais de transito, mortes banais estão fazendo parte
do dia-a-dia do cearense. Pelas ruas dos mais diversos Bairros, a insegurança na qual
vivem os moradores é percebida sem muito esforço. É difícil encontrar entre as casas e
os pequenos comércios alguma porta sem grade e cadeado. Pedro nos relata que apesar
de nunca ter sido assaltado, muitas vezes deixa de sair para passear, ou visitar algum
amigo devido à insegurança.
quando saio não sei nem se voltarei vivo para casa. A situação aqui difícil, eu não
sei o que falta acontecer. Se coloca mais policiais e não muda a justiça, não adianta
nada. A polícia prende, mas depois são soltos, essa cidade impossível de se viver de
tanto caso absurdo de violência.
Pedro, durante a entrevista, ressaltou muito a importância e o apoio da família na
sua formação. Seus pais sempre procuraram investir na educação dos filhos. Ressaltou
também a importância do seu tio, professor de Matemática, para a sua formação. Pedro
considera que seus pais sempre tiveram equilíbrio na orientação dos estudos dos filhos,
não sendo aqueles pais obstinados, o que poderia levar a cometer um erro pelo excesso
de zelo, nem tão pouco desligando-se totalmente dele. Arcavam, a duras penas, com o
ônus da escola privada de seu bairro, pois a consideravam “pagável” com um pouco de
sacrifício, sem nunca terem tido a obstinação de colocá-los em escola de elite, pois
sabiam que não era possível arcar com mensalidades tão caras, como também nunca
deixaram que estudasse em escola pública, face ao descaso que se encontra a escola
pública de ensino médio de seu bairro.
56
Lahire (1997) observa que é necessário estudar a dinâmica interna de cada
família, as relações de interdependência social e afetiva entre seus membros para que se
possa entender o grau e o modo como os recursos disponíveis (os vários capitais) são ou
não transmitidos aos filhos (não apenas os pais, mas outros membros da família).
Assim, o apoio e o incentivo de seus pais e de seu tio, mesmo com limitadas condições
de escolaridade foi um fator determinante para o prosseguimento de seus estudos na
área escolhida.
b) Relações sociais
Pedro nos relata que sua grande influência veio de seu irmão. Por estudarem no
mesmo Colégio seu irmão sempre o orientou e ensinou nas atividades escolares.
Meu irmão era meu grande apoio. Ele sempre estudava comigo, tirava minhas dúvidas.
Nós somos muito amigos até hoje. Ele seguiu o caminho militar e sempre viaja muito,
mas não deixa de ser preocupado comigo.
No Colégio, Pedro tinha afinidades com alguns professores, especialmente os
professores que lecionavam as disciplinas de cálculo. Concordava que o apoio deles era
de fundamental importância para um bom direcionamento aos estudos.
Pedro, em uma determinada época de seus estudos, especificamente no 1º ano do
ensino médio, acabou envolvendo-se com brincadeiras e conversas paralelas em sala de
aula.
Quando eu cursava o primeiro ano do ensino médio, sentia-me um pouco desmotivado,
não sei dizer por que. Acho que era uma fase natural da adolescência, e comecei a tirar
notas baixas, meu rendimento começou a cair. Meu irmão foi quem chamou minha
atenção. Como estudava no mesmo Colégio, acabava sendo um pouco meu responsável.
Daí, passei a ver que aquelas brincadeiras não tinham nada a ver com o que eu
realmente queria. Passei a ver a importância de estudar e passei a ficar mais
concentrado. Tanto que no ano do ensino médio passei a me dedicar ainda mais aos
estudos. Isso foi muito positivo, pois hoje faço o curso que quero.
Seu depoimento revela o grande apoio e orientação de seu irmão, e a influência
do grupo de amizades. Na própria instituição escolar é possível verificar alunos com
objetivos definidos, no que diz respeito à vontade de continuidade dos estudos que
procuram efetivar práticas que os levem a atingir os objetivos previamente
estabelecidos.
57
c) Trajetória escolar
Quadro 10 – Dados sobre a Escolarização
Ano de Conclusão Escolaridade Escola Resultado
1997 E. Fundamental I Particular
Aprovado em todas
as séries
2001 E. Fundamental II Particular
Aprovado em todas
as séries
2004 Ensino Médio Particular
Aprovado em todas
as séries
2006 Superior Pública Cefet
Com relação aos estudos, Pedro e seus irmãos sempre estudaram em Colégio
particular, com grande esforço, por parte de seus pais, para financiá-lo.
Na parte econômica, meus pais sempre se esforçaram muito para pagar o Colégio[...].
Com relação à questão cultural, meu pai sempre foi caseiro, casa – trabalho – trabalho –
casa. Eu acredito muito, muito que apesar da família bem humilde, mas bem
estruturada, isso foi fundamental para a mentalidade que eu e meus irmãos temos hoje.
Eu acho que foi devido a isso. A presença do pai (casa –trabalho) e mãezinha sempre ali
dona de casa, essa junção foi fundamental para mim[...]. A opção de escolha pelo
ensino privado, ocorreu devido à baixa qualidade da escola pública. É questão de
acreditar que a escolar particular tem um ensino melhor, hoje à instituição pública tem
uma imagem muito desgastada, acho que meu pai faria o impossível para eu e meus
irmãos não estudássemos em escola pública, como realmente não aconteceu, mesmo
tendo lá em casa momentos de grande dificuldade financeira. Ele abria mão de qualquer
coisa menos de que seus filhos estudassem em escola particular, como também sempre
nos colocou em uma escola que ele pudesse pagar, nunca forçou a barra para nos
colocar em uma escola nobre, cara.
Pedro cursa hoje Telemática no CEFET. Em sua entrevista nos disse
estou satisfeito com o curso, eu fui mesmo pela afinidade com a matemática e a física,
eu sempre tentei nessa área, antes tinha sido Informática, mas não passei. fiquei na
Telemática, que é muito próximo. E pensei também que esta área poderia ter um futuro
próspero. Acho que juntei as duas coisas e defini.
No item relativo à trajetória ocupacional, mesmo considerando sua área
promissora, Pedro ainda não trabalhava na área escolhida para sua carreira. O trabalho
sempre foi uma preocupação, mesmo ainda como estudante de ensino médio. No
momento da realização da entrevista, trabalhava informalmente com seu tio que era
professor. Considerava a entrada no mercado de trabalho, em Fortaleza, difícil, mas que
não mediria esforços para alcançar seus objetivos. Pedro considera ainda que
58
não pretendo mudar de curso. Estou, como disse, satisfeito com a área que escolhi. E
tem concursos públicos nesta área. Mas a maioria das provas exige também
conhecimentos na área do Direito e que não é visto na faculdade. Vou começar a ver
para qual concurso pretendo estudar e me dedicar a isto, pois priorizo a estabilidade.
Não quero que aconteça comigo o que aconteceu com alguns familiares meus que
trabalhavam em empresas privadas e 10 ou 15 anos depois estavam fora do emprego e
totalmente sem rumo, como também não tenho como abrir alguma coisa própria. Por
isso optei pelo emprego público.
Apesar da grande e difícil concorrência, os cargos públicos parecem ser um
emprego muito desejado. A segurança e a estabilidade aparecem como critérios
essenciais nesta disputa acirrada estabelecida para a entrada no emprego público.
3.4.6. Márcia
As entrevistas com Márcia realizaram-se no Colégio Alfa. Márcia é uma jovem
muito determinada e, apesar de ter passado por graves dificuldades financeiras, sua
família sempre procurou investir em seus estudos. As entrevistas foram realizadas de
forma muito agradável, pois a entrevistada apresentou muita desenvoltura ao falar. No
primeiro encontro tratamos dos dados sobre sua família e vida escolar. Na segunda
entrevista, o foco foi sua formação acadêmica e sua entrada no mercado de trabalho,
bem como alguns detalhes que ficaram sem resposta na entrevista anterior.
3.4.6.1. Márcia - Entrevista
Quadro 11 – Características sócio-familiares
Dados Márcia
Idade 21
Local de Nascimento Fortaleza
Estado Civil Solteira
Filhos Não
Posição de nascimento Tem 1 irmã mais nova
Local de Residência
Bairro Alvorada, zona periférica da
cidade de Fortaleza
Numero de pessoas que moram na
residência
4
Renda Familiar Total (aproximada) 5 a 6 salários
Pai: idade, escolaridade e profissão
Idade: 55 anos
Profissão: funcionário público
Escolaridade: nível superior
Mãe: idade, escolaridade e profissão
Idade: 56 anos
Profissão: auxiliar de escritório
Escolaridade: ensino médio
59
De acordo com os dados apresentados, Márcia tem 21 anos e é a filha mais
velha. Seus pais são separados aproximadamente cinco anos. Mesmo com a
separação, seus pais mantiveram um bom relacionamento e hoje, tanto seu pai como sua
mãe formaram uma nova família, mas não possuem outros filhos. Seus pais sempre
tiveram uma grande preocupação com a formação de suas filhas. Como ela relatou na
entrevista:
Nossa! Meu pai sempre foi muito aflito e preocupado com nosso futuro, pois por ele ser
funcionário público tem aquela visão de que os filhos também devem trabalhar para o
governo... mas concurso público está cada vez mais difícil, quase impossível, eu acho.
Com relação à formação, seu pai concluiu o curso de administração quando
era funcionário público. Segundo a entrevistada, o fez apenas para melhoria salarial em
seu trabalho. Sua e é auxiliar de escritório e concluiu o curso de ensino médio
profissionalizante em contabilidade. Quando casados, seus pais procuravam sempre
fazer programas culturais com os filhos.
uma grande valorização ao cinema na minha casa. Íamos sempre. Meu pai gosta
muito, muito mesmo e eu e minha irmã também ficamos com isso. Gostamos muito
de cinema.
