Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sônia Cristina de Almeida Santana e Santos
A IMPORTÂNCIA E A INFLUÊNCIA DA FÉ, DA RELIGIOSIDADE E DA
ESPIRITUALIDADE NA EXPERIÊNCIA DO CÂNCER DA MAMA
EM MULHERES MASTECTOMIZADAS
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Ciências da Religião pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
sob orientação do Prof. Doutor José J. Queiroz.
São Paulo
2008
id66085453 pdfMachine by Broadgun Software - a great PDF writer! - a great PDF creator! - http://www.pdfmachine.com http://www.broadgun.com
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
ads:
3
AGRADECIMENTOS
Esse trabalho requereu muitas mãos para que sua construção tivesse sido
possível. Embora correndo o risco do esquecimento e da injustiça, ouso elencar
algumas. Aquelas que, porventura, aqui não forem explicitamente citadas, saibam
que suas colaborações não foram menos importantes.
Direta ou indiretamente com todas vivenciei momentos extremamente
enriquecedores, quer na angústia das incertezas, nos compassos e descompassos
dos momentos, nos sorrisos, nas lágrimas, nos abraços, nos olhares.
Assim, construí esse trabalho, à beira de um abismo escuro e silencioso. Eu
o construí fiando palha, mas agora me dou conta tecendo ouro.
Nesse processo agradeço:
Primeiramente a Deus, que ultrapassa as minhas expectativas.
Aos meus pais, Cantildes e Maria, que na sua simplicidade me ensinaram
valores profundos da vida.
Ao Anselmo, pelo incentivo, apoio, paciência. Com quem dividi mais
diretamente os momentos turbulentos e cansativos desse percurso. Minha gratidão
por compreender que para construir fiando palha precisei me ausentar por tantos
momentos.
Ao Eros, pela companhia constante e alentadora.
Ao meu orientador, professor José J. Queiroz, que, com sua simpatia,
simplicidade e delicadeza, me acolheu e foi suficientemente bom, fornecendo
sustentação ao meu processo de desenvolvimento enquanto mestranda.
Ao prof. Dr. Edênio Valle, por ter sido o intermediário para que eu chegasse
à academia, pela pedagogia de ensino, pelo incentivo, pela solidariedade.
À querida secretária do Programa, Andréia Bisuli, pelo carinho,
disponibilidade e admirável empatia. Presença alentadora nos momentos incertos.
Aos colegas de curso, pelo enriquecimento dos tantos momentos
compartilhados.
4
À Gley, que me ajudou a confiar que tecendo palha à beira de um abismo
conseguiria encontrar, enfim, o sentido dessa e de tantas outras construções
possíveis.
À Profa. Dra. Maria da Glória Gimenes, quem primeiro me introduziu no
caminho da compreensão da espiritualidade como dimensão relevante para o
entendimento do ser humano como um todo integrado. Pelo acolhimento, incentivo,
respeito e compartilhamento de idéias tão fecundas para a concretização desse
trabalho. Meu respeito, agradecimento e profunda admiração.
Às queridas mulheres que participaram dessa pesquisa. Minha especial e
eterna gratidão pelo tanto que me ensinaram e pelo muito que colaboraram para que
esse trabalho fosse possível. O carinho, a simplicidade, o despojamento tocaram a
alma.
À Nádia, colega de tantos encontros, com quem compartilho
constantemente, no atendimento às mulheres portadoras de câncer da mama,
momentos tão difusos quanto encantadores. Minha gratidão pelo apoio e
compreensão dos momentos em que precisei me ausentar.
À Irmã Maria Celina, in memorian, pelo testemunho e inspiração.
À Irmã Selma, à Célia e à dona Maria, pelo incentivo e confiança de que
essa construção seria possível.
Aos meus queridos alunos, que colaboram para o meu desenvolvimento
como pessoa e profissional.
À Lucy, à Larissa, à Kátia e ao Gustavo pela colaboração no processo de
lapidação dessa construção.
Ao Pe. Caetano Rizzi, pelas sugestões tão proveitosas ao trabalho.
Enfim,
Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.
Fernando Pessoa.
5
A oração ao Deus Desconhecido
Antes de prosseguir em meu caminho e lançar o meu
olhar para frente uma vez mais, elevo, só, minhas
mãos a Ti na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas de meu cora
ção, tenho
dedicado altares festivos para que, em cada
momento, Tua voz me pudesse chamar.
Sobre esses altares est
ão gravadas em fogo estas
palavras: Ao Deus desconhecido.
Se, sou eu, embora at
é o presente tenha me
associado aos sacrilégios.
Se, sou eu, n
ão obstante os laços que me puxam
para o abismo.
Mesmo querendo fugir, sinto-me for
çado a servi-Lo.
Eu quero Te conhecer, desconhecido.
Tu, que me penetras a alma, e, qual turbilh
ão,
invades a minha vida.
Tu, o incompreens
ível, mas meu semelhante, quero
Te conhecer, quero servir só a Ti.
Friedrich Nietzche
6
RESUMO
O diagnóstico de neoplasia da mama pode determinar repercussões indesejadas e
imprevistas na vida da mulher, afetando as dimensões física, psicológica, social e
econômica. O processo do tratamento e a noção de viver com uma enfermidade fatal
podem desencadear reações emocionais negativas como: perda de apetite, insônia,
alterações de humor, medo de ser abandonada pela família e amigos, temor de
recidiva e da morte, além dos impactos psicológicos sobre a imagem feminina. Este
trabalho demonstra a importância e o sentido que a fé, a religiosidade e a
espiritualidade podem desempenhar na experiência do diagnóstico e tratamento
dessa enfermidade. Aponta também, como a vivência dessas dimensões influencia
a qualidade de vida das mulheres que foram entrevistadas neste estudo nessa fase
traumatizante de suas vidas. Assim, a fé, a religiosidade e a espiritualidade
representaram um fio condutor que integrou um suporte relevante de condições
biopsicosocioespirituais na vivência dessas mulheres.
Palavras-chave: câncer da mama, fé, religiosidade, espiritualidade, qualidade de
vida.
7
ABSTRACT
The diagnosis of breast cancer can have undesired and unforeseen repercussions
on the life on womens lives, thereby affecting their physical, psychological, social
and economic life of women. The treatment process and the notion of living with a
fatal disease can trigger a host of negative emotions such as: loss of appetite,
insomnia, fear of being forsaken by family and friends and dread of recurrence, in
addition to the psychological impact on the feminine body image. This work
demonstrates the importance and the meaning that faith, religiosity and spirituality
can have in the experience of the diagnosis and treatment of this disease and how
these dimensions influenced the quality of life of the women in our sample in this
traumatizing period of their lives. Thus faith, religiosity and spirituality have
represented the guiding thread that allowed integrating a relevant support of bio-
psycho-socio-spiritual conditions in the experience of these women.
Key words: breast cancer, faith, religiosity, spirituality, quality of live.
8
SUMÁRIO
Lista de Quadros, Tabelas e Figura........................................................................10
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
..
...11
CAPÍTULO I - RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE...............
..
.....18
1.1 Considerações Introdutórias.............................................................................18
1.2 Religião................................................................................................................18
1.2.1 A religião sob vários olhares..........................................................................19
1.3 Religiosidade e experiência religiosa..............................................................26
1.4 Espiritualidade....................................................................................................39
1.5 A fé na interface entre o religioso-teológico e o existencial-psicológico.....52
CAPÍTULO II - PELAS VIAS DO CÂNCER...............................................................56
2.1 A doença e seu histórico...................................................................................57
2.2 Dados sobre o câncer da mama..............................................................
..
........63
2.3 Da doença ao estigma........................................................................................69
2.4 Etiologia multifatorial do câncer: estresse, psicoimunologia e
psicossomática...................................................................................................74
2.5 Etiologia do câncer da mama............................................................................80
CAPÍTULO III - BUSCANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA...........................93
3.1 Conversando com as mulheres a partir dos dados, vistos sob um
prisma analítico.........................................................................................
.
........93
3.1.1 Histórico de vida dessas mulheres...............................................................93
3.1.2 Quais foram as reações emocionais dessas mulheres diante
do diagnóstico?...............................................................................................95
3.1.3 Como essas mulheres perceberam a origem de sua doença?...................97
3.1.4 Qual (s) o (s) significado (s) do câncer para essas mulheres?..............100
3.1.5 O que essas mulheres pensaram quanto a reação dos seus
familiares e amigos a sua doença?............................................................102
3.1.6 O que mudou na sua vida dessas mulheres com o diagnóstico
de câncer de mama?.....................................................................................104
9
3.1.7 O que essas mulheres percebem que as ajudou a enfrentar o
diagnóstico e o tratamento?.........................................................................106
3.1.8 Qual a relação dessas mulheres com a fé até o momento
em que receberam o diagnóstico. Será que essa fé sofreu
alguma mudança a partir daí?.....................................................................110
3.1.9 Como a espiritualidade pôde ajudar essas mulheres nesse
período de suas vidas?................................................................................112
3.1.10 O que essas mulheres associam à palavra Deus?..........................
..
.......115
3.1.11 O que essas mulheres recomendam para outra mulher que
esteja passando ou irá passar pela mesma experiência com
o câncer da mama?.....................................................................................118
3.1.12 O que é a morte para essas mulheres?.....................................................121
CAPÍTULO IV - ASPECTOS PSICOSSOCIAIS, FÉ, EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
E ESPIRITUALIDADE NA VIVÊNCIA DO CÂNCER DA MAMA............................125
4.1 O câncer da mama: interpelações da identidade feminina..........................126
4.2 Sentimentos mais frequentes.........................................................................130
4.3 Variáveis psicológicas...............................................................................
..
....133
4.4 Repercussões psicológicas do câncer da mama...................................
..
.....139
4.5 Fé, experiência religiosa e espiritualidade na vivência do câncer
da mama...........................................................................................................141
CONCLUSÃO..........................................................................................................148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................153
ANEXOS..................................................................................................................172
10
LISTA DE QUADROS, TABELAS E FIGURA
Quadro 1 - A História do câncer: página informativa.......................................
..
......57
Quadro 2 - Fatores de risco para o câncer de mama........................................
.
.....81
Quadro 3 - Circunstâncias de vida nas quais se desenvolveu a doença................94
Quadro 4 - Quais foram as reações emocionais diante do diagnóstico?................97
Quadro 5 - Como percebem a origem da doença?.................................................99
Quadro 6 - Qual (is) o (s) significado (s) da doença para as mulheres?...............101
Quadro 7 - O que pensaram sobre a reação dos familiares e amigos
frente à doença?.................................................................................103
Quadro 8 - O que mudou em sua vida com o diagnóstico de câncer
da
mama?................................................................................................106
Quadro 9 - O que tem ajudou essas mulheres a lidarem com
diagnóstico e tratamento?...................................................................110
Quadro 10 - No momento do diagnóstico, qual a sua relação dessas
mulheres com a fé? Esta relação sofreu alguma mudança
daquele momento em diante?............................................................112
Quadro 11 - Como a espiritualidade pôde ajudá-las nesse período de
suas vidas?.........................................................................................114
Quadro 12 - O que vem a sua cabeça quando falo a palavra Deus?.....................117
Quadro 13 - O que recomendam para alguém que irá passar ou está
passando pelo mesmo momento?......................................................120
Quadro 14 - O que é a morte para essas mulheres?..............................................124
Tabela 1 - Estimativa 2008 de casos de câncer de mama no Brasil.....................65
Tabela 2 - Risco estimado de câncer da mama por 100.000 no Brasil.................66
Tabela 3 - Estimativa para o ano 2008 de casos novos por câncer, em
mulheres, segundo localização primária...............................................66
Tabela 4 - Classificação Geral dos Agentes Cancerígenos...................................77
Tabela 5 - Fatores que aumentam o risco de Câncer............................................77
Figura 1 - Fatores psicol
ógicos e/ou ligados ao estresse em
pacientes mastectomizadas..................................................................79
11
INTRODUÇÃO
Falar em câncer e espiritualidade é também falar de uma trajetória de vida
pessoal e profissional, onde encontros e desencontros, desespero e esperança,
angústia, questionamentos e rompimentos deixaram, sem nenhuma dúvida, marcas
profundas. Vivências essas que foram delineando, sem que eu mesma percebesse,
o caminho para a construção desta dissertação.
Quando cheguei ao hospital onde a pesquisa de campo desta dissertação se
desenvolveu, não supunha que viesse, alguns meses mais tarde me inserir em um
trabalho com pacientes oncológicos. Todavia essa era a necessidade profissional
que naquele momento o serviço necessitava.
Apenas conhecia minimamente o que era essa doença ou como se dava o
trabalho terapêutico com os seus portadores. Nesse momento, não poso negar o
meu amedrontamento sentia-me perdida, desamparada, ao mesmo tempo em que
as exigências do serviço demandavam respostas. Que respostas fornecer ? Por
onde iniciar a compreensão de algo que me parecia da ordem do difuso, do cindido,
mas que clamava por uma tradução mais inteira, mais suave e com contornos
melhor delineados.
As demandas, principalmente por atendimento médico, eram, como
continuam sendo, as prioritárias e intensamente solicitadas. Os próprios
profissionais médicos que solicitaram a presença de um profissional da psicologia no
serviço, não tinham muito claro o porq dela. Nesse contexto, questionava-me
como ocupar um lugar nessa equipe que, estonteada como eu, não conseguia voltar
um olhar mais atento e acolhedor para aquelas que ao serviço chegavam.
Essas mulheres chegavam, em sua grande maioria, desesperadas,
desamparadas, sem compreender muito bem o motivo pelo qual estavam ali e, em
muitos casos, recebiam o diagnóstico de ser portadoras de uma doença que, além
de carregada por uma série de estigmas depreciativos, iria modificar de maneira
indelével o universo de suas relações com seu próprio corpo, com sua sexualidade,
com seus papéis sociais, com o sentido da própria vida.
Ao deparar-me com o universo vivido por essas mulheres, defrontei-me com
minhas próprias vivências. Nesse momento, creio que também pude encontrar
algumas possíveis respostas que, até então, pareciam teimar em esconder-se. Uma
delas foi compreender o desafio que se delineava. Aceitei. E tal como a nossa
12
pioneira na história da Psicologia Hospitalar, Matilde Neder, compreendi que entrei
pelas portas do fundo desse serviço, sem estrutura, sem reconhecimento, sem
qualquer caracterização que pudéssemos identificar como sendo um serviço de
atendimento a pacientes, mulheres, com câncer da mama.
É nesse contexto que começou a nascer, concomitantemente, o serviço de
atendimento psicológico a pacientes portadoras de câncer da mama nesse hospital,
impulsionado pela ambigüidade da força e da não compreensão do como lidar com
tamanho sofrimento.
As mulheres com câncer da mama com as quais me relaciono têm, muitas
vezes, escrito em suas consultas páginas maravilhosas repletas de lições de vida,
que seguramente não tenho encontrado em nenhuma tese científica, artigo, livro,
dissertação. Elas têm demonstrado por meio de seus olhares, ora desesperados ora
esperançosos, em seus passos ora firmes ou cambaleantes, nos abraços afetuosos,
nos agradecimentos, incentivos e despedidas que, apesar de tanta dor, desamparo
e incertezas, há algo que as impulsiona a continuar lutando por si e pela própria
vida.
A experiência foi conduzindo minha atenção para melhor estudar e
compreender esse motivo. Tornou-se progressivamente evidente a sua importância
e que estava associado à fé em uma força de auxílio no enfrentamento dessa etapa
da vida desde o diagnóstico, a cirurgia, os tratamentos debilitantes.
Conversar sobre fé e espiritualidade nas consultas permitiu que a relação
com essas mulheres ganhasse novas possibilidades de construção e significação. A
espiritualidade se apresentava a princípio como algo difuso e impreciso. Por isso, na
presente pesquisa, pretendo desenvolver a sua compreensão, importância e
influência na vivência de mulheres com câncer da mama.
O objeto dessa pesquisa consiste no estudo da importância da fé, da
religiosidade e da espiritualidade na experiência do câncer da mama em cinco
mulheres mastectomizadas, com idade entre 35 e 55 anos, submetidas aos
tratamentos de quimioterapia e/ou radioterapia, atendidas em um Hospital Público,
em Santos, no período de junho de 2006 a junho de 2007.
O objeto será abordado em uma perspectiva multidisciplinar com concurso
de conceitos da área da Saúde, da Sociologia, da Psicologia e das Ciências da
Religião, que contribuem com as noções de religião, religiosidade e espiritualidade.
13
Os problemas da pesquisa giram em torno do processo de desequilíbrio
emocional advindo de uma situação crítica o diagnóstico de câncer da mama e os
tratamentos quimioterápicos e/ou radioterápicos. Essa situação levanta algumas
indagações:
A primeira é de índole teórica, pertinente às Ciências da Religião: qual o
sentido da fé, religião, religiosidade e espiritualidade ?
A segunda adentra pela área da saúde, da Sociologia e da Psicologia: como
entender o câncer da mama em sua evolução histórica e em seus efeitos
psicossociais ?
A terceira vai direto ao objeto sob análise: a fé, a religiosidade, a
espiritualidade têm repercussão positiva na vida dessas mulheres, e representam
um suporte religioso-psicológico na vivência do câncer da mama ? Como se
apresentam a fé, a religiosidade e a espiritualidade na vida dessas mulheres no
período entre o diagnóstico e os tratamentos ?
O diagnóstico de neoplasia da mama pode determinar amplas repercussões
na vida da mulher, afetando domínios físico, psicológico, social e econômico.
Mulheres que recebem este diagnóstico podem vivenciar reações emocionais
negativas como: perda de apetite, insônia, alterações de humor, medo de ser
abandonada pela família e pelos amigos, medo de recidiva e da morte, além dos
impactos psicológicos sobre a auto-imagem feminina.
Em minha prática clínica, constantemente presencio nessas mulheres tais
vivências emocionais. Chama-me atenção os modos como muitas reagem a essas
vivências: algumas negando-as, outras encontrando na família e amigos apoio e
força, outras referindo algo que as ajuda a encontrar sentido para o que vivenciam.
Por isso, levanto uma hipótese preliminar: a fé, a religiosidade, a
espiritualidade dariam sentido às vidas dessas mulheres e contribuiriam para lhes
fazer superar a situação adversa o que redundaria em uma melhor qualidade de
vida.
Tendo em vista todos os aspectos a serem trabalhados nos capítulos,
pretende-se como resultado final deste trabalho, apontar a importância da fé, da
religiosidade e da espiritualidade na experiência do diagnóstico e tratamentos do
câncer da mama, tendo como ponto de partida o relato de cinco mulheres
mastectomizadas.
14
O método usado na pesquisa é o qualitativo com o objetivo de refletir com
as informantes e extrair delas o máximo de dados e experiências possíveis.
Vale ressaltar que a utilização desse método nos permite compreender o
processo de elaboração da experiência vivida por cada mulher frente ao diagnóstico
e tratamentos do câncer da mama.
O instrumento utilizado para coleta de dados foi inicialmente um questionário
composto por 32 perguntas (vide anexo 2). As perguntas foram utilizadas como
estímulos para que as mulheres pudessem livremente expor a elaboração de suas
vivências.
Após a apreciação desse questionário pela banca de qualificação dessa
pesquisa e à medida em que procedeu-se à uma leitura mais crítica do mesmo, foi
verificado que algumas das perguntas presentes nesse questionário o
direcionavam-se diretamente para o objeto dessa pesquisa, o que tornava os dados
bastante dispersos e sem um foco mais dirigido para o objeto. Desse modo, optou-
se por uma seleção mais acurada das questões, e, daí, limitou-se o número das
questões de 32 já existentes, para 12 que foram cuidadosamente analisadas e
reconhecidas como contemplando mais diretamente o objeto. Este segundo
questionário reformulado encontra-se no anexo 2.
A amostra foi composta por cinco mulheres que receberam o diagnóstico de
câncer da mama, com idade entre 35 e 55 anos, submetidas à mastectomia e
tratamentos quimioterápico e/ou radioterápico. São pacientes de um hospital
estadual de referência na cidade de Santos em São Paulo. As participantes foram
entrevistadas de novembro de 2006 a fevereiro de 2007. Não apresentavam outras
doenças como: hipertensão, diabetes, por exemplo, nem transtornos psiquiátricos
diagnosticados.
Os critérios para inclusão na amostra foram os seguintes:
- o sexo: foram incluídas na amostra apenas pacientes do sexo feminino;
- a idade: foram incluídas na amostra pacientes com faixa etária entre 35 e 55 anos;
- o diagnóstico: foram incluídas na amostra apenas pacientes com diagnóstico de
câncer da mama;
- acessibilidade: as participantes deveriam estar em seguimento m
édico junto ao
Ambulatório de Mastologia do Hospital.
15
- fase do tratamento: foram incluídas na amostra apenas as pacientes que já haviam
se submetido à mastectomia (total ou parcial) e que estavam terminando ou
haviam terminado o tratamento radioterápio e/ou quimioterápico.
Cuidados éticos foram adotados para a inclusão das mulheres no presente
estudo. Em primeiro lugar, teve-se como princípio básico o respeito às voluntárias e
à instituição hospitalar. Assim, o projeto foi encaminhado para o Comitê de Ética e
Pesquisa do Hospital, tendo sido aprovado.
Tomou-se o cuidado de esclarecer antecipadamente os objetivos do trabalho
e as condições de sigilo profissional para cada participante, sendo que a pesquisa
só foi realizada com aquelas que concordaram abertamente com o trabalho e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que encontra-se no
anexo 3. Foi também explicitado que a não aceitação de participação no trabalho
não traria nenhum prejuízo ao atendimento institucional da paciente.
A entrevista foi aplicada individualmente, em situação face a face, em um
ambiente preservado (sala de atendimento do serviço de psicologia do ambulatório
de mastologia do hospital), com condições adequadas de conforto. Cada entrevista
teve o tempo médio de uma hora e meia para cada participante.
As falas de cada mulher foram gravadas e transcritas na íntegra pela
pesquisadora.
Assim se pode buscar, no texto escrito frente a cada questão do
questionário, sentidos e compreensão, como também buscar temas com conteúdos
comuns e refletir a respeito dos possíveis significados destes temas à luz da
literatura revisada.
O contato com as pacientes que correspondiam aos critérios de inclusão na
amostra foi realizado por telefone e uma conversa inicial foi necessária para que
fossem explicitados os objetivos e as condições de realização do estudo. Nesse
contato telefônico, a pesquisadora oferecia às pacientes a possibilidade de um
encontro para que fossem proporcionados maiores esclarecimentos sobre a
realização da pesquisa, a fim de oferecer-lhes subsídios que fundamentassem a
decisão de participar ou não do estudo.
Assim, as participantes contatadas que se mostraram dispon
íveis para
comparecerem a esse primeiro encontro tiveram a oportunidade de serem
esclarecidas da maneira mais ampla e completa possível sobre os objetivos e limites
16
do estudo, e os prováveis benefícios e riscos envolvidos na pesquisa, através de um
rapport que se propunha a oferecer ativamente informações que pudessem
fundamentar a tomada de decisão sobre a conveniência, para as mulheres
contatadas, de submeterem-se ou não aos procedimentos da pesquisa naquela
etapa de suas vidas.
Observou-se que esse primeiro encontro, em todos os casos, já se constituiu
como o início da coleta de dados, dado que, após a leitura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, todas as pacientes que haviam atendido à
convocação da pesquisadora e comparecido ao hospital já se colocaram à
disposição para iniciar a entrevista. O consentimento foi formalizado mediante a
assinatura do Termo de Consentimento.
As entrevistas foram transcritas e em sua análise foi utilizada uma
abordagem qualitativa, visando identificar as concepções, crenças, valores,
motivações e atitudes das participantes. O método empregado foi a análise de
conteúdo, procedimento através do qual os dados obtidos o categorizados de tal
maneira que traga à tona os temas mais enfatizados e comuns a todas as mulheres
entrevistadas.
Os quadros (1 a 12) foram elaboradas para que se pudesse identificar mais
claramente as participantes, as verbalizações e a freqüência de resposta
apresentada frente a cada questão do questionário.
As verbalizações das informantes foram transcritas na íntegra.
A partir desses dados qualitativos, a pesquisadora discute e reflete sobre as
vivências relatadas e seus significados.
Finalmente, com os dados organizados, discutidos apresento as vivências
das cinco mulheres diagnosticadas com câncer da mama e que passaram por
tratamentos quimioterápicos e/ou radioterápicos e qual o lugar da fé, da
espiritualidade, e da religiosidade nessa vivência.
O corpo da dissertação organiza-se nos seguintes capítulos:
O primeiro, Religião, Religiosidade e Espiritualidade pretende demonstrar,
na polissemia destes conceitos, as suas aproximações, tangenciamentos e mesmo
distanciamentos. O capítulo pretende focalizar os referenciais teóricos que embasam
a análise do objeto.
17
O segundo capítulo, Pelas vias do câncer, tem por objetivo, traçar um
panorama dessa patologia, o seu histórico, os dados atuais sobre o câncer da
mama, o estigma provocado pela doença, a etiologia multifatorial do câncer em geral
e do câncer da mama.
O terceiro capítulo, Buscando os resultados da pesquisa, expõe os dados
coletados através das entrevistas realizadas com as cinco mulheres, organizados
em tabelas, analisados e discutidos a partir dos eixos teóricos apresentados nos
capítulos anteriores.
O quarto capítulo, Aspectos psicossocias, fé, experiência religiosa e
espiritualidade na vivência do câncer da mama pretende apresentar os sentimentos
mais freqüentes, as interpelações da identidade feminina, as variáveis psicológicas e
suas repercussões, e como a fé, a experiência religiosa e a espiritualidade se
expressam e contribuem para a qualidade de vida dessa mulheres na vivência do
câncer da mama.
18
CAPÍTULO I - RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE
Os dogmas assustam como trovões.
E que medo de errar a seq
üência dos ritos!
em compensa
ção, Deus é mais simples do
que as religi
ões. (QUINTANA, 1998, p.36)
1.1 Considerações Introdutórias
Neste capítulo, procurar-se-á trabalhar o significado destes termos: religião,
religiosidade e espiritualidade, uma vez que, atualmente, tais vocábulos trazem em
si uma atrativa e preocupante polissemia. Talvez devido a isso, são tratados ora
como sinônimos, ora de maneira dúbia ou confusa.
Facilmente, tendemos a colocar os termos: religião, religiosidade e
espiritualidade, lado a lado, como vizinhos próximos ou até mesmo como ilustres
desconhecidos, mas concedendo-lhes conteúdos idênticos. Pretende-se, por meio
dos autores citados, mostrar as aproximações, tangenciamentos ou mesmo
distanciamentos que se fazem em seu manuseio.
Para tanto, iniciaremos esclarecendo o termo religião; em seguida buscamos
o sentido dos termos religiosidade, experiência religiosa e espiritualidade.
1.2 Religião
A começar, pode-se dizer que a religião é um fenômeno altamente complexo
que desafia qualquer definição abrangente.
Cabe a Mário Quintana nos iniciar no percurso de esclarecimento do
primeiro termo em questão: a religião.
Para esse poeta, Deus é mais simples do que as religiões, porque se torna
necessário esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-
lo sem nome no assombro da vida.
Daqui partiremos acompanhados pela nobre companheira poesia,
construindo um caminho através do qual nos seja possível, através das paragens
nos vários autores, encontrarmos o sentido do termo religião.
19
E é esta simplicidade, talvez, a característica principal que encontraremos
nas mulheres que são sujeitos da nossa pesquisa.
1.2.1 A religião sob vários olhares
Iniciaremos nosso percurso em busca do encontro do termo religião pelo que
diz o Dicionário de Espiritualidade.
Nesse encontramos a seguinte definição: Religião: qualquer doutrina que
demanda interpretação, compromisso e fé, que permite uma prática com objetivos
éticos, estéticos e emocionais. Uma religião se caracteriza por uma filosofia e um
corpo de princípios morais que dela derivam e que devem ser seguidos pelos fiéis.
Um olhar psicológico da religião
Autores como Valle (1998) e James (2002) assim apresentam o sentido do
termo religião: para o primeiro, a religião é um conjunto orientado e estruturado de
sentimentos e pensamentos. O homem e a sociedade tomam, por meio dela,
consciência vital de seu ser íntimo e último e, simultaneamente, nela se torna
presente o poder do sagrado. Para o segundo, a religião é um conjunto de
sentimentos, atos e experiências do indivíduo humano, em sua solidão, enquanto se
situa em uma relação com seja o que for por ele considerado divino. Essa
compreensão de James tem dois focos: um é a relação com o divino, e o outro, o
que se passa na solidão do indivíduo. Esse último ponto de vista não é
compartilhado por Verbit (apud VALLE, 1998, p.42), para quem o histórico e o social
devem ser levados em consideração e colocados em conexão.
Da mesma maneira, Vergote (apud VALLE, 1998, p.43) aceita em parte a
posição de James, dando preferência à definição de R. H. Thouless (apud VALLE,
1998, p.43) que tem na concepção desse autor uma visão mais ampla do fenômeno
religioso. Assim, para Thouless, a religião é uma relação vivida e praticada entre o
ser humano e o ser ou seres supra-humanos nos quais ele crê, (apud VALLE, 1998,
p.43). A religião em consequência é um comportamento e um sistema de crenças e
de sentimentos. O autor ressalta que o indivíduo pode ter experiências
rigorosamente individuais, assim como pode, também, praticar rituais coletivos sem
aderir interiormente ao sentido transcendente que esse ritual culturalmente possui.
20
Vergote, de maneira clara e resumida, nos fala da religião:
A história põe em relevo que a religião jamais é a
realidade mental de uma idéia ou um sistema
objetivo de pr
áticas de culto, mas, sim, de um lado,
um encontro com o divino, e de outro, uma resposta
por meio de uma pr
áxis. O encontro pode ter lugar
pela via do conhecimento interior, pela leitura
simb
ólica do mundo, pela escuta iniciática ou
extática de uma palavra sagrada, por uma visão ou
uma ilumina
ção. Em todo caso, é sempre algo que
se d
á em um ser humano integral, ser da
afetividade e da intelig
ência. A religião é um
conjunto orientado e estruturado de sentimentos e
pensamentos. O homem e a sociedade tomam,
por meio dela, consci
ência vital de seu ser íntimo e
último e, simultaneamente
nela se torna presente
o poder do Sagrado. (VERGOTE, apud VALLE,
1998, p.44)
Ainda retomando Valle (1998), esse autor enfatiza que:
as religiões são uma realidade culturalmente
construída ante a qual seres dotados de
consciência reagem, mas nelas entra em jogo
interativo e proativo o homem todo (com seu
inconsciente tamb
ém) com todos e cada um dos
componentes constitutivos de seu ser (o biol
ógico,
o afetivo, o cognitivo e o interpesssoal). É dessa
complexa s
íntese que emerge o homo religious,
cuja experiência culminante é sempre uma
experi
ência espiritual única que o põe ante o
Absoluto, seja qual for a definição que se a este
último.
Um olhar sociológico da religião
Para Durkheim (1971) a idéia de religião também associa-se a de igreja,
instituição. Portanto para esse autor:
uma religião é um sistema unificado de crenças e
práticas relativas às coisas sagradas, ou seja,
coisas apartadas e proibidas - crenças e práticas
que unem a todos os seus adeptos em uma só
comunidade moral, chamada igreja. (p.492)
21
Weber (apud VALLE, 2005, p.94), vai dizer que a religião é algo apenas
funcional, um constructo sociológico que se insere em uma busca socialmente
realizada de sentido de pertença.
Um convite para um novo olhar para a religião
Pesquisadores como Lopes, Cargnin, Wondracek (2002, p.72), observam
que o ser humano, ao longo da história tem vivenciado uma religião dogmática e
sem mobilidade, ou seja, construída num sistema de fórmulas e práticas, com
orientações claras e contornos precisos. Expressando que:
na tentativa de atenuar a angústia do ser os
homens construíram, ao longo dos séculos,
grandiosos altares. Com areia, tijolos e cimento,
ergueram a possibilidade de relacionar-se com o
Sagrado.
Desse modo, para esses pesquisadores, a religião acaba perdendo a sua
dinamicidade passando a ser pobre e doente. A falta de flexibilidade faz com que a
pessoa não possa vivenciar e expressar a essência criativa deste convite de Deus a
um relacionamento.
Boff (2001) vai chamar a atenção para a religião que se institucionaliza em
forma de poder, seja esse sagrado, social ou cultural e que, dessa maneira, pode
acabar se tornando túmulo.
Quando a religião se esquece da espiritualidade,
ela pode se autonomizar, articulando os poderes
religiosos com outros poderes[.....] Ao se institu-
cionalizar em forma de poder, seja sagrado, social
ou cultural, as religi
ões perdem a fonte que as
mant
ém vivas - a espiritualidade[....]. As
institui
ções religiosas podem tornar-se, com seus
dogmas, ritos e morais, o t
úmulo do Deus vivo.
(BOFF, 2001, p.15 )
Para o autor, nós habitamos as nossas religiões, tal como acontece com a
linguagem, porque toda religião promete ao ser humano salvação, defende a vida e
nos abre à eternidade, como também nos mostra o caminho de como chegar a essa
eternidade, que é o caminho da reta doutrina e da retidão da vida.
22
Em conformidade com esse autor, Kung (1999, p.55) também enfatiza que
as grandes religiões, apesar de suas diferenças doutrinais e tradições, apresentam
convergências fundamentais. Entre as mais significativas elenca: a) o cuidado com a
vida: todas defendem a vida, especialmente aquela mais vulnerável e sofrida;
prometem a expansão do reino da vida, quando não a ressurreição e a eternidade,
no tocante não apenas à vida humana, como também a todas as manifestações
cósmico-ecológicas; b) comportamento ético-fundamental: todas apresentam um
imperativo categórico: não matar, não roubar, o violentar, amar pai e mãe . Esses
imperativos favorecem uma cultura de diálogo, sinergia, de não-violência ativa e de
paz; c) a justa medida: as religiões procuram orientar as pessoas pelo caminho da
sensatez, que significa o equilíbrio entre o legalismo e o libertinismo; d) a
centralidade do amor: todas pregam a incondicionalidade do amor; e) figuras éticas
exemplares; as religiões não apresentam máximas e atitudes éticas, como
também e, principalmente figuras históricas concretas, modelos; f) definição de um
sentido último: relaciona-se ao sentido do todo e do ser humano. A morte não é a
última palavra, mas a vida, sua conservação, ressurreição e perpetuidade.
Pessini (2000, p.435) diz que a religião codifica uma experiência de Deus e
assume a forma de poder religioso, doutrinário, moral e ritual ao longo de sua
expressão histórica. No seu sentido originário, esclarece esse autor, a religião é o
que liga e religa todas as coisas, o consciente com o inconsciente, a mente com o
corpo e a pessoa com o cosmo. O masculino e o feminino, o humano (imanente)
com o divino (transcendente). A missão da religião o se esgota no espaço do
sagrado. Seu lugar está no coração da vida. Quando ela é bem- sucedida, emerge a
experiência de Deus, como o sentido último e o fio condutor que perpassa e unifica
tudo.
Compartilhando das definições de Pessini (2000), Boff (2001) e Kung (1990),
Dalai Lama assim define religião:
Acredito que religião esteja relacionada com a
crença no direito à salvação pregada por qualquer
tradi
ção de fé, crença esta que tem como um de
seus principais aspectos a aceita
ção de alguma
forma de realidade metafí-ca ou sobrenatural,
incluindo possivelmente uma id
éia de paraíso ou
nirvana. Associados a isso estão os ensinamentos
ou dogmas religiosos, rituais, ora
ções e assim por
diante. (DALAI-LAMA, 2003, p.60)
23
Um olhar sobre a religião na interface com a saúde, a fé e a salvação
Terrin (1998, p.149) traz importantes reflexões a respeito da correlação entre
saúde e salvação. Em um primeiro momento, informa que ambos os o termos o
co-originários, ou seja, nasceram de um mesmo conceito e partilharam por muito
tempo um mesmo significado geral. Descreve que termos como sotería (em grego),
aquele que cura, o salvador; salus (na língua latina), saúde, salvação; shalon (em
hebraico), paz, bem-estar, prosperidade; todos eles expressam a salvação como
integridade da existência. Assim, demonstra que a salvação não pode ser
dissociada da saúde, não pode ser isolada dos contextos concretos em que se vive,
e se saúde e salvação são correlatas, em compensação a doença confunde-se com
os espíritos maus, com o pecado, e desse modo, a doença é a primeira experiência
pessoal do caos, da desordem.
É Pessini (2004, p.54) quem por sua vez, enfatiza que todas as religiões são
mensagens de salvação que procuram responder às questões básicas do ser
humano. Todas oferecem caminhos semelhantes de salvação: caminhos nas
situações de penúria, sofrimento; indicação de caminhos para um comportar-se de
forma correta e responsável nesta vida, a libertação de todo sofrimento, culpa e
morte. As religiões, para esse autor, m a ver com o sentido e o não sentido da
vida, com a doença, o sofrimento e a saúde das pessoas, com a liberdade e a
escravidão, com a justiça e a opressão.
Articulando essas contribuições desses autores, apresentamos a posição de
Hernandez (1996) que destaca a relevância que a relação com o sagrado assume
na vida individual: a pessoa sempre tem um espaço sagrado e, por conseguinte,
misterioso e cheio de significado (p.18). Vê que esse lugar é preenchido pela fé,
independentemente do objeto que a acolhe, mesmo que ela se expresse por sua
negação. Chama também a atenção para a relação dinâmica que se estabelece
entre o sagrado e o sujeito da fé, que evolui com seu amadurecimento psíquico,
sofre impactos durante as crises pessoais.
Reconhecido o lugar do sagrado, podemos agora falar sobre a fé e como
essa ganha importância relevante na história de vida de cada pessoa. Ela sofre
desafios crescentes, experimenta mudanças e, por sua vez, oferece respostas
esclarecedoras e estruturantes às crises da existência.
24
Para Fowler (1992, p.22) o termo fé deve ser entendido em seu sentido
grego original (de pistise pisteuo). Pisteuo quer dizer eu confio, me comprometo,
coloco todo o meu coração, empenho minha fidelidade.
Assim, para esse autor, a fé:
não é uma orientação uma dimensão separada da
vida, uma especialidade compartimentada. A fé é
uma orientação da pessoa total, dando propósito e
alvo para as lutas e esperanças, para os
pensamentos e ações da pessoa [....] é uma forma
ativa de ser e comprometer-se, um meio para
adentrarmos e modelarmos novas experi
ências de
vida [....] é sempre relacional, sempre um outro
na f
é. (p.24)
Smith (apud FOWLER, 1992) tem o cuidado de apontar a oposição existente
entre crença e fé, termos que muitas vezes são compreendidos como semelhantes.
Esclarece que a crença é o esposar certas idéias. Em contextos religiosos, a
crença surge do esforço de traduzir experiências da transcendência e relações com
ela em conceitos ou proposições. A crença pode ser um dos modos pelos quais a fé
se expressa. A fé, inversamente, é a relação de confiança em, e de lealdade ao
transcendente a respeito do qual se forjam as crenças. Procura esclarecer sua
posição definindo que fé é, portanto:
uma qualidade do viver humano. Na sua melhor
forma ela assume o aspecto de serenidade,
coragem, lealdade, e servi
ço: uma tranqüila
confian
ça e alegria que capacita a pessoa a sentir-
se em casa no universo, e a achar sentido no
mundo e em sua pr
ópria vida, um sentido que seja
profundo e
último e que seja estável, não
importando o que possa acontecer
à pessoa no
nível dos eventos imediatos. Homens e mulheres
com esse tipo de f
é enfrentam catástrofes e
confusão, afluência e dor, sem perturbações;
encaram as oportunidades com convicção e
energia; e relacionam-se com os outros com uma
jovial caridade. (p.21)
A fé é um fenômeno universal. Recorrendo ainda a Fowler (1992),
encontramos as seguintes explicações:
25
A fé é uma preocupação universal antes de sermos
religiosos ou irreligiosos, antes de nos
concebermos comocat
ólicos, protestantes, judeus
ou mu
çulmanos, já estamos engajados em
quest
ões de fé. Quer nos tornemosincrédulos,
agnósticos ou ateus, estamos preocupados com
as formas pelas quais ordenamos a nossa vida e
com o que torna a vida digna de ser vivida. Al
ém
disso, procuramos algo para amar, e que nos ame;
algo paravalorizar, e que nos d
ê valor; algo para
honrar e respei tar, e que tenha o poder de
sustentar nosso ser. (p.16).
Ellens, citado por Paiva (2004) diz que a aventura da fé forma e impele
nossa trajetória de vida. O referencial maior, encontramos na personalidade ímpar
de Jesus Cristo, exemplo de fé madura e integridade pessoal. Em nome dEle, diz o
autor, a comunidade cristã, ao longo da história, tem convidado a humanidade a
enfrentar as crises das experiências-limite com a resposta da fé. (p.346).
Na Carta aos Hebreus (11-1) São Paulo descreve a fé cristã: é o fundamento
da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Depois, continua, durante
todo esse capítulo, descrevendo desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento
a respeito de como esta fé manifesta-se nos vários eventos da história humana.
Heckert (2002, p.359) faz uma importante aproximação entre os termos:
sagrado, fé e religião. Assim, entende o sagrado como algo que nos toca
incondicionalmente, que aponta para o infinito, sempre capaz de exercer fascínio
sobre o ser humano. A fé expressa a busca pelo sagrado, constituindo-se na
resposta possível a seu apelo, a partir de nossa condição finita. No seu entender, as
religiões são pontes que se propõem estabelecer a relação com o sagrado, a partir
da sistematização da fé que anima pessoas e coletividades.
Para Levin (1994, p.1476) a relação entre religião e saúde é provavelmente
válida e possivelmente causal.
Levando em consideração essa relação, pesquisadores como Comstock;
Partridge (apud CAMBUY et. al., 2006, p.267) perceberam que os índices de
doenças cardíacas, enfisemas, tuberculose, cirrose e câncer são menores entre as
pessoas que participam com freqüência das práticas religiosas em igrejas. em
outras pesquisas discutidas por Argyle , verifica-se que a experiência diária da
religião confirma ou intensifica a fé, torna as pessoas mais otimistas e encoraja o
comportamento moral. Efeito desse tipo é denominado por esse mesmo autor como
26
bem-estar subjetivo. Um outro aspecto abordado pelo mesmo autor refere-se ao
fato de a vivência religiosa proporcionar uma sensação de significado e propósito
interior, além de uma troca de estado de humor negativo para um estado positivo.
(Argyle, 2000, p.268).
Esses dados apontados por esses pesquisadores, vão ao encontro do que
James (2002) indica a respeito da força positiva exercida pela religião na saúde.
Assegura esse autor que na medida em que a religião instiga confiança, leva a
pessoa a confiar em Deus, a olhar o mundo com senso de otimismo, e assim não há
remédio mais eficaz que esse. Finaliza seu pensamento declarando:
quem vê o mundo reconciliado com Deus e elimina
as contradi
ções possíveis da vida tem uma força
maior dentro de si mesmo, que lhe permite superar
as doen
ças eviver sadio. (p.73)
Procuramos mostrar algumas definições para o termo religião e a ele
aventamos alguns olhares: psicológico, sociológico; na interface com a saúde, a
e a salvação, que nos auxiliarão no entendimento da experiência vivida com o
câncer da mama, pelas mulheres participantes dessa pesquisa.
1.3 Religiosidade e experiência religiosa
Após essas incursões pelos autores e definições do primeiro termo, ou seja,
religião, faremos o mesmo com os termos religiosidade e experiência religiosa.
Croatto (2001) nos alerta que, para tratarmos religiosidade, torna-se
necessária uma linguagem mais fenomenológica e, desde aí, aponta a religiosidade
como algo inerente à experiência subjetiva do transcendente, que é mais do que a
mera soma dos componentes normalmente considerados pela psicologia.
Considera ainda que, embora a finalidade da vivência religiosa seja
transcendente, esta se dedica a uma experiência humana, própria do ser humano
condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histórico e cultural.
Assim, quando fala da experiência com a religiosidade ou experiência
religiosa, o autor explica que esta vai tomando forma, em primeiro lugar, como
experiência humana propriamente dita, numa vivência relacional: com o mundo (a
natureza, a vida e o que a realidade oferece) ; com o outro indivíduo; com o grupo
27
humano, pois todo ser humano está socializado em diferentes níveis: família, etnia,
bairro, município, estado, nação, clube, associação, igreja, etc..; o trabalho, o
transporte, os encontros e reuniões, as festas, os meios de comunicação, tudo
reúne e socializa, ou seja, o indivíduo está sempre em sociedade. As falas de
algumas mulheres pesquisadas corroboram a afirmação de Croatto: Terceira mulher
pesquisada: porque quando eu descobri, a primeira coisa que veio na minha
cabeça foi procurar os centros que eu freqüento, conversar com as pessoas que
sempre me acompanharam no centro; Primeira mulher pesquisada: esta relação
com minha família, é muito, muito importante para mim. Se não tivesse tido essa
ajuda, ou se eles não tivesse comigo, acho que seria muito difícil.
Croatto também afirma que, na experiência religiosa, está a dimensão
individual dos desejos, dos projetos, das realizações ou das frustrações de qualquer
indivíduo. Desse modo, cada ser humano constrói um projeto de vida que procura
realizar durante a sua existência, e diz que o viver humano oscila constantemente
entre o subjetivo e o intersubjetivo ou relacional:
Em tudo o que deseja e faz, o ser humano
manifesta que n
ão é um ser pleno: deve crescer
biologicamente, aprender intelectualmente,
preparar-se para buscar metas, melhorar a sa
úde,
aspirar a uma vida melhor, reiniciar uma e outra vez
caminhos novos; ainda na v
éspera da morte, sente
que tem que fazer algo para ser o que ainda não é.
É um ser que está sempre na busca.
Essa é uma
característica fundamental do ser humano.
(CROATTO, 2001, p.41)
Percebe-se que, ao falar em religiosidade, o autor sempre se refere à
experiência. Portanto, torna-se importante esclarecer aqui também este outro
conceito. Experiência vem do grego, empeiria, da matriz empíricoe de
empirismo, passando para o latim experientia e no nosso vocábulo português
experiência.
O senso comum atribui a essa palavra muitos sentidos, desde o mais
simples, que tem a ver com nossas formas básicas de sentir, conhecer e fazer,até o
mais complexo ligado à experimentação e verificação, a suportar ou sofrer alguma
coisa, até a que mais nos interessa que faz referência a percepção subjetiva
imediata de si próprio, das coisas e do mundo, ou do Sagrado. Nas palavras de
Valle (1998, p.22), essa última referência aborda um conhecimento que é
28
diferente, que nos atinge por se relacionar diretamente ao que nos está tocando,
sensorialmente, sem as intermediações de categorias do pensamento, propriamente
ditas.
Valle (1998, p.26) menciona, ainda, que a língua alemã possui duas
palavras, Erlebnis e Erfahrung, para referir-se a experiência. A primeira pode ser
traduzida por experienciar, indicando tratar-se de uma experiência que é mais
vivenciada pela pessoa do que ensinadaou aprendida a partir de fora, a partir dos
sentidos fisiológicos ou de pressões coletivas. a segunda, Erfahrung, vem do
verbo fahren e é utilizada para designar experiência religiosa. Significa viajar,
tendo conotação de externalidade. Designa algo empírico e concreto, parte do que
está fora, do que se percebe sensorialmente e pode ou não conduzir ao que está
no interior, ao que transcende o estímulo externo.
Para Croatto (2001, p.41) toda vivência humana é relacional; por isso ue a
vivência religiosa também o é, e até mais, pois relaciona também a realidade
humana com o transcendente . Desse modo, tal relação é específica e irredutível.
Levando-se em conta que a experiência religiosa continua humana, o seu resultado
será limitado à realidade e será sempre objeto de um desejo e de uma busca
incessantes.
Angerami (2004, p.60), citando Giovanetti, refere que, para esse autor,
religiosidade também é uma vivência da ligação com o transcendente, como bem
descreve Croatto. Acrescenta, no entanto, que a religiosidade implica
fundamentalmente uma relação com alguém que se reverencia e se reconhece
como maior do que o indivíduo. Religiosidade seria a maneira como alguém procura
ligar-se e entrar em relação com o Absoluto, com aquele ser que transcende o
próprio eu. Desse modo, continua Giovanetti, pode-se perceber que vivência
religiosa é buscar uma ligação com Deus, seguir-lhe os ensinamentos e
desenvolver-se a partir desses preceitos.
No âmbito religioso, Croattto (2001, p.45) enfatiza que as necessidades são
saciadas por realidades de ordem transcendente, dividindo tais necessidades em
três tipos: primeiro, as de ordem física, saciadas por milagres (cura, ressurreição);
segundo,as de ordem psíquica como a paz, o gozo da glória ou a visão de Deus,
estados místicos, amor plenificante; e, terceiro, as de ordem socioculturais, a
libertação como ação divina na história, irrupção de um mundo novo etc.
29
Um outro aspecto da experiência humana é lembrado por esse autor: o das
limitações. Podemos verificar ao longo de toda a história que o ser humano soube
criar maneiras de superar suas limitações recorrendo ao sagrado, por exemplo:
passar do fragmentário ao totalizador, que é o desejo do homo religious. A
felicidade, o descanso e o bem, nos textos sagrados, são descritos como
plenificantes, e o máximo para o ser humano, que deste modo cessam o desejo e a
busca; passar do finito ao duradouro e sem limites, é outra forma da totalização,
tratada sob o aspecto da duração. Do termo eterno ser tão comum; a falta de
sentido de muitas coisas que é anulada pela esperança: da ressurreição, da
libertação da alma, pela idéia de que a providência divina dirige a história e as
pessoas, pela influência de modelos divinos, por exemplo, o sofrimento de Cristo.
O mesmo autor nos lembra que, se quisermos compreender de maneira
mais profunda a experiência religiosa, torna-se importante que consideremos a
realidade experimentada pelo ser humano nos seguintes aspectos: ser, vida, força,
ordem e conhecimento. E nos seus opostos, como: nada, morte, impotência, caos,
ignorância (CROATTO, 2001, p. 47).
A ordem refere-se à inteligibilidade do mundo, à funcionalidade de suas
partes. Seu oposto o caos e confusão nos quais o ser humano não pode existir. Este
dado é essencial para a experiência religiosa, pois o caos deve ser vencido pelo ato
cosmogônico, especialmente a organização que faz do mundo um espaço inteligível
e funcional. O conhecer está ligado à sabedoria, à técnica, ao fazer. A força é uma
parceira do conhecer. O conhecimento e a sabedoria têm grande relevância na
experiência religiosa: mistério, revelação dos textos sagrados, etc..
Para Croatto (2001, p.47) todos esses aspectos citados são tão existenciais
quanto fundamentais, e também o na experiência religiosa, porque esta é
humana, faz parte do ser humano: incerto e sujeito a todos os perigos da finitude. O
presente que a vivência religiosa oferece é justamente a referência a outra
realidade: a transcendente.
Valle (1998), utilizando-se do termo, o faz de maneira a não distanciar-se do
senso comum. Para ele, a religiosidade se refere à experiência individualizada do
transcendente e deve ser distinguida da religião, que é a sua matriz instituída. Diz
ainda que as funções psicológicas e socioculturais das duas não são idênticas, mas
se completam e que na religiosidade se uma explicitação, uma culminação e
30
uma síntese, possível porque existe no ser humano uma consciência e um self
1
em condições de dar sentido ao que percebe em si, nos outros e no mundo.
Argumenta também que:
A religiosidade põe em jogo todos os veis da
consciência humana, em especial uma intenção
específica de referência a uma realidade maior,
invis
ível e numinosa, da qual depende a opção
fundante do ser e do viver. (VALLE, apud
AMATUZZI, 2005, p.94)
Um pouco mais adiante, diz:
Na religiosidade há dois elementos. Um é
substantivo e se refere ao que é último, ao que
supera, ao que faz o ser humano tocar o limite,
donde uma percep
ção absolutamente original do
sagrado. É o tremendo e o fascinante de Rudolf
Otto, que para William James encerra sempre uma
caracter
ística única de solidão, mesmo quando
supõe a comunidade. Mas um segundo
elemento que tem a ver com a função do religioso
no conjunto da autopercepção do homem enquanto
ser-no-mundo. O homem se torna religioso só
quando se encontra com o outro e, por essa via,
com o Outro. (VALLE, apud AMATUZZI, 2005,
p.94)
Para Valle (1998, p.95) , a religiosidade é ao mesmo tempo produto de um
processo de socialização, conjugado segundo os termos de uma cultura concreta, e
é uma experiência única: mística, apofática e poética.
O texto de Adélia Prado confirma a idéia apresentada:
a experiência religiosa no cotidiano é sempre
paradoxal, assim como a experiência mística,
porque é uma tentativa de falar o inefável, daquilo
que n
ão pode ser dito e que o tem palavras [ ....]
é tentar dizer uma coisa que não pode ser dita por
causa mesmo de suanatureza. (PRADO, apud
AMATUZZI, 2005, p.95)
1
self: em sua acepção como substantivo, designa de modo muito geral, aquilo que define a pessoa
em sua individualidade. No espírito da escola inglesa de psicanálise, o self representa a pessoa
enquanto lugar da atividade psíquica na sua totalidade.
31
Desse modo, para Valle (1998), a experiência não é redutível a um
sentimento, memória ou idéia, embora englobe todas essas dimensões.
Ela é algo profundamente do indivíduo que a
percebe, podendo envolver sentimentos e noções
que, provavelmente, aparecerão a plena luz só em
um segundo momento integrativo (que nem sempre
se verifica). (VALLE, 1998, p.96)
Essas reflexões nos direcionam para o caráter por vezes inefável de
algumas experiências profundas, como as experiências de natureza religiosa. O
indivíduo conhece, sabe, percebe, com certa nitidez, mas não consegue
expressar o que vivencia e como.
Outro aspecto apontado por Valle com relação às experiências religiosas é
que estas mostram tensões constitutivas como: podendo ser ou vir a ser estáticas ou
dinâmicas, passivas ou ativas, fechadas ou abertas, intrínsecas ou extrínsecas,
libertárias ou repressivas, emocionais ou racionais, sectárias ou universais,
conscientes ou inconscientes, neuróticas ou sãs e, contraditoriamente, podem até
ser não- religiosas, ou espirituais. (VALLE, 1998, p.66)
Valle (1998, p.57) citando van der Leeuw, um outro importante pesquisador
que trata a respeito da experiência religiosa, nos diz que esta é uma experiência do
poder transcendente que busca a sua realização. Assim, o ser humano encontra-se
diante de um ser ou objeto extraordinário, revestido de poder. O ser humano
religioso é aquele que, em sua atitude e no seu comportamento, vive a ação daquela
força transcendente manifestada nas coisas ou em determinados seres.
Já Amatuzzi (2001, p.31), ao falar em religiosidade, diz que esta é o que
está subjacente às indagações humanas pelo sentido, enquanto indagações que
contêm potencialmente a questão do sentido último. ao referir-se à experiência
religiosa, diz ser essa uma experiência particular, pessoal, de percepção de uma
nova dimensão de realidade, da qual lhe advém seu sentido último e global;
experiência de contato (vivido como real embora indireto) com um pólo absoluto de
referência do sentido último de todas as coisas (frequentemente denominado Deus).
Na linha dessas idéias de Amatuzzi e Angerami (2004, p.60), ao discorrer
sobre a religiosidade, diz que esta leva a reflexões que nos deixam encurralados
sobre o que somos e a que devemos esse ser. Porém somos esse ser apenas a
32
distância, ali e aqui nesse corpo, nesse personagem que traz o nosso nome, nossos
dados, nossos signos existenciais.
Continuando, o autor diz ainda que a busca do homem pela religiosidade é
a confluência de sua busca pela integração com o todo universal. É a consciência de
que ele faz parte do todo e que sua ação, deve estar em harmonia com o todo.
As mulheres que desse trabalho participaram são mulheres simples, do
povo, e quando foram convidadas a responder se acreditavam em um ser superior,
se tinham fé, todas afirmaram ter fé e acreditar em algo superior. Algumas delas
afirmaram veementemente que desde crianças acreditam e m fé em um ser
superior, que participavam das comunidades religiosas de seus bairros. A maioria
dessas mulheres referiram ser essas comunidades, católicas. Desse modo, essas
mulheres inserem-se naquilo que Espin (2000, p.121) denomina de religiosidade
popular, que é um processo histórico dinâmico e ativo, que muda e se adapta
constantemente, caracterizando-se pela insistência na solidariedade e na compaixão
de Deus e enfatiza a realidade da encarnação do Filho e sua verdadeira
humanidade.
Continua Espin enfocando que o catolicismo popular espera que a afeição e
a solicitude de Deus pelos homens sejam maternais e envolventes. O relato de uma
dessas mulheres, corrobora com essa referência de Espin: Deus para mim é um pai
cuidador, é algo que atende as nossa necessidades. Da mesma forma, o autor
enfoca que o catolicismo popular vê o Cristianismo como familial e salienta a
justiça, a liberdade e a igualdade como parte do plano divino para a humanidade.
Por outro lado, Espin (2000, p.120) enfatiza também a importância do
testemunho e a fé vivos do povo que se encontram no plano experiencial em toda
comunidade de fiéis, e que interpretá-los é uma tarefa difícil, pois o que se pretende
estudar deve ser encontrado no plano da intuição. E é essa intuição cheia de fé,
que por sua vez, leva em conta e incentiva uma crença e um estilo de vida e de
oração que expressam e o testemunho da mensagem cristã fundamental: Deus
revelado em Jesus Cristo. Essa intuição cheia de fé chama-se sensus fidelium ou
sensus fidei. O sensus fidelium sempre se expressa por meio dos símbolos, da
linguagem e da cultura dos fiéis. Esses meios pelos quais o sensus fidelium se
expressa são extremamente variados e mostram a riqueza cultural do povo cristão.
33
Glock, também um dos autores utilizados para falar sobre experiência
religiosa, faz um importante acréscimo à definição de experiência religiosa
afirmando ser essa:
o conjunto de todos os sentimentos, percepções e
sensações que são experienciadas por um sujeito
ou definidas por um grupo ou sociedade como
sendo relacionados a algum tipo de comunica
ção,
mesmo que precária , como uma essência divina,
isto é, com Deus, com a realidade última, com a
autoridade transcendente. (GLOCK, apud VALLE,
1998, p.64)
Consoante à afirmativa de Glock, temos referências de sentimentos,
percepções, sensações experienciadas pelas pacientes em suas trajetórias
percorridas desde o diagnóstico até o tratamento do câncer da mama e que,
percebe-se, são relacionadas a uma comunicação, embora precária, com Deus:
Vejamos as verbalizações de duas dessas mulheres: segunda mulher entrevistada:
por que na hora em que eu estava em desespero, que eu não tinha coragem de
conversar com ninguém, porque eu ia chorar, eu ia entrar em desespero eu
entrava no meu quarto, simplesmente ia rezar e pedia pra Ele cuidar da minha
cabeça, que mudasse o meu jeito .... que fizesse eu aceitar melhor as coisas. E Ele
me atendeu: acabei aceitando e aqui; terceira mulher entrvistada: a melhor
coisa é voacordar e falar bom dia pra Ele: bom dia Deus, estou viva de novo, ó
....; pode tá chovendo, fazendo sol, pode como for, você acordar, ter o sorriso dos
meus filhos ... que é Ele !! Ele tá em todos os lugares.
Allport (apud VALLE, 1998, p.66) refere que há dois tipos de experiência
religiosa: a intrínseca, que expressa a evolução endógena
2
global da pessoa e da
personalidade em seu todo, e a extrínseca, cujo motor está fora da pessoa, na
dependência de fatores externos à consciência que exercem coação psicológica
sobre o sujeito religioso.
Nas cinco mulheres pesquisadas neste trabalho, observou-se que em todas
elas há o predomínio de uma experiência religiosa extrínseca, nesse sentido
apontado por Allport, onde os acontecimentos externos, no caso o diagnóstico de
um câncer de mama, é o motriz dessa experiência, intensificada significativamente.
Vejamos alguns exemplos apontados nos relatos de algumas delas: a fé em Deus
2
Evolução endógena: aquela originada ou desenvolvida internamente no organismo.
34
me ajudava, né na minha vida, mas agora neste momento (referindo-se ao
diagnóstico e ao tratamento de quimioterapia) acho que melhorou muito, bastante,
mais ainda. É porque a cresceu mais, muito mais; eu acho que a minha em
Deus, aumentou mais.... aumentou bastante nesse período da minha vida (referindo-
se ao diagnóstico do câncer da mama); uma força maior, mais próxima. Eu acho que
bem mais. Antes na minha vida eu não percebia assim esta minha relação com
Deus. (paciente 4); não ... teve fases que eu não acreditava mais em Deus, tinha
fases que eu não tinha religião .... entendeu ? como eu fui uma idiota ... Precisei
de uma escada, precisei ter passado por um monte de coisas .... passar pelo pior: o
diagnóstico de um câncer de mama pra realmente eu começar a ter uma experiência
diferente com Deus.
Catallan (1999, p.23) nos traz um outro aspecto relevante em relação à
experiência religiosa: diz que, quando falamos em experiência religiosa, estamos
afirmando que houve um contato entre um sujeito e uma realidade, e esse contato
pode ser passageiro; mais ou menos instantâneo; um encontro, um contato durável;
uma longa familiaridade; uma súbita manifestação de amor; ou uma frequentação
assídua. No entanto, qualquer que seja a concepção, é preciso que haja uma
presença e que essa presença afete o sujeito e, até certo ponto, o transforme.
Esse autor também acrescenta a atividade e a passividade como dois
aspectos maiores e complementares de toda experiência humana e, portanto, de
toda experiência religiosa.
Citando Vergote, acrescenta:
O puro contato com a coisa bruta não constitui uma
experiência, é necessário que a coisa se apresente
como repleta de significação. A experiência está na
conjunção do contato imediato e da significação
que se depreende da coisa. Podemos ler os
melhores livros sobre um pa
ís estrangeiro, mas
somente a frequentação de seus habitantes, a
andança por suas cidades e a travessia de suas
regiões podem conferir experiência ao saber
adquirido nos livros. Mas quem ignora a língua do
país e nada sabe de seus recursos e de sua
história, não poderá fazer experiência de suas
próprias idéias. Só há experiência quando o sentido
nasce da coisa e quando a interpretação libera o
sentido que aí estava cativo... (VERGOTE, apud
CATALLAN, 1999, p.24)
35
O autor mostra, então, que todo encontro, toda nova experiência, todo
contato feito deve ser interpretado e as interpretações podem diferir de modo
considerável. Tudo, porém, depende do olhar dispensado à realidade entrevista ou
descoberta.
Crespi (1999, p.13) acrescenta ao tema religiosidade e experiência
religiosa uma reflexão bastante atual: o momento histórico em que vivemos
coletivamente, nos induz, uma confiança nos efeitos benéficos do progresso
tecnológico e científico. No entanto, temos, a cada dia, a percepção de que, além
das metas do bem-estar material, tal progresso é insuficiente para fundamentar de
modo consistente as nossas identidades individuais e coletivas e, além disso,
fornecer respostas apropriadas às exigências vitais relativas ao sentido de nossa
vida e às orientações de valor das nossas ações. O aumento do grau de
complexidade alcançado pelas sociedades desenvolvidas e a ampliação da
tendência para a concreta estruturação do mundo como um todo atingiram
profundamente as percepções que os indivíduos têm da sua relação com a
sociedade, que aparece como uma realidade, cuja gestão se torna cada vez mais
difícil.
Desse modo, é possível compreender como o aumento da insegurança,
gerada pela queda de quase todas as certezas em que se baseavam as sociedades
que nos precederam, pode provocar, de maneira reativa, o retorno às velhas formas
de certeza fornecidas pelas crenças das grandes religiões universais e a
experiência religiosa um interrogar-se a respeito da possibilidade de assumir a
atitude de quem se dispõe a escutar, a prestar atenção àquilo que, na própria
linguagem dos símbolos religiosos, é revelado e, ao mesmo tempo, ocultado, àquilo
que, em última análise, não pode senão ficar inefável.
Para o autor, portanto, trata-se de uma experiência, a partir do momento
que ela se configura, não tanto como um processo cognitivo, mas sim como uma
verdadeira e própria transformação da experiência vivencial, com seus componentes
emocionais e intuitivos, conforme as mulheres desse trabalho nos demonstram:
valorizei mais a minha vida ; mudou tudo ..... minha maneira de pensar, minha
rotina de vida, eu me valorizar mais, dar mais valor à vida e também às pessoas ...
acho que fiquei menos egoísta, entendeu ? consigo hoje pensar mais nas outras
pessoas; mudou, assim.... dar mais valor a mim mesma, às outras pessoas, à
minha própria vida
36
Crespi destaca a experiência religiosa, ressaltando o que esta não é.
Aponta que tal experiência não é do tipo preponderantemente cognitivo, pois parte
da consciência de que não é possível chegar a definições absolutas da verdade e
que ninguém pode constituir-se como único depositário da verdade. Desse ponto de
vista, a experiência religiosa se apresenta como um convite a participar de uma
interpretação desenvolvida no seio de uma busca pessoal e nunca como imposição.
A experiência religiosa também não é consoladora e certificante, pois,
segundo Crespi, ao colocar-se no interior da situação existencial e reconhecendo os
limites do saber, ela não exclui a possibilidade do erro e do fracasso final da
esperança e da redenção. Aceitando a angústia da desestabilização e ao mesmo
tempo aderindo à vivência que nasce da indelével exigência de uma resposta
relativa ao sentido da existência, ou do desejo de absoluto, a experiência religiosa
vive até o fundo a dimensão trágica da oscilação entre esperança e desespero.
Essa característica da experiência religiosa de não ser consoladora nem
certificante, apontada pelo autor, não foi evidenciada pelas mulheres que compõem
este trabalho. Contrariamente, seus relatos demonstram que suas experiências
religiosas foram vivenciadas como consoladoras e certificantes, ao se depararem
com o diagnóstico de uma doença como o câncer. Este não pediu permissão para
entrar, simplesmente adentrou a vida de cada uma delas e as expôs a vivências
intensas de ansiedade, desespero, angústia, solidão, aniquilamento, desamparo,
convidando-as à incerteza, à depressão, como também à reconstrução e à busca de
sentido da sua existência até aqui e da existência por vir. Surge aqui a experiência
religiosa como consoladora, ou seja, como um alívio, como um amparo a esta
tristeza sem nome, sem cara, mas tão presente neste momento existente de cada
uma. Em seus relatos, é nesta experiência que elas se apóiam, que depositam as
suas esperanças em conseguir suportar aquilo que parece insuportável: a imensa
dor da alma, em busca de um sentido para tudo isto que se faz presente na vida de
cada uma. Este é o relato de uma dessas mulheres expressando de modo
contundente sua construção de experiência religiosa diante da vivência do
diagnóstico e do tratamento de seu câncer da mama: mas é aquele desespero ....;
sei que está difícil, mas me dê forças, me dê forças para continuar este tratamento;
eu pedi mais força, ? Que me desse força, coragem para mim poder superar
esta fase difícil da minha vida, que não me deixasse !!. E aqui estou eu.... com
forças e viva.
37
Neste outro trecho do relato de mais uma das mulheres, temos a experiência
religiosa vivida como consoladora e certificante diante do desespero, da incerteza,
da ameaça deflagrados pelo diagnóstico e tratamento do câncer da mama: mas era
uma coisa muito ruim. Era uma angústia, era uma tristeza que dava assim ... ;
primeiramente Deus, porque eu tenho muita ; depois fui levando, pedindo a
Deus que me desse força, que eu tinha que passar por aquilo. Eu havia passado
por coisa pior .... pela cirurgia.... aí eu fui melhorando; Deus , Ele tem me ajudado:
porque na hora que eu estava em desespero, que eu não tinha coragem de
conversar com ninguém, porque eu ia chorar, ia entrar em desespero ... eu entrava
no meu quarto, simplesmente ia rezar e pedia pra Ele cuidar da minha cabeça, que
fizesse eu aceitar as coisas melhor .... Aí eu acabei aceitando e tô aqui.
