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São raros os trabalhos que abordam a interface psicanálise/educação, que utilizam
como referência a psicanálise winnicottiana
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e, mais raras ainda, as pesquisas sobre
educação infantil que seguem essa abordagem e, quando o fazem, colocam a teoria do
amadurecimento humano numa linha contínua com a psicanálise clássica, como se fosse
um desenvolvimento complementar à mesma, não considerando as diferenças entre as duas
abordagens. Exemplo disso é o texto de Levisky
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, intitulado Mal-Estar na Educação, em
que o autor faz referência ao conceito de “mãe suficientemente boa”, integrando-o à
psicanálise e ao que ele denomina de “dialética do aparelho psíquico”. O autor diz:
A ‘mãe suficientemente boa’ ajuda a criança a viver as frustrações em ritmo, profundidade e
intensidade suportáveis para o aparelho psíquico. Quando a vivência das frustrações fica muito
além ou muito aquém de seus limites de suportabilidade, o aparelho psíquico vai se
comprometendo, afetando uma série de funções ligadas ao aprendizado (2002, p. 109).
Evidentemente, os autores
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que partiram da psicanálise freudiana trouxeram
contribuições muito importantes para o campo educacional, produziram reflexões
significativas que permitiram mudanças na sua prática e avançaram até o ponto que a
própria teoria lhes possibilitou. No entanto, penso que esse debate pode ser ampliado se
partirmos da obra de Winnicott porque ele supera o dualismo presente na metafísica
cartesiana e na psicanálise freudiana, que ora se remetia ao sujeito, ora ao objeto, para
compreender a realidade.
Freud deu início ao diálogo da psicanálise com a educação e foi o primeiro a propor
uma “aplicação” da psicanálise à educação. Em O mal estar na civilização, ele critica a
educação, nos fazendo repensar o seu papel na vida da criança. Em um primeiro momento,
pensou na educação como redentora desse mal-estar, mas concluiu ser ela “um mal
necessário”: o homem deveria ser submetido à repressão para se tornar civilizado. Conclui,
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Recentemente surgiram pesquisas no campo educacional que têm como referência a teoria winnicottiana.
Cito algumas: Freller (1993, 1999, 2001), Parente (1996, 2003), Rosa (1993, 1998), Aiello-Vaisberg (1999),
Ribeiro (1998, 2004), Chamusca (2000), Sanchez (2002, 2005) etc.
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David Léo Levisky. O texto Mal-Estar na educação faz parte da publicação de trabalhos apresentados
durante o simpósio Psicanálise e Pedagogia, realizado em outubro de 2000, durante as exposições “Freud:
Conflito e Cultura” e “Brasil: Psicanálise e Modernismo”, organizado por Lino de Macedo e Bernardete
Amêndola de Assis. Levisky é o único autor que faz referência à Winnicott no simpósio.
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Há diversas produções que se propõem a fazer essa interlocução entre psicanálise e educação, mas a maioria
parte da psicanálise tradicional (representada por Freud, Klein e Lacan) tais como: Millot (1987), Kupfer
(1990, 1997, 2000), Filloux (1997), Lajonquière (1992), Macedo (2002), Patto (1990, 2002).