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UNIVERSIDADE DE TAUBA
Patrícia Buzatto de Faria
Biopolítica do corpo consumidor:
uma análise discursiva de anúncios de oportunidade
TAUBA
2007
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UNIVERSIDADE DE TAUBA
Patrícia Buzatto de Faria
Biopolítica do corpo consumidor:
uma análise discursiva de anúncios de oportunidade
Dissertação apresentada para obtenção do
Título de Mestre pelo Curso de Lingüística
Aplicada do Departamento de Pós-
Graduação da Universidade de Taubaté.
Área de Concentração: Língua Materna
Orientador: Profa. Dra. Eliana Vianna Brito
TAUBA
2007
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F224b Faria, Patrícia Buzatto de
Biopolítica do corpo consumidor: uma análise discursiva de
anúncios de oportunidade / Patrícia Buzatto de Faria. – 2007.
96f. : il.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Taubaté,
Departamento de Ciências Sociais e Letras, 2007.
Orientação: Profa. Dra. Eliana Vianna Brito, Departamento
de Ciências Sociais e Letras.
1. Anúncios de oportunidade. 2. Análise do Discurso.
3. Redação Publicitária. I. Título.
Patrícia Buzatto de Faria
Biopolítica do corpo consumidor: uma análise
discursiva de anúncios de oportunidade
Dissertação apresentada para obtenção do Título de
Mestre pelo Curso de Lingüística Aplicada do
Departamento de Pós-Graduação da Universidade de
Taubaté.
Área de Concentração: Língua Materna
Data: _______________________
Resultado: __________________________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Eliana Vianna Brito Universidade de Taubaté
Assinatura __________________________________
Profa. Dra. Elzira Yoko Uyeno Universidade de Taubaté
Assinatura __________________________________
Profa. Dra. Claudete Moreno Ghiraldelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica
Assinatura __________________________________
Dedico este trabalho aos
meus pais Silvio e Lenamara
e ao meu melhor amigo Carlos.
AGRADECIMENTOS
À profa. Dra. Eliana Vianna Brito, pela paciência,
serenidade e incentivo em todas as orientações.
À profa. Dra. Elzira Yoko Uyeno, pela disposição em dar
sugestões para os capítulos que deram origem a esta dissertação.
À profa. Dra. Claudete Moreno Ghiraldelo, pelas considerações
que fizeram alinhar as teorias e enriqueceram as análises.
À colega de turma Maria Luíza Würzius Arice que gentilmente
cedeu as revistas Veja para a seleção do corpus desta dissertação.
À colega de turma Jeanete Akemi Arima pela revisão geral
da ortografia e da gramática de todo o trabalho.
Todo sistema de educação é uma maneira política de
manter ou de modificar a apropriação dos discursos,
com os saberes e poderes que eles trazem consigo.
Michel Foucault
Resumo
Esta dissertação mostra a importância da aplicação da Análise do Discurso Francesa
(ADF) para o ensino-aprendizagem na disciplina de Redação Publicitária. Em primeiro lugar
houve a produção de pesquisa acerca dos assuntos pertinentes à Análise do Discurso (AD) que
resultou em cinco capítulos que tratam sobre: AD, ideologia, discurso publicitário, AD e o
fazer publicitário e análise de anúncios de oportunidade. Precedeu a análise de dados uma
seleção de corpus com oito anúncios retirados da revista Veja com transcrição fiel das
chamadas de cada um. A escolha do corpus de análise deteve-se somente nos anúncios de
oportunidades, sazonais e que fizeram emergir em seu enunciado outros discursos, para
demonstrar que é possível usar a AD para complementar a produção de textos publicitários. E,
se faltava uma ponte entre a AD e a publicidade, no quarto capítulo esse problema foi sanado.
Com base nas teorias foucaultianas, foi possível relacionar o fazer publicitário e todas as
etapas a serem respeitadas numa agência para a criação de um anúncio. O resultado
apresentado pelas análises leva-nos a crer que o uso da ADF em propaganda é pertinente e
ainda contribui para que o aluno seja mais atento ao mundo a sua volta, além de desenvolver
melhor o senso de responsabilidade para com as futuras redações. As atividades realizadas
com foco em ADF podem contribuir também para desenvolver a criatividade, visto que é
necessário criar anúncios que tenham base lexical e não-verbal com elementos pertinentes ao
momento sócio-histórico no qual o aluno e o público se inscrevem.
Palavras-chave: Análise do Discurso. Ideologia. Redação Publicitária. Michel
Foucault. Anúncio publicitário.
Abstract
This dissertation shows the importance of applying the French Discourse Analysis
(FDA) in the process of teaching-learning the subject Advertising Composition. First of all,
there was a research concerning the pertinent subjects to the Discourse Analysis, which
resulted in five chapters on: DA, ideology, advertising discourse, DA and the advertisement
activity” and the analysis of opportunities announcement. A corpus selection of eight
announcements from Veja magazine with full transcription of the main phrases of each one
preceded the analysis of data. The choice of the corpus of analysis was kept to the
announcements of opportunities, which were seasonal and from which, other discourses
emerged in its statement, to demonstrate that it is possible to use DA to complement the
advertising composition. And, if a link between DA and the advertising was missing, in the
fourth chapter that problem was solved. Based on Foucault’s ideas, it was possible to connect
“advertisement activity” and all of the stages to be followed in an ad-office for the creation of
an advertisement. The result presented by the analyses makes us believe that the use of FDA
in Advertising Composition subject is pertinent and not only contributes for the student to
watch out for the world around, but it also develop their engage with their future writings. The
activities accomplished with focus in FDA can also contribute to develop creativity, once it is
necessary to create advertisements with lexical and non-verbal basis and advertisements with
relevant elements to the social-historical moment of the student and the public.
Keywords: Discourse Analysis. Ideology. Advertising Composition subject. Michel Foucault.
Advertisement.
Lista de Figuras – Anúncios
Figura 1A – Anúncio: Gol Copa……………………………………………..……………… 55
Figura 1B Anúncio: Gol Copa………………………………………………..…………… 56
Figura 2 – Anúncio: Citroën Xsara Picasso…………………………………...……..……… 63
Figura 3 – Anúncio: O Boticário…………………………………………...………………... 69
Figura 4 – Anúncio: Mitsubishi Motors…………………………….…..….………………... 73
Figura 5 – Anúncio: LG Eletronics………………………………………...………………... 76
Figura 6 – Anúncio: Faber-Castell………………………………………..…………………. 80
Figura 7 – Anúncio: Varig Brasil………………………...……………………..…………… 83
Figura 8 – Anúncio: Gillette Mach3 Turbo GOL……..…………………………...…..……. 87
Sumário
Introdução……………………………………………………………………….………….. 11
1 Análise do discurso e seus pressupostos……………………..……………….…………. 15
2 Ideologia e formação ideológica………………..………………..……….……………… 22
3 Discurso publicitário: caracterização……………………………………....…………… 33
4 Michel Foucault e o fazer publicitário:
uma interface possível entre análise do discurso e publicidade………………..…….... 41
5 Análise e discussão dos dados….……………………………………………..….…..…... 52
Considerações finais…………………………………………………….………………….. 90
Referências…………………………..……………………………………………………… 94
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como objetivo proceder a uma análise qualitativa científico-
crítica, por meio dos pressupostos da Análise do Discurso Francesa, doravante ADF, de
anúncios de oportunidade e sazonais veiculados no ano de 2006 em revista de grande tiragem
e circulação nacional. A seleção do corpus esteve focada em anúncios com predominância de
oportunidade, sazonalidade para verificação de quais deles, em sua materialidade lingüística,
fizeram emergir o contexto sócio-histórico de um determinado momento e de que forma
trabalharam o discurso para a construção dos sentidos. E, paralelamente, estabelecer uma
aproximação entre as idéias foucaultianas e a publicidade na hipótese de que é possível
trabalhar o processo de produção, desconstrução-construção em atividades de Redação
Publicitária.
O anúncio de oportunidade é aquele que se apodera do discurso de um acontecimento
com grande repercussão, seja na mídia local, regional ou nacional, para transformá-lo numa
criação (peça publicitária, no caso, em mídia impressa) com propósitos econômicos de
anunciar para vender, lançar, relançar ou manter um produto ou serviço no mercado.
O anúncio sazonal é aquele que apresenta uma regularidade de repetição, que provém
dos acontecimentos marcados anualmente pelo calendário seguido oficialmente no Brasil,
além das estações do ano, ou ainda, com eventos de uma outra regularidade maior de tempo:
bienal ou quadrienal, como é o caso das eleições presidenciais, da Copa do Mundo, das
Olimpíadas.
Isso significa que esses anúncios têm a capacidade de sugerir ao leitor (target =
público-alvo) novos sentidos aos dizeres cristalizados pela sazonalidade de alguns eventos,
tais como: Dia das es, Dia dos Pais, Dia dos Namorados, Natal, Ano Novo, entre outras
12
datas, inclusive as cívicas (brasileiras); além disso, podem transformar e sugerir novos
sentidos aos dizeres que emergem dos acontecimentos do dia-a-dia apresentados pela mídia,
seja no contexto real em fatos com pessoas públicas ou não, ou no imaginário, como: filmes,
novelas, seriados, desenhos, etc.
Isso implica levantar também a hipótese de que todos os anúncios de oportunidade
trabalham com o dito e, por esse motivo, o investimento nesse tipo de propaganda é tão
significativo a ponto de fazer com que as empresas anunciantes criem ries limitadas para
venda em determinados eventos, como é o caso do momento Copa do Mundo.
Conseqüentemente, esse investimento sazonal deve o poder de eficácia ao uso do dito
(interdiscurso, historicidade) nos anúncios, o que leva à percepção do interdiscurso pelo target,
criando assim, uma familiarização imediata com os efeitos de sentido que se pretende causar.
A dissertação está organizada em cinco capítulos, a saber:
Primeiramente, será apresentado o aporte teórico em Análise do Discurso de linha
Francesa e seus pressupostos, nos quais se sustenta esta dissertação, buscando em Orlandi
(2005) a definição do termo discurso, a explanação de como o discurso funciona em
sociedade. Com o apoio em Fernandes (2005), procura-se esclarecer que o discurso não é
exterior à língua e, portanto, os sentidos estão em relação com o meio sócio-histórico e é
preciso conhecer as condições de produção para que a materialidade lingüística de qualquer
natureza faça sentido. Com Authier-Revuz (1990), é possível entender como o sujeito é mais
falado do que fala e assimilar os pontos de heterogeneidade exteriores ao discurso e que em
propaganda podem e são utilizados propositalmente, que no discurso a heterogeneidade
caracteriza-se como não intencional. Enfim, o aporte necessário para que se entenda o que
vem a ser discurso e como ele funciona.
No segundo capítulo, é abordado o conceito de ideologia e como ele se relaciona com
o discurso publicitário. As definições e características sociológicas são baseadas nos conceitos
13
de Althusser (1985) e Chauí (2001). Em Gadet e Hak (1993), explicita-se como acontece o
assujeitamento do sujeito ideológico, o que vem a ser formação ideológica e materialidade
ideológica. Com Bakhtin/Voloshinov (1976), mostram-se a formação sociológica e o trabalho
do publicitário-poeta que seleciona as palavras de acordo com o que o “ouvinte” acredita que
elas significam, no sentido literal ou figurado, sugerindo que uma análise puramente
lingüística, sem as variantes do contexto sócio-histórico, pode induzir o pesquisador a
conclusões absurdas ou um tanto quanto limitadas.
Para o terceiro capítulo, foi reservada a caracterização do discurso publicitário,
apoiando-se em alguns teóricos de literatura em redação publicitária como Carrascoza (1999,
2004), a existência do discurso dionisíaco e do apolíneo, partindo-se da significação da
palavra texto, passando pela exemplificação de slogans famosos com os conceitos de Sampaio
(1997), do poder da argumentação visto em Abreu (2004), ao processo de transformação do
discurso fortemente ideológico observado com o produto e marca Coca-Cola.
Por último, o quarto capítulo retrata a interface entre a ADF e a publicidade, mediante
a retomada dos conceitos preconizados por Foucault (1987, 1993, 1996, 1999, 2004), de
forma a mostrar de que maneira a publicidade “adestra” o consumidor. A partir deste capítulo,
é possível entender melhor o anúncio de oportunidade, no que diz respeito à “originalidade” e
à “ilusão do novo” para relembrar o “esquecimento” em Orlandi (2005).
Encerra-se a parte teórica e dá-se início, no Capítulo 5, às análises qualitativas, que em
momento algum serão as únicas possíveis para o corpus selecionado, porém, elas auxiliam na
compreensão das possibilidades existentes de uso da ADF na disciplina de Redação
Publicitária para alunos de graduação.
Seguem as considerações finais, em que são retomados os objetivos e resultados da
análise frente às teorias apresentadas e são focalizadas as contribuições que a AD pode dar
14
para o ensino de Redação Publicitária por meio da ponte estabelecida junto às idéias de
Foucault no Capítulo 4, além de comprovar as hipóteses levantadas.
Finalmente, as referências com todos os livros e sites acessados para complementar e
possibilitar a atualização máxima dos dados e exemplos referentes a empresas e respectivos
cases apresentados.
15
1 Análise do discurso e seus pressupostos
Este capítulo traz um breve panorama de alguns conceitos da Análise do Discurso de
perspectiva francesa (doravante ADF), na intenção de delinear a relação entre seus
pressupostos e as teorias abordadas nos capítulos seguintes, com um enfoque voltado à
redação publicitária, na expectativa de evidenciar a importância da ADF como um referencial
teórico imprescindível no processo de ensino-aprendizagem na formação acadêmica de um
publicitário. A abordagem escolhida se atém aos conceitos de discurso e a outros que a ele
estão atrelados, tais como sentido e momento sócio-histórico.
Abre-se este capítulo com a definição de Análise do Discurso de perspectiva francesa
(ADF), como o estudo da prática da linguagem, direcionada a compreender a língua, o sentido,
levando em consideração o indivíduo e sua formação social e histórica. E a linguagem para a
AD é a ponte necessária entre o indivíduo e a realidade social, na qual, esinserido. Sendo
assim, verifica-se que a AD
relaciona a linguagem com a sua exterioridade. O discurso é a materialidade
específica da ideologia, efeito de sentido entre locutores e a língua é a materialidade
específica do discurso e para Pêcheux (1975) não há discurso sem sujeito e não
sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim
que a língua faz sentido (ORLANDI, 2005, p. 16,17 e 20).
Conforme Orlandi (2005), para tomar conhecimento de como os discursos funcionam
na sociedade, é necessário entender a existência de um duplo jogo da memória. Nesse jogo, a
memória institucional é aquela que cristaliza os sentidos, e a memória constituída pelo
esquecimento é aquela que permite a existência do diferente, dos aparentes novos sentidos.
16
Se a memória institucional cristaliza os sentidos, isso implica compreender que o
indivíduo nasce em uma formação social pré-constituída de sentidos, os quais são
atribuídos a todo objeto e ação do momento sócio-histórico, no qual, esse indivíduo está
inserido, e todos expõem marcas que os tornam classificáveis como tal, e, ainda, embora
cristalizadas, as interpretações desses mesmos sentidos variam entre os extremos antônimos
bom e mau, de acordo com a posição que o indivíduo ocupa na sociedade.
A memória constituída pelo esquecimento torna possível a “ilusão” da existência do
diferente, do novo, do inédito exatamente porque ela detém o poder do esquecimento, fictício,
de um significado historicamente determinado para permitir o surgimento de outro em seu
lugar como único.
Para tanto, torna-se importante reconhecer que nem todo indivíduo, mesmo capaz,
possa interpretar um enunciado sem um controle que é dado pela formação social e se
encontra historicamente determinado. Sendo assim, compartilhando dos estudos de Orlandi
(2005), reforça-se aqui uma afirmação simples e de extrema importância neste trabalho, a de
que não existe sentido solto, desvinculado de contexto e de imaginário coletivo para qualquer
assunto.
Entrando, agora, no campo da redação publicitária, entende-se que o retorno financeiro
da propaganda depende de pelo menos dois fatores, o da qualidade do produto final e o do
sucesso em porcentagem de target atingido com as mídias utilizadas. E, somente o target é
capaz de ler e assimilar esse “não-solto” das mensagens publicitárias.
As mensagens publicitárias buscam uma ponte entre as afinidades do target com o
mundo exterior; trata-se de averiguar o denominador comum entre o indivíduo e o
conhecimento de mundo, conhecimento que advém do acesso à informação e vivência, ambas
impregnadas de um outro fator que será discutido mais adiante, a ideologia, para assim,
construir uma mensagem que faça sentido ao target.
17
A informação, seja ela de qualquer natureza, pode ser adquirida por meio de
instituições de ensino, livros, filmes, programas de TV e programas de rádio, por exemplo.
a vivência, pessoal e intransferível, coopera para o amadurecimento dos cinco sentidos junto
ao conhecimento.
Por esse motivo, a menos que seja um dos objetivos a serem atingidos com a
propaganda, o texto, que sozinho não alcança a complexidade de estimular ou falar aos cinco
sentidos (audição, olfato, paladar, tato e visão), não deve deixar dúvidas quanto ao significado
pretendido para quem o lê.
A escolha lexical é, então, de fundamental importância tanto para não deixar dúvidas,
quanto para não gerar leitura negativa do contexto todo e prejudicar a imagem do produto
anunciado. É preciso ter certeza de que usar uma palavra em lugar de outra é tão melhor e
verdadeiro quanto melhor e verdadeiro também for o produto e suas características. Afinal, a
honestidade também é a base da confiança do consumidor que se torna fiel à marca, ao
produto ou ao serviço.
