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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
MARICEIA BENETTI
INDIANA JONES:
ANÁLISE SEMIÓTICA DA PRODUÇÃO SERIAL DOS
MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
Porto Alegre
2006
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MARICEIA BENETTI
INDIANA JONES:
ANÁLISE SEMIÓTICA DA PRODUÇÃO SERIAL DOS
MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
Tese de Doutorado em Comunicação Social
para a obtenção do título de Doutor em Comunicação Social
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Comunicação Social
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Orientador: Profª Drª Eliana Pibernat Antonini
Porto Alegre
2006
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Benetti, Mariceia.
Indiana Jones : análise semiótica da produção serial dos meios de
comunicação de massa [manuscrito] / por Mariceia Benetti. 2006.
216 f.
Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. 2006.
Orientação: Profª Drª Eliana Pibernat Antonini
1. Ciências sociais 2. Comunicação 3. Semiótica. 4. Estética 5. Produção de
Seriados. I. Indiana Jones : análise semiótica da produção serial dos meios de
comunicação de massa. II. Antonini, Eliana Pibernat
CDD 302.2
CDU 316.77
Bibliotecária Responsável
Marialva M. Weber – CRB 10/995
MARICEIA BENETTI
INDIANA JONES:
ANÁLISE SEMIÓTICA DA PRODUÇÃO SERIAL DOS
MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
Tese de Doutorado em Comunicação Social
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Área de concentração: Comunicação, Cultura e Tecnologia
Linha de Pesquisa: Cultura Midiática e Tecnologias do Imaginário
Data da Banca:
Banca Examinadora
____________________________________________
Profª Drª Eliana Pibernat Antonini – Orientadora
____________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Henn
____________________________________________
Profª Drª Cristiane Freitas Gutfreind
____________________________________________
Profª Drª Ada Cristina Machado da Silveira
____________________________________________
Profª Drª Regina Glória Andrade
Porto Alegre
2006
Ao meu marido, Cícero Engelmann;
Aos meus filhos, Júlio e Maria;
Ao meu pai, Arcides Benetti (in memorian).
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido, pela paciência, amor e compreensão;
Aos meus filhos, por assistirem várias vezes Indiana Jones e por toda a alegria
deste mundo;
À minha orientadora Eliana, por todas as descobertas, leituras e ligações
telefônicas fora de qualquer hora “normal” de orientação;
Ao meu grande amigo e irmão do coração Humberto, pelas leituras e amparo;
Às minhas famílias Benetti e Engelmann, por toda a ajuda, compreensão, amor e
carinho nesta jornada;
À Mirian, à Raquel e ao Bento, por toda a ajuda, carinho e, principalmente, por
escutarem;
À Coordenação do Pós-Graduação, pela bolsa de estudo e pela compreensão
nas horas difíceis;
Por fim, à Lúcia e ao Paulo, por todo o apoio e ajuda dada na secretaria do
curso.
Kaalateet. Além do tempo. Atemporal.
Tudo simplesmente acontece na hora certa.
(S
HRI MATAJI NIRMALA DEVI).
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo geral discutir a incorporação de um novo
olhar estético nos receptores distraídos, preocupando-se em mapear os
elementos repetitivos presentes na narrativa fílmica constituída pela trilogia
Indiana Jones. A metodologia utilizada é recuperada de Umberto Eco por Eliana
Pibernat Antonini, que propõe cinco categorias analíticas para os produtos
culturais contemporâneos. Tais níveis de análise partem de uma manifestação
linear mínima, meramente informativa, e se dirige para estruturas mais
complexas, como os passeios inferenciais, os mundos possíveis e as fisionomias
culturais e ideológicas, entendidas aqui como os patamares metatextuais de
produção de sentido. A partir de Omar Calabrese, Walter Benjamin, Wolfgang
Iser, entre outros, a teorização da repetição, do fractal, do fragmento, do
pormenor e do estético sustentarão o percurso teórico para a construção da
análise, onde se pode verificar que uma produção serial desperta diferentes
sentidos estéticos, quer para uma leitura de primeiro grau, de consumo; quer para
uma leitura crítica, de segundo grau. Tal releitura estética desperta relevância
acadêmica por procurar fugir dos antagonismos simplificadores de construção de
valor, tais como certo ou errado, belo ou feio, para propor um novo olhar do
tempo, percebido enquanto opção dialógica adequada ao receptor
contemporâneo oportunizado pela técnica.
Palavras-chave:
comunicação – estética – semiótica – repetição – produção serial (ou
Indiana Jones)
ABSTRACT
This work has as general purpose to discuss the incorporation of a new
esthetic look on the distracted receivers, worrying about mapping the repeated
elements current in the filmic narrative constituted by the trilogy Indiana Jones.
The methodology used is recovered from Umberto Eco by Eliana Pibernat
Antonini, who proposes five analytical categories to the contemporary cultural
products. These levels of analysis start from a simply informational, minimal linear
manifestation and they are directed to more complexes structures, such as the
inferential trips, the possible worlds and the cultural and ideological semblances,
here understooded as the metatextual platforms of sense production. From Omar
Calabrese, Walter Benjamin, Wolfgang Iser, among others, the theorization of
repetition, fractal, fragment, detail and esthetic will support the theoretical course
to the analysis construction, where it is possible to verify that a serial production
shows different esthetical senses, as to a consumption, first degree reading, as to
a critic, second degree reading. This esthetical rereading denotes academical
relevance because it tries to flee from the simplificators antagonisms of value
construction, such as right or wrong, beautiful or ugly, to propose a new look of
time, noticed as a dialogical option suitable to the contemporary receptor
opportunized by technic.
Keywords:
communication – esthetics – semiotics – repetition – serial production (or
Indiana Jones)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 13
1
AS PONTES DO CONTEMPORÂNEO ....................................................... 22
1.1 DAS PEDRAS DA PONTE: O SUJEITO ................................................. 70
2 A TRAVESSIA DA REPETIÇÃO, DO FRACTAL, DO FRAGMENTO E
DO PORMENOR .........................................................................................
81
3
OS ARCOS DO ESTÉTICO ........................................................................ 107
4
A EXPERIÊNCIA DE UMA PASSAGEM: A ANÁLISE .............................. 116
4.1 MANIFESTAÇÃO LINEAR: ONDE TODOS OS ELEMENTOS ESTÃO
MANIFESTOS .........................................................................................
118
4.2 PERSONAGENS TÍPICAS ..................................................................... 135
4.3 NÍVEL DA COOPERAÇÃO DO LEITOR: ONDE SE PREENCHEM OS
PRIMEIROS VAZIOS E NÍVEL DAS ESTRUTURAS NARRATIVAS E
DISCURSIVAS: OS TÓPICOS TEXTUAIS .............................................
144
4.4 NÍVEL DOS PASSEIOS INFERENCIAIS: AS LEITURAS DO
ESPECTADOR; NÍVEL DOS MUNDOS POSSÍVEIS: PRODUÇÃO
SIMBÓLICA E DAS FISIONOMIAS CULTURAIS E IDEOLÓGICAS:
NÍVEL DO SENTIDO PLENO .................................................................
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 174
APÊNDICE: Decupagem do filme Indiana Jones e os Caçadores da
Arca Perdida ...................................................................................................
178
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Categorias apreciativas, de Aristóteles ........................................ 64
Quadro 2: Formulações de juízo e categorias, de Kant ................................ 65
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Cartaz do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida .120
Figura 2: Cartaz do filme: Indiana Jones e o Templo da Perdição .............. 123
Figura 3: Cartaz do filme: Indiana Jones e a Última Cruzada ..................... 126
Figura 4: Bastidores da filmagem do filme Os caçadores da Arca Perdida 129
Figura 5: Cena do filme quando ocorre o bote da serpente ........................ 129
Figura 6: Cenas da escavação da Arca Perdida, no Egito .......................... 130
Figura 7: A personagem Marion com as cobras .......................................... 130
Figura 8: Bastidores da filmagem de Indiana Jones e o Templo da
Perdição ........................................................................................
131
Figura 9: Cena da luta final para resgatar as pedras em uma ponte pênsil 131
Figura 10: A personagem Willie coberta pelos rastejantes ........................... 132
Figura 11: A cena inicial com a personagem Willie protagonizando um
musical ..........................................................................................
132
Figura 12: Bastidores das filmagens de Indiana Jones e a Última Cruzada .133
Figura 13: A personagem Indiana Jones com o professor e o amigo
Marcus Brody ................................................................................
133
Figura 14: A personagem Drª Elsa com os ratos ........................................... 134
Figura 15: Indiana Jones e o pai fugindo de uma perseguição nazista ......... 134
INTRODUÇÃO
A ponte reúne enquanto passagem que atravessa (Martin Heidegger).
Marco Pólo descreve uma ponte, pedra por pedra.
– Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan.
– A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco –,
mas pela curva do arco que estas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
– Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.
Pólo responde:
– Sem pedras o arco não existe (Í
TALO CALVINO).
Falar das pedras e no caminho que elas estão e percorrem é falar do
percurso acadêmico teórico que fizemos. A primeira passagem dá-se por Calabrese,
ao descobrir o mundo do Barroco no Neobarroco. O mundo do ar do tempo, da
citação, das superfícies e das profundezas, do desvelar através do pormenor ou do
fragmento, através do caótico, mas previsível procedimento matemático do fractal. E
essa ponte nos leva até Eco e a visão da semiótica. Da Semiótica Lógica de Peirce,
com respingos daquela de Saussure e também da corrente russa, mas totalmente
vivida em Eco. Uma semiótica das paixões, das emoções, mas também que fala da
razão; da ratio facilis e da ratio difficilis, que nos remete ao conhecer o nome; instituir
novos códigos; nos apresenta novas formar de teorizar o sujeito. Um sujeito
semiótico, que não é o empírico, mas guarda em si mesmo o próprio processo
semiótico, entendido enquanto estratégia de leitura e possibilidade de significação.
As pontes e os arcos que Eco enseja nos remetem a longos passeios pelos
bosques e pelos mundos possíveis da ficção e da teoria. Descobrindo-a e
desvelando-a a cada leitura das cidades invisíveis, de um possível conhecer e
14
recodificar entre Kant e o Ornitorrinco, através de uma crítica da razão que dialoga
com a retórica das paixões. Caminhos perigosos, entre pontes históricas e milenares
que atravessam precipícios, devem ser observados com precaução, pois nos
conduzem através de uma tessitura em permanente construção. É um jogo entre a
busca do conhecimento e o questionamento sobre o conhecimento, acerca de uma
teoria contemporânea que cruza por pontes em desconstruções que nos levam a
novos caminhos, novos encontros e reencontros.
Passagens cautelosas, transpostas com o auxílio da orientadora para
descobrir a magia e a técnica da repetição através dos arcos de Benjamin, que
inauguram um outro olhar crítico sobre esses arcos. Essa é a ponte da redescoberta
da magia do filme, aquele que consegue produzir significado para o homem
moderno, porque lhe “oferece o que temos o direito de exigir da arte: um aspecto da
realidade livre de qualquer manipulação pelos aparelhos, precisamente graças ao
procedimento de penetrar, com os aparelhos, no âmago da realidade”
1
. A cópia que
não precisa mais do original para ser vivida e absorvida.
A escrita de um texto pode seguir esses mesmos percursos, podendo ser
lida, relida e atualizada a partir de um dado contexto e de uma dada época. Nesta
mesma perspectiva, um texto pode se repetir, perder sua integralidade; se torna
fractal. Um fragmento que poderá dizer do todo através da suposição, ou então
através de um olhar mais aproximado, de onde emerge um pormenor. São detalhes
de uma série que produzirá um juízo. Um juízo valorativo e estético em um sujeito
crítico distraído. Aquele que perdeu a vergonha da cópia, aquele que degusta de
todas as possibilidades gastronômicas que lhe são oferecidas, através de alephs
borgeanos, mas, ao mesmo tempo, saboreia a parte desse todo, com a tranqüilidade
que a ocasião requer. Novamente aqui temos dois apreciadores estéticos: um
distraído e outro qualificado.
Formando outro arco em nossa pesquisa, delimitamos o que iremos abordar
quando falamos de sujeito. Para nós, estaremos o tempo todo falando de um sujeito
semiótico. O sujeito, que, para Eco
2
, se constitui num fantasma enquanto sujeito
1
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: ___. Magia e
Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. 7.ed. São Paulo: Brasiliense,
1994. p. 187.
2
ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1997.
15
humano, ator da prática semiótica. Ou seja, não se trata de um sujeito concreto,
radicado num sistema histórico, biológico, psicológico que necessita ser verificado a
partir de uma dimensão pragmática, mas, sim, de um sujeito expresso dentre os
possíveis referentes das mensagens ou do texto. É dessa premissa que surge, no
âmbito deste trabalho, o sujeito de enunciação que é proposto pelo enunciado e que
deve ser interpretado como um dos elementos do conteúdo veiculado.
Vale frisar que qualquer tentativa no sentido de resgatar o sujeito empírico
para o campo das discussões da produção de sentido vai de encontro a toda uma
negação do percurso metodológico perseguido por este trabalho. Nas palavras do
próprio Eco:
[...] aqui, não se está negando a existência e a importância dos
sujeitos empíricos individuais e materiais que, quando comunicam,
obedecem aos sistemas de significação e ao mesmo tempo os enriquecem,
criticam e mudam. O que se está afirmando é que a semiótica não pode
senão definir esses sujeitos no interior de seu quadro categorial, da mesma
maneira que, falando dos referentes como conteúdos, não nega a existência
das coisas individuais e dos estados reais do mundo, mas atribui suas
verificações (e suas análises em termos de propriedades concretas,
mutações, verdades e falsidades) a outros tipos de indagações
3
.
Neste sentido, uma vez referidas as questões teóricas aqui propostas, todo o
trabalho científico exige um procedimento metodológico. Enquanto instrumento
organizador da pesquisa, o método se torna parte indispensável para sua realização.
O objeto das ciências sociais também passa por tais transformações, justamente por
se caracterizar como instância viva, dinâmica e mutável. Deste modo, não há
pesquisa sem orientação metodológica. Inclusive, alguns teóricos até aconselham
uma maior rigidez metodológica dirigida apenas às pesquisas chamadas
quantitativas ou formais, deixando às pesquisas qualitativas uma maior liberdade.
Tal particularidade não se caracteriza por uma perda de objetividade, mas requer,
pelo contrário, um maior cuidado por parte do pesquisador nos procedimentos de
análise. Como se percebe, acreditamos na metodologia como esse domínio da
reflexão sobre os processos desenvolvidos no interior da investigação.
Nestes termos, vamos apresentar uma noção de método, conforme proposta
por Antonini, para quem o método diz respeito a um
3
Ibid., p. 257.
16
procedimento que possibilita ao sujeito conhecer, dissecar, apreender tal
objeto. Método como instrumento, portanto, que atualiza dada teoria, com
caráter eminentemente dialético, que possibilita um ultrapassar de limites,
uma ruptura, uma transformação de antigos conhecimentos em novos
4
.
Assim sendo, adotamos aqui algumas etapas metodológicas, cujo objetivo é
o de mostrar o caminho por onde estamos transitando no decorrer de nossa
pesquisa:
primeiro passo: estabelecemos que a pesquisa é de natureza qualitativa;
segundo passo: envolve uma revisão bibliográfica, descritiva e
interpretativa, a partir de um referencial teórico sobre o assunto,
constituído de materiais já elaborados por outros autores, tais como livros,
publicações, periódicos e artigos diversos;
terceiro passo: trata-se de uma metodologia que visa identificar e
contextualizar a problemática proposta, através de um recorte da
totalidade das reflexões sugeridas pelo tema, estabelecendo uma revisão
crítica da produção teórica sobre o assunto;
quarto passo: aplica-se a teorização a um material cultural específico
produzido pelos Meios de Comunicação de Massa, conforme veremos,
numa tentativa de verificar a produção de sentido tocante a esse objeto,
bem como a vocação semiótica para a análise de tais artefatos.
Para tanto, elegemos Eco e Calabrese como fios condutores para um
diálogo com Benjamin e Iser, entre outros, que problematizam a complexidade do
tecido contemporâneo e todas as características que envolvem essa interface,
principalmente no que diz respeito à produção de juízos de valor em oposição aos
de validade, num percurso estético e semiótico. Eco e Calabrese também discutem
as questões sobre fractais, fragmentos e pormenor, estabelecendo os recortes para
o reconhecimento das repetições ocorridas nas produções em série, fundamentais
para a compreensão do estético contemporâneo.
4
ANTONINI, Eliana Pibernat. De uma Possível Metodologia Semiótica Aplicada à Comunicação. In:
COLÓQUIO BRASIL-ESPANHA DE CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, IV, 2006, Málaga, Espanha.
Anais. Málaga, Espanha, 24-26 abr. 2006.
17
Dessa problemática emerge a análise de um produto serial cinematográfico:
a trilogia produzida por George Lucas, dirigida por Steven Spielberg e protagonizada
por Harrison Ford: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981); Indiana
Jones e o Templo da Perdição (1984) e Indiana Jones e a Última Cruzada (1989).
Essa produção será analisada a partir de uma proposta metodológica elaborada por
Antonini, sustentada pelas “exaustivas, porém prazerosas leituras de Eco acerca de
um modelo semiótico textual e enunciativo”
5
. Esse modelo pretende ser um caminho
para a análise dos produtos culturais contemporâneos e parte de um simulacro de
emissor/receptor, que são resultados do próprio tecido textual contemporâneo, para
promover a análise das estratégias de leituras possíveis das produções midiáticas.
Neste sentido, o modelo recuperado pela autora prevê seis níveis de análise:
nível da manifestação linear (ou da informação) – onde todos os
elementos icônicos, semânticos e semióticos de primeira geração estão
manifestados, como, por exemplo, as vestimentas que caracterizam uma
determinada época, as falas que apontam para um dado registro literário,
os cenários que configuram um certo espaço/tempo, entre outros
elementos marcadamente preliminares;
nível da cooperação do leitor (ou semiótico-informativo) – onde se
preenchem os primeiros vazios que a tessitura apresenta, tais como
códigos verbais e não-verbais, mais ou menos complexos: uma narrativa
literária que começa por “era uma vez” é convencionalmente atribuída aos
contos infantis; ao acompanhar uma telenovela já está dado, via de regra,
que não se refere a registros documentais de fatos reais;
nível das estruturas narrativas e discursivas (ou semiótico-textual) – onde
se localizam os mais importantes tópicos textuais, justamente aqueles
que revelam a coerência e, conseqüentemente, a constância de um
percurso de sentido que o próprio texto exibe. Nesse nível se estabelece
a isotopia textual, conforme referida por Greimas, na obra Sobre o
Sentido: Ensaios Semióticos
6
;
5
ANTONINI, Eliana Pibernat. Entrevista concedida em 24 de maio de 2006, em Porto Alegre.
6
GREIMAS, Algirdas Julien. Sobre o Sentido: Ensaios Semióticos. Petrópolis: Vozes, 1975.
18
nível dos passeios inferenciais (ou semiótico-enunciativo) – onde se
intensifica a cooperação interpretativa em seu aspecto abdutivo. Neste
nível o leitor escolhe, no ato da leitura, o percurso que poderá levá-lo à
produção de sentido, adequada ou não, de determinada tessitura.
Poderíamos exemplificar esse nível como em uma investigação à la
Sherlock Holmes, em que o leitor desvenda um crime seguindo as suas
pistas, seus interditos de significação, suas múltiplas possibilidades de
reconstrução, quer da cena do crime, quer da figura do assassino;
nível dos mundos possíveis (ou da produção simbólica) – onde se
atualizam as possibilidades de leitura que o texto engendra para o leitor, e
também aquelas que são projetadas pelo leitor, enquanto abduções
criativas;
nível das fisionomias culturais e ideológicas. Neste nível o texto remete à
sua ideologia, ao seu metatexto; momento em que se descortinam os
patamares da cultura que este texto ajuda a revelar e a reconstruir.
A partir desses níveis de análise, aqui brevemente referidos, vamos compor
uma visualização do objeto em questão. Nos primeiro e segundo níveis
construiremos apenas um rastreamento do que o próprio objeto enseja, sem nos
preocuparmos com o estabelecimento de inferências extratextuais. Nos terceiro e
quarto níveis já nos propomos a leituras mais críticas, nas quais nos aprofundamos
no universo em que se constitui a série. Neste momento, procuramos conhecer e ter
acesso aos aspectos que cercam a produção da narrativa, o que exige o
acionamento de uma enciclopédia particular e individual. Por fim, o quinto nível nos
insere na realidade vivenciada pela produção da série, apontando para a
instauração dos patamares de uma certa ideologia e cultura. Com a aplicação deste
modelo, acreditamos na possibilidade de uma leitura estratégica dos sentidos
estéticos presentes nos textos culturais dos meios comunicacionais, através de um
produto em série.
O objeto de estudo desta pesquisa será, então, um olhar do tempo estético
ou um gosto do tempo produzido pelos fenômenos seriais da mídia contemporânea,
exemplificados pela trilogia Indiana Jones. A escolha do tema deu-se pela
19
continuidade da pesquisa iniciada na Dissertação de Mestrado, onde foi abordada a
questão da influência das características neobarrocas na atual produção cultural,
tendo como base a reflexão de Calabrese sobre o tema.
Deste modo, os objetivos desta pesquisa são os seguintes:
discutir a incorporação de um novo olhar estético nos receptores
distraídos;
mapear os elementos reiterativos presentes em produções seriais da
cultura contemporânea exemplificadas pelo serial Indiana Jones;
perceber as diferentes categorias analíticas propostas por Antonini a partir
de Eco, aplicadas à série em questão.
Referidos os objetivos, temos como questão norteadora a verificação das
marcas indiciais de repetição nas produções seriais e de como ocorre o diálogo e a
fruição do estético de um receptor modelo, a partir da noção de que Indiana Jones
é um produto co-referendado e co-referenciado pela sociedade da metade do século
XX.
Como se percebe, nossa pesquisa parte de uma possibilidade dialógica que
se dá entre a Teoria Semiótica e a Estética. Parte do pressuposto do alargamento
das fronteiras teóricas, o que lhe dá a possibilidade de circular por várias áreas de
conhecimento, tocando a faceta da interdisciplinaridade e ampliando a complexidade
da teorização. Complexo e desafiador, nosso percurso de leitura tem pela frente toda
uma subjetividade teórica que emerge desses diálogos. Nossas intenções, neste
sentido, procuram dar conta do cruzamento das teorias desenvolvidas com a
metodologia de análise, na tentativa de estabelecer um novo ponto de vista, um
olhar diferenciado sobre o produto cultural apresentado.
20
Nestes termos, a construção teórica desta pesquisa se dá em quatro
capítulos. No primeiro, construímos o conceito de pós-modernidade e apresentamos
o conceito de neobarroco proposto por Calabrese. Para tanto, iniciamos com a
problematização acerca das noções que envolvem a modernidade, passando pela
conceituação de um viés da pós-modernidade para chegarmos ás questões do
neobarroco e das preferências estéticas. Para Calabrese, o contexto atual tem um ar
do tempo. Um ar do tempo barroco, mas diferente do barroco, pois, agora, o sujeito
que valora o faz a partir de seus desejos ou anseios e não se importa mais com a
presença ou não do original. Para nós, tal aspecto se constitui em um diferencial
fundamental dessa passagem entre o que pode ser considerado original e o que
pode ser considerado cópia.
No segundo capítulo, desenvolvemos a questão da repetição e como ela é
apresentada pelos atuais meios de comunicação de massa. Observamos que,
segundo Eco, a partir da problemática trazida pela técnica, entendida aqui como o
somatório das manifestações desse novo ar do tempo, essas repetições acabam
trazendo a sensação da diferença, mas na realidade possuem a mesma estrutura e
conteúdo. Também, a partir da técnica, o fractal se torna possível nos meios de
comunicação de massa, assim como o fragmento e o pormenor se fazem cada vez
mais presentes, exigindo uma atenção cada vez mais ativa do receptor, seja para
apreciar a produção do fractal, seja para refazer o caminho do fragmento, seja para
buscar o detalhe enquanto pormenor.
No terceiro capítulo, abordamos o estético, apresentando a análise do objeto
de nossa pesquisa. Para Iser, o estético hoje é livre e autônomo; é a intermediação,
vista junto com a mediação dos meios da cultura comunicacional. Ele aparece a
partir das múltiplas possibilidades que a imaginação do sujeito pode desencadear. E
é a partir de uma dessas possibilidades que a análise do serial Indiana Jones foi
realizada. Trata-se de uma análise semiótica que se propõe ao estabelecimento de
um julgamento próprio, valorado a partir das possibilidades permitidas pela técnica,
pela enciclopédia e pelo contexto do receptor, levando em consideração algumas
das possibilidades interpretativas que a produção serial permite, apresentada no
capítulo quatro.
21
Retomando a metáfora inicial, são as pontes, pedras e arcos desse
percurso, que em muitos momentos foi tortuoso e perigoso. Pontes longas e difíceis
de serem transpostas; pedras pontiagudas e escorregadias; arcos cuja altura
intimidavam, mas que, ao ser realizada a travessia, com determinação e cautela,
termina por mostrar novos horizontes, até então desconhecidos.
1 AS PONTES DO CONTEMPORÂNEO
Nossa intenção é discutir aspectos da produção cultural contemporânea. E a
sua base está, na realidade, no projeto modernista ou na sua instância conceitual
chamada de Iluminismo, que se inicia nos séculos XV e XVI e tem seu ápice no
século XVIII. A visão iluminista foi a que sustentou toda a trajetória do pensamento
do homem contemporâneo, seja nas ciências ou no senso comum. Tem, em seu
cerne, idéias do pensamento mecânico de Newton, do pensamento fragmentado de
Descartes, do concreto de Bacon, assim como traz o positivismo de Comte. Isto
gerou a ênfase na noção de Razão em detrimento da noção de Emoção. No final do
século XIX, no entanto, estes ideais começaram a ruir, não conseguindo mais dar
conta da complexidade das ciências, principalmente com a introdução das Ciências
Sociais e Humanas como reflexão sobre o cotidiano.
Profundas são as observações sobre a disjunção entre ciências e senso
comum, tentando perceber onde elas se cruzam e onde se afastam. Passam por
todo o século XX e chegam no início do século XXI com grandes transformações nas
Ciências Sociais e Humanas, resgatando agora o emocional, a integralidade do
sujeito: Razão e Emoção em pé de igualdade.
Nesta discussão, podemos trazer Foucault
7
, que diz que foi só a partir da
Modernidade que o conceito Homem começou a existir. Nos séculos XVII e XVIII o
conceito não existia e foi somente no século XIX, com os reflexos da Revolução
Francesa, os desequilíbrios sociais e a instauração da burguesia, que começou a
7
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
23
haver um certo tipo de reflexão sociológica. Também a Psicologia, tentando se firmar
como ciência, auxiliou na busca de uma ciência humana. Esta ciência, segundo
Foucault, tem seu lugar no intervalo de três dimensões. A primeira envolve as
ciências matemáticas e físicas, onde a ordem é sempre linear e dedutível. A
segunda, as ciências que tratam da questão estrutural, como as da linguagem, da
vida, da produção e da distribuição das riquezas. A terceira reflexão é a filosófica,
com a produção do pensamento do Mesmo
8
. E é neste “triedro epistemológico”
9
que
as ciências humanas encontram o seu lugar. Paradoxalmente, é justamente por ter
tal configuração que toda a tentativa de definir uma ciência humana é rodeada de
incertezas. É uma situação complexa, mas este é o lugar do conhecimento do
homem, “[...] nas vizinhanças, nas fronteiras imediatas onde se trata da vida, do
trabalho e da linguagem”
10
.
O nosso ponto de partida, então, se situa justamente no “lugar” em que
estas premissas começam a ser resgatadas e confluem no conceito Pós-Moderno.
O questionamento sobre o Pós-Moderno aponta para um fenômeno
contraditório, pois se trata de algo que está sempre desafiando o seu próprio
conceito. E esta é uma de suas primeiras características. Uns dizem que ele nasceu,
simbolicamente, às 8h15min do dia 6 de agosto de 1945, quando a bomba atômica
foi jogada em Hiroxima
11
. Há os que afirmam que Nietzsche
12
foi o pensador que
gerou seu início, pois já fazia uma crítica ao modernismo. Outros creditam a data de
1955 até 1960, quando há grandes “descobertas” nas ciências, nas artes e na
sociedade. Há ainda os que apontam um período anterior, em 1953, com a
descoberta do DNA, impulsionando a Biologia Molecular
13
, como um dos pontos
iniciais. Também quando, em 1955, arquitetos italianos
14
propõem uma
revalorização do passado e da cor local.
8
Sobre o assunto, sugerimos a leitura do texto “O homem e seu duplo”. In: FOUCAULT, Michel. Ibid.,
p. 319-359.
9
Ibid., p. 364.
10
Ibid., p. 368.
11
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é Pós-Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 20.
12
VATTIMO, Gianni. La Sociedad Transparente. Barcelona: Paidós, 1996. p. 82.
13
SANTOS, Jair Ferreira dos. Op. cit., p. 21.
14
HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo. Rio de Janeiro: Imago, 1991. p. 50-54.
24
Outros acontecimentos indicam a pós-modernidade na década de 50. Entre
eles, estão os quadros de Jasper Johns
15
, pioneiro do pop art, que ironiza a América
pintando uma bandeira americana sobre tela. Outro exemplo é oferecido por John
Barth
16
, que publica um romance considerado pela crítica da época como amoral e
cínico: A Ópera Flutuante. Em 1957, desenha-se o chip, começando a
miniaturização da informática. Também em 1957, os soviéticos lançam o Sputinik e
revolucionam a Astronáutica e as Telecomunicações. Temos o início da publicidade
em alta velocidade, o self-service, o marketing, a pílula, o rock, a minissaia, enfim, a
sociedade eletrônica pós-industrial. E isto tudo pode ser caracterizado como
movimento pós-moderno.
Para Santos
17
, há alguns elementos que dão pistas para reconhecer o
pós-moderno, como a Alta Tecnologia. Nela encontramos aparelhos que possibilitam
divulgar, armazenar, copiar, captar e produzir grande número de informações, dando
a cada indivíduo a possibilidade de ampliar suas relações num processo
comunicacional, onde cada um pode criar novos códigos e interferir na mensagem.
Esta alta tecnologia acaba gerando a Velocidade.
O Consumismo também faz parte destes elementos. Segundo Santos, esta
característica implica no fato de que o indivíduo, na sociedade de massa, procura,
até desesperadamente, destacar-se, impor-se como personalidade única. O
consumo passa a ser, então, o espaço da diferenciação.
Também o Niilismo é apontado como uma das características da pós-
modernidade. Nesta visão observa-se que: “Com tanta informação e discussão, não
há mais temas relevantes, as ideologias ficaram obsoletas e perderam o sentido, os
discursos repetem o que já foi dito e ouvido. O vazio e a redundância tomam conta
das manifestações artísticas e intelectuais”
18
. Isto acarreta uma expressão
pessimista, onde a estética prevalece sobre o conteúdo. Esta mesma expectativa
não deixa visualizar qualquer criação original. Em conseqüência, acaba tendo o
15
WOLFE, Tom. A Palavra Pintada. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 76.
16
SANTOS, Jair Ferreira dos. Op. cit., p. 21.
17
SANTOS, Roberto Elísio dos. Introdução à Teoria da Comunicação. São Bernardo do Campo:
IMS, 1992. p. 26.
18
Ibid., p. 27.
25
Pastiche como resultado. A cultura pós-moderna retrabalha velhos temas, dá nova
roupagem a antigos produtos, mistura estilos, faz citações.
Outra grande característica é o Simulacro:
Já que a realidade não corresponde aos desejos do indivíduo, os
meios de comunicação oferecem um substituto melhor: a fantasia,
produzida de maneira cada vez mais sofisticada. A publicidade, a TV, o
cinema e o vídeo game criam uma hiper-realidade, em que o usuário se
sente mais confortável, seguro ou feliz. Assim as mercadorias prometem
muito mais que seu próprio valor de uso: sugerem ao comprador a
satisfação de seu desejo de status, riqueza ou prazer. A essa abstração,
simulação da realidade, corresponde o simulacro, um mundo falso mais
atraente que o verdadeiro
19
.
Muitas e aceleradas mudanças. Com as novas tecnologias, a rapidez da
comunicação, o sistema financeiro criando um espaço e um tempo só seu, as
transformações sociais com um novo modo de pensar e agir, a rápida produção de
novidades em geral, a criação de outras motivações, desejos e necessidades. Surge
a volatilidade e a efemeridade na vida pós-moderna. Com estes novos estímulos
produzidos pelas transformações do mercado, despontam também novos signos,
novos símbolos.
Estas questões são relevantes e a apresentação dos elementos que
caracterizam o pós-moderno também, mas parece simplista demais reduzir o debate
a um conjunto de itens. A pós-modernidade envolve profundas teorizações. Por
outro lado, os elementos, mesmo listados de maneira simples, acabam dando uma
espécie de abertura para o estudo. Não é nossa intenção permanecer neste roteiro;
estamos propondo desconstruir o conceito pós-moderno a partir de alguns autores
selecionados, para apresentar uma panorâmica e tentar demonstrar a complexidade
do tema.
Harvey
20
, em seu trabalho Condição Pós-Moderna, diz que, para
entendermos o modernismo e o pós-modernismo, temos que passar, rapidamente,
pelo que Habermas chama de projeto da modernidade, que teve início no século
XVIII, junto aos pensadores iluministas.
A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas
pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação
19
Ibid., p. 8.
20
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 4.ed. São Paulo: Loyola, 1994. p. 23.
26
humana e do enriquecimento da vida diária. O domínio científico da
natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da
arbitrariedade das calamidades naturais
21
.
Deste modo, o desenvolvimento das formas racionais de organização social
e do pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da
superstição, liberação do uso arbitrário do poder, assim como do lado sombrio da
própria natureza humana.
O projeto da modernidade também teve críticos, como Edmundo Burke,
Malthus, Sade, e, em especial, no início do século XX, Max Weber e Nietzsche. O
argumento de Weber é que o Iluminismo trouxe o triunfo da “racionalidade
proposital-instrumental”
22
, que se alojou em todos os campos, desde a vida social e
cultural, até as estruturas econômicas, no Direito e no campo da Administração,
gerando a burocracia. Segundo Weber, esta racionalidade criou uma “jaula de ferro”,
aprisionou o homem em uma “racionalidade burocrática”, não dando espaço para a
realização concreta da liberdade.
Na outra ponta, Nietzsche mostra que o moderno gera uma energia vital, a
vontade de viver e de poder, em meio a um mar de desordem, anarquia, destruição,
alienação individual e desespero. Para ele, de nada valia todo o conjunto de
imagens iluministas sobre a civilização, a razão, os direitos universais e a
moralidade. Nietzsche afirma que a essência eterna e imutável da humanidade deve
ser representada por Dioniso
23
. Ser a um só e mesmo tempo destrutivamente
criativo e criativamente destrutivo [grifo nosso]. O caminho apontado por Nietzsche,
para a afirmação do eu, era agir, manifestar a vontade, no turbilhão da criação
destrutiva e da destruição criativa, mesmo que o desfecho estivesse fadado à
tragédia.
No modernismo, depois das críticas de Weber e em especial da intervenção
de Nietzsche, não foi mais possível dar à razão iluminista uma posição privilegiada
na definição da essência eterna e imutável da natureza humana. Nietzsche iniciou o
posicionamento da estética acima da ciência, da racionalidade e da política. Assim, a
21
Ibid., p. 23.
22
Apud HARVEY, David. Ibid., p. 25.
23
Ibid., p. 25.
27
exploração da experiência estética tornou-se um meio para o estabelecimento de
uma nova visão do “eterno e imutável”.
Com essa nova concepção do modernismo cultural, artistas, escritores,
arquitetos, compositores, poetas, pensadores e filósofos projetam uma posição
especial com relação ao “eterno e imutável” e toda a sua referência à efemeridade,
fragmentação e ao caos da vida moderna. Para eles, o artista moderno tinha um
papel criativo a desempenhar na definição da essência da humanidade. Desse
modo, o “eterno e imutável” não poderia mais ser automaticamente pressuposto. O
artista como indivíduo tinha uma função heróica a cumprir, mesmo que as
conseqüências fossem trágicas.
O pós-modernismo, por sua vez, aceita o efêmero, o fragmentário, o
descontínuo e o caótico. E responde a isso de uma forma bem particular. “Ele não
tenta transcender, opor-se e sequer definir os elementos ‘eternos e imutáveis’. O
pós-modernismo nada, e até se espoja, nas fragmentárias e caóticas correntes da
mudança, como se isso fosse tudo o que existisse”
24
. Harvey cita Foucault, para
exemplificar a posição pós-modernista:
[...] desenvolver a ação, o pensamento e os desejos através da
proliferação, da justaposição e da disjunção e a preferir o que é positivo e
múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxo às unidades, os arranjos
móveis aos sistemas. Acreditar que o que é produtivo não é sedentário, mas
nômade
25
.
Na medida em que não se tenta legitimar pela referência ao passado, o
pós-moderno remonta à ala do pensamento, de Nietzsche em especial, que enfatiza
o profundo caos da vida moderna e a impossibilidade de lidar com o pensamento
racional. E Harvey adverte que isto não indica que o pós-modernismo não passa de
uma versão modernista, mas com revoluções da sensibilidade.
Em contraponto a essas idéias, Hutcheon traz a metaficção historiográfica
como um elemento paradoxal do pós-moderno. Através do romance pós-moderno a
história é revisitada, havendo aproximação entre as disciplinas de literatura e história
do passado atualizado. Essa é uma relação complexa que trabalha a junção da
autenticidade histórica com a ficção literária. Para a autora: “A ficção pós-moderna
24
Ibid., p. 49.
25
Ibid., p. 49.
28
sugere que reescrever ou representar o passado na ficção ou na história é, em
ambos os casos, revelá-lo ao presente, impedi-lo de ser conclusivo e teleológico”
26
.
E esta é uma das possibilidades de fugir do totalizante.
Esses paradoxos são próprios da condição pós-moderna, como afirmam os
autores. Enquanto alguns estão negando o passado, outros passam redescobrindo o
presente, através do passado. Esta é também a incerteza no campo da definição de
conceitos como modernidade e pós-modernidade. Para Harvey, fragmentação,
efemeridade, descontinuidade e mudança caótica no pensamento modernista no
pós-moderno são importantes. Ele aponta Foucault e Lyotard como os que atacaram
a noção de metalinguagem, uma metanarrativa ou uma metateoria, por meio das
quais todas as coisas podem ser conectadas ou representadas com totalizantes.
Harvey ensina que as idéias de Foucault merecem atenção “[...] por terem
sido uma fonte fecunda de argumentação pós-moderna”
27
. O tema central em
questão é a relação entre o poder e o conhecimento, assim como Lyotard toma a
preocupação com a linguagem. E os dois acreditam que o conhecimento é a
principal fonte de produção, mas na pós-modernidade o difícil é definir o local do
conhecimento.
Para Lyotard, a linguagem é o vínculo social, porém este vínculo não é
realizado por um único “fio”. Há indeterminados “jogos de linguagem”. A vivência no
cruzamento desses jogos gera dificuldade em saber o local do conhecimento, pois
cada indivíduo pode produzir diferentes códigos e articular diversos jogos,
dependendo do local onde se encontra – seja na escola, no trabalho, na vida social,
na igreja, na política, na ciência, no direito. Com essa heterogeneidade de “jogos de
linguagem”, fica complexa a definição dos limites. Mesmo que instituições
governamentais, civis, militares, religiosas tentem impor regras, normas e limites,
elas próprias acabam sendo contaminadas pelas diversidades. Dão origem ao que
Lyotard chama de instituições em pedaços – determinismos locais. Podemos dizer
que esse determinismo estabelece certo grau de relações e limites de convivência
social, mas o grau de fragmentação e efemeridade é grande. E as relações em
26
HUTCHEON, Linda. Op. cit., p. 147.
27
HARVEY, David. Op. cit., p. 50.
29
grupo, assim como as regras, não possuem uma única voz, mas múltiplas escolhas,
provocando dificuldade na percepção dos limites.
Em Foucault, o conhecimento está no discurso e este, no decorrer da
História, sofreu uma revisão, subdividindo-se a partir dos gregos, no século VI. O
discurso da Verdade era o que mantinha a justiça, que profetizava o futuro, que
regulava a vivência do homem, e o discurso dizia quem tinha e quem não tinha
direito à voz e ao ritual de profetizá-lo. Um século após, com Platão, esse discurso
se rompe e “[...] a Verdade a mais elevada já não residia mais no que era o discurso,
ou no que ele fazia, mas residia no que dizia: chegou um dia em que a Verdade se
deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado:
para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência”
28
. Foi a partir
da divisão platônica que a “Verdade teve sua própria história”. Foucault trabalha o
discurso, principalmente, em duas instituições, na sexualidade e na política,
envolvendo com isto o desejo e o poder. A partir da relação entre desejo e poder, as
instituições acabam controlando uma sociedade, mas a exclusão acaba gerando
cruzamentos onde o discurso regulador tem fugas. Assim, os limites e o lugar do
conhecimento não são tão fáceis de serem definidos. Também a partir das suas
tríplices dimensões
29
: “É preciso aceitar introduzir a casualidade como categoria na
produção dos acontecimentos”
30
. Os acontecimentos geram e são construídos pelos
discursos e esse processo de correlação provoca lacunas, descontinuidades e isto
também dificulta a verificação do lugar do conhecimento. Para evidenciar a
dificuldade do local do discurso, reproduzimos a célebre frase, citada inúmeras
vezes, mas que é a que melhor exemplifica as premissas de partida de Foucault:
[...] o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é
simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também, aquilo
que é o objeto do desejo; e visto que isto a história não cessa de nos
ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do
qual nos queremos apoderar
31
.
Retornamos ao projeto do Iluminismo que considerava incontestável a
existência de uma única resposta possível a qualquer pergunta. Com isso o mundo
28
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1996. p. 15.
29
Estas dimensões já foram abordadas na parte inicial deste capítulo. Conferir também, do autor, o
texto As Palavras e as Coisas.
30
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Op. cit., p. 59.
31
Ibid., p. 10.
30
poderia ser controlado e organizado de modo racional, caso se pudesse apreendê-lo
e representá-lo de maneira correta. Este pressuposto, no entanto, presumia a
existência de um único modo correto de representação que, caso pudesse ser
descoberto (e era para isso que todos os empreendimentos matemáticos e
científicos estavam voltados), forneceria os meios para os fins iluministas. Assim
pensavam escritores tão diversos quanto Voltaire, D’Alembert, Diderot, Condorcet,
Hume, Adam Smith, Saint-Simin, Auguste Comte, Mattew Arnold, Jeremy Bentham e
John Stuart Mill.
Foi a partir do século XIX que a idéia de que só havia um modo possível de
representação começou a ser questionada. A dureza do pensamento iluminista
começou a ser contestada e logo foi substituída pela relação de discordância das
representações. Em Paris, Baudelaire e Flaubert começaram a explorar a
possibilidade de diferentes modalidades representacionais. Lembravam a
descoberta das geometrias não-euclidianas, que havia abalado a suposta unidade
da linguagem matemática no século XIX.
No início, esta visão era tímida. Logo se expandiu, gerando enorme
diversidade de pensamento e de experimentações, que se espalharam por todo o
mundo: Berlim, Viena, Paris, Munique, Londres, Nova Iorque, Chicago, Copenhagem
e Moscou. Seu apogeu pôde ser verificado pouco antes da Primeira Guerra Mundial.
Entre 1910 e 1915, a maioria dos comentadores vê o período como a época que
produziu uma grande transformação qualitativa na natureza do modernismo. Textos-
marco dessa ocasião são: O caminho de Swuann, de M. Proust (1913), Os
Dublinenses, de J. Joyce (1914), Filhos e Amantes, de W. Lawrence (1913), Morte
em Veneza, de T. Mann (1914) e o Manifesto Vorticista, de E. Pound (1914). Neste
último, o autor comparava a linguagem pura com a eficiente tecnologia da máquina.
Nessa mesma etapa, ocorre profunda transformação da lingüística com Saussure.
Saussure é considerado o fundador da Lingüística Moderna e o termo
Semiologia foi construído para designar a ciência geral dos signos. A semiologia de
Saussure provém do grego semeîon, que significa signo. “Ela nos ensinará em que
consiste os signos, que leis os regem”
32
, e não deve ser confundida com semântica,
o estudo do significado na língua. Nos estudos de Saussure, a língua é o mais
32
Apud NÖTH, Winfried. A Semiótica no Século XX. 2.ed. São Paulo: AnnaBlume, 1999. p. 18.
31
importante de todos os sistemas de signos e é diferente da fala. A língua é um
sistema organizado de signos que exprimem idéias e se inter-relacionam. Já a fala é
apenas uma forma de expressão com uma ordem linear, sucessiva, que não permite
alternativas de relações.
A teoria do signo de Saussure foi elaborada a partir de um modelo diádico.
Na concepção do autor, o signo tem duas faces: o significante e o significado. A
defesa da estrutura diádica é que a língua tem origem nas idéias e tanto o
significado como o significante fazem parte dessa dimensão, a mental. Em função
disto, as idéias não dependem de um objeto para existir. “O signo lingüístico une não
uma coisa a uma palavra, mas um conceito a uma imagem acústica”
33
. Para
Saussure, nada mais existe além do significado e do significante e, a partir do
sistema semiológico, se pode dar estrutura à Lingüística. Foi com essas concepções
que o Estruturalismo dos anos 60 fundou suas bases. A lingüística saussuriana foi o
modelo usado para “[...] a antropologia, a matemática, a biologia, a psicologia, para
as ciências sociais, história, filosofia e crítica literária”
34
.
As concepções lingüísticas ganham suporte a partir da Primeira Guerra
Mundial, com respostas políticas e intelectuais.
Abriu caminho para uma consideração daquilo que poderia
constituir as qualidades essenciais e eternas da modernidade relacionadas
na parte inferior da formulação de Baudelaire. Na ausência das certezas
iluministas quanto à perfectibilidade do homem, a busca de um mito
apropriado à modernidade tornou-se crucial. O escritor surrealista Luís
Aragon, por exemplo, sugeriu que seu objetivo centre em Paris peasant
(escrito nos anos 20) era elaborar um romance “que se apresentasse como
mitologia”, acrescentando “naturalmente, uma mitologia do Moderno”. Mas
também parecia possível construir pontes metafóricas entre mitos antigos e
modernos. Joyce escolheu Ulisses. [...] Mas quem ou o que estava sendo
mitologizado? Foi essa a principal interrogação do chamado período
“heróico” do modernismo
35
.
Entre as duas grandes guerras, o mundo estava um desastre, e a busca do
mito eterno tornou-se ainda mais imperativo. Mas essa busca foi confusa e perigosa.
O mito ou tinha de redimir do “universo informe da contingência” ou fornecer o
ímpeto para um novo projeto de ação humanista, como diz Harvey
36
.
33
Apud NÖTH, Winfried. Ibid., p. 31.
34
NÖTH, Winfried. Ibid., p. 111.
35
HARVEY, David. Op. cit., p. 38.
36
Ibid., p. 38.
32
O autor e filósofo italiano Gianni Vattimo, em seu texto La Sociedad
Transparente
37
, discute a questão do mito reencontrado. Para o autor, falar em mito
em nossa cultura, hoje, é pensá-lo como um contraponto ao pensamento científico.
O mito é narrativo, fantástico, carregado de emoções e com pouca ou nenhuma
pretensão à objetividade. “Tem a ver com religião, rito e magia, e a ciência nasce
para desmitificar, como desencanto do mundo”
38
.
Um dos grandes problemas da sociedade contemporânea é o de definir o
mito. Para Vattimo, a citação de Cassirer, de 1923, é talvez a última grande
teorização filosófica acerca do mito no século XX e traz um elemento essencial para
a teoria do mito: “[...] a idéia de que ele é um saber ‘precedente’ ao científico, mais
antigo, menos maduro, mais ligado aos rasgos infantis ou adolescentes da história
da mente humana”
39
.
