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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
A COMUNICAÇÃO E O TURISMO SEXUAL
AS GAROTAS DO BRASIL – UM OLHAR HERMENÊUTICO
LICIANE ROSSETTO FERREIRA
Porto Alegre
2007
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LICIANE ROSSETTO FERREIRA
A COMUNICAÇÃO E O TURISMO SEXUAL
AS GAROTAS DO BRASIL – UM OLHAR HERMENÊUTICO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social, como
requisito parcial para obtenção do título de
Doutorado com área de concentração em Práticas
Sociopolíticas e Comunicação nas Organizações.
Professor Orientador: Dr. Roberto José Ramos
Porto Alegre
2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Rossetto Ferreira, Liciane.
A comunicação e o turismo sexual [manuscrito] : as garotas do Brasil – um olhar
hermenêutico / por Liciane Rossetto Ferreira. Porto Alegre. 2007.
252 f. + apêndices.
Tese (doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Faculdade de Comunicação Social, 2007.
"Orientação: “Dr. Roberto José Ramos"
1. Ciências Sociais Aplicadas 2. Comunicação 3. Turismo 4. História
5. Florianópolis, SC 6. Turismo Sexual 7. Hermenêutica de Profundidade
8. Semiologia I. Título. II. Ramos, Roberto José.
CDD 302.2
338.4791
CDU 316.77
379.85
Bibliotecária Responsável
Marialva M. Weber CRB 10/995
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LICIANE ROSSETTO FERREIRA
A COMUNICAÇÃO E O TURISMO SEXUAL
AS GAROTAS DO BRASIL – UM OLHAR HERMENÊUTICO
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor,
ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
APROVADO EM 28 DE AGOSTO DE 2007
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Roberto José Ramos – PUCRS
Orientador
_______________________________________
Prof. Dr. Carlos Gerbase – PUCRS
_______________________________________
Prof. Dr. Pedrinho Arcides Guareschi – PUCRS
_______________________________________
Profª. Drª. Cassilda Golin Costa (Cida Golin) – UFRGS
_______________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Steil – UFRGS
5
A Deus toda honra, toda glória e todo o louvor.
Ao meu marido e a nossa família: Ni, Táta, Uma
(
in memorian
), Quesa (
in memorian
), Vonita,
Quinho, Onésia e aos demais (que são muitos!),
seja esta conquista motivo de orgulho para
vocês, como vocês o são para mim. Cada um de
vocês é arrimo na minha vida, e o é com
excelência!
6
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...
Proverbios y Cantares, de Antonio Machado
.
7
AGRADECIMENTOS
São tantos os companheiros de jornada! É meio temeroso fazer um
agradecimento e deixar de nomear alguém, não por esquecimento, mas porque
certas pessoas estão presentes de tal forma em nossas vidas que quase as
incorporamos. Aos meus queridos amigos, vocês são meu intertexto!
Expresso minha gratidão ao Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista pelo
apoio financeiro imprescindível, aos colegas de trabalho e estudantes pelo olhar
atento sobre o tema, e pelos comentários e contribuições.
Ao meu orientador, Prof. Roberto José Ramos, exemplo, porto seguro de águas
tranqüilas onde sempre é possível encontrar paz, um renovo e direção!
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, aos
colegas de estudos e um carinho especial à cia e ao Paulo, sempre tão
prestativos.
À minha família, na qual estão incluídos todos os amigos, as pretinhas, por
compreenderem a ausência e distância que momentos de pesquisa nos exigem, aos
irmãos em Cristo por todos os minutos de oração!
8
RESUMO
O presente estudo, um olhar lançado sobre o Turismo Sexual, nas relações
promovidas pela Comunicação entre turistas argentinos e moças da comunidade,
em Florianópolis, Santa Catarina, no período de janeiro a abril de 2007, contempla
uma Tríplice Análise da pesquisa, através da Hermenêutica em Profundidade (HP).
Para a Análise Sociohistórica, buscamos a referência das categorias Globalização,
em Thompson, Turismo, em Urry, e Atrativo Turístico, em Ruschmann, como uma
subcategoria. A Semiologia barthesiana, é a técnica metodológica que norteia a
Análise Formal ou Discursiva, ao priorizar a produção de sentido, que se à luz
das categorias Discurso, Estereótipo, Mito, Cultura, Poder e Imaginário. O
Turismo Sexual é um problema que, para ser contemplado, requer uma referência
sociocultural, portanto, não seria possível pensá-lo fora da Comunicação. Nossa
tese é que a Comunicação, através das Mídias de massa, seleciona aspectos da
Cultura brasileira produzidas como espetáculo, e os apresenta com destaque,
exaltando uma imagem generalizada, a partir de fragmentos, e que somada aos
discursos que reforçam estereótipos e mitos em relação à nação, em especial às
mulheres brasileiras, alimentam o Imaginário dos turistas, promovendo o Turismo
Sexual. A pesquisa trouxe à tona uma interpretação do Turismo Sexual nas
relações promovidas pela Comunicação, o que poderá contribuir no fomento das
discussões sobre o tema. A primeira parte do estudo apresenta uma
contextualização histórica do Turismo, com vistas a uma reflexão sobre sua
evolução, até chegar em Florianópolis, onde procuramos caracterizar do
desenvolvimento ao perfil tustico atual. Segue a esta a apresentação das
categorias eleitas a priori para nossas análises. Na segunda parte do estudo é
contemplado o perfil do método Hermenêutica de Profundidade, seus pressupostos
teóricos e de que modo o aplicamos ao objeto de estudo. A partir daí serão
apresentadas nossas pesquisas de campo, realizadas através de Grupos Focais,
que compõem o nosso corpus, para então procedermos com a Tríplice Análise
proposta por Thompson. Em nossas considerações apresentamos as sínteses das
conclusões parciais oriundas das análises, a retomada das questões de pesquisa e
dos objetivos.
Palavras-chave: Comunicação; Turismo Sexual; Hermenêutica de
Profundidade; Semiologia.
9
ABSTRACT
The current study, a glance on Sexual Tourism in the relations promoted by the
Communication between Argentinean tourists and girls from the community of Florianópolis,
Santa Catarina, from January to April 2007, contemplates a Triple Analysis of the research,
through the Hermeneutics in Depth (HD). For purposes of Social and Historical Analysis, we
searched for the reference of the categories Globalization, in Thompson, Tourism, in Urry
and Tourism Attraction, in Ruschmann, as a subcategory. Barthesian Semiology is the
methodological technique that guides the Formal or Discursive Analysis, upon giving priority
to the production of the sense that occurs under the light of the categories Discourse,
Stereotype, Myth, Culture, Power and Imaginary. In order to contemplate the problem of
Sexual Tourism, it requires a social and cultural reference; therefore, it would not be
possible to think it out of Communication. Our thesis is that Communication, through the
Mass Media, selects aspects of the Brazilian Culture produced as a show by pointing them
out and by highlighting a generalized image from fragments which, added to the discourses
that reinforce stereotypes and myths in connection with the nation, especially with Brazilian
women, nurture the Imaginary of the tourists, by promoting Sexual Tourism. The research
offers an interpretation of Sexual Tourism in the relations promoted by Communication what
may contribute to foster the discussions on the theme. The first part of the study presents the
historical contextualization of Tourism, aiming at a reflection about its evolution till reaching
Florianópolis where we tried to characterize from the development to the current tourism
profile. Next, we present the categories elected a priori for our analyses. The second part of
the study contemplates the profile of the method of Hermeneutics in Depth, its theoretical
presuppositions and how we applied it to the object of the study. From this point on, we
present our on-site researches carried out through Focal Groups that compose our corpus in
order to make, then, the Triple Analysis proposed by Thompson. Within our considerations,
we present the syntheses of the partial conclusions derived from the analyses, the retake of
both the issues of the research and the objectives.
Keywords: Communication; Sexual Tourism, Hermeneutics in Depth, Semiology.
10
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................................8
ABSTRACT .............................................................................................................................9
SUMÁRIO................................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO – AO NAVEGAR, FAZEMOS A ROTA ...................................................... 12
1 A COMUNICAÇÃO E O TURISMO SEXUAL FUNDAMENTOS PARA UM OLHAR
HERMENÊUTICO...............................................................................................................23
1.1 SOLTANDO AS AMARRAS................................................................................. 24
1.2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: AS COORDENADAS DA NAVEGAÇÃO........... 56
2 A INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA – NAVEGANDO DE VENTO EM POPA ............113
2.1 APRESENTAÇÃO DA ENTREVISTA GRUPAL – OS ARGENTINOS............... 114
2.1.1 Análise Sociohistórica .......................................................................... 121
2.1.2 Análise Formal ou Discursiva............................................................... 141
2.1.3 Interpretação e Re-Interpretação.......................................................... 160
2.2 APRESENTAÇÃO DA ENTREVISTA GRUPAL: MOÇAS DE
FLORIANÓPOLIS – CAMBAR DE BORDO....................................................... 174
2.2.1 Análise Sociohistórica .......................................................................... 184
2.2.2 Análise Formal ou Discursiva............................................................... 201
2.2.3 Interpretação e Re-Interpretação.......................................................... 217
11
RE-INTERPRETAÇÃO FINAL.............................................................................................232
REFERÊNCIAS...................................................................................................................246
OBRAS CONSULTADAS ....................................................................................................250
APÊNDICES........................................................................................................................252
12
INTRODUÇÃO – AO NAVEGAR, FAZEMOS A ROTA
Nosso
1
objeto de estudo é a Comunicação e o Turismo Sexual, motivado pelo
Discurso que enfatiza a imagem sensual da mulher brasileira, como Atrativo
Turístico, e seus reflexos nas relações entre moças de Florianópolis e rapazes
argentinos. O hedonismo, fomentado pela propaganda turística nacional, por muito
tempo utilizou a imagem seminua da mulher brasileira nas fotografias publicitárias.
Nossa opção pelo estudo do Turismo vem do início da década de 1990, na
Graduação. Desde então, esse fenômeno tem sido objeto de pesquisa, foco de
interesse pessoal, por suas particularidades e multiplicidades. Nas andanças pela
vida acadêmica e profissional estudamos o Turismo do ponto de vista da
Administração, da Educação, do Meio Ambiente Natural, até chegar o momento de
retornar aos estudos em Comunicação – ponto de partida desta jornada.
1
“[...] fomos ‘nós’: todos aqueles que tacitamente, ou inconscientemente citei, chamei, e que são
‘leituras’, não ‘autores’” (BARTHES 1975, p. 94).
13
Nossa atenção sobre o Turismo Sexual foi instigada a partir de uma palestra
do CHAME Centro Humanitário de Apoio à Mulher sobre o tema aqui abordado,
realizada em outubro de 1999, em Florianópolis. Esse evento nos despertou um
olhar mais atento, de maneira empírica, informal, sobre as relações entre os
visitantes argentinos e as visitadas florianopolitanas. Gradualmente, essas
observações
2
foram se tornando inquietações.
Optamos por focalizar o estudo em Florianópolis por considerá-la um destino
turístico internacional, onde a existência de um Turismo Sexual ainda pode estar
velada. Os turistas argentinos, desde a década de 1980, representam o principal
segmento de visitantes estrangeiros à capital catarinense, em especial na
temporada de verão. Parte deles é constituída por grupos familiares. Não raro é
possível observarmos a presença massiva de grupos de jovens e homens que
escolhem a Ilha de Santa Catarina, como destino, para as suas férias.
carência de estudos acerca do Turismo Sexual no Brasil, mesmo que
existam esforços isolados nas áreas de Geografia (RIBEIRO), Antropologia
(PISCITELLI) e Sociologia (SOARES DO BEM), com o enfoque na Comunicação. O
tema, portanto, ainda merece atenção.
O presente estudo sobre o Turismo Sexual, nas relações promovidas pela
Comunicação entre turistas argentinos e moças da comunidade, em Florianópolis,
Santa Catarina, contempla as análises, através da Hermenêutica em Profundidade
(HP), em uma Pesquisa Qualitativa.
2
A autora residiu em Florianópolis no período de março de 1994 a julho de 2002.
14
Da aproximação com o todo escolhido, que prioriza o aspecto contextual,
surge a opção pela primeira pessoa do plural, porque entendemos que as tantas
leituras, discussões teóricas e diálogos a respeito do tema desta tese impregnaram
cada linha redigida com o resultado dessas interlocuções, portanto, deixam de
traduzir um olhar individual. Mesmo nos aspectos técnicos contamos com o apoio de
outras pessoas, o que constrange a utilização do singular.
A escolha do método alude à característica do objeto. Algumas palavras do
texto serão grafadas em negrito, recurso adotado para valorizar a relação com o
objeto de estudo. As iniciais em letra maiúscula, de alguns termos, se apresentam
com uma licença gramatical à regra para enfatizar certas palavras referentes ao
objeto, à teoria e ao método.
O método escolhido para a pesquisa é a Hermenêutica de Profundidade (HP),
proposta por Thompson, para quem a HP é um referencial metodológico amplo, que
prioriza o estudo da produção de sentido, através das formas simbólicas. A HP, a
partir da Tríplice Análise, contempla a Análise Sociohistórica, Análise Formal ou
Discursiva e a Interpretação e a Re-interpretação.
Para a Análise Sociohistórica buscamos a referência das categorias
Globalização, em Thompson, Turismo, em Urry, e Atrativo Turístico, em
Ruschmann, como uma subcategoria. A Semiologia barthesiana foi a técnica
metodológica que norteou a Análise Formal ou Discursiva, priorizando a produção
de sentido, à luz das categorias Discurso, Estereótipo, Mito, Cultura, Poder e
Imaginário.
15
Por concentrar um grande volume turístico, inclusive estrangeiro, e, em
especial, de argentinos, nos meses de verão, o presente estudo focaliza a cidade de
Florianópolis, com a realização de Grupos Focais separados, entre turistas e moças
residentes naquela cidade. Realizamos os primeiros nos meses de janeiro e
fevereiro de 2007, no entanto, o resultado do grupo feminino não foi suficiente para
contemplar as análises, então, refizemos a entrevista com as moças da comunidade,
em abril de 2007. A Tríplice Análise, proposta pela HP, ocorre a partir dos resultados
dessas entrevistas grupais em profundidade com os grupos de respondentes, que
forma o corpus
3
.
Quanto à natureza, é uma Pesquisa Aplicada, a fim de gerar conhecimentos
para a solução de problemas específicos. Do ponto de vista da forma de abordagem
do problema, uma Pesquisa Qualitativa considera que uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito que não pode ser traduzida em números, na qual a
interpretação dos femenos e a atribuição de significados são básicas no processo
de pesquisa.
Em relação aos objetivos, é uma Pesquisa Exploratória, pois procura
proporcionar maior familiaridade com o problema para torná-lo explícito, envolvendo
levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências
práticas com o problema; análise de exemplos que estimulam a compreensão.
Quanto aos procedimentos técnicos, utilizamos, em parte, uma Pesquisa
Bibliográfica, a partir de material publicado, constituída principalmente de livros,
3
O corpus é uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, conforme certa
arbitrariedade (inevitável) em torno da qual ele vai trabalhar (BARTHES, 1997, p. 104).
16
artigos de periódicos, artigos científicos, de revistas eletrônicas, acessadas na
Internet e, também, matérias de revistas e jornais, considerando que o tema ainda
não possui uma bibliografia específica. Esse procedimento pauta, em especial, a
fundamentação teórica do nosso estudo. Há, além disso, a entrevista direta com as
pessoas, cujo comportamento nós desejávamos conhecer.
Entre os objetivos da linha de pesquisa de Práticas Sociopolíticas nas Mídias e
Comunicação nas Organizações, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, está a proposição
de pesquisar os efeitos na sociedade, nas dimensões histórica, sociopolítica e
cultural, a partir da intervenção das dias e suas práticas no processo de
comunicação.
Entendemos que o Turismo Sexual configura um problema que, para ser
contemplado, requer uma referência sociocultural, portanto, não seria possível
pensá-lo fora da Comunicação. O Turismo significa, assim como o faz a
Comunicação. Ambos caminham juntos e permeiam as relações humanas. Um e
outro são fenômenos essencialmente humanos e culturais, em que produção de
sentido e expressão.
A resposta que tencionamos é a de trazer à tona a interpretação do Turismo
Sexual nas relações promovidas pela Comunicação, o que poderá fomentar as
discussões sobre o tema. Temos a concepção de que a pesquisa em ciências
sociais aplicadas visa muito mais à compreensão dos fenômenos do que à
comprovação de hipóteses.
17
Estudar, através da Hermenêutica de Profundidade, a participação da
Comunicação na promoção do Turismo Sexual, e interpretar suas manifestações
nos relacionamentos entre turistas argentinos e moças da comunidade em
Florianópolis, é o nosso objetivo geral.
Escolhemos trabalhar com questões de pesquisa por considerarmos sua
melhor adequação ao método e à forma de abordagem do objeto. À medida que
buscamos as respostas a estas questões encontramos o caminho para contemplar o
estudo e a interpretação do Turismo Sexual nas relações promovidas pela
Comunicação.
A questão geradora desta tese é: De que modo a Comunicação pode atuar na
promoção do Turismo Sexual, e como isto se manifesta nos relacionamentos entre
turistas argentinos e garotas da comunidade em Florianópolis?
Outras questões de pesquisa também manifestam nossas inquietações, a partir
do momento em que buscam interrogar as categorias, eleitas à priori, para nossas
reflexões. As respostas a estas outras questões dão apoio ao desvelamento para a
interpretação, à descoberta. São elas:
Como acontece o encontro das diferentes Culturas, argentina e brasileira, na
Globalização, promovido pelo Turismo? Como o fenômeno Comunicação, através
das mídias, propaga idéias em diferentes Culturas, também distintas em regiões
geográficas?
18
De que modo a circulação de mensagens, através da Globalização, mobiliza
significado, para além do contexto social, no qual as Formas Simbólicas são
produzidas?
De que modo o Discurso dos entrevistados se refere à maneira com que tem
se promovido o Brasil e sua imagem turística? Como o Discurso desses sujeitos
narra as relações entre os turistas argentinos e as moças da comunidade local, em
Florianópolis?
Como se formou o Estereótipo da brasileira e de que modo este Estereótipo
povoa o Imaginário do turista argentino? Como ocorreu a cristalização da noção de
que fazer sexo com a mulher nativa é sinônimo de hospitalidade?
De que modo o Mito representa o Brasil na atratividade turística, na formação
da imagem no exterior sobre o país? Como a produção mítica permeia a
propaganda turística? De que modo as matérias-primas utilizadas pela propaganda
turística e pelas Formas Simbólicas são captadas pelo Mito?
De que modo o intercâmbio e as relações sociais ocorrem no encontro da
Cultura do turista argentino com a comunidade local de Florianópolis? De que modo
a Cultura e o Poder, refletem as relações no encontro entre visitantes e visitadas?
Como se relacionam as pessoas residentes em um destino turístico,
Florianópolis, e os visitantes argentinos? De que modo o Poder permeia as relações
entre o turista argentino e a comunidade local?
De que forma as motivações de viagem, desejo e fantasia povoam o
Imaginário dos turistas argentinos que escolhem o Brasil como destino?
19
De que modo o Turismo promove as inter-relações sociais dos visitantes com a
comunidade visitada e como se comportam as pessoas em viagens de Turismo?
Como tem sido formada a imagem do Brasil para o exterior, em especial em relação
ao que é Atrativo Turístico?
Como podemos categorizar o Turismo Sexual; como compreender seu
conceito a partir do estudo que realizamos em Florianópolis?
As questões de pesquisa e as categorias eleitas, a priori, norteiam nossos
objetivos específicos, aspectos do objeto que nos instigam ao estudo com vistas a
alcançar a interpretação. São eles:
Estudar as inter-relações culturais promovidas pela Globalização da
Comunicação, na propagação das idéias, na circulação de mensagens para além do
contexto onde as Formas Simbólicas são produzidas;
interpretar como o Discurso dos entrevistados se refere à maneira com que
tem se promovido o Brasil e sua imagem turística. Estudar como o Discurso narra
as relações entre os turistas argentinos e as moças da comunidade local, em
Florianópolis;
compreender as relações de Cultura e Poder refletidas no encontro entre
viajantes e comunidade receptora, o intercâmbio e as relações sociais promovidos
pelo Turismo;
interpretar a formação do Mito e de que maneira a produção mítica capta as
Formas Simbólicas utilizadas na ação promocional relacionada aos Atrativos
Turísticos;
20
estudar a formação do Estereótipo sensual da mulher brasileira, de que
modo alimenta o Imaginário do turista estrangeiro e a cristalização da idéia do sexo
como expressão da hospitalidade;
interpretar as motivações de viagem, desejo e fantasia que povoam o
Imaginário dos turistas argentinos que escolhem o Brasil como destino;
interpretar as inter-relações sociais, entre visitantes e visitadas, promovidas
pelo Turismo e seu reflexo no comportamento dos turistas argentinos durante a
viagem a Florianópolis;
estudar as características nacionais utilizadas pela propaganda como Atrativo
Turístico;
– compreender as questões que envolvem o Turismo Sexual mediante o
estudo da Semiologia;
– categorizar o Turismo Sexual, a partir do estudo realizado em Florianópolis.
A primeira parte deste estudo, sob o título A Comunicação e o Turismo Sexual
Fundamentos para um Olhar Hermenêutico, apresenta uma contextualização
histórica do Turismo, com vistas a uma reflexão sobre sua evolução, até aportar em
Florianópolis, onde procuramos caracterizar desde o desenvolvimento do Turismo
até seu perfil atual. A seguir, apresentamos as categorias eleitas, a priori, para
nossas análises.
21
As alusões a essas categorias definiram a escolha de um autor de referência, a
qual foi acrescida do diálogo com outros autores. A Globalização, em Thompson
(1995), conversa com Morin, a categoria Turismo partiu de Torre Padilla (1997) para
ser complementada em Urry (1996) que dialoga com Krippendorf (1988), os quais
formam o esteio para a Análise Sociohistórica.
Para a Análise Formal ou Discursiva conversam com Barthes, para a
ancoragem das categorias eleitas a priori, Weber (2001) e Lacan (1988), sem perder
de vista o próprio intertexto do semiólogo. Na aplicação técnica metodológica que é
a Semiologia, seguimos a orientação barthesiana que a considera uma ciência das
formas, por estudar as significações, independente do seu conteúdo.
Na segunda parte deste estudo, A Interpretação Hermenêutica – Navegando de
Vento em Popa, contemplamos o perfil do todo Hermenêutica de Profundidade,
seus pressupostos teóricos e de que modo o aplicamos ao objeto de estudo. A partir
daí apresentamos nossas pesquisas de campo para, então, proceder à Tríplice
Análise proposta por Thompson (1995).
A técnica empregada para a coleta de dados é a de entrevista em profundidade
com um grupo de respondentes, denominada Grupo Focal. Esse procedimento parte
do pressuposto de que o mundo social é ativamente construído por pessoas em
seus cotidianos. Assim, selecionamos um grupo de entrevistados, constituído por
turistas argentinos e outro grupo composto por garotas residentes em Florianópolis.
As conversas, em suas gravações, transcrições e síntese, formam o corpus para as
Análises Sociohistórica, Formal ou Discursiva, e, Interpretação e Re-interpretação.
22
Nas considerações finais apresentamos as sínteses das conclusões parciais,
oriundas das análises, em uma grande Re-interpretação, seguida da retomada das
Questões de Pesquisa e dos Objetivos.
Nossa tese é que a Comunicação, através das Mídias de massa, seleciona
aspectos da Cultura brasileira produzidos como espetáculo e os apresenta como
destaque, exaltando uma imagem generalizada, a partir de fragmentos, somada aos
Discursos que reforçam Estereótipos e Mitos em relação à nação e, em especial
às mulheres brasileiras, alimentam o Imaginário dos turistas promovendo o
Turismo Sexual. Talvez, o blico mais alcançado por estas informações seja o
jovem, nascido a partir da década de 1980, que tem na televisão sua janela para o
mundo.
23
1 A COMUNICAÇÃO E O TURISMO SEXUAL FUNDAMENTOS
PARA UM OLHAR HERMENÊUTICO
Iniciamos a jornada rumo ao estudo do Turismo Sexual, nas relações
promovidas pela Comunicação, a partir da contextualização histórica da atividade
humana e social que é o Turismo, feito que alude ao método, ao promover uma
análise sociohistórica do objeto.
Ao entendermos que tanto a Comunicação, quanto o Turismo, são fenômenos
sociais que se interpõem às relações humanas, parece pertinente lançar um olhar
sobre tais aspectos, os sociohistóricos, antes de apresentarmos as categorias que
dão o rumo à Tríplice Análise.
É possível que essa contextualização ajude a compreender que o Turismo se
apresenta, ainda, mais na forma de um objeto percebido do que na qualidade de um
objeto de conhecimento, e que, por esse motivo, depende do tomar emprestada a
metodologia de outras áreas para o seu estudo.
24
1.1 SOLTANDO AS AMARRAS
A atividade turística tem se fortalecido na preleção potica, nos últimos anos,
em países, como o Brasil, onde o governo é desafiado a promover a geração de
empregos. Assim, os setores que dependem da prestação de serviços ganham
destaque e despertam interesses.
Em essência, o Turismo é um conjunto de relações provenientes do
deslocamento temporário do ser humano com retorno ao local de partida. Se, no
início, os deslocamentos foram motivados pela necessidade de manutenção da vida,
através da busca de alimentos, ainda hoje um grande volume de viagens pode ser
motivado pelo trabalho, caracterizado principalmente por negócios. Somando-se às
necessidades de trabalho, viagens são empreendidas, nos momentos de "não-
trabalho", para a satisfação dos desejos do ser humano de suprir a sua curiosidade,
de se recrear e de buscar a felicidade fora do entorno da residência habitual.
O desejo de sentir é anterior à sensação em si. Não somos seres
passivos, expostos às situações do mundo. Buscamos pelas situações em
que esperamos encontrar respostas às nossas ansiedades (FIALHO, 2001,
p. 41).
A conceituação de Turismo tem evoluído à medida que essa atividade se
desenvolve, contudo, a base conceitual, em qualquer que seja a categorização,
parece ser a mesma: a de um conjunto de relações provenientes do deslocamento
humano temporário. De acordo com a Organização Mundial do Turismo OMT
(2001, p. 38), o Turismo "compreende atividades que as pessoas realizam durante
suas viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno habitual, por um
período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios e outras".
25
Portanto, o Turismo é realizado por pessoas e para pessoas e, tanto para quem
viaja quanto para quem recebe o turista as necessidades humanas precisam ser
atendidas e respeitadas, resguardando-se o patrimônio natural e cultural envolvido.
"Não havendo verdadeiros contatos não há intercâmbio cultural, mas reforço de
preconceitos", diz Barretto (2004, p. 139). É sob esse enfoque que pode estar a
pedra fundamental do planejamento e da organização das atividades turísticas, pois,
as pessoas viajam no seu momento mais precioso, principalmente se for
considerada a divisão do tempo mecânico do homem em idade produtiva. O esforço
de quem trabalha 11 meses pode ser recompensado por um mês de férias. Talvez,
pela proporção de onze para um é que esse momento de férias, de lazer, se torne
tão precioso.
três décadas, muito se falava em esperança na "Indústria, sem Chaminés".
O jargão foi perdendo espaço à medida que iniciaram os estudos sobre a atividade
que passou a ser vista como altamente poluente, não somente quanto ao meio
ambiente natural, o obstante, também, ao ambiente social e Cultural. À medida
que núcleos receptores foram crescendo e os fluxos turísticos aumentando, houve
uma onda exploratória e especulatória em relação à atividade. Os interesses
financeiros imediatistas passaram a desrespeitar as características naturais e
Culturais, devorando paisagens, cansando e enfastiando os nativos de tais núcleos.
Os conceitos de Turismo, ainda hoje, tendem, em primeiro plano, a caracterizá-
lo como uma atividade econômica, ao se considerar que esse fenômeno nasce no
capitalismo e nele se desenvolve, colocando o aspecto humano em um segundo
plano, porém, em função dessa atividade. Barretto (2004) declara que o
26
relacionamento entre visitantes e visitados vem sendo mutuamente negociado,
permeado pela lógica de consumo da sociedade.
Nessa concepção de Turismo, na qualidade de atividade econômica,
observamos a diferença na relação produto e serviço: o produto é elaborado por
máquinas; em contrapartida, os serviços são prestados por pessoas, embora se fale
em produto turístico. Durante a prestação de serviços, estabelece-se uma relação
pessoal entre o cliente e o profissional, e essa relação é o componente mais
valorizado no serviço, além do que os serviços são produzidos na presença da
clientela, a qual, muitas vezes, é co-produtora.
Para a efetiva compreensão do significado de Turismo, muito mais do que a
apresentação de números e estatísticas que quantifiquem a rentabilidade econômica
do setor, convidamos o leitor a "navegar" pela história, identificar alguns marcos que
fundamentaram o desenvolvimento turístico e que nos ajudaram a dar significado ao
termo.
Nossa viagem
4
tem, como destino, o estudo do Turismo Sexual, motivado pelo
Discurso turístico que enfatiza a imagem sensual da mulher brasileira, como
atrativo, com apelo sensual e suas conseqüências para a população, especialmente
a feminina, em locais de destino turístico. Por concentrar um grande fluxo de
viajantes, inclusive estrangeiros, em especial de argentinos, nos meses de verão, a
nossa pesquisa focaliza Florianópolis.
4
Empregamos o termo viagem como uma metáfora por entendermos que este é um caminho, um
percurso, uma trajetória... Nas palavras do poeta espanhol Antonio Machado: caminante no hay
camino, se hace el camino al andar”.
27
Nossa rota inicial tem como escopo contextualizar o desenvolvimento da
atividade turística, de sua gênese às características atuais. Iniciaremos a travessia
fazendo um passeio pelos registros encontrados em alguns dos principais autores
responsáveis pela produção científica do Turismo brasileiro, contemplando, também,
as publicações das entidades representativas do trade
5
turístico. Partiremos da
Antigüidade para chegarmos ao Brasil e aportarmos na Florianópolis
contemporânea.
uma origem aceitável para o termo Turismo. Em hebraico, a palavra tur
uma raiz primitiva tem o significado de viagem de reconhecimento, busca, procura.
O primeiro aparecimento da palavra tur, na Bíblia, está no capítulo 13 do Livro de
Números, quando Moisés estava acampado no deserto de Parã, península do Sinai,
com o povo israelita recém-saído do Egito, aproximadamente no ano 1445 a.C.
(BARRETTO, 1995).
Possivelmente, aquela população ultrapassava um milhão de pessoas, porque
o recenseamento era feito somente com os homens, de idade superior aos vinte
anos, e totalizava seiscentos mil: "Assim, partiram os filhos de Israel de Ramessés
para Sucote, cerca de seiscentos mil a pé, somente de homens, sem contar
mulheres e crianças", conforme o Livro de Êxodo, capítulo 12, versículo 37. O
assentamento era organizado em tribos, segundo os doze patriarcas, filhos de Jacó.
De Parã, Moisés enviou um representante de cada tribo, para "espiar" a terra de
5
O termo inglês Trade é usado para designar o conjunto das empresas, entidades e serviços,
responsáveis pela organização turística e que movimentam o setor.
28
Canaã, próximo à atual Gaza. O texto pode ser encontrado no livro de Números, no
capítulo 13, versículos 17 a 20:
Enviou-os, pois, Moisés a espiar a terra de Canaã; e disse-lhes: Subi
ao Neguebe e penetrai nas montanhas. Vede a terra, que tal é, e o povo
que nela habita, se é forte ou fraco, se poucos ou muitos. E qual é a terra
em que habita, se boa ou má; e que tais são as cidades em que habita, se
em arraiais, se em fortalezas. Também qual é a terra, se fértil ou estéril, se
nela há matas ou não. Tende ânimo e trazei do fruto da terra. Eram aqueles
dias os dias das primícias das uvas (ALMEIRA, 1999, p. 225).
Na seqüência, a história conta que essa viagem teve duração de 40 dias, ao fim
dos quais retornaram os espiões ao local de partida, trazendo os frutos da terra,
entre eles um cacho de uva, carregado em uma vara por dois homens, Josué e
Calebe. Atualmente, o Ministério de Turismo de Israel usa, como seu ícone, a figura
de dois homens carregando uma vara com um cacho de uvas.
Basicamente é a idéia de retorno que norteia a diferença da viagem turística em
relação aos demais deslocamentos humanos. É o que diferencia o Turismo de
outras viagens, como os fluxos nômades ou migratórios realizados desde os tempos
mais remotos em busca de alimentos e melhores condições de vida.
Para a efetiva compreensão das ltiplas relações provenientes da atividade
turística, é importante revisar um pouco sua origem e desenvolvimento, oriundos dos
deslocamentos humanos temporários, antecedentes históricos do Turismo, ainda
que a viagem turística seja decorrente da sociedade industrial. Nas origens
históricas do Turismo, os primeiros deslocamentos tinham, como aspecto primordial,
o comércio. A viagem, nesse período, era um meio de Comunicação.
O Médio Império egípcio, com início aproximado em 2052 a.C., foi marcado
pela expansão territorial e pelo início das viagens comerciais, com os fenícios, sírios
29
e cretenses, promovendo um intercâmbio cultural. Na Grécia, por volta do ano 776
a.C., as pessoas deixavam, temporariamente, as suas residências habituais, a cada
quatro anos, para assistir ou participar dos Jogos Olímpicos. Além disso, eram
realizadas peregrinações, para as festas de caráter religioso em Atenas, Corinto e
Delfos (REJOWSKI, 2002).
As cidades-estado gregas foram fundadas, em sua maioria, ao longo da costa,
estabelecendo rotas comerciais. Surgiram, também na Grécia, as estâncias
hidrominerais que promoviam a criação de estruturas para receber visitantes. Como
o clima interno nem sempre era o mais amistoso, nasceu o Mito
6
grego da
hospitalidade. Existia uma crença de que Zeus se disfarçava em forasteiro e assim
todos os peregrinos deveriam ser bem-acolhidos, pois, entre eles, um poderia ser o
deus (CASTELLI, 1975).
Ainda na Antigüidade, a hospitalidade era uma ordem para os israelitas,
fazendo parte da lei mosaica, e assim descreve o fragmento do Livro de Êxodo,
capítulo 22, versículo 21: "Não afligirás o forasteiro, nem o oprimirás; pois forasteiro
foste na terra do Egito" (ALMEIDA, 1999, p.117). Para os cristãos, segundo
orientação do Apóstolo Paulo, em epístola aos romanos, o capítulo 12, versículo 13
diz: "Compartilhai as necessidades dos santos; praticai a hospitalidade" (ALMEIDA,
1999, p.1760).
Com a ascensão do Império Romano foi desenvolvida uma malha de estradas,
"de aproximadamente 80 mil quilômetros" (CASTELLI, 1986, p. 15), na época de
6
Barthes (2003b, p. 199) considera o Mito uma fala, um sistema de comunicação. É uma mensagem,
um modo de significação, não se define pelo objeto, mas pela maneira como profere a mensagem.
30
Trajano. Essa estrutura foi determinante para a viabilização das viagens dos
contingentes de cidadãos que saíam de Roma para o mar, o campo, as águas
termais, os templos e os festivais (BARRETTO, 1995). Os romanos praticavam o
otium, uma viagem com permanência temporária à beira-mar.
De acordo com Castelli (1986), para dar suporte aos viajantes os romanos
criaram uma estrutura nas estradas que possibilitava, dentre outras coisas, a troca
de montaria para a continuidade da viagem. Yasoshima e Oliveira (2002) identificam
essas estruturas como sendo as Casas de Etapa, albergues, destinadas ao
descanso das tropas e de funcionários do governo, distantes entre si cerca de
oitenta a cem quilômetros.
Mesmo que na Antigüidade Clássica muitas viagens tivessem objetivos
políticos ou comerciais, criaram-se centros para acomodar os viajantes nos
principais caminhos e cidades, a exemplo de Pompéia, construída como um
verdadeiro centro de lazer. Castelli (1986, p. 14) ressalta, entre as estruturas
direcionadas ao lazer, que os circos romanos merecem destaque, como era o caso
do Circo Máximo, com capacidade "para 40 mil espectadores sentados". O trabalho,
em função das viagens, nesse período, era realizado, em sua maior parte, por
escravos.
Após a queda do Império Romano, no século IV d.C., as viagens foram
dificultadas pela falta de segurança, pelos saques e assassinatos, atribuídos aos
povos bárbaros. No Oriente, com a difusão do Islamismo, Meca passou a ser outro
roteiro de peregrinação religiosa dos mulçumanos, a partir do século VI.
31
Durante a Idade Média e a Renascença, os motivos de viagem parecem se
resumir às peregrinações religiosas, aos motivos político-econômicos e ao comércio.
No Ocidente, as principais rotas de peregrinações eram os caminhos europeus:
Caminho de Jerusalém (visando à Igreja do Santo Sepulcro), abandonado após a
queda do Império Romano até o período das Cruzadas; o Caminho de Roma, que
deu origem ao termo "romeiros", para designar viajantes religiosos; e o Caminho de
Santiago de Compostela, a partir do século IX d.C. (BARRETTO, 1995).
A promessa de concessão de indulgências motivou o aumento progressivo no
fluxo das viagens. Nesse período, a hospedagem dos peregrinos era feita por
caridade, nos mosteiros, entretanto retribuir à hospitalidade com doações era muito
bem aceito. Em algumas localidades da Espanha é possível observarmos a
estrutura criada para atendimento aos viajantes que se mantém na atualidade, por
exemplo, os hospitais.
A viagem de Marco Pólo à China, no século XIII, trouxe à Europa preciosas
informações acerca do Oriente, em especial sobre as Rotas da Ásia. O final dos
séculos XV e XVI marcou as grandes viagens marítimas de descobrimento. O
Renascimento Europeu encorajou as viagens para estudo e exploração, iniciando
uma era de curiosidade. Nos séculos XVII e XVIII, os jovens ingleses pertencentes à
nobreza, e, depois, à alta burguesia, viajavam na companhia de seus tutores para
completar seus estudos, conhecendo as cidades de Paris, Roma, Florença, Nápoles
e Veneza. Tais viagens eram chamadas de Grand Tour (BARRETTO, 1995).
Ao analisar a relação entre visitantes e visitados, Barretto (2004) relata que, na
época do Grand Tour, quando a aristocracia visitava a empobrecida Roma, os
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contatos pessoais se restringiam aos nobres decadentes e às mulheres e homens
que exerciam a prostituição. A autora cita a biografia de Goethe sobre o mercado do
amor e dos encontros arranjados entre estrangeiros e as mulheres da burguesia
local, onde "nem era preciso recorrer às prostitutas" (BARRETTO, 2004, p. 139).
Trigo (1998) relata que o surgimento do Turismo organizado ocorreu em
meados do século XIX, em conseqüência do desenvolvimento tecnológico, mas esse
momento era acompanhado, ainda, de profundas transformações sociais e
econômicas que resultaram em novos hábitos de viagem e novos tipos de viajantes.
Quando uma nova tecnologia, em especial a ligada aos transportes, progride,
ela afeta diretamente o Turismo. O desenvolvimento do culo XIX, com destaque
para o advento dos motores à propulsão, com base no vapor de água e sua
utilização nos meios de transporte, somado à utilização do ferro e do aço, registrou o
início de uma era de consolidação turística, denominada por Barretto (1995) de
Turismo moderno.
Os meios de transporte passaram por um considerável incremento quando as
embarcações à vela deram lugar aos navios a vapor, e às carruagens, aos trens. O
salto qualitativo da rapidez dos transportes pode ser exemplificado na diferença
entre o barco à vela, que desenvolvia uma velocidade máxima, com vento em popa,
de 10 nós cerca de 18 km/h ou uma média de cinco nós – cerca de nove km/h
para a velocidade de um navio a vapor com seus 21 nós cerca de 38 km/h.
Rejowski (2002, p.43) destaca que "o primeiro trem desenvolveu uma velocidade de
48 km/h".
33
No contexto da necessidade de organização das viagens, em 1840, na cidade
do Porto, Bernardo de Abreu criou a Agência Abreu, voltada a atender um grande
fluxo de emigração do nordeste de Portugal para a América do Sul, principalmente
para o Brasil. Essa agência tratava de vistos de saída e passagens. Porém, o marco
fundamental das viagens organizadas pode estar na visão empreendedora de um
jovem inglês que experimentou a organização de uma viagem de lazer, a qual o
lançaria a fundar a primeira agência de Turismo da Inglaterra. Em 1841, Thomas
Cook
7
, um pastor da Igreja Batista, preocupado com os altos índices de alcoolismo
de sua comunidade, em Loughborough, um vilarejo a aproximadamente 20
quilômetros de Leicester, teve a idéia de negociar a locação de um trem para uma
viagem exclusiva a preço reduzido. Aproveitando uma oportunidade única, pois esse
era o primeiro trem do lugarejo, foi possível reunir cerca de 500 pessoas.
A partir do êxito dessa iniciativa, Cook dedicou-se à promoção de excursões
semelhantes na Inglaterra. Acompanhando pessoalmente os grupos e imprimindo
um atendimento simpático, gentil e eficiente, ele se tornou, além de agente de
viagem, um guia de Turismo, junto com a sua esposa Marianne. Dos registros de
detalhes sobre os lugares turísticos, ele decidiu publicar as suas anotações e editou
um guia turístico com informações geográficas, étnicas, históricas, usos e costumes
das localidades e dos roteiros por ele operados.
Com o passar dos anos, Cook inovou o seu roteiro, acrescentando-lhe a
Europa Continental, os Estados Unidos, o Egito e a Terra Santa, e, em 1872,
7
Disponível em http://www.thomascook.info, outubro de 2002
34
empreendeu uma "volta ao mundo", durante oito meses. Morreu aos 84 anos, não
obstante, deixou como herança, às futuras gerações, o Turismo organizado, o
agenciamento e a operação de viagens.
O acelerado desenvolvimento das ferrovias partiu da extensão das linhas,
atingindo, também, inovações nos equipamentos e serviços oferecidos. As grandes
distâncias a serem percorridas nos Estados Unidos inspiraram George Pulmann, em
1860, a desenvolver vagões específicos o vagão-dormitório e o vagão-salão
idéia que alcançou a Europa continental, "em 1872, os trens expressos europeus,
em 1876, ao Orient Express (Expresso do Oriente), em 1883" (REJOWSKI, 2002,
p. 57).
Naquele momento histórico, além do início das viagens organizadas, destacou-
se um novo conceito de excelência no atendimento hoteleiro. Após a Revolução
Francesa, terminaram as regalias dos palácios e surgiu a necessidade dos hotéis
públicos para a hospedagem. A burguesia ascendente almejava assemelhar-se à
realeza e, observando esse desejo, o suíço César Ritz desenvolveu um novo
conceito para a hotelaria – o palace hotel.
Ao primar pela excelência nos serviços e o requinte nas instalações, Ritz
inaugurou o seu hotel, em Paris, em 1898, o qual se destacava especialmente pelo
atendimento impecável, sempre prevalecendo o cliente. sar Ritz associou-se ao
melhor chef de cozinha da época, Auguste Escoffier, e inovou a gastronomia e o
serviço do restaurante de seu hotel. Algumas das transformações promovidas pelo
hoteleiro foram os banheiros privativos e a ficha pessoal dos hóspedes (REJOWSKI,
2002). Ainda hoje, o Ritz é referência em hospedagem e gastronomia.
35
As conquistas tecnológicas motivaram a realização de eventos para a sua
divulgação. Entre 1851 e 1900, as exposições mundiais ou universais reuniram
milhares de expositores que receberam milhões de visitantes em capitais européias
(Paris, Viena, Londres), nos Estados Unidos (Filadélfia e Chicago) e na Austrália
(Sidney e Melbourne), segundo registra Rejowski (2002). No final do século XIX, em
1896, houve a reedição dos Jogos Olímpicos, em Atenas.
A criação de entretenimento noturno foi incentivada pela iluminação. Assim, o
desenvolvimento da atividade hoteleira e gastronômica foi acompanhado pelo
surgimento dos cabarés de luxo, entre os quais o Moulin Rouge, criado em 1889,
como um café-concerto, um lugar para comer, beber, ver atrações e com intensa
diversão – o absinto, o ópio e as prostitutas – descrita por Rejowski (2002).
As invenções, a tecnologia, o pioneirismo e as inovações do século XIX formam
o esteio da configuração do Turismo no século XX. Ao longo desse novo século, em
especial, em sua primeira metade, o Turismo sofreu algumas oscilações. De acordo
com Trigo (1998), o crescimento da atividade, na Europa, foi interrompido pela
Primeira Guerra Mundial, para ser retomado em 1919, quando surgiram novas
tecnologias nos meios de transporte e a Primeira Guerra consolidou a importância
do automóvel.
Mesmo abalado por crises financeiras, como a quebra da Bolsa de Valores de
Nova Iorque, em 1929, o Turismo registrou eventos de considerável relevância até a
Segunda Guerra Mundial: a adoção do passaporte pelo governo inglês, em 1915, e
a instalação do primeiro Free Shop no aeroporto de Amsterdã, em 1929
(BARRETTO, 1995).
36
As conquistas dos trabalhadores por seus direitos, por exemplo, ao de férias
remuneradas, proporcionaram uma democratização das viagens, ao surgirem
acampamentos com atividades programadas, denominados Holyday Camps. Esses
acampamentos formaram a base para o Turismo social subsidiados pelo governo.
Foram implantados na Itália e na Alemanha e inspiraram o que, no Brasil, são
conhecidos por Colônia de Férias.
A popularização do automóvel, entre as cadas de 1920 e 1940, fez com que
fossem incrementadas as viagens, realizadas em veículos particulares em
detrimento do transporte ferroviário. Em países com grande extensão territorial,
como nos Estados Unidos, certos deslocamentos exigiam um maior tempo de
viagem, fazendo com que muitos buscassem, nos postos intermediários, entre a
origem e o destino, um meio de hospedagem mais econômico e próximo às
rodovias, diferente dos hotéis nos centros das cidades (BARRETTO, 1995). Os
Motor Hotels imprimiram novas características ao setor de hospedagem, como o
pagamento de frações e não de diárias.
O exemplo do que significou a Primeira Guerra Mundial para a consolidação do
automóvel, a Segunda Grande Guerra promoveu a consolidação do avião. Em 1944,
a Conferência de Chicago decidiu substituir a International Air Traffic Association
(Associação Internacional de Tráfego Aéreo) de 1919, pela International Air of
Transport Association (Associação Internacional de Transporte Aéreo) – IATA –
criada em 1945, visando a regulamentação do direito aéreo.
Oliveira (1998, p. 28) relata que, quando o avião passou a ser utilizado como
transporte turístico, o DC-3, dotado de duas hélices, desenvolvia uma velocidade de
37
"180 Km/h". Essa evolução de velocidade comparada à dos navios de cruzeiro abriu
uma forte concorrência entre estes dois meios de transporte, segundo Barretto
(1995). Em 1957, o tempo de deslocamento, somado às tarifas econômicas, fez com
que a navegação fosse preterida aos vôos.
Percebendo o potencial dos fluxos de pessoas em viagem, algumas
companhias aéreas decidiram investir na segmentação, comprando cadeias de
hotéis, como a Pan Am que adquiriu a Intercontinental (BARRETTO, 1995). Esses
meios de hospedagem trouxeram a marca da padronização e conseqüente
impessoalidade. Em resumo, os aspectos sinalizadores desse período do Turismo
foram: o consumo de massa, a padronização e a impessoalidade.
Entre as décadas de 1950 e 1970, nos Estados Unidos, Walt Disney lançou a
semente dos Parques Temáticos. A partir da década de 1970, houve o "boom"
internacional do Turismo, mais uma vez sob a influência da tecnologia, dos
transportes e das Comunicações. A década de 1980 foi marcada pelo início da
preocupação com o meio ambiente natural e, na década de 1990, destacou-se a
segmentação de mercado no Turismo.
No Brasil, praticamente inexistem registros históricos em relação ao Turismo.
Até o século XIX, a imagem do Brasil no exterior ainda era associada ao paraíso, ao
Éden (BIGNAMI, 2002). De fato, o que se registra é que, a partir da chegada da
família real portuguesa, foram criadas condições de infra-estrutura que
possibilitaram maior presença de viajantes estrangeiros no Brasil. A corte trouxe
consigo novos costumes, como os tratamentos terapêuticos com os banhos de mar,
38
que não consistiam em mergulhos na praia, mas em procedimentos de imersão em
água salgada.
Solha (2002) agrupa a organização dos períodos de evolução do acolhimento
aos viajantes em relação ao Turismo no Brasil do seguinte modo: Primórdios
(séculos XVII e XIX): ranchos atendiam aos tropeiros; primeiras manifestações; (de
1900 a 1949): estações de cura e cassinos; expansão e organização; (de 1950 a
1969): melhorias da infra-estrutura, organização da atividade por organizações e
elaboração de políticas; do sonho à decepção; (1970 a 1989): intenso crescimento,
seguido de estagnação e decadência; retomada; (1990 a 2000): segmentação,
crescimento do mercado interno e novos investimentos.
Considerando as primeiras manifestações, Solha (2002) afirma que, no período
de 1900 a 1920, novos padrões de consumo foram estimulados pela Publicidade,
pela expansão do mercado fonográfico e pela popularização do cinema. Foi um
período de viagem para temporadas em segunda residência – os veraneios.
O Hotel Copacabana Palace foi construído, em 1922, no Rio de Janeiro, o qual
propiciou o desenvolvimento do termalismo e dos cassinos, até a proibição dos
jogos de azar pelo Presidente Dutra, em 1946. Também na década de 1920 foi
criada a Sociedade Brasileira de Turismo, responsável por desencadear ações no
setor turístico no país.
Segundo Gaspar (1992, p.19), "a maior atração das cidades era a zona
boêmia". Os cassinos contavam com espetáculos que, em conjunto com o dio,
lançaram artistas, entre as quais Carmem Miranda. Na década de 1940,
39
intensificaram-se as operações dos vôos regionais e internacionais das empresas
aéreas brasileiras, com destaque para a Varig, criada em 1927, e a Vasp, em 1933.
As décadas de 1950 a 1970 marcaram a profusão dos veículos de
Comunicação de massa, em que o Turismo era assunto de interesse. Em 1958, o
país, em especial a cidade do Rio de Janeiro, ganhou visibilidade mundial pela
realização da Copa do Mundo de futebol.
O esforço em resgatar o histórico do desenvolvimento do Turismo brasileiro foi
feito por alguns pesquisadores que, em suas dissertações de mestrado e teses de
doutorado, entre eles Moesch (2000), Pereira (2001) e Castrogiovanni (2004),
buscaram registrar os momentos marcantes e os fatos mais expressivos dessa
atividade.
Em meados dos anos 1960, com o surgimento do primeiro organismo público
oficial no Brasil, a então Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) demonstrava
uma visão entusiasta quanto a essa atividade. Por quase três décadas veiculou-se a
noção de que o desenvolvimento da atividade Turismo traria benefícios. Esse
momento histórico foi caracterizado pelo chamado "boom" turístico no país,
provocado pelo Turismo massivo, porém, essa atividade, se trouxe benefícios,
também produziu danos à economia, Cultura, meio ambiente natural e ao social.
Entre as características do Turismo de massa, está a ascensão de doutrinas
filosóficas, como o hedonismo
8
, que procura, no prazer, a finalidade da vida,
8
É a tendência a buscar o prazer imediato, individual, como única e possível forma de vida moral,
evitando tudo o que possa ser desagradável. Hedonismo vem do grego hedoné, que significa
prazer.
http://www.psiqweb.med.br/gloss/
40
conforme Rejowski e Solha (2002). A busca pelo prazer trouxe a idéia dos quatro "S"
do Turismo: Sun (sol), Sea (mar), Sand (areia) e Sex (sexo).
A idéia do prazer relacionado ao sexo permeou as mensagens da Propaganda
turística internacional até a década de 1980. Durante, aproximadamente, 30 anos,
as chamadas publicitárias tiveram, como ênfase, imagens de sensualidade, muitas
vezes apresentando, em primeiro plano fotográfico, uma bela mulher seminua e, em
segundo plano, bem ao fundo, uma praia paradisíaca que poderia ser encontrada
em qualquer lugar.
Piscitelli (2006) lembra que, mesmo com as diversas ações da sociedade que
promoveram o abandono das imagens de sensualidade feminina na Publicidade
turística oficial, ainda existe uma tendência em apresentar os lugares tusticos com
imagens feminilizadas e erotizadas de lugares “virgens”, que às vinculam a noção de
exotismo, em um apelo ao consumo através das metáforas construídas: “a
sexualização [...] também ‘age’ através da linguagem com que se descrevem as
belezas naturais” (PISCITELLI, 2006, p. 233).
Enquanto atividade mercadológica, o Turismo passou por um processo de
segmentação, relacionado ao perfil da demanda, com os interesses de viagem e
com o modelo de produção adotado pelos destinos. Considerar o Turismo Sexual
um segmento de mercado, em especial se considerarmos um país empobrecido,
pode significar a aceitação dessa tipologia, o reconhecimento e a legitimação de sua
existência.
Ponderar que o Turismo Sexual seja um efeito perigoso da atividade do ponto
de vista socioantropológico, vem ao encontro de uma epistemologia do Turismo, ao
41
considerá-lo fenômeno e não uma indústria, ou uma atividade isolada, não obstante
como parte de um rizoma
9
social que extrapola os padrões economicistas.
Existem alguns estudos, diz Piscitelli (2006, p. 208), que observam mais o
plano social do Turismo:
Pesquisas centradas, sobretudo, em dimensões culturais, prestam
atenção às alterações no sistema de valores, nos comportamentos
individuais, nas condutas morais e estilos de vida coletivos; alterações na
tolerância em termos de sexualidade; aumento da prostituição e da
delinqüência; introdução de drogas; alcoolismo; mercantilização das
culturas locais; autonomização em relação à família, à religião e aos valores
comunitários; imitação e reprodução dos comportamentos estrangeiros.
O tema Turismo Sexual necessita ser abordado em uma “escala
multidimensional”, conforme propôs Opermann (1999, p. 262) quando almejou que
seu trabalho encorajasse mais pesquisadores a investigar os assuntos que
envolvem este tema.
Soares de Bem (2005, p. 20) considera que "o Turismo Sexual não pode ser
visto isolado do desenvolvimento do próprio Turismo, sua existência está
intimamente vinculada aos modelos de desenvolvimento da atividade historicamente
constituídos".
Ao contextualizar o sentido do Turismo Sexual, o folheto "O que é que a Bahia
tem", do CHAME – Centro Humanitário de Apoio à Mulher – (1998, p. 1) apresenta a
idéia de que,
9
“O rizoma é um elemento da botânica. [...] se espalha horizontalmente por debaixo da terra e, em
qualquer parte, cria raízes formando novas plantas totalmente independentes [...] se espalha
subterraneamente de forma pouco controlável; vai conectando aleatoriamente partes de uma
mesma planta que, ao mesmo tempo, são independentes [...] podem ser cortadas, gerando uma
nova série de rebentos ao mesmo tempo interdependentes e potencialmente independentes”
(BARRETTO, 2003, p. 19)
42
sair de férias, conhecer outros lugares e, se possível, encontrar um
Príncipe Encantado ou uma Cinderela para compartilhar momentos de
lazer e de aventura é fantasia que povoa os sonhos de muita gente. O
Turismo Sexual se alimenta desses sonhos. [...] historicamente, o
Turismo Sexual surgiu como uma prática que se desenvolveu no sentido
dos países ricos ou 'centrais' para os mais pobres.
Ao ser realizado no tempo livre do ser humano, o Turismo alia aspectos
psicológicos, de cunho motivacional, às expectativas do turista, tanto em relação ao
cenário paradisíaco quanto à história romântica, fantasiada para o peodo de férias.
Interessa, da mesma forma, observar que ao deixar o seu local de residência
habitual, o ser humano em férias parece sentir-se mais liberado para viver
experiências que nem sempre se permitiria em seu entorno de convívio. A relação
espaço/tempo pode exercer uma considerável influência sobre o comportamento do
turista.
O aspecto motivacional parece-nos de especial relevância na compreensão de
que seria possível estabelecer uma tipologia de Turismo Sexual, em que em parte
pessoas que viajam com a motivação principal de fazer sexo, e esta motivação
determina o destino de viagem. Além disso, parece existir um outro tipo de turista
que escolhe o destino por seus diversos atrativos, e traz consigo, também, o desejo
de sexo como elemento complementar da viagem.
Quando abordamos o tema Turismo Sexual é comum que venha à mente a
atividade vinculada à prostituição, ou seja, ao sexo pago. Também é usual que
nossas lembranças sobre o tema nos remetam à exploração sexual de menores.
Entretanto, existem outras nuanças do Turismo Sexual que podem ser
consideradas, quando ele ocorre no encontro entre visitantes e visitadas, ou
visitados, sem envolver, de forma direta o pagamento, porém com, uma retribuição
43
que, por vezes, se apresenta na forma de presentes. Ou, ainda, em última instância,
quando não nenhum tipo de retribuição financeira, todavia, o Turismo Sexual
ocorre no exercício da liberdade sexual.
No encontro entre os turistas e a população local, as desigualdades podem ser
reproduzidas pela organização comercial que se faz em torno da atividade, e essa
disparidade pode acarretar impactos no âmbito social. O Turismo Sexual pode
representar, para pessoas da comunidade, a oportunidade de ascensão social: “A
exclusão social [...] é um fenômeno típico do capitalismo [...] atinge sobretudo as
mulheres [...] agindo de modo distinto sobre as representações e as práticas
envolvendo gêneros” (SOARES DO BEM, 2005, p. 36).
Nesse sentido, o prefácio da obra "A Dialética do Turismo Sexual", redigido
por Barretto (2005, p. 10), conceitua que o Turismo Sexual: "[é] quando a motivação
principal que atrai os turistas é praticar sexo". A autora considera que a prática do
sexo pode não estar vinculada à prostituição, ou "a classes subalternas, fato que
outro tom à discussão".
Para a Organização Mundial do Turismo, as relações provenientes desta
atividade são comerciais, conforme consta no documento da entidade, intitulado
"Declaração sobre a Prevenção do Turismo Sexual Organizado", de 1995
10
apresentadas como
viagens organizadas no setor do Turismo, ou externas ao mesmo, mas
utilizando suas estruturas e suas redes, com o propósito principal de
10
Disponível em http://www.world-tourism.org
44
facilitar aos turistas a prática de relações sexuais comerciais com
residentes do lugar de destino.
Parece ser neste mesmo sentido de consumo que Piscitelli (2006, p. 215)
procura categorizar o Turismo Sexual enquanto um produto da convergência de
diversos fatores, entre eles:
Existência de uma ‘indústria’
11
ancorada em fatores econômicos e
políticos que estimula a produção de lugares de recriação voltados para o
consumo do sexo, a alimentação de uma ideologia turística na qual as
populações de certas regiões pobres são percebidas como atraentes e
disponíveis para o consumo (sobretudo mulheres, particularmente
marcadas por certos traços “raciais”) e a existência de populações cujo grau
de pobreza as estimula a participar no mercado de sexo.
A circulação e o acesso a informações de diversas ordens promovidas pela
Globalização, através da Internet, parecem facilitar a busca pelo sexo pago, além
de colocar outros destinos em evidência, à parte do que poderia ser tratado como
o mais usual no mercado do sexo. Piscitelli (2005b, p. 286) sustenta que
nas décadas de
198
0,
1990
e
2000
os percursos dos turistas à procura
de sexo se voltam para outros cenários, habitados por novos” seres
apetecíveis para o consumo do sexo, ainda mais exóticos, ainda mais
autênticos e, portanto, ainda mais eróticos. Nesse movimento, novas
regiões-alvo, na América do Sul, tornam-se almejados destinos.
Ribeiro (1999), ao estudar "A prostituição de rua e o Turismo no Rio de
Janeiro", observou características que diferenciam três segmentos: prostitutas,
michês e travestis. Em relação à prostituição feminina, o autor o subclassifica em
garotas de pista e garotas de programa. As garotas de programa são as prostitutas,
com nível sociocultural mais elevado, com melhores atributos físicos e que atuam
11
Utilizamos o termo indústria entre aspas por não concordarmos com esta visão, mas mantemos o
termo original utilizado pelos autores.
45
através de agenciamento. As garotas de pista são as prostitutas de rua, estão nas
praias, casas noturnas ou nas ruas, abordando os carros. Em relação às travestis e
aos michês, rapazes de programa, Ribeiro identificou padrão similar ao das garotas
de pista.
A expansão e contração desses territórios de prostituição vincula-se,
hoje, a diferentes fatores que poderiam ser mencionados. A tradição desses
espaços, muitas vezes conhecidos internacionalmente, especialmente na
temporada de alta estação, corresponde ao período do 'verão' setembro a
março. Nesse período, esses territórios aumentam os seus limites, em
conseqüência do maior movimento e procura pelos clientes. A evolução das
comunicações fez com que uma parcela da população tivesse
conhecimento e informação dessas áreas através do avanço da tecnologia
computacional. Convém mencionar que tanto a prostituição de rua como a
'fechada' (saunas e 'casas de massagem'), no momento atual são
oferecidas, também, através da Internet, em home pages especializadas na
oferta de tais serviços. Diante desse fato, turistas que acessam em busca
dos serviços do prazer, tomam contato em seus países, desses espaços
públicos e privados (RIBEIRO, 1999, p. 117).
Outra tipologia está relacionada às crianças e aos adolescentes. O Turismo
Sexual infanto-juvenil está associado à pedofilia. O aliciamento de menores ocorre,
em muitos casos, com anuência da própria família, envolvendo estrangeiros,
oriundos da Ásia e Europa. Uma prática que denota violência contra a criança, piora
a imagem do país e produz seqüelas emocionais difíceis de superar pelo menor
vitimado. É justamente no combate à pedofilia que o governo brasileiro tem centrado
esforços, a partir de campanha na década de 1990, "Turismo Sexual Infantil: o
Brasil está de Olho", até a proposta atual do digo de conduta do Turismo, pela
Comissão de Turismo e Desporto do Congresso Nacional.
As ações da sociedade civil organizada fomentaram o banimento da
Publicidade turística oficial que utilizava imagens sexualizadas de mulheres
e estimularam campanhas governamentais contra a exploração sexual de
crianças por estrangeiros. Contudo, essas imagens continuaram sendo
produzidas pelo setor privado e vendidas, localmente, na forma de postais e
calendários (PISCITELLI, 2006, p. 217).