E finalmente, Crespi (1999, p.51) aponta que a experiência religiosa não é
predominantemente social, e sim o resultado de uma elaboração pessoal, que cada
indivíduo, na sua solidão, precisa realizar, aprofundando a relação consigo mesmo e
com a própria vida. Isso não significa que tal experiência se desenvolva no
fechamento com relação aos outros, mas ao contrário, justamente enquanto
aprofundamento pessoal sofrido, é a condição para poder estabelecer um verdadeiro
reconhecimento da diversidade do outro e para promover o sentido de
responsabilidade para com os próprios semelhantes.
Ainda falando neste campo, Silberfarb (1991, p.2219) realizou um estudo em
que os pacientes com câncer foram questionados com relação à importância da
religiosidade na luta contra a doença. Concluiu que, durante o percurso do ncer a
religiosidade foi considerada de moderada a fortemente importante para o bem-estar
geral dos pacientes.
Também Ferraro; Albrecht & Jensen, (1991, p.15) relataram trabalho
mencionando que o alto grau de religiosidade dos pacientes, independentemente de
sua idade, causa maior impacto sobre a saúde do que os altos níveis de educação.
Gonçalves (2004, p.113) também menciona que em Jerusalém estão sendo
estudados os aspectos religiosos e as crenças espirituais na intenção de avaliar a
influência da religiosidade na qualidade de vida de pacientes com câncer da mama.
Essa mesma pesquisadora cita Baider (1983) que desenvolveu trabalho
cujos resultados demonstraram que as pacientes que apresentavam um alto escore
de religiosidade obtiveram menores índices de ansiedade.
38
Kenneth Pargament, professor de psicologia na Bowling Green State
University de Ohio, estudou os métodos religiosos de lidar com quase 600 pacientes
com doenças que iam desde uma gastroenterite até o câncer. Aqueles que
pensavam que Deus os estava punindo ou abandonando eram em torno d 30% mais
suscetíveis de morrer nos próximos dois anos.
Koening, diretor do Centro para Estudo da Religião e Espiritualidade e
Saúde, da Universidade de Duke, lidera o movimento para melhor compreensão da
religião do paciente e sua religiosidade no âmbito da prática médica. Ele defende
que os médicos devem valorizar as histórias espirituais dos pacientes com os quais
vão estabelecer uma relação perguntando:
A religião é fonte de conforto ou estresse? Você
tem algumas crençareligiosa que influencia no
processo de decisão relacionado com suavida?
(KOENING, p.51).
Muitas faculdades de medicina nos Estados Unidos estão oferecendo cursos
específicos sobre religiosidade, espiritualidade ou integrando o tema nos currículos.
Deste modo observa-se uma valorização do ser humano como um todo, pois as
pessoas desejam ser tratadas com dignidade e como gente e não simplesmente
identificadas como doenças ou partes do corpo doente.
Vimos através do percurso que fizemos sobre os termos religiosidade e
experiência religiosa, que, para alguns autores, os dois termos assumem o mesmo
sentido, enquanto para outros há diferença. E a diferença está na questão da
indagação pelo sentido, potencialmente, a questão do sentido último.
Esta é a posição de Amatuzzi (2001, p.31) enquanto a religiosidade indaga
pelo sentido último, a experiência religiosa é uma vivência particular, pessoal, de
percepção de uma nova dimensão de realidade, da qual advém seu sentido último e
global; experiência de contato (vivido como real embora indireto) com um pólo
absoluto de referência do sentido último de todas as coisas (frequentemente
denominado Deus).
39
1.4 Espiritualidade
Conforme Mondoni (2002, p.13) a palavra espiritualidade é considerada por
muitos como filha da modernidade, pois sua origem remete-se à escola espiritual
francesa do século XVII, como designação da relação pessoal do humano com
Deus. No entanto, o termo francês spiritualité já era empregado desde o século XII.
A partir do século XVII foi usado tanto para designar as relações afetivas com Deus,
como para referir-se ao conhecimento interno e direto do divino ou sobrenatural.
A espiritualidade, como a religiosidade e experiência religiosa também tem
sido objeto de muitos estudos, excedendo a fronteira da teologia e exigindo outras
perspectivas para melhor compreensão desse fenômeno humano. Tornar
compreensível o significado deste termo não é tão simples, pois esse vocábulo no
Ocidente é carregado da tradição, isto é, influenciado e misturado com o significado
de religiosidade.
Através dos autores mencionados, vimos que a religiosidade implica uma
relação do ser humano com um ser transcendente, que, por exemplo, na religião
cristã - é Deus. No entanto, quando falamos em espiritualidade, os vários autores
dos quais trataremos nos mostrarão outros significados.
O homem tem um espírito? Para Saad; Masiero; e Batistella (2001, p.108)
mais importante do que responder a essa pergunta, que a princípio deve ser
respondida em outro âmbito, é a afirmativa inquestionável de que o homem possui
uma espiritualidade. Para esses autores, o termo espiritualidade é definido como
um sistema de crenças que enfoca elementos intangíveis, que transmite vitalidade e
significado a eventos da vida.
Para Valle citado por Amatuzzi (2005, p.27): a espiritualidade é antes de
tudo uma necessidade psicológica constitutiva de todo ser humano. Acrescenta ser
essa tão elementar quanto a necessidade de desenvolver a consciência de si próprio
ou estabelecer relações saudáveis com os demais seres humanos. Funda-se
fundamentalmente em uma busca pessoal de sentido para o próprio agir e existir.
Portanto, acha-se unida à motivação profunda que nos faz crer, lutar e amar. Guia-
se para o porquê último da vida, mas sem fugir dos questionamentos e
compromissos que a vida nos impõe, ajudando-nos a ter forças para nos
comprometermos com eles.
40
Ainda para Valle, citado por Amatuzzi (2005) a espiritualidade é algo que
está encarnado no contexto real da vida de cada pessoa e de cada época,
expressando o sentido profundo do que se é e do que de fato se vive.
Uma última observação que esse autor enfatiza com relação a
espiritualidade, é que segundo ele, nem toda espiritualidade é saudável e conduz ao
bem da pessoa e do próximo. No seu entender:
há espiritualidades que são como jóias falsas:
refulgem, mas não m valor senão o das
aparências. o levam ao amadurecimento;
podem, ao contrário, conduzir à ruína. (VALLE,
2005, p.103)
A polêmica de Jesus com o grupo de homens mais intensamente
observantes da religião de sua época - os fariseus, para Valle, confirma essa
observação. Continua dizendo que, para Jesus as práticas e vivências desses
homens religiosamente perfeitosnão levavam a uma experiência espiritual capaz
de pôr a vida e o coração deles em sintonia com o coração e a vida de Deus.
Amatuzzi (2005), citando Giovanetti, diz que para este autor, a
espiritualidade não implica qualquer ligação com uma realidade superior. Essa
definição é compartilhada por Boff (2001, p.53) quando afirma que
a espiritualidade designa o mergulho que fazemos
em n
ós mesmos. No momento em que nos
voltamos para o nosso interior, e
às vezes por meio
de técnicas de meditação, mergulhamos no nosso
mais profundo, e ao experimentarmos a realidade
como um todo estamos vivenciando a nossa
espiritualidade.
Hardwig (2000, p.322) também participa dessa definição dada por Boff,
adicionando que a dimensão espiritual e de espiritualidade refere-se a
preocupações em relação ao significado e valores fundamentais da vida. E esclarece
que espiritual não implica qualquer crença em um ser supremo ou em uma vida
depois dessa. Espiritual, então, não significa religioso e os que se denominam ateus
também têm preocupações espirituais como qualquer outra pessoa.
Pessini (2000, p.436), no entanto, contrariamente a Giovanetti, Boff e
Hardwig, embora aponte que a espiritualidade se oriente pela experiência profunda,
41
vê nela uma ligação com uma realidade superior, ao afirmar que: a espiritualidade
se orienta pela experiência profunda e sempre inovadora e surpreendente do
encontro vivo com Deus.
Para Boff (2001, p.61), todavia, a espiritualidade é uma atividade do nosso
espírito, não implicando essencialmente a em algum ser transcendente,
característica necessária na vivência da religiosidade como citado anteriormente.
O autor ainda afirma que a espiritualidade tem a ver com a experiência, e
não com os dogmas, ritos ou celebrações. Assim, assegura que o termo
espiritualidade designa toda vivência que pode produzir mudança profunda no
interior do homem e o leva à integração pessoal e à integração com outros homens.
Para Boff (2001, p.23) ter uma vida dedicando-se à espiritualidade é
procurar seguir a vida de acordo com as características do espírito, pois este tem
como dimensão principal a profundidade das coisas. Assim, deixar-se levar na vida
pelos valores e pelos significados é ser guiado pelo cultivo da espiritualidade.
O espírito nos permite fazer a experiência da profundidade, da aptação do
simbólico, de mostrar que o que move a vida é um sentido, pois só o espírito é capaz
de descobrir um sentido para a existência (BOFF, 2001, p.
24).
Acrescentando uma outra perspectiva o autor completa:
a espiritualidade é aquela atitude pela qual o ser
humano se sente ligado ao todo, percebe o fio
condutor que liga e re-liga todas as coisas para
formarem um cosmo. Essa experi
ência permite ao
ser humano dar um nome a esse fio condutor,
dialogar e entrar em comunh
ão com ele, pois o
detecta em cada detalhe do real. Chama-o de mil
nomes - Fonte Origin
ária de todas as coisas,
Mistério do mundo ou simplesmente Deus. (BOFF,
2003, p.52)
Giovanetti (apud AMATUZZI, 2005), na mesma linha de Boff (2001) e
também de Saad, Masiero e Battistella (2001), acrescenta que a espiritualidade é
independente do cultivo da religiosidade. Ela se manifesta na busca de valores
profundos que regem o ser humano. Assim, desenvolver a espiritualidade, para este
autor, é construir a sua vida na busca desses valores. Embora pertencendo a todo
homem, a espiritualidade não é cultivada por todo homem.
Retomando Boff (2001), ele afirma que: a espiritualidade é um modo de ser,
uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em toda circunstância.
42
Dalai-Lama considera que:
A espiritualidade esteja relacionada com aquelas
qualidades do esp
írito humano tais como
amor,paix
ão, paciência e tolerância, capacidade de
perdoar, contentamento, no
ção de
responsabilidade, noção de harmonia - que trazem
felicidade tanto para a própria pessoa quanto para
os outros. Ritual e oração, junto com as questões
de nirvana e salvação, estão diretamente ligados à
fé religiosa, mas as qualidades interiores não
precisam ter a mesma ligação. Não existe portanto
nenhuma razão pela qual um indivíduo não possa
desenvolvê-las, até mesmo em alto grau, sem
recorrer a qualquer sistema religioso ou metafísico.
(DALAI- LAMA, 2003)
Também para Saraglou (apud PAIVA, 2005, p.38), a espiritualidade é
principalmente uma conquista de significação na sua própria vida, uma construção
ativa de sentido. A busca de um sentido interior é o que dará luz à existência
humana.
Neste aspecto de busca de sentido, Giovanetti (apud AMATUZZI, 2005,
p.138-139) diz que é possível fazer uma aproximação entre espiritualidade e religião.
Como característica comum, pode-se dizer que tanto uma como a outra buscam a
afirmação do sentido. No entanto, o que distingue as duas vivências, isto é, a
vivência da espiritualidade e a vivência da religiosidade, seria a maneira diferente de
se construir o sentido.
Ainda conforme Giovanetti, na espiritualidade é possível construir o sentido
por meio da reflexão sem a ligação com um ser superior, diferentemente do que
ocorre na religiosidade, onde o caminho de construção do sentido parte de uma
ligação com uma entidade superior, por meio da fé, da vivência de uma crença.
E concluindo, afirma que: os caminhos são diferentes, embora o fim
perseguido seja o mesmo.
Observemos este pensamento de Camus, que vai desvelando o que os
vários autores, dentre os quais Frankl (1992) irão destacar sobre a dimensão de
construção de sentido:
43
Perder a vida é uma ninharia e terei coragem
quando for preciso. Mas ver-se dissipar o sentido
da vida, desaparecer nossa raz
ão de existir, eis o
insuport
ável. (CAMUS, apud ALVES, 1999, p.26)
Frankl especialmente é quem afirma: é a vontade de sentido que move o
homem, e não a vontade do prazer ou a vontade de poder. (p.27)
Desse modo, afirma também que o sentido da vida aparece como o
elemento central da vida humana, e a espiritualidade, para esse autor, é o cultivo
desse aspecto da vida, apresentando assim um conceito mais amplo de
espiritualidade.
Frankl assim define espiritualidade:
aquilo que permite que uma pessoa vivencie um
sentido transcendente na vida. Trata-se de uma
constru
ção que envolve conceitos de e/ou
sentido. (2004, p.59).
O que é a fé para esse autor ? Assim ele a caracteriza:
A fé é descrita como a crença em uma força
transcendente superior, não identificada
necessariamente com Deus nem vinculada
necessariamente com a participa
ção de rituais ou
crenças de uma religião organizada específica;
essa f
é pode identificar tal força como externa à
psique humana ou internalizada; é o
relacionamento e a ligação com essa força, ou
esse espírito que é o componente essencial da
experiência espiritual, estando vinculado com o
conceito de sentido. O sentido envolve a convic
ção
de que se está realizando um papel e um propósito
inalien
áveis em um vida que é um dom, uma vida
que traz consigo a responsabilidade de realizar o
pleno potencial que se tem como ser humano e, ao
faz
ê-lo, ser capaz de alcançar um sentido de paz,
alegria ou mesmo transcend
ência por meio do
vínculo com alguma coisa maior do que o próprio
eu. (FRANKL, 1959)
Gimenes (2003, p.34) tamb
ém compartilha do significado mais amplo de
espiritualidade apontado por Frankl e afirma que: a espiritualidade é uma
construção que envolve conceitos de fé e conceitos de sentido.
44
Colaborando com os significados de espiritualidade apresentados até o
momento, a autora acrescenta que a espiritualidade é uma medida de bem estar
espiritual e um componente essencial para a qualidade de vida.
Para essa autora, o sentido é visto como orientação geral de vida, e exerce
um papel crítico na reavaliação de um evento doloroso e estressante. No caso das
mulheres pesquisadas, o evento é o diagnóstico e o tratamento de um câncer de
mama. O sentido também pode ser útil para transformar uma avaliação negativa em
positiva, para dar resposta à pergunta: por que eu? Para as cinco mulheres
pesquisadas nesse trabalho, essa pergunta se apresentou por várias vezes:por que
aconteceu comigo ter um câncer? Por que eu tenho que fazer quimioterapia? Por
que eu tenho que ir para as sessões de radioterapia? Por que eu tenho que passar
por este tratamento doloroso? Por que eu tenho que perder o meu seio? Por que
eu tenho que perder os meus cabelos? Por que eu? Por que eu?
Para Gimenes (2003, p.41), um acontecimento doloroso, como o
diagnóstico de câncer de mama, que envolve também várias perdas, pode servir
como detonador de uma ligação profunda e consciente com Deus. E, a partir da
força dessa conexão a pessoa vivenciará um estado de fé e sentido. Assim, sentido,
para essa autora é entendido como um estado que emerge a partir da admissão de
que o self é limitado e da incorporação do sagrado no self.
Continua, acrescentado que o papel da espiritualidade na vivência de um
câncer não pode ser entendido apenas como uma forma de enfrentamento
emocional delineado a partir de uma construção de sentido situacional. Torna-se
importante, segundo Gimenes (2003) reconhecer-se que a espiritualidade pode ser
descoberta a partir de um evento doloroso e que pode ser vivenciada como estado
de conexão com o sagrado, que imprime sentido à vida e à morte.
Apontando na mesma direção de espiritualidade, construção de sentido e
qualidade de vida, Saad, Masiero e Battistella (2001, p.108) fazem referência à
espiritualidade como a propensão humana para encontrar um significado para a vida
através de conceitos que transcendem o tangível, um sentido de conexão com algo
maior que si próprio, que pode ou não incluir uma participação religiosa formal.
Nesse mesmo percurso, indicam a espiritualidade como sendo aquilo que dá
sentido à vida, um conceito mais amplo que religião, pois esta é uma expressão da
espiritualidade. É um sentimento pessoal, que estimula um interesse pelos outros e
45
por si, um sentido de significado da vida capaz de fazer suportar sentimentos
debilitantes de culpa, raiva e ansiedade.
Ao relacionar espiritualidade e qualidade de vida, os autores afirmam que:
a crença em aspectos espiritualistas é mais
importante do que a comprovação com certeza da
existência de tais conceitos. Tal crença pode
mobilizar energias e iniciativas extremamente
positivas, com potencial ilimitado para melhorar a
qualidade de vida da pessoa. (SAAD, MASIERO,
BATTISTELLA, 2001, p.108).
Essa dimensão de critério de bem-estar não é do corpo ou da mente. Ela
transcende o mundo cotidiano e está baseada em questionamentos pessoais de
perguntas existenciais de significados e propósitos.
Mencionam que no caso particular da deficiência física, isso pode ter
repercussões tão significativas sobre o processo reabilitacional, que poderiam ser
comparados a verdadeiros milagres. A prece pode oferecer benefício subjetivo
para aquele que ora (HARMON, apud SAAD, MASIERO, BATTISTELLA, 2001,
p.109).
Mais de 850 estudos examinaram a relação entre envolvimento espiritualista
e vários aspectos da saúde mental. Quase todos concluíram que a maioria das
pessoas que vivenciam melhor saúde mental e se adaptam melhor ao estresse
são religiosas. Adicionais 350 estudos têm examinado envolvimento religioso e
saúde; a maioria destes encontrou que pessoas religiosas são fisicamente mais
saudáveis, têm estilos de vida mais salutares e requerem menos assistência de
saúde (KOENING, apud SAAD, MASIERO, BATTISTELLA, 2001, p.109).
Concordando com o autor citado, Saad, Masiero e Battistella (2001, p.108)
também afirmam que religiosidade e espiritualidade estão relacionadas, mas o
são sinônimos e esclarecem que a religiosidade envolve um sistema de culto e
doutrina compartilhado por um grupo, e, portanto, tem características
comportamentais, sociais, doutrinárias e valorais específicas; a espiritualidade
está relacionada com o transcendente, com questões definitivas sobre o significado
e propósito da vida, e com a concepção de que mais na vida do que aquilo que
pode ser visto ou plenamente entendido.
46
Complementando suas afirmações, reiteram que o termo espiritualidade
pode ser definido como um sistema de crenças que enfoca elementos intangíveis,
que transmite vitalidade e significado a eventos da vida.
Inúmeros são os trabalhos publicados, documentando a influência da
espiritualidade no tratamento de doenças.
Mais uma vez, Saad, Masiero e Battistella (2001) apontam que pacientes
frequentemente associam suas crenças religiosas ao contexto de suas doenças
incapacitantes; ressaltam também a importância de os médicos, mesmo que o
possuam esses sistemas de crenças, considerá-las e respeitá-las, apoiando as
crenças do paciente que possam aju-lo a lidar com a doença. Na opinião destes
autores, o médico que estiver comprometido com aquilo que é melhor para seu
paciente deve considerar como apoiar a espiritualidade do paciente, se e quando o
paciente considerar isso relevante.
Esses mesmos autores salientam que dada a relevância do assunto, muitas
escolas médicas dos Estados Unidos estão conduzindo cursos de espiritualidade
para melhorar a qualidade da relação médico-paciente. Saad, Masiero e Batistella
(2001) indicam um estudo norte-americano com pacientes internados onde 77%
desses pacientes apontam que gostariam que os médicos considerassem suas
necessidades especiais; 37% gostariam que o médico discutisse essas
necessidades mais frequentemente; e 48% gostariam que o médico orasse com
eles, se isso fosse possível. Indicam, também, um outro estudo com 177 pacientes
ambulatoriais com doenças pulmonares, mostrando que dois terços dos pacientes
simpatizaram com a idéia de serem questionados sobre sua espiritualidade, no caso
de se tornarem gravemente doentes.
Em torno da década de 1990, começaram a aparecer publicações no cenário
científico internacional da área médica, indicando a importância de se incluírem nos
tratamentos médicos convencionais, além dos aspectos biopsicossociais, os
espirituais, sugerindo a necessidade de estudos sistemáticos sobre a inclusão da
religiosidade/espiritualidade na área de saúde. (KOENIG, 2005; KOENIG, 2004a;
KOENIG, 2004b, apud ELIAS, 2001, p.47)
Miller e Thoresen (apud ELIAS, 2001, p.58) examinaram, em rela
ção à
definição operacional de espiritualidade, que os grupos de cientistas que trabalham
para definir operacionalmente espiritualidade ou religiosidade concordaram ao
menos em um aspecto: estes são fenômenos complexos. A espiritualidade não é
47
dicotômica: não é um atributo do que é atual ou do que é ausente em um indivíduo.
Uma compreensão mais abrangente da espiritualidade ou da religiosidade é a que
pode caracterizar todos os indivíduos, a despeito de sua afiliação a qualquer religião
formal. Na linguagem metodológica das ciências comportamentais, a espiritualidade
e a religiosidade são fatores protetores na população.
Segundo esses autores, os indivíduos podem também encontrar na
religiosidade um significado mais profundo na vida que os ajude emocionalmente a
lidar com o estresse, assim como as emoções positivas associadas ao
comparecimento à igreja podem fornecer alguns benefícios protetores. Concluem
que a conexão entre a religião e a saúde é complexa.
Muitos são os estudos que apontam para a importância desses aspectos,
quando falamos em saúde e qualidade de vida. Por exemplo, Baider (1983, apud
GONÇALVES, 2004, p.137) explica que em Jerusalém os aspectos religiosos estão
sendo estudados na intenção de avaliar a influência da religiosidade na qualidade de
vida de pacientes com câncer de mama. Até onde esses estudos observaram, foi
encontrado que as pacientes que apresentavam um alto escore de religiosidade
obtiveram menos índices de ansiedade.
Outro autor, Highfield (1997, p.239) realizou um trabalho em que a
avaliação espiritual dos pacientes foi seguida durante a trajetória do câncer. Foram
estudadas diversas estratégias e matérias relacionadas à saúde (medicina,
enfermagem, teologia, filosofia e narrativas pessoais, bem como reflexões pessoais).
A conclusão é que uma avaliação da escuta espiritual, ou seja, atenção ao discurso
do paciente em que existe um conteúdo de cunho religioso ou espiritual, é pré-
requisito para uma intervenção espiritual. Esse fator pode ser considerado um ponto
a mais para o auxílio no cuidado dos pacientes com câncer pelos profissionais de
enfermagem.
Também Goleman e Gurin (1997, p.79) mostram em seus estudos que as
orações, percepções existenciais, a crença em um ser superior e a afiliação a uma
comunidade religiosa são componentes diferentes da religiosidade e se inter-
relacionam. O apoio da comunidade religiosa é um outro fator, segundo os autores,
a ser considerado de grande importância na produção de um efeito positivo da
espiritualidade na luta contra o câncer.
Observemos o relato de nossas mulheres, que corroboram com a idéia
apresentada: os pedidos e as orações me ajudaram muito, muito... eu acho que a
48
oração não faz mal a ninguém..... oração pedir a Deus pela gente, não faz mal a
ninguém..; No dia de minha cirurgia, muita gente pediu por mim orando e estes
pedidos e estas orações me ajudaram muito, muito..... (primeira mulher
entrevistada; porque na hora em que eu estava em desespero, que eu não tinha
coragem par conversar com ninguém, porque eu ia chorar, eu entrava no meu
quarto, simplesmente ia rezar e pedia pra Ele cuidar da minha cabeça, que me
ajudasse a aceitar as coisas melhor. E acabei aceitando e aqui(segunda mulher
entrevistada); eu me apeguei mais ainda na minha religião depois disso (referindo-
se ao diagnóstico de câncer de mama)...., quando eu descobri, a primeira coisa que
veio na minha cabeça foi procurar os centros que eu freqüento, conversar com as
pessoas que sempre me acompanharam no centro, entendeu? E eles me ajudaram
muito. Diziam pra mim que isto seria rápido, que eu iria sair dessa. Eu acreditei
nisso. Fiz todo o acompanhamento no centro e isto me ajudou muito(terceira mulher
entrevistada).
Muitas pessoas severamente doentes, aponta Koenig (2000, p.1340) se
utilizam de crenças religiosas para lidar com as suas doenças. Observa ainda que,
envolvimento religioso é uma prática comum, que prediz o enfrentamento bem-
sucedido com a doença física.
David (2001, apud ELIAS, 2001, p.54) estudou, no doutorado, a
religiosidade e o cotidiano das agentes comunitárias de saúde, de forma a repensar
a educação em saúde junto às classes populares. A partir do acompanhamento,
durante quase uma década, de um grupo de agentes comunitárias de saúde do
município de Petrópolis, Rio de Janeiro, cuja formação desenvolveu-se dentro de
uma proposta de Educação Popular em Saúde, constatou que o fenômeno da
religiosidade/espiritualidade, expresso através de estratégias e práticas cotidianas,
está presente na forma como os grupos populares vêem e lidam com os seus
problemas de saúde.
Observaram que é plenamente reconhecido que a saúde dos indivíduos é
determinada pela interação de fatores físicos, mentais, sociais e espirituais e que os
profissionais da saúde contam com indicações científicas sobre o benefício da
exploração da espiritualidade na programação terapêutica de virtualmente qualquer
doença.
Corbellini e Comiotto (2000, apud ELIAS, 2001, p.55) em pesquisa de cunho
qualitativo objetivaram conhecer e compreender os diferentes caminhos trilhados por
49
oito mulheres universitárias com idade entre 30 e 57 anos, durante o tratamento
convencional, pela busca da cura do câncer da mama. Observaram que todas as
mulheres buscaram na espiritualidade e nas terapias complementares um novo
sentido de vida.
Mc Grath (2003, apud ELIAS, 2001, p.57) pesquisou sobre a relação entre a
busca por religiosidade e o estado terminal. Realizou entrevistas abertas com
quatorze pacientes internados, que foram gravadas, transcritas e analisadas
tematicamente. Os resultados indicaram que a maioria dos entrevistados não
procurou o conforto ou a conversão religiosa como uma resposta ao desafio da
doença terminal, mesmo quando isto foi visto como desejável. Embora os
participantes não estivessem motivados para a conversão religiosa em
conseqüência de sua doença, por outro lado, reuniram algumas práticas espirituais e
estavam motivados para realizá-las.
Fisch et. al. (2003, apud ELIAS, 2001, p.57) estudaram a viabilidade de uma
oficina de um dia para ensinar pacientes a se comunicarem com os profissionais de
saúde que os atendem. Este workshop incluiu três sessões: a primeira relacionou-
se à fase do diagnóstico/prognóstico; a segunda foi a fase de exploração das opções
de tratamento e a terceira teve como foco a questão de como fazer perguntas
difíceis quando o tratamento médico não funciona. Os dados qualitativos analisados
indicaram que os participantes estavam mais interessados em partilhar suas
experiências uns com os outros, do que aprender técnicas de comunicação. Os
principais temas abordados por esses participantes foram humor, espiritualidade e a
associação entre câncer e morte. Este workshop tornou-se uma agradável e
instrutiva oportunidade para os pacientes e familiares compartilharem suas
experiências e pontos de vista.
Kneier (2003, apud ELIAS, 2001, p.63) escreveu que as estratégias para o
enfrentamento do câncer, incluindo o melanoma, são muito importantes porque
ajudam o paciente a sentir-se melhor e mais forte. Os doentes conseguem olhar com
honestidade para a doença e trabalhar o impacto emocional, de forma a não perder
a perspectiva de suas vidas. Apesar de todas as mudanças que o tratamento de um
câncer pode trazer, os pacientes podem manter o bom senso e perceberem que são
capazes de continuar. Fortalecem-se ao encontrarem suporte nas outras pessoas e
no seu próprio mundo interno. Amparam-se nas suas razões para viver, com
esperança, no processo de lutar contra o câncer. No entanto, também sentem que
50
sua sobrevivência não é o único objetivo importante; a qualidade de suas vidas e de
seus relacionamentos, os valores pessoais e a sua espiritualidade também merecem
atenção e esforço. Sentem paz ao observar que, se vierem a morrer de câncer, o
sentido, o valor, a alegria e o amor que vivenciaram em suas vidas, não será
apagado.
Mac Lean et. al. (2003, apud ELIAS, 2001, p.64) desenvolveram um estudo
para determinar as preferências dos pacientes na abordagem da religião e da
espiritualidade no encontro médico. Entrevistaram quatrocentos e cinqüenta e seis
pacientes, com 18 anos de idade, ou mais, selecionados nas salas de espera dos
consultórios médicos. Um terço dos pacientes afirmou querer que sua opinião
religiosa fosse pedida,durante uma visita rotineira ao consultório. Dois terços
afirmaram que os médicos devem ter atenção para suas crenças religiosas ou
espirituais. O interesse dos pacientes pela interação espiritual ou religiosa com o
médico aumentou muito frente à possibilidade da doença ser grave. Dezenove por
cento concordaram que o médico deve interagir espiritualmente com eles durante
uma visita.
Efficace e Marrone (2002, apud ELIAS, 2001, p.67) observaram que o
diagnóstico de um câncer força a maioria dos seres humanos a olharem para a sua
própria morte.
O sentido de invulnerabilidade e de imortalidade é quebrado, levando o
paciente a se conscientizar, neste momento, que a vida é finita e limitada. Com a
proximidade da morte os pacientes que desenvolvem câncer embarcam geralmente
em uma viagem interna que envolve a busca de significados assim como uma
revisão das prioridades que englobam as necessidades físicas, psicológicas, sociais
e espirituais. Os autores afirmaram que embora o interesse pelo papel da
espiritualidade no enfrentamento de um câncer e na qualidade de vida total destes
pacientes tenha aumentado nos últimos anos, a maioria dos instrumentos
geralmente usados para avaliar qualidade de vida em oncologia não incluem
aspectos espirituais. Os autores discutem que a avaliação eficaz de qualidade de
vida deve envolver todos os aspectos da personalidade, incluindo a mente, o corpo e
o espírito. Os autores sugerem que pesquisas adicionais são necessárias para que
se possa compreender como a espiritualidade pode contribuir no tratamento do
câncer.
51
Watson (2002, apud ELIAS, 2001, p.70) afirmou que a espiritualidade pode
ter um papel poderoso na recuperação de doentes. Observou que quando
enfermeiras ajudam doentes que sofreram um infarto agudo do miocárdio a
descobrirem o significado e a finalidade da vida, o que em essência é
espiritualidade, esta conduta favorece, de forma importante, a recuperação destes
pacientes.
Para OConnor (2001, apud ELIAS, 2001, p.73) o tema espiritualidade, neste
início do século XXI, é o foco de atenção na literatura da área da saúde. A autora
enfatiza que há uma série de motivos para a ocorrência desse fenômeno. Um deles
é a influência do Movimento da Nova Era que está despertando o sentimento de
uma profunda necessidade de espiritualidade. Outro motivo é a comunhão, por
muitas pessoas, da idéia de que uma vida sem sentido perde seu propósito e sua
direção. Também cresce a percepção, entre os profissionais, de que apenas o
sentimento de piedade diante do sofrimento dos pacientes, não é suficiente. Um
outro importante motivo é a convergência da ecologia, da ciência e da fé para um
ponto comum e o reconhecimento de que a tecnologia moderna não resolveu a
questão do sofrimento e do sentida da vida.
Esse mesmo pesquisador diferenciou espiritualidade de religião. Religião
vem do termo religare, que significa religar-se, organizar as convicções,
comportamentos e valores de uma tradição de particular ou comunidade de fé.
Religião é algo que nós adquirimos ou desenvolvemos dentro de uma determinada
tradição de fé. Religião inclui espiritualidade, mas uma pessoa pode ser
espiritualizada e não aderir a qualquer religião particular ou prática formal de religião.
Uma pessoa também pode ser espiritualizada e não acreditar em um Deus de forma
específica.
Finalmente, Baldachino e Drapper (2001, apud ELIAS, 2001, p.74)
realizaram uma revisão da literatura de enfermagem sobre espiritualidade como uma
estratégia de enfrentamento. Observaram que as pesquisas indicaram que as
estratégias espirituais que envolveram o contato do indivíduo consigo próprio, com
os outros, incluindo Deus ou a natureza, favoreceram o enfrentamento de períodos
de crise, porque através da espiritualidade, os indivíduos encontraram sentido,
propósito, significado e esperança para seus sofrimentos. Concluíram que a
utilização de estratégias espirituais pode aumentar a autocapacidade dos pacientes
para encontrarem significado e propósito no sofrimento.
52
1.5 A fé na interface entre o religioso-teológico e o existencial-psicológico
É pouco provável que exista uma palavra que sofra tantas interpretações
inadequadas, distorções e definições questionáveis como a palavra . Isto pode-
se constatar seja no campo religioso-teológico, como seja também no uso popular e
profano, mais psicológico, da palavra.
Prates (2007, p.98) menciona que a fé, no seu sentido experiencial, é
marcada pela regência teológica e antropológica, carrega consigo uma profunda
densidade semântica. Por isso a fé é sempre polissêmica na sua riqueza
significativa, simbólica, metafórica, alegórica, para indicar alguns qualificativos
que adjetivam e dão-lhe contornos de verdadeira beleza. Sendo assim, continua o
autor, a fé poderia ser dom, graça, carisma, talento, aptidão, quer dizer: um
presente simpático e gracioso de Deus oferecido ao ser humano. Ela é mediação por
excelência que vincula o ser humano a Deus, pois que Deus por primeiro o criou
vinculado a si. No seu sentido mais radical, o relacionamento do ser humano com
Deus não é possível à margem da fé. Da excelência da sua mediação a fé é
geradora de uma pluralidade sem fim de mediações, todas elas com a finalidade de
serem expressões de fé e tradução de sua originalidade.
Provavelmente quando uma mulher do povo, como são todas as cinco
mulheres participantes desse trabalho, vivendo principalmente uma situação de
aflição extrema, de desespero, angústia, diz eu tenho fé, ela está se referindo à
convicção e esperança que sente em relação à expectativa profunda que ela sente
de que será encontrado um meio para sair dessa situação que a atormenta, seja
essa qual for, no caso, desse trabalho, o diagnóstico de um ncer da mama. Na
afirmação mesclam-se as duas polaridades acima mencionadas.
Embora as mulheres entrevistadas não tenham condições para fazer
distinções mais refinadas entre a acepção popular, carregada de elementos
psicológicos e a teológica-religiosa que decorre de uma experiência de limite na qual
emerge o sagrado, parece necessário esclarecer aqui o sentido que a palavra tem
para a teologia (no caso, a cristã) e para a Psicologia.
É interessante e mesmo paradoxal uma frase escrita por um dos mais
influentes teólogos do século XX, Paul Tillich:
53
A palavra fé pertence ao grupo de palavras que
necessitam de cura antes de poderem ser
empregadas para curar seres humanos. Na
atualidade o termo f
é produz mais enfermidade do
que saúde. Confunde, tergiversa, cria
alternativamente ceticismos e fanatismo, resistência
intelectual e abandono emocional, repulsa da
religi
ão autêntica e submissão a substitutos.
(TILLICH, 1976, p.5)
Na reflexão judaico-cristã sempre existiram perguntas como as indicadas por
Sanz, (1994, p.41): em que consiste esta realidade misteriosa e próxima a um
tempo? Evidentemente escapa aos meus objetivos e à minha competência como
psicóloga dar uma resposta à uma pergunta como esta levantada por Sanz. Mas
pode ajudar saber que são várias as linhas de resposta encontradas nas tradições
teológicas surgidas ao longo dos séculos.
Para Agostinho e Francisco de Assis, a fé é fundamentalmente um ato
volitivo de amor. Já para Tomás de Aquino, sem negar a existência do componente
afetivo-amoroso da vontade e do desejo, a fé deve ser entendida como um ato da
razão e do entendimento. Os Papas (o chamado Magistério da Igreja) quando se
pronunciam a respeito tendem a ir na direção tomista, sublinhando mais o lado da
aceitação dos conteúdos revelados (dimensão objetiva da fé) e dando menos peso à
dimensão subjetiva, a experiência pessoal de confiança, e entrega, isto é, o amor e
a relação.
Bento XVI, em sua primeira encíclica deixa claro que, teologicamente
falando, não se pode separar as duas dimensões. Não por acaso ele deu a esta
encíclica o sugestivo título de Deus é Caridade. Com isto o teólogo Josef Ratzinger
assume a visão de que a antropologia teológica é impregnada pela fé. Em certo
sentido, parte do pressuposto que essa não é algo que exista em si mesma, solta
no ar ou caída do céu. A caridade, fundada na fé, precisa ser entendida a um só
tempo, como eros, filia ágape. Ela se insere na experiência histórica da busca
humana de plenitude e de vida. Ela, para o teólogo, é um dom, uma graça de Deus,
mas implica sempre um risco, uma obscuridade, como aliás, acontece em todo e
qualquer relacionamento humano.
Ao mesmo tempo, a f
é vivida tem a ver com a imagem de Deus que toma
corpo dentro de cada um de nós. Diz o psicanalista italiano Mario Aletti, baseando-se
em D. W. Winnicott:
54
Quando o homem diz Deus, o que ele está dizendo
verdadeiramente?
Que imagem ele faz de Deus ? Todos temos uma
imagem de Deus.
Tamb
ém quem não crê, ou nega a existência, tem
uma imagem de Deus, que nega.. (ALETTI, apud
ARCURI, ANCONA, 2007, p.15)
A fé de cada pessoa passa, portanto, por um itinerário psicológico próprio
que coincide com a vida inteira da pessoa, começando do primeiro relacionamento
com a figura da mãe e do pai. As expressões que ela assume de crença ou
descrença, de confiança ou desconfiança - são eminentemente idiossincráticas
mas, ao mesmo tempo, são apreendidas em situações sócio-culturais e históricas
bem concretas. A religiosidade de cada um depende muito do tipo de socialização
religiosa que a pessoa teve. No caso brasileiro, a socialização da criança se faz
quase invariavelmente em um contexto religioso e de piedade. Deus e outras figuras
sobrenaturais acham-se bem presentes. A Deus e aos seus intermediários se
recorre especialmente quando as situações são de aflição. Do céu se espera que
venha sempre uma ajuda. Às vezes reside aí e não na Medicina - a derradeira
esperança. É uma realidade profunda que é chamada em causa, envolvendo
aspectos vivenciais conscientes e inconscientes. Isto vale independentemente de a
pessoa praticar ou não uma religião, de dizer-se crente ou atéia.
Entretanto é necessário ter presente, contra uma concepção psicológica
insuficiente da fé vivida, que essa não pode ser reduzida nem a uma atitude cega,
nem a uma fuga arbitrária, nem menos ainda a uma reação neurótica ancorada em
experiências infantis.
O psicanalista inglês D.W. Winnicott fala em confiança e em crer em
(believe in). Rejeitando totalmente o conceito de como ilusão (conforme assim
define Freud), Winnicott dá ao termo ilusãoum sentido novo e densamente humano
e é a esse sentido que ele atrela sua concepção de em sentido verdadeiro,
fazendo uma distinção entre a crença ou o laço que a criança pequena possui e
a fé propriamente dita (faith), e que existe em quem se tornou psicologicamente
adulto.
55
Para Mario Aletti:
... convém lembrar que-como Winnicott mostra
claramente - o que conta para o desenvolvimento
da pessoa
é a atitude de crer em alguma coisa, ter
uma em algo (to believe in anything at all), a
capacidade que a criança tem de crer; o crer, mais
que o conte
údo (religioso) daquilo que se crê. A
relação entre a - confiança de base e a fé
religiosa do crente não tem, portanto, uma
continuidade necess
ária e deve, assim ser
observada com atenção... (ALETTI, 2007, p.45)
Procurou-se, ao longo deste capítulo discorrer a respeito dos temas:
religião, religiosidade e espiritualidade. Buscou-se demonstrar seus significados,
diferenças de sentido bem como aproximações. Também buscou-se apresentar
algumas pesquisas internacionais que trabalharam com esses temas. Pesquisas
brasileiras que também tratam desses temas, estão apresentadas no anexo 2 dessa
dissertação.
Esses preâmbulos viabilizaram a compreensão, tanto no capítulo que se
segue, como nos demais, dos caminhos percorridos pelas cinco mulheres
participantes deste trabalho a partir do diagnóstico de um ncer de mama e de seu
tratamento. Ver-se-á onde a religião, a religiosidade e a espiritualidade surgem e
qual o papel desempenhado no acompanhamento desta experiência de vida de cada
uma delas.
56
CAPÍTULO II - PELAS VIAS DO CÂNCER
Este capítulo tem por objetivo traçar um panorama dessa patologia.
Enquanto alguns cânceres são atualmente tratados com sucesso, vários outros
difíceis de serem combatidos. Seus portadores enfrentam uma história de sofrimento
físico, silêncios e constrangimentos. Acrescenta-se a essa luta titânica uma munição
cujo poder é de uma agressividade altamente tóxica, que aos poucos vai minando as
forças de combate do indivíduo, envolto num embate contra vários outros inimigos
além do câncer: o preconceito, o estigma, o isolamento, a incerteza e, em alguns
casos, o abandono por aqueles que ele contava poder vir em seu auxílio.
Os primeiros casos documentados de câncer estavam registrados em
papiros egípcios, datados de 1500 anos A.C., que documentavam oito casos de
tumores nos seios e sua remoção, por meio de cauterização. (FAYED, 2005, pág.3).
Há evidências de que esse povo sabia distinguir entre tumores malignos e benignos,
mas ignorava um tratamento para a doença. Portanto, mais de 3500 anos esta
persiste sendo uma doença enigmática.
Galeno (129 ou 131-201 d.C) teria atribuído a doença a um desequilíbrio da
bílis negra, no século XVII esta seria atribuída à linfa. Um século depois, o cirurgião
inglês John Hunter (1728-1793) veria não a linfa coagulada, mas a linfa ativa como
causa. Em 1775, o cirurgião inglês Percival Pott mostraria uma relação entre o
trabalho dos limpadores de chaminés e o ncer nos testículos. A noção de
metástase aparece em Claude Anthelme Récamier (1774-1852 Desde o início do
século XX as investigações sobre o câncer giram em torno da célula (AURELIANO,
2006, p.18).
Na década de 80, o câncer foi considerado uma epidemia mundial,
influenciada pela elevada expectativa de vida e difusão de hábitos de vida menos
saudáveis para as populações. Atualmente, dados apontam que 80% dos nceres
são devidos a fatores que foram identificados e, portanto, são potencialmente
evitáveis, de acordo com o National Cancer Institute dos Estados Unidos, citado pela
iniciativa PCRM
3
(2000). E isso muito embora se divulgue que dieta saudável,
atividade física e não-uso de tabaco fariam com que 40% dos cânceres pudessem
ser prevenidos, segundo a World Health Organization - WHO (2006).
3
Physicians Committee for Responsible Medicine.
57
Um novo relatório da American Cancer Society de 18 de dezembro de 2007
estima que haverá 12 milhões de novos casos de câncer e 7.6 milhões de óbitos por
câncer (cerca de 10 mil por dia, 13% da população mundial) em 2007. Esse relatório
estima que 5.4 milhões desses nceres e 2.9 milhões de mortes ocorrerão em
países desenvolvidos, e 6.7 milhões de casos em países em desenvolvimento, o que
certamente desafia os imensos progressos da medicina moderna.
Entretanto, ao enfocarmos o câncer de mama, objeto de estudo deste
trabalho, verifica-se que este é a segunda causa de morte por câncer de mulheres.
Estimativas da WHO (2006) dão conta de que atualmente cerca de um milhão de
mulheres por ano serão diagnosticadas com câncer de mama no mundo apenas
nesse ano, e 502 mil delas falecerão em conseqüência da doença. Acentuando essa
gravidade, estudos recentes de Lehman et. al. (2007) atestam que uma entre cada
10 mulheres que tiveram câncer em um seio têm a probabilidade de desenvolvê-lo
no outro.
Em relação ao Brasil, estimativas sobre câncer apontam para o fato de que
justamente o câncer de mama será o mais incidente entre as mulheres em 2008,
segundo o Instituto Nacional do Câncer (BRASIL, 2007). O predomínio da patologia
localiza-se na região Sudeste, 68 novos casos a cada 100 mil mulheres, a mais alta
taxa de incidência do país numa região com os maiores índices de urbanização e
desenvolvimento socioeconômico, além de maior acesso à informação.
2.1 A doença e seu histórico
Partimos de uma síntese da evolução da doença através dos séculos,
valendo-nos do breve resumo sobre sua história (Quadro 1).
Quadro 1 A História do câncer: página informativa
0 milhões de anos atrás: Ossos fossilizados de
dinossauros desse per
íodo mostram possível
evidência de células cancerosas
3000
A.C: evidências de câncer foram
constatadas em múmias egípcias.
1600 A.C: papiros egípcios descrevem
tratamentos para câncer.
1500 D.C.: a autópsia se tornou comum trazendo
maior entendimento de cânceres internos.
1650 D.C.
.: avanços em tecnologias elacionadas
à medicina auxiliam o estudo do câncer. A
inven
ção de microscópios de escobertas sobre a
circulação do sangue, células e sistema linfático
foram grandes passos atingidos nesse sentido.
58
Continuação
400 AC : evidência de câncer encontrada em
m
úmias pré-colombianas do Peru..
1750 D.C
.: causas para alguns tipos de câncer
foram sugeridas, como o uso de rapé relacionado
à câncer no nariz.
300 AC: Hipócrates nomeou uma série de
tumores como carcino ou cardinona.. Pensava-se
que o c
âncer era causado por excesso de bile
negra no corpo.
1840-1900 D.C.
: grandes descobertas em
anest
ésicos e anti-sépticos que melhoraram os
métodos cirúrgicos. A descoberta dos Raios X
ocorre em 1895 e o isolamento do rádio em 1898.
50 D.C.: como os gregos, os romanos
descobriram que alguns tumores podiam ser
removido por cirurgia e cauterizados, sem,
entretanto, encontrarem rem
édios efetivos.
Perceberam que a cirurgia poderia agravar o
alastramento da doen
ça, e que alguns tumores
se desenvolviam novamente.
1900 D.C
. : centenas de matérias carcinogênicas
foram reconhecidas. Grandes avanços ocorrem
em fisiologia, bioquímica e biologia molecular.
1900-1950
: desenvolveu-se a radioterapia como
tratamento
e
500 a 1500 D.C: pouco avanço foi registrado no
entendimento da doença. Ainda se acreditava ser
causado por excesso de bile negra. Usava-se
ung
üentos contendo arsênico para controle
paliativo ao lado de dietas, sangrias, p
ó de
caranguejo, ervas medicinais e encantamentos
1945 D.C.: quimioterapia como tratamento.
Fonte: Cancer Society, 2003 (Tradução nossa)
Este primeiro item provê explicações sobre a biologia do câncer, um breve
histórico de seu surgimento na humanidade, com base nos trabalhos do bioquímico
e pesquisador da área de câncer Richard Béliveau, da Universidade de Quebec em
associação com Denis Gingras, pesquisador do Laboratório de Medicina Nuclear do
Centro de Cancerologia Charles-Bruneau e da ensaísta Susan Sontag (1984), dos
Estados Unidos, esta última vítima de leucemia, que estudou como as moléstias
foram romantizadas e demonizadas, principalmente em livros. Iniciaremos o trajeto
deste capítulo perguntando: o que é o câncer?
Do ponto de vista científico, segundo Béliveau e Gingras (2007, p.31), o
câncer é, primeiramente, uma doença da célula. No processo de desenvolvimento
do câncer, quatro principais constituintes da célula desempenham um papel
importante.
Vale ter em mente que a célula é a unidade básica do nosso complexo
organismo, que possui por volta de 75 a 100 trilhões delas. Minúscula, com cerca de
um milésimo de mm, é um quebra-cabeça de complexidade sem precedentes. No
entanto, apesar de estarmos longe de desvendar todos os seus mistérios,
sabemos que o desregramento de algumas de suas funções tem papel capital no
desenvolvimento do câncer.
59
Um de seus quatro componentes maiores é o núcleo que conserva os
genes, ou as leis que regem o funcionamento da célula. Toda a informação genética
encontra-se inscrita nos genes, numa "memória química" - o ácido
desoxirribonucléico (DNA). É através do DNA que os cromossomos passam as
informações para o funcionamento da célula. A leitura dessas leis é importante, pois
é ela que dita à célula o seu comportamento, levando-a a fabricar proteínas
essenciais para o seu bom funcionamento e para a sua resposta a qualquer
mudança no seu ambiente. Quando, por qualquer motivo, ocorrem erros na leitura
dessas leis, as proteínas formadas são incapazes de cumprir adequadamente a sua
função, podendo, então, contribuir para o desenvolvimento do câncer.
Outros elementos constituintes da célula são as proteínas, as moléculas que
exercem a maioria das funções necessárias à manutenção da coesão da célula,
como, por exemplo, o transporte das substâncias nutritivas a partir da circulação
sanguínea, e a comunicação das mensagens provenientes do exterior para informar
à célula sobre as mudanças no mundo externo. Várias das proteínas são enzimas,
ou seja, possuem a capacidade de transformar substâncias inutilizáveis em produtos
essenciais à vida da célula. Certo número de enzimas permite também que a célula
se adapte rapidamente a toda mudança que ocorre no ambiente, modificando a
função de outras proteínas. Desse modo, é essencial para a célula ter o cuidado
para que a leitura das leis que prescrevem a produção das enzimas seja fiel à
original, pois uma má leitura pode provocar a fabricação de proteínas modificadas,
que são incapazes de cumprir a contento a sua função, o que é incompatível com o
bom equilíbrio da célula. Assim, o câncer é sempre causado por erros de fabricação
das proteínas, marcadamente as enzimas.
A mitocôndria é o local onde a energia contida na estrutura das moléculas
provenientes da alimentação é convertida em energia celular. O oxigênio é o
combustível utilizado para essa função, o que infelizmente provoca a formação de
resíduos tóxicos, os chamados radicais livres. Esses resíduos podem agir como
elementos desencadeantes do câncer, proporcionando mutações que acarretam
erros na fabricação das proteínas. A esse respeito, Béliveau e Gingras (2007, pág.
60) discutem 11 alimentos ou famílias de alimentos em sua função de desacelerar
ou prevenir o crescimento de tumores.
E, finalmente, a membrana plasmática, estrutura que envolve a célula.
Formada de lipídios e de certas proteínas, atua como uma muralha destinada a
60
conter todas as atividades da célula em um mesmo lugar, e age como uma barreira
entre o interior da célula e o meio externo, um filtro que seleciona as substâncias
que podem entrar e aquelas que saem da célula. Consequentemente, uma célula
que não consegue mais compreender o que acontece em seu exterior, perde as
suas referências e começa a se comportar de maneira autônoma, sem se preocupar
com as suas vizinhas. Este é um resultado muito perigoso, que pode levar ao
câncer.
Concentremo-nos por ora na escola de Hipócrates, o pai da Medicina
ocidental, na Grécia do século V a.C., pois foi onde as primeiras descrições
sistemáticas da doença apareceram e onde surge o termo karcinos, cujo significado
é caranguejo. As explicações para o nome são duas: das dores que causa,
semelhantes às ferroadas do crustáceo; e do fato de que a dilatação dos vasos
sanguíneos que alimentam o tumor traça um desenho que lembra as patas de um
caranguejo.
Sontag (1984, pág. 60) também compartilha dessa descrição da escola de
Hipócrates, quando diz que a mais antiga definição literal de ncer é a de um
tumor, uma inchação ou uma protuberância, de onde teria surgido o nome da
doença - do grego kankinos e do latim cancer, ambos significando caranguejo.
Segundo Galeno, a maior autoridade médica na época pré-renascentista, isso se
deveria à semelhança entre as veias entumecidas de um tumor externo e as pernas
de um caranguejo e não aos movimentos mal coordenados do caranguejo,
considerado por muitos, semelhantes à evolução metastática do câncer. Galeno
escreveu ainda: Os tumores cancerosos são encontrados nos seios das mulheres,
após a cessação da menstruação a qual, desde que seja regular, preserva uma boa
saúde (p.60). Ele recomendava a excisão cirúrgica dos tumores mamários
facilmente removíveis e deu uma excelente descrição da disseminação do câncer
mamário:
(...) nós temos visto com freqüência no seio um
tumor que se assemelha ao animal chamado
caranguejo... N
ós temos curado muitas vezes essa
doença em seus estágios iniciais, porém depois que
alcança um grande tamanho ninguém conseguiu
curá-la sem operação (GALENO, apud SONTAG,
1984, p.61).
61
A escola de Hipócrates introduziu a proposta de privilegiar a razão e a
observação da natureza no estudo das doenças, em detrimento das explicações
sobrenaturais. A idéia fundamental atribuía a saúde a um equilíbrio entre os fluidos
orgânicos, denominados de os quatro humores: o sangue, associado à vida; a
fleuma e a bile amarela, presentes em alguns estados mórbidos e a bile negra ou
melancólica, que aparecia nos vômitos e excreções. Acreditava-se que o câncer,
como outras doenças, era resultante de um desequilíbrio humoral, de um excesso de
bile negra ou melancólica.
No trecho do Livro III de sua obra História, em que conta as aventuras de
Demócedes (525 a.C.), expoente da medicina da época, Heródoto (450 e 430 a.C.),
historiador grego que antecedeu Hipócrates, menciona rainha Atossa, curada de um
tumos no seio por Demócedes. Sua técnica, diferente da de Galeno, nunca fora
revelada.
133. (...) Atossa, filha de Ciro e mulher de Dario,
descobriu um tumor em seu seio, que supurou mas
se alastrava cada vez mais; enquanto o tumor era
pequeno, ela o ocultava por pudor e nada dizia,
mas quando o seu estado se agravou Atossa
mandou chamar Dem
ócedes e lhe mostrou o tumor.
(...) 134. Depois de cuidada e curada do mal, [...]
KURY, apud RIBEIRO JR., 2007, p.1)
A noção de uma doença generalizada com manifestações em locais
específicos perdurou por quase vinte séculos até a descrição do sistema linfático, no
início do século XVII, quando se atribuiu o ncer a diversos distúrbios da linfa.
Nesse momento, suspeitou-se também que o mal pudesse ser contagioso, levando à
exclusão e à discriminação dos pacientes, recusados em vários hospitais.
A partir do século XVIII, surgiram as teorias da doença restrita a um
determinado tecido do organismo, ainda que se estendesse a diferentes órgãos,
nascendo, assim, o conceito de disseminação à distância, de metástase, que em
grego significa mudança de lugar. Também se constatou que o sangue e a linfa
eram os veículos através dos quais a doença se propagava. A sensação de
impotência diante da doença é produzida por esse caráter migratório: não fosse ele,
a maioria seria curável.
O pesquisador G. Edward Griffin (2006, p.93) menciona que, até a
descoberta dos hunza (povos habitantes da Ásia Central), não se conhecia qualquer
62
cultura que houvesse sido inteiramente poupada do câncer. Aponta que somente
esse pequeno povo montanhês do Himalaia, até o contato com a civilização
moderna, em meados deste século, jamais tenha sabido o que era câncer.
Foi somente a partir da metade do século XIX que se descobriu que o
câncer resulta do desenvolvimento anômalo de células, deixando de ocupar o lugar
de ser apenas mais uma dentre as doenças que desafiavam a ciência. Desde as
constatações de Hipócrates sobre a doença até a verificação de sua localização em
células transcorreram 2400 anos.
Entre os perigos verdadeiros que todos devemos enfrentar, o câncer
constitui uma ameaça real: se tomarmos uma região desenvolvida como o Reino
Unido, uma entre três pessoas terá câncer em algum ponto de sua vida, e uma entre
quatro morrerá disso, segundo Monaghan et. al. (2005, p.3).
Castro et. al. (2000, p.11) apontam que a incidência é crescente e universal,
associada especialmente a longevidade dos grupos populacionais, com particular
expressão entre mulheres, que têm registrado ganhos maiores de anos em relação
aos homens. Este dado justifica a primazia do câncer de mama feminino em todos
os estudos epidemiológicos de incidência da doença.
Em relação à Estimativa da Incidência de Câncer para 2008, no Brasil e nas
cinco regiões, Luiz Antonio Santini, diretor do INCA- Instituto Nacional do Câncer -
(BRASIL, 2007), reforça essa informação: A dimensão da incidência da doença no
país, que é projetada nas estimativas, evidencia como o câncer precisa ser
encarado, definitivamente, como um problema de saúde pública.
E as perspectivas futuras não são boas: estima-se atualmente que, devido
ao envelhecimento progressivo da população, serão diagnosticados anualmente 15
milhões de novos casos. Somente na América Norte, 10 milhões de pessoas vivem
com câncer e 600.000 por ano morrem dessa doença. Para pensarmos sobre a
magnitude desse cenário, basta imaginar o desabamento das torres gêmeas do
World Trade Center três vezes por semana. Isso sem incluir o custo financeiro do
tratamento dos doentes, avaliado em 180 bilhões de dólares anualmente, e que não
deixará de crescer durante os próximos anos (BÉLIVEAU, GINGRAS, 2007, p.17)
O fardo do câncer não é um fenômeno distribuído de maneira uniforme no
mundo. Segundo estatísticas recentes da Organização Mundial da Saúde, os países
com os mais altos níveis de câncer são os da Europa Oriental (Hungria e
Tchecoslováquia), com 300 a 400 casos para 100.000 habitantes, seguidos de perto
63
pelos países ocidentais industrializados, como os da América do Norte, por exemplo,
com 260 casos para 100.000 habitantes. Em compensação, os países do Sudeste
Asiático, como a Índia, a China ou a Tailândia, têm taxas muito menos elevadas,
cerca de 100 casos para 100.000 indivíduos (WHO, 2006).
Além de ser distribuído de maneira desigual de uma região do mundo para
outra, o tipo de câncer que afeta a população desses países varia enormemente,
exceto o câncer de pulmão, o mais freqüente e mais uniformemente difundido em
escala planetária (devido ao tabagismo). Nos Estados Unidos e no Canadá, além do
câncer de pulmão, os principais são, na ordem de maior incidência, os de cólon, de
mama e de próstata, enquanto que nos países asiáticos, a freqüência desses
cânceres é muito menor do que a observada para os cânceres de estômago,
esôfago e fígado. A amplitude dessas diferenças entre Leste e Oeste também
impressiona: por exemplo, em certas regiões dos Estados Unidos, mais de 100
mulheres entre 100.000 desenvolvem um câncer de mama, contra apenas 8
tailandesas entre 100.000. Quanto ao câncer de próstata, outro grande câncer que
ataca o Ocidente, essa distância é ainda maior: afeta dez vezes menos japoneses
do que ocidentais. (BÉLIVEAU, GINGRAS, 2007, p.20)
O estudo de populações migrantes permitiu confirmar que essas variações
extremas não se devem a uma predisposição genética qualquer, porém estão mais
estreitamente ligadas às diferenças existentes entre os estilos de vida. Nesse tipo de
estudo, os níveis dos diferentes cânceres que atingem os japoneses residentes em
seu país e os dos que emigraram para o Havaí foram comparados com os daqueles
que acometem a população havaiana local. Enquanto, por exemplo, o câncer de
próstata era pouco comum no Japão, sua freqüência aumentou 10 vezes entre os
emigrantes japoneses, ao ponto de se aproximar sensivelmente da constatada entre
os havaianos de origem. Fenômenos similares são observados quanto às mulheres,
cujas baixas taxas de câncer de mama e de útero aumentaram consideravelmente
quando modificaram seu estilo de vida ao emigrarem. (BÉLIVEAU, GINGRAS, 2007,
p.21)
2.2 Dados sobre o câncer da mama
A mama é o principal local atingido por novos casos de câncer entre as
mulheres. A American Cancer Society (2007) aponta que uma entre cada 10
64
mulheres dos Estados Unidos tem a probabilidade de desenvolver um câncer de
mama durante sua vida, em sua estimativa de 2007. Um terço dessas mulheres irá
sucumbir à doença, resultando em mais de 40 mil mortes por ano. Além disso, a
incidência do câncer de mama feminino apresentou um crescimento contínuo na
última década, o que pode ser resultado de mudanças sócio-demográficas e
acessibilidade aos serviços de saúde.
Desses dados resulta a pertinência de que o câncer de mama venha sendo
alvo de grandes campanhas publicitárias. Estudos intensivos sobre sua origem,
métodos diagnósticos e tratamentos surgem a todo o momento. Muitos progressos
foram alcançados, particularmente no diagnóstico precoce, tanto que, após
permanecer estável durante muitas décadas, a taxa de mortalidade por câncer de
mama, em mulheres brancas nos Estados Unidos, diminuiu ligeiramente entre 1989
e 1992.
No entanto, o mesmo não pode ser afirmado em relação às mulheres
negras, cuja taxa de mortalidade por câncer de mama aumentou nesse mesmo
período. Segundo as estatísticas para Afroamericanos da American Cancer Society
(2007), as mulheres negras encontram-se num nível 35% acima do de homens e
mulheres brancos e negros nos Estados Unidos, do que se pode supor que a taxa
de mortalidade por câncer de mama também deve ter subido e, ainda, que talvez
isso se aplique a nossa população.
Sendo assim, torna-se irônico, e ao mesmo tempo trágico, que uma
neoplasia de um órgão exposto, facilmente acessível ao auto-exame e ao
diagnóstico clínico, continue representando um ônus tão pesado, ocupando
drasticamente o segundo lugar nas estatísticas (cerca de um milhão de casos
novos), perdendo apenas para o câncer de pulmão entre mulheres (WHO, 2006).
Dos vários tipos de cânceres, o de mama é provavelmente aquele que mais
causa medo nas mulheres, devido à sua alta freqüência e, principalmente, pelos
efeitos psicológicos que afetam a percepção de sua sexualidade e imagem corporal.
Antes dos 25 anos de idade é relativamente raro, exceto quando casos
familiares. A partir dessa idade, a incidência aumenta com a idade de 1 em 232
casos na quarta década da vida, até 1 em 29 casos na sétima década. Dados
epidemiológicos descrevem que a incidência global do câncer de mama na
população aumentou uniformemente até 1988, quando se tornou estável.
65
Embora as estatísticas apontem para o aumento da incidência de casos
tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, mais da
metade dos casos novos ocorrem em países desenvolvidos.
Segundo a WHO (2006), nas décadas de 60 e 70 registrou-se um aumento
de 10 vezes nas taxas de incidência, ajustadas por idade, nos registros de câncer de
base populacional de diversos continentes. Tem-se verificado também o aumento no
risco de mulheres migrantes de áreas de baixo risco para as áreas de alto risco.
Ainda de acordo com informações da WHO, em seu informe anual, o câncer
tornar-se-á uma verdadeira epidemia mundial devido ao aumento da expectativa de
vida no mundo e à difusão de bitos pouco saudáveis, como tabagismo e
alimentação. No ano de 2020, estima-se que, em mulheres, o câncer de mama
tenha a mortalidade e a incidência mais alta entre tumores malignos. Essa tendência
é coincidente com a de países desenvolvidos, em que a urbanização levou ao
aumento da prevalência de fatores de risco para câncer de mama. De acordo com o
mesmo informe, pelo menos 15 milhões de pessoas apresentarão tendências ao
câncer, ante os 10 milhões atuais.
O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais freqüente no mundo e o
mais comum entre as mulheres. A cada ano, 22% dos casos novos de câncer em
mulheres são de mama. No Brasil, o câncer de mama é o tipo de câncer que mais
acomete mulheres. As estimativas mais recentes do INCA (BRASIL, 2008) indicam
que o número de casos novos de câncer de mama esperado para o Brasil em 2008
é de 49.400, distribuídos segundo a Tabela 1. (Isso significa um risco estimado de
51 casos a cada 100 mil mulheres).
Tabela 1 Estimativa 2008 de casos de câncer de mama no Brasil
Localização Primária Norte Nordeste Centro-Oeste
Sul Sudeste
Mama Feminina 1.210 7.630 2.630 9.500 28.430
Fonte: Brasil, 2007
Na regi
ão Sudeste, o câncer de mama é o mais incidente entre as mulheres
com um risco estimado de 68 casos novos por 100 mil. Sem considerar os tumores
de pele não-melanoma, esse tipo de câncer também é o mais freqüente nas
mulheres das regiões Sul, Centro-Oeste) e Nordeste. Na região Norte, é o segundo
tumor mais incidente (Tabela 2)
66
Tabela 2 Risco estimado de câncer da mama por 100.000 no Brasil
Localização Primária Norte Nordeste Centro-Oeste
Sul Sudeste
Mama Feminina 16/ 100.000 28/ 100.000 38/ 100.000 67/ 100.000 68/100.000
Fonte: Brasil, 2007
A Tabela 3 ilustra dados de todos os tipos de cânceres por região, onde
também se observa a magnitude do câncer de mama.
Tabela 3 Estimativa para o ano 2008 de casos novos por câncer,
em mulheres, segundo localização primária
Centro
Oeste
Nordeste Norte Sudeste Sul
Mama Feminina 38,17 28,38 15,62 68,12 67,09
Colo do Útero 19,44 17,58 22,20 17,83 24,44
Cólon e Reto 10,88 5,78 3,82 21,07 21,89
Traquéia, Brônquio e Pulmão
8,80 5,26 5,02 11,41 16,22
Estômago 6,01 5,45 5,44 9,47 10,44
Leucemias 4,19 3,15 2,93 5,20 5,64
Cavidade Oral 3,27 3,62 1,61 4,64 3,66
Pele Melanoma 1,84 0,89 0,38 3,88 6,58
Esôfago 1,87 1,62 0,61 2,93 5,79
Outras Localizações 45,35 33,43 31,96 82,89 92,49
Fonte: Brasil , 2007.
Um levantamento desalentador conduzido pela Sociedade Brasileira de
Mastologia (SBM) aponta que o número de mulheres vítimas de câncer de mama
com menos de 40 anos triplicou nos últimos três anos. Segundo o levantamento, em
2003, 5,6% das mulheres mais jovens com câncer tinham esse tipo de tumor. Em
2006, esse grupo passou a representar 16,8% nos diagnósticos da doença
(AGÊNCIA BRASIL, 2007).
Santini, diretor geral do INCA (BRASIL, 2007), afirma que as regiões Sul e
Sudeste possuem as maiores taxas de incidência, tanto em homens como em
mulheres, sendo uma das possíveis explicações o grau de urbanização e
desenvolvimento sócio-econômico, o maior número de pessoas idosas e o maior
67
acesso à informação. Tal perfil assemelha-se ao de países desenvolvidos
(BRASIL,
2007). Segundo a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia - ABRALE (2006),
os tipos mais incidentes, à exceção de pele não melanoma, serão os de próstata e
pulmão no sexo masculino e mama e colo do útero no sexo feminino. Entre tipos de
câncer mais incidentes entre as mulheres, o de mama ocupará o primeiro lugar com
28.640 novos casos, seguido por cólon e reto (8.570) e colo de útero (7.970).
Castilhos (2007), da Agência FAPESP, informa que doença é a principal
causa de morte nos países desenvolvidos. No Brasil, é a segunda, depois das
cardiovasculares. O que chama a atenção nas estimativas, no entanto, são as
diferenças regionais: o mapa da incidência geral da doença (incluindo todas as
neoplasias) mostra que as regiões Sul e Sudeste concentrarão o maior número de
casos..
