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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
RUMO À PRAIA
Théo-Filho, Beira-Mar e a vida balneária no Rio de Janeiro dos Anos 1920 e 30
PAULO FRANCISCO DONADIO BAPTISTA
ORIENTADOR: PROF. DR. MARCOS LUÍS BRETAS
RIO DE JANEIRO
2007
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1
RUMO À PRAIA
Théo-Filho, Beira-Mar e a vida balneária no Rio de Janeiro dos Anos 1920 e 30
PAULO FRANCISCO DONADIO BAPTISTA
ORIENTADOR: PROF. DR. MARCOS LUÍS BRETAS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social
Aprovada por:
Prof. Dr. Marcos Bretas – UFRJ-PPGHIS
Prof. Dr. Bert Barickman – Universidade do Arizona
Prof. Dr. Renato Lemos – UFRJ-PPGHIS
Prof
a
Dr
a
Beatriz Resende – UFRJ-PACC (Suplente)
Prof. Dr. José Murilo de Carvalho – UFRJ-PPGHIS (Suplente)
RIO DE JANEIRO – 2007
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RUMO À PRAIA
Théo-Filho, Beira-Mar e a vida balneária no Rio de Janeiro dos Anos 1920 e 30
Donadio Baptista, Paulo Francisco
Rumo à praia – Théo-Filho, Beira-Mar e a vida balneária no Rio de Janeiro dos Anos 1920
e 30 / Paulo Francisco Donadio Baptista / Rio de Janeiro: UFRJ-PPGHIS, 2007.
vi 263 Fls.
Dissertação (Mestre em História), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Fi-
losofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2007.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Luís Bretas.
1. História. 2. Praia. 3. Costumes. 4. Copacabana. 5. Imprensa. 6. Intelectuais. 7. Literatura
Brasileira. I. Orientador Marcos Luís Bretas. II. UFRJ-PPGHIS. III. Título.
3
RUMO À PRAIA
Théo-Filho, Beira-Mar e a vida balneária no Rio de Janeiro dos Anos 1920 e 30
TOWARD THE BEACH
Théo-Filho, Beira-Mar and the beachgoing life in Rio de Janeiro from the 20s and
30s
RESUMO
Entre 1922 e 1944, circulou na capital do Brasil um periódico chamado “Beira-Mar”. Seu
editor, Théo-Filho, era nessa época um dos escritores mais queridos do público brasileiro.
Este trabalho faz uma descrição das trajetórias do jornal e do intelectual e analisa a contri-
buição de ambos para o desenvolvimento da emergente vida balneária carioca. São apresen-
tados o círculo de colaboradores e a pauta de Beira-Mar, bem como a obra de Théo-Filho.
ABSTRACT
Between 1922 and 1944, in Rio de Janeiro, Brazil´s then capital city, there was a periodical
called "Beira-Mar" ("By the Sea"). Its editor, Théo Filho, was by this time one of the most
beloved Brazilian writers. This paper describes both the publication´s and the writer´s
trajectories. It studies their contribution for the development of then emerging beachgoing
habits. The publications´ collaborators are introduced as well as the publication´s agenda.
The newspaper´s place in the works of Théo Filho is also presented.
4
Em memória de
Suzi
5
RUMO À PRAIA
Théo-Filho, Beira-Mar e a vida balneária
no Rio de Janeiro dos Anos 1920 e 30
Introdução, 1
1 – A longa juventude, 6
2 – O círculo de Théo-Filho, 54
3 – A arquitetura editorial, 85
4 – A pauta da praia, 135
5 – O desaparecimento de Beira-Mar, 210
6 – A literatura da maturidade, 221
Considerações Finais, 249
Bibliografia, 256
6
INTRODUÇÃO
O Rio de Janeiro tem uma identidade tão forte com suas praias, que pode parecer inexplicável a
ausência de uma história do hábito de freqüentá-las desenvolvido na cidade. Os bairros de Copa-
cabana e Ipanema foram referidos na historiografia, na literatura, no cinema e particularmente
nos guias de turismo, mas as suas praias, no que toca o aspecto social da freqüentação, dos cos-
tumes e da fruição dos prazeres balneários, não ganharam história.
Duas ordens de dificuldade podem estar associadas à persistência dessa lacuna. Uma delas tem
fundo teórico. Para que se escreva uma história social do costume da praia no Rio de Janeiro é
preciso que surjam interrogações. Praia não é um problema óbvio, nem para o senso comum, nem
para o conhecimento. Que questões podem ser lembradas como características da esfera praiana?
A curiosidade pelo modo como se vestiam os banhistas no passado, por exemplo, não garante
atenção para o tema da praia. Ao contrário, na falta de uma problemática própria, o interesse ten-
de a se afastar para a questão mais ampla da mudança de costumes, que ultrapassa as fronteiras
da circunscrição balneária. Diversas disciplinas e áreas de pesquisa saúde, urbanismo, meio
ambiente, turismo, lazer, esporte, moda etc. podem reivindicar uma fatia de território na praia,
mas nenhuma delas se concentra no mundo balneário como o objeto de estudo que as constitui.
Reciprocamente, o tema das praias de banho atravessa uma extensa variedade de campos de co-
nhecimento, sem pertencer a nenhum deles. A pesquisa historiográfica, indiscutivelmente, deve
estar atenta às múltiplas relações com outros assuntos. Contudo, sem prejuízo da abordagem des-
ses aspectos, é preciso que a investigação considere o costume da praia na sua lógica própria. O
que se encontra na praia e somente na praia que é capaz de atrair multidões? Como, ao longo
do tempo, criaram-se esses atrativos? Como, no caso do Rio de Janeiro, ocorreu a aproximação
da capital com as suas praias de banho? Que problemas foram enfrentados nesse processo?
7
Esta dissertação não pretende responder essas perguntas, apenas introduzi-las. Se conseguir for-
mular um pequeno conjunto de questões a respeito da experiência carioca da praia, terá promovi-
do um avanço considerável no estado de conhecimento do tema. Na verdade, a aventura dessa
pesquisa está apenas se iniciando. É possível, contudo, uma avaliação otimista desse momento
inaugural. Os clássicos de Walton e Corbin, sobre a experiência européia, ainda são obras recen-
tes, capazes de inspirar as novas gerações de historiadores brasileiros.
1
Contribuições de outras
áreas das ciências sociais tendem a aparecer.
2
No Brasil, antropólogos e geógrafos se interessam
pelo espaço da praia.
3
Em história, contribuições indiretas a uma abordagem da praia.
4
Histó-
rias de bairros, como as de Copacabana, apresentam referências ao passado balneário.
5
Colecio-
nadores e amantes da praia, sobretudo, têm colaborado para a história do tema, ainda que o obje-
tivo principal de suas obras
não seja a reflexão crítica.
6
A outra dificuldade com que se defronta a história balneária é de ordem prática, metodológica.
Como ter acesso à praia do passado? Nem todos os historiadores têm a sorte de encontrar sua
fonte em textos de caráter privado, como os diários de uma banhista ou a correspondência de uma
estação balneária. A pesquisa tem de recorrer a fontes obtidas em material de circulação pública.
Embora leis, posturas, regulamentos, anais legislativos, documentos administrativos etc. possam
ajudar, não se deve contar com grande número de textos oficiais para o estudo de um tipo de ati-
vidade tão pouco codificado como o uso balneário das praias.
7
A literatura em geral também pode
auxiliar. Memórias, por exemplo, eventualmente fornecem pequenas passagens praianas.
8
Toda-
via, Copacabana e Ipanema tardaram a se incorporar à ficção. Em compensação, a imprensa peri-
1
John K. WALTON, The english seaside resort: a social history, 1750-1914; Alain CORBIN, Le territoire du vide –
l’Ocident et le desir du rivage 1750-1840.
2
Jean-Didier URBAIN, Sur la plage: moeurs et coutumes balnéaires.
3
Patrícia FARIAS, Pegando uma cor na praia Relações raciais e classificação de cor na cidade do Rio de Janei-
ro; Eustógio Wanderley Correia DANTAS, Mar à vista – Estudo da maritimidade em Fortaleza.
4
Nicolau SEVCENKO, “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio” in NOVAIS (Dir.), História da vida
privada no Brasil, vol. 3, pp. 559-577; Rosa Maria Barboza de ARAÚJO, A vocação do prazer a cidade e a famí-
lia no Rio de Janeiro republicano, pp. 312-323.
5
Elizabeth Dezouzart CARDOSO et alli, História dos bairros Memória urbana Copacabana; Paulo BERGER,
Copacabana História dos subúrbios; Brasil GERSON, A história das ruas do Rio; Gastão CRULS, Aparência do
Rio de Janeiro – Notícia histórica e descritiva da cidade; Copacabana 1892-1992 – subsídios para a sua história.
6
Claudia Braga GASPAR, Orla Carioca História e Cultura; Lena LENCEK e Gideon BOSKER, The beach the
history of paradise on earth.
7
Coleção de leis municipais vigentes – 1893-1925.
8
Luís EDMUNDO, O Rio de Janeiro do meu tempo, pp. 836-842; Augusto Frederico SCHMIDT, O galo branco
Páginas de memórias, pp. 52-65; Pedro NAVA, Galo-das-trevas, pp. 477-485; Henrique PONGETTI, O carregador
de lembranças, pp. 193-194; Gilberto AMADO, “Que milagre de garota” in M. BANDEIRA e DRUMMOND DE
ANDRADE (Orgs.), Rio de Janeiro em prosa e verso.
8
ódica parece ser uma boa solução para uma primeira abordagem de problemas característicos de
uma metrópole situada à beira-mar.
9
Abrange todo o século XX e avança sobre o XIX. Supera
outras mídias, como o cinema, o rádio e a televisão, não apenas em amplitude temporal, mas
principalmente em disponibilidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, o acervo da Biblioteca Na-
cional mantém aberto um universo de possibilidades de criação de fontes para a pesquisa. Contu-
do, não convém exagerar as virtudes do uso de periódicos. Assuntos estritamente balneários não
apareciam com muita freqüência na pauta da grande imprensa. A escolha de jornais e revistas
como material de trabalho exige, portanto, um grande volume de processamento para que a pes-
quisa avance. Não é, em suma, a oferta de fontes em abundância o que estimula o empreendimen-
to da história da praia.
Nessas condições, pode-se avaliar a importância que adquire a revelação de que existiu no passa-
do uma publicação cuja principal vocação era a apologia da praia. No Rio de Janeiro dos Anos
1920 e 30, circulou um semanário identificado com Copacabana, em que seu editor, um dos mais
conhecidos escritores nacionais de então, convocava os cariocas a ocupar as praias de banho da
capital. A obra jornalística de Théo-Filho e a produção do círculo do jornal Beira-Mar constitu-
em, assim, um material excepcional para a pesquisa em história balneária.
Beira-Mar é fonte conhecida dos pesquisadores que se interessaram por Copacabana e Ipanema.
10
Embora bastante utilizado, contudo, esse periódico não foi estudado.
11
O que foi essa publicação?
Como se apresentava? Qual era sua pauta? Quais suas lutas e campanhas? Que papel cumpriu?
Quem representava? Quem a dirigia? Quem compunha seu corpo de redatores e colaboradores?
Que orientações seguiam? Essas são as questões centrais que motivam a presente dissertação.
9
O historiador Bert BARICKMAN, da Universidade do Arizona, Estados Unidos, pesquisa praia no Rio de Janeiro
dos séculos XIX e XX com utilização de periódicos, entre as principais fontes: palestra sobre banhos de mar e histó-
ria, realizada em setembro de 2004, a convite do Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de
Filosocia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS/IFCS/UFRJ).
10
Elizabeth Dezouzart CARDOSO et alli, Op. Cit.; Claudia Braga GASPAR, Op. Cit; Paulo Francisco DONADIO
BAPTISTA, Introdução a uma história da praia no Rio de Janeiro Problemas de acesso balneário Beira-Mar
1930-1939.
11
Nelson Werneck SODRÉ, História da imprensa no Brasil, pp. 349, 372.
9
Théo-Filho é menos conhecido.
12
A fama de que gozava no período de circulação de Beira-Mar
se esboroou. Livros e autores que fizeram referência ao seu nome também desapareceram. A ree-
dição recente de um de seus romances, Praia de Ipanema, serviu para tirá-lo do esquecimento,
mas não ajudou a esclarecer muita coisa a respeito de sua existência.
13
Quem foi esse escritor? O
que produziu? Como foi recebido? Como chegou a ocupar a posição ímpar de arauto da praia?
Responder essas perguntas vai ajudar a se entender a contribuição de Beira-Mar para a vida bal-
neária carioca. Não é o caso de uma biografia, que exigiria um conjunto de procedimentos a que
esta pesquisa não se propõe. Mas é possível, com base em imprensa e literatura, um estudo da sua
trajetória intelectual.
14
A ambição deste trabalho, portanto, é tripla: descrever Beira-Mar, apresentar Théo-Filho e, com
isso, fornecer uma introdução à história do hábito balneário no Rio de Janeiro dos Anos 1920 e
30. O Capítulo 1 acompanha a vida literária e jornalística de Théo-Filho até o seu ingresso em
Beira-Mar. Mostra a construção da imagem do jovem romancista consagrado antes de se tornar o
intelectual engajado na defesa da vida praiana carioca. O Capítulo 2 apresenta o vasto grupo de
colaboradores que passou pela redação do semanário copacabanense durante vinte e dois anos de
circulação. O Capítulo 3 descreve a publicação e analisa as características que a distinguiam do
comum da imprensa. Através de uma visita tão sistemática quanto possível a cada uma de suas
secções, apresenta seu temário, que se estende para muito além do tema praiano. O Capítulo 4
aproxima o foco dos textos dedicados aos assuntos da praia. Faz essa abordagem a partir da pro-
posição de um conjunto de problemas da garantia de segurança aos banhistas à manutenção
física das praias, passando pela questão da moralidade das roupas de banho que podem ser de-
signados como próprios da esfera da praia. Resgata as linhas gerais do debate travado no Rio de
Janeiro em torno dos assuntos balneários, através do hebdomadário praiano. O Capítulo 5 analisa
a trajetória do jornal e tenta explicar seu desaparecimento. O Capítulo 6, finalmente, retoma
Théo-Filho. Trata da sua produção literária durante os anos de Beira-Mar e além.
12
Brito BROCA, A vida literária no Brasil 1900, pp. 91-100; Beatriz RESENDE, “Melindrosa e almofadinha,
cock-tail e arranha-céu: a literatura e os vertiginosos anos 20” in: LOPES (Org.), Entre Europa e África – A invenção
do carioca; Nelson Werneck SODRÉ, Op. Cit., pp. 299, 317 e 365.
13
Ruy CASTRO, “O romance que descobriu (ou inventou) Ipanema” (prefácio) in THÉO-FILHO. Praia de Ipane-
ma; , Ela é carioca – uma enciclopédia de Ipanema, p. 372.
14
Pierre BOURDIEU, “A ilusão biográfica” in: FERREIRA e AMADO (Orgs.). Usos e abusos da história oral, pp.
188-189.
10
A escolha das fontes para lidar com esses três objetos correspondeu aproximadamente ao tipo de
abordagem que se propõe. Assim, para pesquisar Théo-Filho, não se procuraram documentos
particulares nem nada que não tivesse circulado publicamente. O interesse não está propriamente
na vida do escritor, mas na sua contribuição, através do trabalho jornalístico e da obra literária,
para a tradição balneária carioca. Igualmente, para a pesquisa de Beira-Mar, não se teve acesso a
documentos privados, nem administrativos nem de outra natureza. Recorreu-se à solução óbvia
para se estudar um jornal: a própria série de suas edições. Por sorte estão conservadas duas cole-
ções de Beira-Mar, uma na Biblioteca Popular de Copacabana Carlos Drummond de Andrade,
outra na Biblioteca Nacional, que, juntas, fornecem uma rie quase completa das 771 edições
publicadas sob a direção do seu primeiro proprietário, entre 28 de outubro de 1922 e 28 de outu-
bro de 1944.
15
É provável que tenha ajudado na preservação desses exemplares a qualidade do
papel em que eram impressos.
Na pesquisa sobre Théo-Filho, aplicou-se um critério semelhante. Foram consideradas sua obra
literária quase integralmente
16
e parte da obra jornalística. Consultaram-se os periódicos que edi-
tava, principalmente o conjunto de sua produção transcrito de Beira-Mar. Nesse material foram
descobertos os primeiros capítulos de suas memórias inéditas em livro que ajudaram na re-
constituição da sua juventude. Também foram rastreadas colaborações publicadas em outros títu-
los da grande imprensa nos anos anteriores ao seu ingresso na redação do jornal praiano. Nessas
mesmas fontes, foi levantado o que se escreveu sobre Théo-Filho. Na verdade, parece não ter
merecido muita atenção da crítica contemporânea esse escritor que cedo havia caído no gosto do
público. Complementarmente, foram usadas obras de autores contemporâneos Humberto de
Campos, Agrippino Grieco, Patrocínio Filho, Berilo Neves, Benjamim Costallat, Álvaro More-
yra, Lima Barreto e João do Rio para compor a descrição do mundo em que escrevia Théo-
Filho e circulava Beira-Mar.
15
A coleção da Biblioteca Popular de Copacabana (doada por Gastão Lamournier Junior) foi parcialmente microfil-
mada, em 2004, pela Biblioteca Nacional, de modo a complementar a coleção de periódicos microfilmados desta
instituição.
16
Dos 25 títulos publicados em livro, vinte e três foram localizados no Rio de Janeiro, no Real Gabinete Português
de Leitura, na Biblioteca da Casa de Rui Barbosa, nas Bibliotecas da Academia Brasileira de Letras, na Biblioteca da
Associação Brasileira de Imprensa e na Biblioteca Nacional.
11
1 – A LONGA JUVENTUDE
Quando assumiu a redação de Beira-Mar, em 1925, Théo-Filho tinha uma imagem pública cons-
truída. Dificilmente os cariocas leitores de jornais desconheciam quem era esse escritor. Havia
mais de quinze anos que seu nome aparecia associado à autoria de livros e artigos publicados em
periódicos. Lances da sua vida, ligados ao exercício da profissão, chegaram a virar notícia. Toda
essa publicidade, contudo, não assegurava que o público estivesse bem informado a seu respeito.
Ainda era cedo para que se esboçasse uma biografia. A idéia que os contemporâneos faziam de
Théo-Filho nascia a partir da sua obra e da sua repercussão. O que ele escrevia e o que escreviam
sobre ele colaboravam para a criação do personagem.
Sobre sua origem, aceitava-se a tese de Agrippino Grieco, segundo a qual Théo-Filho havia her-
dado dos pais uma dupla inclinação pela aventura e pela literatura. Por parte da mãe, Maria Pra-
xedes de Lacerda,
17
ele descendia do cangaço. Alguns de seus traços de personalidade teriam
derivado dessa ascendência. Ao descrever seus antepassados, o crítico literário imaginava
uma família de cangaceiros, de "bravi" do sertão, almas heróicas de mosqueteiros nascidos tardia-
mente numa época avessa a heroísmos de qualquer espécie, tipos ambíguos de uma mentalidade
meio mística e meio criminosa, santos e facínoras, capazes de refocilar em sangue, em dinheiro e
em lascívia bestial, mas capazes também de atos de evangélica abnegação (...).
18
Nessa mitologia, o crítico situava a origem da índole nômade que lançava Théo-Filho no itinerá-
rio das viagens. Outros comentaristas endossavam essa impressão, com aquiescência do próprio
17
COUTINHO, Afrânio, Brasil e Brasileiros de Hoje, “Théo-Filho”.
18
GRIECO, Agrippino, Caçadores de símbolos – estudos literários, p. 60.
12
escritor, apelidado “o gitano”, nas rodas literárias.
19
Em contrapartida, o lado paterno teria
transmitido o gosto pela literatura. Sobre seu pai não se poderia errar Theotonio Freire (1865,
Acari, RN – 1917, Recife, PE) havia se consagrado escritor e exercido a presidência da Academia
Pernambucana de Letras.
20
Na observação de Grieco, teria sido mais um “rebento da vasta pepi-
neira de poetas-filósofos que, à sombra do germanomaníaco Tobias, viçaram na famosa escola do
Recife”. Descrito como “um cidadão repousado, um tipo grave de professor de universidade ale-
mã”, o pai representava um contrapeso à influência dos Lacerda.
21
Tais considerações, de todo
modo, tinham mais a dizer sobre Théo-Filho do que propriamente sobre seus progenitores.
Sua idade também não se dizia com exatidão. Sabia-se que era jovem, e isso bastava, na perspec-
tiva do escritor e de seus editores. Fazia parte da sua estratégia comercial se apresentar como um
jovem talento literário. Somente mais tarde as enciclopédias adotariam 1895 como ano de seu
nascimento.
22
O cruzamento de diferentes fontes, porém, mostra que essa data é improvável e
sugere que Manuel Theotonio de Lacerda Freire Filho tenha conseguido subtrair três anos da con-
tabilidade vigente.
Sobre a sua juventude, informações começaram a circular à medida que publicava livros e apare-
cia na cena da imprensa carioca. Apenas em 1939, o público pôde obter algumas referências so-
bre sua infância e adolescência na terra natal, a capital pernambucana, através da publicação, em
Beira-Mar, dos primeiros capítulos de suas Confissões.
***
Ao escrever as Confissões, Théo-Filho deixaria pistas úteis à reconstituição da sua trajetória lite-
rária. Suas primeiras experiências de vida seriam por ele associadas às escolhas que fez na juven-
tude.
19
“Galeria dos colaboradores do "Beira-Mar"” in Beira-Mar, 28 de outubro de 1923, p. 4.
20
COUTINHO, Afrânio e SOUZA, J. Galante de (orgs.), Enciclopédia de Literatura Brasileira.
21
GRIECO, Agrippino, Op. Cit., p. 60.
22
COUTINHO, Afrânio e SOUZA, J. Galante de (orgs.), Enciclopédia de Literatura Brasileira; COUTINHO, Afrâ-
nio, Brasil e Brasileiros de Hoje; MENEZES, Raimundo de, Dicionário Literário Brasileiro.
13
Theotonio Filho ignorava os livros escolares e se perdia em meio aos oito mil volumes da biblio-
teca paterna. Conheceu aí Alexandre Dumas, d’Artagnan e o conde de Monte Cristo. Leu
os primeiros romances de aventuras policiais, as Mil e uma noites, em luxuosa edição ilustrada, os
contos de Grimm e Perrault, D. Quixote de la Mancha, em resumo para prêmio escolar, e, depois,
num vertiginoso malabarismo, Perez Escrich, Walter Scott, José de Alencar e Joaquim Manoel de
Macedo.
23
Tirava notas péssimas e só conseguiu progredir graças à boa vontade dos professores, no Colégio
Porto Carreiro. Quando não estava absorto em sonhos e livros, perambulava pelas ruas com os
amigos. Guardaria boas lembranças desse tempo de gazeta. Passeios clandestinos por longos iti-
nerários na capital pernambucana dos primeiros anos do século XX seriam recordados nas Con-
fissões. Um dos principais roteiros levava às praias do Brum. Durante um verão, sua turma fre-
qüentou esse lugar, com suas cabines de madeira, “com seu largo panorama da barra, da fortaleza
desarmada sobre o istmo de São Frei Pedro Gonçalves e do inatingível Lamarão”.
24
Desde pe-
queno havia feito contato com o mar. Seus pais eram proprietários de um bangalô de veraneio em
Olinda. Seu padrinho, José de Miranda Curió, a quem era muito ligado, também tinha uma casa
na rua do Sol, com saída para a praia de São Francisco.
25
Médico e militar, o dr. Curió teve presença na formação de Theotonio, que funcionava como
seu “explicador”.
26
Era admirado pelo afilhado como exemplo de conduta. Foi ele quem incenti-
vou o seu gosto de jovem leitor pelo jornalismo. Segundo as recordações de Théo-Filho, o padri-
nho, já idoso, costumava
ler, à tarde, regaladamente, de pernas estiradas sobre um tamborete, à sombra de um coqueiro, o
Correio da Manhã, que assinava desde a fundação. Depois de percorrido por ele, por sua mulher
Eudoxia, por meu pai e por minha avó, o Correio passava para as minhas mãos.
27
23
THÉO-FILHO, “D. Quixote de calças curtas” in Beira-Mar, 28 de janeiro de 1939, p. 4.
24
Idem.
25
THÉO-FILHO, “O papagaio caprichoso do destino” in Beira-Mar, 21 de janeiro de 1939, p. 4.
26
Idem.
27
THÉO-FILHO, “Em busca das chaves da vida” in Beira-Mar, 11 de março de 1939, p. 4.
14
O aparecimento de Theotonio na vida literária do Recife se deu de forma desastrosa. Aspirante a
“plumitivo”, havia aceitado um convite para ingressar no Grêmio Literário Porto Carreiro. Prepa-
rado o discurso de posse com antecedência, no dia da cerimônia passou mal e, na hora, preferiu
improvisar:
As cinco primeiras frases expelidas por mim foram pulando, impetuosas, num dilúvio da inspiração,
diretamente bebida em Gorki e Dostoievski. Súbito, porém, todo o meu ser se contraiu num opres-
sivo colapso da inteligência. (...) Balbuciei coisas absurdas, sem nexo. É-me impossível descrever o
fenômeno dessa fuga da memória e da inteligência, dessa fuga, se assim me posso exprimir, de toda,
qualquer claridade espiritual. O auditório, pouco exigente, poderia aceitar, se me fosse possível ex-
perimentá-lo, as banalidades de um improviso ressalvador. Todo o meu cérebro, entretanto, mergu-
lhara no infinito de uma treva espessa. Devo ter ficado extremamente lívido. Devo ter mostrado
uma fisionomia absolutamente imbecil. Quando voltei à realidade, o presidente da mesa, sorrindo
com benevolência, concedeu a palavra a outro orador mais feliz.
28
Muitos anos depois, para justificar sua negativa à possibilidade de candidatura à Academia Brasi-
leira de Letras, Théo-Filho recorreria à memória desse episódio oratório, afirmando que jamais
conseguiria atender à formalidade de uma apresentação em público.
29
Em compensação, em 1908, quando já cursava a Faculdade de Direito, Theotonio Freire Filho foi
feliz no grande golpe que o colocaria dentro mundo literário: a edição do seu primeiro livro, Os
Rudes. Naquele tempo, o gazeteiro havia conquistado precocemente a fama de freqüentador de
mulheres. Tinha se apaixonado pela “Argentina Pintada” e chegado a namorar a cobiçada “Chi-
quinha Carnaval”.
30
Pois foi nessa condição que ele pôde passar uma conversa num seu conheci-
do, J. Agostinho Bezerra, dono de uma tipografia. Inventou que amigos e parentes, confiantes no
seu talento, levantaram um conto de réis para a impressão do seu livro de estréia. Mas, nas suas
palavras,
28
THÉO-FILHO, “Flores de retórica e de... camomila” in Beira-Mar, 4 de fevereiro de 1939, p. 4.
29
“"Dom Casmurro" em palestra com Théo-Filho” in Beira-Mar, 28 de outubro de 1944, p. 6 (entrevista a Heliodoro
de Oliveira Reis, transcrita da revista Dom Casmurro).
30
THÉO-FILHO, “Introdução à vida devassa” in Beira-Mar, 11 de fevereiro de 1939, p. 8.
15
sucedeu-me uma catástrofe: peguei desse conto de réis... e caí numa farra do outro mundo com a
Maria Duda... Você a conhece?... Pois a Maria Duda depenou-me, esvaziou-me as algibeiras (...).
Nunca imaginei mulher com tamanha capacidade!
31
Na avaliação do pai, o livro era uma “salada de batatas”.
32
Na sua própria avaliação, também não
valia grande coisa. Tão cedo não incluiria o título nas suas relações de obras. A crítica, contudo,
recebeu com magnanimidade a estréia do novo colega. Rangel Moreira, Pontes de Miranda e Gil-
berto Amado festejaram seu aparecimento. O primeiro percebeu nele um “simpático adolescente
de gestos sacudidos e olhar inquieto, cuja coragem, talvez, derive da quase irresponsabilidade dos
seus 16 anos”.
33
Gilberto, sob o pseudônimo “Áureo”, na coluna Golpes de Vista, do Diário de
Pernambuco, constatou sua independência: “não se vislumbra a menor influência do espírito do
seu ilustre pai, da sua prosa rebuscada e da sua maneira prolixa, nem o seu gasto e retardatário
sentimentalismo”. Via no livro, “em meio à confusão e aos erros que a idade justifica, um talento,
um real talento”. Admirava a audácia do menino de dezesseis anos.
34
A pouca idade atraía a sim-
patia da crítica.
Motivado pelo sucesso da estréia, Theotonio se associou a três colegas estudantes para criar uma
revista ilustrada, a Cri-Cri. A Livraria Ramiro M. Costa concordou em fornecer seus serviços
gráficos a título de ajuda inicial. A tiragem do primeiro número se esgotou em poucas horas.
Mas, passada a novidade, a iniciativa morreu, sem leitores, sem anunciantes. Inconformado, o
neófito editor se rebelava: “Isto aqui é uma choldra! Isto aqui é uma choldra!”.
35
Certo de que o Recife era incompatível com sua ambição literária, e animado pela recepção ao
seu livro, Theotonio decidiu procurar a sorte no Rio de Janeiro. Sonhava com o Correio da Ma-
nhã. Sonhava com a atividade desses escritores franceses que lia com avidez, Zola, Bourget e
Mirbeau.
36
Foi uma enorme decepção para a mãe, que o desejava bacharel, bem empregado, de
preferência funcionário público. Também desconcertou o pai, que contava com sua ajuda para o
31
THÉO-FILHO, “Um delito da mocidade” in Beira-Mar, 18 de fevereiro de 1939, p. 4.
32
Idem.
33
THÉO-FILHO, “Prelúdios de alegria e vitória” in Beira-Mar, 4 de março de 1939, p. 4.
34
Diário de Pernambuco, 28 de maio de 1908, p. 2.
35
THÉO-FILHO, “Prelúdios de alegria e vitória” in Beira-Mar, 4 de março de 1939, p. 4.
36
Idem.
16
sustento de uma prole de oito irmãos. Mas parece que todos se conformaram: nada mais era, afi-
nal, que a manifestação do gênio dos Lacerda. Além do escasso dinheiro, Theo partiu do Recife
munido de três cartas de recomendação. A principal era de Theotonio Freire para o amigo Silvio
Romero. “Falava da minha súbita febre ambulatória, do meu devaneio de sonhador fascinado pela
metrópole e pedia, para o transviado, conselhos práticos e experientes”. Outra, endereçada ao
senador Rosa e Silva, “velho conselheiro donatário de Pernambuco”, foi redigida jovialmente por
Rosa e Silva Junior, freqüentador da república onde morava Gilberto Amado. A última demanda-
va Esmeraldino Bandeira, ministro da Justiça. Era subscrita pela sogra, Dona Cândida Dumont,
pertencente ao círculo íntimo da casa dos Freire.
37
No dia 29 de novembro de 1908, um domingo,
aportava no Rio um paquete da Mala Real Inglesa, o Avon, de onde desembarcou Theotonio.
38
***
Emprego, se possível na imprensa, era a sua prioridade ao chegar à metrópole. A primeira coisa
que fez foi procurar Silvio Romero, em quem encontrou acolhida. O crítico literário, homem de
letras consagrado, abriu ao novato pernambucano seu rculo de amizades na livraria que fre-
qüentava, a Francisco Alves. Entretanto, recolhido em casa, na praia de Icaraí, Romero se sen-
tia meio desprestigiado. Não obteria mais posição alguma para ninguém. Recomendou Theotonio
a outro pernambucano, Medeiros e Albuquerque.
39
Este, por sua vez, apesar de atuante na im-
prensa carioca da época, não podia garantir nada de imediato. A tentativa com a segunda carta,
então, abalou suas esperanças. Rosa e Silva rejeitou, com hostilidade, qualquer compromisso com
as disposições do filho. Se era assim com o senador, como não reagiria o ministro diante da soli-
citação de uma sogra?
40
Sem dinheiro, devendo aluguel, Theotonio só não morreu de fome graças
ao socorro prestado por Raimundo, copeiro da pensão de onde acabara de ser expulso.
41
Teve de
chegar quase ao desespero antes de tentar alcançar por via direta aquele que era seu objetivo des-
de o início: conseguir um lugar no Correio da Manhã.
37
THÉO-FILHO, “Em busca das chaves da vida” in Beira-Mar, 11 de março de 1939, p. 4.
38
Correio da Manhã, 29 de novembro de 1908, p. 12.
39
THÉO-FILHO, “Fechando o capítulo da adolescência” in Beira-Mar, 18 de março de 1939, p. 4
40
THÉO-FILHO, “Almas áridas” in Beira-Mar, 1
o
de abril de 1939, p. 4
41
THÉO-FILHO, “Fome” in Beira-Mar, 15 de abril de 1939, p. 4
17
Théo-Filho contaria essa história nas suas Confissões, em ritmo de cinema. De repente, escreveu
uma carta de quinze linhas, foi à sede do jornal, na rua do Ouvidor, pediu para falar com o dono,
foi atendido no mesmo dia, conversou uns minutos com Edmundo Bittencourt, tratou das forma-
lidades no gabinete de Costa Rego, o principal redator do diário, e logo a seguir confraternizava
com os colegas de jornalismo na mesa de um restaurante da rua Uruguaiana.
42
Não devia ser fácil
entrar para o corpo de redatores do Correio da Manhã em 1909. Medeiros e Albuquerque, por
exemplo, acreditava que fosse dificílimo. Não se deve, contudo, atribuir esse sucesso apenas à
sorte de uma súbita empatia. O nome de Theotonio Freire tinha expressão nos meios literários
nordestinos. O nome do filho, desde o lançamento de seu primeiro livro de contos, também não
era de todo desconhecido no Rio de Janeiro.
43
Além disso, quem jurava ser íntimo de Edmundo
Bittencourt era o padrinho de Theo, de Miranda Curió, morto antes da ida do afilhado para o
Rio.
44
Podia ser verdade.
Assim, em 1909, com dezessete anos incompletos, Theotonio Filho assinava contribuições suas
no Correio da Manhã,
45
ao lado de nomes conhecidos, como os de Osório Duque-Estrada, com
suas críticas na coluna Registro Literário, Carmem Dolores, com suas crônicas de costumes, e
Virgilio Várzea, com sua obra simbolista e a fixação pelos temas ligados ao mar.
46
Além de reda-
tor, era repórter e produzia material jornalístico sem assinatura.
47
Edmundo Bittencourt gostava
de seu trabalho. Passadas algumas semanas, adotou o novo colaborador e o levou, a título de tra-
tamento de saúde, para passar uma temporada no palacete da família, na recém-inaugurada Ave-
nida Atlântica. Foi assim que Theo entrou em contato com os banhos de mar de Copacabana
ainda no tempo da Igrejinha, antes da construção do forte.
48
42
Idem.
43
Osório Duque-Estrada já havia feito referência a Os Rudes: “Registro Literário” in Correio da Man, 21 de feve-
reiro de 1910, p. 2.
44
THÉO-FILHO, “Em busca das chaves da vida” in Beira-Mar, 11 de março de 1939, p. 4.
45
A partir de maio de 1909: THEOTONIO FILHO, “De Relance” in Correio da Manhã, 16 de maio de 1909.
46
Alguns tulos de Virgílio Várzea publicados no Correio da Manhã entre 1909 e 1910: Heroína do mar, Galé da
dor, A pesca da tainha, Faróis, Mar grosso, Natal no mar, Na ilhota, A mulher do pescador, O marinheiro e Canal
fluvial-lacustre – da laguna a Porto Alegre.
47
“D. Vicente Blasco Ibañez um visitante ilustre” in Correio da Manhã, 3 de junho de 1909, p. 3. THÉO-FILHO,
“Alguns da equipagem” in Beira-Mar, 22 de abril de 1939, p. 4.
48
THÉO-FILHO, “Ares de Copacabana” in Beira-Mar, 6 de maio de 1939, p. 4.
18
Nessa época, ele conheceu Maria Luiza.
49
A namorada teve uma dupla importância nessa fase da
sua vida. Foi ela quem insistiu no recurso à carta dirigida a Esmeraldino Bandeira. Sem esse em-
purrão, Theotonio não conquistaria seu primeiro emprego público, como auxiliar no Arquivo do
Ministério da Justiça.
50
Depois, parece que Maria Luiza foi ao mesmo tempo incentivadora e ins-
piradora do seu primeiro livro publicado no Rio de Janeiro, Dona Dolorosa,
51
em fevereiro de
1910, em edição da Livraria Alves.
52
Dona Dolorosa mereceu a honra de um prefácio de Silvio Romero.
53
O conhecido estudioso da
literatura brasileira emprestava seu renome ao jovem amigo estreante. Contudo, parece que não
chegou a ler os contos que apresentava – confessava aliás considerar o conto um gênero secundá-
rio. Confiante nas impressões que o autor deixava nas conversas da casa de Icaraí, vislumbrou
influências de Gorki que outros críticos denunciariam como simplesmente inexistentes. Duque-
Estrada estranhou esse erro, no Registro Literário, logo que saiu o livro.
54
Costa Rego também se
deu conta do descuido.
55
Agrippino Grieco voltaria a apontar esse problema no seu prefácio a
uma outra edição.
56
A despeito dessa divergência, entretanto, todos se uniram para elogiar o novo
trabalho de Theotonio Filho.
O livro consistia numa coletânea de pequenos contos, metade publicada no Correio da Manhã,
57
encabeçada por uma novela inédita, que deu nome ao volume. “Dona Dolorosa” acabou monopo-
lizando a identidade da obra.
58
Fez sucesso a história de Cecília, que sentia uma atração mórbida
pelo sangue, precisava cravar os dentes em seu parceiro para sentir prazer e tinha orgasmos dian-
te de uma imagem de Cristo com o corpo escorrido de filetes escarlates. Deve ter chocado os lei-
49
THÉO-FILHO, “Maria Luiza” in Beira-Mar, 13 de maio de 1939, p. 4.
50
THÉO-FILHO, “No mundo de Courteline” in Beira-Mar, 20 de maio de 1939, p. 4.
51
THÉO-FILHO, “Maria Luiza” in Beira-Mar, 13 de maio de 1939, p. 4.
52
Correio da Manhã, 28 de fevereiro de 1910, p. 4.
53
“Com franqueza” in THÉO-FILHO, Dona Dolorosa, 5
a
ed., pp. 11-21.
54
“Registro Literário” in Correio da Manhã, 21 de fevereiro de 1910, p. 2.
55
Correio da Manhã, 28 de fevereiro de 1910, p. 4.
56
“Prefácio da 3
a
edição” in THÉO-FILHO, Dona Dolorosa, 5
a
ed., pp. 25-41.
57
Correio da Manhã, 26 de fevereiro de 1910. Publicados no Correio da Manhã: “Uma vida”, 15 de agosto de 1909;
“Divorciados”, 2 de janeiro de 1910; “Ilusão consoladora”, 22 de agosto de 1909; “A intrusa”, 1
o
de agosto de 1909;
“Sergio”, 19 de setembro de 1909; e “O momento”, 23 de janeiro de 1910. Outros: “Primeiro encontro”, “Burro e
santo”, “O crime”, “O incompreensível nas mulheres”, “Do diário de uma mulher” e “Singular”.
58
“Dona Dolorosa” in THÉO-FILHO, Dona Dolorosa, 5
a
ed., pp. 43-132
19
tores e, principalmente, leitoras. Pois uma advertência na folha de rosto não deixava dúvida que
havia uma ênfase sobre o público feminino:
A natureza d’alguns estudos deste livro forçou o autor a minudências que precisam e devem ser
poupadas ao recato de certa classe de leitores. Fica assim prevenido o público de que o presente vo-
lume não deve ser folheado por ingênuas. As observações contidas em Dona Dolorosa são todavia
meramente clínicas, como poderão verificar os senhores médicos ou apenas os curiosos da psicopa-
tia sexual.
59
Floriano de Lemos, por exemplo, chegou mesmo a considerar as criações de Theotonio Filho do
ponto de vista científico: “Como médico, eu me permito, a título de contribuição, dizer que em
minha clínica observei dois casos de análoga enfermidade feminina”.
60
Esse verniz de estudo
sério de psicologia, contudo, apenas protegia a retaguarda dos leitores contra a fiscalização dos
moralistas enquanto se saboreava literatura sobre sexo. “O livro é todo ele literatura de exceção.
Como que foi o autor atormentado pela caça ao raro, ao bizarro, ao inédito em matéria de crimi-
nalidade sexual”,
61
sentenciaria Agrippino. “Livros assim podem ocupar nas bibliotecas essa
zona proibida que os bibliófilos libertinos chamam l'enfer”.
62
A colaboração no Correio da Manhã nesses primeiros anos de Rio de Janeiro, assinada por Theo-
tonio Filho, na verdade abrangia uma gama de assuntos mais variada do que poderia sugerir a
publicidade de Dona Dolorosa. Entre maio de 1909 e novembro de 1910, mais ou menos sema-
nalmente, quase sempre na segunda página, mas às vezes na capa, apareceram crônicas, contos e
alguns esquetes de sua autoria. Havia referências a sexo, certamente, mas se diluíam no tema do
amor, um dos seus prediletos.
63
Seu grande tema podia ser definido como o dos costumes.
64
Em
1910, durante três meses, com a assinatura de Theo, ele manteve, assiduamente, uma crônica diá-
59
Idem.
60
Correio da Manhã, 26 de fevereiro de 1910.
61
“Prefácio da 3
a
edição” in THÉO-FILHO, Dona Dolorosa, 5
a
ed., p. 36.
62
GRIECO, Agrippino, Caçadores de símbolos – estudos literários, p. 65.
63
Por exemplo: “Uma história de amor”, 30 de maio de 1909, p. 2; “O único amor”, 27 e 28 de junho de 1909, p. 3;
“O flirt”, 18 de julho de 1909; “Divorciados”, 2 de janeiro de 1910, capa; “Confissão de um homem honesto”, 15 de
maio de 1910, p. 2.
64
Por exemplo: “Ainda o concurso feminino”, 20 de junho de 1909, capa; “Pegar na chaleira”, 6 de julho de 1909, p.
3; “Uma visita na Exposição”, 29 de agosto de 1909, capa; “Pela Avenida”, 12 de dezembro de 1909, p. 2; “O Rio”,
9 de janeiro de 1910, p. 2.
20
ria, Os despropósitos d’um carioca.
65
Tratou de relações afetivas, o flirt, a conquista de mulheres,
ciúmes de namorados, a poligamia, o divórcio, a figura do bolina. Levou os leitores a lugares
como o Teatro Municipal, ainda em obras, a sala de espera do Odeon, as confeitarias da moda, a
vida noturna do Rio, o cemitério São João Batista, a ilha de Paquetá, a travessia da barca de Nite-
rói. Discutiu roupa feminina, a saia balão, espartilhos, saltos e grandes chapéus. Queixou-se do
calor. Chorou a morte de Tolstoi. Chegou a comentar questões como a emancipação feminina e o
racismo nos Estados Unidos. Mas raramente entrava em política. Ao comentar o 7 de Setembro,
preferiu falar da chuva durante o desfile. Ao registrar a posse do governo Hermes da Fonseca,
preocupou-se menos com a formação do ministério do que com o espetáculo da adulação aos
novos ministros. O único acontecimento na esfera dos assuntos graves, capaz de atrair sua aten-
ção por uns dias, foi a revolução portuguesa.
66
Na redação do Correio da Manhã, Theotonio conheceu muita gente do jornalismo carioca, inclu-
sive colegas que teriam expressão na literatura brasileira, como Luiz Edmundo e Bastos Tigre.
67
Mas seu trânsito na imprensa o se restringia ao grande diário. Na Estação Teatral, aventura
editorial hebdomadária que durou poucos números, colaborou ao lado de José do Patrocínio Fi-
lho, Renato Alvim e Lima Barreto.
68
Seu círculo de relacionamento havia se ampliado para além
do pessoal da Francisco Alves. Foi no auge de um período de crescente prestígio profissional,
portanto, que Theotonio Filho foi escalado pelo jornal de Edmundo Bittencourt para trabalhar
como correspondente em Paris. Com essa incumbência, partiu, na tarde de 23 de novembro de
1910, a bordo do Atlantique, rumo à Europa.
69
***
Paris era o sonho cultivado pela grande maioria das elites identificadas com a civilização ociden-
tal. As elites brasileiras também participaram da construção dessa fantasia. Ir a Paris, conhecer
Paris, viajar com freqüência a Paris, ter morado em Paris eram quesitos que estavam no topo da
65
“Os despropósitos de um Carioca” in Correio da Manhã, de 23 de agosto a 22 de novembro de 1910.
66
“Os despropósitos de um Carioca” in Correio da Manhã, de 8 a 13 de outubro de 1910.
67
THÉO-FILHO, “Alguns da equipagem” in Beira-Mar, 22 de abril de 1939, p. 4.
68
MAGALHÃES Jr., Raimundo, O fabuloso Patrocínio Filho, p. 55; “Os despropósitos de um Carioca” in Correio
da Man, 10 de setembro de 1910, p. 2.
69
Correio da Manhã, 23 de novembro de 1910, p. 5; THÉO-FILHO, “Rocio Quai d’Orsay” in Beira-Mar, 3 de
junho de 1939, p. 4.
21
hierarquia de valores de então. As roupas, as revistas, a literatura, a gastronomia, a filosofia, a
arte, em todos esses e outros aspectos da vida, a França era a referência de correção. O domínio
da língua francesa distinguia a categoria das pessoas. A inteligência nacional era francófila. Nes-
se tempo, muitos dos escritores e intelectuais brasileiros, como integrantes da elite que eram, rea-
lizaram, ou iriam realizar, o périplo a Paris: desde os decanos, como Olavo Bilac, Medeiros e
Albuquerque, Graça Aranha, Luiz Edmundo e Afrânio Peixoto, à geração de Gilberto Amado,
Patrocínio Filho e João do Rio, e depois outros, mais moços que Theo, como Benjamim Costallat
e Álvaro Moreyra.
70
A viagem de Theotonio Filho à Europa compunha essa corrente. Para um jornal como o Correio
da Manhã, era bom negócio manter um correspondente de certa categoria, que além de ajudar na
cobertura do noticiário tivesse nome para enviar matéria assinada. De março a agosto de 1911,
ele trabalhou na sua Crônica da Rua, sob a chancela De Paris”.
71
Sua disposição de cronista
urbano permaneceu a mesma desenvolvida no Rio de Janeiro. Agora escrevia sobre os tipos pari-
sienses que encontrava: os reclamistas, a “midinette”, a gente de ocupação rudimentar, a burgue-
sia ostentatória.
72
A partir de maio de 1912, passou a publicar na Gazeta de Notícias, para onde
se mudou, a convite de Paulo Barreto.
73
Suas reportagens incluíam incursões ao bas-fond parisi-
ense, para retratar “não o Paris dos ricos (...) Mas o Paris baixo, o Paris mesquinho e encantador,
composto da burocracia, das classes operárias, dos estudantes, dos vagabundos e dos larápios”.
74
Outras vezes passavam para assuntos como, por exemplo, a visita dos reis da Inglaterra ou a ex-
posição dos cubistas no Salão de Outono.
75
Na verdade, essas crônicas se confundiam com a ex-
periência de vida do autor. Algumas revelavam certa erudição desenvolvida em bibliotecas, mu-
seus, visitas a monumentos e palestras sobre literatura francesa. Outras saíam diretamente das
perambulações pelos cabarés, tavernas e lugares mal afamados de Paris.
76
Foram estas, porém,
aquelas que fizeram a fama de Theotonio Filho.
70
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900, pp. 93-94.
71
Crônicas publicadas de 16 de abril a 20 de agosto de 1911.
72
“A "midinette"”, 30 de abril de 1911, capa; “Os que fazem reclame”, 9 de julho de 1911, caspa; “A vaidade fran-
cesa e os domingos burgueses”, 23 de julho de 1911, capa; “Um cocheiro”, 30 de julho de 1911, capa.
73
“"Dom Casmurro" em palestra com Théo-Filho” in Beira-Mar, 28 de outubro de 1944, p. 6. RODRIGUES, João
Carlos, João do Rio – Uma biografia, p. 163.
74
THÉO-FILHO, 365 dias de boulevard, p. 34.
75
Idem, pp. 47 e 125.
76
Alguns títulos: “Bas-fond”, Uma noite nas "Folies Bergères"”, “O Café de Robespierre”, “Nos domínios do ví-
cio”, “A noite da Cidade Luz”, in 365 dias de boulevard.
22
Essa imagem de boêmio conhecedor do “boulevard” se construiu com a cumplicidade de um cír-
culo de amigos. Nesses anos de Paris antes da guerra, o grande companheiro de estroinices” de
Theotonio foi Arnaldo Guimarães, “esteta e aventureiro”,
77
responsável pela versão em português
da revista de moda Élegances,
78
com crédito de freqüentador da alta roda, íntimo de figuras como
Olavo Bilac e a dançarina Gaby Deslys, celebridade internacional.
79
Morou num apartamento
contíguo ao de Theo, no “fauburg Poissoniéres” n. 27.
80
Depois, chegaram a residir, em diferen-
tes apartamentos, no mesmo prédio em que se hospedava Patrocínio Filho, na rua Vintemille, n.
5,
81
“a dois passos da Place Blanche e da Place Pigalle, em pleno coração de Montmartre, o cen-
tro da vida noturna de Paris, onde se encontram os grandes cabarés e cafés-concertos mais famo-
sos”.
82
Ao grupo ainda se juntava com freqüência o autor teatral Renato Alvim, que nessa época
vivia às expensas do pai. Por intermédio dele, Theo e Arnaldo trabalharam, ainda que por pouco
tempo, na tradução de legendas para os filmes da Pathé e Gaumont. Foram todos demitidos por
conta das brincadeiras que pregavam, tais como inserir nos textos nomes de gente conhecida na
sociedade carioca.
83
José do Patrocínio Filho, entretanto, foi o amigo desse tempo que deixou traços duradouros na
sua imagem de artista. Antes do encontro em Paris, os dois não tinham se avistado pessoalmente,
apenas mantinham correspondência. Um conhecia a produção do outro.
84
Patrocínio, jornalista,
trabalhava principalmente para A Imprensa e o Jornal do Commercio. Com domínio perfeito do
francês, entrevistava celebridades internacionais em visita ao Brasil, como o escritor Anatole
France e o socialista Jean-Jaurés. Também tinha feito muito sucesso, em 1910, com uma revista
de teatro inovadora, na verdade um filme-revista, Paz e Amor.
85
77
THÉO-FILHO, “Vida parisiense” in Beira-Mar, 10 de junho de 1939, p. 4.
78
MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., p. 81; THÉO-FILHO, 365 dias de boulevard, p. 41.
79
THÉO-FILHO, “Vida parisiense” in Beira-Mar, 10 de junho de 1939, p. 4.
80
THÉO-FILHO, “Minha alegre aventura de Aix” in Beira-Mar, 17 de junho de 1939, p. 4.
81
PATROCÍNIO FILHO, José do, “Notas sobre Théo-Filho” in THÉO-FILHO, Anita e Plomark, Aventureiros (em
colaboração com Robert de Bedarieux); THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 100; THÉO-FILHO, “Derrapa-
gens no macadam de Paris” in Beira-Mar, 24 de junho de 1939, p. 4; MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., p. 81.
82
MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., p. 81.
83
THÉO-FILHO, “Derrapagens no macadam de Paris” in Beira-Mar, 24 de junho de 1939, p. 4; MAGALHÃES Jr.,
Raimundo, Op. Cit., p. 80.
84
PATROCÍNIO FILHO, José do, Op. Cit., p. 7.
85
MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., pp. 46, 49-50, 65 e 78.
23
Zeca do Patrocínio então já ostentava fama de mentiroso. Mas isso não inibia a circulação de suas
histórias, talvez ao contrário. Sua conversa era tão maravilhosa que os ouvintes ficavam encanta-
dos. No entanto, mais falava que escrevia e acabou publicando pouco em livro.
86
Ainda assim,
muito tempo depois, seu biógrafo, Magalhães Jr., com base em depoimentos de Théo-Filho e
Renato Alvim, conseguiria reconstituir seu tema, pintando a perspectiva parisiense de Zeca em
contraste com a de Gilberto Amado:
Gilberto (...) sabe misturar os prazeres de um cabaré de Montmartre e de uma boite da Bastilha com
as emoções do grande repertório dramático (...). Para Zeca, porém, o grande teatro era secundário.
À Comédie Française, certo preferiria o Olympia, viveiro de raparigas bonitas, ou o "Folies-
Bergère", com as mulheres mais nuas do mundo... No que escreve de Paris, raramente transmite
uma impressão sobre um museu, sobre uma exposição de arte, sobre um grande espetáculo. O que o
atrai principalmente é o bas-fond, o que o seduz são os mauvais quartiers, o que descreve são as
perversões da grande cidade, os redutos dos morfinomaníacos e dos cocainômanos, os cabarés de
mulheres que a todo custo querem se fazer passar por homens, de cabelo curto, paletó de smoking e
gravata borboleta, e os homens que se querem fazer passar por mulheres, metidos em grandes "toi-
lettes", pintados, cheios de jóias, com pestanas postiças e muitos dengues, lançando longos e cobi-
çosos olhares femininos aos homens.
87
As farras ocorriam a despeito da existência das namoradas. Renato Alvim vivia com sua insepa-
rável Fernande, costureira, “ciumenta e desconfiada”, que já o havia acompanhado ao Brasil e
gerado a reprovação da família.
88
Theo chegou a levar a Paris Claire Suzanne Daligand, uma ma-
nicure que havia conhecido na estação balneária de Aix-les-bains, no outono de 1911.
89
Zeca
tinha Antoinette Conchi, a “Fon-Fon”, que passava uma temporada na casa dos pais, na Côte
d’Azur.
90
O único que se manteria estavelmente ao lado da companheira por toda a vida seria o
mais pândego, Patrocínio. Sem fiscalização, entretanto, Zeca e seus amigos se divertiam: “Nos
86
Apenas três: A sinistra aventura, Mundo, diabo e carne e O homem que passa. Marcus Salgado, “Apresentação” in
PATROCÍNIO FILHO, Mundo, diabo e carne, p. 12.
87
MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., pp. 81-82. Cf. “Théo-Filho” in CASTRO, Ela é carioca uma enciclo-
pédia de Ipanema, p. 371.
88
THÉO-FILHO, “Derrapagens no macadam de Paris” in Beira-Mar, 24 de junho de 1939, p. 4; MAGALHÃES Jr.,
Raimundo, Op. Cit., pp. 77 e 80.
89
THÉO-FILHO, “Minha alegre aventura de Aix” in Beira-Mar, 17 de junho de 1939, p. 4; “Derrapagens no maca-
dam de Paris” in Beira-Mar, 24 de junho de 1939, p. 4.
90
MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., pp. 80 e 86.
24
bares de Montmartre, era adorado pelas mulheres, cativas das mentiras que lhes pregava com o ar
mais sério do mundo”, lembraria Théo-Filho. “Dizia-se príncipe, outras vezes rei de uma tribo do
Amazonas, e nos apresentava, a mim e a Arnaldo Guimarães, como seus ajudantes de ordem”.
91
Alguns episódios podiam ser produto da criatividade literária, mas o próprio Theo garantiria que
esteve com Zeca ao lado de Mata-Hari, a bela espiã.
92
Às vezes, longe da ficção, viviam suas
fantasias, como no caso em que foram expulsos do imóvel em que moravam, agora na rua Ballu,
ainda em Montmartre. O motivo foi um trio de dançarinas alemãs que eles trouxeram para dentro
de casa. Sobre as mesas, elas davam espetáculos coreográficos de nudismo, que acabaram por
atrair platéia e incomodar a vizinhança. Ocorria que, despedidas do emprego por serem boches,
elas não tinham onde ficar.
93
Era 1913 e o humor da guerra já se fazia sentir no ambiente.
Durante esses anos Theotonio Filho não limitou sua área de cobertura a Paris. Esteve em outras
capitais européias: Londres, Roma e Berlim. Visitou uma série de cidades italianas.
94
Conheceu
as praias de Ostende, Dieppe, Trouville e Deauville.
95
Conheceu sobretudo a França. Faria refe-
rência a sua passagem por Nancy, Orleans, Bordéus, Liburne, Ruão e Turaine.
96
A pretexto de
estudar a ambientação para a redação de um romance, percorreu toda a Côte d”Azur: Vernon-sur-
Brenne, Marselha, Toulon, Saint Raphael, Monte Carlo, Cannes e Nice.
97
Escreveu sobre os bal-
neários de Saint Gervaise-les-bains, Arcachão e Aix-les-bains.
98
Gostava sobretudo deste último,
onde se podia levar a vida dos “happy few”. Sentia-se à vontade “naquele cenário de palácios
luxuosos, de esplêndidas vistas sobre o lago, de cassinos como os do "Grand Cercle" e "Ville des
Fleurs", de bailes, galas floridas, festas noturnas, excursões em automóvel ou barca, diversões
aristocráticas, golfe, criqué, tênis, guarda parte, chinquilho, tiro aos pombos, corridas, regatas
internacionais”.
99
Considerava Aix superior a outras estações “esportivas, climáticas e termais”:
Vichy, Carlsbad, Chatel Guyon, Saint-Moritz, Biarritz ou Clermont-Ferrand.
100
91
Idem, p. 83.
92
“Correspondência do Beira-Mar” in Beira-Mar, 15 de setembro de 1929, p2.
93
MAGALHÃES Jr., Raimundo, Op. Cit., p. 84.
94
Piza, Lucques, Pistóia, Florença, Sienna, Perusa, Assisse, Agullio, Avellana, Mântua, Verona, Pádua, Rimini,
Ravena e Nápoles: Theotonio Filho, “Partir! Partir!” in Gazeta de Notícias, 17 de maio de 1912.
95
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 100; THÉO-FILHO, 365 dias de boulevard, p. 61.
96
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, pp. 13, 34, 56, 62, 113 e 167.
97
Idem, pp. 168, 172, 178, 183, 188 e 191.
98
THÉO-FILHO, 365 dias de boulevard, p. 205; THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, pp. 68, 168-171; THÉO-
FILHO, “Minha alegre aventura de Aix” in Beira-Mar, 17 de junho de 1939, p. 4.
99
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 170.
100
Idem, p. 171.
25
Essas viagens eram financiadas apenas em parte pelos jornais. As despesas de Theotonio não
deviam ser pequenas para se manter com relativo conforto em Paris. Seu padrão de vida de soltei-
ro era o de um apartamento com um criado.
101
As dificuldades financeiras o perseguiam. Théo-
Filho recordaria dessas pressões, mais de vinte e cinco anos depois, sem entrar em detalhes: “Sa-
cudido (...) por um espírito demasiadamente imbuído de juventude, precipitei-me numa situação
de descontrole difícil de ser compreendida à primeira vista. Não havia dinheiro suficiente para as
minhas despesas suntuárias inadequadas; não havia mesada, vencimento, renda capaz de cobrir o
vulto dos compromissos que me arrebatavam a calma e o sono”.
102
Chegou a ser socorrido, al-
gumas vezes, por Edmundo Bittencourt, em viagem pela Europa, e, do Brasil, pelo gerente do
Correio da Manhã, Duarte Felix. A explicação para esses apertos não devia estar tanto no seu
estilo de vida boêmio quanto no hábito do jogo de azar. Certa vez, para quitar dívidas, parece que
teve de se desfazer do mobiliário e da biblioteca que acumulara nos primeiros anos em Paris.
103
Assim, podia ser que os passeios fossem bancados por dinheiro ganho nos cassinos que faziam
parte do próprio roteiro de viagem. A identificação de Theo com a vida balneária, portanto, pode
ter ganhado força na Europa com a experiência do pano verde, mais do que a das águas.
Uma outra fonte de recursos, menos arriscada mas talvez não tão lucrativa, estava nos contratos
de edição. Theotonio Filho publicou três títulos em casas editoriais portuguesas. A Tragédia dos
Contrastes apareceu em 1911, por Guimarães & C., de Lisboa.
104
Seu primeiro romance, todavia,
parece que foi mal recebido por uma parte do público brasileiro. No relato de Patrocínio Filho, o
livro, que conta a história de um jovem escritor, foi interpretado como “uma cínica autobiografi-
a”, na qual algumas figuras da elite carioca se encontraram caricaturadas.
105
Theotonio, desse
modo, dava continuidade à linha do escândalo, iniciada com Dona Dolorosa. Em 1912 Mme.
Bifteck-Paff foi lançado pelo mesmo editor. Esse romance, escrito em Aix, no ano anterior, mas
ambientado no Recife e na praia de Olinda, desenvolvia o tema da traição, observado ora pela
lógica da mulher adúltera, ora pela lógica do canalha que a passou para trás. Também foi publi-
cado na forma de folhetim na Gazeta de Notícias, entre junho e julho de 1912.
106
Finalmente,
101
PATROCÍNIO FILHO, José do, Op. Cit., p. 19; THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 28.
102
THÉO-FILHO, “Minha alegre aventura de Aix” in Beira-Mar, 17 de junho de 1939, p. 4.
103
PATROCÍNIO FILHO, José do, Op. Cit., p. 9.
104
Verso da folha de rosto em diversas edições de livros de Théo-Filho.
105
PATROCÍNIO FILHO, José do, Op. Cit., p. 15.
106
Gazeta de Notícias, de 9 de junho a 26 de julho de 1912, em 45 inserções.
26
Bruno Ragaz, anarquista surgiu, em 1913, em edição de Magalhães & Moniz Editores, do Por-
to.
107
Veio com dedicatória a João do Rio (Paulo Barreto). O conto do título dessa coletânea po-
dia ser lido também como misto de autobiografia e ficção – história de um jovem meio acanalha-
do e seu fracasso no jornalismo. Alguns textos haviam sido publicados nos jornais anteriormente.
A eles se juntavam as primeiras crônicas de Paris.
108
Esses três livros portugueses, porém, teriam
rapidamente suas edições esgotadas mesmo Mme. Bifteck-Paff, que chegou a merecer três edi-
ções de Guimarães & C. E jamais chegariam a ser publicados no Brasil.
Theotonio Filho escrevia os Bilhetes do Boulevard”, sob a rubrica Especial para a Gazeta,
quando estourou a guerra. Imediatamente aceitou, de novo a convite de Paulo Barreto, “o lugar
de correspondente telegráfico epistolar da Gazeta de Notícias”.
109
Em setembro de 1914, come-
çou a série “Meu carnet de guerra”, sobre as batalhas e o cotidiano dos franceses em meio aos
horrores da luta.
110
Estava em Paris em dezembro de 1914, quando, instalado o pânico, fecharam
os teatros e cabarés, bem como na noite de 20 de março de 1915, quando os inimigos sobrevoa-
ram a cidade nos seus zepelins. Testemunhou a chegada dos refugiados do norte e a transforma-
ção do rei Alberto I, da Bélgica, em herói, símbolo da luta contra os alemães.
111
Durante um ano,
produziu trinta e seis crônicas de guerra, assinadas, a partir de janeiro, “Teutonio Filho”.
112
Mas nem de correspondente viveu ele na Europa conflagrada. Em 1915, durante uma estação,
ficou hospedado no castelo da condessa de Bédarieux, mãe de seu amigo escritor e bibliotecário
Robert de Bédarieux. Em parceria com ele, escreveu, entre Thaussat-les-bains, Londres e Paris, o
romance Anita e Plomark, aventureiros, ambientado nos passeios, cassinos e terraços de Nice.
113
107
THÉO-FILHO. Bruno Ragaz (anarquista). Porto: Magalhães & Moniz Editores, 1913, 159 p.
108
De Paris: “Em Meudon”; “Sua esperança”, com dedicatória a Claire Daligand; “Mamz’elle Glu-glu”, com epígra-
fe de Fialho d’Almeida; “O crime razoável” e “Amor e vício”. Publicados no Correio da Manhã em 1910: “A ins-
crição piedosa”, 25 de setembro, p. 2, com epígrafe de Shakespeare; “Uma verdade”, 29 de maio, capa, com epígrafe
de Octave Mirbeau; “Sua melhor amiga”, 11 de setembro, p. 3, com dedicatória a Itiberê da Cunha; “O número
1.317”, 30 de outubro, capa, com epígrafe de Oscar Wilde; “O anel”, 10 de abril, p. 2, com epígrafe de Nietzsche; e
“O momento”, 23 de janeiro, p. 2, com dedicatória a Magalhães Carneiro. Outros: “O sapatinho”, com dedicatória a
Eloy Pontes, e “Lição Proveitosa”.
109
THÉO-FILHO, Impressões transatlânticas, p. 58.
110
Entre 26 de setembro de 1914 e 13 de setembro de 1915. Alguns dos episódios descritos: Meaux, Altkirch, Ypres,
Dixmude, Lombaertzyde, Flandres, Soissons, Vauquois, Nouve-Chapelle, Vieil-Armand, Eparges, Ypres (2
a
bata-
lha), Arras, Ourcq, Marne, Metzeral e Hilsenfirst.
111
THÉO-FILHO, Impressões transatlânticas, pp. 70-73.
112
Gazeta de Notícias, 2 de janeiro de 1915, p. 4.
113
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 100; GRIECO, Agrippino, Op. Cit., p. 67.
27
***
Em outubro de 1915, Theotonio estava de volta ao Rio de Janeiro. Sua ligação com a Gazeta de
Notícias continuava.
114
Fundou uma coluna de crítica de costumes, Golpes de Vista, e passou a
assinar “Theo-Filho”.
115
Depois publicou, entre novembro e fevereiro do ano seguinte, em forma
de folhetim, o romance Anita e Plomark, aventureiros.
116
Seu nome também aparecia às vezes na
página dominical Letras & Artes.
117
Mas boa parte da sua colaboração como repórter e redator
não apareceu assinada. Foi, aliás, em decorrência do seu trabalho jornalístico trivial que Theo-
Filho conheceu inferno pior que a guerra.
Na Gazeta, cada um atuava dentro da sua especialidade. Dos temas políticos “se apossavam, des-
de logo, Antonio Torres e Adoasto de Godoy; artísticos, Breno Arruda e Paulo de Gardênia; in-
ternacionais, Vitorino de Oliveira e Zadir Índio; jurídicos, industriais, bancários, Castro Nunes,
Sylvio de Brito e Heitor Beltrão”. Se, contudo, o assunto em pauta se referisse à “malícia social”,
o encarregado era Theo-Filho.
118
Foi da sua autoria, portanto, a cobertura sobre o “caso Nina”,
publicada em abril de 1916, dentro da retranca “Escândalos do Rio”.
119
Tratava-se do triste desti-
no de Nina Costa, uma linda gaúcha trintona, que teve o casamento arruinado pelas calúnias de
um conquistador, o visconde Antonio da Veiga Cabral. O jornal tomou a defesa de Nina e chegou
a divulgar dois textos de sua autoria.
120
Theo se aproximou da dama e passou a visitá-la com fre-
qüência. Inconformado, o visconde ameaçava o jornalista junto com toda a redação da Gazeta de
Notícias. Na noite de 11 de julho, finalmente, ocorreu uma tentativa de agressão, em plena aveni-
da Rio Branco.
121
Segundo a reportagem,
Ontem, cerca de dez horas da noite, ia o nosso companheiro tranqüilamente pela avenida. Próximo à
Galeria Cruzeiro estava Veiga Cabral em companhia de mais alguns sujeitos de sua laia. À passa-
gem do nosso companheiro, os façanhudos catandubas o insultaram. Ele fez ouvidos de mercador e
114
Gazeta de Notícias, 18 de outubro de 1915, p. 3.
115
Idem, 21 de outubro a 12 de novembro de 1915.
116
Entre 21 de novembro de 1915 e 21 de fevereiro de 1916.
117
“A ilha de Sein”, 19 de março de 1916, p. 5; “Paris-Rio”, 9 de abril de 1916, p. 7.
118
THÉO-FILHO, “Um escândalo” in Beira-Mar, 22 de julho de 1939, p. 4.
119
Gazeta de Notícias, 4 a 6 de abril de 1916.
120
“Wanda”, 30 de maio de 1916, p. 2; “Camilla”, 26 de junho de 1916, p. 3.
121
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 106.
28
continuou o seu caminho. O grupo, agressivamente, o acompanhou, ameaçando-o, dizendo-lhe os
piores insultos, até que, ao chegarem perto do Clube Naval, Veiga Cabral, adiantando-se, vociferou:
- Parto-lhe a cara. E ato contínuo avançaram todos contra o nosso companheiro, que se pôs em
guarda. Veiga Cabral deu-lhe um soco em pleno rosto e logo a seguir uma bengalada. Os seus com-
panheiros fizeram o mesmo. José Mariano Nunes Coelho, companheiro de Veiga Cabral, sacou i-
mediatamente o seu revólver e o apontou a Theotonio. Este, então, puxou também o seu revólver e
atirou no grupo, ferindo Veiga Cabral na região escrotal e na coxa esquerda, e a José Nunes na mão
direita. Nesse momento apareceu o guarda (...)
122
Não seria muito diferente da descrição de seus colegas a lembrança que Théo-Filho conservaria
sobre esse episódio, vinte e três anos depois, nas Confissões.
Tínhamos jantado naquela noite, num restaurante da rua da Assembléia, Baptista Junior, Pacheco
Filho e eu. Descíamos, fazendo o chilo, a Avenida Rio Branco. Paramos uns dois minutos na Gale-
ria Cruzeiro, a conversar (...). (...) despedimo-nos sem vacilações, com uma olhadela rápida no re-
lógio da Galeria, que marcava, sem dúvida erradamente, 8 horas e 25 minutos. Impossível rebuscar,
nos escaninhos da memória, o desagradável acontecimento, sem rever certos pormenores, aparen-
temente insignificantes. Antonio da Veiga Cabral acompanhava-me dissimuladamente desde a mi-
nha saída do restaurante da rua da Assembléia. Eu continuara o meu passeio despreocupado, aveni-
da abaixo, e já atingira o citão do Teatro Municipal, quando vi surgir de repente, embargando-me os
passos, com esgares de epilepsia, o rapaz que me elegera, quixotescamente, seu competidor ou sua
vítima. Não houve entre nós alterações grosseiras. Ele avançou, de bengala em riste, os olhos esga-
zeados, a boca atravessada por um ricto de ódio. (...) A primeira bengalada atingiu-me, amassando-
me o chapéu. A segunda, mais violenta, quase me paralisou o braço esquerdo. Um murro pelas cos-
tas, desfechado por um dos três comparsas do assaltante, arremessou-me, quase atordoado, de en-
contro à esquina do Teatro Municipal. E foi nesse momento extremamente delicado que, num gesto
instintivo de defesa, empunhando a pistola, atirei, fazendo pontaria baixa... A bala conteve a fúria
da quadrilha desnorteada, atingindo Veiga Cabral. Fugiram os pandilhas, deixando que se conduzis-
se o ferido para um leito da Assistência Municipal. (...).
123
122
“Agressão covarde Um jornalista assaltado por vários desordeiros”, Gazeta de Notícias, 12 de julho de 1916, p.
3.
123
THÉO-FILHO, “Um escândalo” in Beira-Mar, 22 de julho de 1939, p. 4.
29
A Justiça, todavia, não entendeu os fatos nesses termos. No dia 12 de janeiro de 1917, ao voltar
do banho de mar na praia do Flamengo para sua residência na rua Ferreira Vianna, o autor do tiro
foi preso, acusado de tentativa de homicídio. Foi assim que conheceu um dos salões da 2
a
galeria
da Casa de Detenção, na rua Frei Caneca.
124
Lá fora, trabalhava pela sua libertação o jurista Eva-
risto de Morais, contratado por Nina.
125
Cruel e paradoxalmente, a prisão acabou por favorecer a sua literatura e o seu jornalismo. Na
cadeia, encontrou disposição para escrever recordações de suas viagens pelo interior da França e
algumas descrições da própria prisão. Esses textos seriam depois reunidos em livro. Colocou-se
também a serviço da sua profissão de jornalista. Durante os dois meses em que esteve detido,
publicou quatro reportagens na Gazeta de Notícias, sob a chancela “A Prisão”. Colheu o depoi-
mento de um preso prestes a ir a júri, o negociante João Paula Bueno, assassino do amante de sua
esposa.
126
Intermediou a publicação de confissões de Zacharias Eddy, condenado a 30 anos de
prisão pelo assassinato de sua noiva Adélia Aoun.
127
Estampou na capa do jornal uma reportagem
sensacional com João Candido, o “almirante” da Revolta, que contava seus planos de futuro, en-
tre eles fazer um reide de jangada de Fortaleza a Buenos Aires.
128
Publicou ainda uma curiosa
matéria sobre os poetas da Casa de Detenção: os presos que, na ociosidade do cárcere, aprendiam
a ler e escrever.
129
A Gazeta, liderada por seu secretário, Candido Campos, também cobriu algu-
mas etapas do processo de Theotonio Filho, principalmente a construção da linha de defesa pro-
posta por Evaristo de Morais, que tentava a qualificação do caso como crime de ferimentos leves.
Em 14 de março, o escritor foi solto.
130
A prisão, coincidentemente, era o temor de Plomark e Anita Hariol, os protagonistas do novo
romance de Theotonio, que começava a circular no Brasil nesse mesmo ano de 1917. Tratava-se
da história de um casal de bandidos elegantes que, entre cassinos e hotéis, aplicava seus golpes,
124
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, pp. 21-22; “O caso do jornalista Theotonio Filho” in Gazeta de Notícias,
5 de fevereiro de 1917, p. 3.
125
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, pp. 101-109 e 134-140. “Théo-Filho na prisão” in Gazeta de Notícias, 9
de março de 1917, p. 3.
126
“Paula Bueno entra hoje em júri” in Gazeta de Notícias, 18 de janeiro de 1917, p. 3.
127
“As interessantes confissões de Zacharias Eddy” in Gazeta de Notícias, 2 de fevereiro de 1917, p. 3.
128
“O romance d’amor de João Candido” in Gazeta de Notícias, 24 de fevereiro de 1917, capa.
129
“Há na cadeia poetas a granel!” in Gazeta de Notícias, 7 de fevereiro de 1917, p. 3.
130
“Théo Filho em liberdade?” in Gazeta de Notícias, 14 de março de 1917, p. 2; “O jornalista Theotonio Filho foi
posto em liberdade” in Correio da Manhã, 14 de março de 1917, p. 2.
30
viajando de um lado para outro da Europa. O lançamento de Anita e Plomark, aventureiros assi-
nalou a volta do romancista às casas editoriais brasileiras.
131
Não publicava um livro no país des-
de 1910. Nesse intervalo de sete anos, o público encontrava Theotonio Filho menos nas livrarias
do que nos jornaleiros, na maioria das vezes escrevendo crônicas de Paris. Agora reaparecia no
Brasil e lançava seu livro precisamente num momento em que estava em evidência, logo depois
do episódio da Casa de Detenção. Reentrava com uma obra que fazia justiça à experiência dos
anos vividos na França e outros países europeus. Também confirmava a grafia definitiva da sua
assinatura: “Théo-Filho”. E chegava aos leitores, nesta edição de Antenor & C. Editores, apresen-
tado por um prefácio de quinze páginas escrito por José do Patrocínio Filho.
132
Essa apresentação atualizava o público brasileiro em relação ao autor. Resumia sua personalida-
de, dava um esboço biográfico e comentava algumas de suas obras. Embutia também uma apolo-
gia de Zeca a certos comportamentos de Théo-Filho, passíveis de incompreensão por parte dos
leitores. Dois temas importantes para eles eram o jogo e o consumo de drogas. Um dos interesses
do prefácio estava na descrição de certa madrugada parisiense na qual Patrocínio levara uma
prostituta morfinômana ao apartamento de Theotonio para lhe obter uma dose. Noutra passagem,
deixou entrever o envolvimento do escritor com o jogo:
(...) ao chegar a Paris, pedi notícias suas, apressado de o apertar nos braços. Entretanto ninguém
m'as soube dar, porque ninguém sabia onde parava. Como de hábito, alguns brasileiros maldisse-
ram-no, inventando acidentes desagradáveis: Théo passara na Cote-d'Azur o fim do inverno (...) e
fizera tolices em Monte Carlo. Graças a isso fora forçado a fazer leilão dos móveis, dos objetos de
arte, das antiguidades que possuía no seu apartamento do Faubourg Poissoniere, 27. Fora tão com-
pleta a "déblacle", que nem sequer lhe escaparam as sedas, nem os veludos que forravam as paredes
e que até os livros – as suas coleções bizarramente encadernadas – foram também vendidas.
133
Dois parágrafos a seguir, Patrocínio confirmava precisamente aquilo que parecia negar, ao trans-
crever um bilhete que recebera do próprio Théo-Filho:
131
THÉO-FILHO. Anita e Plomark, Aventureiros. Rio de Janeiro: Antenor & C. Editores, 1917, 190 p. (em colabo-
ração com Robert de Bedarieux).
132
PATROCÍNIO FILHO, José do, “Notas sobre Théo-Filho” in THÉO-FILHO, Anita e Plomark, Aventureiros (em
colaboração com Robert de Bedarieux), pp. 7-21.
133
PATROCÍNIO FILHO, José do, Op. Cit., p. 8.
31
Meu velho amigo (...) Venha ver-me quando quiser; em geral ceio em casa, das três e meia para as
quatro, no meu gabinete de trabalho. Dar-me-á muito prazer se vier tomar comigo de certo excelen-
te vinho húngaro que me regalou esse nosso querido crápula do Samuel Ben-Iasachaar. Participo-
lhe também que da minha ruína salvei, para a nossa esgrima, as preciosas toledanas que, como lhe
participei, adquiri num leilão.
134
Patrocínio, assim, ajudava a criar a reputação de freqüentador de cassinos. Ainda havia mais.
Theotonio, “em certo inverno, em Londres, passou três meses na cadeia; viajou para a América
num "steamer" austríaco, foi detido uma vez em Boulogne...”
135
Parte desses relatos não teria
confirmação. Mas, se o eram verdade, essas histórias nunca foram desmentidas. Mesmo que
fossem invenções, elas tinham verossimilhança, circularam entre os leitores e, desse modo, con-
tribuíram para a formação da imagem de aventureiro que adquiria Théo-Filho.
Outro exagero de Patrocínio era a idéia, em nenhuma outra fonte sugerida, de que Theotonio vi-
via na Europa com um sentimento de exílio. Segundo o prefaciador, seu primeiro romance, rece-
bido como autobiográfico, teria provocado escândalo e despertado hostilidade no Rio de Janeiro.
“Analisado, discutido, dissecado, o livro encontrou-se cheio de alusões diretas, de carapuças, de
caricaturas, em que a grande taba reconhecia os seus pajés e os seus tutchanas (...)”. Por isso, os
críticos da Tragédia de contrastes “apedrejaram-no, chicotearam-no, vilipendiaram-no a ponto de
tornar irreparável o seu exílio”.
136
Comparava a situação de Théo-Filho à experiência de grandes
escritores de então: “Se Londres não comportou Wilde, se d'Annunzio escandalizou a Itália, se a
Espanha assassinou Ferrer – é claro que o Rio não lhe poderia ser hospitaleiro”.
137
Em meio às hipérboles, Patrocínio traçou, nessa introdução, o perfil do escritor que ficou associ-
ado a esse tempo. Vinculava sua literatura a essa biografia “vertiginosa e audaz”. Todas as aven-
turas e desventuras de Theotonio faziam sentido porque estavam a serviço da arte. Além disso,
eram próprias da juventude. Patrocínio via na produção théo-filhana “a pujança de um talento
jovem”. A apresentação começava com a afirmação da idade: “Théo-Filho tem vinte e poucos
134
Idem, pp. 8-9.
135
Idem, p. 13.
136
Idem, p. 15.
137
Idem, p. 13.
32
anos, quatro livros publicados (...)”.
138
A condição de ter uma obra acumulada tão cedo e a de
manter em torno de si um acervo de histórias que representavam experiência de vida, longe de
serem incompatíveis, apenas reforçavam a imagem de jovem escritor. Patrocínio entendia a ques-
tão assim: “Houve quem o disse "um rapaz velhíssimo"; eu diria antes que envelhece rapidamen-
te porque ainda tem o entusiasmo e as ambições da juventude, apesar das acerbas vicissitudes
que o tem provado”.
139
Além do mundo da aventura e da perspectiva da mocidade, a identificação com a França, a Euro-
pa e as viagens era a marca de Anita e Plomark. Essa ligação da imagem de Théo-Filho com a
fantasia da vida parisiense e do contato com a civilização se estreitou ainda mais quando, em no-
vembro de 1918, tendo ingressado no corpo diplomático, ele partiu para assumir o cargo de adido
consular em Boulogne-sur-mer.
140
Ainda sob o impacto dessa novidade, ocorreu, em 1919, o lançamento de 365 dias de boulevard,
por Leite Ribeiro & Maurillo Editores.
141
Era uma prometida coletânea de crônicas publicadas no
Correio da Manhã e na Gazeta de Notícias, entre 1911 e 1913.
142
O livro fez tanto sucesso que
teve de ser providenciada uma segunda edição, no ano seguinte. Foi a partir dessa edição que
começou a se difundir comercialmente uma foto de Théo-Filho, de perfil, com um monóculo e
uma boina de capitão de navio.
143
Também apareceu, em 1920, finalmente, Do vagão-leito à pri-
são, sua produção de cadeia, com dedicatória a Nina Lopes.
144
Os mesmos editores reuniram, em
vinte e cinco capítulos,
145
as reportagens publicadas na Gazeta três anos atrás, textos inéditos
138
Idem, p. 12.
139
Idem, p. 12.
140
“Os que partem” in Fon-Fon, 30 de novembro de 1918.
141
THÉO-FILHO. 365 dias de bulevar. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo editores, 1920, 2
a
edição, 237p.;
“Bibliografia” in Jornal do Brasil, 2 de julho de 1919.
142
Gazeta de Notícias: “Em Paris”, “Bas-fond”, “Uma noite nas "Folies Bergères"”, “O Café de Robespierre”, “No
campo”, “Através misérias”, “Perfil de um jornalista”, “God save the king and the queen”, “1
o
de maio”, “Algumas
"gaffes"”, “Uma ceia histórica”, “"Je connais une blonde"”, “Carnaval”, “Um tipo de mulher”, “Cenas parisienses”,
“As descobertas de Mauricio Migeon”, “Nos domínios do vício”, “Faustine”, “Restaurantes”, “Brasileiros”, “A mor-
te de Rochefort”, “Aventura campestre”, “Rio-Paris”, “O forte Cochon”, “Demolições”, “Notas soltas”, “A noite na
Cidade Luz” e “Partir”. Correio da Manhã: “A "Midinette"”, “Os reclamistas”, “Um cocheiro”, “Domingos burgue-
ses” e “Estação morta”.
143
“365 dias de boulevard” in Fon-Fon, 14 de junho de 1919.
144
A partir de então, Théo-Filho passaria a se referir a Nina por esse nome. THÉO-FILHO, “Um escândalo” in Bei-
ra-Mar, 22 de julho de 1939, p. 4.
145
I Preâmbulo, II A prisão, III Uma vida monótona, IV Confissão, V A canícula, VI Tristezas, VII Um despertar
alegre, VIII Os freqüentadores da cadeia, IX Manso de Paiva, X Carnaval, XI João Maluco, XII A minha defesa pelo
33
sobre a experiência na Casa de Detenção e memórias de suas viagens pelo interior da França,
com impressões sobre cada uma delas, Orleans, Arcachão, Aix, Nice etc. Sua literatura permane-
cia próxima da Europa. Mas a sua vida tendia a se afastar, pois seria breve a carreira no Itama-
raty.