46
Ao buscarmos referências sobre o tema na Mídia impressa nacional,
gradualmente encontramos um aumento das matérias que denunciam a prática do
Turismo Sexual infanto-juvenil. Mesmo assim, a questão, ainda, é pouco abordada,
quando se refere aos aspectos de gênero, nos segmentos feminino, masculino e às
travestis os eventuais registros são situações de denúncia do crime de Tráfico de
Seres Humanos (TSH). À parte da cidade do Rio de Janeiro, ou algumas capitais
nordestinas, onde o problema é bem visível, e se mostra aos visitantes pelas ruas,
praias, recepções de hotéis, e todo lugar freqüentado por turistas, no restante do
país um calar, um emudecer, como se uma bruma tentasse encobrir a
imperfeição.
A lógica que parece permear esse silêncio é a de considerar que a pessoa
adulta, maior de idade, é responsável por seus atos, por suas escolhas, e que estas
são feitas de forma livre e consciente. Essa mesma linha de pensamento parece-nos
desconsiderar aspectos de exclusão sociocultural, em uma aceitação passiva, que
nem sempre pode ser de tão livre escolha dos sujeitos.
Para Barretto (2005, p. 11), "existe ainda um Turismo Sexual não relacionado
com retribuição pecuniária, que não configura prostituição, que constitui apenas o
exercício da liberdade sexual". A autora destaca que, nesses relacionamentos, a
moça é tratada como a "namorada ocasional", enfatizando a prática como uma
atividade extra entre pessoas de baixa renda.
As pesquisas de Piscitelli revelam que o Turismo Sexual pode envolver amor,
sonho de casamento e ascensão social. Conforme a antropóloga (2005a), o
cortejo, como forma de sedução, por parte dos estrangeiros, e os relacionamentos
47
não se restringem às moças de classe pobre. Os estudos da autora (2006) também
mostram que, muitas vezes, na concepção das mulheres locais, o estrangeiro
incorpora atributos de masculinidade, em uma sexualização que parece estar
vinculada à idéia de oportunidade de mobilidade social.
Nossas observações pessoais permitiram perceber que, a priori, em
Florianópolis, esse modelo de relacionamentos, do "namoro ocasional", parece não
se restringir às camadas socioeconômicas menos favorecidas: ele está presente na
classe média, entre universitárias, seguindo o aspecto de "exercício da liberdade
sexual" e não das cortesãs. Nas palavras de Soares de Bem (2005, p. 71), "é o clima
tropical, ao lado da generosa paisagem, que fornece o pano de fundo para a
representação da mulher brasileira como 'picante', sedutora, mundana e aventureira,
enfim, como uma sexbombe".
Analisando a imagem do Brasil no Turismo, Bignami (2002, p.17) argumenta:
Se em determinado momento histórico houve a difusão de uma idéia,
de um fato, ou mesmo a repercussão de um produto Cultural, entre uma
nação e outra pode existir a possibilidade dos indivíduos da nação receptora
tomarem tal fato pela maioria e, nesse caso, pode estar surgindo um
Estereótipo
12
. [...] O carnaval brasileiro, por exemplo, que não pode nem
deve ser o único fato Cultural a ser conhecido ou valorizado, acaba por
tornar-se a característica de toda a nação. E a nação passa a ser
estereotipada como o país do carnaval.
12
Estereótipos o imagens fixas, cúmulos de artifícios. “O Estereótipo é a palavra repetida [...] o
traço palpável que faz transitar o ornamento inventado para a forma canonical, coercitiva, do
significado.” (BARTHES, 1999, p.57-58).
48
Também mencionando o Carnaval, como produto e identidade Cultural
brasileira, na relação entre as imagens e o Imaginário
13
, quanto à atratividade
turística, Soares de Bem (2005, p. 59) acrescenta:
O Imaginário carnavalesco ao qual se associa o Brasil contribui para
realçar a beleza sensual de mulheres (no geral mulatas) que expõem sem
pudor seus corpos desnudos. Tais imagens se tornam funcionais para os
contatos travados na esfera do Turismo, estimulando mesmo o surgimento
e o estabelecimento do Turismo Sexual em várias regiões do Brasil.
Referindo-se à obra de Affonso Arinos, Bignami (2002, p. 44) observa que a
existência do interesse brasileiro por sexo é um resíduo afro-índio. Soares de Bem
(2005, p. 70) complementa que o "clichê central", em relação às brasileiras, está
fundamentado em construções sexistas e racistas que dão "lugar a uma
representação da sexualidade [...] como erotismo explosivo". O contexto histórico
desse erotismo está enraizado no colonialismo.
A sexualidade, acentuada nas terras do Brasil, foi descrita por Gilberto Freyre
na obra "Casa Grande & Senzala", de 1961. No primeiro tomo, o autor dedica o
capítulo dois à descrição do relacionamento do colonizador com as índias que
faziam lembrar a figura mitológica da "moura encantada" de longos cabelos negros a
banhar-se nos rios. No segundo tomo, o capítulo quatro intitula-se "O escravo negro
na vida sexual e da família do brasileiro", em que são descritas as relações dos
colonizadores com as escravas negras, e, tamm, em alguns momentos, com as
índias. O autor (1961, p. 440) conclui: "não há escravidão, sem depravação sexual".
13
No sentido barthesiano (1999, p. 45-46) é a inconsciência do inconsciente”, para o semiólogo “o
Imaginário é a linguagem por meio da qual o enunciante de um Discurso (entidade puramente
lingüística) ‘enche’ o sujeito da enunciação (entidade psicológica ou ideológica)” (BARTHES,
2004b, p. 128).
49
Nesse sentido, Piscitelli (2006, p. 213) contextualiza que
a sexualização que torna populações das comunidades receptoras alvo de
consumo sexual no marco do turismo, sobretudo mulheres e crianças que
corporificam etnicidades e cores inferiorizadas, expressa apenas uma
diferença no estilo de estratégias de subordinação e no grau de exploração
dos seres consumidos.
Oppermann (1999) levanta a questão de que parece haver uma nova onda de
colonialismo surgindo nos países em desenvolvimento. O autor observa que as
mulheres do Terceiro Mundo parecem ser consumidas como outro recurso desses
países, seja in loco ou nos lugares de prostituição em países europeus.
Contemporaneamente, Bignami (2002) afirma que as imagens do país, no
exterior, são reflexos da televisão brasileira que, no conteúdo dos seus programas,
idealiza um povo sensual. Ainda a respeito desta imagem do Brasil no exterior, a
autora pontua que
o país acaba por ser conhecido como o lugar do sexo fácil e barato. Mesmo
aos olhos do observador pouco atento, é óbvia a tentativa de atrair turistas
ao Brasil por intermédio de belas mulheres e com referência ao apelo
sexual. São inúmeros os dizeres que relacionam a imagem do Brasil com
um destino turístico onde o sexo é elemento de fácil aquisição, sugerindo
francamente a possibilidade de fazer Turismo Sexual (BIGNAMI, 2002, p.
113)
Barretto (2005, p.12) argumenta que "devemos reconhecer que promover
oficialmente a possibilidade de sexo, como Atrativo Turístico, é fazer pouco da
nossa Cultura".
No caso do Turismo Sexual [...] é evidente que os Discursos físicos
continuam a ter funcionalidade, mas em uma positivação do 'outro' corpo.
As preferências físicas, associadas às características do temperamento e
das especificidades Culturais, constroem cenários Imaginários e fantasias
que participam mesmo da definição dos roteiros turísticos, [...] Tais
Discursos estão presentes nos roteiros turísticos publicados, nas
representações midiáticas em geral, na presença 'confirmadora' de
integrantes de minorias étnicas e até mesmo no marketing institucional
realizado por alguns países (SOARES DE BEM, 2005, p. 56).
50
O Turismo Sexual se apresenta como a viagem turística que inclui, no pacote,
além do transporte, da hospedagem, da alimentação, o sexo com a população nativa
do destino. Pode estar contratado no pacote de viagem, pode ser contratado no
destino tustico, não obstante entendemos que pode, também, ocorrer na
casualidade dos relacionamentos fugazes, nos "amores de verão", sem envolver,
necessariamente, a exploração sexual. É uma atividade marginal do Turismo que
parece nascer da pobreza e da submissão sociocultural, a qual pode se organizar de
diferentes maneiras nos destinos turísticos e nem sempre está, diretamente,
atrelada à prostituição e ao comércio do sexo.
A capital catarinense é um exemplo de localidade que passou por seu "boom"
turístico na década de 1980, quando foi massivamente visitada, em especial por
argentinos, em busca do calor das praias, das águas do litoral sulbrasileiro e dos
baixos preços em relação ao seu país de origem.
Desde então, parece notável a relação controversa entre a comunidade local e
os turistas estrangeiros, e percebe-se certa ambigüidade nas relações de troca que
ali se estabelecem: a comunidade, muitas vezes, manifesta aversão à presença dos
visitantes; ao mesmo tempo, depende financeiramente dos dólares trazidos na
bagagem dos forasteiros, quer seja na economia formal ou na informal.
Florianópolis, a capital de Santa Catarina, tem uma extensão territorial de,
aproximadamente, "423 quilômetros quadrados", habitada por cerca de 300 mil
moradores (CECCA, 1997, p. 15). A história de sua ocupação somada à diversidade
dos aspectos naturais faz da cidade um clássico modelo de destino turístico.
51
Ainda coberta, em boa parte, pela mata típica da Floresta Atlântica, a paisagem
da Ilha de Santa Catarina é diversificada, composta por morros, costões, planícies
costeiras arenosas, dunas, restingas, baías, enseadas, manguezais e lagoas. As
praias são diversificadas, em especial no que se refere ao mar, tanto na temperatura
das águas quanto na ondulação: mais amena e quente nas águas abrigadas das
baías em frente ao continente; mais frias e de mar agitado, de tombo, nas águas
abertas da costa leste (CECCA, 1997).
Habitada por índios carijós, que a chamavam de Meyembipe
14
, teve uma
ocupação inicial composta por náufragos, por degredados e desertores que a
batizaram de Ilha dos Patos. A Ilha de Santa Catarina foi ponto de apoio estratégico,
como porto de abastecimento para a Baía do Rio da Prata e Atlântico Sul. O
povoamento europeu na ilha, motivado por expedições portuguesas e espanholas,
tem os seus primeiros registros no início do século XVI. Gradativamente, a
população indígena nativa abandonou o local e se estabeleceu no interior do
continente.
Por volta de 1651, o bandeirante paulista Francisco Dias Velho fundou a Póvoa
de Nossa Senhora do Desterro, elevada à Freguesia em 1730. A Capitania de Santa
Catarina, criada pela Coroa Portuguesa em 1738, designou ao Brigadeiro José da
Silva Paes a construção de um sistema defensivo naquela que passou a denominar-
se simplesmente Desterro (CECCA, 1997).
14
Ilha costeira ou montanha ao longo do canal.
52
O efetivo povoamento ocorreu entre 1748 e 1756, durante a campanha
migratória de seis mil portugueses para o sul do país (CECCA, 1997), com os
colonos açorianos e madeirenses, fundadores das freguesias, que estabeleceram a
agricultura e a pesca. No século XIX, Desterro passou por três mudanças
importantes: foi elevada à cidade, tornou-se capital da província de Santa Catarina e
com a República passou a ser chamada Florianópolis uma homenagem ao
Marechal Floriano Peixoto.
Do século XIX até a década de 1930 do século seguinte, o porto, e em
conseqüência, o comércio, foram responsáveis pela sustentação econômica da
capital catarinense. A partir da década de 1950, a urbanização transformou a
fisionomia da cidade, tanto da sede quanto dos distritos.
Nas décadas de 1950 e 1960, a população local construiu suas casas de praia,
para finais de semana e férias, desenvolvendo o hábito de freqüentar as praias do
continente, em especial nos bairros de Balneário e Coqueiros. Schmeil (1994) faz
referência às Praias da Saudade, do Meio, Itaguaçu e Bom Abrigo, como sendo os
espaços de lazer mais disputados pelos moradores locais, até que a poluição
advinda pelo processo de urbanização tornou-as impróprias para banho.
Entre os anos de 1960 e 1970, a implantação da Universidade Federal de
Santa Catarina, em Florianópolis, atraiu um contingente de professores e
estudantes. Esse fluxo migratório era composto, em boa parte, de famílias de classe
média, provenientes dos estados vizinhos, atraídas pelas oportunidades de emprego
cujas exigências a população local não estava, então, preparada para atender.
53
Coincidiu com esse período a ocupação dos distritos, denominados balneários,
pela população residente no centro da cidade, com caráter de segunda residência,
destinada ao veraneio. A pavimentação das rodovias estaduais que ligam o distrito-
sede aos balneários exerceu papel fundamental na expansão e na preparação dos
lotes pela Prefeitura Municipal.
Em 1969, foi criado o primeiro órgão público do Turismo, a Diretoria de Turismo
e Cultura (DIRETUR), na gestão do prefeito Acássio Garibaldi Santiago. Nos anos
de 1970, a atividade foi contemplada no processo de planejamento do
desenvolvimento local, constando nos planos governamentais como potencial a ser
explorado. A partir de então, mediante a implantação de uma política pública o
Estado assumiu o compromisso de implantação da infra-estrutura, além de criar o
Departamento Autônomo de Turismo (DEATUR).
No ano de 1972 foi entregue ao governo estadual o Plano Regional de
Turismo (PRT). Elaborado pela Sudesul, o PRT trazia “um elenco de
diretrizes que visa à captação do turismo proveniente de outras áreas do
País e do exterior mais próximo, principalmente dos países do Prata”
(BARRETTO, 2003, p. 89)
Conforme narramos acima, o efetivo crescimento turístico ocorreu na década
de 1980, e, no início de 1990, foi registrado pelos órgãos públicos o triplo de
visitantes na Ilha. Rapidamente, as vilas de pescadores se transformaram em
centros turísticos, acarretando transferências e elevação do valor comercial da
posse da terra. Além da expansão hoteleira, muitas residências de veraneio
passaram a ser destinadas ao aluguel por temporada aos turistas.
Ouriques (1995, p. 67) registrou a significativa ampliação da hotelaria de
Florianópolis no período de 1980-1990. Os "5.029 leitos disponíveis", em 1985, se
54
elevaram para "10.282, em 1995". Consultamos a Associação Brasileira da Indústria
Hoteleira, ABIH, e nos foi informado que, em 2005, havia o registro de 22 mil leitos
hoteleiros em Florianópolis. Estes dados mostram, em número, o crescimento da
oferta turístico-hoteleira na cidade.
As águas cristalinas e o mar tranqüilo, ambos aliados aos preços acessíveis
pela relação cambial com os países do cone sul, foram fatores elementares para a
atração de grandes contingentes de turistas. Ademais, um esforço conjunto dos
órgãos públicos em divulgar e dos operadores de Turismo em organizar pacotes,
incluindo vôo charter
15
e hospedagem, promoveu o crescimento do fluxo turístico.
O modelo de Turismo sol e praia, com a presença massiva de turistas da
Argentina provocou certa xenofobia por parte da população local e "desprezo por
parte dos turistas, que vinham à procura de um Estereótipo de país tropical e
mulheres fáceis vendido pelas agências", conforme relata Barretto (2004, p. 144).
Desde 2001, quando a crise econômica da Argentina ficou evidente, houve um
decréscimo no fluxo de turistas estrangeiros para Florianópolis, em relação ao
grande volume registrado nas duas décadas anteriores. Mesmo assim, de acordo
com a “Pesquisa Mercadológica - Estudo da Demanda Turística”
16
, realizada pela
Santa Catarina Turismo (SANTUR), nos anos de 2005, 2006 e 2007, os argentinos
permaneceram em primeiro lugar entre os estrangeiros que visitaram a Ilha nos
meses de verão. Em relação aos chamados turistas domésticos, brasileiros, os
15
Vôo fretado
16
Disponível em: http://www.sol.sc.gov.br/santur
55
principais emissores foram: Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, interior de Santa
Catarina e Rio de Janeiro.
A grande maioria, tanto de estrangeiros quanto de brasileiros, hospeda-se em
residências de amigos, parentes, ou alugadas, viaja de automóvel e indica os
atrativos naturais como principal motivador da escolha da viagem. Somente em 2007
a estada em hotéis superou a opção por outros meios de hospedagem. O perfil de
gasto considerado indicativo do padrão socioeconômico dos turistas manteve-se
abaixo de 25 lares por pessoa, por dia, até 2006, o que revela a prevalência do
que se poderia classificar de uma classe média baixa. É possível considerar que
este perfil permanece, apesar do aumento do gasto médio, em 2007, para cerca de
30 dólares por pessoa, por dia.
Seguindo as tendências contemporâneas, a atividade turística, em
Florianópolis, apresenta alguns indícios marcantes de segmentação de mercado,
ainda que o chamado Turismo de massa permaneça acontecendo. Em especial no
verão é possível se observar uma demanda heterogênea, com grupos constituídos
por Single (solteiros), Terceira Idade, GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e
Transgêneros) e famílias.
A densa concentração nas praias localizadas ao Norte da Ilha de Santa
Catarina permanece. No entanto, é crescente a expansão pela Costa Leste e na
direção Sul. É possível dizermos que, no verão, em Florianópolis, há presença de
turistas em todas as praias, das mais movimentas àquelas mais escondidas por
causa do acesso precário.
56
A realidade turística de Florianópolis não difere daquela de muitos destinos
internacionalmente consolidados pelo mercado das viagens. O fenômeno turístico
parece provocar abalos nas estruturas sociais, muitas vezes fazendo ressurgir
problemas históricos que reportam ao colonialismo, ao preconceito, à sujeição. Não
raro, o cerne das complexas e múltiplas inter-relações promovidas pelo Turismo
produz efeitos nocivos.
Nossos estudos sobre o Turismo iniciaram no princípio da década de 1990, no
Curso Superior de Turismo da Faculdade dos Meios de Comunicação Social
17
da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Logo após, uma vivência
pessoal de oito anos junto à comunidade de Florianópolis permitiu-nos observar, de
maneira mais próxima e atenta, alguns efeitos, benefícios e danos que a atividade
turística pode causar em um destino.
1.2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: AS COORDENADAS DA NAVEGAÇÃO
O referencial teórico que orienta o sentido e as nossas coordenadas de
investigação e de análise contam, entre as categorias utilizadas, a priori, com a
Globalização, baseada em Thompson. A categoria Turismo é abordada a partir de
Urry (1996), tendo como subcategoria o foco Atrativo Turístico, de Ruschmann
(1997). Partimos, nessa categoria, de Torre Padilla (1997) e, no percurso, o encontro
com Urry revelou um elo mais próximo na forma de abordagem do objeto. Estas
categorias orientam nossa Análise Sociohistórica.
17
Atualmente, Faculdade de Comunicação Social
57
Buscamos subsídios na Semiologia, de Barthes, que a considera uma ciência
das formas por estudar as significações, independente do seu conteúdo.
Especificamente, este estudo se apóia nas categorias Discurso, Estereótipo, Mito,
Cultura, Poder e Imaginário.
A aparente excessiva repetição dos termos que conceituam as categorias é,
aqui, um requisito necessário à construção gramatical (sujeito, predicado,
acessórios...), além de ensejarmos ênfase às idéias dos autores que fazem o lastro
do texto.
Thompson (1995) aborda a Globalização a partir da circulação generalizada
das formas simbólicas promovida pelas indústrias de Comunicação transnacionais,
ao que o autor denomina de midiação da Cultura moderna, e considera que,
atualmente, poucas sociedades que não tenham sido atingidas pelas instituições
e mecanismos de Comunicação de massa. Um dos aspectos mais salientes da
Comunicação, hoje, é a escala global, a transmissão das mensagens com relativa
facilidade através de grandes distâncias (THOMPSON, 1998).
Para Thompson (1998, p. 135), o termo Globalização não é preciso. Refere-se
à interconexão, no sentido mais geral, entre as diferentes partes do mundo,
originando uma complexidade nas formas de interação e interdependência. O autor
sugere que, para tal, é necessário que essa interconexão, em diferentes regiões,
seja sistemática e reproca, com alcance efetivamente global.
O processo de Globalização envolve três atividades que vão além da
expansão das fronteiras de estados nacionais: na primeira, a Globalização surge
quando atividades acontecem em uma arena global; na segunda, quando as
58
atividades são planejadas, coordenadas ou organizadas em escala global; na
terceira, quando envolvem algum grau de interdependência e reciprocidade,
permitindo que atividades locais, em diferentes partes do mundo, sejam modeladas
umas pelas outras.
O mundo está cada vez mais atravessado por redes institucionalizadas de
Comunicação e, conforme Thompson (1995, p. 25), "uma Globalização
crescente das atividades, referentes aos meios e ao desdobramento de novas
tecnologias de Comunicação como aquelas associadas à transmissão por cabo e via
satélite". A transmissão cultural assume características globalizantes em contextos
históricos e geográficos diferentes. A formação de conglomerados de Comunicação,
que se difundem em escala mundial, promove a midiação da Cultura moderna em
contextos distanciados no espaço e no tempo. Thompson usa o termo moderno ao
se referir à atualidade e à Cultura contemporânea.
Thompson considera que "o desenvolvimento de um meio técnico, como a
televisão, pode transformar, e, até certo ponto, transformou, a organização
espacial e temporal da vida cotidiana da maioria das pessoas" (THOMPSON, 1995,
p. 28). Os meios técnicos transformaram a produção e a transmissão de mensagens.
A reordenação que o desenvolvimento da Mídia provoca, no espaço e no tempo, faz
parte de um conjunto de processos mais amplo.
Thompson (1995, p. 264) diz, ainda, que, no momento atual, esses "sistemas
têm a capacidade de transmitir grandes quantidades de informação em escala global
e de maneira virtualmente instantânea". Esse seria o estágio mais recente do
processo de Globalização, em que a circulação das formas simbólicas, separada de
59
um lugar físico comum, tem, por conseqüência, a mobilização do sentido que
transcende o contexto social, dentro do qual as Formas Simbólicas são produzidas.
O início desse processo ocorreu a partir do comércio de livros, passou pelo
surgimento das agências de notícias, num sistema transnacional para a coleta e
divulgação das notícias. Conforme Thompson (1998), as origens da Globalização
remontam ao último período da Idade Média, início do período Moderno, quando o
intercâmbio comercial local atingia grandes distâncias. A organização e a
concentração do Poder econômico, além de outras formas de Poder político,
coercitivo e simbólico tiveram um papel fundamental nesse processo que, ao ser
reconstituído, revelou sobreposição dessas formas, de maneira complexa.
As redes de Comunicação foram organizadas, sistematicamente, em escala
global, no século XIX, pelo surgimento de novas tecnologias que possibilitaram
dissociar a Comunicação do transporte físico de mensagens. Thompson (1998)
alude a três desenvolvimentos-chave, entre o final do século XIX e início do século
XX, que marcaram a Globalização da Comunicação: o sistema de cabos
submarinos; o estabelecimento das agências internacionais e a divisão de esferas
de ação; e as organizações internacionais de distribuição do espectro
eletromagnético.
Mesmo originando-se desses três fatores, com início no século XIX, a
Globalização da Comunicação é um fenômeno típico do século XX. Como um
processo estruturado e desigual, beneficiou mais a alguns e incluiu mais
rapidamente algumas partes do mundo. Algumas das principais dimensões do
60
processo de Comunicação globalizada são identificadas pelo autor (1998, p. 143)
em quatro temas:
(1) A emergência de conglomerados transnacionais de Comunicação
como peças centrais no sistema de global de Comunicação e difusão da
informação; (2) o impacto social de novas tecnologias [sistemas de cabo,
satélite e métodos digitais], especialmente aquelas associadas à
Comunicação via satélite; (3) o fluxo assimétrico dos produtos de
informação e Comunicação dentro do sistema global; e (4) as variações e
desigualdades no acesso às redes de Comunicação global.
Thompson (1998) acredita que a invasão de valores da Cultura ocidental pode
destruir as Culturas tradicionais, processo que produz novas formas de
dependência, gerada pela Globalização da Comunicação, fruto dos interesses
comerciais de corporações transnacionais.
Para contextualizar a difusão globalizada e a apropriação localizada, o mesmo
autor (1998) sugere dois conjuntos de considerações: a reconstrução histórica dos
caminhos que firmaram o processo de Globalização; e as relações entre os padrões
estruturados da Comunicação global e as condições locais de apropriação dos
produtos da Mídia.
Historicamente, o Poder simbólico serve de instrumento aos interesses
comerciais de sua competência econômica. Em outro extremo, o caráter localizado
da apropriação de uma difusão global criou um novo eixo simbólico:
As mensagens da Mídia [...] e as maneiras de usar os materiais
simbólicos mediados dependem crucialmente dos contextos de recepção e
dos recursos que os receptores têm à disposição para auxiliar os processos
de recepção (THOMPSON, 1998, p. 155).
O outro olhar sobre essa categoria é lançado por Morin (2001, p. 39), para
quem esse fenômeno atual é resultado de um processo que iniciou com a expansão
61
européia, no culo XVI, que o autor denomina de Globalização dos micróbios
semelhante à chegada da tuberculose nas Américas e a sífilis na Europa.
Considera-a uma primeira unificação de danos, principalmente para os
conquistados.
Nesse processo, duas características principais e, ao mesmo tempo,
antagônicas. A primeira é a escravidão dos negros e das populações conquistadas.
Essa dominação mudou no século XX, após a II Guerra Mundial, com a
descolonização ou emancipação, e, no final do século, a hegemonia, a partir dos
norte-americanos, com o domínio tecnológico e econômico do Ocidente.
um outro processo, ao qual Morin (2001, p. 40) denomina de Globalização
minoritária, que nasceu nas nações dominadoras, em um momento de autocrítica,
reconhecendo, em cada Cultura, "verdades, conhecimentos, sabedorias, como
também ilusões, equívocos". É uma tendência a considerar com atenção e respeito
os outros, em continuidade às idéias dos direitos humanos. A manifestação da
cidadania planetária é algo novo entre os fenômenos do final do século XX.
Morin (2001, p. 42) fala sobre a existência de duas globalizações (ou
modernizações) ambivalentes, como o fenômeno das Comunicações. De modo
instantâneo, que pode ter efeitos positivos no intercâmbio de informações, não pode
ser confundida com a compreensão. Para o autor, a compreensão mobiliza a
subjetividade para o entendimento do que significa a informação, e diz: "Não basta
multiplicar as formas de Comunicação, também é preciso a compreensão".
Outra ambivalência da Globalização, proposta por Morin (2001), é o princípio
nacional. O fenômeno nacional vem da Idade Média, na Europa, e significa um
62
Poder que unifica etnias diversas em regiões diversas. A nação necessita de algo
maior que uma organização estatal: o Mito fundamental, que pode ser elucidado na
palavra pátria pa, de padre, com tria, feminino, maternal. A constituição de novas
nações, com o fim do colonialismo, pode ter acarretado, por um lado, algo positivo,
porque a nação é um quadro de civilização, mas, por outro, o Poder absoluto das
nações concentra toda decisão importante.
Vivemos em um mundo cada vez mais uno e, ao mesmo tempo,
particularizado, como sugere Morin (2001): uno na globalidade, onde nos
encontramos em partes. Uno com os fenômenos da Comunicação. Particularizado
na individualidade ou, talvez, no individualismo dos sujeitos.
Além de alterar a rotina da vida cotidiana das pessoas, esse processo
transformou a natureza do intercâmbio simbólico. Nossa opção por essa categoria
implica a compreensão de como ocorre o encontro de diferentes Culturas, dos
visitantes e dos visitados, na Globalização, promovida pelo Turismo. Nosso
interesse é estudar como esse fenômeno da Comunicação propaga idéias a
diferentes Culturas, também distintas na relação geográfica.
Os passeios humanos sobre a face da Terra são tão remotos quanto a origem
do próprio ser humano. Em relação às viagens turísticas, percebemos que a
etimologia é quem aponta a diferença fundamental entre os tipos de deslocamentos,
diferencia os fluxos migratórios, ajuda a compreender que o Turismo essencialmente
envolve uma viagem, contudo, nem toda viagem o é.
Conforme Torre Padilla (1997), a procedência mais aceita é a da palavra tour
oriunda do francês, que designava, no século XVII, as viagens, empreendidas por
63
diversos motivos e que tinham como destino final o mesmo ponto de partida. A
etimologia do termo tour está no verbo, do latim vulgar, tornare, e no substantivo
tornus, que querem dizer girar. Foi-lhes acrescentado o sufixo "ismo", do grego, com
a função de apor à palavra raiz um novo sentido de sistema, doutrina conotação,
que resultaria em sinônimo de viagem circular.
O mesmo vocábulo tour foi incorporado ao inglês, por ocasião da dominação
dos normandos, que tem seu equivalente no turn, também com o sentido de volta.
Em nosso idioma, empregamos o substantivo turnê. O The Shorter Oxford Dictionary
é referido por Torre Padilla (1997, p.13), e, em 1800 e 1811, respectivamente, o
dicionário cita os termos Turismo e turista, designando ao primeiro termo a acepção
de "a teoria e prática de viajar por prazer".
As primeiras tentativas acadêmicas para conceituar Turismo se reportam ao
início do culo XX, e aos estudos de economistas, enfatizando o valor turístico
enquanto objeto percebido. Esse aspecto pode ser um enfoque limitado por ser
parcial. Moesch (2000) considera que o fenômeno turístico tem gerado pesquisas,
análises e estudos, passando de preocupação teórica secundária a objeto de
conhecimento. Na visão de Torre Padilla (1997, p.16),
o Turismo é um fenômeno social, que consiste no deslocamento voluntário
e temporário de indivíduos ou grupo de pessoas que, fundamentalmente,
por motivos de recreação, descanso, Cultura ou saúde, saem do seu local
de residência habitual para outro, no qual não exercem atividade
64
remunerada, gerando múltiplas inter-relações de importância social,
econômica e cultural
18
.
O autor destaca aspectos essenciais no Turismo, como a temporalidade da
atividade, que a diferencia dos fluxos migratórios, e a questão da não-remuneração,
primeira nuança na característica da livre escolha, da vontade, essenciais na
procura do deleite por parte dos turistas. Outro aspecto destacado pelo autor, ao
conceituar Turismo, é a pessoa que viaja, seja de forma individual ou gregária, o
sujeito que designa a projeção eminentemente humana, o que reporta à noção de
que seria possível conceber o fenômeno como um meio de compreensão e amizade
entre os povos, conforme idealiza Torre Padilla (1997).
Diferente da maior parte dos teóricos, Torre Padilla demonstra a preocupação
em o reforçar a identificação do Turismo de forma exclusiva com a atividade
econômica, todavia amplia o conceito ao fenômeno social e ao que atrai o turista, ao
objeto, ao que motiva uma pessoa a deixar o seu local de residência habitual para
empreender uma viagem, como o produto que satisfaz desejos e necessidades. Os
efeitos desse fenômeno se mostram na economia, na Cultura, na comunidade e no
meio ambiente natural – ainda que este não tenha sido referido de modo explícito.
Ao refletir sobre o olhar do turista, em obra homônima, Urry (1996) se debruça
sobre uma análise sociológica e histórica. Suas considerações nos parecem
pertinentes ao vislumbrarem o objeto de estudo sob uma similar concepção: a do
18
El turismo es un fenómeno social que consiste en el desplazamiento voluntario y temporal de
individuos o grupo de personas que fundamentalmente por motivos de recreación, descanso,
cultura o salud, se trasladan de su lugar de residencia habitual a otro, en el que no ejercen ninguna
actividad lucrativa ni remunerada, generando múltiples interrelaciones de importancia social,
económica y cultural.
65
fenômeno social. O autor alude à percepção do sujeito, a qual depende do contraste
com o seu oposto, ou da experiência do "não-Turismo":
Não existe apenas uma experiência universal verdadeira para todos os
turistas, em todas as épocas. [...] o olhar do turista, em qualquer período
histórico, é construído em relacionamento com seu oposto, com formas não-
turísticas de experiência e de consciência social (URRY, 1996, p. 16).
No conceito de Urry (1996) alguns aspectos do Turismo, como prática social,
merecem análise histórica e sociológica: o lazer, os relacionamentos, o volume de
viajantes, suas motivações e expectativas de viagem.
O Turismo é uma atividade de lazer e, como tal, pressupõe o seu oposto, o
trabalho organizado e regulamentado, reflexo das sociedades "modernas" o direito
ao não-trabalho. Os relacionamentos turísticos surgem dos deslocamentos humanos
e da estada temporária fora do lugar de residência habitual. Um volume considerável
de pessoas o pratica e esse caráter de massa se opõe às percepções individuais da
viagem. Os lugares prendem o olhar do turista por motivações que contrastam com
o cotidiano laboral. A escolha dos destinos é feita sob a expectativa "dos devaneios
e da fantasia, em relação a prazeres intensos", alimentados e construídos pelas
Mídias – cinema, televisão, revistas, literatura, vídeos – que reforçam um Imaginário
sobre a contemplação (URRY, 1996, p.18). O devaneio envolve boa parte das
formas de consumo, não é uma atividade puramente individual, porém, socialmente,
organizada pela dia.
O olhar do turista é direcionado por diferentes formas de padrões sociais,
sensibilizado por elementos visuais, os quais são configurados como objetos
capturados, reproduzidos e recapturados por imagens, de maneira incessante. Esse
olhar é construído por signos; os turistas assemelham-se a um exército não-
66
declarado de semióticos que se inflamam à procura de sinais, de demonstrações. O
viajante busca esses objetos construídos, ordenados por uma hierarquia mutante,
complexa, dependente do inter-relacionamento, da competição de interesses
envolvidos no fornecimento e nas distintas preferências do visitante.
Ruschmann (1997, p. 142) categoriza os Atrativos Turísticos como "todos os
elementos relacionados com as condições naturais e os aspectos socioculturais das
localidades". Esses atrativos configuram as bases que fundamentam o
desenvolvimento do Turismo e "são responsáveis pela escolha do turista por uma
destinação em detrimento de outra" (RUSCHMANN, 1997, p. 139), que podem ser
divididos em subcategorias: naturais, socioculturais e tecnológicas.
Os atrativos podem, também, ser designados como oferta diferencial base
fundamental do desenvolvimento do Turismo porque o grau de atratividade
depende da sua diversidade, da capacidade própria, ou em combinação com outros,
capaz de fazer convergir o fluxo de visitantes. Ruschmann (1997) considera que
existem os atrativos básicos e os complementares: os primeiros dão o suporte da
atividade turística; os segundos complementam a diversificação.
Como matéria-prima, os Atrativos Turísticos compõem o objeto percebido do
Turismo, tornando-o um conjunto complementar e interdependente, pois, além do
aspecto que motiva a escolha do destino, um agregado de facilidades
necessárias para a viagem – transporte, hospedagem, alimentação, lazer.
Nesse sentido, Moesch (2000, p. 9) considera que
o Turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre
produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social
com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso,
67
cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações
interculturais. O somatório desta dinâmica sociocultural
gera um fenômeno,
recheado de objetividade/subjetividade consumido por milhões de pessoas
como síntese: o produto turístico.
As inter-relações entre produção e consumo, visitantes e visitados, estão no
cerne da atividade turística, no encontro de diferentes Culturas. Moesch considera
que o epicentro do fenômeno turístico é de caráter humano. Esse aspecto
apresenta-se no sujeito, a pessoa que viaja, e, da mesma forma, no objeto, seja ele
o resultado da Cultura, ou da produção, expresso nas facilidades para a viagem,
nos serviços prestados para o consumo do turista.
Ao refletir sobre a produção do Turismo de massa para a compreensão teórica
da atividade, Urry (1996, p. 23) declara que nele são criados ambientes para as
viagens de grupos guiados, nos quais os participantes encontram atrações
produzidas e pouco fidedignas, constituintes de um sistema de ilusões anunciado
pela Mídia. A Cultura encenada seria, então, apócrifa, os produtores da atividade,
os "pais substitutos", que assumem a responsabilidade, a proteção e aliviam o turista
do peso da realidade. Tais grupamentos humanos ficam, pela produção, isolados da
hospitalidade das pessoas locais, do ambiente autêntico.
A maneira de olhar, diz Urry (1996, p. 29), "demonstra como os turistas são, se
certo modo, praticantes da semiótica, lendo a paisagem à procura de significantes
ou de certos conceitos ou signos preestabelecidos, que derivam de vários
Discursos da viagem e do Turismo". O autor (1996) sugere que os objetos do olhar
do turista podem ser classificados em três dicotomias: romântico/coletivo,
autêntico/inautêntico e histórico/moderno.
68
A disponibilidade universal da Mídia predominantemente visual, nas
sociedades ocidentais adiantadas, resultou em uma grande mudança no
nível daquilo que é 'ordinário' e, em decorrência, daquilo que as pessoas
consideram 'extraordinário'. [...] as férias passam a ter menos que ver com o
reforço das memórias e experiências coletivas e mais que ver com o prazer
imediato (URRY, 1996, p. 141).
A busca da satisfação do prazer nasce na expectativa, situada na imaginação,
construída por "conjuntos de signos gerados pela propaganda e pela Mídia, muitos
dos quais dizem respeito claramente a processos complexos de emulação social"
(URRY, 1996, p. 141). Os modos de consumo refletem uma mutação no Turismo
atual, transformam as suas relações com outras práticas culturais. O autor reflete
sobre o Pós-Modernismo, sobre os traços que caracterizam o olhar turístico, e
conclui que, mediante a análise das mudanças culturais, é possível compreender o
que ocorre, especificamente, com o Turismo.
O termo Pós-Modernidade, diz Urry (1996), não se refere a toda a sociedade.
Diz respeito, sim, a um sistema de signos, específico no espaço e no tempo,
caracterizável por significações que produzem, transmitem e recebem determinados
objetos, envolvendo um conjunto de relações entre o significante, o significado e o
referente. "O s-modernismo problematiza a distinção entre as representações e a
realidade" (URRY, 1996, p. 119); a significação é mais figurativa, visual, o que
aproxima esse relacionamento.
O Turismo é um jogo que "sempre envolveu o espetáculo", pela importância
visual aquilo que é apresentado e pela importância do olhar aquilo que é
percebido, conforme a concepção de Urry (1996, p. 122). Esta produção pode ser
considerada: antiaurática, baseada na reprodução, em prazeres populares, em um
antielitismo, sem implicar contemplação, contudo na interação e com ênfase no
69
pastiche. Essas características aludem ao que o autor (1996, p. 123) considera olhar
coletivo do turista. "O Turismo é prefigurativamente pós-moderno, devido a sua
particular combinação do visual, do estético e do popular". Para esse autor (1996,
p.142), a identidade social é diluída pela Pós-Modernidade, o que gera o
desaparecimento de formas de identificação grupal, no tempo e no espaço, com
conseqüente redução da atratividade tustica dos lugares: "O que agora é Turismo e
o que é Cultura tornou-se, relativamente, pouco claro".
Por outro lado, "a voz dos viajados continua praticamente inaudível", conforme
o clamor de Krippendorf (1989, p. 91), silencia-se a comemoração de que a agitação
turística seja sazonal e não dure o ano inteiro. As populações residentes dos
destinos turísticos é que parecem ter que se adaptar aos viajantes, e não o
contrário, acolhendo de maneira voluntária, ou não, os visitantes. A antiga virtude da
hospitalidade tornou-se um "ganha-pão".
Krippendorf (1989) alerta para a quase inexistente produção de estudos a
respeito das comunidades que acolhem os fluxos turísticos, em especial os
relacionados aos custos sociais: adoção de hábitos de consumo e comportamento
dos turistas; servilismo; prostituição e criminalidade; declínio cultural pela adaptação
ao gosto estrangeiro; comercialização do folclore; a vida de acordo com as regras
estrangeiras.
Com vistas à Semiologia, técnica metodológica para a Análise Formal ou
Discursiva, buscamos, em Barthes, em primeiro lugar a categoria Discurso, a fim de
analisar de que modo as narrativas apresentam a sensualidade da brasileira como
Atrativo Turístico. Essa categoria tem o sentido francês, séc. XVI, de "lençol de
70
linguagem"; o discursus latino significa corrida de um lado para o outro, divagações
discordantes.
Pela etimologia do termo, seria uma reviravolta, discurro”, correr para todos os
lados dis, uma separação” (BARTHES, 2003a). No sentido moderno, significa
uma espécie de excursão, divagação. O Discursus latino é uma corrida de um lado
para outro, são divagações discordantes, com duplo sentido, contraditório, encobre e
revela.
A preferência do semiólogo Barthes (1991, p. 1) é expressa ao refletir que "o
termo Discurso é baseado na palavra dis-cursus que é, originalmente, a ação de
correr para todos os lados, são idas e vindas, démarche, intrigas", caminhos. É
possível designá-lo à fala desdobrada, que se constitui pelo retorno de signos
idênticos que se repetem no próprio Discurso e vão de um a outro. O signo implica
três relações: uma interior que une o significante ao significado; duas exteriores, a
que une o signo a uma reserva de outros signos para inserir no Discurso; e, ainda,
a que une o signo a outros signos que precedem ou se sucedem no enunciado
(BARTHES, 2003c).
De acordo com Barthes (2004a, p. 163), o Discurso é a "descrição formal dos
conjuntos de palavras superiores à fala" e
não há Cultura sem classificação; ora, o Discurso, ou conjunto de
palavras superior à frase, tem as suas formas de organização: também ele
é classificação, e classificação significante; sobre esse ponto, o
estruturalismo literário tem um ancestral prestigioso, cujo papel histórico é
geralmente subestimado ou desacreditado por razões ideológicas: a
Retórica, reforço que monta de toda a Cultura para analisar e classificar as
formas da palavra, tornar inteligível o mundo da linguagem (2004a, p. 7).
71
Ao refletir sobre o Discurso científico, Barthes sugere que toda enunciação
pressupõe o próprio sujeito e, independente da forma com que ele se exprima, todas
as enunciações designam um Imaginário. Na instância do Discurso literário existe
a busca por substituir a realidade, o álibi mítico do escritor. No que tange ao
Discurso histórico, Barthes (2004a, p. 176) alude ao processo de significação, que
visa a preencher o sentido da História, essencialmente uma elaboração ideológica, o
que motiva certa desconfiança quanto à noção de fato histórico. Por sua vez, o
tempo e a voz o tornaram não uma nomenclatura, mas um exercício da fala, a qual
implica a exploração da linguagem. Cada momento do Discurso é novo e
compreendido; é uma exploração conduzida pela lingüística, pela Psicanálise e pela
Literatura (BARTHES, 2004a, p. 24-25). Nenhuma linguagem é inocente. Nós
continuamos, sempre, o mesmo Discurso que não pode ser castrado; ele
recomeça, renasce, essa é a sua obstinação (BARTHES, 2003a).
Barthes (2003a) considera que essa categoria tem um objetivo de força, de
coerção, de sujeição, um efeito de teatralização, tenir discours, manter uma máscara
linguageira, prestação ostentatória da fala, ocupando um lugar que não é seu.
Às linguagens de grupo, Barthes (2004a,) denomina Socioletos, distintos em
duas categorias: o Discurso Encrático, à sombra do Poder (no, dentro), e o
Acrático, sem este (ou fora). O Socioleto é o Discurso de cada grupo social. Ao
refletir sobre A Divisão das Linguagens, Barthes (2004a, p. 125) propõe:
É tempo de dar um nome a essas linguagens sociais recortadas na
massa idiomática e cuja estanqueidade, por mais que a tenhamos sentido,
de início, como existencial, acompanha, através de todas as trocas, todos
os matizes e as complicações que é lícito conceber, a divisão e a oposição
das classes; chamemos essas linguagens de grupo de Socioletos (por
oposição evidente a Idioleto, ou falar de um indivíduo). O caráter
72
principal do campo socioletal é que nenhuma linguagem lhe pode ficar
exterior; toda palavra é fatalmente incluída em determinado Socioleto.
No Discurso Encrático, sempre uma linguagem dotada de estruturas de
mediação, transformação, condução. O Discurso Acrático não necessariamente
será de forma declarada contra o Poder. O Discurso psicanalítico pode ser alinhado
ao Acrático, ainda que não seja uma crítica ao Poder.
A mediação entre o Poder e a linguagem é de ordem cultural. A Doxa é a
mediação cultural ou discursiva, através da qual o Poder ou o não-Poder fala. O
Discurso Encrático é submisso à Doxa, o Discurso Acrático é para-doxal, contrário.
Nesse sentido, existem dois grandes grupos de Socioletos: o Encrático age por
opressão, e o Socioleto Acrático – age por sujeição.
A energia de combate, capacidade de dominação de um sistema discursivo
vem de suas relações de força. O sistema forte de Discurso é uma representação,
na qual existem figuras de sistema, ensejando dar ao socioleto uma consistência
absoluta, e há, ainda, a frase, um operador de intimidação imperativo.
Essa categoria fundamenta o estudo do Turismo Sexual, motivado pelo
Discurso, que enfatiza a imagem sensual da mulher brasileira como Atrativo
Turístico. Nessa categoria está a representação que analisaremos. Uma
representação que nos parece, em um primeiro olhar, enfatizar a sensualidade
enquanto Atrativo Turístico.
Para Barthes, uma sociedade produz estereótipos, imagens fixas, cúmulos de
artifício, a palavra repetida, [...] é a via atual da 'verdade', o traço palpável que faz
73
transitar o ornamento inventado para a forma canonical, coercitiva, do significado"
(BARTHES, 1999, p. 57-58).
O Estereótipo é a cristalização de um único sentido da palavra. Os sintagmas
cristalizados o Estereótipos. Ao revisar Saussure, Barthes (2003b, p. 63) sugere
que o sintagma é uma combinação variada de signos recorrentes que têm, por
suporte, a extensão.
Os “pedaços de frases feitas”, conforme a visão de Barthes (2003a, p. 309),
são Estereótipos sintáticos”, ou seja, “construções sintáticas” que seriam vazias,
adquirindo “um conteúdo depois; indícios de desenvolvimento pronto de
antemão”.
Essa categoria ritualiza pela repetição. Em Barthes (1997, p. 15), lê-se que "os
signos só existem à medida que são reconhecidos, isto é, à medida que se repetem;
o signo é seguidor, gregário; no signo, dorme este monstro: um Estereótipo". O
signo floresce socialmente na Cultura dita de massa, na qual, de acordo com o
Semiólogo (2004a, p. 84), há uma submissão.
O Estereótipo é no fundo um oportunismo: conforma-se com a
linguagem reinante, ou antes, com o que, na linguagem, parece dirigir (uma
situação, um direito, um combate, uma instituição, um movimento, uma
ciência, uma teoria, etc.); falar por estereótipos é colocar-se do lado da
força da linguagem (BARTHES, 1975, p. 38)
O novo é apenas o Estereótipo da novidade. O autor (1975, p. 37-38) chega a
considerá-lo triste, “uma necrose da linguagem”, grave e deformada; “ao mesmo
tempo pode provocar imensa gargalhada”. A linguagem política é feita deles.
74
Barthes (1999, p. 50) considera que essa categoria é um fato político, a figura
principal da Ideologia
19
. É o que pode estar presente no Discurso Encrático.
Em síntese, a concepção de Barthes (1978) é que todo lugar-comum, toda
palavra-de-ordem, abriga, sob o seu manto de naturalidade, a Ideosfera
20
. Essa
categoria, em Barthes, foi escolhida para realizarmos a análise da origem do
Estereótipo sensual da brasileira. Desejamos estudar como ocorreu a cristalização
da noção de que fazer sexo com a mulher nativa é sinônimo de hospitalidade.
Ao tratar do Mito, Barthes (2003b) o considera uma fala que não nega as
coisas, não esconde nada, no entanto, as torna inocentes, por ser um sistema de
Comunicação. É uma mensagem, um modo de significação, que se define pela
maneira como profere a mensagem, e não pelo objeto. Apresenta o significante de
modo ambíguo e, ao mesmo tempo, como sentido e forma, vazio por um lado e
pleno por outro. Como estudo de uma fala, na ciência dos signos, a Mitologia é um
fragmento da semiologia. É um sistema particular construído a partir de uma cadeia
semiológica preexistente a esta própria categoria. Para Barthes (2003b, p. 213), o
Mito “tem como função deformar”.
Barthes (2003b, p. 234) concebe que “A função do Mito é evacuar o real:
literalmente, o Mito é um escoamento incessante, uma hemorragia ou, caso se
prefira, uma evaporação; em suma, uma ausência perceptível”.
19
Uma forma de significação realizada pela conotação (BARTHES, 2003b).
20
Em Barthes, toda a Ideologia é Discurso, por isso o termo Ideosfera.
75
É concebível que haja Mitos muito antigos, mas não eternos, porque a história
transforma o real em Discurso, comandando a vida e a morte da linguagem mítica.
Algumas mensagens, por suas representações, podem servir de apoio à fala mítica,
como a fotografia, o cinema, a Publicidade ou a reportagem.
O que o mundo fornece ao Mito é um real histórico, definido, por mais
longe que se recue no tempo, pela maneira como os homens o produziram
ou utilizaram; e, o que o Mito restitui, é uma imagem natural deste real. [...]
o Mito é constituído pela eliminação da qualidade histórica das coisas; nele,
as coisas perdem a lembrança da sua produção (BARTHES, 2003b, p. 234).
Captadas pelo Mito, as matérias-primas da fala mítica (língua, fotografia,
cartaz, rito, etc.) são puramente reduzidas a uma função significante, simples
estatuto da linguagem, diz Barthes (2003b). Tais matérias-primas pressupõem uma
consciência significante, a imagem é mais imperativa do que a escrita, a fala mítica é
formada por uma matéria trabalhada, em vista de uma Comunicação. Logo, a
Mitologia é, simultaneamente, parte da ideologia, ciência histórica, e da semiologia,
ciência formal.
A semiologia estuda as significações, postula uma relação entre um significante
e um significado. No dizer de Barthes (2003b, p. 212) não existe uma rigidez nos
conceitos míticos, ao mesmo tempo em que “o conceito é um elemento constituinte
do Mito: se pretendo decifrar mitos, é necessário que possa nomear conceitos”. O
conceito não elimina o sentido; deforma-o. O Mito é um sistema duplo, em que se
produz uma espécie de onipresença, seu ponto de partida é constituído pelo ponto
final de um sentido.
A relação que une o conceito do Mito ao sentido é essencialmente uma
relação de deformação. [...] uma certa analogia formal com um sistema
semiológico complexo, o das psicanálises. [...] o sentido latente do
comportamento deforma o seu sentido manifesto, assim, no Mito, o
conceito deforma o sentido (BARTHES, 2003b, p. 213).
76
Existem dois sistemas semiológicos no Mito, um deslocado em relação ao
outro: linguagem-objeto e metalinguagem. O primeiro é a língua, um sistema
lingüístico, do qual o Mito se serve para construir o próprio sistema. O segundo é o
próprio Mito. Existe, efetivamente, uma dupla função de designar e notificar, de
fazer compreender e impor “a significação é o próprio Mito, exatamente como o
signo saussuriano é a palavra [...] entidade concreta” (BARTHES, 2003b, p. 212).
Durkheim e Marx são revisados por Barthes (2004a) nessa categoria. É
possível aproximá-lo daquilo que a Sociologia de Durkheim considera
"representação coletiva". Em Marx, o Mito consiste em inverter o histórico e o social,
a Cultura em natureza. Este autor diz que o Mito contemporâneo é descontínuo, se
enuncia em Discursos, um corpus de frases (de Estereótipos); desaparece, mas
permanece o mítico. A história mítica tem uma amplitude diferente da história
política.
O Mito está presente nas frases, nas histórias contadas, em todos os lugares
"da linguagem interior à conversação", na visão de Barthes (2004a, p. 80), "à
imagem publicitária toda fala que possa ser coberta pelo conceito de Imaginário
lacaniano". Segundo este teórico (2004a, p. 77),
o Mito contemporâneo se liga a uma semiologia: essa permite "corrigir" a
inversão mítica, decompondo a mensagem em dois sistemas semânticos:
um sistema conotado, cujo significado é ideológico (e por conseguinte
"direito", "não-invertido" ou, para ser mais claro, assumindo o risco de falar
uma linguagem moral, cínico), e um sistema denotado (a literalidade
aparente da imagem, do objeto, da frase), cuja função é naturalizar a
proposição de classe dando-lhe caução da mais "inocente" das naturezas:
a da linguagem (milenar, materna, escolar, etc.).
Barthes (2003b, p. 242) considera "Retórica um conjunto de figuras fixadas,
estabelecidas, insistentes, nas quais vêm encaixar-se as formas variadas do
77
significante mítico". De acordo com o semlogo, o Mito, pela sua intencionalidade,
pode ser identificado em algumas figuras principais: a Vacina, a Omissão da
História, a Identificação, a Tautologia, o Ninismo, a Quantificação do Real e a
Constatação.
A Vacina é a figura mitológica que consiste em confessar o mal acidental, para
camuflar o mal essencial; o Imaginário coletivo é imunizado na inoculação de um
mal reconhecido e assim é defendido contra uma subversão. Uma compensação.
Na Omissão da História, o comodismo gerado pela opressão que, ao falar do
objeto, retira dele a história, é manifesto em um esvaziamento, um desaparecimento
silencioso da origem: “[...] esta figura feliz elimina muitos fatores embaraçosos [...]
esta evaporação milagrosa da história constitui outra forma de um conceito comum à
maioria dos mitos burgueses: a irresponsabilidade do homem” (BARTHES, 2003b, p.
243).
A figura mitológica da Identificação surge quando o que é semelhante se
coloca à frente: ou o negamos, ou o ignoramos ou nos transformamos nele, uma
reverberação – uma redução ao mesmo. Conforme alude Barthes (2003b, p. 244), “o
outro é transformado em puro objeto, espetáculo, marionete”.
Barthes (2003b) concebe que a Tautologia é um procedimento verbal que
define o mesmo pelo mesmo, protegendo-se por trás de uma argumentação
autoritária, um refúgio. É uma desconfiança em relação à linguagem, e tal recusa é
uma morte, um mundo imóvel. Esta figura se protege por trás de um argumento de
autoridade, como quando os pais não têm explicações para dar aos filhos e afirmam
“porque sim”.
78
O Ninismo seria a figura Mitológica que coloca dois contrários de maneira a
equilibrar um com o outro, para rejeitar a ambos. Barthes (2003b, p. 245) esclarece
que: “Reencontramos aqui a figura da balança: o real é inicialmente reduzido a
termos análogos; estes são em seguida pesados e, uma vez constatada a
igualdade, rejeitados”.
A Quantificação do Real absolutiza o número das coisas, reduzindo a qualidade
à quantidade, o Mito é econômico quanto à inteligência. É uma figura que está à
volta de todas as figuras precedentes. A Quantificação da Qualidade, nas palavras
do autor (2003b, p. 246), “compreende o real por um preço reduzido”.
A sétima figura proposta por Barthes (2003b, p. 246) é a Constatação, o
provérbio, o lugar comum, que aceita sem questionamento, “uma visão instrumental
do mundo como objeto [...] reflexão diminuída, reduzida a uma constatação [...]
prevê mais do que afirma”.
Não existe rigidez nos conceitos míticos. O conceito é um elemento
constituinte, a significação é o próprio Mito, como o signo em Saussure é a palavra,
a entidade concreta. Mesmo que a idéia pareça paradoxal, Barthes (2003b) sugere
que o Mito não esconde, não faz desaparecer; ele deforma. A deformação é a
relação que une o conceito ao sentido, o conceito deforma o sentido, porém não o
elimina. O semiólogo alude a dois tipos de manifestação: oral e visual. No primeiro
tipo, a presença da forma é literal, imediata; por outro lado, no visual, a extensão é
multidimensional.
Por transformar um sentido em forma, a função específica do Mito é um roubo
de linguagem. A língua se presta ao Mito, propondo um sentido aberto. Escoa
79
incessantemente o real. As pessoas mantêm com ele uma relação de utilização,
segundo suas necessidades. Trata-se de uma oportunidade de situação. A Mitologia
tenta resgatar a alienação, sendo este resgate o desvendar de um ato político.
Uma das nossas maiores servidões: o divórcio avassalador entre o
conhecimento e a mitologia. A ciência segue seu caminho bem e com
rapidez; mas as representações coletivas não a acompanham e mantêm-se
com o atraso de séculos, estagnadas no erro pelo Poder, pela imprensa e
pelos valores da ordem (BARTHES, 2003b, p. 68).
Elegemos a categoria Mito para responder à questão sobre a origem e os
Mitos associados ao Brasil. Nossa intenção é compreender a produção mítica que
permeia a propaganda turística e o modo com que o Brasil tem construído sua
imagem e Discurso Turístico.
A Cultura, para Barthes, está em toda parte, entre todos os homens, ela nada
inventa, seus modelos são repetidos, aplanados, "se nos apresenta cada vez mais
como um sistema geral de símbolos, regido pelas mesmas operações: há uma
unidade do campo simbólico, e a Cultura, sob todos os seus aspectos, é uma
língua" (BARTHES, 2004a, p. 16). O autor considera que é incerto dizer que esta
categoria se opõe à natureza. São limites sutis entre Cultura e natureza.
Tudo é Cultura, ela está por toda parte, é um objeto paradoxal, sem termo
oposicional, sem resto, sem contornos (BARTHES, 2004a). De certa maneira, nela
se inscreve a alienação do homem contemporâneo. É o que fica e não apenas o que
volta. Um objeto único. Um campo de dispersão das linguagens, onde sempre
uma porção que o outro não compreende.
Identificada como reconhecimento de forças, a Cultura é contrária, antipática
nas palavras do semiólogo à idéia de Poder. O exercício da Cultura é a escuta
80
das forças, a escuta das diferenças (BARTHES, 2003a, p. 7), opõe-se às ideologias,
é um bem nobre, fora dos engajamentos sociais, não pesa.
Ao abordar a Semiocrítica, Barthes reflete sobre esta categoria como uma
língua, na qual permanecerá sempre um Discurso sobre ela. A sociedade ocidental
está dividida em suas linguagens e parece unificar-se em sua Cultura. Como um
campo de dispersão das linguagens, estamos submetidos a uma guerra, sem
expiação, das linguagens. Nela, há uma porção de linguagem que o outro não
compreende. O autor (2004a, p. 114) considera a Cultura de massa pequeno-
burguesa
um conteúdo objetivo, estrutural: degradação porque não invenção;
os modelos são repetidos no mesmo lugar, achatados, pelo fato de que a
Cultura pequeno-burguesa (censurada pelo Estado) exclui até a
contestação que o intelectual pode apresentar à Cultura burguesa: é a
imobilidade, a submissão aos Estereótipos (a conversão das mensagens
em Estereótipos) que definem a degradação.
O semiólogo (2004b, p. 93) considera que a sociedade burguesa faz uso dos
signos como justificados pela razão, ou pela natureza, ao invés de "reconhecer que
a Cultura é um sistema imotivado de significações". A Cultura burguesa é
reproduzida como uma farsa pela Cultura pequeno-burguesa, essa imitação é dita
Cultura de massa, da qual não está isento de contágio geral nenhum grupo,
nenhuma classe social (BARTHES, 2004b).
Se fosse possível caracterizar a Cultura pela circulação de símbolos,
provavelmente a nossa Cultura seria identificada de forma muito geral, cimentada e
homogênea, tal qual uma comunidade, ou, como indica Barthes (2004a, p. 116),
"uma pequena sociedade etnográfica". A Cultura, em Barthes (1975, p. 84), é
81
o conjunto infinito das leituras, das conversas ainda que sob a forma de
fragmentos prematuros e mal compreendidos –, em resumo, o intertexto,
que faz pressão sobre um trabalho e bate à porta, para entrar.
A Cultura é um intertexto, diz Barthes (1975, p. 94), que parece não
reconhecer uma “divisão de gêneros”, seria um “nós” composto por “todos aqueles
que tacitamente ou inconscientemente citei, chamei, e que são ‘leituras’”, não seriam
autores, seriam, sim, a interpretação.
A produção Cultural não é geral; o consumo, sim. No nosso tempo, a produção
Cultural, geral, pacífica, comunitária, repousa em duas atividades de linguagem: de
um lado, os atos de intelecção, a escuta; de outro, a linguagem do desejo, a
participação criativa. À unidade da Cultura de massa corresponde à própria
linguagem. O paradoxo da nossa Cultura, cultura fragmentada por seus códigos de
produção (de desejo), é que ela é unitária por seu consumo (código de escuta).
A Cultura é permitida com a condição de proclamar periodicamente a
vaidade dos seus fins e os limites do seu Poder [...] a Cultura ideal deveria
ser apenas uma doce efusão retórica, a arte das palavras como testemunha
de uma comoção passageira da alma (BARTHES, 2003b, p. 38).
Barthes (1999) considera que, em nossa Cultura [ocidental contemporânea], a
repetição excessiva é excêntrica e repelida para certas regiões marginais. Sua forma
bastarda, de massa, é a repetição dos esquemas ideológicos, dos conteúdos, da
revogação das contradições, sempre do mesmo sentido, entretanto o variadas as
formas superficiais.
Opõe-se a Cultura às ideologias. A Cultura é um bem nobre,
universal, situado fora dos engajamentos sociais: a Cultura não pesa.
Quanto às ideologias, o invenções partidárias: logo, para a balança! Elas
são sumariamente rejeitadas sob o olhar severo da Cultura (sem que se
suspeite que, afinal de contas, a Cultura é, na realidade, uma ideologia).
(BARTHES, 2003b, p. 146).
82
Nosso saber, essencialmente racional, não se separa da nossa Cultura,
conforme declara Barthes (2003c, p. 146), e mesmo quando a história leva a razão a
corrigir-se é um Discurso da razão sobre o mundo.
Em resumo, tudo é Cultura, da roupa ao livro, da comida à imagem, e
a Cultura está por toda a parte, de uma ponta à outra das escalas sociais.
Essa Cultura decididamente é um objeto bem paradoxal: sem contornos,
sem termo oposicional, sem resto (BARTHES, 2004a, p. 109).
As categorias Cultura e Poder foram eleitas para que possamos refletir sobre
como ocorrem as relações no encontro entre visitantes e visitados. Interessa-nos
compreender de que modo o intercâmbio cultural e as relações sociais ocorrem
nesse encontro.
Na divisão da linguagem está sua relação com o Poder, conforme sinaliza
Barthes (2004a). as linguagens que se desenvolvem, se elaboram, se buscam,
se marcam à luz, ou à sombra, do Poder. “A linguagem é sempre Poder, falar é
exercer uma vontade de Poder: no espaço da fala nenhuma inocência, nenhuma
insegurança” (BARTHES, 1975, p. 29). Essa categoria impõe um ritmo de vida, de
pensamento, de Discurso, de tempo, de todas as coisas, salienta (BARTHES,
2003a). Sua sutileza passa por uma disritmia, quando são postos juntos dois ritmos
diferentes, se criam profundos distúrbios, gerando um problema de tensão entre a
marginalidade e o Poder.