Sabe-se, conforme Fernandes (2005), que o discurso, tomado como objeto da Análise
do Discurso, não é a língua, o texto nem a fala, mas algo que precisa de elementos lingüísticos
para ter uma existência material. Por esse motivo, o discurso implica uma exterioridade à
língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente lingüísticas.
Refere-se a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são
pronunciadas.
Os sentidos não se encontram apenas nas palavras, no texto, mas na relação com o
meio, a historicidade e o contexto sócio-histórico do qual não se pode fugir ou ignorar a
existência. “As escolhas lexicais e seu uso revelam a presença de ideologias que se opõem,
revelando igualmente a presença de diferentes discursos, que, por sua vez, expressam a
18
posição de grupos de sujeitos acerca de um mesmo tema.” (FERNANDES, 2005, p. 21). Isso
ocorre porque
os dizeres são (…) efeitos de sentido que são produzidos em condições determinadas
e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que
o analista de discurso tem de aprender. São pistas que ele precisa aprender a seguir
para compreender os sentidos produzidos, pondo em relação o dizer com sua
exterioridade, suas condições de produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito
ali mas também em outros lugares, assim como o que não é dito, e como o que
poderia ser dito e não foi. Desse modo as margens do dizer, do texto, também fazem
parte dele (ORLANDI, 2005, p. 30).
Possenti (1998) menciona Foucault para expor uma questão que o próprio discurso nos
faz: “como um enunciado apareceu e nenhum outro em seu lugar? (...) E, se podem aparecer
vários elementos e exatamente um deles aparece, excluindo os outros, poderia se perguntar:
em que condições, a partir de que representações, com que efeitos, com que finalidade está
aí?” (POSSENTI, 1998, p. 96).
Acredita-se que seja essa a indagação que impulsiona todos os trabalhos em Análise do
Discurso e, inclusive, esta dissertação voltada para o ensino-aprendizagem de línguas,
colocando a AD como parte integrante da disciplina de Redação Publicitária.
Sob um outro enfoque mais lingüisticamente determinado, encontram-se os conceitos
de Authier-Revuz (1990, p. 26-28, com grifos e parênteses meus), para quem
toda fala é determinada de fora da vontade do sujeito e que este “é mais falado do
que fala”. Este “de fora”, está no exterior do sujeito, no discurso, como condição
constitutiva de existência, a heterogeneidade constitutiva do sujeito e seu discurso.
Sempre sob as palavras, “outras palavras são ditas”: é a estrutura material da língua
que permite que, na linearidade de uma cadeia, se faça escutar a polifonia não
intencional de todo discurso (excluindo o discurso publicitário), através da qual a
análise pode tentar recuperar os indícios da “pontuação inconsciente”.
Exclui-se aqui o discurso da publicidade, porque toda escolha lexical e inclusive a
pontuação são elementos de construção proposital em qualquer texto de anúncio publicitário.
19
Na verdade, pode-se afirmar que o discurso publicitário é sempre como um estímulo
planejado à espera de uma resposta já prevista.
Ainda, como se observa em Authier-Revuz (1990, p. 30), “uma dupla designação é
assim operada pelas formas de heterogeneidade mostrada: a de um lugar para o fragmento de
estatuto diferente na linearidade da cadeia e a de uma alteridade a que o fragmento remete”.
Para melhor compreensão dos estudos de Authier-Revuz (1990, 2004), segue uma
série de exemplificações breves, acerca de falas que podem ser consideradas como pontos de
heterogeneidade (exteriores ao discurso):
- uma outra língua; um outro registro discursivo, familiar, adolescente e outros,
como nas frases: Você pode me dar um help? / Não entendi qual é a parada;
- um outro discurso, técnico, feminista (caracterizados por dizeres cristalizados),
como em: Vamos ter que trocar os burrinhos dos freios / Quem foi que disse que dirigir é
serviço só para homem?;
- uma outra modalidade de consideração de sentido para uma palavra (polissemia,
homonímia, metáfora, etc.), como: Tomei um passe. / Hoje não tem mais concerto. / Mariana
é uma flor.;
- uma outra palavra, potencial ou explícita nas figuras de reserva, hesitação,
retificação, confirmação vejamos como uma fala de confirmação: X e é bem X o que eu
estou querendo dizer no qual X pode ser um adjetivo qualquer; ou em outro caso: Y é o que
deve ser dito – no qual, Y pode ser um substantivo qualquer;
- um outro interlocutor, diferente do interlocutor ocorre em frases como: Se você
entende o que eu quero dizer..., entre outros exemplos.
Os casos apresentados anteriormente são apenas exemplos de pontos de
heterogeneidade e não implicam, necessariamente, que todos estejam presentes no corpus
analisado, mais à frente, no Capítulo 5, nem que foram extraídos de peças publicitárias.
20
Com relação à linguagem, deve-se atentar, também, para os estudos de Ducrot (1987)
tanto em linguagem como em metalinguagem. Para o referido autor, é muito claro que
falantes de ngua materna articulem muito bem a linguagem, mas que o lingüista não deve
apenas articular, pelo menos, não de forma inconsciente como um falante comum. Isso porque,
assim como no exemplo de Ducrot (1987, p. 112), é diferente dizer: L disse: “P é inteligente”
e dizer: L disse que P é inteligente. No primeiro caso, deve-se notar que o “dissetem um
valor igual ao de “sustentar”, por exemplo, enquanto que no segundo, a ausência de aspas
torna o enunciado um testemunho. Para Ducrot (1987, p. 141), todo enunciado se comporta
como um dizer, dessa forma, “um enunciado interrogativo diz que a sua enunciação obriga a
pessoa a quem a questão é endereçada a respondê-la.” Um enunciado de ordem ou de pedido
diz que sua enunciação obriga a pessoa a quem se destina a ordem a tomar certas mudanças
no seu comportamento ou atitude, como o uso de interjeição, que simplesmente “atesta” a
realidade da emoção que declara. Por esses motivos, nada é enunciado por acaso e, em
propaganda, menos ainda.
Além disso, relembrando Foucault (1969), o ato do analista do discurso de selecionar
um corpus de análise não significa que somente, no corpus selecionado, ocorrem os discursos.
A escolha é necessária e estratégica, na medida em que o objetivo seja o de mostrar o
funcionamento do discurso selecionado de forma clara, tendo ainda a certeza de que nenhuma
análise é única e finita em ADF.
Ressalta-se que, para Possenti (2004, p. 226), a ideologia em AD não é uma
característica apenas de discursos usualmente considerados ideológicos; ela é constitutiva do
sentido.” – serão apresentados mais detalhes sobre ideologia no Capítulo 2.
Nos estudos de Foucault (1996, p. 15), “a verdade se deslocou do ato ritualizado de
enunciação para o próprio enunciado (seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação de
referência – o discurso verdadeiro não é mais ligado ao exercício do poder)”. Segundo o autor,
21
daqui, nasceu a vontade de saber. Dessa forma, tudo que chega ao conhecimento de um leitor,
por exemplo, possui discursos ditos, que permanecem ditos e ainda estão por dizer, e
nenhum dos discursos pode ser classificado como fundamental ou criador. Todo discurso tem
um “texto primeiro”, e o novo não se encontra no que está dito, e sim, no que acontece a
sua volta. Então, não há como negar que: sujeito, ideologia, discurso e momento sócio-
histórico são indissociáveis, são elementos essenciais para a ADF e, mais ainda, são
ferramentas importantes para o futuro redator publicitário cuja função é produzir enunciados
que retornem, sob a forma de lucros, os resultados dos efeitos de sentido pretendidos.
Para que haja uma compreensão do processo de funcionamento do discurso na
sociedade, é imprescindível falar de ideologia, exatamente porque foi visto que não existe
discurso sem ideologia. No próximo capítulo, será possível entender como surgiu a ideologia
e por que a sua função é ocultar a realidade, além das conseqüências que isso traz para as
relações sociais como um todo.
22
2 Ideologia e formação ideológica
Este capítulo tem como meta explanar acerca das ideologias que permeiam todos os
discursos, explorando, primeiramente, os conceitos históricos de ideologia de Althusser
(1985), Chauí (2001) e os de discurso e ideologia de Pêcheux (1998), Orlandi (2001). Em
seguida, serão apresentados os conceitos bakhtinianos de discurso (materialidade ideológica)
e os conceitos de Gadet e Hak (1993) para formação ideológica (posições em determinadas
relações de classes) e em que ponto isso é perceptível na vida cotidiana, entendendo o
funcionamento da língua, a complexidade de se “viver em sociedade” e os discursos
produzidos.
Conforme Althusser (1985), o termo ideologia aparece pela primeira vez por Cabanis,
Destutt de Tracy e amigos, no livro Eléments d'ldéologie (Elementos de Ideologia), como uma
ciência da gênese das idéias. Por outro lado, cerca de cinqüenta anos mais tarde, Marx
retomou o termo com um sentido bastante diferente, tratando o termo ideologia como o
conjunto de idéias de uma época, tanto como “opinião geral”, quanto no sentido de elaboração
teórica dos pensadores da época.
Um dos traços marcantes da ideologia é justamente o ato de tomar as idéias como
independentes da realidade histórica e social, fazer com que essas idéias expliquem a
realidade, sendo que é essa realidade que torna compreensíveis as idéias. O que é real, de fato,
é constituído de “coisas” as quais vão adquirindo sentido com a vivência e percepção de cada
indivíduo. Na definição do autor, a ideologia é uma “representação” da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1985, p.
85 – grifo do autor).
23
Para Althusser (1985), a ideologia não tem história devido ao fato de supor que seja
possível apresentar uma teoria da ideologia em geral da qual dependem todas as teorias de
ideologia. Essa fórmula aparece na ideologia alemã por Marx, numa concepção positivista, a
ideologia como ilusão, “nada” e toda a realidade é exterior a ela; significa, então, que a
ideologia é puro sonho e não tem uma história própria exatamente porque a história acontece
fora dela. Assim,
a ideologia “age” ou “funciona” de forma que ela “recruta” sujeitos dentre os
indivíduos (ela os recruta a todos), ou “transforma” os indivíduos em sujeitos (elas
os transforma a todos) através dessa operação muito precisa que chamamos
interpelação, que pode ser entendida como o tipo mais banal de interpelação policial
(ou não) cotidiana: “ei, você aí!” (ALTHUSSER, 1985, p. 96, grifos do autor).
a ideologia é definida por Chauí (2001) como um ocultamento da realidade social,
isso porque, a história, segundo a referida autora, é o real. A história é o movimento que
motiva os homens que, mesmo enfrentando condições que lhe são impostas pelo meio, são
capazes de criar outras condições para que exista um modo de sociabilidade e, na medida do
possível, através dos tempos, fixam um modelo, instituições bem determinadas como algumas
que são conhecidas hoje, entre as quais, estão a família, as condições de trabalho, as relações
políticas, as instituições religiosas, os tipos de educação, as formas de arte, a transmissão de
costumes e uma infinidade de outros aspectos decorrentes do ato de se viver em sociedade. E,
além de buscar modos de sociabilidade, os homens produzem representações, pelas quais,
procuram compreender sua vida individual, social, suas relações com a natureza e com o
sobrenatural. As representações, por sua vez, tendem a esconder do próprio homem o modo
real como todas as relações sociais foram produzidas e, também, a origem da forma social de
exploração econômica e de dominação política.
24
A ideologia é exatamente isso, o ocultamento da realidade social. Por meio da
ideologia, o homem consegue estabelecer as condições sociais de exploração e dominação,
tornando-as verdadeiras e justas aos olhos da sociedade. E,
não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os “homens” “se
representamna ideologia, o que é nelas representado é, antes de mais nada, a sua
relação com as suas condições reais de existência. É esta relação que está no centro
de toda representação ideológica e, portanto, imaginária do mundo real. É nesta
relação que está a “causa” que deve dar conta da deformação imaginária da
representação ideológica do mundo real. (…) é a natureza imaginária desta relação
que sustenta toda a deformação imaginária observável em toda ideologia (se não a
vivemos em sua verdade) (ALTHUSSER, 1985, p. 87, grifo do autor).
Ainda em Chauí (2001), e compartilhando das teorias de ideologia marxista de
Althusser (1985), pode-se ver que, na ideologia, existe uma espécie de coisificação,
justamente, pela qual, tudo começa a ter uma relação social equivalente à mercadoria, a coisa.
Pode-se dizer, por exemplo, que um cigarro da marca A vale um estilo de vida, um carro da
marca B vale uma vida jovem e, quanto aos homens, estes também se transformam em
mercadoria vendendo sua força de trabalho: um médico custa X, a hora; um operário custa Y,
o mesmo valor da hora do médico, o dia. Esse “valer” das coisas acontece pela existência do
discurso ideológico, ou seja, algo pode “valer” alguma idéia, se essa idéia permeia a
sociedade e seu respectivo juízo de valor por meio da ideologia dos grupos sociais, em
determinada época.
Apoiando-se nas concepções de ideologia de Althusser (1985) e Pêcheux (1998), e
transpondo-as para o fazer publicitário, é possível afirmar que a publicidade de qualquer
produto/ serviço no caso, o anúncio, a peça, o spot (texto de rádio), resultado das forças de
produção publicitária das agências - é o Sujeito, e o target, o(s) sujeito(s) interlocutores-
interpelados por ela. O Sujeito precisa dos sujeitos e vice-versa, num resultado de “falta” para
os sujeitos e “necessidade-oportunidade” para o Sujeito.
25
No que tange à interpretação/ ideologia, segundo Orlandi (2001), a redução de sentido
a um conteúdo evidente é um mecanismo ideológico que oculta o fato de não existência real
de sentido, pois a única realidade existente é o funcionamento da linguagem. Assim,
no funcionamento da linguagem, o seu sujeito (…) é constituído por gestos de
interpretação que concernem sua posição. O sujeito é a interpretação. Fazendo
significar, ele significa. É pela interpretação que o sujeito se submete à ideologia, ao
efeito da literalidade, à ilusão de conteúdo, à construção da evidência dos sentidos, à
impressão do sentido já-lá. A ideologia caracteriza-se assim pela fixação de um
conteúdo, pela impressão do sentido literal, pelo apagamento da materialidade da
linguagem e da história, pela estruturação ideológica da subjetividade (ORLANDI,
2001, p. 22).
Para Chauí (2001), a ideologia é um processo involuntário produzido pelas condições
objetivas da existência social dos indivíduos. O surgimento das classes aparece como uma
representação dos indivíduos por eles mesmos, naturalmente e não como algo histórico. A
ideologia burguesa, por exemplo, por meio de alguns intelectuais, fez com que as pessoas
acreditassem que eram desiguais por natureza e que a vida social dava oportunidades iguais de
melhoria de vida para todos, assim, como perante a lei e o Estado, numa tentativa de equiparar
as classes, obscurecendo a real condição de que é sempre a ideologia da classe dominante que
prevalece, ou seja, a história também é o processo de dominação de uma parte da sociedade
sobre outras. Percebe-se, então, que a ideologia é possível porque existe a separação do
trabalho material e intelectual, e enquanto esses dois tipos de trabalhos estiverem separados, a
ideologia não perde a sua função, pois o trabalhador é visto como aquele que “não pensa”, e
os que “pensam” são aqueles que não trabalham.
O fenômeno da alienação é outro fator que contribui para que a ideologia de fato
aconteça. Os homens não acreditam que a situação real, na qual, estão inseridos e, da qual,
fazem parte são produzidas por eles mesmos e acabam por atribuir à vida social, às forças do
desconhecido ou a coisas fora de seu controle como deuses, natureza, Estado, destino, entre
26
outras, a responsabilidade por essa situação. Isso significa tão simplesmente que, enquanto a
experiência de vida permanecer sem críticas e sem reflexões, a ideologia dominará.
Ora, como a experiência vivida imediata e a alienação confirmam tais idéias, a
ideologia simplesmente cristaliza em “verdades” a visão invertida do real. Seu
papel é fazer com que no lugar dos dominantes apareçam idéias “verdadeiras”.
Seu papel também é o de fazer com que os homens creiam que tais idéias
representam efetivamente a realidade. E, enfim, também é seu papel fazer com que
os homens creiam que essas idéias são autônomas (não dependem de ninguém) e que
representam realidades autônomas (não foram feitas por ninguém) (CHAUÍ, 2001, p.
89, grifo meu).
A ideologia materializa lingüisticamente as representações ideológicas, as idéias, e a
“consciência” de cada indivíduo se forma a partir dos discursos ou do conjunto de discursos
que esse interioriza durante toda a sua existência e ainda reproduzirá esses mesmo discursos
em sua fala. E, se o homem é um ser limitado pelas relações sociais e sua consciência é
constituída a partir dos discursos de cada membro do seu grupo, não é possível a existência de
uma individualidade discursiva absoluta, nem a liberdade total de significação para os
discursos produzidos nesse meio, assim como se viu em Orlandi (2005).
Dessa maneira, entendendo-se que qualquer forma de comunicação é cerceada pela
ideologia e nela adquire significado, é improdutivo desconsiderar o discurso da formação
social para a qual se pretende dirigir uma mensagem. É por esse motivo que a publicidade, por
exemplo, apóia-se em pesquisas, análises de mercado para anunciar um produto ou serviço.
Ou ainda, um palestrante toma conhecimento do perfil de seu público antes de iniciar a
palestra, para que tenha tempo de reformular o léxico de sua mensagem e se fazer entender.
Assim, surge o que Pêcheux (1969), chamou de “jogo” de imagens. “Essa antecipação do que
o outro vai pensar parece constitutiva de qualquer discurso” (GADET e HAK, 1993, p. 77,
grifo do autor).