***
Théo-Filho voltou da França com duas coisas na cabeça: o cabelo oxigenado e uma idéia. A cor
diferente, à moda de Baudelaire,
146
estava carregada de significado. Distinguia o jornalista como
escritor, agora com sete títulos publicados e uma vida rica de experiências interessantes. Somente
às celebridades como ele era concedido o privilégio de se apresentar em público com um visual
indiscreto. Havia, certamente, personagens mais espalhafatosos no ambiente literário do Rio de
Janeiro, como seu amigo João do Rio, por exemplo. Não obstante, ao regressar à capital com as
melenas louras, Theotonio se afirmava como um exemplar dessa espécie de gente diferenciada:
os artistas de sucesso.
A idéia, por sua vez, correspondia à ambição de escritor profissional que essa aparência comuni-
cava. Tratava-se de escrever a saga de uma família. Seria um ciclo de romances, uma obra de
fôlego como ainda não havia sido produzida no Brasil.
147
Havia anos que Théo manifestava dis-
posição para um grande projeto. “Concebi um plano para a minha obra e hei de segui-lo à ris-
ca”,
148
contou Patrocínio ter ouvido dele, no tempo de Montmartre, quando encetava a parceria
com Bédarieux. Agora, de volta ao Brasil, Théo-Filho podia se estabelecer com a autoridade da
experiência cosmopolita adquirida na década anterior. Todavia, não era mais a Europa que
devia servir de cenário às suas criações, como ocorrera em Anita e Plomark. Seus personagens,
nas pegadas do autor, deviam reencontrar o Rio de Janeiro. Foi assim que nasceu a “Crônica So-
dr. Evaristo de Moraes, XIII Ruão, XIV Na inatividade, XV Uma visita encantadora, XVI O almirante João Candido,
XVII Descobertas singulares, XVIII Na pretoria, XIX Na Côte d’Azur, XX Confissão de um condenado, XXI Fúne-
bre, XXII Um sonho de três noites de luar, XXIII Os poetas da cadeia, XXIV Na ilha de "Sein", XXV Enfim. “Con-
fissão” corresponde à matéria sobre Paula Bueno, “Confissão de um condenado” corresponde à matéria sobre Zacha-
rias Eddy, ambas publicadas na Gazeta de Notícias.
146
GRIECO, Agrippino, Op. Cit., p. 64.
147
Idem, pp. 80-81.
148
PATROCÍNIO FILHO, José do, Op. Cit., p. 18.
34
cial de uma Família Brasileira”. Theotonio passou 1920 trabalhando nos dois primeiros volumes
dessa série: A grande felicidade e As virgens amorosas.
A “Crônica Social de uma Família Brasileira” apresentava ao público os Lacerda. Mas esses não
eram os Lacerda do cangaço dos sertões da Paraíba, avós do autor. Era uma família vinda da polí-
tica do sul para progredir na capital da República. A estrutura da obra correspondia a um volume
para cada integrante do clã, pertencente à geração que chegava à idade adulta na passagem dos
anos 10 para os 20. Assim, A grande felicidade girava em torno da trajetória vitoriosa do indus-
trial Justino Lacerda a partir da Grande Guerra. A protagonista das Virgens amorosas era Déa
Lacerda, na idade da vida e do casamento, no ano da visita do rei Alberto ao Brasil, 1920. O
herói do terceiro volume, Ídolos de barro, era o deputado Cesário Lacerda, em meio aos proble-
mas da derrubada do morro do Castelo, em 1921. Nesses três primeiros romances, planejados em
conjunto, não havia intenção autobiográfica. O uso do nome “Lacerda” pode ser compreendido
como um dispositivo de defesa. Se o acusassem novamente de fazer caricaturas, ele poderia ale-
gar que o nome lhe pertencia e que, se houvesse ofensa, a vítima seria sua própria gente.
Os Lacerda da “Crônica Social” não eram seus ascendentes genéticos, mas constituíam o grupo
social com que se identificava Théo-Filho. Era a elite rica, urbana, moderna, que se sentia res-
ponsável pelos destinos do Brasil. Correspondia a um padrão de vida que havia conhecido, por
exemplo, na casa dos Bittencourt, em Copacabana. Havia na sua literatura, desde sempre, uma
atmosfera de mundanismo, bem conhecida entre os jornalistas e as colunas sociais. Agora, com a
elaboração da “Crônica” e a sua fixação no Rio de Janeiro, esse caráter se acentuava. O seu inte-
resse era a gente de Botafogo, comentaria Agrippino Grieco, contrastando-o com Lima Barreto,
que era o oposto dele, enraizado nos subúrbios cariocas.
149
Quando descrevia os pobres, Théo-
Filho o fazia com um certo distanciamento, compatível com a sensibilidade das leitoras que havia
começado a cativar desde Dona Dolorosa.
Na esteira do lançamento dos dois primeiros volumes da “Crônica Social de uma Família Brasi-
leira”, primeiro As virgens amorosas, em 1921, por Leite Ribeiro & Maurillo,
150
e depois A
149
GRIECO, Agrippino, Op. Cit., p. 88.
150
THÉO-FILHO. As virgens amorosas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo, 1921, 328 p.
35
grande felicidade, pela Livraria Leite Ribeiro,
151
o escritor apareceu com outras novidades. Lan-
çou um livro fora do ciclo dos Lacerda, Uma viagem movimentada – Cenas transatlânticas (Ava-
Paris Boulogne), pela Editora Livraria Schettino, em 1922, com dedicatória ao escritor
Carlos Malheiro Dias.
152
Não era romance, mas uma crônica da viagem que o havia levado do
Rio de Janeiro à França, por conta do Itamaraty: os personagens eram os passageiros do transa-
tlântico Avaré. Uma viagem movimentada tinha sido escrita em parte a bordo, durante o trajeto
pelos portos brasileiros, quando alguns esboços na forma de crônica foram enviados para a revis-
ta Fon-Fon,
153
em parte em Boulogne-sur-mer, quando mesmo as obrigações do serviço consular
não afastaram o autor da atividade literária. Agrippino Grieco comemorou seu aparecimento:
“Não querendo fazer romance, o Sr. Théo-Filho como que nos ofertou, nesse livro, um dos seus
melhores romances”.
154
Livros novos de Théo-Filho haviam se tornado uma rotina anual. A grande novidade na carrei-
ra do escritor em 1922 foi o aparecimento da revista O Mundo Literário, da Livraria Leite Ribei-
ro. Com experiência na praça comercial e na vida política, o coronel Leite Ribeiro, em associação
com o editor Maurillo da Silva Quaresma, havia aberto, em 1916, uma livraria na avenida Rio
Branco.
155
No começo dos anos 20, a Livraria Leite Ribeiro se tornava um dos mais importantes
estabelecimentos editoriais brasileiros. Publicava autores entre os mais lidos na época: Humberto
de Campos, Mme. Chrysantheme, Medeiros e Albuquerque, Gustavo Barroso, Benjamim Costal-
lat, Julia Lopes de Almeida etc. Era a hora de colocar em circulação a maior publicação literária
periódica do Brasil. A fim de levar a cabo o empreendimento, contratou um time formado, além
do jovem Théo-Filho, como diretor, pelo veterano poeta A. J. Pereira da Silva, igualmente dire-
tor, e o crítico literário Enéas Carneiro, logo substituído por Agrippino Grieco, secretário.
156
Para
Théo-Filho, essa posição representava o reconhecimento de sua importância na literatura nacio-
nal, depois dos dez primeiros títulos publicados, em pouco mais de uma década de carreira.
151
THÉO-FILHO. A grande felicidade. Rio de Janeiro: Livraria Leite Ribeiro, s/d, 303 p.
152
THÉO-FILHO. Uma viagem movimentada Cenas transatlânticas (Avaré Paris Boulogne). Rio de Janeiro:
Editora Livraria Schettino, 1922, 292 p.
153
THÉO-FILHO, “Notas de Viagem” in Fon-Fon, 1
o
de fevereiro e 15 de fevereiro de 1919.
154
GRIECO, Agrippino, Op. Cit., p. 74.
155
“Uma nova livraria” in Correio da Manhã, 22 de outubro de 1916.
156
O Mundo Literário, dezembro 1922, N. VIII, Ano I, Vol. 3.
36
Em maio de 1922, saiu o número 1. Era mensal e sua numeração obedecia à organização de vo-
lumes a cada trimestre. Tinha formato de livro, acabamento com lombada e cento e tantas páginas
de espessura. A diagramação de quase toda a revista em apenas uma coluna também lembrava
livro. O aspecto era sóbrio, não havia fotos nem ilustrações, nem mesmo nos anúncios. O conteú-
do era principalmente a produção dos artistas da casa. Foram publicados, assim, excertos de li-
vros de Théo-Filho e de outros autores antes de aparecerem nas livrarias. Entre os colaboradores
do Mundo Literário estavam escritores que depois alcançariam consagração, como Lima Barreto,
Ronald de Carvalho e Sergio Buarque de Holanda. Alguns eram famosos, como Raul de Aze-
vedo, Coelho Netto e Evaristo de Moraes. Outros encontrariam Théo-Filho em algum momento
de sua trajetória profissional, como Harold Daltro, Peregrino Junior, Carlos Malheiro Dias, Mari-
na Coelho Cintra e Cristóvão de Camargo. Havia também bastante crítica, liderada por Agrippino
Grieco, ajudado por redatores como Carlos Ferraz, Carlos Rubens, Leal Guimarães, Carlos Maul
e Povina Cavalcanti. Um rol de nomes mais extenso, além dos mencionados, dava a idéia da en-
vergadura da publicação: Antonio Austragésilo, Esmeraldino Bandeira, Pio Baroja, Aloysio de
Castro, Almacchio Diniz, Mendes Fradique, Gilka Machado, Adelino Magalhães, Andrade Mu-
ricy, Alberto de Oliveira, Afrânio Peixoto, Gastão Penalva, Eduardo Prado, João Ribeiro, Affon-
so Schmidt, Adelmar Tavares, Gastão Tojeiro e Renato Travassos.
157
O ritmo da publicação acompanhava a dinâmica dos lançamentos de títulos. A prioridade era da
Editora Livraria Leite Ribeiro, mas também havia anúncios de outras empresas, como a Revista
do Brasil, de Monteiro Lobato e Paulo Prado.
158
Eram anunciados por Leite Ribeiro, para citar
alguns exemplos, os livros de Chrysantheme Enervadas, Flores modernas, Uma paixão e Uma
estação em Petrópolis
159
e os livros do jovem Benjamin Costallat Cock-tail, Depois da meia-
noite, Luz vermelha e Mutt, Jeff & C.
160
Também mereciam propaganda novos autores, como
Mozart Monteiro, com a Tentação de Eva (Novelas do Rio),
161
e Oswald Beresford, com Mme.
Cosmópolis.
162
157
O Mundo Literário durou exatos três anos, ou 36 edições: de maio de 1922 a abril de 1925.
158
O Mundo Literário, abril de 1924.
159
O Mundo Literário, junho de 1924.
160
O Mundo Literário, julho de 1924.
161
O Mundo Literário, junho de 1924.
162
O Mundo Literário, julho de 1924.
37
Os dois autores mais anunciados eram Théo-Filho e Humberto de Campos. Eles representavam,
provavelmente, os carros-chefes de vendas de Leite Ribeiro.
163
Na publicidade, mereciam um
tratamento diferenciado, que consistia na divulgação das tiragens dos seus livros. Os volumes de
crônicas da série “Conselheiro X.X.”, de Humberto de Campos, começavam com tiragens de seis
milheiros e logo ganhavam reedições. 365 dias de boulevard estava no seu oitavo milheiro,
mas os dois grandes sucessos de Théo-Filho eram e essa tendência se confirmaria Dona Do-
lorosa e As virgens amorosas.
164
O argumento de vendas era a própria venda.
Havia uma certa emulação entre os dois literatos, que, no entanto, competiam por posições dife-
rentes. Enquanto Théo-Filho, talvez de personalidade menos grave que a de Humberto de Cam-
pos, havia ajudado a criar uma publicação formal, séria e mesmo árida, o outro era o fundador da
divertida A Maçã, “revista semanal, humorística, com a melhor colaboração literária do país, no
gênero de Le Rire, Le Sourire, La Bayonette etc.”.
165
Nessa época do Mundo Literário, Théo, em
meio ainda à redação dos próximos romances, arrumou tempo para brincar com o colega, lançan-
do A Banana, dirigida por “Madame Z.Z.”: “semanário amorístico, imitação do Fantasio, Le
Sourire e La Vie parisienne”.
166
A orientação editorial do Mundo Literário nada tinha a ver com o modernismo emergente. O apa-
recimento da revista Klaxon, dirigida por Mario de Andrade, em São Paulo, nesse mesmo ano do
centenário da Independência, foi recebido com desprezo, numa nota secundária:
Malgrado os ares de modernismo extremo, a revista Klaxon, que acaba de surgir em S. Paulo, mos-
tra-se, em matéria de arte, francamente conservadora, reacionária mesmo. A apresentação do pito-
resco mensário é, por exemplo, uma repetição sintética e muitas vezes superior ao original do
manifesto futurista de Marinetti, cousa que vem criando bolor, não menos de uns 15 anos, no
escaparate das bizarrices mundiais.
167
163
“Galeria dos colaboradores do Beira-Mar” in Beira-Mar, 28 de outubro de 1923, p. 4.
164
O Mundo Literário, junho de 1924.
165
O Mundo Literário, março de 1923.
166
Idem.
167
O Mundo Literário, junho de 1922, p. 258.
38
Não se podia acusar, contudo, O Mundo Literário de ser conservador. Durante seus três anos de
circulação, combateu as investidas do moralismo no campo das letras.
168
Leite Ribeiro sabia que
enfrentava a ira de intelectuais católicos como Carlos de Laet e o conde Afonso Celso, ao publi-
car obras de escritores como Chrysantheme, Humberto de Campos, Benjamim Costalat, Romeu
de Avelar etc. Théo-Filho era considerado pelo conservadorismo católico como “autor imoral”.
169
A tensão entre os escritores da Livraria Leite Ribeiro e os moralistas culminou no caso “Madame
Cosmópolis”. No final de 1924, os editores Costallat & Miccolis anunciaram o primeiro romance
do jovem Oswald Beresford, amigo de Théo-Filho:
É um livro desconcertante, pleno de contrastes brutais, de crudité atroz e, também, de estranhos e
imprevistos refinamentos. Há nele ainda, com um pronunciado sabor de exotismo e de aventura, um
pouco do cinismo canalha de Pitigrilli.
170
A reação veio através da “Liga pela Moralidade”, que acusava a obra de fescenina. A pressão foi
tanta, que Miccolis aceitou destruir uma tiragem, impressa, de três mil exemplares. Poucos
privilegiados, portanto, tiveram acesso ao conteúdo de Mme. Cosmópolis. Esse episódio ainda
terminaria tragicamente, com o suicídio do autor, em fevereiro de 1925.
171
***
Além do Mundo Literário, Théo-Filho ajudou a fundar uma outra revista mensal, a Nação Brasi-
leira, propriedade do político baiano Alfredo Martins Horcades.
172
Juristas importantes na cena
pública brasileira, Clovis Bevilaqua e Evaristo de Moraes exerciam funções de proa, respaldados
por um quadro de colaboradores representativo da intelectualidade nacional.
173
Théo-Filho, secre-
168
“Apreensão de livros” e “A campanha contra a imoralidade e o comércio de livros” in O Mundo Literário, setem-
bro de 1924, pp. 213-214.
169
“O Movimento Literário” in O Mundo Literário, fevereiro de 1925, p. 97.
170
O Mundo Literário, outubro de 1924.
171
“O homem que renunciou Triste fim de Oswald Beresford” in Beira-Mar, 8 de fevereiro de 1925, p. 3; THÉO-
FILHO, “A vida breve e trágica de Oswald Beresfordin Impressões transatlânticas, p. 139; MAGALHÃES Jr.,
Raimundo, Op. Cit., pp. 242-243.
172
Nação Brasileira, setembro de 1923.
173
No rol de colaboradores desde o primeiro número estavam, entre outros, ministro Viveiros de Castro, conde A-
fonso Celso, Rovha Pombo, Alberto de Oliveira, João Ribeiro, Xavier Marques, Aurelino Leal, general Tasso Frago-
só, Luiz Carlos, Gustavo Barroso, Alvim Horcades, Freire, Catulo Cearense, Pereira da Silva e Humberto de
Campos.
39
tário, estava à frente da redação.
174
Nação Brasileira se apresentava como uma revista de “ciên-
cias, letras, artes, política, atualidades, agricultura, indústria, comércio, finanças e economia soci-
al”. O principal da pauta, entretanto, era preenchido por assuntos de Estado, governo e política.
Naquela época, por exemplo, Evaristo de Moraes discutia o significado das propostas de Lênin e
Mussolini.
175
Nação Brasileira seria publicação longeva, na qual Théo-Filho logo assumiria a
posição de diretor, ao lado de Alfredo Horcades.
176
Nesse mesmo ano, 1923, entraram em circulação três terceiras edições de livros de Théo-Filho.
Anita e Plomark, aventureiros chegava pelas mãos de Benjamim Costasllat & Miccolis Edito-
res.
177
Não trazia mais nem a assinatura de Bédarieux nem o prefácio de Patrocínio Filho. As vir-
gens amorosas não paravam nos balcões das livrarias.
178
A história de Déa protagonista femi-
nina da estirpe dos Lacerda – havia conquistado o público. E finalmente reaparecia Dona Doloro-
sa, pela Livraria Leite Ribeiro, em edição “refundida”.
179
Permaneceu quase somente a novela de
noventa páginas do título do livro. Dos onze contos originais, sobrou apenas “Do diário de uma
mulher voluptuosa”. Um conto, retirado de Bruno Ragaz, anarquista,
180
e outros quatro, inéditos
em livro,
181
foram acrescentados. Para apresentar aos leitores esse que era praticamente um novo
título, foi escalado Agrippino Grieco.
182
Nesse prefácio à terceira edição de Dona Dolorosa, o crítico apontou uma das principais caracte-
rísticas da literatura de Théo-Filho, que estava na inclinação por temas proibidos, como patologi-
as sexuais e vícios diversos. Na lembrança de Grieco de 1910, o linotipista-poeta Constantino
Pacheco, do Correio da Manhã,
era o primeiro a estranhar, não raro, que o Sr. Théo-Filho (então ainda Theotonio Filho) mostrasse
um gosto tão forte pela pintura da canalhice civilizada. Por que diabo aquele meninote de cara ingê-
174
Nação Brasileira, fevereiro de 1924.
175
Nação Brasileira, outubro de 1923 e janeiro de 1924.
176
Nação Brasileira, março de 1930 e agosto de 1958.
177
THÉO-FILHO. Annita e Plomark, aventureiros. Rio de Janeiro, Benjamim Costallat & Miccolis Editores, 1923,
3
a
edição, 218 p.
178
THÉO-FILHO. As virgens amorosas. Rio de Janeiro: Livraria Leite Ribeiro, 1923. 3
a
edição, 354 p.
179
THÉO-FILHO, Dona Dolorosa. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, s/d, 5
a
edição, 270 p.
180
“O sapatinho”.
181
“A entrevista”, “Loucura”, “Paranóia” e “Aventura sinistra”.
182
GRIECO, Agrippino, “Prefácio da 3
a
edição” in THÉO-FILHO, Dona Dolorosa, pp. 25-41.
40
nua e de olhos como que assustados pelo vai-vem da metrópole (...) tivera a idéia de fazer-se funda-
dor e conservador de uma espécie de museu secreto das letras, cheio de figuras monstruosas que mil
chagas obscenas corroem?
183
À Cecília vampiro se juntavam, em Dona Dolorosa, Nair e seus desejos de loba insaciável, Jar-
bas e a tara pelos pés da mulher amada, Iva-Sebastião e o gosto pelos jogos sado-masoquistas
com cordas e mordaças etc. Havia nesses contos uma “libertinagem funebremente patológica”.
184
Théo-Filho, no entendimento de Agrippino Grieco, era “atraído pelo gosto do vício e por uma
depravação tanto mais perigosa quanto puramente literária”.
185
Não ficariam decepcionados com
o livro “os bibliófilos fesceninos que, indo nas pegadas do falecido Guillaume Appollinaire, fa-
zem a escrupulosa exegese das obras do marquês de Sade”.
186
O crítico temia, contudo, que essa inclinação acentuada para os temas da sexualidade e do desejo
se revelasse não mais que simples astúcia comercial.
Seria isso literatura autêntica ou seria apenas, visando fins de escândalo ou de proveito mercantil,
leitura quente para gente fria? O certo é que Dona Dolorosa obteve grande sucesso de venda. É co-
nhecido o pendor dos brasileiros pelos equívocos licenciosos. Uma anedota canalha faz-nos morrer
de riso (...).
187
Nesse sentido, também desconfiava da advertência do autor de que o livro não se destinava “às
alunas do pensionato que lêem, na Biblioteque-rose, os romances da condessa de Ségur”.
188
Em contrapartida, Agrippino defendia Théo-Filho da reação dos moralistas. Por um lado, aceitava
a indagação: “Não nos dará o autor, com as suas descrições complacentes das salafrarices galan-
tes da alta roda, o desejo de imitá-las? Descrever o mal assim com tanta arte embelezadora não
equivalerá a propagá-lo pelo exemplo?” Ao lidar com o problema, o crítico sabia, por outro lado,
discernir diferentes esferas da vida:
183
GRIECO, Agrippino, Op. Cit., p. 30.
184
Idem, p. 28.
185
Idem, p. 30.
186
Idem, p. 34.
187
Idem, p. 31.
188
Idem, p. 33.
41
(...) amigo da arte pela arte que sou, estou longe de aceitar a intromissão da moral em arte. Não me
indignei, por isso, ao ler as narrações picantes da Dona Dolorosa. Deixo que se indignem, quando
as lerem às ocultas, entre duas missas, os papalinos Celso e Laet, porque esses, sim, são capatazes
de almas, têm o encargo de zelar cerbericamente pela virgindade das leitoras piedosas.
189
Contra eles, argumentava que o livro tinha caráter científico. Era
obra de ciência, obra em que se diz tudo, na mais franca das linguagens. Descrevendo as moléstias
do sexo, não deseja o autor contagiar, contaminar ninguém, e, sim, apenas preservar, imunizar os
leitores por uma espécie de vacinação anti-romântica. Assim, Dona Dolorosa, que à primeira vista
parece uma antologia de torpezas, representará, a uma análise mais atenta, um trabalho de substân-
cia científica adaptado à literatura de ficção, no objetivo de tornar suportáveis, acessíveis a todos,
certas observações da psicopatologia que os profissionais ou os divulgadores inexpertos costumam
eriçar de nomes técnicos.
190
Uma única vez Théo-Filho se deu ao trabalho de responder à crítica moralista, num artigo sobre a
repercussão do romance As virgens Amorosas, publicado no primeiro número do Mundo Literá-
rio. Barbosa Lima Sobrinho o julgava frívolo como os seus próprios personagens e o acusava de
pregar, face à imperfeição de caráter dessas criaturas, “uma indulgência risonha e amoral”. Tris-
tão de Athayde, por sua vez, condenava-o como cultor da “mais mesquinha, da mais inferior, da
mais lamentável forma literária: a literatura de escândalo”. A essas acusações, Théo-Filho con-
trapôs os princípios do naturalismo, com ajuda de citações de Zola e Bernard:
Fiz o que deve fazer todo naturalista: transformei-me num médico que estuda um caso, investiguei
com um bisturi todas as partes de um corpo. (...) Ora, apresentando aos meus leitores o mundo fer-
vilhante dos nossos janotas e das nossas sestrosas, que haveria de eu fazer senão reproduzir os diá-
logos desses seres em toda a sua futilidade, em todo o seu colorido e em todo o seu despautério?
Frívolo não sou eu, frívolos são esses casquilhos e sécias que formam uma parte da nossa alta soci-
edade (...). (...) tal é a verdade, tal é o mecanismo dos fenômenos; compete à sociedade produzir ou
deixar de produzir esses fenômenos (...). Literatura de escândalo, a que fixa verdades, a que traz à
189
Idem, p. 32.
190
Idem, p. 33.
42
luz crua do dia, por métodos ineludivelmente científicos, as misérias, as torpezas humanas, os desli-
zes de uma sociedade cheia de falhas e aberrações?
191
***
A crítica de Agrippino Grieco à obra de Théo-Filho foi editada ainda em 1923, pela Livraria Lei-
te Ribeiro. Em Caçadores de Símbolos, o estudioso das letras reuniu pequenos ensaios sobre dez
escritores brasileiros: Pereira da Silva, Théo-Filho, Ronald de Carvalho, Tristão de Athayde,
Hermes Fontes, Enéas Ferraz, Luiz Carlos, J. Geraldo Vieira, Raul de Leoni e Renato Almeida.
192
Em trinta e quatro páginas, Grieco deixou o mais importante comentário registrado em livro que
se conhece sobre o escritor.
193
A publicação desse ensaio correspondia a um momento de ascensão de Théo-Filho nas letras bra-
sileiras, com a direção do Mundo Literário, a publicação dos primeiros volumes da “Crônica So-
cial” e a reedição de vários livros. O crítico, no entanto, consagrava o escritor pela criação de
Uma viagem movimentada. Aí, na sua opinião, ele se afirmava, “verdadeiramente, um escritor
notável, um dos nossos primeiros escritores vivos”. Nenhuma outra obra sua havia arrancado
tamanho elogio de Agrippino Grieco, que já se tornava, na época, temido profissional da crítica.
Sentimo-lo em plena luz merídia da inteligência criadora. Sentimo-lo na posse integral dos seus
dons de artista do verbo. É de ver a nitidez e o relevo com que ele descreve, nesse livro, a vida mi-
nuciosa de um transatlântico em marcha.
194
O retorno definitivo ao Brasil ainda era recente. O nome de Théo-Filho permanecia identificado
com as noções de cosmopolitismo e “transatlantismo”. Agrippino Grieco associava o caráter
cosmopolita do escritor à sua ascendência materna, identificada com o cangaço. A seu ver, “o
maior prazer do Sr. Théo-Filho seria, certamente, viver num bando nômade de gitanos”.
195
Daí a
191
“A propósito de Virgens Amorosas” in O Mundo Literário, maio de 1922, p. 72
192
GRIECO, Agrippino. Caçadores de símbolos – estudos literários. Rio de Janeiro: Editora Leite Ribeiro, 1923.
193
GRIECO, Agrippino, “Théo-Filho” in . Op. Cit, pp. 59-93.
194
GRIECO, Agrippino, Op. Cit, p. 66.
195
GRIECO, Agrippino, Op. Cit, p. 59.
43
vida movimentada, como sugeria o título do livro. Isso explicava, por exemplo, por que havia
deixado o Itamaraty. Fazendo referência a Stendhal e Eça de Queiroz, dizia que Théo
não mostrou o aferro desses dois mestres à sinecura diplomática e cedo mandou a "carriére" à fava,
entrando a cumular de sarcasmos o austero pessoal das embaixadas e das chancelarias, composto, a
seu ver, de senhores que tem lustro social nos sapatos, nos colarinhos e nos cabelos untados de
brilhantina...
196
O gosto pelas viagens, na interpretação de Grieco, era inseparável da sua literatura. O jornalista
viajava não apenas por prazer, “mas também, extremamente curioso que é, para documentar-se
sobre a psicologia internacional”.
197
Era necessária uma certa autoridade no assunto para produzir
ficção: “se o Sr. Théo-Filho não conhecesse como conhece a Europa, de modo algum poderia ter
trabalhado esses pitorescos volumes sobre canalhas ambulatórios, sobre aventureiros dos dois
mundos, que são "Annita e Plomark", "Mme. Bifteck-Paff" e "Bruno Ragaz"”.
198
As viagens pela
Europa, por sua vez, conectavam Théo-Filho ao ambiente balneário do mundo civilizado. Grieco
notava como ele era
seduzido pela Riviera, pela Côte d'Azur, por esses eternos bazares de elegâncias que funcionam, pa-
ra gáudio de uma numerosa clientela, sob a doçura do céu mediterrâneo. Atraem-no a Cannes dos
reis exilados e a Nice dos jogadores e das cortesãs, tão bem descrita pelo lirista epigramático que foi
Jean Lorrain.
199
Outro crítico, Lima Barreto, em crônica publicada na revista Careta, um ano atrás, admirava essa
característica do transatlantismo em Théo-Filho. Isso talvez ocorresse justamente por que a esse
respeito um era o avesso do outro:
Nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha bus-
car da ilha em que um naufrágio nos atirou. Toda a nossa ânsia está em ir para a Europa de qualquer
forma (...). Daí a nossa mania de viagens e sonhar com Nice e outros lugarejos mais feios do que o
196
Idem, pp. 60-61.
197
Idem, p. 61.
198
Idem, p. 62.
199
Idem, p. 61.
44
Canto do Rio. Nunca, na verdade digo, viajei; mas desejava muito viajar, por isso tenho grande in-
veja do Theo Filho que leva a viajar toda a hora e a todo instante. Este Theo, sem vintém no bolso,
leva daqui para Paris e de Paris para aqui. Não sei como ele consegue isto, pela razão muito simples
que, às vezes, me vejo em sérias dificuldades para descer de Todos os Santos até o Campo de
Sant’Ana. Theo não tem dessas angústias. Embarca num paquete e vai até a França. Nesse país,
passa anos e escreve excelentes livros de viagem, como o 365 dias de Boulevard e agora Uma Via-
gem Movimentada. (...).
200
Esse espírito de viajante, contudo, podia ser interpretado como desprezo pela própria terra. A-
grippino Grieco alertava para o risco de que os passeios internacionais lhe tivessem “obliterado
um tanto as características brasileiras” e o prejudicassem “no que concerne ao conhecimento da
ambiência do seu país e da "ânima" da sua gente”.
201
Ao mesmo tempo, Grieco ligava à sua ausência durante longo tempo no exterior a criação da len-
da em torno do escritor, “o fabrico de muitas novelas em torno à sua pessoa”. Com isso, “atribuí-
ram ao Sr. Théo-Filho uma longa série de dramas passionais e de belos crimes a fidalgo da Re-
nascença”. Reforçava essa imagem “o louro químico dos seus cabelos oxigenados” que “escanda-
lizou tanto os burgueses iletrados do Rio quanto a cabeleira verde de Baudelaire os burgueses
letrados de Paris”.
202
O crítico literário, desse modo, atualizava o conceito de Théo-Filho. As
excentricidades de artista não desapareciam, mas se acomodavam em algum lugar do passado de
um escritor ainda considerado jovem. No seu release para imprensa, em 1923, ele aparecia com
28 anos de idade.
203
Mas, a essa altura, na posição de diretor do Mundo Literário, era apresen-
tado como disciplinado profissional das letras. “Muito metódico, chova ou faça sol, produz todos
os dias, inevitavelmente, as suas três paginas”.
204
não era preciso tanto escândalo para vender livros. O próprio sucesso do autor realimentava
seu desempenho comercial. De nada adiantava a vigilância da crítica a esse respeito. Agrippino
Grieco compreendia essa ambigüidade. Ao apontar alguns defeitos em Théo-Filho, afirmava que
200
LIMA BARRETO, “Transatlantismo” in Vida Urbana, p. 278 (Careta, 8 de julho de 1922).
201
GRIECO, Agrippino, Op. Cit, p. 63.
202
Idem, 64.
203
“Galeria dos colaboradores do Beira-Mar” in Beira-Mar, 28 de outubro de 1923, p. 4.
204
GRIECO, Agrippino, Op. Cit, p. 92.
45
um deles era “o seu amor às grossas tiragens, às vitórias de balcão” “um defeito que, de tão
generalizado, já se tornou qualidade”. Ainda assim, o crítico voltava a advertir que “a vontade de
acumular pecúnia leva a fazer concessões ao gosto”: “Desconfie o Sr. Théo-Filho de certos admi-
radores, desconfie, especialmente, de certas admiradoras”.
205
Mas a sua insistência apenas servia
para demarcar a categoria de romancista popular a que pertencia o escritor.
Outro problema na obra de Théo-Filho, segundo a análise agripiniana, estava na sua opção pelos
ricos. “Só fala no pessoal de Botafogo, se ocupa com a gente rica (...) é deplorável que o Sr.
Théo-Filho circunscreva o seu forte talento à psicologia das classes altas.” Nesse aspecto, Grieco
via uma oposição entre o autor pernambucano e Lima Barreto um estava para a zona sul assim
como o outro estava para a zona norte do Rio de Janeiro. E provocava: “Por que o épico burguês
da estirpe Lacerda não obriga os seus personagens a passear pelos subúrbios? Por que fogem eles
dos bairros da miséria?”
206
Agrippino Grieco não procurou localizar influências na literatura de Théo-Filho. Não confirmava
a opinião corrente segundo a qual o escritor era “um discípulo de Bourget, de Prévost e de Lave-
dan”.
207
Abriu exceção para Abel Hermant,
208
autor de Os transatlânticos e Os trens de luxo,
assim mesmo porque o próprio escritor havia registrado, em Do vagão leito, seu elogio ao au-
tor francês. Théo-Filho o considerava, na época, “o mais interessante dos escritores modernos,
por ser o mais cosmopolita”.
209
Grieco também não discutiu a obra de Théo-Filho a partir das classificações de gêneros literários.
Todavia, sua crítica reforçava a observação de outros comentaristas, entre eles Povina Cavalcanti,
para quem a literatura théo-filhana era realista.
210
Grieco aprovava essa característica no escritor:
“(...) o Sr. Théo-Filho não poetiza e, logo, não falseia os seus tipos: dá-os exatamente como são,
sem ocultar-lhes os lanhos, as verrugas e as papeiras físicas ou morais”.
211
Ao mesmo tempo,
porém, atribuía esse realismo a uma limitação do escritor: a falta de criatividade. Fazia essa asso-
205
Idem, p. 87.
206
Idem, p. 88.
207
Idem, p. 71.
208
Idem, p. 72.
209
THÉO-FILHO, Do vagão leito à prisão, p. 53.
210
“O Movimento Literário – O perfume de Querubina Doria” in O Mundo Literário, fevereiro de 1925.
211
GRIECO, Agrippino, Op. Cit, p. 91.
46
ciação para defendê-lo da crítica moralista que desconfiava da sua predileção pela descrição dos
vícios e das taras sexuais:
(...) o Sr. Théo-Filho, que não tem quase imaginação criadora, que é incapaz de fantasiar cousa al-
guma, descreve apenas as cousas que e como as vê. Não é culpa dele se a vida citadina é um es-
petáculo tão pouco edificante. Sua arte é bem o espelho de que falou Stendhal, espelho que o ro-
mancista carregasse às costas e na qual fossem se refletindo todas as imagens de em torno, as gra-
ciosas e as desgraciosas, as belas e as horrendas, não cabendo a esse passivo refletor das formas do
meio ambiente o direito de desdenhar as imagens desgraciosas e horrendas, em favor das graciosas
e belas...
212
Agrippino apontava no escritor as competências de um bom jornalista: “É ele ainda dos que ob-
servam tudo diretamente, "in situ" (...) É dos que amam dar mergulhos na verdade”.
213
Retratava
Théo-Filho totalmente avesso ao estado de espírito romântico. Via um “escritor que compre-
ende o amor sem flama, sem entusiasmo, sem romantismo ou melhor sem romance...”.
214
Na
sua apreciação, era mesmo o autor de uma ficção realista, que “vê tudo sem emoção. Nele o tra-
balho de observar é uma função quase mecânica. (...) "Faire de la copie", eis o seu objetivo. É um
puro cerebral”.
215
***
O realismo de Théo-Filho isso talvez Agrippino Grieco ainda não tivesse percebido havia
começado a dar novos frutos depois que reencontrara o Rio de Janeiro. Com certeza, as viagens à
Europa continuavam a fornecer autoridade ao comentarista dos costumes. Mas a referência do
seu sucesso comercial havia se mudado para o Brasil moderno. Théo-Filho agora propunha histó-
rias passadas na atualidade da capital federal. Era assim nas Virgens amorosas, pretexto para o
jornalista acompanhar a agenda da visita dos reis da Bélgica:
216
passar em revista a preparação do
palácio Guanabara, comparecer ao desembarque, às festas, ao estádio do Fluminense para assistir
212
Idem, p. 84.
213
Idem, p. 92.
214
GRIECO, Agrippino, “Prefácio da 3
a
edição” in THÉO-FILHO, Dona Dolorosa, p. 27.
215
GRIECO, Agrippino. Caçadores de símbolos – estudos literários, p. 90.
216
Entre 19 de setembro e 17 de outubro de 1920.
47
à parada esportiva e amanhecer na praia de Copacabana para admirar os banhos. Era assim tam-
bém em Ídolos de barro, aparecido no início de 1924:
217
uma história passada no episódio da
derrubada do morro do Castelo, de memória recente, que levava o leitor das ladeiras estreitas de
habitações miseráveis aos corredores polidos dos palácios Monroe e do Catete. Ao reafirmar,
assim, a sua escolha pelo Rio de Janeiro, com a “Crônica Social”, Théo-Filho respondia à acusa-
ção de ser estranho à literatura nacional.
Nessa época, a propaganda anunciava a obra de Théo-Filho ora como “romances realistas”,
218
ora
como “romances naturalistas”.
219
Alguns resenhistas, como Peregrino Junior
220
e Oswald Beres-
ford,
221
filiavam sua literatura ao naturalismo. Em comum com alguns dos mestres naturalistas,
tinha pelo menos “a intenção do escândalo”.
222
Outros seguiam Povina Cavalcanti, que falava
apenas em realismo.
223
Nesses comentários geralmente a noção de realismo se combinava com a
de atualidade. Para Carlos Maul, o seu último trabalho era “uma narrativa atual, uma evocação da
existência tumultuária da hora que passa (...)”.
224
Na opinião de Carlos Ferraz, Ídolos de barro
são páginas da sociedade atual, com todos os seus vícios e seus defeitos. É a crônica da vida de cer-
tos parlamentares no nosso país. É rude às vezes pela aspereza de linguagem, mas é a realidade, a
copia fiel do que assistimos diariamente.
225
Ao discutir a abordagem do tema do amor e a descrição da mulher, Leal Guimarães notava essa
atualidade:
nos romances do Sr. Théo não há Ofélias desgrenhadas, não há conventos, nem desmaios cloróticos.
O amor dos seus personagens não passa da epiderme. Amam todos muito à moderna, sem apego ao
objeto amado. As suas figuras femininas são nossas conhecidas de hoje (...).
226
217
THÉO-FILHO. Ídolos de barro. Rio de Janeiro: Editora Livraria Leite Ribeiro, 1924, 416 p.
218
O Mundo Literário, junho de 1924.
219
O Mundo Literário, fevereiro de 1925.
220
“Leiam A Grande Felicidade” in O Mundo Literário, dezembro de 1922.
221
“Acaba de aparecer O Perfume de Querubina Doria” in O Mundo Literário, fevereiro de 1925.
222
“Antologia dos novos” in O Mundo Literário, junho de 1924, p. 126.
223
“O Movimento Literário – O perfume de Querubina Doria” in O Mundo Literário, fevereiro de 1925, p. 97.
224
“Idéias e Comentários – Ídolos de Barro” in O Mundo Literário, maio de 1924, p. 108.
225
“Ídolos de Barro” in O Mundo Literário, fevereiro de 1924, p. 110.
226
“Ídolos de Barro” in O Mundo Literário, março de 1924, p. 144.
48
Para o bem ou para o mal, a imagem de Théo-Filho se associava à idéia de modernidade. Opu-
nha-se ao passado, identificado com o sentimentalismo romântico. Carlos Ferraz confirmava essa
impressão:
Théo-Filho é um romancista moderno. Fugiu à novela sentimental para penetrar no terreno da ob-
servação da verdade natural e circunscrever-se à órbita positiva dos fenômenos sociológicos. Eis
porque os seus trabalhos procuram reproduzir o mundo real (...).
227
Contudo, se era moderno e realista, Théo-Filho não era modernista. Suas escolhas o afastavam do
pessoal da revista Klaxon. Era reivindicado pelos adversários do que se chamava, pejorativamen-
te, de futurismo. Leal Guimarães, por exemplo, recebia o seu novo livro como “uma nota de dis-
tinção e de elegância no meio da deliqüescência e da anemia futurista”.
228
Ídolos de barro era o trabalho mais politizado de Théo-Filho: a história do deputado federal Ce-
sário Lacerda e seu envolvimento com práticas assistencialistas, atos de corrupção em cumplici-
dade com outras autoridades, jogadas de especulação financeira em torno do desmonte do Castelo
e gestões para a desarticulação de uma tentativa de golpe de estado socialista, durante o governo
Epitácio Pessoa. Essa característica, no entanto, não representava uma tendência em sua literatu-
ra. A continuação da “Crônica Social de uma Família Brasileira” enveredou por outra direção
quando surgiu o quarto protagonista da saga dos Lacerda, o escritor Cláudio Dauro. Começava
uma fase autobiográfica.
O perfume de Querubina Doria chegou aos leitores no final de 1924.
229
Segundo a propaganda,
tratava-se de uma nova versão, “refundida”, da Tragédia dos contrastes.
230
O caráter autobiográ-
fico do romance não era assumido. Mas o herói (ou, antes, anti-herói) da trama apresentava o
mesmo perfil de Théo-Filho: o jovem escritor de sucesso e vida boêmia, tumultuada pelos amo-
res. Era a história do relacionamento impossível entre o jovem Cláudio Lacerda e madame Que-
rubina Doria, uma grande dama, esposa de um banqueiro. O tema da paixão pela mulher mais
velha podia corresponder ao caso com Nina Lopes, conforme sugeriria mais tarde João Rodolfo
227
“Ídolos de Barro” in O Mundo Literário, fevereiro de 1924, p. 110.
228
“Ídolos de Barro” in O Mundo Literário, março de 1924, p. 144.
229
THÉO-FILHO. O perfume de Querubina Doria. Rio de Janeiro: Editora Livraria Leite Ribeiro, 1924, 247 p.
230
THÉO-FILHO. Ídolos de barro, verso da folha-de-rosto.
49
de Carvalho.
231
Talvez Agrippino Grieco tivesse razão em relação às limitações inventivas de
Théo-Filho e houvesse no escritor uma tendência para embutir na ficção sua própria experiência
vivida. Talvez aí se encontrasse a fórmula do seu realismo literário.
O quinto romance da série, Quando veio o crepúsculo, escrito ainda nesse ano, era expressamente
autobiográfico.
232
As coincidências entre Théo-Filho e Cláudio Lacerda eram enfatizadas em
cada detalhe a cada momento da história. “Cláudio Lacerda alcançou o apogeu da glória literária,
como romancista desabusado e crítico sagaz de uma sociedade cheia de vícios e imperfeições”
lia-se logo nas primeiras páginas.
233
O escritor fez uma caricatura de si mesmo. Seu personagem
aludia, por exemplo, à “obrigação assumida perante o público de dar regularmente, todos os anos,
um romance de costumes ou um livro de patologia social”.
234
Desse procedimento resultou um
registro ímpar de como Théo-Filho via a si mesmo publicamente.
Sobre a intenção autobiográfica ele deixou pistas evidentes. Referiu-se a Cláudio como o próprio
autor do Perfume de Querubina Doria. Descreveu o rosto do personagem com traços retirados do
seu. Referiu-se, por exemplo, a
um monóculo que usava não por pedantismo, mas por ser extremamente míope e ter horror do pin-
ce-nez e traço singular nesse homem de espírito e de rara discrição – os cabelos tingidos de acaju
desmaiado, bizarrice que não podia passar sem surdos clamores numa cidade aldeola como o Rio de
Janeiro. "Quer imitar Baudelaire, que os tingia de verde", dizia-se, com azedume.
235
Auto-retratou não só aspectos físicos, mas também os próprios sintomas clínicos. Sua criação se
queixava, por exemplo, de “um organismo solapado por minazes moléstias destruidoras. Sofria
muito do fígado, desde que se entregara ao abuso da cocaína, vício que perdera em tempo”.
236
Sim, porque agora, pelo menos, “tendo passado a quadra gica dos trinta anos”, Cláudio havia
se regenerado: “tornara-se completamente diverso do que fora o doidivanas da sua ardente juven-
231
“Um perfil de Théo-Filho” in Beira-Mar, 3 de agosto de 1930, p. 3.
232
THÉO-FILHO. Quando veio o crepúsculo. Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribeiro, 1926, 239 p.
233
THÉO-FILHO. Op. Cit., p. 7.
234
Idem, p. 16.
235
Idem, p. 21.
236
Idem, p. 22.
50
tude morta”.
237
Era um escritor com quinze títulos publicados e dono de um matutino (lançado, é
verdade, com o capital de seu irmão, Justino). Falava com desenvoltura sobre preços de livros,
tiragens, direitos de publicação e outros aspectos do mundo editorial. A editora dos livros de
Cláudio Lacerda era a “Livraria do Mundo Literário”, situada precisamente no endereço da sede
da Livraria Editora Leite Ribeiro, “esquina da rua Bethencourt da Silva com 13 de Maio”.
238
Em torno da Livraria descrita em Quando veio o crepúsculo, Théo-Filho produziu algumas pági-
nas sobre a gente da literatura no Rio de Janeiro desses primeiros anos 20. Na maioria das vezes,
usava os nomes reais. Do círculo de amigos, apresentava três colegas escritores: “Benjamin Cos-
tallat, o sensacionalista repentinamente transformado em editor e firma comercial”; “Humberto
de Campos, proprietário impertinente e sardônico de uma revista de sucesso galante” e “Peregri-
no Junior, o cronista da Vida Fútil, citado de preferência com Waldemar Bandeira e o marquês de
Denis”.
239
Da antiga geração, homenageou “Pereira da Silva, o poeta amigo que procurava na
penumbra dos canteiros a inspiração para os seus versos melancólicos, cheios de uma tristeza
angustiosa e de uma horrível desilusão da vida”.
240
Depois de uma reunião com seus editores,
Cláudio observava, no interior do estabelecimento, em franca tertúlia,
Agrippa Gregório, que acabava de chegar em companhia do poeta Pereira da Silva, do panfletista
Paulo Silveira, do crítico de arte Ronald Carvalho e do ensaísta Renato de Almeida. Os cinco discu-
tiam acaloradamente acerca dos futuristas, denominação que andavam dando, erradamente, aos es-
critores modernistas (...).
241
Do lugar onde estava podia fornecer, em estilo de coluna social, um painel do momento literário
da cidade naquele ano.
Uma atriz conhecida, Ítala Ferreira, com o seu formoso corpo de amazona e o seu sorriso cínico e
cético, comprava a Tentação de Eva, de Mozart Monteiro, ao lado de Zilah Monteiro, a poetisa re-
porterwoman que acabava de lançar Sugestões do Silêncio. Uma menina de físico desenvolvido, de
237
Idem, p. 20.
238
Idem, p. 123.
239
Idem, p. 127.
240
Idem, p. 28.
241
Idem, p. 129.
51
rosto pálido onde brilhavam dois olhos de romântica, folheava Mulher nua, de Gilka Machado, o-
lhando, de soslaio, uma brochura de Romeu de Avellar, o qual acabava de ingressar estrondosamen-
te nas letras, publicando Os devassos, livro demolidor cheio de fel e de verdade crua. Aliás, pouco
adiante, esse mesmo Romeu de Avellar derrengava-se para uma loura curva, muito conhecida das
rodas artísticas pela singularidade de não passar sem duas gramas de cocaína por dia, ultimamente
enleada num namoro discreto com Odilon Azevedo, o magnífico regionalista do Macegas. Harold
Daltro, o grande poeta dos gatos da cidade, diretor de uma revista de alta cavação cultural, impeca-
velmente vestido de cinzento, passeava entre duas senhoras de branco o seu sorriso ingênuo, cheio
de mocidade e de sensualismo desbragado. Uma roda de gagaistas impedia a circulação na parte do
recinto a que se dava pitorescamente o rótulo de "vestíbulo futurista" ou "vestíbulo das mordidelas"
e onde às vezes Graça Aranha parava a distribuir apertos de mão aos discípulos da sua metafísica e
aos novíssimos que não poucas vezes lhe suplicavam jantares e auxílios pecuniários (...).
242
Ainda outros escritores se encontravam na Livraria.
Num ângulo do balcão central, um grupo de médicos ouvia a exposição de uma nova teoria sobre o
absurdo ante a qual, ineludivelmente, o alienista Juliano Moreira teria de se curvar e abrir as por-
tas do casarão da Praia Vermelha: Mendes Fradique conseguira, com efeito, levar ao auge a desor-
dem humorística, o contra-senso hilariante e o sense of houmour no seu último livro aparecido na-
quele dia. Em outra roda conversavam Alfredo Horcades, o yankee terrível da Nação Brasileira,
muito vermelho, a proclamar as maravilhas das doutrinas de Ford, o seu ídolo, o seu mestre na vida;
Mme. Chrysantheme, a escritora das cocaínas e das morfinomaníacas, a sagaz observadora de uma
sociedade corrompida e viciada; Evaristo de Moraes, o grande criminalista, o formidável advogado
cuja voz trazia caudais de imagens e de lógica destruidora, cujo gênio oratório era quase lendário;
Adelino Magalhães, o precursor do modernismo brasileiro, organizando programas para as suas
Vesperais de Cultura; Terra de Senna, o blaguista esfusiante, descobrindo, a propósito da revolução
do Rio Grande do Sul, que, no ano do centenário da independência ou morte havia ainda pendência
ao sul... e Gilberto Amado, o prosador dannunziano, desdenhoso da turba, todo recolhido na sua tor-
re de marfim.
243
242
Idem, pp. 135-136.
243
Idem, pp. 142-143.
52
A familiaridade com o mundo da literatura não representava, todavia, satisfação com a carreira.
Quando veio o crepúsculo era a história triste de um escritor que fracassa duplamente. Na tentati-
va de colocar para circular um grande jornal no Rio de Janeiro, se vê obrigado a liquidar os direi-
tos autorais de toda sua obra e, ainda assim, vai à ruína. No desejo de viver em companhia da
mulher amada, se impedido pelo poder das convenções sociais. No fim, Cláudio Lacerda
um tiro na cabeça.
***
A morte do personagem autobiográfico de Théo-Filho não seria surpresa para os leitores quando
o livro chegasse às livrarias. Desde o lançamento de O perfume de Querubina Doria, era anunci-
ado, na sua seqüência, “o fim trágico de Cláudio Lacerda”.
244
Por essa mesma época foi aberto um concurso pelo conhecido semanário Fon-Fon: “Quais os
maiores brasileiros vivos?”.
245
Os leitores podiam votar em dezessete categorias. As artes abran-
giam seis: escritor, poeta, artista (artista plástico), músico (compositor e intérprete), cantor e ator.
A área técnico-científica integrava sábios, engenheiros, médicos e inventores. Ainda havia lugar
para estadistas, militares, jurisconsultos, industriais, financistas e educadores. Todos os esportes
estavam reduzidos a uma só categoria: “sportman”.
Eram animados os concursos promovidos por jornais e revistas nesse período de afirmação da
imprensa empresarial. Duravam meses e preenchiam ginas. Os editores queriam era vender
mais e aumentar as tiragens. Não havia controle sobre quantas vezes cada eleitor votava. Para
participar bastava comprar exemplares. Com isso, abria-se espaço para verdadeiras campanhas
em torno de alguns candidatos com mais chances. No fim das contas, esse tipo de jogo tendia a
ser decidido pelo poder de compra. Os resultados, portanto, estavam longe de espelhar a distribu-
ição da preferência do universo de leitores. Mas não podiam ser inverossímeis a ponto de com-
prometer a confiabilidade do periódico. Deviam satisfazer mais ou menos às expectativas dos
assinantes. Assim, por exemplo, nessa promoção do Fon-Fon, não havia dúvida a respeito do
244
THÉO-FILHO. O perfume de Querubina Doria, última página.
245
Fon-Fon, 3 de janeiro a 14 de março de 1925. Grato a Bert Barickman por esta referência.
53
campeão isolado na categoria inventor: Santos Dumont. Outros nomes eram obrigatórios entre os
finalistas: Antonio Parreira, Rodolfo Bernardelli e Baptista da Costa; Guiomar Novaes, Francisco
Braga e Villa-Lobos; Leopoldo Froes, Procópio Ferreira e Ítala Fausta; a cantora Bidu Sayão, o
engenheiro Paulo de Frontin, o médico Miguel Couto e o estadista Epitácio Pessoa. Na categoria
poetas, apareciam nomes que logo cairiam no esquecimento: Alberto de Oliveira, Hermes Fontes,
Catulo Cearense, Olegário Mariano e Luis Carlos. Na categoria escritores, a distribuição dos vo-
tos pode ser estimada pela tabela apresentada a seguir. Os vinte e cinco primeiros colocados re-
presentavam mais de 90% dos votos, embora fossem menos de 20% do universo de escritores
votados.
FON-FON, 1925 – QUAIS OS MAIORES ESCRITORES BRASILEIROS VIVOS?
1
o
Coelho Netto 19.556
2
o
Gustavo Barroso 15.544
3
o
Oliveira Lima 11.010
4
o
Medeiros e Albuquerque 10.078
5
o
Afonso Celso 5.122
6
o
Magalhães de Azeredo 3.330
7
o
Théo-Filho 1.536
8
o
Benjamim Costallat 1.154
9
o
Alberto Rangel 900
10
o
Alcides Maia 757
11
o
Rodolpho Theophilo 320
12
o
Martins Capistrano 317
13
o
Álvaro Reis 307
14
o
Afrânio Peixoto 298
15
o
Viriato Correia 288
16
o
João Ribeiro 270
17
o
Antonio Austragésilo 245
18
o
Xavier Marques 238
19
o
Carlos de Laet 221
20
o
Monteiro Lobato 207
21
o
Graça Aranha 168
22
o
Antonio Torres 133
23
o
Fabio Avellar 85
24
o
Ramiro Gonçalves 80
25
o
Humberto de Campos 76
Fonte: Revista Fon-Fon, 14 de março de 1925.
54
Na faixa dos dez primeiros colocados ocorreu, em contraste com o restante, uma acentuada dife-
rença de votos entre cada um dos candidatos. Essas defasagens obedeciam à lógica da corrida por
números que esse tipo de concurso adquiria ao longo da sua promoção. Mas nem por isso perdi-
am significado. Coelho Netto disparado na frente correspondia ao afeto do público pelo famoso
representante da velha geração. Gustavo Barroso em segundo lugar podia ter sido ajudado por sua
condição de diretor do Fon-Fon. Magalhães de Azeredo, poeta e fundador da Academia Brasilei-
ra de Letras, sexto lugar, recebeu quase todos os seus votos nas últimas semanas do concurso.
Significativas eram também as ausências. Raros paulistas, como Monteiro Lobato, foram citados.
Os modernistas também ficaram de fora. Graça Aranha teve pouca votação para a evidência que
tinha na cena intelectual brasileira. Ronald Carvalho teve apenas dez votos entre os poetas. Os-
wald e Mario de Andrade nem sequer foram lembrados. Mas havia falta de outros. Humberto de
Campos, eleito para a ABL, parece que não estava preocupado em fazer campanha. Escritoras
conhecidas no Rio de Janeiro, como Julia Lopes de Almeida e Maria Eugenia Celso, tiveram vo-
tação inexpressiva. Também não apareceu Mme. Chrysantheme, embora seus livros recentes es-
tivessem em circulação.
Apesar das lacunas e dos exageros, a apuração do concurso de Fon-Fon apontava aproximada-
mente o lugar de Théo-Filho naquele momento da literatura brasileira. Junto com Benjamim Cos-
tallat, era o representante da nova geração entre os escritores mais lembrados. Apresentava-se,
então, com trinta anos de idade. Continuava um jovem escritor jovem sobretudo para a quanti-
dade de livros publicados e para o renome que havia alcançado.
Foi no auge da popularidade, portanto, que Théo-Filho resolveu mudar. Ao matar Cláudio Lacer-
da, ele sacrificava uma parte de si. Morria o escritor identificado com a vida noturna, a freqüência
às prostitutas, o consumo de drogas e a agitação irresponsável. Terminava a “Crônica Social de
uma Família Brasileira”. Em abril de 1925, saiu o último número do Mundo Literário.
246
A Li-
vraria Editora Leite Ribeiro tinha novos sócios e cedo seria incorporada por Freitas Bastos. Em
maio, a convite do empresário Manoel Nogueira de Sá, Théo-Filho assumiu a redação de Beira-
Mar.
247
Havia dois anos, tinha sido empossado oficial de secretaria no Ministério do Interior.
248
246
O Mundo Literário, abril 1925, N. 36, Ano IV, Vol. XII.
247
Beira-Mar, 3 de maio de 1925.
248
“Théo-Filho” in Beira-Mar, 23 de dezembro de 1923, p. 2.
55
Logo estaria estabelecido num “bungalow” à rua Prudente de Morais, iria se casar com a nadado-
ra Erna Achtmeyer e lançaria um novo livro, Praia de Ipanema.
***
A virada para a praia representaria a grande inflexão na trajetória de Théo-Filho. Sua produção
literária seria reorientada por essa nova posição ligada à vida balneária. Sua produção jornalística,
à frente de Beira-Mar, ganharia importância no debate sobre os costumes urbanos e estabeleceria
um lugar ímpar na imprensa carioca. Ia surgir o arauto da praia o intelectual dedicado a defen-
der a orla, os banhos e a festa dos corpos sob o sol.
A escolha balneária, contudo, colocava a imagem pública do escritor diante de uma contradição.
A vida saudável à beira-mar, de ares e águas tonificantes, de práticas matinais e desportivas, na
claridade das areias, não combinava com a fama de boêmio, associada à noite, recintos mal ilu-
minados, álcool, fumaça, cocaína, cabarés, shows de strip-tease e “patologias sexuais”. A pro-
messa de felicidade contida no programa da praia não casava com a canalhice mórbida do mundo
real descrito nos seus romances. A nova posição em defesa da praia, dos banhistas e das famílias
de Copacabana obrigava Théo-Filho a uma mudança de comportamento. Assim, a própria opção
pela praia devia ser interpretada como uma declaração de rejeição ao passado pândego da juven-
tude inconseqüente. Mas não bastava a mudança de endereço. O casamento seria uma demonstra-
ção mais sólida da regeneração.
A mudança de vida, todavia, não representava uma ruptura com a imagem até então construída.
Théo-Filho estava longe de renegar o passado. Apenas atualizava a lenda para adequá-la ao novo
papel que desempenhava. Sua experiência continuava a valer, mas já com novos significados.
Isso ocorria com seu retrospecto comumente atacado pelo moralismo. Os excessos que no passa-
do produziram escândalo com certeza ainda podiam gerar suspeita entre as famílias. Mas as suas
posições liberais a respeito de costumes, cultivadas no conhecimento do mundo real dos diverti-
mentos proibidos, não eram incompatíveis com a estratégia de aumentar o uso das praias oceâni-
cas pelos cariocas. Em especial, a posição de Théo-Filho a favor da tendência à diminuição do
56
tamanho das roupas de banho de mar seria importante na resistência dos banhistas à reação mora-
lista dos anos 20 e 30.
Sua longa permanência na Europa redobrava de valor. O Brasil encantado com a França encon-
trava em Théo-Filho a orientação segura do viajante experimentado. Era uma referência de cos-
mopolitismo. Em particular, a familiaridade com o mundo balneário europeu o transformava em
autoridade no assunto. Renovava-se o interesse das suas passagens pela Côte d’Azur. Suas tra-
vessuras pelos cassinos poderiam ser reinterpretadas como vivência balneária, principalmente na
Copacabana dos anos 30, quando anunciavam em Beira-Mar os dois cassinos do bairro, em fran-
co funcionamento.
A identidade com a praia não se prendia, exclusivamente, à experiência internacional. Seu conhe-
cimento das praias brasileiras de Recife, Olinda, Santos e Rio de Janeiro não devia ser igno-
rado quando foi chamado para capitanear o jornal praiano. Mas também é possível que tenha, nas
Confissões, de 1939, exagerado retroativamente a importância dos episódios balneários. De todo
modo, se não era estranho à praia, não se podia dizer que essa fosse sua marca distintiva em
1925.
Distinção maior e mais importante do ponto de vista do cargo de editor da imprensa copacaba-
nense – estava na sua afinidade com o mundanismo. A “haute gomme”, o “grand monde”, o “cer-
cle”, a “aristocracia”, a elite, enfim, era a categoria de gente à qual pertencia. Nesse aspecto,
Théo-Filho ocupava mesmo, como sugeriu Agrippino Grieco, uma posição diametralmente opos-
ta à do seu estimado colega Lima Barreto. A identificação inequívoca com a classe alta era requi-
sito indispensável ao porta-voz da Copacabana do tempo dos palacetes. Os heróis da “Crônica
Social de uma Família Brasileira” residiam em Botafogo. Era uma questão de atravessar o tú-
nel.
A inserção profissional combinava com essa identidade de classe. Como jornalista, havia traba-
lhado na redação das colunas sociais, por onde passaram outros literatos, entre eles João do Rio.
Se era preciso ser da imprensa para editar Beira-Mar, Théo-Filho tinha a vantagem de pertencer a
essa especialidade. Faria sem dificuldade o papel de um Figueiredo Pimentel ou Waldemar Ban-
57
deira. Além disso, deve ter contado a favor de sua contratação a experiência de quinze anos no
mundo editorial, que lhe conferia acesso privilegiado a uma rede de pessoas, fontes, escritores,
jornalistas e outros profissionais, necessária à vida da imprensa.
Mais que o jornalismo, a carreira de romancista de sucesso lhe dava credenciais de sobra para
exercer a posição de editor de Beira-Mar. A popularidade de Théo-Filho era a grande aposta do
proprietário do jornal. O objetivo de M. N. de era expandir a circulação. Na verdade, era Bei-
ra-Mar que se promovia ao adotar Théo-Filho e não tanto o contrário. O Mundo Literário dava
mais prestígio intelectual que o jornalzinho balneário. Portanto, estava em jogo, igualmente, uma
aposta do escritor, e uma aposta arriscada, nessa pequena aventura editorial.
O requisito mais difícil para redator-chefe do semanário da praia Théo-Filho preenchia: a identi-
ficação com a juventude. Não importava que o artista tivesse adentrado já os trinta anos de idade.
A imagem do jovem escritor havia se fixado. O passar dos anos apenas reafirmava a idéia da sua
mocidade. À medida que lançava livros, um atrás do outro, o público se espantava com a dimen-
são da obra de um romancista tão moço. No aspecto etário, Théo-Filho ocupava posição oposta à
do seu colega da Livraria Leite Ribeiro, Humberto de Campos, um pouco mais velho, mas já de-
bilitado de saúde, criador do Conselheiro X.X., um personagem setuagenário. Enquanto Anita,
Plomark, Bruno Ragaz, Dona Dolorosa, os irmãos Lacerda, todos tinham menos de 30. Ainda
nesse aspecto, Théo-Filho se distinguia de Coelho Netto, um intelectual que tematicamente pode-
ria competir pelo mesmo lugar. Apólogo dos esportes e da vida ao ar livre, o consagrado escritor,
contudo, já havia passado a barreira dos 60 anos de idade. Théo-Filho, embora não se notabilizas-
se pelo desempenho atlético, estava em melhores condições para se comunicar com a nova gera-
ção. Apesar de não pertencer ao mesmo grupo literário, seria sucessor de Coelho Netto no esforço
de propagação do “mens sana in corpore sano”.
Como vários outros escritores, Théo-Filho havia granjeado a simpatia do público feminino. Seus
dois maiores sucessos de venda eram protagonizados por personagens femininas: Cecília, de Do-
na Dolorosa, e Déa Lacerda, das Virgens Amorosas. A forma realista de abordar o tema sexual,
sem ser grosseiramente pornográfica, devia favorecer essa preferência. A identificação com as
leitoras era capital para o editor de um periódico que se apresentava como defensor das banhistas.
58
Boa parte do público da praia era de senhoras e “senhorinhas”. O sucesso dependia de como Bei-
ra-Mar lidasse com as “sereias”. Era preciso alguém que circulasse entre elas com desembaraço.
A identificação de Théo-Filho com o Rio de Janeiro ainda era recente. Apenas nos cinco últimos
anos a sua literatura tinha retornado à crônica da cidade. Em compensação, o lugar da cidade que
agora definia o interesse do seu jornalismo, bairro tão jovem quanto o escritor, não exigia raízes
na tradição. Copacabana era novidade e Théo-Filho continuava ligado a tudo que era novo, atual
e moderno na esfera urbana.
Por fim, a identificação com o mundo dos divertimentos reunia as outras faces da sua imagem.
Théo-Filho, nessa perspectiva, podia ser descrito como um homem liberal em questões de costu-
mes, cosmopolita, viajado, conhecedor dos prazeres de Paris, freqüentador da alta roda, dos cas-
sinos, balneários e transatlânticos, jovem aventureiro, jornalista intrépido, romancista famoso,
amante da literatura, das mulheres, da praia de Copacabana e das coisas boas da vida.
.
59
2 – O CÍRCULO DE THÉO-FILHO
Quando Théo-Filho foi contratado, em maio de 1925,
249
Beira-Mar era uma publicação conso-
lidada. Saía a cada dois fins-de-semana, regularmente. Caminhava para completar o terceiro ano
de circulação. Não era uma aventura, como tantos periódicos que não conseguiam ultrapassar as
primeiras edições. Contava com uma considerável carteira de anunciantes e o prestígio de gran-
des nomes da literatura nacional de então, como Goulart de Andrade, Olegário Mariano, Cláudio
de Souza
250
e o próprio Théo-Filho.
251
Era o órgão de imprensa bem sucedido da região emergen-
te de Copacabana.
O ingresso de Théo-Filho no Beira-Mar desencadeou o entrelaçamento de duas trajetórias de vida
muito distintas, em certos aspectos até mesmo contrastantes: de um lado, o artista dependente da
fama; de outro, o empresário avesso à publicidade do próprio nome. Era sob essa forma abreviada
M. N. de que Manoel Nogueira de Sá encabeçava o expediente do jornal.
252
Jamais assi-
nou texto. Proibia aos redatores qualquer menção à sua vida privada.
253
Era tão discreto que ape-
nas escassas referências restaram a respeito de sua existência.
Apesar desse caráter reservado, M. N. de foi um cidadão muito conhecido em Copacabana.
na primeira década do século XX, havia se fixado como um estimado comerciante, popularmente
chamado Seu Manoelzinho, “figura das que mais trabalharam para tornar a vida agradável aos
249
3 de maio de 1925, p. 2 e cabeçalho da capa. (Exceto indicação em contrário, todas as referências deste capítulo
pertencem a Beira-Mar).
250
Por exemplo: Goulart de Andrade, “Copacabana”, 28 de outubro de 1922 (n
o
1), p. 2; Olegário Mariano, 7 de
dezembro de 1924; Cláudio de Souza, 6 de janeiro de 1924.
251
“Galeria dos colaboradores do Beira-Mar”, 28 de outubro de 1923 (edição de aniversário), p. 4; THÉO-FILHO,
“Na alegria matinal do banho de mar”, 28 de outubro de 1923, p. 14.
252
28 de outubro de 1922, cabeçalho da capa.
253
18 de março de 1933, capa.
60
moradores de Copacabana, então ainda quase despovoada e com um reduzido número de habita-
ções. Ele estabeleceu na parte central do bairro o seu armazém denominado Bon Marché. Ali
havia de tudo, pronto sempre a fazer esquecer a distância existente entre a cidade e o bairro”,
254
conforme lembrava um antigo copacabanense, por ocasião do primeiro aniversário de Beira-Mar.
Nogueira de Sá, português, nascido em 1884, havia chegado ao Brasil com nove anos de idade e,
aos dezoito, pelo menos, morava em Copacabana, onde constituiu família, com D. Florinda, e
teve dois filhos, Justino e Antonio.
255
M. N. de era um homem de negócios com raio de influência local. Em 1904, inaugurou o seu
mercado num sobrado da praça Malvino Reis, esquina da rua do Barroso com a rua de Copacaba-
na,
256
primeiro com o nome de “O Grande Barateiro de Copacabana”, dois anos depois com a
marca definitiva “Au Bon Marché”. Esse armazém era o seu principal negócio, a casa comercial
com que ficou identificada a sua imagem por toda a vida. Outros dois estabelecimentos comple-
tavam, com o jornal, o seu arco de empreendimentos: a Farmacia Copacabana, num prédio contí-
guo ao Bon Marché, e o Café Pernambuco, na esquina em frente.
257
Sua inserção em Copacabana não se limitava, contudo, ao aspecto estritamente comercial. Os
assuntos corporativos também mobilizavam a sua atenção. Tinha representatividade entre os co-
merciantes da região. Participava dos acontecimentos oficiais de interesse do bairro. Esteve à
frente, por exemplo, da realização do recenseamento da região, pelo qual foi condecorado. Tam-
bém teve assento nas reuniões de uma Comissão de Melhoramentos de Copacabana, convocada
na gestão do prefeito Serzedello Correia.
258
Além do mundo dos negócios, M. N. de Sá tinha prestígio nos círculos católicos do bairro. Parti-
cipou da fundação da irmandade do Bonfim, de cuja capelinha foi tesoureiro. Esteve engajado,
254
Mario de Lima Barbosa, “Copacabana”, 28 de outubro de 1923, p. 5.
255
Américo da Veiga, “Copacabana à luz da história”, 18 de fevereiro de 1933, p. 6; 11 de abril de 1929, p. 2; 12 de
agosto de 1944, capa.
256
Praça Serzedello Correia, esquina da rua Siqueira Campos com avenida Nossa Senhora de Copacabana.
257
“O aniversário de "Au Bon Marché" e um pouco da vida de Copacabana”, 4 de julho de 1942, p. 7; 12 de agosto
de 1944, capa.
258
Nelson do Nascimento, 28 de outubro de 1944 (edição de aniversário), p. 14.
61
igualmente, na criação da Matriz de Nossa Senhora de Copacabana. Organizou, incentivou e di-
vulgou várias ações com fins de assistência social, promovidas pela igreja.
259
M. N. de era uma espécie de empreendedor-benfeitor, um homem voltado para a prosperidade
da sua região, a de Copacabana, Ipanema e Leme, a “CIL”. Muitas de suas ações tinham interesse
para a municipalidade. Era o caso do seu envolvimento na questão balneária. Participou das pri-
meiras tentativas de implementação de um serviço de salvamento de banhistas na praia de Copa-
cabana, antes do estabelecimento do serviço regulamentar municipal, em 1917: a Sociedade de
Socorros Balneários, entre 1900 e 1908, e a Sociedade de Sauvetage de Copacabana, a partir de
1911, na qual também desempenhou o papel de tesoureiro.
260
A preocupação com os divertimentos era outro traço de sua concepção de conforto para os habi-
tantes dos arrabaldes praianos. Foi o empresário a explorar o primeiro cinematógrafo da região, o
Cinema Copacabana, que funcionou em 1910, ao lado do Bon Marché, onde mais tarde seria a-
berta a farmácia. “A sala das sessões, que era no sobrado, e a sala de espera, que era na loja, fica-
vam apinhadas”.
261
Contudo, o negócio foi mal-sucedido e M. N., no fim das contas, “perdeu
capitais”.
262
Também ajudou a fundar o Copacabana Club, em 1913.
263
Tomava parte em peque-
nas iniciativas, como ocorreu em 1914, quando liderou um abaixo-assinado entre os moradores
pela instalação de um coreto na praça central de Copacabana.
264
A criação de uma imprensa local, em 1922, integrava, portanto, um conjunto de atividades que
constituía toda uma obra, orientada para o progresso de Copacabana. A partir de Beira-Mar, M.
N. de Sá construiu um meio de comunicação capaz de fazer circular uma variada gama de inte-
resses, que operou por mais de vinte anos. O jornal favoreceu a atuação de seu proprietário nos
assuntos que julgava estratégicos para o desenvolvimento da região, desde a assistência social à
organização do comércio. Assim, em 1932, Nogueira de participou da fundação da Casa do
259
28 de outubro de 1933 (edição de aniversário), p. 76; 12 de agosto de 1944, capa.
260
“O Sr. Rômulo Braga em entrevista ao Beira-Mar”, 28 de outubro de 1933, p. 34; 4 de julho de 1942, p. 7; 12 de
agosto de 1944, capa; 28 de outubro de 1944, p. 14.
261
28 de outubro de 1923, p. 5.
262
12 de agosto de 1944, capa.
263
28 de outubro de 1944, p. 14.
264
“De Copacabana” in Gazeta de Notícias, 25 de abril de 1914, p. 2.
62
Pobre de Copacabana, de cujo conselho fiscal foi membro.
265
Em 1934, inaugurou os trabalhos
da Associação Comércio e Indústria de Copacabana, da qual foi vice-presidente por dez anos.
266
Através do Beira-Mar também ajudou a animar a vida dos clubes praianos, como o “Atlântico
Club” e o “Praia Club”, dos quais foi sócio-fundador, além promover festas, provas desportivas,
banhos de mar à fantasia e concursos de beleza.
267
M. N. de não teve participação importante em política partidária. No início, procurou preser-
var Beira-Mar “expungido, de modo irredutível, de tudo quanto possa interferir em coisas de
política”.
268
Nos anos 30, contudo, cedeu pelo menos parcialmente às injunções da sua adesão ao
Partido Autonomista,
269
então articulado para lutar pela independência legislativa do município
do Rio de Janeiro em relação ao governo federal. Nas eleições de 1934, por meio do Beira-Mar,
chegou a apoiar “o comandante Amaral Peixoto e o dr. Alceu de Carvalho”,
270
candidatos à Câ-
mara Municipal. Também pertenceu à Ação Integralista Brasileira. O núcleo integralista local
chegou a ter sede nos escritórios do Bon Marché.
271
Mas praticamente não usou o jornal para
fazer propaganda da organização. Partidos e movimentos políticos tinham geralmente amplitude
distrital ou nacional, enquanto a prioridade, na sua hierarquia de importância, estava em Copaca-
bana. Assim, mais relevantes que sua presença nas disputas de poder centrais foram suas relações
com as instituições locais, o comércio, a igreja, as entidades de classe, as associações de caridade,
o posto de assistência médica, o posto de salvamento, a colônia de pescadores, o distrito policial,
as escolas, os clubes sociais, os clubes desportivos, os cinemas etc.
Eram esses os interesses que se cruzavam na praça Serzedello Correia n
o
22, no segundo andar do
sobrado, onde funcionavam os escritórios do Au Bon Marché e a redação do Beira-Mar. Para
algumas organizações que não tinham sede própria e que contavam com o seu apadrinhamento,
M. N. de emprestava essas instalações. Ali se reuniu a rapaziada da Liga de Amadores de Fo-
265
4 de julho de 1942, p. 7; 12 de agosto de 1944, capa; 28 de outubro de 1944, p. 14.
266
“Tomou posse a diretoria da Associação Comércio e Indústria de Copacabana”, 27 de abril de 1935, capa; “O 2
o
aniversário da Associação Comércio e Indústria de Copacabana”, 19 de setembro de 1936, p. 3.
267
28 de outubro de 1944, p. 14.
268
“O Beira-Mar”, 28 de outubro de 1922 (n
o
1), capa.
269
Por exemplo: 9 de setembro de 1933, p. 2; 22 de setembro de 1934, p. 3; 16 de novembro de 1935, p. 2; 9 de maio
de 1936, p. 6.
270
“Partido Autonomista – Candidatos de Copacabana”, 13 de outubro de 1934, p. 2.
271
“A inauguração da nova sede do Núcleo Integralista de Copacabana”, 5 de maio de 1934; “Ação Integralista Bra-
sileira”, 14 de julho de 1934, p. 10; 5 de janeiro de 1935, p. 3.
63
ot-ball na Areia, nas diversas ressurreições da entidade.
272
Entre 1930 e 31, ocorreram as tertúlias
do Centro Literário de Copacabana.
273
Em 1935 foi a sede da Associação dos Escoteiros de Co-
pacabana.
274
Em 1936, funcionava o Curso Comercial de Copacabana, de alemão, inglês e fran-
cês.
275
Mais que apenas um ponto de vendas comercial, o endereço de M. N. de era um centro de
convergência do bairro. Não raro, era para que se encaminhavam as reclamações dos morado-
res. Quando se procuravam pertences perdidos nos bancos da praia, era para lá que se dirigiam as
pessoas.
276
Havia em “Seu Manoelzinho” um sentido de utilidade pública. A isso correspondia o
apreço dos copacabanenses pelo lugar. Em dias de festa, como no Carnaval, a redação enchia de
gente.
277
***
A experiência de M. N. de com a atividade de imprensa havia começado bem antes do apare-
cimento do Beira-Mar. Em 1907, ajudou a fundar O Copacabana, o primeiro jornal do bairro a
se estabelecer. Foi uma publicação longeva durou doze anos, mantendo quatro páginas quinze-
nais, depois mensais. Atuou em defesa da nova região da cidade que lhe dava o título e nesse
sentido foi um precursor importante de Beira-Mar. Em compensação, não desenvolveu um cará-
ter praiano tão acentuado quanto o do seu sucessor. Foi dirigido pelo jornalista copacabanense
Theotônio de Oliveira, exceto no primeiro ano de circulação, quando a redação esteve a cargo de
Theófilo de Mattos. O nome de M. N. de Sá aparecia no expediente como responsável pela distri-
buição.
278
Ao mesmo tempo, o empresário, “amigo que era de Irineu Marinho”, encabeçava a
distribuição local do diário A Noite.
279
272
11 de abril de 1929, p. 6; 30 de abril de 1932, p. 8; 15 de setembro de 1934, p. 8.
273
25 de agosto de 1934, capa.
274
14 de setembro de 1935, p. 7.
275
20 de junho de 1936, p. 10.
276
“Quem achou uma carteira...”, 17 de julho de 1937, p. 3; 22 de dezembro de 1929, p. 8.
277
“Carnaval”, 16 de março de 1935, p. 10.
278
A coleção da Biblioteca Nacional conserva grande parte das edições até o n
o
78, de outubro de 1912. Em Beira-
Mar: 4 de julho de 1942, p. 7; 12 de agosto de 1944, capa; 16 de setembro de 1944, p. 3.
279
12 de agosto de 1944, capa.
64
Manoel Nogueira de foi um grande entusiasta da imprensa praiana e copacabanense. Colecio-
nava exemplares de títulos como O Atlântico, A Onda, Copacabana Esportivo, Jornal das Praias
e Copacabana Magazine.
280
Entre eles estava o acervo de O Copacabana, que ajudou a distribu-
ir. No ano do Centenário da Independência, entretanto, deu início à coleção de seu próprio órgão
de imprensa periódico. Em 28 de outubro, inaugurou uma série de 771 edições que se inter-
romperia após sua morte, vinte e dois anos depois. Dentre as atividades em que se empenhava,
que não eram poucas, “Beira-Mar era a menina dos seus olhos”.
281
O novo jornal começou, como O Copacabana, quinzenal, editado em quatro ginas. A partir da
quinta edição, porém, passou a sair com oito páginas, mínimo do qual jamais recuaria. Tinha apa-
rência de jornal, com cabeçalho e densos blocos de texto, acompanhados de alguma fotografia ou
ilustração. Apresentava o acabamento simples de uma folha diária: dobrado e sem grampo. Era
na verdade um jornal de formato pequeno, aproximadamente 33 x 48cm. Todavia, diferenciava-
se do aspecto vulgar dos jornais pela qualidade do papel. Beira-Mar era impresso em papel cou-
ché, um tipo de papel luxuoso, encorpado e acetinado, daqueles que não deixa mancha de tinta
nos dedos. Ainda que pequena, a publicação era um produto elaborado que exigia investimento.
Assim, Beira-Mar não conseguiria perseverar sem a presença de uma administração, um corpo
redacional e um círculo de colaboradores.
Para exercer o cargo de redator-chefe, M. N. de Sá chamou o jovem dico Felix Guimarães,
morador de Copacabana. A escolha de um clínico para a redação de Beira-Mar era adequada a
uma época em que a medicina tinha alguma autoridade sobre o uso das praias de banho, quando
Copacabana ainda se afirmava pela qualidade do ar que fazia bem à saúde. O médico-jornalista,
todavia, não completou dois anos à frente da edição. Em julho de 1924, cedeu o posto ao jornalis-
ta Oscar Sayão.
282
Dr. Felix Guimarães continuou vinculado a Beira-Mar como importante cola-
borador nos anos 20 e 30. Sua coluna Consultório Médico apareceu e reapareceu várias vezes.
Também foi correspondente do jornal em Cambuquira, de onde fazia a apologia das estações de
águas. Essas atividades jornalísticas, na verdade, podiam ter lugar secundário na agenda do médi-
280
Nelson do Nascimento, “M. N. de Sá foi o pioneiro da imprensa praiana no Brasil”, 28 de outubro de 1944, p. 14.
281
THÉO-FILHO, “Meu amigo Sá”, 12 de agosto de 1944, p. 2.
282
28 de outubro de 1922, cabeçalho da capa; 6 de julho de 1924, cabeçalho da capa.
65
co que, além de clinicar em estabelecimento próprio, era assistente de química vegetal do Museu
Nacional.
283
Nesses primeiros anos de circulação, Beira-Mar atraiu a colaboração de alguns intelectuais. Es-
critores consagrados ajudaram a chamar a atenção do público para o simpático jornalzinho que
nascia. Goulart de Andrade e Olegário Mariano contribuíram com poesia. O primeiro também
escreveu sobre escotismo. O romancista Cláudio de Souza apareceu, em 1924, com o folhetim
“A conversão”.
284
O crítico Gonzaga Duque também colaborou. Mas a participação desses ho-
mens de letras famosos não era bastante para preencher as páginas do jornal a cada duas semanas.
Um naipe de colaboradores mais jovens e menos conhecidos respondia pela maior parte das ma-
térias assinadas em Beira-Mar na primeira metade dos Anos Vinte. Custodio de Viveiros era um
cronista assíduo. Arlindo Cardoso fazia a seção de esportes e carnaval. Oscar Mario escrevia a
coluna Quinzena Policial.
285
Walter Moitinho publicava poesia e crítica literária.
286
Mathias Eu-
zébio fazia crônica mundana.
287
Um redator com o pseudônimo de “João da Praia”, incumbido de
“acompanhar os passos dos que palmilham a majestosa Avenida Atlântica”, produziu o principal
da crônica balneária no Beira-Mar de 1923.
288
Uma redatora também não identificada, “Adia”,
manteve, em 1924, sua “Palestra Fútil” na coluna Vida Social.
289
Outros nomes ainda subscrevi-
am eventualmente matéria jornalística na folha de M. N. de Sá, como Lauro Loureiro de Souza,
Carlos da Silva Loureiro, Barbosa Lima Sobrinho, além do próprio Théo-Filho. A maioria deles
já não pertencia ao quadro de colaboradores quando Théo assumiu a secretaria do jornal.
Custodio de Viveiros foi um dos colaboradores mais importantes desse período inicial. Sua crô-
nica quase sempre trazia a atenção dos leitores para o cotidiano de Copacabana. Escrevia fre-
qüentemente sobre o comportamento feminino da época. Sua contribuição continuou depois da
entrada de Théo-Filho. Em 1927 enviou da França sua correspondência de viagem. Na década
seguinte, porém, sua colaboração quase desapareceu. O lançamento de seus livros por esse tempo
não teve especial repercussão no Beira-Mar. Eram Se amas, decide por ti mesmo (romance), As
283
20 de maio de 1939, p. 2.
284
De 6 de janeiro a 2 de março de 1924.
285
De 18 de novembro de 1922 a 22 de junho de 1924.
286
De 20 de julho de 1924 a 8 de novembro de 1925.
287
De 2 de março de 1924 a 23 de março de 1925.
288
2 de setembro de 1923, p. 2.
289
De 20 de julho a 21 de dezembro de 1924.
66
três luas de mel (crônicas, 1933), A viúva da rua Bambina (romance, 1934) e Sua Excelência
(romance, 1934). Convertido ao integralismo, editou em livro uma série de artigos publicada no
Correio da Manhã, os Camisas Verdes.