Castilhos ainda cita o epidemiologista Cláudio Noronha, coordenador da
Área de Prevenção e Vigilância do INCA:
Quanto mais tempo uma pessoa vive, maior será
sua exposição aos fatores de risco. O aumento na
expectativa de vida da população brasileira,
especialmente no Sul e no Sudeste, explica, em
parte, as diferentes incid
ências entre essas e outras
regiões a taxa de envelhecimento é menor no
Norte e Nordeste. Mas é importante lembrar que
essas regiões são as mais populosas e recebem
pessoas de todo o país, A região Sudeste possui a
maior taxa de urbanização e desenvolvimento
socioeconômico do país, o maior número de
pessoas idosas e o maior acesso à informação. Por
conta disto, também é a mais acometida pelo
câncer, principalmente aqueles típicos das áreas
mais desenvolvidas.
Em sua fala no Seminário sobre Saúde Preventiva
4
, a ginecologista e
mastologista Sandra Lúcia Cócaro de Souza aponta que de 100 mulheres que
tiveram câncer de mama, somente 20% apresentam os fatores de risco conhecidos.
Não podemos determinar quais mulheres desenvolverão câncer de mama, já que,
em sua maioria, apresentam pelo menos um fator de risco e, muitas, mais de um.
Entretanto, mulheres sem os fatores de risco conhecidos atualmente também
4
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, ata da reunião de 26 de maio de 1999.
68
desenvolvem câncer de mama, o que, consequentemente, nos leva a reafirmar que
todas as mulheres estão sob risco.
A avaliação do risco tem sido causa de grande preocupação para as
autoridades de saúde, e, pela relevância dada, atualmente no Brasil, como
acontecia em vários países do exterior, tem-se implantada a prática do
encaminhamento de mulheres que relatam antecedentes hereditários diretos, como
mãe, irmãs, tias que foram detectadas com câncer da mama na pré menopausa,
para avaliação e aconselhamento genético. Se a probabilidade se mostra alta, a
mulher poder tomar a decisão de realizar mastectomia profilática. Esta é atualmente
a única maneira de consolidar-se a prevenção primária.
Sendo a mamografia o procedimento por muitos considerado o mais
importante para o rastreamento do câncer de mama, vale nos aprofundarmos um
pouco sobre sua natureza. Também denominada senografia ou mastografia,
consiste na radiografia simples das mamas. É um exame de alta sensibilidade,
apesar de a maioria dos estudos evidenciarem falhas entre 10 a 15% dos casos de
câncer com tumor detectável ao exame clínico. Essa sensibilidade, no entanto, está
diretamente relacionada à idade da mulher, sendo muito menor nas jovens, que
apresentam uma alta densidade de tecido mamário. Devido a esse fator, e ao fato
de a radiação (utilizada na mamografia) ser considerada um fator de risco para o
câncer de mama, essa não deve ser feita em mulheres muito jovens nem praticada
de forma indiscriminada.
Um dos fatores que contribuem para alta mortalidade encontrada em
decorrência do câncer de mama é o avançado estadiamento, ou extensão do tumor,
no momento em que as mulheres são submetidas ao primeiro tratamento. Em geral,
50% dos casos são diagnosticados em estádios avançados (III e IV).
Petel (2006, p.20), por exemplo, cita pesquisa com estudantes do quinto e
sexto anos do curso de graduação em medicina, de faculdades localizadas na
cidade do Rio de Janeiro que conclui-se que o conhecimento dos alunos sobre a
mamografia e os fatores de risco para o câncer de mama é insuficiente para a
prevenção e detecção precoce do câncer de mama. Em relação ao autoexame das
mamas (AEM), a autora menciona trabalho de Monteiro et al, que verificou que
apesar de os meios de comunicação de massa serem aqueles que atingem o maior
número de pessoas (58,9%) quanto à prática do AEM, este foi considerado como um
método pouco efetivo uma vez que a freqüência do AEM foi realizada de forma
69
incorreta. Em contraste, a orientação médica demonstrou ser a mais eficiente ao
ensinar, às mulheres, como realizar o autoexame das mamas de modo correto,
porém beneficiou apenas 37,5% das pacientes envolvidas neste trabalho (p.30).
Sabe-se que cerca de 80% dos tumores de mama são descobertos pela
própria mulher, palpando suas mamas incidentalmente. Quando isso ocorre, eles
apresentam um tamanho grande, o que dificulta o tratamento. O que se pretende é a
descoberta desses tumores de tamanho o menor possível (de 1 a 3 cm), de maneira
que a doença seja tratada ainda em fase inicial. No início da doença, os recursos
terapêuticos são, então, mais eficazes, permitindo tratamentos menos mutiladores e
com maiores probabilidades de controle. Entretanto, Ellery (2004, p.130) ressalta,
em sua dissertação sobre aspectos psicossociais do auto-exame ser o
conhecimento sobre o auto-exame das mamas pouco qualificado, devido ao fato de
que persistem muitas desinformações sobre sua técnica, o período para realizá-lo,
bem como seu alcance.
Eisenberg e Koifman (2000, resumo) colocam a palpação como o método
mais simples para o diagnóstico, posto que o sintoma mais perceptível do ncer de
mama para a mulher é o nódulo palpável na mama. Realçam, contudo, que somente
cerca de 60% dos cânceres detectados por mamografia são palpáveis, sendo o
exame anatomopatológico imprescindível para o diagnóstico do tumor primário e das
metástases e para classificação e estadiamento.
Os autores também esclarecem que tumores malignos próprios da mama,
isto é, os adenocarcinomas, quando in situ do latim (no seu lugar, no lugar) significa
um estado adiantado do carcinoma definido pela ausência da invasão de tecidos
circunvizinhos. No entanto, são de alto grau nuclear e podem se transformar em
invasores, precocemente.
2.3 Da doença ao estigma
Quintana et. al. (1999, p.47) enfocam a história do câncer em enredo de
memórias associadas a silêncios, constrangimentos, pobreza, sujeira e pecado. Em
outras palavras, o doente de câncer, além de enfrentar a doença física com todo o
sofrimento que a mesma encerra, também se depara com um sofrimento implacável,
dilacerante, cujas marcas ficam impressas na alma: a dor, a incerteza, a angústia, a
70
incompreensão e, muitas vezes, o afastamento daqueles com os quais acreditava
poder contar.
Nesta parte do capítulo, procurar-se-á mostrar como a noção de estigma, ou
marca, surge e é manipulada nos vários contextos, deixando um rastro de lutas e
confinamentos. Para tanto, Goffman (1988) foi utilizado como autor de referência por
ser um grande pensador no que concerne à compreensão do estigma e sua relação
com a sociedade. Em relação ao estigma, o autor afirma que:
A referência ao estigma nos transporta ao mundo
grego, onde o termo foi primeiramente criado. Na
Gr
écia, a expressão era utilizada para nomear os
sinais corporais com os quais se designava alguma
coisa de extraordin
ário ou mau sobre o status moral
daquele que o apresentava. Os sinais eram feitos
com cortes ou ent
ão com fogo no corpo do
indivíduo e comunicavam que o seu portador era
um escravo, um criminoso ou traidor: uma pessoa
marcada, ritualmente polu
ída e que deveria ser
evitada, especialmente nos espaços públicos.
(GOFFMAN, 1988, p.11-12)
Ao avançar para a Era Cristã, o termo é acrescido de outros dois níveis
metafóricos, ou simbólicos, de classificação, conforme observa Goffman:
O primeiro, referindo-se a sinais corporais da graça
divina que tomavam a forma de flores em erupção
sobre a pele; o segundo, a uma alusão médica a
essa vaga referência religiosa, descrevendo sinais
corporais de distúrbios físicos. Nesses dois níveis,
ou seja, o estigma relacionado a características
divinas e uma referência médica a estas, é
possível apontar três tipos de significação
claramente diferentes do estigma: primeiro, há as
abominações do corpo as várias deformidades
físicas; em segundo, as culpas de caráter individual,
percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas
ou não naturais, crenças falsas e rígidas,
desonestidade, sendo estas inferidas a partir de
relatos conhecidos, como, por exemplo, dist
úrbio
mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo,
desemprego, comportamento político radical; por
fim, há também os chamados estigmas tribais de
raça, nação e religião que o autor os menciona,
enfocando que esse terceiro tipo de estigma pode
ser transmitido atrav
és de linhagem e influenciar
por igual os membros de uma família ou do grupo
social. (1988, p.14)
71
Em todos esses modelos de estigmas, inclusive aqueles que os gregos
cunharam, o autor chama a atenção para que observemos a existência de um
aspecto sociológico comum: um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido
na relação social cotidiana possui um traço (físico) que se pode impor à atenção e
afastar aqueles que ele encontra, demolindo a possibilidade de atenção para os
outros atributos seus. Isso significa que o indivíduo possui um estigma, uma
característica diferente da que se havia previsto para um encontro social normal e,
portanto, é tratado de maneira diversa à convencional.
Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante
ao sentido literal original, porém, mais aplicado à própria desgraça do que à sua
evidência corporal.
Um estigma também pode ser considerado um defeito, uma fraqueza e uma
desvantagem, especialmente quando seu efeito de descrédito é muito grande,
constituindo uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a
identidade social real. Quando o defeito da pessoa estigmatizada pode ser
percebido somente ao se lhe dirigir a atenção (geralmente visual) é provável que ela
sinta que estar presente entre os normais a expõe cruamente a invasões de
privacidade. Esse desagrado em se expor pode ser ainda aumentado por estranhos
que se sentem livres para iniciar conversas nas quais expressam o que ela
considera uma curiosidade mórbida sobre a sua condição, ou quando eles oferecem
uma ajuda que não é necessária ou não é desejada.
Ao longo dos séculos, o enfrentamento do câncer tendeu a exigir que o
indivíduo doente lutasse contra uma série de constrangimentos. No século XIX e
início do século XX, o câncer, além de considerado contagioso, era associado à falta
de limpeza, à sujeira física e moral (TAVARES, 2005, p.2).
Nessa mesma linha de pensamento, Gimenes menciona citação de Silveira
de 1927:
(...) das várias moléstias que examinamos até aqui,
a tuberculose, a lepra e o câncer, é esta última a
que mais claramente mostra o valor e a utilidade da
hygiene, seja qual for o aspecto sobre o qual se
encare a infec
ção. (SANTANNA, apud GIMENES,
1998, p.45)
72
Não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na Alemanha, a
associação simples entre pobreza, sujeira e doença não demorou a construir um
cenário de discriminações. O medo do contágio e as preocupações higienistas
contribuíram para justificar a luta social contra o câncer nas primeiras décadas do
século passado. Nesse contexto, a sociedade passou a ter o dever de fiscalizar a
higiene dos locais que abrigavam doentes de câncer, assim como os doentes de
sífilis entre outros males. Este argumento da higiene justificava intervenções
médicas e policiais nas residências bem como contribuía para selar o casamento
entre câncer e sujeira (SANTANNA, apud GIMENES, 1998, p.46).
Continua a mesma autora informando que na imprensa e nos manuais de
higiene da época, encontravam-se citações, que afirmavam que o câncer, a sífilis e a
lepra estariam associados à natureza avessa à vida virtuosa e limpa. Assim,
enfrentar o câncer significava, sobretudo no caso da mulher, deparar-se com o peso
dos supostos pecados cometidos e poder, por meio da resignação perante a dor e o
sofrimento, se redimir de atitudes, na época, consideradas anti-higiênicas e viciosas.
É relevante apontar que em uma época em que falar do próprio corpo ainda
era considerado indecente, o silêncio da doente parecia ser não apenas condição de
sua purificação, mas também a única alternativa socialmente admissível. Seus
relatos sobre a doença são pouco reveladores sobre o que pensavam ou sobre suas
atitudes tomadas perante essa espécie de sacralização de seus corpos. Mesmo não
tendo sido regra geral no passado, tal imagem tende a sugerir uma passividade e,
por vezes, uma resignação beata, que tendia a ser considerada dentro dos limites da
normalidade para essas mulheres, principalmente para aquelas portadoras de
câncer de mama. Dessa forma, sua suposta solidão poderia até vir a ser
considerada motivo de glorificação (SANTANNA, 1997)
As noções punitivas da doença têm uma longa história, como nos mostra
Sontag (1978, p.75) e são particularmente atuantes em relação ao câncer. Existe
uma cruzada, uma luta contra o câncer: o câncer é uma doença assassina. As
pessoas que têm ncer são timas. Aparentemente, a doença é o réu, mas ao seu
portador cabe a culpa. Várias teorias psicológicas da doença, amplamente
difundidas, segundo essa mesma autora, atribuem ao portador do câncer tanto a
responsabilidade por ter contraído a doença, quanto a responsabilidade de curar-se.
Os termos segundo os quais o câncer é tratado, não como uma simples doença,
73
mas sim como um inimigo satânico, fazem do mesmo não apenas uma enfermidade
letal, mas também colaboram com a idéia de uma doença vergonhosa.
Com isso, os modos de enfrentamento do câncer permanecem, em sua
grande maioria, confinados ao silêncio, principalmente quando tratamos do câncer
de mama. Nesse diagnóstico, além de haver a impregnação do estigma social
impuro e intocável, - a vergonha é agravada pela ameaça da mutilação de uma parte
do corpo considerada, muito intensamente, como um dos principais símbolos da
identidade feminina.
Em sua grande contribuição no sentido de entender esse assunto, Gimenes
(1998, p.57) ainda lembra que, dado o contexto proibitivo do início do século
passado, que envolvia o câncer, as mulheres eram convocadas a manter em silêncio
suas penas e a afastar do conhecimento alheio o desenvolvimento da doença. Esta
deveria ser tratada como um assunto pessoal, íntimo, não muito bem-vindo nas
conversas familiares, pois abordar esse assunto era fazer referência a algo sem cura
e, portanto, algo incompreensível às possibilidades do saber humano. Diante desse
roteiro de imagens, caberia à mulher portadora de câncer o papel de vítima.
Pesquisas como as de Fernandes e Mamede (2003, apud AZEVEDO, 2006,
p.7) evidenciam que mulheres mastectomizadas evidenciam que o seu
comportamento sobre a realidade vivida é o reflexo de uma cultura que privilegia o
belo e o perfeito, favorecendo as pessoas que são aparentemente sadias e sem
seqüelas visíveis de doenças
Trazendo o tema para a contemporaneidade, as autoras mencionam receios
antigos relativos à mutilação, à solidão e ao abandono familiar. Estes continuam
emergindo nas vivências emocionais dessas mulheres, tanto no decorrer do
tratamento em quimioterapia e/ ou radioterapia, como na rotina constante de exames
e cirurgias. O corpo é vasculhado, manipulado, invadido, diagnosticado, tornando
presente o fantasma da morte lenta e implacável, e principalmente daquilo que
secularmente foi considerado a alma da mulher - sua feminilidade.
Não menos importante para o tema deste trabalho, ainda apontam as
pesquisas que os ganhos secundários também podem fazer parte dessas histórias
que compõem o estigma em relação ao ncer, funcionando para tais mulheres
como desculpa pelo fracasso a que chegaram por outras razões. Ou construindo,
conforme menciona (SANTANNA, apud GIMENES, 1998, p.63) um cenário de
imagens que reflete as privações sofridas como uma bênção secreta, especialmente
74
devido à crença de que o sofrimento muito pode ensinar a uma pessoa sobre a vida
e sobre as outras pessoas.
2.4 Etiologia multifatorial do câncer: estresse, psicoimunologia e
psicossomática
Conhece o teu inimigo e conhece-te a ti mesmo; se
tiveres cem guerras a combater, cem vezes ser
ás
vitorioso. (Sun Tzu)
Há muito se faz a pergunta: qual a etiologia do câncer? Afinal, a busca
dessa resposta tem conduzido centenas de pesquisadores, clínicos e cientistas de
várias áreas do conhecimento ao encontro de vacinas, remédios ou tratamentos que
possam proporcionar alívio ao sofrimento daqueles que são vítimas dessa doença.
Béliveau e Gingras (2007, p.26) observam, no que se refere à gênese do
câncer, que não podemos, no momento atual das pesquisas científicas, afirmar com
precisão qual possa ser. Sabe-se que sua etiologia não se restringe a apenas um
fator causal, uma vez que a natureza etiológica precisa do ncer ainda é
parcialmente desconhecida.
Bizzari (2001, p.60) aponta para a variedade de teorias que foi sendo
construída ao longo do tempo com o objetivo de explicar a sua etiologia: transmissão
viral, bioquímica, hereditariedade, estudos psicossociais, estresse emocional,
pesquisas nutricionais, rebaixamento do sistema imunológico, entre outras. Pode se
falar, então, em multifatoriedade, o que nos indica de antemão que o câncer, sendo
uma doença complexa, não pode ser encarado pela comunidade médica ou por
outros profissionais como unicamente determinado e, consequentemente, tratado.
Tem-se, como o mais freqüentemente observado na sua etiologia, uma interação de
fatores internos (genéticos, hereditários, hormonais e biológicos) e externos
(estresse e respostas emocionais e fisiológicas a estímulos externos diversos).
Assim, o intuito a que esse tópico se propõe é apresentar os possíveis
fatores de sua etiologia. Percorreremos esses lugares biológicos, psicológicos,
sociais e espirituais por onde a ciência, na modernidade, nos tem conduzido,
esperando nos aproximar do entendimento quanto a sua gênese multideterminada.
75
Essencialmente, o câncer faz com que nos confrontemos com dois
importantes temas que procuramos deixar na sombra de nossas discussões: a dor e
a morte. Além disso, até o presente momento, nenhum outro sintoma torna tão nítida
a relação entre corpo, alma, mente e sociedade como o câncer. Quer partamos do
nível celular, da estrutura da personalidade ou da situação social, por toda parte
encontramos padrões semelhantes. Como nos lembra muito bem Melo Filho
(2000):
O câncer é uma das poucas doenças dependentes
de uma etiologia multifatorial: ser uma doença
geneticamente determinada e programada; incluir
uma falha do sistema imunol
ógico em algum
momento de sua programação; ser susceptível a
várias influências ambientais, como a ação dos
raios ultravioletas no c
âncer de pele, ser
susceptível à ão de várias influências ambientais,
ser susceptível à ação de várias substâncias
tóxicas presentes artificialmente no habitat humano,
depender da influência de fatores alimentares, ser
decorrente da ação de múltiplos agentes virais, ser
susceptível à influência de fenômenos de estresse
e a fatores psicol
ógicos. (p.121)
Os pesquisadores são praticamente unânimes em afirmar que as mutações,
ou alterações aleatórias no DNA celular, ocupam o primeiro plano, quando nos
referimos à gênese do câncer no nível celular. As mutações são observadas em
processos onde uma célula é estimulada e, sofrendo pressão prolongada durante
um tempo suficiente, tenderá a ter modificações drásticas em seu material genético.
Os estímulos que preparam esse caminho podem ser os mais variados: mecânicos,
químicos ou físicos. Em seu artigo Mutações: Evolução ou degeneração, Demick
(1999), por exemplo, afirma que as chamadas "mutações somáticas" são
importantes na origem de cânceres e outros processos de doenças degenerativas.
Nesse sentido, Schiller (2000, p.95) se aprofunda, informando que há vários
genes implicados na origem dos diferentes tipos de câncer: os protogenes que
estimulam a divisão celular - ao sofrer mutações, originam os oncogenes. Algumas
dessas mutações podem ser causadas por vírus que parasitam e imortalizam as
células. Ao ganhar uma expressão maior, os oncogenes inundam as células com
mensagens que perpetuam a multiplicação. Os genes reparadores de DNA
codificam as proteínas responsáveis por controlar a multiplicação celular e garantir
que as células-filhas sejam cópias idênticas da célula mãe. Diante de uma
76
disparidade, as células filhas são induzidas ao suicídio. Se esses genes deixarem de
corrigir as cópias defeituosas que o DNA faz de si mesmo, permitirão o acúmulo de
mutações e a sobrevivência de células danificadas pode desencadear o nascimento
de um tumor.
Ainda continua Schiller (2000, p.96) enfatizando que, uma vez martirizada, a
célula inicia algo totalmente novo para o seu contexto celular, dedicando-se ao
crescimento e à auto-realização. Aquilo que para o organismo representa perigo de
vida - o crescimento acelerado - é para esta célula um ato de libertação. Desse
momento em diante, tudo irá depender de o corpo dispor de estabilidade e poder de
defesa para derrotar a rebelião das células. A fraqueza das defesas do organismo
tem, portanto, um significado decisivo para o surgimento do câncer. De fato, um
colapso das defesas do organismo o sistema imunológico é muito freqüente ser
encontrado exatamente na época em que se presume que o tumor tenha surgido.
Ainda segundo esse autor, mesmo que todo câncer seja efeito de um dano
genético, poucos tipos são transmitidos de pais para filhos, ou seja,
hereditariamente. Compreende-se que algumas formas de câncer são influenciadas
por hormônios ou pela presença de vírus. Há uma variedade de fatores ambientais
como: produtos químicos, componentes da fumaça de cigarros e radiações que,
querem isolados ou em conjunto, propiciam o surgimento da doença.
Landini (1998, p.19) menciona afirmação do presidente do Instituto Ludwig
de Pesquisa sobre o câncer no Brasil, um dos maiores centros brasileiros de
excelência no tratamento do câncer, Ricardo Renzo Brentani, segundo a qual de 10
a 15% dos tumores são hereditários. Bastaria uma lesão em um gene crítico e o
individuo precisaria de menos lesões genéticas, durante a sua vida, para
desenvolver a doença. No entanto, de acordo com o pesquisador, até o momento
foram identificados poucos genes defeituosos que transmitem hereditariamente a
propensão a tumores.
Outro fator que parece influenciar a patogenia do câncer é a alimentação.
Bergerot e Bergerot (2006, p.13) informam que a dieta ocupa, juntamente com o
fumo, o primeiro lugar nos fatores etiológicos dos tumores malignos. Avaliam que
cerca de 80% dos tumores malignos estejam relacionados a fatores ambientais, dos
quais 35% são relacionados à dieta. Dados da II Jornada Internacional de Nutrição
Oncológica (2004) sobre a relação entre a alimentação e o câncer de mama são
mais vagos. Lopes (2004) aponta que:
77
No início da década de 80, Doll e Peto, faziam uma
previsão de que 1/3 dos óbitos por cancro poderiam
ser atribuídos a fatores de natureza alimentar.
Apesar do largo conjunto de estudos
epidemiol
ógicos desenvolvidos para tentar
estabelecer relações entre a alimentação e os
diferentes tipos de cancro, os resultados muitas
vezes inconsistentes n
ão permitiram ainda apoiar
essa previsão....[...] Das relações entre fatores
alimentares e cancro descritas, provavelmente, a
mais consensual
é o efeito benéfico do consumo de
fruta e vegetais na ocorrência de cancro do trato
digestivo e respiratório. Ainda um excessivo
consumo de carnes vermelhas, carnes
processadas, bebidas alco
ólicas, sal e produtos
salgados tem sido implicado num aumento do risco
da doen
ça. A existência de mais estudos de
natureza experimental e a compreensão das
interações existentes entre fatores genéticos e
fatores alimentares são fundamentais para o
esclarecimento das relações entre dieta e cancro.
(p.5)
Em seu trabalho sobre carcinogênese, Souza (SD) agrupa agentes
carcinogênicos e fatores de risco (Tabelas 4 e 5):
Tabela 4 Classificação Geral dos Agentes Cancerígenos
Agentes Exemplos
Químicos
Hidrocarbonetos arom
áticos policíclicos, aminas aromáticas, dieta,
hormônios, metais
Físicos
Raios ultravioleta (UVI), radia
ção ionizante (raios X, gama, outras
partículas)
Biológicos Vírus do papiloma, vírus de Epstein-Barr
Fonte: Souza (SD, p.51)
Tabela 5 Fatores que aumentam o risco de Câncer
Câncer de Pulmão,
Laringe e Bexiga
Cigarro
Câncer de Mama
História familiar de câncer de mama
Mulheres que nunca engravidaram
Mulheres que tiveram o primeiro filho ap
ós os 30 anos
Câncer de Colo de
Útero
Vida sexual precoce e múltiplos parceiros
Câncer de Cólon e
Reto
História familiar ou pessoal de câncer de intestino, pólipo ou
colite ulcerativa
78
Continuação
Hábitos
alimentares para
todos os tipos
Consumo excessivo de álcool e fumo.
Dieta rica em gordura
Conservantes qu
ímicos presentes em alimentos enlatados e
"embutidos", como salsichas e salames
Baixo consumo de vitaminas A e C
Fonte: Souza (s/d, p.1)
Os nutrientes podem facilitar a carcinogênese quando ocorre transformação
celular pela interação do DNA com substâncias químicas, radiação ou vírus. um
período de latência que pode ser curto ou longo até que um agente promotor atinja a
célula, iniciando o processo tumoral.
Fumo e dieta rica em gorduras são, potencialmente, a alimentação
facilitadora de risco de câncer, e as fibras, vitaminas A, C e E e selênio funcionariam
como alimentação protetoras ao risco de câncer (FELIPPE JUNIOR, 2004, p.27)
Béliveau e Gingras (2007, p.25) também citam que estudos epidemiológicos
recentes sugerem uma relação direta entre a ingestão total de gordura ou consumo
de gordura animal e o aumento do risco de câncer em vários órgãos como: mama,
cólon, reto e próstata. Parece ser o tipo de gordura, o importante no
desenvolvimento do câncer. Em países onde a ingestão de gordura animal é de
150g per capita, a neoplasia maligna tem uma incidência dez vezes maior.
Enfim, é do interesse mais particular deste trabalho o fato de que vários
trabalhos têm demonstrado que, além dos fatores genéticos e biológicos, as taxas
totais de mortalidade por doença o mais altas entre indivíduos caracterizados por
saúde mental assim definida pela presença de sintomas depressivos, traços
de ansiedade e de elevado estresse emocional.
Lôbo et al., por exemplo, realizaram estudo com pacientes
mastectomizadas em tratamento no Centro de Oncologia da Santa Casa de
Misericórdia de Maceió. A amostra foi constituída de 25 sujeitos, do sexo feminino, A
Figura abaixo ilustra que, em boa parte das respostas obtidas (48%), as pacientes
apontam para fatores psicológicos e/ou ao estresse quando lhes foi perguntado
sobre o que fazia piorarem ou aparecerem os sintomas de seu problema de saúde.
79
Figura 1 - Fatores psicológicos e/ou ligados ao estresse em pacientes mastectomizadas
Fonte: Lôbo et al (SD)
O trabalho desenvolvido por Shekelle et. al. (1981, p.23) identificou uma
associação muito significativa entre depressão e risco de câncer nos Estados
Unidos. Seus resultados demonstraram que, independentemente da idade, do
consumo de tabaco e álcool, da ocupação específica e da presença de precedentes
familiares com relação à doença neoplásica - lembrando que todos esses fatores
contribuem para aumentar a suscetibilidade aos tumores - as pessoas que sofriam
de depressão, ou apresentavam traços de caráter do tipo depressivo, tinham uma
freqüência de mortalidade por câncer superior à de outros grupos e um risco
relativo para a doença duas vezes superior ao do grupo com boa saúde mental.
Everson
5
(apud DASSUMPÇÃO, s/d) confirmou as pesquisas de Shekelle, em 1996,
afirmando que a desesperança é muito mais forte do que a depressão, na ocorrência
de suicídios.
Pertinente ainda foi a pesquisa de Cooper et. al. (1986, p.271-278) sobre
estresse e câncer, em que comparou pacientes com câncer dividindo-os em três
grupos de controle: a) Mulheres com cisto no seio; b) Com doenças benignas nas
mamas; e c) Mulheres sãs. Essa pesquisa mostrou que as pacientes com câncer
apresentavam um número menor de eventos estressantes, mas carregados de maior
peso emocional. As conclusões desse estudo introduziram, pela primeira vez, um
5
EVERSON, S. et. al. Hopelessness and risk of mortality and incidence of myocardial infarctation and
cancer. Psychosomatic Medicine, 1996, p.113-121.
80
critério diferencial de importância incalculável do ponto de vista epidemiológico: não
existe um evento que seja estressante em si mesmo. Ou seja, é o modo pelo qual o
indivíduo percebe e interage com o evento que o classifica ou não como
estressante. Nesse mesmo sentido, Bizzarri nos chama a atenção quando afirma:
(...) as situações de tipo estressante devem ser
consideradas em relação a como interagem com o
caráter da pessoa e, também, em relação a fatores
de risco bem conhecidos que possam coexistir:
substrato gen
ético, dieta, tabaco, infecções. (2001,
p.60)
2.5 Etiologia do câncer da mama
Embora as causas do câncer de mama ainda sejam desconhecidas, são
muitos os fatores correlacionados à sua ocorrência, como: idade, história familiar,
influências étnicas e efeitos hormonais (BENNET,
PLUM, 1997, p.28). Fatores de
risco são características epidemiológicas associadas a maiores ou menores taxas de
incidência, quando comparadas com grupos que não têm essas características. No
entanto, todas as mulheres estão sob risco de câncer de mama. Embora os
pesquisadores tenham identificado um determinado número de fatores de risco, a
maioria deles parece ser mais útil em fornecer chaves para o desenvolvimento do
câncer de mama do que em permitir a identificação de estratégias preventivas.
O histórico familiar constitui o fator de risco mais importante, principalmente
se o câncer ocorreu na mãe ou em irmã, se foi bilateral e se desenvolveu antes da
menopausa. Outro fator de risco é a exposição excessiva à radiação ionizante
5
antes dos 35 anos de idade. A menopausa tardia (além dos 50 anos, em média), a
menarca precoce e a nuliparidade (nenhuma gestação) estão associadas a uma
maior incidência, assim como a primeira gravidez após os 30 anos de idade. No
entanto, ainda não está comprovado se a mulher que retarda intencionalmente a
gravidez para depois dos 30 anos tem maior risco do que aquelas cuja gravidez não
pode ocorrer espontaneamente.
5
Radiação ionizante: exposição à radiação por raios X. Antigamente usava-se um exame chamado
fleurocospia, em que a mulher com tuberculose ficava exposta à máquina durante todo o tempo do
exame médico. Isso foi o fator de aumento de risco de câncer de mama. A radiação ionizante também
estava presente nas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. (BLAND, COPELAND, 2000, p.18)
81
Há controvérsias, no entanto, quanto à utilização de contraceptivos orais e
sua associação com o câncer de mama. Supostamente, certos subgrupos de
mulheres, especialmente aquelas que usaram pílulas com dosagens elevadas de
estrogênios ou por longo período de tempo, têm maior risco. Outro fator de risco é a
ingestão regular de álcool, ainda que em quantidade menos intensa, pois gera um
aumento moderado do risco de câncer de mama.
Além da rica história de câncer de mama, nenhum outro fator de risco é o
importante quanto simplesmente envelhecer. A idade é o fator de risco mais
relevante, isoladamente, para neoplasia e, particularmente, para a neoplasia de
mama. Antes dos 25 anos de idade, o câncer de mama é raro, porém mostra um
aumento progressivo a partir desse momento até a menopausa, seguido de
elevação mais lenta pelo resto da vida.
Barros et. al. (2001) listam os seguintes fatores de risco para câncer de
mama:
Quadro 2 - Fatores de risco para o câncer de mama
Risco muito elevado (RR ≥3.0)
Mãe ou ir com câncer de mama na pré-menopausa
Antecedente de hiperplasia epitelial atípica ou neoplasia lobular in situ
Suscetibilidade genética comprovada (mutação de BRCA1-2)
Risco medianamente elevado (1.5 ≤RR < 3.0)
Mãe ou ir com câncer de mama na pós-menopausa
Nuliparidade
Antecedente de hiperplasia epitelial sem atipia ou macrocistos apócrinos
Risco pouco elevado (1.0 ≤RR < 1.5)
Menarca precoce (≤12 anos)
Menopausa tardia (≥55 anos)
Primeira gestação de termo depois de 34 anos
Obesidade
Dieta gordurosa
Sedentarismo
Terapia de reposição hormonal
Fonte: BARROS et. al., 2001, p.3, apud MORGAN et. al., 1998.
82
A obesidade oferece um risco aumentado em mulheres com menos de 40
anos de idade, bem como o desequilíbrio hormonal, que não deixa dúvidas de seu
importante papel na etiologia do câncer de mama. A doença também é mais
freqüente em mulheres nulíparas do que nas multíparas e o risco apresenta-se
aumentado quando a mulher tem mais de 30 anos ao ter o primeiro filho.
Até o momento, atribui-se a dois genes o desenvolvimento dos tumores de
mama: o BRCA 1 e o BRCA 2, localizados nos cromossomos 17 e 13,
respectivamente. BRCA1 e BRCA2 são dois dos 30,000 genes herdados dos pais;
estes cromossomos normalmente produzem uma proteína que ajuda em corrigir
erros na DNA. A mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2 interfere com a atividade
normal do gene e por isso a mulher fica mais suscetível ao ncer da mama ou
câncer ovariano. Esses genes, isolados em 1995 por cientistas ingleses, estão
ligados ao aparecimento de tumores malignos em mais de um terço das famílias nas
quais o histórico da doença já é preexistente.
Por outro lado, Jorge Sabbaga, médico oncologista clínico dos hospitais
Oswaldo Cruz e Evaldo Foz, entrevistado para a revista Carta Capital, explica que:
De 15% a 20% dos casos de câncer de mama são
hereditários e apenas um em cada três desses
casos hereditários pode hoje ser identificado
através dos testes genéticos. Os genes hoje
testados para o diagnóstico de tumor de mama
hereditário são o BRCA1 e o BRCA2. Eles são,
portanto, responsáveis por cerca de 5% dos casos
de câncer de mama. Mas existem subgrupos de
pessoas nos quais a participação desses genes na
doença é maior. Alterações nos genes BRCA1 e
BRCA2 s
ão encontradas em aproximadamente
10% das pessoas que desenvolvem o tumor de
mama com menos de 50 anos e em cerca de 80%
daquelas que tiveram tumores de mama e de
ov
ário, mesmo que em fases diferentes da vida.
Béliveau e Gingras (2007, p.21) acrescentam que além desses, as
influências geográficas apontam que a incidência de câncer de mama varia de
quatro a sete vezes quando se comparam países asiáticos e outros países,
observando-se as maiores taxas nos Estados Unidos e nos países da Europa
Setentrional.
83
Um estudo realizado nos Estados Unidos com 496 pacientes entre 20 e 74
anos, publicado recentemente no Journal of the American Medical Association,
concluiu que, embora o câncer de mama seja menos freqüente na população negra,
esse grupo parece estar mais sujeito a uma forma mais agressiva da doença,
conhecida como tumor de células basais. Tal tumor, de difícil tratamento, foi
identificado em 40% das mulheres negras que ainda não haviam entrado na
menopausa. Em comparação, ele ocorreu em apenas 16% das pacientes brancas
(SEGATTO, 2008, p.11).
No Estado de São Paulo, dados da Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados Estatísticos (SEADE) confirmam essa tendência. As taxas de mortalidade
por câncer de mama para as mulheres brancas são 10% superiores àquelas
registradas para as negras. Representam 30, 3 das principais causas de mortes para
mulheres brancas e 20,7 para mulheres negras, na faixa etária de 40 a 59 anos, no
Estado de São Paulo, no triênio 2003-2005 (SEADE, SD)
Para iniciarmos nossa compreensão a respeito da multifatoriedade do
câncer, precisamos abordar um fator, cuja importância, além de abrangente, é
inegável na sua etiologia, quer seja ela genética, ambiental, nutricional, viral,
psicológica: o estresse.
Desde os anos 1960, os psicólogos têm enfaticamente estudado a resposta
humana ao estresse, incluindo os efeitos deste na saúde e como as pessoas lidam
com ele. Na medida em que foram juntando-se as descobertas científicas, mais claro
foi se tornando o envolvimento de fatores biológicos, psicológicos e sociais na
experiência do estresse e seus efeitos.
Se uma pessoa vivenciará estresse, dependerá, vastamente, da sua
avaliação cognitiva de um evento e dos recursos que tem para lidar com ele
(LAZARUS, FOLKMAN,
apud GHUNTER, MACHADO, 2002, p.4). A vida nos
apresenta vários eventos ou situações que produzem estresse, ou seja, os
chamados estressores potenciais. Funcionalmente, todo evento ou situação pode
ser uma fonte de estresse, se questionarmos as habilidades ou recursos para
lidarmos efetivamente com esse evento.
Para Emmons (2004, p.25), o conflito
é uma fonte de estresse que pode
minar esforços e, portanto, o bem-estar. Refere a existência de três tipos básicos de
conflito e cada um com potencial diferente para produzir estresse. Tais conflitos são
descritos por Shafir e Tversky (1992) em termos de aproximação e evitação, ou seja,
84
as pessoas são motivadas a se aproximar de resultados agradáveis ou desejáveis e
a evitar resultados desagradáveis ou indesejáveis. Quando as pessoas se deparam
com uma escolha entre dois resultados igualmente agradáveis, temos um conflito
aproximação-aproximação. Inversamente, quando têm que escolher entre duas
alternativas desagradáveis ou indesejáveis, temos um conflito evitação-evitação, e a
resposta comum para esse conflito é afastar as duas alternativas, postergando a
decisão.
O mais estressante de todos é o conflito aproximação-evitação. Nesse tipo
de conflito, um objetivo a ser atingido tem aspectos desejáveis e indesejáveis. Desse
modo, quando as pessoas se deparam com esse tipo de conflito, habitualmente
vacilam e são incapazes de decidir: aproximar-se ou evitar esse objetivo, o que
acaba, de alguma maneira, estagnando-as, levando-as a se sentir, por um lado,
incapazes de resolver o conflito, e, por outro, deixar de pensar no mesmo.
Condições sociais como a pobreza, o racismo, a inadequação dos serviços
de saúde e as aglomerações humanas podem também ser uma importante fonte de
estresse. Um alto nível de estresse contínuo pode gerar um quadro de esgotamento
físico e emocional caracterizado por pessimismo, imagens negativas de si mesmo,
atitudes desfavoráveis em relação ao trabalho, mais conhecidas como Síndrome de
Burnout. Esta Síndrome pode ser definida como sendo a que acomete aqueles
profissionais cujas profissões têm relação direta com as pessoas, e que estão
expostos a um estresse crônico (PAFARO, 2004, p.3).
O estresse contribui para uma ampla gama de distúrbios, especialmente
quando é prolongado ou crônico, desde dores de cabeça a ataques do coração.
Estudos brasileiros sobre reatividade cardiovascular, conduzidos por Lipp com 58
pacientes com hipertensão mostram que o hipertenso exibe aumentos de pressão
significativos quando submetido a sessões experimentais de estresse emocional
(Lipp, 2007, p.12). Basicamente surge e debilita o bem-estar físico de duas
maneiras importantes: indireta e diretamente.
De maneira indireta, o estresse pode afetar a saúde de uma pessoa
promovendo comportamentos que prejudicam o bem-estar físico, como não comer
ou não dormir adequadamente. Uma variedade de estudos, como os de Hahn e
Petitti (1988, p.35), tem mostrado que as pessoas que sofrem de estresse crônico
têm maior probabilidade de usar álcool, café e tabaco do que as pessoas sob menos
estresse. Habilidades cognitivas, como atenção, concentração e memória, também
85
podem sofrer interferências dos altos níveis de estresse, resultando na interrupção
cognitiva, o que pode aumentar as possibilidades de acidentes e ferimentos
(NIEBURGS, 1979).
De maneira direta, o estresse afeta a saúde física, alterando as funções do
corpo, levando a sintomas, enfermidades e doenças. Um exemplo bastante comum
é a contração e o enrijecimento dos músculos da cabeça e do pescoço, o que
promove dores de cabeça originadas da tensão induzida pelo estresse.
Em suma, todo tipo de ameaça imediata ao nosso bem-estar é uma
experiência que produz estresse e desencadeia uma série de mudanças em nosso
organismo, que podem, em alguma medida, relacionar-se com a etiologia do câncer.
Pettingale et. al. (1985, p.750), ao investigarem especificamente o estresse e
o câncer de mama, principalmente comparando mulheres com doenças benignas de
mamas e as portadoras de câncer de mama, além de mostrarem algum elemento de
trauma emocional prévio ao diagnóstico, também evidenciaram a existência de uma
associação entre câncer de mama e a tendência a extinguir as emoções
relevantemente nas mulheres mais jovens, que se utilizavam do recurso defensivo
da negação
6
em face do estresse.
Bernik (1997, p.3), em seu artigo Estresse, o assassino misterioso, cita
Walter Bradford Cannon, fisiologista americano da Harvard Medical School,
4
um dos
primeiros colaboradores da pesquisa sobre o estresse, que conduziu estudos
enfocando a interação do sistema endócrino e imunológico em nossas respostas aos
eventos estressantes. Todo tipo de ameaça imediata ao nosso bem-estar é uma
experiência que desencadeia uma série de mudanças em nosso corpo, e uma rápida
cadeia de reações físicas internas ocorrem. Como um todo, essas mudanças nos
preparam para lutar ou fugir de uma ameaça iminente. Em 1932, Cannon descobriu
que a resposta de lutar ou fugir, termo que cunhou em 1915, que compõe a rápida
cadeia de reações físicas internas, envolve o sistema nervoso simpático e o sistema
endócrino.
Ao perceber uma ameaça, o hipotálamo e as estruturas posteriores do
cérebro ativam o sistema nervoso simpático. Este estimula a medula supra-renal
para secretar hormônios, as chamadas catecolaminas, incluindo a adrenalina e a
6
Na concepção freudiana é um importante mecanismo de defesa do ego, utilizado para designar a
recusa da percepção de um fato que se impõe no mundo exterior. LAPLANCHE; PONTALIS.
Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
86
noradrenalina. As catecolaminas circulam pelo sangue e desencadeiam, de forma
rápida e intensa, as mudanças em nosso corpo, associadas à resposta lutar ou fugir.
Se a ameaça for removida, o alto nível de excitação do corpo diminui gradualmente,
mais ou menos entre 20 e 60 minutos. Entretanto, quando a exposição a uma
ameaça inevitável é prolongada, a excitação intensa da resposta de lutar ou fugir
pode também prolongar-se. Esse pesquisador acreditava que, sob estas condições,
a resposta de lutar ou fugir seria prejudicial à saúde física da pessoa.
O endocrinologista canadense, Selye, autor do clássico Stress: a tensão da
vida de 1965 descobriu que se continuasse o enfraquecimento natural do corpo
advindo desse evento estressante, os efeitos se tornariam evidentes em três
estágios progressivos, que ele denominou de síndrome geral de adaptação. No
primeiro estágio, alarme, ocorre uma excitação intensa à medida que o corpo
mobiliza recursos físicos internos para atender às demandas do evento que produz o
estresse. Selye descobriu que, durante esse estágio, as mudanças ocorrem
rapidamente e resultam da liberação de catecolaminas pela medula supra-renal. No
segundo estágio: de resistência, o corpo ativamente tenta resistir ou ajustar-se à
situação de estresse contínuo. A excitação intensa do estágio de alarme diminui,
mas a excitação fisiológica permanece e acima do normal. A resistência a novos
estressores é enfraquecida. O terceiro estágio: de exaustão, pode ocorrer caso
persista o evento que produz o estresse. Aqui, os sintomas do estágio de alarme
reaparecem, mas agora de forma irreversível. À medida que as reservas de energia
do corpo são reduzidas, a adaptação começa a desintegrar-se, levando a exaustão,
distúrbios físicos e, eventualmente à morte.
Entre os anos de 1956 e 1976, Selye (1965, apud BALONE, 2005; NUNES,
1999) descobriu que o estresse prolongado ativa uma segunda via endócrina que
compreende o hipotálamo, a glândula pituitária e o córtex supra-renal. Em resposta a
um estressor, o hipotálamo envia um sinal para a glândula pituitária para segregar o
hormônio adrenocorticotrópico, o ACTH. Este, por sua vez, estimula o córtex supra-
renal para liberar hormônios relacionados ao estresse, os chamados corticosteróides
ou corticóides, entre os quais, o mais importante é o cortisol (BENNIK, 1997, p.4).
A curto prazo, segundo estudos de LIPP (2001, p.347-349), os
corticosteróides ajudam a proteger o organismo contra os males dos estressores.
Contudo, se um estressor é prolongado, os níveis altos e contínuos de
costecosteróides podem enfraquecer importantes sistemas do corpo, diminuir a
87
imunidade e aumentar a suscetibilidade a sintomas físicos e doenças. .A
pesquisadora observa uma tendência crônica de algumas pessoas a se
estressarem, propensão essa por vezes produto das predisposições genéticas que
pouco têm a ver com o mundo exterior e, muito freqüentemente, com o modo de vida
da pessoa, como o caso da pessoa que sofre de depressão ou ansiedade biológica.
Ryan (2003, p.2) cita relato de estudo da Academia Sahlgrenska, em
Gotemburgo, na Suécia com uma amostra de 1350 mulheres, em que observou-se
que o estresse duplica o risco de mulheres desenvolverem câncer de mama. Na
Conferência Européia de Câncer em Copenhague, ainda informou que os resultados
de seu estudo tinham maior validade do que outros que se apoiavam na memória
das mulheres - memória sobre a época em que tinham recebido seu diagnóstico de
câncer de mama.
A psiconeuroimunologia, surgida em 1975, a partir da confluência das várias
pesquisas como as citadas sobre o estresse e o câncer, constituiu um novo campo
de estudos. Segundo Mello Filho, (1992, p.125), importantes investigações sobre as
reações diante do estresse, pelo sistema imunológico, têm permitido a abordagem
de diferentes doenças, tais como: as infecciosas, as alérgicas, as neoplásicas e as
auto-imunes. Esse espaço muito provavelmente, segundo os autores, está apenas
se iniciando e seu desenvolvimento, muito provavelmente, virá alterar
profundamente as noções que temos atualmente sobre as doenças.
Em relação aos fatores emocionais e psicológicos como etiologia do câncer,
Sontag (1984, p.63) refere que, já no século II, Galeno observou que as mulheres
melancólicas o mais propensas a contrair câncer no seio do que as mulheres
sanguíneas, Galeno entendia por melancolia uma condição psicológica com
sintomas caracterológicos complexos. A autora ainda cita Sir Astley Cooper que, em
1845, citava ansiedade e tristeza entre as causas mais freqüentes do câncer no
seio.
Moreira e Mello Filho (1992) citam que o sistema imunológico parece ser o
elo que explica as interações entre fenômenos psicossociais e importantíssimas
áreas de patologia humana, como doenças de auto-agressão, infecciosas,
neoplásicas e alérgicas, p.125).
88
Em seu trabalho de doutorado Vínculos afetivos e respostas ao estresse em
pacientes com câncer de mama, Galante-Nassif conclui que
As atenções atuais das pesquisas em câncer de
mama têm se dirigido às causas hormonais
genéticas, medicamentosas, cirúrgicas, dietéticas,
entre outras, mas tem surgido um novo campo de
pesquisa que releva a import
ância do estresse na
doença. (p.139)
A autora ainda menciona trabalho de Greene e Miller, de 1958, investigando
o papel de fatores emocionais e psicológicos em adolescentes portadores de
leucemia. (p.12)
Especificamente correlacionando o estresse e câncer de mama, Galante-
Nassif (2006, p.72) menciona trabalhos de Greer e Morris (1975), Watson, Pettingale
e Greer (1984), entre outros, comparando mulheres com doenças benignas de
mama e as portadoras de câncer de mama, que além de mostrarem um elemento de
trauma emocional prévio ao diagnóstico, também constataram que existia uma
associação entre o câncer de mama e a tendência a suprimir as emoções,
sobretudo nas mulheres mais jovens, que usavam o recurso de negação em face
do estresse.
Significativos trabalhos para o objetivo desta dissertação também foram
realizadas por Moreira; Mello Filho (1994) sobre a correlação entre depressão e
câncer, e pelo médico cirurgião Schávelzon (1992), sobre neoplasias sob o ponto de
vista da psicossomática. Moreira (1994, p.27) mostra, através de seu estudo
realizado com 30 pacientes portadores de diversos tipos de câncer, acontecimentos
estressantes sempre presentes:
Em histórias clínicas pormenorizadas,
cuidadosamente obtidas em entrevistas não
dirigidas, sem qualquer limite de tempo para
conseguir-se uma boa patobiografia, em
anamneses t
ão minuciosas quanto possível, jamais
deixamos de encontrar um nexo psicossocial
nocivo, estressante, na g
ênese da doença
cancerosa. (MOREIRA,
MELLO
FILHO, p.27)
89
Schávelzon (1986, p.67) descreve as neoplasias como uma modificação do
organismo in totum e não apenas uma invasão, agressão ou irritação externa
conforme abordadas por outros autores.
Em seu artigo Estresse e Câncer, que relação é essa? a psicanalista
Garbuglio (SD, p.1) afirma que tensões críticas que os indivíduos sentem como
"sem saída", aparecem de seis a dezoito meses, antes do diagnóstico do câncer””.
Ela também menciona estudo de Lawrence Leshan, em que este identificou a
mesma configuração de personalidade e estados emocionais dos indivíduos que
desenvolveram câncer: sentimentos de abandono, isolamento, desespero durante a
juventude, perda de parentes próximos na infância e, principalmente, o fato de esses
indivíduos não serem capazes de externalizar seus sentimentos, suas mágoas,
guardando-as de uma maneira colérica e hostil (p.2).
Por outro lado, Sontag (1978, p.68) menciona que os cancerosos do século
XIX eram indivíduos que contraíam o câncer como resultado do excesso de
atividade e esforço. Estes pareciam sobrecarregar-se de emoções que precisavam
ser refreadas. Como medida preventiva, um médico inglês sugeria aos seus
pacientes portadores de câncer que não fossem tão exigentes consigo próprios e
que, diante de sofrimentos, procurassem buscar o equilíbrio, pois desta forma
estariam se precavendo das tristezas.
A autora também relata que, em 1885, um médico de Boston, Estados
Unidos, avisava aos seus pacientes que tinham tumores aparentemente benignos
no seio das vantagens de permanecer alegres
6
(1978, p.19). Atualmente, essa visão
encerra uma dissociação emocional que pode ser considerada como suscetível de
predispor os indivíduos ao câncer.
Quilici (2001, p.2) cita que um médico da Trânsilvania, Papai Pariz Ferenc,
essencialmente reiterou Aristóteles, antecipando o surgimento da
psiconeuroimunologia (PNI), quando disse em 1680, Quando as partes do corpo e
seus humores não estão em harmonia, então a mente se desequilibra e a melancolia
aparece, mas por outro lado, uma mente calma e feliz faz com que todo corpo fique
saudável.
O estudo
Atitudes mentais em relação ao câncer: um fator prognóstico
adicional
7
realizado por Pettingale et. al (1985) publicado pela conceituada revista
6
[] those who have apparently benign tumors in the breast of the advantage ofbeing cheerful.
7
Mental attitudes to cancer: an additional prognosis factor.
90
The Lancet, revelou que, em uma amostra de mulheres, a atitude mental em relação
à doença condicionava o prognóstico. As pacientes haviam sido divididas em quatro
grupos, segundo a reação psicológica expressa no momento do diagnóstico: a)
Espírito combativo; b) Atitude de rejeição e negação; c) Aceitação estóica; d)
Desorientação e depressão. Após dez anos, a sobrevida média e a expectativa de
vida resultaram significativamente diferentes. Noventa por cento do primeiro grupo
mostravam uma probabilidade de vida de treze anos, e do grupo desorientação e
depressão, apenas 20% apresentavam a mesma probabilidade. A sobrevida média
nos dois grupos era, respectivamente, de 55 e de 22%. (p.342)
Ormont (2001, p.207) cita trabalho de LeShan
8
(1966) demonstrando que, de
fato, mulheres com neoplasia no seio apresentam personalidade depressiva, com
dificuldade para demonstrar emoções e tendência a interiorizar a agressividade.
LESHAN, 1995, p.195) faz uma correlação entre câncer e depressão.
Rzeznik
(2000) e Vieira et. al. (2005) atestam que mulheres
que já apresentam uma
personalidade depressiva têm mais chances de desenvolver câncer de mama.
Bizzari (2001), em revisão histórica bastante concisa e importante dos vários
trabalhos científicos a respeito da etiologia do câncer, relata que, em 1701, o
inglês Gendron introduzira a idéia segundo a qual um estresse emocional intenso
(p.31) contribui de modo determinante para o desenvolvimento de uma neoplasia. E
é com esta premissa que, em 1802, segundo o mesmo autor, surge uma associação
de jovens médicos que recebe o nome de Sociedade para a Cura do Câncer
5
, com
um programa científico composto por doze artigos. O último destes interroga o
seguinte: Existe um temperamento em particular que predispõe à doença?.
Naqueles anos, o interesse dos médicos, sempre atentos à experiência de vida de
cada paciente, concentrava-se, sobretudo, em investigar a relação causal entre a
doença, os traços de personalidade e os perfis psicológicos.
Já no século XIX, a atenção dos pesquisadores orienta-se, aos poucos, na
direção dos eventos traumáticos. A freqüência e a intensidade desses eventos
parecem caracterizar claramente o passado dos pacientes com câncer em relação
aos outros doentes. A noção de estresse é ainda desconhecida, mas no seu lugar
encontramos uma miríade de definições que ressaltam as experiências de vida
8
LESHAN, L. An emotional life history pattern associated with neoplastic disease. New York,
Academy of Sciences Annals, 1966. p.780-793.
91
dolorosas das pessoas expostas a situações emocionalmente intensas e negativas
(BIZZARRI, 2001, p.31). Walshe (1846) em sua monumental obra The nature and
treatment of cancer fez a primeira tentativa de integrar, em um modelo unitário,
aspectos da personalidade e eventos traumáticos da vida. Washe expõe assim a sua
opinião pessoal:
As emoções morais produzem uma enervação
defeituosa e esta alteração, por sua vez, causa a
formação do tumor. Que esta seja ou não a
explicação correta e, mesmo não se tendo ainda
demonstrado a influência da inquietude mental,
seria inútil negar os fatos tão frequentemente
observados, cujo caráter, muito convincente, atesta
a influência da mente sobre o câncer. Eu mesmo
deparei com casos clínicos em que a conexão ente
os dois fatores era tão evidente que negar a
realidade parecia um desafio à Razão. (WALSHE,
apud BIZZARRI, 2001, p.34)
Bizzarri (2001) também nos relata que foi preciso esperar até o final dos
anos de 1950 para que a pesquisa científica voltasse a se ocupar do assunto.
Nesses anos, surgem os primeiros estudos epidemiológicos que procuram relacionar
o desenvolvimento de tumores com algumas características da personalidade e/ou
com a presença de antecedentes estressantes. Porém, a maior parte dessas
pesquisas ainda é vulnerável a críticas inevitáveis, por se tratarem de estudos
retrospectivos e, portanto, com baixa evidência causal.
Um estudo realizado pelo grupo de Schleifer, pesquisador da Mount Sinai
School of Medicine of New York, demonstrou que três importantes funções
imunológicas: resposta linfocitária à fitohemoaglutina (PHA), à concanavalina A e o
mitógeno PWM revelaram-se muito deprimidas em seus níveis após o
desaparecimento do cônjuge (SCHLEIFER et. al., 1983, apud BIZZARRI, 2001).
Esse estudo de Schleifer trazia a primeira demonstração clara de como a
perda de uma relação afetiva importante, vivida com intensa e dilacerante
participação emotiva, induzia, no cônjuge que sobrevivia, uma densa inibição de
importantes aspectos da função imunológica. Tal pesquisa limitou-se a propor uma
associação estatisticamente significativa entre os dois fenômenos, viuvez e
depressão, na resposta linfocitária possivelmente devido a uma reação de estresse,
uma vez que, segundo ele, processos psicossociais podem ser associados a
mudanças.
92
No entanto, ainda não ficava demonstrado que as alterações observadas no
sistema imunológico fossem, por si só, suficientes para expor uma pessoa a um
risco maior de contrair um tumor. Na direção contrária temos Falagas et. al. (2007)
revisando a literatura sobre o tema, que nos apontam que de 31 estudos, 25 (80,6%)
revelaram que vários fatores psicológicos estão significativamente associados à
sobrevivência e reincidência.
Chittor e Swain (1991, p.47) também mencionam que é difícil realizar
qualquer campanha que modifique hábitos arraigados como: ingestão de gorduras,
obesidade e outros, que provavelmente estão relacionados ao ncer de mama,
como o uso de estrógenos, por exemplo. Porém, apesar da dificuldade e do pouco
conhecimento causal da etiologia do câncer, a exclusão de fatores desencadeantes
ou que supostamente interfiram na oncogênese específica poderia ser uma meta
para a diminuição da sua freqüência.
Os estudos publicados até o momento confirmam que os diversos fatores de
risco interagem de modo sinérgico. E, cada vez mais, acumulam-se pesquisas
confirmando que os fatores de risco psicossociais interagem em sinergia com os
fatores de risco físicos.
Podemos, então, compreender que a complexidade e multiplicidade de
fatores que envolvem as causas do câncer têm levado um número significativo de
pesquisadores a desenvolver estudos cooperativos com outras áreas do
conhecimento para, desta forma, efetivar a possibilidade de abarcar os diversos
fatores que abrangem a etiologia oncológica.
Procurou-se neste capítulo traçar um panorama do câncer, enfocando mais
detidamente o câncer de mama, objeto deste trabalho.
A mama é o principal local atingido por novos casos de câncer entre as
mulheres e, é provavelmente, o tipo de câncer que mais assusta e causa medo às
mesmas, principalmente pelos efeitos psicossociais que atingem a mulher no seu
todo: no corpo, na afetividade, na vida social, confrontando-a com a questão
imponderável da finitude e da morte.
Diante da sucessão dos fatores implicados na doença câncer, e,
especificamente no câncer de mama, torna-se relevante compreender-se o
significado desses na experiência das mulheres com essa doença, tema esse que
será tratado no capítulo que se segue.
93
CAPÍTULO III - BUSCANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA
Após termos feito alguns percursos teóricos através dos capítulos anteriores,
pretendemos, nesse capítulo apresentar os dados coletados nas entrevistas
realizadas com as cinco mulheres participantes desse trabalho. Para tanto,
primeiramente procurar-se-á apresentar os dados coletados de maneira organizada
através de tabelas, para em seguida procedermos a análise dos mesmos.
3.1 Conversando com as mulheres a partir dos dados, vistos sob um prisma
analítico
3.1.1 Histórico de vida dessas mulheres
Na busca de compreender como as mulheres participantes da pesquisa
vivenciam o impacto da descoberta do câncer de mama, inicio a conversa
perguntando para cada uma delas quais foram as circunstâncias de suas vidas que
precederam essa descoberta.
Para a maioria das cinco mulheres, as circunstâncias foram identificadas
com vivências de instabilidade emocional decorrente de situações familiares, desde
dificuldades emocionais com o ex-marido, separação conjugal, até a mudança de
um filho para outro Estado brasileiro. Essas circunstâncias foram relatadas como
vivências pontuadas por sentimentos de perda. A perda pode vir acompanhada por
sentimentos de desamparo e desesperança.
Esses relatos estão em acordo com o que relata Parkers (1998, p.37). Este
psiquiatra britânico, que desde 1950 vem estudando as questões relacionadas a
perda e ao luto, por meio de extensa revisão da literatura, elenca várias pesquisas
que apontam na direção de uma possível probabilidade significativa de correlação
entre perda e surgimento de doenças físicas como: glaucoma de ângulo fechado,
distúrbios cardiovasculares, doença de Cushing, pneumonia, tuberculose, colite
ulcerativa, lúpus eritematoso disseminado e câncer.
Essas mulheres também consideravam-se sobrecarregadas
emocionalmente para lidar com tais situações atribuindo a esse fator o surgimento
do câncer na mama.
94
Por outro lado, outras duas mulheres atribuíram a doença a sobrecarga de
trabalho que acreditam ter contribuído para o descuido para com a própria saúde.
Essa vivência pode ser observada no quadro 1, através da verbalização da primeira
mulher entrevistada: pouco tempo para se alimentar ; como também possivelmente
para descansar e recuperar as energias, uma vez que a ênfase era dada ao aspecto
profissional. Conforme aponta a literatura, de maneira indireta o estresse pode
afetar a saúde de uma pessoa promovendo comportamentos que prejudicam o bem-
estar físico, como não comer, apontado pela paciente, ou não dormir
adequadamente.
Esses dados são coerentes também com outros encontrados na literatura
Wanderley (1994); Meyerowitz (1980); Duarte e Andrade (2003); que vem
demonstrando a importância e a relação de aspectos emocionais e o diagnóstico de
câncer de mama.
Além disso, a maioria dessas mulheres também se considerou estressada
nos períodos imediatamente anterior à descoberta do câncer na mama, seja pelas
dificuldades financeiras que faziam com que algumas mantivessem dois locais de
trabalho, ou pelo desgaste emocional e físico que sofriam, uma vez que essas
pacientes arcavam com a responsabilidade de manutenção do lar e da prole.
Esses dados verificados são coerentes com outros encontrados na literatura:
Bergamasco e Ângelo (2001, p.280); Gimenes (1997, p.191); Lazarus, Folkman
(apud HOCKENBURRY, 2006, p.56); Emmons e King (1988); que vem
demonstrando a importância e a relação de estresse, aspectos emocionais e o
diagnóstico de câncer de mama.
Quadro 3 Circunstâncias de vida nas quais se desenvolveu a doença
SUJEITOS CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1, 3
Sobrecarga
profissional
... não ter horário para se alimentar...
minha vida estava agitada no sentido
profissional.
Profissionalmente a gente tava aí meio
com perrengues. eu tendo que me virar,
rebolar de todas as maneiras para manter
minha casa, entendeu?
2
95
Continuação
SUJEITOS CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
2, 3, 5
Instabilidade
emocional
... eu estava meio assim... altos e baixos
com meu filho. ele foi embora para o Rio
de Janeiro. Foi bem no ano que descobri
que estava com o caro
ço na mama
... e a vida emocional tava meio
bagunçada, porque tava essa história
com o ex-marido não aceitar o meu
namoro, não pagar pensão...
... porque eu sou sozinha, né? E para
mim cuidar da menina,
...cuidar de mim... Ent
ão eu tava
cansada, sabe?
3
1, 3
Sobrecarga
profissional
... e eu ter que me virar, rebolar de todas
as maneiras para manter minha casa...
... eu não ter horário para se alimentar,
almoçar as quatro ou cinco horas da
tarde... tinha que trabalhar para manter a
casa .... Eu acho que minha vida
profissional estava agitada
.
2
1, 3, 5 Estressada
... minha vida estava muito agitada... não
tinha hora certa para me alimentar, era
aquela correria .
... eu estava desgastada... Eu ter que me
virar, rebolar de todas as maneiras para
manter minha casa....
eu tava acho que eu tava estressada,
porque eu tava trabalhando em dois
serviços, né? Porque eu sou sozinha.
3
2 Perda
... eu estava assim... altos e baixos com
meu filho. Ele foi embora para o Rio de
Janeiro... Foi bem no ano que descobri
que tinha um caro
ço na mama.
1
3.1.2 Quais foram as reações emocionais dessas mulheres diante do
diagnóstico?
A etapa do diagnóstico é o momento em que as mulheres entram em contato
com a situação objetiva e concreta de estar com câncer de mama, após a
comunicação formal do profissional médico.
Continuando a conversa, a segunda pergunta procurou investigar quais
foram as suas reações emocionais ao receberem o diagnóstico da doença. Quatro
96
delas manifestaram reações emocionais carregadas de sentimentos negativos
como: desespero, medo e choque.
A própria palavra câncer desencadeia uma rie de implosões internas. A
literatura mostra que a confirmação do diagnóstico gera sentimentos como os
descritos por essas pacientes, por exemplo, Kovács et. al. (1998), ao realizarem um
estudo sobre a avaliação da qualidade de vida em pacientes oncológicos, afirmam
que o câncer é uma doença que com muita freqüência está associada à dor,
sofrimento e degradação. Deste modo, receber um diagnóstico de câncer é o
equivalente, muitas vezes, a uma sentença de morte. Diante do diagnóstico,
predominam sentimentos de perda, desespero, perda das habilidades funcionais,
vocacionais, frustração e incerteza quanto ao futuro.
Desespero diante da incerteza da vida, sobre o que está acontecendo,
inquietações do que por vir. Vivencia-se o real momento de que a vida está
acabando, a mutilação é certa. A falta de garantias gera angústia e o que se pode
fazer é esperar. Medo de ser mutilada, de ser rejeitada pelo meio social e por
seu parceiro sexual, medo da incerteza sobre o tratamento e o seu sucesso, o
próprio medo da morte, o de perder pessoas que lhe são caras .Choque diante de
algo que aterroriza, paralisa como foi expresso pela primeira das mulheres
pesquisadas que não conseguiu identificar e expressar nenhuma resposta com
relação a sua reação ao receber o diagnóstico.
Por outro lado, conforme aponta Fernandes (2003, p.89) muitas
contribuições culturais acerca do diagnóstico da doença acrescentam ainda mais
aspectos negativos, fazendo com que a mulher sinta que está recebendo uma
sentença de morte. A evidência correlata entre o câncer e a morte confere à doença
conotações de incurabilidade, sofrimento, degradação física e emocional.
Segundo Parkers (1998, p.20) a reação traumática é uma das primeiras
fases constituintes das reações de luto pela morte de uma pessoa querida ou pela
perda de um órgão do corpo. Consiste em uma reação de alarme, raiva, culpa e
transtorno de estresse pós-traumático. Essa reação parece ter sido vivenciado de
modo mais intenso pela primeira das mulheres pesquisadas, que relatou não
conseguir identificar emocionalmente a sua reação ao receber o diagnóstico.
Ainda segundo Parkers, a reação de alarme se assemelha ao choque e ao
impacto vivenciado pelas mulheres dessa pesquisa ao se depararem com a
realidade que lhes foi imposta pela situação do diagnóstico. De maneira mais
97
expressiva e talvez mais intensa, observamos essa reação na verbalização da quinta
mulher da pesquisa: ..... a mesma coisa que puxar o tapete dos nossos pés.
A análise das falas de todas as mulheres participantes dessa pesquisa
deixou claro que essas mulheres sentiram o impacto do diagnóstico não apenas pela
gravidade da doença, mas e principalmente por suas possíveis decorrências.
A experiência de vivenciar o ncer de mama pode exprimir desespero,
incerteza, medo, aviso prévio de morte, mas também pode ser o momento de se
reformular a vida.
Nesse instante da trajetória de suas vidas, onde o bem maior que é a própria
vida está ameaçado em seus vários sentidos, que lugar poderá ocupar a religião,
religiosidade, espiritualidade? Haverá algum lugar? Essa experiência de ter um
câncer de mama tem algum sentido para essas mulheres ?
Quadro 4 Quais foram as reações emocionais diante do diagnóstico?
SUJEITOS CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
2, 3, 4
Desespero
entrei em desespero
é desespero.
foi desespero.
3
5 Choque
... a mesma coisa que puxar o tapete dos
nossos pés.
1
2 Medo
... Ah, na hora eu fiquei com medo, com
muito medo.
1
1 Sem resposta
1
3.1.3 Como essas mulheres perceberam a origem de sua doença?
Duas das mulheres pesquisadas forneceram uma explicação religiosa para a
origem de sua doença; sendo que uma delas também acrescentou a essa
explicação uma relação entre sentimentos negativos e a origem de sua doença.
Essa explicação é coerente com os dados da literatura que demonstram que
a dificuldade de expressão de sentimentos, principalmente aqueles tidos como
negativos, agressivos e hostis, é uma característica relevante do paciente
oncológico.
Segundo Marty (1993) a maior parte das pacientes portadoras de câncer de
mama além de ter dificuldades de expressar suas emoções, chegam até mesmo a
98
desconhecê-las. Não têm acesso a seu mundo interno, não identificam sentimentos
e emoções e nem mesmo conseguem nomeá-los.
