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Espaços áridos da imagem
A fotografia panorâmica de Dimitri Lee
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2008
Renato Veras Baptista
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Espaços áridos da imagem
A fotografia panorâmica de Dimitri Lee
Trabalho de mestrado apresentado ao Programa de
Mestrado em Comunicação e Semiótica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC, sob a
orientação da Professor Doutor Norval Baitello Jr.
São Paulo
2008
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Fotografia Panorâmica
Fotografia Panorâmica
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Banca Examinadora
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––––––––––––––––––––––––––––––––
––––––––––––––––––––––––––––––––
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Fotografia Panorâmica
Fotografia Panorâmica
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Agradecimentos
Agradecimentos
Agradeço ao Fotógrafo Dimitri Lee por sua colaboração e por ceder as imagens. Agradeço ao
Professor Sílvio Ferraz pelo incentivo a participar do programa de Semiótica da Puc. Agradeço
ao professor Norval Baitello por sua orientação segura e firme e sua generosidade em
compartilhar seus conhecimentos. Agradeço a todo o corpo docente do programa, pelas aulas e
cursos excelentes. Agradeço ao SESC pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou a
realização deste mestrado.
Agradeço à minha família Ruth, Raul, Myrian, Milton, Celso, Helena, Plinio, Léa, Mary aos amigos
Ana Paula, professores de Música do SESC Vila Mariana, João Otta, e aos que estão cuidado de
mim, Daniel, Thais e Regina, pessoas que possibilitaram que este trabalho fosse concluído.
Agradeço à Galeria de Babel, e Jully Fernandes pela colaboração recebida.
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Fotografia Panorâmica
Agradecimentos
Fotografia Panorâmica
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Resumo
Resumo
O presente trabalho tem como objeto a exposição “Templos Politeístas:” são fotografias
panorâmicas do fotógrafo Dimitri Lee que apresenta estádios de futebol como arenas vazias e
distorcidas. Faz parte do objeto um conjunto de depoimentos do fotógrafo, colhidos para um
melhor entendimento de suas intenções na produção destas imagens. O trabalho analítico das
imagens foi feito recorrendo-se à literatura do estudo da imagem fotográfica, da história da
fotografia e da teoria da imagem, considerando conceitos como o conceito de ‘estranhamento’
de Viktor Shklovsky, o conceito do 'fotógrafo como funcionário e jogador 'de Vilém Flusser. A
discussão sobre a presença da imagem é baseada nas reflexões de Hans Belting e Norval Baitello.
Neste processo, apresentamos as imagens com destaque para as características de negação dos
recursos de sedução como opção do autor, levantamos as técnicas utilizadas para a produção
destas imagens, e sugerimos sistemas de classificação, como uma forma de situar estas imagens
em um universo mais amplo, no qual as imagens dialogam entre sí e podem ser avaliadas a partir
de outras imagens.
Palavras chaves : Fotografia, Panorâmica, Classificação de imagens , teoria da Imagem
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Fotografia Panorâmica
Resumo
Fotografia Panorâmica
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Resumo
Abstract
The present paper has as its object the "Polytheist Temples" exhibition: they are panoramic
photographs by the photographer Dimitri Lee who presents soccer stadiums as empty and
distorted arenas. It is part of this object a set of statements from the photographer, gathered for a
better understanding of his intentions in the production of these images. The analytical work of
the images was made sourcing from the literature on the study of photographic image, on the
history of photograph and on the theory of image, considering concepts such as the concept of
“enstragement” of Viktor Shklovsky, the concept of the 'photographer as an employee and
player' of Vilém Flusser. The discussion on the image presence is based on Hans Belting´s and
Norval Baitello´s reflections. In this process, we presented the images highlighting their features
of denial of the seduction resources as an option of the author, we surveyed the techniques used
in the making of these images, and we imagined a classification system for images as a way of
placing these images in a wider universe in which the images dialogue among themselves e can
be assessed from other images.
Keywords: Photograph, Panoramic, Classification of Images, Theory of Image
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Fotografia Panorâmica
Resumo
Fotografia Panorâmica
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Índice
Índice
Introdução ...................................................................................................15
Conversas com o fotógrafo ...........................................................................23
As fotografias da exposição “Templos Politeístas” ........................................35
A exposição ..................................................................................................36
Informações técnicas: Equipamento, processamento e
impressão das Fotografias ............................................................38
Depois de 360º o encontro com o tempo ......................................40
Estádio do Corinthians Paulista .....................................................................43
A panorâmica apresentada como imagem plana ........................................... 53
Realidade Virtual: Novas técnicas na produção da panorâmica ..60
Panoramas: um formato presente através da história ...................61
Classificação de imagens ..............................................................................63
Praticidade: uso da classificação alfabética ..................................65
Classificação Photosig ..................................................................66
O método Warburg e a classificação da imagem em sí mesma ...67
Sea Dragon e o recurso da Informática
na organização da imagem ...........................................................68
O excesso de fotografias que nos devora .....................................69
Classificação por proporção? .......................................................70
O vazio ..........................................................................................74
Perguntas na classificação da imagem ..........................................................75
14
Fotografia Panorâmica
Índice
Porque a imagem foi produzida? ......................................................75
Como a imagem foi produzida? ........................................................76
Para que a imagem foi produzida? ....................................................76
Retrato em branco e preto .............................................................77
O que contém a imagem? .................................................................78
Quem produziu a imagem? ...............................................................79
Quando a imagem foi produzida?/ Onde a imagem foi produzida? .... 80
Conclusões ...................................................................................................81
Bibliografia ...................................................................................................85
Anexos ..........................................................................................................89
Três conversas com Dimitri Lee
.................................................................89
Primeira conversa ............................................................................89
Segunda conversa .............................................................................100
Terceira conversa .............................................................................111
Material que acompanhou a publicação das fotografias
.................................123
Revista Trip ......................................................................................123
OS BAMBAS DE PERNAS BAMBAS .....................................................124
PERNAMBUQUINHO .........................................................................125
ESTÁDIOS VAZIOS SÃO RUÍNAS SOMBRIAS ......................................126
UM SONHO NO ESTÁDIO VAZIO .......................................................127
Manifesto do grupo f/64
..........................................................................129
Fotografia Panorâmica
15
Introdução
Introdução
…havia trevas sobre a face do abismo e o espírito de Deus
pairava sobre as águas. Disse Deus: haja luz. E houve luz.
Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as
trevas.
O Gênesis fala de luz: esta energia é a base da nossa visão. A tecnologia da fotografia faz
com que a luz de imagens projetadas sejam fixadas, de forma química ou eletrônica.
Um dos personagens de Kurt Vonnegut tenta explicar o sentido da vida: ser os olhos, os
ouvidos e a consciência do Criador. Ao ser os olhos e consciência do Criador, que
possamos chegar também ao que diz o Gênesis:
E viu Deus tudo quanto fizera, e eis
que era muito bom
. Um fotógrafo nos mostra o que vê no mundo. Isto torna o que é
uma visão pessoal em um objeto, e permite ao fotógrafo compartilhar sua visão do
mundo.
A fotografia é resultado de caminhos da luz, dos obstáculos onde a luz reflete, refrata,
onde é absorvida. A luz da fotografia pode estar como em uma lanterna, que irá iluminar
16
Fotografia Panorâmica
Introdução
algo para que possamos enxergar: Arlindo Machado, em
A Ilusão Especular
(p.76—
Apud D’AVILA 1995:64) diz:
Toda fotografia, seja qual for o referente que a motiva, é
sempre um retângulo que recorta o visível. O primeiro papel
da fotografia é selecionar e destacar um campo significante,
limitá-lo pelas bordas do quadro, isolá-lo da zona
circunvizinha que é sua continuidade censurada. O quadro da
câmera é uma espécie de tesoura que recorta aquilo que deve
ser valorizado, que separa o que é importante para os
interesses da enunciação de que é acessório (...)
Na fotografia panorâmica a situação difere: não vemos o que uma lanterna ilumina,
vemos o que uma lâmpada iluminaria. Da mesma forma que toda a circunferência pode
ser iluminada pela lâmpada, toda a circunferência pode ser registrada na fotografia
panorâmica. Esta é uma situação especial, desafiadora. Fotografias de paisagens que
mostram um espaço amplo são desafiadoras:
De todas as variedades de fotografia, a paisagem, acredita
Adams, é o teste supremo do fotógrafo. Ele precisa “pegar” a
combinação feliz de terra, céu e nuvem — não pode contrapô-
las ou colocá-las em posição nem ajuda muito mudar o
próprio ponto de vista. Quando se fotografam objetos
próximos, pode-se obter grandes mudanças movendo a
Fotografia Panorâmica
17
Introdução
câmera alguns centímetros; quando se fotografa paisagens
pode-se, com freqüência andar cem metros, oitocentos metros
e pouco ganhar. E há o problema de nebulosidade, baixa
saturação de cores, escala (...) E, por fim, há a necessidade de
captar o momento quando a luz é mais eloqüente, e fotografar
antes que o momento passe.
1
Se a fotografia de paisagem é assim exigente, a fotografia panorâmica de 360º representa
uma exigência extrema. Foi o desafio enfrentado nas fotografias da exposição “Templos
Politeístas.” São fotografias de estádios de futebol apresentados como paisagem, e que só
podem ser vistas em instalações. Na exposição, as fotografias foram reproduzidas em
tamanho grande (6 metros de comprimento) exigindo local e iluminação especiais.
O meu desafio ao interpretar estas imagens é de atribuir significados. Campos de futebol,
templos em praças esportivas modernas, construções que mostram anseios de uma
sociedade. Competição esportiva que envolve muitas pessoas e muita emoção. Aqui o
espaço do futebol aparece nas imagens das sedes de cinco clubes paulistas, que são
apresentados vazios.
Para meu entendimento, procurei primeiro a classificação de imagens, e isto foi de
grande ajuda para uma orientação quanto `as possibilidades de entendimento das
1. STEGNER, Wallace ,1976 Ansel Adams e a busca da perfeição, Revista Diálogo volume IX, nº3 , p. 51, 52,
Rio de Janeiro, E. Lidador. Apud D’AVILA, 1995: 37
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Fotografia Panorâmica
Introdução
imagens. As classificações, quando lidam com o que a imagem contém, pode não
reconhecer o que é transcendente na imagem. Especialmente quando o que é principal
na imagem não pode pode ser descrito em palavras.
O autor das fotografias, Dimitri Lee, é um fotógrafo que pesquisa a fotografia e seus
recursos, e que generosamente acompanhou este trabalho e respondeu a todas as
minhas perguntas. Falou de sua técnica, e como e quanto a técnica é desconhecida pelo
receptor da imagem, a imagem resultante se torna mágica, e como é necessária a
convivência com a técnica para que a imagem se torne banal, afastando a idéia de
mágica. Sem a ilusão da mágica, a imagem técnica serve melhor como linguagem,
produzindo sentidos que ultrapassem o deslumbramento pela técnica. Como
espectadores podemos perceber a técnica, e ultrapassado seu fascínio, entrar nesta
comunicação.
As fotografias panorâmicas dos estádios da exposição Templos Politeistas falam sobre a
técnica, sobre o fotógrafo, e também sobre a solidão e a riqueza do vazio. O local da
comunhão de torcedores e jogadores, juízes, bola e desejo de ganhar a partida, é
apresentado como um local de culto e mostrado em seu momento solitário. Sempre pelo
ponto de vista da bola.
Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto de imagens panorâmicas ou da
riqueza das imagens do fotógrafo Dimitri Lee. Pretende mostrar qual o estado da arte na
Fotografia Panorâmica
19
Introdução
técnica da produção destas imagens em 360º, e apresentar caminhos que podem ser
explorados a partir do que foi encontrando nesta pesquisa, documentando este momento
da obra e pensamento do fotógrafo Dimitri Lee. Este trabalho está dividido em três
partes:
1 A apresentação do fotógrafo e suas imagens
2 A descrição das técnicas para se produzir tais imagens
3 Considerações sobre sistemas de classificação de imagens e a inserção das imagens
vistas nestes sistemas
Na primeira parte, apresentamos o fotógrafo Dimitri Lee e suas idéias, e as fotografias da
exposição Templos Politeístas, que são imagens de estádios em 360º. Em anexo, temos os
textos criados para acompanhar a publicação destas imagens. Citamos as novas séries
fotográficas, caminhos por onde está se dirigindo o trabalho do fotógrafo Dimitri Lee: as
fotografias que ultrapassam 360º e contam histórias e as fotografias de deserto, que
mostram o vazio de uma forma mais incisiva que as fotografias dos estádios, e as que
mostram a passagem do tempo com a decadência de construções que deixaram de servir
aos homens.
20
Fotografia Panorâmica
Introdução
Na segunda parte, descrevemos as técnicas usadas na produção de imagens
panorâmicas. Esta parte apresenta os recursos disponíveis para a produção deste tipo de
imagem. Diversas abordagens são possíveis, cada uma com suas vantagens e
desvantagens. Citamos também as técnicas de QuickTime VR, uma tecnologia
desenvolvida pela Apple, e que tem criado um mercado próprio e incentivado o
desenvolvimento de novos equipamentos, e isto colabora para que a fotografia 360º se
torne mais banal: a recepção das imagens VR exigem equipamento especial para a
visualização; e a fotografia, sendo impressa em papel, e não precisa destes equipamentos
especiais.
A terceira parte, apresenta as opções de classificação de imagens. A classificação foi a
forma encontrada para me localizar com relação à esta linguagem, e tentar um
entendimento das imagens da exposição.
Na conclusão discutimos a idéia do fotógrafo, como a idéia de que o formato panorâmico
de 360º precisar estar mais presentes no dia a dia, mais banalizado, para poder se tornar
uma linguagem e permitir uma comunicação efetiva, superando a fascinação da técnica,
e o resultado “mágico” produzido, que impede que tenhamos uma visão clara do que é
produzido, diminuindo a possibilidade de crítica sobre a imagem. Nesta trajetória,
concluímos que, a cada escolha, o fotógrafo deixa de lado os recursos de sedução ao
produzir este trabalho pessoal.
Fotografia Panorâmica
21
Introdução
Ao longo do texto, além das notas de rodapé, usamos caixas (“box multimídia”) para
discorrer sobre assuntos correlatos que não pertencem ao eixo principal, e não podem
ser desenvolvidos adequadamente neste momento: são ganchos para estudos futuros,
mais aprofundados.
22
Fotografia Panorâmica
Introdução
Fotografia Panorâmica
23
Conversas com o fotógrafo
Conversas com o fotógrafo
1
No seu trabalho pessoal, o fotógrafo usa técnicas que produzem resultados lentamente.
Usa preferencialmente imagem em branco e preto, e segue postulados do manifesto
ƒ/64
2
(que busca o máximo em profundidade de campo, foco e equilíbrio de
iluminação). A grande admiração pelo trabalho de Ansel Adams é um norteador do seu
trabalho, e ele adere às idéias deste grupo:
O grupo f/64 começa a pensar a fotografia de uma forma
estruturada, e dura pouco enquanto grupo. Mas acho que se
mantém enquanto conceito até hoje, esta necessidade de criar
a própria linguagem. Isto pode ser estranho, mas para mim
isto é muito normal. Eu acho que a gente ainda precisa pensar
e amadurecer esta linguagem, a fotografia ainda precisa se
definir. A iniciativa deste grupo é muito importante.
1. A integra destas conversas está no apêndice.
2. Veja o Manifesto do movimento f/64 no apêndice.
24
Fotografia Panorâmica
Conversas com o fotógrafo
Nesta busca da
linguagem própria da fotografia
, evita alterações na imagens e limita os
efeitos criados por equipamento ou processamentos posteriores, estas fotografias
também não tem deformação de imagens por movimento da câmera ou do objeto, e
procura-se o máximo de foco e o máximo de profundidade de campo. A imagem
resultante é uma fotografia sem movimento, sugestiva de natureza morta, de paisagens.
Nesta fotografia, a máxima definição é muito valorizada.
Esta postura é usada para seu trabalho trabalho pessoal, e não existem tais limitações de
aplicação de recursos técnicos, quando se trata de trabalho comercial. Considera o
trabalho comercial como o resultado de uma cadeia de eventos e necessidades, que
produz a “encomenda” de um produto, que já vem definido, não requer a participação
do fotógrafo como criador, mas como técnico, o fotógrafo tem menos liberdade de
decisões, e produz imagens que são resultantes do desejo de um cliente:
Na fotografia comercial você não decide nada, quem decide é
o mercado, e segue-se a estética universal sem muito direito a
variações pessoais. Isto é o que mais incomoda na
propaganda. A fotografia tem que ser adequada, a
individualidade tem que ser deixada de lado, o objetivo é
apenas agradar o maior público, jogar para a torcida. ...Você
passa a ser apenas o técnico.
Fotografia Panorâmica
25
Conversas com o fotógrafo
Dimitri começou na fotografia aos 15 anos, estagiando na revista Veja e, na época, foi
atraído pela idéia de usar a fotografia como instrumento de denúncia. Neste momento,
pela sua idade, ficou no laboratório. A convivência com o material fotográfico mudou as
suas prioridades, levando-o a desejar trabalhar com a linguagem intrínseca da fotografia.
E deixou de lado a idéia de usar a fotografia como instrumento político ou como uma
ferramenta a serviço de outras linguagens.
Comecei a fotografar por volta dos 15 anos, e me
profissionalizei rapidamente. ... não havia uma formação
adequada para fotógrafos
3
, nem em curso livre, e a única
maneira de adquirir conhecimento sobre fotografia era o
mercado de trabalho. Eu queria fazer fotojornalismo porque
achava, naquele momento do Brasil da década de 70, que a
fotografia era um veículo a mais para se denunciar as coisas;
e fui para o estúdio, porque eu era menor....E lá mudou tudo.
Comecei a me envolver com a técnica, com a linguagem
intrínseca da fotografia, não me interessava mais falar da
política, não interessava mais usar a fotografia para falar de
outra coisa que não fosse ela mesma.
3. Na realidade, já existiam algumas escolas livres, como a escola “Enfoco” (68 a
76) e a escola “ImagemAção” que teve início em 1972; a escola “Focus Escola
de Fotografia” apenas iniciou suas atividades no ano de 1975.
26
Fotografia Panorâmica
Conversas com o fotógrafo
Desenvolveu durante muitos anos o trabalho em publicidade, e considera a publicidade
um local onde a técnica é muito exigida. Este trabalho possibilita a exploração e
desenvolvimento técnico a partir dos resultados observados em fotografias recebidas de
todos os lugares do mundo, o que exigia a interpretação da técnica a partir de resultados,
e a recriação de técnicas visando produzir resultados semelhantes:
Naquele momento da fotografia de publicidade, e ainda hoje,
você era obrigado a copiar tendências que vêm de fora. Você
é bom quando consegue reproduzir. E copiar é uma
engenharia reversa, muito divertida para quem quer aprender.
Você parte do produto pronto e você tem que, de alguma
forma, decompor. E esta decomposição, para o aprendizado, é
muito enriquecedora: você tem que entender como aquela luz
foi feita para ter aquele efeito, este tipo de coisa. Valeu muito
para mim naquele momento.
O trabalho com publicidade é sentido pelo Dimitri como a uma atividade sem vínculo
com a linguagem, sem objetivo pessoal comunicativo, mas útil como um incentivo ao
desenvolvimento da técnica:
A publicidade é como uma academia de ginástica, como fazer
musculação. Você não faz nenhum esporte, não está envolvido
Fotografia Panorâmica
27
Conversas com o fotógrafo
no esporte, mas a sua forma física fica adequada, se um dia
você quiser fazer esporte.
Em sua interpretação, a publicidade busca um resultado imediato, a sedução instantânea,
a reação de quem recebe a imagem sem a participação da razão:
...(Na publicidade) a imagem dura a passagem a 120Km/hora
pelo outdoor.
Ao fazer fotografias pessoais, busca o oposto do que propõe a publicidade, e se percebe
na suas escolhas o abandono da sedução pela imagem:
eu queria uma vida mais longa (para a imagem), que é mais
difícil, mais complicada. Eu não estou fazendo um juizo de
valor, estou falando de uma preferência.
As condições de trabalho fotográfico, na sua produção pessoal, são escolhas auto
impostas, um contraponto com o que é usual (e mais sedutor como resultado) na
técnica fotográfica. No trabalho pessoal, não usa atalhos para reduzir o trabalho
necessário para a obtenção da imagem, não faz concessões para a obtenção do
resultado, seguindo critérios éticos.
Eu evito fazer isto [o tratamento digital da imagem]. Pode
chamar de superstição, mas eu não gosto disso. Eu gosto de
28
Fotografia Panorâmica
Conversas com o fotógrafo
ter a fotografia correta. ... Eu não gosto de criar
digitalmente...
Sua análise da facilidade da fotografia digital, manipulação digital, e as conseqüências
desta facilidade está alterando a postura dos fotógrafos, concluindo que se está tirando o
tempo da reflexão, e que a limitação no número de chapas em cada saída para fotografar
que obrigava a esta reflexão é desejável:
...eu não gosto da possibilidade de ter um número
indeterminado de chapas para fazer. ... Eu gosto de ter custo.
... coisas que eu julgava que me incomodavam antes da
fotografia eletrônica, descobri que não posso viver sem elas.
Eu gosto que a fotografia tenha um custo. O custo do clique.
... se a fotografia não tem um custo direto... tem o risco da
fotografia não valer nada. Quando eu pude fazer quantas
fotografias quisesse, perdi a reflexão de quando não
fotografar. A possibilidade de escolher quando não fazer uma
fotografia. Na minha forma de trabalhar, eu gosto de ter a
responsabilidade com o clique. Responsabilidade concreta,
seja em dinheiro, seja em saídas. Eu saio e tenho 10 chapas.