290
Ainda publicou um texto no Beira-Mar, em torno des-
se tema: “Os inimigos do Sigma”.
291
Outra presença constante nas páginas do Beira-Mar do primeiro decênio de publicação foi Arlin-
do Batista Cardoso, o “K. Rapeta”.
292
De 1923 a 29, produziu uma das secções mais assíduas do
jornal, Sports, que só interrompia para editar a carnavalesca No Reino da Folia. A partir de 1925,
contou com a assistência de Mario Graça.
293
Entre 1930 e 31, redigiu a bem-humorada coluna
Intrigas da Oposição, dirigida ao público dos comerciantes do bairro. Portanto, não era um cola-
borador externo, mas um membro efetivo da redação. Era jornalista sem pretensões literárias.
Nos Anos Trinta, ficou conhecido na cidade como cronista carnavalesco do Jornal do Brasil.
Também trabalhou para o Diário Carioca.
294
***
A chegada de Théo-Filho desencadeou o crescimento da publicação na segunda metade da déca-
da de 20. O número de páginas passou a oscilar entre 10 e 12. Anunciou-se também um aumento
de tiragem.
295
Mas o grande incremento ocorreu com a intensificação da periodicidade para o
regime semanal, a partir de janeiro de 1929. Isso representava na prática dobrar a operação, o que
não seria possível se a empresa não estivesse preparada para a decorrente ampliação da demanda
de texto e material para publicação.
A contribuição direta de Théo-Filho para Beira-Mar era considerável. A matéria de capa princi-
pal era quase sempre redigida por ele, embora o fosse assinada. Às vezes, apareciam trabalhos
autorais, como era o caso de alguns capítulos de romance em preparação. Excepcionalmente, em
290
23 de dezembro de 1933, p. 22; idem; 12 de maio de 1934, p. 2; 13 de outubro de 1934, p. 4; 13 de abril de 1935,
p. 2.
291
16 de janeiro de 1937, p. 4.
292
26 de setembro de 1931, p. 7.
293
De 3 de maio de 1925 a 7 de abril de 1929.
294
17 de abril de 1943, p. 10.
295
10 de novembro de 1929, capa.
67
1931, foi publicada, em forma de folhetim, a novela A fragata Nictheroy.
296
Em 1939, foi a vez
das Confissões, os vinte e três primeiros capítulos de suas memórias.
297
Era possível que escre-
vesse sob pseudônimo nas colunas divertidas do jornal. Entre 1925 e 28, manteve regularmente a
seção Correspondência do Beira-Mar, sob a chancela de “Mi-Esú”.
298
Esse era o nome de uma
perigosa espiã que Théo-Filho dizia ter conhecido numa de suas viagens pela Europa.
299
Mi-Esú
também assinava os mexericos da coluna Potins da Praia.
300
Não era apenas como redator que ele contribuía na produção de Beira-Mar, mas sobretudo na
qualidade de editor. Primeiramente, com o humilde título de “redator-secretário”; a partir de ou-
tubro de 1927, como “diretor-secretário”, e finalmente, desde maio de 1929, como “diretor-
redator-chefe”,
301
Théo-Filho exerceu, com seu prestígio de romancista de sucesso, um papel
fundamental na reunião de um vasto círculo de colaboradores, escritores e jornalistas, que susten-
tou o semanário por quase duas décadas. No núcleo desse círculo, na composição do corpo prin-
cipal de redatores de Beira-Mar, estavam, desde os Anos 20, Harold Daltro, Albertus de Carva-
lho, João Rodolpho de Carvalho, Henrique Paulo Bahiana, Sylvio Level Moreaux e João Guima-
rães. Nos Anos 30, incorporaram-se Nelson do Nascimento e Annita Corrêa. Pertenciam todos a
uma geração nascida no século XX. Foram jovens ligados às letras e à imprensa, que tiveram
em comum, nas suas diferentes trajetórias, a passagem pelo jornalismo praiano.
Harold Daltro
302
foi com certeza uma escolha de Théo-Filho para o lugar de secretário do Beira-
Mar. Ambos se conheciam do tempo do Mundo Literário.
303
Trabalhavam na revista Nação Bra-
sileira, onde Théo era diretor de redação e Harold, secretário.
304
Em Beira-Mar apenas se repro-
duzia, portanto, uma parceria existente. O poeta Harold Daltro colaborava desde 1924.
305
296
De 21 de junho a 29 de agosto de 1931.
297
De 14 de janeiro a 22 de julho de 1939.
298
De 20 de setembro de 1925 a 2 de dezembro de 1928.
299
Mi-Esú já havia aparecido antes na ficção de Théo-Filho: Anita e Plomark, aventureiros, p. 126.
300
De 5 de julho de 1925 a 3 de outubro de 1926.
301
3 de maio de 1925; 23 de outubro de 1927; 5 de maio de 1929.
302
1902-1948, carioca, diplomado em Direito: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura
Brasileira.
303
Harold Daltro, “A hora dos novos” in O Mundo Literário, outubro de 1923, p. 354.
304
6 de setembro de 1925, p. 3; 30 de setembro de 1928, p. 3; 15 de setembro de 1934, p. 3; 9 de novembro de 1940,
p. 25.
305
26 de outubro de 1924 (edição de aniversário). Teria sido o “Juca Tupynambá” da coluna mundana Jazz Band, de
5 de julho de 1925 a 18 de abril de 1926?
68
Em 1927, assumiu a secretaria do jornal, onde permaneceu até meados de 1932.
306
O auge de sua
produção no Beira-Mar aconteceu no triênio 1929-31, quando manteve a sua crônica mundana na
coluna De monóculo. Aparecia infalivelmente, toda semana, no canto esquerdo, no alto da segun-
da página.
307
Também escreveu sobre literatura, inclusive sobre a literatura de Théo-Filho.
308
Depois de um longo período sem assinar matéria, reapareceu, em 1939, com a assiduidade de
sempre, responsável por meia página de jornal dedicada à seção Movimento Literário.
309
Harold Daltro fez sucesso com sua produção poética. Théo-Filho o apresentava como “um dos
poetas mais interessantes e perfeitos da nova geração”.
310
Foi aplaudido na crítica de Beira-Mar
por seus “versos ondulados, flexíveis e felinos, medidos ou irregulares, "desobedientes" como ele
os denomina, mas sempre harmoniosos”.
311
Era um “inimigo da rima e do verso cadenciado”
312
e
isso não dificultava sua popularidade. Seu primeiro livro, A legenda interior, apareceu em 1928,
pela Livraria Leite Ribeiro, em edição ilustrada por J. Carlos. Foi recebido como um “delicioso
volume de poemas delicadíssimos”. O alvo declarado de sua poesia era “o mundo feminino”.
313
A
legenda interior se tornou “o livro de horas de todas as namoradas do Brasil”, na observação de
Álvaro Moreyra.
314
Esse era um dos aspectos interessantes de Harold Daltro. M. N. de estava
certo de que a sua presença na administração do jornal alegraria “o coração de todas as lindas
leitoras”.
315
Ele próprio afirmava o caráter fútil de sua literatura. Quando saiu seu segundo livro,
Flor do asfalto, em 1930, Théo-Filho escreveu que “Harold Daltro fez da arte um sacerdócio e da
futilidade um motivo de beleza eterna. Não há poeta brasileiro mais sinceramente fútil. (...) é para
essas meninas familiares, somente para essas perturbadoras melindrosas de J. Carlos, que ele es-
creve”.
316
306
De 23 de outubro de 1927 a 18 de junho de 1932.
307
De 6 de janeiro de 1929 a 5 de dezembro de 1931.
308
8 de julho de 1928, p. 2; 7 de agosto de 1937, p. 2.
309
De 17 de dezembro de 1938 a 28 de outubro de 1939.
310
5 de julho de 1925, capa.
311
25 de outubro de 1925, p. 13.
312
21 de setembro de 1930, capa.
313
A legenda interior, de Harold Daltro”, 3 de junho de 1928, capa.
314
“Haroldo”, 3 de janeiro de 1929, p. 2.
315
5 de maio de 1929, p. 3.
316
THÉO-FILHO, “A propósito de Flor do Asfalto”, 21 de setembro de 1930, capa.
69
Albertus de Carvalho foi um dos principais redatores de Beira-Mar.
317
Segundo Théo-Filho, inte-
grava a “meia dúzia de rapazes” que eram fiéis a M. N. de Sá.
318
Tornaram-se amigos. O interes-
se de Albertus era a literatura. Em 1929, tentou uma coluna O Conto Semanal, inicialmente com
trabalhos de autoria própria,
319
depois traduções. Sua contribuição mais duradoura foi a seção
Livros Novos (ou Livros Comentados por Albertus de Carvalho), entre 1933 e 37.
320
Era bem
relacionado no meio editorial. Sua coluna ajudava na divulgação de muitos títulos de lançamento.
Chegou a comentar obras de Théo-Filho em circulação.
321
Anunciou um livro de contos em 1934,
Páginas de amor e de morte.
322
Colaborou para a Nação Brasileira.
323
Em Beira-Mar, também
foi o criador da coluna de fofocas de Ipanema, Sereias e Tubarões, que animou entre 1929 e
31.
324
Assinava “O Homem Que Ri”.
325
João Rodolpho Coelho de Carvalho pertenceu ao quadro de jornalistas do núcleo editorial de Bei-
ra-Mar, desde 1929. Começou sua contribuição com a fundação da coluna Beira-Mar em Niterói,
ou Beira-Mar em Icaraí, o braço do jornal do outro lado da Guanabara.
326
Mesmo depois de se
mudar para Ipanema, continuou a dirigir a seção niteroiense, com o auxílio local de Pedro Boise-
au.
327
Sucedeu “O Homem Que Ri” em Sereias e Tubarões, a partir de 1931, e escreveu assi-
duamente até 1939.
328
Era o “Aramis”,
329
cronista mundano da juventude ipanemense, redator
igualmente voltado para o público feminino. Escreveu, por exemplo, uma série de perfis de mo-
ças residentes no bairro.
330
Sob esse pseudônimo publicou quase metade de sua contribuição.
Também assinou matéria jornalística como João Rodolpho e João Rodolpho de Carvalho. Foi
membro do Centro Literário de Copacabana, onde apresentou, em 1930, um estudo biográfico
317
A partir de 12 de dezembro de 1928.
318
THÉO-FILHO, “Meu amigo Sá”, 12 de agosto de 1944, p. 2.
319
“Mlle. Fulaninha”, 20 de janeiro de 1929, p. 2; “Esperança perdida”, 24 de fevereiro de 1929, p. 7; “A grande
dor”, 3 de março de 1929, p. 5.
320
De 18 de março de 1933 a 13 de março de 1937.
321
28 de abril de 1934, p. 4.
322
27 de outubro de 1934, p. 34.
323
Nação Brasileira, março de 1930, editorial.
324
De 27 de janeiro de 1929 a 22 de março de 1931.
325
29 de setembro de 1929, p. 2.
326
A partir de 16 de junho de 1929.
327
20 de abril de 1935, p. 7; 12 de outubro de 1935, p. 83.
328
De 5 de abril de 1931 a 21 de janeiro de 1939.
329
10 de agosto de 1930, p. 2; 12 de outubro de 1935, p. 43.
330
De 20 de janeiro de 1934 a 16 de março de 1935.
70
sobre Théo-Filho.
331
Tratou dos mais variados assuntos, rádio, teatro, esporte etc. Colaborou na
Secção Católica, em 1939. Acumulava as atividades de jornalista em Beira-Mar, Nação Brasilei-
ra e noutros periódicos cariocas
332
com suas atribuições de funcionário da Estrada de Ferro Cen-
tral do Brasil.
333
Sylvio Level Moreaux
334
trabalhou no jornal desde 1926, mais ou menos regularmente.
335
Seus
dois principais interesses eram a música e a poesia. Fazia o papel de cronista musical do Beira-
Mar. Cuidava aí do noticiário em torno do Instituto Nacional de Música. Também contribuiu com
poesia. Estava entre os poetas que mais freqüentavam as páginas do semanário. Além disso, redi-
gia como jornalista, inclusive em outros periódicos. Sob o pseudônimo de “Chang”,
336
foi, de
1927 a 34, co-responsável por uma das colunas de crônica bem-humorada e fofocas que fez o
maior sucesso entre o público jovem de Copacabana, a Caixinha de Surpresas.
337
Ajudou a criar
o Centro Literário de Copacabana.
338
Em 1934, foi o fundador do “Clube Henrique Oswald”, que
reunia apreciadores de música erudita.
339
Sua obra poética seria editada em livro nos Anos
40.
340
Henrique Paulo da Cunha Bahiana foi redator engajado nas atividades do Beira-Mar de 1927 até
31 e depois se manteve como fiel colaborador e amigo do grupo.
341
Inicialmente, trabalhou em
várias frentes, da Seção Católica à coluna Cinemas. Foi correspondente em Caxambu durante
uma estação. Provavelmente tinha participação nas secções divertidas, sob a proteção de pseudô-
nimo. Escreveu algumas vezes sobre costumes do Japão, que conhecia pessoalmente foi sócio-
fundador do Instituto Cultural Brasil-Japão.
342
O tema rendeu seus dois primeiros livros, O gran-
331
“Um perfil de Théo-Filho - Lido na seção solene do Centro Literário de Copacabana, na noite de 28 de julho
findo”, 31 de agosto de 1930, p. 3.
332
2 de dezembro de 1933, p. 7; 12 de outubro de 1935, p. 43.
333
9 de fevereiro de 1935, p. 2; 5 de dezembro de 1936, p. 7.
334
1908-1956, carioca: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
335
A partir de 22 de agosto de 1926.
336
24 de novembro de 1934, p. 3.
337
De 18 de dezembro de 1927 a 5 de maio de 1934.
338
23 de fevereiro de 1930, p. 2.
339
28 de abril de 1934, p. 20
340
Alvorada (1942); O tocador de realejo (1955).
341
A partir de 18 de julho de 1926.
342
“O banho no Japão”, 29 de outubro de 1936, p. 36A; “Mulheres e praias do Japão”, 14 de abril de 1934, p. 7;
endereço oficial Instituto Cultural Brasil-Japão na internet.
71
de Japão (1933) e O Japão que eu vi (1934).
343
Ajudou a fundar o Centro Literário de Copacaba-
na.
344
Diplomado em química industrial pela Escola Politécnica com distinção, foi professor em
diversas instituições de ensino e diretor da Escola de Química Industrial do Instituto Tecnológico
do Rio de Janeiro. Também participou da fundação do Sindicato dos Químicos, do qual foi o
primeiro vice-presidente.
345
João Guimarães
346
compôs a redação de Beira-Mar entre 1926 e 33.
347
Dividia a sua atenção en-
tre a poesia e o futebol. Ao mesmo tempo em que pertencia ao grupo do Centro Literário de Co-
pacabana era fundador da Liga de Amadores de Football na Areia, da qual foi presidente pelo
menos duas vezes, em 1929 e 32.
348
Era uma figura da praia, que se podia encontrar facilmente
no Posto III.
349
No Beira-Mar publicou muita poesia. Escreveu sobre assuntos diversos, da litera-
tura ao carnaval. Também assinou, com a abreviatura “Gui”, em 1932-33, na seção Vida Social, a
crônica “Disto e daquilo”, dirigida ao público feminino.
350
João Guimarães era o aclamado “poeta
do beijo”. Nessa época, seus três livros publicados, todos de poesia, eram Beijo de veludo, Beijos
profanos e Beijos de amor (1932). Ainda lançou, mais tarde, outros títulos, como Beijo,canção de
amor, de 1938.
351
Era muito querido no círculo dos literatos. Também tinha amigos entre delega-
dos, comissários e representantes dos meios policiais de Copacabana.
352
Nelson Pinto do Nascimento teve presença importante nos últimos dez anos de circulação do Bei-
ra-Mar.
353
Segundo Théo-Filho, integrou o núcleo de batalhadores do jornal.
354
Era igualmente
figura do Posto III, amigo de João Guimarães, e foi de algum modo seu sucessor, não na poesia,
mas no interesse pelo futebol.
355
Foi o redator da coluna Sports desde 1934. Conquistou prestígio
343
7 de janeiro de 1933, p, 2; 9 de junho de 1934, p. 10.
344
23 de fevereiro de 1930, p. 2.
345
21 de abril de 1929, p. 2; 9 de julho de 1932, p. 7; 29 de abril de 1933, capa; 11 de julho de 1936, p. 10.
346
Nascido em 1909, baiano de Salvador: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasilei-
ra.
347
De 6 de junho de 1926 a 29 de abril de 1933.
348
23 de fevereiro de 1930, p. 2; 27 de outubro de 1929, p. 51; 11 de junho de 1932, p. 10.
349
9 de janeiro de 1932, capa.
350
De 9 de janeiro de 1932 a 29 de abril de 1933.
351
Julio de Oliveira, “Beijos de amor”, 6 de agosto de 1932, p.2; Nelson do Nascimento, Outro livro do poeta do
beijo”, 3 de dezembro de 1932, p. 4; 17 de dezembro de 1932, p. 2; 18 de junho de 1938, p. 2.
352
“O natalício de João Guimarães”, 1
o
de abril de 1933, p. 7.
353
A partir de 12 de abril de 1931.
354
THÉO-FILHO, “Meu amigo Sá”, 12 de agosto de 1944, p. 2.
355
9 de janeiro de 1932, capa; 1
o
de abril de 1933, p. 7; 24 de agosto de 1938, p. 12.
72
nos círculos desportivos locais e chegou a ser homenageado pelos atletas dos clubes de Copaca-
bana, em 1935, com uma “Prova Nelson do Nascimento” (uma corrida ida e volta do Posto I ao
VI).
356
Embora não assinasse matérias com muita freqüência, escreveu sobre arte, teatro, música
e cinema. Esteve ligado ao Partido Autonomista.
357
Advogado, ainda colaborava em outros jor-
nais cariocas.
358
Annita Corrêa talvez não integrasse a panelinha masculina do Beira-Mar, mas sua contribuição
na redação foi expressiva a partir de 1932.
359
Atuava como repórter e representava oficialmente o
jornal em diversos eventos.
360
Também publicou breves crônicas assinadas, entre elas, suas “Im-
pressões”, sobre costumes. Pertencia à nova geração arrojada de Ipanema. Trabalhava no Tribu-
nal de Contas da Prefeitura.
361
Mereceu um perfil do Aramis em Sereias e Tubarões. Na opinião
do cronista, era “uma encantadora senhorinha muito inteligente e bastante querida entre nós. (...)
o tipo perfeito de moça perseverante”. Mas também era “um pouco romântica”. Sonhava em co-
nhecer os Estados Unidos.
362
***
Muitos outros redatores trabalharam para Beira-Mar. Alguns provavelmente produziram matéria
não assinada. Poucos contribuíram por longo tempo. Foi o caso de Max Monteiro, que assinou
sua crônica De Relance, em 1929-30, e continuou a aparecer até 1939, na coluna Vida Social,
com prosa mundana, onde usava a assinatura abreviada, “Max”.
363
Era jornalista, colaborador da
Nação Brasileira, presidente do Instituto de Estudos Nacionais e membro do Centro Literário de
Copacabana.
364
356
9 de novembro de 1940, p. 13; 16 de fevereiro de 1935, p.10; 16 de março de 1935, p. 7; 30 de março de 1935, p.
10.
357
23 de maio de 1936, p. 7.
358
24 de agosto de 1938, p. 12.
359
A partir de 4 de junho de 1932.
360
7 de setembro de 1835, capa; 24 de setembro de 1938, p. 9.
361
19 de novembro de 1938, p. 70.
362
4 de agosto de 1934, p. 6.
363
De 3 de novembro de 1929 a 27 de julho de 1930; de 6 de outubro de 1934 a 6 de maio de 1939.
364
5 de março de 1932, p. 3; 6 de julho de 1930, p. 10.
73
O arquiteto Paulo Candiota também pertenceu aos quadros do Beira-Mar nos Anos 20 e continu-
ou a colaborar de vez em quando na década seguinte. Representante da geração de M. N. de e
Custodio de Viveiros, foi o responsável pela Secção Católica entre 1926 e 29.
365
Embora mais
velho, andava na companhia de Henrique Bahiana, Sylvio Moreaux e Antonio N. de Sá (filho
mais novo de M. N.).
366
Fez parte dessa turma, por essa mesma época, o jornalista Caio de Freitas, “o festejado poeta”,
nas palavras de Théo-Filho. Assinou raramente alguma poesia no jornal. Trabalhava na Gazeta de
Notícias e também colaborava na Nação Brasileira.
367
Chegou a tentar um vôo próprio na im-
prensa balneária, em 1936, com o lançamento da revista Praia.
368
A partir de 1934, Beira-Mar também passou a contar com a discreta presença de Fernando Mar-
tins, seu “redator artístico”. Era pintor especialista em marinhas e se dedicava à paisagem da orla
carioca. Concorreu no Salão Nacional de Belas Artes, onde obteve medalha de prata, em 1938.
Colaborou eventualmente com ilustração. Assinava laconicamente “F. M.”. Também era ligado à
Nação Brasileira.
369
Outros membros efetivos da redação apareceram por períodos mais curtos. Victor Magalhães Jr.
integrava essa turma de jovens jornalistas de Copacabana e assinou principalmente poesia, entre
1928 e 30.
370
Alydea Galvão foi a presença feminina da redação em 1929. A “talentosa e linda
redatora” era a filha do dr. Franklin Galvão, chefe da família conhecida no bairro pelas festas no
palacete da rua Ferreira.
371
O redator Aguinaldo C. Tinoco compunha esse mesmo grupo de
365
De 16 de maio de 1926 a 24 de março de 1929.
366
23 de outubro de 1927, p. 3; 8 de janeiro de 1928, p. 10; 18 de novembro de 1928, p. 3; 3 de fevereiro de 1929, p.
5; idem, p. 7; 11 de abril de 1929, capa; 30 de junho de 1929, p. 6.
367
25 de janeiro de 1931, capa; 6 de novembro de 1927, p. 2; 30 de setembro de 1928, p. 3; 3 de fevereiro de 1929,
p. 5; 30 de junho de 1929, p. 6.
368
10 de outubro de 1936, p. 5.
369
27 de outubro de 1934, p. 60; 24 de agosto de 1935, suplemento; 21 de março de 1936, p. 7; 20 de março de 1937,
p. 7; 8 de janeiro de 1938, p. 10; 24 de dezembro de 1938, p. 26; 5 de outubro de 1940, p. 10.
370
De 22 de janeiro de 1928 a 28 de dezembro de 1930. 4 de novembro de 1928, p. 2; 3 de fevereiro de 1929, p. 7;
30 de junho de 1929, p. 6; 23 de fevereiro de 1930, p. 2.
371
De 21 de dezembro de 1928 a 27 de outubro de 1929. 4 de novembro de 1928, p. 2; 27 de janeiro de 1929, p. 3; 3
de fevereiro de 1929, p. 7; 24 de fevereiro de 1929, p. 4; 7 de julho de 1929, p. 2; 15 de setembro de 1929, capa; 2 de
março de 1930, capa;11 de maio de 1930, p. 3.
74
amigos. Assinou matéria humorística, máximas e crônica rápida, de 1929 a 31.
372
O jornalista
Gonzaga Coelho aparentemente estava fora desse círculo de relações, mas contribuiu com uma
série de reportagens importantes, em 1932, quando visitou vários grandes escritores brasileiros
residentes em Copacabana, como Raul Azevedo, Goulart de Andrade, Julia Lopes de Almeida e
Filinto de Almeida, Álvaro e Eugênia Moreyra, Ramiz Galvão e Cláudio de Souza.
373
Por sua
vez, o comissário do 30
o
distrito de polícia e jornalista Carlos Brandon compareceu às páginas do
jornal, em 1931, com uma série de crônicas Sobre Polícia.
374
Victor Granado Madeira trabalhou
no mesmo ano, assinando reportagem.
375
Emanuel Sarmanho Arraes, além de poesia e crônica,
escreveu com freqüência a introdução da coluna Vida Social, com a assinatura “Emanuel”, entre
1932 e 34.
376
Isaac Kauffman apareceu muitas vezes, em 1933-34, na coluna Cinemas e também
na Vida Social.
377
Possivelmente ainda outros jornalistas passaram pela redação de Beira-Mar, ou
sem assinatura ou identificados apenas por pseudônimos. À medida que a publicação fazia suces-
so, crescia em número o jovem contingente de contratados. Circulavam por Copacabana a serviço
da imprensa. Chegou a haver aproveitadores que tentavam se fazer passar por redatores do jornal
para obter ingresso facilitado nos clubes e cinemas locais.
378
A carteira de identidade emitida pelo
Beira-Mar se valorizava então.
Ainda outros profissionais deviam prestar serviços ao jornal, fora a redação. A ilustração, rara,
aparecia sem assinatura. uma ou outra vez se podia identificar a rubrica de Navarro Rivas,
379
Justinus,
380
Yantok
381
, e Fernando Martins.
382
Artista consagrado, pertencente à geração de M.
N. de Sá, J. Carlos ilustrou várias capas de edições especiais de aniversário.
383
Desenhistas inici-
372
De 19 de novembro de 1928 a 26 de dezembro de 1931. 7 de junho de 1931, p. 3; 14 de junho de 1931, p. 10.
373
De 23 de julho a 8 de outubro de 1932.
374
De 3 de maio a 4 de julho de 1931. 12 de abril de 1931, p. 12; 7 de junho de 1931, p. 3; 14 de junho de 1931, p.
10.
375
De 21 de junho de 1931 a 12 de março de 1932. 14 de junho de 1931, p. 12.
376
De 31 de outubro de 1931 a 7 de novembro de 1936. 7 de junho de 1931, p. 3.
377
De 26 de maio de 1934 a 1
o
de junho de 1935. 1
o
de junho de 1935, p. 7.
378
1
o
de junho de 1930, p. 2.
379
27 de outubro de 1929, capa; 18 de maio de 1930, capa.
380
12 de janeiro de 1929, p. 3. 4 de novembro de 1928, p. 2; 3 de fevereiro de 1929, p. 7.
381
3 de agosto de 1935, capa; 9 de novembro de 1940, p. 20. Max Yantok, brasileiro, nascido em 1881: GOIDA
(Hiron Cardoso Goidanich), Enciclopédia dos quadrinhos.
382
21 de março de 1936, p. 7; 20 de março de 1937, p. 7.
383
28 de outubro de 1933; 27 de outubro de 1934; 12 de outubro de 1935; 28 de outubro de 1939; 9 de novembro de
1940; além de 5 de janeiro de 1930, p. 5.
75
antes, como Ecila Magalhães, chegaram a publicar poucos trabalhos.
384
O cabeçalho de capa e
contracapa do jornal, que se renovava periodicamente, os cabeçalhos fixos das diversas colunas e
algumas vinhetas, toda essa arte se estampou por centenas de edições, sem que se fornecesse o
crédito de sua autoria. Com o material fotográfico ocorria a mesma tendência ao anonimato. Parte
dele deve ter sido produzida por um fotógrafo pertencente ao quadro do jornal, como foi o caso
de Manoel de Carvalho.
385
Seu trabalho era fotografar principalmente pessoas, quase sempre mo-
ças, e reuniões – os serviços do profissional do Beira-Mar eram colocados à disposição do públi-
co para a cobertura de eventos sociais.
386
Apareciam, entretanto, reproduções de trabalhos de
estúdios fotográficos de renome, sobretudo do estúdio de los Rios,
387
mas também de Febus
388
e
Paul.
389
A produção gráfica esteve, desde 1929, a cargo do Estabelecimento de Artes Gráficas
Mendes Jr., na rua do Riachuelo, fora de Copacabana.
390
***
Além do corpo interno de redatores, quem produzia parte considerável das matérias publicadas
no Beira-Mar era um vasto círculo de colaboradores externos. Eles não tinham, aparentemente,
vínculo contratual com a empresa de M. N. de . Eram intelectuais ligados à literatura e ao jor-
nalismo que praticavam com a publicação uma relação de troca no âmbito do prestígio. Empres-
tavam seu nome às páginas do jornal desde que elas o colocassem em evidência. Depois que
Théo-Filho assumiu a chefia de redação, duradouros laços de colaboração se estabeleceram com
um grande número de literatos, entre cronistas, críticos, contistas e poetas.
Dos que escreviam prosa, os dois colaboradores mais assíduos de Beira-Mar foram Maria Alda e
Affonso M. Louzada. Colaboraram em mais de uma centena de edições, a partir de 1928.
384
22 de agosto de 1926, capa; 5 de setembro de 1926, p. 3.
385
21 de setembro de 1935, capa; 7 de novembro de 1937, p. 111.
386
13 de janeiro de 1929, p. 2; 19 de maio de 1934, p. 8; 2 de setembro de 1939, p. 10.
387
3 de março de 1929, p. 2; 4 de agosto de 1929, capa; 9 de janeiro de 1930; 20 de abril de 1930, capa; 27 de abril
de 1930, p. 10; 16 de janeiro de 1932, p. 10.
388
24 de março de 1929, p. 8; 21 de julho de 1929, p. 8; 27 de outubro de 1929, p. 22.
389
18 de março de 1933, p.10; 15 de setembro de 1934, p. 2; 16 de março de 1935, p. 2.
390
17 de março de 1929, p. 3; 16 de fevereiro de 1935, p. 12.
76
Maria Alda
391
era o pseudônimo de Julieta Freixinho Morado, cronista, contista e poetiza.
392
No
Beira-Mar, entre outros textos, manteve uma série de crônicas sob o título Nuvem que passa...
Por época dos conflitos da Revolução Constitucionalista de 1932, por exemplo, Maria Alda co-
mentava, assustada: “É tão negra essa nuvem que ora passa pelo meu Brasil que chego a temer
pelo seu destino”.
393
Fazia crônica da vida moderna, do “século do cinema, do bungalow, da ba-
ratinha, do flirt e das cigarretes”.
394
Pertencente à geração jovem, era servidora concursada da
Secretaria da Contadoria Central. Nos seus escritos, expressava posições favoráveis ao ingresso
da mulher nas repartições públicas.
395
Era católica e contribuía para atividades de caridade. Em
literatura, não consta que tenha publicado, mas chegou a vencer um concurso de contos da revista
Vida Doméstica.
396
Affonso M. Louzada
397
escreveu sobre diversos assuntos,
398
do significado do Carnaval às idéias
de Freud, passando pela defesa do escotismo. Chegou a publicar alguma poesia. Fez muita crôni-
ca de costumes. Tinha posições contrárias ao moralismo no debate sobre as roupas de banho de
mar. Publicou raras notas sobre Copacabana, onde morou, desde pequeno, até 1932. Graduado
em Ciências Jurídicas, integrante da geração nascida no início do culo XX,
399
o intelectual se
preocupava com os rumos do mundo diante das tensões internacionais da época. “Vimos passan-
do pela tortura de uma angústia, indefinida, gerada pela confusão mental do mundo ocidental de
após a guerra” era a sua impressão da conjuntura em 1934. Ainda assim, tentava ser otimista e
acreditar que o mundo atravessava “um período de transição (...) entre uma civilização agonizan-
te e outra porvindoura”.
400
Estreou em livro, em 1937, com uma coleção de fábulas inspiradas em
La Fontaine.
401
Ainda publicaria outros títulos a partir dos Anos 40.
391
De 3 de junho de 1928 a 12 de março de 1938.
392
23 de fevereiro de 1930, p. 10; 16 de setembro de 1933, p. 8.
393
17 de setembro de 1932, p. 2.
394
6 de outubro de 1929, p. 2.
395
21 de janeiro de 1933, p. 8.
396
25 de março de 1933, capa; 27 de outubro de 1934, p. 40; 12 de março de 1938, p. 4.
397
Nascido em 1904, carioca: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
398
De 8 de abril de 1928 a 19 de novembro de 1938.
399
21 de dezembro de 1935, p. 9; 4 de novembro de 1928, p. 2; 25 de março de 1933, capa.
400
“Angústia do século”, 24 de março de 1934, p. 2.
401
4 de setembro de 1937, p. 4. Também publicou: O cinema e a literatura na educação da criança (1939); Templo
abandonado (1945); Noturno (1947); História de bichos (fábulas em versos, 1954).
77
Houve colaboradores fiéis, que apareceram nas páginas de Beira-Mar por quase todos os anos da
década de 30. Destes, o que mais vezes publicou matéria assinada foi Julio de Oliveira.
402
Foi um
dos mais bem humorados cronistas de costumes do jornal. Tratava sobretudo das relações entre
homem e mulher em seus “Conselhos às namoradas” e no seu Dicionário de Emergência. Estava
atento aos novos comportamentos femininos. “As mocinhas de hoje detestam positivamente as
danças (...) E os cinemas, essas escolas da perversidade? Simplesmente abomináveis para elas!
(...) O namoro e o flirt são, para as moças modernas, duas práticas francamente execráveis... (...)
Não coisa mais insuportável para as pequenas do que uma "baratinha"!... (...) elas preferem o
seu bondezinho pacato e sossegado, em que fazem as suas viagens deliciando-se com qualquer
volume de estudos etimológicos” – brincava ele para provocar as leitoras.
403
Era crítico da polícia
de costumes, no que se referia à moda da praia. Também foi correspondente por uma vez nas
estações hidrominerais de Caxambu e São Lourenço. De 1935 a 36, escreveu a crônica “Apreci-
ando”, na coluna Microphonemas, onde comentava, em notas curtas, os diversos programas de
rádio que então se transmitiam.
404
Também ajudou a fundar o Centro Literário de Copacabana.
Além de jornalista, era pianista e compositor.
405
Paulo MacDowell colaborou com crônica e comentários da cena cultural carioca, mas também
publicou alguma poesia.
406
Tratou de costumes, cinema, teatro e samba. Foi quem chorou a morte
de Noel Rosa nas páginas de Beira-Mar.
407
Tinha uma crítica ao esporte, particularmente o fute-
bol, como referência predominante do orgulho nacional. Também trabalhava no rádio.
408
Virginia B. Campos, que assinava comumente “Victoria Régia”,
409
colaborou desde 1925, princi-
palmente com crônica de costumes.
410
Católica, manifestava posições conservadoras no que dizia
respeito à tendência da moda de banho. Fazia crítica ao comportamento da nova geração das “me-
lindrosas ou girls falsificadas em americanas”, em conflito com os pais e as tradições da famí-
402
De 9 de fevereiro de 1930 a 6 de junho 1936.
403
“Defendamos a mulher (despretensiosos preconceitos)”, 15 de junho de 1930, p. 5.
404
De 17 de novembro de 1934 a 16 de maio de 1936.
405
Sylvio Level Moreaux, “Nossos artistas”, 1
o
de junho de 1930, p. 7; 6 de julho de 1930, p. 10; 1
o
de abril de 1933,
p. 7.
406
A partir de 29 de junho de 1930.
407
15 de maio de 1937, p. 2.
408
15 de agosto de 1936, p. 7; 25 de março de 1933, capa.
409
25 de outubro de 1925, p. 12; 21 de novembro de 1931, p. 2.
410
A partir de 2 de agosto de 1925.
78
lia.
411
Algumas vezes sua crônica fez referência a Copacabana. Também colaborava na Nação
Brasileira.
412
Leôncio Correia, entre esses colaboradores, era o representante da velha geração de escritores
brasileiros. Paranaense, nascido em 1865, havia sido deputado estadual e deputado federal. Havia
publicado vários livros de poesia.
413
Também colaborava com diversos periódicos cariocas,
entre eles Correio da Manhã, Gazeta de Notícias, A Noite, Ilustração Brasileira, A Estação,
Kosmos, Vida Moderna e Nação Brasileira.
414
No Beira-Mar, publicou prosa e poesia. Morador
de Copacabana, algumas vezes fez referências ao bairro. Escreveu sobre a necessidade de escolas
para a região. Em 1932, fundou o Ginásio Leôncio Correia.
415
Em 1936, lançou um livro de me-
mórias, A bohemia do meu tempo.
416
Outros colaboradores, sobre os quais nenhuma referência biográfica se registrou no jornal, tam-
bém foram assíduos nos Anos 30. Mario Paulo manteve, entre 1932 e 35, a coluna Meu Cocktail,
onde comentava as novidades em teatro, literatura, imprensa, cinema e artes plásticas. Nos dois
anos seguintes foi o responsável pela seção Teatro. Também escreveu crônica.
417
Nascimento
Junior produziu a coluna Aperitivo, em 1933-34, dedicada à descrição de perfis femininos. Fez
alguma crônica do bairro, tirada “Do carnet do Copacabana-Man”,
418
segundo sua expressão.
Escreveu também sobre cinema e teatro. Eventualmente, substituía Sylvio Moreaux na seção de
Música. Talvez tenha pertencido ao corpo de redatores de Beira-Mar, por algum tempo, quando
tentou uma reaparição da coluna Caixinha de Surpresas.
419
Martins da Fonseca também colabo-
rou no jornal durante essa década, embora com menos freqüência que os autores até aqui men-
cionados.
420
411
“Dies Irae”, 23 de julho de 1932, p. 10.
412
19 de julho de 1925, p. 3; 1
o
de outubro de 1932, p. 5; 15 de setembro de 1934, p. 3; 6 de novembro de 1927, p. 2.
413
1865-1950: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
414
30 de setembro de 1928, p. 3; 25 de março de 1933, capa.
415
10 de dezembro de 1932, p. 2.
416
18 de maio de 1935, p. 10. CORREIA, L. A bohemia do meu tempo. Rio de Janeiro: F. Lemos Editor, 1935.
417
De 28 de novembro de 1931 a 4 de dezembro de 1937.
418
23 de junho de 1934, p. 2.
419
De 5 de agosto de 1933 a 14 de março de 1936.
420
De 16 de novembro de 1930 a 7 de novembro de 1936.
79
Um outro contingente de colaboradores teve presença expressiva nos espaços do Beira-Mar, com
prosa literária e jornalística. Sua participação pode ser estimada pela extensão da colaboração.
Assinaram textos entre vinte e cinqüenta vezes, quase todos por um período de quatro a seis anos.
A maioria colaborou como cronista.
Entre 1927 e 30, uma colaboradora não identificada, sobre a qual nada se creditou no jornal, pro-
duziu crônicas sobre comportamento humano e paisagem urbana carioca, sob o pseudônimo
“Luy”. Seus textos iam às vezes das estações de águas às praias de Copacabana e Icaraí.
421
Almerinda Campos compareceu com sua colaboração entre 1929 e 33.
422
Era representante da
nova geração. Ficou em 2
o
lugar no concurso promovido pelo diário A Noite para escolher a Miss
Ipanema 1930. Era uma das beldades admiradas no Posto II.
423
Escreveu algumas vezes sobre
Copacabana. Amor era o seu tema favorito. Seus artigos eram impregnados de religião e conser-
vadorismo católico. Assustava-se com “um século de vertigem, em que a felicidade consiste uni-
camente no turbilhão de emoções fortes e sentimentos desenfreados, um tempo em que as almas
simples e ingênuas não existem”.
424
Almerinda era ainda “uma das nossas melhores cantoras
de folclore ao violão”, considerada “voz de rouxinol”.
425
Entre 1930 e 34, Arnaldo Tabayá
426
escreveu as colunas O Espelho de Você e Esquina, ambas
voltadas para o público feminino.
427
Fez referências a Copacabana e às praias. Pertencia à gera-
ção que por essa época estava na casa dos 30 anos. Lançou um livro em 1932, Badu, romance
protagonizado por uma heroína filha da mistura entre índios, brancos e negros.
428
Era médico e
entusiasta da educação sica. Pensava que “a pedra fundamental da nacionalidade” era “fazer do
brasileiro um belo animal”.
429
421
De 6 de novembro de 1927 a 29 de junho de 1930.
422
27 de janeiro de 1929 a 25 de março de 1933.
423
27 de abril de 1930, capa; 9 de janeiro de 1932, capa.
424
“Cartas a uma gentil leitora”, 16 de julho de 1932, p. 2.
425
9 de abril de 1932, capa; 13 de agosto de 1932, capa; 25 de novembro de 1933.
426
Pseudônimo de Miguel Pereira da Mota Filho, 1901-1937, carioca: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclo-
pédia de Literatura Brasileira.
427
De 26 de outubro de 1930 a 27 de outubro de 1934.
428
26 de março de 1932, p. 2; 2 de abril de 1932, capa.
429
18 de julho de 1931, p. 2.
80
Zolachio Diniz
430
colaborou principalmente entre 1931 e 35.
431
Em 1932 manteve com assidui-
dade a sua coluna No Batente. Um de seus assuntos preferidos era o Carnaval. Era também um
apólogo da “mulata”. Afirmava que no Brasil eram “três as coisas boas, sérias e dignas: o carna-
val, o jogo do bicho e a mulata”.
432
Nesse mesmo ano lançou um livro de poesia, Canto a este
Brasil de todo o mundo. Também dirigiu a estreante revista Taba. Mais tarde partiu para o rádio,
onde fez sucesso como locutor.
433
O cronista que se escondia sob o pseudônimo de “Marquez di F.” também teve intensa produção
para Beira-Mar, embora por intervalo pequeno, entre 1932 e 33.
434
A relação entre homens e mu-
lheres na vida moderna era assunto corriqueiro em sua crônica. Fez coro com outros colaborado-
res do jornal em prol da “pax”, em 1932. Também foi redator do Jornal do Brasil.
435
Entre 1933 e 38 se estendeu a colaboração de Álvaro Marinho Rego, representante da novíssima
geração, nascido em 1918.
436
Escreveu em defesa da vida em Copacabana, da praia e do verão.
Procurava o público feminino. Na sua crônica, fez o elogio da “morena de Copacabana” e a apre-
sentação da “girl tipo 1934”.
437
Alexandre Passos
438
começou a colaborar em 1936. Pertencia à geração de Zolcahio Diniz e Ar-
naldo Tabayá. Escrevia crônica ligeira, redigia resenhas de livros e às vezes fazia referências à
Bahia. Era do círculo da Nação Brasileira.
439
Só publicaria em livro a partir dos Anos 40.
Também integrava esse quadro a escritora veterana Murilla Torres, que apareceu em diversas
fases, em 1927, 32-33 e 39.
440
havia publicado vários livros, de novelas e contos, nos Anos
430
Nascido em 1908, Salvador, BA: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
431
De 5 de fevereiro de 1931 a 17 de agosto de 1935.
432
6 de fevereiro, p. 4.
433
2 de janeiro de 1932, p. 4; 13 de agosto de 1932, p. 10; 14 de abril de 1934, p. 10; 21 de março de 1936, p. 5.
Também publicou: Getulio Vargas estadista, orador e homem de coração (1942); Minhas trovas, minhas rosas
(1968); Estrelas que amei... rosas que colhi (1972).
434
De 16 de julho de 1932 a 27 de julho de 1933.
435
20 de agosto de 1932, p. 5; 25 de março de 1933, capa.
436
De 24 de junho de 1933 a 7 de novembro de 1936. 3 de fevereiro de 1940, p. 2.
437
“Garota levada”, 30 de junho de 1934.
438
Nascido em 1903, baiano de Salvador: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasilei-
ra.
439
25 de setembro de 1934, p. 3.
440
De 4 de setembro a 20 de novembro de 1927, de 9 de abril de 1932 a 9 de dezembro de 1933, de 8 de julho a 6 de
dezembro de 1939.
81
20.
441
No Beira-Mar, divulgou seu romance Caipiras na cidade, de 1932. No ano seguinte escre-
veu a série “Estilos”, sobre literatura. Alguns de seus textos eram politizados, como a série “Pelo
bem geral”. Também era da turma da Nação Brasileira.
442
Entre os colaboradores assíduos havia críticos literários, que publicaram ao lado de Harold Daltro
e Albertus de Carvalho. O principal foi Adolpho Celso, presidente do Centro Literário de Copa-
cabana, amigo do círculo de Beira-Mar desde 1928, pelo menos.
443
Entre 1931 e 33, manteve a
coluna Rascunhos Literários, de resenhas de livros, onde comentou obras de Théo-Filho.
444
Che-
gou a ser redator efetivo do jornal por três meses. Colaborava também em O Globo e Nação Bra-
sileira.
445
Outro crítico literário, Eloy Barreto, freqüentou as páginas de Beira-Mar, a partir de
1937.
446
Nesse grupo de colaboradores havia ainda aqueles que contribuíram exclusivamente com a arte
do conto. Foi o caso de Marques Rebelo,
447
entre 1926 e 30,
448
antes de aparecer em livro, com
Oscarina, em 1931, e Três caminhos, em 33;
449
portanto bem antes de se tornar famoso. Foi tam-
bém o caso de Marina Coelho Cintra, que manteve colaboração em Beira-Mar por longo tempo,
de 1925 a 37, depois de ter colaborado no Mundo Literário.
450
Outra contista, Emma Garofalo,
apareceu a partir de 1936.
451
Houve muitos outros colaboradores, em prosa, que publicaram no jornal com menor freqüência.
Entre eles estiveram o compositor e militante integralista Ary Kerner, a professora Noemi Pitan-
ga, o humorista Alarico Cintra, o historiador Pedro Level Moreaux, a contista Cacy Cordovil e o
441
COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
442
6 de dezembro de 1927, p. 2; 30 de setembro de 1928, p. 3; 4 de novembro de 1928, p. 2; 14 de maio de 1932, p.
4; 1
o
de abril de 1933, p. 4.
443
De 20 de maio de 1928 a 11 de março de 1933
444
2 de julho de 1932, p. 4.
445
30 de setembro de 1928, p. 3; 23 de fevereiro de 1930, p. 2; 31 de agosto de 1930, p. 3; 26 de agosto de 1933, p.
2.
446
A partir de 18 de setembro de 1937. 7 de setembro de 1940, p. 5.
447
1907-1973, carioca: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
448
De 21 de novembro de 1926 a 31 de outubro de 1931.
449
31 de maio de 1931, p. 4; 8 de julho de 1933, p. 4.
450
De 25 de outubro de 1925 a 23 de janeiro de 1937. 6 de novembro de 1927, p. 2; 4 de novembro de 1928, p. 2; 14
de setembro de 1930, p. 8; 27 de outubro de 1934, p. 60. COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Lite-
ratura Brasileira.
451
A partir de 25 de julho de 1936.
82
jornalista Mario do Amaral.
452
Alguns colaboradores, embora tenham aparecido com pouca fre-
qüência, deixaram contribuições para a abordagem dos problemas balneários: Plácido Barbosa,
M. Luiz Fernandes, Dan Mallio, Américo da Veiga, Alvim Horcades Filho, Henri Lanteuil, Yo-
landa de Godoy, Nóbrega de Siqueira e Elcias Lopes. Afora os nomes citados, mais de uma cen-
tena de autores apareceu nas edições de Beira-Mar menos de dez vezes, com matéria literária ou
jornalística.
***
Entre os poetas, o número de colaboradores não foi menor. Não foi menor igualmente a sua im-
portância na ocupação das páginas do jornal. O autor que colaborou no maior número de edições,
mais de duzentas, foi um poeta. “Luso-Brás” era o pseudônimo usado, desde 1929,
453
por um
português enamorado do Brasil, Antonio Lopes Barbosa.
454
Publicava geralmente poemas curtos,
alguns sonetos. Às vezes dedicava versos à notícia do momento, fosse a morte da última celebri-
dade, fosse a inauguração das lanchas do Serviço de Salvamento da praia de Copacabana.
455
Não
se notabilizava, porém, por colocar os temas de Copacabana, do mar e da praia em especial evi-
dência, como, aliás, nenhum entre os poetas que apareceram no Beira-Mar. Era nascido, como o
editor, em 1892.
456
Sua presença, não excluído o valor literário de sua colaboração, podia estar
associada aos laços afetivos que M. N. de Sá mantinha com a colônia portuguesa.
Outros seis poetas colaboraram no jornal entre quarenta e sessenta vezes. Foram Augusto de Ma-
galhães (de 1926 a 37), Yolanda Luiza Olivieri (de 1929 a 35), Galvão Queiroz Neto (de 1933 a
37), José Magarinos (de 1931 a 39), Antonio Gomes Pinheiro Machado Jr. (de 1926 a 38) e Lau-
rindo de Brito (a partir de 1937). Nenhum desses nomes aparece nas obras de referência consul-
tadas. Também não ficaram sobre eles registros em Beira-Mar. A exceção foi Mlle. Olivieri.
457
A
redação do jornal apresentou sua companheira aos leitores como “graciosa e linda poetiza de real
talento, hoje uma das nossas mais queridas colaboradoras”. E sugeria o sentido de sua obra: “Yo-
452
Estiveram também Arnaldo Edmundo de Lemos, Ricardo Santiago, Guy de Navarre, Carvalho Junior, Leonisio de
Mattos, Luiza Marinho de Azevedo, Soares de Araújo, Aydano Romano Botelho, Jorge Azevedo, Antonio Paulo,
Alcides Marinho Rego, João Nizzo Sobrinho, Luiz Muniz e Pedro Paulo Autran.
453
A partir de 10 de fevereiro de 1929.
454
19 de novembro de 1938, p. 70.
455
10 de dezembro de 1938, p. 4.
456
30 de outubro de 1937, p. 56.
457
De 24 de abril de 1929 a 23 de novembro de 1935.
83
landa Luiza é linda e os poemas que ela faz são reflexos do seu próprio ser”.
458
Assinava “Olivie-
ri, Yolanda Luiza”. Também colaborava na Nação Brasileira.
459
Uma dezena de outros poetas publicou vinte ou mais trabalhos no Beira-Mar, em diferentes épo-
cas. Sobre quase todos eles também não se encontram referências biobibliográficas.
460
Apenas
Augusto Frederico Schmidt
461
se tornaria famoso. Quando morava em Copacabana freqüentou a
patota de Henrique Bahiana, Sylvio Moreaux e Paulo Candiota.
462
Colaborou em Beira-Mar entre
1924 e 31. Sobre Hyldeth Favilla
463
circulava alguma notícia. Nascida em 1912, era autora de
um livro de poemas publicado em 1927, Dor suave. Assinava também com o pseudônimo “Hylda
Villas”.
464
Foi apresentada por Beira-Mar aos leitores como “linda e talentosa poetiza”,
465
“feste-
jada figurinha da moda”, que era “um poemazinho de alegria”.
466
Entrevistada pelo jornal sobre
sua preferência de veraneio, declarou gostar de passar “a estação calmosa” na praia de Copacaba-
na: “Sou a namorada do mar”.
467
Também foi grande o grupo dos colaboradores que publicaram pelo menos dez poemas no jor-
nal.
468
Mais de uma centena de outros poetas também apareceu em Beira-Mar. Entre os autores
que publicaram poucas vezes havia aqueles que eram não apenas colaboradores, mas simultane-
amente notícia do jornal. Alguns tiveram uma exposição em grau moderado. Foi o caso das irmãs
Macaggi, que obtiveram algum destaque. Nenê Macaggi
469
foi festejada como “linda e encanta-
dora” escritora de contos regionais. Um livro da poetiza Ada Macaggi,
470
Taça, também chegou a
458
2 de junho de 1929, capa.
459
29 de junho de 1930, p. 10; 15 de setembro de 1934, p. 3.
460
G. da Silva Jardim, Augusto Frederico Schmidt, Julita da Silva Porto, Haydée Machado Marques Porto, Paulo
Rosa, Cleto de Moraes Costa, Hyldeth Favilla, Iracema do Lago Baptista, Maria Flor e Talvanes Wanderley.
461
1906-1965, carioca: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
462
18 de novembro de 1928, p. 3.
463
Nascida em 1912, baiana de Salvador: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasilei-
ra.
464
17 de julho de 1927, capa.
465
4 de agosto de 1929, capa.
466
17 de agosto de 1930, p. 2.
467
2 de março de 1930, capa.
468
Zélia Moreira, Boneca de Moura Palha, Christiano Tavares Simões, Antonio Carlos Jezler, Soares de Alcântara,
Arnaldo Nunes, Álvaro da Fonseca Lima, Castro e Silva, Lilinha Fernandes, Telles de Meirelles, Luiza Ferreira da
Silva, Pedro Paulo Faria da Rocha, Paulo Gustavo, Renato Araújo, Renato Travassos, Valério Frias, Carmem Cinira.
469
COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira. Publicou Contos de dor e de sangue
(1935) e Chica Banana (1938).
470
1906-1947, paranaense de Paranaguá: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasilei-
ra.
84
ser divulgado.
471
Uma que mais apareceu do que colaborou foi Jesy Barbosa.
472
Fez sucesso, en-
tre 1926 e 31, com seu duplo talento literário e musical. A “fulgurante escritora”, a mesma Jesy
“que Copacabana tanto admira e quer” era igualmente “uma deliciosa voz”.
473
Integrante do cír-
culo de beldades copacabanenses, foi coroada, em 1930, “rainha da canção brasileira”.
474
Co-
fundadora do Centro Literário de Copacabana, freqüentava a mesma roda de amigos a que per-
tenciam colaboradores e redatores do Beira-Mar.
475
Além de cantora, foi violonista. Ficaria reco-
nhecida como uma das pioneiras da “Era do Rádio”.
476
Nenhuma delas alcançou, todavia, o cartaz de Didi Caillet. De família paranaense, ex-moradora
de Copacabana,
477
a jovem declamadora, nascida em 1912,
478
ganhou evidência quando foi eleita
Miss Paraná 1929. Beira-Mar adotou-a como a sua celebridade favorita.
479
Tudo o que fazia vi-
rava notícia. Toda vez que voltava ao Rio era fotografada no desembarque, junto aos amigos e
familiares, em festivas recepções.
480
Vários colaboradores do jornal se encantaram com ela.
481
A
redação não economizava elogios: “Mlle. Didi Caillet já era um nome bastante conhecido da élite
carioca, uma figura que muito havia aqui no Rio conquistado sinceros admiradores, não
pela sua rara beleza, como também pela sua inteligência, pois Mlle. Didi Caillet é uma fina diseu-
se, que quando declama a gente não sabe o que mais apreciar – se a poesia que ela diz ou se a voz
sonora e macia que dos seus lábios voa como um perfume de som”.
482
Era apelidada “Miss Inte-
ligência”.
483
Seus dois livros foram promovidos com generosidade Taú, contos, de 1931, e Re-
viver, romance, de 1932.
484
471
21 de janeiro de 1933, p. 12; 29 de junho de 1935, p. 4; 1
o
de agosto de 1936, p. 12.
472
Nascida em 1906, campista: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
473
8 de setembro de 1929, p. 8.
474
23 de novembro de 1930, p. 3.
475
23 de fevereiro de 1930, p. 2. Também publicou Cantigas de quem perdoa... (1965).
476
Dicionário Cravo Albim da MPB (internet).
477
31 de março de 1929, capa; 4 de junho de 1932, p. 10.
478
Curitibana: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
479
Por exemplo: 8 de dezenbro de 1929, 3; 21 de setembro de 1930, p. 3; 8 de fevereiro de 1931, p. 10; 3 de outubro
de 1931, capa; 9 de abril de 1932, p. 6; 24 de dezembro de 1932, p. 12; 10 de junho de 1933, p. 7; 28 de outubro de
1933, p. 47; 16 de junho de 1934, p. 7; 27 de outubro de 1934, p. 30; 25 de julho de 1936, p. 10.
480
13 de outubro de 1929, p. 8; 17 de agosto de 1930, p. 10; 1
o
de agosto de 1931, p. 10.
481
Leôncio Correia, “Didi Caillet” (poema), 16 de novembro de 1930, p. 4; Zolachio Diniz, “O livro que Didi Caillet
nos dará brevemente”, 12 de abril de 1931, p. 2; Mario de Souza, “O livro de Didi Caillet”, 9 de janeiro de 1932, p.
4; Albertus de Carvalho, “Didi Caillet”, 27 de agosto de 1932, p. 4.
482
7 de abril de 1929, capa.
483
10 de agosto de 1930, capa; 4 de junho de 1932, p. 10.
484
1
o
de fevereiro de 1931, p. 5; 31 de outubro de 1931, p. 27; 19 de dezembro de 1931, capa; 4 de junho de 1932, p.
10; 25 de junho de 1932, p. 4; 6 de agosto de 1932, p. 4.
85
Embora não tenha recebido nem de longe a atenção que Didi Caillet mereceu, outro autor que
apareceu sem ter colaborado muitas vezes foi Cristóvão de Camargo.
485
Nascido no mesmo ano
de Theotonio Filho, esse escritor paulista, ex-colaborador do Mundo Literário, começou a pu-
blicar livros a partir de 1927. Entre 1932 e 34, através de alguns poucos artigos, acendeu um de-
bate em torno da comemoração do Natal.
486
Abriu guerra contra “esse espírito de imitação que
faz do brasileiro um eterno caudatário dos usos e costumes de outros povos”.
487
No lugar de Pa-
pai Noel, propôs a criação da figura de “Vovô Índio”. Foi uma tentativa de construção de um
mito nacional que animou alguns intelectuais, como A. Villas Boas, Lucio Marianni, Nóbrega de
Siqueira, Oswaldo Gouveia e Éster Ferreira Calderón. Entre os críticos da idéia se alinharam Ala-
rico Cintra, Esther Ferreira Vianna, Annita Corrêa e Helena Penna Teixeira.
488
Chegaram a apa-
recer representações gráficas que mostravam Vovô Índio como um velhinho humilde, vestindo
roupas esfarrapadas, mais adequadas, como se queria, ao verão.
489
Uma moça, a encantadora
Lea Pinto Machado”, concorreu vestida de Vovô Índio num banho de mar à fantasia, no Carnaval
de 1933.
490
Os primeiros livros de Cristóvão de Camargo foram anunciados no Beira-Mar: O
estranho caso de Pelino Mendes e O enigma mulher, ambos em 1927, e O inventor da apendicite
e outros contos, em 31.
491
***
Finalmente, além de todos esses colaboradores, Beira-Mar se relacionava com os nomes consa-
grados da literatura brasileira da época. Para isso M. N. de reservava as edições especiais co-
485
Nascido em 1892, em São Paulo: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
486
24 de dezembro de 1932, capa; 23 de dezembro de 1933, p. 2; 6 de janeiro de 1934, p. 2; 17 de março de 1934, p.
6; 27 de outubro de 1934, p. 29.
487
24 de dezembro de 1932, capa.
488
23 de dezembro de 1933, suplemento, p. 15 e p. 17; 6 de janeiro de 1934, p. 4; 29 de dezembro de 1934, p. 4; 7 de
dezembro de 1935, p. 2; 21 de dezembro de 1935, p. 7.
489
11 de março de 1933, capa; 23 de dezembro de 1933, capa.
490
25 de fevereiro de 1933, capa.
491
23 de janeiro de 1927, p. 12; 23 de outubro de 1927, p. 15; 12 de setembro de 1931, p. 4; 9 de julho de 1932, p.
10. Também publicou: O grave problema da instrução popular (1931); Contos impossíveis (1933); Fabulario do
Vovô Índio (1935); Notas de ontem e de hoje (1935); Prosas excêntricas (1935); Subconsciente, o nosso imenso
interior (1936); República de funâmbulos (1937); Pregando aos peixes (1937); O pintor (comédia, 1941); O príncipe
galante (teatro, 1941); Cuentos de hoy y de siempre (1943); El escritor frente con el momento mundial (1944); Bron-
ze (poesia, 1947); Hanstisé (teatro, 1947); O ensino de português na Argentina (1953); Poemes de la nuit (1955);
Histórias de homens e bichos; Meu perfil de Pedro I; Antologia (1976).
86
memorativas de aniversário da publicação.
492
Uma vez por ano, o jornal se transformava em re-
vista literária. Aparecia com capa colorida, às vezes ilustrada por artistas como J. Carlos e Navar-
ro Rivas, dezenas de páginas, diagramação mais livre que a usual, à base de fotografia e ilustra-
ção, e anúncios grandes. Era uma celebração em que Beira-Mar reunia todos os que lhe eram
simpáticos para afirmar a sua importância no universo da imprensa. Depois da entrada de Théo-
Filho, o crescimento da colaboração permitiu edições que chegavam a ter em torno de cem pági-
nas.
Parte dos que colaboravam eram escritores e poetas residentes em Copacabana.
493
Alguns per-
tenciam à Academia Brasileira de Letras no tempo em que publicaram no Beira-Mar. Muitos
eram mais velhos que o dono do jornal e haviam começado a escrever no século XIX. Entre os
moradores de Copacabana estavam Ramiz Galvão (1846-1938), Julia Lopes de Almeida (1862-
1934), Antonio Austregésilo (1870-1960), Laudelino Freire (1873-1937), Raul de Azevedo
(1875-1957), Cláudio de Souza (1876-1954) e Felix Pacheco (1879-1935), que passavam dos
cinqüenta anos de idade em 1930, e, mais moços um pouco, Goulart de Andrade (1881-1936),
Álvaro Moreyra (1888-1964), Gustavo Barroso (João do Norte, 1888-1959), Adelmar Tavares
(1888-1963) e Olegário Mariano (1889-1958).
494
Escritores jovens participaram,
495
vez ou outra, dessa festa literária: Henrique Pongetti (1898-
1979), Cecília Meirelles (1901-64), Pedro Calmon (1902-85), Lamartine Babo (1904-63), Cher-
mont de Britto (n. 1904), Odilon Azevedo (1904-66), Érico Veríssimo (1905-75), Pascoal Carlos
Magno (1906-80) e Heitor Marçal (n. 1910), para citar alguns que conquistaram lugar nas enci-
clopédias.
496
Entre esses, uns foram freqüentes colaboradores das edições de aniversário, como os
492
28 de outubro de 1923; 26 de outubro de 1924; 25 de outubro de 1925; 23 de outubro de 1927; 21 de outubro de
1928; 27 de outubro de 1929; 26 de outubro de 1930; 31 de outubro de 1931; 29 de outubro de 1932; 28 de outubro
de 1933; 27 de outubro de 1934; 12 de outubro de 1935; 7 de novembro de 1936; 15 de novembro de 1937; 19 de
novembro de 1938; 28 de outubro de 1939; 9 de novembro de 1940. A edição de 1926 não aparece nas coleções
consultadas.
493
Márquez di F., “Copacabana”, 11 de fevereiro de 1932, p. 2; 4 de fevereiro de 1939, p. 2; série de entrevistas com
escritores famosos moradores em Copacabana, por Gonzaga Coelho: de 23 de julho a 8 de outubro de 1932.
494
Outros da velha geração foram Coelho Netto (1864-1934), Xavier Marques (1861-1943), Max Fleuiss (1868-
1943), Carlos Magalhães de Azeredo (1872-1963), Jarbas de Carvalho (1875-1966), Raphael Pinheiro (1876-1939) e
Celso Vieira (1878-1954).
495
Por exemplo: 26 de outubro de 1930; 28 de outubro de 1933; 28 de outubro de 1939.
496
Datas de nascimento e morte: COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira.
87
poetas Murillo Araújo (1894-1980)
497
e Pádua de Almeida (n. 1899)
498
, e o contista Berilo Neves
(1901-1974),
499
que também publicou crônica sobre Copacabana.
Outros nomes estavam vinculados à experiência de Théo-Filho na imprensa e no mundo editorial.
Alguns eram amigos, como Gilberto Amado (1887-1969), dos tempos de juventude no Recife,
Carlos Malheiro Dias (1875-1941), poeta português a quem Théo havia dedicado Uma viagem
movimentada, Carlos Maul (1889-1973), que o havia ajudado em Portugal na relação com os
editores, e Eloy Pontes (1888-1967), com quem manteve correspondência.
500
Colaboraram co-
nhecidos do tempo do Correio da Manhã, como Costa Rego (1889-1954) e Floriano de Lemos
(1885-1968). Muitos haviam passado pelo Mundo Literário e pela editora Leite Ribeiro, alguns
mais próximos, como Agrippino Grieco (1888-1973) e Benjamim Costallat (1897-1961), outros
da geração mais velha, como Clovis Bevilaqua (1859-1944), Pereira da Silva (1876-1944), Alber-
to de Oliveira (1857-1937), Afrânio Peixoto (1876-1947) e Chrysantheme (1870-1948), ou da sua
geração, como Mario Sette (1886-1950), Adelino Magalhães (1887-1969), Gastão Penalva (1887-
1944), Osório Dutra (1889-1968) e Carlos Rubens (1890-1946), ou ainda mais jovens, como Po-
vina Cavalcante (1898-1974).
501
***
Essa pequena multidão de autores que têm em comum haver assinado textos em Beira-Mar
pode ser organizada em três grandes grupos, conforme o tipo de relação com o periódico: os co-
laboradores anuais, os colaboradores das edições regulares e os integrantes da redação. Os pri-
meiros raramente apareciam fora dos números especiais de aniversário. E se misturavam aos
colaboradores comuns. Embora rarefeita, sua colaboração era significativa. A maioria deles era
de escritores mais velhos que Théo-Filho, quase todos consagrados, e alguns pertencentes à gera-
ção que havia se tornado adulta ainda no século XIX. Sua presença na festa de Beira-Mar expres-
497
A partir de 27 de outubro de 1929.
498
A partir de 21 de outubro de 1928.
499
A partir de 26 de outubro de 1930.
500
THÉO-FILHO, “A morte da emoção” in Gazeta de Notícias, 3 de janeiro de 1916, p. 3.
501
Também apareceram José Oiticica (1882-1957), Viriato Correia (1884-1967), Iveta Ribeiro (n. 1886), Carlos da
Veiga Lima (n. 1889), Bastos Portella (1890-1956) e Osvaldo Orico (1900-81).
88
sava a consideração que o semanário praiano merecia da autoridade literária residente na capital
federal.
O grupo de colaboradores propriamente ditos, em contraste, era formado de jovens, a maioria
nascida no século XX. As exceções foram raras. Leôncio Correia ocupava sem concorrente a
posição de representante da velha geração. Luso-Brás e Cristóvão de Camargo eram dos poucos a
figurar na faixa etária de Théo-Filho.
Existiram em quantidade gigantesca esses jovens colaboradores. Aqueles que colaboraram umas
poucas vezes ultrapassaram um milhar. Os colaboradores regulares se contavam às dezenas. Não
era comum se reunir tanta gente sob o abrigo de uma mesma folha periódica. Revistas semanais
de grande circulação, como a Careta e o Fon-Fon, não publicavam uma variedade tão grande de
nomes. Ainda que houvesse espaço, jornais diários não davam a mesma importância para a litera-
tura. Uma revista especializada como o Mundo Literário não chegou a atrair um círculo tão vasto.
Essa abertura generosa à colaboração podia ocorrer em detrimento da qualidade literária da pu-
blicação. Do contingente de jovens “plumitivos” que passaram por Beira-Mar, apenas dois Au-
gusto Frederico Schmidt e Marques Rebelo conquistariam importância no cânone brasileiro,
com direito a longos verbetes nos dicionários. Poucos seriam publicados em livro: Jesy Barbosa,
Zolachio Diniz, Afonso Louzada e as irmãs Macaggi. A grande maioria não chegaria a garantir
sua sobrevivência nas estantes das bibliotecas, ainda que alguns fossem bem conhecidos pelos
leitores de então, como Paulo MacDowell, Julio de Oliveira, Maria Alda etc.
Beira-Mar, portanto, funcionava como canal de expressão para uma pujante juventude literária
que não costumava encontrar na grande imprensa oportunidade de se manifestar. Talvez cumpris-
se esse papel precisamente porque não era uma revista literária. Literatura era apenas um dos seus
múltiplos interesses. Todo o material literário poesia, crônica, conto, crítica etc. não ocupava
mais que um quarto das suas páginas. Assim, somente uma parte do seu espaço estava aberta à
participação desse exército de colaboradores externos.
89
A maior parte do jornal era produzida pelo pessoal da redação (mesmo excetuados os anúncios e
as colunas assinadas por médicos e outros colaboradores especialistas). Os redatores escreviam
todas as matérias não assinadas, redigiam quase todas as protegidas por pseudônimos e ainda
contribuíam com literatura autoral. Formavam um grupo bem menor que o de colaboradores. Nos
tempos de maior atividade, a redação não chegava a uma dezena de neófitos, em órbita de um
núcleo formado por meia dúzia de jornalistas empenhados no sucesso do empreendimento. Eram
os portadores da carteira do jornal. Provavelmente mantinham uma relação contratual com a em-
presa de M. N. de Sá. A despeito de tantas distinções, no entanto, seu perfil social era o mesmo
do círculo de colaboradores.
Os redatores de Beira-Mar eram jovens, nascidos no século XX. Exceções foram Paulo Candiota,
editor da Secção Católica, e o veterano Custodio de Viveiros. Entre rapazes e moças que traba-
lharam por pouco tempo no sobrado da Serzedello Correia, ninguém se projetou no mundo literá-
rio. Entre os integrantes do núcleo editorial, ainda apareceram contribuições literárias reconheci-
das. Pelo menos quatro deles Harold Daltro, João Guimarães, Henrique Bahiana e Sylvio Mo-
reaux publicaram livros. Mas, igualmente àqueles jovens colaboradores que chegaram às livra-
rias, não produziram nada que fosse lembrado além do seu tempo.
O círculo de jovens redatores e colaboradores de Beira-Mar tinha como referência Théo-Filho, o
famoso escritor exemplarmente jovem, embora não tão jovem que não pudesse ter autoridade
sobre a nova geração. Muitos deles como Harold Daltro, Albertus de Carvalho, João Rodolpho,
Max Monteiro, Gonzaga Coelho, Afonso Louzada, Vitória gia e Adolpho Celso escreveram
sobre Théo-Filho e comentaram sua obra, sempre favoravelmente. O Centro Literário de Copaca-
bana, que reunia uma parcela da juventude literária local, reconhecia no editor do jornal praiano o
fundador de uma literatura copacabanense.
Esse mesmo jovem círculo se reproduzia em torno da revista Nação Brasileira. Muitos dos cola-
boradores assíduos e dos redatores do núcleo editorial de Beira-Mar colaboravam na revista men-
sal de Alfredo Horcades. Repetia-se também a dupla Théo-Haroldo nos papéis de diretor e secre-
tário de redação. Assim, o eixo dessa roda não estava exatamente em Beira-Mar, mas em Théo-
Filho.
90
Depois da consagração junto ao público e da experiência como diretor do Mundo Literário, Théo-
Filho havia conquistado o prestígio necessário para construir um círculo de literatos em torno de
si e das publicações que dirigia. Mas não se deve exagerar sua importância. Se colaboradores e
redatores dependiam da sanção do editor, este sequer poderia existir como tal sem a produção
daqueles. Beira-Mar, bem como a Nação Brasileira e a maioria dos periódicos, era produto do
trabalho de uma coletividade.
91
3 – A ARQUITETURA EDITORIAL
Beira-Mar foi uma publicação ímpar. Embora guardasse semelhanças com outros periódicos da
época, mantinha um conjunto de atributos que lhe dava um lugar próprio na imprensa carioca.
Essa singularidade correspondia a três de seus traços característicos fundamentais: a identidade
com o tema da praia; um raio diferenciado de abrangência geográfica; e um caráter híbrido, que
oscilava entre jornal e revista.
Beira-Mar se distinguia como um semanário de apologia à praia. Perseverava “no seu propósito
de propaganda das praias, da vida nas praias, pois as praias são, certamente, os braços abertos da
alegria e do próprio progresso de nossa Capital, de nosso centro civilizado”.
502
Várias vezes ao
ano, Théo-Filho dedicava a matéria principal de capa ao movimento praiano: Ipanema e Copa-
cabana inauguraram, domingo último, definitivamente, a estação balneária”.
503
Mal começava o
verão, a manchete fazia uma exortação aos leitores: “Rumo à praia! Para alegria dos corpos, bele-
za da raça e fama da terra”.
504
Beira-Mar apresentava-se como “jornal de praias”, ou “jornal praiano” ou ainda “o popular se-
manário das praias do Brasil”.
505
O nome afirmava a vocação balneária. A programação visual
reforçava essa idéia. O cabeçalho da primeira e da última página ornamentado com figurinhas
femininas estilizadas praticando esportes aquáticos simbolizava o terreno pelo qual brigava a
publicação. Permeavam a pauta assuntos como o banho de mar, os postos de salvamento, os horá-
rios de banho, as barracas, as ressacas, a polícia de costumes e a moda do “maillot”.
502
29 de setembro de 1929, capa. (Exceto indicação em contrário, todas as referências deste capítulo pertencem a
Beira-Mar).
503
7 de dezembro de 1930, capa.
504
16 de março de 1935, capa.
505
4 de junho de 1932, p. 3; 8 de outubro de 1938, p. 3; 7 de setembro de 1935, capa.
92
Às vezes Beira-Mar se dizia “o único no seu gênero no país”.
506
Era legítima essa reivindicação
de exclusividade. Os raros tulos que se propuseram a uma orientação similar como a revista
Praia não foram além da tentativa.
507
No passado, a experiência que mais se aproximava do
jornal de M. N. de Sá e Théo-Filho havia sido O Copacabana. Mas o jornal de Theotonio de Oli-
veira não tinha desenvolvido a mesma ambição pelo tema balneário.
A abrangência geográfica de Beira-Mar foi determinada em grande parte pelo critério temático.
O semanário praiano não era apenas um órgão de imprensa de Copacabana, como havia sido seu
antecessor ou como viria a ser muitas décadas depois uma publicação do gênero, por exemplo, do
quinzenário Posto Seis, que se anunciaria como “o jornal de Copacabana”.
508
Numa medida imprecisa, Beira-Mar podia ser referido como um jornal de Copacabana.
509
E isso
valia não por que sua sede estava na praça Serzedello Correia, onde ficavam a matriz, o centro
comercial do bairro e o ponto de entroncamento das linhas de bondes provenientes da cidade.
Naquela época o termo “Copacabana” podia designar toda a nova região oceânica que incluía
Leme e Ipanema anexada à cidade do Rio de Janeiro depois da abertura dos túneis e protegida
por uma fileira de montanhas, uma lagoa – a Rodrigo de Freitas – e o seu canal de acesso ao mar.
O nome circulava, havia mais de século, associado à tradição da peregrinação dos devotos de
Nossa Senhora de Copacabana à “Igrejinha”, situada, até 1918, no promontório que divide as
praias de Copacabana e Ipanema.
510
Não obstante a importância de Copacabana, Beira-Mar se filiava declaradamente aos bairros de
“Copacabana, Ipanema e Leme”.
511
Era essa a sua jurisdição. Os textos de redação, por obrigação
de estilo, aludiam aos três bairros, sistematicamente. Era muito freqüente o recurso à sigla “CIL”.
506
28 de dezembro de 1930, p. 6.
507
Revista dirigida por Ismael Gomes Braga, Caio de Freitas e Mario Dias: 10 de outubro de 1936, p. 5. Outros títu-
los mencionados em Beira-Mar: Praia, jornal dirigido por E. Victor Visconti e Paulo Serzedello (Paulo Nioac), 22
de julho de 1933, suplemento; Canto do Rio Jornal, dirigido por Luiz Miranda, colaborador de Beira-Mar em Nite-
rói, 21 de abril de 1934, p. 4; O Icaraí, dirigido por Darcy Soares e Salomão Barros, também colaborador de Beira-
Mar em Niterói, 12 de janeiro de 1935, p. 4.
508
Jornal de distribuição gratuita, fundado em 1995, dirigido por Mauro Franco e Ana Franco.
509
23 de outubro de 1927, capa.
510
Gastão CRULS, Aparência do Rio de Janeiro, v. 2, pp. 432-434; Brasil GERSON, História das ruas do Rio, pp.
422-423; Paulo BERGER, Copacabana, pp. 21 e 44; Delso RENAULT, Rio de Janeiro A vida da cidade refletida
nos jornais (1850-1870), p. 207.
511
28 de outubro de 1922, capa; 18 de novembro de 1928, p. 6.
93
Até meados dos Anos 30, fazia parte da estratégia de afirmação da região denominá-la “a
CIL”.
512
Comumente, seus habitantes e suas instituições eram referidos como “cilenses”.
513
Com o sucesso, Beira-Mar se expandiu. Cedo incorporou ao seu raio de cobertura o bairro praia-
no do Leblon,
514
ligado a Ipanema desde a construção recente da primeira ponte sobre o canal da
Lagoa.
515
Bastava que se acrescentasse um segundo “L” às iniciais “CIL”. Passo mais ousado foi
a criação, em 1929, de uma sucursal em Niterói, na praia de Icaraí, do outro lado da baía de Gua-
nabara.
516
A circulação não se limitava então à cidade do Rio. O jornal também promoveu al-
gumas tentativas mal sucedidas de penetração nas praias internas da zona sul carioca, princi-
palmente Flamengo,
517
mas demonstrou pouco interesse pelas praias da zona norte.
A despeito dessa inclinação expansiva, entretanto, o raio de abrangência de Beira-Mar conserva-
va um alcance regional. Sua pauta não se obrigava a repercutir os acontecimentos da cidade nem
do mundo. Apenas momentos de grande comoção no país, como a morte de Rui Barbosa ou a
morte de Santos Dumont, por exemplo, distraíam a atenção do jornal dos assuntos locais.
518
O alcance geográfico, por sua vez, determinava o porte da publicação. A circulação limitada a
uma parte reduzida da capital e uma praia de Niterói não sugeria um regime diário. A periodici-
dade devia ser obrigatoriamente dilatada, como a de uma revista. A estrutura da empresa precisa-
va ser dimensionada para atender apenas a uma rotina semanal.
A condição de semanário tinha impacto não tanto sobre a pauta, mas sobre o tratamento jornalís-
tico dado às matérias. Beira-Mar não podia competir com os diários na cobertura dos assuntos
locais. Seu noticiário era frio, não trazia novidade. Dava conta, em parte, de acontecimentos que
não chegavam a interessar à grande imprensa. Outras vezes, não cabia noticiar, mas apenas co-
mentar a notícia. “Como todos sabem, porque largamente foi noticiado pela imprensa diária (...)”
era assim que se introduzia, por exemplo, a abordagem de um caso de afogamento. Nada havia
512
28 de outubro de 1922, capa; 15 de abril de 1923, capa; 23 de junho de 1934, p. 10.
513
21 de novembro de 1931, p. 2; 16 de outubro de 1937, p. 3.
514
6 de julho de 1930, capa;
515
Em 1918: Brasil GERSON, Op. Cit., pp. 409 e 427.
516
9 de junho de 1929, p. 8.
517
16 de junho de 1929, p. 8; 24 de agosto de 1930, p. 3; 5 de dezembro de 1931, p. 7.
518
4 de março de 1923, capa; 24 de dezembro de 1932, p. 12.
94
a acrescentar senão reclamar medidas preventivas: “Dê-se mais eficiência ao serviço de salvação
nas praias”.
519
Desse modo, a pauta principal de assuntos sérios era menos noticiosa que editorial.
A essa vocação editorial do seu jornalismo, correspondia o papel representativo de Beira-Mar. A
publicação se afirmava como representante da região. Era “o órgão defensor dos interesses dos
moradores” de Copacabana, Ipanema e Leme.
520
Apresentava-se como “o intermediário e o por-
ta-voz de nossas praias”.
521
Assim, as principais matérias da pauta funcionavam freqüentemente
como editoriais dirigidos aos poderes públicos em nome dos leitores, identificados com os mora-
dores e os banhistas. Pelos mais diversos motivos, Beira-Mar se mobilizava para exigir “provi-
dências” às “autoridades competentes”.
522
Além da periodicidade, ainda outras características aproximavam Beira-Mar da categoria das
revistas. O papel couché criava uma distinção com relação à reles folha de jornal, produzida so-
bre material de baixa qualidade, descartável. A presença daquele largo círculo de colaboradores
também ajudava a dar às suas edições – especialmente as de aniversário – ares de revista literária.
Beira-Mar, contudo, não pretendia competir com as revistas semanais que circulavam no Rio de
Janeiro. Seu lugar na grande imprensa da época podia ser estimado pela sua política de preços.
Nos Anos 30, custava $400 o exemplar avulso, um pouco menos do que os $500 de uma revista
popular como a Careta, mas bem mais barato que outros semanários, como o Fon-Fon, o Jornal
das Moças, O Cruzeiro e a Revista da Semana, a preços entre 1$000 e 1$500. Era mais caro, po-
rém, que as folhas diárias, como, por exemplo, A Noite, o Diário de Notícias e o Correio da Ma-
nhã, na faixa de 100 a 300 réis. Igualava-se ao preço das edições dominicais do Jornal do Brasil
e do Correio da Manhã.
523
Formalmente, Beira-Mar procurava se distanciar do gênero das revistas. Afirmava-se sempre
como jornal – “o jornal Beira-Mar”, no masculino.
524
O aspecto gráfico reforçava essa escolha. O
519
12 de maio de 1934, capa.
520
15 de abril de 1923, capa.
521
5 de outubro de 1935, p. 6.
522
25 de dezembro de 1925, capa; 16 de abril de 1932, p. 2; 22 de junho de 1924, capa; 29 de junho de 1930, capa.
523
Preços de 1931 a 1939.
524
6 de janeiro de 1929, p. 12; 23 de março de 1930, p. 3; 7 de abril de 1934, p. 5; 7 de setembro de 1935, capa.
95
formato em nada se aparentava ao das revistas era maior e, embora pequeno para um jornal,
mantinha suas proporções.
525
A capa imitava a diagramação da primeira página das folhas diárias.
Assim, mais do que numa revista, havia espaço para variedade de assuntos. A organização das
manchetes e das massas de texto permitia a hierarquização do conteúdo. Interesses diversos de
Copacabana e das praias podiam ser estampados com ênfases diferenciadas.
526
Esse caráter híbrido, por fim, permitia, num periódico semanal, o desenvolvimento de um temário
inspirado no modelo dos grandes jornais. A estrutura temática de Beira-Mar podia atender, as-
sim, a um amplo condomínio de interesses. Havia nela uma pauta principal de assuntos graves,
que se identificava com a área geográfica de cobertura do jornal; uma parte comercial, de servi-
ços e anúncios; uma pauta mundana, de amenidades; e uma rie de seções de especialidades
temáticas, como esporte, cinema etc.
***
A pauta de assuntos sérios de Beira-Mar ocupava o espaço que podia numa publicação que se
afirmava representante das “caravanas álacres” e dos “bandos gárrulos” de banhistas em busca da
praia.
527
Se não passava de um décimo das preocupações do semanário praiano, essa pauta, con-
tudo, tinha direito a aparecer na capa e nas primeiras páginas. Constituía uma parte pequena, po-
rém prioritária.
Beira-Mar acompanhou um longo e importante intervalo do processo de formação do lugar.
Quando M. N. de fundou o jornal, em 1922, apenas trinta anos haviam passado desde a aber-
tura do primeiro túnel a juntar Copacabana à cidade. O arrabalde, favorecido pela implementação
prévia de sistema de transporte e rede de serviços, havia se transformado rapidamente num ende-
reço residencial escolhido pela elite na capital federal.
528
Pouco depois, o bairro viveu um novo
surto de crescimento. A urbanização inicial, de casas e palacetes, começou a ser substituída por
525
Aproximadamente 33 x 48cm.
526
Sobre distinção entre jornal e revista: Ana Luiza MARTINS, Revistas em revista, pp. 38-71.
527
10 de outubro de 1931, capa; 1
o
de fevereiro de 1931, p. 12.
528
Mauricio ABREU, Evolução urbana do Rio de Janeiro, pp. 47-48; Elizabeth Dezouzart CARDOSO et Alli, Co-
pacabana, pp. 43-54.
96
uma nova cidade de “arranha-céus”. Em duas cadas, a população mais que triplicou, beirando
75 mil habitantes, em 1940.
529
Nesse processo, Beira-Mar funcionou como um instrumento de intervenção a serviço dos interes-
ses de crescimento da região, representados através de M. N. de e Théo-Filho. “O progresso
de Copacabana” era a chave orientadora dessa pauta principal.
530
Constituía “a missão” do jor-
nal.
531
Essa noção de progresso podia se estender aos “interesses materiais, intelectuais e senti-
mentais de Copacabana”.