27
O discurso, conforme será observado mais adiante, é determinado pelo discurso de
outrem. Além disso, não se deve esquecer de que “a materialidade da ideologia é o discurso e
a materialidade do discurso é a língua” (ORLANDI, 2001, p.69).
Gadet e Hak (1993), retomando as idéias de Pêcheux (1975), consideram ser
necessário o estabelecimento de um quadro epistemológico acerca de três regiões do
conhecimento: “materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas
transformações, compreendida a teoria das ideologias; a lingüística, como teoria dos
mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo; e, a teoria do discurso,
como teoria da determinação histórica dos processos semânticos.” (GADET e HAK, 1993, p.
163-164). Essas teorias são atravessadas e articuladas pela teoria da subjetividade
(psicanalítica).
Em primeiro lugar,
o funcionamento da instância ideológica deve ser concebido como "determinado em
última instância" pela instância econômica, na medida em que aparece como uma
das condições (não-econômicas) da reprodução da base econômica, mais
especificamente das relações de produção inerentes a esta base econômica. A
modalidade particular do funcionamento da instância ideológica quanto à reprodução
das relações de produção consiste no que se convencionou chamar interpelação, ou
o assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico, de tal modo que cada um
seja conduzido, sem se dar conta, e tendo a impressão de estar exercendo sua
livre vontade, a ocupar o seu lugar em uma ou outra das duas classes sociais
antagonistas do modo de produção (ou naquela categoria, camada ou fração de
classe ligada a uma delas). Esta reprodução contínua das relações de classe
(econômica, mas também, como acabamos de ver, não-econômica) é assegurada
materialmente pela existência de realidades complexas designadas por Althusser
como "aparelhos ideológicos do Estado", e que se caracterizam pelo fato de
colocarem em jogo práticas associadas a lugares ou a relações de lugares que
remetem às relações de classes sem, no entanto, decalcá-las exatamente (GADET e
HAK, 1993, p. 164-165, grifo meu).
Sendo assim, é permitido afirmar que uma formação discursiva existe historicamente
no interior de determinadas relações de classes, a exemplo do que acontece na época que
antecede a Copa do Mundo: existe uma inculcação ideológica “patriota” pelo Brasil,
certamente pelo fato de a seleção brasileira de futebol estar sempre entre as favoritas a ser
28
novamente campeã mundial. Desconsideram-se as diferenças culturais, sociais e étnicas pelo
esporte.
Em segundo lugar, há a formação ideológica como
um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem individuais'
nem 'universais' mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes
em conflito umas com as outras. (…) Sublinharemos que uma formação discursiva
existe historicamente no interior de determinadas relações de classes (GADET e
HAK, 1993, p. 165-167).
E, por último, o discurso, o qual constitui a materialização da ideologia e cujo suporte
é o texto. “A palavra discurso , etimologicamente, tem em si a idéia de curso, (...) de
movimento. O discurso é a palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do
discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI, 2005, p. 15).
Assim como os sujeitos são interpelados pelas ideologias, as agências de publicidade
também o são e, a partir da oportunidade de dado momento sócio-histórico, surgem idéias que
podem ser analisadas à luz da ADF. Os anúncios sazonais requerem uma inovação constante
de texto para que não se tornem entediantes e repetitivos em seus dizeres a cada ano, nas
mesmas datas comemorativas, pois, conforme Souza (1999, p. 68),
a criatividade da língua não coincide com a criatividade artística nem com qualquer
outra forma de criatividade ideológica específica. Mas, ao mesmo tempo, a
criatividade da língua não pode ser compreendida independentemente dos conteúdos
e valores ideológicos que a ela se ligam. A evolução da língua, como toda evolução
histórica, pode ser percebida como uma necessidade cega de tipo mecanicista, mas
também pode tornar-se “uma necessidade de funcionamento livre” uma vez que
alcançou a posição de uma necessidade consciente e desejada.
Relacionando-se essas idéias sobre a criatividade com os estudos de
Bakhtin/Volochinov, é possível constatar que “a compreensão é dialógica por natureza
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1976, p. 2), - na qual, dialogia para Bakhtin significa que um
mesmo enunciado pode ser compreendido de formas diferentes por dois grupos - (SOUZA,
29
1999, p. 78), e que essa “compreensão está para o enunciado assim como uma réplica está
para a outra no diálogo.” Isso pode ser exemplificado por meio de um esquema seqüencial,
numa interação orgânica entre os seus elementos,
e, ao mesmo tempo, preenche a natureza ideológica, sociológica, dialógica e
lingüística envolvidas no todo de um enunciado concreto: Organização econômica
da sociedade; A comunicação social; A interação verbal; Os enunciados; As formas
gramaticais de linguagem (SOUZA, 1999, p. 78-79).
Então, a interação verbal é possível quando uma enunciação encontra outra, mesmo
que não diretamente de pessoa para pessoa, mas mediada pelas literaturas disponíveis,
conforme Souza (1999).
De acordo com Bakthin/Voloshinov (1976), houve um tempo em que a arte era tratada
como se ela não fosse sociológica, não se trabalhava a historicidade da estética e foi, na sua
concepção marxista, que o método sociológico permitiu uma aproximação do estudo da
criação ideológica. A arte começa, pois, a não ser tratada mais como um corpo físico e
químico.
Corpos químicos e físicos ou substâncias existem tanto fora da sociedade humana
quanto dentro dela, mas todos os produtos da criatividade humana, nascem na e para
a sociedade humana. Definições sociais não são aplicáveis de fora para dentro, como
no caso dos corpos e substâncias naturais formações ideológicas são
intrinsecamente, imanentemente sociológicas (BAKHTIN/ VOLOSHINOV, 1976, p.
2, grifo do autor).
A tarefa da poética sociológica consiste em compreender a forma de comunicação
realizada e fixada num material de uma obra de arte. E antes disso, essa tarefa requer que os
enunciados sejam analisados fora do campo da arte, na essência do discurso verbal, na relação
do enunciado com o seu meio. É o que trabalha a ADF.
30
É necessário entender também que o contexto que aqui será denominado extraverbal
do enunciado, mesmo que em AD não exista qualquer diferenciação - no caso de um simples
enunciado monossilábico ou de palavra única (materialidade do discurso) - é composto por
três fatores, conforme Bakthin/Voloshinov (1976). O primeiro é o horizonte espacial comum
dos interlocutores unidade do visível. O segundo é a compreensão comum, por parte dos
interlocutores, da situação. E, o terceiro, a avaliação comum da situação.
Sendo assim, a exterioridade é exatamente o não-dito que também faz parte do
enunciado e não está visível no enunciado materializado, nas palavras, pois a situação se
integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de sua significação
(BAKTHIN/VOLOSHINOV, 1976, p. 6, grifo do autor). O enunciado concreto se divide em
duas partes: a parte materializada, a palavra em som ou escrita, e a parte presumida, levando-
se em consideração os valores que abrangem a coletividade, nos quais, o enunciado aconteceu.
Ele “nasce, vive e morre no processo da interação social entre os participantes da enunciação”
(BAKTHIN/VOLOSHINOV, 1976, p. 9). Todos os fenômenos que cercam a sociedade estão
fundidos com julgamentos de valores baseados na ideologia da própria sociedade.
Assim como o poeta, o publicitário seleciona as palavras que significam num dado
contexto e que se impregnaram de ideologia, trabalhando com os julgamentos de valores de
seus respectivos “ouvintes”.
E, se ambos selecionam as palavras, na “audição” ou leitura, há a entoação que,
quando aparece de forma viva (emocionalmente) na fala concreta, personifica-se e é mais
metafórica do que as próprias palavras. É verdade que o discurso da arte é menos dependente
dos fatores externos ao contexto verbal do que o da publicidade, porque o objetivo não é se
fazer entender de forma imediatista. Além disso, conforme Bakhtin/Voloshinov (1976),
existem pelo menos três tipos de metáforas que colaboram para a significação do enunciado: a
metáfora entoacional (com emoção: triste, alegre, decepcionado, etc); a metáfora semântica
31
(usual, que usa uma palavra para significar outra figuradamente) e a metáfora gesticulatória
(movimentos do corpo e da face). Na fala formal, essas metáforas são minimizadas. Assim,
qualquer locução realmente dita em voz alta ou escrita para uma comunicação inteligível
(isto é, qualquer uma exceto palavras depositadas num dicionário) é a expressão e produto da
interação social de três participantes: o falante (autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o
que ou o quem) da fala (o herói)” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1976, p. 9, grifos do autor).
A estética formalista define a forma artística como forma do material, mas, na verdade,
a forma está fixada no material e o ultrapassa, devido a sua significação; é inanimada, mas
significa; logo, também adquire “vida” nos contextos e ideologias.
Em manifestações artísticas, conteúdo e forma devem se complementar e
a forma da obra poética é determinada, portanto, em muitos de seus fatores, pelo
modo como o autor percebe seu herói – o herói que funciona como um centro
organizador do enunciado. A forma da narração objetiva, a forma da saudação ou
apóstrofe (oração, hinos, algumas formas líricas), a forma da auto-expressão
(confissão, autobiografia, declaração lírica uma forma importante da lírica
amorosa) são determinadas precisamente pelo grau de proximidade entre autor e
herói (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1976, p.14, grifos do autor).
Vale ressaltar que a metáfora não é privilégio do discurso literário, nem os demais
recursos e figuras de linguagem o são. O próprio discurso publicitário pode se apropriar” de
qualquer discurso (literário, feminista), recurso (figura, tema), forma (poema, carta) e suporte
(jornal, revista) ou, simplesmente, tomar-lhes os moldes (discurso, recurso, forma e suporte)
sem “apropriar-se” de nada, aparentando, assim, algo sempre novo e original, mesmo sendo
uma espécie de recriação ou re-significação do que existe, assim como se o
esquecimento em Orlandi (2005), no capítulo anterior.
Numa perspectiva ideológica, dizer que, no discurso publicitário, a criatividade pode
ser entendida como a atualização dos significantes e significados através dos tempos e da
evolução conjunta da linguagem de uma dada formação social, na qual, o ato de parecer
32
original é superar as expectativas do público-alvo e subestimar a “condição de fruto do seu
próprio meio” ou, ainda, “reciclar” o que aparenta estar saturado de significação, entre as
datas cívicas principalmente, é confirmar a existência de um “fazer-valer” Chauí (2001).
De posse de toda a teoria até aqui apresentada, já é possível perceber que a análise
puramente lingüística o seria suficiente para analisar a arte em todas as suas formas ou a
publicidade em todos os seus moldes. Mais precisamente, sem a consideração do contexto
sócio-histórico, as análises levariam a conclusões absurdas de significação ou a extremamente
limitadas.
Com esse aporte sobre ideologia e discurso, resta, agora, apresentar o discurso
publicitário e o seu funcionamento com a utilização dos discursos verbal e não-verbal. No
capítulo seguinte, serão apresentados exemplos da aplicação do discurso ideológico nas mais
diversas mídias com a finalidade de transformar uma mensagem em lucro.
33
3 Discurso publicitário: caracterização
Este capítulo apresenta uma síntese de teorias aplicadas ao discurso publicitário e aos
recursos mais utilizados do fazer publicitário no momento da produção textual. Instiga à
reflexão do fazer publicitário enquanto arte e lucro. Não existe a intenção de aprofundar cada
subitem dos recursos lingüísticos, pois se leva em consideração que são de conhecimento
universal em lingüística aplicada e outras áreas afins. O foco do capítulo é realmente
investigar o propósito dos efeitos de sentidos que se pretende causar. Alguns exemplos de
slogans foram usados para enfatizar a presença do discurso ideológico abordado no capítulo
anterior e como ele se faz presente nas mensagens. Elucida-se também que texto verbal e não-
verbal devem se complementar para atingir efeitos positivos esperados pelo anunciante e, em
seguida, as características básicas dos dois tipos clássicos de texto, na visão de Carrascoza
(2004): o apolíneo e o dionisíaco.
Conforme Carrascoza (1999, 2004), texto é um vocábulo originário do latim, textus,
que significa tecido, isto é, um conjunto de palavras entrelaçadas carreira a carreira formando
uma “trama de significação”. É a materialidade do Discurso o qual, após proferido
(materializado) oralmente ou escrito, torna-se passível de análise e permite uma leitura,
primeiramente, superficial. Assim, as palavras que constam no texto em sentido denotativo,
significam ortodoxamente a definição de dicionário e, somente uma leitura profunda, na qual,
tomam-se como relevantes as condições de produção e o momento sócio-histórico no qual o
discurso foi inserido, permite a descoberta de significados implícitos do discurso. Isso
significa que as palavras metaforizadas, polifônicas que constam no texto, remetem direta ou
indiretamente a outras que não constam no texto, que existem e podem ser recuperadas
34
somente por determinado público, e ainda, somente no contexto e momento em que são
proferidas.
A materialidade do fazer publicitário é a redação e é ela a principal responsável pela
resposta do target a uma campanha ou anúncio isolado, pela fixação da marca e consolidação
dos princípios ideológicos, em geral, por meio do slogan que, conforme Sampaio (1997), é a
frase-tema de uma campanha ou marca, que procura resumir e definir seu posicionamento no
mercado.
Seguem alguns exemplos de slogans, o último, inclusive, mencionado por Sampaio
(1997):
O slogan “Se é Bayer é Bom” é um dos mais conhecidos da propaganda brasileira, foi
criado por um engenheiro, publicitário e poeta chamado Bastos Tigre, em 1922. Esse é um
caso típico em que a associação lingüística ortodoxa alcançou sucesso e perdura até hoje,
inclusive nos países de língua espanhola (“Si es Bayes, es bueno”).
a campanha de relançamento do achocolatado Nescau teve como slogan “Super
Nescau: energia que dá gosto”. Na verdade, o famoso achocolatado instantâneo e enriquecido
com vitaminas da Nestlé que em 1972 teve sua fórmula melhorada: em solubilidade,
acréscimo de vitaminas e sabor e, por esse motivo, foi criada uma campanha de relançamento,
o que fez do achocolatado líder absoluto no segmento. Assim como ocorreu desde o princípio,
e em 1972, a cada período de tempo e melhora na formulação produto, existe um
relançamento do Nescau com novo slogan, uma adequação do produto, da fórmula e do rótulo
"novos" ao momento sócio-histórico de produção.
Em seguida, o slogan “Bombril: mil e uma utilidades”, que divulga a de aço
lançada no final da década de 40, produto brasileiro, batendo corde de vendas no primeiro
ano, estimado em quarenta e oito mil unidades. Por limpar vidros, azulejos, panelas e outros
objetos, em pouco tempo, ficou conhecido como produto de mil e uma utilidades, seguido do
35
sucesso memorável com o início das campanhas com o garoto propaganda Carlos Moreno em
1978, o qual permaneceu desligado da empresa por três anos de 2004 a 2007, voltando a ser
garoto propaganda da Bombril em abril de 2007, aproveitando inclusive o momento sócio-
histórico literalmente da sua volta para relançar o produto com o slogan: “Tudo passa,
bombril fica. Ninguém passa sem bombril”.
Finalmente, “Caldo Maggi: o caldo nobre da galinha azul”, o slogan elaborado pela
Norton Publicidade em 1980, proporcionando o diferencial para caldos de galinha. Daí,
juntamente com o slogan, surgiu o personagem: a galinha azul, nobre (de sangue azul).
tantos outros slogans, que necessitaria de uma monografia dedicada somente aos
cases e exemplos e não caberiam por completo nesta dissertação. Aqui são mencionados
como exemplos clássicos para comprovar a teoria: a marca, para ser lembrada no momento de
decisão de compra, precisa de associação lingüística textual ou verbal. grafismos, ou seja,
foto, desenho, ícone, mbolo, cor, não são suficientes para construir a identidade de uma
empresa que pretende formar bases sólidas de confiança com o consumidor e permanecer no
mercado por anos, enfrentando todas as outras ações de “marketing de guerra” da
concorrência. Em outras palavras, sem a associação lingüística existe o risco de o anúncio
levar ao erro de leitura e identificação (o target lembra a propaganda, a imagem, mas não tem
certeza de qual marca se trata e faz associação a outra marca concorrente) ou, ao erro, com a
não memorização da marca, tornando a mensagem um enunciado “volátil”, muito fácil de ser
esquecido.
Isso não significa que a associação apenas por imagem é proibida ou rejeitada:
entretanto, esse tipo de comunicação por imagem é fortemente associado ao fator ideológico
da marca, que se não for construída durante anos com algum slogan, perde seu poder de
persuasão.
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Atualmente, a empresa que mais pratica campanhas somente por imagem é a Coca-
Cola. Criada em 1886, Atlanta, Georgia, EUA pelo farmacêutico John Pemberton. Chegou ao
Brasil em 1941 e teve sua primeira fábrica instalada no Rio de Janeiro; depois se expandiu
pelo sistema de franquias em 1940. Sendo assim, a Coca-Cola pode. Em primeiro lugar, por
ser a marca mais vendida e conhecida no mundo; em segundo, porque essempre na mídia
fazendo com que a cada dia, a cada ano, em cada pedaço do mundo, as pessoas que possuem
certa vivência e as que estão nascendo vejam o produto e a marca Coca-Cola. A associação
lingüística para uma marca tão tradicional e de tanta visibilidade na mídia, tornou-se opcional.
A marca Coca-Cola foi uma das que mais migraram do campo argumentativo e
lingüístico para o campo ideológico, em suas campanhas publicitárias. A marca é tão
difundida que qualquer associação com o slogan já não interfere no poder de venda do
refrigerante e tantos outros produtos com a marca Coca-Cola. São as promoções que
impulsionam as vendas, mas a marca e o produto já devem estar consolidados, pois “quando
nascemos, os discursos estão em processo e nós entramos nesse processo” (ORLANDI,
2005 p. 35) e é dessa forma que o assujeitamento acontece.