O Poder, Libido dominandi, na visão desse autor (1997, p.132), permeia todas
as formas de relações sociais, é atemporal, "está emboscado em todo e qualquer
Discurso, mesmo o Discurso está de fora do Poder". É um objeto político e
ideológico presente nos mecanismos do intercâmbio social (BARTHES, 1978). No
espaço social do tempo histórico, é "simetricamente perpétuo". O semiólogo (1978,
83
p. 12) o considera "o parasita de um organismo transocial, ligado à história inteira do
homem". O Poder influencia a troca de informações e a Comunicação entre as
pessoas nas relações humanas.
Weber (2001, p. 37) concebe essa categoria, como uma função, domínio, "o
desejo de Poder e de reconhecimento pelo mero fato de ter riqueza desempenha
seu papel". No sistema feudal, o Estado estamental foi conhecido no Ocidente,
assim como os parlamentares, eleitos periodicamente, para exercerem influência e
controlar o Poder político. Weber também concebe o Poder de modo funcionalista,
como uma tipologia: o Poder do Estado, o Poder financeiro ou como status. Em
todas as subcategorias prevalece a noção que envolve o desejo, o domínio, o
reconhecimento.
Em Barthes, o Poder é uma categoria interdisciplinar que envolve a
Psicanálise; no sentido intrínseco, é energia prazerosa, envolve dominação e prazer.
Esse Poder, como energia prazerosa, motiva o ser humano. O Poder leva à
sujeição, numa relação de alienação e opressão; é a relação da dominação com o
prazer, objeto de estudo da Psicanálise.
Na Psicanálise freudiana, a Libido é a fonte de energia dos instintos de vida
movidos pela energia sexual, existente em nossa carga instintiva inata, que faz com
que passemos a sentir necessidade. Guareschi (2000) destaca que, nas três fases
do desenvolvimento físico e psicológico, oral, anal e fálica, a Libido é deslocada,
produzindo prazeres nos contatos com o mundo externo, que influencia o desejo, ou
não, de determinados objetos, pessoas ou outras coisas. Algumas características,
manifestas na vida adulta, podem advir de determinada fase.
84
Na fase Oral, são estabelecidas as primeiras relações com o mundo externo,
introjetando sentimentos, formas de interagir e de se relacionar com outras pessoas
a partir da amamentação e da alimentação. Na vida adulta, são reflexos desta fase
as expressões de gratificação oral, como comer ou fumar. Na fase Anal, surge o
início do exercício de controle sobre o mundo externo pelo aprendizado das
atividades esfincterianas, esse controle é a nova fonte de prazer. Na vida adulta,
entre as características associadas a esta fase, estão a autoridade, a extravagância
e o Poder.
Finalmente, na fase Fálica, existe a descoberta dos órgãos genitais e o prazer
de sua manipulação, é a fase em que adquirimos a identidade psicossexual. Ao
mesmo tempo, nesta fase o Complexo de Castração se manifesta na menina pela
ausência do pênis e no menino pelo medo de perdê-lo. São características desta
fase, na vida adulta, a vulnerabilidade e a instabilidade afetivo-sexual.
Guareschi (2000) considera que, em uma sociedade capitalista, permeada por
relações humanas de dominação e de exploração, poucos possuem a condição de
ter, enquanto muitos desejam o que é oferecido pelas propagandas que atuam no
sentido de excitar aquilo que muitos sentem como prazeroso ou desejoso. A
quantidade de energia despendida para satisfazer o instinto tem como conseqüência
de sua não-satisfação uma fábrica de frustrações e angústias.
O apelo publicitário, na exploração do corpo feminino, promove, no homem que
compra a fantasia, a idéia de que aquela mulher tão sedutora o tornará mais
potente. Para Guareschi (2000, p. 40), essa nudez atua no inconsciente "de forma
coerente com o processo de elaboração de seus sentimentos de castração".
85
Na excitação provocada pelo apelo publicitário é que elegemos a categoria
Poder para o estudo das relações entre visitantes e visitados. Desejamos estudar o
tipo de relacionamento entre as pessoas residentes em um destino turístico,
Florianópolis, e os visitantes. Também nos interessa compreender como ocorrem as
relações entre esses sujeitos e de que modo o Poder permeia as relações entre o
turista e a comunidade local.
De acordo com Barthes (2003a), a primeira força possível para se interrogar é
através do Imaginário; a força do desejo, a figura da fantasia como
engendramento de formas, de diferenças, a fantasia como origem da Cultura. Para
que haja fantasia é preciso haver lugar, cenário. O Imaginário de um autor é a
coleção dos seus fantasmas (BARTHES, 1975, p. 105). Para extrair prazer,
plenitude na leitura, o sujeito necessita renunciar ao seu Imaginário, ao que a
Psicanálise chama de castração; o sujeito-leitor é deportado sob o registro do
Imaginário. O semiólogo (2003 a, p. 10) declara que
a fantasia não é o contrário de seu contrário racional, lógico. Mas no
próprio interior da fantasia pode haver contra-imagens, fantasias negativas
(oposição entre duas imagens fantasmáticas, dois roteiros Imaginários e
não entre uma imagem e uma realidade).
Não há, na ordem imaginária, um motivo fundador. Barthes (1999, p.45-46)
concebe o Imaginário como "inconsciência do inconsciente", sendo o texto "a
linguagem sem o seu Imaginário". Para esse teórico (2004a, p. 176), o Imaginário
a linguagem por meio da qual o enunciante de um Discurso (entidade puramente
lingüística) 'enche' o sujeito da enunciação (entidade psicológica ou ideológica)".
Quanto aos Imaginários da linguagem, Barthes (1999, p.41) marca
86
[a] fala como unidade singular, mônada
21
mágica; a fala como instrumento
ou expressão do pensamento; a escritura como transliteração da fala; a
frase como medida lógica, fechada; a própria carência ou a recusa de
linguagem como força primária, espontânea, pragmática.
"Conhecer o Imaginário da expressão é esvaziá-lo, pois o Imaginário é
desconhecimento" diz Barthes (2004a, p. 105). A fala mítica forja o intertexto de
nossas fontes, o Poder utiliza o Estereótipo que, pela repetição, alimenta o
Imaginário.
Barthes (1978) considera o semiólogo um artista, que joga com os signos de
forma consciente, o signo que ele é regrado por uma evidência que lhe salta aos
olhos, como um estalo do Imaginário. Os objetos de predileção da Semiologia são
os textos do Imaginário (narrativas, imagens, expressões), estruturas que jogam
com uma aparência e incerteza de verdade. O gozo do signo Imaginário é
concebível, graças a situações novas que modificam o uso, por exemplo, das forças
da literatura, que afetam mais a Cultura do que a própria sociedade.
O termo Imaginário, em Barthes (2004b, p. 296), tem um sentido lacaniano,
que o indica como a analogia entre as imagens, um movimento de identificação, em
que o sujeito se apóia na coalescência, na aderência do significado e do significante.
O Imaginário é representação, figuração, registro do sujeito no qual cola uma
imagem.
Lacan (1988) concebe a categoria como um guia de vida para todo o campo
animal. A imagem desempenha um papel capital, inteiramente reanimado, retomado,
21
No leibnizianismo, átomo inextenso com atividade espiritual, componente básico de toda e qualquer
realidade física ou anímica, e que apresenta as características de imaterialidade, indivisibilidade e
eternidade.
87
refeito pela ordem simbólica. É sempre, mais ou menos, integrada nessa ordem que
a imagem se define no homem, por seu caráter de estrutura organizada. Para esse
autor (1988, p. 169), na ordem do Imaginário não meio de dar uma significação;
a alienação é constituinte, a alienação é ele próprio. Lacan propõe, ainda, que o real
se demonstra, e a realidade se mostra, idéia resgatada por Barthes ao tratar da obra
como cauda imaginária do texto. Lacan (1988, p. 169-170) vislumbra esta categoria
como uma alienação:
Na ordem do Imaginário não meio de dar uma significação precisa
do termo narcisismo? Não nada a esperar do modo de abordagem da
psicose no plano Imaginário, pois o mecanismo Imaginário é o que dá à
sua forma a alienação psicótica, mas não sua dinâmica.
Ainda sobre esta categorização em Lacan, Barthes (1997) sugere que, para
Lacan, o próprio desejo é articulado com um sistema de significações, o Imaginário
coletivo, por suas formas e funções, mais por seus significantes do que por seus
significados. Portanto, desejamos compreender de que forma as motivações de
viagem, desejo e fantasia, povoam o Imaginário dos turistas que escolhem o Brasil,
com ênfase em Florianópolis, como destino. Também é nosso propósito estudar a
formação do Estereótipo sensual da mulher brasileira no Imaginário do turista
argentino e os possíveis danos causados, à população receptora, pelo Discurso
brasileiro, com apelo sensual, como característica da hospitalidade nacional
enquanto Atrativo Turístico.
Nosso objeto de estudo é o Turismo Sexual, em Florianópolis, manifesto nas
relações entre turistas argentinos e mulheres da comunidade, e a participação da
Comunicação na promoção dessas relações.
88
Ao analisarmos as categorias pretendemos interpretar o Turismo Sexual
promovido pelo Discurso que enfatiza a imagem sensual da brasileira, como
Atrativo Turístico a Mídia, enquanto Comunicação, que utiliza o apelo lascivo e
suas conseqüências para a população local, especialmente a feminina, em destinos
turísticos. O Estereótipo da sensualidade brasileira, oriundo da miscigenação da
Cultura das nações que se encontraram no país, une-se ao Mito que povoa o
Imaginário de inúmeros turistas, disseminados pela Globalização da Comunicação.
No encontro entre visitantes e visitados, as relações de Poder são evidenciadas.
Pelo recurso do grifo, em negrito, é possível percebermos a presença das
categorias e como, mutuamente, perpassam as noções, de forma complementar,
interdependente, como uma teia de conexões, o que corrobora a justificativa de
nossa escolha.
1.3 OPÇÕES METODOLÓGICAS – A CARTA NAÚTICA
Uma carta náutica é um documento cartográfico, uma representação plana, em
escala, da superfície da terra abrangida pelas áreas hídricas e ilustrada por diversas
informações úteis à tripulação, a qual provê segurança para a navegação.
O método escolhido para estudo do Turismo Sexual, nas relações promovidas
pela Comunicação, entre turistas argentinos e moças da comunidade em
Florianópolis, será a Hermenêutica de Profundidade (HP), proposta por John
Thompson. A HP é um referencial metodológico amplo, que prioriza o estudo da
produção de sentido, através das Formas Simbólicas a partir da Tríplice Análise que
89
contempla a Análise Sociohistórica, Análise Formal ou Discursiva e a Interpretação e
Re-interpretação.
O termo Hermenêutica parece ter uma referência a partir de Hermes, filho do
deus supremo (para os helênicos) Zeus, e da ninfa Maia, na Mitologia grega.
Simboliza o intérprete da vontade divina, o mediador que a torna compreensível, por
ter aperfeiçoado a arte da adivinhação, utilizando pequenos seixos para leitura do
futuro. Conforme Palmer (1997, p. 24),
Hermeios referia-se ao sacerdote do oráculo de Delfos. Esta palavra, o
verbo hermeneuein e o substantivo hermeneia, mais comuns, remetem
para o deus-mensageiro-alado Hermes, de cujo nome, aparentemente, as
palavras derivam [...]. Os gregos atribuíam a Hermes a descoberta da
linguagem e da escrita – as ferramentas que a compreensão humana
utiliza, para chegar ao significado das coisas e para transmitir aos outros.
Ricouer (1988, p. 17) considera que "a hermenêutica é a teoria das operações
da compreensão em sua relação com a interpretação de textos". O autor (1969, p. 7)
lembra, ainda, que
o problema hermenêutico foi colocado, em primeiro lugar, nos limites da
exegese
22
, vale dizer, no contexto de uma disciplina que se propõe a
compreender um texto, a compreendê-lo a partir de sua intenção,
baseando-se no fundamento daquilo que ele pretende dizer. [...] toda leitura
de texto, [...] sempre é feita no interior de uma comunidade, de uma
tradição ou de uma corrente de pensamento vivo, que desenvolvem
pressupostos e exigências.
A hermenêutica surge a partir do contexto teológico, lingüístico. O trabalho de
interpretação do que é simbólico, para Ricoeur (1969), revela um desígnio profundo,
a superação de uma distância, do afastamento cultural, para incorporar seu sentido.
22
Gr. Eksêgésis, éos -- exposição de fatos históricos, comentário, interpretação de um sonho. V.
ekségéomai conduzir, guiar, dirigir, governar, expor em detalhe, explicar. Refere-se à interpretação
das escrituras bíblicas.
90
O autor considera que, em Aristóteles, a hermenêutica diz respeito a todo Discurso
significante, não se limita à alegoria.
Demo (1995, p. 245) se refere à hermenêutica em relação à interpretação de
textos e à Comunicação humana, buscando os sentidos ocultos, as entrelinhas, é
dirigida a compreender as formas e o conteúdo. Nenhum conteúdo está, em sua
totalidade, no texto, declara Demo, é usual que exista algo mais a ser interpretado.
Por ser um fenômeno sensível, frágil, tão humano, a hermenêutica requer um
método adequado, com a humildade de ouvir primeiro e depois pronunciar.
Os filósofos hermeneutas (dos culos XIX e XX) Dilthey, Heidegger,
Gadamer, Ricoeur e Habermas são lembrados por Thompson (1995) numa
convergência de entendimento quanto ao estudo das Formas Simbólicas (imagens,
textos, falas, ações), como um problema de interpretação e compreensão.
Thompson (1995, p. 355) considera que
este referencial (HP) coloca em evidência que o objeto de análise é uma
construção simbólica significativa, que exige uma interpretação. [...]
devemos conceder um papel central ao processo de interpretação, [...]
fazer justiça ao caráter distintivo do campo-objeto. [...] as Formas
Simbólicas estão inseridas em contextos sociais e históricos de diferentes
tipos; e sendo construções simbólicas significativas, elas são estruturadas
internamente de várias maneiras.
A HP, diz Thompson (1995), é um referencial metodológico geral que pode ser
adaptado à análise da Comunicação e possibilita mostrar como diferentes enfoques
da análise da Cultura, da Comunicação de massa e da Ideologia podem ser inter-
relacionados, combinados, em um movimento possível de iluminar aspectos distintos
91
desses fenômenos. Thompson (1995, p. 364) considera que "a interpretação da
doxa
23
é um ponto de partida indispensável da análise".
As Formas Simbólicas, enquanto construções significativas, estruturadas,
inseridas em condições sociohistóricas, o compreendidas e interpretadas por
quem as recebe e as produz. A HP compreende três procedimentos principais,
dimensões de análise distintas, em um processo complexo de interpretação. Para
cada fase, dependendo do objeto de análise e das circunstâncias de investigação,
várias técnicas metodológicas podem estar à disposição do pesquisador.
Com vistas à compreensão e interpretação das Formas Simbólicas FS
pelos sujeitos que as produzem e as recebem em suas rotinas cotidianas, mediante
observações participantes, entrevistas, pesquisas etnográficas, é possível
reconstruir as maneiras como as FS estão presentes nos diversos contextos da vida
social. Thompson (1995, p. 364) enfatiza:
Negligenciar estes contextos da vida quotidiana, e as maneiras como
as pessoas situadas dentro delas interpretam e compreendem as Formas
Simbólicas que eles produzem e recebem, é desprezar a condição
hermenêutica fundamental da pesquisa sociohistórica, especificamente, que
o campo-objeto de nossa investigação é, também, um campo-sujeito em
que as formas simbólicas são pré-interpretadas pelos sujeitos que
constituem esse campo.
Para a primeira fase da tríplice análise, que é a Sociohistórica, Thompson
(1995, p. 366) considera que as "Formas Simbólicas não subsistem num vácuo, [...]
são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas
específicas". Essa análise tem como objetivo a reconstrução das condições sociais
23
Uma interpretação das opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas
pessoas que constituem o mundo social (THOMPSON, 1995, p.364).
92
e, também, históricas da produção, da circulação e da recepção das Formas
Simbólicas ou signos. Thompson (1990) classifica os aspectos de base dos
contextos sociais em: Situações Espaço-Temporais, Campos de Interação,
Instituições Sociais, Estrutura Social, e, Meios da Técnica de Transmissão, e
considera que nesses quatro aspectos, cada um deles define um nível nesta análise.
Nas Situações Espaço-Temporais, em que a produção (fala, narrativa,
escrita) e a recepção (audição, leitura, visualização), em locais específicos, as
pessoas agem e reagem em tempos particulares, e a reconstrução desses locais é
uma parte importante.
As Formas Simbólicas são, também, especificadas em Campos de Interação,
um espaço de posições, e somadas a um conjunto de trajetórias, determinam,
conjuntamente, certas relações entre os indivíduos. As pessoas empregam recursos,
constituídos por regras ou convenções tácitas ao conhecimento prático,
reproduzidas no cotidiano.
De maneira particular, as Instituições Sociais configuram esses campos, aos
quais dão forma, mediante uma gama de trajetórias e posições. Podem ser vistas
como conjuntos de regras e recursos relativamente estáveis, com relações sociais
estabelecidas pelos próprios campos. Conforme Thompson (1995, p. 367):
Analisar Instituições Sociais é reconstruir o conjunto de regras,
recursos e relações que as constituem, é traçar seu desenvolvimento
através do tempo, e examinar as práticas e atitudes das pessoas que agem
a seu favor e dentro delas.
A análise da Estrutura Social busca identificar as assimetrias, as divisões e as
diferenças que caracterizam os Campos de Interação e as Instituições Sociais.
93
Thompson (1995, p. 367) esclarece que “a análise da formação e reprodução das
classes sociais, ou [...] da divisão entre homens e mulheres, e outras formas
congêneres de assimetria e desigualdade”, seriam exemplos ao se considerar a
apreciação da Estrutura Social.
Os Meios Técnicos de Construção e Transmissão de mensagens são o
substrato material, o que possibilita o intercâmbio das Formas Simbólicas entre as
pessoas. A análise desses meios necessita elucidar o contexto em que estão
inseridos e são empregados.
A Análise Sociohistórica da transmissão de mensagens não deveria se
constituir somente de investigação técnica, mas buscar elucidar, de forma mais
ampla, os contextos sociais em que esses meios são empregados, onde estão
inseridos. Thompson (1995, p. 367) sugere que
a análise da formação e reprodução das classes sociais, ou a análise da
divisão entre homens e mulheres, e outras formas congêneres de
assimetria e desigualdade são exemplos do que está ligado à análise da
estrutura social nessa perspectiva.
Na Análise Sociohistórica utilizamos as categorias Globalização, de
Thompson, e Turismo, de Urry (1997), tendo como subcategoria Atrativo Turístico,
de Ruschmann (1997).
As Formas Simbólicas (imagens, textos, falas, ações) o formuladas e
recebidas em contextos específicos e, muitas vezes, diversos. A Análise
Sociohistórica apóiam a compreensão desses ambientes, onde se formulam e
intercambiam as mensagens turísticas, promovidas pela Comunicação, nas relações
entre turistas argentinos e moças da comunidade em Florianópolis, Santa Catarina.
94
Os campos sociais são circundados por expressões e objetos, construções
simbólicas que apresentam estrutura articulada. Na segunda fase, utilizamos a
Análise Formal ou Discursiva, de Thompson (1995, p. 369), para quem as Formas
Simbólicas são construções "complexas, através das quais, algo é expresso ou dito".
O autor propõe cinco alternativas para essa análise: a Semiótica
24
, a
Conversação, a Sintática, a Narrativa ou a Argumentativa. Ao sugerir a Análise
Semiótica, Thompson (1995, p. 370) a entende como "o estudo das relações entre
os elementos que compõem a Forma Simbólica, ou o signo, e das relações entre
esses elementos e do sistema mais amplo [...] do qual podem ser parte".
Em geral, a Semiótica implica abstração metodológica da condição
sociohistórica de recepção, e de produção, das Formas Simbólicas; procura analisar
seus elementos constitutivos e inter-relações, suas características estruturais
internas, interligando sistemas e códigos dos quais fazem parte. Para o autor (1995,
p. 370), a Publicidade pode oferecer um campo bastante rico, porque a gica da
associação ou do deslocamento simbólico se encontra, com freqüência, no apelo
publicitário, através da justaposição de palavras e imagens.
A Análise Semiótica pode ajudar muito a iluminar as maneiras pelas
quais os comerciais e outras Formas Simbólicas são construídas; podem
ajudar a identificar os elementos constitutivos e suas inter-relações, em
virtude dos quais o sentido de uma mensagem é construído e transmitido
(THOMPSON, 1995, p. 370).
24
Nöth (1995, p. 26) esclarece que a rivalidade entre os termos Semiótica e Semiologia foi encerrada
por Jakobson, em 1969, com a Associação Internacional de Semiótica. Ambas designam, a partir
disso, estudo dos signos.
95
A Semiótica tem o seu ancestral mais antigo na história da medicina, entendida
como o estudo diagnóstico dos signos das doenças, declara Nöth (1995). No século
XX, o termo Semiologia ficou vinculado à lingüística de Saussure, e permaneceu,
por muito tempo, como termo preferido nos países românicos. Ainda de acordo com
o autor, alguns semioticistas teriam elaborado distinções conceituais, designando
Semiótica como uma ciência mais geral dos signos, incluindo a natureza. Já, a
Semiologia referir-se-ia unicamente à teoria dos signos culturais, humanos, em
especial os textuais.
Thompson (1995, p. 371) enfatiza que esse tipo de análise é parcial, não deve
ser visto como auto-suficiente, "mas como um passo parcial de um procedimento
interpretativo mais compreensivo", o que não descarta sua utilidade. As
características estruturais das expressões lingüísticas também podem ser
formalmente analisadas, a semiótica é a "análise discursiva, [...] das características
estruturais e das expressões lingüísticas do Discurso". Esta categoria é usada pelo
autor ao se referir às instâncias de Comunicação correntemente presentes.
De acordo com Ramos (1998), a Semiótica, em Barthes, tem uma tonalidade
específica, ungida como Semiologia e ganha nova denominação batismal. A palavra
Semiologia deriva do grego
25
, semeion, e significa estudo dos sinais, termo
empregado por Saussure. Essa idéia nos interessa por concordar com o objeto de
estudo.
Em seus primórdios franceses (que podemos situar à volta de 1956), a
tarefa da Semiologia era dupla: de um lado, esboçar uma teoria geral da
25
Semio – transliteração latinização da forma grega semeîon.
96
pesquisa semiológica, de outro elaborar semióticas particulares, aplicadas a
objetos, a domínios circunscritos (o vestuário, a alimentação, a cidade, a
narrativa, etc.) (BARTHES, 1997, p. 7).
Barthes (2004b) diz que tanto o termo quanto o projeto semiológico vêm de
Saussure, que previa uma ciência geral dos signos, em que a lingüística seria um
departamento avançado, por estar constituída. Tal projeto permitiria explorar
certos sistemas de signo diferentes da língua, em especial pelo fato de que a
substância o é mais o som articulado. Encontramos em Barthes (1975, p. 85-
86) que:
Se foi a lingüística que apresentou o quadro operatório da semiologia,
esta não se modificou nem se aprofundou a não ser através da luz das
outras disciplinas, dos outros pensamentos, das outras exigências: – a
etnologia, a filosofia, o marxismo, a psicanálise, a teoria da escrita e do
texto (e é ainda falso “restituir” estas disciplinas à semiologia, sob pretexto
de sermos “semiólogos”: há uma deslocação geral em direção a outra coisa.
Ainda em Barthes (2004b, p. 42) lemos que possível se referir, por exemplo,
a sistemas elementares cujos significantes são constituídos por objetos". Em nossa
complexa sociedade de massa, a noção de "matéria significante", de "objeto",
apresenta riqueza se for assumida pela linguagem, se for substituída por um
Discurso.
Para a técnica metodológica, buscamos por subsídios na Semiologia de
Barthes que a considera uma ciência das formas, por estudar as significações,
independente do seu conteúdo. Postula uma relação entre um significante e um
significado. O autor (1978) considera que as ciências não são eternas, sua
fragilidade decorre da imprevisão. Essa ciência dos signos saiu da desconstrução da
lingüística. Para Barthes (1978, p. 40), o semiólogo seria um artista, que joga com os
signos que vê, de imediato, por uma espécie de evidência que salta aos olhos:
97
Objetos, imagens, comportamentos podem significar, claro está, e o
fazem abundantemente, mas nunca de uma maneira autônoma; qualquer
sistema semiológico repassa-se de linguagem. A substância visual, por
exemplo, confirma suas significações ao fazer-se repetir por uma
mensagem lingüística. [...] parece cada vez mais difícil conceber um sistema
de imagens ou objetivos, cujos significados possam existir fora da
linguagem: perceber o que significa uma substância é, fatalmente, recorrer
ao recorte da língua.
A Semiologia nasceu de uma intolerância à moralidade geral, caracterizada por
uma mistura de boa consciência com má-fé. Conjuga-se com a literatura para mútua
correção. Barthes (1978, p.36) a considera negativa, apofática
26
, não porque negue o
signo, mas por não considerar possível atribuir-lhe caracteres fixos, a-históricos, a-
corpóreos, científicos.
Como linguagem sobre as linguagens, a Semiologia não pode ser uma
metalinguagem. Ao se refletir sobre o signo, declara o autor, descobre-se que a
relação de exterioridade entre linguagens é, com o tempo, insustentável, ao
desgastar a distância ou ficar fora da linguagem. Sua relação com a ciência é de
uma companheira de viagem, pode ajudar ao propor um protocolo operatório. A
vocação da Semiologia, para Barthes (1997, p.7), não é "puramente científica", mas
relacionada ao “conjunto do saber e da escritura”. Para o semiólogo (1997, p. 8),
“qualquer que seja a exigência científica”, essa pesquisa tem “uma responsabilidade
humana, histórica, filosófica, política”.
26
Apofático vem do grego apophasis, negação. O apofatismo caracterizava uma teologia chamada
“negativa”, porque propunha um Discurso sobre Deus por proposições negativas: Ele é inefável,
indizível. (cf verbete apophatismes da Encyclopédie Philosophique Universelle II. Lês notions
philosophiques, por Texier, 1990, p. 131).
98
Conforme lemos em Barthes (1997, p. 103), “o objetivo da pesquisa
semiológica é reconstruir o funcionamento dos sistemas de significação diversos da
língua”. O corpus, conjunto finito de materiais, carece da definição prévia do
pesquisador, e,
tendo definido esse corpus, deveremos a ele ater-nos rigorosamente: isto
é, de um lado, nada acrescentar-lhe no decurso da pesquisa, mas também
esgotar-lhe completamente a análise, sendo que qualquer fato incluído no
corpus deve reencontrar-se no sistema (BARTHES, 1997, p. 104).
A Semiologia negativa é ativa, não repousa na naturalidade inerte do signo,
também não é uma destruição do signo. É, antes, voltada para o signo: recebe-o e
ele a cativa. Barthes (1978, p. 41) diz que "chamaria de bom grado 'semiologia' o
curso das operações ao longo do qual é possível quiçá almejado usar o signo
como um véu pintado, ou ainda uma ficção".
Há, nas divergências, convergência nas idéias de Thompson e Barthes, quanto
a contemplar o signo em um contexto de linguagem, de modo interdisciplinar
27
. Esse
encontro interessa-nos para o estudo proposto. O Turismo, por si só, é
interdisciplinar, do mesmo modo que a Comunicação, ambos os fenômenos
possibilitam múltiplos olhares.
Especificamente, este estudo se apóia, a priori, nas categorias barthesianas,
Discurso, Estereótipo, Poder, Mito, Imaginário e Cultura como uma categoria-
27
Interação entre duas ou diversas disciplinas pode ir da simples Comunicação de idéias até a
integração mútua de conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos
procedimentos de dados e da organização da pesquisa e do ensino, que se relaciona (WEIL, 1993,
p. 34).
99
síntese. A Análise Formal ou Discursiva será realizada a partir de pesquisa
qualitativa, com dois grupos de interesse: rapazes argentinos e moças brasileiras.
Como nosso objeto de estudo é o Turismo Sexual, motivado pelo Discurso
turístico, que enfatiza a imagem sensual da mulher brasileira, como atrativo, a
semiologia barthesiana nos o suporte de análise. Interessa-nos compreender o
apelo e as conseqüências da imagem produzida em relação aos destinos turísticos.
Consideramos que Florianópolis concentra um volume turístico, inclusive de
argentinos, nos meses de verão, motivo da escolha para nossa pesquisa.
A última fase da HP é a de Interpretação/Re-interpretação, facilitada pela fase
anterior de Análise Formal ou Discursiva, e ao mesmo tempo, diferenciando-se dela.
Nessa terceira fase, ocorre um movimento novo de pensamento, construído sobre a
Análise Discursiva, que realiza a desconstrução dos padrões e efeitos que
constituem e operam em uma Forma Simbólica. É como caminhar através da
síntese, da construção de possíveis significados, de maneira criativa. Na terceira
fase uma transcendência da contextualização, as Formas Simbólicas
representam algo, dizem alguma coisa. Esse caráter de ir adiante constitui a
Interpretação que, de certa forma, é empírica, a Re-interpretação transcende, além
das aparências, das impressões.
A Interpretação é simultaneamente Re-interpretação. Thompson (1995, p. 376)
diz que "estamos projetando um significado possível que pode divergir do significado
construído pelos sujeitos que constituem o mundo sociohistórico". Não é um ponto
final. Para um movimento do pensamento, a HP possibilita um esquema intelectual
que demonstra as distintas caractesticas das Formas Simbólicas.
100
A Interpretação da doxa não é o ponto final. Intnseco ao processo existe a
possibilidade de conflito, talvez, entre a interpretação mediada pelo enfoque da HP e
a maneira com que os sujeitos que constituem o mundo sociohistórico interpretam
as formas simbólicas (THOMPSON, 1995). A HP, portanto, permite a integração de
diferentes tipos de análise.
O referencial metodológico da HP possibilita, ao mesmo tempo, avaliar os
méritos e determinar os limites. Conforme Thompson (1995, p. 377),
métodos particulares de análise sociohistórica podem lançar luz sobre as
condições de produção e recepção das formas simbólicas; mas esses
métodos tendem a negligenciar a estrutura e o conteúdo das formas
simbólicas e, se generalizados num enfoque auto-suficiente, podem levar à
falácia do reducionismo, pela qual quero significar a falácia de supor que as
formas simbólicas podem ser analisadas exaustivamente em função das
condições sociohistórica de sua produção e recepção.
É possível analisarmos as Formas Simbólicas, sem referência aos processos
cotidianos, nos quais são produzidas e recebidas, ou sem o contexto sociohistórico
em que são estabelecidas, mas a HP possibilita fazer uso de formas de análise que
impedem o pesquisador de cair nas armadilhas do reducionismo e do internalismo.
A Comunicação de massa afeta a circulação e o caráter das Formas
Simbólicas. Sob certos aspectos, institui uma ruptura estruturada entre produção e
recepção. Thompson (1995) distingue três aspectos: produção e recepção ou
difusão; construção da mensagem; e, recepção e apropriação.
Um enfoque compreensivo do estudo da Comunicação de massa exige
a capacidade de relacionar entre si os resultados dessas diferentes
análises, mostrando como os vários aspectos se alimentam e se iluminam
mutuamente.
101
O processo de difusão pode ser analisado pela combinação da Análise
Sociohistórica e da pesquisa etnográfica. É possível adotar um enfoque mais
interpretativo e buscar elucidar a percepção dos sujeitos envolvidos na produção e
na recepção das mensagens, numa compreensão mais cotidiana da doxa que pode
ilustrar os pressupostos e as regras implícitos na transmissão de mensagens.
Thompson (1995, p. 393), ao refletir sobre a construção de mensagens
comunicativas, diz que a análise de suas características estruturais internas é um
empreendimento concomitantemente legítimo e limitado, muitas vezes prejudicado
pelo isolamento dos aspectos comunicativos que pressupõe.
Em um terceiro campo objetivo da análise estaria a recepção e a apropriação.
As circunstâncias e as condições socialmente diferenciadas em que as pessoas
particulares recebem as mensagens podem ser examinadas a partir da Análise
Sociohistórica. Essa análise "pode ajudar a realçar as regras e pressupostos que os
receptores acrescem às mensagens, e através dos quais eles entendem esses
significados da maneira que o fazem" (THOMPSON, 1995, p. 394). De acordo com
esse autor, tais acréscimos podem agravar as conseqüências, no que se refere às
relações de Poder, nas quais esses receptores estão inseridos.
A análise desses três aspectos pode evidenciar as conexões entre mensagens,
circunstâncias, relações sociais, recepção e compreensão. O processo de
Interpretação pode explicar como o caráter ideológico das mensagens pode servir
para estabelecer e sustentar relações de dominação.
Para estudarmos as relações promovidas a partir das mensagens comunicadas
entre visitantes e visitadas, a Interpretação e a Re-Interpretação nos oferece a
102
possibilidade de quebrar possíveis idéias preconcebidas, impressões carregadas de
pessoalidade, e que podem estar somente projetando um significado, talvez
divergente do que é construído pelos sujeitos.
A pesquisa é a razão fundante da vida acadêmica, e ao tratar da realidade
social carece de método. Na visão de Demo (1995, p. 11), pode ser respeitado como
científico o que se mantém "discutível". A metodologia é instrumental para a
pesquisa e significa a produção de caminhos alternativos, de crítica e autocrítica.
A pesquisa, em Bauer (2002), encontra uma libertação dos grilhões ditos
metodológicos da cientificidade. O autor (2002, p. 24) cita alguns pressupostos para
tentar superar o que considera uma polêmica estéril entre as tradições de Pesquisa
Qualitativa versus Pesquisa Quantitativa. Para o autor, não quantificação sem
qualificação, tampouco há análise estatística sem interpretação. Não seria correto
afirmar que somente na Pesquisa Qualitativa existe a interpretação, pois, a
mensuração dos fatos sociais depende da categorização do mundo social.
"Categorizar o presente e, às vezes, predizer futuras trajetórias é o objetivo de toda
pesquisa social" (BAUER, 2002, p. 22).
Conforme o mesmo autor (2002, p. 26), é preciso uma "visão holística do
processo de pesquisa social" para incluir: definição e revisão do problema, sua
teorização, a coleta de dados, a análise de dados e, finalmente, a apresentação dos
resultados.
Bauer (2002, p. 19) sugere quatro dimensões na investigação social: primeiro, o
delineamento da pesquisa, com seus princípios estratégicos, como levantamento por
amostragem; segundo, os modos de coleta de dados – entrevistas; terceiro, o
103
tratamento analítico dos dados a análise de conteúdo; quarto, os interesses do
conhecimento, classificados por Habermas, sobre o controle, a construção de
consenso e a emancipação dos sujeitos de estudo.
Defendemos a idéia de que todas as quatro dimensões devem ser
vistas como escolhas, relativamente independentes no processo de
pesquisa e que a escolha qualitativa ou quantitativa é primariamente uma
decisão sobre a geração de dados e métodos de análise, e
secundariamente uma escolha sobre o delineamento da pesquisa ou de
interesses do conhecimento (BAUER, 2002, p. 20).
Bauer (2002, p. 40) considera que "a amostragem garante eficiência na
pesquisa ao fornecer uma base lógica para o estudo de apenas partes de uma
população, sem que se percam as informações". A questão central está na
representatividade, uma amostra representa a população.
Entendemos que a pesquisa em ciências sociais aplicadas visa muito mais a
uma compreensão dos fenômenos do que ao teste de hipóteses, sua comprovação
ou não. A relação entre o sujeito pesquisador e o objeto é fluida, permeável, o objeto
constrói o pesquisador e pode modificá-lo.
A técnica de entrevista em profundidade, com um grupo de respondentes, é
designada como Grupo Focal. Esta metodologia de coleta de dados parte do
pressuposto de que o mundo social é ativamente construído por pessoas em seus
cotidianos. Tais "construções constituem a realidade essencial das pessoas, seu
mundo vivencial", diz Gaskell (2004, p. 65). A partir deste ponto é possível ao
cientista social entrar com esquemas interpretativos para a compreensão das
narrativas dos atores.
104
Gaskell (2004) entende que a entrevista qualitativa pode melhorar o
delineamento e sua interpretação. A profundidade da entrevista acontece pela
conversação entre pessoas que o se conheciam antes, no caso, o entrevistador
em relação ao grupo de entrevistados. O Grupo Focal pode ser uma interação social
mais autêntica no momento em que proporciona a emergência dos sentidos ou
representações que o influenciados pela natureza social, em detrimento da
opinião exclusiva e da perspectiva individual. Ainda, conforme Gaskell (204, p. 76),
a interação do grupo pode gerar emoção, humor, espontaneidade e
intuições criativas. [...] o grupo focal é um ambiente mais natural e holístico
em que os participantes levam em consideração os pontos de vista dos
outros na formulação de suas respostas e comentam suas próprias
experiências e as dos outros.
A partir do desenvolvimento de um referencial teórico inicial, que guiará a
investigação, o escolhidos: o tópico guia e o grupo a ser entrevistado. Este guia
deve ser usado com alguma flexibilidade, na adequação da condução da entrevista
grupal. A escolha do tópico é motivada pelo entrevistador, e na concepção de
Gaskell (2004, p. 74), é possível que o entrevistado ainda não tenha “pensado
seriamente no assunto” em alguma ocasião anterior.
O tópico guia é parte vital do processo de pesquisa e necessita
atenção detalhada. Por detrás de uma conversação aparentemente natural
e quase casual encontrada na entrevista bem-sucedida, está um
entrevistador muito bem preparado. [...] Como ideal, o tópico guia deveria
caber em uma página. Ele não é uma série extensa de perguntas
específicas, mas ao contrário, um conjunto de títulos de parágrafos. Ele
funciona como um lembrete para o entrevistador [...] ele funciona como um
esquema preliminar para a análise das transcrições (GASKELL, 2004, p.
67).
A seleção dos entrevistados toma o lugar da amostra estatística aleatória, pois
a finalidade real não é contar opiniões, senão "explorar o espectro de opiniões, as
diferentes representações sobre o assunto em questão", conforme esclarece Gaskell
105
(2004, p. 68). Uma maneira de eleger a segmentação é o emprego de grupos
"naturais", ou seja, um grupo de pessoas que interage conjuntamente, e, por isso,
forma um meio social. Tais pessoas, de um grupo natural, podem ter um projeto
comum em relação ao futuro, ou, quem sabe, partilhado de experiências no
passado, ou, ainda, podem ter os mesmos interesses, ou valores, ou acessos a
determinados veículos de Comunicação.
Ao considerar que o número de entrevistados deve ser pequeno, cabe ao
pesquisador "usar de imaginação social científica para montar a seleção dos
respondentes" (GASKELL, 2004, p. 70). O volume de entrevistas é um aspecto
determinado pela natureza do tópico, e pelos diferentes ambientes, porque
mais entrevistas não melhoram necessariamente a qualidade, ou levam a
uma compreensão mais detalhada. duas razões para esta afirmação.
Primeiro, um número limitado de interpelações, ou versões, da
realidade. Embora as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as
representações de tais experiências não surgem das mentes individuais;
em alguma medida, elas são o resultado de processos sociais. Neste
ponto, representações de um tema de interesse comum, ou de pessoas em
um meio social específico são, em parte, compartilhadas (GASKELL, 2004,
p. 71).
A Pesquisa Exploratória adotada para identificar de que modo ocorrem os
relacionamentos entre visitantes e visitadas, em nosso caso, os sujeitos
pesquisados são, de um lado, moças residentes em Florianópolis e, de outro,
rapazes argentinos. A entrevista mais informal combina com o perfil exploratório da
nossa pesquisa ao pretender conhecer a visão dos sujeitos em relação a alguns dos
assuntos pontuais do nosso estudo.
Escolhemos as respostas anônimas por entendermos que, ao não incluir o
nome dos entrevistados, é possível que as pessoas sintam mais liberdade para
expressar suas opiniões. Buscamos realizar os Grupos Focais com pessoas jovens
106
e solteiras, compondo cada grupo com três ou quatro integrantes, por entendermos
que este número possibilita uma boa participação e interação entre os sujeitos.
Entendemos que a existência de um Turismo Sexual em Florianópolis ainda é
velada. A interpretação de como este se manifesta nos relacionamentos entre
turistas argentinos e garotas da comunidade, em Florianópolis, e do papel exercido
pela Comunicação em sua promoção, através da Mídia, é nosso foco.
O tópico guia, para a utilização em ambos os grupos, foi desenvolvido a partir
das questões de pesquisa e dos objetivos específicos norteadores do nosso estudo,
como uma rota que orienta o trajeto a ser percorrido. A fala dos participantes será o
substrato para as análises propostas pela HP.
Em relação ao primeiro grupo, composto por turistas argentinos, nosso tópico
guia se baseia no seguinte:
Vopoderia falar sobre o que o motiva a escolher Florianópolis para passar
as férias?
– Como você descreveria a imagem que tem do Brasil, em relação ao turismo?
– O que vem a sua mente quando você pensa na mulher brasileira?
Como você descreveria esta imagem que você tem da mulher brasileira para
alguém que não conhecesse uma garota daqui?
– Como você acha que esta imagem se formou?
– Você acha que a Mídia teve participação na formação desta imagem?
107
– Você acha que as garotas de Florianópolis correspondem a esta imagem?
Como você descreveria sua relação com a comunidade local, em especial
com as garotas brasileiras? Poderia citar um exemplo espefico?
Você acha que a Mídia estimulou sua relação com as garotas de
Florianópolis? De que modo? Poderia citar um exemplo específico?
Em relação ao segundo grupo, composto por garotas residentes em
Florianópolis, o tópico guia também foi desenvolvido a partir dos objetivos
específicos e das questões de pesquisa:
– Em sua opinião, o que atrai o turista argentino a Florianópolis?
Que imagem você acha que esse turista tem do Brasil em relação ao
turismo?
O que você acha que vem a mente do argentino quando ele pensa na mulher
brasileira?
– Como você acha que esta imagem se formou?
– Você acha que a Mídia teve participação na formação desta imagem?
– Você acha que as garotas de Florianópolis correspondem a esta imagem?
Como você descreveria a relação da comunidade local, em especial das
garotas brasileiras, com os turistas argentinos? Poderia citar um exemplo
específico?
108
Um Tópico Guia não engessa a entrevista, como ocorre em outras técnicas
mais estruturadas. A abertura de novas questões, a partir das falas dos
entrevistados, é possível e depende do entrevistador abrir o espaço para que haja
aprofundamento, ou as idéias sejam mais exploradas. O papel do entrevistador é de
lançar perguntas que estimulem as narrativas dos participantes, e, também, a
democratização da participação, não permitindo que uma ou outra pessoa absorva
mais tempo na exposição de suas idéias em detrimento do silêncio de outras – ainda
que possamos considerar o silêncio como uma maneira de comunicar.
O registro das respostas mediante a gravação pode ser essencial à fidelidade
da reprodução das falas na transcrição, evitando equívocos que possam advir das
impressões do entrevistador ou dos limites de recordar com precisão o que foi dito.
Mesmo que a presença física do gravador possa causar algum constrangimento
inicial por parte dos entrevistados, é possível que se estabeleça um clima de
informalidade para a superação das eventuais barreiras em relação ao registro da
voz.
Gaskel (2004) preconiza que, para um bom resultado na entrevista grupal, é
importante estabelecer o rapport, ou seja, uma relação de harmonia, de equilíbrio,
que possibilite uma sintonia fina do entrevistador com o grupo:
[O rapport] se consegue através da forma como o entrevistador faz as
perguntas, por um encorajamento verbal ou não verbal, e mostrando-se
tranqüilo e à vontade. À medida que o rapport é posto em ação, também o
entrevistado com certeza vai se sentir mais à vontade e expansivo para
pensar e falar sobre as coisas além do nível das opiniões superficiais e
com menos probabilidade de oferecer uma racionalização normativa”
(GASKELL, 2004, p. 74).
109
A partir da realização das entrevistas em profundidade com os dois grupos de
respondentes, foi realizada a transcrição das falas, que foram lidas e relidas, em
busca dos sentidos e da compreensão. Esse é um momento em que o pesquisador
mergulha no corpus textual, uma parte essencial do processo que não é puramente
mecânica.
Para a realização das entrevistas, optamos por utilizar a gravação digital, a
partir de um aparelho de MP3 e, por garantia, também usamos um gravador
convencional. Pela qualidade superior apresentada na gravação digital, nossa
escolha foi de utilizá-la para cópia do material no computador e, a partir daí, as
transcrições.
O período de transcrição pode ser bastante longo, e requer, em alguns
momentos, ouvir repetidamente as falas para garantir a fidelidade do registro. Em
função desta fidelidade não como terceirizar esta tarefa, além do que, realizamos
a entrevista com os argentinos em espanhol, a fim de facilitar o estabelecimento do
clima adequado para um Grupo Focal, e na linguagem coloquial algumas
expressões poderiam dificultar a lealdade do material.
Para organizar a transcrição fizemos uso de alguns sinais que nos deram
suporte na reconstrução dos momentos em que as entrevistas se realizaram.
Ouvindo diversas vezes o material gravado, acompanhado da leitura das
transcrições, foi possível perceber os momentos em que o tom de voz se
intensificava, acentuando palavras, mas, principalmente, enfatizando algumas
idéias. Para essas expressões utilizamos o recurso de grifo em negrito. Para
110
sinalizar as pausas na fala utilizamos as reticências; a barra para a fala sobreposta,
e os colchetes para as nossas observações.
Exemplo:
... pausas
/ fala sobreposta
[] nossas observações
Grifo em negrito para marcar o momento em que houve ênfase na fala.
Na transcrição da entrevista com os argentinos fizemos uso de aspas para
expressões ditas em uma tentativa de português ou no que poderia ser chamado de
portuñol
28
, uma mistura híbrida de termos sem nenhum significado. A íntegra das
transcrições consta no Apêndice deste estudo, no original em espanhol, e traduzido
para o português. Alguns trechos traduzidos serão utilizados para ilustrar as análises
da HP.
Iniciamos as análises partindo de uma leitura flutuante, para, então, procurar
delinear o que é figura e o que é fundo, ainda que este fundo, muitas vezes, esteja
presente nas construções em pauta. Essa leitura flutuante pode ser feita com o uso
intercalado do material gravado e a leitura do material transcrito. É dela que
emergem os temas recorrentes, a associação de idéias, que possibilitam uma
posterior interpretação, e assim o fizemos.
28
Neologismo que busca explicar as expressões como sacuela, embuera, por vezes o ditas por
brasileiros em uma tentativa de imitar o castelhano, sendo que não possuem nenhum significado
em espanhol. Por outro lado, palavras utilizadas na entrevista como Barracano ou camisiña
inexistem em português.
111
A análise das falas pode ser uma ferramenta importante para explorar as
categorias propostas pelo pesquisador, e o que emerge dos participantes, rumo a
uma pesquisa mais reflexiva ao considerar os dizeres dos diversos sujeitos da
pesquisa.
As impressões dos entrevistados surgem a partir das várias contribuições, não
se configurando um debate, mas em uma complementação de idéias, uma interação
que, por vezes, vai ponderar um ponto de vista diferente e reconsidera-lo, sem,
necessariamente, apegar-se a uma condição determinada.
Conforme propõe Barthes (1975, p. 103), na entrevista o pensamento é
“solicitado e encaixado a título pessoal [...] a palavra é como pensamento em estado
puro”. A partir das diversas leituras ao material, e audição das gravações, foram
surgindo, então, do corpus, as categorias a posteriori, entre as quais se
evidenciaram a Mídia, o Carnaval e as Representações Sociais.
Antes de procedermos à Tríplice Análise, o corpus é apresentado, também,
seguindo as orientações de Barthes (1975, p. 124): “não se pode começar a análise
de um texto [...] sem lhe extrair uma primeira percepção semântica (de conteúdo)”,
pois o conteúdo das entrevistas será apresentado em uma síntese que antecede as
análises.
Ao longo das Análises, com maior ênfase na Formal ou na Discursiva, alguns
fragmentos da conversação serão apresentados para elucidar de que modo
ocorreram as entrevistas e as expressões utilizadas pelos sujeitos da pesquisa.
Essa segunda etapa serve de base para a Interpretação e a Re-interpretação. A
Tríplice Análise do corpus está organizada a partir de um e outro Grupo Focal, para
112
comporem uma grande Re-interpretação os quais se encontram na busca de uma
reconstrução criativa dos possíveis significados.
113
2 A INTERPRETÃO HERMENÊUTICA NAVEGANDO DE VENTO
EM POPA
A interpretação hermenêutica pode nos levar a caminhos diversos. A partir da
Hermenêutica de Profundidade desejamos refletir sobre o resultado das entrevistas,
em um exercício das possibilidades do método em relação à contemplação do nosso
objeto. Conforme Thompson (1995, p. 355), “este referencial coloca em evidência o
fato de que o objeto de análise é uma construção simbólica significativa”, e por isso
requer uma interpretação.
Nas ciências sociais pode ser prejudicial a divisão entre a análise prática e a
discussão teórica. Seria preferível optar pelos debates teóricos e “a análise prática
das formas simbólicas”, conforme a proposta de Thompson (1995, p. 355).
A hermenêutica requer ouvir para depois pronunciar. Iniciaremos apresentando
o resultado das entrevistas que formam o corpus deste estudo, para, então, nos
pronunciarmos, sem perder de vista que as análises são possibilidades, são leituras
de uma realidade que se realizam a partir do intertexto.
114
2.1 APRESENTAÇÃO DA ENTREVISTA GRUPAL – OS ARGENTINOS
As entrevistas grupais foram realizadas em fevereiro de 2007, em Florianópolis
(SC). Iniciamos a busca pelo primeiro grupo: o dos turistas argentinos. Apostamos
em Florianópolis em 26 de janeiro, considerando que a maior parte dos argentinos
permanece, exclusivamente, em janeiro na cidade, porque o ano letivo naquele país
inicia em fevereiro.
A maior dificuldade encontrada para a formação do grupo foi, exatamente, o
comportamento dos turistas em férias. O nosso desafio era encontrar um grupo de
jovens solteiros que se dispusesse a abrir mão de uma hora de lazer, em plenas
férias, para colaborar com nossa pesquisa. Os hábitos dos jovens argentinos, nas
suas férias em Florianópolis, incluem acordar tarde (às vezes, após o meio-dia), ir à
praia, onde ficam com seus grupos ao sol e jogam tejo
29
, sair, para comer alguma
coisa ou fazer compras para cozinhar em casa, reunir-se com outros argentinos em
algum bar ou na residência, onde estão hospedados, para beber, antes de sair, à
noite, para dançar. O hábito das saídas noturnas envolve um horário um tanto
diferente do costumeiro no Brasil. Com freência, os argentinos começam a chegar
às casas noturnas às duas horas da madrugada, enquanto os brasileiros tendem a
chegar em torno das 23 horas ou meia-noite.
Nos primeiros dias, procuramos identificar esses hábitos, os locais de maior
freqüência e um grupo que estivesse no perfil definido. A idéia de não interromper
29
Um jogo similar ao jogo de “bochas”, adaptado à areia com pequenos discos planos e de madeira.
115
alguma atividade de lazer, ou mesmo o simples ócio, era imperativa no momento
que precisávamos criar um clima de colaboração e estabelecer uma interação
positiva. Entendemos que à beira da praia não seria nem o local, nem o momento
apropriado. Tampouco os momentos de refeição pela possibilidade de dispersão.
À noite, o efeito das bebidas alcoólicas poderia prejudicar o resultado da pesquisa.
Em de fevereiro, à tarde, encontramos um grupo de jovens turistas
argentinos que tomava mate, sentado ao redor de uma mesa, na varanda da sede
de uma Operadora de Mergulho, de propriedade de um casal, também argentino.
Em função da chuva, o grupo estava absolutamente à vontade, conversando entre
mates e cigarros. Um dos rapazes tem amigos que trabalham na Operadora e,
devido à chuva, sem muitas opções de lazer, decidiram fazer-lhes uma visita.
Apresentamo-nos, informamos o propósito da entrevista com o grupo,
enfatizando a característica de conversa e maior informalidade, sem explicitar que o
tema da tese era a Comunicação e o Turismo Sexual – de maneira que não
houvesse interferência nas respostas. Explicamos que o nosso interesse era a
entrevista com os rapazes. Prontamente eles, nos convidaram a sentar e conversar.
Perguntamos se a entrevista poderia ser gravada e todos concordaram, sem
hesitação. Eram três rapazes e uma moça, amigos, todos solteiros, todos de Buenos
Aires. Estavam hospedados em uma pousada, em Canasvieiras, desde 11 de
janeiro e permaneceriam até 04 de fevereiro no balneário. Por entender o propósito
da entrevista, a jovem estudante argentina pouco participou, ainda que tenha feito
três intervenções, uma delas, estimulada pela entrevistadora.
116
Dos rapazes, dois já haviam estado em Florianópolis em outras ocasiões,
inclusive no ano anterior. Um deles, advogado, será identificado pela letra M, tem 29
anos e uma renda mensal de aproximadamente três mil pesos. O outro é
empregado, não concluiu a Faculdade, tem 30 anos e uma renda mensal de,
aproximadamente 2 mil e 400 pesos, e será identificado pela letra D. O terceiro
rapaz, que será identificado pela letra L, fazia sua primeira visita a Florianópolis, tem
27 anos, é empregado, não terminou o ensino médio, e declarou receber
mensalmente um salário de 1 mil e 500 pesos.
Nas primeiras questões, foi possível percebermos certo constrangimento em
responder, certa hesitação, e a busca pela “resposta correta”. Tão logo procuramos
estabelecer o rapport
30
, o grupo ficou mais à vontade e expansivo. Para constituir
este rapport, nos utilizamos o idioma dos entrevistados, da linguagem corporal na
forma de sentar, no timbre de voz e velocidade de fala, e até mesmo no uso de
gírias mais comuns em castelhano. Logo, foi possível perceber a mudança de
postura por parte do grupo, principalmente a partir da quarta questão.
Além da gravação da entrevista, fizemos algumas anotações de palavras-
chave, utilizadas pelo grupo nas respostas aos picos e buscamos observar, com
atenção, a linguagem não-verbal, os gestos, a postura, a linguagem corporal.
Alguns aspectos foram recorrentes ao longo da entrevista. Notamos, em
primeiro lugar, a forte tendência em estabelecer comparações entre o Brasil e
Buenos Aires, ou a Argentina, e entre as brasileiras e as argentinas. Em muitas idas
30
O rapport consiste em um reflexo sutil do comportamento da pessoa com quem se quer
estabelecer uma relação de harmonia e equilíbrio para que seja facilitado o processo de interação.
117
e vindas, os discursos reproduziram a comparação, talvez por uma ancoragem, uma
referência ao que é conhecido ao procurar explicar o novo, o diferente.
Outro aspecto que apareceu com acentuada ênfase ao longo da entrevista diz
respeito à alteridade: contrastes ao modo de vida, aos costumes e comportamentos,
sob o olhar do outro, ou seja, a maneira com que os entrevistados percebem os
brasileiros a partir dos filtros de seus próprios hábitos e modo de vida. Esses hábitos
comportamentais dos argentinos também foram evidenciados nas falas que
marcaram uma idéia de que os portenhos são malvistos aos estrangeiros, inclusive,
pelos próprios argentinos das demais províncias.
Também foi possível observarmos que a referência a Buenos Aires é muito
forte, em especial quando se trata de uma caracterização de estilos, de
comportamentos, os próprios entrevistados consideram a capital federal, Buenos
Aires, diferente do país, da Argentina, como um todo. Essa noção chegou a ser
explicitada nas falas.
Houve uma saliência de um dos entrevistados, em relação aos demais, que a
princípio pareceu-nos mais extrovertido, a ponto de elogiarmos a sua participação,
mas pedindo-lhe que concedesse oportunidade ao demais para exporem suas
opiniões. Ao término da entrevista, quando procuramos identificar o perfil
socioeconômico do grupo, constatamos que este rapaz tinha maior formação
educacional, maior salário e maior idade em relação aos demais.
Embora discordantes em certos momentos, noutros os respondentes pareciam
reconhecer que a imagem formada a respeito do Brasil e do seu povo era
118
alimentada pelas Mídias, em especial na circulação de mensagens sobre o Carnaval
e o futebol brasileiros.
Além dos assuntos estimulados pelo Tópico Guia, algumas das categorias,
eleitas à priori para esta pesquisa, emergiram nas narrativas: Mito, Cultura e
Atrativo Turístico. A Mídia emergiu nos discursos, conforme concebe Thompson,
como instituição social a ser contemplada na Análise Sociohistórica, na condição de
uma categoria a posteriori.
Foi referido, por um dos entrevistados, o comportamento dos jovens brasileiros
que vão a Bariloche. Há alguns anos a tradição de que grupos de estudantes
argentinos fizessem uma viagem ao término do ensino médio, consagrou Bariloche
como destino destas viagens. Com o passar do tempo, nos últimos quinze anos,
algumas empresas de turismo, em especial do sul do Brasil, passaram a promover a
viagem de ‘formatura’ do ensino médio brasileiro à Bariloche. Nessas ocasiões,
hordas de adolescentes invadem a cidade, em especial os hotéis e as casas
noturnas. Muitos estão viajando pela primeira vez, sem a família e iniciam um rito de
passagem para o desligamento dos companheiros de escola rumo ao futuro incerto
da Faculdade – o que fomenta um comportamento excêntrico.
O Atrativo Turístico mais referido na entrevista foi a praia e o clima. Em mais
de um momento da conversa foram feitas referências a estes aspectos, o Brasil-
paraíso, e ao servilismo do povo brasileiro, que parece ser um elemento
complementar importante. As “meninas”, da mesma maneira, foram citadas como
um Atrativo. Ao destacarem aspectos do povo brasileiro, a cor e a sexualidade
ganharam espaço nos comentários.
119
Em relação à cor de pele, as comparações ressurgiram na busca de
estabelecer diferença entre o biótipo predominante nos lugares freqüentados por
estes turistas, no sul do país, e o que se apresenta a partir do sudeste em direção
ao nordeste. Houve referências ao sexo com a mulher negra e ao seu rebolado, e
aos jogadores de futebol de pele escura. Igualmente, os entrevistados disseram que
o tipo físico masculino dos brasileiros atrai às mulheres argentinas.
Também é possível destacarmos nos discursos que os turistas facilmente,
identificam seu próprio comportamento como diverso do habitual, justificado pelas
férias, pelo momento, pela mudança, por estarem em um lugar fora da residência
habitual, por ser uma vez ao ano. Em contrapartida, alguns dos costumes são
mantidos, como o é o caso do mate argentino. Essa bebida, similar ao chimarrão,
difere no preparo da erva-mate
31
: é macerada e não moída, e o tamanho da cuia é
menor. A erva, que utilizam tem um sabor forte, amargo, e, algumas pessoas a
adoçam um pouco, embora não seja uma característica rotineira. Diferente dos
uruguaios que não compartilham a cuia com outras pessoas, o mate argentino
segue o padrão gaúcho do que denominamos roda de chimarrão.
Outro fato que observamos é que esses turistas se encontram em lugares que
os aquerenciam, numa Operadora de Mergulho de propriedade de argentinos. Nos
dois momentos da entrevista quando algum lugar era nominado, eram negócios, que
pertencem a argentinos.
31
A erva-mate argentina é importada por diversos supermercados de Florianópolis para o
atendimento à demanda de turistas da região da bacia do Rio da Prata.
120
As representações surgiram de processos sociais e mesmo que as
experiências tenham sido individuais, passaram a ser compartilhadas no grupo. Com
bastante freqüência, eles se repetiam nas falas uns dos outros e concordavam,
mutuamente, usando exclamações de “claro”, além do assentir com a cabeça. A
interação mais autêntica que a entrevista grupal pode proporcionar, em especial,
quando se trata de um grupo natural, aflorou na espontaneidade das respostas, no
humor, na consideração do ponto de vista dos outros.
Houve um momento em que um dos entrevistados perguntou a nossa opinião.
Buscamos não abrir muito as considerações e aproveitamos para lançar um novo
elemento de reflexão para o grupo. A curiosidade dos turistas era se o que eles
diziam estava de acordo com o que se comenta, ou seja, se a impressão dos nativos
seria similar à dos visitantes. Foi nesse ponto que introduzimos a idéia de que,
talvez, as moças de Florianópolis tivessem interesse em estabelecer um
relacionamento, algo mais. Naquele momento, evidenciou-se a expressão “boa
pergunta”, como que sintetizando a idéia de que os entrevistados não haviam
pensado sobre o assunto – uma situação possível de ocorrer em um Grupo Focal.
Tão logo encerramos a conversa e desligamos os gravadores, eles queriam
saber como haviam se saído na entrevista. A curiosidade os empolgava na
insistência de conhecer a nossa opinião. Ponderamos que havíamos observado,
informalmente, a maior parte dos temas abordados, faltando-nos dar um tratamento
interpretativo às representações emergentes dos discursos.
121
Anotamos os endereços eletrônicos do messenger
32
e os acrescentamos em
nossos contatos. Em duas ocasiões nos comunicamos através deste recurso. Na
primeira um dos rapazes, M., voltou a questionar sobre nossa opinião sobre o que
eles haviam dito. Na segunda, D., ajudou-nos a entender melhor o Socioleto ratoneo
que, aparentemente, o possui equivalente em português. Ainda quanto ao
Socioleto, na transcrição traduzida do Grupo Focal com os argentinos procuramos
esclarecer, nas notas de rodapé, o significado de certas expressões que não contam
com sinônimos em nossa linguagem.
2.1.1 Análise Sociohistórica
Ao considerar algumas das condições hermenêuticas para a investigação
sociohistórica, Thompson (1995, p. 357) alerta para o fato de que temos uma forte
herança do positivismo do século XIX, e nela a tentação de abordar os fenômenos
sociais enquanto objetos naturais, aos quais se aplicaria uma análise formal, objetiva
ou estatística. Na Hermenêutica de Profundidade é, ao mesmo tempo, indispensável
e complementar o processo de interpretação e compreensão.
Os seres humanos são parte da história, [...] a experiência humana é
sempre histórica, no sentido de que uma nova experiência é sempre
assimilada aos resíduos do que passou, e no sentido que, ao procurar
compreender o que é novo, nós sempre e necessariamente construímos
sobre o que já está presente (THOMPSON, 1995,p. 360).
32
Programa computacional que permite a comunicação em tempo real, através da internet, seja
escrita, por voz ou incluindo imagem, dependendo dos recursos de hardware disponíveis aos
internautas.
122
A Análise Sociohistórica do corpus inicia pelas categorias a priori para receber,
em seguida, as categorias que emergiram a posteriori. Nosso olhar foi lançado sobre
o resultado das entrevistas, tendo como referência a Globalização, a partir de um
diálogo entre Thompson e Morin, e, logo após, Turismo, também em uma conversa,
desta vez entre Urry e Krippendorf.
Conforme referimos antes, em Thompson, a Globalização é vista a partir da
circulação das Formas Simbólicas, promovida pela Comunicação. Nossa tese de
que as Mídias parecem selecionar aspectos da Cultura brasileira, exaltando uma
imagem generalizada a partir de fragmentos, emerge nas narrativas dos
entrevistados, ao buscarem descrever a imagem que têm do Brasil e da mulher
brasileira.
A Análise Sociohistórica busca reconstruir as condições sociais e históricas da
produção das Formas Simbólicas, e ainda, de sua circulação e recepção. Assim, não
seria demasiado evocar que a difusão das FS é globalizada, mas a sua apropriação
localizada, em um intercâmbio entre contextos distantes no tempo e no espaço. A
mobilização do sentido transcende a conjuntura social da produção.
Com base no resultado do Grupo Focal, é possível identificarmos algumas
dimensões que podem congregar os assuntos abordados pelos entrevistados, em
aspectos que tornaram a aparecer em diversos momentos. Entendemos essas
dimensões
33
como sendo: de lugar; o subjetivo, o lúdico e as instituições.
33
Usamos o termo dimensão no sentido de um aspecto significativo do pensamento.
123
A Dimensão de Lugar pode ser compreendida a partir do lócus, do latim, que
tem uma idéia de posicionamento, de área física, de espaço, de identificação. Por
sua vez, a Dimensão do Subjetivo é o que serve ao sujeito, no latim subjectívus com
um sentido de que se submete a, submisso. O termo lúdico tem sua raiz etimológica
no latim lúdus com o sentido de jogo, de divertimento, de recreação. Sob esta
dimensão serão apresentadas as idéias que envolvem as atividades de lazer. Sob a
Dimensão das Instituições, do latim, instituiónis, estão as organizações que
estabelecem formação, as estruturas sociais constituídas.
Na Dimensão de Lugar, notamos as influências culturais, na recorrência das
falas, as analogias entre Buenos Aires e as demais províncias Córdoba,
Mendonça, Rosário –; da capital federal argentina com o Brasil; do sul brasileiro com
o Rio de Janeiro e o Nordeste. Outra expressão dessa dimensão pode ser a
nominação de casas noturnas que estes turistas costumam freqüentar, ou do
restaurante, espaços que são posicionamento e identificação.
O Subjetivo apareceu como uma dimensão nas formas de abordagem do
comportamento humano, nas impressões dos entrevistados ao modo de ser dos
outros, ora enfatizando suas próprias distinções aos seus compatriotas, ora
comentando a forma de ser brasileira, tanto das mulheres quanto dos homens.
O que podemos deduzir na Dimensão do Lúdico, esse jogo recreacional, surge
enquanto dimensão nas menções às atividades preferidas pelos turistas em férias: a
festa, o lazer do “banana-boat”, a música, a dança, a bebida, até mesmo o estar na
praia sem fazer nada. É a consumação do ser lícito, do que é permitido, do latim
licere, origem etimológica do termo lazer.
124
Na Argentina, os hábitos de entretenimento são mais noturnos. Os
entrevistados comentaram a este respeito e também revelaram outra motivação de
lazer que é estar com uma brasileira:
M.: Na costa argentina é mais a noite do que o dia. Vais dormir às oito
da manhã e te levantas às quatro da tarde. O tempo [clima] não é tão bom
como aqui no Brasil. É muito diferente. É muitíssimo diferente... e tem
também as brasileiras… também, também, ponto básico! [risos]
D.: Ponto básico ?! [risos]
M.: Ponto básico: conhecer garotas para “ficar”. [risos] Como se diz,
para “ficar”.
34
A Dimensão das Instituições aparece, nos discursos, de modo ressurgente,
primeiro estimulado por uma pergunta e, na seqüência, nas tentativas de resposta a
outros questionamentos. Nessa dimensão, houve a ênfase à Mídia, uma noção que
permeia a idéia, o olhar do estrangeiro a respeito do povo brasileiro.
A Mídia é uma das categorias, a posteriori, que emergiu do corpus. Em
Thompson (1995, p. 219), A Mídia é inseparável da produção e da circulação das
formas simbólicas, de forma “onipresente na vida cotidiana”. Os personagens
apresentados pelos produtos midiáticos são referências comuns a indivíduos que
podem não interagir, mas que compartilham de uma “experiência comum e de uma
memória coletiva”.
34
M: La costa argentina es más noche. Te acostas a las ocho de la mañana y levantas a las cuatro
de la tarde. El tiempo no es tan bueno como acá en el Brasil. Es muy diferente. Es muchísimo
diferente… y hay también las brasileras… también, también, punto básico ¡! [rizos]. D: Punto básico
¿? ¡! [rizos]. M: Punto básico: a conocer chicas, a “ficar”. [rizos] Como se dice a “ficar.
125
As formas de entretenimento são, hoje, também, associadas aos meios de
Comunicação de Massa, por vezes, até, por eles mantidos em apoio financeiro ou
transmissão. Thompson (1995, p. 219) localiza o surgimento das indústrias da mídia
em um processo histórico que “acompanhou o surgimento das sociedades
modernas”, na imprensa de Gutenberg, a partir do século XV, com vistas à produção
de múltiplas cópias de textos.
Conforme Thompson (1995, p. 220), a expansão do capitalismo industrial foi
acompanhada pela midiação cultural, ambas configurando processos “constitutivos
das sociedades industriais do Ocidente”. O autor distingue três aspectos relativos à
transmissão cultural: o meio técnico, o aparato institucional, e o distanciamento
espaço-temporal implicado na transmissão.
O suporte material conta com componentes com os quais as formas
simbólicas são produzidas e transmitidas. Esse “meio cnico é o que permite certo
grau de fixação com respeito à forma simbólica que é transmitida” (THOMPSON,
1995, p. 221). Os diferentes graus de fixação guardam relação com os tipos de
mecanismos de estocagem de informação, a armazenagem e mesmo a restrição do
acesso à informação. O meio técnico determina, também, o grau de reprodução da
forma simbólica, além do que a amplitude de participação dos indivíduos requer
diferentes habilidades para a codificação de mensagens nos referidos meios.
Thompson (1995, p. 224) designa como aparelho institucional “um conjunto
específico de articulações institucionais dentro do qual o meio técnico é elaborado e
os indivíduos envolvidos [...] estão inseridos”. Tais articulações atuam em relações
hierárquicas, nas quais os indivíduos contam com distintos patamares de controle
126
sobre a transmissão cultural. Os canais de difusão seletiva das FS, conjunto de
arranjos institucionais, adquirem um papel central no processo de valorização
econômica nas trocas no mercado. A respeito deste tema, Thompson (1995, p. 225)
argumenta:
O aparato institucional de transmissão se constitui num conjunto de
mecanismos para a implementação restrita das formas simbólicas. Quando
as formas simbólicas implicam o armazenamento da informação que pode
ser útil [...] ou que pode ser percebida como benéfica ou maléfica para
indivíduos ou organizações particulares, então os mecanismos para
implementação restrita assumem um papel importante e pode servir para
limitar ou reorientar a difusão de formas simbólicas. [...] a história da
regulamentação da comunicação de massa pode ser entendida como a
história das tentativas dos agentes do estado para construir e impor
mecanismos de implementação restrita das formas simbólicas.
O distanciamento espaço-temporal, referido por Thompson (1995), diz respeito
ao desligamento entre o contexto de produção de uma forma simbólica e os
contextos de sua inserção. Conforme o meio técnico, varia o grau de distanciamento
e sua natureza quando a transmissão das FS ocorre além de um contexto de co-
presença. A extensão de acessibilidade depende do meio técnico e do aparato
institucional em que o próprio meio e os usuários estão inseridos – antes das
telecomunicações as formas simbólicas necessitavam de transporte físico. As novas
tecnologias possibilitam aos usuários mais flexibilidade e controle sobre as
condições de uso das FS.
No desenvolvimento histórico dos meios técnicos, esses vários
aspectos e atributos estão combinados de maneira tal que formam
modalidades específicas de transmissão cultural. O desenvolvimento dos
sistemas de correio, da indústria de publicação e da comercialização de
livros, da indústria de filmes e das correspondentes cadeias de cinema, das
redes de difusão de rádio e televisão e assim por diante, são exemplos da
emergência de modalidades de transmissão cultural (THOMPSON, 1995, p.
227).
127
A circulação de informações foi facilitada na Antigüidade pelo desenvolvimento
da navegação, com vistas ao comércio. Este fato também fomentou a participação
de viajantes letrados para a elaboração dos relatórios noticiosos a respeito da
experiência vivida, talvez uma forma de apropriação do que seria abstrato.
Morin considera a Globalização como um resultado do que iniciou com a
expansão européia, com a unificação dos danos causados pelos micróbios, pela
escravidão dos negros e das populações conquistadas. O autor corrobora a idéia de
Freyre (1961) ao aludir que no Brasil houve uma ‘sifilização’ antes de uma
civilização, onde as escravas negras foram contaminadas pelos senhores brancos, e
elas transmitiram a doença aos escravos negros.
O negro se sifilizou no Brasil. [...] Foram os senhores das casas-
grandes que contaminaram as negras das senzalas. Negras tantas vezes
entreguem virgens, ainda molecas de doze ou treze anos, a rapazes
brancos podres de sífilis das cidades. Porque muito tempo dominou no
Brasil a crença de que para o sifilítico não melhor depurativo que uma
negrinha virgem. O Dr. João Álvares de Azevedo Macedo Júnior registrou,
em 1869, o estranho costume (FREYRE, 1961, p. 441)
A função sexual, coisificada historicamente, do corpo servil da mulher negra
parece estar no passado inscrito na memória de nossa sociedade: ao ser
escravizada era concubina do seu senhor e de seus convidados, em uma
prostituição doméstica, sujeita a toda forma de depravação.
A idéia de que a lubricidade brasileira se deve aos negros africanos é rebatida
pelos argumentos de Freyre (1961 p. 440), de que os negros teriam menor apetite
sexual em relação aos europeus, e necessitariam de um rito de excitação por serem
as mulheres negras mais frias do que fogosas:
É uma sexualidade, a dos negros africanos, que para excitar-se
necessita de estímulos picantes. Danças afrodisíacas. Culto fálico. Orgias.
128
Enquanto que no civilizado o apetite sexual de ordinário se excita sem
grandes provocações. Sem esforço.
O intercâmbio de informações não pode ser confundido com a compreensão.
Lembremo-nos que na Argentina a escravidão negra não teve as mesmas
dimensões que no Brasil. Epidemias e combates bélicos teriam quase exterminado
os negros naquele país o que justificaria a pequena presença dos afro-
descendentes.
Ainda, em Freyre, constatamos que os aspectos erotizados das danças
brasileiras podem representar muito mais uma necessidade de estimulação do que a
voracidade sexual.
As danças eróticas parece que quanto mais freqüentes e ardorosas,
mais fraca sexualidade indicam. [...] Desempenhando funções de
afrodisíaco, de excitante ou de estímulo à atividade sexual, tais danças
correspondem à carência e não ao excesso, como a princípio pareceu a
muitos e ainda parece a alguns, de lubricidade ou de libido (FREYRE, 1961,
p. 140).
Para compor a obra “Casa Grande & Senzala”, Freyre realizou ampla pesquisa
em arquivos estrangeiros e nacionais, em busca dos diários de senhores de
engenho e de viajantes, que relataram o modo de vida em terras brasileiras, em
relação aos hábitos dos índios: “Baker salienta a inocência de certos costumes
como o de ofertar mulheres ao hóspede praticados sem outro intuito senão o de
hospitalidade” (FREYRE, 1961, p. 142).
A luxúria dos indivíduos soltos, sem família, no meio da indiana nua,
vinha servir a poderosas razões de estado no sentido do rápido povoamento
mestiço da nova terra. E o certo é que sobre a mulher gentia findou-se e
desenvolveu-se, através dos séculos XVI e XVII, o grosso da sociedade
colonial, num largo e profundo mestiçamento, [...] O ambiente em que
começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu
saltava em terra escorregando em índia nua [...]. As mulheres eram as
primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se
129
nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um
pente ou um caco de espelho (FREYRE, 1961, p. 130).
Thompson (1995) atribui ao início da circulação das Formas Simbólicas um
processo decorrente do comércio de livros. Os relatos dos viajantes ofereciam as
informações sobre as novas terras ‘descobertas’ da mesma forma que tornavam
comum aos europeus os hábitos e costumes dos povos habitantes desse chamado
novo mundo.
Um ano após o ‘achamento’ do Brasil pela armada de Cabral, D. Manoel
requisitou os serviços de Américo Vespúcio que, na segunda semana de maio,
partiu rumo ao Brasil na frota de Gonçalo Coelho. Esta viagem foi descrita na carta a
Piero Soderine, conhecida como a Lettera
35
. Este foi um período que coincidiu com o
surgimento da Imprensa de Gutenberg.
Freyre (1961, p. 12) enfatiza que as índias faziam lembrar aos portugueses a
figura mitológica da “moura encantada” de longos cabelos negros a banhar-se nos
rios, uma alusão que pode ter contribuído para a recepção de uma mensagem, no
momento que a tradição oral ainda prevalece sobre a comunicação escrita:
O longo contato com os sarracenos deixara idealizada entre os
portugueses a figura da “moura encantada”, tipo delicioso de mulher morena
e de olhos pretos, envolta em misticismo sexual sempre de encarnado,
sempre penteando os cabelos ou banhando-se nos rios ou nas águas das
fontes mal-assombradas que os colonizadores vieram encontrar parecido,
quase igual, entre as índias nuas e de cabelos soltos do Brasil. Que estas
tinham também os olhos e os cabelos pretos, o corpo pardo pintado de
vermelho [...].
35
Em italiano: Lettera di Amerigo Vespucci delle isole nuovamente trovate in quatro suoi viaggi,
(Carta de Américo Vespúcio sobre as Ilhas Recentemente Achadas em suas Quatro Viagens), e em
latim Quatuor Americi Vesputti navigationes – publicada em 1506.
130
Ao retornar a Lisboa em agosto de 1502, Vespúcio escreveu uma carta à
Lorenzo de Médici, relatando a viagem. Esta carta, de cinco páginas, foi arquivada
no Códice Strozziano, na biblioteca de Florença, permanecendo por quase três
séculos.
Todavia, em agosto de 1504 um panfleto de 15 páginas, escrito em latim e
ilustrado com xilogravura, com o título Mundus Novus uma narrativa em forma de
carta de um autor chamado Américo Vespúcio – começou a ser vendido nas feiras e
praças de Augsburgo na Alemanha, seguindo de sua publicação em Paris pelo
editor Jean Lambert, Amsterdã, Roma, Sevilha e Praga. O texto deste panfleto se
concentrava nos aspectos sensacionalistas, como a vida sexual dos indígenas e
rituais antropofágicos, uma versão exagerada da carta de Américo Vespúcio a
Lorenzo de Médici (BUENO, 1998).
A Lettera di Amerigo Vespucci delle isole nuovamente trovate in quatro suoi
viaggi data de 1504, também de autoria de Américo Vespúcio que descrevia o hábito
de oferecer ao hóspede uma mulher para que fizesse sexo, como um sinal de
hospitalidade:
Quando se mostram amigos, pelo maior sinal de amizade, que
demonstram é que nos dão as mulheres suas, e suas filhas, e se têm por
grandemente honrados, quando um pai ou mãe trazendo uma sua filha,
ainda que seja moça virgem, que se durma com ela, e nisto usam todo
termo de amizade.
Bueno (1998, p. 53) destaca este sucesso editorial em uma Europa iletrada
em pleno século XVI:
O grande interesse que a recente descoberta das novas terras
despertava na Europa somado ao tom escandaloso da narrativa
transformaram Mundus Novus num sucesso editorial instantâneo. Só no ano
de seu lançamento [1504], a carta atribuída a Vespúcio teve 12 edições
131
consecutivas, totalizando cerca de quatro mil exemplares vendidos
números impressionantes para o século XVI. Antes do fim de 1505, o livro já
havia sido traduzido para o alemão, o francês, o italiano, o holandês, o
espanhol e o tcheco. [...] As primeiras imagens da América publicadas na
Europa foram as gravuras feitas para estimular a vendagem do panfleto
assinado por Vespúcio.
Em 1516, o reverendo inglês Thomas Morus lançou, em latim, o clássico “A
Utopia”, contando as histórias de um marujo que teria acompanhado Américo
Vespúcio em suas viagens ao novo mundo (BUENO, 1998).
A partir destes episódios, é possível que o impresso, na condição de suporte
material, tenha contribuído para a fixação e estocagem das informações acerca do
Brasil. A difusão seletiva das mensagens pode ter influenciado no conteúdo desses
impressos que enfatizavam mais os aspectos extraordinários do que os detalhes da
potencialidade comercial das terras encontradas. Tais referências históricas ajudam
a compreender as origens da circulação das informações sobre o Brasil, e seu povo,
no que poderia ser chamado de início da Globalização, conforme contemplam
Thompson e Morin.
A marca seguinte desta transmissão de Formas Simbólicas pode ter origem no
desenvolvimento tecnológico do século XIX, ainda que tenha se manifestado, de
fato, no século seguinte, momento considerado por Thompson como balizador do
fenômeno de Globalização da Comunicação.
Do cruzamento dos brancos senhores de engenho com as negras escravas
surgem as mulatas que, como “signo de sensualidade”, têm “referência no teatro de
132
Arthur de Azevedo
36
, em 1880” (GIRON, 1998, p. 94). No século XX a Cultura de
massa tende a dissolver a polaridade entre a Cultura erudita (das elites) e a Cultura
popular, presente até o século XIX, na emergência das novas modalidades de
transmissão cultural.
Como figura sensual, a mulata é marcada, em 1932, com a marchinha
carnavalesca “O Teu Cabelo Não Nega Mulata”, na qual Lamartine Babo fixou as
idéias de que “como a cor o pega mulata, mulata eu quero o teu amor”, e que
“tens um sabor, bem do Brasil”.
Além do contexto de co-presença e da necessidade de transporte físico das
Formas Simbólicas, as telecomunicações estenderam o acesso às mensagens. Na
era do rádio, Carmem Miranda projetou internacionalmente a imagem do Brasil,
quando estrelou “Banana da Terra”, cantando “O que é que a baiana tem?” na
década de 1930, formando a fantasia sobre a brasileira com ritmo e sensualidade,
marcada em frases como: “Tem graça como ninguém, como ela requebra bem”, e
“Quando você se requebrar, caia por cima de mim, caia por cima de mim, caia por
cima de mim”.
O romance “Gabriela – Cravo e Canela”, publicado por Jorge Amado, em 1958,
reforçou a idéia da sensualidade, associando a lascívia à submissão da brasileira ao
estrangeiro, e à idéia de disponibilidade sexual, porque a personagem, mesmo
casada, tem um amante e prefere estar amigada e livre que comprometida com um
36
“A Capital Federal” é uma comédia musicada, de Arthur de Azevedo, onde um português se
apaixona pela sedutora empregada mulata.
133
parceiro. A narrativa recebeu sua versão cinematográfica em 1983, com direção de
Bruno Barreto.
A Propaganda do governo militar, em especial na década de 1970, junto à
euforia da conquista da copa mundial de futebol, utilizou a figura da mulata, em
letras de músicas como “Brasil eu te amo”, de Dom e Ravel
37
, que destaca em
algumas frase da letra:
Mulher que nasce aqui tem muito mais amor; [...] As tardes do Brasil
são mais douradas. Mulatas brotam cheias de calor. A mão de Deus
abençoou, Eu vou ficar aqui, porque existe amor. [...] No Carnaval, os
gringos querem vê-las, No colossal desfile multicor. [...] Adoro meu Brasil de
madrugada, Nas horas que estou com meu amor. A mão de Deus
abençoou, A minha amada vai comigo aonde eu for.
O próprio Carnaval brasileiro, em especial no Rio de Janeiro, acabou por se
tornar um produto para consumo da Mídia. O “samba no pé” das mulheres das
comunidades foi substituído pela nudez de top models, na década de 1980 – a partir
da inauguração do Sambódromo
38
no Rio de Janeiro –, que passaram a ser
convidadas pelas escolas de samba, pois chamavam a atenção das câmeras de TV.
A Televisão também, segundo Thompson (1995), transformou a organização
espacial e temporal da vida cotidiana. Na atualidade, a digitalização, possibilita
converter toda a informação (texto, som, imagem e vídeo) em uma linguagem
universal (SANTAELLA, 2003).
37
A música foi gravada pelo grupo “Os Incríveis” que fez inúmeras apresentações em programas de
rádio e televisão apresentando “Brasil eu te amo”.
38
Em 1984 foi inaugurada a "Passarela do Samba", hoje conhecida como “Marquês de Sapucaí”,
uma avenida projetada por Oscar Niemeyer, ladeada por grandes arquibancadas, por onde
desfilam as escolas de samba cariocas
134
Na percepção de Urry (1996), o olhar do turista é construído por signos, é
direcionado por elementos visuais, capturados como objetos. Parece que a
mensagem, produzida a partir de fragmentos culturais brasileiros, tem alimentado a
fantasia dos estrangeiros desde a chegada dos primeiros navegadores em terras do
Brasil.
O Carnaval surge como outra categoria, a posteriori, ao ser recorrente nos
discursos tanto dos entrevistados quanto dos autores que norteiam nosso estudo.
Escolhemos contemplar esta categoria a partir do olhar de Pereira (2000), por
reconhecermos sua busca na significação dessa festa popular.
Pereira (2000) concebe o Carnaval como um acontecimento planejado, que
possibilita a movimentação de pessoas e motiva correntes turísticas para seu local
de realização. A autora apresenta a evolução das comemorações carnavalescas a
partir de raízes que se confundem com a idade do ser humano, por ser uma
manifestação ritualística popular, uma forma de celebração que referencia a história
e a Cultura.
Talvez seja difícil precisar a origem do Carnaval, pois os matizes desta festa
parecem ter marcado a história da humanidade. Pereira também considera que não
há uma convergência na definição do vocábulo.
A manifestação pode ser encontrada nos registros egípcios, de festas em que
havia danças com pessoas mascaradas para espantar os maus espíritos na estação
da colheita; nos bacanais, festa em homenagem ao deus romano do vinho, Baco.
Afirmar uma origem européia, todavia pode ser um tanto simplista.
135
As festas mais antigas, de que se tem registro, ocorriam de forma
diferenciada e em varias manifestações, mas a figura de deuses e a
celebração de rituais eram as raízes do enredo, que significaram a
produção de espaços, que, passando por reformulações, no que tange a
sua evolução, permaneceria no palco social até a atualidade (PEREIRA,
2000, p. 25)
Pereira (2000, p. 27) lembra que “resgatar as raízes dos festejos
carnavalescos, [...] remete ao simbólico que povoa o mundo antigo”, e complementa:
O ritual que o inspirou, praticado com pequenas variações, por povos
espalhados, por todas as regiões, remetia ao ciclo da vida humana, em
relação às colheitas e às mudanças anuais das estações.
Quem sabe, pelo momento em que se estabeleceu que o período do Carnaval
fosse o anterior à Quaresma, a tradição pagã de Roma tenha se incorporado
39
ao
calendário católico. As extravagâncias da despedida da carne, para a imersão em
quarenta dias de abstinência, trazidos pelo colonizador europeu em sua bagagem
cultural, encontrou, no Brasil, referências nas festas indígenas e, depois, africanas,
fazendo surgir uma nova nuance, um sincretismo, que formou o Carnaval brasileiro
como algo híbrido. Ao mesmo tempo, talvez seja difícil pensar em um Carnaval
brasileiro, pois esta festa popular guarda diferentes características em distintos
lugares: o Trio Elétrico do Carnaval de rua da Bahia, os blocos e os Bonecos de
Olinda, os Bailes nas regiões Sul e Sudeste o alguns destes registros de
diversidade.
Os folguedos chegaram ao Brasil, no século XVI, e se efetivaram nos tempos
coloniais, conforme Pereira (2000), através do Entrudo, manifesto em brincadeiras
39
Barthes (2003b, p. 166) comenta que “o sincretismo foi sempre uma das grandes técnicas de
assimilação da Igreja”.
136
rudes e inconseqüentes. Com a chegada da Família Real, em 1808, foram
realizados os bailes na Corte, no Rio de Janeiro. Houve uma coibição do Entrudo e
os salões acolheram a festa dos Dias Gordos. Nova influência européia marcou, no
século XIX, a utilização das máscaras nos bailes que, conforme Pereira (2000),
passou a ser chamado de Carnaval Veneziano, dançado ao som de ritmos
europeus.
O estudo de Pereira (2000) mostra que o Carnaval-espetáculo teve os seus
primórdios em Clubes que foram fundados para organizar o desfile de carros
alegóricos, cenário para que a classe burguesa apresentasse suas luxuosas
fantasias, com um tema-enredo a ser apresentado.
Foi, também, no século XIX que os grupos de origem africana celebravam a
festa carnavalesca com danças embaladas por ritmos sincopados, em becos e
ruelas por onde esta população circulava (PEREIRA, 2000). No período abolicionista
surgiu um outro tipo de grupo carnavalesco, denominado Rancho, marcado por
música e dança inovadora (marcha-rancho).
As Escolas de Samba surgiram no início do século XX, reunindo as populações
de baixo nível aquisitivo. Nas observações de Pereira (2000, p. 40), a ascensão das
Escolas “e a conseqüente apropriação das vias públicas” culminou com a construção
das arquibancadas na Avenida Rio Branco, na década de 1960, e a instituição da
“venda de ingressos implantaria o signo da ‘comercialização’, [...] impunha-se o
Carnaval-espetáculo”. Em síntese, diz Pereira (2000, p. 41), as festas carnavalescas
“pautadas na atemporalidade, permitem a participação num exercício de liberdade
potencializado na alegria, mesmo que saibamos nós, seja passageiro”.
137
É possível dizermos que a circulação das Formas Simbólicas, subseqüente ao
desenvolvimento tecnológico, coincide com o crescimento turístico ocorrido em
Florianópolis, ou seja, a transmissão foi simultânea ao “boom” turístico a partir da
década de 1980.
A percepção do sujeito acerca da experiência turística depende do contraste
com o seu oposto, conforme Urry (1996), da mesma maneira que uma oposição
entre as massas volumétricas de turistas que assediam determinados destinos e as
percepções individuais.
A idéia de diferença e a constante comparação dos turistas entre o que
experimentam no Brasil e o seu cotidiano em Buenos Aires refletem o contraste, a
percepção da alteridade, e, ao mesmo tempo, a busca de ancoragem daquilo que é
percebido em relação às vivências anteriores, ao que é conhecido. Em
concomitância, a criação de ambientes para o turismo de massa afasta o turista da
autenticidade do lugar visitado.
Ao falar acerca da Istambul de Loti, em Aziyade, assim se expressa Barthes
(1975, p. 147): “A cidade é então uma espécie de água que ao mesmo tempo leva e
arrasta para longe da margem do real: aí uma pessoa encontra-se imóvel (subtraída
a toda a competição) e deportada (subtraída a toda a ordem conservadora)”.
Talvez seja o momento de apresentarmos uma das categorias que surgiu a
posteriori: Representação Social evidenciada na formação da imagem dos
argentinos entrevistados em relação às brasileiras.
138
Mediadas pela linguagem, forma de conhecimento e interação social, as
Representações Sociais se manifestam em palavras, em comportamentos, “a
realidade vivida é também representada” (MINAYO, 2003, p. 108), e, mesmo que se
limitem “a certos aspectos da experiência existencial”, buscam traduzir um
pensamento fragmentário, revelam uma visão de mundo. A autora (2003, p. 109)
complementa: esta “visão de mundo dos diferentes grupos expressa as contradições
e conflitos presentes nas condições em que foram engendradas”.
Por serem ao mesmo tempo ilusórias, contraditórias e “verdadeiras”, as
representações podem ser consideradas matéria-prima para a análise do
social [...], pois retratam e refratam a realidade segundo determinado
segmento da sociedade. [...] Pela sua vinculação dialética com a realidade,
a compreensão da fala exige ao mesmo tempo a compreensão das relações
sociais que ela expressa. Porque as palavras não são a realidade, mas uma
fresta iluminada: representam! (MINAYO, 2003, p. 110)
Conforme Spink (2003, p. 117), o campo de estudo das Representações
Sociais (RS) alia dois debates importantes: as representações emergem como uma
modalidade de conhecimento prático, orientado, para a compreensão do mundo e
para a Comunicação; e emergem como construções com caráter expressivo,
elaborações de sujeitos sociais sobre objetos socialmente valorizados.
Spink (2003, p. 118) sugere que as RS, enquanto formas de conhecimento, são
estruturas cognitivo-afetivas e, não podem ser reduzidas apenas ao seu conteúdo
cognitivo. Precisam ser entendidas a partir do contexto. Dois aspectos são centrais:
a teoria do conhecimento que lhe é subjacente e os determinantes de sua
elaboração. As RS estudam o conhecimento do senso comum.
A elaboração das Representações Sociais, estas enquanto formas de
conhecimento prático que orientam as ações no cotidiano, ocorre na interface de
139
duas forças diz Spink (2003, p. 121): dos conteúdos que circulam em nossa
sociedade de um lado, e, de outro, as forças decorrentes do próprio processo de
interação social e as pressões, para definir uma dada situação de forma a confirmar
e manter identidades coletivas.
Conteúdos que circulam na sociedade podem ter sua origem tanto em
produções culturais mais remotas, constituintes do Imaginário social, quanto
em produções locais e atuais, [...] o contexto pode ser definido [...] também
a partir de uma perspectiva temporal. Três tempos [...] o tempo curto da
interação que tem por foco a funcionalidade das representações; o tempo
vivido que abarca o processo de socialização; [...] o tempo longo, domínio
das memórias coletivas onde estão depositados os conteúdos culturais
cumulativos de nossa sociedade, ou seja, o Imaginário social. [...] quanto
mais englobarmos em nossa análise o tempo longo, [...] os conteúdos do
imaginário social mais nos aproximaremos das permanências que formam
os núcleos mais estáveis das representações. [...] quanto mais nos
ativermos ao aqui-e-agora da interação, mais nos defrontaremos com a
diversidade e a criação (SPINK, 2003, p. 122).
Por sua vez Krippendorf (1989) relata que, na carência dos estudos sobre as
comunidades visitadas, temas que merecem atenção por seus custos sociais,
como no caso da adoção dos bitos de consumo, o servilismo, a adaptação ao
gosto do estrangeiro, até a vida de acordo com as regras estrangeiras. Esses
mesmos temas surgiram no Discurso dos turistas, como que reforçando conceitos.
Um dos entrevistados declarou não gostar da comida, e que os restaurantes
deveriam se adaptar ao paladar dos argentinos; os supermercados importam erva-
mate argentina
40
por que é a preferência dos turistas da bacia do Rio da Prata; os
turistas não concordam com a taxa de serviço cobrada nos restaurantes.
40
Talvez seja oportuno ressalvar que a erva-mate é importada da Argentina sob o pretexto de ser
diferente da que é produzida no Brasil, mas curiosamente a erva-mate mais utilizada no Uruguai, e
que também atende ao perfil do tipo de bebida preparada pelos argentinos, é produzida no Rio
Grande do Sul [Canárias].
140
A Dimensão do Lúdico contempla a procura do deleite por parte do turista,
ademais da livre-escolha, o motivo de recreação, sugerido por Torre Padilla (1997).
Essa dimensão se mostra n as atividades das pessoas em férias: a praia, sair para
beber e dançar, desfrutar do momento com os amigos, e com as “meninas”. O termo
meninas é usado em uma referência às moças e não a crianças.
O Turismo sexual parece não ser o atrativo principal, mas a motivação que
acompanha o turista argentino, ao buscar Florianópolis em suas férias. Urry (1996)
declara que o devaneio envolve o consumo, organizado pela Mídia. Houve, na
entrevista, um momento de referência específica a esse fato, quando um dos
rapazes disse que se não fosse pela Televisão, alguém que não conhecesse o país
nunca teria uma idéia sobre as brasileiras.
Todos os entrevistados estão na faixa etária de 27 a 30 anos, o que significa
dizer que nasceram entre 1977 e 1980, compondo uma geração que cresceu com os
olhos na televisão, dela recebendo informações e estabelecendo, aí, uma janela
para o mundo parece ser ela o aparelho institucional responsável, em parte, pela
difusão seletiva das Formas Simbólicas.
As categorias a posteriori surgiram do corpus, a partir das leituras flutuantes do
material transcrito e das audições do material gravado, pela repetição, pela
reafirmação de certas idéias. Percebemos, então, as novas categorias, fruto muito
mais do corpus da pesquisa e do que, tão-somente dos nossos pressupostos.
141
2.1.2 Análise Formal ou Discursiva
Circundados por expressões e objetos, os campos sociais o construções
simbólicas que apresentam estrutura articulada, Thompson (1995) considera que a
análise semiológica pode ajudar a compreender a maneira com que as Formas
Simbólicas são construídas. Nossa opção pelo termo Semiologia, em detrimento de
semiótica, está na concepção de que ele significa estudo dos sinais, por isso
manteremos esse termo, conforme Barthes.
Fazendo uso das categorias a priori Discurso, Estereótipo, Mito, Cultura,
Poder e Imaginário – estudaremos, mediante a técnica metodológica da Semiologia
bathesiana, o corpus das narrativas dos entrevistados.
Por vezes evasivo, o Discurso dos turistas fez uso de expressões
comparativas do tipo “são muito diferentes”, ou, ainda, “são mais diretas”, “são
predispostas”. Mesmo que buscássemos estimular o desdobramento dessas falas
intentando ouvir mais sobre a representação dessas idéias – “Mais diretas em quê?”,
perguntamos, obtivemos, apenas: – “Em tudo”. Uma fala que absolutiza, que procura
exercer uma dominação ao estabelecer uma relação de força
41
.
O Discurso, conjunto de palavras superiores à fala, descrição formal, tem as
suas formas de organização e de classificação significante. As gírias, as linguagens
de grupo, constituem, no sistema discursivo, o que Barthes designa por Socioletos.
41
son muy diferentes[…] “son más directas[…] “Y son muy predispuestas también” […] Más
directas en qué ¿?” […] “En todo
142
Os jovens entrevistados fizeram uso freqüente de gírias, a maioria delas
bastante comuns, aem nível internacional, entre países de língua hispânica, por
exemplo, borracho”, para designar a pessoa bêbada, ou chupa”, para referir que
alguém bebe, que “mama” alusivo ao ato de mamar. Outras expressões como
coqueto” e “coquetatrazem de volta termos antigos, “coquetes”, com significações
similares à língua portuguesa, porém, hoje, no Brasil, têm outros sinônimos, que
poderiam ser identificados por “mauricinho” ou “patricinha” pessoa bem arrumada
em sua aparência física.
Algumas gírias o bem marcadas regionalmente, entre Buenos Aires, capital
federal e província. Talvez o que mais se destaque e que identifique o portenho seja
o uso de vos”, descontextualizado de uma formação frasal, que concorde com o
que seria o tempo verbal correto como o uso do “tu” pelos gaúchos: tu foi, tu vai...
Uma linguagem coloquial, à qual se somam outras expressões regionalizadas, por
exemplo, o “re” antes de algum adjetivo, e mais uma vez podemos ancorá-la no falar
gaúcho com seu equivalente: “tri”: A expressão re-macanuda seria algo como “tri-
legal”.
Também regionalizada, mas com mais cil compreensão, foi empregado o
Socioleto corta mambo”. Ao considerar que o Mambo é uma dança alegre, agitada,
e de conhecimento comum, fica mais claro interpretar que a expressão se refere a
alguém que interrompe a diversão ou o clima de alegria.
Na Análise Sociohistórica procuramos contextualizar que a presença de afro-
descendentes na Argentina é bem menor em relação ao Brasil, há um Socioleto,
talvez possível de considerá-lo Encrático, no Poder, de ordem cultural. Utilizado,
143
corriqueiramente, e que denota forte carga de preconceito racial, o quilombo é
usado, para designar o que poderia se chamar de bagunça, desordem. Nenhuma
linguagem é inocente.
Um termo nos chamou a atenção, porque o desconhecíamos até aquele
momento, é ratoneoe sua aplicação na expressão ratón de café”. Tanto o termo
quanto a expressão dificultaram a compreensão de seu significado. Na tentativa de
compreendê-los procuramos ajuda junto a pessoas que nasceram no Uruguai e em
Córdoba (Argentina), porém, o desconhecimento acerca da expressão se manteve.
Um dos entrevistados nos explicou o significado do termo ratoneo:
Ratoneo: é quando te esquentas pensando em alguém em alguma
situação limite que te produza excitação... Ex.: ratoneo contigo que estas
me dando aula e no recreio me fazes ficar e temos relações sexuais,... seria
uma espécie de ratonear com minha professora... se entende...!!!
42
O ratoneoseria uma gíria utilizada para designar um devaneio sexual, uma
fantasia erótica, algo do campo Imaginário, embora não chegue a produzir uma
atitude de fato por parte de quem a idealiza. A aplicação do significado na expressão
ratón de cafédesigna o que seria um comentário entre amigos, um compartilhar
das fantasias, e o sujeito, ratón de café”, seria aquela pessoa que fica em um lugar
de encontro (bar, casa noturna) observando outras pessoas e fantasiando.
Os Socioletos se revelam na preleção dos entrevistados, como um exercício da
fala, a exploração da linguagem na significação. A máscara linguageira do Discurso
42
Transcrição de um trecho de comunicação instantânea através do programa Messenger.
Mantivemos a escrita fiel, sem alterar a ortografia, conforme escreveu o respondente: Ratoneo: es
cuando te calentas pensando en alguien en alguna situaciòn limite que te produzca la excitaciòn...
Ej: ratoneo con vos que me estas dando clases y en el recreo me haces quedar y tenemos
relaciones sexuales,... seria una especie de ratonear con vos o con mi profesora... se entiende...!!!
144
cobre o enunciado de que os portenhos, conforme se designa o argentino da capital
federal, tem um sentimento de superioridade em relação aos demais de seu próprio
país e ao de outros países.
Deste modo, revelam um exercício de força, ao se compararem com os
residentes de Córdoba, Mendonça ou Rosário, e por fim sintetizarem: “isto
acontece por que nos invejam”
43
. A noção de inveja parece ocorrer a partir de uma
contraposição, quando se percebe uma perda, privação, em relação ao outro, um
sentimento de inferioridade.
O Discurso se constitui pelo retorno de signos idênticos que se repetem
continuadamente. Os entrevistados estabeleceram analogias as diferenças entre
as brasileiras e as argentinas mas, também, reafirmaram o servilismo dos
brasileiros, o Carnaval e a idéia de que estão vivendo um momento em suas férias.
O Estereótipo, cristalização de um único sentido da palavra ritualizada pela
repetição, pode ser percebido com força nas falas que aludem à imagem da
brasileira. Perguntados sobre a imagem que tem da mulher brasileira, os turistas
argentinos responderam que essa imagem está mais relacionada ao Carnaval, aos
atributos físicos, e à cor da pele, referindo-se à mulata:
D.: Acontece que a imagem da brasileira é do Carnaval, a ‘bunda’ e
pernas
M.: Claro!
D.: Bunda’ e pernas, esta é a imagem: de ‘bunda’ e pernas. Depois
que estás aqui é que percebes que se pode conversar, que se pode... é
muito sociável, muito sociável. [...]
43
pasa esto por que nos envidian
145
D.: Igualmente a única coisa que temos são os carnavais! [...]
M: Poderia dizer o mesmo: o lugar, as praias, o clima... e, bom...
também viemos com a idéia de que a brasileira, a mulata, a... não sei como
descrever...
L.: Claro!
M.: a mulata… chegas aqui e vês que não é assim, porque tem estas
garotas, brasileiras com outra textura de pele... iguais... [...]
M.: [rindo] em Buenos Aires, quando sabem que vens ao Brasil te
dizem:
Te deita com uma negra! [esta frase foi dita em um tom baixo,
como se fosse confidencial]. Entendeu?
D.: Tens que estar com uma mulata, claro!
M.: Eu estive com uma mulata uma vez, e pra mim, a verdade, não...
não... pra mim não...
E de onde vem isso?
L.: Mas claro, pode ser pela Mídia. O ratoneo...
M.: Muitos associam: Brasil/mulatas. Entendeu?
Por que motivo?
M.: Não sei porquê Liciane!
44
A noção que parece estar cristalizada centra-se em primeiro lugar, no Carnaval,
na nudez e nos atributos físicos específicos: traseiro
45
e pernas femininos. As
brasileiras são fogosas, dizem os entrevistados. No entanto, nos discursos é
44
D: Pasa que el imagen de la brasilera es del Carnaval, el culo y piernas. M: Claro¡! D: Culo y
piernas, esta es la imagen: de culo y piernas. Después que estas acá es que te das cuenta que se
pode hablar, que se puede… es muy sociable, muy sociable.[…] D: igualmente lo único que lo
tenemos son los carnavales¡! […]M: podría decir lo mismo: el lugar, las playas, el clima… y dale…
también se viene con la idea de que la brasilera, la mulata, la… no sé como describir… L: Claro! M.:
se dice mulata ¿? Si. M: la mulata… llegas acá y ves que no es así, por que hay estas chicas,
brasilera con otra textura de piel… igual… […] - Hablaste acerca de las mulatas, de donde viene
esto? M: [riendo] Allá en Buenos Aires cuando saben que venís a Brasil te dicen: Acostarte con
una negra! [este comentario fue en voz más baja] Entendéis¿? D: Tienes que estar con una mulata,
claro¡! M: Yo estibe con una mulata una vez, y a mí, la verdad, no… noa no…- y de donde
viene esto ¿? L: Pero claro, puede ser por los medios. El ratoneo…/ M: Muchos asemejan:
Brasil/mulatas, entiendes ¿? – por [por que motivo] ¿? M: No sé porque Liciane ¡!
45
Na língua portuguesa o termo referido pelos entrevistados, “bunda”, poderia ser traduzido por
traseiro, mas se amenizado, pois o sentido em que foi empregado é mais pejorativo. Nossa opção
pela Semiologia nos remete a estudar as significações. Entendemos que a alteração do termo pode
alterar também o sentido, por isso manteremos, nas transcrições dos diálogos, o termo tal qual foi
utilizado.
146
possível perceber que o interesse deles pela mulata é mais sexual, enquanto com as
outras (loiras) é possível ter, também, um bom momento – quem sabe, conversar ou
dançar. A referência em relação à negra, à mulata, é clara: “Te deita com uma
negra”! A recomendação dos compatriotas argentinos é explícita. Uma reafirmação
da sensualidade da brasileira e do ato sexual na condição de Atrativo Turístico.
A palavra “fogosa” revela o Estereótipo, ritualizado pela repetição, que
aparece continuamente: “As brasileiras são muito fogosas!”; “Muito fogosa, e que por
aí... eu, a verdade é essa, meu ponto de vista!”; “Muito fogosa... muito fogosa”. E a
noção de que também “Os latinos são muito fogosos” é uma cristalização de um
único sentido da palavra.
Na visão dos entrevistados, as brasileiras são diferentes das argentinas, são
mais “diretas”, e essa idéia evasiva é trazida de volta em referência ao tipo de
relacionamento: “somente sexo”. Além disso, é diverso das argentinas, pois não
conseguem entender que os turistas estão de férias, é só um momento.
Outra comparação é que as garotas do Brasil preferem se apresentar sem
muita produção de maquiagem, ao mesmo tempo em que a roupa mais despojada é,
também, sensual (mini short jeans) e tamancos de madeira, cabelos longos. Barthes
(2004b, p. 62) diz que “a moda existe através do Discurso que se mantém sobre
a moda” talvez seja esta descrição dos trajes das brasileiras a tentativa de fazer
ver, todavia na ordem do inteligível é “heterogênea a qualquer imastica”
(BARTHES, 2004b, p. 65).
O Mito é uma fala que não nega as coisas, não esconde nada, mas as torna
inocentes. A idéia de que os brasileiros são negros, mulatos, escuros, é explicada
147
pelos entrevistados pela alusão ao Carnaval e ao futebol. É concebível que existam
Mitos muito antigos, e, entre as narrativas, os percebemos:
M: Muitos associam: Brasil/mulatas, entendeu? […]
D: Isto vem de tempos atrás, e também pelo futebol.
M: Claro, na seleção brasileira eram todos escuros. E hoje aparece um
Kaká, um Ronaldo, entendeu, e estavam mudando, e bom… Sempre é o
Brasil das ‘bundas’ e não sei por quê… você chega aqui e corroboras que
não é o assim. Se vais mais ao norte e ali vais ver mais mulatas, vais ver
mais…
46
Pela sua intencionalidade, o Mito pode ser identificado em algumas figuras
principais: a Vacina, a Omissão da história, a Identificação, a Tautologia, o Ninismo,
a Quantificação do Real, a Constatação.
No Mito barthesiano, a Vacina consiste em confessar o mal acidental para
camuflar: “como pode querer ser minha namorada se eu moro em Buenos Aires?”
A pergunta, lógica pela distância entre Buenos Aires e Florianópolis, justifica a
atitude descomprometida do turista e transfere para a garota toda a
responsabilidade pela fugacidade da relação.
Quando o Mito fala sobre um objeto, despoja-o de toda história. A Omissão da
História: – “Além disso, na ‘balada’ sempre iam atrás. Por aí te incomoda um
46
M: Muchos asemejan: Brasil/mulatas, entiendes ¿? […]D: Esto viene de tiempo atrás, y también por
lo de fútbol. M: Claro, en la selección brasilera eran todos oscuros. Y hoy aparece un Kaká, un
Ronaldo, entiendes, y estaban cambiando, y buenoSiempre es el Brasil de los culos, y no sé
porque… vos llegas acá y corroboráis que no es tan así. Te vas más al norte y ahí te vas a ver más
mulatas, vas a ver más…
148
pouco”
47
. Essa referência foi feita na narrativa antes de contarem que na noite
anterior, ao suposto assédio pelas garotas, eles haviam ‘ficado’ no apartamento dos
rapazes na pousada.
A Identificação: – “Estão de férias, estão aproveitando. – me parece perfeito,
porque a gente contata nossa experiência. Voé daqui, eu sou de lá, sabes que é
este momento e acabou. Nunca mais. É para curtir”
48
. A figura da Identificação, no
Mito, tapa os olhos, é uma reverberação, o outro é reduzido ao mesmo.
Na fala de um entrevistado: – “Muitos associam: Brasil/mulatas. Entende?”
quando perguntamos o motivo vem a resposta: “Não sei porque, Liciane!” Na voz
mais exaltada, numa reação à pressão do questionamento, a Tautologia aflora
quase que em um sentido de “é assim, porque é assim”. Um refúgio, um
procedimento que define o mesmo pelo mesmo (é, porque é), uma recusa à
linguagem. A Tautologia também surge no comentário de que: outra noite é outra
noite! O que Barthes (2003b, p. 245) conceberia como “um duplo assassinato: mata-
se o racional porque ele nos resiste, e mata-se a linguagem porque ela nos trai”.
O Ninismo é uma figura mitológica que coloca dois opostos para equilibrar um
com o outro e depois rejeitar a ambos. Nas comparações entre as brasileiras e as
argentinas compensações em ambos os lados, ao mesmo tempo em que uma e
outra são também rejeitadas. Se, por um lado, as brasileiras são mais “diretas”, por
47
L: a parte en el boliche siempre iban atrás. Donde iba uno iban… Por ahí al argentino que está de
vacaciones te molesta un poco
48
M.: A mi me parece perfecto, por que uno cuenta su experiencia, y también disfruta ¡! Vos sos de
acá y yo soy de allá, sabes que es este momento y se acabó ¡! Nunca más ¡! Es para pasarla bien
¡!
149
outro lado elas não entendem que a relação termina na mesma noite em que
começa. Se as argentinas têm uma atitude de “cara fechada”, são, também, infiéis
aos namorados quando estão em férias. Ou seja, brasileiras e argentinas são
comparadas, como se fossem dois opostos, e, ao mesmo tempo, ambas são
rejeitadas por um ou outro comportamento indesejado pelos entrevistados.
M.: […] eu gosto que a brasileira é muito mais direta, que as
argentinas… a argentina é muito... […]
D.: Acho que as brasileiras... quando conhecem alguém... acho que...
entende de outra maneira do que a argentina. A argentina sabe que termina
aí, e a brasileira é como que... é diferente... é muito apaixonada de... […]
L.: Que são bonitas, que… são muito predispostas... e é o que eu digo,
é diferente da argentina. A gente põe as duas na balança... as duas faces, e
é muito diferente... para a gente é... por aí é algo novo... e... conhecer
brasileiras e... ver de que maneira é seu jeito, muito diferentes das
argentinas. [...]
M.: Além do que a mulher argentina é diferente, tem uma careta [cara
azeda] – pode-se dizer – , tem uma careta e...
D.: Em troca a brasileira é mais tal e qual, se pode levar de outra
maneira, para chegar a uma conversação mais rápida. Se o podes ter
uma relação, podes ter um bom momento, de dança, de... noite, ou de
praia. [...]
L.: De fato a argentina veio para e deixou o namorado em Buenos
Aires, e aqui rompeu o elo. Mas aqui faz algo com um brasileiro ou com
quem seja. Fica aqui.
D.: O que a gente viu é que a argentina, muitas que estavam
namorando e...
M.: Muito infiéis! […]
L.: Uma argentina de 30 anos o te segue para todos os lugares, não
vai te procurar na praia, não quer que fiques com ela e... é mais... ela, ou
seja... tem seu... o se rebaixa tanto! Por aí, a brasileira te segue pela
praia, não quer que te mexas, que fiques aqui [junto dela]... por aí, se vais
150
conversar com outra mulher não gosta... e a argentina não. Se ela não
gosta vai procurar outro.
49
A Quantificação da Qualidade aparece no momento em que o Mito é
econômico, compreende a qualidade do real por uma quantidade: “Uma argentina
de 30 anos não te segue para todos lados, [...] é mais ela [...] não se rebaixa tanto”!
A qualidade de uma mulher madura argentina é quantificada aos 30 anos, sinal de
maturidade, em contrapartida ao comportamento das brasileiras que, mesmo na
idade adulta, têm comportamento de quem se rebaixa, de quem não entende seu
lugar ou posição, como se fosse uma atitude infantilizada a de procurar o rapaz com
quem esteve no dia anterior.
Outra presença da figura mitológica de Quantificação do Real, na fala dos
entrevistados, que reafirma esta impressão de imaturidade das mulheres, foi a
observação de que: “No outro dia, apareceram na praia, e tinham como que mais
50 amigas!”.
50
49
[…] a mi me gusta que la brasilera es mucho más directa, que las argentinas… la argentina es mucho… […] D:
Creo que las brasileras cuando conocen alguien… creo que… lo toma de otra manera que la argentina. La
argentina sabe que se termina ahí, y la brasilera es como qué… es distinto… es muy enamorada de… […]L:
Que son lindas, que… son muy predispuestas… y es lo que digo yo, es distinta a la argentina. Uno pone en la
balanza las dos… las dos facetas, y es muy distinta… para nosotros es… por aalgo nuevo… e… conocer
brasileras y… ver de que manera se mueven ellas, muy distintas alas argentinas. […]M: A parte es que la
mujer argentina es distinta, tiene una careta – se puede dicer -, tiene una careta y… D: al cambio las brasileras
es más tal cuales, se puede llevar de otra manera, se puede llegar a una conversación, más rápida. Si no
puedes tener una relación, puedes tener un buen momento, de baile, de… noche o de playa. […]L: Por hecho
la argentina viene acá y dejo el novio en Buenos Aires, y acá rompió el hielo. Pero acá hace algo con un
brasilero, con lo que sea. Queda acá. D: Lo que nosotros vimos es que la argentina, muchas que estaban de
novia y… M: muy infieles ¡! […]L: Una argentina de 30 años no te sigue para todos lados, no te va buscar a la
playa, no quiere que te quedes con ella yes más… ella, o sea… tiene su… no se rebaja tanto! Por ahí la
brasilera te sigue por la playa, no quiere que te mueva, que te quedes acá… por ahí si vas hablar con otra
mujer, por ahí no le gusta… y la argentina no. Si no le gusta, por ahí busca otro.
50
L: […] En el otro día aparecerán en la playa... y tenia como 50 amigas más¡!
151
A sétima figura mitológica, concebida por Barthes (2003b), é a Constatação,
quando o Mito tende para o provérbio, na recusa de uma explicação. Conforme
sustenta o autor (2003b, p. 247), “uma reflexão diminuída, reduzida a uma
constatação, [...] ligada ao máximo ao empirismo. [...] prevê muito mais do que
afirma”: – “Não pensaria em estar com uma brasileira como namorada quando
aconteceu algo na primeira vez que subiu ao quarto, meia hora depois que nos
conhecemos. Eu digo não, essa guria como faz comigo... não...”
51
.
O termo Mito é usado pelos entrevistados. Em um primeiro momento, para
designar a idéia que m da mulher brasileira: a mulata, e isto se explica por “estes
mitos que se formam”
52
, simplesmente se formam sem explicação, como um
tribalismo, conforme conceituaram, existente entre portenhos e cordobeses na rixa
por suas mulheres algo que remete ao primitivo da disputa sexual. Uma noção de
Mito também é referida a esta relação de contenda entre os portenhos e os demais
argentinos das outras províncias, e chegam a dizer que, talvez, o seja tanto um
Mito, mas uma realidade – de fato existem diferenças.
O que é Mito e o que é realidade não parece claro para os entrevistados, é um
modo de significação, que se define pela maneira como proferem a mensagem.
Parece ser, aqui, uma oportunidade de situação. Da mesma forma quando os
entrevistados fazem referência à imagem de negritude da brasileira, e que deixa de
51
D.: No pensaría a estar con una brasilera de novia cuando algo se dio en la primera vez que subió
en la pieza a la media hora que nos conocimos. Yo digo no, a esta piba como lo hace conmigo,
no…
52
Son estos mitos qué se forman
152
ser Mito no momento em que, a partir do Rio de Janeiro, em direção ao Nordeste,
são “mais negras do que brancas” – conforme delimitaram os entrevistados.
A Cultura é um campo de dispersão das linguagens, em que sempre uma
porção que o outro não compreende, está em toda parte, é a escuta das diferenças.
Os entrevistados fizeram referência à Cultura, a começar pelo modo de vestir dos
homens brasileiros, que usam meias atoalhadas, bermuda, camiseta. Um dos
argentinos declarou que não entendia como eles podiam sair assim, tão malvestidos,
e resume: – “Mas são culturas também, entendeu”
53
?
Em Barthes (2004a, p. 109), “tudo é Cultura, da roupa ao livro, da comida à
imagem”. Essa categoria foi expressa nas referências dos turistas ao modo de vestir,
tanto de homens quanto de mulheres, nas analogias entre brasileiros e argentinos,
chegando mesmo aos aspectos da alimentação, quando um dos entrevistados
marca bem que não gosta da comida brasileira:
Igual, para mim, no meu caso, o turismo esta muito bem, mas... aqui
onde estamos agora, em Florianópolis, aí tem muitas coisas para melhorar,
no sentido de... de... a comida, para mim a verdade é que eu não gosto...
e... e por aí, se vem muitos argentinos poderiam oferecer alternativas...
depois, se vem tantos argentinos e eles gostam tanto da noite, poderiam
oferecer outra saída neste sentido
54
Outra referência explícita ao termo Cultura surgiu quando aventamos a
possibilidade de um relacionamento mais duradouro com uma brasileira, eo
53
M.: Pero son culturas también, entendéis ¿?
54
M: Igual para mi hay, en mi caso, el turismo esta muy bien pero… acá, en donde estamos ahora en
Florianópolis, ahí tienen muchas cosas como para mejorar, en el sentido de… de… la comida, a mi
la verdad que no me gusta… y… y por ahí que se vienen muchos argentinos podrían buscarles
alternativas… después, se vienen tantos argentinos y a los argentinos les gusta tanto la noche,
podrían darles otra salida en este sentido.
153
entrevistado disse: “tens tua formação, tua Cultura”; um apego que,
aparentemente, impossibilita o estabelecimento de um elo, por que existem
diferenças, uma poão de linguagem que o outro não pode compreender.
A dança de uma moça foi interpretada pelos turistas: “[...] ontem víamos uma
garota que rebolava que te dava cãibra, e “nossa mãe”... se pegas essa garota te
acabas, entende? Entende?
55
”. A leitura do entrevistado acerca dessa dança pode
ser, em parte, a porção na Cultura que o outro não compreende, faz lembrar o
alerta de Freyre que as danças eram um afrodisíaco para as negras por serem
menos fogosas.
Em Barthes (2004a, p. 163), lemos que “não Cultura sem classificação [...]
significante”. Pelas atitudes e pelo modo de vestir, as brasileiras e as argentinas são
categorizadas pelos entrevistados, que chegam a usar a expressão de que as “põem
na balança”, como se fosse uma mensuração classificatória:
A brasileira é muito mais direta que a argentina [...] Creio que a
brasileira quando conhece alguém, acho que encara de outra maneira que a
argentina. A argentina sabe que termina aí, e a brasileira parece que é
como... é diferente... é muito apaixonada [...] Creio que a brasileira é muito
diferente da argentina. A argentina que sai de férias sabe que é um
momento [...] A gente põe na balança as duas... as duas faces, e é muito
diferente... para nós é... por algo novo...e... conhecer brasileiras e... ver
de que maneira elas andam, muito diferente das argentinas.
56
55
[…] ayer veíamos a una chica brasilera que se movía que te da calambre, y ola ves que si mama ¡!
… si te agarra a esta chica y te arruina, entiendes ¿? Entiendes ¿?
56
[…]la brasilera es mucho más directa, que las argentinas […]D: Creo que las brasileras cuando
conocen alguien… creo que… lo toma de otra manera que la argentina. La argentina sabe que se
termina ahí, y la brasilera es como qué… es distinto… es muy enamorada de… […] L: Creo que la
brasilera es muy distinta a la argentina. La argentina que va de vacaciones sabe que es un
momento […] L.: Uno pone en la balanza las dos… las dos facetas, y es muy distinta… para
nosotros es… por ahí algo nuevo… e… conocer brasileras y… ver de que manera se mueven ellas,
muy distintas alas argentinas.
154
A noção de Poder envolve o desejo, o domínio, o reconhecimento. Surge nos
discursos dos entrevistados quando eles se põem em comparação com seus
conterrâneos, e também com os brasileiros: se auto-reconhecem melhores do que
os demais.
No impulso de dominação, o protesto contra a taxa de serviço de dez por cento
revida a obrigatoriedade de seu pagamento como sendo algo abusivo. Como se a
autoridade exercida pelo cliente é que pudesse ser a única a determinar o
pagamento, ou não, de gorjetas. Ainda que não seja obrigatória, nem no Brasil, nem
na Argentina, em muitos restaurantes portenhos existe a cobrança da taxa de
cubiertos”, que quer dizer talheres em espanhol, uma espécie de taxa de serviço.
O desejo de domínio exercido pelo turista que está em sua busca incessante
por prazer, também manifesta certo exercício de Poder, ao considerar que o povo
brasileiro é muito servil, e que, geralmente, o atendimento é bom. Parece ser o
desejo de domínio do consumidor-rei, quando se soma à afirmação certa de que a
relação com a comunidade local é unicamente comercial.
Para um dos entrevistados, a comida precisa melhorar, ficar mais ao gosto do
turista argentino, as opções de lazer noturno, também, precisam estar adequadas às
suas preferências afinal eles estão pagando! Na opinião de outro entrevistado, os
ambulantes devem ser retirados das ruas, pois provocam medo nos turistas que
passam pelas calçadas à noite.
Na concepção de Barthes (2003 a, p. 107), a “invenção do chefe” (da função
de) pressupõe uma hierarquia, o que nos mosteiros era a figura pivô do abade
ocupando o lugar de Cristo. Como se fosse uma precedência pela primogenitura,
155
talvez essa noção tenha dirigido o comportamento do entrevistado que, de certo
modo, mais se destacou, procurou marcar presença – pelo timbre de voz, pela
quantidade de intervenções, enfim, se fez notar de maneira mais acentuada.
O Poder permeia as relações sociais, é a libido dominandi. Esta fonte de
energia dos instintos de vida movidos pela energia sexual, existente na carga
instintiva, traz a constatação de que: “Ainda que ninguém diga, sim vem em busca
de sexo. É assim
57
”. O pensamento de devassidão está presente na recomendação
dos amigos para que tenha sexo com uma negra, assim como na fala: – “E olha que
queres estar com uma negra aqui e dar-lhe, e dar-lhe, e dar-lhe, e dar-lhe... é
verdade ou não é verdade?”
58
Ao que outro concorda: – “é verdade!”.
Conforme Guareschi (2000), nas três fases do desenvolvimento físico e
psicológico, oral, anal e lica, a Libido é deslocada, e algumas peculiaridades,
manifestas na vida adulta podem advir de determinada fase. Da fase oral, quem
sabe, os excessos com as bebidas alcoólicas, que são um traço marcante do
comportamento dos argentinos em Florianópolis, ou, talvez, sejam resquícios da
fase anal as extravagâncias dos turistas em férias, ou, ainda, uma reminiscência da
fase fálica à vulnerabilidade e à instabilidade afetivo-sexual.
O galanteio é tido pelos argentinos como uma estratégia de domínio sensual,
eles se entendem como mais conquistadores, pois gostam de se vestir bem, usar
perfume, oferecer algo para beber, dançar, conversar. Atitudes de conquista que
57
M: Aún que nadie diga, si viene a buscar sexo. Es así.
58
M: y ves, quieres estar con una mulata acá y darle, y darle, y darle, y darle… es la verdad o no es
la verdad ¿? L: es la verdad
156
remontam a uma razão primitiva, aguçar os sentidos básicos, visão, cheiros,
audição, suprir com a bebida e o rito da dança que vai simular os movimentos
sexuais. É a preparação para o acasalamento, para a cópula. Talvez Barthes (2003
a, p. 132) fizesse referência ao Acoplamento:
Trata-se de uma configuração uma criação de figura: leve,
passageira, mas geral e freqüente. Em qualquer reunião social, em qualquer
grupo: isolamento, fechamento leve, diante do grupo, de dois parceiros,
ligados por uma relação calorosa de demanda recíproca, de sedução
recíproca. Qualquer que seja o móvel, o cenário, o álibi: evidência de certo
endoidecimento recíproco, de teor erótico (mais do que sexual). É certo que,
nesses casos, o grupo se torna espectador. O acoplamento estrutura
passageiramente o grupo (quase sempre é um acoplamento sem
conseqüências): passagem, mesmo que tênue, de uma loucura a dois. É
preciso jogar com o endoidecimento/doidice. Ficar adoidado (por alguma
coisa, por alguém): não é tópico na psicanálise; faria parte de uma
descrição sutil dos estados relacionais. Passamos a vida adoidados um pelo
outro.
Os objetivos da viagem, de diversão, de desfrutar do momento, de evasão não
somente do entorno habitual, mas também de comportamento, mostram face do
Poder em movimento a energia prazerosa que motiva o comportamento. A libido
dominandi que é o Poder utiliza o Estereótipo, imagem fixa, que, pela repetição,
alimenta o Imaginário, essa incerteza de verdade.
Os textos do Imaginário (narrativas, imagens, expressões), estruturas que
jogam com uma aparência, são objetos de predileção da semiologia. É uma analogia
entre as imagens, um movimento de identificação. O Imaginário é representação,
figuração, registro do sujeito no qual cola uma imagem. Buscamos, nesta categoria,
trazer à tona de que forma as motivações de viagem, desejo e fantasia, povoam o
Imaginário dos turistas argentinos que escolhem o Brasil como destino.
O que parece motivar é o mesmo que pano de fundo: as praias, o clima, o
calor, as mulheres são bonitas, simpáticas, acessíveis a uma conversa, o cenário dá
157
lugar à fantasia que enche o sujeito da enunciação, alimenta o Imaginário: [os
jornais] “descrevem o Brasil. Paraíso. Lugares turísticos”.
Barthes (2003a, p.68) faz alusão ao Mito do Paraíso [...] representação de um
optimum climático: ‘paraíso’; sua origem nos países quentes [...] produto e fruição da
classe alta”. Até mesmo o convívio entre os conterrâneos argentinos, em
Florianópolis, é o que Barthes (2003a) chamaria de “idílica”, um espaço de relações
humanas onde há ausência de conflito:
São mitos! Por aqui tem gente de todos os lados e nos juntamos, e…
ao final os rosarinos nos odeiam muito, os cordobeses nos odeiam muito, os
mendoncinos... mas no final se dão conta que estão errados, porque a
princípio te tem distante e depois terminam estando contigo, saindo contigo,
dividindo a mesa contigo e se dão conta que não...
59
A fala do entrevistado refere a uma animosidade histórica entre os portenhos e
os residentes nas demais províncias (estados) da Argentina, e que por estarem
reunidos em Canasvieiras tem um suposto momento de trégua nas diferenças
pessoais.
Barthes (2003a, p. 173) nos lembra que “a reciprocidade existe numa
mesma classe”, eles estão entre turistas, ao mesmo tempo encontramos referências
neste autor de que “os ritos da comunhão: ingestão comum de alimento simbólico,
cuja partilha é ela mesma simbólica” (BARTHES 2003a, p. 213) podem estar
59
L: Son mitos ¡! Por que acá hay gente de todos los lados y nos juntamos, y… al final los rosarinos
nos odian mucho, los cordobeses nos odian mucho, los mendocinos… pero al final se dan cuenta
que están errado, por que al principio por ate tienen lejos y después terminan estando con vos,
saliendo con vos, compartiendo la mesa con vos, y se dan cuenta que no…/
158
manifestos no compartilhar da mesa, ou na roda de mate. Lugar e cenário são
necessários para que haja Imaginário.
Na qualidade de objeto de predileção da Semiologia, proposto por Barthes, as
expressões são textos do Imaginário. O ratoneo alude à fantasia, um sonho lascivo,
voluptuoso, uma linguagem que preenche a enunciação. Uma imagem colada à
representação. São exemplos de ratoneo, nas falas dos entrevistados, o estar, no
sentido de fazer sexo com uma mulata, da mesma forma interpretado pelos
argentinos como pertencente ao Imaginário de suas conterrâneas em relação aos
homens brasileiros.
O Estereótipo de “fogosa” da brasileira alimenta o ratoneo Imaginário do
turista, reforçado, ainda, pelas imagens do Carnaval e a presença do biquíni “fio
dental” nas praias outro Estereótipo está no traseiro e nas pernas, que também
sustentam o Imaginário.
Os enunciados do Discurso dos turistas designam um Imaginário a respeito
de suas férias em Florianópolis, enchendo o sujeito da enunciação: o lugar bonito,
com clima agradável e belas mulheres as figuras da fantasia. Da mesma maneira,
as narrativas dos compatriotas sustentam o Imaginário dos visitantes sobre as
brasileiras:
L: Eu comprovei pessoalmente, não da televisão, não... eu comprovei
pessoalmente e como já havia dito em outra pergunta, e... é o que eu penso
por posso estar errado ou não mas o que eu penso, da maneira que
te disse antes, é muito diferente da argentina [a brasileira], comprovei
159
pessoalmente. Haviam me dito os amigos que vieram e agora eu terminei
de comprovar.
60
O comentário do turista parece ser a analogia entre as imagens, um movimento
de identificação. Ao elegermos o Imaginário, o fizemos por considerá-lo uma
categoria síntese, o que, de certo modo, se confirma ao contemplarmos nele as
demais categorias eleitas a priori.
“A fala é irreversível”, ensina Barthes (1975, p. 26), se junta a outra fala, é um
balbuciar, aonde vem se instalar “a parte inconsciente do nosso Discurso”, e, nesse
sentido, “a psicanálise está ligada à fala”, porque “um sonho não se escreve”.
A referência testemunhal, dos amigos que estiveram antes no Brasil, pode ser
fruto de um Imaginário coletivo, e é mais forte nos turistas, de forma consciente, a
respeito do que pensavam encontrar e experimentar em sua viagem, do que a
identificação com a informação midiática.
No entanto, talvez esteja implícito na percepção dos entrevistados, que muitos
conceitos se formam a partir da produção das Formas Simbólicas que
continuamente são apresentadas pela Mídia, nas palavras de Thompson (1995, p.
219) “onipresente na vida cotidiana” e que promovem o compartilhamento de uma
“experiência comum e de uma memória coletiva”.
60
L: Yo lo comprobé personalmente, no de la televisión, no… Yo lo comprobé personalmente y como
había dicho en la otra pregunta, e… yo lo pienso por ahí estoy equivocado o no – pero, lo pienso
de la manera que te dice antes, es muy distinta a la argentina, comprobé personalmente. Me lo
habían dicho amigos que habían venido y ahora yo terminé de comprobar.
160
2.1.3 Interpretação e Re-Interpretação
A etapa final da Tríplice Análise envolve um novo movimento do pensamento,
que se constrói sobre a Análise Formal ou Discursiva, através da síntese na busca
de possíveis significados. Este processo de Re-interpretação pode levar o
pesquisador a caminhos incertos, são possibilidades sempre abertas à discussão.
Conforme Thompson (1995), o conflito é intrínseco ao próprio procedimento de
interpretação. Analisar as características da mensagem comunicacional é um
exercício ao mesmo tempo legítimo e limitado. A Interpretação e a Re-Interpretação
oferecem a perspectiva de romper com possíveis impressões construídas a partir da
pessoalidade. Por outro lado, é possível que a repetição de noções preconcebidas
seja a projeção de um significado, divergente, ou não, do que é concebido pelos
sujeitos das narrativas.
Os primeiros Atrativos Turísticos referidos pelos entrevistados são as praias, o
que envolve, também, o clima. De modo geral, é possível dizer que o litoral
argentino está dividido em três grandes regiões, a Costa Atlântica, onde se localizam
os balneários mais próximos à província de Buenos Aires, como é o caso de Mar del
Plata; A Costa Sul, onde está a Península Valdez, berço da Baleia da espécie
Franca, e a região Austral, que vai até a Tierra del Fuego, no extremo sul do
continente.
Enquanto atrativo de sol e praia, é possível dizer que somente os balneários da
Costa Atlântica poderiam atender à demanda para este tipo de Turismo. Ainda
assim, a água do mar é bastante fria, escura e agitada, o vento é constante e o clima
é mais frio do que o brasileiro. Essas características específicas não eliminariam
16
1
uma atratividade turística; porém, para a população argentina, as águas tranqüilas,
de temperatura amena e o clima agradável do litoral catarinense são muito mais
aprazíveis para quem deseja sol e praia.
Desde o aparecimento remoto do termo Turismo nos dicionários, o vocábulo
designa a prática de viajar por prazer. A escolha dos lugares é determinada a partir
de devaneios e fantasias de prazeres intensos alimentada pela Mídia. O olhar do
turista é dirigido a capturar os objetos construídos, os signos que identificam o lugar
visitado.
Nesse sentido, o interesse do turista pela mulher nativa expressa a busca do
viajante pelo que nutriu sua expectativa, como parte do produto que satisfaz seus
desejos e expectativas. A fala de um dos entrevistados foi explícita : “procurar
sexo! Ainda que ninguém diga, sim, vem procurar sexo. É assim”.
Diferente de outras regiões do Brasil, o estado de Santa Catarina guarda, nos
traços físicos de sua população, características mais européias do que afro-
indígenas, embora exista a miscigenação racial. A constituição física é similar à do
estrangeiro, mas o comportamento, como apreendido pelo visitante, é considerado
mais sensual.
É possível que essa sensualidade seja, de fato, um traço cultural brasileiro,
mas, também, é possível que essa tipicidade esteja associada a uma necessidade
de subsídios, como as roupas e as danças, que alimentem o Imaginário, em ritos de
excitação. De certo modo, esses subsídios podem ser considerados Formas
162
Simbólicas. O tempo histórico parece mostrar um agendamento
61
do Estereótipo de
sensualidade, com ênfase à mulher brasileira, da carta de Pero Vaz de Caminha aos
dias de hoje. A onipresença da Mídia na vida contemporânea pode ser um fator
contributivo para a fixação de uma imagem acerca do Brasil e do seu povo.
Os turistas entrevistados consideram que suas impressões sobre a mulher
brasileira foram mais influenciadas pelos comentários dos amigos que haviam
estado anteriormente no país do que pela Mídia. De certo modo, se repetem os
relatos de viagem a respeito da experiência vivida como encontrado nos registros
históricos, talvez, agora, nem tanto epistolar quanto em conversas ou nas novas
formas de Comunicação mediadas por equipamentos eletrônicos novos meios
técnicos. Todavia, salienta-se a noção de que essas impressões são comunicadas.
A fala dos turistas se refere à mulher brasileira, mas enfatiza a negra, a mulata,
e o mulato como Estereótipo sensual presentes no Imaginário sexual, no ratoneo,
de homens e mulheres argentinos, como signos que direcionam o olhar dos
visitantes.
No período colonial, o corpo da mulher negra tinha uma função sexual
coisificada e atendia a uma prostituição doméstica. Na atualidade, a fala dos turistas
a impressão de que “pegar uma negra e dar-lhe” reitera uma idéia de objeto para
61
De acordo com Wolf (2002, p.145), a agenda setting, é uma hipótese que coloca [...] o problema
de uma continuidade em nível cognitivo, entre as distorções que se geram nas fases produtivas da
informação e os critérios de relevância, de organização dos conhecimentos, que os consumidores
dessa informação absorvem e de que se apropriam”. Três dos pressupostos principais da hipótese
de agendamento são, para Hohlfeldt (2001, p.192): o da existência de um fluxo contínuo da
informação, onde os meios de comunicação influenciam o receptor a médio e longo prazo e, ainda,
que os meios de comunicação são capazes de, a médio e longo prazo, influenciar sobre o que falar
e o que pensar. O autor complementa que “o agendamento se dá necessariamente no tempo”.
163
a luxúria, e da mesma forma como ocorria na casa grande, sem qualquer tipo de
remuneração.
O exercício da liberdade sexual, com certa freqüência, tem se manifestado de
modo precoce, desde a adolescência, e abrangente em relação ao hábito
comportamental. A gíria “ficar” envolve uma oposição ao sentido etimológico do
verbo de fixar permanecer, manter, continuar evidencia a gica de consumo de
nossa sociedade. O hedonismo parece estar presente no turismo como elemento
constituinte das motivações de viagem, ao mesmo tempo em que é característica do
comportamento contemporâneo.
Em Barthes (1975, p. 144) encontramos a noção de que “a irresponsabilidade
ética do turista” é natural nas viagens. As falas dos argentinos entrevistados dão a
impressão de que suas atitudes estão perfeitamente justificadas pelo momento de
férias que eles vivem. De certo modo, é possível observar que esta
irresponsabilidade, ou descompromisso, seja inerente a maior parte das pessoas em
seus momentos de lazer, de férias, que constituem um espaço de evasão.
O Carnaval, acompanhado da nudez e da cerveja, somado ao futebol, são
manifestações ritualísticas populares, formas de celebração, em parte, Estereótipo,
em parte, Cultura, vivenciados pelo povo brasileiro como exercício de liberdade e
evasão.
Os entrevistados pontuaram que se não fosse pela televisão não teriam uma
idéia sobre o Brasil e, nesse sentido, o Carnaval brasileiro aparece como a principal
informação midiática recebida na Argentina, em que o enfatizados os elementos
espetaculares da nudez e do rebolado, contraponto à manifestação desta festa
164
naquele país, cujas fantasias encobrem o corpo e as danças são menos sensuais.
Ao ser trazido pelo colonizador europeu para a América Latina, e ter se incorporado
ao calendário católico, talvez, o Carnaval seja um elemento cultural argentino, porém
não tão evidenciado quanto o é no Brasil.
O futebol, esporte de maior evidência tanto no Brasil quanto na Argentina, e
motivo de rivalidade entre estes dois países, é referido pelos entrevistados para
ilustrar a origem de idéia de que os brasileiros são ou negros ou mulatos. E a
cerveja brasileira é comparada à da Argentina e identificada como mais saborosa.
Na Cultura uma porção que o outro não compreende. Essa alteridade pode
estar com os próprios argentinos, divididos entre os da capital e os das proncias,
ou em relação aos costumes brasileiros. No encontro entre visitantes e visitados,
talvez a incompreensão seja uma marca mais acentuada do que o intercâmbio
cultural nas relações sociais que se formam, ainda que temporárias.
O Poder influencia a troca de informações nas relações humanas. Como parte
da onda exploratória, especulatória, da atividade turística, a interação entre visitante
e visitado reproduz essencialmente as relações de consumo, as trocas mercantis.
Da parte dos turistas parece que aflora o impulso de dominação, eles se posicionam
como consumidores-reis e estabelecem com a comunidade uma integração
unicamente comercial.
Para explicar o ratoneo, o entrevistado usou a profissão da entrevistadora,
exemplificando a expressão. O sentido da ilustração pode ter tido um intento ao
mesmo tempo ambígüo e com intenção de constranger. O exemplo utilizado foi: “me
ratoneo contigo que estas me dando aula e no recreio me fazes ficar e temos
165
relações sexuais”. A ambigüidade se faz perceber pelo Poder, libido dominandi,
tanto na possibilidade de que o aluno exerceria uma capacidade de sedução sobre a
professora, quanto de que a professora poderia usar de sua autoridade para fazê-lo
ficar em aula e copular. A intenção de constranger se evidencia no momento em que
o exemplo dado denota uma intimidade inexistente entre pessoas que não se
conhecem e, de certo modo, sugere uma possibilidade de assédio.
Outra manifestação do Poder, desta energia prazerosa que motiva
comportamentos, parece estar afirmada, pelos entrevistados, no galanteio. As
palavras usadas para cortejar as brasileiras m finalidade explicita, no Discurso
dos turistas, de obter favores sexuais, e refletem as relações de consumo no
encontro entre visitantes e visitadas. O termo fogoso é repetidamente empregado no
sentido do calor da excitação para marcar o Estereótipo da latinidade, os latinos
são fogosos, como as brasileiras, também, o são.
Nas formas de entretenimento são reafirmadas as comparações, na Argentina
é mais à noite e em Florianópolis se desfruta mais do dia. A Dimensão do Lazer
contempla a consumação do ser lícito.
A técnica do Grupo Focal possibilita uma interação social mais autêntica, no
momento em que reúne um grupo de pessoas, e rompe a formalidade da entrevista
individual. A partir desta influência mútua os participantes levam em consideração o
ponto de vista dos demais e compartilham experiências.
Ao serem questionados sobre a continuidade dos relacionamentos com as
moças brasileiras, e se havia ocorrido de alguma delas procurá-los depois de
terem “ficado”, os entrevistados relataram uma experiência. Em uma noite quando
166
estavam na casa noturna que costumam freqüentar conheceram duas moças. A
abordagem para a conversa parece ter sido um comentário sobre o calor que fazia
no local, “um nada”, conforme observou um dos entrevistados. Depois de meia hora
de “bate-papo” entre os dois casais, elas concordaram em ir até a pousada onde os
turistas estavam hospedados, subiram ao apartamento e fizeram sexo.
Até esse ponto nos pareceu que a relação denotava o exercício pleno da
liberdade sexual na liberação feminina, e pelas falas dos entrevistados, eles tiveram
a mesma impressão. Porém, no outro dia as moças procuraram pelos rapazes na
praia e trouxeram consigo outras amigas. Quiçá fosse a busca de repetir a
experiência, ou quem sabe, a exibição da conquista para as amigas, mas a idéia de
uma continuidade se apresentou no momento em que elas procuraram novamente
os turistas.
Os rapazes identificaram o perfil das moças como professoras e que estariam
passando o verão em Jurerê que, por ser uma praia mais elitizada, é possível que
fossem de uma classe econômica mais privilegiada. Neste caso, estar com o
estrangeiro poderia ser muito mais um status em relação ao que é diferente do que
uma projeção social de um status financeiro.
A partir desse momento, um dos entrevistados afirmou que seria claro: “uma
noite, e acabou”. Eno questionamos se eles acreditavam que as moças teriam a
mesma percepção, se não poderia ser diferente. A primeira reação foi de negar a
possibilidade de que a interpretação do relacionamento pudesse ocorrer de outra
maneira que não a fugacidade de um momento.
167
Em uma emergência possível de um Grupo Focal, ao considerar o ponto dos
vista dos demais participantes, um dos entrevistados nos questionou sobre como
percebíamos essa situação. Ao lançarmos a suposição de que, quem sabe, as
moças desejassem certa continuidade no relacionamento, aos poucos eles
reconheceram essa possibilidade para depois negá-la outra vez como um escudo
de proteção: sou turista, eu vou embora e o que houve fica aqui!
Nesse sentido, é possível considerar que a relação afetivo-sexual com as
moças da comunidade possa ser interpretada pelos turistas como parte do pacote
de férias. Pelos ambientes freqüentados, mais turísticos e menos populares,
percebemos que as relações não se restringem às camadas menos favorecidas da
população local, mas incluem pessoas de maior poder aquisitivo.
Esses turistas não buscaram prostitutas; buscaram sexo casual, o que, de certo
modo, reitera a noção de que existe uma motivação para o Turismo Sexual
intrínseca nos visitantes que afluem a Florianópolis, porém em uma nuança deste
que não envolveria, necessariamente, o trabalho de profissionais do sexo. É
possível que o esclarecimento final dos entrevistados, de que são solteiros, o que
justificaria seu comportamento, corrobore com esta noção:
Deixamos claro que somos solteiros, certo?! Os comentários... se vens
de férias e estás com um grupo de solteiros vais procurar isso. Diversão,
diversão, e ficar com teus amigos, na praia, fazer passeios, fazer Banana
Boat, fazer tudo o que tem aqui e que te possa fazer sentir bem. E depois
sair, conhecer mulheres e ter sexo. Usas camisinha [camisiña] e acabou!
A auto-imagem dos entrevistados revela uma percepção de que o cortejo
realizado pelos estrangeiros é o que atrai as moças da comunidade. O galanteio
ocorre pela forma de abordagem para conversar, pela disposição em dançar,
168
oferecer uma bebida, além do modo de vestir e do uso de perfumes. Talvez esses
elementos possam refletir, na realidade sul-brasileira do Turismo Sexual, o que
Piscitelli (2005a) observou no nordeste, quanto às formas de sedução que envolvem
os relacionamentos entre os visitantes e as visitadas.
Por outro lado, o grupo de entrevistados revelou um elemento que até então
não aparecera de forma mais evidente, nem nos estudos dos autores pesquisados,
nem em nossas observações, de que as mulheres argentinas exercem
comportamento similar ao dos homens, chegando mesmo à infidelidade nos
relacionamentos pela experiência de estar com um brasileiro.
Conforme o relato dos entrevistados as moças da argentina parecem seguir o
mesmo modelo de namoro ocasional o dos argentinos com as brasileiras que,
sem recorrer à prostituição exercitam a liberdade sexual. Em um tom de voz que
mesclava espanto com indignação, os turistas entrevistados revelaram que muitas
moças deixam os namorados na Argentina, vêm para o Brasil e “ficam” com rapazes
de Florianópolis, em uma relação temporária, em que a história é suprimida, pois
permanece somente nas lembranças de férias. É como na figura mitológica da
Omissão da História, a figura feliz que elimina fatores embaraçosos.
A partir de nossos estudos sobre o tema, relatos acerca do Turismo Sexual,
que envolvam o ponto de vista feminino, no assédio aos homens, o raramente
encontrados e dizem respeito muito mais a mulheres maduras, descasadas, do
hemisfério norte, que buscam sexo comercial em países caribenhos, com homens
nativos, tal é o caso de Cuba. Outro aspecto eventualmente encontrado, como
resultado de pesquisas, se refere ao turismo de pessoas solteiras, ou turismo single,
169
que procura por destinos turísticos onde o hedonismo é mais acentuado nas
relações entre os turistas, por exemplo, em Cancún (México) ou Ibiza (Espanha).
Esse hedonismo mais proeminente, ao qual fazemos referência, diz respeito a
um comportamento em que a busca pelo prazer, intrínseca às motivações de
viagem, se mostra nos excessos de uso de bebidas alcoólicas, na prática sexual
com múltiplos parceiros, no uso de drogas ilícitas, enfim, numa evasão exacerbada
do cotidiano, protegida pela scara do tempo/espaço que o momento turístico
oferece. Pode ser uma ocasião de ruptura com os códigos de conduta estabelecidos
no ambiente de convívio habitual, das relações sociais e profissionais.
Muitos turistas se encontram embalados por expectativas de vivenciar a
aventura do desconhecido, da novidade. Incongruente com a idéia de que estão em
busca do novo, de lugares diferentes, de relacionamentos distintos dos habituais, os
turistas argentinos são freqüentemente encontrados, em Florianópolis, nos
empreendimentos tusticos, ou diretamente relacionados ao Turismo, mas de
propriedade ou gestão de seus compatriotas, e que, não raro, reproduzem o modo
de vida do seu país de origem.
Percebemos, tanto nas observações quanto nos discursos dos entrevistados,
que os turistas argentinos, com freqüência, procuram, enquanto clientes, os
negócios de seus conterrâneos. De certo modo, é possível que esse
aquerenciamento seja uma resposta a um anseio de segurança no lugar
desconhecido. Usamos o termo aquerenciar no sentido de convívio, acomodação,
adaptação, em um lugar que não é o do seu nascimento, mas no qual o indivíduo
sente-se à vontade. Alguns hábitos são mantidos, trazidos na bagagem por
170
exemplo, a cuia e a bomba ou o jogo de Tejo , como se fossem uma afirmação da
identidade cultural, mesmo em um cenário diferente do cotidiano deles.
Essa aspiração por segurança fora do lugar de residência habitual pode,
também, ser refletida na principal fonte de informação turística utilizada pelos
visitantes: seus parentes e amigos. Parece que as fontes consideradas mais
fidedignas são as pessoas conhecidas.
Ao identificarmos a Dimensão de Lugar, os espaços representam
posicionamento e identificação. Na qualidade de turistas, erradicados de seu
ambiente de residência, esses argentinos se concentram em um gueto que espelha
seus hábitos e costumes, da erva utilizada no mate ao idioma, e que constituem
ambientes criados para o turismo e que os afastam da autenticidade do local
visitado.
A Praia de Canasvieiras parece ser, reconhecidamente, mais um espaço
turístico pertencente aos argentinos do que propriamente um espaço brasileiro que
os recebe. É comum encontrar o cardápio bilíngüe nos restaurantes e cartazes
promocionais de serviços que anunciam hacemos trencitas”, ou se alquila”, e ainda
na venda de produtos com a oferta de remeras
62
o idioma utilizado para a
redação é o espanhol. Existe o hábito de que os jornaleiros passem pela beira da
praia de bicicleta, anunciando os periódicos disponíveis para comercialização, e é
comum escutar a referência ao Claríne ao La Nación dois dos veículos de
Mídia impressa mais tradicionais da Argentina. Pela forte presença dos turistas da
62
hacemos trencitas= fazemos trancinhas; se alquila= aluga-se; remeras=camisetas
171
bacia do Rio da Prata (Uruguai e Argentina), a Comunicação em Canasvieiras
parece ser uma mescla de castelhano e portuñol
63
.
É possível que as constantes analogias que os visitantes fizeram, em suas
falas, à Argentina e a Buenos Aires, seja um pouco do que Barthes (1975, p. 145)
percebeu:
O residente é afinal um turista que repete seu desejo de ficar: “Habito
um dos mais belos países do mundo” frase de turista [...] “e a minha
liberdade é ilimitada” embriaguez do residente, ao qual um bom
conhecimento de lugares, costumes, da língua permite satisfazer sem medo
todos os desejos. [...] A estadia tem uma substância própria: faz do país
residencial, [...] um espaço compósito onde se condensa a substância de
várias cidades grandes, um elemento no qual o sujeito pode mergulhar.
As analogias que se reafirmaram ao longo do Discurso dos entrevistados
podem ser as vinculações com o conhecido, uma ancoragem, um mecanismo que
pode ajudar a dar significado na compreensão do desconhecido, com base no que é
familiar.
A animosidade entre os habitantes da capital federal argentina e o restante da
nação é explicitada nas falas, de certo modo corroboram com o Estereótipo de
soberba atribuído aos portenhos. O cenário de belas praias com mulheres bonitas,
conforme foi descrito pelos argentinos, dão lugar à fantasia, ao Imaginário, do que
Barthes chamaria “idílico”, em que há ausência de conflito. Em Florianópolis se
reúnem argentinos de todas as províncias e o relacionamento entre eles é
63
Neologismo que procura explicar as palavras que mesclam o Português e o Espanhol, mas sem
nenhum sentido real – sacuela, embuera, cueca-cuela...
172
harmônico. No compartilhar, parece que temos a existência da Comunicação, ao
sentimento de aproximar, dimensão simbólica, laço social.
Por outro lado, eles não evidenciaram que exista, da mesma forma, certa
hostilidade entre brasileiros e argentinos, quem sabe por estarem no Brasil ou por
serem entrevistados por uma brasileira. No entanto foi dito pelos entrevistados que o
povo brasileiro é muito servil. Essa idéia de servilismo pode significar, em parte, um
reconhecimento, uma conotação de hospitalidade, ou ainda, em um sentido mais
etimológico, do servo, denotação daquele que se presta às vontades de outro.
Bitencourt (2005) descreve que existem imóveis de propriedade de argentinos
em Canasvieiras. Durante muito tempo, a legislação brasileira proibia, ao
estrangeiro, comprar imóveis, ou manter negócios no país, e que, para fazê-lo, os
estrangeiros registravam os imóveis em nome de alguém de confiança na cidade,
em alguns casos corretores de imóveis emprestavam seus nomes para promover a
compra.
A partir da Lei 5709 de 07/10/1971, foi possível ao estrangeiro que pretendesse
imigrar para o Brasil, celebrar um compromisso de compra e venda de imóvel,
contanto que, em um prazo de três anos, fixasse residência no local. Cabe observar
que naquela época Canasvieiras era considerada área rural. É possível que alguns
argentinos tenham direcionado seus investimentos ao Brasil como forma de
resguardar suas economias da instabilidade econômica daquele país, conforme
relata Barretto (2003). Essas informações corroboram com a questão de que a
especulação imobiliária está diretamente relacionada ao crescimento turístico de
certas regiões.
173
As categorias barthesianas Mito, Estereótipo e Imaginário parecem ser
colocadas em um grande crisol, no qual, de certo modo, se fundem para formar as
representações sociais. O crisol, sinônimo de cadinho, é um recipiente em forma de
cone, que recebe os metais para a fundição. Consideramos que estas categorias se
perpassam para dar forma à Representação Social. A cristalização o Estereótipo
ritualizado pela repetição; o Mito a fala que inocenta, e que pode ser muito antigo;
e o Imaginário movimento de identificação, são mesclados, fundidos, para se
manifestarem em palavras, em comportamentos, para revelar uma visão de mundo.
Nossa tese de que a Mídia parece escolher fragmentos da Cultura para exibir
uma imagem generalizada, de certo modo se reafirma nas falas dos entrevistados: o
Carnaval, o traseiro e as pernas, a mulata, o futebol e a cerveja. Estes elementos
não são novidade enquanto signos, que representam para o turista a Cultura
brasileira, afinal, como observa Barthes (2004a, p. 109), “tudo é cultura”! que se
considerar, no entanto que essa reiteração pode ser significativa na fixação do
Estereótipo, no sentido de que renova uma interpretação, volta a fazer o caminho
que reproduz uma significação. Parece ser a mesma mensagem em circulação,
através de diferentes Formas Simbólicas, promovida pela Comunicação.
As nossas evidências podem nos impedir de ver aquilo que seria evidente.
Nesse sentido, algo pode parecer não tão contemporâneo quanto o tempo em que
se vive. É possível que a questão essencial, na extensão da explicação para a
compreensão, esteja no sentido, que é significação e finalidade, que pode se
projetar ou introjetar.
174
Quando não conseguimos perceber a finalidade de algo, pode nos parecer
insensato. A Re-interpretação é uma das leituras possíveis do corpus, analisado
nas duas etapas anteriores, não obstante, cheia da subjetividade, pautada no
intertexto, de que quem se lança na aventura semiológica da interpretação.
2.2 APRESENTAÇÃO DA ENTREVISTA GRUPAL: MOÇAS DE FLORIANÓPOLIS
CAMBAR DE BORDO
Priorizamos entrevistar os turistas, em janeiro e fevereiro, acreditando que seria
mais fácil encontrar um grupo de moças da comunidade. Essa expectativa não se
confirmou, porque muitas delas estavam trabalhando no período de rias; outras se
encontravam em momentos de lazer. Se, em relação aos turistas, procuramos não
interromper seu lazer, também respeitamos o tempo livre das entrevistadas.
Percebemos certo recolhimento das moças da comunidade local no peodo de
férias, eventualmente dispersas em algumas praias com as famílias, ou viajando, ou
trabalhando nos negócios de temporada. Notamos que, no período de verão,
permanecem em Florianópolis pessoas da comunidade de alguma forma
relacionadas com a atividade turística, ou que não estejam de férias.
175
Em uma tarde chuvosa, desta vez no Campus Central da Universidade Federal
de Santa Catarina
64
, encontramos um grupo de moças em uma sala de estudos da
Biblioteca Central. Como estavam todas com os livros e cadernos fechados, e
pareciam somente conversar, fizemos a abordagem: Apresentamos-nos, informamos
o propósito da entrevista, e explicamos que o nosso interesse era a entrevista com
moças residentes em Florianópolis e solteiras. Convidaram-nos a sentar e iniciamos
a entrevista. As três estudantes eram colegas de graduação, e concordaram em
gravar a conversa.
Da mesma forma como procedemos com o primeiro grupo, o dos rapazes,
fizemos algumas anotações de palavras-chave, utilizadas pelas entrevistadas nas
respostas aos tópicos e buscamos observar, com atenção, a linguagem não-verbal,
os gestos, a postura, a linguagem corporal – além da gravação da entrevista.
Com esse segundo grupo, o das moças, a entrevista foi mais curta, a saturação
se manifestou mais rápido, e a linguagem corporal do grupo nos deu a impressão de
que elas ficaram pouco à vontade com as perguntas.
Semelhante ao que ocorreu com o primeiro grupo, a hesitação foi mais evidente
nas primeiras perguntas. Procuramos estabelecer o rapport desde o princípio, mas
esse grupo se mostrou mais apegado a uma racionalização normativa. Ainda assim,
foi possível construirmos um ambiente em que os pontos de vista de umas foram
levados em consideração pelas outras e houve a abertura para o comentário de
suas próprias experiências.
64
Em virtude de greves na Universidade, alguns cursos utilizam os meses de janeiro e fevereiro para
compensação de aulas.
176
Os primeiros aspectos, destacados por esse grupo foram o Atrativo Turístico,
identificado como as belezas naturais, as praias, e, logo, também, foram
identificadas as mulheres, o “calor humano” e a receptividade brasileira. Na visão
dessas jovens, houve um peodo em que os argentinos escolhiam Florianópolis,
como destino de férias, motivados pelo preço mais acessível. Depois, pareceu haver
um esforço de economia durante o ano todo para usufruí-la no verão e naquele
momento, na visão das entrevistadas, os visitantes tinham um nível socioeconômico
mais elevado do que os seus antecessores.
Da mesma forma que o grupo de turistas, as moças fizeram analogias entre
Florianópolis e Buenos Aires e, Florianópolis e o Rio de Janeiro. Outra identificação
entre os dois grupos ocorreu em respostas como “boa pergunta”. O contato dessas
moças com os turistas é, a priori, mais comercial.
Ao serem questionadas acerca da imagem que os turistas teriam da mulher
brasileira, as respostas foram rápidas em identificar o carnaval e o corpo da mulher.
De acordo com essas moças, as informações externadas são do carnaval e do
futebol, da mesma maneira que foi identificado pelos turistas. Parece que estas
mesmas informações reforçam os discursos que estimulam os contatos físicos.
As características que identificam ou diferenciam os grupos sociais – a moda, o
estilo de vestir foi evidenciado nos discursos: o biquíni brasileiro é menor, as
roupas das argentinas são menos sensuais do que as das brasileiras. Quanto ao
comportamento, de acordo com as entrevistadas, as moças sul-brasileiras seriam
mais conservadoras do que as cariocas, diferença justificada pelo tipo de
colonização.
177
As relações entre as moças da comunidade e os turistas argentinos, disseram
as entrevistadas, passam por uma mudança. Antes, elas “até” casavam com eles,
agora, preferem os paulistas. Ao serem perguntadas sobre o motivo dessa
mudança, citaram duas alternativas de resposta: atualmente, Florianópolis é mais
visitada por paulistas; e, cabe-nos fazer a pesquisa para encontrar a resposta.
Ao serem questionadas sobre a possibilidade de uma preferência das moças
locais pelos turistas, em detrimento dos rapazes da comunidade, disseram que o
grande número de visitantes seria o fomentador de tais relações. Essas
entrevistadas declararam não gostar do modo de vestir nem do comportamento dos
rapazes argentinos.
Durante a entrevista, percebemos algumas características, neste grupo, que
poderiam ter influenciado o modo retraído do seu comportamento. Uma das moças
estava de aliança na mão esquerda, outra usava uma camiseta, com a inscrição
frontal “Jesus”, e outra, ainda, por ocasião da identificação das entrevistadas,
revelou, por seu endereço de e-mail, ser cristã-protestante
65
. É possível que a
referência religiosa do grupo tenha influenciado no desenvolvimento da entrevista
coletiva e nas respostas.
Logo após a transcrição da entrevista com esse grupo, ficou evidente que as
narrativas foram muito mais curtas, ponderadas, ainda que houvesse momentos de
espontaneidade. Frente a esta realidade procuramos refazer o Grupo Focal com as
moças residentes em Florianópolis.
65
O nome de uma igreja evangélica compõe parte do endereço eletrônico dessa moça, perguntamos
se ela é membro da igreja e ela nos respondeu que sim.
178
Para a segunda entrevista em profundidade, realizada com um grupo de
respondentes composto por moças da comunidade, buscamos, mediante a rede de
relacionamentos, um modo possível para constituir o grupo, quando realizar a
entrevista e o local adequado. Foi-nos oferecido trabalhar com um grupo de moças,
estudantes em uma Faculdade, em uma noite de aula, próximo ao feriado de
Páscoa, em abril de 2007.
Esse Grupo Focal foi composto por três moças, pois entendemos que seria
interessante manter o mesmo número de integrantes da edição com os rapazes, e
buscamos, outra vez, um grupo "natural" – um grupo de pessoas que forma um meio
social ao interagir conjuntamente. Solicitamos moças solteiras, desinibidas e que, de
preferência, gostassem de festas.
Foram voluntárias à participação nessa segunda entrevista, M., de 20 anos, B.,
com 19 anos e D., com 18 anos, todas residentes em Florianópolis, estudantes
universitárias. Uma das moças trabalhava na função de recepcionista em um hotel
de praia e outra era vendedora, em uma loja de um Shopping Center. A entrevista
teve lugar em uma sala de reuniões, na sede da Faculdade, afastada do ambiente
de circulação dos estudantes.
Ao iniciarmos a entrevista, procuramos conversar, de maneira descontraída,
explicando a técnica do Grupo Focal, os seus propósitos, a necessidade de
gravação, o termo de autorização de uso das entrevistas, a garantia de sigilo, e o
comportamento espontâneo esperado das entrevistadas pela entrevistadora. Quanto
ao assunto da entrevista, apresentamos apenas o nosso objetivo: identificar as
percepções sobre a relação entre turistas argentinos e pessoas residentes em
179
Florianópolis. Evitamos indicar os temas Comunicação e Turismo Sexual, a fim de
estimular respostas francas e naturais.
Nesse grupo, o estabelecimento do Rapport foi mais rápido. Fizemos uso da
linguagem, do tom de voz, e da expressão corporal para deixá-las o mais
descontraídas possível. A partir da segunda questão, foi possível percebermos a
naturalidade das respostas e a interação entre as entrevistadas.
Ressurgiu, aqui, a noção de que o Atrativo Turístico para os argentinos que
escolhem Florianópolis é, em primeiro lugar, a praia, mas logo afirmaram que
também as moças, seriam um fator motivacional. A partir daí estabeleceram a
relação com as imagens do carnaval e do top less elemento que até então não
havia sido evidenciado. A nudez feminina presente nas fotografias publicitárias de
divulgação de roteiros turísticos do Brasil, e a com a opinião de que as mulheres
daqui são muito bonitas foram citadas pelas entrevistadas nos primeiros minutos
de conversa.
Se, por um lado, os argentinos tratam com assédio voluptuoso as mulheres, por
outro, dizem que tratam com respeito o povo brasileiro, nas relações interpessoais, e
elogiam os Atrativos e as pessoas. O comportamento dos argentinos, em férias na
cidade, parece incomodar a população local: a lentidão ou a dificuldade de
deslocamento no trânsito, sujeira nas ruas e nas praias e as barreiras do idioma. As
entrevistadas identificaram que outros turistas, por exemplos, os paulistas, também,
resistem à presença dos argentinos. A sobrecarga na infra-estrutura básica do
município é sentida com a multiplicação populacional no período de alta temporada.
180
As entrevistadas perceberam uma mudança no perfil de consumo dos visitantes
argentinos: estão mais contidos nas compras do que em períodos anteriores. Ainda
assim, a impressão dessas moças é de que os turistas gostam de Florianópolis e,
por isso, acabam sempre retornando. Houve uma referência pontual à crise
econômica da Argentina, evidenciada em 2001.
Surgiram analogias na forma de ser das pessoas relativas à Ilha de Santa
Catarina e ao Rio de Janeiro. Em relação aos lugares (praias), estão, em
determinado momento, relacionadas aos aspectos físicos das mulheres e a moda:
Praia Brava, Praia Mole e Joaquina. Em outros momentos, os lugares estão
relacionados ao espaço ocupado pelos turistas argentinos em Florianópolis, o Ilha
Shopping e as praias de: Canasvieiras, Cachoeira do Bom Jesus, Ponta das Canas
e Ingleses, o citadas nas falas. Os lugares de lazer e da moda: El Divino, Ilha de
Cascaes localizados, também, em praias, Jurerê Internacional e Santinho,
respectivamente. A moda foi definida pelas entrevistadas como lugares de
freqüência dos “mauricinhos” e das “patricinhas”, ou de surfistas.
Quando questionadas sobre o perfil socioeconômico das moças de
Florianópolis que se relacionam com os turistas argentinos, reconheceram que o
acesso aos locais freqüentados por estes turistas o elitizados e requerem certo
nível financeiro. Logo, as moças locais, com maior poder aquisitivo, estariam mais
próximas dos visitantes.
Acerca da imagem da mulher, as idéias foram recorrentes: é o corpo bem
moldado, o biquíni fio dental e o top less as brasileiras são bonitas. Um registro,
um tanto diverso, feito pelas entrevistadas é o de que as moças “brasileiras” são
181
loiras, algo que fugiria à imagem cristalizada da mulata, da morena. Essas moças
informaram que há um costume, entre as mulheres locais, de clarear os cabelos.
De acordo com a opinião das entrevistadas a visão dos estrangeiros que nunca
estiveram no Brasil, com os quais elas tiveram contato, é de que as brasileiras
andam com os seios desnudos nas ruas, ou que todas são tão bonitas, quanto a
modelo Gisele Bündchen. Uma entrevistada comentou que a beleza do corpo da
mulher carioca é “humilhante” para outras mulheres.
Em relação ao comportamento, as entrevistadas definiram que as moças de
Florianópolis são “fáceis”. Para estas entrevistadas, os hábitos delas, no aspecto
afetivo-sexual, estão pautados na fugacidade dos encontros com os visitantes que,
ao retornarem ao seu lugar de residência, carregam consigo o registro do momento,
como se este fosse retirado da história da moça.
Os relacionamentos temporários das moças da comunidade com os turistas
afetam as possibilidades de se relacionarem com os rapazes residentes em
Florianópolis, conforme a opinião das entrevistadas. A suposta preferência das
moças pelos turistas parece estar baseada na relação com o que é diferente, ao
mesmo tempo em que pode ficar encoberta do seu meio de convivência.
Na opinião das entrevistadas, a ingestão excessiva de álcool aparece como
justificativa para o comportamento das jovens que “ficam” com mais de um rapaz na
mesma festa, assediam homens acompanhados, e exercem sua liberdade sexual
como evasão. Destas falas, surgiu a referência de que “ninguém é de ninguém”, que
alude a uma festa, homônima, bastante popular em Florianópolis.
182
Uma atividade de entretenimento noturno, referida na entrevista grupal, foi a
festa. Ao menos dois grandes eventos são promovidos, com certa regularidade,
alguns anos, em Florianópolis, e foram citados pelas moças: o Ladies First e o
Ninguém é de Ninguém. O formato dessas duas festas é o mesmo, relataram as
entrevistadas: primeiro, entram as mulheres, para as quais as bebidas alcoólicas são
liberadas a a meia-noite. Nesse momento, ocorre uma contagem regressiva
liderada pelo D.J.
66
– e os homens entram na festa.
Para esse grupo de entrevistadas, a Publicidade incentiva a imagem sensual da
mulher e, em conseqüência, o Turismo Sexual. O grupo alude, explicitamente, a
filmes publicitários de cerveja, e a outras peças que fazem uso da imagem da
mulher seminua. Na opinião das moças, a circulação dessas imagens, somada ao
comportamento de muitas jovens, confirma a noção de destino para tal tipo de
Turismo.
O Turismo Sexual, conforme as narrativas das entrevistadas, é freqüente, em
Florianópolis: em hotéis, inclusive de categorias superiores, nas ruas e em casas de
prostituição. O mapeamento desses espaços, citado pelas moças, indica tanto o
caminho para o Norte da Ilha quanto o centro político-administrativo da cidade.
Quanto ao gênero, englobam o feminino, o masculino e o transexual. Também se
referiram a uma possível exploração sexual infanto-juvenil, sem citar exemplos
específicos de locais de ocorrência. O episódio do Turismo Sexual nos hotéis é
negado ou ocultado pelas gerências, ainda que exista.
66
Disk Jockey, profissional responsável pela seleção e execução eletrônica das músicas nas festas.
183
Outra observação, das entrevistadas, é a prática dos hotéis de aceitar que o
acompanhante não seja registrado por ocasião de seu ingresso no local. Essa
atitude encobriria o relacionamento de homens casados com suas amantes. Para a
entrevistada, Florianópolis parece atrair os amantes.
Quanto ao aspecto da prostituição praticada pelas nominadas “Garotas de
Programa”, as narrativas das entrevistadas foram discordantes, por vezes
contraditórias, e em mais de um momento buscaram justificar essa prática.
Alternaram entre divagações do tipo “se prostituem porque não têm dinheiro”, ou
porque “não querem pedir dinheiro aos pais”, ou porque gostam de coisas supérfluas
– roupas e carros.
O termo “prostituta” foi evitado pelas entrevistadas. A contradição mais evidente
foi a de justificar que as meninas estudam nas universidades públicas e não têm
dinheiro para pagar os estudos – que são gratuitos –, mas são moças de classe alta,
pois somente esta classe tem acesso à aprovação nos processos seletivos para tais
universidades.
Algumas contradições nos discursos foram evidentes, os homens têm mais
respeito mútuo do que as mulheres, no que se refere aos parceiros anteriores,
porém os amigos do ex-namorado assediaram a moça em bate-papo pela Internet.
Na festa, “Ninguém é de Ninguém”, o rapaz “pode ser meu”, são idéias, que buscam
justificar o comportamento de certas moças ao assediarem os rapazes
acompanhados das namoradas. As moças, que assediam os rapazes
acompanhados, o desejam pela aliança, esta competição feminina envolve disputas
184
instintivas. Ou, ainda, a sugestão de que nos desfiles do concurso “Garota Verão” as
concorrentes se apresentassem vestidas, mas o evento é à beira mar.
Durante a conversa, as entrevistadas procuraram classificar o comportamento
das moças de Florianópolis, entre as “fáceis” e as “difíceis”, entre o que o homem
pode fazer e a mulher não. Ao categorizar as pessoas, elas se colocam à parte,
negando a participação em um ou outro grupo, até mesmo argumentando “eu já ouvi
falar”, “o que dizem”, “a minha amiga já”.
Nessa segunda entrevista, a interação entre as participantes foi fluida, em
muitos momentos, como se fosse uma reafirmação de que as representações em
um meio social parecem ser compartilhadas.
2.2.1 Análise Sociohistórica
Na investigação social, conforme nos ensina Thompson (1995, p. 358), nosso
objeto é “um campo-sujeito que construído, em parte, por sujeitos que, no curso
rotineiro de suas vidas quotidianas, estão constantemente preocupados em
compreender a si mesmos e aos outros”. Para tal façanha, os acontecimentos, as
ações e as falas são interpretados com vistas a um processo de compreensão.
O interesse da hermenêutica está na compreensão e no significado, em como
os indivíduos criam o mundo sociohistórico, em suas falas e ações que podem ser
captadas por outros que compartilham esse mesmo mundo.
Se a hermenêutica nos recorda que o campo-objeto da investigação é
também um campo-sujeito, ela também nos recorda que os sujeitos que
constituem o campo-sujeito-objeto são como os próprios analistas sociais,
sujeitos capazes de compreender, refletir e de agir fundamentado nessa
compreensão e reflexão (THOMPSON, 1995, p. 359).
185
Procuramos apresentar na síntese da entrevista as idéias centrais,
desenvolvidas pelas entrevistadas, onde a reiteração das considerações dos
entrevistados aparece, talvez, em duas possibilidades: em parte por serem
motivadas pelos mesmos questionamentos básicos conforme o Tópico Guia, mas,
ao mesmo tempo, reafirmam signos, que nos interessam para fins de análise.
As questões do Tópico Guia sugeriam às entrevistadas discorrerem acerca das
categorias eleitas a priori, enquanto, no desenvolver da conversa, foram espelhadas
as categorias a posteriori, encontradas no corpus do Grupo Focal com os
argentinos, quais sejam: o Carnaval, a Mídia e as Representações Sociais.
Da mesma forma que procedemos na análise da entrevista com grupo de
respondentes composto pelos turistas argentinos, foi possível identificarmos
algumas dimensões no grupo de moças, que podem reunir os assuntos versados, a
partir dos resultados da transcrição da entrevista, os aspectos que tornaram a
aparecer em diversos momentos. Mantivemos as dimensões, percebidas na
entrevista em profundidade com um grupo de respondentes, como sendo: de lugar;
o subjetivo, o lúdico e as instituições.
No que se refere à Dimensão de Lugar, na identificação dos espaços,
encontramos a evidência de analogias com o Rio de Janeiro, entre as praias de
Florianópolis, e a menção aos espaços de entretenimento. As entrevistadas também
mapearam a prostituição na porção insular da capital catarinense e a insatisfação
dos ilhéus com a sobrecarga da infra-estrutura no período de alta temporada.
As praias, referidas como lugares preferidos pelos turistas argentinos, estão
localizadas na porção norte da Ilha de Santa Catarina: Canasvieiras, Cachoeira do
186
Bom Jesus, Ponta das Canas e Ingleses. Florianópolis foi ocupada a partir do século
XVI, mas a ocupação da parte norte, acima citada data do século XVIII, com o
povoamento pela campanha migratória que trouxe os açorianos. a freguesia de
Canasvieiras foi oficializada no século seguinte e engloba Jurerê. As referências
iniciais como balneário turístico, no século XX, data do período de construção do
Hotel Balneário de Canasvieiras, na década de 1930 (BITENCOURT, 2005).
O distrito de Ingleses também foi oficializado no século XVIII e a praia do
Santinho o compõe. No século XX, o distrito de Cachoeira do Bom Jesus foi
desmembrado de Canasvieiras e levou consigo a praia de Ponta das Canas. Mesmo
que a ocupação dessa região seja secular, somente a partir da cada de 1970 a
organização territorial e a aprovação legal de loteamentos efetivaram o processo de
utilização dessas praias para fins de veraneio. A partir da cada de 1980, os
visitantes começaram a chegar em larga escala.
A presença dos turistas fomentou a criação de estruturas de lazer voltadas para
o verão, mas, também, incentivou a construção de inúmeras pousadas e imóveis,
destinados a aluguel de temporada. É freqüente a existência de imóveis que não são
utilizados para o usufruto da própria família, mas, ao serem locados para turistas
tornam-se fonte extra de rendimento aos proprietários que os utilizam somente entre
um cliente e outro, quando o fazem.
No final da década de 1980, Florianópolis logrou captar a realização de etapas
dos campeonatos mundiais de surfe como foi o caso do OP Pro e do Hang Loose
Pro Contest. Tais eventos projetaram a Ilha na Mídia internacional, em especial no
segmento esportivo, o que atraiu um novo contingente de visitantes, agora não mais
187
as famílias em busca das águas tranqüilas da região Norte da Ilha, mas um público
jovem, interessado nas boas ondas da região Leste. Foi nesse período que houve a
consagração da praia da Joaquina e da Mole, que permanecem como as principais
praias da moda. Na porção Norte de Florianópolis, a Praia Brava urbanizada a
partir da década de 1970 – é o ponto de encontro dos jovens e de surfistas.
O loteamento e a urbanização da praia de Jurerê pelo grupo Habitasul, em um
espaço que se tornou conhecido como Jurerê Internacional, fez desse local um
gueto elitizado, ao estilo dos melhores balneários estrangeiros. A praia de Jurerê
Internacional fica na porção Norte da Ilha, de frente para o continente. O perfil dessa
praia atraiu alguns empreendedores que criaram espaços de entretenimento
compatíveis com o público. É o caso do El Divino, um complexo de lazer que conta
com restaurante internacional, pistas de danças e ampla área para shows de grande
porte (mais de mil pessoas). Essa casa noturna tem uma filial no Centro da cidade
que permanece em funcionamento o ano todo.
O atual espaço do El Divino, em Jurerê, abrigou outra casa noturna, a Ibiza,
e, no centro, tomou o lugar do antecedente Café Cancun. Ambas as referências de
nomenclatura são a destinos turísticos reconhecidos por atraírem um público jovem
e hedonista.
Também na região Norte de Florianópolis, porém, voltada para o mar aberto, a
Praia do Santinho recebeu, na década de 1980, a construção de um
empreendimento hoteleiro que mudaria o perfil de sua ocupação. Consolidado como
188
um dos maiores resorts
67
do Brasil, o Costão do Santinho transformou a antiga praia
das Aranhas em outro gueto da elite. Dentro dos limites do empreendimento foi
instalada uma casa noturna conhecida como Ilha do Cascaes, que, na baixa
temporada, tem funcionamento esporádico.
A referência ao nome desta danceteria está no pesquisador Franklin Cascaes,
que promoveu um levantamento acerca das lendas sobre bruxas
68
e outras
assombrações nas freguesias de Florianópolis, que resultaram na coleção de livros
“O Fantástico da Ilha de Santa Catarina”. Pode ser pertinente essa referência à obra
de Cascaes para a desmistificação de que Florianópolis teria 42 praias, uma
informação que aparece no prefácio da coleção para esclarecer que o autor
encontrou registros de lendas “bruxólicas” em 42 praias da Ilha de Santa Catarina. O
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) catalogou 100 praias no
município
69
.
Por suas características naturais e perfil de ocupação desordenada, a capital
catarinense apresenta limites para o desenvolvimento urbano. A infra-estrutura da
cidade sofre com o aumento gradativo da população fixa e da flutuante: os
visitantes.
Conforme dados do Centro de Estudos Cultura e Cidadania (CECCA, 1997, p.
74), as terras da Ilha de Santa Catarina, originalmente possuíam “90%” de sua área
coberta de vegetação, sendo “74%, de Mata Atlântica”, “9%, composta de
67
Um resort é uma área turística, reclusa, que oferece alojamento, alimentação e entretenimento.
68
É, tamm, a partir da obra de Cascaes que Florianópolis se torna conhecida como a Ilha das
Bruxas.
69
Guia Digital de Florianópolis, 2001.
189
manguezais”, “7%, com uma vegetação de praia”, com dunas e restinga, e “4%”, por
dunas sem cobertura vegetal “dunas móveis”. Esse perfil impediria a ocupação de
grande parte do território, se fosse considerada a legislação ambiental em vigor
70
.
Basta um passeio pela cidade para observarmos a saturação do sistema viário,
com diversos s de estrangulamento, ainda que, na última cada, algumas obras
tenham sido empreendidas a fim de amenizar a situação o aterro na baía sul, para
a construção de uma via expressa de conexão entre o aeroporto e o centro, e a
implantação de alguns viadutos em pontos de maior afluxo.
A saturação que ocorre nos horários tradicionais de maior circulação de
veículos no início da manhã, ao meio-dia e ao entardecer é agravada pelo
congestionamento dos automóveis dos turistas, em especial no verão.
Conforme Krippendorf (1989), a comunidade local, muita vezes silencia a
comemoração de que a agitação turística seja sazonal e não dure o ano inteiro.
Pelas narrativas das entrevistadas, as justificativas para o “não gostar” dos
argentinos estão na sobrecarga da infra-estrutura básica, que não suporta o
atendimento das necessidades da comunidade quando se soma a uma população
flutuante que exige essas mesmas estruturas. O incômodo parece estar,
exatamente, na obrigação de a comunidade se adaptar aos visitantes, uma
adaptação nem sempre espontânea.
70
A Operação Moeda Verde, da Polícia Federal, realizada em 2007, visa a indiciar os envolvidos em
um esquema de comercialização de licenças ambientais para a implantação de empreendimentos
imobiliários, entre eles alguns turísticos.
190
A idéia de que “dá um dinheirão no verão”, alude ao que Krippendorf (1989)
considera a predominância do interesse econômico, categorizado pelo autor em
quatro grupos: do contato permanente e direto com o turista; dos proprietários de
negócios turísticos; dos habitantes que mantêm contato direto com os turistas,
embora apenas uma parte dos seus ganhos venha da atividade; e, por fim, o grande
número de nativos que quase nunca interage diretamente com os turistas.
Outro aspecto, alusivo ao Turismo, em Krippendorf (1989), se refere aos
custos sociais decorrentes da atividade, na adoção de hábitos de consumo e
comportamento dos turistas, no servilismo, ou no aumento da prostituição.
A existência do porto do Desterro, até o início do século XX, pode ter motivado
a presença de prostitutas na região, considerando o movimento de chegada e saída
de viajantes e o comércio. Pela proximidade com o antigo porto existente antes do
aterro e, também, pela proximidade com o Mercado Público e a Alfândega, a Rua
Conselheiro Mafra, no centro de Florianópolis, é uma zona de prostituição das mais
remotas, desde o início do século XX época da construção do Mercado. E é a
partir desta edificação, que inicia o trecho onde atua a prostituição feminina de rua.
As entrevistadas a referiram como a “Rua das Tias”, numa clara alusão à idade das
profissionais do sexo naquela região. Essa mesma região passou a abrigar os
pontos de prostituição masculina e de travestis.
Conforme a caracterização, descrita pelas entrevistadas, a zona de
prostituição, na parte insular de Florianópolis, ganhou novos contornos, e uma
segmentação territorial expandiu-se tanto na região central quanto na porção norte,
pela rodovia estadual que é o principal acesso aos balneários. Esse aumento da
191
prostituição é apontado por Krippendorf como custo social da atividade turística.
Sobre a utilização das expressões mercado do sexo ou prostituição, Piscitelli (2005,
p. 7-8) esclarece:
As definições correntes da prostituição tampouco contribuem para
pensar nos diversos tipos de inserção em um jogo de oferta e demanda de
sexo e sensualidade que, marcado pela mercantilização, não
necessariamente assume a forma de um contrato explícito de intercâmbio
entre sexo e dinheiro. Em outras palavras, a inserção no mercado do sexo
está longe de restringir-se à realização do que, no Brasil, é popularmente
conhecido como programas. Como exemplo, cito a conhecida figura, no
país, do “velho que ajuda”, meio através do qual, jovens das camadas
populares, inclusive garotas que o são consideradas prostitutas,
procuram apoio econômico e muitas das interações presentes nos
universos do turismo à procura de sexo, em diversas partes do mundo,
envolvendo viajantes (homens ou mulheres) dos países ricos em direção a
regiões pobres.
Ao longo da Rodovia Estadual 401 (SC 401), entre o eixo central da Ilha, no
bairro Trindade, e o seu limite final em Canasvieiras, estão instalados cerca de cinco
motéis, dos de maior evidência da cidade. Além dos motéis, ao longo dessa rodovia
estão localizadas diversas casas de prostituição, conforme as entrevistadas, tanto
feminina quanto masculina, e é possível encontrarmos profissionais do sexo, na
beira da estrada, próximos a estas casas, em especial no trecho norte da via. Muitos
pontos de ônibus, na SC 401, também são utilizados como pontos de prostituição.
Quiçá seja possível dizermos que, diferente do Rio de Janeiro, onde os turistas
sexuais buscam os espaços de prostituição, conforme narra Ribeiro (1999), em
Florianópolis parece que a prostituição recorre aos lugares do Turismo. Além do
meretrício de rua, e de uma casa de prostituição, em específico, as entrevistadas
referiram a existência de um Turismo Sexual ocorrente em Florianópolis nos meios
de hospedagem. A prática do Turismo Sexual é atividade ilegal no Brasil, quando
192
com menores de 18 anos, mas, conforme referido, ainda se silencia qualquer
manifestação de apoio ou repúdio quando se trata de pessoas maiores de idade.
Considerando que, no ambiente hoteleiro, a segurança e o bem-estar dos
hóspedes é responsabilidade do empreendimento, muitos hotéis adotaram medidas
para inibir e regular a presença de profissionais do sexo em suas unidades
habitacionais. Por outro lado, o agenciamento da prostituição por parte dos
recepcionistas de hotel é remunerado em altas cifras pelas casas de meretrício
71
,
chegando a equiparar em uma noite, através das comissões, o valor do salário
mensal do cargo.
Como mencionaram as entrevistadas, a abordagem dos profissionais da
hotelaria a presumíveis situações de exploração sexual infanto-juvenil pode ser
difícil, em parte pelos possíveis constrangimentos que podem ser gerados ao
solicitar a documentação do menor acompanhante de um adulto ou casal. A
complexidade no controle, pode, ainda, se agravar quando a pedofilia ocorre em
motéis, visto que a maior parte desses meios de hospedagem, ao primar pela
privacidade, não identifica os ocupantes do veículo, e, não havendo o desembarque
dos hóspedes, fica impossibilitado o contato visual com seus ocupantes pelo pessoal
de recepção.
Parece ser usual que as gerências hoteleiras não se manifestem a respeito da
prostituição nos hotéis, ou, quando o fazem é com um Discurso de que o
71
Em estudo realizado sobre a Prostituição nos Hotéis Executivos de Porto Alegre, Madeira (2006)
mostra, através de entrevistas realizadas com recepcionistas noturnos, que a comissão por
prostituta/dia chega a R$ 30,00, enquanto que, em média, o salário mensal para o cargo de
recepcionista é de aproximados R$ 500,00.
193
empreendimento é contrário a tais práticas. Além disso, dificilmente o hotel autoriza
entrevistas com os empregados quando o tema é Turismo Sexual.
O perfil socioeconômico das moças que se relacionam com os turistas
argentinos, conforme as observações das entrevistadas, é de um maior Poder
aquisitivo, o que possibilitaria o acesso aos locais freqüentados pelos turistas. Entre
os hábitos de entretenimento comentados nas falas, emergiram, com primazia, as
festas e o abuso das bebidas alcoólicas, além da fugacidade dos relacionamentos
o que, talvez, possa ser uma tendência da comunidade em incorporar os modos de
lazer dos turistas.
A Dimensão do Lúdico, jogo da diversão, foi explicitada, ao descreverem as
festas e os lugares de freqüência noturna. Na entrevista com as moças, essa
dimensão aproximou-se mais da Dimensão de Lugar, em relação aos espaços de
recreação.
A Ladies First é uma festa que começou a ser promovida em Florianópolis, no
final da década de 1990, seguindo um modelo de entrarem primeiro as mulheres
com a bebida alcoólica liberada, muitas vezes com os destilados tequila ou vodka.
Durante esse período, em algumas edições da festa, bailarinos exibem sua
performance com danças sensuais. Após, aproximadamente, duas horas de dança e
muita bebida, abrem-se as portas para a entrada dos homens. A festa é promovida
em diferentes casas noturnas e os ingressos têm valor mais elevado do que muitas
alternativas de entretenimento. Esse fator inviabiliza afirmarmos que é uma festa
popular. No mesmo estilo, na década de 2000, a Ladies First passou a disputar
194
espaço com sua concorrente Ninguém é de Ninguém, esta última com data e local
fixo alternado com datas e locais itinerantes:
A Ninguém é de Ninguém se firmou como a melhor marca de festas
em Floripa. mais de 3 anos, as festas vêm surpreendendo o blico
sempre com muitas novidades. As festas semestrais, com bebida liberada,
arrastam grande blico para diferentes locais da cidade, sendo sempre
inesquecíveis. As festas do site agitam as melhores boates de Floripa, uma
vez por mês, lançando ensaios das gatas da cidade e levando muita
diversão ao seu público fiel. As temporadas de verão da Ninguém é de
Ninguém ficam cada vez mais quentes. Com festas semanais no Ilha do
Cascaes, que além de ótimos shows contam com o aditivo do concurso
“Gata da Ilha” promovido pela festa. O objetivo da Ninguém é de Ninguém,
assim como de suas parcerias, é gerar lazer e entretenimento, oferecendo
ao cliente estrutura e equipe de primeira, buscando a satisfação total do
freqüentador e colaborador do evento com excelentes, estrutura,
profissionais, atrações e público
72
.
Da mesma maneira que apareceu na entrevista com os argentinos, a Dimensão
do Subjetivo – daquilo que serve ao sujeito – é expressa nas impressões das moças,
quanto às relações interpessoais, os comportamentos dos grupos, a forma de ser
dos indivíduos. As analogias entre os modos de ser, geraram, nas falas, uma
submissão, a classificação entre “fáceis” e “difíceis”, para categorizar as pessoas
que se envolvem em múltiplos relacionamentos de ordem afetivo-sexual e as que se
preservam, ou reprimem tais atitudes. Ampliada, esta dimensão pode manifestar o
juízo das entrevistadas entre as condutas que são socialmente aceitas ou não.
Os múltiplos relacionamentos afetivo-sexuais, observados pelas entrevistadas,
aludem a um modelo de relacionamento que pode ter suas origens na liberação
sexual da década de 1960, em parte promovida pelos métodos anticoncepcionais
que provêem à mulher controle sobre o seu corpo.
72
Disponível em http://www.ngng.com.br/afesta.htm em 18/04/07.
195
As entrevistadas nasceram na década de 1980, no momento em que houve o
“boom” turístico em Florianópolis, por isso, a presença de turistas deixa de ser
extraordinária, incomum, ainda que o turista possa representar um outro modo de
vida, distinto do habitual dos jovens locais.
É possível dizermos que no período dos anos 1980, as mulheres haviam
transposto as fronteiras do lar e aberto um espaço no mercado de trabalho,
assumindo novos papéis, enquanto profissional, em detrimento da tradicional função
maternal que priorizava a casa. Uma conquista que teve profundas conseqüências
no âmbito da família, em especial na desintegração da estrutura familiar. Os vínculos
familiares parecem passar por uma dinâmica que desestabiliza as relações
emocionais e a própria educação dos filhos, fora do perímetro da escola, pelos
extremos das atitudes, ora rígidas demais ora sem limites.
Também é possível que a desestruturação familiar promova, em seus
membros, a busca por novos vínculos, como forma de suprir a carência emocional e
afetiva, antes suprida no compartilhar do lar. Talvez, os jovens, com sua
personalidade em formação, sejam o recipiente de toda a carga do vazio existencial
e busquem, com mais afinco, o estabelecimento de novas formas de relação. Seja
por identificação, por afirmação, busca de novas experiências, descoberta das
modificações do corpo, ou, até mesmo, a partir da maior segurança na prevenção de
gravidez ou de doenças sexualmente transmissíveis, a sexualidade parece se
manifestar cada vez mais cedo e com maior intensidade entre os jovens. Se a
família se desestabiliza, é ela quem recebe a responsabilidade pelo fracasso de
seus membros e não a sociedade como um todo.
196
A liberação sexual feminina parece ter chegado à geração dessas moças,
caracterizada pela multiplicidade de parceiros e a desconexão entre o ato sexual e a
busca de prazer de uma relação amorosa. Ao mesmo tempo, tal liberdade sexual
parece não ter sido plenamente compreendida pelos rapazes com quem elas
convivem. Na fala das entrevistadas, percebemos essa dificuldade de interpretação
e, talvez, até de aceitação, dos comportamentos sexuais mais liberais.
B.: é, eu nunca morei fora, não sei como é que é, mas... a imagem das
meninas de Floripa ta bem... eu acho que não ta legal, assim, pelo que se
vê, assim... os meninos mesmo falam assim, eu tenho muito mais amigo
homem do que mulher, e falam “pô, ta muito difícil arrumar uma namorada
aqui!” que... as meninas não querem mesmo, não querem saber tu ta
com um, daqui a pouco ta com outro, as meninas tão muito fácil!
O Discurso das entrevistadas mostra uma opinião acerca de um padrão ideal
de comportamento, mais recatado, em que a auto-estima seja uma marca de firmeza
de caráter. De certo modo, essa noção é uma re-afirmação daquilo que observamos
em muitas das produções midiáticas brasileiras, nas quais ainda são alimentados
clichês da figura da mocinha recatada enquanto a mulher de comportamento sexual
mais liberado representa a “bandida”
73
.
A faixa etária das moças entrevistadas nos revelou um grupo essencialmente
jovem, de certo modo quase adolescente, se consideramos o termo inglês teenager,
que designa as idades que vão do teen ao nineteen, ou, em nosso idioma, dos 10
aos 19 anos uma adolescência ampliada. Observamos, em nossa sociedade, que
as expressões sexuais têm começado cada vez mais cedo, ainda que não
configurem a cópula propriamente dita, mas as carícias, o beijo na boca, tudo o que
73
O estudo desenvolvido por Messa (2006) apresenta aspectos da mulher na mídia e do “pós-
feminismo”.
197
compõe a prática social do “ficar”. É possível que os Meios de Comunicação
influenciem as atitudes das moças em Florianópolis, nos aspectos que dizem
respeito ao vestuário e aos costumes.
Na Dimensão do Subjetivo, um aspecto levantado pelas entrevistadas foi o
hábito das mulheres, do litoral catarinense, de tingir os cabelos de loiro:
M.: [...] eu ouvi um argentino que estranhou por eu ser morena, eles
acham que todas as mulheres são loiras.
B.: é
M.: e até mesmo em fotos eles acabam vendo mais mulheres loiras.
Até mesmo as morenas que pintam os cabelos de loiro.
As fotos, comentadas pela entrevistada, podem ser as mesmas utilizadas pela
Publicidade turística estadual, ou de empreendimentos do setor de hospitalidade,
que priorizam modelos loiras. A motivação feminina, para a prática de pintar os
cabelos, pode estar relacionada à etnia germânica, em Santa Catarina, que
promoveu maior enriquecimento nos lugares onde se instalou. No vale do Rio Itajaí-
Açú, foram assentados os imigrantes alemães, destinados à Santa Catarina, no
século XIX. Essa população, organizada em pequenas propriedades e utilizando
trabalhadores livres em detrimento dos latifúndios com mão-de-obra escrava
desenvolveu um processo de industrialização que ocasionou um forte
desenvolvimento socioeconômico.
Os cabelos loiros podem ser uma representação de status financeiro. Diferente
da região de colonização alemã, o litoral catarinense, ocupado em grande parte por
colonos portugueses, não desenvolveu a sua economia, com base na indústria, e,
em conseqüência, é menos representativo na contribuão econômica do estado.
198
Boa parte das mulheres, considerada sexy symbol, revestida de glamour e
ícones internacionais, usa, ou usou, os cabelos loiros. Entre as personagens
midiáticas, consumidas pelas moças desta geração, talvez seja possível
considerarmos que as entrevistadas podem ter crescido com os olhos na Televisão,
em que as loiras Xuxa e Angélica animavam programas infantis nas décadas de
1980 e 1990. Neste mesmo período, houve o surgimento e a ascensão da loira
Madonna. É na década de 1990 que inicia o sucesso internacional da modelo Gisele
Bündchen, referida pelas entrevistadas, e, também, o caso de diversas atrizes
que representaram ao menos uma personagem com os cabelos em tonalidades da
cor loira.
Outra possibilidade para tal costume pode estar nas mulheres argentinas que
reproduzem a aparência loira de Eva Perón. Envolta por uma aura protetora, a “mãe
dos pobres” foi, e de certo modo ainda é, cultuada pela nação argentina, figura de
grande destaque naquele país, quem sabe, até, um Mito político. Evita é um ícone
ainda hoje utilizado para realçar o glamour de grandes marcas da moda, por
exemplo, a Christian Dior, e é imitada, ao menos nos aspectos físicos, pelas
mulheres, além de ser adorada pelo público gay.
Talvez seja possível que os cabelos claros à beira mar tenham sido, em parte,
influenciados pelas acompanhantes dos surfistas norte-americanos e australianos
que afluíram para as praias da região leste da Ilha de Santa Catarina a partir dos
grandes campeonatos de surfe, promovidos na cada de 1980. Além de muitas
serem naturalmente claras, houve um período em que a parafina utilizada como
substância antiderrapante nas pranchas de surfe era passada sobre os cabelos e
mediante a exposição solar provocava o clareamento.
199
Não seria o caso de descartar a alternativa de que o hábito de tingir os cabelos
de loiro seja um somatório de toda essa série de possíveis influências, por nós
referida.
Mais uma vez, a ênfase à Mídia, na Dimensão das Instituições, apresenta uma
noção que permeia a idéia e o olhar do estrangeiro a respeito do povo brasileiro. No
Grupo Focal, com as moças, foi evidenciada a responsabilidade desta instituição
estrutura social constituída, que estabelece uma formação na projeção da imagem
da mulher brasileira.
Na midiação da Cultura pela circulação generalizada das Formas Simbólicas,
poucas sociedades não são atingidas, mesmo a grandes distâncias. Os dispositivos
de Comunicação, como é o caso da Internet, são citados pelas entrevistadas ao
narrarem que manm contato com amigos virtuais no Japão. Tão aproximados pela
Internet, estão, ao mesmo tempo, distanciados da informação real: os japoneses
achavam que as mulheres brasileiras andavam com os seios desnudos, mesmo em
ambientes urbanos.
A prática do topless, no Brasil, parece ter sido, historicamente, acompanhada
de polêmica. Mesmo que possa parecer normal aos olhos dos estrangeiros, e que o
topless seja freqüente no carnaval-espetáculo, nos desfiles das escolas de samba,
ele não acontece nas praias; mesmo que a Cultura brasileira seja o resultado de
uma grande miscigenação, que incluiu os aspectos afro-indígenas, povos praticantes
do topless, o hábito de não trajar nada da cintura para cima não emplacou no Brasil,
nem mesmo nas praias.
200
Por outro lado, como fruto da interconexão entre as diferentes partes do
mundo, a moda propaga padrões universais de estética, fazendo uso de ícones que
fixam as suas tendências, como parece ser o caso da modelo Gisele Bündchen:
uma das entrevistadas enfatizou o telefonema entre duas americanas, quando a
mãe, que estava em Florianópolis, era questionada pela filha, que estava nos
Estados Unidos, se todas as mulheres brasileiras seriam tão bonitas quanto aquela
modelo. A Comunicação parece propagar informações a diferentes culturas,
distintas, também, na relação geográfica, a partir de sistemas padronizados, como é
a moda
74
. Na concepção de Barthes (2004b, p. 80-81):
As revistas de moda têm uma difusão verdadeiramente maciça, fazem
parte da Cultura de massa. [...] é a projeção do Imaginário coletivo.
Veicula imagens, estereótipos, uma enorme riqueza de elementos, não
reais, é verdade, mas de tipo utópico. [...] é uma imagem estereotipada da
feminilidade.
As entrevistadas fizeram referência à proibição de postais que exibem a mulher
vestindo biquíni, uma alusão ao projeto de lei
75
aprovado em novembro de 2005 pela
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que impede, desde então, a
exibição e comercialização de cartões postais turísticos com fotos de mulheres em
trajes sumários.
A escolha dos destinos turísticos pelo turista é feita sob uma expectativa
construída e alimentada pela Mídia. O olhar do turista é direcionado por elementos
74
Na obra, o Sistema da Moda, Barthes (1979) considera esta categoria um sistema semiológico
relacionado à Comunicação. O autor a distingue em dois digos, os de vestimenta, operado em
termos de denotação; e os de retórica, que opera em termos de conotação.
75
Lei nº. 4.642.
201
visuais, por signos, conforme diz Urry (1996), como o assédio dos argentinos às
moças de Florianópolis.
2.2.2 Análise Formal ou Discursiva
Ao pretendermos uma interpretação mais compreensiva, a Análise Formal ou
Discursiva surge como um recurso semiológico, contemplando a característica da
estrutura e das expressões lingüísticas do Discurso. Thompson (1995) considera
que as unidades lingüísticas, geralmente, excedem os limites de uma sentença, são
instâncias de comunicação presentes.
Nosso olhar sobre a entrevista com as moças de Florianópolis busca refletir
sobre as categorias barthesianas, a priori, Discurso, Estereótipo, Mito, Cultura,
Poder e Imaginário – como uma categoria síntese.
Buscamos, na categoria Discurso, analisar de que modo as narrativas
poderiam apresentar a sensualidade da mulher brasileira enquanto Atrativo
Turístico. Logo no início da entrevista, na resposta à primeira questão, uma das
moças opinou, e obteve concordância das demais, que a beleza física e os trajes
diminutos das mulheres seriam um elemento atrativo para os argentinos:
D.: Também acho que praia. Claro que tem depois, né, as outras partes
[rindo] aquele que: “eu vou porque eu acho que tem mulher bonita”, “por
que eu acho que tem biquíni pequeno”. Mas eu acho que geralmente é por
praia mesmo.
Outras expressões utilizadas pelas entrevistadas, ao buscarem definir as
informações que circulam sobre a mulher brasileira, o que a “imagem não é boa”,
ou “imagem suja”, e, também, “imagem manchada”.
202
A partir do discursus latino, Barthes o considera divagações discordantes,
contraditórias. Nossas entrevistadas divagaram por idas e vindas ao buscar
interpretar a realidade, traduzi-la em palavras. Para as entrevistadas, o
comportamento das moças de Florianópolis tem se apresentado mais ousado e
volúvel, no que se refere aos relacionamentos afetivo-sexuais, refletindo-se em
atitudes de assédio a rapazes acompanhados, e a justificativa é de que tais moças
desejam colocar “aliança no dedo”.
Da mesma maneira que os rapazes entrevistados, as moças utilizaram, em sua
linguagem, uma série de gírias, os Socioletos que, no sistema discursivo, constituem
as linguagens de grupo. Os Socioletos que se fizeram presentes nas gírias utilizadas
pelas entrevistadas, com maior freqüência, foram: xaveco, pegação, ficar, curtir,
night, muvuca, balada, Patricinha e Mauricinho, folgados, mulherada, cara, meninas.
Talvez estas gírias possam ser agrupadas com aquelas que designam atitudes, os
momentos e as formas de mencionar as pessoas.
Na linguagem coloquial, para identificar atitudes, o “xaveco” alude à paquera, à
demonstração de interesse, em alguns casos usando galanteios. Curtir tem o
sentido de aproveitar. A “pegação” é sinônimo de “ficar”, ou troca voluptuosa de
intimidades amorosas. A idéia de “ficar” é empregada por jovens desde os anos
1980, para designar, contraditoriamente ao termo, uma relação fugaz. O estar junto,
a troca de carícias, às vezes o ato sexual, descontínuo, momentâneo, somente por
algumas horas, sem fidelidade, é o que o termo representa.
203
O Socioleto night traz um estrangeirismo significa noite, em inglês para
designar o passeio noturno por bares e danceterias, do mesmo modo que o seu
sinônimo, “balada”; já, “muvuca” pode ser uma confusão ou a agitação das noitadas.
O uso da palavra menina está, no Socioleto, direcionado à moça, a partir da
adolescência, e não à criança. O significado de “mulherada” se aproxima mais do
coletivo de mulher, e cara significa rapaz. Patricinha e Mauricinho são empregados
para classificar as pessoas que se vestem conforme a moda e freqüentam lugares
de maior evidência social. A gíria “folgado” significa alguém atrevido, confiado. Um
Socioleto recebe uma consistência absoluta da representação que é o sistema forte
do Discurso, um operador de intimidação imperativo.
Em Barthes (2004a), o Discurso é uma classificação significante. Nossas
entrevistadas, inicialmente, classificaram as suas conterrâneas, em “feias” e
“bonitas” em uma relação com as praias freqüentadas. Ao mesmo tempo,
procuraram se proteger de pertencer a um ou outro grupo, em certos momentos se
afirmaram assediadas, mas, também, justificaram suas atitudes negando ir a tais
praias da moda:
D.: é que, assim, só vai chamar atenção as bonitas! Claro que tem
muitas feias, mas eles não vão prestar a atenção! Assim como aqui. Por
exemplo: a Praia Brava eu... eu nunca quis ir, assim, por que é... quem ta lá
a imagem é de que vai mulher bonita, e realmente, quase que só vai...
hoje em dia mudou um pouco, mas as mulheres...
B.: na Praia Mole, na Praia Brava...
D.: é, só ia mulher bonita! Então as feias ficavam meio assim...
B.: [risos]
D.: mas aí... tu vai e tu vê, porque as feias, não chama à atenção
mesmo!
B.: é, porque na verdade essas praias aqui são meio que... essas tipo
Brava, Mole, a Joaquina, são meio que praias que são moda, né?! Moda pra
aquele...
M.: são praias pra surfista, né?!
204
D.: as Patricinhas e os Mauricinhos! [risos]
B.: é! Eu vejo nesse sentido, que... que é praia moda, assim... eu, eu
não gosto de ir pra essas praias aqui tipo assim Praia Mole, Joaquina,
Brava, por causa disso! Porque eu acho que a praia é muito... que é
aqueles grupinhos, só tem grupinhos.
D.: mmm
Depois, de acordo com as suas atitudes afetivo-sexuais, as moças foram,
novamente, classificadas, em “fáceis” e “difíceis”. O início desta divisão ocorreu a
partir da imagem projetada da mulher brasileira: – “Sim, porque junto, mesmo que tu
não queira, vai ver essas imagens, tu vai pensar: prostitutas, e... mulher fácil...”.
Ao longo da conversa, as entrevistadas foram mais específicas tanto para se
colocarem fora do grupo das “fáceis” quanto para indicarem o comportamento das
moças de Florianópolis:
B.: é, eu nunca morei fora, não sei como é que é, mas... a imagem das
meninas de Floripa ta bem... eu acho que não ta legal, assim, pelo que se
vê, assim... os meninos mesmo falam assim, eu tenho muito mais amigo
homem do que mulher, e falam “pô, ta muito difícil arrumar uma namorada
aqui!” que... as meninas não querem mesmo, não querem saber tu ta
com um, daqui a pouco ta com outro, as meninas tão muito fácil! [...]
M.: aí acaba sujando a imagem de quem é... quem quer ser respeitada,
né?! De quem não é tão... tão liberal assim, de quem é mais exigente, o
cara acha que todas.../
B.: /vão ser do mesmo jeito, né?!
D.: chegam pra ti e... ah! Tu acabou de dizer! Te tratam como se tu
fosse desse tipo, daí tu tem que mostrar que tu não é, e a pessoa acha
que tu ta querendo se fazer.
B.: é!
D.: entendeu?!
B.: é, e isso acontece bastante! [riso]
D.: tu tenta mostrar que tu é diferente e a pessoa com certeza vai achar
que não... pensa que...
M.: daí se tu vai engrossando eles te chama de grossa pra baixo!
D.: é né?!
M.: e viram as costas!
205
O Discurso das entrevistadas, por um lado, revela que as moças de
Florianópolis estão mais ousadas em seus comportamentos, por outro, nega que as
mulheres que exercem a prostituição como meio de vida sejam nascidas no local,
em um Discurso que encobre a prática dessas moças da comunidade. Nas suas
divagações, nossas entrevistadas consideram que as garotas de programa são
moças que vêm cursar o ensino superior em uma das universidades da cidade e que
acabam por se prostituir para conseguirem se manter, ou garantir certos luxos
supérfluos, por exemplo, as roupas.
D.: é, isso é outra coisa que deixa suja a imagem de Florianópolis.
Muita gente vem de fora pra fazer, sei lá, prostituição, coisa assim, aqui, e
fica com a imagem achando que as mulheres são daqui. Entendeu?! [...]
B.: grande parte, grande parte mesmo vem dá... vem dá... fazem...
trabalham no Bocarra fazem UFSC, né?!
M.: e elas nem pagam universidade!
B.: é, elas não pagam.
M.: elas só pensam em roupas, em... em materiais tipo... carros. E...
passeios... coisas assim. [...]
B.: é, dizem que o que ela tem mesmo, elas... é... andam com carrão, e
é menina com dinheiro, né?! Que trabalham... Eu tenho... até o dono da loja
onde eu trabalho que até ele falou que as meninas de [Bocarra] tem
carrão, é só... é menina novinha, eles mostram na propaganda né?! Pelo
menos as que eles mostram na propaganda, são meninas bem novinhas!
Nessas propagandas de...
Ritualizado pela repetição, o Estereótipo é uma cristalização, os signos
existem à medida que são reconhecidos. Ao buscarmos a opinião das entrevistadas
acerca do que elas entendem ser a impressão do turista argentino sobre a mulher
brasileira, as falas foram recorrentes, do que seria atrativo à imagem das moças do
Brasil:
206
D.: [...] Claro que tem depois, né, as outras partes [rindo] aquele que
“eu vou por que eu acho que tem mulher bonita”, “por que eu acho que tem
biquíni pequeno”, mas eu acho que geralmente é por praia mesmo.
B.: é verdade
e essa questão de que tem mulher bonita e tem biquíni pequeno, de
onde vem?
D.: Porque eu acho que o Brasil é muito conhecido fora por... pelo
Carnaval... ai pelo... top less, pelo... e essas coisas por causa do Carnaval,
por que muita gente desfila sem roupa, sem a parte de cima...
B.: O Brasil é conhecido como um lugar que tem muita mulher bonita.
[...]
M.: Até... nesse último Big Brother, da pra dar um exemplo, que o
cara... hãm... eles trocaram, um argentino foi pra casa dos brasileiros e um
dos brasileiros foi pra casa dos argentinos. Esse argentino, mal chegou na
casa, ele começou a dar em cima das gurias. Elogiando a mulher
brasileira “ah, elas são lindas” que “ah!”... E xavecando as mulheres
horrores, sabe?! Então esse foco que eles têm é bastante da mulher bonita,
que a... e eles querem ver as pessoas... as mulheres nuas, né?! [...]
O Estereótipo, a imagem fixa, presente nas narrativas, é a do Carnaval, que
de um traço cultural fez uso da nudez para a produção do espetáculo, que foi fixado
pela repetição, ao mesmo tempo em que revela naturalidade mostra submissão. A
própria alusão ao que significa o Carnaval, para as entrevistadas, é o de uma
desordem:
D.: até propaganda que for mostrar com foto de mulher na Argentina ou
sei lá onde, outro país, eles vão mostrar mulher de biquíni! Carnaval, mulher
sem... a parte de cima. E aí o país é conhecido como.../
B.: /muita praia, é... praia e Carnaval, e é isso, né?! Tu vai ver na praia
e é, vai ver a mulherada assim, no Carnaval tamm, então é a imagem que
passa mesmo, eles passam isso. Eles passam a mulher como uma imagem
mesmo! [...]
M.: tem uma amiga minha que saiu numa noite comigo, né?! E eu tava
acompanhada, um cara chegou puxou ela, deu um beijo, virou as costas e
saiu.
D.: bem, tipo assim, Carnaval.
B.: bem! [risos]
– como assim: “tipo assim Carnaval”?
D.: tipo assim Carnaval é todo mundo pegando todo mundo.
207
Parece mesmo que algumas mensagens podem servir de apoio à fala mítica,
por suas representações e, nesse sentido, o significado do Carnaval está presente –
a festa, o espetáculo e a baderna comportamental um Mito, antigo, mas não
eterno.
O Mito está presente nas frases, nas histórias contadas, como no caso em que
a entrevistada saiu com uma amiga que foi abraçada e beijada e logo após o rapaz
saiu sem nem dizer seu nome, “tipo Carnaval”.
Pela sua intencionalidade, o Mito pode ser identificado em algumas figuras
principais: a Vacina, a Omissão da história, a Identificação, a Tautologia, o Ninismo,
a Quantificação do Real, a Constatação.
A Vacina é uma compensação: as moças disputam os rapazes comprometidos,
pois desejam colocar “uma aliança no dedo”, ou seja, confessar o mal acidental para
camuflar o mal essencial. Se, por um lado, as moças assediam os namorados,
desrespeitando um relacionamento firmado, por outro lado é por que os desejam
para si.
Na Omissão da História, uma evaporação milagrosa da história. As
entrevistadas disseram que têm amigas que apresentaram um ou outro
comportamento, embora elas próprias não expressem muitas experiências pessoais,
e omitem a vivência ou não de algum relacionamento afetivo-sexual com os turistas.
D.: muitas mulheres são assim. Também porque são fácil de... como foi
comentado, que... “ah! Ele não me conhece, ele nunca mais vai me ver, ele
não pode sair daqui falando mal de mim!”. Que “ele vai ficar comigo e vai
embora!”
B.: é, eu acho isso também. Que elas ficam mesmo pensando que...
vão curtir ali o momento e depois não o ver mais o cara, e o cara vai
embora e acabo! [risos]
208
Na Identificação, quando o que é semelhante se coloca frente a frente ou o
negamos, ou o ignoramos ou nos transformamos nele, surge uma reverberação: as
moças assumiram a reposta de que conhecem muitas jovens que estiveram com
turistas argentinos em férias, em Florianópolis:
vocês conhecem alguma menina que tenha ficado com argentino?
Não precisa dizer o nome!
[risos]
M.: Muitas!
B.: nossa! Muitas!
D.: Muuuiiitas! Muitas!
[risos]
D.: algumas até às vezes que não são e saem pra beber e ficam
totalmente diferentes!
B.: é! Nossa muitas!
D.: principalmente quando é esse negócio da pessoa que é de fora,
porque daí... elas fazem as escuras as coisas pra não.../
B.:/ é pra ninguém saber! Eu conheço muitas também!
M.: hã-ham!
A figura mitológica da Tautologia caracteriza o mesmo pelo mesmo,
protegendo-se por trás de uma argumentação autoritária, um refúgio: é assim por
que é, sem muita explicação. As relações afetivo-sexuais são vistas de diferentes
maneiras pela sociedade, aos homens seriam permitidos múltiplos relacionamentos;
às mulheres, não, sob pena de ficarem malvistas:
B.: é isso, que pra homem é diferente da mulher... né?! Pra homem
não pega tanto, homem... sai como bem, mulher não. Mulher sai como...
M.: até mesmo porque desde criança o pai diz: “meu filho faz isso e
aquilo”.../
D. e B.: /é!
M.: “a minha filha não”, “filha eu te protejo”
209
D. e B.: /é!
B.: e essa é a diferença da imagem do homem pra mulher, né?! Vai
ficar o.../
O Ninismo expõe dois contrários, buscando se equilibrar, mas não é nem um
nem outro. Ao classificarem as jovens entre feias e bonitas, as entrevistadas
consideram que em todos os lugares ambos os tipos de mulheres podem ser
encontrados, haveria o equilíbrio, ainda que somente as bonitas “chamem à
atenção”, mas elas não se consideram nem feias, nem bonitas.
A figura da Quantificação do Real, expressa no percentual atribuído pelas
entrevistadas quanto à veiculação da imagem da mulher seminua, absolutiza: “eu
acho que quase 100%. Por que publicidade e propaganda toda vez que vão
fotografar tem mulher na revista”, ou, ainda, quando afirmam que “tem foto de
mulher, [em] quase toda banca de jornal e revista, né?! Quase 100% das revistas
são direcionadas às mulheres”.
A Constatação, o provérbio, o lugar-comum, aceitar sem questionamento:
“gosto não se discute, se lamenta”, foi a resposta de uma das entrevistadas ao
comentar as atitudes das moças de Florianópolis entre “fáceis” e “difíceis”.
Elegemos a categoria Cultura para contemplar de que modo o intercâmbio
cultural e as relações sociais ocorrem no encontro entre visitantes e visitados. As
entrevistadas apontaram alguns comportamentos habituais dos turistas: andam em
grandes grupos, deixam lixo na praia, o se esforçam para compreender o idioma,
em síntese, são “folgados”.
210
B.: Eles tratam muito bem o brasileiro, assim... é impressionante como,
o brasileiro até não gosta muito, né?! Pelo menos lá na praia, eu tenho casa
e... não gostam muito porque são conhecido até porque, como um povo
meio sujo, que deixa tudo meio jogado, assim... só que... só que eles
gostam bastante assim dos brasileiros. Eles elogiam e são... eles gostam do
povo brasileiro.
M.: O florianopolitano, o manezinho da ilha, realmente ele não gosta
de... de argentino, por que ele suja a cidade. A parte de turismo, que eles
gostam de receber o dinheiro, é uma coisa. Mas a parte de, de destruição,
assim, é... eles já não gostam.
essa resistência que tem aqui por parte do ilhéu é em função de
sujeira mesmo?
M.: é, sujeira, de... de... de desrespeito às vezes até no trânsito.
B.: é eles são folgados!
D.: é e até acham chato assim, que nem... de novo eu vou a falar do
meu hotel! Hoje chegou um pessoal de São Paulo, brasileiro, pra se
hospedar lá. eles tinham uma reserva. O cara, a primeira pergunta que
ele fez: “tem muito argentino perto do meu quarto?” [risos]
B.: é verdade!
D.: então, eles não... e assim, pode até não ser verdade, eu voltei pra
faz pouco... mas assim, tem muita gente que tem a... não gosta de... dos
argentinos, por achar assim, que... que os argentinos vêm pra cá, querendo
que a gente um jeito de entender eles, que eles nos entendam, que a
gente faça de tudo pra eles, mas que se a gente for pra lá, eles não tão nem
aí se a gente vai entender o que eles tão falando. Não que eles vai entender
nós e tal ... eu nunca fui pra lá, mas é o que dizem!
B.: eu fui e é! Na verdade sim, eles vem pra cá e acham que a gente
é obrigado a entender eles, né?! E já lá não. [...]
você falou que acha que eles são folgados, me explica melhor esse
folgados [falando com B.]
B.: folgados no sentido de... na praia por exemplo. Eles vão ficam em
um monte, a gente ta num canto na praia, eles vem e não querem nem
saber se tão em cima de ti. É... deixam tudo jogado na praia, não tão nem
ligando se a praia ta limpa, eles não deixam como tava antes. E... eu
praticamente nasci na praia, e sempre teve este problema com argentinos.
A Cultura é uma língua, declara Barthes (1975); é o conjunto das conversas,
fragmentos malcompreendidos, o intertexto. Alguns dos relatos das entrevistadas
dizem mais respeito a fragmentos de conversas do que a um comportamento
observado. A dificuldade de compreensão idiomática, presente nas falas das
entrevistadas, pode ser, em parte, fruto da não-percepção de que pela pronúncia,
211
em língua portuguesa, com sotaque castelhano, os brasileiros o consigam
identificar uma palavra dita em português.
Na Cultura, um campo de dispersão das linguagens, em que existe uma
porção que o outro não compreende. Para Barthes, a Cultura é uma língua, é o que
fica, um reconhecimento de forças.
O contexto histórico do erotismo brasileiro tem raízes no colonialismo. Desde a
época do descobrimento parece haver uma tendência do relacionamento sexual
como manifestação da hospitalidade. Ainda que não envolvida a retribuição
financeira, ou a consumação de uma cópula, é possível considerar a submissão aos
estereótipos.
Se a sensualidade brasileira é um traço cultural, não necessariamente significa
licenciosidade irrestrita ou generalizada, assim compreendida pelos brasileiros, do
mesmo modo não o é pelos estrangeiros.
O Poder é a libido dominandi e, nesse sentido, a sexualidade parece ser,
também, uma forma de afirmação. Essa energia psíquica que procura o prazer se
apresenta, no Discurso das entrevistadas, ao se referirem às disputas sexuais entre
as moças pelos rapazes:
B.: é, até eu vejo, eu... também terminei meu namoro pouco tempo,
mas... quando tava com ele as meninas, meu Deus, em cima! Parece que a
gente atrai, eles atraem mais quando ‘ta’ namorando do que quando ‘tão
solteiro.
M. e B.: é!
D.: com certeza!
B.: então é uma coisa que... que é impressionante, as meninas não tão
nem aí se ta namorando ou não ta...
M.: Pra ver se coloca aliança no dedo! [risos]
212
B.: é, se não querem... parece que a aliança atrai mesmo, atrai mais do
que quando não ta...
D.: elas querem mostrar que elas podem... que elas têm o poder de te
tirar/
B.: /é! Podem mais do que.../
D.: /o poder de te tirar.../
B.: /é! Ta podendo mais do que a namorada!/
M.: /é e pode tirar o teu namorado/
O Poder influencia, é libido dominandi, permeia as formas de relações sociais,
conforme Barthes. A dominação e o prazer, a idéia de “que elas têm o Poder de te
tirar [o namorado]”, talvez queira mostrar um controle sobre a situação.
O domínio sobre o próprio corpo, este corpo como fonte de prazer nos contatos
externos, talvez seja a evidência do Poder, que impõe um ritmo de vida, de
pensamento, de Discurso. No desenvolvimento psicofísico do ser humano, a Libido
é deslocada, produz prazer nos contatos com o mundo externo, e guarda
reminiscências que podem ser manifestas na vida adulta. Essas características
foram referidas pelas entrevistadas quando as questionamos acerca do perfil das
moças que “ficam” com argentinos:
– E quem vocês vêem ficando mais com argentino? Das meninas
daqui, tem um perfil?
D.: Guria oferecida. Guria que... sei lá!
B.: é que eu acho que... é... aquelas que vão pra night e bebem, e...
não tão nem aí.
D.: Mas se fosse pra elas pensar será que seria sério com uma pessoa
assim? Acho que não queriam!
B.: não é mais tipo...
– Mais o clima de balada?!
B.: É. Não no sentido de talvez ter alguma coisa séria, mais por... por tá
ali, por... ficar e deu. Bebe e.../
D.: /Por experiência!
B.: É!
213
As expressões de gratificação oral como a bebida e o beijo na boca do “ficar”
refletem a Fase Oral. Os exercícios de controle, a autoridade sobre a experiência, e
o Poder remete à Fase Anal. Os resquícios da Fase Fálica podem ser manifestos na
vulnerabilidade e na instabilidade afetivo-sexual.
Enquanto forma prazerosa, o Poder, talvez, também seja manifesto na própria
relação afetivo-sexual, quiçá como forma alternativa às limitações socioeconômicas
de outras formas de expressão ou de desfrutar o tempo lúdico. A noção de
hedonismo, manifestada na atividade turística, reforça a idéia da busca de satisfação
em um prazer imediato, individual, e que pode ser relacionado com o sexo.
O que atrai as meninas daqui a ficar, ou a querem ficar com
argentinos?
D.: Primeiro acho que é por diferente, por poder dizer que ah! Peguei
um cara doutro país!”
M.: Também se o cara tiver dinheiro pelo status dele.
B.: É só porque o cara ta viajando...
Por trás de certa xenofobia da população local, quanto aos turistas que visitam
Florianópolis, “ficar” com o estrangeiro pode significar o desejo de dominar o
dominador, ou mesmo, certo “status”, por namorar o turista. Existe a força do desejo,
a figura da fantasia, num sentido lacaniano, no Imaginário, analogia entre imagens,
um movimento de identificação. O desejo pode ser articulado com um sistema de
significações.
Na fala das entrevistadas, o Carnaval e a nudez feminina seriam parte da
cristalização do Estereótipo sensual da brasileira, e este seria alimento do
214
Imaginário turístico dos argentinos. A impressão do estrangeiro sobre a mulher do
Brasil, para as moças entrevistadas, parece ser da beleza e do top less:
B.: O Brasil é conhecido como um lugar que tem muita mulher bonita.
D.: até no caso, nós não estamos falando do Japão, mas eu falo com o
pessoal do Japão pela Internet e eles achavam que as mulheres andavam
normal, sem a parte de cima da roupa! Assim, como se fosse a coisa mais
linda do mundo! [...]
D.: é, eu trabalho num hotel na Praia Brava, né?! Aí, também não é no
caso argentino, mas tem... tinha uns americanos hoje no hotel... e eu
era a única que falava inglês no hotel, eles pediam pra mim ajudar eles
com tudo... e a... a americana, ligou pros Estados Unidos para falar com
a filha dela, e a filha dela queria porque queria saber se todas as mulheres
eram parecidas com a Gisele Bündchen! Achavam que todo mundo era
igual a ela, sabe?!
Dois países, Japão e Estados Unidos, e uma modelo, Gisele Bündchen, são
mencionados pelas entrevistadas. Em Barthes, vimos que o Imaginário é
desconhecimento, e os japoneses teriam a fantasia de que as mulheres brasileiras
andariam pelas ruas com os seios desnudos. A outra referência estrangeira, desta
vez norte-americana, sugere que as mulheres, no cenário tropical brasileiro,
poderiam ser tão belas quanto a modelo. Na concepção de Barthes (1997, p. 29),
a portadora do vestuário (o manequim fotográfico) é, por assim dizer, um
indivíduo normativo, escolhido em função de sua generalidade canônica, e
que representa, conseqüentemente, uma ‘fala’ cristalizada, desprovida de
qualquer liberdade combinatória.
A figura da fantasia requer lugar, cenário e, no Imaginário das entrevistadas,
as mulheres cariocas têm um corpo perfeito, o que causaria um sentimento de
humilhação às mulheres de outros estados brasileiros. Na opinião da entrevistada, a
215
perfeição corporal das cariocas é um Estereótipo, uma via atual da verdade que,
pela repetição, nutre o Imaginário:
B.: é, muito que eu escutei também falar que ah ir pro Rio é
humilhante pra mulher, porque tu vais pras praias de e as mulheres são
perfeitas. Já escutei de muitas conhecidas que vem, conhecidas que são de
São Paulo que... uma amiga minha foi, que é de São Paulo, e ah foi pro Rio
passar um tempo pra conhecer as praias e falou que “ah não, é
humilhante as mulheres!” de lá, que as mulheres tem uns corpos!
É possível que essa observação seja uma analogia entre imagens, um
movimento de identificação, no momento em que os produtos midiáticos, alusivos ao
Rio de Janeiro, em grande parte, exibem como cenário a praia, e selecionam belas
mulheres. Nas praias cariocas nasceram muitas modas em relação aos trajes de
banho, como foi o caso do biquíni fio dental, o que pautou muitos produtos da Mídia
– imagens que reanimam a ordem simbólica, que articulam significantes.
Enquanto produto da Mídia, a Publicidade teria, na visão das entrevistadas, a
responsabilidade por fazer uso do Estereótipo sensual feminino e alimentar com ele
o Imaginário sobre as brasileiras:
M.: na verdade eles focam bastante na mulher de biquíni, mas se vais
colocar uma foto de praia tem que ter uma mulher deitada. A gente quase
não homens, por exemplo, só de sunga. fio dental, eles focam
bastante na mulher brasileira. Dizem que a mulher brasileira são as mais
bonitas, né, no mundo, então... [...]
M.: eu acho que quase 100%. Por que Publicidade e Propaganda toda
vez que vão fotografar tem mulher na revista... é... bem...
B.: e eles não podem, né, fazer da mulher só uma imagem
D.: até Propaganda que for mostrar com foto de mulher na Argentina
ou sei onde, outro país, eles vão mostrar mulher de biquíni! Carnaval,
mulher sem... a parte de cima. E aí o país é conhecido como.../ [...]
B.: não, e a até a imagem se for ver da mulher no... em propaganda...
em propaganda de cerveja, a mulher de biquíni, a bunda da mulher/
M.: a... Juliana Paes naquela Propaganda, “dá aquela viradinha”, ela:
“na, não vou dar”, ela vira, depois volta e: “virou, viu?”, “virou de novo!A
imagem que eles tem é sempre essa
216
B.: hã-ham! Eles fazem Propaganda e é isso, né?! Em Propaganda
eles botam... a mulher é... é biquíni, é bunda...
Ao elegermos essas categorias, nosso propósito foi o de estudar, a partir do
olhar das moças de Florianópolis, a formação do Estereótipo sensual da mulher
brasileira no Imaginário do turista argentino.
Em síntese, no Discurso de cada grupo social, o Socioleto se apresenta
através das gírias, das expressões e, não obstante, nas idas e vindas deste
Discurso, o comportamento das moças de Florianópolis é submetido, pelas
entrevistadas, a uma classificação significante: feias ou bonitas, ceis ou difíceis.
A cristalização de um único sentido, ritualizado pela repetição, mostra como um
Estereótipo a imagem da mulher brasileira, de modo sensual, vinculada ao
Carnaval e aos trajes de banho usados à beira-mar e nos desfiles das Escolas de
Samba.
O Mito, presente nas histórias contadas, apresenta suas figuras através das
falas das entrevistadas. Na Cultura, há uma porção que o outro não compreende, e,
no encontro entre visitantes e visitadas, é possível que a incompreensão se
manifeste em ambos.
Da mesma forma, o comportamento das moças de Florianópolis parece
expressar a libido dominandi, o Poder, exercício de liberdade sexual
incompreendido ou contestado pelas entrevistadas.
217
O Imaginário parece se reafirmar, como a ressurgência de águas profundas
que vem à superfície, na qualidade de uma categoria-síntese, e nela contemplamos
as demais categorias eleitas a priori.
2.2.3 Interpretação e Re-Interpretação
A Hermenêutica pode oferecer, conforme lemos em Thompson (1995, p. 362),
“uma reflexão metodológica sobre a natureza e tarefas da interpretação na pesquisa
social”. O enfoque da HP deve considerar de que modo os sujeitos interpretam as
Formas Simbólicas, ou seja, como são percebidas pelas pessoas que as produzem
e as recebem em suas rotinas.
Enquanto que na Análise Formal ou Discursiva o desvelamento do significado
ocorre a partir de uma fragmentação, na terceira etapa da Tríplice Análise uma
reconstrução criativa dos possíveis significados. É como uma busca pela explicação
interpretativa do que é representado – uma interpretação da interpretação, por assim
dizer.
Ao iniciarmos a entrevista com o Grupo Focal das residentes, buscamos,
primeiro, a opinião das moças a respeito do que seria o atrativo turístico que motiva
a vinda de argentinos para a costa catarinense, mais precisamente para
Florianópolis. A praia parece ser o elemento principal, o primeiro a ser lembrado,
entretanto, logo ressurge a figura feminina, a mulher na qualidade de atração capaz
de motivar o fluxo tustico.
As características associadas à imagem da mulher, nas falas das entrevistadas,
remetem a aspectos pontuais, específicos e bastante vinculados ao Carnaval, como
2
18
é o caso do top less. O que seria a festa, uma expressão da Cultura popular, surge
nos discursos de maneira estereotipada, significando muito mais a desordem do que
os festejos. Porém, enquanto festa da carne, o Carnaval se reafirma, como no
paganismo: vestem-se as fantasias da aparência e a máscara das diferentes
personas, numa representação daquilo que, talvez, não seja a realidade, ou, ainda,
que seja a realidade disfarçada de si mesma.
Por sua vez, a Dimensão das Instituições evidencia a Mídia, através das
narrativas das entrevistadas, na responsabilidade pela produção e circulação das
Formas Simbólicas, em mensagens que cristalizam sentidos e fomentam o
Imaginário dos turistas.
Certas mensagens, por suas representações, podem servir de apoio à fala
mítica, entre as quais a Publicidade. O filme publicitário de uma sandália foi gravado
no Xingu, com a modelo Gisele Bündchen, que aparece de topless, mesmo que os
seus seios não estejam à mostra, pois estão cobertos pelos longos cabelos e pelos
colares. A modelo usa trajes indígenas e tem o seu corpo sendo pintado pelas
índias, enquanto, fora da oca, os índios fazem a dança da chuva.
A nudez das índias, os seus seios desnudos, impressionou os primeiros
viajantes europeus que chegaram ao Brasil. O mundo oferece ao Mito um real
histórico, conforme narra Barthes (2003b, p. 234), “definido pela maneira como os
homens o utilizaram”. O Mito restitui uma imagem natural deste real. Nesse sentido,
o Imaginário dos japoneses é povoado pela fantasia de que as mulheres brasileiras
andam pelas ruas com os seios desnudados, um registro no qual o sujeito cola uma
imagem.
219
A amizade virtual da entrevistada com pessoas do Japão surgiu pela mediação
da Comunicação que a Internet possibilita, e corrobora com a noção de que a
circulação das Formas Simbólicas se apresenta em um ambiente globalizado. A
modelo Gisele Bündchen, referida pelas entrevistadas como a figura feminina
brasileira reconhecida fora do país, pode ser outra representante da circulação da
FS na Globalização da Comunicação.
Outra referência a uma Forma Simbólica, que pode ser coadjuvante na
propagação e cristalização do Estereótipo sensual da brasileira, está nos cartões
postais. Usados como meio de Comunicação entre quem es viajando e quem
permanece no local de residência habitual, os cartões postais podem ser uma forma
tradicional de expressar a tipicidade do lugar visitado, ao apresentarem em uma das
faces uma fotografia
76
. Nesse sentido, as entrevistadas aludem à determinação
legislativa, implantada no Rio de Janeiro, com o intuito de proibir o uso de imagens
de mulheres em trajes sumários.
É plausível que no encontro das diferentes culturas, promovido pela atividade
turística, haja uma incompreensão quanto aos modos de vida de um ou outro povo.
Ao exemplificarem as relações entre os visitantes e as visitadas, as nossas
entrevistadas fizeram menção a um reality show exibido na televisão brasileira, que
tem seu equivalente na Argentina, para descrever que os homens argentinos
assediam as mulheres brasileiras. De certo modo, é possível que esse exemplo,
76
Em relação à fotografia, Barthes (1984) sugere que para perceber seu significante é preciso
considerar que ela tem algo de tautológico, define o mesmo pelo mesmo. Refletir sobre a
fotografia coloca o sujeito entre duas linguagens, uma crítica e uma expressiva. Barthes (1984)
observa que a foto, pode ser objeto de três intenções, ou de três práticas, ou de três emoções:
“fazer, suportar, olhar”.
220
enquanto forma de ancoragem, seja uma maneira de expressar a onipresença da
Mídia televisiva na vida cotidiana, afinal, as entrevistadas disseram que “sempre tem
participação da Mídia”, e “a dia sempre está em cima” – ao analisarem a formação
da imagem da mulher.
Por essas narrativas, parece que se evidencia o uso exploratório do corpo,
especialmente o feminino na Mídia, mesmo que não seja algo exclusivo do Brasil. O
próprio Carnaval perdeu muito de sua espontaneidade, para se tornar um espetáculo
midiático, produzido para o consumo nos meios de Comunicação de massa,
estereotipado em sua produção artística.
Não obstante, as entrevistadas aludiram a uma Comunicação interpessoal
entre os argentinos que visitaram o Brasil e seus conterrâneos, em que a noção de
que a brasileira é sexualmente disponível se reforça nos discursos, a partir do quê
os turistas viveram ou observaram em Florianópolis. De certo modo, é possível
dizermos que as Formas Simbólicas manifestam uma dominação de gênero.
Ao considerarmos as falas das entrevistadas, é possível notarmos que, na
Dimensão do Subjetivo, além dos aspectos classificatórios, a respeito do
comportamento das moças de Florianópolis, parece haver uma conotação de
gênero, quanto à sexualidade, ao procurarem delimitar as condutas que seriam
aceitas ou não por parte das mulheres.
O comportamento feminino é criticado na narrativa das entrevistadas; as
mulheres estão “fáceis”, no sentido de que é simples para o homem obter favores
afetivo-sexuais, uma conduta que seria aceita por parte dos varões, mas não das
moças. A experiência de estar com o estrangeiro, seja por certo status de novidade,
221
ou pelo fato de que, quando o visitante retorna ao seu lugar de origem leva com ele
o segredo do momento vivido em Florianópolis, parece justificar o comportamento
daquelas que se envolvem com os turistas.
Ao serem questionadas sobre relacionamentos com argentinos, as
entrevistadas não assumiram a eventual ocorrência entre elas próprias, porém,
projetaram, como um mecanismo de defesa
77
, que conhecem moças que
“ficaram” com turistas, da mesma forma que, ao criticarem os grupos sociais que se
reúnem em determinadas praias, elas se colocam fora de tais comportamentos.
A projeção de ações socialmente inaceitáveis sobre outros está
relacionada a sistemas de defesa primários, cujos traços permanecem ao
longo de toda a vida. A defesa, ainda que tenha sua origem no sujeito
individual, pode ser tanto exacerbada como diminuída, dependendo das
práticas discursivas que estão em torno do sujeito em desenvolvimento
(JOFFE, 2003, p. 316).
De forma antagônica, as entrevistadas consideram que, ao mesmo tempo em
que as moças estão mais volúveis, com múltiplos parceiros, elas também desejam
“aliança no dedo”, símbolo de compromisso afetivo, de certo modo uma
representação de fidelidade. No momento em que as mulheres assumem atitudes,
antes atribuídas com exclusividade ao gênero masculino, parecem não ser bem
aceitas, nem mesmo no ambiente social feminino.
Apesar de uma suposta apropriação de comportamentos masculinos, como é o
caso do assédio, as moças se refugiam sob a máscara da embriaguez que, em
77
São recursos psicológicos que ajudam o indivíduo na adaptação emocional a determinadas
situações (JOFFE, 2003).
222
parte, pode estimular ou, em parte, pode encobrir o comportamento licencioso. A
prática sexual parece se situar na oposição entre o exercício de Poder feminino
sobre seu próprio corpo e o reforço do Poder masculino sobre o corpo da mulher
sem perder de vista que a nossa alusão ao Poder se abriga em Barthes (1997),
Libido dominandi, que permeia todas as formas de relações sociais.
A população local, de Florianópolis, convive com os visitantes em seu momento
de ser turista. Urry (1997) sugere que a produção turística cria ambientes que visam
a constituir um sistema de ilusões, que aliviam o viajante do peso da realidade. O
comportamento das pessoas em férias tende a não ser uma reprodução de seu
cotidiano, pelo contrário, com certa freqüência, se manifesta de maneira a
extravasar as pressões rotineiras. Os visitados podem assimilar os hábitos de
consumo, adotados pelos visitantes que estão em um momento de evasão.
Na Dimensão do Lúdico, parece mesmo que os hábitos comportamentais dos
turistas em férias são incorporados pela população local, com ênfase no abuso do
álcool e nos múltiplos relacionamentos afetivo-sexuais, de acordo com os
comentários das entrevistadas.
D.: algumas até às vezes que não são e saem pra beber e ficam
totalmente diferentes!
B.: é! Nossa muitas!
D.: principalmente quando é esse negócio da pessoa que é de fora, por
que daí... Elas fazem as escuras as coisas pra não.../
B.:/ é pra ninguém saber! Eu conheço muitas também!
M.: hã-ham!
B.: nossa muitas até com esse o comportamento, que cada night que
vai é uma pessoa diferente ou até na mesma noite é...
D.: é, dois, três [risos]
B.: é! Nossa! Eu conheço menina que ficou com sete na mesma
night!
223
As falas das entrevistadas evidenciaram uma classificação, das moças
florianopolitanas, entre “fáceis” e “difíceis”, ao categorizar aquelas que se envolvem
em vários relacionamentos e as outras se não se submeteriam a esse
comportamento, o que pode ser uma manifestação de juízo quanto às condutas
socialmente aceitas ou não.
No processo de formação da identidade, as pessoas dissociam os
“objetos” (ou pessoas) do mundo ao seu redor, em grupos bons e grupos
maus. Essas dissociações naturalmente também são geradas por divisões
ocorridas na história de suas respectivas sociedades. Quando ocorrem
mudanças ameaçadoras no ambiente social, as representações da
mudança servem para dar às pessoas um sentimento de controle da
situação potencialmente incontrolável (JOFFE, 2003, p. 317).
O olhar, lançado pelas entrevistadas sobre os turistas argentinos pode ser
comparado à idéia de um “mal necessário”, algo que não se deseja, não obstante,
dele se necessita. Para as entrevistadas, os argentinos assediam as brasileiras,
mesmo quando estão acompanhados, por isso são “folgados”. Além disso, deixam a
praia e a cidade sujas, eles dirigem mal, e exigem a compreensão idiomática por
parte dos visitados, e não se esforçam para entendê-los. Contudo, são esses
turistas que trazem as divisas para a região, mesmo que, na atual conjuntura
econômica, já não gastem tanto quanto outrora.
A relação entre visitantes e visitados parece reproduzir uma lógica de consumo,
de prestação de serviços, mediante remuneração, sem que se estabeleçam
intercâmbios culturais, sem um convívio capaz de estabelecer um conhecimento
mais profundo do outro. Seria uma predominância do interesse econômico.
As narrativas das entrevistadas denotam que os argentinos parecem ter
consideração pelo povo brasileiro e pelo local, motivo pelo qual voltam sempre,
224
todavia, a recíproca parece não ser verdadeira, no momento em que tanto o ilhéu
quanto os brasileiros de outros estados rejeitam o modo de ser dos visitantes.
O Turismo, talvez, nem sempre seja capaz de promover a relação de
alteridade, conforme idealizou Torre Padilla (1997), ao entender o fenômeno turístico
como um meio de compreensão e amizade entre os povos, ou mesmo de
Comunicação, visto que esta carrega em seu significado a idéia de ser o produto de
um encontro social, de um processo de compartilhar.
No Discurso das entrevistadas é possível vislumbrarmos que na Dimensão de
Lugar elas procuraram marcar a ocupação dos espaços em uma classificação
significante, e, ao mesmo tempo, uma projeção, um mecanismo de defesa por
negarem freqüentar um e outro espaço: ambientes de turistas, ambientes de
evidência do público jovem, ambientes de prostituição.
A apropriação territorial, em Florianópolis, parece ganhar atenção no momento
em que foi desencadeada, em maio de 2007, a operação Moeda Verde, com o
intuito de indiciar os envolvidos no comércio de licenças ambientais. Nessa atividade
da Polícia Federal, alguns dos lugares turísticos, referidos por nossas entrevistadas,
foram envolvidos no processo, e seus responsáveis legais chegaram a receber
mandado de prisão temporária. As licenças ambientais, em questão, seriam um
contrasenso aos limites de desenvolvimento da infra-estrutura básica da cidade para
o atendimento a sua população, o que alude à predominância do interesse
econômico, nos destinos turísticos, criticada por Krippendorf (1988).
Foi reiterado pelas entrevistadas que a ocorrência do Turismo Sexual é
silenciada, ainda que evidente em determinados locais. Mesmo no momento em que
225
se reconhece a existência de um Turismo Sexual, a referência, também, é projetiva,
como se fosse possível isolar o problema em um grupo social.
Nas falas das moças, ficou explícito que existe o Turismo Sexual em
Florianópolis, e que se apresenta com diferentes matizes, caracterizado pelo
meretrício, tanto de rua quanto em prostíbulos, ou mesmo nos hotéis, inclusive os de
categorias superiores, envolvendo a prostituição masculina e feminina e a
exploração sexual infanto-juvenil.
As duas principais idéias associadas ao Turismo Sexual são de prostituição
quando envolve mulheres maiores de idade, e de exploração sexual quando envolve
crianças e adolescentes. As expressões usadas pelas entrevistadas refletem,
principalmente, esses dois grupos, o feminino e o infanto-juvenil.
Em 1995, na Assembléia Geral da Organização Mundial do Turismo (OMT), no
Cairo, foi elaborado um documento intitulado Declaracion de la OMT sobre la
Prevencion del Turismo Sexual Organizado, rechaçando esta prática, considerada
exploradora e subversiva dos objetivos fundamentais do Turismo. A mesma
declaração previa a mobilização dos governos no sentido de advertir aos turistas
contra a participação na atividade, em especial em relação a crianças, e estimular os
meios de Comunicação em ajudar o setor na ação de prevenir toda forma de
Turismo Sexual organizado. Esse documento oficializou a posição que a OMT
manifestava em suas discussões sobre o tema.
O Congresso de Estocolmo, realizado pela entidade, em agosto de 1996,
priorizou a introdução de uma agenda de ação contra a exploração sexual infantil
pelo Turismo. E, em março de 1997, a EMBRATUR apresentou, internacionalmente,
226
a sua proposta. A partir daquele momento, houve um esforço do Instituto junto aos
órgãos responsáveis pelo Turismo para mudar a chamada apelativa, no que se
refere à nudez feminina na promoção turística.
Ao procurarmos por peças publicitárias turísticas não encontramos, nos últimos
10 anos, fotografias que enfatizassem a nudez feminina na promoção de
Florianópolis, ou de Santa Catarina, exceto por algumas cenas em filmes de
divulgação que, eventualmente, continuam mostrando o traseiro das moças com o
biquíni modelo “fio dental”.
As entrevistadas marcaram bem a presença da prostituição ao longo da rodovia
que acesso aos balneários, que ficam ao norte da Ilha de Santa Catarina, na
mesma estrada que abriga alguns motéis e casas de meretrício. Se o olhar do turista
é construído por signos, e esse sujeito se inflama à procura de sinais, de
demonstrações, encontra nas placas, que anunciam os empreendimentos ligados à
prostituição, e na presença de profissionais do sexo na rodovia, os elementos
visuais que confirmam a erotização do lugar.
No entanto, no Discurso das entrevistadas, a relação das moças da
comunidade com os turistas argentinos não é percebida como uma forma de
Turismo Sexual. Tampouco, as moças que atuam nos prostíbulos mais caros são
denominadas, pelas entrevistadas, de prostitutas. Elas seriam garotas de programa,
e, pela descrição que obtivemos, a maioria é de universitárias, inclusive de classes
mais altas. Da mesma forma, a narrativa das entrevistadas marcou a projeção das
ações socialmente não aceitas sobre outros, ao negarem que tais moças seriam
naturais de Florianópolis.
227
As pesquisas de Piscitelli (2006, p. 219-220) mostram que nos depoimentos
disponíveis no site World Sex Archives
78
são contrastadas as cidades nordestinas
com as cidades do sul do país, estas últimas consideradas de classe social mais
elevada. A pesquisadora descreve uma linha de conversação capturada do site em
março de 2003:
Floripa, sem dúvida, é uma bela cidade... mas não é o melhor lugar
para o hobby [turismo sexual]... você pode encontrar algumas não
profissionais de férias, mas não se impressionarão com um gringo, a
maioria são garotas de classe alta de São Paulo, Porto Alegre ou
Argentina... Recife e Fortaleza são mais adequadas.
Diferente do que foi encontrado por Piscitelli (2004, p. 298), ao estudar o
Turismo Sexual, em Fortaleza, onde as moças de classe média “intercambiam sexo
por bens e vantagens materiais”, parece que em Florianópolis as práticas que
envolvem esse grupo social são de pagamento direto, no caso das garotas de
programa, ou são exercício da liberação sexual, no caso das que “ficam” com
turistas.
Nossas entrevistadas comentaram a existência do Turismo Sexual nos hotéis
de Florianópolis, inclusive, nos de categoria superior. Enfatizamos essa classe, pois,
muitas vezes, a prostituição ocorre em hotéis de camada inferior mediante a
cobrança de frações de horas ao invés de diárias. A posão dos meios de
hospedagem em relação a essa prática, consoante com as nossas observações,
parece corresponder a três possibilidades: a tolerância, o incentivo e a intolerância.
78
http://www.worldsexarchives.com/ é uma base de dados interativa com objetivo de fornecer
informações sobre a prostituição a partir do relato de experiências e fotografias fornecidas por seus
usuários.
228
Alguns hotéis toleram a presença de profissionais do sexo para atender à
demanda de seus hóspedes, com certa assiduidade: são executivos que recorrem
aos serviços sexuais e utilizam a unidade habitacional para tal. Outros meios de
hospedagem incentivam a prática ao oferecerem aos hóspedes um book, como um
cardápio, com profissionais do sexo, que freqüentam o hotel quando solicitação.
A postura de intolerância pode ser reconhecida com maior constância em hotéis
nordestinos que aderiram a campanhas de combate ao Turismo Sexual, entretanto,
barrar a presença de profissionais do sexo pode ser difícil no momento em que o
visitante estrangeiro faz o registro de acompanhante.
Uma das entrevistadas que trabalha na recepção de um hotel de praia, de
categoria superior, comentou haver presenciado a hospedagem de homens
argentinos com suas amantes, por vezes, brasileiras, por vezes argentinas. Mesmo
no cadastro dos hóspedes pode ser difícil perceber uma situação de Turismo
Sexual, pois os profissionais do sexo que atuam em meios de hospedagem não
usam vestimentas que os caracterizem de maneira estigmatizada.
Na fala desdobrada do Discurso foi possível observar as tentativas das
entrevistadas de interpretar os tópicos que propusemos, a partir das questões de
pesquisa e das intervenções que surgiram no desenvolvimento da conversa. As
linguagens de grupo, designadas por Barthes de Socioletos, permearam a fala das
moças.
Todavia, nos chamou a atenção as divagações discordantes, ao procurarem
dar sentido ao motivo que leva jovens universitárias à prostituição, um efeito de
teatralização do Discurso: precisam sustentar os estudos, mas estão em
229
universidades públicas; são ricas, mas não querem pedir dinheiro aos pais; andam
de carona, mas têm carrões e gastam com coisas da moda.
A cristalização, ritualizada pela repetição, sustenta o Estereótipo de que a
brasileira é bonita e sensual, pela maneira com que é mostrada nas fotografias, nos
postais, nos filmes publicitários são as matérias-primas da fala mítica, que
pressupõem uma consciência significante. O Mito, a Omissão da História, naturaliza
a nudez e a apresenta através das Formas Simbólicas.
A Cultura é o que fica, um campo de dispersão das linguagens, em que parece
se reafirmar a porção que o outro não compreende, seja da comunidade local em
relação aos forasteiros ou o contrário. Por sua vez, o Poder permeia as formas de
relação social, a dominação e o prazer, autoridade sobre o próprio corpo.
Na força do desejo, na analogia entre imagens, o Imaginário pode estar
alimentado pela fantasia, referente ao que representa o estrangeiro, outrora o
dominador, e, agora, quem sabe, submisso à dominação da mulher nativa. O
Imaginário das moças pode estar manifestado nas alusões à aparência, à beleza,
ao corpo físico e à roupa que compõe elementos para a sedução.
O intertexto é o conjunto, diz Barthes, de nossas leituras, de nossas conversas,
e é possível que o nosso intertexto faça surgir, neste momento, a lembrança do
olhar de Maffesoli (2005) ao contemplar a Comunicação, a socialidade e o corpo, em
seus ensaios sobre o Mistério da Conjunção.
O que foi frívolo na Modernidade, aquilo que foi relegado, aparece no centro
dos acontecimentos, como expressão das emoções coletivas. Conforme propõe
230
Maffesoli (2205), a experiência compartilhada no Turismo gera um valor, a partir da
comunhão de emoções, da partilha de sensações. Pode ser como um grande
cadinho no qual se misturam as identificações múltiplas, na experiência coletiva, no
vibrar em comum.
O Turismo surge na modernidade, e se insurge, hoje, na emergência do lúdico,
do festivo. Enquanto termo tem sua epistemologia no latim, tornare, no sentido de
giro, volta. Enquanto fenômeno social, e comunicacional, o Turismo parece ser um
rizoma
79
, elemento da botânica, talo com uma constituição específica, que sob a
terra se espalha horizontalmente, criando raízes que formam novas plantas
independentes, mas que são partes de uma mesma planta.
A metáfora do rizoma ajuda a compreender que o Turismo não pode ser
explicado por modelos estruturalistas, mas que é preciso contemplar esse fenômeno
no contexto das múltiplas relações que promove em uma dinâmica orgânica, na
efervescência das formas ritualizadas.
Nesse giro para fora do entorno habitual, o turista parece ficar imerso na
própria concepção qualitativa da existência, no hedonismo difuso, da sociedade do
desejo, revestido pela máscara da persona, que pode ser, ao mesmo tempo,
identificação e escudo de proteção na obscenidade, no sentido de estar na frente da
cena.
No corporeísmo, do corpo que encontra e roça outros corpos, a interatividade
do Turismo Sexual se mostra na acentuação do aspecto tátil da existência. No
79
Metáfora utilizada por Barretto (2000, p. 19).
231
ressurgimento cíclico desse fenômeno da conjunção de elementos sensuais, a idéia
colonialista da prostituição como sinônimo de hospitalidade parece trazer de volta a
idéia de apropriação sexual dos antigos senhores sobre seus escravos. Parece
mesmo que a Pós-Modernidade pode ser uma sensibilidade específica que renasce
em épocas diferentes (MAFFESOLI, 2005).
A reciprocidade se confunde nos limites entre a consumação, a escolha e a
entrega servil, nas diferentes modulações do hedonismo (MAFFESOLI, 2005), entre
as camadas da população motivadas pelo desejo e aquelas impulsionadas pelas
necessidades em ambas prevalece a estetização da existência. A estética, como
cultura dos sentimentos, lógica comunicacional, garante a conjunção de elementos
até então separados.
O Turismo Sexual parece ganhar espaço no vencimento do tédio, na quebra da
uniformidade, através das explosões de consumição que teatralizam o interesse pelo
presente e o simbolismo que une a outros.
Na virtualidade da Mídia contemporânea parece haver muito de sensível, uma
capacidade de captar os sentidos, que é o não-verbal a globalização relativizada
pelo corpóreo o que remete à concepção de hiper-realidade. O cyberespaço é
como uma extensão do mundo real.
232
RE-INTERPRETAÇÃO FINAL
A interpretação tem, também, um papel de síntese, pois procura reunir os
resultados da Análise Sociohistórica e da Análise Formal ou Discursiva, objetivando
mostrar o sentido das Formas Simbólicas, conforme compreendidas pelos sujeitos
que constituem o campo-sujeito-objeto. No entender de Thompson (1995, p. 380): “é
um trabalho que exige tanto uma sensibilidade às características estruturais das FS,
como uma consciência das relações estruturais entre indivíduos e grupos”.
Ao nos lançarmos na aventura da Interpretação estamos projetando um
significado possível, dentre muitos outros, como uma leitura potencial da vida, das
relações sociais. É proposta da Hermenêutica torná-la compreensível. Na Mitologia
romana, Mercúrio é um deus mensageiro, e por isso representa o comércio, as
viagens e a Comunicação. Seu equivalente, na mitologia grega, corresponde a
Hermes, o deus dos comerciantes, que guiava os viajantes nas estradas
(GUIMARÃES, 2004). A Mitologia greco-romana parece favorecer uma aproximação
entre a Comunicação e as viagens, origem do Turismo.
A reiteração parece ter marcado presença de forma a acreditarmos que não
seria o volume numérico de entrevistas que nos traria a contribuição qualitativa ao
233
estudado, mas a representatividade
80
desses sujeitos e a profundidade das falas, até
o limite em que os entrevistados mostraram estar à vontade para conversarmos.
O nosso olhar foi lançado com o objetivo geral de estudar, através da
Hermenêutica de Profundidade, a participação da Comunicação na promoção do
Turismo Sexual, e interpretar suas manifestações nos relacionamentos entre
turistas argentinos e moças da comunidade em Florianópolis.
Entre o Grupo Focal, realizado com os turistas argentinos, e o outro, com as
moças de Florianópolis, utilizados como corpus em nossas análises, houve uma
primeira tentativa de entrevista grupal, que descartamos da análise por uma postura
mais retraída das respondentes. Mesmo assim, algumas falas desse grupo foram
pertinentes ao estudo, no que se refere às reiterações.
Ressurgiu, entre todas as pessoas entrevistadas, a idéia de que a natureza é o
principal Atrativo Turístico, manifesto pelas praias e pelo clima, seguido de perto
pela idéia de “calor humano” ou de “meninas”, para fazermos uso dos mesmos
termos que os sujeitos da pesquisa enfatizaram. O tamanho diminuto do biquíni
brasileiro foi comentado nos dois Grupos Focais com as moças da comunidade de
Florianópolis; já, a imagem da brasileira vinculada ao Carnaval e a exposição do
corpo feminino surgiram em todas as entrevistas.
As analogias entre as cidades de Buenos Aires, Rio de Janeiro e Florianópolis
estiveram presentes nas três entrevistas. Por sua vez, o futebol, foi citado na
80
Gil (2006) sugere que a Amostragem por Acessibilidade ou por Conveniência se aplica aos estudos
exploratórios ou qualitativos, em que o pesquisador seleciona elementos a que tem acesso que
possam representar o universo.
234
entrevista com os rapazes argentinos e na entrevista com o primeiro grupo de
moças.
Entre as duas entrevistas realizadas com moças da comunidade, foi comum a
idéia de que o perfil socioeconômico dos turistas mudou, em relação aos argentinos
está mais elitizado do que outrora, e o volume de turistas brasileiros é maior, do que
de estrangeiros. Reincidiu a noção de que a desvalorização cambial da moeda
argentina alterou, também, a motivação de viagem: antes, os turistas argentinos
vinham ao Brasil por ser mais barato para passar as férias, agora vêm por que
gostam das praias e das pessoas.
Em ambos os Grupos Focais as moças revelaram que as informações,
disponibilizadas sobre o Brasil pelas Mídias reforçam o Discurso que parece
incentivar o contato físico-sexual com a população local. Do ponto de vista dos
argentinos, eles não teriam uma idéia sobre a mulher brasileira não fosse pela
televisão, e esses receptores declararam que são alimentados pelas imagens
midiáticas do Carnaval-espetáculo.
O assédio dos argentinos às brasileiras foi evidenciado em todas as alocuções
femininas, e confirmado pelos rapazes ao declararem que os argentinos o
galanteadores em suas falas. As entrevistadas compartilham a idéia de que a
imagem da mulher brasileira é transmitida além de uma liberação, como de uma
disponibilidade sexual generalizada. Pelo olhar dos argentinos entrevistados, essa
imagem se confirma no comportamento das moças com quem eles se relacionaram
em suas férias em Florianópolis.
235
A motivação de viagem, desejo e fantasia que povoam o Imaginário dos
argentinos que escolhem o Brasil como destino turístico, parece estar, a priori, nos
atrativos naturais, que o os responsáveis pela escolha dos turistas, mas sem
perder de vista que a motivação sexual acompanha esses visitantes de forma
complementar. Ou seja, as praias, combinadas com a sensualidade atribuída ao
povo brasileiro, compõem a atratividade que faz convergir o fluxo de turistas. A idéia
de sensualidade da mulher brasileira, conforme o Discurso dos argentinos, é
comunicada pela Mídia e pelos comentários de seus conterrâneos.
O Atrativo Turístico evocado nas primeiras impressões dos respondentes de
nossas entrevistas é a característica tropical da paisagem brasileira. Ele aparece
tanto no Discurso dos turistas quanto das moças da comunidade. Parece haver
uma idéia de paraíso que permeia o Imaginário turístico sobre o Brasil e sobre
Florianópolis.
Ao estudarmos as inter-relações culturais promovidas pela Globalização da
Comunicação, na propagação das idéias, na circulação de mensagens para além do
contexto em que as Formas Simbólicas são produzidas, percebemos que o Turismo
promove o encontro entre os visitantes argentinos com os visitados brasileiros ao
reuni-los, em um mesmo lugar, Florianópolis. No entanto, essa reunião pode não
produzir um entendimento.
Foi reiterada nas entrevistas com as moças da comunidade, tanto no primeiro
quanto no segundo grupo, a evidência de que a presença dos turistas gera
incômodo à população local, e, em ambos os casos, houve referência à produção e
acúmulo de lixo nas ruas e nas praias. Por outro lado, na primeira entrevista o
236
barulho dos turistas argentinos apareceu citado como inconveniente, e, na segunda
entrevista, a reclamação se referiu ao trânsito.
A percepção da alteridade pode ocorrer a partir dos modos de vida contrastes,
seja pelo convívio com diferentes costumes no encontro com os visitados, seja do
próprio turista que reconhece seu comportamento em férias como sendo diverso do
habitual. Por outro lado, algumas tradições são mantidas pelo visitante, talvez por
uma busca de ancoragem daquilo que é percebido em relação às vivências
anteriores, ao que é conhecido.
Nos relacionamentos entre as pessoas residentes em Florianópolis, um destino
turístico, e os visitantes argentinos, as percepções acerca deste encontro foram
conflitantes. Para os argentinos, a população de Florianópolis, e as brasileiras com
quem se relacionam, deve entender que eles estão em férias. Para as moças,
parece que o comportamento dos turistas é inconveniente, gerado pelo oposto,
porque na comunidade nem todos estão em férias. O momento de férias, que
constitui um espaço de evasão para o turista, parece constituir, também, um espaço
de invasão à rotina da comunidade receptora.
A relação entre visitantes e visitados parece enfatizar a predominância do
interesse econômico ao reproduzir uma lógica de consumo, sem que se
estabeleçam intercâmbios culturais, sem um convívio capaz de estabelecer um
conhecimento mais profundo do outro.
O comportamento diverso do habitual, característico dos turistas argentinos em
férias em Florianópolis, parece ser uma expressão das identificações múltiplas, no
vibrar em comum, na experiência coletiva, manifesto nas falas dos turistas que
237
aludem à festa, ao Carnaval, ao futebol, à cerveja, ao desfrutar do momento: uma
forma de hedonismo.
A sexualidade aparece nos discursos dos grupos entrevistados em uma
denotação de prazer corporal, mas com uma conotação de dominação, de Poder,
no mesmo sentido proposto por Barthes, de libido dominandi, ora sobre o próprio
corpo, ora sobre a outra pessoa. É admissível, a partir desta categoria, entender o
Turismo Sexual como um exercício de Poder sobre o outro, por parte de quem o
pratica.
Nas narrativas dos entrevistados, ao tentarem apresentar a imagem que têm do
Brasil e da mulher brasileira, emergiu nossa tese de que as Mídias parecem
selecionar aspectos da Cultura brasileira, exaltando uma imagem generalizada a
partir de fragmentos. As mulheres brasileiras parecem ser objeto de consumo na
função sexual servil, que outrora subjugou a mulher negra e, quem sabe, permaneça
inscrito na memória de nossa sociedade.
O fenômeno da Comunicação propaga idéias em diferentes culturas, também
distintas em regiões geográficas, através das mídias. A circulação de mensagens,
através da Globalização, mobiliza significado para além do contexto social, no qual
as Formas Simbólicas são produzidas. Parece ter sido concomitante ao
desenvolvimento tecnológico a circulação das Formas Simbólicas, o que coincide
com o crescimento turístico ocorrido em Florianópolis a partir da década de 1980.
O Discurso que se compôs, a partir do que os turistas viveram ou observaram
em Florianópolis, exalta a noção de que a brasileira é, sexualmente, disponível. As
mulheres assumirem atitudes, antes atribuídas como de exclusividade masculina,
238
parece não ser uma idéia bem aceita, nem pelos rapazes entrevistados, nem mesmo
no ambiente social feminino. O Discurso turístico parece ter promovido o Brasil e
sua imagem, com ênfase no apelo sensual, como característica da hospitalidade
nacional.
Constituído pelo retorno de signos idênticos que se repetem, o Discurso se
mostrou nas falas dos argentinos ao estabeleceram analogias, mas, também, no
reafirmar características de servilismo e sensualidade do povo brasileiro, e fazer
referência a aspectos que marcam o país: o Carnaval, o futebol, a cerveja, o corpo
da mulher.
Ao serem perguntados sobre a imagem que eles têm da mulher brasileira, os
turistas argentinos responderam que essa imagem está mais relacionada ao
Carnaval, aos atributos físicos, e à cor da pele, referindo-se à mulata. O
Estereótipo, cristalização de um único sentido da palavra ritualizada pela repetição,
pode ser percebido com força nas falas que aludem à imagem da brasileira. A noção
que parece estar cristalizada centra-se, em primeiro lugar, no Carnaval, na nudez e
nos atributos físicos específicos: traseiro e pernas femininos, as brasileiras são
fogosas.
Ao estudarmos a formação do Estereótipo sensual da mulher brasileira e a
cristalização da idéia do sexo como expressão da hospitalidade, encontramos
referências nas raízes históricas do país, do descobrimento, passando pelo
colonialismo, pela modernidade, até os dias atuais. O que parece ter iniciado com o
interesse sexual das índias pelos aventureiros portugueses, foi transposto aos
239
escravos negros que serviam aos senhores de engenho e seus convidados, também
na sujeição sexual.
Ao longo do tempo, a sensualidade da mulata parece ter sido agendada em
diversas Mídias, na música, na literatura, no cinema, na televisão, contribuindo para
a cristalização de um Estereótipo da mulher brasileira. A idéia de que os brasileiros
são negros, mulatos, escuros é justificada pelos entrevistados pela alusão ao
Carnaval e ao futebol: o Mito, uma fala que não nega, não esconde nada, mas
simplifica.
Em relação à categoria Mito, é possível trazer de volta a citação de Barthes
(2003a, p.68): Mito do Paraíso [...] representação de um optimum climático:
‘paraíso’; sua origem nos países quentes”: parece ser o Mito que pano de fundo
ao Imaginário.
O Carnaval, que seria a festa, uma expressão da Cultura popular, foi citado
nos discursos, com uma conotação mais à desordem do que aos festejos. Porém, a
festa da carne se reafirma no Carnaval, como o foi no paganismo, ao se vestirem as
fantasias da aparência e a máscara das diferentes personas representação que
talvez seja, ou talvez não seja a realidade.
A Cultura é o que fica. Por seu comportamento ou por seu modo de vestir,
visitantes e visitadas foram categorizados pelos respondentes. A Cultura está em
toda parte, é a escuta das diferenças, um campo de dispersão das linguagens, em
que sempre uma porção que o outro não compreende. É possível que no que
encontro das diferentes culturas, promovido pela atividade turística, haja uma
incompreensão no que se refere aos distintos hábitos de um ou outro povo.
240
A diferença cultural parece evidenciar-se na desigualdade e no exercício do
Poder, que permeia as formas de relação social, a dominação e o prazer, a
autoridade sobre o próprio corpo. A categoria Poder envolve o desejo, o domínio, o
reconhecimento, e surge nos discursos dos entrevistados quando eles se põem em
comparação e se auto-reconhecem melhores do que os demais. Pode ser uma
manifestação do desejo de domínio, do consumidor-rei, quando se evidencia que a
relação dos visitantes com a comunidade local é unicamente comercial.
As atitudes de conquista dos visitantes perante as visitadas remontam a uma
razão primitiva de aguçar os sentidos básicos – visão, cheiros, audição, suprir com a
bebida e o rito da dança que vai simular os movimentos sexuais. É a preparação
para o acoplamento, para a cópula. A prática sexual parece se situar na oposição
entre o exercício de Poder feminino sobre seu próprio corpo e o reforço do Poder
masculino sobre o corpo da mulher. Talvez, as Formas Simbólicas manifestem uma
dominação de gênero.
A Libido dominandi que é o Poder utiliza o Estereótipo, imagem fixa, que, pela
repetição, alimenta o Imaginário, essa incerteza de verdade. O cenário lugar à
fantasia que enche o sujeito da enunciação. O que alimenta o Imaginário dos
turistas e que parece motivar é o mesmo que dá pano de fundo: as praias, o clima, o
calor, as mulheres são bonitas, simpáticas, acessíveis a uma conversa. A expressão
do Discurso dos turistas designa um Imaginário a respeito de suas férias em
Florianópolis: o lugar, o clima e as mulheres – as figuras da fantasia.
Por sua vez, para as moças o turista pode representar o estrangeiro que
outrora foi o dominador e, agora, quem sabe, esteja submisso à dominação sexual
241
da mulher nativa. O Imaginário das moças pode estar manifestado nas alusões à
aparência e ao possível status advindo do relacionamento com os visitantes. Ainda
que o turista possa representar um outro modo de vida, distinto do habitual dos
jovens locais, a sua presença em Florianópolis deixa de ser extraordinária, incomum,
para a geração das moças entrevistadas. É possível que os Meios de Comunicação
influenciem as atitudes das moças em Florianópolis, além dos aspectos que dizem
respeito ao vestuário, mas nos costumes.
A Comunicação pode atuar na promoção do Turismo Sexual, tanto através
das dias quanto nas relações interpessoais, e como isto se manifesta na
desigualdade da percepção que os visitantes e as visitadas têm sobre os
relacionamentos afetivo-sexuais entre turistas argentinos e moças da comunidade
em Florianópolis.
Os rapazes entrevistados estão na faixa etária de 27 a 30 anos, as moças de
18 a 20 anos, o que significa dizer que eles nasceram entre 1977 e 1980, e elas
entre 1987 a 1989; ambos pertencem a uma geração que cresceu com os olhos na
televisão o aparelho institucional responsável, em parte, pela difusão seletiva das
Formas Simbólicas. Parece ser a televisão a alimentadora de informações, a
responsável pelo estabelecimento de uma janela para o mundo.
A possibilidade de controle da mulher sobre o seu próprio corpo, fomentada
pelos métodos anticoncepcionais contemporâneos, pode ter sido a promotora dos
múltiplos relacionamentos afetivo-sexuais. A liberação sexual feminina parece ter
chegado à geração dos sujeitos entrevistados caracterizada pela multiplicidade de
parceiros e a desconexão entre o ato sexual, busca de prazer, de uma relação
242
amorosa, e, ao mesmo tempo, tal liberdade sexual parece não ter sido plenamente
compreendida por muitos jovens.
É possível que a desestruturação familiar, tão presente em nossa sociedade,
promova, em seus membros, a busca por novos vínculos para suprir a carência
emocional e afetiva, outrora provida no compartilhar do lar. A personalidade em
formação dos jovens pode ser um recipiente da carga de vazio existencial, no
estabelecimento de novas formas de relação. A sexualidade parece se manifestar
cada vez mais cedo e com maior intensidade. As expressões sexuais têm começado
cada vez mais cedo, mesmo que não configurem a cópula propriamente dita, mas a
prática social do “ficar” as carícias, o beijo na boca. Por outro lado, nas falas dos
entrevistados notamos uma dificuldade de interpretação e, talvez, até de aceitação,
dos comportamentos sexuais mais liberais.
Percebemos que o Turismo Sexual, na condição de parasita do fenômeno
turístico, de modo orgânico, não pertence ao Turismo, no entanto, está nele, na
condição similar a um organismo que vive em outro organismo, dele obtendo
alimento e causando-lhe dano. O Turismo Sexual parece munir-se da submissão
sociocultural e da pobreza, situações em que a pessoa não escolhe de forma livre e
consciente; são conseqüências da exclusão social.
O Turismo Sexual, conforme nosso estudo em Florianópolis, se configura
como a viagem que engloba, além do uso dos equipamentos e serviços turísticos, o
sexo com a população local do destino. Pode acontecer na eventualidade dos
"amores de verão", sem envolver a exploração sexual ou a prostituição. Na
qualidade de manifestação da liberdade sexual, pode ocorrer em camadas
243
socioeconômicas mais elevadas. Talvez não seja um serviço prestado por
remuneração, e, sim, uma motivação de viagem intrínseca ao turista.
Florianópolis não é rotulada como um destino de ocorrência do Turismo Sexual.
Essa atividade parece ser silenciada, mesmo que ela seja evidente em
determinados locais. A referência das moças da comunidade à existência de um
Turismo Sexual é projetiva, como se fosse possível isolar o problema em certos
grupos sociais: garotas de programa, prostitutas, travestis.
Nas falas das moças, a existência do Turismo Sexual se apresenta com
diferentes matizes: o meretrício de rua e em bordéis; prostituição masculina e
feminina, e a exploração sexual infanto-juvenil nos hotéis. Nesse sentido, é possível
dizer que as duas principais alusões ao Turismo Sexual são de prostituição, quando
envolve mulheres maiores de idade, e de exploração sexual, quando envolve
crianças e adolescentes.
A existência do Turismo Sexual nos hotéis de categoria superior em
Florianópolis foi comentada pelas entrevistadas. É possível observar três tipos de
posicionamento dos gestores de empreendimentos hoteleiros a essa prática: o
incentivo, a tolerância e a intolerância. Nos casos de incentivo pode haver a oferta
dos serviços sexuais comissionada pelos profissionais do sexo ou seus
agenciadores aos hoteleiros ou empregados. A tolerância acontece quando o hotel
não incentiva, mas aceita a freqüência de profissionais do sexo em suas
dependências. Por sua vez, a intolerância é combativa à atividade e procura
constranger ou impedir a prostituição nas unidades habitacionais do meio de
hospedagem.
244
Uma evasão exacerbada do cotidiano e protegida pela máscara do
tempo/espaço que o momento turístico pode oferecer marca o hedonismo
proeminente, que diz respeito a um comportamento em que a busca pelo prazer,
intrínseca às motivações de viagem, se mostra nos excessos de uso de bebidas
alcoólicas, na prática sexual com múltiplos parceiros, no uso de drogas ilícitas. É
possível que o momento turístico seja uma ocasião de ruptura com os códigos de
conduta estabelecidos no ambiente de convívio habitual e das relações sociais e
profissionais.
Algo que pareceu plausível, a partir de nossas leituras, para categorizar o
Turismo Sexual, se mostrou através deste estudo: parece mesmo existir uma
modalidade dessa atividade, na qual os turistas viajam com a motivação principal de
fazer sexo, e esta motivação determina a escolha do destino de viagem. Por outro
lado, encontramos, em nossas pesquisas, turistas que optam por certo destino em
virtude dos seus atrativos, porém, trazem consigo o desejo de sexo como elemento
complementar da viagem. Da mesma forma que o foi na Antigüidade, a viagem
continua sendo um meio de Comunicação.
A pesquisa em Ciências Sociais aplicadas busca a compreensão dos
fenômenos, o que abre espaço contínuo para novas investigações, uma vez que a
sociedade é dinâmica, e as múltiplas relações humanas. Entendemos que o estudo
por hora apresentado se encontra na condição de uma primeira etapa, não
conclusiva, sobre o tema.
A idéia de uma verdade científica, existente em outras áreas do conhecimento,
parece inexistir nas Ciências Sociais. O que se pode encontrar são contemplações,
245
olhares sobre aspectos da realidade. Há possibilidade de lançar novos olhares sobre
as diferentes dimensões históricas, sociopolíticas e culturais no que tange à
Comunicação e ao Turismo Sexual, a partir da ingerência das Mídias, dimensões
que poderiam ser objeto de estudo em um pós-doutorado.
246
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252
APÊNDICES
253
ANDICE A – GRUPO FOCAL 1
Grupo Focal 1: Rapazes Argentinos - 44’38’’ Parcel Diving Center, dia
01/02/2007 as 16h
- Pondrían decirme qué les motiva a elegir Florianópolis para pasar las
vacaciones? Por que Florianópolis
M: En realidad por las playas, por que en Argentina son muy diferentes. Eso es en
principio lo que a mi me parece. Eso solo.
- [son muy diferentes] Pero por el precio, por la calidad…
M: Los precios me parecen a mi que son… el nivel de vida me parece a mi que es
más económico que Buenos Aires, y si que no tiene la vida nocturna que tiene
Buenos Aires. Nada que ver. Pero si las playas, o sea, por disfrutar el día es muy
diferente de lo que hacemos en Buenos Aires.
- y a los otros ¿?
D: Yo pienso lo mismo. También las playas, también conocer… hay más
tranquilidad que las cosas argentinas, que se encuentran… también los lugares
turísticos por recorrer, para disfrutar, y para variar un poco también. El cambio.
L: Yo creo que fue para conocer, a margen de que no conocía, las playas, el estilo
de vida, para nosotros por ahí es un poco más diferente. La noche de Buenos Aires,
y en la costa… uno vive más de noche que de día. Y acá se disfruta el día.
- Y en las playas allá también es más la noche que el día ¿?
D: Más la noche. Es más noche.
M: La costa argentina es más noche. Te acostas a las ocho de la mañana y
levantas a las cuatro de la tarde. El tiempo no es tan bueno como aen el Brasil.
Es muy diferente. Es muchísimo diferente… y hay también las brasileras… también,
también, punto básico¡! [rizos]
D: Punto básico? ¡![rizos]
M: Punto básico: a conocer chicas, a “ficar”. [rizos] Como se dice a “ficar”.
254
D: Es que acá hay mucho más argentinos que brasileros, en Canasvieiras
M: en Canasvieiras… en Canasvieiras
D: más argentinos que brasileros. Predispuestos [rizos]
- Otra pregunta: como describirían la imagen que tienen de Florianópolis en
relación al turismo ¿? Los que ya estuvieron que imagen tendrían antes de venir, y
vos que estas por la primera vezsi les hablan Florianópolis que les viene en la
cabeza acerca del turismo ¿?
L: Yo tenía… para mi era muy interrogante venir porqué no conocía… y más, yo no
sabía como iba a pasar. Hoy estoy muy a gusto y creo que voy seguir viniendo por
muchos años más. [Rizos de todos]
L: este es mi punto de vista, yo no conocía, no conocía las playas Florianópolis, y
creo que voy a… que voy a volver, seguro.
- Pero qué te pasaba por la cabeza cuando los chicos te decían: vamos ir a
Florianópolis?
D: meninas, meninas, meninas¡!
M: Meninas, meninas, meninas [rizos]
L: Y la playa¡! Me hablaban que hace
M: 40 grados de calor,
L: y más… igualmente… igualmente… el servicio es muy bueno, pero no es tan
bueno en todos lados. Los brasileros se brindan mucho a… a lo que uno necesita/
D: Pero los 10% obligatorio en el restauran, en algunos lugares, no nos cae bien,
pero los 10% nos… somos de dejar propina, pero no, no que nos obliguen.
M: Claro
D: Anosotros éramos ocho, íbamos a comer y la propina era grandepor el
gasto la propina era grande… ahora solo quedamos tres, pero venimos ocho¡!
M: Es que cobran la panela y no la dicen¡! [rizos]
255
M: Churrasco Vivo
81
D: Churrasco Vivo [rizos]
M: Quince reales de pan¡!
D: Quince reales de pan¡! [rizos]
- Hablaban de las meninas… y, que viene en la cabeza cuando piensan en la
mujer, en las chicas, brasileña?
M: Muy fogosas, y que… por ahí… Yo la verdad es esta, mi punto de vista! [rizos]
D: M. dice¡! [rizos]
M: Por ahí, o por el que se dice en Buenos Aires, que no lo ve acá…
M: El argentino es este… más coqueto, y por ahí lo que les gusta a las brasileras.
La conquista, les gusta mucho que la parlotean, y el argentino tiene esta cosa, que
parlotean, mucho y bueno, a mi me gusta que la brasilera es mucho más
directa, que las argentinas… la argentina es mucho…
Muy fogosas… muy fogosas…
D: Muy buenas pernas, muy buenas colas¡!
M: lo único es que cuando hablamos no entienden un caraj(…)¡! [rizos]No entienden
nada¡! [rizos]pero hay un idioma universal para todo!
D: si, si
M: entonces no hay problema¡!
D: Y son muy predispuestas también. A formar buenas relaciones. No discriminan ni
nada.
- Como así, buenas relaciones?
D: de formar una amistad, de formar un buen momento. En todos sentidos. Es muy
distinta a la argentina
81
O “Churrasco ao Vivo” é um restaurante de grelhados servidos à la carte, de propriedade de um
argentino que vive em Florianópolis.
256
M: Claro
D: la brasilera
- Que es distinto?
D: Creo que las brasileras cuando conocen alguiencreo quelo toma de
otra manera que la argentina. La argentina sabe que se termina ahí, y la brasilera
es como qué… es distintoes muy enamorada dees mi punto de vista, por
ahí se estoy equivocado es por lo que me ha pasado a mi.
L: Creo que la brasilera es muy distinta a la argentina. La argentina que va de
vacaciones sabe que es un momento.
- Y las brasileras?
L: me parece que no saben… no lo tienen como un momento
D: si, quieren continuar… y nos es para…
- Y no es exactamente lo que quieren [ustedes]…
D: No… lo que pasa es que estamos de vacaciones.
M: Cuenta que es muy servicial, muy servicial… entonces, es tan atenta que por
eso nos gusta tanto. Esta “bom” esto? [rizos]
- Vos hablaste y esta bárbaro [M.], pero quiero escuchar de los otros también.
Qué más ¿? Que les viene en la cabeza? Me dijiste el cuerpo[pregunto a D]… que
es?
L: Que son lindas, que… son muy predispuestasy es lo que digo yo, es distinta
a la argentina. Uno pone en la balanza las dos… las dos facetas, y es muy
distinta… para nosotros es… por aalgo nuevoeconocer brasileras y… ver
de que manera se mueven ellas, muy distintas alas argentinas.
L: uno que es argentino, que esta… acostumbrado a tratar con argentinas. Y se
conocen alguien, e… los más probable es que quede en este momento. Y la
brasilera… es más… quiere algo más
M: A parte es que la mujer argentina es distinta, tiene una careta – se puede dicer -,
tiene una careta y…
257
D: al cambio las brasileras es más tal cuales, se puede llevar de otra manera, se
puede llegar a una conversación, más rápida. Si no puedes tener una relación,
puedes tener un buen momento, de baile, de… noche o de playa.
L: Pero son muy lindas
D: La argentina es más corta mambo [rizos] más corta mambos
- Bueno, y se llega alguien, o tienen que describir a un amigo que nunca ha venido
al Brasil, como ustedes describirían una brasilera a él? Como dirían a un otro
argentino, que nunca estuve en Brasil, como es la brasilera ¿?
M: Brasileras: pelo largo, mini short jeans y las suecos¡! [rizos]
D: Los suecos¡! Los tacos de madera! Pantalón de jeans cortitos, mini short, y… a
parte te das cuenta
L: Vos preguntas que le diría a un argentino que no las conoce… o sea…
- si, como las describís?
D: Distinguirlas [as brasileras das argentinas] es fácil, es como describió él, pero
describirlas e… volvemos también a la pregunta anterior es de la misma
manera que yo te lo dice, o sea… en según lo que busque cada uno, yo creo que la
brasilera es muy lindapero también tiene… que no sabe entender el momento
que viene a buscar uno…
M: Hay que entender también que es básico, esto pasa en Brasil y pasa en Buenos
Aires, esto es un tiempo de vacaciones, tanto de fiesta, todo la pasan bien y es por
ahí… es un comentario objetivo, dentro de las vacaciones es medio complicado
porque… la realidad es que nadie fiesta, fiesta, “pinto, pinto”, y por aesta
chica pasó este momento porque fue a Brasil y después por el año es otra vida, y es
otra persona, como hecho nos somos nosotros. Yo no ando por la vida fiestado
[rizos], son como cinco días¡!
L: Claro, claro, en realidad tenemos una… vivimos un caso de esto, de unas
brasileras que al otro día estaban indo a buscar en la playa y de tarde querían estar
en el departamento y a la noche querían… querían formar una relación… pero yo,
era una amistad…
258
M: Y un rato
L: No te dejaban moverte de al lado de ella, porqué supuestamente... vos estaba con
ella… o sea…
- como de novios?
L: Claro¡!
M: Claro
L: Y habíamos conocido solo una noche, y para nosotros era solo esta noche y al
otro día empezaba otra… por ahí para ellas…
M: por ahí como describo las brasileras ¿? es… parecida a la argentina, pero para
mi es más directa… no tiene muchas vueltas… s
- Más directas, por ejemplo, en qué ¿?
M: no de ir a la cama, más directa en todo, es más rápido todo. Como que para
hablar, para bailar…
L: Claro
D: Claro
M: Se abre! La brasilera es muy sociable. La argentina por ahí va se… es corta
mambo… acá cualquiera quieran estar o no quieran estar con vos se te puede
hablar, entiendes? Es diferente¡!
D: Es muy diferente¡!
L: Creo que es todo de esta mística de la chica argentina quiere al brasilero y la
chica brasilera quiere al argentino. La mujer brasilera quiere al argentino.
- [pergunto a uma moça argentina que está junto com o grupo] es verdad esto?
S: Si, es verdad, somos muy desconfiadas porque los argentinos son terribles¡! La
brasilera, creo yo, que los llevan más… no desconfían. Son como ellas mismas
son, y ya está¡! Nosotras no porque sabemos como son ellos, entonces por esto
somos más corta mambo¡! Pero si, es así¡!
- Y como imaginan que se formó esta imagen que tienen de la brasilera? Les
parece que hubo una influencia de los media (televisión, telenovela, cine…) ¿?
259
L: Yo lo comprobé personalmente, no de la televisión, no Yo lo comprobé
personalmente y como había dicho en la otra pregunta, e… yo lo pienso por
ahí estoy equivocado o no pero, lo pienso de la manera que te dice antes, es muy
distinta a la argentina, comprobé personalmente. Me lo habían dicho amigos que
habían venido y ahora yo terminé de comprobar.
M: Influye, influye. Es claro que influye.
D: Pasa que el imagen de la brasilera es del carnaval, el culo y piernas
M: Claro¡!
D: Culo y piernas, esta es la imagen: de culo y piernas. Después que estas aes
que te das cuenta que se pode hablar, que se puede… es muy sociable, muy
sociable.
M: Muy sociable. Pero influye mucho el medio. Para vos tener una idea de las
brasileras, si no, no lo tendrías nunca una idea de la brasilera, si no fuera la
televisión
L: Claro
D: igualmente lo único que lo tenemos son los carnavales¡!
M: Bueno, pero vos los ves y influye, igual, mi imaginante venia antes de no
conocer, y conociendo es la misma que tenia sin conocer, en mi caso.
D: Cambia por ahí lo personal. Cambia por un contacto que antes no tenia.
- y antes como era el imagen? Solamente el cuerpo?
TODOS: Si, claro.
D: Solamente el cuerpo.
M: pero igual te he dicho, que la gente que viene te dice: Mira! Son re-macanudas!
L: ojo también con la imagen que allá tenemos también del viaje a Bariloche. Que es
el quilombo… Venís con esta imagen también…
D: si, que dormís dos horas, vivís de fiesta, siempre borracho
D: Quilombo acá, fiesta todos días…
- Y de la parte de los periódicos, como describen allá las brasileras?
260
D: Pasa que no describen las brasileras, describen el Brasil. Paraíso. Lugares
turísticos.
M: Playas
- Y cuando hablan de la gente, como describen?
L: que la gente es servicial en turismo, en lo que es turismo y todo eso.
D: No hay quejas ni nada. Al contrario. Siempre que los brasileros son muy
serviciales mientras no lo pases, no quieras pasarloes muy servicial. Después
si uno como que lo rebaja es como… o lo que sea si es porque uno esta de
vacaciones y lo rebaja, ahí cambia la… la personalidad. Pero yo creo que es muy
servicial, más que en Argentina.
M: Igual para mi hay, en mi caso, el turismo esta muy bien pero… acá, en donde
estamos ahora en Florianópolis, ahí tienen muchas cosas como para mejorar, en el
sentido dede… la comida, a mi la verdad que no me gustay… y por aque
se vienen muchos argentinos podrían buscarles alternativas… después, se vienen
tantos argentinos y a los argentinos les gusta tanto la noche, podrían darles otra
salida en este sentido.
M: Nosotros paramos en la playa de Canasvieras, donde esta la bajada de la
banana… y a mi me gustaría mucho de un parador con música, y son muchas
cosas que no es tan y que podría ser re-contra-aprovechado. Es la verdad, un
parador con música o una playa nocturna ahílos argentinos la llenan todas las
noches, entendéis ¿?
- Y que hacen de noche ustedes ¿? Hay un punto de encuentro de los argentinos
¿?
L: No, cada grupo se maneja de un manera distinta. A nosotros nos gusta de ir a
tomar algo y después a bailar. O quedarnos en la posada e ir a bailar, pero siempre
ir a bailar. Y vamos a un boliche que… son argentinos mitad y mitad nos
gusta…
- Y cual es el boliche ¿?
L: “Barracão” y en cima del calor en cima pagan los ventiladores [rizos]para que
consuman [rizos]
261
L: eso es verdad, eso es verdad! Apagan los ventiladores y no dejan entrar la gente
a fuera! Apagan los ventiladores y asi la gente chupa!
D: se toman todo¡!
L: se toman todo y bueno… los hacen borrachos¡!
[rizos]
M: es un lugar chiquitito
D: pero está muy bueno¡! Esta muy bueno¡! [rizos]
M: El clima es de fiesta¡! [rizos]
L: Muy lindo lugar! Chiquito pero… al argentino le gusta! [rizos]
E igualmente hay dos puntos… digamos que los argentinos se hace por
competencia. Por ahí lo que haces los grupos en las posadas, o sea, en la cocina, o
encontrando-se en el estar, y haces amigos, y ahí son dos puntos de encuentro, o
algo. Después, no hay mucho lugares como que para hacer las previas, antes de un
boliche, o
M: Yo igual lo que digo, por ejemplo… la mayoría de los argentinos, que les gusta se
venir acá, no se visten bien por que… los lugares. No por que los lugares sean feos,
por que el lugar a mi me encanta, la onda que hay en… en el lugar. Y veo que esta
es una diferencia que veo entre las brasileras y las argentinas: las brasileras por ahí
no es tan coqueta, no se arreglan tanto, no se produce tanto… más la cara lavada, y
la argentina tiene más producción. Y a mi me gusta esto.
- La cara lavada o la producción?
M: No, la producción.
L: No me gusta tan poco, por ejemplo, lo que veo en la parte del isleo… estos
boliches están allá, es las cuadras de carritos de puestos
D: Si, que te venden “caipiriña”…
L: Y es como te da más miedo caminarte por la calle, que parar a tomarte algo,
D: y no, y no
262
L: Por ahí podrían… no sé… la municipalidad, no se como se llama acá?
- Prefectura.
Podría hacerles unos puestos, ya que permite, que dejen a estas personas trabajar
ahí… lo están trabajando de hecho! Pero da una fea imagen, queda feo… es un
carro de supermercado, feo… son medio precarios. Podrían hacer mejor! Podría
dar más ganas de caminar, que caminar más rápido… no? ¡!
M: Igual no se predispone por que se esta acá… no se… es más psicológico que
otra cosa también… yo creo que en Buenos Aires si pasa un carrito vendiendo… un
jugo y no le compra ninguno.
L: Claro¡!
M: Acá le compran 500! Entiendes? No sé si es psicológico, o…
L: Es horrible…
D: Por que en la playa esta organizado¡!
M: Acá hay mucho más do que hay en Buenos Aires
L: Mismo tema que las calles. Las calles están re-limpiasyo se que la verdad, si
tengo una basura busco un tacho, no se si en Argentina busco al tacho para tirar la
basura… es la imagen que da acá del lugar.
M.: Vos que sos sucio ¡! [rizos]
D.: A margen que vos sos sucio ¡! [rizos]
- Dijeron que las personas de acá son muy serviciales/
M.: Si
Como describirían las relaciones de ustedes con la comunidad, la comunidad de
acá ¿?
D.: que trabajan acá ¿?
Que viven, que trabajan, que son de acá. Como se relacionan Uds.¿? Solamente
la parte comercial, o…
M: Yo en mi caso si, solamente eso. Solo eso.
263
D: Solo la parte comercial.
L.: Por ahí buscamos más mujeres argentinas, o mujeres y eran argentinas que… un
grupo… por ahí no sé si eran argentinos o ves una camisa de argentina y…
- Entonces una relación con las personas de acá solamente con las chicas?
M: Si. Solamente Comercial
L.: Solo comercial
D: Si. s un algún conocido de donde estamos parando, o un dueño, que nos
alquila la sombrilla de verlos todos los días, pero… tranquilo, a veces hablamos
acerca de lo que hace de su vida, pero nada más, nada más. No tenemos una
relación muy, muy… es… es comercial.
- Bueno, ya hablamos de todo! Algo más… les parece que los medios influyeron en
la relación de ustedes con las chicas en Florianópolis?
L: A mi personalmente el medio no me produjo nada./
M.: /el medio no influyo nada/
L.: Influencio los amigos, y que me gusta, y bueno… conocer cosas nuevas… y el
lugar…y
M: podría decir lo mismo: el lugar, las playas, el climay dale… también se viene
con la idea de que la brasilera, la mulata, la… no sé como describir…
L: Claro!
M.: se dice mulata ¿?
– Si.
M: la mulata… llegas acá y ves que no es a, por que hay estas chicas, brasilera
con otra textura de piel… igual…
D: son estos mitos que se forman, que bueno…
- Y como creen que se formó este mito?
D: Puede ser… es difícil… es la manera de llevar… yo también digamos:
cordobeses y gente de Buenos Aires que es una provincia de Argentina. También
se pasa lo mismo. O sea, al hombre le gusta la cordobesa y a la mujer de Buenos
264
Aires le gusta el cordobés. Por la tonada, por la manera de hablar, por ahí, no por la
forma de… lo que sea. Son estos mitos que te buscan, como un tribalismo, no .
El hombre cordobés tiene bronca al porteño por que le roba las mujeres,
supuestamente, y… pasa esto por que nos envidian¡!
[rizos
D.: Son mito ¡!
L: Son mitos! Por que acá hay gente de todos los lados y nos juntamos, y… al final
los rosarinos nos odian mucho, los cordobeses nos odian mucho, los mendocinos…
pero al final se dan cuenta que están errado, por que al principio por ahí te tienen
lejos y después terminan estando con vos, saliendo con vos, compartiendo la mesa
con vos, y se dan cuenta que no…/
M: /Mira, en mi caso creo queno se si tanto tomarlos como un mito. Hay algo
que… es una realidad. No es por que yo sea porteño, lo que sea, pero… la gente
de la provincia de mi país, vos ves que hay diferencia entre ellos y nosotros. Una
diferencia de formación. Es, es diferente, por más que… y nosotros no que la
marcamos, ellos es las hacen a sentir a nosotros, ellos que se sienten inferiores.
Pero si que hay la diferencia.
Yo vengo al Brasil, y veo la diferencia. Que se yote comparas cona mi me
gusta vestirme bien por ejemplo. Y yo salgo acá y veo los brasileros… de verdad!
De… medias de toalla blancala bermuda, y… una remera, viste, y a mi no me
da razón como pueden salir así. Pero son culturas también, entiendes? Por esto
también que creo que una mujer brasilera cuando ve a un hombre argentino… esta
bien… que… existe la seducción, y les debe gustar que una persona este bien
arreglada, perfumada, y son cosas que influyen. Entonces… no se si son tanto
mitos o realidades, pero es difícil decir.
- Hablaste acerca de las mulatas, de donde viene esto?
M: [riendo] Allá en Buenos Aires cuando saben que venís a Brasil te dicen: –
Acostarte con una negra! [este comentario fue en voz más baja] Entendéis?
D: Tienes que estar con una mulata, claro!
M: Yo estibe con una mulata una vez, y a mí, la verdad, no… no… a mí no…
265
- y de donde viene esto ¿?
L: Pero claro, puede ser por los medios. El ratoneo…/
M: Muchos asemejan: Brasil/mulatas, entiendes ¿?
– por [por que motivo] ¿?
M: No sé por que Liciane ¡!
D: Esto viene de tiempo atrás, y también por lo de fútbol.
M: Claro, en la selección brasilera eran todos oscuros. Y hoy aparece un Kaká, un
Ronaldo, entiendes, y estaban cambiando, y bueno… Siempre es el Brasil de los
culos, y no sé porque… vos llegas acá y corroboráis que no es tan así. Te vas más
al norte y ahí te vas a ver más mulatas, vas a ver más…
- Que hizo en ustedes este imagen que en Brasil las personas tienen la piel oscura
¿?
D: Bueno por el medio, por el medio!! El medio muestra en carnaval, y en carnaval
todas negras.
M: Claro ¡!
L: Claro ¡!
D: Carnaval: moreno. El fútbol: moreno. Entonces uno piensa que es así y cuando
viene no! Hay brasilera linda, rubia… hay de todo ¡!
D: Creo que hay más… blancas, que mulatas. Morenas.
- Acá ¿?
M: Acá, es lo que vemos
S: En Río mitad y mitad
M: Ahí está la diferencia, por esto no es tanto un mito. Por eso te dicen…
D: Negras es en Bahía
M: y ves, quieres estar con una mulata acá y darle, y darle, y darle, y darlees la
verdad o no es la verdad ¿?
L: es la verdad
266
- Esto está en el Imaginário (imaginante) del argentino o es una impresión que
nosotros tenemos acerca de uds?
L: Como el ratonero ¡!
D: No, no, está, está
M: Está, está
L: La verdad como un ratón de café
82
M: Claro ¡!
- y es con la brasilera o con la mulata:
D: Con la mulata ¡!
L: La brasilera también ¡!
M: La brasilera también, ayer veíamos a una chica brasilera que se movía que te da
calambre, y ola ves que si mama! … si te agarra esta chica y te arruina, entiendes
¿? Entiendes ¿?
[rizos]
D: Lo mismo que la argentina tiene, la mujer argentina tiene, la argentina tiene… el
ratoneo
83
con el mulato brasilero ¡!
S: Yo, a mi no me gusta ¡!
L.: Con sungas ¡!
D: Nosotros conocemos muchas argentinas que venían acá y se volvían locas ¡!
L: Como el mulato siempre está bien la fibra, ellas también se ratonean ¡!
M.: La fibra que tienen ¡!
- Por que les parece que las argentinas buscan a los brasileros ¿?
82
un ratòn de cafe,.... seria el comentario entre amigos,... en un cafe o en un bar,.. y en el living de la casa de
un amigo,... contas con quien te ratoneas y como...
83
Ratoneo: es cuando te calentas pensando en alguien en alguna situaciòn limite que te produzca la
excitaciòn.... Ej: ratoneo con vos que me estas dando clases y en el recreo me haces quedar y tenemos
relaciones sexuales,.. seria una especie de ratonear con vos o con mi profesora .... se entiende..!!!
267
L: Por que la argentina tiene una carencia de…
M: no, la argentina busca al brasilero para volver a Argentina y decir: ‘estuve con un
brasilero’¡! Esto es un viaje y se termina acá!
M: Son diez, quince, veinte días que lo tienes en un o y “chau” ¡! Haces todo lo
qué podes, y listo ¡! [rizos]
L: Por hecho la argentina viene ay dejo el novio en Buenos Aires, y arompió
el hielo. Pero acá hace algo con un brasilero, con lo que sea. Queda acá.
D: Lo que nosotros vimos es que la argentina, muchas que estaban de novia y…
M: muy infieles ¡!
L: muy infieles. Queda acá. Pero… por ahí no sé como es la brasilera… queda acá y
queda allá y nada más
D: Afuera¡!
L.: Mucha infidelidad ¡!
- Les parece que esto se da por Brasil o a cualquier parte?
M: A cualquier parte.
D: Pasa que en Estados Unidos y Europa es muy frío, la gente es muy fría.
- y se fuera en otro lugar como Caribe o Ibiza?
M: Ya con Ibiza ya es otro… reúne la gente con un poder adquisitivo de todo el
mundo, entonces eso seria otro, otro, otro mundo a parte, pero
L: si, no…
M: en todos los lugares del mundo
D: En los lugares latinos.
M: A si hablamos con brasileras que están radicadas en Italia y dicen que los
italianos son más fríos… les da terror¡! Terror¡!
L: Si
- Fríos en las relaciones humanas?
M: Si. En las relaciones. Es difícil un “hola”.
268
M: Las brasileras son muy fogosas¡!
L: Los latinos son muy fogosos
D: Yo conozco Europa, Italia y no es como esto. No es como latino América. Vos
entras a comprar a un lado y no te dicen buen día, buenas tardes, compras, te vas
y listo! No tienes un…
M: Un dialogo
D: Un dialogo con nadie, o sea, sos vos y nadie más. Acá es distinto, acá podes
hablar con uno, con el otro, aún que quede ahí.
M: Yo creo que Argentina tiene un montón de defectos y por ahí no esta tan bien
visto, pero… como hombre, en el mundo está bien parado, me parece a mí.
- No entendí
M: Es una persona poliziada el argentino al mundo.
L: esta cosa de canchero que tiene,
M: si, por eso digo sin subjectivar a nadie. No, no, no… sacando la soberbia que
tiene el argentino. Por que me parece que es la manera que habla, es muy locuaz,
este… se viste bien, se arregla, entonces a todos les gustaa mi me gusta
esto, de hecho! O no ¿?
- Una ultima pregunta. Estan programando a venir de vacaciones a Florianópolis, o
estan en el vuelo, que les pasa en la cabeza¿? Que fantasean ¿? Que imaginan que
van a vivir acá¿?
M: yo, que quiero bajar a toda brasilera que pudiera. Es mi opinión.
D: Conocer y lo mismo que dijo el. Estar con brasileras.
L: Yo no discrimino! [rizos]Si, todo y además las fiestas, a pasarla bien, y mientras
más… a tomar muchas cervezas que es muy ricas
D: más ricas que allá
L: vamos a buscar teléfonos, a buscar mujeres, a compartir momentos y… a buscar
el sexo!
M: Aún que nadie diga, si viene a buscar sexo. Es así.
269
L: Aparte de cambiar un poco también. Tienes un año para estar con argentinas, por
esto buscas también las brasileras, para ver que onda, ,
D: que es fiesta…
M: Aclaramos que somos solteros, no ¿? Los comentarios si venis de
vacaciones y estas con un grupo de solteros vas a buscar esto. Diversión,
diversión, y estar con tus amigos, en la playa, hacer excursiones, hacer banana,
hacer todo lo que pasa acá que te pueda hacer sentir bien. Y después salir a
conocer mujeres y tener sexo. Usas “camisiña” y se acabo¡!
D: Claro! Es verdad.
M: Si esta muy linda no, si es muy linda continuamos¡!
- los que ya estuvieron acá, seguirán en contactos por mail, Messenger, u otro modo
con estas chicas?
M: puede ser…
D: [hablando a M.] Con las que estuviese el año pasado seguiste hablando ¿?
M: No.
D: Pasa que se complica el idioma. Tendría que hablarla en español o yo saber
portugués. Por teléfono seria muy costoso y también para que ¿? Para en un año
volver a verse ¿? En un año se viene, viene, si no… bueno, un buen recuerdo.
- y las chicas nunca les buscaron ¿?
D: Si, hay chicas que te buscan.
M: si, si, si, si.
- Anda a contarme ¡! Como fue?!
M: ah… una noche… fuimos al boliche
L: Barracão
M: si, y dos chicas brasileras… estábamos sentados en una silla y las chicas
bailando al ladoy entonces bueno, no se como cruzamos una palabra y… dice
algo, pero fue un nada, no se: “que calor que hace acá”. Pero un nada, y en un
toque y ella empezó a hablarme, hablarme, hablarme, hablarme, no me dejaba
270
hablar, no paraba de hablar, después vino el [L.] se puso a hablar con la amiga,
hablamos y después nos fuimos para la posada¡!
L: en cima hizo sexo en la primera vez que fue en la habitación.
M: en la primera vez que fue en la habitación¡!
D: Yo justo esta noche no fui…
[rizos]
L: Igual, lo que comentamos nosotros, que ellas quieren algo más. En el otro día
aparecerán en la playa... y tenia como 50 amigas más¡!
- y uds que hacen ¿? Les invitan a una cerveza ¿?
L: Si, si, el argentino es mucho conquistador.
D: A mi me gusta esto, de invitar a tomar algo.
M: O que vamos a bailar¡!
D: Siempre pensando en... si me invita a bailar y bailo, pensando que la quiero
golpear’ cuando salgamos del boliche¡!
S.: Oportunista ¡!
M: Pasa que es una realidad. Eso es básico¡! Es un momento y acá se termina.
Ellas saben que vos sos argentinos, ellas brasileras que no vamos a tener nada,
que es esta noche y se acabo¡!
L: Claro¡!
M: Y que otra noche es otra noche¡!
- Y crees que para las chicas pasa lo mismo ¿? Que piensan así ¿?
M: Y como es posible que piensen diferente ¿?
- Pero la chica te buscó en el otro día¡!
M: Si.
L.: Por ahí [rizos]
- y si quería ser tu novia?
271
M: Como puede querer ser mi novia si yo vivo en Buenos Aires ¿?
- te dijo algo la chica que solo quería una fiesta, y pasar un buen momento ¿?
M.: No dijo nada, pero por ahí, ella quería volver a tener sexo nova hablarme otra
vez, volver a pasarla bien…
L: a parte en el boliche siempre iban atrás. Donde iba uno iban… Por ahí al
argentino que está de vacaciones te molesta un poco, por que quiere seguir
pasándola bien, conocer otraes una vez en el año. Entonces uno trata de…
sacar todo lo que tiene¡!
- las chicas eran de Florianópolis ¿?
L: Jurerê
M: Jurerê
- viven acá ¿?
M.: Si.
L.: Maestras [rizos] eran profesoras ¡!
M.: Sss [M. hizo señal como que para silenciar].
L. Docentes, si eran docentes! [rizos]
L: Así que están de vacaciones están aprovechando
M.: A mi me parece perfecto, por que uno cuenta su experiencia, y también disfruta
¡! Vos sos de acá y yo soy de allá, sabes que es este momento y se acabó ¡! Nunca
más ¡! Es para pasarla bien ¡!
L: [preguntando a mí] que es lo que escuchas de los argentinos, lo que escuchas
es lo que decimos también ¡¿?!
- la impresión que yo tengo es que las brasileras quieren algo más que solamente el
sexo – es una hipótesis…
D.: Claro ¡!
L.: Lo que pasa es que… yo por ejemplo… yo conozco una brasilera… me costo
conquistarla, que no se que…/
272
D.: No pensaría a estar con una brasilera de novia cuando algo se dio en la primera
vez que subió en la pieza a la media hora que nos conocimos. Yo digo no, a esta
piba como lo hace conmigo, no… pero esto con la argentina o con cualquier mujer.
Podría pasar con una brasilera…
M.: Me enamoraría… Pero por mas que te vuelva loco, y… es imposible ¡!
L.: Es el amor de verano ¡! No es amor de verdad.
D.: Pero si vos tienes tu familia, tu vida, tu trabajo
M.: Tu formación, tu cultura
D: es difícil quedarse…
L: que se yo, hay mucha gente que anda ambulando por el mundo… yo… por mi
parte no… directamente no podría por mi principio de… de vida ¡!
- A Uds. eso es clarísimo, pero les parece que es claro a las chicas ¿?
M: ah, no lo sé… buena pregunta
D: lo que pasa es que yo… sinceramente… no lo pienso
M: estamos a pensar en uno ¡! Claro ¡!
D: para uno es…
M: de hecho es verdad ¡! Es verdad lo que dice ¡! Si vos estuviste con alguien, y en
otro día te viene a buscar, el otro día te está en cima… por ahí tiene la intención
de… o por ahí si ella tiene claro que no va a pasar nada, pero quiere estar hasta el
ultimo momento mientras vos estas acá. Eso puede ser que sea así ¡!
L: Pero por eso, por como se maneja, te quitan las ganas a vos…
D: Claro, claro ¡!
L: Una argentina de 30 años no te sigue para todos lados, no te va buscar a la
playa, no quiere que te quedes con ella y… es más… ella, o sea… tiene su… no se
rebaja tanto! Por ahí la brasilera te sigue por la playa, no quiere que te mueva, que
te quedes acá… por ahí si vas hablar con otra mujer, por ahí no le gusta… y la
argentina no. Si no le gusta, por ahí busca otro.
273
M: Yo elegí al Brasil para las vacaciones, por que me gusta y por que por ahí no hay
tantas vueltas para hablar con una mina. Pero en el momento para recoger a una
mina para estar no quiero a una mina a. Una mina que no me deje un momento,
que va esperar, que no se su lugar… las cosas van andando paulatinamente.
L: Claro ¡!
- hasta cuando se quedan acá ¿?
D.: Lamentablemente hasta domingo.
M.: pero estamos desde el 11 de enero!
- hay algo más que les gustaria decir ¿?
[silencio]
- puedo apuntar las direcciones de e-mail ¿?
Todos: Claro ¡!
L. No hay problema ¡!
(Diego) D.A.C. - dgt_colores@hotmail.com – 30ª 2.400 pesos – Superior incompleto – Empleado
(Martin) M.F. – martinfacc[email protected] – 29ª 3000 pesos – Superior – Abogado
(Luciano) L.A.C. lucio_79@hotmail.com – 27ª 1500 pesos – Mediano Incompleto – Empleado
274
ANDICE B – GRUPO FOCAL 2
Priorizamos entrevistar os turistas, em janeiro e fevereiro, acreditando que
seria mais fácil encontrar um grupo de moças da comunidade, mas em período de
férias as dificuldades foram maiores do que nossa expectativa. Muitas garotas
estavam trabalhando neste período, outras eram encontradas em momentos de
lazer e da mesma maneira com que não procuramos não interromper o lazer dos
turistas, também buscamos respeitar o tempo livre das entrevistadas.
Percebemos certo recolhimento das garotas da comunidade local no período
de rias, eventualmente elas estavam dispersas em algumas praias com as
famílias, ou viajando, ou então trabalhando nos negócios de temporada. Por nossas
observações notamos que no período de verão permanecem em Florianópolis
pessoas da comunidade que estejam de alguma forma relacionadas com a atividade
turística, quem pode sair da cidade não permanece.
Em outra tarde chuvosa, desta vez no Campus Central da Universidade
Federal de Santa Catarina, encontramos um grupo de garotas em uma sala de
estudos da Biblioteca Central. Como estavam todas com os livros e cadernos
fechado, e pareciam somente conversar, fizemos a abordagem: Apresentamos-nos,
informamos o propósito da entrevista, explicamos que nosso interesse era na
entrevista com moças residentes em Florianópolis e solteiras. Convidaram-nos a
sentar e iniciamos a entrevista. As três estudantes são colegas de graduação,
concordaram com a gravação de nossa conversa.
275
Da mesma forma como procedemos com o primeiro grupo, fizemos algumas
anotações de palavras-chave utilizadas pelas entrevistadas nas respostas aos
tópicos e buscamos observar com atenção à linguagem não verbal, os gestos, a
postura, a linguagem corporal – além da gravação da entrevista.
Com este segundo grupo a entrevista foi mais curta, a saturação se
manifestou mais rápido, e a linguagem corporal do grupo parecia corroborar com a
impressão de que elas ficaram pouco à vontade com as perguntas.
Da mesma forma com que ocorreu com o primeiro grupo a hesitação foi
mais evidente nas primeiras perguntas. Procuramos estabelecer o rapport desde o
princípio, mas este grupo se mostrou mais apegado a uma racionalização normativa.
Ainda assim foi possível construir um ambiente em que os pontos de vista de umas
foram levados em consideração pelas outras e houve a abertura para o comentário
de suas próprias experiências.
Os primeiros aspectos destacados por este grupo foi o Atrativo Turístico,
identificado como as belezas naturais, as praias, e logo também foram identificadas
às mulheres, e o “calor humano”, a receptividade brasileira. Na visão destas moças
houve um período em que os argentinos escolhiam Florianópolis, como destino de
férias, motivados pelo preço mais acessível, agora parece que um esforço de
economia durante o ano todo para usufruir no verão os visitantes atuais teriam um
nível socioeconômico mais elevado do que seus antecessores.
Da mesma forma que o grupo de turistas as garotas fizeram analogias entre
Florianópolis e Buenos Aires e também com o Rio de Janeiro. Outra identificação
276
entre os dois grupos se deu em respostas como “boa pergunta”. O contato destas
moças com os turistas é, a priori, mais comercial.
Ao serem questionadas acerca de imagem que os turistas teriam da mulher
brasileira as respostas foram rápidas em identificar o carnaval e o corpo da mulher.
De acordo com essas garotas as informações externadas são do carnaval e do
futebol, da mesma maneira que foi identificado pelos turistas. Parece que estas
mesmas informações reforçam os discursos que estimulam os contatos físicos.
As características que identificam ou diferenciam os grupos sociais, como a
moda, o estilo de vestir, foi evidenciado nos discursos. O biquíni brasileiro é menor,
as roupas das argentinas são menos sensuais do que as das brasileiras. O
comportamento de diferenciaria os grupos está explicitado nas falas em quanto as
garotas sul-brasileiras serem mais conservadoras do que as cariocas, justificado
pela colonização.
As relações entre as moças da comunidade e os turistas argentinos são
vistas pelas entrevistadas como que passando por uma mudança, antes elas “até
casavam com eles, agora preferem os paulistas. Ao serem perguntadas pelo motivo
duas alternativas de resposta, uma de que atualmente Florianópolis é mais visitada
por paulistas e outra de que nos caberia fazer a pesquisa para encontrar esta
resposta.
Ao serem questionadas sobre a possibilidade de uma preferência das
garotas locais pelos turistas em detrimento dos rapazes da comunidade, a resposta
é de que o grande número de visitantes seria o fomentador de tais relações. Estas
277
entrevistadas declararam não gostar do modo de vestir nem do comportamento dos
rapazes argentinos.
Durante a entrevista percebemos algumas características, neste grupo, que
poderiam ter influenciado em seu comportamento mais retraído. Uma das garotas
estava de aliança na mão esquerda, outra estava com uma camiseta, escrita na
frente “Jesus”, e a outra, por ocasião da identificação das entrevistadas revelou, por
seu endereço de e-mail, ser cristã-protestante. É possível que a referência religiosa
do grupo tenha influenciado no desenvolvimento da entrevista coletiva e nas
respostas.
Logo após a transcrição da entrevista com este segundo grupo ficou
evidente que as narrativas foram muito mais curtas, ponderadas, ainda que
houvesse momentos de espontaneidade. Frente a esta realidade procuramos
refazer o Grupo Focal com as garotas residentes em Florianópolis.
Grupo Focal 2: Moças de Florianópolis - 12’27’’
Sala de Estudos da Biblioteca da UFSC dia 09/02/2007 as 15h
- Na opinião de vocês o que atrai o turista argentino para Florianópolis? O que
mais atrai os jovens argentinos a virem para Floripa?
R: Em primeiro lugar a beleza.
R: É e por que é perto também, né?! É bem mais perto do que ir pro nordeste!
F.: É, as praias, eles gostam bastante. Principalmente o balneário de Canasvieiras
que é reduto deles. É que as praias deles lá... eles tem, mas é que são frias demais.
As águas são... e aqui eles gostam.
S.: Pelo calor humano. A mulherada!
278
- Como assim calor humano?
F.: Aqui, o brasileiro... o pessoal daqui é bem mais diferente do que eles. Do que
eles lá. Eles são muito frios... assim... na rua, na, na... aqui, eles vem pra cá, eles
se transformam mesmo.
S: Até pela cidade ser mais fria.
- Buenos Aires?
F.: Buenos Aires, assim, capital.
- E que imagem vocês acham que os turistas argentinos têm do Brasil em
relação ao turismo?
R: Eu acho que antes eles vinham justamente porque o dinheiro deles valia mais. A
moeda deles era...
F.: Mais valorizada
R: Mais valorizada, então eles compravam muito, né?! E... Eles achavam tudo
barato.
F: É, tudo barato, tudo barato.
R: Hoje em dia quem vem mais é porque gosta muito.
S: Diminuiu o número de argentinos aqui, vem muito mais paulistas do que
argentinos. Como o que vinha a 5 anos atrás.
F.: Esses que vêm, esses sim... eles se programam o ano todo. O ano todinho
eles tão em função disso... tão trabalhando e guardando pra poder... eles tem esse
objetivo, pra no final do anos eles poder...
S: É que a um tempo atrás vinha todo mundo. Praticamente todas as classes
sociais. Hoje tu não mais isso. A maioria tem uma condição social bem maior.
Bem... bem diferente. É o que eu vejo, assim...
- E como é que vocês acham que eles enxergam o turismo aqui?
[silêncio]
R: Mmm
F.: Boa pergunta!
R: Boa pergunta!
R: Mmm
S: É de se pensar! (risos)
279
F.: Eu também nunca parei pra pensar nisso!
S: Nunca parei pra conversar com eles.
- Você nunca teve nenhum contato?
S: Contato sim, mas conversar assim não.
R: Saber o que eles acham, o que...
S: É eles sempre gostam muito... quando eu trabalhei na praia, eles sempre elogiam
muito assim. Perguntasse em relação à infra-estrutura, alguma coisa desse tipo?
- Não, no geral. Então vamos a outra pergunta. O que vocês acham que vem na
cabeça do argentino quando ele pensa na mulher brasileira?
F.: Aaah! (risos) Acho que não só do...
R: Eu acho que carnaval
F.: É. Samba. Mulher.
R: É
S: A exposição muito do corpo
F.: Acho que não é do argentino. A exposição que eles fazem... do Brasil... em
todos os lugares acaba sendo isso, né?!
R: O Brasil é mostrado dessa forma, como o país do samba, o país do carnaval e do
futebol, então o que que eles... É a sensualidade mesmo, né?!
S: As roupas que as argentinas usam é bem diferente que a nossa roupa. A gente
se mostra muito mais do que elas.
S: Os biquínis são bem menores (rindo)
F.: Muitas têm sonho de usar, mas daí botam e na hora não.
S: Ééééé!
F.: Pegam um mais tradicional mesmo.
- E o que será que vem na cabeça deles quando eles pensam na mulher
brasileira?
[silêncio]
S: É triste, mas eu acho que pelo fato de... de... ter contato mais físico, assim...
de beijar, de abraçar, eu acho que...
280
R: Só isso! (rindo)
S: O principal, né?! Principalmente quem vem pra turismo, assim... quer conquistar,
bater papo.
[silêncio]
- Pensam em sexo?
S: É (risos)
[silêncio]
R: Tanto é que tu vai pra Canasvieiras tu isso, né?! Tu passa na rua... pelo amor
de Deus... os caras te passam... os argentinos... tu não entendem nada (risos)
F.: É, eles mexem muito, muito mesmo.
S: No Ilha de Cascaes tu bastante isso. Claro, tem muito menos europeu do que
argentino, mas os poucos que vem só pensam nisso.
- E como vocês acham que essa imagem se formou?
R: Eu acho que é o que mais como é vendido lá fora.
- Tem participação da mídia?
F.: Tem, com certeza!
S: Tem até hoje
R: O que mais passa é o carnaval, quando tem os desfiles... isso é manchete no
mundo todo! O futebol, o Pelé, o Ronaldinho, é... o que é mais transmitido fora. E
quando tem “guerra” aqui no país.
S: É, a gente é visto pelo samba, futebol e carnaval.
F: A imagem que é feita de determinado lugar acaba sendo pela imprensa, né?! É
ela que... transmite pra... e faz... e manipula como ela bem entende...
- E essa imagem da mulher? Como vocês acham que se formou?
R: Existem muitos calendários que são feitos também, que são vendidos lá fora, que
tem a maioria das mulheres de... de biquíni... ou... o que tem umas fotos dá... da
praia de Ipanema, que é muito famosa
F: botaram as mulheres com tudo de fora
S: então é o que vende!
- Vende como sendo uma imagem geral?
281
F: Isso, como se fosse... como se todas as outras fossem parte desse grupo.
S: Não os argentinos, mas os turistas do mundo todo vêm pra com essa
imagem! Eles acham que pra qualquer mulher eles podem falar assim. E não é bem
assim (riso tímido).
- E vocês acham que as meninas aqui de Florianópolis correspondem a essa
imagem?
[silêncio]
R: Eu acho que bem menos do que no Rio de Janeiro (riso)
S: eu acho que um pouco pela... o povo é mais conservador... de família...
portuguesa, alemães, são mais conservadoras.
R: Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina a gente é bem mais frio que no Rio e
no nordeste.
- Me explica melhor mais frio.
R: eu acho que eles não conseguem se aproximar com tanta facilidade. É, por causa
da colonização. O alemão já é bem mais... fechado...
S: Pra ti entrar num grupo... tem que... apesar de ser gentil e tudo.
R: Tem aquele instinto brasileiro, claro que tem. De se dar e tal, mas não é tão...
caloroso!
S: É, como em outros lugares.
- Pergunto a F: e você que ficou quieta? O que acha? Acha que as meninas de
Florianópolis correspondem a esta imagem?
F: Não tanto. Não tanto. Não.
- Me explica melhor
F: (risos) é o que elas tavam falando assim... seria mais ou menos isso. Seria mais
fechada.
- A última! Como vocês descreveriam a relação da comunidade, em especial
das meninas de Floripa, com os turistas argentinos?
[silêncio]
R: acho que ela é mais valorizada
S: antes tu via muita menina com argentino. Agora não vê mais. Agora elas preferem
os paulistas do que os argentinos.
282
S: antes elas chegavam a casar com argentinos, hoje não.
F: A minha tia casou com um argentino.
S: há uns 10 anos atrás... nossa! Agora é bem menos, né?!
R: eu acho também que os jovens argentinos diminuíram bastante a vinda deles pra
cá.
- [pergunto para S] Então as meninas daqui preferem os paulistas? Por que?
S: Boa pergunta! Não sei! É uma pesquisa que tu tens que fazer! É porque tem mais
paulista do que argentino
R: mais paulistas... tu vai na praia... tu vais a noite na Lagoa... hoje 80% é paulista.
O argentino muito pouco.
- Não é uma preferência em detrimento dos rapazes daqui, é por que vem
mais?
R: é por que vem mais.
S: Por que vem mais, é.
- [digo a F que ficou quieta de novo, elas riem]
R: é que ela é tímida! (risos)
F: Ultimamente o que eu tenho visto lá... é que eu moro em Canasvieiras, né,
então... o que tu vê, o nível dos argentinos, assim oh, não sei se não é do agrado
das brasileiras... por que são tudo...
S: aquelas meias (risos)
F: Não, não é nem isso. É aqueles guri tudo bem jogado, assim... bem... , aí... aquilo
dali não... não atrai nem um pouco.
S: eles parecem tudo sujo, aquelas roupas que eles vem... não rola.
F: e por isso decerto que a preferência é pelos brasileiros. Que acabam tendo a
cultura mais parecida com...
S: Com a nossa
R: É, eles tem uma coisa muito largada. E não atraí.
S: Não atraí, eu nunca.
- Eu entrevistei os argentinos, e perguntei porque eles achavam que as
brasileiras gostavam deles, e me responderam por que eles são mais
“mauricinhos”, gostam de se vestir bem, são cheirosos...
283
[todas riem]
R: só se for ele!
F: O que eu tenho visto lá não é bem isso! (risos)
S: de repente eu não sei, de repente ele era cheirosinho, assim, mas geralmente a
maior parte... (risos)
- Mas apesar de ser um público com poder socioeconômico melhor vocês
acham que eles são mais largados?
S: eu particularmente, eu não gosto deles assim... eu não...
- Por que?
S: Aí, eu não simpatizo. Acho eles muito chatos.
R: o que eu vejo: eles jogam lixo, eles dizem muita gracinha...
- Chaveco ou gracinha
S: muita gracinha, não rola
F: várias vezes eu presenciei, eles abrem a janela e jogam lixo
S: por exemplo: Canasvieiras é o reduto deles. Chega 4 ou 5 da manhã tu quer
dormir, tu não consegue. Eles gritam, eles fazem festa a noite toda... e ninguém
merece isso! (riso tímido) Por que nem todo mundo tá de férias
- [pergunto olhando para F] Como é o caso de quem mora em Canasvieiras?
F: Ainda bem que eu não moro no centrinho, eu moro mais ao lado. Então é mais
residencial mesmo. Não é...
R: E não é... Tu passa na rua as 5 horas da manhã, de quinta pra sexta, eles... meu
Deus do céu, não pra ir sozinha! Eles fazem a maior festa! Eles acham que todo
mundo ta de festa!
- E eles abordam? Como é?
R: eles abordam, eles agarram, puxam, passam...
F: passam, falam...
R: na avenida... na avenida eles te puxam, são bem chatos.
S: na verdade muito chatos.
- [agradeço e deixo à disposição para mais alguma colaboração, elas silenciam].
284
ANDICE C – GRUPO FOCAL 2b
Grupo Focal 2b – ASSESC, dia 05/04/07, as 19h30
M B D
– O que vocês acham que atrai o turista argentino à Florianópolis?
M.: As praias. Praia é a primeira coisa que os argentinos procuram muito.
[silêncio]
B.: Na minha opinião é a mesma coisa, eles vem... eu tenho até casa em praia e...
nossa verão é... lota... o que mais tem é argentinos.
D.: Também acho que praia. Claro que tem depois, , as outras partes [rindo] aí
aquele que “eu vou por que eu acho que tem mulher bonita”, “por que eu acho que
tem biquíni pequeno”, mas eu acho que geralmente é por praia mesmo.
B.: é verdade
– e essa questão de que tem mulher bonita e tem biquíni pequeno, de onde vem?
D.: Porque eu acho que o Brasil é muito conhecido fora por... pelo Carnaval... ai
pelo... top less, pelo... e essas coisas por causa do Carnaval, por que muita gente
desfila sem roupa, sem a parte de cima...
B.: O Brasil é conhecido como um lugar que tem muita mulher bonita.
D.: ano caso, nós não estamos falando do Japão, mas eu falo com o pessoal do
Japão pela Internet e eles achavam que as mulheres andavam normal, sem a parte
de cima da roupa! Assim, como se fosse a coisa mais linda do mundo!
M.: na verdade eles focam bastante na mulher de biquíni, mas se vais colocar uma
foto de praia tem que ter uma mulher deitada. A gente quase não homens, por
exemplo, só de sunga. Vê fio dental, eles focam bastante na mulher brasileira.
Dizem que a mulher brasileira são as mais bonitas, né, no mundo, então...
– e vocês acham que isso está na cabeça dos turistas argentinos também?
D.: Sei lá! Por até ser, mas em todo lugar que tu vá vais ter a mulher feia e a mulher
bonita. E... [risos]
B.: é mas o Brasil é mesmo conhecido, né, pela... em todo lugar que tu vá... eu fui
pra Argentina e eles comentam bastante “ah! Como tem mulher bonita no Brasil!” e...
é impressionante!
– tem o comentário?
B.: tem, tem o comentário. Acontece bastante, né?!
D.: é, eu trabalho num hotel na Praia Brava, né?! Aí, também não é no caso
argentino, mas tem... tinha uns americanos hoje lá no hotel... e aí eu era a única que
falava inglês no hotel, eles pediam pra mim ajudar eles com tudo... e a... a
285
americana, ligou pros Estados Unidos para falar com a filha dela, e a filha dela
queria porque queria saber se todas as mulheres eram parecidas com a Gisele
Bündchen! Achavam que todo mundo era igual a ela, sabe?!
– e fez esta referência da Gisele Bündchen em específico?
D.: sim, porque eu morei nos Estados Unidos e é o máximo! Eles acham ela
tudo! Tipo... as mulheres modelo de lá, todas querem ser que nem ela!
M.: é mas o argentino ele chega a mexer com a gente... ele pode estar
acompanhado da esposa, ele deixa a esposa se afastar, ele mexe com a mulher
brasileira. Eu trabalhava no Ilha Shopping, ali em Canasvieiras... é um público muito
grande de argentinos na época de veraneio... o cara, deixava a mulher passar, vinha
e tentava conversar comigo, mesmo que fosse pra pedir um... valor de uma roupa ou
coisa parecida. Eles gostam muito das brasileiras, gostam das praias e eles elogiam
bastante o Brasil, Florianópolis.
B.: Eles tratam muito bem o brasileiro, assim... é impressionante como, o brasileiro
até não gosta muito, né?! Pelo menos na praia, eu tenho casa e... não gostam
muito porque são conhecido até porque, como um povo meio sujo, que deixa tudo
meio jogado, assim... que... que eles gostam bastante assim dos brasileiros.
Eles elogiam e são... eles gostam do povo brasileiro. Apesar de o povo brasileiro
não aceitar muito, pelo menos lá na praia... o...
M.: O florianopolitano, o manezinho da ilha, realmente ele não gosta de... de
argentino, por que ele suja a cidade. A parte de turismo, que eles gostam de receber
o dinheiro, é uma coisa. Mas a parte de, de destruição, assim, é... eles não
gostam.
– essa resistência que tem aqui por parte do ilhéu é em função de sujeira mesmo?
M.: é, sujeira, de... de... de desrespeito às vezes até no trânsito.
B.: é eles são folgados!
D.: é e até acham chato assim, que nem... de novo eu vou a falar do meu hotel! Hoje
chegou um pessoal de São Paulo, brasileiro, pra se hospedar lá. Aí eles tinham uma
reserva. O cara, a primeira pergunta que ele fez: “tem muito argentino perto do meu
quarto?” [risos]
B.: é verdade!
D.: então, eles não... e assim, pode até não ser verdade, eu voltei pra cá faz pouco...
mas assim, tem muita gente que tem a... não gosta de... dos argentinos, por achar
assim, que... que os argentinos vêm pra cá, querendo que a gente um jeito de
entender eles, que eles nos entendam, que a gente faça de tudo pra eles, mas que
se a gente for pra lá, eles não tão nem aí se a gente vai entender o que eles tão
falando. Não que eles vai entender nós e tal ... eu nunca fui pra lá, mas é o que
dizem!
B.: eu já fui e é! Na verdade sim, eles vem pra cá e acham que a gente é obrigado a
entender eles, né?! E já lá não.
M.: e também a gente estuda isso, inglês, espanhol, e vamo ver se lá tem português!
Eu nunca fui numa escola argentina, passei pela Argentina. Mas eles não fazem
286
esforço nenhum pra falar o português. Nem norte americano, argentino, nada, a
gente tem que entender o que eles tão falando, em vez de eles nos entenderem.
fica meio complicado [risos]
B.: é meio complicado
você falou que acha que eles são folgados, me explica melhor esse folgados
[falando com B.]
B.: folgados no sentido de... na praia por exemplo. Eles vão ficam em um monte, a
gente ta num canto na praia, eles vem e não querem nem saber se tão em cima de
ti. É... deixam tudo jogado na praia, não tão nem ligando se a praia ta limpa, eles
não deixam como tava antes. E... eu praticamente nasci na praia, e sempre teve
este problema com argentinos.
M.: também no trânsito o argentino parece que fica lento quando vem pra
Florianópolis, porque eles tão passando férias, eles podem andar mais devagar. Por
que eles tão apreciando a natureza, porque eles tão conhecendo o lugar. Aí, quem
ta aqui trabalhando, na muvuca, que ta precisando ir, vir, rápido, aí acaba se
atrasando.
B.: é!
M.: por isso que o brasileiro acaba não gostando, o florianopolitano. Por que a região
aqui lota muito. Quase triplica a população... e aí acaba que essa questão de
trânsito
D.: tem um lado bom, né?! Isso daí dá um dinheirão no verão. Mas ao mesmo tempo
pra quem trabalha, pra quem tem vive aqui...
B.: na verdade eu acho que eles escolhem a época que acaba saindo mais barato
pra eles. E acabam não gastando muito. Por que eles ficam tão jogados, assim
que... na praia é... carnaval pelo menos que eu acho que é um pouco mais em
conta que na época do Natal, que eles vão mais nessa época. Eles vão e ficam
jogado, barraca, e... eles vão bem não pensando em gastar, eles vem pra ficar
jogado, não vem pensando em gastar muito!
M.: Já foram de gastar mais!
B.: É! Já foram de gastar mais.
M.: O Ilha Shopping é um exemplo ele diminuiu quase o dobro do... do gasto da
parte que eles vendia, né, 3, 4 anos atrás. Aquela queda que deu do dólar...
aquele problema que deu na Argentina, que o... que eles não tavam conseguindo vir
pra cá...
– após 2001?
M.: Isso! Diminuiu muito. Diminuiu muito assim a população da argentina. Agora eles
vem, mas eles vem é mais pra questão de passeio, olhar e eles não compram muito
como eles compravam antes.
vocês falaram um pouco, mas eu gostaria que vocês falassem um pouco mais:
que imagem vocês acham que esse turista argentino tem do Brasil em relação ao
turismo, ao turismo no Brasil, ao turismo em Florianópolis.
287
D.: Que imagem o argentino tem do Brasil?
– isso.
D.: eu acho que eles adoram!
B.: é eu acho... eu também acho que.../
D.: tanto que os hotéis... aqui como foi dito, a gente se esforça muito pra entender
eles, pra tentar ajudar eles, pra trazer dinheiro pra nós, né?! Então...
B.: mmm. E muitos que, muitos que eu conheço de argentinos que já vieram sempre
voltam, assim. Então é um jeito de mostrar de que eles gostam daqui, né?! Eles
voltam pro mesmo lugar que eles vieram, que eles ficaram, eu conheço bastante
gente da Argentina, então... a gente aluga até casa na praia e... e eles ficam e
voltam, todo ano eles alugam a casa, eles ligam. E... gostam, eu acho que o Brasil
tem uma imagem ótima assim... no turismo. Eles gostam porque o Brasil além das
praias, né.../
M.: A infra-estrutura aqui também aqui é boa, né?! Tem hotéis desde 5 estrelas à 2
estrelas, ou coisas assim. Então a infra-estrutura de restaurantes, comida típica,
então... são detalhes que acabam o argentino gostam e faz com que volte.
B.: facilita a volta deles, a comida também é....
vocês falaram alguma coisa, mas eu queria explorar um pouco mais a idéia do
que vocês acham que vem na cabeça do argentino quando ele pensa na mulher
brasileira?
[silêncio – quase 4 segundos]
B.: não acho que seja muito boa! [risos]
D.: é!
M.: é!
B.: como ela falou, no sentido de que eles vem pensando, ah no biquíni, ah que a
mulher anda com fio dental, que a mulher anda... que vai fazer top less. Acho que
eles já vem com a idéia de querer ver a mulher com... alí praticamente nua, né?!
D.: eu acho que os solteiro já... quando vem pro Brasil, vão pensando “eu viu
pegar mulher”! [risos]
M.: Até... nesse último Big Brother, da pra dar um exemplo, que o cara... hãm... eles
trocaram, um argentino foi pra casa dos brasileiros e um dos brasileiros foi pra casa
dos argentinos. Esse argentino, mal chegou na casa, ele começou a dar em cima
das gurias. Elogiando a mulher brasileira “ah, elas são lindas” que ah! E xavecando
as mulheres horrores, sabe?! Então esse foco que eles tem é bastante da mulher
bonita, que a... e eles querem ver as pessoas... as mulheres nuas, né?!
– eu não acompanhei, como foi a reação deles para receberem a brasileira lá?
D.: Foi boa!/
M.: eu não cheguei a...
D.: Eu peguei só uns lances assim.
288
B.: Elogiaram bastante assim, foi a Íris até, que... que foi, eu escutei falar pelo
menos, eu também não vi. Mas escutei falar que eles elogiaram bastante. Grudaram
nela assim que ela ficou bem...
D.: eu sei que ela cozinhou e aqueles caras começaram a chorar de tanta
pimenta que ela botou na comida [risos]
M.: mas eles se dão bem também porque querendo ou não foi a mulher que foi pra
lá, e... ãm, algumas... eles começaram a pedir de tudo, o quê que tinha o Brasil o
que não tinha como é que era a casa do Big Brother no Brasil. As diferenças, e...
B.: eles tratam muito bem. Eles tratam...
M.: perguntam bastante e tratam super bem...
B.: e tratam super bem
me falem um pouquinho mais, então, o que vocês acham que vem na cabeça,
além dessa questão de que eles imaginam que “as mulheres vão estar semi-nuas
aqui”, como é que vocês acham que é a imagem da mulher brasileira na cabeça do
argentino?
M.: uma mulher escultural, né, porque eles acham que todas mulheres tem um corpo
bonito. Mulher inteligente... hãm... eu ouvi um argentino que estranhou por eu ser
morena, eles acham que todas as mulheres são loiras.
B.: é
M.: e amesmo em fotos eles acabam vendo mais mulheres loiras. Até mesmo as
morenas que pintam os cabelos de loiro.
B.: [risos]
M. eles gostam das loiras e... preferem mais as morenas, também às vezes, por que
são as raras, digamos assim, né?! São poucas as mulheres que não pintam o
cabelo. Hãm...
– mas isso em relação mais aqui ao sul do país ou é uma impressão geral da mulher
brasileira?
M.: Ah, aí eu não sei [com voz mais baixa]
D.: Olha, eu acho que é geral da mulher brasileira. Mas tem alguns ponto do Brasil
que tem... que são mais assim chamativos, que é o que dizem, né?! Que é o sul, o
Rio de Janeiro...
B.: O Rio de Janeiro muito, né?! Que eles falam que Rio de Janeiro...
D.: eu acho que é mais isso... o sul e Rio de Janeiro
B.: é, muito que eu escutei também falar que ah ir pro Rio é humilhante pra
mulher, porque tu vais pras praias de e as mulheres são perfeitas. escutei de
muitas conhecidas que vem, conhecidas que são de São Paulo que... uma amiga
minha foi que é de São Paulo e ah foi pro Rio passar um tempo pra conhecer as
praias e falou que “a não, é humilhante as mulheres!” de lá, que as mulheres tem
uns corpos! Mas também não é assim, não é todo mundo que...
289
D.: é que eu acho que é assim.../
B.: eles fazem uma... tipo geral, né?!
D.: claro, claro!
B.:
D.: é que, assim, só vai chamar atenção as bonitas! Claro que tem muitas feias, mas
eles não vão prestar a atenção! Assim como aqui. Por exemplo: a Praia Brava eu...
eu nunca quis ir, assim, por que é... quem ta a imagem é de que vai mulher
bonita, e realmente, quase que vai... hoje em dia mudou um pouco, mas as
mulheres...
B.: na Praia Mole, na Praia Brava...
D.: é, só ia mulher bonita! Então as feias ficavam meio assim...
B.: [risos]
D.: mas aí... tu vai lá e tu vê, porque as feias, não chama à atenção mesmo!
B.: é, porque na verdade essas praias aqui são meio que... essas tipo Brava, Mole, a
Joaquina, são meio que praias que são moda, né?! Moda pra aquele...
M.: são praias pra surfista, né?!
D.: as Patricinhas e os Mauricinhos! [risos]
B.: é! Eu vejo nesse sentido, que... que é praia moda, assim... eu, eu não gosto de ir
pra essas praias aqui tipo assim Praia Mole, Joaquina, Brava, por causa disso!
Porque eu acho que a praia é muito... que é aqueles grupinhos, só tem grupinhos.
D.: mmm
– mas esse não é muito o tipo de praia que vai muito turista argentino, ou é?
M.: eu acho que até vai
D.: eu acho que ele vão, na verdade eles chegam aqui, por exemplo, estão
hospedados num hotel que eles não conhecem, eles vão perguntar onde é que tem
uma praia que é badalada, assim... não... que tenha bastante gente, uma praia que
todo mundo gosta de ir, do mar e por tudo. Então eles vão onde indicam, e
geralmente é... são as praias mais conhecidas. Praia Brava, Jurerê, como ela falou
M.: Canasvieiras
– e nessas praias vocês costumam encontrar com turistas argentinos?
M.: Canasvieiras eu, eu... tenho apartamento, né?!
D.: tem argentinos!
B.: Ingleses falam que também é cheio!
D.: a minha avó tem apartamento em Ponta das Canas, né?! E eu to morando na
Cachoeira agora... lá, verão, tem argentino! Argentino, uruguaio, tu num outra
coisa!
M.: em Canasvieiras de 10 carros que estão estacionados 1 é brasileiro!
290
D.: é! Aham!
M.: tu se apavora!
– é quase como se fosse uma província deles aqui?!
M.: é!
D.: é, ta louco! [risos]
B.: eles não andam de... eles não andam de dois, eles andam em dez! [risos]
D.: é!
B.: vão pra praia é vários! Eles fazem churrasquinho na praia
D.: é!
B.: e é impressionante como eles andam em um monte! [risos]
– sempre em grupo?
B.: sempre!
M.: é muito raro eles virem sós pra cá.
e vocês acham que em relação a imagem, essa imagem da mulher, essa imagem
do turismo, teve participação da mídia na formação dessa imagem?
M.: eu acho que quase 100%. Por que publicidade e propaganda toda vez que vão
fotografar tem mulher na revista... é... bem...
B.: e eles não podem, né, fazer da mulher só uma imagem
D.: até propaganda que for mostrar com foto de mulher na Argentina ou sei onde,
outro país, eles vão mostrar mulher de biquíni! Carnaval, mulher sem... a parte de
cima. E aí o país é conhecido como.../
B.: /muita praia, é... praia e Carnaval, e é isso, né?! Tu vai ver na praia e é, vai ver a
mulherada assim, no carnaval também, então é a imagem que passa mesmo, eles
passam isso. Eles passam a mulher como uma imagem mesmo!
M.: Aqueles cartões postais, eles... tipo... até foi proibido... eu fiz publicidade e
propaganda antes de vir pra [faculdade de turismo]. Até foi proibido a imagem de
mulheres de biquíni muito pequeno, coisa assim, pouca roupa, focar muito na mulher
nesses cartões postais. – REFERÊNCIA AO RIO DE JANEIRO?
M.: por que tava trazendo, digamos uma visão... é... má, referente as mulheres
brasileiras, né?! E...
B.: eu acho que tem mesmo uma imagem meio má.
D.: Sim, por que junto, mesmo que tu não queria, vai ver essas imagens tu vai
pensar prostitutas, e... mulher fácil.../
B.: é!
D.: Já vem essa imagem junto!
291
– vocês acham que quando eles vêm pro Brasil já vem com essa idéia de que toda a
mulher brasileira é.../
D.: /é fácil?
B.: eu acho que pode até não ser todas, mas eles já vem com aquilo./
B.: /é! Com a imagem já pensando.../
D.: /“eu vou pegar mulher!”/
B.: é eu acho que eles já vem com essa idéia na cabeça.
D.: essa idéia de que vai rolar!
M.: a mesmo por que em todas as bancas de jornais e revistas que você vai
sempre tem a Playboy, tem... a... tem foto de mulher, quase toda banca de jornal e
revista, né?! Quase 100% das revistas são direcionadas as mulheres, então...
acabam... claro, o cara passa na frente de uma banca de jornal a primeira coisa que
o argentino vai fazer vai ser parar pra olhar.
– e vocês acham que as meninas aqui de Florianópolis correspondem a essa
imagem que eles têm?
D.: Depende.
– como assim?
D.: hãm, é que nem a gente falou, todo lugar tem a cil, tem a não cil, tem a
bonita, tem a feia, tem a... sei lá!
M.: ah! Vai de gosto pra gosto, né?! é que nem dizem “gosto não se discute, se
lamenta”!
B. e D.: [risos]
D.: pois é!
B.: é, eu nunca morei fora, não sei como é que é, mas... a imagem das meninas de
Floripa ta bem... eu acho que não ta legal, assim, pelo que se vê, assim... os
meninos mesmo falam assim, eu tenho muito mais amigo homem do que mulher, e
falam “pô, ta muito difícil arrumar uma namorada aqui!” que... as meninas não
querem mesmo, não querem saber tu ta com um, daqui a pouco ta com outro, as
meninas tão muito fácil!
M.: até mesmo se tiver namorando, vai lá, trai o guri... depois o cara descobre...
então a mulher acaba sendo... querendo ser vista, né?! As mulheres não querem ser
vistas por fáceis. Acham que abriu pra um pode abrir pra todos.
– vocês acham que o perfil, as meninas aqui de Florianópolis estão mais nesse perfil
de estarem mais... volúveis, digamos assim?
B.: pode ser, eu acho.../
D.:/ faz pouco que eu vim pra ca, eu não sei se é... mas assim, eu tenho um tio, que
mora em Porto Alegre, e ele sempre passa as férias aqui, então ele vem com os
amigos, eles vão pra todas as festas e eles aprontam todas, e ele disse: “como
tem mulher fácil”! Dá pra pegar todas!
292
B.: essa imagem, é... não fica bem...
D.: aliás eu acho, não posso falar com certeza, mas eu acho assim: a mulher chega,
que o cara é de fora e dá uma de fácil porque vai pensar “o cara não é daqui”
não vai querer ficar pensando “ah! Ela é uma put(...)”, entendeu?
mas era isso que eu ia perguntar, por que vocês acham que as meninas estão
com esse comportamento?
D.: Acho que elas dão um jeito de ser assim, sem que descubram, entendeu? Tipo
assim “ah, o cara nunca mais vai me ver na vida”...
B.: acabam passando uma imagem lá, né?! Ele vai acabar chegando e vai
comentar, e... se ele comentar vão ficar com essa coisa na cabeça.
M.: ainda mais se ela estiver fora da região, por exemplo, se ela saí... do centro, e
vai pra uma festa em Jurerê, é aquela coisa, numa região que pouca gente me
conhece, ou quase ninguém. Então não dá nada... ou ficar com tantos.
– ainda mais em Jurerê que é um lugar turístico!
M.: aí acaba sujando a imagem de quem é... quem quer ser respeitada, né?! De
quem não é tão... tão liberal assim, de quem é mais exigente, o cara acha que
todas.../
B.: /vão ser do mesmo jeito, né?!
D.: aí chegam pra ti e... ah! Tu acabou de dizer! Te tratam como se tu fosse desse
tipo, daí tu em que mostrar que tu não é, e a pessoa acha que tu ta querendo se
fazer.
B.: é!
D.: entendeu?!
B.: é, e isso acontece bastante! [riso]
D.: tu tenta mostrar que tu é diferente e a pessoa com certeza vai achar que o...
pensa que...
M.: daí se tu vai engrossando eles te chama de grossa pra baixo!
D.: é né?!
M.: e viram as costas!
– ou seja, no fundo eles [os rapazes] estão querendo mesmo é a “pegação”?
B.: é isso, que pra homem é diferente da mulher... né?! Pra homem não pega
tanto, homem... sai como bem, mulher não. Mulher sai como...
M.: até mesmo porque desde criança o pai já diz: “meu filho faz isso e aquilo”.../
D. e B.: /é!
M.: “a minha filha não”, “filha eu te protejo”
D. e B.: /é!
B.: e essa é a diferença da imagem do homem pra mulher, né?! Vai ficar o.../
293
D.: que tem também... todo mundo um dia cansa, e o homem hoje e dia ta
querendo... não todos né?! Mas chega a um ponto que tu qué uma coisa séria! Que
tu cansa dessa vida, e tu não encontra mais as pessoas que queiram,
entendeu?! Mulheres que queiram algo sério, entendeu?!
M.: é, tanto homem quanto a mulher, os... os... os mais difíceis, digamos assim
vamos selecionar por fáceis e difíceis que... que realmente querem um
relacionamento sério, um comprometimento, acabam se desencontrando, e aí...
acabam tendo os sofrimentos amorosos, com aqueles que não querem nada com a
vida, né?! e... até eu tive vários relacionamento pra encontrar o cara, digamos, certo
– até agora! [risos de todas]
M.: é... a gente acaba cansando daquela vida de... ai, aquele quer ficar contigo,
aquele outro também, aquele outro também, mas tu não qué...
B.: é, até eu vejo, eu... também terminei meu namoro há pouco tempo, mas... quanto
tava com ele as meninas, meu Deus, em cima! Parece que a gente atrai, eles
atraem mais quando ta namorando do que quando tão solteiro.
M. e B.: é!
D.: com certeza!
B.: então é uma coisa que... que é impressionante, as meninas não tão nem se ta
namorando ou não ta...
M.: Pra ver se coloca aliança no dedo! [risos]
B.: é, se não querem... parece que a aliança atrai mesmo, atrai mais do que quando
não ta...
D.: elas querem mostrar que elas podem... que elas têm o poder de te tirar/
B.: /é! Podem mais do que.../
D.: /o poder de te tirar.../
B.: /é! Ta podendo mais do que a namorada!/
M.: /é e pode tirar o teu namorado/
– e isso é meio geral? Ou vocês acham que.../
M..: é geral/
B.: /não,... é geral/
D.: /eu acho que é geral... Mesmo que... não é de propósito, é tipo um instinto, de
mulher...
B.: é, homem ainda eu acho que homem se respeita. A mulher não se respeita uma
com a outra.
D.: homem, homem sabe chegar por exemplo numa festa e dizer... e achar que :
“ah! É meu parceiro, é gente boa”... a mulher não, ela já chega com ciúmes.../
B.: é!
294
D.: ela já chega vendo como é que a outra ta, ver se a outra ta mais bonita... pra ver
se...
B.: é homem se respeita, né?! A mulher não se respeita nesse sentido de... de
namorado... tanto que quando eu terminei com este meu ex e nossa! Vários amigos
dele falaram comigo na internet com segundas intenções, assim... e é
impressionante assim... eu vi no sentido que também não se respeitam, né?! Mas
eu... por exemplo, amiga minha ficou com ex meu. Eu não ficaria com ex de
amiga minha, já... é uma coisa que... não sei... não tem, né?! E ninguém ta se
respeitando em Floripa! Pelo menos Floripa assim que eu to vendo... começa a ver
outra... desrespeito, assim. Mulher principalmente. Mulher é uma...
– e o que vocês acham que atrai as meninas daqui em relação aos argentinos?
[silêncio]
– o que atrai as meninas daqui a ficar, ou a querem ficar com argentinos?
D.: primeiro acho que é por diferente, por poder dizer que “ah! Peguei um cara
doutro país!”
M.: também se o cara tiver dinheiro pelo status dele.
B.: é só porque o cara ta viajando...
D.: muitas mulheres são assim. Também porque são cil de... como foi comentado,
que... “ah! Ele não me conhece, ele nunca mais vai me ver, ele não pode sair daqui
falando mal de mim!”. Que “ele vai ficar comigo e vai embora!”
B.: é, eu acho isso também. Que elas ficam mesmo pensando que... vão curtir ali o
momento e depois não vão ver mais o cara, e o cara vai embora e acabo! [risos]
– e tem alguma diferença do argentino pro brasileiro?
[silêncio]
B.: mmm... não me agrada [risos]
D.: não me agrada também! [risos]
B.: não é meu tipo! [risos]
M.: é... argentinos mesmo...
e quem vocês vêem ficando mais com argentino? Das meninas daqui, tem um
perfil?
D.: Guria oferecida. Guria que... sei lá!
B.: é que eu acho que... é... aquelas que vão pra night e bebem, e... não tão nem aí.
D.: mas se fosse pra elas pensar será que seria sério com uma pessoa assim? Acho
que não queriam!
B.: não é mais tipo...
– mais o clima de balada?!
295
B.: é. Não no sentido de talvez ter alguma coisa séria, mais por... por ali, por...
ficar e deu. Bebe e.../
D.: /por experiência!
B.: é!
e em termos socioeconômico, vocês acham que essas meninas têm um perfil ou é
geral?
D.: acho que não, acho que é geral.
B.: é geral. Talvez mais até classe alta por ta nas baladinhas mais... por que... vão
bastante pra aquele “El Divino” e talvez as meninas com mais...
M.: dinheiro, né?!
D.: e talvez por que, sei lá, até posso estar errada, mas elas podem pensar que “ah!
Eu tenho como é que se diz? uma classe boa!” então... “o meu nome o vai
ficar sujo”. Por algo assim, entendeu? “Eu vou continuar com o meu nome limpo”!
vocês conhecem alguma menina que tenha ficado com argentino? Não precisa
dizer o nome!
[risos]
M.: Muitas!
B.: nossa! Muitas!
D.: Muuuiiitas! Muitas!
[risos]
D.: algumas até às vezes que não são e saem pra beber e ficam totalmente
diferentes!
B.: é! Nossa muitas!
D.: principalmente quando é esse negócio da pessoa que é de fora, por que daí...
elas fazem as escuras as coisas pra não.../
B.:/ é pra ninguém saber! Eu conheço muitas também!
M.: ahãm!
B.: nossa muitas acom esse o comportamento, que cada night que vai é uma
pessoa diferente ou até na mesma noite é...
D.: é, dois, três [risos]
B.: é! Nossa! eu conheço menina que já ficou com sete na mesma night!
D.: com certeza!
296
B.: E acha que é assim... tipo... lá no El Divino
84
” de Jurerê é gigante! Vai e fica com
um ali, vai pra outra pista e fica com outro lá, vai pro outro canto e fica com outro...
nossa! [riso] Muitas!
M.: é aquela coisa de que todas acham que eles não vão se cruzar.
B.: e muitas vezes até são conhecidos, né?!
D.: é! Bah!
B.: por que Floripa é uma ervilha, né?!/
D.: /imagina o cara chegar e, “ah! Peguei essa aí agora”! “ah! Também peguei”!/
B.: /aqui todo mundo se conhece, né?! Em Floripa todo mundo se conhece. É uma
coisa que a menina tem que pensar antes:pô, é pequeno”! [risos]
– e sendo o cara de fora é mais fácil de não ser.../
B.: é mais fácil. Nessa época de verão sim, é mais fácil. É mais fácil fazer e não
suspeitar, mas agora é... época mais de festa, acho que agora, mas começando
agora e que já não tem tanto turista, né?! o negócio fica mais difícil [risos]
– vocês já ouviram falar no Barracão?
D.: eu já, mas eu nunca fui.
B.: ahãm, eu também nunca fui.
M.: já, já ouvi falar, mas eu também nunca fui [riso]
– alguma amiga que já foi? Comentários?
B.: não lembro...
D.: Não grandes comentários, nunca entrei muito em detalhes, mas eu tenho uma
amiga que vai. E eu nunca entrei muito em detalhes. Mas ela não é muito dificilzinha
assim, não... [risos]
B. e M.: [risos]
D.: ela só falou que... ah, ela comentou assim que tem bastante gente, fácil! [risos]
B. [risos]
– Gente fácil? Brasileiras? Ou gente fácil...
M.: Brasileiras.
D.: Ah, no geral!
– no geral?
D.: todo mundo vai pensando em pegar! [riso]
84
Antigo Ibiza em Jurerê Internacional e no centro (Beira Mar Norte) antigo Café Cancún.
297
M.: [risos] chega, por exemplo, um argentino que vem no Brasil, pensando em
pegar mulher, sai pra essas nights chega e encontra uma mulher bonita e fácil, é
claro que ele vai cair em cima! Ai não quer nem saber se... chega dando oi e quero
saber teu nome, chega já beijando, abraçando, coisa assim. Não quer nem saber teu
nome, eles puxam mesmo!
– e as meninas já respondem com beijo?
B.: muito, muito, muito!
M.: tem, tem muitas delas que...
D.: principalmente a que quer home, né?!
B.: ah! Nossa! Não tem nem conversa, né?!
D.: muitas vezes tem um que sai sem nem saber o teu nome!
M.: tem uma amiga minha que saiu numa noite comigo, né?! E eu tava
acompanhada, um cara chegou puxou ela, deu um beijo, virou as costas e saiu.
D.: bem, tipo assim, carnaval.
B.: bem! [risos]
– como assim: “tipo assim carnaval”?
D.: tipo assim carnaval é todo mundo pegando todo mundo.
M.: até quem namora!
D.: pelo menos aonde eu morava era assim.
– uma coisa meio que ninguém é de ninguém?!
M.: Isso! Tem até uma festa!
D.: Até tem festa aqui “Ninguém é de Ninguém”
B.: Tem uma festa aqui!
D.: e bloco de carnaval!
B.: é, eu nunca fui, mas dizem que é... nossa!
M.: tem, é no Santinho, é no Santinho!
B.: Pagode que eles fazem, e...
M.: fazem um pagodão!
B.: e o nome é “Ninguém é de Ninguém
85
85
A [festa] Ninguém é de Ninguém já se firmou como a melhor marca de festas em Floripa. Há mais de 3 anos as festas vêm
surpreendendo o público sempre com muitas novidades. As festas semestrais, com bebida liberada, arrastam grande público
para diferentes locais da cidade, sendo sempre inesquecíveis. As festas do site agitam as melhores boates de floripa, uma vez
por mês, lançando ensaios das gatas da cidade e levando muita diversão ao seu público fiel. As temporadas de verão da
Ninguém é de Ninguém ficam cada vez mais quentes. Com festas semanais no Ilha do Cascaes, que além de ótimos shows
298
– Mas é um lugar legal, ou...
M.: o local que eu fui no Santinho foi na vez que teve o desfile da Garota Verão.
Uma das classificações do Garota e acho que era nas quartas-feiras, eu não lembro
a data, ele tem o Ninguém é de Ninguém. Vai principalmente gente que ta afim só de
ficar.
D.: com certeza!
B.: é!
– Que lugar é este no Santinho?
D.: Ilha de Cascaes!
– No Ilha do Cascaes do Costão do Santinho?
M.: No Ilha do Cascaes, o Ninguém é de Ninguém é lá. Todos caras vão solteiros/
B.: já tem/
M.: namorando, vão sem as namoradas, e sai...
B.: eu fui numa festa no Ilha do Cascaes que entrava mulher até a uma, né?! E...
aí tinha os caras dançando... dançavam... só mulher entrava./
M.: /é
B.: é, aí os caras dançavam tudo e daí dava uma hora da manhã tinha a contagem
regressiva pros cara entrar, nossa! Eu fiquei impressionada! Nossa! Os cara
entraram e a mulherada!
– é aquela festa que a bebida fica liberada enquanto só as mulheres estão dentro?
B.: Isso!
M.: é!
D.: é assim!
B.: quando eles entram... nossa!
M.: sempre tem uma bebida liberada. Por exemplo, na noite que eu fui, que teve o
desfile da Garota Verão, era igual ao Ladies First, aí tinha... tequila, liberada
D.: Tequila! Ainda por cima!
B.: é!
M.: e eu cheguei fiquei na porta, porque tem uma porta separada que os homens
entram. Eu fiquei na porta esperando o meu namorado, por que... a mulherada.../
B.: a mulherada cai em cima!
contam com o aditivo do concurso “Gata do Ilha” promovido pela festa. O objetivo da Ninguém é de Ninguém, assim como de
suas parcerias, é gerar lazer e entretenimento, oferecendo ao cliente estrutura e equipe de primeira, buscando a satisfação
total do freqüentador e colaborador do evento com excelentes, estrutura, profissionais, atrações e público.
http://www.ngng.com.br/afesta.htm em 18/04/07
299
M.: não, é inacreditável! E fica todo mundo num canto do lado e vem os caras
dançar, do bar. Na hora que começa a contagem regressiva sai todo mundo!
B.: a mulherada faz um corredor pros caras passar, e...
– tipo um “corredor polonês”?
B.: é, um corredor, os caras vão entrando e a mulherada vai caindo em cima.
Quando eu vi... [risos]
M.: eu, a primeira coisa que eu fiz foi puxar o meu namorado e abraçar ele! [risos]
Os amigos dele que se virem! [risos] e eu... A gente tava brincando: “ah, vamos vir
aqui no Ninguém é de Ninguém pra ver como é que rola!”, nossa! Não dá pra ir
casal, se quer sair na night, Ilha do Cascaes no Ninguém é de Ninguém não pra
ir! Por que a mulher chega, puxa o cara e.../
B.: /é, não dá, a mulherada.../
M.: ... ninguém é de ninguém e ele pode ser meu!
D.: teve amiga minha que foi e disse que... casal de namorado e... puxavam,
realmente assim!
[silêncio]
D.: o nome da festa é “Ninguém é de Ninguém” então por que que vai?
B.: é!
[risos]
– e voltando a questão da imagem de Floripa. Essa imagem que está na cabeça dos
argentinos, seja nos aspectos turísticos ou em relação a mulher, teve também
participação da mídia? A gente falou do Brasil, mas e Floripa, especificamente?
M. ahãm
[silêncio]
vocês acham que para formar as imagens que eles [argentinos] têm, das meninas
daqui, como vocês falaram que o tipo físico é mais de loiras, enfim, será que teve
participação da mídia? No próprio tipo físico da brasileira a loira é exceção não é
regra...
B.: acho que sempre tem participação da mídia
M.: a mídia sempre ta em cima, né?! A gente... eles querem é vender o peixe deles,
então...por que a mídia ganha muito em relação ao turista ta vindo pra cá também.
– e como vocês acham que essa mídia mostra Florianópolis para eles?
M.: eu cheguei até a ter trabalho na faculdade, mas eu não to recordando.
[silêncio]
M.: por que a gente focava bastante esse negócio de... de turismo sexual. Tem
muito. Aqui em Floripa você os melhores hotéis tem turismo sexual. Sim, eles
não querem nem comentar, a gente precisava fazer o trabalho dentro da... dos
hotéis, e não conseguia, de jeito nenhum, por que os caras não abrem. Então... a...
300
– hotéis conhecidos?
M.: hotéis conhecidíssimos! E... são aquelas questões de que a mídia diz pra não ter
turismo sexual mas apresenta a mulher de biquíni... entendeu? É... eles colocam ali:
“ligue pro 0800”, pra... disque denúncia, caso você desconfie que haja o turismo
sexual, mas em relação a eles tirarem as fotos pra mostrar em mídia, ou filmarem,
eles filma a mulher de biquíni. É... tem... por exemplo a Garota Verão, a mulher
desfila de biquíni. Pó, porque que não usa uma saia? Uma roupa?
B.: não, e a até a imagem se for ver da mulher no... em propaganda... em
propaganda de cerveja, a mulher de biquíni, a bunda da mulher/
M.: /é!/
D.: /ahãm/
D.: é peituda, bunduda,
M.: toda reguladinha
B.: é!
M.: a... Juliana Paes naquela progaganda, “dá aquela viradinha”, ela: “na, não vou
dar”, aí ela vira, depois volta e: “virou, viu?”, “virou de novo!” A imagem que eles tem
é sempre essa
B.: ahãm! Eles fazem propaganda e é isso, né?! Em propaganda eles botam... a
mulher é... é biquíni, é bunda...
D.: e fora... os... tipo assim, que nem, que vem uns argentinos pra cá. acontece
isso da mulher ser fácil, daí o argentino pega um monte de mulher. Daí o argentino
vai de pra lá, vai passar essa informação, né?! Lá tem muita mulher fácil!
B.: ah! Sim!
D.: Claro! eles vão vim pra preparados pra que isso aconteça, entendeu?
Pra encontrar isso.
B.: isso já... se espalhou bastante, eu acho... por que cada vez que eles vem, eu
acho que [risos], que...
– vocês acham incentiva um turismo sexual?
D.: sim
M.: incentiva, com certeza
B.: com certeza
M.: até mesmo por que eles não tem... por exemplo em hotéis eles não tem como
dizer que o cara não é pedófilo com aquela mulher, né?! Ou com aquela... pode ser
até... menina, mais nova... quem vai dizer que não é filha dele? Ou sobrinha? Ou
parente? Entendeu?! O turismo sexual ta na nossa cara e ninguém... sabe. Os caras
fazem muito disso.
– e vocês ouvem muito aqui em Floripa sobre o turismo sexual?
M.: eles evitam falar
301
B.: eles evitam muito falar.
– a mídia?
B.: é.
M.: a mídia, os... hotéis
B.: não, e os próprios hotéis, né?!
M.: todos! Todo mundo evita falar, por que é crime, né? ... eles evitam
[pergunto para D.] – lá no hotel acontece alguma coisa?
D.: Não, nunca peguei. Nada.
M.: é difícil de pegar. Eles fazem bem...
– talvez por ser um hotel de praia?
M.: é quase a mesma freqüência, por que os hotéis que... o meu grupo pesquisou na
época era... era tanto em... centro quanto em praias e... ninguém fala nada, por que
tem uma imagem deles. Se bem que a gente não ia tirar de dentro da faculdade, a
gente tinha Termo de Responsabilidade e tudo, né?! A mesma coisa que o teu
trabalho [refere a ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido] tu
não pode divulgar. A gente ta fazendo o trabalho, e se eles não quisessem a
gente não ia...
– guardando o anonimato do hotel, também?
M.: isso!
– e mesmo assim eles não quiseram falar a respeito?
M.: não quiseram
– quem no hotel vocês procuram para fazer a pesquisa?
M.: a gente entrava com o... gerente dos hotéis... gerentes... Por que eles conhecem
tudo... eles falam... até... mesmo se eles chegassem: “ah, mas eu não posso
conversar com a faxineira?” eles: “elas não podem falar”. Eles pedem, eles fazem
reuniões pedindo pra não falar. Pra não ser comentado nada.
B.: nossa!
M.: e eles [os gerentes] tem medo que você chegue em cima dos recepcionistas. Por
isso que eles chegam e pedem... Uma vez eu fui pra fazer entrevista e eles: “ah!
Nem tem que fazer...” falar com os recepcionistas... ou com as faxineira, por que os
gerentes gerais...
B.: não e dá medo, né?!
– esse trabalho foi pra qual faculdade?
M.: publicidade
B.: é, por que na verdade é... o medo mesmo que eles tem de... eu acho, que de
vazar aquele comentário, ou... medo mesmo, eu acho!
– de deixar uma imagem de que o hotel aceita o turismo sexual?
302
B.: é!
M.: ainda mais se for hotel de luxo. Eles têm muito medo de chegar a envolver o
nome deles com turismo sexual.
[silêncio]
mais alguma coisa que vocês gostariam de colocar? Sobre estes temas,
principalmente em relação ao pessoal da argentina com o povo daqui?
D.: Ah! Tem uma coisa. Mas não sei se tem haver... assim... não sei por que, não
sei... assim, uma coisa que me aconteceu várias vezes no hotel, é chegar
argentinos com mulher pode ser brasileira ou de mesmo daí o sei se o
Brasil é um lugar que... que chama isso, ou coisa assim... tu pede o nome do
acompanhante, aí eles dizem: “não, não posso passar, por que não é minha esposa”
[silêncio]
D.: Ou seja, o cara ta com uma amante. O cara ta com uma mulher que vai saber
quem que é, entendeu?!
– e como vocês fazem com a Ficha [Ficha Nacional de Registro de Hóspedes]?
D.: aí a gente põe só acompanhante, a gente não pode obrigar o cara a falar o nome
da pessoa.
– mas não tem que ter o número de identidade no registro?
M.: do acompanhante não, só o nome do...
D.: eu acho que lá no hotel não pedem nem do hóspede.
– e essas mulheres que você já presenciou chegarem no hotel são...
D.: ah! Um jeito normal, assim. Bem bonita, bem... é isso aí. Mas assim...
– você acha que elas eram garotas de programa, ou não?
D.: podia ser. Algumas apareciam... outras parece que eram... amantes mesmo!
[risos]
– isso também dos turistas argentinos?
D.: isso aí que eu to falando é turista argentino.
– só turista argentino?
D.: Com mulher argentina ou com mulher brasileira.
eles chegam com a amante para passar um período em Floripa ou então pegam a
menina que conheceram aqui e...
B.: Ou conheceram e resolveram...
D.: eu fico pensando, será que não... que, que quem ta em Florianópolis não...
não incentiva, assim: “ah! Vou pra lá eu e a minha amante” ou... “vou lá arrumar uma
mulher”, ou, sei lá... vou... entendeu? Por que isso, assim? Te deixa pensa,
entendeu?
– e por que Florianópolis incentivaria esse pensamento?
303
[risos]
M.: por exemplo, ali na SC 401, tem casas noturnas, de garotas de programa, onde
elas trabalham, e... elas pegam... em Canasvieiras é aquela muvuca! Tem... você
faz até filinha, assim pra... pra mulher pedindo carona.
– aonde?
M.: Em Canasvieiras! Na SC mesmo!
– na estrada?
M.: Isso! Elas ficam.../
B.: /na Vargem Pequena também tem bastante./
– e essas caroneiras na verdade são...
B.: muitas são, na verdade
M.: a maior parte
B.: a maior parte é!
M.: algumas são até travesti.
B.: Muitas! Ta cheio de travesti.
M.: algumas até a impressão quando você olha, mas quando vai chegando perto
é travesti. E tem essas... como diria... bordéis. As casas noturnas que tem placas
gigantes, vermelhas, do lado de um motel, aqui na SC 401. Então acaba
manchando. Por que aqui, é a via principal pra ir pras praias de Canasvieiras...
B.: até chegar no... tem muitos motéis
D.: é, muito motel.
M.: motel, aqui na SC 401... pra contar daqui pra lá, tu deve ter em torno de 4 a 5
motéis.
B. e D.: mmm
B.: eu vi, outro dia eu andei... [risos]
M.: e ali no centro... tem uma.../
D.: /é um do lado do outro/
M.: ... uma rua que eles chamam que é a rua das tias.
B.: Conselheiro Mafra!
D.: [risos] Rua das tias!
B.: eu moro no centro!
M.: a rua das tias por que todo mundo vai falar
B.: rua das tias. Por que é das mulheres mais... são as mulheres mais velhas, são...
não é como... não é menininha, assim
304
D.: mais experientes!
B.: é, mulheres mais experientes. É eu moro na rua de cima. Eu moro na Felipe
Schmidt!
D.: ah! [risos]
M.: [risos] na Conselheiro Mafra, ali você... por exemplo... chega assim: “ah, onde é
que fica a rua Conselheiro Mafra?”, “ah, a rua das tias, segue por aqui”
B.: [risos]
M.: eles falam.../
B.: e é bem assim, elas ficam o dia inteiro ali embaixo!
então tem essa separação: travestis e outras mulheres mais no Norte da Ilha e na
Conselheiro Mafra mais...
B.: é! A Conselheiro Mafra, pelo que eu sei, assim, é bastante mulher. Na rua de
baixo, ainda, que é... onde vai pra Beira Mar, onde... ali é travesti.
M.: é, tem uma rua, aquela rua... a... perto do... aquela descida grandona que tem...
que vai pra Beira Mar dali...
B. então, ali mesmo né?!
M.: ali tem bastante. A rua de baixo aonde que tem...
– Aonde era o Supermercado Imperatriz? Perto da Casas D’água?
86
B.: é!
M.: Ali perto do Imperatriz.
– essa é uma região de prostituição masculina? Travestis?
B.: travesti! Travesti! Ali sempre que eu passo tem!
M.: aí tem ali perto do... do... daquele hospital... de Caridade tem o.../
B.: /Bocarra!/
87
M.: /o Bocarra. Outro lugar de prostituição.
– O Bocarra é uma casa de prostituição
B.: é, dizem que é universitária. é universitária... é que as meninas vem
de fora e...
M.: e não tem condições de pagar a faculdade, assim/
B.: /de pagar e.../
M.: trabalham ali.
86
Região das ruas Hoepeck, Henrique Veigas (antiga Octopus Cave), e Francisco Tolentino.
87
Bocarra Show, fica em frente a entrada do Hospital de Caridade.
305
B.: e trabalham ali. Tem bastante
D.: é, isso é outra coisa que deixa suja a imagem de Florianópolis. Muita gente vem
de fora pra fazer, sei lá, prostituição, coisa assim, aqui, e fica com a imagem
achando que as mulheres são daqui. Entendeu?!
M.: é... e detalhe que é na entrada de um hospital... então entra e sai qualquer
pessoa de... né... que esteja passando mal, fazendo... grávidas, coisa assim, passa
bem do lado do Bocarra!
e vocês acham que isso ocorre porque Florianópolis é uma cidade universitária?
Por causa da UDESC, da UFSC...
88
B.: nossa, tem muita gente de fora por causa disso...
M.: principalmente as meninas da UFSC, que é uma universidade pública, vêm
pessoas de classe alta, né?! Por que uma parte gigantesca da UFSC é classe alta,
elas não tem condições, às vezes elas não querem pedir dinheiro para o papai e
para a mamãe pra ficar gastando em roupa, ela vai...
B.: grande parte, grande parte mesmo vem dá... vem dá... fazem... trabalham no
Bocarra fazem UFSC, né?!
M.: e elas nem pagam universidade!
B.: é, elas não pagam.
M.: elas pensam em roupas, em... em materiais tipo... carros. E... passeios...
coisas assim. Muitas delas pedem carona pra não ta gastando, então... elas
economizam de tudo!
B.: é, dizem que o que ela tem mesmo, elas... é... andam com carrão, e é menina
com dinheiro, né?! Que trabalham... Eu tenho... até o dono da loja onde eu trabalho
que até ele falou que as meninas de [Bocarra] tem carrão, é só... é menina
novinha, eles mostram na propaganda né?! Pelo menos as que eles mostram na
propaganda, são meninas bem novinhas! Nessas propagandas de...
M.: é, quando passa da meia noite tem bastante propaganda do Bocarra e coisa
assim e as meninas... são bem novas...
vocês acham que tem algum ponto de prostituição masculina, que não seja de
travestis, aqui em Florianópolis?
M.: é tem os da SC 401
B.: é...
M.: além de ser masculina ela é... além de ser feminina, ela é masculina também.
Tem vários homens que entram e saem.
B.: é! Eles saem e entram...
88
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. UDESC – Universidade do Estado de Santa
Catarina.
306
– nas mesmas casas noturnas?
M.: é! Aquelas casas ali na SC 401, casas de show, e... coisa assim
– ou seja, já está acontecendo direto aqui?
M.: sim e eles ficam... eles ficam... na porta assim de casas... até tinha um caminhão
lá, não sei, que tinha derrubado um muro, e eles tinham que fazer o muro novo e
tinha piscina bem na frente da casa e ali ficam as gurias ali a noite com os caras até
as vezes de tardezinha, assim...
– na SC 401?
M.: é!
– aonde?
M.: nas casas de show. Você passava assim de ônibus, olhando pros lados, daqui a
pouco você se deparava assim com as gurias, na piscina, com os caras... e tem cara
que faz assim, prostituição, nas casas. Eu que passo direto, assim, eu vejo.
B.: e tem direto assim é na Praça XV, né? De homem. É que ali tem bastante, eu
achei assim, eu escutei falar bastante. É um ponto de homem. Eu passo ali de
noite e não vejo mulher, tem sempre mais homem, nos bancos...então pra saber
que...
mesmo que Florianópolis não seja um dos lugares reconhecidos como sendo de
turismo sexual, na opinião de vocês, que vivem aqui, tem?
B.: Tem!
M.: com certeza! Eu acho que é difícil dizer um lugar que tenha bastante turismo e
que não tenha um turismo sexual, ?! Curitiba... São Paulo... São Paulo mesmo é
um horror! Você chega assim no orelhão e tem uma coleção, de... de endereços e
telefones de... de... gurias e ainda por 5, 1 real, acho que...
D,: e é que nem Porto Alegre né? Tem rua que tu vai e tem fileira, né? Uma atrás da
outra!
B.: tem uma menina que eu conheço que... que eu conheci assim de falar, e eu
nunca mais tinha visto, e meu pai é paulista, e... a minha família por parte de pai é
toda de São Paulo, e eu saí um dia pra jantar com meus tios, e... entramos num
restaurante, e isso que São Paulo é gigante, né?! Entramos no restaurante e a
menina tava. A menina que eu conhecia daqui, né?! Morava no centro também, é ela
e uma menina, no caso, bem... novinhas, 19 anos, com dois executivos, dois cara
bem mais velho, e... ela me viu, ela ficou meio assim, depois ela veio falar
comigo “ai, meu tio”, mas... eu... a irmã dela me falou que ela foi pra lá, e... na
verdade foi pra trabalhar nisso, né?!
M.: tem lugares assim, eu não... eu não... sei de que região, meu pai é de viajar
muito, e tem amigos dele que... solteiro, né?! Que... que procuram esse tipo de local,
e um deles disse que... que quando foi freqüentar um local desse a mulher que
tivesse na porta era a que você deveria pegar. Mesmo que a próxima fosse mais
bonita do que aquela que estivesse na frente. Por que tem que pegar de qualquer
307
jeito. Pode ser a mais feia da face da terra você é obrigado a ficar aquela noite com
ela.
[neste momento toca o sinal do intervalo das aulas]
– tem normas?!
M.: Normas. Eles têm uns controladores na porta.
B.: Nossa!
– meninas, mais alguma coisa que vocês queiram colocar?
B.: não [riso]
[as demais ficaram quietas]
– então muito obrigada!
308
ANDICE D MAPA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 1, MAPA DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 2
309
BRASILEIRAS
Carnaval
Culo y piernas
fogosas
mulata
Somente
sexo
Outras
Bonitas
Diferentes das argentinas
As brasileiras não
entendem o momento
dos turistas
Somente sexo
Cara lavada
Roupas curtas,
cabelos compridos e
tamancos
Simpáticas
Sociáveis
Mais diretas
Tamm é
possível um “bom
momento”
O que atrai à
Florianópolis?
Praias
Clima
Mais o dia
Calor
Tranqüilidade
Variar
A troca
Lugares turísticos
Cerveja
Povo brasileiro
Servil
Meninas
Simpáticas
Fogosas
Corpo
Mulatas
Bonitas
Sexo
Mesmo que não diga é o que vem buscar
MAPA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 1: ARGENTINOS
310
BRASILEIRAS
Carnaval
Top less
fáceis
Ficam por
status
A história
some
Esculturais
Bonitas
A imagem não é boa
Somente sexo
Loiras
O que atrai à
Florianópolis?
Praias
Eles voltam
Lugar para
estar com
amante
Variar
Povo brasileiro
Elogiam,
gostam:
s
Os argentinos
assediam
Mulher bonita
Biquíni
pequeno
Carnaval
Fáceis
Corpo
Loiras
Top Less
Sexo
[Para elas] o olhar do turista em relação às bra
sileiras é assim...
Gisele
Bündchen
São folgados
Fazem sujeira
Dirigem mal
Trazem dinheiro
Estão gastando
menos
MAPA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 2: BRASILEIRAS
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