Eu tenho que escolher, em função do que eu estou fazendo,
quais são as melhores 10 chapas. Eu já deixei de fazer
fotografia por não ter mais chapas, e deixei de fazer
fotografias por estar esperando uma oportunidade melhor, e
Fotografia Panorâmica
29
Conversas com o fotógrafo
perdi boas fotografias. Mas a longo prazo, isto gera uma
reflexão que eu perco se não uso este roteiro. Eu gostava, até
na publicidade, de fazer uma produção cara e não saber se o
resultado era bom antes da revelação. Se tinha dado certo. Eu
achava que isto era terrível, e agora eu gosto disso.
A fotografia panorâmica da exposição “Templos Politeístas” aparece como um desafio de
linguagem, como um exercício mental que surge a partir da distorção que é produzida
com esta técnica e como esta distorção pode levar a resultados inversos do que são
normalmente produzidos: Normalmente, ao fotografar retas em panoramas estas se
transformam em curvas. O que foi procurado foi uma curva, que fotografada a partir do
centro, produza retas:
...eu não gostava das panorâmicas de arquitetura. Elas tem
um abaulamento típico. ...se faz um giro em uma coisa reta. Se
eu fizesse o giro em uma coisa circular, eu poderia ter uma
reta. ...eu percebi que o estádio é curvo, e que eu posso ficar
no centro. E consegui as minhas retas. Foi um caminho
inverso, foi conceitual.
As fotografias panorâmicas são também um desafio para o desenvolvimento da
imaginação do fotografo, para a construção de uma imagem mental que precisa ser
produzida antes da realização da fotografia, neste caso uma avaliação não de um objeto a
30
Fotografia Panorâmica
Conversas com o fotógrafo
ser fotografado, mas do ambiente como um todo, seus traços e a decisão de qual vai ser
o centro da imagem para o ambiente fotografado.
A visão do panorama... ...é sempre uma visão mental, nunca
física. Você escolhe a imagem de forma diferente. ...É uma
imagem que você precisa montar na cabeça, nunca no olho. É
preciso usar a memória.
O fotógrafo fez uso de um ambiente conhecido do público, e imagina que o público de
futebol pode usar suas fotografias como “mapas” durante a descrição de eventos e
histórias pessoais. A fotografia dos estádios de futebol aproveita a ligação do público de
futebol, esperando que este público queira ver estas imagens:
O torcedor tem muitas memórias do campo... ...imaginava o
torcedor dizendo: -Eu ví o Pelé entrar por aqui... ....a briga foi
ali…
Existe sempre a intenção de usar a fotografia como linguagem de leitura lenta, que exige
dedicação de quem quer ver, que procura algo novo, a fotografia não deve ser usada
como uma janela para mostrar algo conhecido, deve ser algo diferente, ao mesmo tempo
novo e conhecido:
Fotografia Panorâmica
31
Conversas com o fotógrafo
Eu queria que você parasse e ficasse procurando detalhes. [A
fotografia] não tem intenção de ser prática. Tem a intenção de
ser lenta. ... Eu queria que você não visse através da
fotografia, o que se quer vender, ver através do vidro, mas
visse o vidro, o discurso da fotografia.
A busca da leitura lenta destas imagens, em contraponto à leitura imediata da
publicidade, e sua relação com as imagens, com o que poderia ser usado para cobrir a
parede de sua caverna, é comentado:
Eu sempre tive dificuldade de conviver com imagens. Eu gosto
de uma fotografia e ponho na parede do quarto. Eu acordo
todo dia e vejo a mesma fotografia. Depois eu fico cego, deixo
de ver a imagem. ... ela começa a me irritar muito, e eu tiro a
fotografia da parede, e gosto da parede branca.
A sua busca é de uma imagem sobre coisas conhecidas, mas que possam ser vistas de
uma outra forma que se tornou novidade pela linguagem da fotografia.
Eu queria fazer uma coisa que levasse a uma digestão mais
longa... ...Isto vem da minha convivência pessoal com a
imagem. ...Procurar uma imagem para a qual não se fique
cego tão rápido. ...as fotografias panorâmicas se prestam a
isto. Você demora para para acomodar as idéias, a
32
Fotografia Panorâmica
Conversas com o fotógrafo
complexidade, não fica cego tão rápido. Você tem a demora
da reconstrução do espaço.
Esta postura, é análoga à idéia da escola estruturalistas na literatura russa, como
podemos encontrar descrito em ‘Theory Of Prose’ de Viktor Shklovsky que nos fala sobre
o “estranhamento,” a idéia de mostrar o que já é conhecido de uma forma simples e
nova ao mesmo tempo, de uma perspectiva nunca antes experimentada. Dimitri faz a
comparação das imagens que quer produzir com as músicas que valem a pena ouvir
muitas vezes.
...músicas que me dizem coisas novas a cada vez que escuto,
eu posso escutar a música a vida inteira ... .... músicas com
muitos planos e não um plano só. Um plano só é o gingle.
Músicas de convivência tem outro propósito, não são
didáticas, tem a melodia, a harmonia, várias camadas, coisas
para serem descobertas, outras interpretações, outras
referências. Música assim tem uma vida longa, e do ponto de
vista de quem faz, é gratificante; o trabalho sobrevive por
mais tempo.
As fotografias, de grande formato,
4
e sem as proporções de uma fotografia comum, não
se prestam facilmente à exposições ou à publicação, nem podem ser transportadas
facilmente. O fotógrafo não considera isto uma desvantagem, ao contrário, considera isto
Fotografia Panorâmica 33
Conversas com o fotógrafo
uma vantagem. As fotografias não são os objetos descartáveis que estamos acostumados,
são painéis que permanecem por muito tempo onde estiverem colocados, como um
convite à convivência. Eu, que já ví estas fotos reproduzidas em diversos tamanhos, sinto
cada tamanho como uma imagem diferente, exigindo uma forma de ver diferente. Na
idéia do autor, a maior impressão é a mais desejável.
Norval Baitello (BAITELLO 2005: 46) nos fala da progressão da exteriorização da
imagem, desde o sonho, devaneios, pinturas em cavernas até a imagem móvel que vai
para a luz. A fotografia panorâmica plana, é uma forma não móvel, que deve ser
permanecer na caverna onde fica fixa e ser objeto de convivência. Dimitri comenta sobre
a portabilidade destas imagens:
4. O conceito de fotografia de grande formato implica em muito mais que apenas o
tamanho da fotografia. O grande formato se refere a máquinas que usam grandes
negativos montados em chassis, e esta é uma forma de trabalho diferente em
relação ao uso de filme em rolo. A forma de trabalho de quem usa o grande for-
mato reduz o número de fotografias possíveis em um dia, e a apresentação da
fotografia adequadamente solicita um suporte maior. O grande formato então se
destaca pela forma de trabalho e pelo produto resultante, pela maior quantidade
de informação disponível. Nas fotos dos estádios, o negativo é equivalente a 6 x
60 cm e está além do grande formato, na categoria ULF, “Ultra Large Format.
34 Fotografia Panorâmica
Conversas com o fotógrafo
Se eu estivesse preocupado com a documentação do meu
tempo, documentar a política, eu tinha que pensar na
praticidade. ... Eu gosto de pensar na fotografia como um
objeto. Que você prega na parede .... para convivência. Até em
uma exposição, você não tem tempo hábil para degustar uma
fotografia destas. Você tem que levar a imagem para casa...
Eu queria fazer uma fotografia que não fosse suporte. Eu
queria a exploração de um discurso fotográfico. (o) público
precisa parar, ter tempo. Não 20 segundos, 2 segundos, tempo
de outdoor que você passa em alta velocidade. Eu queria
fotografar de outra forma, não mostrar coisas prontas.
Fotografia Panorâmica 35
As fotografias da exposição “Templos Politeístas”
As fotografias da exposição “Templos Politeístas”
A exposição consistiu de cinco fotografias, cinco estádios paulistas, mais uma fotografia
maior, do Maracanã colocada sobre os painéis das fotografias destes cinco estádios,
ocupando o teto da cinemateca.
Morumbi
Juventus
Parque Antártica
Parque São Jorge
Vila Belmiro
36 Fotografia Panorâmica
A exposição
A exposição
A exposição “Templos Politeístas” do fotógrafo Dimitri E. Lee é o resultado de estudo e
reflexão sobre a fotografia panorâmica de 360º. Para fugir das curvas geradas em
fotografias panorâmicas, ele imaginou fotografar um local circular, que pudesse resultar
em retas. Este trabalho foi desenvolvido nos anos de 2004, 2005 e 2006, e participou da
exposição do Coletivo Fotográfico no MIS, uma exposição que congregou diversos
fotógrafos e suas pesquisas com imagens panorâmicas, foi publicado na revista Trip, em
uma matéria em que foi solicitado a diversos escritores um texto para acompanhar as
fotografias.
5
Esta exposição do MIS depois foi levada para diversas capitais pelo Banco
do Brasil. Depois, durante a copa do mundo de 2006, foi feita a exposição na Cinemateca
com fotografias dos estádios do São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Santos e Juventus, e
painéis traziam o texto das crônicas que foram publicadas com as fotografias na revista
Trip. Acima da exposição das 5 fotografias, uma fotografia enorme do estádio Maracanã.
Junto com a exposição das fotografias, houve a exposição de pinturas, esculturas e filmes
em que o futebol era o assunto, em outras salas da Cinemateca.
5. Os textos produzidos podem ser vistos no anexo ou na internet.
Fotografia Panorâmica 37
A exposição
O nome “Templos Politeístas” foi usado para indicar estes estádios pela pluralidade de
heróis (Deuses), neste palco de 22 jogadores e local de devoção dos torcedores:
jogadores e técnicos mudam, mas o templo permanece. A abertura foi em 28 de Julho a
de 2006. As fotografias foram impressas e montadas no tamanho correspondente à
distância entre as colunas da cinemateca. A cinemateca tem 10 colunas, cinco de cada
lado. Nestes espaços foram colocados as imagens dos 5 estádios. Sobre estas montagens,
uma fotografia ainda maior do Maracanã. Toda a iluminação foi de responsabilidade de
Fotografia do Morumbi, na exposição da Cinemateca. Observe no teto, a
fotografia do Maracanã
38 Fotografia Panorâmica
A exposição
Lúcio Kodato, o que contribuiu muito para a boa visualização das fotografias. No ano
2007 as fotografias foram novamente publicadas na revista Podium.
Informações técnicas: Equipamento, processamento e
impressão das Fotografias
Todas as fotografias foram feitas a
partir de um modelo desenvolvido no
início da série. Foi usada uma
máquina Noblex com filme Plus X
125 asa. Revelador D76. Foram 5
fotografias para cada montagem. As
fotografias de cada estádio foram
escaneadas scanner Icon 8000 e
montadas com o programa Sticher,
em um computador Macintosh G4.
O negativo de cada fotografia tem 6x
15 cm, e na montagem, isto significa
aproximadamente 6 x 60 cm. A
qualidade foi prejudicada por
limitações dos softwares utilizados
Sticher e Photoshop, que não
trabalham com imagens de 2 G, que
seriam produzidas. Por isso, cada
imagem tem aproximadamente 500
megabites, o que foi considerado
suficiente pelo autor.
A fotografia do Maracanã foi impressa
com 25 x3 metros, em lona, sem
emendas, impressora de jato de tinta.
As fotografias dos clubes paulistas
foram impressas em tamanho 6 x1
metros, usando Lambda que é a
impressão é produzida com base de
prata com o auxílio de feixes de laser.
Fotografia Panorâmica 39
A exposição
Nos textos apresentados na exposição, se destaca a mudança da forma de fotografar,
escolhendo um centro em vez de escolher o objeto a ser fotografado, aqui é tomado uma
oposição à postura de “caça” da fotografia tradicional, como mostra a terminologia de
“mirar” e “disparar.” Os textos sugerem também que, por serem politeístas, a diluição de
valores religiosos diminui a propensão para a guerra...
As imagens de formato alongado, sem cor, sem pessoas, sem movimento. Não seria
interessante se esta fotografia tivesse cor? Não seria interessante um estádio lotado? A
intenção não é, como na publicidade, contentar os anseios, nem mesmo agradar à
primeira vista, mas poder mostrar coisas que vemos todos os dia como algo novo.
Fugindo de qualquer forma de sedução.
Depois dos estádios, o fotógrafo vem produzindo novas série: uma delas tem como tema
o registro da passagem do tempo.
Dimitri na exposição
“Templos Politeístas.” Atrás,
pode ser visto uma das
fotografias panorâmicas
(Parque São Jorge, extremo
esquerdo).
40 Fotografia Panorâmica
A exposição
Outra com imagens do deserto de sal, e uma série que deverá se chamar “2ª Lei da termo
dinâmica” em que aparece a decadência das construções humanas, com a passagem do
tempo.
Depois de 360º o encontro com o tempo
Depois dos estádios, o fotógrafo faz
um estudo do tempo em fotos que
ultrapassam 360º. Uma fotografia
panorâmica com mais de uma volta
contém o tempo, sem o quadro a
quadro do cinema, com a captação de
momentos consecutivos. Não é
cinema, não tem movimento, exige
uma leitura, como se fosse uma
história em quadrinhos. Deste
caminho de continuidade, várias
fotografias contam histórias. A
primeira, uma corrida do Jokey Club,
em que os cavalos aparecem na
largada, na passagem e na chegada.
Mostrar começo, meio e fim em uma
única imagem sugeriu criar fotografias
de eventos irreversíveis. Nascimento e
morte por exemplo.
Neste trabalho o fotógrafo se
aproxima do que é feito para o
cinema, e começa a conviver com
novas situações, onde é necessário
direção de ator, ajuste de sincronismo
entre os acontecimentos e o
movimento da camera, uma produção
de cinema, diferente do trabalho de
fotógrafo, que é mais solitário:
O trabalho em equipe de cinema
exige outras competências, e a
demora para se conseguir resultados é
maior porque não depende só do
fotógrafo, depende da equipe
Fotografia Panorâmica 41
A exposição
Convite da exposição.
42 Fotografia Panorâmica
A exposição
Fotografia Panorâmica 43
Estádio do Corinthians Paulista
Estádio do Corinthians Paulista
O Parque São Jorge, tem nome oficial de Alfredo Schurig, também chamado de Fazendinha. Com
capacidade para 15.000 torcedores, endereço na Rua São Jorge, 777 - Pq. São Jorge - São Paulo
(SP), foi inaugurado em 22/07/1928, tem como área de gramado 105m x 75m e pertence ao
Sport Club Corinthians Paulista.
As imagens deste capítulo poderiam ser o resultado de uma visita fotográfica a este estádio. Não
são. Estas imagens são todas retiradas de uma única fotografia panorâmica, e mostram detalhes,
a minha visão pessoal com exemplos do que pode ser encontrado nesta panorâmica. Como um
jogo: “escolha suas fotografias dentro da panorâmica.” As imagens estão todas lá, e podem ser
destacadas, criar significados, neste caminho curioso, em que a fotografia mostra o todo, e os
detalhes ficam por conta do receptor, que faz seus próprios recortes.
A escolha pelo estádio do Corinthians foi aleatória. Qualquer uma das cinco imagens da
exposição “Templos Politeístas” pode receber a mesma atenção, tendo a mesma riqueza de
detalhes, situações resultante de acasos, possibilidades de enquadramento. Em todas as imagens,
as laterais são repetidas: na esquerda e na direita, a imagem termina um pouco depois da linha
do meio de campo, que aparece também no centro da imagem, onde está a tribuna de honra.
Nos meus recortes, mostro também imagem de fora do estádio. O que se vê por trás das
arquibancadas aparece em detalhes. E os detalhes que fazem a diferença entre as imagem dos
estádios. Existem elementos definitivos de estádio, gols, linhas do campo, arquibancadas e
tribuna de honra, e existem as particularidades de cada estádio.
Nos primeiros recortes mostrados, uma linha liga a posição da imagem destacada na fotografia
com o seu recorte.
44 Fotografia Panorâmica
Estádio do Corinthians Paulista
Fotografia Panorâmica 45
Estádio do Corinthians Paulista
46 Fotografia Panorâmica
Estádio do Corinthians Paulista
Fotografia Panorâmica 47
Estádio do Corinthians Paulista
48 Fotografia Panorâmica
Estádio do Corinthians Paulista
Fotografia Panorâmica 49
Estádio do Corinthians Paulista
Esta cadeira isolada pode ser a cadeira do César, que ao final decide o destino dos gladiadores,
com um gesto (SPQR?)
50 Fotografia Panorâmica
Estádio do Corinthians Paulista
A saída para a esquerda será o Fome Zero?
Fotografia Panorâmica 51
Estádio do Corinthians Paulista
52 Fotografia Panorâmica
Estádio do Corinthians Paulista
Fotografia Panorâmica 53
A panorâmica apresentada como imagem plana
A panorâmica apresentada como
imagem plana
Este capítulo apresenta as técnicas usadas para produção de imagens panorâmicas,
discutindo as diferenças entre as técnicas.
Nosso campo visual é a sobreposição incompleta da visão de cada um dos nossos olhos.
Na área central da nossa visão, podemos avaliar distâncias. A paralaxe, o deslocamento
da imagem dos objetos entre um e outro olho, permite avaliação de distância. Na visão
periférica, apenas um olho forma a imagem, e a avaliação de distância apenas é possível
em movimento, com a mudança da posição relativa entre os objetos. Nossa visão tem um
campo visual restrito, que não alcança 180º. Imagens com 360º, produzida
artificialmente, criam um campo visual artificial. Com a fotografia panorâmica são
produzidas imagens que não são possíveis à nossa visão desarmada. Diversas técnicas
são usadas para a construção de imagens panorâmicas, e criam diferentes tipos de
imagens, mostrando o mundo tridimensional na representação bidimensional tradicional
da fotografia, mas agora com um espaço que inclui uma amplitude a que não estamos
acostumados, desdobrando o horizonte.
54 Fotografia Panorâmica
A panorâmica apresentada como imagem plana
Philippe Dubois, em seu texto “A fotografia panorâmica ou quando a imagem fixa faz sua
encenação” (DUBOIS 2005) faz uma classificação técnica das formas de produção da
imagem panorâmica por tipos:
...os panoramas no sentido estrito (tipo I), isto é, oferecendo
uma vista panorâmica numa única imagem (realizado numa
só tomada); de um lado, e os panoramas no sentido amplo -se
assim se pode falar - (tipo II), isto é, obtidos pelo meio de
montagem de várias vistas...
...O “verdadeiro” panorama (tipo I) seria para a fotografia o
que é o plano seqüência no cinema.
Este tipo I, produzido em uma única tomada, ele vai dividir em três subgrupos. Eu incluo
outras possibilidades, a quarta possibilidade, a da imagem de “calota” e a quinta
possibilidade, a imagem da câmera “omniscópica.”
...tipo (IA), onde nada se mexe (nem a objetiva, nem o
aparelho, nem o suporte sensível...
...tipo (IB) - ...- é a objetiva que, à frente da caixa, opera um
movimento giratório de rastreamento... ...inscrevendo a
imagem sobre um suporte fixo (geralmente curvado
simetricamente à rotação da objetiva.
Fotografia Panorâmica 55
A panorâmica apresentada como imagem plana
...tipo (IC) - desta vez o panorama “total” - a objetiva
permanece fixa, mas é o aparelho inteiro que gira sobre ele
mesmo.
A quarta possibilidade, fora da lista de Dubois, é a imagem formada em uma calota que é
colocada no centro do panorama que se desejar, e esta calota é fotografada a partir de
seu eixo com a máquina montada em uma distância fixa (ver figura), depois a imagem é
reconstruida digitalmente. Na imagem abaixo, a câmera é fixada junto com a calota e
elementos ópticos, dirigida para cima, apontando para a calota.
1
A quinta possibilidade é a “pinhole” 360º, chamada de “Omniscope” em que se despreza
a imagem direta produzida pelo que está à frente, e capta-se apenas a imagem periférica.
1. http://www.360onevr.com/ (acesso em 23 de março de 2008)
56 Fotografia Panorâmica
A panorâmica apresentada como imagem plana
É a forma de panorâmica que produz as distorções radicais.
2
Esta máquina, é uma
“pinhole,” em que o filme, em vez de ficar na face oposta da abertura, fica na parede
circular, registrando não o raio direto mas apenas os periféricos, tangentes à abertura.
Imagens bastante distorcidas são produzidas, e a visualização da imagem a ser produzida
(tarefa do fotógrafo) e a interpretação da imagem (tarefa de quem vê a fotografia) é
especialmente trabalhosa.
2. http://www.abelsonscopeworks.com/ (acesso em 18 de fevereiro de 2008)
Uma abertura (pin hole) sob a tampa permite
expor o filme, que fica ao longo da parede
cilíndrica. Um lado tem o rolo do filme, que
pode ser avançado a cada exposição,
permitindo fazer diversas tomadas. (http://
www.abelsonscopeworks.com/)
Fotografia anamórfica de uma bicicleta.
Fotografia Panorâmica 57
A panorâmica apresentada como imagem plana
As fotografias panorâmicas, quando usadas para reconstrução virtual do espaço,
colocam o observador inserido em um círculo: A imagem fica em torno de um centro, e
o observador fica neste centro, em uma situação em que o espaço fotografado é
reconstruido virtualmente.
Quando a imagem panorâmica é colocada no plano, não acontece este reconhecimento
imediato ou a reconstrução do ambiente fotografado. O espaço aparece distorcido na
imagem, os círculos se tornam retas, e as retas se tornam círculos; e lado a lado, na
mesma imagem ficam posições do espaço que normalmente se opõe: as oposições
deixam de existir e coisas que no ambiente ficam frente a frente aparecem na imagem
lado a lado. Vemos, por exemplo, lado a lado a sombra e a luz que produz a sombra.