Bizzarri (2001) cita um estudo de Shaffer que ressaltava a reduzida
capacidade do paciente oncológico de entrar em relação positiva com a vida e a
tendência a reprimir as experiências emocionais, entre os elementos que
caracterizam a personalidade dos sujeitos mais expostos ao risco de neoplasia.
A segunda mulher pesquisada disse ser um processo natural a origem da
doença, acrescentando a este comentário, o de ser algo determinado. Parece que
essa resposta dessa mulher está relacionada à crença de que haveria
predisposições genéticas, hereditárias, que atuariam naturalmente na origem da
doença, e que essa predisposição é determinada, não há como interferir nesse
processo.
Béliveau e Gingras (2007) realizaram pesquisas para conhecer a opinião da
população sobre a causa do câncer e, de modo geral, os resultados encontrados
informam que as pessoas vêem o câncer como uma doença provocada por fatores
incontroláveis: 89% pensam que o câncer se deve a uma predisposição genética e
mais de 80% consideram os fatores ambientais como a poluição industrial ou ainda
os resíduos de pesticidas nos alimentos, como causas importantes do câncer. No
que diz respeito aos hábitos de vida,a grande maioria das pessoas pesquisadas
(92%) associa o tabagismo ao câncer..
A partir desses dados, esses pesquisadores chamam a atenção,
principalmente das pessoas preocupadas com a saúde pública, para esses dados
revelados por suas pesquisas, no sentido em que apontam para uma revisão
profunda das estratégias de comunicação destinadas a informar a população sobre
as causas do câncer, pois, com exceção do tabagismo, essas percepções reveladas
são, totalmente contrárias àquilo que a pesquisa médica conseguiu identificar como
fatores desencadeantes do câncer.
Para outra das mulheres, a origem da doença está relacionada ao descuido
para com a própria saúde, manifestando inclusive sentimentos de culpa. Essa
resposta está em acordo com (FERNANDES, 2003, p.90) que explicita que o
contexto cotidiano das mulheres é marcado por valores e padrões culturais, sendo a
mulher portadora de muitos papéis em casa ou fora dela, onde muitas vezes essas
atribuições diárias são responsáveis pelo fato de haver negligência quanto aos
aspectos da saúde. Os sentimentos de culpa também podem estar associados ao
99
contexto cultural que enfatiza a necessidade de a mulher realizar consultas médicas
periódicas, cuidando assim de sua saúde, tendo assim atitude preventiva em relação
ao câncer de mama.
A resposta manifestada pela quinta mulher da pesquisa, relaciona a origem
da doença a algo de manifestação repentina, imprevisível. O acontecimento
imprevisível, no caso do câncer, gera um sentimento de fragilidade, de agitação e de
vulnerabilidade que, em um primeiro momento, paralisa.
A partir disso, a paciente necessita de um tempo para se reorganizar, dar
novos rumos àquilo que ficou desorganizado.
A partir desses dados coletados, podemos dizer que a explicação acerca da
origem da doença, pode variar de mulher para mulher conforme suas respectivas
crenças, bem como pela informação específica que têm acerca da etiologia do
câncer. O nível sócio-econômico e cultural parece não diferenciar qualitativamente
as respostas, ou seja, não foi observada nenhuma elaboração cognitiva mais
refinada que pudesse ser atribuída a um nível educacional mais alto.
Quadro 5 Como percebem a origem da doença?
SUJEITOS CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1
Sentimentos
Negativos
... mas eu acho que os sentimentos
negativos que eu tive em minha vida.
1
2
Processo
natural
É um processo natural, eu acho. 1
2 determinada
Eu acho que é uma coisa que tem que
acontecer mesmo.
1
2
N
ão é um
castigo
não é um castigo
1
3, 1
Explica
ção
religiosa
... pro lado da minha religião é uma
maneira de recomeçar a minha vida.
... porque você começa a ter uma visão
diferente. Você começa a valorizar mais
você, você tem que olhar para você, para
dentro de você... e acho que a religião
que te mostra: você está fazendo isto e
aquilo...
2
4
Descuido para
com a saúde
própria
Por um lado acho que é por eu não ter
ido ao médico, tudo isso.
1
4 Provação ... eu acho que foi por uma provação. 1
5 Algo inesperado
É como um negócio que você tem, e que fosse
diferente e que de repente ela se manifesta.
1
100
3.1.4 Qual (s) o (s) significado (s) do câncer para essas mulheres?
Para duas mulheres os significados atribuídos ao câncer têm conotação
positiva: forma de aprender algo, valores novos, recomeço de vida. Enquanto
que para as outras três os significados são conduzidos por conotação negativa:
algo determinado para acontecer, uma provação, algo de manifestação
repentina. Ainda para a quinta mulher, o impacto emocional da doença parece ter
sido de intensidade muito significativa, pois observa-se que, em um primeiro
momento, atribui significado de irrelevância a doença: eu acho assim que é como
se fosse uma coisa, assim irrelevante, sabe ?
A negação é um importante mecanismo de defesa para evitar-se entrar em
contato com algo que é sentido como perigoso, doloroso que pode trazer dor e
sofrimento. Essa parece ter sido uma das maneiras dessa paciente reduzir o
desconforto emocional sentido, ou seja, diminuindo a sua importância. É uma forma
de negação da realidade, onde a paciente muda o significado de uma situação
estressante para manter a esperança, negar os fatos e implicações, recusar a
aceitar o pior ou agir, como se o que aconteceu não importasse. Assim, defende-se
do contato mais próximo com a doença, com os seus estigmas, dentre eles o da
possibilidade da morte, o de ser causadora de mutilação que altera a imagem
corporal e a auto-estima. Esses significados levam, na maioria das vezes, a
sentimentos de ansiedade, depressão e medo diante da finitude da vida. Podendo
ainda causar descredibilidade nos tratamentos e numa possível luta pela vida
Os dados apontados estão em acordo com a posição de Kubler-Ross
(1989) que descreveu que, ao tomar conhecimento de uma ameaça real à vida, o
indivíduo nega, querendo não acreditar na veracidade do fato. O medo e a
proximidade da morte levam a pessoa a manifestar diversos sentimentos que podem
ou não ser superados.
Temos também outros significados atribuídos por essas pacientes à doença,
que apontam para o delineamento de uma religiosidade, conforme descreve
Amatuzzi, ou seja, nos significados atribuídos estão subjacentes as indagações
humanas pelo sentido, conforme vemos nas verbalizações da primeira mulherda
pesquisa: forma de aprender algo; valores novos, e também na verbalização da
terceira: recomeço de vida. Por outro lado, podemos observar uma vivência de
espiritualidade segundo aponta Gimenes (2003). Essa autora enfatiza que um
101
acontecimento doloroso e estressante, como o diagnóstico de câncer de mama,
pode ser útil para transformar uma avaliação negativa em positiva, podendo
transformar-se em um detonador de uma ligação profunda e consciente com Deus.
E, a partir da força dessa conexão, a pessoa vivenciará um estado de fé e sentido.
As várias verbalizações dessas pacientes deixam transparecer esse dado da
pesquisadora: forma de aprender algo; valores novos; recomeço de vida; Peço
a Deus que me ajude, me dê forças e Ele tem me ajudado a agüentar tudo isso.....
Os depoimentos dessas mulheres são contundentes e demonstram que a
vivência da espiritualidade vai tornando-se um elemento contributivo importante na
melhora da qualidade de vida de cada uma delas, à medida que encontram sentido
positivo para essa experiência, valorizando a própria vida e a ela atribuindo novos
valores e significados que podem ter contribuído para que suportassem sentimentos
debilitantes de raiva, culpa, ansiedade, medo, perdas advindos com o diagnóstico e
os tratamentos, conforme descreve Hardwig (2000); (Saad, Masiero, Battistella,
2001) que enfatizam a espiritualidade como um sentimento pessoal, que estimula
um interesse pelos outros e por si, um sentido de significado da vida capaz de fazer
suportar sentimentos debilitantes de culpa, raiva e ansiedade.
Quadro 6 Qual (is) o (s) significado (s) da doença para as mulheres?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1
Forma de
aprender
algo
Acho que é uma forma de aprender algo. 1
1
Valores
novos
... Algo para começar a dar valores a
situações que não dava.
1
2, 3
N
ão é
castigo de
Deus
... não é um castigo de Deus 1
2
Algo
determinado
para
acontecer
É que tinha que acontecer...
Acho que você nasce com um destino
traçado.
... então eu tive que ter câncer, eu tive que
ter.
3
3
Recome
ço
de vida
... acho que é uma maneira de recomeçar
minha vida.
2
4 Provação
... eu acho que foi uma provação que eu
passei.
... é uma provação.
2
102
Continuação
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
5
Algo
irrelevante
... eu acho assim que é como se fosse uma
coisa, assim irrelevante, sabe?
1
5
Algo de
manifesta
ção
e que de repente ela se manifestou, assim:
agora eu vou me mostrar quem sou...
1
3.1.5 O que essas mulheres pensaram quanto a reação dos seus familiares e
amigos a sua doença ?
Três das mulheres pesquisadas o expressaram interesse com relação a
reação dos seus familiares e amigos quanto a sua doença, verbalizando: o ter
tido tempo para pensar sobre isso. No entanto, uma delas afirmou que a reação da
família foi de proximidade e união para com ela e entre todos. No entanto, uma outra
vivenciou uma reação de afastamento de seus familiares após tomarem
conhecimento do seu diagnóstico, o mesmo não ocorrendo com relação aos seus
amigos que, ao saberem do seu diagnóstico, aproximaram-se novamente e
voltaram a manter os encontros de amizade.
Chapadeiro et. al. (2001, p.268) mencionam que não alteração no
relacionamento entre os membros da família após a descoberta da doença, sendo
que as alterações que ocorrem são de natureza psicológica. As vivências são tanto
positivas - como o aumento de atenção, de cuidado sentido da parte de outros -
quanto negativas - depressão , isolamento, vergonha.
As vivências demonstradas pela terceira mulher pesquisada, referindo-se a
reação de afastamento dos seus familiares, podem estar associadas, segundo
Meyerovitz
(1980, p.108) às dificuldades que muitas vezes os familiares encontram
em enxergar a gravidade da doença e o contato com a tristeza. Afastar-se é uma
das maneiras de defender-se desse contato. Dessa forma, os dados verbalizados
por uma das mulheres: na hora que eu mais precisei, na hora em que estava na
cama, ninguém veio me visitar, corroboram com os dados apontados por
Meyorovtz (1980), ficando em desacordo com os mencionados por Chapadeiro et. al.
(2001).
Fernandes (2003, p.68) aponta que o apoio familiar
é de suma importância
para que as mulheres superem o período de medo, confusão, ansiedade e
103
depressão, contribuindo para que a mulher encontre formas opcionais de viver,
mesmo com limitações.
Cada família tem sua história, seu envolvimento. Esses elementos
influenciam certamente na luta contra o câncer; por fim, a doença aumenta ou afasta
os laços afetivos, como vimos através das verbalizações das mulheres. Da mesma
maneira o envolvimento da família pode contribuir positiva ou negativamente para a
aceitação do diagnóstico do câncer de mama.
Em situações de crise, como é o caso do diagnóstico e tratamento para o
câncer de mama, o apoio social tem sido referido como importante fator protetor e
recuperador da saúde das pacientes. Pode-se verificar que, para a primeira mulher
da pesquisa, a família e os amigos funcionaram como apoio social protetor, através
do contato e estabelecimento dos vínculos de amizade e apoio emocional e afetivo.
Esses dados concordam com o que afirmam Drageset & Lindstron, 2003;
Pietrukowicz (2001, p.41).
Segundo Pietrukowicz (2001, p.42), o apoio social é um processo de
interação entre pessoas ou grupos de pessoas que através do contato sistemático,
estabelecem vínculos de amizade e de informação, oferecendo apoio material,
emocional e afetivo, contribuindo para o bem-estar recíproco e construindo fatores
positivos na prevenção e na manutenção da saúde.
Ao falar-se em apoio social também podemos aqui incluir a religiosidade
e/ou espiritualidade, enquanto fonte de apoio social e sua influência sobre a saúde
e prevenção de doenças. Esse tema será aprofundado em questões posteriores.
Quadro 7 O que pensaram sobre a reação dos familiares e amigos frente à doença?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1
Fam
ília
unida e
pr
óxima
Minha família ficou unida, meus irmãos me
deram força... começaram a vir mais vezes na
minha casa.
1
3
Afastamento
dos
familiares
... minha decepção foi com eles... a família do
meu ex-marido... eu operei e nunca foram me
visitar...
1
3
Decep
ção
com
familiares
... na hora que eu mais precisei, na hora que
estava na cama ninguém veio me visitar...
então eu tive aquela decepção.
1
3
Reencontro
de amigos
... as minhas amizades são todas amizades
de dez, quinze anos... às vezes ficam sem se
encontrar, mas quando souberam... se
reencontraram
.
1
104
Continuação
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
2, 4, 5
N
ão
preocupou-
se com as
rea
ções
... eu não tive tempo de pensar nisso.
... não me preocupei com isto, não....
Eu não tive tempo de pensar na reação da
família ou dos meus amigos.
... não, não pensei na reação da família e
nem na reação dos amigos.
4
3.1.6 O que mudou na sua vida dessas mulheres com o diagnóstico de câncer
de mama ?
Com relação a possíveis mudanças que possam ter ocorrido na vida dessas
mulheres com o diagnóstico e o tratamento, duas delas referiram que passaram a
dar maior valor a vida. E outra acrescenta a essa fala: continuar lutando pela vida,
uma vez que essa passou a ter um valor maior.
Esta percebe a mudança ocorrida em sua vida, a partir do diagnóstico, de
uma maneira negativa, pois para ela o sentimento de inutilidade mostrou-se
intensamente presente: acho que mudou..... eles em casa acharem que sou
uma mulher que não presto mais para nada. Tal sentimento pode estar relacionado
a preocupações como a de não querer ser um incômodo, não depender dos outros,
não atrapalhar. No primeiro momento, a mulher pode se sentir frágil e inútil diante
das tarefas mais simples, (como demonstra essa mulher). Daí as limitações quanto
à realização de tarefas diárias, conforme relata a paciente, uma vez que
desempenha muitas atividades domésticas, pois não trabalha fora.
Ao se deparar com as limitações físicas, a mulher também passa a enfrentar
fatores sociais de mudança como: dependência e mudança de papéis e de tarefas; o
cuidado da família, da casa, deixar ou modificar as atividades rotineiras, o que traz
mudança na rotina diária, conforme expressa a terceira mulher pesquisada: ... tudo
mudou .... mudou minha rotina de vida. Assim, podem se sentir mais vulneráveis.
Essas dificuldades também são observadas por Fernandes (1997, p.45) que
descreve que o comportamento social das mulheres com câncer de mama é afetado,
ocorrendo uma disfunção de papéis. Elas deixam seus empregos, restringem suas
atividades domésticas e sociais pela ocorrência da doença, e isto contribui para
aumentar o comportamento depressivo e isolamento social, pois as mulheres estão
105
se sentindo inúteis por não desempenharem tarefas que outrora eram suas,
decorrendo daí, além do sofrimento físico, o sofrimento moral e o psicológico.
Para uma dessas mulheres não ocorreu mudança em sua vida com o
diagnóstico do câncer. Essa resposta pode expressar o desconforto emocional
sentido como uma negação da realidade (suprimindo qualquer referência ao
problema, negando sua existência), afastamento, minimização (diminuindo sua
importância). Essa é uma forma de negação da realidade quando o paciente muda o
significado de uma situação estressante, como é o diagnóstico da doença, para
manter a esperança, negando os fatos e suas implicações, recusando a aceitar o
pior, ou agir como se o que aconteceu em nada lhe importasse.
Se temos, por um lado, o impacto emocional causado pelo diagnóstico, por
outro, vemos que a vivência da espiritualidade pode ter contribuído para que essa
mulher mantivesse e aumentasse a esperança e a fé, conforme nos relatará
posteriormente: A minha fé em Deus, aumentou mais, mais e mais; apesar de ter
um diagnóstico como esse e de ter sofrido o abandono de seu companheiro e de
seus amigos, conforme relatou.
Também pode-se dizer que cada uma dessas mulheres estruturaram uma
experiência religiosa particular,no sentido em que Crespi (1999) a define, ou seja, a
partir dessa experiência com a doença, foi se configurando uma experiência não
tanto como um processo cognitivo, mas sim como uma verdadeira e própria
transformação da experiência vivencial, com seus componentes emocionais e
intuitivos, conforme os relatos nos demonstram. Ainda segundo esse autor, essa
experiência não é consoladora e certificante, o que não foi percebido na vivência
dessas mulheres dessa pesquisa. Contrariamente a esta afirmação de Crespi
(1999), observa-se que essa experiência foi sendo vivenciada por essas mulheres,
cada uma na sua solidão individual, como consoladora e certificante, o que lhes
favoreceu tranformar as valorizações negativas, as desestabilizações da angústia,
os sentimentos debilitantes e negativos, em novos valores, como observamos nesse
relato de duas dessas mulheres: eu me valorizei mais, dar mais valor à vida e
também às pessoas ..... acho que fiquei menos egoísta, entendeu ? consigo hoje
pensar mais nas outras pessoas; mudou assim.... dar mais valor a mim mesma, às
outras pessoas, à minha própria vida. Dessa forma, essa vivência pode ter
alimentado a fé e a esperança dessas mulheres em um futuro vislumbrado, apesar
106
da dimensão incerta do percurso desde o diagnóstico e todo o processo do
tratamento.
Observamos que esses dados também são coerentes com as definições
dadas por Saad; Masiero e Battistella, (2001) citados anteriormente.
Quadro 8 O que mudou na vida dessas mulheres com o diagnóstico de câncer da mama?
SUJEITOS
CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1, 4
Maior valor
à
vida
Valorizei mais a minha vida.
Mudou... dar mais valor a vida.
2
1
Continuar
lutando
Continuar lutando porque não sei até
quando este tratamento vai.
1
2 Sentir-se inútil
Acho que mudou... eles lá casa, acharem
que eu sou uma mulher que não presto
mais para nada.
1
3
Mudan
ça de
comportamento
... tudo, tudo mudou na minha vida, minha
maneira de pensar, minha maneira de me
comportar...
.
1
3
Mudan
ça na
rotina de vida
... tudo mudou... mudou minha rotina de
vida.
1
4
Maior
valorização de
si
... mudou... dar mais valor a mim mesma. 1
5
N
ão forneceu
resposta
3.1.7 O que essas mulheres perceberam que as ajudou a enfrentar o
diagnóstico e o tratamento ?
De modo geral, as pessoas não costumam estar preparadas para perder sua
identidade como seres humanos saudáveis.
A doença atinge a pessoa toda no seu corpo, no seu espírito, nos seus
sentimentos, no seu modo de ser e de se relacionar com os outros.
Conforme enfatiza Fernandes (2003, p.29) o diagnóstico de câncer da mama
traz consigo traumas psicológicos, perda da auto-estima, sensação de fracasso.
Diante de uma doença grave e estigmatizante, a descoberta gera angústia, medo,
tristeza, desesperança conforme as mulheres pesquisadas demonstraram ao
receber o diagnóstico de câncer da mama e da necessidade de serem submetidas a
tratamentos desconfortáveis. Nesse momento cicatrizes emocionais foram feitas.
107
O tratamento quimioterápico foi mencionado por todas as cinco mulheres
participantes desse estudo, como sendo o mais agressivo ao corpo e foi apontado
como um dos momentos mais difícies a ser superado.
O sofrimento por ter câncer e a perspectiva de morte caminham de mãos
dadas. A inevitável finitude e o sofrimento que o câncer frequentemente pode
acarretar como conseqüência da doença e a antecipação do final da vida favorecem
questionamentos pessoais e existenciais de significados e propósitos que se fazem
presentes: qual o sentido dessa experiência ? Qual o propósito de minha vida ?
Existem momentos em que a dor é tão grande que a pessoa sente-se
incapaz de carregá-la sozinha. Em quem buscar alívio ? Como atravessar esse
deserto ? Com quem dividir o peso e a dor da doença ? O que um acontecimento
como esse fala de Deus ?
Para quatro das cinco mulheres que contribuíram para esse estudo por
várias vezes, Deus aparece como Aquele com quem dividiram o peso e a dor da
doença. Conforme observamos nos relatos: Deus ..... acho não tenho certeza que
quem mais me ajuda é Deus; ...... essa força que eu peço e sinto que tem me
ajudado; Peço a Deus que me ajude, que me forças e Ele tem me ajudado a
agüentar tudo isso.
Segundo Paloutzian (1996) recorrer a Deus em situações difícies é uma das
formas mais conhecidas de ajuda da religião, e temos vários estudos alguns dos
quais foram citados ao longo dessa dissertação, que confirmam resultados positivos
em termos de conforto e alívio de tensão.
No Antigo Testamento se transmite que é a Deus que se deve recorrer nas
noites escuras da vida, pois Ele é o Senhor da Vida, Eu sou o Senhor que te cura
(Ex 15,26). Esta busca de Deus também está presente nos Salmos, como por
exemplo: Então Senhor até quando ? (Salmo 6,3-4). Senhor, não me abandones,
meu Deus, não fiques longe. Depressa ! Socorro ! Senhor, minha salvação (Salmo
38, 22-23); e nas verbalizações das mulheres participantes desse trabalho: Deus
.... acho não, tenho certeza que quem mais me ajuda é Deus; .... se eu não
batalhar contra essa doença ninguém vai batalhar ..... ninguém. eu e Deus que
tem me ajudado.... ; essa força que eu peço e sinto que tem me ajudado .... ,
Peço a Deus que me ajude, me forças e Ele tem me ajudado a agüentar tudo
isso .....
108
Que lugar ocupa o Sagrado nesses momentos ? Qual o lugar da fé, da
confiança numa força além da própria, que pode ser vital na esperança de continuar
vivendo ?
Observamos que a fé e a crença aparecem ocupando o lugar de uma força
vital que apóia e contribui para alimentar a esperança em dias melhores, com
planos, com perspectiva de futuro, enfim para continuar vivendo apesar de um
doença como o câncer. Pôde-se também verificar que, na solidão individual de cada
uma dessas mulheres, foi se processando, conforme descreve Croatto (2001), a
construção de uma experiência religiosa, ou seja, buscaram uma experiência de
ligação com o transcendente - Deus.
Essas mulheres falam de uma experiência onde mencionam uma conexão
com algo maior que percebem que apóia, trazendo conforto, paz e esperança na
travessia desse vale, conforme observa-se no relato da segunda mulher pesquisada:
....Deus me trouxe paz, conforto e esperança; Deus ... acho não, tenho certeza
que quem mais me ajuda é Deus; também da quarta mulher: ..... essa força que eu
peço e sinto que tem me ajudado ; e na quinta mulher: Peço a Deus que me ajude,
que me dê forças e Ele tem me ajudado a aguentar tudo isso.
A vivência dessa experiência pode ter contribuído assim para fazer suportar
sentimentos debilitantes como os relatados por essas mulheres: desamparo,
angústia, medo, sofrimento, como também pode ter contribuído para uma troca de
estado de humor negativo para um estado positivo, conforme os diversos estudos
apontam - uma contribuição favorável da experiência religiosa no campo da saúde.
O que um acontecimento dessa natureza manifesta sobre Deus, essa força
procurada e apontada por essas mulheres, que vem ao seu encontro como auxílio ?
Ao ouvir os relatos dessas mulheres na vivência dessa experiência com a
doença parece que a presença de Deus vem tecer, na história própria de cada uma
delas, para dar-lhes um fio a mais. É um fio a mais que, nesse ponto, faz o
arrematamento, unindo o que estava solto, frouxo, fragmentado, para aí, cada uma
delas, na solidão individual de sua vivência, se construir, se renovar.
São Paulo, em uma de suas cartas aos Tessalonicenses diz: não deveis
entristecer-vos como os outros que não têm esperança (Ts 4, 13). O Deus que
essas mulheres experienciam durante o trajeto nesse trecho de suas vidas, não é o
Deus espião de suas idas e vindas, ou o juiz que julga, reprova e condena, mas o
Deus da Esperança, em quem confiam e Dele esperam o auxílio na travessia desse
109
trecho íngreme, cuja presença e a força alimentam a de poder chegar ao destino
esperado - a vitória sobre a doença e a continuidade da vida.
Desse modo, observa-se que essas mulheres sentiram que poderia haver
um futuro: não que conhecessem em detalhes o que as esperava, mas puderam
confiar em termos gerais que as suas vidas não acabariam no vazio.
A vivência da experiência dessas mulheres nos remete ao que comunica o
Papa Bento XVI, em sua Encíclica sugestivamente chamada: Salvos pela
Esperança, em novembro de 2007:
Somente quando o futuro é certo como realidade
positiva,
é que se tornavivível também o presente
......A fé é uma inclinação da pessoa
pararealidades que hão-de-vir, mas que estão ainda
totalmente ausentes; eladá-nos algo. Dá-nos já
agora algo da realidade esperada, e esta
realidadepresente constitui para n
ós uma prova
das coisas que ainda não sevêem. Ela atrai o futuro
para dentro do presente, de modo que aquele
jánão é puro <ainda não>. O fato de este futuro
existir, muda o presenderramam-se naquelas
presentes e as presentes nas futuras. A f
é comfere
à vida uma nova base, um novo fundamento, sobre
o qual o homem se pode apoiar. (Carta Encíclica do
Sumo Pontície, 2007, p.76)
Finalmente, outros autores como Gimenes (2003), Pessini (2004), Hardvig
(2000); Saad, Masiero e Battistella (2001) além de vários outros estudos, alguns dos
quais foram relacionados nessa pesquisa, vêm demonstrando a importância da
espiritualidade como forma eficiente de apoio para lidar com situações, quando estas
vêm sobrecarregar os recursos habituais utilizados pela pessoa para responder a
essas situações. Ou seja, diante de situações estressantes e de ameaça à vida,
como o diagnóstico de câncer de mama, a busca pela fé em Deus, como pai
presente, que conforta, que alimenta a esperança em dias melhores, ajuda a
minimizar o impacto negativo da doença, proporcionando uma melhor qualidade de
vida e bem-estar emocional.
110
Quadro 9 O que ajudou essas mulheres a lidarem com diagnóstico e tratamento?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1, 2, 4, 5 Deus
Deus e as outras pessoas.
Deus... acho não, tenho certeza que quem
mais me ajuda é Deus...
... se eu não batalhar contra essa doença
ninguém vai batalhar... ninguém. Só eu e
Deus que tem me ajudado...
... essa Força que eu peço e sinto que tem
me ajudado...
Peço a Deus que me ajude, me dê forças e
Ele tem me ajudado a agüentar tudo isso...
5
1 Esperança ... Acho que a esperança em dias melhores. 1
3 Ajuda
... então por ter bastante ajuda espiritual, isto
tem me ajudado bastante...
1
3.1.8 Qual a relação dessas mulheres com a até o momento em que
receberam o diagnóstico. Será que essa sofreu alguma mudança a partir
daí?
Confesso com tremor: eu não vi o leão, eu vi o
Senhor! Adélia Prado (2007, p.260)
Segundo Lacoste (2004, p.718), fundamentalmente a fé é uma atitude
interior daquele que crê.
São Tomás de Aquino considera a fé o primeiro bem necessário a todo
cristão, porque pela o cristão é conduzido à união com Deus, assim como diz o
profeta Oséias: Desposar-te-ei na fé (Os 2,22).
Xavier (2007, p.238) enfatiza que há uma certeza na fé: Deus é amor e ama
eloquentemente o ser humano, indo até as últimas conseqüências desse amor.
Nesse sentido é incompatível imaginar um Deus que coloque seus filhos numa
situação de dor e sofrimento que não possam superar com a ajuda da graça divina e
da solidariedade dos seres humanos. O Deus solidário que se revela em Jesus
Cristo é um Deus sim-pático, um Deus que sente com os seus filhos, sofre quando
eles sofrem, é um Deus envolvido na história, cheio de compaixão e misericórdia,
que escolheu livremente ser Emanuel, o Deus da compaixão. A sua compaixão está
ancorada na mais íntima solidariedade, uma solidariedade que nos permite dizer
111
como o salmista: Este é o nosso Deus, e nós somos o povo que ele apascenta, o
rebanho que ele conduz.
Observa-se que a maioria das mulheres verbalizou que houve aumento da
sua fé do momento do diagnóstico em diante, ou seja, desde o mesmo, a cirurgia e
os tratamentos. Essa fé foi vivenciada com aumento, revelando, existir a certeza de
não estarem desamparadas em suas dores. Para o cristão que crê, é através da
ajuda da graça e da solidariedade divina, como também dos seres humanos, que
nas situações difíceis, é apascentado por esse Deus da compaixão, que sofre junto
e divide a dor e o sofrimento.
A mudança na vivência dessa fé, foi apontada como intensificação, amparo,
ajuda e maior proximidade com Deus. Essas mudanças parecem ter contribuído
para que suportassem as vivências de sentimentos debilitantes como medo,
ansiedade, insegurança, desamparo e perda desencadeados pelo diagnóstico,
cirurgia e tratamentos.
Conforme enfatiza Fowler (1992, p.24) a fé é uma forma ativa de ser e
comprometer-se, um meio para modelarmos as novas experiências. Para essas
mulheres, essa experiência inesperada, estressante e de ameaça à vida - o
diagnóstico de uma doença como o câncer, intensificou sua fé em Deus: .... A
minha fé aumentou; Eu passei a acreditar mais e a agradecer cem vezes mais, do
que fazia. A maior confiança numa força vital, presente e acolhedora - Deus, -
pode ter auxiliado também para que essas mulheres pudessem ter intensificado a
confiança em si próprias, e assim, sentindo-se cuidadas e amparadas por Alguém,
que pode ir além das próprias forças humana, conseguiram mobilizar forças internas
que as ajudaram na modelação dessa nova experiência, o evento do câncer da
mama. Através dessa mudança na vivência de sua fé, puderam ter almejado
perspectivas de futuro, possibilitando, assim, que o presente se tornasse vivível,
atribuindo-lhe então sentidos novos e positivos, como, por exemplo, valores novos
para si e para a própria vida, novo e positivo sentido para a experiência da doença,
incluindo a esperança de conseguir vencê-la, o que deste modo pode ter-lhes
proporcionado uma melhor qualidade de vida e bem-estar emocional.
112
Quadro 10 No momento do diagnóstico, qual a relação dessas mulheres com a fé?
Esta relação sofreu alguma mudança daquele momento em diante?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1, 2, 5 Mudança
Mudou sim... Pedi que não me deixasse...
Pedi muita ajuda... me agarrei mais a Deus...
Eu acho que minha f
é aumentou mais...
Depois do diagnóstico é que vi que Ele me
ajuda mais do que eu só trabalhar bastante,
entendeu?
Depois da cirurgia mudou... minha fé mudou
pra mais, né!
A gente até acredita mais, a gente se apega
mais pra poder passar por tudo isso logo...
4
3, 4, 5
Aumento da
f
é
A minha fé aumentou muito. Minha fé
aumentou e bastante...
Eu passei a acreditar mais e a agradecer
cem vezes mais do que eu fazia...
Eu só fortifiquei, aumentei mais a fé, né! A
gente fortifica mais a fé, né!
A minha fé em Deus aumentou mais, mais e
mais...
Antes eu não percebia assim... Nesse
momento acho que melhorou muito, bastante!
É porque a fé cresceu mais, muito mais
depois que fiquei sabendo do diagnóstico...
6
2
Manuten
ção
da fé
Sempre pensei que Ele existe... sempre...
porque já tive outros probremas e Deus me
ajudou...
1
4 Proximidade
Antes eu não percebia assim... uma força
mais próxima que me ajuda bastante...
1
3.1.9 Como a espiritualidade pôde ajudar essas mulheres nesse período de
suas vidas ?
Para as cinco mulheres a espiritualidade foi vivenciada como uma força
maior e próxima que contribuiu para que lidassem com os sentimentos debilitantes e
negativos vividos com o impacto do diagnóstico e dos tratamentos, e assim
fortalecidas pudessem reavaliar esse evento estressante e doloroso, transformando-
o de avaliação negativa, em positiva, ou seja, construindo um sentido para essa
experiência, como por exemplo, verifica-se nas verbalizações de uma delas: me
fortaleceu; me ensinou a passar por cima das coisas difícies; ter esperança em
dias melhores.
113
Por outro lado duas dessas mulheres ao falar da espiritualidade a remetem a
uma ligação com uma força maior - Deus, sendo que uma delas aproxima a
espiritualidade da fé e da crença em algo superior.
Assim, temos aqui uma vivência de espiritualidade conforme Gimenes
(2003) a define: uma construção que envolve conceitos de fé e conceitos de
sentido, sendo uma medida de bem-estar espiritual e um componente essencial para
a qualidade de vida. Vemos também que através dessa expressão da
espiritualidade essas mulheres conseguiram atingir bem-estar espiritual o que
contribuiu significativamente, conforme os relatos descrevem, para suportar o
impacto do diagnóstico, a cirurgia mutiladora e os tratamentos agressivos e
debilitantes, refletindo assim, na qualidade de vida de cada uma dessas mulheres.
Aparece também uma espiritualidade ligada à e a uma relação com uma
força maior, denominada por essas mulheres - Deus, conforme vemos nas
verbalizações: se eu não tivesse essa fé, essa crença, eu não taria tão bem,
entendeu; Deus tem me dado forças para continuar a fazer o tratamento, se
preciso for além desse que terminei. Temos aqui também uma que tem
esperança e que confia na presença e ajuda desse Deus cuidador em que se pode
agarrar, que dá forças, que se faz presente tornando possível encontrar um sentido
para essa experiência aterrorizadora e limitante, conforme descreve Frankl (2003,
p.17): :a espiritualidade é o cultivo da vontade de sentido. Afirmando também que
o sentido é possível apesar do sofrimento, ou mesmo através dele.
Observa-se também uma aproximação entre vivência de espiritualidade e
vivência de religiosidade, ambas contribuindo na busca de sentido, embora de
maneiras diferentes. Uma onde não implicação com uma realidade superior e
outra onde há uma ligação com essa realidade superior.
A vivência dessa espiritualidade demonstra ter sido um fator importante na
qualidade de vida dessas mulheres, que apesar do sofrimento físico causado pela
cirurgia de retirada da mama, do mal-estar causado pela medicação quimioterápica;
do sofrimento emocional pela perda do seio e do afastamento de pessoas com as
quais pensavam poder contar, pelo sofrimento moral imposto pelas limitações físicas
decorrentes da cirurgia, pela perda de funções sociais, perda de recursos
financeiros, puderam ter suportado a convivência com essa experiência sem se
desesperar ou abandoná-la.
114
Assim, um acontecimento doloroso como o diagnóstico do ncer da mama
pode servir como detonador de uma ligação profunda e consciente com Deus. E a
partir da força dessa conexão a pessoa vivenciará um estado de fé e sentido.
O papel da espiritualidade na vivência do câncer não pode ser entendido
apenas como uma forma de enfrentamento emocional delineado a partir de uma
construção de sentido situacional.
É importante também reconhecer-se que a espiritualidade pode ser
descoberta a partir de um evento doloroso, podendo ser vivenciada como estado de
conexão com o sagrado que imprime sentido à vida e à morte.
Finalmente, outros autores como Lazarus (1993, p.19), Gimenes (2003),
vêm demonstrando a importância da espiritualidade, religiosidade como forma
eficiente de enfrentar situações, quando estas vêm sobrecarregar a forma como se
lida com o estresse. Ou seja, frente a situações estressantes e de ameaça à vida, a
busca pela fé em Deus, como um Pai protetor, solidário e próximo, ajuda a minimizar
o impacto negativo da doença, levando a uma melhor qualidade de vida e bem-estar
emocional.
Quadro 11 Como a espiritualidade pôde ajudá-las nesse período de suas vidas?
SUJEITOS
CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1, 4 Fortalecimento
... me fortaleceu...
... me ajudou bastante... uma força maior
que me fortaleceu...
2
1, 3 Superação
... me ensinou a passar por cima das coisas
difíceis...
... se eu não tivesse essa fé, essa crença eu
n
ão taria tão bem, entendeu?
2
1, 4 Força
... me deu forças, garra, sabe?
... uma força, força maior, próxima para
passar por tudo isso...
... Deus me tem dado forças para continuar
a fazer o tratamento, se preciso for além
desse que terminei...
... então eu acho que me dá forças, para
suportar tudo isso, né?
4
3, 5 Suportação
... se eu não tivesse essa fé, eu não taria
tão bem, entendeu? Não teria suportado
tudo...
... a fé, essa crença... me ajudou a suportar
tudo isso: cirurgia anestesia, tratamento,
falta de ajuda dos amigos
.
2
115
Continuação
SUJEITOS
CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
2 Conforto / Paz ... me trouxe paz, conforto, esperança... 1
4, 5 Ajuda
Ah! me ajuda bastante, a continuar a
caminhada.
... Então eu acho que crer em Deus, nesta
for
ça me ajuda, me ajuda bastante a
suportar tudo isso...
2
3.1.10 O que essas mulheres associam à palavra Deus ?
Segundo Gesché (2004, p.5) a palavra Deus existe. Sem dúvida, é a única
certeza que consegue obter unanimidade. E existe como uma moeda antiga com a
face já quase desfigurada, quase ilegível, talvez por tanto que tenha circulado
pelos mercados humanos.
Esse mesmo autor, citando ainda Kierkgaard em seu Post Scriptum II, diz
que Deus é uma idéia suprema que não pode ser explicada por outra coisa. Não
podemos explicá-la, a não ser mergulhando nessa própria noção.
Há palavras que em em nosso auxílio e nos oferecem confiança, quer
para começar, compreender ou dar sentido às nossas buscas e indagações. Elas
nos convidam a perguntar e ir mais à frente, ao nos dizerem que nossas dúvidas,
angústias, aflições não são em vão, e assim, nos impulsionam a procurar o caminho.
Uma dessas palavras, é Deus.
E o que é Deus para essas mulheres ? Como Ele é representado?
Ao serem convidadas a associar a palavra Deus às suas vidas, a maioria
das mulheres desse estudo, o associou a algo poderoso, que dá forças, a algo ao
qual se pode agarrar e que as ajuda, principalmente nesse momento particular de
suas vidas.
Deus dá sentido às histórias e experiências da vida, permitindo construir
novos significados evalores positivos, conforme observa-se através da construção
dessa cadeia de sentidos positivos, onde essas mulheres puderam sentir-se
reforçadas positivamente a enfrentar os sentimentos debilitantes de desamparo,
angústia, desespero desencadeados pelo diagnóstico de câncer da mama e os
tratamentos decorrentes, o que pode ter detonado uma vivência de espiritualidade,
conforme nos descreve Gimenes (2003).
116
Para Vergote (1998), a representação de Deus é uma experiência humana.
Lawrence (1997, p. 65) distingue nessa representação o conceito e a imagem:
conceito refere-se a uma definição pessoal de Deus, enquanto que a imagem diz
respeito ao modo como, do ponto de vista da pessoa, Deus deve ser.
Jaspard (2004, p.53) vai enfatizar que no campo das relações humanas com
o mundo ou com as pessoas, o sujeito humano funda sua crença na existência de
realidades com que lida numa convicção nascida da experiência sensível dessas
realidades (ver, tocar, sentir, ouvir, palatar). Essa experiência sensível oferece, com
efeito, a possibilidade de uma verificação perceptual direta quando a relação é
imediata. Quando o objeto dessa relação deixa o campo dessa experiência, ele
permanece acessível na memória, cognitiva e afetivamente, graças à representação
mental que pode ser feita dele.
Pergunta Jarpard (2004, p. 54): o que se passa quando o objeto da relação
humana é um ser transcendente ? O objeto do mundo transcendente, Deus, por
exemplo, é representado no mundo fenomenal pela contribuição de uma religião
particular, que lhe dá uma aparência acessível empiricamente, por exemplo, o
cristianismo propõe um Deus que é Pai, masculino, bondoso, criador, todo poderoso.
Para o crente, essa representação se torna o canal ao mesmo tempo de
uma presença de Deus ou de uma interpelação divina e da resposta do homem.
A representação de Deus descrita pelas mulheres desse estudo, foi
permeada por atribuições de sentidos positivos: algo que forças, algo a que se
pode agarrar, poderoso e que ajuda.
Nos relatos dessas mulheres, Deus exerce várias funções, : Ele cuida,
colabora, dá forças, é provedor, conforta, segurança. É uma presença
subentendida em suas vidas à qual sentem poder recorrer em momentos de
necessidade, conforme observamos no relato de uma das mulheres pesquisadas:
então eu acho que crer em Deus, nesta força maior, me ajuda a suportar tudo isso
(referindo-se ao diagnóstico e aos tratamentos).
Pargment (1997) enfatiza que há diferentes formas de as pessoas buscarem
a ajuda divina. Segundo esse autor, alguns tendem a se relacionar de uma passiva,
deixando tudo na mão de Deus. Centram-se em Deus acreditando que a última
responsabilidade pela vida é dele. Não assumem suas escolhas e atribuem os
acontecimentos a fatos e pessoas exteriores e, em última instância, à vontade de
Deus. Outras pessoas reagem de forma centrada em si, acreditando que Deus deve
117
lhes dar respostas e soluções imediatas, exigindo instrumentos, recursos e sinais
que os ajudem. Buscam ativamente indicações e acontecimentos que permitam agir
de forma a eliminar suas ansiedades e elaborar suas questões. No entanto, outras
pessoas ainda, conforme pode-se identificar ocorre com as mulheres participantes
dessa pesquisa, procuram trabalhar com Deus em uma forma colaborativa. Pedem e
esperam a influência divina, incluindo-a no processo de escolha. Vejamos nessas
verbalizações de nossas mulheres essa interação colaborativa com Deus na sua
experiência de vida, e particularmente na experiência com o câncer da mama:
Então eu acho que crer em Deus, nesta força, me ajuda, me ajuda bastante a
suportar tudo isso; sempre acreditei e pedi ajuda pra Ele, sempre. tive outros
probremas e Deus me ajudou. Para esse autor, essa última forma é mais
saudável é sinal de maior competência para lidar com a própria vida.
Apesar dessas considerações, Pargament (1997) chama a atenção para o
fato de que, em situações extremas, quando a possibilidade de ação independente é
mínima, a atitude de entregar a Deus a resolução dos problemas pode ser uma
ótima solução. A responsabilidade nesses casos é delegada a alguém visto como
um Ser onipotente e benigno que pode ser chamado e aproximado em situações-
limite. Nesse caso, o comportamento de deferir a responsabilidade a Deus pode ser
extremamente saudável, mesmo que o seja uma forma genericamente boa para
resolver os problemas.
O que essas mulheres nos mostram corrobora com esses dados
apresentados por Pargament, bem como demonstram que percebem os limites de
seus recursos diante dessa experiência com a doença, reconhecendo sua
impotência e abrindo-se a pedir e esperar a ajuda e a interferência de algo que as
ultrapassa.
Quadro 12 O que vem a sua cabeça quando falo a palavra Deus?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1, 2, 3, 5
Algo que d
á
força
... Deus? Algo que dá força.
Algo que dá coragem.
... Ele é algo que dá força...
É poderoso...
Deus dá força...
5
1
Algo a que
se agarrar
Deus?... é algo que a gente se agarrra... 1
118
Continuação
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1 Coisa boa Deus é uma coisa boa... 1
1, 3, 4, 5
Algo
poderoso
Deus? Ah! é poderoso.
Deus é tudo.
Criador de tudo.
Deus? Para mim é algo poderoso.
4
2, 3, 5
Algo que
ajuda
Deus para mim é algo que ajuda...
Algo que coloca pessoas na nossa vida para
colaborar, ajudar...
Deus? É uma força que ajuda... que ajuda a
suportar tudo isso...
4
2, 3, 5
Algo que
ajuda
Deus para mim é algo que ajuda...
Algo que coloca pessoas na nossa vida para
colaborar, ajudar...
Deus? É uma força que ajuda... que ajuda a
suportar tudo isso.
3
1
Algo a que
se agarrar
Deus?... é algo que a gente se agarra... 1
1 Coisa boa Deus é uma coisa boa. 1
1, 3, 4, 5
Algo
poderoso
Deus? Ah! É poderoso.
Deus é tudo.
Criador de tudo.
Deus? Para mim é algo poderoso.
4
2, 4 Cuidador
Algo que atende as nossas necessidades...
Deus? Para mim é um pai cuidador.
2
3.1.11 O que essas mulheres recomendam para outra mulher que esteja
passando ou irá passar pela mesma experiência com o câncer da mama ?
Costumamos recomendar algo para outrem, quando este algo é bom,
atendeu ou atende as nossas necessidades, cooperou conosco, com ele pudemos
ter contato para atingir os nossos objetivos.
Essas mulheres do presente trabalho, quando convidadas a recomendar
para outrem que viesse a passar ou que estivesse passando pela mesma
experiência com a doença câncer da mama, que fosse atravessar o mesmo deserto
que essas passaram, três delas recomendaram: ter fé em Deus, conforme em
seus relatos: acreditar muito em Deus ... ter muita em Deus; pedir ajuda a
Deus; acima de tudo ter muita fé em Deus.
119
Nota-se, portanto, que a fé ocupou um lugar relevante na experiência dessas
mulheres com a doença câncer da mama.
Ao ter acreditado que esse Pai cuidador, presente em suas vidas, não as
abandonaria, puderam ter superado as vivências de falta de coragem, medo,
desespero que revelam a ausência da fé..Esses sentimentos são detonados pelo
diagnóstico e podem ser intensificados com os tratamentos debilitantes, com a
ausência de apoio social, mas podem adquirir contornos mais integrados quando se
pode acreditar amparadas, tendo com quem contar e confiar. Assim, puderam ter
feito a experiência da fé, vendo de dentro a presença desse Deus e, deste modo
conseguido tornar o presente vivível, pois vislumbraram a esperança de poder haver
um futuro a ser construído.
Também pode ter sido possível que esse evento doloroso tenha servido
como um detonador de uma ligação profunda e consciente com Deus, o que
conforme nos apontou Gimenes (2003) essa pode ter sido uma vivência de
espiritualidade dessas mulheres.
Provavelmente pelo significado de valor dessa experiência de confiança e fé,
a recomendam àquelas que estão vivenciando ou que virão a vivenciar a experiência
com o câncer da mama..
Também recomendaram força, acreditar em si e o desesperar-se. Vendo
de dentro a presença de Deus e sentindo-se amparadas por essa fé que alimenta
uma expectativa confiante, mas incerta - confio que conseguirei a cura, embora não
tenha a certeza de que de fato esta acontecerá - pode ter contribuído para
sustentação que favoreceu a manutenção da motivação para lutar pela vida,
evitando o desespero diante da adversidade, no caso diante da doença e da
possibilidade da morte, permitindo assim que essas mulheres possam ter respondido
tanto às exigências internas quanto externas dessa experiência. Agora, sentindo-se
gratificadas por essa confiança e reconhecendo-a como importante fator no
enfrentamento da doença, a recomendam para quem está ou irá enfrentar a mesma
experiência com a doença.
Outras das recomendações importantes dessas mulheres, dizem respeito à
equipe de saúde que dispensou cuidados a elas.. Ao proferirem as recomendações
disseram: fazer tudo o que o médico pedir, mesmo que não goste; falaria para a
pessoa procurar a mesma equipe médica que eu procurei.
120
Qual é o lugar da medicina, da ciência, nessa experiência ? Confiar em si,
confiar em Deus, torna necessário também confiar na equipe de profissionais da
saúde à qual se irá entregar, aceitando inclusive fazer coisas das quais não gostam,
mas como confiam que estão sendo utilizadas em seu benefício, o fazem. Assim,
entregar-se significa confiar de que farão o melhor que puderem.
Vemos aqui a importância da visão integral do ser humano. Esse não pode
ser fragmentado em necessidades isoladas, mas deve ser considerado como um ser
inteiro. Nesse ser integral, a espiritualidade deve ser vista como inseparável das
demais necessidades.
A equipe interdisciplinar de saúde só poderá ser considerada completa se a
espiritualidade puder ser respeitada como fator integrante das necessidades
individuais de cada paciente.
Temos aqui uma relevante recomendação dessas mulheres aos
profissionais de saúde o cuidado integral, incluindo a esfera espiritual. Sentir-se
acolhida, respeitada, atendida em suas necessidades pode ser um passo bastante
significativo para promoção de um estado geral de bem-estar que poderá contribuir
para uma resposta favorável do organismo como um todo à doença.
Quadro 13 O que recomendam para alguém que irá passar
ou está passando pelo mesmo momento?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
4
For
ça,
batalhar
... é duro, só que tem que batalhar... tem que
ter força.
1
4
N
ão pensar
no pior
... não pode pensar no pior... 1
2
N
ão
desesperar-
se
... não entrar em desespero... 1
1, 2, 3 Fé em Deus
... pedir ajuda a Deus...
... acreditar muito em Deus... ter muita fé em
Deus...
... acima de tudo ter muita fé em Deus...
3
2
Fazer o que
o m
édico
... fazer o que o médico pedir, mesmo que
não goste...
1
3
Acreditar em
si / superar-
se
... deve acreditar muito na capacidade de
superar-se...
... e acreditar em você...
2
121
Continuação
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
5
Procurar o
mesmo local
de
tratamento
... falaria para a pessoa procurar a mesma
equipe técnica que eu procurei... a daqui
desse hospital...
1
3.1.12 O que é a morte para essas mulheres?
Segundo Meltzer (1984, p. 78), a morte é o inimigo que os vivos passam a
vida tentando superar e derrotar para sempre, sem idéia da consequência disso.
As religiões e a filosofia sempre procuraram questionar e explicar a origem e
o destino do homem. Quer seja por tradição familiar, cultural ou até mesmo por
investigação pessoal cada um de nós traz dentro de si uma morte, quer dizer, a
sua própria representação de morte. A esta são atribuídas personificações,
qualidades, formas.
A morte traz um misto de alegria e dor, dor pela privação da presença dos
entes queridos e alegria pela partida na consciência da missão cumprida, desejo de
viver e também de morrer.
Para Pessini (2005, p. 7) a morte jamais deixou de ser atual e de provocar o
homem. Ela sempre o visita, calmamente, por meio da perda de entes queridos,
obrigando o homem a refletir sobre a sua própria vida finita, ou, então, nas situações
inusitadas e inesperadas que o amedrontam.
O diagnóstico de ncer de mama é uma dessas situações inesperadas que
amedronta, oferecendo a oportunidade de reflexão sobre a vida e sua finitude.
Conforme pudemos observar, as mulheres participantes desse estudo em vários
lugares, onde foram solicitadas a falar sobre a experiência com a doença, tocaram
em questões que remeteram à vida e a finitude.
Nesse ponto do trabalho, especificamente, as cinco mulheres foram
convidadas a falar sobre a morte, e daí pode-se colher quais as representações que
a morte tem para elas. Assim, observamos que para uma das mulheres a morte é
representada como sendo uma passagem, para outra um recomeço. Assim, pode-
se ver que para essas duas mulheres, a representação que têm da morte está
envolta por sentimentos e valores positivos, vivenciando-a como oportunidade de
122
recomeço, ou como uma passagem , mudança de lugar, mas tendo sentido de
continuidade, não de fim, mas como uma possibilidade..
No entanto, para outras duas mulheres a morte é representada como um
fim: É o ponto final. É o ponto final de uma vida aqui na Terra; e como uma
separação dos entes queridos: Ah .... eu acho que a gente morrendo a gente deixa
todos os entes queridos pra cá. Essas representações podem relacionar-se a
vivências de medo em relação a morte, medo da solidão, da separação de quem se
ama, medo do desconhecido, medo da interrupção dos planos e o fracasso em
realizar os objetivos mais importantes da pessoa.
Talvez para essas duas mulheres o predomínio do medo da morte tenha se
sobreposto a outras possibilidades amadurecidas de sentido para essa experiência.
Desse modo, a morte representada como um fim, uma separação, uma
impossibilidade de outras possibilidades, denota labilidade na confiança dessas
mulheres às suas expectativas de que apesar das incertezas, das aflições, das
angústias dessa experiência de vida presente, ou seja, o diagnóstico de câncer da
mama, essas vivências não terminam simplesmente em um vazio, no nada, como a
própria vida.
E uma das mulheres, ao ser convidada a falar sobre a morte, recusou-se a
fazê-lo verbalizando: eu não gosto de falar sobre isso. Essa recusa em falar sobre
a morte revela um dos mecanismos de defesa: a negação. Esse mecanismo nos fala
de algo que pode assustar, angustiar e que a pessoa pode sentir como algo que não
vai suportar. Então nega, afasta a angústia na tentativa de proteger-se contra aquilo
que sente como ameaça.
Inevitavelmente, chegará o dia em que nenhum médico, ou cura dalma,
nenhum consolo sábio, nenhuma ajuda externa poderá oferecer apoio, pois sem
sombra de dúvida alcançaremos o limite de nossa existência terrena e a finitude
espera por nós. Essa recusa em falar sobre a finitude, a morte, parece carregada de
medo, de angústia que são vivenciados possivelmente como sentimentos
assustadores. Diante do susto, do inesperado - como o diagnóstico do câncer da
mama, como a morte, a pessoa depara-se com o limite humano da própria vida.
Para essa mulher, a maneira de lidar com tais vivências, foi o afastamento, a
negação, mecanismo esse que pode ter minado a sua esperança de existir outras
possibilidades, outros sentidos possíveis para a sua própria vida, que não apenas
esse que conduz provavelmente para o desespero, a desesperança.
123
Nesse sentido, pode-se aproximar a observação de que para essa mulher o
sentido que recorta a sua realidade é limitado e pouco esperançoso para poderem
confiar em possibilidades além do medo, do desespero, do vazio, do nada.
Observa-se que as cinco mulheres são cristãs e, para o cristão, preparar-se
para a morte significa perceber um sentido na vida que não se identifica com a
vitalidade terrena, mas com a comunhão em Cristo.
O sentido da vida se dependura no sentido da morte. E o sentido nos diz
Frankl (2003) é a silhueta que se recorta contra o fundo da realidade. A realidade
que se apresentou em um dado momento da vida dessas mulheres foi o
diagnóstico de uma doença com as representações que o câncer tem.
Diante dessa realidade, que defronta-se com o próprio limite - a finitude, a
morte, - observa-se que duas dessas mulheres atribuíram sentido positivo para essa
experiência: recomeço, continuidade. Ou seja, diante de um acontecimento doloroso
e estressante, o diagnóstico de câncer da mama, puderam vivenciar um estado de fé
e sentido, uma convicção e esperança com relação à expectativa profunda de que
será encontrada uma saída, há possibilidades, não é um fim, um castigo. Apesar do
medo do desamparo, da solidão, do desconhecido que acompanham o medo da
morte, amparadas pela vivência da espiritualidade conseguem encontrar sentido
para a morte, não como um aniquilamento, solidão, mas como possibilidade,
continuidade.
Desse modo, estão mais em acordo com o sentido cristão da morte - a
ressurreição, conforme encontramos em Jô, 25-26: Disse-lhe Jesus: Eu sou a
ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo
aquele que vive e crê em mim jamais morrerá. Crês nisto ?
As outras duas mulheres desse estudo, que atribuíram ou sentido negativo
ou de negação, e assim, ocultando os sentimentos diante da morte, revelam formas
de negar os sentimentos que a morte provoca para não sofrer. Sabe-se da
importância da expressão dos sentimentos para lidar-se com as perdas.
Por que temer a morte , preenchendo-a de sentimentos negativos ou a
negando ? Talvez para essas duas mulheres, nesse momento, diante da reação
traumática do diagnóstico, do sofrimento causado pelos efeitos colaterais dos
tratamentos, deparando-se irremediavelmente com a finitude, talvez a fé possa ter
sido abalada: a mesma fé que acredita, pode duvidar, pode titubear. Afinal, não é um
momento fácil da vida, onde o mar parece revolto e agitado. Nesse momento, pode
124
faltar o equilíbrio entre a dúvida e a certeza. Mas também, se respeitado e olhado
como parte de um processo de elaboração de perda e luto, conforme nos apontam
Kubler-Ross (1985, p. 89 ); Parkers (1998, p. 53) poderá contribuir para que a
aceitação seja alcançada e o sentido dessa experiência com a doença seja
encontrado.
Quadro 14 O que é a morte para essas mulheres?
SUJEITOS
CATEGORIA
VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA
1 Fim
É o ponto final. É o ponto final de uma vida
aqui na Terra.
1
4
Deixar os
entes
queridos
Ah... sei lá... eu acho que a gente morrendo a
gente deixa todos os entes queridos pra cá.
Eu acho que morte é isso...
1
3
Novo
come
ço
... É um novo começo. Você começa de
novo...
1
3 Retorno
... você começa de novo... Você vai para vim
de novo pra cá
1
5 Passagem
Uma passagem pra um segundo plano, né! A
gente só vai sair daqui e vai pro outro lado...
1
2
Recusa em
Falar
Ah! Eu não gosto de falar sobre isso 1
125
CAPÍTULO IV - ASPECTOS PSICOSSOCIAIS, FÉ, EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E
ESPIRITUALIDADE NA VIVÊNCIA DO CÂNCER DA MAMA
O câncer de mama é, indubitavelmente, a doença mais temida pelas
mulheres, pois gera sentimentos de medo, angústia e desespero, comprometendo
não somente a integridade física, mas também a relação que a pessoa estabelece
com seu corpo e sua mente. Isso porque, historicamente, os seios têm sido a parte
do corpo feminino relacionada à diferença dos sexos, simbolizam feminilidade,
beleza, sexualidade e maternidade; perdê-las, portanto, significa algo devastador,
uma castração.
Ao longo dos séculos, o tema de várias obras de arte tem envolvido mamas,
retratadas por artistas, pintores, escultores e cantadas por poetas. Os antigos gregos
acreditavam que só as deusas tinham seios perfeitos, e a idéia de que o seio
perfeito deva caber numa taça esteve presente na mitologia grega.
Moraes (2006, p.80) faz uma importante revisão histórica a respeito de como
a mama foi sendo retratada ao longo dos tempos.
Datada do século XVI, a pintura Madonna Delle Grazie exibe a mama como
fonte de nutrição. Também nesse século, Santa Ágata, padroeira das doenças da
mama, martirizada no ano 250 d.C., que sofrera mutilação dos seios por se recusar
a ter relações sexuais com Quintiliano, governador romano da Sicília, foi retratada
por Francesco Di Simone, segurando um prato com duas mamas sobre o mesmo.
Já no século XVII, os seios, como armas de sedução, são retratadas por
Guido Cagnacci e Alessandro Varotari e no século XVIII, João Baeck pintou uma
alegoria dos cinco sentidos onde destacava o tato erótico sobre as mamas.
Foram fonte de inspiração de escritores como Aníbal Machado (1884-1964),
para sua magistral obra Viagem aos seios de Duília, em que o personagem principal
jamais se libertou da visão de um seio de Duília, quando ambos eram adolescentes,
para o qual decide retornar, para a mocinha que lhe proporcionou, talvez, a única
coisa boa da sua vida.
E o que dizer do fato de as mulheres da atualidade buscarem aumentar o
volume dos seios. Segundo informações de Cocolo,
126
a importância dos seios na integridade física e
psicológica feminina e a busca frenética pelo corpo
ideal fazem com que cresça cerca de 20% ao ano
no país [Brasil] o número de cirurgias para
colocação de silicone nos seios perde apenas
para a lipoaspira
ção, de acordo com a Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica. Das 350 mil cirurgias
plásticas realizadas anualmente no país, cerca de
70 mil são para aumentar os seios. (COCOLO,
2002, p.23)
4.1 O câncer da mama: interpelações da identidade feminina
Na visão de Cantinelli et. al. (2006) em sua revisão da literatura em relação
aos fatores psiquiátricos envolvendo o câncer de mama, a mama é a metonímia do
feminino, sendo que o seu acometimento leva a uma série de questões: o seu
posicionamento como mulher, atraente e feminina, ou a mãe que amamenta.
Em seu trabalho sobre os aspectos psicossociais do exame de mama, Ellery
realça a importância da mama para as mulheres, ao afirmar:
A mama é um elemento essencial da feminilidade e
sua perda ou mutila
ção parcial causa diversos
efeitos psicol
ógicos na mulher, os quais afetam a
percepção da sexualidade e sua imagem corporal.
Além das questões ligadas a percepção da
sexualidade ou a imagem corporal, há aspectos
conflitantes, relacionados
à vida familiar e
profissional. Por exemplo, a estrutura
estigmatizante da sociedade e da fam
ília contribui
para que a mulher que passou ou passa pela
experi
ência com um câncer perceba diminuídas sua
função de mãe e de trabalhadora O afastamento da
vida profissional e a restri
ção das atividades
domésticas podem ajudar a desenvolver
sentimentos de inutilidade e menos valia, que
interferem, sobremaneira, na inser
ção social da
mulher e na sua auto-estima. Todos esses fatores
associados concorrem para desencadear ou
acentuar co-morbidades, como a depress
ão.
(ELLERY, 2004, p.20)
Para Arantes e Mamede (2000, p.53), o seio
é tido como objeto central de
desejo e satisfação; a aquisição de uma doença localizada nesse objeto destrói
grandes possibilidades de simbolização da mulher enquanto ser feminino. Ao ser
ameaçada pela perda deste órgão, a mulher sente que sua identidade feminina está
127
sendo questionada, bem como a sua capacidade para amamentação e sua
sensualidade.
E, na visão da artista e escritora. Amy E.Fraser:
Os seios se referem ou às duas mamas que
ocorrem no peito dos seres humanos e outros
primatas, especialmente marcantes ap
ós o
desenvolvimento puberal. Os seios são o aspecto
mais variável e protuberante da anatomia feminina.
Embora sua função primordial seja reprodutiva,
nutrir o nenê com leite, sua proeminência e
vulnerabilidade são o que os tornam o principal
emblema de distinção sexual. Os seios comandam
a atenção, independentemente da intenção da
mulher de comandá-los. Na cultura ocidental,
peitar algo significa enfrentar algo com
ousadia.[..]. Os seios são o local de beleza
culturalmente definida, poder feminino, desejo
masculino, e de identifica
ção de gênero e de sexo.
(FRASER, s/d, tradu
ção nossa)
9
E vale lembrar a idéia de Boff (1988, p.82), segundo a qual as mulheres que
enfrentam o trabalho, a vida e os problemas do dia-a-dia com vigor e perseverança,
são chamadas de peitudas. Em compensação, as mulheres que não conseguem
atingir seus objetivos e reagem de forma invejosa e mesquinha, são chamadas
despeitadas.
Em seu artigo Sentimentos e experiências na vida das mulheres com câncer
de mama, Vieira et. al. (2005) concluem que mulheres com câncer de mama sentem
modificações corporais ainda que o passem pelo processo de mastectomia, pois
identificam algo estranho dentro de seu corpo. Com a possível retirada de uma ou
ambas as mamas, as questões se agravam, porque uma confrontação real no
lugar do que antes era somente simbólico. Independentemente da faixa etária em
que se encontra, lidar com alterações corporais, principalmente porque são
relacionadas ao seio, é algo muito difícil para a mulher.
9
The breast is either of the two mammae occurring on the chest of human beings and other primates,
especially notable on the female after pubertal development. They are the most pronounced and
variable aspect of female anatomy. Although the breasts' primary function is reproductive, to nourish
the offspring with milk, it is their prominence and vulnerability that make them the chief badge of
gender. The breasts command attention, independent of a woman's intention to command it. In
Western culture, to 'breast' something means to meet or oppose boldly, one must contend with or
advance against it. Breasts lead the way, they are bold and obvious and there is no place for them to
hide. The subject's breasts are the location of culturally defined beauty, female power, masculine
desire, as well as gender and sexual identification.
128
Graudenz (1981, apud GRACIOLI et. al. 2003, p.145) retoma a importante
percepção de que quando este símbolo corpóreo, intensamente carregado de
narcisismo é mutilado, a auto-imagem pode danificar a mulher e estar presentes
sentimentos de desamparo, de repulsão e de angústia.
Desse modo, quanto maior a importância que a mulher confere às mamas,
tanto maior será o sentimento de perda após a cirurgia. Os tratamentos
complementares à mastectomia, como irradiação e quimioterapia, provocam
distúrbios na identidade feminina: às vezes, além da perda da mama, torna-se
necessária a retirada dos ovários, podendo ocasionar parada ou irregularidade da
menstruação, aumento de peso e uma calvície parcial ou mesmo total. Isso sem
incluir sentimentos durante o período do diagnóstico, que pode ser bastante
traumático para a mulher, ao se defrontar com uma doença que é ameaçadora da
vida.
O tratamento médico em si, por sua vez, é reconhecido como física e
emocionalmente desgastante, e os sintomas de ansiedade (DRAGESET,
LINDSTRON, 2003, p.403), depressão e baixa auto-estima são freqüentemente
identificados pelas pacientes (CARROL, 2000; RAMIREZ, RICHARDS, JARRET,
FENTIMAN, 1995; ROSSI, SANTOS, 2003; VIANNA, 2004). Venâncio (2004, p.55)
destaca a importância do trabalho do psicólogo por conta das angústias ligadas à
feminilidade, maternidade e sexualidade, em razão de ser o seio um órgão repleto
de simbolismo para a mulher, bem como devido aos abalos significativos que
ocorrem com o anúncio desse diagnóstico, seguido pelos tratamentos.
As manifestações de algumas das mulheres voluntárias deste estudo
confirmam as afirmativas desses pesquisadores:
Eu chorava todo dia.... era uma coisa muito ruim...
Era uma angústia, uma tristeza que dava, assim....
Chorei muitas noites.... Tinha noite que eu
acordava e chorava, chorava...
Outras pesquisas, como as de Bergamasco; Ângelo (2001, p.278) e também
as de Rossi e Santos (2003, p.35), evidenciam que o sofrimento vivenciado pelas
pacientes vai além da presença do nódulo; as dificuldades encontradas no serviço
de saúde (burocracia, negligência) são percebidas como um importante problema a
ser transposto.
129
Novamente, corroboram com essas referências dadas por esses autores, os
relatos de algumas das mulheres mastectomizadas que participaram desse trabalho
Uma situação que torna tudo muito difícil, que está
sendo muito difícil, é o lado financeiro, sabe ? No
momento em que você precisa de uma pensão,
você não tem. E as pessoas não têm entendimento.
Perdi 50% do salário. Então tem muita coisa que
não para pagar: por exemplo, o número de
vezes que temos que vir ao serviço... E você não vê
a compreensão das pessoas.
A
í, você olha: a gente que trabalha na área, a gente
sabe como é .... Você começa a precisar marcar
consulta.... aí não tinha consulta, tinha pra maio.
Aí eu vim aqui, eu pedi encaixe, mas era muita
gente, muita gente.... Aí ele (o médico) falava
assim: vai me desculpar, mas vem outro dia.
Outro dia tava pior ainda.... E aí ia passando dia,
até que eu consegui uma vaga, uma consulta. Ah!!
Eu falo uma vaga, porque tu vê a volta que eu dei?
Enumerando as etapas referentes ao desenvolvimento do câncer da mama,
Corbellini (2001,p.42) menciona a passagem por essa enfermidade como
abrangendo três etapas que se sobrepõem: a primeira é o recebimento do
diagnóstico e o estar com câncer (sentido como algo de natureza negativa); a
segunda refere-se à realização de um tratamento longo e agressivo, e a terceira diz
respeito à aceitação de um corpo marcado por uma nova imagem, com a
necessidade de aceitação e convivência com a mesma.
Mudanças efetivas de vida ocorrem nessa condição. Nascimento-Schulze
(1997, p.20), menciona que esse diagnóstico altera uma condição anteriormente
estabelecida de atividade para colocar a mulher num lugar de passividade em
relação à vida.