Na citação de Cassirer, lê-se:
Por tratar, de qualquer forma, de se constituir em consideração
teórica e explicação do mundo, enfrenta não tanto a realidade fenomênica
imediata, quanto, sobretudo, a transfiguração mítica de tal realidade. Muito
antes de que o mundo se apresente à consciência como um complexo de
“coisas” empíricas e de propriedades empíricas, se apresenta como um
complexo de potências e de ações
40
.
Para Vattimo, tanto a posição de Cassirer, como a de Lévi-Straus – que
também vê o mito como um passado para nossa cultura, mesmo sendo anti-
historicista –, causa um desconforto, pois todas as teorias modernas “[...] se
formularam sempre no horizonte de uma concepção metafísica, evolutiva, da
história, e hoje se perdeu esse horizonte de filosofia da história, assim o
pensamento/teoria filosófico de mito também deve ser reformulado”
41
.
Vattimo diz ainda que a idéia de desmitificar acaba construindo outro mito: “o
mito da desmitificação”. Assim, se pretendermos formular teorias sobre mito, tais
teorias devem partir deste ponto: “Se queremos ser fiéis a nossa experiência
histórica, deveremos levar em conta que, uma vez desvelada a desmitificação como
37
VATTIMO, Gianni. Op. cit.
38
Ibid., p. 113.
39
Ibid., p. 113.
40
Apud VATTIMO, Gianni. Ibid., p. 113.
41
VATTIMO, Gianni. Ibid., p. 114.
33
um mito, nossa relação com o mito não retorna intacta, mas, sim, marcada por esta
experiência”
42
.
Após a segunda Grande Guerra, a busca do mito começa a desaparecer, o
modernismo começa a ser um sistema internacional e surge, então, a imagem da
racionalidade incorporada na máquina, na fábrica, no poder da tecnologia. As
mudanças internacionais começaram a ficar mais estáveis. Estamos no que Harvey
chama de alto modernismo:
A arte, a arquitetura, a literatura tornaram-se artes e práticas do
establishment, numa sociedade em que uma versão capitalista corporativa
do projeto iluminista de desenvolvimento para o progresso e a emancipação
humana assumira o papel de dominante político-econômica
43
.
Com as idéias de Foucault – relação entre poder e conhecimento – e de
Lyotard – jogos de linguagem gerando determinismos locais – caiu o imperialismo da
Modernidade, que pretendia falar pelos outros com uma voz unificada. Carol
Gilligam, In a Different Voice (1982), por exemplo, cria uma obra feminista que
ataca a moralidade fixa do masculino, ilustra o processo de contra-ataque às
pressuposições universalizantes. Assim, surge a idéia de que todos os grupos têm o
direito de falar por si mesmos, com sua voz, o que gera o pluralismo pós-moderno.
Com esses conceitos, uma nova interpretação começa a surgir. Admitem-se
tipos particulares de conhecimentos, textos. O pluralismo, a polissemia, a citação, a
recorrência, as vozes, a fragmentação são aceitos.
Enquanto os modernistas pressupunham uma relação rígida e
identificável entre o que era dito (o significado ou mensagem) e o modo
como estava sendo dito (o significante ou meio), o pensamento pós-
estruturalista os vê separando-se e reunindo-se continuamente em novas
combinações. O desconstrucionismo [sic] (movimento iniciado pela leitura
de Martin Heidegger por Derrida no final dos anos 60) surge como um
poderoso estímulo para os modos de pensamento pós-moderno
44
.
O pós-estruturalismo de Derrida é um novo modo de pensar e ler textos que
se apresentam como estímulo para o modelo de pensar. Tanto o crítico como a obra
entram em intersecção com outros textos e a vida cultural é vista como um
entrelaçamento de textos. Com isto, Derrida considera a colagem/montagem a
42
Ibid., p. 128.
43
HARVEY, David. Op. cit., p. 42.
44
Ibid., p. 55.
34
modalidade primária de discurso pós-moderno. O produtor cultural só cria
matérias-primas. Os consumidores são os que farão a recombinação desses
elementos, na ordem em que quiserem. A continuidade é vista, então, a partir do
fragmento.
Harvey, porém, discute como poderíamos aspirar a agir coerentemente
diante do mundo, se não podemos aspirar a qualquer representação unificada do
mundo, nem retratá-lo com uma totalidade cheia de conexões e diferenciações.
A resposta pós-moderna simples é de que, como a representação
e a ação coerentes são repressivas ou ilusórias (e, portanto, fadadas a ser
autodissolventes e autoderrotantes), sequer deveríamos tentar nos engajar
em algum projeto global. O pragmatismo (do tipo de Dewey) se torna então
a única filosofia de ação possível. Assim, vemos Rorty (1985), um dos
principais filósofos americanos do movimento pós-moderno, descartando a
seqüência canônica de filósofos de Descartes a Nietzsche como uma
distração da história da engenharia social concreta que fez da cultura norte-
americana contemporânea o que ela é agora, com todas as suas glórias e
todos os seus perigos. [...] Da mesma forma, vemos Lyotard alegando que o
consenso se tornou um valor suspeito e ultrapassado, mas acrescentando,
o que é bem surpreendente, que, como a justiça como valor não é
ultrapassada nem suspeita, devemos chegar a uma idéia e uma prática da
justiça que não estejam ligadas à de consenso
45
.
Habermas é lembrado por Harvey quando tenta combater esse relativismo e
derrotismo em relação ao projeto iluminista, pois ele vê como perigo a simplificação
de algumas metanarrativas, admitindo que a razão tomou um curso simplificado na
história. Esse autor também se preocupa com a linguagem, presente no texto Teoria
da Ação Comunicativa, quando Habermas insiste nas qualidades dialógicas da
comunicação humana, a partir das quais falante e ouvinte se orientam para a
compreensão mútua. Essa compreensão mútua é que uniria as pessoas em uma só
normatização da vida diária. O consenso criaria uma razão universalizante.
Outro aspecto salientado por Harvey é que os pensadores contemporâneos,
como Newman, Jameson e Mandel, têm o capitalismo e o economicismo como base
de toda a estética pós-moderna. Toda a produção cultural hoje está inserida no
contexto do mercado, mas, por outro lado, a cultura chega até a grande massa. E
chega pelos Meios de Comunicação.
45
Ibid., p. 55-56.
35
Essa discussão está bem colocada em Vattimo, quando afirma o sentido do
pós-moderno como intimamente ligado à sociedade atual, à sociedade da
comunicação generalizada, à sociedade dos mass media. No “nascimento” de uma
sociedade pós-moderna, os mass media desempenham papel determinante e
principal dessa sociedade:
[...] que isto caracterizam tal sociedade, mas não uma sociedade
mais “transparente”, mais consciente de si mesma, mais iluminada, mas sim
como uma sociedade mais complexa, e caótica inclusive, que precisamente
neste caos relativo residem nossas esperanças de emancipação
46
.
Os meios de comunicação de massa, conforme Vattimo, são os
determinantes para a dissolução da idéia de ponto de vista central ou do que Lyotard
chama de “os grandes relatos”. Representam uma passagem para a pós-
modernidade, onde as minorias tomam a palavra. “A nossa idéia da realidade está
no entrecruzar das múltiplas imagens, interpretações e reconstruções que competem
entre si e acabam chegando aos Meios”
47
. A partir dessa idéia, os MCM estão
provocando a erosão dos princípios de realidade e, com isso, estão liberando as
diferenças e os “dialetos”, a partir do estranhamento. Estranhamento é perceber que
“[...] a minha não é a única língua, mas um dialeto entre outros. [...] Viver neste
mundo múltiplo significa experimentar a liberdade como oscilação contínua entre
‘pertencer’ e o estranhamento”
48
.
Ficção, fragmentação, colagem e ecletismo, todos infundidos de um sentido
de efemeridade e de caos, são, talvez, os temas que dominam as práticas culturais
do pós-moderno.
Aqui reiteramos a repetição em nosso texto e repetimos que, assim como na
filosofia e na linguagem, a pós-modernidade também pode ser vista com os
movimentos antimodernistas e anticulturais. Esses movimentos tiveram suas raízes
após a Segunda Guerra Mundial. O trauma provocado pelas guerras era difícil de ser
absorvido e de ser representado. O impressionismo abstrato, com pintores como
Rothko, Gottlieb e Jackson Pollock, foi uma tentativa de respostas a esse trauma. O
movimento surgiu nos Estados Unidos, e era um exemplo do compromisso
norte-americano com a liberdade de expressão, com o individualismo e com a
46
VATTIMO, Gianni. Op. cit., p. 78.
47
Ibid., p. 81.
48
Ibid., p. 86.
36
liberdade de criação. A arte, neste ponto, já tinha sido assimilada pelo establishment
político e cultural como arma ideológica na guerra fria.
Essa absorção significou que, pela primeira vez na história do
modernismo, a revolta artística e cultural, bem como a revolta política
progressiva, tiveram de ser dirigidas para uma poderosa versão do próprio
modernismo. O modernismo perdeu seu atrativo de antídoto revolucionário
para alguma ideologia reacionária e tradicionalista
49
.
As manifestações que estavam ligadas às universidades, aos institutos de
artes e às produções culturais alternativas das grandes cidades cresceram, tomaram
as ruas e culminaram no movimento de 68. Chicago, Paris, Praga, Cidade do
México, Madri, Tóquio e Berlim são expoentes desse movimento global. Conforme
Harvey, foi
quase como se as pretensões universais de modernidade tivessem, quando
combinadas com o capitalismo liberal e o imperialismo, tido um sucesso tão
grande que fornecessem um fundamento material e político para um
movimento de resistência cosmopolita, transnacional e, portanto, global, à
hegemonia da alta cultura modernista
50
.
No momento em que as ruas são invadidas e os espaços públicos utilizados,
nos remetemos à discussão da arquitetura. A arquitetura é um dos prismas de maior
complexidade para discutir pós-modernidade. Encontramos exemplos da
representação e caracterização de “arquitetura pós-moderna” em lugares os mais
diversos. É possível verificá-la em cidades de primeiro mundo, com toda a tecnologia
e capital existente, e também em cidades terceiro-mundistas, onde industriais,
políticos ou mesmo traficantes contratam arquitetos para construírem suas casas,
segundo uma estética peculiar. Essas construções são colagens, reproduções de
colunas gregas, templos góticos, casas coloniais inglesas e americanas. Tudo isso
aliado à mais alta tecnologia para a segurança, por exemplo.
Para Harvey, o projeto arquitetônico do modernismo tem na Bauhaus
51
, a
sua principal escola. A máxima dessa perspectiva era “a máquina é o nosso meio
moderno de design”. Ela redefiniu o ofício artesanal através da formulação de que a
estética, para a grande massa, deveria ser eficiente e agradável, como a máquina.
49
HARVEY, David. Op. cit., p. 44.
50
Ibid., p. 44.
51
Bauhaus foi a primeira escola de design, fundada após a primeira Guerra Mundial, por Walter
Gropius, na Alemanha. Para conhecer mais, recomendamos a leitura do texto: GROPIUS, Walter.
BAUHAUS: Novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1988. [Debates].
37
Segundo tal perspectiva, as cidades passam a ser uma questão fundamental do
modernismo. Constituiu-se no que se pode chamar a arte das cidades. Foi uma
reação à crise da organização, do empobrecimento e da congestão urbana, a partir
da qual a tendência de prática e pensamento modernista foi moldada
52
.
A arquitetura moderna tendia para uma arquitetura despojada, funcionalista,
com superfícies austeras, com os planos urbanos em largas escalas. As cidades
estavam sendo remodeladas, estavam se internacionalizando. Na Europa, em
especial, após os desastres das guerras, a arquitetura modernista voltou-se mais
ainda para a revitalização das cidades. As idéias de arquitetos – como Le Corbusier
e Mies van de Rohe – eram de reformular tudo, construir novos hospitais, escolas,
obras públicas, fábricas. Tendiam para a renovação urbana. A concepção de
renovação, no entanto, era desumanizante, porque acabava tentando impor
construções e especificações arquitetônicas aos sujeitos. O mito era a “máquina
eficiente” como suficientemente capaz de encarnar as aspirações humanas. Essa
visão atinge o auge com o alto modernismo.
Para Jameson, a arquitetura moderna tentou esconder as condições reais da
vida moderna. A tentativa de esconder a cidade e suas ruelas que ainda remetiam à
visão do burgo, fazia parte da busca de um espaço moderno para o bem-estar
social. A arquitetura moderna, com Frank Lloyd Wright e Le Corbusier,
envolvia também, com certeza, a sanitarização da própria cidade, a limpeza
de todas aquelas profundezas e espaços de diferença radical, da qual a
cour des miracles, de Victor Hugo (em Notre Dame de Paris) e o Tom-all-
alone de Dickens (em Bleak Hause) são ainda as figurações precursoras
mais memoráveis
53
.
Segundo Hutcheon, o arquiteto moderno patrulha a vontade do cliente. O
profissional, em nome do cientificismo, é quem sabe o que é melhor. A citação de Le
Corbusier sobre a época é esclarecedora: “A sociedade controlada pelos iluminados
homens de negócios e pelo arquiteto, ambos produtos de uma força impessoal,
52
São expoentes modernistas, desde Haussmann com uma proposta de reformulação de Paris em
1860; Ebenezer Howard, a cidade-jardim, em 1898; Daniel Burnham, a cidade branca, em 1893, e o
Plano Regional de Chicago de 1907; Guarnier, a cidade industrial linear de 1903; Camilo Sitte e Otto
Wagner, transformaram Viena fin-de-siècle; Le Corbusier, a cidade do futuro e o Plano Voisin, 1924;
Frank Lloyd Wright, o projeto Broadacre, de 1935; até a tentativa de renovação urbana feita nos anos
50 e 60, no espírito do alto modernismo.
53
JAMESON, Frederic. As Sementes do Tempo. São Paulo: Ática, 1997. p. 158.
38
universal e trans-histórica, simbolizada pela máquina”
54
. Por outro lado, o arquiteto
pós-moderno retoma o conceito estético e social de continuidade e comunidade.
Não rejeita o conhecimento, os materiais e nem mesmo a tecnologia moderna. Quer
utilizar tudo, desde o mais primitivo, até questionar o contemporâneo. A intenção é
participar de todo o processo, não estando nem acima ou fora da experiência e
vivência do cliente, e o cliente por sua vez participa das decisões levantadas pelo
profissional.
Para Charles Jenks, a data simbólica do pós-modernismo na arquitetura é
quando, em 1972, um projeto de desenvolvimento da habitação Pruitt-Igoe, de St
Louis, de Le Corbusier, foi dinamitado.
A arquitetura pós-moderna volta-se para o homem, para o individualismo,
para o prazer, para o ornamento, para o romantismo. Os espaços começam a ser
reabilitados para um ambiente urbano mais satisfatório. No planejamento urbano, é
norma procurar estratégias pluralistas e orgânicas para a abordagem do
desenvolvimento como uma colagem de espaços e misturas altamente
diferenciados, em vez de perseguir planos grandiosos baseados no zoneamento
funcional de atividades diferentes. E Harvey diz mais, a cidade-colagem é agora o
tema e a revitalização urbana substitui a vila. Renovação urbana é a palavra-chave
dos planejadores.
A arquitetura pós-moderna libertou-se:
Agora o novo edifício isolado não tem nem mesmo um tecido em
que se “encaixar”, como alguma palavra bem escolhida, ele não tem mais a
opção de constituir uma parte do discurso em uma produção lingüística
vernácula, ao contrário, ele tem de meramente replicar o caos e as
turbulências à sua volta
55
.
Para o autor, o paradoxal é que essa “construção individual” pode levar ao
totalizante também. Antes, Le Corbusier queria apresentar um microcosmo que
escondesse a decadência. Já no Pós-Moderno, o shopping center é esta
representação: a tentativa de dar segurança, regramento de conduta ao mundo
efêmero, caótico e consumista da estética.
54
Apud HUTCHEON, Linda. Op. cit., p. 49.
55
JAMESON, Frederic. Op. cit., p. 164.
39
A arquitetura pós-moderna é jovem e circular. O submundo e o sobremundo
dos condomínios e lofts
56
se relacionam no espaço da cidade sem problema algum.
É um espaço livre, sem nenhuma jurisdição, onde a persona social se dissolve. Para
Jameson, é a terra de ninguém, mas não deve ser vista como um pesadelo. É
simplesmente um
tipo diferente de práxis, onde a excitação toma lugar do medo – o espaço da
aventura substitui a velha paisagem do romance medieval com um espaço
inteiramente construído e pós-urbano infinito, no qual a propriedade
corporativa de certa forma aboliu a velha propriedade privada individual,
sem se tornar pública
57
.
A partir deste ponto, apresentamos outra grande discussão que o
pós-modernismo suscita: as dimensões de Tempo e Espaço. Fazendo uma pequena
retrospectiva histórica, podemos dizer que uma das noções pós-modernas dessas
dimensões está na Nova Física, no começo deste século, com Albert Einstein. Muito
embora a Filosofia discuta essas noções desde o tempo dos gregos, ao abordarmos
o conceito de Neobarroco, no próximo capítulo, estaremos trazendo a concepção de
tempo e espaço através de Aristóteles e Kant. Nesse sentido, acreditamos
interessante abordar a Física, pois ela consegue romper com a simplificação ou
redução desses conceitos. Einstein formulou, então, duas novas formas de pensar a
Física. A primeira foi a Teoria da Relatividade; a outra foram os pressupostos sobre
a radiação eletromagnética, que acabaram gerando a Teoria Quântica. Essas duas
novas teorias põem abaixo todas as concepções newtonianas da Física Clássica,
transformando a noção de “tempo e espaço absoluto” em uma nova percepção
dessas duas premissas básicas da existência humana.
Para Newton
58
, “tempo” era uma dimensão absoluta, sem qualquer vínculo
com o mundo material, e fluía uniformemente do passado através do presente e em
direção ao futuro. Essa visão linear gerava um rigoroso determinismo e provocava
uma visão mecaniscista e redutora do que podemos chamar de realidade. Esse
pensamento comandou, desde o século XVIII, toda a formulação teórica e a vida
56
Edificações industriais recicladas para moradia, cuja característica principal é o espaço interno
amplo e sem divisórias. Atualmente, esta concepção espacial também está sendo utilizada para
novas edificações.
57
JAMESON, Frederic. Op. cit., p. 149.
58
Apud CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 1984. p. 48.
40
cotidiana. A transformação ocorreu no início do século XX, com a Teoria da
Relatividade.
Para Einstein, o Espaço não é tridimensional e o Tempo não se constitui em
uma entidade isolada. Para ele, o “espaço-tempo” forma um continuum
quadrimensional. E também não existe qualquer “fluxo universal do tempo”. Um
mesmo fato pode ser visto de diversas formas e de diferentes pontos de vista por
pessoas diferentes. Einstein muda o ponto de vista da noção de tempo-espaço, que
passa a ser elemento básico da linguagem de um observador. Não são mais noções
onipresentes e deterministas, mas noções integradas e, ao mesmo tempo, bases
para qualquer descrição dos fenômenos naturais. Muda, assim, a concepção de
distanciamento, que era tão primorosa para o mecanicismo. Inicia-se uma nova
interação e posicionamento do sujeito, frente aos fenômenos físicos, frente ao
cotidiano.
A outra teoria é a Teoria Quântica, que abala o conceito da Física Clássica,
onde os átomos são partículas sólidas. Percebe-se que os átomos possuem, além
das partículas sólidas, pequenas partículas que são chamadas de subatômicas, com
uma natureza abstrata e um aspecto dual. Dependendo da forma como é feita a
observação, elas se comportam como partículas ou como ondas. Essa dualidade
aparece também com a luz.
A partir da dualidade da luz e das partículas, observa-se que elas podem se
deslocar em qualquer direção, tomar conta de qualquer espaço. Como afirma Dentin,
“[...] podem agora percorrer os caminhos interditados pelas leis clássicas, violar
certas regras”
59
. Percebemos, então, que o homem começa a abandonar a noção
determinista e a pensar em uma noção complexa.
Ainda na retrospectiva histórica, antes da Física Moderna ou Nova Física,
temos a noção de desenvolvimento mecânico, em uma ordem positivista. A razão
acima da emoção. Essa necessidade de ordenação da natureza, para que houvesse
desenvolvimento, refletiu-se no dia-a-dia do homem. E essa ordem passou pela
orientação do tempo, no cotidiano. Dos séculos XVII ao XIX houve uma
59
DENTIN, Serge. O Virtual nas Ciências. In: PARENTE, André (Org.). Imagem Máquina – a Era das
Tecnologias do Virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. p. 136.
41
transformação na noção do tempo, sendo criado o “Tempo médio”
60
. A partir dessa
lógica, o dia não segue mais a ordem do sol, onde o clarear aponta para o despertar,
e o cair do sol, para a hora de se recolher. O capital passa, então, a impor o seu
tempo ao cidadão.
O mundo no qual os homens agora circulam, para se unificar, tem
que ajustar a maneira de se contabilizar o fluir do tempo, sem o que sua
racionalidade não encontraria meios para se concretizar. O tempo,
representação social por excelência, se adequa às exigências de uma
civilização urbano-industrial. Tempo mundial, que se impõe a todos os
países, independentemente de suas peculiaridades, ou de suas
idiossincrasias
61
.
Para Harvey, Espaço e Tempo têm o início de suas mudanças marcado na
Renascença através do resgate do indivíduo. O perspectivismo
62
foi o marco da
transformação que fez surgir a nova percepção de Espaço, pois era possível
apreendê-lo. A cartografia
63
veio nesse rastro, auxiliando nas transformações e, a
partir do saber cartográfico, quem conhecia o domínio do espaço tinha o poder
econômico e, muitas vezes, o político. Assim, a Europa viu serem refeitas as
divisões das terras. O que antes pertencia a uma dinastia, agora poderia ser
adquirida por uma outra família. Onde antes era proibido entrar, agora já se tinha o
livre acesso. A Europa viu nascer a dominação do espaço e todos os problemas da
sua produção. Quem vence nessa batalha é quem tem a terra para ser vendida e,
por conseqüência, quem tem o dinheiro. O fator “tempo”, como já abordamos,
também sofre alterações em função do aparecimento da produção. O horário, então,
não era mais delimitado pelo sol, agora o homem era quem o controlava. Os
pensadores iluministas procuravam uma sociedade melhor; ao fazê-lo, acreditavam
que a ordenação racional do espaço e do tempo na construção da sociedade
garantiria a liberdade individual e o bem-estar humano.
Mas todos os projetos iluministas tinham em comum uma
concepção, com certo grau de unificação, da importância do espaço e do
tempo e de sua ordenação racional. Essa base comum dependia em parte
da disponibilidade popular de relógios, bem como da capacidade de difundir
60
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 50.
61
Ibid., p. 51.
62
É a representação do efeito visual de profundidade no plano do quadro ou desenho. Foi introduzido
no Renascimento. Segundo FONSECA, Joaquim da. Comunicação VisualGlossário. Porto Alegre:
Ed. da UFRGS, 1990. p. 86.
63
É a ciência de compor carta geográfica. A representação da imagem da terra, mediante
convenções cartográficas em uma superfície plana. FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
p. 360.
42
o conhecimento cartográfico por intermédio de técnicas de impressão mais
baratas e mais eficientes. Mas também dependia de vínculo entre o
perspectivismo da Renascença e um conceito do indivíduo como fonte e
continente últimos do poder social, embora assimilado no interior da Nação-
Estado como um sistema coletivo de autoridade
64
.
Tais condições de objetivos comuns geraram uma crescente competição
entre Estados e outras unidades econômicas. A racionalização e coordenação do
tempo e espaço acirraram-se mais em todos os níveis, transporte, comunicação,
economia, no tocante à propriedade privada e a municipalidades. A competição foi a
resposta imediata e, no final do século XIX, surge a primeira crise do capitalismo. O
sentido de tempo físico e social, formulado no pensamento iluminista, se desfaz.
Com o dinheiro como ponta de lança, o século XX viu o capitalismo tornar-se
internacional. Essas transformações geravam crises de representação. A
insegurança surge como resultado dessa crescente condição. O contexto era
complexo, e Harvey esclarece:
Mas, naquele momento, racionalidade significava mais do que
planejar com a ajuda do mapa e do cronômetro ou sujeitar toda a vida social
ao estudo do tempo e do movimento. Novos sentidos de relativismo e
perspectivismo podiam ser inventados e aplicados à produção do espaço e
à ordenação do tempo
65
.
Esse é o grande paradoxo da compreensão das transformações do tempo-
espaço. O espaço era aniquilado pelo tempo. Ao mesmo tempo em que tais embates
se davam, duas tendências de pensamento andavam juntas: o universalismo e o
particularismo. Com a crescente mudança da relação espaço-tempo, com a crise da
cultura burguesa, houve também uma crescente valorização do universalismo. A
valorização do que era de fora foi surpreendente. Por outro lado, o que era da casa
também tinha seu valor. Este conflito se trava no modernismo e chega até a
pós-modernidade, ou, então, ao que Jameson chama de alto-modernismo e brota do
“[...] capitalismo tardio em si, que nos leva a indagar se pluralismo e diferenças não
são, de alguma forma, correlatas com a sua própria dinâmica interna mais
profunda”
66
.
64
HARVEY, David. Op. cit., p. 234-235.
65
Ibid., p. 246.
66
JAMESON, Frederic. Op. cit., p. 205.
43
O desenvolvimento moderno, no início do século XX, promove, então, a
industrialização. Termos como produção em série, ordenação e agilização do
trabalho aparecem no vocabulário e nos hábitos da população. Ao mesmo tempo em
que penetra no cotidiano do cidadão, o desenvolvimento tecnológico é promovido
em ritmo cada vez mais acelerado. Há preocupação constante de maior produção e
maior aproveitamento do tempo na produção. Este desenvolvimento tecnológico/
industrial transforma, novamente, a noção de tempo que o cidadão tinha com
relação ao seu cotidiano. Tudo fica muito mais rápido, os segundos passam a
contar, a fazer diferença na vida diária.
A indústria dos anos sessenta e setenta acelera ainda mais esse processo,
criando sistemas organizacionais, como o just-in-time, com redução dos estoques.
Alia-se a isso o desenvolvimento das novas tecnologias eletrônicas. A produção
industrial intensifica-se, o tempo de giro da mercadoria necessita de um consumidor
mais ágil. É um processo de “roda-viva”, um provocando o outro. E a percepção do
tempo toma novo rumo. O efêmero aparecendo... O processo começa nos
trabalhadores das indústrias e gira até chegar no consumo em massa, passando
pela própria família do trabalhador da fábrica. Nada escapa a essas mudanças.
A efemeridade ganha tanta proporção que, segundo Harvey, pela primeira
vez na história do homem “o mundo passou a se apoiar em formas imateriais de
dinheiro”
67
. Exemplo claro são industriais que aplicam na bolsa de valores em Nova
York e, utilizando-se da rapidez das novas tecnologias e dessa imaterialização,
aplicam o mesmo dinheiro no Japão, ganhando, assim, dobrado. São as novas
tecnologias, agilizando o tempo, e a base da discussão é histórica e material.
Para Harvey, essa nova condição da humanidade “[...] é semelhante, em
termos qualitativos, à que levou à Renascença e a várias reconceitualizações
modernistas do espaço e do tempo”
68
. Interessante também a posição de Foucault
sobre a condição do espaço. Ele vê o lugar e o Ser, com todas as suas qualidades
estéticas associadas, como base adequada da ação social. Temos aqui, então, uma
forte questão pós-moderna. Segundo Foucault, o continuum
69
da natureza é quem
sustenta a noção de tempo e espaço. Os fósseis e os monstros, para o autor, são
67
HARVEY, David. Op. cit., p. 268.
68
Ibid., p. 274.
69
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Op. cit., p. 175.
44
exemplos de como observar a noção do tempo, assim como o espaço. Os fósseis
exemplificam o contínuo e os monstros, as diferenças. Com isto, para estudar o
espaço e o tempo, há a necessidade de conhecer todos os detalhes da vida.
Harvey também usa uma definição de Jameson, para ilustrar a
complexidade da questão tempo e espaço no pós-moderno, muito embora diga que
o autor exagera um pouco na condição do caráter ímpar e novo dessa experiência.
Peculiaridades espaciais do pós-modernismo como sintomas e
expressões de um dilema novo e historicamente original, dilema que
envolve a nossa inserção como sujeitos individuais num conjunto
multidimensional de realidades radicalmente descontínuas, cujas estruturas
vão dos espaços ainda sobreviventes da vida privada burguesa ao
descentramento inimaginável do próprio capital global, incluindo tudo que há
entre eles
70
.
Harvey diz que uma resposta a essa nova situação talvez passe por uma
nova reformulação de “[...] nossos mapas mentais e das nossas atitudes e
instituições políticas”. E conclui:
A intensidade da compressão do tempo-espaço no capitalismo
ocidental a partir dos anos 60, com todos os seus elementos congruentes
de efemeridade e fragmentação excessivas no domínio político e privado,
bem como social, parece de fato indicar um contexto experiencial que
confere à condição da pós-modernidade o caráter de algo um tanto
especial
71
.
Para Hutcheon, “O pós-modernismo tenta ser historicamente consciente,
híbrido e abrangente. A curiosidade histórica e social aparentemente inesgotável e
uma postura provisória e paradoxal (um pouco irônica, embora com envolvimento)
substituem a postura profética e prescrita dos grandes mestres do modernismo”
72
.
Com isto, ela nos sinaliza, assim como Foucault, a existência de um contínuo para o
conhecimento do tempo e do espaço. Para a autora, o conhecimento se dá através
de textos. Essa é sua grande ancoragem.
Hutcheon diz que o pós-moderno é um fenômeno contraditório, sempre
acompanhado de questionamentos negativos – des, in e anti –, afirmando uma
descontinuidade, um desmembramento, deslocamento, descentralização,
indeterminação, antitotalização. Segundo a autora, essa marca acaba desafiando o
70
Apud HARVEY, David. Op. cit., p. 274.
71
HARVEY, David. Ibid., p. 275-276.
72
HUTCHEON, Linda. Op. cit., p. 52.
45
seu próprio conceito. Para Hutcheon, o pós-moderno tem limites e não é sinônimo
para o complexo contemporâneo. É um fenômeno cultural europeu e americano,
envolvendo norte e sul. Tem como principais características o contraditório, político e
traz a presença do passado e uma postura irônica. Também não é um novo
paradigma, mas serve como marco para “o surgimento de algo novo”
73
.
Ainda para Hutcheon, o pós-moderno trabalha com os discursos teóricos e
provoca aproximação das áreas científicas – História, Sociologia, Psicologia – com a
Literatura, através do resgate do passado. Não nega “estúpida e euforicamente” que
o passado existiu, mas apenas afirma que agora, para nós, seu acesso está
totalmente condicionado pela textualidade. “Não podemos conhecer o passado, a
não ser por meio de seus textos: seus documentos, suas evidências, até seus
relatos de testemunhas oculares são textos”
74
.
Texto sobre texto; estamos na intertextualidade. Esse termo foi creditado a
Kristeva e vem da tradição dos estudos russos, dos estruturalistas, especialmente
com Jakobson
75
e sobretudo com Bakhtin, que trabalhavam com a idéia de interação
entre estruturas inseridas em um campo social e histórico. É importante salientar
sempre que são estruturas significantes. Para Kristeva, “[...] qualquer texto se
constrói como um mosaico de citações e é observação e transformação dum outro
texto”
76
e texto é sinônimo de “sistema de signos”, quer literários, orais, símbolos
sociais ou inconscientes. Para a autora, esse “sistema de signos” é visto como
originário das pulsões e do social. Comentando a visão de Kristeva, Jenny afirma
que ela traz à intertextualidade uma soma misteriosa e confusa de influências.
Conforme Jenny, intertextualidade é a “transformação e assimilação de vários textos,
operado por um texto centralizador, que detém o comando do sentido”
77
.
Eco, teórico que repensa os limites da interpretação
78
, explora essa vertente,
observando que um primeiro limite é que qualquer sistema apresentado deve ser
73
Ibid., p. 21.
74
Ibid., p. 34.
75
JAKOBSON, Roman Ossipovitch; MUKAROVSKY, Jan. Formalismo russo, estruturalismo tcheco.
In: TOLEDO, Dionísio (Org.). Círculo Lingüístico de Praga: Estruturalismo e Semiologia. Porto
Alegre: Globo, 1978.
76
Apud JENNY, Laurent. A Estratégia da Forma. In: Intertextualidade. Coimbra: Almedina, 1979.
p. 13.
77
JENNY, Laurent. Ibid., p. 14.
78
ECO, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 1995.
46
passível de interpretação. Do contrário não haveria entendimento algum. Outro limite
é a condição de semiose. Segundo Eco,
temos um fenômeno semiótico quando, no interior de um dado contexto
cultural, um dado objeto pode ser representado pelo termo rosa e o termo
rosa pode ser interpretado por flor vermelha, ou pela imagem de uma rosa,
ou por toda uma história que narre como se cultivam rosas
79
.
Outra condição dos limites da interpretação é apontada por Eco. Segundo
ele, trata-se de “[...] um processo triádico porque é sempre um confronto entre duas
ocorrências (uma atual e outra lembrada) e um tipo”
80
. E, aqui, um ponto básico para
os limites da interpretação é a cultura. Toda e qualquer interpretação tem o limite da
cultura e os diferentes contextos que estão envolvidos. Com o contexto, estamos
incluindo todas as considerações históricas, ideológicas, as contradições, enfim, os
processos de significação que compõem essa cultura. E entendemos significação
como uma maneira como nossos diversos sistemas de signos proporcionam sentido
a nossa experiência. O grande problema, neste caso, como apontou o próprio Eco, é
a superinterpretação. Para o autor, “[...] todas as coisas têm relação de analogia,
contigüidade e similaridade com todas as outras”
81
, mas se alguém quiser ver
mistérios além do texto, aí está caracterizado o “paranóico” – aquele que encontra
sempre algo “a mais” do que o texto e o intertexto mostra. Este é um processo de
leitura “suspeita”, que provoca a superinterpretação. Como o próprio autor aponta:
“[...] se não há regras que ajudem a definir quais são as ‘melhores interpretações’,
existe ao menos uma regra para definir quais são as ‘más’”
82
.
Convém aqui salientar que os aspectos abordados anteriormente acabam
confluindo na intertextualidade e nos limites dos contextos pós-modernos.
Resgatando a noção de tempo-espaço, o que temos até agora, então, é a existência
teórica de, no mínimo, duas formas de ver essas dimensões. Uma, como um
continuum, como fio linear e evolucionista; nela está incluída a questão
história/material e capital/riqueza. Há ainda, identificada na Física, a possibilidade de
quebrar leituras. Isso poderia nos levar à leitura fragmentada da construção histórica
ou leitura a partir de um ponto presente e visitações ao passado pelo fragmento,
79
Ibid., p. 183.
80
Ibid., p. 191.
81
ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
p. 57.
82
Ibid., p. 61.
47
mas sempre lido de uma forma não “verdadeira”, isto é, como ele realmente se
encontrava no momento de sua vida, mas a partir de interpretações que podem ser
múltiplas. Cada leitura cria sua estrutura, suas relações e elas serão “verdadeiras”
para cada um ou grupo que as interpretou. Essa é a condição do tempo e do espaço
no pós-moderno.
Para Hutcheon, é por meio da metaficção historiográfica, o uso do passado e
da sua reflexão na construção ficcional, que a pós-modernidade se caracteriza. Por
ser consciente historicamente, abrangente e híbrida, tem como grande característica
a memória e também a curiosidade histórica e social. A autora explica que os
teóricos pós-modernos da metaficção têm uma preocupação de “serem
compreendidos”. Com isso, eles buscam articular o presente e o passado. Nesse
sentido, trazem o conceito de paródia para fazer essa relação entre presente e
passado. Assim, há “[...] uma perspectiva que permite ao artista falar para um
discurso a partir de dentro desse discurso, mas sem ser totalmente recuperado por
ele
83
.
A paródia em Hutcheon não é “[...] a imitação ridicularizadora das teorias e
das definições padronizadas que se originam das teorias de humor do século
XVII”
84
, mas uma prática de repetição com uma distância crítica, que permite a
existência da ironia e que trabalha tanto na diferença como nas analogias. “Na
metaficção historiográfica essa paródia realiza paradoxalmente tanto a mudança
como a continuidade cultural: o prefixo grego para pode tanto significar contra como
perto ou ao lado
85
. O paradoxo da paródia pós-moderna é que ela não é destituída
de profundidade, mas, por outro lado, não é uma produção de massa. E, diferente
da paródia de Jameson, ligada ao pastiche na Arquitetura, a paródia de que
Hutcheon fala não está ligada à imitação ridicularizadora. Ela inclui ironia e jogo, e
isto não significa excluir seriedade e objetividade. A paródia é uma forma irônica de
intertextualidade que permite reavaliar o passado. Para a autora, esta é uma
característica do conceito pós-moderno.
Hutcheon ressalta o caráter contraditório do pós-moderno e o atribui a sua
dependência do modernismo. O pós indica ou pressupõe a existência do moderno e
83
HUTCHEON, Linda. Op. cit., p. 58.
84
Ibid., p. 47.
85
Ibid., p. 47.
48
só quem já teve o moderno pode ser ou ter o pós-moderno. Esse é mais um
paradoxo. Por outro lado, essa é a premissa básica para a discussão e teorização do
pós-modernismo. “Não existe valor no passado em si ou por si. É a reunião entre o
passado e o presente que tem a intenção de fazer-nos questionar – analisar,
procurar compreender – a forma como fazemos nossa cultura e a forma como
atribuímos sentido a ela”
86
.
Outra teorização acerca da pós-modernidade que nos parece extremamente
pertinente é a teoria do Neobarroco de Calabrese, estudioso italiano da semiótica,
que faz a aproximação da arte e da comunicação e suas produções culturais,
propondo analisá-las a partir do conceito de Neobarroco. Este conceito foi proposto
por Calabrese, mas foi utilizado inicialmente por Gillo Dorfles, no texto O Barroco na
Arquitetura Moderna, onde Dorfles trabalha com a noção de abandono das
características de ordem e simetria e o surgimento da desarmonia e do assimétrico.
Calabrese, desde o início de seus estudos, sinaliza o porquê da escolha
deste nome e não do termo pós-moderno. Para Calabrese, pós-moderno é
abusadíssimo “pós-moderno”, de que se desnaturou o significado original e
que se tornou na palavra de ordem ou em marca de operações criativas
muitíssimo diferentes entre si. Trata-se de uma palavra equívoca e genérica,
ao mesmo tempo
87
.
Outra explicação do autor para não usar o termo “pós-moderno” é porque ele
já se encontra em três campos: na Literatura e na Arte, significando
antiexperimentalismo e reelaboração; na Filosofia, pondo em dúvida a cultura
baseada em narrativas; na Arquitetura, representando projetos que regressam ao
passado, fazendo citações. Calabrese salienta, ainda, que também não usa o prefixo
“pós”, pois este faz pensar num “depois” ou num “contra”. Lembra que prefere “neo”,
por oferecer a idéia de um regresso, repetição, reciclagem de um período.
Para Calabrese, não dá para reduzir momentos históricos a uma única
etiqueta. Cada época tem semelhanças e diferenças entre os fenômenos e isto
significa “[...] que há qualquer coisa lá debaixo. Que para além da superfície existe
86
Ibid., p. 288.
87
CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. Lisboa: Edições 70, 1987. p. 24.
49
uma forma subjacente que permite as comparações e os parentescos. Uma ‘forma’.
Um princípio de organização abstrato”
88
.
E esta forma de organização acredita ser próxima a uma visão de teia. Teia
porque cada nódulo se comunica com outros nódulos, porque, se ampliarmos o
campo de visão, veremos que a comunicação entre os nódulos atinge grande
profundidade de campo. E este campo é a própria história do homem, ou melhor,
história do desenvolvimento do pensamento do homem. O que percebemos é que
há ligações e que tais ligações fazem com que essa teia exista e que os
pensamentos e as idéias tenham parentescos. Os parentescos, muitas vezes,
podem ser próximos, como podem ser apenas uma remota ligação, mas o certo é
que há ligação.
Um autor como Edgar Morin aborda o conceito de Teia, mas é interessante
observar que o próprio Eco, ao teorizar sobre a condição do Ser, fala em uma forma
de conteúdo básico, o que ele denomina de continuum, “[...] o horizonte infinito
daquilo que é, foi e será, quer por necessidade ou por contingência”
89
. Muito embora
esse conceito tenha e muito como base de formação o pensamento de Kant, onde a
consciência, ou seja, o sujeito, é quem forma objetivamente o mundo
90
, o que
parece interessante é que este continuum também se aproxima do conceito de
Aristóteles de substância: “o substrato ou o suporte permanente de qualidades ou
atributos necessários de um ser”
91
.
É claro que os dois conceitos diferem em muito quanto a sua forma de
aplicação e compreensão. Kant trabalha com a noção de que as coisas
92
são
apreendidas e conhecidas por intermédio da Razão, que é o conhecimento do
conhecimento humano, através do mundo das idéias e da consciência do homem.
Já Aristóteles trabalha com a noção da essência primeira de todos os seres, onde
88
Ibid., p. 11.
89
ECO, Umberto. Kant e o Ornitorrinco. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 51.
90
Vale dizer que esta é uma visão muito reduzida do conceito de Kant sobre a formação do mundo.
91
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 11.ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 219.
92
Como “coisas”, referimo-nos aqui a todos os seres e formas da natureza, assim como os seres
humanos.
50
“[...] a essência ou ausia é a realidade primeira e última de um ser, aquilo sem o qual
um ser não poderá existir ou deixará de ser o que é”
93
.
Outro ponto importante de se destacar é como a visão de temporalidade
aparece em Kant e Aristóteles. O conceito de tempo em Aristóteles é visto como
circularidade, pois está na essência das próprias coisas (reiteramos, aqui, que o
conceito “coisas” emprega-se a todos os seres da natureza e também ao homem).
Para Aristóteles, existe uma essência primeira e essa essência é perfeita. Todo o
movimento que qualquer Ser possa fazer é apenas para chegar a ela. A essa
essência também é creditado o conceito de “Primeiro Motor porque é o princípio que
move toda a realidade, e chama-se Primeiro Motor Imóvel porque não se move e
não é movido por nenhum outro ente”
94
. Assim, não há movimento ou quando há é
para chegar à essência, pois toda a realidade se encontra nessa essência primeira.
As coisas, então, não produzem movimento, pois se encontram na essência perfeita
e essa já contém o tempo. Faz parte do seu devir creditar os valores de tempo,
movimento, existência, e outros.
Já em Kant a noção do conhecimento do tempo não está nas coisas, mas
nos sujeitos, nos seres humanos. O homem, ao produzir a razão objetiva sobre as
coisas do mundo, também forma a noção de tempo. E essa noção de tempo dá-se a
partir de um dispositivo de memória que a própria razão humana produz. Assim, a
noção de que ontem é passado e de que amanhã é um futuro – ou mesmo de que
alguns minutos atrás é um passado próximo e de que aqui há alguns minutos será
um futuro próximo – quem forma é a própria Razão humana e sua consciência de
existência. Não temos mais um tempo circular, mas um tempo dado pela formação
do homem e isto implica num tempo ligado a uma determinada formação cultural,
pois todo homem está incluído em uma determinada cultura, em um determinado
contexto histórico. Assim, a noção de tempo em Kant fica subordinada ao sentido de
formação cultural, de consciência e memória dessa produção cultural e histórica do
homem, através da Razão objetiva do mundo.
O que podemos observar, com tudo isto, é que em Aristóteles os sentidos
estão nas coisas existentes na natureza e, em Kant, os sentidos se formam a partir
93
CHAUÍ, Marilena. Op. cit., p. 219.
94
Ibid., p. 219.
51
da consciência do homem sobre as coisas. Para Eco e Calabrese, a formação de
sentido também passa pela semelhança de pensamento entre estes dois grandes
filósofos. Eco diz que os sentidos se formarão quando há uma semiose, que para
Peirce é a primeiridade ou naquele primeiro fenômeno do sentido onde só temos a
qualidade da sensação. Já para Calabrese, o sentido está na própria coisa. E é a
partir da noção da existência de uma textura básica, que Calabrese trabalha com o
conceito de Teia. A idéia é que há algo na base: a substância de Aristóteles ou o
continuum. Sobre este último, Eco afirma: “[...] antes que uma cultura o tenha
lingüisticamente organizado em forma de conteúdo, este continuum seja tudo e
nada, e fuja, portanto, a cada determinação”
95
.
O que queremos observar é que, muito embora os dois autores abordem a
idéia de substância ou teia ou continuum, a partir de diferentes correntes, o que
podemos perceber é que, de alguma forma, se admite que há algo a mais. Este algo
a mais é a configuração básica e inicial que pode ser vista como a Teia de
Calabrese que possui uma ligação com o Continuum de Eco.
Com esta idéia de teia e, por conseqüência, de tecido comum, visualizamos
o Neobarroco. Não um retorno do Barroco, mas um “ar do tempo”, que traz
características barrocas, sendo que se alastram em todos os campos em que se
manifesta o gosto. Essas manifestações estão presentes no gosto atual que nos faz
penetrar em todos os campos dos saberes, tornando-os parentes uns dos outros,
onde associamos teorias científicas com arte, literatura e até consumo cultural.
E aqui começamos a outra discussão: o gosto contemporâneo. Mas, o que é
gosto? Eco diz que todos sabem o que é o bom e o mau gosto, mas que, quando
tentamos defini-lo, precisamos do “[...] juízo dos spoudaio, dos peritos, o que vale
dizer, das pessoas de gosto: em cujo comportamento nos baseamos para definir, em
âmbito de costume precisos, o bom ou o mau gosto”
96
.
A discussão do gosto acirrou-se muito no século XX em função da produção
em série, do processo de homogeneização e da estandardização de toda produção
de arte e artesanato – manifestações que decorrem do que se denomina segunda
revolução industrial, no final do século XIX. A polêmica, então, intensificou-se no
95
ECO, Umberto. Kant e o Ornitorrinco. Op. cit., p. 51.
96
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993. p. 69.
52
início do século XX, com o surgimento dos Meios de Comunicação de Massa, e
continua com o que hoje se chama de sociedade pós-industrial.
Podemos dizer que a produção do início do século XX, com a Escola de
Frankfurt, com Adorno e Horkheimer e, após, com Benjamin, representa os primeiros
estudos sobre o conceito gosto. Este está preso ao conceito de Indústria Cultural, a
partir do qual podemos afirmar, a grosso modo, que as artes foram submetidas às
regras do mercado capitalista e baseadas na fabricação em série. Tem, assim, o
incentivo para um consumo rápido, gerando produções as quais se atribui o conceito
de Kitsch. Kitsch é um termo de difícil tradução, surge na cultura alemã, no final do
século XIX. É considerado uma definição do mau gosto, assim como a configuração
de coisas/objetos pré-fabricadas que trazem a imposição do efeito de fácil consumo
sobre a produção dos objetos artísticos ou não.
O termo Indústria Cultural foi empregado pela primeira vez em 1947, em
uma publicação chamada Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno.
Adorno afirma que o termo visa a substituir a expressão “cultura de massa”, pois não
é uma cultura de massa que surge a partir da industrialização. Ele aponta para o
surgimento de uma sociedade dependente da dominação técnica, sendo que esta,
através da indústria cultural, “A possibilidade de se tornar sujeito econômico,
empreendedor, proprietário é definitivamente afastada”
97
.