Estes foram alguns dos slogans marcantes oficiais da Coca-Coca no Brasil até 2006:
1940 – “A pausa que refresca”
1959 – “Isso faz um bem”
1966 – “Tudo vai melhor com Coca-Cola”
1972 – “Coca-Cola dá mais vida”
1977 – “Isso é que é”
1983 – “É isso aí”
1989 – “Emoção pra valer”
1993 – “Sempre Coca-Cola”
2000 – “Curta Coca-Cola”
2001 – “Gostoso é viver”
2006 – “Viva o lado Coca-Cola da vida”
É possível observar até aqui que, ao contrário dos outros slogans apresentados
anteriormente, a Coca-Cola ressalta valores ligados à qualidade de vida ao prazer de viver e
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não ao produto refrigerante, diferentemente dos slogans anteriores (Bayer, Caldo Maggy, etc.),
cujo foco lingüístico é para o próprio produto ou marca.
O Discurso Publicitário tem como objetivo argumentar, convencer e persuadir para um
único fim: o consumo de bens ou serviços apresentados/ oferecidos nas mais diversas mídias e
suportes, dos quais, podem ser citados os mais comuns: jornal, rádio, revista, televisão e
outdoor (cartaz publicitário ao ar livre, de grandes proporções e de medidas padronizadas) ao
target (público-alvo, auditório). “De acordo com o repertório e as características desse
auditório, o texto publicitário pode ser moldado de maneiras distintas” (CARRASCOZA,
2004, p. 16). Isso significa que cada palavra, sinal gráfico, rompimento de norma gramatical,
elemento gráfico (foto, ícone, símbolo), cor, fonte, formato, distribuição espacial, proporção
no tamanho de elementos, entre outros aspectos são minuciosamente escolhidos devido aos
efeitos de sentido possíveis ao target ao qual o texto é direcionado em dado momento sócio-
histórico. Então, especialmente no texto publicitário pode-se afirmar que
argumentar é a arte de convencer e persuadir. Convencer é saber gerenciar a
informação, é falar à razão do outro, demonstrando, provando. Persuadir é saber
gerenciar relação, falar à emoção do outro. (…) Convencer é construir algo no
campo das idéias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como
nós. Persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro para agir.
Quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele realize
(ABREU, 2004, p. 25).
Para Carrascoza (2004), o texto publicitário pode se apropriar e adaptar-se a qualquer
formato de mídia existente, levando-se sempre em consideração os gêneros conhecidos pelo
target e, utilizando-se de complementos visuais que ajudem nessa aproximação ou
semelhança de gêneros. E a trama desse texto poderá estar mais próxima do discurso apolíneo,
quando se apresentar racional, permitindo ao consumidor tomar conhecimento dos produtos e
suas características antes de decidir a compra pela avaliação de qualidades e benefícios reais -
ou dionisíaco, quando estiver apoiado em emoção e humor, utilizando argumentos que
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estimulem o emocional, conceitos abstratos que tenham valor simbólico na sociedade como,
por exemplo: exclusividade, prestígio, status. Interessa aqui o que o produto representa e não
o que ele realmente é. A compra é decidida por empatia com a simbologia do produto.
Ainda conforme Carrascoza (2004), existem algumas normas presentes em ambos os
tipos de discurso. As que caracterizam o texto publicitário como racional podem ser
observadas quando o discurso for apolíneo e será comum encontrá-lo em forma de dissertação
(na qual, prevalecerão os conceitos abstratos, ou seja, temas nas ações de comentar, interpretar,
expor e resumir as idéias apresentadas, com explicitação de opinião) e com alguma parcela de
descrição reservada a apresentação das características reais do produto. E o esquema
aristotélico, que compreende o exórdio (título, introdução lógica do que se pretende dizer), a
narração (parte destinada aos fatos conhecidos bons ou ruins), as provas (demonstração
deliberativa dos fatos, que aconselha o interlocutor) e a peroração (ter o ouvinte a favor do
que se disse, reforçar o que foi dito, falar aos desejos do ouvinte e recapitular tudo), tem sido
um dos grandes alicerces dos anúncios dos últimos cinco anos. O texto apolíneo, então, gira
em torno de apenas um assunto, sem redundâncias, com circularidade (começa e acaba no
mesmo tema), tem escolha lexical pertinente ao tema e costuma ser “frio”, breve, isto é, sem
nenhuma complexidade ou necessidade de amplo repertório para decodificação da mensagem.
As figuras de linguagem, especialmente as metáforas, também são muito utilizadas no
discurso publicitário apolíneo, bem como os estereótipos, frases consagradas pelo senso
comum e dadas como “verdades universais”, além dos famosos “clichês”. Não raro, também é
possível notar as afirmações e repetições com uso do imperativo e do tempo presente para que
o anúncio se eternize como atual para quem o lê, em qualquer momento. Em alguns casos,
o uso do apelo à autoridade, uma testemunha respeitável que o seu parecer ou tem o seu
parecer utilizado para reforçar as qualidades do produto. Em outros existe a “alusão”.
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Uma das formas de o orador em nosso caso, o enunciador do anúncio criar ou
confirmar a comunhão com o auditório e, portanto, torná-lo mais simpático a aderir à
mensagem racional do modelo apolíneo, é valer-se de referências à cultura, à
tradição, a um passado comum com ele. Esse processo é conhecido como “alusão”.
(...) é nos chamados anúncios de oportunidade que a alusão tem seu poder
ampliado, já que “aumenta o prestígio do orador”, de acordo com Perelman e
Tyteca. (...) a maioria dos anúncios de oportunidade são criados juntamente a
partir de um fato que acaba de suceder e, assim, está mais presente na
memória das pessoas -, ao qual a sua posição aludirá (CARRASCOZA, 2004, p.
61-62, grifo meu).
Outras normas usadas no texto apolíneo são as que indicam o lugar de quantidade e o
de qualidade. Segundo o autor, uma coisa é melhor do que outra por meio de argumentos que
demonstram essa diferença em quantidade e o de qualidade enfatiza a posição de “único” ao
objeto, opondo-se à posição de “vulgar”. ainda os argumentos mais comuns como os de
superação que valorizam o uso de hipérboles; as comparações; a valorização do inferior, que
engrandece tudo que aparenta ser insignificante. Por fim, de se ter atenção ao tema, que
remete ao que é abstrato; à figura, que remete ao que é concreto e, atenção especial, à rede
semântica, seleção do léxico por analogia dos significados “palavra-puxa-palavra”, causando
um fenômeno conhecido por isotopia.
Para Carrascoza (2004), o discurso dionisíaco
é adotado preferencialmente para defender valores tradicionais, valores
aceitos, que o suscitam polêmica. Não é por acaso que a maior parte dos
anúncios concebidos sob esse formato é de produtos muito conhecidos do
público, ou de marcas absolutas – que dominam seu segmento de mercado e estão no
top of mind -, revelando-nos ser uma estratégia voltada para aumentar a adesão
do que é admitido e não mais controverso. (…) Os anúncios dessa variante vão
buscar influenciar o público contando histórias. É uma estratégia poderosa de
persuasão, sobretudo quando o neurologista e escritor Oliver Sacks nos lembra que
“cada um de nós é uma história de vida, uma narrativa íntima cuja continuidade,
cujo sentido é a nossa vida. (…) As histórias são constitutivas da identidade
individual do homem, mas se cada um permanecesse apenas identificado com sua
narrativa não haveria vida social nem cultura humana. Por meio da linguagem,
precisamente da narrativa estruturante, os homens passam a compartilhar sua
individualidade e também as identidades coletivas (CARRASCOZA, 2004, p. 85-
87).
40
A empresa Coca-Cola é uma das que adotam o modelo dionisíaco apresentado por
Carrascoza (2004). O refrigerante é um produto sem valor socialmente agregado, uma
composição química que resulta num líquido de cor caramelo gaseificado e doce, só. A
observação racional do produto não é por si comercial. A empresa necessitou desenvolver
uma embalagem diferenciada, uma marca e agregar valores exteriores ao produto, ou seja,
valores ideológicos dos possíveis consumidores.
Toda criação de uma peça publicitária parte de um processo complexo de construção
que, ao longo dos anos, com a prática adquirida pelas experiências da profissão torna-se
automático. Esse processo pode ter etapas a mais ou a menos, dependendo da intenção, tempo
e verba dos anunciantes. No Capítulo 4, logo a seguir, será possível explicitar as etapas do
fazer publicitário, o complexo processo de construção responsável e ético pelo qual deve
passar a criação/ redação em detalhes importantes que determinam o “adestramento” do
consumidor.
41
4 Michel Foucault e o fazer publicitário: uma interface possível entre análise do discurso
e publicidade
Este capítulo pretende estabelecer uma relação entre as idéias foucaultianas e a
publicidade, numa transposição de conceitos e definições que podem constituir o fazer
publicitário. Explicita-se em detalhes como ocorre o “adestramento” que foi chamado mais
tarde por Foucault (1999) de Biopolítica do corpo.
De acordo com Sampaio (1997),
a propaganda é uma sensação que se aceita ou se rejeita. Em um segundo momento,
é uma mensagem que emociona ou não e – finalmente -, em um terceiro momento, a
propaganda persuade, convence pela lógica (objetiva ou mesmo subjetiva), ou não
atinge o efeito desejado (SAMPAIO, 1997, p. 24).
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a propaganda, por ter como objetivo
gerar lucro (exceto as propagandas sociais e institucionais), é de fundamental importância
para a economia mundial. Ela também tem seu papel social e econômico, que alavanca a
movimentação de bilhões em arrecadação anuais por meio de impostos gerados nas vendas e
que impulsiona o desenvolvimento da economia, em todos os setores, por meio de recordes de
vendas, ampliação de vagas de empregos das empresas que se sobressaem e multiplicam ou
diversificam ainda mais os negócios. É muito comum o olhar negativo em relação ao fazer
publicitário e não é esse o objetivo do capítulo que se segue, mas sim, mostrar até que ponto
chega esse “poder” de uso da linguagem para vendas.
Em segundo lugar, conforme ressalta Sampaio (1997), é preciso lembrar-se de que a
propaganda deve ter objetivos claros. Nesse sentido, não se deve imaginar que ela possa
resolver todos os problemas, caso existam, como formulação de produto, embalagem
42
irregular fora de medida ou pouco atrativa, preço muito alto para o público pretendido,
distribuição inadequada e nenhum esforço de marketing no ponto de venda. Para o referido
autor, propaganda é uma mistura de técnica, arte e ciência que envolve diversas áreas de
conhecimento como as artes plásticas, literatura, cinema, música, dança, administração,
estatística, sociologia, psicologia, entre outros, combinados para criar, desenvolver, planejar e
emitir mensagens de caráter comercial.
Em último lugar, é importante frisar que, em meio a tanta diversidade de produtos,
nenhum consumidor consciente se sente seguro em adquirir um produto de marca
desconhecida. Portanto, a propaganda também agrega ao produto um valor: a confiança.
Voltando ao exemplo da Coca-Cola, nenhum produto chega ao ponto de “poder” trabalhar
apenas com a linguagem ideológica sem que também tenha aprovação dos consumidores.
Nenhuma agência de grande ou médio porte, dotada de profissionais competentes e premiados
como talentosos, sujeitar-se-ia a anunciar algo que não corresponda à realidade ou possa
comprometer a saúde e o bem-estar dos consumidores. Isso significa que a ética, a moral, o
sucesso da própria empresa e o da agência costumam crescer juntos.
Para os profissionais da área publicitária, o redator, pessoa que escreve cada sinal
gráfico de um anúncio, um folder (folheto publicitário de apenas uma folha com uma ou mais
dobras), um cartaz promocional, etc., responsável por toda escolha lexical e sinalizadora, para
transmitir sentidos que deverão ser convertidos em vendas para o anunciante, é um
profissional que trabalha geralmente em “dupla de criação”, com um diretor de arte, pessoa
que transforma em arte visual, com o auxílio de programas gráficos de alta tecnologia, tudo o
que o redator materializou lingüisticamente ou apenas complementa.
Se a redação é a materialidade lingüística do fazer publicitário, por difundir a
mensagem que se deseja passar para o target, ela é mais importante que seu suporte gráfico
complementar.
43
Foucault (2004) trata acerca da nova sociedade padronizada moldada a muita
disciplina, obediência e submissão à economia e política do Estado.
A publicidade, sutilmente, também procura padronizar a sociedade, mas tem o
propósito de gerar lucro, de submeter o consumidor, não ao Estado, mas ao anunciante.
A publicidade existe para que um anunciante possa comunicar uma mensagem
independentemente do formato e suporte, como anúncio, spot, jingle, utilizando-se de algum
meio de comunicação, como rádio, jornal, revista, TV, para um determinado público-alvo,
denominado em inglês target, que deverá atender ou não aos apelos utilizados e será
“induzido” a consumir o que foi anunciado.
A figura ideal de soldado fabricado no século XVIII, o camponês com fisionomia de
soldado, é como o target que existe e pode ser moldado, conforme preconiza Foucault: “é
dócil um corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2004, p. 117-118). Fazendo-se a transposição para o fazer publicitário,
observa-se que o “dócil corpo” pode ser submetido (target recebendo a propaganda), utilizado
(target consumindo o produto como resultado da influência da propaganda), transformado
(target comprovando satisfação por ter adquirido certo produto) e aperfeiçoado (manutenção
do target para que se torne consumidor fiel conjuntamente as transformações do mesmo
produto através dos tempos se este produto durar no mercado). Trata-se, portanto, de um
corpo consumidor.
A partir dos estudos de Foucault (1975-1976), esse uso político e dominador com
eventuais punições dos corpos, a “biopolítica da espécie humana” (FOUCAULT, 1999, p. 289)
é o efeito de, além de se ter o poder sobre o indivíduo, é possível também ter poder sobre um
grupo, as massas globais.
Sabe-se que existem dois termos muito utilizados pela área indistintamente:
propaganda ou publicidade para designar o fazer e também a forma material do trabalho final
44
de uma agência. Embora existam nomes específicos para cada tipo de propaganda em virtude
do uso de diferentes suportes utilizados, formatos, entre outros aspectos, a presente
dissertação fará algumas breves distinções, com o objetivo de facilitar ao leitor a distinção dos
termos utilizados e a da relação entre a teoria de Foucault e o fazer publicitário aqui
estabelecida.
O que Foucault (2004) denominou disciplina, neste capítulo, em que é proposta como
uma interface entre a Análise do Discurso e a publicidade, será usado o termo publicidade,
para a profissão, seu fazer e toda forma de comunicação da área generalizada independente do
gênero (anúncio, spot, jingle, etc.); quanto à forma de publicidade em revista ou em TV,
especificamente, em revista que constitui o corpus deste trabalho será denominado anúncio, e
o público-alvo, target.
Assim como a disciplina, a publicidade, subliminarmente, fabrica consumidores
corpos dóceis – e, por meio de enunciações e apelos dos mais diversos, utilizados nos
anúncios, instiga os desejos latentes desse target (em termos econômicos de utilidade -
consumo), geralmente descobertos com aplicação de pesquisa por órgão competente de
tempos em tempos (os exames que comprovam a existência dos targets e suas
peculiaridades). Dessa forma, não permite que esse mesmo target perceba que está sob efeito
de persuasão inconsciente (em termos políticos de obediência – consumo racional).
A disciplina, para Foucault (2004), distribui os indivíduos no espaço. A publicidade
segmenta o seu target, usando classificações semelhantes, para obter maior eficiência na
comunicação. Ilustre-se esse paralelo: existiram, durante um determinado tempo, anúncios de
xampu para cabelos secos, normais e oleosos. Com a percepção de novas necessidades dos
consumidores e ainda maiores segmentações para o target de uma marca X” de xampu, hoje,
existem anúncios publicitários de xampu para cabelos mistos, tingidos, quebrados, com caspa,
encaracolados, lisos, loiros, brancos e uma infinidade de outras características.
45
A mesma arte de distribuições que segmenta os targets, existentes num perfil cada
vez mais delineado para o anunciante, pode ser comparada à arte das distribuições das
disciplinas em cerca, clausura, localizações funcionais, lugar na “fila e quadros vivos
(FOUCAULT 2004, p. 122-127, grifo meu).
O encercamento assemelha-se às divisões de classes A, B, C e D; o
quadriculamento é como a definição do sexo desse target em masculino ou feminino e, hoje,
incluí-se, também o GLS; as localizações funcionais são como as características mais
peculiares, de caráter sico (cor dos olhos, cabelo, peso, altura), civil (casados, solteiros,
viúvos), geográfico (região sudeste, cidade de o Paulo, bairro); o lugar na “fila” é como a
pessoa que decide a compra. No caso de alguns produtos, quem decide a escolha nem sempre
é quem realmente o consome com essas informações, aumenta-se o potencial de acerto na
hora de direcionar uma propaganda. Por último, os quadros vivos que constituem toda a
segmentação de target definido, pois agrupam-se por semelhanças e peculiaridades, para
que os agrupados recebam uma informação exclusivamente formulada para eles.
Mas o quadro não tem a mesma função nesses diversos registros. Na ordem da
economia, permite a medida das quantidades e a análise dos movimentos. Sob a
forma da taxinomia, tem por função caracterizar (e em conseqüência reduzir as
singularidades individuais) e constituir classes (portanto excluir as considerações de
número). Mas sob a forma de repartição disciplinar, a colocação em quadro tem por
função, ao contrário, tratar a multiplicidade por si mesma, distribuí-la e dela tirar o
maior número possível de efeitos. Enquanto a taxinomia natural se situa sobre o eixo
que vai do caráter à categoria, a tática disciplinar se situa sobre o eixo que liga o
singular ao múltiplo. Ela permite ao mesmo tempo a caracterização do indivíduo
como indivíduo, e a colocação em ordem de uma multiplicidade dada. Ela é a
condição primeira para o controle e o uso de um conjunto de elementos distintos: a
base para uma microfísica de um poder que poderíamos chamar “celular”
(FOUCAULT, 2004, p. 127).
