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principal, portanto, aí temos um “pensamento de massa”.Por outro lado, a Revolução
Francesa já representa o início da autoridade política da massa propriamente dita que se
estende até os dias de hoje.
Há visionários políticos e sociais que com eloqüência e fogosidade
pedem a subversão de toda ordem, na crença de que logo em
seguida o mais altivo templo da bela humanidade se erguerá por si
só. Nestes sonhos perigosos ainda ecoa a superstição de Rousseau,
que acredita numa miraculosa, primordial, mas, digamos, soterrada
bondade da natureza humana, e que culpa por esse soterramento as
instituições da cultura, na forma de sociedade, Estado, educação.
Infelizmente aprendemos, com a história, que toda subversão desse
tipo traz a ressurreição das mais selvagens energias, dos terrores e
excessos das mais remotas épocas, há muito tempo sepultados: e
que, portanto, uma subversão pode ser fonte de energia numa
humanidade cansada, mas nunca é organizadora, arquiteta, artista,
aperfeiçoadora da natureza humana. (NIETZSCHE, 2004b, § 463).
As revoluções só trazem à tona reações violentas em nada construtivas de uma cultura
que Nietzsche quer aristocrática. O autor nega o “espírito democrático”
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de Rousseau - o
“povo”, a “massa” não possui o poder de artista, eles são apenas destruidores e detentores
apenas de “instintos selvagens” negadores de uma “cultura superior”. Por isso, a genealogia
não vê que a revolução seja algo que deva ser prescrito ao homem enquanto ação
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Vejo em alguns comentadores como Ansell-Pearson o equívoco de interpretarem Nietzsche em Humano
demasiado humano como um pensador adepto da ideal democrático liberal. Isto se deve ao fato de certos
aforismos possuírem algumas idéias semelhantes a tal ideal, mas isto não quer dizer que Nietzsche seja um
defensor da democracia, vejamos um destes aforismos:
“A exploração do trabalhador, percebeu-se agora, foi uma estupidez, um exaurimento do solo às custas
do futuro, um risco para a sociedade. Agora já temos quase um estado de guerra: e o custo de manter a paz, de
firmar tratados e adquirir confiança, em qualquer caso, será doravante muito grande, porque muito grande foi a
loucura dos exploradores, e de longa duração.” (NIETZSCHE, 2004b, § 286).
E Ansell-Pearson diz:
“Nietzsche argumenta a favor de uma democracia futura que superará polaridades de riqueza e poder
que, espera, tornará obsoleto o que considera as duas mais perigosas ideologias do período moderno, o
nacionalismo e o socialismo (...) Nietzsche até endossa uma política trabalhista esclarecida, que garantirá aos
trabalhadores segurança, proteção contra a injustiça e a exploração. Dessa maneira, garantir o contentamento do
corpo e da alma do trabalhador assegurará que sua prosperidade seja também a prosperidade do todo social.”
(ANSELL-PEARSON, 1997, p. 105).
Ao dizer que a exploração do trabalho se deu de modo abusivo, Nietzsche não está falando em prol de
uma democracia, mas o autor está se referindo a uma organização que o próprio poder aristocrático
deve
definir em relação aos seus
governados para o próprio bem desta aristocracia, e não pensando como fim
último o “povo”. Portanto Humano demasiado humano, neste ponto, não contradiz as obras futuras de Nietzsche.