Para Adorno, então, o termo Indústria Cultural difere do de Cultura de
Massa; esta última pode ser entendida como arte popular, que nasce do artesanato,
das festas folclóricas e de todas as manifestações populares. Já a indústria é,
segundo o autor, o que pode ser chamado de exploração comercial da arte e do
artesanato. Para Adorno, nesse processo de industrialização ocorreu rebaixamento,
deterioração dos padrões culturais, a partir do qual tanto a alta cultura como a baixa
cultura perdem. O que a indústria faz é pegar os elementos da alta cultura ou cultura
de elite – pinturas, esculturas, músicas eruditas, literatura clássica – e da cultura de
massa ou popular – com suas crenças, seus valores, festas e tradições – e
transformar e aproximar todos esses valores, produzindo, assim, produtos em série
para agradar ao consumo.
97
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. A Indústria Cultural – O Iluminismo como Mistificação
de Massas. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da Cultura de Massa. 5.ed. rev. São Paulo: Paz e
Terra, 2000. p. 200.
53
Segundo a concepção frankfurtiana, os meios de comunicação de massa
entrariam neste processo para reafirmar o processo de massificação com a venda
de bens simbólicos que agradem ao público, criando, assim, necessidades ao
consumidor. Este, ficando à mercê da indústria, torna-se mero objeto no processo do
consumo, sem vontade própria. Neste processo, quem domina é quem detém o
poder econômico e muitas vezes o político. Assim, a cultura do dominante
comandaria a liberdade do indivíduo
Este ponto de vista da Escola de Frankfurt já foi muito comentado e
criticado, mas é importante, e para não dizer fundamental, para estudar a história da
formação social e do papel dos meios de comunicação, rever conteúdos. Na
discussão de estética e formação de juízo de valores é ainda mais fundamental, pois
ele forma a base da discussão destes conceitos no século XX. Assim como Adorno e
Horkheimer, Benjamin também elaborou estudos sobre a estética contemporânea,
formada a partir da industrialização; porém, trabalha com a condição da reprodução
técnica da arte, a partir da fotografia e do cinema. E este último veículo, segundo
ele, produziu um novo consumidor: um apreciador distraído. Para Benjamin, esta é a
nova condição do homem contemporâneo, que não pode ser mudado. É
simplesmente um novo ponto de vista.
Para Benjamin, o século XX viu nascer um novo padrão: a percepção e a
produção de sensibilidade, não mais através do culto e ritual, mas através da
distração. Vale lembrar que o homem que se diverte também pode adquirir novos
hábitos. Diante destes novos divertimentos, a arte confirma que hoje temos
condições de perceber e responder a estas novas mudanças, “O público das salas
escuras é indubitavelmente um examinador, mas um examinador que se distrai”
98
.
Benjamin, em “A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade
Técnica”
99
, publicado em 1936, na revista Zeitschrift für Sozialforschung, empreende
a remodelação dos conceitos históricos de estética, a partir da experiência suscitada
pelas técnicas de reprodução da obra de arte. Dirá por que a reprodução fere os
valores que convertiam a obra numa espécie de experiência religiosa. Ataca três
elementos: aura, valor cultural e autenticidade.
98
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução. In: LIMA, Luiz
Costa (Org.). Teoria da Cultura de Massa. 5.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 238.
99
Ibid.
54
Benjamin, a partir da base teórica marxista, diz que, dado que as
superestruturas evoluem muito mais lentamente que as infra-estruturas, foi preciso
mais de meio século para que a modificação ocorrida nas condições de produção
fizesse sentir seus efeitos em todos os domínios da cultura. Fez um prognóstico
sobre as tendências evolutivas da arte nas atuais condições de produção: elas
deixam de utilizar um grande número de noções tradicionais – poder criador e gênio,
valor de eternidade e mistério
100
.
Diz também que obra de arte foi sempre suscetível de reprodução. Mas é
com a fotografia que, pela primeira vez, a mão se liberou das tarefas artísticas
essenciais no que toca à reprodução das imagens. A partir de então, entrou-se num
processo acelerado de reprodução. E, no século XX, as técnicas de reprodução,
além de reproduzirem obras do passado, elas mesmas se impõem como formas
originais de arte.
Benjamin observa que, para a mais perfeita reprodução, sempre falta
alguma coisa: o hic et nunc da obra de arte, a unicidade de sua presença no próprio
local onde ela se encontra. O hic et nunc do original constitui o que se chama sua
autenticidade. As novas condições, criadas pela técnica de reprodução, ainda que
não alterem o conteúdo da obra, de qualquer modo desvalorizam seu hic et nunc.
Tal desvalorização atinge o ponto mais sensível, diferente dos objetos naturais: a
autenticidade.
A partir da perda da autenticidade, Benjamin diz que, na época da
reprodutibilidade técnica, o que é atingido na obra de arte é a sua aura. A
reprodução destaca o objeto do domínio da tradição e, multiplicando seus
exemplares, substitui, por um fenômeno de massa, um evento que não se produziu
senão uma vez.
Modifica-se, assim, o modo de sentir e de perceber. A forma orgânica que a
sensibilidade humana assume – o meio no qual ela se realiza – não depende
apenas da natureza, mas também da história. Para Benjamin, assistimos, no meio
onde se organiza a percepção, modificações que podem ser entendidas como um
declínio da aura. Segundo ele, pela primeira vez na história do mundo, há a
100
Ibid., p. 222.
55
emancipação da obra de arte da existência parasitária que lhe era imposta por sua
função ritual. Reproduzem-se, cada vez mais, obras de arte que foram feitas,
justamente, para serem reproduzidas. O critério de autenticidade não mais se aplica
à produção artística; toda a função da arte é subvertida. Em lugar de repousar sobre
o ritual, ela se funda agora sobre uma outra forma da práxis: a política, a vivência do
cotidiano.
Para exemplificar o que ocorre com a obra de arte, a partir da perda da aura
e da dúvida que se levanta em relação à autenticidade, Benjamin utiliza-se da
técnica do cinema. Segundo ele, o século XX viu nascer o cinema e, também, pela
primeira vez, e isto é obra do cinema, o homem precisou agir, seguramente, com
toda sua pessoa viva e, todavia, privado de aura. A aura depende do seu hic et
nunc. Ela não suporta reproduções. O cinema acaba com a aura, pois a filmagem,
no estúdio, tem como peculiaridade o fato de substituir o público pelo aparelho.
Assim, a aura dos intérpretes desaparece com ela, e também a dos personagens
que representam. Diferente do teatro, que ainda guarda a noção de aura em função
da não-intermediação da técnica ou aparelhos técnicos.
Na medida em que restringe o papel da aura, o cinema constrói
artificialmente, fora do estúdio, a “personalidade” do ator, o culto da “estrela”,
favorecendo o comércio dos produtores cinematográficos, reduzindo assim a magia
da personalidade do ator ao encanto de seu valor mercantil. Com isto, o cinema
altera todas as manifestações de juízo de valor. Para Benjamin:
As técnicas de reprodução aplicadas à obra de arte modificam a
atitude da massa diante da arte. Muito reacionária diante, por exemplo, de
um Picasso, a massa mostra-se progressista diante, por exemplo, de um
Chaplin. A característica de um comportamento progressista reside no fato
de o prazer do espetáculo e a experiência vivida correspondente ligaram-se,
de modo direto e íntimo, à atitude do conhecedor. Esta ligação tem uma
importância social. À medida que diminui a significação social de uma arte,
assiste-se no público a um divórcio crescente entre o espírito crítico e a
fruição da obra. Frui-se, sem criticar, aquilo que é convencional; o que é
verdadeiramente novo, é criticado com repugnância. No cinema, o público
não separa a crítica da fruição
101
.
Esse autor afirma também que obra de arte sempre foi suscetível de
reprodução. Benjamin defende a idéia da reprodução. Apresenta um breve resgate
histórico e ressalta que, o que diferencia as repetições de hoje das antigas são as
101
Ibid., p. 231.
56
formas técnicas com que se apresentam. As técnicas de reprodução é que são um
fenômeno novo e se desenvolveram ao longo da história. Os gregos começaram
com a fundição e o relevo por pressão. A partir da gravura em madeira, pela primeira
vez, reproduz-se o desenho e isto gera uma modificação na literatura pela
impressão. A Idade Média viu surgir a xilogravura, a gravura em metal e a água-
forte; o início do século XIX, a litografia. Ainda, no final do século XIX, surge a
Fotografia. A partir de então, entrou-se num processo acelerado de reprodução. E
no século XX, as técnicas de reprodução, além de reproduzirem obras do passado,
elas próprias se impõem como formas originais de arte, e isto é um grande
diferencial.
Para Benjamin, mesmo na mais perfeita reprodução sempre falta alguma
coisa: o hic et nunc da obra de arte, a unicidade de sua presença no próprio local
onde ela se encontra. O hic et nunc do original constitui o que se chama sua
autenticidade. Para estabelecer a autenticidade de um bronze, por exemplo,
segundo o autor, é necessário recorrer à análise química de sua pátina. E agora,
nessa nova situação, a própria noção de autenticidade não tem sentido para uma
reprodução, técnica ou não, “[...] mas diante da reprodução feita pela mão do
homem, e considerada em princípio como falsa, o original conserva sua plena
autoridade”
102
; isto não ocorre no que respeita à reprodução técnica.
Há duas razões para que a autenticidade não tenha sentido em uma
reprodução, segundo o autor. A primeira, porque a reprodução técnica é mais
independente do original. No caso da fotografia, graças a procedimentos como a
ampliação e a câmara lenta, pode-se atingir realidades ignoradas por qualquer visão
natural. A segunda decorre de que a técnica pode transportar a reprodução para
situações nas quais o próprio original jamais poderia se encontrar. Ela permite
aproximar a obra do espectador ou do ouvinte.
Novas condições, criadas pela técnica de reprodução, ainda que não alterem
o conteúdo da obra, de qualquer modo desvalorizam seu hic et nunc. Esta
desvalorização a atinge no ponto mais sensível, diferente dos objetos naturais: a
autenticidade. Assim, Benjamin afirma que, na época da reprodutibilidade técnica, o
que é atingido na obra de arte é a sua aura.
102
Ibid., p. 233.
57
Há duas circunstâncias para a decadência da aura, ambas em correlação
com o crescente papel desempenhado pelas massas na vida presente. São duas
tendências nas massas, de iguais forças: primeiro, elas exigem que as coisas se
tornem, espacial e humanamente, mais próximas. A outra tendência é que a massa
inclina-se a acolher as reproduções, a depreciar o caráter daquilo que só é dado
uma vez. A cada dia que passa, mais se impõe a necessidade de apoderar-se do
objeto, do modo mais próximo possível, em sua imagem, porém isto ocorre ainda
mais em cópia, em reprodução. A imagem associa-se tão estreitamente às duas
características da obra de arte, sua unicidade e sua duração, quanto a fotografia
associa duas características opostas: as de uma realidade fugida, mas que se pode
reproduzir indefinidamente. Benjamin diz que, despojar o objeto de seu véu, destruir
sua aura, é um sintoma que logo assinala a presença de uma percepção tão atenta
ao que “[...] se repete identicamente no mundo, que, graças à reprodução, ela chega
a estandardizar o que não existe mais que uma vez. Afirma-se, assim, no domínio
intuitivo, um fenômeno análogo àquele que, no plano da teoria é representado pela
crescente importância da estatística”
103
. Podemos dizer que nasce uma nova forma
de apreciar e de produzir arte: a arte de massa. Esta é uma nova situação, pois pela
primeira vez o público sabe reconhecer que está diante de uma reprodução. Por isto,
ele não precisa esclarecer a autenticidade.
Benjamin diz que houve críticas a respeito da estandardização. A partir do
texto, o autor observa que quando surgiu a primeira técnica de reprodução
verdadeiramente revolucionária, que para ele é a fotografia, contemporânea, por sua
vez, dos inícios do socialismo, os artistas pressentiram a aproximação de uma crise.
Reagiram professando a “arte pela arte”; isto, para Benjamin, é gerar uma teologia
da arte. Concebeu-se uma arte “pura”, que recusa não somente desempenhar
qualquer papel essencial, mas inclusive submeter-se às condições impostas por
qualquer elemento objetivo.
A partir dessa visão do início do século, dada por alguns artistas, Benjamin
observa alguns modos de acolher uma obra de arte. E diz que há dois fatores que se
opõem: – o valor da obra de arte como objeto de culto, e o seu valor como realidade
capaz de ser exposta. Afirma que, na medida em que as obras de arte se
103
Ibid., p. 223.
58
emancipam de seu uso ritual, tornam-se mais numerosas as ocasiões de serem
expostas e, hoje, a preponderância absoluta de seu valor expositivo lhe empresta
funções inteiramente novas, sendo que a função artística aparece como acessória.
Benjamin ensina que, com a fotografia, o valor expositivo começa a impelir
para o segundo plano, em todos os níveis, o valor de culto e sua última trincheira é o
rosto humano. Por isto, não é absolutamente ocasional o fato de que o retrato tenha
desempenhado um papel central nas primeiras épocas da fotografia.
O nascimento do cinema ampliou a discussão. Benjamin diz que já haviam
sido gastas vãs sutilezas para tentar decidir se a fotografia era ou não uma arte, mas
ainda não haviam se perguntado se essa descoberta não transformava a natureza
geral da arte. E os problemas levantados pela fotografia à estética não passavam de
brinquedos, comparados aos que iriam ser apresentados pelos filmes.
Para Benjamin, a técnica cinematográfica acarretou mudanças de
comportamento.
A técnica do cinema assemelha-se à do esporte, no sentido em
que todos os espectadores são, em ambos os casos, semi-especialistas.
Para convencer-se disso, basta ter ouvido alguma vez um grupo de jovens
jornaleiros que, apoiados em suas bicicletas, comentam os resultados de
uma corrida ciclista
104
.
O cinema acarretou também mudanças na literatura. Com o
desenvolvimento da imprensa, no final do século XIX, a situação mudou. Os jornais
abriram colunas para o leitor e qualquer pessoa podia escrever.
Entre o autor e o público, conseqüentemente, a diferença está em
vias de se tornar cada vez menos fundamental. Ela apenas funciona,
podendo variar segundo as circunstâncias. A todo o momento, o leitor está
prestes a se tornar escritor. Com a especialização crescente do trabalho,
cada indivíduo foi obrigado a se tornar, voluntária ou involuntariamente, um
especialista em sua matéria – ainda que se trate de matéria de pouca
importância – e esta qualificação lhe confere uma certa autoridade
105
.
O que caracteriza o cinema não é apenas a maneira como o homem se
apresenta ao aparelho, mas também como ele representa o mundo que o cerca.
Com o advento do cinema, as análises psicológicas do homem cresceram.
104
Ibid., p. 227.
105
Ibid., p. 227.
59
Ampliou-se o leque de análise, e esta análise Benjamin fez em relação à pintura e
ao teatro, em contraponto ao cinema. Diz, com relação à pintura: “[...] a
superioridade do cinema reside em permitir analisar melhor o conteúdo dos filmes e
assim fornecer um inventário incomparavelmente mais preciso da realidade”
106
. Com
relação ao teatro, a superioridade na análise reside em “[...] o cinema poder isolar
um maior número de elementos constituintes. Este fato – do qual decorre sua
importância capital – tende a favorecer a mútua compenetração entre a arte e a
ciência”
107
.
Benjamin declara que o cinema tem a característica de nos fazer perceber
melhor as necessidades que dominam nossa vida e, por outro lado, nos conduz a
abrir um campo de ação imenso e de que não suspeitávamos. “Por conta do grande
plano, é o espaço que se amplia; por conta da câmera lenta, é o movimento que
toma novas dimensões”
108
.
O cinema faz surgir um novo espaço por onde se movimento o homem. O
cinema abre a possibilidade ao homem de agir em um espaço inconsciente. “[...]
pela primeira vez, ele nos abre a experiência de um inconsciente visual, assim como
a psicanálise nos fornece a experiência do inconsciente instintivo”
109
.
Mais adiante, em seu texto, Benjamin comenta: “A massa é uma matriz onde
brota, atualmente, todo um conjunto de novas atitudes em face da obra de arte. A
quantidade tornou-se qualidade”
110
. Nesta observação, percebemos várias críticas
em relação ao cinema e ao crescimento da participação. “Como facilmente se
percebe, no fim das contas, aqui se reencontra a velha lamentação: as massas
buscam diversão, mas a arte exige recolhimento. É um lugar comum”
111
. A
observação de Benjamin a esse respeito é: quem se recolhe diante de uma obra de
arte é envolvido por ela: no caso da diversão, é a obra que penetra na massa. E isso
106
Ibid., p. 232.
107
Ibid., p. 232.
108
Ibid., p. 233.
109
Ibid., p. 234.
110
Ibid., p. 236.
111
Ibid., p. 237.
60
é a característica nova deste movimento. Exemplo disso é a arquitetura. “A fruição
pode ser táctil ou visual”
112
.
O autor também sai em defesa dos novos padrões: “[...] nenhuma das
tarefas que se impõem aos órgãos receptivos do homem, quando das grandes
reviravoltas da história, é resolvida por via visual, isto é, através da contemplação.
Para que isto ocorra, paulatinamente é preciso recorrer à fruição táctil, ao hábito”
113
.
O homem que se diverte também pode adquirir novos hábitos. Diante desses novos
divertimentos, a arte confirma que hoje temos condições de perceber e responder às
novas mudanças, mesmo que esses divertimentos, paradoxalmente, apenas
distraiam. “O público das salas escuras é indubitavelmente um examinador, mas um
examinador que se distrai”
114
.
A partir destas discussões sobre a condição da cultura de massa, da alta
cultura, da obra de arte e de um novo sujeito, Eco, em Apocalípticos e Integrados,
aborda e questiona a noção de gosto, dizendo, principalmente, que a produção
cultural de uma determinada população é que vai determinar o juízo deste gosto. E
lembramos que toda modificação dos instrumentos sociais acontece quando o
modelo anterior está em crise. Estes novos instrumentos só agirão em uma
sociedade bastante modificada, seja pelas causas que provocaram o aparecimento
destes instrumentos ou pelo próprio uso deles.
Exemplos de como a instalação de novos instrumentos modifica a
humanidade são a imprensa, os mass media, entre outros. A imprensa, diz Eco, hoje
não pode ser avaliada apenas tendo por parâmetros a comunicação oral e visual; ela
tem que percorrer outros caminhos. O autor aponta o “[...] homem gutenberguiano,
com o seu sistema de valores em relação ao qual será apreciada a nova fisionomia
assumida pela comunicação cultural”
115
, como um caminho. O mesmo ocorre com os
mass media. Não dá para julgá-los, utilizando o modelo do homem renascentista,
pois este não existe mais. Os mass media, para serem discutidos, analisados,
necessitam de novos modelos ético-pedagógicos, adequados à contemporaneidade,
na civilização dos mass media.
112
Ibid., p. 238.
113
Ibid., p. 238.
114
Ibid., p. 238.
115
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Op. cit., p. 34-35.
61
O novo modelo precisa ser discutido, mas com novos instrumentos e não
com os utilizados pelo modelo anterior. Para Eco, utilizar-se de recursos antigos
para analisar o modelo novo é um ato nostálgico, que não pode prevalecer. Ele diz
que o homem de cultura tem que ter atitudes de indagações construtivas. Não pode
apenas passar para a história, sem comprometer-se com o futuro.
Segundo o pensador italiano, a primeira posição frente aos problemas da
cultura de massa foi a de Nietzsche. Este, através da “enfermidade da história”, em
especial através da sua maior manifestação, o jornalismo, provoca polêmicas como:
a desconfiança ante o igualitarismo, a ascensão democrática das multidões, o
discurso feito pelos fracos para os fracos, o universo construído, não segundo as
medidas do super-homem, mas do homem comum, entre outras. Outro exemplo de
pensadores que seguem a mesma polêmica é Ortega y Gasset. Estes, segundo Eco,
são os Integrados.
Eco advoga a favor da cultura de massa, contra os atos de intolerância para
com ela, afirmando que, atrás de posições levantadas, como estas, de Nietzsche, há
uma raiz aristocrática. Muitas vezes, o que se encontra é um aparente desprezo pela
cultura de massa, pois o que se tem como alvo é a própria massa; é só
aparentemente que esses discursos distinguem a massa como um grupo de
indivíduos auto-responsáveis. Eco ressalta que tais defensores têm, no fundo,
nostalgia de uma época em que os valores culturais eram características de classe e
que não estava à disposição de todos.
Existem outros pensadores que não se encaixam nessa linha de discussão.
Para Eco, um exemplo é Adorno e os radicals norte-americanos, destacando Dwigert
MacDonald. Estes apontam a polêmica contra os elementos de massificação,
presente no corpo do social de seus países. E, para Eco, são os Apocalípticos.
Para ilustrar esta posição, Eco utiliza as discussões de MacDonald frente à
mudança dos três níveis intelectuais canonizados: high, midle e lowbrow. Para o
autor, há o masscult em substituição ao mass culture, que caracteriza as
manifestações contra a produção de arte de elite. As manifestações de uma cultura
média, ele chama de midcult e essa se caracteriza por ter fins comerciais. Para
MacDonald, na midcult, não se censura o baixo ou quase nulo valor estético.
62
Censura-se é a banalização das descobertas da vanguarda reduzindo-as a
elementos de consumo.
Eco debate essa crítica de MacDonald, salientando que ela possui dois
pontos de vista. Por um lado, nos ajuda a compreender por que alguns produtos
comerciais, embora tenham uma dignidade estilística, parecem falsos. Por outro
lado, reflete um pensamento aristocrático, pois leva a pensar que uma solução
estilística só é válida quando são poucos os que compartilharão. Assim, o que Eco
interroga nessa polêmica é se um estilo que se amplia e penetra em um circuito
maior perderá sua força ou terá nova função. O autor questiona também se tal
função será negativa ou serve para mascarar uma aparente novidade sob atitudes
banais, um complexo de idéias, gostos e emoções passivos e esclerosados
116
.
Eco aponta uma explicação melancólica. Segundo ele, intelectuais dos anos
20, como MacDonald, se retiraram da crítica política para a cultural; de uma crítica
voltada para o social, passam para uma crítica aristocrática sobre a sociedade,
excluindo-se da luta e recusando co-responsabilidades. Eles, com isto, demonstram
que as mudanças só ocorrerão através de uma política da cultura e não de um modo
cultural de pensar.
O principal componente que podemos acrescentar nas teorizações de Eco é
que, para ele, o gosto é formado pela cultura e nesse processo a linguagem ajuda a
difundir a valoração dada por essa cultura. A arte, como linguagem, auxilia quando
quebra alguns juízos estabelecidos sobre o que é o bom ou mau gosto.
Ao discutir sobre valorações, valores, gostos, o autor recupera a
problemática da estética. E estética acaba sempre trazendo a indicação de juízo de
valores. Assim, Calabrese também afirma que, ao abordar o termo gosto, logo
caímos em categorias de juízo de valores. Para explicar melhor, em um juízo
estético. Este juízo não é isolado, quase sempre está acompanhado por um juízo
ético. São valores reconhecidos e também formados pela sociedade e cada
indivíduo tem o seu valor isolado, como também homologa juízos em grupo.
116
Ibid., p. 38.
63
O que percebemos, então, é que a formação do gosto é um processo
cultural, mas é também um processo que necessita da sensibilidade, onde o sujeito
vai dizer se gosta ou não de determinado padrão. E este determinado padrão é
produzido pelo consenso social ou a partir de uma disposição social do que deve ser
aceito como bom ou mau gosto. A aceitação ou não destes juízos estabelecidos
passa pela condição de sensibilidade de cada indivíduo e de sua valoração do que o
cerca. E isto, por sua vez, produz a cultura.
Voltando à discussão do contemporâneo, já observamos que para produzir
esta teorização passamos pela noção de essência primeira para a formação da Teia.
Após, observamos que ela é um processo estético e, portanto, envolve uma cultura.
Baseado nestes processos, Calabrese, por outro lado, diz que o Neobarroco
trabalha com suspensão dos juízos de valores estabelecidos na sociedade. Lembra
que, desde Aristóteles, a humanidade tem como base um sistema de categorias de
valores para avaliar coisas, pessoas, acontecimentos, para formar juízo sobre as
artes, sobre religião, política, conduta social. E são essas formações de juízo que
estruturam e organizam o que chamamos de conduta social.
Aristóteles, ao pensar sobre esses valores, apresentou o que chamou de
categorias apreciativas
117
. E é por meio dessas categorias apreciativas que todas as
construções sociais a respeito da conduta ética e estética têm sido formadas e
avaliadas. Calabrese, em A Idade Neobarroca, apresenta estas categorias:
117
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 37.
64
Quadro 1:
Categorias apreciativas, de Aristóteles
Categoria Juízo sobre Valor positivo Valor negativo
Morfológica forma conforme disforme
Ética moral bom mau
Estética gosto belo feio
Tímica paixão eufórico disfórico
Kant também formulou suas categorias, construindo o que se conhece por
estrutura kantiana do conhecimento ou o que é entendido por antinomias da razão.
Para o autor, nossa arquitetura mental é composta pela sensibilidade, entendimento
e razão. A sensibilidade contém as formas a priori da intuição. Estas formas são o
espaço (sentido externo) e o tempo (sentido interno) e toda a produção na intuição
dá-se pelo múltiplo espaço-tempo. Isto é classificado, por Kant, como um fenômeno.
São estes fenômenos que se apresentam ao entendimento e no entendimento
encontram-se as categorias.
O entendimento é constituído pelas funções lógicas, que Kant chama de
juízos. Desses juízos derivam as categorias. Estas categorias, aplicadas às formas a
priori de nossa sensibilidade (tempo e espaço), constituem as leis do
entendimento sob as quais os fenômenos podem ser compreendidos. O quadro a
seguir foi estruturado para apresentar as quatro formulações de juízos e categorias
de Kant.
65
Quadro 2:
Formulações de juízo e categorias, de Kant
JUÍZO
QUANTITATIVO QUALITATIVO RELAÇÃO MODALIDADE
Universais Afirmativos Categóricos Problemáticos
Particulares Negativos Hipotéticos Assertóricos
Singulares Infinitos Disjuntivos Apoditícos
CATEGORIAS
Unidade Realidade Substância Possibilidade
Pluralidade Negação Causalidade Existência
Totalidade Limitação Comunidade Necessidade
Seguindo o quadro de Kant, é o entendimento lógico do juízo que predispõe
a quantificar, qualificar, relacionar e modalizar qualquer fenômeno. Deste juízo
decorrem as categorias. A partir da faculdade da imaginação submetida ao
entendimento formam-se regras, sob as quais as imagens podem se constituir. Por
fim, temos a Razão que, segundo Kant, “se o entendimento é uma faculdade da
unidade dos fenômenos mediante regras, a Razão é a faculdade da unidade das
regras do entendimento sob princípios”
118
.
A partir dessas duas grandes correntes de construção do pensamento
contemporâneo constituímos a valoração e juízos sociais, culturais. São duas
correntes distintas, mas que acabam dando base para a formação da sensibilidade
social, para a construção de juízos, muito embora, como já afirmamos, um
pensamento acaba influindo e influenciando o outro. Assim, podemos encontrar
noções de Aristóteles em Kant, como de Kant em Calabrese.
Apoiado nas categorias de Aristóteles e calcado nas noções do que é
Clássico e do que é Barroco, Calabrese chama essa época de Neobarroca. Para
118
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Victor Civita, 1983. [Os Pensadores]. p. 181.
66
compreender o conceito Neobarroco, é fundamental basear-se no contraponto
Clássico-Barroco. Segundo o autor, quando se fala em Clássico se entende um
gosto onde as categorias de valores são estáveis. O Clássico consiste na realização
de algumas formas subjacentes aos processos e possuem ordem, estabilidade e
simetria. Calabrese diz também que as várias formas de classicismo que surgem na
história do homem não significam sempre o mesmo movimento. Todos podem ser
vistos como uma nova forma de ordem e eles podem ou não ser constituídos de
elementos do passado.
Para Calabrese, no conceito de Clássico:
Permanece idêntica apenas a morfologia interna e a estrutura dos
juízos de valores ordenada pela coerência dos termos categoriais positivos
e negativos. O que é conforme ao ideal físico torna-se necessariamente
também bom, eufórico e belo; o que é disforme torna-se por força também
mau, disfórico e grosseiro. Um sistema clássico assim concebido é de modo
habitualmente rigorosamente normativo e prescritivo
119
.
O Barroco, por outro lado, gera a excitação, a turbulência e a
desestabilização das categorias de valores. Assim, um sistema barroco é formado
pela quebra das simetrias e instabilidade na ordem nas categorias de valoração e
juízo. Portanto, são menos regulados. Com isto, Calabrese diz que a crise, a dúvida,
a experimentação são características barrocas e a certeza é uma característica do
clássico.
Calabrese reforça que se pode pensar o clássico como uma forma
conservadora.
De facto, da nossa perspectiva, todo o fenómeno “barroco” surge
justamente por “degeneração” (ou desestabilização) de um sistema
ordenado, ao passo que todo o fenómeno “clássico” surge por manutenção
do sistema perante as mais pequenas perturbações. Assim, enquanto o
barroco efectivamente às vezes degenera, o clássico produz géneros
120
.
São importantes também, para Calabrese, os conceitos de clássico e
barroco que sempre estiveram presentes na construção do social. Para ele, um não
vive sem o outro, eles convivem no processo histórico, “[...] um põe necessariamente
o outro de modo implícito (ou até explícito)”
121
. O que ocorre é que, em determinadas
119
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 198.
120
Ibid., p. 206.
121
Ibid., p. 206.
67
épocas, um está em mais evidência que o outro. Vale dizer que, em cada época,
uma forma de juízo está em maior relevo que a outra. Assim, em época clássica, o
bom é belo e conforme, e isto é positivo: o negativo é disfórico, mau e feio. Em
épocas barrocas, nem sempre o que é bom é belo e conforme. Muitas vezes, o
positivo encontra-se em formas disformes e o negativo em formas conformes. E as
categorias de juízo de Aristóteles são as que sustentam toda a homologação desses
juízos.
O Neobarroco, por seu turno, além de trazer todas estas orientações de
juízo de valores, em muitas situações suspende por completo toda a valoração. Fica
extremamente difícil agenciar valores a determinado gosto estético. Esse
agenciamento, convém ressaltar, decorre de todo um sistema de homologações
grupais ou individuais.
As homologações acontecem a partir do discurso, ou melhor dizendo, do
texto. E esse texto, segundo Calabrese, atualmente apresenta algumas
características comuns a outras épocas, mas com alguns pontos que transpassam
tal linearidade histórica para as suas construções. Alguns deles são: ritmo e
repetição; limite e excesso; pormenor e fragmento; instabilidade e metamorfose;
desordem e caos.
Para a conceituação de Neobarroco, o autor observa, ainda, que hoje temos
que admitir a Nova Física, pois ela trará modificações para as ciências. As pesquisas
do Neobarroco serão realizadas admitindo a desordem, trabalhando sempre entre as
oposições:
ordem – desordem;
regra – irregularidade;
causa – caso;
cosmos – caos;
perfeição – imperfeição.
Calabrese diz que, neste novo movimento, trabalha-se com a noção de
complexidade. Com a descoberta da dualidade da luz, junto com a Física Quântica e
a Teoria da Relatividade de Einstein, o autor afirma que os cientistas começaram a
ver o mundo de forma diferenciada, não se observando mais aquela clássica visão
68
de estrutura ordenada. Hoje o pesquisador tem que considerar o processo de
desordem que consegue criar a ordem. E isto é paradoxal, dual, mas é o
contemporâneo.
Junto com tal instabilidade aparece a metamorfose e a figura do monstro. A
metamorfose, na visão de Calabrese, estuda os monstros. No estudo clássico, os
monstros são pesquisados pela teratologia, a ciência dos monstros. Esta ciência
trabalha com base na estabilidade das categorias de valores. Assim, o juízo de
monstro ainda está ligado aos valores negativos, isto é, eles são disformes,
malvados, feios e disfóricos. Mas os novos monstros intercalam as categorias de
valores. Eles são disformes, feios, por outro lado são bons e eufóricos. Como
exemplo, temos o alienígena ET, do filme de Spielberg, e o desenho Monstro S.A.
Calabrese diz também que, além de instabilizar as categorias de valores, os
novos monstros abalam a categoria de juízo. “Os novos monstros, longe de se
adaptarem a quaisquer homologações das categorias de valor, suspendem-nas,
anulam-nas, neutralizam-nas”
122
. O exemplo são os “monstrinhos Gremlins”. Eles
nascem bichinhos “positivos” – bonitos, fofinhos, bons, conformes – mas, por um
descuido do ser humano, eles transformam-se em monstros, disformes, feios. Muito
embora a ambivalência faça parte de sua constituição. Por outro lado, fica difícil
classificá-los como maus e disfóricos. Em algumas cenas, eles atacam a vilã da
cidade. Assim, podem ser vistos como bons. Também possuem atitudes “chamadas
ruins”. Na realidade, como diz Calabrese, depende do ponto de vista do receptor.
Para Benjamin, o sujeito é distraído e adquire valores a partir desta
condição. Calabrese fala do sujeito complexo. Complexo frente a todas as
provocações e situações a que o contemporâneo o expõe. Estes autores partem
sempre da formulação que este receptor não é um mero local no processo
comunicacional; é, sim, um sujeito, com sua identidade – muito embora sempre a
coloque em dúvida (é o contraditório) –, seu gosto, seu desejo e anseios, inseridos
em complexas relações sociais e culturais, transpassadas pelas produções
simbólicas oferecidas pelos MCM.
122
Ibid., p. 108.
69
Aborda-se tanto o emissor como o receptor, e agora o processo
comunicacional é visto não mais como algo fixo, mas em constantes deslocamentos
e movimentos. Também é importante reforçar que o juízo de valor é formado por
textos e estes textos têm suas construções homologadas por indivíduos ou pelo
coletivo a partir de qualquer momento do processo comunicacional. E mesmo que os
sujeitos envolvidos no processo tentem transpor algum valor diferenciado, só o ponto
de vista de cada sujeito poderá estabelecer ou não ligações às homologações
destes juízos, poderá dar o processo de significação. O que se percebe é essa
instabilidade e, em muitos casos, fica difícil apontar onde se dá a construção do
juízo.
Se levarmos em consideração a noção de teia, tanto microscópica ou
macroscopicamente, temos a ligação com nódulos e, como já observamos, toda a
construção de juízo dá-se em uma produção cultural. Isto envolverá alguma coisa
comunicável, e todo um processo comunicacional, mas o “lugar” do emissor e do
receptor depende do ponto de vista de cada um dos sujeitos envolvidos, e é, por
natureza, mutante.
Podemos pensar no sujeito de Benjamin, que, a partir da técnica de
reprodução, cria uma nova característica de valoração. A partir da repetição não é
mais necessária a presença do original. Agora o novo sujeito deixa o hic et nunc
aqui, nestas circunstâncias – para a arte considerada culta, ao reconhecimento. Este
novo sujeito faz parte da massa e ela quer diversão. Agora é a obra que penetra no
público.
Esta é a construção do sujeito ou identidade pós-moderna que, segundo
Calabrese, leva ao Neobarroco. Assim, temos as formações de juízos instáveis,
voláteis e complexas. O sujeito neobarroco, que desestabiliza as categorias de
valores estabelecidas por Aristóteles até aqui, é também responsável pela
suspensão de todo e qualquer juízo de valor. E, principalmente, é um sujeito que
sabe que está em frente a uma cópia. Por isto, ele pode estar distraído e formar
outros padrões ou alterar seus juízos. A questão da autenticidade não está mais em
jogo. Esta foi uma responsabilidade do sujeito social moderno.
70
1.1 DAS PEDRAS DA PONTE: O SUJEITO
Mesmo trabalhando apenas com o sujeito como categoria de análise,
acreditamos pertinente uma breve teorização sobre o conceito de sujeito, para que,
assim, possamos ter a visualização de que contexto estamos abordando o sujeito
semiótico. O sujeito, que, como já observamos, para Eco, se constitui num fantasma
enquanto sujeito humano, ator da prática semiótica.
A partir dos primeiros estudos sobre a condição do Ser, sua interpretação
abre com a discussão sobre um sujeito fragmentado, corpo e alma, razão/emoção.
Divide-se o homem para estudá-lo, em partes; é a razão iluminista compondo um
sujeito. A psicanálise, no início do século XX, divide em consciente/inconsciente e, a
partir dessa divisão, constrói suas teorizações. Na busca por esclarecer o
consciente, temos um ser social que sabe transitar entre o público e o privado, entre
a sua vida social e sua vida particular, o seu foro íntimo. No processo consciente,
este sujeito sabe reconhecer leis ou normas de conduta social já preestabelecida,
que podem ser chamadas de condutas universalizantes. São normas valorativas que
mantêm uma sociedade agregada e que pressupõem um processo de evolução
humana. Segundo a psicanálise, esse consciente também sabe reconhecer toda a
produção de signos que o social apresenta; percebe as estruturas de significação
que mantêm a identidade do indivíduo e do coletivo. Por outro lado, percebem-se
manifestações que desagregam, que se expressam através do que é chamado de
inconsciente. Estas manifestações são lidas como signos avulsos, fragmentados,
que formam uma estrutura básica da produção de sentidos humanos. E estes se
encontram depositados ou guardados no inconsciente e se manifestam a partir de
uma linguagem onírica. Para a psicologia, ao estudar esses fragmentos, é possível
conhecer o todo humano.
Esta forma de pensar o homem também parte do princípio de relação entre
real/imaginário, público/privado, consciente/inconsciente, parte/todo, e sempre
inserido na perspectiva de um sujeito central, histórico, material e em uma visão
evolutiva da sociedade. Este humano manifesta-se por intermédio de uma
linguagem.
71
Por exemplo, para Saussure, considerado o fundador da Lingüística
Moderna, no início do século XX, o sujeito se forma pela linguagem, e esta se
encontra nas expressões ou no conjunto de expressões aceitas em uma
coletividade, que tem como base o hábito ou a convenção. É a partir do
reconhecimento destes “signos naturais” que se chega ao signo arbitrário e a uma
estrutura básica de uma língua. E isto confere a ela, nos estudos de Saussure, um
alto grau de importância para se pensar o sujeito e a formação do signo.
Esta leitura pode ser vista como extremamente simbólica, mas é, enfim, a
concepção de Saussure. E esses também são questionamentos de base que vão
sustentar a formulação teórica dos estruturalistas. Compõem os questionamentos
estruturalistas a noção de uma estrutura fundadora, o conhecimento das constantes
e das variáveis e a inclusão do campo sócio-histórico. A premissa básica era a
manifestação da linguagem, a partir de signos estéticos, em estruturas significantes
– sociais, políticas, literárias, ideológicas – que formavam um “sujeito falante”
123
. A
grande questão estruturalista, que segundo Kristeva não foi resolvida, era
justamente saber “Quem é esse sujeito falante, capaz de diferentes atitudes em
relação aos diversos aspectos da mensagem?”
124
Não há resposta para esta pergunta básica. A própria Kristeva, quando
discute a intertextualidade, cria uma “nebulosa do inconsciente” e não consegue
apontar outras alternativas dentro das teorias estruturalistas. O que podemos
constatar com a idéia de signos, relações de estruturas, é a proposta de um
desenvolvimento de significado para uma construção social. Podemos perceber, a
partir da psicologia, semiologia e dos estruturalistas, uma visão similar onde se
encontra uma estrutura fundadora na concepção do sujeito, isto é, uma construção
social.
Seguindo com as teorizações do conceito de sujeito, faremos um grande
salto e entramos na pós-modernidade. No pós-moderno, a partir das discussões
sobre representações, a preocupação com a fragmentação e instabilidade da
linguagem fez com que se discutisse a concepção de personalidade. Esta
concepção concentra-se no conceito de esquizofrenia. Para Lacan, a esquizofrenia é
123
KRISTEVA, Julia. Para Além da Fenomenologia da Linguagem. Local: Editora, data. p. XIV.
124
Ibid., p. XIV.
72
uma “desordem lingüística, como uma ruptura na cadeia significativa de sentido que
cria uma frase simples”
125
. Quando há quebra dessas estruturas, não há conexões
entre o passado, presente e futuro e a experiência biológica. E isto se enquadra na
preocupação pós-moderna com o significante, e não com o significado, com a
participação, a performance, em vez de com um objeto acabado, mais com as
aparências superficiais do que com as raízes.
Deleuze e Guattari são teóricos que também discutem a esquizofrenia. Para
eles, a esquizofrenia está relacionada com o capitalismo e a economia. A
esquizofrenia faz interligações com o passado, presente e futuro, simultaneamente.
Nessa idéia, a seqüencialidade temporal e evolução histórica começa a se perder,
pois a ruptura com o tempo acaba rejeitando a ordem de progresso. O pós-
modernismo, em Deleuze e Guattari, abandona o sentido de continuidade e memória
histórica, afastando-se do projeto iluminista e da dualidade na construção do
conceito de sujeito. Com este afastamento, surge uma nova visão estética e crítica,
que está ligada também com as novas tecnologias, as novas produções cultural,
novas mídias.
Vattimo, outro autor que discute o conceito de sujeito a partir da pós-
modernidade, diz que, em uma sociedade transparente e com a interferência das
produções simbólicas dos MCM, não funciona analisar o conceito de sujeito a partir
de um ponto de vista de “Sujeito Central”
126
, mas a partir de uma autotransparência.
Segundo ele, está em jogo a necessidade de reconhecer o sujeito como
fragmentado e transpassado pela discussão entre as Ciências Humanas e pelo
domínio das tecnologias, em especial, as de comunicação de massa. O sujeito pós-
moderno encontra-se nessas “múltiplas confabulações de textos e contextos”
127
.
Para Vattimo, “O sujeito pós-moderno, busca em seu interior alguma certeza
primeira, não encontra a segurança do cogito cartesiano, apenas as ‘intermitências’
do coração proustiano, os relatos dos medias, as mitologias evidenciadas pela
psicanálise”
128
.
125
Apud HARVEY, David. Op. cit., p. 56.
126
VATTIMO, Gianni. Op. cit., p. 105.
127
Ibid., p. 108.
128
Ibid., p. 132.
73
Harvey trabalha com o sujeito social e material, que sofre influências da
evolução tecnológica e do capital. É um sujeito histórico e que acaba se adequando
a todas as possibilidades tecnológicas e da riqueza. A idéia é sempre um sujeito
coletivo e nunca indivíduo com suas características. Esta noção também pode ser
vista em Jameson: um sujeito coletivo, social e histórico, por mais paradoxal que
seja a sua construção teórica com relação à morte do sujeito moderno e a introdução
da fragmentação. A concepção de sujeito nunca é individual. Novamente é o coletivo
que tem uma produção histórica e social.
O que se percebe é a permanência de um texto básico, estrutura, linguagem
fundadora para poder conhecer este sujeito. Também observamos até agora a
existência de um sujeito central, histórico-material. Por outro lado, já vimos o sujeito
fragmentado. Em Hutcheon, chegamos a um sujeito consciente que parece ser
aquele que, para reconhecer qualquer texto, deve experenciá-lo, mesmo sendo essa
uma experiência imaginativa. Hutcheon traz também, para essa discussão, a noção
de pequenos grupos, de segmentos/fragmentos. O sujeito feminino aparece: “O
sujeito deixa de ser o masculino cartesiano e a experiência humana já não é
garantia de sentido, especialmente se for considerada fora do contexto da história
das mulheres"
129
. O sujeito surge a partir de uma noção de consciência histórica
retrabalhada com visitações irônicas e se fundamenta nas articulações de outros
vários sujeitos – mulheres, gays, trabalhadores – entre o presente e o passado
ficcional. É uma relação entre o centro e as margens, que aproxima literatura/ficção
à história, a partir de uma visita ao passado, sem ser nostálgica, carregada de
subjetividade e que tenta acabar com os pressupostos iluministas de ver o sujeito
como coerente e contínuo.
Outra grande construção teórica é vista em Foucault. Ao trabalhar o conceito
de sujeito, Foucault resgata o termo linguagem, mas difere da visão estruturalista
que via, nessa, um sistema de signos básicos que determinariam a construção social
e histórica. Para ele, a linguagem não é apenas um sistema de signos; é, na
realidade, uma das premissas fundadoras do homem. A linguagem é utilizada para
sustentar a existência corporal, isto é, para produzir objeto e utensílios, organizar os
sistemas de trocas e consumo, para gerenciar a vida social. Por ter uma linguagem,
129
HUTCHEON, Linda. Op. cit., p. 213.
74
o homem pode construir um universo simbólico que o faz ter consciência do
passado, das coisas, dos outros e do seu próprio conhecimento. A partir disso, é um
sujeito que, consciente ou inconscientemente, constrói a linguagem por meio de
representações, para se fazer enunciar, compreender e buscar a vivência coletiva
que, por outro lado, é construída por ele mesmo.
Podemos dizer que, a partir de Foucault, temos um sujeito que, do interior da
linguagem, constrói-se como representação e acaba representando a sua própria
linguagem. Segundo o autor, o sujeito,
não é esse homem que, desde a aurora do mundo, ou do primeiro grito de
sua idade de ouro, está destinado ao trabalho; é esse ser que, do interior
das formas da produção pelas quais toda a sua existência é comandada,
forma a representação dessas necessidades, da sociedade pela qual, com
a qual ou contra a qual as satisfaz, de sorte que, a partir daí, pode ele
finalmente se dar a representação da própria economia
130
.
A partir destes conceitos, nos aproximamos dos estudos de Hall que, ao
trabalhar o conceito de sujeito no contemporâneo, traz, na realidade, noções de
identidades e cultura para essa discussão.
Hall apresenta a discussão do sujeito por intermédio da questão da
identidade, afirmando tratar-se de conceito extremamente complexo. Para o autor,
há três concepções de identidade
131
, quando nos referimos a sujeito. A primeira é a
do Iluminismo, onde o sujeito era visto como uma pessoa centrada, unificada, que
tinha consciência e capacidade de ação. A Razão era a característica primeira desse
sujeito.
A segunda noção é a do sujeito sociológico. Esse sujeito é o retrato do
mundo moderno, onde a discussão sobre interior e exterior teve o seu apogeu, pois
se acrescentava a idéia de que o sujeito não era mais tão auto-suficiente como o
iluminista. Agora, a relação com outros sujeitos, as interações entre valores,
culturas, interferem na construção do sujeito. Assim, o sujeito sociológico é aquele
que está sempre em “interação entre o eu e a sociedade”
132
. A identidade, nessa
concepção, é formada pela relação entre o mundo pessoal e o mundo público. É um
processo de relações, pois, ao mesmo tempo em que o sujeito tem seus próprios
130
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Op. cit., p. 370.
131
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
132
Ibid., p. 11.
75
valores e sentidos interiores, também interfere na formação dos valores e sentidos
públicos. E a identidade transita nessa relação. Para Hall, será a identidade que
manterá o sujeito ligado à estrutura e que acaba estabilizando-o como persona e ao
seu mundo cultural.
O terceiro conceito é o do sujeito pós-moderno. Este é derivado das
formações anteriores, porém extremamente complexo. Segundo o autor, agora o
sujeito não tem apenas uma identidade, mas é composto por várias outras. Tais
identidades são resultados das mudanças estruturais e institucionais que se
operaram na metade do século XX; o sujeito pós-moderno tem uma identidade
móvel, que será formada e transformada pelas inter-relações culturais.
Hall diz:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é
uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplica, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente
133
.
A proposta, então, é pensar estas identidades a partir de uma formação
cultural. Mas, o que é a formação cultural destes estudos? Para construir o termo
cultura, escolhemos o autor indiano Bhabha, que apresenta sua idéia sobre como
pensar o contemporâneo e a formação cultural, a partir de conceitos como: além,
entre-lugares, hibridismo, diferença, e outros.