Pode-se dizer que esse conjunto de elementos distintos, base para uma microfísica do
poder, pode ser comparado à redação e seu poder de persuasão. O saber acerca do target bem
definido permite uma escolha lexical e uso de recursos de linguagem que têm o propósito de
provocar uma reação positiva de consumo.
46
O controle da atividade, em Foucault (2004), pode ser comparado a uma campanha
que tem ciclos de exibição. Toda campanha é determinada, conforme a verba do anunciante e
a negociação dos espaços publicitários, que são veiculados regularmente, nos mais diversos
segmentos de comunicação e informação como revistas, jornais e TV. Ofereça-se sua
concretização: uma campanha dispõe de um anúncio para ser exibido durante um mês na TV,
uma vez ao dia sempre nos intervalos do Jornal Nacional da Rede Globo.
O horário de Foucault (2004) é como a regularidade na exibição: a regularidade que
vai ter o anúncio, num dado momento, por quanto tempo será exposto ao target com
possibilidades de atingir uma parcela de target aquém do previsto uma analogia à noção de
regularidade para Foucault (2004). A elaboração temporal do ato é como a duração desse
tempo (ciclo) em dado meio de comunicação. Corpo, gesto e correlação, são as escolhas
feitas pelo profissional de mídia para a veiculação da campanha, otimizando, ao máximo, a
verba do cliente para obter bons resultados; a articulação corpo-objeto corresponde à
possibilidade do efeito positivo do anúncio sobre o target; a utilização exaustiva a uma
campanha massiva com poucos intervalos, diversidade de suportes e mídias, com a qual, o
consumidor é “bombardeado” a todo momento.
A organização das gêneses pode ser entendida como o próprio fazer publicitário, no
que diz respeito à redação, com a apropriação do tempo das existências singulares, converter
em lucro e utilidade o tempo que passa. É este o “saber fazer”, com arte: transformar palavras
em força de venda e lucro, para empresas anunciantes, por meio de planejamento responsável
e ético.
A agência de publicidade recebe um documento denominado briefing que é a base do
processo de criação de um anúncio ou uma campanha com todas as informações do
anunciante, inclusive objetivos de mercado. Conforme Sampaio (1997, p. 229), o briefing é o
47
documento que contém “a descrição da situação da marca ou empresa, seus problemas,
oportunidades, objetivos e recursos para atingi-los. É a base do processo de planejamento”.
Os processos de organização militar são semelhantes aos processos de organização
estratégica para a criação de uma campanha ou apenas um anúncio dentro de uma agência e
requerem decompor o tempo em seqüências ajustadas e separadas (planejar o tempo que
dura cada comercial em fala, quantas palavras podem ser usadas, dependendo da mídia,
quantos minutos de áudio); organizar essa seqüência segundo um esquema analítico
(ordem na divulgação e organização de todo o esquema de comunicação); finalizar os
segmentos marcados por uma prova (fazer pesquisa para avaliar a receptividade e os
resultados alcançados); estabelecer séries de séries (de tempos em tempos fazer novas
campanhas para manter o produto vivo na mente das pessoas).
Percebe-se, até aqui, que os recursos para o bom adestramento, a vigilância
hierárquica, a sansão normalizadora e o exame em Foucault (2004, p. 143-156) são muito
semelhantes aos recursos de propaganda e marketing de que as agências de publicidade
usufruem para “adestrar” o consumidor. Sendo assim, associada ou não a outros recursos
gráficos, visuais ou sonoros, a redação publicitária tenta “adestrar” o consumidor.
Direta ou indiretamente, no momento de decisão da compra, o target diante das
vitrines, mostruários ou prateleiras de supermercado, irá deparar-se com inúmeras outras
marcas de conteúdos similares. Quando o consumidor se torna “adestrado”, mesmo que
existam muitas outras marcas e produtos similares, ele estará condicionado a optar pelo que
viu no anúncio, seja na TV, jornal ou revista. O sujeito (consumidor), então, transforma-se
num sujeito assujeitado, pois não é dono de sua própria vontade, mas sim da vontade dos
anunciantes.
A publicidade consegue adestrar, quando a campanha é planejada de tal forma que
disponha de exibição estratégica e proporcione uma manutenção da imagem da marca. A
48
manutenção da imagem se explica porque, se existem muitos produtos similares, o que
diferencia e confere uma singularidade a cada produto é a impressão causada pela propaganda
junto ao efeito da redação materialidade lingüística indissociável - que tem um propósito
com um ou vários públicos (segmentados com base em pesquisas de mercado e opinião de
instituições de pesquisa confiáveis) e, para cada um deles, sabe adequar a mensagem.
Percebe-se que as arquiteturas feitas para controle (FOUCAULT, 2004) são como
as campanhas que são elaboradas com base em pesquisas do que o target espera e do produto
que será lançado ou os dois juntos. Em geral, toda agência de publicidade tem sempre à
disposição do anunciante tudo de que ele precisa saber antes de investir dinheiro em
publicidade. Se não o tem, esse serviço é encomendado aos órgãos de pesquisa mais
competentes do país em se tratando de grandes agências. Especialmente por esse motivo,
toda essa vigilância e manutenção de poder que a propaganda exerce sobre o target têm um
custo alto, pois envolvem a agência e outros tantos profissionais ou outras agências
terceirizadas, conforme a necessidade de serviços do anunciante. “A vigilância torna-se,
sobretudo, um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça
interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar”
(FOUCAULT, 2004, p. 147, grifo meu).
A sansão normalizadora, em Foucault (2004), revela-se em eventos de promoção de
vendas, especificamente aqueles que exigem a compra de uma certa quantidade de produtos e
pedem para o consumidor recortar código de barra ou juntar tampinhas coloridas, entre outros
objetos que sirvam de comprovantes físicos de compra do produto. Algumas vezes, é
solicitada uma quantia em dinheiro como as promoções que pedem: “junte três tampinhas,
mais um real e ganhe Y” “Y” é brinde geralmente caracterizado com a marca ou nome do
produto. Outros tipos de promoção envolvem uma pergunta que precisa conter “resposta
49
certa”, além dos comprovantes de compra da loja e cessão de dados pessoais como número de
documentos de pessoa física, endereço e telefone.
Atualmente, existem também, as pseudo-promoções, como pode ser observado nas
operadoras de telefonia móvel. Sem nenhuma intenção de promover ou denegrir a imagem da
empresa aqui citada, a título de exemplo factual, cita-se a promoção da operadora TIM,
denominada “promoção RECARGA EXTRA”, realizada em 2006 e 2007, cujo regulamento
reza que, a cada quinze reais ou mais em créditos carregados, o cliente ganha o mesmo
número em minutos - é necessário pagar uma taxa de adesão que é descontada do saldo do
cliente e ainda existem outras regras: os minutos ganhos têm validade, ou seja, expiram em
um mês, caso o cliente não os use; os minutos ganhos são válidos apenas para se falar com
outros aparelhos da mesma operadora ou com telefones fixos, ambos com o mesmo código de
área; e, para permanecer na promoção, o cliente deve fazer recargas mensais de um valor
mínimo estipulado pela operadora ou será “punido” com a exclusão da promoção.
Para exemplificação de uma promoção com vantagens reais, após o segundo semestre
de 2007, a operadora citada realizou uma promoção (e não pseudo-promoção), sem a
necessidade de pagar para participar e sem ter que fazer recargas com valores pré-estipulados,
além de oferecer vantagens reais para os cadastrados como ligações a um valor baixo, tanto
para telefones móveis da mesma operadora e código de área, quanto para telefones fixos do
mesmo código de área, e ainda, incluia o envio de mensagens curtas de texto, conhecida como
(Short Message Service), o SMS, ao mesmo custo, para telefones móveis da mesma operadora
de qualquer código de área.
Percebe-se com os exemplos citados anteriormente que a publicidade persuade e
divulga as promoções com as quais os consumidores se sentem atraídos pela possibilidade de
obter algum ganho, mas, caso não estejam plenamente de acordo com o regulamento, o
punidos, excluídos. Dessa forma, pode-se compartilhar com Foucault (2004) a idéia de que
50
a arte de punir não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. e
em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os
desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo
campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir.
(…) Hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a “natureza” dos
indivíduos. Fazer funcionar, através dessa medida “valorizadora”, a coação de uma
conformidade a realizar. (…) Ela normaliza (FOUCAULT, 2004, p. 152-153, grifo
do autor).
A quantidade e a assertividade nos serviços anunciados por uma operadora de
telefonia móvel podem revelar sua ocorrência: existem serviços para empresas, para quem
viaja e passa muito tempo fora do país, para quem usa muito a internet no celular; enfim, para
cada perfil de consumidor, para cada target, existe um tipo de serviço que se encaixa nos
padrões de suas respectivas necessidades. Para manter a fidelização do cliente, o anúncio de
novas promoções acontece com uma certa regularidade. Essa regularidade acontece em
períodos estratégicos e, em sua materialidade lingüística, podem ser encontrados os dizeres
que emergem do contexto sócio-histórico do target, com apelos, discursos, intertextos.
O exame, em Foucault (2004), pode ser comparado à pesquisa e à observação do
comportamento do mercado, frente a uma campanha ou ação promocional em publicidade.
Portanto, para se manter um produto no mercado com sucesso de vendas e lucro, é necessária
a manutenção desse sucesso pelos meios de comunicação nos quais quase sempre estará
presente a redação publicitária.
Dentre os apelos utilizados na publicidade, para persuadir o consumidor, um que
costuma ter aceitação por parte do público adolescente e adulto, mesmo somado a outros
apelos, é o sexual. Este explora a sexualidade em diversos níveis, mais ou menos agressivos,
tomando o cuidado de não ofender para não sofrer as penalidades do órgão regulador da área,
Conselho de Auto-regulamentação Publicitária, o CONAR. Trazendo-se novamente Foucault
(2004), isso pode ser observado inclusive nesta passagem: “Não se fala menos em sexo, fala-
se de outra maneira; são outras pessoas que falam a partir de outros pontos de vista e para
obter outros efeitos” (FOUCAULT, 1993, p. 29).
51
O discurso da propaganda utiliza a sexualidade, mas não fala dela; apenas se apodera
do apelo para vender os mais diversos tipos de produtos. O produto mais comum no Brasil,
associado a esse tipo de apelo, é, certamente, a cerveja. Durante muitos anos, a cerveja foi
associada à figura da mulher ganhando o apelido “loira gelada” e, de um modo geral, todas as
marcas, na década de 90, traziam em seus anúncios a imagem da mulher junto ao produto, em
geral, mulheres loiras adjetivadas como “gostosas”, assim como a cerveja seria. Essa
“tendência” do uso da figura da mulher já começa a ser retomada em 2007 por alguns
anunciantes da bebida como a Kaiser.
O dispositivo de confissão (FOUCAULT, 1987, 1993) pode ser comparado ao
formulário de pesquisa destinado aos consumidores que participam de alguma promoção pela
internet ou de um questionário contendo perguntas burocráticas e descritivas que serão
utilizadas para traçar o perfil de cada consumidor e, depois, agrupá-los. Por meio dessas
informações, a publicidade visa ter acessso a que palavras e estratégias usar para atingir esse
consumidor. Um exemplo de uma empresa que usa diretamente as informações que coleta
diariamente sobre os consumidores é a Cia. Brasileira de Distribuição de nome fantasia Pão
de Açúcar. Com o cartão “Mais” expedido pela rede de supermercados –, o cliente pode
usufruir de algumas promoções ou descontos oferecidos para os clientes que possuem o cartão
e, a cada compra, cada loja da rede monitora o que seus clientes estão comprando.
Com toda essa relação aqui estabelecida entre a Análise do Discurso de Linha
Francesa e publicidade, neste caso específico, embasado na análise e observação do fazer
publicitário e as teorias foucaultianas, é possível o melhor entendimento de toda a economia
que envolve a comunicação publicitária com seus objetivos capitalistas. Talvez, se o fosse
pela sua intencionalidade custeada para gerar lucro, aplicando-se os conceitos vistos em
Foucault (1987, 1993, 1999, 2004) como regularidade, vigilância e adestramento, a
publicidade fosse um segmento bastante apreciado de Arte Contemporânea.
52
5 Análise e discussão dos dados
Este capítulo compreende a análise e aplicação das teorias estudadas nesta dissertação
de modo a sugerir, de fato, que a ADF constitui uma vertente de estudos importantes para as
aulas de produção em redação publicitária, visto que os anúncios de oportunidade realmente
fazem uso do contexto sócio-histórico, para atingir o target. Em alguns casos, como no
anúncio sazonal, pode-se observar que deste também pode emergir outro discurso que não o
cristalizado. O corpus foi coletado durante o primeiro semestre de 2006, período que
antecedeu à Copa, passando pelos eventos sazonais de Carnaval, Páscoa, Dia das Mães e
outros.
O critério de seleção baseou-se em três etapas, a saber: seleção do meio, da revista e
dos anúncios.
1. Seleção do meio de comunicação: revista.
A revista foi o meio de comunicação escolhido para estudo e pré-seleção do corpus
para a presente dissertação, levando-se em conta a durabilidade, conteúdo diversificado, um
meio não imediatamente descartável de informação e que pode ser lido por inúmeras pessoas
além do próprio assinante ou consumidor de banca de jornal. Considerando-se, também, que é
um meio de comunicação de matérias longas, com as quais as pessoas tendem a dedicar um
tempo maior para leitura, deleitando-se página a página, incluindo as propagandas.
2. Seleção da revista: Veja
A revista Veja foi a escolhida por ser uma revista com tempo de existência e tiragem
significativas (criada em 1968, com uma tiragem atual de mais de um milhão de exemplares
semanais), por ter circulação nacional e ser muito respeitada inclusive por outros meios de
53
comunicação. A Veja é uma revista que costuma publicar matérias acerca de assuntos que
permeiam o dia-a-dia dos brasileiros em diversas áreas do conhecimento como: política, saúde
e economia e, é, por si só, uma revista da qual emerge o contexto sócio-histórico na qual se
inscreve.
3. Seleção dos anúncios: apenas os que demonstraram trabalhar com o contexto sócio-
histórico ou fizeram emergir outros contextos que não os do momento sócio-histórico no qual
se inscreveram.
Feito o processo de seleção, chegou-se a um número satisfatório de um corpus
composto de oito anúncios, retirados de revistas Veja, no período de janeiro a junho de 2006.
Desse corpus, foram transcritas todas e somente as chamadas de cada um; o texto
complementar não foi o foco das análises, portanto, não será considerado na análise principal.
Não houve seleção para um ou dois tipos de produtos especificamente, tendo havido a
preocupação em não se repetirem marcas ou produtos próximos para, assim, mostrar que o
contexto sócio-histórico se faz presente nas chamadas dos anúncios dos mais diferentes tipos
de produtos.
É importante lembrar também que o momento da Copa do Mundo foi muito
importante para observação da influência de momentos sócio-históricos que se intercalaram
sazonalmente no Brasil.
A partir do perfil do corpus selecionado e de posse do aporte teórico anteriormente
apresentado, seguem as ilustrações dos anúncios e respectivas análises de caráter qualitativo
tendo sido levadas em conta as condições de produção (sujeitos e momento sócio-histórico), o
interdiscurso (memória), os esquecimentos (enunciação e ideologia), as formações discursiva
e ideológica, a heterogeneidade mostrada e os discursos dionisíaco e apolíneo. A interface
entre as idéias foucaultianas e a publicidade serão mostradas de forma simplificada
54
(introdutória), apenas no final do primeiro anúncio, pois o processo de produção para
qualquer anúncio tende a ser o mesmo e, também para que não se torne um assunto repetitivo.
Os anúncios apresentados a seguir estão organizados da seguinte forma: A Gol Copa
(figuras 1A e 1B), B Citröen Xsara Picasso (figura 2), C O Boticário (figura 3), D
Mitsubishi Motors (figura 4), E LG Eletronics (figura 5), F Faber-Castell (figura 6), G
Varig Brasil (figura 7) e H – Gillette Mach3 Turbo GOL.
55
A - Gol Copa:
Anúncio veiculado em 22 de março de 2006: Gol Copa – Figura 1A
56
Anúncio veiculado em 22 de março de 2006: Gol Copa – Figura 1B
Gol Copa. O Gol mais disputado do mundo.
Gol Copa. O Brasil estava torcendo por um Gol como este.
Num primeiro momento, a chamada inicial pode dar a entender e que se fala somente
de futebol. O “Gol” escrito como um nome próprio pode fazer alusão a um gol especial, um
gol de vitória, um gol bonito de ser visto em campo, um gol de Copa, um “Gol Copa” não é
simplesmente um gol e, sim, “O Gol” mais disputado do mundo. Até aqui, o assunto é futebol,
e o “Gol” é o elemento mais importante do enunciado. Aparentemente, não emerge nenhuma
outra voz da situação de enunciação explícita: ano de futebol, assunto sobre futebol. Tem-se
aqui, porém, com base na heterogeneidade mostrada, uma outra modalidade de consideração
57
de sentido, pois a palavra Gol é polissêmica no contexto do anúncio, que possui dois
momentos: uma chamada introdutória com elementos do momento Copa e uma segunda
chamada, com elementos que restringem o enunciado a um país, o Brasil, e, se a Copa
ainda não aconteceu (período da veiculação do anúncio), o “Gol” do qual se fala, para os
conhecedores do nome “Gol”, passa a ser o carro e não o “gol” em campo. É fato que, na
ausência do auxílio do texto não-verbal, o leitor que não conhece o carro poderá não
estabelecer a conexão direta, por não fazer parte do seu conhecimento de mundo e pelo fato de
o enunciado, em nenhum momento, mostrar alguma palavra que induza o leitor a pensar em
automóvel.
