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CON.: Dormi bem, eu durmo pouco, mas eu dormi bem. É o meu
normal.
LID.: Ah, se ela tivesse com saúde... tranqüila... só esta falta de ar da
minha mãe que atrapalha, porque diferente disso, toda vida ela foi uma
pessoa muito animada com as coisas. Às vezes ela fala que eu sou
preguiçosa, que sou devagar e ela fazia as coisas muito rapidamente.
Mas se não fosse esta falta de ar, eu acho que ela estaria tranqüila,
com noventa anos, fazendo de tudo.
CON.: Quando eram onze horas da noite eu ia descansar com as
pernas doendo.
CON.: Tinha uma mercearia. Eu criava meus meninos, lavava, passava e
despachava o povo, não tinha tempo, nem de um minuto de sossego.
Por outro lado doença é algo situacional, temporal e cronológico:
MAR.: É... eu estou aprendendo a ser doente, aprendendo a ser
dependente, então a primeira coisa, eu admiti que eu estou doente e
dependente. E também estou aprendendo a sentir dor, sentir... sabe?
Coisas que eu não tinha, e não esperava que eu fosse, pelo meu
temperamento... então levou um tempo para eu cair na realidade, porque
foi uma doença repentina, e me pegou assim... e a dúvida do que é e do
que não é a doença de verdade, porque até agora eu não sei o nome dela.
Eu imagino o que ela é... (risos).
ALE.: Eu vou voltar até atrás um pouco que o senhor começou a
gravar, que, às vezes, a pessoa que vai te ajudar, a escutar, elaborar o
seu trabalho fica mais fácil para ela também. Como eu disse, a doença
é muito difícil, é forte, ela te pega, numa hora em que, pelo menos no
meu caso, numa hora que você não está preparado para isto, você está
preparado para outras coisas, para outros rendimentos, outros
conceitos de vida, uma pessoa, eu lembro que as pessoas falavam: ‘o
homem começa a viver aos quarenta’, tem um pouco de fundamento, é
quando a pessoa fica mais madura, fica mais... ela tem mais capacidade de
fazer uma separação do que é o bem, do que é o mal, então você tem
aquela perspectiva, eu tinha aquela perspectiva de vida excelente. De agora
em diante, o que me aconteceu?! Um tumor, que hoje em dia você vê em
televisão, você vê em rádio, em pesquisas, em tudo, ela está ganhando, ela
está ganhando. Não sei até quando. Mas a doença está ganhando. Eu
não entrei em pesquisa nenhuma para saber a probabilidade de... qual o
câncer que mata mais, qual o tipo de câncer que mata mais, o que
extermina, qual que é curado, não, todos eles matam. E todos eles têm
cura. Mas o câncer está vencendo a medicina. Infelizmente. Então esta
doença, ela me pegou,... (risos)... de calça na mão, vamos dizer. A hora
que imaginei que eu ia fazer algo por alguém, pelas pessoas, ela me
rasteirou, a hora que eu procurei a igreja, com unhas e dentes. Eu não
procurei a igreja porque estava doente. Eu já venho procurando a igreja
há mais tempo. Você está entendendo? Quero dizer o meu
amadurecimento veio gradativo. Mas na hora que eu me senti capaz de
ser alguém, ela me rasteirou.
ALE.: Desde o início. Isto vai se intensificando, eu acho até que teria
de chegar num ponto, que isto tinha que parar. Para isso parar, é onde
eu estou procurando um psicólogo, para ver se ele me auxilia. Ele é uma
pessoa preparada para isso, para poder... (pausa)... ajudar neste ponto. Não
tenho mais força, para encontrar algum caminho, como se parar de
pensar sobre morte. Sobre o terminal.