Notamos uma certa diferenciação, no que diz respeito aos programas culturais da
família, se compararmos com as entrevistas anteriores. Neste caso específico, é possível
verificar programas com valores culturais distintos. Ressaltamos ainda que seu pai
possui nível superior, bem como um emprego que lhe garante estabilidade.
Fora o cinema, os programas da família resumiam-se à praia e visita a
familiares. Não era de costume viajar, a não ser para a cidade de Camocim (interior do
Ceará), cidade natal de sua mãe. A separação dos pais gerou uma crise financeira na
família, e por mais que seus pais tentassem não repassar e não transparecer este
problema com suas filhas, era notório a crise instalada. A entrevistada nos disse que
hoje
a situação já está bem, pois já estou trabalhando e, mesmo ganhando pouco, como moro
com minha mãe e não tenho despesas com a casa.
Sua mãe está casada e seu padrasto também colabora com as despesas gerais.
Sua relação com o padrasto é tranqüila e amigável, mas no início foi um pouco difícil
aceitá-lo. A relação mais difícil é com a madrasta que, segundo a entrevistada
60
não sei por que , mas sei se é ciúmes ou raiva mesmo de mim e de minha irmã não
pra ter uma relação amigável. Por isso resolvi deixar pra e o meu contato com o
meu pai ficou muito reduzido, reduzido mesmo ao telefone. Pra você ter idéia, esqueci
de ligar pra ele no último Dia dos Pais, só lembrei a noite.
A família moderna, em que há casos de separações de pais e logo depois
casamento dos mesmos com outros parceiros, gera uma nova reestruturação familiar.
Neste caso, tanto o pai quanto a mãe de Márcia estão no segundo casamento. Márcia
sentiu um abalo na condição econômica na família bem como na relação com o pai, que
após o segundo casamento procurou evitar aproximação com as filhas.
b) Relações sociais
Márcia é uma jovem muito comunicativa. Esta sua qualidade gerava, às vezes,
alguns problemas no Colégio, pois todos seus amigos queriam conversar, não só durante
o intervalo, mas durante as aulas.
Eu sempre gostei muito de conversar. Isso é pra mim uma qualidade e um problema.
Antes porque todos queriam conversar comigo, até mesmo durante as aulas e os
professores sempre chamavam atenção. Agora também é complicado porque minha
profissão exige silêncio.
No Colégio, Márcia sempre teve muitos amigos. Seus amigos não se resumiam
aos colegas de sala. Tem grandes amizades da época de Colégio até hoje. Sua qualidade
foi sempre saber o momento certo para parar a conversa ou a brincadeira.
O problema dos alunos é que de um modo geral ou são quietinhos, estudiosos ou são da
bagunça. Eu sou um meio termo. É complicado, porque gosto de conversar, de brincar,
mas também gosto de ler e de estudar. Às vezes meus amigos não entendiam isso. Se eu
tivesse ido na “onda” deles, talvez tivesse me prejudicado pelas brincadeiras. Amizade
influencia muito. Claro que brincar, até mesmo no Colégio é muito bom, é muito
divertido, mas tem o limite, a hora certa de parar. Isso eu sabia bem.
c) Trajetórias escolares
Quadro 12 – Dados sobre a Escolarização
Ano de Conclusão Escolaridade Escola Resultado
1997 E. Fundamental I Particular Aprovada
2001 E. Fundamental II Particular Aprovada
2004 Ensino Médio Particular Aprovada
2006 Ensino Superior Público Cursando
61
De acordo com o quadro acima, Márcia teve uma trajetória escolar bem
sucedida. Foi aprovada em todas as séries do ensino básico. Sua única barreira foi a não
aprovação no seu primeiro vestibular.
Márcia nos relatou, quando perguntada sobre a expectativa dos seus pais em
relação à conclusão do Ensino Médio, que seus pais sempre acharam que as filhas
deveriam cursar o ensino superior, mas não havia um grande investimento, a não ser o
fato de sempre terem estudado em escola particular. Segundo Márcia, os pais achavam
que o fato de as filhas estarem estudando em escola particular, pagando por isso, faria
com que elas tivessem obrigação de passar no vestibular e, sempre deixaram claro que
não iriam custear o ensino superior privado. Márcia queixava-se muito que seus pais
não “pagavam” nada por fora, como por exemplo, curso de Informática ou Língua
Estrangeira. Quando questionada o porquê desta negação a pagar outros cursos ela nos
respondeu que
era porque poderia comprometer o pagamento de outras contas. Meu pai é muito
certinho, paga tudo rigorosamente em dia, não faz nenhum estrago, e é verdade se ele
fosse pagar outros cursos pra mim e para minha irmã iria sair muito caro, porque além
do curso, vem transporte, material, enfim, outras despesas. Claro que por vontade dele
ele nos colocaria nestes cursos, mas fora isso sempre teve muito estímulo em casa,
minha mãe sempre cobrou muito, sempre ia ao Colégio para ver nossas notas, tanto que
sempre passei por média, só fiquei um ano em estudos de recuperação.
Mesmo com emprego estável, classificamos a família de Márcia como
pertencente à classe popular, devido à renda total familiar, bem como o fato de não
possuírem casa própria e não possuírem acesso aos bens materiais comuns na classe
média. Mesmo pertencente à classe popular é notória a diferenciação, especialmente
cultural, da família de Márcia.
Márcia cursa Biblioteconomia na Universidade Federal do Ceará. foi
aprovada no 2º Vestibular, após um ano de cursinho e muita determinação.
Sempre fui uma aluna estudiosa, na medida do possível, mas tenho limitações
especialmente na área de cálculo e sei que não é fácil aprovação na Federal, mas era o
que eu queria... escolhi o curso de Biblioteconomia porque sempre gostei de livros,
filmes, mas, não queria ser professora porque acho que não tenho habilidade. É difícil
ser professor, e escolhi este curso, meus pais me apoiaram e meus professores do
ano e do cursinho também e estou feliz, gosto do curso, dos professores, apesar de
problemas com greve na Universidade. Hoje estou trabalhando na Biblioteca de uma
escola particular e estou tentando um estágio no Jornal o Povo na área de arquivo. Tudo
indica que vou conseguir, assim espero.
Sobre suas expectativas profissionais e pessoais, Márcia nos diz que
62
sou muito “pé no chão”. Não costumo sonhar coisas impossíveis, mas sei muito bem o
que quero e tenho uma boa orientação e apoio dos meus pais. Quero um emprego
estável, organizar minha família e ser feliz. Quero muito o reconhecimento pelo meu
trabalho. Para isso me qualifico, sigo a orientação de meus professores, procuro não
desanimar diante das dificuldades reais. Como sempre tive uma família equilibrada,
apesar das dificuldades que tivemos nestes últimos anos em conseqüência da separação
de meus pais, procuro sempre o equilíbrio, saber o que realmente quero e buscar meus
objetivos sem temer os obstáculos, que não são poucos, eu sei.
Por fim, questionei sobre a perspectiva de um emprego público. Márcia
respondeu que
o sonho do emprego público é mais do meu pai do que meu, mas, se houver concurso
tentarei e se passar será muito bem vindo, pela estabilidade, mas quero tentar outros
desafios. Não sei se no mundo de hoje está valendo tanto a pena o concurso público
porque a gente “morre” de estudar, depois de muita dificuldade passa, mas não é
chamada – como acontece. Melhor do que ficar esperando por concurso público é
trabalhar, trabalhar muito.
Constatamos, neste caso, que o emprego público proporciona tamanha sensação
de segurança e estabilidade o pai repassa para a filha que este é o emprego ideal.
Márcia, que é uma mulher determinada, considera que o ideal é trabalhar, seja qual for
a rede: pública ou privada, o que não pode é ficar a esperar.
63
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo analisar as trajetórias singulares de alunos
pertencentes a famílias de uma determinada fração da classe popular que adotam
estratégias específicas, comuns nas classes médias, visando à continuidade dos estudos
de seus filhos em nível superior ou uma melhor colocação no mercado de trabalho.
Para tanto, se faz necessário compreender e analisar as trajetórias escolares
individuais destes alunos, considerando a origem social e as condições econômicas e
culturais, como fatores determinantes que facilitaram ou dificultaram o seu progresso
educacional.
Para proceder à análise dos dados nos apoiamos no conceito de capital cultural e
capital social de Bourdieu, como também nas contribuições metodológicas de Lahire (1997), na
medida em que nos propusemos a compreender as trajetórias singulares seguidas por cada
indivíduo.
Cabe retomar, dessa forma, as trajetórias individuais registradas no capítulo
anterior, pontuando as semelhanças e diferenças de cada um, levando em consideração a
história familiar, as influências sociais e o processo de escolarização.
1) Considerando a história singular das famílias temos:
Os pais de Daniel, Carolina e Pedro não possuem o ensino superior e
exercem atividades consideradas manuais. O mesmo ocorre com as mães
destes que também nunca cursaram faculdade ou sequer concluíram o
ensino médio, com exceção da mãe de Carolina. Dos citados acima,
apenas a mãe de Carolina exerce atividade profissional remunerada. As
demais sempre foram donas-de-casa, o que reflete o pai ainda como
chefe de família e a dificuldade de emprego para mulheres no mercado
de trabalho, na cidade de Fortaleza. Esta realidade vem se modificando
em face da reestrutura da família (a mãe passa a assumir as despesas da
casa junto ao pai) bem como a entrada mais acentuada da mulher no
mercado de trabalho.
64
Os pais de Ana e Márcia possuem o ensino superior completo. Ambos
são formados pela Universidade Estadual do Ceará (pública). As mães de
Ana e Márcia possuem o ensino médio. Uma delas (a mãe de Ana)
possui o ensino médio (4º pedagógico) e lecionou numa escola pública
(hoje aposentada) e não ingressou na Universidade por motivos de
saúde. A mãe de Márcia trabalha como auxiliar de escritório e não
pretende ingressar no ensino superior.
uma certa diferenciação entre os níveis de escolaridade dos pais. Esta
diferenciação pode resultar em diferentes expectativas para os filhos, pois como nos diz
Bourdieu,
da mesma forma que os jovens das camadas superiores se distinguem por diferenças que
podem estar ligadas a diferenças de condição social, também os filhos das classes
populares que chegam até o ensino superior parecem pertencer a famílias que diferem
da média de sua categoria, tanto por seu nível cultural global como por seu tamanho
(1998; p. 43).