É nesta apresentação plana que a imagem 360º mostra novas perspectivas, produz
imagens que exigem tempo para serem compreendida, e em que a leitura das imagens
não pode ser feita da forma que estamos acostumados. Philippe Dubois destaca quatro
pontos para caracterizar esteticamente esta forma de representação, chamando-os de
quatro paradoxos: (1) a ausência de extra-campo, na presença de um quadro, (2) a
imagem achatada com um dado de profundidade, (3) a tomada única, mas com uma
multiplicação de perspectivas, e (4) a tomada única com inscrição no tempo (DUBOIS,
2005:216). Além destes paradoxos, acrescento o (5) paradoxo da luz, que, a cada ponto,
tem direção diferente, variando progressivamente.
58 Fotografia Panorâmica
A panorâmica apresentada como imagem plana
Revendo os paradoxos:
(1) Na imagem 360º você tem a fotografia dentro de um quadro, mas não há recorte,
tudo é mostrado. O quadro permite a montagem mental, unindo as pontas, a leitura da
imagem permite refazer a continuidade espacial.
(2) A tomada achatada com dado de profundidade é um paradoxo tradicional da
fotografia, que a panorâmica radicaliza. Esta perda de dimensão na imagem plana está
descrito nas idéias de Flusser, como escalada da abstração. Três planos (ou quatro, ao
incluir o tempo) estão representados em uma superfície, com apenas 2 planos.
(3) A multiplicação de perspectivas. O ponto de fuga descrito a partir do renascimento, é
infinitamente modificado, e é imaginado por Dubois em pelo menos três posições, uma
para o centro, uma na esquerda e outra na direita. Em vez de pensar em ponto de fuga,
imagino um ponto de convergência, um ponto que está sempre sobre o observador. Ao
me mover olhando para a fotografia, eu percebo esta convergência, uma ilusão de ótica,
as linhas do campo acompanham o movimento que realizo na frente da imagem.
(4) A tomada única com inserção no tempo, (que pode até mostrar o mesmo lugar
várias vezes), uma fatia maior de tempo que a fatia que normalmente está presente na
fotografia. Aqui uma das diversões da fotografia panorâmica, é encontrar o que mudou
Fotografia Panorâmica 59
A panorâmica apresentada como imagem plana
entre o lado esquerdo e direito da tomada, quando a imagem de um determinado ponto
fica registrado duas vezes.
(5) O paradoxo da luz pode ser ao mesmo tempo sutil e grosseiro. As sombras, os locais
onde a iluminação não chega por inteiro, trazem a informação sobre onde está a luz.
Nestas imagens, a sombra e luz fazem uma dança de roda. Em um lado está a luz, do
outro está a sombra. Ao longo da imagem, sombra e luz rodam, uma em torno a outra,
até voltar a estar onde estavam originalmente, 360º adiante de onde começaram.
A realidade virtual em computadores, um sistema de montagem de fotografias para
simulação 3D em computadores, de espaços ou objetos, tem sido desenvolvida pela
Apple, com equipamentos, softwares e seminários entre os usuários de computadores
Macintosh. Isto tem facilitado o conhecimento e acesso a equipamentos e tecnologias
que permitem também a produção de imagens panorâmicas. A imagem de panoramas
também pode ser produzida com desenhos ou pinturas. É o que comentamos no último
quadro, sobre uma presença de panoramas que pode ser observada desde o século XI na
China, como mostram imagens preservadas ou reconstruidas, com origem nesta época.
60 Fotografia Panorâmica
A panorâmica apresentada como imagem plana
Realidade Virtual: Novas técnicas na produção da panorâmica
Em 1995, com o programa Quick Time
VR, a Apple apresenta uma nova forma
de uso das imagens panorâmicas. Em
vez da impressão, a imagem, montada
em um cilindro, servia de base para a
navegação deste espaço na tela de um
computador. Eventualmente estas
imagens evoluíram para construções
cúbicas, em que, a partir de um ponto
fixo, se pode olhar para qualquer lugar
de um ambiente, 360º em volta, assim
como para baixo e para cima
permitindo também aproximar ou
afastar a imagem.
Em seguida foi criada a navegação por
nós: pontos da imagem espacial
podem ser clicados e passa-se a
navegar a partir de um novo centro.
Isto permite mudar posição dentro de
um ambiente ou passar de um
ambiente para outro.
Ao lado dos espaços virtuais, foram
criados os objetos virtuais. Neste caso,
um objeto é fotografado em toda a
volta (e eventualmente em cima e em
baixo) e com uma forma de navegação
semelhante ao ambiente, o objeto
pode ser visto de qualquer ângulo,
com a aproximação ou afastamento
que o programa permitir.
No passo seguinte a tecnologia
produziu filmes em que se podia
navegar e mudar o ponto de vista.
A técnica para se produzir a imagem
360º a partir de várias tomadas usa
programas de computador, e exige que
a captura de imagens seja feita com
auxílio de tripés com bases especiais,
que permitem o ajuste do ponto nodal
da lente sobre o eixo do giro, evitando
a ocorrência de deslocamento da
paralaxe, e sobreposição da imagem
entre as fotografias de 30 a 50% da
área entre duas fotografias
consecutivas.
Podem ser feitas várias camadas para a
produção de uma imagem de maior
qualidade na navegação vertical.
Quatro técnicas principais são usadas:
Sticher (agrupar fotografias tiradas em
seqüência com sobreposição de área),
máquina com rotação sobre um eixo,
rotação da lente, ou fotografia gerada a
partir de imagem em calota espelhada.
A fotografia pode ser analógica ou
digital. Quando produzida em arquivo
VR, a imagem é representada como
um cubo. A técnica também de
construção de objetos VR, e vídeos VR
é semelhante.
Assim como o slide, o filme e outras
formas visuais que exigem um
equipamento para a visualização, o
acesso da imagem VR é limitado a
quem está em frente ao computador. A
fotografia impressa ainda é mais
eficiente, por não ter a necessidade de
equipamentos especiais para a
visualização.
Fotografia Panorâmica 61
A panorâmica apresentada como imagem plana
Panoramas: um formato presente através da história
O formato de paisagem com tamanho
desproporcional, que se estende além
da visão normal, com amplitude
horizontal que chega a ultrapassar dez
vezes a altura da imagem está presente
desde o século XI na China
1
. Existe a
possibilidade que esta forma de
apresentação de imagens tenha sido
levada para o Japão, e depois tenha
chegado à Portugal por volta do século
XV. O que sugere isto são as imagens
do Brasil colonial que podem ser vistas
no livro Vilas e Cidades do Brasil
Colonial, (Nestor Goulart Reis et al.
EDUSP, 2000). Estas imagens
portuguesas são sugestivas de imagem
de inteligência militar, uma alternativa
para mapas, descrevendo ambientes
como portos e cidades a partir de uma
perspectiva ampla, imagens que estão
no museu da marinha portuguesa.
Estas imagens são chamadas de
prospecto pelos portugueses. Permite
conhecer um local em detalhes, com
todas as construções à volta de um
ponto. Estas imagens podem ser
enroladas, podem ser colocadas ao
longo das paredes, reconstruindo
locais. É o que acontece na torre da
Basílica de Nossa Senhora Aparecida,
em Aparecida , SP. Nesta torre, as
paredes estão cobertas por fotografias
com a vista das janelas que ficam
abaixo das fotografias. Você pode ver
na fotografia o que vai confirmar pela
janela. A imagem panorâmica
continuou a ser produzida quando
surgiu a fotografia. A história registra o
uso desta forma de apresentação, e
opções misturando desenho e
fotografia, na propaganda para a
conquista do oeste americano, em que
fotografias e pinturas tentavam criar
um ambiente de imersão para mostrar
como eram as terras a serem
colonizadas, ou dos Diadoramas das
feiras universais do fim do século XIX
em Paris. No registro de panorâmicas
em fotografia existe, por exemplo,
partes de uma imagem da cidade de
São Francisco, de 1851. Esta imagem
foi construida a partir com 11
dagerreótipos, dos quais restam apenas
5. Estas fotografias estão na Biblioteca
do Congresso Americano, e podem ser
vistas na internet
2
.
1. http://en.wikipedia.org/wiki/
Zhang_Zeduan (acesso em 24 de
março de 2008)
2. http://memory.loc.gov/ammem/col-
lections/panoramic_photo/
62 Fotografia Panorâmica
A panorâmica apresentada como imagem plana
Fotografia panorâmica da exposição de fotografias panorâmicas.
Fotografia Panorâmica 63
Classificação de imagens
Classificação de imagens
Este capítulo discute a dificuldade de organizar as imagens. As imagens panorâmicas do
fotógrafo Dimitri Lee não se encaixam nos grupos mais comuns de organização de
imagem, como seriam por exemplo: o retrato, a flora, a fauna, o momento decisivo... A
reflexão abaixo, com possibilidades de classificação foi o caminho para perceber esta
situação especial. Foi preciso colocar as fotografias panorâmicas de lado, e pensar como
enfrentar pela primeira vez uma imagem qualquer que não conhecemos.
A discussão sobre classificação tem o significado de permitir a localização da fotografia
panorâmica dentro no universo de imagens fotográficas.
Porque classificar? O esforço de classificação é uma arbitrariedade, como diz Olga
Pombo (POMBO, 1998); mesmo assim, ela afirma a necessidade da classificação, apesar
dos problemas que encontraremos: “[sobre a classificação:] Do seu inacabamento é
certo. Mas também da sua inexorável abertura à promessa de um saber em
permanente crescimento.
64 Fotografia Panorâmica
Classificação de imagens
Olga Pombo comenta sobre as novas possibilidades tecnológicas a serviço da
organização dos materiais culturais, e a necessidade de tempo para seus resultados:
Ora, esta mutação, resultante da introdução das novas
tecnologias no campo de trabalho da documentação, vem
como que sublinhar ainda mais o caráter pragmático da
classificação documental: a transferência para o computador
das tarefas de conservação, inventariação e catalogação
(disco óptico, memória holográfica), gestão (base de dados),
recepção e emissão (edição eletrônica, fibra óptica, difusão
telemática) de documentos, vai exigir um reforço imenso das
capacidades pragmáticas da classificação, nomeadamente no
que diz respeito a uma determinação conceptual cada vez
mais rigorosa e à definição cada vez mais fina de uma
linguagem codificada universal.
A classificação de imagens pode ser comparada à classificação de animais imaginada de
uma forma delirante por Borges, e citada por Foucault (FOUCAULT, 1999:IX)
“taxonomia de animais em uma certa enciclopédia chinesa,
que entre outras categorias apresenta, por exemplo: a)
pertencente ao imperador e m) que acabaram de quebrar a
bilha...
Fotografia Panorâmica 65
Classificação de imagens
...nos é indicado como o encanto exótico de um outro
pensamento, é o limite do nosso: a impossibilidade patente de
pensar isso.
Esta situação classificatória é comentada por Pombo (POMBO, 1998):
“Nós não discutimos as classificações a partir das quais o
nosso próprio discurso se constrói. "Anteriores às palavras,
às percepções e aos gestos" (Foucault), essas (nossas)
classificações primordiais aparecem-nos como óbvias e
inquestionáveis. Elas são, como diz Foucault, os "códigos
ordenadores" da nossa cultura.
Qualquer classificação tem aspectos pessoais e inconscientes. Independente de ter
consciência de que a classificação foi feita, não nos colocamos frente a uma imagem sem
automaticamente classificar.
Praticidade: uso da classificação alfabética
Classificações alfabéticas, como em um dicionário, são usadas comercialmente, para
imagens de estoques de fotografias, são usadas em classificações para discussão
fotográfica, como no site “PhotoSIG.”
1
e usado pela Biblioteca do Congresso Americano.
A lista em ordem alfabética, em que cada item de texto pode corresponder a apenas uma
fotografia está presente até nos arquivos Warburg, para referência das imagens existentes.
1. http://www.photosig.com : acessado em 23 de Janeiro de 2007
66 Fotografia Panorâmica
Classificação de imagens
Classificação Photosig
O site PhotoSIG, um site de fotógrafos para
fotógrafos, é um site em que os
participantes apresentam fotografias, e
criticam fotografias dos outros fotógrafos.
Ao apresentar uma fotografia, é solicitado
que a mesma seja classificada pelo
fotógrafo, a partir de uma lista
classificatória. A classificação pode ser feita
em até 3 itens da lista apresentada:
Esta lista parece ter sido feita para caber
em uma única página. A partir destas
possibilidades de classificação cheguei às
perguntas (porque, como, para que, e o
que) que me ajudaram na classificação. A
fotografia começa a ser definida antes de
ser feita: a motivação para a realização da
fotografia ( o PhotoSIG tem as categorias
Trips and meetups” ou “Class Assgnments”
que estão aqui como motivos para
produção de uma fotografia), o porque; a
fotografia também pode ser definida
durante a sua produção pelas técnicas
utilizadas, o “como” da fotografia (como no
grupo “Pinhole” do Photosig). E é claro, a
fotografia pode ser definida pelo que está
contido na imagem, “o que” (como por
exemplo no caso de “Cityscape”). E,
finalmente, a fotografia pode ser definida
em relação à sua utilidade final, o “para
que” (como nos grupos “Publicity” ou
“Stock”).
A indicação da fotografia em 3 opções se
justifica.
Abstract Humorous Rural
Aerial Industrial Sea and Sand
Animal Interior Sky
Architecture Journalism Snapshot
Astrophotography Landscape Sports
Black and White Lomo Still Life
Cityscape Macro Stock
Class Assignments Nature Street Photography
Decisive Moment Panoramas/Mosaics Suburban
Documentary Performance Swimsuit
Emotive PhotoSIG trips and meetups Tourist
Erotic Pinhole Travel
Expression Portrait Underwater
Family Product Urban
Fashion Publicity Vehicle
Fine Art Random Vintage
Food Recycled Art Weather
Glamour Rough Camera Wedding
Fotografia Panorâmica 67
Classificação de imagens
A opção de uma imagem sendo associada a outras imagens, como apresenta Antônio
Gerreiro, comentando o método Warburg, no texto “Aby Warburg e os Arquivos da
Memória” é uma opção que nos desafia, e exige uma outra forma de se colocar frente ao
universo de imagens.
Outro projeto para organizar e associar imagens, usa tecnologia digital. É o projeto Sea
Dragon, que permite associar imagens espacialmente, como em um plano infinito, com
grande versatilidade a partir análise eletrônica de informações semânticas.
O método Warburg e a classificação da imagem em sí mesma
Aby Warburg, nascido em Hamburgo em
1866 abriu mão da direção do banco da
família para se dedicar aos estudos de
imagens. A técnica de organização de
Warburg é independente dos sistemas
verbais, como ordem alfabética ou do
texto da descrição da imagem. A
classificação de imagens (e também de
livros em sua biblioteca) exige que cada
item seja colocado de acordo com a lei da
“boa vizinhança.” Com isto “o material
visual reunido deveria produzir um efeito
de conhecimento visual, capaz de “mudar
a nossa imagem do mundo numa medida
ainda imprevisível”, dispensando o
recurso ao texto, às palavras.”
1
Warburg
nos mostra a função da imagem como
expressão de necessidades e expectativas
sociais, e meio de comunicação religiosa
e política.
O método de organização de imagens de
Warburg está sendo novamente estudado
como possibilidade de organização de
imagens.
1. Antônio Guerreiro — http://www.educ.fc.ul.pt/
hyper/warburg.htm
68 Fotografia Panorâmica
Classificação de imagens
O método Warburg e o programa Sea Dragon pretendem organizar imagens de uma
forma que não dependa do texto que as descreve. Nesta construção de conhecimentos, os
encadeamentos de imagens geram contextos e compreensão de significados.
Sea Dragon e o recurso da Informática na organização da imagem
O projeto Sea Dragon tem similaridades
com o método Warburg. Imagens
semelhantes são associadas
automaticamente em um computador. Este
programa, que estava sendo desenvolvido
de forma independente, foi adquirido pela
Microsoft, e agora faz parte do “Microsoft
Live Labs” e associado ao sistema
“Photosynth Technology Preview” em que
imagens são analisadas pelo computador,
que localiza similaridades, e apresenta-as
permitindo a reconstrução de espaços
virtuais simulando uma
tridimensionalidade, e mostrando relações
entre as imagens fornecidas.
1
É uma
tentativa de criar arranjos espaciais da
imagem baseados em informações
semânticas.
1. http://labs.live.com/photosynth/ : acesso em 22
de janeiro de 2008
Fotografia Panorâmica 69
Classificação de imagens
Classificação quando à necessidade da imagem: A imagem (esta imagem) é necessária?
O excesso de fotografias que nos devora
O tempo gasto para se ver uma imagem
talvez devesse ser proporcional ao tempo e
trabalho necessário para a produção da
imagem. A viagem de férias que produz
8000 fotografias, sugere que estas
fotografias possam ser vistas em alguns
minutos. Ficaremos com as imagens que
nos marcam. No padrão atual da
tecnologia, que permite produção superior
a 200 fotografias por dia, faz com que o
trabalho de fazer uma boa fotografia seja
trocado pelo trabalho da procura entre as
fotografias prontas, entre milhares de
fotografias que estão à disposição.
Esta profusão de imagens é problemática.
Cláudio de Moura Casto, no texto
Sociedade Interativa (CASTRO, 2007),
compara como era feita a fotografia por
Marc Ferrez no fim do século XIX, sobre
chapas de vidro, e a situação atual em que
200 fotografias/dia/fotógrafo é uma
situação normal. Para Cláudio de Moura
Castro, a vida toda não é mais reflexão e
escolha, e passa a ser uma questão de
tentativa e erro.
Substituímos pela iteração (ou seja, pela
ação reiterada de tentativa e erro) uma
busca rigorosa e reflexiva da solução
técnica ou estética. Tentamos até acertar.
Não pensamos muito, vamos fazendo
profusamente, na esperança de topar com
alguma coisa boa. É a "arte lotérica".Se
não der certo, tenta-se novamente. Sempre
houve busca iterativa e nem tudo hoje em
nossa sociedade é feito por esse método (e
bendito seja o computador em que
escrevo!). Mas os avanços tecnológicos e o
espírito dos tempos tiveram como efeito
aumentar a busca de soluções por esse
caminho, substituindo-se o foco, o
raciocínio, a concentração e a elaboração
intelectual.
Ao lado disso, o excesso de imagens a que
nos associamos, leva à iconofagia impura
que nos fala o Professor Norval Baitello.
Segundo Baitello, na iconofagia,
devoramos as imagens. Na iconofagia
impura, são as imagens que nos devoram.
Ao devorar as imagens, se não somos
capazes de digestão, de incorporar a
imagem, nós e que nos transformamos na
imagem. (BAITELLO, 2005:97).
Esta “Iconofagia” leva à perda de nós
mesmos junto com a perda de significado
das imagens, que se esgotam e nos
esgotam. Esta situação exige, e ao mesmo
tempo impede, uma organização. E a
organização poderia servir até para
esconder a imagem, dentro de um arquivo
organizado, para que ela não esteja sempre
presente. De forma semelhante ao que era
feito com as imagens de devoção, nas
igrejas (BELTING, 1996:183), em que se
guardavam as imagens para serem
mostradas apenas nas festas específicas de
cada santo, preservando a força da
imagem, de forma que a imagem não se
desgastasse pelo convívio, nem nos
consuma como nos conta Hans Belting em
seu livro ‘Likeness and Presence.’
70 Fotografia Panorâmica
Classificação de imagens
Classificação por tamanho:
Nas fotografias digitais e nos equipamentos eletrônicos é usada a quantidade de dados
por imagem, seja por pixels, ou o tamanho, em pontos da imagem 480 x 640, seja por
bits: tamanhos de 1, 2, 4, ou12 megabits são bastante comuns.
Não podemos ignorar o que ensina Boris Kossoy: que o que está ausente na imagem tem
igual importância, indicando a postura do fotógrafo frente à sua época. Kossoy considera
que tem imagens que o fotógrafo deseja mostrar, e outras imagens que prefere excluir da
fotografia (KOSSOY 2007:158).
Classificação por proporção?
A imagem bidimensional em geral é proporcional. Nos livros, a imagem normalmente está
limitada ao tamanho da página, ou de múltiplos do tamanho da página. Os diversos filmes
resultam imagens de tamanhos variados, e nos acostumamos a estes tamanhos. Estes
tamanhos proporcionais podem ser descritos com proporções entre números inteiros
pequenos. A imagem de cinema ou televisão tem proporções especificadas, e a tela do
computador também, com poucas opções. Quando as imagens não conservam uma
proporção próxima entre a altura e comprimento, a imagem é desproporcional. Imagens
“panorâmicas,” ou “prospectos,” imagens inadequadas para portar, precisam ser enroladas,
devem ser transportadas de forma especial, precisam estar “instaladas” para que possamos
aproveitá-las em sua totalidade. Estas fotografias desproporcionais, fogem da classificação,
atrapalham a organização. Precisam ser guardadas em cima do armário, atrás do sofá… Ou
precisam de equipamento especial para sua visualização, e ficam guardadas nas memórias
dos computadores.
Fotografia Panorâmica 71
Classificação de imagens
Minha classificação:
Elaborei questões como um guia para interpretação de imagens. Estas questões
abrangem o antes, o durante e o depois da produção da imagem, e o que está presente
na imagem. Finalmente, um grupo especial, para reconhecer a presença do vazio na
imagem.
1— Porque a imagem foi produzida?