Sendo assim, o “Gol” só pode ser entendido como carro, se o leitor é conhecedor desse
bem de consumo pelo nome enfatiza-se o “pelo nome”, porque alguns produtos, após anos
de existência no mercado ou pelo pioneirismo da empresa que os lançou, passam a ter a sua
marca (marca do fabricante) como nome do produto (uma metonímia). Isso é plenamente
visível no discurso das pessoas e alguns nome-marcas até foram adotados e abrasileirados nos
dicionários escolares mais famosos, como, por exemplo: durex (fita adesiva transparente -
fabricante: Durex); bombril (palha de aço - fabricante: Bombril) e xérox ou xerox (cópia a
laser - fabricante: Xerox).
Num segundo momento do anúncio para o Gol Copa, a segunda chamada também se
inicia exatamente com o nome do real produto anunciado e diz que, após uma espera, “o
Brasil estava torcendo” e, como o futebol tem a fama de “paixão nacional”, aconteceu o tão
desejado “Gol” que o anúncio mostra. Ainda se trata do gol em campo, pois é o início de uma
frase, e a gramática rege que toda frase se inicia por letra maiúscula. Essa repetição da palavra
“Gol” fora do início de frase e com a grafia marcada pelo início da palavra em letra maiúscula
é o que permite classificá-la como heterogeneidade mostrada.
58
Nesse período do ano que antecedeu à Copa (janeiro a junho de 2006), naturalmente os
brasileiros torceram, para que o time do Brasil fizesse gols que somassem vitórias e para que
conquistasse o título de Campeão Mundial, mais uma vez, na ocasião, o “hexa”, o que não
aconteceu.
Devido ao momento presente da análise ser pós-Copa, podem-se obter três momentos
de leitura: o antes, o durante e o depois. Pode-se, ainda, perceber que, em virtude da expressão
“estava torcendo”, o anúncio tem durabilidade e “imparcialidade”. O Brasil, ganhando ou não
a Copa de 2006, não agregaria nenhuma conotação negativa ao produto, pois, no período
anterior à Copa, esse anúncio tem um tom de esperança o Brasil tem que fazer “o Gol”, a
cada partida, para se manter na competição; durante a Copa, o tom é de exemplo a seguir o
Brasil fez “o Gol” e tem de continuar; após a Copa, se o Brasil ganhasse, o tom seria de
prêmio pelo “Gol” que o Brasil fez na vitória: o Gol Copa; como o Brasil não ganhou, é de
esperança para que o Brasil faça “o Gol” na próxima Copa.
Aqui, ocorre a heterogeneidade mostrada. O “Gol” do qual se fala, não é o “gol” do
qual se espera que o “Gol” seja gol de campo de futebol. Para tanto, a palavra “Gol” está
escrita em letra maiúscula como todo e qualquer nome próprio, o que a diferencia do
substantivo “gol” de campo, normalmente escrito em letras minúsculas. É claro que, de posse
do anúncio, o leitor não terá a escapatória do texto não-verbal (imagem do carro Gol), mas é
essa associação que faz o anúncio ter um efeito esperado pelo público ao qual se destina
paixão por carro e por futebol ao mesmo tempo.
O Gol, aqui, não é o ato de fazer a bola ultrapassar os limites da trave no campo de
futebol. O anúncio utilizou-se de uma oportunidade o momento da Copa para produzir a
enunciação casada ao produto.
A leitura é polissêmica, pertinente e faz com que o anúncio tenha durabilidade num
certo momento sócio-histórico. E, sem agregar o nome diretamente à Seleção Brasileira de
59
Futebol, o carro não seria odiado após a Copa; talvez isso acontecesse, se o carro tivesse o
mesmo nome de algum jogador ou técnico da Seleção ou, se fizesse alusão a eles, denotando,
então, uma falsa espécie de patriotismo durante o período da competição. No entanto, o
anúncio conseguiu passar e se perpetuar até a próxima Copa, caso alguém o leia novamente.
O próprio nome da série do produto é o mesmo nome do evento e, por esse motivo, é
um lançamento que teve o momento de oportunidade muito bem aproveitado como o carro
mais “disputado”, vendido no mundo e no Brasil. Esta série poderia ter feito mais sucesso e se
tornado histórica, caso acontecesse o enunciado pelo título, que faria “o gol” um gol
hexacampeão. E, se o Brasil estava torcendo, foi explorado o sentimento da falta, pois, antes,
esse Gol, carro em série limitada de nome Copa, não existia. O carro sim, modelo consagrado
e remodelado, mas a série limitada foi apenas durante a Copa. O Gol Copa também remete a
jogo de futebol, no sentido de vitória, o já-lá (interdiscurso), somado à característica de que o
nome “Gol Copa” está em tom de laranja que remete a dourado, a ouro e, conseqüentemente,
à vitória.
Como categorias de análise, têm-se as escolhas lexicais do momento e as de futebol
nas pressuposições: brasileiro gosta de futebol, independente de Copa do Mundo; brasileiro é
um povo que espera ansioso pelo momento Copa e intensifica, extravasa, mesmo que seja
falso seu patriotismo.
de se lembrar, também, que a edição com o nome Gol Copa existe. Houve
algumas versões especiais em 1982 (Copa da Espanha), 1994 (Copa dos EUA) e em 2002
(Copa do Japão); apenas, na Copa do Japão, o nome foi trocado para Gol Sport. Mesmo assim,
considera-se, na análise, somente o nome Gol, pois, como na Copa do Japão, o Gol recebeu
um nome diferente de Gol Copa não era uma memória facilmente recuperada, inclusive
levando-se em conta a distância entre as Copas para cada edição nova do carro.
60
Além disso, o anúncio se constitui de um discurso dionisíaco, estimulando o aspecto
emocional da torcida brasileira, quanto aos aspectos de expectativa de vitória, levando-se em
conta a história de vitórias que a Seleção Brasileira tem; a o carro é amarelo sobre o
gramado para remeter ao ouro da vitória em campo o que remete à bandeira brasileira.
Trabalha-se com o “já-lá”, com a atmosfera de êxtase que uma competição desse porte traz
aos brasileiros. O anúncio dirige-se a uma formação discursiva de “torcida patriota” e a uma
formação ideológica, a dos que “podem comprar o gol da vitória”. No jogo, esquecendo os
fatores e exemplos que tivemos no Brasil quanto à corrupção na decisão de campeonatos
com árbitros comprados, não é possível comprar o gol da vitória numa Copa do Mundo, o gol
do “hexa”. Então, a Volkswagem criou uma possibilidade imaginária de aquisição desse gol,
por meio do objeto de desejo e do status que representa um carro de série limitada. É o Gol
mais disputado do mundo e o único que pode ser comprado, mas não é o mundo que "estava
torcendo" por um gol como este, e sim o Brasil.
No que diz respeito ao conceito de esquecimento, se, em vez de Brasil, fosse “mundo”
ou “todo mundo” - torcida, brasileiros - isso talvez denegrisse a imagem do carro, que já
existe anos e apenas ganhou uma rie limitada. Nesse caso, a escolha lexical parece
realmente focada em exaltar o patriotismo, como se dissesse: a Copa é do mundo, mas “um
gol como este” pode ser do Brasil, lançado com exclusividade no Brasil, uma aposta de
esperança na conquista do título de hexacampeão. Além disso, acredita-se que a palavra Brasil
possa evocar os sentidos de todas as outras que não foram ditas (torcida, brasileiros, mundo).
Nesse tipo de anúncio costumam aparecer os dois discursos, o dionisíaco e o apolíneo;
este último, em geral, localiza-se no rodapé da página, em letras miúdas, e tem o texto voltado
para as qualidades reais do produto, como garantia, itens de série e outras informações
técnicas que são comuns a todo tipo de veículo e talvez, se essas informações estivessem no
lugar da chamada analisada, o anúncio perderia todo o potencial de incitar os sentimentos de
61
vitória, esperança e patriotismo do target. Tanto o gol, quanto o Gol são léxicos de
“lançamento” – lançamento da bola, lançamento do produto - pertinentes ao momento Copa.
Com apenas esta primeira análise, é possível concluir que os anúncios publicitários são
muito ricos em conceitos da linguagem. Embora nem sempre o redator tenha esse
conhecimento no momento de produção, de se observar que o momento de oportunidade
permite o uso de conceitos, como heterogeneidade, formação discursiva, contexto sócio-
histórico ou outros no momento da redação, não para demonstrar que, na ausência do fator
criatividade, o conhecimento do referencial teórico da Análise do Discurso de linha francesa
pode perfeitamente gerar textos publicitários de sucesso.
A seguir, utilizando-se do anúncio Gol Copa, explicita-se como se o processo que
resulta na Biopolítica do corpo consumidor.
Simplificadamente, o target é submetido ao aparecimento da propaganda na revista,
quando esse a compra na banca ou recebe em casa, quando assinante, e, no ato da compra,
não tem o poder de optar pela ausência ou presença, nem pelo tipo de propaganda ou tipo de
produto que será anunciado quando virar a página. Sem se dar conta, o target, que, na verdade,
é apenas uma parcela dos torcedores que “podem comprar o gol da vitória”, torna-se
assujeitado e consome o produto na ilusão de que está comprando por vontade própria,
exclusivamente. Após essa aquisição, os fatores de satisfação pelo poder da compra geram
uma transformação nesse target que adquiriu status de detentor do “gol da vitória”
materializado no produto carro - não é mais público-alvo, pois, ao adquirir o carro, ele passa a
ser cliente. Esse target, que agora é cliente, pode e será aperfeiçoado, ou seja, após a compra
do bem de consumo durável - como é o caso do bem material do anúncio em questão - existe
uma ação de marketing para que o cliente mantenha a satisfação do pós-compra e torne-se um
62
cliente fidelizado. Quando esse mesmo cliente trocar de carro novamente, deverá optar pela
mesma marca ou até o mesmo carro (no caso do Gol, o carro já existe com esse nome, apenas
acrescentaram um logotipo de nome e série limitadas, denominado “Copa”), de um modelo
“novo”. Cria-se, então, uma “disciplina de consumo” por meio de um “vigiar constante”.
63
B - Citroën Xsara Picasso:
Anúncio veiculado em 22 de março de 2006: Citroën Xsara Picasso – Figura 2
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QUE BONITO É!
XSARA PICASSO SELEÇÃO.
A SELEÇÃO DOS ACESSÓRIOS CAMPEÕES DA CITROËN, DE GRAÇA PRA VOCÊ.
“Que bonito é!” constitui um trecho da música “Na cadência do samba”, de autoria de
Luiz Bandeira, que foi transformada em uma espécie de hino para o futebol brasileiro. É
sempre tocada em vinhetas de retrospectivas e melhores momentos da seleção brasileira de
futebol na TV e no rádio com ou sem letra cantada (parodiada) ou simplesmente uma nova
letra ligada ao futebol. Um já dito (interdiscurso) que se constitui como memória discursiva.
O compositor Luiz Bandeira começou a fazer carreira artística, no final da década de
30, em um programa de calouros da Rádio Clube de Pernambuco. Foi violonista, rádio-ator e
cantor de orquestra. Mudou-se para o Rio de Janeiro, trabalhou como crooner (cantor
principal de uma banda ou grupo musical) no Copacabana Palace e na Rádio Nacional. Fez
sucesso nos anos 50 e "Na Cadência do Samba" é sua composição mais conhecida, foi cedida
com exclusividade para o Canal 100 como trilha do futebol, desde 1962. Acabou conhecida
como: "Que bonito é” (um dos versos da própria música) e o seu uso está devidamente
registrado pelo respectivo Canal 100. Por esse motivo, a composição se tornou sinônimo de
futebol, embora não tenha sido criada para essa finalidade, como pode ser visto na letra
original abaixo transcrita:
Na cadência do samba - Luiz Bandeira
Que bonito é
Ver um samba no terreiro
Assistir a um batuqueiro
Numa roda improvisar
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Que bonito é
A mulata requebrando
Os tambores repicando
Uma escola desfilar
Que bonito é
Pela noite enluarada
Numa trova apaixonada
Um cantor desabafar
Que bonito é
Gafieira salão nobre
Seja rico, seja pobre
Todo mundo a sambar
O samba é romance
O samba é fantasia
O samba é sentimento
O samba é alegria
Bate que vá batendo
A cadência boa que o samba tem
Bate que repicando
Pandeiro vai, tamborim também
É provável, o leitor não saiba quem é o autor da música nem o nome verdadeiro da
composição, mas a ligação estabelecida ideologicamente pelo uso, em momentos de futebol,
fez dela vinheta para assunto de futebol, tornando-se uma ponte de significação imediata, um
sinônimo. Isso ocorreu por conseqüência de uma formação ideológica, socialmente
estabelecida que determinou m significado historicamente construído e ideologicamente
marcado; portanto, os efeitos de sentido que se pretende causar parecem ficar ainda mais
imediatos e, no caso dos anúncios de oportunidade, trabalhou o sentido já-lá do discurso.
A grafia Xsara Picasso, localizada logo abaixo do logotipo da Citröen, traz o nome de
um dos mais famosos artistas do século XX na pintura. Por si só, esse nome está
ideologicamente marcado pelo artista Pablo Picasso, inovador para sua época, contemporâneo
para os dias atuais e o único pintor vivo que, aos 90 anos de idade, teve a façanha de expor
66
trabalhos no Museu do Louvre, em Paris. O nome do artista no carro tenta estabelecer uma
ligação ao “Que bonito é!”, pois quem se depara com uma obra de Picasso tem essa reação de
admiração pelo que - tanto por ser bonito, enquanto arte, como por ser revulocionário e
nem sempre causar estranhamento. Observa-se, então, que o “novo” é o Xsara Picasso
Seleção, que também poderia ser, no lugar de “Seleção”, Brasil ou Copa.
A “seleção dos acessórios campeões” faz alusão à Seleção Brasileira de Futebol, uma
seleção campeã, feita por campeões, remetendo aos jogadores consagrados mundialmente. A
Seleção Brasileira de Futebol é a única pentacampeã e a única que jogou, na ocasião, com três
dos melhores jogadores do mundo, eleitos pela Federação Internacional de Futebol (do
francês: Fédération Internationale de Football Association), a FIFA - cada um ao seu tempo -,
como Ronaldo (fenômeno), Ronaldo (gaúcho) e Roberto Carlos. Então, a seleção de
acessórios campeões nos remete à idéia de seleção de jogadores, estabelecendo um paralelo e
equiparando a Seleção Brasileira com a Citroën e os acessórios com os jogadores para gerar
efeitos de sentido semelhantes.
É a seleção dos acessórios campeões, não convencionais, que só a Citroën tem e fazem
parte dessa série limitada denominada “Seleção”, com o intuito de explorar o momento sócio-
histórico Copa do Mundo, pois o carro da série Xsara Picasso já existe desde 2001, enquanto a
linha Xsara foi importada da França no período de 1998 a 2003 (quando, lá, saiu de linha e,
em seu lugar, entrou o C4). Nesse caso, o nome “Seleção” tende a ganhar um sentido negativo
após o momento Copa, porque, na ocasião, o Brasil não ganhou a Copa e não alcançou o título
inédito de hexacampeão.
Percebe-se, também, que o texto utilizado tende para um discurso mais apolíneo, por
ser mais racional e objetivo; para que o target troque ou compre o mesmo carro, este precisa
lhe oferecer vantagens materiais reais, visto que não é um carro para as classes B, nem C de
consumidores. Além disso, a série “Seleção”, com toda tecnologia, requinte e sofisticação,
67
remete o observador a uma formação discursiva mais elitizada, que contracena com a
formação discursiva mais popular, ou seja, aquela que se volta a manifestações culturais mais
patriotas em momentos de futebol.
O trecho “de graça pra você” remete também ao momento Copa, no qual, para se
assistir a algum jogo, o torcedor teria de pagar caro pelos ingressos para ter o privilégio de
assistir a Seleção Brasileira em campo, além da viagem para a Alemanha, como foi o caso. E,
no Xsara Picasso, é de graça (a seleção de acessórios, não os ingressos para os jogos da
Seleção Brasileira na Copa), muito mais vantajoso, sem considerar que, antes, o consumidor
teria de pagar para ter os mesmos acessórios no modelo Xsara Picasso tradicional. Produz o
sentido de falta, existem outros carros, mas sem a seleção de acessórios a ilusão da
vantagem de que os acessórios, na edição limitada do carro Xsara Picasso Seleção, são
realmente gratuítos (considerando que um carro não poderia vir sem bancos, mesmo que não
fossem de couro).
Merece atenção, embora não seja o foco das análises, nesse caso específico, o texto
complementar do anúncio aqui transcrito com grifos meus: Novo Xsara Picasso Seleção.
Uma série especial e limitada, supercompleta pra você. Além dos itens de série como direção
hidráulica, duplo ar-condicionado, 4 air bags e vidros elétricos, entre outros, o Xsara Picasso
Seleção vem equipado com a seleção campeã de acessórios Citroën: DVD Player com 2 fones
de ouvido, Banco de Couro, Roda de Liga Leve e CD Player com comando no volante.
Tudo isto de graça. E você ainda ganha uma bola oficial da Citroën. Passe numa
concessionária e leve este craque pra casa”. Especial e limitada, uma série imperdível que
novamente trabalha e realça o sentido da falta, juntamente com os acessórios, com a grafia de
nomes próprios, além de tudo, o que o cliente não tem na versão comum do carro: “uma bola
oficial”; nesse momento do texto, a bola é brinde porque nem faz parte do campo
semântico de acessórios veiculares.
68
A Citroën também utilizou o sentido “já-lá”, pré-construído da memória
(interdiscurso), escolheu as palavras da formação discursiva do futebol como: seleção,
campeões, que bonito é. Usou as cores da bandeira brasileira e somente o carro, em vermelho,
nas cores oficiais da marca Citröen. O amarelo, com o sentido construído ideologicamente
remetendo o leitor ao ouro e à medalha, na associação com o momento da Copa, foi usado
apenas no nome do carro para a construção do sentido que este é o “craque de ouro”. Um
carro que vale ouro.
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C - O Boticário:
Anúncio veiculado em 10 de maio de 2006: O Boticário – Figura 3
Dê O Boticário e transforme a sua mãe numa linda mulher.
O anúncio do O Boticário não possui nenhuma marca lingüística da formação
discursiva do futebol, nem de nenhuma formação ideológica desportiva que permita evocar a
memória do momento Copa do Mundo ou do próprio Brasil e Seleção, para o Dia das Mães.
As condições de produção do momento sócio-histórico sazonal da Copa do Mundo,
intercalado ao do Dia das Mães, não afetou o processo de criação e não mesclou o
70
interdiscurso das formações discursivas distintas. No entanto, do anúncio, emerge um outro
discurso: “linda mulher”, que evoca a memória discursiva do filme “Uma linda mulher”, em
inglês, “Pretty woman” (um romance lançado nos EUA em 1990, com direção de Garry
Marshall, roteiro de J.F. Lawton e distribuição de Buena Vista Pictures), com os atores
protagonistas Richard Gere (Edward Lewis) e Julia Roberts (Vivian Ward). Constitui uma
utilização ousada, que, no filme, a mulher é uma prostituta que, no final, acaba se
envolvendo amorosamente após ter feito um programa com um executivo (personagem de
Richard Gere), e, após esse primeiro contato, eles se apaixonam. O Dia das Mães parece
intocável perante a Copa, que é um evento de maiores proporções em termos de investimentos
de dia. Há de se levar em conta que a formação discursiva do futebol, com todos os
sentidos pré-construídos de um esporte violento, de disputa acirrada num campeonato mundial,
com toda aglomeração de torcidas uniformizadas e patriotas, não combinam com a formação
discursiva da família, na qual, a mãe é uma figura terna, amorosa, meiga, angelical,
acolhedora, protetora e, no sentido religioso, do qual, provém o conceito de família, da
formação ideológica religiosa católica, a mãe é ainda, acima de tudo, sagrada.
Quanto ao fator esquecimento, o anúncio trabalha o esquecimento número um, não faz
alusão direta ao filme, como se o termo uma “linda mulher”, no contexto moderno do anúncio,
fosse um discurso sem precedentes, somente o sujeito já-lá pode resgatar a essência do seu
significado junto ao sentido já-lá do filme.
Por ter evocado a memória do filme, percebe-se que, atrelado ao filme, tem-se o lado
romântico que não deixa de trazer a memória da “gata borralheira”, associado também a
ousadia de uma mulher sexualmente competente.
Essa dialogia, nos três sentidos, atinge as mães românticas e antigas; as mães ousadas
e maduras e as mães românticas, ousadas e maduras (seguras).
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Observa-se, nesse anúncio, a heterogeneidade constitutiva por meio dos sentidos pré-
existentes da memória da “gata borralheira” e, em segundo lugar, da memória da garota de
programa sob uma percepção sócio-histórica atual.
O discurso tende para o dionisíaco e parte do pressuposto de que a mãe não está nos
padrões de beleza para ser considerada “linda”; daí, o texto “Dê O Boticário e transforme a
sua mãe numa linda mulher”. O Boticário se faz dono de um poder de formação ideológica
estética por meio do qual, como num passe de mágica, pode transformar a mãe (figura meiga,
simples, terna, angelical e talvez fora dos padrões de beleza contemporâneos) em uma linda
mulher (moderna, radiante, sensual e linda), acaso essa ganhe o presente. Ou ainda, que “a sua
mãe” ficaria linda e sensual como Julia Roberts, atriz protagonista do filme.
Independentemente do papel que a atriz interpreta, de uma prostituta, e apagando essa
memória sócio-histórica negativa acerca da profissão da personagem, levando-se em conta
somente o lado humano e romântico, “a sua mãe” ficaria tão linda quanto a “linda mulher”, na
qual se transformou a Julia Roberts no “final feliz” do filme.
O momento Copa não interferiu no momento Dia das Mães, talvez porque a idéia de
cuidados com a saúde e estética corporais está ideologicamente marcada com as
características simbólicas e com os elementos discursivos que remetem à suavidade, muito
longe do cenário imaginário de Copa do Mundo. Seria como algo mais íntimo e pessoal,
enquanto que o momento Copa faz brotar e prevalecer a sensação de coletivo e de elementos
discursivos que remetem à euforia.
No entanto, nem por ser mais um Dia das Mães ideologicamente marcado, o anúncio
se ateve a características e discursos cristalizados para vender perfume. O discurso é
ideológico, pois o perfume não foi o foco do anúncio, mas sim os valores que supostamente se
atrelam a quem dele for presenteado.
72
O produto perfume (excluindo a embalagem e o frasco) é abstrato e extremamente
ligado à memória dos sujeitos; cada fragrância se constitui de sentidos, diferentemente para
cada indivíduo. Há perfumes que, de maneira muito pessoal, lembram pessoas, lugares,
músicas, entre outras memórias. Dessa maneira, o perfume está ideologicamente marcado
como uma forma de registro em presença olfativa, independente de sua formulação química,
pois cada elemento (essência) misturado denota uma qualidade imaginária, um adjetivo ao
sujeito que faz uso e outros adjetivos ao sujeito que projeta uma imagem daquele que faz o
uso.
73
D - Mitsubishi Motors:
Anúncio veiculado em 8 de março de 2006: Mitsubishi – Figura 4
COMO EXPLICAR O QUE SIGNIFICA SER HENDE AO PAÍS DO PENTA.
MITSUBISHI. A ÚNICA MARCA 11 VEZES CAMPEÃ DO RALLY DAKAR.
Neste anúncio, o marcador de pressuposição “única”. Mas não é “única” no futebol
e sim em outro esporte de aventura e alto risco, o Rally Dakar, no qual, várias equipes de
participantes optam por correr utilizando um veículo Mitsubishi Pajero, um veículo que
possui uma marca conhecida pela excelência em qualidade em diversos segmentos de
produtos espalhados pelo mundo.
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O “país do pentaé a metaforização do Brasil, no caso, utilizada para inferiorizar o
país e enfatizar o penta que é um número insignificante em comparação ao hende, mesmo que
não seja no mesmo esporte, um é o futebol e o outro, rally esportes diferentes, formações
discursivas distintas, porém a mesma formação ideológica, a desportiva. O importante para se
observar aqui é justamente a desproporção em termos numéricos e não a modalidade esportiva.
A Mitsubishi Motors do Brasil se aproveitou de dois momentos de oportunidade: o
primeiro, a Copa; o segundo, o Rally Dakar, uma modalidade de esporte sobre duas e quatro
rodas de várias categorias, com duração de duas semanas, em que o perigo de morte é certo.
Com vinte e nove anos de existência, apresenta uma lista de quarenta e nove mortos; além
disso, é um evento com grande repercussão na mídia, o que chama a atenção de
patrocinadores. O anúncio intercalou dois momentos sócio-históricos diferentes, evocando
memórias discursivas distintas.
Trata-se de um discurso apolíneo, no qual, houve a escolha lexical por aproximação
sonora dos radicais gregos penta e hende, ambos de uso na matemática para designar lados de
um polígono e, na ngua, para designar número de sílabas basicamente. Esse é o único ponto
de aproximação discursiva entre dois esportes tão diferentes, numa tentativa de equipará-los
qualitativamente. Além de uma escolha morfológica, pois o “como” não é pronome
interrogativo (dúvida) e sim conjunção coordenativa explicativa (assertividade).
O anúncio trabalha as categorias de análise de pré-construído, sujeitos e sentidos já-lá
das formações discursivas no momento sócio-histórico Copa do Mundo intercalado ao do
Rally Dakar, introduzindo um novo e único hendecampeão.
Porém, não é muita novidade que a Mitsubishi seja a única marca onze vezes campeã
no Rally Dakar, exatamente porque não é apenas uma equipe que utiliza a marca na corrida.
um silenciamento dessa informação, pois existem várias equipes de vários países como
França, Japão, EUA, Rússia entre outros como o Brasil na competição, e a maioria deles usa o
75
carro da Mitsubishi. Dessa forma, fica evidente que as chances de ser uma marca “11 vezes
campeã” são maiores dos que as da Seleção Brasileira que é cinco vezes campeã. Sem contar
os fatores de sazonalidade dos eventos, pois a Copa do Mundo é quadrienal, enquanto o Rally
Dakar é anual, uma desproporção temporal, na qual, quantitativamente seria impossível de se
estabelecer qualquer comparação. Ainda que as duas competições sejam muito disputadas, o
risco de morte constante só aparece no Rally; mesmo que em campo haja violência física, essa
não se compara aos acidentes causados pelo descontrole mecânico de um carro diante de
certos obstáculos.
Além de mostrar com cor diferenciada, a expressão “11 VEZES”, o leitor tem a
imagem de uma camisa, supostamente do Brasil, o que permite constituir o sentido de que a
maioria dessas vitórias foi de pilotos brasileiros ou que a última vitória, no ano de 2006, foi de
uma equipe brasileira. Até as onze estrelas do anúncio estão bordadas como na camisa oficial
da Seleção Brasileira de Futebol.
Com a oportunidade, o anúncio também produz um outro efeito de sentido o de “é
assim que se mostra o que significa ser hende, ao país do penta”, utilizando-se dos símbolos
de prestígio e orgulho dos brasileiros, da formação discursiva do futebol, o carro e a camisa da
Seleção num momento em que, no Brasil, o patriotismo está aflorado pelo orgulho e
esperança de consquista do hexa, para um contexto diferenciado, do Rally Dakar, que, ao
mesmo tempo que menospreza o fato de o país ser penta, enaltece o futebol e a Seleção ao
tentar equiparar-se e projetar-se como marca (objeto) que superou, no ano de 2006, a marca
(títulos) de cinco vezes campeã da Seleção Brasileira.
76
E – LG Eletronics:
Anúncio veiculado em 8 de março de 2006: LG Eletronics – Figura 5
77
Quem tem o melhor futebol do mundo tem que ter a maior plasma.
Nova Plasma LG 71”.*
*A maior do mundo agora no Brasil.
O texto começa com uma frase que é uma categoria de análise da ADF pré-
construído, a de que o Brasil é “quem tem o melhor futebol do mundo”. Verdade universal e
ideologicamente marcada, pois o futebol do Brasil não vinha apresentando, na época,
resultados satisfatórios para ostentar essa afirmação e, mesmo assim, é algo incontestável até
o momento em que foi enunciado, seja por favoritismo seja por pura empatia dos torcedores e
simpatizantes de outros países. E, quem tem toda essa fama, como a Seleção tem, “tem que ter
a maior plasma”. A TV de plasma de 71” da LG foi lançada no começo do ano de 2006,
momento oportuno, cheio de fatores favoráveis à venda de televisores em geral.
Todo momento de Copa é um dos momentos oportunos para a venda de televisores e,
na ocasião, já se falava em rumores da chegada da TV digital no Brasil. A TV de plama já
existia no país desde 2002 (também ano de Copa) e era vendida a trinta a sessenta mil reais. O
lançamento dos primeiros modelos aconteceu no Market Plaza, em Campos do Jordão.
Comparados à TV convencional de 29”, os novos aparelhos eram, quanto ao formato, apenas
um pouco mais compridos, assemelhando-se a uma tela de cinema, com tela plana e um
formato extremamente fino (em inglês slim), como é até hoje.
O novo modelo de TV foi destinado a uma parcela rica da população; em 2002, foram
vendidas apenas duas mil e cem unidades. Quatro anos mais tarde o cenário econômico é bem
outro e, hoje, é possível encontrar um modelo por menos de dez mil reais, além dos novos
modelos de TVs de cristal líquido (LCD). Com a vinda da TV digital marcada para 02 de
78
dezembro de 2007, é possível se pensar que, em 2008, essas TVs poderão substituir os
modelos convencionais e a preços mais acessíveis.
O momento de Copa do Mundo, a seleção do Brasil favorita ao título de hexacampeã,
pessoas reunidas em bares ou ruas para ver o jogo, famílias em casa torcendo em trajes
uniformizados, enfim, toda essa atmosfera de torcida para cada jogo pede uma TV, e, como a
Copa aconteceu na Alemanha e apenas uma pequena parcela da população teve condições
para assistir aos jogos presencialmente, a TV foi a companheira de todos até os últimos
momentos do time brasileiro em campo. O falso patriotismo (não generalizando), que
aflora a cada quatro anos, impulsionou a venda de milhares de bugigangas em verde amarelo e
a indispensável TV de qualidade para não perder nenhum momento do jogo.
É importante notar que o anúncio não menciona a palavra TV nem televisor, somente
a palavra plasma, talvez porque TV, televisor e televisão são expressões antiquadas para uma
TV que não é qualquer TV. Apesar de a TV de LCD, que tem um processo de formação de
imagem diferente e com qualidade insuperável de imagem, ser sua maior concorrente e com
menor gasto de energia até o momento (ano 2006/2007), a tecnologia de plasma é a melhor do
mundo, e a LG foi a pioneira em trazer as maiores telas para fabricação e venda no Brasil, daí
a chamada do anúncio: “Nova Plasma LG 71”.
O anúncio não se utiliza do léxico “TV” as chamadas, tem-se, então, um não dito.
Esse o dito também trabalha com a categoria de análise pré-construída. A TV existe, a
TV de plasma também uma tendência econômica de troca absoluta nos pontos de venda
dos modelos convencionais pelos de plasma e LCD, tanto pela descontinuidade que os
modelos convencionais terão nos próximos anos, como o motivo de troca pela chegada da TV
digital.
Esse não dito pode ser positivo, para se firmar o nome plasma e o novo conceito de
TV fina, leve, de qualidade e com economia de energia. Pode também ser negativo, para
79
deixar a palavra TV com aspecto de nomenclatura ultrapassada, distanciando-se do sentido
imaginário pré-construído que se tem de TV: grande, pesada, quadrada, tela arredondada e
alto consumo de energia.
Para existir a alusão ao time de “melhor do mundo”, a LG não usou melhor do mundo,
mas superou a concorrência e lançou a plasma “maior do mundo”. Isso é previsível, porque
“maior” e “melhor” são dois adjetivos quase indissociáveis para definir algo de qualidade.
Então, a melhor seleção do mundo está no Brasil e, agora, a maior TV de plasma do mundo
também. O trecho “tem que ter”, ao mesmo tempo em que pressupõe a falta, impõe o dever de
compra.
o termo “maior do mundo” evoca novamente a Seleção Brasileira, sugerindo que
será possível ver a maior seleção do mundo, com o melhor futebol do mundo, na maior TV de
plasma do mundo.
80
F - Faber-Castell:
Anúncio veiculado em 15 de fevereiro de 2006: Faber-Castell – Figura 6
A preferida dos escritores, desenhistas e goleiros. Lógico, não desliza da mão.
Quem imaginaria: um dia, anunciar lápis, usando o momento Copa do Mundo. A
Faber-Castell conseguiu essa façanha e da maneira mais simples e criativa, aproveitou o
momento para anunciar uma linha chamada “GRIP”, do inglês, agarrar, que são esferas
antideslizantes nos lápis. No trecho “A preferida dos escritores, desenhistas e goleiros”, o
“goleiros” não faz parte do campo semântico de quem usaria lápis na profissão, mas é
“Lógico” que um goleiro usaria, pois “não desliza da mão”. O momento Copa trouxe à dia
81
os melhores jogadores do mundo, brasileiros, dos últimos oito anos, eleitos pela FIFA, foram
eles: Roberto Carlos, Ronaldo “fenômeno” e Ronaldinho gaúcho e, também. o listado entre os
dez melhores goleiros do mundo nos últimos dois anos 2005 e 2006 pela Federação
Internacional de Estatística e História do Futebol, a IFFHS (International Federation of
Football History & Statistics, uma entidade com sede na Alemanha e reconhecida pela FIFA),
o goleiro apontado também como excelente cobrador de faltas, Rogério Ceni.
As esferas anti-deslizantes do produto dão mais firmeza no traço, assim como o
goleiro que usa luvas que agarra a bola com firmeza, usando a linha “GRIP” da Faber-Castell
o consumidor experimentará uma segurança e firmeza para escrever semelhante à de um
goleiro defendendo o time. Também evoca o desejo do goleiro de uma “esfera”/ bola que não
deslize mas mãos na hora do chute a gol.
O anúncio é no Momento Copa do Mundo, mas nem os elementos não-verbais, nem
os verbais fazem alusão direta ao fato. Aqui se tem um caso explícito de um anúncio que
pode ser entendido, mais profundamente, observando-se o momento sócio-histórico e sem
mencionar, em nenhum momento, Copa do Mundo, Seleção Brasileira, entre outras palavras-
chaves para o momento, apenas “goleiro”. E esta palavra “goleiro”, foi suficiente para
evidenciar a interpelação do anúncio pelo momento Copa do Mundo e ao mesmo tempo, pelo
momento de auge da carreira do melhor goleiro do mundo (Rogério Ceni), a categoria de
análise pré-construída traz à tona toda essa memória da formação discursiva do futebol.
