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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Rosângela Maria Oliveira Guimarães
Traduções/Adaptações dos Romances-folhetins de Alexandre
Dumas no Brasil: Estudos de Edição e Cultura
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Comunicação e Semiótica, sob a
orientação da Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira.
SÃO PAULO
2008
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Milhares de livros grátis para download.
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a
reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras
ou eletrônicos.
Assinatura: São Paulo,____de________de 2008
II
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Banca Examinadora
___________________________
___________________________
___________________________
_________________________________________
_________________________________________
III
Para meus pais
e meu esposo
IV
Agradecimentos
À Professora Jerusa Pires Ferreira, mestra e amiga, por sua sabedoria,
generosidade, carinho, incentivo entusiasmado e orientação desta pesquisa.
À Professora Marlyse Meyer, não só pelo incentivo, mas também por ter escrito
seu sedutor Folhetim, inspirador deste trabalho.
Ao Professor Boris Schnaiderman pelas sugestões de leitura e conversas.
Ao CNPq pela concessão da Bolsa.
A meu esposo, meus pais e irmãos pelo apoio incondicional.
Aos queridos amigos Regina Vieira, Magali Oliveira, Josias Abdalla, Adriano
Sousa e Marcio Godoy pelas conversas preciosas.
Aos amigos do Centro de Estudos da Oralidade do COS/PUC-SP pela troca de
conhecimentos.
Aos funcionários das Bibliotecas públicas de Jacareí/SP, São José dos
Campos/SP, da PUC/SP, Mário de Andrade e Monteiro Lobato (São Paulo).
V
Resumo
Traduções/ adaptações dos romances-folhetins de Alexandre Dumas no Brasil: Estudos
de Edição e Cultura
Primeiro, situo o ambiente, bem como descrevo as atividades de duas bibliotecas
públicas do Vale do Paraíba/SP, localizadas nas cidades de Jacareí e São José dos Campos,
por se tratarem de acervos que abrigam, dentre as várias séries culturais, os romances-
folhetins de Alexandre Dumas.
Em seguida, há o mapeamento das obras do autor, a partir dos acervos mencionados,
traduzidas e publicadas em edições populares aqui, logo após as respectivas narrativas
circularem em vários jornais brasileiros. Trata-se do acompanhamento dos processos
constitutivos e midiáticos de suas obras no país. Nesta etapa, são utilizados os textos de Jean-
Ives Mollier, Jacques Migozzi, entre outros, constantes na coletânea De l’écrit à l’écran (Do
escrito à tela); obras de Roger Chartier sobre livro, leitura e edição (Leitura e Leitores na
França do Antigo Regime, A Ordem do Livro, A Aventura do Livro), como também os
trabalhos de Jerusa Pires Ferreira sobre editoras e edições populares (“La Maison João do
Rio”), além de autores brasileiros que tratam do tema da leitura e recepção, como Márcia
Abreu, Nelson Schapochnik, Marisa Lajolo, entre outros (coletâneas Leitura, História e
História da Leitura no Brasil/ Cultura Letrada no Brasil). Do ponto de vista da história do
romance-folhetim, as obras Folhetim, Caminhos do Imaginário e outros textos de Marlyse
Meyer nos oferecem importantes questões conceituais referentes ao assunto.
Para análise do conjunto de capas desenhadas por Nico Rosso para os romances de
Dumas da ‘coleção saraiva’, produção sintonizada com o contexto de uma cultura de massa
em ascensão e com a indústria do livro popular no país, neste período, são utilizados textos de
Charles Grivel “Le passage à l’écran” (A passagem à tela) sobre literaturas híbridas, “De la
couverture illustré du roman populaire”, entre outros.
Os objetivos desta pesquisa são: acompanhar a inserção e os efeitos da literatura européia de
ampla circulação, no Brasil, através do inventário dos livros populares de Alexandre Dumas;
construção de uma espécie de panorama do fenômeno deste universo adaptativo e suas
implicações; com isso serão observados processos e materiais de edição desse gênero no país,
a partir dos acervos mencionados das bibliotecas públicas do Vale do Paraíba/SP.
A tese compara a recorrência de certos temas estereotipados e recriados no imaginário
popular e interclasses sociais. Com isso, se apóia no acompanhamento de materiais narrativos
e ficcionais provenientes da Europa e projetados através dos séculos XIX, XX e até o XXI,
em sucessivas adaptações que mantêm em interação um discurso intersemiótico.
Este trabalho confirma que os romances de Dumas permaneceram sendo lidos em
brochuras no Brasil durante todo século XX, após muitos deixarem os rodapés de jornais. A
obra estava sendo publicada com força no período de lançamento e disseminação da televisão
entre nós (nos anos 50). Ela conviveu com o desenvolvimento do cinema aqui e se mantém
lida em tempos de Internet.
Palavras-chaves: mídia impressa, romance-folhetim, comunicação de massa, memória
editorial, livro popular, imagens.
VI
Abstract
Translations/adaptations of Alexandre Dumas’ serial novels in Brazil:
Studies on Edition and Culture
Firstly, I situate the environment and describe the activities of two public libraries
located at Vale do Paraíba, state of São Paulo, in the cities of Jacareí and São José dos
Campos. Their collections include, among many cultural series, Alexandre Dumas’ serial
novels.
Next, the author’s works are mapped, based on the above-mentioned collections.
These works were translated and published in popular editions in Brazil, after the respective
narratives had circulated in several Brazilian newspapers. This stage is related to the
investigation of the constitutive and media processes of his works in the country. In this stage,
the following works are used: texts by Jean-Ives Mollier and Jacques Migozzi, among others,
which are included in the collection De l’écrit à l’écran (From writing to the screen); Roger
Chartier’s works about books, reading and edition (Leitura e Leitores na França do Antigo
Regime / Reading and Readers in France at the time of the Ancien Régime, A Ordem do Livro
/ The Order of the Book, A Aventura do Livro / The Book Adventure); Jerusa Pires Ferreira’s
works on publishers and popular editions (“La Maison João do Rio”); and Brazilian authors
who deal with the theme of reading and reception, like Márcia Abreu, Nelson Schapochnik,
Marisa Lajolo, among others (the collections Leitura, História e História da Leitura no
Brasil/Reading, History and the History of Reading in Brazil and Cultura Letrada no Brasil/
Literate Culture in Brazil). From the point of view of the history of the serial novel, the works
Folhetim (Serial Novel), Caminhos do Imaginário (Mental Imagery Paths) and other texts by
Marlyse Meyer offer important conceptual questions referring to the subject.
To analyze the set of covers designed by Nico Rosso to Dumas’ novels of ‘Coleção
Saraiva’ (Saraiva Collection), a production in tune with the context of an emerging mass
culture and with the popular book industry in Brazil, in this period, I used Charles Grivel’s
text “Le passage à l’écran” (The passage to the screen) about hybrid literatures, and his work
“De la couverture illustré du roman populaire”, among others.
The aims of this research study are: to investigate the insertion and effects of the
European literature of wide circulation in Brazil, through the inventory of Alexandre Dumas’
popular books; to build a panorama of the phenomenon of this adaptation universe and its
implications; to observe editing processes and materials regarding this genre in Brazil, based
on the collections of the public libraries of Vale do Paraíba, in São Paulo.
The dissertation compares the recurrence of certain stereotyped themes that are
recreated in the popular mental imagery and social inter-classes. Thus, it investigates narrative
and fictional materials that came from Europe and were projected through the 19
th
, 20
th
and
even the 21
st
centuries, in successive adaptations that maintain an inter-semiotic discourse in
interaction.
This study confirms that Dumas’ romances remained being read in the form of books
in Brazil during the entire 20
th
century, after many of them left the foot of newspapers’ pages.
The work was being intensely published during the period of the launch and dissemination of
television among us (in the 1950s). It co-existed with the development of the cinema here and
continues to be read in Internet times.
Keywords: printed media, serial novel, mass communication, editorial memory,
popular book, images.
VII
Sumário
Introdução 1
Capítulo I
Biblioteca e Ambiente – diário de pesquisa 13
I- Perfis, espaços físicos das bibliotecas estudadas e pesquisa 13
Macedo Soares de Jacareí 13
Cassiano Ricardo de São José dos Campos 14
Uma leitura da Instituição Biblioteca como Sistema – biblioteca e ambiente 20
Os Parâmetros Básicos nas Bibliotecas 21
II- A Leitura dos Parâmetros Evolutivos em ambas as Bibliotecas 27
Autonomia/Integralidade/Serviços 28
Biblioteca Macedo Soares de Jacareí 28
Biblioteca Cassiano Ricardo de São José dos Campos 34
Memória de exposições promovidas pela biblioteca CR
divulgadas em jornais da cidade 36
O Informativo Mensal Traça – conectividade: biblioteca/usuário 39
A Biblioteca no passado – Jornal Agora 45
Vale Paraibano – A biblioteca que se firma no cenário da cidade 46
A leitura do romance-folhetim 48
Capítulo II
Editoras Saraiva e Clube do Livro – projetos editoriais populares
e práticas de leitura 49
Projetos editoriais populares 49
Momento do livro no país 51
As listas de publicações 57
Práticas de leitura e o romance-folhetim 59
Alguns depoimentos de práticas de leitura do romance-folhetim 60
Incentivo à formação de bibliotecas individuais por editoras 63
Considerações sobre romance popular e circulação de impressos 66
A produção: o formato editorial da Saraiva e do Clube do Livro 69
As traduções e as equipes 70
Resenhas de livros nas orelhas da ‘coleção Saraiva’ 71
Capítulo III
Romances de Dumas publicados pela Saraiva: história da edição 76
História da edição 76
Demais coleções da Saraiva que publicaram romances de Dumas –
Coleção ‘Jabuti’ 92
Coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’ 95
As séries de Dumas 98
Série D’Artagnan 101
Os Três Mosqueteiros 103
A série ‘Memórias de um Médico’ 108
José Balsamo 109
Ângelo Pitou 113
VIII
A Condessa de Charny 116
Exemplos de traduções de A Condessa de Charny por
editoras brasileiras diferentes - (tradução da edição) 118
O Cavalheiro da Casa Vermelha 122
Capítulo IV
Capas de romances de Dumas ilustradas por Nico Rosso para a Editora Saraiva 129
O desenhista Nico Rosso 129
As capas de Nico Rosso para a ‘coleção Saraiva’ 131
Capítulo V
Editora Clube do Livro: Histórico/procedimentos e a edição de romances-folhetins
de Dumas 147
Histórico/procedimentos 147
“Tradução especial” 150
Documentos de edição 154
Quadro de informes mensal da editora 154
Comunicado aos distintos leitores 157
A divulgação de prêmios recebidos como recursos de propaganda – Jabuti de 1960 158
“Prêmio Nacional Clube do Livro” 159
A biografia de Dumas traçada pelos editores do Clube do Livro 165
A ascendência mestiça do autor 166
A popularidade de Dumas (pai) através do romance-folhetim 167
Fatos mais recentes da biografia do autor 170
O escritor Dumas e seus hábitos de trabalho – autoria coletiva? 172
O autor e a tradição 176
Um falso folhetim atribuído a Dumas 179
História da edição dos romances de Dumas pelo Clube do Livro 182
A Princesa Várvara e A Família Corsa 186
O ilustrador e as capas 195
Capítulo VI
Romances-folhetins de Dumas em edições infanto-juvenis no Brasil 198
Editora Melhoramentos de São Paulo 198
Coleção ‘Obras Célebres’ da Editora Melhoramentos 199
Dois romances de Dumas publicados pela coleção ‘Obras Célebres’ 202
O Visconde de Bragelonne 206
Os Irmãos Corsos 208
Edições Juvenis – Editora Abril Cultural de São Paulo 210
Edições de Ouro – Rio de Janeiro 212
O Conde de Monte Cristo – a tradução da Ediouro e a da LEP 215
Demais editoras que publicaram romances de Dumas 219
Edições de Dumas pela Editora Fittipaldi de São Paulo 225
Considerações finais 228
Edições brasileiras de romances-folhetins de Dumas 233
Bibliografia 239
IX
Índice de Figuras
I – Fachadas das Bibliotecas Públicas de Jacareí e São José dos Campos/SP 16
II – Orelha do volume A Conquista de Nápoles da coleção Saraiva, 1967 74
III – Capa da ‘Coleção Romances de Alexandre Dumas’, Saraiva, 1957 97
IV – Reproduções de capas de Nico Rosso, ‘coleção Saraiva’ para romances
de Alexandre Dumas 140
V – Capa de Vicente di Grado, Clube do Livro, 1964. 194
VI – Capas de edições infantis e ilustrações internas de dois romances de Dumas.
Melhoramentos, São Paulo. 205
X
Introdução
Este trabalho reúne e analisa, com o auxílio de estudos da
comunicação, da história cultural, da semiótica da cultura e literários, uma
rede de edições brasileiras de romances-folhetins de Alexandre Dumas,
publicados durante todo século XX até os dias atuais, acompanhando-se
processos editoriais, de distribuição e de comunicação. O autor teve boa
repercussão aqui e foi responsável por um fenômeno de leitura, tanto em
folhetim como em livro popular. Houve uma profunda divulgação de seus
textos no imaginário brasileiro através da proliferação em folhetins, edições
populares/popularizantes e em texto infantil.
Os textos estudados, em sua maioria, fazem parte de coleções de
romances do autor pertencentes aos acervos das Bibliotecas públicas
Macedo Soares de Jacareí e Cassiano Ricardo de São José dos Campos,
cidades do Vale do Paraíba/SP. As editoras que mais se destacaram nesse
projeto adaptativo foram a Saraiva e o Clube do Livro, de São Paulo,
através de suas coleções populares, daí situarmos no segundo capítulo da
tese suas atividades editoriais no século passado, com ênfase para projetos
populares de leitura.
Neste estudo, do mesmo modo que há elementos para a construção
da história da edição popular dos romances do autor aqui e
questionamentos sobre tais edições, dispõe-se também de dados sobre
leitura e recepção do romance-folhetim, passando pelos domínios de duas
bibliotecas públicas do Vale do Paraíba/SP, consideradas pólos de leitura
na região, espaços de memória e também “ambientes midiáticos” no
sentido de mediarem a interação básica entre livro (acervos) e leitor, dentre
outras.
No que se refere à atual pesquisa, se pensa ainda num tipo de
mediação mais específica de tais bibliotecas: a de conservar coleções de
2
romances-folhetins de Dumas e promover esse tipo de leitura popular e
massiva na região. Foi, em parte, em tais acervos, que se verificou o
universo do romance-folhetim contemplado no mundo da edição popular
no Brasil que, por sua vez, é um capítulo à parte da história da editoração
no país, com circuitos de produção e de distribuição específicos, grande
alcance e poder de comunicação entre as classes populares.
A instituição é também ‘ambiente midiático’ quando oferece, além
do objeto livro, veículos como jornais, revistas, catálogos, panfletos; novas
tecnologias da informação, como computadores e suas respectivas mídias
(CDs, DVDs, disquetes, etc), a Internet. Disponibilizando todos os recursos
em questão para o público/comunidade. A troca de informações, ou seja, a
comunicação entre biblioteca e público, mediada por tais recursos, é
requisito básico para a sobrevivência de tal instituição enquanto sistema.
Este trabalho aborda, em primeiro lugar, o romance-folhetim no
conjunto analisado tendo como ponto de partida a obra Folhetim
1
, de
Marlyse Meyer.
A pesquisa que aqui se apresenta não teria respaldo sem a publicação
desse grandioso estudo, que traça a história do romance-folhetim na França
(na “matriz”), seus desdobramentos e repercussão nos folhetins de jornais
brasileiros nos séculos XIX e XX. Discute cada etapa com rigor conceitual,
situando o gênero na historiografia francesa; enfatiza as influências que
esta “literatura de segundo time” provocou na imprensa de ambos os países
e nos modos de veiculação das respectivas literaturas, tendo em vista que
os rodapés dos jornais passaram também a editar romances da chamada
literatura erudita. No caso brasileiro, a nascente literatura nacional.
Além do caráter de história literária do romance-folhetim, a obra
também se apresenta como um extenso estudo de história da leitura do
gênero na França e no Brasil, apresentando com pioneirismo todo um
1
Meyer, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
3
percurso em jornais e livros populares, no último caso, com destaque para a
análise da ‘série Rocambole’, editada pela Editora Fittipaldi, de São Paulo.
Recorre-se também às contribuições de outros pesquisadores
brasileiros que vêm se dedicando ao estudo da ficção brasileira publicada
em folhetim, sob diferentes perspectivas. José Ramos Tinhorão, em Os
Romances em Folhetins no Brasil (1830 à atualidade)
2
fez um mapeamento
da ficção publicada em rodapés de jornais brasileiros de 1830 a 1994.
A partir do levantamento feito por Tinhorão, Tânia Serra prosseguiu
um trabalho de recolha, em vários jornais, de romances-folhetins e de
romances em folhetins publicados durante o Romantismo brasileiro, que
resultou na publicação da Antologia do romance-folhetim (1830 a 1870)
3
.
Mostrou que os primeiros textos reunidos para a antologia, encontrados sob
a rubrica “romances” nos periódicos consultados, eram na verdade contos
longos. Tal fato confirma que nem toda ficção publicada em folhetim era
efetivamente romance-folhetim. O seu livro mereceu inclusive “Introdução
crítica” de Marlyse Meyer.
4
Rodapé das Miscelâneas (2002) de Yasmin Nadaf consiste num
trabalho interessante que comprova a repercussão que a obra Folhetim vem
tendo nos estudos da área no Brasil. Apoiada na idéia de que o espaço do
folhetim, na França como no Brasil, era destinado à publicação de
variedades (contos, crônicas, peças de teatro, cartas, receitas, etc), vindo a
publicar também o romance-folhetim, a autora constata que o gênero quase
não compareceu nos rodapés dos folhetins do Mato Grosso. Predominou ali
a vertente ‘variedades’, com destaque para a atividade feminina na escritura
de crônicas.
2
TINHORÃO, Os Romances em Folhetins no Brasil, 1994.
3
SERRA, Antologia do Romance Folhetim, 1997.
4
Cf. também tese de doutorado de José Alcides Ribeiro “Imprensa e Ficção no Brasil” sobre a publicação
de ‘Memórias de um Sargento de Milícias’ em folhetim, defendida no COS/PUC-SP em 1996.
4
O primeiro capítulo da tese Biblioteca e Ambiente: diário de
pesquisa fundamenta-se nas perspectivas teóricas dos Professores Jorge
Albuquerque Vieira e Jerusa Pires Ferreira (COS/PUC-SP) sobre ambiente.
Entende-se os espaços das bibliotecas públicas das cidades de Jacareí e São
José dos Campos, no Vale do Paraíba/SP, como sistemas abertos que
trocam informações com seus entornos, dentre outras questões aí
colocadas. Compreende-se que ambas as instituições funcionaram como
pólos de leitura do romance-folhetim na região, em virtude das coleções aí
conservadas.
O segundo capítulo Editoras Saraiva e Clube do Livro - projetos
editorias populares e práticas de leitura analisa a atuação das editoras
Clube do Livro e a Saraiva, de São Paulo, que idealizaram projetos
populares de leitura semelhantes, a partir da década de 40 do século
passado, os quais previam a distribuição de obras literárias para todo o país,
inclusive romances-folhetins de Dumas.
O terceiro capítulo Romances de Dumas publicados pela Saraiva
trata do estudo da história da edição das obras do autor veiculadas pela
editora Saraiva, via três coleções: a popular ‘coleção Saraiva’, a ‘Jabuti’ e
uma mais específica, a ‘Romances de Alexandre Dumas’. O tema vem
acompanhado de discussões sobre a inserção de seus romances, assim
como de suas séries no contexto de uma literatura/cultura de massa na
França do século XIX, modelo bem aceito no Brasil; da reflexão sobre a
inexistência de fronteiras literárias no universo de proliferação do livro
popular no país.
Capas de Romances de Dumas Ilustradas por Nico Rosso para a
Editora Saraiva são matéria do quarto capítulo. Observa-se a produção do
desenhista/profissional sintonizada com o contexto de uma cultura de
massa, em ascensão, e a indústria do livro popular no país no período. A
análise do conjunto de imagens se dá com base nos textos de Charles
5
Grivel “Le passage à l’écran” (A passagem à tela - literaturas híbridas) e
“De la couverture illustré du roman populaire”. O autor é estudioso da
relação entre ilustração/ romance popular/ cultura de massa, bem como das
capas dos respectivos impressos.
O quinto capítulo Editora Clube do Livro: histórico/procedimentos e
a edição de romances-folhetins de Dumas recupera um pouco a história da
editora e do contexto do livro popular no Brasil, inserindo-se aí as
traduções de alguns romances de Dumas para a referida casa de edição, que
fazia parte de um programa de popularização da literatura no país.
O sexto capítulo Romances-folhetins de Dumas em edições infanto-
juvenis no Brasil dá continuidade aos temas da leitura e da história da
edição das obras do autor aqui, conforme capítulos anteriores. Mas a ênfase
é para os títulos publicados para os públicos infantil e juvenil,
contemplados também com a circulação dos romances mais clássicos do
autor.
São capítulos que privilegiam trechos de notas explicativas,
prefácios, listas de publicações no final das obras, enfim, todo dado
relevante para situar mais que um conjunto de livros populares,
documentos de edição, que se espalharam por todo o país durante um
período, despertando o gosto pela leitura. Hoje, são materiais raros,
encontrados em alguns acervos de bibliotecas e esporadicamente em sebos.
A fundamentação teórica deste trabalho se dá a partir dos textos de
Jerusa Pires Ferreira sobre história da edição e editoras populares, das
considerações de Marlyse Meyer sobre folhetim e outros autores ligados ao
tema, citados anteriormente. Quanto à leitura e história da leitura são
utilizados textos de Roger Chartier, Jean-Yves Mollier, Diana Cooper-
Richet e de autores brasileiros como Márcia Abreu, Nelson Schapochnik,
Marisa Lajolo, entre outros.
6
Recorre-se ainda aos conceitos de Lotman sobre ‘Texto’,
‘Memória’ e ‘Cultura’ para se entender a construção de uma rede de textos
formada por obras de Dumas, divulgadas em edições populares no Brasil,
contemplando desde o público adulto ao infantil.
Considera-se que esta pesquisa traz contribuições aos estudos de
comunicação (de jornalismo: o percurso do romance-folhetim do jornal a
livro popular; na área de editoração, no que se refere aos modos de
produção e divulgação do livro popular nas décadas de 40 a 70 do século
passado); culturais (história do livro e da leitura do romance-folhetim de
Dumas no país); e literários (percurso de uma literatura estrangeira de
ampla circulação traduzida aqui, representada pelo romance-folhetim de
Dumas.
Evidencia também um panorama de leitura e recepção de textos das
classes populares brasileira, quer seja a fonte de fruição do romance-
folhetim francês, quer da literatura em geral durante o século XX no Brasil.
Configura-se também num trabalho concreto sobre a história da edição dos
romances-folhetins de Dumas traduzidos aqui.
Notas sobre a passagem do romance-folhetim do jornal a livro
Romance-folhetim no Brasil: memória
No Brasil, a relação entre jornal e literatura e mais, precisamente,
entre jornal e romance-folhetim foi muito forte, no final do século XIX e
primeiras décadas do XX, dada a influência francesa de publicação de
narrativas em série. É preciso lembrar que havia uma voga francesa aqui,
que imitava qualquer modelo cultural importado daquele país. A língua
francesa por ser internacionalmente mais difundida na época comparecia
então com o maior número de títulos circulando no original ou traduzidos.
Marlyse Meyer fala com muita graça da perpetuação do modelo
literário francês entre nós, até para justificar a presença intensa do
7
romance-folhetim: “brasileiro estômago de avestruz. Tudo é
indistintamente consumido sob a etiqueta ‘melhores autores franceses’. É
tudo novidade de Paris e, como tal, uniforme padrão de qualidade. ‘Altos e
Baixos’ de lá ficam erodidos ao atravessarem os mares, dão aqui um igual
que, devidamente absorvido, também levará a constituição de um outro que
é o nosso” (Folhetim, p. 382).
Em pesquisa sobre Gabinetes de Leitura do Império, Ana Luiza
Martins
5
menciona constate referência ao romance-folhetim francês
traduzido nos catálogos de tais casas, que dariam origem às primeiras
bibliotecas. Comparecem as obras de Dumas, Paul de Kock, Soulié, Paul
Féval, George Sand e Victor Hugo, sob o rótulo de leitura para mulheres,
mas naquele momento tida como perniciosa para as mentes femininas. Na
verdade, na França, o romance-folhetim chegou a ser proibido por volta de
1850, através da lei do selo para os jornais que o publicassem, sob alegação
da suposta perniciosidade. Um depoimento sobre um dos modos dessa má
influência vem da literatura francesa pós-romântica, em Madame Bovary
de Flaubert. A heroína (Ema) é leitora voraz de romances, inclusive o
romance-folhetim:
Estudou, em Eugenio Sue, descrições de mobiliário; leu Balzac e George Sand
, procurando satisfações imaginárias para os seus apetites pessoais. Até para a mesa
levava o livro, do qual ia virando as folhas, enquanto Carlos comia e conversava. A
lembrança do visconde voltava-lhe sempre durante as suas leituras. Entre o marido e
as personagens inventadas, punha-se a estabelecer confrontos”.
A mãe dizia ao filho que o comportamento arredio da
nora/protagonista tinha a ver com a leitura de romances:
“Ah! Ela se ocupa? Em quê? Em ler romances, maus livros, obras
contra a religião?”.
5
Gabinetes de Leituras do Império: casas esquecidas da censura? In: Leitura, História e História da
Leitura. Márcia Abreu (org.). Campinas/SP: Mercado das Letras/Fapesp, 2002.
8
E veio a censura contra Ema quanto à leitura de romances, em forma
de uma falsa suspensão de assinatura das obras. Inclusive, a sogra pensou
até em acionar a polícia, caso o livreiro insistisse em entregar à nora
produto tão pernicioso:
(...) Ficou, daí, resolvido que seria vedada a Ema a leitura de romances. A
empresa não era nada fácil. A boa senhora (a sogra) encarregou-se dela: quando
passasse por Rouen, iria pessoalmente ao livreiro e lhe diria que Ema suspendera as
assinaturas. Não seria o caso de avisar a polícia, se o livreiro insistisse na sua função
de envenenador?”
(Madame Bovary, 2002, p. 152).
Enfim, no Brasil, o romance-folhetim pertencia a esse ‘pacote’ de
influências culturais recebidas, de modo que se fazia sucesso lá, logo era
aceito sem restrições aqui. Além do mais, se tratava de uma novidade que
traria lucros em curto espaço de tempo. O fato é que a publicação de
romances nos rodapés de jornais brasileiros sacudiu o desenvolvimento da
imprensa nacional, elevando o número de assinaturas dos maiores jornais
do país, depois se estendendo para os periódicos das províncias/estados e,
claro, possibilitando a criação de novas folhas.
Muitas
dessas narrativas folhetinescas, após saírem em folhetim,
foram publicadas em brochuras pelas tipografias dos próprios jornais, o que
demonstra uma rede de produção vigorosa visando disponibilizar esses
enredos ao grande público, nos suportes mais acessíveis na época, jornal e
livro. Durante esta pesquisa, encontrou-se uma edição rara de O Capitão
Paulo de Dumas da Sociedade da Imprensa Paulista de 1936. Deve ter
circulado antes em folhetim de algum jornal paulistano. Era prática desde o
século XIX as tipografias e outros órgãos ligados aos jornais publicarem
tais romances em livros, logo após saírem em rodapés.
Uma vez consolidado no Brasil, o modelo francês de publicar ficção
seriada passou a ser ‘vitrine’ para divulgar a literatura nacional nascente,
como também a estrangeira traduzida. Muitos escritores brasileiros
publicaram seus romances em folhetins dos grandes jornais, seguindo as
9
técnicas folhetinescas do gênero. Para as editoras, provavelmente, era um
modo de testar o mercado de leitores. A divulgação em folhetim
funcionava como um termômetro de venda futura do livro. Servia para o
autor ter idéia se sua obra seria bem recebida ou não pelo público. A partir
disso, ocorria uma avaliação quanto à viabilidade da publicação em livro,
daí a relação entre folhetim/livro ser muito próxima. As narrativas
migravam de um suporte a outro como percurso natural. Na sociedade da
época, ambos os meios/veículos impressos (jornal e livro popular)
divulgavam para as massas tanto a chamada literatura erudita como a
popular.
Formou-se a partir daí uma tradição de leitura do romance-folhetim
em jornais e que depois migrou para o livro. O percurso do gênero em
terras brasileiras demonstra que, mesmo sendo naquele momento um
suporte provisório, o jornal preparou todo um lastro de tradição de leitura e
de memória para que tais enredos fossem divulgados em livros, ou seja,
num suporte de memória apoiado numa outra dinâmica de edição,
garantindo com isso um “reconhecimento” por parte do público.
Para se compreender o fenômeno cultural que representou a inserção
do romance-folhetim no Brasil e seus desdobramentos, bem como para
situar a rede de textos formada pelas traduções das obras de Dumas pai
recorre-se às visões macro sobre cultura e memória, do semioticista Iúri
Lotman e de Jerusa Pires Ferreira.
Segundo Lotman, “A cultura não é um depósito de informações; é
um mecanismo organizado de modo extremamente complexo, que conserva
as informações, elaborando continuamente os procedimentos mais
vantajosos e compatíveis. Recebe coisas novas, codifica e decodifica
mensagens, traduzindo-as para outro sistema de signos” (Pires Ferreira,
Jerusa. ‘Cultura é Memória’. Revista USP, no. 24, p. 116).
10
Entendendo a série cultural romance-folhetim, com base no
abrangente conceito de Lotman acima, passa-se a compreender porque o
gênero se adaptou tão bem em terras brasileiras. À luz de tal conceito,
pode-se dizer que há uma predisposição de qualquer sistema cultural,
inclusive o nosso, no que se refere a propiciar condições para que cada
conjunto de informações recebidas se acomode à nova paisagem cultural,
rearticulando-se em seu interior, ou seja, se insira na tradição.
No caso do romance-folhetim, não houve uma tradução massiva de
tais textos folhetinescos para outro sistema de signo entre nós. Só mais
tarde, dois romances de Dumas, O Conde de Monte Cristo e Os Irmãos
Corsos, foram adaptados para telenovelas brasileiras. No geral, os enredos
permaneceram aqui codificados em forma de texto impresso e, em sentido
amplo, se constituíram como texto cultural, tornando-se acessíveis aos mais
diversos públicos.
É indiscutível o impacto cultural que causou a introdução do modelo
francês de publicação de narrativas em série aqui, em jornais, fascículos,
livros e na recém-criada televisão brasileira, na década de 50 do século
passado, especificamente no campo da telenovela. Esta tomou de
empréstimo técnicas de construção narrativa do romance-folhetim,
considerado matriz cultural do folhetim televisivo ou novela.
Pensando no romance-folhetim, na perspectiva do conceito de Lotman
de que cultura é memória, focamos aí as razões porque essa rede textual
permaneceu com tanta força entre nós e, com mais vigor, os romances de
Alexandre Dumas. Pois bem: uma vez inserida tal série francesa no Brasil
nosso sistema cultural enquanto memória criou “mecanismos de
conservação, transmissão e elaboração” desses materiais. Por isso, ao tratar
da rede textual dos romances de Dumas, estamos recuperando todo um
conjunto de “memória impressa” e de leitura, a partir de uma estrutura de
permanência, apoiada em critérios de “conservação” e “transmissão”
11
intrínsecos à cultura, em que o jornal e o livro tiveram papel imprescindível
em sua propagação. Funcionaram como suportes da memória desses textos.
Do ponto de vista da “elaboração de novos textos”, o processo
natural de leitura dessas narrativas se encarregou de sedimentá-las na
tradição e o resultado, por exemplo, foi a criação de folhetos de cordel
6
na
literatura oral nordestina, a partir de romances-folhetins, por se tratar de
textos móveis, portanto, em constante atualização. No caso da telenovela,
não só duas adaptações de obras folhetinescas foram feitas para o nascente
gênero da dramaturgia brasileira. O modelo do romance-folhetim francês,
no que se refere às estratégias de corte de capítulos, suspense, elementos
temáticos, migrou para a construção do texto televisivo, mais de cem anos
depois do gênero chegar ao Brasil, e permanece sendo utilizado até hoje.
O romance-folhetim em livro
Observa-se que o romance-folhetim deixou, aos poucos, o jornal,
veículo “de ritmo rápido, cujos códigos de linguagem são múltiplos,
simultâneos e ágeis”
7
que propiciava uma leitura ágil e móvel, em
conformidade com o próprio ritmo folhetinesco. Migra para o “suporte não
periódico de leitura” (Jean-Yves Mollier), ou seja, para o livro, sem que
esses enredos perdessem a magia, partilhada em ambientes culturais
distintos de países como a França e o Brasil. Acabou se arraigando na
cultura brasileira a ponto de influenciar no desenvolvimento da imprensa
nacional e, mais tarde, nos modos da produção da telenovela brasileira, que
se utiliza até hoje de técnicas folhetinescas.
6
Não vou tratar do tema aqui, mas vale lembrar que romances-folhetins foram adaptados para a literatura
de cordel nordestina. A pesquisadora Idelette Muzart Fonseca dos Santos tem estudo publicado sobre o
assunto. ‘Monte Cristo – du roman au livre de colportage: traduction poétique et populaire d’Alexandre
Dumas au Brésil’. In: MIGOZZI, Jacques (dir.). Le roman populaire en question(s). Actes du colloque
international de mai de 1995 à Limoges. Limoges: PULIM, 1995.
7
Pinheiro, Amálio. “Jornal: cidade e cultura”. Revista Manuscrita de Crítica Genética, no. 12, São Paulo,
2004, p. 13-28.
12
Em verdade, a divulgação dos romances-folhetins de Dumas pai, por
exemplo, em livros possibilitou a preservação desta série cultural no
Brasil. A memória de tal conjunto narrativo conservada em livro
sobreviveria mais à ação do tempo do que num exemplar de jornal, salvo as
coleções preservadas em arquivos. Desse modo, tornou-se possível
reconstituir fragmentos de práticas de leituras do gênero, bem como a
história de sua edição no país, graças aos títulos que foram preservados em
bibliotecas públicas, como as das cidades de Jacareí e São José dos
Campos, no Vale do Paraíba/SP, locais onde se desenvolveram parte desta
pesquisa.
Capítulo I - Biblioteca e Ambiente: Diário de Pesquisa
I. Perfis, espaços físicos das bibliotecas estudadas e pesquisa
Macedo Soares de Jacareí
Do ponto de vista da história de sua fundação, são poucas as
informações. Buscando materiais no próprio acervo, foi encontrada apenas
meia página datilografada que descreve, entre outros fatos, que a biblioteca
foi fundada em 1908, no início do século XX, mas só abriu ao público em
1943. No ano seguinte a equipe responsável pelo órgão toma posse,
inclusive a primeira bibliotecária, a Sra. Alydeia Hardt. Em 1945, passa a
ser chamada Macedo Soares. Não há registros das atividades da instituição
entre 1908 e 1942. Teria começado suas atividades numa pequena sala de
leitura.
O leitor não tem acesso direto ao acervo, no sentido de ir até às
estantes e manusear o material. A biblioteca ainda não é informatizada.
Mas já existe proposta nesse sentido. Uma equipe da Prefeitura Municipal
pesquisa quais programas se adequam melhor às necessidades do órgão.
Conta com um acervo de aproximadamente 35.000 mil títulos. A estimativa
é de que 300 pessoas freqüentem o local por dia, o que dá uma média, por
mês, de 3.000 pessoas. Tem cerca de 2.000 mil sócios. As inscrições são
renovadas a cada ano mediante o pagamento de uma taxa simbólica de R$
2,00. Atende a um público diversificado e com graus de escolaridade
diferentes.
O acervo é renovado através de doações da comunidade e compras
efetuadas pela biblioteca, com a arrecadação da taxa de inscrição ou a
renovação de carteira dos sócios.
Muitos livros se perderam, quando a instituição ainda funcionava no
prédio da Rua 13 de Maio, no centro da cidade, devido a uma forte chuva.
Alguns foram recuperados graças a rapidez e boa vontade das funcionárias,
14
que improvisaram uma espécie de estufa, o que permitiu a secagem de
alguns títulos. Foi um trabalho de virar página por página de cada livro,
para salvar parte do material atingido pela água
1
.
Cassiano Ricardo de São José dos Campos
A biblioteca Cassiano Ricardo, nome em homenagem ao filho
ilustre, poeta modernista da Literatura Brasileira, foi criada pela Lei
Municipal no. 1.436, de 15 de março de 1968. Oferece condições de estudo
e consulta à comunidade, tendo como objetivos principais estimular o
hábito de leitura, preservar o acervo cultural, além de divulgar informações
via serviços disponibilizados ao público.
As atividades da instituição foram iniciadas em 20 de outubro de
1968, em clima festivo, inclusive com a presença do poeta Cassiano
Ricardo e de outras autoridades, com um acervo inicial de 10 mil volumes,
aproximadamente. Após funcionar em outros endereços, foi transferida
para prédio construído na década 10 do século XX, sede do antigo ‘Theatro
São José’, na Rua. XV de Novembro, 99, centro da cidade. Passou a ser
administrada pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo em abril de 2001.
A biblioteca
*
tem um acervo de cerca de 59.000 exemplares, sendo
aproximadamente 11.000 de obras infantis. Possui 7.000 sócios no cadastro
informatizado. Mas a estimativa é de 33.000, conforme fichas impressas,
em levantamento feito em 2000
2
. A inscrição de novos usuários é anual.
Atende a uma média de 550 pessoas por dia, e uma estimativa de 13.000
mil por mês. O acervo é atualizado a cada três meses através da compra de
livros pela Fundação Cassiano Ricardo, a partir de sugestões dos leitores ou
1
Informação dada por Maria da Conceição de Siqueira Pacheco, funcionária que trabalha em parceria
com a bibliotecária Reni Rezende da Silva.
*
Dados fornecidos em 16 de outubro de 2006 pela Bibliotecária Leise Campos Correa.
2
Idem.
15
por meio de pesquisas de novos lançamentos divulgados na mídia, como a
Revista Veja, por exemplo, e em sites de Editoras.
Quando o usuário não encontra o título que deseja, é orientado a
preencher um formulário com os dados sobre a obra. O pedido é
encaminhado à Fundação Cultural para compra.
Segundo a Bibliotecária Leise Campos Antonelli Correa, outro modo
de aquisição de livros se dá através de doações, deixadas direto na
biblioteca, ou as pessoas ligam e a Fundação se encarrega de recolhê-las
nas residências todas às segundas-feiras.
As visitas e os ambientes de pesquisa
Minhas visitas de pesquisa a bibliotecas da região do Vale do
Paraíba/SP tiveram início em 1998. Naquela época fazia mestrado na
PUC/SP sobre contos infantis adaptados para folhetos nordestinos e,
mesmo pesquisando no acervo da Monteiro Lobato, em São Paulo, tive a
curiosidade de buscar na biblioteca Macedo Soares, de Jacareí, as edições
infantis de cujo levantamento vinha me ocupando. Para minha surpresa,
descobri lindas (e raras!) edições, dentre as quais, as da Editora Quaresma.
Preciosos documentos de pesquisa! Prossegui os trabalhos.
Não parei mais de freqüentar a biblioteca. O espaço físico era
singelo: mobília antiga e um prédio sem maiores atrativos na Rua Treze de
Maio, no centro. Mas tinha e tem ainda funcionárias muito gentis. Foram se
criando laços de afeto de minha parte para com as pessoas e o espaço.
Nas consultas posteriores ao acervo, já sem vínculo com trabalho de
tese, encontrei sempre os textos que precisava, em geral, obras literárias.
Biblioteca Pública Cassiano Ricardo – São José dos Campos/SP
Biblioteca Pública Macedo Soares – Jacareí/SP
17
Pensando nas funções desse acervo, hoje, percebo que a
possibilidade de complementação de minha pesquisa naquele momento,
nesta biblioteca, deveu-se ao fato da instituição guardar ainda razoável
acervo literário (obras das literaturas brasileira e estrangeira), daí o
favorecimento de pesquisas na área, além de outros campos do
conhecimento.
Há ainda que se destacar aqui a tendência do órgão em favorecer
pesquisa científica, a partir dos documentos que preserva em seus
domínios, não se limitando apenas ao tradicional serviço de empréstimo
domiciliar de livros ou de consulta e pesquisa local, este mais voltado para
atender estudantes do ensino fundamental e médio, para elaboração de
trabalhos escolares.
O acervo geral da Macedo Soares se formou, em grande parte,
através de doações e tem se configurado durante as últimas décadas como
espaço privilegiado da leitura e da memória livresca na cidade. Pois,
oficialmente, as primeiras atividades da biblioteca foram iniciadas nos anos
40 do séc. XX. São portanto mais de sessenta anos de serviços prestados à
comunidade no que se refere à aquisição de conhecimentos.
Nova pesquisa em outros espaços
Já no doutorado, e tendo como objeto de estudo o romance-folhetim
francês, fui conferir no velho fichário impresso da Macedo Soares se
existiam ali romances-folhetins, a partir de tudo que li em Folhetim, de
Marlyse Meyer, e dos vários textos de Jerusa Pires Ferreira sobre edições e
editoras populares. Pude verificar que estava preservada razoável coleção
dos romances de Alexandre Dumas, um dos autores folhetinescos mais
lidos na França e no Brasil. Encantada com a descoberta, anotava das
fichas impressas todas as informações. E um pequeno mapa das editoras
18
que publicaram tais narrativas foi se formando: Vecchi, Clube do Livro,
Saraiva, Abril Cultural.
Nova atmosfera se construía em torno da pesquisa e do espaço. Sim,
o tema de pesquisa mudou, o tempo era outro e o ambiente também. Todos
esses fatores pareciam representar a própria mobilidade de ritmo
folhetinesco. Na Macedo Soares, por exemplo, a pesquisa sobre o romance-
folhetim já foi feita em na nova sede. Como foi prazeroso transitar pelo
interior do velho “palacete”, como era chamado.
A transferência se deu em 2003. A iniciativa teve por objetivo
instalar a biblioteca pública num dos prédios que formam o ‘circuito
histórico’ da cidade, não só pensando no melhor acesso ao usuário, mas se
configurando numa maneira de dar maior visibilidade à instituição, por
funcionar num espaço tombado pelo patrimônio histórico. Da mesma
forma, nada mais simbólico para ‘agregar valor’ ao ‘palacete’ do que sediar
a biblioteca pública da cidade. De certo, tais mudanças espaciais não
aconteceram por acaso. Correspondem a um conjunto de estratégias, por
parte da Secretaria de Educação do Município, para atrair o usuário à
biblioteca. Sem se dar conta, ele a visita por duas razões básicas: busca de
conhecimentos e contemplação do estilo arquitetônico, em virtude da
beleza do casarão. Trata-se de um texto visual que transmite informações
importantes não só sobre a tendência arquitetônica européia vigente
naquela época no país, como também se configura num dos modos de
ostentação da oligarquia cafeeira na região, já que o casarão estilo art
nouveau foi construído sob a encomenda de um fazendeiro de café, em
conformidade com os padrões estéticos/arquitetônicos em ascensão.
Segundo reportagem na imprensa local, “o casarão foi construído em
1901 por determinação do rico fazendeiro de café, Francisco Gomes
Leitão. O responsável pela edificação foi o empreiteiro Benedito Bibiano
19
das Neves, seguindo de perto a tendência arquitetônica européia, sobretudo,
de Paris” (Coluna Retratos da Vida. Texto de Luiz José Navarro da Cruz).
3
Faz parte do “circuito histórico”, citado anteriormente, o conjunto
arquitetônico formado pelos prédios do Museu Arqueológico do Vale do
Paraíba, da Biblioteca, do Arquivo Público Municipal, da Igreja Matriz e
da Fundação Cultural José Maria de Abreu, no centro da cidade.
No casarão restaurado de estilo art nouveau, sede atual da biblioteca,
funcionou até 2003 a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura. Em
1944, o então proprietário do imóvel, Pedro Guerra, doou-o ao Governo do
Estado, onde funcionou um posto médico até a década de 70 do século XX.
Visita - Biblioteca Cassiano Ricardo
Tomei a decisão de visitar a biblioteca pública Cassiano Ricardo, de
São José dos Campos, com o mesmo propósito de localizar coleções de
romances-folhetins.
Ambiente agradável onde o leitor, pesquisador e o público em geral
certamente sentem prazer em freqüentar. Mais uma vez o ‘texto
arquitetônico’ de uma biblioteca me deixaria encantada. Soube mais tarde
que o projeto foi premiado na Bienal de Arquitetura de São Paulo, em
1998.
O prédio da década de 10 do século anterior foi restaurado para
abrigar a biblioteca. Percebe-se que o processo de restauração foi pensado
para que o antigo e o moderno coexistissem no mesmo espaço. Isso se
apresenta logo na entrada. Por exemplo, a estreita porta de madeira,
representando um dos elementos que compõe a fachada original do prédio,
dá acesso a uma de vidro, com a mesma medida, que apresenta o moderno
projeto arquitetônico de verticalização de bibliotecas, de inspiração inglesa.
3
Não foi possível localizar o nome do Jornal e a data na cópia disponível na Biblioteca Macedo Soares.
20
Quando situo minha pesquisa nas paisagens de ambas as bibliotecas,
acredito que o conjunto das informações levantadas e impressões a respeito
desses órgãos são importantes para entender os motivos da presença do
romance-folhetim francês na região.
A proposta teórica de Jerusa Pires Ferreira reforça esse aspecto.
Segundo a autora, “os temas não são neutros, eles correspondem à captação
de situações, ambientes e entornos. São tratados e agrupados em
determinadas séries culturais como, por exemplo, o folhetim. O romance-
folhetim não é uma abstração. Ele se configura pela criação, suportes,
técnicas, que por alguma razão e de algum modo se conservou em certo
espaço” (Momento de discussão teórica sobre o tema, em reunião de
orientação).
II. Uma leitura da instituição biblioteca como sistema
4
Biblioteca e ambiente
Por serem públicas, ambas as bibliotecas não estão isoladas das
sociedades onde atuam (seus ambientes). Procuram oferecer melhores
condições para o usuário/leitor ter acesso ao conhecimento que precisa.
Preservar a memória, através do acúmulo de conhecimentos em
vários suportes, consiste na função por excelência de uma biblioteca. É na
memória (principalmente, a livresca) que está centrada a autonomia desse
sistema em relação a seu ambiente. A autonomia também se manifesta
4
A idéia de falar sobre o funcionamento de duas bibliotecas púbicas de cidades do Vale do Paraíba, São
Paulo, a partir das noções de parâmetros sistêmicos, surgiu no Seminário de Estudos Avançados
“Semiótica e Comunicação segundo uma Ontologia Sistêmica”, do Prof. Jorge Vieira oferecido no
COS/PUC-SP, no segundo semestre de 2006.
A definição de sistema aqui é de Uyemov: “Um agregrado (m) de coisas (qualquer que seja sua natureza)
será um sistema S quando por definição existir um conjunto de relações entre os elementos do agregado
de tal forma que venham a partilhar propriedades P”. O Professor Jorge define Parâmetros Sistêmicos
como “aquelas características que ocorrem em todos os sistemas, independente da natureza de cada um”.
Dividem-se em básicos: “aqueles que todo e qualquer sistema possui, independente de processos
evolutivos”; Os evolutivos são “aqueles que exprimem temporalidades nos sistemas”. In: Vieira, Jorge
Albuquerque. ‘Organização e Sistemas’. In: Revista Informática na Educação: Teoria e Prática.
Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, vol. 03, no. 01, pp. 11-24. Porto Alegre:
UFRGS.
21
quando a instituição, num constante processo adaptativo ao ambiente, tenta
suprir outras necessidades de formação/informação do usuário, oferecendo-
lhe cursos, palestras, exposições, oficinas, em suas dependências ou fora,
além de divulgar eventos na cidade através de panfletos e cartazes expostos
em seus murais.
Partindo dos pressupostos acima, passamos a entender o
funcionamento das bibliotecas em estudo, com base nas noções de
parâmetros sistêmicos (básicos e evolutivos), como sistemas abertos e
complexos, pertencentes a outro maior, seus ambientes sócio-culturais onde
estão inseridas.
Os parâmetros básicos nas bibliotecas
Complexidade
Percebe-se que ambas as bibliotecas, enquanto sistemas, recorrem ao
parâmetro livre da complexidade para se adaptarem ao ambiente. Um dos
muitos aspectos, nesse sentido, pode ser com relação ao local onde
funcionam: após sucessivas mudanças foram alojadas em prédios tombados
pelo patrimônio histórico. O valor arquitetônico do edifício vai se somar à
imagem imponente da biblioteca como espaço do saber, o que a coloca
entre as mais importantes instituições de cada lugar. A estratégia é
despertar o prazer do usuário de estar nesses espaços de memória. E nada
mais apropriado para ocupá-los do que uma biblioteca.
Uma vez visitando tais bibliotecas, há uma dupla aquisição de
conhecimentos por parte do usuário, levando-se em consideração que o
conjunto arquitetônico também é um texto. Além de ter acesso ao saber
livresco, ele estabelece diálogo com um espaço de memória que sintetiza
visualmente tendências arquitetônicas de uma época.
Se a questão do valor histórico do ambiente não fosse tão forte, o que
motivaria tantos esforços e investimentos de órgãos municipais para
22
transferirem sedes de bibliotecas públicas para prédios tombados pelo
Patrimônio Histórico, como as de São José dos Campos e Jacareí, por
exemplo?
Para ilustrar essa questão, basta observar o logotipo da biblioteca
Cassiano Ricardo. Trata-se da reprodução de uma foto antiga da fachada do
prédio, que circula em todos os documentos internos da instituição. Tomou
proporções massivas, ao ilustrar o informativo Traça, recentemente criado.
Assim, o logo se configura em mais um recurso representativo do valor do
ambiente.
Enfim, as transferências dos respectivos acervos para prédios
históricos traduzem complexidade. É mais uma maneira de inserir o usuário
no domínio constante da informação. Também reforça a questão do valor,
um dos aspectos ligados ao parâmetro composição.
Só lembrando, em Jacareí, a instituição funciona num antigo casarão
construído na década de 10 do séc. XX, por um barão do café, conforme já
foi dito anteriormente. A biblioteca Cassiano Ricardo, de São José dos
Campos, por sua vez, ocupa um prédio no centro da cidade, que abrigou
um teatro na década de 20 do século passado. Foi restaurado nos anos 90
para sediar a biblioteca pública. Em suas dependências, mesclam-se, com
elegância, o antigo e o moderno. Da construção foi preservada a fachada e
o formato de caixa no espaço interno. O aspecto moderno se apresenta
através do arrojado projeto de ocupação vertical, em que foram erguidos
três andares, em estrutura de metal, onde está disposto o acervo. No vão
livre, entre as colunas, funcionam a sala de leitura e o balcão de
atendimento.
Biblioteca e mídia: aspectos de complexidade
Aliás, existe uma relação muito próxima entre as respectivas
instituições e a imprensa. São comuns coberturas de suas atividades em
23
jornais locais, como mais uma estratégia de adquirirem visibilidade. Além
dos atrativos dos próprios espaços físicos, a recorrência a um veículo de
comunicação de massa como o jornal
5
constitui um mecanismo propício
para cada biblioteca apresentar seus projetos e perfis ao público. Também
uma imagem de biblioteca está aí sendo construída via mídia impressa
local. E ambos os aspectos traduzem complexidade.
Verificou-se que a biblioteca Macedo Soares vem recorrendo, aos
poucos, a essa estratégia nos últimos anos, divulgando as atividades que
desenvolve em jornais do município. A biblioteca Cassiano Ricardo
mantém contato muito próximo com a imprensa da cidade desde sua
fundação. Numa rápida pesquisa, em jornais do Vale do Paraíba, foram
encontradas matérias sobre assuntos de interesse do órgão ou a respeito de
grandes exposições ali promovidas, além de outras iniciativas. Por
exemplo, a reportagem abaixo trata do valor histórico do atual prédio onde
a biblioteca funciona, bem como sua reforma, ocorrida na década de 90 do
século passado.
O prédio histórico
Em reportagem de 23 de setembro de 1995 sobre a biblioteca
Cassiano Ricardo, o Jornal Vale Paraibano anuncia:
Incluído na Legislação do Patrimônio Histórico joseense, o prédio deve passar
por um processo de restauração de suas características originais”.
Segundo o projeto, “a fachada devia ser mantida exatamente como
foi concebida, mas o interior podia ser adaptado à sua utilização atual”. A
construção passou a ter a forma de anfiteatro, e no lugar dos camarotes
foram erguidas estruturas de metal para abrigar o acervo.
5
Esta pesquisa foi feita a partir de alguns jornais arquivados na Biblioteca, sem pretensão de ser
exaustiva. No entanto, o tema “Biblioteca e Mídia” pode ser desenvolvido em trabalho futuro.
24
É tendência, em cidades de pequeno e médio porte, bibliotecas serem
instaladas em prédios históricos. Trata-se, entre outras, de uma questão de
visibilidade, do ponto de vista estético/arquitetônico (a biblioteca quer ser
vista). Em geral, são locais de fácil acesso. Por último, tais escolhas estão
ligadas ao valor histórico, já citado anteriormente.
A reforma e a memória do prédio
Em 29 de dezembro de 1996, a coluna ‘Patrimônio’ da Folha de São
Paulo, edição Folha Vale, destaca: “São José recupera Biblioteca”. A
reportagem anuncia que a reforma custou R$ 1,6 milhão e durou 6 meses,
tratando-se do projeto mais ambicioso da Fundação Cultural naquele ano.
O prédio foi construído em 1910, onde funcionou “Theatro São José”. A
restauração recuperou sua cor original – amarelo república, após a retirada
de dezenas de camadas de tinta. Também, segundo a reportagem, a
biblioteca original “virou uma imensa caixa vazia, em cujo interior foi
construído um novo prédio – uma estrutura de metal de três andares, que
receberá o acervo municipal”
6
.
A reconstituição das características originais do edifício foi feita a
partir “de fotografias antigas e de depoimentos de pessoas que
freqüentaram o antigo ‘Theatro’ São José – que funcionou até a década de
30”
7
. Detalhes em gesso foram reconstruídos com o auxílio do artista
plástico Wagner Bonou. E mais: “Em contraste com o prédio antigo, o
projeto de reforma criou a superestrutura de metal interna e uma segunda
biblioteca, também em estrutura de metal”
8
. A proposta era realçar a
arquitetura antiga do prédio com o aspecto moderno traduzido pela
estrutura de metal, de modo que história e tecnologia coexistissem no
mesmo ambiente.
6
Coluna Patrimônio da Folha de São Paulo, edição Folha Vale. 29/12/1996. Editor: Hélio Costa.
7
Idem.
8
Idem.
25
A informatização do acervo
Quase entrando no século XXI, a biblioteca Cassiano Ricardo dava
os primeiros passos para a informatização de seu acervo, acompanhando os
avanços das tecnologias da informação a serviço do setor de
Biblioteconomia. Buscava se adaptar às exigências de um ambiente social
complexo. A primeira parte do projeto previa a informatização do catálogo
de obras e de usuários. As matérias a seguir tratam da questão.
Em 27 de junho de 1998, o jornal Vale Paraibano noticia as
primeiras iniciativas da coordenação da biblioteca para informatização. A
prefeitura à época estava analisando os programas existentes em empresas
locais que atendessem às necessidades da instituição.
Quatro meses depois, em 20 de outubro de 1998, na ocasião do
aniversário da biblioteca, outra matéria no Vale Paraibano: “Biblioteca
cresce e aparece – Instituição completa 30 anos e oferece aos seus 29 mil
sócios acervo de 56 mil exemplares informatizado e anfiteatro”. Uma
pequena manchete, no canto esquerdo da página, informa que o projeto de
restauração do prédio foi premiado na Bienal de Arquitetura de São Paulo
naquele ano. Em destaque, uma foto mostra a grande estrutura metálica que
passou a abrigar o acervo; outra traz uma funcionária acessando um
computador na sala de leitura.
Os primeiros parágrafos da reportagem enfatizam o nascente vigor e
o prestígio da instituição na cena cultural da cidade:
Acervo informatizado, auditório para conferências, atividades culturais e
projeto arquitetônico premiado. A Biblioteca Cassiano Ricardo de São José dos
Campos completa hoje 30 anos de funcionamento, ocupando um prédio do início do
século, mas com olhar no futuro. O maior motivo de orgulho nesse aniversário é
apresentar para os 29 mil associados o acervo de 56 mil exemplares completamente
informatizado
9
.
9
Jornal Vale Paraibano. 20 de outubro de 1998.