2— Como a imagem foi produzida?
3— Para que a imagem foi produzida?
4— O que contém a imagem?
5— Quem produziu a imagem?
6— Quando a imagem foi produzida?
7— Onde a imagem foi produzida?
A resposta para estas questões pode ser automática ou resultado de uma reflexão. Pode
ser consciente ou inconsciente. Mas acredito que esta classificação ocorra, de uma
forma ou de outra. A imagem perde valor estando em uma propaganda. Se a imagem é
interpretada como tal, passa a merecer algum desprezo. A resposta da pergunta “3—
Para que a imagem foi produzida?” se carrega a resposta “Para nos levar a consumir”
reduz nossa aceitação da imagem. Por isso, quem produz imagens para alterar opiniões,
procura se esquivar desta pergunta, evitando esta avaliação negativa da imagem. Boris
Kossoy, (KOSSOY 2002:60) nos alerta sobre esta possibilidade.
72 Fotografia Panorâmica
Classificação de imagens
Outras perguntas são geradas a partir destas perguntas iniciais. Por exemplo, um
desmembramento importante da pergunta “4— O que contém a imagem?” seria: “8— O
que a imagem não contém?” Imaginando o tempo e local da imagem, e o que deveria
haver na imagem que não é mostrado? Esta é um busca do “inconsciente” da imagem, a
procura do que foi reprimido, da mesma forma que age a psicanálise.
A pergunta 2— Como a imagem foi produzida? produz perguntas como: “9— Quanto
trabalho exige esta imagem? 10— Que riscos exigiu? 11—Quanto foi investido para que
eu pudesse ver esta imagem?” Informações importantes, que mudam a avaliação da
imagem. Também as perguntas: “12— Como eu devo olhar esta imagem? 14— O que
esta imagem tem a ver comigo? 15—Em que esta imagem muda o que conheço ou
acredito?”
A classificação de imagens por ordenamento alfabético é uma classificação arbitrária,
um ordenamento esquizofrênico, mas é uma opção prática no universo escrito.
Nestes tempos de bancos de dados relacionais, a construção de um banco de dados para
classificação de imagens pode acolher incontáveis formas de classificação, o que é
melhor que ter poucos critérios classificatório. E principalmente, um banco de dados
pode ter reprodução reduzida e detalhes das imagens que classifica, e eventualmente
guardar uma cópia completa da imagem. Neste banco de dados, os campos “porque,” o
Fotografia Panorâmica 73
Classificação de imagens
“como,” o “o que” e o “para que” podem estar preenchidos ou não, mas são
informações importantes, quando sabemos estas respostas.
Seja qual for a forma classificatória, a classificação sempre vai ter um viés pessoal,
tratando da denotação e conotação da imagem. A conotação pode variar de pessoa para
pessoa, e para a mesma pessoa, variar de uma época para outra.
Em “Sobre a Iconoteca Inteligente” de Vicente Rodrigues (RODRIGUES (2003:201-221),
encontramos uma discussão sobre a possibilidade de classificação da conotação de uma
imagem. Para a classificação poder mudar ao longo do tempo Vicen Rodriguez sugere
um sistema tipo internet, no espírito colaborativo da Wikipédia, em que cada pessoa
coloca sua posição sobre cada imagem, e a situação de cada imagem é construida a
partir da resultante de opiniões dos diversos usuários da “iconoteca” em questão.
Esta reflexão sobre classificação se interrompe aqui. A organização e classificação das
imagens fotográficas é um desafio. Além dos recursos tecnológicos, e mais importante, é
a memória de cada um. Para uma imagem ser registrada na memória, a resposta
emocional à imagem é fator decisivo. No final das contas, a emoção é o que fica por trás
dos conhecimentos e comportamentos humanos. Termino comentando o vazio. No
próximo capítulo, voltaremos às perguntas classificatórias levantadas.
74 Fotografia Panorâmica
Classificação de imagens
O vazio
A fotografia do deserto permitiu perceber que, nas fotografias dos campos de futebol, a
ausência de vários elementos é de fundamental importância. A ausência da figura humana
em um campo de futebol, onde se espera dois times com 11 jogadores cada, juízes, e um
público de milhares de pessoas, faz com que as imagens de estádios da exposição templos
politeístas apareça como as imagens do Coliseu de Roma, visto mostrando o vazio (ou
apenas com turistas, deslocados) em uma arena criada para ser um local onde convive-se
com a multidão.
Fotografia Panorâmica 75
Perguntas na classificação da imagem
Perguntas na classificação da imagem
As perguntas elaboradas no capítulo anterior, são consideradas aqui, inclusive em
relação às imagens da exposição “Templos Politeístas.
Porque a imagem foi produzida?
O que faz uma imagem ser produzida? Trabalho, estudo, lazer, registro, diversão, e
inúmeros outros fatores resultam na produção de fotografias. Amor, saudade,
obrigação, registro, são respostas válidas aqui. No final, será que a fotografia é feita
sem outros motivos? Flusser (FLUSSER 2002:31) diz que cada imagem já esta
inscrita no aparelho, e o homem joga com a máquina, homem como funcionário da
máquina cumprindo seu papel. Sontag (SONTAG 2007:193) considera duas
atitudes: a que não existe nada que não deva ser visto e a que não existe nada que
não deva ser registrado. As fotos da exposição “Templos Politeístas” foram feitas
como um trabalho de autor, um trabalho pessoal.
76 Fotografia Panorâmica
Perguntas na classificação da imagem
Como a imagem foi produzida?
É claro que a questão “como a imagem foi produzida” envolve todos os
equipamentos, materiais e técnicas usados. É uma classificação extremamente útil
para outros fotógrafos, e para aqueles que conhecem a técnica, e podem, a partir
destas informações, compreender melhor a situação da produção da imagem.
O quadro Informações técnicas (página 38) tem detalhes sobre como as fotos da
exposição Templos Politeístas foram produzidas.
Para que a imagem foi produzida?
Este “para que” é bastante semelhante ao “porque.A diferença aqui é saber se já
existia uma função para a imagem antes de sua realização. As fotografias
científicas, investigativas tem propósito bastante definido. As fotografias que
comemoram realizações familiares, prova “que estivemos lá” (Sontag 2007: 21).
Neste caso, de uma fotografia de autor, a fotografia é a realização de uma
concepção comunicativa, é sua reconstrução da realidade.
Fotografia Panorâmica 77
Perguntas na classificação da imagem
Retrato em branco e preto
Para o PhotoSIG, o como (modo de
fazer) aparece em geral quando existem
desvios da norma (preto e branco,
lomo, pinhole, macro, Panorama,
Rough Camera, Snapshot). Apesar
destes grupos permitirem seus
complementares (para que você
escolha entre duas opções, fotografia
colorida ou fotografia branco e preto),
os grupos complementares não
existem, sugerindo que se uma
fotografia que não se diz preto e
branco, é porque ela é colorida. A
questão colorida ou branco e preto é
interessante, nestes tempos em que é
mais raro produzir fotografia em preto e
branco que em cores. Para Flusser
(FLUSSER, 2002:40), a fotografia é uma
abstração, e na fotografia colorida,
cada cor é uma abstração. Por isso, a
fotografia colorida estaria mais afastada
da realidade que a fotografia em branco
e preto. Explicações para uma maior
valorização do preto e branco são
citados por Sontag: As fotografias
coloridas não envelhecem bem
(SONTAG 1997:156), e a divisão entre
a fotografia e artes plásticas, em que as
artes plásticas ficaram com o colorido e
a fotografia ficou com o preto e branco,
separando estas duas formas de
comunicação (p. 145):
...muitos fotógrafos continuam a
preferir imagens em preto e branco
tidas por mais delicadas, mais
decorosas... ... Mas o verdadeiro
fundamento para tal preferência é mais
uma vez a comparação implícita com a
pintura. ... Cartier-Bresson ...propõe
que os fotógrafos renunciem às cores
por uma questão de princípios. ...
ocorreu um divisão de territórios entre
a fotografia e a pintura, a cor pertence
à pintura.
78 Fotografia Panorâmica
Perguntas na classificação da imagem
O que contém a imagem?
O que pode ser visto na imagem, é bastante objetivo para uma classificação. O que
é fotografado é definido objetivamente em um grupo como “Alimento,” em que se
esperam imagens de coisas comestíveis de todas as espécies. Mas um grupo
chamado “Emoção” é impreciso, podendo ser imagens de pessoas em uma estação
de trem, lágrimas escorrendo por um rosto, um por do sol, o deserto vazio…
Ao considerarmos o conteúdo da imagem, devemos procurar um método
sistemático e hierárquico com bifurcações, que permita uma taxonomia clara.
Para criar árvores classificatórias pode-se considerar primeiro a presença ou
ausência da figura humana
1
. O grupo de fotografias com figura humana sem dúvida
será o maior de todos, e precisa ser subdividido muitas vezes, em corpo, rosto, e
diversos tipos humanos. Não existindo a figura humana, teremos grupos como
“cultura,” “natureza,” “ciências,” “consumo” e “outros”. E seus subgrupos:
“Geografia” ou “Biologia” dentro da ciência e “Ambiente” com subdivisão destes .
1. Idéia sugerida por Ricardo Breim que usa a presença de voz como principal fator de
divisão entre gravações musicais no sistema de classificação didático que está desenvol-
vendo com os professores da escola Espaço Musical.
Fotografia Panorâmica 79
Perguntas na classificação da imagem
Sempre lembrando que a organização de imagens pelo que a imagem contém, é
sempre falha sobre o que a imagem não contém…
Caímos assim no problema de definir o que é principal na imagem. A resposta
pode variar entre as pessoas, e para a mesma pessoa ao longo do tempo. A mesma
fotografia vai estar presente em diversas subdivisões. A fotografia jornalística se
torna a fotografia histórica. O que a imagem contém permanece, mas seu
significado muda, como pode mudar o que achamos importante dentro da imagem.
Considerando “pessoas,” “cultura (coisas, construções)”, “natureza (animais,
plantas)” e “ciências,” “outros,” “ abstrato,” colocaríamos a imagem da exposição
“Templos Politeístas” em “Cultura”/ “Arquitetura” / “Esporte.
E de alguma forma também nos grupos “Vazio” / “Solidão” / “Aridez”
Quem produziu a imagem?
Respostas para esta pergunta podem trazer muitas informações sobre a fotografia.
Se a resposta for “Marc Ferrez,” ou “Ansel Adams,” isto tem um peso para quem
conhece a história da fotografia, que precede a visão da imagem fotográfica: Marc
Ferrez fez fotos do Brasil na época do Império e estas imagens tem grande valor
80 Fotografia Panorâmica
Perguntas na classificação da imagem
pictórico e histórico. Ansel Adams fotografou paisagens dos parques nacionais
americanos e suas fotografias são referências para estudos modernos. As fotografias
da exposição “Templos Politeístas” são de autoria de Dimitri Lee que é um autor
atual, e que um trabalho que vai ser avaliado por nós seus contemporâneos, mas a
verdadeira avaliação será pelo tempo.
Quando a imagem foi produzida?/ Onde a imagem foi produzida?
A informação “Chile, 2006” informa que a fotografia do deserto (página 74) foi
feita no Chile, no ano de 2006. Em jornalismo e história, estas informações são
essenciais. Em um sistema classificatório, estas são informações úteis, mas
secundárias, e apenas podem representar alguma coisa apenas quando a imagem já
é conhecida em sua associação com estas informações. Parque Antártica, Vila
Belmiro, Juventus, Morumbi e Parque São Jorge, são locais conhecidos dos
futebolistas, e os anos de 2006 e 2007 podem ser percebidos pelas campanhas
publicitárias e propaganda dentro dos estádios, e estas informações são consistentes
com as imagens.
Fotografia Panorâmica 81
Conclusões
Conclusões
Vimos neste trabalho diversas considerações levantadas pela exposição fotográfica
“Templos Politeístas. Procuramos entender o que as imagens desta exposição podem
representar. A ausência da figura humana chama atenção nestas imagens. Com isso, duas
pessoas tem sua presença destacada, fora da imagem: o que fotografa, e que nunca está
ausente da fotografia, e o que vê a fotografia, a razão da fotografia ser produzida.
As fotografias da exposição tem uma característica de não procurar a aproximação do
público. Foram despidas intencionalmente de inúmeros fatores de sedução: a imagem
humana, a cor, o recorte de enquadramento. O espectador fica abandonado à própria
sorte. Por isso, as fotografias não são “atraentes” como seriam fotografias de
publicidade. Em nosso meio, a publicidade sempre é uma referência para a fotografia, e
um trabalho autoral, que tem propósitos opostos, a referência da publicidade é usada
como uma base, sobre o que não se quer fazer.
Estas fotografias lembram as fotografias de Hiroshi Sugimoto (KRIEF, 2005), como as
seqüências de fotografias de salas de cinema que em um fotograma contém todo um
filme, resultando em telas brancas e teatros vazios, e as seqüências de fotografias de
82 Fotografia Panorâmica
Conclusões
encontro entre céu e mar por todo o mundo, as fotografias dos milhares de Budas, que
são “pesquisas sobre estados da mente e da memória humana” nas palavras de
Sugimoto. Também nos estádios, temos imagens que, por mostrar tudo, não mostram
nada. A enormidade de informação produzindo informação nenhuma. O receptor é que
constrói seus significados, a partir da imagem.
Villém Flusser no livro “Filosofia da caixa preta” nos fala sobre a imagem técnica, o
aparelho fotográfico, o gesto de fotografar, a fotografia e seu universo, a distribuição e
recepção da fotografia. A partir da fotografia tomada como modelo para entendimento da
sociedade tecnológica e informatizada. O fotógrafo é visto como um “funcionário” do
aparelho, que “joga” com as possibilidades, que já estão todas previstas pelo aparelho.
Neste modelo, todos somos funcionários e jogadores de aparelhos que se localizam
dentro de outros aparelhos, em que o que importa é o aparelho e não o indivíduo, e em
que tudo o que acontece deve estar previsto na “programação”:
Urge uma filosofia da fotografia para a que a práxis
fotográfica seja conscientizada. A conscientização de tal
práxis é necessária porque, sem ela, jamais captaremos as
aberturas para a liberdade na vida do funcionário dos
aparelhos. Em outros termos: a filosofia da fotografia é
necessária porque é reflexão sobre as possibilidades de se
viver livremente num mundo programado por aparelhos.
Reflexões sobre o significado que o homem pode dar à vida,
Fotografia Panorâmica 83
Conclusões
onde tudo é acaso estúpido, rumo à morte banal. Assim veja a
tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da
liberdade. Filosofia urgente, por ser ela, talvez, a única
revolução ainda possível. (FLUSSER 2002:76)
Os fotógrafos não gostam deste modelo apresentado por Flusser, em que a fotografia é
usada como resultante do pensamento cartesiano, da matemática, apenas um produto
funcional, ferramenta de uma sociedade controladora em que pessoas são coisas, e os
homens funcionam em função do aparelho. Para Flusser, apenas com a crítica ao
aparelho podemos esperar transcender o totalitarismo robotizante em construção na
nossa sociedade. A fotografia, que aparece em Flusser como expressão de conceitos
programados nos aparelhos, produz símbolos vazios e cenas simbólicas que programam
a sociedade levando a um comportamento mágico em um jogo; tudo se transforma em
jogo, cada vez mais automatizado, e prevendo cada vez mais possibilidades em sua
programação.
E mesmo assim, a esperança de Flusser está na filosofia da fotografia: Contra a
automação estúpida, lutam determinados fotógrafos (e que podem servir como modelos
para os demais “funcionários”) que procuram inserir intenções humanas no jogo.
(p.75)
Liberdade é jogar contra o aparelho… …desmascarar esse
jogo.
84 Fotografia Panorâmica
Conclusões
As fotografias da exposição Templos Politeístas tem esta posição de negação do aparelho
“publicidade” com fotografias que não buscam a sedução, e ao contrário da sedução,
produzem um afastamento. Mas se aproximar e se interessar é uma oportunidade de
conhecer novas formas de ver; imagens impossíveis apenas para olhos desarmados. A
fotografia é a extensão da nossa visão, da nossa imaginação e do nosso pensamento.
Imagens de campos de competição e jogos em que existem dois lados que não são mais
opostos . Quando os gols podem ficar lado a lado, podemos atacar todos para o mesmo
lado. Aqui, a fotografia mostra o que conhecemos para que possamos olhar de novo, pela
primeira vez. Será esta uma forma de apontar o caminho da liberdade?
Fotografia Panorâmica 85
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Fotografia Panorâmica 89
Anexos
Anexos
Três conversas com Dimitri Lee
Primeira conversa
Meu nome é Dimitri Lee, e eu fotografo há muito tempo, com um hiato na carreira.
Comecei a fotografar por volta dos 15 anos, e me profissionalizei rapidamente. Em
parte eu me profissionalizei porque naquele momento, em São Paulo, não havia
uma formação adequada para fotógrafos, nem em curso livre, e a única maneira de
adquirir conhecimento sobre fotografia era o mercado de trabalho, e eu fui fazer
estágios.
Eu fiz diversos estágios, até fazer estágio na Editora Abril, que era o melhor lugar
para se aprender. Eu queria fazer fotojornalismo porque achava, naquele momento
do Brasil da década de 70, que a fotografia era um veículo a mais para se denunciar
as coisas; e fui para o estúdio, porque eu era menor. Não podia ir para a rua, a Veja
não mandava menor para a rua nem como assistente. Fui para o estúdio,
conformado, depois alguns anos, quando eu fosse maior, eu poderia ir para a rua e
esta era a forma de ficar perto da fotografia.
E lá mudou tudo. Comecei a me envolver com a técnica, com a linguagem
intrínseca da fotografia, não me interessava mais falar da política, não interessava
mais usar a fotografia para falar de outra coisa que não fosse ela mesma.
Esta procura pela linguagem da fotografia é um pouco o que acontece, de forma
meio transversa, no editorial e na publicidade. No editorial e na publicidade, se
desenvolve uma linguagem que algumas vezes é puramente fotográfica, e é um
ambiente em que se desenvolve muito a técnica.
90 Fotografia Panorâmica
Anexos
Naquele momento da fotografia de publicidade, e ainda hoje, você era obrigado a
copiar tendências que vem de fora. Você é bom quando consegue reproduzir. E
copiar é uma engenharia reversa, muito divertida para quem quer aprender. Você
parte do produto pronto e você tem que, de alguma forma, decompor. E esta
decomposição, para o aprendizado, é muito enriquecedora: você tem que entender
como aquela luz foi feita para ter aquele efeito, este tipo de coisa. Valeu muito para
mim naquele momento.
Depois eu comecei a trabalhar com publicidade, a publicidade é divertida. A
publicidade é como uma academia de ginástica, como fazer musculação. Você não
faz nenhum esporte, não está envolvido no esporte, mas a sua forma física fica
adequada, se um dia quiser fazer esporte. O risco é você entrar nessa e nuca mais
sair. Esquecer porque entrou naquilo, ficar admirando o próprio corpo e ter
capacidades de reproduzir coisas mas não saber o que isto significa.
O problema com a publicidade é este, para mim. Não é uma questão ideológica. O
problema é que a publicidade se justifica por sí mesma, não tem estética, não tem
nada. É um exercício técnico por sí só. Mas é exercício tecnicamente muito
competente. Vazia de sentido, e tecnicamente muito rica. Ela paga bem, e os bons
profissionais do mercado acabam fazendo isto. Eu fui fazer isto.
-Esta ênfase na técnica é sempre presente na sua fotografia.
Acho que isto acontece em qualquer linguagem. Se você se propõe a usar uma
linguagem, o mínimo que você pode exigir de você mesmo, é ter fluência. Você não
pode deixar de fazer algo por ignorância, dentro daquela linguagem que você
escolheu como sua. Isto vale para literatura, música fotografia, cinema. Ter a
técnica como limitante é complicado. Você precisa ser capaz de fazer.
- E a negação da técnica para afirmar a arte?
O problema é que isto (não só na fotografia) muitas vezes é uma desculpa para
incompetência.
Neste momento da arte, em que aparentemente os caminhos estão meio esgotados,
ficamos em uma situação em que o conceito se sobrepõe ao resultado. Isto me
incomoda. Se eu vou a concerto de piano, eu exijo é que o pianista saiba tocar. Eu
Fotografia Panorâmica 91
Anexos
vou porque ele sabe fazer uma coisa que eu não sei. Manter isto vivo, e conseguir
evoluir é muito importante. Eu exijo que alguém que se diz algo, domine a
linguagem. Isto é básico.
O resto não. O resto pode ser aberto, mas usar a desculpa da arte, como um
conceito etéreo? A arte é linguagem, técnica, são milhões de possibilidade. Alguém
que não domina a sua técnica, sua gramática está limitado. Limitado tanto quando a
arte revolucionária está limitada à revolução. Restringindo o repertório. Você tem
obrigação de dominar aquilo que você escolheu para sua vida. Você pode até não
usar tudo o que você sabe, mas você tem obrigação de conhecer aquilo que
escolheu para a sua vida. Técnica, como outra coisa qualquer, é tempo de estudo.
Não dominar a técnica é só um elogio à preguiça, não à arte.
- Você faz um contraponto entre Agência Magnum e o grupo f/64. Quais são os
caminhos da fotografia?
Na minha visão, no começo do século XX, a fotografia, que está vindo da gênese
das linguagens no século XIX, tem a primeira crise.
Existiu neste momento (e ainda hoje), uma promiscuidade da fotografia com a artes
plásticas por um lado e com a documentação, por outro lado. A crise de identidade
é que a fotografia não sabe se vai virar documento jurídico, antropológico, ou vai
virar mais uma técnica de artes plásticas, ou se vai virar fotografia.