Portanto, como se observa a partir dos estudos acima, a mulher acometida
por um câncer de mama não tem apenas o seu corpo modificado, mas também a
sua imagem corporal e os diferentes aspectos de sua vida social e afetiva.
O fato de essas alterações percebidas serem repentinas ainda tem maiores
repercussões. Uez (2006) conclui que a perda da mama produz alterações abruptas
na imagem corporal de mulheres idosas que realizam mastectomia sem
reconstrução. Para Fernandes (1997, p.43), quando a imagem corporal vai se
alterando gradativamente como um processo de envelhecimento, o corpo se
130
modifica por etapas, sem interferir de maneira tão profunda na personalidade. No
caso das pacientes com câncer de mama que retiram parcial ou totalmente a mama,
a imagem de mulher é modificada bruscamente, sem tempo adequado para uma
adaptação e ainda como conseqüência de uma doença grave. Essa nova situação
assemelha-se a de um acidente ou de um roubo, chega e retira repentinamente algo
importante e insubstituível - a mama.
4.2 Sentimentos mais frequentes
Wanderley (1994, p.95) aponta que as mulheres possuem sentimentos
variados a respeito da imagem de sua feminilidade e seu corpo após a mastectomia.
Segundo a mesma autora, os efeitos da mastectomia no relacionamento sexual
apontam para alterações significativas. As pacientes evitam as relações sexuais,
numa tentativa de postergar a rejeição que, segundo elas, é iminente. O tratamento
primário para o câncer de mama é a amputação da mesma e, mais recentemente, foi
complementado com várias formas de terapias sistematizadas, de acordo com a
idade da paciente e o estágio da doença As técnicas cirúrgicas minimizam a
mutilação e objetivam o aperfeiçoamento da reconstrução da mama para as
mulheres que conseguem seguir nessa direção.
Conforme o relato das mulheres pesquisadas neste trabalho, elas sentem-se
envergonhadas, mutiladas e sexualmente repulsivas, usando as palavras de
Wanderley (1994, p.95) em referência às repercussões da cirurgia na vida sexual
das pacientes.
Acompanhemos esses relatos:
Primeira mulher entrevistada, 54 anos:
As vezes eu fico triste e falo para a minha filha:
arrumar um namorado? J
á pensou arrumar um
namorado, sem o seio? Ser
á que ele vai gostar?;
Segunda mulher entrevistada, 48 anos:
Nessa idade, a gente é uma mulher, que não é uma
mulher aleijada, mas é uma mulher mutilada, não é
verdade ? Sei lá o que o marido vai pensar?
131
Apesar de o maior estresse ser ainda o próprio diagnóstico, vários fatores
influenciam a aceitação e adaptabilidade da mulher frente a este.
Rowland e Massie
10
(1998, apud MELO 2002, p.380) citam três fatores que
contribuem para a resposta psicológica: o contexto cultural nos quais as opções de
tratamento são oferecidas; os fatores psicológicos e psicossociais que cada mulher
em seu ambiente traz para esta situação; e, finalmente, fatores relacionados ao
próprio diagnóstico do câncer como: estágio da doença, tratamentos, respostas e
evolução clínica.
Esses mesmos autores salientam a importância da mulher estar mais ativa
em seu tratamento, em razão de todas as circunstâncias acima descritas. O estar
mais ativa em seu tratamento tende a trazer benefícios, pois a mulher se sente
considerada em suas decisões e, portanto, mais consciente desse processo.
Também salientam os mesmos autores ser relevante o fornecimento de informações
tanto a respeito da doença quanto de seu tratamento, que pode atuar como
elemento importante na diminuição da ansiedade.
Ferreira (1996, p.163) também menciona conseqüências relacionadas ao
diagnóstico do câncer, associadas aos aspectos sociais, outras ao psiquismo, como
as idéias recorrentes de morte, o medo da mutilação, da perda de algumas pessoas
de seu convívio. Considera a manifestação de uma doença como uma
demonstração de que outros sintomas estão presentes na vida da pessoa e não
estão sendo passíveis de resolução. Enfatiza o autor que existem fatores que estão
associados à manifestação do câncer, como por exemplo, vivências de isolamento,
histórias de relacionamentos difíceis, vínculos que foram fortemente estabelecidos
com pessoas na vida adulta e que são quebrados, incapacidade ou dificuldade de
demonstrar sentimentos. No caso do câncer de mama, tem-se que as mulheres que
já apresentam uma personalidade depressiva têm mais chances de desenvolver a
doença.
Rzeznik (2000, p.85) salienta o conjunto de sentimentos que se encontram
diretamente associados, quando pensamos em doença, independente do órgão
físico acometido e dos efeitos causados no organismo pela mesma. O momento em
que uma pessoa recebe um diagnóstico geralmente é decisivo em sua vida, porque
10
ROWLAND, J.H.; MASSIE, M. J. Breast Cancer. In: HOLLAND, J. C. (Ed.).
Psycho-
oncololgy
. New York: Oxford University Press, 1998. p.380-401.
132
a partir de então, tem a possibilidade de reformular aspectos importantes de sua
vida.
Bergamasco e Ângelo (2001, p.279) enfatizam que durante toda a vivência
do câncer, os sentimentos mudam muito. Há um aprendizado muito grande no
sentido de buscar uma organização de sua vida, para saber o que vai ser feito para
não perder o controle da situação. Associam ao câncer sentimentos negativos como
depressão, raiva, tristeza, dor, desespero é comum, bem como à sensação de que
as outras pessoas não entendem o sofrimento pelo qual o doente está passando, o
que aumenta a vivência de solidão.
Já Almeida et. al, (2001, p.65) enfatizam que o câncer de mama
desestrutura a mulher no sentido de trazer para sua convivência a incerteza da vida,
a possibilidade de recorrência da doença e a incerteza do sucesso do tratamento.
Uma mulher com câncer busca nas diferentes etapas da sua doença, atribuir algum
tipo de significado àquilo que está acontecendo com ela. Isso porque os sentimentos
que são trazidos juntamente com o diagnóstico são de natureza negativa, como a
culpa.
Além disso, alguns estudiosos, como Bleiker Ema (2003, P.277)
demonstram que, de forma geral, as mulheres que já tinham algum tipo de desordem
emocional antes da descoberta da doença, estão mais propensas a desenvolvê-las
depois do diagnóstico do que aquelas que nunca tiveram nenhuma ocorrência
As mulheres diagnosticadas que passam por uma mastectomia têm uma
experiência diferente daquelas que não se submetem a este processo. O sentimento
mais comum após a cirurgia, segundo Camargo e Souza (2003, p.615) é a
ambivalência, pois a mulher deposita na cirurgia a possibilidade da cura e espera
que, após a realização da mesma, não precise mais se preocupar. Ao mesmo
tempo, existe o medo de enfrentar um corpo que já não é o mesmo, a sensação de
que a doença vai voltar e as necessidades de se preparar para as novas etapas,
como os curativos que devem ser feitos. A realidade da mutilação traz para a mulher
uma quantidade grande de sentimentos, com o quais ela se sente perturbada, e
muitos sentimentos psicológicos de ordem negativa podem surgir nesta etapa.
A respeito das diferentes fases do enfrentamento durante o primeiro ano
após a mastectomia, Gimenes (1997, p.183) chama a atenção para o fato de que,
durante muito tempo, acreditou-se que a adaptação psicossocial da mulher após
uma mastectomia ocorria como um processo único, indiferenciado e linear. No
133
entanto, à medida que a pesquisa na área de enfrentamento foi-se ampliando, seus
resultados trazem à tona a perspectiva de que o processo de enfrentamento é
dinâmico e particular a cada etapa da doença.
Esses estudos aos poucos foram adquirindo lugar central na literatura da
Psicologia da Saúde, pois foram introduzindo a relação entre a adaptação
psicossocial e o índice de sobrevida após a incidência de doença grave
Makluf et. al. (2005), em revisão da literatura sobre qualidade de vida e
câncer de mama enfocando variáveis psicossociais, e reiterando a dificuldade
conceitural da expressão qualidade de vida, sugerem que o modelo biomédico da
doença não leva em conta todos os fatores envolvidos no câncer e apontam para a
necessidade de uma abordagem que inclua os fatores psicossociais.
4.3 Variáveis psicológicas
Em seu livro Correlatos psicológicos do câncer de mama e seu tratamento
11
,
Meyerowitz (1987, p.108) delineou o impacto psicossocial da mulher em três
importantes áreas: desconforto psicológico (ansiedade, depressão e raiva);
mudanças no padrão de vida (desconforto físico, interrupção no casamento ou na
vida sexual e nível de atividade alterado); medos e preocupações
(mastectomia/perda do seio, recorrência e morte). Apontou ainda que, apesar da
variedade de opções de tratamento oferecidas, as preocupações permanecem as
mesmas.
Outro importante fator que esse mesma autora delineia é qual o estágio da
vida em que a doença ocorre e a estabilidade emocional (personalidade e estilo de
enfrentamento) e a presença ou não de suporte interpessoal. A idade aparece como
algo relevante. Dependendo da idade, há questões sociais e afetivas inerentes
àquele momento. A feminilidade e auto-estima estão presentes em todas as
mulheres. Mas há de se levar em conta que, quanto mais jovem a mulher, mas
impacto causará, pois a fertilidade, a beleza, a atração física são incessantemente
valorizadas. Se a mulher tem parceiro, ou se não tem, são questões que, segundo o
mesmo autor, vão interferir e variar a resposta à adaptação.
11
Psychosocial correlates of breast cancer and its treatment.
134
Ainda em relação ao fator idade, De Florio e Massie (1995, p.66) apontam a
mulher acima dos 65 anos, como alguém que também sofre algumas perdas, muitas
vezes do marido, e que são menos capazes de procurar ajuda apropriada, durante o
processo de cirurgia e reabilitação, acabando por ser mulheres com maior risco de
problemas na adaptação do câncer de mama, pois demonstram um comportamento
mais resistente.
Estudos sobre câncer de mama como os de Rowland e Massie (1998, p.385)
sugerem que a mulher ativa, que soluciona seus problemas, alcança melhor
adaptação. A mulher que enfrenta os seus problemas, que é flexível, terá um melhor
enfrentamento, pois buscará dentro de seu contexto social o apoio como resposta às
suas necessidades. Da mesma forma, esses autores concluem que essas mulheres
não enfrentarão melhor a trajetória de sua doença movidas por esse espírito de
luta, como acabam vivendo mais tempo do que as mais passivas.
Greer e Watson
12
(1985, apud BALONE 2001) propõem a aplicação de
testes e entrevistas para avaliar o presumível comportamento característico da
vulnerabilidade ao câncer, ligado à Personalidade Tipo C que se caracterizaria por
dissimulação de sentimentos e uso excessivo de mecanismo de defesa.
Segundo apontam Gomes, Skaba e Vieira (2002, p.198), o câncer, de forma
geral, é uma doença vista como destruidora, geralmente sentida pela maioria das
pessoas como uma punição, um castigo, porque envolve sentimentos difíceis de
serem administrados, principalmente o estigma social de morte. Raramente a mulher
que passa pela experiência do câncer de mama retoma sua vida normalmente.
Hertel (2006, p.40) enfatiza que tanto a perda de mamas, por tratamento de
mastectomia, e o cabelo, por tratamento de quimioterapia, são sentidas pelas
mulheres como muito significativas. O corpo da mulher, na cultura ocidental, ocupa
um valor de destaque na sociedade. Além do diagnóstico, tratamento, angústias e
medos reais as perdas produzem um luto que leva um tempo devido para ser
administrado ou processado para então chegar à superação do mesmo.
Duarte e Andrade (2003, p.157) apontam que a vivência do câncer
freqüentemente deixa seqüelas atribuídas à ocorrência de uma mudança de
identidade, já que a auto-imagem não é mais a mesma e a forma como entendem,
12
GREER, S.; WATSON, M. Mental adjustment to cancer: its measurement and prognostic
importance. Cancer Surv, 1987. p.439-453.
135
sentem e interpretam o mundo também pode sofrer alterações, tanto positivas
quanto negativas.
As manifestações de duas das mulheres participantes desta pesquisa
colaboram para com as afirmações acima, sendo que a primeira delas pode ser
considerada uma mudança positiva, enquanto a segunda refere-se a sentimentos de
incerteza.
E, finalmente, a terceira manifestação de uma das mulheres denota uma
mudança profunda nas suas crenças e valores.Inclusive tal mudança foi considerada
por essa mulher como positiva.
Primeira mulher entrevistada: 54 anos, divorciada há 11anos,
mastectomizada (referindo-se a cirurgia de reconstrução mamária):
Valorizei mais a minha vida. Procurei achar que isto
era mais importante.... tomar mais cuidado com
voc
ê. Sabe, coisas que eu não fazia antes, né?
...... Ah !! às vezes eu fico meio triste e falo: vou
arrumar namorado? Já pensou arrumar um
namorado sem o seio? Será que ele vai gostar?
Ah!! Será que mais tarde eu tomo coragem e vou
fazer a outra cirurgia?
Terceira mulher entrevistada: 44 anos, divorciada há 10 anos,
mastectomizada:
Tudo, tudo mudou na minha vida... mudou tudo:
minha rotina, minha maneira de pensar, at
é mesmo
a minha maneira de me comportar, entendeu? Acho
que fiquei menos ego
ísta, consigo pensar mais nas
outras pessoas. Outra coisa que mudou: no início
eu tinha medo do preconceito das pessoas.... Hoje
n
ão, hoje eu me sinto linda maravilhosa..... se a
pessoa olhar eu olho tamb
ém ... Então eu me
inxibo um pouquinho, né?
Muitas construções culturais acerca do diagnóstico da doença, ainda
segundo Duarte e Andrade (2003, p.159), fazem com que a mulher sinta que está
recebendo uma sentença de morte. Surge então o medo de ser mutilada e o medo
da rejeição, dentre outros medos. As representações associadas ao câncer são, em
grande maioria negativas, e associadas a algo cruel, destrutivo. As diferenças
sentidas pela mulher não se limitam apenas no nível corporal e psíquico como
136
apontadas nas páginas anteriores, mas também no convívio social, abrangendo a
família, amigos e trabalho. Assim, é importante para a mulher sentir que tem uma
rede de apoio social, que não a permite desistir, e que torna mais fácil o
enfrentamento da doença.
Também Hertel (2006, p.37) menciona a importância de poder haver
pessoas que se disponham a ouvir para aliviar a dor. Quando falamos e alguém nos
escuta atentamente, este é o momento em que também podemos nos ouvir a nós
mesmos, e assim poder-se-á processar a dor. Se a família puder ser este suporte,
esse fator poderá significar muito para aliviar o impacto do diagnóstico. Este suporte
tem várias áreas que significam enormes forças, como acompanhar no tratamento,
na vivência espiritual, no apoio psicológico ou outras.
Corbellini (2001, p.52) afirma que a mulher, ao vivenciar que descobre o
câncer da mama, enfrenta dois momentos: o primeiro é a confirmação de que está
com essa doença e terá que enfrentá-la; o segundo é o de pensar em como dar a
notícia para as pessoas mais próximas e como elas irão reagir.
Observa-se que os familiares diretos também sofrem com a doença do
câncer de seus entes queridos. Conforme apontado por Hertel (2006, p.38), e
demonstrado pelas mulheres participantes desse trabalho, a forma de reagir difere
entre sentir-se muito assustada e a negação da doença.
Ainda essa mesma autora faz menção que, a família também se angustia
com a descoberta de câncer de um familiar e que nem sempre se sente preparada
para corresponder a tudo o que dela é esperado. O medo real do sofrimento e a
angústia de que o câncer poderá levar à morte, também são vivenciados pelos
familiares. Essa angústia existencial lembra a própria finitude e ela, muitas vezes,
pode assustar muito. Aponta que a fé é um elemento fundamental no processo da
reflexão sobre a angústia existencial. Neste contexto, ela, a fé, é considerada um
recurso para alívio da mesma.
Outro aspecto importante, abordado pela autora é o de que a equipe de
saúde tem como foco principal a paciente. Mas constata-se que os familiares
também precisam de suporte e orientação. Fato é que, na maioria das vezes,
espera-se mais dos familiares do que eles de fato podem dar. Para eles a carga
pode se tornar maior do que eles conseguem suportar. (p.39)
137
Biffi e Mamede (2004, p.263), ao abordarem a fase de reabilitação da mulher
com câncer de mama, evidenciam a significativa presença do parceiro sexual, no
que se refere à criação de um ambiente saudável para que a mulher possa sentir-se
novamente integrada ao contexto familiar. As mudanças que podem ocorrer na
rotina precisam ser incorporadas por todos os membros da família, desde o
momento do diagnóstico. Da mesma forma, também é muito importante que o
parceiro esteja apto a oferecer afeto, assim a paciente se sentirá acolhida e
compreendida pelo mesmo.
Das cinco mulheres pesquisadas, três, que mantinham relacionamento
afetivo com parceiro, descreveram vivências afetivas de afastamento, insegurança,
solidão, abandono, pouca ou quase nenhuma cooperação. Isto pode indicar
ambientes afetivos hostis e com sobrecarga significativa de estresse, ocasionando
maiores dificuldades a essas mulheres no enfrentamento da doença, na elaboração
da identidade feminina, na reconstrução da imagem corporal.
Acompanhemos, por meio de seus relatos, as vivências apontadas.
Segunda mulher entrevistada: 48 anos, casada há 25 anos:
E eu nem tava contando essas coisas pro meu
marido, porque meu marido
é uma pessoa que em
vez de te dar forças, ele começava a entrar em
desespero, sabe ? Ele não sabe como me apoiar
.... então eu tinha que ficar com aquilo comigo.
Terceira mulher entrevistada: 44 anos, divorciada há 10 anos, atualmente
com parceiro há um ano:
Meu ex- marido.... ele sempre me aborreceu, ele
sempre fez quest
ão de aprontar algo pra me ver
mal, entendeu? Ele me aborreceu bastante... Eu
estava sozinha nesse per
íodo do diagnóstico e
tratamento.... Foi difícil; mas eu sempre fui sozinha
no dia do diagnóstico, nos dias do tratamento... Às
vezes me fazia mal isso, entendeu? Às vezes me
dava aquela tristeza..... pô falei para ele: eu
sempre sozinha .... a sensação que é que eu
n
ão tenho ninguém, entendeu ?
138
Quarta mulher entrevistada: 35 nos, casada há 12 anos
O marido logo depois do diagnóstico resolveu ir
embora ... e eu tô sozinha enfrentando tudo isso e
com a menina (referindo-se a filha de quatro anos).
Chapadeiro et. al. (2001, p.265) referem que a sensação de ter adquirido
uma vida ruim, de pior qualidade, é muito comum nas mulheres que passaram pela
cirurgia de retirada da mama, já que acreditam que a sua vida sexual não será mais
a mesma e que os aspectos sociais ficaram muito prejudicados.
Mencionam ainda que os sentimentos em relação à família revelam não
haver uma alteração extrema no relacionamento entre os membros da família após a
descoberta da doença, sendo que aqueles que ocorrem são de natureza psicológica.
As vivências são tanto positivas, como o aumento da atenção, de cuidado sentido da
parte dos outros, quanto negativas, como depressão, isolamento, vergonha, sendo
estas últimas respostas das próprias mulheres à doença.
Apesar das constatações mencionadas, Duarte e Andrade (2003, p.157)
apontam que existe a possibilidade da dinâmica familiar ser alterada, uma vez que a
mulher sente-se ameaçada e o sentimento de medo começa a ser parte integrante
de seu cotidiano. O diagnóstico, assim como as diferentes fases do tratamento,
trazem importantes conseqüências na vida das mulheres, e uma dessas dificuldades
é a de retomar sua vida pessoal e social.
Desde a notícia do diagnóstico, até o final do tratamento, aparecem muitos
sentimentos e sensações. Esta se caracteriza como uma fase de incessantes
mudanças, incertezas, inseguranças e, principalmente, de se deparar com o medo
da morte. Falar sobre a morte não aumenta a ansiedade, mas diminui o isolamento e
o medo, tornando a doença e seu tratamento menos aterrorizante.
Spink (1999, p.152) defende que, para entender a importância pessoal da
doença, é preciso situá-la no contexto da biografia do sujeito. Salienta também essa
autora que se deve ter em vista que a doença não elimina obrigatoriamente as
metas e os desejos da paciente, que pode aproveitar esse período para fazer uma
revisão de vida e um balanço de prioridades criando novos significados. Daí deve-se
ter em mente que aos pacientes que vivem uma realidade como essa, ou seja,
diagnóstico de ncer da mama, torna-se importante o acesso a um trabalho
139
multiprofissional onde, além do tratamento físico, possam receber apoio psicológico
que favoreça o lidar com o estresse gerado pelo diagnóstico e os tratamentos. A
mulher deve receber preparo psicológico para submeter-se a cirurgia que lhe for
prescrita, e após a alta hospitalar, deve freqüentar grupos de auto-ajuda e
reabilitação, e/ou conforme suas necessidades, receber atendimento individual
(psicoterapia breve) para realizar os tratamentos propostos de maneira menos
debilitante. Do mesmo modo, o acesso ao atendimento psicológico deve ser
estendido aos familiares, pois os mesmos também passam por períodos de muito
estresse.
4.4 Repercussões psicológicas do câncer da mama
O diagnóstico de câncer confronta o indivíduo com a questão imponderável
da finitude e da morte. Como toda doença potencialmente letal, traz a perda do
corpo saudável, a perda da sensação de invulnerabilidade e a perda do controle
sobre a própria vida.
Parkers (1998, p.36) realizou estudos sobre as perdas na vida adulta,
analisando suas repercussões psicológicas no indivíduo enlutado. Considera que as
reações ao luto pela morte de uma pessoa querida são semelhantes às reações a
outros tipos de perda, como, por exemplo, a perda de um órgão ou uma parte do
corpo. Classifica as respostas a perdas de três maneiras: i) Reação traumática, que
consiste em uma reação de alarme, raiva, culpa e transtorno de estresse pós-
traumático; ii) Resposta de pesar, refere-se a necessidade de procurar e encontrar a
pessoa perdida; e ii) Transição psicossocial, caracterizada pela sensação de
deslocamento entre o mundo real e o mundo idealizado, sensação de mutilação ou
vazio, através da qual o indivíduo enlutado transita da negação e evitação do
reconhecimento da perda para a aceitação, adotando um novo modelo interno de
mundo. Em estudo realizado com homens e mulheres que se submeteram à
amputação de um braço ou uma perna, esse autor pôde constatar tais semelhanças.
Sentimentos de ansiedade, tensão e inquietação foram comuns entre os sujeitos do
seu estudo, bem como sentimentos de raiva e amargura.
Embora não seja um procedimento utilizado em todos os casos, a cirurgia de
remoção tumoral é bastante freqüente, acarretando uma mutilação (parcial ou total)
da mama. Esse procedimento altamente invasivo traz repercussões emocionais
140
importantes, danificando não apenas a integridade física, como alterando a imagem
psíquica que a mulher tem de si mesma e de sua sexualidade. Esse evento,
geralmente, é acompanhado de vivências dolorosas extremamente relacionadas a
uma sensação de perda interna do próprio self , como Parkers (1998, p.38) destaca,
alterando a relação que a paciente estabelece com seu corpo e sua mente.
Estudos recentes de Leal (2001), Watson et. al. (1999) e Leshan (1992,
p.77) têm comprovado cada vez mais que as perturbações emocionais, como
depressão, sentimento de abandono, prejudicam o bom funcionamento do sistema
imunológico causando alterações bioquímicas, constituindo assim um dos fatores
responsáveis pela origem e desenvolvimento das doenças. Desse modo, a paciente,
não estando bem emocionalmente, estará mais propensa a adoecer ou suas
chances de sobrevivência diminuem.
Esses estudiosos acima examinaram a influência das reações psicológicas
ao diagnóstico de câncer de mama na sobrevida das pacientes demonstrando uma
significativa ligação entre o prognóstico e essas reações. As pacientes que se
inserem no tipo de reação denominada espírito de luta, ou seja, determinadas a
lutar ativamente contra a doença, adotando uma atitude otimista, tiveram maior
sobrevida do que aquelas que reagiam com sentimentos de desesperança e
desamparo.
A influência dos fatores psicológicos sobre os aspectos biológicos foi
demonstrada através de estudos de Leal (1993, p.56) e Amorim (1999, p.142) com
um tipo de célula produzida pelo sistema imunológico, a lula natural killer (NK).
Eles mostraram uma associação entre algumas variáveis psicossociais e o
funcionamento dessas células. Esses estudos trazem evidências de que um baixo
nível de ajustamento ao câncer, falha no apoio social, alto nível de estresse e
presença de sintomas depressivos diminuem a produção e atividade da célula
natural killer (NK). Sendo essa célula responsável pela vigilância imunológica sobre
o câncer, controlando a difusão de células malignas, a paciente tenderá a ter um pior
prognóstico.
Olhando para esses dados, verifica-se que o sistema imunológico é
fortemente afetado por fatores emocionais e que determinadas atitudes psicológicas
podem influenciar positivamente no sistema de defesa, favorecendo uma maior e
melhor sobrevida.
141
Em seu trabalho sobre a sexualidade de casais que vivenciaram o câncer de
mama, Gradin (2005) conclui que como havia uma construção de relacionamento
a dois, mesmo com o diagnóstico de câncer de mama, foi mais fácil a adaptação à
nova situação e, consequentemente, conseguiram lidar com as alterações físicas e
psicológicas que se seguiram (p.152).
Finalmente, apesar de contarmos com todos os avanços existentes nessa
área a nível mundial bem como um número grande de estudos, devido à sua
complexidade há ainda, muitas questões a serem esclarecidas para que
compreendamos os fatores psicosocioespirituais que contribuem na prevenção e
recuperação do câncer da mama.
4.5 Fé, experiência religiosa e espiritualidade na vivência do câncer da mama
A etapa do diagnóstico é o momento em que as mulheres entram em
contato com a situação objetiva e concreta de estar com câncer da mama, após a
comunicação formal do profissional médico.
Diante do diagnóstico, vivenciam-se sentimentos de perda, desespero,
frustração, perda das habilidades funcionais e vocacionais, medo de ser mutilada,
rejeitada pelo meio social e por seu parceiro sexual, medo e incerteza sobre o
tratamento e o seu sucesso, medo da própria morte e de perder pessoas que lhe
são caras, incerteza quanto ao futuro. Vivencia-se o real momento de que a vida
está acabando.
Nesse momento particular da trajetória da vida de cada uma das mulheres,
onde o bem maior que é a própria vida está sendo ameaçado, o que fazer ? Como
lidar com o fardo dessas vivências tão debilitantes? Buscar ajuda, apoio? Onde? Em
quem?
Algumas mulheres encontraram na proximidade dos familiares e amigos,
importante apoio para lidar com esse momento tão desconhecido quanto
amedrontador. Outras revelaram que mesmo pessoas mais próximas, como os
familiares e amigos com quem acreditavam poder contar, afastaram-se não
disponibilizando o apoio tão necessário e importante para contrabalancear o
desequilíbrio provocado pelo diagnóstico.
142
No entanto, sentindo o apoio de pessoas mais próximas ou não podendo
contar com esse, unanimemente todas as mulheres pesquisadas afirmaram que as
ajudou a lidar tanto com o diagnóstico quanto com os tratamentos foi sua em
Deus, e que a religiosidade, a espiritualidade foram importantes auxílios como força,
superação, fortalecimento e apoio.
A forma de expressão da fé e a qualidade de vida
Do ponto de vista de Prates (2007) a fé é a mediação por excelência que
vincula o ser humano a Deus e o ato de fé é a constante busca de ver o Invisível,
que, ao viabilizar-se, permanece Invisível no seu mistério inalcançável.
O ato de fé é o reconhecimento de que existe Deus e que ele habita o mais
profundo do ser humano. Conforme afirma Santo Agostinho: Tu estavas mais dentro
de mim do que a minha parte mais íntima (Santo Agostinho, 2004, p.186 - Conf. III,
11). O ato de fé é dar-se conta de que Deus é a fonte da vida e de sua vitalidade,
que sustenta todas as coisas. Também é busca do mistério humano, mesmo em
meio às contradições do sofrimento e da morte, como acontece com as mulheres
pesquisadas frente ao diagnóstico do câncer da mama. Embora essas mulheres não
tenham condições para fazer distinções refinadas entre a acepção popular,
carregada de elementos psicológicos e a teológica-religiosa, da fé, puderam ter feito
um ato de fé nesta experiência com a doença. Uma sincera e espontânea que faz
sentir e acreditar, que conforme Espín (2000, p.121) aponta trata-se de uma fé
popular.
Três das cinco mulheres pesquisadas revelou que sua fé mudou de
expressão, relacionando essa mudança ao aumento da a partir do diagnóstico da
doença, confome observa-se nas suas verbalizações: a minha aumentou muito;
eu só fortifiquei, aumentei mais a fé, né; a minha fé em Deus aumentou mais, mais
e mais.
Aqui aparece a fé que tem certeza, pois aumenta. Essas mulheres repetem,
várias vezes, as palavras: fé e aumentou. Fazem menção a uma espiritualidade e
fé aplicada. Aplicada a uma experiência de extrema ameaça ao bem maior, que é a
vida de cada uma dessas mulheres. Essa relação com o sobrenatural parece
vincular-se com algo que elas expressam em palavras e ações: ... eu passei a
143
acreditar mais ...; ... me agarrei mais a Deus; Depois do diagnóstico é que vi que
Ele me ajuda mias do que eu só trabalhar bastante, entendeu ?
Outro aspecto da fé é a confiança em Deus: Deus para mim é algo que
ajuda .... que ajuda a suportar tudo isso; Deus é algo que coragem; Deus é
algo que atende as nossas necessidades; Deus me tem dado forças para continuar
a fazer o tratamento, se preciso for além desse que terminei. o medo real e não
imaginário da doença e dos devidos tratamentos que podem ou não ter sucesso. A
reincidência do câncer é algo que pode acontecer a qualquer momento e sobre ela
as pessoas não têm qualquer controle.
Observa-se que nenhuma das cinco mulheres participantes atribuiu a um
castigo de Deus o fato de ter adquirido câncer. Elas utilizaram-se da fé para explicar
e entender o próprio aparecimento do câncer, num sentido consciente e racional
apontaram uma auto-responsabilidade de zelar pelo próprio bem-estar físico e
psíquico, mostrando a percepção de uma visão integral do ser humano: Por um lado
acho que é por eu não ter ido ao médico ... ; mas eu acho que os sentimentos
negativos que eu tive em minha vida ajudaram no aparecer da doença; ... eu não
ter horário para se alimentar, almoçar às quatro ou cinco horas da tarde .... tinha que
trabalhar para manter a casa ... eu acho que a minha vida estava agitada.
Aparece também a esperança. Dufault e Martocchio (1985) afirmam que a
esperança protege o indivíduo contra o desespero enquanto a súbita perda da
esperança pode precipitar a morte. A esperança, para esses autores, funciona como
uma forma de sustentação que favorece a manutenção da motivação para lutar pela
vida ou pelo menos pela qualidade de vida residual. Deste modo, quando as
perspectivas de futuro não são realisticamente promissoras, como no caso do
paciente terminal, conforme enfatizam Bromberg e colaboradores (1996, p.39) é
possível a manutenção de uma esperança que focalize apenas os aspectos
gratificamentes do aqui e agora. Esses aspectos podem referir-se desde a
momentos de alívio de dor física intensa até um diálogo com um ente querido.
Gimenes (1997, p. 233) aponta a esperança como uma força vital,
multidimensional, que caracteriza-se por uma expectativa confiante, mas incerta de
alcançar um bom futuro. Para a pessoa que espera é realisticamente possível e
pessoalmente significativo: espero ficar curada, mas não tenho certeza de que
acontecerá.
144
Continua a autora apontando que essa esperança tem implicações para a
prática e não constitui ato isolado, mas uma gama complexa de muitos
pensamentos, sentimentos e ações que mudam com o tempo, num processo
dinâmico. No início, na fase do diagnóstico, a pessoa espera pela cura, enquanto,
na fase terminal, a pessoa espera por uma morte pacífica, indolor, cercada por
familiares e/ou amigos.
Algumas mulheres enfatizaram: esperança em dias melhores. Eis aqui o
ser humano que crê e tem esperança de um futuro como realidade possível e
positiva, e que por isso torna vivível também o presente. Essa esperança atrai o
futuro para dentro do presente. O fato desse futuro existir, muda o sentido do
presente. A fé confere à vida uma nova base, um novo fundamento, sobre o qual o
homem se pode apoiar, conforme o Papa Bento XVI bem o diz em sua Encíclica
Salvos pela Esperança.
A fé e a confiança estão presentes em todas as mulheres entrevistadas. Às
vezes de uma maneira implícita, e em outras através das verbalizações de seus
relatos. Da mesma fora, em seus relatos, observa-se a vivência do que Kubler- Ross
(1985, p, 95) descreve como os estágios através dos quais o indivíduo vai
elaborando a sua experiência com o luto e as perdas. Esses estágios iniciam-se
através de mecanismos de negação, atravessando o estágio de depressão até
finalmente chegar ao estágio da aceitação. Para vivenciá-los de maneira integrada e
positiva, a presença da fé e da esperança, podem ser componentes facilitares deste
processo.
Fica então uma pergunta: como avaliar se as mulheres entrevistadas
utilizaram a fé como mecanismo psicológico frente à angústia de morte ou como
uma verdadeira, no sentido teológico-religioso, na emergência de um contexto
aflitivo como é o diagnóstico e os tratamentos de câncer ?
Como já foi mencionado no capítulo I, James Fowler, pesquisador que
trabalhou o conceito de fé na interface entre a Psicologia e a Teologia Cristã propõe
que a fé: é uma verdadeira orientação da pessoal total, dando propósito e alvo para
lutas e esperanças, para os pensamentos e ações da pessoa.
Assim, para esse pesquisador a fé é uma forma ativa de ser e de
comprometer-se, um meio de modelarmos novas experiências de vida e encará-la.
145
Esta visão frente a vida seria desenvolvida em estágios, denominados
Estágios da Fé, acompanhando o crescimento físico, emocional e sócio-cultural do
ser humano.
As falas a serem mencionadas em seguida sugerem que essas mulheres
tenham desenvolvido, através da vivência com a doença, uma experiência de fé e de
construção de sentido para as suas vidas: valorizei mais a minha vida; passei a
ser menos egoísta, passei a pensar mais nas outras pessoas; passei a me cuidar
mais; passei a agradecer cem vezes mais.
Os dados coletados são insuficientes para afirmamos definitivamente que
algumas dessas mulheres, pelo menos, tenham tido sua fédesenvolvida ao longo
da vida e que a experiência com o câncer da mama tenha contribuído para a
consolidação de uma fé teológico-religiosa.
Para essa verificação precisaria ter sido focalizado, detalhadamente,
aspectos relevantes do desenvolvimento psico-espiritual de cada uma das mulheres
que desta pesquisa participou.
Uma outra alternativa para que esse aspecto ficasse definitivamente
comprovado, seria a proposta de um estudo longitudinal onde cada uma dessas
mulheres fosse acompanhada até cinco anos após o tratamento inicial. Como os
cinco anos são um marco importante para se avaliar a recidiva da doença e, muitas
mulheres consideram-se curadas após esse período, este seria o momento ideal
para reavaliá-las.
Assim, poderia ser investigado se a busca de Dês, a tentativa de manter-se
conectada a Ele, permanece, aumenta ou é reduzida na medida em que a doença
foi deixando de ser uma ameaça e as mulheres consideram-se curadas.
Entretanto, fica claramente evidenciado que o tratamento e a busca pela
cura do câncer da mama mobilizou integralmente todos os recursos psico-socio-
culturais de cada uma das mulheres entrevistadas e que, a espiritualidade seja esta
caracterizada por uma fé popular ou teológica-religiosa, surge como uma das
principais senão a principal fonte de esperança e conseqüente bem-estar emocional.
Além disso, esta aparece como fonte de energia vital que contribuiu
significativamente para que aderissem aos tratamentos efetivamente dolorosos
como a mastectomia e a quimioterapia, enfrentassem mudanças de papéis na
família e na sociedade, dificuldades econômicas, o abandono de pessoas com as
quais esperavam contar, mudanças na imagem corporal, entraves no atendimento
146
de saúde pública, sem contanto, perderem de vista a confiança e o sentido de
esperança.
Acreditar que Deus está presente na vida, como um Pai amoroso e protetor
que atende às necessidades humanas de amparo e proteção, forneceu a essas
mulheres força e sentido para superarem o que viesse pela frente, mesmo sentindo-
se ameaçadas pelo câncer e, diante da inevitável finitude.
Sentir-se aceita por Deus, confiar em sua presença constante e protetora,
parecem terem sido fatores importantes que substituíram os medos e a angústia
existencial, pela esperança. Assim sendo, a crença em Deus e a vivência da
espiritualidade possibilitaram que o desespero se transformasse em esperança.
Além disso, a confiança em Deus estendeu-se a confiarem em si mesmas,
em seus recursos psíquicos para lutarem contra a doença, como também para
confiarem na equipe de profissionais da saúde à qual puderam ter se entregado para
os tratamentos.
Seja a fé compreendida como um processo cultural que se aprende, que se
ensina e se desenvolve ao longo da vida ou seja um presente ou graça do próprio
Deus, ela foi fundamental para que as mulheres lidassem com o câncer da mama e
suas conseqüências.
A crença de que existia algo fora delas, ao qual chamaram de Deus, que as
protegia, cuidava, amava e que era uma constante presença e aliado na luta contra
a doença, parece ter funcionado como anteparo frente a crise existencial e o medo
da morte detonadas com a descoberta do câncer da mama.
A espiritualidade é aqui definida conforme Saad et. al. (2001, p.108): um
sistema de crenças que enfoca elementos da ordem do intangível, que transmite
vitalidade e significado a eventos da vida, baseando-se em questionamentos
pessoais de perguntas existenciais de significados e propósitos. É aquilo que
sentido à vida, é um conceito mais amplo que religião, considerando que essa é
apenas uma expressão da espiritualidade. Também conforme Gimenes (2003, p.34):
é uma construção que envolve conceitos de fé e conceitos de sentido; é uma
emdida de bem-estar espiritual e um componente essencial para a qualidade de
vida.
Para a maioria das mulheres pesquisadas, a espiritualidade expressou-se
nesse momento de suas vidas, como uma força maior, de superação, para enfrentar
e suportar as vivências debilitantes de todo o processo do diagnóstico e dos
147
tratamentos. Força essa percebida como próxima, presente, vitalizadora de suas
vidas nesse momento, e que contribuiu significamente para a melhoria da qualidade
de vida ao longo de toda essa experiência com a doença.
Ficou claramente constatado que as próprias mulheres atribuíram à
espiritualidade uma das forças essenciais para continuar na luta de sobrevivência ao
câncer.
Finalmente, pode-se dizer que a ciência e a espiritualidade devem ser
entendidas como complementares em qualquer processo de cura e na busca de dar
sentido à vida e de qualificá-la.
Só assim, poderemos honrar a visão integral do ser humano e corresponder
a sua complexidade e grandeza.
148
CONCLUSÃO
Ao finalizar nosso trabalho, lançamos um olhar retrospectivo sobre o
caminho percorrido a fim de apontar as principais conquistas, as limitações, e abrir
horizontes para novas investigações.
A Psiconeuroimunologia, área que vem demonstrando a relação entre
estados psicológicos e o funcionamento do sistema imunológico, chama a atenção
para o impacto de fatores psicossociais no tratamento e na recuperação do câncer
da mama.
A associação entre variáveis psicossociais e o funcionamento das lulas
natural killer (NK), responsáveis pela vigilância imunológica sobre o câncer, vem
sendo amplamente divulgada na literatura especializada. Assim, mulheres que
apresentassem sintomas de ansiedade e ou depressão caracterizados por medo,
insegurança e desesperança, estariam mais suscetíveis a um funcionamento
imunológico insuficiente na vigilância e no combate do câncer.
Por outro lado, se a mulher, ao receber o diagnóstico de câncer da mama,
encontra acolhimento na família, nos amigos, na comunidade religiosa e na equipe
de saúde, ela terá maiores chances de se reequilibrar psicologicamente e, portanto,
maximizar suas possibilidades em obter um melhor prognóstico.
Tendo presente esses dados preliminares averiguados em estudos e
pesquisas, nosso trabalho centralizou a atenção em pesquisar a importância e a
influência da fé, da religiosidade e da espiritualidade na vida de mulheres que se
submeteram a mastectomia. Limitamos o horizonte da pesquisa a cinco mulheres de
35 a 55 anos, em fase de tratamento de quimioterapia e/ou radioterapia.
Os capítulos, que elaboramos, tiveram presentes as indagações levantadas
no projeto, que se transformou na Introdução à dissertação. Em primeiro lugar foi
necessário um olhar teórico para expor as noções de religião, religiosidade, fé,
experiência religiosa e espiritualidade. Concluímos tratar-se de conceitos muito
próximos, com uma face polissêmica, a depender dos vários autores que os
abordam. Ficou clara, porém, a distinção entre fé, religiosidade e espiritualidade
popular, movidas pelos sensus fidelium e essas mesmas categorias trabalhadas no
espaço teológico teórico e vivenciadas por pessoas que as aprofundam em uma
comunidade de fé. Distinção relevante pois as entrevistadas na pesquisa são todas
149
pessoas simples, com uma fé vigorosa mas vivenciada espontaneamente, sem o
suporte teórico e o aprofundamento de uma comunidade de fé.
Outra questão suscitada na Introdução, requeria um olhar panorâmico
introdutório sobre o câncer e sua evolução histórica. A questão motivou um estudo
que adentrou pela área da saúde, psicoimunologia e psicossomática. Embora
sinteticamente, a história da doença e seus aspectos psicossociais foram
trabalhados nos capítulos segundo e quarto.
Já indo direto ao campo da pesquisa, expusemos um quadro geral das
informações colhidas no questionário, o que possibilitou examinarmos a expressão
das vivências dessas mulheres à luz dos vários autores que contribuíram na
compreensão das mesmas.
O trabalho analítico, no intuito de responder à questão central e confirmar a
hipótese levantada acerca da importância e da influência da fé, da religiosidade e da
espiritualidade e as possibilidades de melhoria da qualidade de vida a partir dessa
vivência religiosa, foi explorado no último capítulo.
A dimensão espiritual, muito pouco considerada ou mesmo ignorada por não
ser tida como científica, vem ganhando espaço na literatura oncológica e
neuropsicoimunológica como essencial ao atendimento integral das pessoas
acometidas pelo câncer.
Isto também ficou evidenciado nos dados aqui apresentados, quando as
mulheres entrevistadas ao se depararem com o sofrimento do diagnóstico e
tratamentos do câncer, foram buscar força e esperança, através de uma relação com
Deus. O contato com uma força superior às suas, aliada à imagem de um Deus Pai
protetor e cuidador mostrou-se como fator que contribuiu para o resgate de uma
perspectiva de futuro e possivelmente de um resultado positivo na luta contra o
câncer.
Embora não tendo muitas condições de fazer distinções refinadas entre uma
acepção popular ou teológica da fé, essas mulheres revelaram uma profunda
experiência de fé, de religiosidade e espiritualidade, construindo, nessa
circunstância estressante e dolorosa, novos significados para suas vidas. A relação
com o sobrenatural propiciou a essas mulheres a superação dos sentimentos
debilitantes deflagrados pelo diagnóstico e os tratamentos, proporcionando-lhes
bem-estar espiritual, dimensão essencial na qualidade de vida de todo ser humano.
150
Notou-se também que a e a sua vivência constituíram uma força vital que
contribuiu para alimentar a esperança em dias melhores, o que também parece ter
favorecido uma melhor aceitação da doença; não um conformismo, mas uma
ativação de recursos psíquicos até então desconhecidos, o que também parece ter
facilitado lidar com os sintomas depressivos. Deste modo, a fé e a esperança
motivaram e tornaram possível um presente em que há vida, descartando até a idéia
da morte, e uma perspectiva de futuro, a envolver o presente em uma positividade
repleta de um novo sentido.
Apoiando-se nessa experiência, essas mulheres protegeram-se do
desespero, do medo, do insuportável. Conseguiram olhar de modo diferente o
diagnóstico e os tratamentos dolorosos do câncer da mama. Assim, puderam
fortalecer-se psiquicamente frente ao trágico, pois, conforme nos apontou Camus:
ver-se dissipar o sentido da vida, é desaparecer nossa razão de existir ...
Embora não tenhamos colhido informações explícitas a respeito, podemos
deduzir que a motivação para lutar por suas vidas, a conquista de significado para
viver, e a tranqüilidade psíquica que conquistaram, podem ter sido fatores que
tenham influenciado positivamente não apenas na qualidade geral de vida, mas que
tenha se estendido a uma melhoria do estado físico. Os resultados revelados pela
nossa pesquisa com essas mulheres possibilitaram confirmar as posições
levantadas por outros autores, que trabalhamos ao longo do nosso estudo, a saber,
que a espiritualidade que decorre de uma vivência de fé, embora simples e
espontânea, pode ser uma forma eficiente de apoio para enfrentar e lidar com
situações limites como é a que decorre do diagnóstico e dos tratamentos de um
câncer da mama. Isso é particularmente verdadeiro quando a situação é agravada
por fatores psicossociais adversos como é o caso das mulheres entrevistadas.
Por outro lado, embora este dado não apareça diretamente nos
depoimentos, podemos inferir, hipoteticamente, que, atribuir um significado negativo
à doença, por exemplo, como castigo de Deus, - o que não foi constatado nos
relatos dessas mulheres pode levar a uma atitude psíquica e existencial
depressiva, intensificando os sentimentos debilitantes de desespero, medo, raiva,
culpa, com reflexos nocivos para a cura. Se a mulher assume um sentimento de
culpa ou de pecado, que teria despertado a ira de Deus, por ações que o
desagradaram, e a doença se lhe afigura como castigo, ela perderá talvez o único
suporte que lhe resta, a única esperança e força para lutar contra a doença. Essa
151
idéia de um Deus tirano e sacrificador é muito comum como conseqüência de uma
errada formação religiosa desde a infância, e é a negação do Deus amor e
esperança, que acolhe, compreende, ampara.
Intensificar os sentimentos debilitantes, contribui para deflagrar
determinadas atitudes psicológicas que, por sua vez, podem dificultar o
enfrentamento da depressão. Segundo os princípios da psiconeuroimonologia,
sentimentos de desamparo e depressão também podem influenciar negativamente
no funcionamento do sistema imunológico, levando a um prognóstico desfavorável.
Conforme foi demonstrado no primeiro capítulo a espiritualidade é um
sentimento pessoal, que estimula um interesse pelos outros e por si. Deste modo,
conforme essas mulheres puderam ter vivenciado essa espiritualidade em suas
vidas, essa experiência também pôde ter se expressado na relação com os
profissionais da saúde responsáveis por seus tratamentos. À medida em que
puderam ter se interessado por si e por suas vidas, também o fizeram na relação
com os profissionais recebendo os cuidados prescritos e nesses podendo confiar.
Sabe-se da importância da qualidade da relação que se estabelece entre o
profissional e o paciente ser essencial para o sucesso dos tratamentos.
Embora esse dado não apareça diretamente nos depoimentos, podemos
supor que para algumas mulheres entrevistadas a espiritualidade pôde ter se
manifestado também na relação familiar, quando sentimentos de compaixão,
tolerância, solidariedade estiveram presentes, contribuindo como apoio positivo no
enfrentamento da doença no âmbito familiar.
Portanto, a religiosidade e espiritualidade podem ser o fio condutor que
integram condições psicossociais e físicas na garantia de uma melhor qualidade de
vida, colaborando para um prognóstico positivo no tratamento do câncer da mama.
Nossa pesquisa tem várias limitações. Os resultados que apresentamos
referem-se ao período em que as informantes estiveram sob tratamento. Além
disso,, elas foram acompanhadas apenas por um curto período de um ano. O que
teria acontecido com a espiritualidade dessas mulheres, por exemplo, no caso de um
resultado adverso do tratamento, encontrando-se elas em um estado terminal ? Ou,
se o tratamento resultasse em cura, teriam continuado em sua vivência de ? De
que maneira ? Teriam elas aprofundado a espiritualidade em uma comunidade de fé
ou, ao contrário, o ferver teria arrefecido ? Enfim, são questões que exigiriam novas
pesquisas, o que foge aos limites do nosso objeto.
152
Entretanto, revendo os objetivos que nos propusemos, parece-nos que
nossa hipótese, que previa a importância e a eficácia da espiritualidade no
enfrentamento do diagnóstico e do tratamento do câncer da mama, foi confirmada,
segundo pistas já trilhadas por outros estudos e pesquisas.
153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA BRASIL.
Casos de câncer de mama triplicam em mulheres com menos
de 40 anos, revela pesquisa. 25/10/2007. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.
gov.br/noticias/2007/10/25/materia.2007-10-25.519015157/view>. Acesso em: jan.
2008.
ALETTI, M. Arte, cultura e religião na vida adulta: rabiscos winnicotianos. In:
ARCURI, Irene G.; ANCONA-LOPEZ, M. (Orgs.). Temas em Psicologia da religião.
São Paulo: Vetor, 2007.
ALLPORT, G. W. Personalidade, padrões e desenvolvimento. In: VALLE, E.
Psicologia e experiência religiosa. São Paulo: Edições Loyola, 1998.
ALMEIDA, A. M. et. al. Construindo o significado da recorrência da doença: a
experiência de mulheres com câncer de mama. Revista Latino-Americana de
Enfermagem. v.9, n.5, 2001, p.63-9.
ALVES, R. O que é religião. São Paulo: Loyola, 1999.
AMATUZZI, M. M. Esboço de teoria do desenvolvimento religioso. In: PAIVA,
G. J. (Org). Entre necessidade e desejo. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
__________ (Org). Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
AMERICAN CANCER SOCIETY. New Report Estimates 12 Million Cancer Cases
Worldwide in 2007. Science Daily. Disponível em: <http://www.sciencedaily.com-
/releases/2007/12/071217092929.htm>. Acesso em: fev. 2008.
__________. Facts and figures for African Americans 2007-2008. Disponível em:
<http://www.cancer.org/downloads/STT/CAFF2007AAacs pdf2007.pdf>. Acesso em:
out. 2007.
AMORIM, A. M. A enfermagem e a psiconeuroimunologia no câncer de mama.
Dissertação, Escola de Enfermagem Anna Nery, Rio de Janeiro, 1999.
154
ANGERAMI, V. A. (Org.). Espiritualidade e prática clínica. São Paulo: Pioneira,
Thomson Learning, 2004.
ARÁN, M. R. et. al. Representações de pacientes mastectomizadas sobre doença e
mutilação e seu impacto no diagnóstico precoce do câncer de mama. Jornal
Brasileiro de Psiquiatria. v.45, n.11, 1996. p.533-9.
ARANTES, S. L.; MAMEDE, M. V. A participação das mulheres com câncer de
mama na escolha do tratamento: um direito a ser conquistado. Revista Latino-
Americana de Enfermagem. v.11, n.1, 2000. p.49-58.
ARGYLE, M. The psychological explanation of religious experience. Psyche
and Logos. v.11, n.2, 1990. p.267-74.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINFOMA E LEUCEMIA. ABRALE. Dia Nacional do
Câncer. 27/11/2006. Disponível em: <http://www.abrale.org.br/fique_atualizado/
interno.php?id=522>. Acesso em: jan. 2008.
AURELIANO, W. A. Compartilhando a experiência do câncer de mama: grupos de
ajuda mútua e o universo social da mulher mastectomizada em Campina Grande
(PB). Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade Federal de Campina
Grande, fevereiro de 2006. Disponível em: <www.antropologia.com.br/divu/
colab/d34-waureliano.pdf>. Acesso em: janeiro de 2008.
AZEVEDO, R. F.; LOPES, R. L. M. Vivência do diagnóstico de câncer de mama e
de mastectomia radical: percepção do corpo feminino a partir da fenomenologia.
Online Brazilian Journal of Nursing, v.5, n.1, 2006. Disponível em: <
http://www.uff.br/
objnursing/index.php/nursing/article/view/137/38
>. Acesso em: Jan.2008
BAIDER, L. S. Perceptions and causal attributions of Israeli women with breast
câncer concerning their ilness: the effects of ethnicity. Psychoter Psychossom. v.39,
n.3, 1983. p.136-43.
BALLONE, G. J. ncer e emoções. 2001. Disponível em: <http://www.portal
dopsicologo.com.br/publicacoes/publicacoes_9.htm>. Acesso em: dez. de 2007.
155
__________. Estresse Introdução. PsiqWeb. 2005. D
isponível em:
<
http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=304&sec=27
>. Acesso em: dez.
2007
BARROS, A. C. S. D. et. al. Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Mama.
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes.
15/08/01. Disponível em: <http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/
024.pdf>. Acesso em: dez. 2007.
BÉLIVEAU, R.; GINGRAS, D. Os alimentos contra o câncer: a prevenção e o
tratamento do câncer pela alimentação. Petrópolis: Vozes, 2007.
BENNET, J. C.; PLUM, F. C. Tratado de medicina interna. 20ªed. v.2. Rio de Janeiro:
ABDE, 1997.
BERGAMASCO, R. B.; ÂNGELO, M. O sofrimento de descobrir-se com câncer
de mama: como o diagnóstico é experienciado pela mulher. Revista Brasileira
de Cancerologia. v.47, n.3, 2001. p.277-82.
BERGEROT, C.; BERGEROT, P. G.
Câncer: o poder da alimentação na
prevenção e tratamento. São Paulo: Cultrix, 2006.
BERNIK, W. Estresse. O Assassino Silencioso.
Cérebro & Mente.
Setembro/ Novembro, 1997. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/
n03/index03.htm>. Acesso em: fev. 2008.
BIFFI, R. G.; MAMEDE, M. V. Suporte social na reabilitação da mulher
mastectomizada: o papel do parceiro sexual. Revista da Escola de
Enfermagem USP. v.38, n.3, 2004. p.262-9.
BIZZARI, M. A mente e o câncer: um cientista explica como a mente sabe e pode
enfrentar com sucesso a doença. São Paulo: Summus, 2001.
BLAND, K. I.; COPELAND, E. M. A mama. Tratamento compreensivo das doenças
benignas e malignas. São Paulo: Ateneu, 2000.
BLEIKER, Ema; HAHN, Dee; AARONSON, N. K. Psychosocial issues in cancer
genetics. Acta Oncol. v.42, n.4, 2003. p.276-86.
156
BOFF, L. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro:
Sextante, 2001.
__________. Ethos mundial: um consenso mínimo entre humanos. Rio de
Janeiro: Sextante, 2003.
__________. Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas.
Campinas: Verus, 2006.
BOFF, R. A.
Repercussões psicossociais associadas à terapêutica cirúrgica de
mulheres com câncer de mama. Dissertação (Mestrado em Saúde blica),
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
BRASIL.
Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa da Incidência
de Câncer para 2008 no Brasil e nas cinco Regiões. Agência de Notícias. s/d.
Disponível em: <http://www.inca.gov.br/inca/Arquivos/2ICCC/ApresentacaoEstimati
va 2008.ppt#271,10,Slide 10>. Acesso em: jan. 2008.
__________.
Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. País te mais de
460 mil novos casos no próximo ano. 26/11/2007. Disponível em: <http://
www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=1793>. Acesso em: dez. 2007.
BROMBERG, M. H. P. F.; KOVACS, M. J.; CARVALHO, M. M. M. J.;
CARVALHO, V. A. Vida e Morte laços da existência. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1996.
CAMARGO, T. C.; SOUZA, I. E. O. Atenção à mulher mastectomizada:
discutindo aspectos ônticos e a dimensão ontológica da atuação da enfermeira
no Hospital do Câncer III. Revista Lationoamericana de Enfermagem. v.11,
n.5, 2003. p.614-21.
CAMBUY; AMATUZZI; ANTUNES. Psicologia Clínica e Experiência Religiosa.
Revista de Estudos da Religião REVER. São Paulo, n.3, 2006. p.77-93.
CANCER SOCIETY. The history of cancer - Information sheet. Maio de 2003.
Disponível em: <http://www.cancernz.org.nz/Uploads/Historyofcancer.pdf>. Acesso
em: out. 2007.
157
CANNON, W. B. The Wisdom of the Body. New York: Appleton, 1932.
CANTINELLI. et. al. A oncopsiquiatria no câncer de mama considerações.
Revista de psiquiatria clínica. v.33, n.3, 2006. Órgão Oficial do Departamento e
Instituto de Psiquiatria Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo.
Disponível em: <http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol33/n3/124.html>. Acesso em:
jan. 2008.
CARROL, S. Psychological response and survival in breast cancer. Lancet. n.335,
2000. p404-6.
CARTA Encíclica do Sumo Pontífice Bento XVI aos Presbíteros e aos Diáconos, às
pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre a esperança cristã. Roma,
30/11/2007. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/
encyclicals/index_po.htm>. Acesso em: fev. 2008.
CARVALHO, M. M. M. J. Introdução à Psicooncologia. Campinas: Workshopsy,
1994.
CASTILHOS, W. O paradoxo do crescimento. Agência FAPESP, Rio de Janeiro,
27/11/2007. Disponível em: <http://www.saudeintegralecia.blog spot.com/>. Acesso
em: dez. 2007.
CASTRO, G. B. et. al. Ausência de óbitos por câncer de mama entre mulheres
indígenas residentes em Mato Grosso, Brasil, 2000: proteção ou sub-notificação?
Disponível em: <http://www.mcrc.com.br/ausencia.asp>. Acesso em: jan. 2008.
CATALAN, J. F. O homem e sua religião: enfoque psicológico. São Paulo: Paulinas,
1999.
CHAPADEIRO, C. A. et. al. Qualidade de vida de mulheres tratadas de câncer
de mama: funcionamento social. Revista Brasileira de Cancerologia. v.47, n.3,
2001. p.263-72.
CHITTOR, S.; SWAIN, S. Adjuvant Therapy in Early. Breast Câncer. American
Family Physician. v.44, n.11, 1991. p.11.
158
COCOLO, A. C.
De bem com o espelho
. Jornal da Paulista. UNIFESP. Ano 15, n.171, set. 2002. Disponível
em: <http://www.unifesp.br/comunicacao/ jpta/ed171/pesquisa6.htm>. Acesso em: dez.
2007.
COMSTOCK, G. W.; PATRIDGE, K. P. Church attendance and heath. Journal of Chronic Disease. v.25, 1972.
COOPER, C. L. et. al. "A prospective study of the relationship between breast cancer
and life events, type A behavior, social support and coping skills. Stress Medicine.
v.2, 1986. p.271-78.
CORBELLINI, V. L. Câncer de mama: encontro solitário com o temor do
desconhecido. Revista Gaúcha de Enfermagem. v.22, n.1, 2001. p.42-68.
COTRIM, M. A. A terapia genética do câncer. Disponível em:
<http:/
/www.ufv.br/dbg/BIO240/ac03.htm>. Acesso em: dez. 2007.
CRESPI, F. A experiência religiosa na pós-modernidade. Bauru, São Paulo: Edusc,
1999.
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à
fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001.
DAHLKE, R. A doença como linguagem da alma. São Paulo: Cultrix, 1992.
DALAI-LAMA. Ética do terceiro milênio. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
DASSUMPÇÃO, E. A. Suicídio endógeno - uma possível explicação para algumas
mortes em cirurgia plástica. Disponível em: <http://acadmedmg.org.br/
vs1/index.php?option=com_contentetask=vieweid=221eItemid=28
>. Acesso em: nov.
2007.
DE FLORIO, M.; MASSIE, M. J. A review of depression in cancer: gender
differences. Depression. v.3, 1995.
DEMICK, D. A. As mutações gênicas podem produzir mudanças positivas nos seres
vivos? Tradução de Lia Moura (Brasil). Eden Communications, 1999. Disponível em:
<http://www.christiananswers.net/portuguese/q-eden/genetic-mutations-p.html>.
Acesso em: dez. 2007.
159
DICIONÁRIO de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989.
DRAGESET, S., LINDSTROM, T. C. The mental health of women with
suspected breast cancer: The relationship between social support, anxiety,
coping and defense in maintaining mental health. Journal of Psychiatric and
Mental Health Nursing. v.10, 2003. p.401-409.
DUARTE T. P.; ANDRADE, N. A. Enfrentando a mastectomia: análise do
relato de mulheres mastectomizadas sobre questões ligadas à sexualidade.
Estudos Psicológicos. v.8, n.1, 2003. p.155-63.
DUFAULT, K. S. P.; MARTOCHIO, B. C. Hope, its spheres and dimension.
Nursing clinics of North American. v.20, n.2, 1985. p.379-91.
DURKHEIM, A. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Cultrix,
1971.
EISENBERG, A. L. A; KOIFMAN, S. "Aspectos gerais dos adenocarcinomas de mama,
estadiamento e classificação histopatológica com descrição dos principais tipos.
Revista Brasileira de Cancerologia. v.46, n.1, jan.-mar. 2000.
ELLERY, A. E. L. Aspectos Psicossociais do exame de mama: implicações num
outro olhar da prevenção do câncer de mama. Dissertação, Universidade Federal do
Ceará, Ceará, 2004. Disponível em: <http://www.teses.ufc.br/tde_busca/arquivo.
php?codArquivo=124>. Acesso em: dez. 2007.
ELIAS, A. C. T. de A. Programa de treinamento sobre intervenção terapêutica,
relaxamento, imagens mentais e espiritualidade para re-significar a dor espiritual de
pacientes terminais. Tese, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Ciências Médicas, São Paulo, 2005.
EMMONS, R. A. Sacred purposes: what they are and why they matter. Presidential
address. Psychology of Religion Newsletter. Disponível em: <http://www.apa.org/
divisions/div36/Newsltrs/v30n1.pdf>. Acesso em: fev. 2008.
ESPIN, O. O. A do povo: reflexões teológicas sobre o catolicismo popular. São
Paulo: Paulinas, 2000.
160
FAYED, L. The history of cancer. Disponível em: <http://cancer.about.com/
od/historyofcancer/a/cancerhistory.htm>. Acesso em: set. 2005.
FELLIPE JUNIOR, J. de. Câncer de mama. Associação Brasileira de Medicina
Complementar, 2004. Disponível em: <http://www.medicinacomplementar.com.
br/temaago07.asp>. Acesso em: dez. 2007.
FERNANDES, A. F. C. O cotidiano da mulher com câncer de mama. Fortaleza:
Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, 1997.
__________; MAMEDE, M. V. Câncer de mama: Mulheres que sobreviveram.
Fortaleza (CE): UFC, 2003.
FERRARO, K. F.; ALBRECHT-JESSEN, C. M. Does religion influence adult heath.
Journal for the Cientific Study of Religion, 1991.
FERREIRA, N. M. L. A. O câncer e o doente oncológico segundo a visão de
enfermeiros. Revista Brasileira de Cancerologia. 1996;42(3):161-70.
FOWLER, J. W. Estágios da fé: a Psicologia do desenvolvimento humano e a busca
de sentido. Rio grande do Sul: Sinodal, 1992.
FRANKL, V. A presença ignorada de Deus. São Paulo: Sinodal; Petrópolis; Vozes,
2003.
__________. Sede de sentido. São Paulo: Quadrante, 2004.
FRASER, A. Chapter 4 Breasts Beauty, Power And Desire. In: Dissecting The
Western Woman Artist; An Artist's Dialogue. Disponível em: <http://www.
aefraser.com/dtwwa/chapter4_breasts.htm>.
FUNDAÇÃO SEADE. Causas de morte no estado de São Paulo. Triênio 2003-2005.
Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/idr/download/ mortalidade.pdf >.
Acesso em: jan. 2008.
GALANTE-NASSIF, M. R. Vínculos afetivos e respostas ao estresse em pacientes
com câncer de mama. Tese, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
161
Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?
codArquivo=2782>. Acesso em: Fev. 2008.
GARBUGLIO, H. H. Estresse e câncer que relação é esta? Rudel Douglas Home
page. Disponível em: <http://paginas.terra.com.br/arte/rudeldouglas/stress_cancer.
htm>. Acesso em: fev. 2008.
GESCHÉ, A. Deus para pensar. São Paulo: Paulinas, 2004.
GIMENES, M. da G. G.; QUEIROZ, E. As Diferentes Fases de Enfrentamento
Durante o Primeiro Ano Após a Mastectomia. In: GIMENES, M. da G. G. (Org.). A
mulher e o câncer. Campinas: Editorial Psy, 1997. p.173-195.
__________. A mulher e o câncer. São Paulo: Editorial Psy, 1997.
__________. A pesquisa do enfrentamento na prática psico-oncológica. In:
CARVALHO, M. M. J. (Org.). Psico-oncologia no Brasil: resgatando o viver psico-
oncologia. São Paulo: Summus, 1998. p.232-46.
__________. A passagem entre a vida e a morte: uma perspectiva psico-espiritual
em cuidados paliativos domiciliares. São Paulo: Editora do Centro Universitário São
Camilo, 2003.
GIOVANETTI, J. P. Psicologia existencial e espiritualidade. In: AMATUZZI, M. M.
(Org). Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
GLOCK, C. Y.; STARK, R. Religion and Society in Tension. In: VALLE, E.
Psicologia e Experiência Religiosa. São Paulo: Edições Loyola, 1998.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio
de Janeiro: LTC, 1988.
GOLEMAN, D.; GURIN, J. Equilíbrio mente-corpo: como usar a mente para uma
saúde melhor. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
GOMES, R.; SKABA, M. M. V. F.;
VIEIRA
, R. J. S. Reinventando a vida:
proposta para uma abordagem sócio-antropológica do câncer de mama
feminina. Caderno de Saúde Pública. 2002; 18 (1): 197-204.
162
GONÇALVES, M. Religiosidade e depressão: perspectivas da psiquiatria
transcultural. São Paulo: Vetor Editora, 2004.
GRACIOLI, M. A. da S.; LEOPARDI, M. T; GONZALES, R. M. B. Assistência de
enfermagem a mulheres mastectomizadas com bases nos conceitos e pressupostos
de joyce travelbee. In: COSTENARO, Regina G. Satini. Cuidando em Enfermagem:
da Teoria à Prática. Rio Grande do Sul: Unifra, 2003. p.121-65.
GRADIM, C. V. C. Sexualidade de casais que vivenciaram o câncer de mama.
Tese (Doutorado em Enfermagem), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,
2005. Disponível em:
<
http://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/83/83131/tde-
12122005-103133/>. Acesso em:
dez. 2007.
GREER, S.; MORRIS, T. Psychossomatic. RS, 1975, 19:147.
GRIFFIN, E. G. A world without cancer:
the story of vitamin b17. In:
C
hapter four: The ultimate test. Publisher. Amer Media, 1996. Disponível em:
<http://www.vitaminb17.org/temp/hunza.htm >. Acesso em: jan. 2008.
GUNTHER, I. A.; MACHADO, S. S. Revisitando a saúde da mulher. Visão
patogênica à visão salutogênica de estresse. Universidade de Brasília, UNB.
Disponível em: <http://www.unb.br/ip/lpa/pdf/stress.pdf>. Acesso em: dez. 2007.
HAHN, R. C.; PETITTI, D. B. Cancer. 1988, 61: 845.
HARDWIG, J. Questões espirituais no fim da vida: um convite à discussão. O mundo
da Saúde. São Paulo, v. 24, n.4, p.321-4, jul/ago. 2000.
HECKERT, U. Psicodinâmica e Sacrodinâmica. Teoria e Pesquisa. Brasília, vol.18.
n.3, p. 359-360, Set/Dec. 2002.
HERBERT, T. B.; COHEN, S. Stress and illness. In: V. S. Ramachandran (Eds.).
Encylopedia of Human Behavior. San Diego: Academic Press, 1994.
HERTEL, H. Espiritualidade e crise existencial na vivência do câncer de mama.