O autor refere-se, a todo o momento, à idéia de que, para pensar o presente,
há necessidade de se ter uma nova postura, tentar uma nova visão. Segundo ele:
Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de
sobrevivência, de viver nas fronteiras do “presente”, [...] encontramo-nos no
momento de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir
figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e
exterior, inclusão e exclusão. Isso porque há uma sensação de
desorientação, um distúrbio de direção, no “além”: um movimento
exploratório incessante, que o termo francês au-delà capta tão bem – aqui e
lá, de todos os lados, fort/da, para lá e para cá, para frente e para trás
134
.
133
Ibid., p. 13.
134
BHABHA, Homi. O Local da Cultural. Belo Horizonte: UFMG, 1998, p. 19.
76
Como se pode definir o “além” e o “entre-lugares”? Bhabha diz que, hoje, há
um processo teoricamente inovador, que tenta ultrapassar a fase das narrativas de
subjetividade e tenta ver o que se passa nos cruzamentos culturais. E tem como
método a observação dos processos que são produzidos nas articulações das
diferenças culturais, no espaço que se produz nesses cruzamentos e em que se
desenvolvem os conceitos de “além” e “entre-lugares”. “Esses entre-lugares
fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou
coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de
colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia de sociedade”
135
. E o
“além” é o sinônimo de distância espacial, progresso, futuro. O ato de ir além é
irrepresentável, mas viver na expectativa do além, diz o autor, cria diferenças sociais
e temporais.
Autores como Bhabha e Hall, preocupados com as transformações
estruturais do final de século XX, apontam para as mudanças das noções de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça, nacionalidade e também de indivíduo social. Em
conseqüência, indiretamente, apontam para a transformação da identidade social
desse sujeito.
Segundo Hall: “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade
unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto não de uma única, mas
de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas”
136
. Para o
autor, ao mudar a estrutura social, muda também o sujeito, pois há um processo de
“sutura”, que estabiliza o sujeito e o mundo cultural. Pelo desenvolvimento
tecnológico e pela tendência de globalização, o mundo está caminhando para uma
interdependência global.
Os fluxos culturais, entre nações, e o consumismo global criam
possibilidades de “identidades partilhadas” – como consumidores para os
mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as
mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante
distantes umas das outras no espaço e no tempo
137
.
Assim como Bhabha, Hall também adverte quanto às afirmações conclusivas
ou julgamentos seguros sobre essas alegações teóricas, especialmente porque se
135
Ibid., p. 20.
136
HALL, Stuart. Op. cit., p. 12.
137
Ibid., p. 74.
77
está lidando com fenômenos sociais. O que percebemos, no entanto, é que hoje não
podemos pensar o presente com pensamento linear e concreto. Para Bhabha, “estar
no além é habitar um espaço intermédio”
138
. Atualmente, diz o autor, “[...] residir ‘no
além’ é ainda ser parte de um tempo revisionário, um retorno ao presente para
redescrever nossa contemporaneidade cultural; reinscrever nossa comunidade
humana, histórica; tocar o futuro em seu lado de cá. Nesse sentido, então, o espaço
intermédio ‘além’ torna-se um espaço de intervenção no aqui e no agora”
139
. Para
Hall, “O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em
nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático”
140
.
Este pensamento gera então um “novo”. Envolve teorizar e pensar o
passado não como algo que já foi e é a causa inicial, num processo contínuo.
Implica pensar o passado renovado, que carrega, é claro, todo o contexto histórico,
mas deve ser visto também como um conceito que intervém e inova o presente. “O
passado-presente torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver”
141
.
E este pensar gera o “entre-lugares” que atua em culturas híbridas, em
especial. Híbridas são culturas que trazem a noção de tradição, do nativo, do que
nasceu no local, e também a noção de colonizador, aquele que veio de fora. São
culturas que trabalham sempre nas fronteiras das diferenças, pois não possuem
mais a tradição e tampouco têm a cultura do colonizador. O que essas culturas
possuem são signos que se cruzam e formam significados muito complexos. E,
principalmente, são culturas em que:
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global
de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens
da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais
as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos,
lugares, histórias e tradições específicas e parecem flutuar livremente
142
.
Assim, nessa formação de marcas semióticas, o significante é o que atua na
diferença. Como o signo é a produção comunicacional de cada cultura, sua
formação, em culturas híbridas, faz com que o significante trabalhe sempre de forma
complexa e fique nos “entre-lugares”. Ele não está nem na tradição e nem no outro –
138
BHABHA, Homi. Op. cit., p. 27.
139
Ibid., p. 27.
140
HALL, Stuart. Op. cit., p. 12.
141
BHABHA, Homi. Op. cit., p. 27.
142
HALL, Stuart. Op. cit., p. 75.
78
o colonizador. Isso gera o estranho, e estranhamento é a condição das “iniciações
extraterritoriais e interculturais”
143
. O estranho está baseado nas tradições nativas e
nos fetiches que se criam frente à nova cultura – a cultura que se apresenta por
meio do colonizador. E é nesse espaço, onde se tenta recolocar a vivência, que se
dá o estranhamento. Conforme Bhabha:
[...] as banalidades são encenadas – a agitação em torno de
nascimentos, casamentos, questões de família com seus rituais de
sobrevivência associados a comida e vestuário. Mas é precisamente nessas
banalidades que o estranho se movimenta, quando a violência de uma
sociedade racionalizada se volta de modo mais resistente para os detalhes
da vida: onde você pode ou não se sentar, como você pode ou não viver, o
que você pode ou não aprender, quem você pode ou não amar
144
.
Segundo Bhabha, temos que abandonar a visão binária e a visão da
diferença vista a partir dos conceitos da teoria crítica e começar a ver a diferença
cultural, mas não utilizando o conceito reducionistamente ou autoritariamente. As
diferenças culturais são as que se operam nos espaços de vivência. A cultura
híbrida, por exemplo, nasce dessa nova formação: tradição – colonizador – além. E
este além é o terceiro na produção de sentido, nem tem lugar fixo, é o flutuante. Fica
transitando na ligação entre cultura tradicional e a nova ou híbrida cultura de uma
sociedade.
Hoje, ao se falar em minorias e em terceiro mundo, temos que pensar nesta
possibilidade, pois acreditamos que é este o lugar do sujeito da comunicação. Não é
o “outro”, é o deslocamento cultural que provoca as transformações, e a
negociação entre tradição e o outro é que faz aparecer o terceiro, o entre-lugares.
Este hibridismo e diversidade é que acaba influindo na formação de juízo e
na estética de cada cultura. Nesta linha de raciocínio, podemos resgatar Benjamin, a
partir de seu texto sobre a técnica de reprodução e a noção do novo sujeito. O
sujeito que absorve a cultura distraidamente e que é formado na medida em
que diminui a significação social de uma arte. Podemos dizer que, para o autor,
mudou o comportamento e também mudou a estrutura e o modo que cerca este
novo homem.
143
BHABHA, Homi. Op. cit., p. 29.
144
Ibid., p. 37.
79
Acreditamos que a noção de sujeito que devemos ter não deve ser reduzida.
Não é emissor ou receptor, também não é o sujeito sociológico. É pensar um pouco
no sujeito em Foucault que forma e é formado pela linguagem e esta acaba
refletindo na e à cultura e, assim, resgatamos também, de Hall, a idéia de
“identidades”. É usar o plural e não o singular. Não um sujeito único, universal, mas
sujeitos que forjam identidades, que se formam no cruzamento e na vivência de uma
cultura ou das culturas. Por outro lado, significa uma pessoa com vontades, desejos,
valores em constante transformação. Acreditamos que tais transformações são
motivadas principalmente pelas produções culturais que os MCM proporcionam.
Não podemos esquecer que uma das características da pós-modernidade é a
velocidade. Assim, observamos que estes valores, desejos, destes indivíduos
contemporâneos, estão em mudança constante e com muita velocidade, criando,
desse modo, um processo de suspensão e instabilidade nas suas categorias de
valores e sentidos.
O que percebemos com essas características é que estamos na época
da dúvida, da crise, da experimentação. Estamos em processo de
desestabilização de um sistema ordenado, processo que, para Calabrese, pode ser
o Neobarroco. Percebemos que estas releituras dos sentidos levam a muitos
questionamentos, mas, principalmente, mexem com as categorias de valores.
Diferente de outras épocas, estão produzindo o “excesso, metamorfose,
instabilidade, caos” internamente. É importante ressaltar que o processo parte de
dentro da estrutura. Traz uma grande característica que é o subjetivo e que tem
como pressuposto desencadeador de análise as concepções pós-modernas. Ritmo e
repetição compõem o elenco das características da pós-modernidade e também do
chamado Neobarroco, assim como o sujeito fragmentado que já não observa mais a
totalidade, mas sim o detalhe, o pormenor, o fragmento. Este, então, é o processo
da formação do novo sujeito da nova valoração estética.
Observando novamente que, nesta pesquisa, estamos trabalhando com um
sujeito semiótico, uma categoria de análise, e que apresentamos esta breve reflexão
para apontar que, como diz Eco, “não se está negando a existência e a importância
dos sujeitos empíricos individuais e materiais que, quando comunicam, obedecem
80
aos sistemas de significação e ao mesmo tempo os enriquecem, criticam e
mudam”
145
. Mas que, em
semiótica não pode senão definir esses sujeitos no interior de seu quadro
categorial, da mesma maneira que, falando dos referentes como conteúdos,
não nega a existência das coisas individuais e dos estados reais do mundo,
mas atribui suas verificações (e suas análises em termos de propriedades
concretas, mutações, verdades e falsidades) a outros tipos de
indagações
146
.
145
ECO, Umberto. Tratado Geral da Semiótica. Op. cit., p. 257.
146
Ibid., p. 257.
2 A TRAVESSIA DA REPETIÇÃO, DO FRACTAL, DO FRAGMENTO E DO
PORMENOR
A primeira noção que devemos esclarecer é a questão do ritmo atual. O
conceito de ritmo, de Calabrese, foi extraído do conceito musical e significa um
movimento ou uma cadência que se repete com regularidade ou não. Para o autor, o
ritmo clássico era harmônico, tinha uma regularidade bem marcada e era carregado
por uma única condução. Já o ritmo atual é de variação, de policentrismo, havendo
uma irregularidade regulada. É visto ainda como ritmo insensato e isto nos remete
aos valores barrocos. A ligação das características faz-nos pensar em parentescos,
e é indiscutível a junção de ritmo e repetição: um não existe sem o outro.
Para Calabrese, estamos na estética da repetição e ela não significa um
aspecto de má qualidade ou deformação do original. Afirma que a visão de que a
obra de arte degenera com a reprodução, não é mais possível: “[...] uma atitude
deste tipo é ao mesmo tempo confusa, ultrapassada e inadequada aos fenômenos
da produção de objetos estéticos dos nossos dias”
147
.
É interessante apresentar aqui a estrutura da característica neobarroca da
repetição vista por Calabrese. Vale lembrar que este autor trabalha sempre com a
noção de processo comunicacional que envolve sujeitos, conteúdos, meios, códigos,
e parte desta organização para construir o conceito. Para ele, há três noções de
Repetição. A primeira é ligada à produção em série, a partir de uma matriz. Esta nos
leva ao conceito de estandardização e ao processo mecânico, que se desenvolveu
com a Revolução Industrial. Esta noção também nos remete à questão econômica,
147
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 42.
82
pois é ela que propulsiona a produção. A segunda é a concernente à própria
estrutura do produto. Por exemplo, em seriados televisivos, não se tem apenas a
repetição das aventuras, mas se repetem os temas, os cenários. Nessa noção é
fundamental a questão do tempo. E, para Calabrese, o tempo é utilizado como
variação cronológica de séries televisivas, dividido em duas categorias: a
acumulação e a prossecução.
Nesta segunda noção de repetição temos, então, o nosso primeiro encontro
com o tempo. Ele, em uma série televisiva, pode ser de acumulação, o tempo
relatado, onde as aventuras se desenrolam sem nunca pôr em dúvida o tempo
integral da série. A de prossecução, onde cada episódio da série apresenta um
objetivo final, e o tempo integral da série é sublimado pela lentíssima narrativa.
A segunda noção, além da divisão do tempo, também envolve outras três
situações. O primeiro caso ocorre quando um protótipo é multiplicado em situações
diversas, e nunca coloca em risco o tempo integral da série. No segundo, são
produtos que nascem diferentes de um original e acabam idênticos, como exemplo,
o Incrível Hulk, a Guerra nas Estrelas, Dallas e Dinastia. Observamos, nestes
exemplos, a existência de um tempo integral na série, que pode ser posto em
cheque, conforme vai se desenvolvendo a trama. O terceiro caso é ligado à
Semiótica, pois envolve a repetição icônica: os heróis têm olhos azuis, mocinhas
loiras, etc.; um modo temático, bons e maus, vida no campo, vida na cidade; e um
modo narrativo de superfície, como os cenários-tipo, encenações-tipo, a
perseguição, o beijo, etc.
A terceira noção de repetição é referente ao receptor, aquele que investe na
esfera do consumo. Este pode ser consolador, consome por hábito; há o culto,
aquele em que o telespectador participa dos espetáculos, exemplo Rocky Horror
Picture show; e o terceiro é o da síndrome do botão, consiste na obsessiva mudança
de canais.
Eco também teoriza acerca da questão do tempo, em especial o tempo na
obra de arte e o tempo da série. Para o autor, quando está falando de tempo, ele se
refere “em quantos sentidos o componente ‘tempo’ contribui para definir o nosso
83
relacionamentos com a arte”
148
. E como bem observa, sem discutir o que é arte e
tampouco uma teoria do tempo na arte, apenas estabelece “em quantos sentidos é
lícito falar de tempo na arte”. Para isto, o autor apresenta um esquema:
Tempo de expressão:
a expressão se desenvolve no tempo;
a expressão requer um tempo de percurso por parte do observador;
a expressão requer um tempo de recomposição.
Tempo de conteúdo:
tempo do enunciado;
tempo da enunciação.
No primeiro, tempo de expressão, a expressão se desenvolve no tempo, o
autor remete à idéia de consumo físico. Para ele, a obra de arte é um objeto e, como
tal, independente de como as pessoas a consumem, vive no tempo como objeto
físico que é. E isso compreende as artes conceituais também; são as que se
concluem em um gesto, uma citação ou uma resposta mental. E todos são
submetidos à lei da física do consumo.
O segundo item, a expressão requer um tempo, é a relação do fluxo
sintagmático e o tempo de percurso da obra. Na relação do fluxo sintagmático, diz
Eco, “a temporalidade concerne, antes de mais nada, ao modo pelo qual a
expressão se desenvolve diante dos nossos olhos”
149
. Há diversas dinâmicas de
percepção da expressão. Por exemplo, um filme se desenvolve no tempo como
expressão e, também, fala de acontecimentos que se desenvolvem no tempo. Uma
forma diversa se dá com a música ou com um móbile. Ou ainda: na música o tempo
de expressão coincide com o tempo do consumo. Há também obras que são imóveis
e, independente de seu conteúdo, elas requerem um tempo de “circunavegação”.
Exemplos são as estátuas e as construções arquitetônicas em que os consumidores
necessitam de um tempo mínimo para a “circunavegação”. A dimensão e os
148
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos e Outros Ensaios. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1989. p. 110.
149
Ibid., p. 112.
84
ornamentos acabam criando situações de observações, ampliando o tempo da
observação.
Há obras que exigem um tempo de recomposição, como um quebra-cabeça,
que exige um tempo operativo e manual, “uma intervenção manipuladora que deve
tomar tempo”
150
. Assim, “não se consegue usufruir da obra se não se trabalha
manipulando a expressão”
151
, pois o objeto não tem valor, o que valora é a
interpretação, a execução ou manipulação do objeto.
Outro ponto do esquema é o tempo do conteúdo, dividido em tempo do
enunciado e da enunciação. O tempo do enunciado não se refere apenas às artes,
cujo conteúdo é uma narrativa temporal dos fatos, mas trata também de obras como
a poesia, o cinema e a pintura, que contam um acontecimento e contam uma
seqüência de acontecimentos: um antes e um depois. Por outro lado, o tempo da
enunciação é o tempo de quem narra ou “fala”, seja um texto verbal ou visual. O
tempo de enunciação é a forma como o autor conduz a sua obra, seja escrevendo
muitas páginas para descrever uma paisagem, seja empregando muito tempo para
impor um ritmo de leitura. Ou acelerando ou diminuindo o tempo da história. È
interessante observar que, para Eco, é aqui que o autor constrói o seu leitor, quer
seja um leitor ingênuo ou um leitor crítico. Muitos autores negociam com o leitor essa
experiência. Exemplo é o livro de Agatha Christie, O Assassino de Roger
Ackroyde, onde a autora conduz a uma série de previsões, todas destinadas a
serem desmentidas, pois o assassino é o próprio narrador. Ao final do romance, o
narrador diz ao leitor que o enganou e convida-o a uma segunda leitura. Assim,
segundo Eco, estabelece-se o leitor ingênuo, a primeira leitura, e o leitor crítico, a
releitura. Para o autor, esse tipo de obra é feita para “estimular uma dupla leitura e
esse distanciamento temporal foi levado em consideração pela autora e pelo próprio
texto”
152
.
Por fim, o tempo da série. “Aqui, independente da temporalidade da
expressão (série televisiva) ou da temporalidade tanto do enunciado como da
enunciação, entra em jogo uma sensibilidade temporal própria do espectador”
153
.
150
Ibid., p. 114.
151
Ibid., p. 114.
152
Ibid., p. 117.
153
Ibid., p. 117.
85
Para Eco, a obra serial apresenta diversos tipos de temporalidade, como: a obra
enuncia um percurso temporal e ele é “mascarado”; a obra faz o espectador sentir
que ela se desenvolve no tempo, exemplo são as telenovelas onde o espectador
sugere alterações no andamento da trama; a obra impõe um certo ritmo de leitura,
determinando paradas e estabelecendo os pontos de expectativas; a obra impõe ao
leitor recordar tudo o que já sabe de capítulos anteriores; no dialogismo, o tempo do
espectador se transforma no tempo da sua competência de reconhecer as citações.
“Quando um texto cita um texto anterior, este impõe ao receptor uma inspeção na
própria competência intertextual e no próprio conhecimento do mundo (ou seja, em
conjunto, na própria competência enciclopédica)”
154
, a isto chama-se tempo da
citação.
Para Eco, com a série também surge um duplo leitor crítico (Leitor Modelo),
aquele capaz de vivenciar a obra de duas maneiras. Vivencia primeiro o tempo do
enunciado mais rapidamente; em segundo, mais lentamente, para revisitar as
estratégias do discurso. Assim, para o autor, o conceito de temporalidade “se
estende, do tempo do enunciado e do tempo da enunciação, ao tempo psicológico
do consumidor e ao tempo histórico, ou seja, ao tempo da cultura”
155
.
Retornando ao conceito de Repetição. Assim como Calabrese, Eco também
teorizou a respeito dela. Observamos que os dois partem do mesmo ponto para
desenvolver a questão da repetição: o processo comunicacional. Eco diz que a
pós-modernidade e os MCM trazem a característica da repetição e adverte que, com
ela e em função de todos os elementos que ela possui, nós, muitas vezes,
apresentamos e consumimos coisas como originais e diferentes, mas no fundo são
repetições de estruturas que já conhecíamos. Para Eco, por exemplo, os Meios de
Comunicação de Massa nos apresentam formas como originais, mas, na realidade,
são repetições de formas conhecidas. Ele explica que, provavelmente, compramos
os produtos com essas formas exatamente por isso.
Eco, ao teorizar acerca da estética contemporânea, diz que produções como
o livro de Orwell (1984) nos apresentam uma discussão em dialética com a estética
tradicional, onde ela, a discussão, se desenrola entre o prazer do “quê” e o prazer do
154
Ibid., p. 118.
155
Ibid., p. 119.
86
“como”. Observa que, agora, o “como” é modesto e o “quê” mais do que sabido em
razão das suas inúmeras referências/repetições. Porém, a natureza do “quê”, neste
tipo de obra, nos impede de limitá-la à estética e nos remete ao “que se pretendia,
antigamente, diante da impressão do sublime, que é diferente do belo”
156
. Para Eco,
o que surpreende é, ao ler este tipo de obra, que o leitor não questiona por que a
obra foi escrita, mas, sim, possa questionar que alguma coisa no gênero que foi
escrito possa acontecer a ele.
Para o autor, esta nova vivência estética nos remete a Kant:
Então, como recordava Kant a respeito do prazer do sublime, não
estamos gozando de uma regularidade sem lei, de uma finalidade sem
objetivo, de um universal sem conceito e de um prazer sem interesse, mas
sim da desproporção entre razão e imaginação, de alguma coisa que
pertence (inquietantemente) às profundezas da nossa alma e não à
superfície ou às profundezas do objeto
157
.
Em função desta discussão, Eco questiona a validade das categorias criadas
pela sociologia para a literatura para identificar o que se intitulou “estética mais
aristocrática”, porque, para o autor, frente a esta nova construção ou nova produção
de textos, neste contemporâneo complexo, fica difícil identificar o agradável com o
não-artístico.
Podemos ainda identificar o consolador com o que satisfaz o
horizonte de expectativas do fruidor e que, portanto, não inova e não
provoca? Ou, até mesmo, podemos ainda colocar de um lado o consolador,
o não-inovador, o esperado, e de outro o inesperado, o informativo, o
provocador, o que, em suma, produziria um prazer de ordem superior, e não
banal? E que significa satisfazer ou provocar um horizonte de
expectativas?
158
Para o autor, então, este é o momento de se dirigir ao público, ao leitor, e
não aos aspectos “objetivos” de um texto, pois é o conhecimento enciclopédico do
público que irá reconhecer o que o texto apresenta. Nesta transposição deve-se
reconhecer que este conhecimento é relativo ao “patrimônio do saber do público”,
que nos propomos a traduzir como cultura. Eco, ainda, adverte que, se, nestas
produções, não entendermos a relatividade das categorias que estão sendo usadas,
corre-se o risco de não ganhar nada e perder tudo. Assim, observar a cultura, o
momento e as formas como estas produções ou textos aconteceram é que é
156
Ibid., p. 102.
157
Ibid., p. 102.
158
Ibid., p. 103.
87
pertinente para não se esgotar as análises estéticas, pois, do contrário, estas
análises não poderão ser vistas como complementares, mas sim excludentes.
Eco, no texto A inovação no seriado
159
, finaliza-o com a seguinte questão: “O
que teria a estética a dizer sobre o problema do seriado de televisão?”. E inicia este
mesmo texto com um subtítulo: “O problema do seriado nos meios de comunicação
de massa”. Para o autor, a resposta passa pelo que ele denomina “estética
moderna”. Esta se firmou, para Eco, com o Maneirismo e se impôs definitivamente
do Romantismo às posições das Vanguardas do século XX. Também adverte que,
para a estética moderna, “obra de arte” é aquela onde o seu objeto se apresenta
como único, isto é, não-repetível. Também é conceito desta estética a noção de
original, entendendo originalidade como um modo de fazer que põe em crise as
expectativas do leitor, que apresente uma nova imagem do mundo e que renove as
experiências deste Leitor.
Esses conceitos, aplicados às obras produzidas pelos meios de
comunicação de massa, definiu-as como objetos produzidos em série,
carregando-as com uma premissa extremamente pejorativa. Na realidade foram
mais longe, a serialidade dos meios de comunicação de massa foi considerada mais
negativa que a da indústria. Às produções em série foi negado qualquer valor
artístico. Para Eco, para entender essa “natureza negativa” da série é necessário
distinguir entre “produzir em série um objeto” e “produzir em série os conteúdos de
expressões aparentemente diferentes”.
Outra questão desenvolvida por Eco diz respeito à valoração dos produtos
em série da chamada “alta cultura”. A questão da valoração dos objetos produzidos
em série foi resolvida, pela “cultura alta”, com a noção de artesanato. Assim, não se
negou a estes um valor estético, mas agregou-se a idéia de uma “arte menor”. Com
isso, esses objetos podem ser considerados “belos”, pois são repetições perfeitas de
um mesmo tipo ou matriz, concebidos para terem uma função prática. Esse conceito,
segundo Eco, foi obtido a partir da idéia dos gregos e romanos do techné ou ars, isto
é, “a habilidade em construir objetos que funcionassem de modo ordenado e
perfeito”
160
. Assim, os objetos reproduzidos pela indústria carregam valor e são
159
Ibid., p.120-139.
160
Ibid., p. 121.
88
reconhecidos como belos ou agradáveis, pois o valor de excelência era atribuído ao
modelo e as suas reproduções carregavam o valor, pois não tentavam parecer
originais. Eco lembra ainda que, para a estética moderna, muitas obras de arte
podiam ser originais usando a produção em série. Exemplos: a arquitetura, com os
materiais pré-fabricados, e a poesia tradicional, com o uso dos esquemas. Mas o
principal destas obras é que elas pretendiam provocar a inovação ou a invenção;
provocar uma reação do receptor. Com essas premissas, esses objetos ganhavam o
caráter de artístico e, assim, não feriam a “cultura alta”, não desagradavam ou feriam
ninguém e resolvia-se o caso das produções em série.
O problema, diz Eco, é quando surgem as obras que “fingem” ser diferentes,
mas na realidade transmitem o mesmo conteúdo. É o caso das produções dos meios
de comunicação de massa, “onde se tem a impressão de ler, ver, escutar sempre
alguma coisa nova, enquanto, com palavras inócuas, nos contam sempre a mesma
história”
161
. É essa repetição que foi considerada, segundo Eco, pela “cultura alta”
como “serialidade degenerada e insidiosa”. Por outro lado, lembra o autor, este tipo
de serialidade sempre esteve presente em muitas fases da produção artística do
passado. Exemplos encontram-se na música destinada ao entretenimento, como o
minueto; a commedia dell’arte, “onde, com base num esquema preestabelecido, os
atores improvisavam, com variações mínimas, as suas representações que
contavam sempre a mesma história”
162
.
A discussão, então, é refletir sobre em que medida o serial dos meios é
diferente das formas artísticas do passado, e em que medida ele está apresentando
formas de arte que levam a uma nova estética ou, como diz Eco, uma “estética
pós-moderna”. Para isto, Eco elenca uma tipologia de repetição que os meios de
comunicação de massa apresentam. Mas, primeiro, o autor esclarece a noção de
repetição que devemos ter ao teorizar sobre o tema. Diz que devemos pensá-la tal e
qual o dicionário corrente: “repetir” ou “dizer ou fazer alguma coisa de novo”.
Lembrando: “de novo”, na noção de novamente. Na indústria, diz Eco, é fácil
reconhecer a repetição,
[...] do ponto de vista da produção industrial de massa, definem-se
como réplicas dois tokens ou ocorrências do mesmo type, dois objetos que,
161
Ibid., p. 121.
162
Ibid., p. 121.
89
para uma pessoa normal com exigências normais, na ausência de
imperfeições evidentes, dê no mesmo escolher entre uma réplica ou outra.
São réplicas do mesmo tipo duas cópias de um filme ou de um livro
163
.
A teorização que é pertinente, diz Eco, é com relação às produções que à
primeira vista não parecem iguais a qualquer outra coisa. “[...] São os casos em que
alguma coisa nos é apresentada (e vendida) como original e diferente, embora
percebamos que esta, de alguma forma, repete o que já conhecíamos, e
provavelmente a compramos exatamente por isso”
164
.
A retomada, o decalque, a série, a saga e o dialogismo intertextual são as
formas de repetições que o autor apresenta como exemplos da repetição que ocorre
nos meios de comunicação de massa. A retomada nada mais é do que a
continuação de um tema de sucesso. A retomada é uma decisão comercial e é
ocasional o fato da continuação ser melhor ou não do que o primeiro. O decalque é
reformular uma história de sucesso sem informar. Quando o decalque é explícito ele
é um remake, mas na maioria dos casos ele pode ser considerado um plágio.
A série, por sua vez, é a repetição da estrutura narrativa, onde há uma
situação fixa e um número fixo de personagens principais e em torno deste gravitam
situações e personagens secundários que mudam. Segundo Eco, são estes últimos
que dão a sensação de que a história seguinte é diferente da anterior. A série pode
ser considerada consolativa, porque o leitor consegue prever o que irá acontecer e
“saboreia” a previsão.
Na série, o leitor que desfruta da novidade da história enquanto,
de fato, distrai-se seguindo um esquema narrativo constante e fica satisfeito
ao encontrar um personagem conhecido, com seus tiques, suas frases
feitas, suas técnicas para solucionar problemas [...]. A série neste sentido
responde à necessidade infantil, mas nem por isso doentia, de ouvir sempre
a mesma história, de consolar-se com o retorno do idêntico,
superficialmente mascarado
165
.
Há variações nas séries. Tem a estrutura em flash-back, onde se volta ao
passado para contar situações do personagem. A estrutura em espiral, onde
aparentemente sempre acontece a mesma coisa, mas a cada repetição há um
enriquecimento do personagem. Por fim, a estrutura motivada pela natureza do ator.
163
Ibid., p. 122.
164
Ibid., p. 122.
165
Ibid., p. 123.
90
São atores tão personalizados em alguns personagens, que, muitas vezes, por mais
que o ator se esforce, o público sempre o reconhece na mesma maneira.
A Saga é uma série mascarada. Ela conta a história de envelhecimento de
um personagem. Diferente da série, pois os personagens mudam conforme vão
envelhecendo, ela repete, com o passar do tempo, na realidade, a mesma história, a
mesma estrutura narrativa. Por fim, o dialogismo intertextual
166
, que se caracteriza
por uma situação complexa, pois ele remete à repetição que entrelaça várias
estratégias de repetições. Não se refere a uma obra única, como a novela, ou um
filme, mas sim de “textos que citam outros textos, e o conhecimento dos textos
anteriores é pressuposto necessário para a antecipação do texto em exame”
167
.
Exige-se, então, uma enciclopédia intertextual, parecido com o que acontecia com a
arte experimental, que presumia a existência do leitor modelo culturalmente muito
elevado. Há algumas variações de dialogismo encontrados nas séries. O primeiro é
quando a citação é imperceptível, em que o autor sabe, mas o leitor não, isto é o
plágio. Há também a paródia ou a homenagem, a citação irônica, e, também, a obra
que fala de si própria, ironiza-se a si mesmo, procedimento muito comum hoje nos
meios de comunicação de massa.
O dialogismo
168
, nesta perspectiva, será caracterizado pela presença de
leitores de segundo nível. Esses seriam os leitores com a capacidade de reconhecer
todas as referências e as citações. Muito embora, como observa Eco, o leitor
ingênuo, aquele que, por outro lado, não reconhece todas as citações, acaba
superando a sua frustração e se transforma em crítico ao apreciar o modo como foi
passado para trás. E, muitas vezes, os próprios meios de comunicação de massa
produzem ou reforçam as informações referentes aos textos citados para suprir a
enciclopédia do leitor.
Eco propõe, então, a leitura, sob uma estética moderna, das suas tipologias
de repetições, para dar um valor estético a estas produções, já que, obedecendo às
características da estética moderna, nada impede que a serialidade possa ter valor
166
É importante esclarecer que não iremos aprofundar a teorização sobre intertextualidade. Aqui ela é
vista apenas como uma das formas de repetição proposta por Eco.
167
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos e Outros Ensaios. Op. cit., p. 127.
168
Este conceito foi bastante trabalhado por: FRANÇOIS, Frederic. Dialogismo e Romance, ou
Bakhtin visto através de Dostoievski. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin – Dialogismo e Construção de
Sentido. Campinas: Unicamp, 1997. p. 187-208.
91
estético. Lembra também que uma mensagem esteticamente bem organizada,
segundo o padrão estético moderno:
deve realizar-se uma dialética entre ordem e novidade, ou seja, entre
esquematismo e inovação;
essa dialética deve ser percebida pelo destinatário. Ele não só deve
captar os conteúdos da mensagem como deve captar o modo pelo qual a
mensagem transmite aqueles conteúdos
169
.
Seguindo estas premissas, a retomada pode ser realizada com ingenuidade
ou com ironia. A ingenuidade ou a ironia são características e critérios estéticos
estabelecidos para as valorações modernas. Elas também caracterizam critérios e
noções de arte para uma crítica rica e complexa da repetição proposta. Assim, a
retomada pode ser valorada com valor estético a partir do reconhecimento do jogo
da ironia ou não estabelecido na produção da retomada.
Neste mesmo processo de valoração pode ser analisada a série. Para Eco,
toda série constrói e pressupõe um duplo Leitor-Modelo
170
ou leitor de segundo
nível. O primeiro é aquele que se deixa seduzir pelas estratégias do autor; o outro
avalia a obra como um produto estético e avalia as estratégias do autor em
transformá-lo justamente em leitor de primeiro nível. E é este leitor que se empolga
com as estratégias das variações que o autor propõe para a serialidade parecer
sempre diferente perante o mesmo. Estas séries tanto podem ser sofisticadas, em
termos de variações, como podem ser banais. Elas tanto podem ser produzidas para
entretenimento ou gastronômicas, como para uma avaliação crítica. Por outro lado,
são os leitores que terão a autonomia para se transformarem em críticos ou
ingênuos, querendo ou não vencer os desafios de reconhecerem as variações e
observarem criticamente ou não uma estrutura serial.
As séries, muitas vezes, diz Eco, arriscam tudo no leitor crítico e são estes
que passam a valorá-las esteticamente. Muitas vezes o valor recai no esquema-
169
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos e Outros Ensaios. Op cit, p. 129.
170
O conceito de leitor-modelo não será desenvolvido aqui. Para este texto abordaremos a noção de
sujeito como uma categoria mais ampla, trabalharemos a partir de Benjamin com a noção do novo
sujeito até chegar a Calabrese com a noção de um sujeito complexo e que deve ter uma nova
habilidade para absorver cultura. Para saber mais sobre leitor-modelo, indicamos: ECO, Umberto.
Lector in Fabula. São Paulo: Perspectiva, 2002.
92
gravata: “nada é mais ‘serial’ do que o esquema-gravata, e contudo nada é mais
personalizante do que uma gravata”
171
. E é a enorme variação entre a estética
esquema-gravata e o alto valor artístico do serial inovador que produzirá um
continuum de estratégias. São múltiplas as variações possíveis de serem
combinadas a partir deste processo. Para Eco, o problema da estética do serial não
é reconhecer ou não as variações, mas, antes, é reconhecer que o valor artístico e o
valor estético destas produções só poderão ser dados a partir da análise do tecido
cultural onde elas estão inseridas.
Existe uma estética das formas seriais que não deve caminhar
separada de uma sensibilidade histórica e antropológica pelas diferentes
formas que em tempos e países diversos a dialética entre repetitividade e
inovação assumem. [...] Enquanto onde nós vemos inovação, talvez em
formas seriais do passado ocidental, os usuários originais não estavam
absolutamente interessados nesse aspecto e, inversamente, apreciavam a
recorrência do esquema
172
.
Eco observa ainda que, para confirmar a afirmação ou a valoração, a
Comédia Humana, de Balzac, representa “um bom exemplo da saga ramificada”,
tanto quanto Dallas (série norte-americana). Para Eco, Balzac é esteticamente mais
interessante, muito embora afirme: ambas usam o mesmo esquema narrativo.
Por fim, o dialogismo intertextual. Para o autor, o dialogismo é o que menos
precisa ser explicado, pois ele já nasceu no “âmbito de uma reflexão, estética e
semiótica ao mesmo tempo, sobre a arte chamada alta”
173
. Muitos exemplos já são
encontrados nas produções dos meios de comunicação de massa e também na
produção popular. Exemplo típico desse procedimento de dialogismo encontra-se na
arte “dita” pós-moderna, que é o reconhecimento da citação entre aspas. As aspas
são inseridas para o leitor reconhecer um texto diferente daquele da trama que está
sendo desenvolvida. Um dos riscos, diz Eco, “é o de não conseguir pôr em evidência
as aspas, de modo que o que é citado – e muitas vezes cita-se não a arte mas o
Kitsch – é recebido pelo leitor ingênuo de primeiro nível como invenção original e
não como citação irônica”
174
.
171
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos e Outros Ensaios. Op. cit., p. 130.
172
Ibid., p. 131.
173
Ibid., p. 131.
174
Ibid., p. 131.
93
O exemplo que o autor apresenta para essa situação é o filme ET. Há neste
filme uma citação. O filme ET, de Spielberg, faz uma homenagem a um outro filme:
O império contra-ataca, de Lucas. O diretor insere uma cena onde o ET é levado a
um halloween e lá encontra um gnomo, Yoda, que é um personagem do filme de
Lucas. Aqui, se o espectador não souber da origem da produção dos filmes, não
conseguirá entender o que aconteceu, mas de qualquer maneira sentiu o prazer do
filme. Porém, fica ao leitor de segundo nível, conhecedor do mundo e dos textos,
reconhecer a homenagem, a paródia ou a ironia na inserção de dialogismo nos
textos.
Para concluir esta “tentativa” de aproximação entre a construção de valor
proposto pela estética moderna e a arte dita serial, Eco aponta:
primeiro: cada repetição apresentada aqui pode ser encontrada na
história da criatividade artística. O plágio, a citação, a paródia, a retomada
irônica, o jogo intertextual são exemplos da tradição artístico-literária;
segundo: muita arte foi e é serial. O conceito de originalidade nasceu no
romantismo, pois a arte clássica era plena de serial;
terceiro: o mesmo procedimento serial pode produzir excelência ou
banalidade; ainda, diz Eco, “uma tipologia da repetição não fornece os
critérios para estabelecer diferenças de valor estético”
175
;
por fim, será aceitando que os vários tipos de repetição formam
constantes do procedimento artístico que se poderá estabelecer e
produzir critérios de valor a partir desses mesmos procedimentos.
Mas essas são considerações que poderão ser observadas sob a ótica
moderna de ordem e inovação. Para Eco, ao se teorizar sobre a série, temos que ser
mais radicais e pensar em uma noção de estética que não fique reduzida às
categorias “moderno-tradicionais”
176
.
Como pensá-la? Para o autor, o serial traz uma nova questão: se, sob o
olhar da estética moderna para valorar a serialidade usa-se o conceito de “infinidade
175
Ibid., p. 133.
176
Expressão produzida pelo próprio autor: ECO, Umberto. Ibid.
94
do texto”, agora o problema é verificar que dentro do próprio esquema se possa
variar ao infinito. Então, se antes se observava as variações das séries dentro de um
esquema, agora é o próprio esquema que está produzindo variações e, nesse
processo, há todas as características de repetição e pouquíssimas de inovação.
Assim, a série inaugura uma nova estética ou, pelo menos, uma nova forma de se
pensar a estética. Para Eco,
o que aqui é celebrado é uma espécie de vitória da vida sobre a arte, tendo
como resultado paradoxal que a era da eletrônica, ao invés de acentuar o
fenômeno do choque, da interrupção, da novidade e da frustração das
expectativas, produziria um retorno do continuum, do que é cíclico,
periódico, regular
177
.
O que se tem é uma nova proposta para pensar estas produções: se antes a
valoração ainda era pensada entre repetição-inovação/esquema-variação, agora a
ênfase recai sobre “o nó inextricável” do mesmo esquema; porém, a variação não
influi no esquema e muito pouco ocorre o contrário. Para Eco, estamos frente a uma
nova sensibilidade estética.
Triunfo de uma estrutura de encaixes independentes, que vai ao
encontro das exigências – primeiro receadas, depois realisticamente
reconhecidas como dado de fato, agora finalmente proclamadas como nova
condição de esteticidade – do “consumo na distração” [...]
178
.
Para Eco, não devemos ser ingênuos e acreditar que os autores não
enxerguem o quanto há de comercial e “gastronômico” em propor histórias que
contam sempre a mesma coisa e sempre se fechem circularmente; o detalhe é que,
com o seriado, deve-se conceber uma audiência capaz de fruir a produção desse
modo. E só assim pode-se se pensar em nova estética. Pensar o seriado, não mais
como um parente pobre da arte, mas uma forma de arte que satisfaz uma nova
audiência, uma nova sensibilidade estética.
Uma das respostas apontadas por Eco é o Neobarroco de Calabrese. A
base do Neobarroco é segmentar os componentes de um texto e codificá-los para
estabelecer um sistema de invariantes. Tudo o que não encaixa é tido como
“variáveis independentes” e, sob esta ótica, nos seriados, essas variáveis não são as
mais visíveis, mas são as microscopias. “[...] Como uma solução homeopática onde
177
Ibid., p. 134.
178
Ibid., p. 136.
95
a porção é bem mais potente quando por sucessivas manipulações, as partículas do
produto medicinal quase desaparecem”
179
. E essa é uma estética neobarroca, que
funciona não apenas nos produtos cultos, “mas também e principalmente nos mais
aviltados”
180
, diz Eco. Como a série dos meios de comunicação de massa.
Para esta nova estética, Calabrese aponta a existência de uma nova postura
ou nova configuração da cultura. Para ele, é pensá-la a partir da noção da
complexidade e não apenas no âmbito da emissão, mas, principalmente, repensar a
recepção
181
. Trabalhar com uma nova ordem estética a partir da recepção,
compreendendo-a mais ativa, porém com uma visão fragmentada ou com um
pensamento fractal. Para Calabrese,
em sentido intuitivo, entende-se por “fractal” qualquer coisa cuja forma seja
extremamente irregular, extremamente interrompida ou descontínua, seja
qual for a escala em que a examinemos. Um “objecto fractal” é, pois, um
objecto físico (natural ou artificial) que mostra intuitivamente uma forma
fractal
182
.
Para o autor, o fractal é uma das produções teóricas das disciplinas
científicas, como a cartografia, a hidrologia, a botânica, a anatomia, a informática,
entre outras, em que o resultado de suas produções altera a percepção dos fractais
e carregam-no ao limiar da estética e das comunicações de massa. Há, para este
processo, três propriedades que recebem uma valorização estética e que fazem a
ligação disciplinar acontecer. A primeira, é o seu caráter casual, mas não no sentido
de impossibilidade de previsão, antes, sim, no significado científico de pseudo-
aleatoriedade, como é definido nos cálculos das probabilidades em que é
artificialmente introduzido em qualquer sistema simulado. Então, o acaso acaba
sempre sendo ordenado e previsto estatisticamente. A segunda, é o seu caráter
escalante. Isto é, o objeto fractal tem uma forma ou uma estrutura irregular, mas esta
se repete sempre quase igual “tanto no conjunto como nas suas partes”, observa
Calabrese. E a terceira, é o seu caráter teragónico. O fractal tem sempre uma forma
poligonal monstruosa.
179
Ibid., p. 135.
180
Ibid., p.135.
181
As questões de recepção são muito trabalhadas junto aos Estudos Culturais. Na perspectiva deste
estudo serão propostas somente no viés semiótico-metodológico.
182
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 135.
96
Os fractais são “monstros particulares”
183
, que possuem uma elevadíssima
fragmentação figurativa, são dotados de ritmo e repetitividade escalar, mesmo na
sua irregularidade. E são monstros cuja forma se deve ao acaso, “mas só como
variáveis equiprováveis de um sistema ordenado. Poderia então dizer-se que
também as formas descontínuas casuais e de dimensão de investimento de
valor”
184
. Para o autor, há períodos em que eles sofrem um tratamento de “desfavor”
e, noutros, atribuem-lhes o “epíteto de belas”. E, ainda, essas três propriedades
pertencem a uma mesma área estética.
Para Calabrese, temos também que recordar que a turbulência é uma das
formas em que o caos se apresenta e que, por outro lado, ambos compõem a noção
da complexidade e podem ser aplicados a qualquer fenômeno comunicativo ou
qualquer fenômeno cultural.
Para o desenvolvimento das nossas metáforas culturais podemos
então concluir que qualquer fenómeno comunicativo (ou qualquer fenómeno
cultural) que tenha ou uma geometria irregular ou uma turbulência no
próprio fluxo é um fenômeno caótico. Não só objectos, portanto, mas
também o seu processo de produção e de recepção
185
.
Para o autor, na cultura contemporânea, facilmente se identifica o fractal,
também a turbulência e o caos. “Objetos fractais, produções comunicativas
irregulares, fluxos turbulentos constituem o horizonte de uma estética irregular e de
dimensão fractal”
186
.
Porém, Calabrese sinaliza que esta nova valoração estética, a produzida
pelo fractal, só torna o fractal em “objeto estético” quando há uma valorização de um
sujeito
187
, individual ou coletivo, e esta valoração passa pelo caráter estético do
maravilhoso. Para Calabrese, as obras que se propõem a essa valoração estética
constituem-se de uma versão sofisticada e tecnológica do caleidoscópio. É um
objeto que tem “por definição surpreendente” em certas épocas; em outras não. São
então os sujeitos ou o coletivo que fazem a valoração. A estética do fractal pode ser
vista em muitos artistas que buscam objetos descontínuos como materiais para a
183
Esta denominação é dada pelo próprio Calabrese
184
Ibid., p. 138.
185
Ibid., p. 140.
186
Ibid., p. 140.
187
Lembrando sempre que não aprofundamos a teorização sobre o conceito sujeito, aqui ele é
apresentado como sujeito semiótico-metodológico.
97
arte. Há obras que utilizam como suporte um écran quer televisivo ou de
computador; ou ainda as produções sonoras fragmentadas, como o americano John
Cage e a sua musicalidade minimalista.
Mas há produções deste gênero também nas comunicações de massa.
Exemplos são as vinhetas ou siglas televisivas que utilizam a abstração da imagem
até gerar um efeito caótico. Para Calabrese, a própria inserção da publicidade
televisiva é um processo caótico, onde a introdução da publicidade interrompe a
emissão. Com isto, esta última já é produzida numa dimensão traduzida. Há,
também, nas grandes produções cinematográficas, a utilização de efeitos de
realidade. Com os fractais é possível produzir imagens como se fossem a própria
natureza: costas irregulares, superfícies de planetas, árvores, florestas, sistemas de
nuvens, etc. “Em geral, todos os filmes de ficção científica utilizam a produção fractal
computadorizada de imagens, que resultam muito menos trucadas do que
adoptando grandes cenografias no estúdio”
188
.
Para Calabrese, a turbulência e a regularidade “governam” a produção de
objetos com valor estético em quase todos os níveis de sofisticação cultural,
passando pelas práticas dos meios de comunicação até as galerias de arte ou das
salas de concertos. Porém, o que há de novo, realmente, neste “horizonte estético
fractal”, é a nova estética no âmbito da recepção. Segundo Calabrese, estaríamos
no conceito de “consumo produtivo”:
Por consumo produtivo, pelo menos apoiando-nos nas diversas
formulações sociológicas que dele se propõem, entende-se uma forma de
consumo que não permanece passiva, mas que, no próprio acto de
consumir um objecto cultural, produz uma interpretação que muda a própria
natureza do objecto. Por exemplo, um consumo particularmente lúdico dos
chamados “filmes trampa” (precedentemente vituperados enquanto muito
aquém da qualidade dos filmes de gênero) pode transformar esses filmes
noutro tipo de espetáculo
189
.
Esse novo comportamento da recepção é nominado por Calabrese como
“um modo neobarroco” ou também como manifestação “efêmera”. São recepções
não-passivas, repetitivas, descontínuas, recortadas, que fragmentam o fluxo da
ação. São ações de fracionamento do fluxo comunicativo, ligadas a uma nova
188
CALABRESE, Omar. Op. cit, p. 148.
189
Ibid., p. 143.
98
recepção estética. Exemplo desse comportamento é a “síndrome do botão”
190
, onde
o telespectador já não consegue permanecer em um mesmo canal, mas salta de
canal para canal de forma, até mesmo, obsessiva, formando o que Calabrese chama
de palimpsesto individual. O palimpsesto é o resultado, a soma, de várias imagens
fragmentadas.
Obtém-se provavelmente uma recepção que já não segue uma
interpretação linear dos textos, porque o texto obtido é completamente
diverso, e funciona por ocasionais, rapidíssimas e também casuais
abordagens de imagens, mais do que de conteúdo completos. Uma
recepção descontínua deste tipo, que se torna uma colagem de fragmentos,
pode igualmente transformar-se num comportamento estético, que lota o
micropalimpsesto obtido com novos significados e novos valores
191
.