Dos entrevistados cujos pais cursaram o nível superior, os filhos também o
fizeram. Temos também o caso atípico de Daniel, cujo pai é motorista, com
escolarização final no ensino fundamental, e mãe que nunca trabalhou fora de casa, e
cursa hoje, o ensino superior. Destacamos que Daniel ingressou no ensino superior
privado, após reprovação na Universidade pública. também o caso de Cláudio, cujo
pai investiu pesadamente na escolarização do filho, não matriculando-o no ensino
privado desde o ensino fundamental, como também realizando um valioso
acompanhamento pedagógico, resultando na aprovação no curso de Engenharia na
vez que prestou Vestibular para a Universidade Federal do Ceará.
Constatamos nas entrevistas que a vontade, o desejo de sucesso para os filhos
independe da escolarização. Cada pai, ao seu jeito, e dentro de suas limitações, investia
na escolarização dos filhos. Destacamos apenas, com relação à questão cultural
(passeios e visitas culturas, freqüência ao cinema, etc) que uma certa diferenciação.
Por exemplo, o pai de Márcia, freqüentador assíduo do cinema, levou a sua filha a
também ter interesse por esta arte. Já os pais com menor escolarização não despertavam
em seus filhos interesses culturais. Observamos também que a limitação financeira
também é responsável pela limitação cultural. No caso de Pedro, por exemplo, ele nos
65
relatou que eram bastante caseiros ou no caso de Cláudio que não levava mais seu filho
a passeios culturais devido ao custo.
É importante ressaltar que, de acordo com Bourdieu (1998; p. 42), “mais que os
diplomas obtidos pelo pai, mais mesmo do que o tipo de escolaridade que ele seguiu, é
o nível cultural global do grupo familiar que mantém a relação mais estreita com o êxito
escolar da criança”. Apesar de que as famílias do grupo pesquisado tenham apresentado,
de modo geral, baixa escolaridade, temos o exemplo do tio de Pedro que era professor e
incentivava seu sobrinho ao universo dos estudos e do trabalho, bem como o caso de
Ana, que além do pai possuir o curso superior, também possuía o incentivo de sua tia e
de sua avó para escolha sua profissão. É importante considerar o caso de Daniel que,
mesmo vivendo em condições materiais pobres, morando em um bairro carente de
atividades culturais, convivendo com parentes e amigos com significativas limitações
escolares e culturais, será o primeiro de sua família a obter o curso superior. Nenhum de
seus avós, pais, tios e irmãos mais velhos o possuíram anteriormente.
2) Influências marcantes da rede de relações sociais.
Ressaltamos a seguir as influências da rede de relações sociais nas trajetórias
escolares de cada um. Como esta rede de amigos influenciou positivamente ou
negativamente no universo escolar de cada entrevistado.
Destacamos o caso de Daniel, que possuía um vizinho que era seu grande
amigo. A mãe deste amigo era professora da rede pública e sempre
acompanhou de perto a escolarização de seu filho bem como a de Daniel.
Na casa deste amigo havia a assinatura de um jornal de grande circulação
em Fortaleza, como também revistas (não havia assinatura), que eram
sempre novas, embora doadas da casa de uma outra professora. Como na
casa de Daniel não havia assinatura de nenhum jornal e nem revistas e os
programas prediletos de TV eram telenovelas, ele sempre procurava ficar
“atualizado” na casa deste amigo. Este amigo também o convidou para
estudar na rede privada de ensino, pois observava ser fraco o nível de
ensino na rede pública. Então, os dois ficaram estudando no mesmo
66
Colégio. Desta forma, consideramos que a influência deste amigo
contribuiu de forma positiva para a escolarização de Daniel.
No Colégio, estes alunos conviveram na mesma série, alguns na mesma
turma e outros apenas na mesma série (no mínimo no ano). No espaço
escolar, Daniel, Cláudio, Pedro eram amigos. Cláudio era um pouco
isolado, por ser um pouco tímido. Ana, Márcia e Carolina também
conviveram no mesmo espaço escolar e também eram amigas de Daniel,
Cláudio e Pedro. No Colégio, especialmente no ano, todos, sem
exceção, freqüentavam o grupo de estudo, bem como utilizavam com
certa freqüência o espaço da Biblioteca e Informática. Cláudio era o
aluno mais aplicado e isolava-se do grupo da brincadeira, aproveitando
ao máximo o apoio dos professores.
Ana e Cláudio sempre tiveram como objetivo a aprovação no Vestibular.
Segundo Cláudio, a trajetória não era fácil, nem difícil, era trabalhosa.
Tinha que estudar. Ana reconhecia que tinha limitações, especialmente
nas disciplinas de cálculo. Mas sempre teve como objetivo estudar na
área de saúde e não sendo aprovada na Universidade pública, optou por
arcar com o ônus da Universidade privada.
Márcia e Carol, apesar de sempre freqüentarem o grupo de estudo,
reconheciam que poderiam ter se esforçado mais. Carolina, em sua
entrevista, nos disse que “os amigos influenciam muito, talvez se eu
tivesse escutado mais os meus amigos que estudavam eu estivesse,
hoje, na faculdade”.
Segundo Bourdieu (1998; 67), os lucros que o pertencimento a um grupo
proporciona estão na base da solidariedade que os torna possível. Vemos, assim que
estes amigos estão unidos com o objetivo da aprovação no Vestibular. Freqüentavam
grupos de estudos, utilizavam os espaços disponíveis como a Biblioteca e o Laboratório
de Informática para unidos, atingirem o objetivo de aprovação no Vestibular.
c) Trajetória escolar
67
Quanto à trajetória escolar individual dos alunos, concluímos que:
Daniel foi reprovado na série do Ensino Fundamental, quando
estudava na escola pública. As demais séries foram concluídas com
êxito. Carolina foi retida no ano do ensino médio, quando estudava
no ensino privado. Ana foi reprovada na série do ensino fundamental.
Cláudio, Pedro e Márcia não passaram por nenhuma reprovação na
educação básica. Dos seis entrevistados, 50% (3 alunos) ficaram retidos
em alguma série da educação básica, mas esta reprovação não
comprometeu o andamento dos estudos, pois não houve desistência da
escola em nenhum dos casos analisados.
Com relação à análise do desempenho escolar da educação básica, bem como a
percepção das facilidades e/ou dificuldades escolares auto-avaliação, os entrevistados
expressaram-se da seguinte forma:
Daniel e Ana avaliam que tiveram dificuldades na trajetória escolar,
especialmente no ensino médio. As dificuldades concentravam-se mais
nas disciplinas de cálculo. Daniel nos diz ainda que esta dificuldade
aumentou quando começou a trabalhar, pois seu tempo de estudo reduziu
consideravelmente.
Cláudio nos disse que teve um bom desenvolvimento escolar tanto na
educação básica como também no ensino superior (ainda cursando).
Sempre foi um bom aluno nas diversas disciplinas e suas preferências
voltavam-se para as disciplinas que envolviam cálculos. Por isso
escolheu o curso de Engenharia.
Carolina avalia que não teve um bom desempenho no Colégio. Poderia
ter se esforçado mais. Considera que faltou apoio dos professores e dos
pais, mas no ensino médio tentou recuperar “o tempo perdido”.
Enfrentou dificuldades, pois como disse, “não tinha base” e aí, com o
casamento e logo depois filhos, o estudo deixou de ser prioridade.
Ressalta que brevemente retornará aos estudos. Pretende freqüentar um
68
bom cursinho e ingressar na faculdade. Segundo Caroline, é uma
questão de tempo”.
Pedro e Márcia avaliam que foram bons alunos, mas consideram que
poderiam ter sido melhores. Pedro nos diz que sempre foi muito
esforçado, mas encontrava dificuldades em Produção Textual e
Gramática. Márcia, enquanto aluna do ensino básico, encontrava
dificuldades na área de cálculos, mas procurava compensar a dificuldade
freqüentando os grupos de estudos e freqüentando aulas particulares.
De acordo com as entrevistas, destacamos que apenas Carolina não está
cursando ensino superior. Segundo a entrevistada, por motivos pessoais (o casamento e
nascimento do filho). Carolina não desistiu de cursar o nível superior e pretende
preparar-se tão logo seu filho inicie os estudos na creche. Dos demais entrevistados,
Cláudio, Pedro e Márcia cursam Universidade pública. Cláudio foi aprovado no 1º
Vestibular que prestou na Universidade Federal para o Curso de Engenharia Mecânica.
Márcia e Pedro foram aprovados no Vestibular prestado, após estudos no cursinho
pré-vestibular. Márcia ressalta, em sua entrevista, que seu pai não iria custear o ensino
superior na Universidade particular e, portanto, dedicou-se muito aos estudos no
período que freqüentou o cursinho. Ressaltamos que, mesmo freqüentando
Universidade pública, os cursos freqüentados por estes alunos são de baixa concorrência
(Biblioteconomia concorrência média de três alunos para cada vaga) e Telemática
(concorrência média de seis alunos para cada vaga), com exceção de Cláudio que cursa
Engenharia Mecânica, com concorrência média de quinze alunos para casa vaga.
Daniel e Ana cursam ensino superior em instituição privada. Quando
questionados sobre o porquê, ressaltam que na Universidade pública os cursos
escolhidos Daniel Informática e Ana – Enfermagem, possuem alta concorrência. Com
a reprovação no Vestibular que prestaram, optaram por cursar o ensino superior
privado.