De um lado tem os fotojornalistas, que querem criar documento, os antropólogos, e
de outro lado tem caras como Man Ray, que chegam muito perto das artes plásticas,
e você tem pessoas, como o grupo f/64, que quer uma linguagem própria, que é
com que eu me identifico. Que não é jornalismo, que pode ser profundo, como
Cartier Bresson, Sebastião Salgado, e pode ser mais raso, a fotografia da capa do
jornal de hoje, mostrando o acidente de trem, para mostrar que é verdade.
O grupo f/64 começa a pensar a fotografia de uma forma estruturada, e dura pouco
enquanto grupo, mas acho que se mantém enquanto conceito até hoje, esta
necessidade de criar a própria linguagem. Isto pode ser estranho, mas para mim isto
é muito normal. Eu acho que a gente ainda precisa pensar e amadurecer esta
linguagem, a fotografia ainda precisa se definir. A iniciativa deste grupo é muito
importante.
92 Fotografia Panorâmica
Anexos
Se você ler o manifesto do f-64, vai ver que ele é extremamente atual. As questões
levantadas ainda podem ser aplicadas, precisam ser resolvidas. Ainda tem o lado de
artes plásticas, e ainda tem o lado documental, e tem quem procura a fotografia
propriamente. Afinal o que é a fotografia, enquanto manifestação artística
autônoma? As outras artes nunca tiveram esta crise de identidade da forma que tem
a fotografia. Isto não acontece com música, com literatura.
Existe uma crise parecida no cinema. O cinema que nasce junto com a fotografia,
tem a crise existencial com a literatura. O pesadelo do cinema, é que não sabe se é
literatura ilustrada.
Com relação ao meu trabalho: a fotografia e o cinema se amam e se odeiam. A
questão passa pelo movimento. O cinema tem filia ao movimento, e a fotografia
tem fobia ao movimento. A grande divisão é com a questão do movimento. No meu
trabalho novo se pode englobar o movimento, se pode fazer com que a fotografia
mostre o movimento sem virar cinema.
- Como você chegou na fotografia panorâmica?
A fotografia panorâmica é tão antiga quanto a fotografia. Mesmo o conceito de
imersão, do QT é tão antigo, e nasceu ainda antes do diadorama. E a fotografia
sempre namorou com o panorama. Enxergar além da abrangência angular do olho.
Construir ou destruir o espaço, seja numa sala, reconstruindo num círculo, seja hoje
com o QTVR (Quick Time Virtal Reality). É o mesmo segmento. Destruir o espaço
e reconstruir o espaço de uma outra forma, com outra tecnologia, que a gente pode
chamar de realidade virtual desde o começo. No meu caso, o que eu faço é jogar o
círculo no plano e tentar uma representação. Isto acontece desde o início da
fotografia, e chega até hoje.
E eu queria isso. A fotografia panorâmica é uma “prima pobre” da fotografia. A
fotografia panorâmica é quase um capítulo, quase outra coisa em relação à
fotografia. Este tipo de fotografia meio esquecida nos anos 70, depois foi retomada
nos anos 90. Como a minha formação começou nos anos 70, eu tive pouco contato,
achei quase que este tipo de fotografia quase não existia. E há 6 anos eu descobri
que ela já foi muito forte, houve uma história enorme. E eu fui revisitar, tentar
recuperar uma informação que eu sempre deveria ter tido e não tive.
Fotografia Panorâmica 93
Anexos
E comecei a reproduzir isto de alguma forma, criar as minhas panorâmicas, pensar
na panorâmica.
A primeira coisa que muda é a forma de ver, em relação à fotografia. Na fotografia
você tem um enquadramento, usa um retângulo, um quadrado, e na panorâmica isto
é impossível. A visão do panorama, para se fotografar, é sempre uma visão mental,
nunca física. Você só sabe o que fotografou depois de fotografar, você tem que
mentalizar. E isto já é divertido. Eu antes estava preso sempre em um quadrado ou
retângulo, em uma coisa que eu sempre poderia ver usando um aparelho óptico ou,
hoje, eletrônico e na panorâmica você não pode fazer isso.
-Tecnicamente, é possível criar, com a técnica de calota, um sistema óptico que
permita esta visão de tempo real.
Eu não acho isto necessário ou desejável. Eu gosto de me libertar daquele jeito de
olhar de um modo muito preciso, como o que é usado na publicidade de produto.
Você tem de entrar em um ambiente e tem que escolher a imagem de forma
diferente.
-Escolher em vez do ângulo, a posição?
É, e olhar o lugar e ver se ele tem dramaticidade para este tipo de fotografia, se ele
funciona. É uma imagem que você precisa montar na sua cabeça, nunca no olho. É
preciso usar a memória. Isto é algo que eu gosto.
-Mesmo assim você ainda tem um centro.
Eu comecei este trabalho (de além dos 360º) por causa do problema do centro. Nos
estádios, com as linhas, o meio de campo, a tribuna de honra as coisas eram muito
claras. Saindo dos estádios, isto não funciona mais.
Antes de fazer fotografias panorâmicas, já tinha feito fotografias para QT. E eu não
gostava das panorâmicas de arquitetura. Elas tem um abaulamento típico. Pensando
porque isto acontecia, e que se faz um giro em uma coisa que é reta. Se eu fizesse
um giro em uma coisa circular, eu poderia ter uma reta. E fique pensando o que
poderia ser este lugar. Pensei muito nisso, e sonhei com os estádios, sonhei que
estava dentro do estádio. Quando acordei, eu percebi que o estádio é curvo, e que
94 Fotografia Panorâmica
Anexos
eu posso ficar no centro. E consegui as minhas retas. Foi um caminho inverso, foi
conceitual. Daí eu comecei com os estádios.
Quando eu parei de fazer os estádios, eu ia fazer uma panorâmica e escolhia um
centro. Eu definia onde a fotografia começava e terminava a partir da escolha do
centro. Depois, na revelação, no negativo, eu percebia que o centro estava errado.
- Você não fazia manipulação eletrônica para mudar o centro?
Eu evito fazer isto. Pode chamar de superstição, mas eu não gosto disso. Eu gosto
de ter a fotografia correta. Tenho familiaridade para fazer a manipulação eletrônica,
a minha formação me permite, mas não gosto por motivos pessoais. Eu não gosto
de criar digitalmente, eu não gosto da possibilidade de ter um número
indeterminado de chapas para fazer. Eu não gosto de apagar da memória. Eu gosto
de ter custo. Uma porção de coisas que eu julgava que me incomodavam antes da
fotografia eletrônica, descobri agora que não posso viver sem elas. Gostava destas
coisas e não sabia. Eu gosto que a fotografia tenha um custo. O custo do clique.
Descobri que se a fotografia não tem um custo direto, e o clique tem custo zero na
fotografia eletrônica, tem o risco da fotografia não valer nada.
Quando eu pude fazer quantas fotografias quisesse, perdi a reflexão de quando não
fotografar. A possibilidade de escolher quando não fazer uma fotografia. Na minha
forma de trabalhar, eu gosto de ter a responsabilidade com o clique.
Responsabilidade concreta, seja em dinheiro, seja em saídas. Eu saio e tenho 10
chapas. Eu tenho que escolher, em função do que eu estou fazendo, quais são as
melhores 10 chapas.
Eu já deixei de fazer fotografia por não ter mais chapas, e deixei de fazer fotografias
por estar esperando uma oportunidade melhor, e perdi boas fotografias. Mas a
longo prazo, isto gera uma reflexão que eu perco se não uso este roteiro. Eu
gostava, até na publicidade, de fazer uma produção cara e não saber se o resultado
era bom antes da revelação. Se tinha dado certo. Eu achava que isto era terrível, e
agora eu gosto disso.
Você pode achar que a fotografia ficou ruim e a fotografia fica boa. Quando você
faz uma fotografia esperando que fique boa, e depois fica ruim, você se sente meio
ridículo, e se faz uma fotografia que você acha que ia ficar ruim e fica boa, você se
Fotografia Panorâmica 95
Anexos
sente um charlatão. Existe um desconforto. Os dois sentimentos são desagradáveis.
Com a fotografia eletrônica isto muda. Você tem o feedback imediato, você pode
corrigir, e pode saber se é o que pretendia. E eu descobri que eu não gosto disso,
não gosto do feedback imediato. Embora este feedback te dê, no mercado
comercial, muita eficiência, te tira uma reflexão, sobre a fotografia, mais a longo
prazo, uma coisa basal, um contínuo. Eu tenho opção de trabalhar com filme, e é o
que eu faço. Eu não uso o eletrônico por causa da minha forma de pensar, e não por
questões de qualidade. Mais pelo resultado final a longo prazo. Esta escolha não
decorre da qualidade do eletrônico, que eu não tenho restrições quanto à qualidade
destas fotografias.
Voltando:
Quando eu percebi que eu errava muito o centro, era difícil definir o centro, eu
comecei a fazer, em vez de 360º, 720º, dois 360º.
A primeira vez que eu fiz isso, de 720º foi por causa deste centro. Com a fotografia
760, eu poderia escolher o centro da forma que eu quisesse, sem manipulação da
fotografia, exceto o corte. Estava gastando o dobro de filme, mas resolvia o
problema de não manipular a imagem.
Ainda hoje eu tenho problema para determinar o centro das fotografias. Quando
fica bidimensional, as coisas funcionam diferentes as coisas esticam, e o centro que
você tinha imaginado não funciona, o centro pode ser melhor em outra posição.
Depois de fazer mais de 360, comecei a pensar em utilidades desta fotografia de
mais de 360º
-Esta reflexão que você precisa para fotografar também é necessária para a leitura
da fotografia, e você valoriza esta demora, esta complicação, inclusive do formato.
Eu sempre tive dificuldade de conviver com imagens. Eu gosto de uma fotografia e
ponho na parede do quarto. Eu acordo todo dia e vejo a mesma fotografia. Depois
eu fico cego, deixo de ver a imagem. E depois, ela começa a me irritar muito, e eu
tiro a fotografia da parede, e gosto da parede branca. Eu queria fazer uma coisa que
levasse a uma digestão mais longa. Que exigisse uma acomodação, até das idéias.
Como alguém que escreve um livro mais grosso. Isto vem da minha convivência
96 Fotografia Panorâmica
Anexos
pessoal com a imagem. Foi feito pensando em mim. Procurar uma imagem para a
qual não se fique cego tão rápido. Procurar formas de tornar esta leitura mais lenta.
E as fotografias panorâmicas se prestam a isto. Você demora para acomodar as
idéias, a complexidade, não fica cego tão rápido. Você tem a demora da
reconstrução do espaço.
-E a coisa da não praticidade?
Se eu estivesse preocupado com a documentação do meu tempo, documentar a
política, eu tinha que pensar na praticidade. Nas artes plásticas isto não é
necessário. Mas eu gosto de pensar na fotografia como um objeto. Que você prega
na parede. Que não cabe na tela do computador. Eu gosto da fotografia pregada na
parede, como um objeto, para convivência. Até em uma exposição, você não tem
tempo hábil para degustar uma fotografia destas. Você tem que levar a imagem para
casa, para degustar. Eu queria fazer uma fotografia que não fosse suporte. Eu queria
a exploração de um discurso fotográfico. Se eu estivesse preocupado em vender um
produto, eu faria outra coisa. A fotografia como produto tem que ser rápida. Ver em
um virar de página, de forma transparente. Esta é a boa fotografia de publicidade.
Aqui eu quero o contrário. O meu público precisa parar, ter tempo. Não 20
segundos, 2 segundos, tempo de outdoor que você passa em alta velocidade. Eu
queria fotografar de outra forma, não mostrar coisas prontas.
Me interessa o sujeito que também me busca. Eu queria que você parasse e ficasse
procurando detalhes. Não tem intenção de ser prática. Tem a intenção de ser lenta.
O risco que se corre é que as pessoas não vão doar o tempo necessário para
entender aquele discurso. Eu queria que você não visse através da fotografia, o que
se quer vender, ver através do vidro, mas visse o vidro, o discurso da fotografia.
Não tinha a intenção de ser prático, mesmo correndo o risco de não ser visto.
-E a cor? Porque o branco e preto é predominante no seu trabalho?
O que eu admiro em qualquer expressão artística é o resumo. Falar de menos ou
falar demais eu considero um problema. A obra de arte tem um tamanho ideal. A
minha fotografia em geral não precisa de cor. Quando eu sinto necessidade de cor,
eu uso, isto acontece raras vezes, na maioria das vezes eu não sinto necessidade da
cor.
Fotografia Panorâmica 97
Anexos
A informação a mais pode perturbar quem vê. Da mesma forma que se faz corte da
imagem para retirar coisas que não fazem parte da imagem, eu retiro a cor. Eu não
estou fazendo um julgamento de valor pela cor. Mas muita gente usa cor sem
precisar. Isto é tão errado como não usar a cor quando a cor é necessária.
- Você tem um exemplo da necessidade de uso de cor?
Joel Meyerowitz, que trabalha com cor desde a década de 80, usa a cor de forma
brilhante. As cores para ele fazem parte do discurso e tirar a cor seria um grande
erro. Ansel Adams não usa cor, a não ser em pouquíssimos trabalhos, e ele não
precisa. Colocar cor só iria distrair. Falar de menos ou demais é errado, é preciso
procurar o tamanho ideal, seja nas freqüências que se usa, seja os ângulos que se
usa, seja no espaço ocupado.
Mais sobre a questão dos estádio, ainda em 360º:
Como eu sabia que eu estava fazendo uma coisa pouco prática que corria grande
risco de não ser vista, a idéia foi de vampirizar o amor do time, eu ia entrar de
carona no amor pelo time futebol, do torcedor, e pegar um espaço na parede. Foi
um barato ver o porteiro do Corinthians ficar olhando para a fotografia. O torcedor
procura a fotografia, não pela fotografia, mas pelo time.
Lógico que isto não tem a ver com a fotografia, tem a ver com o time, mas levou as
pessoas a conviverem com a fotografia, e pelos problemas de praticidade da
fotografia, roubar parte deste amor foi muito importante.
Outra coisa interessante é a forma como o estádio está dividido, que deu uma
uniformidade ao trabalho. Todos os estádios tinham aquele ponto de vista, e eu ia
conseguir uma unidade (difícil com outros objetos), e ao mesmo tempo uma
diversidade. A diferença do Parque Antártica e Parque São Jorge, que são amados e
odiados igualmente, com todas as suas semelhanças. O torcedor consegue ver
diferenças que eu mesmo não consigo, por causa da paixão. São estes os olhares
que tem a profundidade que eu preciso.
Para o leigo, um estádio é igual ao outro, com diferenças mínimas. No começo eu
tinha dificuldade para reconhecer qual era o estádio a partir dos negativos. Mas o
torcedor sério sempre reconhece aquilo que ele ama ou odeia. E isso para mim era
98 Fotografia Panorâmica
Anexos
muito legal. Eu garantia um público que nem estava acostumado com fotografia,
mas que olhava a fotografia com a profundidade que eu sempre desejei.
Tem a fotografia grande que está lá na Pedroso, e pára motorista de ônibus para
mostrar para a fotografia para o cobrador. E é um público que nem olha para
fotografia. Isto para fotografia não existe. A não ser para fotografia documental. E
eu não estava fazendo fotografia documental.
-Talvez o estádio seja uma referência permanente do time, mais que jogadores e
dirigentes, que são transitórios.
No começo, as panorâmicas eram muito grandes. Tinham características de mapa.
A pessoa ia para a fotografia para reconhecer o que conhecia. Alguma coisa entre
uma fotografia e um mapa. Ver uma praça que já se conhece. Ver Paris. No final do
séc. XIX, eram fotografias enormes, referências geográficas.
E o torcedor tem muitas memórias do campo. Eu achava que isto poderia acontecer,
gostava desta possibilidade. O estádio ser muito mais familiar para o meu
espectador do que para mim.
Imagina o torcedor dizendo - Eu ví o Pelé entrar por aqui, vir por aqui. A briga foi
ali. Eu gostava desta possibilidade. A imagem do ambiente que é familiar.
A gente volta para a convivência com a imagem. Nestas imagens eu exploro o amor
do torcedor, mas é uma imagem que está sempre presente para o torcedor. E nunca
um torcedor reclamou pela fotografia ser branco e preto. Acho que a questão
geográfica é mais importante neste caso.
Para mostrar uma coisa que que o público conhece mais que o fotógrafo, esta
questão geográfica era fundamental.
As fotografias com mais de 360º:
Na fotografia 360º, o problema era a visualização do centro. O que não era fácil,
principalmente por causa da perspectiva, as câmeras não tem tanto controle de
perspectiva quanto se tem em uma câmera de fole. Às vezes a gente não tem um
Fotografia Panorâmica 99
Anexos
controle bom da perspectiva, a gente tem “n” pontos de fuga, e a soma destes
pontos todos pode mudar o peso das coisas. Então eu comecei a fazer 720º.
O que acontece depois de 360º? Reaparece o velho inimigo da fotografia, o tempo.
Eu só não vou ver a mesma coisa se acontecer algo enquanto eu não estou olhando.
Você não tem o movimento, mas tem um contínuo, que não é cinema, e também
não é a fotografia da cronofobia, ou da dificuldade de relacionamento com o tempo,
aquilo que congela o instante, aquele instante, momento decisivo, não aparece. O
tempo que é registrado mostrando pelo fotograma mais significativo, a imagem
dentro da mente como das fotografias do Bresson, que conta uma história que tem
antes e depois, em que o tempo acontece na mente.
A fotografia sempre teve uma relação delicada com o tempo com a sua cronofobia,
e o cinema usa o tempo, tem cronofilia.
Se o cinema parar demais a coisa fica complicada (exceto em Bergman). De
repente, eu consigo registrar a passagem do tempo sem o fotograma, em um espaço
contínuo.
O tempo se faz no cinema a partir de uma ilusão da retina. Eu passo vários
momentos estanques, e a mente, por um defeito de percepção, funde as imagens e
gera o movimento. É impossível fazer o cinema sem isso. Sem fotograma, não se
faz o cinema.
Mas o que eu estou fazendo agora, não é cinema e não é fotografia. E este meu
trabalho precisa do tempo. Eu não diria que estou no meio do caminho, mas eu
estou em algum ponto entre a fotografia e o cinema, neste novo trabalho. O que
existe depois do 360º. É preciso pensar na passagem do tempo e nas mudanças que
acontecem no tempo. E pelo formato ele é logicamente um panorama, em que a
fotografia fica muito menos prática, e com leitura muito mais lenta. E eu quero que
seja lento, que exista a convivência. Convivência com a imagem, que fica na
parede, e que de vez em quando você ainda olha, e a imagem ainda não te deixou
irritado.
Nas fotografias dos estádios, eu sei que o São Paulino não vai jogar fora a
fotografia, mas não é pela fotografia, é pelo time. E nesta nova série, no batizado,
eu poderia simplificar, para ganhar leitura, mas eu perderia esteticamente, primeiro,
100 Fotografia Panorâmica
Anexos
eu ficaria com um espaço vazio em volta, sem nada de importante, e segundo, eu ia
voltar para a publicidade. Não me interessa ser didático.
-A leitura pode ser resolvida de outras formas?
Sim, mas não me interessa ser didático, apressar a digestão, apressar a maturidade,
é apressar a morte. Eu prefiro que ele conviva e perceba o que deve ser visto.
Quando ele descobre, ele deixa de ser cego desta imagem, a imagem ganha
significado, passa a ter outra leitura. E nesta convivência com o espectador, a vida
da imagem pode ficar maior.
É o contrário da publicidade. Você não diz muita coisa e a imagem morre muito
rápido. A imagem que dura a passagem a 120 no outdoor. E eu queria uma vida
mais longa, que é mais difícil, mais complicada. Eu não estou fazendo um juizo de
valor, estou falando de uma preferência. Esta vida longa é um desafio, tem que ter
degustação. É um desafio fazer isto, mas o didatismo não me interessa.
Esta coisa de conviver… Eu sempre gosto de ouvir músicas que me dizem coisas
novas a cada vez que escuto, e eu posso escutar a música a vida inteira. São as que
eu gosto, e vou continuar gostando, músicas com muitos planos e não um plano só.
Um plano só é o gingle. Músicas de convivência tem outro propósito, não são
didáticas, tem a melodia, a harmonia, várias camadas, coisas para serem
descobertas, outras interpretações, outras referências, raciocínios que você demora
a perceber. E você fica pensando se existem coisas que você ainda não percebeu.
Por isso uma música assim tem uma vida longa, e do ponto de vista de quem faz, é
gratificante o trabalho porque o trabalho sobrevive por mais tempo.
Segunda conversa
A sua aproximação com o 360º seu veio com o QT?
Veio antes. Eu tinha umas coisas antigas, um incomodo com a proporção 3x4 ou
4x5 estes retângulos, desta forma. Eu queria fazer coisas com outras proporções.
Em coisas antigas minhas eu já fazia isso. Na minha formação, as fotografias quase
não existiam.
Fotografia Panorâmica 101
Anexos
Ela era importante no século XIX e depois ficam fora até 1998, eu não sei bem
porque, mas este buraco existe.
Eu não tive informação desta fotografia, mas queria trabalhar com isto. Não tinha
equipamento, informação ou qualquer estímulo externo.
Com a Apple, o QTVR, levantou novamente esta questão. Para o QTVR, eu uso
mais a cabeça, do que a que a câmera que gira. Para o QT, eu uso a base, com uma
câmera normal, e para as minhas panorâmica eu uso a câmera que gira.
O QT foi muito interessante, mas não foi muito longe. Depois eu fui para a Noblex.