Para Calabrese, funda-se, então, uma ordem nova de comunicação. Esta
destrói a ordem chamada normal da comunicação e propõe uma nova percepção,
ou, como Calabrese anuncia, “uma espécie de mutação perceptiva”, onde a
percepção tradicional, estática, já não dá conta desta nova realidade das produções
e recepções das comunicações de massa. Necessita-se agora de uma nova
“destreza perceptiva” e de mais velocidade. Para Calabrese, esta seria a estética do
caos, que dá conta das produções contemporânea, e que, segundo o autor, é mais
adequada “às jovens gerações, fisiologicamente dotadas de mecanismos
necessários para a sua realização e compreensão”
192
. Para Calabrese, esta última
observação é provocativa, pois nos leva a perguntar se as mudanças dos valores
estéticos também estariam ligadas às mudanças generacionais. Aqui lembramos de
Benjamin que, bem antes de toda as discussões sobre o novo receptor, já falava de
um novo sujeito e de uma nova percepção da recepção: o sujeito que absorve
cultura distraidamente e que requer uma nova percepção, até mesmo física, deste
novo sujeito.
Para o autor, como já observamos no primeiro capítulo, a obra de arte,
quando se depara com a era da técnica, despoja-se do seu sentido cultual, mítico,
perde sua condição de única e exige uma nova percepção, uma nova forma de
observá-la. Agora a produção em série exige um sujeito coletivo. Este não tem o
mínimo de concentração que a arte exige. É um sujeito que se relaciona com ela de
190
Já observamos, no início do capítulo, como uma das formas de repetições, na esfera da recepção.
191
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 144.
192
Ibid., p. 144.
99
forma fugaz, meio desligado e até de indiferença, que acaba entrando em conflito
com a atitude contemplativa que a aura exige. Por outro lado, é um sujeito livre,
independente, e que valora a obra de forma diferenciada. Agora a obra perde a
noção de distância, de inigualável e de inatingível. O sujeito da era técnica constrói a
estética a partir da proximidade, da não-ambigüidade; a arte é absorvida sem
choque, sem distância. Para Benjamin, o sujeito de comportamento distraído é o
sujeito do tempo da técnica e cujo comportamento frente à arte é de diversão ou
entretenimento; é um crítico distraído que valora a partir da sua rotina, pelo seu
cotidiano. É um receptor que precisa recriar a sua fruição a partir das novas relações
que estabelece com a máquina, com a imagem, com os fragmentos que a
velocidade tecnológica apresenta em uma cidade.
Neste viés de leitura encontramos o fragmento e o pormenor, que, segundo
Calabrese, ajudarão a compor a estética desse novo sujeito, seja pelo corte ou pela
ruptura. Para entender esses procedimentos, devemos explicá-los na sua origem. O
autor explica que, para transpormos diferenças teóricas, é preciso apresentar
algumas premissas para demonstrar que, a partir de um determinado nível
semântico, há base para poder articular diferentes léxicos, como é o caso da noção
de pormenor e fragmento, pois com esses conceitos pretende-se não apenas
demonstrar as práticas de análises ou de produção de sentido, mas também como
eles podem ser vistos como efeitos estéticos, e observá-los a partir das produções e
recepções dos meios de comunicação de massa.
Para o autor, o pormenor e o fragmento apresentam a possibilidade de
teorizar e de experienciar a nova vivência estética do receptor, pois esses, o
pormenor e o fragmento, são motivadores de uma manifestação e também de um
investimento de valor. O valor, segundo Calabrese, até pode versar apenas à obra,
mas o seu critério de formação reside na estratégia e na valoração utilizada pelo
sujeito; também os observando como níveis de codificação dos textos visuais, em
especial os textos icônicos dos fragmentos, onde nos níveis topológicos se pode
encontrar duplas metonímias com funções de identificações: a asa da xícara
identifica a xícara; a lata de leite em pó identifica o leite; as passas da uva
identificam a videira.
100
Para compreender a estratégia é preciso conhecer a etimologia dos termos.
O termo pormenor pode ser lido como detalhe. Detalhe vem do francês
renascentista, com base no latim, “de-tail”, isto é “talhar de”. Pressupõe então um
sujeito que talha, corta um objeto. Para Calabrese, “na palavra se manifesta um
programa de acção interno: a acção que mudará a relação entre sujeito e objeto do
talho”
193
. Para o autor, a preposição “de” remete à idéia de um inteiro e de que um
talho foi realizado. O verbo “talhar” foca a ação do sujeito; um detalhe é dado pela
ação de um sujeito. O detalhe é definido pela ação do sujeito sobre um inteiro. Essa
ação é motivada pelo olhar do sujeito. É como se o sujeito usa o recurso do zoom. A
idéia de aproximar, para ver melhor, um pedaço do todo. Isto sugere a existência de
um corte. Com isto muda a relação entre sujeito e objeto. O detalhe depende do
ponto de vista do sujeito, da ação do sujeito. “Quando se lê um inteiro pelo detalhe
torna-se claro que o objetivo é uma espécie de ver mais”
194
. Importante também é
saber que o detalhe reconstitui todo o sistema.
De acordo com Calabrese, quando se “lê” um inteiro qualquer por meio de
detalhes, torna-se claro que o objetivo é uma espécie de “ver mais” no interior do
“todo”. Até a ponto de descobrir características do inteiro, não-observáveis “à
primeira vista”. Assim, a função do pormenor ou detalhe é a de reconstituir o sistema
de que o detalhe faz parte, descobrindo leis ou detalhes que, antes da intervenção
do sujeito, não se revelavam. A partir do detalhe pode-se retornar ao inteiro, pois o
pormenor depende de uma ação explícita de um sujeito sobre um objeto. Fica clara
a intenção de “ver mais”.
Diverso é o fragmento. Fragmento deriva do latim frangere, ou seja,
“quebrar”. De frangere também derivam fração e fratura. Todos esses vocábulos
remetem à idéia de que constituem parte em relação a um todo. Calabrese explica
que a fração é um ato divisório, assim como a fratura, é uma “potencialidade de
rotura não necessariamente definitiva”. Portanto, o fragmento remete antes à idéia
de um objeto e após a noção de sujeito. Então, diferente do detalhe, o fragmento,
embora pertencesse a um inteiro, agora, após a fratura, a quebra não contempla
mais a presença do todo. O fragmento não é definido, mas, antes, observado pelo
sujeito.
193
Ibid., p. 86.
194
Ibid., p. 99.
101
Outro ponto de vista importante é que, se no detalhe o sujeito aproximava
para ver melhor e conseguia voltar ao inteiro, agora, no fragmento, não há como
fazer a reconstituição do inteiro, mas sim reconstruir e sempre pela linha da
hipótese. Na realidade, enquanto os pormenores são utilizados para ver
detalhadamente um inteiro, os fragmentos são matérias novas. “O fragmento
mantém a forma fractal, mas não é reconduzido ao inteiro e sim mantém uma nova
forma autônoma”
195
.
Para Calabrese, o detalhe é pensado como uma porção do conjunto que
permite, diante de uma ação do sujeito para chegar mais perto, reler o “sistema
global” de que foi “provisoriamente extraído”. O fragmento, por outro lado, remete à
idéia de uma porção “que reenvia para um sistema suposto como ausente”. O
fragmento carrega a noção de que o tempo destruiu o inteiro e só restaram pedaços
para poder reconstruí-los. Segundo o autor, com essa teorização consegue-se
sustentar o uso do fragmento e do pormenor como prática analítica que contempla
uma pressuposição de valor, logo, estético.
Para compreender o fragmento e o pormenor como categoria de apreciação
estética, Calabrese utiliza-se do quadrado semiótico
196
de Greimas. Esse quadrado
é um esquema lógico com quatro posições; configurado segundo dois eixos de
termos contrários (horizontais), dois temos contraditórios (diagonais) e dois de
implicações (verticais)
197
:
A Contrários B
Contraditório
Implicações Implicações
-B Subcontrário -A
Para trazê-lo ao processo estético, partindo do par parte/todo e utilizando os
conceitos de fragmento e pormenor, Calabrese reconstrói o quadrado. Para uma
195
Ibid., p. 101.
196
Este quadrado semiótico, Greimas recupera da filosofia clássica de Apuléio e este esquema lógico
será aqui apenas utilizado a partir das leituras de Calabrese.
197
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 36.
102
avaliação estética, “no caso do pormenor, de facto, teremos uma tendência para
sobreavaliar o elemento enquanto capaz de fazer repensar o sistema: o detalhe
então, por assim dizer, ‘excepcionalizado’”
198
. No fragmento ocorre o contrário,
segundo o autor. Pelo fato dele ocorrer por acidente, agora pela hipótese tenta-se
reconstruir o todo e reconduzi-lo a uma “normalidade”. Assim, temos
“excepcionalidade” contra “normalidade”; duas posições do quadrado ou duas
categorias para exercer o uso do pormenor e fragmento.
Para aprofundar a construção estética a partir do quadrado semiótico,
Calabrese propõe uma metáfora científica. Trabalhando com os eixos de ordenadas
e abscissas para formar uma função, retiradas da matemática aplicadas à topologia,
o autor utiliza a noção dos pontos regulares, para aqueles que obedecem, apenas e
somente, à sua lei da função representada pela curva. E pontos singulares, àqueles
pontos que, embora obedeçam às leis da função, também seguem uma outra função
estabelecida. Temos então as regularidades e as singularidades, categorias também
aplicadas aos fenômenos culturais, segundo Calabrese.
Com essas quatro categorias pode-se, então, organizar o quadrado
semiótico para uma orientação estética a partir dos conceitos de pormenor e
fragmento. Calabrese inicia pelos termos: singular e regular; para ele, esses são os
contrários principais que geram os contraditórios: não-singular e não-regular. O
não-regular com o singular formam o excepcional; o regular e o não-singular formam
a normalidade.
Individual
Singular
Regular
Excepcional
Normal
Não-regular
Genérico
Não-singular
Com base no quadrado, analisa-se a estratégia do pormenor e do
fragmento. O pormenor é uma operação de passar um fenômeno da individualidade
para a excepcionalidade, da polaridade singular regular para: singular, não-regular,
198
Ibid., p. 92.
103
pois o detalhe traz a noção de “pôr em relevo”, ser excepcional. Diferente é o
fragmento que faz o caminho inverso. Ele surge como excepcional, mas o que se
busca é uma normalidade, a origem do sistema ou fenômeno do qual o fragmento
fazia parte.
Mas, como valorar a partir da combinação excepcional ou normal, pois “em
si e por si” não são necessariamente dotadas de valor estético? Para Calabrese, a
resposta passa pela aprovação ou reprovação de um sujeito, individual ou coletivo.
Exemplos claros da proposição de Calabrese são as vanguardas do início do século
XX, que contribuíram para a valorização da excepcionalidade contra a normalidade.
Também nos filmes de ação ou no jornalismo impresso ou televisivo encontramos
exemplos da busca do detalhe ou do pormenor para transformá-los cada vez mais
autônomos, deixando para trás o inteiro. São os casos das matérias,
sensacionalistas ou não, que buscam apenas um detalhe, deixando a integralidade
da informação fora da produção da notícia. No cinema também temos exemplos,
como o filme Blow Up, de Antonioni. Neste filme o detalhe de um crime foi
descoberto por acaso por um fotógrafo e esse detalhe se torna excepcionalidade,
não deixando o filme regressar ao conjunto, ao inteiro.
As telenovelas também são exemplos de produção estética de valoração do
detalhe. Nelas há uma dilatação do tempo, no âmbito do conteúdo narrativo, e os
detalhes trabalham e avançam para a sua “autonomização”, toda a trama avança por
pormenores minúsculos.
Por outro lado, a estética do fragmento também encontra lastro nos meios
de comunicação de massa. Exemplos são os programas de domingo à tarde, que
apresentam uma produção fragmentada, mas que sempre são reconduzidas a uma
“recomposição final” pelo apresentador. Isto significa, diz Calabrese, que nos
encontramos frente a um modelo tradicional: o fragmento é reconduzido ao próprio
inteiro. Há uma outra possibilidade. O exemplo é o filme True Stories, de David
Byrne, que juntou uma variedade de recortes de jornais que falavam de fatos da vida
cotidiano dos americanos, sem qualquer relação entre si, e filmou-os. O filme
reunificou-os, mas essa reunificação se dá pela voz, rosto ou o próprio David Byrne,
104
pois não há moldura ou trama para agrupá-los. A reunificação se dá na justaposição
dos pedaços e “o prazer está na descrição sem unicidade”
199
.
Há também na estética do fragmento a noção de “espalhar evitando o
centro, ou a ordem, do discurso”. Exemplo dessa construção é o texto de Roland
Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso. Com isso, “o fragmento como
matéria criativa corresponde também a uma exigência formal e de conteúdo. Formal:
exprimir o caos, a casualidade, o ritmo, o intervalo a escrita. De conteúdo, evitar a
ordem das conexões, afastar para longe o ‘monstro da totalidade’”
200
.
O fragmento é então autônomo, muito embora seja importante dizer que,
quando uma obra se propõe a ser obra fragmentária, a valoração é diferente, pois a
tônica recai sobre a irregularidade, tem o sentido de “estar em pedaços”. Assim, o
que se tem é que, em uma obra, “a suspensão da fragmentaridade bloqueia o
caminho para o normal e deixa intacto o excepcional: a autonomia do pormenor faz,
pelo contrário, que se torne hiperexcepcional o normal. O sistema estético que dele
deriva é um sistema eternamente em excitação”
201
.
Mas toda essa teorização dá conta de uma ponta: a base da produção. É
relevante também apresentar a outra relação, a que se situa na esfera da recepção.
Como Calabrese já havia observado, também há uma valoração estética, do
fragmento e do pormenor, realizada na recepção, na forma como o sujeito ou o
fruidor absorve as produções.
Para Calabrese, há duas estéticas da recepção. A primeira é a chamada
“estética da alta-definição”, “e direi que se trata de uma valorização do prazer da
perfeita reprodução técnica de uma obra”
202
. Para o autor, o detalhe é sempre o
isolamento de uma porção da obra, assim e sempre uma reprodução. Logo na
estética do pormenor, o prazer está na qualidade da reprodução, onde o
fruidor poderá perceber sempre o melhor do pormenor. São inúmeros os
instrumentos, hoje, que provocam essa estética: o gravador profissional, o écran
plano – tela plana –, a televisão de alta definição – digital –, o zoom das máquinas
199
Ibid., p. 100.
200
Ibid., p. 101.
201
Ibid., p. 102.
202
Ibid., p. 102.
105
fotográficas, os aparelhos digitais, entre muitos outros existentes hoje. São todos
aparelhos que aprimoram a percepção do detalhe. De acordo com Calabrese, essas
evoluções tecnológicas já vêm acompanhadas “por autênticas mutações nas
atitudes perceptivas e de gosto”. A fruição de fato está prevista, e até mesmo
inscrita, nas próprias obras, como fruição aproximada e atenta ao pormenor.
A segunda estética da recepção
203
está baseada no fragmento. “Esta
consiste na quebra casual da continuidade e da integralidade de uma obra, e no
gozar das partes assim obtidas e tornadas autônomas”
204
. Exemplo banal, segundo
o autor, é a já abordada “síndrome do botão”. Para Calabrese, este ato que, em
outro local, poderia ser chamado de neurótico, aqui inaugura um novo programa
estético de consumo.
O prazer consiste na extracção dos fragmentos dos seus
contextos de pertence e na eventual recomposição dentro de uma moldura
de “variedade” ou de multiplicidade. Assim sendo, trata-se sempre da perda
de valores de contexto, de gosto pela incerteza e casualidade dos confins
da obra assim obtida. E de aquisição de novas valorizações provenientes do
isolamento dos fragmentos, da sua entrada em cena
205
.
Como observamos, há toda uma produção teórica que nos leva a pensar o
pormenor e o fragmento como leituras valorativas de uma estética contemporânea.
Essa estética, como também já vimos, ocorre na base da produção, mas,
principalmente, recai sobre um novo receptor. Recai sobre o gosto do receptor e
toda a sua carga avaliativa frente a este novo investimento estético. Então, estamos
frente a uma nova noção de sujeito, que, individual ou coletivo, valora tanto o
pormenor quanto o fragmento, ou ainda através do fractal tem apenas uma
percepção do todo. Essa valoração ocorre, contudo, pela perda da noção de
totalidade, só com a noção do fragmento ou do detalhe, sem medo de estar frente a
uma cópia ou uma reprodução. É o sujeito que absorve a arte distraidamente, como
diz Benjamin. E, como bem observa Eco, muitos vezes, compra a série justamente
por este motivo.
203
Vale lembrar que a estética da recepção aqui não diz respeito aos estudos encabeçados por Hans
Robert Jauss e Wolfgang Iser.
204
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 103.
205
Ibid., p. 103.
106
Assim, na busca de uma resposta, mas sem conseguir responder com toda
certeza às questões suscitadas por Eco, no texto A inovação no seriado
206
,
reproduzimos aqui, não a resposta, mas as questões que também nos perturbam.
Em outras palavras, como seria lido um “trecho” de uma série se o
resto da série permanecesse ignorado?
Antecipo a objeção: o que nos impede de ler assim, agora, os
produtos seriados?
A resposta é: nada. Nada nos impede. Aliás, talvez façamos, com
freqüência, exatamente assim.
Mas assim procedendo, fazemos o que fazem os espectadores
normais da série? Acho que não.
E então, última pergunta, quando tentamos interpretar e definir a
nova estética do seriado, situando-nos como intérpretes da sensibilidade
coletiva, temos certeza de estar lendo como os outros (os “normais”) lêem?
E, se a resposta fosse negativa, o que teria a estética a dizer
então sobre o problema do seriado de televisão?
207
206
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos e Outros Ensaios. Op. cit., p. 120-139.
207
Ibid., p. 139.
3 OS ARCOS DO ESTÉTICO
Estético
208
, segundo Iser, foi definido em 1735 por Baumgarten como “’a
ciência de como as coisas podem ser conhecidas [cognise] pelos sentidos’,
implicando com isso que ela tinha um componente tanto cognitivo como emotivo”
209
.
Para Iser, isto sucita uma grande questão:
[...] ela é uma interpenetração das faculdades, iluminada pelo
<conhecimento sensorial>, ou opera como um agente intermediário para o
corpo e a mente, iluminado por uma relação recíproca que ela põe em
movimento? É algo que se possa agarrar ou é uma função?
210
Para Iser, na tentativa de responder essa questão e buscar a “natureza” do
estético, muitas construções teóricas foram levantadas, debatidas, algumas à
exaustão, e chegaram ao século XX com a elaboração de um conceito de estético
peculiar à realidade cotidiana. Inicialmente, segundo o autor, estético é pensado
como um julgamento em sua relação com o belo, o sublime e o gosto. Após, chega
ao domínio da filosofia da arte, onde é elevado ao patamar da metafísica e da ética.
Por fim, ao chegar ao século XX apresenta-se como um estudo do espírito, que
busca uma autoconsciência, onde esta é observada a partir das manifestações
contextuais apresentadas nas obras de arte.
No século XX, para Iser, há uma “certa configuração” do estético que deve
ser observada: “é basicamente um movimento de jogo operando entre os sentidos
208
Importante esclarecer que não iremos apresentar toda a trajetória e os debates teóricos acerca do
conceito de Estética. Estaremos abordando-o a partir de Wolfgang Iser.
209
ISER, Wolfgang. O Ressurgimento da Estética. In: ROSENFIELD, Denis (Org.). Ética e Estética
Revista Filosofia Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 35.
210
Ibid., p. 36.
108
do sujeito e aquilo que lhe é dado perceber ou conceber”
211
. Está sempre associado
a algo e também faz com que aconteça algo: um juízo, uma idéia, um processo
imaginativo ou “um lampejo da plenitude vindoura”. Todos estes são resultados do
estético; logo, o estético pode se manifestar como uma possibilidade do sentir, do
perceber, do conhecer.
Para Iser, por outro lado, o estético não é uma entidade que flutua
livremente, porque está sempre conectado a algo. Para o autor, ao se perceber que
o estético era teorizado como tantas possibilidades, agregou-se, então, uma outra, a
qualificação de aparição. A intenção é envolver o estético na idéia de ir além do
objeto. É como um surgimento. O estético é o que surge, e “a aparição dá forma a
algo que aparece ao preceptor potencial como uma ilusão daquilo que foi forjado”
212
.
Então, o estético se apresenta como uma aparência, uma sensação, um estado de
espírito, podemos dizer também uma qualidade. Com isso “não pode mais ser
confinado à obra de arte, mas começa a espalhar-se e tende a ‘esteticizar’ quase
tudo que existe”
213
, observa Iser.
Para o autor, porém, o estético tem dois sentidos. A operação desenvolve
um jogo recíproco entre um objeto e um sujeito que percebe as formas impostas aos
objetos e aos sentidos requisitados do sujeito. Para Iser, em sua leitura de Immanuel
Kant, nesse caso, um princípio básico da concepção de Kant do estético ainda se
sustenta: “a operação estética não é a cognição do sujeito de um objeto, mas a
presença do último para a <intuição íntima> do sujeito. E para que isso aconteça,
todos os sentidos devem estar engajados”
214
. O estético, então, “orquestra” um
entrelaçamento entre as disposições humanas, os sentidos, e os objetos. Para Iser,
nesta visão, esses objetos são “desfamiliarizados”
215
, isto é, devem ser retirados dos
seus padrões habituais com a intenção de treinar a percepção e permitir ao sujeito
de ver o mundo de forma diferente. Podemos, aqui, resgatar Benjamin, que propôs
um novo sujeito, capaz de perceber o mundo de forma diferenciada, a partir da
experiência da técnica sobre o objeto. Então, estamos frente um novo sentir estético.
211
Ibid., p. 39.
212
Ibid., p. 41.
213
Ibid., p. 41.
214
Ibid., p. 41.
215
Segundo Iser, conceito utilizado pelos formalistas russos, no início do século XX, “implicando que
a desfiguração de um objeto protraía sua percepção”. Ibid., p. 41.
109
Um estético motivado por um “ar do tempo” que a técnica proporciona ao reproduzir
objetos idênticos.
Conforme ainda a visão de Benjamin, da qual Iser faz uso, o estético é,
assim, uma “abstração a partir de processos da percepção, da concepção e da
imaginação humana feitos com propósito de forjar algo e, por outro lado, um modo
operacional que faz com que o objeto forjado ricocheteie contra os sentidos”
216
. Já
para Eco, nesse ponto é a noção de receptor ideal que aparece, pois ele, o receptor
ideal, saberia reconhecer todas as citações e todas as propostas que o produto
apresenta. Neste aspecto, já não estamos no primeiro nível de leitura, ou percepção,
mas sim em um segundo nível, já reconfigurado; logo, com outra sensibilidade
estética.
Para Iser, essa dualidade é o estético no contemporâneo, que põe em
movimento
um circuito de retroalimentação (feedback loop), através do qual os sentidos
são expostos àquilo que foi extrapolados deles. Desse modo, o estético não
pode ser identificado nem com o molde extrapolado, nem com o efeito sobre
os sentidos exercidos pelos objetos forjados, nem com a geração
subseqüente de formas sempre novas de perceber, conceber e imaginar.
No melhor dos casos, ele se apresenta como um desempenho
(performance) do qual todas essas coisas surgem
217
.
A partir dessa visão, isto resulta em um processo de oscilação, de
movimento pendular, que leva a uma contínua estimulação dos sentidos, pois, ao se
retirar do habitual ou do familiar o objeto, ocorre uma expansão desse que extrapola
a sua forma e, mesmo que tenha se fixado em uma forma definitiva, ele continua
ativando o modo de como o sujeito visualiza o mundo. Essa ativação será efetuada
recorrendo a todos os sentidos humanos ao mesmo tempo. Assim, neste aspecto,
podemos pensar o estético como qualidade, aquela que está, é a primeira, a
sensação. “Assim como os moldes extrapolados não se confinam a um sentido
particular às expensas de outros sentidos, mas tiram proveito de todos eles, do
mesmo modo os sentidos incitados à ação pelo circuito de retroalimentação são
levados a interpenetrarem-se”
218
.
216
Ibid., p. 42.
217
Ibid., p. 42.
218
Ibid., p. 42.
110
Para Iser, desta forma, o estético não pode ser identificado nem com o
molde extrapolado, nem como o efeito dos sentidos sobre o objeto, nem com as
novas formas de conceber, perceber e imaginar. Para o autor, o estético é então a
intermediação, qualificado como oscilação, que é uma das marcas do estético atual.
Essa oscilação gera uma tal expansão que ativa todo um modo diferenciado do
sujeito visualizar o mundo. Essa ativação é efetuada por todos os sentidos humanos
mais ou menos simultaneamente e direcionada aos objetos esteticamente
imaginados. Há, então, a oscilação, intermediação, pois, ao mesmo tempo em que
as formas não se fixam em um sentido, utilizam todos os sentidos ativados e estes
realimentam o circuito do perceber, conceber e imaginar
219
.
Então, esse processo de oscilação rompe com a idéia clássica de escolha
entre bem ou mal, certo ou errado, feio ou bonito. Provoca um rompimento deste
padrão e traz a opção de uma terceira possibilidade, a ambigüidade. Para Eco, esta
ambigüidade não está na visão da dúvida, mas sim, em uma opção dialética e
dialógica. O sujeito receptor “cria” o seu modelo. Produz uma estética vivida. Vivida
pelo sujeito em seu contexto histórico. É uma experiência da terceira voz, onde o
sujeito vê o todo contemporâneo, numa perspectiva estética, desconcentrado,
distraído, como aponta Benjamin. E, nessa estética, desconcentrado, os sentidos
encontram-se submersos numa imensidade de sensações, que provêm também
desse contexto contemporâneo imerso em tecnologia e midiático.
Neste aspecto, nos aproximamos de Calabrese e Eco quando, os dois, ao
abordarem a questão da repetição, apresentam a tchené e a velocidade como o
motivador da transformação estética. Podemos pensar várias imagens com atração
visual desconectada, com lacunas, onde o sujeito é forçado a completá-las através
da apreensão cognitiva, mas sempre com a predisposição de “evocar a idéia da
insuperável excelência daquilo que é oferecido”
220
. Com essas produções, observa
Iser, o estético hoje revela a prioridade da embalagem sobre o produto, pois
219
Para o autor, essa formação estética pode ser observada nos atuais anúncios publicitários
televisivos. O produto é apresentado através de uma imagem, mas de uma forma com que o
espectador não a perceba apenas como um objeto, mas sim, mantida à distância da própria visão e
inibindo o fechamento da “gestalt perceptual”, estimula-o a “atos de ideação”, levando-o a conceber o
que é proposto, embora não apresentado. Assim, o conceber ganha fruição quando a imaginação é
ativada e esta, sozinha, pode formar a intenção a ser comunicada. Por exemplo, são anúncios que,
através da velocidade e da fragmentação, fazem com que as imagens sejam reconfiguradas em
contornos rápidos, levando o espectador a questionar o que o produto possui realmente para ele.
220
ISER, Wolfgang. Op. cit., p. 43.
111
somente a mercadoria esteticamente estruturada prende a atenção do receptor
potencial.
Esse fascínio tende a ganhar força quanto mais sentidos humanos
estiverem envolvidos. A diversidade sofisticada da embalagem ressalta um
<entrincheiramento> contemporâneo estético, uma vez que até ao nível
cotidiano da publicidade produzir uma “roupa” é essencial a fim de gerar
vários modos de transmitir a qualidade da mercadoria
221
.
A visão estética contemporânea, assim, é livre e autônoma, opera como um
intermediário. É a intermediação, vista junto com a mediação dos meios da cultura
comunicacional, modelando o que está dado, com o propósito de prender os
sentidos do destinatário, e não apenas na publicidade, mas permeia toda a vida
contemporânea, observa o autor. O estético, então, se molda através das múltiplas
possibilidades que a imaginação do sujeito pode desencadear. Ou seja, o sujeito
produz inferências abdutivas que possibilitam a configuração de mundos possíveis.
Podemos pensar esse processo de mediação como um modelo:
Vivências culturais
Contexto de produção
Simulacros =
mediações: dado não só pelos meios de comunicação de massa,
dado pela atualização do conceito de estético
Emissor intermediário mensagem intermediário Receptor
Sujeito do fazer Sujeito do dizer
222
221
Ibid., p. 43.
222
Dizem-se do Sujeito do fazer e do Sujeito do dizer: “no âmbito do enunciado elementar, o sujeito
surge, assim, como um actante cuja natureza depende da função na qual se inscreve. O surgimento
da lingüística discursiva obriga-nos, entretanto, postular a existência, ao lado desse sujeito frasal, de
um sujeito discursivo que, mesmo sendo capaz de ocupar, no interior dos enunciados – frases,
posições actanciais diversas (vale-dizer, mesmo as de não-sujeito) –, consegue manter, graças
sobretudo aos procedimentos de anaforização, sua identidade ao longo do discurso (ou de uma
seqüência discursiva)” (GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São
Paulo: Cultrix, 1983. p. 446).
112
O que temos é então uma oscilação, onde se forjam simulacros a partir do
material dado, gerando as mediações dadas, não só pelos MCM, mas pela
atualização do conceito de estética, tudo dentro de um contexto de produção entre o
emissor-receptor, que acaba formando sujeitos: o sujeito do fazer (emissor e
intermediários até a mensagem emitida) e sujeito do dizer (receptor e intermediário
até a mensagem recebida). Essa produção toda transpassada, em outro nível, pela
vivência cultural, sempre operando em circuito e se retroalimentando.
Esta visualização revela duas características do estético atual: o movimento
de aceleração
223
e a finalidade aberta, que dissemina. Essas características jogam
ao sujeito a forma como ele irá solucionar ou lidar com as possibilidades
esteticamente geradas. Para Iser, “é do subsídio da imaginação que vivemos e o
estético é o agenciamento que torna a imaginação operacional”
224
. É uma operação
dual que provoca um circuito: a imaginação forja o material dado “e desafia os
sentidos humanos ao induzi-los a configurar o que a modelagem está destinada a
comunicar e mesmo atingir”
225
. Neste circuito, o perceber, conceber, sentir e
conhecer são os canais para a imaginação operar, e faz com que todos os sentidos
humanos entrem em funcionamento e façam com que a imaginação entre em jogo
consigo mesma.
Essa estrutura recursiva (recursive) construída dentro de um
entrincheiramento contemporâneo do estético torna impossível identificar o
estético com objetos definidos ou com estado de coisa, como haviam sido o
caso no passado. Nem o belo, o sublime, nem o feio e a aparição da
verdade, nem qualquer outra coisa que se tenha aclamado como de caráter
estético pode ainda ser equiparado ao último no mundo contemporâneo
226
.
Como resultado dessa teorização, o estético se dissemina em vários
domínios da vida, segundo Iser. O que vale é saber que o estético não fica restrito
às artes, envolve os sentidos humanos, mexendo com a imaginação, moldando e
extrapolando, a partir de visões diferenciadas do habitual, os objetos dados. Por
outro lado, isto nos faz lembrar das teorizações de Benjamin quando, ao abordar a
discussão sobre a condição do sujeito frente à sua história, observa que este sujeito
acaba sendo o resultado da sua construção histórica e, ao mesmo tempo, forma a
223
Aceleração e abertura já presentes nos estudos de Walter Benjamin e nos primeiros de Umberto
Eco, em especial, Obra Aberta.
224
ISER, Wolfgang. Op. cit., p. 46.
225
Ibid., p. 46.
226
Ibid., p. 46.
113
sua própria construção histórica. Também vale lembrar que o sujeito contemporâneo
é um crítico distraído e é o resultado contingente do desenvolvimento técnico. Para
Benjamin, nesses novos tempos, “é necessário um Sujeito apto a ingressar na
contingência do tempo, possibilitando a simultaneidade do tempo e do
acontecimento, do conhecimento e da experiência”
227
.
O sujeito contemporâneo é, então, a soma da complexidade com a
concretude iluminista, gerando multiplicidades ou até mesmo a suspensão de
valores que, a partir de seus sentidos, estimulando a imaginação, acaba por produzir
uma valoração estética individual ou coletiva. Complexo, paradoxal, como é a
discussão contemporânea; e com múltiplas interpretações frente à análise de obras
seriais. Recorrendo, para isso, na maioria das vezes, à semiótica, como um
mecanismo de análise dos produtos culturais contemporâneos.
Para a realização de uma análise semiótica, é importante observar alguns
pressupostos: primeiro, lembrar que todo o serial pode ser analisado como um
produto estético, pois, se estético, envolve toda a vida contemporânea, uma
embalagem serial pode estimular a imaginação, logo, produzir um estético através
dos sentidos; segundo, para Eco, toda a leitura estética é pertinente teoricamente,
do contrário empobreceria o fazer semiótico; terceiro, é através de um sujeito
distraído que, no contemporâneo, a cultura é absorvida.
Porém, para Eco
228
, um dos problemas atuais é aquele de fixar a referência.
Diz ele que, muitas vezes, o problema não é fixar o referente, mas reconhecer aquilo
a que se está referindo: o ato da referência. A solução, segundo o autor, faz-se
através de um contrato. “Fixar a referência do enunciado significa mais uma vez
explicitar uma cadeia de interpretantes intersubjetivamente controláveis.”
229
. Então,
saber de onde se está partindo, o que é dado e o que é recebido, enfim, formar uma
cadeia de negociações entre as partes e, a partir daí, fixar um contrato, é um
primeiro para o conhecer do mundo. Mas, mesmo com este contrato, segundo Eco,
ainda poderiam existir brechas. “Somente através daquele contrato expresso os
227
Apud MATOS, Olgária Chaim Feres. A Rosa de Paracelso. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
História. São Paulo: Cia. das Letras / Secretaria Municipal da Cultura, 1992. p. 241.
228
ECO, Umberto. Kant e o Ornitorrinco. Op. cit.
229
Ibid., p. 243.
114
mensageiros estariam razoavelmente seguros de que Montezuma
230
estava se
referindo à mesma coisa a que pretendiam se referir quando diziam maçatl
231
.
Dessa forma, se pensa em um contrato entre emissão e recepção. Logo, se
a indústria cinematográfica apresenta uma série para entretenimento, a recepção, no
mínimo, deverá lê-la desta forma. Muito embora, se quiser estabelecer um outro
contrato de leitura, ela poderá, desde que, é claro, reconhecendo as referências, sair
do espectador de primeiro nível e transformar-se, num segundo nível, num
espectador leitor crítico. Aquele que tentará observar como o autor construiu a série
para “pegá-lo” como leitor ingênuo. E formar o seu estético, a partir do que é
proposto, ativando os seus sentidos e sua fruição, a partir de suas vivências.
Neste caminho, o espectador se depara com uma outra ocorrência, segundo
Eco
232
: o ratio facilis e o ratio difficilis. Por ratio facilis, entender e reconhecer todas
as imagens icônicas apresentadas ou dadas a partir do conhecimento enciclopédico.
Para Eco, “tem-se o ratio facilis quando uma ocorrência expressiva concorda com o
seu tipo expressivo, conforme foi institucionalizado por um sistema da expressão e –
como tal – previsto pelo código”
233
. Por sua vez, o ratio difficilis é a própria
enciclopédia, diz respeito em reconhecer o conteúdo. “Digamos que se tem ratio
difficilis quando a natureza da expressão é motivada pela natureza do conteúdo”
234
.
O ratio facilis regula todo o reconhecido dos códigos estabelecidos e
“socialmente registrados”, não importa se o texto é complexo ou tosco. Por outro
lado, o ratio difficilis é a relação de concordância que se estabelece entre uma
“ocorrência expressiva” e o seu conteúdo. Esses acabam dependendo de duas
situações: primeiro, a expressão deverá, necessariamente, estar relacionada com o
230
Umberto Eco, quando se dedica a uma teoria da cognição, na obra Kant e o Ornitorrinco,
exemplifica as formas de conhecer os objetos a partir de uma situação hipotética entre colonizador e
colonizado na costa do Pacífico Sul da América Latina. Os colonizadores ao desembarcarem trazem
cavalos, animais muito conhecidos para eles, mas absolutamente desconhecidos pelos futuros
colonizados. Ocorre então todo um processo de negociação entre os mensageiros e o rei asteca
Montezuma sobre este novo ser. Os mensageiros, inicialmente, fizeram um processo de comparação
e buscaram no seu conhecimento algo próximo ao cavalo: acharam o maçalt, palavra que era usada
para quadrúpedes em geral, mas em especial para cervos. Mas não eram cervos. Há então uma
negociação entre mensageiros e Montezuma até firmarem um contrato e fixarem a referência; só
assim os mensageiros se sentiram um pouco mais seguros sobre o que Montezuma imaginou (Ibid.,
p. 241-244).
231
Ibid., p. 243.
232
ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. Op. cit., p. 162.
233
Ibid., p. 162.
234
Ibid., p. 162.
115
conteúdo; o problema, diz Eco, é que a expressão é facilmente replicável e adquire
outras características com o tempo, transformando-se, assim, em ratio facilis.
Segundo, é que, em muitas situações, a expressão é uma espécie de “galáxia
textual ou nebulosa de conteúdo”; nestas situações, é o ratio difficilis que regulará os
códigos, e poderá ocorrer que o interpretante não consiga interpretar todo o
conteúdo; assim, ele inventará novos códigos para se fazer entender; ele usará de
sua criatividade e buscará correlações para produzir a expressão.
Eco ainda adverte: “se o tipo de conteúdo é complexo, também as regras de
transformações deverão ser igualmente complexas”
235
, e muitas vezes fogem à
identificação. Assim, quanto mais novo e estranho é o tipo de conteúdo, mais o
produtor deverá solicitar do receptor uma posição de leitura que ele teria caso a
expressão fosse de um objeto concreto. Sob esses aspectos é que o estético pode
ser pensado como novas formas de perceber, onde o consumidor agencia o seu
gosto a partir da oscilação, da intermediação; aceitando a ambigüidade e não a
dúvida. O estético é, então, uma opção do sentir, do perceber, do gosto de cada
sujeito, a partir de suas experiências.
235
Ibid., p. 168.
4 A EXPERIÊNCIA DE UMA PASSAGEM: A ANÁLISE
A partir do que já anteriormente foi exposto faz-se importante ressaltar que a
análise que propomos realizar neste trabalho se dará a partir de uma produção já
dada/embalada, isto é, um produto serial cinematográfico, qual seja: a trilogia
produzida por George Lucas, dirigida por Steven Spielberg e protagonizada por
Harrison Ford: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), Indiana Jones
e o Templo da Perdição (1984) e Indiana Jones e a Última Cruzada (1989).
Assim sendo, frente às teorizações aqui propostas, poderemos observar
que, uma produção cinematográfica de entretenimento sempre será um ratio facillis,
mas, também, poderá apresentar-se como ratio difficilis, desde que alguma
informação dada não seja reconhecida pelo seu receptor/espectador. Assim, este
acabará buscando a interpretação ou a compreensão da obra junto à sua produção
ou ao seu próprio conhecimento enciclopédico para a confirmação ou não da sua
formatização e concretização plena de sentido.
Também, para esta análise, temos que recordar que estamos perante uma
tessitura serializada, produzida para o leitor de primeiro nível. Caberá ao leitor
crítico, porém, através de sua enciclopédia, a possibilidade de reconhecer as
estruturas narrativas, as referências, as gags, os fragmentos, as intencionalidades
da obra. A saber: reconhecer as múltiplas citações, sem praticar leituras aberrantes.
Como acentuamos a partir da metodologia, iremos trabalhar a partir da
adaptação, para a prática comunicativa, do modelo de Umberto Eco, adaptação esta
feita por Eliana Pibernat Antonini, que a define em seis níveis. Resumidamente: nível
117
da manifestação linear, nível da cooperação do leitor, nível das estruturas narrativas
e discursivas, nível dos passeios inferenciais, nível dos mundos possíveis e nível
das fisionomias culturais e ideológicas. Portanto, são estes os níveis que iremos
aplicar ao produto serial Indiana Jones
236
, trabalhados em separado ou em seu
conjunto.
Como já visto, Indiana Jones é uma trilogia, produzida por George Lucas e
dirigida por Steven Spielberg. George Lucas e Spielberg são parceiros nas
produções cinematográficas, compartilham muitas idéias e, praticamente,
dividiram-nas nestas produções, desde a realização dos enredos, as discussões das
locações, da escolha do elenco até detalhes, tais como os bichos que comporiam
cada ambiente. O produto final será uma série com situações de ação hilariantes,
com muito movimento, personagens-tipo e situações de comédia interagindo com
gags, como já teoriza Calabrese, nas produções características dos seriados, visto
que estas se estruturam sempre com o mesmo esquema, fazendo com que o
receptor perceba facilmente a sua construção repetitiva, o que leva a um resultado:
um receptor reconhecendo as gags e os tipos.
Mas a movimentação cinematográfica e a direção de Spielberg fazem com
que todas as cenas, que parecem típicas, provoquem uma sensação ou uma fruição
de “sentir pela primeira vez”; há uma suspensão, como propõe Calabrese no seu
clássico Neobarroco. Assim, mesmo prevendo o que irá acontecer, o receptor frui a
obra como uma espécie de “experiência única”, característica das obras modernas e
hiper-modernas. Mas este receptor, como bem observava Benjamin, sabe que, na
realidade, está em frente a uma repetição e a uma produção de entretenimento e
passa a apreciá-la justamente por estas premissas, pois, ainda conforme Benjamin,
o público do cinema é um examinador, mas um examinador que se distrai. Se distrai
frente a repetições e não deixa de valorar ou não pelo fato de estar frente à cópia.
Nessa produção, temos, então, a experiência das repetições, da utilização
de cenas-padrão, cenas-tipo, também personagens-tipo, da presença de detalhes e
pela fragmentação da obra. Só ao final do terceiro filme parece que o receptor
consegue ter a totalidade da personalidade da sua personagem central, Indiana
236
As informações sobre os filmes e a produção foram obtidas através do site oficial:
<http://www.indianajones.com>. Acesso em: 10 de maio de 2006.
118
Jones. Porém, cada parte da série constrói um pouco das características e levam ao
todo da obra e das personagens. Ou seja, a partir de efeitos inferenciais e, portanto,
abdutivos, pouco a pouco se delineiam as personagens e o enredo.
Indiana Jones narra as aventuras de um arqueólogo do início do século XX.
Suas aventuras estão, nas três obras, relacionadas com as grandes questões do
Cristianismo. No primeiro filme, busca a Arca Sagrada. A Arca onde se encontram as
palavras divinas: são as tábuas (ou pedras) dos mandamentos de Deus dadas ao
profeta Moisés para a humanidade saber viver em comunhão e na fé em um só
Deus. No segundo filme, ele se depara com pedras sagradas; pedras que agregam
uma comunidade, que transmitem a força da natureza, da renovação, da alegria e
da prosperidade e cuja missão será devolver estes valores a uma comunidade. Por
fim, o Santo Graal, o artefato mais procurado por todas as obras, clássicas ou não,
que falam de fé e de espiritualidade. A busca do cálice sagrado, que contém a vida
eterna e o caminho para chegar a Deus, é a busca da fé interior, de saber
reconhecer em um único Deus a vida eterna. É o cálice que Jesus bebeu na sua
última ceia e foi com ele que José de Arimatéia recolheu o sangue de Jesus quando
este foi crucificação. Novamente, Indiana é posto à prova na procura e resgate de
artefatos sagrados.
Assim, aqui introduzimos as seqüências da análise metodológica por ordem:
4.1 MANIFESTAÇÃO LINEAR: ONDE TODOS OS ELEMENTOS ESTÃO
MANIFESTOS
Neste nível estão reunidos todos os dados informativos de uma produção. É
aqui que se apresenta todo o conhecimento trazido pelo vestuário, cenários,
personagens, as relações entre eles, onde se reconhece o enredo, vago, da trama.
É o primeiro nível, o comunicacional, ou, como apresenta Barthes
237
, o sentido
óbvio. Para o autor, este sentido é aquele que vem à frente, que vem ao nosso
237
Essa teorização encontra-se no texto: BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1990. Apresentamos esta discussão, pois observamos que ela vai ao encontro e nos
auxilia na explicação das análises propostas por Eco, muito embora reconheçamos um campo da
semiótica textual, mas, como bem observa Barthes, este nível estaria localizado na primeira
semiótica, aquela da mensagem; assim, percebemos uma pertinência destas teorizações à nossa
análise.
119
encontro, aquele que se apresenta naturalmente, onde a recepção tem todo o
conhecimento informativo que se reúne de uma dada produção. É nele que o
receptor percebe as repetições, as construções dos cenários-tipo, as personagens-
tipo, as tramas. Também é neste nível que se estabelece uma relação com a
realidade ou com o que se pode chamar de “verdade” da obra, da direção. Assim,
ele é o primeiro, onde a análise se apresenta no início, no primeiro eixo semiótico,
para Eco, aqui se tenta reconhecer os códigos e as suas referências, observam-se
as determinadas mensagens e os níveis de significado que uma produção
apresenta.
Para a nossa análise linear, reduzimos este primeiro nível em dois aspectos:
apresentaremos a ficha técnica e a descrição de cada filme;
observaremos a construção das personagens-tipo – Indiana Jones e o
mesmo; Indiana Jones e as personagens femininas; Indiana Jones e seus
oponentes.
120
Figura 1: Cartaz do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida
121
Nome do filme: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida
Título original: Indiana Jones Raiders of the lost Ark
País: Estados Unidos
Ano: 1982
Diretor: Steven Spielberg
Elenco:
Harison Ford – Indiana Jones
Karen Allen – Marion Ravenwood
Paul Freeman – Rene Belloq
Ronald Lacey – Arnold Thot
John Rhys-Davies – Sallah
Denholm Elliott – Marcus Brody
Alfred Molina – Sapito
Wolf Kahler – Coronel Dietrich
Don Fellows – Coronel Musgrove
Willhiam Hootkins – Major Eaton
Fred Sorenson – Jock – piloto
Anthony Higgins – Gobler
Descrição:
Em 1936, o professor e arqueólogo Indiana Jones é contratado pelo serviço
secreto do exército dos Estados Unidos para recuperar a Arca Sagrada, pois o
exército alemão, através da Gestapo, ordenado por Adolf Hitler, está em busca da
mesma. Segundo as escrituras sagradas, a Arca da Aliança conteria os Dez
Mandamentos que Moisés trouxe do Monte Horeb; ela agora estaria em Tanis, no
delta do Nilo, no Egito. E, segundo a lenda, o exército que a encontrar será
invencível. Assim, Hitler almeja as palavras sagradas de Deus para ter um exército
imbatível para dominar o mundo. Cabe, então, a Indiana Jones recuperá-la para os
Estados Unidos. Indiana parte para o Nepal, onde encontra Marion Ravenwood, filha
de Abner Ravenwood. Abner, um conceituado arqueólogo e egiptólogo com quem
Indiana trabalhou em uma de suas escavações, encontrou um artefato que dizia da
altura do cajado para localizar a Arca na cidade sagrada de Tanis. Indiana parte,
então, em busca deste artefato no Nepal. Ao chegar lá, descobre que Abner já
122
morreu, mas deduz que Marion está com a peça, que é um medalhão. Marion e
Indiana, na época em que Indiana era aprendiz de Abner, tiveram um romance e o
pai dela não gostou. Assim, Abner sai dos Estados Unidos e vai para Nepal com a
filha. É aí que Indiana reencontra Marion, às voltas com o exército alemão que
também quer o artefato. Claro que os dois conseguem fugir e chegam ao Egito,
onde ocorre uma sucessão de eventos. Marion é feita prisioneira do exercito alemão.