Dissertação, Escola Superior de Teologia, Instituto Ecumênio de Pós-Graduação em
Teologia, Curitiba, 2006.
163
HIGHFIELD, M. F. Spiritual assessment across the ncer trajetory: methods and
refletions. Semi. Onco. Nurse, v.13, n.4, p.237-241, Nov. 1997.
HOCKENBURY
,
D.
H.;
HOCKENBURY
, S. E. Descobrindo a Psicologia. São
Paulo: Manole, 2006.
JAMES, W. Las variedades de La experiência religiosa: estúdio de La natureza
humana. Barcelona: Ediciones Península, 2002.
JASPARD, J. M. A natureza simbólica das representações religiosas. In: PAIVA, G.
J.; ZANGARI, W. (Orgs). A representação na religião. São Paulo: Edições Loyola,
2004.
KIERKEGAARD, S. A. Temor e tremor. O desespero humano. Coleção Os
pensadores. v. XXXI. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
KOENIG, H. et. al. Medicine and religion. The New England Journal of Medicine,
343: 1339-92, 2 Nov. 2000.
KOVÁCS, M. J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1992.
__________. et. al. "Avaliação da qualidade de vida em pacientes oncológicos em
estado avançado da doença. In: CARVALHO, M. M. M. J. et. al. Psicooncologia no
Brasil: resgatando o viver. São Paulo: Summus, 1998.
KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
KUNG, H. Teologia a caminho: fundamentação para o diálogo ecumênico. São
Paulo: Paulinas, 1999.
KURY, M. G. Heródotos. História. Brasília: Ed. UnB, p. 190-194, 1985. Disponível
em: <http://greciantiga.org/cie/pt/t-cie02b-3.asp>. Acesso em: dez. 2007.
LACOSTE, J. Y.; LOSSKY, N. . In: Dicionário critíco de teologia. São Paulo:
Paulinas-Loyola, 2004. p.718.
LANDINI, D. Biotecnologia - O Potencial da Prevenção e da Cura.
Revista do InCor, 04/98
164
LAWRENCE, R. T. Measuring the image of God. Journal of Psychology and
Theology, 24 (2), 214-226, 1997.
LAZARUS, R. S.; FOLKMAN, S. Estrés y processos cognitivos. Barcelona: Martinez
Rosa, 1986.
__________. Coping theory e research: part, present and future. Psychossomatic
Medicine, 55: 234-247, 1993.
LEAL, V. Variáveis psicológicas influenciando o risco e o prognóstico do câncer: um
panorama atual. Revista Brasileira de Cancerologia. 1993; 39(2):53-9.
__________. Histórico da inserção no tratamento oncológico [palestra]. Instituto
Nacional do Câncer. III, set. 2001.
LEHMAN, C. D. et. al. MRI evaluation of the contralateral breast in women with
recently diagnosed breast cancer. New England Journal of Medicine, 356 (13): 1295-
1303, 2007.
LESHAN, L. O câncer como ponto de mutação: um manual para pessoas com
câncer, seus familiares e profissionais de saúde. 3ª ed. São Paulo: Summus,
1992.
LEVIN, J. S. Religion and heath: is there an association, is it valid, and is it
causal? Soc. Scientific Medicine, 38 (11): 1475-82, 1994.
LIPP, M. N. Controle do estresse e hipertensão arterial sistêmica. Revista Brasileira
de Hipertensão. vol.14(2): 89-93, 2007. Disponível em: <http://departamentos.
cardiol.br/dha/revista/14-2/07-controle.pdf>. Acesso em: dez. 2007
__________. Estresse emocional: a contribuição de estressores internos e externos.
Revista de Psiquiatria Clínica, SP, v. 28, n.6, p. 347-349, 2001.
LOBO. et al. Crenças relacionadas ao processo de adoecimento e cura em mulheres
mastectomizadas: um estudo psicanalítico. Santa Casa de Misericórdia de Maceió -
SCMM - Brasil. Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo - Artigo.
Disponível em: <http://www.cepsic.org.br/revista/ v4n1a03.htm>. Acesso em: dez.
2007.
165
LOPES, A. B.; CARGIN, D.; WONDRACEK, K. A religiosidade encurvada. Disponível
em: http://www.cppc.org.br/textos/boletins/Religiosidade Encurvada .htm.
LOPES, C. Epidemiologia nutricional do cancro em Portugal. In: II Jornada
Internacional de Nutrição Oncológica.I Jornada Luso-Brasileira de Nutrição
Oncológica. 18 e 19 de Novembro de 2004. Instituto Nacional do Câncer. Rio de
Janeiro. 2004.p.5. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/rbc/n_50/v04/pdf/
evento.pdf>. Acesso em: dez. 2007.
MAKLUF, A. S. D. et al. Avaliação da qualidade de vida em mulheres com câncer da
mama. 2005. Revisão de literatura. Disponível em: <http://www.inca.gov.br
/rbc/n_52/v01/pdf/revisao2.pdf. >. Acesso em: jan. 2008.
MARTY, P. A psicossomática do adulto. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
MELLO FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
MELO, A. G. C.
Câncer de Mama - Aspectos Psicológicos e Adaptação
Psicossocial.
2002
. Artigo a ser incluído no livro do oncologista André M. Murad.
Disponível em: <http://www.cuidadospaliativos.com.br/artigo.php?cd Texto=56>.
Acesso em: jan. 2008.
MELTZER, D. Medo da Morte. In: KOVÁCS, M. J. Morte e desenvolvimento
Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1984.
MEYEROVITZ, B. E.
Psychosocial correlates of breast cancer and its
treatment. Psychology Bulletin,
1987;87:108.
MONAGHAN, Pauline. et. al. Breast cancer services a population-based study of
service reorganization. Journal of Public Health Advance Access published. March
4, 2005, p.1. Disponível em: <http://jpubhealth.oxfordjournals.org/cgi/reprint/
fdi003v1.pdf>. Acesso em: nov. 2007.
MONDONI, D. Teologia da Espiritualidade Cristã. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
MORAES, M. Câncer de mama: aspectos psicológicos. Revista Racine. São Paulo:
2006. p.80.
166
MORAES, M. C. O paciente oncológico, o psicólogo e o hospital introdução à
psicooncologia. Campinas: Editorial Psy, 1994.
MOREIRA, M. D.; MELLO FILHO, J. Psicoimunologia hoje. In: MELLO FILHO, J.
(Org.). Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. p.119-51.
NASCIMENTO-SCHULZE, C. M.; NASCIMENTO-SCHULZE, C. M. (Orgs.).
Dimensões da Dor No Câncer - Reflexões Sobre Cuidado Interdisciplinar. São Paulo:
Robe Editorial, 1997.
NILBURGS, H. E. Câncer Detection and Prevention. S.l., 1979.
NUNES, L. A. O Sentido de Coerência: operacionalização de um conceito que
influencia a saúde mental e a qualidade de vida. Dissertação (Mestrado em Saúde
Pública), Lisboa, fevereiro de 1999. Disponível em: <http://www.angelfire.com/ok/
soc/mestradotese.html>. Acesso em: jan. 2008.
ORMONT, L. R. Aggression and cancer in group treatment. Psychotherapeutic
Treatment of Cancer Patients. Goldberg J. (Ed.). New York: The Free Press, 1981.
p.207-27.
PAFARO, R. C.; MARTINO, M. M. F. Estudo do estresse do enfermeiro com dupla
jornada de trabalho em um hospital de oncologia pediátrica de Campinas. Revista da
Escola de Enfermagem. 38:152-160, 2004.
PAIVA, J. G. (Org). Entre necessidade e desejo: diálogos da Psicologia com a
religião. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
__________. Psicologia da religião, Psicologia da espiritualidade: oscilações
conceituais de uma (?) disciplina. In: AMATUZZI, M. M. Psicologia e
Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
PALOUTZIAN, R. F.; PARK, C. L. (Eds.). Handbook of the psychology of religion and
spirituality. New York, NY: Guilford, 1996.
PARGAMENT, K. I. The Psychology of Religion and Coping: Theory, Research,
Practice. Nova York: The Guilford Press, 1997.
167
PARKERS, C. M.
Luto: Estudos sobre a perda na vida adulta. Tradução de
Maria Helena Franco Bromberg. São Paulo: Summus, 1998.
PERKINS, K. A. Health Psychology. 4:337, 1985.
PESSINI, L. Saúde, Religião e Espiritualidde. O mundo da Saúde. São Paulo, ano
24, v. 24, n.6, nov/dez. 2000.
__________. Espiritualidade e a arte de Cuidar em Saúde. In: ANGERAMI, V.
Espiritualidade e Prática Clínica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
__________. Vida e Morte: uma questão de dignidade. Vida Pastoral , n. 245,
nov/dez 2005, ano XLVI, nov/dez 2005. p.7.
PETEL, L. A. Conhecimentos dos alunos do internato do curso de graduação em
medicina sobre detecção precoce do câncer de mama. Dissertação, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2006.
PETTINGALE, K. et. al. Mental attitudes to cancer: an additional prognosis factor.
Lancet . 1:750, 1985.
__________.
Psychological response to cancer diagnosis-1. Correlations with
prognostic variables. J Psychosom Res. 32:255-61, 1988.
PHYSICIANS COMMITTEE FOR RESPONSIBLE MEDICINE. Food choices for
health. 08/25/00 Disponível em: <http://www.cancerproject.org/diet_cancer/
facts/factors.php>. Acesso em: jan. 2008
PIETRUKOWICZ, M. C. L. C. Apoio social e religião: uma forma de enfrentamento
dos problemas de saúde. Dissertação, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de
Saúde Pública, 2001.
PRADO, A. Poesia Reunida. São Paulo: Editora Siciliano, 1991.
PRATES, L. S. Fé e revelação: uma aproximação teológica. In: XAVIER; SILVA
(Orgs.). Pensar a fé teologicamente. São Paulo: Paulinas, 2007.
QUILICI, M. Psiconeuroimunologia. 2001. Disponível em: <http://br.geocities.
com/piripaq/doctos/PSICONEUROIMUNOLOGIA.doc>. Acesso em: fev. 2008.
168
QUINTANA, M. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&M, 1980.
__________. et. al. Negação e estigma em pacientes com câncer de mama. Revista
Brasileira de Cancerologia. Rio de Janeiro, v. 45, n. 4, p. 45-52, 1999.
RAMIREZ, A. J.; RICHARDS, M. A.; JARRET, S. R.; FENTIMAN, I. S. Can mood
disorder in women with breast cancer be identified preoperatively? British Journal of
cancer. 72(6),1509-1512, 1995.
RIBEIRO JR., W. A. Índice de traduções. Portal Graecia Antiqua. São Carlos, 2007.
Disponível em: <http://greciantiga.org/exp/lng06-1.asp>. Acesso em: 03.02.2008.
ROSSI, L.; SANTOS, M. A. Repercussões psicológicas do adoecimento e
tratamento em mulheres acometidas pelo câncer de mama. Psicologia Ciência
e Profissão. 23(4), 32-41, 2003.
ROWLAND, J. H.; MASSIE, M. J. Breast Cancer. In: HOLLAND, J. C. (Ed.).
Psycho-oncololgy
. New York: Oxford University Press, 1998. p.380-401.
RYAN, C. Estresse dobra risco de câncer de mama, diz pesquisa. BBC Brasil. 24 de
setembro de 2003. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/
ciencia/story/2003/09/030924_breastg.shtml>. Acesso em: jan. 2008.
RZEZNIK, C.; DALLAGNOL, C. M. (Re) descobrindo a vida apesar do câncer.
Revista Gaúcha de Enfermagem. 21 (n.esp):84-100, 2000.
SAAD, M.; MASIERO, D.; BATTISTELLA, L. R. Espiritualidade baseada em
evidências. Acta Fisiátrica. 8 (3): 107-112, 2001.
SANTANNA, D. B. A mulher e o câncer na história. In: GIMENES, M. G. G. (Org.). A
mulher e o câncer. São Paulo: Editorial Psy, 1997. p.43-70.
SARAGLOU, V. Spiritualité moderne: um regard de psychologie de la religion In:
PAIVA, J. G. (Org). Entre necessidade e desejo. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
SCHÁVELSON, J. Sobre psicossomática e câncer. In: MELLO FILHO, J. (ed.).
Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992 . p.273.
SCHILLER, P. A vertigem da imortalidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
169
SCHLEIFER, S. J.; KELLER, S. E. JAMA. 250:374, 1983.
SEGATTO, C. O câncer é hereditário? Época. Sociedade. Ed. 508 - 11/02/2008.
Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,E DG74632-
6014,00.html >. Acesso em: fev. 2008.
SELYE, H. Stress, a tensão da vida. São Paulo: Ibrasa, 1965.
SEMINÁRIO SOBRE SAÚDE PREVENTIVA. Importância da saúde preventiva e das
informações sobre sintomas de doenças. Incidência de câncer no Estado. Comissão
de Saúde e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul..
Reunião de 26/05/1999. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/Com/comissa
.asp?id_comissao=11&id_tipocomissao=1&id_comitem=reu&id_transcricao=653&ver
_reunioes=sim>. Acesso em: fev. 2008.
SHAFIR, E.; TVERSKY, A. Thinking Through Uncertainty: Nonconsequential
Reasoning and Choice Cognitive Psychology. 24, 449-474, 1992.
SHEKELLE, R. B. et. al. Psychological depression and 17-year risk of death from
cancer. Psychosomatic Medicine. 43(2):117-125, 1981.
SILBERFARB, P. M. Mood na clinical status in patient with multiple myeloma. Journal
Clinical Oncology. n.9, p.2219-2224, Dec. 1991.
SILVA, M .J. P. O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde.
Bioética. 10(2), 73-88, 2002.
SILVA, R. M.; MAMEDE, M. V. Conviver com a Mastectomia. Fortaleza:
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal Ceará, 1998.
SONTAG, S. A. Doença como Metáfora. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1984.
SPINK, M. J.; GIMENES, M. da G. G. Práticas discursivas e produção de sentido:
apontamentos metodológicos para a análise de discursos sobre a saúde e a doença.
Saúde e Sociedade. 3 (2): 149-171, 1994.
__________. Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano. São Paulo:
Cortez; 1999.
170
TAVARES, J. S. C; TRAD, L. A. B. Metáforas e significados do câncer de mama na
perspectiva de cinco famílias afetadas. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro,
21(2):426-435, mar-abr. 2005.
TERRIN, A. N. O sagrado off limits: a experiência religiosa e suas expressões. São
Paulo: Loyola, 1998.
THOULESS, R. H. An introduction to the Psychology of Religion. In: VALLE, E.
Psiclogia e experiência religiosa. São Paulo: Edições Loyola, 1998.
TILLICH, P. Dinâmica de la fé. Buenos Aires: La Aurora, 1976.
UEZ, M. E. Câncer de mama: imagem corporal e envelhecimento feminino.
Dissertação (Mestrado em Gerontologia Biomédica), PUC-RS, Rio Grande do Sul,
2006.
VALLE, E. J. Psicologia e experiência religiosa: estudos introdutórios. São Paulo:
Edições Loyola, 1998.
__________. Religião e Espiritualidade: um olhar psicológico. In: AMATUZZI, M. M.
(Org). Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
VENÂNCIO, J. L. Importância da Atuação do Psicólogo no Tratamento de Mulheres
com Câncer de Mama. 2004. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/
rbc/n_50/v01/pdf/revisao3.pdf>. Acesso em: jan. 2008.
VERGOTE, A. O fim do sagrado. In: CATALAN, J-F. O homem e sua religião. São
Paulo: Paulinas, 1998.
__________. Psicologia Religiosa. In: VALLE, E. Psicologia e experiência religiosa.
São Paulo: Edições Loyola, 1998.
VIANNA, A. M. S. A. Avaliação psicológica de pacientes em reconstrução de
mama: um estudo piloto. Estudos de Psicologia. Campinas, 21(3),203-210,
set/dez. 2004.
VIEIRA, C. P. et. al. Sentimentos e experiências na vida das mulheres com câncer
de mama. 2005.Artigo em revisão. Revista da Escola de Enfermagem da USP 2008.
171
Disponível em: <
http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/719.pdf
>. Acesso em: dez
2007.
WANDERLEY, K. da S. Aspectos Psicológicos do Câncer de Mama. In: CARVALHO,
M. M. M. L. Introdução à Psiconcologia. Campinas: Editorial Psy, 1994. p. 95-101.
WASLHE, W. A. Nature of treatment of cancer. Londres: Taylor & Watson, 1846.
WATSON, M. et. al. Influence of psychological response on survival in breast cancer:
a population-based cohort study. Background. The Lancet. 1999 Oct 16; 354
(9187):1320. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10533861?
ordinalpos=2&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubme
d_RVDocSum>. Acesso em: jan. 2008.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Cancer: fact sheet 2006. Disponível em:
<http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs297/en/index.html>. Acesso em: jun
2007.
YUNES, R. Testes genéticos. para quem e para quê? Carta Capital. Edição 319. Ano
XI . 24/11/2006. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/2004/12/ 1831/>.
Acesso em: dez. 2007.
172
ANEXOS
ANEXO 1 QUESTIONÁRIO
HOSPITAL X
SERVIÇO DE PSICOLOGIA CLÍNICA_____________ P.No. ________
DADOS DA PACIENTE
Idade: ____________
Telefone: ________________________
Profissão: _______________________
Estado civil: Casada ( ) Solteira ( ) Divorciada ( ) Viúva ( )
Convive com a outra pessoa ( ) Há quanto tempo ? ____________________
Número de filhos: _______________Genetograma: __________________________
Moram com quem ? _____________________________
Saíram de casa ? _____________ Quando saíram ? _____________________
Como foi isso ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Escolaridade: ____________________________
Religião: _______________________________ Praticante: ( ) sim ( ) não
Há quanto tempo ? _______________________
Teve outras religiões na vida ? ( ) sim ( ) não
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Por quanto tempo ? _______________________
Por que mudou para esta nova religião ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Data da realização da cirurgia: ____/___/_____
Tipo de cirurgia:
( ) mastectomia na mama ( ) direita ( ) esquerda ( ) bilateral
( ) quadrantectomia na mama ( ) direita ( ) esquerda
Estadiamento do câncer:
( ) I ( ) II ( ) III ( ) IV
Tratamento adjuvante:
Radioterapia início: ___/____/____ término ____/____/____
( ) pré-operatório ( ) pós-operatório
173
Quimioterapia início: ___/__/____ término ____/____/____
( ) pré-operatório ( ) pós-operatório
Hormonioterapia: início: ___/___/___ término ____/____/____
( ) pré-operatório ( ) pós-operatório
1- Histórico de vida (antecedentes pessoais; relacionamentos: familiar, afetivo, vida
sexual, social, profissional, religiosa, etc.).
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
2- Circunstâncias de vida nas quais se desenvolveu a doença.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
3- Como a paciente encara o seu diagnóstico ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
4-Quais as reações frente ao mesmo ?
( ) negação ( ) dúvidas ( ) resignação
( ) aceitação ( ) raiva ( ) culpa
( ) outros Quais ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5- O que você achou da forma como foi informada sobre o seu diagnóstico ?
Comente.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6- Quem está acompanhando a paciente durante o tratamento ?
(familiares, amigos, etc..)
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7- Como a paciente percebe a origem de sua doença ?
( ) um castigo ( ) resultado da falta de cuidado consigo
( ) decisão de Deus ( ) responsabilidade de outra pessoa
( ) uma forma de aprender algo ( ) processo natural de envelhecimento
Comentários:
___________________________________________________________________
174
8- Como percebe a doença a nível corporal ?
( ) fora do corpo ( ) dentro do corpo, mas isolada dos afetos
( ) no corpo e acompanhada dos afetos correspondentes
Comentários: ________________________________________________________
9- Qual a relação da paciente com a parte doente ? Qual (is) o (s) significado (s) ?
Qual a representação simbólica do órgão afetado, quais as associações que faz ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
10- Fantasias acerca da doença, da reação dos amigos, familiares .
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
11- Como você percebeu que estava com caroço na mama ?
( ) apalpando a mama ( ) porque apareceu uma lesão na pele
( ) não percebeu diretamente, foi o medido quem diagnosticou
( ) de outra forma. Qual ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
12- Descreva três sintomas principais que você teve:
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
13- Descreva com uma palavra o que você sentiu quando recebeu o diagnóstico de
câncer de mama ?
____________________________________________
14- O que tem sido mais difícil para você depois do diagnóstico ?
( ) conviver sem a mama ( ) medo de morrer ( ) ser discriminada
( ) outra coisa. O que ? __________________________________________
15- Defina com 3 palavras o que mudou em sua vida após o diagnóstico da
doença;
1- _________________________________
2- _________________________________
3- _________________________________
16-Como está sendo para você passar por tudo isto ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
175
17- O que tem ajudado você a passar por tudo isto ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
18- Descreva os prós e os contras desse período na sua vida .
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
19- Você crê em Deus, um ser Superior, o Universo ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
20- O que esta crença faz na sua vida atualmente ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
21- E foi sempre assim? Você sempre pensou dessa forma ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
22- O que você recomendaria para alguém que vai passar ou está passando pelo
mesmo momento que você está ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
23- O que isto tem a ver com você ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
24- Foi sempre assim ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
25- O que isto tem a ver com você ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
176
26- O que ajuda você a manter viva este sentido/ esperança ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
27- Qual a importância desta esperança neste momento da sua vida ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
28- O que vem a sua cabeça quando falo as palavras: enfrentando a doença ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
29- O que isto tem a ver com o que você está vivendo ? O que você tem feito acha
que está resolvendo ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
30- Isto tem a ver em como está enfrentando o tratamento e a doença ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
31- Tem resolvido ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
32 Fala sobre morte ? Como vê este tema ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
177
ANEXO 2 QUESTIONÁRIO
HOSPITAL X
SERVIÇO DE PSICOLOGIA CLÍNICA_____________ P. No. ________
DADOS DA PACIENTE
Idade: __________________________
Telefone: ________________________
Profissão: _______________________
Estado civil: Casada ( ) Solteira ( ) Divorciada ( ) Viúva ( )
Convive com a outra pessoa ( ) Há quanto tempo ? _________________
Número de filhos: ______________Genetograma:
Moram com quem ? _____________________________
Saíram de casa ? _______________ Quando saíram ? _____________________
Como foi isso ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Escolaridade: ___________________________
Religião: _______________________________ Praticante: ( ) sim ( ) não
Há quanto tempo ? ______________________
Teve outras religiões na vida ? ( ) sim ( ) não
Por quanto tempo ? ___________________________
Por que mudou para esta nova religião ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Data da realização da cirurgia: ____/___/_____
Tipo de cirurgia:
( ) mastectomia na mama ( ) direita ( ) esquerda ( ) bilateral
( ) quadrantectomia na mama ( ) direita ( ) esquerda
Estadiamento do câncer:
( ) I ( ) II ( ) III ( ) IV
Tratamento adjuvante:
Radioterapia início: ___/____/____ término ____/____/____
( ) pré-operatório ( ) pós-operatório
178
Quimioterapia início: ___/__/____ término ____/____/____
( ) pré-operatório ( ) pós-operatório
Hormonioterapia: início: ___/___/___ término ____/____/____
( ) pré-operatório ( ) pós-operatório
1) Circunstâncias de vida nas quais se desenvolveu a doença .
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
2) Quais foram as suas reações emocionais diante do diagnóstico ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
3) Como você percebe a origem de sua doença ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
4) Qual (is) o (s) significado (s) da doença para você ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5) O que você pensou sobre a reação dos seus familiares e amigos frente à sua
doença ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6) O que mudou na sua vida com o diagnóstico de câncer da mama ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7) O que tem ajudado você a lidar com o diagnóstico, os tratamentos ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
8) No momento do diagnóstico, qual a sua relação com a fé ? Esta relação sofreu
alguma mudança daquele momento em diante ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
9) Como a espiritualidade pôde ajudar você nesse período da sua vida ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
10) O que vem a sua cabeça quando falo a palavra Deus ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
179
11) O que você recomendaria para alguém que fosse vivenciar, ou que esteja
vivenciando essa mesma experiência com a doença ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
12) O que é a morte para você ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
180
ANEXO 3 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
CÓDIGO DE IDENT.
________________
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
EU,________________________________________________________________,
concordo em participar da pesquisa: Espiritualidade e qualidade de vida em
pacientes portadoras de câncer da mama.
Fui informada que:
- fui selecionada por meio do meu prontuário que encontra-se nesta unidade de
saúde -;
- que todas as informações que serão por mim fornecidas para esta pesquisa serão
utilizadas unicamente para os fins acadêmicos desta pesquisa;
- e que a utilização acadêmica dos dados será para o benefício da comunidade,
sendo veículo de informação tanto aos profissionais em geral, bem como a
comunidade para uma melhor compreensão de nossas vivências em relação a esta
doença.
Recebi também a informação de que posso interromper minha participação nesta
pesquisa a qualquer momento se assim achar necessário;
E que tenho direito a não responder quaisquer perguntas que não desejar, sem
prejuízo ao meu vínculo com a instituição e/ou com a pesquisadora.
Qualquer informação ou dúvida me será fornecida agora e a qualquer momento.
Contato: (13) 9772-1562
Declaro que li e compreendi as informa
ções fornecidas.
________________________________________________.
181
ANEXO 4 ENTREVISTAS REALIZADAS
As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas literalmente. Em
negrito está a fala da pesquisadora, e grafado normalmente a fala da paciente-
voluntária.
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 1
IDENTIFICAÇÃO DA PACIENTE: P1
P1, 54 anos, divorciada há 11 anos, dois filhos: um homem de 30 anos casado há
5 anos, saiu da faculdade e em seguida casou-se, vai ser pai agora; uma mulher de
28 anos que mora com a paciente possui curso universitário, professora, segue a
religião espírita desde a infância, o é praticante e foi católica. Diagnóstico: em
fevereiro de 2005; Data da cirurgia: 16/3/2006 - mastectomia da mama esquerda;
Fez radioterapia e quimioterapia (pós-operatório), radioterapia: 20/11/06 término:
27/12/06, Quimioterapia: abril/06 término: outubro/06.
Quando você recebeu o diagnóstico, como estava a sua vida naquele
momento?
Bom, minha vida tava muito agitada como falei para você né. Trabalhar em 3
4 escolas, então praticamente o tinha tempo assim para me dedicar a mim
mesma né. Não tinha uma hora certa para se alimentar, então era aquela,
aquela correria. Correria que praticamente, eu acho que isto que veio
acontecer - isto com a minha saúde né. Não ter horário para se alimentar, não
ter horário pra, vai ... almoçar às quatro da tarde, às cinco horas da tarde.
Depois vai jantar meia noite, uma hora da manhã. Eu acho que isto aí que,
minha vida estava agitada neste sentido, no sentido profissional.
A nível pessoal, como estava a sua relação com os amigos, filhos... Você ainda
estava casada? Como você vê este aspecto?
Eu já estava afastada né. Tem onze anos que eu me separei do meu marido.
Com meu filho a relação estava ótima, com meus amigos eu tinha contato
na escola mesmo. Vida social assim não tinha, o tinha mesmo social. Com
aquele trabalho tão desgastante, ficava sem tempo para você. Chega sábado e
domingo tinha que dar um jeito na casa: fazer isto, fazer aquilo. A minha vida
social estava muito vazia, mas a vida familiar, meus filhos estava (...).
Nesta época seu filho morava com você?
Não. Meu filho já estava casado. Foi no ano passado né. Mas meu filho não sai
de casa. Sempre está em casa, acompanhando, vendo eu e a irmã; sabendo o
que está apitando. Graças a Deus a gente tem uma relação assim muito
bacana.
E ele ficou muito preocupado com tudo. Tanto ele quanto minha filha, ficaram
muito preocupados: quiseram me levar, me acompanhar. Meu filho então, foi
muito carinhoso comigo: mãe vou com a senhora, vai precisar de mim. Eu
trabalho até uma hora, depois de uma hora, eu vou levar você... Tomamos uma
chuva neste dia, uma chuva, chegamos molhados no consultório. Ele subiu
conversou com o Dr. : o que minha mãe tem, por favor, o que minha mãe tem?
É alguma coisa grave? Graças a Deus esta relação de família é muito boa.
182
É importante para você esta relação?
Muito importante, muito importante. Se não tivesse tido essa ajuda, ou se não
tivesse junto comigo, acho que seria muito difícil.
Neste momento da sua vida, você já tinha esta religião - espírita? Mudou
alguma coisa na sua relação com a religião neste momento em que você
recebeu o diagnóstico?
Não. Acho que mudou sim. Eu pedi mais força, né! Que me desse mais força,
mais coragem para mim poder superar esta fase difícil da minha vida. Mais
uma fase difícil da minha vida. Que não me deixassse! Pedi muita ajuda, sabe
aos orixás, almas bendita, né. Que me desse forças para mim superar esta
fase, que era uma coisa que eu não sei o que iria acontecer né !! Tanto poderia
dar certo, como poderia não dar. Mas eu me agarrei muito mais. Acho que
minha fé aumentou mais.
Aumentou mais. E você ao pedir esta força, acreditando nesta força... Você
acha que foi atendida?
Graças a Deus fui atendida sim. Analisando outras pessoas, outros casos com
pessoas assim na mesma situação que eu passei ..... Ainda ,minha filha
fala: mãe, a senhora tem muita fé. A senhora reza muito. Sua oração é
simples, mas Deus aceita as suas orações. A senhora tem muita fé, por isso as
coisas não ficam tão difícies. Será filha ? - É mãe.
Então você começa a analisar outras pessoas, outras pessoas com o mesmo
sintoma ou a mesma situação. Têm uma reação diferente que o outro. Tem
gente até que morreu, !! Então eu penso que é isto, que se você não se
agarrar em alguma coisa, alguma força, você fica muito vazio, muito sem fé,
sem fé.
Quem te acompanhou desde o dia do teu diagnóstico e durante o tratamento?
Minha irmã e minha filha, meu filho. Minha irmã esteve muito doente. Então
tudo o que eu puder fazer dentro do meu limite, com a minha irmã, eu faço. Por
que ela estava comigo no dia do meu diagnóstico, com meu filho.
Foi minha irmã com meu filho. Minha tia também me acompanhou. Então foi
muito importante para mim, por não receber aquela notícia sozinha, sabe ?
Tinha alguém alí para dividir comigo. A minha irmã perguntou para o médico:
Mas é maligno doutor ? Não tem perigo ? Minha irmã vai fazer cirurgia ? O
doutor disse que não precisava se preocupar: ela vai fazer a cirurgia direitinho.
Mas é maligno.
Então eu acho que foi muito importante.
E o tratamento como foi? Você sabia o que era quimio e o que era
radioterapia?
Não sabia. A gente escuta falar né. Mas a gente não tem aquela noção do
que é. Eu comecei a me informar pelo médico. Ele falou: olha você vai fazer a
cirurgia, depois da cirurgia, vai passar uns dias e vai fazer quimioterapia. Aí ele
me explicou o que é quimioterapia. Tinha que fazer a quimioterapia. Reação,
muitas vezes eu poderia ter uma reação negativa: enjoar, vomitar, passar mal,
né. Mas era uma coisa necessária. Cada um teria uma reação, um tipo de
reação.
183
Você chegou a ter reação?
Eu tive .... A quimioterapia era hoje. Dois dias eu ficava bem, mas no terceiro
dia ficava mal, mal, mal mesmo. Dava aquela moleza no corpo. A cabeça
parece que crescia. Aquela ânsia de vômito. Tudo tava ruim. A água tava ruim.
Para se alimentar era um horror. Aí minha filha comprou água de côco. Eu
tomava, mas eu não gosto de água de côco.Tinha que tomar para não ficar
fraca, né !! Minha filha fazia sopa e eu dizia: filha eu vou comer dentro do
meu limite.Não vou forçar, porque depois eu passo mal. E passava mal: ficava
uns três, quatro dias, ruim, depois passava.
Sua irmã lhe acompanhou, seus filhos também. E neste momento que você
sabia o que era quimio e as reações. O que isto fazia você sentir, quando você
via que nada estava confortável: estas náuseas, comer sem sentir o sabor das
coisas... Como você se sentia?
Eu me sentia mal. Mas à cada vez eu reforçava e pedia a Deus, entendeu ?
Depois passava o medo. Se é uma coisa necessária que eu vou ter que
passar, me dê forças para eu passar. Não adiantava eu desistir, né ?
Você pensou em desistir?
Nunca. A minha foi a mais forte: a vermelha. Então era uma vez por mês. Eu
pedia a Deus só que desse força para que eu não desistisse, continuasse
aquele tratamento mesmo que chateada, mesmo que dolorido: aquela ânsia de
vômito, aquela coisa ruim, aquele calor. A cabeça parecia que carregava uma
melancia, sabe !! Eu procurava ficar quietinha no meu quarto. Minha filha ligava
o ventilador e ficava alí, perto de mim e falava: qualquer coisa a senhora me
chama, mãe. Eu estou aqui. Mãe, a senhora está bem ? A senhora quer água,
a senhora quer isto, aquilo ? Mas foi difícil passar. Mas eu conseguí. Eu acho
até que a quimioterapia me judiou um pouco, mas acho que a radio me judiou
muito mais.
Porque te judiou?
Porque eu ficava mal. Assim, parecia que aquele mal estar, parecia que ia
desmaiar, sabe ? Além de queimar o seu corpo todinho. Você fica uma coisa,
uma ânsia. Eu passei mais mal na radio do que na quimio, sabe? Aquela coisa
mole, aquela coisa ruim, aquela dor no estômago, aquela ânsia, sabe?
Você tinha ânsia, mas eu acho que a radio me judiou muito mais; porque não é
líquido, é a radio e só. Um tipo de uma queimação... Mas ela me judiou.
Quando você achou que fosse uma coisa necessária, como o médico lhe falou,
mas você começou a se sentir judiada, você chegou a ter algum tipo de
conversa com Deus, como: porquê isso comigo? Me ajuda então? O que está
acontecendo, não dá para diminuir um pouco isso? Alguma conversa assim?
Chegava lá na radio e perguntava para as pessoas, se elas estavam sentindo a
mesma coisa que eu. Perguntava para a enfermeira se era normal sentir aquilo:
aquele mal estar, aquele braço inchado, pesava, sabe ? Parecia que o braço
inchava, mas ela dizia que não; que era normal, e que a maioria das pessoas
sentia isso. Então eu pedia para Deus, forças. Forças para conseguir me tratar.
Na radio tinha muita gente que desistiu, não ia mais, se afastou, abandonou o
tratamento...
184
Você começa a queimar, porque eles passam uma tinta... você fica com o
corpo todo pintado. Sai na rua e as pessoas ficam olhando aquilo, sabe? E
aquilo não era bom, porque eu estava na fase da menopausa. eu usava a
minha roupa normal... quem quisesse olhar, que olhasse, né? Mas é aquele
desespero... Deus me dê forças, me coragem, meu Deus... me dê forças
para continuar o tratamento. Sei que está difícil, mas me dê forças... E graças à
Deus eu ia.
Como você percebe a origem da doença: acha que foi um castigo de Deus,
uma decisão dele? Foi o resultado da falta de cuidado com você mesma? É
responsabilidade de uma outra pessoa? É natural do processo normal de
envelhecimento ou uma forma de você aprender algo?
Acho que uma forma de aprender algo. Sabe, acho que para te deixar mais
alerta, né!! Começar a dar valores a situações que você não dava, ter uma
alimentação melhor, procurar sair, ter uma vida social, sabe? Viver, não
trabalhar. Acho que você pode fazer muita coisa além de trabalhar, !! Pode
deixar um dia: um sábado para você sair, passear, ver lojas, vitrines,
conversar com as pessoas... Não ficar aí, no trabalho... trabalho... A vida
passa e você não faz nada.
E esta forma de aprender algo, tem alguma coisa a ver com a sua religião?
Eu acho que sim. Eu acho que sim. Porque você começa a ter uma visão
diferente, não é? Você começa a valorizar mais, não é? Então para você se
realizar mais, você tem que olhar para você, não é? Para dentro de você, o que
estou fazendo de errado? E acho que a religião que te mostra: você esta
fazendo isto, isto e aquilo. Eu penso assim, eu acho que esta doença, por
mais... estou tendo uma alimentação certinha, sabe. Eu penso assim, se eu
tivesse um horário para comer, de meio dia almoçar, quatro horas tomar café,
sete horas ou oito horas você jantar, que o certo seria isto, não é?
Mas você almoçar cinco horas da tarde e você janta a meia noite, uma hora.
Você decidir meia noite, uma hora se você janta ou vai dormir? O que eu faço?
Porque amanhã vou ter que levantar quatro e meia, e não vai dar tempo se eu
jantar agora, é uma hora, vou dormir duas horas, quatro e meia vou ter que
levantar. Então o que fazia? Deixava de jantar para dormir. Isto, quanto tempo
eu fiz isto? E a gente já está com certa idade, o corpo da gente vai sendo
diferente, não é? As exigências, então eu penso isto, talvez, que a minha filha
fala: mãe, você vai querer se aposentar? Quero sim. A senhora vai voltar a
dar aula? Filha, eu falei: filha eu gostaria de fazer outra coisa na minha vida,
não queria ter mais aquela vida corrida, sabe. Eu quero trabalhar assim: não
quero me aposentar e ficar sentada, não. Eu quero fazer alguma coisa na
minha vida, mas quero fazer uma coisa que me dê prazer, sabe.
Mas você só tem obrigação, obrigação, obrigação, não é? Então eu, eu peço a
Deus: ai meu Deus, eu quero me aposentar sim, porque eu quero fazer alguma
coisa na minha vida, alguma coisa que me dê prazer. Que eu faça uma coisa
com satisfação nem que no..., Você vá trabalhar só de manhã ou trabalhar só à
tarde. Trabalha um período só e acabou. Não precisa ficar ali, não é. De
manhã, de tarde, de noite, de manhã, de tarde, de noite; porque você tem que
pagar isto, pagar aquilo. Eu acho que a minha vida também mudou muito
assim, tanto eu como minha filha, eu falei oh! Depois que eu fiquei doente,
minha filha pediu a conta lá na Prefeitura, eu falei:filha, a vida da gente vai
185
mudar muito, não sei se eu vou poder pagar, continuar pagando sua faculdade.
Porque eu estando doente, você saiu do emprego, o meu salário caiu, alguma
coisa a gente vai ter que abrir mão e graças a Deus, eu penso, como eu falo
para ela, você vai, se Deus quiser você vai arrumar um serviço melhor. Você
vai voltar para a faculdade, mas só que no momento, o dá: ou a gente se
alimenta, cuida da casa, ou vai pagar a faculdade. O dinheiro só para fazer
uma coisa. Você vai ter que abrir mão de alguma coisa. Graças a Deus, minha
filha se afastou da faculdade, se tiver um dinheiro guardado, não é, e..., e isto
já ajudou porque como você vai fazer: vai deixar de comer para fazer, para
pagar a faculdade e agora eu tenho que ter uma alimentação, remédio. Apesar
de que eu peço o remédio aqui, mas tem remédio que eu tenho que comprar
com meu dinheiro. Então você tem que abrir mão de alguma coisa...
Anos atrás, eu acho que abriria mão de me tratar para poder pagar a faculdade
dela. Eu acho que muita coisa na minha vida mudou..., a situação desta
doença me deu bastante força para melhor.
Para melhor?
Melhor.
E como você percebe esta doença a nível do seu corpo? Você a percebe fora
de seu corpo, dentro de você, mas isolada de afeto, sentimentos em você, mas
acompanhada de afeto e sentimento.
Sentimentos que você fala, sentimentos negativos?
Ou positivos, quaisquer que sejam.
Eu acho que uma coisa que está dentro de mim. Mas eu acho que os
sentimentos negativos que eu tive em minha vida. Acho que já passou tanto
tempo que tenho um pouquinho de culpa. Tudo bem, mas eu acho que é uma
coisa que tinha que acontecer, eu acho que...
Tinha que acontecer? Então voacha que Deus determinou isto para você
ou você acha que é independente disso?
Independente disso. Nada a ver com determinação de vida. Eu acho que não...
Deus só quer as coisas boas para a gente não é.
Como é que Deus deseja que as pessoas se matem, que as pessoas fiquem
doentes ?
Eu acho que não. Eu acho que Deus é uma coisa boa. Eu acho que a gente
tem um pouquinho de culpa nisto.Não é no nosso tratar. Então eu acho que
Deus não tem a ver não. Deus move montanhas... Acho que Deus
oportunidades de você... Como se alguma coisa na sua vida vai ter que mudar.
Você não vai poder continuar a mesma situação que você tinha antigamente,
porque se não servir para você, você não fica bem se você não quer, as coisas
acontecem. Eu gostaria de não ter ficado doente não é, mas aconteceu, Deus...
Porque Deus tem dado forças para eu ver minha vida, mudar, ter uma noção
diferente, tomar outra atitude, não seguir o mesmo caminho, não é. Às vezes
acontece alguma coisa na sua vida e que não te serve para nada, você
continua fazendo as mesmas coisas e você não percebe que tem que mudar,
eu acho que é isso.
186
E hoje, como você encara ter retirado uma parte do seu corpo, o seio? E
quando teve que retirá-la como você encarou?
Eu fiquei meio chateada não é. Você fica. Você fica pensando o que vai ser da
minha vida daqui por diante, não é? Você pensa: você vai morrer, não vai
morrer.O que vai mudar na sua vida não é ? Mas no momento em que o
médico falou: então você sabe o que é preciso fazer? Eu acho que tem que
fazer Doutor, faça se acha que é necessário. Então ele falou: eu posso fazer
um quadrante, você quer que eu faça um quadrante ou que retire o seio?
Perguntei a ele, o que é um quadrante? É só retirar o nódulo, como é?
Você vai ficar com o seio, se eu fizer um quadrante, mas daqui à um ano, você
vai voltar a ter problema. Você vai voltar aqui e eu vou ter que fazer outra
cirurgia para retirar o seu seio, o que você acha?
Falei: - Doutor, se o senhor acha que eu vou tirar o quadrante e vou voltar a ter
problema daqui a um ano, então, se é necessário tirar o seio, então tire. Ele
ainda falou:
- Você está sabendo o que vai acontecer com você?
- Estou sabendo, estou sabendo, ele me explicou, me orientou: em vários
clientes que eu fiz quadrante, hoje estão voltando.
E era verdade, porque lá fora, na espera... tinha uma moça que já tinha tido.
Já tinha feito o quadrante.Tinha voltado e já tinha duas situações naquele
mesmo seio. Ela falou que o Doutor... falou para voltar agora e acho que vou
ter que tirar. Então falei: o doutor é médico não é, para saber. Eu não quero
problema daqui a um ano e ter que voltar para fazer outra coisa como eu falei.
Ele falou que eu tinha o direito de fazer uma cirurgia para ter o seio de
novo.Então eu quero voltar para fazer isto, para fazer outra coisa não.
E hoje como é para você estar convivendo sem o seio. O que você pensa
sobre isto?
Ah !! Às vezes eu fico meio triste e falo para minha filha: Arrumar um
namorado. Já pensou em arrumar um namorado sem o seio? (risos), Será que
ele vai gostar? Oh, pensa isso, pensa isso (risos). Aí depois eu penso: Ah, será
que mais tarde eu tomo coragem e vou fazer esta cirurgia? E quem tiver que
gostar de mim vai ter que gostar assim mesmo!! Não adianta falar de uma
coisa que eu não tenho, que eu não tenho, certo. Eu quero é ser feliz.
Então você pensa nesta possibilidade de reconstrução da mama?
Sim, penso. Já um monte de vezes, não é. Tenho um pouco de dúvida. sei
que esta idéia tem que clarear mais na minha cabeça...
O que você pensou da reação dos seus amigos, seus familiares, quando você
teve o diagnóstico de câncer?
Eu pensei que a minha família... Porque hoje em dia tem muita gente que é
ignorante, não é? Fala de câncer, acha que a pessoa vai morrer já. mata
tudo.Já que vai morrer... (risos). Mas foi diferente. Minha família ficou unida:
meus irmãos. Tenho uns irmãos meus que estavam meio afastados, se
aproximaram de mim, me deram força... A maior preocupação minha era com a
minha filha, meu filho. Mas meu filho já é casado, tem a família dele, não é. A
minha filha não, é eu e minha filha. Então minha preocupação era isso. O
que ia acontecer na cirurgia? Será que iria viver? Será que iria morrer? O que
187
seria feito da minha filha? Medo de morrer, não tenho. Mas a minha família foi
muito importante para mim, foi muito importante para mim, mesmo.
Você pensava que eles iriam se afastar?
Se afastar? Eles se aproximaram. Começaram a vir mais na minha casa.
Começaram a conversar mais comigo. Se você precisar de alguma coisa estou
aqui. Eu falava: eu vou precisar: olha a minha filha, olha a minha casa. Se
acontecer alguma coisa, não deixa a minha filha abandonada, sabe. E eles:
não, você pode ficar sossegada porque vai dar tudo certo! Tudo bem! E foi
muito bom: minha família foi muito especial para mim. Foi muito importante
mesmo, até meu ex-marido. Nós estávamos separados, ele veio me procurar,
foi visitar: - Olha eu vou te ajudar... nem que eu tenha que ajudar com um real
todo dia, eu ajudo, para você fazer a cirurgia. E você fica afastado, mas nós
temos dois filhos, não é. Filhos, é, são filhos, falei: Tudo bem! Foi ótimo! Foi
uma coisa que aconteceu na minha que eu fiquei muito assim: não sei se sou
muito querida? Sei lá! Pelo menos no meu bairro, as pessoas quando
souberam, eu não sei me esconder de ninguém, sabe. As pessoas
perguntavam, falavam. Eu acho bobagem ficar escondendo uma doença.
fica aquele zum, zum, zum, não é. Eu acho que é mais fácil falar, assim todo o
mundo já fica sabendo o que está acontecendo, o que vai acontecer isto,
aquilo. No dia da minha cirurgia, muita gente pediu por mim.
Orando?
Orando, orando, é.
Estes pedidos, estas orações ajudaram você?
Muito, muito. Eu tenho uma irmã, uma irmã que é evangélica. ela é muito
querida, minha irmã mais velha. Outra irmã. Nossa mãe casou duas vezes,
primeiro casamento, teve quatro filhos, no segundo teve sete filhos e destes
onze filhos sete morreram. Minha irmã tem setenta anos, ativa, trabalha tal e
ela é evangélica Já foi espírita, hoje ela é evangélica...se dá muito bem comigo.
Ela perguntou posso fazer oração na sua casa? Eu falei: claro! Eu acho que
oração não faz mal a ninguém, pode vir. E foram lá. Foram duas igrejas
evangélicas em casa. Oração, pedir a Deus pela gente, não faz mal a ninguém.
Chegou sentou, o pessoal cantou... cantaram, oraram. Eu acho que é
ignorância você não querer, não é? Eu achei que é sinal que as pessoas estão
preocupadas com você. Sinal que as pessoas te querem bem, não é? Muita
gente disse... Entrando na sua casa... Só pediram por mim (risos). Eu acho,
que a religião, acho que tem muitas coisas que não deu certo, porque tem
muita gente que não respeita o limite do outro, não é ? Mas no momento que
você respeita o limite do outro... A minha irmã sabe que eu sou espírita. Ela
gosta de mim do mesmo jeito. Eu sei que ela é evangélica. Gosto dela do
mesmo jeito. Ela falou: - Qualquer dia você vai na minha igreja? Falei: o dia
que me der vontade eu vou. Não gosto de fazer nada obrigada, se eu sentir
necessidade, eu quero tomar esta atitude sozinha, sabe. Sem compromisso,
sem nada. Acho que você tem um convívio mútuo, acho que não vai tirar
pedaço. Você não pode ir obrigada, você tem que fazer isto. Eu sempre escolhi
minha vida assim...mas eu acho que foi muito bom. Mas muita gente me
criticou, muita gente me criticaram.
188
Você sentiu conforto nestas orações?
Senti!
Estes pedidos, você acha que te ajudaram?
Me ajudaram, não tenho dúvidas. Minha filha falou: _Esta minha mãe, agora
vem gente da igreja crente em minha casa, um monte de gente... Acho
importante respeitar, respeitando... caridade e amor, tudo é válido. O que as
pessoas poderiam ter feito...(risos)
O que tem sido mais difícil para você depois do diagnóstico: conviver sem a
mama, medo de morrer, medo de ser discriminada pelas pessoas ou alguma
outra coisa que vo sente ter sido mais difícil de conviver depois do
diagnóstico?
Eu acho, como falei para você, que aceitei a doença. Fiz o tratamento... Não
tenho medo de morrer. Uma situação que torna muito difícil, que está muito
difícil, é o lado financeiro, sabe? Esse lado financeiro, é um lado que está me
colocando em muita dificuldade, sabe? No momento que você precisa de uma
pensão, você não tem. E as pessoas não têm entendimento. Eu tinha um
salário alto. Perdi 50% do salário por estar afastada. Então tem muita coisa que
não para você pagar. E você não a compreensão das pessoas, né? Eu
só peço a Deus, que Deus um dia eu vou apertar a minha vida, mas um dia ela
vai voltar ao normal. Por enquanto não. Minha filha está desempregada. Eu
com o salário que caiu bastante... Neste momento é o lado mais difícil que
tenho passado - o lado financeiro. Porque ter coisas que eu não vou poder
cumprir com as minhas obrigações, não é?
Fala para mim, em três palavras: o que mudou na sua vida depois do
diagnóstico?
Valorizei mais a minha vida. Dei mais valor a minha vida. Procurei achar que
isto era mais importante. Pedi a Deus que me desse mais força e coragem para
eu continuar minha vida, né... E continuar lutando, porque não sei até quando
que vai ser esse tratamento... Continuo fazendo o tratamento. O médico disse
que talvez seja até o resto da vida. Então que Deus me dê forças para
continuar enquanto ele quiser.
Você acha que mudou a valorização que você à vida. Ter tido mais força e
coragem para lutar: antes você não lutava tanto e agora mudou porquê? Você
tem lutado mais pela vida?
Não. Eu acho que neste sentido que eu falo de valorizar mais a minha vida, é
que você toma mais cuidado com você, sabe? Procuro fazer minha
alimentação no horário certo; procuro fazer as quatro refeições. Procuro comer
muita fruta, sabe? Dentro do meu limite. Sabe, coisas que eu não fazia antes,
né! Então eu acho que valorizei mais mesmo, cuidar, me cuidar mais.
E como está sendo para você passar por tudo isto: pelo diagnóstico, pelo
tratamento que você tem feito?
O lado negativo?
O negativo e o positivo também?
189
Se possível o lado positivo e o negativo.
Eu acho que o tratamento me deu a oportunidade de conhecer outras pessoas.
Outras pessoas que tinham uma situação que não conhecia. A gente vive no
mundinho da gente. Tem certas coisas que a gente não observa, ou não tem
tempo de observar. E eu acho que isto mais me serviu para ver situações
vividas. Como te falei daquela moça de trinta anos que teve câncer no útero e a
reação dela foi totalmente diferente da minha, né? E ela estava se acabando,
se acabando. Já passou por duas cirurgias. Agora encontrei com a minha
amiga e ela disse que esta moça fez outra cirurgia e deu derrame na mesa de
cirurgia. O médico desenganou a família. A qualquer momento ela pode morrer.
Então você fica pensando assim: puxa! Porque uma moça de trinta anos, não
teve uma recuperação? Eu estou com 54 anos. Não sei, a vida te dá um tempo;
você já passou por tantas coisas que talvez esta moça não tenha passado, né?
Mas eu penso assim: ela é mais jovem acho... Mas não foi. Então você começa
a aprender muita coisa, né? A minha vizinha estava falando que uma senhora
de setenta e um anos... hoje ia fazer uma cirurgia. Olha, se a senhora achar
que precisa de ajuda, estou aí. Muita coisa aprendi com minha doença.
para mim fazer alguma coisa ou dar uma palavra de apoio, que a gente fica
com tanto medo, né! Não sabe o que vai acontecer! Acho que foi isso.
E o que tem ajudado você a passar por tudo isso ? O diagnóstico, o
tratamento?
Deus e as outras pessoas.
Deus ?
E as outras pessoas. Almas, orixás, alguns santos né? Eu acho que a
esperança. Eu nunca perco a esperança. Acho a esperança em dias melhores.
Eu acredito que isto vai acontecer. Então eu acho que isto é que me dá força.
A sua esperança também lhe ajudou a passar pelas dificuldades do
tratamento?
Ajudou. Eu acho que se não tivesse esperança acho que ia ficar uma coisa
muito negativa, como te contei.
Você acha que, por exemplo, para esta moça de 30 anos, faltou esperança?
Faltou. Faltou. Faltou fé, faltou confiança. Faltou tudo. Diálogo. Ela se fechou e
não permitia que as pessoas falassem na doença. Não permitia visitas. Ela não
gosta nem de tocar neste assunto. Acho que a pessoa se fechar não dá
abertura para ninguém falar.Você vai se consumindo. Vai ficando amarga, vai
ficando uma coisa... negativa, né? Eu acho que foi muito prejudicial. Você
tendo esperança, não... Você... (risos).
Esperança de dias melhores, tem a ver com a sua religião?
Acho que sim, que tem.
A sua religião de alguma maneira lhe direcionou a ter esperança?
É lutar ! Eu acho que tudo que você passa é dificuldade na sua vida. Mas
você não pode desistir nunca. Eu sou uma pessoa que não desisto, sabe !! Eu
caio e levanto, caio e levanto !! Acho que você não pode aceitar as coisas, né?
190
Você acha! Aconteceu isto comigo, não vou ter mais sorte? Não! Aconteceu?
Aconteceu! Você está se recuperando...
E o que esta crença que lhe esperança fez em todo este teu percurso da
doença: desde o diagnóstico ao tratamento e hoje. O que esta crença fez ou
faz na sua vida?
Me fortaleceu, me fortaleceu. Me deu força, me deu garra, sabe !! Eu acho que
só trouxe coisas boas para minha vida, me fortalecendo. Para fazer o
tratamento me ensinou a passar por cima das coisas difíceis, né? Então, na
quimio você ficava... No momento que você está, não vê a hora de acabar isso,
ou então largar isso. Isso não vai dar em nada, não! Você passa por aquilo e é
a reação que o seu corpo vai ter e você tem que ter força para você continuar.
O mês que vem você vai ter que voltar, certo! Eu acho que a minha fé, a minha
religião me ensinou isto: não desista, continue. É difícil? É. o que vai ser da
minha vida daqui para diante ? Não sei, não quero saber. Me forças para
fazer. Não sei se vai ter mais tratamento para fazer, né? sei que a
fisioterapia, talvez seja pelo resto da vida. Que Deus me dê forças para
continua a fazer...
Você acha que teria sido diferente ter passado por tudo isto se você não
tivesse esta crença? Como você imagina que teria sido?
Olha, eu fico pensando... Talvez eu tivesse até morrido. Por que se você sente
que vai perder uma parte de seu corpo... É uma doença que você não sabe se
ela vai regredir, se ela vai acabar, se ela vai avançar...
E se você tiver só pensamento negativo, como é que você vai viver? Acho que
não estaria mais aqui...
É ?
É porque acho que eu sinto muita falta de minha mãe, do meu pai, sabe? A
religião eu acho isto: que faz você sentir falta de alguma coisa, uma coisa que
te completa, sabe? Completa pela falta de você ter uma mãe, um pai, um
marido. Enfim ter amigos, ter gente que está agüentando você, te ajudando,
estimulando. É isto que eu acho, entendeu? Tem gente que fica 24 horas só
pensando em uma coisa, né? Ah, vou ficar doente, vou morrer! Não sei o quê!
Não sei o que mais, lá, lá, Se pensar coisas negativas, as coisas ruins
começam a acontecer. Eu penso assim: penso em coisas boas. Meu Deus!
Minhas almas! Meus orixás! Força e coragem para eu agüentar. Foi isto que
me salvou. Acho que foi isto, porque estou aqui! Se não tivesse esta fé, acho
que iria me tornar uma pessoa muito vazia. Tem que se agarrar em alguma
coisa. Eu ia me agarrar em quê? Em quê? Acho que esta falta de religião que
faz com ela morra. Acho que se ela tivesse se agarrado, acreditado nela
mesma, pedia forças! Ela era noiva. O noivo a abandonou no momento que ela
soube que estava doente. Tinha um carro bom, tinha uma vida boa. Tava
prestes a se casar. No momento que o noivo soube que ela estava com câncer
no útero... acabou, abandonou a mulher. Então a gente o lado sentimental
dela. Aceitação? Ela não aceitava: o cabelo caiu. Ela tinha vergonha de sair na
rua; não colocava peruca. Vivia se escondendo.
Então eu acho que era isso. Minhas vizinhas também falam: ela tinha uma
condição social melhor que a minha, tinha convênio. E eu não tinha convênio.
Minha situação era totalmente diferente: mais velha que esta moça. O que
191
aconteceu que esta moça não deu resultado? Comigo está dando resultado,
graças a Deus. Até então está dando. Então acho que é o fato de você ter
alguma coisa boa para se agarrar. Meu pai é que falava: tinha muitos filhos e
falava ao pé do ouvido. Pai eu estou sem sono! Ah! Filha vai contando os
carneirinhos e pensa numa coisa boa que você gostaria de fazer que o sono
vem. [Risos] E é verdade. Se você pensar uma coisa boa... vou fazendo isto e
aquilo. Se você pensar uma coisa ruim, vai ficar com medo e não dorme, né?
Então sempre pensa uma coisa boa, filha! Começa a contar os carneirinhos,
pensa em uma coisa boa e o sono vem. [ Risos ].
Esta tua crença te ajudou a enfrentar a doença e o tratamento?
Sim. Foi isto mesmo. Esperança, coragem, em Deus tem me ajudado a
superar toda esta fase.
Tem resolvido para você?
Tem resolvido sim
O que você pensa sobre a morte?
Não tenho medo não! Eu acho que é o final de todo mundo, né? Todo mundo
um dia vai ter que morrer. Eu não tenho medo de morrer. O dia que chegar a
hora... fim, entendeu ? Eu acho que você tem que ter mais medo é da vida, né?
Você pode praticar coisas boas, tendo decência, honestidade, uma visão boa
da vida! É a maior certeza do ser humano. Ninguém vai escapar, né? Tem
gente que é mais cedo. Tem gente que é mais tarde.
Mas a morte para você é o quê?
É o final, é o ponto final de uma vida aqui na Terra. E acho que não acaba alí
só. Acho que a vida morre, mas tem alguma coisa mais, que você tem uma
outra vida, do outro lado. Não tenho medo de morrer, não!
192
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 2
IDENTIFICAÇÃO DA PACIENTE: P2
P2, 48 anos, casada há 25 anos, dois filhos: um homem de 24 anos e uma mulher
de 18 anos. Ambos residem com a paciente e seu marido. Atingiram a escolaridade
de nível de 2º.grau. A paciente estudou até a 5ª. série do 1º. grau, do lar, declara-se
católica praticante. Diagnóstico: final de maio de 2006; data da cirurgia: 10/ julho/ 06
; mastectomia da mama direita; fez radioterapia e quimioterapia (pós-operatório),
radioterapia: início setembro/06 término: dezembro/06, quimioterapia: início: outubro/
06 término: março/07.
Quando você percebeu alguma coisa na sua mama ? Ao ter alguma suspeita
você procurou logo algum atendimento para ver o que estava acontecendo?
Como estava a sua vida nessa época? Em que sentido? Sua vida em família, a
tua vida enquanto mulher, a relação com seu marido, com os vizinhos - a tua
vida no geral, como é que estava nesse momento?
A minha vida no geral estava boa, com meu marido estava tudo bem, eu estava
meio assim... Altos e baixos com meu filho. [trecho inaudível] Ele foi para
Petrópolis, depois não deu certo e ele voltou. Foi bem no dia que eu... no
ano que eu descobri que tinha um caroço na mama. (E isto tinha acontecido
durante esse ano, e no final do ano você percebeu? Não! Primeira vez que
eu percebi o caroço. Ta [trecho inaudível]. (Então, nesse tempo seu filho
tinha ido embora?) Não tava em casa, foi janeiro... fevereiro que ele[?] foi
embora. (E isso te deixou nervosa, como foi?) Me deixou.
Eu chorava todo dia: uma por sentir falta do meu filho, e outra por um problema
que eu não sabia o que era. Até o momento que eu fui pra [trecho inaudível] e
vim um dia, depois voltei. E aí constatou que era o câncer de mama. Nisso, ele
me pediu a biópsia. Eu fui ter certeza mesmo o que era dia 11 de abril. Mas
de janeiro até abril, a minha vida foi uma tormenta.
E o que é que te passava pela cabeça, nesse período que você fez a biopsia, e
ficou esperando o resultado, e não sabia o que era?
Olha, Sonia, eu vou falar uma coisa pra você: eu não... Na hora dessa
confusão toda, que eu falando, morrer eu não pensava[?], eu não pensava.
Eu não pensava em morrer... Que eu fosse morrer. Mas era uma coisa muito
ruim. Era uma coisa... era uma angústia, era uma tristeza que dava, assim...
E eu nem tava contando essas coisas pro meu marido, porque meu marido é
uma pessoa que em vez de te dar força, ele até [trecho inaudível] e começava
a chorar e começava a entrar em desespero, sabe? Ele não é aquele homem
forte, então qualquer coisa ele chora. Ele não sabe como me apoiar. Então,
tinha que ficar com aquilo ali pra tu [trecho inaudível] e ele tava fazendo aquele
serviço perigoso de caminhão, eu tinha medo de falar as coisas pra ele e ele
ficar preocupado. Então ele ia sofrer, essa minha...
Já tinha [trecho inaudível] eu mostrei a mamografia pra ela [trecho inaudível]
tava com consulta marcada, tava com consulta marcada com o dr. então ela
nas mãos... ela em boas mãos. que eu [trecho inaudível] já tinha feito
mamografia anterior e era normal. [trecho inaudível] ela começou a dar mais
apoio, a me tratar assim, bem. Não que ela não me tratasse bem, mas a me
dar mais apoio. Aí, então: -Quando você for no médico eu vou com você...
193
Só que aí, Sonia, eu fiquei com um atrás; eu pensei: -com... com...
câncer de mama... Calma! (Você começou a desconfiar.) -Eu vou com você,
você não vai sozinha... Tem o meu marido, a minha irmã, o meu filho. Estou
com cirurgia marcada... Com os exames de cirurgia pedidos. Só que, Sonia, eu
pensava assim: -Deus é grande, eu não vou tá. Eu tinha uma esperança de
não tá.
Aí, no dia 11, quando eu peguei a biospia, e confirmou, eu entrei em
desespero. (É?) Falou que eu ia ter que tirar a mama. Na hora eu [ruído na
fita]. Aí ele confirmou. Enquanto eu tava aqui, Sonia, eu fui... durona, eu não
chorei, eu perguntei tudo pra ele, qual era a cirugia, o que eu tinha que fazer, o
que eu não tinha. Quando eu cheguei em casa eu joguei papel, documento e
chorei! Chorei, chorei, chorei, chorei, chorei, chorei! Aí eu [trecho inaudível] pra
minha família pra eles saberem que eu tava com a biopia. [trecho inaudível] eu
não quero falar com ninguém. Eu tava com aquele desespero, né? Aí foi
[trecho inaudível], que me acalmasse, que fizesse o melhor pra mim e... Vou
dormir um pouco e acordei... Quando acordei já acordei outra!
Vou operar... Vou fazer tudo que precisar de fazer e eu vou ficar boa! E eu tô
aqui!
O que vo acha que te ajudou nesse momento, que você falou assim: -
Quando eu dormi, eu acordei uma outra pessoa diferente daquela que
chegou em casa, chorando...
Eu vou falar sinceramente pra você: primeiramente Deus, porque eu tenho
muita fé. E em segundo lugar, meus vizinhos e a minha família, em geral,
sabe? Filho, irmão, irmã, cunhado, cunhada; em geral, todos. Foi isso que me
ajudou muito e me ajuda hoje. Meus vizinho, então, me ajudaram muito.
Você lembra o que você sentiu na hora que o médico chegou e falou que era
um câncer de mama? Falou: - o que você tem é um ncer de mama. O que
você sentiu na hora?
Eu senti um [trecho inaudível]. Na hora eu fiquei com medo. Mas não era um
medo de morrer. Não era! Mas um medo que... Você sabe, um câncer em
qualquer forma ele é um [palavra inaudível]. Você pensa que ta com câncer e
vai ter poucos dias de vida. É uma coisa muito ruim de se saber.
Quando a pessoa vem falar câncer de mama, a gente apóia, a gente dá
conforto e tal. Mas a gente... Quando é com a gente, a gente [trecho inaudível].
É muito mal. Então na hora eu... Na hora eu fiquei muito nervosa. Mas depois...
Só que depois... eu fui acalmando, pondo as coisas no lugar, aí fui vendo como
é que era, fui pensando no que ele me falou, e aí fui melhorando.
O que você achou da forma, do jeito como o médico te informou esse
diagnóstico ?
Eu achei que foi bom. Eu não queria que ele escondesse nada para mim; seria
pior. Eu achei muito bom eu saber o que eu tinha, ele não esconder nada de
mim, ele falar pra mim... Ele falava para mim: Você vai com uma [trecho
inaudível]. Mas eu gostei que ele contou pra mim. Eu preferi que ele tivesse
falado pra mim. Porque eu era consciente do que eu tinha, do que eu tinha que
fazer, da luta que eu ia ter, que topei[?] com a vida. Então eu gostei da atitude
dele.
194
E aí eu pensei um negócio: -Eu sou adulta, eu tenho que cuidar de mim
mesmo [?]. Vou falar pro outros, os outros vai procurar ajudar... Porque você
não sabe o que você tem, vai [trecho inaudível] pra poder chegar até o dico
pra você... tem que fazer uma... um tratamento. E no meu caso não. Eu sei a
minha responsabilidade, ninguém precisa me mandar ir fazer; a
responsabilidade eu tenho. Que nem na minha casa, [trecho inaudível] meu
marido Falei pra ele assim: -Amanhã eu tenho médico. Ele falou: -De novo!
-Eu falei pra você que eu tinha médico quarta-feira.
Quer dizer, eu sei as minhas responsabilidades. Nunca faltei no dia do médico,
nunca faltei numa quimio, nunca faltei numa radio... Porque eu sei a minha
responsabilidade. [trecho inaudível] vou fazer.
Você acha que ter sido informada foi bom pra você?
Foi! Foi ótimo! Foi ótimo! Ótimo pra mim mesmo. Eu não gostaria de ser
enganada, de ele ter que falar pra minha família e eu ficando sem saber. Eu...
eu gostei dele ter falado.
Então, nesse dia que você veio, você estava acompanhada? (Tava. Tava.) Nos
outros dias que você veio para a consulta, quando você veio fazer a cirurgia, a
quimioterapia - quem tem te acompanhado?
Olha, no começo, até... Tinha minha vizinha e todas as vezes que eu tive
médico ela veio. ela e o meu filho. que ela entrava no consultório e ele
ficava do lado de fora. Quando eu operei, o dia de operar, ele veio e passou o
dia todinho aí embaixo esperando, lá no centro cirúrgico. Quando deu quatro
horas minha filha veio também, e subiu os dois. depois que eu operei ele
arrumou outro trabalho. Aí um dia [trecho inaudível] Aí veio a minha vizinha
comigo... E sempre vinha algum vizinho ou o namorado da minha filha que me
trazia.
A minha radio, na Beneficência foi o meu vizinho que me levou todos os dias e
me esperou. [trecho inaudível] E me deixava uma hora. Ele ia, eu fazia a radio,
ele me esperava e me trazia de volta.