Com relação às expectativas e projetos profissionais, temos apenas um dos
entrevistados, no caso Daniel, que pretende abrir seu próprio negócio. Caroline, como
ainda não ingressou no ensino superior, pretende continuar trabalhando na clínica
odontológica e ingressar no ensino superior, tão logo seu filho inicie os estudos na
69
creche. Ana, Pedro e Márcia pretendem prestar concurso público. Cláudio ainda não
trabalha, e pretende continuar os estudos após a conclusão do curso de Engenharia.
Face ao exposto e diante do objetivo proposto de analisar as trajetórias
singulares de famílias pertencentes a uma determinada fração da classe popular que
adotam estratégias específicas, comuns nas classes médias, visando à continuidade dos
estudos de seu filho em nível superior ou uma melhor colocação no mercado de
trabalho, concluímos que cada pai, dentro de suas limitações culturais e financeiras
investia na escolarização de seus filhos.
Com relação à freqüência dos alunos em instituição privada de ensino,
constatamos que dos seis entrevistados, três cursaram o ensino fundamental em escola
pública (Daniel, Ana e Carolina) e passaram a estudar no ensino médio em instituição
privada, por motivos diversos, desde a baixa qualidade do ensino público das escolas de
Fortaleza, bem como a crença de que a escola privada possui melhor preparação para o
vestibular ou até mesmo a proximidade de moradia dos entrevistados. Vale ressaltar que
o ensino público de Fortaleza também dispõe de escolas com excelente qualidade,
conforme a entrevista de Ana. Os outros três entrevistados (Pedro, Cláudio e Márcia)
sempre cursaram o ensino básico em escola privada.
Com relação à questão cultural, constatamos que os pais com menor
escolarização não despertavam em seus filhos interesse pelo universo cultural, por
motivo de desconhecimento cultural e motivos financeiros. Quanto à rede de relações
sociais dos entrevistados, consideramos relevante destacar a influência positiva ou
negativa das amizades no universo dos estudos e do trabalho.
Enfim, este trabalho se soma a outros (Dallabrida, 2006; Santos, 2006; Viana,
2006; Silva, 2007) que, no âmbito do Grupo de Pesquisa “Inclusão/exclusão escolar e
desigualdades sociais”, do PEPG em Educação: História, Política, Sociedade, da PUC-
SP, têm procurado, com base nas contribuições de Bourdieu, analisar os aspectos
familiares, sociais e escolares que contribuíram para as trajetórias escolares e sociais de
alunos da escola básica no Brasil.
70
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72
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trajetórias escolares singulares de ex-alunos de classe especial para deficientes
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74
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Tabela 1 p. 15
Variação do número das matrículas no ensino médio
por instância administrativa, entre 2000 e 2004
Tabela 2 p. 15
Distribuição das matrículas no ensino médio, no município
de Fortaleza,por instância administrativa – 2000 a 2005
Quadro 1 – Características Sócio-familiares – Daniel p. 36
Quadro 2 – Dados sobre a Escolarização – Daniel p. 40
Quadro 3 – Características Sócio-familiares – Caroline p. 41
Quadro 4 – Dados sobre a Escolarização – Caroline p. 44
Quadro 5 – Características Sócio-familiares – Caroline p. 45
Quadro 6 – Dados sobre a Escolarização – Caroline p. 47
Quadro 7 – Características Sócio-familiares – Cláudio p. 50
Quadro 8 – Dados sobre a Escolarização – Cláudio p. 52
Quadro 9 – Características Sócio-familiares – Pedro p. 54
Quadro 10 – Dados sobre a Escolarização – Pedro p. 57
Quadro 11 – Características Sócio-familiares – Márcia p. 58
Quadro 12 – Dados sobre a Escolarização – Márcia p. 60
75
A N E X O S
76
ANEXO 1
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1) Dados de identificação
a) Nome:
b) Idade:
c) Sexo:
d) Estado Civil:
e) Escolaridade:
2) Dados familiares
a) Pai
Idade:
Profissão:
Escolaridade:
b) Mãe
Idade:
Profissão:
Escolaridade:
3) Quantos irmãos?
4) Local de residência (Bairro):
5) Sobre a organização familiar:
6) Sobre a expectativa dos pais em relação a conclusão do Ensino Médio
7) Sobre sua trajetória de vida escolar
8) Sobre sua trajetória ocupacional
Durante o Ensino Médio era só estudante?
Quando iniciou no mercado de trabalho?
9) Sobre a caracterização sócio-econômica e cultural dos pais:
10) Sobre a opção de cursar o nível médio de ensino em instituição privada de ensino
(apenas para concludentes da 8ª séries em ensino público)
11) Sobre a opção de cursar o ensino fundamental e médio em instituição privada de
ensino
12) Expectativas e projetos de vida pessoal.
13) O que você espera após concluir (o q você está estudando agora?)
14) E em seguida? E qual é o motivo?
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ANEXO 2
ENTREVISTAS
o Daniel
1) Dados de identificação
a. Nome: Daniel
b. Idade: 21
c. Sexo: Masculino
d. Estado Civil: Solteiro
e. Escolaridade:
Escolaridade Escola Resultado
E. Fundamental I Pública
1ª ,2ª séries – aprovado
3ª série – reprovado
4ª série – aprovado
E. Fundamental II Pública Aprovado em todas as séries
Ensino Médio Particular Aprovado em todas as séries
Ensino Superior Particular Cursando
2) Dados familiares
a. Pai
Idade: 51
Profissão: Motorista
Escolaridade: 6ª série do E. Fundamental
b. Mãe
Idade: 50
Profissão: dona de casa
Escolaridade: 3ª série do E. Fundamental
3) Quantos irmãos? 2
4) Local de residência (Bairro): Nossa Senhora das Graças - Zona Periférica da cidade
de Fortaleza
Sobre a organização familiar, como é a estrutura da sua família?
É uma relação boa, sem brigas em família, o aprendizado sempre passou do irmão mais
velho para o mais novo ( sou privilegiado por ser o caçula), trabalhando em equipe.
Mantendo a família unida como sempre foi.
Seu pai e sua mãe tem uma boa relação?
Sim. Meu pai está se aposentando, minha mãe já é aposentada, eles irão descansar agora
porque já trabalharam muito.
78
Em que seus pais trabalhavam?
Meu pai trabalhou muito tempo como motorista de ônibus de uma empresa. Antes
trabalhou em outras empresas de ônibus e também em uma oficina mecânica. Trabalhou
por muito tempo em oficina e logo que consegui este emprego fixo na empresa de
ônibus ficou nessa função até se aposentar. minha mãe era costureira. Trabalhou um
bom tempo fora de casa depois passou a trabalhar em casa e agora está aposentada.
Eles nunca deram prosseguimento aos estudos, você saberia dizer o porquê?
(risos) Bem, meu pai tem uma família muito grande, tem 7 irmãos, meus avôs vieram
do interior para Fortaleza e todos filhos tiveram que trabalhar muito cedo. Moravam
num bairro muito pobre (como ainda moramos), então não tiveram nenhuma motivação
para estudar. Sempre trabalhou, teve filhos cedo e ai não dava para pensar em estudar.
Ainda hoje não vejo por parte deles muita motivação nem para incentivar os filhos, quer
dizer, eles incentivam do jeito deles, mas, acho que eles deveriam incentivar mais (nós
que somos filhos dele).
minha mãe, deixa eu ver, essa também tinha família grande e naquela época mulher
“não era pra estudar” e sim para ser dona de casa, cuidar da casa e dos filhos.
Sobre a expectativa dos seus pais em relação a conclusão do Ensino Médio:
Da mesma forma que eu não sabia o que era faculdade, meus pais também não.
Eles queriam que eu terminasse o ano e fosse trabalhar. Eu quem expliquei o quanto
era importante uma faculdade, até porque, eu serei o primeiro a me formar da minha
família inteira. Conversei com eles e fiz meu 1º ano no colégio particular, mas eu
terminei o e eles queriam que eu voltasse para um colégio público, devido o valor e,
aos meus irmãos, que reivindicaram porque eles nunca estudaram em um particular.
Conversei novamente com meus pais e disse que procuraria um colégio mais barato, até
que me indicaram o Colégio Alfa que foi onde, além de estudar, trabalhei e passei a
pagar meu próprio estudo e isso foi bom porque do jeito que estava a situação eu pararia
por ali mesmo devido a situação financeira, então terminei o ensino médio. Eu poderia
79
ter estudado em colégio do estado e trabalhado no Colégio Alfa, renderia o dinheiro,
mas e o conhecimento? Como seria meu futuro? Igual de toda família? Então eu me
responsabilizei pelos meus estudos, terminei o ensino médio e hoje pago minha
faculdade.
Você ajuda financeiramente em casa?
Sim, graças a Deus eu posso contribuir nas despesas de casa. Pago fixo a luz de
casa até porque uso muito o computador, fico até tarde estudando e, sempre que posso
ajudo também no mercantil.
Sobre sua trajetória ocupacional
Durante o Ensino Médio era só estudante?
Quando iniciou no mercado de trabalho?
Eu vi a dificuldade dos meus irmãos para conseguir um emprego, eles nunca estudaram
em colégio particular, que se interessa pelo aluno, terminaram o ano e pararam.
Comecei a enxergar que não bastava ter o ensino médio e fui fazer cursos no período em
que eu ainda estudava, consegui estágios e fui aprendendo com eles, tudo que aprendo
na faculdade eu aprendi no Colégio Alfa na época em que trabalhei aqui. Eu estudei em
colégio na beira da praia, conheci os que hoje são chefes de gangue e traficantes, não
foi fácil, então eu fui me afastando desses colégios e passando a estudar em colégios
mais próximos do centro da cidade, conversei com minha mãe porque eu queria um
colégio particular e não deu muito certo, tanto que fiz minha série em outro colégio
público e assim fui até estudar num Colégio particular, foi que conheci o que era
faculdade, conseguia responder as questões de vestibulares, então tentei UFC, UECE,
CEFET, mas não passei. Embora não eu tenha passado nos vestibulares, não parei por
aí, eu sabia que se eu tentasse mais, conseguiria, porém, consegui um emprego melhor e
fui fazer uma faculdade particular e faço até hoje, terminarei dentro de um ano meio.