Em fotografia panorâmica existem várias abordagens.
A mais simples é mudar a proporção, fazer um crop. Usar máquinas como a Xpan,
com 2 negativos, etc. Isto é meio estúpido, economiza filme... Com a Xpan, eu
comecei a fazer. A Hasselblad lançando 35mm eu fiquei curioso, Negativo duplo,
fazendo economia de filme. Formato panorâmico de qualidade, e portátil, e filme
que se encontra com facilidade. Não dá nem 180º. A mais aberta é 30, grande
angular, mas pega coisa de 110º, principalmente o ponto de fuga, a perspectiva é
uma só.
Uma das coisas interessantes é ver o resultado das fotografias feita com estas
máquinas com objetivas que giram.
Começa a ficar interessante a alteração de perspectiva. A objetiva gira, e o plano do
filme é circular, como se fosse a retina, as aberrações são corrigidas. Todos os
pontos estão a mesma distância do ponto focal. Não existe ponto de fuga. Estas
câmeras trabalham com 140º. Noblex, Writelux, alguma coisas do século XIX, tem
uma Russa. Mas vale a penas ver o equipamento que é bom, e a Noblex é a melhor,
em 35 mm e em outros formatos. Eu gosto muito da óptica. Não está falando mais
de crop. Estamos já em 140º. Depois disso temos as câmeras que giram. A primeira,
Circuit, depois comprada pela Kodak. Formato grande, 10 polegadas de bitola,
negativo muito grande. Começam os grandes trabalhos dos panoramistas do séc
XIX. No século XX, e até 1920 ainda a Circuit, depois vem outras tentativas, as
câmeras que giram, inclusive a digital.
102 Fotografia Panorâmica
Anexos
O que bateu foi a alteração do ponto de fuga. O QT tem uma função comercial, é
um produto tecnológico e é muito tingido por isso. Eu fiz apenas o projeto do leão.
Eu não vi ainda o QTVR como linguagem de arte. Apenas como utilidade, as
pessoas não consomem como arte. Existe algumas experiências, mas ainda tem que
ser digerido. Eu ainda não vi como linguagem de arte.
Eu acho que é isto ainda é muito novo. Precisa ficar banal. Ainda o truque é muito
visível, o truque só basta. Você usa o QTVR, por exemplo, para ver cidades em
catálogos de turismo.
Na experiência dos estádios eu cheguei ao que eu queria fazer. A grande maioria
das fotografias panorâmicas se bastavam pelo efeito, e eu não queria ficar no efeito.
A linguagem já quase existia no séc XIX. Mas ficavam mais com as paisagens, os
Diadoramas. Eles também montavam em plano mas sempre pensavam na imersão.
Quando eu mostrava os estádios para as pessoas elas enrolavam e ficavam lá
dentro., e eu ficava nervoso com isto, porque assim você vai ficando próximo da
fotografia, a fotografia fica normal.
Como a fotografia deve ser vista?
Como consumidor eu não preciso remontar o espaço, eu considero esta a imagem
de um outro espaço, uma nova forma de ver, mas também uma representação de
realidade. Uma possibilidade da realidade. O mais legal é na hora de fazer.
Uma das coisas: Eu sempre preferi o formato grande. O Fausto (outro fotógrafo)
divide os fotógrafos entre pessoas que ficam atrás das câmeras e os que não ficam
atrás das câmeras. Os que usam visor e os que não gostam do visor. Eu gosto de
olhar. Sem visor, sem o quadradinho.
Na hora da fotografia, eu gosto de ver tudo, todo o entorno. Eu aproveito o quadro,
mas muitas coisas eu faço sem olhar para a câmera. Eu concordei com o Fausto
quando eu escutei isso. Eu gosto de fotografar com os dois olhos, montar na cabeça
e não ver uma projeção na tela. E isto é uma necessidade no 360º, não existe o
visor, você monta dentro da sua cabeça, e você só fotografa se fizer sentido. É
muito diferente da montagem no visor. Isto me agrada. Os círculos que apareciam
nas paisagens de 360º me incomodavam. O 360º é muito contaminado por esta
Fotografia Panorâmica 103
Anexos
coisa de efeito. Os estádios chegaram para que eu pudesse, a partir de uma curva,
conseguir uma reta.
Eu estava procurando coisas grandes, que eu pudesse entrar dentro e que fosse
razoavelmente circulares. Eu queria que isto fosse um pattern, um fundo, uma
linha. Ele se transforma em uma linha. E eu estava procurando a forma.
Depois de chegar no estádio pela forma, eu criei as outras explicações para a
exposição.
Suas fotografias são sempre muito simples, fotografias do deserto, fotografias de
estádios vazios. Aridez, sombras.
No deserto eu descobri que, fotografando com luz natural eu conseguia várias
luzes, as sombras não vem só de um ponto, as sombras ficam caóticas. Este é outro
problema nestas fotografias. Você vê que a fotografia é 360º pelo giro da luz.
Digestão lenta da fotografia, justamente o que eu estou procurando, você precisa
conviver com a imagem para criar o sentido.
Quando as pessoas ficava, se enrolando com as fotografias, eu ficava chateado, e eu
comecei a fazer duro e pregado na parede, para as pessoas não poderem se enrolar
nas fotografias:
Isto não é realidade virtual, eu não quero realidade, eu não quero que as pessoas
vão para o QT, não quero que você se sinta em uma experiência de dentro do
estádio.
E esta tendência da fotografia se transformar em documento?
Eu prefiro chamar de uma referência estética. Não um documento. Como
referência, não me incomoda.
O que eu queria, e consegui com algumas pessoas, foi fazer a função do mapa. Um
suporte para contar histórias, contar com um suporte para o lúdico/sentimental. Não
o QTVR, mas o mapa.
(Ao mesmo tempo temos as fotografias do Google Earth. Este olhar do
superpredador. Sem um objetivo, mas onde tudo é objetivo. Um mapa lúdico /
104 Fotografia Panorâmica
Anexos
sentimental como este que você está criando. Mapas lúdicos sentimentais criados
pela fotografia.)
Eu gosto de mapa, mas ainda gosto do mapa de papel em vez do computador.
Sugiro comprar um mapa grande, e as coisas fazem mais sentido.
As fotografias 360 graus estão agora também com uma coisa de cartão postal, de
você publicar no Google Earth, para que as pessoas vejam os lugares, o próprio
programa de criar o QTVR já vem com a ferramenta para fazer o link.
Mas eu acho que isto é uma coisa diferente. Eu não gosto dos cartões postais do
tipo Rio 360º. Me incomoda por ser apenas a exploração do efeito, sem nunca
pensar em uma linguagem, sendo que no fim do século XIX, já se estava muito à
frente disto, imagens óbvias, por exemplo uma imagem explorando Copacabana. A
volta ao QTVR. Eu gostaria de ver alguma coisa que não fosse documental de
imobiliária ou turismo.
-No cinema tem dados frutos, existe agora o cinema 360º
Eu acho que pode ser uma experiência interessante, mas por enquanto ainda são
experiências da técnica, muito longe ainda de uma linguagem. Filmes planos,
filmados em 360º. Se pensa no imersivo.
Tenho visto outra forma de uso, que é o QT inserido no QTVR. Os vidros do carro
tem um loop de QT. Na janela existe movimento. Muito elegante, mas ainda não sei
para onde isto leva. O uso em ensino tem muita utilidade.
O que eu estava procurando era o 360º sem as curvas produzidas obviamente pela
técnica. O que o 360º pode ter como sentido estético, não apenas a mágica técnica.
A linha reta. Os estádios no plano para procurar curvas e retas substituídas uma
pela outra.
Todo manual de fotografia 360º te manda deixar a câmera nivelada. Todas as
câmeras tem diversos níveis. Eu tenho trabalhado com o horizonte fora do nível. Na
fotografia da Juréia, a linha do pneu era reta, igual à linha do mar, e na fotografia
resultam duas curvas interessantes.
Fotografia Panorâmica 105
Anexos
Tem depois a experiência do Jokey, em que eu já trabalho alterando o nível do
horizonte. Eu começo a criar senóides. A idéia é de fazer senóides que implicavam
em uma visualização difícil, mais difícil que a visualização da imagem produzida
com a câmera nivelada.
Esta era uma forma que não era apenas o efeito. Tentativa de desenvolver mais a
técnica na direção de uma linguagem.
Quando eu viajei, encontrei fotografias como da “Praia do Rosa fotografia 360º”. A
fotografia é um veículo. Eu queria que olhassem para a fotografia, não para o lugar.
Carregando a informação, mas diferente da realidade. Um mapa pintadinho.
Depois vem o além dos 360º. Uma conseqüência natural da minha busca, buscar 2
sóis, infinitas sombras, estádios retos, trabalhar com sombras, luminosidades.
-Você corrige a luminosidade?
Existe o HDR que produz um resultado que eu não gosto “High Dinamic Range”
Mas um dos problemas do 360 é a diferença de iluminação.
É comum você ter diferença significativa de luz, a fotometragem é muito diferente.
E você tem algumas soluções. A câmera digital resolve isto alterando a velocidade
do giro, passando mais rápido pelo que é mais iluminado. Esta compensação pode
ser ajustada, raramente eu uso esta compensação. A sensibilidade pode ser ajustada
de 0 a 10, 10 compensa tudo, e 0 não compensa. Eu uso 0 a 1, pelo mesmo
problema que eu encontro no HDR, eu adoro não compensar, compensando eu
perco o impacto. A compensação me incomoda muito. Eu uso só quando não tem
outro jeito.
-Mas nas suas fotografias para publicidade não é assim.
Na fotografia comercial você não decide nada, quem decide é o mercado, e segue-
se a estética universal sem muito direito a variações pessoais. Isto é o que mais
incomoda na propaganda. A fotografia tem que ser adequada, a individualidade tem
que ser deixada de lado, o objetivo é apenas agradar o maior público, jogar para a
torcida. É uma história completamente diferente. Você passa a ser apenas o técnico.
106 Fotografia Panorâmica
Anexos
Nas minhas fotografias, eu prefiro, com a iluminação, usar os métodos antigos. Eu
uso filtro para fotografias PB.
Seguindo com a idéia do depois do 360º:
A idéia do tempo, após os 360º veio de ultrapassar este limite. Passamos para a
procura do tempo. Depois dos 360º, existe a duração. Ao voltar ao mesmo lugar
depois, a única diferença é o tempo. A frase da Adriane Galisteu passa a fazer
sentido.
O além dos 360º, aqui de novo, mas com um novo olhar para um novo tempo.
Então, a introdução do tempo na fotografia.
Existem estes dois irmãos, fotografia e cinema. E existe o tempo. O tempo é
incômodo na fotografia e necessário no cinema. A fotografia pode existir com
tempo reduzido, como se fosse sem tempo.
O instantâneo, o momento decisivo, a questão do tempo é uma constante.
Caminhos diferentes no cinema e na fotografia.
O cinema é um trabalho de equipe, e a fotografia é um trabalho solitário. O Hilton
Ribeiro diz que todos os fotógrafos são solitários, trabalham sozinho. Se gostassem
de gente, estariam fazendo cinema.
O processo é todo solitário, sem verbalização, sem explicações, talvez nunca
precise ser explicada. É feito por um artesão.
O tempo é tratado diferente no cinema e na fotografia.
A introdução do tempo na fotografia, quase um tempo cinematográfico, em que
quando eu volto algo se modificou, e eu começo a contar uma história, mas não é
cinema: por ser um fotograma contínuo, não tem começo e fim, eu vou girando, não
existem os fotogramas ordenados. Onde começa a fotografia? Onde termina a
fotografia?
-Onde colocar o tripé?
Fotografia Panorâmica 107
Anexos
Eu coloquei em cima da cabeça para os batizados. Fiquei bastante sem mobilidade.
A idéia é encontrar este tempo. Este meio caminho eu achei por exemplo no
batizado. Eu vejo elementos de cinema, eu conto uma história que precisa da
passagem do tempo, e o movimento da câmera leva a uma necessidade de
marcação. Agora no frango eu fiz uma direção, marcação do que tinha que ser feito,
como se fosse cinema. No resultado o espaço é contínuo, é o tempo todo, não existe
a interrupção do obturador, não tem a ilusão do tempo, tem o tempo mesmo.
Existem limitações. Eu, tento fazer tudo em um filme. O filme se ficar muito longo,
ele fica uma tira muito estreita que não teria como ser apresentado. Onde apresentar
8 voltas da câmera?
Eu pensei em diversas formas, mas sempre chegando na imersão. Eu quero o plano,
a bidimensionalidade da fotografia, a fotografia pregada na parede, a caverna. Eu
gosto disso para mim. Para o filme com 220 . eu chegaria a uma proporção que
quase não daria em parede alguma. 6 cm para 4 metros. Uma faixa na parede. Uma
fotografia que precisa ser vista de longe. A função de pattern teria que ser muito
boa. Ter uma leitura de fundo e também ter a história. Ainda estou procurando em
que situação isto se aplica e por enquanto eu uso o filme de 120.
Minhas histórias tem até 4 giros e 1/2 e eu tenho resolvido as histórias em 3 giros:
passado, presente e futuro. No batizado, eu tenho duas imersões de batismo que eu
gosto, 2 "presentes" então eu deixei 4 giros.
No frango eu fico com 3 giros. E o resultado fica uma proporção mais aceitável,
principalmente para quem já passou pelos estádios.
Estou à procura de temas.
Que histórias eu posso contar, fatos não reversíveis. Como o batizado. O que tem
sido engraçado, é que minha atuação tem se tornado muito mais de cinema. Para
estas fotografias, é preciso fazer uma produção de cinema. Eu gasto muito tempo na
preparação e não fotografo no ritmo que estou acostumado. O frango eu ainda não
achei a cena. Eu preciso ver o fato acontecendo. Eu preciso ver a morte sem causar
a morte, por uma limitação hipócrita minha, eu não quero ser a causa da morte.
108 Fotografia Panorâmica
Anexos
Em SJ do Rio Preto, eu gostei do resultado da fotografia do frango, mas não fica
claro o momento, ele não funciona para contar a história, que o tempo passou, que
a vida terminou. Eu preciso da composição fotográfica e preciso contar uma
história.
Além disso, tem o movimento da câmera. Se eu estou de costas no momento, o
sentido estético é perdido.
A coisa não deve ser só conceitual, eu quero o resultado estético. Eu preciso
compor. É engraçado. Em fotografia isto tudo é de mal gosto, é deselegante. A
imagem da violência. O compromisso da fotografia aparentemente é maior. Existe
mais preocupação ética e estética no fotojornalismo.
Mesmo não sendo jornalística, sua fotografia conserva estes valores e
compromissos.
O jornalista, e o fotografo que são mandados pelo jornal. Você acredita no
jornalista, no que ele diz. Da mesma forma que o fotógrafo.
Em cima da base filosófica de cada indivíduo.
O limite está na ética do profissional, muito mais que no ato em sí. A realidade
mostrada é sempre parcial.
A fotografia tem um compromisso com a realidade que eu acho excessivo. Alterar a
realidade pode ser deselegante. Mas como mostrar o que está em volta, além do
quadrinho da imagem. Estamos discutindo como interpretar a realidade. O seu
espectador confia na sua ética, e a sua ética não cabe em regras matemáticas, você
sempre está interferindo.
Este trabalho que estou fazendo agora tem ares de cinema. Eu estou demorando
muito, eu estou há 6 meses e tenho apenas uma fotografia. Eu acho que este
trabalho tem mais elementos de cinema do que eu supunha. A fotografia de Capão
redondo ficou ensaiada. Parece um documentário de como matar um frango. Mas
eu quero mostrar a morte industrial. Eu queria falar da morte mas não queria ser
muito forte, e escolhi a morte industrial, a morte banal do frango. Depois eu quero
fazer um parto. Talvez de cavalo. Não pode virar um documentário. Eu queria fazer
Fotografia Panorâmica 109
Anexos
5 ou 6 quadros sobre o tempo. Agora estou sem prazo. Não estou preocupado, estou
desenvolvendo este trabalho, sou dono da minha agenda, vou mostrar o trabalho
quando ele estiver pronto. Não vou perder coisas por não ter agenda. Tenho o
batizado, tem o Jokey, mas o Jokey não tem a significação do irreversível.
Porque eu fui no cavalo? Por causa da cronofografia, se o cavalo tira as patas do
solo. Revisitar o cavalo quando revisito a cronofografia, me atrai voltar ao cavalo
como uma continuidade histórica.
No jokey não existe o fato irreversível, e existe o problema da ambiência. A saída
da corrida nunca é na frente do público, no Jokey de São Paulo.
Outra questão são as objetivas. Ao trabalhar com tele a proporção fica insuportável.
Eu uso uma lente 28. Não tem muito jeito de sair disso.
-É uma lente “olho de peixe”?
Em 6x6 o olho de peixe seria 15 a 18, Eu estou perto disso, mas sem vinheta, sem
círculo, não é olho de peixe.
Eu preciso falsear um grande prêmio. Eu quero agora fazer uma fotografia em que
eu fique entre os cavalos, em que os cavalos passam por mim.
A questão da ambiência. Os cavalos saindo, passando por mim, um para a esquerda
e outro para a direita, e depois novamente reunidos indo embora... Eu ainda não
consigo visualizar este resultado com clareza. Estou negociando isto com o Jokey.
Eu tenho que preparar isto. 2 cavalos de cada lado acho que é suficiente. Outra
fotografia que estou trabalhando é a implosão e eu vou fazer o disparador por rádio.
Na fotografia que já fiz, eles jogam água para reduzir a poeira, e tem as telas de
proteção. Eu queria uma implosão também significativa. A coisa que existia e que
deixa de existir. Precisa ser um pouco mais que isso. Eu não estou fazendo
documentário.
A fotografia precisa ter um sentido estético, emocional, não pode ser só uma
curiosidade. Eu ainda não cheguei em como eu chego nisso. O sentido na
passagem. (Olha este prédio. Não tem mais. Isto eu não quero.)
110 Fotografia Panorâmica
Anexos
-E fotografias de pessoas, porque as pessoas são tão raras nas suas fotografias?
Eu não gosto de fotografar gente. E acho que eu não sei fotografar gente. Eu tenho
problemas com isso. Eu não tenho problema de fotografar gente em publicidade.
Funciona assim: Quando você tem uma idéia, ela é muito frágil, muito íntimo. Até
a imagem ficar pronta, você não sabe se é uma besteira. E ter que dividir isto com
outras pessoas quando ainda é embrionário, me deixa muito inseguro, muito
ridículo. Nas fotografias dos estádios, ir para o centro do campo, com todo mundo
olhando, e o que você vai fazer.
É diferente na fotografia de publicidade, em que o roteiro já foi feito pela
produtora. É como escrever para uma orquestra e levar para os músicos tocarem
pela primeira vez. É uma grande exposição.
A priori, na hora de fazer eu prefiro estar sozinho. Isto é um defeito meu. Colocar
gente, me expor naquele momento de insegurança, e não existe ação sem
insegurança, a chance do ridículo é muito grande, e você precisa estar no limite
senão a criação fica limitada. E existe gente que faz isso e enfrenta o ridículo sem
tantos problemas.
É muito diferente quando eu não preciso me expor, quando o julgamento é sobre o
meu cliente que encomendou a fotografia, e eu vou apenas usar a minha técnica.
No batizado não tinha outro jeito, e eu tento ficar o mais invisível possível. Assim
mesmo, eu sinto uma tensão.
Em alguns momentos não, mas fotografar gente eu não faço bem, eu resolvo
tecnicamente, mesmo quando o fotografado tem boa vontade, não é uma coisa que
eu faço com fluência. Um bom fotografo de gente entra em surto, tem idéias
absurdas, obriga as pessoas a se tornarem personagens, embarcar no sonho. Eu não
tenho esta segurança. Pelo mesmo motivo, eu não quero matar o frango. A
fotografia não vale o frango. Se eu não tivesse a idéia da fotografia, o frango não
iria morrer. Eu não me sinto bem com isso. Eu relativizo a importância, eu sei que
para o frango ele é mais importante que a fotografia. Mas se vai ser morto mesmo,
eu vou fotografar.
Fotografia Panorâmica 111
Anexos
Esta coisa do jornalismo é ser apenas observador. É meio bobo, mas na prática eu
me sinto bem nesta posição, apesar de não defender isto como teoria, considero
uma limitação minha. Eu tenho tantas dúvidas no que eu quero fazer que me
perderia nas possibilidades. Não é purismo ético, são dúvidas estéticas. Observar. O
que não existe em publicidade. Quer dizer, existe; mas é a observação da estética da
publicidade, e as respostas são mais fáceis. Na criação não é assim. No batizado eu
achei o que acontece, mas eu não tenho que dirigir as pessoas. Elas sabem porque
estão lá e o que estão fazendo, eu fico lá apenas invisível, sem atrapalhar.
Eu superestimo esta interferência do fotógrafo. Hoje a reportagem muitas vezes é
mais importante que o fato, mas isto é ridículo.
- Mas ainda é uma vantagem da fotografia em relação ao cinema.
Se eu vou viajar à passeio, eu não gosto de levar a câmera. Com a câmera eu penso
de outro jeito. Eu prefiro guardar na memória.
Com a câmera e sem a câmera eu vejo de forma diferente. Se eu levo a câmera, eu
não fui no lugar.
Terceira conversa
Nas fotografias dos estádios eu tinha uma preocupação com a perspectiva, eu queria
fazer uma linha reta. Foi assim: isto tudo surgiu de uma questão técnica de fugir da
panorâmica de 360º que entre outras coisas tem as distorções circulares, que
chamam a atenção no começo mas depois cansa. Então eu comecei a pensar o que
eu podia fotografar para ter uma linha reta. Se eu faço um giro, o que for circular
pode fazer uma linha reta. O que serviu foram os estádios. Eu cheguei não pelo
conceito, mas para resolver um problema técnico.