E a minha quimio, minha primeira quimio, essa minha vizinha de um lado,
[trecho inaudível] ela pegou o meu carro e foi me buscar com ela. A segunda
vez... Não, as duas primeiras vez foi ela. As outras três... Duas minha filha veio
e eu fui de ônibus com ela. E essa última eu fui sozinha. Não tinha ninguém
[trecho inaudível]. Porque eu não tenho reação no dia que eu faço. Até minha
filha falou: -Mãe... -Não, pode deixar que eu mesma vou sozinha. Não
precisa [trecho inaudível]
O que você acha que aconteceu pra você ter essa doença? Como é que ela foi
aparecer?
Olha Sonia, isso eu não sei te explicar. Eu não sei, porque... Eu não sei se é
hereditário. Eu não sei. A minha mãe morreu de câncer no pescoço, o meu pai
foi no estômago. Mas a única pessoa que eu sei que teve câncer de mama, foi
uma prima minha distante. Que até [trecho inaudível] pra Bahia e estava
dando esforço pra tirar esse[?] câncer de mama. E tirou as duas. E eu [palavra
inaudível], forte, aconselhei ela, conversei, eu não imaginava que com 7 anos,
6 anos... Eu não sei como te explicar porquê.
195
Você acha que a doença pode ter aparecido em você por ter sido um castigo
de Deus? Deus decidiu que você tinha que ter essa doença, você, Selma? Essa
doença é uma forma de você aprender alguma coisa?
Você acha que ela, na verdade, ela apareceu em você por uma falta de cuidado
que você deve ter tido com você?
Você acha que isso é responsabilidade de alguma outra pessoa? Alguma outra
pessoa achou que você tem que ter câncer, e ela é responsável por isso
[trecho inaudível].
Ou você acha que essa doença é um processo natural - a gente vai
envelhecendo, e é um problema que pode aparecer na gente?
Eu acho que é essa final. É um processo natural, eu acho. Porque a gente...
Ninguém tem culpa. Eu não vou dizer pra você que eu não me cuidei porque...
Assim que eu descobri, logo... que eu sempre fiz... faço os auto-exames. Eu
descobri em tempo e deu tempo de retirar e tal... Eu acho que é uma coisa que
tem que acontecer mesmo. Cada um sabe o que [palavra inaudível].
Não é um castigo de Deus, não é que alguém quis. É que tinha que acontecer.
Por ser [palavra inaudível], eu acredito muito no destino. Acho que você nasce
com seu destino traçado, e não tem como mudar isso. Eu acredito nisso! Então
se eu tinha que ter câncer, eu tive que ter.
E como é que você vê essa doença em você? Você vê essa doença assim: algo
que veio de fora e ficou em você?
Você acha que é algo que já veio de dentro de você e ela não tem nada a ver
com as coisas que você sente, ou sentiu ao longo da sua vida? Ou você acha
assim: que ela está dentro de voe ela tem alguma coisa a ver com as coisas
que você já sentiu ao longo da sua vida?
Eu acho que tem alguma coisa, sim, a ver com o que eu já senti ao longo da
minha vida. Porque às vezes eu tive que mudar. Muita mágoa... Eu tive uma
adolescência, uma criação assim... muito pobre. Eu acho que tudo na vida tem
um porquê. Eu nasci naquele lugar lá da Bahia, meus pais não tinha condições.
Eu perdi minha mãe muito cedo, perdi meu pai muito cedo. Depois de três anos
que minha mãe faleceu, meu pai faleceu. Eu fiquei com uma responsabilidade
muito grande, com 6 irmãs pra tomar conta.
Então tudo isso eu acho que... É coisas que... Sei lá, que tinha que acontecer
comigo. Eu tinha que passar por isso e passei.
E quando vose viu com esse diagnóstico, você chegou a pensar em algum
momento qual poderia ser a reação das pessoas da sua família, dos seus
vizinhos, quando soubessem que você tinha câncer? O que você pensou?
Eu pensei... Mas eu não pensei que eles fossem me rejeitar, que eles fossem...
Sabe? Me ignorar. Não! Eu sempre achei que eu ia ter o que [trecho inaudível].
A aprovação, assim, a força que eles me dão. Eu sempre achei! Porque eu
sou... Eu sou uma pessoa... Eu moro num bairro que eu conheço quase todo
mundo, então sempre o que eu pude fazer, eu fiz[?]. Não é possível que... Eu
não sou... Eu não... Não sou aquela pessoa que todo mundo me detesta, que
os vizinhos não gostam de mim. Não! Eu sou uma pessoa muita querida.
Então, eu acho que...
Eu já esperava por isso mesmo, que eu ia ter muito apoio. É um resultado que
eu já esperava. s somos uma família que... Brigar, nós briga; xinga o outro,
196
mas na hora que... Em parte de doença, nós samos todos unidos, somos todos
unidos.
Pra você, o que é o seio? O que é a mama, pra você?
Olha, pra mim é tudo. Só que eu acho assim, Sonia, eu acho que se eu tivesse
que ter um câncer de mama, vamos supor, 28 anos atrás, eu acho que eu
me revoltaria mais. Eu ficaria mais nervosa. Eu acho que eu ficaria mais
abalada. Mas agora, não que eu esteja velha, que eu não tenha mais nada pra
viver - que eu tenho muita coisa pra viver - mas eu acho que a gente, com a
idade de 25 anos, a gente pensa diferente: a gente pensa que é nova, que é...
Nessa idade a gente é uma mulher, que não é uma mulher aleijada, mas é uma
mulher [palavra inaudível], não é verdade? Sei lá o que o marido vai pensar.
Então agora, no momento, eu penso desse jeito. Mas, se fosse uns vinte e
oito anos atrás eu não seria... não sei o que seria de mim. Eu não teria essa
cabeça, eu acho que eu entraria no desespero. (Pelo fato de você achar que
enquanto mulher, você poderia não ser mais atraente...) Isso mesmo! (Não
poderia mais ter filhos...) Isso mesmo! (É?)
Como é que você percebeu que estava com um caroço na mama? Foi você
apalpando? Foi o médico que falou pra você? Vo percebeu alguma dor,
algum incômodo? Como é que foi?
Eu percebi quando eu faço meu exame [trecho inaudível], eu passei a mão e
percebi. E o meu, esse que eu tinha, esse caroço, ele dava pra perceber com a
mão [palavra inaudível]. Então eu percebi aquilo, mas eu fiquei para mim. Aí eu
estava sentada no sofá da sala... duas vezes: A primeira vez foi com o meu
marido. Ele olhou em mim e falou assim: -Você com um caroço no seio.
Você tem que ver isso. Ele pegou e falou: -Há quanto tempo que você
percebeu que você ta com isso aí? - Eu percebi de uns 10 pra 15 dias.
passou. Você vai no médico vê isso aí!
Aí depois foi a minha filha: -Mãe, a senhora tá com caroço. Eu pego um
atestado e vamos ver. Aí ela falou: - Mãe, a senhora com caroço na
mama, a senhora vai ver o que é isso, mãe! Só que na minha cabeça era um
nódulo. Minha vizinha tirou um nódulo, a outra vizinha tirou um nódulo. Eu
jamais imaginaria que era um câncer de mama. (Vosentia alguma dor?)
Não! (Saia algum líquido?) Não! Não, não, não, não. (Latejava?) Não! (Nada
disso?) Nada disso. Só o caroço que dava pra perceber, mesmo por cima da
roupa. Dava pra perceber! Mais doer... (Inchar?) Não! Nada disso!
O que tem sido mais difícil pra você conviver depois do diagnóstico? É você
estar convivendo sem a sua mama? Medo de morrer? Medo de ser
discriminada pelas outras pessoas? Ou alguma outra coisa que você sente
que está sendo mais difícil pra você depois que você recebeu o diagnóstico?
Olha, pra mim, o medo de ser discriminada eu não tenho, porque eu penso: -
Se alguém descriminar, pobrema dele, não vou pensar nisso. O que mais...?
Depois que eu operei, fiz a cirurgia, o que mais eu tive medo sempre foi da
quimio. Pra mim ela se tornou um bicho de sete cabeças. Porque um falava
uma coisa, outro falava outra. Só foi quando eu passei pela médica, ela
também, ela me explicou tudo. E quando...
Sonia, eu acho que quando o meu cabelo começou a cair eu tive mais... eu
fiquei mais nervosa, mais pra baixo do que quando eu tirei a mama. Porque ela
197
falou: O seu cabelo, depois de uns quinze dias que você fizer a quimio, ele vai
cair. [trecho inaudível]
Quando eu percebi, eu fiquei mais abalada do que quando eu tirei a mama. E
aquilo ali eu fui pro verde[?] vários dias... Comecei a ficar triste, a pensar, olhar
pro seio, olhar pro cabelo... Comecei a ficar em certo pânico, assim, em
desespero. Olha, eu comigo mesma. Não comentei com ninguém. Não tinha
coragem de chegar e comentar com ninguém. (Nem com a sua filha...) Não!
Nada!
Aí depois foi indo, depois eu fui levando, pedindo a Deus que me desse força,
que eu tinha que passar por aquilo. Eu já tinha passado por coisa pior, pela
cirurgia. Foi tudo bem!
Aí fui melhorando. Um dia eu com as minhas filhas [trecho inaudível], depois
disso não tive mais. que a quimio pra mim, ainda acaba sendo um bicho de
sete cabeças. Eu aqui, e to pensando na segunda-feira como é que vou
fazer... a reação, qual vai ser. Pode ser até coisa da minha cabeça, mas o que
mais... o que mais me deixa abalada, desse tratamento de um ano que eu to, é
só a quimio.
Se vopudesse falar em três palavras, o que mudou na sua vida depois do
diagnóstico de câncer?
Olha, Sonia, eu acho que mudou... Não sei assim: -Ah, você não pode fazer
isso... Lá em casa existe isso; meu marido: Vo não pode fazer isso. Eu
gosto sempre de limpar a minha casa, quer dizer, eu não posso. [trecho
inaudível] ele acha que eu não posso fazer.
Então eu acho que mudou em termo de ele achar, eles acharem, a minha
família, que eu sou uma mulher que eu não presto mais assim, pra nada.
Porque eles me dizem isso. Então, eu acho que pra mim mudou só isso.
Eu acho que eles sempre vão ficar no meu pé, achando que eu operei, que eu
perdi uma mama, e que eu não posso fazer o que eu fazia antes. Sendo que eu
acho que eu posso fazer! Porque tenho capacidade para fazer. Não vou dizer
que agora eu tenho ar[?], que eu não canso, que meu braço lateja, sim.
Mas eu me sinto bem mesmo, com anos atrás, antes de eu operar. Eu sou a
pessoa que eu sou. (Hum, hum.) Na minha cabeça e fisicamente eu sou a
mesma pessoa.
E em relação a vida, mudou alguma coisa? De valores que você tinha em
relação à vida, a maneira de enxergar a vida. Teve alguma mudança?
Não! Pra mim continua a mesma coisa. A mesma coisa.
Como é que está sendo para você passar por tudo isso. Como vo falou
naquele período em que ficou em desespero, querendo saber o que estava
acontecendo com você, aguardando o diagnóstico. Quando você recebeu o
diagnóstico, aí falou: -Vai ter que tirar a mama, vai ter que fazer uma cirurgia.
Depois que fez a cirurgia, vai ter que fazer radioterapia, vai ter que fazer
quimioterapia. O que passou na sua cabeça?
Olha, no começo, que ele falou, eu só pensei assim: -Poxa, eu... Acabou pra
mim! Eu não vou ser mais aquela mulher que eu era antes. Eu era uma mulher
caseira, uma mulher de ficar com o neném[?], mulher de [palavra inaudível].
Minha vida mudou nesse sentido, porque se eu quero ficar boa eu tenho que
198
fazer tudo o que o médico falou que eu tenho que fazer. Então mudou o tempo
de...
Que nem, um dia eu tinha médico, um dia eu tinha quimio, outro dia eu tinha
radio... A minha vida mudou nesses termos. Porque eu penso assim: -Se eu
quero ficar boa, eu tenho que fazer tudo que ele me pediu. Só que eu achava
que eu ia operar e acabou! Na minha cabeça, antes da cirurgia era: -Eu vou
operar e acabou. E não foi assim depois. Veio o diagnóstico. -Você tem que
fazer todo o tratamento. E vou fazer, e fazia.
Às vezes eu vou comprar pão, comento com o jornaleiro: Ai, acho que eu não
vou encarar mais fazer quimio. Mas se eu tiver que fazer, que eu não quero -
Deus ajude que não precise mais - mas se eu tiver que fazer tudo de novo, eu
vou fazer tudo de novo. Porque o medo bate na hora e depois que você está
tendo problema [trecho inaudível]
E o que te ajudou a passar por tudo isso?
Deus. Ele tem me ajudado. Eu rezo muito, eu sou católica. Fui batizada, batizei
meus filhos na Igreja Católica. Fiz Primeira Comunhão, casei na igreja... [trecho
inaudível] Então eu acho que... Acho não, eu tenho certeza que quem mais me
ajudou foi Deus.
E como é que você sente que ele te ajuda?
Ah, eu rezo. Eu peço ajuda pra Ele. Eu acho que Ele está em tudo que a gente
faz, tudo que a gente pede. Então eu acho que Ele me ajudou.
Eu não seria correta de falar assim: -Ah, Ele me curou! Não, eu acho que Ele
me ajudou, na hora dos médicos, no remédio. Ele ajudou em tudo! Ele ajudou.
Pra mim Ele me ajudou muito. Por que na hora que eu estava em desespero,
que eu não tinha coragem de conversar com ninguém - porque eu ia chorar, eu
ia entrar em desespero - eu entrava no meu quarto, simplesmente ia rezar e
pedia pra Ele cuidar da minha cabeça, que mudasse o meu jeito... Que fizesse
eu aceitar as coisas melhor. E eu acabei aceitando e tô aqui.
Você acha que essa tua em Deus te trouxe conforto, te trouxe amparo, te
trouxe segurança, te trouxe esperança?
Trouxe! Me trouxe paz, esperança, conforto. Tudo! Ele trouxe tudo isso pra
mim. O que eu acho é que se seu não tivesse fé, eu o tinha superado.
(Não?) Eu acho que não. Porque mesmo com o apoio da minha família, o
apoio dos vizinhos. Mas na minha idéia mais assim, mesmo, de nervoso, de
desespero, que a gente começa a pensar nas coisas, [trecho inaudível] eu
pedia pra Ele, pra me ajudar.
E se você pudesse falar deste período desde que você suspeitou e começou a
procurar alguma explicação, quando você teve o diagnóstico, você fez a
cirurgia, a radio, a quimio... Teve ou tiveram alguma coisa que você possa
dizer assim: Essas são as coisas boas de tudo isso. Essas aqui foram as
coisas não boas desse período? (Mas você está falando da doença, ou em
geral?) Em geral, e da doença também.
O tempo da doença pra mim foi um período muito sofredor... Nervosismo,
preocupação. E que nem eu falei antes, o estado do meu filho, que sai do
serviço, foi pra [palavra inaudível], faz três coisas por dia, [palavra inaudível].
199
Então tudo foi nesse período que eu tava... com o estado de eu saber que eu
estava com a doença, que eu tinha que operar, e que [trecho inaudível]. Foi
tudo no mesmo momento. Meu marido tinha trocado de serviço. (Hum) Ele
estava com um serviço... trabalha com caminhão, depois a firma chamou.
Então eu tava contente com meu marido, que ele tava entrando numa firma
boa pra trabalhar, que ele tinha vontade, já registrado e tudo. Ao mesmo tempo
que eu estava triste com o meu filho que tinha ido embora pra lá e triste por eu
tava com... eu tava com uma doença. Mas tudo isso eu superei, eu [palavra
inaudível]. Eu rezei muito e todo mundo... Meus vizinhos, sabe? O padre
rezava comigo, colocava na missa de ação de graça. Tudo isso me ajudou.
(Uma grande força!) É uma grande força!
Você crê em Deus?
Creio!
O que essa crença em Deus faz na sua vida hoje?
Faz tudo. (O que seria tudo?) O todo? Olha, é Deus que atende quando eu tô
nervosa, meu marido tá nervoso. Ele xinga, eu xingo também.. Problema com
os filhos que a gente tem. Mas sempre, nesse período, Sonia, a gente
sempre... Meu marido também é muito católico, então a gente procurava rezar.
agradecer a Deus as coisas que Ele vem dando pra gente.
Eu vou na missa sempre dia de domingo; eu confesso... Então tudo isso ajuda
a gente. Então a gente têm que acreditar, acreditar que existe Deus. E lá em
casa, todos, pelo menos meu filho, minha filha, meu marido, todos nós
acreditamos muito Nele.
Foi sempre assim, você sempre pensou desse jeito, ou teve algum momento
na sua vida que você passou a pensar, que de fato Deus existe, que ele dá uma
força? Como você falou: -Que está sempre presente..
Sempre, sempre pensei que Ele existe. Sempre pensei porque eu já tive
outra... outros pobremas. Eu tive um irmão... tive não, eu tenho um irmão que
mora em Cubatão; ele caiu numa altura de 12 metros no Guarujá... 12 metros.
Ele quebrou pulso... É... a perna dele. (Você fala o fêmur?) O fêmur. Ele ficou
três meses internado no Guarujá; três meses. E eu ali direto com ele, direto.
Então eu acho que Deus ajudou muito a mim e a ele, porque do jeito que
chegaram lá falando pra mim, eu achei que tinha morrido. E ele não! Sai hoje
em dia andando... mancando, que uma perna ficou menor do que a outra, mas
está bem. Então, tudo isso eu acho que Deus ajuda a gente.
O que você recomendaria para alguém que vai passar, ou está passando pelo
mesmo momento que você está passando?
Primeiramente não entrar em desespero, ir com calma com as coisas. E depois
ter muita fé em Deus, rezar. Pedi à Deus e não começar a encucar as coisas.
Se você encucar é pior. E também fazer tudo que o médico pedir. (Mesmo
assim, que você não goste de fazer?) Mesmo que não goste. (Às vezes fica
desanimada...) Tem que fazer! Tudo que o médico pedir pra fazer tem que
fazer. Mesmo que tem horas[?] que desanime. Eu cansei de fazer... Às vezes
eu levantava de manhã e falava assim: -Ah, meu Deus, vou ter que fazer
radio. Sai seis e meia, sete horas da manhã... Na hora eu levantava, trocava
200
de roupa e ia. Eu sabia que precisava. Eu acho que a pessoa não pode
desanimar. Tem que fazer tudo que for pedido.
E se essa pessoa entrar em desânimo, entrar em tristeza, quiser desistir. O que
você recomendaria?
Eu recomendaria, primeiro é... Ter fé em Deus, e procurar os amigos, os
profissionais, a família e conversar. o ficar com o pobrema pra si.
Desabafar com alguém, porque pra tudo existe solução. Não querer ficar com a
coisa só pra você, sozinha, e você sofrer, acabar até morrendo.
Porque a gente vê casos de pessoas que não quer acreditar, e acha que não é
aquilo. Não conversa com ninguém, não desabafa e acaba sendo pior. Então
eu aconselho essa pessoa ter muita fé em Deus e procurar os amigos, porque
sempre... Não é possível que não exista, sempre tem algum amigo! E a família.
Primeiro lugar Deus, segundo a família e depois é não desesperar.
O que vem na sua cabeça quando eu falo a palavra Deus?
Tudo! Paz, alegria, esperança. Tudo! O futuro... Tudo, tudo, tudo. (O que isso
tem a ver com você? Paz, alegria, esperança, futuro.... Tem a ver comigo
porque, Sonia, eu sou uma pessoa alegre. Não é que eu não fico triste, fico.
Mas eu sou uma pessoa alegre, sou pra cima. Meu jeito de ser é esse. Às
vezes, tem hora que eu penso assim, reflito, fico meia jururu, mas logo em
seguida já dou a volta por cima. Então tudo isso para mim faz parte... (Foi
sempre assim ou mudou em algum momento na sua vida?) Não. Mesmo
com os pobremas, que todos nós temos pobrema, mas eu procuro não ficar
com eles muito na cabeça; procuro tirar eles um pouco da cabeça, a dividir, a
conversar com as pessoas, sair, a rezar. Tudo isso pra não [palavra inaudível].
O que vem na sua cabeça quando falo a palavra esperança?
Tudo também, né? Você tem que ter esperança. pensou se você não tiver
esperança? Como é que você vai viver? Você tem que ter esperança de ver um
filho crescer, sabe? Estudar, se formar, ver o filho casar. Esperança de ter um
neto...
Tudo você tem que ter esperança. Esperança de virem dias melhores, de um
filho arrumar um serviço bem. Tudo, tudo, tem que ter esperança! Eu tenho
esperança em tudo, Sonia. Tudo eu tenho esperança.
O que a esperança tem a ver com você?
Tudo! [risos] Eu não viveria se não tivesse esperança, né? Então tem que ter
esperança em tudo: de um Brasil melhor...
O que te ajuda a manter a esperança?
Ah, meus filhos, meu marido, minha família. Todos me ajudam a manter
minhas esperanças. Todos!
Qual é a importância que a esperança tem pra você, neste momento da sua
vida?
Ah, tem muito, muito. Porque se eu não esperar... Por exemplo, eu
convivendo... eu to vivendo o dia de hoje. Não dá pra saber o que vai acontecer
amanhã. Mas pode acontecer coisas boas todo dia, toda hora. Então eu tenho
esperança, né?
201
E assim, quando eu falo as palavras enfrentando a doença, o que vem na sua
cabeça?
Ai, eu acho que eu não sei responder. (Você tem enfrentado a sua doença?)
Tenho! Eu tenho enfrentado. (De que maneira você tem enfrentado?) Eu
acho que...
O que vousa... que recursos, vamos dizer assim, que te ajudam a enfrentar
essa doença?
Que recursos, Sonia? Eu acho que tudo. É... Eu procuro não pensar nela. Eu
procuro não pensar que eu estou com essa doença. Ou que eu tive... Ou sei lá,
não sei nem como falar. Eu procuro não pensar. Só isso.
Procuro, como eu falei, viver o hoje, não o amanhã.
Você acha que a esperança, a fé que você tem em Deus tem te ajudado?
Muito, Sonia. Tem me ajudado muito. Muito, muito mesmo. Porque não é fácil.
Eu sou uma dona-de-casa. Eu tenho filhos: tem um filho homem, uma filha
mulher... Então hoje em dia, a gente se preocupa, às vezes com tudo. A
violência das gangues, das droga - a gente pensa nisso também. Então tudo
isso pra mim, é... Deus me livre! Não é assim.
Você acha que a maneira como você tem enfrentado essa doença, quer dizer:
Procuro não pensar, tenho esperança, tenho apoio dos amigos, e é isso que
eu estou percebendo... A que eu tenho em Deus, vo acha que essas
coisas que tem te ajudado a enfrentar a doença? É a [palavra inaudível]?
Primeiramente, vou te falar os profissionais; eles ajudaram muito. E também a
fé em Deus, a esperança. Mas os profissionais que... eu tive que operar, tive
que fazer tratamento, foi feito.
Então, primeiramente Deus e segundo os profissionais. Eles é que me ajudou
muito também. Me ajudou muito.
Você acha que, todas essas coisas que nós falamos - incluindo os
profissionais que você falou a fé, a esperança, o apoio dos amigos, tem
resolvido, nesse enfrentamento da doença? Tem te ajudado a superar...
Você falou assim: Eu acordava e falava: tenho que ir a quimio, tenho que
fazer tudo isso.... preciso fazer tudo isso.... está sendo difícil enfrentar esse
bicho de sete cabeças.
Então quando você rezava, pedia ajuda pra Deus. Quando você diz ter
esperança de dias melhores. -Hoje tem a quimio e eu estou mal. Mas amanhã
não tem a quimio, não vai]. Como você falou tenho que me sentir: alegre, pra
frente, esse conjunto de coisas, tem te ajudado a enfrentar essa doença ?
Tem. Tem ajudado muito. É o que estou falando: -Se não fosse eu rezar, e eu
ter esperança e ter fé em Deus, eu acho que seria pior. Como que eu ia viver?
O que eu ia fazer? . Então eu tenho que ter... Ah, o Dr. falou: a senhora pode
morrer num atropelamento, mas a senhora não vai morrer de câncer de mama.
Eu tenho esperança que sim! Eu tenho esperança que eu curada, que eu
não vou ter mais esse pobrema. Que eu tirei a mama e curada. Então
tudo isso pra mim é esperança. E de dias melhor. (E isso te ajuda?) Me ajuda.
Ajuda! Ajuda muito e ajudou muito. Ajudou muito que Deus [palavra inaudível]
202
Você acha que se o tivesse essa fé, não tivesse essa esperança, como você
imagina que você estaria se sentindo hoje?
Eu acho que eu tava me sentindo arrasada. Bem pra baixo. Porque tem gente
que fala: -Se você pensar na doença, a doença toma conta. Se você ficar
pensando: -Ah, eu tô com câncer de mama, com câncer de mama Só
pensar naquilo, e não fazer nada... Claro que você vai morrer com aquilo.
Porque eu acho que você sabe o que você tem. Se você tem esperança de
ficar boa, você tem que ir à luta. Tem que lutar! Tem que lutar também. o é
só dizer: -Ah, porque eu tô, eu vou [palavra inaudível]. Eu não sou mais uma
mulher, eu me acabei. Isso não existe! Tem que ir à luta. Tem que lutar.
E pra você, o que é a morte?
Eu não gosto de falar disso, não! (Não?) [trecho inaudível]
Tem alguma outra coisa que você queira falar, que voache importante estar
falando para uma pessoa que está com alguma suspeita, que está precisando
ir no médico, verificar o que está acontecendo?
Eu falo pra essas pessoas todas que seja o que for que venha a perceber que
tenha, que passe por um profissional. Porque Deus deixou a ciência, [trecho
inaudível], mas sem a ajuda dos profissionais a gente também não resiste.
[trecho inaudível] Porque, tem um corpo... Qualquer coisa diferente que tiver no
seu corpo, porque até se for... A gente percebe, a gente que é mulher. Então
qualquer pessoa que venha a perceber que tem alguma coisa diferente,
procura um profissional. Que faça tudo o que o profissional pedir.
Se o profissional, que você está[?], disser que não é nada, procure outro.
Porque a gente escuta casos: -Ah, eu fui no médico e o que o médico falou
que não é nada. Então procure outro. Não vai só na opinião daquele, vai na
opinião de outros.
E se constatar que é, que não entre em desespero. Que enfrente, que reze.
Peça a Deus, o apoio da família, apoio do vizinho. E faça tudo que tiver que ser
feito! Tudo que pedir pra fazer, se tiver que fazer quimio, se tiver que fazer
radio. Tudo! Faça! Porque é um período, é uma fase. E depois tudo isso se
acaba e a pessoa pode viver bem para o resto da vida.
203
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 3
IDENTIFICAÇÃO DA PACIENTE: P3
P3, 44 anos, divorciada há 10 anos, quatro filhos: um homem de 25 anos, casado,
uma mulher de 23 anos casada, um adolescente de 15 anos e uma pré-adolescente
de 10 anos. O adolescente e a pré-adolescente residem com a paciente. A paciente
possui o primeiro grau completo, sua profissão é costureira, declara-se de religião
espírita praticante. Diagnóstico: em março de 2006; data da cirurgia: 07/agosto/
2006; mastectomia da mama direita; fez radioterapia (pré-operatório) e quimioterapia
(pós-operatório), radioterapia: início março /06 término: maio/06, quimioterapia:
início: setembro/ 06 término: fevereiro/07.
Como estava a tua vida nos aspectos: profissional, pessoal, com amigos, com
a família... um pouco antes do diagnóstico ?
Ah, o profissional estava mais ou menos. Meu lado emocional ... minha vida
emocional também não estava, estava mal resolvida. Agora, em relação a
minha família, meus filhos estava... estava ótimo. Com os meus amigos
também.
Profissionalmente a gente tava aí meio com uns perrengues lá, né, que...
(Você trabalhava como costureira?) Já, trabalhava como costureira.
Não tava dando para sobreviver, tava meio complicado, entendeu? (Hum,
hum.) E a vida emocional tava meio balançada, porque tava essa história do
ex-marido com... não aceitar o meu namoro, não pagar pensão, entendeu? E
eu ter que me virar, rebolar de todas as maneiras... Para manter a minha casa,
entendeu?
Você estava com os dois filhos morando com vocês?
Meus 2 filhos. Os dois... já. Eu era sozinha para manter a casa e estes dois
filhos.
Mesmo você estando divorciada 10 anos, nesse período da sua vida,
você estava brigando pela pensão dos seus filhos...
É, que é com o pai da minha filha mais jovem. Foi o último... (Companheiro?)
É, o último companheiro; que foram 10 anos de vida que a gente viveu juntos,
10 anos, entendeu? Aí, essa briga até hoje, na Justiça ainda, entendeu?
Ainda ele não tá pagando, e se recusa a pagar a pensão.
E os teus amigos amigos ..... a tua vida social...?
Ah, meus amigos foram todos show de bola, todos muito maravilhosos, todos
muito, muito companheiros ... Todos : minhas amigas, todas muito
companheiras, sempre tavam, tavam sempre do meu lado... Sempre. Sempre,
sempre gostei de sair, sempre gostei de dançar, sempre gostei de tomar uma
cervejinha, sempre gostei de... de música, entendeu? Isso eu sempre...
Então alegria sempre esteve presente?
Sempre teve. Sempre. Na minha vida, sempre. Gostava de ver a minha casa
cheia de gente, entendeu? E não deixaram de fazer isso, mesmo depois da
cirurgia. Mesmo assim eu ainda... mesmo eu sem poder beber, sem poder
comer tudo, com o dreno dependurado, eles iam no almoço na minha casa,
204
entendeu? Tavam sempre lá nos domingos... Nunca me deixaram no canto[?],
entendeu?
Como você me contou ainda pouco, gostaria de saber como foi que você
começou a desconfiar que alguma coisa não estava legal?
Quando eu comecei sentir essas fisgadas na minha mama, que eu comecei
pro... que eu procurei o médico, que eu comecei achar estranho que o mamilo,
o bico não tava normal. Aí foi quando eu comecei a desconfiar que eu não tava
bem... não tava legal.
E nessa época em que você começou a ter sentir essas fisgadas, a desconfiar
de alguma coisa, emocionalmente tinha alguma coisa que estava te
incomodando, perturbando, te aborrecendo mais, te deixando mais tensa?
Só o meu ex-marido; ele sempre fez... sempre teve o dom. Meus filhos... Com
uns 3 anos que a gente está separado, ele sempre teve o dom de me
aborrecer, entendeu? Então ele sempre me aborreceu, ele sempre fez questão
de... se eu tô bem ele aprontar alguma pra me ver mal, entendeu? Para mim
ficar mal. Então ele me aborreceu bastante. (É...)
Como foi para você ter recebido o diagnóstico?
Foi um choque. Foi... Me deu... aquele desespero. Primeiro o desespero, né? E
depois... Deu aquela fase de desespero, que eu chorei, que eu... fiquei
desesperada, eu achei que eu ia morrer. E depois veio a... a consciência,
assim, de: Não!... Né? Vai, se... Deus existe e ele vai me ajudar e...
entendeu?
E eu me apeguei mais ainda na minha religião depois disso. Porque quando eu
descobri, a primeira coisa que veio na minha cabeça foi procurar, os centros
onde eu freqüento, conversar com as pessoas que sempre me acompanharam
no centro, entendeu? E eles começarem, também, a me ajudar o meu lado
psicológico, né? Pra não deixar... Que isso era... que eu não precisava me
preocupar, que ia ser rápido, que ia sair, que iam... E eu acreditei nisso,
entendeu? Acho que mais ainda do que eu acreditava antes, então eu me
apeguei àquilo. E aquilo ali, entendeu, ainda é... na minha cabeça não saiu
mais.
Então fiz todo o acompanhamento, além da cirurgia, acompanhamento no
centro e dos... Tratamento no centro, entendeu?
Então vamos dizer assim: paralelo ao que você estava fazendo aqui no
hospital... (Eu tô... eu fiz o meu tratamento espiritual.) Você fez um tratamento
espiritual. (Fiz o meu tratamento espiritual.) Te ajudou?
Me ajudou muito. (É?) E me ajuda até hoje. Me ajuda, porque às vezes quando
eu não tô legal, o primeiro... refúgio é... é conversar com as pessoas de lá, ir lá,
entendeu? É... Entendeu? Mas me ajudou muito.
Você me falou que estava sozinha no dia em que recebeu o diagnóstico, e que
também ficou aguardando um certo tempo até você fazer a cirurgia .....
(É, foi um mês.)
Como é que você encarou esse período todo?
(Ah, foi difícil...) Eu também estava sozinha nesse período, foi difícil.)
205
Você também falou que havia perdido o seu plano de saúde, não é ?
É e tudo isso foi muito difícil para mim. Perder o plano, justo quando eu mais
precisava. Correr para encontrar um lugar no serviço público, que eu tinha uma
visão muito péssima, para aguardar atendimento e depois aguardar para fazer
a cirurgia. (Foi difícil.)
Foi difícil... Foi difícil. Primeiro que eu quis viajar, quis ver meu pai, porque eu
achava que eu ia morrer, não ia ver meu pai, o ia ver mais a minha mãe,
entendeu? E eu fui viajar, fiquei duas semanas. Larguei tudo, a minha casa na
mão da minha irmã. Falei: -Olha, eu vou, não...... simplesmente falando que
se eu não voltar da minha cirurgia, pelo menos eu vi eles que já fazia 6, 7
anos que eu não os via, né? E eles, eu precisava falar para eles isso
pessoalmente também, não preci... não dava pra falar por telefone, entendeu?
Então foi difícil por isso. Voltei de viagem na quinta feira, no domingo eu
internei, entendeu?
Quer dizer, foi... eu confesso, muito corrido de fazer inxame, de fazer... Acho
que o tempo passou tão rápido, que eu não... não caiu a minha ficha, assim;
dizer assim: -Não..., quando eu vi eu já tava na sala de cirurgia, entendeu?
Então, assim, quando me acordaram, às 7 horas da manhã... não, 5 horas da
manhã, que eu tinha que tá na sala de cirurgia[?] às 7, né, no Centro Cirúrgico,
eu... que aí eu falei: -Não, é real, né? Eu vou operar e..., entendeu? Aí foi
que... que parou.
Mas, assim, na... no... nesse período de um mês a minha vida foi muito, foi
muita coisa pra mim...,acontecendo ao mesmo tempo, entendeu? Se não
tivesse acontecido talvez essa correria de eu viajar, de fazer tudo, talvez eu
tivesse dado uma pirada legal. Mas como teve essa... E também cheguei lá,
teve o apoio dos meus pais, né? Que eu não tinha que esquentar a minha
cabeça, que eu tava... que eu ia ficar bem, que eles... minhas primas.
Foi bom também, porque todas as minhas primas que nunca fizeram
mamografia, que nunca fizeram nenhum tipo de tratamento, todo o mundo
correu pro mastologista, né? Isso me fez bem, entendeu? Hoje elas me liga: -
Ah, eu fiz a minha mamografia, não deu nada. A outra liga, -Ah, com um
carocinho, mas é... não tem nada demais, vou tirar., a outra... Quer dizer,
todo o mundo resolveu se cuidar, entendeu? Porque ninguém até aí, todas na
mesma faixa etária minha ninguém tava nem... Nem aí. Mas para mim foi
bom, entendeu? Eu acho que eu fiz um bem para elas.
E o que você achou da maneira como você foi informada sobre o seu
diagnóstico?
Ah, .. eu achei que foi muito a sangue-frio. (Hã...) A maneira que ele me falou
foi muito assim, sabe? Ele só perguntou pra mim: -Cê tem a cabeça boa?, -
Tenho. -Tem câncer de mama! Entendeu? Tanto que quando eu vim aqui
conversar com o doutor, ele fez aquela reuniãozinha ali nessa salinha... das
pacientes novas, e ele perguntou pra mim assim: -Você, o que tem? Eu
falei: -Eu tenho câncer de mama. Ele olhou assim pra mim: -Mas assim, né?
Então... -Determinada! [?] Eu falei: -Foi assim que o médico me deu a
notícia, eu vou fazer o quê, né? Quer dizer, já fiz... -O que é que o médico
falou pra você?, -Não, ele falou que eu tenho câncer. Daí, ele: -Nossa,
determinada. Eu falei: -Depois do choque que ele me deu...
Então eu acho assim, que a maneira que ele falou pra mim foi muito... ele não
me preparou nem um pouquinho, entendeu? E eu, passava tudo pela minha
206
cabeça, menos que era câncer; em nenhum momento passou, entendeu? E
nem assim, dizer assim, de suspeitar: -Não, e se for um câncer... Né, porque
a gente... né, nem suspeita não passava pela minha cabeça, porque eu
acreditava no meu médico, eu achava que ele tava falando a verdade.
Tem alguém te acompanhando desde o diagnóstico até agora no teu
tratamento?
Como assim? Alguém veio junto com você no dia em que você recebeu o
diagnóstico? Alguém estava com você quando você se internou para fazer a
cirurgia ? Alguém tem te acompanhado nas sessões de quimio ou de radio ?
Tudo eu fiz sozinha, inclusive os exames. Todas as quimiosterapia... só veio a
primeira vez veio a minha irmã, que veio comigo, mas pra, que eu achei
que eu ia sair passando... caindo lá, né? Depois que eu vi que não era nada
disso. Tô fazendo terapia todos os dias, sempre fui sozinha, entendeu? Pra vim
aqui no... no doutor... Cê tem que tirar pontos... Só no dia que eu vim tirar o
dreno, que veio meu namorado é ruim que ele trabalha de domingo e[?]
[trecho inaudível] não tem; se dependesse dele, tadinho, ele vinha todos os
dias, todas as horas, mas infelizmente ele tem... Tem, tem que ter horários a
cumprir, entendeu? (Hum, hum.)
Mas... sempre fui sozinha. Às vezes me fazia mal isso, entendeu? Porque eu
vejo sempre as pessoas acompanhada... Às vezes me dava aquela tristeza.
Pô, falei: -Pô, e eu sempre sozinha, quer dizer, o tem ... A sensação que
dá é que eu não tenho ninguém, entendeu? (Hum, hum.) Mas tirar a minha
irmã de casa pra me acompanhar atrapalharia o trabalho dela, né? Tem, tem
que fazer almoço, tem que mandar a minha filha pra escola de... que ela tinha
essas obrigações, entendeu? (Hum, hum.) Então... Então não é justo eu tirar
ela de lá meio dia, ela fica aqui, sendo que 1 hora ela tinha que pôr a minha
filha na perua, entendeu? Aí, eu... Nela, em relação a ela não, mas às vezes eu
sentia, assim, meio eu pra baixo, então... e depois... Mas passou, foi um[?]...
significa que eu estou bem, que eu posso andar sozinha, um... O ruim seria se
eu não pudesse pegar um ônibus sozinha ir sozinha, voltar sozinha, fazer...
Mas graças a Deus eu posso. Entendeu?
Como você percebe a origem da sua doença? Você acha que ela é um castigo;
ela é uma decisão de Deus; ela é um resultado de uma falta de cuidado de você
com você mesma; ela é responsabilidade de uma outra pessoa você não tem
nada a ver com isso; ela é uma forma de você aprender alguma coisa na vida
ou você acha que ela é um processo natural do envelhecimento do nosso
organismo?
Não, eu não acho que seja um processo natural de envelhecimento: a minha tia
morreu antes de ontem com 84 anos e nunca teve câncer de mama. [risos]
Essa eu já descarto, não é, entendeu? Minha mãe tem 74 e o tem...
entendeu? Conheço um monte de pessoas de idade que não têm, então não é
um processo de envelhecimento. Eu acho que assim... Pro lado da minha
religião, eu acho que é um... uma maneira de recomeçar a minha vida; eu vejo
hoje assim. É um recomeço, entendeu? (Hum, hum.) Não é... -Ai, Deus, ai,
por que eu?, entendeu?
Eu... Pra mim, Ele me deu uma chance de começar de novo, entendeu? E de
uma maneira diferente, entendeu? Mais consciente de que as coisas
acontecem, que as doenças existem, que pode acontecer com qualquer um de
207
nós não é... -Não, acontece com a pessoa que nunca se cuidou, com a
pessoa que nunca procurou um médico, porque a pessoa nunca foi num
ginecologista, nunca foi numa... entendeu? (Hum, hum.) Não é com... não é
assim que acontece. Então, pra mim, eu vejo como um... um recomeço. Um
recomeço de vida, uma nova chance que eu tive de fazer... começar de novo a
minha vida, só que tudo em... de maneira diferente.
Como é que você percebe a tua doença em relação ao teu corpo: você percebe
essa doença fora do teu corpo; dentro do teu corpo mas isolada de qualquer
afeto que se relacione com ela; no teu corpo e acompanhada de afetos... (Não
entendi.) Voacha assim: ela não está no meu corpo, ela esfora e provocou
alguma coisa dentro do meu corpo; ela se originou dentro do corpo mas não
tem nada a ver com afetos que possam estar relacionado ao surgimento dessa
doença., ou ela está dentro do seu corpo... ou esteve dentro do meu corpo e
está relacionada a afetos que se relacionaram com ela.
Eu acredito nessa última hipótese que você colocou, entendeu? Afetos. E ela
está dentro do meu corpo. isso. (Que tipo de afetos, assim, você poderia
falar, que talvez pudessem estar relacionados a essa doença dentro do
teu corpo?)
Ai, como é que eu posso te explicar? É porque às vezes o organismo da
gente... então ele absorve muitas coisas, dependendo da tua vida, do teu
emocional, do... da tua... da tua... de como tu levou tua vida, entendeu? (Hum,
hum.) Assim, se você é uma pessoa que tem uma vida mais saudável então,
você é jovem e depois você vai ter uma velhice mais saudável , se é uma
pessoa que teve uma vida mais... né? Tumultuada, muito trabalho... é... bebida,
cigarro, festas... entendeu?, (Hã?) decepções, amores... entendeu? Tristezas,
não é? Você conse... acaba atraindo para você, pra tua saúde alguma coisa,
entendeu? Então, eu acho que aí, entendeu, o ponto. Entendeu? (Hum,
hum.)
Então o lado emocional conta muito, de como tu vive a tua vida do teu dia-a-
dia. Entendeu? Eu, eu acredito, assim... Talvez eu até teja errada, mas...
entendeu?, eu acho assim, que nos meus 45 anos de vida eu tive muitas
coisas boas, mas eu tive muitas coisas que me deixaram muito triste, me
magoaram muito. Sabe, assim? Então... contribuíram pra um... pra alguma
coisa de ruim que atingiu meu corpo, entendeu? De... de trazer alguma coisa
de ruim, entendeu?
Quando eu falo pra você do recomeço é isso, porque graças a Deus, assim, eu
acho que com a minha fé, com a minha religião eu consegui... né? Os médicos,
lógico, foram lá com as mãos deles pra arrancar a doença. Mas, assim,
espiritualmente, me, renovou esse lado, entendeu? De não me magoar tanto,
de não... sabe? De não guardar muito rancor... Assim, determinadas
pessoas... Ou qualquer coisa você: -Ai..., e desesperar, -Porque, aí, eu não
vou conseguir pagar isso, eu não vou conseguir fazer.
Hoje eu me... vejo a minha vida totalmente diferente: -Vou conseguir e
acabou., entendeu? Às vezes, minha irmã: -Ai, como é que tu consegue?. -
Eu vou conseguir! , entendeu? Amanhã é, é outro dia, eu vou sofrer hoje, não
vou sofrer o dia de amanhã vou viver hoje, amanhã é outro dia. Então eu vejo
muito por esse lado.
208
O que você pensou com relação às possíveis reações dos seus amigos, dos
seus familiares, eles sabendo que você tinha diagnóstico de câncer de mama ?
Não, não me preocupei com isso não. Eu nunca escondi de ninguém, nunca,
assim, fiz, assim, usei meio termos pra dizer o que que era o meu problema,
entendeu? Então já, assim, quem são os... eu tenho poucos amigos, mas os
amigos que eu tenho são amigos pra sempre, é o que eu falo. Minhas amigas
são a mesma coisa. Não adianta[?] ter milhares sem você ter um que é real,
entendeu? (Hum, hum.) Então minhas amizades o todas amizades de 10
anos, de 15 anos, são amizades que... às vezes fica um ano sem se falar, mas,
sabe? Se reencontram, quando souberam, entendeu?
Nunca escondi, nunca. Desde o diagnóstico todo o mundo ficou sabendo.
Eu falo, assim, todo o mundo já... A minha mãe ainda falou, logo quando eu
falei: -Ai, mãe, não conta pra ninguém!, -Não tem porquê não contar pra
ninguém., entendeu? Então, eu fui assim... meus amigos não... A única, por
parte de família mesmo, que me decepcionaram muito é a família do meu ex-
marido. Que era assim: eu só tinha eles aqui, de família. Minha irmã morava
no Nordeste. Não tinha mais ninguém. Eles e meus filhos. Então, o que que a
gente faz, a gente cria um vínculo, daí eu penso ........ Não, porque nas horas
boas, de bonança, de festas, -Você é minha filha, você é parte da família! Na,
na hora do, do aperto, o filho dela é filho deles, e eu não sou mais ninguém,
entendeu?
Então a decepção foi com eles, entendeu? Entre aspas, porque o foram
todos da família. Tem a irmã dele, que trabalha aqui, que acho que... não sei
nem se cê conhece, que é a Nádia, que trabalha no SVO. É Nádia Cristina. Ela
me... Nossa, é uma pessoa maravilhosa, me ajudou muito aqui mesmo, em
negócio de inxame, de correr atrás de biopsia, de mandar os negócio pra...
ela que... Até hoje, se eu precisar dela, -Nádia, isso e isso., ela vai correndo.
Tem uma irmã dele que nunca foi me visitar, entendeu? -Ai, porque você é
minha irmã, porque não sei o quê..., sabe, aquele negócio? Então, nunca foi
me visitar. Eu operei já... né?... (Hum...) vai fazer um ano quase e nunca foi
visitar. A mãe dele foi me visitar uma única vez, entendeu? Quer dizer, se eu
tivesse morrido ou não, não teria feito diferença. É a sensação que eu tenho,
entendeu? Que, se eu tivesse... Aí, eu tô bem; hoje eu bem, todo o mundo
me vê na rua, aí chegam na Quilá[?], falam que eu tô bem. -Ai, vai ter
aniversário de fulana, você vem? Eu falo: -Não, não vou. -Ai, mas por quê?
Eu falei: -Meu, na hora que eu precisei, na hora que eu estava aqui na minha
cama ninguém veio me visitar. Agora que eu tô bem e tal, aí... Querem que eu
vá a festinha? Meu...
Então, deles eu tive aquela[?] decepção, agora, o resto dos meus amigos
pobres, como meu ex-marido fala, né? Porque eles não têm porcaria nenhuma,
mas se acham, sabe? Carro... Come ovo e arrota caviar, para falar o português
claro. ([risos]) É, anda de carro zero, mas não... não tem dinheiro no bolso
que, eu eu prefiro ter dinheiro no bolso e andar de ônibus... Comigo funciona
assim, entendeu? Então ele fala assim, que as minhas amizade é tudo de
gente pobre, que não me acrescentava em nada. Mas são os meus amigos e
as minhas amigas de verdade, que eu trago desde lá detrás, entendeu? (Hum,
hum.) Que como eu, às vezes, muitas vezes eu jogo isso na cara dele, eu falo:
-Eu tenho amigos, você não. Você tem colegas, do trabalho, mas eu tenho
amigos e eu tenho amigas que, se eu precisar amanhã, se eu precisar a hora
que for elas estão aqui do meu lado., entendeu? Então, quanto a isso... (E
209
eles te ajudaram, te apoiaram?) Sempre, sempre, sempre, sempre. Sempre
me apoiando...
Como que você percebeu que estava com um caroço na mama ou algum
problema na mama? Foi: apalpando; apareceu alguma lesão, alguma coisa
estranha que você falou: -Ôpa, tem alguma coisa estranha aquiou você não
percebeu, só quando foi dado realmente o diagnóstico para você ou foi de uma
outra forma que você percebeu... (Não...) que você tinha um caroço ou alguma
coisa?
Eu percebi.... eu percebi que começou a ficar estranho primeiro porque eu
sentia, quando eu ia tomar banho, principalmente, que eu ia lavar o mamilo,
estava meio duro. Aí começou a criar uma, tipo uma lesãozinha em volta. Foi
quando eu percebi que tinha alguma coisa errada.
Você poderia falar de três sintomas que você sentiu ao perceber que tinha
alguma coisa na mama?
Primeiro foi um dia que a gente tava junto, eu com o meu namorado né?, que
lógico, né? ele tá lá na... na euforia de ele tocar e eu sentí doer, entendeu? E
eu não... Aí, a partir daí eu comecei... Aí eu fui tomar banho, e percebi que não
tava legal, que não tava normal, que ele tava... E se eu tentasse puxar, assim,
tentasse fazer com que ele ficasse... Pra fora, ele doía, entendeu? (Tá.) E...
dores, como se fosse agulhinhas. (Pontudas?) É, assim, e no bico mesmo,
como se fosse um monte de agulhinhas fisgando. (Saía alguma secreção...)
Não. (Não?) Não saía não. (Vermelhidão...) Não, parecia que tava, assim,
em volta do mamilo, onde eu tava... aquele negócio, como eu fui afundando, foi
como se tivesse um corte em volta. (Entendeu? Pra... a impressão que dava é
que tava cortando ali. Mas não saía nada, não saía nenhuma sujeira.
Fala para mim em uma palavra o que você sentiu quando vo recebeu o
diagnóstico, quando o médico falou, a sangue-frio, como você me descreu:
-Ó, é um câncer de mama.
É desespero.
O que tem sido mais difícil pra você depois do diagnóstico: conviver sem a sua
mama, medo de morrer, medo de ser discriminado ou alguma outra coisa que,
para você tem sido mais difícil depois que você teve o diagnóstico.
Não, o medo que eu tinha, que eu acho que[?]... Mas o que eu mais tinha
mesmo era esse medo de morrer. Né? Porque eu acho que é a primeira coisa:
meus filhos vão ficar como?... Mas é mais por eles, entendeu? Mais medo de
morrer mesmo.
E se você pudesse falar em 3 palavras o que mudou na sua vida depois do
diagnóstico?
Tudo, tudo mudou na minha vida. Mudou tudo, tudo: minha rotina, mudou a
minha maneira de pensar, a minha... mudou a minha maneira até de me
comportar mesmo, de... Entendeu? Mudou tudo.
210
Por exemplo, quando você fala assim maneira de pensar, o que mudou na
tua maneira de pensar?
Acho que eu fiquei menos egoísta, entendeu? Com meus[?]... Consigo hoje
pensar mais nas outras pessoas, entendeu? Nunca deixei de ajudar, sempre
gostei de ajudar muito as outras pessoas, mas hoje mais ainda, entendeu?
(Hum, hum.) E isso foi um, um fato importante pra mim, mas... Outra coisa que
mudou: no início, eu tinha medo do preconceito realmente das pessoas. Por
exemplo, sair sem peruca, o... as pessoas me olhavam. Se eu saísse de
peruca eu ficava mal, porque achava que tava torto se eu... me olhava
porque tava torto, não me olhava porque tava bonitinha. Se eu tava sem peruca
me olhava porque achava... discriminar... Criaria assim de surpresa, né?
Porque vê uma pessoa careca acha que com AIDS, né? Geralmente o ser
humano pensa assim, né? Nunca passa pela cabeça que aquilo é um
tratamento, que você vai... entendeu? Mas eu tinha muita, muita cisma com a
discriminação das pessoa, da maneira de elas me olharem. Entendeu? Isso
me incomodava um pouco.
E até então, antes isso... você nunca tinha se preocupado com isso?
Não. Eu, eu sempre fui muito vaidosa, sempre gostei de me arrumar muito,
meu cabelo tá sempre muito bem arrumado, meu cabelo muito bonito, lisinho,
comprido... E, do nada, tu vê... né? Caiu tudo. Mexeu um bocado, e... mas
eu, o preconceito, a discriminação das pessoas era que incomodava. Às vezes
a minha filha falava que era coisa da minha cabeça. Se eu, alguém olhasse pra
mim, já tava olhando porque eu tava com o cabelo baixinho, assim, e...
entendeu? Hoje não, hoje eu me sinto linda, maravilhosa, a onde... se a pessoa
olhar eu olho. Então ainda eu me inxibo um pouquinho, né? [risos]
Como está sendo pra você passar por tudo isso, ou seja, desde o diagnóstico
e os tratamentos que você tem feito. Como é que tem sido passar com tudo
isso?
É difícil, mas suportável, pra passar, entendeu? É, mas é difícil. Tem dias
que é... parar, assim... É porque eu, que eu não paro pra pensar no...
entendeu? No que aconteceu ontem, no que tá acontecendo e no que pode
acontecer amanhã. Eu vivo um dia de cada vez, entendeu? (Hum, hum.) Pelo
menos isso eu aprendi, mas que é difícil é difícil, entendeu? Então, por ter
bastante ajuda espiritual também, entendeu?
Que uma coisa que eles me ensinam muito é isso, é na hora que você for
começar a se desesperar você pensa que você passando por aquilo
porque alguma coisa cê tem que aprender com essa... uma lição com isso, né?
Então, eu fecho olho e penso nisso: qual a lição que tá aprendendo? Uma
lição muito grande, que é uma lição de vida muito, muito valiosa pra mim, né?
Entendeu? Então, pensando isso, acaba, quer dizer, passa, entendeu?
E isso te conforta? (Me conforta.) Te traz força acreditar nisso?
Bastante. Olhar pro céu e falar: -Deus, obrigada que eu viva, entendeu? E
eu sei que eu vou ficar aqui mais uns 30 anos, pelo menos.
Então você acha que o que tem te ajudado a passar por tudo isso é essa
crença... (Acho que é a minha fé.) que você tá dizendo.
A minha fé, com certeza, com certeza.
211
Você poderia falar sobre os prós, ou seja, as coisas favoráveis desse período
da sua vida : desde o diagnóstico e também as coisas desfavoráveis desde o
diagnóstico até aqui ?
Ai, as desfavoráveis... Como é que eu vou poder te explicar? Eu acho que o
que é desfavorável você passar por tudo isso é você não ter apoio de ninguém,
né? Seria uma das piores coisas, é você não ter ninguém, você... entendeu?
Graças a Deus, Deus me colocou uma pessoa na minha vida, ainda deixou ele
no pior momento, assim, da minha vida, que tu colocou, que é uma pessoa
maravilhosa - que é o que eu acho a melhor coisa de tudo isso: foi ele,
entendeu? Que, no começo eu achei que ele ia reagir de uma maneira
totalmente diferente. Não, ele tava ali sempre... sabe? A pessoa que você acha
que vai te soltar, te... -Não, isso aqui é novo pra mim, e eu vou fugir. Não,
tava... (E vocês estavam pouco tempo junto...) Pouco, pouquíssimo tempo
junto, entendeu? E hoje ele me ama... hoje eu... Sabe, quando voccê tem
certeza que aquela pessoa nunca vai te deixar na mão.
Então eu acho que muito, muito do meu tratamento, a melhor coisa que
aconteceu na minha vida foi realmente tá, ter ele comigo, entendeu? (Hum,
hum.) E antes disso não p... Eu acho que ta... se eu não tivesse ele eu talvez
não tivesse bem como eu hoje. Porque apesar de tudo, ficar sem cabelo,
sem um peito, sem tudo, você se sentir amada eu acho que está acima de
qualquer coisa. Acho que pra mulher principalmente, né? Porque se eu não
tivesse ele, eu ia, ia tá me sentindo um... Ia até ter pavor de tirar... porque eu
achava que eu ia ter pavor de tirar minha roupa pra um homem de novo, né?
Quer dizer, com ele nunca teve esse tipo de preconceito, entendeu? De chegar
na casa dele, e também de com a cabeça lisinha, sem cabelo, tirar a peruca
e eu ficar à vontade, que eu não ficava nem na frente dos meus filhos. E ele me
deixar à vontade. Então pra mim ele foi a melhor coisa mesmo depois desse
tratamento.
E coisas desfavoráveis pra você nesse período, você poderia falar ?
Ai, desfavoráveis foi... como que eu posso explicar... Não teve muita coisa
desfavorável não. Eu continuei meu trabalho, sempre trabalhando, meus filhos
sempre do meu lado, sempre levando tudo na brincadeira, tirando sempre...
brincando muito com a hist... com a situação. Desde o dia de eu conhecer meu
diagnóstico a primeira coisa que eu falei... Que eu acho que foi o mais difícil da
minha parte, foi falar pra eles. Mas eu falei, assim, né?... Querendo ou não meu
filho ainda: -Mãe, cê tá brincando! Mas não...
E desfavorável pra mim, na época, foi esse desespero de eu achar que eu ia
pro hospital público e que eu ia... pra uma carnificina, ? Porque... a cabeça
da gente acha isso, né? E comigo foi ao contrário, graças a Deus, totalmente o
inverso, né? Mas o meu medo era esse.
De você não receber um tratamento...
De eu não receber um tratamento adequado, entendeu? E hoje eu me
surpreendo porque... e olha... Foi tratamento de, como diz? de Primeiro Mundo,
entendeu? Isso eu falo sempre para o doutor . O tratamento aqui foi de
Primeiro Mundo. Ele fala assim: -Eu trato meus pacientes como se eu tivesse
nos Estados Unidos. Eu falei: -Eu estou me sentindo como se eu estivesse,
talvez, lá., que eu nunca fui lá, mas de repente o tratamento pra quem tem
câncer talvez seja tão, tão maravilhoso, né? E as pessoas...
212
E eu acho que eu aprendi uma coisa... assim, falar muito pras pessoas do que
é isso aqui, o que que é o tratamento desse hospital, entendeu? Que... Que
ele, esse hospital, faz pras pessoas... Que, a pessoa só sabe criticar, né? -Ah,
porque o Guilherme Alves...... você tem que esperar não sei quanto tempo...,
que não sei o que... E eles fazem muita coisa pra muita gente aqui. E... e essas
pessoas às vezes esquecem, ? Ou as pessoas não conseguem enxergar o
que é feito aqui.
Você crê em Deus, num ser superior?
Eu creio, creio em Deus, e muito.
O que essa crença faz na sua vida atualmente?
Faz tudo. Tudo de bom. Todos os dias de manhã, quando eu acordo, abro o
olho... Acordar, trabalhar, sair, entendeu? Tudo, ela faz tudo de bom. A melhor
coisa é você acordar e falar bom dia pra Ele: -Bom dia, Deus, estou viva de
novo, ó! O dia... Pode tá chovendo, pode fazendo sol, pode como for,
você acordar, ter o sorrido dos meus filhos... que é Ele! Tudo, Ele em todos
os lugares.
Foi sempre assim? Você sempre pensou desse jeito?
Não. Não. Como é que era e como é que passou a ser assim?) Olha, antes eu
acreditava que existia uma coisa maior, mas ... nenhuma religião me
satisfazia. (Antes, você falando...) É... (Antes do diagnóstico, ou antes...?)
Não, antes de eu, de eu optar por religião. Antes do diagnóstico eu tinha a
minha religião, mas, assim, eu tinha a minha fé, mas, aquela fé, assim, né?
Que, como diz, Deus ajuda... quem madruga. Então ele me ajudava, mas eu
tinha que trabalhar bastante, né? Se não tu não... E a hoje é assim. Mas,
depois do diagnóstico é que eu vi que ele me ajuda mais do que se eu só
trabalhar bastante, entendeu? Não é assim: não, se eu tiver ralando o dia
inteiro que ele vai me ajudar, não. Ele me ajudou de outra maneira, entendeu?
Então...
Então você acha assim, que depois do diagnóstico... (Depois do diagnóstico...)
mudou...
A minha fé aumentou muito, entendeu? Minha fé aumentou bastante. (E você
acha que além de ter aumentado ela mudou em alguma coisa. Além desse
aumento, como você falou...) (-Olha, antes eu dizia: -Ah, Ele ajuda quem cedo
madruga...’”) Madruga... (... então eu madrugava para ele me ajudar... ) Me
ajudar, lógico. (Não é?).
E depois do diagnóstico, como é que você percebe essa fé ?
Ai, das melhores maneiras possíveis, entendeu? Porque eu acho que se não
tivesse essa fé eu não taria tão bem, entendeu? Se não fosse a minha fé,
entendeu? Por isso que mudou mais, me deu mais... Eu passei a acreditar eu
já acreditava , a acreditar 10 vezes mais, entendeu? E a agradecer 10 vezes
mais, porque a gente só lembra de agradecer na hora que a gente tá bem.
Depois quando cê ruim , lembra de reclamar, entendeu? Então, eu
aprendi a não reclamar, entendeu? Mesmo nos piores momentos, eu...
agradecer, porque os piores momentos vêm pra que você aprenda: tropece,
caia, levante e continue, entendeu? Então eu aprendi isso.
213
O que você recomendaria para uma pessoa que fosse passar pelo mesmo
momento que você passou até agora . Vamos imaginar que eu sou uma pessoa
e que vou passar pelo esse mesmo processo que você passou. O que você
me recomendaria?
Ah, acreditar muito em Deus, ter muita fé em Deus, acreditar muito na sua
capacidade de superar... de que você vai agüentar. Falar pra você todos os
dias: -Eu sou forte, eu vou conseguir e eu vou..., entendeu? Porque isso é a
melhor coisa. Quando cê fala: eu sou um fraco, eu sou um fracassado, é a
pior coisa que existe pra um ser humano. Cê tem que dizer todos os dias,
quando cê deita e quando cê levanta, quando... depois do teu dia, que você vai
conseguir. Eu nunca falo palavra assim Não, eu não vou conseguir.. Eu
nunca, nunca digo isso pra mim, entendeu? Nem em pensamentos. Às vezes
minha irmã fala: -Ah, mas amanhã tu tem que pagar não sei quanto, como é
que tu vai fazer hoje?... -Eu vou conseguir., entendeu? E consigo, entendeu?
Então, eu sempre consigo porque eu tenho naquilo que eu falo, não é eu
falar, entendeu? Então... Aí, quando vai, pensa em fazer, é a acima de
qualquer coisa, é: -Eu vou passar por isso, eu vou sobreviver a isso, eu vou
ficar bem nisso, eu não vou até na quimioterapia, assim - , eu não vou
vomitar. Porque eu falava pra mim. Às vezes, lá injetado, querendo me dar mal
estar, e eu falava... -Não, eu consigo..., falava isso aí[?]: -Eu não vou passar
mal.. As duas já... -Cê bem, ? -Eu ótima!. Eu falava pra mim mesma
que eu não ia passar, e eu saía dali convicta que eu não ia passar mal, e eu
não passava mal, entendeu? Então, era a minha força, então... entendeu?
Porque se você perde isso, entendeu? Por isso que eu falo, se fosse pra
uma contribuição, eu falava: -Fé, acima de qualquer coisa, e acreditar em
você.
O que vem à tua cabeça quando eu falo a palavra Deus?
Ah, eu amo muito. Uma coisa sem proporção de tamanho. Não tem... Como é
que eu vou falar...? Não tem como você medir o tamanho que é a palavra
Deus, né? Então, vem... são coisas boas. (Como, por exemplo...?) Como... a
vida. Tem coisa melhor que a vida? Tem coisa... Não tem coisa melhor que a
vida, não tem coisas melhor que os teus filhos, que... entendeu? Que minha
casa, quem chegar em casa agora... A minha casa agora, tá lá meus filho,
meus cachorro, minha irmã, entendeu? As minhas amigas, provavelmente. Eu
vou ir passar na minha rua agora, todo mundo vai olhar pra mim e falar: -Ai,
Maria, como você bem! Olha, você tá bonita, que vo... e não tem coisa
melhor. Eu acho que nada, entendeu, paga isso. Então... Pra mim Deus é isso
tudo.
E o que que isso tem a ver com você?
Tudo. [risos]
Foi sempre assim?
Não. (Não?) Não, teve fases que eu não acreditava mais em Deus, teve fases
assim de que eu não... não tinha religião, eu não... entendeu? Que, hoje eu falo
assim: -Nossa, como eu fui uma indiota, eu tinha saúde, eu era jovem, bonita,
eu tinha saúde, e reclamava de qualquer coisa da vida. Às vezes, quando eu
vejo a minha filha de 23 ano reclamar... Nossa! Eu fico... Ela passando...
falando que ia passar por psicólogo porque ela tava... Eu falei: -Olha, vem cá.
214
Olha, Deus[?]..., tirei a peruca, que eu tava sem cabelo, tirei a minha blusa...
Eu falei: -Olha pra mim. Eu tenho razões pra procurando psicólogo, pra
em depressão? Ela: -Ai, mãe, lógico que tem, eu não gosto de ver você... Aí
eu falei: -Mas eu tenho que me ver assim, eu tenho que me gostar assim. Viu,
não tenho... eu tenho motivo pra depressão? Qual motivo tem, minha
filha? Você tem 23 anos, você tá esperando o teu filho, você trabalha, você tem
um marido, o que... entendeu? Olha, alevanta a tua cabeça e ora assim: -
Deus, obrigada, porque eu tô... Porque quando eu tinha a sua idade eu
pensava essas mesmas besteiras, entendeu?
Então, por isso que eu falo, não foi sempre assim, entendeu? Eu precisei de
uma escada e de uma... de eu ter passado por um monte de coisa, então[?]...
e passar pelo pior, que foi, no caso, o diagnóstico de câncer de mama pra
realmente hoje ver as coisas totalmente diferente.
E o que vem à tua cabeça quando eu falo a palavra esperança?
Esperança acho que de... de todos... Quando nós perdemos isso, perdeu
tudo, entendeu? Acho que... não tem... Como diz, a esperança é a última que
morre, e ela não morre nunca. Não é a última que morre, ela nunca morre. Não
pode morrer nunca.
E o que isso tem a ver com você?
Ah, acho que tudo (É?). Tenho esperança em muita coisa ainda. Então, eu
quero ser muito feliz, de ver todos os meus filhos casados, entendeu? De ver
meus netos crescendo e... de viver. Só.
Você acha que essa esperança tem te ajudado nesse período?
Muito. Nossa, muito, sem ela eu... Ela tá em tudo também, né? A esperança...
Não ter esperança em nada... entendeu? Eu tenho esperança a cada dia; a
cada dia você tem uma esperança nova, de alguma coisa nova, de... sempre
de coisas novas.
O que ajuda você a manter viva essa esperança?
Ai, meu trabalho, minha vontade de viver e... as pessoas que eu amo, as
pessoas que me amam, que tão a minha volta. E não... E sem eles a gente não
é nada, né? E então a esperança é isso, principalmente o meu trabalho, eu
adoro o que eu faço. Nossa, eu faço com um amor tão grande que é por isso
que eu faço as coisas, coloco na loja, as pessoas amam, admiram, elogiam,
entendeu? É porque eu... É tudo. (Você põe amor...) Ponho em tudo. Não, em
tudo. Por isso que até meu namorado às vezes fala que a concorrência é
grande. [risos] Ele fala que eu amo tanto o meu trabalho quanto eu adoro ele.
E qual a importância dessa esperança, nesse momento da sua vida?
Muito importante, muito. Nossa ela tem importância... sem tamanho. Não tem,
não dá nem pra dizer, ó... a proporção dela.
215
Você sente que ela te dá apoio para você estar conseguindo ter essa fibra para
continuar lutando, trabalhando, procurando coisas melhores pra você. Ela
serviria como um apoio (Eu acho.) para você estar enfrentando essas
dificuldades... (Com certeza.) Ou alguma outra coisa diferente que você sente
pela importância que ela tem na tua vida?
Não, não, acho que cê descreveu muito bem.
E o que vem na tua cabeça quando eu falo a palavra enfrentando a doença?