Você sentiu a diferença da escola pública para a privada?
Demais, quando terminei o ensino fundamental na escola pública, fui fazer o ano em
um colégio particular e foi um impacto. Eu herdei dos meus pais facilidade para fazer
80
as coisas, primeiro entendo a situação e depois tento resolver e isso me ajudou muito na
matemática e na física,da série até a tinha época que eu era o único a tirar 10 e
quando cheguei no colégio particular no ano senti aquele impacto, percebi que eu
estava me baixo, eu vi que eu não estava no ensino público com nível alto, mas eu
estava no nível normal e o colégio abaixo do nível, eu olhava as questões super difíceis
no ensino privado e percebi que eu não sabia de nada e se eu fosse fazer um vestibular
eu não conseguiria passar, se eu tivesse feito 2º e 3º no colégio público, a minha chance
de passar no vestibular seria mínima.
Então, resumindo sua trajetória ocupacional...
Comecei a trabalhar muito cedo, ainda no ensino médio, depois já continuei no mercado
de trabalho onde continuo até hoje, mas ainda no ensino médio, foi fundamental fazer
cursos técnicos, pois minha área (informática) exige conhecimentos técnicos
atualizados.
Quando você descobriu que a sua área era da informática?
Quando eu comecei a fazer curso no SENAI, foi na minha 7ª série, fiz uma prova, como
era menor, ganhei o curso gratuito com duração de 2 anos, então despertei para essa
área. Tinha o computador em mãos, não em casa, mas tinha no meu trabalho. Percebi
que se gastava muito com técnico para consertar o computador e passei eu mesmo
consertar.
Com relação a sua rede de relações sociais, ou seja, seus amigos:
A minha grande influência partiu dos amigos, porque meu pai só entendia de
mecânica e de dirigir ônibus, minha mãe era dona casa mesmo. Mas eles sempre me
incentivaram da maneira deles. Eu tinha muitas amizades e um deles até hoje é meu
melhor amigo e a mãe dele era professora de colégio do estado e ele estudava em
particular, então eu me perguntava: Se colégio do estado fosse bom, a mãe dele
economizaria colocando o filho no estado. Eu cresci com ele no colégio particular e eu
no estado, ele me ensinava o que aprendia e eu ajudava a fazer os trabalhos dele e era
muito divertido. A diferença do particular para o estado é que no estado você faz dever
e no particular você se diverte aprendendo. Até que no ano ele me convidou para
81
estudar num Colégio particular com ele, foi difícil, mas deu certo. A influência vem
das minhas amizades. Não só dele.
Mas vocês se destacaram no bairro, existem também influencias de amizades
ruins?
Tem muita gente da minha idade que não queria saber de estudar e hoje eles estão
correndo atrás, por que só quem se destacou foi eu e o Rafael, alguns nem terminaram o
fundamental por falta de incentivo, embora a gente more em um bairro onde as pessoas
acham que terminando o ensino fundamental é suficiente a gente não parou, até porque
a mãe do Rafael incentivou muito a gente, ela dizia, a praia, brinque, saia com os
amigos, namore, mas estude.
Isso também é uma opção sua?
Sim, porque eu vi isso nos meus irmãos, se eu fosse o mais velho da família, talvez eu
não estivesse aqui, eu vi tudo passar na minha família onde tem muita gente errada
também, mas isso não era motivo para eu seguir o caminho deles, eu percebi cedo o
caminho certo e fui atrás do meu. Cada um tem que ter um lugar ao sol.
Ficou claramente que em determinado momento você poderia ter se encaminhado
para outro lado por influência?
Eu poderia ter parado e ter brincado, porque eu acredito que no bairro mais pobre
tem muito mais diversão que em um de classe alta, tem muitas oportunidades para não
seguir um caminho profissional. Quando eu tinha 14 anos era skeitista e meus amigos
também e muitos até hoje são assim. Eu continuo andando de skate e surfando, mas não
com as mesmas amizades, porque tinha manobras que eu e meus amigos não
conseguíamos fazer e tinham outros que faziam brincando, mas aí eu percebi que eles se
drogavam para fazer e eu decidi sair desse grupinho, pois uma vez entrando nessa vida a
pessoa não sai mais. Eu tinha um grupinho que era skeitista, mas não maloqueiro e
temos até hoje.
E voltando para a mãe de seu amigo Rafael, o que você tem a dizer sobre a
influência que ele teve sobre seu percurso profissional e escolar?
82
A mãe do Daniel teve muita influência. Acho até que mais do que os meus próprios pais
que como falei não entendia muito de estudos. Por ser professora ela sempre nos
incentivou muito. Eu também me espalhava nela, pois achava bacana que na casa dela
sempre tinha jornal, revistas pra gente ler, mesmo que o jornal fosse do dia anterior, até
mesmo televisão, ela sempre assistia jornal, outros programas, não era só novela, pois lá
em casa é assim: a tv só é aberta na hora da novela, na hora do jornal fecha a tv e vamos
jantar, conversar, quando recomeça a novela abre novamente a tv. E não ela via
mesmo o jornal, fazias as atividades de casa com o Rafael, quando ela não sabia
resolver incentivava ele a perguntar aos professores. Enfim era muito bacana e tenho
certeza que ela me influenciou bastante.
Quais outras influências você teve na época que você fazia ensino fundamental e
médio?
Quando eu estudava na escola pública, poucos me estimulavam. Acho que a visão geral
de todos era a de apenas concluir o ensino fundamental ou, no máximo, o médio. Os
professores também não estimulavam muito. Tinham sempre uma visão, acho que posso
dizer negativa do futuro. E os alunos queriam mesmo era mesmo era trabalhar. Tinha
um pequeno grupo que tinha muita vontade de continuar a estudar mas acho que eles
não tinha um rumo, não sabiam, como eu não sabia sequer o que era Universidade. Mas
tem professores na rede pública que se esforçam bastante, é porque realmente é muito
difícil disputar com a praia que era perto, com amigos da praçinha, enfim tudo era
melhor do que assistir aula. Na escola particular, como falei tem os professores que
estão sempre incentivando, mas no Colégio Alfa, pelo fato de ter trabalhado lá, tenho
mais lembranças de pessoas que me incentivaram. Tinha uma professora de Biologia
que era um grande exemplo. Como outros também. Tinha o de Matemática que sempre
tava incentivando mesmo até quando a turma não merecia. Acho que esses dois
marcaram muito. Sempre vou lembrar deles. A Coordenadora também estimulava muito
e, por ter trabalhado lá, ela sempre me dava muita força pra continuar estudando, e não
ficar acomodado por eu já está trabalhando.
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Retomando a opção de cursar o ensino médio em instituição privada
O ensino é bem mais concentrado e voltado para o vestibular, o objetivo principal é
fazer um vestibular, quando se termina o ano, na verdade está começando, porque
tem ensino superior, mestrado e, cada patamar desse leva um tempo e o caminho mais
fácil é no colégio particular, porque pelo menos aqui no Ceará, a maioria das escolas
públicas não tem interesse no aluno, só querem saber de receber seu salário no final do
mês e ainda fazem greve. Pelo menos a grande maioria dos Colégios públicos
infelizmente são assim, claro que tem alguns bacanas, mas o esforço do aluno tem que
ser muito, muito, maior.
Você percebeu logo que continuando ali teria sido diferente?
Claro, até mesmo nas faculdades, a UECE vive em greve. Essa foi uma das opções por
uma faculdade particular.
Você está gostando da Universidade particular?
Sim, eles se interessam para os que os alunos aprendam mesmo. Tira dúvidas. Claro que
hoje tem algumas, ou até muitas que não tem muita qualidade. É uma farsa. Mas a
faculdade que estudo tem uma excelente estrutura. Tanto no prédio como nas salas de
aula e no que mais me interessa que é o laboratório de informática. O laboratório de
informática é muito bem equipado e atualizado.
Lá tem alunos de colégio públicos?
Os que eu conheço são pelo ProUni. Na primeira semana de aula os professores sempre
pergunta qual a escola que estudávamos no ensino médio. Deu pra ver que tem diversas
escolas mas aqueles que estão que vieram da escola pública tem o ProUni. E
realmente não pra pagar a mensalidade. Além da mensalidade vem transporte, livros,
fotocópias. Sai muito caro. Eu mesmo tenho muita dificuldade pra custear meus
estudos. Infelizmente não consegui o ProUni então tenho que batalhar bastante.
Tem diferença em nível? Dá para perceber alguma diferença?
Demais, tanto em nível como em cultura. É diferente o aluno que não tem acesso a
computador em casa ou no trabalho. O curso de informática é um curso muito caro, pois
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você a caba tendo que ter acesso a computador, internet, tecnologias atualizadas e isso é
caro. Eu tenho muita dificuldade. Minha sorte é meu trabalho que é tudo muito
moderno e atualizado. Outra coisa não adianta o aluno querer fazer informática se não
tem conhecimento básico do computador, se não gosta. É como qualquer outro curso, é
como na medicina tem que gostar muito para ser um bom profissional.
Expectativas e projetos de vida pessoal
Abrir minha empresa. Eu vejo que meus pais trabalharam tanto e meus irmãos
continuam correndo atrás de algo melhor. Então vou abrir uma empresa para deixar uma
herança para a família inteira. Pretendo tirar esse negócio de que minha família é
analfabeta e dá a oportunidade deles estudarem. Quando eu vejo alguém da minha idade
trabalhando demais, eu digo que essa pessoa deixe um tempo para estudar, como agora,
eu trabalho numa empresa e estudo à noite. Fiz uma seleção para outra empresa e não
sei se eu vou ficar, porque ou trabalho ou estudo (a noite) e, se eu trabalhar agora
prejudico meus estudos e eu estudando vai ficar pelo resto da vida, abrindo as portas pra
mim.