Eu imaginava o que poderia funcionar, e diversas coisas circulares me ocorreram,
mas o que mais tinha significado e dimensão eram os estádios, e além de tudo eu
tinha a facilidade geográfica da marcação do centro, eu poderia fazer muitos
estádios a partir do centro.
Com isto eu cheguei nos estádios.
112 Fotografia Panorâmica
Anexos
Para chegar aos equipamentos eu testei com filme plano tradicional com H1 uma 6
por 4,5 com tripé da Manfroto, que tem cabeça panorâmica, que você acerta a
nodal, eu usei a noblex e usei a round shot. Comecei os testes no Juventus, como a
construção é baixa, este estádio não funcionou muito bem para entender esta linha
reta. Eu terminei os estudos no Pacaembú, que é bem alto, circular e deu para testar
o que eu queria fazer. Eu comecei com o Junventos, e quase ao mesmo tempo fui
para o Pacaembú. Por uma questão conceitual, o Pacaembú não tem um time, ele
não foi para a série, ele não tem uma religião.
O Maracanã foi o último, eu tinha os cinco estádios para a exposição e foi proposto
usar o teto. Com pouco tempo, e para um espaço muito grande, e com enormes
dificuldades técnicas. Mas a Fusão, que patrocinou a exposição topou, tinha
máquina, lona e forma de colocar no teto. Com 3,1 por 26 metros. Outro problema
seria a iluminação. Eu soube que o Lúcio Kodato iria fazer a iluminação. Isto
resolvia o problema, ele é um fotografo de cinema genial, e se ele disse que podia
ser iluminado, estava bem.
Com 5 times não ficava bem eu colocar um dos times no teto, para não tratar
diferente os estádios. Os 5 estádios ficaram com o mesmo tamanho, e para o teto,
eu fui fazer a fotografia do Maracanã. Eu não quis por o Juventus, que seria o time
que causaria menos discussão. Em vez de usar o Pacaembú, e na época da Copa do
Mundo, ele poderia representar o Brasil. Ela foi feita para aquele espaço.
Foi feito com objetiva rotativa, com filme PlusX, 120 de largura, 125 asa.
Cada estádio foi feito em 5 fotografias. Se eu fizesse com a round Shot eu teria 6
cm por 120 sem necessidade de montagem no computador. Se eu usasse a cabeça
panorâmica eu iria usar mais ou menos 30 imagens, (varia com a distância focal
usada. para ter o 360, e no caso da Noblex, que é um meio do caminho entre a
câmera plana e a round shot, eu usei 5 imagens. Cada imagem tem 6 x 15 e 146
graus. Isto me da a possibilidade de intersecção entre as imagens. Isto varia com a
técnica usada para montagem. Eu usei um programa belga chamado Sticher, que é
usado para interpolação, de uso eletivo em QT VR. No Photoshop existe esta
função também, não tão boa, e a montagem também pode ser feita em “layers” no
Photoshop, sem usar tanta sobreposição. O olho faz isto cognitivamente, não
precisa tanta sobreposição. O Sticher corrige todas as proporções nas duas bordas,
Fotografia Panorâmica 113
Anexos
mas exige uma sobreposição de pelo menos 30% da imagem. Na montagem na
mão, isto até atrapalha.
Então foi usada a Noblex. Isto aconteceu porque a objetiva é uma grande angular
mas ela tem distorções livre na horizontal porque o negativo é curvo, e neste ponto
ela se assemelha à retina, com a projeção circular. Existe uma correção natural da
perspectiva. Eu gosto da perspectiva da Noblex porque ela é livre das distorções na
horizontal porque ela tem o filme em uma superfície curva. E foi o que funcionou
com os estádios. Eu precisava de uma simetria muito grande nas linhas do campo.
Eu tinha feito em vários sistemas a fotografia com a Round Shot, Hassel, Noblex,
tudo junto. Eu ainda não tinha a Round Shot digital. A Round Shot produziu um
problema nas perspectiva que era estranho, elas convergiam para um ponto de fuga
que não era eu, uma convergência para o lado, que era muito estranho, e não
produzia o que eu precisava. Matematicamente ainda não entendi porque. Outro
motivo que me levou a usar a Noblex era o negativo de 6 por 20 cm. Cinco
negativos da noblex, com 6 por 15 usando quase 4 na montagem final, eu fico com
6 por 60 uma área 3 x maior que a Round Shot, uma definição muito maior.
Depois desta escolha eu padronizei todo o formato da fotografia. A mesma
máquina, o mesmo filme, o mesmo revelador, o mesmo lugar no campo, o mesmo
tripé, a mesma cabeça, a mesma altura, sempre que possível. O ângulo do
Pacaembú por exemplo, alto e perto não permitia usar uma fotografia na mesma
altura que nos outros estádios. Eu perdia um pouco mais de grama. A câmera
sempre nivelada, as fotografias sempre metade grama metade construção. Existem
pequenas variações, que eu gostaria que não existissem, mas as variações entre os
estádios obriga. O Maracanã e o Morumbi, por serem maiores permitem um ângulo
mais baixo que o Pacaembú. O Junventos tem apenas algumas arquibancadas.
As arquibancadas variam e mostram uma construção tipo favela. Com a exceção
dos que tem projeto e unidade, o Morumbi e o Maracanã, os outros são favelizados.
Cada presidente que entra no clube faz um puchadinho a seu gosto. Começa com a
linha do meio de campo, a construção do que um dia vai ser a tribuna de honra.
Depois o lado oposto, aumenta nas laterais e no fim faz o que fica atrás do gol, as
gerais. Isto é muito claro na Vila Belmiro. São quatro momentos e quatro tipos de
construção. A exceção são o Morumbi e Maracanã, que tem um único projeto,
mesmo não tendo sido construido de uma vez só, sempre foi feito respeitando o
projeto.
114 Fotografia Panorâmica
Anexos
É interessante verificar esta história. A Vila Belmiro é o mais típico. A fazendinha.
O Parque Antártica ainda tem uma parte de trás que são as piscinas, e ainda não está
completamente fechado. O Juventus ainda está com apenas as arquibancadas na
linha do meio de campo.
Eu usei o filme plusX. A Kodak parou de fazer este filme durante as minhas
fotografias. Agora faz apenas o TriX e os coloridos. Eu gosto mais do plusX. A
maioria dos fotógrafos prefere o triX. É um filme de grão médio, de 320 no
profissional e 400 no amador. Eu usei o último lote de plusX. O filme começou a
rarear e no final quase faltou. Eu usava plusX que tem asa 125, tem um grão menor,
tem uma curva de contraste mais dura, que eu gosto mais, tem mais a ver com as
minhas fotografias. Todas as minhas fotografias tem um contraste mais intenso. É
uma questão pessoal, e este filme tem mais a ver comigo, embora o triX também
seja um bom filme, e a maioria dos fotógrafos não se importou. Eu usei para
revelação do D 76. Eu usei este revelador porque eu queria homogeneidade, e este é
um revelador bem confiável e que não iria faltar. Pessoalmente, sempre que eu
posso, eu prefiro usar o Rodinal, um revelador mais antigo, o primeiro revelador
vendido comercialmente, que tem fórmula nova e velha e ainda é feito pela Agfa na
Alemanha. Mas como é líquido, existem problemas na importação depois de 2001.
O D-76 é em pó, é mais fácil. Atualmente eu não formulo, eu não tenho mais um
laboratório grande, e comprar química hoje em dia é muito mais complicado que
antigamente. Eu uso um revelador pronto, que é mais caro, que poderia ser feito em
casa, mas eu não faço mais. Todas as fotografias foram agitadas da mesma forma.
Como eu tinha que fazer a montagem eu transformei em digital com o Scanner, e
foi impresso em Lambda para a Cinemateca. As minhas coisas em geral eu faço em
Jato de tinta. No Lambda um arquivo digital é passado para a luz de lazer, e é
projetada em um papel fotográfico, com uma impressão mais semelhante ao
processo antigo da fotografia, com prata.
Eu usei um Scanner Icon 8000, que não é o mais sofisticado, mas é muito bom. As
imagens foram montadas no Sticher. Foi feito sem emendas, mesmo com 25 metros
por 3 não tem qualquer emenda na fotografia. Qualquer emenda física na fotografia
me incomoda muito. No caso as fotografias não poderiam ser feitas em Lambda por
não existir papel de algodão para este tamanho.
Fotografia Panorâmica 115
Anexos
Neste caso foi usado lona, uma impressora de jato de tinta. Apenas o Maracanã foi
nesta técnica. Nas fotografias de baixo, de 5 metros por 1, foi usado o Lambda. Este
tamanho é a distância entre as colunas da Cinemateca. Foram feitas estas cópias
para encaixar no espaço.
Foi usada a cabeça panorâmica da Noblex
, que já está calibrada para o nodal da Noblex. Não precisei de outra coisa. A
Noblex é uma fábrica pequena, não se posiciona mais no mercado como a Round
Shot. A Noblex faz algumas câmeras de segurança, não tem lançado novos
produtos, e cada vez esta máquina aparece menos nas lojas especializadas, não está
muito ativa. Não tem digital panorâmica. Eles tem uma linha circular para 35 mm,
de baixo custo, para tirar fotografias de grupo. Mas é tipo de coisa que sofreu muito
com a chegada das fotografias digitais que permite o Sticher.
Outra questão importante da panorâmica é a luz. Em uma fotografia 3x4 você tem
normalmente um tipo de incidência de luz muito natural. Estou falando de ângulo
de incidência, ou contra luz ou a favor da luz, em geral a favor da luz. No caso de
fotografia 360º você tem a luz oposta a cada 180º. Este é um dos grandes problemas
da fotografia panorâmica. Existem diversas soluções. O Sticher pode fazer isto, mas
este programa ainda não trabalha com o formato Raw, e você altera a curva de
contraste e perde qualidade. No caso da Round Shot, a velocidade de rotação pode
ser acelerada nos claros e reduzida nos escuros. Mas em um estádio, que você tem
áreas grandes de mesmo tom, isto seria um problema. Então todas as fotografias
são feitas com sol a pino, entre 11 horas e 13 horas. Exceto pelo Morumbi que tem
galerias muito fundas com proteção contra sol e chuva, e ficava muito escuro.
Apenas o Morumbi foi feito às 16 horas, e isto foi um problema, ele ficou um
pouco diferente. As fotografias foram feitas com sol duro e nuvens.
Para entrar nos estádios: A grande dificuldade foi entrar nos times grandes. No
Juventos, foi conversado com antecedência, tivemos autorização. O Pacaembú você
consegue uma autorização da prefeitura pagando. Não pode ser para fotografia
publicitária que seria muito mais caro. O preço foi 200 reais, com nota, tudo legal.
Depois eu fui para o Parque Antártica. O problema desta fotografia é que é difícil
explicar para que a fotografia está sendo feita, e sem esta resposta o sentido não
pode ser percebido por quem tem que autorizar a fotografia. Em fotografia
comercial de propaganda isto é mais fácil. No caso do Palmeiras, demorou uns 20
dias. Depois do primeiro time, ficou mais fácil, existia o precedente. O Corinthians
116 Fotografia Panorâmica
Anexos
demorou quase um ano. No caso do Morumbi, a produção conhecia um diretor, e
ficou mais fácil. O Corinthians demorou, até conseguir o contato com alguém da
diretoria.
Os estádios do Juventos Palmeiras, São Paulo e Corinthians. E o Maracanã.
No Juventos foi refeito umas 5 vezes até ser criado o padrão, que depois foi portado
para os outros estádios. O segundo foi o Parque Antártica, que eu voltei duas vezes.
A Vila Belmiro eu fui uma vez só e o Corinthians eu fui uma vez só. Para o
Morumbi eu fui mais vezes porque ficou mais fácil e eu tentei solucionar o
problema das luzes. Eu cheguei a fazer com o estádio cheio, mas não ampliei, não
era o objetivo. Era para ver como ficava. Não bateu. O estádio cheio. Dá para
reconhecer as pessoas, mas o problema é que o estádio cheio data as fotografias.
Quando eu comecei a produzir a idéia dos templos já estava na cabeça. A roupa das
pessoas, as bandeiras, as faixas, a publicidade colocada no jogo data muito, e
atrapalha a idéia. A fotografia é mais divertida, tipo procurando Wally. Eu cheguei a
usar a digital, com a D-100 e o tripé manfroto. Com uma tele você faz o que você
quiser, depois você monta, e com 6 mega pixels eu podia fazer o arquivo grande. O
problema foi o limite de tamanho do Sticher e do Photoshop, que não permite
arquivos maiores que 1 ou 2 Giga. Cada fotografia tem pelo menos 400 mega, mas
não se chega na definição total do filme. No caso da impressão de 25 metros, a
qualidade não é total.
-Qual o tamanho ideal para a impressão destas fotografias, na sua opinião? 25
metros é um bom tamanho?
Para impressão dos estádios, quanto maior melhor. Mais lúdico. Um mapa. Uma
das coisas que se desenvolve nas fotografias panorâmicas é fotografar com a
ausência de visor. Isto é uma das coisas que me atrai. A surpresa do acaso na
revelação é muito interessante. A gente tenta diminuir o acaso e ele nunca é
abolido, e é sempre (no começo quando eu comecei a fotografar, eu achava o acaso
ruim, quando era negativo, eu me sentia vítima, e quando era positivo eu me sentia
impostor, hoje eu sei acho que o acaso te dá humildade. Você vai até um pedaço,
mas não vai controlar tudo,
Sempre existe o acaso, e a relação com o acaso é importante.
Fotografia Panorâmica 117
Anexos
Uma das coisas desenvolvida com a panorâmica é desenvolver a visão sem o visor.
Como a divisão do Fausto, entre fotógrafos que ficam na frente da câmera, e os que
ficam por trás da câmera. Os que não gostam de ver pela câmera vão para o formato
grande. No formato grande você não vê mais a imagem quando coloca o filme você
também não vê o que é fotografado, mas é uma passagem muito mais rápida. No
formato grande você não leva a câmera para enquadrar, a câmera é muito grande,
quando você leva a máquina, você já tem o enquadramento planejado. Com a
imagem grande, do Maracanã, você volta ao mesmo problema, montar a imagem na
cabeça. Eu gosto de que o todo só exista dentro da sua cabeça. Depois ele é de
alguma forma apresentado. Como quando eu trabalhei com a câmera desnivelada
para criar senóides. Se você não construir a imagem na sua cabeça, você não faz. E
eu gosto muito. Fazendo um paralelo com música: eu não consigo tocar bem,
porque a música não está na minha cabeça. Na fotografia é a mesma coisa, ou você
vê, antes da fotografia ou não. É um exercício. E você precisa desta construção. Eu
queria criar este incômodo, as pessoas montarem a imagem do Maracanã na
cabeça, pela posição e distância não era possível ver o todo.
O Coletivo Fotográfico foi organizado pelo Fausto. Ele foi um curador muito
liberal. Ele escolheu as pessoas, e depois não teve muitas interferências, tivemos
muita liberdade. As pessoas foram convidadas por já ter trabalhos que convergiam
na panorâmica. Uns mais outros menos, e pessoas que por acaso começaram a fazer
panorâmica mais ou menos na mesma época. Todos já tinham algum trabalho com
relação a panorâmicas.
-Isto tem a ver com a tecnologia?
Acho que sim. Quando se lança um software, vão ser explorados novos potenciais.
Mas eu acho que é muito comum o fotografo flertar com o formato, deste que existe
a fotografia. Se você pegar a primeira câmera de panorama, ela é do século XIX.
Quase junto com o começo da fotografia. Este é um flerte natural para se fugir do
formato, se fotografar além do que se consegue ver. A panorâmica sempre existiu,
de uma forma endêmica, não epidemicamente. Este surto pode estar associado ao
QTVR.
O Coletivo esteve no MIS e depois fez o circuito da Caixa Econômica. Nestas
exposições foram outras fotografias.
118 Fotografia Panorâmica
Anexos
Os Templos Politeistas foram para a Cinemateca, foi publicado na Trip, e em outra
revista. Ambas de futebol. As fotografias ficaram associadas a crônicas na Trip. As
fotografias foram levadas pela July para a revista, e foram convidados os autores
para escreverem sobre as fotografias. Eu gosto muito dos autores. Com 6 autores
falando sobre suas fotografias, você tem uma atenção da imprensa, em que ao
contrário da situação normal, que a fotografia é acessório do texto, aqui o texto é
que é acessório. Eu tenho problema para aceitar a multimídia, exceto no cinema.
Sempre tive problema para aceitar estas misturas de linguagem, é raro ver um
trabalho, em que se aumentam possibilidades de ação em que fica-se com muita
informação, e nada se aproveita. É raro que o trabalho de multimídia aproveite o
potencial de comunicação, com a exceção do cinema em que o som e imagem
fazem sentido, com a música, ruído, fala, imagem em movimento, iluminação,
figurino, etc.
Mas em geral eu acho que fotografia é fotografia e texto é texto. Mas eu gostei dos
textos.
-Da panorâmica dos estádios você passa para as narrativas. Nestas fotografias você
usa sempre a Round Shot?
No texto sobre panorâmica do livro O Fotográfico, se fala sobre estas questões. A
partir do que é falado, eu passei a ampliar o trabalho, para incluir o tempo. A idéia
era fazer a fotografia com o que tem depois dos 360º, a alteração que ocorre com a
passagem do tempo. O tempo, que é base do cinema e antítese da fotografia. A
apropriação do elemento que sempre foi difícil para a fotografia. E contar uma
história, que é muito mais presente no cinema que na fotografia. Mas com um
fotograma só. Um híbrido interessante. Quando a câmera volta para o mesmo
ponto, o tempo passou. Não era mais uma fotografia.
-Foi proposto um coletivo sobre isto?
Sim, mas não houve adesão, e eu estou fazendo o trabalho sozinho. Existem
limitações técnicas, eu consegui fazer apenas 3 fotografias, e que funciona mesmo,
uma única, o Batismo. Você tem um filme, e tem quatro passagens. A história tem
que ser contada em quatro momentos. Este é um problema. E se você tenta fazer
uma montagem, usar dois filmes, juntar dois momentos, o problema de proporção
fica enorme. A proporção de 6 por 60 se torna 6 por 120. Você começa a fazer uma
Fotografia Panorâmica 119
Anexos
fotografia que parece um rodapé. Para poder ter a leitura, a fotografia fica
absurdamente grande. Você tem que fazer coisas que possam ser contadas em 4
quadros. Outro problema, como não tem legenda, é que o evento deve acontecer em
360º, não pode acontecer em um único ponto, que você fica sem assunto em todo o
resto. É uma experiência difícil e que não está resolvida ainda. Eu vou refazer a
fotografia do Jokey fincando no meio da pista, para poder usar 360º. A fotografia
anterior, eu perco 180º.
-Depois da panorâmica dos estádios, você foi para os deserto de sal. Isto é uma
continuidade?
A panorâmica em geral tem o problema do circulo. O trabalho fica tingido pelo
efeito. Por ser uma coisa incomum girar 360º o trabalho fica muito tingido. E
mesmo uma fotografia interessante sofre muito apenas pelo fato de ser 360º. A
idéia de usar o deserto é que o deserto tem poucas referências e a coisa fica mais
sutil, eu tenho uma leitura em que só se percebe o giro pelas sombras. Um 360º
muito sutil, uma iluminação de vários sóis, não está tingida pelo 360º. é só uma
panorâmica que pode até não ser percebida como tal. Ainda é a questão da leitura
lenta da imagem, da convivência.
A leitura da fotografia pode ser gestáltica, muito rápida e depois de um tempo você
não quer mais conviver, sempre com a mesma fotografia. Me incomoda, eu estou
contando de mim. A durabilidade da convivência com a fotografia. Queria a leitura
lenta, esconder coisas que são descobertas aos poucos, um 360º não tingido.
-Um estádio lotado não teria coisas para se descobrir para o resto da vida?
Teria, mas eu achei que você poderia ver muitas coisas no estádio cheio, mas eu
queria alguma coisa mais sutil. A idéia deste trabalho é a sutileza. Não ter nada, a
não ser o que se descobre aos poucos, a linha de montanhas no horizonte, quase
invisível, duas massas, o céu e a terra. Existe um único retoque que foi a retirada do
“flair.” O 360º da Round Shot gera um flair muito feio. A fotografia em janela
produz um flair reto. Feio. Eu não gosto de flair, a fotografia incorpora o flair na
linguagem, existe filtro para isto, ele dá uma referência fotográfica para a
fotografia, explícita a ótica. No cinema isto também funciona. O flair é uma auto-
referência. Mas este flair não refere nada, é um ruído. O flair nasce da lente, é um
índice.
120 Fotografia Panorâmica
Anexos
Este trabalho do deserto também é a busca da panorâmica sutil. Assim como o
estádio, mas o estádio é menos sutil. Diferente do contar história, que é uma coisa
mais grosseira. Para a contagem da história eu tenho duas inspirações. A frase da
Adriana Galisteu, e o texto do Fotográfico. Me interessa ir no limite, radicalizar o
360º.
Se você for ver, eu começo a ter umas coisas que eu repito. Eu faço referências para
equilíbrio, repetindo a imagem de um lado e do outro. E queria mesmo ir além, mas
não apenas pelo equilíbrio da imagem. A passagem de tempo, e procurei a
passagem do tempo definitivo. O batismo, que não pode ser cancelado, a morte, que
não pode voltar atrás, a implosão. Um prédio que não vai existir mais. O que não
tem retorno, a dramaticidade do tempo. Na implosão fica óbvia a passagem do
tempo. Eu queria um tempo dramático para se perceber a passagem do tempo. No
batismo não existe esta dramaticidade, a não ser que você conheça a história, seja
um crente, para que exista o significado. A morte do frango também não deixa claro
o que acontece em termos de passagem do tempo. O tom está legal, é dramática,
mas a morte em sí não está presente como documentário, não é uma boa execução.