Indiana parte na pesquisa do local apropriado para as escavações. Acha a arca,
mas o exército alemão descobre a sua pesquisa e acaba fazendo-o prisioneiro
também, não sem antes passar por várias situações de perigo e ação. Marion e
Indiana acabam, dessa forma, como prisioneiros, participando do ritual de abertura
da arca. René Belloq, francês, arqueólogo, chefe da expedição do exército alemão e
mercenário, acaba sendo seduzido pela possibilidade de contemplar as palavras de
Deus. Propõe, então, um ritual para abrir a arca antes de entregá-la a Hitler. A
alegação da realização do ritual é para a certificação de que a arca realmente tinha
o material sagrado. O ritual começa e aparece a “luz de Deus”, que acaba destruindo
todos os inimigos: o arqueólogo francês, René Belloq, e também todos os agentes
do exército alemão que estavam realizando a cerimônia de abertura da arca. Marion
e Indiana se salvam, pois Indiana diz que devem permanecer com os olhos
fechados. Assim, eles conseguem passar ilesos pela luz de Deus e a arca é
recuperada. Voltando aos Estados Unidos, Indiana quer deixá-la no Museu Nacional,
pois ela representa um grande marco na história da humanidade, mas os agentes do
exército dizem que não. Indiana explica que ela é muito valiosa e que deve ser
armazenada com muito cuidado, por isso um museu seria o local ideal. Mas, o
Coronel Musgrove e o Major Eaton garantem que ela estará guardada em um local
secreto e que passará por cuidadosa análise dos especialistas do exercito. Na
verdade, a arca acaba sendo guardada em um depósito do exército, junto com
milhares de outras mercadorias, sob o número: 9906753.
123
Figura 2: Cartaz do filme: Indiana Jones e o Templo da Perdição
124
Nome do filme: Indiana Jones e o Templo da Perdição
Título original:- Indiana Jones and the Temple of Doom
País: Estados Unidos
Ano: 1984
Diretor: Steven Spielberg
Elenco:
Harison Ford – Indiana Jones
Kate Capshaw – Willie Scott
Jonathan Ke Quan – Short Round
Chua Kah Joo – Chen
Amrish Puri – Mola Ram
Roshan Set – Chattar Lal – Primeiro ministro de Maraja
Philip Stone – Capitão Blumburtt
Ruy Chiao – Lao Che
David Yip – Wu Han
Ric Young – Kao Kan
Philip Tan – Chefe Henchamna
Dan Aykroyd – Weber
Raj Sing – Maraja Zalim Singh
Steven Spielberg – turista no aeroporto
Descrição:
Em 1935, em uma casa noturna, na China, o arqueólogo Indiana Jones está
com uma família chinesa de gangsters para recuperar um raro diamante rosa, mas
para isto ele deverá entregar um artefato histórico, Nurhachi, que contém os restos
mortais de um grande imperador. Nesta casa noturna, a namorada do chefe mafioso,
Willie Scott, canta e dança. Após o número, ela irá até a mesa, onde ocorre um
tumulto, para recuperar o diamante e o artefato. Indiana e Willie conseguem fugir,
com a ajuda de Short Round, órfão que Indiana estava ajudando. Eles embarcam
em um avião, que é da máfia, e acabam caindo em uma aldeia, na Índia. Na aldeia,
eles são recebidos com festa e devoção, pois os aldeões acreditavam que eles eram
os salvadores que o deus Shiva mandou do céu. A aldeia está pobre e sem
crianças; o líder da aldeia explica que a pedra sagrada, Sankara, foi roubada e era
125
ela que mantinha a prosperidade e a alegria do seu povo. Explica que o exército do
templo de Pankot raptou todas as crianças e, agora, pede a Indiana para recuperar a
pedra, para trazer a prosperidade de volta à aldeia. Indiana, Willie e Short Round
vão em busca da pedra, encontram o palácio em prosperidade, mas descobrem que
no subterrâneo do palácio ocorrem cerimônias de sacrifício humano. Neste
subterrâneo é que se encontram as pedras de Sankara. Segundo uma lenda local,
são cinco as pedras, e quando as cinco pedras forem encontradas e reunidas,
aquele que as reuniu terá poder eterno. Mola Ram, o líder que busca a força das
pedras, encontra três e sabe que no subterrâneo do palácio há as outras duas;
assim, ele faz as crianças das aldeias prisioneiras para escavarem em busca das
duas pedras perdidas. Indiana Jones, Short Round e Willie, após múltiplas situações
de perigos e peripécias, libertam as crianças e resgatam a pedra da aldeia. Na luta
pelo resgate, que se passa em uma ponte pênsil sobre um precipício, Mola Ran
morre e as outras pedras caem no rio abaixo da ponte. Este rio é profundo, com uma
correnteza muito forte e de difícil acesso e, assim, as pedras se perdem. Quando
Indiana e sua trupe retornam à aldeia de Madripoor com a pedra sagrada, todos
estão felizes e prósperos.
126
Figura 3: Cartaz do filme: Indiana Jones e a Última Cruzada
127
Nome do filme: Indiana Jones e a última cruzada
Título original: Indiana Jones and the last crusade
País: Estados Unidos
Ano: 1989
Diretor: Steven Spielberg
Elenco:
Harison Ford – Indiana Jones
Sean Connery – Prof. Henry Jones (pai de Indiana)
Denholm Elliott – Marcus Brody
Alison Doody – Drª Elsa Schneider
John Rhys-Davies – Sallah
Julian Glover – Walter Donovan
River Phoenix – Jovem Indiana Jones
Michael Byrne – Vogel
Kevork Malikyan – Kazim
Robert Eddison – guardião do graal
Descrição:
As cenas iniciais começam com as primeiras ações de Indiana Jones,
quando ele ainda era escoteiro, que tenta tirar das mãos de ladrões peças sagradas
do Novo México. Ocorrem situações de perigo, e ele não consegue ficar com a peça.
O tempo passa e temos o professor Indiana Jones convidado por um milionário
industrial norte-americano, Walter Donovan, a procurar o cálice sagrado. Indiana
observa que ele buscou o Jones errado. Donovan explica que há uma expedição,
em Veneza, procurando o caminho do Santo Graal e que o chefe da expedição
sumiu. Indiana então deverá achar o chefe da expedição e também o caminho para
o cálice sagrado. Neste ponto, Indiana Jones descobre que o chefe da expedição
que sumiu era o seu pai, o professor Henry Jones. Junto com Marcus Brody, ele
parte para Veneza à procura da localização do Santo Graal e do pai. Lá encontra a
Drª Islã Schneider, contratada por W. Donovan como assistente nas buscas. Os
dois, Indiana e Elsa, encontram nas catacumbas da biblioteca de Veneza o túmulo
de um dos três irmãos, cruzados, que sabiam a localização do Santo Graal. Neste
túmulo, encontram a tábua de pedra que contém toda a localização e os
128
procedimentos para achar e chegar ao cálice sagrado. Neste meio tempo, Indiana
Jones, ao tentar salvar seu pai, descobriu que este fora feito prisioneiro pelo exército
alemão. O exército também buscava o cálice, junto com Walter Donovan, e prendeu
o pai de Indiana em um castelo ao norte da Alemanha. Ao chegar e tentar salvá-lo,
também é feito prisioneiro e descobre que a Drª Schneider é colaboradora do
exército nazista. Assim, os Jones especulam que tanto Hitler quanto Donovan
queriam beber do cálice sagrado para ter a imortalidade. Após muitas peripécias, os
Jones conseguem fugir e partem para Berlim para buscar o diário do pai de Indiana
que caiu nas mãos dos nazistas. O diário contém as principais peças e indicações
para se chegar ao cálice. Indiana consegue recuperar o diário e acaba ficando
cara-a-cara com Hitler, quando este estava distribuindo autógrafos. Indiana nada
mais fez do que oferecer o diário para Hitler autografar. Assim, partem para a busca
do cálice. Ao chegar no templo de pedra, na Jordânia, após muitas peripécias com o
exército alemão, Indiana é forçado a buscar o cálice, já que seu pai fora baleado no
estomago e só a água sagrada do Santo Graal poderia salvá-lo. Indiana passa pelos
três segredos para chegar ao cálice; Walter Donovan e a Drª Schneider também
chegam e se deparam com o último dos três irmãos, que ainda estava vivo para
proteger o cálice. Este avisa que, para obterem a vida eterna, devem escolher o
cálice certo, pois, se beberem do cálice errado, morrem. Donovan, através da
escolha da Drª Schneider, bebe com o cálice errado e morre. Indiana pega o
verdadeiro cálice e salva seu pai da morte. Um terrível terremoto começa a pôr
abaixo todo o templo. Drª Schneider cai no precipício junto com o cálice, que nunca
mais será encontrado. Sallah, os Jones e Marcus Brody saem do templo e cavalgam
com a certeza de terem encontrado o verdadeiro significado do Santo Graal: a busca
da fé interior.
129
Figura 4: Bastidores da filmagem do filme Os caçadores da Arca Perdida
Figura 5: Cena do filme quando ocorre o bote da serpente
130
Figura 6: Cenas da escavação da Arca Perdida, no Egito
Figura 7: A personagem Marion com as cobras
131
Figura 8: Bastidores da filmagem de Indiana Jones e o Templo da Perdição
Figura 9: Cena da luta final para resgatar as pedras em uma ponte pênsil
132
Figura 10: A personagem Willie coberta pelos rastejantes
Figura 11: A cena inicial com a personagem Willie protagonizando um musical
133
Figura 12: Bastidores das filmagens de Indiana Jones e a Última Cruzada
Figura 13: A personagem Indiana Jones com o professor e o amigo Marcus Brody
134
Figura 14: A personagem Drª Elsa com os ratos
Figura 15: Indiana Jones e o pai fugindo de uma perseguição nazista
135
4.2 PERSONAGENS TÍPICAS
O típico é um recurso padronizado para informar e sensibilizar sobre um
sentimento que já se encontra na memória do receptor. Para Eco, o tipo se constitui
do resultado da ação narrada ou representada, onde a ação ou a personagem bem
realizada, individual, convincente, permanece na memória. “Pode ser reconhecida
como típica uma personagem que, pela organicidade da narrativa que a produz,
adquire uma fisionomia completa, não apenas exterior, mas intelectual e moral”
238
.
São situações criadas para as personagens e estruturadas em emoções que já se
encontram na carga emotiva do receptor. Essa carga emotiva é a memória
construída e adquirida através de vivências e experiências culturais e formam toda
uma bagagem histórica psicológica que o fará aceitar ou não a emoção gerada. O
tipo é a situação que chega ao receptor e este se identifica ou não com aquilo que
se encontra em um modo de expressão da personagem. É através dos gestos, da
construção da personalidade e dos modos de reagir e agir sobre as coisas e a
maneira de ver o mundo que se reconhece uma personagem-tipo.
Para Eco, a personagem-tipo pode se transformar em uma personagem
estética. Isso acontece quando um autor consegue apresentar os problemas de seu
tempo através da personagem; ela, através do enredo, vivencia esses problemas,
mesmo os mais abstratos e individuais, e o que se apresenta, para Eco, não é uma
tipicidade ontológica, mas, sim, sociológica, pois “resulta da relação de fruição entre
personagem e leitor, e um reconhecimento (ou uma projeção) que o leitor realiza
diante da personagem”
239
. Assim, através das vivências da personagem, o leitor
identifica as suas próprias vivências, mesmo as mais abstratas e individuais.
Também pode ser considerada categoria estética a personagem que, mesmo não
apresentando reflexões sociológicas, produz uma sensação ou uma fruição
diferenciada no receptor.
Para Eco, a discussão do típico ser estético ou não, passa pela fruição do
receptor pela personagem. Para o autor, é na esfera da recepção que se estabelece
a estética da personagem típica contemporânea, pois é na forma como ela é fruída,
onde a recepção crê que se reconhece e se identifica, que se produz um
238
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Op. cit., p. 219.
239
Ibid., p. 217.
136
modelo cultural. Este modelo é, então, o tipo. Há modelos clássicos e idealistas de
difícil reconhecimento, exigindo um receptor culto, e há o outro modelo, um tipo
utilizável e não mais um modelo idealista, com suas categorias rígidas e de difíceis
vivências pela recepção ou leitor: são os modelos de consumo. Para Eco, são
personagens topois, isto é, “fáceis de convencionalizar e empregáveis sem
compromissos”
240
.
Em uma obra, encontramos personagens típicas, que são aquelas que
permanecem na memória do receptor e auxiliam em suas vivências, mesmo as mais
abstratas; são os tópicos, topos, personagens inventivos, imaginativos, que a
narração se socorre para deixar sua obra dinâmica. São temperamentos, tipos,
caricaturas, construídas em torno de uma única idéia ou qualidades facilmente
reconhecíveis ao longo da trama; principalmente, são sempre previsíveis e
facilmente lembráveis. Há também os secundários, que auxiliam na estrutura da
narrativa. Elas produzem, na narração, o que Eco chama de módulos imaginativos:
“úteis e inocentes, eles [...] se consomem na impressão não-aprofundada, e seu
emprego tem algo da felicidade inventiva com a qual de um lampejo de vida se extrai
uma situação narrativa”
241
. Eco também chama de “papéis vicários”. São
personagens de segundo plano, cuja função só se explica se forem vistas como
variação de um dos caracteres principais. Assim, não carregam uma estrutura
individual, intelectual, forte, que possa carregar e transformar a recepção, mas
funcionam como portadores de características que mantêm relação com a
personagem principal.
São essas construções que apresentaremos a seguir: Indiana Jones x e o
mesmo, Indianas Jones e as personagens femininas e Indiana Jones e os seus
oponentes. Veremos as estruturas fixas que constroem essas personagens na série,
através das caracterizações das personagens nas invariáveis mais visíveis.
240
Ibid., p. 232.
241
Ibid., p. 232.
137
Indiana Jones x Indiana Jones:
A personagem Indiana Jones é construída com uma caracterização
invariável no figurino e na gestualidade e são essas duas formas que fixam a
personagem em um tipo. Essas invariáveis ainda são divididas em duas tipologias:
Indiana Jones arqueólogo aventureiro e Indiana Jones arqueólogo professor. Essa
divisão se aplica tanto no figurino quanto na gestualidade.
Indiana Jones e a invariável: figurino
Indiana Jones professor Indiana Jones aventureiro
A personagem professor é
apresentada nos moldes clássicos de um
professor universitário da década de 30.
Terno, completo, nas cores cinza ou
caqui escuro. Com gravata tradicional ou
gravata-borboleta com leve contraste.
Com o terno caqui escuro, a camisa é
listrada, branca e azul bebê, e a gravata
é borboleta bordô escuro com poá azul
do tom da camisa. Com o terno cinza, a
gravata é tradicional, num tom mais forte,
cinza escuro, e a camisa é branca, mas
um branco opaco, meio amarelado. As
camisas são engomadas. Ele usa óculos
de grau arredondado, os cabelos estão
bem penteados com gel e barba bem
feita. Esses são os figurinos utilizados
nos três filmes da série.
Já a personagem Indiana Jones
aventureiro transforma-se. O figurino é
composto de uma jaqueta de couro marrom
escuro, uma camisa caqui claro, muito
amarrotada, calça cor marrom, tipo algodão
e com bolsos faca, amarrotada também.
Compõem o figurino um chapéu de couro,
no mesmo tom da jaqueta, um chicote e
uma bolsa de couro usada atravessada no
peito. Bota de couro da cor da jaqueta e do
chapéu.
Os cabelos estão sempre
despenteados e a barba sempre por fazer.
138
Indiana Jones e a gestualidade
Indiana Jones professor Indiana Jones aventureiro
Os movimentos corporais do
professor são comedidos e
requintados. Os gestuais das mãos
são poucos e junto ao corpo,
passando um ar de ingenuidade e
reserva. Com movimentos fechados,
os braços muito próximos do corpo,
transmitindo a informação de uma
pessoa reservada. Também é uma
pessoa tímida, que se surpreende
com as investidas de sedução das
alunas.
Indiana Jones aventureiro é tudo o
que o professor não é: nada tímido,
despreocupado, decidido, corajoso, astuto.
Com um gestual de grandes movimentos,
mãos e corpo movendo-se sempre e em
movimentos amplos e abertos. E,
principalmente, é uma personagem muito
sedutora. Enquanto o professor foge de
alunas, o aventureiro seduz todas as
mulheres com quem contracena.
A personagem Indiana Jones
242
pode ser apresentada como uma
personagem típica de ação e aventura. A transmutação de um simples professor e
arqueólogo de gabinete para um aventureiro, com encontros fantásticos e peripécias
hilariantes, faz a fantasia e a imaginação de receptores produzirem processos de
identificação e fruição muito íntima e individual entre a realidade desejada e a
narração serial de Indiana Jones. A noção de personagem típico que Eco apresenta,
onde a recepção se reconhece e se projeta na personagem, pode ser visualizada na
série.
242
Essa personagem foi inspirada na vida de Howard Carter (1874-1939), arqueólogo que não teve
uma educação formal e saiu pelo mundo em busca de aventura. Chegou ao Egito, conheceu e se
apaixonou pela arqueologia e, em sua busca incansável, descobriu a tumba mais famosa da
arqueologia egípcia, a Tumba de Tutancâmon, em 1922, patrocinado pelo milionário George Herbert,
quinto Lord de Carnarvon, um apaixonado pela arte egípcia. Howard Carter é uma figura quase
lendária na arqueologia; podemos fazer um paralelo e dizer que Indiana Jones possui essa
característica. Foi através da personalidade irreverente de Carter que Lucas deu vida a Indiana. Na
“biografia” de Indiana, ele, na realidade, conhece a arqueologia através de Howard Carter. Para
George Lucas, Indiana ajuda Carter nas escavações na tumba de Tutancâmon.
139
Indiana Jones e as personagens femininas:
As mulheres de Indiana Jones são típicas personagens de aventura: bonitas,
com pitadas de humor, mas frágeis, sempre dependendo do herói. Gritam muito, se
assustam com tudo, mas, junto ao herói, enfrentam qualquer aventura. Pulam de um
avião em queda livre com um bote inflável, ou andam por subterrâneos lotados de
ratos, ou ainda andam por entre cobras nas tumbas egípcias. São meigas e
perdoam tudo o que Indiana faz. Podemos dizer que não são personagens
inteligentes, independentes. Na realidade, a única personagem feminina com estas
características transforma-se na vilã da história. Observamos que elas são
personagens construídas para a diversão. As personagens femininas de Indiana
Jones são todas elas vicárias, ao manter uma relação de dependência ou sujeição
ao Indiana aventureiro. Na série, com relação aos papéis femininos, o que
observamos é a presença da invariante amor-ódio.
A relação é sempre entre amor-ódio. Ódio, no caso da personagem Marion,
por tê-la abandonado na adolescência, mas é também uma relação de amor, de
Eros, princípio de prazer, que a liga ao Indiana aventureiro; juntos, procuram a Arca
Sagrada. Assim como a relação de Willie, misto de Eros e ódio, princípio de prazer e
raiva por estar exposta a situações de perigo na selva. Com a personagem Elsa
ocorre o mesmo, porém a relação é obscura. Ela mantém a mesma predisposição de
Amor pelo pai de Indiana. Cria-se assim uma situação de jogo de sedução entre as
personagens. Mas, dominadas por Indiana, as personagens femininas estão
precondicionadas à sujeição, assumindo o papel vicário de Indiana. O esquema
comum a todas é:
1. a jovem, é bela e bondosa;
2. tornou-se dura e ambiciosa pelas difíceis provas que passou na vida;
3. isso a condicionou a viver em busca de ambição e/ou dinheiro;
4. através do encontro com Indiana, realiza-se em toda a sua plenitude
humana;
5. Indiana a possui, mas no final a deixa.
140
Esse currículo é comum a Marion, Willie e Elsa. È o que observamos na
descrição das personagens:
Marion Ravenwood vive em um lugar inóspito nas montanhas do Himalaia e
deve abandonar o seu bar, herança do pai, The Raven, para acompanhar Indiana. A
personagem é apresentada em uma cena hilariante: há um duelo entre uma mulher
bonita e magra, Marion, e um homem gordo, castanho claro e com as bochechas
gorduchas, cliente do bar. A disputa, paga em dinheiro, é para ver quem bebe mais.
O copo é igual ao que se bebe cachaça, aqui no sul, em bares populares, o líquido
pode ser cachaça ou qualquer aguardente do gênero. É claro que a personagem
feminina vence. Assim, Marion é apresentada. Destemida, dura, que faz qualquer
coisa para sobreviver e ter mais dinheiro, mas aos poucos se revela frágil e meiga,
como toda personagem vicária, ligada a Indiana. Um tópico fácil de ser reconhecido
e também de ser empregado. Tanto que as personagens femininas de Indiana Jones
nunca são as mesmas, sempre há personagens diferentes, mas são vicárias. São
sempre facetas de um envolvimento de Indiana Jones, elas são apenas produções
para dar movimentação. Como observa Eco: úteis e inocentes.
A outra personagem é Wilhelmina “Willie” Scott, cantora do Club Obi Wan
243
.
Ela inicia o filme com um musical, estilo Broadway. Cantando Anything Goes, de
Cole Porter. Linda, em um vestido vermelho bordado em lantejoulas e pedrarias, ao
estilo da década de 30. Também revela sua personalidade de ganância: é “louca”
por diamantes (referência a Marilyn Monroe e seu musical). Na cena inicial, de ação
no bar, enquanto Indiana tenta fugir dos tiros dos bandidos e procurar o antídoto
para sobreviver ao veneno que bebeu, ela procura o diamante que cai no chão. Este
acaba misturando-se com o gelo, que também é derrubado, e não se consegue
diferenciar entre gelo e diamante. Os dois conseguem fugir da família chinesa do
bar, sem o diamante, mas com o antídoto. Novamente a personagem feminina parte
nas aventuras com Indiana Jones, e começa a sua construção de frágil, mas pronta
para toda a ação, estando ao lado do herói, como, por exemplo, cair, em queda livre,
de um avião em um bote salva-vidas, inflável. Outra personagem vicária.
Por fim, Drª Elsa Schneider. Loira, belíssima, inteligente, sem medo de
enfrentar riscos e ambiciosa. Aventura-se pelos subterrâneos de uma biblioteca
243
Esta é uma citação a outra produção e personagem de George Lucas: Star war.
141
cheia de ratos com Indiana, claro que acaba “um pouco” histérica. Mas quem não
ficaria com um rato enroscado no cabelo? É sedutora: tem um relacionamento
amoroso com o pai de Indiana Jones e com ele também. Porém, ela não poderia ser
perfeita: é a vilã da história. Mas, para manter na personagem o papel vicário, ela
demonstra, em dois momentos, o seu lado frágil e meigo de personagem feminina
tipo. No primeiro, ela salva o diário do pai de Indiana de ser queimado pelos
nazistas. Nesta mesma cena, ela chora ao ver todos os livros da lista negra de Hitler
serem queimados e ao mesmo tempo está chorando sua situação de descoberta do
amor e do abandono de Jones. Em outro momento, ela oferece o cálice errado para
um dos vilões beber da água sagrada e, com isto, ele morre, demonstrando o
abandono do ódio e a entrega do amor a Indiana. Mas, é claro, a sua ambição leva-a
à morte ao tentar pegar o cálice no precipício. Como ela é uma personagem vilã,
logo não pode sobreviver, e o vicário se fecha, pois ela não teve “forças” o suficiente
para abandonar o mal e o ódio, diferente das outras personagens que sobreviveram
e tiveram finais felizes: Marion montou um bar em Nova Iorque e Willie se tornou
uma cantora de sucesso.
Como observamos, as personagens femininas são personagens vicárias que
servem para divertir, apresentar situações imaginativas, conduzir a personagem
principal em situações de intensidade, mas elas próprias não alcançam tal
profundidade.
Indiana Jones e seus oponentes:
Também as personagens dos oponentes são vicários, repetições de
construções imaginativas, para dar movimentação e interações com a personagem
principal, e nenhum consegue se construir tão fortemente para transpor o limiar entre
a personagem principal e a sua própria personagem. No primeiro e terceiro filme, o
oponente é o exército de Hitler, sempre visto caricaturalmente, ora com situações de
violência, ora com a banalização da força deste exército. Um exército comandado
por Hitler, que nos filmes é dado como um lunático/místico que, no primeiro filme,
quer ouvir a voz de Deus e se aproximar de seu poder e, no segundo, quer a vida
eterna. No primeiro filme, os oponentes, representantes do exército de Hitler, são
142
duas equipes da Gestapo, uma bem caracterizada com um sobretudo preto e a outra
com um terno de linho bege claro, revelando ambigüidade de tratamento: a primeira
é violenta, mas caricatural nos movimentos e nas ações; a segunda não é tão
violenta, porém mais realista nas suas ações de prender e torturar. No segundo
filme, o inimigo é um guru indiano que quer obter a força da natureza e dominar o
mundo, representado também bem caricato, como um guru indiano, com os trajes
indianos longos, olhos bem desenhados com cajal
244
e lunáticos. Figura tópico para
atualizar um topos do mal, visto, inclusive, em histórias infantis: os gênios malvados
ou os místicos em Aladim e a lâmpada mágica.
A outra invariante que se observa na estrutura do filme são os figurinos.
Eles são construídos para ajudar a delimitar, e muito bem, a época em que se
passa a trama, assim como estimular a imaginação da recepção. Eles possuem
uma constante nas três séries, pois é através deles que é ativado o mecanismo de
memória de construção de época. A principal constante é o terno completo
masculino que caracteriza a época, visto tanto em Indiana Jones quando ele é
professor, quanto nos representantes dos exércitos, americanos e alemãs,
assim como em todas as personagens masculinas secundárias que são
apresentadas. As figuras femininas também direcionam a estrutura com a invariante
feminina: tailleur.
244
Cajal é uma tinta escura, preta, utilizada pela cultura indiana para proteger os olhos. Ele é muito
utilizado em crianças, mulheres e em homens para purificar o olhar, mas também é usado como
pintura de contorno dos olhos tanto para mulheres quanto para homens.
143
FIGURINOS
Indiana Jones e os
Caçadores da Arca
Perdida
Indiana Jones e o Templo
da Perdição
Indiana Jones e a Última
Cruzada
O filme apresenta
o figurino da época,
década de 30, os cenários
configuram a época.
Principalmente com o
figurino do exercito alemão
e americano. Há dois grupos
que são apresentados com
costumes diferentes. O
primeiro usa roupas pretas
e um sobretudo preto, a
outra equipe veste um
terno de linho creme ou
gelo bem claro, deixando
bem caracterizado as duas
equipes da gestapo –
exército de Hitler. As
personagens masculinas
como as roupas do
representante do museu,
amigo de Indiana, Marcus
Brody, cujo figurino é um
terno completo e a do
próprio Indiana quando é
professor, com seu terno
completo, também são
bem características da
década de 30. Por fim, o
figurino de Marion ao final
do filme, um tailleur, saia
abaixo do joelho e blazer
acinturado, moldando o
corpo feminino, exemplo
de vestimenta utilizada na
época.
O filme começa
com um musical, bem
característico dos filmes
das décadas de 30 em
Hollywood. Não deixa
dúvidas da época em que
se passa a trama, muito
embora, após as cenas
iniciais do bar, o grupo
chega na Índia e aí fica
difícil caracterizar a época,
pois o figurino são as
roupas típicas da Índia:
sari para as mulheres e
punjabe para os homens.
Os saris são compostos
por três peças: uma saia,
uma blusa curta e um
manto longo, mais ou
menos de 5 metros com
que a mulher “enrola” seu
corpo e deixa um pedaço
caído no ombro, chamado
palú, para proteger a
cabeça quando sai de
casa. O punjabe é uma
vestimenta tradicional
masculina, composta por
uma camisa longa, até o
meio da perna, e uma
calça comprida por baixo.
Os tecidos do punjabe são
de algodão e leves. Os
saris são de seda e muito
ornamentados. Todavia, o
figurino que mais
caracteriza a época que se
passa o filme é o musical.
Assim, este é o contrato
para reconhecer a época
do filme.
Aqui, como no
primeiro filme da série, as
roupas do exército e o
figurino da personagem
feminina denunciam a
época: década de 30, em
particular o ano de 1937.
Novamente, são destinados
para os homens os ternos
completos e para as
mulheres o conjunto de saia
justa, abaixo do joelho com
um blazer acinturado do
mesmo tecido da saia.
Nesse filme, o figurino,
segue o mesmo esquema
do primeiro. Aqui, na
realidade é onde se fixa a
estrutura invariante dos
figurinos da série.
144
4.3 NÍVEL DA COOPERAÇÃO DO LEITOR: ONDE SE PREENCHEM OS
PRIMEIROS VAZIOS E NÍVEL DAS ESTRUTURAS NARRATIVAS
E DISCURSIVAS: OS TÓPICOS TEXTUAIS
Esses processos de análise serão realizados em conjunto, pois entraremos
no nível da significação, que é uma semiótica mais aberta e trabalha com os
processos simbólicos. É a partir destes níveis que os contratos de leituras são
firmados, levando à construção de leitores tanto de segundo nível quanto de leitura
de consumo.
Aqui estamos tratando, então, do enredo. A primeira teoria sobre o enredo é
de Aristóteles e é aplicado à tragédia, porém todas as teorias das narrativas
recorrem a este modelo. Para Aristóteles, o enredo fala da imitação de uma ação
(seqüência de acontecimentos) e isto gera um enredo, ou uma seqüência narrativa.
De acordo com Aristóteles, o estilo ou a escrita e a construção psicológica ou a
construção dos caracteres são acessórios para a elaboração de um enredo. Neste
ponto, acreditamos ser pertinente trazermos as categorias apreciativas de
Aristóteles, já trabalhadas anteriormente, onde o valor positivo está em oposição ao
valor negativo; assim, temos: na estética: o belo x o feio; na ética: o bom x o mau; na
morfológica: conforme x disforme e na tímica: eufórico x disfórico. È importante
retornar esta estrutura, pois o que observaremos será que, em toda a série de
Indiana Jones, segue essa estrutura clássica entre o bom versus o mau, entre o belo
versus o feio, pois as personagens representantes do bem, Indiana Jones e as suas
personagens femininas, são sempre belas e boas. Por outro lado, as personagens
do mal, os oponentes, são sempre feios e terríveis, com uma aparência física
disforme e com a própria estrutura tímica disfórica. Isto denota uma estrutura
clássica na construção do enredo e na construção das personagens. Assim, o
próprio modelo clássico de Aristóteles, bom x mau, é uma invariante no enredo da
série.
Observando, então, a construção clássica que foi estruturada por Aristóteles
e que até hoje serve de referência, Eco
245
observa, ainda, que, muito embora essa
teoria seja aplicada à tragédia e não ao romance, para ele pode-se trabalhar com ela
em todos os modelos, pois ela, a teoria ou o modelo de narrativa proposta por
245
ECO, Umberto. O Super-homem de Massa. São Paulo: Perspectiva, 1991.
145
Aristóteles, se adequa a qualquer forma de narrativa. Para Eco, a teoria aristotélica é
uma estrutura simples, e são as estruturas simples que perduram. Eco apresenta o
que ele chama de “receita” dessa formação de narrativa:
[...] tomem uma personagem com que o leitor possa identificar-se,
não decididamente ruim mas tampouco excessivamente perfeita, e façam
com que lhe aconteçam casos tais que ela passe da felicidade à infelicidade
ou vice-versa, através de peripécias e reconhecimento. Retesem o arco
narrativo além de todo limite possível, de modo que o leitor e o espectador
experimentem piedade e terror a um só tempo. E quando a tensão tiver
atingido o auge, façam intervir um elemento que desate o nó inextricável
dos fatos e das conseqüentes paixões – um prodígio, uma intervenção
divina, uma revelação e um castigo imprevisto; que daí sobrevenha, de
algum modo, uma catarse [...] que encontra finalmente uma solução
aceitável, coerente com a idéia que temos sobre a ordem lógica (ou fatal)
dos eventos humanos
246
.
Assim, nos três filmes, já nas primeiras cenas firma-se o contrato de leitura,
de ratio facilis, onde a ação e o entretenimento são as tônicas. Remetendo-nos à
narrativa clássica de Aristóteles: no primeiro, Indiana Jones está em plena selva
peruana, no templo Chachaoyan, resgatando uma estatueta da deusa da fertilidade,
e consegue passar por muitas armadilhas feitas para que ninguém conseguisse
alcançar a estatueta; no segundo filme, há inicialmente um musical, para situar a
época, e após muita ação para recuperar um antídoto do veneno que Indiana Jones
tomou com uma taça de champanhe quando estava trocando o artefato pelo
diamante; no terceiro filme, Indiana Jones, ainda adolescente, passa por uma
situação de perigo para resgatar das mãos de ladrões peças sagradas dos astecas,
mas sai sem problemas, sem as peças. Novamente aventura e ação.
A estrutura invariante, nas narrativas iniciais nos três enredos da série, é
apresentada como tópicos:
Primeira narrativa:
situação inicial – Indiana Jones na busca um artefato arqueológico -
conflitos de interesses – perseguições – Indiana perde o artefato, mas
sobrevive.
246
Ibid., p. 20.
146
Segunda narrativa:
situação inicial – Indiana Jones trocando um artefato arqueológico por
outro – conflitos de interesses – perseguições – Indiana perde o artefato,
mas sobrevive.
Terceira narrativa:
situação inicial – Indiana Jones resgatando um artefato arqueológico –
conflitos de interesses – perseguições – Indiana perde o artefato, mas
sobrevive.
Podemos reconhecer que, nas três instâncias, um mesmo elemento
narrativo permanece invariável. Apenas as situações de circunstâncias se alteram
para dar o colorido e as nuances específicas de cada filmatografia. As narrativas se
conjugam no mesmo nível: simpatizam quando recuperam artefato e antipatizam
quando perdem o artefato. Em Foucault, “a identidade das coisas, o fato de que
possam assemelhar-se a outras e aproximar-se delas, sem contudo se dissiparem,
preservando sua singularidade, é o contrabalançar constante da simpatia e da
antipatia que o garante”
247
. São espaços onde há reencontros, onde as figuras
reaparecem com suas singularidades sempre em mobilidade, em alternância, ora
simpatia ora antipatia. Uma não existe sem a outra. Assim, o movimento do artefato
ora é mágico e mitificado e, em outro, não carrega mais uma narrativa mágica de
mito antropológico.
Retomando a estrutura narrativa de Aristóteles, temos uma personagem com
quem o leitor identifica-se e uma estrutura de enredo clássica: não é uma
personagem “decididamente ruim, mas tampouco excessivamente perfeita”,
acontecem situações em que ela passa da felicidade à infelicidade ou vice-versa,
através de peripécias. Neste caso, o arco narrativo é retesado ao máximo para o
suspense e ação. “E quando a tensão tiver atingido o auge, façam intervir um
elemento que desate o nó inextricável dos fatos e das conseqüentes paixões – um
prodígio, uma intervenção divina, uma revelação e um castigo imprevisto; que daí
sobrevenha, de algum modo, uma catarse [...] que encontra finalmente uma solução
247
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Op. cit., p. 41.
147
aceitável, coerente com a idéia que temos sobre a ordem lógica (ou fatal) dos
eventos humanos”
248
. É essa é a tônica do enredo principal de Indiana Jones. A
aventura inicial tem como constante a perda o artefato, Indiana não consegue
alcançar o seu intento, mas sobrevive. Sobrevive e com mais vontade para a
próxima busca, a principal: a procura do artefato sagrado.
Para o enredo principal, temos a seguinte estrutura invariante:
1. Indiana Jones é solicitado para a busca de um artefato sagrado;
2. IJ encontra a parceira feminina em situação de perigo;
3. IJ encontra com os vilões também em situações de conflitos e de perigo;
4. IJ e a parceira fogem dos oponentes, mas não recuperam os artefatos;
5. I J e a parceira são perseguidos pelos vilões,
6. IJ detém a posse do artefato sagrado;
7. IJ e a parceira sobrevivem;
8. IJ entrega o artefato;
9. IJ volta a ser professor;
10. IJ sozinho.
As três narrativas envolvem, contudo, a busca de um artefato arqueológico,
sagrado, que detém em si mesmo mistério, magia e poder:
1. poder para se comunicar com Deus;
2. poder na busca da Arca Sagrada;
3. poder de dominar o mundo;
4. poder de alcançar da prosperidade, com as pedras Sankaras;
5. poder de busca da eternidade;
6. poder de conhecer o Santo Graal.
248
ECO, Umberto. O Super-homem da Massa. Op. cit., p. 20.
148
Conclui-se, pois, que esta pode ser considerada uma outra estrutura
narrativa absolutamente repetitiva, onde o Poder se configura como uma linha
isotópica na composição da série. Portanto, nessa construção do Poder observamos
uma possível dicotomia entre o Sagrado e o Profano, apresentados no enredo, que
terá sua confirmação nos cenários. A configuração tencionada entre sagrado e
profano, tipificada atualmente na cultura de massa e altamente explorada pela
linguagem cinematográfica, revela:
Na primeira narrativa:
sagrado – o Egito e os seus mistérios (a Arca contém os 10
mandamentos);
profano – as cobras e as metáforas que delas se originam.;
Na segunda narrativa:
sagrado – a Índia e a sua cultura milenar;.
profano – bichos peçonhentos (baratas, lacraias e outros).
Na terceira narrativa:
sagrado – o Santo Graal e sua pretensa localização em Veneza, Itália;
profano – catacumbas associadas a esqueletos, detritos e decomposição
(ratos).
O esquema se pretende invariante, uma vez que os elementos que
presentificam em cada filme são:
IJ recupera o artefato arqueológico, mas não consegue (aventuras
iniciais);
149
Nova aventura – trama principal: IJ busca um artefato sagrado;
IJ e a personagem feminina, vicária – para rir e provocar situações
hilariantes;
IJ e os vilões. Situações de perigo; é neste ponto que Indiana e a
personagem feminina entram em contato com o profano, os bichos. As
cobras, em um salão descoberto numa escavação no Egito; as
rastejantes, num subterrâneo sagrado na Índia; os ratos, nas catacumbas
em Veneza. As personagens femininas são constantes na presença do
profano;
IJ e a personagem feminina localizam o artefato;
Os vilões conseguem reaver o artefato, sempre muita ação e situações
hilariantes;
IJ e a personagem feminina enfrentam novas situações de perigo;
IJ e a personagem feminina recuperam o artefato sagrado;
IJ e a personagem feminina dominam o poder maléfico dos vilões;
as tramas são solucionadas: a Arca Sagrada fica no depósito do exército
norte-americano; a pedra de SanKara volta para a aldeia; e o cálice cai na
fenda que se abriu na terra, aonde ninguém mais pode pegar;
as personagens femininas têm seu final: Marion abre um bar em NY;
Willie vira cantora famosa e Elsa cai na fenda com o cálice e morre.
Indiana Jones e a situação inicial.
Essas são as invariantes que podem ser visualizadas a partir da decupagem
do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida, apresentada em apêndice,
ao final desta tese.
Esta série caracteriza-se, então, pela aventura e ação. A estrutura narrativa
utiliza o esquema/gravata ou a narrativa clássica de Aristóteles, como observa Eco.
150
Mesmo assim, o serial está caracterizado por pequenas variações no próprio
esquema, que transforma cada episódio em único. Remete à idéia do fractal, onde
se consegue ver cada filme isoladamente, pois na parte se tem o todo, e, com isto,
não o descaracteriza. Uma das principais alterações da série é a apresentação
cronológica. Ao assistir a série inteira, percebe-se que há uma alteração: o primeiro
filme ocorre em 1936, o segundo em 1935 e o terceiro em 1937, mas, neste último,
as cenas iniciais apresentam a adolescência de Indiana e as principais
características da personagem: seu medo de cobras e o fato de ser exímio no
manuseio com o chicote. Faz-se possível pensar no fractal: assistir isoladamente
cada um dos episódios da série e não se perder de vista o todo. E, ao ver a série
completa, tem-se, então, a totalidade. Para Eco, aqui encontramos um tipo de
temporalidade, um tempo “mascarado”, pois a obra faz o espectador sentir que ela
se desenvolve linearmente, muito embora não seja o tempo transcorrido, linear, e só
ao visualizar as três produções é que a temporalidade se acha completa.
Outra discussão apresentada por Eco é a questão de que a obra impõe um
certo ritmo de leitura, determinando paradas e estabelecendo os pontos de
expectativas. E esta série é rica nestes procedimentos, como já observamos nas
construções de invariantes. Também podemos falar do tempo do espectador, que
será sua competência de reconhecer as citações; aqui, por sua vez, é o espectador
quem dirá o seu tempo. Como já observamos, para Eco, através da série, surge o
leitor crítico, aquele capaz de vivenciar a obra de duas maneiras: vivencia primeiro o
tempo do enunciado mais rapidamente; e em segundo, mais lentamente, revisita as
estratégias do discurso. E esta série possibilita essas muitas leituras.
O que observamos, nestas três histórias, é sempre o mesmo enredo: a
personagem-tipo sempre em situações de muita ação, em uma seqüência de ações
que se repetem para construir as características, o estilo da personagem, sempre
com uma aderência ao verossímil e a um sistema de expectativas direcionadas ao
espectador. Para Eco, são repetições produzidas para o entretenimento, são
funcionais e, por mais paradoxal que possa parecer, é justamente por estas
repetições, pela “narração clássica”, que o espectador consome uma obra ou se
entrega a ela. São as repetições, as memórias que tornam as narrativas “com um
fascínio ao qual nos é impossível fugir, o que torna humanamente legível o revival
151
que a coloca hoje como objeto de nosso interesse, dividido entre desconfiança e
admiração”
249
.
O que temos em Indiana Jones é exatamente isto: a repetição à exaustão de
modelos que acabam se transformando em algo fascinante. São três histórias muito
bem montadas, com repetições conhecidas de dicotomias de topo: bom x mau,
sagrado x profano, o poder, as personagens femininas belas e dependentes,
opositores em busca de poder, cenas-tipo de perseguição e um personagem
principal que, conforme Aristóteles, “não é decididamente ruim mas tampouco
excessivamente perfeito”, ou seja, muitos processos previsíveis (perseguições,
desfechos, etc.) proporcionam um prazer na narrativa construídos para agradar ao
leitor mais ingênuo e também para instigar a uma segunda leitura.
4.4 NÍVEL DOS PASSEIOS INFERENCIAIS: AS LEITURAS DO ESPECTADOR;
NÍVEL DOS MUNDOS POSSÍVEIS: PRODUÇÃO SIMBÓLICA E DAS
FISIONOMIAS CULTURAIS E IDEOLÓGICAS: NÍVEL DO SENTIDO PLENO
Nestes últimos níveis, faremos alguns passeios pelos mundos possíveis de
Indiana Jones, alguns com um olhar mais detalhado nas produções, outros apenas a
fim de apresentar pequenas curiosidades que são despertadas quando se sai a
passear, ainda que de forma teórico-crítica. Optamos, novamente, pela junção dos
níveis de análise, por entendermos que, com eles, podemos ir um pouco mais além
da fronteira analítica e trabalhar com o que Barthes proporciona, quando diz que
essas análises pertencem “à classe dos trocadilhos, das pilhérias, das despesas
inúteis; indiferente às categorias morais ou estéticas, enquadra-se na categoria do
carnaval
250
”.
Como passeios descompromissados, podemos verificar que, um primeiro, já
referendado, é com relação à utilização de animais peçonhentos (cobras), ratos e
insetos (baratas, lacraias e centopéias). Em cada civilização em que Indiana busca
um artefato ele se depara com alguma situação que provoca o asco e a repulsa e
que, ao mesmo tempo, constrói uma narrativa da superação dos medos. Antipatias e
249
Ibid., p. 28.
250
BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso. Op. cit., p. 48.
152
simpatias cristalizadas nas produções míticas de sagrado e profano, do bem e do
mal, que, neste caso, podemos pensar, nos remetem à questão da dicotomia entre
os medos do inconsciente e a segurança quiçá provida pelo consciente, onde
Indiana Jones será, então, a representação da consciência e a sua segurança de
enfrentar e desbravar os medos provindos do contraponto: o inconsciente, um
contrato clássico e repetitivo de inconsciente sempre obscuro. No Egito, a
personagem enfrenta-o em um salão, encoberto pela areia do templo sagrado,
repleto de cobras e serpentes. Em Veneza, nos subterrâneos, depara-se com
milhares de ratos. E na Índia, no subterrâneo do palácio, deve transpor as baratas,
lacraias e outros insetos. Aqui, mais um passeio possível: cada civilização tem a sua
praga, ou os seus seres profanos, para contrabalançar com os sagrados. E isto é
característico da representação construída da e pela própria história do homem.
Quem não lembra das serpentes de Cleópatra? Europa sem ratos, não é Europa.
Índia sem sujeira e sem insetos também não é Índia. Onde, para Foucault,
[...] todo o volume do mundo, todas as vizinhanças de
conveniência, todos os ecos da emulação, todos os encadeamentos da
analogia são suportados, mantidos e duplicados por esse espaço da
simpatia e da antipatia que não cessa de aproximar as coisas e de mantê-
las a distância. Através desse jogo, o mundo permanece idêntico; as
semelhanças continuam a ser o que são e a se assemelharem. O mesmo
persiste o mesmo, trancafiado sobre si
251
.
Por outro lado, “O homem é também o lugar do desconhecimento”
252
, diz
Foucault. O homem é o resultado do jogo do cogito e do transcendental, do empírico
com o imaginário. Tudo será o contrabalançar daquilo que ele é e o que pensa que
é. A afirmação e a negação, o pensamento e o não-pensamento. É um modo de ser,
aberto, que reflete o seu ser, o homem, e seu duplo, o mesmo, que pode se libertar
de todas as amarras e ser livre para ser pura representação. Também é esta
natureza que, em dois filmes, Os caçadores da Arca Perdida e A última Cruzada,
observamos quando percebemos a referência direta à figura emblemática do nazista
Adolf Hitler, um homem real, formado por uma linguagem, por um trabalho e por um
processo histórico, mas também um ser imaginário, do ficcional, da ordem da
representação. Conseguimos perceber que, no primeiro filme, o exército americano
afirma que Hitler, uma das personagens do grupo dos vilões, é aficcionado por
251
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Op. cit., p. 41.
252
Ibid., p. 339.
153
materiais sagrados, enquanto no segundo filme ele busca o Santo Graal para
alcançar a imortalidade. Verdade ou não-verdade, reflexos de um mesmo no
espelho, o duplo do empírico com o transcendental ou pura representação? O certo
é que, para a cultura tradicional indiana, a cruz suástica nada mais é do que o
símbolo milenar de uma divindade, representada por uma criança com cabeça de
elefante, chamada Shri Ganesha. Divindade da pureza, da alegria, da inocência e do
que os indianos acreditam ser o puro conhecimento. Ganesha é o senhor dos
Ganas, conhecidos pelos católicos pela nominação de anjos. A suástica, por sua
vez, é muito utilizada no oriente para abençoar e proteger os lares. O vermelho e a
suástica são usados, miticamente, para sustentar e proteger a criação e a vida.
Retomando a possibilidade de um contrato possível, encontramos uma das faces de
Hitler: ao ter contato com lamas tibetanos praticantes de magia, apodera-se destes
símbolos para, através da orientação destes lamas, pervertê-los e usá-los de forma
incorreta para seus propósitos. O que Hitler fez foi girar a suástica e com isto obter o
efeito do poder da conquista. O que se sabe é que, ao girar uma suástica, obtém-se
o poder, porém um poder de destruição. O mítico e o mágico, sagrado e profano,
simpatia e antipatia.
Se essa produção de fisionomias culturais é da esfera do real ou do
imaginário, essa é uma questão complexa de responder. O que observamos é que
são construções de uma representação, de uma linguagem e, como tal, precisam de
um contrato prévio de leitura, como observa Eco, para se reconhecer ou ter uma
relação de concordância entre a referência ou uma “ocorrência expressiva” e o seu
conteúdo.