26
De fato, a informatização do acervo se configurou num avanço, no
sentido de disponibilizar ao usuário da biblioteca maior comodidade e
rapidez nas pesquisas.
Rememorando um pouco o que foi o processo de inclusão digital da
biblioteca, algumas linhas da mesma reportagem do Vale Paraibano
descrevem os primeiros momentos da implantação do sistema, o qual
previa ‘economia de tempo’ e otimização dos serviços:
“Por enquanto apenas um terminal foi instalado no primeiro piso do prédio da
Rua XV de Novembro para teste. Por meio dele, o público está começando a tomar
contato com a novidade. Monitores ficam de plantão para auxiliar nas dúvidas. A
intenção, de acordo com a coordenadora é ir aproximando os usuários do equipamento
aos poucos, até que todos tenham condições de utilizá-lo. Uma das principais
vantagens do sistema é a economia de tempo. No novo método de consulta do acervo, o
usuário precisa apenas digitar uma palavra que identifique a obra por título ou autor e
terá na tela as informações acerca da localização do material na biblioteca”
10
.
A permanência
A questão da permanência no sistema biblioteca está calcada na
memória. Trata-se do conhecimento humano disponibilizado no livro
enquanto suporte, como também em recursos tecnológicos: computador,
Cds, DVDs, etc, os quais respondem nos dias atuais por outras alternativas
de armazenamento da informação. Qualquer biblioteca tem autonomia em
relação a seu ambiente. É também idealizada/projetada para permanecer no
tempo, evidentemente propiciada pelas condições do ambiente. Tal
autonomia se traduz em memória estocada aos poucos nos suportes já
citados, sob a forma de conhecimento.
10
Jornal Vale Paraibano. 20 de outubro de 1998.
27
Troca de informações
Enquanto subsistemas abertos e complexos, as bibliotecas em estudo
trocam informações/conhecimentos com seus sistemas mais imediatos: os
ambientes (“sistema que envolve determinado sistema”), ou melhor, com o
espaço cultural da região.
Aliás, informação é fator determinante no
sistema biblioteca. Toda a organização gira em torno desse parâmetro.
Além dos conhecimentos bibliográficos (livros e periódicos), não-
bibliográficos (gravuras, mapas, filmes, internet, cds, etc); estes sistemas
proporcionam aos usuários/interessados formação diversificada, oferecendo
gratuitamente exposições, palestras, cursos de literatura, cursos para
deficientes visuais, oficinas de artesanato, teatro, etc, atendendo às
demandas informacionais das comunidades onde atuam, de modo que seus
respectivos papéis na sociedade vão, nos dia de hoje, além da prestação de
serviços tradicionais, como por exemplo, o empréstimo domiciliar de
obras.
A leitura dos parâmetros evolutivos em ambas as bibliotecas
Quanto aos parâmetros evolutivos (“que exprimem temporalidade
nos sistemas”)
11
, podemos dizer que, no caso da biblioteca, quase todos
aparecem contemplados. Inseridas em sistemas complexos (seus
ambientes), ambas as instituições vêm evoluindo desde suas fundações no
sentido de se adaptarem às novas exigências desses ambientes, produzindo
suas próprias autonomias para melhor servirem aos usuários. Um exemplo,
são os vários projetos em andamento, as oficinas culturais oferecidas, os
serviços destinados aos usuários, entre outros.
11
VIEIRA, Jorge. “Organização e Sistemas”. In: Revista Informática na Educação: Teoria e Prática.
Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, vol. 03, no. 01, pp. 11-24. Porto Alegre:
UFRGS.
28
Autonomia/ integralidade/ serviços
Biblioteca Macedo Soares
A autonomia conquistada pela instituição, nos últimos anos, se
traduz na oferta de serviços internos para o usuário; na criação de setores
técnicos mais específicos, para selecionar, organizar, restaurar e preservar o
acervo geral ou na memória impressa aí depositada. A interligação de tudo
isso (ou integralidade dos setores) significa grau de ‘organização’ do
sistema.
Os setores ou subsistemas que mais se destacam na Macedo Soares
são:
Empréstimo domiciliar
É o mais tradicional dos serviços oferecidos por qualquer biblioteca
e, em certos casos, o único em muitas delas, tendo em vista que ainda não
oferecem outras atividades culturais nas comunidades onde estão inseridas.
Na Macedo Soares, cada sócio tem direito ao empréstimo de duas obras,
durante quinze dias, podendo renovar por igual período. A multa cobrada
por eventual atraso é uma taxa simbólica de R$ 0,50 centavos.
Biblioteca Infantil
Trabalha com empréstimo domiciliar de obras e para consulta no
local. O acesso das crianças ao acervo é restrito. Os pedidos de livros são
feitos à funcionária do setor. Só algumas enciclopédias e obras são
disponibilizadas para consulta direta na sala de leitura. Trata-se de um setor
tão movimentado quanto à sala de leitura da biblioteca, pois, além do
acolhimento natural do público infantil, abriga todas as oficinas oferecidas
pela instituição, daí adultos circularem também no ambiente.
29
A Biblioteca Braille
Criada em dezembro de 2005, seu acervo é formado por obras
literárias: contos, poesias, crônicas, romances destinados ao público infantil
e adulto pertencentes às literaturas brasileira e estrangeira. São cerca de 524
livros para empréstimo a deficientes visuais e com baixa visão. O setor foi
fundado pensando na inclusão social desse público.
O material didático em Braile está disponível em outra unidade que
funciona nas dependências da VCP (fábrica de papel instalada num bairro
na cidade). Para a criação da biblioteca especial houve parceria entre a
Prefeitura Municipal e a VCP. A biblioteca, representando a Prefeitura,
ficou responsável pela catalogação do acervo geral, treinamento dos
funcionários de ambas as unidades e pela coordenação do acervo
disponível na Macedo Soares. Todas as obras foram e continuam sendo
doados pela Fundação Dorina Nowill para cegos, de São Paulo. O setor
funciona numa pequena sala nas dependências da biblioteca infantil. As
obras são emprestadas por dez dias ao usuário ou consultadas no local.
Em termos de autonomia e de complexidade, ‘subsistemas’ como as
bibliotecas infantis e Braille refletem o compromisso da biblioteca em
atender públicos diversos e enfrentar novos desafios. A organização do
acervo em Braille, sem dúvida, visa à inclusão social de um público até
então sem acesso a esse tipo de material.
Alguns setores: autonomia/ integralidade
Se observarmos a hierarquia dos setores abaixo, veremos que foram
criados para selecionar, organizar, restaurar e preservar o livro enquanto
bem cultural. Toda essa cadeia se traduz em ‘autonomia’ e ‘integralidade’,
já que demonstra que a instituição criou uma estrutura interna e conexa que
salvam da destruição os livros que recebe através de doações e aqueles que
já fazem parte do acervo, mas que necessitam de cuidados técnicos
30
especiais por estarem danificados pela ação do tempo ou pelo manuseio
constante. Em termos gerais, trata-se de uma autonomia comprometida com
a preservação da memória dos livros que guarda em seus domínios. Os
setores são os seguintes:
Setor de Triagem
Para onde são encaminhados os livros doados à biblioteca. O
processo de triagem consiste na procura de folhas rasgadas, se a obra está
com traças, se faltam páginas, etc. Se apresentar algum desses problemas,
vai para o setor de restauração. Cumpridas tais exigências, ocorre o registro
das obras no livro-tombo. A partir daí são disponibilizados para o acervo da
Macedo Soares, para as bibliotecas dos bairros Campo Grande e Parque
Meia Lua, para as mini-bibliotecas, também de bairros, a depender das
necessidades, ou para o setor de obras raras.
Serviço de restauração
O setor de restauração ‘simples’ da biblioteca recupera a aparência
material do livro. Uma funcionária, com formação técnica na área, substitui
encadernações danificadas, lixa exemplares sujos e com falhas, cola
páginas rasgadas, com fita adesiva apropriada, etc. Aproveita o que é
possível das páginas e capas originais de um livro danificado com o
objetivo de devolvê-lo para uso. Trata-se de uma restauração preliminar,
tendo em vista que um processo mais amplo de restauro tem custos
elevados, tornado-se inviável para a região.
O setor de obras raras
Funciona ao lado da Biblioteca Braille, composto por títulos que
foram retirados de circulação devido à raridade. Em geral, são
Enciclopédias e Dicionários editados até 1960, além de outros livros.
31
Também pertencem ao acervo uma edição sem data das Fábulas de
La Fontaine e As Minas de Prata, de José de Alencar, de 1939, das Edições
Melhoramentos. Trata-se da primeira obra doada à biblioteca, em
10/12/1940, conforme livro-tombo. Mas, oficialmente, a instituição só
começou a funcionar em junho de 1943.
Existe muita dedicação por parte dos funcionários da biblioteca, com
relação ao atendimento ao usuário e aos serviços internos da instituição. A
funcionária Dona Mercedes, por exemplo, contou-me que, além de atender
na Biblioteca Infantil, onde costuma indicar leituras nas horas vagas, faz o
trabalho paciente de limpeza dos livros do setor de obras raras e dos que
são doados. Há o envolvimento de muitos elementos, cercando o livro e a
leitura, configurando-se num ecossistema de leitura.
Autonomia/ oficinas culturais internas
Existem no momento quatro oficinas coordenadas pela biblioteca
Macedo Soares, funcionando no próprio prédio. As atividades receberam
cobertura da imprensa na ocasião de seus lançamentos. Trata-se de uma
aproximação que vem se estabelecendo nos últimos anos entre biblioteca e
imprensa periódica.
A Oficina de Arte é destinada a crianças de 7 a 12 anos, inclusive
portadoras de necessidades especiais; a de Encadernação e Restauro de
Livros funciona em caráter permanente, duas vezes por ano, no primeiro e
segundo semestres (maio e outubro), oferecendo cursos de encadernação e
restauro para a comunidade; A Hora do Conto atende crianças das redes
pública e particular, cuja visita é agendada com antecedência. Consiste em
mostrar o funcionamento da biblioteca, despertando nelas o prazer de
caminhar pelo espaço, além de proporcionar o contato direto com o livro.
No final do encontro, na sala de leitura, é apresentada a performance de um
conto de autores como Lobato ou Ziraldo.
32
O projeto Entardecer tem como público-alvo idosos que vivem em
asilos da cidade. Trata-se de uma oficina que incentiva a produção de peças
de argila e trabalhos com celulose. Dura em média dois meses e atende
doze pessoas (às segundas-feiras, à tarde). No final do curso há festa de
formatura. A programação prevê ainda exercícios laborais que antecedem
as atividades nas oficinas de arte A Hora do Conto e de Encadernação e
Restauro onde eles também atuam.
Percebe-se mais uma vez que a ‘autonomia’ da biblioteca se
manifesta à medida que, com recursos humanos e materiais próprios, são
criadas oficinas para atender em suas dependências demandas e públicos
diversos. Consiste também numa estratégia adaptativa em relação ao meio
onde está inserida. Enquanto instituição complexa, também deve promover
essa diversidade de conhecimento via atividades culturais de extensão para
suprir outras necessidades de informação da comunidade.
Projeto ‘nucleador’/ conectividade
Na Macedo Soares, o parâmetro conectividade se traduz no diálogo
constante entre esta biblioteca e duas outras localizadas em bairros
periféricos da cidade; e na coordenação de mini-bibliotecas criadas em
comunidades carentes, com o projeto Caixa-Estante. Trata-se, nesse caso,
de conectividade externa estabelecida entre órgãos subordinados à Macedo
Soares.
Projeto Caixa-Estante
Consiste na criação e supervisão de mini-bibliotecas nos bairros. O
objetivo é incentivar o hábito da leitura nas comunidades afastadas do
centro da cidade. A equipe da biblioteca treina uma pessoa do bairro para
ficar responsável pelo acervo, a pedido do próprio morador. Em geral, é
alguém que gosta muito de livro e deseja incentivar a leitura na
33
comunidade. Já são doze bairros atendidos pelo projeto
12
. As mini-
bibliotecas são instaladas em residências, associações de bairro, etc.
A Professora Maria da Conceição relatou, com entusiasmo, que uma
dessas mini-bibliotecas funciona num mercadinho de bairro. Nasceu da
iniciativa generosa do proprietário, um homem humilde e apaixonado por
livros. Segundo ele, certa vez, um garoto do bairro lhe pediu um passe
escolar para ir à biblioteca Macedo Soares fazer um trabalho da escola.
Para se certificar de que o menino cumpriu a atividade, pediu que na volta
lhe mostrasse. O episódio o fez pensar numa maneira de ajudar a
comunidade nesse aspecto, evitando que crianças, adolescentes e outras
pessoas se deslocassem do bairro para fazerem pesquisa no centro da
cidade, muitas vezes, sem dinheiro para pagar condução.
Com a orientação da equipe da biblioteca, o pequeno acervo foi
montado num canto do mercado, ocupando uma única estante. Foi
crescendo, e esse cidadão a serviço da cultura construiu uma sala para
abrigar a nova biblioteca nas dependências de seu mercado.
Em outro bairro atendido, uma mini-biblioteca funciona na casa de
uma senhora, também comprometida com o projeto de incentivar a leitura
na comunidade. Maria da Conceição nos contou que na residência não
tinha nenhuma estante nem outro móvel onde os livros pudessem ser
expostos, tal era a carência financeira da família, mas o encantamento pelo
projeto superou todos os obstáculos. Nestes casos, a biblioteca doa uma
pequena estante de madeira de cerca de 50 centímetros de comprimento, de
duas prateleiras, com espaço para centro e cinqüenta livros. Há uma
preocupação da equipe em diversificar os temas dos livros doados para a
formação das mini-bibliotecas: Literatura, História, Geografia e livros
didáticos, por exemplo. Os pequenos acervos que se formam dependem
12
Informações dadas por Maria da Conceição, professora da rede municipal de ensino, à disposição da
Biblioteca. Trabalha em parceria com a Bibliotecária e Supervisora das três Bibliotecas municipais da
cidade, a Sra. Reni Rezenda da Silva.
34
exclusivamente de doações constantes à biblioteca central, por pessoas da
cidade, caso contrário, seria impossível criá-los.
Trata-se de um projeto que vai dando origem a pequenos núcleos de
bibliotecas e de leitura em comunidades carentes, cujos avanços e
benefícios irão surgir ao longo dos próximos anos. Sem se darem conta, os
idealizadores nas comunidades estão criando uma rede de futuras
bibliotecas comunitárias, concebidas a partir de suas próprias necessidades
de formação. Tais iniciativas traduzem ainda o desejo do ser humano pelo
conhecimento, não importa a classe social. O ato de uma pessoa pagar uma
passagem para uma criança fazer pesquisa numa biblioteca pública diz
muito em tal contexto.
A Macedo Soares, por sua vez, está coordenando um projeto de
grande repercussão se melhor apresentado e divulgado. Sobretudo,
levando-se em conta que a iniciativa parte de representantes da comunidade
e não da equipe da biblioteca. Já se sabe de projetos dessa natureza, com
grande visibilidade social, em outras bibliotecas do país.
Biblioteca Cassiano Ricardo - SJC
O parâmetro evolutivo ‘composição’ “consiste naquilo de que é
formado o sistema: valores, características, etc”
13
. Divide-se em
quantidade, que no caso das bibliotecas, corresponde aos acervos de cada
uma, em número, já informados no item ‘perfil’; a qualidade se constata na
natureza diversa das obras representando os vários campos do
conhecimento. A qualidade traduz ainda a excelência dos serviços
oferecidos por ambas as instituições.
13
VIEIRA, J. Idem.
35
Conectividade
Na biblioteca Cassiano Ricardo de SJC, o fator ‘conectividade’ se
manifesta de dois modos: o intercâmbio com outras bibliotecas através da
internet, que hoje está totalmente informatizada. Por exemplo, em 2006, foi
aberta uma sala de internet para o usuário pesquisar na rede dados que não
consegue encontrar no acervo impresso. Também foi instalado o sistema
interno se segurança e o serviço de senha eletrônica. A implantação desses
serviços demonstra como a biblioteca vem utilizando os benefícios da
tecnologia para se colocar entre as mais bem equipadas do país.
Outro serviço que ilustra o conceito de ‘conectividade’ é a
disponibilização do catálogo de obras da biblioteca no site da Fundação
Cassiano Ricardo. Há um projeto que pretende interligá-lo aos das
bibliotecas comunitárias localizadas em bairros periféricos da cidade e no
futuro com os das bibliotecas das escolas municipais para que o usuário
tenha mais acesso ao conhecimento.
A segunda forma é a ‘conectividade’ externa (“as relações ou
conexões que o sistema mantém com o ambiente”)
14
, fator marcante na
instituição. O recorte aqui diz respeito às pequenas e grandes exposições
organizadas desde sua fundação, que sempre foram matérias em jornais da
cidade. Pudemos constar que foi principalmente através desse tipo de
evento que a biblioteca ofereceu ao público em geral outras alternativas de
formação cultural voltadas, como se pode ver, para o campo visual.
Atividades culturais - as exposições
Segundo a bibliotecária
*
Leise Campos, as exposições na biblioteca
acontecem a cada mês. Os artistas deixam os materiais. É feita uma análise
14
VIEIRA, J. Idem.
*
Entrevista concedida em 16 de outubro de 2006.
36
pela equipe responsável. Em geral, os temas selecionados têm a ver com
literatura, arte ou são voltados para crianças.
Existem também oficinas permanentes, ministradas a cada mês sobre
confecção de fantoches e jogos educativos.
Em uma de minhas visitas
15
, por exemplo, havia uma exposição
intitulada “Artes visuais”. Eram trabalhos de pintura de alunos do Ensino
Fundamental do Colégio Itamaraty, de São José dos Campos. O
interessante foi se perceber a diversidade das produções. Algumas
traduziam a criação individual de seus autores; outras foram inspiradas na
Arte brasileira moderna, como duas telas que reproduziam o quadro
modernista “Abaporu” de Tarsila do Amaral.
As exposições e demais atividades culturais refletem o propósito da
biblioteca de cada vez mais se integrar à comunidade, tentando suprir as
diferentes necessidades de conhecimento de seu público.
Memória de exposições promovidas pela biblioteca CR divulgadas em
jornais da cidade (período 1996-2001)
Em rápida pesquisa, em jornais da cidade, encontrou-se anúncios de
grandes exposições promovidas pela Cassiano Ricardo sobre diversos
campos do conhecimento: pintura, meio de comunicação massa (rádio),
teatro, literatura estrangeira, música erudita, arquitetura, 500 anos do
Brasil. Trata-se aqui de um pequeno recorte do que foi oferecido em
programação cultural nesse período, sob forma de exposições, o que
demonstra o compromisso do órgão em oferecer atividades veiculadoras de
conhecimentos diversos ao público, além do tradicional ou livresco.
Lembrando que a adoção desse modelo de gestão institucional dinâmico
colocou aos poucos a biblioteca Cassiano Ricardo entre as mais
modernizadas do país.
15
Dia 16 de outubro de 2006.
37
O Jornal do Vale noticia, em 29 de setembro de 1996, a exposição
‘Trajetória da Obra de Portinari’, com vinte painéis expostos de caráter
itinerante, organizada pela Secretaria de Cultura do Estado. O objetivo era
permitir que o público conhecesse a obra e a história do pintor. Foram
expostas, entre outras, os quadros “Tiradentes”, Retirantes” e “Guerra e
Paz”.
No Vale Paraibano, de 20 de fevereiro de 1996, outra exposição é
anunciada sobre a ‘História do Rádio em São José dos Campos’. Trouxe os
dados da P.L 1, a primeira estação de rádio local, criada em 1937 por Paulo
Lebrão.
No mesmo jornal, no mês seguinte, em 20 de março, há anúncio de
exposição maior: “Biblioteca conta a história do teatro no Brasil e em São
José dos Campos”. Retratou por meio de fotos, livros e outros materiais do
acervo do Museu Municipal e da Fundação Cassiano Ricardo um pouco da
história teatral da cidade. Segundo depoimento da coordenadora da
biblioteca, à época: “a mostra é uma forma da população conhecer a
história do teatro na cidade e, principalmente, mostrar que SJC tem um
passado cultural
16
.
Em 03 de agosto de 1995, o Vale Paraibano destaca: “Émile Zola:
vida e obra” deve atrair público diversificado – Biblioteca sedia
exposição”.
Em uma iniciativa conjunta da Biblioteca Pública Cassiano Ricardo e Aliança
Francesa, ficarão expostas até o dia 21 deste mês, 20 painéis que mostram um pouco
da vida do escritor francês Émile Edouard Charles Antoine Zola”.
17
O texto
esclarece ainda que a amostra sobre Zola já havia percorrido outras cidades
do Estado de São Paulo.
16
Jornal Vale Paraibano. 20 de março de 1996.
17
Jornal Vale Paraibano. 03 de agosto de 1995.
38
Em 08 de novembro de 2000, o Diário de São José divulga:
“Biblioteca Cassiano Ricardo faz exposição sobre Villa-Lobos”, durante
todo o mês de novembro.
No mês seguinte o tema é a comemoração dos 500 anos do Brasil.
Em nota ilustrada, com gravura do próprio artista, O Vale Paraibano, de 06
de dezembro de 2000, noticia: “
O pintor expressionista Itacaramby abriu ontem
uma exposição na Biblioteca Cassiano Ricardo com aquarelas. Utilizando o tema dos
500 anos, o artista pintou as cores brasileiras e o resultado foram telas iluminadas,
vivas e fortes
18
.
Em 05 de março de 2000, exposição é anunciada no Vale
Paraibano: “Mostra revê Arquitetura Moderna – Biblioteca Municipal de
São José dos Campos apresenta fotos, plantas e desenhos do CTA,
projetado por Oscar Niemeyer, e da Tecelagem Parahyba”. Percebe-se que
um criterioso trabalho de pesquisa foi realizado. O material para a
exposição foi cedido pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo. A pesquisa
foi do arquiteto Alexandre Penedo. Conforme matéria, durante três anos,
ele levantou as obras e os nomes dos arquitetos que atuaram no município
desde o final da década de 40 até a primeira metade dos anos 70 do século
passado.
Em 15 de maio de 2001, na coluna ‘erudito’, O Vale Paraibano
noticia exposição na área de música: “Um duo de canto e piano”. Tratava-
se de apresentações do projeto “Villa-Lobos”, da Sociedade de Cultura e
Educação Musical de SJC. Estavam previstas exibições gratuitas: uma na
Biblioteca e outra no Parque da Cidade. Para reforçar o convite, foi
divulgada a seguinte nota na coluna ‘leia mais’:
A Biblioteca sedia hoje um duo de canto e piano, com a mezzo-soprano Regina
Helena Mesquita e a pianista Marizilda Hein, dentro do projeto Villa-Lobos. No
repertório, as artistas devem interpretar composições de Cole Porter, George
Gershwin, Jerome Kern, Kurt Weill, Camargo Guarnieri, Waldemar Henrique e
18
Idem, 06 de dezembro de 2000.
39
realizar uma homenagem especial a Guiseppe Verdi, em comemoração aos 100 anos de
morte do compositor. A entrada é gratuita”.
19
O informativo mensal Traça
20
– conectividade: biblioteca/ usuário
Além de recorrer aos jornais para divulgar suas atividades durante
todos esses anos, a biblioteca Cassiano Ricardo criou em 2005 um veículo
próprio para tal fim. De circulação interna, Traça tem como objetivo
manter o usuário informado sobre o funcionamento da instituição, sobre as
atividades culturais oferecidas em suas dependências e na cidade. Foi mais
uma estratégia encontrada pelo órgão para manter contato direto com o
público.
As características das matérias veiculadas demonstram a tendência
do informativo fornecer bases para a formação literária do leitor. Nas
edições são constantes breves biografias de autores da literatura nacional e
comentários sobre as principais obras. Transparece aí uma forma de
‘conectividade’ entre instituição e público, através de sugestões de leituras
para além do que o usuário busca.
O primeiro número de Traça
Saiu, em outubro de 2005, com quatro páginas, tiragem fixa de 5.000
exemplares em todas as edições.
Em destaque, na primeira página, são noticiadas as atividades da
‘Semana Cassiano Ricardo’ promovida pela Fundação Cultural. Aliás, o
lançamento do informativo ocorre no mês em que acontece o evento
literário mais importante da cidade: a semana de atividades em homenagem
ao poeta Cassiano Ricardo, o que só confirma a vocação literária da
pequena folha.
Outra novidade é o anúncio da disponibilidade do acervo da
instituição na internet, conforme manchete: “Biblioteca terá seu acervo on-
19
Jornal Vale Paraibano. 15 de maio de 2001.
20
Título original em referência ao inseto que destrói tecido e papel.
40
line. Basta um clique...”. Trata-se de mais uma etapa do projeto social da
instituição de se modernizar para melhor atender a comunidade, a exemplo
das grandes bibliotecas do país, que utilizaram as facilidades das novas
tecnologias para disponibilizarem seus catálogos em versão on-line.
Na segunda página, consta um pequeno editorial intitulado “Nossas
Novidades” e notícias sobre o Projeto da FCCR “Pão com Palavra”, que
consiste em divulgar “o que é produzido no meio literário da cidade”. Na
página seguinte uma coluna é dedicada ao poeta Carlos Drumond de
Andrade e outra ao precoce escritor joseense, Rodrigo Pontes Ralhe que,
aos 11 anos, publicou o livro de ficção Morte a Bordo.
Para melhor situar o perfil do informativo, a título de amostragem,
vamos ainda tratar do número 2, referente aos meses de novembro e
dezembro de 2005, e das edições de março/maio/outubro de 2006.
Edição dupla – nov./dez. 2005
Um exemplo de ‘conectividade’ entre biblioteca e usuário (o diálogo
que se estabelece entre ambos) foi encontrado na primeira página desta
edição dupla: a lista das atividades da biblioteca em 2005. A direção não só
a divulga (projetos culturais, exposições, cursos, lançamentos de livros,
palestras, seminários e espetáculos de teatro voltados para o público
infantil), como enfatiza o importante papel da biblioteca na promoção de
diversidade cultural, além de disponibilizar o conhecimento livresco:
Enfim, a grande preocupação da biblioteca durante o ano de 2005 e para o
próximo é mostrar que o ato de ler não se prende apenas a livros, revistas ou jornais.
Uma boa leitura também pode ser realizada em exposições, peças de teatro, dança,
oficinas, palestras, cursos ou simplesmente na “contação” de uma história infantil”.
O pequeno editorial louva as iniciativas da instituição no campo
cultural em 2005. Os objetivos para 2006 seriam otimizar os serviços
oferecidos à comunidade. Em seguida, uma manchete destaca: “Biblioteca
41
tem acervo em Braille”, com o fim de divulgá-lo entre os interessados. Foi
montado há seis anos, e conta com mais de 230 títulos.
Na terceira página, o tema é Literatura. Sai, em página inteira, texto
sobre vida e obra da escritora Cecília Meirelles. Objetivando manter o
usuário mais informado sobre o assunto, divulga também a letra ‘Canteiros’
de Fagner e diz se tratar de uma adaptação do poema Marcha de Cecília.
Na última, os destaques são para alguns espaços da biblioteca: o sebo
e “O cantinho encantado”. O primeiro funciona como uma opção para o
leitor economizar na compra de livros. São oferecidos “exemplares antigos
procurados por leitores vorazes”. Conta com um acervo aproximado de
400 livros e revistas, proveniente de doações, obras duplicadas ou
“obsoletas” no acervo geral da biblioteca.
Traça - o primeiro número de 2006
Editado em março de 2006, destaca outra iniciativa social da
biblioteca, sempre proporcionando à comunidade novos modos de
aquisição de conhecimentos. Trata-se do projeto Semana Literária,
coordenado pela pesquisadora Dyrce Araújo, cujo objetivo é “traçar um
percurso histórico-literário abrangendo estilos de épocas diferentes e
outras expressões artísticas, socioculturais e literárias”, além de prever
outras atividades, como palestras, apresentações musicais, trechos de
filmes e bate-papo com personalidades”, com previsão de “formato de
curso”.
Na mesma chamada, outros serviços são divulgados: exposição em
cartaz, orientação para pesquisa escolar, atividades com sucata e visita
monitorada. Percebe-se um avançado perfil de biblioteca. Tal instituição se
esforça para oferecer formação complementar ao público, de acordo com as
exigências da vida moderna.
42
A última página do informativo passa a ser denominada Tracinha,
criada para o público infantil.
A coluna ‘notícia literária’ sugere o programa cultural do mês na
capital: a 19
a
Bienal do Livro; presta homenagem a um dos mais antigos
usuários da biblioteca, o Sr. Dílson Rocha, que já leu “mais de 100 livros”.
Ele indica a leitura de Os Sertões, com a recomendação que “os leitores
passem direto para o segundo capítulo e deixem o primeiro para ler depois,
porque é repleto de palavras técnicas”. Estes informes traduzem um
conjunto de pequenas ações que demonstram o quanto a biblioteca está
comprometida com um projeto de formação continuada do usuário.
No. 05, maio de 2006 - livros e leitura
Em primeira página, traz a matéria ‘A arte de cuidar de livros’, com
destaque para o ofício do Senhor Afonso como restaurador de livros há 15
anos na biblioteca. Fotos ilustram o texto demonstrando o processo de
restauração. Nota-se que em ambas as bibliotecas a restauração de obras se
dá nas próprias dependências e é realizada por funcionários que se dedicam
com carinho ao ofício. É comovente ver o brilho no olhar do Sr. Afonso, ao
falar dos livros que já restaurou.
Na coluna Programe-se são divulgadas todas as atividades da
biblioteca para o mês em curso, com o fim explícito de alertar o usuário
para que deixe espaço na agenda pessoal para tais eventos. O editorial
incentiva a leitura como exercício prazeroso.
Dando continuidade à prática de homenagear antigos usuários a cada
mês, o escolhido é o engenheiro Sylvio de Oliveira, sócio e freqüentador da
biblioteca há 20 anos.
Trata-se da relação de afeto que eles estabeleceram com a biblioteca
durante anos. Cada um tem histórias de vida e formações diferentes. Os
43
depoimentos divulgados em Traça confirmam que estas pessoas buscam na
instituição sobretudo o conhecimento livresco e são atendidas com êxito.
No. 07, outubro 2006 – mês de aniversário da biblioteca
A circulação do informativo foi interrompida em junho de 2006, em
virtude das eleições presidenciais em outubro, cuja lei eleitoral proíbe a
distribuição de impressos dessa natureza por órgãos públicos. Volta a
circular em outubro, quando a biblioteca completa 38 anos de fundação. O
texto introdutório resume seu compromisso em promover o conhecimento
junto à sociedade:
Desde sua criação, em 1968, o compromisso com as várias formas de leitura
faz da Biblioteca Pública Cassiano Ricardo um grande centro de troca e busca de
conhecimento.
Dia 20 de outubro, a Biblioteca completa 38 anos com um acervo de mais de 60
mil livros on-line, 25 títulos entre jornais e revistas, sala de informática, hemeroteca,
um grande acervo de livros em Braille e uma vasta programação atual com oficinas,
cursos, exposições, teatro, contação de histórias, entre tantas outras atividades”.
O edital destaca a volta do informativo e seu papel na divulgação dos
eventos da biblioteca.
A ‘Semana Cassiano Ricardo’, promovida pela Fundação Cultural,
também é destaque no mês. Dentre as iniciativas, a Fundação comprou
3.000 mil exemplares da obra Martim Cererê, para distribuir nas escolas
públicas e Universidades.
Mais uma possibilidade de expansão de leitura da obra de Cassiano
Ricardo foi anunciada. O MEC, através do Programa Nacional de
Biblioteca da Escola, adotou o livro do autor Vamos Caçar Papagaios. A
obra foi reeditada pela Fundação, esgotada há anos. Uma vez pertencente à
lista do MEC passou a circular em bibliotecas públicas de todo Brasil.
Num mês em que o informativo cobriu duas comemorações
importantes, outras matérias não precisariam sair. Mas, no final da 3
a
44
página, vem o texto “Auto-retrato aos 56 anos”, de Graciliano Ramos, em
visível compromisso com a formação literária do leitor.
Tracinha, bem ilustrado, homenageia Cassiano Ricardo divulgando o
poema ‘A borboleta’, que o poeta escreveu aos 9 anos de idade. As
ilustrações foram inspiradas em motivos captados do poema. O desenho de
um labirinto sugeria que as crianças ajudassem o personagem
“Cassianinho” a alcançar a borboleta em fuga.
Também traz o perfil da garota Flávia Naressi, de 9 anos, apaixonada
por livros. Ela recomenda a leitura dos contos dos irmãos Grimm. Na
intenção de proporcionar formação básica, uma pequena biografia dos
autores finaliza a matéria.
Enfim, Traça é um importante veículo de divulgação das atividades
de extensão da biblioteca Cassiano Ricardo. Uma instituição que se esforça
para oferecer exposições, palestras, cursos diversos, teatro, etc., atendendo
a toda uma demanda da comunidade ávida de informação para sobreviver
num ambiente complexo como nos dias de hoje. Nesse sentido, o
informativo propaga o perfil arrojado da instituição na sociedade joseense,
cujo desafio é oferecer formação de qualidade, igualando-se ou, em certas
circunstâncias, superando projetos culturais de grandes bibliotecas do país.
Demais parâmetros no sistema biblioteca
O parâmetro ‘diversidade’
“é fonte de alta complexidade. Pode ser
formado por um único ou vários elementos. A diversidade amplia a
capacidade de sobrevivência. É uma estratégia adaptativa que aumenta a
probabilidade de permanência do sistema”
21
.
Em ambas as bibliotecas, pode-se dizer que a diversidade está
representada pelas coleções de documentos bibliográficos (livros, revistas,
jornais, etc) e não-bibliográficos (mapas, filmes, etc.). O respectivo
21
VIEIRA, J. idem.
45
material é organizado e administrado para formação, consulta ou recreação
dos vários tipos de públicos que circulam nos locais.
Também há diversidade nos demais serviços oferecidos, como
atendimento ao usuário; a parceria dos vários setores da biblioteca para
proporcionar um ambiente agradável e disponibilizar informação (setores
técnicos, administrativos, setor de catalogação, serviço de cópias, etc.).
A ‘integralidade’ se configura na interligação dos vários subsistemas
que compõem o sistema biblioteca, tais como: técnica de classificação dos
livros, dos jornais, revistas e vídeos; a biblioteca em braile; a biblioteca
infantil, o serviço de atendimento ao usuário.
No caso de SJC, além dos subsistemas já mencionados, somam-se a
informatização do acervo (que permite a maior rapidez de consulta e
empréstimo dos materiais), o circuito interno de segurança, o sistema
informatizado de senhas, o setor de cópias e de restauração de livros, o
Departamento Administrativo (bem demarcado, funcionando no primeiro
andar), o subsistema humano formado pelos funcionários, distribuído nos
setores administrativos e de atendimento ao público.
Há também ‘integralidade’ do ponto de vista do espaço físico. São as
salas de leitura, os espaços onde estão os acervos, a Hemeroteca. Todos
organizados entre si para atenderem às demandas dos usuários. Por último,
percebe-se que os parâmetros ‘complexidade’, ‘funcionalidade’ (qual a
função básica de uma biblioteca?) e organização estão na gênese do sistema
biblioteca.
A Biblioteca no passado - Jornal Agora
Algumas páginas da imprensa também nos apresentaram um perfil
da biblioteca Cassiano Ricardo no passado, transparecendo as iniciativas
promissoras que a tornaram referência na região nos últimos anos. Na
perspectiva da ‘complexidade/ autonomia’ são importantes documentos que
46
registraram o percurso da instituição. Por isso as reportagens do jornal
Agora são trazidas neste trabalho.
A partir dessas matérias, pode-se observar que desde os primeiros
anos de sua fundação a biblioteca Cassiano Ricardo tomava as primeiras
iniciativas quanto à promoção de grandes eventos, em prol do incentivo à
cultura no município. De acordo com reportagem de 18/03/1977, do jornal
Agora, foi anfitriã da ‘Semana Nacional de Bibliotecas’. Finalizou o
encontro com palestra, aberta ao público em geral, com o Professor
Benedito Matias, que falou sobre a história e a influência de uma biblioteca
numa comunidade, cujo tema foi subdivido em tópicos de grande interesse:
primeiras bibliotecas, evolução da biblioteconomia, classificação dos
conhecimentos.
De certo, as questões discutidas no encontro há quase trinta anos
transmitiram as primeiras sementes no sentido de a instituição planejar seu
futuro. Também deu os passos iniciais para atrair o público para suas
atividades, a partir daquele momento. Apresentou na referida semana uma
exposição cujos painéis explicavam o funcionamento de uma biblioteca. E
várias resenhas foram divulgadas sobre o valor cultural do livro.
Vale Paraibano - A biblioteca que se firma no cenário da cidade
Ao cobrir a ‘Semana Nacional de Bibliotecas’, o jornal Vale
Paraibano apresenta o perfil de uma instituição que está se firmando no
cenário da cidade. Percebe-se ter sido esse esforço um alicerce para sua
longa tradição de incentivo ao conhecimento e à cultura na cidade e na
região.
Segundo reportagem do dia 15/03/1977, “Semana da Biblioteca: as
comemorações em SJC”, a Cassiano Ricardo contava com um acervo de
20.200 volumes, atingindo quase 46 mil leitores. Possuía 1.300 sócios
permanentes e 7.400 leitores de pesquisas. Era mantida pela Prefeitura
47
Municipal através da Divisão de Cultura. Tinha bibliotecária responsável e
equipe especializada em biblioteconomia.
O local onde funcionava era estratégico para atrair o leitor: o Parque
Santos Dumont. O autor do artigo destaca a agradabilidade do ambiente:
Prédio em estilo moderno, na maior área verde urbana da região do Vale do
Paraíba. Além do verde, o ambiente se tornará atraente pelo seu silêncio, pela sua
limpeza e pela presença da natureza em geral. Várias aves aquáticas e viveiros de
pássaros inspiram suavidade, tranqüilidade e distância, embora dentro do tumultuado
centro urbano. É lazer para as crianças, tranqüilidade para os adultos e proteção para
a natureza perseguida pelo concreto”.
22
O acervo era composto de obras dos vários campos do
conhecimento: Religião, Filosofia, Ciências Sociais, Literatura, História,
Geografia. No período, estava sendo montado um setor exclusivo na
biblioteca sobre a história de São José dos Campos.
Naquela época existiam na biblioteca os serviços técnicos
(catalogação dos livros, folhetos, revistas e todo material procedente do
tombo), almoxarifado, serviço de encadernação, setor de periódicos e
Biblioteca Infantil.
O convívio nestas bibliotecas revelou instituições dedicadas a tornar
acessível o conhecimento em suas várias formas nas sociedades onde estão
inseridas, enfrentando desafios para cumprir metas.
Têm perfis diferentes, em virtude das próprias dimensões
demográficas de cada cidade, mas, no que se refere ao cumprimento de
suas funções sociais, quanto a promoverem conhecimentos diversificados e
preservarem os acervos, dentre outras, partilham dos mesmos propósitos,
com muita seriedade.
22
Jornal Vale Paraibano. 15 de março de 1977.
48
A leitura do romance-folhetim
A documentação revela que existiu uma prática de leitura vigorosa
desses textos na região, tendo em vista o número de títulos localizados em
ambas as bibliotecas.
Enquanto pólos de leitura, tais acervos guardaram durante décadas
parte dos romances de Dumas, o que tornou possível a realização da
presente pesquisa. Em termos de ‘história cultural’ do gênero no país, o
romance-folhetim francês foi uma série que influenciou enormemente o
desenvolvimento da imprensa brasileira do século XIX e da primeira
metade do XX. Fez crescer o número de assinaturas de jornais em todo o
país. E suas técnicas narrativas são empregadas ainda hoje nas telenovelas
nacionais.
Capítulo II – Editoras Saraiva e Clube do Livro: projetos
editorias populares e práticas de leitura
Projetos editoriais populares
As edições populares da Saraiva e do Clube do Livro, produzidas
entre as décadas de 40 e 70 do século passado, além de outras que
circularam no país no século XX, cumprem um importante papel na
história editorial brasileira, no que se refere a um recorte da produção de
livro popular aqui. Seguindo tal rastro de publicação, encontrou-se uma
diversidade de obras editadas para o povo, em larga escala, configurando-
se num comércio livreiro popular que se desenvolveu paralelamente à
produção do livro de luxo no país.
A Saraiva, por exemplo, já era uma editora tradicional, com destaque
para a publicação de livros jurídicos, quando em 1948 cria um clube do
livro próprio, que nada mais era do que um segmento da editora destinado a
publicar literatura (erudita e popular) em edições baratas, a partir daquele
momento. Tal iniciativa foi inspirada no Clube do Livro, criado em 1943,
cujo nome já reiterava o perfil da editora e o propósito de publicar livro
popular.
Aliás, a criação de um clube de livro com o objetivo atingir maior
número de leitores, ao que parece, consiste em ação pioneira na época. Até
então não se tinha notícia de outro movimento editorial dessa natureza
funcionando no país, pelo menos, não se encontrou nenhuma informação
sobre o assunto no decorrer da pesquisa.
Uma vez posto em prática as atividades de tais clubes, em cujas
propostas se embutem processos de produção e circulação de edições
populares em todo o Brasil, os respectivos projetos se configuram em
capítulos importantes da editoração popular no país, num momento de
desenvolvimento da indústria do livro entre nós.
50
Por se tratarem de projetos editoriais populares permaneceram quase
esquecidos durante anos. O projeto da ‘coleção Saraiva’ permaneceu
anônimo até ser abordado na pesquisa atual, ao passo que o Clube do Livro
já havia sido estudado por John Milton, sob a perspectiva da tradução de
obras da literatura norte-americana e inglesa no Brasil. Tive acesso aos
materiais da editora através dos romances-folhetins de Alexandre Dumas
dos quais me ocupo de pesquisar no momento. Na verdade, trata-se de uma
outra vertente de tradução da editora: a literatura francesa do século XIX,
sobretudo a popular, a exemplo dos textos de Dumas.
Acredito que devam existir muitos projetos do tipo mergulhados no
esquecimento, já que foram e são tidos como menores, portanto, não
merecedores de um estudo sistemático.
Em artigo, defendendo uma pesquisa contínua na área, “Folhetim,
brochura, os mais populares – importância da literatura de segundo time”
(Cadernos de Jornalismo de Editoração da ECA/USP) Marlyse Meyer
discute a importância da “literatura de segundo time” à qual o romance-
folhetim está vinculado. Defende que no Brasil é preciso pensar não só na
história da literatura erudita, mas também na “história da produção” de
repertórios diversos que não pertencem à grande literatura, para que
possam vir a ser conhecidos e estudados e, conseqüentemente, reveladores
de práticas de leituras.
No trabalho de mapeamento dos romances de Dumas (na pista de tal
produção de livros) foi revelado um projeto de leitura vigoroso para as
classes populares pelas editoras já citadas. Diante disso, a pergunta é:
quantos projetos dessa natureza não foram executados e permanecem
esquecidos porque se desenvolveram à margem do sistema
educacional/institucional, em vigor na época?
O posicionamento de Marlyse, na tentativa de reavivar práticas de
leituras que fizeram parte do imaginário brasileiro e que permaneceram nas
51
bordas, desvinculadas do sistema literário vigente, tem a ver com questões
inerentes a este estudo sobre a trajetória da obra de Dumas no Brasil. Foi
seguindo o curso da ‘história da produção’ dos romances-folhetins do autor
que se revelou uma complexa rede de conexões de editoras e seus
respectivos projetos editoriais, apontando para outra vertente da história da
leitura no Brasil.
Por isso, cada nova pesquisa na área esclarecerá aspectos importantes
da editoração popular brasileira no passado, contribuindo para a
reconstituição de uma memória nesse sentido. Hoje, são consideráveis os
estudos no Brasil que enfocam editoras de renome e circulação de livros
eruditos, mas são ainda escassos os que contemplam editoras e o livro
popular.
O momento do livro no país
Em linhas gerais, reunindo as edições dos romances de Alexandre
Dumas, traduzidos e publicados no Brasil pelas Editoras Saraiva e Clube
do Livro, de São Paulo, no século passado, verificou-se que ambos os
estabelecimentos idealizaram um projeto de leitura para as classes
populares, comparecendo também os romances do autor. A proposta previa
a distribuição de romances da chamada literatura erudita e popular
(nacional e estrangeira traduzida), em edições populares para todo o país.
Tudo indica que os editores apostaram na boa acolhida de suas publicações,
por parte de uma parcela da população, sem acesso ao livro caro e
conseqüentemente à leitura. Daí a necessidade de situá-lo, tendo em vista
sua importância para a memória da edição no país.
Tais projetos surgiram num período em que, apesar de a indústria do
livro já ter se desenvolvido bastante no Brasil, sobretudo com a atuação
pioneira de Monteiro Lobato como editor nas décadas anteriores, o setor
passava por dificuldades, em virtude da escassez de papel, aumento da
52
matéria-prima e transformações políticas, econômicas e sociais no país, que
repercutiram no campo editorial.
Lobato reclamava dos empecilhos não só de se editar livros aqui,
mas de problemas na distribuição, ele próprio criando possibilidades de
escoamento da produção quando entra no ramo editorial nos anos 20 do
século passado. Experimentou oferecer livros em consignação nos mais
diferentes e potenciais pontos de venda de livros no país: bancas de jornal,
supermercados, quiosques, entre outros.
Ao que parece, a crise no setor não impediu que os projetos da
Saraiva e do Clube do Livro fossem criados e vigorassem por mais de duas
décadas. No início, uma das razões pode ter sido o fato das editoras serem
de São Paulo, cidade que oferecia condições mais favoráveis ao
empreendimento. Por volta de 1942, era considerada o centro editorial do
país devido ao crescimento da indústria gráfica em seus domínios.
Aliás, o mapeamento dos romances de Dumas demonstrou que era de
São Paulo a maioria das editoras que publicou sua obra durante o século
XX. Segundo Alice Mitika, nesse período, “editoras estabelecidas no Rio
de Janeiro imprimiam em São Paulo seus livros atraídas pelos preços mais
baratos (o desenvolvimento técnico permitiu maior volume de produção, o
que barateou o preço unitário do produto” (In: Intelectual, Empresário,
Editor, p. 137). E isso pode ter sido decisivo para a iniciativa pioneira da
Saraiva e do Clube do Livro, no sentido de idealizarem a publicação de
literatura para o povo, especificamente o romance.
Com propostas idealistas, pelos próprios discursos dos membros do
conselho editorial do Clube do Livro, por exemplo, há que se ressaltar que
os respectivos projetos foram pioneiros no período, quanto a atender à
demanda desta parcela da população brasileira, num momento em que a
prioridade era dada à edição de livros didáticos (em virtude da compra
garantida pelo governo para as escolas) e o comércio de obras literárias
53
experimentava constantes oscilações. Ou seja, a leitura como prática
cultural incentivada pela literatura era ainda incipiente. E o quadro se
tornava mais crítico, em se tratando do cultivo do gosto de ler entre as
classes populares.
Acredita-se que as iniciativas dos editores em questão foram apostas
que deram certo, no que se refere a se lançarem no comércio popular de
livros. Jorge Saraiva, por exemplo, já tinha experiência no ramo editorial.
Foi editor engajado na campanha de melhoria do comércio do livro no país,
por volta de 1948. Presidiu inclusive, no mesmo ano, o “I Congresso de
Editores e Livreiros do Brasil” na cidade de São Paulo, prestando
fervorosas homenagens póstumas a Lobato, em reconhecimento pelos
serviços realizados no campo editorial. O evento reivindicou das
autoridades investimentos no setor (Mitika, Monteiro Lobato, Intelectual,
Empresário, Editor).
Editores experientes se voltaram para um público específico cada vez
mais ansioso por instrução (como o popular), em se tratando de um período
em que o país estava se industrializando. Aliás, a tentativa de veicular
obras literárias em livros populares tem início no comércio livreiro do
século XIX, conforme explicaremos adiante. Acredito que o aumento de
público, as inovações do setor editorial conquistadas com Lobato e doses
pessoais de otimismo dos idealizadores dos respectivos projetos (Saraiva e
Clube do Livro) foram aspectos decisivos para o sucesso editorial dos
projetos em questão, com tão longa permanência.
É inegável o seguimento dos editores de propostas defendidas por
Lobato para o desenvolvimento do comércio do livro no Brasil. Primeiro,
no que se refere ao escoamento da produção: ao criarem clubes de livros, as
editoras em estudo ampliaram a possibilidade de venda de seus produtos,
em outros espaços e por outros meios, não ficando restrito somente em
livrarias, como era tradicional. Além da distribuição pelo correio através do
54
serviço de assinaturas, amplamente divulgado em anúncios no final das
brochuras, tinham distribuidoras nas principais capitais do país, informe
bastante difundido pela Saraiva, por exemplo.
O Clube do Livro, ao que parece, contava também com um serviço
de venda em domicílios (comércio ambulante) que garantia a pronta
entrega de qualquer obra solicitada, nos mais distantes pontos do país,
através do trabalho assíduo de seus representantes. Por outro lado, os livros
que não eram escoados pelo serviço de assinatura e pelas livrarias
certamente chegavam ao público nas bancas de jornal, quiosques,
rodoviárias, entre outros, a partir do trabalho das distribuidoras regionais. O
objetivo era levar o livro popular até seu potencial comprador, e por isso os
vários meios citados o fizeram circular nos espaços onde o encontro com o
leitor fosse possível e rápido.
Os respectivos editores investiram também no fator sedução.
Utilizando-se amplamente de iniciativas de Lobato, quanto a editar livros
com vistosas capas coloridas para atrair leitores e, claro, dos recursos
técnicos do período, a Saraiva e o Clube do Livro criaram bonitos projetos
de capas. Acredito que foi umas das razões para o sucesso dos livrinhos.
Contrataram “artistas de renome” na época para desenharem as capas das
brochuras. Muito mais do que criar capas coloridas, atendendo às
exigências de um mercado de massas, tais profissionais/desenhistas
construíram no decorrer dos anos uma memória visual que despertou nos
consumidores dos livros uma identificação visual precisa e rápida do
produto, entre dezenas de outros impressos. Eles foram induzidos à compra
e ao desejo de reunir toda uma coleção (pelo fascínio que os desenhos
exerciam), e de certa maneira se viam incentivados à formação de
bibliotecas individuais. No trabalho de entendimento de projetos editoriais
significativos para a história do livro, como os aqui tratados, percebe-se
55
também uma memória visual construída através das capas ilustradas, em
íntima relação com os textos narrados.
É preciso lembrar que no Brasil a publicação em brochuras populares
para atingir leitores em massa (textos de ampla circulação, segundo Jean-
Yves Mollier) visando lucro tem início no comércio livreiro carioca, nas
últimas décadas do século XIX. Pedro Quaresma fundou a ‘Livraria do
Povo para explorar o mercado do livro barato, publicando de tudo, “lindos
e belíssimos romances”, nacionais e estrangeiros, livros didáticos, obras
pornográficas, dicionários de línguas, entre outros”, inclusive lançando
autores novos (Alessandra El Far, 2004).
No período, a iniciativa do livreiro-editor Garnier de publicar
literatura nacional e estrangeira traduzida também em livro popular, num
projeto visionário de incentivo à leitura no país, se aproxima muito dos
projetos de que estamos tratando. Investiu maciço na publicação de
literatura nacional e européia traduzida, dominando o mercado de obras de
ficção aqui. Aderiu ao comércio de livro popular, editando os grandes
escritores de nossas letras, como José de Alencar, Visconde Taunay,
Machado de Assis, entre outros. Passaram a ser lidos por pessoas que não
tinham acesso ao livro caro. Em 1873, criou a popular “Biblioteca da
Algibeira”, com “formato acomodado a qualquer bolso que não seja o do
colete”. Foram publicadas edições de luxo para o leitor de maior poder
aquisitivo, e passou-se a editar também livros populares. Inclusive, foi a
editora Garnier que primeiro traduziu e publicou em brochuras os romances
de Alexandre Dumas no Brasil.
Nesse sentido, considera-se que a atuação de editoras tradicionais do
século XX, em São Paulo, como a Saraiva e o Clube do Livro, retomaram
procedimentos e estratégias (não se sabe até que ponto intencionais ou não)
que deram lucro no comércio livreiro do século XIX, quer seja na seleção
de projetos editorias mais baratos, com retorno financeiro seguro, como
56
também na escolha de repertório: obras literárias populares e as chamadas
eruditas (brasileiras ou traduzidas) sendo publicadas em edição popular
para conquistar mais público.
A Editora Saraiva possuía estabilidade no comércio livreiro do
século XX no Brasil. Destacava-se por editar livros jurídicos e, na década
de 40 do século passado (momento de intenso processo de industrialização
em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro), inicia a publicação de livros
para o povo via a popular ‘Coleção Saraiva’ e depois abre novas coleções,
citadas adiante.
A referida coleção na verdade inaugurou o clube do livro da editora,
que começou a funcionar em 1948. A primeira obra a ser publicada foi O
Rei Cavaleiro de Pedro Calmon. A iniciativa foi inspirada no Clube do
Livro, criado em 1943, também em São Paulo. De certa forma, competiram
entre si durante os anos que publicaram edições populares: almejavam o
mesmo público. Tal modelo consistia na publicação de uma obra literária a
cada mês, desde romances da literatura nacional a traduções de ‘obras
clássicas’ da literatura européia.
O conceito de “produção sob comando”
1
(Questions de Poétique) de
Roman Jakobson, que é usado para a idéia de reconhecimento na poesia
popular, quando o receptor se embute na produção, poderíamos, de algum
modo, estendê-lo para as considerações sobre esses projetos de leitura.
Pensando na recepção dos textos, a idéia do ‘reconhecimento’ justificaria
as razões para a criação de tais projetos que vigoraram por mais de vinte
anos no país. Partindo-se do pressuposto que no âmbito de ambas as
propostas só foi editado o repertório que tinha recepção garantida pelas
classes populares, caso contrário, ambas as propostas não teriam persistido
por tanto tempo. Isso desmistifica a idéia de passividade do público na
recepção dos respectivos textos. Jerusa Pires Ferreira coloca a questão da
1
Cf. “Oralidade, Corpo, Mídia” de Jerusa Pires Ferreira. Fundação Casa Rui Barbosa (no prelo).
57
passividade, ao se referir ao ‘composto’ formado pelos livros de São
Cipriano, afirmando que “não se pode falar de passividade de quem recebe
mas de um reconhecimento de temas, de linguagens, de modos de ver e de
dizer”(O Livro de São Cipriano, p. 138).
As listas de publicações
Num universo em que a reconstituição de práticas de leituras
populares está implícita, fragmentos de textos e outras informações
esclarecem sobre processos de produção e circulação de livros para o povo.
E as listas de títulos, divulgadas ao final de algumas obras, auxiliam na
montagem deste ‘quebra-cabeça’.
Por exemplo, com base em listas disponibilizadas em romances de
Dumas e outras obras da Saraiva, verificou-se que a ‘coleção Saraiva’
circulou de 1948 a 1972, num período de mais de vinte anos, e que os
romances de Dumas, pertencentes à coleção citada, foram publicados a
partir de 1952, isto é, quatro anos após a criação do clube do livro da
editora. A editora chegou a repetir títulos nas coleções ‘Saraiva’ e ‘Jabuti’
(Nero, O Salteador, Othon, o arqueiro). Tal recorrência pode ser indício de
grande popularidade dos enredos na tradição brasileira, o que teria
motivado reedições em duas coleções da mesma editora.
Dumas foi amplamente editado pela Saraiva, em momentos
diferentes, mas seguidos. Pelos registros, saiu pela última vez em coleção
mais específica e inteiramente dedicada a ele: ‘Romances de Alexandre
Dumas’, nos finais dos anos 50 do século passado. Fato que sugere
popularidade consolidada do autor no país, após longa trajetória desde os
rodapés de folhetins de jornais.
Na perspectiva da história da leitura as referidas listas têm função de
documentos/‘catálogos’, bem como outros impressos (questionários ou
escritos de natureza diversa) que de alguma maneira ajudem a reconstituir
58
práticas de leituras. Para Jean-Ives Mollier, esses ‘catálogos’ devem ser
estudados minuciosamente “como circuito de difusão para se conhecer
melhor as leituras e os leitores do passado”
2
. O estudo completo da lista/
‘catálogo’ da ‘coleção Saraiva’ deverá ser feito futuramente. Compreende
um trabalho expressivo sobre um segmento editorial brasileiro quase que
inédito. Por enquanto nos ocupamos dos romances de Dumas publicados
aqui, inclusive pela Saraiva.