Então você tem a visão de empreendedor
Eu fujo da área militar e de concurso públicos, porque você nunca vai mostrar o seu
máximo. Então pretendo abrir a empresa para mostrar pra todos que da família tem um
que luta e se destaca e nenhum da minha família batalha concurso.
Apesar das dificuldades você não desistiu
Eu observo que vivemos em um mundo onde a gente tem que pagar caro para se cultuar
a mente adequadamente. Vejo nos hospitais que quem tem dinheiro é atendido mais
rápido, ou seja, o dinheiro compra até a vida. No ensino isso não é diferente. A gente
tem que passar no vestibular, tem que estudar no ensino privado. Quem é da rede
publica só faz faculdade particular pelo ProUni. No vestibular da UFC, a maioria que se
inscreve é de colégio particular, principalmente em medicina. Então não tem como
estudar a vida inteira no colégio público e tentar uma faculdade pública. É muito difícil,
claro que tem alguns que conseguem.
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Mudando um pouco o foco, queira saber um pouco sobre sua infância. Como foi
sua infância. O que mudou nos seus sonhos? Quais eram suas expectativas?
Bem, minha infância posso dizer que foi uma infância feliz. Morava como ainda moro
num bairro muito carente de lazer. Então tínhamos que “inventarbrincadeiras. Meus
amigos eram na maioria do bairro, da rua onde morava. Os amigos do colégio eram os
mesmos do bairro até porque morava perto de colégio público que estudava. Pra falar a
verdade acho que não tinha muitos sonhos. Vim despertar mais tarde na adolescência.
Foi quando comecei a ver a dificuldade de meus pais, de meus irmãos e vi que tinha que
criar um futuro diferente pra mim. E essa diferença tinha que ser através dos estudos.
Comecei a diferenciar as amizades que poderiam ser ruins e aquelas que poderiam
acrescentar. Tenho amigos que continuam na mesma ou estão mesmo é pior, envolvidos
com coisas ruins. Eu e o Rafael, por exemplo, estamos seguindo bem, claro que é
difícil, enfrento dificuldades, mas acho que esse é o caminho.
A trajetória para ser um bom profissional é árdua?
Claro que é. Principalmente para aqueles que como eu tem que começar do zero. Não
tenho família rica. Como falei serei o primeiro a ter curso superior na minha família. É
muito cansativo passar o dia trabalhando e a noite ir pra faculdade. Não posso deixar de
trabalhar e nem de estudar. Tem gente na faculdade que tem grana, tem empresa
própria e aí falta o trabalho no dia que tem prova. É muito fácil assim. Eu não. Eu tenho
que levantar muito cedo, pegar ônibus, ir pro trabalho. Mas logo, logo comprarei meu
primeiro carro. Vai ser velhinho, mas, será muito útil.
Sobre a caracterização cultural da sua família.
Não tenho dificuldade, apesar da minha família ser de nível baixo, eu aprendi a andar
em um nível melhor. Ainda há gente que estranha quando digo que moro no Pirambú, e
eu digo que não tem violência, classe baixa. Onde eu moro tem muito pescador e
se eu falar no Alvorada deles eles pensam logo em praia. Outros pensam em Dragão do
Mar, mas não pensam naquele pescador que batalha para trazer o alimento para casa. O
Pirambu é um bairro muito pobre, todo dia tem fila enorme nos hospitais e não são
atendidos, as pessoas o assalariadas, tem deles que são pais e estão desempregados e
seus filhos não podem estudar, as escolas públicas não tem ensino adequado, até o ano
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passado elas serviam de creche. Mas outros se destacam, vão atrás e procuram colégio
mais próximo do centro para mudar até de amizades e conhecer outro mundo, a cultura
vai abrindo espaço e transforma a pessoa, que conversa com todo mundo. Tem gente
que diz que rico é pessoal besta, mas não é. A pessoa besta é aquela que é pobre e fica
rico, porque ela vai querer ensinar o “gari”. Sempre tem muita dificuldade, por
exemplo: passagem de ônibus não pára de aumentar, e o valor que se paga dá pra
comprar um alimento que pode servir para o almoço e isso é um absurdo, porque
dificulta mais a saída da periferia, porque tudo custa caro para a periferia. Hoje em dia
tem um projeto do CEFET que o teste de seleção é pro pessoal do Pirambu, então
eles vão poder competir entre si. Isso é um avanço muito grande. Tem gente que está
saindo de lá e se tornando um engenheiro, trabalhando com energia eólica. Graças a um
desses projetos que o do CEFET. Existem outros projetos também, mas que não vão pra
frente porque não tem ajuda do governo.
87
ENTREVISTAS 2
o Pedro
Dados de identificação
a. Nome: Pedro
b. Idade: 21
c. Estado Civil: Solteiro
Dados familiares
a. Pai
Idade: 53
Profissão: motorista
Escolaridade: 4ª série do ensino fundamental I
b. Mãe
Idade: 52
Profissão: dona de casa (nunca trabalhou)
Escolaridade: ensino médio
Quantos irmãos? 2 irmãos
Local de residência (Bairro): Jardim Iracema
Escolaridade:
Escolaridade Escola Resultado
E. Fundamental I Particular Aprovado em todas as séries
E. Fundamental II Particular Aprovado em todas as séries
Ensino Médio Particular Aprovado em todas as séries
Sobre a organização familiar. Como é a estrutura da sua família?
Meus pais são casados, até hoje, graças a Deus é uma família bem estruturada,
isso foi fundamental para conseguirmos estudar, o meu pai e minha mão também
sempre foram abertos para as nossas opções, assim, eles sempre apoiaram a área
que eu queria seguir, ou seja, ele não disse Pedro faça isso, não, ele
simplesmente disse: estude e você escolha qual área que vo deseja estudar.
Apesar da pouca escolaridade do meu pai, ele sempre foi ciente de que através
do estudo você pode melhorar.
Então ele sempre acreditou, sempre quis que os filhos superassem sua
escolaridade
Esse é o maior ideal dele, por isso ele sempre investiu na escola.
Seu pai e sua mãe tem uma boa relação?
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Sim, sim. Eles são bem casados, eu nunca vi os dois brigarem ou discutirem,
pelos menos, na frente dos filhos não. Mas acho que eles não brigam mesmo. Se
dão super bem, casal bem tranqüilo, sempre presentes. Difícil até ver casais
assim nos dias de hoje. pra ver no grupo de amigos deles que a maioria são
separados e gera até problemas na educação dos filhos.
Em que seus pais trabalhavam?
Meu pai era motorista particular e depois comprou um táxi. Sempre trabalhou
neste ramo. Minha e nunca trabalhou. Sempre foi dona de casa. Acho que
isso foi fundamental na educação dos filhos.
Porque voconsidera este fato (ter sua mãe como dona de casa) como
“fundamental”?
Bem, acho que foi fundamental na minha educação e, acho que na dos meus
irmãos também. Ela estava sempre presente “vigiando”, vendo se estávamos
fazendo os exercícios de casa, vendo nossa agenda escolar, qualquer problema ia
logo à escola, mesmo com pouca escolaridade ela estava sempre presente
tentando resolver os problemas da melhor maneira possível. Acho que educar os
filhos hoje em dia ta cada vez mais complicado devido à ausência dos pais em
casa. Hoje os dois tem que trabalhar e eles ficam com babás ou vão à escola
muito cedo. Ta ficando difícil de controlas esta garotada, talvez por isso tenha
tanto problema de crianças na escola.
E seu pai? Qual era a participação dele?
Meu pai, deixa eu ver... bem meu pai tem maior participação financeira, claro,
até porque ele trabalha em casa. A participação no dia-a-dia ele não tem,
mas sempre que aparece um problema maior aí o problema passa da mamãe para
ele. Os problemas menores minha mãe mesmo resolve.
Mas sua mãe conta pra ele tudo que acontece com os filhos ou ela
“esconde” os problemas que surgem?
(risos) Acho que ela evita um pouco de contar, pois ele sempre chega muito
cansado, mas “esconde” se for bobagens. No geral ela conta sim. Eles gostam
muito de conversar, então ela sempre abre o jogo. Eu e meus irmãos não damos
muitos problemas não. minha irmã que é um pouco, acho que,,
indisciplinada, seria a palavra, mas nada que não se resolva.
Vamos falar um pouco sobre sua escolaridade. Como foi sua
escolaridade ao longo do E. Fundamental e Médio? Você parou de
estudar ou deu continuidade aos estudos em nível superior?
Nunca repeti, quando terminei o ensino médio, fiz cursinho e um ano depois
estava na Faculdade. Sempre fui um aluno acho que posso dizer, razoável pra
bom. Não era um aluno nota 10, mas, garantia meu 7, a média do Colégio.
Sempre estudei em Colégio particular, foi opção dos meus pais, sei que tiveram
que fazer sacrifícios, como ainda fazem para pagar o Colégio da minha irmã.
Deixam de ter lazer, de sair mais de casa para pagar a mensalidade e os outros
custos do Colégio. Como não estudaram, pretender dar a melhor educação
possível para os filhos, claro que pagando o que eles podem. No Colégio não era
indisciplinado. Tinha um grupo de amigos que ainda temos contato. Era um
89
grupo muito unido, muito bacana mesmo. Brincávamos, mas na hora de estudar
levávamos a sério. Tinha certa disputa uns com os outros. Uma disputa saudável.
Agora eu estou fazendo CEFET, nível superior, curso de Telemática (ramo que
associa informática com telecomunicações). Iniciei no CEFET em 2004.2. Fiz
cursinho preparatório (o aluno concluiu em 2003)
Sobre a expectativa dos seus pais em relação à conclusão do ensino
médio?
Sempre quiseram que eu continuasse os estudos, nunca cobrou que eu fosse logo
trabalhar, mas acho que isso parte muito da consciência do aluno, no meu
ano eu me sentia desesperado, o que é que eu vou fazer? Passava por dificuldade
financeira, então arranjei um trabalho com meu tio e deu para pagar o
cursinho pra continuar estudando, então acho que parte muito da consciência do
aluno, mas também tem a influencia da família e até dos amigos, da escola, dos
professores, é um conjunto que forma a mentalidade. Até porque influência é o
que não falta, pelo local onde moro, infelizmente, eu vi muitos amigos meus
em péssimo caminho; pessoas que não tiveram estrutura familiar nenhuma ou
porque não quiseram mesmo, que tiveram oportunidade e não quiseram.
Com relação ao seu grupo de amigos (do colégio e outros amigos do seu
convívio), amigos que moram no mesmo bairro, ou do esporte, ou de
cursos) como está este seu grupo de amigos?
Boa parte que eu conheço deixaram de estudar no ensino médio, não tem aquela
visão de prosseguimento, de crescimento, tão querendo ganhar um
dinheirinho com uma profissão qualquer. Tá conseguindo aquele pão de cada diz
tá bom, tá suficiente, não tenta ir além.
Você se referiu a um grupo de amigos do Colégio que tinha uma
“disputa saudável”, como era esta disputa, você tem notícias desses seus
amigos hoje?
Quando falei de disputa saudável tava me referindo a disputa por notas no
Colégio. Na verdade queríamos ser sempre o melhor do grupo, isso é bom
porque todos nós crescíamos. Na sala de aula, por exemplo, era bacana quando
tinha debate com o professor e sabíamos responder as questões. Acho que no fim
todo nosso grupo cresceu muito. E, os professores gostavam muito desse nosso
grupo. Era uma turma muito unida, deixou muita saudade.
Você fez referência ao seu tio. Ele teve influência nas suas decisões?
Meu tio é professor. Sempre gostei muito da área de matemática. Ele teve
influencia sim. Com certeza. Ele sempre gostou de estudar, é muito inteligente, e
é a pessoa que mais se destaca na minha família em termos de estudos. Meus
pais estudaram muito pouco, então ele acabou tornando-se um exemplo pra mim.
Ele teve influência nas suas decisões?
Sempre gostei muito da área de matemática. Não era bom em leitura e nem
redação. Não tenho a menor afinidade com estas áreas. Quando era estudante
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sempre me destaquei na área de cálculo. Talvez isso tenha me aproximado do
meu tio. Mas passei a ter contato maior com ele na ultima série do ensino médio
e agora na faculdade. Antes não tinha muito contato. Mas sempre achei que ele
era um grande exemplo na minha família.
E tem alguém mais na sua família que você tem referencia?
Deixa eu ver... dos irmãos do meu pai e da minha mãe só tem esse meu tio que é
formado. Os demais não são. Têm alguns que são comerciantes e que ganham
um bom dinheiro, mas não quiseram estudar, os demais são mais simples como
meus pais. Agora é que tão aparecendo os primos que estão indo pra faculdade.
Meu irmão mais velho ta na faculdade. Ele faz Ciências Sociais na UFC.
Tenhos outros primos que também estão na faculdade e outros que desistiram
de estudar ou pararam no ensino médio mesmo.
É um orgulho para seus pais ter dois filhos na Universidade
Um grande orgulho. Minha mãe agradece muito a Deus por ter uma família tão
legal como a nossa. Nada de drogas nada de outros problemas. É muito orgulho
mesmo não nem pra explicar. Ele diz que quando minha irmã mais nova
entrar na faculdade terá sua missão cumprida. E, acho que ela vai logo entrar na
faculdade. Ela é brincalhona, mas é muito inteligente. Acho que ela vai
continuar sim a estudar.
E com relação aos professores que você teve no ensino fundamental ou
médio, eles deixaram alguma marca?
Ah, com certeza deixaram sim. Alguns deles marcaram muito até tornaram
amigos. Torciam, vibravam com o nosso sucesso. Lembro da primeira vez que
fiz Vestibular e não passei a expressão de tristeza do meu professor de
matemática e da minha coordenadora. Não era de decepção e, sim, de poxa ele
merecia passar, era um bom aluno e, mais, ainda a força que ele deu para que eu
continuasse, parecia coisa de família. Isso me marcou. Sentia a vontade de não
decepcionar a eles e a mim mesmo. Vi outros casos de amigos meus que os pais
brigavam, xingavam, dizia que o filho não passar era o mesmo que pegar o
dinheiro que pagou a taxa e ter jogado no lixo. Poxa isso desestimula muito a
pessoa que já tá triste porque não passou.
Sobra a sua trajetória ocupacional?
Durante o ensino médio eu era estudante, não trabalhei. Depois comecei a
trabalhar com meu tio, mas é um trabalho bem informal. Ele é professor, como
falei, então ajudava no que era possível. Fiquei também dando aulas
particulares que era indicação dele. Na minha área mesmo ainda não estou
atuando ainda.
Quanto tempo você está na faculdade?
Dois anos
Com relação aos alunos da faculdade, eles são advindos da escola
pública ou particular?
91
Na sua maioria da escola particular. Mas tem alunos da escola pública sim. E são
bons alunos. O Cefet tem um cursinho próprio então os alunos da escola publica
tem direito a fazer este cursinho com um pagamento muito pequeno. Daí os que
fazem este cursinho ou outro e se dedica um pouco, passa no Vestibular.
Como é a concorrência do seu curso?
Este curso é novo, não muito tempo. Quando eu fiz Vestibular a
concorrência era de vinte pra uma vaga aproximadamente.
Sobre a caracterização econômica e cultural dos seus pais. Como é?
Na parte econômica eles sempre se esforçaram muito para pagar o Colégio. Com
relação à questão cultural, meu pai sempre foi caseiro, casa – trabalho – trabalho
casa. Eu acredito muito, muito que apesar da família bem humilde, mas bem
estruturada, isso foi fundamental para a mentalidade que eu e meus irmãos
temos hoje. Eu acho que foi devido a isso. A presença do pai (casa –trabalho) e
mãezinha sempre ali dona de casa, essa junção foi fundamental para mim. Eu
vi, por exemplo, famílias desestruturadas em que acontecem duas situações: uma
é do filho superar e vencer e lutar para quando tiver sua família não ter esses
tipos de problemas, e a outra é a de o filho cair em situações digamos assim de
risco.
Você falou de amizades no Colégio. E no seu bairro como é a sua
vizinhança?
Lá onde moro muito ruim. Muito complicado mesmo. Até um tempo atrás era
tranqüilo morar lá. Mas a periferia de Fortaleza tá com uma violência absurda.
As condições do meu bairro são razoáveis. Não tenho o que reclamar. As ruas,
as avenidas, a limpeza, tudo bacana, mas muito próximo tem favelas sem
qualquer estrutura. E começa a violência, jovens sem perspectivas, alto índice
de drogas, de tal forma que ficando muito perigoso. Com relação aos amigos
do meu bairro, tenho poucos. Mas de uma forma geral tem muita gente indo pelo
caminho errado. Acho que é a desestrutura familiar. Muitas amigas grávidas,
sem maturidade nenhuma, acaba gerando crianças sem família. E ai os
problemas começam a aparecer.
Mudando um pouco o foco. Sobre a opção fazer os estudos em escolar
particular, mesmo com sacrifício financeiro, como você isso, porque
você acha que seu pai fez essa escolha?
É questão de acreditar que a escolar particular tem um ensino melhor, hoje a
instituição pública tem uma imagem muito desgastada, acho que meu pai faria o
impossível para eu e meus irmãos não estudarmos em escola pública, como
realmente não aconteceu, mesmo tendo em casa momentos de grande
dificuldade financeira. Ele abria mão de qualquer coisa menos de que seus filhos
estudassem em escola particular, como também sempre nos colocou em uma
escola que ele pudesse pagar, nunca forçou a barra para nos colocar em uma
escola nobre, cara. Sempre estudamos nesse Colégio, com dificuldade para meu
pai pagar, mas sempre deu tudo certo.
92
Quais são suas expectativas e projetos pessoais de vida? O que você
pretende para sua vida? Quais suas aspirações?
Eu pretendo entrar no mercado visando mesmo à remuneração, mas eu prezo
muito pela estabilidade. Tentar um concurso público, até já me esforço para
arranjar um tempinho para estudar, sempre querendo lembrar as matérias e ver
um pouco a parte de Direito que é fundamental hoje nos concursos e, o que vai
me trazer a felicidade é a estabilidade, é entrar numa instituição, fazer meu
trabalho direitinho e ter a certeza que não vou sair. O termo que eu daria
prioridade é a estabilidade. Eu até poderia ter a idéia de ter alguma coisa minha,
mas se for optar eu optaria pela estabilidade. O CEFET incentiva muito o novo
empreendedor, mas no final o que quero mesmo é um trabalho estável.
Você está gostando do curso? É a área que você realmente queria?
Eu estou satisfeito com o curso, eu fui mesmo pela minha afinidade com a
matemática e a física, eu sempre tentei nessa área, antes tinha sido informática
mas não passei, fiquei na telemática que é muito próximo. E, pensei também
que essa área poderia ter um futuro próspero. Acho que juntei as duas coisas e
defini. Estou também satisfeito com o curso, com a estrutura física, com os
professores, claro que sempre tem alguns professores que não são tão bons
assim, mas até aconteceu da coordenação substituir o professor por pressão
dos alunos. Está dentro das expectativas que eu tinha.
Você falou que está satisfeito com seu curso e que quer fazer concursos.
Estes concursos seriam na sua área ou vo está se preparando para
concursos em outras áreas? Não pretende mesmo mudar de curso?