Como se trata de uma linha para escrita, de objetos simples para uso diário, sem
público definido aparentemente, não possui nenhum valor social ou ideológico agregado. É
uma linha com design simples e aparência agradável, sem atrativos coloridos, em tons preto e
prata, uma combinação de cores neutras. Em termos de valores, a linha tem um preço que
pode chegar ao dobro do valor do concorrente mais barato, mas nem por isso chega a ser um
valor exorbitante que poderia classificá-la como uma linha criada para o público classe A.
82
Além disso, no começo da chamada, o adjetivo “preferida” remonta à exclusividade, à
superioridade imaginária, dentre muitas outras marcas, a linha GRIP supera a preferência.
Esse anúncio apresenta um texto que tende para um discurso apolíneo, e o principal
fator que parece determinar o sucesso da linha entre as três profissões é o que diferencia a
linha GRIP das outras marcas de lápis: as esferas antideslizantes. E, observando por essa
característica, o anúncio também evoca os sentidos de lápis não escorregadio (esferas
antideslizantes), bola não escorregadia, assim como a precisão e firmeza na pegada do lápis é
associada à precisão e firmeza de um goleiro no momento de defesa.
O sucesso do anúncio dá-se na escolha lexical, pertinente ao momento em que o
anúncio foi veiculado e, assim como outros, esse também garantiu uma durabilidade de efeito
maior, até o final da Copa, especialmente, porque não fez alusão direta nem indireta por meio
de grafismos à Seleção, ao Brasil ou ao momento Copa.
83
G - Varig Brasil:
Anúncio veiculado em 1 de fevereiro de 2006: Varig Brasil – Figura 7
84
VARIG. Agora com 3 vôos diretos para Munique. É como nos gramados: os brasileiros
invadindo a área sem parar.
A Copa do Mundo de 2006 aconteceu na Alemanha, então, presumia-se que o leitor
estava atualizado e bem informado acerca dos nomes das cidades na Alemanha. Munique, que
é uma das mais famosas cidades devido a Oktoberfest “melhor e maior” festa da cerveja do
mundo, foi uma das doze cidades-sede da Copa (as doze: Berlim, Colônia, Dortmunt,
Frankfurt, Gelsenkirchen, Hamburgo, Hanôver, Kaiserslautern, Leipzig a única da antiga
Alemanha Oriental –, Munique, Nuremberg e Stutgartt). Antes disso, Munique foi uma das
três maiores cidades da Alemanha e sede de conceituadas empresas como BMW, Siemens e
sede de centrais de muitas outras como Amazon, Microsof, McDonald’s, Oracle entre outras.
E, também foi sede para seis jogos da Copa do Mundo em 2006, incluindo a semi-final.
Essa formação discursiva do futebol que pertence à formação ideológica desportiva
patriota, no caso do Brasil, foi a verdadeira decodificadora do anúncio com todos os não-ditos
inclusive, pois as cidades da Alemanha, os locais de jogos, os horários e outras informações já
eram de conhecimento dos que gostavam de futebol e que estavam com viagem planejada ou
marcada para a Alemanha assistir aos jogos. E, mesmo aqueles que não poderiam ir, se
informavam e, pela TV, assistiam aos jogos que lhes interessavam. A mensagem parece
direcionada às classes A e B, pois deve-se partir dos sentidos pré-construídos acerca da
companhia que não é das mais baratas, sem contar o fator de altas e baixas do dólar e do euro
que determinavam o valor das passagens. Até o momento da Copa, prevaleceu a lei da oferta e
da procura.
85
No caso da companhia Varig, houve a oportunidade para atender essa demanda maior
de passageiros, considerando que outros dezessete vôos diretos para Frankfurt existiam,
como observado no texto complementar mais a frente.
Partindo da associação ideológica ligada ao número 3, de “um é pouco, dois é bom e
três é demais!”, na melhor conotação possível, a Varig tem três vôos no momento “agora”.
Isso pressupõe que os vôos são novos, porque não era comum a companhia ter esses três vôos;
nem os três vôos diretos para Munique; nem as duas coisas juntas. Então, para o momento
Copa, são “3 vôos diretos para Munique”, “direto”, sem as desconfortáveis escalas, facilitando
o destino de quem deseja ir assistir aos jogos e chegar até lá da maneira mais rápida e
descomplicada possível. Isso porque, Munique foi a cidade onde a maioria das pessoas que
passaram pela Alemanha na época quiseram estar, nem que fosse para ver quão bonito ficou o
estádio novo - construído em 2005, renomeado pela FIFA para World Cup Stadium, e,
reformado especialmente para o evento - o Allianz Arena (visto de fora, um grande pneu azul
iluminado), com capacidade para cinqüenta mil pessoas.
O trecho “É como nos gramados: os brasileiros invadindo a área sem parar” trabalha
com o sentido já-lá dos jogos, do movimento, da habilidade dos jogadores da Seleção
Brasileira em campo invadindo a grande área para marcar um gol. Porém, a palavra
“invadindo” também gera uma conotação completamente negativa e contrária às comparações
com o esporte futebol. No universo estrangeiro, em alguns casos, os brasileiros (turistas) são
discriminados e recusados internacionalmente ao desembarcarem no aeroporto, em especial,
nos EUA e na Europa. Dessa forma, o anúncio, também pode sugerir, de maneira irônica, que
no momento sócio-histórico Copa, os brasileiros puderam invadir a Alemanha por Munique,
“sem parar” em doses de três vôos semanais, possivelmente lotados, levando-se em
consideração que, em termos econômicos, para que a companhia colocasse à disposição mais
86
3 vôos além dos dezessete que possuía direto para Frankfurt, esses deveriam superar as
expectativas de venda e lucro.
Sendo assim, “invadindo a área”, tem efeito positivo para o momento Copa do
Mundo e para o jogo de futebol. A Varig se comparou à Seleção Brasileira de Futebol, a sua
invasão de área nos gramados, por conseguir colocar três vôos diretos para a mais famosa
cidade-sede da Copa.
O texto somado à imagem da propaganda tem uma leitura interessante, pois o texto da
chamada fica numa posição estratégica, onde supostamente seria o céu de Munique,
subliminarmente trabalhando a idéia de que o texto é um dos aviões que atravessa aquele céu
no momento da leitura, considerando também que a imagem se de uma posição angular
que indica que o leitor está “na foto” e olhando para o alto, fazendo parte da cena.
Ainda que não seja o foco das análises para este anúncio da Varig, pode-se atentar
também para o texto complementar do anúncio, que diz “A VARIG tem 17 vôos diretos para
a Alemanha, saindo do Rio ou de São Paulo. Diariamente para Frankfurt e agora com mais 3
vôos semanais para Munique. Do país do futebol para o país da Copa, nenhuma outra
companhia aérea faz mais vôos do que a VARIG.” Se nenhuma companhia aérea faz isso, a
Varig se mostra, num texto de discurso apolíneo, como única, melhor do que as outras e as
duas coisas juntas. Além dos vôos diários, para essa ocasião, aproveitando a “falta”, a
oportunidade e a necessidade do público, mais três diretos para a cidade-sede da Copa. “Do
país do futebol”, metaforização do Brasil, “para o país da Copa”, metaforização da Alemanha.
87
H - Gillette Mach3 Turbo GOL:
Anúncio veiculado em 19 de abril de 2006: Gillette Mach3 Turbo GOL – Figura 8
88
“UM CAMPEÃO ENCARA QUALQUER ATRITO NA HORA DO JOGO.
MAS NÃO NA HORA DE FAZER A BARBA.”
KAKÁ
Este anúncio é um caso típico no qual prevaleceu o discurso da formação ideológica
desportiva e patriota inclusive na foto. Isso porque, a Gillette usou o jogador Ricardo Izecson
Santos Leite, o Kaká, que foi convocado para a sua primeira Copa como titular da Seleção
Brasileira em 2006 e acabou como um dos destaques logo no começo da Copa, pelo seu
desempenho em campo e por ser o mais jovem do time, na ocasião, apenas 24 anos - para a
sorte do anunciante, pois os jogos começaram dia 9 de junho, e os anúncios de oportunidade
são veiculados com antecedência para que se possa tirar maior proveito do momento da
“oportunidade” que chega (o evento), bem como das repercussões positivas enquanto dura o
evento (no caso da Copa foi de 09/06 a 09/07/2006, exatamente um mês).
A fala do jogador está no anúncio como um todo, texto e imagem. “O campeão” é a
metaforização dialógica do jogador Kaká e, ao mesmo tempo, do próprio produto Gillette
Mach3 Turbo GOL. Para evocar os sentidos de produto novo, o anúncio busca os sentidos
pré-construídos da imagem que o sujeito leitor, da formação discursiva do futebol, tem do
jovem campeão que está em sua primeira Copa. O campeão-jogador é novo na Copa; o
campeão-produto é novo para a oportunidade do momento da Copa. O produto Gillette Mach3
Turbo existe e entrou no mercado para descontinuar a linha Excell Prestobarba da própria
Gillette, que é líder absoluta de mercado nesse segmento, chegando ao ponto de ter sua marca
“Gillette” como o próprio sinônimo para designar o objeto aparelho de barbear, independente
da marca.
89
Kaká teve seus momentos de glória no São Paulo Futebol Clube e teve chances para
trabalhar em clubes europeus.
O relato de Kaká para o produto Mach 3 Turbo GOL é uma cena típica de disputa de
bola em campo, “um campeão encara qualquer atrito na hora do jogo”, qualquer atrito físico e
psicológico (como a rivalidade entre times, demonstrada verbal e fisicamente). Esse mesmo
atrito, no ato de se barbear, é sinônimo de barbeador não afiado o suficiente que pode causar
irritação e ferimentos, assim como num jogo de futebol, inclusive a parte verbal (de
xingamentos, gritos de comando num jogo e de verbalização de dor ao ferir-se no ato de
barbear). Por esses motivos, a palavra atrito também é dialógica.
A expressão “campeão” também trabalha a memória discursiva da Seleção, pois, além
de campeão entre times, Kaká faz parte de uma seleção de futebol, tida como campeã”,
estabelecendo assim mais um possibilidade de sentido para o produto Mach3 Turbo GOL, os
produtos da marca Gillette são campeões, pois a Gillette é líder de mercado no segmento, bem
como a Seleção é no futebol e, conseqüentemente, o novo produto também é.
o trecho “Mas não na hora de fazer a barba” é uma frase com um discurso que se
volta para a vaidade natural do público masculino e dos jogadores, numa tarefa tão repetitiva
para um homem de fazer a própria barba. A chamada do anúncio pressupõe a falta de que o
público masculino, assim como o Kaká, tem de um aparelho que não cause atrito na hora de
barbear.
Ainda sim, é preciso levar em conta o fator idade, Kaká, sendo o jogador mais novo do
time, mesmo sabendo que embora muitos meninos tenham sua barba desenvolvida o
suficiente em idades diferentes, Kaká com 24 anos, está numa idade do auge de consumo
desse produto aparelho de barbear - para homens. Rapazes que se identificam com o ídolo
pela idade e pela paixão por futebol tendem a optar pelo produto que o Kaká aprovou.
90
Considerações finais
A análise de peças publicitárias sazonais e de oportunidade leva à conclusnao de que a
Análise do Discurso consegue complementar as lacunas de qualquer análise puramente textual.
Abre o leque para as possibilidades de desconstrução e melhor compreensão do discurso à
volta do observador. E, se os anúncios de oportunidade existem, como visto no corpus, bem
como a sazonalidade dos eventos do calendário nacional, ficam ainda mais evidentes as
contribuições que a ADF pode trazer em teoria e prática aos alunos de Publicidade e
Propaganda.
A preocupação maior que motivou esta dissertação foi encontrar os teóricos da área de
AD francesa que conseguiram tornar simples as definições tão complexas da área. E, é fato
que, se até o canal da Central Globo de Produções, no programa Fantástico (que é exibido aos
domingos) do dia 22 de outubro de 2006, usou Foucault no quadro temporário “Ser ou Não
Ser”, com a filósofa Viviane Mosé, para falar de vigilância e dominação. indícios de que,
por terem ouvido falar em Foucault, os alunos também se interessem, mesmo não sendo o
objetivo de um curso de graduação ensinar somente o que é de interesse dos alunos em ver
como toda essa teoria se aplica ao fazer publicitário.
A título de exemplificação, alguns trechos retirados do próprio site do quadro do
programa Fantástico, na internet: “Esta é a forma de tortura moderna. Mas a constante
vigilância que vivemos não é tudo. Mais do que vigiar, era preciso construir um sistema de
poder capaz de moldar um homem passivo, útil, disciplinado. O filósofo francês Michel
Foucault (1926-1984) chamou esse processo de "poder disciplinar". O poder disciplinar é,
antes de tudo, uma forma de organizar o espaço físico, e utilizar uma técnica que busca
separar, dividir, para melhor controlar”.
91
O próprio discurso da mídia televisiva abriu caminho para o conhecimento da
existência dessas teorias. E, embora Foucault nunca tenha sido analista do discurso, lingüista
ou lingüista aplicado, a ADF utiliza de suas teorias.
Sendo assim, com esta dissertação, pretende-se incitar, nos professores de Redação
Publicitária (em cursos de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e
Propaganda), o uso pertinente de atividades em leitura e produção embasadas na Análise do
Discurso, tanto para enriquecer o método de ensino da disciplina quanto para demonstrar que
a criatividade não advém apenas do conhecimento de mundo. É possível trabalhar a
criatividade em alunos com predisposição à escrita aqueles que focam a escrita na profissão
para tornarem-se futuros redatores - e dar assistência àqueles com baixa produtividade textual,
estimulando-os a observar o próprio contexto no qual se inserem.
A pesquisa na área de Publicidade e Propaganda, especialmente no que diz respeito à
Redação Publicitária, torna-se relevante pelo fato de ser quase insignificante o número de
publicações nacionais, especialmente as com algum viés pedagógico sobre o tema. É comum
encontrar, na pouca bibliografia disponível de Redação Publicitária, lacunas com relação ao
ensino dessa disciplina e, nenhuma, até o momento presente, que tenha se utilizado da Análise
do Discurso. E, é também comum deparar-se nesses livros com uma mesma justificativa de
colaborar com o aumento da bibliografia disponível em sub-áreas da profissão, como
fotografia, mídia e criação.
Acredita-se, assim, que esta dissertação mostra a relevância da AD como importante
aliada no ensino de Redação Publicitária e, a partir dos pressupostos teóricos da ADF, sugere
novas atividades de ensino e produção, e em certa medida, também de leitura, tendo como
corpus de análise anúncios de oportunidade e sazonais, que revelam na superfície do texto
marcas que denunciam o contexto no qual se inserem.
92
O ensino-aprendizagem de Redação Publicitária recebe agora ainda mais contribuições
significativas com o uso da ADF em sala de aula para análise e produção de anúncios de
oportunidades, assim como os que foram analisados neste trabalho, comprovando que a
oportunidade gera investimentos em lançamentos e, de maneira geral, todos os anúncios
trabalham a compreensão do momento sócio-histórico, do interdiscurso, da formação
discursiva entre outros. O conhecimento desse processo de desconstrução faz com que o aluno,
de posse do aporte teórico-metodológico dos Capítulos 4 e 5, se torne ainda mais crítico no
momento de construção dos anúncios.
Após esta pesquisa, constata-se que a ADF, certamente, é uma vertente de estudos
essenciais para se estimular nos alunos a observação e a valorização de quão rica é a língua
portuguesa e os discursos da sociedade brasileira. Esse conhecimento os auxiliará em novas
produções publicitárias imersas nas “condições de produção”. E, se esses alunos, após
dominarem o processo de “adestramento”, entenderem toda a economia dessa “Biopolítica do
corpo consumidor” e a função do “esquecimento”, torna-se-ão criativos e conseguirão
produzir textos, numa tentaviva de total sintonia com o target, já que a AD teoriza a
interpretação.
Perde-se o olhar ingênuo e ganha-se um olhar diferenciado em produção. uma
aliança de teorias foucaultianas e de AD com os princípios de criação publicitária, que devem
estar comprometidos com a responsabilidade e a ética do poder-saber-fazer para, assim, existir
o uso consciente da língua na atividade, seja fazendo uso do momento sócio-histórico, com
todos os aspectos ideológicos que permeiam ou não cada discurso.
Conclui-se, por meio de investigações teóricas, de ponte estabelecida entre as idéias de
Foucault e o fazer publicitário, e de análises qualitativas que é possível trabalhar leituras que
podem ser extraídas de uma infinidade de anúncios que estão em plena veiculação, para que
os futuros redatores aprimorem a arte da escrita publicitária, dêem maior valor à língua
93
materna e passem a observar que a criatividade advém do trabalho de observador e muito
esforço, associado a teorias e a técnicas que se aprendem na prática, experimentando o
“lugar” de sujeito e aprendendo a lidar com o discurso “já-lá”.
Acredita-se que, com a implementação da ADF em atividades direcionadas à redação
com foco para a “oportunidade” do momento sócio-histórico, será possível obter resultados
tão satisfatórios quanto os das atividades de produção publicitária baseadas apenas no briefing
e na vontade do cliente. Sem desrespeitar esses dois fatores decisivos, acredita-se ser válido
começar a apresentar uma segunda solução de trabalho pelo viés da ADF. Estimulando-se a
sensibilidade do aluno para que esse perceba melhor que é possível “um olhar” diferente a
cada dia para o mesmo fato, para o mesmo produto.
94
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