532
Na prática, todavia, os assuntos sérios que chegavam à primeira pá-
gina em grande parte estavam relacionados à melhoria das condições materiais da CIL.
O temário repercutia, portanto, uma variedade de problemas ligados à administração urbana. Não
houve edição que não fizesse referência a pelo menos um dos serviços públicos essenciais – abas-
tecimento d’água, instalação de esgotos, limpeza, transportes, iluminação, policiamento etc.
533
O
calçamento de ruas, em diferentes trechos, rendeu sucessivas campanhas de reivindicação.
534
Freqüentemente a atenção das autoridades era exigida diante das mazelas desencadeadas por al-
guma calamidade: enchentes, ressacas, mosquitos, ladrões, lixo etc.
535
Obras prolongadas vira-
vam objeto da fiscalização do jornal. Foi o caso do alargamento do Túnel Velho, entre 1924 e
27,
536
da abertura do Corte do Cantagalo, entre 1934 e 38,
537
das reformas que deram origem à
Avenida Nossa Senhora de Copacabana, em 1939,
538
e das diversas obras na Avenida Atlântica
que se executaram nessas duas décadas.
539
A instalação da rede de esgotos em Ipanema e Leblon
esteve em pauta por cinco anos.
540
529
Mauricio ABREU, Op. Cit., pp. 109 e 80.
530
15 de outubro de 1932, p. 5; 19 de setembro de 1936, p. 3; 2 de abril de 1938, p. 5.
531
5 de janeiro de 1930, p. 2.
532
23 de outubro de 1927, capa.
533
Por exemplo: 9 de setembro de 1933, capa; 26 de agosto de 1933, capa; 29 de dezembro de 1931, capa; 26 de
fevereiro de 1938, capa; 22 de outubro de 1932, capa; 21 de maio de 1932, capa.
534
Por exemplo: 30 de abril de 1932, capa; 10 de março de 1934, capa; 13 de abril de 1935, p. 3; 16 de setembro de
1939, p. 2.
535
Por exemplo: 30 de março de 1930, capa; 3 de abril de 1937, capa; 6 de maio de 1928, capa; 16 de setembro de
1933, capa; 19 de novembro de 1932, capa.
536
9 de novembro de 1924, capa; 4 de dezembro de 1927, capa.
537
26 de maio de 1934, capa; 4 de dezembro de 1937, capa.
538
7 de dezembro de 1935, capa; 3 de junho de 1939, p. 12.
539
7 de junho de 1925, capa; 4 de fevereiro de 1939, p. 2.
540
18 de fevereiro de 1933, p. 2; 2 de outubro de 1937, p. 2.
97
A atitude de Beira-Mar diante desses problemas era exigente. Cobrava soluções das autoridades,
sem medo de contrariá-las. Todavia, sua perspectiva jamais foi de confronto. Sua relação com os
poderes públicos obedecia prioritariamente aos interesses da região. Se o jornal reclamava dos
atrasos, não poupava elogios aos governantes quando as obras eram concluídas. Assim, nem
de queixas se alimentavam os editoriais. Ações modernizadoras, como a introdução do telefone
automático, em 1929, eram aplaudidas.
541
A abertura de agências de empresas estatais os Cor-
reios, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica era igualmente recebida como exemplo de pro-
gresso.
542
A pauta de melhoramentos materiais abrangia também questões diretamente relacionadas ao
mundo praiano. Os postos do Serviço de Salvamento municipal freqüentemente mereciam maté-
ria de capa. Uma das reivindicações insistentes era a extensão do socorro balneário às praias de
Ipanema e Leblon.
543
Entre 1935 e 37, Beira-Mar fiscalizou as obras da segunda reforma dos
postos de Copacabana.
544
A limpeza das praias era outro tema requisitado. Em meados dos Anos
30, por exemplo, o jornal lutava pela retirada do capim nas areias de Ipanema.
545
Em 1934, mo-
veu uma campanha vitoriosa contra a instalação de painéis publicitários na orla de Copacaba-
na.
546
Exemplo de problema que suscitou a mobilização de Beira-Mar foi o flagelo da falta d’água nos
bairros praianos. O assunto se manteve na primeira página de 1933 a 37 e voltou em 39. “Água!
Água!” clamavam as manchetes.
547
Copacabana estava “transformada em Ceará Carioca”.
548
No
ápice da crise, em 1936, a falta d’água havia se tornado uma “verdadeira calamidade pública”,
que assumia “proporções fantásticas”.
549
Beira-Mar manifestava a angústia dos moradores. Quei-
xava-se da Inspetoria de Águas, incapaz de encontrar uma solução “que satisfizesse a população
do bairro mais novo e aristocrático do Rio”.
550
O tom das matérias era expressivo da gravidade da
541
13 de abril de 1930, capa.
542
9 de novembro de 1935, p. 2; 18 de março de 1933, capa; 3 de junho de 1933, capa.
543
Por exemplo: 22 de junho de 1930, capa; 3 de dezembro de 1932, capa; 18 de fevereiro de 1933, capa.
544
23 de março de 1935, capa; 6 de fevereiro de 1937, p. 2.
545
11 de março de 1933, capa; 6 de fevereiro de 1937, capa.
546
9 de junho de 1934, capa; 18 de janeiro de 1936, capa.
547
24 de junho de 1933, capa; 2 de narço de 1934, capa; 19 de maio de 1934, capa.
548
21 de setembro de 1935, capa; 4 de janeiro de 1936, capa.
549
25 de janeiro de 1936, capa; 8 de fevereiro de 1936, p. 6.
550
9 de setembro de 1933, p. 6.
98
situação. “Assistimos no Rio, este ano, em plena época de chuvas, ao espetáculo humilhante de
senhoras indo de porta em porta suplicar um pouco d’água”.
551
O próprio banho de mar estava
comprometido: “Já não se pode nem mais ir à praia. Caso contrário o sujeito tem mesmo é de
ficar salgado”.
552
Na verdade, Copacabana era vítima de seu próprio crescimento. A febre de construção de prédios
de apartamentos na primeira metade dos Anos 30 havia multiplicado a demanda.
553
Incorporava-
se ao Rio de Janeiro a novidade dos “arranha-céus” de concreto armado, que “intensificam a vida
nos grandes centros, dando-lhe o tumulto que caracteriza a existência dos centros populosos”.
554
Entretanto, as modernas edificações, providas de bombas poderosas, sugavam a maior parte do
fornecimento d’água para o interior de seus reservatórios.
555
As antigas habitações, entre elas as
casas onde funcionavam os estabelecimentos comerciais, acabavam desabastecidas. “Se, com os
arranha-céus que Copacabana já possui, toda essa falta d’água, que dirá quando estiverem
prontos esses 280 que começaram a ser construídos de setembro para cá?” assustava-se o reda-
tor, em dezembro de 1935.
556
Era inaceitável que se eternizasse o sofrimento, sobretudo “em
dois dos mais aristocráticos bairros da cidade”.
557
Beira-Mar era o porta-voz de uma elite de proprietários e moradores. Freqüentemente referia-se
aos cilenses” como membros de uma aristocracia”.
558
Copacabana, Ipanema e Leme eram os
“aristocráticos bairros praianos”, que reuniam uma “aristocrática sociedade praiana”.
559
Não raro,
os redatores aludiam aos “nossos foros de habitantes do bairro aristocrático e elegante”.
560
Essa
elite se afirmava, sempre que podia, como merecedora de um tratamento distinto. Comumente, o
jornal se dirigia aos poderes públicos como se a região tivesse prerrogativas. Afinal, “os copaca-
banenses vivem esmagados de impostos, e têm direito de exigir das repartições públicas uma
551
18 de julho de 1936, capa.
552
27 de julho de 1935, capa.
553
Elizabeth Dezouzart CARDOSO et Alli, Op. Cit., pp. 158-183. P. F. DONADIO BAPTISTA, Introdução a uma
história da praia no Rio de Janeiro, pp. 65-82.
554
25 de julho de 1936, capa.
555
4 de janeiro de 1936, capa; 5 de setembro de 1936, capa; 9 de janeiro de 1937, capa.
556
21 de dezembro de 1935, p. 24.
557
5 de agosto de 1933, capa.
558
10 de agosto de 1930, p. 3; 30 de março de 1930, p. 8.
559
19 de janeiro de 1930, p. 2; 8 de junho de 1930, p. 3.
560
2 de março de 1930, p. 8; 21 de julho de 1934, capa; 16 de janeiro de 1937, capa.
99
providência” a respeito de problemas como a falta d’água.
561
Copacabana e Ipanema se distingui-
am por “serem eles dos bairros que mais rendas (...) levam aos cofres da municipalidade”.
562
Uma das preocupações constantes desse público era a sua relação com os pobres. Entre os assun-
tos mais repetidos na pauta de Beira-Mar estavam as ações de assistência social, naquela época
promovidas por iniciativa privada e sob a égide da igreja católica. Esteve em destaque, toda se-
mana, desde que foi fundada, em 1932, a Casa do Pobre de Copacabana, ligada à Igreja Matriz do
Senhor do Bonfim.
563
Era “uma flor de bondade na riqueza de Copacabana”.
564
Outras institui-
ções semelhantes freqüentavam as páginas do jornal, como as Damas de Caridade de Copacabana
e a Sociedade de Assistência aos Lázaros.
565
Em Ipanema, representava essa função a Igreja de
N. S. da Paz.
566
Todo ano era divulgado o Natal dos pobres,
567
quando representantes das famílias
dos bairros abastados iam às praças distribuir roupas, brinquedos e alimentos às crianças das fa-
velas vizinhas (dos morros da Babilônia, Vila Rica e Cantagalo). Também apareciam notas fre-
qüentes sobre o funcionamento da Policlínica de Copacabana, entidade particular que tinha como
“única finalidade socorrer os doentes pobres” da região.
568
Essa relação paternalista junto aos pobres se estendia à comunidade de pescadores remanescente,
ligada à praia do Posto VI. Anualmente, Beira-Mar publicava uma série de notícias de capa por
época da festa de São Pedro, padroeiro da pesca.
569
A Colônia de Pescadores Aimbire – Z-14, Z-9
e depois Z-6 chegou a abranger a região do Leme ao Porto de Sernambetiba.
570
A organização
era tutelada pela elite copacabanense, que delegava o exercício da sua presidência a homens de
destaque da política local, como Alceu de Carvalho e Ernani do Amaral Peixoto.
571
561
21 de abril de 1934, p. 10.
562
5 de agosto de 1933, capa.
563
23 de julho de 1932, p. 3; 18 de novembro de 1939, p. 10.
564
6 de agosto de 1932, capa.
565
29 de setembro de 1929, p. 8; 13 de janeiro de 1929, p. 8.
566
25 de outubro de 1925, p. 5; 13 de julho de 1935, capa.
567
10 de janeiro de 1926, capa; 29 de dezembro 1929, capa; 7 de janeiro de 1933, capa; 28 de novembro de 1936,
capa.
568
16 de março de 1935, p. 2.
569
6 de julho de 1924, capa; 3 de julho de 1927, capa; 29 de junho de 1930, capa; 17 de junho de 1933, capa; 20 de
junho de 1936, capa; 25 de junho de 1938, capa.
570
21 de junho de 1925, p. 2; 12 de dezembro de 1931, p. 7; 21 de abril de 1934, p. 6; 22 de junho de 1935, p. 10.
571
17 de junho de 1933, capa; 22 de junho de 1935, p. 10.
100
Educação pública era outro tema pelo qual Beira-Mar se batia. Propostas de escolas profissionais
e escolas noturnas se sucediam.
572
“Onde educar as crianças pobres se não há escolas públicas em
Copacabana?”.
573
A construção de uma unidade escolar pela Prefeitura merecia a simpatia do
jornal, como ocorreu, em 1934, com o aparecimento da Escola Dr. Coccio Barcellos.
574
Em contraste com a escassez de escolas públicas, havia em Copacabana e Ipanema, nos Anos 20
e 30, dezenas de colégios particulares. Muitos desses estabelecimentos entravam na pauta do jor-
nal, que procurava acompanhar o “movimento escolar” da região.
575
Um dos prediletos de Beira-
Mar era o Ginásio Anglo-Brasileiro, dotado de uma pequena praia para exercícios de educação
física, na Avenida Niemeyer.
576
Também foi muito prestigiado o Colégio Anglo-Americano, de
Botafogo, principalmente depois que abriu, em 1932, uma filial na Avenida Atlântica.
577
Inaugu-
rações de colégios geravam notícia, como o Colégio Faria, o João Estevão, o Rio de Janeiro, o
Fontainha e o Leblon.
578
Vários outros educandários locais recebiam a reportagem do jornal, co-
mo, por exemplo, os colégios Ottati, Aldridge e Mallet Soares;
579
os externatos Pitanga e Paulis-
ta;
580
os ginásios Americano e Copacabana;
581
e as escolas públicas Nascimento Silva e Julio de
Castilhos.
582
Às vezes, diretores de colégios colaboravam nas ginas do jornal, com artigos so-
bre educação moderna, caso dos professores Fontainha e Noemi Pitanga.
583
Ainda outros assuntos locais podiam compor essa parte da pauta. Quanto mais estivessem expos-
tas, mais elaboração mereciam as matérias. Havia na sua edição a presença da visão estratégica
de M. N. de Sá, comprometido com o programa progressista de Copacabana. Havia na redação
das principais matérias de capa a mão de Théo-Filho, engajado mais do que nunca no jornalismo.
Somente no final da década de 30 o tema das condições materiais locais foi alvo de sistematiza-
572
18 de abril de 1926, capa; 14 de dezembro de 1930, capa; 30 de julho de 1938, capa.
573
31 de março de 1929, capa; 7 de maio de 1932, capa; 8 de abril de 1933, capa.
574
26 de agosto de 1933, p. 10; 2 de junho de 1934, capa.
575
27 de fevereiro de 1932, capa; 19 de março de 1938, p. 5.
576
23 de outubro de 1927, p. 14; 15 de junho de 1935, p. 5.
577
19 de março de 1932, capa.
578
30 de março de 1930, p. 8; 16 de abril de 1932, p. 3; 24 de março de 1934, capa; 6 de fevereiro de 1937, p. 2; 5 de
fevereiro de 1938, p. 10.
579
27 de outubro de 1929, p. 12; 18 de fevereiro de 1933, p. 10; 29 de dezembro de 1934, capa.
580
27 de fevereiro de 1937, p. 2; 3 de novembro de 1929, p. 5.
581
27 de outubro de 1929, p. 14; 11 de junho de 1938, p. 2.
582
24 de abril de 1937, capa; 30 de abril de 1932, capa.
583
28 de outubro de 1939, p. 17; 2 de junho de 1929 a 9 de março de 1930.
101
ção em uma seção própria: primeiro Os Praianos Reclamam, entre 1937 e 39,
584
depois Tópicos,
a partir de 1939, quase sempre na página 2.
585
Os temas católicos, quando se tratava da rotina do
horário das missas e do movimento paroquial, estavam representados na assídua, porém discreta,
Secção Católica, editada sob os auspícios da Liga Jesus Maria José
586
e redigida, até 1930, por
Paulo Candiota.
***
O caráter comercial de Beira-Mar foi uma das condições do seu sucesso longevo. Essa parte do
jornal representava uma fatia da ordem de um quinto de suas páginas, considerando-se a presença
de assuntos comerciais na pauta noticiosa, as seções de serviços e os anúncios propriamente di-
tos. A identidade com o mundo dos negócios local, sobretudo, assegurava a viabilidade financeira
da empresa. Beira-Mar prosperava, como sabiam seus diretores, “sempre amparado, desde o seu
primeiro número, pelo comércio de Copacabana, Ipanema, Leme e Leblon”.
587
Os interesses dos comerciantes cilenses recebiam atenção prioritária. A Associação Comércio e
Indústria de Copacabana, a partir da sua fundação,
588
conquistou um espaço reservado, geralmen-
te na segunda página, para a publicação de seus relatórios. Toda vez que se inaugurava um esta-
belecimento comercial na região, Beira-Mar preparava uma reportagem especial, que chegava a
tomar uma página inteira, encimada por grande manchete – “A inauguração das Lojas Rex consti-
tuiu a nota elegante da semana”, por exemplo.
589
Fotos em quantidade generosa e textos em corpo
maior que o usual enfatizavam as virtudes da nova casa e de seus proprietários.
Os imperativos da esfera comercial às vezes tinham impacto sobre a pauta principal de Beira-
Mar. Era o caso do tema das feiras-livres. O semanário manteve uma campanha permanente pela
restrição e extinção dessa modalidade de mercado, então ainda criação recente da administração
584
14 de agosto de 1937 a 18 de fevereiro de 1939.
585
2 de setembro de 1939.
586
18 de janeiro de 1925, p. 4.
587
7 de setembro de 1935, capa.
588
22 de setembro de 1934, capa.
589
9 de novembro de 1935, p. 9.
102
municipal.
590
Denunciava preços, pesos e condições de higiene: a feira-livre representava “um
presente de gregos à população”.
591
Os proprietários dos estabelecimentos comerciais fixos não
aceitavam esse tipo de concorrência. Pela pressão dos mesmos interesses, também podia ocorrer
que determinados assuntos ficassem excluídos da pauta. Era o caso do tema do comércio ambu-
lante. Vendedores avulsos que trabalhavam na praia raramente eram referidos nos textos do jor-
nal.
592
Acima dessas questões corporativas, Beira-Mar era um jornal de serviços. Nome, endereço e
telefone de profissionais e estabelecimentos dos bairros praianos eram publicados em listas orga-
nizadas por categoria, dentro de duas seções Indicador Profissional e Indicador Comercial
que ocupavam, desde o primeiro número do jornal, a penúltima página e quase sempre parte da
anterior. A publicação procurava ser útil aos leitores como fonte de consulta. Ao mesmo tempo,
atraía anunciantes em potencial.
Os anúncios pequenos não deviam ser caros. Havia entre eles médicos, dentistas, advogados, pro-
fessores e modistas, estabelecidos tanto em Copacabana como no Centro. A maior parte dos a-
nunciantes, contudo, era conquistada entre as firmas comerciais da região. Formavam essa cartei-
ra de clientes, por exemplo, casas como a Padaria e Confeitaria Oceânica, os bazares 606 e Cen-
tral, a Alfaiataria Copacabana, a Leiteria e Café Esmeralda, a Sapataria Fluminense, a Tinturaria
Americana, o Armazém Panamá, a “Pharmacia” Mendes, a Casa Stefano (chapelaria) e várias
outras. Alguns dos proprietários desses estabelecimentos deviam ser amigos de M. N. de Sá, fre-
qüentadores da mesma associação. Boa parte se distribuía pelas ruas Copacabana e Barroso (Si-
queira Campos), nas vizinhanças do Bon Marché. Os salões de beleza Vicente & Georgette, Flu-
minense e Copacabana, assíduos anunciantes, disputavam a freguesia no trecho movimentado da
calçada que ia do número 562 ao 590. Outros endereços que reuniam grandes contingentes de
compradores de espaço publicitário eram, no Leme, as ruas Salvador Correa (Princesa Isabel) e
Viveiros de Castro, e em Ipanema, as ruas Visconde de Pirajá e Teixeira de Mello. Uma edição
de aniversário podia reunir mais de cem clientes locais. Em 1933,
593
foram 118, entre os quais
590
14 de outubro de 1933, capa.
591
30 de julho de 1932, capa.
592
15 de agosto de 1931, p. 6; 19 de setembro de 1936, p. 3.
593
28 de outubro de 1933.
103
dezesseis armazéns, treze farmácias, doze açougues, doze cafés, sete padarias, seis bazares, seis
sapatarias e um número expressivo de quitandas, carpintarias, tinturarias e alfaiatarias. Colégios
locais, como o Franco Brasileiro, o Rio de Janeiro, o Mallet Soares, o Aldridge e o Externato
Pitanga, costumavam fazer propaganda. O setor de diversões também anunciava, como era o caso
dos cassinos Copacabana e Atlântico e dos cinemas primeiramente, nos Anos 20, o Ameri-
cano e o Atlântico, depois outros, como o Ipanema, o Roxy e o Varieté. O setor de hotelaria, en-
tretanto, não se interessava pela publicidade no Beira-Mar. Esparsas inserções foram feitas pelo
Hotel Leblon e pelo Icaraí Balneário Hotel. O estabelecimento que mais anunciava nesse merca-
do era o Hotel Silva, de Cambuquira.
594
Casas comerciais do Centro da cidade também se faziam representar em Beira-Mar. Copacabana
ainda quase não competia no comércio de roupas. O público do jornal, de alto poder aquisitivo,
atraía anúncios de lojas importantes como a Camisaria Progresso, a Casa Alemã, a Casa Nunes e
a Torre Eiffel. Outros produtos ainda não encontrados localmente eram oferecidos, como os ins-
trumentos musicais e partituras da Casa Mozart ou da Casa Oliveira, as vitrolas da casa Rádio
Progresso, os livros da Livraria Leite Ribeiro e as essências da Casa Cinelândia. Também era o
caso dos serviços de paquetes para viagens internacionais anunciados pela Mala Real Inglesa.
Companhias financeiras faziam publicidade em Beira-Mar, como a Sul América Seguros e a E-
quitativa dos Estados Unidos do Brasil. Desde que abriram agências em Copacabana, o Banco
Boavista e o Banco do Brasil podiam ser considerados anunciantes locais.
Ao lado da propaganda do comércio aparecia a publicidade de produtos. Uma grande variedade
de marcas conheceu as páginas de Beira-Mar. Eram principalmente alimentos, bebidas, produtos
de limpeza, de higiene pessoal e de uso terapêutico. Tratava-se na verdade de itens facilmente
encontráveis no comércio local. Esses anúncios reforçavam, portanto, o vínculo da publicação
com os anunciantes do círculo cilense.
594
Exceto quando indicado, as referências a anunciantes neste capítulo se baseiam na seguinte série de edições: 18 de
novembro de 1922, 21 de janeiro de 1923, 11 de novembro de 1923, 20 de janeiro de 1924, 9 de novembro de 1924,
23 de janeiro de 1927, 6 de novembro de 1927, 22 de janeiro de 1928, 4 de novembro de 1928, 11 de janeiro de
1930, 16 de novembro de 1930, 23 de janeiro de 1932, 12 de novembro de 1932, 12 de janeiro de 1935, 9 de novem-
bro de 1935, 5 de janeiro de 1938, 10 de dezembro de 1938, 20 de janeiro de 1940 e 14 de setembro de 1940.
104
Os vinhos Trasmontano, Val d’Este e Ramos Pinto estavam entre os mais anunciados, num uni-
verso que incluía principalmente vinhos portugueses. As cervejas concorrentes eram Cascatinha,
Antártica e Brahma (inclusive Malzbier, Teutonia, Porter e Fidalga), mas também tentavam ga-
nhar o gosto dos leitores outras marcas como a Hanseática, a Malte e as cervejas Bohemia (Pe-
trópolis e Serrana). Entre as bebidas alcoólicas, apareciam muito os aperitivos Suquinho e Fernet
Branca. Águas eram sobretudo Lambary e S. Lourenço, seguidas de Caxambu e Salutaris. Havia
mates e guaranás espumantes, de diferentes tipos, como o Franklin e o Simões. se anunciavam
produtos de companhias multinacionais que se eternizariam, como o Crush, o Toddy e o Nes-
cao”. Entre esses, Ovomaltine mereceu longas programações de inserção. As marcas de cae-
ram Cruzeiro, Globo e Paulista, principalmente. Açúcar se podia escolher entre Ina, Neve, Pérola
e Brasil. Uma apreciável diversidade de alimentos contribuía para tentar os apetites, entre quei-
jos, salsichas, azeites, biscoitos, chocolates, doces de banana, goiabadas etc. Destacavam-se os
biscoitos União e Aymoré, os chocolates e caramelos Falchi e Patrone e o leite condensado Vi-
gor. “O sorvete da moda”,
595
em 1929, era Fisky.
Entre os produtos de higiene e beleza os que mereceram maior espaço e anúncios criativos foram
os perfumes da Coty e toda a sua linha de cosméticos. O Leite de Rosas aparecia. Para a pele
do rosto se recomendavam o creme Pollah e a Neo-Septina. Para os cabelos, Juventude Alexan-
dre. Várias marcas de creme dental e dentifrícios concorriam, entre elas Eucalol e Pasta Sílex.
Remédios, elixires, fortificantes, tônicos, xaropes, calmantes e específicos eram anunciados dos
mais diferentes nomes, cada um destinado aos mais diversos males, da tosse à falta de ânimo:
Kolatol, Codeinol, Pulmonal, Garrol, Guaranil, Axol, Agermol etc. O sal de frutas Eno já fazia
reclame. Para a limpeza da casa, disputavam a preferência do leitor as ceras Royal e Universal.
Também anunciavam com freqüência o desinfetante Cruzvaldina, o lustra-móveis Parquetina e o
saponáceo Radium.
Alguns produtos anunciados eram voltados especialmente para o mercado da praia. Assim, Beira-
Mar costumava publicar com muita freqüência inserções de lojas como a Casa Alemã, a Casa
Spander, a Casa Vieira Nunes, O Camiseiro, Parc Royal e a Casa René, que ofereciam principal-
595
6 de outubro de 1929, p. 3.
105
mente roupa de banho e, algumas, guarda-sóis e barracas.
596
A Casa Alemã manteve um anúncio
de tamanho médio da sua linha de “maillots” durante mais de uma década. As marcas que se a-
firmavam eram principalmente Vencedor, Neptuno e Jantzen.
597
Na segunda metade dos Anos
30, começaram a ser publicados os primeiros anúncios de cremes industriais para a proteger a
pele do sol, Dagelle e Delial.
598
Esses produtos diretamente associados ao consumo na praia, contudo, representavam uma porção
muito pequena da publicidade veiculada em Beira-Mar. Uma diversidade de outros itens concor-
ria nas páginas do jornal. Em 1922, por exemplo, numa mesma edição conviviam anúncios de
venda de lenha em tocos e de fogões a gás alemães marca Junker.
599
Faziam propaganda firmas
de setores industriais tradicionais, como as fábricas de tecidos Aurora e Confiança, a fábrica de
chapéus Botafogo e a fábrica de guarda-chuvas, sombrinhas e bengalas “O Dilúvio”. Apareciam
equipamentos modernos, como as máquinas de costura Singer e as máquinas de escrever Rem-
mington. Chegavam aos consumidores tentações como os cigarros Souza Cruz ou o lança-
perfume Rodo Mettalica. Serviços os mais diversos eram anunciados, das loterias às transmissões
de rádio, nos Anos 30. Um serviço assiduamente divulgado nessa época era o “divórcio no
Uruguay”, que incluía divórcio absoluto, desquite e novo casamento.
A maior parte desses anúncios era muito simples. Mesmo porque costumavam ser pequenos. Bas-
tava aparecer. “Rouquidão? Garrol”. “Açúcar? Pérola ou nenhum”. Muitos produtos se apresen-
tavam sucintamente como os melhores. Nutramime era “o melhor alimento para a criança”, a
água S. Lourenço era “a melhor para a saúde”, a Casa Vieira Nunes oferecia “o melhor maillot de
natação”, enquanto “o melhor refresco” era o Guaraná Espumante. Alguns anúncios tentavam
fixar slogans, como o Café Globo, “bom até a última gota”, ou o Sabonete 33, “perfumado até o
fim”. Outros lançavam estribilhos: “Soalina em seu assoalho salva dinheiro e trabalho”. Havia
ainda aqueles que recorriam à poesia: “Na nossa formosa CIL / Onde mais fulgura o sol / Para
matar mosquitos / Nós compramos Expurgol”.
596
Por exemplo: 29 de dezembro de 1934, p. 7; 21 de dezembro de 1930, p. 3; 29 de outubro de 1932, p. 38; 5 de
outubro de 1930, p. 5; 20 de janeiro de 1934, p. 7; 6 de janeiro de 1934, p. 10.
597
2 de fevereiro de 1930, p. 6; 28 de janeiro de 1933, p. 10; 7 de maio de 1938, p. 3.
598
11 de janeiro de 1936, p. 3; 5 de fevereiro de 1938, p. 7.
599
18 de novembro de 1922.
106
A atividade de corretagem de espaço publicitário no jornal era estratégica e devia ser controlada
pessoalmente pelo dono da empresa. A clientela de anunciantes locais pertencia a M. N. de Sá
não havia necessidade de intermediários. Para a captação de anúncios fora da circunscrição cilen-
se, a publicação contava com a participação de Belmiro de Souza, jornalista, proprietário de um
escritório na avenida Rio Branco e amigo do círculo de João Guimarães em Copacabana.
600
Nem de anúncios, contudo, se produzia a receita do jornal. A venda de exemplares e assinatu-
ras devia fazer diferença. Não se divulgavam as tiragens na imprensa da época, mas o público de
Beira-Mar podia ser estimado na ordem de alguns milhares. O editorial de aniversário de 1930
deixou escapar “a cifra de quase nove mil apaixonados”.
601
Não era pouco em comparação, por
exemplo, com a tiragem básica de três milheiros que os livros costumavam ter no Brasil. Era qua-
se metade dos vinte mil exemplares que, segundo Théo-Filho, uma folha diária comum imprimia
em meados dos Anos 20 no Rio de Janeiro.
602
Foi dentro da perspectiva de estimular a venda direta de exemplares que M. N. de adotou a
prática, então em voga, dos concursos de beleza. Além de dar lucro, a promoção ajudava a divul-
gar o jornal e movimentava a própria pauta. Os concursos de Beira-Mar funcionavam à base de
“coupons” impressos no jornal que eram recortados pelos leitores para votar em suas candidatas.
A brincadeira costumava durar meses. A cada edição, eram publicadas apurações parciais das
votações. Não se podia controlar a quantidade de vezes que cada leitor votava. Isso fazia com que
os exemplares em circulação se valorizassem. Com o crescimento da demanda, passaram mesmo
a ser vendidos cupons em separado.
603
Vinha daí o retorno comercial da promoção. O resultado
da eleição, naturalmente, tendia a expressar menos os atributos de beleza da vencedora do que o
poder econômico de seus cabos eleitorais. Mas essa imperfeição não impedia o sucesso da inicia-
tiva. Beira-Mar promoveu três concursos num intervalo de oito anos. Em 1923 foi eleita “a mais
bela freqüentadora do Cinema Atlântico” Palmyra de Castro num universo de mais de cem
concorrentes.
604
“As rainhas dos postos balneários da CIL no verão 1927-28” foram coroadas
600
7 de junho de 1931, p. 3; 11 de julho de 1931, p. 5; 25 de março de 1933, capa; 1
o
de abril de 1933, p. 7.
601
26 de outubro de 1930.
602
THÉO-FILHO, Quando veio o crepúsculo, pp. 18 e 131.
603
8 de janeiro de 1928, p. 9.
604
28 de outubro de 1923, capa.
107
depois de um páreo que atravessou seis meses.
605
“A mais bela praiana carioca”, em 1931, foi
escolhida num duplo concurso que elegeu também “a mais bela praiana niteroiense”.
606
Vence-
ram Lea Smith Vasconcellos, pelo Rio, e Elza Roussouliéres, por Niterói.
607
Além de receber
prêmios, as moças conquistavam a oportunidade de aparecer com retrato na primeira página.
***
A pauta festiva de Beira-Mar representava uma de suas maiores forças. Os assuntos que o pró-
prio jornal chamava de mundanos ocupavam bem mais páginas que a agenda de assuntos sérios e
ainda disputavam com estes os espaços da capa. Várias colunas tratavam da “vida social”, das
futilidades e das fofocas. No tempo áureo dos clubes praianos, esse jornalismo respondia pelo
menos por um quarto da edição.
O Atlântico Club e o Praia Club foram os maiores aliados institucionais de Beira-Mar, enquanto
funcionaram, de 1927 a 1933.
608
Eram os clubes familiares dos moradores da região. Ambos ti-
nham sede na Avenida Atlântica – o Praia no Posto IV e o Atlântico no Posto VI.
609
O jornal ope-
rava como porta-voz oficioso dessas agremiações. Os assuntos do Atlântico chegaram a sustentar
uma coluna própria, Coisas do Atlântico.
610
Às vezes também se editava a seção No Varandim do
Praia Club.
611
As duas associações sempre apareciam com destaque na primeira e na última pá-
gina as mais expostas e ainda alimentavam as internas. Essa ênfase se devia, entre outras ra-
zões, à identidade praiana desses clubes. Atlântico e Praia costumavam instalar amplas barracas
na areia da praia de Copacabana, mesmo fora da “estação balneária”, de novembro a abril.
612
Promoviam também atividades esportivas, embora não participassem de competições oficiais.
Mas eram, sobretudo, clubes sociais, voltados para a organização de festividades. Agremiação
com as mesmas características, o Arpoador Club funcionou nesse período, no Posto VII.
613
605
23 de outubro de 1927, p. 15; 8 de abril de 1928, capa.
606
11 de janeiro de 1931, p. 3; 15 de março de 1931, capa; 14 de junho de 1931, capa.
607
27 de junho de 1931, capa; 21 de junho de 1931, capa.
608
19 de junho de 1927, p. 2; 19 de agosto de 1933, suplemento; 2 de outubro de 1927, p. 10; 22 de julho de 1933,
capa.
609
30 de março de 1930, p. 3; 6 de outubro de 1929, capa.
610
30 de setembro de 1928, p. 2; 26 de março de 1932, p. 5.
611
4 de agosto de 1929, capa; 15 de junho de 1930, p. 6.
612
18 de maio de 1930, p. 12; 17 de agosto de 1930, capa; 30 de janeiro de 1932, p. 3; 26 de março de 1932, p. 5.
613
4 de dezembro de 1927, p. 12; 22 de dezembro de 1929, p. 12.
108
A agenda das festas locais obedecia em parte a um calendário cristão. O primeiro semestre do ano
concentrava quase todas essas datas. O Ano Novo, “Ano Bom” ou “Reveillon”, inspirava uma
comemoração tímida em comparação com o que viria a ser décadas depois.
614
A “Noite de Reis”,
a 6 de janeiro, ainda foi festejada até o final dos Anos 20.
615
O Carnaval era a maior de todas as
festas. Desde o início do ano a expectativa começava a se criar, com a edição de uma coluna – No
Reino da Folia, Máscaras e Guizos ou simplesmente Carnaval destinada à divulgação dos bai-
les e “batalhas de confetti”, principalmente nos bairros praianos.
616
No dia da festa, saía uma edi-
ção com a capa inteiramente dedicada à brincadeira: “Momo tá hi! Evohé!”.
617
Boa parte dos
colaboradores aderia ao tema. Os desfiles organizados nas areias da praia, conhecidos como “ba-
nhos de mar à fantasia”, recebiam atenção especial do jornal, que às vezes participava como co-
patrocinador.
618
Na Páscoa, era a vez dos “bailes de aleluia”, também denominados “reveillon”
de sábado de aleluia.
619
A seguir, as festas “joaninas” “festas regionais” ou “caipiras” entra-
vam em pauta por algumas semanas.
620
Além de São João, o jornal tinha afeição particular pelo
dia de São Pedro, 29 de junho, quando a festa da Colônia de Pescadores reunia os moradores do
“bairro elegante” para assistir ao desfile de canoas do Posto VI, “o recanto pitoresco das amendo-
eiras”, preparado com barraquinhas de prendas, iluminação especial, fogos e balões.
621
No se-
gundo semestre, esse calendário santo reservava apenas o Natal, a menos mundana das suas fes-
tas, quando o jornal aparecia em edição especial com mais de vinte páginas.
622
Não tiveram rele-
vância na pauta de Beira-Mar nem na programação dos clubes os eventos associados à data de
Nossa Senhora de Copacabana.
623
Esses eram, todavia, somente os pretextos tradicionais para reuniões festivas. Outros motivos
quando eram necessários – se inventavam para abrir os salões dos clubes sociais. Sua própria data
614
7 de janeiro de 1933, p. 10; 28 de dezembro de 1935, capa; 22 de dezembro de 1929, p. 3.
615
22 de janeiro de 1928, capa; 29 de dezembro de 1929, p. 2.
616
18 de janeiro de 1925, p. 10; 17 de dezembro de 1932, p. 5; 11 de janeiro de 1936, p. 8; 20 de fevereiro de 1927,
p. 3.
617
2 de março de 1935, capa.
618
23 de dezembro de 1923, p. 5; 23 de janeiro de 1932, capa; 25 de janeiro de 1936, p. 3.
619
24 de março de 1929, capa; 24 de março de 1934, p. 3; 20 de mar;co de 1937, p. 10.
620
30 de junho de 1929, p. 2; 30 de junho de 1934, p. 10; 1
o
de junho de 1930, p. 2; 15 de julho de 1939, p. 10; 23 de
junho de 1934, capa; 9 de julho de 1938, p. 10.
621
6 de julho de 1924, capa; 29 de junho de 1930, capa; 18 de junho de 1932, capa; 30 de junho de 1934, capa; 4 de
julho de 1936, capa.
622
24 de dezembro de 1932, 23 de dezembro de 1933, 24 de dezembro de 1938, 23 de dezembro de 1939.
623
Sobre festas: Luís da Câmara CASCUDO, Dicionário do Folclore Brasileiro.
109
de fundação era um deles.
624
Acontecimentos excepcionais, como a inauguração dos telefones
automáticos em Copacabana, exigiam festa.
625
Os concursos de beleza, do jornal como dos clu-
bes, ensejavam bailes de coroação.
626
O movimento de caridade principalmente fornecia oportu-
nidade para reuniões mundanas.
627
Eventos originais eram criados para arrecadar recursos desti-
nados a alguma instituição de assistência local. Antes da criação da Casa do Pobre, os clubes
praianos já promoviam iniciativas como a “Festa da Sombrinha”, a “Hora do Sorvete” e a “Tarde
das Flores”. A “Festa da Ventarola”, por exemplo, movimentou a Avenida Atlântica, em 1929 e
1930, com a venda de “ventarolas especiais, balões de cor e flâmulas”, em benefício da Socieda-
de de Assistência aos Lázaros.
628
O programa das festas às vezes incluía “Horas de Arte”.
629
Eram recitais de poesia e música,
conduzidos geralmente por artistas moradores da CIL. Apresentava-se gente experimentada, co-
mo a violonista Hermínia de Oliveira, a pianista Enriqueta Carinhas e a escritora Mercedes Dan-
tas.
630
Jovens também encontravam ocasião para exibir seus talentos. Assim, numa das “domin-
gueiras” do Atlântico Club, em dezembro de 1930, “Mlle. Clotilde Salgado disse com muita gra-
ça e delicioso encanto lindas poesias dos nossos poetas, (...) Mlle. Mariazinha Coelho de Souza,
uma pianista de grande valor, deliciou-nos com lindas páginas dos grandes mestres da música” e
em seguida “Mlle. Áurea Guimarães, dotada de uma voz suave e harmoniosa, cantou acompa-
nhada ao violão (...)”.
631
Componente obrigatório das festas era o baile, que costumava encerrar o programa, madrugada
adentro. Estavam na moda o chá-dançante, o chocolate-dançante, o mate-dançante, o sorvete-
dançante, a soirée-dançante e tudo que se pudesse oferecer em associação com a dança.
632
Nos
624
5 de fevereiro de 1928, p. 3; 28 de setembro de 1930, capa; 18 de novembro de 1928, p. 12.
625
11 de maio de 1930, capa.
626
8 de abril de 1928, capa; 6 de outubro de 1929, capa; 24 de maio de 1931, capa.
627
23 de julho de 1932, p. 2; 9 de junho de 1934, p. 3; 14 de novembro de 1935, p. 10; 17 de julho de 1937, p. 3.
628
6 de novembro de 1927, capa; 6 de janeiro de 1929, p. 12; 14 de abril de 1930, capa; 13 de janeiro de 1929, p. 8;
22 de dezembro de 1929, p. 12.
629
16 de setembro de 1928, p. 2; 20 de julho de 1930, p. 3; 11 de março de 1939, p. 5.
630
14 de agosto de 1937, p. 10; 19 de setembro de 1933, p. 3; 4 de setembro de 1927, p. 2.
631
14 de dezembro de 1930, p. 5.
632
6 de novembro de 1927, p. 14; 17 de outubro de 1929, capa; 28 de julho de 1929, p. 3; 8 de março de 1931, p. 5; 6
de abril de 1930, p. 10, 19 de junho de 1927, p. 2; 8 de setembro de 1929, capa; 17 de abril de 1935, p. 5.
110
salões se dançava uma diversidade de gêneros, da valsa ao tango, do samba ao fox-trot.
633
Qual-
quer que fosse o compasso, não se podia apreciar um baile que não estivesse “animado por uma
esplêndida jazz-band”.
634
Além de Atlântico, Praia e Arpoador, outros clubes sociais, sem a mesma identidade com a praia,
freqüentavam a pauta dançante de Beira-Mar, embora com menor espaço e assiduidade. Entre
eles estavam associações criadas após o desaparecimento dos clubes praianos. Era o caso do Ma-
rimbás, no extremo do Posto VI, do Caiçaras, na Lagoa Rodrigo de Freitas, e do Colomy, no Le-
me.
635
Clubes desportivos também promoviam bailes, como o Velo Sportivo Helênico, o Oceano
F. C., ambos em Ipanema, e o Botafogo de Regatas, na sua sede copacabanense, da rua Salvador
Correa.
636
A partir da segunda metade dos Anos 30, entraram na oferta de bailes estabelecimentos
comerciais, como o Cassino Atlântico e o bar e restaurante Lido.
637
Às vezes o Copacabana Pala-
ce Hotel aparecia na pauta mundana, principalmente depois da inauguração da sua piscina, em
1935.
638
A seção niteroiense do jornal, por sua vez, cobria os acontecimentos mundanos dos clu-
bes locais, como o Central, o Canto do Rio, o Icaraí de Regatas, o Icaraí Praia Club, o Atlântico,
o Gragoatá e o Praia das Flexas.
639
Bailes de associações cariocas sediadas fora da região balneá-
ria igualmente se inseriam nessa pauta, caso do Orfeão Português e do Club Ginástico Portu-
guês.
640
Uma agremiação distante da orla manteve laços duradouros com o jornal, o Tijuca Ten-
nis Club. A partir de 1933, para dar notícias do ponto de encontro da classe alta tijucana, passou a
ser publicada regularmente a coluna Beira-Mar no Tijuca Tennis Club.
641
633
4 de julho de 1931, p. 3; 29 de dezembro de 1929, p. 3; 23 de junho de 1934, p. 2; 29 de setembro de 1934, p. 5; 3
de outubro de 1936, suplemento; 17 de agosto de 1924, p. 2; 15 de janeiro de 1938, capa; 30 de junho de 1934, p. 5.
634
29 de dezembro de 1929, p. 2.
635
30 de setembro de 1933, suplemento; 3 de junho de 1939, p. 7; 5 de dezembro de 1931, capa; 9 de julho de 1938,
capa; 25 de março de 1933, p. 3; 5 de fevereiro de 1938, capa.
636
19 de dezembro de 1931, p. 10; 28 de novembro de 1936, p. 5; 17 de junho de 1933, capa; 4 de fevereiro de 1939,
p.7; 1
o
de abril de 1933, capa; 7 de março de 1936, p. 10; 9 de janeiro de 1937, suplemento.
637
2 de fevereiro de 1935, p. 2; 17 de dezembro de 1938, p. 5; 23 de dezembro de 1933, p. 24.
638
18 de julho de 1926, p. 3; 5 de fevereiro de 1938, capa; 14 de setembro de 1935, p. 3.
639
29 de setembro de 1929, p. 5; 5 de maio de 1934, p.5; 6 de abril de 1930, p. 4; 13 de abril de 1935, p. 6; 16 de
novembro de 1935, p. 6; 14 de outubro de 1933, p. 5; 5 de abril de 1931, p. 5.
640
6 de janeiro de 1929, p. 2; 10 de junho de 1939, p. 10.
641
24 de novembro de 1929, p. 3; 23 de setembro de 1939, p. 8; 2 de dezembro de 1933, p. 2; 11 de junho de 1938,
p. 9. Entre 1938 e 1941, circulou junto ao público do Tijuca Tennis Club uma revistinha, O Tijucano, dirigida por
Darcy Lemos Camargo, assemelhada a Beira-Mar no tratamento dado às colunas mundanas: n
o
26, maio de 1940, a
n
o
33, abril de 1941.
111
Fora os clubes, as festas residenciais também mereciam registro nas páginas de Beira-Mar. Mui-
tas famílias tinham por praxe convidar os amigos, principalmente em comemoração a datas de
aniversário.
642
O programa dessas reuniões combinava partes dançantes com horas de arte. Assim
foi, por exemplo, a “festa íntima” organizada por “Mlle. Luizinha Bulhões Pedreira (...) em sua
residência, à Rua Copacabana, 676”.
643
As casas amplas de moradores de classe alta favoreciam a
realização de bailes. Era o caso dos “aniversários da senhorinha Josélia Maria Clapp e do Sr. João
Clapp Filho” comemorados “no seu palacete colonial, à rua Figueiredo Magalhães, 91”.
644
As
horas de arte nas casas particulares podiam ser menos formais do que nos clubes. Na festa de 17
anos de José Mauricio Soares, por exemplo, a brincadeira incluía pequenas conferências, como a
de José de Athayde, intitulada “Sendo segunda-feira dia da preguiça, por que não é sempre se-
gunda-feira?”.
645
Beira-Mar incentivava os leitores a divulgar suas festas. “Rogamos aos moradores de Copacaba-
na, Ipanema e Leme que nos enviem quaisquer informações que interessarem aos seus lares. Que-
remos noticiar, sem falhas, os acontecimentos sociais dos nossos bairros, aniversários, nascimen-
tos, batizados, casamentos, etc.” repetia o expediente.
646
O jornal costumava, assim, prestigiar
um grande número de famílias residentes. Essa era a função da coluna Vida Social, que ocupava,
desde 1923, uma página inteira.
647
Quase sempre introduzida por uma croniqueta mundana, Vida
Social era essencialmente uma lista de datas e nomes organizada por categoria, que incluía tam-
bém bodas, partidas e chegadas, lutos etc.
Nem só de festas, contudo, se constituía a pauta mundana de Beira-Mar. Outros eventos produzi-
am encontros sociais dignos de nota, como era o caso das inaugurações. A inauguração de um
prédio de apartamentos como o Edifício Ceará, segundo a edição de 6 de outubro de 1934, “cons-
tituiu o grande acontecimento mundano de domingo último no Leme”.
648
A abertura da “Feira de
Amostras”, exposição anual prestigiada pelo semanário, nesse ano realizada em Copacabana, era
642
23 de fevereiro de 1930, p. 10; 28 de outubro de 1933, p. 36; 29 de janeiro de 1938, p. 3.
643
11 de agosto de 1929, p. 8.
644
10 de agosto de 1930, p. 12.
645
13 de agosto de 1932, p. 6.
646
18 de novembro de 1928, p. 6.
647
7 de outubro de 1923, p. 3.
648
P. 3.
112
recebida nos mesmos termos.
649
Mesmo as rotineiras missas dominicais podiam ser descritas co-
mo “verdadeiros acontecimentos mundanos”.
650
A saída da missa das 10 horas era considerada
“sempre um instante de vivacidade e alegria para as ruas de Copacabana e Ipanema”, um “instan-
te de elegâncias”.
651
Impressão semelhante se observava na saída da missa na igreja de Nossa
Senhora das Dores do Ingá, em Niterói.
652
O “footing” dominical era o mais importante desses acontecimentos sociais. Era a instituição do
passeio de fim de tarde nas avenidas. “Ao declinar o dia (...) centenas de pessoas comprimiam-se
elegantemente ao longo do cais” das Avenidas Atlântica e Vieira Souto.
653
“Esse adorável per-
curso de vai e vem”
654
constituía uma oportunidade para o “flirt”. Permitia a troca de sorrisos e
olhares, pulseiras que caem, gentilezas recíprocas entre moças e rapazes, flirts a mais não po-
der”.
655
Produzia “um esvoaçar de ditos chistosos, de piadas elegantes, de saias vaporosas e cabe-
ças tontas”.
656
As “gentilíssimas senhorinhas” que “faziam o footing costumeiro”
657
também a-
proveitavam a ocasião para exibir suas modas. “Modelos de verão” surgiam na avenida.
658
Em
maio as moças apareciam “com luxuosos e originais costumes de inverno”.
659
O passeio tam-
bém podia ser apreciado como um desfile de “pequenas bonitas”.
660
Um redator exaltado descre-
via o footing como “um espetáculo que seduz, apaixona e arrebata o espectador até a máxima
intensidade da emoção”.
661
O footing era item obrigatório na pauta das colunas mundanas. Na segunda metade dos Anos 20
até o começo dos 30, o footing favorito na CIL era o do Posto IV. Geralmente se estendia até o
Posto VI. Essa prática estava associada à atividade do Praia e do Atlântico Club.
662
Na segunda
metade dos Anos 30, porém, ganhou importância o footing do Leme, ligado ao crescente movi-
649
12 de maio de 1934, p. 3.
650
14 de maio de 1938, p. 10.
651
14 de abril de 1934, capa; 28 de outubro de 1939, p. 11.
652
27 de abril de 1930, p. 4.
653
29 de dezembro de 1929, p. 4.
654
9 de janeiro de 1937, capa.
655
11 de janeiro de 1931, p. 3.
656
27 de abril de 1930, p. 6.
657
17 de agosto de 1930, p. 3.
658
5 de março de 1932, p. 4; 1
o
de fevereiro de 1936, p. 4.
659
25 de maio de 1935, p. 6.
660
11 de janeiro de 1931, p. 3; 27 de abril de 1930, p. 6.
661
25 de julho de 1936, p. 9.
662
29 de junho de 1930, p. 4; 21 de abril de 1934, p. 2; 3 de abril de 1937, capa.
113
mento em torno dos bares, restaurantes e confeitarias.
663
O Lido, o O.K. e a Alvear eram então
“os três focos do mundanismo no Posto II”.
664
Em Ipanema, o footing da Vieira Souto se estabe-
leceu nessa cada.
665
O da praia de Icaraí também aparecia toda semana na seção de Niterói.
666
O jornal, contudo, jamais acompanhou por muito tempo o footing da praia do Flamengo, na Ave-
nida Beira-Mar.
A linha editorial de Beira-Mar, no que dizia respeito ao mundanismo, tinha um sentido em co-
mum com o footing e as festas: a distinção social. Sistematicamente, a publicação procurava va-
lorizar o lugar e seus moradores através de uma associação positiva com a noção de elite social.
Beira-Mar se considerava “com justo orgulho, o semanário da elite praiana”.
667
Assim, à imita-
ção das colunas sociais da época,
668
o seu jornalismo estava saturado de referências de classe. O
footing era “uma parada seleta e aristocrata”, o passatempo preferido “da nossa alta socieda-
de”.
669
Os clubes eram os elegantes “cercles” da “alta roda”.
670
Neles, se encontravam “as repre-
sentantes da fina elite das famílias copacabanenses”.
671
O Colomy, por exemplo, era “procurado
pela gente chic que sabe escolher ambiente fino onde se divertir”.
672
As reuniões do Praia Club
representavam “uma expressão perfeita do prestígio da nobre sociedade em nosso mundanis-
mo”.
673
Nos palacetes, igualmente, se reunia “o que de melhor em nosso grand monde, a fina
flor de nossa jeunesse dorée, quando não era “o que de mais fino na haute gomme carioca”
ou no “nosso set”.
674
A vocação do jornal, enfim, era “a vida elegante das nossas praias”.
675
O público do jornal se identificava, portanto, com a noção de que pertencia a uma elite. Num
sentido estrito, parte dos leitores integrava mesmo um círculo relativamente grande de pessoas
663
16 de fevereiro de 1935, p. 8; 18 de abril de 1936, p. 2.
664
2 de maio de 1936, p. 3.
665
10 de fevereiro de 1934, p. 6; 2 de março de 1935, p. 2.
666
11 de agosto de 1929, p. 8; 21 de dezembro de 1935, p. 22.
667
29 de abril de 1933, p, 6.
668
Como o Binóculo da Gazeta de Notícias.
669
19 de setembro de 1936, p. 5; 3 de agosto de 1935, p. 6.
670
29 de setembro de 1929, p. 8; 8 de junho de 1930, capa; 2 de abril de 1938, p. 10.
671
18 de maio de 1930, p. 8.
672
6 de janeiro de 1934, p. 7.
673
30 de abril de 1932. capa.
674
7 de setembro de 1930, p. 4; 6 de janeiro de 1929, capa; 7 de dezembro de 1930, capa.
675
27 de abril de 1930, capa.
114
cujos nomes apareciam com freqüência nas páginas de Beira-Mar. Muita gente era notícia no
próprio jornal que lia.
Nomes próprios eram uma das principais preocupações de Beira-Mar e seus leitores. Um proce-
dimento imprescindível nas notas e colunas mundanas, a exemplo do que ocorria em outros peri-
ódicos da grande imprensa,
676
era o registro de pessoas presentes aos acontecimentos noticiados.
Não importava a natureza do evento, a matéria infalivelmente acabava numa lista imensa de no-
mes próprios. “Para esplendor do footing, emprestaram sua graça juvenil as gentilíssimas senho-
rinhas: (...)”.
677
Por medida de economia, formas sucintas se tornaram mais usuais:
Vimos no footing de domingo último: Conceição Tavares, Rita Magalhães Menezes, Laura Assis,
Raquel Souto, Regina Konder, Leontina Rocha, Maria Vieira Menezes, Sebastiana Dias, Nelly Lei-
te, Elza Seabra, Solange Barreiros, Lou Amado Netto, Gilda Newlands, Hermínia Baroni, Alice Do-
ra, Nair e Yolanda Dora, Rosália de Moraes, Angelina Leonessa, Electra Leonessa, Maria Augusta
Figueiredo Lima, Dora Passos, Aracy Nevares, Ruth, Dulce e Helena Serra, Maria Estella Mallet
Soares, Odila e Lili Nevares, Daisy e Magg Souza, Carlina Lyra, Maria Alonso, Haydée Lacerda,
Yolanda Xavier de Oliveira, Inah Salles, Gertrudes Vieira de Carvalho, Albertina Tavares, Maria de
Lourdes Alves, Eulália Lobo, Sylvia Gomes, Maria de Lourdes Lucas, Maria Mariani, Liége Go-
mes, Ivete Mendes, Neuza Freitas, Ernestina V. dos Santos, Helena Santa Cruz, Lina Smith Vas-
concellos, Mimi Coelho Netto, Ignez de Castro Bandeira, Áurea de Morais e Odette Bandeira.
678
O rol rendia dezenas e dezenas de linhas. Essa prática jornalística se empregava igualmente nas
saídas das missas, às vezes nos banhos de mar, mas sobretudo nas festas.
679
Os colunistas sociais
de Beira-Mar deviam ter como atribuição cotidiana o controle de longas relações de nomes pró-
prios. Era uma atividade delicada na qual não se podia errar, para não melindrar leitoras como a
“senhorinha” Isette Dias, assim descrita por Aramis: “Gosta imenso do Beira-Mar. Todos os sá-
bados é vista com o nosso jornal e fica zangadinha se o seu nome dele não consta”.
680
676
Como as Notas Sociais do Jornal do Brasil e a Crônica Mundana do Correio da Manhã.
677
29 de junho de 1930, p. 4.
678
27 de janeiro de 1934, p. 6.
679
29 de julho de 1933, p. 7; 27 de julho de 1935, p. 6; 6 de janeiro de 1929, capa.
680
24 de março de 1935, p. 5.
115
Além do nome próprio, a imagem merecia crescente atenção. A fotografia de gente, em Beira-
Mar, respondia pela maior parte de todo material que não era texto. Havia fotos de artistas famo-
sos, como em toda revista. Mas ao lado dessas se estampavam também, em grande número, foto-
grafias de moradores conhecidos apenas localmente. O jornal incentivava essa prática junto aos
leitores: “Publicaremos todas as fotografias que nos forem remetidas de pessoas residentes em
Copacabana, Ipanema e Leme”. E ainda colocava seu fotógrafo à disposição dos leitores para
atender “a chamados para festas, natalícios, núpcias, casos de rua dignos de registro, etc.”.
681
Em
dia de Carnaval, a redação permanecia “aberta com o fotógrafo a postos, a fim de fotografar todas
as crianças e senhoritas fantasiadas”.
682
Apareciam quadros de grandes grupos reunidos para po-
sar no interior dos salões ou ao ar livre, conforme a natureza do evento. Mas eram mais freqüen-
tes as fotos individuais, principalmente as femininas. Às vezes, para fazer o retrato, a “aristocra-
cia” contratava um profissional da moda, como De los Rios, “o artista-fotógrafo querido de nos-
sas flappers”.
683
Comumente esses retratos eram publicados com os títulos “Sociedade” e “Mun-
danismo”, ou ainda especificamente “Sociedade de Copacabana”.
684
Acompanhavam a foto gros-
sas legendas: “Senhorinha Luiza Elias, filha dileta do distinto capitalista Ramirez Elias, elemento
de destaque do grand monde carioca (...)”.
685
Um simples aniversário era a oportunidade de apa-
recer no jornal, como no caso da “formosa senhorinha” e “distinta aniversariante”, Sylvia Galvão
Sodré, “uma das mais aplicadas alunas do curso de violino do Instituto Nacional de Música e
moradora em Copacabana”.
686
Ou uma formatura, como era o exemplo da “senhorinha Maria de
Lourdes Fontes, fino ornamento de nossa sociedade”, que vinha “de concluir com raro brilhan-
tismo o seu curso de ciências e letras no Colégio Pedro II”.
687
Quase sempre se publicavam fotos
posadas, em estúdio. Mas às vezes as moças eram fotografadas no footing ou nas areias da praia,
como por exemplo a “senhorinha Jardina Monteiro Salles, figurinha encantadora de Copacabana,
tomando um eficaz banho de sol, antes de mergulhar nas águas azuis do Atlântico”.
688
681
18 de novembro de 1928, p. 6.
682
23 de fevereiro de 1930, p. 6.
683
27 de abril de 1930, p. 10.
684
29 de setembro de 1929, capa; 29 de janeiro de 1938, p. 3; 7 de setembro de 1935, p. 12; 5 de setembro de 1936,
capa; 18 de abril de 1936, capa; 2 de maio de 1936, p. 10.
685
19 de janeiro de 1930, p. 10.
686
10 de fevereiro de 1934, p. 12.
687
9 de fevereiro de 1935, p. 10.
688
21 de setembro de 1930, p. 10.
116
Beira-Mar era “o defensor perpétuo das queridas e insinuantes praianas”.
689
Mas o “elemento
masculino” também era prestigiado. Fotos de homens públicos, escritores, artistas, desportistas,
jovens recém-bacharelados e moradores dos bairros praianos apareciam, ainda que em menor
número em comparação com as mulheres. Às vezes alguma matéria enfileirava uma lista de no-
mes masculinos, como estes flagrados pelo cronista nas areias do Posto III:
Francisco Vasconcellos, Flávio e Sérgio Sayão, Emmanuel Sarmenho, Lourival, Durval e Victor
Correa, José Lira, João Bastos, João Guimarães, José Seabra, Antonio Diniz Pacheco, Luiz Fonseca,
Anselmo Maçol, Nelson Nascimento, Américo Alonso, José Campos da Paz, Oscalino Napolitano e
outros fidalgos jovens.
690
Essas pessoas todas compunham um amplo círculo de moradores e admiradores da CIL, freqüen-
tadores da praia, do footing e do banho de mar, jovens na sua maioria, sócios dos mesmos clubes
e leitores do Beira-Mar. Esse círculo não era nem tão pequeno que não pudesse encher as páginas
do jornal com fotos, relações de nomes e datas para a Vida Social, nem tão grande que os seus
integrantes não se conhecessem. A lista de nomes fazia sentido para os leitores que as consulta-
vam porque ali estavam as referências de seus relacionamentos sociais locais. Nas fotos os leito-
res podiam reconhecer a representação das “senhorinhas” a quem avistavam a qualquer momento,
nas ruas, nas praias, no “cais” das avenidas e nos salões de dança. Havia laços de familiaridade
entre esses leitores assíduos que permitiram a manutenção, principalmente durante a existência
dos clubes praianos, do que se poderia chamar de colunas de futilidades ou de mexericos.
Tratava-se do caráter “faceto” do jornal. Não havia um nome para designar o gênero dessas colu-
nas. Fofoca não era um termo que circulasse em Beira-Mar nem descreveria inteiramente o que
constituíam essas seções. Todavia, seria possível identificar traços de semelhança entre o conteú-
do dessas brincadeiras e as noções de mexerico,”potins”
691
ou “gossip”.
692
Em primeiro lugar, o
assunto em questão era a vida particular daqueles que eram alvo da brincadeira. Em segundo, as
anedotas que faziam a graça desses textos só podiam ser compreendidas pelos leitores que conhe-
ciam as pessoas colocadas “na berlinda”. Assim, o redator mexia com
689
5 de outubro de 1935, p. 6.
690
9 de janeiro de 1932, capa.
691
20 de janeiro de 1929, p. 5.
692
16 de janeiro de 1932, p. 7.
117
Helena F., por ser alegre; Henrique, por ter uns "olhos penetrantes"; M. Eulália por pensar ser "lin-
da"; Marco, por ser "o querido de todas"; Sylvia, por ficar muito bem de "tailleur" branco (...).
693
O jogo podia ganhar várias formas. O Leilão era uma delas:
Quanto dão – Pela cavação da rapaziada do Posto 4? (...) Pela bengalinha do baiano? (...) Pelo novo
contra da nova pequena no inesquecível galã Archidi? (...) Pelas pegadas do Alvarenga no jogo de
peteca? Pela fama de atleta do Lulu? (...) Pelas ginásticas do Edgard? Pelo Nelson C. em trajes bal-
neários? (...) Pelo pequeno bigodinho da Ligia S. G.? (...) Pela beleza da Babinha? E finalmente o
quanto dão pela minha língua comprida?
694
A indiscrição também podia ser cometida sob a forma de Alfinetadas, notas curtas publicadas em
série:
O Tutuca, após um curto descanso, voltou às conquistas Aquele traje de banho da senhorinha A.
R. fica-lhe que é um gostinho – O sucesso da senhorinha Z. Dias continua o mesmo – A Nelly ainda
está convencida de que é a Greta Garbo? O Blum é o pior sportista de Ipanema. Quando o team
em que joga perde, é um Deus nos acuda. O Blum descompõe todo mundo – A senhorinha Gipsy C.
precisa ir passear na avenida Vieira Souto. muito tempo conhecido rapaz procura vê-la por
lá...
695
Várias outras brincadeiras do gênero fizeram sucesso: Bulindo..., Por que será?, Dizem as más
línguas, Parece que... etc.
696
Esse tipo de texto era sempre assinado com pseudônimo. “Dr. Linguarudo”, “Mexerica”, Invisí-
vel”, “Ranheta”, “Facada”, “Bizuth” e “Guarda-Marinho” eram alguns entre dezenas de outros.
697
Havia número considerável de pseudônimos femininos: Lull”, “Sybilla”, “Siri-Gaita”, “Lys”,
“Curiosa”, “D. Yayá”, “Siá Candinha” e o trio da Coluna dos Três Diabos, “Miss Fuzarca, Baru-
693
8 de janeiro de 1928, p. 8.
694
4 de março de 1928, p. 4.
695
28 de outubro de 1933, p. 36.
696
20 de fevereiro de 1927, p. 4; 18 de dezembro de 1927, p. 4; 18 de março de 1928, p. 4; 28 de abril de 1929, p. 3;
30 de junho de 1929, p. 6; 9 de março de 1930, p. 4.
697
5 de fevereiro de 1928, p. 12; 3 de fevereiro de 1929, p. 7; 18 de novembro de 1928, p. 5.
118
lho e Bagunça”, por exemplo.
698
Um grande número de jovens colaboradores informais partici-
pava desse jornalismo familiar, que viveu sua idade de ouro durante a existência dos clubes prai-
anos, especialmente Praia e Atlântico, entre 1927 e 1933. Os textos começaram a ser publicados
de forma avulsa, mas logo passaram a se organizar em colunas, com identidades próprias. A pri-
meira, criada em dezembro de 1927, foi a Caixinha de Surpresas, dirigida às “chinesinhas de
Copacabana”.
699
Editada pela dupla “Pang e Chang”, a seção contava com a colaboração de no-
mes como “Hong-Lao-Tchao”, “Chu-Chin-Chow”, “Mister Wu”, “Fu-Manchu”, “Ti-Chin-Fu”,
“Lao Tse” e “Long-Sing”.
700
Em 1929, “Chang” abriu uma dissidência na comunidade chinesa e
abriu a Lanterna Mágica.
701
As duas abrangiam principalmente a turma do Posto IV e sócios do
Praia Club. A coluna Coisas do Atlântico em grande parte acompanhava esse modelo. Na prima-
vera de 1928, “Atleta Convencido” anunciava aos leitores que
esta secção foi feita para nós, camaradas, e para as nossas gentis amiguinhas. Ante isso, acho-me no
direito de pedir-lhes colaboração para maior alegria do nosso querido club.
O redator se apoiava na autoridade de Théo-Filho para a seleção das matérias: “coisas inofensi-
vas, pois do contrário não serão publicadas”.
702
Essas colunas representavam principalmente gru-
pos de Copacabana. Era o caso das colunas Mexendo, liderada pela dupla “Neném e Bebê”, Ca-
noa Furada, por “Remador” e No Leme... do Barco, por “Praiano”.
703
As Intrigas da Oposição,
redigidas por “K. Rapeta” e “João Dellas”, tinham parentesco com essas colunas divertidas, mas
estavam voltadas especialmente para o pessoal do comércio local.
704
A coluna Taba de Anhangá
era assinada pelos “Cinco Morubixabas”, entre eles “Trahira, Ubirajara, Pirajá, Itagiba e Poju-
can”. Prometia pilhérias em estilo nacional: “nela, a par da futilidade indispensável à mocidade
moderna, com os bulindos, bilhetes e croniquetas diversas, trataremos de quando em vez dum
assunto indígena que possa interessar nossos leitores”.
705
A Taba foi uma seção combativa nos
meios mundanos. Apoiou vitoriosamente a candidatura de Marina Torre para “Miss Copacabana
698
11 de abril de 1929, p. 4; 10 de março de 1929, p. 2; 6 de janeiro de 1929, p. 5; 1
o
de setembro de 1929, p. 4.
699
18 de dezembro de 1927, p. 4; 13 de abril de 1930, p. 5.
700
12 de maio de 1929, p. 5; 18 de agosto de 1929, p. 4; 13 de abril de 1930, p. 5.
701
28 de abril de 1929, p. 3.
702
30 de setembro de 1928, p. 2.
703
22 de dezembro de 1929, p. 11; 12 de setembro de 1931, p. 2; 17 de dezembro de 1932, p. 2.
704
1
o
de junho de 1930, p. 8; 25 de janeiro de 1931, p. 8; 12 de abril de 1931, p. 8.
705
5 de janeiro de 1930, p. 10.
119
1930”, num concurso promovido pelo jornal A Noite, e organizou a parte carioca do 3
o
concurso
de beleza do Beira-Mar, em 1931.
706
Fora de Copacabana, esse jornalismo se desenvolveu em Niterói e Ipanema. A seção Beira-Mar
em Icaraí ou Niterói apenas parcialmente reproduzia a estrutura das colunas de futilidades.
707
A
seção ipanemense Sereias e Tubarões surgiu em 1929, em conexão com público do Arpoador
Club.
708
Fundada pelo “Homem Que Ri” e continuada por “Aramis”,
709
manteve durante os Anos
30 as suas Alfinetadas.
710
Foi nesse gênero a coluna mais longeva de todas, mas com a condição
de ter se libertado da dependência da colaboração espontânea da juventude associada aos clubes
familiares. Houve ainda outras tentativas, que desapareceram logo, como o Observatório de Ipa-
nema e Casa da Sogra.
711
Nessas seções de futilidades, os diversos textos de colaboração, como os Bulindo, eram precedi-
dos de uma crônica mundana, assinada pelo redator-chefe da coluna. Era que se editava o co-
mentário do footing praiano, acompanhado daquelas longas listas de nomes próprios. Também
apareciam aí os perfis femininos, destinados à descrição encomiástica dos atributos e virtudes das
jovens senhorinhas freqüentadoras dos círculos clubísticos praianos.
712
Às vezes, a identidade da
perfilada permanecia oculta, como no caso da “Senhorinha X”:
É linda, meiga, sedutora e graciosa, o seu olhar é adorável, seus olhos são a bonança num mar rai-
voso. A sua imagem é a de uma ninfa perfeita. Mlle é macia até no andar... Aprecia imensamente a
praia e adora o banho de mar. É freqüentadora assídua do Americano. Gosta muito das dominguei-
ras do Praia. Tem inúmeros admiradores.
713
Nada impedia, porém, que se declarasse o nome da homenageada. Foi o procedimento adotado
nos “Perfis Praianos”, a mais longa série publicada em Beira-Mar, entre 1934 e 35, na coluna
706
2 de fevereiro de 1930, p. 7; 11 de janeiro de 1931, p. 3.
707
16 de junho de 1929, p. 3; 24 de julho de 1937, p. 6.
708
21 de janeiro de 1929, p. 5; 21 de janeiro de 1939, p. 8.
709
5 de abril de 1931, p. 6.
710
26 de março de 1932, p. 6; 30 de julho de 1938, p. 4.
711
25 de março de 1933, p. 5; 18 de fevereiro de 1933, p. 6.
712
27 de abril de 1930, p. 6; 22 de julho de 1933, p. 3; 16 de fevereiro de 1935, p. 8.
713
23 de março de 1930, p. 5.
120
Sereias e Tubarões.
714
“Aramis” apresentou aos leitores algumas dezenas de jovens, como a “ele-
gante, esbelta, de sorriso meigo, de voz maviosa, cheia de ternura, mademoiselle Hermínia B.,”
que,
com sua privilegiada elegância, serve de alvo às maiores admirações, mormente por parte dos fans
locais. De uma vivacidade sem par, bastante flirtista, apreciadora do bom teatro, detesta a má leitu-
ra, adora o Beira-Mar e tem, como todas as moças de dezoito anos, o seu ideal, que consiste numa
baratinha e no seu proprietário, que é um rapaz guapo, moreno e cujas iniciais são P. D.
715
Não por acaso, Beira-Mar era acusado de ser “um jornal fútil”.
716
Em parte era verdade. Se o
secretário Harold Daltro podia assumir sua identificação com a futilidade, por que outros colunis-
tas do jornal não seguiriam seu exemplo? Os editores não aceitavam, contudo, a acusação de que
o semanário fosse de todo fútil. Por isso se defendiam:
Beira-Mar não é apenas o periódico sutil e gracioso, o semanário juvenil, em que os olhos límpidos
das meninas se comprazem em passear ingenuamente (...); não é, por exclusividade, "o jornalzinho
literário e faceto que protege os namorados", como alguns ironistas de erradamente julgam,
sem examinar com critério o que tem sido a nossa cooperação na marcha evolutiva desses bairros,
de Leblon a Ipanema, de Copacabana a Leme.
717
Quem escrevia as futilidades de Beira-Mar? Théo-Filho – com a assinatura de “Mi-Esú” – abriu a
coluna Potins da Praia, em 1925, depois continuada por outros redatores.
718
Em paralelo, mante-
ve a Correspondência do Beira-Mar: Mi-Esú publicava respostas a cartas pessoais.
719
Para entrar
em aspectos da vida particular das leitoras que se correspondiam com o jornal, Théo-Filho obri-
gatoriamente teve, pelo menos até 1928, envolvimento nos círculos da juventude cilense freqüen-
tadora dos clubes familiares. Harold Daltro assumiu um papel equivalente, entre 1929 e 1931, à
frente de sua coluna De Monóculo.
720
João Guimarães, Max Monteiro, Emanuel Sarmanho Arra-
714
20 de janeiro de 1934, p. 5; 16 de março de 1935, p. 5.
715
27 de janeiro de 1934, p. 6.
716
6 de janeiro de 1929, p. 12.
717
5 de janeiro de 1930, p. 2.
718
5 de julho de 1925 a 3 de outubro de 1926.
719
20 de setembro de 1925 a 2 de dezembro de 1928.
720
6 de janeiro de 1929 a 5 de dezembro de 1931.
121
es e outros, em diferentes tempos, escreveram a crônica mundana da seção Vida Social. Em Se-
reias e Tubarões, João Rodolpho de Carvalho e Albertus de Carvalho foram, respectivamente,
“Aramis” e o “Homem Que Ri”.
721
Sylvio Level Moreaux era o “Chang” da Caixinha de Surpre-
sas.
722
Provavelmente, Henrique Paulo Bahiana, Paulo Candiota, Caio de Freitas, Alydea Galvão,
Victor Magalhães e outros contemporâneos à época áurea dos clubes assinaram com pseudôni-
mos vários as brincadeiras das colunas de mexericos.
***
Entre as colunas especializadas, Sports foi a mais longeva e assídua. Na qualidade de jornal prai-
ano, Beira-Mar fazia a apologia da educação física e da vida ao ar livre. Era adepto da máxima
“Mens sana in corpore sano”.
723
Defendia as praças de jogos infantis e a prática do escotismo.
Freqüentemente, Théo-Filho dedicava atenção ao tema: “Incentivemos os exercícios físicos, fa-
zendo de Copacabana o campo da saúde e da beleza”.
724
A cobertura de eventos competitivos
locais muitas vezes saltava dos limites da seção, posicionada imediatamente antes do Indicador
Profissional, e ganhava a primeira página. A pauta esportiva se misturava à pauta dos clubes
praianos, principalmente do Atlântico. Sportmen e sportwomen freqüentavam com desembaraço
as notas mundanas.
Uma medida da importância do esporte em Beira-Mar era a posição de destaque ocupada na re-
dação, em tempos diferentes, por três de seus editores esportivos: Arlindo Cardoso, João Guima-
rães e Nelson do Nascimento. A coluna Sport contou ainda com a participação de vários outros
redatores, como Mario Graça (parceiro de Arlindo Cardoso), Mario Guimarães e João Guilherme
Pontes Vieira.
725
O “football” era o esporte que mais espaço tomava nessa pauta.
726
Beira-Mar foi divulgador e
cúmplice da Liga de Amadores de Football na Areia. Cobria todos os seus campeonatos do co-
721
10 de agosto de 1930, p. 2; 29 de setembro de 1929, p. 2.
722
24 de novembro de 1934, p. 3.
723
9 de abril de 1932, capa; 5 de fevereiro de 1938, p. 10.
724
22 de maio de 1937, capa.
725
3 de maio de 1925, p. 6; 7 de abril de 1929, p. 8; 5 de maio de 1929, p. 8; 31 de outubro de 1931, p. 80.
726
Sobre futebol nesse período: Leonardo Affonso de Miranda PEREIRA, Footballmania uma história social do
futebol no Rio de Janeiro, 1902-1932.
122
meço ao fim,... quando terminavam. Acompanhava brigas internas, renúncias de diretoria, extin-
ções, ressurreições, novas eleições e calendários de competições.
727
O noticiário fazia referência a
“players” então importantes no futebol de Copacabana, como Antonio Atem e Jaguaré.
728
Os te-
ams eram os do Sport Club Posto III, Posto IV F. Club, Vai Bola F. Club, Copacabana F. C.,
Guanabara, Posto I e outros tantos “F. C.”.
729
Beira-Mar publicava desde a descrição minuciosa
de cada partida até as atas das reuniões da LAFA. Seus redatores esportivos pertenciam à Liga e
alguns foram presidentes, como João Guimarães e João Vieira.
730
A natação, ainda que menos praticada que o futebol, tinha seu prestígio no jornal. Provas eram
organizadas pelos clubes locais na praia de Copacabana, quase sempre na enseada do Posto VI,
recomendada pelo mar calmo.
731
De quando em quando, se disputava o percurso da pedra do Le-
me ao Forte de Copacabana.
732
Essa prova, a partir de 1938, passou a ser editada anualmente,
com o estabelecimento do “Dia do Banhista” ou “Dia do Auxiliar”, a 28 de dezembro, a data dos
nadadores profissionais, funcionários dos Postos de Salvamento municipais.
733
O water-pólo
também era jogado.
734
Faziam parte desse temário de esportes aquáticos as piscinas dos clubes.
Existiam poucas no Rio de Janeiro da época e as mais concorridas estavam fora de Copacabana,
no Fluminense F. C. e no Tijuca Tennis Club.
735
A inauguração da piscina do Copacabana Palace
Hotel, em 1935, mudou esse quadro.
736
Trouxe para a CIL um novo interesse esportivo e ainda
forneceu mais um “ponto de reunião do nosso grand-monde”.
737
Em suas águas mergulharam
nadadoras famosas como Maria Lenk, Sieglinda Lenk, Linea Fligare, Ruth Behrensdorf, Neuza
Cordovil e Piedade Coutinho.
738
Quando natação e mundanismo se encontravam na pauta, a ma-
téria aparecia fora da coluna Sports.
727
10 de agosto de 1930, p. 10; 30 de julho de 1932, p. 8; 11 de maio de 1935, p. 11; 26 de setembro de 1936, p. 8.
728
11 de maio de 1935, p. 8; 18 de agosto de 1934, p. 2.
729
25 de julho de 1936, p. 8; 23 de fevereiro de 1935, p. 9; 9 de outubro de 1937, p. 9; 4 de julho de 1936, p. 8; 2 de
junho de 1934, p. 10; 15 de junho de 1930, p. 10.
730
11 de junho de 1932, p. 10; 13 de julho de 1930, p. 10.
731
2 de fevereiro de 1930, p. 8; 8 de março de 1931, p. 5.
732
19 de janeiro de 1930, p. 10; 6 de outubro de 1934, p. 9.
733
8 de janeiro de 1938, p. 10; 7 de janeiro de 1939, capa.
734
20 de fevereiro de 1932, p. 8; 4 de maio de 1935, p. 8.
735
23 de janeiro de 1932, p. 6; 3 de junho de 1933, capa.
736
22 de setembro de 1934, capa; 14 de setembro de 1935, p. 3.
737
21 de setembro de 1935, p. 3.
738
11 de abril de 1936, p. 9; 6 de junho de 1936, capa; 11 de junho de 1938, p. 3; 29 de janeiro de 1938, p. 3; 11 de
janeiro de 1936, p. 10.
123
Outras modalidades desportivas preenchiam a seção. Vôlei e peteca eram jogados, mormente na
praia, mas não se organizavam campeonatos. Vários clubes além do Atlântico, Praia e Arpoa-
dor se dedicavam a esses e outros esportes, como o Atlético Tennis Club, o Copacabana Sport
Club, o Velo Sportivo Helênico e o C. R. Botafogo.
739
Os esportes náuticos eram representados
principalmente pelos clubes Caiçaras e Marimbás.
740
Na segunda metade dos Anos 30, Beira-Mar começou a promover eventos desportivos por sua
própria iniciativa. Organizou, em 1935, uma prova ciclística feminina em Copacabana e uma
regata na Lagoa Rodrigo de Freitas.
741
A partir de 1937, passou a patrocinar uma corrida rústica
anual, em parceria com o Copacabana Palace.
742
Em 1939, organizou uma outra corrida de bici-
cleta, agora entre os caixeiros do comércio local.
743
Essas promoções rendiam matérias por várias
edições seguidas, com generosas inserções na capa. O maior acontecimento esportivo produzido
por Beira-Mar foi um campeonato entre colégios da região, realizado no “Stadium do Forte Du-
que de Caxias”, no Leme. O assunto esteve na pauta da primeira página entre março e outubro de
1937.
744
A variedade de categorias referidas na página de Sports era relativamente pequena. Além das
mencionadas, jogava-se tênis, ping-pong, bilhar e xadrez.
745
A luta livre andou em evidência em
1935, quando um dos lutadores locais, Willi, passou a desafiar campeões como Mario Caram e
Roberto Villa.
746
O automobilismo chamava a atenção com as corridas no circuito da Gávea, o
“Trampolim do Diabo”, no limite dos domínios da CIL.
747
As festas esportivas dos clubes praia-
nos às vezes programavam brincadeiras como a “corrida do saco”, a “corrida do ovo”, a “corrida
da centopéia” e a “pega do pato”.
748
739
23 de novembro de 1930, p. 4; 1
o
de fevereiro de 1931, capa; 27 de julho, capa; 22 de julho de 1933, capa; 13 de
agosto de 1932, p. 5; 1
o
de abril de 1933, capa.
740
5 de dezembro de 1931, capa; 9 de julho de 1938, capa; 8 de julho de 1933, capa; 2 de abril de 1938, p. 10.
741
11 de maio de 1935, p. 8; 13 de julho de 1935, p. 8.
742
26 de junho de 1937, p. 3; 11 de junho de 1938, p. 5.
743
6 de maio de 1939, p. 11.
744
27 de março de 1937, capa; 9 de outubro de 1937, capa.
745
22 de julho de 1933, capa; 6 de outubro de 1929, capa; 22 de junho de 1930, p. 3.
746
27 de julho de 1935, capa; 21 de setembro de 1935, p. 9.
747
11 de junho de 1938, p. 3; 28 de outubro de 1939, p, 2.
748
8 de setembro de 1929, p. 3; 29 de setembro de 1929, p. 3; 15 de junho de 1930, p. 6; 7 de janeiro de 1939, capa.
124
Uma novidade, entretanto, virou notícia em 1931: o “golfinho”. Era um campo de golfe em mini-
atura idéia conhecida “nos cinco pontos do mundo” e que Copacabana, segundo Beira-Mar,
teve a primazia de inaugurar no Brasil.
749
Mistura de esporte e divertimento, o jogo, praticado à
noite, admitia a participação de sereias e tubarões e se tornou uma ótima oportunidade para o
“flirt”.
750
Houve uma febre: ao primeiro golfinho, instalado num terreno da rua Salvador Correa,
em fevereiro, seguiram-se outros, organizados por clubes, como o Atlântico, e empreendedores
comerciais, como o “Bengabol”.
751
Em julho, quando o Copacabana Palace se rendeu à moda, a
crônica asseverava: “Positivamente, o golfinho, no Brasil, venceu”.
752
O jornal chegou a man-
ter por alguns meses a coluna Golfinho. A “golf-mania”, contudo, sumiu tão rápido quanto apare-
ceu e no verão já não se ouvia mais falar no assunto.
753
Ao lado de Sports, Beira-Mar manteve, durante longos períodos, a coluna Escotismo ou Beira-
Mar no Escotismo. Publicava informes de uma rede de organizações, que envolvia o “Grupo 37”,
do bairro, os “Escoteiros de Copacabana”, os “Escoteiros Católicos de Copacabana”, a “Federa-
ção dos Escoteiros do Brasil”, a “Federação dos Escoteiros do Mar” e o “Corpo Nacional dos
Scouts”.
754
Em 1935, a “Associação dos Escoteiros de Copacabana” instalou sua sede no endere-
ço da praça Serzedello Correa n
o
22.
755
Entre 1924 e 27, os textos eram assinados por O. Lobo.
756
Entre 1933 e 37, a seção foi redigida por Luiz Pacheco.
757
Também escreveram Eurico C.
Gomide e Goulart de Andrade.
758
Uma organização que apareceu com assiduidade nos Anos 30 foi o Centro Excursionista Brasilei-
ro. Sua programação mensal de passeios merecia sempre uma nota de divulgação. O roteiro de
aventuras às vezes incluía os morros da região, como o Cantagalo e a Pedra do Inhangá (entre
749
1
o
de março de 1931, p. 6.
750
22 de março de 1931, p. 5; 24 de maio de 1931, p. 12.
751
21 de novembro de 1931, capa; 8 de agosto de 1931, capa; 11 de julho de 1931, p. 10.
752
18 de julho de 1931, p. 2.
753
12 de dezembro de 1931, p. 3.
754
3 de agosto de 1924, capa; 3 de março de 1930, p. 8; 22 de junho de 1930, p. 8; 23 de fevereiro de 1930, p. 8.