Aqui temos, então, um ratio difficilis na obra analisada. Como vimos, ela
acaba dependendo de duas situações: primeiro, a expressão deverá,
necessariamente, estar relacionada com o conteúdo. O problema, para Eco, é que a
expressão é facilmente replicável e acaba adquirindo outras características com o
tempo, transformando-se assim em ratio facilis. Segundo, em muitas situações a
expressão acaba sendo uma espécie de “galáxia textual ou nebulosa de conteúdo”.
Nestas, será o ratio difficilis que regulará os códigos. E aqui o interpretante, ao não
reconhecer todo o conteúdo, poderá inventar novos códigos para se fazer entender;
usará de sua criatividade e buscará correlações para produzir a expressão. Voltando
ao contrato: esta é uma série de ficção, de entretenimento; mas, até onde a
154
representação é da esfera do histórico e do vivido, ou até onde é da esfera do
imaginário?
Para provocar ainda mais o contrabalançar da representação, um outro
contrato possível: Indiana Jones nasceu em 1º de julho de 1899
253
, em Princeton, é
filho de Henry e Anna Jones. Cresceu à sombra de seu “estimado” pai que o
chamava, britanicamente, de Júnior. Porém, Henry Jones Júnior começou a usar o
nome de Indiana, pois não gostava da forma como o seu pai o tratava. Assim,
apropria-se do nome do cão da família. Deste fato, nasce uma primeira “rebelião”
contra o conservadorismo do pai.
Em 1908, o pai, professor da Princeton University, parte para uma viagem,
por dois anos, palestrando sobre o Cálice Sagrado, assunto de grande interesse
para ele. Indiana, a mãe e Helen Seymour, sua tutora de Oxford, percorreram todos
os países, onde aprendem sobre diferentes culturas. Indiana também esteve no
Egito e com Howard Carter
254
pesquisou sobre a cultura egípcia e sobre os novos
conhecimentos sobre o Cairo. Indiana observa que este foi o seu primeiro contato
com a arqueologia e as maravilhas da Antigüidade.
Depois, a família foi a Paris, onde conheceram Picasso
255
. Em Viena,
Indiana conheceu a princesa Sophie e o seu irmão arquiduque Franz Ferdinand
256
.
No ano seguinte, todos visitaram a África, em Nairobie, com o presidente Teddy
Roosevelt
257
. No ano seguinte, seu pai explana na Ásia. Assim Indi, como também é
chamado, aprende sobre várias religiões e sobre a medicina oriental, bem como
viaja por toda China.
Em 1912, retornam para os Estados Unidos: sua mãe morre de febre
escarlate; o pai muda-se para Utah e trabalha na Universidade de Lãs Mesas. Em
1913, Indiana e sua tutora, Helen Seymour, escapam do desastre com o Titanic. E
foi em Utah, com uma expedição dos escoteiros, que nosso herói percebe a
importância da arqueologia e das peças arqueológicas. Por outro lado, a partir da
253
Informações retiradas do site oficial <http://www.indianajones.com>. Acesso em: 10 de maio de
2006.
254
Vale lembrar que este é o arqueólogo que Lucas se inspirou para construir a personagem Indiana.
255
Pintor modernista.
256
Personagem histórica da Família Real Austro-Húngara que foi assassinada e com este incidente
desencadeou a I Guerra Mundial.
257
Theodore Roosevelt, presidente norte-americano, de 1901-1909.
155
morte da mulher, Henry Jones se dedica a pesquisar sobre o Santo Graal, com seu
filho sempre à sombra. Cada vez mais o pai se fecha em sua pesquisa e Indiana
percorre o mundo em busca de aventura e conhecimento.
No Novo México, acaba envolvendo-se com a revolução mexicana e faz um
curto passeio com o General Franscico Villa
258
. Após, retorna à Europa com o
exército da Bélgica, passando por várias situações, para acabar na África lutando
contra os alemães. De volta para a Europa, trabalha com espionagem e o serviço de
inteligência para a separação da Áustria. Também participou para o serviço de
inteligência da Romênia, no norte da Itália, e em Istanbul. Em 1919, participa da
Conferência Mundial pela Paz.
No final da Primeira Guerra Mundial, Indiana retornará à América, concluindo
sua graduação na Universidade de Chicago, muito embora, por toda a sua
experiência de vida, sentia-se à margem das questões e vivências de seus colegas.
Em 1920, nas férias de verão, como gostava muito de Jazz e tinha um saxofone
soprano, foi convidado para ir a Nova Iorque participar de um musical da Broadway.
Gostou e acabou atravessando o país até a Califórnia, onde trabalhou como dublê
nos filmes de John Ford
259
.
Ainda em 1920, foi à Sorbonne
260
fazer um curso de graduação em
Lingüística. Conheceu Dorian Belecamus, e com ela a Grécia, e estudou o Oráculo
de Delphi. Jones teve seu primeiro emprego como professor na London University,
no departamento de Arqueologia. Lá conheceu Joanna Campbell, e com ela foi até a
Escócia, estudar a lenda de Merlin. Lá conheceu a irmã de Joanna, Dierdre, que foi
um grande amor. Mas, em 1926, em uma expedição pelo Brasil, o avião cai e
Dierdre morre.
Continua estudando arqueologia e conhece o professor Abner Ravenwood,
um grande arqueólogo e egiptólogo, com quem aprendeu muito. Porém, a amizade
foi rompida quando Indiana se envolve emocionalmente com Marion, filha de Abner.
Eles se reencontram em 1936 quando irão, juntos, procurar a Arca Sagrada.
258
Personagem emblemática da Revolução Mexicana, de 1910.
259
Diretor de cinema norte-americano que se notabilizou pelas produções da conquista do Oeste e da
filmatografia que questiona a forma como foram tratados os índios norte-americanos, em especial.
260
Tradicional Escola Francesa.
156
Indiana, em suas aventuras, procura as pedras de Sankara; após, a Arca e,
por fim, o Cálice Sagrado. Depois destas grandes aventuras continua sua vida de
professor. Em 1950, envolve-se no resgate de relíquias sagradas dos índios norte-
americanos. E, com 93 anos, ainda é visto, com um tapa olho, lendo, tranqüilamente,
no quintal de sua casa. Esse é um ratio faccilis, mas ao mesmo tempo proporciona
um ratio difficilis quando a representação se dá livre de todas as amarras. É um
contrato onde, para Eco, tem-se uma ocorrência expressiva que “concorda com o
seu tipo expressivo, conforme foi institucionalizado por um sistema da expressão e –
como tal – previsto pelo código”
261
. Porém, por outro lado, também abre processos
de intervenções criativas quando entre leitores não há o reconhecimento de todos os
códigos, do que é e do que não é, pois o que percebemos são construções de fácil
consumo, mas de um ratio dificcilis, se observada a alternância entre o real e o
imaginário, visto que são personagens permeados de construções míticas que a
representação do vivido reconstrói.
Nessas duas últimas inferências, podemos, então, observar produções
simbólicas que proporcionam uma produção de sentido que nos remete à esfera dos
mundos possíveis e das fisionomias culturais e ideológicas. Elas podem nos
proporcionar a leitura de que a obra de Spielberg e Lucas são processos que
evocam uma fantasia, traduzem uma produção de valor do herói mítico e a criação
do mito Indiana que “luta” pelo bem contra o mal, onde se confirmam valores
opostos: valores clássicos do bem, do conforme e do belo, já vistos nas categorias
de Aristóteles, e o ocultismo transcendental, da ordem do obscuro, do disforme, do
mal. São produções para uma leitura de consumo. Mas, também, como vimos,
proporcionam o ratio difficilis, jogando à enciclopédia do leitor reconhecer a ordem
da representação, já que temos em Hitler uma figura do real, mas ao mesmo tempo
uma personagem do imaginário; por sua vez, em Indiana, uma personagem do
imaginário, mas com representações ancoradas em figuras e situações do real.
Mundos possíveis da ficção onde a realidade se funde na construção de uma
narrativa tão cheia de detalhes como é a de Indiana Jones.
Detalhes e fractais também percorrem todo o enredo de Indiana Jones. E os
detalhes são tantos que só a tecnologia faz com que se descubra as referências.
261
ECO, Umberto. Tratado Geral da Semiótica. Op. cit., p. 162.
157
Muitos detalhes produzidos pela técnica, que possibilitam passeios e descobertas do
terceiro sentido, do obtuso, onde só um segundo ou terceiro olhar conseguem
transpor. Uma estética da recepção, que, para Calabrese, é a Estética da alta-
definição, que se produz pelas evoluções tecnológicas e estas, por sua vez, já vêm
acompanhadas por mutações de atitudes perceptivas e de gosto, pois a fruição já
está prevista, mas necessita do recorte, do isolamento de uma porção para a sua
descoberta. E esta é uma reprodução que só a qualidade tecnológica oferece e é
através desta que o fruidor poderá perceber, assim, sempre o melhor do pormenor.
Vejamos alguns:
o hidromotor que aparece no primeiro filme tem como registro a sigla
“OB-CPO”. É uma homenagem aos personagens Obi-Wan Kenobi e o
robô C-3PO, da saga Guerra nas Estrelas, outra grande série produzida e
dirigida por George Lucas;
também, neste filme, no Egito, nos hieróglifos encontrados por Indiana, no
Poço das almas, podem-se ver inscrições com as palavras R2-D2 e
novamente C-3PO, outra referência ao filme Guerra nas Estrelas;
no segundo filme, outra referência à saga de George Lucas, o clube onde
a personagem feminina Willie dança chama-se “Club Obi-Wan”;
no primeiro filme, a primeira cena, que é de uma montanha, é uma
referência à montanha da Paramount, produtora do filme. A cena começa
com a marca da Paramount, mas aos poucos vai fazendo uma fusão até
chegar a uma montanha semelhante, porém agora é a da selva onde se
passam as cenas iniciais do filme;
para a realização da cena das cobras no Egito, foram utilizadas 7 mil
cobras não-venenosas. Porém, uma era serpente e foi utilizada com um
vidro para proteger o ator. Harrison Ford conta que ela acaba dando um
bote e suja todo o vidro, logo na primeira tomada, e a cena foi realizada
rapidamente para não perturbar ainda mais a serpente. Neste caso era
uma cobra Naja, considera a segunda cobra mais venenosa do mundo.
158
Temos, aqui, o exemplo de uma construção de simulacro a partir de um
dicionário, que Eco chama de dicionário de base
262
, onde aparecem os postulados
de significado minimais. Para Eco, são as leis de implicitação ou um conhecimento
elementar que já se encontra no dicionário mínimo do leitor. Primeiro, pensemos
que, neste primeiro contrato ou dicionário de base, a informação é de que a cobra é
igual a um animal peçonhento e perigoso. Logo, o postulado de leis implícitas leva a
ler que todas as sete mil cobras da cena são peçonhentas e perigosas. A partir
deste dicionário, firma-se a simulação, nesta obra, de que todas as cobras são
venenosas, mesmo que só uma única delas seja a mais perigosa, realmente.
No último filme, A ultima cruzada, a cena final é uma pilhéria dos quatro
cavaleiros do Apocalipse. Vemos as quatro personagens cavalgando ao entardecer,
em um pôr-do-sol bem carregado de vermelho e cores quentes, representação
clássica dos quatro cavaleiros do Apocalipse.
Neste tópico temos, assim, um exemplo de cooperação textual da
hipercodificação. Para Eco, neste nível, o leitor tem condições de decodificar a cena,
através de uma enciclopédia hipercodificada. Isto é, o leitor já tem todo um
conhecimento estabelecido ou um código construído a partir de uma tradição de
retórica ou estilística e consegue reconhecer toda a ordem de conotação
apresentada nesta. Vemos, então, nas quatro personagens – homem-cavalo e o
pôr-do-sol – um hipercódigo das figuras dos cavaleiros do Apocalipse, uma estrutura
estilística e de retórica tradicional, apresentada através de uma brincadeira.
No segundo filme, O Templo da Perdição, o vestido vermelho da
personagem Willie era único, todo bordado e rebordado com pedras e lantejoulas da
década de 30, sendo avaliando e segurado em alguns mil dólares. Com este vestido,
a personagem andava em plena selva e, em uma das cenas com os elefantes, um
deles comeu as costas do traje, tendo que ser rebordado e ficou com as costas
abertas a partir de então. Aqui, um exemplo de um conhecimento enciclopédico de
mundo que os Meios de Comunicação de Massa produzem para um leitor de
segundo nível.
262
ECO, Umberto. Lector in Fabula. Op. cit., p. 60.
159
Quando George Lucas
263
concebeu a criação do épico Indiana Jones,
idealizou uma história de aventura cinematográfica que se aproximasse da
linguagem das histórias em quadrinhos. Queria movimento e ação, mas contado em
quadros, para isto chamou Steven Spielberg e os dois construíram a série. George
Lucas, em depoimento aos extras do DVD promocional, diz que ele tinha dois
objetivos: fazer uma saga espacial e uma aventura na terra. Fez Guerra nas estrelas
e Indiana Jones. Como curiosidade, Indiana Jones transformou-se em uma série
com 22 episódios para a televisão norte-americana ABC e após USA Family
Channel, dirigido por George Lucas, na década de 90. Também virou jogo para
videogame com suas aventuras. Agora, em 2006, está sendo negociada a quarta
produção da série. Ela deverá ocorrer na década de 40, mais especificamente em
1946. O papel principal é de Harrison Ford, com 63 anos, e a personagem terá 48
anos.
O filme Indiana Jones e os caçadores da Arca Perdida ganhou 5 Oscar’s,
prêmio máximo da Academia Cinematográfica norte-americana. Ganhou melhores
efeitos especiais, melhores efeitos sonoros, melhor som, melhor edição, melhor
direção de arte. Foi indicado ainda para melhor filme, melhor diretor, melhor trilha
sonora e melhor fotografia. O segundo filme da série, Indiana Jones e o Templo da
Perdição, ganhou o Oscar de Melhor Efeito Especial e foi indicado na categoria de
Melhor Trilha Sonora. O último filme, Indiana Jones e a última cruzada, ganhou o
Oscar de Melhores Efeitos Sonoros e foi indicado em duas categorias: Melhor Som e
Melhor Trilha Sonora. Uma produção serial da indústria cinematográfica, com suas
representações e expressões.
Observamos que uma série pode ser valorada por construir e pressupor um
duplo Leitor-Modelo ou leitor de segundo nível. O primeiro, já estabelecido, é aquele
que se deixa seduzir pelas estratégias do autor; o outro avalia a obra como um
produto estético e avalia as estratégias do autor para transformá-lo justamente em
leitor de primeiro nível. E é este leitor que se empolga com as estratégias das
variações que o autor propõe para a serialidade parecer sempre diferente perante o
mesmo. Estas séries tanto podem ser sofisticadas, em termos de variações, como
263
INDIANA Jones – Extras da trilogia. Lucasfilm Ltda. Estados Unidos. 2003. Produzido e
distribuído por VIDEOLAR SA, sob licença da Paramount Home Entertainment, 1DVD, colorido,
legendas: português, inglês e espanhol, 187 min aprox. Livre, sistema de gravação NTSC, expressão
1DVD – vídeo.
160
podem ser banais. Elas tanto podem ser produzidas para entretenimento ou
gastronômicas, como para uma avaliação crítica. É o que observamos com o serial
Indiana Jones.
E são os leitores que terão a autonomia para se transformarem em críticos
ou ingênuos, querendo ou não vencer os desafios de reconhecer os códigos e
hipercódigos e observarem criticamente ou não uma estrutura serial, ou reconhecer
todas as referências e as citações, muito embora, como observa Eco, o leitor
ingênuo, aquele que, por outro lado, não reconhece todas as citações, em algum
momento acaba superando a sua frustração e se transforma em crítico ao apreciar o
modo como foi passado para trás, pois, muitas vezes, os próprios meios de
comunicação de massa produzem ou reforçam as informações referentes aos textos
citados, para suprir a enciclopédia do leitor.
Por outro lado, as séries, muitas vezes, diz Eco, arriscam tudo no leitor
crítico e são estes que passam a valorá-las esteticamente. Para Eco, é reconhecer
que o valor artístico e o valor estético destas produções só poderão ser dados a
partir da análise do tecido cultural onde elas estão inseridas, visto serem os
contextos que irão proporcionar um leitor para, através de uma vivência e
sensibilidade histórica, apreciar a recorrência do esquema. Assim, o leitor cria um
modelo, produz uma estética vivida em seu contexto histórico, e o estético então se
molda através das múltiplas possibilidades que a imaginação deste leitor pode
desencadear.
A série estudada proporciona esta possibilidade quando nos mostra a
ambigüidade na formação de personagens-tipo, como o próprio Indiana Jones e o
seu oponente, Adolf Hitler e seu exército. Também, ao apresentar as personagens
femininas, todas vicárias, mas apresentando uma ambigüidade do contexto cultural
do entre guerras: mulheres tentando uma independência, não apenas financeira mas
de vivências, porém também ainda frágeis nas suas conquista, apoiando-se no
homem-herói para rever o romance; mas perdendo-o. Ainda observamos o esquema
esquema/gravata, com o resgate da estrutura de narrativa clássica do bom x mal.
Tudo isto produzido na década de 80. Uma década de muita movimentação cultural,
com toda uma redescoberta do místico e de um resgate de um sagrado,
movimentação social, política, tecnológica e, em especial, financeira. Onde a nação
161
norte-americana procura se estruturar economicamente e firmar-se como nação-
império frente ao declínio do bloco socialista.
Nesse contexto, Indiana Jones, uma produção que pensamos da ordem do
fantástico, constrói uma personagem herói-mitico, com a força do sagrado para se
sobrepor ao profano e assim inibir o mal através da sua força física e seu
conhecimento histórico. Uma história circular, mas rica em detalhes, em variações
nas repetições que provocam uma nova estética. Um olhar estético de um leitor que
frui a obra deste modo, onde as variáveis independentes são partículas mínimas,
que se apresentam como doses homeopáticas, como bem observa Calabrese. São
como os fractais que, em uma produção estrutural, se apresentam como formas
irregulares, interrompidas e descontínuas, e acabam proporcionando o ritmo da
produção. Ritmo este que, em Indiana Jones, é de velocidade e muita ação,
provocado por um desenvolvimento tecnológico que proporciona a realização do
fractal, do detalhe mínimo, e incita um consumo descontínuo, não-passivo, repetitivo,
recortado, que fragmenta o fluxo da ação. Um modo neobarroco que proporciona
uma apreciação estética do singular, do individual, sem um julgamento, mas dado
pela fruição de pormenores e de fragmentos, assim pensado por Calabrese.
O pormenor e o detalhe; o pormenor sendo uma operação de passar um
fenômeno da individualidade para a excepcionalidade, da polaridade singular regular
para: singular, não-regular, pois o detalhe traz a noção de “pôr em relevo”, ser
excepcional. Como observamos, com as referências e citações, à outra produção
cinematográfica de George Lucas: Star War. Também quando somos informados,
pelos meios de comunicação de massa, que o vestido da personagem Willie, no
filme Indiana Jones e o templo da perdição, era único e com pedrarias raras, criando
informações contextuais de uma produção primorosa que busca peças originais, que
se aproxima ou busca estar o mais próximo possível do tempo narrado. Ou ainda no
filme Indiana Jones e a última cruzada, quando nos deparamos, na seqüência final,
com um cruzado, guardião do cálice sagrado, outra figura hipercodificada que põe
em relevo toda a narrativa do cálice sagrado. Processos singulares e regulares da
narrativa do filme, mas que, através do detalhe, do recorte, transformam-se em
excepcional pelo olhar de um leitor que busca ser o de segundo nível.
162
Diferente é o fragmento que faz o caminho inverso. Ele surge como
excepcional, mas o que se pretende é uma normalidade, a origem do sistema ou
fenômeno do qual o fragmento fazia parte: como a personagem do oponente Adolf
Hitler, que surge como excepcional – a busca pelo sagrado e divino –, mas é
conduzido para a normalidade: o clássico vilão. Também uma outra
excepcionalidade relacionada à vida de Harrison Ford, levada para a normalidade na
vida da personagem Indiana Jones. Como observamos, Harrison Ford tem uma
cicatriz no queixo provocada por um acidente de carro; Indiana Jones, então, tem
uma cicatriz adquirida quando era adolescente ao manusear erradamente um
chicote. A partir deste episódio resolve praticar a arte do chicote, sua verdadeira
arma. Este episódio provoca um outro excepcional: um herói sem armas de fogo, ou
se tem, usa-a só na própria excepcionalidade, em pequenos detalhes, do regular
para o não-regular. Como no filme Os caçadores da arca perdida, quando, depois de
já ter lutado com as próprias mãos, sem armas, com muitos oponentes do exército
nazista, todos vestidos de branco (processo regular), aparece um lutador árabe, com
sabre, todo vestido de negro (processo não-regular), a saída foi usar a arma. Morreu
o oponente não-regular, voltou a normalidade.
Indiana Jones, uma construção da estética da repetição, da produção em
série, produto desta estética onde encontramos protótipos multiplicados em
situações diversas. Observamos as repetições icônicas do herói; das personagens
femininas vicárias; um modo temático clássico: bons versus maus; um modo
narrativo com os cenários-tipo, encenações-tipo, as perseguições, os beijos-tipo, as
aventuras. Todas repetições levadas à exaustão, que só conseguem surpreender
justamente por serem tão óbvias. É o clássico resgate do chapéu; a sempre repetida
cena do beijo na personagem feminina; os vilões que, obviamente, perdem o
artefato e, novamente, não podem sobreviver neste mundo do bem e morrem.
Repetições icônicas, mas não repetições de má qualidade ou deformação, apenas
repetições que despertam prazeres, sentidos de fruição a partir de um ar “do tempo”,
de um novo estético.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O semioticista Omar Calabrese, para designar o que seria a vivência dos
dias atuais, denominou de Neobarroco este “ar dos tempos”, onde elementos
barrocos e clássicos convivem em alternância, ora com predomínio de um, ora de
outro. E nós, sujeitos sociais, imersos na vida social e perpassados pelos meios de
comunicação de massa, produzimos nossos sentidos a partir deste juízo de valor,
que começa a ser produzido nos vários encontros estéticos, onde as repetições se
configuram.
Deste modo, a partir de Benjamin, Calabrese e Eco, tendo como referência
primordial Aristóteles e Kant, o sujeito contemporâneo agencia e produz seus juízos
de valor. Nesta perspectiva, através das categorias de apreciação propostas por
Aristóteles, demonstramos como elas, na idade dita barroca, sofreram uma
instabilidade valorativa, onde nem sempre o que era “conforme” seria belo e bom.
Também a arquitetura barroca nos apresentou o seu excesso, onde ficava difícil
apontar quem podia julgar e dizer o que estava adequado ou não, certo ou errado.
Chegando aos dias atuais, esse julgamento se tornou ainda mais complexo, pois,
além de instabilizar as categorias, as repetições chegam a suspendê-las.
A partir de Kant, nasceu a idéia de se deixar o juízo de valor vir a ser
estabelecido pelo sujeito. Logo, não é mais o grande grupo que agencia os valores,
mas são as pequenas interações, os encontros entre os sujeitos que fazem tal
agenciamento. Esses sujeitos contemporâneos, cheios de desejos, vontades,
emoções, razões, conquistas, são formados pelos cruzamentos culturais, e não mais
pela cultura propriamente dita e estabelecida como tal. Suas constituições são
164
dadas pelas adaptações das linguagens, hábitos, valores, comportamentos,
vestuários e mesclas de múltiplas manifestações culturais. São sujeitos do plural, do
múltiplo, com identidades várias, passando por uma rede complexa de relações com
os MCM, que estão sempre presentes nessas suas vivências.
O sujeito contemporâneo não exige mais exclusividade nas produções, pois,
consciente ou inconsciente, sabe que está frente a repetições e valora tais
produções culturais de modo discriminativo, ou seja, forma o seu sentido, seu gosto
próprio, a partir das mesmas produções; porém, agora, não será mais a grande
massa que definirá o certo ou o errado, mas os pequenos grupos, os pequenos
encontros por onde passam os sujeitos.
Para Benjamin, o século XX viu nascer um novo padrão: a percepção e a
produção de sensibilidade, não mais através do culto e ritual, mas da distração. Vale
lembrar que o homem que se diverte também pode adquirir novos hábitos que serão
repassados, posteriormente, para o estético. Modifica-se, assim, o modo de sentir e
de perceber. Pela primeira vez, reconhece-se que existe a emancipação da obra de
arte. Reproduzem-se, cada vez mais, obras de arte que foram feitas, justamente,
para serem reproduzidas.
Para exemplificar o que ocorre com a obra de arte, a partir da perda da aura
e da dúvida que se levanta em relação à autenticidade, Benjamin utiliza-se da
técnica cinematográfica. Segundo ele, o século XX viu nascer o cinema e, também,
pela primeira vez, e isto é obra do cinema enquanto meio de expressão técnico-
artístico, o homem precisou agir, seguramente, com toda sua pessoa viva e, todavia,
privado de aura. A aura depende do seu hic et nunc. Ela não suporta reproduções. O
cinema transforma a noção de aura e joga ao sujeito a valoração. Essa valoração
termina recaindo na questão do gosto.
Para Eco, o gosto é formado pela cultura e, nesse processo, a linguagem
ajuda a difundir a valoração dada por essa cultura. A arte, como linguagem, auxilia
quando quebra alguns juízos estabelecidos sobre o que é o bom ou mau gosto,
transformando profundamente essa concepção.
Ao discutir sobre valorações, valores, gostos, o autor recupera a
problemática da estética. E a estética traz a indicação de juízo de valores. Assim
165
como Eco, Calabrese também afirma que, ao abordar o termo gosto, logo caímos
em categorias de juízo de valores, mais especificamente, em um juízo estético. Este
juízo não é isolado, quase sempre está acompanhado por um juízo ético. São
valores reconhecidos e também formados pela sociedade, e cada indivíduo tem o
seu valor isolado, como também homologa juízos em grupo.
O que percebemos, então, é que a formação do gosto se deve a um
processo cultural, mas é também um processo que necessita da sensibilidade, onde
o sujeito vai dizer se gosta ou não de determinado padrão. E este determinado
padrão é produzido pelo consenso social ou a partir de uma disposição social do que
deve ser aceito como bom ou mau gosto. A aceitação ou não destes juízos
estabelecidos passa pela condição de sensibilidade de cada indivíduo e da
valoração do que o cerca. Isto, por sua vez, produz a cultura.
Voltando à discussão do contemporâneo, já observamos que, para produzir
esta teorização, passamos pela noção de essência primeira para a formação da
Teia, entendida aqui como complexo jogo de disposições e formações de valores.
Após, observamos que ela é um processo estético e, portanto, envolve uma cultura.
Baseado nestes processos, Calabrese, por outro lado, diz que o Neobarroco
trabalha com suspensão dos juízos de valores estabelecidos na sociedade. Lembra
que, desde Aristóteles, a humanidade tem como base um sistema de categorias de
valores para avaliar coisas, pessoas, acontecimentos, para formar juízo sobre as
artes, sobre religião, política, conduta social. E são essas formações de juízo que
estruturam e organizam o que chamamos de conduta social.
A partir dessas duas grandes correntes de construção do pensamento
contemporâneo, constituímos o que chamamos de valoração e de juízos sociais,
culturais. São duas correntes distintas, mas que acabam dando base para a
formação da sensibilidade social, para a construção de juízos mais ou menos
aprimorados, muito embora, como já afirmamos, um pensamento termina
ressignificando outro e influenciando todo um contexto social e principalmente
teórico bem mais amplo. Assim, podemos encontrar noções de Aristóteles em Kant,
como de Kant em Calabrese.
166
Apoiado nas categorias de Aristóteles e sustentado pelas noções do que é
Clássico e do que é Barroco, Calabrese chama essa época, como vimos, de
Neobarroca. Para compreender o conceito de Neobarroco, é fundamental basear-se
no contraponto Clássico-Barroco. Segundo o autor, quando se fala em Clássico se
entende um gosto onde as categorias de valores são estáveis. O Clássico consiste
na realização de algumas formas subjacentes aos processos e possuem ordem,
estabilidade e simetria. Calabrese diz também que as várias formas de classicismo
que surgem na história do homem não significam sempre o mesmo movimento.
Todas podem ser vistas como uma nova forma de ordem e podem ou não ser
constituídas de elementos do passado.
O Barroco, por outro lado, gera a excitação, a turbulência e a
desestabilização das categorias de valores. Assim, um sistema barroco é formado
pela quebra das simetrias e instabilidade na ordem nas categorias de valoração e
juízo. Portanto, são menos regulados. Com isto, Calabrese diz que a crise, a dúvida,
a experimentação são características barrocas e a certeza é uma característica do
clássico. Nesta perspectiva, a valoração no Neobarroco, na realidade, depende do
ponto de vista do receptor.
Para Benjamin, o sujeito é distraído e adquire valores a partir desta
condição. Calabrese fala do sujeito complexo. Complexo frente a todas as
provocações e situações a que o contemporâneo o expõe. Estes autores partem
sempre da formulação de que este receptor não é um mero local no processo
comunicacional; é, sim, um sujeito, com suas identidades, com relações sociais e
culturais, transpassadas pelas produções simbólicas oferecidas pelos MCM.
Aborda-se tanto o emissor quanto o receptor, e agora o processo
comunicacional é visto não mais como algo fixo, mas em constantes deslocamentos
e movimentos. Também é importante reforçar que um juízo de valor é formado por
textos e estes textos têm suas construções homologadas por indivíduos ou pelo
coletivo, a partir de qualquer momento do processo comunicacional. E mesmo que
os sujeitos envolvidos no processo tentem transpor algum valor diferenciado, só o
ponto de vista de cada sujeito poderá estabelecer ou não ligações às homologações
destes juízos, ou seja, poderá dar o processo de significação. O que se percebe é
167
essa instabilidade e, em muitos casos, fica difícil apontar onde se dá a construção do
juízo.
Se levarmos em consideração a noção de teia, tanto microscópica ou
macroscopicamente, temos a ligação com nódulos e, como já observamos, toda a
construção de juízo dá-se em uma produção cultural. Isto envolverá alguma coisa
comunicável, e todo um processo comunicacional, mas o “lugar” do emissor e do
receptor depende do ponto de vista de cada um dos sujeitos envolvidos, e é, por
natureza, mutante.
Podemos pensar no sujeito de Benjamin, que, a partir da técnica de
reprodução, cria uma nova característica de valoração. A partir da repetição, não é
mais necessária a presença do original. Agora, o novo sujeito deixa o hic et nunc
aqui, nestas circunstâncias – para a arte considerada culta, ao reconhecimento. Este
novo sujeito faz parte da massa e ela quer diversão. Agora é a obra que penetra no
público.
Esta é a construção do sujeito ou identidade pós-moderna que, segundo
Calabrese, leva ao Neobarroco. Assim, temos as formações de juízos instáveis,
voláteis e complexas. O sujeito neobarroco, que desestabiliza as categorias de
valores estabelecidas por Aristóteles até aqui, é também responsável pela
suspensão de todo e qualquer juízo de valor e, principalmente, é um sujeito que
sabe que está em frente a uma cópia. Por isto, ele pode estar distraído e formar
outros padrões ou alterar seus juízos. A questão da autenticidade não está mais em
jogo. Esta foi uma responsabilidade do sujeito social moderno.
Ritmo e repetição compõem o elenco das características da
pós-modernidade e também do chamado Neobarroco, assim como o sujeito
fragmentado que já não observa mais a totalidade, mas sim o detalhe, o pormenor, o
fragmento, muitas vezes através do fractal. Este é o processo e o novo sujeito da
nova valoração estética.
Eco propõe, então, a leitura, sob uma estética moderna, das suas tipologias
de repetições, para dar um valor estético a estas produções, pois, obedecendo às
características da estética moderna, nada impede que a serialidade possa ter valor
estético.
168
Neste mesmo processo de valoração pode ser analisada a série. Para Eco,
toda série constrói e pressupõe dois leitores. O primeiro é aquele que se deixa
seduzir pelas estratégias do autor, o leitor ingênuo ou de primeiro nível; o outro
avalia a obra como um produto estético, bem como as estratégias do autor em
transformá-lo justamente em leitor de primeiro nível, o leitor crítico ou de segundo
nível. E é este leitor que se empolga com as estratégias das variações que o autor
propõe para a serialidade parecer sempre diferente perante o mesmo. As séries
tanto podem ser produzidas para entretenimento ou de consumo fácil e rápido, como
para uma avaliação crítica. Por outro lado, são os leitores que terão a autonomia
para se transformarem em críticos ou ingênuos, querendo ou não vencer os desafios
de reconhecerem as variações e observarem criticamente ou não uma estrutura
serial. Para Eco, o problema da estética do serial não é reconhecer ou não as
variações, mas, antes, é reconhecer que o valor artístico e o valor estético destas
produções só poderão ser dados a partir da análise do tecido cultural onde elas
estão inseridas.
Segundo Eco, não devemos ser ingênuos e acreditar que os autores não
enxerguem o quanto há de comercial e “astronômico” em propor histórias que
contam sempre a mesma coisa e sempre se fechem circularmente; o detalhe é que,
com o seriado, deve-se conceber uma audiência capaz de fruir a produção desse
modo. E só assim pode-se se pensar em nova estética. Pensar o seriado, não mais
como um parente pobre da arte, mas uma forma de arte que satisfaz uma nova
audiência, uma nova sensibilidade estética.
Uma das respostas apontadas por Eco é, então, o Neobarroco, de
Calabrese. Para esta nova estética, Calabrese aponta a existência de uma nova
postura ou nova configuração da cultura. Para ele, é pensá-la a partir da noção da
complexidade e não apenas no âmbito da emissão, mas, principalmente, repensar a
recepção. Trabalhar com uma nova ordem estética a partir da recepção,
compreendendo-a mais ativa, porém com uma visão fragmentada ou com um
pensamento fractal.
Porém, Calabrese sinaliza que esta nova valoração estética, a produzida
pelo fractal, só torna o fractal em “objeto estético” quando há uma valoração de um
sujeito, individual ou coletivo, e esta valoração passa pelo caráter estético do
169
maravilhoso. Para o autor, a turbulência e a regularidade “governam” a produção de
objetos com valor estético em quase todos os níveis de sofisticação cultural,
passando pelas práticas dos meios de comunicação até as galerias de arte ou das
salas de concertos. Porém, o que há de novo, realmente, neste “horizonte estético
fractal” é a nova estética no âmbito da recepção. Para Calabrese, estaríamos no
conceito de “consumo produtivo”.
Esse novo comportamento da recepção é nominado por Calabrese como
“um modo neobarroco” ou também como manifestação efêmera. São recepções
não-passivas, repetitivas, descontínuas, recortadas, que fragmentam o fluxo da
ação. São ações de fracionamento do fluxo comunicativo, ligadas a uma nova
recepção estética. Exemplo desse comportamento, como já vimos, é a “síndrome do
botão”, onde o telespectador já não consegue permanecer em um mesmo canal,
mas salta de canal para canal, formando o que Calabrese chamou de palimpsesto
individual, que nada mais é do que a soma de várias imagens fragmentadas.
Para Calabrese, funda-se, então, uma ordem nova de comunicação. Esta
destrói a ordem chamada normal da comunicação e propõe uma nova percepção, ou
como Calabrese anuncia uma mutação perceptiva, onde a percepção tradicional,
estática, já não dá conta desta nova realidade das produções e recepções das
comunicações de massa. Necessita-se agora de uma nova destreza perceptiva e de
mais velocidade. Para Calabrese, esta seria a estética do caos, que dá conta das
produções contemporâneas e que, segundo o autor, é mais adequada aos jovens e
às novas gerações, que estariam dotadas de mecanismos necessários para a sua
realização e compreensão. Aqui voltamos a Benjamin, que já teorizava acerca de um
novo sujeito e de uma nova percepção da recepção: o sujeito que absorve cultura
distraidamente e que requer uma nova percepção, até mesmo física, deste novo
sujeito.
Para o autor, como já observamos no primeiro capítulo, a obra de arte,
quando se depara com a era da técnica, despoja-se do seu sentido cultual, mítico,
perde sua condição de única e exige uma nova percepção, uma nova forma de
observá-la. O sujeito atual não tem o mínimo de concentração que a arte exige. É
um sujeito que se relaciona com ela de forma fugaz, meio desligado e até de
indiferença, que acaba entrando em conflito com a atitude contemplativa que a aura
170
exige. Por outro lado, é um sujeito livre, independente, e que valora a obra de forma
diferenciada. Agora a obra perde a noção de distância, de inigualável e de
inatingível. O sujeito da era técnica constrói a estética a partir da proximidade, da
ambigüidade; a arte é absorvida sem choque, sem distância. Para Benjamin, o
sujeito de comportamento distraído é o sujeito do tempo da técnica e cujo
comportamento frente à arte é de diversão ou entretenimento; é um crítico distraído
que valora a partir da sua rotina, pelo seu cotidiano. É um receptor que precisa
recriar a sua fruição a partir das novas relações que estabelece com a máquina, com
a imagem, com os fragmentos que a velocidade tecnológica apresenta em uma
cidade.
Neste viés de leitura, encontramos o fragmento e o pormenor, que, segundo
Calabrese, ajudarão a compor a estética desse novo sujeito, seja pelo corte ou pela
ruptura. Para o autor, o pormenor e o fragmento apresentam a possibilidade de
teorizar e de experienciar a nova vivência estética do receptor, pois esses, o
pormenor e o fragmento, são motivadores de uma manifestação e também de um
investimento de valor. O valor, segundo Calabrese, até pode versar apenas à obra,
mas o seu critério de formação reside na estratégia e na valoração utilizada pelo
sujeito.
Como observamos, há toda uma produção teórica que nos leva a pensar o
pormenor e o fragmento como leituras valorativas de uma estética contemporânea.
Essa estética, como também já vimos, ocorre na base da produção, mas,
principalmente, recai sobre um novo receptor. Recai sobre o gosto do receptor e
toda a sua carga avaliativa frente a este novo investimento estético. Então, estamos
frente a uma nova noção de sujeito, que, individual ou coletivo, valora tanto o
pormenor quanto o fragmento, ou ainda, através do fractal, tem apenas uma
percepção do todo. Essa valoração ocorre, contudo, pela perda da noção de
totalidade, só com a noção do fragmento ou do detalhe, sem medo de estar frente a
uma cópia ou a uma reprodução. É o sujeito que absorve a arte distraidamente,
como diz Benjamin. E, como bem observa Eco, muitos vezes, compra a série
justamente por este motivo.
Para Iser, esta visualização revela duas características do estético atual: o
movimento de aceleração e a finalidade aberta, que dissemina. Essas características
171
jogam ao sujeito a forma como ele irá solucionar ou lidar com as possibilidades
esteticamente geradas. Neste circuito, perceber, conceber, sentir e conhecer são os
canais para a imaginação operar, fazendo com que todos os sentidos humanos
entrem em funcionamento e façam com que a imaginação entre em jogo consigo
mesma.
Como resultado dessa teorização, o estético se dissemina em vários
domínios da vida, segundo Iser. O que vale é saber que o estético não fica restrito
às artes, mas envolve os sentidos humanos, mexendo com a imaginação, moldando
e extrapolando, a partir de visões diferenciadas do habitual, os objetos dados. Por
outro lado, relembrando novamente as teorizações de Benjamin sobre a condição do
sujeito frente à sua história, observa que este sujeito acaba sendo o resultado e ao
mesmo tempo forma a sua própria construção histórica.
O sujeito contemporâneo é, então, a soma da complexidade com a visão
concreta iluminista, gerando multiplicidades ou até mesmo suspensão de valores,
que, a partir de seus sentidos, estimulando a imaginação, acaba por produzir uma
valoração estética individual ou coletiva. Complexo, como é a discussão
contemporânea, e com múltiplas interpretações frente à análise de obras seriais.
Exemplo desta discussão é a trilogia Indiana Jones. Uma produção feita
para o consumo rápido, mas, por outro lado, nos convidando para passeios
inferenciais. Convida ao receptor para reconstruir situações a partir de fragmentos,
ou então para um olhar diferenciado a partir dos detalhes. É uma produção que
enseja a uma experiência a partir do conhecer, perceber através dos sentidos e da
imaginação. Produz um estético pela fruição. E é essa a construção estética do
sujeito contemporâneo. Uma produção estética que valora pela fruição, pelo prazer;
não referendando mais a aura, a presença única; mas, antes, distraído, valorando
pelos seus desejos, anseios e vivências.
Recorre, para isso, na maioria das vezes, à semiótica como um mecanismo
de análise dos produtos culturais contemporâneo. Produtos culturais carregados de
prazeres estéticos, quer sejam de consumo, quer críticos, mas que requerem uma
sensibilidade e um juízo de gosto.
172
O que percebemos, então, é que a formação do gosto é um processo
cultural, mas é também um processo que necessita da sensibilidade, pela qual o
sujeito vai optar ou não por um determinado padrão. E esse determinado padrão é
produzido pelo consenso social ou a partir de uma disposição social do que deve ser
aceito como bom ou mau gosto. A aceitação ou não desses juízos estabelecidos
passa pela condição de sensibilidade de cada individuo e da valoração do que o
cerca. E isso, por sua vez, se expressa e é expresso através de uma dada cultura.
Ou, como sinaliza Calabrese, os juízos são valorações e essas são atributos
reflexivos das manifestações discursivas. Ocorrem em sociedade e são individuais
ou coletivas, manifestando-se em uma polaridade ou em uma diferença. Credita
esse fato ao termo “valor” que já é, ele próprio, uma categoria, um recorte provocado
por sujeitos em comunidade. Assim, afirma Calabrese:
Um juízo estético é quase sempre acompanhado por um juízo
ético, ou passional, ou morfológico. E reciprocamente. Assim, poderemos
dizer que cada indivíduo, grupo ou sociedade não só atribuem valores
isolados, como também homologações entre diversas polaridades
264
.
Essas homologações irão produzir os sentidos aos processos de semioses,
pois serão as interpretações dos signos dados em comunidade que farão os sujeitos
contemporâneos produzirem seus valores estéticos e os meios comunicacionais
serão um dos responsáveis por essa formação. Frente à técnica, esses meios
reproduzem em série. Reproduzem em série para agradar ao seu consumidor, e a
produção também sabe que o consumidor compra uma determinada série porque
reconhece o que está comprando e se identifica com ela. É o caso exemplificado por
Indiana Jones. Como observamos, é uma produção serial, de consumo, que provoca
os sentidos e que produz um efeito estético, quer individual ou coletivo. Não é um
julgamento de belo ou feio, certo ou errado, mas antes um processo de oscilação de
ambigüidade, que tanto pode despertar um sentido de consumo fácil, como um
sentido dialógico, de busca de referências, do despertar dos sentidos para uma
leitura de segundo nível. Uma leitura que procura o fractal, o fragmento e, através do
pormenor e do avanço técnico, enxerga mais.
264
CALABRESE, Omar. Op. cit., p. 35.
173
A técnica possibilita este olhar em pormenor, em detalhes, que provoca
também a presença de um sujeito ativo, crítico. A técnica reproduz cada vez mais e
mais rápido. Acelera e dissemina em todas as áreas, produz uma nova forma de
olhar: é o olhar distraído e também pode trazer o olhar do detalhe. É o olhar absorto
em prazeres do sentido, mas também é o olhar crítico da razão dos sentidos. E aqui
não há julgamento, mas fruição, através dos sentidos, que provoca um estético
atual. Não um estético do juízo categórico, do certo ou errado, belo ou feio, mas o
estético da ambigüidade, da emoção e, sobretudo, do prazer.
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Site
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http://www.indianajones.com>. Acesso em: 10 de maio de 2006.
Vídeo
INDIANA Jones – Extras da trilogia. Lucasfilm Ltda. Estados Unidos. 2003.
Produzido e distribuído por VIDEOLAR SA, sob licença da Paramount Home
Etertainment, 1DVD, colorido, legendas: português, inglês e espanhol, 187 min
aprox. Livre, sistema de gravação NTSC, expressão 1DVD – vídeo.
APÊNDICE
Decupagem do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida
Fusão montanha símbolo da produtora
da Paramont e montanha da selva da
América do sul.
Vulto de costas, Indiana Jones, em
frente à montanha. Floresta densa:
grupo de nativos comandado por
Indiana Jones. Duas personagens
oponentes.
Música, incidências.
Barulhos de floresta.
Nativos descobrem estátua de um deus
e fogem assustados. Os dois oponentes
cruzam olhares. Flecha, pequena, em
uma árvore, oponente 1 pega-a, passa o
dedo e leva-o à boca.
Saem assustados pela selva.
Oponente 1: Os índios estão perto. O
veneno ainda está fresco. Três dias.
Eles estão nos seguindo.
Oponente 2: Se soubesse que estamos
aqui, já teriam nos matando.
Indiana, sempre só vulto, olha um mapa,
velho, rasgado.
Barulho de revólver sendo engatilhado.
Indiana Jones usa o chicote e aparece a
sua face pela primeira vez. O revólver
cai na água e o oponente 2 foge.
179
Restam Indiana e o oponente. Eles
entram no caminho do templo. Caverna.
Indiana Jones pega um saco de uma
bolsa do oponente e enche de areia.
Indiana Jones: Me dê isto.
Foi aqui que Forrestal morreu.
Oponente 2: Amigo seu?
IJ: Um adversário. Ele era bom. Ele era
muito bom.
O2: Senhor. Ninguém sairá daí com
vida! Por favor!
Entram na caverna. Teias de aranha.
Pouca luz. Uma tocha de fogo ilumina.
Aranha nas costas de Indiana e as
costas do oponente cheias. Indiana
retira.
O2: Senhor...
IJ: Quieto. Afaste-se da luz.
Oponente recua. Indiana prossegue e
passa a mão num facho de luz. Uma
armadilha com lanças surge com um
cadáver.
IJ: É Forrestal.
Um fosso no caminho do templo.
Indiana usa o chicote como cipó para
transpor o fosso. Oponente resvala e
Indiana segura-o pelo cinto da calça.
Entram no templo. Visualizam o artefato. O2: Vamos logo. Não há nada que
assuste aqui.
Indiana impede o oponente de passar. IJ: Isso é o que me assusta.
Marcas no fosso. Pedras falsas. Novas
armadilhas.
IJ: Fique aqui.
O2: Já que você insiste.
Indiana caminha pelas pedras fixas.
Chega ao altar. Troca o saco de areia
pela peça. A base cede. O templo
começa a ruir.
180
Oponente passa pelo fosso e retira o
chicote.
IJ: Passe o chicote.
O2: Passe o ídolo. Não temos tempo
para discussões. Jogue o ídolo que eu
devolvo o chicote.
Indiana joga o ídolo. IJ: O chicote.
O2: Adiós, señor.
Oponente 2 não joga o chicote. Uma
barreira de pedra começa se se fechar
no outro lado do fosso. Indiana salta e
transpõem o poço segurando-se em
raízes de árvores. Joga-se pelo pouco
que resta da parede de pedra. Recupera
o chicote e fecha a parede.
Indiana encontra oponente 2, morto em
uma armadilha. Ídolo caído ao lado, no
chão.
IJ: Adeus, estúpido.
Indiana olha para trás e vê uma bola
enorme rolando em sua direção. Corre.
Sai da caverna. Joga-se no chão. Bola
fica presa na saída. Índios rodeiam
indiana.
Barulho de algo rolando.
Belloq: Dr. Jones. Venho novamente
tomar aquilo que lhe pertence. E pensou
que eu havia desistido.
Indiana entrega arma. B: Escolhe mal seus amigos. E, desta
vez, vai lhe custar caro.
Entrega ídolo para Belloq. IJ: Pena que os índios não o conhecem
como eu, Belloq.
B: É mesmo. Podeira avisá-los, se
falasse o idioma.
Belloq apresenta o ídolo para os índios.
Estes fazem uma reverência. Índia foge.
Índios correm. Risadas de Belloq.
181
Perseguição na floresta.
Hidromotor e piloto pescando. IJ: Jock! Ligue o motor. Já!
Planície. Indiana correndo, índios com
flechas atrás.
IJ: Os motores Jock!
