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(ainda que seja linguagem da arte). Se por trás do texto não há uma
linguagem, este já não é um texto, mas um fenômeno das ciências naturais
(semiótico) (BAKHTIN, 2003, p.309).
São textos, e quando aprendemos música freqüentamos, mente-corpo, os dois
ambientes textuais. Isso se não levarmos em conta os gestos, olhares,
entonações verbais que formam textos dentro dos textos, como na música as
diferentes interpretações.
Faço aqui uma chamada de atenção para que não se confunda o transporte da
palavra pela música na canção
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. Este é o gênero musical mais difundido,
juntamente com a performance ou interpretação, a tal ponto que muitas pessoas
ao falarem de música estão se referindo às letras que nela estão presentes. Isto é
senso comum, pois o instrumento musical mais usado para estabelecer o
conhecimento musical é a voz, instrumento também da produção das palavras. É
com a voz que se cantam músicas.
Enquanto palavras têm existência, sentidos e significados, a música tem somente
existência e sentidos, ainda que evoque sentimentos, nos permita vivenciar
esquemas corporais como equilíbrio, distância, relaxamento e tensão, etc.
Enquanto existe no tempo ou na memória produz emoções, (re)construções
culturais e sociais, e até memórias de pessoas, épocas, dá idéias, nos conecta
com outros mundos esquecidos ou nem sonhados através da imaginação. Um
lugar, no limite, onde não se precisa das palavras para encontrar sentidos para a
existência. Nem palavras, nem pessoas, nem épocas, nem idéias, nem mundos,
nem imaginação. Só a sensação da música.
Existe uma variável que não vou discutir, a de um professor sem conhecimentos
musicais que venha a ensinar música
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- baseada na afirmação de que não há
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A canção, composição em verso (ANDRADE, 1989, p.87), pequena composição vocal, com ou sem
acompanhamento (JACOBS, 1978, p.95), é um objeto de estudo de grande interesse musicológico. Para
alguns autores, na canção a música está sobreposta por uma letra, servindo essencialmente como base
significativa para a declamação desta (TATIT, 1994). O uso de estratégias musicais para enfatizar o
conteúdo proposto pela letra acaba por ser algo muitas vezes empregado. Já Calvisius, tratadista barroco,
afirmou em 1592 que a música vocal é superior à música instrumental porque, com duas classes de figuras
retóricas atuando simultaneamente, “oferece prazer em dobro” (CALVISIUS apud CANO, 2000, p.41)1. É
interessante pensar a canção como produto de um encontro entre musicalidade e linguagem que,
dialogando, produzem uma narratividade que é guiada pela letra, mas não se orienta unicamente por ela.
Ou seja, na canção, a música tem letra tanto quanto a letra tem música (BASTOS, 1996; FRITH, 1988). O
que pretendemos aqui é buscar um sentido retórico em partes destas peças, utilizando alguns conceitos
diretamente dos tratadistas barrocos (PIEDADE; FALQUEIRO, 2007, p.2-3).
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Possibilidade desejada, por exemplo, planos municipais, entre eles o da Prefeitura de Campinas, ao incluir
cursos de banda rítmica para os professores generalistas do Ensino Fundamental I, do qual eu mesma fui