755
14 de setembro de 1935, p. 7.
756
3 de agosto de 1924 a 20 de março de 1927.
757
23 de janeiro de 1933 a 15 de novembro de 1937.
758
23 de outubro de 1927; 26 de dezembro de 1926, p. 2.
125
Leme e Copacabana). Mais comuns eram as subidas à Pedra da Gávea e ao Corcovado. Também
havia excursões para fora do Rio, como Petrópolis, Correias, Teresópolis etc.
759
Beira-Mar participava do movimento de valorização da vida ao ar livre, do esporte, da ginástica e
da educação física.
760
Essas bandeiras tinham ressonância no mundo balneário. Eventuais ativi-
dades dos colégios na orla eram objeto de cobertura do jornal, como por exemplo as aulas do
Colégio Anglo Americano na praia de Copacabana.
761
Nos Anos 20, ainda se falava muito em
“ginástica sueca”.
762
Em 1929, foi publicada, na seção Sports, uma série de artigos sobre o méto-
do Muller de “ginástica racional”, com assinatura de De Gobbis: Praia de Copacabana, fonte
perene de saúde e vigor.
763
Nos Anos 30, o rádio ganhou importância na difusão da ginástica.
Em 1932, a professora Polly Wettl mantinha a “Hora Ginasta” na “Radio Club do Brasil”. Em
1935, estavam no ar as aulas de educação física da “PRH8 Radio Ipanema”, ministradas pelo
professor Tarso Coimbra. Em 1938, durante alguns meses, a “Radio Widok do Brasil” transmitiu,
por meio de alto-falantes instalados nos Postos de Salvamento de Copacabana, as aulas matinais
do professor Oswaldo Diniz Magalhães.
764
O tema da ginástica se integrava a um conjunto que incluía também beleza feminina e saúde. O
professor Tarso Coimbra, por exemplo, assinou, em 1936, a coluna Sport Saúde Beleza, onde
escrevia breves artigos em defesa da atividade sica feminina.
765
O tema da beleza, porém, foi
relativamente pouco explorado em Beira-Mar. As colunas especializadas não se fixaram por mui-
to tempo, como foi o caso de Beatriz Kovach, com a Cultura da Beleza, em 1931, e Madame
Graça, que escrevia Para a Mulher, na Vida Social, em 1934.
766
Madame Selda Potoka foi a co-
laboradora mais importante nesse setor da pauta, em 1930, quando manteve O Culto da Beleza.
Respondia a consultas de leitoras e aproveitava para vender sua própria linha de produtos de higi-
ene. Nessa época, ainda tentou animar uma associação voltada para o público feminino conserva-
759
28 de abril de 1929, p. 3; 28 de agosto de 1929, capa; 19 de janeiro de 1930, p. 7; 10 de maio de 1931, p. 2; 23 de
setembro de 1933, p. 4; 14 de agosto de 1937, p. 5; 22 de abril de 1939, p. 3.
760
Sobre esporte no Rio de Janeiro do início do século XX: Victor Andrade de MELO, Cidade Sportiva Primór-
dios do esporte no Rio de Janeiro.
761
22 de junho de 1935, capa.
762
20 de abril de 1927, capa; 6 de janeiro de 1929, p. 6; 2 de junho de 1929, p. 2; 17 de agosto de 1930, p. 6.
763
17 de fevereiro de 1929, p. 6; 9 de junho de 1929, p. 6.
764
23 de julho de 1932, p. 3; 4 de janeiro de 1936, p. 3; 25 de junho de 1938, p. 3.
765
6 de junho de 1936, p. 2; 12 de setembro de 1936, p. 2.
766
3 de outubro de 1931, p. 3; 28 de novembro de 1931, p. 3; 18 de agosto de 1934, p. 7; 27 de outubro de 1927.
126
dor, o Club Imperial.
767
Veterana da Gazeta de Notícias, Selda Potoka era esposa do poeta Carlos
Malheiro Dias, amigo de Théo-Filho.
768
O tema da saúde, em contrapartida, freqüentemente esteve em pauta nas colunas especializadas
que se sucederam ao longo de duas décadas. Desde a fundação, o Dr. Felix Guimarães foi a pre-
sença mais importante, com seu Consultório Médico, onde atendia às consultas do público e ain-
da escrevia matérias apologéticas das águas de Cambuquira.
769
Entre 1925 e 27, o Dr. Alexandre
Tepedino, entre outros artigos, desenvolveu uma série sobre A Terapêutica da Natureza.
770
Dr.
Castro Garcia, entre 1931 e 32, ofereceu seus Conselhos de Higiene Infantil e Puericultura.
771
Dr. David Madeira não chegou a manter uma coluna, mas escreveu artigos sobre banhos de sol,
em 1934, antes de se tornar representante da Sociedade Naturista do Brasil
772
. Dr. Gilberto Pa-
checo voltou ao tópico da Higiene Infantil, em 1936.
773
Dr. Novelli Junior, outro pediatra, no
mesmo ano, abriu seu Consultório da Criança.
774
Dr. Plácido Barbosa não atendia a consultas,
mas produziu comentários sobre assuntos como o nudismo, a miscigenação e a criação de cães.
775
Um outro médico, Dr. José de Albuquerque, escreveu de vez em quando, a partir de 1935, para
promover uma campanha em prol da educação sexual.
776
Mas não apenas os seres humanos me-
reciam atenção dos doutores colaboradores de Beira-Mar. O Dr. Oswaldo S. Chagas manteve em
funcionamento por longo tempo, de 1936 a 39, o seu Consultório Veterinário.
777
Esses “consultórios” para os problemas de saúde como para os de beleza seguiam o mesmo
modelo da Correspondência do Beira-Mar, de Mi-Esú. Os leitores não tinham acesso aos termos
das cartas que eram respondidas. Assim, as colunas de Selda Potoka e Felix Guimarães, por e-
xemplo, consistiam numa relação de cerca de uma dúzia de nomes (às vezes codificados) segui-
dos de recomendações que podiam ser mais ou menos compreendidas pelo público: Gabriella
767
15 de junho de 1930, p. 3; 22 de junho de 1930, p. 2; 6 de julho de 1930, p. 2; 7 de dezembro de 1930, p. 3.
768
15 de junho de 1930, p7; Gazeta de Notícias, 6 de maio de 1914, p. 10, e 15 de agosto de 1915, capa.
769
16 de maio de 1926 a 19 de novembro de 1938; 6 de maio de 1928, capa; 5 de março de 1932, capa.
770
6 de setembro de 1925 a 22 de maio de 1927.
771
5 de abril de 1931 a 6 de fevereiro de 1932.
772
7 de abril de 1934, p. 3; 22 de junho de 1934, p. 2; 25 de agosto de 1934, p. 2; 22 de agosto de 1936, p. 9.
773
4 de janeiro de 1938 a 15 de maio de 1936.
774
19 de setembro de 1936 a 12 de dezembro de 1936.
775
4 de abril de 1936, p. 2; 25 de abril de 1936, p. 2; 2 de setembro de 1936, capa.
776
19 de janeiro de 1935, p. 2; 23 de janeiro de 1937, p. 2.
777
13 de junho de 1936 a 15 de abril de 1939.
127
Para conservar a saúde e a frescura da pele, é necessário que o de arroz seja muito fino
(...)”.
778
Esse modelo, aliás, não era incomum na grande imprensa do começo do século XX.
779
***
Ao lado da tríade esporte-saúde-beleza, as artes eram as especialidades mais importantes em Bei-
ra-Mar. E entre as artes, as letras predominavam. Além da crônica, da poesia e das obras literá-
rias propriamente ditas que se publicavam no jornal, a literatura era tema da pauta. Lançamentos
de livros proporcionavam notícia. Escritores consagrados, entre eles o próprio Théo-Filho, bem
como jovens promessas, ganhavam cartaz. Muitos colaboradores produziam crítica literária. Parte
desse material era publicada de forma avulsa, por diferentes autores. Outra parte preenchia as
colunas especializadas, entre as quais as mais longevas foram Rascunhos Literários, de Adolpho
Celso, Movimento Literário, de Harold Daltro, e Livros Novos, de Albertus de Carvalho.
780
Os
dois primeiros ocupavam meia página com longos comentários sobre uma ou duas obras. O últi-
mo fazia breves resenhas sobre mais de meia dúzia de lançamentos, numa seção que às vezes
tomava mais da metade da página 4. Entre 1930 e 31, também eram publicadas as atas das reuni-
ões do Centro Literário de Copacabana.
781
Fora o tema das letras, entretanto, outros assuntos do
mundo das artes tinham espaço em Beira-Mar: o cinema, o teatro, a música, o rádio etc.
A seção Cinemas se tornou assídua a partir de 1927 e desde então tendeu a crescer, oscilando
entre meia página e página inteira. Um serviço obrigatório era o fornecimento da programação
dos cinemas locais. Nos Anos 20 essa agenda se limitava a dois estabelecimentos, o Atlântico e o
Americano, ambos em Copacabana.
782
Na década seguinte foram inaugurados o cinema do Cas-
sino Copacabana, o Cine Ipanema, o Cine Varieté, o Cine Pirajá, o Roxy e o Ritz.
783
Às vezes, a
778
29 de junho de 1930, p. 3.
779
Por exemplo, a coluna “Consultório Médico”, do Dr. Agapito de Lima, no jornal A Noite: 21 de janeiro de 1921,
p6; 2 de dezembro de 1922, p. 6. Ou o próprio “Consultório da Mulher”, de Selda Potoka, na Gazeta de Notícias.
780
19 de setembro de 1931 a 11 de março de 1933; 17 de dezembro de 1938 a 28 de outubro de 1939; 18 de março
de 1933 a 13 de março de 1937.
781
23 de fevereiro de 1930, p. 2; 11 de julho de 1931.
782
8 de janeiro de 1928, p. 5; 9 de junho de 1929, p. 5.
783
27 de abril de 1935, p. 5; 29 de setembro de 1934, p. 9; 8 de junho de 1935, p. 5; 17 de agosto de 1935, p. 7; 15 de
maio de 1937, p. 3; 10 de dezembro de 1038, p. 4. Sobre esses estabelecimentos: Alice GONZAGA, Palácios e poei-
ras – 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Record, Funarte, 1996.
128
lista incluía cinemas de Niterói, como o Imperial, o Royal e o Central.
784
O que dava volume à
coluna, no entanto, eram as matérias sobre cinema. Henrique Paulo Bahiana iniciou essa prática.
Muitas vezes apareciam textos adaptados do material de divulgação de empresas como a Metro-
Goldwyn-Mayer. Tratava-se também de cinema nacional, das produções da Cinédia, de Ademar
Gonzaga e Humberto Mauro.
785
O autor que mais regularmente escreveu na coluna foi Walter
Rocha, durante 1936.
786
Também colaboraram Isaac Kauffman e Carvalho Junior, com crônica
sobre as salas de exibição e seus freqüentadores. Contudo, à medida que avançava a década de
30, crescia a subseção De Hollywood, sem assinatura.
787
Dentro e fora da coluna, inclusive na capa, espalhavam-se fotos de atrizes. Era material de boa
qualidade, produzido em estúdio e destinado à publicidade. Estrelas nacionais apareciam, como
por exemplo Nita Ney, Lu Marival, Lia Torá, Carmem Santos e Heloisa Helena.
788
Mas a esma-
gadora maioria das imagens femininas ligadas ao cinema era de estrelas estrangeiras como Sigrid
Holinquist, Lilian Roth, Nancy Carrol, Joan Crawford, Constance Bennett, Lupe Vélez, Marlene
Dietrich, Evelin Brent, Lili Damita, Greta Garbo, Gloria Swanson, Shirley Temple etc.
789
Astros
como Tyronne Power seduziam o público feminino.
790
O cinema estava na moda. Entre as misses
e poetizas entrevistadas, entre as senhorinhas perfiladas por Aramis e outros colunistas, quase
todas afirmavam gostar de cinema.
O teatro, em comparação com o cinema, ocupava muito menos espaço. A coluna Theatro só apa-
recia de vez em quando. Fazia a crítica dos títulos em cartaz nos teatros do Rio, como o Lírico, o
Recreio, o João Caetano, o Rival e o Trianon. Tiveram repercussão discreta peças como Chauf-
feur, de Joracy Camargo, com Belmira de Almeida e Odilon Azevedo, no Lírico, em 1930, ou
Amor, de Oduvaldo Vianna, com Dulcina e Odilon, no Rival, em 1934.
791
Nomes como Procópio
784
3 de maio de 1931, p. 5.
785
8 de janeiro de 1928, p. 5; 20 de maio de 1928, p. 5; 29 de junho de 1930, p. 3; 14 de abril de 1934, p. 6.
786
18 de abril de 1936 a 28 de novembro de 1936.
787
10 de abril de 1937, p. 8; 2 de setembro de 1939, p. 6.
788
23 de março de 1929, p. 8; 19 de novembro de 1932, p. 10; 11 de agosto de 1929, capa; 21 de setembro de 1935,
p. 3; 25 de janeiro de 1936, p. 5.
789
24 de janeiro de 1926, p. 3; 10 de agosto de 1930, p. 9; 14 de setembro de 1930, p. 8; 23 de março de 1935, capa;
8 de setembro de 1934, p. 10; 21 de setembro de 1935, p. 5; 4 de fevereiro de 1933, capa; 22 de julho de 1933, capa;
1
o
de setembro de 1934, p. 10.
790
17 de dezembro de 1938, p. 3.
791
19 de janeiro de 1930, p. 7; 26 de maio de 1934, p. 9.
129
Ferreira e Henrique Pongetti também eram comentados.
792
Não houve em Beira-Mar alguém que
fizesse o papel de titular da coluna por muito tempo. Escreveram mais Rubem Azevedo, em
1929, Mario Paulo, em 1936-37, e Raul Roberto, em 1937-38.
793
Também cobriram a coluna Jo-
ão Rodolpho e Nelson do Nascimento.
Menos importância que o teatro teve a arte do bailado. Aparecia apenas através das fotos de dan-
çarinas que compunham a contínua galeria de beldades que editava Beira-Mar. Entre elas esta-
vam Vera Grabinska, Eros Volusia, Madeleine Rosay, Polly Wettl, Vera Wilson Duder e sua alu-
na Sarita Magalhães, por exemplo.
794
Raras vezes o assunto coincidiu com a pauta, exceto quan-
do Vera Grabinska preparou uma coreografia para os festejos da inauguração do telefone automá-
tico em Copacabana, a “Dança do Automático”, e Eros Volusia ofereceu no Teatro Cassino Co-
pacabana um recital, considerado então “um espetáculo de grande repercussão nos círculos artís-
ticos e intelectuais desta capital”.
795
Entre as artes espetaculares, Beira-Mar distinguia o circo. Toda vez que chegava uma companhia
circense a Copacabana, o jornal fazia publicidade. Nos Anos 30, os circos se armaram no bairro
pelo menos nove vezes. O “Grande Circo Chicarrão” e o “Circo Queirolo”, em 1930, pertenciam
à Empresa Paulista de Diversões. Beira-Mar incentivava o grupo distribuindo ingressos para
“vesperais gratuitas aos colegiais de Copacabana”.
796
O “Circo-Teatro Dudu” trouxe, em 1933, o
cômico Aymoré Pery, o “André”, que fazia o público “delirar, com suas piadas e chalaças fi-
nas”.
797
No mesmo ano, o “Circo da Feira” se apresentava com uma “grande companhia de ginás-
tica, zoologia e variedades” constituída de “cinqüenta artistas, seis palhaços e numerosa trupe de
animais ensinados”.
798
Em 1934, o “Circo-Teatro França” anunciava “verdadeiras comédias, re-
vistas e burletas da autoria de consagrados autores nacionais”.
799
As temporadas podiam durar
792
11 de agosto de 1929, p. 6; 21 de julho de 1934, p. 6.
793
14 de abril de 1929 a 20 de outubro de 1929; 25 de abril de 1936 a 11 de dezembro de 1937; 3 de julho de 1937 a
2 de julho de 1938.
794
1
o
de julho de 1933, capa; 26 de agosto de 1933, p. 3; 17 de setembro de 1938, p. 7; 23 de julho de 1932, p. 10; 14
de dezembro de 1935, capa.
795
29 de dezembro de 1929, p. 3; 28 de maio de 1932, p. 5.
796
14 de setembro de 1930, p 7; 7 de dezembro de 1930, p. 2; 28 de setembro de 1930, p. 2.
797
29 de julho de 1933, p. 7.
798
11 de novembro de 1933, p. 5.
799
30 de junho de 1934, p. 5.
130
quase três meses, como a do “Circo Sarrasani”,
800
e portanto sempre rendiam notícia. Também
passaram pela CIL o “Circo Dunbar Schweyer”, em 1935, o “Circo Piolin”, em 1937, e o “Gran-
de Circo Bremen”, em 1940.
801
Quase sempre a lona se instalava na esquina da rua Copacabana
com a Bolívar. Ainda na categoria dos espetáculos, o jornal dava especial atenção ao teatro de
marionetes. O “guignol” da praça Serzedello Correa que funcionou entre 1926 e 1935 “foi
resultado de uma das mais antigas campanhas do Beira-Mar em favor da criança”. Encenava, aos
domingos, as peças de Luiz Neves, estreladas pelos “ídolos de pano: Francisco, o crioulo pernós-
tico; Genoveva, a velha assanhada; Dondoca, a melindrosa; Fagundes, o delegado; 124, o pronti-
dão; e o português, o Mondrongo”.
802
A música não ocupava tanto espaço quanto o cinema, mas era das artes a mais prestigiada, ao
lado da literatura. Embora a coluna dirigida por Sylvio Level Moreaux não fosse muito assídua, a
pauta musical de Beira-Mar se manteve desde o final dos Anos 20, alimentada principalmente
pelo noticiário em torno do Instituto Nacional de Música. Fotos de alunas do INM pertencentes
às famílias de Copacabana freqüentemente se estampavam, ao lado de artistas consagrados, na
primeira e na última página. Quase todas tocavam piano, como as senhorinhas Yvone Muniz Bas-
tos, Maria França, Ruth Araújo e Maria Rita de Cintra Costa.
803
Professoras de piano moradoras
na região D. Matilde Andrade Adamo, Carmem Martins Costa, Sophia Andrade Lima e Odette
C. de Mello, por exemplo ofereciam em suas residências “audições” de suas pupilas.
804
Parte
das moças perfiladas nas colunas de futilidades exercitava algum instrumento musical. “Quem
passar pela Montenegro e quiser parar em certa residência, pintada de amarelo-creme, aí pelas 20
horas, ouvirá música de Strauss, tão habilmente tocada por mademoiselle (...)” confidenciava
Aramis em Sereias e Tubarões.
805
O tema se misturava à pauta mundana.
Nos palacetes e “bungalows” da aristocracia cilense, cultivava-se o gosto pela música. Um afina-
dor de pianos que anunciasse em Beira-Mar, como Alfredo Curt Zoelener, não se queixaria de
800
21 de julho de 1934, p. 2.
801
6 de julho de 1935, p. 7; 16 de outubro de 1937, p. 3; 27 de abril de 1940.
802
21 de julho de 1934, capa; 7 de novembro de 1926, capa.
803
23 de novembro de 1930, p. 12; 21 de setembro de 1930, p. 10; 1
o
de junho de 1930, p. 3.
804
1
o
de junho de 1930, p. 10; 3 de julho de 1938, p. 7; 29 de dezembro de 1934, p. 5; 4 de setembro de 1937, p. 5.
805
8 de abril de 1933, p. 5.
131
falta de clientela.
806
Esse provavelmente foi o cálculo do sr. M. G. Pucciarelli ao abrir, em 1935,
na rua Siqueira Campos, 44, a “Casa da Música”, para venda “de músicas clássicas e de danças,
discos, rádios, vitrolas” e instrumentos.
807
Um público de tamanho considerável atraiu institui-
ções como o Conservatório Brasileiro de Música, que criou, em 1938, “um Departamento à Rua
Visconde de Pirajá 278, Ipanema, sob a direção da consagrada pianista e ilustre professora Yo-
landa França Moreaux”.
808
Nos Anos 30 também passaram a ser oferecidos recitais de música no
“Teatro Cassino Copacabana”.
809
O repertório dessa pauta era principalmente o da música erudita. Ouviam-se muito os primeiros
românticos, Mendelsohn, Chopin, Schuman, Schubert etc. Beethoven era bastante executado. Os
barrocos não eram tão apreciados, exceto Bach.
810
Compositores brasileiros contemporâneos e-
ram menos tocados, mas já apareciam na imprensa nos Anos 30, entre eles Villa-Lobos, Henrique
Oswald, Waldemar Henrique, Lorenzo Fernandes e Francisco Mignone.
811
Além das “mademoi-
selles” do INM, ganhavam destaque no jornal concertistas conhecidos, como a pianista Ana Ca-
rolina, a soprano Bidu Sayão, a harpista Lea Bach, o violinista Pery Machado ou a regente Lycia
De Biase Bidart.
812
Entre os freqüentadores do banho de mar havia intérpretes da música erudita.
Era o caso de “Nadia Soledade, que toda Copacabana conhece da praia, mas que nem todos co-
nhecem do piano”. Segundo João da Praia, ela “empolgou a platéia do Municipal numa das mais
lindas tardes deste Outubro primaveril” de 1930.
813
O gosto da música popular, contudo, já disputava esse mesmo público. O violão começava a con-
quistar a preferência das senhorinhas. Anúncios de aulas de violão se somavam aos de aulas de
piano. A Casa da Música oferecia instrumentos fabricados por “Romeu di Giorgio e Tranquillo
Giannini”.
814
Nas horas de arte, às vezes “horas de música”, apresentavam-se jovens violonistas
residentes na CIL, como Maria Anita Peixoto, Iracema da Fonseca, Mora Ferreira e a própria
806
19 de janeiro de 1935, p. 2.
807
27 de julho de 1935, p. 2.
808
29 de janeiro de 1938, p. 10.
809
21 de julho de 1934, p. 5; 11 de setembro de 1937, p. 10.
810
27 de fevereiro de 1932, p. 2; 18 de novembro de 1928, p. 4; 15 de junho de 1930, p. 5; 1
o
de julho de 1933, p. 2.
811
26 de maio de 1934, p. 2; 23 de junho de 1934, p. 5; 12 de outubro de 1935, p. 6; 29 de janeiro de 1938, p. 10.
812
31 de janeiro de 1934, capa; 14 de setembro de 1935, p. 10; 4 de agosto de 1934, p. 3; 6 de outubro de 1934, p. 10
813
26 de outubro de 1930, p. 5.
814
15 de junho de 1930, p. 6; 27 de julho de 1935, p. 2.
132
Jesy Barbosa.
815
Suas fotos costumavam aparecer nas páginas do jornal. Cantavam ao violão mo-
dinhas como “Casa de caboclo”. O gênero das canções regionais, como as de Heckel Tavares, por
exemplo, estava na moda entre os Anos 20 e 30.
816
Artistas iniciados na carreira profissional,
como Gastão Formenti, Francisco Alves, Pixinguinha, Os Oito Batutas, Almirante “e seu formi-
dável bando de Tangarás”, também prestigiavam a programação do Atlântico e do Praia Club.
817
O samba, nos Anos 30, entrava na pauta de Beira-Mar por fora da seção de Música. O Carnaval
contribuía para essa tendência. O gênero se tornava “dança nacional”.
818
No final dessa década
ainda surgiriam as escolas de samba, entre elas a “Caprichosos de Copacabana”.
819
Longe do
Carnaval, as “jazz bands” como a “Tuna Gavelândia” e a do bar e restaurante Lido não raro
executavam “um grande e seleto repertório de composições nossas”.
820
Carmem Miranda, estrela
consagrada, compareceu algumas vezes às páginas mundanas do jornal, ao participar de uma hora
de arte no Atlântico Club e ao conceder uma entrevista de “cinco minutosà saída da praia.
821
Noel Rosa era constantemente citado na crônica. “Com que roupa?” se tornou lugar comum no
comentário da moda e o “Tarzan, filho do alfaiate” virou moeda corrente nas brincadeiras da ra-
paziada.
822
Dos poetas de Beira-Mar, tiveram ligação com a música popular João Guimarães, que
escreveu “Beijando a saudade” (1933) em parceria com Gastão Lamournier, e Harold Daltro, que
assinou “Menina que tem uma pose” (1932) com Ary Barroso.
823
Era nas colunas especializadas em rádio, entretanto, que esses e outros nomes da música popular
brasileira encontravam abrigo.
824
Em 1934, Julio de Oliveira inaugurou a seção Microphonemas,
onde fez por dois anos o comentário da programação carioca e da vida do “nosso broadcas-
815
11 de agosto de 1929, p. 8; 9 de março de 1930, p. 10; 21 de setembro de 1930, capa; 8 de setembro de 1929, p. 8.
816
10 de novembro de 1929, p. 3; 2 de dezembro de 1933, p. 3; 28 de julho de 1929, p. 5.
817
18 de maio de 1930, p. 12; 21 de setembro, capa; 30 de janeiro de 1932, p. 3; 22 de junho de 1930, p. 3.
818
11 de maio de 1935, p. 6. Sobre samba: Hermano VIANNA, O mistério do samba, Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Ed., Ed. UFRJ, 1995.
819
2 de junho de 1939, p. 12.
820
21 de abril de 1934, p. 3; 20 de fevereiro de 1937, p. 2; 18 de novembro de 1933, p. 9.
821
18 de maio de 1930, p. 12; 15 de junho de 1930, capa; 15 de março de 1931, p. 10; 39 de julho de 1932, capa.
822
9 de novembro de 1935, p. 4; 14 de abril de 1934, p. 6; 30 de novembro de 1935, p. 12; 6 de fevereiro de 1937, p.
9; 28 de outubro de 1939, p. 73. Sobre Noel Rosa: João MÁXIMO e Carlos DIDIER, Noel Rosa, uma biografia,
Brasília, Editora da Universidade de Brasília, Linha Gráfica Editora, 1990.
823
8 de abril de 1933; coleção Revivendo RVCD 040: “Ary Barroso – o Mais Brasileiro dos Brasileiros”.
824
Sobre rádio: Lia CALABRE, A Era do Rádio, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002.
133
ting”.
825
João Rodolpho tentou, em 1936, a coluna Radio Cocktail.
826
Em 1939, Santos Gerson
Levy começou a mais longeva seção de Beira-Mar dedicada ao tema, Radiofonices.
827
Além des-
ses espaços, as cantoras de rádio apareciam em fotos que se misturavam às imagens de outras
mulheres e outros artistas. Era o caso de Carmem Miranda, Silvinha Mello, Alice Figueiredo,
Cyrenne Fagundes, Linda Baptista, Lydia de Alencar e Isaura Seramota, por exemplo.
828
Beira-
Mar testemunhou o crescimento da novidade tecnológica que se tornava hábito. A publicidade
oferecia aparelhos de rádio marcas Crosley, Atwater Kent, Philips e General Eletric.
829
Estações
de rádio ganhavam evidência. No início da década, anunciavam sociedades de rádio, como “Ra-
dio Club do Brasil” e “Radio Copacabana”.
830
Depois vieram as emissoras comerciais, entre elas
a “Radio Ipanema PRH8” e a “Radio Cruzeiro do Sul PRD2”.
831
A estação que mais teve cartaz em Beira-Mar foi a Rádio Ipanema, “a voz de Copacabana”.
832
Em 1935, chegou a se iniciar uma parceria entre o jornal e a emissora que colocou no ar a “Meia-
hora Beira-Mar”. O programa levava à audiência, todas as quintas-feiras, às 10 e meia da manhã,
“notas sociais, aniversários, festas, bailes, jantares, cocktails”, além de “boa música e notícias de
fatos que se prendem à vida balneária”, segundo anunciava Annita Corrêa.
833
A iniciativa, porém,
não durou muito tempo. M. N. de Sá não deu o salto para o mercado radiofônico. Ainda assim, a
Rádio Ipanema continuou a anunciar e a merecer prestígio no noticiário do jornal, que cobria suas
realizações, da irradiação das aulas de educação física infantil à promoção do primeiro banho de
mar à fantasia acompanhado da narração de um “speaker”, no Carnaval de 1936.
834
As artes plásticas, por fim, não movimentavam a pauta de Beira-Mar, exceto na temporada do
Salão de Belas Artes, entre agosto e setembro. Desde 1925, uma matéria principal de capa quase
825
13 de outubro de 1934 a 6 de junho de 1936.
826
12 de dezembro de 1936 a 16 de janeiro de 1937.
827
A partir de de 18 de março de 1939.
828
10 de novembro de 1929, capa; 13 de julho de 1935, p. 3; 5 de maio de 1934, p. 5; 29 de dezembro de 1934, p. 2;
7 de setembro de 1935, p. 3; 8 de janeiro de 1938, p. 2; 7 de dezembro de 1935, p. 4.
829
25 de agosto de 1934, p. 5; 6 de outubro de 1934, p. 3; 23 de novembro de 1935, p. 3; 13 de março de 1937, p. 10.
830
30 de abril de 1932, p. 10; 6 de julho de 1935, p. 11; 21 de novembro de 1931, p. 2.
831
14 de setembro de 1935, p. 5; 5 de dezembro de 1936, p. 5.
832
3 de agosto de 1935, p. 7; 16 de novembro de 1935, p. 5; 25 de janeiro de 1936, p. 3.
833
28 de setembro de 1935, p. 6; 7 de setembro de 1935, capa; 5 de outubro de 1935, p. 6.
834
16 de novembro de 1935, p. 5; 25 de janeiro de 1936, p. 3.
134
sempre era concedida ao evento.
835
O gosto de Théo-Filho em pintura nada tinha de modernista.
As reproduções no jornal se aproximavam mais ou menos do estilo acadêmico. Artistas morado-
res da CIL eram festejados nessas reportagens. Em 1928, nada menos de 18 residentes concorre-
ram “com trabalhos magníficos, quase na totalidade contemplados pelo júri”. Entre eles estavam
Henrique Bernardelli, Yvone, Luisa e Elyseu D'Angelo Visconti, Sarah Vilela de Figueiredo,
Carlota Camargo do Nascimento, Virgilio Lopes Rodrigues “o admirável intérprete de nossas
praias” e outros.
836
A entrada de Fernando Martins no corpo da redação, em 1935, deu mais
presença ao assunto na pauta, mas não levou à criação de uma coluna especializada.
837
Além das artes, outras especialidades tentaram, sem sucesso, se estabelecer no jornal. Luiz Gon-
gora escreveu algumas vezes a coluna Interiores e Decorações, em 1934.
838
O Prof. Farhard ini-
ciou um curso de Astrologia, Quiromancia e Grafologia.
839
Ainda nesse mesmo ano, durou pou-
co tempo a coluna Movimento dos Hotéis de Copacabana, baseada na reprodução de listas de
hóspedes dos estabelecimentos locais (Copacabana Palace, Myatã, Atalaia, Londres, Balneário e
Washington), conforme o modelo da pauta mundana.
840
No ano seguinte, o jornal manteve uma
série de reportagens, às vezes assinadas por Isaac Kauffman, sobre os arranha-céus de Copacaba-
na. Cada matéria apresentava um prédio recém-inaugurado, caprichava nos elogios ao bom gosto
dos construtores e não terminava sem uma longa lista de fornecedores comerciais. Essa aborda-
gem, contudo, não rendeu mais que meia dúzia de edições.
841
Em 1938, E. S. Rocha começou a
ensinar Elementos de Defesa Pessoal.
842
Teve maior duração a seção Vida Forense, redigida por
Paulo Faria da Cunha, entre 1932 e 33.
843
Reproduzia o modelo dos “consultórios”, de respostas
aos leitores. O tema policial foi alvo de três tentativas de manutenção de uma coluna especializa-
da. Oscar Mario criou, em 1922, a Quinzena Policial, que se dedicava a acompanhar os registros
do 30
o
distrito. Todavia, o autor mesmo reconhecia a limitação do seu trabalho: “Enquanto em
outros bairros, e mesmo no centro desta bela e encantadora Sebastianópolis, registraram-se, du-
835
20 de setembro de 1925, capa; 31 de agosto de 1930, p. 8; 28 de agosto de 1933, p. 3; 19 de novembro de 1938;
28 de setembro de 1940, p. 3.
836
30 de setembro de 1928, capa.
837
24 de agosto de 1935, suplemento.
838
27 de outubro de 1934 a 22 de dezembro de 1934.
839
10 de fevereiro de 1934 a 9 de junho de 1934.
840
23 de junho de 1934 a 28 de julho de 1934.
841
4 de maio de 1935, p. 4; 8 de junho de 1935, p. 6; 13 de julho de 1935, p. 7.
842
6 de agosto de 1938 a 19 de novembro de 1938.
843
26 de março de 1932 a 1
o
de julho de 1933.
135
rante a quinzena última, os mais bárbaros crimes e audaciosos assaltos à propriedade, em Copa-
cabana fato algum, digno de nota, se verificou”.
844
Em 1931, o comissário Carlos Brandon procu-
rou fazer uma abordagem diferente, com uma série de reflexões Sobre Polícia, sem compromisso
de noticiário.
845
Em 1940, a Semana Policial retomou o primeiro modelo, baseado nos registros,
numa época em que o bairro já não podia se queixar de falta de ocorrências.
846
Ainda um tema particularmente importante para Beira-Mar se distribuía pelas ginas do jornal,
sem constituir uma coluna especializada: os assuntos de interesse da colônia portuguesa. O “Or-
feão Português” aparecia assiduamente com sua programação de festas, em sua sede no centro da
cidade, e de espetáculos musicais, em diferentes lugares, como o Instituto Nacional de Música, o
Teatro Municipal de Niterói, o Copacabana Palace e o Cinema Americano.
847
Também freqüen-
tavam a pauta dançante o “Club Ginástico Português” e o “Orfeão Portugal”.
848
As eleições para
Rainha da Colônia Portuguesa igualmente mereciam cobertura da reportagem. Completavam a
galeria de fotos do jornal celebridades como a atriz Josephina Silva e a Miss Portugal, senhorinha
Fernanda Gonçalves, “a embaixatriz da beleza lusa”.
849
No mundo balneário, Figueira da Foz era
apresentada como irmã em elegância de Copacabana.
850
Entre 1935 e 39, o colaborador François
René enviava pequenos artigos sobre cidades portuguesas, especialmente a Cidade do Porto.
851
Outras instituições eram lembradas, como o Real Gabinete Português de Leitura, cujo movimento
mensal passou a ser publicado nos Anos 30.
852
A Liga Monárquica Dom Manuel II contava com
o apoio de M. N. de Sá e ganhava bem mais publicidade que a Ação Integralista Brasileira, por
exemplo.
853
Muitos dos leitores e anunciantes pertenciam à Colônia. Na subseção Viajantes, da
coluna Vida Social, registravam-se com freqüência famílias conterrâneas, ligadas ao comércio
local, de partida ou de regresso de Lisboa. Alguns colaboradores eram, a exemplo do proprietário
do jornal, nascidos em Portugal, como o poeta Luso-Bras e o fotógrafo de los Rios, ou filhos de
844
18 de novembro de 1922, p. 2. Até 22 de junho de 1924.
845
3 de maio de 1931 a 4 de julho de 1931.
846
16 de setembro de 1939, p. 2. A partir de 9 de março de 1940.
847
2 de setembro de 1928, p. 7; 19 de maio de 1934, p. 10; 30 de junho de 1934, p. 3; 28 de novembro de 1936, capa.
848
6 de outubro de 1929, p. 2; 10 de junho de 1939, p. 10; 6 de janeiro de 1929, p. 7; 11 de abril de 1936, p. 5.
849
26 de fevereiro de 1932, capa; 29 de junho de 1930, p. 12; 17 de agosto de 1930, capa.
850
26 de outubro de 1930, p. 24; 21 de dezembro de 1935, p. 11.
851
11 de maio de 1935 a 12 de agosto de 1939.
852
10 de agosto de 1935; 23 de maio de 1936.
853
7 de dezembro de 1924, p. 7; 24 de novembro de 1929, p. 5; 16 de novembro, p. 10.
136
portugueses, como Fernando Martins e Maria Alda.
854
A Rádio Ipanema também anunciava no
Beira-Mar as “Horas Portuguesas”, domingo às 18 horas, quintas das 21 às 23h, e a “Meia Hora
de Portugal”, todos os dias, às 11 e meia.
855
Era nesse contexto, portanto, que circulavam os a-
núncios de vinhos e azeites portugueses.
***
A amplitude do temário conferia a Beira-Mar uma envergadura que o colocava no rol das publi-
cações da grande imprensa. O volume de matérias, embutido em doze páginas diagramadas ao
estilo de jornal, era comparável ao conteúdo de revistas semanais como Careta ou Fon-Fon. A
quantidade de gente que essa produção demandava era formidável. Ao mesmo tempo, uma robus-
ta carteira de anunciantes assegurava a base material necessária ao sucesso do empreendimento.
Não estaria errado Nelson Werneck Sodré quando, mais tarde, classificasse Beira-Mar entre as
publicações da imprensa urbana, de caráter comercial e profissional, baseada na operação de em-
presas capitalistas.
856
Beira-Mar era resultado não apenas do trabalho de um amplo círculo de redatores e colaborado-
res, mas também de um sólido sistema de troca de prestígio estabelecido em torno da região prai-
ana pela empresa de M. N. de Sá.
A principal relação de troca abrangia os moradores da CIL. Eles eram os leitores e potenciais
assinantes. Beira-Mar procurava manter com esse público, em primeiro lugar, uma relação de
representação, ao exercer a defesa dos seus interesses junto às autoridades. Daí se alimentava a
agenda de reivindicações que ocupava a maior parte da pauta de assuntos sérios do semanário.
Para além do Estado, contudo, o jornal representava os moradores junto à sociedade ou, antes,
junto a si mesmos. Não era pequeno o número de leitores cujos nomes Beira-Mar se obrigava a
publicar nas matérias mundanas. Assim, muitas famílias de moradores estavam literalmente re-
presentadas no quadro de aniversariantes da coluna Vida Social, na galeria de fotos de senhori-
854
9 de novembro de 1938, p. 70; 3 de março de 1929, p. 2; 16 de setembro de 1933, p. 8; 8 de janeiro de 1938, p.
10.
855
15 de janeiro de 1938, p. 4.
856
SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil, p. 275 e p. 372.
137
nhas e nas longas listas de nomes próprios que se seguiam às matérias sobre suas praias, seus
passeios dominicais, seus clubes, igrejas e casas de diversão.
A relação com os moradores, na verdade, correspondia à relação com uma elite social que havia
escolhido as praias da zona sul carioca como lugar para viver. Ao abusar de termos como “aristo-
cracia”, “haute gomme” ou “grand-monde”, Beira-Mar não estava apenas legitimando os bairros
praianos e suas instituições diante do Rio de Janeiro e do Brasil através do emprego de uma no-
ção positiva de classe alta que então circulava. O jornal estava mesmo adulando seus leitores,
identificados com o estilo de vida que se afirmava pela superioridade.
Essa identidade com a elite repercutia inclusive na formulação do critério que definia a abrangên-
cia geográfica do jornal. Icaraí não se unia a Copacabana apenas por partilhar da condição balne-
ária. Se fosse assim, por que as praias da zona norte carioca não tinham representação no Beira-
Mar? Uma sucursal do outro lado da Guanabara fazia sentido porque algumas daquelas praias
apresentavam as mesmas condições sociais das praias cilenses. Tanto os moradores de Copaca-
bana como os de Icaraí pertenciam à mesma “sociedade”. Não era outra afinidade, aliás, que
permitia ao clube da elite tijucana manter uma coluna fixa no semanário praiano.
A relação com a igreja e as instituições de caridade também compunha esse vínculo com a elite.
Embora a presença dos temas religiosos fosse relativamente discreta na pauta de Beira-Mar, sua
importância era estratégica. As famílias que constituíam o público do jornal na maioria eram ca-
tólicas e freqüentemente praticantes. Essa elite se envolvia diretamente com ações de auxílio aos
pobres, numa época em que o Estado brasileiro ainda não se havia comprometido com a assistên-
cia social. Além do mais, o respaldo da igreja, com o tom grave da tradição, era indispensável
para o equilíbrio de uma publicação em grande parte voltada para as diversões.
A relação de prestígio que Beira-Mar manteve com a juventude foi co-responsável pelo sucesso
da publicação. Mais da metade da pauta interessava aos jovens leitores. Os esportes eram um
tema obrigatório, assim como os bailes, as festas e o footing. A cobertura da vida dos clubes prai-
anos colocava em evidência uma parcela dos filhos das famílias locais. Sobretudo as colunas de
futilidades, onde o “flirt” era o assunto principal, ajudavam a aproximar o semanário da nova
138
geração. A participação de leitores nessas brincadeiras, incomum na grande imprensa, era expres-
siva de uma intensa relação, capaz de animar uma parte do jornal.
Com a intelectualidade os laços não eram menos estreitos. Todas as artes estavam representadas
em Beira-Mar, especialmente as letras. Nesse caso, a troca se dava principalmente por meio da
colaboração. Mas também era importante a divulgação de obras e de notícias sobre os autores.
Nomes de escritores consagrados emprestaram respeitabilidade ao jornal. A geração de novos
era, todavia, quem mais usava suas páginas. O semanário praiano podia ser uma oportunidade de
iniciação no mundo da literatura e do jornalismo. Desse modo, Beira-Mar contribuiu para o apa-
recimento de um círculo de escritores cilenses, que tinha Théo-Filho como uma de suas referên-
cias.
Com o comércio local, por fim, a relação era de cumplicidade. Os anúncios constituíam a materi-
alização de uma troca que, mais que prestígio, envolvia interesses negociais. De um lado, a viabi-
lidade financeira do empreendimento editorial dependia em parte da adesão das empresas locais,
e não por acaso os editores davam atenção especial aos anunciantes na pauta de inaugurações. De
outro lado, os comerciantes da CIL, que mantinham constantes programações de inserção publici-
tária em Beira-Mar, não agiam contra o próprio patrimônio. Anunciavam na esperança de retor-
no. Afinal, a publicação de M. N. de Sá podia ajudar a vender, na medida em que colocava à dis-
posição da clientela, semanalmente, um rol de nomes, telefones e endereços úteis. Funcionava
como um prestador de serviços.
Os contratos de propaganda do jornal, contudo, não se limitavam à carteira do comércio cilense.
Parte considerável dos anúncios era de produtos e marcas, todos eles veiculados em outras publi-
cações da grande imprensa. Assim, Beira-Mar não dependia totalmente das relações de influência
locais. Constituía, no mercado publicitário da época, uma opção de mídia freqüentemente lem-
brada pelos anunciantes.
Todos esses vínculos sociais passavam pela presença de M. N. de Sá e Théo-Filho. O proprietário
do jornal desenvolvia uma relação de representatividade com Copacabana. Pertencia às institui-
ções que tinham espaço nas suas páginas: o comércio, os clubes, a igreja, a associação de carida-
139
de, a associação de classe, a associação dos escoteiros e as entidades da colônia portuguesa, entre
outras organizações. O editor de Beira-Mar, por seu turno, exercia um papel fundamental nas
relações com a intelectualidade e a juventude. Foi a partir da sua gestão que se criaram as colunas
de futilidades que davam à publicação especial penetração junto ao público jovem. Foi a partir da
sua gestão que o jornal conquistou relevância no mundo literário.
***
Beira-Mar, portanto, não era apenas um jornal especializado em praia. Apresentava um repertório
temático digno das publicações genéricas. Não cultivava leitores exclusivamente entre os banhis-
tas. Atendia a um público mais amplo, não necessariamente identificado com a vida balneária.
O semanário praiano, contudo, não competia diretamente com os outros periódicos da grande
imprensa. Assim como jornais e revistas em geral não tinham nenhuma inclinação especial pelo
tema da praia, Beira-Mar não se propunha a acompanhar a pauta obrigatória do jornalismo, refe-
rida à cidade, ao país e ao mundo.
Beira-Mar era uma publicação regional. Mas nem por isso ostentava dimensões modestas. Não
era apenas um jornal de bairro. Nem muito menos um jornal de qualquer bairro. Representava a
grande região de Copacabana ocupada pela elite social, quando o Rio de Janeiro crescia em dire-
ção às praias oceânicas.
Os leitores de Beira-Mar constituíam uma elite que podia acrescentar quatrocentos réis semanais
ao orçamento com periódicos para ter o privilégio de acompanhar em páginas de papel couché o
cotidiano dos bairros de sua preferência. Constituíam a elite praiana da capital do Brasil, a “aris-
tocracia” cilense.
Esse público, que gostava de leitura, poesia, música, festa, esporte, saúde e gente elegante, tinha
ascendência sobre o conjunto da sociedade brasileira. Personificava a noção de progresso, repre-
sentava o exemplo de bem viver, ditava a moda dos divertimentos, funcionava, enfim, como refe-
rência de correção no comportamento.
140
Era junto a esse público que o semanário atuava. Foi por intermédio dessa gente exemplar que ele
contribuiu para a difusão do gosto praiano no Rio e Janeiro, nos Anos 1920 e 30. Beira-Mar de-
sempenhou com efetividade seu papel de instrumento condicionador de costumes balneários. Se
não era um grande jornal, era o jornal querido da elite que inventou o amor carioca pela praia.
Através dessas ginas, Théo-Filho e outros intelectuais desenvolveram um modelo de fruição
balneária que se incorporou, em parte, ao hábito brasileiro.
141
4 – A PAUTA DA PRAIA
Quando Beira-Mar apareceu, em 1922, a vida balneária no Rio de Janeiro passava por uma infle-
xão que começava a deslocar a preferência carioca das praias internas da Baía de Guanabara para
as praias oceânicas. No início dos Anos 20, os “banhos do Flamengo”,
857
na zona sul, eram pro-
curados pela elite mais do que as águas da praia das Virtudes (Santa Luzia), no centro, das praias
de Ramos e do Caju, na zona norte, ou da praia de Botafogo, onde se organizavam as regatas.
Copacabana, integrada à cidade havia apenas 30 anos, ainda era novidade.
858
Não obstante a ado-
ção por parte de uma elite motivada pela idéia de progresso, o novo bairro sofria sérias críticas.
Lima Barreto, por exemplo, não se conformava com essa escolha: “não se compreende que uma
cidade se vá estender sobre terras combustas e estéreis e ainda por cima açoitadas pelos ventos e
perseguidas suas vias públicas pelas fúrias do mar alto”.
859
Ainda circulava a idéia de que Copa-
cabana e Ipanema não passavam de areais desertos. Para vencer a resistência, contribuíram os
investimentos públicos em infraestrutura urbana e as edificações erguidas por iniciativa privada.
Também colaboraram as demonstrações de encantamento oferecidas por celebridades internacio-
nais. Assim, em 1917, a fundação dos seis primeiros postos de salvamento municipais reduziu o
perigo de afogamentos em mar aberto.
860
Em 1920, a visita de Alberto I, rei da Bélgica e herói da
Grande Guerra, chamou a atenção do Rio de Janeiro e do Brasil para Copacabana, onde se con-
centravam multidões a fim de assistir aos “banhos de Sua Majestade”.
861
Em 1922, o aparecimen-
to do “Lido”, restaurante e estabelecimento balneário, passou a fornecer o conforto de suas cabi-
857
Jornal do Brasil, 9 de março de 1919, p. 4.
858
Sobre Copacabana: CARDOSO, Elizabeth Dezouzart et alli, História dos bairros Memória urbana Copaca-
bana; BERGER, Paulo. Copacabana História dos subúrbios; Copacabana 1892-1992 subsídios para a sua his-
tória.
859
LIMIA BARRETO, “O cedro de Teresópolis” in Bagatelas, pp. 276-279 (27 de fevereiro de 1920).
860
Correio da Manhã, 2 de junho de 1917, p. 3.
861
O Jornal, 21 de setembro a 17 de outubro de 1920; FAGUNDES, Luciana P., Grandes festas para os reis.
142
nes para troca de roupa aos banhistas forasteiros.
862
Em 1923, a inauguração do Copacabana Pa-
lace Hotel ajudaria a consagrar o novo endereço entre a gente rica.
863
Beira-Mar entrou em circulação numa época em que Copacabana buscava se afirmar. A própria
praia carecia de propaganda. A costa guanabarina, com suas estreitas faixas de areia, embora fos-
se freqüentada, não tinha lugar entre as delícias do Rio de Janeiro. Não havia se estabelecido ain-
da a identidade carioca com a praia. A incorporação da orla à alma da cidade não se daria antes
que Copacabana conquistasse a fama de “mais linda praia do mundo”.
864
Até que isso ocorresse,
entretanto, os advogados da praia teriam trabalho. Nada garantia o sucesso do lugar. Diferentes
obstáculos podiam prejudicar a vida praiana a concorrência de outros lugares, o perigo de afo-
gamentos, a falta de atrativos, a polícia de costumes etc. Tudo que pudesse levar ao esvaziamento
balneário exigia resposta. A apologia da praia se orientava por esses problemas. Assim, a pauta
de assuntos praianos em Beira-Mar pode ser descrita a partir da gica de enfrentamento das a-
meaças ao mundo balneário. Em relação ao que exatamente o jornal defendia a praia?
***
Copacabana disputava com outros destinos de veraneio a preferência da elite carioca. Não eram
outras praias, contudo, a principal preocupação de seus entusiastas. Raramente apareciam em
Beira-Mar comentários sobre outras localidades do extenso litoral brasileiro. Pouco se referia às
praias dos Estados, que atendiam às elites locais, como era o caso de Santos, em São Paulo, ou de
Olinda, em Pernambuco. Das praias cariocas, aquelas que não pertenciam à CIL eram igualmente
ignoradas. Exceção significativa era a praia do Flamengo, alvo de duas tentativas de sustentação
de uma coluna local. Ao invés de estimular a rivalidade, Beira-Mar procurava incorporar a con-
corrente ao rol das praias elegantes, dignas de cobertura jornalística. A mesma estratégia se apli-
cou, com sucesso, à praia de Icaraí, endereço da “aristocracia” na vizinha capital fluminense. A
aliança com praias próximas reforçava a afirmação da vida balneária no Rio de Janeiro e, em de-
corrência, o prestígio de Copacabana, como sua melhor representante.
862
A Noite, 25 de novembro de 1922, p. 6.
863
19 de agosto de 1923, capa (Exceto indicação em contrário, todas as referências deste capítulo pertencem a Beira-
Mar). V. também BOECHAT, Ricardo, Copacabana Palace – Um hotel e sua história.
864
16 de janeiro de 1932, capa; 1
o
de fevereiro de 1936, p. 12; 29 de janeiro de 1938, p. 3; 28 de outubro de 1939, p.
37.
143
A excelência de Copacabana não se estabelecia pela comparação com praias nacionais. O padrão
de medida se baseava nos balneários europeus e norte-americanos. Copacabana era apresentada
como “irmã de Miami e Nice”
865
e igualmente “irmã de Biarritz, Cote d’Azur, Deauville e outras
praias famosas”.
866
Podia “se emparelhar às mais formosas do mundo, sem favor nenhum”, na
opinião abalizada de Théo-Filho.
867
Havia outros que colocavam a praia brasileira em posição de
superioridade, como Ramiz Galvão, para quem a curva copacabanense era “mais linda do que a
Promenade des Anglais de Nice”.
868
Provavelmente era perceptível o exagero de Sylvio Moreaux
quando descrevia Copacabana como a mais linda, a mais grandiosa, a mais poética praia do
mundo, ao lado da qual empalidecem Miami e Palm Beach, Deauville e Biarritz”.
869
De qualquer
modo, essas praias, tão remotas, não ameaçavam a posição de Copacabana junto ao público de
Beira-Mar. Não eram elas que podiam furtar freqüentadores às areias cilenses.
A grande concorrente de Copacabana era Petrópolis, “rival altiva e aristocrática das praias”.
870
No Rio de Janeiro tropical, a serra levava vantagem sobre o mar na história da criação dos luga-
res de veraneio. Na segunda metade do século XIX, a “Cidade de Pedro” abrigava a corte imperi-
al durante as temporadas de verão. A aristocracia fugia do calor e das doenças próprias da cidade
portuária pantanosa e insalubre.
871
No primeiro período republicano, a despeito do processo de
saneamento da capital, o hábito de subir e descer a serra anualmente sobreviveu entre a elite cari-
oca. A “canícula” bastava para que se desencadeasse a “debandada”. O próprio governo acompa-
nhava esse movimento: os presidentes brasileiros usavam o Palácio Rio Negro para despachar
durante o verão.
872
“A vida elegante”, levada à base de “recepções, chás, conferências, recitais,
bailes, festas de caridade” e outros divertimentos, transferia-se para Petrópolis entre novembro e
abril.
873
Quando Beira-Mar começou a circular, a estação de veraneio petropolitana constituía
865
Théo-Filho, 5 de julho de 1925, capa.
866
Harold Daltro, 3 de outubro de 1931, p. 2.
867
17 de abril de 1937, capa.
868
28 de outubro de 1933, p. 2.
869
18 de março de 1928, p. 4.
870
27 de outubro de 1929, p. 3.
871
Sobre Petrópolis: SCHWARCZ, Lilia Moritz, As barbas do imperador, pp. 231-245.
872
Correio da Manhã, 24 de janeiro de 1917, p. 2; Jornal do Brasil, 9 de novembro de 1919, p. 13; Careta, 24 de
janeiro de 1920, A Noite, 14 de janeiro de 1921, capa.
873
19 de janeiro de 1930, p. 7.
144
uma obrigação. Segundo uma colunista da Vida Social, na percepção da elite era “necessário cor-
rer a Petrópolis (...) e, infelizmente, despovoar as nossas praias encantadoras”.
874
Beira-Mar não podia ignorar simplesmente a importância de Petrópolis no verão, precisamente a
estação que a praia carioca reivindicava, em consonância com a moda nos balneários estrangei-
ros. A pauta do jornal reservava, portanto, algum espaço, ainda que secundário, à “terra das hor-
tênsias”. A publicação de fotos de moradores de Copacabana veraneando em Petrópolis era co-
mum.
875
O jornal da praia mantinha uma política de aproximação com a montanha que evitava
atacar a preferência serrana. Assim, era admissível o elogio de Harold Daltro:
Petrópolis... Vocês não se zanguem de eu hoje vir falar a vocês da Princesa da Serra. Mas Petrópolis
bem merece a referência fugidia de uma crônica... Vocês, naturalmente, gostam da cidade de Pedro.
O nosso segundo imperador era mesmo um poeta, o peralta, pois Petrópolis é verdadeiramente um
Paraíso em miniatura. Eu acho Petrópolis um cromo. Eu sempre achei Petrópolis encantadora (...)
Quando se chega a Petrópolis, digam se não é, tem-se logo a impressão de que... se está no estran-
geiro. Não é? Os bondes fechados, o ar de inverno, o sol manso, romântico. Um sol que Musset
gostaria. As alamedas ensombradas, os fios d’água murmurando sempre uma queixa ao ouvido da
gente, como um namorado bem enamorado... As vivendas pitorescas, os jardins cheios de poesia,
uma poesia cariciosa e familiar... Tudo tão lindo! Copacabana que me perdoe, mas quando eu estou
em Petrópolis, como este ano, penso que, além de Petrópolis, o mundo... é um deserto... (...).
876
Competiam pelo mesmo público as estâncias hidrominerais do sul de Minas Gerais, não apenas
no verão, mas também no outono e na primavera. As estações de cura eram procuradas pelo “va-
lor terapêutico das águas”.
877
Cambuquira, Caxambu, Lambari, Poços de Caldas e São Lourenço,
contudo, não atrairiam as famílias abastadas do Rio e de outros Estados se também não ofereces-
sem “distrações esportivas e mundanas”, nos parques, nos hotéis e, na década de 30, nos cassi-
nos.
878
A vida nessas estações se assemelhava, nesse aspecto, ao programa de Petrópolis.
874
6 de julho de 1924, p. 4.
875
7 de julho de 1929, p. 8; 18 de maio de 1930, p. 12; 10 de março de 1934, capa; 19 de janeiro de 1935, p. 3.
876
30 de março de 1930, p. 2.
877
23 de abril de 1932, p. 9.
878
Idem, p. 13. Sobre Poços de Caldas: MARRAS, Stelio, A propósito de águas vistuosas. Ilustração expressiva da
vida social numa estância mineira se encontra em: JOÃO DO RIO (Paulo Barreto), A correspondência de uma esta-
ção de cura.
145
Beira-Mar tratava com especial carinho as estações de águas. A cobertura não se limitava às tra-
dicionais fotos de famílias a passeio. Notícias da vida elegante nos hotéis eram freqüentes.
879
Às
vezes colaboradores expressivos, como Henrique Paulo Bahiana e Julio de Oliveira, faziam o
papel de correspondentes. Em Cambuquira, Beira-Mar manteve um laço de correspondência
permanente, através do dr. Felix Guimarães, propagandista assíduo desse “paraíso mineiro”.
880
Não eram poucos os copacabanenses que conheciam ao menos uma dessas cinco estâncias, con-
forme se podia observar, nos meses de verão, através do movimento de partida e chegada dos
“viajantes”, registrado na coluna Vida Social.
881
A praia estava associada às estâncias hidrominerais por meio do público dos “aquáticos”.
882
A-
queles que procuravam as águas por recomendação médica pertenciam a um mesmo mundo. O
destino águas das fontes ou águas do mar variava conforme a doença. “Os linfáticos, por e-
xemplo, estarão admiravelmente bem à beira-mar, enquanto os nervosos se sentirão melhor nas
altitudes”.
883
Praia e montanha faziam parte de um mesmo sistema terapêutico na visão respeitada
da medicina. Esse nexo se expressava na “terapêutica da natureza” do dr. Alexandre Tepedino:
Nas praias de banhos, nas estâncias hidrominerais, sempre colhem os doentes maravilhoso êxito.
Qual a razão? É que nas praias, nas estações de águas, durante trinta ou quarenta dias adotam sem-
pre os doentes, quer queiram quer não, o processo da cura de repouso. O ar puro, oxigenado, os ba-
nhos... fazem o resto.
884
Serra e mar, destinos aparentemente excludentes, conviviam em paz segundo a linha editorial de
Beira-Mar. Era possível mesmo irmanar a praia carioca a uma cidade sul-mineira, como fazia
Leôncio Correia:
Copacabana é o mar largo. Caxambu é o vale delicioso. Copacabana é a ópera wagneriana, com ru-
gidos e cicios, com clamores e preces, com encantos e mistérios; Caxambu é a Fuga, de Bach, ala-
879
8 de janeiro de 1928, p.3; 26 de março de 1932, p. 4; 5 de outubro de 1935, p. 8; 3 de junho de 1939, p. 7.
880
3 de fevereiro de 1924.
881
16 de março de 1930, p. 7; 24 de fevereiro de 1934, p. 11; 27 de abril de 1935, p. 7; 28 de janeiro de 1939, p. 7.
882
9 de novembro de 1924, p. 4; 8 de setembro de 1929, capa; 29 de outubro de 1932, p. 45a; 11 de maio de 1935, p.
3; 22 de abril de 1939, capa.
883
Théo-Filho, 18 de novembro de 1939, capa.
884
5 de setembro de 1926, p. 4.
146
da, leve, graciosa, perturbadora. As águas de Copacabana enrijam os corpos, as de Caxambu curam-
nos dos males que afligem a humanidade.
885
A comparação com a montanha depunha a favor do balneário, numa época em que a noção cario-
ca de praia ainda se prendia à experiência da orla da baía de Guanabara. Na verdade, antes de
Copacabana, a praia no Rio de Janeiro não se oferecia como destino de veraneio. Assim, a expan-
são da cidade em direção ao litoral oceânico abria uma possibilidade nova: o verão na Capital
Federal. Com essa inflexão, pela primeira vez se fazia a defesa da estação carioca.
Nos últimos anos da década de 20, Beira-Mar começou uma campanha permanente a favor do
verão nas praias cariocas. Era preciso conclamar o público a tomar a orla na estação do calor.
Entre a elite, tratava-se de vencer o costume de “fugir” em direção à serra. Havia resistências
mesmo nas fileiras de aliados do jornal. Goulart de Andrade, o “príncipe da balada”, queixava-se
da “temperatura hostil à pressão arterial” e do sofrimento que representava o estio.
886
Igualmente
morador de Copacabana, Olegário Mariano, embora conhecido como “lírico das Cigarras”, nada
queria com o verão. Numa entrevista, confessou ao repórter como desejava se ver livre do calor
carioca:
Só há um remédio, meu amigo, é Petrópolis... é fugir para lá, para a companhia das hortênsias bem-
amadas... naquelas alturas claras e frias onde para cada folha uma flor, onde é eterna a festa
da primavera, que diferença, meu amigo, deste ambiente de fornalha!
887
Para defender o verão carioca Beira-Mar teve de contar com o apoio de uma geração mais nova
de poetas, nascida no século XX e crescida junto com Copacabana. Em 1930, por exemplo, uma
série de entrevistas interrogou jovens poetizas moradoras do bairro sobre seus programas de ve-
rão. Participaram Maria Sabina, Anna Amélia e Hyldeth Favilla. O formato dessas matérias era
visivelmente encomendado para a propaganda da estação. Baseava-se num roteiro fixo de per-
guntas: “Como passa o verão? Como desejaria passá-lo? Em que lugar? Acha agradável o nosso
885
1
o
de julho de 1933, p. 2.
886
15 de dezembro de 1929, capa.
887
27 de setembro de 1929, p. 3.
147
verão? Copacabana é convidativa? Prefere o verão na praia ou na montanha? Faz-lhe bem o ve-
rão?”. A esta última Maria Sabina respondeu:
Sinto-me bem no verão. Ele não me oprime nem me abate. Verdadeira filha dos trópicos, o calor é
para mim uma verdadeira festa de vitalidade. Toda esta luz, todo este sol fazem-me bem ao corpo e
à alma.
888
Na argumentação a favor da “estação estival”, havia um esforço notável para reverter a noção
negativa que tinha o verão no Rio de Janeiro. O nascimento do gosto pelo verão carioca represen-
tava um rompimento com a atitude tradicional, que o considerava opressor. Não era fácil raciona-
lizar contra a corrente da tradição, como tentava a poetiza Anna Amélia, na sua resposta ao in-
quérito de Beira-Mar:
Sou uma carioca que não foge nem deseja fugir do calor. Não porque não o ache excessivo nem in-
cômodo. Mas porque penso que se deve procurar em todas as coisas um lado bom, e que o lado bom
do verão carioca es tão perto e é tão compensador, que vence todas as desvantagens do lado
mau.
889
Os argumentadores tentavam respeitar o sentimento de ojeriza que levava os habitantes da Capi-
tal Federal a desejar a fuga para as cidades serranas. No final dos Anos 20, o discurso de Théo-
Filho em louvor do estio se obrigava a fazer várias referências negativas ao calor para se colocar
na perspectiva do leitor carioca:
Nestes dias de janeiro, o verão bat son plein, como dizem, pitorescamente, os franceses. A luz do
sol arde impiedosa e fixa sobre as nossas cabeças, e os seus raios penetram como fios de brasa. As
calçadas das ruas crestam as solas dos sapatos dos transeuntes; as areias brilham, afogueadas; há um
torpor melancólico a adormecer os quarteirões das faustosas avenidas da Cil... É o estio em pleno
rigor da canícula. Os rostos suados maldizem a temperatura elevada, que suga os mananciais da
nossa "leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro". A falta d'água que fazer às criadas de
servir, as quais são obrigadas a buscar o indispensável líquido na vizinhança precavida e econômi-
ca... Entretanto, apesar dos inconvenientes que nos mortificam, não devemos nos lastimar do verão
888
19 de janeiro de 1930, p. 10.
889
2 de fevereiro de 1930, p. 10.
148
rigoroso destes dias. Copacabana vive mais intensamente na estação estival. Princesa da luz, é ao
fulgor do meio-dia que ela ostenta as cintilações da sua beleza marinha e agreste.
890
O editor precisava se referir ao desconforto do calor, pois sua defesa da praia em parte se baseava
numa lógica compensatória. O sacrifício da canícula passava a valer a pena pelo prazer que pro-
porcionava a vida balneária. O mesmo calor que castigava a cidade agora valorizava suas praias.
Atuava nessa inversão um crescente gosto pelo mar. Théo-Filho apresentava Copacabana como
“um ninho ideal para o calor. O mar não deixa, nunca, de suavizá-lo um pouco, oferecendo, em
suas praias acolhedoras, o refrigerante de seu sopro (...)”.
891
“O refrigério do banho de mar” era uma das compensações para os rigores da “estação calmo-
sa”.
892
No verão, os banhistas podiam procurar Copacabana para “refrescar o corpo com as águas
do Atlântico”.
893
O editor de Beira-Mar transformava essa demanda numa necessidade:
O íntimo convívio com o mar carioca tem os mais salutares efeitos. A paisagem carioca, que se
desdobra nas proximidades da praia, como que aconselha uma doce intimidade com ela. A natureza
deu um clima tropical ao Rio, mas em compensação recortou-o com as mais graciosas e convidati-
vas praias do mundo. Assim procedendo, ela determinava ao filho da terra que se banhasse à vonta-
de, que refrescasse o corpo das ardências do sol.
894
Com a valorização do verão, o banho de mar, antigo conhecido da cidade, ganhou importância,
principalmente como prazer. Entregar-se “às delícias de um banho de mar” em Copacabana era
um desejo que a crônica despertava.
895
Em Sereias e Tubarões, Caixinha de Surpresas, Beira-
Mar em Niterói e outras colunas vinculadas à jovem freqüentação praiana, o comentário do banho
do domingo passado era obrigatório no texto principal:
890
22 de janeiro de 1928, capa.
891
9 de abril de 1932, capa.
892
13 de janeiro de 1934, capa.
893
24 de março de 1934, capa.
894
16 de março de 1935, capa.
895
6 de fevereiro de 1927, p. 3.
149
Abrindo o ano de 1929, na linda manhã de sol do dia 1º de Janeiro, o banho de mar no Posto VI es-
teve simplesmente fantástico.
896
O banho de manhã esteve soberbo. Elegantes “sereias” mergulhavam na água verde do mar para re-
aparecer novamente belas e encantadoras.
897
Pela manhã, o banho esteve animadíssimo. Centenas de pessoas foram refrescar-se nas salsas águas
atlânticas.
898
Um mormaço deliciosamente quente em nada perturbou o banho, estando este concorridíssimo e a-
nimado.
899
O argumento do banho de mar, contudo, não teria efeito se não estivesse associado a uma nova e
poderosa motivação que começava a revolucionar o repertório de interesses balneários: o sol.
Os banhos de sol começaram a se popularizar nas praias em meados dos Anos 20. Até então ape-
nas os médicos discutiam as possibilidades terapêuticas do uso dos raios ultravioleta.
900
Em 1923,
contudo, algumas celebridades do mundo da moda, como Coco Chanel, adotaram, no verão da
Riviera, a estética da pele tostada pelo sol.
901
Não demorou muito para a onda chegar às outras
partes do mundo. Em Beira-Mar, o primeiro a fazer o elogio do sol foi o médico Alexandre Te-
pedino, em 1925: “Os banhos de mar, aliciados aos banhos de sol, deste astro que empresta às
ondas cambiantes indescritíveis, constituem sem contestação apreciadíssimo recurso terapêutico
em muitos processos rbidos”.
902
No verão seguinte, surgiam sinais de que a prática começava
a ser adotada em Copacabana, menos por recomendação médica do que pelo imperativo da moda.
Uma colaboradora, por exemplo, contava ter ouvido nas areias do Posto IV:
Espie aquele grupo de moças morenas. Conheci-as o ano passado, oxigenadas todas e alvas como lí-
rios. Eram o prazer dos olhos e a agonia dos corações. A moda, contudo, escravizou-as exigindo-
896
6 de janeiro de 1929, p. 5.
897
5 de janeiro de 1930, p. 7.
898
5 de janeiro de 1930, p. 6.
899
16 de março de 1930, p. 4.
900
Alvim Horcades, “Raios Violeta”, Nação Brasileira, outubro de 1924, p. 49.
901
LENCEK, Lena e BOSKER, Gideon, The beach – the history of paradise on earth, p. 203.
902
6 de setembro de 1925, p. 2.
150
lhes o tom de iodo. E é um prazer vê-las, pela manhã, a queimar-se impiedosamente expondo-se aos
raios do sol. (...) Se a parisiense decretou tal moda, a brasileira, com muito mais facilidade, acabo-
clar-se-á. (...).
903
O banho de sol, contudo, não podia ser confundido com “uma nova coqueterie” feminina.. A vin-
culação à futilidade colocava em risco o próprio sucesso da novidade. Para defendê-la, era opor-
tuno o recurso à autoridade confiável da ciência. Assim, Théo-Filho tentava associar o gosto pela
pele bronzeada a uma noção de saúde que precedia a moda:
A pele bronzeada ao sol é a mostra de um lento processo que tem produzido ótimos resultados em
benefício de todo o corpo. Antes de tostar a epiderme, os raios solares fortificam os órgãos e os os-
sos, dissolvem a matéria gordurosa dos poros, dão pureza ao sangue; são, finalmente, os elementos
intangíveis de uma fecunda limpeza geral, de uma restauração em toda a linha. Por isso a cor bron-
zeada é, na pele, algo como o diploma obtido em um curso de saúde.
904
O discurso médico ajudou a difundir os banhos de sol nos primeiros anos de existência do novo
costume.
905
Quase todos os especialistas colaboradores de Beira-Mar escreveram sobre o uso
terapêutico dos raios solares. Higienistas se preocupavam em divulgar os benefícios que a popu-
lação podia extrair da vida nas praias sob o sol. Afrânio Peixoto redigiu, especialmente para o
jornal praiano, um artigo onde defendia que da exposição ao sol depende
(...) a saúde da pele, de uma imensa importância na saúde do corpo. Retempera-se o sistema nervo-
so contra os resfriados e contra as exigências internas viscerais. A pele, sensório externo, adquire
força, resistência, prestabilidade. A helioterapia natural suprime a farmácia. Os médicos aplicadores
de raios ultravioletas têm a droga como panacéia universal. O sol é uma imensa máquina produtora
de tais raios. Após o banho de sol, diz um naturista médico, se adquire sangue, estímulo nervoso,
calma, paz, alegria de viver.
906
903
Alba de Mello Amadel Soares, 7 de março de 1926, p. 2.
904
29 de setembro de 1929, capa.
905
Sevcenko faz referência à introdução de banhos de sol no Rio de Janeiro desse período, associada às novas noções
de saúde do homem moderno: SEVCENKO, Nicolau, “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio” in NO-
VAIS, F. A (Org.). História da vida privada no Brasil 3 – República: da Belle Époque à Era do Rádio, p. 561.
906
19 de janeiro de 1930, capa.
151
A formação das crianças era uma das preocupações dos médicos. Dr. Novelli Junior lembrava
que “a vitamina D é necessária ao crescimento”.
907
Certamente, ainda havia resistência entre os
pais. Não por outro motivo, Dr. Castro Garcia, nos seus Conselhos de Higiene Infantil e Pueri-
cultura, em 1931, se propunha à tarefa de “acabar com o medo de expormos as crianças ao sol”:
O sol representa uma necessidade para o organismo vivo. Sob a sua influência a vitalidade aumenta.
As trocas nutritivas são feitas em maior escala. O cálcio, administrado na alimentação, e indispen-
sável à vida, é fixado no organismo à sua custa. (...) O banho de sol é uma medida higiênica e tera-
pêutica. (...) Todas as mães deveriam mandar seus filhos, diariamente, às praias. Tendo lhes dado a
vida, não lhes deveriam negar um pouco mais de vida com um pouco mais de sol.
908
Todavia, não seria necessário insistir por muito tempo na defesa da helioterapia. Às vésperas do
verão de 1934, o redator responsável pela legenda das fotos da capa constatava: “Agora o banho
de sol é uma realidade”.
909
A adesão da multidão de banhistas era incontestável. Sintoma da in-
trodução efetiva do sol no gosto praiano foi a inversão de sentido na atitude dos médicos. Se an-
tes o esforço se concentrava em persuadir o público dos benefícios da exposição ao sol, agora se
voltava para conter os excessos praticados freqüentemente nas praias cariocas. Num intervalo de
dez anos, o uso do sol, precisamente por ter vingado como atrativo, tornou-se uma ameaça. Em
1936, Beira-Mar alertava os leitores:
Abusa-se, em todo o mundo, dos banhos de sol. Os médicos e higienistas, à vista dos acidentes gra-
ves imediatos ou tardios e dos acidentes mortais que têm ocorrido, fazem grande propaganda pelos
jornais, a fim de que o público se acautele, usando com moderação este grande remédio da natureza,
que é o sol.
910
A recomendação médica comumente se apoiava na “tabela de Rollier”, o médico francês que
havia publicado, em 1924, Heliothérapie. Tratava-se de uma escala de dosagem progressiva para
controle da duração dos banhos de sol: “1º dia, 5 minutos sobre os pés e as mãos dia, 10 mi-
nutos; no fim do quinto minuto, exposição das pernas e antebraços dia, 15 minutos (...)” e
907
10 de outubro de 1936, p. 8.
908
14 de junho de 1931, p. 4.
909
2 de setembro de 1933, capa.
910
4 de abril de 1936, p. 6.
152
assim por diante, até que no décimo quinto dia o banhista podia ficar uma hora com o corpo intei-
ramente exposto.
911
Também se prescrevia que o banho devia “ser aplicado preferivelmente pela
manhã, entre nove e dez horas ou à tarde pelas 4 às 5 horas”.
912
A freqüentação à praia, contudo, havia conquistado autonomia em relação ao pensamento mé-
dico. Ainda que continuasse a servir à legitimação das práticas balneárias, o discurso da saúde
não tinha força para estabelecer seus limites. A motivação do bem-estar se tornava secundária e
podia mesmo ser sacrificada. Uma especialista em beleza percebia que a primeira preocupação
de todas as pessoas que vão às praias é de ficar logo queimadas, sem o que não se será bastante
elegante!”.
913
A motivação estética se impunha.
Como demonstrava a prática continuada verão após verão, o banho de sol não era apenas uma
febre passageira. Essa foi a aposta dos primeiros fabricantes de produtos industriais para proteger
a pele do sol, em substituição aos preparados artesanais que até então se difundiam. A disposição
do público freqüentador das praias de se expor por longo tempo aos raios solares e as queimadu-
ras que produzia esse procedimento abriam um novo mercado.
Na primeira metade dos Anos 30, apareceram em Beira-Mar alguns anúncios fortuitos de produ-
tos adaptados à demanda dos banhos de sol: o “Creme Memphis”, o óleo de coco Luba” e até
mesmo o “Pedicreme do Dr. Scholl”.
914
O primeiro anunciante desse segmento a contratar uma
programação de inserções publicitárias nas páginas do semanário praiano surgiu no verão de
1936: “Dagelle, Óleo para Bronzear a Pele”. Sua propaganda sugeria que “a permanência demo-
rada nas praias, nestas lindas manhãs de verão, poderá ser aproveitada sem o receio de queimadu-
ras dolorosas”.
915
A moderação prescrita pelos médicos e pelo editor do jornal nem se cogitava.
No verão de 1938, começou a anunciar em Beira-Mar uma outra marca: “Delial”. Apresentava-se
como “a última palavra da ciência”. Com base em argumentos técnicos, aparecia como a solução
capaz de evitar o desconforto que a exposição prolongada ao sol podia acarretar:
911
2 de abril de 1938, p. 2.
912
14 de junho de 1931, p. 4.
913
9 de novembro de 1935, p. 2.
914
3 de dezembro de 1932, p. 12; 10 de março de 1934, p. 5; 9 de fevereiro de 1935, p. 7.
915
11 de janeiro de 1936, p. 3; 23 de dezembro de 1939, p. 10.
153
Delial, o creme protetor contra queimaduras pelo sol, neutraliza completamente a ação dos raios so-
lares nocivos. Aplicado em uma camada fina e imperceptível, reveste a superfície do corpo de um
verdadeiro invólucro protetor, filtrando e absorvendo os raios solares que queimam, permitindo, po-
rém, a ação integral dos raios benéficos e dos que amorenam ou bronzeiam a pele. Além de consti-
tuir recurso profilático, curativo e vitalizante, o creme Delial intensifica o amorenamento ou bron-
zeamento da pele e impede a descamação que tanto afeia a cútis feminina. Aplicando o creme Deli-
al, os esportistas e os banhistas podem expor-se por tempo indeterminado ao sol, sem o menor re-
ceio de queimaduras. O creme Delial permite que todos possam gozar as delícias e os benefícios
dos banhos de sol, principalmente nas praias, por mais delicada e sensível que seja a cútis.
916
Existia nesses anúncios uma ênfase no público feminino. Ainda que Delial se definisse como
“creme protetor”, o critério da beleza do corpo tinha prioridade. A publicidade de Dagelle, um
bronzeador, explorava melhor esse aspecto. Era essa a sua principal promessa: “Já se pode dar à
pele uma linda cor morena, suave e harmoniosa”. Ou, em estilo dirigido e respeitoso: “pode agora
V. S. tornar-se morena!”.
917
Ocorria nesse período em que Beira-Mar circulou uma revolução no padrão de beleza feminina.
O conceito da pele branca como sinal de distinção sofria o antagonismo crescente do gosto pela
cor bronzeada. A mudança era apreciada pelos médicos, como o dr. David Madeira:
Até bem pouco tempo o orgulho de nossa sociedade era possuir uma pele branca, sinal de gente de
bom tom. Ter uma pele tostada pelo sol era uma qualidade plebéia. Até a própria ciência!!! É diver-
tido ver nas higienes dos nossos professores aconselhar fatos completos para evitar as intempéries,
sol, luz, ar e água. Felizmente as coisas, hoje, chegaram para o que deveriam ser, e verificou-se que
a brancura da pele das damas, que ainda querem fazer a sociedade conservar os hábitos do seu tem-
po, não significava distinção nem qualidades finas, senão deficiências de saúde, anemia, insuficiên-
cia glandular.
918
916
12 de fevereiro de 1938, p. 3.
917
25 de janeiro de 1936, p. 3.
918
7 de abril de 1933, p. 3.
154
As freqüentadoras de Copacabana, em pouco tempo, haviam adotado a nova estética. As sombri-
nhas estavam aposentadas nos Anos 30. Os chapéus diminuíam de tamanho. E o pó-de-arroz per-
dia a procura das consumidoras. Os especialistas em beleza precisavam se pronunciar:
Temos boas notícias para as belezas que queiram se deixar bronzear pelo sol das praias. O problema
do “make-up” para as mulheres de pele avermelhada pelo sol é muito semelhante ao da escolha das
tintas por Ticiano para a beleza de suas famosas mulheres ruivas. Em geral, a pele de tom bronzea-
do fica melhor com um rouge e batom alaranjados – o vermelho fica muito destoante..
919
A cor morena conquistava o gosto dos cariocas. Beira-Mar e seus cronistas faziam elogios a vá-
rios tipos femininos, como a “morena cor de jambo”,
920
a “morena iodada” e a morena “mate”,
por exemplo.
921
Artistas, ao posar para os fotógrafos, emprestavam sua fama à difusão do novo
padrão cromático, como “Heloisa Helena, a morena bonita do Leme, um dos sucessos de "Alô,
Alô, Carnaval", no Alhambra”.
922
Entre as vencedoras dos concursos de beleza, ganhavam cartaz
no jornal formosuras como Marina Torre, Miss Rio de Janeiro em 1930, de “olhos claros, cabelos
castanhos, tez morena, desse moreno encantador, que tanto tem inspirado os nossos maiores poe-
tas”, segundo a descrição de Théo-Filho.
923
Os “Perfis Praianos” de Ipanema produzidos por João
Rodolpho de Carvalho em Sereias e Tubarões estavam carregados de exemplos:
A senhorinha Aracylia Barreiros é o que se pode chamar “uma moreninha da ponta”. É o verdadeiro
tipo de brasileira. Morena, cor de jambo, de sorriso amável e fascinante. (...) Que tenha havido al-
gum romance no coração de mademoiselle nós o ignoramos, embora tenhamos de atestar o grande
número de admiradores, não só pelas suas qualidades exemplares de moça distinta e finamente edu-
cada, como pelos dotes físicos de sua beleza.
924
As referências às morenas em Beira-Mar apareciam muitas vezes associadas a uma noção de
beleza brasileira. Falava-se freqüentemente “desse moreno jambo tão característico das brasileiri-
919
16 de janeiro de 1937, p. 9.
920
13 de julho de 1930, p. 7; 23 de janeiro de 1932, p. 7; 25 de março de 1933, p. 7; 13 de janeiro de 1934, p. 5.
921
16 de fevereiro de 1935, p. 8; 14 de setembro de 1930, p. 4.
922
25 de janeiro de 1936, p. 5.
923
11 de maio de 1930, capa.
924
8 de setembro de 1934, p. 5.
155
nhas”.
925
Sobre a presença de Maria Laura Chagas num baile do Atlântico Club, por exemplo,
comentava o redator da Caixinha de Surpresas que “o seu moreno mate surgia, como uma flor
bem brasileira, nas nuvens do seu rico vestido branco”.
926
A formulação de um padrão de beleza
nacional incorporava assim o novo ingrediente fornecido pelo gosto do banho de sol nas praias
cariocas, fundado na cor morena da pele.
927
Copacabana ajudava a produzir um modelo nacional
de mulher bonita a partir da apropriação – apoiada pela imprensa de que era expressão Beira-Mar
de uma mudança de costume operada “nas praias de banho da velha Europa, de onde irradia a
moda veraniega”, para usar as palavras de Théo-Filho.
928
O tema da beleza feminina alimentava a pauta praiana na medida em que era usado como argu-
mento na defesa da vida balneária. O elogio da praia correntemente se amparava na alusão à pre-
sença das banhistas. Era assim então que Théo-Filho descrevia uma manhã de domingo em Co-
pacabana:
Mal rompe o dia, as banhistas graciosas já procuram sem temor o aconchego das vagas, embrulhan-
do-se em roupões flutuantes, que a aragem atormenta cariciosamente, no ardor de revelar as formas,
rijas e sensuais ou ingênuas e imponderáveis, que os olhos dos indiscretos admiram, com enlevo,
eletrizados pela doçura ondulosa das nossas mulheres... Oh! as mulheres de Copacabana são encan-
tadoras. Queimadas pela fulguração da canícula, os membros lisos, as pupilas afogadas no clarão do
céu, os dentes maravilhosos, elas valem em ouro o que pesam. Benza-as Deus...
929
As praias cariocas podiam mesmo competir nesse quesito com as suas similares na Europa e nos
Estados Unidos. Copacabana se afirmava “com a beleza feminina que a tornou famosa como
Galveston ou Deauville”.
930
Assim, nas “paradas femininas do bom tom”, igualava-se aos balneá-
rios que lhe serviam de modelo.
931
925
8 de março de 1931, p. 8.
926
14 de setembro de 1930, p. 4.
927
É possível que o novo padrão tenha demorado um pouco mais a entrar em São Paulo: SCHPUN, Mônica Raisa,
Beleza em jogo – cultura física e comportamento em São Paulo nos anos 20.
928
13 de dezembro de 1932, capa. Gilberto Freyre discute a introdução do gosto pela pele morena no Brasil sem
fazer referência à matriz européia do gosto pelo bronzeado: FREYRE, Gilberto, Modos de homem & modas de mu-
lher.
929
18 de setembro de 1927, capa.
930
28 de outubro de 1939, p. 15.
931
17 de abril de 1937, capa.
156
Além de adular o público feminino, o jornal chamava a atenção do público masculino para o es-
petáculo dos corpos que a difusão dos banhos de sol proporcionava sobre as areias. Cronistas de
Beira-Mar não se cansavam de aludir a esse aspecto, como o Marquez di F., encantado com as
“lindas criaturas, queimadas pelo sol de todos os dias”, a exibir “corpos semidesnudos, que são
positivas maravilhas de carne”.
932
Nas suas convocatórias à ocupação da orla carioca, Théo-Filho
também costumava explorar esse recurso à excitação:
Copacabana, esta sereia magnífica que se espicha preguiçosamente entre o Atlântico insaciável e o
Gigante que Dorme, tem nas suas areias alvas um espetáculo estupendo de inspiração. Criaturas be-
líssimas ostentam maillots que enchem de pureza os olhos mais maldosos. Corpos palpitantes respi-
ram beleza por todos os poros. Mulheres encantadoras, para as quais a vida é um paraíso e o infer-
no, uma lenda, desafiam com suas linhas impecáveis toda a malícia dos homens.
933
Com a prática dos banhos de sol, a vida praiana radicalizou a tendência à diminuição da roupa,
para a qual a moda apontava em outras esferas sociais.
934
Em 1930, Beira-Mar registrava em
fotos de capa senhorinhas vestindo trajes de banho que já deixavam coxas e ombros totalmente de
fora.
935
Era a consagração do “maillot”, do “maillot de jersey” ou do “simples maillot de lã, curto
e elegante”.
936
A indumentária exígua constituía uma das grandes vantagens da praia sobre outros
lugares, como percebia o redator de Sereias e Tubarões:
Ninguém ignora que a verdadeira beleza está nas praias, onde ela se apresenta mais viva e real. Nos
passeios do centro da cidade, avistam-se perfis femininos sem aquela graça estonteante das “serei-
as”, porque estas podem usar o delicioso e curto “maillot”, mostrando ao céu e à terra que elas
formam, também, uma das maravilhas do mundo, senão a mais perfeita e admirada. Uma “sereia”
de “maillot” é uma divindade e, se não acreditam em nós, perguntem ao velho Netuno. O reino de-
las é em nossas praias.
937
932
11 de fevereiro de 1933, p. 2.
933
25 de maio de 1935, capa.
934
O’HARA, Georgina, Enciclopédia da moda.
935
23 de fevereiro; 29 de junho; 6 de julho; 27 de julho; 5 de outubro; 16 de novembro; 23 de novembro de 1930.
936
18 de novembro de 1928, capa; 28 de outubro de 1939, p. 31; 20 de agosto de 1932, p. 5.
937
27 de abril de 1935, p. 6.
157
Deidades da mitologia greco-romana apareciam com freqüência nos discursos em louvor à beleza
das banhistas. Nas praias se apreciavam “modelos encantadores, dignos de verdadeiras Vênus” e
se exibiam “as formas esculturais das Afrodites do Atlântico”.
938
“Sereia” era o tratamento dis-
pensado a toda senhorinha praiana, especialmente se fosse bela. Certas “sereias com pernas de
mulher”, fotografadas nas páginas do jornal, ameaçavam seduzir os leitores.
939
Era o caso talvez
da ipanemense “Laura Assis, que serviu de modelo para Netuno estatuário do mar esculpir as
suas sereias”.
940
Às vezes, “da espuma das ondas, emergiam encantadoras náiades”.
941
Nas areias,
sofriam os “apaixonados das ondas... e das ondinas”.
942
Ninfas marítimas, como Oceânides e Ne-
reides, também se encontravam na praia, nessa “festa pagã, que alucina e que arrebata, que enton-
tece e que é vertigem...”, segundo a descrição de Théo-Filho.
943
O respaldo da erudição mitológica servia em grande parte para reforçar na imaginação dos leito-
res o nexo entre a mulher e o mar. As sereias deviam pertencer ao seu lugar e vice-versa. “Sem-
pre houve, aliás, essa perdida inclinação das mulheres pelo mar”, como observava Théo-Filho.
944
Essa afinidade era apontada também por Madame Chrysantheme, representante da antiga gera-
ção, mas escritora reconhecida pelo público jovem:
No seu curto “maillot”, de braços e pernas nuas, cabeleira ao vento e olhar ao longe, a mulher torna-
se a grande flor, oriunda das ondas, a antiga sereia, nativa das águas e mantendo com estas uma fu-
são que o modernismo não aniquila, mas antes completa e amplia.
945
Essa associação se estendia às areias da praia, à medida que se valorizavam com a instituição do
costume dos banhos de sol. A praia para além do mar se afirmava como território da mulher.
Não existiria atrativo nesse gênero de lugar sem a presença feminina, como sentenciava Théo-
Filho:
938
27 de julho de 1935, p. 6; 4 de maio de 1924, p. 4.
939
1
o
de fevereiro de 1931, p. 4.
940
9 de abril de 1932, capa.
941
7 de março de 1926, p. 2.
942
22 de agosto de 1931, capa.
943
14 de agosto de 1937, capa.
944
19 de abril de 1931, capa.
945
28 de outubro de 1933, p. 5.
158
A banhista é a alma da praia, no verão, e o seu sorriso melancólico, no inverno, ou nos dias de chu-
va, de vento ou de ressaca. Praia sem banhista é mulher sem sorriso, é tristeza, é desolação.
946
Havia no gosto feminino pela praia uma inclinação para a exibição, que podia corresponder apro-
ximadamente ao encantamento masculino pelas “sereias”. Esse aspecto era lembrado quando o
editor anunciava a entrada do verão e convidava as cariocas a passar a estação nas praias:
O verão está, embora a 21 de dezembro apareça oficialmente. as nossas elegantes podem
correr ao mar, sob a luz faulhante deste mês de novembro, cobrindo as praias com seus “maillots”
borboleteantes e macios, que se agitam pela manhã e à tarde, como revoadas de asas policromas...
as nossas “coquettes” podem ostentar galantemente os ricos tecidos de malha, de última moda,
que se lhes colam à pele voluptuosamente numa carícia luminosa e fria. Podem mostrar as linhas
cheias de saúde da sua plástica: o estio aí está afogueando as ondas; o céu, sempre radiante, convida
para os passeios nos balneários: é só ter o trabalho de vestir o “maillot” e sair...
947
A apreciação feminina, contudo, não se limitava à ostentação da roupa de banho nem à aquisição
da pele bronzeada que a “elegância” exigia. A fruição dos divertimentos na praia também atraía
as banhistas. Na descrição de Aramis, em Sereias e Tubarões, a praia do Arpoador, num domingo
de dezembro de 1932,
(...) estava, por assim dizer, soberba em toda a sua extensão. Lindos rostos expostos aos reflexos do
sol. Senhorinhas correndo ao longo da praia, dando um aspecto inédito àquele ambiente. Outras jo-
gando peteca e volley-ball. Algumas deliciavam-se sobre a areia, em conversações animadas.
948
A prática de esportes na praia era um programa cada vez mais procurado pelo público feminino.
Com base em noções de saúde e de beleza, que valorizavam a educação física e os exercícios ao
ar livre, a juventude feminina, nascida no culo XX, começava a gostar de um estilo de vida
balneário esportivo. O banho de mar – longe do antigo caráter de procedimento terapêutico exigi-
do no cuidado às pessoas doentes – significava para a nova geração de sereias o mesmo que exer-
cício de natação.
946
6 de abril de 1930, capa.
947
18 de novembro de 1928, capa.
948
3 de dezembro de 1932, p. 6.
159
A idéia de uma “mulher moderna” associada aos esportes balneários se difundia através do dis-
curso de apologia à praia. Alguém da redação de Beira-Mar, por exemplo, observava que
(...) A mulher moderna procura mais a praia para exercitar-se, porque sabe que nela o seu corpo me-
lhor se desenvolve, não nos mergulhos clássicos, nos saltos dos trampolins, como na própria á-
gua que modela com mais perfeição o seu corpo tentador. Vejamos a mulher praiana, e no seu físico
observamos beleza sorridente, pura, graciosa, viva, esbelta e sobretudo uma harmônica estética. An-
tigamente havia o escrúpulo da mulher dedicar-se à prática do esporte, exercido pelos homens.
Agora, constatamos o contrário. É a mulher quem mais o pratica, nos bailados, na equitação, nas
corridas, na ginástica sueca, no campo e no mar, que a torna mais forte e lhe mesmo uma certa
personalidade. As vitórias náuticas estão cheias de nomes femininos e os meios esportivos mundi-
ais, de seus registros gloriosos e feitos memoráveis. (...) Maria Lenk, Piedade Coutinho, Lygia Cor-
dovil, Ruth Behrensdorf, para citar quatro nomes que têm obtido records sul-americanos e mes-
mo mundiais, atestam que o futuro da mulher moderna está na prática do esporte e no desdém a cer-
tos preconceitos tolos da sociedade. A doutora Adalzira Bittencourt, presidente da “Associação Fe-
minina de Copacabana”, é adepta fervorosa de nossas praias. As praias são um atestado eloqüente
do que afirmamos, faltando, somente, à nossa mulher moderna, o desembaraço da norte-americana.
(...).
949
O esporte era um grande aliado na defesa da vida balneária, não apenas em relação ao público
feminino, mas junto a todo o público jovem.
950
Em Beira-Mar, a pauta praiana e a pauta esporti-
va se misturavam com freqüência. A promoção de competições na orla, o compromisso com os
clubes praianos, a cobertura das atividades dos clubes desportivos, a manutenção da gina de
Sports, o apoio ao futebol na areia, o incentivo à educação física nas escolas e outras posições do
jornal reforçavam sua estratégia de propagação do gosto pela praia. Um editorial de Théo-Filho
formalizava essa idéia da praia como o lugar ideal para a atividade esportiva:
O “sport” na praia é uma prática que “Beira-Mar” não tergiversa em aconselhar, certo de que prati-
ca um ato útil e patriótico. O “sport” é a vida. Façamo-lo na praia, sob a pompa gloriosa do nosso
949
25 de abril de 1936, p. 3.
950
Sobre esportes no Rio de Janeiro dos Anos 20 e 30: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda, Footballmania
uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1932. Num período imediatamente anterior: MELO, Victor
Andrade de, Cidade Sportiva – Primórdios do esporte no Rio de Janeiro.
160
sol, diante do verde móvel do oceano, sobre as areias de nossas praias que tão propícias são para is-
so.
951
As autoridades científicas costumavam aprovar a prática de exercícios físicos à beira-mar. Raros
foram os médicos colunistas do jornal que não se referiram positivamente aos esportes praianos.
Era com respaldo no discurso deles que Théo-Filho podia propor: “Nada melhor do que a praia
para campo de saúde e vigor”.
952
Professores de educação física, como Tarso Coimbra e Oswaldo
Diniz Magalhães, confirmavam essa assertiva ao ministrar suas aulas nas areias de Copacabana.
As noções de raça e eugenia compunham o discurso de exaltação da praia esportiva. Entre os
colaboradores de Beira-Mar, havia os que procuravam “(...) contribuir de algum modo para a
mais ampla divulgação dos princípios da eugenia tão bem compreendidos e praticados por essa
geração sadia que se empenha na prática dos sports”.
953
Théo-Filho associava essas mesmas teses
à apologia da praia, ao afirmar, por exemplo, que “o sol que nos banha é um elemento de renova-
ção e um criador eugênico de beleza”.
954
Uma consultora de estética feminina tentava pespegar o
bordão: “o Brasil precisa de uma raça forte, eugênica”.
955
Uma educadora, Maria Luiza Pitanga,
acreditava que, com base na difusão do costume praiano, o país caminhava positivamente nessa
direção: “Os banhos de mar e de sol, os diversos esportes, bem introduzidos em nossa terra,
têm contribuído para o aperfeiçoamento da raça”.
956
Essa linha de argumentação podia se apoiar na referência das nações da Europa e dos Estados
Unidos. O dr. David Madeira entendia que “(...) os grandes países que marcham na vanguarda da
civilização procuram ser cada vez mais fortes, fazendo uma raça inteiramente nova, criada ao ar
livre, exposta ao sol, luz, ar e água (...)”.
957
E ao exemplo contemporâneo dos estrangeiros civili-
zados às vezes se acrescentava o exemplo da história, fundado na autoridade da Antiguidade
Clássica. Era o que fazia o médico ao advogar os benefícios da praia esportiva: “Só os banhos de
mar, isto é, sol, luz, ar e água, e exercícios naturais são capazes de criar os tipos verdadeiramente
951
22 de maio de 1937, capa.
952
6 de agosto de 1938, capa.
953
15 de maio de 1937, p. 3.
954
1
o
de março de 1931, capa.
955
“Madrecita Consuelo”, 6 de janeiro de 1929.
956
25 de julho de 1931, capa.
957
7 de abril de 1934, p. 3.
161
belos e harmoniosos como os que caracterizam a civilização mediterrânea, cujos representantes,
que a arte de Phídias nos legou nos brancos mármores da famosa Hélade, são hoje guardados
avaramente pelos países instruídos”.
958
Théo-Filho estava entre os redatores que mais gostavam
do emprego dessa erudição:
Corpo saudável e alegria espiritual é o que trazem os esportes e uma prova clássica desse benefício
temos que sempre citar, como padrão: a força e a predominância de Atenas, nos áureos tempos da
Grécia Antiga. Façamos também, como nas praias gregas, as nossas oblações a Dioniso, num canto
de glória à força e à saúde, nos exercícios que exaltam o esplendor da mocidade!
959
O futuro do Brasil, a ciência e a história eram componentes do discurso dirigido ao público jo-
vem pelas autoridades, médicos, professores, jornalistas, muitos dos quais pertenciam a uma ge-
ração que não primava pelo desempenho atlético, como era o caso de Théo-Filho e M. N. de Sá.
A pauta praiana de Beira-Mar, contudo, permitia a expressão do ponto de vista da própria “moci-
dade”, através das colunas de mexericos, ligadas aos clubes balneários e aos postos de banho
Coisas do Atlântico, No Varandim do Praia Club, Caixinha de Surpresas, Taba de Anhangá etc.
Assim, os jovens colaboradores que se protegiam sob pseudônimos criativos ajudavam o jornal a
se aproximar da noção que a rapaziada tinha da prática desportiva na praia. “Atleta Convencido”,
por exemplo, manifestava o modo imperativo como a questão do esporte se apresentava para a
sua geração:
A vida em Copacabana deve ser puramente esportiva. Os nossos rapazes, que ao sol praticam tanto
esporte, assim o acham. Hoje, tudo é feito “por sport”. Dança-se “por sport”, fuma-se “por sport”,
faz-se o footing “por sport”. A dança já é indispensável aos perfeitos “sportmen”. O rapaz que só se
preocupa com bolas de futebol, redes de vôlei, boxe, não é “completo”, pois até a elegância eles
chamam de esporte. Em Copacabana, então, é onde se patenteia o esporte sob todos os pontos de
vista.
960
A adesão da juventude aos costumes desportivos representava um reforço substancial à vida prai-
ana. A praia não apenas recebia um contingente renovado de freqüentadores, como também con-
958
Idem.
959
1
o
de fevereiro de 1931, capa.
960
11 de abril de 1929, p. 4.
162
quistava prestígio, junto às outras gerações, com a preferência demonstrada por uma mocidade
crescentemente valorizada como esperança de progresso nacional. A vontade da juventude, entre
as famílias de elite, passava a ter peso na escolha do destino das férias de verão. A nova geração
encontrava espaço para afirmar o gosto pela estação praiana nos seus próprios termos, como fazia
Álvaro Marinho Rego, o mais jovem colaborador de Beira-Mar, num elogio ao verão, em 1934:
Dezembro tem o encanto das coisas belas, porque traz consigo o verão. E quem não sabe o que é o
verão!... São as praias que se enchem de uma mocidade alegre e sadia. São os jogos e petecas. São
os maillots adeptos do nudismo... Verão! Uma palavra pequenina que, a ouvi-la, nos faz lembrar
tanta coisa... Tanta coisa ao mesmo tempo louca e deliciosa... Verão! A vida à beira-mar! A vida ao
ar livre, constituída de iodo e de sal! A vida entrando pelos pulmões! E o sorriso das mulheres boni-
tas, que emprestam às praias a magia dos seus corpos jovens e formosos...
961
O discurso da praia jovem e desportiva sugeria um sentimento de alegria, a “alegria de viver”.
962
Théo-Filho reforçava esse nexo ao fazer a apologia balneária de Copacabana: “As suas praias
lábios insaciáveis do Atlântico sensualizam a sua mocidade esplendorosa e esportiva símbolo
da pujança de nossa raça e sorriso satisfeito dum povo que começa a abandonar a melancoli-
a...”.
963
Para o editor de Beira-Mar, em suma, “as praias são bom humor, o sorriso jovem dos
continentes”.
964
Ora, essa descrição da praia se distanciava da noção de “estância de cura” que fazia a fama das
cidades hidrominerais. A perspectiva de “repouso”, tão característica da tradição dos aquáticos,
em nada combinava com o alarido “álacre” da multidão “gárrula” que demandava a orla.
965
Pe-
trópolis, com seu “sol manso e romântico”, já não podia ameaçar a posição das praias, “invadidas
de luz, de sol, de alegria, de alacridade, de beleza feminina”.
966
Ao final dos Anos 1930, um processo de inflexão na vida balneária havia se consumado, sob o
signo do astro-rei”. A introdução da prática dos “banhos de sol”, respaldada na autorização da
961
29 de dezembro de 1934, p. 2.
962
3 de fevereiro de 1924, p. 6; 4 de agosto de 1934, capa; 18 de maio de 1935, p. 3; 1
o
de abril de 1939, p. 11.
963
14 de agosto de 1937, capa.
964
15 de abril de 1939, capa.
965
10 de outubro de 1931, capa; 17 de setembro de 1932, capa.
966
7 de dezembro de 1930, capa.
163
ciência, se integrou a outras mudanças na esfera dos costumes, que envolviam a valorização dos
jovens e das mulheres na sociedade. No Rio de Janeiro tropical, banhado de mar, a freqüentação
praiana ganhou um novo interesse. O gosto pelos raios solares estimulava a permanência dos ba-
nhistas por tempo prolongado, entre as areias e o mar, nos domingos de canícula. A nova gera-
ção, por um lado, encontrava na praia espaço em larga escala para se entregar às práticas despor-
tivas. O público feminino, por outro, reforçava sua identidade com a praia ao aderir à nova estéti-
ca da pele bronzeada. Banhistas de todas as idades e ambos os sexos tinham motivação renovada
para “apreciar o banho”,
967
com a crescente diminuição no tamanho dos “maillots”, que a deman-
da da exposição ao sol exigia.
Outros destinos de veraneio passaram a ter em Copacabana um concorrente em ascensão. Não
devia ser fácil competir com a fantasia maravilhosa que se produzia em torno daquela praia, com
a ajuda de árbitros do bom gosto, como Théo-Filho:
Os postos de Copacabana, aos domingos, encantam, fascinam, deslumbram... Cabelos undiflavos e
negros, outros lisos e luzidios, esvoaçam; olhos azuis, verdes, castanhos, cheios de misteriosodade e
promessa, perturbam; corpos airosos, que seduzem, fazem dos centros de banhos paraísos de saúde,
beleza e alegria. Todos se encaminham aos postos de Copacabana. As praias sorriem. As águas ma-
rulham e, também, estrondeiam, enquanto que a vida se vai realizando nas horas de sol ardente e no
refrescar das ondas impetuosas. Copacabana vibra. De todos os pontos do bairro chegam homens,
mulheres e crianças, ágeis, vibráteis, vigorosas.
968
Beira-Mar atuou, portanto, no processo que deslocou a preferência da elite carioca da montanha
para a praia de Petrópolis para Copacabana. Ajudou na construção de uma fama positiva do
verão carioca, inconcebível antes do advento dos banhos de sol nas praias oceânicas. Contribuiu,
com respaldo nas elites locais, para a introdução, no Brasil, das tendências balneárias importadas
da Europa e dos Estados Unidos. Participou da virada que levou os cariocas, em poucos anos, da
rejeição da cor morena da pele, como indício de inferioridade social, à adoção do bronzeamento,
como signo de elegância. E viveu tempo bastante para saudar a vitória dessa transformação. Ao
967
11 de fevereiro de 1933, p. 2; 20 de janeiro de 1934, capa.
968
27 de maio de 1933, capa.
164
brindar o ápice da estação, em fevereiro de 1939, a manchete do jornal resumia aquilo que se
tornara óbvio para os contemporâneos: “O verão é o clima de Copacabana!”.
969
***
O processo de inflexão dos costumes balneários, ao introduzir novos comportamentos, acabava
por remexer com antigos preconceitos. A tendência à diminuição do tamanho dos maiôs, catali-
sada pela difusão dos banhos de sol, provocava a reação moralista de setores conservadores da
sociedade. O aparecimento de um novo padrão de tolerância à exibição dos corpos, portanto, não
ocorria sem que houvesse conflito. Para agravar o problema, a tensão em torno do vestuário das
praias era freqüentemente estimulada pela própria polícia nas suas campanhas de fiscalização das
roupas de banho.
Beira-Mar, nesse debate, tomava o partido dos banhistas, dos jovens e das “sereias” adeptas do
maiô, com apoio dos médicos higienistas e dos especialistas em moda. Se havia entre os morado-
res de Copacabana quem desaprovasse a roupa de banho curta e colante das senhorinhas, o veícu-
lo de manifestação desse desagrado não era o semanário de M. N. de Sá. A maioria dos colabora-
dores, quando se pronunciava sobre a questão, apoiava a moda balneária, contra as posições rea-
cionárias.
Théo-Filho, mesmo antes de se tornar editor, usava sua autoridade de homem viajado para de-
fender a praia e a nova indumentária praiana dos ataques conservadores:
De mim para mim eu confesso sem pejo: tenho a fascinação das formas venusinas. Ao contemplar
uma mulher em maillot juro que não me avassala a mente nenhum pensamento impuro. Vi dessas
mulheres em maillot nas praias de Nice e Biarritz, em Sables d'Otonne, em Ostende, em Boulogne-
sur-mer. Ninguém as desrespeitava. Nem tampouco se sentiam elas diminuídas no próprio respeito.
Tinham a mentalidade de uma civilização adiantadíssima. Por acaso são bárbaros ou selvagens os
banhistas seminus de Atlantic City, a maior das estações balneárias dos Estados Unidos e do mun-
do?
970
969
4 de fevereiro de 1939, capa.
970
3 de fevereiro de 1924, p. 6.
165
Durante quase duas décadas de trabalho de Théo-Filho à frente da redação, de 1925 a 1944, Bei-
ra-Mar acompanhou o processo de ascensão do gosto por uma roupa de banho progressivamente
menor. Nos anos 20, quando a prática dos banhos de sol ainda era novidade, a resistência à cres-
cente exposição dos corpos na praia exigia redobrado esforço retórico dos redatores que advoga-
vam o novo tipo de vestuário:
Não procede, no que fala respeito à moda, o argumento que diariamente deitam ao ouvido da huma-
nidade os que se dizem moralistas ou pudicos. Ver na Moda atentados à moral é ilusão de ótica bea-
tífica, de beatos de fancaria que dormem à luz do século vinte na cartilha das escolas de antanhos
seculares. Na Moda não está, absolutamente, a moralidade! Não se pode resumir a moral a uma
quantidade maior ou menor de vestuário (...)
971
Duas linhas de argumentação aí esboçadas apareciam com freqüência no discurso contra o mora-
lismo. Uma delas associava o moralismo ao passado, identificado com o atraso, antítese do pro-
gresso e da civilização. Waldemar Bandeira, colunista do Binóculo, da Gazeta de Notícias, em
texto transcrito em Beira-Mar, atacava: “Combater o maillot é confessar-se fóssil”.
972
Théo-
Filho, em 1927, recorria à oposição entre modernismo e passadismo para criticar, com ironia, o
posicionamento tradicional das autoridades a respeito da moda balneária:
Isso por aqui não precisa ter ares de Nice, Trouville, Dover, Miami, Palm Beach e outra qualquer
estação balneária moderna. Precisa continuar a ser a Copacabana provinciana de 1910. Nada de li-
berdades modernistas, nada de futurismo exibitório. A nossa polícia é moralista e como toda institu-
ição moralizadora é passadista. A nossa polícia em poesia só lê os versos parnasianos do Sr. Alberto
de Oliveira...
973
Outro raciocínio tentava estabelecer uma separação entre a discussão da estética da roupa de ba-
nho e o problema da moralidade. “A moral estará nos maillots?”, perguntava Théo-Filho diante
do exemplo oferecido pelos nudistas nos Estados Unidos.
974
Para Berilo Neves, era “um erro su-
971
20 de setembro de 1925, p. 3.
972
3 de abril de 1927, p. 5.
973
6 de fevereiro de 1927, capa.
974
25 de maio de 1935, capa.
166
por que a virtude está na quantidade de roupas que se usam”.
975
Se a moralidade não estava nas
roupas, onde se esconderia? “Só nas intenções existe imoralidade”, sugeria Waldemar Bandei-
ra.
976
O problema do pudor, na opinião de Mathias Euzébio, era “questão de educação do po-
vo”.
977
Afrânio Peixoto podia concordar. “O nu é casto”, afirmava. “A imaginação é que é liber-
tina e se repasta no que adivinha, porque se encobre”.
978
As idéias de nudismo e naturismo apareciam com freqüência nos debates de Beira-Mar em torno
do tema dos costumes. Circulavam, nos Anos 20 e 30, notícias sobre os campos de nudismo dos
Estados Unidos e dos países nórdicos da Europa. A Alemanha da “freiekultur” e das sociedades
naturistas era a principal referência de nudismo associado à civilização. O entusiasmo de médicos
e higienistas, como Afrânio Peixoto e Plácido Barbosa, pelo nudismo se devia àqueles mesmos
motivos que os levavam a receitar os banhos de sol, a “vida integral, ao ar livre, na liberdade de
movimentos e atitudes, (...) com o que se adquire saúde física e moral”.
979
A essas considerações
científicas, escritores e jornalistas acrescentavam argumentos de ordem estética a favor da nudez.
Para Théo-Filho,
O nu da forma humana pode ofender a retina dos indivíduos indecentes. O nu é belo. O nu é ar-
tístico. O nosso corpo é digno de ser contemplado.
980
A arte era invocada em defesa dos nudistas e da liberdade de exposição dos corpos em público.
Affonso Louzada, enquanto procurava isolar o aspecto moral do debate sobre nudez, recorria à
própria tradição cristã de arte para anular as reações do catolicismo moralista:
O nu não é imoral nem amoral; jamais o foi; jamais o será! Se o fosse, a Arte deixaria de existir.
Não o é nem mesmo em face da Religião. Não precisamos prová-lo. Mesmo porque nos bastaria
mostrar a obra estupenda e ímpar dos grandes estatuários da Renascença de que é o próprio Vatica-
no o museu por excelência, apesar de todos os seus princípios rigidíssimos de moral. Pois bem. É
975
28 de outubro de 1939, p. 9.
976
3 de abril de 1927, p. 5.
977
2 de março de 1924, p. 6.
978
19 de janeiro de 1930, capa.
979
Idem.
980
3 de fevereiro de 1924, p. 6.
167
justamente esse nu, se bem que nu artístico, um dos maiores padrões de glória e esplendor eterna-
mente inabaláveis da Roma sagrada dos Papas!
981
A apologia do nu, contudo, era apenas um recurso de retórica para rechaçar os moralistas, suas
“imposições fúteis, regrinhas obtusas e pretextos tolos”.
982
Não passava pela cabeça de nenhum
dos redatores de Beira-Mar propor a sério a introdução do naturismo nas praias brasileiras. Ainda
que admirasse o exemplo dos nudistas europeus como “uma escola de alto ensinamento”, Harold
Daltro ponderava:
O naturismo, sim, o naturismo, mas... dentro da civilização. Gosto de Copacabana, mas civilizada,
penteada, moderna.
983
A praia moderna não apenas se penteava como gostava de se vestir. O “maillot” era símbolo da
civilização. A tendência à diminuição da roupa de banho não ameaçava se transformar em adesão
ao naturismo. Théo-Filho, ao descrever o paraíso na praia, constatava a relatividade da noção de
nudismo no costume balneário local. Segundo ele,
(...) em Copacabana modelo máximo das praias a doutrina dos nossos tradicionalmente primei-
ros pais não encontra adeptos absolutos. E se escrevemos absolutos confessamos que apologistas re-
lativos não faltam. Nada de espantos... A explicação é fácil como a tomada de Itararé. Se os cilenses
não admitem o estilo completo de Adão e Eva, apreciam e ostentam, nos banhos de mar, o calção
bem curto e a camisa... na areia. Claro, na areia, porquanto a maioria a deixa cair, principalmente
por distração... O sexo feminino – salve-se a moralidade! – raramente chega a ser tão distraído...
984
Na verdade, o debate sobre nudez e maiôs nas praias tinha apelo junto ao público e sempre volta-
va às páginas do jornal. Logo a publicidade comercial se apropriou do discurso corrente. Em
1933, por exemplo, uma série de anúncios de uma marca da moda não resistia a brincar com a
981
28 de maio de 1932, p. 6.
982
Théo-Filho, 25 de maio de 1935, capa.
983
22 de setembro de 1929, p. 2.
984
17 de setembro de 1932, capa.
168
polêmica: “Copacabana não é pelo nudismo porque se dá muito bem com o uso que faz das exce-
lentes roupas de banho Netuno”.
985
O bom humor, contudo, nem sempre combinava com essa parte da pauta. Freqüentemente o pro-
blema da moralidade das roupas de banho ia parar na capa do semanário em decorrência da ação
da polícia. A qualquer momento as autoridades podiam tomar a iniciativa de reprimir nas praias o
uso de indumentária considerada atentatória à moral. A polícia se apoiava na lei que obrigava os
banhistas a “apresentar-se com vestuário apropriado, guardando a necessária decência e compos-
tura”.
986
Durante o período de circulação de Beira-Mar, nos Anos 20, pelo menos duas operações
de fiscalização ganharam repercussão. No verão de 1924, a repressão se baseou na recomendação
do chefe de polícia para que se procedesse “com a máxima energia no sentido de não serem usa-
das nos banhos de mar toilettes que, pela sua confecção e dispositivos assaz livres, atentem contra
a moralidade que cumpre a polícia manter em qualquer situação”.
987
A aplicação dessa diretriz
deve ter sido rigorosa, de outro modo Théo-Filho não chamaria de “bárbaros e selvagens (...) os
policiais que, nas nossas praias, nessa quinzena que findou, se deram ao desfrute de deter senho-
ras e senhoritas, expondo-as ao vexame de um exame insolente e torpe”.
988
Em 1927, uma nova
campanha preocupou os jornalistas, ainda que estivesse sendo “conduzida com as devidas reser-
vas, pois até agora nenhuma reclamação produziu, como sói acontecer quase todos os anos”.
989
Beira-Mar não se opunha à polícia de costumes por princípio. Ao contrário, admitia a necessida-
de de algum grau de controle sobre os excessos. Enquanto reinava a paz nas praias, o editor pro-
curava manter uma posição de equilíbrio e moderação:
Nós não somos dos que pregam os princípios de uma moral rígida demais e, portanto, ridícula em
nosso tempo; não obstante, porém, a nossa condescendência e o nosso ponto de vista, achamos que
é oportuna uma fiscalização que controle a indumentária dos banhos de mar, submetendo-as às
985
28 de janeiro de 1933, p. 10.
986
Artigo 3
o
do Decreto n
o
1.142 de 1
o
de maio de 1917: Coleção de leis municipais vigentes – 1893-1925.
987
20 de janeiro de 1924, p. 3.
988
3 de fevereiro de 1924, p. 6.
989
Théo-Filho, 6 de fevereiro de 1927, capa.
169
regras do bom senso. (...) No meio termo é que está o aconselhável. Nem tanto às ondas, nem tanto
à costa. (...).
990
A relação de Beira-Mar com as autoridades policiais do distrito de Copacabana era de respeito e
até solidariedade. As tentativas de estabelecimento de um noticiário de ocorrências locais eram
expressivas dessa ligação. Também exigia cooperação com a polícia a gama de atividades em que
o jornal se inseria, do banho de mar à fantasia às provas de natação Leme-Igrejinha, da instalação
das barracas dos clubes praianos à organização dos campeonatos da LAFA. Redatores como João
Guimarães, Nelson Nascimento, Oscar Mario, Carlos Brandon e outros personificavam o envol-
vimento do jornal com a instituição.
No tema dos costumes, entretanto, não havia como evitar a divergência sobretudo se a ação da
polícia ameaçasse prejudicar a estação balneária. Não era comum que a situação chegasse a esse
extremo. A polícia trabalhava e os banhistas continuavam na moda, sem que isso resultasse em
conflito maior que algumas queixas indignadas nos jornais. Por isso mesmo deve ter sensibiliza-
do de modo especial os leitores de Beira-Mar a crise de 1931, desencadeada pelo que foi descrito
como uma verdadeira “campanha de repressão ao banho de mar” no Rio de Janeiro.
991
No verão desse ano, a capital do Brasil vivia sob o impacto da Revolução de 5 de Outubro, que
havia conduzido Getulio Vargas ao governo. Baptista Luzardo, seu então homem de confiança,
foi nomeado chefe de polícia. Assim que tomou o aparelho de Estado, o grupo revolucionário,
numa demonstração de poder, promoveu, entre outras medidas, uma tenaz perseguição aos aquá-
ticos cariocas a pretexto do relaxamento no uso das roupas de banho.
No segundo fim-de-semana de 1931, apareceu em Beira-Mar uma primeira nota sobre as “provi-
dências enérgicas” tomadas pela nova administração no policiamento das praias de banho. Os
primeiros parágrafos do regulamento em que se apoiava a intervenção definiam o alvo das auto-
ridades:
990
24 de novembro de 1929, capa.
991
29 de agosto de 1931, p. 5.
170
1) Não permitir o trânsito de banhistas nas ruas que dão acesso às praias de banho, sem uso de rou-
pão, que deverá ser fechado, só podendo ser tirado nas mesmas praias.
2) Não permitir que os banhistas dispam ou desabotoem na praia as camisas de banho, nem usem
calções demasiadamente curtos.
3) Não permitir o uso de roupa de banho demasiadamente leve ou transparente.
992
Essas medidas inicialmente foram bem acolhidas. Não convinha ao jornal da elite praiana enfren-
tar as autoridades em meio à conjuntura nacional de crise sucessória, se a polícia não ultrapassava
os limites do que a tradição lhe permitia.
O Dr. Baptista Luzardo, há vários dias, vem combinando severas medidas com os delegados dos 6º,
e 30º distritos e de outros bairros onde existem praias de banhos, no sentido de reprimir abusos,
medidas essas com as quais s. ex. pode conquistar o apoio da opinião pública, pois não se com-
preende que na capital de um país civilizado andem pelas ruas de maior trânsito, como por exemplo
a do Ouvidor, indivíduos quase nus. A Avenida Beira-Mar, em toda a sua extensão, pela manhã,
nesse particular, bate o “record” – senhoras e homens são encontrados aí com trajes pouco decentes
em todo o seu percurso.
993
Ao mesmo tempo em que apoiava o chefe de polícia, o redator procurava desviar o foco da aten-
ção para fora de Copacabana, em direção ao centro da cidade e outras praias. Na semana seguin-
te, em matéria de capa, ao comentar o primeiro parágrafo do novo regulamento, Théo-Filho pros-
seguiu nessa mesma estratégia de alinhamento com as autoridades, associada à tentativa de dife-
renciação da região cilense em relação ao resto do Rio:
Muito acertada andou a Polícia do Sr. Baptista Luzardo. Tal medida desde muito se fazia necessá-
ria. As ruas que dão acesso aos cais do Flamengo, Botafogo e Lapa são as mais visadas pelo pará-
grafo 1º. Banhistas descem de artérias afastadas, dos morros e de bairros próximos, quase nus, de
calções muito curtos, de camisas entreabertas, a maioria sem roupão, até como pingentes, nos bon-
des. Esse espetáculo diário não era apenas ridículo: era um pouco mais do que degradante. Em Co-
992
11 de janeiro de 1931, p. 4.
993
Idem.
171
pacabana havia também abusos notórios, mas relativamente secundários, dada a diminuta distância
entre as residências e a praia.
994
As referências aos trabalhadores na rua do Ouvidor, aos habitantes que desciam dos morros e aos
pingentes expressavam a distinção de classe que presidia o pensamento dos editores. No enten-
dimento deles, se havia alguém digno de reprovação, não eram tanto os freqüentadores elegantes
de Copacabana, mas sobretudo os “sem roupão” dos outros bairros, que depunham contra “nos-
sos foros de terra civilizada”.
995
A “CIL”, nessa interpretação, não ficava de todo isenta de responsabilidade nos fatos que justifi-
cavam a campanha de repressão. Mas os excessos dos banhistas podiam ser explicados pela novi-
dade que representava a introdução dos banhos de sol. Era o que sugeria Théo-Filho, ao analisar
o parágrafo do regulamento que se referia ao hábito dos banhistas de permanecerem na praia sem
camisa:
A moda do banho de sol é causadora direta desse relaxamento de camisas descidas ou desabotoadas.
Nos homens somente? Não, também nas mulheres. Estava se tornando corriqueiro o espetáculo pre-
senciado em Copacabana e mais freqüentemente em Ipanema de se verem senhoras com as costas
às mostras, totalmente às mostras, para a carícia tônica dos raios solares. Mas até onde iam os raios
solares e os pudores desvendados dessas damas?
996
Beira-Mar tentou ainda conciliar a posição dos banhistas com o apoio às medidas policiais. Mas
a tensão tendia a se acirrar. Na descrição de Neném, no domingo anterior “as nossas praias da-
vam-nos a impressão exata de uma praça de guerra com uma enorme multidão de guardas tintu-
reiros, delegados, comissários, investigadores, secretas, medidores...”.
997
Théo-Filho percebia
“um véu de contrariedade a toldar a alegria de nossas praias...”. Na última semana de janeiro, o
editor já criticava
994
18 de janeiro de 1931, capa.
995
18 de novembro de 1939, p. 5.
996
18 de janeiro de 1931, capa.
997
25 de janeiro de 1931, p. 5.
172
as medidas policiais, às vezes, exageradas e ultrapassando os limites do razoável pelas autoridades
ciosas demais e que vão além do estabelecido pelo chefe... É isto que convém notar e que é por este
fato, aliás verdadeiramente incômodo, que pedimos a atenção do sr. dr. Baptista Luzardo. Nem tan-
to ao mar, nem tanto à terra... Há guardas que exageram, e porque algum banhista se apresenta com
uma camisa mais aberta, estão reclamando como velhas impertinentes... Ora, em Deauville, em
Biarritz, na Cote d’Azur não se vê disso e a civilização (cremos que não hão de querer contestar)
é “quelque chose” melhorzinha que a nossa, que diabo! É preciso haver tolerância e não ridículo; de
outro modo, saindo de um extremo, a polícia cai noutro, talvez maior, que é retrogradar dos costu-
mes, para uma época que não passamos muito... Liberdade para os banhistas! Pois, se assim
não for, a liberdade ficará só pelo papel... E nós queremos também liberdade pelas areias...
998
Ao fazer sua crítica, o editor de Beira-Mar tomava o cuidado de reforçar a autoridade de Baptista
Luzardo. Era diretamente ao chefe de polícia que ele dirigia as queixas dos praianos. Todo o in-
cômodo da situação se devia não às resoluções do governante, fora de discussão, mas ao exagero
dos funcionários que se excediam na sua aplicação. Porém, não obstante o reiterado respeito, e
ainda que a conjuntura fosse de ditadura recém-instaurada, Théo-Filho se arriscava a fazer a defe-
sa da “liberdade para os banhistas”, com base na referência civilizada das praias freqüentadas
pelos franceses.
999
Ao mesmo tempo em que cumpria a função de representante dos banhistas nas páginas do jornal,
o arauto da praia se encorajou a adotar uma nova postura: “Deixando os pontos de vista que de-
fendemos perante a esclarecida competência do digno chefe de polícia, registremos, literalmente,
as nossas impressões do domingo último, num rápido passeio pelas nossas praias”.
1000
Assim,
Théo-Filho resolveu descer pessoalmente às areias de Copacabana para fazer a reportagem do
movimento balneário. Como nunca havia freqüentado a praia assim tão profissionalmente, o edi-
tor de Beira-Mar sinalizava com essa atitude a intenção de se solidarizar com os banhistas se
era para apanhar da polícia, estaria junto do povo.
Ao descermos a linda praia, domingo, no Posto 6, penetrando entre as ruas alegres da tumultuosa
urbe de barracas de múltiplas cores e desenhos ao jeito das feiras muçulmanas, numa das mais ricas
998
25 de janeiro de 1931, capa.
999
Idem.
1000
Idem.
173
tendas um sorriso amigo desabrochava para o nosso “bom dia”: era a poetiza de “Água Dormente”.
Maria Sabina estava admirável no seu pyjame laranja e com o rosto quase sumido nas grandes abas
do seu chapéu também cor laranja pintalgado de bolas negras.
1001
Como um colunista social, Théo-Filho registrava nomes próprios e descrevia as roupas das se-
nhorinhas enquanto progredia no seu périplo praiano.
Assim, percorrendo o famoso Posto 6, ora auxiliado pelos meus amigos, ora pelo meu rápido “coup
d’oeil” e de “conaissance même”, conseguimos anotar algumas figurinhas mais, para enriquecer es-
tas linhas, de figurinhas que são todo o motivo porque é linda Copacabana e porque a gente ainda
acha que vale a pena viver e dar graças a Deus de assim fazer o nosso sol tão luminoso e o nosso
céu tão azul! Eis os nomes encantadores que apanhamos: Mlles. Carmita Azevedo, de maillot ver-
melho, Luiza Souza de Carvalho, calção preto e camisa laranja, Nair Martins Costa, maillot laranja,
Clotilde Pereira, deslumbrante simplesmente em seu maillot negro com cinto branco, como se fosse
uma espuma que ela para tal tivesse caprichosamente colocado (...)
1002
No momento em que a repressão se abatia sobre a CIL, num grau sem precedentes, o editor de
Beira-Mar nada mais fazia do que afirmar os nomes das famílias da elite local. A presença deli-
cada das filhas das melhores casas funcionava como argumento sensível na denúncia dos abusos
praticados na campanha de policiamento. Eram elas toda a graça da vida nas praias as princi-
pais vítimas da brutalidade da polícia.
A identificação da praia com as mulheres, portanto, era capitalizada na luta contra o moralismo.
Críticos das medidas policiais freqüentemente faziam uma distinção de gênero nas suas conside-
rações. Nas mulheres, a fiscalização da polícia representava uma ameaça às famílias. Nos ho-
mens, podia ser recebida como uma providência necessária. Assim, um redator, sob o pseudôni-
mo “Artus”, avaliava a campanha de Baptista Luzardo:
Evidentemente as suas providências contra os homens são acertadas porque dificilmente se encon-
trarão, como sucede nas nossas praias, indivíduos que mais mereçam uma intimação para compor-
1001
Idem.
1002
Idem.
174
se; dificilmente se encontrarão tipos tão desgraciosamente feitos, como os que cruzam as ruas das
proximidades do mar, em toilettes de banho.
1003
Os homens “fisicamente lamentáveis, na falência de suas formas e no exagero de seus pe-
los”
1004
podiam ser reprovados, quando Beira-Mar fazia alguma concessão ao ponto de vista
das autoridades. Em contrapartida, a condenação masculina facilitava a absolvição feminina. O
que se podia recriminar nos homens não se devia estender às mulheres sem o risco de se incorrer
em deselegância. Assim,
Com o belo sexo o caso é diferente, muda-se o cenário. Elas não se distanciam das praias; as que
são mal feitas capricham em esconder-se; as formosas prestam à nossa cidade o serviço de uma e-
ducação artística apurada de plástica. Devem ser toleradas e louvadas pelos sorrisos do transeunte,
como punidos devem ser, por coerência, os marmanjos sem noção do ridículo de sua miséria física
que tanto humilha a nossa raça.
1005
As mulheres eram salvas com o sacrifício dos homens. Mas essa oposição entre gêneros embutia
também uma outra diferenciação, menos explícita quando se tratava da discussão de assuntos
balneários. Os banhistas sem camisa eram sutilmente equiparados aos cidadãos pobres, mal ves-
tidos, encontrados “na Lapa, na Avenida Rio Branco, no Largo dos Leões, nos túneis de Copaca-
bana, por toda a cidade, longe das orlas do mar”.
1006
Enquanto as banhistas eram associadas às
famílias, residentes nas praias elegantes. Essa era a opinião de Waldemar Bandeira, citado por
Théo-Filho:
É perfeitamente simpático que a polícia envide todos os esforços no sentido da moralização geral do
aspecto masculino de nossas praias de banhos, sob o ponto de vista indumentário. Dizemos apenas
masculino pois supomos que quanto às senhoras e senhorinhas nada que fazer. Trata-se de famí-
lias e, portanto, elas não estão em condições de ser fiscalizadas por tal motivo.
1007
1003
8 de fevereiro de 1931, p. 5.
1004
Idem.
1005
Idem.
1006
Idem.
1007
6 de fevereiro de 1927, capa.
175
Se as banhistas representavam as famílias, não era aceitável “a exigência impertinente e grosseira
de guardas que se dizem intérpretes do sentimento policial, os quais, com bruteza desmedida,
abusando de autoritarismo, admoestam senhoras dignas do maior acato e de respeito, com ordens
esdrúxulas e com palavras acres, bruscas”.
1008
O problema então estava na conduta dos emprega-
dos. Para Théo-Filho, “quem não recebeu educação não pode arvorar-se em educador, nem tratar,
com o devido respeito, pessoas de condições superiores à sua”.
1009
Incompatível com a posição
social com que se identificavam os banhistas de Copacabana, a condição subalterna dos policiais
gerava constrangimento. “As humilhações e os vexames impostos a numerosas famílias” justifi-
cavam, por isso, na opinião de Artus, “punição rigorosa a esses falsos intérpretes da lei”.
1010
Contudo, a despeito do esforço em separar as boas intenções de Baptista Luzardo da forma equi-
vocada com que seus auxiliares as interpretavam, o que o jornal enfrentava era bem mais que a
falta de polidez de uma guarda despreparada. Tratava-se de uma tentativa sistemática do novo
governo de conceder ao aparelho policial maior controle sobre os costumes balneários. Assim,
outras medidas antipáticas se acrescentaram às restrições relativas ao uso do vestuário. Uma delas
foi a proibição do futebol na praia. A colocação da brincadeira preferida da juventude masculina
na ilegalidade ignorava todo o trabalho do Beira-Mar, da Liga e dos clubes para regulamentar a
prática esportiva nas areias de Copacabana. Nesse aspecto, desde o início da campanha, o jornal
não fez concessão à posição dos interventores:
Se a Polícia tem a intenção de matar o jogo de bola achamos que exorbita um tanto de suas funções.
Estas devem ir apenas a proibir o football, nos postos, à hora do banho. Conosco estão todos os ha-
bitantes dos bairros praianos. O football jogado em lugares afastados dos postos balneários, sem a
ninguém incomodar, dá grande movimento e vida a toda a praia.
1011
Em suma, o “football” era inofensivo, desde que jogado longe da aglomeração de banhistas em
torno dos postos de salvamento e fora da “hora do banho”.
1008
Théo-Filho, 3 de outubro de 1931, capa.
1009
Idem.
1010
8 de fevereiro de 1931, p. 5.
1011
18 de janeiro de 1931, capa.
176
As leis municipais no Rio de Janeiro de então estabeleciam horários para a prática do banho de
mar, aos quais estava condicionada a prestação do serviço de salvamento nos postos de Copaca-
bana. A lei de Amaro Cavalcanti, de 1917, permitia o banho nos intervalos das 6 às 9 e das 16 às
18 horas, de 1
o
de abril a 30 de novembro, e das 5 às 8 e das 17 às 19 horas, de 1
o
de dezembro a
31 de março, com uma hora matinal a mais aos domingos e feriados.
1012
Essa restrição de horário
correspondia aproximadamente ao costume do começo do século, quando os banhistas fugiam do
sol para evitar o amorenamento da pele. O deslocamento do horário nos meses de verão confir-
mava a vigência dessa mentalidade. A introdução do gosto pelo sol, porém, provocou uma grande
reorientação, uma guinada em relação ao padrão tradicional do hábito praiano. Em apenas uma
década, o horário da manhã avançou para as 11 horas. Os banhistas conquistaram um tempo pre-
cioso de direito à praia. Assim, o regulamento baixado por Baptista Luzardo no verão de 1931
apenas reproduzia os termos dos textos anteriores, em relação a esse quesito:
O banho de mar, nos dias úteis, só será permitido até as 11 horas e das 15 às 18 horas, de 1º de abril
a 30 de novembro, e de 16 às 19 horas, de 1º de dezembro a 31 de março. Nos domingos e dias feri-
ados o horário da manhã será ampliado por mais uma hora.
1013
O novo costume do banho de sol, todavia, convidava os banhistas a ficar na praia bem depois das
11. Que “a grande massa da nossa população banhava-se até a tarde, ficando na iminência de
sofrer afogamento sem o socorro oficial”, sabia o intendente Clapp Filho, representante de Copa-
cabana, ao discursar no Conselho Municipal, em 1927, a favor da reforma do serviço de salva-
mento.
1014
Se a lei ainda valia para o funcionamento dos postos de socorro, não tinha efeito
para orientar o comportamento das pessoas, que se habituaram ignorar os horários oficiais.
Portanto, era surpreendente, em circunstâncias normais, que a polícia decidisse, baseada numa
interpretação rigorosa do texto da lei, proibir cabalmente a permanência de banhistas nas praias.
Em janeiro, nas suas “pequenas observações junto ao chefe de polícia”, Théo-Filho advertia que
os veranistas sentiam-se “coagidos com tais medidas que lhes restringem em absoluto a liberda-
de, impondo-lhes uma obrigação de retirada em hora certa do banho, desagradável e irritante,
1012
Artigo 1
o
do Decreto n
o
1.142 de 1
o
de maio de 1917: Coleção de leis municipais vigentes – 1893-1925.
1013
Idem.
1014
7 de agosto de 1927, capa.
177
como se tratasse de colegiais, em internatos”.
1015
Para estimular a retirada da praia, a polícia re-
corria à aplicação de um velho artigo do regulamento que permitia a cobrança de multa de 20 mil
réis, ou prisão, na falta de pagamento, caso o banhista desrespeitasse as leis balneárias.
1016
A fiscalização vexatória das roupas, a proibição do futebol, a expulsão das areias às onze horas,
as multas, todas essas medidas em conjunto contribuíam afinal para o esvaziamento das praias,
em pleno verão. A ação da polícia, portanto, representava uma ameaça frontal à vida balneária,
diante da qual cabia ao semanário praiano se pronunciar.
Na edição de 8 de março, passada a trégua do Carnaval, Beira-Mar abandonou todas as ressalvas
com que protegia as altas autoridades para denunciar “o descenso do movimento nos banhos de
mar”. O editor não deixava dúvida sobre a responsabilidade da instituição: “A polícia está anemi-
ando a mocidade das nossas praias” “A polícia está matando a alegria dos banhos de mar. A
polícia está matando as nossas praias”.
1017
Novamente Théo-Filho foi a campo fazer a reportagem
principal, desta vez para ouvir dos próprios banhistas as queixas contra a intervenção policial e
levar ao conhecimento público o padecimento que experimentavam:
Encontramos um casal cinco anos freqüentador do Posto 6, a cujas águas conduzia, matinalmen-
te, três gárrulas crianças. Admiramo-nos de o ver em trajes de cidade, sobre um banco, ao invés de
em maillot, na moleza das areias.
- É que enquanto estivermos sob tão ridícula vigilância, desistimos do banho, explicou-nos o ho-
mem. Minha mulher, aqui mesmo, numa manhã, ao atravessar a avenida, sofreu um vexame. Como
trouxesse um roupão aberto ao vento, um senhor da polícia convidou-a a fechar o roupão. As crian-
ças, vindo outra vez sem roupão, foram admoestadas por um guarda civil. Que sucederia, se não
dominasse a minha indignação refreando o ímpeto de revolta que me avassalou a alma, tanto da
primeira como da segunda vez?
- Iria para o distrito, evidentemente, ponderamos.
1015
25 de janeiro de 1931, capa.
1016
Artigo 6
o
do Decreto n
o
1.142 de 1
o
de maio de 1917: Coleção de leis municipais vigentes – 1893-1925.
1017
8 de março de 1931, capa.
178
- Então, por medida de prudência, resolvi desistir momentaneamente do banho de mar. E, no
quarteirão onde resido, há mais de vinte famílias que se abstiveram do banho de mar, este verão, por
não admitirem as medidas provincianas que estão sendo postas em prática pela polícia.
1018
Esse era o retrato da família cilense contrariada no exercício dos seus lazeres. Seus costumes ele-
gantes, civilizados e modernos entravam em choque com a mentalidade provinciana das autori-
dades. A vergonha que se produzia nesse atrito entre homens de farda e banhistas, em torno de
um assunto tão delicado como os corpos de esposas e filhos, não podia ser admitida por um chefe
de família. A elite local não pretendia desacatar a polícia, mas preferia abandonar a praia a se
submeter aos constrangimentos da nova ordem.
Ainda bem não havíamos deixado esse casal copacabanense e já nos deparávamos com um dos mais
perfeitos leões de Copacabana, um dos artistas das modas praianas masculinas, rapaz que também,
excepcionalmente, àquela hora, se nos apresentava em impecável palmbeach talhado à moda lon-
drina.
- Não toma banho? perguntei-lhe.
- A “turma” suspendeu o banho até segunda ordem, respondeu o mancebo.
- E porquê? interrogamos.
- Revolta mansa, desgosto da escravidão. Estamos sendo humilhados com horários proibitivos, co-
mo se fôramos colegiais e não pudéssemos mais jogar o nosso foot-ball como outrora. Embirram
com as nossas sungas, com os nossos jogos, com os nossos gritos, com as nossas correrias, com a
nossa mocidade. A mocidade é a alegria exuberante, é o ruído, é a vida trepidante. Tudo isso que-
rem tirar das nossas praias, onde desejam implantar o silêncio, a circunspecção, a hipocrisia, a ve-
lharia. Eu me revolto e comigo toda “turma”. Somos dez rapazes, mais ou menos. Sabe o que temos
feito, nos últimos dias? Vamos jogar foot-ball na areia e correr de camisa descida, sabe onde? Na
praia da Gávea. Vamos todos em duas baratinhas. É um colosso, a liberdade absoluta. Além de tu-
do, a “turma” está marcada pela polícia, desde o banho de areia que deu em dois guardas civis, no
Posto IV, quando começaram as perseguições dos delegados liberais... sabe? Agora é ali na ma-
1018
Idem.
179
deira. O sujeito trastejou, mostrou um palminho de perna, uma camisa aberta de mais, esqueceu um
roupão, é o xadrez, é a viúva-alegre, são, no mínimo, logo de entrada, 20$000 e os vexames... Os
tempos de hoje estão fedendo a bolor...
1019
Essa era a expressão da juventude, atingida duramente na sua liberdade de divertimento. O estilo
de vida jovem e desportivo das praias era incompatível com a polícia moralista da “velharia”.
Com a turma, porém, a reação podia ser menos resignada do que a das famílias em geral. Assim,
a campanha de Baptista Luzardo, inadvertidamente, acabava por estimular a nova geração de
cariocas a conhecer outras praias da zona sul, atrás das montanhas, ainda pouco exploradas.
O protesto de Beira-Mar, em tom de revolta, raro na história da relação do jornal com as autori-
dades, foi sucedido de um total silêncio. O assunto simplesmente sumiu da pauta nas edições se-
guintes. Em parte, esse desaparecimento podia corresponder ao refluxo da estação de veraneio
que ajudava a esfriar os ânimos. Mas o modo brusco como o tema principal de capa foi suprimido
sugere que Beira-Mar pode ter sofrido algum tipo de coação, numa época em que os diários ali-
nhados ao governo deposto eram alvo de perseguição. De qualquer maneira, a censura, se ocor-
reu, não durou tanto quanto a campanha de repressão nas praias. Antes que se inaugurasse o pró-
ximo verão, o jornal voltou a se manifestar. Na Caixinha de Surpresas, um redator, protegido sob
o pseudônimo de “Gengis-Khan”, observava que
(...) às vezes um banhista deixar cair, discretamente, as alças da sunga, para um banho de sol nas
costas, tão recomendado para os pulmões. É a conta. O sr. guarda, que é todo trop de le”, vem
voando para dizer que são “ordes”, que ele é o “representante diretodo dr. Luzardo e quejandos.
Michelet, quando sentenciava que, de todas as flores, a que mais necessidade tem de sol é a flor
humana”, parece ter dito isso pelo Saara tórrido da civilização africana... Ora, srs. encarregados
de vigiar o banho de mar, deixem os banhistas em paz! Eles o são políticos da oposição, nem
tampouco comunistas... Euclides da Cunha escreveu, na obra-prima do nosso idioma, que o Brasil é
um país condenado à civilização. Será que com as ordens sobre o banho de mar o nosso país come-
çou a cumprir a pena?
1020
1019
Idem.
1020
29 de agosto de 1931, p. 5.
180
Em outubro, sob o título “Desmoralizando a moralidade – A revolta de nossas praias ante a bruta-
lidade da lei molhada”, Théo-Filho retornava à capa em atitude de contestação. Recorria então a
um argumento muito comum no debate sobre os costumes balneários locais: a opinião dos turis-
tas estrangeiros.
Ora, não são somente os filhos do país os que gozam o ar do banho e das arenosas praias guanaba-
renses. Entre elas gente estranha, o estrangeiro a que não pode calar bem o testemunhar críticas
acerbas dos que se dizem mantenedores dos bons costumes e da ordem. Como procedem, tais guar-
das, consoante o que dizem, afeiam lugares procurados pela nossa mais fina sociedade, que ali vai
em busca, não de desaforos, mas, de tonificar o organismo.
1021
Ainda esse ano, Théo-Filho dedicou outro editorial ao problema da polícia e da moralidade das
roupas de banho. Desta vez, desenvolvia a tese de que o direito deveria emanar do costume e
não o contrário – e dentro dessa lógica a campanha de repressão não tinha razão de ser:
A execução das leis é que nos oferece oportunidade para o seu perfeito julgamento. Em teoria, não
exageramos dizendo que todas são magníficas: porque o seu fim é sempre elevado; mas, daí não se
conclua, em absoluto, pela excelência da sua praticabilidade. Tal o regulamento, porventura draco-
niano, referente à roupa dos que tomam banhos de mar. Objetou-se que a maioria abusava de tal
guisa que chegava aos cimos do despudor. Ora, a asserção é, evidentemente, infiel. Consentiriam,
acaso, as famílias que vigorasse a imoralidade nas praias a que vão, e não protestassem? Admita-
mos, não obstante, o absurdo; se elas concordassem com os próprios excessos dos banhistas, quem
teria o direito de reclamar? Ninguém. As autoridades, retrucará, talvez, alguém. Um disparate jurí-
dico, porquanto as leis saem do caráter do povo, e não o caráter do povo nasce das leis. Portanto,
ainda que diante de certos fatores filosóficos ou religiosos a falta de moral existisse, esta apenas re-
fletiria o estado das massas. Ora, não nos consta que houvesse quem quer que seja apresentado
queixa contra a indumentária dos banhistas: de um para o outro, aliás, não variava muito. Logo, os
dispositivos que fazem , de um tempo para cá, exigências a respeito da roupa dos que freqüentam o
mar, não se justificam.
1022
1021
3 de outubro de 1931, capa.
1022
19 de dezembro de 1931, capa.
181
Pelo menos neste caso da indumentária de banho de mar, o editor acertava. A lei foi incapaz de
vencer o costume. A campanha de Luzardo chegou ao verão de 1932, mas sem o ímpeto inicial.
Um novo chefe de polícia foi nomeado, o capitão João Alberto. Em maio, o pessoal da LAFA
entrava em acordo com ele para a regulamentação do futebol na areia.
1023
Sempre poupado pelo
jornal durante a crise, o delegado local, titular do 30
o
distrito, Ascanio Accioly Garcia, morador
de Copacabana e igualmente revolucionário, ganhava prestígio e reatava os laços de confiança
entre a sociedade local e a instituição.
1024
Na primavera desse ano, quando os freqüentadores co-
meçavam a voltar à praia, o tema da polícia havia passado para as páginas internas, fora da
pauta principal. A redação tinha abandonado o estado de guerra e podia adotar um estilo ameno:
A nota alegre da semana foram os “caranguejos” – a polícia da praia. Vieram pouco zangados, desta
vez, mas sempre vieram a seu tempo. As sereias, alegres, foram recebê-los na beira da praia, des-
preocupadamente, certíssimas da certeza de seus “maillots”. Depois de verem eles foram embora. E
tudo ficou como dantes. O mar voltou a recolher em seu seio as sereias maravilhosas...
1025
A partir de então, e até o verão de 1944, não se registrou nas páginas do jornal nenhum episódio
com a polícia que lembrasse a campanha de 1931-32. A gestão de Felinto Muller à frente da insti-
tuição, iniciada no ano seguinte,
1026
parece ter sido menos moralista que a de Baptista Luzardo,
ao menos no aspecto dos costumes balneários. Provavelmente, a polícia reconsiderou suas priori-
dades. No final dos Anos 30, crescia a presença de assaltantes, pivetes e prostitutas em Copaca-
bana, Ipanema e Leme.
1027
Os temas do nudismo, do pudor, do moralismo e da diminuição das
roupas de banho, porém, continuaram em pauta. A tensão em torno da exibição dos corpos dava
assunto à crônica e ajudava a preencher as páginas do semanário praiano. Mas a ameaça da polí-
cia já não era mais levada a sério pelos leitores.
***
1023
7 de maio de 1932, p. 8.
1024
21 de dezembro de 1930, p. 2; 10 de maio de 1931, p. 10; 19 de março de 1932, p. 7.
1025
22 de outubro de 1932, p. 2.
1026
6 de maio de 1933, p. 3.
1027
25 de junho de 1938, p. 3; 7 de janeiro de 1939, p. 3; 4 de fevereiro de 1939, capa; 22 de abril de 1939, capa.
182
Entretanto, uma ameaça de outra ordem, constante e mais assustadora, pairava sobre a praia e
exigia atenção dos banhistas e do poder público. Como observava Théo-Filho,
As nossas autoridades, que de vez em quando baixam rigorosas instruções sobre os banhos de mar,
preocupando-se principalmente com o traje dos banhistas, a ponto de fixarem as dimensões das cal-
ças e camisetas (...), ainda não cuidaram, com o interesse que seria de desejar, do aspecto mais im-
portante do caso. Referimo-nos aos socorros dos que nas praias são colhidos pelas ondas e muitas
vezes desaparecem para sempre.
1028
O risco de afogamento representava um problema grave que podia atrofiar a vida balneária. Aci-
dentes fatais eram conhecidos no tempo em que a maioria dos aquáticos usava as praias inter-
nas da baía de Guanabara. Os banhos de mar na praia das Virtudes, por exemplo, comumente
forneciam notas fúnebres aos jornais.
1029
Mas o crescimento da cidade em direção às praias oceâ-
nicas da zona sul, no começo do século XX, colocou os banhistas diante de um novo padrão de
periculosidade. No mar aberto, os praianos se deparavam com grandes ondas e correntezas capa-
zes de arrastar os incautos para longe das areias.
Beira-Mar reconhecia o caráter traiçoeiro do mar na orla oceânica. A defesa da praia não podia
ser feita de modo irresponsável. Como admitia Théo-Filho,
Que é perigosíssimo o banho de mar em Copacabana todos sabem. Sempre exposta à fúria dos ven-
tos, que encapelam gigantescamente as ondas, a praia é qual a mulher bela: atrai, mas é preciso todo
o cuidado...
1030
Alguns trechos da praia eram considerados mais perigosos que outros. Era o caso do ponto em
frente ao Copacabana Palace Hotel, cujas correntes haviam provocado grande número de mor-
tes por afogamento. Não obstante, esse era “um dos lugares mais escolhidos (...) pela nossa alta
sociedade”.
1031
1028
2 de outubro de 1927, capa.
1029
Correio da Manhã, 1
o
de março de 1917, p. 4; Jornal do Brasil, 24 de janeiro de 1919, p. 8; A Noite, 20 de de-
zembro de 1921, p. 4; idem, 5 de janeiro de 1922, p. 5; 6 de fevereiro, p. 2; 15 de março, p. 4; 8 de junho, p. 3.
1030
27 de fevereiro de 1932, capa.
1031
6 de abril de 1930, capa.
183
A imprudência dos banhistas era apontada por Beira-Mar como uma das principais causas de
afogamentos. Freqüentemente, o jornal recomendava aos leitores que não abusassem de Netuno.
No final do verão, alertava o editor,
as correntes marinhas são mais fortes, mais impetuosas que nas demais épocas do ano. É bom, por-
tanto, que cada um se acautele, evitando toda a imprudência, a fim de que não se registrem fatos fu-
nestos.
1032
Os “recursos natatórios” de muitos banhistas nem sempre garantiam proteção. “Ninguém ignora
que muita gente que vai à praia não sabe nadar”.
1033
Por isso o jornal praiano defendia o ensino
de natação nas escolas e lamentava que o número de piscinas no Rio de Janeiro fosse pequeno:
Os alunos precisam saber nadar e nas piscinas isso pode ser conseguido com eficiência. Depois,
sim, é que o mar não terá perigo. A criação de piscinas, portanto, longe de ser um mal, longe de fa-
zer concorrência à praia, longe de tirar ao mar os seus freqüentadores, só poderá (...) fazer com que
o número de banhistas aumente e diminua o número de vítimas da inexperiência com o abismo das
ondas...
1034
A morte por afogamento era um assunto com o qual os editores tinham receio de lidar. No segun-
do semestre de 1930, por exemplo, o distrito de Copacabana registrou vinte e oito casos fatais,
mas nenhum deles foi noticiado nem comentado por Beira-Mar.
1035
Na verdade o semanário não
estava obrigado a cobrir essa pauta de que os diários se encarregavam sistematicamente. Nos A-
nos 20, chegaram a aparecer algumas notícias de afogamento, ainda que pequenas e encaixadas
nas páginas internas. Todas faziam referência a episódios envolvendo empregados do comércio
local e das residências.
1036
Nos Anos 30, porém, essa prática cessou. A morte do jovem médico e
morador de Copacabana, dr. Sylvio Coccio Barcellos, por afogamento na praia, foi referida ape-
nas quando a Prefeitura batizou, com seu nome, uma escola pública, inaugurada no bairro, em
1934.
1037
1032
23 de março de 1930, capa.
1033
24 de junho de 1933, capa.
1034
16 de maio de 1936, capa.
1035
1
o
de fevereiro de 1930, p. 4.
1036
26 de dezembro de 1926, p. 4; 20 de março de 1927, p. 6; 3 de abril de 1927, p. 6; 3 de julho de 1927, p. 2.
1037
26 de maio de 1934, capa.
184
Se o objetivo era a apologia da praia, a estratégia de Beira-Mar face ao perigo dos afogamentos
não podia adotar a perspectiva da grande imprensa diária. Assim, tratava-se de divulgar não tanto
os acidentes, mas as medidas de prevenção para evitá-los. Por isso os postos de salvamento en-
travam em pauta como prioridade.
O serviço de salvamento municipal foi fundado em 1917,
1038
em substituição ao antigo serviço de
“sauvetage” mantido por iniciativa de moradores associados (de que chegou a participar M. N. de
Sá). Seis postos foram distribuídos pelos cerca de 4.200km da praia de Copacabana, em trechos
considerados seguros para o banho de mar. Cada um correspondia a uma faixa de praia demarca-
da com bandeirinhas e guarnecida por uma embarcação no mar e um poste de observação na arei-
a, onde trabalhavam os “banhistas”, ou “auxiliares”, como eram chamados os nadadores funcio-
nários do Município. Na Avenida Atlântica, um posto de assistência médica, equipado para so-
corros de asfixiados, centralizava a administração do serviço.
1039
Beira-Mar foi contemporâneo
das três primeiras fases de existência dos postos de salvamento: a inicial, nos Anos 20, que cor-
respondeu à arquitetura original dos postes de madeira; a que sucedeu a reforma de 1929-30,
quando se instalaram postes de cimento; e a terceira, a partir da reforma de 1935-37, que substitu-
iu os postes por torres em concreto armado.
No tempo dos postes de madeira, os editores de Beira-Mar não eram simpáticos à administração
do serviço. Em 1927, nos primeiros anos da gestão do prefeito Prado Junior, alinhavam-se com o
intendente Clapp Filho, representante de Copacabana no Conselho Municipal, na denúncia do
“mau serviço dos postos de salvamento”, executado de modo “imperfeito e negligente”. A Prefei-
tura, na avaliação do jornal, havia “se descurado gradativamente dos nossos balneários”.
1040
Entre
as deficiências do serviço estava a ausência de um posto de salvamento em frente ao Copacabana
Palace. A simples falta de uma campainha nas instalações dos postos ganhava uma importância
exagerada:
1038
A Noite, 1
o
de junho de 1917, capa; O País, 2 de junho de 1917, capa; Correio da Manhã, 2 de junho, p. 3.
1039
16 de abril de 1932, capa; 14 de dezembro de 1930, p. 3; 19 de março de 1932, capa; 28 de março de 1933, capa.
Sobre história dos postos de salvamento: DONADIO BAPTISTA, Paulo Francisco. Introdução a uma história da
praia no Rio de Janeiro.
1040
7 de agosto de 1927, capa.
185
Depois de ter o mar arrebatado vidas e mais vidas aos nossos elegantes meios balneários, é que Sua
Excelência o Sr. Prefeito da Cidade cogita de abrir concorrência pública para a instalação de campa-
inhas a fim e auxiliar o serviço de sauvetage entre os 6 postos de banho da Av. Atlântica. Essa pro-
vidência municipal, que agora se anuncia e que ainda não temos a beneficiar as nossas praias de
élite, é hoje um dos processos mais comuns de salva-vidas em todos os grandes centros balneários
do mundo.
1041
A oposição do jornal, no entanto, desapareceu depois da conclusão da primeira reforma do servi-
ço de salvamento, em 1930. Afinal, os melhoramentos introduzidos depunham a favor do pro-
gresso de Copacabana. Além disso, a rede de socorros havia se expandido para Ipanema, com a
instalação do mastro de observação do Posto 7 e a abertura dos Postos 8 e 9, atendendo a uma
antiga aspiração dos moradores, apoiada por Beira-Mar. O novo diretor do serviço, o médico
Flavio de Moura, conquistou prestígio na redação da Serzedello Correia. Agora, os editores en-
tendiam que a instalação de um posto na altura do Copacabana Palace era mesmo uma temerida-
de e apoiavam a recusa da administração em atender à solicitação do Hotel.
1042
Com a Revolução de Outubro de 1930, a direção do serviço não mudou, mas, por toda a primeira
metade dos Anos 30, os investimentos públicos escassearam. A agenda de reivindicações do jor-
nal voltou a crescer. O item mais importante era a extensão dos socorros a outras praias. Foi ini-
ciada uma campanha pela transferência do Posto VII, situado em frente à rua Francisco Otaviano,
para a enseada do Arpoador, uma vez que ficava o recanto preferido da maioria dos banhistas
em Ipanema.
1043
Da mesma forma, Beira-Mar começava, em 1932, a pressão pela instalação de
um posto de salvamento na praia do Leblon:
O movimento aquático no Leblon é notoriamente imenso. Residência de milhares, já, de pessoas, as
famílias ainda não m, naquele bairro, postos de banho! Ninguém acreditará. No entanto, é a sim-
ples e espantosa verdade. O mar do Leblon, mais perigoso que o de Copacabana, Ipanema e Leme,
é de fato uma constante ameaça. Os banhistas diariamente se arriscam a perder a vida, porquanto
não há postos de salvamento na grande extensão praiana do Leblon! Não é a primeira vez que se re-
1041
20 de outubro de 1929, capa.
1042
23 de março de 1930, capa; 6 de abril de 1930, capa; 22 de junho de 1930, capa.
1043
18 de fevereiro de 1933, capa; 1
o
de julho de 1933, p. 3.
186
clama. E, certamente, não será a última. Afinal, devemos compreender: a política não dá tempo para
cuidar bem do povo...
1044
Melhoramentos diversos compunham a lista de demandas do jornal. Uma das reivindicações a
mais importante do ponto de vista da segurança era a substituição das velhas canoas a remo,
usadas desde a fundação do serviço, por modernas lanchas motorizadas.
1045
Outras solicitações,
menos onerosas, incluíam a colocação de relógios nos postos, a renovação das bandeirinhas de
balizamento, a substituição das cordas de salvamento, a sinalização do número de cada posto e a
instalação de bebedouros para mencionar as mais freqüentes.
1046
Por quatro anos consecutivos,
Théo-Filho e João Rodolpho se revezaram na campanha pelos relógios, com base no argumento
de que essa providência ajudaria os banhistas a cumprir o horário de banho oficial.
1047
Essa agenda, contudo, começou a se esvaziar em 1935, quando foram anunciadas as obras da
segunda reforma nos postos de salvamento. O diretor da repartição nessa época, o médico Nelson
Silva, estava autorizado pelo prefeito Pedro Ernesto a investir num amplo programa de melhora-
mentos e expansão dos socorros balneários.
1048
A expectativa, que Beira-mar ajudava a alimen-
tar, era a de uma remodelação completa:
O Serviço de Salvamento, que vários lustros vem prestando inestimável serviço a nossa popula-
ção praieira, necessita, a olhos vistos, de uma remodelação completa desde os seus alicerces. O
mundo progrediu bastante nestes quinze a vinte anos. Os processos rudimentares de salvamento que
se adotam entre nós, o barco a remo, a simples torre para o vigia, os nadadores munidos de um rolo
de cordas na praia, enfermeiros e médicos no Posto de Lido para aplicar massagens e banhos quen-
tes nas vítimas das traições do mar, tudo isso tinha que ceder lugar, forçosamente, aos processos
modernos vitoriosamente ensaiados nos países de civilização mais adiantada e que põem em realce
a vantagem da máquina sobre o trabalho humano.
1049
1044
3 de dezembro de 1932, capa.
1045
10 de dezembro de 1932, capa; 12 de maio de 1934, capa.
1046
16 de abril de 1932, capa; 9 de novembro de 1932, capa; 8 de fevereiro de 1933, capa; 25 de março de 1932,
capa.
1047
23 de janeiro de 1932, p. 5; 4 de junho de 1932, capa; 9 de dezembro de 1933, p. 7; 13 de janeiro de 1934, capa.
1048
23 de março de 1935, capa.
1049
9 de novembro de 1935, capa.
187
Entre as novidades tecnológicas prometidas estava a introdução de “canhões lança-cabos”.
1050
Equipamentos como o “fuzil norueguês” e a “pistola Sander” seriam utilizados para atirar ao mar
a corda de salvação, de modo a conferir presteza ao procedimento, a exemplo do que se fazia
em praias estrangeiras:
Esse processo de lançamento de cordas já vem sendo, aliás, adotado em vários países da Europa,
como a Inglaterra, Alemanha, Suécia, Noruega, Holanda e Dinamarca. O Rio, que possui um Servi-
ço de Salvamento em vias de se tornar um dos mais bem organizados do mundo, não pode deixar de
apresentar também esse elemento de real valia no socorro de banhistas, colocando as praias cariocas
numa situação de grande segurança, o que é importante para a nossa propaganda turística e para a
tranqüilidade da população praieira.
1051
Testes em situações reais de salvamento, entretanto, fracassaram, e a idéia caiu no esquecimento.
Na verdade, a inovação mais visível introduzida por essa reforma era a substituição dos postes
por torres de observação. À medida que se erguiam nas areias as fundações das primeiras torres, a
imaginação do público começava a se construir, com base nas descrições da imprensa:
Cada torre mede menos de sete metros de altura. Sendo construída inteiramente em concreto, sobre
uma base larga que se acha solidamente ligada ao granito do passeio, ela constitui sob o ponto de
vista estético uma obra de arte inatacável. Representa uma ponte de comando de navio, em três lan-
ces distintos. O primeiro, ao nível do passeio, seocupado por um bar minúsculo, apenas um bal-
cão para a venda de refrescos, sanduíches e cigarros de que tanto sentem falta os freqüentadores das
praias. O segundo lance é ocupado pelo observador do Serviço de Salvamento, que terá espaço sufi-
ciente para se locomover, como num tombadilho, e terá o conforto necessário para ali permanecer
durante 4 ou 5 horas consecutivas. O último lance possui uma cabine para guarda do material de
salvamento (cordas, bandeiras, salva-vidas, fuzis lança-cabos, etc.). Dali parte o mastro de sinaliza-
ção, onde serão hasteadas as flâmulas indicativas de permissão ou proibição do banho (bandeira
branca ou vermelha).
Todas as torres serão ligadas diretamente ao Posto de Assistência de Copacabana por sistema espe-
cial de telefone de alarme. Além disso, possuirão sirenes para marcar o início e a terminação da ho-
1050
23 de março de 1935, capa; 30 de março de 1935, p. 12; 4 de setembro de 1935, capa.
1051
9 de novembro de 1935, capa.
188
ra do banho, um telefone público e um bebedouro de água potável para uso dos banhistas. Em todos
eles serão instalados relógios, com mostradores para a praia e para a Avenida Atlântica, e auto-
falantes para irradiação de aulas de ginástica e conselhos educativos para o banho de mar e o banho
de sol. À noite, as torres terão iluminação especial indireta, por meio de holofotes de variegadas co-
res, ocultos no passadiço do segundo lance.
1052
O entusiasmo com a arquitetura das torres, porém, se transformou em impaciência, tamanho foi o
atraso na execução das obras. Os trabalhos começaram no verão de 1935, mas somente em março
do ano seguinte foram inauguradas pelo prefeito Pedro Ernesto as duas primeiras torres, nos pos-
tos II e VI.
1053
Assim, em 1936, uma série consecutiva de manchetes expressava a alternância
entre esperança e desânimo no sentimento dos praianos:
Inauguram-se amanhã as novas torres em Copacabana [15 de fevereiro]
Foi adiada “sine-die” a inauguração das novas torres de salvamento [22 de fevereiro]
Serão, finalmente, inauguradas as torres, amanhã? [7 de março]
Se não chover, serão inauguradas amanhã as novas Torres [14 de março]
Para a conclusão das outras torres, Copacabana ainda teve de esperar por mais um ano. Escaldado
na experiência, o jornal passou a agir com menos confiança nos prazos prometidos pelas autori-
dades. Entretanto, a pauta relativa aos postos de salvamento não arrefeceu. Com o crescimento da
freqüentação às praias, aumentou o número de operações de socorro. Num domingo de mar agi-
tado, mais de dez banhistas chegavam a ser salvos apenas em Copacabana.
1054
Estatísticas e re-
gistros de socorros passaram a ser divulgados por Beira-Mar com mais freqüência.
1055
Às vezes,
os jornalistas se prolongavam na descrição de um salvamento para transmitir aos leitores os “se-
gundos de angústia” vividos pelos praianos que, no Posto 9, “assistiam mudos de ansiedade à
cena emocionante”:
1052
25 de janeiro de 1936, capa.
1053
28 de março de 1936, capa.
1054
25 de janeiro de 1936, p. 2; 5 de dezembro de 1936, p. 10; 25 de novembro de 1939, p. 8.
1055
28 de março de 1936, capa; 8 de janeiro de 1938, p. 10.
189
Por volta das 11,30 ouviu-se a cinqüenta metros do posto o grito estridente partido de um descuida-
do, que levantava os braços com angústia. Movimentavam-se os populares acompanhando os ba-
nhistas, que munidos de cordas e empunhando salva-vidas lançavam-se em busca de um menino
que era arrastado com incrível rapidez pela correnteza. Dez minutos mais tarde, o colegial José Cy-
rillo, morador na rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema, era transportado para a barraca do posto,
entregue a choro convulso. Nada sofreu, de vez que fora salvo a tempo, tendo ingerido pouca á-
gua.
1056
Os “banhistas” dos postos de salvamento eram tratados por Beira-Mar como heróis. Mereciam a
simpatia da população aquática de Copacabana nadadores experientes como Adhemar, “China”,
Edu e Isidro, considerados “humildes e heróicos vigilantes que tantas vezes têm zombado de suas
vidas para salvação de outras”.
1057
O veterano Isidro Pacheco Soares, segundo fontes do jornal, já
havia salvo mais de quinhentas vidas, quando foi promovido a fiscal dos postos, em 1936.
1058
Era
“o life-saver mais popular da praia”.
1059
Os auxiliares João da Silva e Carlos Correia de Sá foram
condecorados pelo Presidente da República por ato de bravura.
1060
Em 1932, a partir de uma carta
de leitor, Beira-Mar lançou a proposta do “Dia do Banhista”, em homenagem aos empregados
dos postos de salvamento.
1061
O “28 de Dezembro” passou a ser registrado anualmente, a partir
de 1935.
1062
A festa incluía torneios de natação, entre eles a “prova Pedra do Leme - Forte de
Copacabana”, em que competiam os próprios nadadores do Serviço de Salvamento. Em 1937, o
Dia do Banhista era prestigiado pelas altas autoridades, comparecendo pessoalmente o dr.
Henrique Dodsworth, prefeito do Distrito Federal, e o dr. Clementino Fraga, secretário de Saúde
e Assistência”.
1063
As relações de Beira-Mar com a administração dos postos se fortaleceram a partir da inauguração
das torres. Muitas das demandas apresentadas pelo jornal foram atendidas e o público devia reco-
nhecer os melhoramentos. O administrador mais popular desse período foi o médico Ismael
Gusmão, que, ao morrer em 1938, deu seu nome ao posto de assistência de Copacabana, por
1056
15 de abril de 1939, p. 4.
1057
21 de julho de 1934, p. 3.
1058
28 de novembro de 1936, p. 5.
1059
4 de setembro de 1935, capa.
1060
6 de junho de 1936, capa.
1061
24 de dezembro de 1932, p. 17.
1062
4 de janeiro de 1936, capa.
1063
8 de janeiro de 1938, p. 10.
190
pressão dos moradores junto ao prefeito. Foi ele o responsável pela extensão do serviço até o Le-
blon, pela criação de postos nas praias das Virtudes e de Nossa Senhora da Penha, pela introdu-
ção de lanchas na vigilância dos banhos e pela implorada transferência do Posto 7 para a praia do
Arpoador.
1064
À medida que eram atendidas as expectativas de progresso material e expansão do
serviço, a agenda de reivindicações do jornal tendia a se extinguir.
Um problema de outra ordem, contudo, permanecia intocado e por isso mesmo se agravava. O
tradicional horário de banho de mar constituía uma limitação jurídica persistente. A mudança do
regime matinal de 5 às 9 horas para o intervalo de 7 às 11 horas, ocorrida em pouco mais de uma
década, demonstrava que a lei era capaz de se ajustar ao costume. Mas, ao invés de representar
uma tendência ao relaxamento, essa adaptação podia contribuir para reforçar a instituição dos
horários. Administrativamente, operava-se apenas um deslocamento: os funcionários dos postos
continuavam a trabalhar em dois turnos de mesma duração. O poder estatal de fixar limites para o
uso das praias, materializado no fornecimento das condições de segurança, não se abalava.
Beira-Mar colaborava para a afirmação dos horários ao alertar os leitores para o perigo que re-
presentava o banho de mar sem a proteção dos postos de salvamento. “Banhem-se dentro do ho-
rário oficial e sem transpor as balizas dos postos”, era a recomendação. Até o final da década de
20, não havia, segundo o jornal, motivo para os banhistas se queixarem das normas:
O horário das guarnições de salvamento estende-se das sete horas da manhã até as onze, e das 17 às
19 horas. tempo para os banhistas se banharem, sem perigo. Banhar-se fora do horário oficial
constitui uma imprudência censurável (...)
1065
Comumente, a responsabilidade pelos acidentes fatais era atribuída à desobediência por parte dos
banhistas aos limites oficiais. Esse discurso permaneceu em circulação por toda a década de 30.
Quase sempre, em 99% dos casos, a imprudência é a cooperadora nas mortes havidas. Muitos dos
que pereceram a isso foram levados por não terem observado os horários dos banhos (...)
1066
1064
20 de março de 1937, capa; 2 de julho de 1938, p. 2; 30 de julho de 1938, p. 3; 3 de junho de 1939, p. 5.
1065
23 de março de 1930, capa.
1066
28 de março de 1936, capa.
191
Ao mesmo tempo, o jornal era obrigado a reconhecer que os horários, regulados pela suspensão
dos socorros, não eram nada simpáticos na percepção dos banhistas. Segundo comentava Théo-
Filho, em 1934, Copacabana e Ipanema
(...) têm apresentado um movimento muito superior ao que se verificou nas anteriores estações de
banho do Rio de Janeiro. Os seus postos têm reunido grandes multidões de banhistas, que, com
muita mágoa os abandonam, quando soa a hora nunca desejada que o regulamento policial estabele-
ce como de encerramento da sessão balneária.
1067
A posição do jornal oscilava entre a necessidade de orientar os leitores para a observância do
regulamento de banho em nome de sua própria segurança e a necessidade de representar os praia-
nos na sua pressão junto à Prefeitura para que se ampliasse o alcance do serviço em nome da sal-
vação de vidas. Quando se dirigia às autoridades, em 1933, Théo-Filho tentava fundir numa
mesma argumentação as noções de vigilância e proteção aos banhistas. Escrevia que, fora do ho-
rário,
(...) não se compreende que a praia fique em abandono, sem a vigilância policial capaz de prevenir
qualquer desgraça no esplendor da Avenida Atlântica. Os fatos, porém, teimam por negar essas
providências indispensáveis, com os repetidos afogamentos que se vêm constatando nesse magnífi-
co local. Ainda na última semana um jovem estudante, residente à rua Copacabana, perdeu a vida
(...) Dir-se-á sem vida que os culpados são as próprias vítimas que confiam demasiado nos seus
recursos natatórios. É provável. Mas o que não se perdoa é a ausência de postos de salvação, apare-
lhados em todos os sentidos, suficientemente dispostos ao amparo de qualquer banhista temerário.
(...) Copacabana sempre foi considerada para o resto do mundo como um paraíso. Ora, não parece
justo que a transformemos, pela incúria e indiferença, em túmulo da juventude! Não! Que as autori-
dades estendam o quanto possível a vigilância na Avenida Atlântica (...)
1068
Em 1935, Beira-Mar abandonou as hesitações e começou uma firme campanha a favor de um
serviço de salvamento permanente nas praias cariocas. Entrevistado pela reportagem, Isidro Pa-
checo estimava o que representaria a adoção da proposta:
1067
13 de janeiro de 1934, capa.
1068
24 de junho de 1933, capa.
192
“Com mais 45 homens teríamos um dos serviços mais perfeitos do mundo. E o freqüentador das
praias e os touristes não teriam que se preocupar com essa coisa cacete que é o horário...”
1069
Na prática, um grande número de banhistas desobedecia aos horários oficiais. Depois que Baptis-
ta Luzardo se retirou da cena carioca junto com sua política de evacuação da orla à base da força,
os praianos voltaram a permanecer nas areias além do teto de funcionamento dos postos. Afinal,
nada faziam de errado, uma vez que a lei apenas determinava que “fora das horas estabelecidas
para o pronto socorro e dos trechos marcados (...), o uso do banho de mar correrá sob responsabi-
lidade exclusiva dos banhistas”.
1070
Com a mudança do costume, porém, os termos desse artigo passavam a autorizar uma situação
que os legisladores não podiam prever com dez anos de antecedência. A novidade dos banhos de
sol levava uma crescente população a ficar desprotegida nas praias da cidade. Afogamentos se
tornavam freqüentes. Notícias de mortes em Copacabana na grande imprensa trabalhavam contra
o esforço de apologia da praia empreendido por Beira-Mar. Por isso defendia Théo-Filho
(...) que o serviço de salvamento em nossas praias seja permanente. Não se compreende que seja
d’outra maneira. Um “país de turismo” como o nosso não deve descuidar desses senões... Não sa-
bemos de nada mais impróprio do que a bitola desse horário balneário...
1071
A campanha por um serviço permanente, de qualquer modo, evidenciava que outros obstáculos à
afirmação da vida balneária do moralismo da polícia de costumes à tradição de fuga do verão
carioca tendiam a ser superados à medida que crescia a população freqüentadora das praias o-
ceânicas.
***
1069
14 de setembro de 1935, capa.
1070
Artigo 102 do Decreto n
o
1.543 de 20 de abril de 1921: Coleção de leis municipais vigentes – 1893-1925.
1071
6 de fevereiro de 1937, capa.
193
O cuidado da Prefeitura com os postos de salvamento, porém, não era acompanhado de investi-
mentos públicos em outros serviços demandados pelo mundo balneário. A manutenção das praias
ocorria, quando muito, nos aspectos essenciais ao seu funcionamento.
No Rio de Janeiro, uma das ameaças recorrentes ao litoral era constituída pelas ressacas. Enquan-
to circulou, durante os Anos 20 e 30, Beira-Mar fez referência a várias ressacas violentas em
Copacabana.
A despeito do perigo que representavam ou talvez até por isso mesmo as ressacas não deixa-
vam de ser vistas como um espetáculo digno de apreciação. Na opinião de Théo-Filho, por exem-
plo, da ressaca de 1925, apesar de tudo,
restaram ainda os instantes de arrebatamento pelo grandioso, pela força, pelo épico, pela eloqüência
dos elementos naturais... Vendo-se assim a revolta do mar, nesses momentos, é que nos é dado me-
lhor sentir toda a grandeza divina. Era um espetáculo maravilhoso e imponente (...)
1072
Um grande público partilhava dessa impressão. Numa madrugada de 1936, “os moradores da
Avenida Atlântica vinham para a janela de seus apartamentos, ficando ali até o dia nascer, embe-
bidos na admiração do espetáculo magnífico, embora profundamente prejudicial”.
1073
No ano
seguinte, o editor notava, em Copacabana, a formação de uma platéia, que atraía gente de outros
pontos da cidade:
O oceano enfureceu-se no último domingo. (...) Velho, e, não obstante, sempre novo, aquele espetá-
culo imponente atraiu às nossas praias uma grande multidão, enfileirando-se ali muitos autos cheios
de famílias e curiosos. (...) Ondas volumosas se sucediam umas após outras, e vinham se esboroar
fragorosamente contra a penedia, transformando-se ao fim de cada combate em flocos brancos, ofe-
recendo aos espectadores cenas empolgantes. De quando em quando, uma rajada mais forte se ele-
vava e a brisa que soprava branda pulverizava lindas cabeças.
1074
1072
19 de julho de 1925, capa.
1073
5 de setembro de 1936, p. 12.
1074
3 de abril de 1937, capa.
194
Às vezes, o preço desse espetáculo era a destruição das instalações urbanas da orla. No episódio
de março de 1937, por exemplo, em determinados trechos, como a praia em frente ao Copacaba-
na Palace, “as ondas se arremessavam furiosamente contra o paredão, derrubando bancos, com-
bustores de iluminação, chegando mesmo a destruir alguns lances do passeio”.
1075
Nessas ocasi-
ões, o mar tinha força para arrancar postes, bancos de concreto e nacos da muralha que separava a
Avenida Atlântica das areias ao longo da praia. Alimentava-se o medo de que o oceano pudesse
mutilar a cidade: “O mar, que esburaca o asfalto com a sua violência, que arrasta os bancos e
arrebenta os postos, vai causando estragos nos alicerces dos arranha-céus, podendo ocorrer uma
catástrofe de conseqüências lastimáveis e imprevistas”.
1076
No final dos Anos 30, quando a arqui-
tetura da Avenida Atlântica havia se renovado com a edificação dos grandes prédios de apar-
tamentos, especialistas ouvidos pela reportagem, como o engenheiro Mauricio Joppert, discuti-
am a necessidade de um alargamento da praia, por meio de aterros e outras tecnologias de cons-
trução costeira.
1077
Assim que passava a ressaca, contudo, a preocupação com suas prováveis graves conseqüências
tendia a desaparecer da pauta. As obras de reconstrução nas avenidas da orla cilense eram provi-
denciadas com presteza pela Prefeitura, de modo que não alimentavam o noticiário local por mui-
to tempo. A esse respeito, apenas uma campanha foi esboçada por Beira-Mar, no intervalo de
1925 a 27, assim mesmo não porque os reparos tardassem, mas porque haviam sido malfeitos e
desfiguravam a praia num detalhe particularmente sensível:
A Avenida Atlântica, com as últimas ressacas (os leitores devem se lembrar deste fato), perdeu as
suas escadinhas, que facilitavam a descida dos banhistas. Entretanto, apesar das obras posteriormen-
te levadas a efeito para a reconstrução dos trechos demolidos pelo ímpeto das vagas, não se preocu-
param os engenheiros com os antigos degrauzinhos arrancados durante o temporal... Repararam-se
as balaustradas, reergueram-se os pilares e os postes, os destroços foram retirados, os automóveis
voltaram a voar silenciosos; e, não obstante, nada das saudosas escadinhas que os banhistas tanto
reclamam hoje... Banhar-se, descendo calmamente degrau por degrau, para abandonar-se à carícia
mole e fria das ondas, era tão bom, Sr. Prefeito... Tão prático e tão agradável... As senhoras e as cri-
anças, principalmente, sentem uma grande falta dessas escadinhas da Avenida Atlântica. Fácil seria
1075
Idem.
1076
5 de setembro de 1936, p. 12.
1077
3 de junho de 1939, capa.
195
construí-las novamente, satisfazendo à aspiração de nossos banhistas. Pedimos à Municipalidade
que nos escute e aja nesse sentido.
1078
O conforto dos banhistas era ainda ameaçado por um outro problema que exigia da administração
municipal um esforço continuado de manutenção. O uso das praias pela população obrigava a
Prefeitura a zelar pelas condições de higiene balneária. A praia de Copacabana não conquistaria a
preferência dos aquáticos como destino de veraneio sem que se beneficiasse dos serviços regula-
res da Limpeza Pública.
1079
Nesse tempo, as queixas relativas à poluição das praias cariocas com exceção de Botafogo
diziam menos respeito ao mar do que às areias. Assim, o que podia incomodar os banhistas, por
exemplo, eram os vestígios dos esgotos que permaneciam sobre a praia:
Parece incrível que Copacabana, uma das mais lindas praias do mundo, seja em certos locais anti-
higiênica. Todavia é uma verdade. E não é por falta de reclamação de nossa parte. Entre os Postos 3
e 4, os esgotos não escoam determinadas águas, formando poças que tornam insuportável a presen-
ça de qualquer pessoa... Torna-se necessário que a Saúde Pública tome providências. Copacabana é
o primeiro bairro do Brasil e deve por isso ser saneado.
1080
Não eram tão freqüentes, contudo, as referências à falta de limpeza na praia de Copacabana. A-
penas no fim da década de 1930, o jornal começou a publicar reclamações, até então não regis-
tradas, a respeito de alterações na cor da areia, tradicionalmente admirada pela sua alvura, e do
aparecimento de um “mal das coceiras”, possivelmente provocado pela presença de cães na prai-
a.
1081
Ipanema era a praia mais referida pelo jornal nesse quesito da pauta. Ainda não reunia um núme-
ro de freqüentadores tão grande quanto o de Copacabana e talvez por isso não recebesse tanta
atenção das repartições municipais. Mas atraía bem mais gente do que a praia do Leblon, por
exemplo, e assim produzia crescente demanda de saneamento. Durante os Anos 30, Beira-Mar
1078
3 de julho de 1927, capa.
1079
11 de janeiro de 1936, p. 3.
1080
14 de abril de 1934, p. 3.
1081
7 de maio de 1938, p. 5; 23 de dezembro de 1939, p. 15.
196
manteve uma campanha perseverante pela limpeza da praia de Ipanema expressiva de sua con-
tribuição para a vida balneária carioca.
Em 1930, no final da administração Prado Junior, antes da Revolução de 5 de outubro, aparece-
ram as primeiras críticas, nas páginas internas do jornal:
(...) Considerável área da praia do Ipanema encontra-se afeada, anti-esteticamente, pela presença
das urzes mais desgraciosas e daninhas. O intitulado capim, orgulhoso do seio que o acolhe, igual-
mente se dilata, e se ramifica, e se espreguiça, e se ostenta, ousadamente; gozando, às vezes, a tépi-
da blandícia de uns pezinhos femininos, habituados aos tapetes dos salões elegantes e ao silêncio
perfumoso das alfombras floridas...
1082
Passado o período furioso de Baptista Luzardo, em dezembro de 1931, Théo-Filho já arriscava
uma provocação bem-humorada ao interventor do Distrito Federal:
Os moradores de Ipanema, desde o Arpoador até o Leblon, são hoje uns saudosistas. Têm eles sau-
dades dos tempos do Prefeito Prado Junior. É que nos tempos do Sr. Prado Junior a praia de Ipane-
ma era visitada diariamente pelos empregados da Limpeza Pública, que dali retiravam todos os cis-
cos da véspera: jornais, cascas de frutas, etc. Hoje, a praia, infelizmente, leva semanas sem ver um
empregado da Limpeza Pública. Vive suja. Está sempre cheia de papéis velhos, latas velhas, es-
trume. Os banhistas exasperam-se, e com razão. E vão se tornando saudosistas... Medite nesse sau-
dosismo um pouco, Sr. Interventor Pedro Ernesto, figura de tão irradiante simpatia em Copacaba-
na!...
1083
Durante dois anos, a Prefeitura satisfez a reivindicação dos banhistas e o jornal praiano reconhe-
cia a retomada desses serviços: “Dos apelos que fizemos às autoridades municipais, um deles, o
de capinação das bordas da praia de Ipanema, foi atendido pelo sr. Prefeito”.
1084
Em 1934, porém,
o problema reconquistou lugar na pauta. Ainda que não chegasse à capa, uma nova campanha se
estabeleceu de forma continuada:
1082
10 de agosto de 1930, p. 3.
1083
19 de dezembro de 1931, capa.
1084
11 de março de 1933, capa.
197
É deveras lamentável que a limpeza pública deixe ao abandono a praia da Avenida Vieira Souto, em
Ipanema, cujo capim, em grande quantidade e extensão, cobre quase todo o passeio. Estamos certos
de que o honrado Dr. Pedro Ernesto, digno Interventor do Distrito Federal, tomará as providências
que o caso requer (...) A culpa fatalmente é dos auxiliares do probo Dr. Meirelles, competente Supe-
rintendente da Limpeza Pública (...) [janeiro]
1085
Ipanema, a praia divina das sereias sensuais, tem, a emoldurar-lhe a areia, uma orla nojenta de ca-
pim. Afinal, Ipanema merece um pouco dos “carinhos” de nossa municipalidade... É preciso que se
saiba que os postos de Ipanema são tão freqüentados quanto os de Copacabana e do Leme. [mai-
o]
1086
trechos, na praia de Ipanema, que o banhista descalço não consegue atravessar. São verdadeiros
reservatórios de cacos de vidro, pedras etc. Tudo se torna lamentável quando sabemos que isso se
passa em Ipanema, a praia aristocrática, por todos procurada. [outubro]
1087
No verão de 1935, João Rodolpho de Carvalho, o Aramis da coluna Sereias e Tubarões, porta-
voz de Ipanema, entrou na interlocução do jornal com o prefeito:
A princesa de nossas praias vive, presentemente, abandonada, não de graciosas banhistas, que são
em grande número, mas das autoridades municipais, que a deixam em completo desleixo. É neces-
sário limpar-se a praia tirando-lhe aquela erva daninha que muito a entristece e enfeia. Vários ape-
los nossos têm sido prontamente atendidos pelo prefeito, dr. Pedro Ernesto. Agora, mais um lhe di-
rigimos, para que a limpeza da praia de Ipanema se torne realidade. [janeiro]
1088
(...) Sendo o Dr. Pedro Ernesto um autêntico praiano, estranhamos que o ilustre interventor não te-
nha dado uma ordem a esse respeito. (...) Esse capim desapareceria para sempre, se a autoridade
competente mandasse cimentar todo o trecho invadido pelo capim, o qual se acha nessas condi-
ções desde o Arpoador até um pouco antes do posto sete. (...) [março]
1089
1085
27 de janeiro de 1934, p. 3.
1086
26 de maio de 1934, p. 2.
1087
6 de outubro de 1934, p. 5.
1088
12 de janeiro de 1935, p. 5.
1089
30 de março de 1935, p. 6.
198
(...) vasto capinzal que pode nos envergonhar, principalmente perante os estrangeiros que nos vi-
sitam e dos diplomatas que residem em Ipanema. [junho]
1090
Théo-Filho, no verão seguinte, promoveu o assunto a matéria de capa:
Cresce, de dia para dia, com o aumento de sua freqüência, e com o encanto de suas “habituées”, o
prestígio da Praia de Ipanema. (...) Em meio disso tudo, porém, lá está uma mancha a quebrar o en-
canto de um local tão atraente. Aquele capinzal que se estende entre a fímbria das ondas e a avenida
asfaltada é uma jaça imperdoável a deprimir e a depreciar a jóia magnífica!... [novembro de
1935]
1091
Esse verdejante prado, onde também viçam carrapichos para atrapalhar, está pedindo enxada, está
pedindo benevolência dos poderes municipais. (...) Será que o aumento dos impostos não deixa um
biquinho para atender a essas exigências imprescindíveis ao próprio decoro de nossa capital? [abril
de 1936]
1092
A questão da limpeza e capinação da praia de Ipanema ainda permaneceu em pauta até 1938,
enquanto se sucediam as administrações Pedro Ernesto, Olympio de Mello e Henrique Dodswor-
th. Essa campanha era emblemática da posição de Beira-Mar na defesa do mundo praiano. Seus
termos expressavam o lugar que as praias da zona sul ocupavam na hierarquia social, segundo o
pensamento de Théo-Filho e do círculo de colaboradores do jornal. Não se podia admitir que a
sujeira impedisse o acesso à praia aristocrática, a jóia freqüentada pelos pezinhos das graciosas
banhistas, pertencentes a uma classe de contribuintes habituados a exigir seus direitos dos pode-
res públicos e capazes de se dirigir ao prefeito como a um igual, morador de Copacabana.
A limpeza da praia, a conservação das avenidas e, sobretudo, a vigilância dos postos de salva-
mento eram os serviços básicos com que a Prefeitura do Distrito Federal se comprometia na ad-
ministração das praias de banho. Outras demandas balneárias, entretanto, permaneciam sem aten-
dimento. Os editores de Beira-Mar freqüentemente condenavam a falta de investimento em ser-
viços destinados às praias.
1090
8 de junho de 1935, p. 7.
1091
30 de novembro de 1935, capa.
1092
4 de abril de 1936, capa.
199
Uma dessas demandas de serviços era a troca de roupa pelos banhistas. Em Copacabana, visitan-
tes e moradores de outros bairros quase não encontravam cabines onde pudessem usar um chu-
veiro e mudar de roupa. Esse problema podia ser especialmente sentido numa época em que an-
dar pelas ruas sem roupão podia escandalizar, e encrencar os banhistas com a polícia.
Acomodações para troca de roupa não eram desconhecidas na tradição balneária carioca. “Casas
de banho” comerciais funcionaram na praia de Santa Luzia, no começo do século XX.
1093
As
praias oceânicas, contudo, não copiaram esse modelo. Em Copacabana, além de alguns hotéis,
somente o “Lido” operava como estabelecimento balneário, com suas dezoito cabines, desde
1922.
1094
Entre 1923 e 24, a “Empresa Balneária” de Luis Dante Torre chegou a explorar um con-
junto de barracas montadas na areia da praia com essa finalidade, mas não se estabeleceu por
muito tempo.
1095
Assim, quando retomou o assunto, em 1930, Théo-Filho recorria a exemplos de
praias estrangeiras para sugerir a adoção de um sistema semelhante:
Na Europa, desde que Biarritz atingiu seu apogeu, com a preferência imperial pelas suas águas,
setenta ou oitenta anos, qualquer praiazinha, até mesmo os “trous” da Bretanha, com dez ou doze
casinhas de pescadores, têm as suas barraquinhas, elegantes e prestadas alegremente, oferecendo a
qualquer forasteiro as suas comodidades modestas. Mas não é na Europa, e também nos Estados
Unidos, com a sua riqueza ciclópica, que isso se dá. Em Ramirez, em Pocitos, em Carrasco, as prai-
as de Montevidéu, no lamentável Balneário Municipal, de Buenos Aires, na esplanada de La Plata,
elas campeiam, dando um ar cosmopolita e risonho à paisagem pobre que as cerca. Nós, não. Con-
tentamo-nos com o que Deus nos deu, e se alguns hotéis não abrissem ao público as suas cabines, as
praias do Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon seriam praias particulares, para uso exclusivo dos
moradores das avenidas oceânicas.
1096
O que Théo-Filho propunha podia se realizar por meio de uma concessão da Prefeitura. As
condições legais para o funcionamento de estabelecimentos balneários não empolgavam, todavia,
os empreendedores. A lei definia, entre outras restrições, que ao final de um determinado prazo
as instalações do balneário deviam ser incorporadas ao patrimônio do Município. Não obstante,
1093
EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo, pp 837-839.
1094
25 de outubro de 1925, p. 7.
1095
21 de janeiro de 1923, p. 3; 8 de março de 1925, p. 6.
1096
23 de março de 1930, capa.
200
ainda esse ano, a “Sociedade de Fomento Turístico”, do empresário Duarte V. da Costa, fez uma
tentativa de implantar um serviço para troca de roupa nos postos 4 e 6, então os mais movimenta-
dos de Copacabana.
Todas as iniciativas que concorrerem para o embelezamento e a valorização de nossas praias encon-
trarão sempre no “Beira-Mar” um movimento de franca simpatia, que se traduzirá, sem dificuldade,
numa adesão automática. Agora mesmo, um ardoroso entusiasta em assuntos de turismo tendo no-
tado que a ausência de pavilhões nas nossas praias, no gênero do que muito se usa n’outras conhe-
cidas praias mundiais, deverá influir na pouca permanência de turistas e mesmo concorrência de
pessoas que residem longe, propôs-se fazer, de início em Copacabana, a instalação de grupos de pa-
vilhões, dispostos graciosamente, para serem destinados, uns a recreio e abrigo de sol, e outros a
mudança de roupa. Esse empreendimento, além de ter um objetivo utilitário e higiênico, evita a con-
tingência em que muitas pessoas se encontram de quererem tomar banho e não terem na praia as
necessárias comodidades para o fazer. Esse gênero de balneário, por econômico e prático, há muito
se adota na Europa e na América do Norte (...)
1097
Contudo, o apoio de Beira-Mar a essas “barraquinhas elegantes” não era ilimitado. Não se podia
colocar em risco o caráter público da praia. Os cidadãos, conforme a tradição, tinham indiscutível
direito ao acesso gratuito ao litoral. Por isso a ressalva do editor:
Batemos palmas a essa e qualquer iniciativa do mesmo gênero, mas desde que sejam salvaguarda-
dos os direitos da nossa população. É sabido que o carioca pode levar para qualquer praia de sua ci-
dade, presentemente, e aí armá-las, para seu gozo, barracas e guarda-sóis. O Município nada lhe co-
bra por isso, e seria o cúmulo se o cobrasse.
1098
A experiência de Duarte da Costa não sobreviveu aos tempos sisudos de Baptista Luzardo. A
partir de 1931 nada se publicou sobre o problema em Beira-Mar. A demanda por troca de roupa
parecia entrar em declínio. Os costumes tendiam à liberalização com relação à ostentação das
roupas de banho. Ao mesmo tempo, o crescimento da multidão praiana tornava inadequada qual-
quer solução que ocupasse muito espaço para atender apenas a um número pequeno de banhistas.
1097
23 de novembro de 1930, capa.
1098
Idem.
201
Sinal dessa tendência foi o crescimento da demanda por transportes balneários. A despeito da
escassez de facilidades para a troca de roupa, um número cada vez maior de cariocas passou a
procurar as praias oceânicas nos Anos 30. Não apenas aumentou a população de moradores lo-
cais. Também cresceu a quantidade de banhistas que se deslocavam de outros bairros do Rio para
Copacabana
A população que não tinha a felicidade de morar perto da sua praia preferida pressionava o siste-
ma de transporte urbano, então praticamente monopolizado pela empresa canadense Light and
Power”. Uma carta enviada por leitores do jornal dava idéia da precariedade a que estavam sujei-
tos os banhistas forasteiros, na falta de condução adequada:
Elevado é o número de banhistas que desejosos de gozarem as delícias das nossas melhores praias
de banho, se vêem na emergência de servirem-se do bonde de segunda classe como meio de condu-
ção. Esse bonde, que é destinado ao transporte de bagagens, etc., anda geralmente sobre-lotado com
cestos de ambulantes, trouxas de roupa, caixas de doces, etc., tornando-se incômodo para as famí-
lias que não têm carro particular nem outro meio de condução, pois os carros de praça recusam pas-
sageiros molhados.
1099
Os bondes de primeira classe não aceitavam banhistas. Ônibus também não. Táxis tinham restri-
ções.
1100
Nem todas as famílias possuíam automóvel. Um público considerável, portanto, não via
outra maneira de viabilizar o acesso à praia se não a utilização dos bondes de segunda classe,
ainda que esse meio não gozasse de boa reputação:
Os bondes de segunda classe da Light são verdadeiras cocheiras ambulantes. Não se pode imaginar
tanta falta de higiene. (...) [São] carroças que a gíria inteligente alcunhou de “taioba” e “cara dura”,
(...) trastes que tanto enfeiam o bairro aristocrático de Copacabana, Ipanema e Leme.
1101
“Profundamente antiestéticos e imensamente anti-higiênicos”,
1102
esses bondes representavam
não apenas um desconforto para os banhistas que procuravam transporte como também um cons-
1099
7 de maio de 1932, capa.
1100
21 de agosto de 1937, p. 3; 9 de outubro de 1937, p. 8.
1101
6 de julho de 1935, capa.
1102
23 de fevereiro de 1935, capa.
202
trangimento para os moradores do bairro que assistiam a essa prática. Quando o “taioba” chega-
va, domingo, dez da manhã, à rua Siqueira Campos, carregado de uma multidão álacre e “bulhen-
ta”, em busca da praia, aquilo era, nas palavras de Théo-Filho, “uma algazarra louca”.
1103
Um
episódio narrado pelo escritor, em 1937, expressava bem o espírito que dominava os banhistas
quando se transportavam no bonde de segunda classe:
Os bondes que a graça sarcástica dos cariocas cognominou de taioba, aí estão atentando contra a es-
tética da Cidade Maravilhosa, criando um sentimento de inferioridade em cada um de seus passa-
geiros, que ressalta a todo instante. Foi a cena que assistimos num desses domingos na Rua Copa-
cabana que nos trouxe essa meditação. Estávamos parados na esquina da Rua Santa Clara, quando
parou o “cara-dura”. Um senhor, cansado de esperar, toma aquele carro. Ia bem vestido. Foi quando
um, do bonde, saiu-se com essa:
– O palhaço o que é? E uma gargalhada de zombaria espocou de todos aqueles rostos.
Brutos! Exclamou o velho e, saltando do estribo sob o achincalhe geral, lá ficou a reclamar, es-
paldeirando no ar a bengala.
1104
O que estava em jogo não era simplesmente o transporte de banhistas, mas o modo como se devia
freqüentar a praia aristocrática. O modelo balneário idealizado por Théo-Filho e partilhado com
seu público não combinava com o padrão de segunda classe. O “taioba” rebaixava a praia. Seu
uso pelos banhistas sugeria um comportamento inadequado aos “foros de civilização” de Copa-
cabana. A promiscuidade da freqüentação balneária com o meio de locomoção dos serviçais de-
punha contra todo o esforço empreendido por Beira-Mar de afirmação da praia pela distinção
social.
O tema do transporte balneário alimentava a pauta de reivindicações do jornal. Mudanças na le-
gislação, na política de preços e nas especificações técnicas dos veículos faziam parte do repertó-
rio de soluções imaginadas pelo editor:
1103
13 de março de 1937, capa.
1104
Idem.
203
A principal e primeira providência a ser tomada pela nossa Prefeitura é o incentivo ao aumento de
ônibus e de bondes e redução dos preços das passagens dos primeiros nas horas de banho. Mais que
isso: o governo municipal poderia exigir da Light e citamo-la por ser a mais importante empresa
de ônibus o estabelecimento de linhas especiais, a certas horas, dos bairros centrais para os praia-
nos, empregando, outrossim, carros apropriados, isto é, de bancos impermeáveis, a fim de evitar os
estragos dos mesmos pela ação da água salgada que escorre dos corpos dos banhistas. E, da mesma
forma, permitir que viagem nos bondes de primeira classe pessoas com calção de banho. Esta últi-
ma providência é tão simples e tão necessária, que é para admirar ainda haja ordem em sentido con-
trário.
1105
A ênfase da campanha estava na proposta de criação de um meio de transporte balneário. Pensa-
va-se na circulação de “um ônibus ou mesmo um bonde adaptado exclusivamente para os banhis-
tas”.
1106
Além de atender à necessidade de conforto dos passageiros, a idéia do bonde balneário
resolvia o problema da manutenção das aparências:
Não seria interessante que a Light transformasse os atuais carros de segunda-classe em novos e ori-
ginais bondes balneários? Parece-nos que a evolução natural está nos mostrando isso. Aos domin-
gos e feriados esses “bondes” despejam verdadeiras multidões na Rua Siqueira Campos. Por que
não aproveitá-los, arranjando-lhes um horário mais liberal? a Light uma mão de tinta branca
nesses carros e eles de “taioba” passarão a “lírios”. E para os operários? Muito simples: outros bon-
des que, naturalmente, não sejam “granfinos”, como o célebre ba-ta-clan, Ipanema T.N.
1107
Bondes balneários pintados de branco e barracas higiênicas graciosamente dispostas na areia
compunham uma paisagem fantasiada por Beira-Mar, em que, ao lado dos modernos postos de
salvamento, devia haver lugar para outros benefícios materiais que valorizassem a praia. Propos-
tas modestas, como “a instalação de trampolins e outros brinquedos de praias”, eram apresentadas
nos editoriais de capa.
1108
Em fins de 1931, quando se abria a estação balneária, Théo-Filho leva-
va essa agenda ao novo interventor municipal:
1105
16 de março de 1935, capa.
1106
7 de maio de 1932, capa.
1107
13 de março de 1937, capa.
1108
16 de março de 1935, capa.
204
Depois que se proibiu, por motivos não declarados, o jogo de bola na areia, a petizada e a mocidade
das lindas praias de Copacabana, Ipanema e Leme quase não têm divertimentos à beira-mar. No en-
tanto, seria tão fácil aumentar o seu movimento, a sua própria encantadora e alegria! O doutor
Pedro Ernesto, incansável Prefeito-Interventor, intimamente se acha ligado ao progresso da Cil.
Sendo seu morador, conhece S. Excia., naturalmente, o quanto merecem os três formosos bairros
marinhos do Rio de Janeiro. Assim, parece-nos de todo em todo justo o pedido que nos endereçam
as famílias aqui residentes, em mero incalculável. Trata-se da colocação, nos Postos de banho
do 1 ao 7, isto é, do Leme ao Ipanema de barras fixas, trapézios e rampas! Poucas seriam as des-
pesas oriundas da instalação destas magníficas diversões elegantes, que viriam dar mais vida à agi-
tação sadia das praias!
1109
A falta de “divertimentos” nas praias era uma das queixas que se repetiam nas páginas de Beira-
Mar. João Rodolpho imaginava a instalação de um “balneário” que suprisse essa carência em
Ipanema, a exemplo do que se observava em praias estrangeiras. Para abrigar um estabelecimento
desse gênero, sugeria a praia do Arpoador:
É pena que tão fascinante recanto praiano não imite, ao menos, o “Balneario La Playa”, de Havana.
não digo que se introduza em nossas praias certos confortos luxuosos de outras congêneres dos
Estados Unidos, Inglaterra, França, Argentina, mas ao menos a construção de um balneário, com
departamentos separados para senhoras e cavalheiros, orquestras e alguns divertimentos adequa-
dos.
1110
O editor de Sereias e Tubarões, com trânsito igualmente em Ipanema e em Niterói, acrescentava
ainda mais uma praia a esse rol:
Icaraí, a linda princesa de nossas praias, já tem, desde algum tempo, um luxuoso balneário bem de-
fronte à Praça Jaú, onde, todas as noites, se reúne o que de mais chic existe nas camadas sociais ni-
teroienses. O vasto jardim de que dispõe o balneário permanece constantemente cheio de mesas, em
cujo centro foi construído um palco para as danças e onde a sociedade praiana da vizinha capital vai
divertir-se ao som de um jazz.
1111
1109
21 de novembro de 1931, capa.
1110
19 de dezembro de 1931, p. 4.
1111
5 de março de 1932, p. 4.
205
Théo-Filho acompanhava Aramis na defesa desse modelo. Às vezes, expunha à apreciação do
público uma variedade de idéias inspiradas no formato dos modernos balneários estrangeiros,
difundido pela imprensa e pelo cinema:
Que tal, por exemplo, uns refletores elétricos no Posto 6 para banhos noturnos? (...) E ainda neste
mesmo Posto 6 ou na Lagoa Rodrigo de Freitas, que efeito surpreendente não causariam ali nos
moldes venezianos algumas gôndolas? (...) Números de danças no Posto 2. Incentivava-se o gosto
pelos bailados. Um balneário em cada posto na areia como nas famosas praias americanas. Infeliz-
mente de diversões foi do que não se cuidou ainda entre nós. (...) Quanta vida não dariam uns alto-
falantes nos jardins do Lido? (...) Enfim, em Copacabana, Leme e Ipanema, falta é alegria e distra-
ção para o povo. Não há um trampolim, a não ser o do Arpoador, que tanta vida dá ao “recanto feito
de estrelas”. Fora disso, nem uma bóia flutuante. (...)
1112
A falta de atrativos nas praias podia ser interpretada como sinal de atraso do país em relação a
outras nações. Mas Théo-Filho era forçado a confessar: “a verdade é que, ao contrário das euro-
péias e sobretudo das americanas, as praias brasileiras não oferecem maiores atrativos aos habitu-
ais, do que a própria... natureza delas”.
1113
As belezas naturais do Rio de Janeiro não podiam ser desprezadas. Jovens colaboradores, em
busca de espaço no jornal praiano, não se cansavam de cantar o lugar: “Copacabana! Beleza in-
concebível! És o melhor poema da Natureza toda!”.
1114
A praia era consagrada “a primeira do
mundo, na maciez de suas areias, no grácil dos seus contornos, no espreguiçamento das suas on-
das, na cor leve dos seus mares”.
1115
Admirava-se “a curva de Copacabana, uma das maravilhas
de nossa orla litorânea”.
1116
A paisagem combinava “a imponência grandiosa do oceano” e “o
negro das montanhas a contrastar com a brancura da areia”.
1117
O mar, “no sol da manhã, se irisa
de mil cores e parece um tapete cheio de moedas de ouro”;
1118
de dia, “é uma cintilação magnífi-
1112
9 de fevereiro de 1935, capa.
1113
16 de março de 1935, capa.
1114
Proença Rosa, 27 de outubro de 1929, p. 34.
1115
Soares d’Azevedo, 26 de outubro de 1924, capa.
1116
Théo-Filho, 19 de julho de 1925, capa.
1117
Jesuíno Cardoso Filho, 18 de maio de 1930, p. 2.
1118
Arnaldo Tabayá, 7 de outubro de 1933, p. 2.
206
ca, toda verde, diante de um céu todo azul”;
1119
e ao crepúsculo, “toma tonalidades surpreenden-
tes de ouro, prata, violeta e púrpura”.
1120
Os turistas, sobretudo, “estonteados diante de espetáculo
que se lhes depara na nossa formosa capital, confessam, entre o êxtase e o entusiasmo, que o ca-
rioca recebeu da natureza um presente incomparável”.
1121
Todavia, a celebração da paisagem natural pelos visitantes testemunhava apenas a sorte dos cari-
ocas e não propriamente sua capacidade criadora, seu progresso material ou seu grau de civiliza-
ção. Essa era a mágoa sentida pelos cilenses e captada pelo redator de Beira-Mar:
A famosa praia, de que o carioca tão justamente se orgulha, é, entretanto, notável apenas pelos seus
encantos naturais. Nada ou muito pouco tem realizado o esforço dos homens, para ajudar ao sol, ao
mar, à paisagem, que são os fatores exclusivos da incomparável beleza de Copacabana.
1122
Quando argumentava em defesa do investimento nos atrativos de que a praia carecia, Théo-Filho
tocava nesse sentimento de orgulho ferido, causado pelo elogio dos visitantes feito à exuberante
natureza, sem referência ao grau de adiantamento do país:
Os nossos balneários são ainda um selvagem estendal de areias molhadas pelo Atlântico, e os nos-
sos parques são vazios de quaisquer atrativos que não sejam os bucólicos. Não casas ou centros
de diversões ao ar livre, nem em nossas praias de banho, nem em nossos jardins públicos. O Brasil é
uma insuperável natureza, e não vai além da natureza, para os nossos visitantes.
1123
Esse discurso contra a praia desprovida de diversões também esteve associado, nos Anos 20, à
pressão pela legalização dos cassinos no país. Théo-Filho, viajante experimentado no trânsito dos
grandes hotéis e cassinos balneários da Europa, tinha a autoridade necessária para representar a
posição de Beira-Mar nesse debate.
Copacabana é uma praia nua, sem instalações apropriadas, sem cassinos, sem jogos, sem diverti-
mentos. Se a Prefeitura, de comum acordo com os nossos capitalistas patriotas, quisesse atrair a cu-
1119
Angelina Almeida do Amaral, 15 de março de 1931, p. 3.
1120
Lauro Loureiro, 8 de junho de 1924, p. 4.
1121
Théo-Filho, 25 de junho de 1932, capa.
1122
30 de setembro de 1933, suplemento.
1123
16 de junho de 1929, capa.
207
riosidade dos turistas estrangeiros para o grande balneário que se arqueia entre o Leme e o Leblon –
ora criando postos de salvamento novos, ora facilitando a construção de hotéis-cassinos, ora incen-
tivando o progresso local – não estranharíamos que, dentro de uns três anos, dez ou vinte transatlân-
ticos aportassem ao Rio de Janeiro, carregando um enxame de yankees buliçosos e risonhos...
1124
O dono do Hotel Londres, entrevistado pela reportagem, em 1930, queixava-se da queda do fatu-
ramento provocada pelo fechamento dos cassinos:
“(...) há três ou quatro anos nós assistíamos a um movimento extraordinário de visitantes da Argen-
tina, Uruguai, Chile e mesmo da Europa. (...) Os passeios pitorescos, os balneários, a beleza de nos-
sas praias e principalmente as atrações do jogo é que prendiam os nossos amáveis hóspedes... Atu-
almente, nós ficamos apenas com as surpresas da perspectiva e com o ineditismo dos panoramas.
Banida a atração primordial, cessaram os motivos que os traziam para cá. Não encontro razão for-
tíssima para proibir aqui aquilo que é facultado por lei nos mais adiantados países do mundo.”
1125
A favor da legalização dos cassinos, era usado com freqüência o elogio do jogo pela sua virtude
de atrair dinheiro. Esperava-se que os turistas estrangeiros viessem gastar as suas libras ou os
seus dólares em um divertimento aristocrático à altura de suas posses”.
1126
Identificado, nessa época, com o consumo de luxo, o turismo, e não apenas o jogo, era considera-
do bom negócio para o país nas relações comerciais com as nações ricas. A vocação turística já se
afirmava como característica da cidade do Rio de Janeiro e de Copacabana, particularmente.
Beira-Mar, em coerência com sua pauta praiana, simpatizava com a causa do turismo. A praia de
Copacabana devia receber prioridade numa estratégia de promoção da capital brasileira:
Haverá em todo o mundo praia mais bela que Copacabana? Cremos que não, e estão conosco todas
as pessoas viajadas, as que melhor conhecem as praias da França, dos Estados Unidos, da Itália, as
mais famosas e as mais freqüentadas pelos turistas. Essa beleza e excelsidade nós nunca poderemos
nos cansar de apregoar aos quatro ventos, como bons copacabanenses e bons brasileiros, ávidos de
1124
Idem.
1125
21 de setembro de 1930, capa.
1126
16 de março de 1930, capa.
208
progresso e riqueza. Um programa de atração de turistas precisa ser levado a efeito pelo Governo da
cidade, em benefício desta, tendo Copacabana como eixo.
1127
As praias em geral, e não somente Copacabana, constituíam um trunfo:
Cumpre à Prefeitura preparar as que não são freqüentadas, melhorar as outras e fazer uma larga
propaganda de todas. É inútil dizer quanto lucrariam com isso a população carioca e quanto aumen-
taria a fama de nossa capital, que se empenha em ser um centro de turismo.
1128
Beira-Mar, contudo, não era uma publicação voltada para a defesa dos interesses do turismo.
Não era representante do setor hoteleiro local. Apoiava o mercado turístico na medida em que seu
crescimento proporcionava vantagens às praias. Afinal, como reconhecia Théo-Filho, “uma das
causas mais eficientes do progresso dos bairros praianos está sensivelmente no turismo”.
1129
A
bandeira do turismo servia, na verdade, como pretexto para pleitear da Prefeitura atenção prefe-
rencial aos problemas praianos:
As praias são os bordados ricos do lindo vestido da cidade e, como tal, não podem estar mal cuida-
das. Influem na estética urbana. Os jornais têm falado na influência do turismo para o desenvolvi-
mento das cidades, para o próprio progresso das indústrias de um país e nada há melhor para isso do
que organizar programas e atrativos de toda a ordem. Os turistas elegantes preferem, naturalmente,
as praias para as suas estadias entre nós e, assim, é das praias que devemos cuidar.
1130
Uma reorientação, entretanto, ocorreu na linha editorial de Beira-Mar em relação à perspectiva
do turismo, ao longo dos Anos 30. A atitude de cobrança de atenção do governo municipal para
as demandas da CIL em nome do turismo pouco a pouco cedeu lugar ao engajamento na propa-
ganda de Copacabana e das praias cariocas como pontos turísticos.
Esse realinhamento repercutia as mudanças vividas nos bairros praianos. Com Getulio Vargas no
Palácio do Catete, os cassinos foram legalizados. A partir da administração Pedro Ernesto, a Pre-
1127
22 de março de 1931, capa.
1128
16 de março de 1935, capa.
1129
22 de julho de 1933, capa.
1130
17 de setembro de 1938, capa.
209
feitura passou a implementar uma política de turismo que contemplava Copacabana. As reformas
das vias de acesso, da Avenida Atlântica e da Nossa Senhora de Copacabana, na gestão Henrique
Dodsworth, deram continuidade à estratégia de valorização do turismo na região. A reforma dos
postos de salvamento compunha esse programa de renovação da paisagem. O surto de construção
de prédios de apartamentos, por seu turno, produziu um espantoso crescimento da população de
residentes e veranistas.
Quem conheceu Copacabana em 1928, e a hoje, esfrega os olhos surpreso. A transformação foi
radical, como de uma menina ingênua de colégio na moça de salão, radiante de jóias, de vestidos de
baile e com o ar imperial das grandes damas! Copacabana nesses dez anos deu um salto espetacular
no seu desenvolvimento.
1131
A transformação de Copacabana obrigava Beira-Mar a uma atualização do discurso. Turistas e
forasteiros, novos moradores e visitantes de outros bairros do Rio de Janeiro ganharam importân-
cia na economia da região. Não estava mais em questão a falta de aproveitamento da vocação
turística das praias oceânicas. Ainda que não houvesse bondes balneários e outros confortos para
os banhistas, o progresso material de Copacabana era visível. Evidência disso eram bares, confei-
tarias, hotéis, cinemas e os próprios cassinos, que ampliavam a oferta local de divertimentos. Na
segunda metade da década de 30, esses elementos estavam totalmente incorporados à imagem
que Théo-Filho fazia da praia nos seus editoriais:
As nossas praias são dignas de serem contempladas pelos mais exigentes turistas. Copacabana e I-
panema são grandes praias entre as mais belas do mundo civilizado. (...) Copacabana é o sorriso
melhor de boas vindas que temos para oferecer ao viajante. Os cassinos fulgurantes, o Lido gracioso
e a imponência de suas edificações dão a Copacabana a realeza entre as nossas praias. [1936]
1132
Hoje, a nossa Copacabana, com os seus cassinos riquíssimos, os seus grandes hotéis, os bares con-
fortáveis e restaurantes luxuosos como o Lido, o “OK” e as confeitarias e casas de chá como a Al-
vear, a Americana e outras, é quase uma nova cidade dentro do Rio de Janeiro. [1937]
1133
1131
17 de dezembro de 1938, capa.
1132
1
o
de agosto de 1936, capa.
1133
17 de abril de 1937, capa.
210
Hoje, sem jacobinismo, podemos dizer que estamos à altura de receber qualquer grande viajante
que saiba o que é conforto. Copacabana, sobretudo, com seus cassinos elegantes, os seus arranha-
céus, os seus grandes hotéis, os seus bares, se impõe como centro turístico de alto coturno. Ninguém
mais poderá achar que veio parar num país de botocudos. O Rio é hoje uma grande capital, como as
maiores e mais ricas do mundo, sob todos os aspectos. [1938]
1134
No final dos Anos 30, respaldado em tantas demonstrações de progresso que agora se ofereciam
às visitas, o editor de Beira-Mar conseguia reagir ao complexo de inferioridade associado à “nos-
sa tão falada e exuberante natureza”:
Hoje não é mais a natureza apenas que se vêm ver no Rio, que os nossos amáveis visitantes poderão
elogiar, como prêmio de consolação, mas também a grandiosidade da obra do homem, que é gigan-
tesca e maravilhosa.
1135
A partir de 1938, a agenda de reivindicações relativa à falta de serviços e divertimentos nas praias
de banho começou a minguar. Em parte, o crescimento da freqüentação praiana contribuía para
essa tendência. Afinal, novos atrativos eram dispensáveis numa praia como Copacabana, que
atraía uma multidão cada vez maior de banhistas. A despeito da carência de “balneários” e outros
luxos, a afirmação do verão em Copacabana havia triunfado. No começo dos Anos 40, nada
mais podia desafiar o sucesso da praia e a sua incorporação à vida da cidade.
Se não havia mais risco de esvaziamento, no entanto, a vitória da praia ensolarada não assegurava
o desaparecimento dos problemas balneários. Muito pelo contrário, à medida que a difusão do
gosto praiano fazia aumentar a população de banhistas em Copacabana, cresciam os casos de
conflito em torno da ocupação de espaço. Havia, por exemplo, reclamações sobre lanchas parti-
culares que se aproximavam perigosamente dos banhistas.
1136
Eram muito comuns os protestos
contra a presença de cães nas areias.
1137
No final dos Anos 30, também começaram a surgir quei-
xas relativas ao futebol praticado fora do controle dos clubes desportivos locais, por “essa malta
1134
17 de setembro de 1938, capa.
1135
16 de setembro de 1939, capa.
1136
29 de junho de 1930, capa; 7 de abril de 1934, capa.
1137
2 de setembro de 1933, capa; 11 de janeiro de 1936, p. 3; 26 de fevereiro de 1938, p. 2; 15 de abril de 1939, p. 3;
29 de junho de 1930, capa; 7 de abril de 1934, capa.
211
de latagões e molecotes maltrapilhos e mal encarados, que se empenham em verdadeiros mat-
ches, nada respeitam, atirando a bola à cara de quem quer que seja forçado a atravessar-lhe o
campo de luta”.
1138
A tensão social vivida na metrópole se reproduzia na praia. A luta por espaço colocava em atrito
gente nascida em extremidades opostas na hierarquia social. Era com apreensão que Théo-Filho
via o ingresso de jovens moradores das favelas nas areias de Copacabana:
Alfabetizar a população pobre das abas dos morros de Ipanema e Leblon é uma necessidade social.
É das abas desses morros que descem para as ruas de luxo e as praias, na hora do movimento ele-
gante, esses grupos de moleques maltrapilhos, insolentes, que tanto afeiam a nossa urbe praiana,
dando-lhe um espetáculo deprimente. (...) vêm os bairros do Leme, Copacabana e Ipanema sendo
infestados por bandos de garotos maltrapilhos, na maioria negrinhos, de todas as idades (dos 5 aos
18 anos) (...) está se tornando intolerável a freqüência a certos postos de banho, na praia, pois o
seu baixo palavreado e brincadeiras desenfreadas afugentam as famílias que não querem ser vítimas
de tais selvagens. (...) Tais fatos trazem mal estar e intranqüilidade às famílias que residem nestes
bairros e devem causar péssima impressão aos olhos dos estrangeiros que aqui moram ou visitam
este mais belo bairro da nossa cidade.
1139
A elite de Copacabana havia criado o gosto moderno pela praia no Rio de Janeiro. Sua presença
entre o mar e as areias legitimava a difusão dos divertimentos praianos. A “aristocracia” cilense
servia de exemplo para todos os cariocas. Se o seu comportamento era adequado, saudável, es-
portivo e elegante, era mesmo recomendável que fosse imitado. Era inclusive papel do jornal que
a representava zelar pela comunicação dos seus princípios de bem viver na praia, “para alegria
dos corpos, beleza da raça e fama da terra”. Era esperado, portanto, que um grande contingente
de cariocas, para além da elite original, aderisse à freqüentação praiana. Ora, se a sociedade toda
começava a adotar a praia, por que mesmo os marginalizados não haveriam de tentar seu lugar ao
sol?
***
1138
27 de agosto de 1938, p. 3.
1139
25 de junho de 1938, capa.
212
O grande conjunto de problemas balneários com que se defrontava a pauta de Beira-Mar era ex-
pressivo de um período de inflexão. Vários foram os movimentos em curso nesse processo de
transformação. Mas todos eles, em algum grau, estavam relacionados a uma mudança ocorrida no
repertório de preferências do mundo balneário. A introdução do gosto pela exposição aos raios
solares representou uma inversão no padrão de comportamento dominante na sociedade. Até o
início dos Anos 20, prevalecia a idéia de que a insolação era nociva e se justificava entre os
trabalhadores braçais cuja atividade a exigia. No final dessa mesma década, a prática do banho de
sol havia sido incorporada pela elite carioca, a exemplo do que ocorria nas praias européias.
Com o respaldo da ciência médica, rapidamente se espalhou a idéia de que tomar sol era saudável
e elegante.
A inversão no significado do sol foi sentida na esfera dos costumes em geral. O crescimento do
gosto pela vida esportiva ao ar livre pressionava a moda para a redução da indumentária. Partes
do corpo até então protegidas por roupas, chapéus e sombrinhas agora podiam se expor ao sol
sem que isso significasse rebaixamento social. Na praia, essa transformação foi acentuada com a
adesão generalizada ao “maillot”. Introduzia-se então um novo padrão de tolerância à exibição
pública dos corpos. No âmbito do espetáculo balneário, a seminudez passava a ser apreciada com
cada vez maior legitimidade. Ao mesmo tempo, ocorria uma revolução na estética dos corpos. O
gosto pelo bronzeamento rompia com a obrigatoriedade da pele clara como referência de elegân-
cia. Na esteira dessa tendência, a cor morena começava a se valorizar como signo distintivo de
uma beleza feminina brasileira.
Sobre a vida balneária, o advento dos banhos de sol provocou um impacto multiplicador. Todos
os divertimentos dentro do mar e sobre as areias se maximizaram. O banho de sol autorizava a
permanência na praia por mais tempo do que era costume no passado. O hábito do banho de mar
se renovou, como forma de refrigério e oportunidade para prática de natação. Os esportes praia-
nos o vôlei, a peteca e sobretudo o “foot-ball” conquistaram espaço. O público jovem, com
aplauso da sociedade, se apropriava da praia para a expansão de suas brincadeiras. O público fe-
minino, apoiado nas modas esportivas do maiô e da pele bronzeada, consolidava sua identidade
com a praia.
213
No Rio de Janeiro, em virtude de suas condições geográficas próprias, os efeitos dessa inflexão se
amplificaram. Como a capital estava colada ao mar, entre o oceano Atlântico e a baía de Guana-
bara, o deslocamento dos horários praticados pelos banhistas, para além dos horários de banho
oficiais, abriu a perspectiva de aproximação de uma vasta população de cariocas. Horários dilata-
dos, associados aos banhos de sol, facilitavam o acesso dos moradores de outros bairros à praia
de Copacabana. Na falta de transporte adequado, os banhistas não se constrangiam mesmo em
usar o “taioba”. O novo gosto do sol permitia, assim, a valorização do veraneio dentro dos limites
da própria cidade. A capital da República, antiga Corte, tradicionalmente avessa ao calor e vincu-
lada a Petrópolis pelo hábito de suas elites, agora afirmava Copacabana como o programa da mo-
da no verão.
O crescimento da freqüentação nas praias cilenses, por sua vez, era acompanhado da transforma-
ção urbana que consolidava a zona sul da cidade como lugar de moradia das famílias de classe
alta. O aparecimento dos prédios de apartamentos em concreto armado, no lugar das residências
unifamiliares, modificou drasticamente a paisagem de Copacabana. Com o adensamento demo-
gráfico, o bairro ganhou um novo movimento, em torno de bares, hotéis e cassinos. Era dentro
desse contexto de desenvolvimento e progresso, portanto, que se realizavam as reformas da Ave-
nida Atlântica e dos Postos de Salvamento. Mudavam os costumes, a praia e a própria cidade.
Beira-Mar atravessou esse processo de transformação, desde a época em que não se falava em
banhos de sol em Copacabana até o tempo em que o abuso dos raios solares havia se tornado fre-
qüente nas praias cariocas. Como órgão defensor das praias, ajudou, em alguma medida, a produ-
zir a inflexão balneária de que foi contemporâneo. Atuou como instrumento de intervenção do
grupo social representado por M. N. de Sá, Théo-Filho e colaboradores, interessado no progresso
dos bairros atlânticos. Lidou com uma grande variedade de problemas que afetavam a vida balne-
ária a partir de uma visão de praia que atendia às preferências desse público. Suas posições, cam-
panhas, denúncias, reivindicações e apologias expressavam, portanto, um modelo balneário
uma idéia de como deveriam ser as praias cariocas.
O modelo de praia de Beira-Mar se inspirava nos balneários da Europa e dos Estados Unidos.
Praias francesas, Nice, a Côte d’Azur, praias do norte da França e de Espanha, como Deauville e
214
Biarritz, eram as principais referências citadas no jornal, ao lado de praias norte-americanas, Gal-
veston, Miami e Palm Beach à frente. No vestuário das mulheres, na edificação da orla, na oferta
de divertimentos, nas técnicas de salvamento e noutros quesitos balneários, Copacabana era sis-
tematicamente cotejada com as congêneres estrangeiras. A comparação se impunha, uma vez que
eram importadas as novas atrações que movimentavam a praia local, como os banhos de sol, o
bronzeamento da pele, o uso do “maillot” e algumas práticas desportivas. A referência às praias
européias e americanas funcionava, muitas vezes, como um recurso legitimador usado para apoi-
ar a introdução dessas novidades no Brasil. O sucesso de Copacabana se media, então, pela sua
capacidade em se ajustar ao padrão das praias das grandes nações. A redação do jornal estava
sempre preocupada com a impressão dos turistas. O que poderiam pensar, por exemplo, do capin-
zal anti-higiênico na orla de Ipanema? Copacabana não conseguiria se afirmar como praia mo-
derna sem o árbitro decisivo dos visitantes habituados a um padrão de excelência internacional.
Os balneários estrangeiros que serviam de referência a Beira-Mar eram praias de elite, dotadas de
cassinos, hotéis de luxo e outras comodidades. A linha editorial do semanário carioca correspon-
dia, assim, ao modelo da praia aristocrática, freqüentada por gente identificada com a elite. Na
visão do jornal, os banhistas e os moradores da CIL atendiam a essa classificação. Expressão em-
blemática dessa classe eram as banhistas, cuja educação não as permitia tolerar a indelicadeza dos
subalternos de Baptista Luzardo, por exemplo. O padrão dos Postos de Salvamento, em contraste
com as outras praias do Rio, precisava satisfazer às exigências de uma elite que cobrava da Pre-
feitura, em contrapartida aos impostos, prioridade na prestação de serviços. Não se podia perdoar
a falta de conforto, de divertimentos, de atrativos e de investimentos nas condições materiais de
funcionamento das praias de banho. O “taioba” repleto de banhistas era uma provocação a esse
modelo.
A praia de elite, entretanto, não se pretendia exclusiva. Beira-Mar nunca apresentou nenhuma
restrição à entrada de forasteiros em Copacabana. Sua defesa dos clubes praianos, de que eram
sócias as famílias locais, não era de modo algum incompatível com a convocação sistemática dos
cariocas para ocupar as praias cilenses. Queria-se a CIL “regurgitando” de gente. O caráter públi-
co da praia não entrava em discussão. O modelo defendido por Théo-Filho reservava a praia à
elite não pela reivindicação de um privilégio, mas pela afirmação de um comportamento.
215
O modelo balneário de elite, que Beira-Mar adotava na definição de parâmetros de elegância,
longe de inibir, contribuía para a difusão dos costumes praianos e o crescimento da população de
banhistas. A identificação da praia com a “aristocracia” ajudava nesse processo. O caráter exem-
plar das elites autorizava a adesão ao seu procedimento por outros segmentos ascendentes da so-
ciedade. Se os moradores de Copacabana, dos palacetes ou dos apartamentos da Avenida Atlânti-
ca, identificados com a civilização e o progresso da cidade, tomavam banhos de sol, vestiam
maiôs e praticavam natação, em nome da saúde, da alegria e do divertimento, por que outros ca-
riocas não seguiriam seu exemplo? Não era isso que sugeriam Théo-Filho e seu jornal?
.
216
5 – O DESAPARECIMENTO DE BEIRA-MAR
Nos Anos 20, Beira-Mar percorreu uma trajetória marcada por saltos de crescimento. As quatro
páginas a que se limitaram as primeiras edições deviam representar excesso de cautela de M. N.
de Sá, escaldado na experiência anterior do Copacabana. Logo no início de 1923, o quinzenário
passou a se sustentar com um mínimo de oito páginas.
1140
Em comparação com seu antecessor,
tinha o dobro do volume e o dobro da freqüência de circulação. De 1927 em diante, o número de
páginas oscilou quase sempre entre 10 e 12. O volume das edições anuais comemorativas tam-
bém cresceu nesses anos. Em 1929, Beira-Mar deu finalmente o grande salto.
1141
Dobrou o nú-
mero de edições e, com isso, todas as operações, da produção de matérias à oferta de espaço pu-
blicitário. Ao se tornar semanal, a publicação atingia, então, seu patamar máximo de desenvolvi-
mento.
O modo como o jornal foi administrado contribuiu para esse desempenho. M. N. de não teve
sorte com a contratação do dr. Felix Guimarães. Muito cedo, antes do segundo aniversário da
publicação, o jovem médico abdicou à posição de editor, para permanecer no papel de fiel cola-
borador.
1142
O jornalista Oscar Sayão, ocupado em outros periódicos da imprensa diária, foi então
improvisado numa interinidade que durou quase um ano.
1143
Nenhum deles, contudo, tinha a ex-
pressão de Théo-Filho na imprensa carioca e menos ainda nas letras nacionais. Assim, o convite
ao famoso escritor, em 1925, foi uma aposta ousada do proprietário de Beira-Mar. O prestígio do
editor do Mundo Literário, revista de Leite Ribeiro, uma das mais importantes casas editoriais do
país, representava para a redação do jornal praiano uma verdadeira promoção.
1140
7 de janeiro de 1923 (Exceto indicação em contrário, todas as referências deste capítulo pertencem a Beira-Mar).
1141
6 de janeiro de 1929, capa.
1142
4 de maio de 1924.
1143
6 de julho de 1924.
217
M. N. de encontrou em Théo-Filho o parceiro de que precisava para alavancar o negócio, ca-
paz de se incumbir do lado jornalístico do empreendimento. Em quatro anos, com o aumento do
número de páginas e a intensificação da periodicidade, o editor, como expressão de reconheci-
mento à sua contribuição, teve seu título atualizado, primeiro de “redator-secretário” para “dire-
tor-secretário” e depois para “diretor-redator-chefe”.
1144
Théo-Filho, por sua vez, enxergou em
Beira-Mar a oportunidade de realizar uma reorientação radical em sua carreira. A praia, a partir
de então, passou a ser o seu tema.
O ingresso de Théo-Filho no Beira-Mar, mais do que o simples contrato de trabalho de um jorna-
lista, representava a aproximação da empresa de M. N. de com um grupo de intelectuais, her-
deiro do Mundo Literário e associado à Nação Brasileira. Um movimento de renovação varreu a
redação do jornal. Apenas colaboradores mais expressivos, como Custodio de Viveiros e Arlindo
“K Rapeta”, sobreviveram ao advento da nova direção. Chegavam à Serzedello Correa jovens
redatores, entre eles Harold Daltro, Albertus de Carvalho e João Rodolpho de Carvalho, todos
ligados a Théo-Filho por laços de amizade. Sem eles e outras dezenas de colaboradores, freqüen-
tadores do mesmo círculo de jornalistas, Beira-Mar não produziria o volume de matérias necessá-
rio a uma publicação de porte semanal.
O desembarque do novo grupo não apenas forneceu as condições organizacionais para o cresci-
mento da empresa, como também provocou uma reorientação editorial. A colaboração literária
ganhou importância com a atração de uma ampla diversidade de autores, principalmente jovens
“candidatos a plumitivos” em busca de espaço para publicação, mas também escritores veteranos,
que de vez em quando ofereciam demonstrações de simpatia nas edições especiais de aniversário.
A pauta mundana se desenvolveu com a proliferação de colunas e notas sociais. Por outro lado, a
agenda de reivindicações e assuntos graves também cresceu. Théo-Filho e seus amigos ajudaram
M. N. de Sá a imprimir combatividade na briga do jornal pelos interesses da CIL. A praia, sobre-
tudo, conquistou lugar na pauta de Beira-Mar. Théo-Filho passou a redigir, em estilo que mistu-
rava editorial e crônica, as matérias principais de capa, onde fazia a apologia sistemática da vida
balneária no Rio de Janeiro. Sinal expressivo dessa inflexão para a praia estava na formulação
1144
3 de maio de 1925, p. 2; 23 de outubro de 1927, capa; 5 de maio de 1929, p. 3.
218
dos concursos de beleza promovidos pelo jornal em épocas diferentes. Em 1923, escolhia-se “a
mais bela freqüentadora do Cinema Atlântico”.
1145
Quatro anos depois, Beira-Mar promovia a
eleição das “rainhas dos postos balneários da CIL no verão 1927-28”.
1146
Em 1931, estava em
jogo o título da “mais bela praiana”, no Rio e em Niterói.
1147
O crescimento de Beira-Mar acompanhava uma tendência dominante da sociedade carioca. Co-
pacabana se estabelecia e, com ela, o novo gosto pela praia. Assim, o grupo de Théo-Filho e No-
gueira de Sá não conheceria o sucesso se as condições sociais do meio não favorecessem a circu-
lação do jornal.
A fundação dos “clubs” praianos, expressão do progresso cilense, representou, em 1927, uma
grande oportunidade de desenvolvimento para o jornal. Beira-Mar incorporou automaticamente a
função de porta-voz do Atlântico e do Praia Club, dos quais M. N. de era sócio-fundador. As
atividades, os bailes, as festas de caridade, a eleição da rainha, a programação esportiva, a insta-
lação da barraca na praia durante a estação balneária, toda a vida associativa, enfim, passou a
alimentar as páginas do jornal. Começou com os clubes a publicação das colunas de futilidades
abertas à participação do público, a Caixinha de Surpresas, Coisas do Atlântico e No Varandim
do Praia Club.
1148
Com o regime semanal, vieram a Lanterna Mágica, a Taba de Anhangá, Me-
xendo, Canoa Furada etc.
1149
Em Ipanema, essa prática se inaugurou com Sereias e Tubarões,
secção inicialmente vinculada ao Arpoador Club.
1150
A aliança com os clubes praianos aproxima-
va Beira-Mar do público constituído pelos moradores dos bairros litorâneos. Alcançava ao mes-
mo tempo as famílias, patrocinadoras dessas agremiações, e os seus filhos, a juventude esportiva
que animava os postos balneários, o footing, os salões da Avenida Atlântica e as colunas da im-
prensa local.
Beira-Mar manteve essas dimensões semanário de 10 a 12 páginas até 1940. Nos Anos 30,
acrescentou-se apenas a eventual publicação de suplementos distribuídos gratuitamente a título
1145
1
o
de julho de 1923, p. 5.
1146
23 de outubro de 1927, p. 15.
1147
11 de janeiro de 1931, p. 3; 15 de março de 1931, capa.
1148
18 de dezembro de 1927, p. 4; 30 de setembro de 1928, p. 2; 2 de outubro de 1927, p. 10.
1149
28 de abril de 1929, p. 5; 5 de janeiro de 1930, p. 10; 10 de novembro de 1929, p. 7; 12 de setembro de 1931. p.
2.
1150
27 de janeiro de 1929, p. 5.
219
promocional. Em formato reduzido, apresentava amostras do que era o jornal e prestava serviço
com a divulgação de telefones e endereços úteis na região. Com tiragem ampla, de 20 mil exem-
plares, o folheto tinha por objetivo angariar novas assinaturas.
1151
Os editores procuravam com
certeza o público formado por uma multidão de novos moradores que a proliferação dos prédios
de apartamentos atraía para Copacabana.
Contudo, as transformações provocadas no bairro por essa súbita expansão demográfica marca-
ram precisamente o ponto de inflexão a partir do qual o semanário começou a entrar em declínio.
O processo de decadência só começou a se manifestar mais visivelmente no final dos Anos 30,
quando os leitores passaram a sentir, com maior freqüência que antigamente, a ausência do jornal
num ou noutro fim-de-semana.
1152
Muito antes, porém, Beira-Mar enfrentava dificuldades que
desafiavam a perseverança de seus editores.
O desaparecimento do Atlântico e do Praia Club, em 1933, teve sobre o funcionamento do jornal
um impacto proporcional à importância da sua aparição.
1153
Beira-Mar perdeu uma substancial
fonte de alimentação. A pauta mundana e a pauta esportiva continuariam a cobrir a programação
dos diversos clubes locais, mas nunca com o mesmo grau de envolvimento. Gossips, potins e
mexericos desapareceram com o esvaziamento das colunas de futilidades. Nessa categoria, per-
maneceram assíduas apenas as secções que se mantiveram independentes em relação à atividade
dos clubes, caso de Sereias e Tubarões e Beira-Mar em Icaraí.
1154
Durou pouco mais de um lus-
tro, portanto, essa idade de ouro em que a comunidade participava da produção do seu próprio
jornal.
O desaparecimento dos clubes praianos repercutia o fim da Copacabana familiar. As casas e pala-
cetes eram progressivamente substituídos pelos arranha-céus”. Surgia um novo padrão de mora-
dia elegante, baseado na moderna tecnologia do concreto armado, capaz de concentrar dezenas de
residências no mesmo espaço onde antes cabiam apenas uma ou duas. A região, em curto interva-
1151
Edições de 22 de julho, 19 de agosto, 9 de setembro, 30 de setembro e 23 de dezembro de 1933; 24 de agosto e
26 de outubro de 1935; 26 de setembro, 3 de outubro, 31 de outubro e 7 de novembro de 1936; 9 de janeiro de 1937;
24 de junho de 1939.
1152
Quatro vezes em 1937, nove em 1938, nove em 1939 e quatorze em 1940.
1153
19 de agosto de 1933, suplemento; 5 de maio de 1934, capa.
1154
21 de janeiro de 1939, p. 8; 16 de agosto de 1941, p. 11.
220
lo de tempo, absorveu uma leva de novos freqüentadores da praia, novos moradores, veranistas e
turistas. As antigas famílias recuaram, então, para clubes fundados em outras bases, mais restritos
e discretos. Os Caiçaras e os Marimbás, por exemplo, construíram suas sedes, respectivamente,
na Lagoa e ao lado do Forte de Copacabana, em pontos afastados das áreas de circulação do bair-
ro, em contraste com Atlântico e Praia, sediados na Avenida Atlântica.
1155
Essas novas socieda-
des não procuravam publicidade e portanto escapavam ao modelo de relacionamento que Bei-
ra-Mar mantinha com os antigos clubes.
A explosão demográfica acarretava uma recomposição social de Copacabana, na qual os antigos
moradores perdiam espaço. Sintoma desse processo no jornal foi o declínio gradativo da publica-
ção das tradicionais listas de nomes próprios nas matérias mundanas. Os jornalistas já não conse-
guiam fazer o inventário da multidão. O bairro onde todos podiam se conhecer deixava de existir.
Se a intenção era representar a região praiana, o semanário não podia mais depender das leitoras
que compravam exemplares para conferir a publicação dos seus nomes nas colunas de mexericos.
Entretanto, ao mesmo tempo em que crescia em população, Copacabana ganhava importância na
configuração da cidade do Rio de Janeiro. Assim, adicionava-se aos residentes o incremento de
uma população flutuante de consumidores. Era o nascimento da Copacabana dos cassinos, dos
hotéis e dos bares. Vivia-se então a passagem da condição de bairro familiar, em que o lugar era
voltado para si mesmo, para a categoria de ponto turístico, em que o lugar se voltava para fora.
Beira-Mar não conseguiu se adaptar inteiramente a essa mudança. A demanda existia, mas o jor-
nal praiano não funcionava como revista de turismo. A empresa de M. N. de mal se relaciona-
va com o mercado de hotelaria. Apenas indiretamente, ao defender as praias, o semanário fazia o
papel de propaganda turística. Quando convocava os leitores para a praia, Théo-Filho não se diri-
gia aos cariocas dos bairros distantes da orla, mas aos próprios cilenses. A intenção não era recru-
tar novos banhistas além das fronteiras praianas, mas reforçar entre os freqüentadores a identida-
de com a praia que era sua marca distintiva.
1155
5 de dezembro de 1931, capa; 3 de junho de 1935, p. 2.
221
Beira-Mar se manteve fiel, então, ao público leitor identificado com a categoria dos moradores
de Copacabana, Ipanema, Leblon e outras praias. Mas podiam se perguntar os editores quem
formava esse público, agora que o bairro havia se revolucionado com o levantamento de centenas
de prédios de apartamentos? O contingente de assinantes habituais havia se diluído na massa de
novos moradores e veranistas. Com o crescimento da população da orla, Beira-Mar se tornava
um jornal relativamente menor. E os anunciantes, principalmente os representantes do comércio
local, podiam colocar em questão a eficácia do jornal como veículo de publicidade.
M. N. de devia estar preocupado com as mudanças vividas no bairro, na cidade e no mundo.
Inovações tecnológicas, por exemplo, podiam ameaçar o equilíbrio que mantinha o jornal em
circulação. O aparecimento do rádio como meio de comunicação comercial mexeu com o empre-
sário. Até que ponto ele não corria o risco de perder seus anunciantes para a PRH8 Rádio Ipane-
ma, a Voz de Copacabana? Em setembro de 1935, chegou a fazer uma aposta na expansão dos
seus negócios através da nova mídia, ao colocar no ar a transmissão da Meia-Hora Beira-Mar.
Em poucas semanas, contudo, encerrou o projeto.
1156
A competição nesse setor se dava em torno
de um público mais amplo que as pretensões do jornal praiano.
Não era com o rádio exatamente que Beira-Mar concorria, mas com outros periódicos da mídia
impressa. Não que houvesse surgido algum similar disposto a brigar pelo mesmo público o se-
manário de Théo-Filho permaneceria ímpar. O risco estava no avanço dos jornais diários sobre os
temas praianos. Essa tendência se manifestou no próprio Beira-Mar, anos depois, quando come-
çou a ser editada a secção Os Jornais e as Praias.
1157
Em 1939, as dificuldades de manutenção do
semanário não deviam ser pequenas, de modo que os editores recorreram à edição de uma co-
luna que se limitava a reproduzir o noticiário relativo à praia, publicado pelos concorrentes du-
rante a semana anterior.
A grande imprensa havia incorporado à sua pauta o tema da praia e dos bairros praianos. O noti-
ciário carioca tratava dos assuntos balneários como de qualquer outro componente da vida urba-
na. À medida que crescia, Copacabana se integrava à cidade. Transformava-se na expressão do
1156
7 de setembro de 1935, capa; 5 de outubro de 1935, p. 6.
1157
1
o
de abril de 1939, p. 6.
222
Rio de Janeiro moderno. Era a própria capital, renovada. Já não se podia separar então os bairros
oceânicos da cidade antiga. O uso do termo “CIL”, como denominação distintiva dessa área da
zona sul, havia perdido significado. Na segunda metade dos Anos 30, os “cilenses” praticamente
haviam desaparecido das páginas do jornal. Até que ponto fazia sentido perseverar na defesa
da região com base no mesmo princípio de distinção?
Na verdade, Beira-Mar era vitorioso na sua luta pelo desenvolvimento balneário. Os cariocas
fundiram o costume da praia ao seu estilo de vida. O verão em Copacabana conquistou as prefe-
rências da sociedade. As multidões aderiram ao gosto pelos banhos de sol e de mar. A polícia
moralista não perseguia as sereias vestidas nos seus maillots curtos, colantes e sensuais. Os
postos de salvamento e a Avenida Atlântica se modernizaram. O bairro vivia um surto de pro-
gresso com os arranha-céus, novos cinemas, cassinos, bares e hotéis.
Concluída, porém, a inflexão que levou o Rio de Janeiro para perto do sol de Copacabana, a a-
genda de interesses de Beira-Mar se esgotava. Uma vez que havia penetrado o costume, a praia já
não necessitava de apologia. Paradoxalmente, a consecução dos seus objetivos apressou a extin-
ção do jornal.
***
As mudanças sociais ocorridas no meio em que circulava Beira-Mar se combinavam, por sua
vez, com a dinâmica própria da organização editorial. No intervalo das décadas de 20 e 30, uma
geração havia crescido. A turma que fazia a festa dos clubes praianos nos postos 4 e 6, quando
começou a voga dos banhos de sol, já não era exatamente a mesma que movimentava os bares do
Leme, dez anos depois. Do mesmo modo, o círculo de jovens colaboradores envelheceu. Alguns
tiveram de assumir responsabilidades que os afastavam do compromisso com as diversões balne-
árias. Henrique Paulo da Cunha Bahiana, por exemplo, se interessou por assuntos diferentes, co-
mo a fundação do sindicato dos químicos e as relações culturais entre Brasil e Japão. Muitos re-
datores, ao permanecerem no campo da imprensa, foram atraídos por empregos noutros jornais e
revistas. Sylvio Level Moreaux, por exemplo, freqüentemente precisava se ausentar da Serzedello
223
Correa para atender às suas obrigações de jornalista.
1158
O mercado do dio também seduziu
vários colaboradores, como Julio de Oliveira e Zolachio Diniz. Além de trabalho, a maioria des-
ses jovens intelectuais se propunha à constituição de família. Paulo Candiota, por exemplo, desa-
pareceu das páginas de Beira-Mar depois de anunciar o noivado.
1159
Harold Daltro, recém-
casado, se licenciou do jornal por alguns anos.
1160
Do núcleo da redação, os únicos que se manti-
veram assíduos após o casamento foram João Rodolpho e Albertus de Carvalho.
1161
As mulheres,
mais que os homens, tendiam a abandonar a colaboração assim que casavam. Alydéa Galvão, por
exemplo, interrompeu sua participação nos trabalhos da redação quando deixou a condição de
“Mlle.” e adotou o nome do marido.
1162
O matrimônio desfalcava da contribuição feminina não
apenas o jornalismo como a literatura. Didi Caillet parou de publicar depois de casada. Hyldeth
Favilla não voltaria tão cedo à produção. Outros jovens redatores, com menos sorte, encerraram
sua colaboração porque morreram precocemente. Não foram poucos: o crítico literário e enge-
nheiro Adolpho Celso (?-1933), o escritor e médico Arnaldo Taba(1901-1937), a jornalista e
funcionária pública Maria Alda (?-1938), o médico Felix Guimarães (?-1939) e o escritor Álvaro
Marinho Rego (1918-1940).
1163
Ainda outros motivos, que não a morte, o casamento ou a neces-
sidade de trabalhar, podiam influir na dispersão de colaboradores importantes, ao longo dos Anos
30, como João Guimarães, Max Monteiro, Paulo MacDowell, Aguinaldo Tinoco, Almerinda
Campos etc. Quaisquer que fossem as razões, contudo, Beira-Mar não conseguia repor seu corpo
de redatores. Nos dez últimos anos de vida, tempo de Nelson do Nascimento e Annita Correia, o
jornal perdeu a antiga penetração no meio da juventude. A nova geração não se empolgava com o
semanário. As condições sociais que animavam a sua circulação o divertimento nos clubes
praianos, o bairro familiar onde todos se conheciam, a diferenciação da “CIL” em relação à cida-
de – haviam desaparecido.
Foi, portanto, em crise que Beira-Mar recebeu, em 1940, o golpe que o descaracterizou defini-
tivamente. O jornal praiano nunca havia sido afetado por injunções provenientes da esfera políti-
ca. Apenas em 1935 teve de se ajustar à lei que interditava a propriedade de meios de comunica-
1158
18 de maio de 1935, p. 10.
1159
11 de janeiro de 1931, p. 10.
1160
22 de dezembro de 1934, p. 27.
1161
4 de janeiro de 1936, p. 9; 23 de novembro de 1930, p. 12.
1162
11 de maio de 1930, p. 3.
1163
26 de agosto de 1933, p. 2; COUTINHO, A. e SOUZA, J. G. de, Enciclopédia de Literatura Brasileira; 12 de
março de 1938, p. 4; 20 de maio de 1939; 3 de fevereiro de 1940.
224
ção a estrangeiros. Como era português, M. N. de colocou no lugar de diretor-proprietário seu
filho Justino Nogueira de Sá (J. N. de Sá).
1164
Os editores não costumavam ter problemas com os
governos federais. Seu grupo tinha apoiado a Revolução de 1930.
1165
O jornal, sem importância
no cenário político, manteve posições independentes durante o primeiro período Vargas. A partir
do Estado Novo, porém, passou a se alinhar mais ostensivamente às autoridades oficiais. Sintoma
dessa tendência foi a perda do caráter combativo de Beira-Mar na defesa dos interesses dos bair-
ros praianos. Problemas de administração urbana, que antes freqüentavam a capa, agora eram
tratados de forma disciplinada, nas páginas 2 ou 3, dentro de colunas especializadas, como Os
Praianos Reclamam ou, simplesmente, Tópicos.
1166
Assim, o semanário de Théo-Filho estava
mais ou menos aclimatado à vida sob a ditadura, quando, no final de 1940, foi obrigado a acatar
uma determinação do Departamento de Imprensa e Propaganda que o transformou em revista.
1167
Parece que, no entendimento do regime, um hebdomadário não poderia ter aparência de jornal.
A transformação em revista foi materializada na redução do formato para 28 x 38cm. Isso repre-
sentava a desestruturação de toda a programação visual. Novas dificuldades de diagramação res-
tringiam o trabalho de editores e anunciantes. A própria linha editorial era afetada na medida em
que o novo formato sugeria práticas jornalísticas diferentes. A capa, principalmente, perdeu seu
aspecto de imitação de primeira gina de jornal. Eliminavam-se as grandes chamadas, as man-
chetes contundentes, a variedade de matérias e foto-legendas. Adotava-se o padrão de capa de
revista, monopolizada por uma imagem, geralmente foto de mulher. Desapareceram, então, os
manifestos de Théo-Filho. A crônica engajada da vida balneária havia mesmo perdido sua razão
de ser.
O formato de revista, ao mesmo tempo, obrigava à produção de um volume de páginas que, na
percepção do leitor, compensasse o preço do exemplar. Os editores ainda tentaram manter into-
cada a estrutura da pauta, dando continuidade às antigas secções, como Vida Social, Cinemas,
Secção Católica, Radiofonices, Tópicos, Os Jornais e as Praias etc. Mas raramente conseguiram
ultrapassar o padrão de 16 páginas. Beira-Mar, ao mudar de gênero, tornou-se uma revista fina,
1164
9 de fevereiro de 1935; 12 de agosto de 1944, p. 2.
1165
Nação Brasileira, n
os
86 a 88, outubro a dezembro de 1930.
1166
14 de agosto de 1937, p. 5; 2 de setembro de 1939, p. 2.
1167
9 de novembro de 1940, p. 11.
225
em comparação com as concorrentes, como Careta, Fon-Fon, Revista da Semana e Cruzeiro, de
48 páginas ou mais. A dificuldade de manutenção das edições era tanta que, em 1942, a perio-
dicidade havia regredido ao regime quinzenal.
Em 18 de julho de 1944, morreu Manoel Nogueira de Sá, aos sessenta anos de idade. O comércio
de Copacabana fechou, em luto, para acompanhar o cortejo fúnebre. O prestígio de M. N. de
ainda era grande, apesar do declínio de Beira-Mar. Além dos amigos, gente do jornal, dos clubes
desportivos, da associação comercial de Copacabana e da Casa do Pobre, sua morte reuniu mani-
festações de pêsames entre as mais diversas organizações, como por exemplo a Associação Brasi-
leira de Imprensa, a Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, o Iate Clube do
Rio de Janeiro, o Centro de Cronistas Esportivos, a União das Operárias de Jesus e a Sociedade
União Comercial dos Varejistas de Secos e Molhados.
1168
A edição de 12 de agosto foi dedicada ao seu fundador. Théo-Filho publicou aí um artigo de des-
pedida, em que fez a memória dos bons tempos do empreendimento editorial. “Trabalhamos jun-
tos, durante vinte anos. Muitas vezes nos encontrávamos na redação do Beira-Mar às 6 horas da
manhã ou no escritório do Bon Marché antes das seis. Éramos madrugadores para podermos con-
versar à vontade (...)”.
1169
Com a morte de M. N. de Sá desapareceu Beira-Mar. O jornal ainda chegou, sob a redação de
Théo-Filho, à edição n
o
771, de 28 de outubro. Foi um especial de aniversário e o último número
do ano. Os herdeiros então se desfizeram do negócio. Um novo grupo, liderado por Faustino
Nascimento, tentou dar prosseguimento ao título. Em 1945, saíram doze edições mensais. A pu-
blicação apresentava-se como “a revista de Copacabana para o Brasil”.
1170
No ano seguinte, Bei-
ra-Mar circulou pelo menos até o n
o
785.
1171
Nesse intervalo, Théo-Filho se afastou e voltou à
direção da Serzedello Correia. Muitos anos depois, em 1955, um terceiro grupo tentou continuar
a série, através de “uma revista nacional de Copacabana para você e sua família”. Gastão Lamou-
nier e Gastão Lamounier Junior conduziram a publicação até pelo menos o n
o
802.
1172
1168
12 de agosto de 1944, capa.
1169
Idem, p. 2.
1170
Janeiro de 1945, p. 2.
1171
Abril de 1946.
1172
Abril de 1955.
226
Essas tentativas, todavia, apenas evidenciavam que Beira-Mar tinha deixado de fazer sentido. A
procura de um leitor nacional expressava o deslocamento da publicação em relação à sua tradi-
ção. O público que dava sustentação ao semanário havia se dispersado na massa trazida com o
crescimento da cidade em direção à orla oceânica. Havia também envelhecido e provavelmente
não se identificava com a nova forma, travestida em revista, daquilo que tinha sido um jornal.
Além do mais, esse público não se reproduziu. Uma geração passou e com ela a pertinência de
um órgão de imprensa dedicado à defesa da praia. A banalização do novo costume balneário, no
Rio de Janeiro, no país e no mundo, tornava desnecessário um empreendimento editorial como o
de Beira-Mar.
.
227
6 – A LITERATURA DA MATURIDADE
O ingresso na redação de Beira-Mar correspondeu à passagem para uma nova fase literária na
carreira de Théo-Filho. Ao se compenetrar no papel de jornalista dedicado à defesa dos interesses
balneários, o escritor reduziu seu volume de produção. Em 1925, havia escrito quatorze livros
em menos de duas cadas. Nos vinte anos seguintes, publicaria apenas sete. O semanário praia-
no exigia um compromisso de editor e portanto demandava mais tempo de atenção que o despen-
dido nas suas funções de diretor de revista de colaboração mensal e de redator na grande impren-
sa. Théo-Filho ainda colaborou em outros jornais, como o Correio da Manhã e A Lanterna, do
seu amigo Costa Rego,
1173
mas a maior parte das suas energias estava investida na posição de
arauto da praia, à frente de Beira-Mar.
A nova fase de Théo-Filho foi marcada por uma mudança na sua estratégia de conduta relativa à
exposição pública. A fama escandalosa de boêmio cedeu lugar à figura de um homem mais ou
menos pacato, trabalhador, casado e, sobretudo, discreto. O escritor consagrado já não precisava
explorar a publicidade da vida pessoal para vender livros. Em Beira-Mar, a posição de editor o
constrangia a censurar qualquer sinal de badalação que pudesse ser interpretado como autopro-
moção. Por isso ficaram nessas páginas poucos registros da existência de Théo-Filho. Seu nome
quase nunca aparecia nas notas mundanas. Seu aniversário não compunha o rol da Vida Social.
Não houve notícia do seu casamento. Raras fotos do casal foram publicadas em Beira-Mar.
1174
Toleravam-se apenas as referências à sua literatura, que se misturavam, na vasta pauta literária do
jornal, a tantas outras sobre outros tantos autores. Às vezes, seus amigos comentavam suas obras
ou reproduziam, no jornal, resenhas publicadas na imprensa diária.
1173
THÉO-FILHO, Onde estão os homens?, orelha.
1174
Beira-Mar, 6 de maio de 1928, p. 12; 29 de outubro de 1932, p. 31; 9 de novembro de 1940, p. 14.
228
A mudança de comportamento era importante para a inserção de Théo-Filho no seu novo papel
de porta-voz da aristocracia cilense. A condição de homem casado, sobretudo, lhe facilitava o
trânsito entre as famílias. A juventude estava em boas mãos. Bastava, no entanto, que se soubesse
que o escritor tinha finalmente constituído família, sem que se precisasse entrar na sua intimida-
de. Assim, sobre sua esposa, Erna Barroso Achtmayer, apenas por algumas indiscrições da reda-
ção os leitores de Beira-Mar tinham conhecimento de que era uma “excelente nageusee havia
sido eleita “rainha de Ipanema” num concurso promovido pelo Binóculo, coluna social da Gazeta
de Notícias.
1175
Sobre a vida privada de Théo, foram publicadas no jornal praiano relativamente
mais referências entre 1923 e 24, quando o escritor atuava apenas como colaborador, do que em
todo o período de dezenove anos em que dirigiu a redação.
1176
***
O que Théo-Filho fez em 1925 foi uma aposta na praia como tema capaz de nortear uma nova
trajetória de vida. Mudou-se para um “bungalow” em Ipanema, na rua Prudente de Morais.
1177
Casou-se com uma “sereia” criada em Copacabana. Assumiu a responsabilidade pela redação do
órgão de imprensa representativo das praias cariocas. Passou a acordar cedo para desempenhar
suas funções! Coerentemente, sua literatura também se transferiu para o tema balneário. Assim, o
aparecimento de Praia de Ipanema, seu décimo romance, fazia parte de um esforço de redesenho
da imagem de Théo-Filho.
Diferentemente dos romances anteriores, o autor dedicou longo tempo – pelo menos dois anos – à
elaboração do texto. Em 1925, antes mesmo da publicação de Quando veio o crepúsculo, Beira-
Mar antecipava um trecho do primeiro capítulo.
1178
em 1927, porém, o livro foi concluído e
publicado. Seria o último dos seus títulos editados pela Livraria Leite Ribeiro, com uma tiragem
generosa de 8 mil exemplares.
1179
1175
Beira-Mar, 2 de junho de 1929, capa; 8 de abril de 1928, p. 3.
1176
Beira-Mar, 2 de setembro de 1923, capa; 28 de outubro de 1923, p. 4; 23 de dezembro de 1923, p. 2; 7 de de-
zembro de 1924, p. 2.
1177
Beira-Mar, 2 de junho de 1929, capa.
1178
Beira-Mar, 25 de outubro de 1925, p. 10.
1179
THÉO-FILHO, Praia de Ipanema. Rio de Janeiro: Dantes, 2000. Edição original: Livraria Editora Leite Ribeiro,
1927, 290 p.
229
Praia de Ipanema introduzia o tema de Théo-Filho em sua nova fase, mas não representava uma
ruptura com sua tradição literária. Traços de continuidade eram identificáveis pelo público. Agla-
é, a mocinha da história, era filha de um dos irmãos Lacerda. Ainda que não formalmente, o autor
filiava Praia de Ipanema à cadeia hereditária da Crônica Social de uma Família Brasileira”.
1180
Reapareceram, por exemplo, personagens apresentados na antiga série, como Silvério Silva, o
velho negociante canalha, sempre envolvido em roubalheiras para financiar suas taras repugnan-
tes.
1181
O cenário não havia mudado. O Rio de Janeiro do presente apenas havia se deslocado
para os limites oceânicos da cidade.
Ipanema em meados dos Anos 20 podia ser descrita como um bairro em formação. Ainda não
tinha rede de esgotos, mas suas terras “em 1926 quase todas estavam vendidas ou avaliadas por
preços exorbitantes”.
1182
A paisagem não era totalmente urbana. Aglaé Lacerda, recém-chegada,
passava o dia “a olhar aquela praia, guardando na retina todos os seus mais íntimos recantos, as
suas dunas e os seus relvados, as suas cercas de bambus e os seus matos de pitangueiras!”.
1183
Num domingo ensolarado e quente, a praia podia estar “quase deserta, tendo ao longo da extensa
faixa creme estirada da lança do Arpoador à ponta do Vidigal raros casais ou grupos de moças
estendidas na areia morna”.
1184
Era nessa praia quase inexplorada que o protagonista do romance projetava construir uma ci-
dade balneária: “Ipanema City”.
1185
Otto sonhava ser a alma de uma empresa que dali fizesse surgir um bairro considerável, que tivesse
os maiores hotéis do mundo, as casas e os bungalows os mais harmoniosos, ocupando idênticas á-
reas encravadas entre os caravansarais suntuosos, os prédios a apartamentos e os balneários arranha-
céus. O seu gênio de construtor teria farta messe na parte propriamente consagrada ao problema ar-
quitetônico. Adivinhava, como numa fantasmagoria, Ipanema transformada numa Newport sul-
americana. Dois formidáveis hotéis abrangendo o quarteirão que vai da Farme de Amoedo à rua
Montenegro, e da Pedro Silva à rua dos Jangadeiros, ambos com fachadas para a avenida Vieira
1180
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 37.
1181
Principalmente A grande felicidade e Ídolos de barro.
1182
THÉO-FILHO, Praia de Ipanema, p. 87.
1183
Idem, p. 46.
1184
Idem, p. 25.
1185
Idem, p. 69.
230
Souto e para a rua Prudente de Moraes. No centro, entre as ruas Joana Angélica e Otavio Silva, um
balneário que longe deixasse os de Palm Beach ou de Atlantic City, cidade de prazeres e diverti-
mentos esportivos, montanhas russas e quedas d’água, jogos infantis e jogo de feira internacional,
jetée lançada cem metros mar a dentro, pontões, trampolins, doca flutuante para atracação de iates
de recreio ou barcos a vela, para pescaria...
1186
As idéias que animavam o herói de Praia de Ipanema não eram muito diferentes das fantasias
que Théo-Filho e seus redatores difundiam através de Beira-Mar, a título de sugestão para o pla-
nejamento balneário do Rio de Janeiro. Talvez o livro exagerasse uma tendência que se obser-
vava no jornal: a adoção do modelo das praias norte-americanas como referência de bom gosto,
num movimento de substituição da autoridade européia. No delírio de Otto,
Como numa fantasmagoria Ipanema transformava-se em Miami moderníssima, ou em alegórico pa-
raíso de Afrodite. Às suas jetées acostavam as lanchas a gasolina dos iates de recreio ancorados a
trezentos metros. Milhares de senhoras atiravam-se às ondas, em maiôs indiscretos, impecavelmente
despidas. As barracas de lona seguiam-se na orla das dunas, povoadas de veranistas, numa imensa
alegria de saúde e de gosto. Por toda a parte eram gritos de crianças, sorrisos de louras e de more-
nas, braços e pernas exibidos criteriosamente, gestos desportivos, ginástica e natação, saltos de
trampolim, o gozo exuberante do espírito e do corpo. Ah! por que não havia de ser ele o mago de tal
féerie, o homem milagroso que realizaria, naquele canto privilegiado, a reprodução exaltante do que
fora, em 1926, uma praia mundana americana, no estio?...
1187
Os cassinos – ainda que estivessem proibidos na época – integravam essa utopia balneária. Quan-
do sonhava com Ipanema City, Otto visualizava “as edificações suntuosas dos seus incríveis cas-
sinos, o arruído trepidante dos palácios arranha-céus, a ida e vinda de veranistas, de bagagens, de
autos e caminhões a se cruzarem sobre o asfalto, o soar das fichas no tapete verde, a lividez sin-
tomática dos jogadores presos às bancas até madrugada, o rolar contínuo de fortunas sobre as
mesas do campista e do bacará, tudo isso ao som do jazz-band infernal e entre jorros de perfumes
caros e elegâncias de meridionais”.
1188
1186
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 30.
1187
Idem, p. 63.
1188
Idem, p. 64.
231
Praia de Ipanema conta a história do fracasso do jovem engenheiro Otto O’Kennutchy Guima-
rães, recém-formado pela Escola Politécnica do Rio, na tentativa de atrair capitais para esse au-
dacioso empreendimento balneário. Tudo não passava mesmo de “fantasmagoria”. Frustrado, ele
quase se deixaria afogar nas correntezas traiçoeiras do mar, entre o Arpoador e o canal da Lagoa,
antes de conquistar, no final do livro, o coração da heroína. Em parte, o romance era um pretexto
para familiarizar o leitor com a nova praia carioca.
O realismo continuava a ser uma das virtudes da literatura de Théo-Filho, encontrada pelos co-
mentaristas de Praia de Ipanema. O escritor argentino Jose Maria Acosta gostava dos seus “per-
sonagens cheios de realidade”, de uma “realidade visível ante nossos olhos”.
1189
Para Harold Dal-
tro, em Théo-Filho “as figuras (...) vivem, andam pela cidade, são reais”. Na sua leitura, “Aglaé
Lacerda é apanhada com tanta felicidade, que parece mais uma personagem filmada”. Ao dese-
nhar uma figura como Sylvia Martins, o romancista soube “representar com nitidez uma melin-
drosa 1927, levadíssima (...)”.
1190
Um dos críticos, Francisco Carvalho, lembrava a análise de
Agrippino Grieco para entender o segredo desse realismo:
Os tipos de Otto O'Kennutchy, Paulo Correia e das duas meninas que, com tanta arte, Théo-Filho
estilizou, não são obra da imaginação, mas sim da observação; eles existem realmente, a vida mun-
dana do Rio os oferece a todo momento a quem os queira estudar, e Théo nada mais fez que os
transportar para as páginas de seu romance e estudar-lhes demorada e conscientemente a psicologia.
Muitos comentaristas repetiriam essa descrição de Théo-Filho como escritor incapaz de fazer
outra coisa que não fosse a reprodução fiel da realidade. Francisco Carvalho também tentava as-
sociar o realismo de Théo-Filho a uma perspectiva nacionalista: “Há muito de verídico e interes-
sante na parte em que ele chama a atenção para a apreciação do esmagamento do capital nacional
pelo capital estrangeiro, ocasionando assim a morte de brilhantes iniciativas nacionais e concor-
rendo consideravelmente para o atraso da vida econômica do país e, ao mesmo tempo, atentando
contra o progresso da cidade”.
1191
1189
Beira-Mar, 2 de setembro de 1928, p. 3.
1190
Beira-Mar, 8 de julho de 1928, p. 2.
1191
Beira-Mar, 22 de julho de 1928, p. 7.
232
Era possível se ler em Praia de Ipanema uma denúncia da relação desfavorável que o Brasil man-
tinha com as grandes nações capitalistas. Outros apreciadores de Théo-Filho partilhavam da
mesma interpretação. O poeta Murillo Araújo, a partir dessa linha de raciocínio, tentava classifi-
car o romance como peça exemplar de uma literatura que se queria nacional:
No romance de Théo, tudo é brasileiro e o problema que aborda sem nos fazer sentir é de capital in-
teresse e oportunidade: o da iniciativa nacional manietada pelos liames de ouro do capital estrangei-
ro e sua terrível e desonesta pressão comercial. As suas heroínas têm o sangue moreno e a graça so-
lar de nossas patrícias e seus nervos, seu ardor, sua exaltação delirante. E em suas paginas vive a
graça de nossa terra e de nosso céu.
1192
Contudo, ainda que se pudesse admirar a graça da praia e da mulher brasileira, o eixo da história
de Théo-Filho era o fracasso do engenheiro Otto. Nunca um romance tão negativo poderia inspi-
rar o sentimento de orgulho nacional. Harold Daltro parecia se dar conta dessa dificuldade ao
refletir sobre o propósito do livro: “Como finalidade, nota-se em "Praia de Ipanema" um certo
amargo pessimismo que talvez Leopardi não achasse mau e que serve como excitante patriótico
para que ajudemos e demos mão forte às iniciativas nacionais que quase sempre fracassam contra
o dólar ou a libra esterlina...”.
1193
A inclinação nacionalista de Praia de Ipanema talvez existisse mais na vontade dos críticos da-
quela época do que nas intenções do próprio autor. De qualquer modo, se havia uma preocupação
de Théo-Filho com uma questão nacional geral, ela se expressava pelo enfrentamento de um pro-
blema concreto específico: o uso das praias de banho. A estratégia do romancista era a mesma do
editor de Beira-Mar. Era hora de afirmar a escolha do tema balneário. Era preciso marcar a mu-
dança do autor para o seu novo interesse e anunciar a abertura de uma “nova fase de atividade
literária”.
1194
***
1192
Beira-Mar, 18 de março de 1928, p. 10.
1193
Beira-Mar, 8 de julho de 1928, p. 2.
1194
Idem.
233
A nova fase inaugurada com Praia de Ipanema demorou a se instalar, pelo menos na forma de
livro. Um largo intervalo se abriu, entre 1927 e 1931, sem que Théo-Filho lançasse um título no-
vo nas livrarias. Durante esse tempo, entretanto, o escritor se dedicou finalmente à produção da
sua nova literatura. Escreveu um romance e vários trabalhos de menor fôlego. Parte deles apare-
ceu em Beira-Mar.
Esses anos coincidiram precisamente com um período de incremento das atividades no sobrado
da Serzedello Correia. Enquanto os clubes praianos viviam sua era de ouro, o jornal dava o gran-
de salto para o regime semanal. Mergulhado nesse empreendimento, Théo-Filho passou a dilatar
os prazos de gestação dos romances. Em contrapartida, retomava o gosto pela crônica.
Théo-Filho usava Beira-Mar como espaço para prática de exercícios literários. Publicou muita
crônica, quase sempre sem assinatura. Alguns textos seriam reaproveitados em livro. Exemplo
expressivo desse período foi a crônica de “Um passeio às Ilhas Caiçaras”, publicada em 1929.
Théo, Nogueira de e um grupo de amigos de Beira-Mar realizaram o sonho de conhecer “a-
quelas ilhas longínquas, embutidas na toalha esmeraldina do mar largo, frente a Ipanema e Le-
blon,” que faziam “andar às tontas muita ociosa, escaldante imaginação”. Num domingo de sol, a
bordo da Cometa, partiram de Botafogo e costearam as formações rochosas do Pão de Açúcar e
do morro do Leme. Permaneceram uns minutos no posto IV, enquanto os banhistas subiam ao
convés da embarcação, davam mergulhos plásticos afoitos, repousavam nos cordames alcatroa-
dos do bastingage”. Depois seguiram para o arquipélago, aproximando-se da “hostilidade grandi-
osa daqueles blocos esfingéticos, opressivos produtos d’alguma remotíssima convulsão telúrica”.
Desembarcaram numa das ilhas, “como Robinson Crusoé com todos os seus secretos júbilos de
explorador sagaz”. Ficaram inebriados: “No alto do rochedo, selvagemente, dávamos gritos por-
tentosos, agitando os braços, como epiléticos, qual Tarzan na saúde de seus músculos, em plena
selva tropical”.
1195
A aventura nas ilhas apontava precisamente na direção que tomava a literatura de Théo-Filho.
Sua escolha não se limitava simplesmente à circunscrição balneária. Da praia, seu interesse resva-
1195
Beira-Mar, 11 de abril de 1928, capa.
234
lava para o oceano. O jornalista se manteria perto da faixa de areia. Mas o escritor se virava em
direção ao mar.
Quando Théo-Filho lançou três livros quase em seqüência, marcando seu retorno ao mercado
editorial, estava em pleno processo de construção a sua identidade com o mar. Em 1930, João
Rodolpho de Carvalho publicou no Beira-Mar um “perfil” de Théo-Filho, apresentado no Centro
Literário de Copacabana, onde introduziu o novo componente temático na elaboração da imagem
do artista.
1196
Começava por apresentar a juventude em Pernambuco como uma experiência de
vida ligada afetivamente ao mar:
Théo-Filho foi sempre fascinado pelo mar. Os seus primeiros anos de vida ele os passou entre pes-
cadores, nas praias pernambucanas cheias de coqueirais, na Olinda vetusta cantada pelo sentimental
Adelmar Tavares. Mau estudante, péssimo aluno de humanidades, gazeteador inveterado das aulas
do Colégio Porto Carneiro, preferia aos livros didáticos a liberdade dos areais românticos, contra os
quais vinham repousar as jangadas batidas pelos ventos do nordeste. O mar fascinava-o, convidava-
o às grandes aventuras transatlânticas, às viagens, à consagração do Rio de Janeiro. É por isso que o
vemos, com 17 anos incompletos, embarcar contra a vontade da família, fugitivo do sonho, para es-
ta capital.
João Rodolpho incorporou a crítica de Agrippino Grieco que apresentava Théo-Filho como um
escritor “transatlântico”. Refez, no entanto, a descrição biográfica, de modo a organizá-la segun-
do a lógica do novo tema. Nessa análise, a fase marítima – compreendida por Praia de Ipanema e
pelos três novos títulos prometidos era apresentada como a manifestação de uma paixão que
perseguia o escritor muito antes de seu início:
Em “Praia de Ipanema”, como em “Impressões transatlânticas” e “A ilha selvagem”, que vai publi-
car ainda este ano, o escritor mostra (e isso eu o afirmo porque conheço alguns capítulos inéditos
dos seus últimos trabalhos), mostra sempre, com efusão, um exuberante amor pelo mar, esse amor
pelo mar que assinalei pouco e que perdura desde a sua infância, dando um traço inconfundí-
vel à sua personalidade. O mar que o fazia sonhar em Olinda, o mar de Copacabana e Ipanema, o
mar de Santos, onde viveu dois anos de vida de Cassino, o mar da Côte d’Azur, o mar da Mancha e
1196
Beira-Mar, 31 de agosto de 1930, p. 3.
235
da Côte d’Argent, o mar em todas as suas tonalidades, em todas as suas facetas, em todas as suas fú-
rias e esgares, esse mar ele o põe nos cenários dos seus últimos livros, ele o põe em Impressões
transatlânticas”, em “Ilha selvagem”, que vão aparecer brevemente, e em “Fragata de Nichteroy”,
que lançará à publicidade em 1931.
Porém, os prazos anunciados para o lançamento dessas obras não foram cumpridos. Somente em
1931 a edição de Impressões transatlânticas chegou às vitrines, pela editora Freitas Bastos, que
havia incorporado a Leite Ribeiro.
1197
Théo-Filho então falava de sua virada para o mar. Numa
entrevista ao Diário Carioca, asseverou:
“Vou recomeçar a publicar romances. Romances marítimos. A vida de bordo, a vida das praias, a
vida dos pescadores, a vida em alto mar, nos barcos veleiros. Creio que encontrei definitivamente a
minha rota. Dela é difícil afastar-me agora. A minha obra literária vai ter cheiro de salsugem e ma-
resia”.
1198
Impressões transatlânticas misturava crônicas e artigos, alguns previamente aparecidos em Bei-
ra-Mar, aos capítulos de uma viagem do Brasil para a Europa. Nessa travessia, Théo-Filho a-
companhava a “aventureira internacional” Sandra Mi-Esú, com quem observava o cotidiano a
bordo do navio: “o transatlântico é um mundo sempre à espera do audaz explorador”.
1199
Nesse
aspecto, o livro tinha laços de parentesco com Uma viagem movimentada. Os outros textos, po-
rém, lhe davam uma estrutura de coletânea: ginas sobre mulheres espiãs e mulheres piratas,
sobre guerra, Paris e Lisboa, um ensaio sobre a beleza do mar e, além do texto das ilhas Caiçaras,
um artigo sobre a malfadada vida do escritor Oswald Beresford, publicado na Nação Brasilei-
ra.
1200
Com Impressões transatlânticas, Théo-Filho reforçava seu vínculo com o mundo da alta socie-
dade. Reafirmava também o seu caráter cosmopolita, afinado com a cultura européia. Mas, sobre-
tudo, confirmava, após anos de silêncio, sua opção pelo tema do mar.
1197
THÉO-FILHO, Impressões transatlânticas. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1931, 194 p.
1198
Beira-Mar, 27 de junho de 1931, p. 7.
1199
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 11; 19.
1200
Nação Brasileira, n
o
78, fevereiro de 1930, pp. 5-8.
236
Leôncio Correia, ao dar boas vindas ao livro, chamava a atenção para a fragilidade da contribui-
ção brasileira para a classe de literatura identificada com o mar. “O sertanismo tem tido, no Bra-
sil, cultores à altura de Euclides da Cunha e Affonso Arinos”. Em contraste, “o vasto cenário ma-
rítimo tem inspirado a menor número de artistas”. Entre eles, notava Virgilio Várzea, “incompa-
rável ao pintar canoas e velas e remos e faluas e escunas e sumatras e ilhas e vagas e idílios de
pescadores bronzeados à porta das cabanas rústicas, com caboclas morenas e simples”.
1201
Para o
veterano das letras, o autor de Impressões transatlânticas reanimava essa tradição.
Théo-Filho, contudo, reivindicava o lugar de representante brasileiro da literatura no mundo ma-
rítimo com base apenas num argumento pessoal. Encarava o mar como seu “verdadeiro destino”.
Passava a reinterpretar toda sua trajetória a partir do novo interesse pelo mar. Numa entrevista ao
Jornal do Brasil, concedida à beira da praia de Ipanema, afirmou: “O sentido do Oceano sempre
viveu dentro de mim e foi o seu chamado que fez de mim um viajante inquieto, um cosmopolita
dos grandes navios e dos hotéis europeus”. Finalmente se conciliava com sua vocação. Foi jus-
tamente a minha parada de alguns anos em Ipanema que me fez compreender a verdade da evolu-
ção que se fazia em mim”. Ao repórter ainda confessou ter descoberto a origem do sofrimento
que o atormentava no passado: “aquela antiga inquietude que me instigava a partir para longe,
que me levava a odiar a vida no Rio, era o instinto do mar, minha alma de marinheiro (...)”.
1202
A virada para o mar foi acompanhada de um aprofundamento de sua opção por um estilo de vida
reservado. Théo-Filho agora declarava publicamente sua aversão às obrigações sociais a que ti-
nha de se submeter no desempenho de suas funções:
“Só o mar e só as viagens me seduzem desde a minha infância, nas praias de Olinda! Nunca fui um
homem de sociedade e tenho horror indissimulável de todos os preconceitos sociais. Em Ipanema,
apelidaram-me ‘o selvagem’.”
1203
1201
Beira-Mar, 22 de agosto de 1931, capa.
1202
Beira-Mar, 9 de julho de 1932, p. 5.
1203
Beira-Mar, 27 de junho de 1931, p. 7.
237
A preferência por uma vida solitária, de “lobo do mar”,
1204
talvez estivesse relacionada a uma
reorientação que ocorreu em sua literatura precisamente a partir desse momento. Depois de Im-
pressões transatlânticas, Théo-Filho, pela primeira vez em seus enredos, abandonou a cena do
tempo presente. Dava adeus ao Rio de Janeiro moderno, aos vícios urbanos e aos personagens
inspirados nos círculos mundanos que freqüentava. Passava agora a escrever narrativas ambien-
tadas em episódios da história do Brasil. Para isso, nos últimos anos, havia investido seu tempo
no trabalho silencioso da pesquisa.
A Fragata Niterói apareceu em capítulos nas edições de Beira-Mar, de junho a agosto de
1931.
1205
Théo-Filho apresentava Andréia, a “Pernambucana”, uma mulher que havia se infiltra-
do na tripulação do navio com que, na luta de independência brasileira, John Taylor perseguia a
esquadra do Capitão João Felix dos Campos. Em 1932, a novela foi editada em livro, por Ander-
sen Editores, na companhia de quatro contos, três deles baseados em episódios navais do século
XIX “A hecatombe do pontão Palhaço”, “Dowling, capitão de corsários” e “O naufrágio da
corveta D. Isabel” – e um último sobre os índios caetés do começo da colonização.
1206
Théo-Filho prometia “romancear a história naval brasileira”.
1207
A escolha do mar como tema
permitia ao escritor se afastar das tensões políticas do presente através do romance histórico. Ao
mesmo tempo, ao se interessar pelo passado do Brasil, Théo-Filho voltava a ter importância no
debate em torno da construção da literatura nacional. Podia-se perceber o “objetivo patriótico” da
obra
1208
quando o autor proporcionava aos leitores a oportunidade de “reviver os dias heróicos,
em alto oceano, a bordo da fragata Niterói”.
1209
A ilha selvagem radicalizou essa aproximação de Théo-Filho com a história do Brasil e o mundo
naval. Era a história de dois aventureiros portugueses Pero Fernão Barroso e Diogo Álvares
que se apoderaram de uma caravela e um navio de guerra para realizar, em fins do século XV,
uma expedição à “ilha” assinalada pelo antigo capitão que havia se perdido numa tempestade a
1204
Beira-Mar, 3 de outubro de 1931, p. 6.
1205
De 21 de junho a 29 de agosto.
1206
Beira-Mar, 16 de julho de 1932, p. 4; THÉO-FILHO, A fragata Niterói. São Paulo: Edição Saraiva, 1970.
1207
Beira-Mar, 27 de junho de 1931, p. 7.
1208
G. Silva Jardim, “A fragata Niterói” in Beira-Mar, 24 de setembro de 1932, p. 3.
1209
Beira-Mar, 16 de julho de 1932, p. 4.
238
oeste da Madeira. Em terra, aliam-se aos caetés, em guerra com os pitiguares. Organizam entra-
das com a ajuda dos índios. Mas o amor de um português não correspondido pela irmã do chefe
Uirã-Ubi coloca a perder essa aliança. E todos os invasores morrem na batalha final.
1210
O romance apareceu, pela Companhia Editora Nacional, de São Paulo, somente em 1932, embora
estivesse concluído desde 1929.
1211
Nele, notavam-se mudanças de procedimento do escritor em
sua nova fase. As horas de estudo se refletiam no próprio vocabulário. A exemplo do que ocorreu
na Fragata Niterói, uma terminologia náutica apurada adornava longos períodos descritivos. A
narrativa colocava em uso toda uma erudição impregnada de nomes técnicos, referências históri-
cas, precisões geográficas, conhecimentos em navegação, botânica e etnologia. Para escrever A
ilha selvagem, Théo-Filho aprendeu pelo menos os rudimentos do tupi-guarani.
A primeira edição do livro mereceu uma nota introdutória, um “pórtico”, de Clovis Beviláqua, o
famoso jurista, ligado ao grupo da Nação Brasileira. O prefaciador apresentava então um Théo-
Filho inteiramente renovado:
Theo Filho, com seu novo livro, A Ilha Selvagem, imprimiu, ao seu fecundo talento de escritor de
ficção, orientação diferente da que até agora seguira, conquistando simpatias gerais. Esta outra face
da sua produção, pondo em evidência aptidões ainda não reveladas, aumentará o brilho e a extensão
da sua projeção literária.
1212
Com essa obra, Théo-Filho associava o seu gosto pelo mar e pela história naval à perspectiva da
formação da nação brasileira. Era o seu romance nacionalista, “um dos livros mais belos da litera-
tura brasileira”, segundo a crítica do Diário de Notícias:
Nele o autor como que se reconcilia com o Brasil e sua gente. Porque nenhum livro do conhecido
novelista de Praia de Ipanema é tão brasileiro como este agora publicado. A Ilha Selvagem é mais
que um romance brasileiro, é um romance tupi, o romance de nossos antepassados.
1213
1210
THÉO-FILHO, A ilha selvagem. São Paulo: Saraiva, 1968.
1211
Beira-Mar, 25 de junho de 1932, capa.
1212
THÉO-FILHO, A ilha selvagem, folha de rosto.
1213
Beira-Mar, 9 de julho de 1932, p. 5.
239
A ilha selvagem tocava no problema da fundação do Brasil. Para Clovis Beviláqua, o motivo da
história era “o encontro das duas raças na ilha desconhecida, a branca e a vermelha, das quais
havia de surgir, mais tarde, o tipo brasileiro”.
1214
Théo-Filho reconhecia, no entanto, que a narra-
tiva desse encontro era uma tarefa problemática:
(...) é preciso conhecermos o que se passou no Oceano que nos abriga de norte a sul, e de onde vie-
ram os homens desconhecidos que tomaram de nossos avós a liberdade e a vida, deixando em nossa
alma esse sentimento confuso e grandioso que torna o Brasil e o seu povo uma pátria à parte (...)
(...) o meu romance tenta descrever esse estado de alma do Brasil em começo (...).
1215
Quando o livro chegou ao público, o país vivia uma época de revalorização dos mitos indígenas
como referências da nacionalidade brasileira. Nesses anos circulava, por exemplo, a proposta
lançada por Cristóvão de Camargo de um “Vovô Índio” em substituição ao Papai Noel. Esse res-
gate do passado tupi era incentivado especialmente pelo movimento integralista, com que simpa-
tizava M. N. de Sá e onde militavam colaboradores de Beira-Mar, como Custodio de Viveiros.
Era possível se interpretar A ilha selvagem como uma afirmação do componente índio na forma-
ção do povo brasileiro. Afinal, os caetés venciam os portugueses no último combate. A pitiguar
capturada por Fernão Barroso, por exemplo, representava “a nativa orgulhosa que não se deixa
vencer pelo conquistador branco”. Nhanduguaçu, (...) “ao contrário de Moema, (...) mantém-se
fiel aos princípios de sua tribo”.
1216
Arnaldo Tabayá via a tensão do romance como uma manifestação de “volúpia tropical”. Estavam
em operação a “terra quente e o moreno da índia incendiando a lascívia portuguesa”. O Brasil, na
sua visão, era herdeiro dessa paixão: “É a mulher morena, restos desses mesmos selvagens, que
voa em nossos sonhos”.
1217
O jovem colaborador de Beira-Mar, sem dúvida, pensava nas sereias
bronzeadas que liam Espelho de Você. Théo-Filho também sugeria esse parentesco ao atribuir à
beleza de Nhanduguaçu “a superioridade da perfeição venusiana”.
1218
1214
“Pórtico” in THÉO-FILHO, A ilha selvagem.
1215
Beira-Mar, 9 de julho de 1932, p. 5.
1216
Beira-Mar, 16 de julho de 1932, p. 6.
1217
Idem.
1218
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 49.
240
O livro, todavia, podia ser lido como um dos velhos romances de Théo-Filho, rico em descrições
de tipos acanalhados e figuras afins. Na personalidade de Diogo como na de Pero Fernão, mistu-
ravam-se traços de caráter próprios de corajosos marinheiros e de covardes assassinos. Eram pira-
tas e não se entregavam à sua aventura com boas intenções. Os personagens, na ilha selvagem,
eram os mesmos de sempre, apenas haviam se transferido para o passado.
Seu trabalho seguinte deu continuidade à aposta na história naval brasileira, iniciada com a Fra-
gata Niterói. Em 1934, apareceu A grande aventura de John Taylor, pela editora Civilização
Brasileira. Além dos feitos de 1823, o livro abrangia outros episódios, como “o bloqueio de Per-
nambuco efervescente, em 1834, e a intervenção militar na província do Pará, durante a Cabana-
da, em 1835”. Théo-Filho defendia a importância do comandante inglês na história nacional:
“Entre os oficiais estrangeiros que se bateram pela causa da Independência não há, certamente,
figura mais prodigiosa que a de John Taylor”. Ao contrário de Cochrane, que “passou pela nossa
esquadra com a rapidez de um meteoro”, Taylor havia se naturalizado e se casado com uma brasi-
leira, filha de brigadeiro. Pelo menos agora, nessa biografia romanceada, o protagonista, no lugar
dos patifes que o autor tanto se esmerava em desenhar, era o “esplêndido marinheiro de Greenwi-
ch”. Acompanhada de uma pequena bibliografia, a obra se baseava em “dados e elementos forne-
cidos, na maioria, por seu neto João Taylor”.
1219
No intervalo entre 1933 e 34, voltaram a circular alguns dos seus títulos de sucesso: As virgens
amorosas, na quinta edição, Dona Dolorosa, na sexta edição, e Annita e Plomark, aventureiros,
na quarta edição.
1220
Obras antigas ganhavam sobrevida nessa época de nacionalismo literário.
Por exemplo, M. Sobrinho, representante da editora Marisa, classificava As virgens amorosas,
cuja reedição estava sob seus cuidados, como um “livro genuinamente nosso”, pertencente à voga
do “sadio nacionalismo por que está atravessando o livro brasileiro”.
O interesse de Théo-Filho pelo mundo naval não mudou nos anos seguintes. Em 1937, chegou às
lojas, pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, o livro Navios perdidos, coletânea de textos origi-
nalmente publicados no Correio da Manhã.
1221
Um deles, “À sombra do Kennemerland”, tam-
1219
THÉO-FILHO, A grande aventura de John Taylor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934, 223 p.
1220
Beira-Mar, 9 de setembro de 1933, p. 2; 28 de abril de 1934, p. 4; 25 de agosto de 1934, p. 2.
1221
Beira-Mar, 10 de julho de 1937, p. 2.
241
bém apareceu em Beira-Mar.
1222
A obra se organizava em duas partes: “No tempo dos veleiros” e
“No tempo dos submarinos”. Títulos como “A captura do Cacique”, Tamandaré, gentil-homem
do mar” e “Episódios navais farroupilhas”, na primeira parte, e “O torpedeamento do Tijuca”, “A
morte do cargueiro Tupi”, “Combate naval em Itacoatiara” e “Bloqueio de Santos”, na segunda,
confirmavam a preferência do escritor pela história nacional, característica dessa fase marítima da
sua literatura.
1223
Ao fim de uma década e seis livros editados (1927-37), Théo-Filho havia conquistado o lugar de
“escritor do mar”, “o romancista do mar brasileiro”, “romancista do mar” ou “o cronista do
mar”.
1224
Sua identidade com o mar penetrava todos os aspectos da vida. Uma indiscrição de Ha-
rold Daltro informava o leitor de Beira-Mar que o artista vivia em Ipanema “entre relíquias mari-
nhas, com miniaturas de jangadas, de veleiros, e pelas paredes, quadros a óleo que são como ja-
nelas abertas para as águas verdes e misteriosas que ele tanto ama”.
1225
Na opinião de um crítico, Théo-Filho “recebeu, para a sua nova fase literária, as influências pode-
rosas de Farrére, de Jack London, de Paul Chack, de André Armandy”.
1226
Freqüentador do ban-
galô de Ipanema, Daltro concordava: “As obras de Farrere, Loti, Conrad, Paul Chack, os livros de
viagem e de aventuras onde há navios e piratas merecem-lhe a preferência”.
1227
Théo-Filho ainda
fez alusão expressa à leitura de Kipling.
1228
O autor brasileiro, portanto, havia renovado sua bi-
blioteca e passava a gostar de escritores de língua inglesa. Mas, como sempre, continuava a bus-
car suas referências literárias na produção estrangeira.
A opção pelos episódios históricos brasileiros não ajudava Théo-Filho a acompanhar a tendência
literária nacional dominante. Seus apreciadores costumavam dizer que sua reputação “se fez dis-
tante dos grupinhos klaxoneantes dos elogios mútuos”,
1229
numa alusão ao círculo da revista mo-
dernista Klaxon. O cosmopolitismo que marcava sua trajetória desde a juventude e a afinidade
1222
Beira-Mar, 19 de janeiro de 1935, p. 4.
1223
THÉO-FILHO, Navios perdidos. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1937, 176 p.
1224
Beira-Mar, 27 de junho de 1931, p. 7; 28 de abril de 1934, p. 4; 7 de agosto de 1937; 21 de agosto de 1937, p. 2.
1225
Beira-Mar, 7 de agosto de 1937, p. 2.
1226
Beira-Mar, 27 de junho de 1931, p. 7.
1227
Beira-Mar, 7 de agosto de 1937, p. 2.
1228
THÉO-FILHO, Impressões transatlânticas, p. 13.
1229
Beira-Mar, 10 de julho de 1937, p. 2.
242
renovada com uma literatura internacional podiam contribuir para afastá-lo do modelo de arte que
então se afirmava como brasileiro. A própria escolha temática também devia pesar nesse afasta-
mento. Enquanto muitos escritores, na vaga regionalista dos Anos 30, procuravam no interior
rural do país referências que servissem à produção de uma literatura com identidade nacional,
Théo-Filho, num movimento isolado, se voltava para o mar.
***
Após Navios perdidos, sete anos se passaram sem que o escritor chegasse às livrarias. Foi o perí-
odo de declínio de Beira-Mar. Correspondeu aproximadamente à vigência do Estado Novo. Foi
também tempo de guerra mundial e desencanto para os brasileiros identificados com a Europa.
Em 1939, Théo-Filho publicou no jornal praiano vinte e três capítulos de memórias, em forma de
folhetim.
1230
Escreveu sobre a infância no Recife, a juventude literária, a partida para o Rio, os
tempos difíceis, o Correio da Manhã, o primeiro emprego público... Não se estendeu muito sobre
a primeira experiência européia, sob a alegação de já ter contado essas aventuras nos 365 Dias de
Boulevard. Ainda apresentou a turma da Gazeta de Notícias, mas interrompeu a série na descri-
ção do episódio da briga na avenida Rio Branco.
Nesse mesmo ano, passou a anunciar o lançamento de um novo romance. Chegou a publicar em
Beira-Mar uma dúzia de capítulos, em intervalos irregulares, até 1940.
1231
Era mais uma aventura
náutica, que se chamaria “Cargueiro” ou “O cargueiro desamparado”. No jornal, como de costu-
me, não se noticiava nada sobre o diretor da redação. Graças apenas a uma exceção, os leitores de
Beira-Mar, através de uma transcrição do Correio da Manhã, tomaram conhecimento de que
Théo-Filho fora “promovido, por merecimento, ao último posto de oficial do Ministério da Justi-
ça, por decreto do Presidente Getulio Vargas”.
1232
1230
De 14 de janeiro a 22 de julho de 1939.
1231
11, 18 e 25 de novembro de 1939; 23 de dezembro de 1939; 3 de fevereiro, 17 de fevereiro, 23 de março, 27 de
abril, 15 de junho, 10 de agosto, 26 de outubro e 9 de novembro de 1940.
1232
Beira-Mar, 18 de dezembro de 1943, p. 9.
243
Somente em 1944 o escritor ressurgiu nas livrarias, com Romance tropical, dedicado a Erna e
publicado pela editora carioca Epasa.
1233
Marcava seu retorno ao tempo presente e o fim da obra
de ficção histórica. Simultaneamente, interrompia a série naval, para recuar de volta à praia. Mas
desta vez escolheu como cenário de seu enredo uma praia nordestina, afastada dos grandes cen-
tros urbanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, um náufrago sueco é encontrado, entre a vida e
a morte, à beira da cidadezinha de Sossego. Começa aí a história de como Hans, em luta contra o
atraso, o conservadorismo, a corrupção, a maledicência e o ciúme, casa-se com uma brasileira e
consegue levantar uma empresa de exploração de madeira, trazendo para o lugar os benefícios da
civilização. Ao contrário de Praia de Ipanema, o novo livro era uma aventura bem-sucedida.
Em Romance tropical, entretanto, Théo-Filho apoiava uma tese segundo a qual, se era possível o
desenvolvimento do Brasil, somente a capacidade de empreendimento de um estrangeiro podia
dar conta desse desafio. Esse pensamento, aliás, havia se esboçado, dez anos atrás, na proposta
de John Taylor para o papel de herói nacional. Portanto, ainda que tentasse se aproximar do inte-
rior rural, como faziam outros literatos, Théo-Filho não escapava à orientação do ponto de vista
cosmopolita, de matriz européia, que havia acompanhado toda sua experiência de vida.
Por ocasião do lançamento de Romance tropical, o escritor concedeu uma entrevista à revista
literária Dom Casmurro.
1234
O crítico Heliodoro de Oliveira Reis foi à rua Montenegro, 34, “a
dez passos da praia”, ouvir, entre um “cock-tail” e outro, o depoimento de Théo-Filho a respeito
da vida e da obra. O “selvagem”, agora com mais de cinqüenta anos, era apresentado como ho-
mem definitivamente recolhido a uma vida reservada:
Théo-Filho nunca recebe visitas. Foi sempre um solitário. Costuma dizer aos amigos: eu sou um
eremita. No Ministério da Justiça, onde ocupa a chefia de um serviço de alta responsabilidade, cha-
mam-no "Théo, o taciturno".
1235
Ainda que solitário, Théo-Filho conservava relações de prestígio no meio literário. Sua trajetória
o colocava numa posição especial, de que estava consciente. A idéia que tinha de sua própria
1233
THÉO-FILHO, Romance tropical. Rio de Janeiro: Epasa, s/d, 409 p. Beira-Mar, 12 de agosto de 1944.
1234
Beira-Mar, 28 de outubro de 1944.
1235
Idem.
244
importância na literatura podia ser avaliada pelo modo como respondeu à pergunta sobre por que
não se candidatava à Academia Brasileira de Letras:
O motivo é talvez ridículo, mas poderoso: não quero saber de associações que tiranizam os seus
membros com a obrigação de um falatório de duas horas, perante uma multidão extasiada. Sou vis-
ceralmente rebelde a todo academismo. Já uma vez estive a pique de ter minha candidatura lançada.
Pereira da Silva, que foi meu companheiro de muitos anos no "Mundo Literário", deu todos os pas-
sos necessários à apresentação do meu nome. Teria apoio dos acadêmicos pernambucanos, Adelmar
Tavares e Austragésilo que dirigiriam o movimento. Mas recusei tanta bondade. (...).
1236
Contudo, a despeito do prestígio entre os amigos acadêmicos, Théo-Filho não escondia a mágoa
provocada pela dificuldade então encontrada para publicar seus livros, quando falou sobre como
se sentia tratado pela crítica:
Ela concorreu, desde o primeiro momento, para o êxito de minhas obras. Tive três livros prefacia-
dos por grandes nomes: Silvio Romero, José do Patrocínio Filho e Agripino Grieco. O que sempre
me animou é que eu nunca fui negado. Os próprios inimigos jamais me consideraram um romancis-
ta de segundo plano. É verdade que nos últimos anos tive de sofrer a sistemática campanha do si-
lêncio, das igrejinhas que tomaram as livrarias. Isso, deve convir, nada adianta nem diminui o méri-
to de ninguém. É um fenômeno que se reproduz sempre que uma geração começa a aparecer. Eu
também fui assim, quando chefiava, com Pereira da Silva, o cenáculo da Livraria Leite Ribeiro, di-
rigindo o "Mundo Literário". (...).
1237
Em contrapartida, jamais citou um único brasileiro entre seus escritores preferidos. Suas leituras
se atualizavam, mas permaneciam restritas à produção estrangeira:
Até bem pouco lia de preferência a literatura francesa. Fatiguei-me dela. Hoje prefiro os anglo-
americanos e os alemães. São dois alemães os escritores da minha predileção. Thomas Mann e Emil
Ludwig. Prefiro ainda o francês Roger Martin du Gard e o grupo de língua inglesa: Aldous Huxley,
John Steinberk, Charles Morgan, Sinclair Lewis, Louis Bromfield, James Hilton, Somerset Mau-
1236
Beira-Mar, 28 de outubro de 1944.
1237
Idem.
245
ghan, Richard Liewellyn... Também leio o holandês Van Loon, que é uma verdadeira enciclopé-
dia... Sem datas...
1238
Junto com o Romance tropical, Théo-Filho renovava sua promessa de novos títulos. “O cargueiro
desamparado” continuava à espera de editor. Outro romance estava em preparo, “Hotel Beira-
Mar”. No verso da folha de rosto, também eram anunciados dois volumes de confissões: “Adeus,
verdes coqueirais” e “O Mundo Literário”. Mas os leitores deveriam ter paciência e aguardar o
retorno do autor por mais alguns anos.
1239
***
Quando publicou Ao sol de Copacabana, Théo-Filho se mostrava já desanimado frente à perspec-
tiva de continuação da carreira. Em longa dedicatória ao amigo Albertus de Carvalho, ele confes-
sava: “Você animou-me a publicar este romance num momento de decepção e desencanto”.
Contudo, o livro, lançado entre 1948 e 49 pela editora carioca Getulio Costa, constituía, com suas
quatrocentas e setenta páginas, o mais longo trabalho de Théo-Filho. Um enredo mais complexo
que o de costume, ramificado em tramas paralelas com maior número de personagens, abarcava
um largo período, organizado em três partes: 1917-1936, 1940-44 e 1948.
1240
Tratava-se da saga de uma família de pioneiros em Copacabana. Proprietários da “Pensão Beira-
Mar”, José Caetano Alves e D. Brites, casal de portugueses, criam em Copacabana seus cinco
filhos brasileiros: Pedro, Raymundo, Maria da Conceição, Afonso e Jacira. Quando a filha mais
nova conquista o primeiro lugar num concurso de beleza, Caetano se conta do potencial
turístico da praia e constrói o “Hotel Beira-Mar”. Nos Anos 40, o grande hotel de Copacabana
passa a hospedar uma leva de refugiados europeus elegantes, entre eles Jack Smith, agente comu-
nista em missão de ligação entre Moscou e o grupo de Luis Carlos Prestes. Jacira e Smith se a-
paixonam. Mas a prisão dele os afasta até o fim da guerra. No epílogo, aparecem casados, total-
1238
Beira-Mar, 28 de outubro de 1944.
1239
THÉO-FILHO, Op. Cit., folha de rosto.
1240
THÉO-FOLHO, Ao sol de Copacabana. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Costa, s/d, 470 p.
246
mente integrados ao cotidiano copacabanense. O escritor repetia, portanto, o esquema de final
feliz com casamento entre o estrangeiro e a brasileira.
Esse foi o romance mais praiano de Théo-Filho. Em Praia de Ipanema, ele repercutia sua chega-
da ao novo mundo balneário. Agora, escrevia sua história depois de uma longa experiência de
vida na CIL. Nas páginas de Ao sol de Copacabana, portanto, foram registrados aspectos da praia
que o autor conheceu. Ficaram referências ao aprendizado de natação das crianças, aos esportes
praticados nas areias, à perfeição das mulheres de maiô e à corrida pelos cupons em época de
eleição da rainha das praias – “o jornal fazia render a coisa, vampirescamente, arrancando as eco-
nomias dos namorados caprichosos (...)”.
1241
Personagens reais se misturavam à ficção. M. N. de Sá era o principal deles, símbolo histórico de
Copacabana e amigo inseparável dos Alves. Finalmente, distanciado da rotina de Beira-Mar,
Théo-Filho pintava o retrato do parceiro:
Na dupla sala do Bon Marché, a da frente reservada à confeitaria, a de trás destinada ao armazém de
comestíveis, imperava com a sua austera fisionomia ainda jovem, a sua tradicional afabilidade.
Entre as duas salas ficava o seu gabinete e o estrado do caixa. José Caetano falava-lhe, enquanto ele
rodava a manivela da caixa automática, marcando o dinheiro e fazendo o troco. Sentado em esguio
banco, atrás da caixa registradora, o Sá ouvia o outro, silenciosamente (...).
1242
Esse homem confiante dos Anos 1920-30, porém, foi substituído por um M. N. de pessimista,
na década seguinte. Farto da guerra, “confessava que não mais lia nos jornais os telegramas de
Europa”. Seus problemas pessoais também o fatigavam. Num desabafo, revelava sentimentos e
preocupações que o perseguiam no fim da vida:
Não façam como eu, que estou a envelhecer estupidamente, acordando às 4 horas da madrugada,
falou Sá. Não vou a uma estação de cura, não tomo férias, estou escangalhado, creio que não dura-
rei muito tempo... Mas não posso afastar-me do Rio. Não posso! (...).
1243
1241
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 56.
1242
Idem, p. 24.
1243
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 317.
247
Em Ao sol de Copacabana, Théo-Filho dava continuidade à sua obra de apologia da vida balneá-
ria, agora em forma de livro. Jacira Alves era o modelo da nova mulher brasileira identificada
com a praia uma mulher moderna, jovem, esportiva, sensual, bronzeada, bela e preocupada em
ser bela.
Ficava deliciosa no seu maiô verde cuidadosamente ajustado, ou no short de seda, que lhe realçava
as primeiras curvas audaciosas, preciosas (...) Era um encanto vê-la na praia a dominar os rapazotes
com a sua exuberante presença de espírito. (...) Possuía um sentido por assim dizer freudiano. Era
simplesmente sexual. Não amava ninguém porque amava o homem. Tinha a obsessão do homem e
de ser bela, desejada, perfeita, para dominar (...).
1244
Jacira era o extremo oposto da sua irmã mais velha, a quem repugnava “a nudez da praia”. Maria
da Conceição
(...) era uma moça apegada à religião, acreditando piamente nos sermões, gostando de ver o padre
Castelo Branco, in pontificalibus, a murmurar seu dominus vobiscum, participando das obras pias da
igreja do Bonfim e dirigindo um dos setores da Casa do Pobre de Copacabana. (...) Não perdia uma
novena. Detestava bailes. Abominava as futilidades de Jacira.
1245
A descrição de Jacira a heroína que vencia no final da história correspondia ao padrão de
comportamento liberal da nova geração de banhistas, aceito nas praias cariocas e digno da simpa-
tia do escritor:
Depois do lauto café, Jacira espalhava-se pela praia. Espalhava-se era assim que dizia, para frisar
a sua perambulagem até o instante de mergulhar satisfatoriamente na água. Espalhava-se, para po-
der conversar aqui, cantarolar acolá, deter-se na companhia de algum rapazinho devaneador, dirigir
o jogo de vôlei, torcer durante uma partida de futebol na areia. A barraca verde se tornava refú-
gio quando o sol lhe escaldava a epiderme. Andava tostada como uma nordestina e orgulhava-se da
sua pele curtida pela canícula, dos seus olhos claros que adquiriam singular expressão na moldura
dessa pele de sertanista. Chamava os rapazes de boy (...).
1246
1244
Idem, pp. 44-45.
1245
Idem, p. 89.
1246
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 45.
248
A crescente importância da cultura comercial dos Estados Unidos no Brasil, reforçada com o des-
fecho da 2
a
Guerra, repercutia no livro. Théo-Filho aderia à nova tendência. Continuava fiel à sua
posição avessa ao passadismo. Era com menosprezo que expunha, por exemplo, a perspectiva dos
hóspedes tradicionais da “Pensão Beira-Mar” face à revolução dos costumes:
Esse gênero de retardatários estimava Copacabana como a tinha conhecido no tempo das pitanguei-
ras e horripilava-se com os aspectos fantásticos, as irritantes exibições de despudor e a deletéria in-
fluência do veneno americano. A acreditar nesses sensatos, o povo ianque, diluído pelo cinema, era
o mais depravado e o mais ateu do globo. Copacabana perdia os seus foros de nobreza ao querer
ombrear-se com as praias da Flórida ou da Califórnia.
1247
A mudança de costumes era problemática e mais ainda porque se combinava às transformações
urbanas de Copacabana. O livro de Théo-Filho era sensível às tensões que se produziam entre
gerações no curso desse processo. Seus personagens se davam conta das contradições de que o
progresso se fazia acompanhar no âmbito dos costumes. Por exemplo, a propósito do sermão de
um padre que associava a poluição da praia à “imagem moral de Copacabana”,
1248
ficou este diá-
logo entre pai e filha:
(...) Não resta dúvida: lavra em Copacabana uma censurável depravação. Ainda hoje eu e o
conversamos longamente a esse respeito à porta do Bon Marché. O Sá, que conheceu a Copacabana
das pitangueiras, dos cajueiros, das pescas milagrosas e das cabanas de sapê, também está atônito. É
pessoal escandaloso a viver entre a boa gente tradicional, a trazer maus costumes e modas pernicio-
sas, a ensinar vícios europeus...
– O Sá é como o senhor, papai! opinou Jacira, modernista suscetível a todas as inovações. Ele pensa
que o relógio do tempo não tem ponteiros... Tem e andam depressa... Mas muitas contradições
nos comentários sobre o progresso, nos sermões amaviosos para uso das beatas inconsoláveis e no
sorriso de cimento armado, que vai subindo sem ligar importância aos retrógrados...
1249
1247
Idem, p. 47.
1248
Idem, p. 179.
1249
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 180.
249
A noção de progresso percorria a história dos Alves, da instalação da pensão à construção do
“Hotel Beira-Mar”. O hotel em torno do qual se conectavam as vidas dos diversos personagens
do romance simbolizava a passagem da Copacabana familiar para a Copacabana cosmopolita.
Nos Anos 40, com a Europa em guerra, a praia brasileira conquistava prestígio internacional,
reforçado pelo testemunho de um público de refugiados acostumados ao padrão balneário e hote-
leiro europeu. Na apreciação de uma jovem belga recém-chegada, Copacabana se apresentava
deslumbrante:
Tudo em Copacabana lhe parecia surpreendente, nunca estivera em uma praia como aquela. (...) Ti-
nha ganas de dizer coisas impensadas ou audaciosas. Davam-lhe vontade de cantarolar a entrada
monumental do hotel, os seus lances de mármore, os seus cento e quarenta apartamentos, os seus
200 quartos, os espelhos do Hall, o abrigo antiaéreo de uma garage para cinqüenta automóveis, ele-
vadores rápidos e macios como jamais vira na Europa, uma criadagem polida e branca, orquestra,
perfumes soltos no ar, cantochão do mar próximo, jazz band de klaxons, descarga de motores pela
avenida em curva de arco (...).
1250
No entanto, a descrição do luxo convivia com percepções contrastantes a respeito do legado do
progresso. Uma outra estrangeira, hospedada no Beira-Mar” por mais tempo, mostrava o extre-
mo oposto de Copacabana. Irma Kauffmann
(...) afirmava ao irmão, em amarga linguagem, que o Rio se transformara numa cidade de aspecto
miserável. Nem na África se encontrava tanta gente andrajosa. Nas filas de ônibus os pedintes es-
tendiam as mãos, exibindo chagas, atrofias orgânicas, cancros purulentos, lepra, aleijões. O arranha-
céu não conseguira civilizar a ralé. O povo alimentava-se mal, raquítico, em vésperas da fome.
Os gêneros de primeira necessidade tornavam-se inacessíveis.
1251
Théo-Filho dispunha dos seus personagens para lidar com pontos de vista conflitantes. Contudo,
longe de permanecer isento, o autor tomava partido nas discussões que apaixonavam suas criatu-
ras. Sua identificação com os protagonistas e com posições coerentes com as suas era confir-
1250
Idem, pp. 116-117.
1251
Idem, p. 250.
250
mada pelo destino que lhes concedeu na história. Os leitores que o conheciam também podiam
detectar traços autobiográficos nos seus heróis, como já havia ocorrido em outros livros.
Um dos temas era a figura do jogador que se regenera, correspondente à sua experiência desas-
trada nos cassinos europeus. Nas Virgens amorosas, Théo-Filho havia descrito Guilherme Mo-
niz, o malandro que abandona o jogo em troca do amor de Déa Lacerda (e um emprego na fábrica
do cunhado).
1252
Agora, em Ao sol de Copacabana, criava Jack Smith, o revolucionário que os
tiras da polícia secreta consideravam “mais jogador profissional que conspirador ou espião”.
1253
No epílogo, Jack aparece casado e regenerado: Acometera-o repentinamente amarga ojeriza às
cartas de jogo”.
1254
Outro tema autobiográfico persistente correspondia à figura do escritor ambicioso em busca do
sucesso. Desta vez o desempenho do papel coube à protagonista. Apaixonada, Jacira sonhava em
se dedicar à literatura, de um modo que lembrava os primeiros ímpetos do jovem plumitivo:
Durante esses vagares de inexplicável melancolia, Jacira trancava-se no seu quarto lendo e relendo
os romancistas prediletos. Metera-se-lhe na cabeça a ambição de colaborar em jornais. Descobrira
súbita vocação para observadora da vida mundana. Admirava-se do numero extraordinário de mu-
lheres que andavam a escrever sobre todos os assuntos e até sobre Freud (...). Refugiava-se mais
uma vez na mania de redigir coisas audaciosas. Escolhera até um título para o primeiro trabalho:
"PRAIA Romance de Jacira Alves". Todas as cariocas morreriam de inveja. Os homens admirá-
la-iam com fervor (...).
1255
***
Nos três últimos romances que publicou, Théo-Filho não voltou à praia como tema central de
suas histórias. E também não apresentou nenhuma inovação que pudesse devolver interesse a sua
literatura.
1252
THÉO-FILHO, As virgens amorosas, capítulos II, V e VIII.
1253
THÉO-FOLHO, Ao sol de Copacabana, p. 109.
1254
THÉO-FILHO, Op. Cit., p. 459.
1255
Idem, p. 123.
251
Desde Ao sol de Copacabana, prometia um “romance de funcionária pública”. Em 1955, lançou
Onde estão os homens?, uma história que envolvia colegas de uma mesma repartição.
1256
Théo-
Filho, portanto, continuava a escrever sobre assuntos que conhecia. Branca, uma das principais
personagens, era na verdade Théa, filha de Cláudio Lacerda e Querubina Doria. O autor retoma-
va, assim, a fantasia da “Crônica Social de uma Família Brasileira”. A maior parte da trama
transcorria no Rio de Janeiro, mas foram raras as passagens enquadradas na praia. Em Onde estão
os homens?, a preocupação do autor era o ingresso da mulher nas atividades profissionais. Para a
epígrafe, Théo-Filho escolheu um discurso do ditador português Oliveira Salazar: “O emprego da
esposa desagrega o lar, torna os membros da família estranhos uns aos outros e é nocivo à boa
educação dos filhos”.
1257
No ano seguinte, saiu finalmente seu romance todo passado a bordo de um cargueiro, começado
em 1939. Anoiteceu no mar representava o retorno extemporâneo de Théo-Filho às histórias de
final triste. Dois militares, após uma batalha contra forças rebeldes, no Recife, são embarcados
com uma leva de prisioneiros no cargueiro Capibaribe, sem nenhuma explicação, sem nenhuma
noção do seu destino. O capitão desse navio-prisão semiclandestino aos poucos enlouquece e a
embarcação, depois de abalroada numa operação de socorro, vai a pique lentamente. Todos mor-
rem ao pôr-do-sol.
1258
Experiência em São Paulo, publicado em 1961, ao contrário do que sugere o título, não foi o ro-
mance paulista de Théo-Filho.
1259
A maior parte da história do seu vigésimo quinto livro se passa
no Rio de Janeiro, na Tijuca, onde Eduarda assiste ao processo de definhamento do marido, ven-
dedor mal-sucedido, explorado por um agiota e, por fim, vítima de um câncer. Depois que o es-
poso morre, a heroína consegue ser nomeada professora, apaixona-se novamente e realiza, com o
namorado, um belo passeio a São Paulo, a pretexto de visitar a Bienal. Com essa obra, portanto,
Théo-Filho fazia as pazes com a presença da mulher no mercado de trabalho.
1256
THÉO-FILHO, Onde estão os homens? Rio de Janeiro: Pongetti, 1955. 371 p.
1257
THÉO-FILHO, Op. Cit., folha de rosto.
1258
THÉO-FILHO, Anoiteceu no mar. Rio de Janeiro, Pongetti, 1956, 221 p.
1259
THÉO-FILHO. Experiência em São Paulo. Rio de Janeiro, Pongetti, 1961, 218 p.
252
Embora produzisse em ritmo bissexto, Théo-Filho mantinha prestígio entre os colegas de literatu-
ra que, na grande imprensa, continuavam a se manifestar a favor da sua obra. Entre eles estavam
Menotti del Picchia, Peregrino Junior, Romeu de Avelar, José Condé, Adelino Magalhães, Helio-
doro Reis, Edmundo Lys e Joaquim Thomaz.
1260
Este último, por exemplo, não se conformava
com o “silêncio odioso em que procuram escondê-lo os chamados donos da literatura da nossa
praça”.
1261
A tendência, apesar do carinho dos amigos, era o seu esquecimento. Talvez a sua ati-
tude reservada contribuísse nesse processo. Nessa época, Alfredo Horcades, seu colega durante
trinta e cinco anos na revista Nação Brasileira, descrevia o escritor como “um asceta e um inso-
ciável, (...) um monge da literatura”, que vivia “insulado e arredio na sua casa de Ipanema”.
1262
Parece que continuaria assim nos anos que se seguiram à publicação de Experiência em São Pau-
lo. Segundo as enciclopédias, Théo-Filho morreu em março de 1973.
1263
Nos Anos 50 e 60, alguns de seus antigos romances estavam na segunda edição: A grande felici-
dade, Ídolos de barro, O perfume de Querubina Doria, Praia de Ipanema e A grande aventura
de John Taylor.
1264
Os novos romances foram todos editados pelos irmãos Pongetti, no Rio de
Janeiro. Neles, o escritor anunciava três livros de memórias: “Adeus, verdes coqueirais” (pelo
menos parcialmente publicado em Beira-Mar), “O Mundo Literário” e “Vida burocrática”. Numa
nota da revista Manchete de 1966, Théo-Filho confirmava a existência dos dois primeiros volu-
mes prontos para publicação.
1265
Teria de fato o autor concluído essas obras? Caso positivo, por
que não foram publicadas?
***
Quando ingressou em Beira-Mar, em 1925, Théo-Filho era um escritor consagrado. A partir daí,
iniciou uma nova fase literária, tão longeva que sobreviveria ao desaparecimento do jornal. Ao
voltar sua obra para o tema do mar, a partir de Praia de Ipanema, ele agia em coerência com a
escolha de vida que o investiu no papel de intelectual da praia carioca.
1260
THÉO-FILHO, Onde estão os homens?, orelha. THÉO-FILHO. Experiência em São Paulo, folha de rosto.
1261
THÉO-FILHO. Experiência em São Paulo.
1262
Idem.
1263
COUTINHO, Afrânio e SOUZA, J. Galante de (orgs.), Enciclopédia de Literatura Brasileira.
1264
THÉO-FILHO, Onde estão os homens?, folha de rosto.
1265
Manchete, n
o
751, 10 de setembro de 1966, p. 79.
253
Durante a fase marítima, a carreira de Théo-Filho se manteve no auge por muitos anos antes de
mergulhar num prolongado declínio. Ocorreram mudanças na produção dos seus livros. Os inter-
valos de publicação se dilataram depois que o autor abandonou a obrigação de lançar um novo
romance por ano. Ao mesmo tempo, terminou a estabilidade no relacionamento com os editores.
Em contraste com a longa série de títulos publicados nos Anos 20 pela Livraria Leite Ribeiro, nas
duas décadas seguintes nenhum de seus livros sairia por uma mesma casa editorial.
Pouco depois de se identificar com o mar, porém, Théo-Filho adotou uma nova orientação para
sua literatura, que se combinava com a posição de escritor atlântico. Com exceção das Impres-
sões, os seus títulos publicados na década de 30 A fragata Niterói, A ilha selvagem, A grande
aventura de John Taylor e Navios perdidos – foram ambientados no passado. Por um intervalo de
treze anos o romancista esteve afastado dos temas do tempo presente. Essa estratégia não repre-
sentava, como se poderia pensar, um alheamento de Théo-Filho à cena contemporânea. A preo-
cupação com os costumes, a cidade e a sociedade, encontrada no seu antigo repertório, continua-
va a se expressar na obra jornalística desenvolvida em Beira-Mar. Mas os freqüentadores das
livrarias bem que poderiam estranhar a súbita paixão do escritor pela descrição erudita de episó-
dios navais históricos.
Na verdade, esse desvio para a história não conseguia mascarar as limitações que a escolha do
mar como tema representava para a obra de um escritor brasileiro. Talvez essa opção fosse ade-
quada aos literatos ingleses de que Théo-Filho passou a gostar depois de instalado em Ipanema.
Eles encontravam com facilidade elementos para criar enredos ambientados nos mares por onde
havia se estendido o domínio colonial do Império Britânico nos últimos séculos. Entretanto, co-
mo poderia um escritor nacional propor uma literatura similar sem que seu país tivesse tradição
no mundo marítimo?
A trajetória literária de Théo-Filho acompanhou aproximadamente a curva descendente descrita
por Beira-Mar. Na primeira metade dos Anos 30, ele lançou quatro títulos novos e ainda viu ree-
ditados seus dois grandes sucessos de vendas, Dona Dolorosa e As virgens amorosas. Na segun-
da metade, publicou apenas um livro. A partir de Navios perdidos, passou então sete anos longe
do prelo, o maior período desde sua estréia na vida literária.
254
O declínio da presença de Théo-Filho no mundo literário nos Anos 30 teve impacto no processo
que o levou a ocupar um lugar tão obscuro na memória da literatura brasileira. Foi precisamente
nessa época que se formou o cânone que iria acompanhar as próximas gerações. Em 1935, A-
grippino Grieco lançou Gente nova do Brasil, compilação da crítica recente, onde praticamente
ignorava a fase histórico-naval do seu amigo, enquanto se entusiasmava com os primeiros traba-
lhos de José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, Mario de An-
drade, Marques Rebelo etc.
1266
Em 1944, Théo-Filho, saudoso talvez da experiência da praia per-
nambucana, ainda ensaiou uma tentativa tardia de ingresso na vaga regionalista, com Romance
tropical, que não teria continuidade.
O livro seguinte, Ao sol de Copacabana, pode ser interpretado como seu romance de maturidade.
Não apenas foi seu trabalho mais extenso e elaborado. Foi a obra que, mistura de memória e fic-
ção, fez justiça aos anos vividos na orla cilense, à frente do jornal praiano.
1266
Agrippino GRIECO, Gente nova do Brasil, pp. 9-26, 42-59, 110-130.
255
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De que forma explicar a existência de uma publicação como Beira-Mar e uma trajetória como a
de Théo-Filho? Como explicar a existência de um jornal de apologia à praia tão bem sucedido e
ao mesmo tempo ímpar – sem igual no Brasil, sem concorrente no Rio de Janeiro, sem antecessor
nem sucessor? Do mesmo modo, como explicar o aparecimento de um intelectual voltado para o
mundo balneário, igualmente sem êmulo e sem par?
A investigação do conteúdo de Beira-Mar e da obra de Théo-Filho mostra que a existência tanto
do jornal como do intelectual da praia não seria concebível fora de um período especial da histó-
ria, caracterizado por uma grande inflexão da cultura balneária que, por sua vez, se articulava a
um vasto processo de mudança social.
Nos Anos 1920 e 30, o mundo vivia uma fase de veloz transformação. A grande guerra, sem pre-
cedentes pelo poder de mortandade e mutilação da juventude, catalisou o aparecimento de incer-
tezas e desejos de mudança. A crise econômica internacional que se seguiu, para sempre simboli-
zada pelo craque da bolsa de 1929, também ajudou a minar a confiança no modelo vigente de
capitalismo. Ao mesmo tempo, contudo, fora da Europa, era possível um sentimento de otimis-
mo. O Produto Interno Bruto brasileiro, por exemplo, passou a crescer, na década de 30, a taxas
de 10% ao ano. Nesse período, o país até então predominantemente rural começou a viver um
acelerado processo de urbanização e industrialização. Em política, a instabilidade percorreu todos
esses anos de circulação do jornal. Assim, Beira-Mar foi contemporâneo de uma série de turbu-
lências guerras, revoluções e golpes em que estava em jogo o destino da nação: a Revolução
Paulista de 1924, a Coluna Prestes nos dois anos seguintes, a Revolução de 30, o Movimento
Constitucionalista de 1932, a Intentona Comunista de 1935, o golpe do Estado Novo em 1937 e a
256
tentativa de golpe integralista de 1938. Ideologias ascendentes, do fascismo ao socialismo, dispu-
tavam com o liberalismo a preferência dos leitores. No âmbito da alta cultura, movimentos reno-
vadores questionavam antigas concepções de arte. No Brasil, o modernismo, ao longo desse perí-
odo, passou da resistência contra o conservadorismo à conquista da aceitação oficial. Na trinchei-
ra dos costumes, também se quebravam tradições. As roupas, por exemplo, tendiam a diminuir,
em adequação às exigências do mundo urbano e às possibilidades de um estilo de vida esportivo.
Danças rápidas, como o fox-trot, tomavam os salões. A liberalização dos costumes, entretanto,
gerava reações moralistas. Entraram em vigor nessa época a Lei Seca nos Estados Unidos e a
proibição do nudismo na Alemanha. Em compensação, mudanças jurídicas favoreciam a emanci-
pação feminina. Nas eleições de 1932, no Brasil, as mulheres tinham direito a voto. Inovações
tecnológicas também estabeleciam novos costumes. A introdução do concreto armado, por exem-
plo, permitiu uma revolução no modo de morar nas grandes cidades. Inventos nem tão recentes,
como o automóvel, transformavam-se em produtos de consumo. O cinema se tornava o grande
divertimento moderno. O desenvolvimento da técnica trouxe, no final dos Anos 20, o cinema
falado e, uma década depois, o cinema a cores. Nesse intervalo, por sua vez, a tecnologia de
transmissão radiofônica ganhou uso comercial. Outros aspectos da vida ainda se transformavam
no curso dessas tendências. Os leitores de Beira-Mar, moradores dos bairros de elite de um cen-
tro metropolitano como o Rio de Janeiro, podiam sentir o impacto de todas essas mudanças, cri-
ses e inquietações.
Foi, portanto, no contexto de um mundo em transformação que ocorreu a grande inflexão do há-
bito praiano desencadeada com a adoção dos banhos de sol. As tendências balneárias se combi-
navam às tendências da sociedade. O gosto pela pele bronzeada, por exemplo, não teria se gene-
ralizado sem a autorização da ciência, concedida a partir da aplicação terapêutica dos raios ultra-
violeta. A redução das roupas de banho acompanhava um movimento geral da moda de vestir que
abrangia diferentes esferas da vida social. A campanha de repressão aos banhistas em 1931 podia
ser vista como parte da estratégia de controle da situação levada a cabo pelos revolucionários
recém-chegados ao poder. O surto de construção de arranha-céus em Copacabana, por sua vez,
não esteve dissociado da fase de crescimento da economia brasileira nos Anos 30.
257
A inflexão para o sol, ocorrida nas praias elegantes da Europa e dos Estados Unidos, repercutiu
de modo especialmente amplificado no Rio de Janeiro. Tratava-se de um caso raro de metrópole
e capital de um país colada a praias de banho tropicais como Copacabana e Ipanema. Não
tendia a se repetir no Rio a relação entre centros urbanos e cidades voltadas para as estações bal-
neárias, comumente encontrada em outros lugares do Brasil e do mundo. A prática do veraneio
em Copacabana não morreu nos Anos 20 e 30, mas sua importância decrescia à medida que a
cidade se desenvolvia em direção à orla oceânica. Com a proliferação dos prédios de apartamen-
tos nos bairros litorâneos, as praias passaram a ser procuradas por um número crescente de cario-
cas. Para essa população, o banho de mar estava disponível a poucos passos de casa, o ano todo.
Mesmo moradores de outros bairros tinham o acesso às praias favorecido. Na medida em que
provocava o alargamento do tempo de permanência nas areias, o gosto do bronzeado fazia valer a
pena o deslocamento de banhistas forasteiros para Copacabana, fosse por meio dos automóveis
que se multiplicavam nas ruas, fosse por meio do célebre “taioba”.
As novas tendências balneárias – o maiô cada vez mais curto, a pele bronzeada, o banho de sol, a
dilatação dos horários, a valorização da natação e dos esportes na areia ganhavam visibilidade
fora do comum numa cidade como o Rio de Janeiro. Os cariocas também percebiam a introdução
das novidades vindas do estrangeiro através das revistas ilustradas, do cinema americano e das
vitrines das lojas de moda. Gente da elite brasileira que viajava à Europa e aos Estados Unidos
tinha oportunidade de conhecer in loco os novos hábitos. Filhos e filhas dessas famílias tendiam a
reproduzir na paisagem de Copacabana e Ipanema as atitudes ostentadas pelos freqüentadores das
praias elegantes. Como seriam incorporados à capital da República os novos costumes praianos?
Em meio a um mundo em constante transformação nas diferentes esferas da vida, os contemporâ-
neos não podiam prever exatamente o lugar que a praia teria no futuro da cidade. Mas era possí-
vel se estimar que as praias de banho ganhariam importância, tendo-se em vista a combinação
entre as tendências internacionais do costume balneário e as condições geográficas particulares
do Rio de Janeiro. Foi assim que um determinado grupo fez uma aposta na praia como tema dig-
no da atenção da intelectualidade e da opinião pública. M. N. de Sá, Théo-Filho e um time de
jovens intelectuais, à frente de uma vasta rede de colaboradores, investiram boa parte de suas
energias num órgão de imprensa identificado com a bandeira balneária.
258
A função precípua de Beira-Mar era defender a praia fosse a praia como gênero de lugar ou de
programa de divertimento, fosse a praia carioca especificamente, representada por Copacabana e
adjacências. Cabia ao semanário praiano incentivar a freqüência aos banhos de mar e de sol entre
todos os cidadãos. Mas o objetivo dos manifestos de convocação às praias, redigidos por Théo-
Filho, não era tanto conquistar a adesão da população aos hábitos balneários. Independentemente
da existência de Beira-Mar, as praias do Rio e de Niterói iriam se encher de banhistas, amparados
em outros meios de difusão dos costumes. O objetivo do jornal era, sobretudo, dar forma ao uso
das praias por uma população cada vez maior. O que estava em jogo não era tanto a quantidade
de freqüentadores, mas a qualidade da freqüentação. Assim, ao difundir noções de elegância, be-
leza, saúde e bem viver, Beira-Mar procurava associar à praia brasileira um padrão de compor-
tamento civilizado.
O grupo de Théo-Filho falava em nome de uma elite à qual se referia freqüentemente por “aristo-
cracia”. Com efeito, Beira-Mar procurava representar os interesses dos moradores da região ci-
lense, geralmente famílias abastadas de proprietários. Suas edições eram patrocinadas em grande
parte por anunciantes locais, todos pequenos comerciantes bem-sucedidos. Talvez o jornal exage-
rasse no uso de termos como “haute gomme” ou “alta sociedade” para caracterizar seu círculo de
leitores. Sua reportagem não costumava, por exemplo, ter acesso ao Country Club, sediado em
Ipanema. Mas funcionava como porta-voz dos clubes praianos, freqüentados por gente dos pala-
cetes da Avenida Atlântica. Mais importante que a base social, contudo, era a orientação de clas-
se que o jornal imprimia ao seu discurso. Toda a apologia da vida balneária se baseava no exem-
plo de elegância proporcionado pelo comportamento da elite. O modelo de praia de Beira-Mar
era o balneário europeu que seu editor conhecia, caracterizado pela distinção social.
A difusão de um gosto refinado pela praia foi a contribuição de Beira-Mar para formação do cos-
tume balneário carioca. Na visão do semanário, a fruição dos prazeres praianos compunha um
amplo leque de interesses próprios da elite, que abrangia negócios, administração pública, assis-
tência social, religião, educação, saúde, esporte, arte etc. No jornal doméstico da elite praiana, a
erudição na música e na literatura se misturava ao entusiasmo pelas modernas expressões cultu-
rais, representadas pelo cinema e pelo rádio. Beira-Mar, certamente, não estava só. Outras publi-
259
cações e meios de comunicação, identificados com valores semelhantes, cooperavam para a in-
serção da praia no temário carioca. Mas o jornal de Théo-Filho foi a única iniciativa sistemática.
Beira-Mar floresceu enquanto se processava a última grande inflexão da vida balneária, caracte-
rizada pela introdução do gosto pelo sol e, particularmente no Rio de Janeiro, do gosto pelo ve-
rão. Enquanto esteve em aberto o problema da importância que teriam na cidade as praias de ba-
nho, o jornal praiano vingou. Uma elite habituada a estabelecer o padrão de conduta para a socie-
dade não se furtaria a orientar as novas práticas balneárias conforme sua visão de mundo. Quan-
do, porém, o novo uso das praias se incorporou à rotina da população e as gerações subseqüentes
passaram a freqüentá-las como se nunca se tivesse feito de outro modo, Beira-Mar havia per-
dido sua razão de ser. Consumada a inflexão, não fazia sentido o engajamento de intelectuais
nesse tema.
Em grande parte, o programa de Théo-Filho foi vitorioso. A orientação geral para que as areias se
povoassem de banhistas venceu. O uso da praia como espaço de divertimento e fruição de praze-
res conquistou a adesão da cidade. A atitude no Rio de Janeiro em relação ao verão se inverteu.
Traços importantes do modelo balneário difundido através de Beira-Mar se incorporaram ao esti-
lo carioca de freqüentar a praia. A tendência liberal em relação à diminuição da indumentária de
banho pode ser lembrada como exemplo desses êxitos. A praia esportiva foi outro sucesso da
plataforma cilense. A aposta no futebol jogado na areia, por exemplo, contribuiu para a criação
de uma das melhores tradições esportivas brasileiras. Todavia, o modelo europeu de praia de elite
foi derrotado noutros aspectos. A praia provida de equipamentos, trampolins, cabines, empresas
balneárias, transporte para banhistas, bebedouros nos postos e outras facilidades não chegou a
existir no Rio de Janeiro. Copacabana e suas irmãs se estabeleceram quase sem serviços públicos,
com exceção dos postos de salvamento, e sem atrativos, exceto pela proximidade da edificação,
de alguns hotéis, bares e dois cassinos. O prestígio das praias cariocas seria inconcebível na au-
sência de suas belezas naturais. Igualmente, a praia dos clubes, identificada com o bairro familiar,
não prosperou. A praia “aristocrática” foi sucedida pela praia de massa. Legitimada pelo exemplo
da gente elegante, uma multidão cada vez maior uma população incontrolável de banhistas cu-
jos nomes o colunista social não conseguia anotar se apoderou da orla nos domingos de sol.
Contudo, ainda que provocasse um recuo relativo das famílias de classe alta, a popularização da
260
praia acarretava a reafirmação do seu estilo de vida. Qual modelo de comportamento, afinal, ser-
viria de referência às multidões quando aderissem ao costume balneário?
O novo modo de freqüentar a praia estabeleceu-se na vida da cidade com a força de um costume.
Novas gerações de banhistas cariocas se formaram como se a relação das pessoas com a praia ao
sol do verão fizesse parte da natureza. O gosto balneário moderno se introduziu tão efetivamente
no habito da cidade que a própria memória de sua origem e transmissão desapareceu. O Rio de
Janeiro ingressava num tempo em que mesmo a idéia de um jornal de apologia à praia como Bei-
ra-Mar pareceria estranha.
À medida que penetrou no costume, a praia deixou de ser motivo de debate. Ao mesmo tempo, as
questões que animavam a nação se distanciavam da orla. Théo-Filho estava na contra-mão da
tendência intelectual brasileira quando optou pelo mar. Copacabana, sem dúvida, ganhou notori-
edade. O Brasil podia se orgulhar de possuir uma praia tão moderna e civilizada quanto as melho-
res da Europa e dos Estados Unidos. Mas Copacabana era cosmopolita demais para servir ao es-
forço de distinção de uma identidade brasileira. A afirmação da cultura nacional procurava refe-
rências próprias no interior do país. O território de dimensões continentais era o que desafiava os
brasileiros. Expressão política máxima dessa inclinação seria, mais tarde, mas ainda a tempo de
Théo-Filho assistir, a implementação da sonhada transferência da capital federal do Rio de Janei-
ro para o planalto central.
***
No estado em que hoje se encontra, a pesquisa a respeito desses três objetos Beira-Mar, Théo-
Filho e a praia no Rio de Janeiro – permite apontar algumas perspectivas de desdobramento.
A investigação sobre Beira-Mar sofre a carência de outra fonte além das próprias páginas do jor-
nal. Documentos administrativos talvez ajudassem a conhecer a organização de M. N. de Sá. A
história da imprensa no Brasil teria um curioso estudo de caso. Do ponto de vista das questões
balneárias, entretanto, uma tarefa que permanece por ser empreendida é a identificação e compa-
ração de experiências assemelhadas na imprensa periódica de diferentes países.
261
Sobre Théo-Filho, a pesquisa avançou sobretudo naquilo que era sua prioridade: a contribuição
do intelectual para a vida balneária carioca. Também permitiu a organização de um conjunto de
dados biográficos não considerados nos verbetes de enciclopédia. Contudo, deve funcionar como
biografia apenas a título provisório, enquanto não for feito um levantamento sistemático com
base num conjunto maior e mais diversificado de fontes. Théo-Filho é um personagem interes-
sante, para além dos problemas da praia e do divertimento. A localização completa das suas Con-
fissões deve ajudar a revelar aspectos de sua trajetória ainda pouco conhecidos, principalmente
com relação à vida literária e à experiência burocrática. Quando encontrados, materiais de outra
ordem, não procurados aqui, como documentos pessoais, correspondência etc., podem levar ao
aprofundamento da pesquisa. Também a investigação na imprensa está por ser continuada. A
busca pela presença de Théo-Filho em outros periódicos, num intervalo de tempo mais estendido,
deve aprimorar a descrição da sua trajetória intelectual. É possível que se esclareçam suas posi-
ções sobre outros assuntos dos costumes e da política. No campo da história da literatura, a análi-
se da sua obra fora do escopo desta dissertação pode contribuir para o conhecimento de um
longo período que atravessa a instalação do modernismo no Brasil.
Sobre a experiência carioca da praia, a pesquisa ainda está no começo. Beira-Mar é um material
excepcional para uma história balneária do Rio de Janeiro. O que se apresentou agora não foi
mais que uma amostra do que se pode explorar nessas ginas. É possível se avançar dentro dos
limites dessa mesma fonte na investigação de cada uma das questões levantadas no Capítulo IV.
Tendo-se em vista a dificuldade de obtenção de fontes, a imprensa parece ser uma aposta ade-
quada à pesquisa da praia. Jornais e revistas em geral, ainda que não com a generosidade de Bei-
ra-Mar, podem fornecer registros vários da vida praiana, numa cidade litorânea como o Rio. As
coleções conservadas nos arquivos da antiga capital permitem a abrangência de um largo período
a partir do século XIX. A contribuição de Théo-Filho pode, assim, ser avaliada segundo um corte
temporal decuplicado. Ao mesmo tempo, a variedade de títulos disponível para o estudo do perí-
odo de circulação de Beira-Mar 1922-1944 convida a um adensamento da pesquisa nesse
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.
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