Piloto hesita, larga a vara de pescar.
Liga os motores.
Indiana se joga no rio, nada até o
hidromotor e fogem.
Música tema da série.
Durante o vôo. IJ: Há uma cobra enorme aqui.
Cobra no lugar de Indiana Jones. J: É Reggie, a minha mascote.
IJ: Eu odeio cobras. Detesto cobras. Eu
detesto.
J: Vamos, não seja tão frouxo. O que é
isso?
Entardecer. Avião no horizonte.
Universidade, sala de aula. I: Neo significa novo... e lítico... que
significa pedra. Voltemos ao túmulo
próximo de Hazelton. Ele contém uma
passagem e três câmaras ou sepulcros.
Marcus Brody observa, pela porta de
vidro, no lado de fora da sala.
I: Não confundam isto com roubo. Neste
caso retira-se somente o conteúdo do
túmulo. Este local também apresenta
um grande perigo arqueológico, não
físico, embora este ocorra, mas sim
folclórico. Segundo a tradição, havia um
ataúde de ouro enterrado aqui. O que
explica o número de escavações e as
más conições que se encontrou. Porém,
a câmara três estava intacta...
Close em uma aluna que pisca,
lentamente, e nas pálpebras está
escrito: I love you. Indiana olha
incrédulo, assustado.
182
... esta câmara e os objetos encontrados
na outra, nos permite estabelecer a
época conforme calculamos.
Sinal de fim de aula. Alguma pergunta? Bom, por hoje é tudo.
Alunos saem Não esqueçam: Michaelson capítulo 4 e
5 para a próxima aula. Estarei no meu
gabinete na quinta, mas não na quarta.
Marcus Brody aproxima-se. I: Cheguei a pegá-lo Marcus. Estava nas
minhas mãos.
M: Que aconteceu?
I: Adivinhe?
M: Belloq?
I: Quer saber?
M: Não. Tenho certeza que tudo o que
faz pelo museu está dentro do Tratado
Internacional de Proteção às
Antigüidades.
IJ: É lindo, Marcus. E sei como
recuperá-lo. Eu já esquematizei. Só
podem vendê-lo em Marakesh.
Necessito de dois mil dólares.
M: Escuta aqui meu rapaz. Trouxe umas
pessoas que querem falar com você.
Indiana oferece artefatos para Marcus. IJ: Consegui estas peças. São boas.
Veja.
M: Claro, Indiana. O museu as comprará
como sempre. Sem perguntas. São
bonitas.
IJ: Valem a passagem para Marakesh.
M: As pessoas que eu trouxe são gente
importante. Estão esperando.
IJ: Que pessoas?
183
M: Do serviço secreto do exército.
Sabiam do seu regresso antes de mim.
Parece que sabem de tudo. Não me
disseram o que queriam.
IJ: Por que vou falar com eles? Estou
encrencado?
Saem da sala de aula. Indiana carrega
muitos mapas.
Auditório do colégio.
Agentes sentam. Indiana e Marcus ficam
de pé.
Agente 1: Dr. Jones, ouvimos falar muito
do senhor.
IJ: É mesmo?
Ag1: É professor de arqueologia, perito
em ciências ocultas. Expert em
ocultismo. É, como podemos dizer?!
Caçador de antiguidades raras.
IJ: Só há um jeito de dizer. Por que não
se sentam? Ficarão mais à vontade.
Ag1: Obrigado
Ag2: O senhor é um homem de muitos
talentos.
O senhor estudou com o prof.
Ravenwood, na universidade de
Chicago?
IJ: Sim estudei
Ag1: O senhor tem idéia de onde ele
esteja agora?
IJ: Ora são só boatos. Dizem que ele
está em algum lugar da Ásia, acho. Eu
já não falo com ele faz 10 anos. Éramos
amigos. Mas... tivemos um pequeno
desentendimento.
Ag2: Dr. Jones, isto é estritamente
confidencial.
184
Ag2 mexe em uma pasta. Retira papéis.
IJ: Claro, eu entendo.
Ag2: Ontem à tarde nosso pessoal da
Europa interceptou um comunicado
alemão enviado do Cairo a Berlim e o
senhor sabe...
Ag1: É que há dois anos que os
nazistas têm grupo de arqueólogos que
andam em busca de todo o tipo de
artefato religioso. Hitler é fanático pelo
assunto, obcecado por ciências ocultas.
Ele é louco, maluco. E neste momento
existe uma espécie de escavação
arqueológica alemã no deserto, perto do
Cairo.
Ag2: Nós temos algumas informações.
Mas não podemos decifrar este
comunicado, mas talvez você possa.
“Continuando com o desenvolvimento
de Tânis, conseguimos peça
principal...”.
Indiana e Marcus cruzam olhares
perplexos
M: Tânis (sussura).
Ag2: ... cajado de Rá. Abner
Ravenwood. EUA”.
IJ: Os nazistas descobriram Tânis.
Ag1: O que significa Tânis?
M: Bem...
IJ: A cidade de Tânis é um dos lugares
possíveis onde pode ser encontrada a
Arca Perdida.
Ag2: Arca perdida?
IJ: A Arca da Aliança. O baú que os
hebreus usaram para guardar os 10
mandamentos...
185
Agentes entreolham-se
Ag1: O que o senhor quer dizer com 10
mandamentos? O senhor está falando
dos 10 mandamentos?
IJ: Sim, os verdadeiros 10
mandamentos. As tábuas originais que
Moisés trouxe de Monte Horebe e
quebrou. Se é que os senhores
acreditam neste tipo de coisa. Alguém
fez primeira comunhão aí?
Ag2: Bom... eu, eu.
IJ: Então os hebreus guardaram os
pedaços na Arca e ao chegar em Canaã
colocaram a Arca no Templo de
Salomão.
M: Em Jerusalém.
IJ: Ali ficou muitos anos e depois
desapareceu.
Ag1: Onde?
IJ: Ninguém sabe onde, nem quando.
M: Porém um dos faraós do Egito
invadiu a cidade de Jerusalém no ano
980 antes de cristo. É possível que ele
tenha levado a Arca de volta para a
cidade de Tânis e tenha escondido em
uma câmara secreta chamadada de “O
poço das almas”.
Ag1: Câmara secreta?
M: Porém, um ano depois do faraó
retornar ao Egito, o deserto consumiu a
cidade de Tânis em um temporal de
areia que durou um ano inteiro. Foi toda
destruída pela ira de Deus.
Ag1: Ah!
186
Indiana traz seu braço até a altura de
seu ombro.
Ag2: Eu vejo que fizemos bem em vir
aqui. Sabem tudo sobre Tânis.
IJ: Não. Não mesmo. Na verdade, o
perito é Ravenwood. Abner foi o
primeiro a investigar Tânis. Conseguiu
algumas de suas relíquias. Era sua
obsessão. Mas nunca encontrou a
cidade...
Ag1: Na verdade, estamos suspeitando
um pouco do Sr. Ravenwood. Um
americano importante muito citado em
um comunicado secreto nazista.
M: Tolice. Ravenwood não é nazista.
Ag2: Então por que os nazistas o
querem?
IJ: Bom. Certamente é óbvio que os
nazistas estão procurando a pele do
cajado de Rá e acham que Abner está
com ela.
Ag1: E o que é exatamente esta peça
do cajado de Rá?
IJ: O cajado é uma vara. Talvez deste
tamanho. Ninguém sabe ao certo qual é
a sua altura. Ele tem na ponta uma peça
elaborada na forma do sol, com um
cristal no centro. O que se fazia era
levar este cajado especial a uma sala
especial, em Tânis. Era uma sala com
um mapa com a miniatura da cidade
projetada. Ao ser colocado em certo
lugar, a certa hora do dia, o sol batia,
refletindo os raios aqui no chão e dava a
localização exata do Poço das Almas.
187
Indiana desenha o raio no
quadro-negro.
Indiana pega um livro antigo e mostra a
figura da Arca.
Os dois agentes levantam e olham o
desenho.
Indiana e Marcus olham-se
Ag2: Onde a Arca foi guardada?
IJ: E é exatamente isso que os nazistas
procuram.
Ag1: E como é esta Arca?
IJ: Espera aí. Eu acho que tenho um
desenho bem aqui.
É esta aqui.
Ag2: Meu Deus.
M: E foi exatamente isto que os hebreus
pensaram.
Ag1: O que é isso saindo da arca?
IJ: Raios, relâmpagos, fogo... O poder
de Deus.
M: Pois é, a bíblia fala da Arca
levantando montanhas e destruindo
regiões inteiras. O exército que possuir
a Arca será invencível.
Carro preto para em frente a uma casa.
Indiana abre a porta e Marcus ri.
Música tema.
IJ: Você conseguiu, não foi?
Dentro da casa. M: Eles querem que você vá atrás dela.
IJ: Ah, Marcus, maravilhoso.
M: Eles querem que você consiga a
Arca antes dos nazistas e pagarão
generosamente por isso.
IJ: E o museu? O museu fica com a
Arca quando achá-la?
M: É claro.
Brinde. IJ: À Arca da aliança.
M: Nunca chegamos tão perto dela.
IJ: É por isso que nos dedicamos à
arqueologia.
188
Indiana arruma as malas.
Marcus com semblante preocupado.
Indiana ri.
Indiana pega um revólver e põe na
mala.
M: Sabe? Cinco anos atrás eu teria ido.
Até sinto inveja.
IJ: Eu preciso localizar Abner. Sei onde
começar a procurar... Será que ela
ainda está com ele?
M: Provavelmente. Mas Marion é com
quem menos deve se preocupar neste
momento. Pode acreditar.
IJ: O que quer dizer?
M: Bem, eu quero dizer que há quase
três mil anos o homem vem procurando
a Arca Perdida. Não é uma coisa
simples. Ninguém conhece seus
segredos. Não se parece com nada do
que você já procurou.
IJ: Marcus, o que está tentando fazer?
Me assustar?
Você parece a minha mãe. Nós nos
conhecemos há tempos. Não acredito
em fantasias, superstições. Não sou
supersticioso. Eu vou atrás de um objeto
com enorme significado histórico. Não
tenho medo. Você está falando de um
bicho papão. Além disso você sabe que
eu sou um homem cauteloso.
Hidromotor. Marina. Indiana entra no
avião.
Comissário: Seja bem-vindo, senhor.
Indiana entra, procura um lugar, senta.
Um homem, todo de traje preto e óculos
redondo, observa Indiana por trás de
uma revista Life, na capa uma foto de
página inteira de Hitler.
189
Indiana dorme.
Rota do percurso até Nepal.
Bar. Aposta, entre um homem gordo e
bochechas vermelhas e uma mulher
bonita, para ver quem bebe mais.
Risos, vozes em outra língua.
Mulher bebe. Homem bebe. Muitos
copos em frente aos dois.
Mulher vacila. Mudam as apostas.
M: Esperem.
Mulher se recupera e bebe todo o copo.
Homem bebe e desmaia. Mulher vence.
Todos saem do bar.
Sombra de Indiana. IJ: Oi, Marion.
Marion quebra um copo.
Marion tentar dar um soco na cara de
Indiana. Ele pára a mão dela.
M: Indiana Jones. Eu sempre soube que
algum dia você entraria pela minha
porta. Nunca duvidei disso. Alguma
coisa dizia que era inevitável. O que
você está fazendo aqui no Nepal?
IJ: Eu preciso de algumas peças que
seu pai conseguiu.
M: Eu aprendi a odiá-lo nestes 10 anos.
IJ: Nunca quis magoar você.
M: Eu era uma criança, estava
apaixonada. Era errado e você sabia
disso.
IJ: Você sabia o que estava fazendo.
M: Agora eu sei. Vá embora. Este lugar
é meu. Saia!
IJ: Eu fiz o que fiz e você não tem que
ficar feliz, mas talvez possamos nos
ajudar agora. Preciso de uma das peças
de seu pai. Uma peça de bronze, deste
tamanho, com um buraco no centro e
um cristal. Sabe de qual estou falando?
190
Indiana faz um circulo juntando as duas
mãos.
Marion arruma os copos da mesa da
aposta em uma bandeja.
Aproxima-se do balcão.
Marion joga os copos da bandeja no
chão
M: Sei, eu adoro ela.
IJ: Cadê Abner?
M: Abner morreu
IJ Eu sinto muito Marion.
M: Você saque o que fez comigo, com a
minha vida.
IJ: Eu só posso pedir desculpas mil
vezes.
M: Pedir desculpas. Então, pelo menos,
diga uma vez.
IJ: Desculpa.
M: É, todo mundo se arrepende. Abner
se arrependeu por ter me arrastado para
esta terra para procurar suas relíquias.
Eu me arrependo por continuar neste
buraco. Todo mundo se arrepende de
alguma coisa.
Indiana Jones encosta-se no balcão.
Marion guarda os copos no mesmo
balcão.
Marion tenta dar mais um soco na cara
de Indiana, este pega a mão e coloca o
dinheiro. Ela sorri de desdém.
IJ: É um medalhão de bronze, sem valor
Marion. Você vai dar ele para mim?
M: Talvez, eu não sei onde ele está.
IJ: Bom, talvez possa encontrá-lo. Três
mil dólares.
M: É, isto me coloca de volta, mas não
de primeira classe.
IJ: Eu posso conseguir mais dois mil nos
Estados Unidos. É importante. Confie
em mim.
Sabe qual peça é? Sabe onde está?
M: Volte aqui amanhã.
IJ: Por quê?
191
M: Porque estou dizendo. Só isso.
Até amanhã, Indiana.
Ele sai do bar. Marion sozinha pega a
peça que estava o tempo todo no seu
pescoço. Observa-a. Vento na vela. Põe
a peça na mesa. Olha o dinheiro e sorri.
Porta abre, quatro homens entram. Na
frente o mesmo homem de negro que
observava Indiana Jones no avião.
Nazista e atrás três homens com jeito de
bandidos.
Nazista 1 se aproxima. Marion acende
um cigarro.
Nazista 1 aproxima-se da lareira. Pega
uma barra de ferro e deixa-a na brasa
até ficar com a ponta vermelha.
Nazista 1: Boa noite, Fräulein
M: O bar está fechado.
N1: Nós... nós não estamos com sede.
M: O que querem?
N1: O mesmo que seu amigo, o Dr
Jones, que certamente lhe disse que
havia outras partes interessadas.
M: Acho que ele não se lembrou disso.
N1: O homem é abominável. Para o seu
bem espero que ele não tenha
conseguido.
M: Por quê? Vai me oferecer mais?
N1: É quase certo. Ainda está com
você?
M: Não, mas sei onde está. Que tal uma
bebida para você e seus homens?
N1: O seu fogo está se apagando. Por
que não me diz logo onde está a peça?
M: Escuta Her Mark. Eu não sei com
que tipo de gente você está acostumado
a lidar. Mas na minha casa ninguém diz
o que devo fazer.
N1: Fraulein Ravenwood, deixa eu mostrar
o que eu estou acostumado a fazer.
192
Um dos bandidos aproxima-se de
Marion e a imobiliza por trás.
Nazista aproxima-se com a barra de
ferro em brasa
M: Tire as suas mãos de cima de mim.
Tire suas patas de mim.
Espere, eu posso ser razoável.
N1: Este tempo já passou.
M: Você não precisa disso. Espera. Eu
conto tudo.
N1: Sei, eu sei que conta
Indiana aparece com o chicote, tira o
ferro das mãos do nazista. Atira nos
outros bandidos. Lutas e tiroteio no bar.
Marion se esconde. Bate em um dos
bandidos.
IJ: Largue a moça.
N1: Não desistam.
Bar começa a pegar fogo. Nazista vê o
colar em chamas. Pega-o e queima a
mão. Sai correndo do bar.
N1: Atirem neles. Matem os dois.
Os bandidos morrem. O bar está
tomado pelo fogo. Indiana foge e Marion
volta para pegar o medalhão.
M: Meu medalhão.
Fora do bar, no meio da vila, no Nepal. M: É Jones, você sabe mesmo como
fazer uma mulher se divertir.
IJ: E você sabe ser incrível.
M. E escuta bem. Enquanto eu não
receber os meus cinco mil dólares, você
vai ter muito mais do que podia esperar.
Eu vou ser sua companheira.
Avião. Trajetória do vôo em um mapa.
Do Nepal até Cairo.
Casa típica, toda branca, terraço, vista
da cidade. Crianças brincando na mesa
com um macaquinho. Este sobe em
Marion.
Sallah: Cairo. A cidade dos vivos. Mais
um paraíso na terra.
Esposa: Silêncio. Que alvoroço é esse?
Que está havendo? De onde vem este
animal?
M: Oh! Criatura adorável.
193
Esposa serve frutas e sucos.
Indiana ri.
E: Então ele será muito bem-vindo nesta
casa.
M: Não precisam ficar com ele só por
mim.
IJ: Eu sabia que os alemães
contratariam você Sallah. Você é o
melhor escavador do Egito.
S: Meus serviços são totalmente
inconseqüentes para eles. O
empregador contratou todos os
escavadores do Cairo. A escavação é
enorme. Eles só contrataram gente forte
e pagam uma miséria para eles. Como
os antigos faraós.
IJ: E quando encontraram a sala?
S: Há três dias. Não existe ninguém
entre eles, a não ser um, ele é muito
esperto. Ele é um arqueólogo francês.
IJ: Qual é o nome dele?
S: Chamam ele de Beloch.
IJ: Belloq. Belloq, Sallah.
S: Os alemães têm uma grande
vantagem sobre a gente. Eles estão
perto de descobrir o poço das almas.
Indiana tira do bolso o medalhão. IJ: Eles não vão conseguir sem isto.
Quem poderia nos falar sobre estas
marcas?
S: Talvez um homem que eu conheço
possa nos ajudar.
Indy, tem uma coisa que me preocupa.
IJ: O que é?
S: A arca. Se ela estiver lá em Tânis,
então é uma coisa que o homem não
194
devia incomodar. A morte sempre a
cercou. Ela não é deste mundo.
Indiana, Marion e o mascote
macaquinho andam pelas ruas do Cairo.
Macaco sai correndo pelas ruas.
Marion tenta ir atrás do macaco.
IJ: Tem certeza que precisamos do
macaco?
M: Ora, estou surpresa com você Jones.
Falando assim do nosso bebê? Ele até
se parece com você.
IJ: E tem a sua inteligência.
M: Eu bem que reparei nisso, ele é
muito inteligente e esperto.
Hei? Aonde você vai?
IJ: Ele vai estar bem. Tem um encontro.
M: Ah...
IJ: Vamos embora, Marion.
Marion.
M: O que é?
IJ: É um encontro. Aceite isso.
Macaco vai ao encontro de um
informante nazista com um tapa-olho.
Um grupo de nazistas, todos de branco,
o informante passa as informações.
Marion e Indiana passeiam. São
observados pelos nazistas de branco.
M: Por que você não encontrou uma
moça para casar e ter oito ou nove filhos
como o seu amigo Sallah?
IJ: Quem disse que eu não encontrei?
M: Eu digo. O papai descobriu quem
você era há muito tempo. Ele disse que
você era um vagabundo.
195
IJ: Ele gostava de me agradar.
M: O vagabundo mais capacitado que
ele já treinou. Ele o amava como um
filho. Foi preciso muito para mudar sua
opinião.
IJ: Muito não, só você.
Grupo de nazistas se aproxima. Lutam
com Indiana.
IJ: Marion saia logo daqui.
Abaixe vamos. Saia.
Marion se esconde em uma carroça que
entra em movimento.
Indiana luta com o chicote.
Marion sai da carroça e se esconde em
um cesto. O macaco vê e fica em cima
do cesto.
Indiana procura Marion. Mais luta com
nazistas. Indiana consegue vencer.
Surge um árabe, todo de negro, com um
sabre, demonstra ser hábil. Indiana
pára, incrédulo, pega a arma e atira.
Morre o adversário.
O macaco denuncia aos nazistas a
presença de Marion no cesto. Marion é
levada. Indiana corre pelos corredores
da cidade em busca do cesto.
Barulho do mercado.
M: Indiana Jones, me ajuda.
Indiana chega a uma praça, cheia de
homens carregando cestos. Derruba
todos, mas não encontra Marion.
M: Indy.
IJ: Marion.
Indiana observa o cesto ser posto no
interior de um caminhão. Ele tenta
chegar, os nazistas atiram, ele atira,
gasolina vaza e o caminhão explode.
IJ: Marion...
Indiana bebe em um bar; macaco
aparece.
196
Indiana pega o macaco, coloca-o no
ombro.
Mensageiro: Dr. Jones. O Her no bar
quer falar com o senhor. Queira me
acompanhar.
IJ: Eu estou indo.
Aproxima-se da mesa de Belloq.
Indiana senta.
Macaco sai e vai ao encontro do
informante com o tapa-olho.
IJ: Está me procurando Belloq?
B: Boa tarde, Dr. Jones.
IJ: Eu deveria matar você neste instante.
B: Que lugar interessante para um
crime.
IJ: Esses árabes não querem nem saber
se a gente se matar. Eles não vão se
meter nos nossos negócios.
B: Não fui eu quem meteu a moça nesta
história. Por favor, sente antes que caia.
Pelo menos podemos nos comportar
como gente civilizada.
Vejo que seu gosto para amigos
continua o mesmo. Estranho ter que
acabar assim entre a gente, depois de
tantos e tantos estímulos. Estou quase
me arrependendo. Onde vou encontrar
outro adversário tão perto do meu
próprio nível?
IJ: Procure no esgoto da cidade.
B: Uhm. Você e eu somos muito
parecidos. A arqueologia é nossa
religião. Nós saímos da mesma fé por
ela. Nossos métodos não ficaram tão
diferentes quanto você pensa. Eu sou
uma sombra refletida na sua. E só
preciso um empurrãozinho para deixar
você como eu. Para tirar você de dentro
da luz.
197
Belloq pega seu relógio de bolso.
Indiana levanta da mesa para brigar
com Belloq.
IJ: Você é um canalha.
B: Você sabe que é verdade. Que
bonito. Olhe só para isto. Não tem valor.
Dez dólares num camelô de rua. Mas eu
compro, o enterro na areia por mil anos
e se torna valioso. Como a arca.
Homens mataram por ela. Homens
como eu ou você.
IJ: E o seu chefe? O Führer? Eu achei
que ele estava esperando para tomar
posse.
B: Tudo a seu tempo. Quando eu tiver
terminado. Jones, você sabe o que a
Arca é? É um transmissor. É um rádio
para falar com Deus. E está dentro do
meu alcance.
IJ: Você quer falar com Deus? Vamos
nos encontrar com ele, juntos. Eu não
tenho nada melhor...
Crianças cercam Indiana e o levam para
fora do bar.
Crianças: Tio Indy, vamos para casa.
Vamos.
B: Da próxima vez, Indiana Jones, será
preciso mais do que crianças para
salvar você.
Indiana pega o macaco novamente e sai
do bar com as crianças.
Indiana coloca as crianças na carroceria
do caminhão, macaco entra na cabina e
fica olhando o seu dono, que o manda
permanecer lá.
S: Eu achei que iria encontrar você lá.
Melhor que os mariners dos Estados
Unidos, heim?
IJ: Marion está morta.
S: É, eu sei. Eu sinto muito. A vida
continua Indy. Essa é a verdade. Eu
tenho muita coisa para lhe dizer.
198
Primeiro vamos levá-los para casa e
depois eu vou levar você até o velho.
Casa do Velho. Menino arruma uma
bandeja com tâmaras. O dono do macaco
joga um vidro de veneno nas tâmaras.
IJ: Não consigo entender como Belloq
fez isto. Onde ele conseguiu uma cópia
do original? Não existem figuras,
nenhuma duplicata dele em parte
alguma.
S: Eu disse que vi, com os meus
próprios olhos, um objeto igual a este. A
não ser as bordas, que eram mais
grosseiras. No centro o francês colocou
um cristal. É, é um cristal sim e ao lado
do cristal... de um lado havia uma marca
igual a esta.
Indiana pega uma tâmara. IJ: Eles fizeram os cálculos da sala do
mapa?
S: Esta manhã, Belloq e o chefe alemão
Dietrich, quando saíram da sala do
mapa nos deram um novo lugar para
escavar. Bem longe do acampamento.
Macaco pega uma tâmara. IJ: O poço das almas?
Velho: Venham, venham. Olhem aqui!
Senta, senta.
IJ: O que é?
V: Isto é um aviso para não perturbarem
a Arca da Aliança.
Velho mostra os detalhes do medalhão.
IJ: Mas e a altura do cajado? Belloq
conseguiu determinar isto por aqui?
199
Macaco morre.
V: Sim, está aqui. Em linguagem antiga.
Esse era o jeito antigo, significa seis
kadam de altura.
S: Cerca de um metro e oitenta.
B: Espera, e diminui um Kadam em
honra ao deus hebreu a quem
pertenceu a Arca.
IJ: Você disse que o objeto deles só
tinha marcas de um lado. Tem certeza
disso?
O cajado de Belloq é grande demais.
IJ e S: Eles estão cavando no lugar
errado (risos).
Indiana atira a tâmara para cima. Sallah
pega-a e mostra o macaco morto.
S: Tâmaras estragadas. Encontros
ruins.
Escavações nazistas. B: Eu disse para você não ser
prematuro para comunicar a Berlim. A
arqueologia não é uma ciência exata.
Ela não funciona com hora marcada.
Coronel Dietrich: O Führer não é um
homem paciente. Ele exige relatórios
constantes. Ele espera um progresso.
Você me levou a acreditar...
B: Em nada! Eu só disse que estava
indo bem. Eu não fiz promessas. Só
disse que estava bastante favorável.
Além disso, com a informação em nosso
poder, meus cálculos estavam corretos.
Indiana Jones em outra escavação
nazista, longe da de Belloq.
IJ: Eles não estão brincando, não é?
A que horas o sol bate na sala do
mapa?
S: Mais ou menos às nove da manhã.
200
S: Sala aponta para uma direção. Após,
direção contrária.
IJ: Então temos muito tempo. Onde
estão cavando para a procura do poço
das almas.
S: Lá. Mas a sala do mapa fica ali.
IJ: Então vamos
Indiana, disfarçado de árabe, e Sallah
chegam ao poço das almas, jogam o
cajado. Indiana desce, posiciona o
cajado, o sol reflete no cristal e ele
descobre o local da Arca.
Fora, Sallah encontra dificuldades pois
um grupo de nazistas está circulando
pelo lugar. Deixa a corda cair no poço.
IJ: Sallah! Sallah!
Uma corda feita de panos e bandeiras
cai. Indiana sai do poço. Caminha
disfarçado pelo acampamento. Um
grupo de nazistas fazendo uma refeição
pede água para ele. Sallah se prontifica
a servir e Indiana esconde-se em uma
tenda.
Encontra Marion amarrada e
amordaçada.
Indiana beija Marion.
IJ: Pensei que estivesse morta. Devem
ter trocado as cestas.
Está machucada.
M: Não. Você tem que me tirar daqui
depressa. Eles vão voltar a qualquer
momento. Corte a corda. Depressa. Eles
vivem perguntando por você. O que
você sabe. Qual é o problema? Me
solta?
IJ: Eu sei onde está a arca, Marion.
M: A arca está aqui?
IJ: Sim.
201
Indiana amarra Marion novamente
M: Eu vou com você. Jones. Me tira
daqui.
IJ: Se eu tirar você daqui agora, eles
vão começar a nos procurar em toda a
parte.
M: Jones, você tem que me tirar daqui.
Jones.
Jones.
M: Você ficou maluco.
IJ Marion eu odeio, mas se não ficar
quieta isto tudo vai por água abaixo. Eu
volto para te pegar.
Nas escavações, Indiana descobre o
local exato onde deve procurar a arca.
IJ: É lá.
No outro lado da mesma escavação. B: Quem sabe. Talvez a arca esteja em
alguma câmara que ainda não
encontramos. Talvez haja uma pequena
prova que esteja nos enganando.
CD: Talvez a moça possa nos ajudar.
B: É o que eu acho, Ficou com a peça
original vários anos.
CD: Ela poderá saber bastante se for
devidamente motivada.
B: Eu estou dizendo, a moça não sabe
nada.
CD: Fico surpreso, você tão delicado.
Minha reputação não é essa. Mas não
se preocupe, eu tenho um homem
perfeito para este tipo de trabalho.
Surge o nazista de negro, Her Mark. HM: Hei Hitler!
Indiana com um grupo de homens e
Sallah escavando o local certo da Arca.
Cantigas e gritos ao fundo.
202
Tempestade aproximando-se.
Posicionam barras de ferro ao redor de
uma grande pedra retangular
S: Indy, encontramos uma pedra.
IJ: Tirem a areia e limpem as bordas.
S: Olha. Está vendo, Indy?
IJ: Tragam as barras de ferro.
S: Como um time, como um time
rapazes. Vamos. Coloquem força.
Ótimo. Com cuidado.
Abrem e surge na entrada do salão um
enorme ídolo com cabeça de cachorro.
Sallah se assusta.
Indiana observa de cima a sala. Sallah
também observa.
Grito apavorante de Sallah.
S: Desculpe Indy. Indy, por que o chão
está se mexendo?
IJ: Me dá esta tocha.
Cobras. Por que tinha que ser cobras?
S: Serpentes. São muito perigosas.
Você vai primeiro.
Belloq desamarra Marion. Marion corre. B: Se está tentando fugir a pé, são três
semanas de deserto em qualquer
direção. Então, por favor, coma alguma
coisa.
Marion come avidamente
Belloq abre uma caixa, retira um vestido
branco de festa e oferece a Marion.
B: Quero me desculpar pelo tratamento
que estão dando a você.
M: De quem foi esta idéia de não dar
nada de comida e nem água? Que
espécie de gente são vocês?
B: Neste momento especial e no meu
trabalho eles são necessários. Não são
meus amigos. Porém, com as conexões
corretas, mesmo nessa parte do mundo
não somos totalmente bárbaros.
M: Bonito
B: Eu gostaria muito de ver você usando
isto.
203
Marion pega o vestido.
M: Aposto que sim. Tudo bem.
Belloq observa, por um reflexo no
espelho, Marion vestir-se.
Marion desfila com o vestido.
M: O que você tem para se beber por
aqui?
B: Você não tem muito tempo. Daqui a
pouco eles virão para machucar você. E
eu não poderei impedi-los. A não ser
que você possa me dar alguma coisa
para acalmá-los. Alguma informação
interessante que eu possa usar para
protegê-la deles.
M: Eu já disse tudo o que sei. Não tenho
nenhuma lealdada ao Jones. Ele só me
trouxe problemas.
B: Marion você é bonita. Acho que não
precisamos de acompanhantes.
Marion esconde uma faca embaixo de
suas roupas.
Escavações. Indiana descendo na sala
da arca, com as cobras.
S: Cuidado, devagar.
Indiana acaba caindo em frente a uma
serpente, mas consegue sair do bote.
Indiana espalha gasolina no salão, em
cima das cobras, e põe fogo.
S: Eu disse que ia dar tudo certo.
IJ: Sallah, venha até aqui embaixo.
Tenda: Marion e Belloq bebem muito. M: Você serve.
Saída da Arca. Indiana e Sallah
encontram a Arca. Removem a pedra
guardiã
Tenda: Marion e Belloq continuam
bebendo.
M: O que é isto?
B: Eu cresci com isto. É especialidade
da minha família.
204
Marion se decepciona, não embebedará
Belloq. Pega a faca e ameaça Bello, que
começa a rir muito.
M: Estou indo Belloq. Eu gosto muito de
você, talvez a gente se encontre algum
dia.
Marion sai de costa e bate no nazista
Her Mark, o negro.
Tira a faca de Marion
HM: Novamente nos encontramos.
Vocês americanos são todos iguais.
Sempre se vestindo bem para ocasiões
erradas.
Outros soldados nazistas entram. Her
Mark estende um bastão de couro e
corrente preto. Marion de assusta. Mas
ele é apenas um cabide portátil onde ele
deixa o sobretudo preto.
HM: Então, sobre o que nós vamos
conversar?
Indiana e Sallah levantam a Arca.
Retiram-na da sala das cobras.
Erguem a arca
IJ: Pronto, podem puchar.
S: Devagar. Cuidado.
Fora da tenda, na escavação nazista.
Bello observa movimentação ao longe.
B: Essa moça é muito teimosa.
CD: Você gosta muito dela, eu acho.
B: Seus métodos de arqueologia são
muito primitivos para mim. Você usaria
um trator para procurar um vaso chinês.
Mas... Espere... Hermam, acorde seus
homens.
Na sala das cobras. S: A tocha está apagando.
IJ: Saia logo daqui, anda.
Nazistas chegam à sala das cobras.
Jogam a corda e Jones fica lá
embaixo.
IJ: Traição.
Belloq chega na boca do burraco da
sala.
B: Olá, Dr. Jones, o que está fazendo
num lugar tão sujo assim?
IJ: Desça aqui que eu mostro para você.
B: Obrigado, amigo. Mas estamos bem
confortáveis aqui em cima. Estou certo,
205
não estou? Estamos bem confortáveis
aqui em cima. Então, mais uma vez,
Jones, o que rapidamente foi seu, agora
é meu. Que final triste para as buscas
de sua vida. Você está prestes a se
tornar mais um elemento nesta
descoberta arqueológica. Quem sabe
daqui a mil anos, talvez, até você tenha
algum valor
IJ: Desgraçado.
B: Infelizmente temos que ir agora.
Nosso prêmio nos espera em Berlim.
Mas não queremos deixá-lo nesse lugar
horrível, sozinho.
Trazem Marion. M: Seu imundo, solte-me, seu nojento.
Me solta. Pára.
Jogam Marion na sala, ela agarra-se no
ídolo de pedra. Escorrega e Indiana
pega-a no colo.
Marion sobre na garupa de Indiana.
IJ: Segure-se Marion. Não caia.
M: Cretino, tire suas mãos de mim.
(gritos) Cobras! Cuidado com os meus
pés.
No lado de fora da sala, Belloq e o
Coronel Dietrich.
B: A moça era minha.
CD: Ela não tem utilidade para a gente,
o que importa é a nossa missão. Às
vezes eu fico pensando se o senhor
compreende isto claramente.
B: Eu acho que não devia compreender.
M: Seus malditos, vocês me pagam por
isto!
B: Indiana Jones, adieu.
Fecham a entrada da sala com a pedra.
Indiana e Marion ficam na sala com as
cobras e pouco fogo.
IJ: Tome isto, passe em tudo que se
mexa.
206
Indiana rasga os babados do vestido
M: Obrigada. Oh, meu Deus, este lugar
está todo se mexendo.
IJ: Quem te deu este vestido? Foi ele?
M: Tentava escapar sem a sua ajuda.
IJ: Você estava se esforçando bastante?
M: Onde você estava?
IJ: Então me dá licença.
M: O que você está fazendo?
IJ: Isto vai alimentar o fogo.
M: Como vamos sair daqui?
IJ: Estou cuidando disso, Marion.
M: Seja lá o que você está fazendo, seja
rápido. Aonde você vai?
IJ: Passar pela parede. Esteja pronta
para correr, aconteça o que acontecer
comigo.
M: O que você quer dizer com isto?
Indiana sobe no ídolo de pedra. O fogo
apaga, as cobras aproximam-se de
Marion.
M: Indy, não me deixe aqui embaixo
sozinha.
Indiana começa a balançar o ídolo. IJ: Vamos lá, esteja pronta.
O Ídolo balança e derruba uma parede.
Marion entra numa nova sala repleta de
cadáveres.
Musica tema da série.
Gritos de Marion.
Indiana Jones retira Marion. IJ: Marion, venha.
Retiram uma pedra do túmulo e estão
na escavação nazista.
IJ: Eles vão levá-la. Quando a Arca for
embarcada, nós estaremos no avião.
Belloq e Coronel Dietrich.
Coronel oferece um cálice para Belloq.
CD: Mousier... Vamos brindar ao nosso
sucesso.
A Arca
B: Quando estivermos bem longe,
brindarei.
207
Avião nazista. Indiana luta com
soldados para chegar até ele.
Marion entra na cabine, mexe numa
alavanca e o avião começa a rodar.
Nazistas aproximam-se Marion atira,
acerta o caminhão e um depósito de
gasolina, que começa a vazar.
Indiana luta com um homem muito forte.
Está quase perdendo quando uma das
hélices do avião atinge a cabeça do
homem. A gasolina atinge o caminhão e
explode.
No outro lado, Belloq ouve e corre.
M: Indy.
B: Fiquem com a Arca, fiquem com a
arca.
Marion não consegue sair da cabine, a
tranca emperrou.
Indiana atira na fechadura.
IJ: Marion?
M: Estou presa aqui. Me tira daqui. Não
quer parar. Me ajuda.Estou presa
Está preso.
IJ: Chega pra lá, eu vou abrir.
Sai daí depressa, vamos.
Grande explosão no acampamento. B: Tirem a arca deste lugar
imediatamente. Coloquem ela no
caminhão.
CD: Vamos tirá-la do Cairo. É melhor e
muita segurança
Novas explosões. B: Jones.
Assobios em uma tenda. S: Graças a Deus, meus amigos. Eu
estou muito feliz por não estarem
mortos. Indy, não temos tempo, se você
ainda quer aquela arca, ela está sendo
colocada em um caminhão para o Cairo.
IJ: Caminhão? Que caminhão?
208
Nazistas deixam o acampamento em
comboio. Indiana, Marion e Sallah
observam ao longe.
Belloq e Coronel entram em um carro
preto sem capota.
B: Vamos.
Indiana e Sallah. IJ: Volte para o Cairo e arrume
transporte para a Inglaterra. Navio,
avião, qualquer coisa. Me encontrem em
Omar. Eu vou atrás do caminhão.
S: Mas, como?
IJ: Eu não sei, vou improvisar no
caminho.
Indiana sai de uma tenda montado em
um cavalo. Cavalo branco.
Persegue o comboio. Aproxima-se do
caminhão da arca.
Toma a cabine. Os outros carros
nazistas aproximam-se. Indiana
consegue tirá-los do caminho.
Os soldados que estão dentro do
caminhão da arca começam a tentar
tirar Indiana da direção. Um por um
Indiana luta e não sai do caminhão, mas
é ferido com um tiro no braço.
Um último soldado consegue jogar
Indiana pelo vidro da frente. Indiana cai,
se segura na frente do caminhão e
começa a passar por baixo do
caminhão, agarrado em uma barra de
ferro, após se segura em uma corda e é
arrastado por uns metros até voltar ao
caminhão onde atira o soldado para fora
e recupera a direção e a Arca.
Trilha sonora do filme.
209
O carro do coronel persegue Indiana,
mas este consegue tirá-lo do caminho.
Atolam na areia.
B: Idiota, idiota tire logo este carro
daqui.
Na cidade, o caminhão é escondido
dentro de uma loja pela população, que
logo disfarça. Nazistas não acham nada.
População canta e dança. Indiana,
machucado, chega com Marion no cais
do porto.
Marinheiro negrofumando. Aproxima-se
do grupo.
Capitão afasta-se.
S: Finalmente foi tudo arrumado.
IJ: E a arca?
S: Está a bordo. Agora que está aqui
não está faltando nada. Ou pelo menos
o que sobrou de você.
IJ: Ainda bem que sobrevivemos, né?
S: É.
Sr. Katanga. Sr. Katanga, estes são os
meus amigos. São a minha família. Eu
gostaria muito que eles fossem tratados
bem.
CK: A minha cabine é dele.
Sr. Jones. Ouvi muito a seu respeito. A
sua aparência é exatamente como eu
imaginava.
Indiana e Sallah abraçam-se.
Marion beija Sallah nas bochechas e por
fim na boca.
IJ: Adeus.
S: Cuidem um do outro. Eu já estou
sentindo saudades de você.
IJ: Você é meu grande amigo.
M: Sallah.
Este é para Falla.
Este é para seus filhos e este é para
você. Obrigada.
Indiana e Marion embarcam.
Alto mar.
Indiana Jones deitado em uma cama.
IJ: Onde você estava?
M: Estava me lavando
210
Marion com um vestido de cetim branco.
IJ: Onde conseguiu isso?
M: Com ele.
IJ: Ele quem?
M: Katanga. Acho que não sou a
primeira mulher que viaja aqui.
IJ: É muito bonito.
M: Mesmo?
Marion cuida de Indiana
Tira a camisa, devagar, de Indiana.
Marion beija cada lugar que Indiana
aponta.
Indiana pega no sono.
IJ: Espera aí, eu não preciso de ajuda
M: Precisa sim.
Você não é mais o homem que eu
conheci há dez anos.
IJ: Não são os anos, é a quilometragem.
Devagar, eu não preciso de enfermeira.
M: Não seja infantil
IJ: Marion, me deixa, vai embora. Por
favor, dói. Dói!
M: Ai que droga, onde não dói?
IJ: Aqui (cotovelo)
Aqui (testa)
Aqui (olhos)
Aqui (boca)
M: Jones, Jones. A gente nunca tem um
tempo.
Porão do návio. A Arca corroe a caixa.
Marion dormindo. Acorda com um
barulho de revólver.
M: O quê?
IJ: Os motores pararam. Eu vou dar uma
olhada.
Cabine do capitão Katanga.
Submarino nazista ao lado do navio.
IJ: O que foi que houve?
CK: Você tem amigos importantes.
IJ: Eu não acredito.
CK: Mandei meu homem chamar você.
Você e a moça precisam desaparecer.
211
Nós temos um lugar escondido. Venha!
Anda!
Nazistas revistam o navio. Indiana não
consegue chegar na cabine e Marion é
feita prisioneira.
M: Não toquem em mim.
Soldados descobrem a arca e levam-na
para cima.
Indiana escondido na chaminé do navio.
Tira Marion do Capitão.
Todos os nazistas saem do navio, com
Marion.
CD: Onde está o Jones?
Soldado: Nenhum sinal ainda
CK: Jones está morto. Eu o matei. Ele
não tinha utilidade para a gente. Esta
moça, pelo contrário, tem um certo valor
para o lugar aonde vamos. Ela deve
valer um bom preço. Her coronel, pode
levar sua carga. Mas deixe a moça,
nossos prejuízos serão reduzidos com
ela.
CD: Selvagem! Você não está em
posição de pedir nada. Vamos levar o
que quisermos. E depois decidimos se
vamos ou não explodir o seu navio.
B: A moça vem comigo. Será parte da
minha compensação. Eu tenho certeza
que seu Führer aprovará. Se ela não
conseguir me agradar poderá fazer com
ela o que quiser. Não perderei mais
tempo com ela. Com licença.
No navio. Marinheiro: Não encontramos o Sr.
Jones. Procurei por tudo capitão.
CK: Ele tem que estar em algum lugar.
Procure novamente.
212
Aponta para o submarino.
M: Já o encontrei.
CK: Onde?
M: Lá.
Indiana está na carcaça do submarino.
Ele entra e o submarino submerge.
Chegam em uma ilha nazista.
Indiana esconde-se e imobiliza um
soldado para pegar o uniforme. O
uniforme é pequeno. Chega outro
soldado e ele consegue um uniforme
maior.
Soldado aproxima-se de Belloq e
coronel Dietrich.
S: O altar foi preparado de acordo som
suas instruções, senhor.
B: Òtimo. Levem a arca para lá,
imediatamente.
CD: Mousier. Eu estou pouco à vontade
com a idéia deste ritual judaico. Tem
certeza que é necessário?
B: Eu posso perguntar uma coisa? Você
vai ficar mais à vontade abrindo a arca
em Berlim para o seu Führer e descobrir
só lá se as peças sagradas estão
realmente aí dentro?
Só então saberemos se cumprimos a
missão, se obtivemos a arca verdadeira.
Indiana, disfarçado de soldado nazista,
observa as instalações e acompanha o
cortejo para a realização da cerimônia
no deserto.
As duas equipes de nazistas estão
presentes na cerimônia, além de Belloq
e Marion.
213
Em um desfiladeiro, Indiana sai do
cortejo. Sobe em um penhasco e aponta
uma bazuca para o cortejo.
IJ: Oi!
Soldados cercam a arca. Belloq aponta
arma para eles.
B: Jones.
IJ: Eu vou explodir a arca Belloq.
B: A sua persistência surpreende até a
mim. Você vai sujar os nomes dos
mercenários.
CD: Dr. Jones. Certamente não acha
que poderá escapar desta ilha?
IJ: Isto depende de até onde estamos
dispostos a ser razoáveis. Eu só quero a
moça.
CD: E se recusarmos?
IJ: Então seu Führer não terá o prêmio.
B: Está bem! Para trás. Para trás. Está
certo, Jones, você venceu, pode
explodir.
Para trás.
Belloq aproxima-se da arca.
Suspense. Troca de olhares.
Pode explodir. Mande-a de volta para
Deus. Você passou toda a sua vida à
procura de relíquias arqueológicas.
Dentro da arca existem tesouros que
você jamais pode imaginar. Você quer
vê-la aberta tanto quanto eu. Indiana,
nós estamos simplesmente passando
pela história.
Isto.
Isto é a história.
Faça o que quiser.
214
Indiana abaixa a bazuca e é capturado
também.
A cerimônia é preparada. Belloq veste-
se com roupas de sacerdote. Profere
palavras sagradas em hebraico antigo.
Indiana e Marion estão amarrados em
um local, longe da cerimônia, alto, onde
conseguem observar tudo o que está
ocorrendo.
Soldados abrem a arca.
Coronel observa o conteúdo da arca e
acha apenas areia. Belloq fica incrédulo.
Her Mark, o negro, dá gargalhadas.
Trilha sonora com gritos e sussurros,
ventos.
Toda a iluminação da cerimônia começa
a explodir. Todos se assutam. Belloq
olha para a arca.
Fumaça e luzes saem da arca.
IJ: Meu Deus.
Marion não olhe para isso. Feche os
olhos e não olhe, aconteça o que
acontecer.
Figuras fantasmagóricas são formadas
pela fumaça que sai da arca e começam
a matar os soldados.
B: É maravilhoso.
M: Indy!
IJ: Não olhe. Fique de olhos fechados.
Um raio de luz muito forte sai da arca e
explode todos, menos Marion e Indiana.
A luz sobe ao céu e volta à arca, que se
fecha novamente.
Indiana solta-se e solta Marion.
Abraçam-se. Olham para a arca.
IJ: Marion, Marion.
215
Washington.
Indiana, Marcus, agente 1 e agente 2 na
cabeceira de uma mesa de reunião
enorme, toda de madeira, com alto
brilho.
Ag1: Você realizou um grande serviço
para o seu país.
Ag2: E nós esperamos que tenham
achado o pagamento satisfatório.
IJ: O dinheiro foi suficiente. Mas a
situação é totalmente inaceitável.
Ag1: Muito bem cavalheiros, acho que
isto encerra o assunto.
M: Onde está a arca?
Ag1: Eu pensei que já tivéssemos
resolvido isto. A arca está num lugar a
salvo.
IJ: De quê?
M: A arca é uma fonte de poder
incalculável e deve ser pesquisada.
Ag1: E ela será. Eu posso garantir, Dr
Brody e Dr. Jones. Temos grandes
homens nela nesse momento.
IJ: Que homens?
Ag1: Grandes homens.
Escadaria de acesso ao pentágono.
Marion e Indiana descem rápido até o
primeiro patamar.
M: Ei! O que aconteceu?
Você não parece muito feliz.
IJ : Esses idiotas. Idiotas burocratas.
M: O que eles disseram?
IJ: Eles não sabem o que têm nas mãos.
M: É, mas eu sei o que tenho aqui.
Venha, eu te pago uma bebida.
Vem?
Uma bebida?
Indiana oferece o braço a Marion e os
dois terminam de descer a escadaria.
216
Em um depósito, a arca é encaixotada e
recebe uma marca.
TOP SECRET
Army Intel 9906753
Do not open!
Ela é colocada em um carrinho e um
funcionário leva-a a um lugar em um
depósito gigantesco, junto com tantas
outras caixas.
Trilha sonora da série.
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