A implosão seria um tempo muito dramático, o prédio que sai da paisagem. O que
fazer com o que não é da ação? Um prédio pode compor toda a paisagem e se ele
não estiver quando a câmera voltar. Isto seria mais dramático. Existe o problema de
segurança, precisa usar o controle remoto da câmera. É preciso ter uma área maior
na imagem, uma mudança dramática. Algo que some e deixa ver outras coisas no
lugar. Impacto. Esta fotografia precisa de impacto.
-E você passou a explorar mais o grande formato, na máquina 8 x10.
Eu tenho muita dificuldade para visualizar. Eu não uso visor e se não consigo ver,
não fotografo. Se eu estou fazendo cor, não faço PB no mesmo dia. Se eu estou
fazendo PB, eu vejo em PB. Eu não posso misturar na mesma fase o 4x5 e a
panorâmica. Ou eu faço uma coisa ou faço outra. A mudança da visualização não é
rápida, não é no mesmo dia. Eu enxergo no formato que estou fotografando. Eu não
consigo trocar de cor para PB e de 8x10 para panorâmica. Eu não posso fazer as
duas coisas simultâneas. Exceto na anamorfica, que é absurda, e que eu posso
fotografar, eu nunca sei o que vai sair, é sempre uma surpresa, boas ou ruins.
Convive com as outras sem problemas, não me incomoda, desisti de tentar
visualizar. Qual o sentido de fazer pinhole? É um purismo que eu não sou sensível.
Com lente ou sem lente? Normalmente eu prefiro usar a lente. Eu não considero a
Fotografia Panorâmica 121
Anexos
pinhole como categoria, como as categorias de esporte olímpico. O que sobra para
o Pinhole? Fazer coisas que a lente não permite. Profundidade de campo infinito.
Eu normalmente sempre exploro o diferencial de cada técnica. É deste jeito que eu
vou fazer uma coisa que com a lente eu não poderia. Justificar a pinhole pelo que
ela faz e as outras não. Neste caso a situação é grave. Apenas uma pinhole pode
fazer o que esta máquina propõe. Uma imagem anamorfica. Esta câmera convive
com outras. Quando eu senti necessidade do 8x10, eu interrompi a panorâmica,
mas isto é apenas um momento.
Quanto ao grande formato, a panorâmica tem uma identidade: entre as fotografias
em 35mm, que fotografam diversas imagens e o grande formato e a panorâmica...
O grande formato é como uma arma de precisão. Você fica lá e espera alguma coisa
acontecer. É pescar. Esperar o momento exato, você tem apenas um tiro. Não é
portátil, mas é precisa. Diferente de uma metralhadora, mais parecido com Sniper.
A visualização passa pelo visor da câmera no 35 reflex. Se você monta a imagem
na cabeça, você faz grande formato. Quando você vai bater a fotografia já estava
pronta na sua cabeça. Eu tenho problema. Se eu viajo a lazer eu não fotografo. Se
eu fotografo, eu não vejo. Tenho que voltar para casa e olhar as fotografias. Isto é
pessoal. Para a forma que eu trabalho o grande formato é perfeito. O trabalho é
feito lentamente, e feito antes. Quando a fotografia é realizada ela já está pronta. Eu
não vejo com a câmera, vejo com o olho.
Neste sentido o panorama e o grande formato são muito parecidos. É muito
confortável, é o jeito mesmo que eu faço, e com a vantagem de ter qualidade na
imagem. Eu me sinto confortável com o grande formato porque eu penso deste jeito
e tem muita qualidade. O único defeito para mim é o peso. É pescar, não é caçar.
Agora no carnaval, eu vi uma cena que estava se desfazendo. Com gente, a cena se
desfaz como uma nuvem. Ainda não está revelada. Tinha uns leões enormes, e
chegou a empresa para levar embora os leões. A carreta e o gincho chegaram, e os
caras da mudança subiram com o gincho em cima do leão e estavam se divertindo.
Tudo fora de proporção, o leão, o caminhão, a carreta. Se fosse a Hassel eu não
teria dúvida. Formato 6x6.
A Hassel Xpan faz 2 imagens 35 lado a lado. Eu gosto da máquina mas não gosto
da imagem. Eu nunca fiz uma 35 que eu não tenha lamentado que não fosse um
formato maior. Muitos fotógrafos de 35 fotografa sempre. Eu não sou assim. Eu
122 Fotografia Panorâmica
Anexos
vejo muito, eu gosto de ver. Eu tenho inveja de quem fotografa muito, mas eu não
consigo. Eu fico vendo e só fotografo quando encontro a fotografia. Esta cena
destes caras com o leão, eu fiquei com dúvida. Até desmontar e montar a câmera já
passou. Eu estava com o carro, fui até lá rápido, pedi para fotografar, e pedi para
eles continuarem em cima do leão. Mesmo assim, para quem está acostumado com
a fotografia rápida, a minha montagem demora, as pessoas ficam impaciente. Eu
avisei que ia demorar um pouco, mas o tempo desta fotografia é mais lento. Com
uma Hassel eu teria feito uma fotografia melhor que a que eu fiz. A fotografia de
gente implica em uma relação especial. Quando eu penso em uma fotografia eu sou
inseguro. O momento da criação é muito frágil, e se não for frágil, não fica bom.
Um misto de vergonha, do ridículo, é dai que sai a criação. Grandes fotógrafos que
fotografam gente não tem problema de se sentir ridículos, não tem vergonha da
exposição íntima. Uma coisa que ainda não está resolvida, enquanto ainda está
sendo feito. O pensamento de corresponder à expectativa das pessoas, de frustrar,
uma quantidade de sentimento de ser avaliado enquanto está criando... Uma das
coisas que eu gosto da fotografia com filme é que não pode ser vista na hora.
Depois já não é mais aquele momento frágil. A caixa preta chega, e vai embora, e
você não se expõe. O fotografo de gente delira na frente de todo mundo não tem
vergonha. Pode ter uma idéia de uma cena, uma história, uma posição. Ridículo,
frágil. Gente é desconfortável no trabalho autoral. Diferente da publicidade em que
o modelo é profissional. Ao criar uma história, a história em tempo real é muito
frágil. Depois de uma edição é mais fácil, mas no momento vem muita coisa que
você não sabe, tem expectativas. Eu tenho problema com gente, sou incapaz de
falar: agora sorri, faz cara de bravo, inventa um personagem. Isto é pessoal, é uma
coisa de caráter. Eu faço devagar, até encaixar. Ai eu fico seguro e posso apresentar.
O equivalente ao improviso e uma composição em música. O improviso tem que ter
a possibilidade de ser ridículo, que serve em algumas situações. Pode ser que fique
ridículo só para você, mas exige algo que eu não tenho.
Fotografia Panorâmica 123
Anexos
Material que acompanhou a publicação das fotografias
Revista Trip
[Trip #139]
Templos Modernos
As panorâmicas de Dimitri Lee e quatro ficções inéditas que escancaram os 360º
de estádios nacionais por Vários // fotografias Panorâmicas Dimitri Lee
Estes estádios estão nús. No olhar inédito do fotógrafo Dimitri Lee, eles aparecem
partidos ao meio, sem torcedores, sem bola, sem juiz honesto ou ladrão, sem
ataque. Para bater bola com estas imagens, Trip convidou quatro craques da
literatura brasileira. Em campo, o Brasileirão das letras.
A última coisa em que Dimitri Lee pensou para fazer este ensaio foi futebol. Ele
começou apenas querendo clicar panorâmicas. E também com a vontade de pôr no
papel uma de suas idéias fixas - a de que o mundo estaria ferrado por causa do
monoteísmo, das visões duras e únicas. Acabou encontrando a saída em um templo,
um templo bem pouco usual, com um grande retângulo de gramado como altar.
"No campo de futebol são 22 santos, semideuses, às vezes demônios... e, apesar
das brigas que acontecem, ali é um espaço sagrado", expressa o fotógrafo.
Para retratar os estádios ele escolheu o ponto de vista da protagonista: a bola. No
gramado, uma câmera especial - uma Noblex - que é capaz de fotografar paisagens
de 140º. Três cliques bastariam para ele cobrir toda a circunferência, mas para
evitar distorções e acabar com pontos de fuga no retrato preferiu gastar oito
negativos girando a câmera em seu eixo. As diferentes imagens foram sobrepostas
("interpoladas", como prefere) no computador formando as longilíneas imagens de
estádios que ele batizou de "Templos Politeístas".
Aos 44 anos, Dimitri insiste que é um fotógrafo velho, frustrado por ter de passar a
usar óculos e perturbado com a sensação de pertencer a uma geração perdida:
"Nascemos no negativo e morreremos no digital". A fotografia, acredita, estaria
hoje fora de foco. "Produzimos muito mais imagens hoje do que conseguimos
digerir. Assim não temos tempo para pensar." Para tirar o espectador dessa apatia,
124 Fotografia Panorâmica
Anexos
Dimitri optou por "vampirizar o amor alheio", a paixão de cada torcedor pelo seu
time.
Foram apenas cinco os "templos" capturados pela 140º de mister Lee. Dois dos
mais tradicionais palcos do futebol brasileiro foram barrados na porta: a tradição do
Pacaembú e o gigantismo do Maracanã. "Não são templos de um time só. São
públicos. O Maracanã parece mais um buffet do que um templo", diz, fazendo
pouco do coliseu brasileiro.
Morumbi (do São Paulo), Vila Belmiro (Santos), Fazendinha (Corinthians) e
Parque Antárctica (Palmeiras) foram os escolhidos. Ah, sim, o fotógrafo clicou um
quinto gramado. Por que terá escolhido o acanhado estádio da rua Javari, pombas?
Simples. É lá que joga o time do coração de Dimitri: o pequenino Juventus, o
"moleque travesso" da Mooca.
OS BAMBAS DE PERNAS BAMBAS
POR JOSÉ ROBERTO TORERO
O Cachaça Atlético Clube, de Salinas, Minas Gerais, ficou famoso nos anos 50 por
ter os melhores dribladores da região. A causa de tantas gingas e fintas não era o
talento natural de seus atletas, mas sim a grande quantidade de aguardente que eles
ingeriam antes dos jogos.
Os jogadores desta célebre equipe bebiam muito, muitíssimo, e, por conta disso,
suas pernas estavam sempre bambas. Desta forma, os adversários não conseguiam
prever se os cachacistas iriam para a direita ou para a esquerda, para frente ou para
trás, parar ou seguir, passar ou chutar.
O resultado era um sem-número de dribles que faziam a alegria da torcida.
Porém, e há sempre um porém quando a alegria é muita, um dia chegou à cidade
um novo padre. E ele achou o regime etílico da equipe um péssimo exemplo para os
outros cidadãos.
Fotografia Panorâmica 125
Anexos
O santo homem pregou tão forte contra a bebida que conseguiu fazer com que os
jogadores do Cachaça A.C. nunca mais consumissem uma gota de álcool, seja
antes, durante ou mesmo depois dos jogos.
O clube trocou seu nome para Associação Esportiva Água Benta. Mas seu futebol
foi o que mais mudou. Os jogadores passaram a fazer coisas previsíveis, a dar
passes laterais sem a menor graça, a praticar um futebol sóbrio e sem gosto.
Aos poucos a torcida foi minguando e o time acabou indo à falência. Hoje, como
mostra a fotografia acima, o estádio está mais vazio do que o copo de um abstêmio.
Ironicamente, pensam em derrubá-lo e aproveitar a área para o plantio de cana-de-
açúcar.
José Roberto Torero escreveu uns romances históricos ( O
Chalaça e Terra Papagalli), uns livros sobre futebol (
Dicionário Santista e Zé Cabala), fez uns (poucos) gols
quando era jovem e comemorou uns (muitos) títulos de seu
time, o Santos Futebol Club
PERNAMBUQUINHO
POR JOCA REINERS TERRON
A vertigem tem início no rosto do Zé do Bar, em seus dois olhos, três olhos, quatro
olhos, seis olhos, oito olhos, uma infinidade de olhos pisca-piscando na cara do Zé,
e depois prossegue às centenas de pares de olhos pregados nele, olhando das mesas
esparramadas diante dele, são olhos em volta dele, milhares de olhos reviravirando
no balcão ao lado dele, de onde o Zé intui e diz "Já chega né, Almir? Hora de ir pra
casa" e ele se levanta e fala "Pfuá! Ainda tô de pé, não tô? Põe outra!" e então ele
percebe que não há apenas olhos, mas milhões de bocas, turbilhões de risos, ondas
de dentes arreganhados cada vez maiores, de línguas chovendo perdigotos
"Reconheceu? É ele mesmo. Quem diria, né? Bateu um bolão. E acabar assim." e a
morena escancara a bocona que engolfa tudo e ela ri e daí ele olha pro chão do
boteco do Zé e vê grama em vez de ladrilho, grama verde de um dia ensolarado no
estádio e ele não está mais de havaianas mas de chuteiras lustrosas de tão novinhas
e então tudo começa a rodar e ele vê estádios no lugar de paredes, ele vê o
126 Fotografia Panorâmica
Anexos
Pacaembú girando, ele vê o Morumbi giragirando, ele vê as arquibancadas, as
gerais, as numeradas, o Parque Antárctica, tudo rodopiando, as cadeiras, os
holofotes do tamanho de sóis, os bancos de reservas, os túneis, e de dentro dos
túneis vem um silêncio muito grande e das gerais vem um silêncio inominável e das
arquibancadas vem um som de vento, um som de vazio e não há ninguém nelas,
nem nas numeradas, nem nos bancos de reservas e então ele rodopia e vê a Vila
Belmiro de seus dias de sonho, a Vila de suas tardes de glória e o sol giragirando, e
a luz iluminando a sua cabeça e a sua cabeleira esturricando ao sol de mais uma
partida de sábado e então ele olha pro chão e não vê mais o verde da grama e sim a
imundície de seus pés sujos, de seus pés roxos e então ele levanta a cabeça e não vê
mais estádios, em vez de arquibancadas ele vê só paredes, e nelas apenas retratos
do passado, e ferrugem nos troféus atrás do balcão, e horror nos dois olhos do Zé,
nos quatro olhos do Zé, nos seis olhos do Zé, nos oito olhos do Zé, e então ele vê os
dois cabras rindo dele, os dois pinguços mangando dele, e então ele segura no cabo
da peixeira na sua cintura e decide que está na hora de fazer tudo parar de rodar.
Joca Reiners Terron nasceu em 1968 e publicou Hotel Hell,
Curva de Rio Sujo (este em Portugal também), entre outros.
Tricolor paulista genético de terceira geração, acha que
estádios são templos onde deuses escrevem reto com pernas
tortas
ESTÁDIOS VAZIOS SÃO RUÍNAS SOMBRIAS
POR RAIMUNDO CARRERO
Árida e desoladora é a solidão dos estádios vazios, quietos no sombrio mundo de
pedra, ferro, cimento e cal, cercados pelo cinzento distante. Desvendam-se,
revelam-se, desvelam-se. Lembram a terra seca e inóspita do verão quente, onde os
mortos conversam sem gritos e sem gemidos, em busca de explicação para o
silêncio. Impossível encontrar as pernas do atacante, a fúria que avança em busca
da área, nem as lembranças dos dribles do ponteiro, no Morumbi. As marcações em
branco do gramado do Parque Antárctica parecem estradas solitárias que cortam o
deserto, o estranho deserto sem areia, sem ventos e sem sombras, em busca do
infinitamente impossível, sem braços, sem chuteiras, sem gols. Estradas que não
levam a lugar algum, no grotesco silêncio de desolação e de lamento partido ao
meio. Não é difícil mesmo observar os imensos postes de luz, verdadeiros
Fotografia Panorâmica 127
Anexos
candelabros prontos para celebrar a ausência de bocas rasgadas em gritos, braços
em garras no ar, pescoços tensos na festa do futebol. Os candelabros do Corinthians
rondam os deuses desaparecidos. Na Vila Belmiro, uma espécie rara de capela
impõe-se como um monumento silenciado e sacrificado. Ali, foi ali que Pelé
reinou, em toda a sua austeridade e em todo o seu brilho, festa e reverência,
desequilíbrio e harmonia, agora despojado de sonhos e de lembranças. Aterradora
agonia ronda os estádios abandonados.
Raimundo Carrero é autor, entre outros, de Os Segredos da
Ficção, um guia na arte de cometer histórias e As Sombrias
Ruínas da Alma , narrativa de bêbados e prostitutas no solão
do Nordeste, com a qual conquistou o Prêmio Jabuti de 2000.
É torcedor do Sport de Recife, com as graças de nosso senhor
Jesus Cristo
UM SONHO NO ESTÁDIO VAZIO
POR MOACYR SCLIAR
Desde criança ele vivia o tradicional sonho brasileiro: queria ser um grande jogador
de futebol, destes que fazem carreira meteórica, que são convocados pela seleção,
que ganham grandes quantias em dólar ou em euro. Um sonho que o acompanhava
constantemente mas que, infelizmente, seria difícil de realizar. Porque ele era muito
ruim no futebol. Muito ruim, não: ele era espantosamente ruim. Como é que um
cara pode ser tão ruim, perguntavam os amigos, espantados. Ele errava os chutes,
ele tropeçava na bola, ele não sabia fazer um passe. Até um gol contra conseguiu
fazer, e foi o único de sua vida. Desiste, era o conselho que lhe davam os pais, os
irmãos, os colegas de escola. Mas ele não desistia. A sua vida teria, de qualquer
maneira, um estádio de futebol como cenário.
O que acabou acontecendo, mas não da maneira como esperava. De família pobre,
cedo precisou arranjar um emprego. Como entendia alguma coisa de gramados
(trabalhara como ajudante de jardineiro) foi contratado por um grande time da
capital para fazer exatamente isso, cuidar do gramado. No que era imbatível. O
gramado era uma perfeição, elogiado por jogadores, por juízes, por torcedores, pela
imprensa. Gratificante, mas insatisfatório. Ele não queria cuidar do gramado, queria
correr sobre o gramado, usando o uniforme do clube.
128 Fotografia Panorâmica
Anexos
E um dia resolveu fazê-lo. Tendo chegado muito cedo ao estádio viu-se
absolutamente sozinho ali. Mais: no vestiário encontrou um uniforme que um dos
jogadores tinha deixado ali, e que ainda cheirava a suor. Junto, uma bola. Uma
mensagem do destino.
Ele não hesitou. Tirou a roupa, vestiu o uniforme, pegou a bola e adentrou o
gramado. Colocou a bola no centro do campo e, ouvindo um apito imaginário, deu
início à partida. Com alguma dificuldade (Deus, ele era ruim mesmo) mas
incentivado pela torcida igualmente imaginária, partiu em direção ao gol
adversário, guarnecido (imaginariamente, claro) por um gigantesco goleiro. E aí, de
curta distância, chutou no canto esquerdo.
Errou, claro. Errou feio. A bola, fraca, passou a uns cinco metros da trave.
Naquele silêncio sepulcral, ele catou a bola e voltou com ela sob o braço para o
vestiário. Vestiu as roupas de jardineiro e foi trabalhar. Grandes jogadores precisam
de grandes gramados. Disso ele cuidaria. Era sua missão. Era a sua maneira de
vencer a partida da vida.
Jogador dos mais tarimbados da literatura brasileira, Moacyr
Scliar é autor de quase 70 livros, que lhe renderam dúzias de
prêmios, incluindo três Jabutis. Gaúcho, não torce nem para o
Grêmio nem para o Internacional: seu time de coração, o
Cruzeiro (RS), já deixou de jogar. Defende as cores de seu
Estado em um banco sem reservas: é titular da cadeira 31 da
Academia Brasileira de Letra.
Fotografia Panorâmica 129
Anexos
Manifesto do grupo f/64
1
The name of this Group is derived from a diaphragm number of the photographic
lens. It signifies to a large extent the qualities of clearness and definition of the
photographic image which is an important element in the work of members of this
Group.
The chief object of the Group is to present in frequent shows what it considers the
best contemporary photography of the West; in addition to the showing of the work
of its members, it will include prints from other photographers who evidence
tendencies in their work similar to that of the Group.
Group f/64 is not pretending to cover the entire spectrum of photography or to
indicate through its selection of members any deprecating opinion of the
photographers who are not included in its shows. There are great number of serious
workers in photography whose style and technique does not relate to the metier of
the Group.
Group f/64 limits its members and invitational names to those workers who are
striving to define photography as an art form by simple and direct presentation
through purely photographic methods. The Group will show no work at any time
that does not conform to its standards of pure photography. Pure photography is
defined as possessing no qualities of technique, composition or idea, derivative of
any other art form. The production of the "Pictorialist," on the other hand, indicates
a devotion to principles of art which are directly related to painting and the graphic
arts.
The members of Group f/64 believe that photography, as an art form, must develop
along lines defined by the actualities and limitations of the photographic medium,
and must always remain independent of ideological conventions of art and
aesthetics that are reminiscent of a period and culture antedating the growth of the
medium itself.
1. http://en.wikipedia.org/wiki/Group_f/64 — Acesso em 15 de março de 2008, 14 horas.
130 Fotografia Panorâmica
Anexos
The Group will appreciate information regarding any serious work in photography
that has escaped its attention, and is favorable towards establishing itself as a
Forum of Modern Photography.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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