A título de amostragem, selecionou-se as listas dos anos 1948 (início
da ‘coleção Saraiva) e 1949, para se ter idéia da diversidade de textos
publicados:
1948
2 – Léo Vaz: O Professor Jeremias – Agosto (esgotado)
3 – H. R. da Silva: Nos Sertões do Araguaia – Setembro (esgotado)
4 – Paulo Setúbal: Os Irmãos Leme – Outubro
5 – Lewis Wallace: Bem-Hur - Novembro
6 – Ondina Ferreira: Navio Ancorado – Dezembro
1949
7 - Dostoiévski: Recordações da Casa dos Mortos – Janeiro (esgotado)
8 - Malba Tahan – O Homem que Calculava –Fevereiro (esgotado)
9 - Ciro dos Anjos – O Amanuense Belmiro – Março
10 - Orígenes Lessa: O Feijão e o Sonho - Abril
11 - Galeão Coutinho: Confidências de Dona Marcolina – Maio
12 - Henryk Sienkiewice: Quo vadis? – Junho – (esgotado)
13 – R. de Menezes: Emílio de Menezes, o último boêmio – Julho
14 – Menotti del Picchia: A Filha do Inca – Agosto
15 – Lúcia Miguel Pereira: Em Surdina – Setembro
16 – H. G. Wells: O Alimento dos Deuses – Outubro
17 – J. B. Mello e Souza: Majupira – Novembro
18 – Lord Lytton: Os Últimos Dias de Pompéia - Dezembro
2
In: “Le roman populaire dans la Bibliothèque du peuple”. In: Le Roman Populaire en Question(s).
Limoges: Pulim, 1997.
59
Práticas de leitura e o romance-folhetim
Os projetos editoriais de natureza popular de ambas as editoras foram
importantes para preservar e manter circulando no Brasil do século XX
parte do romance-folhetim francês (sobretudo o conjunto de textos de
Dumas pai), tornando possível uma reconstituição da obras do escritor
aqui.
Com base nos materiais, (da Saraiva e do Clube do Livro, inclusive o
romance-folhetim editado), em termos de prática de leitura, se pode
imaginar pelo menos dois tipos de leitura que se disseminaram no período.
De um modo, em voz alta, de caráter coletivo: uma pessoa lendo para seu
grupo, em comunidades onde o analfabetismo de alguns inviabilizava a
leitura individual, daí um membro ser escolhido para oralizar os enredos.
De outro, por pessoas alfabetizadas, a leitura silenciosa, de caráter
individual, feita em casa, em bibliotecas públicas ou a caminho do trabalho
(no ônibus ou trem), a qual podia fluir mais lenta (leitura de volumes
maiores) ou mais rápida, em edições resumidas.
Sobre exemplo de oralização do gênero, Zumthor no capítulo ‘E a
Literatura?’ de A Letra e a Voz (1993) nos oferece importante depoimento.
Diz que presenciou a prática de leitura de romances-folhetins de Eugène
Sue, em voz alta, por porteiros de prédios, em Paris, em pleno século XX.
O autor considera a técnica como “truques dos cantores de gesta” (E a
literatura?, p. 286), numa aproximação com os modos orais de divulgação
da “literatura medieval”.
No contexto citado observa-se que a leitura do gênero estava sendo
empregada como recurso para atrair um tipo de público fora de uma
situação usual de reunião de amigos ou familiar. Servia ali como estratégia
comercial, de caráter imobiliário, para reter por alguns instantes a atenção
de pessoas que podiam se dispersar facilmente, sem fechar negócios. Do
60
ponto de vista narrativo, estão em causa a magia e o suspense desses
enredos, capazes de reunir ouvintes para oralização.
Por outro lado, a presença do romance-folhetim em bibliotecas
públicas do Vale do Paraíba/SP, por exemplo, dá uma noção de que a
leitura desses textos foi corrente na região, a partir do momento que os
acervos entraram em funcionamento. Considero que as instituições foram e
ainda são pólos de leitura do gênero, em municípios do Vale do Paraíba,
tendo em vista abrigarem tais obras nos dias atuais.
O funcionamento dos respectivos acervos coincide com o período em
que as editoras em estudo estavam direcionando também suas atividades
editoriais para o mercado de livro popular. Havia forte apelo para a
formação de bibliotecas individuais, principalmente por parte do Clube do
Livro, e isso significava que o leitor (através do serviço de assinatura ou a
compra direta em pontos de revenda) tinha possibilidade a cada mês de
adquirir uma obra literária a preço baixo para ir formando sua própria
biblioteca. Ele tinha também acesso às obras nas próprias bibliotecas
públicas. O Clube do Livro, por exemplo, vendeu livros para o Governo
brasileiro durante os anos em que atuou no comércio livreiro que, por sua
vez, repassava também para bibliotecas públicas. Presume-se que tenha
vindo das referidas transferências de órgãos federais o conjunto de obras
folhetinescas existentes nos acervos citados, além de algumas doações
particulares registradas nas folhas de rosto dos títulos.
Alguns depoimentos de práticas de leitura do romance-folhetim
Na biblioteca de São José dos Campos, em 02/12/05, numa das
muitas visitas que fiz ao local, ouvi de uma funcionária um depoimento de
prática de leitura curioso sobre o romance-folhetim do qual vinha me
ocupando de pesquisar naquele ambiente.
61
Na ocasião devolvia um grosso volume de O Conde de Monte Cristo,
das Edições LEP, de São Paulo. E pedi em seguida uma edição do Clube do
Livro existente no acervo. Para minha surpresa, a funcionária (Cristina) me
disse que não havia nenhuma edição do romance na biblioteca, pois tinha
sido muito procurado durante a semana. Motivo: foi exibido o filme A
Vingança de Monte Cristo do diretor Kevin Reynalds, pela Rede Globo no
dia 30/11/05, na série “Cinema Especial”, o que provocou uma corrida de
leitores à biblioteca a procura da obra. Ela afirmou ainda que toda vez que
há anúncio da exibição na TV de uma obra adaptada o livro é lido com
antecedência. Este fato demonstra que a leitura do texto impresso, em se
tratando de adaptações para a TV ou cinema, não é de forma alguma
dispensada. Pelo contrário, há consulta prévia da obra e é feita até mesmo
pelo leitor menos exigente. Muitas vezes, sem se dar conta, o
leitor/telespectador busca identificar o que ficou do enredo original nessas
adaptações ou, em outros termos, o que foi recriado ou não na passagem de
um código a outro.
Foi num dos capítulos da minissérie JK da TV Globo, em fevereiro
de 2006, que flagramos outro depoimento sobre prática de leitura de O
Conde de Monte Cristo no passado: o protagonista da minissérie (Wagner
Moura) no papel de Juscelino Kubitschek diz que o avô lia para ele o
referido romance, pois era apaixonado pelas aventuras da narrativa.
Conclui que herdou dele o gosto pela aventura e pela fantasia, em
referência à sua paixão pela política. Talvez a idéia da construção de
Brasília no meio do cerrado brasileiro tenha muito de uma imaginação fértil
trabalhada ainda na infância com esse tipo de leitura!
Kubitschek foi um presidente que se empenhou em rever as leis de
direitos autorais, a fim de disponibilizar para o povo obras da literatura
erudita nacional, entre elas, as de Machado de Assis. Desse modo, é
possível que a iniciativa de distribuir livros em massa à nação não tenha
62
sido só política, mas pessoal, a partir de uma vivência muito próxima com
o universo da leitura.
Num dos capítulos da novela Paraíso Tropical da Rede Globo,
exibido no dia 25/07/07, a personagem “Bebel” (uma garota de programa)
diz a uns dos amantes (Olavo) que está lendo A Dama das Camélias de
Alexandre Dumas Filho.
Nesse universo de produção de massa no qual está inserido o texto
televisivo (a telenovela, em questão), preponderando o entretenimento sob
a forma de espetáculo, seja pelo destaque de algumas personagens, núcleos
de personagens ou enredos, Bebel era querida pelo público. A personagem
e leitora estava sendo alfabetizada e também tinha aulas de boas maneiras
com Virgínia, antiga atriz de teatro popular. Por sua vez, a leitura de A
Dama das Camélias foi sugerida por Belisário. A indicação estava
relacionada com seu papel de prostituta na trama, embora Bebel não tenha
sido capaz de refletir sobre isso, ignorando que os dramas de sua profissão
foram retratados naquele tipo de literatura.
Desse pequeno episódio, destacam-se questões importantes: do ponto
de vista da história da leitura, a obra em questão foi amplamente divulgada
no Brasil, em folhetim e em livro, cujo autor é filho de Dumas e também
herdeiro de seu talento como escritor. Em pleno século XXI, um folhetim
televisivo brasileiro (Paraíso Tropical), uma versão moderna do velho
romance-folhetim, faz alusão ao livro de Dumas filho como leitura da
personagem-prostituta da trama. Pode-se dizer que, no contexto em análise,
a referida obra (citada quase como uma vinheta) tanto está para a
personagem, como num âmbito geral, sua trama permanece atualizada e
inspiraria qualquer folhetim televisivo moderno. O enredo tem algo de
folhetinesco.
63
Por outro lado, observando-se o perfil de Bebel na trama, tem-se uma
prostituta quase redimida. Não esconde que trilhou esse caminho por
necessidade, por ser uma moça pobre e órfã, mas alimenta o sonho de
deixar tal ofício e encontrar um grande amor. É apaixonada pelo
maquiavélico e rico Olavo e tem nesse amor a expectativa de mudança de
vida. Tal modelo aparece difuso na trama de A Dama das Camélias no
papel da heroína Marguerite Gautier, como também em Lucíola, de José de
Alencar, enfim, argumentos universais da literatura do Romantismo.
Incentivo à formação de bibliotecas individuais por editoras
Em novembro de 2006, num sebo em São Paulo, obtive de uma
jovem vendedora um depoimento precioso sobre formação de biblioteca
individual, a partir de 1948, com os títulos publicados pela ‘coleção
Saraiva’. Ela me contou que os volumes à venda da respectiva coleção
pertenceram à sua tia-avó, que após muitos anos se desfazia da coleção
com pesar. A partir da fala da moça, senti que o conjunto de livrinhos tinha
um valor afetivo muito grande para a desconhecida senhora. Teria se
desfeito de parte deles. Reunia aquele repertório desde 1948, quando a
coleção foi fundada (que preciosidade!). Segundo a vendedora, durante a
retirada dos volumes da estante ela repetia em voz alta: “esse sim, esse
não”, e selecionou o que iria ser vendido e o que ficaria consigo, como
registro de memória de um período em que tais textos tiveram ampla
divulgação no imaginário brasileiro.
Quanto a cogitar sobre que obras ela selecionou para si, numa
perspectiva de história da leitura, considera-se que a saudosa leitora ficou
com aquelas que lhe despertaram mais prazer de ler no conjunto. Talvez
nem tenha percebido a importância de sua biblioteca de obras populares de
quase 50 anos!!! Podia nem desconfiar que preservava em casa pequena,
mas significativa parcela, da memória editorial do país. Digo uma pequena,
64
comparando-se a tantas outras coleções populares do passado que são
desconhecidas nos dias de hoje. Na atitude da anônima
leitora/colecionadora se sente o respeito e a paixão pelo livro (popular),
mantendo-o conservado durante décadas em sua própria casa.
Do ponto de vista teórico, ao se falar sobre circulação de livros
baratos e projetos de leitura para o povo, logo se pensa nas considerações
de Roger Chartier sobre o assunto, principalmente na pesquisa sobre
leituras do povo na França do Antigo Regime, dos textos pertencentes à
chamada “Biblioteca Azul”, como também outros textos seus referentes ao
tema, a maioria com tradução brasileira.
Há que se considerar que são regimes de leitura em tempos/espaços
diferentes. Interessa-nos, no entanto, perceber os modos como este
pesquisador e outros autores que trabalham com a história do livro, da
leitura e da edição lidam com os documentos para reconstituírem práticas
de leituras populares da França do Antigo Regime, por exemplo. Pela
natureza popular, tais práticas culturais talvez tivessem sido esquecidas
para sempre se não contassem com a atenção desses pesquisadores. Como,
por exemplo, textos de ampla circulação no passado, no Brasil, podem
estar esquecidos até hoje em acervos de arquivos, bibliotecas ou em sebos,
pois não receberam ainda a atenção de estudos na área.
Longe de pretender aproximar realidades culturais diferentes e
distantes no tempo (a francesa e a brasileira), os estudos de Chartier citados
no decorrer do trabalho são importantes para se perceber como o autor
apresentou tal repertório e quais as conexões estabeleceu com aspectos
culturais franceses daquele período. Da mesma forma que estamos tentando
entender os respectivos projetos editoriais da Saraiva e do Clube do Livro,
dentro das especificidades brasileiras.
Em se tratando da relação muito próxima entre “estratégias”
editoriais de publicação de livros populares, por exemplo, e práticas de
65
leitura, questão central que se percebe na proposta dos projetos da Saraiva e
Clube do Livro em análise, Chartier dá importante depoimento sobre o
tema, ao falar das “Revoluções da Leitura no Ocidente”, afirmando que “as
estratégias de publicação sempre moldaram as práticas de leitura. Elas
criaram novos gêneros de textos e novas fórmulas de publicação. Ao tomar
os produtos de impressão mais baratos e disponíveis, por exemplo, a um
consumidor “popular” (primeiro os livretos para a venda ambulante; mais
tarde as coleções populares e os jornais), ofereceu-se ao público um
número cada vez mais amplo e diversificado de materiais de leitura”
3
.
Dessa forma, no Brasil do século XX, os editores em estudo distribuíram
em edições populares facilitadas textos literários diversos (literatura
chamada erudita, popular e estrangeira traduzida) apostando na boa
recepção de suas propostas. Havia uma demanda por textos por parte do
público popular e os editores ousaram, oferecendo-lhe literatura naquele
momento.
É possível que a respectiva procura tinha a ver com o anseio das
pessoas por aquisição de conhecimentos complementares, não
necessariamente ligados à formação escolar continuada. E viam em obras
literárias adaptadas (romances) a possibilidade de se instruírem um pouco.
Tal demanda/aceitação demonstra também o vínculo desse leitor com uma
leitura descompromissada e por isso prazerosa, de modo que o
investimento editorial neste mercado seria quase seguro.
A predileção de leitores populares por textos ficcionais teria sido a
razão para editores brasileiros do século XX organizarem projetos de
leitura um tanto quanto audaciosos e de longa duração, a exemplo do que
estamos tratando. É preciso lembrar que devem existir muitas editoras
populares do período cujos acervos ainda não foram estudados. O trabalho
3
In: Leitura, História e História da Leitura, Org. Márcia Abreu, p 30.
66
que aqui se desenvolve faz apenas um pequeno recorte dentre o amplo
universo editorial popular do século passado no Brasil. Procedimento
semelhante tem início no incipiente comércio livreiro popular do século
XIX, sobretudo com a iniciativa de Garnier citada antes. Do ponto de vista
editorial, seria a exploração de um repertório literário com recepção
garantida, em qualquer época.
Ambos os projetos em questão têm especificidades no contexto de
circulação do livro no país naquele momento. O Clube do Livro, em certo
período de sua trajetória, passa a vender parte de sua produção ao Governo
(para distribuição nas escolas), mantendo também os canais tradicionais de
distribuição para o público popular, como envio pelo correio, vendas
ambulantes, em bancas de jornal, entre outros. A Saraiva, no que se refere
às suas três coleções populares citadas (‘coleção Saraiva’, ‘Jabuti’ e
‘Romances de Alexandre Dumas’), parece que contou apenas com os meios
tradicionais citados de escoamento de seus livros. Ao que tudo indica, foi
um projeto independente, idealista e audacioso pensado para as classes
populares que se disseminou paralelamente à produção de livros para a
cultura chamada erudita, bem como de outros de natureza popular do
período, com uma forte proposta de incentivo à instrução e à aquisição de
cultura.
Considerações sobre romance popular e circulação de impressos
O historiador Jean-Yves Mollier revela, em seus escritos, verdadeira
paixão pelo estudo do livro, da edição e dos impressos populares de um
modo geral, na França. Atualmente, diz estar se dedicando à pesquisa dos
impressos pertencentes ao que chama “literatura de rua”, ou seja, edições
populares, canções e livros de propaganda comercializados nas ruas das
grandes cidades, inclusive tentando estabelecer conexões com a literatura
de cordel brasileira.
67
Nesse sentido, pode-se pensar também na grande quantidade de
edições populares comercializadas no Brasil, em sebos ou em pequenas
bancas, nas ruas das grandes cidades. Por exemplo, alguns romances de
Dumas citados aqui foram localizados em sebos. O repertório do autor,
além de ser encontrado em algumas bibliotecas, circula também em
espaços alternativos de compra/venda de livros. É possível que daqui há
alguns anos os textos de Dumas sejam materiais raros em sebos e até
mesmo em bibliotecas, com exceção das obras mais clássicas, como O
Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros que continuam sendo
reeditadas.
Bastante corrente, em algumas bibliotecas públicas, sob pretexto de
retirada de circulação de livros considerados raros, romances como os de
Dumas, por exemplo, acabam sumindo do setor de “obras raras”, que teria
a função de preservá-los. Às vezes, se tem gratas surpresas: uma amiga
localizou, num salão de cabeleireiro em São Paulo, três volumes
(raríssimos!) da coleção ‘Memórias de um Médico’ (incompleta), publicada
por Monteiro Lobato na década de 30 do século passado. Comprovando
que a referida série circulou também num período importante da história
editorial do país e foi publicada pelo principal editor da época, já trazendo
vistosas capas coloridas, uma conquista de Lobato para tornar o livro mais
atrativo.
Não só em sebos, o comércio de impressos populares é comum ainda
em bancas de jornal, cafés e rodoviárias. Em São Paulo, a venda de
brochuras acontece também em pequenas bancas no metrô. São pontos
estratégicos e tradicionais de escoamento dessa produção para as massas.
No texto “Le Roman Populaire dans la Bibliothèque du Peuple”,
4
Mollier acompanha a trajetória de publicação do romance popular no
século XIX, na França. Segundo ele, os livrinhos da “Biblioteca Azul”,
4
In: Le Roman Populaire em Question(s), 1997, p. 585-598.
68
embora diminuindo de circulação no período, não desapareceram por
completo, mas se readaptaram.
Nesse contexto de massificação dos impressos e do romance como
leitura destinada ao povo, o autor faz referência ao romance-folhetim
reunido em rústicos volumes costurados à mão (obra formada a partir da
junção de capítulos recortados dos folhetins de jornais) relidos muitas
vezes. Tem-se notícia dos mesmos procedimentos por parte do leitor
brasileiro ainda no século XX, que compilava romances-folhetins a partir
de recortes de jornais.
Mollier lembra que ainda no século XIX esse modo rústico de reunir
textos dá lugar à impressão em massa de livros populares. Consta que o
livreiro Michel Lèvy, primeiro editor das obras completas de Dumas, em
1846, distribuiu prospectos anunciando a retirada das bibliotecas (presume-
se que principalmente as particulares) dos volumes costurados à mão, que
seriam substituídos pelas brochuras populares editadas por ele a 2 francos.
5
Acredita-se que ambos os ‘tipos de livros’ circularam simultaneamente
durante algum tempo, após a iniciativa pioneira de Michel Lèvy.
O estudo de Jean-Yves citado acima se aproxima da proposta de
nosso trabalho com as obras de Dumas, do ponto de vista de se acompanhar
os desdobramentos do romance-folhetim em livro, no Brasil do século XX,
via o mapeamento dos textos num contexto de massificação da literatura, a
exemplo de como ele procede em relação ao gênero na França do século
XIX, situando-o no âmbito da cultura de massa vigente.
Outros textos do autor são um convite para se perceber/analisar os
espaços urbanos onde os escritos populares circulam. Ao pensarmos
leitura/espaço/circulação de impressos juntos, no primeiro capítulo da tese,
tentamos estabelecer a relação entre a leitura do romance-folhetim e os
5
“Le Roman Populaire dans la bibliothèque du peuple”. In: Le Roman Populaire em Question(s), 1997, p.
596.
69
espaços das duas bibliotecas públicas do Vale do Paraíba/SP, considerando
que ambas as instituições funcionaram como pólos de leitura do gênero na
região.
A produção: O formato das brochuras da Saraiva e do Clube do Livro
Do ponto de vista do suporte, era um conjunto de livros encantador e
vistoso, tendo de 160 a 200 páginas.
Da ‘coleção Saraiva’, por exemplo, foi possível localizar maior
quantidade de títulos com capas originais. O visual das pequenas brochuras
(18 x 11,5) foi incrementado com capas coloridas e uniformizadas durante
anos pelos traços dos desenhos de Nico Rosso, criando uma espécie de
‘identidade visual’ desses livrinhos junto ao leitor, tendo em vista o
encanto que até hoje podem despertar.
A coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’, também da Saraiva,
específica e inteiramente dedicada ao autor, saiu em formato de livro maior
(grossos volumes). Mas as capas não foram tão atrativas quanto às da
‘coleção Saraiva’, inclusive não há registro do nome do ilustrador. Uma das
edições de Ângelo Pitou, por exemplo, teve capa tipográfica nos finais dos
anos 50 do século passado, ou seja, só trazia dados da obra como título,
nomes do autor e da editora, sem nenhum recurso visual. Tal modelo já era
considerado obsoleto nos anos 50, tendo em vista as inovações de Lobato
ainda na década de 30.
Quanto ao Clube do Livro, no que se refere aos romances de Dumas,
algumas capas das brochuras medindo (18 x 14 cm) se danificaram no
decorrer dos anos e foi providenciada restauração em capa dura, sendo
impossível reconstituir esse conjunto visual e também de memória.
A diversidade de autores e de obras divulgadas, nas coleções em
estudo, se aproxima de vestígios de um projeto idealizado ainda no século
XIX pelo livreiro-editor Garnier, como foi dito antes, de veicular obras
70
literárias consideradas importantes para o povo, em livros baratos. Não se
pode acreditar numa iniciativa desinteressada dos editores em nome do
desenvolvimento da cultura brasileira, em ambos os casos, tendo em vista
que desejavam também atrair lucro para seus estabelecimentos.
As traduções e as equipes
Sobressaiu o trabalho das equipes envolvidas no projeto tradutório de
ambas as editoras. Sem abordar o tema da tradução em si, é preciso lembrar
que havia um esforço, tanto do Clube do Livro como da Saraiva, para
colocar no mercado traduções e textos literários nacionais de “qualidade”.
Em geral, não há problemas de erros gramaticais ou má construção
de períodos que provoquem incompreensões dos textos, bem como o
emprego de gírias ou adaptações para a linguagem popular. Pelo contrário,
predomina o uso da língua portuguesa culta, aspecto que era inclusive
mencionado com orgulho pelos editores em notas introdutórias. O objetivo
era que o leitor popular tivesse acesso a textos em português correto, como
maneira de ir se instruindo.
Quanto à equipe, Octavio Mendes Cajado, Augusto de Souza e
Ondina Ferreira traduziram as obras de Dumas para a ‘coleção Saraiva’,
bem como muitos outros títulos. Aliás, Augusto de Souza demonstrou
esforço e dedicação ao traduzir toda a série ‘Memórias de um Médico’ da
‘coleção Romances de Alexandre Dumas’, também da Saraiva. São grossos
volumes (de cerca 400 páginas em média), que o editor garante terem
“tradução integral”.
Nico Rosso, profissional/desenhista ligado à industria do livro
popular no período, trabalhando em várias editoras de São Paulo por cerca
de vinte anos, foi o capista de todos os volumes da ‘coleção Saraiva’, a
mais representativa da editora, em número de títulos publicados para o
povo. A análise das capas de Rosso será feita em outro capítulo.
71
Os profissionais envolvidos com as traduções dos romances de
Dumas para o Clube do livro foram: José Maria Machado (a maior parte),
Emilio Romeo e Nelly Cordes; as notas explicativas foram escritas por
membros do conselho editorial, como Afonso Schmidt, Azevedo Pinheiro,
Bráulio Sanchez e Evangelista Prado e também fundadores do clube.
Colaboraram com textos entusiasmados sobre o desempenho de Dumas
como romancista, cujos trechos poderão ser conferidos no capítulo sobre o
Clube do Livro.
Por outro lado, embora muitas capas tenham se danificado no
decorrer dos anos (em virtude da fragilidade das brochuras), restaram as
referências nas folhas de rosto ao capista do Clube do Livro: Vicente di
Gradi. Consta nos textos de apresentação que era um ‘artista renomado’.
Enfim, pôde-se também acompanhar neste mapeamento o trabalho de
décadas de profissionais do livro, em suas funções específicas.
Resenhas de livros nas orelhas da ‘coleção saraiva’
Textos publicados sob a forma de resenhas nas orelhas dos volumes
da ‘coleção Saraiva’ têm muito a esclarecer sobre o projeto de leitura
mencionado, bem como a história da edição em causa.
Foi a partir da leitura do trabalho de Jerusa Pires Ferreira sobre
‘Memória da Edição no Brasil’, em análise dos materiais da Editora João
do Rio, que passei a me interessar pelas edições dos romances de Dumas,
tendo a curiosidade de ler os ‘textos secundários’ sistematicamente
divulgados nessas brochuras, como notas, prefácios, resenhas, entre outros.
Era a proposta de um olhar crítico para livros até então considerados sem
valor por serem populares. “La Maison João do Rio de Savério Fittipaldi”
reúne metodologia de trabalho e reflexão sobre o estudo do livro popular
no Brasil. Num dos trechos a autora diz: “o trabalho de leitura e de
organização crítica do material recuperado permite construir toda uma
72
perspectiva: a partir disso se pode ter uma percepção do conjunto, seguir as
práticas, os procedimentos e prever, a partir dos produtos, o projeto desta
casa de edição”
6
.
Por isso, considero importante a passagem rápida por alguns trechos
de resenhas publicadas, nas orelhas das obras de Dumas pela editora
Saraiva. Trazem informações valiosas sobre a difusão de livros populares
no período, portanto, de grande valor para a história do livro no país no
século passado.
A resenha sobre Dom Casmurro, publicada numa das orelhas da
tradução de A Vida de Mark Twain de Albert Bigelow, ‘coleção Saraiva’,
fala sobre o domínio público das obras de Machado, questão relevante para
a indústria do livro popular no período.
Percebe-se que houve uma iniciativa deliberada dos que dirigiam as
coleções populares da Saraiva e do Clube do Livro em selecionar obras de
domínio público, algumas já lançadas por outras editoras, em momentos
anteriores. Talvez por isso a razão da resenha citada mencionar o assunto,
ao falar do emprenho do então presidente da República, Juscelino
Kubitschek, em rever as leis vigentes de direitos autorais, no intuito de
disponibilizar para o público popular brasileiro a obra do escritor, num
visível projeto ideológico de um governo que via no incentivo à leitura e à
educação a saída para o desenvolvimento do país.
“A obra de Machado de Assis é, agora, de domínio público. Quer dizer: o
direito de editá-la, ante privativo da empresa W.M. Jackson Inc..., foi estendido a
qualquer interessado na sua difusão. Essa situação nova decorreu de interpretação
dada pelo Consultor Geral da República às leis autorais brasileiras em virtude de
iniciativa direta do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. A Coleção Saraiva já
tivera oportunidade de publicar duas obras de Machado de Assis: o romance “Iaiá
Garcia” e uma coletânea de contos selecionados, que recebeu o título de “O Alienista e
outras Histórias”.
6
‘La Maison João do Rio de Saverio Fittipaldi’. In: Prodcution(s) du Populaire. Limoges: Pulim, 2004,
p.40.
73
O tema de outra resenha é a demanda do público popular pela
“literatura de alto nível”. A Saraiva atendia à essa parcela da população
através da “popularíssima Coleção Saraiva”, como das demais que foram se
formando. Beneficiou-se da iniciativa presidencial (de Kubitschek
),
recebendo autorização para publicar os mais cobiçados romances de
Machado de Assis, sem pagar pelos direitos autorais.
“Repetidas vezes os assinantes da Coleção Saraiva reclamaram a publicação de
outros livros de Machado de Assis. Agora é possível atender a esses pedidos, que
demonstravam o grande interesse popular pela literatura de alto nível.
Assim, em vista da nova interpretação legal, - que permite a ampla divulgação
desse raro valor literário, - e em face da pública declaração de W. M. Jackson Inc.., -
aceitando o parecer jurídico do Consultor Geral da República, - decidimos apresentar,
na popularíssima Coleção Saraiva, o primoroso romance DOM CASMURRO”.
Na respectiva resenha se encontra ainda menção à tiragem
exorbitante do romance Dom Casmurro de Machado, quando a editora
recebeu a autorização para publicá-lo, segundo a nota, a maior do
continente sul-americano
até aquele momento, com expectativa ainda de
aumento de leitores da obra, em virtude da popularidade da ‘coleção
Saraiva’ no país e dos baixos preços de seus títulos. Sem nenhuma
modéstia, o autor da resenha afirma ser a referida coleção ideal para
publicar toda a obra de Machado. Ao que tudo indica, a edição de Dom
Casmurro – grande romance da literatura brasileira - e a possibilidade de
editar o conjunto da obra do autor era o mais importante projeto da Saraiva
naquele momento (janeiro de 1959), consolidando seu sucesso.
É a Coleção Saraiva veículo indicado para propagar a obra do insigne autor,
pois, sendo sem dúvida, a edição de maior tiragem no continente sul-americano –
45.000 exemplares – ao mesmo tempo que a de mais reduzido preço, conquistará novos
leitores e admiradores para Machado de Assis”.
Orelha do volume A Conquista de Napóles da Coleção Saraiva, n. 224, 1967
75
O autor da resenha fazia, por fim, uma síntese entusiasmada do
romance, num visível propósito de convencer o leitor a comprar tal obra:
“DOM CASMURRO é romance da maturidade de Machado de Assis. Nele, o
seu autor, já de posse de todas as sutilezas de estilo e de psicologia, aparece em sua
integral personalidade literária. Nesta narrativa, que seria apenas um banal episódio
de adultério, não fossem as já assinaladas virtudes de composição e análise, o leitor
saboreará o célebre humor de Machado de Assis, as agudas e penetrantes sínteses que
revelam personagens e situações de modo luminoso”.
O Clube do Livro, através das ‘notas explicativas’ e das orelhas das
obras publicadas, tentou passar para o público a grandiosidade de sua
iniciativa ao veicular livros populares. A editora tinha por prática, em texto
anterior à folha de rosto de cada título, destacar o nobre empenho dos
membros de seu conselho editorial, que se esforçavam para assegurar aos
sócios o acesso à leitura de ‘qualidade’. São constantes nos textos termos
como ‘missão’ e ‘sacrifício’ para caracterizar o trabalho do grupo, rumo à
concretização do projeto visionário de democratizar a leitura no país.
A editora Saraiva foi mais discreta nesse sentido. Não usou o
discurso de natureza paternalista e, por outro lado, propagandista do Clube
do Livro, mas utilizou todos os espaços disponíveis no projeto gráfico das
brochuras da série ‘Coleção Saraiva’ para divulgar seu ‘catálogo’. Em
geral, as orelhas eram destinadas a resenhas sobre a obra recém-lançada e o
futuro lançamento.
Capítulo III – Romances de Dumas Publicados pela Saraiva:
História da Edição
História da edição
A história da edição dos romances a seguir, longe de querer dar conta
de toda a trajetória editorial do escritor Dumas no Brasil, uma vez que se
tem consciência de que muitos dos documentos se extraviaram no decorrer
dos anos (até pela natureza frágil dos suportes – as brochuras populares).
Pretende-se sim fazer uma reconstituição possível da memória impressa de
parte do romance-folhetim do autor traduzido aqui: quais editoras
publicaram, como e quando. O folhetinista teve sua obra publicada por
várias editoras e coleções populares dispersas durante todo o século XX.
Por isso, reunir os materiais para a história de sua edição é um desafio.
O mapeamento de suas obras, em livro popular, constitui um capítulo
à parte sobre a circulação do romance-folhetim francês no Brasil, tendo em
vista que foi o autor folhetinesco mais publicado durante todo o século
passado e permanece nos dias atuais. Sua popularidade no país poderia ter
se restringido aos limites dos folhetins dos jornais e desaparecido, quando
os respectivos rodapés foram suprimidos da geografia dos periódicos, nas
primeiras décadas do século XX, como se tornaram esquecidos muitos dos
autores do gênero, também traduzidos nos anos de ouro do folhetim aqui.
Em linhas gerais, tem-se um repertório francês do século XIX,
aparentemente arcaico, uma literatura de “segundo time” que se aclimatou
tão bem aqui no mesmo período, criada em pleno contexto de
desenvolvimento da cultura de massa, em ambos os países, ultrapassando
períodos e suportes de veiculação (dos rodapés dos jornais a livros
populares), permanecendo editada e lida até hoje, conforme comprova o
levantamento das edições.
77
Com base em circunstâncias constatadas nos dias atuais, percebe-se
que essa literatura folhetinesca (a de Dumas) transpôs no Brasil os limites
da leitura considerada de entretenimento, como era sua proposta inicial ao
ser divulgada em folhetim (na França como aqui). Repertório ‘facilitado’
que permaneceu circulando aqui em adaptações e traduções popularizantes,
gerado e consumido no âmbito da cultura de massa em ascensão.
A idéia de transposição de limites me ocorreu quando um dono de
sebo em Jacareí/SP me disse que O Conde de Monte Cristo e Os Três
Mosqueteiros são indicados atualmente como paradidáticos em escolas
públicas e particulares do município. Considero a informação de tão grande
importância que mereceria um trabalho sobre o fato.
Para além da efetiva prática de leitura das obras, entende-se que esse
procedimento demonstra que os respectivos ‘clássicos’ de Dumas podem
ter conquistado o estatuto de ‘obras literárias’ (estrangeiras) no país.
Provavelmente os setores educacionais competentes e as editoras
comprometidas com a publicação de livros escolares não cogitam se tais
obras têm origem popular, como os romances-folhetins em questão. É
como se a literatura produzida por Dumas (notadamente, os romances mais
famosos) tivesse sido absorvida aqui pela ‘grande literatura’ e que sua
vinculação popular não fosse hoje mais levada em conta.
Além de todo movimento cultural que favoreceu a disseminação do
romance-folhetim no Brasil, quer nos rodapés dos jornais ou em livros
populares, da popularidade em si conquistada por Dumas, quanto à história
da edição desses textos no país, também se questiona por que tal repertório
dele foi escolhido ou não por determinada editora.
Pelo menos, no que se refere às coleções do Clube do Livro e da
Saraiva, com exceção da série ‘Memórias de um Médico’(com perfil
diferente), as respectivas editoras publicaram de modo aleatório títulos do
autor, sem privilegiarem tipologias de textos ou séries em especial. Parecia
78
ser mais uma escolha pessoal do editor/tradutor porque os respectivos
romances de Dumas já tinham popularidade aqui (até em virtude da
publicação em folhetim no passado). Qualquer obra republicada teria boa
aceitação por parte do público.
A Saraiva, por exemplo, chegou a repetir títulos dele em duas de suas
coleções: a ‘coleção Saraiva’ e a ‘Jabuti’ (Nero, O Salteador, Os Irmãos
Corsos, Othon, o arqueiro). Essa recorrência pode ser indício de grande
popularidade dos enredos na tradição que teria motivado suas reedições, em
coleções da mesma editora. São temas intensos/dramáticos e é evidente que
as técnicas folhetinescas empregadas por um autor experiente como Dumas
não só aguçaram a curiosidade do público, como mantiveram esses
fragmentos de textos ativados na memória coletiva por muito tempo.
Dificilmente um leitor esquecerá a primeira leitura que fez de O Conde de
Monte Cristo ou de Os Três Mosqueteiros.
Retomando a história das edições, o primeiro título publicado de
Alexandre Dumas pela ‘coleção Saraiva’ foi Nero, em abril de 1952,
número 46. O autor recria a antiga lenda romana sobre a relação de ódio
entre mãe e filho (Agripina e o filho Nero, imperador de Roma, acusado de
mandar assassiná-la). O conteúdo da lenda em si é dramático. Contam que
nos instantes finas de vida Agripina pediu aos seus carrascos que a
esfaqueassem na barriga, que carregara tão monstruoso filho.
Coube a Dumas recontar a história com fortes tons folhetinescos em
que tentativas de assassinatos, conspirações, subornos, golpes,
perseguições, donzelas seduzidas, torturas e assassinatos ganharam lances
teatrais (nada mais natural para um homem de teatro que sua prática nos
palcos influenciasse a escritura de seus romances!). No decorrer do livro,
Dumas chama atenção para o fato de recontar a saga do imperador, a partir
de uma de suas visitas a antigos monumentos e museus romanos. Isso
79
confirma rumores de que ele teria escrito alguns de seus romances
inspirados nas muitas viagens feitas ao exterior (Cf. Voyage au Marroc).
A recorrência do tema em seus textos se aproxima de uma verdadeira
tipologia pertencente ao tópico viagens. Sugere também, do ponto de vista
da produção de uma escritura em fluxo, que esses textos não foram
simplesmente frutos de sua ‘iluminada’ imaginação, mas teriam sido
inspirados por fontes concretas, como por exemplo, as viagens realizadas
sinalizando que o escritor antes de tudo esteve em diálogo com o mundo
real para produzir sua obra.
Ao se observar o conjunto literário publicado pela ‘coleção Saraiva’
naquele momento e, procurando estabelecer relações, constatou-se que
Pierretti de Balzac saiu em edição anterior (no. 45) a Nero, em março de
1952. Curiosamente, Balzac foi o primeiro autor famoso a publicar
romance em folhetim, na França: La Vieille Fille. Contemporâneo de
Dumas, consta que fazia duras críticas à sua obra, considerando-a menor.
Por outro lado, Victor Hugo se declarava seu admirador e leitor fiel,
circunstância que demonstra a existência de uma zona de identificação
entre autores e textos da chamada “alta literatura” e da popular,
desmistificando a idéia de limites rígidos entre ambas. Inclusive Afonso
Schmidt, num prefácio para o Clube do Livro, “Dumas é o próprio espírito
da França”, título inspirado numa frase de Victor Hugo, menciona a relação
de afinidade e respeito mútuo entre os autores. Segundo o trecho, Dumas se
sente na obrigação de continuar escrevendo para que seu amigo tenha livros
para ler.
Victor Hugo, certa vez, confessou que só lia Alexandre Dumas.
Dumas, já velho, não quis abandonar a pena, alegando:
- Se eu não escrever, que livros lerá Victor Hugo?
Em troca, Victor Hugo, julgou-o o próprio espírito da França
80
A presença de escritores franceses na respectiva lista sugere também
a influência da literatura francesa traduzida entre nós naquele período. Por
outro lado, reforça a tese do desenvolvimento de um projeto de leitura
concebido pela Saraiva, divulgando lado a lado títulos populares e eruditos,
daí a junção não aleatória de Balzac e Dumas.
Em janeiro de 1953, saiu A Tulipa Negra de Dumas, número 55 da
coleção. A história se passa na cidade de Haarlen nos Países Baixos, que
abre um concurso com um prêmio de 100 000 moedas de ouro para o
cientista que consiga produzir uma tulipa negra. Tal concurso dá origem à
uma competição entre os melhores botânicos do país para ganhar o prêmio,
honra e fama. O jovem burguês Cornélio van Baerle quase consegue, mas
misteriosamente é preso. Lá encontra seu grande amor, Rosa, a filha do
carcereiro que o ajuda e salva. O enredo trata, em linhas gerais, da luta do
bem contra o mal, ‘arquétipo’ universal presente nos textos de Dumas e nas
narrativas folhetinescas de um modo geral.
Talvez seja a recorrência de tais arquétipos que tornem, além de
outros lances narrativos, esses textos tão fascinantes, o que permite a
publicação das obras de Dumas até hoje no mundo inteiro, inclusive no
Brasil.
A Tulipa Negra teve grande popularidade aqui. Saiu também por
outras editoras populares brasileiras. Em 1943, foi editada pelas Edições
Cultura, de São Paulo, série ‘Novelas Universais’, sem indicação de
tradutor ou qualquer nota da editora. Apesar de encadernada em brochura,
mantém a capa original ilustrada com ornamentos florais em preto e
branco.
Em 1963, saiu uma edição conjunta de A Tulipa Negra e A Dama das
Camélias (sendo o último romance de autoria de Dumas filho), pela W. M.
Jackson Inc. Editores, coleção ‘Grandes Romances Universais’. A editora
mantinha lojas em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e
81
Recife, demonstrando que era relativamente conhecida e influente à época,
fazendo-se representar em grandes cidades do país de onde sua produção de
livros devia ser escoada para outros centros urbanos regionais. A referida
edição não tem ilustrações, prefácio ou listas no final do volume. Quanto à
iniciativa de publicar ambos os romances em edição conjunta parece um
despropósito por se tratarem de temáticas opostas, mas, por outro lado,
pode ter havido uma tentativa de vincular a popularidade do pai ao nome
do filho.
A Tulipa Negra foi ainda traduzida por Heloísa John para a Editora
Paulicéia de São Paulo, coleção ‘Aventura Paulicéia’, em 1995. A
coordenação editorial foi de Heloísa Prieto e capa de Ettore Bottini. A
edição recebeu o “incentivo da Secretaria Municipal de Cultura de São
Paulo, através da lei no. 10.923/90”. Foram patrocinadores o Colégio
Galileu Galilei, Escola Caravelas, Escola da Vila, Escola Lourenço
Castanho, Logos/ Escola de 1
o
e 2
o
graus. Nas orelhas há uma breve
biografia do autor e uma lista dos livros publicados pela coleção.
Retomando a ‘coleção Saraiva’, seguindo a ordem das publicações
dos textos de Dumas (e de seus antecessores e sucessores na lista), para
tentar se entender mecanismos e critérios da Saraiva no âmbito do
comércio de livros populares no período, o romance editado após a Tulipa
Negra foi A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, no mês de
fevereiro de 1952. Em março, saiu Lucia de Lommemoor de Walter Scott.
A ordem dos autores acima (Dumas, Joaquim Manuel de Macedo e
Walter Scott) diz muito sobre o objetivo dessas casas editoriais (Saraiva e
Clube do Livro) de propiciarem a convivência entre duas vertentes
literárias (a chamada erudita e a popular) direcionadas a um público
popular, em sua maioria, com o propósito de formação continuada.
Na verdade, os autores chamados eruditos, eles próprios, tendem ao
uso da escritura/estrutura dita folhetinesca, o que demonstra que esses
82
limites não estão claros, de modo que a presença, por exemplo, de Dumas,
Joaquim Manoel de Macedo e Walter Scott (por sinal, grande inspirador de
Dumas no desenvolvimento de uma vertente histórica do romance-
folhetim) é explicável e enriquecedora. Tem-se aí uma literatura que já
nasce popularizante e dá lucro.
Aliás, a veiculação de ambas as literaturas (a chamada erudita e a
popular), lado a lado ou em seqüência, foi uma conquista herdada do
folhetim enquanto suporte de divulgação de narrativas, tanto no Brasil
como na França, constituindo-se num espaço democrático por excelência,
de modo que a aproximação semelhante de ambas as vertentes literárias em
livros populares só reforça essa continuidade. Revela também os percursos
da edição do romance no Brasil. O que se percebe ainda é a aposta em sua
leitura enquanto gênero naquele momento, já que não figuram em nenhuma
das listas, em questão, antologias de contos ou de poesias.
Compareceram ainda nestas listas escritores famosos de nossa
literatura, como José de Alencar, Machado de Assis, Bernardo Guimarães,
Orígenes Lessa, Afonso Schmidt, entre outros. Quanto aos estrangeiros,
havia também grandes nomes: Balzac, Dostoiévski (aliás, nos romances de
Balzac e Dostoiévski há muito de narrativa folhetinesca), Camilo Castelo
Branco, Júlio Diniz. Considerando aí alguns autores populares,
folhetinistas, além de Dumas, Eugênio Sue e Paul Féval; os não
folhetinistas, mas populares, Walter Scott e Julio Verne. Em virtude da
quantidade de traduções, nota-se a existência de um projeto tradutório
quase que sistemático da editora Saraiva, via uma de suas coleções mais
importantes e populares.
Em linhas gerais, a distribuição das obras, nas respectivas listas,
apresenta também uma zona de fronteira constante entre a chamada
literatura “culta” e a popular aí transmitidas em livro popular. Não há como
83
dizer quando uma acaba e a outra começa a ser divulgada. Ambas
convivem juntas nesse projeto de leitura.
Marlyse Meyer, no que se refere à publicação de romances-folhetins
em jornais brasileiros no passado, chama atenção para a mistura ou quase
ausência de fronteiras entre a publicação do folhetim-romance e a chamada
literatura erudita circulando em grandes jornais noticiosos no Brasil.
Segundo a autora, “nem a cor política, nem a visão ‘culta’ dos seus críticos
oficiais, nem a presumida classe social de seus leitores e assinantes [dos
jornais] impediam a constância da publicação de um “mau” gênero. E mais:
não se hesita em misturá-lo com os “bons” autores (Folhetim, p. 381). Ou
seja, o romance-folhetim, no caso brasileiro, sempre foi veiculado tanto na
grande imprensa e portanto lido por aqueles que representavam as classes
dominantes, como pela imprensa popular. Quando Marlyse fala em ‘bons’
autores está se referindo aos tidos como ‘cultos’ que eram editados ao lado
dos populares, os pertencentes à ‘literatura de segundo time’, como Dumas
e seus colegas, por exemplo, isso com relação ao Brasil. É por essa razão
que consideramos o folhetim, no âmbito da cultura brasileira, como um
espaço democrático. No caso da França, foram demarcados limites entre a
grande e a pequena imprensa, devendo o folhetim-romance se restringir,
em geral, às páginas da imprensa popular, mesmo que “o leitor burguês
continuasse a devorar Rocambole et caterva”, segundo Marlyse.
No Brasil do século XX, através das atividades editorias da Saraiva e
do Clube do Livro, numa nítida recorrência a modelos culturais, vê-se
repetir a tênue noção de fronteira quanto à divulgação simultânea de
literatura popular e a chamada erudita em livro popular, repertório que
certamente foi lido também pelas classes mais abastadas da sociedade.
O terceiro romance de Dumas, publicado pela ‘Coleção Saraiva’ é
Os Irmãos Corsos, número 76, em outubro de 1954. Ele próprio é o
narrador. Conta a história a partir de uma viagem que teria feito à Córsega,
84
por volta de 1853. Ali conheceu uma família tradicional, com longa história
de vinganças, em cuja casa se hospedou. Embora aquela geração não
estivesse mais envolvida em contendas. Pelo contrário, Luciano, um dos
filhos da Sra. Savília de Franchi no momento se ocupava de reconciliar
duas famílias (Colona e Orlandi) que há dez anos se enfrentavam.
O outro filho de Savília se chamava Luís, era advogado, residia em
Paris, e irmão gêmeo de Luciano. Dumas diz que o conheceu, tornou-se seu
amigo e o viu morrer num duelo com o Sr. Chateau-Renault, por causa do
amor de uma mulher. Para vingar a morte do irmão, Luciano desafia
Renault para um duelo, assassinando-o. Os assuntos abordados no romance
são tensos e tratados como autênticos pelo autor, não se sabe até que ponto.
A história estaria inclusa na ‘tipologia viagens’, uma nomenclatura que se
estabeleceu neste trabalho para suas obras criadas, a partir de tais
influências ‘concretas’. O autor maneja com habilidade o inverso do que
seria um ‘arquétipo universal’: na narrativa em questão os irmãos gêmeos
não são rivais.
Tais episódios são opostos aos narrados na edição infantil publicada
pela editora Melhoramentos, cujos temas são o ódio entre famílias rivais (a
própria família Franchi e a Guidice), gerando uma série de terríveis
vinganças, e a disputa entre os irmãos gêmeos e protagonistas pelo amor de
uma donzela, demonstrando um sensível processo adaptativo na passagem
para o texto infantil. Nesse caso, são tópicos ligados a arquétipos que
transformam a história numa emocionante trama folhetinesca, “construção
assentada em topoi, os gêmeos diferentes e o ódio que se fortalece, nas
tramas sucessivas”
1
.
O Salteador, número 85, é traduzido em julho de 1955 e Othon, o
arqueiro, número 94, em abril de 1956. O Salteador retoma motivos
1
Cf. texto “Das águas da memória aos romances de Milton Hatoum – evocação e transferência de
culturas” de Jerusa Pires Ferreira (no prelo).
85
históricos do reino de Carlos I da Espanha para contar a história de degredo
de Fernando, jovem pertencente a uma família aristocrática do país, que
assassina o cunhado e dois oficiais, em legítima defesa, por causa de um
relacionamento amoroso que deveria terminar em casamento, em reparação
à honra da donzela (motivo romântico), mas que por um mal entendido,
acabou em tragédia. Pelos crimes ele passou a ser procurado, refugiando-se
nas montanhas onde se tornou chefe de um grupo de salteadores e também
bandido.
Percebe-se a perícia de Dumas em inserir motivos históricos em suas
obras como pretexto para desenvolver uma história paralela genuinamente
folhetinesca. No decorrer da trama de O Salteador ele esclarece que está no
curso de uma viagem à Espanha, e que a idéia do enredo surgiu após ver
uma estátua de um rei, em praça pública, diante de um palácio... O
depoimento sugere que havia toda uma pesquisa documental de sua parte
para criar estas tramas. Só a visão de uma estátua não seria suficiente para
tamanho desdobramento narrativo. Claro que o fator imaginação também
comparece na urdidura de tais enredos nos quais abundam técnicas
folhetinescas.
Conforme as listas da ‘coleção Saraiva’, as obras de outros
folhetinistas franceses como Paul Féval e Eugène Sue começam a ser
publicadas em 1956. Em fevereiro e março de 1956, sai os Mistérios de
Londres de Paul Féval, um volume a cada mês, antecedendo a publicação
de Othon, o arqueiro de Dumas, lançado em abril do mesmo ano. O
Comendador de Malta de Sue foi publicado em outubro de 1957.
Os Três Mosqueteiros, um dos clássicos da obra de Dumas, também
saiu em três volumes pela ‘coleção Saraiva’ (formato18 x 11,5 cm, no.
201).
Não é nossa tarefa neste trabalho fazer um estudo das traduções das
obras do autor. Apenas, para ilustrar tal aspecto, foi feito um cotejo entre a
86
respectiva edição da Saraiva de Os Três Mosqueteiros, uma da Ediouro de
2004 (‘integral’), com uma edição popular francesa ‘integral
2
, verificando-
se que as duas traduções brasileiras seguem de perto a edição francesa.
Foram publicadas sem cortes. Ambas são completas em relação à obra em
francês consultada. Em texto de orelha, a Saraiva reforça que a tradução de
Os Três Mosqueteiros “é absolutamente fiel ao texto de seu autor. Baseada
em edição original e integral, o aplaudido romance de Alexandre Dumas é,
ainda enriquecida de interessantes e informativas anotações, devidas ao
tradutor Octávio Mendes Cajado”.
A iniciativa da Saraiva em afirmar que respeitou o texto original da
obra, não efetuando cortes, é uma maneira de não só reiterar compromisso
para com o público editando repertório traduzido ‘integral’, mas ganhar
prestígio (e leitores!), já que era/e são comuns no país adaptações ou
condensações que mutilam os textos originais. Quando se trata de obras de
circulação em massa para adultos, creio que acaba prestando um desserviço
ao leitor, já que ele terá acesso a um conteúdo fragmentado, e que talvez
não tenha possibilidade futura de lê-lo numa versão mais completa.
A requintada edição de Os Três Mosqueteiros da Ediouro (2004)
tem formato (16 x 24 cm), capa dura e ilustrada. Nas orelhas se encontra
uma síntese sobre a obra e a vida do autor. Aliás, nos últimos anos, os
principais romances de Dumas têm circulado em edições de luxo. Nota-se
principalmente uma tentativa da própria Ediouro de se lançar no comércio
de livro de luxo, já que sempre se dedicou ao mercado editorial popular.
A edição apresenta padrão gráfico de qualidade e organização, com
margens largas, letras legíveis, numeração de capítulos e seus respectivos
títulos em caixa baixa e alinhados à esquerda da página. Para valorizar a
apresentação do livro e facilitar sua leitura, os títulos dos capítulos são
2
Les Trois Mousquetaires. Présenté par Roger Nimier. Paris: Librairie Génerale Française, 1961. 691
pages.
87
separados por largos espaços do início do texto. Não há capítulo iniciando
em resto de página do anterior. Todas as formas de disposição do texto
visam à sua boa apresentação. São aspectos, entre outros, que a diferencia
de uma edição popular.
Enquanto a Ediouro publicou Os Três Mosqueteiros em volume
único, com 624 páginas, o clássico saiu pela ‘coleção Saraiva’ em três
volumes, com cerca de 180 páginas cada. O cotejo com a edição francesa
confirmou que ambas são ‘integrais’ em relação à francesa consultada.
Graficamente, o livro francês não difere das edições populares brasileiras
várias vezes comentadas aqui: formato de livro de bolso (10 x 16 cm), capa
ilustrada e colorida (com as figuras dos personagens); a edição traz lista de
outras obras de Dumas no verso da folha de rosto e catálogo de outros
livros populares franceses. Permanecem características gráficas, como
letras pequenas e aproveitamento sistemático de espaços de páginas, para
economizar papel. Enfim, recursos típicos do livro popular que apresentam
semelhanças na França e aqui.
No cotejo das três edições se percebe que os mesmos capítulos se
mantêm, e a obra permanece sem cortes nas duas traduções brasileiras.
Acontecem apenas pequenas inversões sintáticas e a troca de alguns
vocábulos por sinônimos, sem comprometer o sentido geral do texto.
Seguem exemplos de alguns trechos de capítulos de Os Três Mosqueteiros
pela Ediouro, na ‘coleção Saraiva’ e numa edição francesa:
1º parágrafo da obra (Os Três Presentes do Sr. D’Artagna pai) nas três
edições:
Edição francesa
Le premier lundi du mois d’avril 1625, le bourg de Meung, où naquit l’auteur
du Roman de la Rose, semblait être dans une révolution aussi entière que si les
huguenots en fussent venus faire une seconde Rochelle. Plusieurs bourgeois, voyant
s’enfuir les femmes du côté de la Grand-Rue, entendant les enfants crier sur le seuil des
portes, se hâtaient d’ endosser la cuirasse et, appuyant leur contenance quelque peu
88
incertaine d’un mousquet ou d’une pertuisane, se dirigeaient vers l’hotellerie du Franc
Meunier, devant laquelle s’empressait, en grossissant de minute em minute, um groupe
compact, bruyant et plein de curiosité” (Les Trois Mousquetaires, 1960, p. 11).
Ediouro
Na primeira segunda-feira de abril de 1625, o burgo de Meung, onde nasceu o
autor do Romance da Rosa, parecia achar-se numa revolução tão completa como se os
huguenotes tivessem chegado para realizar uma segunda Rochelle. Vários burgueses,
vendo as mulheres fugirem para os lados da Grande-Rue, ouvindo as crianças
chorarem na soleira das portas, apressaram-se a vestir a couraça e, reforçando o
anônimo um tanto inseguro com a ajuda de mosquete ou de uma alabarda, dirigiram-se
à estalagem do Franc Meunier, diante da qual se comprimia, engrossando de minuto a
minuto, um grupo compacto, ruidoso e cheio de curiosidade” (Os Três Mosqueteiros,
Ediouro, p. 11).
Edição da ‘coleção Saraiva’
Na primeira segunda-feira do mês de abril de 1625, a vila de Meung, onde
nasceu o autor do Romance da Rosa, parecia encontrar-se numa revolução tão
completa como se os huguenotes lá tivessem ido fazer uma segunda Rochela. Vendo que
as mulheres fugiam para os lados da Rua Principal, ouvindo gritarem as crianças na
soleira das portas, vários burgueses se apressavam em vestir a couraça e, reforçando a
postura algo incerta com um mosquete ou uma partazana, se dirigiam para a
hospedaria do Franc Meunier, diante da qual se agita, aumentando de um minuto em
minuto, um grupo compacto, ruidoso e cheio de curiosidade” (Os Três Mosqueteiros,
Saraiva, p. 1).
Capítulo VII - “L’intérieur des Mousquetaires” – 1º. Parágrafo
Edição francesa
Lorsque d’Artagnan fut horsdu Louvre, et qu’il consulta ses amis sur l’emploi
qu’il devait faire de sa part des quarante pistoles, Athos lui conseilla de commander un
bon repas à la Pomme de Pin, Porthos de prendre un laquais, et Aramis de se faire une
maîtresse convenable.
Le repas fut execute le jour même, et le laquais y servit à table. Le repas avait
été commandé par Athos, et le laquais fourni par Porthos. C’était in Picard que le
glorieux mousquetaire avait embauché le jour même et à cette occasion sur le pont de
la Tournelle, pendant qu’il faisait des ronds en crachant dans l’eau”.
Edição da Ediouro
Quando d’Artagnan se viu fora do Louvre e consultou os amigos sobre o
emprego que devia fazer de sua parte das quarenta pistolas, Athos o aconselhou a
encomendar um bom banquete no Pomme de Pin, Porthos, que tomasse um criado, e
Aramis, que arrumasse uma amante conveniente.
O banquete foi realizado no mesmo dia e o criado serviu a mesa. O banquete
fora encomendado por Athos, e o criado, fornecido por Porthos. Era um picardo que o
89
glorioso mosqueteiros havia contratado naquele mesmo dia na ponte de Tournelle,
enquanto fazia rondas e cuspia na água”. (p. 78)
Mesmo trecho na ‘coleção Saraiva’
Quando d’Artagnan saiu do Louvre e consultou os amigos sobre o emprego
que devia dar à sua parte das quarenta pistolas, Athos aconselho-o a encomendar um
bom jantar na Pomme de Pin, Porthos a tomar um criado e Aramis a arranjar uma
amante decente.
O banquete realizou-se no mesmo dia, e o criado serviu à mesa. O primeiro fora
encomendado por Athos, e o segundo, fornecido por Porthos, era um picardo que o
glorioso mosqueteiro descobrira naquela dia, e muito a propósito, sobre a Ponte de
Tournelle, dando voltas e cuspindo na água” (p. 89, 1 volume).
Cecília
3
de Dumas sai em abril de 1966, no. 214 da ‘coleção
Saraiva’, com 184 páginas. Augusto de Sousa assina a tradução, aliás, de
todos os romances de Dumas publicados pela referida coleção. Trata-se de
um romance-folhetim com fortes características do Romantismo,
destacando-se o tema do suicídio. A heroína é uma moça frágil, com
feições pálidas, cercada de cuidados. De origem francesa, deixou o país
ainda criança, com a mãe e a avó durante os anos de Revolução para
viverem em Londres. Quando jovem, se apaixona por Eduardo, amigo de
infância e sobrinho de sua madrinha. Oficial do exército, ele parte em
missão para a América do Sul e contrai febre amarela vindo a falecer no
navio. Inconformada, Cecília embarca clandestinamente num navio e se
suicida no mesmo ponto onde o corpo do rapaz fora lançado ao mar meses
antes.
O projeto editorial da ‘coleção Saraiva’ reservou sistematicamente as
orelhas dos livros à apresentação da obra lançada e da publicação seguinte.
Do texto que o editor escreve sobre Dumas, na primeira orelha do romance
Cecília, destaca-se o fragmento em que o crítico literário francês Albert
3
Como já foi dito, este trabalho não está voltado para o estudo tradutório, mas um cotejo entre a tradução
do romance Cecília pela ‘coleção Saraiva’ e uma edição popular francesa (s/d) revelou que não houve
cortes ou alterações na tradução brasileira. Isso pode indicar que a Saraiva, nas traduções dos romances
de Dumas, seguia os textos originais, sem efetuar cortes ou adaptações. Mas a comprovação só poderá ser
confirmada através de um estudo comparativo de todas as traduções do autor com os originais franceses.
Portanto, matéria para possível pesquisa futura.
90
Thibaudet sugere que a capacidade de narrar do folhetinista permitiu que
ele escrevesse uma obra extensa e inventiva semelhante às As Mil e uma
Noites, talvez em referência também à idéia de contínuo textual do texto
árabe.
“Albert Thibaudet afirmou que foi Dumas, com sua pinta de sangue africano,
quem escreveu as Mil e Uma Noites Ocidentais, ideal suspirado por Balzac. De tal
modo gostava de narrar que, certa vez, declarou: “Não temo a morte. Ela me será
suave, porque lhe contarei uma história.
A Conquista de Nápoles de Dumas (no. 224 da coleção) é de 1967.
Saiu em quatro volumes. Trata-se de uma série também de tema histórico.
Tem continuidade em Emma Lyonna (ou San Felice), em cinco volumes,
número 244 da “coleção Saraiva”, editada no ano seguinte. A continuidade
sugere que o editor teve a devida atenção de publicar em seqüência os
respectivos romances do autor, ao se deparar com uma série, com o
objetivo de não provocar confusão entre o público. Mas, em nenhum
momento, menciona que se trata de uma série.
Na verdade, com a publicação da série, em formato de brochura, a
‘coleção Saraiva’ disponibilizava para o leitor brasileiro do período um
modelo de criação massiva de enredos (a série) típico da cultura de massa
dos primeiros momentos do romance-folhetim na França, ganhando força
nos anos seguintes. Parece ter sido o modo textual concreto (e aí inclusas as
próprias técnicas folhetinescas) do escritor/contratado criar histórias em
forma de fluxo contínuo. É possível que a Saraiva tenha se inspirado na
experiência desse tipo de publicação (a série a Conquista de Nápoles) para
editar mais tarde a extensa série ‘Memórias de um Médico’ citada adiante.
Isso seria uma das razões para o editor iniciar quase na mesma época
(finais da década de 50 do século passado) outro projeto de tradução das
obras de Dumas considerado audacioso, inclusive com direito à coleção
específica do autor, Romances de Alexandre Dumas.
91
Nas orelhas de A Conquista de Nápoles são divulgadas duas espécies
de resenhas. Na primeira, sobre o contexto histórico no qual a obra foi
escrita. A segunda fala do livro Ermitão de Muquém, de Bernardo
Guimarães. Em geral, são textos consistentes, em temos de informações
suplementares trazidas ao leitor. Percebe-se que tinham função pedagógica.
Trazem ainda dados significativos sobre processos de produção e
popularidade dos textos. Em trecho de São Cipriano: uma legenda de
massas, Jerusa Pires Ferreira chama a atenção para a riqueza de textos
secundários, a exemplo dos aqui citados: “os prefácios constituem um dos
importantes capítulos da edição popular. Através da leitura atenta, várias
informações importantes são detectadas” (São Cipriano: uma legenda de
massa, p. 9).
Fica evidente o esforço do editor em instruir o leitor sobre o contexto
da obra A Conquista de Nápoles utilizando os textos de orelhas (supõe-se
que é um dos primeiros trechos a ser lido numa obra). Em sua concepção,
talvez a leitura não fluísse tão rápida, em virtude da excessiva referência a
fatos históricos (tema da narrativa). Por isso, tal texto introdutório
auxiliaria nesse sentido:
A CONQUISTA DE NAPÓLES
Intrigas políticas conduzidas por Maria Carolina da Áustria, esposa de
Ferdinando, rei de Nápoles, e irmã de Maria Antonieta, recentemente guilhotinada
pelos republicanos franceses, levam à guerra Nápoles e França. Esse o ambiente
histórico do romance de Alexandre Dumas agora dado a ler em tradução brasileira.
Romance que abrange o período do Diretório que decorre entre os anos 1798 a 1800.
Os fatos históricos dominantes do enredo são a conquista de Nápoles pelo General
francês Champlonnet e a restauração do Rei Ferdinando pelo Cardeal Fabrizio Ruffo.
(...) Romance histórico, mas também político, A Conquista de Nápoles, revela o
pânico de que as aristocracias foram tomadas com o triunfo da Revolução Francesa e a
propagação, pelo mundo, das suas idéias igualitárias e subversivas, pois pregavam a
substituição da classe dominante – a aristocrática – pela burguesia ascendente e
vitoriosa numa nação chave da Europa. O pavor de Maria Carolina leva-a a alianças
que, descontentando os franceses, principalmente a feita com a Inglaterra, tornam
inviável o conflito com a República gaulesa.
(...) O romance descreve, vivamente, as lutas entre os republicanos de Nápoles e
seys aristocratas, a ação repressiva policial do reino, as torturas a que eram
submetidos os revolucionários, a corrupção da corte, os seus atos de violência e
92
desespero para sobreviver, as intrigas e compromissos de Maria Carolina, que
dominava o Rei.
As informações trazidas com esta história da edição vêm anunciar,
para além do mês, ano, título, autoria, número de volumes, uma visão de
maior proximidade ao que se apresentava tão forte como proposta de
edição e ao mesmo tempo de atuação de editoras populares como Saraiva,
Clube do Livro, além de outras citadas no decorrer do trabalho.
Demais coleções da Saraiva que publicaram romances de Dumas
‘Coleção Jabuti’
Não se sabe ao certo quando foi criada. Ao que parece, circulou no
mesmo período da ‘coleção Saraiva’ possivelmente por tempo reduzido.
Tal afirmação se dá com base nas curtas listas que foram localizadas no
final de alguns volumes e dos poucos livros pertencentes à série,
encontrados em sebos e bibliotecas. Nesse caso, a escassez de materiais
pode ser indício de sua curta permanência no mercado editorial brasileiro.
A logomarca da coleção, como o próprio título sugere, retrata um
jabuti (de chapéu) que caminha sobre a página, estampado no canto inferior
esquerdo da capa e no centro da quarta capa.
Projeto também popular, acompanhou a mesma linha editorial da
‘coleção saraiva’ quanto a publicar literatura chamada erudita e popular.
São brochuras com mesmo formato da ‘coleção Saraiva’ (11,5 x 18 cm).
Têm características gráficas semelhantes: tipos pequenos, cabeços
contendo nome do autor título da obra, espaçamento simples, orelhas, em
virtude da própria natureza popular do produto e por pertencer à mesma
editora. Constam ainda o uso de capitulares e a preocupação com a
economia de espaço: o início de novo capítulo se dá na mesma página onde
foi finalizado o anterior.
93
A folha de rosto da referida coleção traz pequena inovação: os dados
são apresentados numa discreta moldura para embelezar o projeto visual.
Ambas as coleções (Saraiva e Jabuti) capricharam nas lombadas,
veiculando as informações básicas da obra, tais como nome do autor e da
coleção, título, volume, e número da obra na coleção, permitindo que o
leitor a identificasse em qualquer prateleira ou estante, sem dificuldades.
A coleção ‘Jabuti’ teve ainda Nico Rosso como ilustrador das capas.
São pequenas ilustrações evocando algum aspecto narrado do texto,
inseridas em molduras pretas, cujo efeito visual se aproxima muito de uma
fotografia num pequeno porta-retratos (talvez uma sutil referência à técnica
já popular no período). Logo abaixo, num retângulo negro, aparecem nome
do autor e título da obra (em branco) para efeitos de destaque e no rodapé o
título da coleção em letras garrafais. Dada a simplicidade e até a timidez do
projeto de capa da ‘Jabuti’ em relação ao da ‘coleção Saraiva’, ambos
assinados por Nico Rosso, parece que o trabalho do ilustrador para a
‘Jabuti’ foi uma espécie de laboratório que teria impulsionado (depois ou
ao mesmo tempo) a criação das capas da ‘coleção Saraiva’, tendo em vista
a desenvoltura, a qualidade e a beleza do amplo conjunto, o que sugere
também ser uma produção de fase mais madura do desenhista.
Porém, dentre os romances de Dumas publicados pela coleção
‘Jabuti’, encontrou-se uma pequena exceção. A única edição do autor que
não se percebe uma economia excessiva de espaço é Os Irmãos Corsos
(1961). A começar pelo uso de tipos maiores. Também cada capítulo é
iniciado em página independente, sem aproveitamento de restos de espaço
da anterior, e com deslocamento do primeiro parágrafo em relação ao
cabeçalho, trazendo um efeito de melhoria do aspecto visual da edição. É
possível que as sutis mudanças editorias tenham se dado aos poucos e num
momento em que a editora devia estar repensado a apresentação de suas
coleções, procurando tornar agradável visualmente cada página e, por
94
conseguinte, a edição. E num projeto a longo prazo, o livro popular aí
produzido.
Com tradução de Ondina Ferreira, O Salteador foi publicado em
1961, pela coleção Jabuti, no. 28, com 218 páginas. Os romances de Dumas
Nero, Os Irmãos Corsos e Othon, o archeiro saíram também pela coleção.
Percebe-se no respectivo ‘catálogo’ que havia o mesmo propósito do editor
de publicar literatura nacional e estrangeira (popular e a chamada erudita).
Estava em causa o incentivo à leitura do público popular, com a edição de
obras literárias em formato de livro de bolso a baixo custo, visando
democratizar a leitura no país. Desta coleção se verificou, em lista anexa ao
livro O Salteador de Dumas, que foram publicadas as seguintes obras até
1961:
1. A Ladeira da Memória, de José Geraldo Vieira
2. Cimarran, de Edna Ferber
3. A Borboleta Azul, de Afonso Schmidt
4. Quo Vadis?, de Henryk Sienkiewiez. 2 v.
5-6.Saltimbancos, de Afonso Schmidt
7. Bola de Sebo e outras Histórias de Guy de Maupassant.
8. O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.
9. A Noite de São Bartolomeu, de Próspero Merimée
10. A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho
11. O Tronco do Ipê, de José de Alencar
12. As Testemunhas da Paixão, de Giovani Papini.
13-14. Contos de Shakespeare, de Charles e Mary Lamb
15. Senhora, de José de Alencar
16. Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco
17. O Professor Jeremias, de Leo Vaz
18. No Sertão do Araguaia, de Hermano Ribeiro da Silva
19. O Recruta de Napoleão, de Erckmann Chatrian
20. O Amigo Fritz, de Erckmann-Chartrian
21. Nero, de Alexandre Dumas
22. A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo
23. Os Irmãos Corsos, de Alexandre Dumas
95
24. O Salteador, de Alexandre Dumas
25. Othon, o arqueiro, de Alexandre Dumas
26. Iracema, de José de Alencar
Coleção ‘Romances de Alexandre Dumas da Saraiva
Aliás, é preciso ressaltar o extraordinário empenho da editora Saraiva
na divulgação da literatura em geral, no período estudado, ao abrigo de um
projeto de leitura para o povo, conforme já discutido. A obra de Dumas é
publicada em três coleções quase simultâneas da editora (‘Saraiva’, ‘Jabuti’
e ‘Romances de Alexandre Dumas’).
Pode-se dizer que ‘Romances de Alexandre Dumas’ foi editada em
homenagem ao autor, por lhe ser toda dedicada, o que indica sua grande
popularidade no Brasil. Dessa vez a literatura folhetinesca de Dumas não
dividiu espaço na respectiva coleção com obras literárias de outros autores,
a exemplo da ‘coleção Saraiva’ e ‘Jabuti’’. Abrigou três séries através das
quais saíram extensos romances em mais de um volume. O fato de uma
editora como a Saraiva abrir uma coleção como a ‘Romances de Alexandre
Dumas’ para publicar grandes séries dele demonstra, em primeiro lugar, a
popularidade do autor no país que, pelo visto, não foi interrompida desde o
século XIX e, claro, a Saraiva resolveu investir nesse filão.
Por outro lado, a exclusividade do autor numa coleção tão ampla
demonstra ainda que havia um público com interesse específico na
literatura folhetinesca de Dumas. A extensão dos volumes da série sugere
um direcionamento dos textos a um público adulto e fiel, leitor de romance-
folhetim acima de tudo. Por exemplo, é difícil imaginar um adolescente
lendo de três a seis volumes de um único romance. Além do adulto, acho
que as coleções anteriores da editora (‘Saraiva’ e ‘Jabuti’) apresentavam
perfis de leitura para jovens e adolescentes.
96
Como já disse, a coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’
subdivide-se em séries, bem cuidada editorialmente. Os projetos gráficos,
ao contrário dos formatos de livro de bolso das ‘coleções Saraiva’ e
‘Jabuti’, foram realizados de modo mais clássicos e indicavam requinte de
acabamento. Alguns vinham em capa dura.
São as seguintes séries pertencentes à coleção citada:
Série D’Artagnan
Os Três Mosqueteiros (3 volumes)
Vinte Anos Depois (3 volumes)
O Visconde de Bragelonne (6 volumes)
Série Robin Hood
4
Aventuras de Robin Hood
Robin Hood, o Proscrito
Série Memórias de um Médico
José Bálsamo (4 volumes)
O Colar da Rainha (2 volumes)
Ângelo Pitou (2 volumes)
A Condessa de Charny (4 volumes)
O Cavaleiro da Casa Vermelha
Enquanto as coleções ‘Saraiva’ e ‘Jabuti’ publicaram adaptações de
alguns romances de Dumas, em brochuras que quase nunca ultrapassavam
200 páginas, cada título da coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’ saiu
em mais de um volume, com no mínimo 400 páginas (em formato de livro).
O editor diz se tratar de tradução na íntegra dos originais em francês.
4
Os romances pertencentes à sérieRobin Hood’, Aventuras de Robin Hood e Robin Hood, o Proscrito,
não foram localizados, embora figurem nas listas da coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’.
III - Capa da Coleção Romances de Alexandre Dumas, Saraiva, 1957
98
Pelas mudanças editoriais significativas na produção da série se
percebe que a leitura da obra do autor já estava consolidada no país, como
um dos clássicos da literatura francesa. Por outro lado, a leitura dos grandes
volumes das aventuras folhetinescas das ‘Memórias de um Médico’ poderia
levar meses. Sem contar, que deviam custar mais caro, em relação ao preço
das brochuras comercializadas pelas coleções já citadas.
As séries de Dumas
Ao que parece, a escritura em série (talvez para dar a idéia de fluxo
contínuo) era o modo de construção de romances preferido por Dumas, e
também tem a ver com o contexto de massificação da literatura do período.
Marlyse Meyer opina sobre o modelo de publicação, que teria surgido com
o desenvolvimento do romance-folhetim, na França:
O ciclo ou a série é outra novidade da época: o leitor que espera de um dia
para o outro sua ração cotidiana já pode enfrentar o fatídico fim sem susto: seu herói
haverá de voltar em outra série de aventuras. O romancista deixa de ser visto como seu
pai criador e passa a ser um fabricante de produto de mercado. Sensíveis ao gosto
geral, pelo romance “moderno”, que agora já invadiu até as áreas rurais, suplantando
o velho texto de narrativas tradicionais do “colportage”, os editores vão criar novas
formas de divulgação” (Folhetim, 1996, p. 96).
Ao analisar a ‘série Rocambole’, Marlyse fala da incapacidade de se
resumir as aventuras do herói, classificando-a de ‘selva romanesca’. Diz
que corremos o “sério risco de nela se embrenhar pela própria narrativa, a
qual acabará sendo, pela enormidade e fugacidade do objeto, iterativa,
redundante, fragmentada, um inevitável folhetim em suma, comentário
antes do que crítica, e sem o encanto da descabelada ficção que a suscitou.
É arriscar”. (Folhetim, p. 130).
Por sua vez, Lotman denomina a série como fenômeno ‘cíclico dos
textos’, que pode ser uma tendência natural do gênero ‘novela’ ou
conseqüência de decisões de editores quanto a juntar textos, o que para “os
leitores comparecem como totalidades reais” (Semiosfera I, p. 70). A
99
construção em série do romance-folhetim surgiu em função das dezenas de
capítulos escritos para o jornal diário, facilitando depois a reunião em
livros. Portanto, um modo de escritura típica da cultura de massa do
período. A construção do romance pensada em série era a garantia de que o
jornal teria o fornecimento de capítulos diários de histórias folhetinescas,
por um longo prazo.
A estratégia de publicação em série surgiu à medida que o romance-
folhetim foi se desenvolvendo na França, visando divulgar grandes enredos
que deviam perdurar em vários volumes, alimentando os jornais da época.
Tal projeto era empreendido por autor do gênero que demonstrasse exímia
perícia no emprego de técnicas folhetinescas para prender os leitores por
vários meses. E Alexandre Dumas, sem dúvida, foi o maior de todos.
Marlyse, ao se referir à série de Rocambole, diz que Ponson du Terrail, o
criador do herói, não tinha tanta habilidade para tal empresa, mas por outro
lado, não hesitava em copiar o modelo de grandes representantes da fase do
‘folhetim romântico’, como Eugène Sue, Balzac e Dumas, para não perder
os lucros oriundos dos novos modos da publicação.
Na verdade, é um desafio acompanhar o desenrolar de uma série de
romances repletos de peripécias, suspenses e cortes de capítulos em
momentos de maior curiosidade, como o romance-folhetim. Trata-se de um
trabalho árduo e, como Marlyse colocou, há sempre o risco de se perder
numa ‘selva romanesca’, dado o caráter fragmentado e ritmo desordenado
dos enredos.
Na França, no início do século XX, alguns elementos da estética do
romance-folhetim já haviam influenciado um novo tipo de gênero, o
roman-fleuve. Do ponto de vista de algumas características, a série
‘Memórias de um Médico’ tem grandes semelhanças com esse tipo de
romance, o que deixa claro que antes de receber tal denominação os
elementos do roman-fleuve já estavam presentes no processo de construção
100
do romance-folhetim. Em linhas gerais, pensados e escritos em fluxo para
prender o leitor por mais tempo, os enredos como os próprios tempos
narrativos deixam de ser lineares, em ambos os tipos de romances. Ao
contrário, a “ação de múltiplos vetores, é lenta, difusa e algumas vezes
caótica se propaga por tempo indeterminado”. Segundo o crítico Vítor
Manuel de Aguiar e Silva, nos enredos do roman-fleuve, “não se pretende
apenas captar a duração e a textura de uma experiência individual, mas a
duração, sobretudo, de uma experiência coletiva, quer de uma família, quer
de um grupo social, quer de uma época. Do entrelaçamento e da
concomitância de numerosos fatos, acontecimentos, violências individuais,
etc. resulta a pintura ampla e minudente da totalidade da vida”.
E continua: “a ação romanesca dessas obras, com efeito, representa a
vida no seu fluir vasto, lento e profundo, como se tratasse de um amplo rio
que corresse por variegadas terras e onde confluíssem desencontradas
águas”. Diz ainda que o intuito de transformar o gênero romance “na
pintura gigantesca, na sinfonia épica de uma sociedade, é originalmente
balzaquiana”.
5
De acordo com os aspectos do roman-fleuve expostos acima, pode-se
dizer que nos vários volumes da série ‘Memórias de um Médico’ encontra-
se a tentativa audaciosa do escritor Dumas de “criar uma pintura
gigantesca” da monarquia francesa nos séculos XVI e XVII, da sociedade
francesa da época como um todo e, em recortes mais específicos, da família
real em sua intimidade.
Tratou-se, na verdade, de um projeto de escritura ambicioso e bem
sucedido. A própria característica de não-linearidade do romance-folhetim,
mais tarde, compartilhada também pelo roman-fleuve, o qual se serve da
metáfora do rio para definir um fluxo contínuo de enredos, movente e
5
Vitor Manuel Aguiar e Silva/ Teoria da Literatura: Edições Globo: Portugal: 2002, p. 732. Cf. também
‘Du roman-fleuve litteráire au roman-fleuve populaire: avatars de la série. In: De L’Écrit à L’Écran, p.
271-280.
101
estendido no tempo, certamente foram requisitos criativos para Dumas
escrever um conjunto de romances tão importantes para a história do
romance-folhetim e para sua obra.
Série D’Artagnan
Os Três Mosqueteiros saiu em dois volumes, em 1953, pela Editora
Saraiva. No mesmo ano foram publicados os três volumes de Vinte Anos
Depois, todos com tradução de Octávio Mendes Cajado para a coleção
Romances de Alexandre Dumas, já anunciando O Visconde de Bragelonne.
Nesta edição de 1953, não há prefácios ou notas do editor em nenhum dos
títulos da coleção, com exceção dos textos de orelhas nas sobrecapas.
O romance Vinte Anos Depois (de 1953) pela Saraiva, coleção
‘Romances de Alexandre Dumas’, apresenta uma capa tipográfica bege,
com letras pretas. O conjunto não traz nenhum atrativo. É possível que toda
coleção do autor tenha tido o mesmo acabamento no período, já que se
localizou também uma edição de Ângelo Pitou da série ‘Memórias de um
Médico’ de 1953, com o mesmo tipo de capa. Trata-se de uma solução já
ultraprassada na década de 50 do século passado, tendo em vista todo
esforço de Monteiro Lobato nos anos 30 para editar capas coloridas e
ilustradas.
A novidade da edição citada de Vinte Anos Depois da Saraiva (1953)
está na sobrecapa colorida e ilustrada preservada após tantos anos, trazendo
texto de orelha sobre a obra. A existência de tal aparato gráfico pode ter
sido uma tentativa de inovação, inserindo um recurso (meio descartável)
para proteger o livro. Por outro lado, levando-se em consideração a
fragilidade de cada invólucro, podendo se danificar com o constante
manuseio, restariam apenas as pouco atrativas capas tipográficas beges. Jan
Tschichold (A Forma do Livro) critica os cuidados excessivos dispensados
à criação de sobrecapas, em detrimento das capas:
102
A sobrecapa é antes de tudo um pequeno cartaz, um chamariz, onde cabe muita
coisa que seria inconveniente nas páginas do próprio livro. É uma pena que a capa, a
verdadeira veste do livro, seja tão frequentemente negligenciada em favor da
multicolorida sobrecapa de hoje. Talvez por esta razão muita gente tenha incorrido no
mau hábito de guardar livros na estante ainda metidos nas respectivas sobrecapas. Eu
poderia entender isto se a capa fosse mal delineada ou mesmo repulsiva. Mas,
geralmente, as sobrecapas de livros pertencem à cesta para papéis usados, como os
maços vazios de cigarro
(A Forma do Livro, p. 34).
Ao que parece, a Saraiva tentou inovar produzindo uma sobrecapa
ilustrada para a coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’, talvez com a
função de cartaz como lembra Tschichold. Mas negligenciou ao criar capas
tipográficas para toda coleção, num momento de grande preferência por
capas ilustradas. O editor poderia ter pensado num conjunto visual idêntico
para ambas (sobrecapa e capa), já que a sobrecapa é um item efêmero na
composição do livro e até dispensável. Além do mais, era tradição da
Saraiva ilustrar as capas de suas edições populares, a exemplo do
interessante trabalho de Nico Rosso para a ‘coleção Saraiva’.
Em 1957, as séries ‘D’Artagnan’ e ‘Memórias de um Médico’ foram
reeditadas pela Saraiva também pela coleção ‘Romances de Alexandre
Dumas’. A retomada da coleção demonstra a grande popularidade de
Dumas aqui. Não eram mais pequenas brochuras, a exemplo das
pertencentes à ‘coleção Saraiva’ e ao Clube do Livro, mas se tratava da
reedição contínua das referidas séries, a partir de 1953, em formato de livro
maior (14 x 21 cm).
Da série D’Artagnan, por exemplo, em 1957, sairia Os Três
Mosqueteiros, em dois volumes; Vinte Anos Depois, em três, e O Visconde
de Bragelonne, em 1962, em seis volumes (ocupando o total de 1954
páginas). A novidade é que a edição de 1957 teve as capas de todos os
romances ilustradas e os volumes de O Visconde de Bragelonne ilustrações
internas de Nico Rosso
6
. O editor (Saraiva) diz que a tradução das
6
Cf. Capítulo ‘As Capas de Nico Rosso para a ‘coleção Saraiva’.
103
respectivas séries foi baseada em edição integral, não padece nenhum
corte, como usualmente ocorria entre nós.
Nesse universo qualquer elemento editorial que se configurasse em
novidade era divulgado ao leitor com alarde, em caráter propagandista,
conforme se pode observar no trecho abaixo, no que se refere às ilustrações
e as ‘notas históricas’ do tradutor para romances da série:
A edição que ora se empreende de Os Três Mosqueteiros, O Visconde de
Bragelonne, Vinte Anos Depois, além de fartamente ilustrada, é absolutamente fiel ao
texto do seu autor. Acresce observar que esse lançamento brasileiro do genial contador
de histórias francês se encontra enriquecido de interessantes, oportunos e informativas
notas históricas de Octávio Mendes Cajado, tradutor da obra”.
Os Três Mosqueteiros
Além da série D’artagnan (coleção ‘Romances de Alexandre
Dumas’) e sua publicação na ‘coleção Saraiva’, Os Três Mosqueteiros e A
Tulipa Negra foram bastante divulgados durante todo século XX.
Os Mosqueteiros do Rei foi traduzido por Alfredo Ferreira, em 1946,
para a popularizante Editora Vecchi do Rio de Janeiro, em volume único,
coleção ‘Os Maiores Êxitos da Tela’. O próprio título da coleção chama a
atenção para a exclusividade em publicar romances adaptados para o
cinema, o que atrairia o público para a leitura rápida da obra. Sem dúvida, o
cinema e a televisão são veículos poderosos de popularização de obras
literárias. Ainda mais que os romances de Dumas são fortemente orientados
para a imagem, televisivos em sentido amplo. A leitura de qualquer
romance seu faz com que o leitor fique diante de uma verdadeira tela, tal é
a visualidade que salta à vista. Nesse sentido, Grivel (no texto ‘A Passagem
à Tela – literaturas híbridas’) tem razão em considerar a página do livro
como uma ‘primeira tela’ a qual, em se tratando de literatura, fornece
subsídios para a criação de ilustrações e para outros códigos visuais, como
as adaptações para as telas de cinema e de TV, daí o conceito mais que
oportuno de ‘literaturas híbridas’ de Grivel. Pode-se dizer que a literatura
104
folhetinesca de Dumas concentra essa carga de hibridismo. É a pujança de
uma visualidade embutida no conjunto literário impresso do autor que
estimula a transposição desses enredos para outros códigos visuais ou telas.
Não é por acaso que alguns de seus principais romances já foram adaptados
para o cinema. O Conde de Monte Cristo, por exemplo, teve sucessivas
versões cinematográficas no decorrer do século XX.
7
No verso da capa de Os Mosqueteiros do Rei uma nota da editora
Vecchi informa a lista do elenco na versão cinematográfica da obra, tal a
estratégia propagandista para incentivar a compra: Anita Louise, Janis
Carter, Elisabeth Risdon, Willard Parker, John Lodep, Lloyd Corrigan,
George Mcready, Edgar Buchanan, e direção de Henry Lenvin.
Os Três Mosqueteiros também saiu pelas Edições LEP, de São
Paulo, em 1945, em dois volumes, coleção Capa e Espada. O primeiro tem
317 páginas e o segundo 333. Editorialmente bem cuidada, margens mais
largas que de costume para uma edição popular da época; todos os títulos
dos capítulos são em caixa alta; tipos pequenos; utilização de cabeços
contendo o nome do autor e título da obra. Mas seguindo tendência de
qualquer edição popular, quanto a aproveitar espaço, por menor que seja,
ao término de um capítulo o seguinte é iniciado na mesma página.
As ilustrações das sobrecapas de G. Walpeteris para Os Três
Mosqueteiros da LEP traz os personagens em cena de combate. Não
ilustrações internas e não aparecem dados como notas do editor, prefácios
ou epílogos em nenhum dos volumes. Só foi possível localizar a data de
publicação, a partir do informe: “este livro foi composto e impresso nas
oficinas da Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunais Ltda” à rua Conde
de Sarzedas, 38, São Paulo, para as Edições Lep Ltda, em novembro de
1945”.
7
Cf. a lista das adaptações de obras do autor para o cinema no site: www.dumaspere.com
105
No fim do 2
o
volume, uma nota dá a entender que as Edições LEP e a
Paulicéia eram uma só editora, além de revelar a atuação no período da
maior gráfica do país, a Revista dos Tribunais, conforme: “este livro foi
composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da “Revista dos
Tribunais” – São Paulo, para a Livraria Editora Paulicéia, em 1945”.
Ambos os volumes são protegidos com sobrecapas coloridas e as
verdadeiras capas aparecem em branco, sem nenhuma informação. Jan
Tschichold, autor de A Forma do Livro (2007), entre várias colocações a
respeito da sobrecapa, diz:
Os editores fazem sobrecapas não tanto para presentear o comprador com uma
proteção extra para seu livro mas, sobretudo, para se precaverem a si mesmos e aos
livreiros contra perdas. Livros cuidadosamente produzidos não devem ser distribuídos
sem uma sobrecapa, ainda que humilde. Na verdade a sobrecapa não é parte do livro.
Essencial é o livro dentro dela, o bloco de páginas. Em rigor, mesmo a capa e as
guardas são partes falsas, apenas temporárias, uma vez que é descartado quando o
livro é reencadernado” (p. 198).
Com relação às sobrecapas citadas da LEP, fica a dúvida se foram
criadas só para protegerem os livros ou também para fins de propaganda da
obra e das coleções de romances-folhetins lançadas pela editora
(divulgadas nas orelhas). No caso da edição de Os Três Mosqueteiros em
causa, os respectivos volumes não tinham capas (mesmo que tipográficas,
quando consta somente nome de autor, título da obra, cidade e editora).
Cumpria tal função apenas uma encadernação em papel mais resistente,
sem nenhum escrito ou ilustração. Uma vez desaparecidas tais sobrecapas,
descartáveis por natureza, a obra somente seria identificada com esforço
pela folha de rosto, assim como outras produzidas em igual condição, o que
seria um fator prejudicial à divulgação direta dos textos.
A editora Verbo da Juventude, de São Paulo, publicou Os Três
Mosqueteiros. Trata-se de uma “versão portuguesa” de Maria das Mercês
de Mendonça Soares, baseada na ‘adaptação de Hélene Fatou’. As
ilustrações e capa são de Augusto Trigo, sem data de publicação.
106
Na última página do romance há uma lista de publicações, reiterando
que são obras de grandes clássicos, em adaptações condensadas para a
juventude dos mais representativos autores de todas as épocas e
literaturas, como: Ivanhóe de Walter Scott; Ben-Hur de Lewis Wallace; As
Minas de Salomão de Eça de Queiroz; O Corsário Negro de E. Salgari;
Quo Vadis de Henryk Sienkiewiez; Os Três Mosqueteiros de Alexandre
Dumas. E a publicar, na ocasião: Ilha do Tesouro de R. L. Stevnson; O
Conde de Monte Cristo; A Ilha Misteriosa de Julio Verne.
A lista citada, além de revelar a ausência de fronteiras entre a
chamada literatura erudita e a popular, a incrível popularização da literatura
estrangeira no país via a atividade de editoras popularizantes, como é o
caso de todas já citadas aqui, toca na questão das edições ‘condensadas’, ou
seja, com cortes, prática recorrente no Brasil à época e nos dias atuais por
algumas editoras, quando se trata principalmente de obras traduzidas para
os jovens. Nesse caso, a tradução brasileira de Os Três Mosqueteiros se
baseia numa versão francesa já condensada ou ‘adaptada’. Tal modelo de
edição visava a atingir todos os públicos: desde o adulto ao infantil. Por
exemplo, circula no mercado uma edição de O Conde de Monte Cristo
“recomendado para crianças a partir de nove anos”, da editora Scipione de
São Paulo.
8
Com exceção das adaptações de romances da literatura estrangeira
(inclusive os folhetins de Dumas) para a literatura infantil, necessárias por
sinal, acredito que mecanismos adaptativos ou as famosas ‘condensações’,
para além dessa faixa etária, desfiguram sensivelmente o texto original.
Com isso, prejudica a formação individual do leitor popular, cuja leitura lhe
chega fragmentada. O quadro é mais crítico ainda quando ocorre tradução
de uma obra a partir de uma ‘condensação’ na língua de origem, como a
última edição citada de Os Três Mosqueteiros. De modo mais amplo, John
8
Adaptação de Telma Guimarães Castro para a Literatura Infantil, com 48 páginas.
107
Milton constata tal fenômeno na pesquisa que fez sobre as traduções de
obras inglesas e norte-americanas para o Clube do Livro (O Clube do Livro
e a Tradução, 2002).
Em geral, a partir do mapeamento feito, se pode dizer que Dumas foi
lido por todos os públicos no Brasil. Os Três Mosqueteiros, O Conde de
Monte Cristo, Os Irmãos Corsos, O Máscara de Ferro foram os mais
adaptados para o público juvenil e infantil, possivelmente, em virtude dos
enredos causarem grande impacto, com aventuras emocionantes. As séries
‘D’Artagnan’ e ‘Memórias de um Médico’ foram mais direcionadas para o
público adulto e acredito que apreciador, em especial, da obra de Dumas.
Os romances do autor pela ‘coleção Saraiva’ e o Clube do Livro, apesar de
os projetos editoriais terem como foco o público adulto, também devem ter
sido apreciados pelos jovens principalmente os apaixonados por aventuras.
Retomando a questão das edições, Os Três Mosqueteiros também foi
traduzido por Moacyr Werneck de Castro, com introdução, bibliografia e
notas de Charles Samaran, para a editora Difusão Européia do Livro, de
São Paulo, em 1960. Fez parte da coleção ‘Clássicos Garnier’, dirigida por
Vítor Ramos.
Edição bem cuidada, em dois volumes. Traz, além da introdução e
prefácio, consistente texto de orelha de Antonio D’Elia sobre a obra e o
lugar de Alexandre Dumas na Literatura, repetindo-se em ambos os
volumes, conforme trechos abaixo:
Três Mosqueteiros – Alexandre Dumas
Alexandre Dumas ocupa grande lugar na história da Literatura e nenhum na
Literatura”. Este julgamento de René Doumic traduz um preconceito que se teve – e
ainda se tem um pouco – contra a ficção construída sobre o fato histórico. A História é
a interpretação não do verossímil, mas da própria verdade do acontecido; logo, é o
fato em si, o acontecido, e não o que poderia ter acontecido.
(...) Os Três Mosqueteiros, a obra fundamental de Dumas, resistiu aos
julgamentos preconceituosos. Mercê do que?, pergunta-se. Da sua verdade histórica?
Da ressurreição de um período heróico e ao mesmo tempo negligente, galante e ao
mesmo tempo grosseiro, de profunda lealdade e ao mesmo tempo de odiosa perfídia – o
período de Luís XIII e Richelieu? Não. Sustiveram-na aquelas virtudes de que falou o
grande Hugo na carta lida, à beira do túmulo do autor, a saber: “todas as mais
108
patéticas emoções do drama, todas as ironias e todas as profundezas da comédia, todas
as análises do romance, todas as instituições da história”. E essas virtudes não são as
do cronista fantasioso; pertencem ao criador, ao artista. Sua obra é pois literária.
Em 1986, o Círculo do Livro, um ramo da Editora Abril Cultural,
publica Os Três Mosqueteiros pela coleção ‘Imortais da Literatura
Universal’, com tradução ‘integral’ de Mirtes Ugeda.
Edição bem apresentada (em capa dura), com 544 páginas, dirigida
ao público adulto. O próprio título da coleção sugere que a Abril Cultural à
época e ainda hoje é uma editora popularizante, cujo objetivo é editar
textos clássicos (dos literários aos filosóficos) para as classes populares. E
algumas obras de Dumas foram selecionadas para compor esse projeto de
popularização da ‘Literatura Universal’. Mesmo que não seja um autor
pertencente à chamada literatura erudita, sua obra é traduzida no Brasil, às
vezes, sob o rótulo os ‘melhores clássicos’, etc, como a coleção da Abril
citada. São nomenclaturas pomposas que seduzem o público. Como já se
disse, a ausência de fronteiras na divulgação e o consumo de tais
repertórios literários (populares e os chamados ‘eruditos’) permitem tais
diálogos e junções.
A série ‘Memórias de um Médico’ da Saraiva
É a última série do autor da coleção ‘Romances de Alexandre
Dumas’ da Saraiva. Foi inspirada nos acontecimentos históricos da
Revolução Francesa. Reis, rainha (Maria Antonieta), princesa, ministros,
nobres, súditos e o povo em geral são personagens de uma trama alucinante
criada por Dumas. Como se sabe, ele representou a vertente histórica do
romance-folhetim. Era dado a fazer extensas pesquisas em arquivos, e tinha
o hábito de “cavucar segredos de alcova e mexericos de outros tempos,
ressuscitar espadachins e suas bravatas, ministros, rainhas”, como nos diz
Marlyse Meyer.
109
Eugène Sue, seu contemporâneo, ao contrário, buscava na própria
realidade social a inspiração para a escritura de seus romances. Dumas
preferia se debruçar sobre fatos históricos tensos, recolhendo matéria para a
criação de seus textos. Nada mais estimulante para um folhetinista de seu
porte.
José Bálsamo
O primeiro romance da série, José Bálsamo, saiu em quatro volumes,
em 1957, com tradução brasileira de Augusto Sousa. Aliás, Sousa foi o
tradutor de toda a série, o que demonstra um esforço grandioso, em se
tratando de um conjunto de textos tão extenso.
A ação acontece em torno de José Bálsamo, personagem-título e o
enredo é ambientado, em parte, na corte de Luís XV. Narra a história do
grande ‘bruxo’ inimigo da monarquia francesa ligado à maçonaria, que
teria vivido na corte de Luís XVI. Em lances folhetinescos, o personagem
comanda conspirações, experiências no campo da alquimia, é mestre em
disfarces e comete assassinatos, sem que sua participação na série termine
com o fim dos três volumes que narram sua atuação. Pelo contrário, sua
figura sinistra e feitos ‘mágicos’ ou não reaparecem várias vezes na trama
dos demais títulos.
O surgimento das séries está ligado à uma estratégia de publicação
de ficção na imprensa francesa diária no século XIX. Uma de suas
características marcantes é a continuação de um romance em outro. Não se
trata mais do corte e suspense introduzidos no enredo em momento preciso,
para prender a atenção do leitor nos capítulos seguintes até chegar ao final
da obra (essa micro estrutura permanece em termos de limites internos de
cada romance), mas de um núcleo narrativo principal expandido de tal
forma que seu desdobramento perdure por vários volumes, num “ir e vir”
incrível de situações narradas. Os personagens principais transitam em
110
todas as obras da série, formando um ‘grande texto’ folhetinesco. É como
se o leitor tivesse diante de um labirinto narrativo, de uma verdadeira
máquina textual, uma narrativa aberta, cujo enredo principal não se fecha,
ao contrário, se “multiplica pela série e avança tentacularmente por um
tempo longo” (Folhetim, 1996).
Cada romance faz parte de uma ‘quina textual’ maior, que é a
série em questão. O personagem José Bálsamo é apresentado como uma
figura sinistra que chega ao castelo do Sr. Barão Taverney Casa Vermelha.
Tem estranhos poderes sobre Andréa, a filha do barão. Como uma rede,
logo se percebe que a narrativa tem conexões com outra da mesma série: O
Cavalheiro da Casa Vermelha, cujo herói é Felipe, irmão de Andréia.
Em verdade, Dumas tido como incansável pesquisador de assuntos
históricos buscou em tais fontes matéria para a criação de muitos de seus
folhetins, já que se dedicou principalmente à vertente histórica do gênero.
A série ‘Memórias de um Médico’
9
corresponde à uma produção
extraordinária dele, demonstrando domínio das técnicas folhetinescas,
intimidade com esse tipo de escritura e sobretudo criatividade ao manejar,
em forma de ficção literária, um tema histórico complexo como a
Revolução Francesa.
Em trecho de A Condessa de Charny, o autor/narrador faz referência
explícita ao hábito de pesquisas em arquivos:
Eis o que se lia numa carta
achada nas Tulherias em 10 de agosto, e que nós mesmos tivemos a oportunidade de ler
nos arquivos onde se encontra: os tribunais chegam atrás dos exércitos; os
parlamentares emigrados instruem pelo caminho, no acampamento do Rei da Rússia, o
processo dos jacobinos, e preparam as forças” (p. 1165, vol. 4).
O título José Bálsamo, por exemplo, de certo é em referência ao
Conde Cagliostro, conhecido como José Bálsamo, natural da Sicília, que
9
Circunstâncias históricas da Revolução Francesa narradas ficcionalmente nos folhetins da série
‘Memórias de um Médico’ são matérias recorrentes nas obras do historiador Robert Darnton. É como se
Dumas tivesse assumido, com a escritura de seus textos, a função de um historiador improvisado das
classes populares, daí o teor didático de seus romances.
111
foi casado com Lorenza Feliciani (também personagem do romance de
Dumas). Teria pertencido à ‘maçonaria de linha egípcia’, cujas
experiências/atividades secretas à frente de lojas da organização, em vários
países da Europa, causou polêmicas no século XVIII. Ora era tido como
mágico/adivinho, ora considerado como charlatão e trapaceiro.
É claro que a temática da Revolução aguçou a criatividade de Dumas.
Afinal, tantas intrigas, conspirações, lutas por poder, ambições, traições,
furtos, assassinatos, violências, calúnias, revoltas sociais, enfim, assuntos
que fizeram parte do contexto histórico e social do espaço da monarquia
francesa e que seriam matéria de excelência para a escritura de qualquer
bom folhetim.
Dumas descobriu esse filão e criou uma extraordinária série, baseada
em tal período histórico que parecia não ter fim. Só foi interrompida com a
publicação inacabada de Ângelo Pitou. Mesclou História e ficção, de modo
que, num contexto de leitura mais amplo, a grande massa de leitores na
França, como no Brasil, por exemplo, pode ter tido conhecimentos dos
fatos históricos ficcionalmente narrados apenas através de seus romances.
Não funcionaram apenas como narrativas de entretenimento, conforme era
a proposta do romance-folhetim em seus primórdios, mas também como
obras didáticas, já que muitas pessoas do povo podem ter sido instruídas
em História do período, a partir de tais leituras.
O autor demonstra ter consciência de tal papel pedagógico e é um
pouco audacioso, ao se referir numa carta, que seus textos também teriam
ensinado ‘História aos historiadores’, em trecho de prefácio à edição
brasileira de A Condessa de Charny, conforme:
é verdade que isso [os
folhetins] atraía assinantes aos jornais e freqüentadores aos gabinetes de leitura; é
verdade que isso ensinava história aos historiadores e ao povo; é verdade que isso
criava quatro milhões de leitores na França e alimentava cinqüenta milhões de leitores
no estrangeiro” (edição de 1957 da editora Saraiva).
112
A obra José Bálsamo tanto descreve o contexto e o cenário da corte
de Luís XV como dá ampla cobertura aos feitos do personagem de mesmo
nome, sempre procurando se infiltrar nos bastidores da respectiva corte, via
alianças inescrupulosas com representantes do regime, bem como a
utilização de métodos hipnóticos para ter acesso a informações
privilegiadas. Só quase no final do primeiro volume (extenso, por sinal), na
tradução da Editora Saraiva, o leitor vai ser informado que ele chefiava
uma organização secreta ligada à maçonaria que tinha como objetivo
político derrubar monarquias no mundo inteiro e, naquele momento e
contexto, membros infiltrados em Paris estavam dispostos a pôr fim ao
regime monárquico do país.
No decorrer do livro o autor descreve José Bálsamo como uma
pessoa misteriosa, ligado à organização obscura, atuante na França do
Antigo Regime, mas nunca como um charlatão. No final do primeiro
volume, considera-o vítima de seu superior, o velho alquimista Altotas, que
não hesitou em assassinar Lorenza, esposa ‘espiritual’ de Bálsamo, para
beber seu sangue de virgem. São cenas macabras, por isso cuidadosamente
inseridas no enredo para causarem sensação.
Por outro lado, o enredo cíclico, uma verdadeira rede folhetinesca,
não permite que a trama de José Bálsamo termine sem inserir uma
chamada (ou motivo) que induza a leitura da obra seguinte: Ângelo Pitou. E
Gilberto confiaria o filho raptado a Madalena Pitou (tia do herói do
folhetim-romance seguinte) residente na distante Villers-Cotterets (cidade
onde nasceu Dumas! Por sinal, dado autobiográfico bastante recorrente em
seus textos). Quanto ao aspecto histórico, o romance encerra notificando a
morte de Luís XV (que teria contraído varíola de uma prostituta – era um
rei devasso). Assume o trono o herdeiro Luís XVI. Tais motivos são fios
narrativos de transição que ligam um romance a outro. Marca a
113
continuidade da extensa rede textual de folhetins sobre os anos da
Revolução Francesa. Os personagens-títulos transitam em todos os enredos
compondo uma malha textual.
Alexandre Dumas utilizou todos esses tópicos discursivos/ históricos,
que em si já traziam uma carga dramática forte de suspense, de mistério e
criou uma incrível máquina folhetinesca, como a série em estudo. Como
exímio narrador, multiplicou motivos narrativos e enredos para contar a
saga dos principais personagens que protagonizaram os primeiros e os
últimos momentos da Revolução Francesa, criando assim uma fábrica de
textos para alimentar seu folhetim histórico, a partir de tais questões.
Sem dúvida, o autor recorreu à uma memória trágica, formada pelos
principais acontecimentos da Revolução para criar novos textos, ficcionais,
mas com caráter crítico e função didática muito fortes, visando talvez
instruir leitores em muitas nações sobre um acontecimento histórico de
grande repercussão no século XVIII.
Ângelo Pitou
Encontrou-se uma edição de 1957 da Saraiva, em três volumes.
Consta que a publicação da obra teria sido interrompida no folhetim do
Jornal La Presse em virtude da cobrança de taxa (selo) a que foram
submetidos todos os jornais que publicassem romances-folhetins, por volta
de 1851. Tratava-se de uma espécie de censura imposta ao gênero, o qual
passou a ser considerado pernicioso, pois poderia inspirar adultérios,
violências e crimes, entre outros males.
Em prefácio reproduzido na edição brasileira de A Condessa de
Charny (Saraiva, 1957), Dumas diz que recebeu uma carta de Émile de
Girardin, com a seguinte proposta:
Meu caro amigo: Desejo que Ângelo Pitou não vá além de meio volume, em
vez dos seus seis volumes combinados; que não exceda dez capítulos, em vez de cem.
Arranje-se como puder, e corte, se não prefere ver-me cortar a mim”.
114
E o autor conclui, evocando uma metáfora histórica, ao afirmar que
em tais circunstâncias o romance foi “decepado à maneira do Imperador
Paulo I, não pelo pescoço, mas pelo meio do corpo”.
Ângelo Pitou também marca o final da parceria de Dumas e Auguste
Maquet, seu assistente autodidata, que o teria auxiliado na escritura de
alguns romances da série e outros do autor. A polêmica com relação ao
assunto será tratada no capítulo sobre O Clube do Livro.
Na tradução da Saraiva, a capa de Ângelo Pitou (1957) é ilustrada em
tons pastel, com a figura do herói no centro da página. O personagem é um
jovem francês provinciano de dezoito anos, valente e ao mesmo tempo
ingênuo, que chega à Paris em 13 de julho de 1789, em plena efervescência
dos conflitos da Revolução. Em companhia do amigo Billot, se junta à
multidão na esperança de invadirem a Bastilha. Ambos cogitam a
possibilidade de libertar o amigo Gilberto, prisioneiro ali.
Por sua vez, nos primeiros volumes da série, Gilberto é apresentado
como filósofo, o que tinha uma conotação na obra de pessoa preguiçosa.
Seu papel enquanto personagem sobressai em Ângelo Pitou, quando
efetivamente desempenha a atividade de filósofo atuante na luta contra os
abusos de poder cometidos nos primeiros anos de reinado de Luís XVI. Por
isso é preso na Bastilha por algum tempo. Mas o personagem José
Bálsamo, em aparição a Gilberto, no romance A Condessa de Charny
apresenta outra versão para sua prisão:
Encontrei-o todo ensangüentado, e com o peito varado por uma bala, numa
gruta na ilha dos Açores, onde o meu navio casualmente arribou. Esse caso esquecido
dizia respeito a Andréia de Taverney, hoje condessa de Charny, devotadamente a
serviço da rainha. Ora, como nada a rainha podia recusar à mulher que desposara o
Conde de Charny, pediu e obteve contra si um mandato de prisão. O senhor foi detido
na estrada de Havre a Paris, e metido na Bastilha, onde estaria, se o povo um dia a não
tivesse derrubado como um passe de mágica. Imediatamente, como bom realista que é,
aliou-se ao rei do qual é medico
(p. 37, vol. 1).
115
Da nota biográfica sobre Dumas, divulgada na orelha do respectivo
volume de Ângelo Pitou pela Saraiva, nos interessa o trecho que dá
detalhes sobre a criação de jornais pelo autor para divulgar seus próprios
romances. De fato, era um folhetinista completamente envolvido com a
escritura de seus textos. Sabia se utilizar dos meios de comunicação da
cultura de massa que criou o gênero romance-folhetim, tão bem
representado por ele.
“(...) Entrementes a estas peripécias, escreveria romances infindáveis, que eram
publicados em diversos jornais, e difundiam o seu nome por todo o mundo. Achando
que os jornais alheios não eram suficientes para dar vazão à sua fecundidade
maravilhosa, resolveu lançar os seus próprios jornais. Um deles, O Monte Cristo era,
segundo informava o cabeçalho, “todo escrito por Dumas”.
Outra edição de Ângelo Pitou, sem data, da série ‘Memórias de um
Médico’, foi publicada em três volumes pela Companhia Brasil Editora
(sem indicação de local). Não constam notas ou prefácios. Provavelmente,
não é a mesma editora criada por um grupo de professores na década de 40
do século passado, em São Paulo, que trabalhou para Lobato na antiga
Editora Nacional. E depois teria criado a Editora Brasil, voltada para a
publicação de livros didáticos. As atividades da Companhia Brasil devem
ter sido anteriores e, pelo visto, com ênfase na área literária, daí a razão
para editar a série de Dumas em questão.
A série ‘Memórias de um Médico’ foi ainda editada por Monteiro
Lobato em 1930. As capas de todos os romances que a compõe foram
ilustradas. A criação de capas ilustradas e coloridas constituía uma de suas
principais propostas como editor, com o objetivo de tornar o livro uma
mercadoria atraente.
O fato de a extensa série ter sido editada por Lobato na década de 30
do século passado é da maior importância, por se tratar de um grande editor
do período. Ao que parece, tal projeto só seria retomado nos anos 50 pela
editora Saraiva, conforme o mapeamento. Isso comprova mais uma vez a
116
popularidade de Dumas aqui, pois despertou o interesse de um editor
exigente e em ascensão como Lobato nos anos 30, com o respaldo é claro
de um público sedento pela leitura dos extensos volumes.
O projeto gráfico da série constitui num documento histórico sobre
as experiências de Lobato no campo da editoração no período. Foram
publicados todos os títulos
10
. As capas, por exemplo, demonstram os
primeiros esforços do editor para melhorar a ‘embalagem’ do produto livro
no Brasil, de um modo geral. Ele produziu brochuras para a série
‘Memórias de um Médico, com lindas capas coloridas, uma verdadeira
inovação para a época.
Na década de 30 do século passado, Lobato já usava a quarta capa
como veículo de propaganda dos títulos publicados por sua editora. Nos
romances da série ‘Memórias de um Médico’, por exemplo, além da
listagem dos próprios volumes, são elencados outros títulos. Os recursos de
propaganda nos anos seguintes invadiram os mínimos espaços dos projetos
gráficos das brochuras. A Saraiva e o Clube do Livro, nas décadas de 40 a
70 do século passado, exploraram páginas que deveriam permanecer
‘desafogadas’ para a boa apresentação dos respectivos projetos editoriais.
O escoamento de tais propagandas, via mídias como o jornal e o rádio,
seria a solução mais viável, mas não foi utilizada para evitar gastos.
A Condessa de Charny
Pela mesma série ‘Memórias de um Médico’, saiu A Condessa de
Charny, em quatro volumes, no ano de 1957. Pode-se dizer que Ângelo
Pitou e A Condessa de Charny são romances que representam o âmago do
projeto de construção de uma série histórica que Dumas pretendeu criar.
Em Ângelo Pitou tem início todos os movimentos sociais de oposição à
10
José Bálsamo, 2 vols; O Colar da Rainha, 2 volumes; Ângelo Pitou, 2 volumes; A Condessa de
Charny, 2 volumes; O Cavaleiro da Casa Vermelha, 2 volumes.
117
monarquia francesa, que culminam com a queda da Bastilha, inclusive com
a intensa circulação de impressos proibidos, tão citados nos textos de
Robert Darnton.
Além de aproveitar toda a atmosfera de Ângelo Pitou, Dumas recheia
ainda A Condessa de Charny com inúmeros fatos históricos (efervescência
da Revolução, a tentativa de fuga da família real do palácio das Tulherias, a
captura e aprisionamento do rei e a família, em cárcere privado, a
promulgação dos direitos humanos, a invenção da ‘máquina’ guilhotina,
etc). O romance abrange desde o período (histórico) da transferência da
família real de Versalhes para o palácio das Tulherias, em Paris (sob forte
ameaça do povo), até a morte do rei Luís XVI na guilhotina, uma das
muitas vítimas da ‘máquina’ inventada para degolar gente durante a
Revolução Francesa.
A Condessa de Charny é Andréia de Taverney, que recebeu o título
após casar com Jorge de Charny, fidalgo e amigo do rei Luís XVI, além de
homem eficiente na segurança pessoal do monarca. Ela, por sua vez, desde
moça foi dama de companhia da rainha Maria Antonieta.
Do passado de Andréia (ainda no livro José Bálsamo, além das
inúmeras tramas), subjazem dois instigantes temas folhetinescos
habilmente trabalhados por Dumas, que fornecem enredos (periféricos ou
não) a Ângelo Pitou e à Condessa de Charny: crime sexual e gravidez
indesejada. Já condessa, ela padece de um drama. Teve o filho raptado pelo
pai logo após o parto. A criança foi fruto de um estupro praticado por
Gilberto (mais tarde médico), que alimentava pela jovem um amor não
correspondido. Por vingança, em virtude da indiferença, violenta a donzela
adormecida (‘sono magnético’) pelos poderes de José Bálsamo. Meses
depois, ao descobrir a gravidez, Andréia renega o próprio filho:
Oh! Sim, odeio-a, hei de lembrar-me toda a vida; odeio-a, Felipe, desde o dia
em que pela primeira vez senti viver nas minhas entranhas este inimigo mortal que
trago comigo, e ainda estremeço quando me lembro que esta sensação tão doce às
118
mães acendeu em meu sangue uma febre de raiva, e fez assomar a blasfêmia aos meus
lábios, até então puros. Felipe, eu sou maldita!
” (p. 710).
Ignorado por Andréia, Gilberto planeja nova vingança/crime: raptar
o próprio filho logo após o nascimento, tema folhetinesco por excelência,
que incendeia o enredo:
O seu filho! Aí está o segredo. É necessário que ela não conserve em seu poder
aquela criança. É necessário que, pelo contrário, saiba que a criança há de crescer
execrando e amaldiçoando o nome de Andréia! Numa palavra, aquela criança a quem
ela não amaria, a quem talvez torturasse porque tem mal coração, aquela criança com
a qual me flagerariam perpetualmente, é mister que nunca Andréia o veja, e que,
perdendo-a, solte rugidos furiosos como os de uma leoa a quem arrancam os
filhotes”(p. 700).
Em meio à tumultuada permanência da família real no Palácio das
Tulherias, em Paris, nos anos da Revolução, Andréia reencontra o filho
raptado ainda bebê. Já adolescente, ele havia fugido do internato e se
dirigiu ao palácio à procura da mãe: “Queria vê-la e beijá-la! E mais baixo
para que só ela o pudesse ouvir, acrescentou: ‘queria chamar-lhe minha
mãe!’. A dama soltou um grito, segurou a cabeça do rapaz entre as mãos, e
numa súbita revelação puxou-o vivamente para si e pousou-lhe na fronte os
lábios ardentes” (Edição da Saraiva, 1957, p. 68).
Exemplos de traduções de A Condessa de Charny por editoras
brasileiras diferentes (tradução da edição)
Confrontando edições do mesmo romance, a da Saraiva (de 1957) e a
da Companhia Editora Nacional (1930), tem-se particularidades editoriais
que dizem sobre a evolução do livro popular no Brasil, num curso de cerca
de vinte e sete anos.
A série ‘Memórias de um Médico’ teria sido publicada por Lobato
antes de 1930, talvez pela própria Companhia Editora Nacional, fundada
em 1926 por ele e Octales Marcondes Ferreira. ‘Nova edição’ é o que
119
informa um lembrete na folha de rosto de A Condessa de Charny e O
Cavaleiro da Casa Vermelha, ambos de 1930, o que sugere ter havido uma
edição da respectiva série anterior a 1930, a qual teria saído entre 1926
(ano da fundação da Companhia Editora Nacional) e 1929. Tal fato indica
popularidade dos romances de Dumas sobretudo em se tratando de uma
série tão extensa, que teria despertado o interesse comercial de Lobato e do
sócio, justamente por tratar de tema histórico. A associação não é descabida
se observarmos um trecho de correspondência entre o editor e o amigo
Godofredo Rangel no período.
Segundo Alice Mitika (1982), em correspondência com Godofredo
Rangel, Lobato o teria alertado sobre a preferência dos leitores por
romances históricos: “Não conheço teu Filho. Filho de quê? Eu, se fosse
você, transformava-o em romance histórico. A Filha do Conde de
Babadela, por exemplo. O público prefere ler coisas de condes, duques,
príncipes, reis e magnatas, em vez de aventuras e vidinhas miseráveis.
Aquele livro de Lima Barreto encalhou por causa disso”
11
. E nada mais
apropriado para satisfazer a expectativa de Lobato por personagens
históricas do que os romances de Dumas, especialmente a série ‘Memórias
de um Médico’.
Do ponto de vista da integridade dos textos, pode-se dizer que não
houve cortes do romance A Condessa de Charny entre a edição de Lobato e
a da Saraiva. A impressão que se tem é que ambos os editores (Saraiva e
Lobato) se serviram dos mesmos originais para a tradução brasileira, dada a
proximidade textual das respectivas traduções, não ocorrendo alterações
substanciais motivadas por uma possível ‘tradução criativa’ dos mesmos
textos, num espaço de tempo tão grande.
11
‘Cartas de Lobato a Godofredo Rangel’. Apud. Mitika, Monteiro Lobato: intelectual, empresário,
editor. p. 98.
120
O cotejo de ambas as edições brasileiras mostrou que há pequenas
substituições de sinônimos entre trechos traduzidos, alterações de ordem de
discursos e algumas mudanças de títulos de capítulos, sem comprometer o
sentido, conforme: ‘A revolução sanguinolenta’/ ‘A revolução sangrenta’,
‘A véspera do dia 2 de setembro’/ ‘1º de setembro’.
Por exemplo, um dos parágrafos do último capítulo, 2º volume da
Condessa de Charny (edição de Lobato de 1930), narra os instantes finais
de vida de Luís XVI:
Os degraus do cadafalso eram altos e escorregadios; subiu-os, encostado ao
padre. Por um instante sentiu este o peso do corpo do rei no seu braço, e receiou
alguma fraqueza no último momento.
Mas chegando ao último degrau, o rei escapou-se por assim dizer da mão do
seu confessor, como a alma ia escapar do seu corpo, e correu para o outro lado da
plataforma.
Os tambores ruflavam, ele impôs-lhes silêncio com um olhar. Então pronunciou
com voz forte as seguintes palavras:
- Morro inocente de todos os crimes que me imputam; perdôo os autores de
minha morte, e rogo a Deus que o sangue que ides derramar não caia nunca sobre a
França!.....
(v. 2, p. 1301).
O mesmo trecho na edição da Saraiva de 1957 aparece sem grandes
alterações, aspecto que se repete em todo o romance:
Os degraus do cadafalso eram altos e escorregadios; ele subiu-os, amparado
pelo sacerdote; um momento este, sentindo o peso do rei no seu braço, temeu uma
fraqueza no derradeiro instante; mas ao chegar ao último degrau o rei escapou, por
assim dizer, das mãos do seu confessor, como a alma lhe ia escapar do corpo, e correu
para o outro extremo da plataforma. Estava muito vermelho, e nunca parecera tão vivo
e animado. Os tambores ruflavam, ele impôs-lhes silencio com o olhar. Então, com voz
forte, pronunciou as seguintes palavras:
- Morro inocente de todos os crimes que me imputam; perdôo os autores da
minha morte, e rogo a Deus que o sangue que ides derramar não caia jamais sobre a
França!...
(Edição da Saraiva, 1957, 2º volume, p. 1314.).
As diferenças mais significativas aparecem no tratamento da edição
por parte de ambos os editores, em épocas diferentes.
A Companhia Editora Nacional inovou produzindo capas coloridas,
conforme era a proposta da época. A capa de A Condessa de Charny, por
exemplo, retrata a transferência da família real francesa (Luís XVI, Maria
121
Antonieta, os dois filhos e a comitiva) do Castelo de Versalhes rumo ao
palácio das Tulherias, em Paris. Traduz com muita cor e visualidade toda
movimentação de personagens e figurantes. Sugere uma paisagem ainda
rural, com árvores e uma multidão, em segundo plano, que contemplava a
passagem do cortejo. Em primeiro plano, estão os guardas, a comitiva e a
carruagem levando a família real. Todo conjunto imagético é luminoso, dá
idéia de um dia ensolarado. O nome do ilustrador não é mencionado. Para a
editora de Lobato, foram confeccionadas capas individuais para cada
romance da série.
Por outro lado, possivelmente, para enfatizar o aspecto de série, a
capa de A Condessa de Charny para a Saraiva (1957) é ilustrada com a
gravura de um rosto humano, com semblante triste, que tanto pode ser o de
Gilberto, médico e filósofo, como do rei Luís XVI, guilhotinado no final do
romance. As cores predominantes da figura são preto e laranja, para causar
impacto visual e se repetem nos quatro volumes da obra.
A segunda diferença entre ambas as edições são internas. Por
exemplo, A Condessa de Charny saiu em dois volumes (num total de 1300
páginas) pela editora Nacional, enquanto a edição da Saraiva (1957) foi
publicada em quatro, o que implica numa redução de dois volumes entre a
edição de Lobato e da Saraiva.
A razão está nos modos como foi editado o mesmo texto por ambas
as editoras. Para fazer caber o enredo de A Condessa de Charny em dois
volumes (13 x 17 cm), sem efetuar cortes, conforme ficou comprovado no
cotejo das duas edições brasileiras (Editora Nacional e Saraiva), Lobato
aproveitou o que pôde dos espaços do projeto gráfico. Utilizou fontes
pequenas, espaçamentos simples, não deu destaque a títulos de capítulos,
empregou margens curtas e descartou o uso de início de capítulos só em
páginas ímpares, ou seja, ao término de um capítulo na metade de uma
página logo era iniciado o seguinte para economizar espaço, de modo que a
122
página, em virtude de tais recursos, ficava ‘carregada’ visualmente. É claro
que estamos tratando de edições populares cujas características são
comuns. Porém, percebe-se que tais aspectos foram sendo aprimorados no
decorrer do século XX, em prol da boa apresentação do livro popular.
Por outro lado, estamos tratando de tempos de leituras e de espaços
diferentes. Praticamente, quase três décadas separam um projeto do outro.
Podemos imaginar o leitor popular da década de 30 do século passado com
mais tempo para se dedicar à leitura dos extensos romances da respectiva
série, por exemplo. Se, por um lado, as condições materias da edição já
mencionadas podiam atrapalhar o fluxo e o ritmo dessa leitura, o leitor
dispunha de mais tempo para fazer pausas e retomá-la com maior
disposição, suprindo eventuais incompreensões. A publicação da série
‘Memórias de um Médico’, naquele período, indica ainda que existia um
público amante de tais enredos e da obra de Dumas, caso contrário, o autor
não teria sido publicado por um editor em ascensão como Lobato.
O Cavalheiro da Casa Vermelha
É o último romance da série. Não foi localizada a edição da Saraiva
dos anos 50. Encontrou-se uma da Editora Nacional, volume único, de
1930, com 400 páginas, trazendo as mesmas características editoriais
(formato, soluções gráficas) dos demais romances da série editados por
Lobato. Ao que tudo indica, a referida coleção foi publicada por ele antes
de 1930, já que na folha de rosto de todos os volumes consta o aviso “nova
edição”.
A ilustração de capa de O Cavalheiro da Casa Vermelha sintetiza
visualmente uma cena da rainha Maria Antonieta na prisão. De acordo com
os fatos narrados, os guardas teriam descoberto um dos muitos bilhetes que
ela havia recebido de um grupo de amigos sobre planos de fuga.
123
O romance trata do caos que se estabeleceu na França após a
execução de Luís XVI. A rainha Maria Antonieta, os filhos e a cunhada
também se encontravam presos na ‘torre do Templo’. Houve sucessivas
tentativas de resgate da ‘austríaca’ e dos filhos por parte de admiradores,
dentre eles, o corajoso cavalheiro da Casa Vermelha, ou melhor, Felipe de
Taverney, irmão de Andréia, amigos pessoais da rainha. O objetivo era
evitar sua execução na guilhotina como aconteceu com o rei e esposo, Luís
XVI. No início do romance José Bálsamo estão as primeiras demonstrações
de afeto de Maria Antonieta pelos irmãos Taverney e vice-versa. Tal
relação é tão forte que o desfecho da história se dá com o trágico suicídio
do jovem Felipe no mesmo cadafalso onde a rainha acabara de ser
executada, já que não conseguiu salvá-la.
Inclusive, a capa de uma edição juvenil da Ediouro (1973) retoma a
narrativa da execução da rainha e do suicídio de Felipe de Taverney na
guilhotina. Trata-se de uma imagem pequena mas de grande impacto. Os
longos e negros cabelos da rainha decaptada envolvem o cadafalso e o
corpo do rapaz. Em verdade, as capas resultam da inspiração que
determinados trechos dos enredos despertam no capista. Nesse caso, foi
traduzido visualmente um dos mais dramáticos momentos do romance.
Confrontando a edição da Ediouro (‘coleção Calouro’ de 1973) de O
Cavalheiro da Casa Vermelha com a de Lobato, percebe-se que os cortes
narrativos foram inevitáveis para tornar possível a publicação do romance
pela Ediouro (formato 10 x15 cm), reduzindo o texto a 139 páginas. Uma
nota informa que as obras eram ‘recontadas por grandes escritores
brasileiros’, não se sabe se a partir de originais ‘condensados’ ou de
traduções brasileiras retomadas, igualmente reduzidas. Na comparação
entre uma edição e outra se constata que a Ediouro, na tentativa de
‘recontar’ a história, efetuou cortes significativos no romance, mas
conservou o núcleo central do enredo.
124
Por exemplo, o início do primeiro capítulo do romance, em ambas as
edições, dá uma idéia do que permaneceu ou foi suprimido do enredo geral:
Na edição de Lobato o discurso aparece na seguinte ordem:
A morte de Luís XVI deixou a França rodeada de inimigos. Todas as potências
quebraram as relações com ela, e à Prússia, ao Império e ao Piemonte, que já
guerreavam, uniram-se a Inglaterra, a Holanda e a Espanha. Terrível a posição da
França.
Odiada pelas outras nações e depois da carnificina de setembro, e
principalmente depois da execução do rei, achava-se, por assim dizer, cercada por toda
a Europa como se fosse uma simples cidade. A Inglaterra atacava-a pelos Pirineus, o
Piemonte e a Áustria pelos Alpes, a Holanda e a Prússia pelo norte dos Países Baixos.
(...) A França como se fosse um corpo inanimado sentia em Paris, que era o
coração da república, cada golpe que a invasão, a derrota ou a traição lhe vibrava nos
membros mais afastados. (...) A 9 de março houve na Convenção uma sessão muito
agitada e até tumultuosa, e Danton, sempre pronto a propor coisas que pareciam
impossíveis, mas que sempre se efetuavam, subindo à tribuna, exclamou:
- Faltam-vos soldados, dizei-vos! Ofereçamos a Paris uma ocasião de salvar a
França, peçamo-lhes trinta mil homens, e mandemo-los a Dumouriez, e assim não só
salvaremos a França, mas ficará a Bélgica segura, e conquistaremos a Holanda. Esta
proposta foi recebida com aplausos e produziu singular entusiasmo
(O Cavaleiro da
Casa Vermelha, p. 5-6, Editora Nacional, 1930).
Por sua vez, o início do mesmo capítulo na edição da Ediouro (1973)
aparece assim:
Uma hesitante figura feminina deslizava pelas ruas de Paris. Era a noite de dez
de março de 1793.
Com a morte de Luís XVI, a França havia rompido com toda a Europa. A seus
três inimigos habituais uniram-se Inglaterra, Holanda e Espanha. A situação tornara-
se assustadora. Seus generais eram vencidos nas várias frentes. Milhares de desertores
refugiavam-se no interior. Mas era em Paris que mais repercutia cada golpe infligido à
França.
Na véspera a Convenção realizara reunião das mais tempestuosas. Danton, da
tribuna, exigira a convocação de trinta mil parisienses. Antes da meia noite trinta e
cinco mil voluntários haviam se apresentado. Exigiam, porém, que antes de sua partida
para a guerra fossem julgados e setenciados todos os traidores. Essa acusação –
traidor – era muito elástica. Além dos contra-revolucionários, dos conspiradores que
ameaçavam a revolução, traidores eram, em geral, os mais fracos
(O Cavaleiro da
Casa Vermelha, Ediouro, 1973).
O primeiro aspecto que comparece, de ordem interna do texto, é a
supressão sistemática de trechos descritivos e até mesmo a reescritura dos
principais tópicos do enredo, entre a edição de Lobato e a da Ediouro.
125
Em seguida, são os formatos e as soluções gráficas os responsáveis
pelas grandes diferenças. Enquanto a edição de Lobato dá título aos
capítulos, a Ediouro descarta esse item de organização, separando-os
apenas com a chamada ‘capítulo I’, por exemplo. No mais, o texto flui
livre. As letras da edição de Lobato de O Cavaleiro da Casa Vermelha são
pequenas, espaçamentos simples, margens pequenas, construção de
capítulos aproveitando resto de página do anterior para economizar espaço,
e sem ilustrações internas. Os detalhes gráficos e a própria extensão do
texto sugerem que tal edição foi planejada para um leitor adulto, talvez já
adepto da leitura de romances-folhetins de Dumas.
Por sua vez, o respectivo romance pela Ediouro, em tamanho de
bolso (10 x 15 cm), traz letras maiores e um discreto requinte gráfico.
Tendo em vista a maior visibilidade do projeto, o início de cada capítulo se
dá em páginas ímpares, o que significa que não são aproveitados pequenos
espaços de páginas. Há ainda um afastamento de quase meia página, em
cada início de capítulo, para efeitos de valorização da edição. São usadas
discretas capitulares seguidas por cerca de duas palavras em maiúsculas
(Por exemplo, UMA HESITANTE), para enriquecer o aspecto visual.
Também foram introduzidas pequenas ilustrações (o nome do ilustrador
não é mencionado) em preto e branco, em localizações diferentes das
páginas (no alto, no rodapé, à direita ou à esquerda do texto e, em alguns
casos, em página inteira), traduzindo visualmente trechos importantes do
enredo.
Ao que parece, a ‘Coleção Calouro’ foi pensada para o público
juvenil, em virtude de todas as características observadas na edição de O
Cavaleiro da Casa Vermelha (1973) citadas antes. Outros romances de
Dumas saíram pela mesma coleção, segundo as listas/catálogos: O
Máscara de Ferro, Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo, A
126
Tulipa Negra e Os Irmãos Corsos os quais também foram publicados por
outras editoras populares brasileiras.
Texto recontado em português por Hernani Donato, quer dizer que o
Cavalheiro da Casa Vermelha sofreu cortes (foi ‘condensado’) para caber
no formato da coleção ‘Calouro’(10 x 15 cm), com 130 páginas (isso em
relação à edição de Lobato, por exemplo). Na página de rosto da obra, a
Ediouro menciona as razões da escolha, num visível reconhecimento do
prestígio de Dumas no Brasil e, nesse caso entre os jovens, dado o perfil da
coleção, o que não significa que a obra tenha sido lida apenas por essa faixa
etária:
Alexandre Dumas teve um papel marcante na literatura francesa, tornando-se
uma verdadeira fonte de referência e alusões históricas”,
ou seja, confirmando-se o
caráter didático das obras do autor no campo da literatura folhetinesca:
trata-se de um romance em que o escritor de “Os Três Mosqueteiros”, mais uma vez,
revela toda a pujança de seu talento criativo, numa narrativa rica em imagens e ação
”;
Do ponto de vista do repertório publicado pela coleção ‘Calouro’ (As
Maiores Obras da Literatura Universal), percebe-se a organização dos
textos numa diversidade de categorias. A editora talvez estivesse tentando
suprir uma demanda de leitura de tais obras por parte do público juvenil ou
propondo o respectivo conjunto, como um projeto de leitura do momento,
disposto nas seguintes categorias:
Autores brasileiros, clássicos da antiguidade, romances de fundo histórico,
romances de cavalaria, menina-moça, clássicos adaptados, histórias de meninos,
aventuras, série histórica (a vida de personagens históricas), contos e poemas,
conhecimentos”. Houve também a seleção e organização de uma lista de
autores: Júlio Verne, Mark Twain, Alexandre Dumas, Jack London, Emilio
Salgari, Kafka”. Como se pode ver, a publicação conjunta de literatura
brasileira e a estrangeira traduzida.
127
As listas de autores diversos e de romances das literaturas nacional e
estrangeira que também se apresentam na edição ‘Calouro’ da Ediouro,
demonstram que além da inexistência de fronteiras entre as respectivas
literaturas (popular e a chamada ‘erudita’), tem-se ainda literaturas e
autores com destinos popularizantes, em virtude da atuação de editoras na
produção de livros populares durante todo século XX. Tal movimento
permitiu que clássicos de Machado de Assis, José de Alencar, Balzac,
Tolstói, Dostoiévski, Kafka e tantos outros circulassem no meio popular.
No caso específico da publicação do folhetim-romance de Dumas, o
repertório fez parte desse grande projeto popularizante da literatura
estrangeira no Brasil do século XX. Por sua vez, o autor já havia sido aqui
a grande estrela do romance-folhetim francês no século anterior, de modo
que são dois momentos diferentes de difusão e circulação de suas obras no
país. Jerusa Pires Ferreira em ‘Matrizes Impressas da Oralidade: conto
russo em versão nordestina’
12
mostra os processos de um conto popular
russo, recolhido da tradição oral e recontado em verso por Púchkin. Em
outra etapa foi traduzido e adaptado para edição infantil brasileira e depois
virou folheto de cordel. Ou seja, o texto do autor russo circulou no Brasil,
em prosa e verso, em edições populares, cujo trajeto começou com a
iniciativa da Vecchi, uma editora popularizante de clássicos estrangeiros,
nesse caso, para crianças. O trabalho de Jerusa, ao tratar do levantamento
de tais ‘matrizes impressas’, explica como alguns textos originaram outros
no Brasil. Alguns romances de Dumas passaram pelo mesmo processo
aqui.
De um modo geral, percebe-se que no decorrer dos anos as editoras,
bem como suas coleções populares, foram se aperfeiçoando. Um catálogo
como o da coleção ‘Calouro’ da Ediouro (citado acima) seria divulgado,
12
FERREIRA, Jerusa Pires. ‘Matrizes impressas da oralidade: conto russo em versão nordestina’. Revista
Internacional de Língua Portuguesa, Lisboa, n. 9, p. 57-61, jul. 1993.
128
nas décadas de 40 e 60 do século passado, sem preocupação com
agrupamentos de obras, o que de certa forma desnorteava o
leitor/comprador, dificultando a escolha. Da maneira como a Ediouro o
organiza, mais tarde na década de 70, quase propondo uma divisão por
gêneros, não só orientava como instruía o leitor para a escolha de textos
ficcionais que desejasse ler. Por outro lado, o hábito do editor estampar tal
catálogo nas páginas iniciais e finais de cada volume, como uma estratégia
publicitária das editoras, sem custos adicionais, permanece em vigor na
Ediouro dos anos 70 do século passado.
***
Diante dos projetos de leitura principalmente das editoras Saraiva,
Clube do Livro e de outras avulsas se percebe que o povo continuou lendo
romances ‘aos pedaços’, mesmo após o desaparecimento da ficção dos
rodapés de jornais brasileiros. Estabelecendo uma possível aproximação
com os modos de publicação em folhetim, tem-se os pequenos livros
populares (e volumes maiores!) sendo editados um a cada mês. Pode-se
imaginar a expectativa que essa espera causava nos leitores mais ansiosos,
que aguardavam o próximo lançamento. Será que a duração da leitura
mensal de um livro popular não equivalia ao tempo da leitura lenta e diária
de capítulos em folhetins?
Será que tais editores populares também não se inspiraram no
modelo de publicação do folhetim, criando no leitor expectativa de espera e
suspense? Parece que no universo de leitura do romance e do romance-
folhetim, no Brasil, muita coisa está mais interligada do que se imagina.
Capítulo IV - Capas de Romances de Dumas Ilustradas por
Nico Rosso para a Editora Saraiva
Subordinada ao mapeamento das edições dos romances-folhetins de
Dumas no Brasil está a análise de algumas capas de romances do autor
produzidas para a ‘coleção Saraiva’ pelo desenhista Nico Rosso. Durante
os mais de vinte anos que circulou a respectiva coleção foram dezenas de
capas ilustradas pelo artista de origem italiana, que migrou para o Brasil
durante a Segunda Guerra. O conjunto também transmite importantes
informações sobre o contexto e procedimentos desse universo de produção
de massa.
O desenhista Nico Rosso
Nico Rosso chegou ao Brasil em 1947, fugindo dos horrores da
guerra na Itália, onde perdeu quase tudo. Ao que parece, se tornou capista
da ‘coleção Saraiva’ desde o início da série, em 1948, atividade que se
estendeu por mais de vinte anos. Consta que fez trabalhos para outras
editoras, dentre elas, ‘Outubro’, ‘Edrel’ e Abril Cultural. Em parceria com
Rubens Lucchetti, criou e ilustrou pelo menos seis histórias em quadrinho,
a partir de 1966.
Segundo Marco Aurélio Lucchetti, em sua dissertação de mestrado,
1
Rubens Lucchetti sempre desejou ter seus quadrinhos ilustrados pelo
experiente desenhista Nico Rosso, que trabalhava para a Revista Outubro
de São Paulo, especializada em quadrinhos, além de outros
estabelecimentos. Mas a oportunidade só viria em 1966, quando se
conheceram pessoalmente. Digamos que, neste momento, surgiu a parceria
entre o famoso desenhista que trabalhava para editoras populares ou as que
1
“Lucchetti & Rosso – dois inovadores dos quadrinhos de horror”. Dissertação de Mestrado. ECA/USP,
1993.
130
tinham alguma linha editorial voltada para tal público e um escritor das
‘bordas’,
2
como Rubens Lucchetti.
Marco Aurélio esclarece que os roteiros de Lucchetti (pai) se
desenvolviam após os esboços dos desenhos de Rosso ficarem prontos, a
partir de tudo que discutiam com antecedência sobre ‘argumentos, roteiros,
projetos’, ou seja, para a construção dos quadrinhos o texto imagético
quase sempre antecedia o narrado no trabalho destes criadores.
Na dissertação de Marco Aurélio é de grande importância uma
entrevista com Lucchetti (em anexo, Dossiê ‘Rubens Lucchetti e Nico
Rosso’) sobre a atuação de ambos no ramo das histórias em quadrinhos.
Dentre vários aspectos, fala a respeito da atividade de Rosso como
desenhista, em São Paulo, e dos infortúnios que sofreu. Referindo-se ao
trabalho do amigo, diz:
O Nico tinha uma sensibilidade toda especial para captar minhas idéias,
sabendo, como nenhum outro, a fórmula mágica de conceber imagens quadrinhísticas
para os meus roteiros. Houve uma grande colaboração e uma intensa compreensão
entre mim e ele e uma perfeita integração entre o meu trabalho e o dele” (p. 333).
Lucchetti lembra que a parceria foi desfeita depois de quase sete
anos de trabalho porque precisou mudar para o Rio de Janeiro (1966-1973),
enquanto Rosso permaneceu em São Paulo, vindo a sofrer problemas de
saúde e grandes infortúnios, o que o impossibilitou de trabalhar. Fala dele
como uma figura carismática e versátil.
No mesmo depoimento conta sobre a predileção de Rosso por
desenhar figuras femininas e monstros, isso com relação aos quadrinhos,
tendência que e que se constata também nas capas da ‘Coleção Saraiva’:
Quando se vê as histórias em quadrinhos desenhadas por ele, logo se percebe
o quão perfeccionista ele era na arte de criar figuras femininas... e monstros. Ninguém
melhor do que ele para criar linhas harmoniosas, cinzelar rostos encantadores e
compor tipos femininos marcantes. Até hoje, nenhum outro desenhista brasileiro a ele
se igualou no que diz respeito a desenhar mulheres. Pode-se se dizer que ele atingiu o
2
Cf. Pires Ferreira, Jerusa. ‘Heterônimos e Cultura das Bordas’. Revista USP, no. 4, p. 169-174, dez. jan.
fev. 1989/ 1990, USP: São Paulo.
131
grau máximo, criando as criaturas mais perfeitas de nossas histórias em quadrinhos. E,
na mesma proporção, ninguém melhor do que ele soube criar as criaturas mais
horrendas e disformes (p. 334).
Perguntado se a atuação de Rosso se restringia apenas ao trabalho
com quadrinhos, é enfático:
De forma alguma. Ele lecionava desenho na Escola Panamericana de Artes;
realizava todas as capas da ‘Coleção Saraiva; e ainda fazia ilustrações infantis e
juvenis para inúmeras editoras. Entre estas, destaca-se a Editora Abril Cultural, para a
qual produziu todas as capas e as ilustrações internas dos livros da ‘Coleção Jovem’ e
‘Os Hardy Detetives’. Histórias em quadrinhos para ele era pura paixão. Só se
dedicava à elas porque gostava, em especial nos últimos anos, período em que as
editoras, já meio falidas, pagavam pessimamente ou nem se dignavam a pagar por
esses serviços” (p. 336).
E elogia a versatilidade de Rosso:
O Nico era um artista completo. Era ilustrador excepcional em todos os
gêneros. Ele tanto desenhava Humor, como Terror, Amor ou Infantil. Se, ao invés de vir
para o Brasil, tivesse ido para os Estados Unidos, seu nome teria se projetado
internacionalmente” (p. 337).
Nesse curto tempo, Rosso desenvolveria ainda outros trabalhos para
Lucchetti: ilustrou a revista Série Negra; fez alguns cartuns para o
magazine masculino Showgirl, além da capa e ilustrações de As Boas de
Bocage, um livro de piadas organizado por Lucchetti.
E Lucchetti lembra, com pesar:
A última fatalidade a acontecer em sua
vida (Rosso) ocorreu na casa que comprara e residia, no Planalto Paulista: atrás de
sua casa foram feitas algumas galerias para o Metrô; durante um temporal, seu
estúdio, abalado pelas escavações, ruiu e a água levou tudo de roldão. Ele que já havia
sofrido, alguns anos antes, um colapso, ao ver o desastre que destruiu não apenas sua
biblioteca, mas todo o seu trabalho, sofreu um segundo colapso. Depois disto, o Nico
não fez mais nada. Dedicava-se somente à pintura, como exercício mental” (p. 339).
As capas de Nico Rosso para a ‘Coleção Saraiva’
A produção das capas de Rosso está associada a um crescente
processo de aperfeiçoamento da indústria gráfica em nosso país voltado, a
partir dos anos 30 do século passado, para um público de massa. Segundo o
estudioso de design Rafael Cardoso, “em poucos outros lugares do mundo
132
desenvolveu-se tão cedo, tão rapidamente e com tanta riqueza de soluções a
arte de integrar imagem e texto nas capas de livros”.
3
A Editora Saraiva soube aproveitar essa tendência no que se refere
ao projeto gráfico da ‘coleção Saraiva’. O visual das pequenas brochuras
(18 x 11,5) foi incrementado com vistosas capas coloridas e uniformizadas
pelos traços do desenho de Rosso durante anos. Aliás, o modelo da
brochura faz parte desse pacote de popularização do livro. Criou-se um
padrão editorial para esta coleção reforçado visualmente pelas capas de
Rosso. Nesse momento de produção do livro no Brasil era comum artistas
de renome serem convidados para criar capas. Esta solução foi muito
freqüente no mercado de obras literárias do período. Portinari, Tarsila do
Amaral, Di Cavalcanti assinaram capas de obras importantes da literatura
brasileira. Havia também os que foram somente desenhistas/ilustradores
contratados por editoras famosas, a exemplo de Tomás Santa Rosa, nos
anos 40 e 50, que ilustrou as obras de José Lins do Rego para a José
Olympio, Cícero Dias, que também se dedicava a essa vertente, entre
outros.
Nico Rosso teve formação em Artes na Itália. Ao chegar ao Brasil,
tornou-se professor de desenho na Escola Panamericana, em São Paulo,
trabalhou em editoras da cidade, mas pelo visto sua maior atuação foi como
ilustrador no âmbito da produção de livros populares, durante anos de
trabalho para a Saraiva, e depois em parceria com Rubens Lucchetti, que
sonhava ter seus livros (literatura de vampiros e quadrinhos) ilustrados por
Rosso, passando assim a produzir para um outro segmento que Jerusa Pires
Ferreira chamou de “cultura das bordas”.
Arlindo Pinto de Sousa, em depoimento ao projeto Editando o
Editor
4
, diz ainda que recorria a Nico Rosso para ilustrar alguns títulos
3
Cf. ‘O início do design de livro no Brasil’, p. 164. In: Uma Introdução à História do Design. São Paulo:
2000.
133
publicados por sua Editora, a popular Luzeiro, configurando-se num
trabalho de natureza avulsa, mas demonstra que o artista era bastante
requisitado por editoras populares.
A análise de todas as capas desenhadas por Rosso para os volumes
da ‘Coleção Saraiva’ ficará para trabalho futuro. Por enquanto, fez-se a
opção pelo estudo das que foram produzidas pelo artista para os romances
de Dumas para a mesma coleção.
Percebe-se que, apesar de serem brochuras populares, a diagramação
dos volumes editados pela ‘coleção Saraiva’ foi bem cuidada no sentido do
texto trazer margens definidas, uniformização de tipos e entrelinhas,
espacejamentos iguais, visando contribuir com a melhoria do aspecto
gráfico do pequeno livro, talvez para compensar carências como a baixa
qualidade do papel e o formato de brochura.
Todas as capas de Rosso para a ‘coleção Saraiva’ vêm assinadas.
Isso demonstra uma valorização do trabalho do artista enquanto ilustrador
que, por sua vez, “remete à uma tradição estabelecida no meio da gravura e
serve como fator de valorização da capa, associando-a a um artista de
renome”.
5
De certo, a Saraiva se serviu de tal estratégia ao contratar Rosso
para desenhar as capas da coleção. Percebe-se que qualquer detalhe era
importante nesse contexto de produção de livros para as massas, na disputa
por mercado. E é claro que a tradição e a credibilidade do trabalho de
Rosso contavam muito no respectivo ambiente de comércio do livro
popular.
É importante lembrar que, quase no mesmo período do que está
sendo tratando, os créditos do ilustrador nas obras eram praticamente
ignorados ou às vezes apareciam em tipos pequenos, numa das páginas
internas de apresentação. Ou seja, o trabalho do ilustrador ainda era muito
4
Cf. ‘Arlindo Pinto de Souza. Editando o Editor 5’. São Paulo: Edusp/ Com Arte, 1995. Direção: Jerusa
Pires Ferreira e Plínio Martins Filho.
5
Cardoso, Rafael. Introdução à História Design de Livro no Brasil, p. 180.
134
pouco valorizado. Era como se ele não tivesse participação na obra. De
modo que a assinatura do ilustrador (Rosso) nas capas da ‘coleção Saraiva’
se configura num avanço para a época, mesmo se tratando de uma rara
exceção.
No universo da produção literária popular, na França, no século XIX
e primeira metade do XX, Charles Grivel (‘De la couverture illustré du
roman populaire’)
6
lembra que as capas eram anônimas, em sua maioria, e
mesmo quando os nomes dos desenhistas eram divulgados não significava
que eles tenham sido realmente identificados pela massa de leitores. Para o
autor, a questão do anonimato pouco importa, o que está em discussão “é a
espécie do desenho de capa e o estilo”.
7
Foram cinco capas de romances de Dumas ilustradas por Rosso para
a ‘coleção Saraiva’. Todas fazem referência visualmente a algum trecho
narrado dos enredos. Parecem pequenos quadros pintados, cujos desenhos
ocupam capas e quartas capas inteiras, em quatro cores.
Do texto tipográfico das capas (nome do autor, título da obra, nome
do ilustrador e editora, todos em preto) se destacam alguns títulos que
parecem desenhados à mão. Cecília faz referência à uma assinatura, talvez
em alusão ao nome da personagem do romance. O título O Salteador
sugere ser escrito à mão (em letra cursiva, onde os traços revelam
ondulações típicas). Os títulos de A Conquista de Nápoles e Emma Lyonna
estão mais próximos de traços (letras) da impressão tipográfica. Outro
padrão visual que se repete é o nome da editora, sempre numa tarja
amarela, na parte inferior das capas, escrito em letra cursiva, fixando-se
como uma espécie de logotipo da coleção.
6
In: Production(s) du Populaire. Actes du Colloque International de Liomges (14-16 mai 2002).
Limoges: PULIM, 2004.
7
Idem
135
Pode-se dizer que todo o conjunto de capas produzidas por Rosso
para a ‘coleção Saraiva’ se configura numa memória visual (das capas) que
aliada a outros recursos, inclusive o da memória dos enredos disseminada
no imaginário brasileiro, deve ter influenciado também na
escolha/‘reconhecimento’ dos leitores de tais brochuras populares. Percebe-
se que a aposta na exclusividade do trabalho de Rosso, por parte da
Saraiva, para a produção dessas capas tem a ver com uma estratégia de
fixar cada vez mais um conjunto imagético para atrair mercado, bem como
o ‘reconhecimento’ imediato de repertório. Claro que tudo isso está
relacionado com o momento de popularização do livro no Brasil; e com o
próprio desempenho individual de um desenhista de talento como Rosso.
Também uma das considerações que Boris Kossoy faz a respeito de
‘memória e fotografia’ se presta para as reflexões aqui tratadas sobre capas
de livros: “O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o
congelamento do gesto e da paisagem, e portanto a perpetuação de um
momento, em outras palavras, da memória: memória do indivíduo, da
comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da
natureza. A cena registrada na imagem não se repetirá jamais. O momento
vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível” (Fotografia &
História, p. 155).
A idéia de ‘congelamento’ de imagens e gestos como perpetuador de
memória dos mais diversos tipos também pode ser observada na linguagem
do desenho, sobretudo nos de Rosso tratados, que fixou em
imagens/desenhos fragmentos de cenas folhetinescas narradas. Ele criou
um conjunto imagético e de memória digno de ser reconstituído, em sua
totalidade, para que se tenha conhecimento de um dos aspectos da história
da editoração popular no país, como o surgimento das capas ilustradas e
coloridas que substituíram, com sucesso, as antigas capas tipográficas, sem
atrativo visual.
136
Foram realizados alguns trabalhos acadêmicos sobre capas
produzidas por artistas de renome nacional (a exemplo de A ilustração na
produção literária: São Paulo - década de 20), mas é desconhecido estudo
do tema analisando a produção de um desenhista/ilustrador ligado ao
mercado de livros populares e das ‘bordas’, como foi o caso de Nico Rosso.
Do ponto de vista de uma análise teórica sobre capas de livros, vem
de Charles Grivel as principais considerações sobretudo no texto ‘De la
couverture illustré du roman populaire’. Para o autor, a capa, ao contrário
do que se pensa, tem muita importância na composição geral do livro. Ele
fala da estreita relação aí entre texto e ilustração, dizendo que a capa se
“relaciona com o conteúdo da obra”, inaugura o volume e mais: que a
“narrativa tende a remeter à primeira página”. Pode-se afirmar que todos os
aspectos apresentados pelo autor comparecem nas capas de Rosso em
questão.
Grivel diz que a capa passou a ter ‘forma e valor’, após o processo de
massificação da literatura popular no século XIX, constituindo-se numa
“embalagem” criada para cumprir as exigências do mercado popular de
livros. Segundo ele, consiste no mecanismo responsável pela apresentação
do produto. Em sentido mais amplo, trata-se da página pela qual o leitor é
introduzido no mundo do livro. No primeiro contato, ele “imagina ser
informando sobre seu conteúdo, cria expectativa, avalia suas chances de
satisfação, e decide passar à ação ou escritura”.
No que se refere à questão da leitura de textos folhetinescos da qual
nos ocupamos, para além dos atrativos visuais atribuídos à capa, segundo
Grivel, ela também tem função de iniciar a leitura. Por seu intermédio “o
leitor tem acesso ao mostrar/dizer do livro” (p. 28).
A Conquista de Nápoles traz as figuras dos personagens centrais da
história, Emma e Nelson, em poses estáticas de meio corpo. Ele está no
primeiro plano da imagem, vestido como nobre, em referência aos fatos
137
narrados. Ela aparece em segundo, de perfil. O ilustrador retratou o porte
aristocrático dela, a nobreza das vestes brancas, e o chapéu em tons beges
de fino acabamento. O desenho/pintura possui uma profunda simetria de
modo que, mesmo utilizando primeiro e segundo planos para a
apresentação da figura masculina e feminina, respectivamente, os detalhes
de ambas se interligam e se complementam. O conjunto sugere que Nelson
está numa atitude de proteção à Emma, ao aparecer em primeiro plano e
com semblante sisudo. O casal parece pousar para uma fotografia! Sutil
alusão, se lembrarmos a influência da referida técnica no contexto de
disseminação/popularização da imagem, nas primeiras décadas do século
anterior.
Em contraste com a natureza estática dos personagens na capa, a
quarta capa traduz os movimentos (ou performances) de todos. No interior
de uma sala ou quarto, um homem, com espada em punho, dirige-se a um
aposento onde está um suposto prisioneiro, cuja face demonstra desespero,
prestando-lhe socorro. Tal conjunto imagético significa que o ilustrador
escolheu aspectos narrativos diferentes da obra para ilustrar ambas as
capas. Predominam os tons verde-lodo nas vestes dos personagens e o
verde claro no ambiente. Trata-se de uma capa dupla, a exemplo das
produzidas na década de vinte do século passado
8
. A mesma técnica de
produção de ‘capas panorâmicas’ se repete nos três outros volumes citados
a seguir. O requinte do projeto, em se tratando de sua natureza popular,
conta com orelhas internas reservadas às resenhas sobre a obra do mês e o
futuro lançamento, o que demonstra que todo espaço gráfico das brochuras
era utilizado.
Cecília é o número 214 da ‘coleção Saraiva’. Na ilustração de capa a
personagem está sentada numa cama, com semblante apreensivo. As cores
escuras do desenho dão o aspecto de um ambiente escuro e mal iluminado
8
Cf. A ilustração na produção literária: São Paulo - década de 20, 1985.
138
que contrasta com a face clara e delicada da jovem, trajando vestes
esverdeadas. Está em posição estática na imagem. Percebe-se que se trata
de uma tendência do desenho de Rosso, ao retratar figuras humanas em
suas capas. Aliás, ele tinha verdadeira predileção por desenhá-las,
principalmente as mulheres. Marco Aurélio Lucchetti chama a atenção para
esse aspecto, ao se referir à produção de desenhos de Rosso para as
histórias em quadrinhos, em parceria com Rubens Lucchetti nos anos 60 do
século passado. Nas capas da ‘coleção Saraiva’ se mantém o mesmo
fascínio dele por figuras femininas.
A quarta capa, em tons escuros, explorando mais o preto, revela toda
imensidão do cenário de um oceano, o escuro da paisagem (sugerindo
nuvens pesadas) e uma embarcação negra à deriva. Toda essa representação
visual traduz o cenário de tristeza onde se dá o suicídio da heroína, após
saber que seu amado faleceu. Ela se joga no mar. O conjunto de imagens
parece mais uma tela que um simples desenho, dada a intensidade
cromática. Percebe-se que, em todas suas capas, Rosso joga com a técnica
claro/escuro, em tons mais apurados, que não trazem a monotonia do
preto/branco. Aqui, ele mescla cores escuras para conseguir um resultado
mais rico. O preenchimento de toda a página (quarta capa de Cecília),
sugerindo verdadeiras pinceladas, demonstra semelhanças com a
linguagem das artes plásticas. O curioso é que esta quarta capa, em
especial, é também assinada pelo artista prática adotada por ele só com
relação às capas, para valorizar a imagem/desenho.
Aliás, em ‘De la couverture illustré du roman populaire’, Grivel faz
um breve comentário sobre o aspecto de tela que a capa representa. Para
ele, o “romance popular se mediatiza com o seu próprio movimento e se
projeta, ele mesmo, retrospectivamente e projetivamente para a tela que a
capa ilustrada constitui” (p. 293), ou seja, o conjunto ilustrativo em si da
capa se aproxima de uma tela. Nesse caso, as capas de Rosso aqui citadas
139
têm duplo valor de tela, tendo em vista que a riqueza plástica de cada uma
(capa e quarta capa) se assemelha a pequenos quadros pintados. Grivel
desenvolve melhor essa idéia no texto ‘A passagem à tela’, ampliando o
estudo para as ilustrações internas dos romances populares. Para ele, a
página do livro é um conjunto visual, mais especificamente, uma primeira
tela e a “mais acessível por enquanto”. E nos diz: “colocar em imagem faz
tela”, ou seja, a ilustração também é uma tela e conclui: “uma página
ilustrada é uma tela dupla” (Revista Projeto História, no. 21, 2000).
A personagem Cecília apresenta fortes características das heroínas
românticas: delicada, frágil, pálida e uma vida cheia de sofrimentos. Sua
imagem na capa de Rosso sintetiza esse perfil. Pertencente à uma família
de nobres franceses, ainda criança, deixa o país na companhia da mãe e da
avó para viver em Londres, em virtude das perseguições decorrentes dos
desdobramentos da Revolução Francesa. Vão morar numa pobre
residência, cedida por amigos, passando por grandes dificuldades. Conhece
e se apaixona por Maurício, sobrinho de sua madrinha, e ficam noivos.
Oficial do exército, ele parte em missão para a América do Sul e contrai
febre amarela. Morre no navio. Meses depois ela sabe da triste notícia.
Inconformada com a morte do amado, embarca clandestinamente em navio
que partia para o mesmo continente. No local onde o corpo de Maurício
fora lançado ao mar, Cecília se suicida nas mesmas águas. Daí a razão do
desenho da quarta capa ser uma embarcação em alto mar, em
correspondência com o enredo.
Trata-se de mais uma capa dupla de Rosso, cujas ilustrações,
aparentemente distintas, foram planejadas para dar ao livro aberto um
aspecto de continuidade das cenas narradas, com muita cor.
IV - Reproduções de capas de Nico Rosso, Coleção Saraiva, para romances de
Alexandre Dumas
Coleção Saraiva, n. 85, 1955
Coleção Saraiva, n. 214, 1966
Coleção Saraiva, n. 224, 1967
Coleção Saraiva, n. 244, 1968
Coleção Saraiva, n. 201, s/d
141
O romance O Salteador corresponde ao número 85 da ‘coleção
Saraiva’. A capa de Rosso retrata o trecho narrativo em que a bela cigana
Giesta e o salteador Fernando vêem em chamas a montanha onde moram,
um incêndio criminoso, provocado pelas tropas do rei Dom Carlos (da
Espanha), para capturar o salteador mais procurado do país. A donzela, que
conhecia como ninguém aquele espaço, parte para pedir uma audiência
com o rei, revelando-lhe um segredo que salvaria seu amado (amor não
correspondido): era irmã bastarda do soberano.
Rosso retrata, em primeiro plano (imagem de quase corpo inteiro),
diríamos até um close, uma cigana de beleza exuberante. Tem movimentos
e gestos delicados, apesar de ser representada em fuga e com expressão
aflita. Pode-se dizer que a linguagem do desenho está muito próxima da
fotografia, dada a perfeição com que é criado. Fernando, a figura
masculina, aparece em perfil, em segundo plano, e um pouco estereotipada,
sugerindo a fisionomia de um homem rude.
Yone Soares (1985), ao estudar as capas literárias da década de 20 do
século passado, desenhadas por artistas de renome, chama a atenção para a
tentativa deles de expressarem movimento na construção das imagens. Sem
pretender uma comparação mais estreita, mas admitindo influências,
sobretudo quando se trata de tema comum (ilustrações de capas), é curioso
observar que, entre as capas de Rosso para os romances de Dumas, a
produzida para O Salteador e Ema Lyonna são
as que traduzem
movimentos, ou seja, sugere performances das personagens envolvidas, ao
contrário das figuras estáticas nas demais. Versátil como foi, no que se
refere às capas da ‘coleção Saraiva’, pode-se dizer que o artista mesclou
dois procedimentos criativos: retratar figuras humanas nas capas e
ambientes e paisagens, nas quartas capas, em referência aos fatos narrados.
Na quarta capa de O Salteador se tem movimentos e força dos
gestos, uma verdadeira performance dos personagens traduzida em
142
imagens. O conjunto sintetiza visualmente (em cores fortes) o duelo entre
Fernando e o pai Dom Ruiz (ou melhor, o padrasto, pois ele próprio
desconhecia esse fato). Dom Ruiz desce as escadas ferido e ainda com
espada em punho. É amparado por Dom Ramiro, amigo da família. Ambos
se olham de maneira aflita.
Ema Lyonna é o número 244 da ‘coleção Saraiva’, edição de 1968.
Os cinco volumes têm as capas desenhadas por Rosso. Nas orelhas há um
breve resumo do romance e uma resenha sobre a obra Uma só Carne, de
Ondina Ferreira, também tradutora da Saraiva.
A ilustração de capa traz um casal escalando um muro com uma
corda. Ela está recostada ao corpo do rapaz. Supostamente, foi salva pelo
cavalheiro. Sua expressão cabisbaixa demonstra fragilidade. O conjunto
visual introduz o clima de suspense para o leitor quanto aos fatos a serem
narrados. Os tons escuros do desenho denotam o ar sinistro no ambiente.
Aliás, nesta capa Rosso emprega com abundância a técnica do claro-escuro
(sua preferida), predominando o escuro para transmitir o aspecto de terror
do espaço (uma masmorra). Algumas frestas de luz penetram no local. Os
tons claros são explorados nas vestes dos personagens: a camisa branca do
herói e o vestido rosa da moça, sugerindo delicadeza de espírito de ambos.
A quarta capa retrata uma cena tensa. Uma jovem está estendida no
chão e um homem a puxa pelos cabelos. Dois homens estão com
espingardas em punho apontadas para a personagem caída. Ambas as cenas
traduzem a sensação de movimento, que está implícita no texto impresso
que, por sua vez, migra para o visual nos traços de Nico Rosso.
Outro aspecto visual que aparece nesta análise é a relação da
ilustração de capa com o título da obra. Cecília e Emma são personagens-
título e suas figuras ilustram as respectivas capas dos romances.
Os Três Mosqueteiros, no 201 da coleção, traz na capa os
imponentes e clássicos personagens: Atos, Porthos, e Aramis, no centro da
143
página, com roupas e acessórios retratados, conforme descrito no
imemorial texto de Dumas e sedimentado em inúmeras imagens, quer
impressas ou do cinema via as várias adaptações. São mostrados como se
estivessem posando para uma foto (é flagrante essa tendência do desenho
de Rosso). Usa cores quentes, como estratégia para atrair o olhar. Por
exemplo, as letras do título são desenhadas em vermelho, num fundo
laranja, contrastando com as cores das vestimentas dos heróis: camisas
azuis e calças pretas.
Em oposição ao estático da capa, a quarta capa retrata um ambiente
onde os heróis estão atuando. Predominam as cores bordô e amarelo
(quentes) como fundo do local. As figuras de dois mosqueteiros, em plano
médio, aparecem em posição de combate com espingardas ao invés de
espadas, como na primeira página. Uma nítida colagem imagética de armas
de combate usadas pelos personagens.
A pesquisa de Yone Soares de Lima sobre as capas de obras literárias
da década de 20 (A ilustração na produção literária: São Paulo - década
de 20) se presta para pensarmos na riqueza das capas dos romances de
Alexandre Dumas, publicados pela Editora Saraiva, em duas coleções. É
impressionante como tendências e características que a autora aponta no
conjunto visual formado pelas capas de obras da literatura brasileira,
produzidas na década de 20, se repetem em ilustrações de capas de
romances populares entre as décadas de 50 e 60 do século XX,
particularmente, os publicados pela Editora Saraiva de São Paulo.
Yone diz que algumas ilustrações de obras foram criadas para a
ocuparem “a dimensão total do livro aberto, de tal forma que a imagem da
primeira capa ultrapassasse a lombada e a alcançasse a quarta capa. O
desenho não sofria solução de continuidade, resultando em imagens de total
autonomia gráfica” (Lima, 1985: 161), como forma de enriquecimento
plástico da capa do livro.
144
Constata-se que esse mesmo procedimento de criação de capas do
início do século passado se repete nas desenhadas por Nico Rosso para
todos os romances da “coleção Saraiva”, inclusive os de Dumas. O que se
vê ao fechar as brochuras são imagens distintas de capa e quarta capa, em
cores vivas, traços fortes e jogo de movimentos traduzidos por imagens.
Pode-se dizer que se tratam de capas artísticas, dado o requinte de criação.
Nos romances Cecília, A Conquista de Nápoles, Emma Lyonnna, O
Salteador e Os Três Mosqueteiros, por exemplo, percebe-se que as imagens
assumem a totalidade das capas (a primeira e a quarta). Com os livros
fechados ambas se tornam independentes visualmente, embora não deixem
de formar um conjunto harmonioso e atraente, sempre jogando com a
natureza estática/movimento das imagens.
Como já foi mencionado, nas capas de Rosso, o elemento figurativo,
ou seja, a figura humana é valorizada, em detrimento de outros elementos
visuais, como o aspecto ornamental (filetes, fitas, cercaduras, etc.). Em
geral, essa “capa figurativa” traduz em imagens uma cena ou episódio
marcante da história narrada cuidadosamente escolhida pelo ilustrador para
produzir impacto visual através de imagens e cores. Em se tratando de
narrativas folhetinescas não faltam episódios, com forte apelo visual,
prontos para serem traduzidos em imagens. De um modo geral, o que se
tem nesse universo de histórias é o texto visual muito próximo do verbal.
Predominam nas ilustrações de Rosso cenas narradas com detalhes e muita
cor, em conformidade com o texto verbal.
*****
Da Editora Saraiva, excepcionalmente, Rosso só iria ilustrar mais
tarde O Visconde de Bragelone (em seis volumes), da série D’Artagnan,
coleção Romances de Alexandre Dumas. Ao que parece, foi o último
trabalho do artista para a editora, tendo em vista que a coleção prossegue e
145
seu nome não figura em nenhum outro título ou obra avulsa após 1962 (ano
de publicação da série D’Artagnan). Os demais romances da coleção
tiveram as capas ilustradas, mas o nome do artista não é informado. Tudo
indica que foi desenvolvido por outro profissional, que talvez não gozasse
do prestígio de Rosso.
Os volumes de O Visconde de Bragelone são ilustrados
internamente, demonstrando requinte, ao contrário da ‘coleção Saraiva’ que
só teve as capas ilustradas. Todas as ilustrações são em preto, gravadas em
papel branco de qualidade, o que dá um destaque especial aos livros.
Parece ser uma tentativa de otimizar o projeto gráfico da coleção com a
inserção de desenhos de Rosso, que já trabalhava para a editora há algum
tempo, portanto, seu ‘texto visual’ já era facilmente ‘reconhecido’ pelo
público, fazia parte de uma ‘memória coletiva’. Mais ainda: sugere a
tentativa de produção de um livro de luxo (para abrigar a coleção de
Dumas), em virtude do formato, qualidade do papel, características da
edição (letras, espaçamentos, maior cuidado com divisão de capítulos, etc.).
Mas, pelo visto, a participação de Rosso no suposto projeto foi
interrompida, não se sabe o porquê.
A capa traz uma ilustração grande do cabo de uma espada, em realce,
no centro da página, em três cores (pink, a predominante, azul e amarelo).
A figura representa, para além de qualquer cena de batalha, a grande
aventura dos três amigos/mosqueteiros, imortalizados nas páginas
folhetinescas de Dumas, nas grandes obras que tratam do tema: Os Três
Mosqueteiros e O Visconde de Bragelonne.
No canto inferior da capa, em miniatura, há um chapéu de
mosqueteiro, compondo uma espécie de vinheta ou logomarca que
enriquece o conjunto visual. Com a mesma função de vinheta, repete-se na
folha de rosto de todos os volumes uma imagem em preto e branco de dois
mosqueteiros em combate.
146
Enfim, o recorte apresentado das ilustrações de capas de alguns
romances de Alexandre Dumas, publicados pela Saraiva, teve o objetivo de
recompor parte da memória dessas capas, que se configuram também como
textos, segundo Lotman. Estiveram relacionadas à história do livro popular
em nosso país, em conformidade com os avanços na área da editoração. Tal
conjunto, composto de imagens atraentes e cores vivas, também contribuiu
para seduzir leitores de um repertório folhetinesco e imemorial, como os
romances de Dumas, por exemplo.
Capítulo V - Editora Clube do Livro: histórico/procedimentos
e a Edição de Romances-folhetins de Dumas
Histórico/procedimentos
O Clube do Livro foi fundado em São Paulo, em 19 de julho de
1943, por um grupo de intelectuais. Presidido por Mário Graciotti, é o
primeiro no Brasil a publicar livros populares mensais a preços baixos.
Conforme foi dito no capítulo anterior, nota-se que seus
representantes idealizaram na década de 40 do século passado um projeto
de leitura de obras literárias para o povo, que consistia na publicação de um
livro a cada mês, sem distinção entre literatura popular e a chamada
erudita, não havendo hierarquia entre ambas as vertentes. Os discursos das
‘notas explicativas’ destacam a iniciativa nobre do grupo, em criar e pôr em
prática tal projeto de abrangência nacional, visando o enriquecimento
cultural do povo através do acesso à leitura, seguido pela Editora Saraiva
cinco anos depois.
Do ponto de vista do escoamento da produção, o clube criou uma
estrutura de venda dinâmica cobrindo os principais modos de
comercialização da época: no espaço tradicional da livraria, pelo correio e
através da venda ambulante, por representantes espalhados em todo o
Brasil. Os anúncios de novas publicações eram divulgados em informes no
início ou no final dos títulos, em circulação, para que o público se
mantivesse informado sobre os futuros lançamentos. Também era
disponibilizada uma espécie de ‘catálogo’ de obras já editadas pelo clube.
No decorrer dos anos, a editora foi crescendo e conseguiu que seus
livros circulassem via outros canais, sem descartar os tradicionais já citados
que lhe conferiram visibilidade em todo o país. Segundo o pesquisador
John Milton (que estudou a literatura inglesa e norte-americana aí
148
traduzidas), o clube não só foi fundado durante a Ditadura Vargas, como
alcançou o regime militar de 1964, mantendo inclusive boas relações com o
último, o que permitiu que suas publicações fossem compradas pelo
governo para escolas e bibliotecas públicas, portanto, abrindo novas
possibilidades de conquista de um mercado cada vez mais disputado.
O autor explica ainda porque os títulos publicados pelo Clube do
Livro não incomodaram a censura durante ambos os regimes: “como não
houvesse censura prévia, as editoras eram obrigadas a submeter-se a uma
autocensura e evitar toda e qualquer matéria controversa. Era exatamente
esse o caso do Clube do Livro, uma vez que este, é claro, desejava manter
abertos os meios oficiais de distribuição para escolas e bibliotecas,
compradoras de um grande número de exemplares” (O Clube do Livro e a
Tradução, p. 27). Ou seja, para evitar que a censura oficial fosse exercida,
as editoras já descartavam previamente de suas listas as obras que
pudessem provocar proibições por parte do Estado, evitando assim
transtornos e prejuízos.
A Saraiva já era concorrente do clube há anos no ramo de publicação
de literatura em livros populares. A Editora Abril Cultural, dirigida por
Victor Civita, entra na disputa na década de 50 do século passado, seguida
pela Ediouro, do Rio de Janeiro.
É preciso levar em consideração que outras editoras populares
podem ter criado projetos com os mesmos propósitos e que permanecem
desconhecidos até os dias atuais, do mesmo modo que os da Saraiva e do
Clube do Livro (em questão) não poderiam jamais ser lembrados se a
pesquisa sobre a história da edição dos romances de Dumas aqui realizada
não os tivesse revelado. Aliás, um estudo que privilegie o mapeamento de
textos sempre estará em íntima relação com a reconstituição de práticas de
leitura, permitindo que projetos, como os já citados, venham à tona.
Acredita-se que outros levantamentos e análises das circunstâncias em que
149
foram produzidas coleções populares (processos de produção e circulação
de textos) esclarecerão sobre momentos e aspectos importantes ainda
esquecidos da memória editorial popular do país.
Neste trabalho, por exemplo, quando estávamos atentos para
entender processos de circulação e de leitura em si do romance-folhetim de
Dumas no Brasil, percebemos que um conjunto mais amplo de textos
(romances) foi veiculado como leitura para o povo, mas de certo
compartilhado por interclasses sociais, ou seja, também pelo público
‘erudito’. Não se tratava mais de disseminar apenas literatura popular para
um público popular mas a literatura chamada erudita, afinal, o povo
também queria ter acesso a obras consideradas de ‘qualidade’ (no perfil de
produção dos textos está implícita uma demanda). Por sua vez, o leitor
‘culto’ lia com prazer a literatura de ‘segundo time’ que circulava nas
respectivas brochuras. Nesse caso, o que indicava o destino popular dos
textos era o suporte (livro popular) e não o repertório em si, que era
diversificado e com fins popularizantes.
A cada mês, o Clube traduzia um romance da literatura estrangeira
ou publicava um título da literatura nacional, em edição a baixo custo. Em
geral, já eram obras de domínio público para evitar despesas com
pagamento de direitos autorais. Tal modelo de publicação alcançou enorme
sucesso em todo o Brasil, com tiragens exorbitantes. Em 1969, já tinham
sido vendidos mais de 60.000 livros, que podiam ser “encontrados nos
lares, nas escolas, nas bibliotecas, nas usinas, nos quartéis do Brasil”,
segundo informam os prefácios. Como parte da distribuição era feita via
postal, os sócios podiam escolher os livros de preferência, a partir de
‘catálogos’ disponíveis nas próprias obras comercializadas.
Segundo John Milton (2002), com a concorrência das Editoras
Saraiva e Ática, as vendas do Clube do Livro caíram nos anos 70 do século
passado. Em novembro de 1973, foi vendido à Revista dos Tribunais,
150
proprietária da maior gráfica de livros de São Paulo. Interrompe as
publicações em 1976. Depois a editora foi repassada à Ática, em troca de
uma dívida, só voltando a publicar em 1983. No ano seguinte, Mário
Graciotti deixa o cargo de editor-geral. Procurando modernizar a imagem
do Clube, a Ática publica novas traduções e antigas reedições, mas em
1989 é incorporado à Estação Liberdade, um segmento da editora, cuja
marca passou a figurar nas capas dos livros (Milton, O Clube do Livro e a
Tradução, 2002).
Em seus primórdios, a proposta básica da equipe do clube era
publicar livros a baixo custo para permitir que pessoas do povo formassem
suas bibliotecas individuais de ‘obras clássicas’, possibilitando o
crescimento intelectual do indivíduo e conseqüentemente cultural da nação.
“Tradução especial”
A expressão ‘tradução especial’ consistia num eufemismo usado pelo
Clube para informar que a obra foi adaptada, ou seja, que houve
principalmente cortes na tradução do original para fazer caber o texto no
padrão editorial aproximado de 160 páginas. Era um procedimento adotado
em muitas traduções do clube à época
1
.
De fundamental importância, nesse sentido, é o depoimento de
Chartier sobre as características dos folhetos/impressos para o povo, na
França do século XVIII, válido para qualquer estudo sobre o assunto: “As
especificidades fundamentais da bibliothèque bleue remete às intervenções
editoriais operadas sobre os textos a fim de torná-los legíveis para as largas
clientelas a que são destinados. Todo esse trabalho de adaptação – que
diminui, simplifica, recorta e ilustra os textos – é comandado pela maneira
através da qual os livreiros e impressores especializados nesse mercado
1
Cf. Milton, John. O Clube do Livro e a Tradução, 2002.
151
representam as competências e expectativas de seus compradores. Assim,
as próprias estruturas do livro são dirigidas pelo modo de leitura que os
editores pensam ser o da clientela almejada” (A Ordem dos Livros, p. 20).
Se, por um lado, os procedimentos do Clube do Livro em adaptar
obras traduzidas a ponto de efetuar cortes para padronizar seus volumes
parece ser natural nos quadros de uma indústria massiva do livro popular
aqui, cenário explicitado por Chartier na realidade francesa, chega a ser
preocupante do ponto de vista da formação individual do nosso leitor
popular. Há que se considerar que ele teve acesso a clássicos literários
fragmentados. Sim, porque Dumas foi divulgado como tal na maior parte
desse circuito brasileiro adaptativo. Entende-se que restará a sensação de
um conteúdo a ser reposto, uma dívida para com esse leitor, que talvez não
teve/terá nova oportunidade de consultar no futuro uma edição mais
completa. Não há como negar que tais mecanismos adaptativos tem a ver
com uma certa postura editorial (implícita), à época, estabelecendo que o
livro dirigido ao público popular podia sofrer ajustes e até significativos
cortes, em nome do comércio massivo.
Além da Família Corsa (citada adiante), encontra-se em Um Ano em
Florença (1952) um flagrante do uso da tesoura em traduções de Dumas
pelo clube. A análise de todas as edições do autor pela respectiva editora,
nessa perspectiva, ficará para trabalho futuro.
Na falta de uma edição francesa para cotejo, recorremos à versão
‘integral’ disponibilizada na Biblioteca on-line da “Sociedade Amigos de
Dumas”
2
e verificou-se que os dez primeiros capítulos da obra foram
suprimidos na tradução brasileira. São aqueles sobre os percursos que o
autor teria feito de Marselha a Florença, na Itália, nos anos 1837 e 1838. De
certo, o tradutor brasileiro os julgou desnecessários, optando por focar só a
ação narrada em território italiano, já que o título do romance é enfático
2
Cf. Site: http://www.dumaspere.com
152
nesse sentido. No próprio corpus do que foi selecionado (daquilo que foi
escolhido para permanecer em letra impressa) na tradução brasileira, há
procedimentos que merecem ser citados nesse contexto de edição. Por
exemplo, o capítulo “De Livorno a Florença”, relativamente extenso na
versão on-line, é cortado em mais da metade no texto em português.
Conforme a seqüência do texto “integral” francês, o que seria o
primeiro capítulo (Genes est Superbe) na tradução brasileira, após os cortes
dos capítulos anteriores já citados, passa a ser o último. Tais aspectos
demonstram como o clube, em especial, lidou com os textos traduzidos, a
partir de uma visão de modelo do que seria uma edição popular e de uma
perspectiva de distribuição massiva de obras literárias no período.
Por outro lado, havia o cuidado dos mesmos editores quanto ao uso
da língua padrão, nas traduções ou obras literárias nacionais publicadas,
visando um correto conhecimento do idioma brasileiro por parte dos
leitores. Muitos podiam naquele momento estar sendo iniciados na leitura
de tais textos. Percebe-se aí o compromisso pedagógico da editora com a
correta aprendizagem da língua culta por parte do público, configurando-se
numa meta a ser cumprida no âmbito de seu projeto de leitura. Era também
incentivado o hábito de colecionar os volumes adquiridos de modo que os
leitores formassem, aos poucos, suas futuras bibliotecas particulares. Sendo
assim, o uso correto da língua portuguesa era exigência básica. Antes de
tudo, leitores estavam sendo formados.
Tanto a Saraiva como o Clube do Livro organizaram projetos
editoriais com pretensões sociais amplas e até ousadas. Em primeiro lugar,
pelo fato dos idealizadores incentivarem um programa de leitura
independente e à distância para todo o país, contando apenas com a eficácia
dos meios de circulação já citados e com a avidez dos leitores pelos textos.
Em se tratando das dificuldades sociais e econômicas que o país enfrentava
na época, se pode dizer que o empreendimento editorial, com fins
153
educativos, foi uma façanha, se pensarmos que ainda hoje é difícil
conscientizar as pessoas quanto à importância da leitura na formação
individual e conquista da cidadania. São inúmeras as campanhas sobre o
tema incentivadas por órgãos governamentais, escolas e outras instituições
e, mesmo assim, os avanços são tímidos. E naquele momento parece que
existiu um profundo entusiasmo que contagiou editores e público: a paixão
pelo livro e pela leitura.
Por outro lado, o estímulo à formação de bibliotecas individuais,
medida providencial na época para garantir a eficácia de tal projeto de
leitura em vigor, também se constituiu num avanço em termos culturais, no
sentido de incentivar o cidadão comum a não só comprar livros avulsos,
mas, formar de maneira gradativa, seu próprio acervo, para adquirir novos
conhecimentos através da leitura contínua. Creio que ambos os projetos
foram arrojados para o período. Nos dias de hoje se sabe das dificuldades
para manter operante qualquer biblioteca pública no país, por exemplo.
Fundar novas bibliotecas consiste numa verdadeira saga, apesar de
incentivos de órgãos governamentais e privados, que muitas vezes se
comprometem em doar parte dos acervos. Os casos de bibliotecas
particulares são comuns entre pessoas com grau de formação avançada,
como médicos, professores, engenheiros, advogados e outros profissionais
ligados a pesquisas acadêmicas. Entre as classes populares, ainda são raras
as bibliotecas privadas, mesmo que pequenas. Não é hábito corrente do
cidadão comum adquirir livros com o propósito de formar seu próprio
acervo, isso não quer dizer que não os tenha em casa, mas creio que em
número reduzido e títulos avulsos. A ausência de uma biblioteca privada
não significa que o homem do povo não leia. Na grande maioria dos casos,
essas pessoas contam exclusivamente com empréstimos em bibliotecas
públicas, daí a importância dos acervos de tais instituições se manterem
atualizados e em pleno funcionamento.
154
Documentos de edição –
o papel das ‘notas explicativas’ e textos secundários afins
À medida que é reconstituída a história da edição dos romances de
Dumas pelo Clube do Livro, acompanha-se também a riqueza das ‘notas
explicativas’, orelhas e outros textos complementares que serviram para
apresentar os respectivos títulos, mantendo de certa forma um diálogo
permanente com o público. Tal conjunto de escritos secundários também
nos ajudou a seguir pistas, reconstituir percursos e processos rumo à
compreensão do fenômeno editorial e de leitura que representou a tradução
da obra de Dumas em livro popular no Brasil, no século XX até os dias de
hoje. Além de esclarecerem processos editoriais e de circulação de obras
populares no período, são de grande importância para a história do livro, da
leitura e da editoração popular no país.
Quadro de informes mensal da editora
O Clube do Livro reservou uma página anterior à folha de rosto para
a divulgação permanente de uma espécie de quadro mensal de avisos. Na
respectiva página de O Quarto Vermelho (dezembro de 1960), por
exemplo, constam informações sobre a fundação e o funcionamento da
editora, bem como normas para se tornar sócio direcionadas ao possível
leitor.
Os dois primeiros tópicos das informações editoriais versam sobre a
disposição dos representantes do Clube do Livro em incentivarem a leitura
em todo o Brasil, publicando a cada mês um livro, para viabilizar a criação
de bibliotecas particulares pelos sócios:
A fim de favorecer o gosto pela leitura e a formação de
bibliotecas econômicas, selecionadas e padronizadas, existe, em
São Paulo, O CLUBE DO LIVRO.
Mensalmente, desde julho de 1943, O CLUBE DO LIVRO vem
editando um livro de notório merecimento, a exemplo deste,
escolhido pelo seu conselho de seleção, e o envia ao seu sócio,
155
que, mediante o pagamento de trinta cruzeiros, se torna
proprietário do mesmo livro.
Também eram disponibilizadas as normas para assinaturas via
correio. Trata-se de um procedimento que se repete nas demais publicações
da editora.
E o texto passa a apresentar importantes informes sobre preços e
tipos de serviços oferecidos aos sócios/clientes em 1960, configurando-se
num importante documento para a memória do livro popular entre nós. É
do detalhamento sobre preços e como os editores populares procediam para
espalhar sua produção de livros pelos mais distantes lugarejos do país que
tratam os respectivos fragmentos de textos. Hoje, são materiais de grande
valor para o estudo da história da edição que se apresenta aqui.
As regram eram as seguintes: para os futuros sócios, residentes na
cidade de São Paulo, a assinatura mensal era de “trinta cruzeiros”, sem
taxas adicionais de entrega, feita através de carta enviada ao Clube do
Livro. Fora da capital, era permitido ao vendedor local (havia
representantes nas cidades) cobrar uma taxa de expediente de “vinte
cruzeiros”, quase o equivalente ao preço do livro. O serviço também era
disponibilizado para o exterior, ao custo de “quarenta cruzeiros” a
assinatura mensal. O sócio podia escolher ainda a assinatura semestral ou
anual, no valor de “180 ou 360 cruzeiros”, respectivamente, sem despesas
adicionais, tanto para capital como para todo o Brasil.
Em outro tópico, as recomendações revelam o cuidado dos editores
para que eventuais mudanças de endereço dos sócios não inviabilizassem o
recebimento das obras. Divulgam também uma rede de serviços de
assinatura eficiente, em vigor no país: a obra poderia ser entregue por
representantes locais, pelo serviço de assinatura ou por reembolso postal.
Tal empenho demonstra que eles apostaram muito nas respectivas opções
de venda para que efetivamente o livro chegasse ao leitor popular, sem
156
acesso a livrarias, em virtudes de dificuldades econômicas. Mas, naquele
momento, não era mais necessário sair de casa para adquirir o livro de
preferência:
Se o associado transferir a sua residência para qualquer cidade do
Brasil, o livro continuará a ser-lhe entregue pelo nosso representante, se
na localidade existir ou pelo serviço de assinatura semestral ou anual,
ou por reembolso postal, pedindo-o a EDIBRA (Editora e Distribuidora
Brasileira do Livro Ltda), Caixa Postal, 38, São Paulo, Brasil”.
As informações disponibilizadas na edição de O Quarto Vermelho
(de 1960) não cessam por aí. A primeira orelha traz um persuasivo anúncio
em letras garrafais “LIVROS INTEIRAMENTE GRÁTIS”. Tratava-se de
nova estratégia da editora para aumentar o número de assinaturas. Qualquer
sócio que indicasse novos assinantes (um, quatro ou dez, a cada vez)
ganharia uma obra do catálogo, conforme o anúncio: “escolha um dos
livros abaixo relacionados. Ser-lhe-á dado, grátis, se conseguir um novo
sócio para o Clube do Livro.
Supostamente, eram livros bastante requisitados para justificar a
ousadia da oferta e a disposição do sócio em se submeter a tal proposta. Do
ponto de vista comercial, tem-se aí um dos mecanismos mais populares
(creio que eficiente, haja vista sua longa permanência) para se vender ainda
hoje os mais diversos produtos, inclusive impressos populares no país,
criando uma espécie de cadeia em que um cliente é incentivado a assediar
pessoas de seu relacionamento a adquirem produtos que, em outras
circunstâncias, podiam não ser consumidos.
Em seguida, o editor faz duas outras propostas, oferecendo obras
diferentes do catálogo:
Se V.S. conseguir 4 sócios, ser-lhe-á dada, gratuitamente, a imortal obra de
Victor Hugo: “Os Miseráveis”. (...) Se V. S. conseguir 10 sócios, ser-lhe-á dado o
primeiro livro de viagens de Mário Graciotti, Europa Tranqüila (Prêmio ‘Carlos de
Laet’, da Academia Brasileira de Letras), atualmente em 4ª edição. Esta campanha
vigora nas localidades onde temos representantes”.
157
Acredita-se que os dois últimos romances oferecidos como ‘brindes’
(Os Miseráveis de Victor Hugo e Europa Tranqüila de Afonso Schmidt)
eram bastante requisitados, tendo em vista a disparidade entre o número de
sócios conseguidos (relativamente alto) para um único livro oferecido em
recompensa.
Comunicado aos distintos leitores
No texto introdutório de A Princesa Várvara e A Família Corsa o
editor informa aos distintos associados leitores e amigos, em tom de pesar,
o aumento no preço dos livros comercializados pelo clube a partir de junho
daquele ano (1972), em virtude da elevação do custo do papel e de
atividades ligadas ao processo de produção e circulação do produto no
período, caso contrário a editora teria de suspender os trabalhos prestados
há trinta anos, interrompendo assim um projeto de leitura ‘patriótico’ cujo
objetivo era o enriquecimento cultural do cidadão brasileiro. O texto
também é rico em detalhes sobre a logística de vendas e produção do livro,
conforme:
“O nosso trabalhoso e amado “Clube do Livro” não tem mais condições
econômicas para manter o seu livro mensal na base em que é cedido ao nosso sócio. A
majoração do papel, cartolina, taxas do correio, mão de obra gráfica, administrativa e
redacional, empacotamentos e transportes, que se vem processando de ano e meio a
esta parte nos leva a uma decisiva encruzilhada: ou passamos o nosso livro mensal, a
partir de 1
o
de junho p. f., a 5 cruzeiros, mantida a entrega a domicilio em todo o País,
ou seremos obrigados, com muito desgosto, a suspender a tarefa editorial que,
ininterruptamente, a serviço da cultura de nosso povo, de forma pioneira, em seu
tempo, estamos executando ao longo de trinta anos, sem propriamente objetivos
comerciais ou industriais. Não podemos continuar, se a receita não cobrir as despesas,
cada vez mais acentuadas”.
Na continuação do texto são revelados procedimentos editoriais (para
tornarem os livros mais atraentes) e comerciais do clube, que se empenhou
em publicar e fazer circular livro barato no país, no século passado.
“Com as características especiais de nossos lançamentos, no esquema de 160
páginas em papel “bouffant”, ilustradas, anotadas, capas coloridas, assinadas por
158
artista de renome, entregue o livro a domicilio nesta Capital ou em qualquer parte do
território nacional, continuaremos a ser, no gênero, o livro mais barato do Brasil”.
Nesse período (década de 70 do séc. XX), o clube já estava
vinculado à Revista dos Tribunais, sob a direção de um escritor e de um
economista, que prestavam serviços “não remunerados em prol da nossa
cultura”. Aliás, a idéia de dedicação extrema e até mesmo de sacrifício em
benefício da causa do livro barato se repete em prefácios e notas de edições
anteriores, em outro momento, quando o clube ainda não estava
subordinado à Revista dos Tribunais, conforme: “Nelson Palma Travassos
e o economista Carlos Henrique de Carvalho continuam a colocar no
limite do trabalho sem lucro a sua cooperação com a nossa obra cultural.
O editor diz que o clube se sentia honrado com o projeto de incentivo à
leitura no país que vinha desenvolvendo:
(...) Estimulando o gosto pela leitura, difundindo o livro limpo, bom e barato, no
Brasil, estamos conscientes de que colaboramos com um dos mais importantes setores
de nosso progresso, pois, fora do livro, como sabemos, não se alcançam os índices do
nosso pleno desenvolvimento.
A divulgação de prêmios recebidos como recursos de propaganda
Jabuti de 1960
No mesmo texto introdutório/nota explicativa de A Princesa Várvara
(de 1972) o clube reitera que a Câmara Brasileira do Livro (criada em
1946, com a finalidade de promover a indústria e o comércio do livro no
Brasil) concedeu o “Prêmio Jabuti de 1960” a Mario Graciotti,
considerando-o editor do ano”. Em outros casos, informes semelhantes se
repetiam em edições seguidas ou por anos a fio. A estratégia era rememorar
fatos marcantes sobre o desempenho da editora ao longo dos anos. Tudo
que representasse algum tipo de conquista ou reconhecimento do trabalho
do grupo era divulgado com alarde entre os leitores. E nada mais sugestivo
159
para compor esse quadro de propaganda permanente do que o anúncio de
obtenção de um prêmio tão significativo, com repercussão nacional.
A respectiva ‘nota explicativa’ fala do alcance dos livros populares
da editora nos lares brasileiros e das características ‘físicas’ das brochuras,
justificando ainda a razão da escritura dos referidos textos que objetivavam
trazer, de alguma maneira, subsídios para a formação gradual do leitor,
para além da leitura pura e simples da obra editada:
Como as edições, desde 1948, na condição de livro a preço mínimo, circulam,
livremente, em todos os lares e vêm sedo adotadas, pela sua linguagem correta, por
inúmeros estabelecimentos de ensino, procuramos, sempre que a ocasião nos oferece,
através de prefácios, introduções e notas ao pé das páginas, respeitando o caráter de
nossa linha editorial, comentar e explicar o texto, a fim de que a literatura cedida aos
nossos distintos associados e leitores de todo o país tenha o tríplice objetivo: recrear-
lhes o espírito, ilustrá-lo e, quando possível, elevá-lo”.
“Prêmio Nacional Clube do Livro”
Ainda na edição de A Princesa Várvara (na ‘nota explicativa’), o
editor menciona um concurso organizado pela diretoria do clube em 1971,
instituindo ‘O Prêmio Nacional Clube do Livro’, sem dúvida, uma
iniciativa para consolidar a imagem da editora no cenário brasileiro. Mais
uma vez se tem a divulgação reiterada de um fato acontecido (no ano
anterior), demonstrando que qualquer informe que tratasse da atuação do
clube era diversas vezes lembrado nessa espécie de ‘quadro de avisos’
permanente, em que foi se transformando a seção de notas explicativas no
decorrer dos anos. Era como se o espaço das respectivas notas no projeto
gráfico do livro popular, naquele momento, funcionasse como um
jornal/informativo, tendo em vista estreitar os laços entre a editora e o
leitor/cliente.
Por outro lado, a instituição do prêmio ‘Clube do Livro’ se
configurou num recorte para se perceber como a leitura de edições
populares devia ser intensa no período, a ponto de influenciar a realização
de um concurso. O evento parecia ser um termômetro para que os editores
160
observassem em que medida os anos de investimento em livro barato
estava dando retorno, sob a forma de produção literária. Ao mesmo tempo,
talvez tenha sido uma oportunidade concreta para avaliarem o que estava
sendo produzido no campo literário, ainda inédito no país, com a
possibilidade de revelação de novos talentos cujos textos seriam editados
pelo próprio clube. Tudo indica que se tratava dos primeiros passos para a
editora se lançar em novo projeto editorial. Caso contrário, não teria
sentido a realização de um concurso dessa natureza.
Foram 108 originais inscritos. O livro Lavrador da Noite, de
Fernando Jorge Uchoa, do Rio de Janeiro, primeiro lugar, recebeu uma
‘medalha’ do clube, além do direito de publicação na rede (do Clube do
Livro – estratégia rápida para a obra ganhar popularidade). O romance No
verão, a primavera de Lucília Junqueira de Almeida Prado, de
Orlândia/SP, recebeu o segundo lugar e também foi agraciado com
medalha. Os dois prêmios em dinheiro foram doados pelo SESC e pela
CODIL, respectivamente. Fizeram parte da comissão julgadora os
escritores Jacob Penteado, Osório de Castro, Caio Porfírio Carneiro e
Mário Barroso Ramos, este último representante do SESI, em sessão
presidida por Mário Graciotti, diretor do Clube do Livro.
A edição de A Princesa Várvara (1972) parece inesgotável quanto à
disponibilidade de um ‘texto editorial’ complementar à obra, com o
objetivo de situar os títulos publicados e esclarecer ao usuário/leitor sobre
os procedimentos do clube. Graças aos respectivos dados é possível
entender e reconstituir parte de um universo de leitura, em vigor durante
décadas no Brasil.
No verso da quarta capa da referida obra, em página inteira, é
anunciado o lançamento comemorativo do 30
o
ano aniversário do clube, a
serviço do livro limpo, bom e barato, no Brasil. A obra selecionada é “uma
preciosa coletânea do mestre Machado de Assis”, sob o título O CALIFA,
161
para festejar a data, demonstrando acima de tudo a postura editorial do
clube: publicar todo tipo de literatura (a chamada erudita e a popular,
estrangeira ou brasileira).
Como já foi dito no capítulo anterior, o clube do livro e a ‘coleção
Saraiva’ tinham o mesmo perfil, quanto a publicarem literatura geral em
edições populares. No que se refere à diversidade de obras literárias, mais
uma vez, se percebe a abolição de uma fronteira rígida entre a literatura
popular e a erudita. Não se tem blocos/momentos definidos para publicá-las
no âmbito da proposta editorial das editoras em estudo. Ao contrário, obras
representativas das duas vertentes são editadas simultaneamente, sem
hierarquias. Tal aspecto sugere um caráter democrático dos projetos de
leitura em questão. Estava em causa o despertar o gosto pela leitura, sem
apresentar dicotomias entre popular/erudito.
Em se tratando de uma data comemorativa importante para o clube
(30º aniversário), entende-se a proposta de editar uma coletânea popular de
Machado de Assis (O CALIFA) como uma iniciativa que daria prestígio à
editora junto ao público, por ser um dos autores mais importantes de nossa
literatura. De certa forma, o público merecia ser brindado também com tal
presente. Para a Saraiva, através da ‘coleção Saraiva’, a autorização para
publicar a obra completa de Machado (isenta de pagamento de direitos
autorais, conforme resolução do governo Kubitschek) teve a mesma
conotação de prestígio. A notícia foi divulgada com alarde, nas ‘orelhas’
das obras que antecederam o tão esperado Dom Casmurro, que saiu em
janeiro de 1959, a primeira das grandes obras do autor a ser veiculada pela
respectiva coleção.
As listas de obras divulgadas nos próprios livros populares, que
funcionam como uma espécie de ‘catálogo’, segundo Jean Yves-Mollier,
servem num estudo de história da edição para se saber efetivamente o que
foi publicado por editoras que atendiam ao circuito popular. Na relação a
162
seguir, se tem um recorte das obras lançadas entre o segundo semestre de
1971 e o primeiro de 1973 pelo Clube do Livro:
2
o
semestre de 1971
Julho: O poeta da liberdade (Castro Alves)
Vicente de Azevedo
Agosto: A Simplória, Luís Coloma
Setembro: As Minas do Rei Salomão, R. Haggard, traduzido por Eça de Queiroz.
Outubro: O Capitão dos Andes, Raymundo Magalhães Júnior.
Novembro: A Volta do Parafuso, Henry James
Dezembro: O Mundo de Olavo Bilac, Henrique A Orciuoli.
Livros de 1972
Janeiro: Ouro e Paixão nos Rios Amazônicos, Agenor de Oliveira Freitas.
Fevereiro: O Fantasma, C. Warevel.
Março: A Última Torre, Walter Scott.
Abril: Um Corpo na Chuva, Benedicto Luz e Silva.
Maio: A Serpente de Ouro, Ciro Alegria.
Junho: A Princesa Várvara, Alexandre Dumas.
Julho: O Califa, Machado de Assis.
Agosto: A Ilha Desconhecida, Júlio Verne.
Setembro: O Patriarca da Independência, (José Bonifácio), Brenno Ferraz do Amaral com
prefácio de Léo Vaz e introdução de Pedro Ferraz do Amaral.
Outubro: Seringal, Miguel Jeronymo Ferrante.
Novembro: O Cavaleiro sem Cabeça, Washington Irving.
Dezembro: Léguas da Promissão, Adonias Filho, com nota introdutória de Cassiano Ricardo.
Livros de 1973
Janeiro: O Ouro de Manoa, Jeronymo Monteiro, com prefácio de Nelson Palma Travassos.
Fevereiro: A Quiromante, C. Wells.
Março: O Suave Milagre, Eça de Queiroz.
Quanto aos romances de Dumas, observa-se que não há títulos
repetidos pelo Clube do Livro e a Saraiva, exceto A Família Corsa/Os
Irmãos Corsos. O clube também publicou um corpus avulso dentre os
romances do autor. Parece que não existiam critérios de seleção das obras
163
para tradução por parte de ambas as editoras. Esse aspecto, de certa forma,
beneficiou o leitor brasileiro que teve acesso a um conjunto diversificado
de títulos de Dumas. Por outro lado, tal diversidade sugere o propósito dos
editores de publicarem romances menos conhecidos do autor no país.
A frase “uma casa sem biblioteca é como um corpo sem alma”
resume o desafio a que se lançou o clube desde sua fundação: o de
estimular a criação de bibliotecas nos lares, num visível propósito de
incentivo à leitura no ambiente familiar, já que o livro ‘barato’ possibilitava
a formação de acervos particulares.
As páginas iniciais/finais e as quartas capas das respectivas edições
populares funcionavam como veículos de divulgação dos lançamentos
futuros e dos informes sobre procedimentos da editora. Tais espaços eram
disputados para veicularem uma espécie de ‘publicidade/propaganda’ em
rede, em que o usuário/leitor encontrava na obra do mês informações sobre
outras a serem lançadas, pontos de venda, procedimentos de assinatura,
entre outros. Percebe-se que muitos dos informes podiam ser escoados num
veículo mais apropriado como o jornal, como era praticado pelas editoras
do século XIX. No século XX, possivelmente para evitar gastos que
onerassem o preço do livro, cada editor passou a reservar espaço nos
projetos gráficos das obras editadas para transmitirem informações diversas
ao leitor. Hoje, tais textos informativos são materiais importantes para a
história da edição aqui tratada.
Da ‘nota explicativa’ de A Princesa Várvara (1972), foram
selecionados trechos para chamadas de leitura na quarta capa da obra,
enfocando a popularidade que o gênero romance alcançou no século
passado, na Europa, com repercussão no mundo inteiro, além do destaque
para Dumas e o romance-folhetim. Apelos desse tipo demonstram os
esforços redobrados dessas casas de edição para atraírem potenciais
leitores/compradores do romance em lançamento. Eram trechos curtos, mas
164
bastante persuasivos e que devem ter influenciado a venda dos romances de
Dumas, por exemplo. Acreditamos que foi um dos modos mais eficientes e
baratos naquele momento para divulgar tais livros, tendo em vista que os
reclames vinham estampados nas próprias brochuras (supostamente,
expostas em locais visíveis). No século XIX, anúncios desse tipo saíam em
jornais, com antecedência. Parece que a estratégia propagandista do Clube
foi providencial, evitando gastos com os respectivos informes em outros
veículos.
O século XX foi significativo no poder criador dos mestres, em gênero de
ficção. Nomes ilustres aparecem em toda a Europa, absorvendo de imediato a estima e
a preferência dos leitores de ambos os mundos
Alexandre Dumas foi um dos maiores homens de seu tempo; o seu renome
intelectual equipara-se ao de Honoré de Balzac e Emile Zola”.
Devemos, isto sim, assinalar a poderosa força romanesca do autor do presente
volume. Podemos, igualmente, registrar a grande influencia que este novelista
produziu”.
O projeto editorial do clube foi se aperfeiçoando ano a ano. O
logotipo, por exemplo, é bastante criativo e poético. Veiculado em todas as
obras, representa o mapa do Brasil, em referência ao grande projeto de
leitura do clube que pretendia abranger todo o país, o qual é preenchido por
uma estrofe do poema ‘O Livro e a América’ de Castro Alves, exaltando a
ação divina do indivíduo ‘que semeia livros’, em visível comparação ao
trabalho prestado pelos que representavam a editora.
Oh! Bendito o que semeia
livros... livros à mão cheia.
E manda o povo pensar.
O livro caindo na alma.
É germe que faz a palma!
E chuva que faz o mar!
165
A biografia de Dumas traçada pelos editores do Clube do Livro -
A nota de Afonso Schmidt
Nas notas a seguir, escritas para as traduções dos romances de
Dumas para o Clube do Livro transparecem o carisma e a admiração que os
membros do conselho editorial tinham pelo autor. Não escreveram breves
informações biográficas a seu respeito. Os textos demonstram pesquisa de
fontes e visão crítica dos colaboradores, procurando apresentar ao leitor
brasileiro o perfil de um folhetinista de criatividade extraordinária, que
conquistou popularidade em todo mundo.
Aliás, a função desse tipo de texto era informar o leitor sobre
aspectos das obras e seus autores. Apesar de as publicações se dirigirem a
um público popular, havia preocupação por parte dos editores com a
qualidade dos textos, que tinham em média de quatro a oito páginas.
Na nota de O Colar de Veludo, de 1956, o escritor Afonso Schmidt
revela que para escrevê-la se inspirou numa biografia de Dumas, assinada
por J. Lucas Dubreton. O título é uma frase de Victor Hugo, romancista
francês e leitor assíduo das obras de Dumas, que resumiu a atuação do
amigo da seguinte forma: “Dumas é o próprio espírito da França”.
Schmidt diz que a comprou num sebo, em São Paulo, comércio
popular de livro por excelência no país. Procura seduzir o leitor,
convidando-o a conhecer o autor de O Colar de Veludo, assim como ele o
fez através da leitura da referida biografia. Ressalta que tal texto biográfico
é o mais interessante folhetim do velho folhetinista.
A compra de uma biografia de Dumas num sebo só reforça a
popularidade do folhetinista francês no Brasil. Demonstra que o leitor
brasileiro não lia somente seus romances, de certo também comercializados
no mesmo espaço, como nos dias atuais. Indica que queria conhecê-lo
melhor, caso contrário não haveria razão para se editar tal tipo de texto
isolado.
166
Schmidt lê com precisão a biografia e recorta aspectos importantes,
desde informações sobre antepassados do autor até sua consagração como
homem de teatro e romancista na França.
A ascendência mestiça do autor
Sem rodeios, Schmidt se detém na ascendência mestiça do pai de
Alexandre, o militar Tomás Dumas. Mesmo citando a biografia do francês
Dubreton, percebe-se que o escritor brasileiro valorizou muito a questão da
mestiçagem de Dumas em seu texto:
O moreninho, criado à mercê do acaso, só se interessava por aventuras,
caçadas e correrias. Quando atingiu a idade regulamentar, quis entrar para as fileiras
do Exército e o pai consentiu. Em 1793, sete anos após engajamento, já era promovido
a general da divisão. Lutou nos Alpes e nos Pirineus. Fez de uma assentada 1.700
prisioneiros e ocupou o Mont Cénis... Passou para a Suíça, defendeu sozinho uma
ponte ameaçada pelos austríacos, o que lhe valeu alcunha épica, que o biógrafo não
registrara”.
Nascido a 24 de julho de 1802, o ‘menino’ seria a futura glória
literária da França. Sua ascendência mestiça é reiterada algumas vezes na
nota, numa visível influência de Schmidt pelo texto de J. Lucas Dubreton.
Consta que a mãe teria sentido alívio pelo filho não ter nascido
“moreninho”. Preocupação
que sugere o preconceito contra o mulato,
arraigado na sociedade francesa da época. A miséria também fez parte da
infância do menino, após ficar órfão de pai. A mãe o teria educado com
grandes dificuldades.
Ao ver o filho, a Sra. Dumas respirou com alivio. Sempre manifestara receios
de dar à luz um moreninho... Mas isso não aconteceu. O pequeno Alexandre tinha a tez
alva, cabelos lisos, olhos azuis”.
No texto biográfico de Pinheiro de Azevedo para o Quarto Vermelho
se percebe que tais textos foram itens indispensáveis no projeto editorial do
Clube do Livro. Para cada romance editado, era escrito um texto dessa
natureza, por um membro do conselho, com o objetivo de dar subsídios
167
informativos ao leitor. Em geral, versava sobre algum aspecto do livro ou a
respeito do autor.
Mesmo escritas por diferentes integrantes do conselho, e em datas
diversas, aconteceram repetições de alguns temas da biografia de Dumas no
que se refere, por exemplo, à idêntica narração de Schmidt e Azevedo sobre
as atividades militares do bisavô e de seu avô, respectivamente, ressaltando
o espírito aventureiro de ambos, como também a ênfase na ascendência
mestiça do neto.
Para escrever o texto O Mestre do Romance Popular, Pinheiro diz
que tomou como base um compêndio de Alberto Thibaudet. Possivelmente,
trata-se do livro História da Literatura Francesa, traduzido na década de
10 do século XX, no Brasil. Segundo a nota, o próprio Dumas (pai) fala
sobre o início de sua carreira:
Eu acabara de completar vinte anos, quando minha mãe, uma bela manhã,
entrou no meu quarto, aproximou-se do meu leito e disse-me chorando: - Meu amigo,
acabo de vender tudo o que tínhamos para pagar nossas dívidas – E então, minha mãe?
– Meu próprio rapaz, pagas as dívidas, restam-nos 253 francos. – De renda? – Minha
mãe sorria amargamente: - Ao todo! – Pois bem, minha mãe, embolsarei esta tarde os
53 francos e partirei para Paris. – E que farás, meu pobre amigo? – Procurarei os
companheiros de meu pai: o duque de Bellune, que é Ministro da Guerra, Sebastian
Jourdan...
Não há como saber se muitos dos fatos mencionados nas biografias
que circulavam aqui sobre o autor são verídicos ou não. A verdade é que
tais informações foram repassadas aos leitores através dos prefácios e notas
e se disseminaram no imaginário popular brasileiro, como os próprios
romances traduzidos.
A popularidade de Dumas (pai) através do romance-folhetim
Pinheiro de Azevedo dá informações preciosas, a partir do texto de
Alberto Thibaudet, sobre atuação de Alexandre Dumas como escritor de
romance-folhetim.
168
Mesmo se tratando de obras destinadas ao público popular, as notas
revelam a preocupação dos editores em publicarem textos de considerável
grau informativo. Azevedo apresenta detalhes do surgimento e da
repercussão do romance-folhetim na França, de suas relações com a
imprensa, do desempenho de Dumas, entre outros informes:
O romance-folhetim, praticamente, surgia da indústria da revista e do jornal.
Por ordem cronológica, fora uma “trouvaille” do Doutor Veron, fundador da “Révue
de Paris”. É dele a fórmula “continua no próximo numero”. Girardin achou excelente
o processo e deu-lhe amplitude ao adaptá-lo às edições diárias de “La Presse”.
Até 1839 – informa o crítico Albert Thibaudet – Dumas fora, sobretudo, um
dramaturgo, tendo escrito, apenas, dez romances insignificantes, medíocres e
esquecidos. Nesse momento, começa a sua colaboração com Auguste Maquet, que lhe
ofereceu um romance sobre a conspiração de Cellamare, que Dumas quadruplicou de
tamanho e do qual fez o “Chevalier d’Harmental”. É este o seu primeiro grande êxito
de romancista. A colaboração entre Dumas e Maquet durará quinze anos. Ela mesma é
toda um romance e terminará por um processo”.
O texto também fala da parceria (que mais tarde se tornou polêmica)
entre Dumas e Augusto Maquet na escritura de romances-folhetins:
Maquet, muito engenhoso, pesquisava o assunto, dava-lhe o primeiro
tratamento, erguia laboriosamente os andaimes. Sobre estes, a imaginação e a prosa de
Dumas faziam prodígios. Foi assim, através desta forma de parceria, estimulada pelas
imperiosas exigências do folhetim diário, que surgiram obras modelares da literatura
popular – obras de extraordinária vitalidade, que ainda hoje correm o mundo,
reimpressas aos milhões de exemplares e lidas com sofreguidão”.
Sobre a produção de Dumas, a nota menciona cifras exorbitantes
pagas ao autor por cada título escrito. Consta que ele teria montado um
escritório e coordenava uma equipe encarregada de cuidar da escritura de
seus romances. A autoria de algumas de suas obras é questionada. A
polêmica teria surgido neste contexto de produção massiva, partindo de seu
assistente mais próximo, Auguste Maquet, que tomou a iniciativa de cobrar
seus direitos autorais na justiça, quando Dumas assinava sozinho todos os
títulos. Levando-se em consideração a estrutura física e de pessoal montada
para produzir textos em série, sob orientação do autor, é possível que sua
obra tenha chegado aos 500 volumes, conforme menciona o trecho da
169
biografia a seguir, configurando-se numa espécie de ‘produção
terceirizada’ e polêmica. Manobras desse tipo eram comuns no universo da
cultura de massa do período, mas a iniciativa de Maquet de exigir
judicialmente seus direitos de co-autor demonstra que a prática já
começava a ser questionada.
Bráulio Sánchez-Sáez, em prefácio para A Princesa Várvara, destaca
que Dumas foi um dos maiores romancistas de seu tempo, ao lado de
Balzac e Zola. Ao contrário da ênfase que os demais membros do conselho
editorial deram a aspectos mais pessoais da vida de Dumas, o texto de
Sánchez se volta para a pujança do escritor e de sua obra na literatura
francesa do século XIX, que teria superado seus colegas folhetinistas
Ponson du Terrail, Xavier de Montépin e Paul Féval, em termos de
invenção:
Divide, com honras, na sua época, as glorias do romance, como forjador de
‘histórias’, superando os seus contemporâneos, tais como Ponson du Terrail, Xavier de
Montépin e Paul Féval, cujas narrativas “pseudo-históricas” constituíam um tipo de
literatura característica, especialmente durante as primeiras décadas do século XIX,
mantido este estilo literário até aos finais da centúria “.
Sánchez lembra o sucesso das obras de Dumas como leitura de
entretenimento, que tinha a função sobretudo de manter as pessoas
desligadas das preocupações diárias, por alguns momentos ou horas:
Relativamente à preferência popular, é indiscutível que as suas obras
continuam sendo leitura atraente e indispensável para aqueles que procuram algumas
horas de lazer e recreação do espírito, pois esta é uma das finalidades do romance, em
sua essência.
As inúmeras personagens, as infindáveis aventuras conseguem manter atento o
espírito do leitor, afastando-o, assim, das inúmeras preocupações que a vida
quotidiana acarreta”.
A nota/prefácio de Evangelista Prado à Kassima, a tártara (1964) de
título Luzes e Sombras no Roteiro dos Homens inicia colocando que Victor
Hugo era leitor assíduo de Dumas. Tal condição, do ponto de vista da
leitura, demonstra que fronteiras literárias eram e são tênues. O autor
170
consagrado via com encanto as obras produzidas pelo colega cuja leitura
lhe proporcionava prazer: “
Victor Hugo, o gigante, confessava aos repórteres
serem os livros de Alexandre Dumas a sua única distração e o seu mais querido
encantamento”.
Num visível propósito de guiar as escolhas do leitor popular e, por
ventura, dos indivíduos que desejassem trilhar o ofício de escritor, Prado
recomenda a leitura das obras de Dumas e de Victor Hugo
. E, finalmente,
apresenta a obra que prefacia:
As páginas presentes em Kassima, a tártara pertencem à época das antigas
viagens do grande Dumas e nelas estão retratados o estilo, o vocabulário, os símbolos
de um escritor de primeiro plano. Acima dessas qualidades literárias, contêm estas
páginas um toque espiritual, que o leitor perceberá”.
Diz ainda que a origem da novela Kassima está relacionada às
viagens que o escritor fez ao estrangeiro. Trata-se na verdade de um tópico
narrativo importante na obra de Dumas, que teria motivado a criação de
outros romances, como: Nero, O Salteador e A Princesa Várvara (primeira
parte do romance), por exemplo, nos quais ele admite estar em visita a
locais que teriam lhe inspirado tais escrituras. Já O Colar de Veludo,
embora não faça menção textual nesse sentido, o desenrolar da narrativa
denuncia sua passagem por Roma. Consta que ele visitou países como
Espanha, Rússia e Roma onde são ambientados os romances citados.
Em linhas gerais, a preferência de Dumas por escrever romances
inspirados em paisagens de outros países demonstrou uma tentativa sua de
inserção na tradição de outras culturas para, a partir da experiência, colher
matéria para seus enredos, dando-lhes feições folhetinescas.
Fatos mais recentes da biografia do autor
Em comemoração ao bicentenário do nascimento de Dumas (1802-
2002), o acontecimento mais recente a ser incorporado à biografia do autor
aconteceu no dia 30 de novembro de 2002, quando o presidente francês
171
Jacques Chirac presidiu a cerimônia de transferência dos restos mortais do
escritor para o Panteão, para se juntar aos grandes nomes da História
francesa como Zola, Voltaire e Victor Hugo, seu amigo e contemporâneo.
Era a homenagem maior que a França prestava ao escritor francês mais lido
no mundo inteiro.
O pedido partiu do Senhor Didier Decain (presidente da ‘Sociedade
dos Amigos de Alexandre Dumas’), em 19 de abril de 2001, e o decreto
autorizando a transferência foi assinado em 26 de março de 2002.
A homenagem máxima do governo francês ao folhetinista (depositar
os restos mortais do autor no monumento erguido para perpetuar a memória
de homens franceses famosos) chega a ser contraditória, tendo em vista que
Dumas foi um escritor popular criticado por colegas da época que se
dedicavam à literatura chamada erudita, com exceção de Victor Hugo,
declaradamente seu admirador. O fato é que estamos diante do que Jerusa
Pires Ferreira denomina “gradações do popular”. De repente, um escritor
menosprezado pelo tipo de produção literária (escancaradamente popular) e
não só isso: também pelos modos considerados poucos ‘éticos’, no que se
refere à polêmica da escritura de seus textos, recebe a homenagem máxima
do governo francês em nome de toda a nação.
Do ponto de vista literário, hoje, a situação de Dumas é a seguinte:
tem-se um autor popular do século XIX que recebeu a maior honraria
póstuma de seu país, até então reservada para aqueles que se dedicaram à
literatura culta. Dumas identificado com a ‘industrialização da literatura’,
que culminou com o surgimento do romance-folhetim, agindo conforme as
normas desse mercado literário vigente e das “bordas”, obtendo lucro com
a empreitada, inclusive acusado de apropriação indevida de obras, mesmo
assim, quase cento e cinqüenta depois de sua morte seus restos mortais são
transferidos para o monumento erguido para homenagear os grandes nomes
da literatura francesa, ele, que ironicamente, só produziu ‘literatura de
172
segundo time’ e viveu às margens do sistema literário francês vigente. Por
todas estas questões, percebe-se aí o apagamento total da noção de fronteira
entre a chamada literatura erudita e a popular no âmbito de tal homenagem.
Muitos anos depois, autoridades francesas esqueceram ou fingiram
esquecer todos os parâmetros literários que rotularam a literatura de Dumas
como popular (portanto, ‘desprezível’). Acredita-se que o ‘reconhecimento’
forçado só veio na verdade porque foram surpreendidos, por mais de um
século, com o espantoso prestígio da obra do autor no mundo inteiro, daí
que a transferência de seus restos mortais para o panteão foi uma maneira
simbólica de dizer aos leitores anônimos do mundo inteiro que a França
(seu país) reconhecia tal sucesso. E concedia ao escritor um lugar de honra
entre os grandes homens de sua História. Após a respectiva homenagem,
não se pode considerar Dumas somente um escritor das ‘bordas’, que
produziu uma literatura de ‘segundo time’ no âmbito de uma cultura de
massa emergente. A cerimônia em 2001 foi um divisor de águas. Com a
medida, talvez sua literatura tenha se tornado pouco menosprezada pelos
conterrâneos mais ‘eruditos’. Sim, porque das classes populares ele teve a
aprovação desde que se lançou como folhetinista no século XIX.
O escritor Dumas e seus hábitos de trabalho – autoria coletiva?
Do ponto de vista dos pressupostos da análise de ‘processos de
criação
3
’, neste trabalho, o romance-folhetim é abundante em exemplos, no
que se refere a um único item de sua estética: o corte folhetinesco. Uma
rápida observação em qualquer romance do gênero, tendo em vista, neste
caso, se tratar de processo de criação em obra publicada, percebe-se que tal
estratégia dita o ritmo de construção da obra, o destino das personagens,
determina a escolha de temas a serem tratados e a própria extensão do
romance. Em geral, são títulos que se estendem por mais de três volumes!
3
Estudos com os quais trabalha a Profa. Dra. Cecília Almeida Salles na PUC/SP.
173
Pensando a questão do corte folhetinesco, sintetizado na famosa
frase “continua no próximo capítulo”, no âmbito da cultura, compreende-se
que nasce desse segmento frasal a grande “rede” folhetinesca, claro, que
pensada a partir de uma estratégia comercial, com base na nova
mentalidade que a Revolução Industrial difundia naquele momento, na
França. Mas que gerou, por outro lado, uma rede de leitura, lá como no
Brasil, fazendo com que o leitor se sentisse motivado a prosseguir, pois
tinha o texto interrompido em momento de grande expectativa da trama.
Outro aspecto ligado à produção dos romances de Dumas dialoga
com os ‘processos de criação’. Foi muito difundido, em biografias que
circularam no Brasil, inclusive algumas mencionadas antes, que o autor
possuía um escritório de onde comandava uma equipe encarregada de parte
da escritura de suas obras. Eram escritas “a várias mãos”, a partir de
enredos sugeridos pelo autor. Em algumas notas biográficas, são citados até
jornais fundados por ele, com o propósito de publicar/escoar sua produção
folhetinesca com mais rapidez.
O fato de produzir em parceria, tanto com equipe contratada, como
diretamente com seu assistente Auguste Maquet sugere uma autoria
coletiva, entendendo-se que se tratou de um período de divulgação massiva
da literatura em jornais, mas vendo a questão hoje sob uma perspectiva
moderna. Comprometido com esse contexto, Dumas assinou sozinho textos
produzidos em ‘co-autoria’ com membros de sua equipe ou com o próprio
Maquet, quem teria lhe auxiliado na escritura de vários romances. Segundo
Albert Thibaudet
4
, “salvo em Monte Cristo, a idéia do romance, o plano e a
redação de primeiro jato são de Maquet. Sobre o esboço Dumas trabalha,
borda, diverte-se, lança a vida. Assim foram escritos a Rainha Margot, O
Cavaleiro da Casa Vermelha, José Bálsamo, o Colar da Rainha, a Dama
de Monsoreua, Ângelo Pitou, Os Quarenta e Cinco, O Visconde de
4
História da Literatura Francesa, São Paulo, Livraria Martins, [s/d], p. 247.
174
Bragelone. É Maquet quem descobre nas Memórias de D’Artagnan o
assunto dos Três Mosqueteiros e o esboça”.
Marlyse Meyer, em Folhetim, traz um exemplo, recolhido em texto
de estudioso francês, que ilustra também o processo de produção/criação
polêmico das obras do autor, cujo ritmo de trabalho era intenso e revela
uma produção literária em rede.
Segundo ela, em determinado momento de produção de sua obra,
Dumas trabalhou simultaneamente “na redação da Dama de Monsoreau
para o Constitutionnel, continuava o Chevalier de Maison-rouge, começou
Les quarante-cinq e cobrava a seu nègre Maquet, um de seus redatores
auxiliares, que se apressasse em fornecer “mais trinta ou quarenta páginas
de Chicot” (Folhetim, 1996, p. 60).
E mais detalhes sobre esse processo de produção em massa são
dados pelo próprio Dumas, em conversa com o assistente Maquet:
“E, para amanhã, um capítulo de Maison-rouge, e depois, se depois de amanhã
puder vir almoçar comigo e levar quinhentos francos, poderíamos fazer algum Monte
Cristo. Mas continue Chicot por enquanto, que estava indo tão bem!” (Folhetim, 1996,
p. 60).
Tal prática de escritura dos romances de Dumas recai no que se pode
chamar de autoria coletiva, na lógica de uma cultura de massa, cujo
romance-folhetim é seu principal produto no campo da indústria da
narrativa no século XIX, com o desenvolvimento da imprensa. O resultado
da interação entre autor e assistentes, digamos, ‘co-autores’ é complexa e
só entendida dentro desta perspectiva.
Jesus Martín-Barbero
5
se manifesta favorável à postura de Alexandre
Dumas em contratar assistentes para auxiliá-lo na escritura de seus
romances-folhetins. Pergunta onde está o escândalo nessa atitude, se no
fato de haver aumento da produtividade e, conseqüentemente, dos lucros ou
5
“Das Massas à Massa”. In: Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia, 1997.
175
numa possível “degradação da escritura” que implica na dissolução da
‘unidade do autor’. No que se refere à possível dissolução da “unidade do
autor”, Barbero argumenta que isso tem “pouco ou nada a ver com o
funcionamento popular das narrativas e com sua difusão massiva”, pois
para a maior parte do público o nome do autor não era sequer cogitado, a
ponto de no século XX, com a proliferação da leitura em fascículos (após
os romances-folhetins deixarem os jornais) em países da América Latina, o
público pensar que as pessoas que entregavam nas residências tais
impressos eram os verdadeiros autores
6
. Ou seja, no contexto da cultura de
massa do período a autoria não tinha importância, pelo menos, para o
público. No século XIX, a questão era mais caótica ainda. Talvez, por isso,
Dumas tenha se sentido à vontade para assinar volumes que seus assistentes
produziram sob sua orientação.
Mesmo se tratando de práticas inseridas na cultura de massa do
período, nota-se que os autores anônimos que produziam para tal sistema já
começavam a questionar uma ‘autoria coletiva’ e passam a exigir seus
direitos de co-autores, como é o caso de Auguste Maquet em relação a
Dumas.
Ainda sobre a questão do lucro na perspectiva autor/assistente,
Barbero chama atenção para a prática do ditado de narrativas na construção
de muitos romances que revela, para além dos interesses financeiros, a
presença marcante da oralidade no romance-folhetim. Ele defende que
nesse sentido “o autor fala mais que escreve e o leitor escuta mais do que
lê”.
7
Sem dúvida, a oralidade no folhetim é um tema interessante e merece
ser estudado em trabalho futuro.
6
‘Idem, p. 175.
7
“Das Massas à Massa”. In: Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia, p. 175.
176
O autor e a tradição
Outro aspecto curioso, no que se refere a Dumas, é que ele
costumava fazer extensas pesquisas em arquivos diversos para se inteirar
de fatos históricos ou do cotidiano, portanto, mantendo diálogo com a
História e a realidade da época ou recorria a impressões de paisagens
culturais de outros países para escrever seus romances. Ou seja, se tratava
de um escritor que interagia com seu entorno, com o mundo social,
procurando entender sua complexidade e ao mesmo tempo se servindo de
tais elementos para produzir sua obra.
Nesse sentido, o fenômeno Dumas, enquanto escritor, está vinculado
a uma “Rede cultural”
8
que lhe deu subsídios para criação, como por
exemplo, os arquivos que costumava visitar e as viagens internacionais, a
partir das quais se inspirava. Esta questão tem a ver com as considerações
de Cecília Salles, quando discute tempo e espaço da criação artística:
O artista inserido inevitavelmente na efervescência da cultura, onde há
intensidade e multiplicidade de trocas de confrontos entre opiniões, idéias e
concepções
(Redes da Criação, 2006, p. 39).
Podemos compreender o fato de Dumas recorrer a pesquisas em
arquivos para escrever seus romances como uma tentativa constante de
‘inserção na tradição’ de seu país. A escritura da série ‘Memórias de um
Médico’, por exemplo, é bem significativa. Ele se baseou no tema histórico
da Revolução Francesa expondo as principais questões sobre o fato,
concebendo-o como uma grande estrutura narrativa. A partir desse núcleo
temático, criou inúmeros enredos paralelos e secundários que prolongaram
o máximo os títulos que compõem a série. A visão que se tem é de uma
rede de tramas caóticas, a princípio, mas cujos fios vão se interligando e
acabam todos subordinados ao tema central, ganhando coerência no
conjunto final. A estratégia é deixar o leitor se embrenhar e se perder nessa
8
Conceito de Edgar Morin. In: Redes da Criação, de Cecília Almeida Salles, 2006.
177
‘selva folhetinesca’. É tal mecanismo que o desafia a prosseguir para
compreender o sentido da obra no desfecho, de modo que sem tais
desencontros e suspenses não teríamos uma narrativa folhetinesca.
Para além da ‘contribuição’ polêmica de assistentes na escritura de
alguns de seus romances, tem-se ainda um autor que se inspirou em
paisagens culturais de outros países para escrever alguns de seus textos, o
que demonstra uma tentativa de inserção na tradição de outras culturas
para, a partir da experiência, colher matéria para seus enredos.
Portanto, a produção de Dumas parece emergir também de ambas as
fontes de conhecimento, o que revela o mérito de um escritor
comprometido com a pesquisa individual para a produção de seu repertório.
No último perfil do autor, de um lado, tem-se um pesquisador que
freqüenta arquivos diversos (celeiros de memória) e, de outro, aquele que
mergulha direto na cultura de outros povos, captando diversidade,
movimentos e cores. Claro, optando por um recorte possível dos materias
coletados nos textos que produz. Como foi dito antes, é o artista em contato
e se servindo de determinada “rede cultural” de acordo com suas
expectativas de criação.
Marlyse Meyer cita trecho de uma carta de Dumas ao redator do
Journal des Débats, para justificar a interrupção da publicação de O Conde
de Monte Cristo, a qual reitera seu hábito de pesquisa em arquivos diversos
e, por conseguinte, o diálogo permanente com a rede cultural vigente, no
caso, com arquivos policiais:
Monsieur, meu atraso em entregar a última parte de Monte Cristo necessita
uma explicação menos para o senhor do que para os leitores Journal des Débats que
tiveram a benevolência de aceitar com agrado o começo de meu trabalho.
Monte Cristo não é um romance, mas uma história cuja fonte encontrei nos
arquivos da polícia. Ora, foram necessárias muitas pesquisas para agora acompanhar
as andanças de nosso herói em Paris.
E como muita gente vive ainda que poderia ficar comprometida se o desenlace
desse terrível drama fosse exposto à grande luz da justiça em vez de permanecer no
escuro do mistério, eu preciso receber dessas pessoas a devida autorização para falar
178
delas abertamente, ou então ter dobrado trabalho para poder devidamente travesti-las
de modo a evitar a curiosidade pública sobre suas pessoas.
Eis a causa, a única causa de meu atraso, monsieur; ela reside inteiramente no
desejo de dar ao Journal des Débats uma obra digna de sua reputação literária, digna
enfim, das obras que procederam a minha e das que se lhe seguirão. Pedindo
desculpas,
Alexandre Dumas, 18 de dezembro de 1844
(Apud Meyer, Folhetim, 1996).
Nos dias atuais a produção do folhetim televisivo brasileiro, cuja
matriz vem do romance-folhetim francês que se adaptou tão bem aqui no
século XIX, perpetuando-se pelo XX afora, não descarta também os
subsídios que o jornal, enquanto série cultural, oferece para a criação de
textos televisivos, por exemplo.
Assisti a uma entrevista do consagrado autor de telenovelas
Aguinaldo Silva para o Programa “Estrelas” da Rede Globo
9
, na qual ela
afirmava que muitas vezes se inspira em matérias jornalísticas para
escrever seus enredos. Diz ser um leitor compulsivo de jornais, escolhendo
portanto nas notícias veiculadas tipos humanos ou tramas que fazem
sucesso na tela. Trabalhou por quatro anos na seção policial de um jornal
carioca, antes de se tornar escritor de novelas. É possível que a experiência
adquirida na seção policial de um jornal tenha treinado seu olhar para
identificar quais fatos do cotidiano serviriam para a urdidura de tramas de
um folhetim televisivo.
Sabe-se que muitas matérias policiais recuperam elementos dos faits
divers (a ‘vida romanceada’), gênero narrativo/jornalístico com longa
tradição na impressa brasileira do século XIX e início do XX. Daí existir
hoje maior popularidade de notícias, principalmente as policiais, que
exploram a dramaticidade dos fatos, retomando aspectos do velho fait
divers.
Diretor da atual novela do horário nobre da Rede Globo (das 20:00
hs), Duas Caras, Aguinaldo Silva se destaca por explorar em seus folhetins
9
Entrevista exibida no dia 03/11/2007.
179
temas políticos e sociais da atualidade. Admite ainda que se identifica com
o fazer do povo, daí a popularidade de seus personagens. Tal depoimento é
rico por revelar como o jornal influencia na criação de textos populares em
outro sistema de signo, a televisão. Por outro lado, percebe-se que a
fundamentação nesse tipo de suporte é antiga. Como vimos, no século XIX,
Dumas já se servia de tais fontes, via arquivos policiais (para a escritura de
O Conde de Monte Cristo, por exemplo), dentre outras. O romance A
Senhora Lafarge
10
teria sido escrito a partir de notícias de jornais. Em
tempos/espaços diferentes, artistas se servem de uma ‘rede cultural’ vigente
para a criação de seus textos, desmistificando a idéia de uma imaginação
brilhante.
Um falso folhetim atribuído a Dumas
No lastro desta pesquisa sobre edições populares dos romances-
folhetins de Dumas no Brasil, o romance A Mão do Finado, também
publicado pelo Clube do Livro, em 1958, revela aspecto curioso no que se
refere ao autor, à questão da autoria e ao comércio de textos populares em
Portugal no século XIX, reflexo de práticas comuns em outros centros
urbanos na época.
Se muitas vezes Dumas assinou obras produzidas em ‘co-autoria’ e
não deu os créditos, no caso de A Mão de Finado, apressou-se em enviar
carta a um jornal carioca, para desmentir a autoria falsamente lhe atribuída,
deixando transparecer certo constrangimento.
A ‘nota explicativa’ de Afonso Schmidt para o Clube do Livro
esclarece que o romance não foi escrito por Dumas. Um editor português
divulgou seu nome indevidamente, fazendo os leitores acreditarem que se
tratava de uma continuação de O Conde de Monte Cristo, como estratégia
publicitária para vender a obra, já que Dumas era folhetinista famoso.
10
Traduzido pela Martins Fontes de São Paulo, 2007.
180
A Mão do Finado foi publicado em 1854, em Lisboa. O verdadeiro
autor do romance foi o português Alfredo Possolo Hogon (1830-1865).
11
Consta que era funcionário dos Correios, apaixonado por literatura,
cultivando em especial o gosto pelo romance negro. Escritor popular
durante o Romantismo, em Lisboa, foi influenciado pelas narrativas
folhetinescas do próprio Dumas e de Eugène Sue.
Além de romances, Possolo usava o tempo livre para escrever
comédias e peças teatrais. Ou seja, era um escritor das letras populares, em
cujo universo pouco importava a autoria. Tanto que ele não hesita em
substituir seu nome (circunscrito ao universo editorial popular português)
pelo de Dumas, já internacionalmente conhecido, em virtude das tramas de
O Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros.
Nota-se que houve um complô entre ele um editor também popular,
de certo afeito a esse tipo de manobra, conforme revela a nota de Schmidt.
Certa vez, achando-se sem dinheiro, vai à Editora do Sr. Luís Correia da
Cunha, onde eram editados romances em fascículos de Paul Féval, Xavier
de Montépin e O Conde de Monte Cristo, de Dumas. Tem início o seguinte
diálogo entre ambos:
Por que não o edita? – Isso é outra coisa. Já pensei nessa possibilidade, mas
tive de convir que meus fregueses preferem “O Conde de Monte Cristo”. Vende-se
tudo, não há mais a medir! Vai reeditá-lo? – Vou, está claro. Mas estive a pensar numa
continuação do “Conde de Monte Cristo”, produção particular aqui da casa... E quem
poderá arcar com tamanha responsabilidade? – Você! – Eu? – Fez Hogan, sem poder
acreditar no que ouvia. – Sim, você. Não é, por acaso, autor de romances do mesmo
gênero, como “Os dois Angelos, ou Um casamento forçado?”. Se leu meus fascículos,
não tem mais do que tomar os personagens e, com eles, compor o fim que falta ao
romance de Alexandre Dumas. Publica-lo-ei nesta coleção e com a mesma assinatura
do autor de “Os Três Mosqueteiros”. – Mas isso será uma contrafação! O autor
prejudicado chamá-lo-á à barra dos tribunais! – Não creia nisso. Alexandre Dumas,
neste momento, está muito ocupado em provar que é ele próprio quem escreve os seus
romances. Bacoreja-me até que ele vai apreciar devidamente este golpe de publicidade!
11
Autor também das seguintes obras: Segredos do Coração e o Colono, As Brasileiras; Mistérios de
Lisboa (1851), Dois Ângelos ou um Casamento Forçado (1851), Marco Túlio ou Os Agentes dos Jesuítas
(1853), Os Dissipadores (1858), A Vida em Lisboa (1861), A Máscara Social (1861), Nem Tudo que
Reluz é Ouro (1861), O Dia 1
o
de Dezembro de 1640 (1862).
181
– Está bem, aceito a incumbência, mas acontece que estou muito necessitado de três
meias coroas” (Dumas, 1958, p. 7).
Em virtude de tal manobra, A Mão do Finado circulou em catálogos
do mundo inteiro, inclusive no Brasil, como sendo de Alexandre Dumas.
Os diálogos mencionados acima, entre editor e autor, revelam na verdade
um recorte de práticas efetivas de uma “indústria editorial da tramóia”
12
atuando no mercado de livros populares em Portugal, comum em outros
países, como também no Brasil. Na França, no próprio contexto de
disseminação do romance-folhetim, Marlyse Meyer (1996) lembra que o
escritor Ponson du Terrail na construção da série Rocambole retoma, cita,
parodia Eugène Sue, famoso folhetinista da primeira fase do romance-
folhetim ao lado de Alexandre Dumas. Percebe-se que essa dinâmica de
apropriação de textos era freqüente no universo de massificação da
literatura no século XIX. Os termos do ‘contrato’ firmado entre Possolo e
seu editor só confirmam tal prática.
Em se tratando da obra de Dumas, é como se O Conde de Monte
Cristo, dez anos após ser publicado na França (1844), já fizesse parte de
“um contínuo textual que foi sendo apropriado, em adaptações, abrigando
também processos criadores. (...) Texto desdobrante e incontrolável,
sempre aberto a novas criações ou apropriações”,
13
cuja abertura foi
aproveitada para a escritura de um outro romance popular, como A Mão do
Finado.
Segundo Schmidt, no Brasil, a história foi traduzida da versão
francesa, para o folhetim do Diário do Rio de Janeiro. Em nota, o jornal
carioca dá as boas novas aos leitores, fazendo-os acreditar que o romance
era de autoria de Dumas:
12
Cf. PIRES FERREIRA, Jerusa. Livro de São Cipriano: uma legenda de massas. São Paulo:
Perspectiva, 2002.
13
PIRES FERREIRA, O Livro de São Cipriano, p. 143.
182
M. Dumas, sempre fértil em pensamentos com uma alma que transluz o
espírito, compreender a importância que tinha o seu romance, quando viu o
acolhimento que lhe foi dado na Bélgica, na França, Portugal e em vários países da
Europa e até do Brasil: julgou tão acertado continuar essa história, que muito tem de
moral, e na qual o herói representa um papel extraordinário, que deu a lume um outro
romance com o título de A Mão de Finado, que acabamos de receber e vamos publicar,
certos de que nossos leitores lhe darão sabido apreço” (Dumas, 1958b, p. 21).
Mas o Jornal do Comércio, em 31 de dezembro de 1854, publicou
uma suposta carta
14
de Dumas não só negando a autoria do romance, como
deixando transparecer uma certa preocupação com o episódio:
Sr. Redator. Soube que se publicou no Rio, isto é, uma das cidades da América
do Sul, onde tenho a honra de ser mais conhecido, graças à benevolência que sempre
me testemunharam os leitores que conto nessa bela e poética cidade, um romance que
fazem passar por ser meu e é anunciado como a continuação do “Monte Cristo”.
Nunca fiz e, ainda que freqüentes vezes solicitado nesse sentido, provavelmente
nunca farei a continuação desse livro, que me parece dever acabar vagamente e num
horizonte perdido, como num conto das Mil e Uma Noites, ou um poema de Byron.
Peço-lhe pois a fineza, sr. Redator, cujo jornal tão espalhado está no mundo
literário e político, de desmentir em meu nome essa notícia que será talvez de pouca
importância para os outros, mas de uma certa gravidade para mim. Digne-se aceitar,
sr. Redator, os meus mais sinceros agradecimentos. Paris, 20 de outubro de 1854 –
Alexandre Dumas” (Dumas, 1958, p. 21).
História da edição dos romances de Dumas pelo Clube do Livro
Foram cinco romances de Dumas traduzidos e adaptados para o
Clube do Livro. O primeiro foi O Colar de Veludo, em 1956. Caracterizam
os respectivos títulos as extensas e ricas notas explicativas de escritores
pertencentes ao conselho editorial.
O Clube do Livro
*
publicou adaptações de romances de Alexandre
Dumas, com cerca de 160 páginas, tamanho padrão que entrou em vigor a
partir de 1960. Foi o autor estrangeiro mais publicado pelo clube, ao lado
de Balzac, com seis títulos traduzidos, além de outros nomes franceses,
como George Sand, Flaubert e Victor Hugo.
14
Schmidt diz ter transcrito a referida carta a partir do livro Romances que não foram escritos, de
Raimundo Menezes, editado pela Livraria Martins de São Paulo, em 1957.
*
Para mais informações sobre o desempenho no campo da tradução da Editora Clube do Livro no Brasil,
confira O Clube do Livro e a Tradução, Bauru/SP, EDUSC, 2002.
183
O Colar de Veludo, edição de 1956, foi traduzida por José Maria
Machado, recebeu ‘nota explicativa’ de Afonso Schmidt. Ao que parece, o
romance pertence à uma série sobre fantasmas que Dumas teria iniciado da
qual se tem notícia aqui apenas do romance O Colar de Veludo. Trata-se de
uma narrativa macabra ambientada em Roma durante um carnaval.
As séries ‘Memórias de um Médico’ e, em menor proporção, a
Conquista de Nápoles e Emma Lyonna tiveram maior popularidade no país.
A série a qual pertence O Colar de Veludo pode não ter sido traduzida pelo
clube, por exemplo, porque o editor entendeu que haveria resistência à
leitura do conjunto, por se tratar do tema da fantasmagoria, sobretudo,
quando toma rumos de narrativa de terror. Senão qual a razão para outras
séries do autor se tornarem populares e, neste caso específico, ser publicado
apenas um romance?
O Quarto Vermelho foi outra obra de Dumas publicada pelo Clube
do Livro. Trata-se de uma edição popular de 1960, com 157 páginas,
seguindo o tamanho padrão estabelecido pela editora, neste mesmo ano,
cujo projeto editorial previa que as edições não ultrapassassem 160
páginas. Impresso em papel jornal, teve tradução ‘especial’ de José Maria
Machado e nota de U. Azevedo Pinheiro.
Indiretamente, o livro também aborda o tema da fantasmagoria. A
narrativa versa sobre a história de amor de uma mãe por um filho. Ela dá à
luz a um menino e morre em seguida, na noite de natal, após ser agredida
pelo próprio marido, o conde Maximiliano. A criança ficou aos cuidados de
uma criada e se chamou Everardo (nome que sugere uma possível escolha
do tradutor brasileiro). O conde, por sua vez, desprezou o filho. Mas o
fantasma da mãe se encarregou de protegê-lo durante a vida inteira.
Quando criança, vinha acalentá-lo sempre que chorava no quarto vermelho,
daí o título da história.
184
Maximiliano voltou para Viena e deixou Everardo com os
empregados, para viver com Alberto, o filho mais velho. Por ironia do
destino, o primogênito morre prematuramente. Ele volta a Eppstein e
obriga Everardo a assumir os negócios em Viena. Mas o rapaz se recusa e é
agredido. O fantasma da mulher aparece no quarto vermelho e adverte o
viúvo perverso: “A primeira vez que nos vimos, depois da minha morte, foi
lá em cima, no quarto de nosso filho. Hoje é aqui, no pavimento
intermediário, no seu quarto, no quarto vermelho. A próxima vez, tome
bem nota, será lá em baixo, no meu aposento, na cripta, no meu túmulo” (O
Quarto Vermelho, p. 99).
Em nova discussão entre pai e filho, Maximiliano quase mata
Everardo com um golpe de espada. Albina (o fantasma da mãe) estava ao
lado do filho, com uma mão o defendia e a outra ameaçava o algoz. No dia
seguinte, o conde é encontrado morto na cripta da esposa: “a mão do
esqueleto estava de fora, segurando Maximiliano, enforcado por duas
voltas da corrente de ouro, que trazia ao pescoço” (O Quarto Vermelho, p.
156). O rapaz ficou sozinho no castelo, permaneceu dormindo no quarto
vermelho onde se passaram os terríveis acontecimentos já relatados.
Além dos temas folhetinescos que comparecem na história (agressão
do marido e morte da esposa, parto prematuro, rejeição do filho pelo pai,
etc.) percebe-se que Dumas se serve de um assunto macabro,
provavelmente resquícios do romance negro, bem como de ‘motivos’ do
próprio Romantismo francês, período literário no qual ele começou a atuar
como escritor, e nada mais natural que tenha recebido influências nesse
sentido.
Por outro lado, tem-se a presença de alguns arquétipos
15
nos dois
últimos romances citados (O Colar de Veludo e O Quarto Vermelho).
15
Segundo E. Meletínski, são “elementos temáticos permanentes que acabaram se constituindo em
unidades como que de uma “linguagem temática” da literatura universal”. In: Os Arquétipos Literários,
São Paulo, Ateliê Editorial, 1998.
185
Aliás, em quase todos os romances do autor comparecem um ou mais
‘elementos temáticos’ dessa natureza nos quais ele se apóia para construir
suas tramas folhetinescas. Tal recurso pode ser uma das razões para os
folhetins do autor permanecerem atraindo leitores até hoje em todo mundo,
ou seja, um tipo de leitura que ainda faz sentido. Para além das técnicas
folhetinescas empregadas, principalmente o uso do corte narrativo e do
agrupamento de enredos sucessivos e secundários (que dão idéia de caos
narrativo), os romances-folhetins do autor têm suas estruturas construídas
sob algum ‘tijolo’ ou arquétipo que lhe dá sustentação, permitindo que no
final toda parafernália narrativa se ligue a um enredo-base, transmitindo ao
leitor do presente/passado algum tipo de sentido no contexto de uma leitura
particular.
O leitor sempre encontrará mensagens retratando conflitos humanos,
crises existenciais, tragédias pessoais e coletivas, conteúdos que reforçam
valores morais ou repudiam ações que transgridem tais regras, entre outras.
Ou ainda aprenderá com os enredos de temática histórica (os prediletos do
autor), em cujas concepções se embutem também uma proposta pedagógica
de ensino/aprendizagem de fatos históricos, como a série ‘Memórias de um
Médico’, por exemplo, que retrata os antecedentes e o desenrolar da
Revolução Francesa, em detalhes. É claro que se considerando aí o
componente ficcional manobrado pelo folhetinista. Mesmo assim, o
elemento ou, em termos semióticos, o ‘código’ histórico é fundamental na
composição de tais enredos.
No caso da recepção brasileira desses textos, talvez não seja exagero
considerar que possam ter sido as únicas fontes de conhecimento de fatos
históricos do passado por parte das camadas populares, em geral sem
acesso ao ensino regular, quer tenha sido via uma leitura coletiva ou
individual por pessoas já alfabetizadas.
186
Retomando o fio, O Colar da Rainha e O Quarto Vermelho têm em
comum o tema da fantasmagoria, embora em circunstâncias diferentes. Em
ambas as narrativas há fantasmas em contatos esporádicos com humanos (a
exemplo da mãe falecida que protege o filho em momentos de perigo, em
O Quarto Vermelho) ou em situação de convívio prolongado (um fantasma
de mulher no meio de humanos, sem que ninguém desconfie – O Colar de
Veludo).
Em O Quarto Vermelho aparecem ainda os arquétipos simultâneos
da ‘mãe’ e da ‘criança’, que dão sustentação ao enredo. Segundo
Meletínski, são “considerados os mais importantes arquétipos mitológicos
ou mitologemas arquetípicos. A “mãe” expressa o elemento inconsciente
eterno e imortal. A “criança” simboliza o princípio do despertar da
consciência individual a partir das forças do inconsciente coletivo (mas
também a ligação com a indeferenciação inconsciente primitiva e a
‘antecipação’ da morte e do novo nascimento” (Arquétipos Literários, p.
21).
A Princesa Várvara e A Família Corsa
Seguindo o mesmo perfil editorial das demais obras, A Princesa
Várvara tevetradução e revisão especial” de Emílio Romeo e Nelly
Cordes, em 1972, nota explicativa de Bráulio Sánchez-Sáez e capa de
Vicente di Grado.
O narrador das primeiras páginas é o próprio Dumas. Trata-se de
uma espécie de introdução à obra. Conta sobre sua visita às ruínas do
misterioso castelo Groubenski, na Rússia, onde viveu o príncipe Aléxis-
Ivanovitch. Deparamos-nos, mais uma vez, com um romance sobre
viagens, o que constitui uma verdadeira tipologia de enredos dentre sua
obra, expondo paisagens culturais estrangeiras.
187
Pela descrição minuciosa inicial que faz do ambiente é possível que
o tenha visitado. É importante ressaltar que o autor tinha uma mente
descritiva e essa capacidade se percebe com força em todas as suas obras.
Na escritura de seus textos se embute também uma visualidade incrível e
podemos dizer que ele já era, no distante século XIX, amplamente visual e
televisivo, como se produzisse para meios audiovisuais que só seriam
criados no século seguinte, como o cinema e a televisão. Não é por acaso
que seus clássicos, como O Conde de Monte Cristo e Os Três
Mosqueteiros, tiveram no século passado várias adaptações para o cinema.
E será tema de pesquisa futura a adaptação de um de seus romances para a
telenovela brasileira.
O enredo de A Princesa Várvara é detonado, a partir da visão de
algumas fotografias da família real russa pelo autor no castelo em ruínas.
Ao entrar, ele diz que vai ao cômodo mais conservado, a galeria de fotos, e
olha o retrato do príncipe Aléxis-Ivanovitch: “Fixei o meu olhar na efígie
de um homem de estatura elevada; a fronte descoberta, as sobrancelhas
espessas, o nariz romano, o lábio inferior saliente denunciavam energia e
tenacidade implacável e irresistível. A boca sorria, mas se encontrava algo
de leonino e de ameaçador naquele sorriso. Pareceu-me bastar uma
pequena contrariedade para que a sua fronte se cobrisse das pregas do ódio,
para que seus olhos pretos, levemente velados no momento, reluzissem no
transporte de uma cólera fulminante” (A Princesa Várvara, p. 17).
Ao lado do retrato do príncipe, estão duas figuras femininas: a
princesa Marfa-Petrovna, esposa de Aléxis, e Várvara. Segundo ele, a
última tinha “o rosto encantador, os olhos revelavam viva inteligência e
indefinível tristeza. Ela deve ter sido infeliz e se encontrara alguns
momentos de alegria na vida, tais momentos apareceram e desapareceram
com a rapidez de um relâmpago” (p. 17). Várvara era esposa do príncipe
188
Boris-Alexiovitch, nora de Aléxis e Marfa-Petrovna, personagem central
do trágico enredo, e mãe do príncipe Danilo.
No decorrer do texto, Dumas admite que o romance A Princesa
Várvara corresponde ao manuscrito enviado a ele, meses depois da visita à
Rússia, pelo conde Vaninkof (o ancião ‘Jacques sem orelhas’), a quem foi
confessada a trágica história pelo próprio Aléxis, em seu leito de morte.
Sem acreditar na veracidade dos depoimentos do folhetinista, mas
também sem desprezá-los por completo, pode-se estar diante de uma nova
faceta da produção de Dumas. A origem da trama seria a seguinte: alguém
conheceu fatos da monarquia russa, escreveu sobre eles, cedendo mais
tarde seu manuscrito ou a “matriz impressa” ao escritor. Sabe-se que o
autor tinha predileção por acontecimentos históricos que recuperassem
principalmente segredos de monarcas, o que parece ser o caso. Se o
manuscrito existiu e foi cedido é possível que Dumas o tenha adaptado à
linguagem folhetinesca. Ou o velho Jacques teria vocação para esse tipo de
escritura? Numa concepção de autoria, o personagem foi de fato o autor do
romance, mas Dumas o assinou, mesmo admitindo ter recebido o
manuscrito de outra pessoa. Tal aspecto demonstra mais uma vez que o
conceito de autoria no contexto da literatura de massa do período era no
mínimo irrelevante.
Nota-se ainda que A Princesa Várvara é um romance construído a
partir da memória individual de uma de suas personagens. Jacques é
narrador e guardião da memória longeva da infeliz família real que teria
vivido naquele castelo. Trinta anos depois, revela ao príncipe Danilo (que
não conhecia a edificação, pois fora criado em Petersburgo) um grande
segredo de família, comparecendo aí um dos ingredientes centrais das
tramas folhetinescas que se repetia nos melhores folhetins-romances.
A mãe de Danilo (a princesa Várvara) foi assassinada e o cadáver
permaneceu oculto durante anos no chamado ‘pavilhão rosado’ do castelo.
189
O núcleo central da trama se constrói em torno desse segredo e de seu
esclarecimento. Foi com grande comoção que o príncipe recolheu ali uma
caixa com os restos mortais da mãe, algumas jóias, como um par de brincos
de diamantes, pérolas de um colar, uma aliança de ouro e alguns fios de
metal. Contempla ainda na galeria de fotos o retrato da mãe. O narrador diz
que por “estranho capricho dos antigos proprietários do castelo, ela tinha o
rosto coberto por uma imensa mancha preta” (A Princesa Várvara, p. 27).
Ou seja, a princesa era uma figura meio fantasmagórica de quem não se
tinha notícia na redondeza. Foi fadada ao esquecimento. Antes de autorizar
a demolição, numa das paredes, gravada com a ponta de um ‘prego’,
Danilo encontrou a seguinte inscrição: “No ano de 1807 – em 14 de
outubro – Adeus, meu bem-amado Boris! tua querida Várvara... aqui, pela
crueldade de teu...”(p. 27). Era o registro, visivelmente interrompido em
sua performance escritural, que apontava os indícios de um crime
hediondo.
A ação romanesca é precipitada, em virtude da atração doentia que o
príncipe Alexis (já viúvo) nutriu pela nora, desde o primeiro momento que
a encontrou. Sempre foi um homem violento, arrogante e intransigente. A
esposa foi morrendo aos poucos de tanta infelicidade.
O folhetim-romance em questão se configura no que Marlyse Meyer
chamou “romances de crimes de amor”, como também a temática pode
recair no “romance da vítima”, mesmo quando a produção de Dumas era
classificada dentro da vertente romântica e não realista do gênero. Tem-se,
em linhas gerais, dois crimes motivados pelo amor não correspondido do
sogro pela nora.
Como bom folhetim, após prolongado suspense narrativo, o leitor
descobre que se trata de uma tentativa desenfreada de sedução da nora pelo
sogro. Diante da recusa da dama, o algoz pratica finalmente duplo crime - o
do estupro: certa manhã, antes de sair para caça, entra em seu quarto, sob o
190
pretexto de se despedir, e a violenta, após mandar duas serviçais imobilizá-
la; o segundo, consiste em mantê-la em cárcere privado até sua morte, sem
que o marido ou qualquer pessoa soubesse nada: a princesa ficou doente e
ninguém nunca mais se aproximou daquele quarto.
Em caráter excepcional, o romance A Família Corsa é publicado no
mesmo volume da Princesa Várvara. Num primeiro momento, trata-se de
uma história sobre vinganças corsas. Mas Dumas se volta para o trágico
destino do jovem Luís Franchi, morto em duelo, porque se desentendeu
com um parisiense por ciúmes de uma mulher. Dias antes, o próprio Dumas
teria conhecido sua família na Córsega: a mãe e seu irmão gêmeo Luciano,
que vingaria a morte de Luís em seguida. Pelo visto, o drama familiar o
inspirou na escritura do folhetim.
O mesmo romance de Dumas foi editado pela ‘coleção Saraiva’ em
1954, com o título Os Irmãos Corsos e reeditado pelo Clube do Livro,
como já foi dito. As duas histórias adaptadas (A Princesa Várvara e A
Família Corsa) para o padrão editorial do Clube ocuparam apenas 158
páginas, o que indica que sofreram cortes, tendo em vista que era comum
um único romance caber no formato de cerca de 160 páginas, modelo
adotado pelo clube.
Comparando a edição da Família Corsa, do Clube do Livro, e Os
Irmãos Corsos, da Saraiva (coleção Jabuti), encontram-se páginas
suprimidas, sobretudo trechos com diálogos.
Além dos cortes, a principal diferença entre ambas as edições (A
Família Corsa/ Os Irmãos Corsos) está também na apresentação do texto.
O Clube do Livro, apesar de trazer todos os capítulos do romance com
títulos, o que demonstra grau de organização, antecedidos das respectivas
numerações em algarismo romano, usa espaço mínimo entre linhas, tipos
pequenos e inicia cada novo capítulo na mesma página onde termina o
anterior, por menor que seja o espaço. São estratégias comuns em edições
191
populares, mas aqui levadas ao extremo, já que o editor fez caber numa
única brochura de 158 páginas dois romances de Dumas, empregando as
soluções já citadas. Enquanto o projeto gráfico de Os Irmãos Corsos pela
coleção ‘Jabuti’ da Saraiva é bem mais limpo visualmente, em virtude da
opção por privilegiar espaços, como forma de melhor distribuir o texto em
cada página.
Um dos exemplos de corte na edição do Clube do Livro de A Família
Corsa em relação ao Os Irmãos Corsos da coleção ‘Jabuti’ da Saraiva, está
no capítulo XVI - “A Visão de Luís”. No clube, o capítulo se inicia assim:
Apresentara-me às oito horas da noite ao Sr. Luís de Franchi para lhe perguntar se
tinha alguma recomendação a fazer-me. Pediu-me aguardar o dia seguinte,
acrescentando, de modo estranho: - A noite traz conselhos” (p. 141).
E termina do
seguinte modo:
Essa narração feita com tamanha naturalidade denotava a cena
referida por Luís se tinha efetivamente produzido ou que ele, preocupado, fora vítima
de uma ilusão tão terrível para si quanto à própria realidade. Enxuguei o suor que me
escorria da testa” (p. 144).
Na edição da Saraiva (coleção Jabuti), o mesmo capítulo continua
por uma página e meia, com os seguintes diálogos, principalmente entre
Dumas e Luís:
“- Agora, o senhor conhece meu irmão, não é assim?
- Conheço.
- Que lhe parece que ele faça se souber que fui morto num duelo?
- Partirá imediatamente de Sullacaro para vir bater-se com aquele que o
matou.
- Isso mesmo; e se ele for morto, minha mãe será três vezes viúva, viúva do
marido e viúva dos dois filhos.
- Compreendo, compreendo, é medonho!
- É isso que se torna imperioso evitar, por isso escrevi essa carta.
Acreditando que morri de uma febre cerebral meu irmão não poderá culpar
ninguém da minha morte, e minha mãe se resignará mais facilmente
supondo-me atingido pela vontade de Deus, do que se me soubesse
fulminado pela mão dos homens. A não ser que...
- A não ser que, o quê – repeti.
- Oh, não!... – acrescentou Luís; - espero que isso não aconteça.
- Percebi que ele respondia a um temor pessoal e não insisti.
- Nesse momento a porta entreabiu-se.
192
- Meu caro de Franchi – disse barão Giordano, - respeitei a tua ordem
enquanto foi possível, mas são oito horas; o encontro é às nove; temos légua
e meia a fazer, é necessário partir.
-
Estou pronto, amigo, entra. Já disse a este senhor o que tinha a dizer.
Pôs o dedo na boca, fitando-me.
- Quanto a ti, meu amigo – prossegiu voltando-se para a mesa e apanhando
uma carta lacrada, - eis o que te destino. Se me suceder uma desgraça, lê
esta carta e espero que ajas de conformidade com o que te peço (...)”. (Os
Irmãos Corsos, coleção Jabuti/ Saraiva, p. 137).
O referido capítulo prossegue até a página 139, na coleção Jabuti.
A junção dos respectivos romances num único volume pode ter sido
uma escolha aleatória do editor do clube do livro. Não há aproximação de
temas entre ambas as narrativas, o que justificaria tal seleção. Do ponto de
vista da leitura, a questão dos cortes nas edições é complexa, pois um dos
principais prejuízos causados ao leitor popular pode ser a leitura
fragmentada das obras, muitas vezes, sem chances de reler uma versão
mais completa futuramente.
No entanto, no que se refere à divulgação dos folhetins de Dumas
aqui, o fato sugere popularidade em alta do autor, já que num único mês (e
num único livro) foram oferecidos dois de seus romances pelo clube.
Trata-se de uma das poucas brochuras do autor pelo Clube do Livro
que mantém a capa original, além disso, só fazendo referência ao romance
A Princesa Várvara. Colorida, traz uma ilustração da sombra de um rosto
de mulher (da princesa Várvara - imagem em alusão ao “rosto coberto por
uma imensa mancha preta” na galeria de fotos do castelo a que o narrador
se refere), vítima de um verdadeiro martírio, bem ao estilo das tramas
folhetinescas. A capa sintetiza visualmente tais dilemas. Aliás, segundo
trecho de nota do editor, na mesma edição, as capas de todas as obras eram
coloridas, e assinadas por artista de renome, no caso, o desenhista Vicente
di Gradi. O romance Kassima, a tártara teve ‘tradução especial’ para o
193
Clube do Livro de José Maria Machado, e ‘nota explicativa’ de Evangelista
Prado, em 1964. Tem 140 páginas.
Capa de Vicente di Grado, Clube do Livro, São Paulo, 1964
195
O ilustrador e as capas
Vicente di Gradi foi o capista de todos os títulos de Dumas
traduzidos pelo Clube. Seu nome figura nas folhas de rosto dos livrinhos,
mas a maior parte das capas não foi preservada. Não se tem detalhes sobre
a atuação do ilustrador, mas provavelmente fazia parte de um seleto grupo
de profissionais da edição popular bastante requisitado na época, e pelo
visto pertencente ao quadro de funcionários fixos da editora, já que assinou
as capas dos títulos publicados pelo clube durante anos.
Observou-se que os romances de Dumas pertencentes ao clube,
alguns restaurados, receberem encadernações em capa dura e por isso o
texto visual (as capas) de Vicente di Gradi se extraviou, caindo no
esquecimento. De certo, foram imagens que se fixaram no imaginário
popular brasileiro, bem como a memória dos textos que contribuíram para
apresentar, considerando aqui o conjunto das capas produzidas para a
editora e não só as desenhadas para os romances de Dumas.
Há casos de editoras populares, a LEP de São Paulo, por exemplo,
que publicou romances do autor na década de 40 do século passado, cujo
conjunto visual das charmosas sobrecapas foi preservado após a
encadernação ou recebeu capa dura antes que fossem danificadas em
virtude do manuseio. A última hipótese sugere zelo por parte do leitor(a) e
proprietário da obra, como também pode se tratar de uma relativa condição
financeira de seu dono(a), ao que parece, com perfil de colecionador, que
teria mandado encaderná-los para melhor preservação. Sabe-se que foram
textos dirigidos ao público popular, mas certamente lidos por um grupo de
pessoas mais amplo e diversificado, inclusive das classes mais abastadas
sobretudo amantes desse tipo de literatura folhetinesca, já com longa
tradição no Brasil, desde o século XIX.
Tanto a Saraiva como o Clube do Livro não ilustraram internamente
suas coleções populares, o que indica uma tendência à economia, embora
196
se estivesse em pleno contexto de ebulição de uma cultura de massa e que
portanto era apreciado o uso de imagens. A razão para tal ausência pode ter
sido o custo ainda elevado das ilustrações, o que encarecia o preço do livro,
comprometendo a venda em larga escala. O Clube do Livro, por exemplo,
foi rigoroso quanto a manter os preços baixos de suas brochuras durante
anos.
No que se refere ainda aos ilustradores à época, era comum as
editoras populares contratarem, em caráter exclusivo, um ilustrador de
renome para criar as capas de suas coleções, divulgando o fato com alarde
entre os leitores. A Saraiva manteve parceria com Nico Rosso durante anos.
Era mais uma estratégia das editoras para tornarem suas publicações mais
atraentes, disputando cada espaço de um comércio massivo e vantajoso.
Desse modo, acredita-se que Vicente di Gradi deve ter sido contratado para
ilustrar o conjunto ou boa parte das obras comercializadas pelo Clube do
Livro.
****
Os enredos dos romances-folhetins de Dumas, recuperados na
história da edição aqui apresentada, demonstram um grande interesse do
autor pelo tema da memória. Na maioria dos textos ele retoma fatos
históricos ou, mesmo quando apresenta tramas com temas aparentemente
corriqueiros, não resiste em inserir manobras, fazendo com que o mais
anônimo de seus heróis tenha alguma ligação com um personagem da
História, numa tentativa de dar veracidade à sua fabulação. Percebe-se a
constante busca do autor pela reconstituição de fatos do passado, quer
coletivos ou individuais, captados no universo francês ou nos países que
visitou, mesmo quando parecia estar tentando descrever uma simples
viagem.
197
Nesse sentido, não seria exagero evocar as considerações de Lotman
sobre texto de cultura (aqui o texto folhetinesco de Dumas) com
“capacidade de acumulação e de reserva de memória”: “hoje Hamlet, diz
ele [Lotman], não é apenas uma peça de Shakespeare mas é a memória de
todas as suas interpretações e, ainda mais, a memória de todos os eventos
históricos que ocorreram fora do texto mas cujas associações a peça de
Shakespeare pode evocar”.
16
Ou seja, nos folhetins-romances de Dumas
não há como o leitor se desvencilhar de uma persistente ‘paisagem
memorial’ obstinadamente construída pelo autor e evocada após cada nova
leitura.
Mesmo, com doses de exagero, em virtude das características do
gênero folhetinesco, não se pode negar que o autor apresenta, em seus
sucessivos enredos, quadros de manifestações culturais, ambientes e fatos
históricos ou cotidianos do passado, recuperando todo um conjunto de
memória individual e coletiva, com muito detalhe. Dumas lida o tempo
todo com reconstituições de memórias (coletivas ou individuais). Talvez
esteja nesse aspecto a razão para o sucesso longevo de seus textos. Em seus
romances, o leitor ‘viaja’ por lugares surpreendentes e conhece a
‘intimidade’ de personagens históricas (principalmente do contexto
francês) citados em qualquer compêndio de História, como também
encontra outros criados a partir de sua imaginação.
16
“Cultura é Memória”. In: Armadilhas da Memória e outros ensaios, p. 83.
Capítulo VI – Romances-folhetins de Dumas em Edições
Infanto-juvenis no Brasil
Editora Melhoramentos de São Paulo
No início do século XX, a Editora Melhoramentos de São Paulo se
destacou no trabalho de tradução/adaptação de contos da literatura infantil
estrangeira. No final do século XIX, a Editora Quaresma foi pioneira nesse
campo, ao publicar a tradicional e popular coletânea Contos da
Carochinha, organizada por Figueiredo Pimentel e ilustrada pelo artista
Julião Machado. Eram pequenas ilustrações, em preto e branco, no canto
superior da página, uma para cada conto adaptado.
No caso da editora Melhoramentos, quem idealizou o projeto de uma
coleção para crianças foi o Professor Arnaldo de Oliveira Barreto, criando
em 1915 a Biblioteca Infantil. Anos depois, a coordenação da coleção
passou a ser do educador Lourenço Filho.
O primeiro título a ser traduzido e publicado foi ‘O Patinho Feio’ de
Hans Christian Andersen, ilustrado por Francisco Richter. Causou sucesso
o projeto editorial do conto, que deu amplo destaque ao texto visual com
lindas ilustrações de capa e internas, em conformidade com as tendências
européias de produção de livros infantis. Em verdade, a Editora
Melhoramentos não só inovou, como teve uma postura ousada no contexto
do mercado do livro infantil no país, ao introduzir uma técnica de
vanguarda para o período (a ilustração), mas com altos custos de produção.
Mais tarde Monteiro Lobato investiria na produção de capas ilustradas e
coloridas, pois acreditava se tratar de um dos principais atrativos para
facilitar a venda de livros.
199
Coleção ‘Obras Célebres’ da Editora Melhoramentos
A Editora Melhoramentos não se dedicou somente à
tradução/adaptação de contos de fada para crianças. Através da coleção
‘Obras Célebres’ veiculou romances populares da literatura estrangeira para
o público infanto-juvenil, a exemplo de algumas obras de Alexandre
Dumas, por sinal, as mais populares do gênero folhetinesco no Brasil.
No que se refere ao romance-folhetim de Dumas, percebe-se que o
mercado editorial brasileiro do século XX publicou tal repertório popular
para os diversos públicos: do infanto-juvenil ao adulto. Nos dias atuais O
Conde de Monte Cristo circula em edição infantil; Os Três Mosqueteiros,
O Conde de Monte Cristo e O Homem da Máscara de Ferro em edições
infanto-juvenis pela editora Scipione de São Paulo. Na verdade, a obra do
autor no Brasil constitui uma rede de textos que passa pelo universo do
folhetim (no século XIX) e migra para o livro popular. Cinco de suas
principais obras foram ainda adaptadas para a literatura infanto-juvenil pela
Melhoramentos. Duas transpostas para folhetos de cordel nordestino; os
romances O Conde de Monte Cristo e Os Irmãos Corsos, reeditados no
decorrer dos anos, foram adaptados para a telenovela
1
brasileira na década
de 50 do século anterior. Nos dias atuais, algumas de suas obras
comparecem em edições de luxo publicadas por grandes editoras
brasileiras, a exemplo dos romances: A Rainha Margot (2001) foi traduzido
para a Companhia das Letras; Senhora Lafarge (Martins Fontes, 2007),
possivelmente está saindo aqui pela primeira; A Tulipa Negra já teve
reedição este ano pela Garnier/Itatiaia, de Belo Horizonte. Tudo isso se
configura no início de novo circuito da obra do autor no país, agora em
livro bem cuidado e caro, distante do modelo das antigas brochuras
populares citadas.
1
A adaptação de ambos os folhetins para a telenovela brasileira será matéria de trabalho futuro.
200
Nesse sentido, Dumas constitui um verdadeiro fenômeno editorial e
de leitura no Brasil. Sua obra compõe uma verdadeira rede textual que
passa pelos suportes do folhetim, do livro popular (e agora de luxo), da
edição de cordel e chega ao televisivo, com dois romances adaptados.
Acredita-se que o autor conquistou leitores de todas as classes
sociais. Uma questão fica clara, após o acompanhamento da trajetória de
sua obra no Brasil: todas as editoras envolvidas com a publicação
procuraram se apoderar de uma fatia lucrativa desse imemorial repertório
folhetinesco. Trata-se de um produto massivo que deu bastante lucro a
editores e ainda é uma leitura prazerosa para qualquer idade, daí a razão
maior de sua permanência na tradição brasileira.
Não se sabe quando a coleção ‘Obras Célebres’ da Melhoramentos
começou a ser editada. A única data de referência foi 1964, encontrada na
folha de rosto de Os Irmãos Corsos, que já estava na quinta edição.
Supondo-se que a referida coleção começou a circular a partir de 1950,
coincide com o mesmo período em que Os Irmãos Corsos e outros
romances-folhetins de Dumas foram também publicados pelas Editoras
Saraiva e Clube do Livro, em edições populares, para um público adulto, o
que demonstra que adultos, jovens e crianças estavam sendo contemplados
com traduções simultâneas de obras do autor, sobretudo os principais
romances.
Por outro lado, entende-se que as adaptações de romances-folhetins
franceses para a literatura infanto-juvenil foram novidade no país. A
Editora Melhoramentos parece ter sido pioneira em veiculá-los, já que não
encontrou-se registros anteriores do gênero para tais públicos. Pelo visto, se
tratava de um projeto adaptativo em curso de alguns clássicos da literatura
estrangeira para crianças e adolescentes, o que confirma um pequeno texto
que introduz a lista de títulos da coleção ‘Obras Célebres’, divulgado com
freqüência nas quartas capas:
201
Obras célebres – os mais empolgantes livros
Livros de todos tempos, obras-primas da literatura mundial condensadas por escritores
de renome, transporta os leitores juvenis ao mundo da aventura e da fantasia. As
adaptações conservam as principais características dos originais. Muitas e belas
ilustrações”.
A presença das obras de Dumas na respectiva coleção só demonstra a
popularidade do autor e do romance-folhetim entre nós. Havia recepção
garantida, caso contrário, não existiria razão para publicá-las.
Os pomposos títulos de algumas coleções são interessantes para se
perceber a estratégia de publicidade veiculada por editoras populares e
popularizantes (como a Vechhi e a Melhoramentos, em questão) para
vender romances da literatura nacional ou estrangeira traduzida, exaltando
a idéia de superioridade literária de tais escritos. Sob o rótulo de ‘obras
célebres’, a Editora Melhoramentos divulgava ‘clássicos’ da literatura
universal para todo o país, com grande sucesso. Jerusa Pires Ferreira, em
pesquisa de muitos anos sobre ‘matrizes impressas da oralidade’, fala do
papel que desempenharam editoras popularizantes brasileiras na divulgação
de obras literárias, com destinação popular, e de como tal conjunto gerou
novos textos na cultura nacional.
2
Sem prefácios ou notas introdutórias, os romances de Dumas
publicados pela coleção ‘Obras Célebres’ são encadernados em vistosas
capas duras e ilustradas, demonstrando requinte. No projeto editorial é
dado amplo destaque para as lindas ilustrações internas e de capa.
As obras são bem apresentadas, com manchas gráficas agradáveis
para a leitura. Letras (tipos) legíveis, boa disposição de espaço entre linhas,
margens largas. Separação satisfatória entre os títulos de capítulos e o
início dos primeiros parágrafos de cada um deles. Os respectivos itens são
reunidos para tornar cada página agradável para leitura, descansando a
2
Cf. ‘Matrizes Impressas do Oral’. In: Intersecções: a materialidade da comunicação: Rio de Janeiro:
UERJ, 1998, p. 77-84.
202
visão do leitor. Todos os títulos de capítulos são escritos em caixa alta não
só para efeitos de destaque, mas para uniformizar o aspecto gráfico da obra,
o que constitui mais um item a favor de sua organização.
Quanto à circulação das obras da respectiva coleção, no verso da
folha de rosto de O Visconde de Bragelonne há uma informação
interessante: “Nos pedidos telegráficos basta citar o código 0-20-258”, o
que significa que todas as formas de divulgação à distância, disponíveis
naquele momento, estavam a serviço do leitor.
Dois romances de Dumas publicados pela coleção ‘Obras Célebres’
Do ponto de vista das considerações teóricas sobre texto/imagem,
para situar os procedimentos ilustrativos dos romances de Dumas para a
respectiva coleção da Melhoramentos, é de grande importância o texto ‘A
Passagem à Tela’ de Charles Grivel.
3
O autor trabalha com o romance
popular/folhetim ilustrado e o chama de ‘literatura híbrida’, além de outros
gêneros afins, que passaram a ser ilustrados (com fotografia, litografia,
gravura, etc) no início da Revolução Industrial. Período que revelou “um
verdadeiro desejo de imagens impondo ao livro e à literatura vulgarização,
popularização e democratização” (Revista ‘Projeto História’, p. 40).
Referindo-se à junção de texto e imagem, Grivel diz que tal mecanismo fez
do livro um ‘produto híbrido’.
As colocações do autor sobre romance popular ilustrado (em geral,
ficção para adultos) também servem aqui para o entendimento da relação
texto/imagem da narrativa folhetinesca adaptada para crianças e
adolescentes. Percebe-se que, nesse caso, o conjunto visual em análise não
foi criado apenas por se tratar de adaptação para texto infanto-juvenil, isso
também é um fator. A visualidade permanente embutida no enredo
3
Revista Projeto História, do Departamento de Pós-Graduação em História da PUC/SP, no. 21, São
Paulo, Educ/Fapesp, nov. 2000. p. 11-24.
203
folhetinesco, de um modo geral, teria também influenciado a construção do
texto visual (as ilustrações) nas adaptações dos folhetins de Dumas para as
edições infanto-juvenis em questão. Sobre tal assunto, Grivel coloca que
todo texto folhetinesco é “fortemente orientado para a representação visual,
transformando-se em seguida em narrativa com imagens, cujo poder visual
fascina e concentra sua mensagem nos objetos de visão” (Revista ‘Projeto
História’, p. 39).
O autor discute a relação entre texto/imagem, fazendo uma das
sínteses mais oportunas. Em linhas gerais, esboça como a imagem está
embutida no impresso/escrito e que constitui um desafio do
ilustrador/desenhista visualizar esse texto implícito e lhe dar forma através
da criatividade: “ler deseja reforçar ver. A totalidade provém da
necessidade de tirar de um texto tudo o que está preso, fazer sair o que
está contido na letra, trabalhar as visualidades do traçado. O traçado
corresponde certamente a um limite, exprime uma focalização – escrever
enquadra a visão; manifesta, no entanto, visto sob um outro ângulo, como
qualquer signo, o desejo de ver – escrever empurra para a visão” (Revista
‘Projeto História’, p. 42).
Por outro lado, a citação acima também sugere que o leitor não só
decodifica o texto literário impresso, como detecta visualidades em seus
traçados, estando nessa capacidade de conviver com o elemento visual
ainda num plano mental um dois principais mecanismos de
desenvolvimento de sua imaginação e gosto pela leitura. Mas é o
artista/ilustrador que capta com facilidade esse conjunto imagético virtual e
dá forma através do desenho, da gravura, etc. Tal texto visual (as
ilustrações) divide espaço com o verbal. Uma vez concretizado, irá
desempenhar funções como embelezar a obra, servir de descanso, deriva ao
leitor ou ainda auxiliá-lo na leitura.
204
Mesmo o texto de Grivel tratando do estudo das ilustrações em de
romances populares/folhetins para leitura adulta, no caso brasileiro, no
decorrer da pesquisa se verificou que muitas das edições do gênero,
publicadas por várias editoras, não receberam ilustrações internas
(inclusive a maioria dos folhetins de Dumas), provavelmente para conter
gastos. A exceção fica por conta das edições infanto-juvenis, por serem as
ilustrações itens quase indispensáveis na composição dos respectivos
livros.
No entanto, a ausência delas em romances para adultos foi
compensada pela beleza e criatividade das capas, cuja produção resultou da
captação de elementos visuais pelo ilustrador no texto narrado/impresso,
em geral das seqüências mais significativas do enredo, de modo que a
tradução do verbal (perpassado de visualidade) em ilustração (texto visual)
causasse impacto e despertasse no leitor o desejo de ler a obra. Pode-se
dizer que a capa é o produto da interação entre o texto verbal/impresso de
tais narrativas e o visual aí escondido, em que o primeiro determina a
construção do último.
Grivel explica ainda as funções das ilustrações em qualquer texto de
romance popular, em edições para adultos. Mas se percebe que as
respectivas funções comparecem no texto ilustrado desse tipo de romance
adaptado para os públicos infantil e o juvenil (ainda com mais intensidade).
Em princípio, são verdadeiras ferramentas de auxílio para este leitor em
formação, cujo hábito de ler requer também o descanso e outros atrativos
que as ilustrações proporcionam. A respeito do assunto, o autor diz: “o
acompanhamento ilustrativo preenche pois
VI - Capas de edições infantis e ilustrações internas de dois romances de Dumas.
Editora Melhoramentos, São Paulo
Capa de Oswaldo Storni, 1964
Ilustração interna de Oswaldo Storni para
Os Irmãos Corsos, 1964
Capa de Oswaldo Storni, s/d
Ilustração interna de Oswaldo Storni
para O Visconde de Bragelonne, s/d
206
a dupla função: serve à exposição, participa do destaque, é citatório das
palavras e das ações que se poderão ler, mas é também descanso, distração,
deriva. Esta visualização tem certamente valor pedagógico – uma ilustração
permite compreender uma insinuação, economiza a decifração, acelera o
entendimento das ações: ela tem também função valorizante, pois é um
suplemento, um ganho, já que uma narração qualquer consegue muito bem
passar sem ela” (Revista ‘Projeto História’, p. 45).
O Visconde de Bragelonne
O Visconde de Bragelonne (últimas aventuras de Os Três
Mosqueteiros) foi adaptado em edição infanto-juvenil por Guiomar Rocha
Rinaldi para a Editora Melhoramentos. O texto verbal, como o subtítulo
sugere, narra as últimas aventuras dos três/quatro amigos inseparáveis
(Atos, Porthos, Aramis e D’Artagnan), antigos e fíeis mosqueteiros (meio
que aposentados) da corte de Luís XIV. Mas atuavam em operações
secretas sempre que algum perigo rondava o rei ou a corte. Numa
genealogia de heróis, tema que origina matéria para novo romance e série
na obra de Dumas, O Visconde de Bragelonne é Raul, filho de Atos e
valente cavalheiro do rei da França, treinado pelo pai. O mesmo romance
saiu em edição para adulto, em seis volumes na década de 50 do século
passado pela editora Saraiva.
O protagonista/visconde tem uma paixão não correspondida pela
jovem Luísa de la Vallière. Em empolgante trama folhetinesca, Luís XIV
também se enamora por ela e, como pretexto para mantê-lo distante, o
manda para uma missão na Inglaterra, no reinado de seu primo, Carlos II.
De volta a Paris, Raul sabe do relacionamento e, desiludido, parte como
integrante do exército francês para uma guerra na África, numa espécie de
tentativa de suicídio. É ferido de morte e o pai Atos, ao saber da notícia,
falece em seguida. São sepultados no mesmo dia.
207
Como bom folhetim, mesmo bastante resumido, para se adequar aos
padrões de uma edição infanto-juvenil com 130 páginas, traz intrigas
incríveis e momentos de suspense que certamente despertaram a
imaginação de tais públicos.
As belas ilustrações são de Oswaldo Storni, que ganhou inclusive o
prêmio Jabuti de melhor ilustrador em 1960. Não consta ano de publicação.
A obra faz parte da coleção Obras Célebres, volume 8. Tem formato
padrão (de 17 x 25 cm).
A capa colorida sintetiza visualmente o trecho narrativo sobre a
visita de Luís XIV e sua comitiva ao ‘Palácio das Espadas’, do Conde de
Orléans (tio do rei), na cidade de Blois/França, quando estava a caminho da
Espanha para buscar sua futura noiva, a infanta Maria Teresa. Síntese
visual que confirma a interação entre texto/imagem e demonstra ainda que,
nesse caso, a criação do ilustrador se apóia na materialidade do impresso.
Em O Visconde de Bragelonne há doze ilustrações internas de página
inteira, em preto e branco, que resumem momentos importantes do enredo,
de modo que o texto visual está subordinado ao verbal. A forma como são
dispostos os desenhos na página (mancha gráfica) chama atenção para esse
aspecto. Em boa parte do livro, as ilustrações ocupam as páginas à
esquerda fechando uma seqüência importante do texto verbal que as
antecede ou mesmo capítulos, o que demonstra uma disposição quase
definida entre texto/imagem no romance e nos demais livrinhos da série, a
exemplo de Os Irmãos Corsos. Tal aspecto é chamado por Grivel de
‘retrojeção’, ou seja, “a imagem representa o que foi narrado e então
desencadeia a sensação do que foi dito” (‘Projeto História’, p.49).
As personagens envolvidas no recorte visual sempre aparecem em
primeiro plano e o ambiente onde atuam vem em segundo. O ilustrador, ao
utilizar desenhos internos em preto e branco, devia estar seguindo critérios
de produção industrial do período, próprio da cultura de massa, que
208
previam reduções de gastos com o livro popular. A proporção de
ilustrações, por número de páginas, também sugere a contenção de
despesas, já que são 12 ilustrações para 130 páginas. Praticamente, só 10%
do livro é ilustrado.
Os Irmãos Corsos
Foi localizada a 5
a
edição, de 1964, no. 29, com 118 páginas. Tem
onze ilustrações internas, em preto e branco e de página inteira, também de
Oswaldo Storni, com as mesmas características dos desenhos da edição d’
O Visconde de Bragelonne.
Nas ilustrações internas, as personagens aparecem em primeiro
plano. O texto visual segue os fatos narrados no verbal e apresentam cenas
fortes, configurando-se no que Grivel chama “dramaturgia imaginal”.
Ocupa quase sempre as páginas à direita (talvez, estratégia para ser visto
primeiro, já que a tendência do leitor ao abrir um livro é visualizar antes a
página à direita). A capa também colorida tem projeção diferente. Sua
criação em O Visconde de Bragelonne parece mais solta, já que as imagens
ocupam toda a página, tendo pouco destaque dados editoriais como nome
do autor e da editora, que aparecem em tipos pequenos, quase
despercebidos. Além do mais, do ponto de vista do movimento, os
desenhos foram enquadrados de tal forma que dão a idéia de toda uma
performance dos personagens que compõem a cena da chegada de Luís
XIV ao vilarejo de Blois.
A capa de Os Irmãos Corsos parece fazer parte de um outro projeto
visual da coleção ‘Obras Célebres’. Em três cores, predominando o azul
turquesa inclusive como cor de fundo, tem enquadramento bem definido, o
que dá uma sensação estática ao conjunto imagético. No centro da página
está a ilustração que representa o duelo final do enredo, em que o gêmio
Luís Franchi assassina a golpes de espada o Conde de Guidice, inimigo que
209
no passado invadiu o castelo de seu pai, comandando o massacre de sua
família e dos convidados, no mesmo dia em que sua mãe deu à luz a ele e
seu irmão.
Além dos Irmãos Corsos, Guiomar Rocha Rinaldi adaptou os outros
quatro romances de Dumas para a coleção ‘Obras Célebres: O Máscara de
Ferro, O Visconde de Bragelonne, O Conde de Monte Cristo, Os Três
Mosqueteiros.
4
Na quarta capa de Os Irmãos Corsos são relacionados os títulos da
referida coleção. O editor lembra que todos foram “condensados por
escritores brasileiros de renome com sugestivas ilustrações”, cujos enredos
têm o objetivo de “transportar a juventude ao mundo da aventura e da
fantasia”.
Em se tratando de romances-folhetins, quando se fala em
“condensações” de textos significa que sofreram cortes significativos na
adaptação para edições infanto-juvenis, tendo em vista que os cinco títulos
de Dumas citados são romances extensos. O Visconde de Bragelone, por
exemplo, circulou na década de 50 do século passado pela ‘coleção
Romances de Alexandre Dumas’ da editora Saraiva para um público
adulto, em seis grandes volumes, totalizando mais de 2000 páginas de
enredo.
A edição infanto-juvenil de Os Irmãos Corsos narra uma história de
vingança entre duas famílias da Córsega (Franchi e Guidice), que no passar
dos anos foram quase exterminadas, em virtudes dos muitos assassinatos
cometidos entre seus membros por ódio mútuo. O respectivo núcleo
narrativo resulta da interpretação livre do enredo por parte da responsável
pela adaptação brasileira para a Melhoramentos. Pois, nas edições que
4
Durante esta pesquisa só foram localizados as edições infantis O Máscara de Ferro, O Visconde de
Bragelonne e Os Irmãos Corsos
das Edições Melhoramentos.
210
circulam para adultos aqui e no texto em francês, a família dos gêmeos não
é massacrada, nem os irmãos disputam o amor de uma donzela.
Nesta adaptação da obra de Dumas, a trama central trata do cerco ao
castelo do Barão de Franchi e do extermínio de sua família, bem como dos
serviçais e convidados que naquele dia comemoravam o nascimento dos
gêmeos, herdeiros do barão. O massacre foi comandado pelo Conde de
Guidice. As crianças foram salvas pelo médico e Lourenço, amigos da
família, e separadas na mesma semana. Uma ficou na Córsega, aos
cuidados de um camponês, a outra foi adotada pela família Duprès e
cresceu em Paris.
Anos depois, os irmãos se reencontram com a ajuda do médico e dos
pais adotivos, mas não se tornam amigos. Luciano, criado no campo, se
ressente por não ter recebido a educação requintada que Luís teve em Paris.
Os problemas de convivência se agravam quando ele se apaixona pela
namorada de Luís. O tema dos gêmeos desunidos é um arquétipo recorrente
em relatos míticos, inclusive presente na narrativa bíblica.
5
Luciano é
morto em duelo pelo Conde Guidice, o mesmo que assassinou seus pais no
passado. Luís, sobrevivente das torturas do algoz, vinga a morte do irmão.
Com tal ato, pôs fim à uma história de vinganças entre duas famílias.
Edições Juvenis - Editora Abril Cultural de São Paulo
A Editora Abril Cultural foi fundada em 1966 por Victor Civita. Na
década de 70 do século passado entrou em competição com o Clube do
Livro e a Saraiva, no ramo de adaptações de clássicos da literatura
estrangeira, privilegiando o público juvenil. Ao que parece, a publicação
dos romances-folhetins de Dumas começou em 1971 com O Conde de
Monte Cristo, seguido de Os Três Mosqueteiros (1972) e Os Irmãos Corsos
(1973), para a coleção ‘Clássicos da Literatura Juvenil’, ou seja, textos
5
Cf. ‘Livro dos Gênesis’, 25, 21-34.
211
adaptados para os jovens. As respectivas obras de Dumas têm formato (17
x 22 cm) e capa dura.
A menção a nomes de adaptadores, tradutores e ilustradores no
decorrer deste trabalho tem como objetivo também apresentar grupos de
profissionais, com larga experiência, envolvidos com a edição do livro
popular no Brasil no período, caso contrário, permaneceriam esquecidos. O
desenhista Nico Rosso, por exemplo, trabalhou para várias editoras de São
Paulo, entre as quais a Saraiva, por muitos anos. Segundo Savério
Fittipaldi, Rosso foi ainda funcionário fixo (ilustrador) de sua editora, a
Fittipaldi, e de seu tio (também Savério Fittipaldi) na antiga editora João do
Rio
6
.
Com 286 páginas, O Conde de Monte Cristo foi ‘recontado’ por
Miécio Táti que, por sua vez, trabalhou para as Edições Ouro na mesma
função. Assinou a capa Liberato Pastorelli e as ilustrações internas foram
de Luís Trimano. Miécio Táti também ‘recontou’ as aventuras de Os Três
Mosqueteiros (1972) para a mesma coleção, com ilustrações de Getúlio
Delphin. A ‘adaptação’ de Os Irmãos Corsos (1973) foi de Myriam
Campello e as ilustrações são do requisitado artista à época, Jaime Cortez.
A edição tem 172 páginas.
As edições de Dumas da Abril Cultural são caprichadas, mesmo
tendo uma proposta popular. Mancha gráfica bem distribuída na página,
letras visíveis, margens esparsas de modo que todo conjunto valorize a
obra. Os números e títulos de capítulos, em maiúsculas, apresentam
afastamento do corpo do texto, como mais um item de melhoria do aspecto
gráfico. O início de cada capítulo não aproveita resto de página do anterior,
comum em outras edições populares. Os livros trazem ilustrações internas
de página inteira, em preto e branco, sempre em páginas ímpares, e em
papel de boa qualidade.
6
Cf. Revista História, São Paulo, USP, no. 125-126, p. 113, ago-dez/1991 a jan.jul/1992.
212
As ilustrações do ilustrador Jaime Cortez são graciosas e parecem ter
sido criadas a partir de rabiscos, resultado que sugere leveza num livro
pensado para os jovens.
Os quatro romances de Dumas publicados pela série ‘Clássicos da
Literatura Juvenil’ demonstram requinte, mesmo se tratando de uma
coleção popular, cujas vendas se davam pelo correio, em bancas de jornal,
etc. A Abril Cultural se apresentou no comércio livreiro do período como
uma editora também popularizante, ou seja, traduzia e adaptava clássicos
estrangeiros para as classes populares, e Dumas mais uma vez fez parte de
tal projeto.
Pôde-se perceber com a pesquisa, em questão, que a materialidade
das edições ditas populares foi se aperfeiçoando no decorrer dos anos, de
modo que o perfil das edições populares da Abril Cultural na década de 70
já não apresentavam maiores semelhanças com as frágeis brochuras da
‘coleção Saraiva’ e do Clube do Livro, por exemplo, que circularam até
aquele momento. A Abril Cultural parece estar à época em concorrência
com a Ediouro, do Rio de Janeiro, superando em qualidade algumas de
suas edições no quesito requinte.
Edições de Ouro – Rio de Janeiro
O Cavaleiro da Casa Vermelha de Dumas saiu pela coleção
‘Calouro’ em 1973, já comentado no capítulo sobre a editora Saraiva.
O Máscara de Ferro saiu pelas Edições de Ouro (Coleção Calouro),
em 1973. A história folhetinesca se passa trinta anos depois dos episódios
narrados em Os Três Mosqueteiros. O romance conta o drama do filho do
Rei Luís XIII e Ana D’Austria, aprisionado na Bastilha ainda menino por
ser irmão gêmeo de Luís XIV, herdeiro do trono da França. O trágico
destino da criança foi traçado no momento de seu nascimento. A rainha deu
à luz a um menino, logo apresentado à corte como o futuro herdeiro do
213
trono francês. Horas depois nasceria o irmão, e o povo não poderia ficar
sabendo da notícia já que uma outra criança havia sido apresentada antes. O
país poderia mergulhar numa revolução. A família real optou pela
deportação da segunda criança para o campo, para ser criada por uma ama e
um preceptor, sem que ninguém soubesse de sua identidade. Mas, anos
mais tarde, o próprio menino lê uma carta da rainha (sua mãe) ao preceptor
e descobre toda verdade. Por essa razão, é trancafiado na Bastilha, pois a
França não podia ficar sabendo que tinha um segundo herdeiro do trono. O
casal que o criou desaparece sem deixar vestígios.
Dumas tinha verdadeira paixão pelo romance histórico e muita
habilidade em concatenar enredos. Constrói a trama folhetinesca de O
Máscara de Ferro de modo que os ex-mosqueteiros se envolvem numa
conspiração que usurpou o trono de Luís XIV, em favor do irmão
prisioneiro na Bastilha, cuja nobreza e identidade haviam sido negadas. A
semelhança entre os gêmeos favoreceu a substituição, sem que ninguém
desconfiasse. Luís XIV é trancafiado na Bastilha e obrigado a usar uma
terrível máscara de ferro para que a troca jamais viesse a ser descoberta.
Tem-se aí o tema e arquétipo universal dos gêmeos separados por
adversidades do destino, num visível propósito do autor de causar sensação
em seu enredo folhetinesco.
O Máscara de Ferro pelas Edições de Outro teve adaptação de
Carlos Heitor Cony, principalmente para o público juvenil, no formato de
livro de bolso (10 x 15 cm) e com ilustrações.
Percebe-se que qualquer espaço no projeto gráfico das obras da
coleção ‘Calouro’ era usado para pequenas propagandas sobre o livro ou
autor. E a folha de rosto do romance O Máscara de Ferro não foi poupada:
logo após o título, em nota, a editora chama a atenção: “trata-se de uma
obra em que, mais uma vez, essa versátil escrita relata num estilo arrojado,
vibrante e burlesco uma das facetas da História da França”.
214
Na quarta capa o editor comenta sobre os objetivos da coleção: “A
Coleção Calouro é formada de obras selecionadas entre as melhores do mundo. Os
textos em português não são simples traduções. Grandes escritores brasileiros formam
contratados para recontar em seu estilo próprio e português corrente a história
original
”.
São ainda interessantes os comentários que Cony tece sobre a obra
adaptada, com fins de despertar a curiosidade do leitor para sua leitura,
exaltando o desempenho de Dumas como folhetinista. Justifica também
cortes narrativos e desmembramentos de enredos para a adaptação em
causa:
“A IDENTIDADE do famoso prisioneiro da Bastilha que usava a máscara de
ferro é um dos mistérios que a História ainda não resolveu de todo. Pelo menos, três
explicações foram tentadas, todas plausíveis e com provas aceitáveis. Mas, obviamente,
duas delas ou mesmo as três são falsas. O episódio tem sido por muito tempo um tema
favorito dos novelistas, aos quais oferece oportunidades sem fim de criatividade e
drama. Nenhum deles, no entanto, apresentou uma versão tão excitante acerca desse
acontecimento como Alexandre Dumas, na parte final do grande ciclo de Os Três
Mosqueteiros.
Tecnicamente falando, o relato de Dumas a respeito do homem da máscara de
ferro não é uma novela autônoma, mas parte de um romance épico que começa com o
aparecimento do seu grande herói, D’Artagnan, e seu poney amarelado, nas ruas de
Meung. O episódio dos irmãos reais, que teriam direito ao mesmo trono, é encontrado
no fim desta crônica longa e complexa, através de cenas entremeadas com outras
partes da mesma narrativa.
Com o objetivo de tornar o romance facilmente legível, foram separados da
novela original os incidentes que se relacionam mais diretamente com o homem da
máscara de ferro e que constituem uma história completa”
.
No mesmo ano de 1973, O Máscara de Ferro sairia pela respectiva
editora, coleção ‘Elefante’ (formato 15 x 21 cm), para leitores ‘acima de 12
anos’, ou seja, endereçado ao público juvenil, também com adaptação de
Heitor Cony. Em relação às demais edições de Dumas pela Ediouro,
surpreende o capricho e a qualidade desta última. Papel de qualidade, tipos
legíveis, espaçamento entre linhas satisfatório, margens propícias ao
descanso da visão do leitor. Pela primeira vez, encontrou-se um livro da
Ediouro que não aproveita resto de página para iniciar o capítulo seguinte,
215
visando economizar papel. Inova quanto a utilizar vinhetas ilustrativas para
introduzir os capítulos: em esferas de igual tamanho, por toda a obra, são
dispostas pequenas figuras que dão ênfase para o assunto que será narrado.
O título do capítulo está envolto numa espécie de laço. A novidade no
aspecto visual não se configura só em tais recursos. Há ainda ilustrações
internas de página inteira, em preto e branco, de um ilustrador chamado
Mibielli. No mais, comparecem procedimentos recorrentes numa edição
popular: pequena biografia do autor em local inadequado, como na
primeira página da obra, e desnecessária, porque outro texto de cunho
biográfico é escrito em página que antecede o início da história. Ambos
poderiam ter sido fundidos num só registro. A lista das distribuidoras da
editora, nas principais capitais brasileiras, por exemplo, aparece no verso
da primeira página. Acompanha ainda a edição o conhecido catálogo de
obras no final, com cupom anexo para reembolso postal dos livros
solicitados pelo usuário, meio mais utilizado pela Ediouro para a vende de
seus livros.
A ilustração de capa aparece centralizada na página. Não há
indicação do nome do ilustrador. Talvez seja do artista Mibielli (sem
sobrenome), o mesmo que fez as ilustrações internas. O rei prisioneiro,
personagem principal do romance, aparece com uma máscara de ferro,
semblante de horror, bem ao lado do castelo, em miniatura, onde
permaneceria prisioneiro.
O Conde de Monte Cristo – a tradução da Ediouro e a da editora LEP
Ainda preocupada com o tema da tradução da edição sobre a qual me
referi em relação ao romance O Cavalheiro da Casa Vermelha (no capítulo
sobre a ‘coleção Saraiva’), duas traduções brasileiras de O Conde de Monte
Cristo também despertaram interesse nesse sentido.
216
Encontrou-se uma edição da editora LEP, de São Paulo, de 1945, em
dois volumes, com 359 páginas cada. Circula nos dias atuais uma edição de
O Conde de Monte Cristo da Ediouro (2002), formato (12 x 20 cm), com
164 páginas. O cotejo de ambas demonstrou que, em primeiro lugar, as
expressões ‘texto em português’ ou ‘texto recontado’ ou ‘adaptado’ quer
dizer que a edição passou por significativos cortes de seqüências sobretudo
de capítulos para caber no formato de coleções destinadas aos jovens, como
as da Ediouro, em sua maioria.
Por exemplo, os principais capítulos permanecem de uma edição a
outra, mas bastante resumidos, como ‘A Cela do Abade’, ‘O Cemitério do
Castelo de If’, ‘A Casa Morel’, ‘Haydée’, entre outros, ocorrendo às vezes
pequenas mudanças de sinônimos nos títulos.
Para demonstrar mudanças textuais na obra, resultantes de cortes e
adaptações, selecionamos alguns trechos de O Conde do Monte Cristo, em
edições de diferentes editoras.
O primeiro parágrafo do capítulo ‘O Cemitério da Fortaleza de IF’
pela LEP se apresenta da seguinte forma:
Na cama, deitado ao comprido e fracamente iluminado por um dia nublado,
via-se um saco de serapilheira, em cujas amplas dobras se desenhava confusamente
uma forma comprida e inteiriçada: era a mortalha de Faria, essa mortalha que, no
dizer do carcereiro, custava uma bagatela. Assim, tudo estava acabado. Existia já uma
separação material entre Dantes e o seu velho amigo, não podia tornar a apertar essa
mão industriosa, que lhe levantara o véu que cobria tantos mistérios da ciência. Faria,
hábil e bom companheiro, a quem com tanta amizade se havia ligado, já não existia
senão na sua lembrança! Sentou-se então à cabeceira dessa terrível cama, imerso em
profunda e amargurada melancolia
(Edições LEP, p. 215, vol. 1).
Visivelmente adaptado e resumido, o trecho equivalente do mesmo
capítulo (‘O Cemitério do Castelo de IF’), diz:
Junto ao corpo do ancião, oculto dentro de um saco, Dantes fez um juramento:
_ Lutarei até reconquistar a felicidade que me foi arrebatada. Meus carrascos
serão punidos e meus amigos recompensados. Mas será que só sairei daqui como
Faria?
A esse pensamento, olhos fixos sobre o corpo do abade, como que dominado por
uma idéia súbita, exclamou:
_ Apenas os mortos saem livres deste inferno! Tomemos seu lugar!” (Ediouro, p.
36).
217
São muitos os exemplos de cortes entre a edição de O Conde de
Monte Cristo da LEP e da Ediouro. Uma técnica constante da última
editora é sintetizar o conteúdo de um capítulo inteiro do referido romance
em duas ou três linhas. Desse modo, aqueles que às vezes são omitidos, em
relação à uma edição mais completa, têm os principais tópicos lembrados
de maneira quase despercebida na edição adaptada. E o cotejo evidencia
tais estratégias.
Por exemplo, o capítulo ‘O Tesouro’, que trata da descoberta de uma
fortuna por Monte Cristo, comparece em ambas as edições, por ser básico
na trama do romance, mas com ajustes adaptativos. Após o referido
capítulo, nas edições LEP, vem ‘O Terceiro Ataque’ aludindo à uma
espécie de crise convulsiva sofrida pelo abade, em cinco páginas. Texto
extenso levando-se em consideração as letras pequenas, os espaços simples
entre linhas, além de outros recursos gráficos característicos da citada
edição popular, visando maior economia de página. Na Ediouro, o capítulo
em questão (‘O Terceiro Ataque’) se resume a um parágrafo disperso no
anterior (‘O Tesouro’), ou seja, há uma supressão de conteúdo significativo
do mesmo capítulo entre uma edição e outra. Tais exemplos se multiplicam
na continuidade do cotejo, mas aqui serve para se ter idéia de como
acontecem as constantes condensações ou adaptações.
Certa noite, Dantes foi despertado pela voz lastimosa do abade, que chamava
de sua masmorra, mal podendo articular-lhe o nome. Precipitando-se pelo túnel,
encontrou-o transtornado, apoiando-se, com a mão, à cabeceira da cama.
- o meu terceiro ataque – disse o abade. – Ajude-me a deitar. Não resistirei
quinze minutos. Se conseguir fugir, corra a Monte Cristo, apodere-se do tesouro e faça
bom uso dele. Eu o abençôo filho!” (Ediouro, 2002, p. 35).
Em linhas gerais, a edição de O Conde de Monte Cristo da Ediouro
(2002) não difere muito das demais de seu catálogo. Formato (12 x 20 cm),
tipos pequenos, espaços simples, margens curtas, uso de cabeços contendo
título da obra e nome do autor; adota a prática de término e início de
218
capítulo na mesma página para aproveitar espaços. Tais procedimentos
gráficos e os preços acessíveis são mecanismos que as tornam populares.
Durante décadas a Ediouro vem se mantendo ativa no comércio
popularizante de obras literárias nacionais e estrangeiras sobretudo por
reembolso postal para todo o Brasil. Os catálogos, a exemplo da Saraiva,
Clube do Livro e tantas outras, são divulgados nas páginas iniciais ou no
fim das próprias obras comercializadas, circulando simultaneamente. Nos
últimos anos, as capas são mais coloridas e atraentes, como a do Conde de
Monte Cristo (2003), por exemplo. Há pouco tempo eram escuras, com
pequenas e insignificantes ilustrações de meia página. Agora, até o papel da
capa é de melhor qualidade.
Do ponto de vista da recepção, sabe-se que os títulos da Ediouro são
bastante procurados por estudantes de escolas públicas em todo Brasil, para
suprir principalmente a demanda por obras literárias brasileiras para o
vestibular, por serem livros baratos. Há também aqueles leitores que
escolhem nos catálogos os livros preferidos, sem que parta de solicitações
externas.
219
Demais editoras que publicaram romances de Dumas
7
Durante a pesquisa encontrou-se também algumas edições avulsas de
romances de Dumas, dirigidas ao público adulto em sua maioria,
publicadas por editoras que atuaram na primeira metade do século anterior,
e que hoje são desconhecidas.
Os romances A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau e Os
Quarenta e Cinco constituem uma trilogia que narra o horror das guerras
religiosas entre católicos e protestantes na França no passado.
A Rainha Margot saiu pelas edições LEP, em 1946, em dois
volumes. O tema é o casamento arranjado entre a católica Marguerite
Valois (Margot), filha de Catarina de Médicis e irmã de Carlos IX, rei da
França, com Henri de Bourbon, rei de Navarra, uma estratégia da rainha
Catarina para controlar os confrontos religiosos no país.
Não há prefácio ou nota introdutória do editor. A encadernação em
capa dura está danificada (quase se desmanchando). No selo fixado no
verso da capa há o endereço e o nome da firma responsável por uma
restauração (Encadernação, Douração e Cartonagem G. Massaro), o que
indica que dados editoriais podem ter sido excluídos durante o processo.
Por outro lado, os profissionais envolvidos no restauro demonstraram
cuidados ao preservarem as capas originais e coloridas. Ao que parece, as
7
Trabalhar com um mapeamento de textos como o realizado aqui implica também não julgá-lo completo.
Algumas traduções da obra de Dumas podem ter ficado de fora, como existem aquelas que tivemos
informações que circularam, mas que se perderam ou se danificaram no decorrer dos anos. Acho que uma
das dinâmicas de uma pesquisa desse tipo (e da própria cultura) é se lidar com materiais que
permaneceram, mas também com a ausência daqueles que se perderam, cujos registros de sua existência
são fragmentados e esparsos, mas que vale a pena citá-los enquanto pertencentes a um conjunto maior.
Desse modo, existem referências a traduções de obras do autor em fichários de bibliotecas, mas que
saíram de circulação dos acervos. Poucas estão em setores de obras raras (quase inacessíveis à pesquisa),
outras infelizmente desapareceram. Extraviaram-se ou foram emprestadas e não devolvidas às
Bibliotecas. São as seguintes: Quem Matou Fualdès (Editora Bandeirantes, São Paulo, ‘Coleção
Renascença’); Mestre, Adão (Vecchi, Rio de Janeiro, 1946, coleção ‘Grandes Nomes’); A Guerra das
Mulheres (Vecchi, Rio de Janeiro, 1955); Segredo de Confissão (Vecchi, Rio de Janeiro, 1955); O
Horóscopo (Vecchi, Rio de Janeiro, 1954); A Marquesa Envenenadora (Vecchi, Rio de Janeiro, 1958);
Uma Filha do Regente (Editora Unitas, Paulo, Coleção Universal, s/d.); O Castelo de Eppstein (Editora
Aurora, Rio de Janeiro, coleção Azul, s/d). A importância de lembrá-las consiste no fato de hoje serem
raras. Não existem reedições nos dias atuais de nenhuma delas. Fazem parte de um momento de
divulgação da obra do folhetinista no país e também do mercado de livro popular.
220
coloridas exerciam um certo fascínio sobre eles, e por isso teriam escapado
da destruição. É o que demonstra o conjunto criado para os romances de
Dumas da editora LEP.
A capa de A Rainha Margot representa um duelo entre dois
cavalheiros (com trajes de mosqueteiros). Tais personagens aparecem em
representações visuais de romances do autor traduzidos que não têm
relação com Os Três Mosqueteiros. Parece que tais imagens se
sedimentaram na memória visual dos ilustradores e comparecem
condensadas em outros conjuntos visuais. Segundo Jerusa Pires Ferreira,
trata-se de “colagens da imaginação”.
8
A cena (da capa) se passa numa
floresta densa. Em segundo plano, quase engolidos pela paisagem
exuberante, um casal elegantemente vestido, presencia o duelo. Trata-se da
rainha Margot e seu marido, Henrique de Navarra.
Com 313 páginas, o segundo volume traz a mesma capa e sem
mudanças editoriais, em relação ao primeiro. No final, aparece uma
referência à data de publicação, não citada no local adequado, a folha de
rosto: “Este livro foi composto e impresso nas oficinas de Reis, Cardoso &
Botelho, à Rua Sólon, 856, para Edições Lep Ltda, em agosto de 1946”.
Tais informações, aparentemente sem sentido, além de trazerem data de
publicação de uma obra, mencionam o nome da gráfica onde foi editada.
Uma pesquisa sistemática possibilitaria ainda identificar estabelecimentos
envolvidos com a produção do livro popular no país como as gráficas,
algumas desconhecidas nos dias atuais.
A Dama de Monsoreau, talvez de 1946, saiu em três volumes, pelas
edições LEP. A ação do romance acontece já no reinado de Henrique III
que sucedeu seu irmão, Carlos IX, no trono francês, morto vítima de
envenenamento. As intrigas amorosas giram principalmente em torno das
seguintes personagens: Diane de Méridor, prometida ao perverso conde de
8
Cf. Fausto no Horizonte, p. 106.
221
Monsoreau, mas que despertou a paixão do bravo conde Bussy d’Amboise,
ambos a serviço do falso e sedento por poder duque d’Anjou, irmão de
Henrique III.
Na obra não constam nomes de tradutores, notas explicativas, orelhas
ou quaisquer outros dados, ao contrário do que caracterizava os projetos
populares da Saraiva e do Clube do Livro, iniciados ainda na década de 40
do século passado.
É possível que os volumes tenham sido encadernados em capa dura
após restauração, cujo processo teria preservado as capas originais, com
vistosas ilustrações de G. Walpeterys, o que demonstra um excesso de zelo
e respeito pelo livro, por parte dessas pessoas encarregadas de preservá-lo.
Supõe-se que as capas coloridas dos romances de Dumas para as
edições da LEP foram, na verdade, sobrecapas protegidas posteriormente
por capas duras, em virtude da fragilidade. Trata-se de uma proteção
provisória do livro, mas pelo visto, funcionaram como capas antes e após a
encadernação em brochura. Passou-se a considerar tal hipótese, após
encontrarmos a edição de Os Três Mosqueteiros (de 1945), que mantém as
sobrecapas originais (nos dois volumes), coloridas e ilustradas. O
especialista em livro Jan Tschichold (A Forma do Livro) considera a
sobrecapa uma mera proteção do livro, uma ‘capa de chuva’, muitas vezes
produzida com fins de propaganda. Porém, não consta nas verdadeiras
capas dos volumes de Os Três Mosqueteiros nenhuma informação que as
caracterizem, o que se imagina que uma vez retiradas ou extraviadas tais
sobrecapas, já que são produtos descartáveis, a identificação rápida dos
respectivos volumes seria dificultada, só possível após o usuário abrir a
obra e consultar a folha de rosto. Nesse sentido, produzir uma sobrecapa
colorida e negligenciar os cuidados com a capa (mesmo que fosse
tipográfica) parecem critérios contraditórios da editora LEP.
222
Nas orelhas de Os Três Mosqueteiros são divulgadas duas coleções
populares da editora LEP, a ‘Renascença’ e ‘Capa e Espada’, todas
dedicadas ao romance-folhetim. Os curtos textos introdutórios das
respectivas orelhas são verdadeiras relíquias para se compreender
procedimentos de editoras como a LEP à época, sobre a demanda e a
circulação do romance-folhetim.
Acreditando na importância de materiais, como os trechos veiculados
em orelhas, para explicar circunstâncias da história da edição popular de
um autor, que acaba por revelar também o movimento da cultura desse tipo
de impresso, vale registrar as considerações de Jerusa Pires Ferreira, ao se
referir a prefácios de edições populares do Fausto, que se aplicam a
escritos semelhantes nos livros populares de um modo geral:
importa muito
considerar o interesse que tem os prefácios dessas edições populares ou popularescas,
para a construção de uma história que amplia o texto. Os dados externos avançam em
direção àquilo que vai ser recebido e reescrito, e os prefácios nos dão pistas valiosas
sobre a composição interna do texto fáustico”.
9
Desse modo, na primeira orelha da obra Os Três Mosqueteiros
(editora LEP), a ‘coleção Renascença’ é apresentada da seguinte forma:
Obras há que, apesar da variedade de tendências de cada época, são sempre
bem aceitas e com o maior interesse pelo grande público, que sempre se mostra
inclinado pelos escritores de fecunda imaginação. São precisamente os romances desse
gênero que a nossa editora selecionou para a Coleção Renascença. A par do esmero
com que foram selecionadas as obras que fazem parte desta coleção, devemos levar em
conta o carinho com que foram revisadas as suas traduções, e o cuidado para com a
apresentação é impecável”.
O editor esclarece que já tinham sido publicados pela mesma coleção
os romances (até 1945, no caso): O Mártir de Gólgota, Os Ladrões de
Honra, A Mulher Adúltera, Sandoval, o marítimo e Os Apóstolos, de Perez
Escrich; O Capitão Paulo e Os Quarenta e Cinco, de Alexandre Dumas.
9
Fausto no Horizonte, p. 106.
223
Na segunda orelha, percebe-se que a coleção ‘Capa e Espada’ foi
quase toda dedicada a Dumas, com exceção de dois romances de Ponson du
Terrail (O Juramento dos Homens Vermelhos e O Pajem de Luís XIV). Ao
que parece, a editora LEP estava bastante empenhada em explorar o filão
do romance-folhetim traduzido, dedicando duas de suas coleções ao
gênero.
Pela respectiva coleção, até aquele momento (1945), tinham sido
publicados Os Três Mosqueteiros (2 volumes) e Vinte Anos Depois (2
volumes). Era anunciada a publicação de O Visconde de Bragelonne, O
Conde de Monte Cristo, A Mão do Finado (um falso folhetim), A Rainha
Margot, A Dama de Monsoreau, Uma Filha do Regente.
O trecho introdutório da coleção ‘Capa e Espada’ (na segunda
orelha) ressalta a popularidade desse tipo de romance ao longo de gerações,
entre os leitores adeptos de aventuras no mundo inteiro, e com público
cativo no Brasil, tendo em vista a disposição de editoras como a LEP, em
publicar tais romances de forma contínua:
“Nesta coleção a nossa editora está lançando os imortais romances, que através
de gerações vêm empolgando leitores amantes de aventuras ávidos de boa leitura.
Encetando a publicação da coleção ‘Capa e Espada’, a nossa editora lança os
seus leitores em uma viagem através do tempo, retransportando-os à época estonteante
do amor e da galanteria. (...) Época do deslumbramento eivado de intrigas, em que a
ambição campeava nas cortes. Assuntos como estes, burilados penas imortais como as
de Alexandre Dumas, Ponson du Terrail e outros grandes escritores, é o que está
apresentando a Coleção Capa e Espada, em volumes cômodos, bem apresentados e
atraentes”
.
O romance Os Quarenta e Cinco é o terceiro título da trilogia
formada pela Rainha Margot e A Dama de Monsoreau. Ao que parece, a
editora LEP tinha atividade regular na década de 40 do século passado,
publicando inclusive coleções exclusivas de romances-folhetins, entre eles,
os principais de Dumas. G. Walpeterys assinou as capas dos romances
localizados do autor. Provavelmente foi contratado pela editora por longo
período.
224
Mas a edição do romance Os Quarenta e Cinco encontrada é de
1938, da editora Civilização Brasileira (fundada em 1932), do Rio de
Janeiro, pertencente às ‘Coleções Econômicas’, em três volumes. Isso
comprova que a obra do autor não só circulou por editoras populares
diversas, mas também pelas não populares que em algum momento de suas
trajetórias se dedicaram à uma vertente popularizante, como demonstra ser
o caso da Civilização Brasileira.
O romance Os Quarenta e Cinco faz referência à uma espécie de
guarda real composta de 45 fidalgos, instruída e treinada por D’Eperno,
para proteger o rei Henrique III, já desprovido de tropa perdida em duelos
nas guerras religiosas e políticas que assolavam a França na época.
A edição tem formato de bolso e a capa é assinada por J. V.
Campos. A ilustração reproduz um cavalheiro de espada em punho (um
dos homens convocados para compor a guarda do rei), em posição de
combate (com trajes de mosqueteiros). Como já disse, mesmo se tratando
de representações de personagens masculinos de romances diferentes,
algumas ilustrações de obras de Dumas reproduzem figuras de
mosqueteiros como verdadeiras colagens. Enquanto memória visual (de
fatos narrados ou de captação de imagens) parece que o conjunto mais
retido pelo imaginário dos criadores foi o das imagens dos valentes heróis.
No final da edição de Os Quarenta e Cinco há uma espécie de
lembrete ilustrado com a figura de uma caveira, cuja mão aponta para uma
lista de obras, provavelmente, chamando a atenção do leitor para o tema do
terror abordado:
As Novelas Policiais de Jack Hall; O Crime dos Três Inocentes; O
Estranho Assassínio de Mr. Artwille e Os Assassinos do Castelo Saint Denis.
Ascânio teve tradução de Mário de Sousa Pacheco para a Editora
Flama de São Paulo, em 1946. Pertencia à coleção ‘Romances Imortais’,
em dois volumes. O Castelo de Eppstein foi editado pela Editora Aurora
(Coleção Azul), do Rio de Janeiro, sem data de publicação. A ilustração de
225
capa traz um castelo, em referência ao título, e é assinada por um artista
chamado Goulart.
Edições de Dumas pela Editora Fittipaldi de São Paulo
Encontrei, num sebo em Jacareí/SP, uma preciosa coleção
(incompleta) das obras de Alexandre Dumas da Editora Fittipaldi, de São
Paulo.
Em entrevista a Jerusa Pires Ferreira, Savério Fittipaldi dono da
Editora, ao falar da atividade editorial de sua família e do corpus diverso de
textos que publicava, diz: “Editei Os Três Mosqueteiros, O Conde de
Monte Cristo, Memórias de um Médico, Vinte Anos Depois, O Máscara de
Ferro, todos de Alexandre Dumas. Eram quarenta volumes vendidos em
coleções completas encadernadas ou como exemplares avulsos, um por
mês”
10
.
Não se sabe ao certo, mas talvez tenha sido a coleção mais completa
de Dumas a circular no país no século passado, tendo em vista o número de
volumes. A localização de todo conjunto seria de grande importância
11
para
o estudo da história da edição do autor aqui. A coleção teria iniciado nos
anos 50 do século passado e não circula mais.
Durante toda a pesquisa não se teve registro de nenhum dos volumes
da referida coleção de Dumas da Fittipaldi nas bibliotecas públicas
visitadas. Presume-se que poucos deles circulem avulsos em sebos. Apesar
de terem sido comercializados um a cada mês, como admite o editor, anos
depois, toda coleção podia ser adquirida de uma só vez. Hoje são materiais
raros e devem estar em poder de colecionadores.
Os volumes da coleção têm capa dura e formato (14 x 18 cm), sem
ilustrações internas. Contudo, um mesmo conjunto de imagens dos
10
Revista História, São Paulo, USP, n. 125-126, p. 105-115, ago-dez/1991 a jan-jul/1992.
11
A tentativa de reunir todas as obras de Dumas publicadas por esta editora, bem como a análise dos
materiais, deverá ser feita em pesquisa futura.
226
mosqueteiros (coloridas) se repete nas guardas dos livrinhos, curiosamente
as primeiras páginas vistas ao se abrir ou fechar qualquer livro, sugerindo
um convite à leitura. A criatividade na apresentação das lombadas dá ar de
requinte à coleção. Todas trazem pequenas miniaturas de personagens dos
romances editados (em vermelho e verde), para que o leitor identifique de
imediato à qual obra pertencia(e) cada volume. Por exemplo, uma figura de
um mosqueteiro identifica os três volumes de Os Três Mosqueteiros.
Uma espécie de logomarca da coleção (um escudo com duas espadas
cruzadas) é gravada no alto e no rodapé de todas as lombadas e em relevo
no centro da capa, em fundo verde. Os títulos são escritos num campo preto
com letras douradas, o que não só dá destaque como um ar de ostentação.
Aliás, ostentação é o que sugerem os fios dourados que contornam todo
conjunto visual exposto acima (logo, títulos, figuras e desenhos
geométricos), como forma de embelezamento da coleção. Imagina-se seu
charme ao ser disposta numa estante, por exemplo. Apesar de popular,
creio que foi criada com o propósito de seduzir o leitor através da boa
apresentação visual; também com fins de durabilidade, já que as capas
duras assegurariam maior proteção aos textos, o que permitiu a boa
conservação de volumes encontrados em sebos ainda hoje.
Os títulos localizados
12
saíram entre 1957 e 1960. Por sua vez, em
1957 a editora Saraiva, via a coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’,
publicou a série ‘D’Artagnan’ que parece ter sido toda retomada pela
editora Fittipaldi. Daí se tem uma espécie de publicação contínua da obra
do autor por diferentes editoras nos anos 50 do século passado.
Do ponto de vista editorial, a coleção da Fittipaldi se aproxima das
brochuras de Dumas editadas pela ‘coleção Saraiva’ e Clube do Livro.
12
Foram os seguintes os títulos: Os Três Mosqueteiros (3 volumes); Vinte Anos Depois (volumes I e IV);
O Visconde de Bragelonne (volumes I, III, X) e O Cavaleiro de Harmental (vol. II). Foi encontrada uma
edição do último romance pelas Edições LEP, de São Paulo, em 1946, com 476 páginas, pertencendo à
coleção ‘Capa e Espada’. Não há prefácio ou notas do editor, nem ilustrações.
227
Observa-se que o aproveitamento de espaço é a regra básica.
Capítulos são iniciados na mesma página que termina o anterior para não
desperdiçar nenhum resto de lauda. Por outro lado, as letras (tipos) são um
pouco maiores que as da ‘coleção Saraiva’ e do Clube do Livro, num
visível propósito de não dificultar a leitura. Há ainda cabeços com o nome
do autor e o título da obra.
Considerações Finais
Em primeiro lugar, esta pesquisa confirma que os romances-folhetins
de Dumas permaneceram sendo lidos no Brasil durante todo o século XX,
em brochuras populares, após muitos deixarem os rodapés de jornais no
país. Observou-se que a obra estava sendo publicada com força no período
de lançamento e disseminação da televisão no Brasil, nos anos 50 do século
passado. Ela conviveu com o desenvolvimento do cinema e se mantém lida
em tempos de internet.
Do ponto de vista do interesse pelas edições dos textos de Dumas
aqui, acredita-se que a publicação de suas obras não teve apenas uma
motivação comercial. No extenso conjunto apresentado se percebe que o
autor e sua literatura folhetinesca exerciam fascínio sobre editores e seus
públicos. As ‘notas explicativas’ do Clube do Livro, por exemplo,
apresentavam argumentos favoráveis à publicação da obra. É claro que o
carisma pelo escritor tem a ver com mais de um século de popularidade no
Brasil. Como já foi dito, tal sucesso tem início com a tradução/divulgação
de seus textos em folhetins de jornais brasileiros, cujo repertório migra para
o livro popular, como processo transitório natural, conseguindo ser editado
durante todo o século XX por diversas editoras.
Por outro lado, observa-se um contínuo temporal não interrompido
entre a produção da obra na França do século XIX, contemplando um
ideário próprio, o do romance ‘capa e espada’ – signo de valentia, que se
adaptou em nosso país com muita intensidade. Boa parte de tal repertório
folhetinesco foi transposto e transformado no Brasil desde o século XIX,
circulando em folhetim e depois em livro popular, permanecendo até hoje.
A razão básica dessa permanência vigorosa nos parece ainda ser o prazer
que a leitura dos textos de Dumas sempre despertou em leitores do mundo
inteiro, quanto ao gosto pela aventura desencadeada pelas peripécias de
229
fundo histórico de seus romances e a liberdade de imaginação que tal fator
naturalmente propicia. Esta pesquisa comprova que boa parte do velho
repertório folhetinesco do autor foi lido durante todo século XX no Brasil.
Seus romances mais clássicos permanecem publicados e lidos até hoje
(inclusive indicados como paradidáticos, categoria de ‘ampla circulação’) e
até aqueles que não se tem notícia de suas publicações aqui antes, como A
Senhora Lafarge (Martins Fontes, 2007) e Napoleão: uma biografia
literária (Zahar, 2005). Ambos saíram por importantes editoras brasileiras
em edições de luxo, o que demonstra que sua obra está ganhando novo
perfil editorial no Brasil, distante da realidade que o repertório do autor
experimentou durante todo século XX, editado quase exclusivamente em
livro popular, o que não impediu que fosse lido por interclasses sociais.
Pelo visto, essa nova tendência indica uma reivindicação da classe erudita
por alguns de seus romances, já que são livros caros.
O percurso das edições dos romances de Dumas aqui mostrou ainda
um objeto em movimento, com extenso percurso e influências na cultura
brasileira (no próprio desenvolvimento da imprensa e, mais tarde, nos
modos de produção do folhetim televisivo) e com dupla dinâmica de
propagação, que foi do folhetim ao livro popular. Dialogou com momentos
importantes da história do livro, da leitura e da editoração popular no
Brasil, revelando projetos e procedimentos de editoras populares como a
Saraiva e o Clube do Livro.
De acordo com o conceito de Lotman de que cultura é memória,
acredita-se que o sistema cultural brasileiro criou “mecanismos de
conservação, transmissão e elaboração” do romance-folhetim enquanto
série, sendo o jornal e o livro popular os principais suportes da memória de
tais textos, cabendo-lhes sua “conservação” e “transmissão”. Nesse sentido,
a rede textual dos romances de Dumas aqui traduzida constitui um conjunto
230
de “memória impressa” e de leitura, com longa permanência na cultura do
país.
O referido repertório folhetinesco que circula ainda hoje em livro
popular foi preservado, ou melhor, salvo do esquecimento. Pode não ser tão
completo a exemplo do conjunto propagado no auge da veiculação de tais
enredos em jornais. Mas graças à manutenção de espaços de memória
como bibliotecas públicas (ambientes midiáticos propiciadores da interação
básica entre usuários e acervos), como podiam ser arquivos especializados,
parte desse material ainda é acessível ao público em livro popular.
No que se refere a Dumas, são inúmeras as biografias e notas que
fazem referência à sua exímia capacidade de escritor folhetinesco. Sua
produção está quase toda baseada em temas históricos de grande
repercussão ou não. Desse modo, descarta-se uma criação pautada tão
somente numa imaginação espantosa, como sempre foi dito. Ele se serviu
muitas vezes de ‘matrizes concretas’, ou seja, de pesquisas em arquivos e
alguns de seus textos citam tais consultas.
Por outro lado, ele contou com o auxílio polêmico de uma rede de
colaboradores, tanto na pesquisa de fontes quanto na escritura de muitos de
seus folhetins, que se configurou numa espécie de esquema de ‘mão-de-
obra terceirizada’, típica de uma cultura de massa, em que a questão da
autoria tinha pouca ou quase nenhuma importância. Mas, nem por isso,
escapou de críticas e até processo na justiça por parte de um de seus
assistentes mais próximos: Auguste Maquet.
Sem dúvida, Dumas foi o autor que melhor se adaptou aos modos de
produção de uma escritura folhetinesca para uma cultura de massa.
Alcançou sucesso e usou, sem escrúpulos, os mecanismos de tal modo de
produção que pudessem lançar no mercado, com grande rapidez, narrativas
principalmente em séries, contratando ajudantes que jamais teriam seus
nomes citados em nenhum dos romances.
231
Também ficou claro nesta pesquisa que o autor recorria aos temas de
suas viagens ao exterior para criar outro grupo de romances-folhetins, cujas
narrativas eram sempre desencadeadas por um fato histórico do país/ ou
região, recheadas com muita fabulação. Muitas vezes se utilizou de
arquétipos (micro-motivos narrativos, segundo Meletínski) inseridos nas
tramas folhetinescas, o que ajudou a fixar tal conjunto na cultura de ambos
os países (França e Brasil).
*****
No âmbito dos projetos de leitura das editoras Saraiva e Clube do
Livro percebeu-se uma ‘literatura de segundo time’, principalmente o
romance-folhetim de Dumas, sendo publicada em conjunto com a literatura
erudita nacional e a estrangeira traduzida, revelando aí uma completa
ausência de fronteiras nos modos de convivência e divulgação entre as duas
vertentes literárias.
Nortearam ambos um pensamento visionário, em certo sentido, e
também audacioso quanto à implementação de projetos de leitura para as
classes populares na época, diga-se de passagem alternativos e
independentes, tendo em vista que se desenvolveram à margem do sistema
educacional vigente.
Tais projetos foram avançados quanto a apostarem na obra literária
como veículo propício para despertar o gosto pela leitura no cidadão
comum e, conseqüentemente, a conquista de sua cidadania, pois a referida
prática de leitura poderia levá-lo, em algum momento, a ingressar num
programa de educação continuada. O pioneirismo dos mesmos fica
evidente se pensarmos que, no século XX, foram vários os projetos de
leitura lançados pelo Governo Federal que fracassaram ou não cumpriram
todos os seus objetivos. Em pleno século XXI, a questão do incentivo à
leitura nas escolas e de forma independente ainda é um desafio,
principalmente entre as classes populares.
232
Há que se pensar também que no período em que os respectivos
projetos foram lançados a ênfase era dada à publicação e divulgação do
livro didático, em princípio, com a fundação da Editora Francisco Alves,
dedicada a esse tipo de comércio livreiro. A meta, principalmente do
Governo Federal, era fornecer livro didático para o ensino regular. E, em
tal contexto, o incentivo à leitura deve ter sido bastante negligenciado.
Em sentido amplo, tais projetos de leitura se inserem na História da
Leitura no país, mesmo tendo funcionado à margem do sistema educacional
vigente. Poderiam não ter sido recuperados, se a pesquisa das edições de
Dumas aqui não os mostrasse indiretamente. Inserem-se ainda numa
perspectiva mais ampla de cultura. Foram pensados também para permitir
que diversas camadas da sociedade brasileira tivessem acesso à cultura
livresca, via projetos de edição popular. Fazem-nos refletir ainda em
quantas pessoas foram alfabetizadas, descobriram o gosto pela leitura ou
redobraram tal prazer lendo estes romances. Não importa se clássicos ou
populares, o fato é que preencheram as expectativas de leitura e a
imaginação de uma classe de leitor que não tinha acesso ao livro caro e aos
conteúdos mais sofisticados do grande circuito daquilo que se chamou
Literatura.
Edições brasileiras de romances-folhetins
de Alexandre Dumas
Editora Saraiva - ‘Coleção Saraiva’
DUMAS, Alexandre. Emma Lyonna. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo:
Saraiva, 1968. 3 vol.
______ A Conquista de Nápoles. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo:
Saraiva, 1967. 4 vol.
______ Cecília. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1966.
______ Os Três Mosqueteiros. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo:
Saraiva, 1965. 3 vol.
_______O Salteador. Tradução de Ondina Ferreira. São Paulo: Editora
Saraiva, 1961.
______ Nero. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Saraiva, 1952.
______ A Tulipa Negra. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva,
1953.
______ Os Irmãos Corsos. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva,
1954.
______ O Salteador. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1955.
______ Othon, o arqueiro. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva,
1956.
Editora Saraiva - Coleção ‘Romances de Alexandre Dumas’
DUMAS, Alexandre. José Bálsamo. Trad. Octávio Mendes Cajado. São
Paulo: Saraiva, [1955], 4 volumes.
______ Ângelo Pitou. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Saraiva,
1953. 2 volumes.
______ Ângelo Pitou. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1957. 2
volumes.
234
_______ A Condessa de Charny. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo:
Saraiva, 1957. 4 volumes.
_______ O Visconde de Bragelonne. Trad. Octávio Mendes Cajado. São
Paulo, 1957. 6 volumes.
_______ Vinte Anos Depois. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo,
1957. 3 volumes.
_______ Vinte Anos Depois. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo,
1953. 3 volumes.
Editora Saraiva – ‘Coleção Jabuti’
DUMAS, Alexandre. O Salteador. Tradução de Ondina Ferreira. São
Paulo: Saraiva, 1961.
_______ A Tulipa Negra. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva,
1957.
_______ Os Irmãos Corsos. Trad. Augusto de Sousa. São Paulo: Saraiva,
1961.
_______ Nero. Tradução de Octávio Mendes Cajado. São Paulo, 1958.
_______ Othon, o arqueiro. São Paulo: Saraiva, 1962
Clube do Livro de São Paulo
DUMAS, Alexandre
. A Princesa Várvara. Trad. Emílio Romeo e Nelly
Cordes São Paulo: Clube do Livro, 1972.
______ A Família Corsa. Trad. Emílio Romeo e Nelly Cordes. São Paulo:
Clube do Livro, 1972.
______ Kassima, a tártara. Trad. de José Maria Machado. São Paulo:
Clube do Livro, 1964.
______ O Quarto Vermelho. Tradução de José Maria Machado. São Paulo:
Clube do Livro, 1960.
235
______ O Colar de Veludo. Tradução de José Maria Machado. São Paulo:
Clube do Livro, 1956.
______ Um Ano em Florença. Tradução de José Maria Machado. São
Paulo: Clube do Livro, 1952.
Editora Fittipaldi (coleção incompleta)
DUMAS, Alexandre. Os Três Mosqueteiros. São Paulo: Editora Fittipaldi,
1960. 3 volumes.
______ O Cavaleiro de Harmental. São Paulo: Editora Fittipaldi, 1959. 2
volumes.
______ O Visconde de Bragelone. São Paulo: Editora Fittipaldi, 1958. [4
volumes].
______ Vinte Anos Depois. São Paulo: Editora Fittipaldi, 1957. 4 volumes
Companhia Editora Nacional
DUMAS, Alexandre. José Bálsamo. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1930 (Coleção Obras de Alexandre Dumas/ Série
Memórias de um Médico). 2 volumes.
_______ A Condessa de Charny. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1930 (Coleção Obras de Alexandre Dumas/ Série Memórias de um
Médico). 2 volumes.
_______ O Cavaleiro da Casa Vermelha. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1930 (Coleção Obras de Alexandre Dumas/ Série
Memórias de um Médico). 1 volume.
Demais editoras
DUMAS, Alexandre. Senhora Lafarge: Lembranças Íntimas. Trad.
Dorothée de Bruchard. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
_______ Napoleão. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
236
_______ O Conde de Monte Cristo. São Paulo: Edições LEP, 1946.
(Coleção Capa e Espada). 2 volumes.
_______ O Conde de Monte Cristo. Adaptação de José Angeli. São Paulo:
Scipione, 2004. (Série Reencontro)
_______ O Homem da Máscara de Ferro. Adaptação de Telma Guimarães.
São Paulo: Scipione, 2002 (Série Reencontro).
_______ A Dama do Colar de Veludo. Tradução de Cretella Júnior. São
Paulo: Editora Anchieta, 1942.
_______ A Tulipa Negra. Trad. Evandro Barbosa. Belo Horizonte: Itatiaia,
2008.
_______ A Tulipa Negra. São Paulo: Ubí Ltda, 1946.
_______ A Tulipa Negra. Coord. Editorial Heloísa Prieto. São Paulo:
Editora Paulicéia, 1995 (Col. Aventura Paulicéia).
_______ A Tulipa Negra. São Paulo: W.J. Jackson, 1959. (Col. “Romances
Universais).
_______ A Tulipa Negra. São Paulo: Edições Cultura, 1943 (Coleção
Novelas Universais).
_______ O Colar de Veludo. Tradução de Marina Appenszeller. Porto
Alegre: LPM, 2001.
_______ O Máscara de Ferro. Adaptação de Carlos Heitor Cony. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002. (Coleção ‘Literatura em minha casa’).
_______ O Capitão Paulo. São Paulo: Sociedade Impressora Paulista, s/d.
(Col. Econômica).
_______ A Rainha Margot. São Paulo: Editora LEP, 1946.
_______ A Rainha Margot. Trad. Paulo Schmidt. São Paulo: Campanário
Editorial, 1998.
________ Os Mosqueteiros do Rei. Trad. A, Ferreira. Rio de Janeiro:
Vecchi, 1946.
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________ Os Três Mosqueteiros. Trad. Maria das Mercês Mendonça São
Paulo: Editora Verbo da Juventude, s/d.
________ Os Três Mosqueteiros. São Paulo: Edições LEP, 1945, 2
volumes (Coleção Capa e Espada).
________ Os Três Mosqueteiros. Trad. Moacir Werneck de Castro. São
Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960 (Col. Clássicos Garnier).
________ Os Três Mosqueteiros. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 1974. 471 p.
________ Os Três Mosqueteiros. Tradução de Fernando Py. São Paulo:
Ediouro, 2004.
Editora Melhoramentos/ Edições infanto-juvenil
DUMAS, Alexandre. Os Irmãos Corsos. Trad. Guiomar Rocha Rinaldi.
São Paulo: Edições Melhoramentos, 1964.
______ O Visconde de Bragelonne. Trad. Guiomar Rocha Rinaldi. São
Paulo: Edições Melhoramentos, s/d.
______ O Máscara de Ferro. Trad. Guiomar Rocha Rinaldi. São Paulo:
Edições Melhoramentos, s/d.
Edições juvenis/ Edições de Ouro (Ediouro)
DUMAS, Alexandre. O Conde de Monte Cristo. Trad. Mécio Táti. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2002 (Coleção Jovem Leitor).
______ O Conde de Monte Cristo. Recontado em português por Miécio
Táti. São Paulo: Círculo do Livro, 1971. (Coleção Jovem).
______ O Máscara de Ferro. Trad. Carlos Heitor Cony. Rio de Janeiro:
Edições de Ouro, 1973. (Coleção Elefante)
______ O Cavalheiro da Casa Vermelha. Texto em português de Hernani
Donato. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1973. (Coleção Calouro)
238
______ Os Três Mosqueteiros. Trad. Miécio Tati. Rio de Janeiro:
Tecnoprint, 1972.
_______ Os Três Mosqueteiros. Adaptação de José Angeli. São Paulo:
Scipione, 1999. (Série Reencontro Literatura)
Abril Cultural/ Edições juvenis
______ O Conde de Monte Cristo. Trad. Miécio Táti. São Paulo: Abril
Cultural, 1971 (Coleção Clássicos da Literatura Juvenil).
______ Os Três Mosqueteiros. Recontado por Miécio Táti. Abril Cultural,
1972 (Coleção Clássicos da Literatura Juvenil).
______ O Máscara de Ferro. Adaptação de Francisco Massejana. São
Paulo: Abril Cultural, 1972 (Coleção Clássicos da Literatura
Juvenil).
______ Os Irmãos Corsos. Adaptação de Myriam Campello. São Paulo:
Abril Cultural, 1973 (Coleção Clássicos da Literatura Juvenil).
Abril Cultural/ Edições para adultos
______ Os Três Mosqueteiros. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo:
Abril Cultural, 1983.
______ Os Três Mosqueteiros. Trad. Mirtes Ugeda. São Paulo: Círculo do
Livro/ Abril Cultural, 1986 (Coleção Imortais da Literatura
Universal).
_______ Os Três Mosqueteiros. Trad. Mirtes Ugeda. São Paulo: Nova
Cultural, 2003.
Edições brasileiras de falso folhetim atribuído a Dumas
A Mão do Finado. São Paulo: Brasiliense, 1925.
A Mão do Finado. São Paulo: Edições LEP, s/d.
A Mão do Finado. São Paulo: Clube do Livro, 1958.
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