Não pretendo mudar de curso. Estou como disse satisfeito com a área que
escolhi. E, tem concursos públicos nesta área. Mas a maioria das provas exige
também conhecimentos na área do Direito e que não é visto na faculdade. Vou
começar a ver para qual concurso pretendo estudar e me dedicar a isto, pois
priorizo a estabilidade. Não quero que aconteça comigo o que aconteceu a
alguns familiares meus que trabalhavam em empresas privadas e 10 ou 15 anos
depois estavam fora do emprego e totalmente sem rumo, como também não
tenho como abrir alguma coisa própria. Por isso optei pelo emprego publico
mesmo.
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o Carolina
Dados de identificação
a. Nome: Carolina
b. Idade: 22
c. Estado Civil: Casada
d. Local de Nascimento: Baturité / Ce
Dados familiares
a. Pai
Idade: 52
Profissão: taxista
Escolaridade: 8ª série do Ensino Fundamental.
b. Mãe
Idade: 45
Profissão: autônoma (vendedora de roupas)
Escolaridade: ensino médio
Quantos irmãos? 2 irmãos
Local de residência (Bairro): Alvorada
Escolaridade:
Ano Escolaridade Escola Resultado
1996 E. Fundamental I Pública Aprovado em todas as séries
2000 E. Fundamental II Pública Aprovado em todas as séries
2004 Ensino Médio Particular
1º ano – Aprovada
2º ano – Reprovada
3º ano - Aprovada
Sobre a organização familiar. Como é a estrutura da sua família?
Os meus pais vieram de família muito humilde. Casaram muito cedo e continuam
casados até hoje. Teve uma época que ficaram separados, acho que uns 3 anos. Depois
fizeram as pazes e ele retornou para casa. Antes eles tinham um relacionamento bom,
mas depois da separação ficou um clima de desconfiança. Mas hoje não moro mais
com eles. Estou casada há 2 anos e tenho um filho. Casei muito nova e não é fácil. Casa
de verdade não é casa de boneca. Não é fácil um casamento nos dias de hoje, mas
estamos bem e espero continuar bem por muito tempo, porque penso muito na educação
de meu filho.
94
Você falou que pensa muito na educação de seus filhos. Qual a ligação
que você faz entre família, casamento, educação dos filhos?
Educação do filho. Pretendo ficar em 1 filho mesmo (risos). É que hoje em dia vejo
como difícil ter família estruturada. Tenho um irmão mais velho que está
divorciado e o filho dele muito confuso com o que ta acontecendo com os pais. Fico
muito preocupada com o meu filho. Sou bem casada, tenho um marido muito atencioso,
muito bacana mesmo, mas a gente nunca sabe. Passei por muita dificuldade na infância,
e não quero isso pro meu bebê.
Que tipo de dificuldades você passou? (caso não se importe de falar)
Muita dificuldade financeira. Saímos do interior, morávamos na casa de meus avós e
viemos pra Fortaleza sem ter nenhuma previsão de nada. Eu era pequena, mas eu me
lembro bem. Meu pai veio na frente e nos trouxe quando tinha emprego fixo. A
dificuldade acabava gerando briga lá em casa. Minha mãe teve que se virar muito
também. Hoje ela tem o dinheirinho próprio dela, mas teve muito sacrifício.
E com relação e sua educação e de seus irmãos?
Nós estudávamos em escola pública que era pertinho da casa que morávamos. Meus
pais não eram muito ligados nisso não. Acho que meu pai nunca foi na escola onde eu e
meus irmãos estudávamos. Minha mãe era um pouco mais preocupada, principalmente
depois que ele concluiu o ensino médio, passou a dar mais valor aos estudos e até nos
colocou na escola particular.
Como foi a mudança da escola pública para a particular?
Teve um lado bom e um lado ruim. A escola pública que eu estudava não era ruim. O
grande problema era a clientela, os alunos. Os alunos da escola pública não dão valor a
nada. Muitos deles estão apenas por causa da merenda. os professores também
ficam desestimulados. A família também não apóia. Os alunos não fazem as atividades
passadas para casa, mas não fazem porque não sabem e não tem quem ensine. Tem
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muitos problemas envolvidos. Muitos têm famílias desestruturadas, pais que bebem,
mães que não tão nem para os filhos. Tive muitos amigos assim. Ai meus pais viram
que eu e meus irmãos estávamos indo mal. Também não fazíamos as atividades, até
porque se não fizesse não acontecia nada. Não éramos cobrados. E fomos estudar no
colégio particular. Não foi fácil não. Eram três mensalidades pra pagar. Mas confesso
que é diferente. Há cobrança tanto por parte dos professores como dos pais. Agora como
eles tão pagando eles exigem. Minha mãe queria ver o boletim, de vez em quando ia na
escola.
Como era você enquanto aluna?
Sempre fui calma, calada. Tou até estranhando falando agora. Mas tou gostando. Era
uma aluna razoável, mas nunca tinha ficado reprovada na escola pública. quando fui
pro Colegio Alfa tive muita dificuldade porque eram muitas matérias, aula até 5º tempo.
Tava despreparada, tanto que fiquei reprovada no ano. Mas, depois achei que foi
importante pois tive a oportunidade de revisar a matéria. Daí conheci meu marido e ele
era um bom aluno. Fiquei mais estimulada e passei a me dedicar mais aos estudos.
Agora pretendo fazer Vestibular apesar da dificuldade que sei que é.
Então voconsidera que seu marido foi importante nesse momento de
desestímulo?
Demais. Ele me estimulou muito e ainda estimula até hoje. Ele já ta na faculdade. Quero
logo entrar na faculdade também.
Está estudando para isto?
Casei muito cedo. Não que isso seja motivo pra parar de estudar. Logo tive um filho,
que também não é motivo. Mas aí comecei a trabalhar e tudo foi acontecendo e o estudo
foi ficando para trás. Mas quero voltar logo a estudar.
O que você pretende fazer?
Bem, primeiro quero que meu filho comece a estudar. Vai ficar mais fácil, eu espero.
Sonho mesmo é alguma coisa na área de saúde, trabalhar em hospital, ajudar pessoas.
Hoje trabalho numa clínica como secretária, mas não sou realizada. Quero mesmo é
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trabalhar ajudando as pessoas, ser enfermeira ou assistente social. Na verdade ainda não
sei bem o curso.
Você gosta mesmo desta área ou tem algum com que você se identifica?
Os dois. Tenho uma amiga que estudou comigo no ano e está fazendo
enfermagem. Mas não é por isso não, é porque gosto mesmo. Ela bem trabalha
na área e tá muito feliz.
Sobre sua trajetória ocupacional: durante o ensino médio era
estudante? Quando iniciou no mercado de trabalho
Era só estudante. Ajudava informalmente minha mãe na venda de roupas, que ela vende
até hoje. Quando terminei o ano, já estava noiva e preocupada com trabalho. Deixei
currículo em vários locais, shoppings, lojas, consultórios. Era complicado porque não
tinha nenhuma experiência. E aí deu certo neste consultório e estou lá até hoje.
Trabalha a quanto tempo?
Quase três anos.
Não foi nenhuma indicação?
Não, não. Deixei meu currículo, coincidiu que estavam precisando de secretária, fiz
entrevista e fiquei.
Pretende como você disse dar continuidade aos estudos e tentar outros
trabalhos?
É. Pretendo voltar a estudar no próximo ano, quando meu filho entrar na escola.
Em que rede de escola pretende matricular seu filho.
(risos) Por mim deixaria ele na creche que é pública aqui perto. Por aqui as escolas
particulares começam, na maioria, a partir de 3 anos. Ainda estou resolvendo com meu
marido.
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Com relação a amigos, as relações sociais sua e de seu marido. Como é?
Sempre fui muito na minha. Muito caseira. O Carlos é que gosta de se divertir um
pouco. Tenho um grupo de casais amigos e fazemos churrascos uns na casa dos
outros.
E com seu filho. quais os passeios que faz com ele?
Ele é ainda muito novinho. Só vamos à casa de nossa família mesmo. Estamos naquela
fase de ficar em casa porque ele ainda é muito novinho e fica difícil sair. Mas tenho
aprendido muito no meu trabalho com os dentistas e pessoal do consultório. Tenho
aprendido a importância de programas mais culturais, penso que quando ele ficar maior
vamos passear no Dragão do Mar, sei que ele tem que ver filmes, tenho que contar
historinhas. Aqui no bairro a vizinhança não valor a essas coisas. Tem criança que
fica até tarde vendo televisão, filmes, não tem horário pra dormir, nem pra comer. Eu e
o Carlos não queremos isso para nosso bebê não. Somos bem parecidos nisso.
Como é o bairro onde mora?
O bairro aqui tem muitos problemas, assaltos diários, mas ainda temos uma boa
vizinhança, ainda é possível passear com meu filho na calçada, na praça aqui próximo
mas, acho que isso está perto de mudar. Daqui uns dias teremos que ficar dentro de casa
mesmo e, ainda correndo risco. Mas compramos a casa aqui porque fica perto tanto de
meus pais como dos pais do Carlos.
A casa onde morar é própria?
Estamos pagando. Tem muito tempo ainda para pagar. Mas um dia será nossa.
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Voltando a falar um pouco sobre seus pais. Como é a caracterização
sócio econômica e cultural de seus pais? O que eles gostam de
freqüentar?
Acho que é uma vida muito simples. Meus pais passam por dificuldades financeiras,
tudo difícil. Viver é muito caro. Mas eles gostam mesmo é de ir a praia aos domingos,
de churrasco, coisa bem popular. Eu é que sou um pouco diferente. Não gosta de lugares
muito cheios, com muita gente. Prefiro uma coisa mais tranqüila.
Quais suas expectativas e projetos pessoais.
Não tenho muita ambição. Hoje o que quero mesmo é passar no Vestibular e fazer
minha faculdade e poder dar o melhor para meu filho. se tiver oportunidade de fazer um
concurso público seria muito bom. Vivo sempre ansiosa, como medo que eu ou o Carlos
possa perder o emprego.
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