Ih, difícil essa, hein? Porque... Não vem à cabeça. Eu acho assim, que a gente
enfrenta porque a gente é obrigada enfrentar, né? Quando você recebe um
diagnóstico desse, se você pudesse se enfiar debaixo da mesa e dizer: -Não é
comigo., seria bom. Então você tem que criar uma força em você, com o
tempo[?], pra enfrentar, entendeu? Então, é... e é complicado porque não
pra você dizer: -Não, que vopode enfrentar por mim?, né? Se fosse assim,
minha mãe... a gente que é mãe podia pegar todos os pepinos dos nossos
filhos e dizer assim: -Não, vai viver que eu resolvo tudo., né? Entendeu?
Então é... é complicado.
E o que isso tem a ver com o que você está vivendo? O que você tem feito até
agora pra enfrentar essa doença tem te ajudado, tem resolvido?
Tem, tem. Tem me ajudado e muito. Acho que tem... 90%, entendeu? Me
ajuda.
Apenas para repetir novamente: o que você tem feito, tem te ajudado a
enfrentar essa doença ?
Olha, eu tenho ido a muitas palestras dos centros onde eu freqüento, eu tenho
conversado muito com Deus, sozinha no meu quarto, na minha cama. Porque
eu acho que Ele... Ele não quer você lá dentro de uma igreja berrando,
gritando, é... Ele quer conversar, eu converso ... pelo menos eu falo assim: Ele,
é... Ele, eu gosto de conversar com Ele, assim, a s, eu e Ele no meu canto,
entendeu? (Hum, hum.) Então eu converso muito com Ele, entendeu? Antes
eu questionava: Por quê? Hoje eu não questiono mais, Por que comigo? Por
quê? Porque a primeira coisinha[?] eu ia perguntar: Por que comigo? Né, eu
nunca fiz mal a ninguém, eu o... eu sempre ajudei todo mundo que me
ajuda até ajudo. Entendeu? Então, a minha conversa[?] com ele é assim. Eu
falo... hoje eu falo que teve um objetivo, né? Que acontecer isso comigo tinha
um objetivo Dele para comigo, talvez pra me melhorar como ser humano e pra
me mostrar esse novo começo na minha vida, entendeu? Então, é assim que,
que eu vejo.
E isso tem a ver com a maneira como você está enfrentando o tratamento e a
doença?
Tem. (Tem?) Tem, e muito. (Tem resolvido?) Tem, bastante.
E o que você falaria desses resultados, dessas maneiras que você tem usado
para estar enfrentando tudo isso, desde o diagnostico até agora o tratamento.?
Ah, eu que... Como é que eu poderia te falar isso? Ah, é que foi... que ... mexeu
com a minha cabeça mexeu, mas que hoje não... É assim, quando a gente
recebe um diagnóstico desse, a gente pensa que é uma coisa... né? Que,
20, 30 anos atrás era uma coisa realmente que matava algum, né? Então você
216
acostuma com... com a situação; você que não é tão... né? aquela... -Não,
isso aqui vai te matar. Não vai te matar, é... o carro pode te matar
atravessando a rua. Uma bicicleta pode te matar atravessando a rua também...
por exemplo[?], você atravessando na frente dela, ela... Bater a cabeça,
escorregar, cair de uma escada, cê pode... entendeu? Então não...
Eu acho assim, que ajudou tudo. E aí, como é que eu posso explicar isso?
Hum... Entendeu? Ajuda tudo. Acho que é... assim, o medo que eu tinha dessa
doença também acabou, entendeu? Que eu digo, eu espero o ter nenhum
outro lado do meu corpo... entendeu? (Hum, hum.) Mas se amanhã o médico
disser: -Ah, você tem um no dedão do pé, pra mim... entendeu? Não vai ser o
bicho-se-sete-cabeça como foi pra mim, porque falou em câncer já... né?
Aquela coisa toda, a gente... Pra mim, hoje não é esse bicho-papão mais...
foi.
E o que é a morte pra você?
Acho que a morte é um novo começo de novo. Você começa de novo, você vai
pra vim de novo, entendeu? (Hum?) No meu ponto de vista, quando a gente
termina a nossa missão aqui na, na... nesse plano que a gente tá, a gente tem
outras oportunidades de vim pra resgatar muita coisa que a gente deixa, né?
pra trás, ou deixa de fazer. Muita gente tem a oportunidade que eu acredito
que eu tô tendo a oportunidade de resgatar elas antes de eu ir e voltar, ainda
aqui. Que eu tive a chance de quase afundar e levantar, né? Mas, eu não vejo
ela assim, hoje eu não vejo a morte como um fim... entendeu? É um novo
começo. (Um recomeço, voltar...) É um recomeço, é, voltar; vai pra voltar,
porque ninguém vai ficar aqui pra sempre, né? Que nem, ficasse aqui 500 anos
ninguém agüentaria, neguinho ia pedir pra morrer: -Não, deixa eu ir, por favor
!Não quero mais ficar aqui. [risos]
Você me falou desses 4 filhos que você tem, desses 2 que não moram com
você? (Hum?) Eles saíram, foram embora porque eles quiseram...
Não, o meu filho mais velho, ele foi seqüestrado quando ele tinha 1 ano e 8
meses pelo meu ex-marido, pelo meu primeiro marido, e eu reencontrei ele
quando ele tinha 17 anos... entendeu? Aí, a gente teve contato, depois o pai
dele sumiu com ele de novo, não tenho mais contato com ele. Eu sei que ele
mora em São Paulo, em algum lugar, mas não tenho contato. Quer dizer, mas
eles só me acham quando eles querem, entendeu? Eu corri, procurei,
fui na Justiça, já... Ih, fiz... mexi com Deus e o mundo, mas ele mudou o
nome do menino, falsificou documentos, fez uma confusão daquela.
A minha filha morou comigo até os 21 anos. ela foi pra SãoPaulo. Ela é filha
do meu primeiro casamento. Eu só tive um filho com ele. Ela e o menino de 15
anos é filho do meu segundo casamento. Que, aí, ela ficou até os 21 anos, aí
resolveu ir pra São Paulo trabalhar lá, porque aqui ela tá... [falha na fita] lá,
ela trabalha lá em São Paulo, conheceu o marido dela lá... (Ah, ela é casada?)
É casada. Entendeu? Aí, agora, como ela agora tá de licença ela vai vim eu
tô tentando convencer ela ter o nenê aqui perto de mim, né? É essa que de
7 meses. Entendeu? O meu filho de 15 anos, eu tenho um[?]... que aí, que eles
são irmãos de pai, né? Esses dois irmãos são por parte de pai e mãe. E ele
também é um amor de menino, né? O Robson é, é uma figura. Tenho, tenho os
meus pitizinho com ele de vez em quando cê sabe, adolescente: 15 anos,
quer sair à noite, quer chegar tarde, quer não sei o quê... Entendeu? Mas a
217
minha filha de 10 anos, que é a minha filha desse meu ex-companheiro que eu
tô falando, essa é espetacular, ela é muito esperta, ela não... Se ela... Você
conversa com ela 10 minutos você não diz que ela tem 10 anos, você diz que
ela tem 17, 18 anos. Entendeu? Mas, também... é minha amigona.
Essas outras separações foram todas divórcio que você teve?
Não, eu só me casei no primeiro casamento, que eu me divorciei. Esse aqui[?],
a gente já viveu junto há...11 anos, e com o pai de, da minha filha vivemos
junto 10 anos. [trecho inaudível].) Que é a idade dela. E ela vai fazer um... Ai,
só foi 2 anos de casamento. O menino tinha 1 ano e 8 meses quando ele, o
pai dele seqüestrou ele seqüestrou ele .Então, por isso que eu falo assim: às
vezes, muitas magoazinhas que foram ficando acumuladas aqui dentro, sabe?
Porque, lógico, eu ainda era novinha, tinha 17 anos, 18 anos. Minha mãe
achava que eu sozinha ia ficar muito melhor, e se ele, levando o menino, ia
ficar, assim, melhor, e minha mãe... tanto que a minha mãe ajudou ele... a levar
o menino, entendeu?
E aí você ficou aquele tempo todo sem vê-lo...?
Aí eu vim pra São Paulo, louca atrás deles, mas demorou muito pra achar eles.
Eles que me acharam. Quando ele tava com 17 anos. Aí ele veio pra... ficou
um tempo comigo, mas o pai dele não admitia, de jeito nenhum. Aí, levou ele
de volta. Aí, eu falei: -Ah, vou fazer o que, né? É o que eu falei pra ele, eu
falei: -Tudo o que acontecer de bom e de ruim pra você na sua vida, agradeça
ou culpe seu pai, porque ele te seqüestrou uma vez, agora te levando de
novo. Eu não, eu não tenho... eu não vou me sentir culpada. E eu realmente
não me sinto culpada, entendeu?
Espero que ele teja bem, que ele tenha criado ele bem, e que ele tenha feito...
entendeu? Pro bem dele, mas, pra mim, não me senti culpada, porque se eu
roubasse ele dele eu ia fazer o possível pra eu . fazer dele um homem de bem
pra... Porque depois: -Não, cê roubou e não tinha capacidade de criar, né? Eu
só... tô falando, que é o que eu desejo. A minha filha, às vezes ela quer porque
quer ir pro... tentar achar ele. Ela fica: -Mãe, a gente vamo achar o André?
Vamo... Cê[?]... Eu falo: -Ai, um dia se ele quiser achar a gente ele acha.
Porque eu acho que ele vai por ele mesmo, entendeu? Uma hora ele vai voltar.
218
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 4
IDENTIFICAÇÃO DA PACIENTE: P4
P4, 35 anos, casada há 12 anos, uma filha de 11 anos; 2º. grau completo, do lar,
católica praticante desde a infância, Diagnóstico: final de julho de 2006; Data da
cirurgia: 28/9/2006 - mastectomia da mama esquerda; Fez radioterapia e
quimioterapia durante o período pré-operatório, respectivamente em maio de 2006 e
agosto de 2006; e também fez radioterapia e quimioterapia no período pós-
operatóriora, início: maio de 2007 e término início de junho de 2007; quimioterapia:
início novembro de 2006 e término em fevereiro de 2007.
Você me falou que levou um tempão para você fazer a mamografia. Depois que
você a fez e levou para o médico, o que ele te falou ?
Então, o dico mandou fazer o... aquele negócio de fazer a agulha, como
fala? (o agulhamento?) É, ... mandou fazer o ultra-som, depois mandou fazer
a mamografia. . Não, a ultra-som, primeiro eu fiz. E a médica me chamou, falou
pra mim procurar o mastogista [pronuncia a palavra com dificuldade]...
(Mastologista...) Aí, eu cheguei nele, ele mandou fazer mamografia, aí eu fiz a
mamografia. Aí, ele mandou fazer... Depois que eu voltei nele, ele falou pra
mim fazer o negócio da agulha. (O agulhamento?) É. é, pra ver, realmente, se
era maligno ou benigno.
Então ela começou a te falar alguma coisa sobre o que poderia estar
acontecendo com você ?
Não. Nada. Aí, eu levei, peguei o exame, como eu sou meia curiosa, eu
peguei pra olhar o exame, aí tava... Inflamatório, um negócio assim eu não
entendo desse negócio... inflamatório. Aí, eu cheguei no médico e mostrei pra
ele. Ele falou assim pra mim: -Cê abriu? Eu falei assim: -Abri. -Você
entendeu o que escrito?, eu falei assim: -Não, pra mim escrito
inflamatório. Aí ele falou assim: -Não, você tá com câncer, no peito...
Só que ele foi direto e reto comigo. Isso aí, acho que é, me deu mais
desespero, porque ele falou assim: -É, você tá com câncer. A gente vai ter que
retirar toda mama, vai ter que fazer a cirurgia, porque está grande., entendeu?
Aí eu fiquei sabendo que, que era essa doença, câncer.
Você estava sozinha quando recebeu esse diagnóstico?
Tava, eu estava indo no médico sozinha. Até a minha prima ficou com raiva,
porque o médico não podia ter feito isso comigo.
Isto aconteceu aqui no atendimento deste hospital, não entendi?
Não, não, foi. Entendeu? , ele ficou, falou isso aí. Então eu fiquei sabendo
disso, entrei no banheiro, fiquei chorando, aí eu voltei. Ai ele falou assim: -
Você vai ter que fazer este monte de exame, que a gente vai ter que fazer a
cirurgia., -Ah, tudo bem. Numa tacada só. (Você sozinha...) Sozinha...
O que você achou dessa forma que o médico te deu o diagnóstico?
Eu achei horrível, eu achei horrível, porque eu falei: -Pôxa! Falei: -Pergunta
se tava acompanhado ou não pra me dar isso daí, essa notícia, né? Aí, eu
peguei o ônibus, fui até em casa que eu moro longe pensando tudo.
Cheguei em casa chorando, no desespero, né? Me senti desesperada. Senti,
219
lógico. Isso aí é... né? Acha que vai morrer. Primeira coisa que passa pela
tua cabeça é que você vai morrer, pronto! É, que veio na cabeça foi isto,
primeira coisa, né?
Aí cheguei na minha casa, falei pro meu marido, ele falou: -O que que
aconteceu?, né? Porque ele me viu nesse estado, né? chegando... Aí eu falei
pra ele. Aí, ele falou: -Minha filha...... Eu falei assim pra ele: -Eu vou na
casa da minha tia, conversar com a minha tia... Aí, eu contei pra minha tia.
Minha tia falou assim: -Não se preocupa não, que a gente vai consultar outro
médico! -Ver a opinião do outro médico. Aí que a em... a minha prima
conseguiu marcar com o doutor . Aí, eu vim nele. Aí vim com ele, tudo...
O seu marido veio com você nesse dia, ou você...
É[?]... não, veio minha prima. É, minha prima veio... me acompanhou. Então, a
partir daí sempre minha prima e minha tia me acompanhou no médico. Aí, eu
vim, conversei com o doutor . O doutor até que foi legal, conversou, falou: -Cê
não pode pensar que é... Não, porque com essa doença, vai morrer...,
entendeu? Ele, eu acho, pelo médico que é ele, ele me animou bastante. Pelas
palavra que ele falou comigo, eu... Falou assim: -Tô, te atendendo agora,
mas eu posso sair, posso morrer. A gente não sabe a hora que a gente vai
morrer. Então você não pode pensar isso, entendeu? Ele, eu acho que ele foi
o médico que me deixou animada, porque o outro médico que me atendeu... eu
não quis nem voltar com ele depois dessa.
Então, já a partir do conversa que eu tive com o doutor , eu achei que eu tinha
mais sossegado. Aí, comecei a fazer os outros exame, e tudo, e comecei a
fazer o tratamento pra ser operada. Não, antes disso o doutor falou: -Tem que
fazer tudo os exame, e vai ter que fazer a quimioterapia. E depois a gente vai,
vai operar... Antes da cirurgia.
Então este outro médico lhe explicou melhor ? Bem melhor. Totalmente
diferente. E isso eu acho que me deixou mais sossegada e animada, pela
conversa que eu tive com ele, entendeu? Pelo menos...
E como você percebe a origem dessa doença? Você acha, que ela foi: um
castigo pra você; ela foi uma decisão de Deus Deus que decidiu que vo
deveria ter essa doença; ela é uma forma de voaprender alguma coisa na
sua vida; ela é o resultado da falta de cuidado de você com você mesma; ela é
uma responsabilidade de uma outra pessoa por causa de uma outra pessoa é
que voficou com essa doença, ou você acha que essa doença faz parte do
nosso processo normal de envelhecimento.
Não, eu acho que foi por uma provação que eu passei, entendeu? Por um lado,
por também não ter ido no médico, tudo isso. E também uma provação, porque
eu acho... a gente tá passando por uma provação, né? É, eu acho.
Passar por uma provação, o que é isso pra você? Uma provação, uma...
Deixa ver, é... Acho que Deus coloca no nosso caminho pra ver se a gente se
supera ou não, entendeu? Dificuldade, tudo isso. Eu acho isso.
220
Você acha que essa doença estava fora de vo e depois apareceu no teu
corpo ou seja, foi causada por uma coisa de fora, que fez com que essa
doença aparecesse no teu corpo; você acha que ela estava dentro do teu
corpo, mas não estava relacionada, não tinha nada a ver com os teus afetos,
com o que você sente, ou você acha que ela estava no seu corpo não veio de
fora, e ela estava relacionada com as coisas que você sentia?
Não, eu acho que tá fora do corpo, eu acho... por causa do estresse do dia-a-
dia, eu acho que foi isso, eu... no meu ver é isso. Porque eu não fumo, eu não
bebo, entendeu? Então não pode ter sido... Porque falam que, realmente, a
pessoa que fuma, que bebe, tá, tem essa doença. No meu caso não, porque eu
não bebo e não fumo, entendeu? É, eu acho que veio de fora: por... é...
estresse, aborrecimento. Eu acho no meu ver que é isso.
É? Então você acha que essa doença veio de fora, mas associada a stress da
sua vida... (Isso.) e aborrecimentos que você teve. (E esse...)
Desses aborrecimentos que você está falando você acha que tem a ver, por
exemplo : como você me falou antes ainda pouco, que um ano atrás você
perdeu uma pessoa que parece que você gostava muito dela ? (Isso) Você acha
que pode estar associado a isso a essa perda ?
Pode ser isso também, pode ser também associado a isso. O marido, ele é
muito nervoso, entendeu? Ele é difícil, tem um gênio muito forte. Então, o
aborrecimento é dia-a-dia. Então eu acho que foi por causo disso, eu acho.
(Desses aborrecimentos...) É! Isso.
E quando você soube que você estava com esse diagnóstico, com essa
doença pensou: o que seus amigos irão pensar, o que as pessoas da minha
família irão pensar ao saber que estou com câncer de mama ? Ou seja, o que
você pensou sobre a reação dessas pessoas para com você?
Dos meus amigo, não. Em nenhum momento ? Não, eu nesse momento, eu
não tive, eu o tive tempo de pensar na minha família, nos meus amigo. A
única preocupação era na minha filha. Eu não tive tempo de perguntar: -Aí,
minhas família, como ia reagir... Meus amigo..., entendeu? Então eu não
pensei neles ... eu não tive tempo. Mais é na minha filha que eu tava
pensando.
E o que você pensava com relação à sua filha...
Então, que eu não queria, assim... Sei lá, eu achava que se eu superasse essa
batalha por essa doença, eu achava que podia entrar depressão, podia chegar
a falecer por causa disso, porque tem muita... tem acontecido com muitas
pessoas, que eu ouço falar que não... não se recupera, entendeu? Pensava
muito nisso. É. Na família, os amigos... eu não pensava nessas coisas.
E você falou pra mim que você percebeu que estava com alguma coisa no seu
seio e esta coisa foi um caroço ?
Isso, com o caroço.) Foi apalpando? (Apalpando... apalpando apenas que
percebi que tinha um caroço, algo errado no meu seio.
221
E quando você percebeu, apalpando o seio, você viu que você estava com
esse caroço, você sentiu alguma coisa, tipo : fisgada... (Não.) Pontada,
vermelhidão ?
Não doeu nada, o caroço. Esse, eu acho... acho o mais interessante, que
dessa doença, na minha parte nunca senti dor, nada. (Nem fisgada?...) Não.
Não, eu não sentia nada. Por isso eu acho mó[?] interessante essa doença,
porque é silenciosa. Da minha parte, nos outro eu não sei. Porque têm pessoas
que falam... Eu não, eu só sentia o carocinho crescer, só. E mais nada?) doer,
fisgada, nada. ([palavra inaudível], Nada. Não saía nenhuma secreção do
seio? Não, nada, nada, nada.
Se você pudesse falar em uma palavra o que foi que você sentiu quando o
médico chegou para você e falou: Você tem câncer de mama....
Ah, nossa... Pensei em tudo: minha filha... Sei lá, que eu achava que não ia
me... Superar essa doença. Foi, desespero. Desespero, foi.
E você acha que foi principalmente pelo jeito como ele falou com você?
Eu achei, eu achei. Eu achei isso, a forma que ele falou: ele foi direto e reto.
Eu, Não me preparou, nada. Eu achei muito errado. Não sei, mas eu achei que
eu não tava preparada., ou... Ele não perguntou se eu estava acompanhada ou
não. Ele não perguntou, então... Na bucha falou, direto e reto.
E para você o que tem sido mais difícil depois que você recebeu o
diagnóstico? É vo estar convivendo sem o seio mama, medo de morrer;
medo de você ser discriminada pelas outras pessoas, pelo fato de ter sido uma
pessoa que teve câncer, ou alguma outra coisa tem sido mais difícil pra você
do que o próprio diagnóstico da doença?
Não, o medo de morrer mesmo, ou seja[?], de criar e... deixar a minha filha
crescer, ver um pouquinho mais; acompanhar o crescimento da minha filha, só
isso. Agora, agora, as pessoas, que eu ouço falar... isto não é tão importante
não. Esse lado de se preocupar com o filho, mas para mim é.
Se você pudesse me falar em três palavras o que foi que mudou na sua vida
depois que você teve o diagnóstico de câncer, o que você me falaria que
mudou ?
Mudou, dar mais valor, assim, a mim mesma, entendeu? Às pessoas, dar mais
valor às pessoas, entendeu[?]?
(E não... eu o me preocupava tanto com o meu corpo, tudo isso, entendeu?
(Ir no médico pra sempre ver isso. Não acontecia nada assim[?]). (Depois
disso... a preocupação é maior. (É, maior.) Com você... (Com mim mesma e...)
E com as outras pessoas? (Isso.)
Em relação às outras pessoas, o que seria essa preocupação que... você agora
falou assim: -Ai, eu passei a me preocupar mais com as outras pessoas....
É, de ir ver, perguntar se a pessoa está bem, se tem que ir pro médico, se
tem[?] alguma doença; orientar, entendeu? Isso é que é dar valor. Antes, eu
não, eu nem ligava isso. Eu não pensava nisso.
E para você como é que está sendo passar por tudo isso?
É, eu me superei, como eu tinha falado, né? Eu não fico em... em quatro
paredes, com os.olhos cheios de água, pensando ... continuo trabalhando,
222
levando a minha vida normal, pra não ficar pensando. Então, eu não tenho
tempo pra isso.
E você acha que essa superação te surpreende?
Me surpreende, muitas pessoas fala: -V. bem... não parece que
com essa doença. Todo o mundo fala isso. Mas não me o que eu passei
para superar tudo isso.... É muito difícil.
E isso te surpreendeu?
É, isso me surpreende e me ajuda mais ainda, porque muitas pessoa fala: -
Cê tá boa! Muita gente olha pra mim, pessoas que convive no dia-a-dia
comigo fala assim: -Pôxa, mas não sabia que tava com esse problema de
saúde. -Mas eu estou. A pessoa fala assim: -Mas não parece.
E isso te dá forças ou não? [
Me dá mais força ainda, né? Me mais força ainda. Porque eu vejo que eu
não deixei ultrapassar essa... meu problema de saúde pra outras pessoas, que
pessoas que eu conheço, então, às vezes fala: -Ah, nossa! A V. mal! A
aparência, tudo... -Tá doente! Mas, não. Eu me sinto bem.
E você sente apoio das pessoas, dos seus amigos, familiares? :
-Ó, tem pessoas que falam assim: Nossa! (Não, é...) Nem parece! Assim,
nossa! Isso me ajuda, me anima!
É que eu, tô falando... Não, eu tenho apoio da minha família, tudo.
Tem meus amigos, também. Isso eu tenho tido bastante apoio dessa parte
de família e de amigos.. (E você acha que esse apoio te ajuda a enfrentar?)
Ajuda bastante, ajuda, é... que eu nem percebo me ajuda muito.
Te surpreendeu esse apoio dessas pessoas? (Não.) Ou você de alguma
maneira, já esperava...
Me surpreendeu mesmo! Não, eu esperava e me surpreendeu também, pois o
jeito deles falarem comigo me surpreende e ajuda a superar essa doença.
E esse apoio você percebe nestes comentários como os que você acabou de
falar: -Pôxa, você tá bem, nem parece que cê tá enfrentando esta doença ?...
Não, que essas pessoas nunca esperavam que ia acontecer isso comigo,
porque eu sempre... eu nunca tive problema de saúde, entendeu? Então, as
pessoas que conhecia mesmo, minhas tias, não esperava. Então eles
surpreenderam quando ficaram sabendo e me apoiaram, até hoje me apóiam e
quando vêem que eu continuo bem fazendo as coisas que eu fazia antes de ter
essa doença.
E essa sua tia que você falou que veio, marcou a consulta para você te
acompanhou ?.
Ela é enfermeira. É. (E em outros momentos da tua vida, você já tinha
sentido apoio dela como esse que você está falando ? Não, não. Não,
porque como eu falei, eu nunca tive problema, assim, tive problema de saúde,
nem com a minha filha. Graças a Deus, né? Desde a hora que nasceu, nunca
teve problema de saúde nenhum. Então nunca precisei.
Eu vi que na hora ela viu, assim, o desespero que eu tava, ela pegou, foi, faltou
no serviço, veio me acompanhar... a minha tia faltou no serviço. Toda a
223
consulta ela vem comigo... É, essa minha tia sempre me acompanhou, ela
nunca faltou numa consulta minha. Até na quimioterapia, ela sempre me
acompanhou. A única coisa que ela o indo é na radio, porque a radio é
todo o dia. Aí, nesse lado eu já sinto um pouquinho de falta, porque tudo o que
eu vou ela que tá indo comigo., sabendo de tudo o que está acontecendo
comigo.Ela me acompanha, e isto é muito importante para mim entendeu?
E então ela te acompanhou desde o diagnóstico? (Desde o início...) Agora o
tratamento, ela também tem vindo com você?
Tudo, ela me acompanhou tudo. Na operação, tudo, ela sempre veio comigo,
essa minha tia.
E esse apoio desta tia, você sente mais uma força para ajudar você a enfrentar
essa doença ?
Esse apoio me dá força ...... Nossa !! ela me ajudou bastante. Porque teve
outra tia minha, que ela, quando ficou sabendo desse meu problema de saúde,
ela, aí... Ela é muito chorona, então ela vinha e chorava. Eu falei: -Pôxa, eu
preciso de uma ajuda. Se a pessoa olha pra minha cara e chora, vou chorar
junto também!
Agora, esse lado da minha outra tia, não, é... ela é forte, então ela... é me
coloca pra cima. Então eu sinto mais apoio dela, porque se a minha outra
minha tia, falar pelo telefone... ela chorava. Então eu falava: -Pôxa, eu não
posso ficar toda a hora falando com ela, porque toda vez que fala comigo
chorando. Precisa ser uma pessoa que me força .... não me deixando pra
baixo, né? Me dê força, né? Não, não!! E ela é que tá me deixando pra baixo, é
ela... entendeu? Porque, têm umas pessoas que é forte, e outra não. Que, no
meu, caso, ,eu ,e, minha tia: ,minha tia é forte, então ela me dá uma baita força
......
Quando eu operei também ela me acompanhou, ela ficou no hospital, tudo. Foi
essa minha tia, que eu devo muito. Porque o meu marido não podia ir, trabalha
no comércio e tudo. Então ela que acompanhou tudo, foi ela que me deu
bastante força.
E o que tem ajudado você a passar por tudo isso, desde o diagnóstico, a
cirurgia, os tratamentos?
A querer, a querer viver bastante, viver mais. Viver mais, porque se eu me
entregar na doença, acho que a pessoa vive menos, entendeu? Pra, pra viver
mais. Querer curtir mais a minha filha, entendeu? Me deu mais força isso:
querer ver a minha filha crescer. Se eu não batalhar contra essa doença,
ninguém vai, tá... batalhar por mim, só eu, mais ninguém. Não posso, é... falar
assim: -Ah, minha tia vai batalhar por essa doença por mim, meu marido,
meus amigo. Eu que tenho que lutar, não eles. Se eu não batalhar por mim,
quem vai batalhar? Ninguém, eu e Deus, mais ninguém.
Então vome disse que o que tem ajudado você a enfrentar essa doença é
essa força...
(É, a força.) de querer vencer...... (Vencer a doença, vencer na luta.) Querer
viver... (Isso.)
224
E se você pudesse falar de coisas favoráveis, boas desse período, desde o
diagnóstico até aqui. Houveram coisas boas que aconteceram pra você? E,
coisas que não foram tão boas, não foram tão agradáveis? Se você pudesse
falar:
-Nesse período da minha vida, desde que eu descobri alguma coisa...”“que eu
recebi o diagnóstico, eu venho passando por tudo isso...
Não, bom que é, é que eu.tive a ajuda da minha tia, da minha prima, que eu
não, não sabia, entendeu?, que ia ter tanto o apoio das minhas tia e da minha
prima. O bom foi esse.
E coisas não tão agradáveis, não tão boas?
Não. É, o tratamento é difícil, né? Que você vê os teu cabelo caindo,
começa a passar mal com a quimioterapia, tudo isso, né? É ruim essa parte
daí, né? Passei, vomitava muito, entendeu. Mas, fora isso, foi normal.
Então você acha que o tratamento, a quimioterapia não foram as coisas
agradáveis, boas desse período ?
Boas... não. Ruins... É, desagradáveis mesmo. Não quero nem lembrar ...
Você crê em Deus? Creio. Num ser superior ?
É... creio.
E o que essa crença, em Deus tem feito na sua vida hoje?
Ah, tem, tem... Me ajudou bastante, tem... ter uma fé, tudo isso.
Você acha que essa em Deus, nesse período da sua vida, ela aumentou
mais?
Aumentou mais. Não, aumentou mais, é aumentou bastante.... Uma força
maior, mais próxima. Eu acho que é bem mais. (Antes você não percebia
assim?) Não, não, não.
Você me falou que você é católica desde pequena .... (Isso.) Ao longo da sua
vida, até esse período que você me fala que foi a suspeita, depois receber o
diagnóstico até ali, antes dessa doença, essa tua em Deus, ela havia te
ajudado em algum outro momento da sua vida, que você tenha percebido ?
Não... Não, me ajudava, bastante. Me ajudava, né? (E agora, nesse
momento...) Acho que melhorou muito... bastante, mais ainda. É, porque a fé
cresceu mais, muito mais.
Você em outros momentos da sua vida pensou diferente de como você está
pensando hoje em relação a sua em Deus? (Não...) Você passou a pensar
diferente?
Eu achei que a gente acreditando em Deus, assim, melhora mais, né? Tendo
mais fé, tudo.
225
E hoje se você conhecesse uma pessoa que fosse passar pelas mesmas
coisas que você passou receber o diagnóstico, precisar passar pela cirurgia
de retirada do seio, passar por tratamento o que você falaria para essa
pessoa?
Então, falaria pra ela que é duro, que tem que batalhar, tem que ter força,
não pode pensar os pior. Que, até, falando a verdade, tem a coleguinha da
minha filha que tá com o mesmo problema, né? fazendo tratamento, tudo.
Então, eu até orientei a filha dela, falei: -Fala pra tua mãe que se ela precisar
remédio, que tomando pra quimioterapia, quando... se começou a fazer,
sobrou o meu, se ela precisar, que eu mandaria pra ela. Aí, falei o negócio da
condução, de coisa que eu fui orientada, tô... falando pra ela. Orientando
também. Que a mãe da minha coleguinha... da filha da minha... A Mãe... A
mãe da, coleguinha da minha filha tá com esse mesmo problema.
E alguma coisa em especial você falaria para esta pessoa ? Algo especial que
para você tem sido importante e te ajudado muito ?
Para ela ter bastante fé em Deus. Tem que crê, e ter bastante fé. Pra enfrentar
isso[?].
O que vem na tua cabeça quando eu falo para você a palavra Deus?
Deus, tudo. Amo muito[?].
Desse tudo, fala alguma coisinha que você acha de Deus.
Que Ele é grande, que é nosso pai, cuida da gente, tudo. (E você acha que
nesse momento da sua vida Ele está cuidando de você...) Tá. Tá, porque
eu sei que Ele é meu pai... eu sei. Com essa paz que eu tendo com a...
Faço esse[?] tratamento, tudo, entendeu? A serenidade que tá me dando. Até
pra, na, na hora de operar, tudo, eu não pensei nada. Eu operei, assim... sabe?
Não tava nervosa, nada, né? Pensei que... Não passou nada na minha cabeça.
Entrei pra operar, deu tudo certo, não deu nenhum problema. Então, eu acho
que... Voltei[?], assim, serena. Na cirurgia também, isso aí me ajudou bastante.
Você acha que essa sua em Deus, esse Deus que é um pai que cuida, que
ampara... (Hum, hum.) Você acha que Ele tem sido pra você, desde quando
você recebeu o diagnóstico até hoje, esse pai que cuida, que ampara, que
força.
(É.) isso aí. Me ajudou bastante.)
Para você o que é o seio?
É, faz parte do corpo da gente, né? A gente se olha no espelho, aí... acha
diferente, né? acha esquisito, assim dói ... a parte do nosso corpo vendo que
não tá, entendeu? Eu acho que é muito importante, né? É uma parte muito
importante minha.
Você recebeu a prótese que entregamos às pacientes ?
É, aquele sutiã pra colocar? (Isso.) Ah, recebi, recebi. Hum, hum.
O médico chegou a falar pra você da possibilidade da reconstrução da mama ?
Falou. Falou, falou. O doutor falou assim: -Cê tem que dar umas férias agora,
pro teu corpo, cê fazendo tratamento, não é... você vai querer ... Tem que
226
fazer o tratamento, dar umas férias, esperar. Mas você tem possibilidade de
reconstituir, tudo isso.
Você chegou a pensar nessa possibilidade de reconstruir a sua mama depois
que ele conversou com você sobre esta possibilidade ?
Não, é... as pessoas... A minha tia tinha me falado, antes de operar, tinha
me falado isso daí. Até o médico tinha me falado, tudo. Então eu tava
sossegada. Que a gente vê tanto isso pela televisão, tudo, então...
E o que Deus tem a ver com você? Tem alguma coisa a ver?
Tem tudo... Não, tem tudo, né? Porque a gente aprende na religião, a gente
tem que crê Nele, entendeu?
Foi sempre assim, ou em algum momento da tua vida mudou ?
Eu acho que despertou mais agora, depois dessa cirurgia, desse problema de
saúde, acho que despertou mais a fé, em crer mais Nele. (E isso tem te
ajudado a passar por essa provação ? Ajudou bastante.
O que vem na tua cabeça quando eu falo a palavra esperança?
Esperança... Ah, esperança, a pessoa tendo bastante fé, né? Acreditando
muito, aí você tem uma esperança. Se você não acreditar, não tiver fé, você
não tem esperança nenhuma.
O que a esperança tem a ver com você?
Tem. De eu lutar, de batalhar, entendeu? De enfrentar essa doença, que é o
que eu tô fazendo.
O que ajuda você a manter essa esperança? Enfrentar, batalhar......
O que me ajuda? Ah, eu acho que, ah... ver a minha filha, né? Eu penso tudo,
tudo na minha filha. Eu penso muito é nela, entendeu? Minha filha ajuda a
manter essa esperança, isso. Batalhar, tudo isso.
E qual a importância que tem para você nesse momento da sua vida a
esperança? (Qual importância?) Você acha que se você não tivesse esperança
você estaria conseguindo superar tudo isso?
Não, não estaria.
Então a esperança, a tua em Deus, a tua força de vontade, os apoios que
você vem sentindo dos seus amigos, principalmente na pessoa dessa prima
que você fala que tanto apoio tem dado pra você. Esses, têm sido os meios
que têm te ajudado a enfrentar essa doença?
É. É isso. Se eu não tivesse tudo isso eu acho que eu não teria conseguido o
que consigo. Acho que ia ser mais difícil. Eu acho, né? Eu acho, ia ser mais
difícil.
O que vem na tua cabeça quando eu falo as palavras enfrentando a doença?
Que se a gente não enfrentar, não batalhar, a pessoa não se recupera, eu
acho. A pessoa tem que enfrentar. Se não enfrentar a pessoa não, não
consegue superar a doença, nada.
227
E o que isso tem a ver com você ?
Ah, tudo. Tudo.
Você acha que o que você tem feito pra enfrentar a doença tem dado
resultado?
Tem, bastante, tem dado certo. Bastante . (Então você acha que essas
formas que você tem usado tem dado resultado ? É, deu, deu bastante. É,
essa forma, essa forma pra eu enfrentar a doença. Eu acho que me ajudou
bastante a superar essa doença. Tem resolvido bastante.
E para você o que é a morte? Poderia falar alguma coisa?
Ah, sei lá, eu acho que a gente morrendo a gente deixa todos os querido pra
cá, né? Eu acho, né? Cê veio pra ir.
(As pessoa querida a gente deixa e vai embora.
228
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 5
IDENTIFICAÇÃO DA PACIENTE: PACIENTE 5
P5, 43 anos, divorciada há 1 ano, tem uma filha de quatro anos que reside com a
paciente, profissão: auxiliar de enfermagem, religião: evangélica, é praticante desde
criança. Diagnóstico: em dezembro de 2005; Data da cirurgia: 23/6/2006; Cirurgia:
mastectomia da mama direita. Fez quimioterapia pré operatório e pós-operatório:
início: maio de 2006 e término: novembro de 2006. Provavelmente fará radioterapia
em pós-operatório, pois está passando por exames clínicos para verificar a
viabilidade ou não para este tipo de tratamento, pois a paciente está com recidiva
local, recentemente diagnosticada.
Você me falou que fez a cirurgia em maio de 2006. Antes de você ter feito a
cirurgia, antes do diagnóstico, você consegue lembrar como é que estava de
modo geral, a tua vida : profissional, a família, os amigos ? De maneira geral
como estava a tua vida ?
Eu tava, acho que eu tava estressada, porque eu tava trabalhando em 2
serviços, né? Porque eu sozinha, né? E, pra mim cuidar da menina, então eu
peguei e fiz férias no outro lugar. Aí eu fazia férias numa outra casa e
trabalhava na outra então eu trabalhava 12 horas por dia, por dia. Então, aí,
eu tava cansada, sabe? tava... tava bem, assim, mas cê tá, né? a gente tava
estressada, né?
E como que você percebeu que estava com alguma coisa? Como você
percebeu que estava com alguma coisa no seio?
Com... Ó, no começo... Em acho que foi em 2005, no começo do ano, fiz a
mamografia deu negativo. Aí, em dezembro de 2005 eu saí, quando eu
voltei já apareceu um caroço. eu fui trabalhar, tudo, eu conversei com a
Dona Isabel, que é a minha chefe, aí ela falou assim: -Nossa, tu tem, tu vai...
vai fazer outra mamografia! Mas eu falei assim: -Mas a do ano passado deu
negativo. Ela falou: -Ah, mas vai fazer de novo, apareceu isso à toa!. Aí eu
fui fazer. Aí, quando eu fiz, ele me encaminhou pra o... Pro Guilherme, pra
cá. ele já falou: -Você vai ser operada., tudo. Aí eu não consegui consulta.
Em janeiro vim procurar e nada ...
Mas, antes de você chegar até aqui no hospital, quando você fez a mamografia
já falaram pra você alguma, já te deram o diagnóstico?
Já, já dava. Já deu, assim, no início quando ele surgiu, eu nada pude fazer.
Apareceu o caroço... Ele o médico olhou o exame e falou assim mesmo pra
mim: -Cê tem que tirar a sua mama[?]..
Você estava sozinha... (Tava sozinha; sempre tô sozinha.) quando ele começou a
falar, você imaginava que fosse o diagnóstico de um câncer de mama ? (Não!
Nunca esperava que fosse um diagnóstico desse..) (Não!)
Sabe, eu achava que ele não ia tirar a mama inteira. Até o último, ... sabe?
instante da cirurgia, antes da anestesia, eu sempre achei assim: -Nossa, ele
não vai fazer isso! Ele falou pra mim que ele teria que tirar. Eu chorei, me
descabelei, né? Fui embora pra casa chorando. Chorei muitas... né? muitas
noite. Tem noite que a gente acorda... que eu chorava, chorava. Chorei muito.
Mas eu sempre acreditei que não ia tirar tudo, eu achava que ele ia abrir, ia
229
tirar... Porque era duro, é como se fosse um caroço, uma semente. Então, eu
achei que ele tirar aquilo, ia fechar e pronto, né? Aí, depois que nós vimos o
resultado, né? que tava necrosado... Aí, ele falou assim[?]: -Tem, tem[?] que
tirar tudo mesmo.
Você sentia alguma coisa? (Nada.) Fisgando, latejando...
Ah, parece que coçava. Coçava.
E isso te chamou atenção ?
Não, quando apareceu a gente... Já, apareceu uma sementinha. Aí, você...
ah, você olha, a gente vê, que trabalha na área, a gente já sabe o que é, né?
Mas, aí, a gente, pra, quando... Até cê começar a marcar consulta, essas coisa
não tinha consulta, tinha consulta pra maio. Aí eu vim aqui, eu pedi
encaixe com o doutor, mas era muita gente, muita gente, muita gente. Aí ele
falava assim: -Olha, me dá... Pede pra ela me desculpar, mas vem outro dia.
Aí eu vinha outro dia outro dia tava pior ainda. Além de... pessoas ........
Tinha gestante. Eu falei: -Ai, ai!... E aquele dia também não dava. E ia
passando dia, até que eu consegui uma vaga, uma consulta ... um dia pra
consulta. Ah, eu já falo até vaga, porque tu a volta que dei .Porque é muita
gente, nossa!
Quanto tempo demorou, desde quando você teve o diagnóstico no Instituto
da Mama até você fazer a cirurgia ?...
Acho que 5 meses. E em 5 meses, ele cresceu... o doutor falou que tava do
tamanho de um, de uma laranja. Tava muito grande, cresce. Esse aqui já
crescendo.
Então você esperou 5 meses para chegar até aqui e marcar a cirurgia pra você
(Isso.) E quem te deu o diagnóstico final, aqui no hospital ?
Foi os dois doutor tava os dois aqui no dia : Eles tão sempre os 2 juntos,
né? Eles trabalham em equipe. Estão sempre juntos.
Você veio com esse diagnóstico lá do Instituto da Mama, chegou aqui ao
hospital e aqui te falaram algo diferente?
Eu sei que era coisa ruim, porque ele falava... eles falaram assim: -Mas, ela tá
sozinha? Nossa, como é que eu vou falar disso aqui se ela tá ,sozinha[?]...
[trecho inaudível]... Eu ouvi os dois falar assim. Falou assim: -Ela não veio
com ninguém, é? Ah, nossa, como é que eu vou dar, ? Alguém tem que
conversar com essa moça! Aí, quando ele falou, eu ainda falei assim... ainda
falei em reconstituição, sabe? Eu não acreditei, assim, na hora. Achava que
não ia ser necessário, né? Aí, depois aconteceu, né?
Em uma palavra o que você sentiu quando ele fechou o diagnóstico e falou
pra você que era um câncer de mama ?
E a gente vai ter que operar, e vai ter que tirar a sua mama!Foi assim que
eles me falou. (Foi.) Você lembra, em uma palavra, o que você sentiu nessa
momento ?
Ai, minha fia, é a mesma coisa que puxar o tapete dos nossos pés, né?
Porque na mesma hora, quando eu abri a porta e eu saí, eu comecei a chorar.
Que eu tinha exame pra marcar ainda. Fui na fila de exame, eu tava... eu
230
chorava, chorava, chorava muito. Sabe, eu lembro que eu chorava muito. Mas
eu tinha que marcar exame, tinha que fazer exame. E tudo... eu, ali... Nossa!
Foi muito difícil pra mim, sabe? Muito, ficou muito difícil mesmo.
E você estava sozinha ?
A gente ainda trata, assim... a gente fala assim: -Vai me tirar a mama... Sabe,
é uma dureza ... é um, é como se fosse uma parte de nossa vida, né? A mama
representa ... na mulher, representa a vida, né? Vai amamentar... né? Muito, foi
muito difícil pra mim.
O que é a mama para você ? Que sentido tem a mama para você?
Eu acho que representa a vida, né? É o início, né? A amamentação, mãe, né?
Tudo isso.
E o que você achou da maneira como foi dado o diagnóstico para você? A
forma como os médicos chegaram e te deram um diagnóstico?
Não, é, olha, foi... Até meio... eles também tavam, eles também ficou bastante
chocado, né? Quando dá esse, esse resultado a gente nota... Né? que eles,
eles também tavam bastante chocado, né? Triste passar isso pra alguém, né?
Eles... o que eles me passaram foi, assim, que eles também ficaram bastante...
tristes, né?
Para você se a gente for falar na origem, como é que apareceu essa doença
em você você acha: que foi um castigo; uma decisão de Deus foi Deus que
decidiu pra você ter essa doença; o resultado da falta de cuidado de você com
você mesma; essa doença é responsabilidade de uma outra pessoa, não é sua
responsabilidade; você acha que é uma forma de você aprender alguma coisa
na vida, ou você acha que ela é o resultado de um processo natural de
envelhecimento?
Olha... né?[?], a falta de cuidado? Pô, todo ano eu fazia mamografia né?
Agora o... por que que apareceu, né? Logo eu, né? que era sozinha com a
minha filha, e tudo... Muito difícil, né? de aceitar...
A minha profissão, né? Que, a gente trabalha... Pôxa, ! Cuido de vózinha, né?
Que já é uma profissão que já é...... !! Deus também, né? Achava às
vezes, eu... muitas vezes.perguntava: Por que permitiu, né? Por que que tinha
que acontecer comigo? Mas, é... a gente tem que, né? ter fé, não adianta tá,
chorar em cima do leite derramado. Eu me cuidava, fazia isso... assim, né? Eu
hoje tô assim, né .... com essa doença.
Lógico, ninguém suporta isso, é uma coisa que a gente anda... A gente, sabe ...
hoje em dia, as amizades... olha pra você, é... sem ter um motivo, te olha com
aquele sentimento de pena. A maioria se afasta porque não sabe lidar com
uma pessoa assim, né? Geralmente, pra aquele que é casado, quase sempre o
marido sai pelas porta dos fundos, né? Que ele não tem coração pra isso,
porque é feio, né qual é o nome?... A cicatriz é muito feia, né? Eu acho que é
mais suportável a perca de uns dedo do que a perca de uma mama, né? Ou de
um braço. Seja, seja o que for, porque a mama é a parte principal da mulher,
né ? .
Então é uma coisa que a gente sempre pergunta pra Deus: -Por que?, né? -
Por que essa doença? Por que doenças piores?, né? -Por que que eu tenho
231
que suportar., né? Às vezes, é... a gente com essa doença, mas a gente
pede mais força ainda, porque a gente... Eu principalmente, né? Porque eu
tenho minha filha, então eu tenho que tá sempre com força ... Mais força pra
pedir, pra mim... pelo menos pra mim ver a menina crescer, sabe? Vêm as
dificuldades... Também, eu não sei se tá relacionado, né? Porque sempre volta.
Por que sempre volta, né? Não sei se é preocupação, porque a gente quer ficar
boa, quer ver tudo normal ... né? Quer voltar a vida normal.
E como é que você percebe essa doença, você acha que: ela vem de fora do
seu corpo; ela está dentro do seu corpo, mas isolada de qualquer sentimento,
que possa estar ligado a ela, ou ela esteve dentro do seu corpo mas
acompanhada de sentimentos relacionados a essa doença?
Eu acho assim que é, é como se fosse uma coisa, assim, irreverente, sabe?
Como, assim, é... como fosse um negócio que você tem, e que fosse, assim,
diferente. E que derrepente ela se . manifestou como se fosse assim: -Agora
chega! Agora eu vou me mostrar quem eu sou! Então, ela... que se mostrou,
entendeu? Foi como, foi como se fosse assim: aconteceu: deve ter acontecido
alguma coisa comigo , que falou assim[?]: -Agora é a gota dágua! Agora eu
me mostro! Eu acho assim.
E quando você teve o diagnóstico, você chegou a pensar o que os seus
amigos iriam pensar, o que a sua família iria pensar de você com esse
diagnóstico?
Não. Não.
E como que você percebe, por exemplo, hoje, os seus amigos, a sua família,
depois desse processo todo: diagnóstico, cirurgia, tratamento ?
Eles se preocupam, né? Mas eles não têm coração, ? Eles procuram... Eles
se preocupam, mas o máximo, de, evitar, tá próximo, né? Sempre pergunta se
eu tô bem, tudo, de vez em quando... -Não, eu bem, sempre bem!,
mas... Se olhar na questão de ajuda, assim, não.
Não se prontificam, por exemplo, a vir com você até aqui?
Não... é igual... Fala, falam muito assim: -Ai, se precisar, você pede!, sabe?
Mas, daí você sabe que a gente precisa, né? Igual eu: eu sou sozinha, quantas
vezes... Pô, se você é meu vizinho, se você mora do lado da minha casa, se
você sabe que eu passando por isso, sabe que eu sou sozinha, com uma
criança, e sabe que eu tenho uma seqüela, você sabe que eu preciso de
alguém que que eu moro em casa , você sabe que eu preciso de alguém
que varra quintal, você sabe que precisa...
Sabe? é mais no espírito da pessoa. Porque eles não têm esse espírito de
solidariedade como todo o mundo acha, né? E eu... Todo o mundo sabe que eu
preciso de alguém que me estenda a roupa, que varra o quintal, né? Que pega
a menina, brinque com a menina. Não, deixa a menina! Eu sei que é uma
menina de 4 anos, todo o mundo sabe, o que que é criança no colo. Quatro
anos... Não é? Não é verdade? Até os 3, 4 meses eles não querem colo, eles
querem ficar no chão, andando, e segurando na parede ficar andando. E é,
essa aí... agora que a gente quer segurar no colo, e eles não querem. Quando
chega nos 4, 5 anos: -Mãe, eu quero colo! Lá vai aquela criança com o joelho
encostando... com as pernas encostando lá no joelho, mas você tem que
232
pegar, porque é essa idade que eles querem. Mas isso ninguém vê. Não, e
tu acha que a gente tem que tá pedindo? o, não é assim também, né? Eles
têm que dar uma.ajuda, né ........
Então você não sente apoio? (Não.) Nem dos amigos, nem dos familiares?
Olha, os de fora dão mais apoio do que os amigos próximos. (Esses de fora,
assim, que você fala, pessoas que vo veio a conhecer depois?) Isso,
depois. Olha, é que eu faço umas coisinhas, né? Às vezes eu vou no atelier e
faço umas pinturas... Eu faço pintura em tela. Olha, ali tem muita gente que
pede, né? e que me apresenta em oração... Tem, ? Tem umas irmãs,
também, da minha rua acho que é Madre Terezas também vão toda a
segunda-feira... Gente que eu nunca pedi pra ninguém ir na minha casa, e elas
vão lá, e elas batem, elas entram, fazem oração delas, o terço, vão... Eu
nunca pedi pra ninguém ir na minha casa, elas... Nem conhecia elas, sabe? Eu
tava uma vez no portão, e elas passaram: -Olha, nós sentimos de vim aqui
fazer uma oração pra você. Aí, eu fiquei assim, né? -Pode entrar! A minha
casa tava assim porque a minha casa é assim (demonstrou com as mãos
em gestos querendo dizer uma bagunça) , né? Porque eu não posso andar
fazendo as coisas .... E casa que tem criança tu sabe como é, ? Então vou
fazendo em capítulo, né? E, com criança... Aí, elas entraram, começaram a
minha oração. , eu falei que eu era sozinha, que eu tinha, ... passei por
cirurgia... Mas quase sempre eles vão lá em casa agora.
Te ajuda?
Ah, ajuda espiritualmente, né? Às vezes, é... né? A gente não tem um vizinho,
não tem a família, não tem... Mas vem uma pessoa de fora que você nunca viu
e conversa com você você sabe que essa pessoa é mandada por Deus,
sabe? Então, é diferente. E no curso também, tem a dona Lídia que também
tem, também fez cirurgia de mama. Parece que ela faz pelo CITAC,
conhece? (Sim) Ela vai, ela vai no CITAC, e às vezes... E ela quer que eu vá...
não sei se ela quer... ela quer que eu vá na nos dias das reuniões, que fica na
Ana Costa. (Isso.) Eu não sei onde é, mas é, quando eu tiver (sinalizou com
os dedos dinheiro) eu vou. Ela pediu pra mim ir.
Que é um grupo de apoio como este que nós temos aqui no hospital . (Mas é
particular?) É particular, mas para este trabalho o atendimento é feito
gratuitamente para todas as pessoas que procuram o grupo.
Hum, hum... Então, aí, a... a Lídia liga pra minha casa, pergunta pra mim,
pergunta sobre a medicação se eu tenho, né?, se acabou... Tem o meu
serviço também, que me ajuda bastante. Às vezes, quando... se eu tiver com
dor de estômago é ligar pra lá. Às vezes vem bastante doação, sabe? Na
Casa das Rosinha? Então elas separam, trazem pra mim. Então, né? tá...
E você sente que essa rede de apoio te ajuda?
Essa me ajuda mais do que os amigos que eu tinha antigamente, né?, Tem
aqueles, né? que a gente conhece sempre, que apresenta uma oração, né?
Que perguntam pela gente. Porque acontece que eu entendo que não pode me
ajudar porque tem o lado deles, né? Não pode deixar a vida deles pra tá me
ajudando.. né? Mas, assim: eu prefiro as pessoas de agora e não as
anteriores, né?
233
Eu acho que entende mais, sabe? A minha dor, o que eu passo, entendeu? O
que eu vou falar pros outros é uma experiência minha.Eles vão prestar a
atenção, assim, como se eu tivesse a experiência, não... né? Não por, não por
ajuda, assim.
E, para você o que tem sido mais difícil depois que recebeu o diagnóstico:
conviver sem a sua mama, medo de morrer; medo de ser discriminada pelas
outras pessoas, ou alguma outra coisa que você sente, que tem sido mais
difícil conviver depois do diagnóstico de câncer?
Olha, a falta de um membro, a gente fica, ... perde o equilíbrio, ? A gente
anda, tropeça, né? O braço da gente fica bobo, a gente vai pegar as coisa, às
vezes vira... É, eu tenho medo.Às vezes, assim, que eu vou almoçar fora com
uma colega minha que me chama pra almoçar. você fala assim.: Eu falo
assim: -Morro de medo disso. : Aí vai e você se serve... E eu falo baixinho
para mim mesma: Eu... o... meu braço vai derrubar tudo!
Porque acontece isso, sabe? A gente vai pegar as coisas, daqui a pouco dá um
negócio no braço da gente, e cai tudo. Perde a força, fica bobo, sabe? cai
tudo. Aí eu falei: -Ai! Aí, vou, pego... né? Devagarzinho.Aí eles ficam tudo me
olhando. Eles acha... chega até a tremer a minha mão. Porque eu sei...
porque eu já sei que vai, pode acontecer aquilo, né? Mas, a falta dói. As costa,
dói os braço, o estômago da gente fica abarroado, né? Cê fica feio. A gente
fica feio. Mas, é... Também isso me preocupa bastante, é... E o meu futuro, né?
Porque eu tava trabalhando, tudo. E agora, entendeu?
Então conviver com isso...
Sabe? Tá sendo... difícil, né !! Eu tenho que aprender a conviver com isso, né?
Ou sem isso! [entrevistada ri] Né? Mas eu tenho que aprender, né? me
habituar.
E como que está sendo para você passar por tudo isso: a suspeita, o
diagnóstico, as cirurgias, o tratamento ?
Eu peço muito a Deus pra ele me dar força. Sabe? Eu peço a Deus que me dê
força, que me ponha em meus caminhos alguém que me ajude. Porque eu e a
menina...... Sou sozinha. Que permita que eu veja essa menina crescer, né?
Que me dê mais uns 15 anos, né?, Já que ela tem quatro anos, né? Que me
dê mais uns 15 porque todo mundo sabe o que é essa doença, né? Não
adianta a gente ter medo, né? Mas, isso, a gente tem que enfrentar, ? Eu
não queria tá no meio, mas já que eu tô ....... Eu tenho que enfrentar.
E o que tem te ajudado a enfrentar tudo isso?
É essa força que eu peço pra me dar, né? Peço a Deus que me dê força, muita
força. (E você sente que ele tem te dado essa força?) Bastante, né?
Bastante mesmo[?].
Se você pudesse falar desde quando tudo começou: o diagnóstico a cirurgia,
os tratamentos, que coisas que você vê, como coisas não muito boas desse
período todo e que coisas que você vê que são coisas favoráveis, coisas boas
que têm acontecido nesse período da tua vida?
Ah, .. contra, eu acho que é o pessimismo das pessoas. Sabe? Às vezes tem
pessoas que sabem, tão vendo que eu tô passando por aquilo, e tão ali
234
olhando pra mim: -Olha, ela passando por aquilo, aquilo ali., entendeu? E
eu acho que aquilo ali, pra mim, não é bom. Então, eu geralmente eu me
afastei ta desses amigos ...... A gente fala entre aspas, né?[?] E as coisas
boas é que eu estou aprendendo a lutar, né? comigo mesmo. Quer dizer,
mesmo eu tando sozinha, né? Eu tenho uns amigos por fora, que eu nunca
conheci, né? Igual eu citei as madres.
Mas eu acho que é uma experiência, pra mim, melhor do que a que eu tinha,
porque, né? Eu tendo um contato com Deus a mais do que eu tinha antes,
né? Antes eu sabia que eu tinha Deus, mas eu ia trabalhar, eu voltava e sabia
que no fim do mês eu tinha o dinheiro, que eu podia sair com a menina, porque
trabalhava. E agora não, agora eu tenho que .... Eu estou aprendendo a ter fé,
né? Acreditando que eu vou conseguir.
Você acha que a sua mudou de como ela era antes de iniciar essa parte da
sua história ? Você acha que teve alguma mudança na sua fé?
É, eu só fortifiquei, né? A fé é a mesma que a gente tem, a gente fortifica
mais.
Você crê em Deus? (Eu acredito sim.) E o que essa crença em Deus tem feito na
sua vida atualmente?
A vontade de viver, né? Porque tudo que a gente passou foi porque... eu acho
que ele me deu condições de passar, foi porque eu podia. Porque eu ... porque
eu acho assim, não é qualquer um que ia passar por isso, sabe? Eu tomei,
acho que eu já tomei 4 anestesia em um ano. Nossa, a última anestesia passei
muito mal ... tô com um[?]... A doença o é nem tanto, mas a anestesia, a
quimioterapia é horrível, meu Deus do Céu. Sabe? A, é... as pessoas, né? de
fora, as... Eu acho que Deus... E eu peço muita força a Deus pra mim suportar
isso.
Porque, às vezes, muitas pessoas, assim, que eu olho, que eu vejo que... que
não está me ajudando, e vendo que eu estou assim, que eu estou passando
por isso, e tá me criticando, e tá... sabe? Eu, eu logo, me afasto, eu falo: -
Olha, eu preciso de ajuda e não de crítica. Pra me criticar... eu acho que o
precisa disso!, né? Tem muitas outras pessoas pra criticar, e eu acho que no
meu caso não precisa. Se não pode me ajudar, não me ajuda, mas também
não me critica, né? Eu acho assim, se não pode... Então eu acho que essa
força me ajuda a suportar tudo isso , né?
Sempre foi assim ou em algum momento na tua vida você sentiu que mudou
essa força ou para mais, ou para menos; ou ficou a mesma coisa?
Ah, depois dessa cirurgia mudou pra mais, né? A gente até acredita mais, a
gente se apega mais pra poder passar logo por isso, né?
Se eu fosse uma pessoa que fosse passar por tudo o que você tem passado,
desde o diagnóstico, o que você me recomendaria para poder enfrentar esse
período?
Vai, vai no Guilherme, que lá tem uns psicólogo bom! [risos] Não, mas é sério,
Pode vir que este hospital abre as porta]. Às vezes, assim, é difícil a consulta
. Apesar da demora, eu prefiro mil vezes vim pra este hospital, né? Eu acho
que o tratamento daqui, as pessoas, os funcionários, eu acho que fazem a
235
gente melhor, né? Tem lugar que você não é tratada bem, né? Eles podem ser
profissionais, mas na parte humana... né?
Eu sempre falei isso, né? Quando eu era, que eu trabalhava de auxiliar, eu
falava muito com a Dona Isabel isso. Porque às vezes você encontra uma
enfermeira, fala: -Nossa!... ela parece revoltada. Cê vai conversar com ela,
não sei o que que eles têm, que eles são revoltado. Então eu falo assim, é...
né? Eu acho... Eu falava isso pra Dona Isabel: -Sabe, dona, se eu tivesse
condição de estudar, eu ia fazer assim: eu ia fazer uma equipe, eu ia, eu...
andar de hospital em hospital, pra ver isso. Porque eles são muito desumano.
Nossa, tem lugar que você entra, você trabalha igual cachorro. Eu falei pro meu
chefe . -Ai, não, não fico, nem a pau[?], sabe? Eu não gostei.
Igual, na minha gestação: na minha gestação, é... eles me indicaram 2
hospitais: um... esse e um outro, né? Vamo supor, o concorrente, né? Eu fui
no concorrente porque era bonitinho, ele era um lugar bonitinho, tudo. Mas os
funcionários, a médica, lá... Ó, a primeira vez a médica me deu um esculacho,
porque eu cheguei atrasada. Eu falei: -O ônibus quebrou..., essas coisa
toda, né? Mas a médica me esculachou. Eu falei: -Nossa, que... que
sucesso! [entrevistada ri] Aí, eu peguei e fiquei... E eu, que precisava, fiquei. E
eu não falei nada que eu trabalhava de auxiliar, tudo. Aí passou... voltei a
um hospital novamente, pra mim fazer a cesária.
Aí eu precisei, voltei e fiquei num dia. Aí eu não gostei das pessoas, achei
muito revoltado, sabe? As pessoas meia... desumana, né? Aí, peguei, eu falei:
-Ai, não vou ficar aqui não! Aí, eu saí de lá, eu voltei pra trabalhar. eu
falei assim, falei... A dona Isabel, quando me viu: -Menina, sai daqui, que tua
barriga embaixo! [entrevistada ri] Aí, eu falei: não vou pra de novo.
eu vim pra cá, com o doutor . Aí, o doutor, no mesmo dia... Acho que nem fez
exame de sangue nem nada, no mesmo dia, né?
Você recomendaria que viesse pra cá, e o que mais que você recomendaria,
que me ajudaria a enfrentar tudo isso?
É, faz alguma oficina, sabe? Fazer uma... uma terapia, sabe? Qualquer coisa
que distraísse: leitura, pintura, qualquer coisa, sabe? (Você acha que
ajuda?...) Eu acho que distrai, ajuda bastante, né? Ajuda bastante a enfrentar
tudo isso.
E o que vem na tua cabeça quando eu falo a palavra Deus?
Ai, o Criador de tudo, né?
O que isso tem a ver com você?
Ah, que ele me dá força, né? Me coragem pra enfrentar tudo, né? Me
sustém.
Foi sempre assim que você acreditou?
Precisa sempre... Tive que ter Deus. Por tudo o que eu passei, eu tenho... tive
que ter Deus.
E o que vem na tua cabeça quando eu falo a palavra esperança ?
Ah, a cura, né? (A cura?) É, saber que eu tô de alta, que eu não preciso
mais tá... né? na quimioterapia, na radioterapia. Que eu possa fazer uma
236
reconstituição, né? Que eu possa levantar de novo, que eu possa voltar a ser
nor... normal, né?
Qual é a importância que essa esperança tem na sua vida hoje?
Ah, eu acho que não é na minha vida, né? É na vida de todas asquela que
estão passando por esse mal, né? Mas eu acho que... É tudo, né? Prevalece
tudo na gente, que a gente pode voltar a ser o que era, né? Tornar, voltar, pra
ter as atividades que a gente tinha, né? Tem muita coisa que eu não faço, que
eu não posso fazer, que o dá, né? Às vezes, a gente esquece, põe num
movimento brusco no braço, dói, sabe? A gente sabia que podia fazer... não
pode, né? Muitas vezes, é... até mesmo com a minha filha, né? brincar com a
menina, eu não posso, né? Nem de roda. Às vezes, se ela me pegr de roda e
fica nós duas rodando, não... eu não posso. [risos] Né?, Eu acho que... tem que
ser assim... (É?)
O que vem na sua cabeça quando eu falo a palavra enfrentando a doença?
Aí, a gente tem que se apegar a Deus, né? Aí, volta tudo de novo, [risos] um
círculo. Porque se a gente não se apega a alguma coisa, a Deus, né? ter uma
crença, eu acho que torna mais difícil, né? fica mais... Sem a ajuda de
ninguém, muito difícil.
Você acha que essa tua em Deus faz alguma diferença nesse momento da
sua vida?
Faz bastante, né? Não nesse momento, mas em tudo. Eu acho que a gente
precisa colocar, né?... É o tempero principal, se a gente não... não colocar, nós
não somos nada, né? As coisas negativas tomam mais conta, né?
Principalmente agora, com as coisa mais difícil, né? as pessoas são mais
ruins, o mundo tá mais difícil, né?
Você acha que se você não tivesse essa em Deus, estaria sendo mais difícil
pra você enfrentar tudo isso?
Ah, eu acho que sim, com certeza. Eu acho que eu nem taria mais aqui. É,
porque eu já passei por quatro, né? Duas... É, por três, quer dizer. Ah, eu
acho que seria muito mais difícil sim,. Eu acho que eu nem conseguiria. Porque
vem o negativismo, né? A gente fala assim: -Ai, eu não vou conseguir! Aí,
você chega lá, você um mundo de pessoas esperando o doutor . Ainda,
tudo... cê todo o mundo falando doutor . Tem muita gente, nossa senhora
do céu! Aí, aquele dia você não é atendida. Aí, volta a outra semana, chega
na outra semana um mundo de gente, de gestante, né? Gente que está
muito doente, [trecho inaudível], sofrimento... sabe? Você não quer aquilo,
entrar mais naquilo. Aí você sai, e se não tiver fé, você desiste. É muito difícil.
Essa sua maneira de enfrentar a doença, com em Deus, com a esperança da
cura, com a ajuda desses amigos que você fala que você fez depois do
diagnóstico dessa doença , você acha que tudo isso tem feito alguma
diferença no enfrentamento dessa doença?
Ai, bastante, minha fé me ajuda bastante, né? Me ajuda, mandada por Deus,
porque eu sempre pedia, né? Que a.-Alguém precisa me ajudar, alguém
precisa me ajudar! Porque sou eu sozinha, né? Então, apareciam assim, sem
mais nem menos, aparecia ... essa ajuda.
237
Você quer ver uma coisa: ó, se você está vendo que eu preciso da cesta
básica: eu não cheguei pra você, eu não falei que eu tava precisando de cesta
básica, você sentiu, né? em falar pra mim, né? Aí, eu falei que... eu não sei
se você, é adivinhou o meu jeito, se eu tava precisando ou não, pra me falar,
mas eu já tinha pedido, eu tinha pedido a Deus, né? Que sou eu sozinha, é eu
e a menina, e as coisa tá começando a faltar, né? Liga pro serviço, pede pro
serviço. Aí, alguém tem que me ajudar.
Então você acha que esses são os caminhos: (É, que se abrem, né?) que Deus
tem atendido às preces, (Bastante.) tem te ouvido, e te dado essa força
(Verdade.)
E você acha que a maneira, o jeito como você tem enfrentado a doença tem
resolvido, para você?
Eu, eu acho que tem resolvido sim. Bastante, né? Porque . têm pessoas que
não suportariam isso, né? Uma, tem gente que não... eu acho que não iria
agüentar nem de estar sozinho com uma criança, principalmente... né? Eu
sendo... Eu, eu fui operada, eu fiquei internada, né? O que eu passei... Eu acho
que a força é muito grande, né?
E para você o que é a morte?
Uma passagem pra um segundo plano, né? Só. ([Entrevistada ri[?]]) A gente só
vai sair daqui e vai pro outro lado. Eu acho que termina essa matéria, né? E a
gente já sai daqui e vai pra outra, pro outro lado. É, um segundo plano, né?
Igual, a gente... Vai, faz força pra nascer, a gente faz força pra morrer, né?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo