Download PDF
ads:
Universidade Estadual Paulista – Campus de Araraquara
Faculdade de Ciências e Letras
Os quilombos do Vale do Ribeira e o Movimento Social:
O Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do
Ribeira (MOAB)
Leandro da Silva Rosa
Araraquara
2007
Universidade Estadual Paulista – Campus de Araraquara
Faculdade de Ciências e Letras
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Os quilombos do Vale do Ribeira e o Movimento Social: O
Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira
(MOAB)
Araraquara
2007
Dissertação apresentada à Banc
a
Examinadora do Programa de
Pós-graduação em Sociologia e
Letras, como requisito parcial
p
ara obtenção do título de Mestre
em Sociologia, sob orientação do
Prof. Dr. Dagoberto José
Fonseca.
ads:
3
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca
Profa. Dra. Emília Pietrafesa de Godói
Profa. Renata Medeiros Paoliello
4
Dedico esta dissertação a todas as comunidades de quilombo espalhadas pelo Brasil, com especiais
agradecimentos às comunidades do Vale do Ribeira que pude visitar e aprender muito no convívio que tive
com estas.
Dedico também à nova geração da República Quilombo: Anita, Amarílis e Mel.
5
Agradecimentos
Agradecer a todas as pessoas que me ajudaram chegar até aqui é um desafio muito grande, fico
com medo de esquecer alguém, mas se isso acontecer não é má fé, pois tenho a felicidade de ter muitas
pessoas que me apóiam, e isso é muito gratificante.
Agradeço a minha mãe, Roseli Maria Rosa e meu pai, Marco Roza (com “z”), por todo apoio nesta
vida e pelo incentivo incondicional a minha formação como pessoa humana e também nos meus estudo.
Sem o apoio de vocês isso seria muito difícil. Agradeço também a Cecília Dourado, pela torcida, pelo
incentivo e carinho dispensados a nesses anos todos de convivência. Agradeço também aos meus avôs,
Pedro Rosa e Bárbara Rosa, José Francisco Rosa e Maria Emilia Rosa (in memorian), Adauto Gouveia
Dourado (in memorian) e Margarida Gouveia Dourado, pois sem eles não estaria escrevendo estas linhas
agora, ou seja, aproveito para agradecer a todos os meus ancestrais. Agradeço também meus iros,
Graciliano Rosa e Vinícius da Silva Rosa, pelo apoio incondicional, aproveitando para dizer que cada visita
deles a Araraquara, tanto na graduação, como na pós-graduão, sempre foram um incentivo e uma grande
alegria.
Um abraço fraterno aos meus tios e tias, por parte de pai: Zé e Cidinha, Adenilson, Zuleica,
Sandra e Expedito. Por parte de mãe: Aparecida, Ana e Daniel Cabral, Daniel, Rafael, Ruth, Lourdes,
Isabel e Eliseu, os meus tios “emprestados” da família Dourado: Paulo e Michaela, Guto e Maura, Carlos e
Pamela. A todos os meus primos e primas.
Palavras não são suficientes para agradecer todo o apoio, companheirismo, amor e paciência que
me são oferecidos por minha companheira Mariana Montenegro Silva, que acompanhou até o último
minuto o “partodessa dissertação e me apoiou nos momentos difíceis, inclusive na leitura e correção final.
Com muito amor que eu digo:Mari esse trabalho também é seu! Muito obrigado!”.
Acho que uma vida sem amigos não existe. E tenho a sorte e a alegria de poder contar com
vários. Um enorme abraço aos meus irmãos de São Paulo: José Gurjão Jr., Fabrício Mattos e Luis Felipe
Fleury.
Abro aqui um novo parágrafo, pois para falar dos amigos de Araraquara é necesrio antes falar
sobre uma “instituição”, um lugar onde aprendi a ser mais humano, conviver com as diferenças, partilhar e
conquistar sonhos, este lugar de extrema imporncia na minha vida é a República Quilombo, que nesses 10
anos de existência (1997-2007), foi o meu lugar de apoio, o espaço que me acolheu nos anos de graduação,
no momento que voltei a São Paulo, na pós-graduação e que ainda hoje é o meu lar. Sei que sou suspeito
para falar, mais considero a República mais Pública de Araraquara, por todo a sua história, seu acolhimento
fraterno, pela atuação política que desenvolveu, por seus memoráveis forrós e festas, suas discussões,
tristezas e alegrias. E sem modéstia “S MERECEMOS UMA TESE!”.
Antes de listar todos os moradores da República Quilombo, gostaria de fazer alguns
agradecimentos especiais: ao meu iro Fábio “Panda” de Souza Leandrin, pelo apoio, e pela lição de
6
integridade que ele representa. Agradeço o Luis Gustavo “Matão” Freitas Rossi, pelas horas de violão e
pela amizade incondicional. A minha irmã de guerra e paz, Érika Tonelli, que nunca esmoreceu na luta e
que continua ao meu lado em muitas batalhas.
Meus sinceros agradecimentos a todos os “quilombolas de Araraquara”, meus irmão para toda a
vida: Newton Ferreira, Reginaldo Anselmo, Luis CarlosCapacete” Mangia, CaioMudo” Chiarielo,
Leandro “Palha Barbosa, André “Chepa” de Biagi, Pedro “BH” Alfradique Scotti, CarlosObelix
Renato Flório, Maicon E. Nicolino, Luis Gustavo “Quinho” Baldon, Carlos Eduardo Paiva”, Douglas
Mosquito” Felício Silva, AlexandrePica-Pau” Benedetti, Thomas Edison “Kodak” Suzuki, Maurício
Ceára Faganholo, Rogério “” Levorato, AndersonDan”, DamiãoZinho”, Ulisses “Periquito”,
Turco, Xororó, FlávioRessaca” Munhoz Sofiotti e João. São dez anos e sei que existem ainda mais
pessoas que passaram pela República Quilombo, mas que não lembro o nome ou apelido, a elas também
o meus agradecimentos.
Agradeço também as companheiras destes “quilombolas” que também pertencem a nossa família:
Carol e a primeira representante da “nova geração quilombo”, a Anita, Ana Flávia Borges, Flávia Chiva,
Bernadete Passos, Flavinha, Camila Massaro, Mila e Débora.
Um abraço especial a família Genari, Professor Adilson Genari, minha irmã Carolina A. Borges e
ao meu pequeno tesouro, a Amarílis. Agradeço também a família Pupin, Silvia, Beatriz, Vinícius e Dona
Didi, pelo acolhimento e amizade.
A todos os meus colegas de classe na graduação e na pós, com especiais abraços para Lívia
Moraes, Bruno Cortina, Alessandra Nascimento, Rita de Cássia, Isabela Oliveira, Karina Khristensen e
Michael Bomm. E um abraço de gratidão e respeito à Mestra e amiga Elisângela Kati, que me orientou,
ajudou e cedeu o computador para que eu pudesse escrever o projeto para a seleção da Pós.
Aos meus colegas de palco, da Banda Estamos Ai! Marcelo Bon”, Elber “Zé Laden”, Carol
Macedo, Jorge Roberto “Das Candongas de Oliveira (meu iro de viagem e percussão) e aos amigos de
minha nova banda, Tia Landa, Rodrigo dos Santos “o Carioca” e a RafaelaRafa”.
Agradeço também a Capes/Cnpq pelo financiamento, a todos os professores da Faculdade de
Ciências e Letras que contribuíram com a minha formação. Ao Professor Dagoberto José Fonseca, que para
mim é mais que um orientador, mas também um pai e um irmão, na Academia e nas oportunidades
profissionais que me proporcionou. Um grande abraço aos amigos do Projeto Quilombos Vivos, Bernadete
Passos, Francisco Sandro e Ana Helena Passos e a todos os companheiros do NUPE.
Obrigado a todos e a todas!
7
Resumo
ROSA, Leandro Silva. “Os quilombos do Vale do Ribeira e o Movimento Social: O
Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (Moab)”
O presente trabalho teve por objetivo mostrar a trajetória do Movimento dos
Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (MOAB). Uma central de movimentos
sociais criada em 1990, pelos moradores dos municípios entrecortados pelo rio Ribeira do
Iguape, com destaque para os moradores das comunidades de quilombos do Vale do
Ribeira.
O MOAB teve sua gênese diante da possibilidade de construções de usinas
hidrelétricas e barragens no vale do Rio Ribeira de Iguape, projetos que ameaçam as
terras quilombolas. A partir da Constituição Federal de 1988 cria-se a necessidade de
fazer valer os direitos constitucionais das áreas remanescentes de quilombo, que têm suas
terras garantidas por esta Carta, através do artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) que concede a titulação das terras.
A associação entre quilombos e movimento social possibilita observar como os
quilombos do Vale do Ribeira sobrevivem e conservam sua cultura. Sob a organização do
MOAB articula-se uma série de bandeiras de luta que dão aos movimentos sociais
formados, características de novos movimentos sociais, pois criam redes de articulação
no nível local, nacional e internacional, discutindo diversos temas tais como: gênero,
etnicidade, meio-ambiente, questão agrária e energética.
PALAVRAS-CHAVE: Remanescentes de Quilombos, Constituição, Movimento Sociais, Redes, Sociedade
civil, Etnicidade.
8
Abstract
ROSA, Leandro Silva. The quilombos of Ribeira Valley and the social movement: MOAB (The
Threatened for Dan of the Ribeira Valley)
The aim of this study was to evaluate the journey of MOAB. A social movement central create in
1990, for the residents of the cities near the Ribeira of Iguape River, with emphasis for the residents of the
communities of quilombos of Ribeira Valey.
The MOAB appearance faced with the possibility of the hydroelectric power station and dams
constructions at the Ribeira of Iguape River. These constructions treating the lands of quilombolas. Since of
the Brazilian Federal Constitution of 1988 it’s necessary ask for the constitutions rights of the "remainders
of the communities of the quilombos", that have your lands security at the 68th article of ADCT
(Transitory Constitutionally Dispose Act), that grant the lands for the quilombolas.
The relationship between quilombos and social movements make possible for the quilomoblas of
Ribeira Valley survive and preserve their culture. Whit the MOAB organization it’s possible to create a
several themes for the development of the social movements. This is a characteristic of the new social
movements that create networks articulations in three levels: local, national and international, discussing
several themes like that: gender, ethnicity, environment, agrarian and energetic discussions.
Key-Words: Remainder Communities of the Quilombos; Constitucional Law; Social Movements,
Networks, Civil Society, Ethnicity.
9
Sumário
Introdução........................................................................................................................11
Capítulo 1:
Vale do Ribeira: um palco de demandas e algumas definições de quilombos..................18
Vale do Ribeira: um palco de demandas...........................................................................18
A Agricultura Atual do Vale do Ribeira............................................................................24
Os quilombos ontem e hoje: uma discussão hisrica, política e antropológica...............29
Quilombos: um tema, várias histórias...............................................................................32
Os Africanos no Brasil: Nina Rodrigues...........................................................................38
Os escravizados com sua história nas mãos......................................................................39
Neutralização do Determinismo Cultural..........................................................................44
Jacob Gorender: a escravio reabilitada..........................................................................48
Lei de Terras de 1850 – Um parênteses necessário...........................................................57
Caipiras Negros do Vale do Ribeira..................................................................................60
Quilombos: Direitos e Cidadania.......................................................................................63
Capítulo 2:
O MOAB um movimento social? Ou uma central de movimentos sociais? O surgimento
de um novo movimento social no Vale do Ribeira............................................................69
Velhos” e “Novos” Movimentos Sociais, uma discuso frutífera?................................70
Sujeito e ator: algumas reflexões em Alain Touraine........................................................74
Movimentos sociais: O MOAB e a interpretação no contexto brasileiro..........................78
Características históricas da formação do Estado Capitalista Brasileiro...........................82
Redes de Movimentos Sociais...........................................................................................88
O MOAB dentro da perspectiva para os anos 1990: As redes de movimentos.................92
Movimento Social no Campo: algumas considerações...................................................101
MOAB, a articulação de um movimento social no campo: Pré-requisitos.....................103
As Irmãs Pastorinhas: a gênese do MOAB e a Teologia da Libertação..........................105
Alcances e Limites do MS Camponeses..........................................................................113
10
O Movimento dos Ameaçados por Barragem do Vale do Ribeira (MOAB) e a sua rede de
movimentos sociais..........................................................................................................119
MOAB: seus financiadores e suas parcerias....................................................................129
Considerações Finais:
Quilombos, resistência negra e o MOAB: Uma rede de novos movimentos sociais......136
O MOAB e a Energia: uma questão para o futuro...........................................................141
Anexos.............................................................................................................................144
Bibliografia.....................................................................................................................168
11
Os quilombos do Vale do Ribeira e o Movimento Social: O Movimento dos Ameaçados
por Barragens do Vale do Ribeira (MOAB)
Introdução
Uma introdução tem como objetivo fazer com que o leitor tome contato com o
tema a ser exposto, ou analisado. Quer antes de tudo trazer alguns elementos que
contribuam para a continuidade da leitura. Muitas padecem no incentivo desta
continuidade ou mesmo não excitam o leitor a ir além dela, outras não, tem sucesso em
trazer elementos que fazem com que o leitor chegue até o final da leitura da obra.
Aqui, por se tratar de um trabalho acadêmico, essa dificuldade aumenta, uma vez
que os que lerão esta dissertação estarão procurando temas específicos, citações e
análises para trabalhos futuros. Portanto, tendo em mente tal problemática, resolvemos
começar esta dissertação com uma introdução que compara os elementos que aqui serão
analisados a um grande teatro, ou seja, nos apoiaremos nesta introdução a uma metáfora
que ajudará com que entendamos como em uma região específica (palco, cenário),
pessoas, grupos sociais, instituições, comportando-se como atores de suas ações, se
organizam para defender seus interesses. A metáfora teatral é aqui apenas uma forma
estilística para a introdução do nosso tema. Permearão tal trabalho os conceitos
sociológicos, antropológicos que farão deste uma dissertação de mestrado.
Trata-se de entender, as “rubricas sócio-políticas” que fazem com que
determinados grupos humanos tenham a necessidade de se organizarem e reivindicarem
um lugar melhor dentro de situações sociais dadas. Tal metáfora não foi aleatoriamente
escolhida, nos valemos de uma obra específica,O Poder em Cena” do antropólogo
Georges Balandier, que em um ensaio desafiador,nas ações humanas de exercício de
poder uma “teatralidade”, permeada por ritos e formas específicas de reafirmação de
direitos, reivindicação e usurpação dos mesmos, como ele próprio diz:
Por trás de todas as formas de arranjo da sociedade e de organização dos poderes
encontra-se, sempre presente, governando dos bastidores, a “teatrocracia”. Ela regula
a vida cotidiana dos homens em coletividade. (...) Ela deve este nome a um russo de
múltiplos talentos e atividades, (...) Nicolau Evreinov. Sua tese, expressa a partir de
12
ilustrações extremamente variadas, monta um tribunal teatral para todas as
manifestações da existência social, notadamente as do poder: os atores políticos
devem “pagar seu tributo cotidiano à teatralidade” (Balandier: 1982, p. 5).
A citação de Balandier em um primeiro momento soa como uma provocação, mas
para introduzir nosso tema, os quilombos do Vale do Ribeira e suas práticas enquanto
movimentos sociais expressados na constituição de um centro de articulação potica, o
Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB), se torna uma ótima solução. Talvez
não muito ortodoxa, se comparando a outros textos acadêmicos, mas a nosso ver mais
instigantes para aqueles que se utilizarão deste trabalho.
Para reforçar nossa linha de raciocínio, citamos novamente Balandier, quando faz
a constatação de parentesco entre as palavras “teoria” e “teatro”.
A constatação do parentesco existente entre as palavras “teoria” e “teatro” completa a
lição. Pois transmite o mesmo ensinamento. Ela sugere que o primeiro modo de
teorizar é de caráter dramático. A vida social, as transposições efetuadas pelos atores
do drama e a teoria têm ligação; juntos, compõem e expõem uma mesma ordem de
realidade. A cidade grega antiga, os grandes mitos e o teatro que os apresenta estão
em corresponncia. Esses, pelo jogo dos personagens reveladores – Prometeu, Édipo,
Antígona, na primeira fila – tornam aparentes os prinpios que governam a vida
coletiva, os debates e conflitos que engendra. Tirando uma conclusão radical, certos
politólogos contemporâneos localizam a verdade do poder no substrato das grandes
mitologias mais do que no saber produzido pela sua própria ciência (Balandier: 1982,
p. 5).
Mesmo sabendo que Balandier se refere às práticas de poder e não
especificamente à formação de um movimento social e a crião de formas de luta, ainda
assim consideramos válida tal metáfora. Queremos construir um modo didático que nos
permita trabalhar nosso problema: será que podemos dizer que os quilombos brasileiros,
particularmente os do Vale do Ribeira, são movimentos sociais históricos? Nosso objeto:
é analisar a construção de um centro articulador de poticas que é o Moab. E ao longo da
dissertação, constituir uma comparação entre o conceito de quilombos, e os conceitos
relativos ao que vem a ser um movimento social, e mostrar como no Vale do Ribeira uma
articulação (MOAB) toma forma dentro das reivindicações e discussões. Veremos
13
também que essa articulação encerra práticas de poder, um jogo de forças que têm seus
ritos e formas de reivindicação e contestação.
Portanto nossa dissertação seguirá os seguintes passos: O primeiro deles é
ambientar o leitor ao “cenário”. Nosso “palco” é o Vale do Ribeira, região do Estado de
São Paulo que tem na sua descrição uma contradição permanente: ser imensamente rica,
do ponto de vista da biodiversidade e da sócio-diversidade, pois é lugar de populações
ribeirinhas, indígenas, quilombolas, caiçaras e asiáticos (japoneses), mas que por outro
lado é imensamente pobre, do ponto de vista do desenvolvimento sócio-econômico.
O segundo passo, extremamente necessário para entender os quilombos, é definir
conceitualmente o que vem a ser uma comunidade quilombola. Termo que aparece nas
discussões das ciências sociais (antropologia, sociologia, história, e na potica) com a
Constituição de 1988 e que vem passando por uma série de reformulações e
conceituações através da historiografia. Tais definições atuais deste termo atuam de modo
direto na história do Vale do Ribeira e de suas populações, principalmente nas
populações rurais negras, temas estes que estarão discutidos no capítulo 1 desta
dissertação.
No capítulo 2, seguindo nossa metáfora teatral, analisaremos os personagens
constituintes dessa trama, ou seja, seus protagonistas. Para tal análise faremos uma breve
discussão sobre o que vem a ser movimentos sociais, de forma que possamos averiguar a
existência ou não destes dentro de nosso cenário e como se organizam.
Analisaremos como a luta pela preservação das terras ocupadas por quilombolas,
estimula e dá vida a esse protagonismo. Nossos “vilões seriam os interesses ecomicos
e poticos, que também aparecem organizados, e que olham para o potencial hídrico,
logo energético da região
1
.
Contra tais interesses existe um esforço também socialmente organizado. O que
iremos verificar em nossa dissertação, é como se dá essa organização. Não vamos reduzir
aqui a importância das comunidades apenas ao aspecto de defesa de seu território, outros
elementos irão aparecer como a questão da identidade, a questão de gênero, entre outras.
Tal resistência não pode caracterizar por completo essas comunidades, mas a defesa de
1
Não se quer dizer aqui que exista nessa “trama”, um conflito entre o bem e o mal. Do ponto de vista
sociológico e político veremos o embate de grupos organizados em busca de seus interesses, sejam eles
econômicos, políticos e/ou simbólicos, culturais.
14
seu território é, a nosso ver, um dos pilares que constroem tais identidades. A luta é pela
terra, mas sua essência é a luta pela reposição dos seus meios de sobrevivência física e
cultural. A terra vem a se confundir com os símbolos, mitos e a memória dos indivíduos”.
(Carril: 1995, p. 136)
Inúmeras demandas levaram as comunidades a buscar novas formas de
organização. Não podemos reduzir as lutas apenas à questão da reivindicação e titulação
da terra, isso seria um erro. É importante e vamos mostrar que a luta pela terra serve
como alavanca para outras discussões.
As terras de negros no Vale do Ribeira, posta em questão, abrem um leque de
possibilidades de participação nas lutas que não são propriamente pela terra e que não
objetivam diretamente a questão camponesa. A temática é a terra, mas ela envolve
outros fatores, tais como: o uso da terra, a utilização e a conservação dos recursos
naturais, as políticas de preservação para a Mata Atlântica, o lugar de reprodução da
vida das comunidades. Por isso, num determinado momento, articularam-se interesses
diversos, que influenciam no futuro do movimento social. O cenário local apresenta os
diversos grupos ocorrendo o entrelaçamento entre comunidades, Igreja, Fundação
SOS Mata Atlântica e o Movimento de Ameaçados por Barragens (Carril: 1995, pp.
141-142).
Tentaremos responder algumas questões: será que podemos dizer que as
comunidades quilombolas estão organizadas como movimento social? Será que reúnem
elementos organizacionais, de direção, têm um projeto definido, uma práxis estabelecida,
entre outros elementos, que as definem sociologicamente como um movimento social?
Veremos como se construiu e funciona o Movimento dos Ameaçados por
Barragens do Vale do Ribeira (MOAB), “fundado em 1990, é uma organização que se
formou diante da ameaça de constituição de um conjunto de barragens no Rio Ribeira de
Iguape, que caso fossem concluídas desalojariam milhares de pessoas, inundando áreas
agrícolas e de preservação ambiental e com impactos negativos para todas as
comunidades da região, principalmente para as comunidades quilombolas” (Documento
de Apresentação do MOAB).
Na análise dos arquivos do MOAB e nas entrevistas realizadas com lideranças do
mesmo, mostraremos que tal instituição se caracterizou como uma central que articula os
15
anseios e as reivindicações de diversos setores e segmentos sociais do Vale do Ribeira,
incluindo com destaque as comunidades quilombolas.
O Moab tem como objetivo, “conscientizar, capacitar, organizar e informar a
população do Vale do Ribeira sobre os projetos de barragens. Mostrar que os projetos
de construção das Barragens no Rio Ribeira de Iguape, não priorizam a questão social e
ambiental, e, não irá desenvolver a região, não irá conter as enchentes e que há outras
alternativas de geração de energia sem barragens” (Documento de Apresentação do
MOAB).
Sua sede fica na cidade de Eldorado, e é também articulado ao MAB - Movimento
dos Atingidos das Barragens, movimento esse de caráter nacional. Ou seja, analisaremos
como a partir do Vale do Ribeira o tema das ameaças por barragens é discutido
nacionalmente, uma vez que verificamos existir o intercâmbio de experiências de lutas.
Destacaremos como o Moab, a partir de suas atuações e mobilizações, ganhou
notoriedade na região do Vale do Ribeira, bem como se torna referência de luta em
âmbito nacional.
Atualmente o MOAB congrega, “centenas de comunidades quilombolas,
caiçaras, indígenas e rurais, movimentos populares, igrejas, sindicatos, entidades
ambientalistas, entidades jurídicas, políticos, etc.” (Documento de Apresentação do
MOAB).
Vale ressaltar, no que concerne ao Vale do Ribeira, a presença de outros atores
sociais, que se posicionam favoravelmente à implantação de barragens. Defendem que
estas construções trazem para a região “desenvolvimento e progresso”, discurso este
reforçado pela utilização das barragens como instrumentos de contenção das enchentes
que assolam a região.
Outro fator a ser analisado, são as vitórias nos âmbitos jurídicos e poticos, nos
últimos 17 anos de atuação do Moab. Para continuar com a metáfora do teatro, podemos
dizer que o MOAB nasceu como um articulador das comunidades locais, juntamente com
as comunidades de quilombos que ajudou a constituir desde 1990. E como todo
protagonista que se preza tem uma forte “arma” que vêm sendo utilizada com êxito
durante esses anos: a Constituição Federal de 1988.
16
Apoiados nos direitos constitucionais das áreas de quilombo, que têm suas terras
garantidas pela Constituição Federal de 1988, através do artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), e dos artigos 215 e 216, concedem à
titulação das terras de quilombo: “Aos remanescentes das Comunidades de Quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os respectivos títulos”.
Esta dissertação pretende discutir como se deu a construção dessa importante
organização social do Vale do Ribeira. Partindo da caracterização do lugar de que
falamos, ou seja, a descrição física do Vale do Ribeira, bem como um pouco da sua
história de ocupação, economia, conflitos agrários, e as comunidades relacionadas
(Caiçaras, índios e quilombos), dando ênfase às comunidades de quilombos. Traremos a
tona também algumas discussões antropológicas e sociológicas sobre o que vem a ser
uma comunidade de quilombo, ontem e hoje, e como se deu a resistência das populações
rurais negras.
Resistência esta que faz parte do modo de vida camponês. Como camponeses e negros
esses sujeitos compartilham o locus da excluo e subalternidade na sociedade
capitalista. Como camponeses, lutam pela reprodução e manutenção da unidade
familiar e da terra, fundamentais para a sua exisncia. A meria e a territorialidade,
produto das suas elaborações culturais sobre a base física em que se assentam,
enquanto segmento étnico lhes permitiu a continuidade grupal (Carril: 1995, p. 136).
Ou seja, resistência que, constataremos no primeiro capítulo, ter mais de um
“front”, nos quais dois são principais, o da exclusão social complementado pelo da
segregação racial.
Para falar dessa resistência negra, nos apontamentos do capítulo 2, em que
sentimos a necessidade de verificar também, sociologicamente, o que entendemos ser um
movimento social, para podermos verificar se as demandas e conflitos presentes na
história quilombola, e atualmente também do MOAB, funcionavam e funcionam como
movimentos sociais. O presente estudo ganha foa também quando lembramos o fato, de
que desde a sua criação, em 1990, não exista um estudo sistemático sobre o Moab.
17
Suplementando essa discussão contaremos a história do Moab, analisando seus
objetivos principais, seus aliados diretos e indiretos, bem como alguns pontos de sua
história de organização que mostram como este exerce sua articulação. Através da análise
de documentos e dossiês nos arquivos do MOAB e entrevistas realizadas com as
principais lideranças, traçaremos um perfil deste “escritório de articulação”, que nesses
17 anos criou outra organização importante, a Equipe de Articulação e Assessoria às
Comunidades Quilombolas e Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), mas que
diferentemente do MOAB, que está relacionado diretamente à ameaça das barragens, tem
o objetivo de articular e assessorar as Comunidades Negras e quilombolas do Vale do
Ribeira.
Nas considerações finais, daremos um fechamento teórico que possa resolver
algumas dúvidas e levantar novas questões sobre a vida dessas comunidades quilombolas
e sua organização. O texto trará ainda um anexo com algumas tabelas e mapas relativos
ao tema.
18
Capítulo 1 – Vale do Ribeira: um palco de demandas e algumas definições de
quilombos
Vale do Ribeira: um palco de demandas
A região do Vale do Ribeira está localizada, entre as regiões sul do estado de São
Paulo e norte do estado do Paraná abrangendo a Bacia Hidrográfica do rio Ribeira de
Iguape e o Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, distribuídos em
uma área de 2.830.666 hectares. Sendo composto de 32 municípios, 23 no Estado de São
Paulo e 09 no Estado do Paraná
2
.
Embora localizado em dois dos estados mais urbanizados do País – São Paulo e
Paraná - o Vale do Ribeira destaca-se pelo alto grau de preservação de suas matas e
por sua grande diversidade ecológica. Seus mais de 2,1 milhões de hectares de
florestas equivalem a aproximadamente 21% dos remanescentes de Mata Atlântica
existentes no Brasil, transformando-o na maior área contínua desse importante
ecossistema em todo o País. Nesse conjunto de áreas preservadas são encontradas não
apenas florestas, mas importantes remanescentes de restingas - são 150 mil hectares -
e de manguezais - 17 mil hectares. (ISA:2005)
Segundo o estudo, “Vale do Ribeira: um ensaio para o desenvolvimento das
comunidades rurais”, organizado por Devancyr A. Romão, em trabalho para o Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
Rural (NEAD) em 2006, com dados relativos apenas ao lado paulista do Vale, vemos que
a região totaliza poucomais de 350 mil habitantes, caracterizando-se pela presença de
cerca de 500 comunidades rurais, incluindo quilombolas e aldeias indígenas” (Romão et
ali: 2006, pp. 24-25).
Na Tabela 1 (Anexos), encontramos a distribuição da população residente por
situação de domicílio, bem como os números relativos à Taxa Geométrica de
2
Dados do Instituto Socioambiental, que em seu site: www.socioambiental.org, mantém umagina com a
campanha “Contra as Barragens no Ribeira”, atualizada com informações dos principais acontecimentos,
reuniões, audiênciasblicas, etc. E também traz informação sobre a história do Vale e sua populações. As
informações utilizadas estarão identificados com a referência (ISA:2005).
19
Crescimento Anual da População e a Taxa de Urbanização. Chama a atenção alguns
dados que caracterizam a região. O município de Registro tem a maior população, 53.752
habitantes, e também o maior número de residentes na área urbana, 43.066 habitantes, o
que lhe dá o nome de “capital do Vale”. Apesar disso, Registro tem uma considerável
população rural, 10.686 habitantes. Além disso, a Taxa de urbanização de Registro em
2000 foi de 80,1%, 14,8% superior à média do Vale do Ribeira (65,3%) e 11,3% inferior
à média do Estado.
O relatório destaca um fato interessante, mesmo apresentando problemas sócio-
econômicos graves, a taxa média de crescimento anual da populão no período de
1996/1991 (2,8% a.a.), 0,8% maior que a média do Estado (2,0%). Estabilizando-se no
período seguinte (2000/1991) em 1,8% para as duas médias.
Alguns municípios como Ribeira e Itca, por exemplo, tiveram taxas médias
negativas de crescimento, -2,5% e -1,3% respectivamente, no período de 1996/1991, e
-1,6% e -2,2% no período de 2000/1991. Já o município de Ilha Comprida se destacou na
Tabela, pois teve crescimento superior a 9% nos dois períodos. A explicação é que por se
tratar de um município recém emancipado, atraiu um grande número de habitantes
interressados nas novas instalações municipais.
A Tabela no geral mostra que a região tem uma população residente no meio
urbano maior que a residente no meio rural, 235.082 habitantes contra 124.779,
desmentindo a impressão que se tem quando se chega à região. Mas vale destacar que,
embora se more mais na cidade, isto não quer dizer que as atividades e serviços, em sua
maioria, não estejam vinculados às atividades rurais. O relatório de 2006 indica altos
graus de dependência do emprego agrícola em vários municípios, com exceção daqueles
que estão localizados no litoral (Cananéia e Peruíbe), e que têm a piscicultura e coleta de
ostras como suas principais atividades.
O Vale do Ribeira concentra 40% das unidades de conservação da Mata Atlântica
do Estado de São Paulo, mas é uma região cujos índices de desenvolvimento humano
contrastam com a exuberância de suas matas,
Apresenta elevado índice de mortalidade infantil e é uma área de incidência endêmica
de doenças, como leishmaniose, alto índice de desemprego e a mais baixa renda per
capita do estado. Tal dicotomia ajuda em parte esclarecer o baixo desenvolvimento
20
regional e a ocorrência de histórica exclusão das comunidades rurais do processo mais
amplo do desenvolvimento do estado (Romão et ali: 2006, p.11).
Para entender os porquês deste enorme contraste é necessário explicar como
ocorreu a ocupação do Vale do Ribeira, história essa que se encontra resumidamente no
site do Instituto Socioambiental e que utilizamos aqui como guia.
Antigamente o litoral da Baixada do Ribeira era habitado por índios semi-
mades que se dedicavam à caça, à pesca e à agricultura itinerante de mandioca. A
primeira visita de exploração que se tem notícia foi organizada por Martim Afonso de
Sousa, no início do século XVI, com o objetivo de encontrar ouro e prata no interior do
Vale (ISA: 2005). A mineração foi a primeira atividade econômica na região e acarretou
o estabelecimento de dois cleos populacionais, as vilas litorâneas de Canaia e de
Iguape.
A ocupação mais intensa do interior da região começou a partir do século XVII
com a descoberta das primeiras jazidas de ouro. “Com o intenso fluxo fluvial no rio
Ribeira de Iguape começou a colonização em suas margens e surgiram as cidades de
Sete Barras, Juquiá, Ribeira e Jacupiranga entre outras” (ISA:2005).
A descoberta do minério aumentou a comunicação do litoral com o interior do
Vale. O escoamento do ouro criou a articulação fluvial entre a Vila de Iguape e os
núcleos estabelecidos rio acima, e fez de Iguape um importante porto comercial e
estratégico devel nacional.
Sendo assim, o ouro foi o primeiro produto, mas essa atividade comercial o
durou muito. Com a descoberta de ouro em outras regiões, em Minas Gerais, por
exemplo, a mineração perdeu o posto de principal atividade ecomica ainda no decorrer
do século XVII, embora a exploração de ouro tenha se estendido até o início do século
XIX (ISA:2005).
Após o ciclo do ouro, houve o desenvolvimento de uma agricultura comercial,
sendo o arroz o principal produto e o Porto de Iguape o responsável pelo escoamento de
toda a produção.
O arroz tornou-se o principal produto agrícola, com a utilização de mão de obra
escrava, e passou a ser exportado para mercados europeus e latino-americanos. O
21
crescimento da demanda fez com que fosse necessário facilitar o escoamento da
produção arrozeira pelo porto de Iguape e baratear os custos com fretes. Por essa
razão, em 1825, foi construído o Canal de Valo Grande, interligação entre o rio
Ribeira de Iguape e o Mar Pequeno. (ISA:2005)
Mas devido às drásticas variações de mercado, e a uma grande dificuldade de
produção, o ciclo ecomico do arroz também entrou em colapso. Agregado ainda à forte
expansão das lavouras de café e a abolição da escravatura, até então a principal força de
mão-de-obra das lavouras. O conjunto desses fatores acabou por levar ao colapso do
cultivo de arroz e também à derrocada de toda a região, que entra em estagnação
econômica. “A economia do Vale regrediu voltando ao estágio de agricultura de
subsistência, que se prolongou e foi responsável pela acentuada decadência econômica
regional” (ISA:2005).
No começo do século XX começaram o plantio da banana e do chá com os
japoneses. Nos anos de 1960, a ligação da região através da construção de estradas de
asfalto, facilitou o acesso à região, “melhorando” um pouco o desenvolvimento local.
Outro fator histórico que afeta o desenvolvimento da região é a importância
ecológica da Bacia do Rio Ribeira de Iguape. As discussões de proteção ecológica da
região, iniciadas na década de 1960, optaram pela criação de grandes áreas de proteção
ambiental e de áreas de reserva florestal (parques). Estas áreas de proteção afetam
diretamente as populações nativas (índios, caiçaras, ribeirinhos e quilombolas)
dificultando e às vezes privando-os, do uso da terra, ou seja, do trabalho que garante a
estas populações sua subsistência. Como também destaca o ensaio, Vale do Ribeira: um
ensaio para o desenvolvimento das comunidades rurais”.
Esta exclusão foi, mais recentemente, reforçada em razão das severas leis de proteção
ambiental, que impuseram limitações às tradicionais atividades dos pequenos
produtores familiares – sem dúvida algumas importantes, mas implantadas sem uma
alternativa que considerasse a necessidade de geração de emprego e renda para a
população local. Cerca de 75% das terras da região são regidas por leis de proteção
ambiental, sendo que 58% dessas áreas são institucionalmente protegidas sob a forma
de parques e estações ecológicas de propriedade pública, o que impõe a proibição de
22
qualquer uso econômicoou de áreas de proteção ambiental, com propriedade e uso
do solo privados, porém com restrições de uso (Romão et ali: 2006, p.11).
O mesmo estudo destaca ainda que as restrições das áreas de proteção somadas à
baixa fertilidade do solo e a falta de regularização fundiária geram constantes conflitos de
posse de terra, resultando na marginalização de pequenos agricultores, e ao mesmo
tempo, não oferecem estabilidade para investimentos de maior monta aos agricultores
mais capitalizados.
O problema agrário não atinge apenas o Vale do Ribeira, mas também outras
regiões brasileiras devido à ausência de políticas sérias de Reforma Agrária na história do
país. No entanto, no Vale do Ribeira, a questão agrária somada à ambiental e a presença
de populações tradicionais, faz com a questão ganhe contornos maiores.
A ocupação do Vale do Ribeira é anterior aos questionamentos de cunho ambientalista
que existe sobre a região e, portanto, não havia nenhum discurso sobre eventual
antagonismo entre a presença daqueles habitantes e a preservação ambiental. As
comunidades que lá viviam passaram intactas pelo intensivo processo de
modernização ocorrido no país e, particularmente, em São Paulo. As próprias
condições naturais e sociais do Vale do Ribeira dificultaram sua inserção em um
desenvolvimento agrícola nos moldes como se deu no planalto e, de certa forma para
o bem, no entender de uma vi são ecossocialista marginalizou-a de acompanhar o
dinamismo tecnológico e econômico ocorrido. E quando outras pessoas de fora lá
foram viver também não estava claramente colocada uma questão ambiental e seu
confronto direto com o modo de vida das comunidades. Eram pessoas excedentes de
um processo intensivo de modernização em outras regiões do país que as alijou de
qualquer forma de inclusão social e econômica. Para o Vale do Ribeira, além da
população tradicionalmente residente, ocorreu a migração de uma pequena parcela de
pessoas expulsas de outras regiões, em busca de uma posse de terra que lhes
garantisse a existência (Romão et ali: 2006, p. 19).
Os discursos de modernização e desenvolvimento econômico tornaram-se muito
complexos na região, uma vez que elementos como estes citados acima, não estão longe
solucionados. Para se ter uma idéia, a situação jurídica de grande parte das terras do Vale
do Ribeira se encontra em litígio, na medida em que existem diversas ações judiciais.
23
Na rego do Vale do Ribeira, cerca de 1,5 milhão de hectare encontra-se
juridicamente pendente em processos de regularização de terras, o que chega a
representar 40% de seu território. Em relação ao total da área do Estado de São Paulo
com problemas de legitimação de posse, representa 35%, ou seja, é a área mais
importante com situação dominial pendente. Historicamente foi palco de graves
conflitos pela posse da terra, envolvendo, de um lado, grileiros e seus jagunços e, de
outro, os posseiros, legítimos postulantes. A regularização fundiária, nesse contexto,
garantiria ao pequeno posseiro o domínio da terra, condição necessária para o seu
desenvolvimento socioeconômico (Romão et ali: 2006, págs. 25-26).
Ou seja, dentro do Estado de São Paulo é a região com o maior número de
problemas fundiários. Os números acima reforçam a necessidade de uma movimentação
potica intensa, por parte dos grupos ligados à terra. As comunidades quilombolas estão
dentro deste processo, e têm de se organizar para cobrar do Estado poticas públicas mais
eficientes no trabalho de reconhecimento e titulação de suas terras.
A regularização fundiária no Vale legitimaria o pequeno posseiro que usa a força de
trabalho familiar para sobrevivência, dando a ele o título de domínio que, no regime
jurídico do país, permitiria a obtenção de financiamento para a produção e a
realização de investimentos, significando a inserção de parcela da população no
processo produtivo, a geração de emprego e renda e a diminuição de ocorrência de
conflitos pela posse da terra e de ameas por parte de exploradores de madeira
(Romão et ali: 2006, p. 26).
Provavelmente, a legitimação das terras ajudaria a resolver a questão ambiental,
pois é notória a preservação/proteção, exercida pelas agriculturas tradicionais.
Diferentemente das ações de grileiros e grandes proprietários que têm dinheiro e
máquinas para desmatar grandes áreas.
Como podemos ver na Tabela 2 (Anexos) a situação dominial da Rego do Vale
do Ribeira em 1997 registrava a seguinte situação, dos 1.500.000 ha de terras do Vale do
Ribeira, 135.80 ha (9% do total) foram classificadas como terras devolutas, ou seja,
pertencentes ao Estado, destas 18.300 ha (1% do total), estavam iniciando algum plano de
legitimação, 105.500 ha (7% do total) foram classificadas como áreas remanescentes e
24
apenas 12.000 ha (1% do total) das terras devolutas eram consideradas como terras de
quilombo. A tabela mostra ainda que neste ano (1997), 604.000 ha (40% do total) eram
terras não discriminadas, sendo que destas apenas 170.000 ha (11% do total) tinham
ações em andamento, contra 434.000 ha (29% do total) sem nenhuma ação, ou seja, os
números mostram uma situação jurídica com relação às terras pendente, carente de maior
agilidade de regularização.
A Agricultura Atual do Vale do Ribeira
A principal atividade ecomica da região é a agricultura. O ensaio Vale do
Ribeira: um ensaio para o desenvolvimento das comunidades rurais mostra ainda que as
atuais atividades produtivas nos estabelecimentos agropecuários, distribuídos nos 23
municípios do Vale do Ribeira, agregam poucas culturas, sendo o destino da produção
preponderantemente entregue para intermediários. Destaca também a marcante presença
de produção agrícola voltada para a subsistência.O Vale do Ribeira, um dos últimos
remanescentes da Mata Atlântica, possui uma agricultura que se caracteriza por deter
uma das maiores produções mundiais de banana, além de outros produtos como
hortaliças frutosas, grãos, gado, frutas, plantas ornamentais, etc.” (Romão et ali: 2006,
págs. 70-71).
O ensaio utilizou unicamente os dados do Instituto de Economia Agrícola
3
e do
Censo Agropecuário do IBGE, realizado em 1998, uma vez que estas eram as únicas
fontes de informação sobre o estado recente da estrutura agropecuária brasileira. Sendo a
produção do Vale classificada em dois tipos: culturas permanentes e culturas temporárias.
Em 2000, o Vale do Ribeira apresentou um valor da produção agrícola total em torno
de R$ 173 milhões, dos quais quase R$ 113 milhões (65%) são originários das
culturas permanentes e um pouco mais de R$ 60 milhões (35%) de culturas
temporárias. Ao observar a distribuição espacial do VPA, verifica-se que o munipio
de Apiaí mostra o maior valor, da ordem de R$ 49 milhões (29%), sendo o único valor
expressivo em termos de exploração com cultura temporária. A seguir, têm-se os
municípios de Registro com R$ 22 milhões (13%) e Pariquera-Açu com R$ 20
3
Através dos dados do Instituto de Economia Agrícola é calculado o Valor da Produção Agrícola (VPA).
25
milhões (12%), em que o valor da produção decorre preponderantemente da
exploração de culturas permanentes. Enquanto esses três municípios participam com
54% do total do valor da produção, os 20 municípios restantes apresentam
participação de apenas 44% e, individualmente, não atingem nem 10% do total do
valor de produção do Vale do Ribeira (Romão et ali: 2006, p. 71).
A citação indicou que as concentrações econômicas na região são dispares, pois
mais da metade da produção é concentrada em apenas três cidades, as demais (20) são
responsáveis pelo restante da produção, embora individualmente não atinjam 10% do
total do valor produzido. Observa-se, também uma concentração do valor da produção
das culturas temporárias em torno do município de Apiaí, e das culturas permanentes em
torno dos municípios de Registro e Pariquera-Açu.
As culturas temporárias estão espalhadas por todos os 23 municípios do Vale, e
como podemos verificar na citação acima representam 35%, R$ 60 miles, do total
produzido no Vale que foi de R$ 173 milhões. Destacaram-se: o tomate, que em 2000,
teve produção de R$ 52,2 milhões; o milho, R$ 2,7 milhões; a mandioca, R$ 1,5 milhão;
o feio, 1,2 milhão; o arroz, 1,2 milhão e a batata doce, R$ 0,6 milhão.
As demais culturas temporias, apesar de apresentarem um valor de produção
relativamente pequeno no que se refere ao tomate, são extremamente importantes pela
sua participação na cesta básica do brasileiro, destacando-se o arroz, o feijão, a
mandioca e o milho, o qual além de seu consumo direto é utilizado como ração na
criação de animais (Romão et ali: 2006, p. 72).
Já as culturas permanentes que corresponderam em 2000 a R$ 113 milhões de
reais produzidos, são representadas pelos seguintes produtos pela ordem de importância
de valor de produção; banana, R$ 74,4 milhões; tangerina, R$ 15,9 milhões; maracujá,
R$ 13,6 milhões; c, R$ 4,7 milhões; palmito, R$ 2,3 milhões; goiaba, R$ 0,37 milhão e
a borracha com R$ 0,31 milhão.
A banana, encontra-se distribuída em dez dos 23 municípios, os quais respondem por
97% do total do valor de sua produção: Registro (16%), Sete Barras (12%), Itariri
(12%), Jacupiranga (10%), Miracatu (10%), Juquiá (10%), Pedro de Toledo (8%),
26
Cajati (8%), Eldorado (5%), Iguape (5%); os demais municípios são pouco
expressivos em relação aos citados no que se refere ao cultivo da banana (Romão et
ali: 2006, p. 72).
A produção de tangerinas e maracujás concentram-se nos municípios de
Pariquera-Açu e Registro. Outras culturas permanentes como o chá, por exemplo, tem
participação modesta e se concentram também nesses municípios. Vale ressaltar a
produção de palmito em Cajati, da goiaba em Registro, Pariquera-Açu, Iguape e Eldorado
e da borracha em Registro, Jacupiranga, Sete Barras e Eldorado,constatou-se que um
número pequeno de lavouras temporárias e permanentes é responsável pela maior parte
do valor da produção, e tendem, também, a se concentrar espacialmente em certos
municípios.” (Romão et ali: 2006, p.73). Esses dados podem ser melhor visualizados nas
Figuras 01 e 02, retiradas do ensaio e presentes nos Anexos.
No setor industrial, destacam-se a Serrana S/A de Mineração, com a exploração
do fosfato e do calcário, em Cajati, e a empresa de cimento Portland Eldorado, do grupo
Moinho Santista e Camargo Corrêa, em Apiaí; já os municípios de Eldorado, Juquiá e
Registro comportam pequenas indústrias em setores diversificados. A partir dos anos
1980, algumas alternativas de geração de renda têm sido implementadas na região, como
a piscicultura, a apicultura e a crião de búfalos.
O rio Ribeira de Iguape nasce no Para e deságua no Oceano Atlântico, no
município de Iguape. Percorre 520 quilômetros de extensão, constituindo-se o único
grande rio brasileiro sem barramentos. Ao longo de seu curso, com fins de geração de
energia elétrica. No mapa 01 dos anexos podemos observar as barragens projetadas para
o Rio Ribeira de Iguape, e a área prevista de alagamento (Mapa 01 - Anexo).
Desde a década de 1960, e principalmente na década de 1970,
A CESP cogita a construção de barragens no Rio Ribeira de Iguape. Mas é somente na
década de 1980, que as comunidades passam a enfrentar aquele que é um dos
principais focos de atenção dos movimentos sociais na região: o pedido de construção,
pela Companhia Brasileira de Alumínio (Grupo Votorantim) da Usina Hidrelétrica de
Tijuco Alto, a primeira de um projeto de três barragens no Rio Ribeira de Iguape. Em
1994, a hidrelétrica obteve licenças prévias dos governos de São Paulo e Paraná.
27
Liminar obtida em ação civil pública levou o caso para o Ibama, pois o Ribeira de
Iguape é um rio federal (Wongtschowski: 2002, p. 7).
Em 1988, a Companhia Brasileira de Alumínio- CBA - grupo Votorantin, com o
objetivo de aumentar a exportação de alumínio para EUA, Europa e Japão, iniciou os
estudos para a construção da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto. Simultaneamente, a
Companhia Energética do Estado de São Paulo (CESP) também passou a analisar a
hipótese da construção de mais três hidrelétricas: Itaóca, Funil e Batatal, com o objetivo
de aproveitamento múltiplo - geração de energia e controle das cheias. “Apesar de a
Usina de Tijuco Alto não atingir diretamente as comunidades remanescentes de
quilombos locais, a estratégia adotada é a de impedir a construção da primeira
barragem do projeto, que provavelmente abriria caminho para as demais (Itaóca, Funil
e Batatal) já anteriormente embargadas por questões sócio-ambientais
(Wongtschowski: 2002, p. 7). Assim os movimentos sociais, como destaca
Wongtschowski, visam a proteção das terras quilombolas, e da grande diversidade
biológica.
A região também concentra o maior número de comunidades de quilombos do
Estado de São Paulo, as quais, na sua grande maioria, estão localizadas às margens do rio
Ribeira de Iguape. São atualmente mais de 60 comunidades de quilombo, sendo que
apenas 21 são reconhecidas como tal, e apenas 05 têm a titulação oficial de suas terras.
Como mostram as tabelas seguintes:
A. Comunidades Reconhecidas e Tituladas:
Quilombo Município
São Pedro Eldorado
Ivaporunduva Eldorado
Pedro Cubas Eldorado
Pilões Iporanga
Maria Rosa Iporanga
B. Comunidades reconhecidas sem título de terras:
28
Galvão Eldorado
Sapatu Eldorado
André Lopes Eldorado
Nhunguara Eldorado/Iporanga
Praia Grande Iporanga
Porto Velho Iporanga
Mandira Canaia
Caçandoca Ubatuba
Cafundó Salto de Pirapora
Jaó Itapeva
Capivari Capivari
Pedro Cubas de Cima Eldorado
Morro Seco Iguape
Cangume Itaóca
Camburi Ubatuba
Brotas Itatiba
Finalizamos aqui a descrição de nossocenário”. O Vale do Ribeira é uma região
em muitos aspectos sui generis, pois engendra uma grande contradição, rico em flora e
fauna e empobrecida economicamente e em desenvolvimento. Esta descrição teve por
objetivo situar às particularidades do nosso “cenário”.
Antes de prosseguirmos, algumas perguntas são necessárias. O que vem a ser um
remanescente de quilombo? Ou mesmo um quilombo? Atualmente o que entendemos por
quilombo?
Questões fundamentais para nosso trabalho, pois, respondendo-as, estaremos
compreendendo como estas comunidades se organizam e se mantêm até os dias de hoje, e
quais são suas demandas e reivindicações. Mas para isso é necessário analisarmos textos
clássicos sobre o tema e buscar formar um quadro teórico, que nos dê elementos para
entender o que vem a ser um quilombo, ou um remanescente de quilombo.
29
Os quilombos ontem e hoje: uma discussão histórica, política e antropológica
Conceituar o que é um quilombo é uma tarefa que tem ocupado um vasto espaço
de discussão entre historiadores, sociólogos, antropólogos, ensaístas e juristas. Uma vasta
historiografia foi produzida. O presente trabalho teve por objetivo refazer toda essa
discussão, mas é importante retomar algumas questões contidas nessa historiografia.
Veremos que não é só de fugas que os quilombos foram formados e que a história
de sua resistência ocupa lugar de destaque na história nacional. A nosso ver, devemos
entender como ocorreu à escravidão no Brasil, e discutir o que foi a escravidão colonial e
como essa atuou sobre o africano escravizado.
Ressaltamos que, neste trabalho, iremos utilizar duas categorias que reforçam a
necessidade de entender a escravidão enquanto um processo histórico-político. São elas:
escravizados, para se referir aos africanos que sofreram um processo de escravização, ou
seja, a palavra escravizado conota uma cristalização, ou uma naturalização histórica,
escondendo o processo ao qual estes sujeitos foram submetidos. E escravizador, para se
referir aos senhores de escravizados, responsáveis pela manutenção do sistema. As duas
categorias nos protegem de estarmos amenizando ou escondendo os processos históricos
referentes a estes dois sujeitos
4
.
Segundo Jacob Gorender, para entendermos a escravidão colonial brasileira se faz
necessário entender a distinção entre o escravismo da Antiguidade e o da Era Moderna.
Gorender entende que a escravidão da Antigüidade tinha um caráter completamente
diferente, no que tange à relação escravizador versus escravizado, da criada na Era
Moderna.
Na antiguidade, muitas vezes os trabalhadores escravizados trabalhavam lado a
lado com seus proprietários e com homens livres e a escravidão tinha um caráter
patriarcal, que resultava na produção de subsistência. Os escravizados mais hábeis tinham
a chance de comprar sua liberdade e de se inserir na sociedade vigente.
A mudança de uma instituição a outra foi substancial. Temos, na Era Moderna,
uma planificação, o trabalho escravizado ganhou extrema importância para o capitalismo
4
Faremos essa modificação também nas citações, para darmos coerência ao nosso discurso, pois
entendemos que os autores utilizados já realizam tal discussão, só não alteram os termos em seus trabalhos.
30
mercantil. Ainda segundo Gorender,(...) o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu
dentro de um determinismo sócio-econômico rigorosamente definido, no tempo e no
espaço. Deste determinismo de fatores complexos, precisamente, é que o escravismo
colonial emergiu como um modo de produção de características novas, antes
desconhecidas na história da humanidade” (Gorender, 1988: p. 40).
O trabalho escravizado passou a ser a base, ou seja, tornou-se instrumento-chave,
do processo de acumulação do capital, apoiada na monocultura agro exportadora.
[...] temos produção escravista quando parcela dos bens sociais é produzida, em forma
plena ou sistemática, pelo trabalhador escravizado [...] uma sociedade pode ser
considerada escravista apenas quando a produção escrava submete as outras formas de
produção e a própria formação social e a sua dinâmica (Fiabani: 2005, p.16).
Logo, dentro desta nova situação, a relação escravizador versus escravizado,
passou a atuar sobre o trinômio: exploração, colonização e escravização. O ambiente de
mercado competitivo, de altas demandas e da busca incessante por altos lucros, levou os
escravizadores a querer retirarem de maneira mais rápida e com custos cada vez menores,
a maior quantidade de trabalho de seus escravizados.
O Brasil foi uma das primeiras nações do Novo Mundo a organizar o escravismo e a
última a concluí-lo. Também foi ali que desembarcou o maior número de africanos
escravizados. A economia escravista nacional produziu a mais rica gama de
mercadorias coloniais como-de-obra servil: açúcar, arroz, café, charque, fumo,
pau-brasil, ouro, etc (FREITAS: 1982, p.10).
Do lado do escravizado então, surgiram inúmeras formas de resistência contra tal
exploração. Ressalta que a resistência não se iniciou apenas na alta exploração, mas
desde o momento em que o africano escravizado foi arrancado a força de seu lugar de
origem. Diversas formas de resistência foram criadas em oposição ao regime escravista.
Como por exemplo, o trabalho moroso dos escravizados quando não estavam sob o olhar
dos escravizadores, até a sabotagem de máquinas e ferramentas. Sendo que a resistência
não se encerrou apenas contra os fatores econômicos ou condições de trabalho. A
resistência negra é presente na vida social, potica e cultural.
31
Os trabalhadores feitorizados serviram-se de diversos meios para se opor, de forma
consciente, semiconsciente e inconsciente à exploração escravista, destacando-se entre
eles a resistência na execução do trabalho; a apropriação de bens por eles produzidos;
o justiçamento de escravistas e prepostos; o suicídio; a fuga; o aquilombamento; a
revolta; a insurreão. O cativo resistiu ininterruptamente, mesmo quando se
acomodava à escravidão (FIABANI: 2005, p. 7).
Entre estas formas de resistência, o “aquilombamento” surgiu como uma das mais
corriqueiras e freqüentes durante todo o período escravista brasileiro, pois desde a
chegada dos primeiros africanos escravizados no Brasil já existiam os quilombos. Os
quilombolas, segundo Clóvis Moura, tiveram um importante papel de negação do regime.
O quilombola era o elemento que, como sujeito do próprio regime escravocrata,
negava-o material e socialmente, solapando o tipo de trabalho que existia e
dinamizava a estratificação social existente. Ao fazer isso, sem conscientização
embora, criava as premissas para a projeção de um regime novo no qual o trabalho
seria exercido pelo homem livre e que não era mais simples mercadoria, mas
vendedor de uma: sua força de trabalho (Moura: 1988, p. 269).
Os quilombos nasceram como fator de oposição e resistência ao regime escravista.
Surgiram das contradições do sistema e, portanto significaram para os escravizados uma
forma de contestação e negação de sua situação.
Para entendermos os quilombos no Brasil é necessário rever algumas definições e
enquadramentos que aparecem na representação sobre este femeno. A mais corriqueira
delas é de que todos os quilombos foram formados por negros fugidos. A fuga aparece
como fator principal e mais corriqueiro na formação dos quilombos, de certa forma
minimizando outros fatores.
A forte influência histórica exercida pelo Quilombo de Palmares na historiografia
sobre o tema. Ou seja, a grande maioria dos estudos sobre quilombos se fundamenta na
experiência palmarina.
Fato que de um lado é positivo (Palmares realmente foi a maior experiência de
resistência negra na forma de quilombo), e sua história ajuda a montar vários aspectos da
vida em quilombo, além de ter sido o quilombo mais documentado pelos cronistas e
32
departamentos oficiais da época. O lado negativo é que a maioria dos quilombos
brasileiros não foram tão grandes como Palmares, eram compostos de número reduzido
de escravizados, vivendo de pequenas lavouras, de trocas, furtos e trabalho para outros
escravizadores.
Outros temas que perpassam a discussão sobre os quilombos dizem respeito ao
seu fim e a sua reprodução: se eles eram contra a ordem vigente, ou se os negros
aquilombados fugiam apenas por causa dos maus tratos. Negociavam melhores
tratamentos. Esses pontos mesclados ainda, por muitos autores, se os quilombos eram
“pedaços da África no Brasil”. Ou seja, eram pontos de resistência cultural africana
contra a aculturação européia.
Nossa dissertação pretende contribuir de alguma forma para a desmistificação de
certas representações sobre as comunidades quilombolas. Utilizaremos algumas
discussões (da historiografia sobre os quilombos) para entendermos como os quilombos
do Vale do Ribeira, e de outras regiões do Brasil, puderam sobreviver e conservar muito
de suas tradições de origem. Entender como, a partir do Artigo 68 da Constituição
Federal, houve uma nova forma de se encarar a questão do “ser quilombo ou
quilombola”, ou seja, mostrar que é possível fugir de uma visão “arqueologizante” do que
vem a ser quilombo. Prática que com o Artigo 68 de certa forma toma conta das políticas
criadas para essas comunidades.
Quilombos: um tema, várias histórias.
A mais antiga concepção de quilombo registrada formalmente é uma resposta do
Rei de Portugal a Consulta do Conselho Ultramarino com data de 2 de dezembro de
1740, e definia quilombo como: “Toda habitação de negros fugidos que passem de cinco,
em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões
neles.
O livro,O escravismo brasileiro” de Décio Freitas (1982), contém uma
competente discussão do que vem a ser quilombo e a origem do termo. Mas antes da
definição, Décio Freitas apresenta uma série de dados pertinentes sobre a escravidão
brasileira.
33
Décio Freitas encarava a resistência negra como luta de classes entre os
proprietários e os trabalhadores escravizados. Para ele, nenhuma categoria social lutou de
forma mais veemente contra a escravidão que a dos próprios escravizados.
O Brasil assinalou o recorde americano no tráfico de escravizados, importando perto
de 40% do total de nove milhões e quinhentos mil negros transportados para o Novo
Mundo: nove vezes mais que os Estados Unidos (6%) e bem mais que o dobro da
América Hispânica (18%), do Caribe inglês e do Caribe francês (17%) (Freitas: 1982,
p.11).
A força destes números reflete a importância que a adoção da escolha do sistema
de escravidão teve dentro do processo de colonização. Freitas destaca que, se não
houvesse escravidão negra, não vingaria a colonização,
A solução (para a colonização) seria a utilização de um camponês que pudesse ser
obrigado a ficar na terra e trabalhar nas condições impostas pelo dono da plantação,
permitindo a obtenção de máximo lucro. Havia de ser um camponês impossibilitado
de ir embora se não estivesse satisfeito; um camponês que constituísse, ele próprio,
propriedade do dono da plantação, para dele usar e abusar; um camponês sujeito a
uma dependência jurídico-institucional - em suma, um escravizado. Daí a conclusão
de Wakefield: sem escravidão, não seria possível a exploração lucrativa das colônias;
a única base natural da riqueza colonial era a escravidão (Freitas, 1982, p.19). (grifo
meu)
Ao falar da resistência negra concluiu que os escravizados não tinham um
projeto comum”, ou seja, não tinham como se organizar em conjunto contra o sistema de
escravidão.
o pensavam seriamente em derrubar o sistema escravista. Sequer plausível que lhes
passasse pela cabeça a idéia de promover um levante geral, (...) os trabalhadores
escravizados não tinham condições objetivas mínimas para se elevarem à consciência
de que só com união de todos conseguiriam extirpar a escravidão para sempre
(Freitas: 1982, p.28)
.
34
Mas isso não desqualifica e nem diminui a resistência negra, que ele destaca como
vital para se entender a história brasileira. Uma das faces desta resistência foi o
surgimento dos quilombos, na formação social escravista do Brasil, o instrumento por
excelência da luta dos escravizados proletários foi o quilombo (Freitas: 1982, p. 29).”
Na verdade, enquanto houve escravidão no Brasil, os escravizados se revoltaram e
marcaram sua revolta em protestos veementes, cuja interação não encontra paralelo na
história de qualquer outro país do Novo Mundo. Essas revoltas dos explorados ainda
não adquiriram no Brasil aquilo que Lucien Febvre denominou lapidarmente de
"direito à hisria". Não apenas são mal conhecidas - em geral sequer se faz idéia da
sua freqüência e intensidade - senão que tratadas como episódios marginais do
processo histórico brasileiro. Todavia, em que pese suas limitações e particularmente
sua incapacidade para derrubar o sistema escravista, constituem o próprio tecido da
luta de classes naquele período da história brasileira (Freitas: 1982, pp. 28-29).
Assim, Freitas aprofundou a discussão da adoção do nome quilombo aos
ajuntamentos de escravizados resistentes. Para ele o termo quilombo é o
aportuguesamento de Kilombu, estrutura homônima que floresceu em Angola nos séculos
XVII e XVIII, que em quimbundo significa arraial ou acampamento. Os quilombos
angolanos representavam esporadicamente (icio do século XVII), uma forma de
resistência à conquista lusitana. Embora Freitas tenha admitido que o termo seja o
aportuguesamento de Kilombu, ele vê distinção entre o que foi o quilombo em Angola e
o que veio a ser no Brasil. Uma verificação histórica mais contundente desautorizaria a
conclusão de que o quilombo brasileiro seria uma recriação de uma forma de luta (ou
resistência) trazida de Angola.
Uma vez que o maior contingente de escravizados brasileiros proveio de Angola,
ganha verossimilhança a hipótese de que se tenha recriada uma experncia de luta da
África. A investigação histórica desautoriza semelhante conclusão. Antes de tudo, não
foi seo a contar do início doculo XVIII que em algumas regiões se começou a dar
o nome de quilombo às comunidades de escravizados insubmissos - mocambos - A
documentação histórica dá notícia de tais comunidades já nos fins do século XVI,
denominando-se de mocambos (Freitas: 1982, p.30).
35
O termo quilombo, segundo Freitas, aparece séculos mais tarde (século XVIII), na
documentação oficial de Minas Gerais e depois, no século seguinte, na documentação do
extremo sul do país.
De todo modo, os senhores-de-escravizados, e especialmente os capies-do-mato,
sempre preferiram o termo mocambo para designar as comunidades de escravizados
rebeldes. Tudo indica que quilombo foi consagrado por historiadores e antropólogos,
o primeiro dos quais parece ter sido Francisco Adolfo de Varnhagen (Freitas: 1982,
p.30).
Ainda de acordo com o autor, mesmo que a investigação histórica elucide que não
houve semelhança entre as comunidades (quilombos) dos escravizados brasileiros e dos
africanos angolanos. Em Angola os quilombos não passaram de simples aglomerações de
palhoças, de fácil construção e remoção, que traduziam uma preocupação de defesa
militar.
Vê-se de tudo isso que o quilombo angolano desempenhava o papel de base e
instrumento do tráfico negreiro. O quilombo dos negros brasileiros, por seu lado, foi
um baluarte na luta e resistência contra a escravio. O termo quilombo revestia,
evidentemente, um significado sinistro para os negros, muitos dos quais havia sido
reduzidos à escravizados naqueles ergástulos. Não é verossímil que batizassem de
quilombos os seus bastiões livres. Contrariamente, para os senhores de escravizados,
aquelas aglomerações de negros deviam evocar os quilombos angolanos - viveiros de
escravizados. Os senhores, não os escravizados, devem haver adotado o termo
quilombo. O uso consagrou-o, impondo ainda hoje seu emprego, feita a reserva de que
não se tratava da mesma coisa, em nenhum sentido. Na verdade, o quilombo brasileiro
se afigura numa criação original, inspirada pelas peculiaridades do sistema escravista.
A análise do mesmo torna evidente que não houve sequer semelhança entre os dois
quilombos (Freitas: 1982, p. 35).
Freitas também classificou os quilombos em sete tipos diferentes, de acordo com
suas “estruturas econômicas”: agrícolas, mineradores, extrativistas, mercantis, pastoris,
predatórios e os quilombos de serviço. Além disso, discutiu a apropriação do trabalho
excedente nos quilombos, onde tal apropriação, na maioria das comunidades, era de
36
cunho comunal, “‘Tudo era de todos, nem meu nem teu’, nos diz um documento sobre os
quilombos mineiros. De fato, a produção era depositada em paióis coletivos e, a seguir,
distribuída segundo as necessidades dos habitantes (Freitas: 1982, p.43).”
Outro ponto importante nas análises de Freitas foi o de destacar que não era por
ser negro, que os escravizados produziam pouco e mal nas plantações e engenhos, mas
por serem submetidos a um processo de escravização forçado e em condições de trabalho
humilhantes. Foi observado também existência de um parentesco simbólico entre os
quilombolas.
A consciência de pertencer a um quilombo, lugar seguro contra a escravidão,
formava o tecido das relações sociais. Através do quilombo o indivíduo se agregava à
família dos que resistiram e lutavam contra a escravidão. A negação da escravatura
representava a ideologia dos quilombolas (Freitas: 1982, p.44).
Conhecida a origem do nome e seu contexto dentro da escravidão brasileira
consideramos necessário entender o que os quilombos representaram em alguns
momentos da história brasileira. No Brasil Conia os quilombos eram considerados
nocivos à ordem estabelecida, representavam ameaça e medo para os senhores de
escravizados e suas famílias.
Historiadores como o holandês Gaspar van Barleu e o historiador baiano
Sebastião da Rocha Pita, defensores do regime escravocrata e contemporâneos de
Palmares, escrevem verdadeiras apologias às bandeiras preparadas contra os quilombos.
Ressaltam também que este tipo de resistência negra representava uma constante ameaça.
Para Barleu, os palmarinos eram salteadores e escravizados fugidos, ligados
numa sociedade de latrocínios e rapinas, os quais eram dali mandados às Alagoas para
infestarem as lavouras” (apud Fiabani: 2005, p. 38).
O historiador Sebastião da Rocha Pita, constatou que os trabalhadores
escravizados fugiam dos "senhores de quem eram escravizados, não por tiranias que eles
experimentassem, mas por apeteceram viver isentos de qualquer domínio". (apud
Fiabani: 2005, p. 41).
Rocha Pita, descreveu a organização estatal dos palmarinos, “[...] uma república
rústica e a seu modo bem ordenada". Os habitantes de Palmares possuíam um chefe, que
37
na análise deste historiador, chamaram de príncipe, e propôs também a existência de um
conselho. Destacou que as regras dentro do quilombo de Palmares eram rígidas. Crimes
como o homicídio, o adultério e o roubo, eram punidos com a pena de morte.
As análises, mesmo de apologetas do sistema escravista, indicavam que os
quilombos, neste caso o de Palmares, tinham uma organização nima, ou seja, uma
ordem e uma liderança. Embora, como veremos mais adiante, essa organização não esteja
organizada para acabar com o sistema, estava voltada para a preservação da liberdade.
Caminhando na história brasileira verificamos que no Império a visão dos
escravizadores sobre quilombos não muda substancialmente da visão colonial.
Intensificavam-se ainda mais a classificação dos quilombos como nocivos à ordem.
Adolfo Varnhagen discorda de Rocha Pita, quando este qualifica a organização
estatal de Palmares como uma república, mesmo que rústica. Varnhagen desprezou de
certa forma, a capacidade de organização dos palmarinos que, segundo ele, seriam
incapazes de constituírem um governo centralizado. Via certo exagero nas análises que
atribuíram aos quilombolas palmarinos viverem em uma república constituída sob leis e
com um determinado líder. Enalteceu as forças que destrram Palmares em 1697, e
atribuiu caráter de herói a Domingos Jorge Velho, pelo projeto vitorioso de destruição do
quilombo de Palmares.
Adolfo Varnhagen realçou a obra do brasileiro, leia-se – o paulista – na destruição
de Palmares, em detrimento à administração lusitana. (Fiabani: 2005, p. 53). E conclui a
sua descrição do período, dizendo que a destruição e apreensão dos cativos foram um
ótimo negócio e uma obra de civilização.
Ainda segundo Varnhagen, a “obra de civilização”, foi manter inalterado o
território nacional, ou seja, se uma experiência como Palmares fosse vitoriosa, atualmente
existiria um país ou uma república negra dentro do território brasileiro. A preocupação
com a integridade territorial (leia-se: posse da terra), foi uma constante entre os
historiadores brasileiros, principalmente os alinhados às elites de poder.
Como vimos, o conceito de quilombo nos períodos de Colônia e Império estavam
fortemente vinculados a um fenômeno contra a ordem estabelecida. As obras desses
períodos enaltecem as expedições de busca e recaptura, e apresentam um forte discurso
justificatório da escravidão dos negros africanos, considerando que estes, fora do regime
38
escravocrata, não teriam capacidade de organização e que eram contra a civilização, pois
são inaptos para tal.
Os Africanos no Brasil: Nina Rodrigues
O médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues, escreveu sobre o passado e as
culturas das comunidades africanas e afro-brasileiras. A visão de Nina Rodrigues sobre
os quilombos pode ser encaixada no ponto de vista restauracionista e com forte apelo
evolucionista, já que para ele os negros aquilombados tinham como principal objetivo
restaurar suas vidas em África, ou seja, reconstruir a África no Brasil em virtude de sua
inaptidão de convivência com a civilização ocidental.
De acordo com Maria de Lourdes Bandeira, os estudos negros no Brasil são
oriundos de quatro vertentes:negros como expressão de raça”: discursos evolucionistas
com desdobramentos racistas, miscigenação e branqueamento; “negro como expressão de
cultura”: aculturação e seus desdobramentos culturalistas; “negro como expressão
social”, estudos que valorizam o papel dos negros na sociedade, tendo uma postura mais
crítica dessa participação e a última vertente que “tem se caracterizado pela utilização
científica de orientações teóricas e metodológicas da antropologia social”. Além destas
vertentes, os estudos estão divididos em quatro áreas: “1. o negro e a comunicação; 2. o
negro em contexto religioso; 3. o negro no sistema de relações raciais; e 4. o negro em
condições de vida rural” (Bandeira: 1988, pp. 16-18). Segundo ela Nina Rodrigues se
encaixa na,
[...] primeira vertente, [...], aborda o negro como “expressão de raça". Essa vertente é
tributaria teórica do estuário evolucionista e seus desdobramentos racistas. Seu mérito
[Nina Rodrigues] é o de ter registrado e preservado dados empíricos sobre as
populações negras que vieram para o Brasil - em especial para a Bahia, a maior
importância para a análise e interpretação do problema do negro na sociedade e
Estado nacional (Bandeira: 1988, p. 15).
39
Nina Rodrigues, assim como Varnhagen, reforçou a idéia de que a destruição de
Palmares pelas armas coloniais foi uma obra inestimável e relevante para a civilização do
futuro povo brasileiro, “nesse novo Haiti, refratário ao progresso e inacessível à
civilização, que Palmares vitorioso teria plantado no coração do Brasil”. (Rodrigues:
1976, p 78). Ao comentar a de organização do quilombo Nina Rodrigues ressaltou,
"[...] das descrições conhecidas é que em liberdade os negros de Palmares se
organizaram em um Estado em tudo equivalente aos que atualmente se encontraram
por toda a África ainda inculta. A tenncia geral dos negros é a se constituírem em
pequenos grupos, tribos ou Estados em que uma parcela variável de autoridade e
poder cabe a cada chefe ou potentado" (Rodrigues:1976, p. 77).
Segundo Fiabani, Nina Rodrigues discordou de Rocha Pita, que qualificou
Palmares como uma república rústica e bem ordenada a seu modo, argumentando que o
termo “república” não poderia ser entendido como forma de governo. Apegava-se ao
argumento de que em Palmares não existia eleições que escolhessem os seus líderes,
como ocorrem nas repúblicas modernas.
Outro fato importante dos estudos de Nina Rodrigues foi constatar que na
composição de Palmares havia heterogeneidade. O autor enfatizou a presença de
elementos de outras etnias no quilombo de Palmares, afastando-se da visão do quilombo
composto puramente por cativos africanos ou crioulos. Em sua visão racista “científica”,
os brancos, mulatos e nativos contribuíram social, econômica e culturalmente para o
quilombo (Fiabani: 2005, p.56).
Os escravizados com sua história nas mãos
Em Quilombo de Palmares”, o historiador Édison Carneiro, afirmou que a fuga
foi utilizada pelos escravizados para o aquilombamento, “o movimento de fuga era, em si
mesmo, uma negação da sociedade oficial (...) (Carneiro: 1988, p. 11).” Para ele
quilombo era “um fenômeno contra-aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida
impostos pela sociedade oficial e de restauração dos valores antigos (Carneiro: 1988, p.
14).”
40
Para sustentar sua análise, Carneiro reforçou a iia de que o aquilombamento era
uma prática utilizada pelos africanos recém-chegados, e não dos negros crioulos. Pros
que o rigor do cativeiro não foi o principal motivo para a fuga, e que os quilombos
estavam relacionados com os peodos de relaxamento da vigilância no cativeiro,os
quilombos tiveram, pois, um momento determinado. O desejo de fuga era certamente
geral, mas o estímulo à fuga vinha do relaxamento da vigilância dos senhores, causado,
este, pela decadência econômica (Carneiro: 1988, p. 17).”
Sua análise atrelou o fenômeno quilombola, e também a resistência dos
escravizados, aos ciclos econômicos, ou seja, quando os ciclos se encontravam no auge e
em plena produção, o rigor do cativeiro evitou e conteu o ímpeto de fuga. Já nos peodos
de decadência, ocorria um afrouxamento da vigilância, e este era o momento das fugas,
individuais e coletivas.
Ao falar sobre Palmares, Carneiro afirmou que seus participantes viviam em paz,
numa espécie de “fraternidade racial”, e concluiu como Nina Rodrigues, pela existência
da heterogeneidade das populações no quilombo. Também descreveu que o quilombo não
tinha defesa militar e que a sua proteção era baseava na hostilidade da floresta, e numa
ampla rede social que dava sustentação ao quilombo. Palmares estava situado em terras
férteis, próprias para o cultivo e a região era rica em caça e pesca,
A agricultura beneficiava-se, por um lado da fertilidade da natureza e, por outro, do
sistema de divisão de terra. Os palmarinos plantavam feijão, batata-doce, mandioca,
milho, cana-de-açúcar, pacovais – (...) Havia roças de milho, feio, favas, mandioca,
amendoim, batatas, cará, bananas, abóboras, ananases, e até de fumo e de algodão (...)
(Carneiro: 1988, p. 21).
Carneiro discorreu sobre a forma de divisão social do trabalho no quilombo: os
trabalhadores, aparentemente, dividiam-se por duas categorias principais – lavradores e
artesãos. Os escravizados procedentes das fazendas certamente se enquadravam no
primeiro grupo e terão sido os responsáveis diretos pela policultura (Carneiro: 1988, p.
21).”
41
Já as mulheres ficavam responsáveis pela fabricação de roupas com cascas de
árvores e peles de animais. Em Palmares o algodão também era utilizado. Am disso,
segundo Carneiro, as mulheres produziam cestos, abanos e trançados em geral.
Essa “policultura”, destacada pelo autor, influenciou a interação do quilombo com
a sociedade escravista. Esta última, refém da monocultura, utilizava-se dos produtos
produzidos no quilombo. Animais de caça e pesca, a cerâmica e a cestaria dos negros
trocava-se por ferramentas industriais e agrícolas, roupas, armas de fogo e outros
produtos de manufatura.
E essas trocas eram feitas em relativa paz, e só sofriam abalos ou conflitos quando
um dos lados exagerava ou rompia “espaços e acordos” estabelecidos,
Esse comércio direto [entre quilombolas e moradores brancos das proximidades]
reciprocamente benéfico realizava-se habitualmente em paz. Somente às vezes os
quilombolas recorriam às armas contra os moradores brancos - quando estes os
roubavam além dos limites da tolerância ou quando avançavam demais com as suas
terras sobre a área do quilombo (Carneiro: 1988, p. 22).
Ao falar da organização potica de Palmares, Carneiro relatou que a população do
quilombo deu origem a uma oligarquia, constituída de chefes. Essa oligarquia remontou
as tradições africanas, como havia dito Nina Rodrigues. Os indivíduos mais aptos
tornavam-se chefes dando prova de valor ou astúcia, ou adquiriam maior prestígio devido
o sucesso na guerra.
Estas “constatações” estavam baseadas em visões muito pobres e estereotipadas
da organização potica dos povos africanos. Para Carneiro, os chefes se reuniam em
conselho e existiam no quilombo espaços reservados para as reuniões. Carneiro positivou
a ocupação de terras por parte do quilombo:
O quilombo constituiu, certamente, uma lição de aproveitamento da terra, tanto pela
pequena propriedade quanto pela policultura, ambas desconhecidas da sociedade
oficial. (...) o movimento de fuga deve ter contribuído para abrandar o rigor do
cativeiro, mas o quilombo principalmente serviu ao desbravamento das florestas além
da zona de penetração dos brancos e à descoberta de novas fontes de riqueza
(Carneiro: 1988, p. 25).
42
Diferentemente de Varnhagen e Rocha Pita, Carneiro agregou um caráter positivo
à ocupação quilombola e destacou a policultura e a pequena propriedade. Tal destaque é
relevante, pois reaparece nas discussões atuais sobre a ocupação de terras das
comunidades de quilombos, ou seja, retoma-se a “antiga” luta entre o latifúndio e as
pequenas propriedades rurais.
Outro ponto importante da obra de Carneiro foi notar que a luta contra Palmares
não teve apenas cárater de manutenção da ordem. Os quilombos eram exemplos vivos
contra a ordem, e sua existência sempre representou um modelo e uma aspiração para os
escravizados ainda no cativeiro. Carneiro observou também um outro fator na luta contra
os quilombos, ou seja, existia também caráter de cunho comercial, que representava se
apossar de terras já cultivadas pela mão dos quilombolas e também da recaptura de
escravizados fugidos,
Os moradores guerreavam os palmarinos para recuperar os seus próprios escravizados,
fugidos ou raptados para o quilombo, e para garantir a sua própria segurança, (...), a
partir de 1677, porém, a campanha tomou o caráter da luta pela posse das terras dos
Palmares - consideradas, unanimemente, as melhores de toda a capitania de
Pernambuco (Carneiro: 1988, ps. 36 e 37).
Adotando uma linha marxista, encontramos a obra do sociólogo Clóvis Moura,
que deixou o campo de análises etnográficas e folclóricas do problema do negro e passou
a atuar no campo histórico/social, e explicou como uma série de fatos históricos
desencadeou a situação atual dos negros no Brasil. Ele (Clóvis Moura) negou a visão
culturalista e viu o negro no passado como trabalhador escravizado e explorado. O
autor descreveu sem peias o trabalhador escravizado como pólo central do passado
escravista, visão absolutamente revolucionária para sua época (Fiabani: 2005, pp. 85 e
86 – gripo meu)”.
O sociólogo publicou “Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições,
guerrilhas, que destaca a resistência dos escravizados, desde o aquilombamento,
passando por insurreições e até chegar ao uso de táticas de guerrilha. Nesta obra,
observamos que onde houve o uso do trabalho escravizado, houve também resistência.
43
Além disso, a força dessa resistência foi realçada e acabou com a imagem de passividade
do escravizado, dentro do contexto histórico brasileiro.
Definiu quilombo como forma fundamental de resistência, como fenômeno
inerente à escravidão.
O quilombo foi, incontestavelmente, a unidade básica de resistência do escravizado.
Pequeno ou grande, esvel ou de vida precária, em qualquer região em que existisse a
escravio lá se encontrava ele como elemento de desgaste do regime servil. (...)o
era simples manifestação tópica. Muitas vezes surpreende pela capacidade de
organização, pela resistência que oferece; destruído parcialmente dezenas de vezes e
novamente aparecendo, em outros locais, plantando a sua roça, construindo suas
casas, reorganizando a sua vida social e estabelecendo novos sistemas de defesa. O
quilombo não foi, portanto, apenas um fenômeno esporádico. Constituía-se em fato
normal dentro da sociedade escravista. Era reação organizada de combate a uma
forma de trabalho contra a qual se voltava o próprio sujeito que a sustentava (Moura:
1988, p.103).
Para Moura, o quilombo foi um fenômeno geral e constante e refletia a
inconformidade do trabalhador escravizado para com a escravidão, nessa forma
fundamental de resistência”, ele destacou variados aspectos como a fuga para as matas,
onde os escravizados se tornavam senhores absolutos, e que tais fugas preocupavam as
autoridades e os senhores, pois recuperar os “fujões” era uma tarefa difícil.
Ao falar do Quilombo de Palmares, classificou-o como república e atribuiu o
sucesso do quilombo não só aos aspectos organizacionais, mas principalmente aos
aspectos naturais, pois Palmares se edificou numa região de florestas impenetráveis e de
abundantes riquezas naturais.
Moura concordou com as idéias de Nina Rodrigues e Édison Carneiro no que
tange à escolha dos líderes em Palmares.uma imitação dos muitos reinos existentes na
África onde o chefe é escolhido entre os mais capazes na guerra e de maior prestígio
entre eles, [...] a república era dirigida por um conselho composto dos principais chefes
dos quilombos espalhados pela região (Moura: 1988, p. 207).”
Outro fato importante na obra de Moura foi reforçar a participação dos
escravizados nos levantes e revoluções como Inconfincia Mineira, a Revolução dos
44
Alfaiates, a Revolução de 1817, entre outras. Na verdade, os cativos não lutaram pelos
ideais dos movimentos, mas pela liberdade. A análise de Moura reforçou o caráter
coletivo da resistência escrava, minimizou a importância das fugas individuais, e
valorizou o caráter coletivo das fugas e das lutas, que se deram na forma de guerrilhas e
insurreões.
Mas não podemos deixar de citar uma crítica que as conclusões de Clóvis Moura
podem gerar. Ao dar ênfase às fugas, imagina-se que esta era a mais eficiente das formas
de resistência e que outras não existiram.
Moura estabelece dicotomia abstrata, que não corresponde à vida real dos homens
cativos, adaptação não é sinônimo de passividade. A negão da opressão veio dos
quilombos, que o fizeram com audácia expressa, mas também veio daqueles queo
tiveram alternativa senão a de se adaptar ao trabalho sob ameaça constante do relho.
Aqui, a negação alcançava manifestações contundentes de maneira episódica, mas se
fez sentir no cotidiano, sob formas e aspectos variadíssimos. (Gorender: 1991, p.35)
A ótica de Edison Carneiro e Clóvis Moura, diferentemente, de autores como
Varnhagen, Rocha Pita e Nina Rodrigues, dá mais “voz” e “ão” aos escravizados,
passando a tratá-los como sujeitos de sua história. Esta participação histórica ocupa
atualmente lugar de destaque em vários movimentos sociais. Nas lutas pela terra, lutas
por habitação e saneamento, nas lutas contra as barragens e hidrelétricas. Ou seja, os
descendentes dos negros escravizados mais do que antes, participam (na zona rural ou
urbana) das principais lutas. Será possível reforçar esse fato quando visitarmos no
capítulo 2, a organização potica e social dos quilombos e de que forma se articulam os
objetivos de trabalho do Moab.
Neutralização do Determinismo Cultural
Seguindo nossas análises sobre o que vem a ser quilombo dentro da historiografia
brasileira, vale ressaltar a análise de Maria de Lourdes Bandeira,Território Negro em
Espaço Branco”, sobre a redução que comumente se faz quando se associa a resistência
negra à preservação da cultura. A preservação de práticas culturais, modos de vidas,
45
costumes e tradições caminham juntos com a resistência, mas muitas análises insistem
em reduzir a resistência negra apenas ao fator cultural. Ponto de vista equivocado, pois
atribui à análise da cultura um viés menico e determinista.
A cultura é concebida como uma realidade supra-social, um sistema independente e
autônomo que age sobre a realidade histórica, econômica e social, sem por ela ser
afetada. A dinâmica cultural é tratada mecanicamente, privilegiando a origem do tro
ou pado cultural como base de correlações e explicações (Bandeira: 1988, p. 16).
Para ela os culturalistas identificaram o sincretismo religioso, por exemplo, como
uma solução do “projeto” de resistência do negro. “O reconhecimento e valorização do
negro como agente de cultura encaminharia a solução ao nível das relações sociais e
raciais” (Bandeira: 1988, p. 16).
Essas análises sobre cultura confundem como ocorreram as verdadeiras lutas e
quais foram os reais meios de resistência utilizados pelos negros escravizados no Brasil,
principalmente quando falamos em quilombos. Assim, não devemos pensar, por exemplo,
nos quilombos, anteriores e atuais, como comunidades constrdas, simplesmente, pela
cultura negra oriunda da África. A resistência é potica, tem como “pano de fundo” a
preservação de relações socialmente constrdas. “A luta é pela terra, mas sua essência é
a luta pela reposição dos seus meios de sobrevivência física e cultural. A terra vem a se
confundir com os símbolos, mitos e a memória dos indivíduos” (Carril: 1995, p. 136). Às
vezes, essa confusão” com os símbolos e mitos é analisada por muitos como apenas um
resgate cultural”, esquecendo a importância potica e a participação ativa dessas
comunidades nas políticas regionais, locais e nacionais.
Como as terras indígenas, as terras de quilombos interessam à extração mineral e
vegetal para fins industriais e aos interesses do mercado imobiliário. Delimitar
corretamente o que vem a ser a resistência cultural, e o que é resistência potica, mesmo
quando em alguns momentos elas estão juntas, é uma tarefa obrigatória para quem quer
entender o femeno quilombola, seus desdobramentos e também a história das
populações negras neste país, seja na cidade ou no campo.
As observações dos traços culturais são de suma importância, porém não são os
principais elementos formadores deste fenômeno. No período de escravidão, deve-se
46
observar a interação dos quilombos com o sistema escravista, além das formas de lutas
incorporadas ou inventadas. Outro aspecto que deve ser analisado é a posição social e
potica ocupada pela população negra, depois da Abolição da escravatura.
É interessante refletir sobre essa “confusão nas análises sobre cultura e
resistência. De acordo com as análises de Maria de Lourdes Bandeira, autores como
Roger Bastide, por exemplo, procuraram neutralizar o determinismo cultural,
contextualizando sociologicamente a análise do sincretismo cultural, ou da persistência
de traços culturais de origem africana, como mecanismos de resistência cultural dos
negros” (Bandeira: 1988, p.16). Tal esforço, ainda segundo a autora, visava dar à
produção cultural negra uma perspectiva sociologicamente dinâmica de cultura de
resistência, abrindo um novo caminho teórico para os estudos sobre o negro no Brasil.
A vertente cultural, conquanto tenha desaguado às vezes em enseadas eqvocas,
contribuiu consistentemente para o registro e preservação de dados sobre os negros
brasileiros e suas origens culturais africanas. Revelou e comprovou a negritude de
nossa cultura, como catalisadora de nacionalidade e brasilidade ainda que não tenha
patrocinado o reconhecimento nacional dos direitos sociais de seus agentes. A
percepção social do potencial político do reconhecimento da negritude cultural, como
conteúdo de identidade nacional, vem sendo manipulada e desgastada pelos brancos
através da folclorização da cultura negra (Bandeira: 1988, p.17).
Indo contra essa “vertente cultural”, a obra de Bastide, e de seus orientados, como
Florestan Fernandes, por exemplo, vão mostrar cada vez mais que os negros não se
organizavam, ou tiveram relevo social, apenas a partir de suas organizações culturais.
a visão politicamente estereotipada, (...), de que a inserção do negro em grupos
organizados para as práticas de lazer ou de religião, identificadas como de origem
africana, por si só viabiliza ao nível ideológico a neutralização pelos negros da
dominação branca, que nas esferas das relações sociais, econômicas e políticas
objetivamente se efetiva (Bandeira: 1988, p. 17).
47
Em 1974, Bastide publicou “As Américas negras: as civilizações africanas no
Novo Mundo” e, o terceiro capítulo desta obra, “As civilizações dos negros marrãos”,
revela que o trabalhador escravizado resistiu ao regime que lhe era imposto pela força.
Esta resistência pode ter tomado formas diferentes: o suicídio que é a resistência dos
fracos, mas que se fundamenta em uma concepção religiosa - a idéia de que depois da
morte a alma voltaria ao país dos antepassados; o aborto voluntário das mulheres, com
o fito de poupar seus filhos do jugo da escravidão; o envenenamento dos senhores
brancos, com ajuda de plantas tóxicas com certos cipós, o que sugere, na América, a
existência do feiticeiro ou do Baba-osaim entre os negros importados, a sabotagem do
trabalho (que deu nascimento ao estereótipo do “negro preguiçoso”); a revolta e a fuga
por fim" (Bastide: 1974, p. 46).
Para Bastide, o caráter cultural da resistência deve ser considerado como um,
dentre outros, movimentos organizados de luta (oposição organizada): é, ao mesmo
tempo, um movimento de resistência cultural, e signo do protesto do negro contra a
cristianização forçada, contra a assimilação dos valores e ao mundo dos brancos, o
testemunho da vontade de permanecer africana”. (Bastide: 1974, p. 47)
Nesta obra, Bastide destaca também que o isolamento, de alguns quilombos,
contribuiu para a preservação de traços culturais africanos e de traços adquiridos no
regime de escravidão. No tocante aos quilombos, fez análises relativas a sua composição
étnica e definiu os quilombos como marronage e explicou que era uma prática presente
entre os africanos recém chegados, mas que, com o passar dos tempos, nas proximidades
do século XIX, mais o marronage vai sendo praticado pelos crioulos que fugiam das
plantações, para se refugiarem no anonimato das cidades entre os escravizados libertos.
Bastide chegou a três conclusões sobre o fenômeno:
) O marronage é a expressão de uma certa resistência cultural, e não somente
econômica; na medida em que os bandos se formavam, tenderam a constituir-se
segundo a etnia, e uma vez que se confederavam para formar Repúblicas os elementos
diferenciais tendiam a coexistir pacificamente, mais do que a se fundir.
2º) A necessidade de adaptar-se a um novo meio, de encontrar soluções próprias para
uma situação de crise, conduziu a mudanças mais ou menos substanciais das culturas
48
nativas; entretanto, trata-se mais freqüentemente da adaptação do passado ao presente
do que da criação de formas de vida inteiramente novas.
3º) Embora o marronage tenha sido feito mais de africanos do que de crioulos, a
passagem pela escravidão forçosamente conduziu, pelo menos, a um começo de
sincretismo, e as Repúblicas, mesmo isolando-se o mais possível, sofreram também
influências da sociedade mais ampla. Se o isolamento contribuiu, em todo o caso, para
a conservação de traços culturais africanos, permitiu também a manutenção de traços
herdados do regime da escravidão e que permaneceram tal como existiam nos séculos
XVII e XVIII (Bastide: 1974, pp. 50-51).
Jacob Gorender: a escravidão reabilitada
Continuando com as análises de obras pertinentes ao tema dos quilombos,
destacamos agora uma obra que, a nosso ver, traz muitos elementos para nossa discussão.
A Escravidão Reabilitada”, de Jacob Gorender, é uma obra crítica, do historiador
marxista, que levanta uma série de discuses sobre a figura do escravizado enquanto
agente de sua história e os quilombos como exemplos vivos dessa trajetória.
Neste livro, Jacob Gorender faz um balanço crítico das obras produzidas durante o
período militar, e das produzidas durante a comemoração do Centenário da Abolição.
Defende a tese de que em algumas obras, a história da escravidão brasileira é amenizada.
Uma historiografia que de certa forma reabilita a escravidão.
Vem a propósito indagar se o falatório tumultuoso destes anos recentes sobre a
escravio benemerente, paternal, legalista, com negociações paficas, acordo
sistêmico e paz social entre classes antagônicas, não é ideologia reacionária travestida
de historiografia moderníssima do ponto de vista metodológico. Facilmente se é
induzido a inferir que, se foi possível e viável a conciliação de classes entre senhores e
escravizados, não menos, porém muito mais possível e viável, vem a ser a conciliação
entre capitalistas e assalariados. Idéia, por sinal, muito em voga nesta segunda belle
époque do capitalismo mundial. (Gorender: 1991, p.43)
Atacou as idéias oriundas de leituras equivocadas das obras de Gilberto Freyre.
Destacando Freyre argumentou contra a teoria racista e fez notáveis descobertas sobre as
49
raízes africanas da cultura brasileira, mérito a respeito do qual a crítica de esquerda tem
sido omissa”, mas conjugado a isto vieram duas teses fundamentais: “a do caráter
patriarcal excepcionalmente benigno da escravidão luso-brasileira e a da vigência da
democracia racial em nossa sociedade” (Gorender: 1991, p.13). A força desses dois
pressupostos influenciou muitos autores que passaram a acentuar a diferença entre o
benevolente escravismo católico e patriarcal do mundo ibérico” e oimplacável
escravismo protestante e capitalista do mundo anglo-saxão” (Gorender: 1991, p. 13).
As duas teses foram incorporadas à ideologia da classe dominante, tanto mais porque,
após a derrocada do nazismo, se tornava constrangedor ostentar o racismo de Oliveira
Vianna e de seus predecessores. Acresce que Gilberto Freyre expôs suas teses
socioantropogicas com uma escrita literária inventiva e atraente pela modernidade
(Gorender: 1991 p. 13)
Gorender critica vários autores e autoras, a exemplo Kátia M. Quéiros Mattoso,
que segundo ele, quando informou sobre a escravidão nas várias regiões do Brasil de uma
forma muito sumária e imprecisa. Portanto, para Gorender, “criaram” uma escravidão
mais amena do que a que realmente existiu, aproximando de certa forma o regime
escravocrata ao regime do trabalho assalariado. Essa postura teve um fundo ideológico,
que encobriu não só a violência, mas também a constituição de uma sociedade por classes
desiguais.
Dispenso-me de reiterar que, em tudo o que escrevi sobre a escravidão, estudei o
escravizado como sujeito do processo de trabalho e como sujeito histórico, capaz de
lutar contra a opressão coisificante. Mas o meu enfoque, como o de outros
historiadores, não foi, absolutamente, o de salientar na subjetividade do escravizado a
fonte do potencial de acomodação ao regime opressor, de aceitação da escravidão
como sistema contratual, o que o aproximaria singularmente do capitalismo
(Gorender: 1991, p.25).
Gorender continua com suas críticas, abordou também a figura do escravizado
enquanto “coisa” e comentou que o “sociólogo paulista (Fernando Henrique Cardoso)
colocou os escravizados das Américas entre as “testemunhas mudas de uma história
50
para a qual não existem senão como uma espécie de instrumento passivo sobre o qual
operam as forças transformadoras da história”” (Gorender: 1991, p.19).
O autor não concordou com essa colocação, pois não se pode “coisificar” o
escravizado historicamente. Gorender nega a coisificação sob o argumento de que isto
excluiria a existência do escravizado como pessoa. Para ele essa tentativa refletia outra
forma de “dulcificar” a escravidão, que é a de rejeitar que o escravismo se apoiasse na
violência,O conceito de violência seria inteiramente inadequado e inútil para
caracterizar a escravidão, ainda mais porque, ao fazê-lo, se sugere que outros regimes,
como o capitalismo, não precisam da violência” (Gorender: 1991, p. 22).
A violência foi, portanto chave para o sustento e manutenção do regime
escravocrata brasileiro. A dominação escravocrata, segundo Gorender, não se apoiava
somente na violência praticada e consumada, mas também na ameaça permanente da
violência,ou seja, na violência latente, não efetivada, porém passível de efetivação a
qualquer momento.” (Gorender: 1991, p.27).
Esse foi o mecanismo de perpetuação do escravismo brasileiro, deve ser
evidenciado no que tange à resistência. Pois eliminada a violência do horizonte de
observação, e da resistência escrava. Entender que os escravizados não eram “coisas” é
desfazer uma imagem que persiste até hoje, o de que os escravizados aceitaram a
escravidão e enquanto “boçais” e “despreparados”, não lutaram e, principalmente, não se
organizaram para enfrentar, mesmo que de forma individual e inconsciente, as agruras do
regime. Sobre isso Gorender concluiu:
Mas o próprio escravizado, como ser concreto e no processo concreto de trabalho, não
se identifica com o dinheiro equivalente ao seu preço de aquisição, nem com qualquer
capital fixo encarnado em instrumentos de produção. O escravizado é o agente
subjetivo do processo de trabalho: todo processo de trabalho possui necessariamente
um agente subjetivo, que não deixa de ser por se tratar de indivíduo coagido e
brutalizado. Já no âmago da atividade econômica, o escravizado conserva a condição
de pessoa humana, em contradição viva com a extrema coisificação que lhe impõem
as relações de produção entre cujas tenazes se acha aprisionado. Ai está, precisamente,
o ponto de partida da sua rebeldia e completa negão da condição de escravizado
(Gorender: 1991, p. 219).
51
Assim, o escravizado conservou sua condição humana, mesmo sob a vioncia. A
importância dos quilombos para a história dos africanos escravizados e seus descendentes
está diretamente ligada a este fato.
As situações de consenso ou mesmo contratualidade existentes nas relações
escravizador e escravizado também foram discutidas por Gorender, que comparou o
trabalho escravizado ao assalariado. Se no capitalismo o trabalho é contratual, na
escravidão teve sua origem na violência legalizada e não necessitou de sanes
contratuais. Ou seja, para ele, não houve espaço para negociações. Os senhores, por mais
que temessem insurreições dos escravizados, não deixavam de lado o sistema lucrativo
que era o escravismo. Situações de negociação de conflitos entre as partes, pois, devemos
considerar a longa duração da escravidão em nosso país.
Gorender discordou de Clóvis Moura, quando este considerou as fugas como a
principal forma de resistência e destacou que a negação da opressão veio não só dos
quilombos, mas também dos que não tiveram a alternativa da fuga. Observou também
que a resistência cotidiana foi variada e constante.Aí estava, no cerne do processo
cotidiano de trabalho, a subjetividade do escravizado em ação. O escravizado é agente
subjetivo do processo de trabalho e não um capital fixo, como tem sido classificado
correntemente” (Gorender: 1991, p. 36). Ou seja, a forma de resistência em quilombos
foi uma das inúmeras formas de resistências criadas.
Gorender passou a analisar também as chamadas “brechas camponesas”, que
segundo ele, dentro do processo de reabilitação da escravidão se transformaram em
outras “brechas”. Nas plantações (lavouras) das Américas (Latina e Caribe
principalmente) havia o hábito de conceder aos escravizados um lote de terra para o
cultivo por conta própria, O autor de uma história do Haiti denominou esta economia
autônoma do escravizado de “brecha camponesa de produção escravista” (Gorender:
1991, p. 70). Assim, segundo Gorender, a utilização desta denominação (brecha
camponesa) passou a ser prática dentro da historiografia sobre escravidão e ganhou
destaque, principalmente nas obras de autores como Sidney Mintz e Ciro Flamarion
Cardoso, que viram nas brechas camponesas uma prática econômica dos escravizados das
Américas.
52
Gorender considerou as brechas camponesas uma construção histórica perigosa.
Relata que ela existiu, raramente e esporadicamente, e que não se pode generalizá-la a
ponto de ver nela o único meio de constituição do campesinato negro.
A meu ver, nada de essencial se altera na concepção teórica do modo de produção
escravista colonial com esta ou aquela caracterização da economia própria do
escravizado. Por enquanto, atendo-me às fontes, penso que os escravizados
destinavam a maior parte dos seus cultivos à auto-subsistência, o que justifica a
inclusão desses cultivos no segmento de economia natural do escravismo colonial.
Caracterização sem rigidez, pois admite a prática de transações comerciais pelos
escravizados, até prevalentes em certos momentos ou em certas áreas. Conclui-se que
o sistema de economia própria do escravizado não adquiriu no Brasil natureza
estrutural (Gorender: 1991, p.75).
O autor também explica que a exploração dos escravizados era tamanha, em vista
do lucro crescente, que impossibilitava que eles tivessem tempo e disposição para
cultivar terras próprias ou cedidas. Não podia haver transações comerciais entre os
escravizadores e os escravizados. Nas fazendas os escravizadores forneciam uma ração
básica para a manutenção de seus escravizados e eram específicos os momentos de
descanso e folga,
Nas fazendas cafeeiras, a ração fornecida pelo escravizador constituía o alimento
básico dos escravizados. Muitos dentre eles não contavam com energias físicas ou
disposição psicológicas para trocar o descanso dominical por mais trabalho.
Tampouco se pode sobrevalorizar o volume da produção dos minúsculos lotes
cultivados tão precariamente (Gorender: 1991, p.75).
A sobrevalorização da produção destas brechas levou à mascaração da vioncia
do sistema escravista colonial. E ainda segundo Gorender, cria a possibilidade para outras
brechas,Depois da brecha camponesa, já apareceu, como veremos, a brecha
assalariada. Sendo assim, justificam-se outras "brechas": comercial, artesanal,
doméstica, militar, constitucional etc. Desaparece a escravidão” (Gorender: 1991, p. 79).
53
Cabe aqui uma observação às críticas” de Gorender, pois é impossível perdurar
por tanto tempo um sistema de dominação, como foi à escravidão brasileira, sem se
pensar em modos de negociação e momentos de consenso. Outro ponto que deve ser
considerado é que Gorender parece ter reduzido a sociedade colonial apenas às relações
escravizadores e escravizados.
Devemos analisar também outros agentes que constituíram a sociedade colonial e
imperial, como os indígenas, negros alforriados, brancos pobres. Ou seja, reduzir a
questão apenas a dois segmentos, escravizadores e escravizados, acaba por esconder o
grande processo histórico em curso.
Para concluir a análise desta obra, é necessário verificar as discussões feitas por
Jacob Gorender sobre o processo abolicionista brasileiro. Para ele, aconteceu nesse país
uma verdadeira “revolução abolicionista”. Em sua revisão da historiografia sobre a
escravidão, o pesquisador disse que houve um sub-dimensionamento do papel dos
abolicionistas no processo da Abolição da escravatura.
E destacou que nas Américas a escravidão sempre foi eliminada por atos
abolicionistas formais, datados e legalizados, por atos que emanaram das metrópoles,
indubitavelmente uma causa externa pôs fim à sobrevivência do modo de produção
escravista colonial.” (...)O que não retira significação aos fatores internos também
atuantes” (Gorender: 1991, p.134).
Ou seja, não se poderia dar importância maior aos atos formais e desprezar o
conjunto de lutas e atuações dos personagens poticos. No caso brasileiro, vemos a
tentativa de dar ao ato da assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel, o caráter de ápice
e fim do processo de 400 anos de escravidão.
A primeira a afirmar-se, alcaando amplíssima difusão através dos manuais
escolares, foi à interpretação enaltecedora da Casa de Bragança. Para esta
interpretação contribuíram não só historiadores monarquistas, de Joaquim Nabuco a
Pedro Calmon, mas também historiadores e ensaístas não-monarquistas, movidos pelo
propósito ideológico de apagar da memória nacional o conteúdo revolucionário-
popular das lutas abolicionistas. No imaginário popular, inclusive das grandes massas
negras, a princesa Isabel se consagrou como a Redentora (Gorender: 1991, p.143).
54
A crítica de Gorender revelou que não vincular o processo abolicionista como
algo maior que um ato formal é apagar parte da memória nacional, e principalmente
inserir no imaginário popular uma passividade das massas negras, que esperaram
pacientemente a bondade da princesa.
Gorender ainda discordou de autores como Sérgio Buarque de Holanda, Florestan
Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Emília Viotti da Costa, Otávio Ianni e Paula
Beiguelman, quando estes deram aos cafeicultores do Oeste paulista a primazia de terem
eliminado o regime escravista. “O “progressismo” desses fazendeiros teria enfraquecido
seus vínculos com a escravidão e os levou a experiências precoces com o trabalho livre e
à promoção da imigração européia”. (...)“Sob tal enfoque, o abolicionismo urbano-
popular e a reação dos próprios escravizados ficaram subavaliados ou simplesmente
minimizados. A visão sob o prisma da coisificação subjetiva, (...), só concebe a revolta
do escravizado inconseqüente e ineficaz” (Gorender: 1991, p.144).
À medida que as revoltas e as insurreições do movimento abolicionista, tanto nos
novos centros urbanos, como na resistência negra nos quilombos, o governo monárquico
perdeu o domínio sobre estes movimentos. Ainda segundo Gorender, a Lei Rio Branco
teve como objetivo neutralizar os movimentos abolicionistas.
A Lei Rio Branco alcançou o objetivo de neutralizar o movimento abolicionista. As
idéias abolicionistas não se apagaram, porém sua difusão perdeu impulso e impacto. A
liderança escravizadocrata, representada pelos estadistas do Império, recompôs a
hegemonia sobre os homens livres, ao dar demonstrão de competência para
conduzir o processo de extinção gradualista da escravidão (Gorender: 1991, p.152).
Mas essa “extinção gradualista” não ocorreu. Na década de 70 do século XIX, as
preocupações dos escravocratas, com o futuro da instituição escravista eram prementes.
Os fazendeiros tinham que fazer uma opção, como explica Gorender.
Apesar da conjuntura favorável, os políticos do Império escravocrata não podiam
deixar de se preocupar com o futuro, na década dos 70, duas convicções predominam
entre os fazendeiros. Uma delas, a da inconvenncia da solução imigrantista para a
substituição do escravizado. A experiência dos anos 50, liderada pela firma Vergueiro,
havia fracassado, e os imigrantes europeus ganharam a imagem de trabalhadores
55
insubordináveis e ineficazes. A outra convião - a de que os negros só eram bons
trabalhadores enquanto escravizados. Informados do comportamento dos libertos nas
Antilhas e nos Estados Unidos, os cafeicultores não confiavam que os libertos
brasileiros permanecessem nas fazendas onde sofreram a escravidão. Justificavam esta
perspectiva com argumentos racistas sobre a indoncia inata do negro e sua
incapacidade para o trabalho livre disciplinado (Gorender, 1991, p.153-154).
O processo de exclusão das populações negras, “livres” em 1888, ocorreu no
âmbito de preteri-las como aptas ao trabalho assalariado. É bom lembrar que essa
exclusão não foi baseada apenas na criada incapacidade e na indolência para o trabalho.
Podemos aqui fazer outra leitura, ou seja, o aparecimento irrefreável da, já enorme,
resistência negra organizada contra o sistema escravista, aliado a outros setores da
sociedade que viam na escravidão um atraso com relação à modernização que estava em
curso em outras nações.
Os dados já coligidos sobre a criminalidade escrava na década dos 70 constituem
indício da acentuação da rebeldia e da recusa do consenso à emancipação gradualista,
cuja fraude cada vez mais ficava manifesta (...) Delineia-se claramente a tendência de
passagem da criminalidade predominantemente individual, na década dos 70, para os
atos coletivos organizados, na década dos 80. O que evidencia a evolução da
consciência escrava no período, intimamente associada ao movimento abolicionista
dos homens livres (Gorender: 1991, p. 158).
O que era individual passou a ser cada vez mais coletivo no plano dos
escravizados, ações autônomas dos escravizados tornaram-se componentes essenciais do
movimento abolicionista. Em contrapartida, o próprio movimento incentivava as ações
dos escravizados: “A autonomia das ações dos escravizados não pode ser enfocada no
isolamento absoluto, nem o abolicionismo dos homens livres constituiu fator negativo,
freio reacionário, como pretendem certos historiadores” (Gorender: 1991, p.159).
A conjunção destes fatores fez fervilharem em todo o Império as discussões para
o fim da escravatura, como também movimentos, ações de rebeldia, revoltas e fugas em
massa. Passada a década de 80 do século XIX, a situação já era profundamente diversa.
56
O apoio de homens livres a escravizados fugitivos e rebeldes assumiu formas
concretas e foi se tornando cada vez mais freqüente. O sistema escravista se
encontrava em declínio, as formas unitárias de ação entre escravizados rebeldes e
homens livres apressaram sua liquidação e aceleraram o tempo histórico (Gorender:
1991 p.161).
Mesmo os abolicionistas radicais, diz Gorender, tinham o pensamento balizado
pela ideologia burguesa. Eles queriam desonerar o país da escravidão sem protelações
gradualistas, já que tornar o escravizado um trabalhador livre era abrir o caminho para
a modernidade capitalista a sociedade brasileira”.
Para o historiador, o movimento abolicionista no Brasil, “Com toda a evidência, a
Abolição não foi um "negócio de brancos". Foi o resultado revolucionário da luta
autônoma dos escravizados conjugada à militância do abolicionismo urbano-popular
radical. (...). Em conclusão: a revolução abolicionista deu lugar a uma classe dominante
mais propriamente renovada do que nova” (Gorender: 1991, p.182 -184 – grifo meu).
Devemos levar em conta que com o fim da escravidão, o que os fazendeiros mais
temiam era a distribuição de terras para os escravizados libertos. Segundo Gorender,
entre os políticos do Império, liberais, monarquistas e abolicionistas, existiam discussões
em torno de uma reforma agrária. Logicamente, que a reforma ampla era pensamento de
poucos, uma vez que o regime monárquico tinha como base de apoio a escravidão e os
latifúndios. A reforma agrária não ocorreu, mas a abolição sim. Segundo Gorender, isto
pode ter sido vital para a queda do regime imperial. Ou seja, para o fim da escravidão,
mas não para a divisão de terras.
Este namoro com a reforma agrária pode ter sido uma das causas no leque de fatores
conducentes ao fim do regime monárquico. Ainda mais porque, quando cedeu ao
abolicionismo radical para conservar o controle do Estado, a Monarquia deixou a
evidência da fraqueza, da incapacidade de reação diante dos movimentos populares
(Gorender: 1991, p. 187).
57
Lei de Terras de 1850 – Um parênteses necessário
Isto posto, é necessário abrir parênteses aqui, pois é de suma importância entender
que o conflito fundiário no Brasil, resultado da discrepância na divio das terras, não é
um fato novo. Teve suanese no Brasil Colônia e está crescendo devido as poticas
públicas adotadas no setor. No período colonial as terras eram doadas pelo Estado por
meio de sesmarias. Os sesmeiros tinham a obrigação de cultivar (ou colonizar) essas
enormes faixas de terra. Esse sistema vigorou até meados do século XIX, já no Império.
Paralelamente a este sistema, e devido à ineficiência de muitos sesmeiros no
cultivo de suas terras, temos o surgimento dos posseiros,num primeiro momento, o
posseiro, na figura do pequeno lavrador, surgia como uma grande ameaça ao regime de
sesmaria. Todavia, ao longo dos anos, este passou a se figurar no grande fazendeiro,
fazendo assim com que muitos sesmeiros assumissem o papel de posseiros (Cavalcante:
2005, p.2).
Essa situação acaba por levar ao descontrole na distribuição de terras no país.
Vários políticos começaram a pensar a questão. O mais importante foi José Bonifácio,
que considerou a desordem da distribuição um entrave à modernização do país. “Em seu
projeto, José Bonifácio propunha também beneficiar os europeus pobres, os índios, os
mulatos e os negros forros. Porém esse projeto jamais saiu do papel” (Cavalcante: 2005,
p. 2).
Outros projetos foram propostos no período Regencial, mas acabaram se
mostrando ineficientes e sem fiscalização adequada malograram no intuito de controlar a
distribuição e controle na distribuição de terras.
No entanto, as mudanças na economia mundial provocaram uma reavaliação da
potica de terras, não só no Brasil, mas em muitos países, que decretaram leis em torno
da questão. A terra dentro do sistema capitalista nascente passou a ser encarada como
mercadoria, ou seja, uma nova relação foi criada entre o proprietário e este bem. A terra
agora precisava ter a capacidade de gerar lucro além de outros bens.Procurava-se
atribuir à terra um caráter mais comercial e não apenas um status social, como era
característico da economia dos engenhos do Brasil colonial” (Cavalcante: 2005, p.1).
58
Nessa mesma época, as pressões internacionais para o fim do tráfico de escravos
culminaram com a implantação, em 1850, da Lei Eusébio Matoso, que pôs fim ao tráfico
de escravos, quando este havia passado de externo para interno, uma vez que as lavouras
de cana-de-açúcar e algodão entraram em declínio no Norte e Nordeste. Assim, os
escravizados desta região foram direcionados para o Sudeste, onde o café se expandia.
Com o fim do tráfico e as mudaas na economia mundial, o regime escravocrata
entrou em decadência e precisou ser extinto. Uma mudança na mão-de-obra deveria
ocorrer, ou seja, a questão dos políticos da época era quem iria pagar os custos destas
mudanças. Entre tantas medidas foi decidido que a venda de terras seria o meio para o
pagamento desta troca.
Por isso, e não coincidentemente, em 1850 também foi decretada a Lei 601, ou
mais conhecida como Lei de Terras de 1850, que teve como objetivo organizar
minimamente a distribuição de terras, acabando com as doações por sesmaria e
decretando que a obtenção de terras no Brasil pudesse ser feita através da compra.
Essa mudança não resultou o efeito esperado, ou seja, não organizou a
distribuição de terras e ainda provocou um enorme abismo para os menos favorecidos no
acesso a terra.
Vale ressaltar que a Lei de Terra é mais um processo de discussão dos rios grupos
políticos que davam sustentação ao Império, e seu resultado em momento algum teve
o objetivo em interferir nos interesses dessa elite política e econômica, constituída em
grande parte por fazendeiros. A terra continuou a ser adquirida sem o controle do
Estado, sob a proteção de documentos forjados. Apenas após a Proclamação da
República é que a Lei de Terra foi revista (Cavalcante: 2005, p.6).
O que nos interessa nessa longa discussão é que com o fim da escravidão, os
libertos ficaram impossibilitados de poder adquirir um pedaço de terra por que não
dispunham de economias suficientes para a obtenção da mesma. Isso se reflete até os dias
de hoje, pois se fizermos um recorte étnico nos estudos dos movimentos sociais pela
terra, veremos que a presença das populações negras é marcante, refletindo esta luta não
só no campo como também na cidade.
59
Nos centros urbanos, após a Abolição, a luta por um pedaço de terra se
desenvolveu de modo que:
Muitas famílias negras residentes nas áreas centrais das diversas cidades médias,
pequenas e grandes do país, proprietárias de terrenos, são fruto deste processo iniciado
no século XIX. Várias irmandades negras localizadas e proprietárias de vastos
terrenos nestes espaços urbanos são oriundas do século XVIII e XIX, demonstrando o
esforço de famílias e associações de negros alforriados ou não, em obterem sua
propriedade, antes mesmo doculo XX (Fonseca: 2005, p.3).
Mas mesmo conseguindo um pedaço de chão, se assim podemos dizer, a
transferência deste para gerações futuras foi bastante complexa, “na medida em que não
tiveram condições de pagar os pesados impostos ou tiveram boas propostas comerciais
em suas casas; além do que muitos tiveram que sair dessas áreas mediante processos
políticos e de empreendimentos privados de urbanização traçados a partir de uma lógica
de expulsão destes para as longínquas periferias, afastando-os dos cenários decisórios
de poder” (Santos, M., 1987; Singer, 1985 apud Fonseca: 2005, p. 4).
Ou seja, a relação com a terra para estas populações estava inserida dentro de uma
lógica de isolamento e expulsão. Desde o período escravista, elas eram vistas como
populações indesejadas e, portanto deveriam estar localizadas fora dos “espaços
simbólicos e logísticos de acesso ao poder” (Fonseca: 2005, p.4). As reformas urbanas
ocorridas nos grandes centros urbanos empurraram tais populações para as periferias e
contribuiram para a formação de favelas. “Neste contexto as políticas públicas
direcionadas para essas populações empobrecidas e de descendência africana foram
articuladas a fim de retirá-las aos poucos, mas sistematicamente para as periferias,
sendo alocadas em desassistidos conjuntos habitacionais ou mantidas nas margens de
avenidas,rregos e áreas de risco” (Santos, M., 1993; Bógus e Wanderley, 1992 apud
Fonseca: 2005, p.4).
No campo, as dificuldades não foram menores. O legado escravocrata dava status
e poder àqueles que tinham controle sobre as terras agriculturáveis, “uma equação
simples que se desenhava para a realidade política, econômica e cultural era quanto
mais terras mais poder” (Fonseca: 2005, p.4). Ou seja, o acesso à terra no contexto de
60
escravidão era bastante precário. Mesmo nos quilombos a ocupação de terras por
escravizados era permanentemente ameaçada, uma vez que essas terras eram motivo
duplo de cobiça, seja pela captura dos escravizados, ou pela posse de terras férteis, muitas
vezes já trabalhadas pelos quilombolas. Após Abolição, com a Lei de Terras, o
privilegiamento do trabalho europeu, tanto na recente indústria como no trabalho livre
nas lavouras de café, acabaram por marginalizar ainda mais as populações negras.
Os quilombos de hoje são frutos dessa história e tiveram que se organizar para
manter as suas terras, que muitas vezes, não estão garantidas perante a lei. Ou seja, não é
uma luta recente e entender o impacto das poticas públicas adotadas, no campo e na
cidade, é fundamental para compreender como estas comunidades sobrevivem até os dias
de hoje.
Após este pequeno parênteses sobre a Lei de Terras e da alise da obra de
Gorender e, antes de finalizarmos o capítulo, juntamente com as conclusões do mesmo,
consideramos necessário analisar a obra de Renato S. Queiroz,Caipiras Negros no Vale
do Ribeira: Um estudo de Antropologia econômica”, estudo já amplamente utilizado nos
estudos sobre as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, que trará também
algumas contribuões para nossa discussão, e entendimento do que vêm a ser um
quilombo e suas dificuldades nos dias atuais.
Caipiras negros do Vale do Ribeira
O estudo de Renato S. Queiroz relata a história de uma das mais proeminentes
comunidades de quilombos do Vale do Ribeira, a comunidade de Ivaporunduva, que
atualmente é uma das poucas comunidades no Estado cujas terras são tituladas. O estudo
contribui com informações para o nosso trabalho, principalmente no capítulo 2 – De
escravizados a camponeses”.
A proposta central do estudo é a de pesquisar comunidades negras incrustadas no
meio rural brasileiro que, pelas características raciais ou étnicas de suas populações,
foram se formando, historicamente, como espécie de segmentos diferenciados ou não
do que é tido e conhecido como o mundo do campesinato nacional (Queiroz: 1983, p.
12).
61
Renato Queiroz relatou que as comunidades se reproduziram dentro de uma
economia rural de subsistência e de troca e que o isolamento geográfico influenciou de
certa maneira esta reprodução. Porém, a diminuição deste isolamento, ou seja, o
crescimento das áreas municipais e das áreas de exploração econômica trouxe para essas
comunidades diferentes tipos de interação. Ainda sobre o isolamento, não foi descarta a
hipótese de que este possa ter sido causado, entre outras coisas, pela cor de seus
habitantes,Não se pode descartar também a hipótese de ter sido a cor dos moradores
um dos fatores responsáveis pelo isolamento do povoado por um espaço de tempo tão
prolongado” (Queiroz: 1983, p.26).
Ao analisar o quilombo de Ivaporunduva, o autor constatou que muitas das
tradições africanas foram perdidas, “O ferrenho catolicismo de que ainda hoje dão
mostras os moradores (religião que praticam pelo menos desde o final do século XVIII, a
julgar pela antigüidade da capela do bairro), deve ter eliminado o que se poderia ter
restado de eventuais costumes africanos na área pesquisada" (Queiroz: 1983, p. 25).
Queiroz identificou em Ivaporunduva mecanismos de integração. Resaltamos que
esta comunidade foi uma das primeiras, devido a suas demandas poticas (questão da
titulação de terras, a ameaça das barragens), a adotar um discurso de grupo comum.
Assim, começaram a se ver como quilombolas. Apesar do estudo de Queiroz ter sido
realizado anteriormente à Constituição Federal de 1988, foi possível observar que nesta
comunidade já existiam elementos para que pudesse se organizar enquanto quilombo e
reivindicar suas terras, “Em Ivaporunduva, identifiquei todos estes mecanismos de
integração. (...), que normalmente não se encontra em núcleos semelhantes já estudados
(comunidades rurais): a cor, critério de mútua identificação, fator de integração mais
profunda e de solidariedade maior entre seus componentes, fonte de identidade do
bairro” (Queiroz: 1983, p. 31).
Outro ponto destacado por Renato Queiroz estava relacionado ao tratamento
dispensado a estas comunidades, que muitas vezes refletem a maneira como são tratadas
as populações negras brasileiras, "Caipiras e negros, duplo estigma, certeza de difícil e
dolorosa integração na sociedade urbano-industrial brasileira que tanto se empenha em
explorar e discriminar pobres, campônios e "homens de cor”” (Queiroz: 1983, p. 32). O
destaque de Renato Queiroz pode ser encarado como um fato que realmente ocorre e é
62
verificável, mas esse duplo estigma foi criticado, quando ele enquadrou os negros como
caipiras, por sua organização econômica.
Prendendo-nos ao tratamento, notamos que enquanto estas populações estavam
isoladas geograficamente e não representavam entrave à especulação imobiliária, a
construção de rodovias ou a hidrelétricas e barragens, essas comunidades não eram
sequer notadas, mas quando chocam com algum desses interesses, passam a ser vistas
como obstáculos que devem ser removidos e deslocados. O mesmo tratamento é dado às
populações indígenas, aos pobres em geral, no campo e na cidade, ou seja, grupos
populacionais excluídos das dinâmicas de desenvolvimento.
No caso de Ivaporunduva, Renato Queiroz destacou os danos causados pelo
extrativismo predatório de palmito, por seu dinheiro imediato e uma vez que o cultivo em
muitas comunidades estava restringido pelas leis ambientais (o mesmo aconteceu em
outras comunidades da região), acabou por ameaçar a agricultura local.
A procura do palmito atras de amplas parcelas de mata impôs considerável
dispersão demográfica, abandono das roças e das criações e enfraquecimento dos
padrões tradicionais de entre-ajuda, sociabilidade e solidariedade grupais (...) Mas do
que isto, esta atividade colocou toda a comunidade sob o controle do comprador do
palmito, além de torná-la dependente de um único produto. Os demais produtos, até
eno produzidos no âmbito do povoado (condição indispensável de sua auto-
suficiência) passaram a ser comprados, e o vendedor, na maior parte das vezes, era o
próprio comprador dos gomos da palmeira (Queiroz: 1983, p.70).
Embora as comunidades de quilombo do Vale do Ribeira apresentem uma
diversidade histórica, diversas origens, sociais e culturais e até mesmo religiosa
5
, os
pontos destacados por Renato Queiroz acabam por serem verificáveis em muitas
comunidades.
5
Hoje muitas comunidades têm orientação religiosa não católica, destaque para o crescimento das igrejas
evanlicas ou pentecostais.
63
Quilombos: Direitos e Cidadania
Após a exposição de alguns antecedentes históricos da vasta história dos
quilombos no Brasil, ou melhor, dizendo do longo peodo escravista, onde o fenômeno
quilombola surgiu como contra-ordem e modo de resistência, comentaremos alguns dos
pontos vistos e depois realizaremos um debate sobre como atualmente é visto o que vêm
a ser um quilombo ou como alguns tratam um “remanescente de quilombo”.
Os autores analisados anteriormente podem ser colocados em dois grandes blocos
de análises. Um primeiro bloco, das explicações de corrente culturalista e outro bloco, de
explicações da corrente materialista. As duas correntes influenciaram sobremaneira os
estudos sobre quilombos, e legaram até os dias de hoje matrizes explicativas sobre o
femeno quilombola.
Sobre o primeiro bloco, discutimos sua influência quando analisamos a obra de
Bandeira, e vimos que este tipo de análise escondeu o verdadeiro significado da
resistência dos escravizados:
Um dos principais problemas nesses tipos de análise (culturalistas) era a concepção
de cultura apresentada, vista com algo estático e polarizado (cultura negra e africana
versus cultura branca e européia) que desconsiderava quase que completamente os
processos de reelaborações e transformações histórico-culturais dos povos. Mesmo
como algo que emergia das experiências históricas, a “cultura” aparecia como uma
reificação. Além disso, nessas interpretações, as lutas e relações sociais complexas
envolvendo escravizadores e escravizados e as formas de controle social sob o
escravismo eram menosprezadas com vista ao entendimento mais abrangente do
significado da resistência negra (Gomes: 1996, p. 200). (Grifo meu)
O segundo bloco, o materialista, mesmo colocando o escravizado no centro da
análise e das ações, ou seja, vendo-o como sujeito de sua história, também traz para a
visão atual de quilombos alguns pontos de vista que devem ser compreendidos.
Partindo da contestação das concepções que viam as relações
escravizador/escravizado marcadas tão-somente pelo paternalismo, uma corrente
interpretativa materialista insere a discussão relativa à rebeldia dos escravos dentro do
contexto analítico de luta de classes sob o escravismo. Esse tipo de análise,
64
enfatizando o caráter violento da escravidão, deu destaque às investigação dos atos de
rebeldia coletiva dos cativos, como quilombos, revoltas e insurreições, baseando-se
num conceito de resistência que considerava apenas as formas “extremas” de negação
do sistema escravista. Produzia-se, assim, a imagem do escravo “violento” e
“rebelde”, pois a negação da suposta docilidade do cativeiro no Brasil se fazia
mediante a exaltação da reação dos escravos a ela (Gomes: 1996, p. 201).
Essa mesma rebeldia e a “imagem de um escravizado violento” mitificam, de certa
forma, o quilombola. A visão materialista deve ser vista com reservas quando cria uma
dicotomia hierárquica entre os tipos de resistência dos escravos, esta dicotomia foi
verificada, por exemplo, entre os escravos que não fugiram e os escravos que fugiram e
formaram quilombos. Essa divisão está bem explicada nas críticas feitas por Flávio dos
Santos Gomes a visão marxista (materialista) da resistência de Clóvis Moura:
Na sua perspectiva parecia que as experiências sociais eram quase que exteriores às
ações dos sujeitos históricos que a vivenciavam. Na luta dos cativos contra a
dominação escravista existiam dois tipos de escravos. Um era aquele considerado
acomodado, não resistente e que aceitava passivamente a escravidão, pois não tinha
nenhuma “consciência” da condição social na qual vivia. O outro tipo de escravo era o
“rebelde”, o quase herói, o quilombola. Este entretanto não tinha uma
“autoconsciência social”. Nesse sentido, os quilombolas assim como os revoltosos
escravos, eram os únicos que com suas ações podiam interagir no “processo social da
escravidão, porém criando simplesmente “barreiras defensivas ao sistema” escravista
(Gomes: 1996, p. 202).
Sendo assim, em algumas análises materialistas, devemos observar se a resistência
proposta não estava relativizada no contexto social escravocrata, uma vez que a
resistência, e que isso fique bem claro, não era tarefa exclusiva dos quilombolas e não
cabia a estes mitificações. Os escravizados que ficaram nas senzalas, que foram para as
cidades, ou mesmo os escravizados das cidades (de ganho, das cozinhas, de serviço, etc.)
também tiveram papel preponderante no conjunto de práticas de resistência ao regime.
Se essa corrente historiográfica relativa à resistência escrava no Brasil, pautada em
análises materialistas, teve importância teórica, empírica e fundamentalmente política,
65
criticando os pressupostos que caracterizavam a benevolência dos regimes sociais da
escravidão brasileira, persistiu ela nos seus instrumentos de análise na idéia da
“coisificação” do quilombola. Desse modo, o escravo, em vez de sujeito, aparecia
apenas como um guerreiro de lógica inexovel, com um único sentido histórico. O
escravo “coisa-passivo” cedia vez ao escravo “coisa-rebelde”. Invertiam-se, assim, os
mitos da escravidão no Brasil (Gomes: 1996, p. 204).
Nesse sentido, para essas duas correntes, culturalista e materialista, o
aquilombamento como forma de luta apareceu, em alguns momentos, como um processo
social que ocorria fora da sociedade escravista. Assim, as análises nos levam
erroneamente a pensar que o escravizado só se realizava, enquanto sujeito de sua história,
quando estava no quilombo, “enfim, num mundo fora da escravidão, que os escravos
resistiram (culturalmente e materialmente), de fato, à dominação. Enfim, só dessa
maneira os escravos puderam tornar-se sujeitos de sua própria história” (Gomes: 1996,
p. 204).
Ter em vista essas perspectivas de análise nos ajudam a entender os quilombos de
ontem e hoje, sem mistificações, pois muitos dos elementos que fazem parte de sua
explicação como, por exemplo, resistência, isolamento, heterogeneidade, estão inseridos
dentro de um complexo sistema, cujo processo é a própria história brasileira.
Dentro dessa análise a questão da formação dos quilombos somente pela fuga,
também deve ser contestada, uma vez que este não foi o seu único modo de formão.
Juntamente às fugas, encontramos a doação de terras para os escravizados via testamento,
e o abandono de fazendas por parte de escravizadores devedores, que deixavam que os
escravizados tomassem conta das terras e os deslocamentos de libertos, escravizados
fugidos de regiões distantes que ocupavam uma região e a defendiam a todo preço. As
fugas, individuais e coletivas, eram importantes, mas faziam parte de um processo de
formação dessas populações negras.
Outro fator a ser destacado é que quando se fala de quilombos, não se fala só de
populações negras, mas de uma heterogeneidade populacional. Como Nina Rodrigues,
Édson Carneiro e Clóvis Moura ressaltaram nos quilombos de ontem, também nos de
hoje, temos na sua formão uma quantidade considerável de populão de negros, mas
também encontramos traços indígenas e brancos. Esse fato relativiza as representações
66
que fazemos sobre os quilombos como comunidades isoladas, e explica as inúmeras
formas de interação dos quilombos com a sociedade que os rodeava.
Os quilombos sempre foram fenômenos históricos contra-ordem, apesar deles não
terem sido concebidos com o intuito de acabar de vez com a escravidão, mas sim de
proteger e garantir a liberdade. A auncia de um projeto comum não diminuiu e o
desqualificou a importância da resistência negra na história nacional. A resistência negra,
a nosso ver, era e continua sendo uma resistência de personalidade, de sujeitos que cada
vez mais vão ganhando visibilidade. Fato esse justificado, pois, com o fim da escravidão,
tais populações negras não tiveram acesso às terras, nem à entrada justa no trabalho livre,
ou seja, não tiveram garantidos os seus direitos básicos como cidadãos livres.
Agora, quando aumentam as interações destas comunidades quilombolas com os
municípios e empreendimentos comerciais e imobilrios, estas populações são
redescobertas”, ora como “entraves” ao progresso, ora como “apenas culturas a serem
preservadas”.
Os dados históricos nos dão a oportunidade de re-construirmos a trajetória dessas
populações. Mas cabe agora analisar estes quilombos com um outro olhar. Será que
podemos dizer que atualmente atingem eles a categoria movimentos sociais? Pois, tanto
no sentido de vencer e superar preconceitos, quanto no protagonismo que exercem, estas
populações participam com maior ou menor monta na construção social e potica do
Brasil.
Essa nova análise, com um novo olhar, das comunidades de quilombo é também
importante para a formulação de novas poticas públicas para estas comunidades, que
devem receber poticas diferenciadas que respeitem suas particularidades étnico-raciais e
não tratamento diferenciado que as enquadrem em políticas assistencialistas e
paternalistas. Descartando equívocos e estereótipos associados às comunidades.
O racismo, a falta de representação política, a ausência de (re) conhecimento legal, a
baixa renda monetária, a prática de línguas e padrões não oficiais da língua nacional
etc. foram fenômenos que, associados à falta de experiência histórica com a
propriedade da terra e a uma forma de produção que estabelecia frágeis vínculos com
ela, tornaram comumente “inviáveis as possibilidades de legitimação” das terras
detidas por essas comunidades (Fiabani: 2005, p. 357).
67
No Estado de São Paulo, como já dissemos, temos por volta de 60 comunidades
quilombolas, que representam 2.500 (duas mil e quinhentas) famílias. Pom, apenas 21
são reconhecidas pelo Estado, as demais estão em fase de reconhecimento. Das 60
comunidades, 23 estão localizadas no Vale do Ribeira, onde 05 têm o título de suas
terras.
Esses são números oficiais, mas desde a Constituição de 1988, tanto os números
do Estado de São Paulo (a Articulação das Comunidades Quilombolas do Estado de São
Paulo acredita existir mais de 100 comunidades no Estado), quanto os das comunidades
quilombolas em todo o país são muito divergentes.
Segundo a antrologa, Ilka Boaventura Leite, na apresentação de seu livro sobre
a Comunidade da Casca, desde a Constituição Federal, mais de 3000 (três mil)
comunidades quilombolas demandaram por titulação de suas terras. Fato esse que fez o
Governo Federal recuar no que tange as regularizações e titulações de terra.
Desta vez ficou evidente que interesses de grandes e médios latifundiários, diante de
mais de 3000 demandas por titulações identificadas nesses 20 anos, falaram mais alto.
Ficou evidente também a responsabilidade do Estado na aplicação da lei foi um forte
elemento a barrar o processo. Em 13 de maio de 2002, o Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, vetou a decisão da Câmara e do Senado, apoiando em
pareceres da Fundação Cultural Palmares e Ministério da Justiça – órgãos do governo
que tinham sido supostamente designados para empreender políticas de valorização,
reconhecimento e promoção da igualdade desta parcela da população (Leite: 2002, p.
21).
Essa realidade, mais uma vez realça o intuito deste estudo, que é entender como
essa parcela significativa de nossa populão está se organizando e defendendo seus
interesses constitucionais, uma vez que o próprio Estado mantém uma relação dúbia com
tais direitos: pede aos órgãos competentes que iniciam os processos de reconhecimento e
titulação, mas depois cede a interesses de grandes e médios proprietários. Entender o
Moab possibilitará entender a organização quilombola, além de esclarecer mais pontos
dessa trajetória histórica.
68
A representação potica (fruto da experiência histórica) está presente nos
quilombos e dá a estas comunidades força para a criação de uma autonomia e de uma
organização para a legitimação de suas terras.
Em artigo publicado em 1997, “Quilombos: símbolos da luta pela terra e pela
liberdade”, o antropólogo José Jorge de Carvalho, ressalta a importância de se conhecer
esses “novos” sujeitos e unir a perspectiva histórica com a avaliação de conjuntura,São
os quilombos de hoje, cada um com sua história singular, que se transformaram num
símbolo da luta pela igualdade de direitos e de cidadania que afeta milhões de pobres,
trabalhadores sem terra, desempregados e despossuídos em geral” (apud Fiabani: 2005,
p. 331).
Dentro do escopo teórico do que vem a ser um movimento social, analisaremos a
partir de agora os documentos, entrevistas, jornais, panfletos, recolhidos junto aos
arquivos do MOAB. Essa análise terá dupla função: definir o que é um movimento social
e traçar alguns pontos da trajetória potica e social do MOAB, desde sua fundação, até os
movimentos que organizou e gerou, durante estes anos de atuação.
69
Capítulo 2 – O MOAB um movimento social? Ou uma central de movimentos sociais?
O surgimento de um novo movimento social no Vale do Ribeira
Nos dias atuais, falar ou tentar definir, o que vem ser conceitualmente um
movimento social, é muito complexo, pois utilizá-lo do ponto de vista trico,sem que o
pensamento se perca num emaranhado de significados que a ele foram aderindo ao
longo do tempo” (Doimo: 1995, p.37), é uma tarefa realmente trabalhosa.
O presente trabalho, entre as inúmeras definições existentes sobre o que vem a ser
movimento social, optou por um caminho, diríamos, didático, pois não tivemos o intuito
de refazer essa discussão, uma vez que seria necessária uma nova dissertação para tal.
Assim, balizaremos nossas análises em estudos pontuais sobre os movimentos sociais e a
partir dos dados recolhidos no MOAB, traçaremos diálogos explicativos que balizaram
nossas constatações.
A primeira definição de movimento social que encontramos está na obra de Ilse
Sherer-Warren, “Movimentos Sociais – um ensaio de Interpretação Sociológica”,
segundo a autora: “Quando os grupos se organizam na busca de libertação, ou seja, para
superar alguma forma de opressão e para atuar na produção de uma sociedade
modificada, podemos falar na existência de um movimento social” (Sherer-Warren: 1987,
p. 9). Assim dessa forma, o termo “movimentos sociais” surgiu com Lorenz Von Stein,
por volta de 1840, quando este defendeu a necessidade de uma ciência da sociedade
voltada ao estudo dos movimentos sociais. Como exemplo temos o movimento proletário
francês e do comunismo e socialismo emergentes. No século XX, principalmente a partir
de 1940:
“Houve um crescente interesse da Sociologia Acadêmica pelo tema movimentos
sociais, podendo-se citar, entre outros, os trabalhos de Mac-Iver, R. Heberle,
G.Rocher e particularmente Alan Touraine que passa a defender a supremacia de uma
Sociologia dos Movimentos Sociais. Naquela Sociologia, alguns critérios têm sido
utilizados repetitivamente na caracterização dos movimentos sociais: refere-se a um
grupo mais ou menos organizado, sob uma liderança determinada ou não; possuindo
um programa, objetivos ou plano comum; baseando-se numa mesma doutrina,
princípios valorativos ou ideologia; visando um fim espefico ou uma mudança
social” (Sherer-Warren: 1987, p. 12).
70
A este discurso se incorporou entre o final do século XIX e início do século XX, a
Sociologia Marxista, que ainda não era acadêmica, mas tinha uma perspectiva de análise
distinta. Ainda se preocupava com os movimentos sociais e utilizava critérios análogos:
A necessidade de organização e da comunidade de interesse de classe; a exigência de
uma vanguarda para o movimento; o desenvolvimento de uma consciência de classe e de
uma ideologia autônoma; uma proposta ou programa de transformação social (Sherer-
Warren:1987, pp. 12-13).
A Sociologia Acadêmica passou a partir da década de 1950, a incorporar cada vez
mais as contribuições marxistas para a alise dos movimentos sociais. A esta
incorporação Warren relatou: “Com esta incorporação, a caracterização sistemática ou
tipológica dos movimentos sociais dá lugar a uma análise da dinâmica propriamente dita
dos movimentos, ou seja, da busca da contribuição dos movimentos sociais na produção
transformadora do social” (Sherrer-Warren: 1987, p.13).
“Velhos” e “Novos” Movimentos Sociais, uma discussão frutífera?
A partir de 1840, as definições de movimentos sociais vêm sofrendo modificações
profundas dentro da sociologia e da ciência potica. Vimos que elas nasceram no seio das
explicações marxistas e tiveram a função de nomear os “movimentos” racionais das
classes operárias. Mas essa linha explicativa entra em declínio antes do fim do socialismo
real e da queda do Muro de Berlim, adquiriu, “(...) a capacidade de referir-se a uma
multiplicidade de novas formas de participação, igualmente pensadas em função da
alteração da lógica capitalista, só que, agora, organizadas espontaneamente na esfera
da cultura enquanto “novos movimentos sociais” (Doimo: 1995, p. 37).
Chegamos a uma discussão bastante controvertida e exaustiva, como diz Ana
Maria Doimo em sua obra A Vez e a Voz do Popular – Movimentos sociais e
participação política no Brasil”, onde os movimentos sociais enquadram-se na
classificação de “velhos” ou “novos”:
71
Poder-se-ia, certamente, recompor uma miríade de argumentos que levam os cientistas
sociais a privilegiarem esta ou aquela denominação em contraposição a outras, mas
isso, além de enfadonho e estéril, significaria insistir numa espécie de paroxismo
emblemático, pelo qual correríamos o risco de lutar com as palavras, em vão, tentar
demonstrar se os “novos” movimentos sociais a exemplo dos velhos têm ou não
capacidade para transformar as relações capitalistas de produção (Doimo: 1995, p.38).
O MOAB se enquadra mais dentro do que se convencionou chamar de novo
movimento social. Embora carregue a alcunha de “movimento”, o MOAB não é um
movimento social por si só. Nossa pesquisa indicou que o MOAB é um mediador. Um
escritório de articulação, que a partir de demandas e reivindicações, estabelece uma série
de ações visando à organização dos quilombos e associados (populações ribeirinhas,
índios, urbanos, etc.). Mas se o MOAB pode ser enquadrado dentro da classificação novo
movimento social, o que viria a ser um “velho” movimento social?
Até o início dos anos 60 do século passado, um movimento social estava ligado a
um contexto de inspiração marxista, ou seja, o movimento tinha a primazia de ser o
organizador maior da classe trabalhadora. Uma leitura classista estava implícita, pois
todo o movimento estaria determinado pelas relações capitalistas de exploração do
trabalho pelo capital, e por certo cientificismo organizacional. Além disso, presentes
nestas organizações encontrávamos também, diagnósticos, metas, regras e normas pré-
definidas. Buscando uma eficácia com objetivos táticos e estratégicos.
Os sindicatos e os partidos políticos de orientação socialista e comunista
representariam, nessa perspectiva, a forma mais acabada desse tipo de organização, e
tudo o que fugisse desse raio de ação sequer podia ser incluído sob a rubrica do
verdadeiro movimento social; quando muito, seriam movimentos arcaicos e pré-
políticos ou, então, meros “assuntos da classe trabalhadora” (Doimo: 1995, p.39).
Dessa forma, o MOAB não congrega os discursos classistas e não atua como um
sindicato ou um partido potico. A amplidão de suas bandeiras e sua forma de atuação é
diferente das usadas nos “velhos” movimentos sociais e enquadra-se mais nas discussões
sobre movimentos sociais iniciadas no final dos anos 70 do século passado.
72
Nesta época, ocorreu uma mudança no quadro teórico, devido ao esgotamento da
análise marxista para o conceito, o que leva Alain Touraine, segundo Doimo, em nome
da sociedade pós-industrial, a deslocar o eixo dos movimentos sociais. Esses deixaram de
ser baseados nas relações de classe, e se voltaram para o campo da cultura, que se tornou
o novo locus de lutas destes movimentos. “São exemplos o movimento de mulheres, que
lutam por recriar relações onde a dominação tinha instaurado a ordem, as lutas
regionais contra um Estado central e o movimento antinuclear em defesa de equilíbrios
ecológicos” (Doimo: 1995, p. 41).
Ainda conforme Doimo, Touraine “ataca a primazia das relações econômicas e
afirma que, com a proximidade da sociedade pós-industrial, não só o movimento
operário deixa de ser o personagem central da história social, como o campo cultural
torna-se o locus onde se formam as principais lutas” (Doimo: 1995, p. 41).
Mas Touraine fez ressalvas a este “campo cultural”. Destaca que a fase de
transição entre o “velho” e “novo” movimento social, foi muito boa para renovar os ares
da democracia, e seguiu uma tendência positiva, uma vez que os movimentos sociais
fugiram da subordinação das forças poticas, fato este facilitado,pela falência do
“grande partido oligárquico-centralizador, pelo isolamento estéril da ideologia
socialista e pela descrença na eficácia das instituições representativas” (Doimo: 1995, p.
41).
Porém o autor analisou com cautela essa transição, pois, percebeu que os mesmos
fatores elencados, principalmente a distância das forças poticas, podem dificultar a
construção de um verdadeiro movimento social, “capaz de oferecer uma “promessa de
futuro” na luta face a face com a classe dirigente” (Doimo: 1995, p. 41).
Percebemos, na análise de Touraine que, mesmo mostrando um novo caráter dos
movimentos sociais, ainda estava presente na sua análise um apego muito grande a uma
característica forte dos ditos “velhos” movimentos, ou seja, a idéia de que estes tinham
um viés mítico-transformador, e que ainda teriam de continuar associados a organizações
formais de representação potica “como mediações necessárias à construção de uma
certa unidade de propósitos (Doimo: 1995, p. 41).
73
Alain Touraine mesmo acreditando em novos tipos de movimentos sociais,
percebeu a importância de “conviver positivamente com a institucionalidade política
(sem anarquismos ou discursos vazios contra a tecnocracia).
Segundo Doimo, Touraine aplicou suas alises à realidade latino-americana e
suas conclusões foram desanimadoras. No que diz respeito ao Brasil, o sociólogo afirmou
que, “os movimentos sociais urbanos ou populares dos anos pós-70 não passaram de
clientela política de determinados grupos e ‘não constituíram, de modo algum, a ‘base’
de um movimento político, ou seja, os movimentos sociais não passaram de
‘movimentos’ infra ou parapolíticos”. Por fim, relatou que a existência destes
movimentos ajudou a demonstrar que os limites ou as crises do sistema político (...) não
significa a presença de atores coletivos desejosos e capazes de pôr em causa a
organização social (Touraine, 1989, pp. 275, 278 e 280 apud Doimo: 2005, p. 42)”.
Segundo Doimo, essas críticas foram equivocadas e apressadas, e caminharam
contra o otimismo relacionado aos estudos dos novos movimentos sociais no Brasil,
acredita que a leitura de Touraine tenha sido feita de modo muito afastado e apressado,
uma vez que no Brasils-70, os movimentos exerceram, mesmo que de forma
embrionária, novos modos de interação com o regime democrático.
Mas para entendermos realmente a categoria movimento social, independente da
classificação “velho” ou “novo”, é necessário limitar a sua noção de palavra-mito, ou
seja, o conteúdo utópico dos movimentos deve ficar resguardado eo pode interferir nas
análises, pois “a idéia de movimento social, além de representar uma das fronteiras do
pensamento utópico, adquiriu o mesmo perfil das palavras-mito, cuja natureza
simbólica, (...), é inversamente proporcional à sua rigorosa delimitação conceitual e
empírica” (Doimo: 1995, p. 50).
Esse cuidado analítico é necessário, pois quando observamos apenas o lado
utópico desse femeno é impossível perceber que atualmente, o fator que os diferencia,
é o fato de que eles têm sua origem fora da esfera produtiva e dos canais convencionais
de mediação potica, em espaços fortemente marcados por carências, estas causadas pelo
vertiginoso crescimento e crise do Estado capitalista” (Doimo: 1995, p.50).
74
Assim, longe de pensarmos em “novos sujeitos”, em “nova identidade”, ou mesmo na
redão dos movimentos contemporâneos a meros fragmentos, vamos olhar para esta
realidade como se fosse pela primeira vez. Vamos questionar os movimentos deão-
direta como parte do fenômeno da socialização da política, isto é, como parte do
processo que, se fertilizou o repertório participacionista, ampliando as possibilidades
de surgimento de novos formatos de participação política, não deixou também de
produzir elementos perversos que, no limite, podem conspirar contra a própria
possibilidade da política, instaurando a intolencia e a violência (Doimo: 1995, p.
50).
Nessa nova formulação de movimentos sociais, dentro do campo da cultura,
enquadramos o nascimento do MOAB e de seus movimentos correlatos. O MOAB
nasceu contra uma ameaça específica, e acabou por congregar outros sujeitos e atores.
Aliás, sobre os conceitos de sujeito e ator vale olharmos as definições dadas por Alain
Touraine.
Sujeito e ator: algumas reflexões em Alain Touraine
As análises de movimentos sociais tiveram em Alain Touraine um de seus
principais tricos, para ele, “Sujeito e ator são noções inseparáveis e que resistem
conjuntamente a um individualismo que restitui a superioridade à lógica do sistema
sobre o ator, reduzindo este último à procura racional – portanto calculável e previsível
– de seu interesse” (Touraine: 1994, p. 221).
Essa construção partiu de uma crítica ferrenha a noção de modernidade, que para
Touraine foi absorvida de modos diferentes através dos tempos:
O homem pré-moderno procurava a sabedoria e se sentia obstacularizado por forças
impessoais, por seu destino, pelo sagrado e também pelo amor. A modernidade
triunfante quis substituir essa sujeição ao mundo pela integração social. Era preciso
desempenhar seu papel de trabalhador, de genitor, de soldado ou de cidadão,
participar da obra coletiva, e antes de ser o ator de uma vida pessoal, tornar-se o
agente de uma obra coletiva. Semimodernidade na verdade, que tenta dar ao antigo
racionalismo dos observadores do céu a forma nova da construção de um mundo
técnico que reprime mais fortemente que nunca tudo o que contribui para a construção
75
de um sujeito individual. Para que este apareça, não é preciso que a razão triunfe sobre
os sentidos, para falar a linguagem clássica, mas, ao contrário, que o indivíduo
reconheça nele a presença do Si-mesmo junto com a vontade de ser sujeito (Touraine:
1994, p. 220).
A questão sujeito-ator foi para Touraine um encontro do indivíduo com o que ele
chamou de um Si-mesmo, ou seja, um momento em que os indiduos eram atores de
suas próprias vidas.
Segundo Touraine, o ator não era aquele que agia de acordo com o lugar que
ocupa na organização social, e sim aquele que modificava seu meio ambiente, sobretudo
o meio social no qual estava colocado,modificando a divisão do trabalho, as formas de
decisão, as relações de dominação ou as orientações culturais” (Touraine: 1994, p. 220-
21).
Ainda segundo ele, é muito natural que as ciências sociais tenham mudado pouco
a pouco, “sua antiga linguagem determinista”, e começaram a frequentemente falar de
atores sociais. Vemos aqui o momento em que Touraine justificou a sua mudança de
análise com relação aos estudos da participação política dos grupos, quando substituiu a
idéia de classe social pela idéia de movimentos sociais, lugar este de ação dos atores
sociais.
Nessa mudança o sociólogo entendeu que, “o Sujeito só existe como movimento
social, como contestação da lógica da ordem, tome esta uma forma utilitarista, ou seja,
simplesmente a busca da integração social” (Touraine: 1994, p. 249).
Mais uma vez, como visto na análise de Doimo, Touraine avançou na exaltação
do que é uma “nova sociologia dos movimentos sociais”, mas ainda se apegava ao caráter
tico de transformação desses novos movimentos existente na análise marxista. Mas,
para Touraine, a mudança para o novo só ocorrerá com uma relação séria e complementar
das instituições normativas em busca de uma integração social.
Touraine continuou sua alise dizendo que um movimento social é ao mesmo
tempo um conflito social e um projeto cultural. E trazendo para sua análise a noção de
campo cultural”, em oposição à primazia das relações econômicas.
76
Um movimento social é ao mesmo tempo um conflito social e um projeto cultural.
Isso é verdade tanto no que se refere ao movimento dos dirigentes como aos dos
dirigidos. Ele visa sempre a realizão de valores culturais, ao mesmo tempo, que a
vitória sobre um adversário social. Uma luta reivindicadora não é por si mesma um
movimento social; ela pode ser defesa corporativa, utilização da conjuntura sobre o
mercado de trabalho e até pressão política (...) (Touraine: 1994, p. 250).
Touraine, em sua crítica à noção de modernidade na sociedade industrial destacou
que esta, quando analisada do ponto de vista da luta entre os dirigentes e dirigidos para a
execuçãosocial da racionalização e da subjetivação”, não deveria separar os valores
culturais do conflito social. No jogo da defesa da modernidade, observa-se os “senhores
da sociedade”, que basearam seu poder no espelho da modernidade e apresentam seus
adversários como simples obstáculos ao progresso. Dentro desta visão, os trabalhadores
também não enxergariam a sua situação, se colocando como dependentes, ou seja, não se
identificando com a produção “à qual estão sujeitos” e se proclamam “portadores do
princípio vivo da modernidade, do trabalho, em nome de uma concepção energética que
opõe a criação do trabalho diretamente produtivo ao atoleiro que representa um sistema
capitalista gerador de crises, de desemprego e de miséria” (Touraine: 1994, p. 255).
Touraine vê as duas partes presas em uma “jaula de ferro”, e pregou que a idéia
de sujeito, dentro da ótica dos novos movimentos, ou seja, dentro do ponto de vista da
análise do campo cultural, era repleta de contestação. Para ele, tal conclusão não é
facilmente verificada, pois a sociedade moderna tende a negar sua própria criatividade e
conflitos internos e a se apresentar,
(...) como um sistema auto-regulado, escapando, portanto, aos atores sociais e seus
conflitos. [...] na sociedade moderna, as concepções tecnocráticas tanto quanto as
liberais foram mais estreitamente associadas ao poder estabelecido que o apelo à
liberdade do sujeito. É por isso que a idéia de sujeito é antes de tudo contestadora, o
que permite defender a formulação extrema colocada como título deste capítulo: o
sujeito como movimento social (Touraine: 1994, p. 250).
Mostrou que a racionalização frequentemente combina a centralidade cultural à
associação, e essas foram ligadas à gestão de uma ordem estabelecida. Diferentemente, a
77
idéia de sujeito ocupou um lugar cultural central, mas não com o intuito de constituir uma
ordem, mas sim de contestá-la: “A racionalização está mais fortemente ligada à ação das
forças dirigentes, enquanto que a subjetivação muitas vezes constitui o tema central do
movimento social das camadas dominadas” (Touraine: 1994, p. 257).
Dando seqüência a sua crítica com a construção do sujeito-ator, Touraine voltou à
carga sobre a noção de classe social, que segundo ele, “correspondeu a um pensamento
historicista”, pois fazia com que a oposição entre dominantes e dominados se baseasse,
na oposição entre a sociedade e a natureza ou na oposição entre passado e futuro
(Touraine: 1994, p. 258).
Disse que, atualmente, deve-se fazer ao contrário, substituir as noções que
definiram os atores por uma situação não social por outras noções que analisam as
situações em termos de atores e de relações sociais. “É por isso que a noção de
movimento social deve tomar o lugar da noção de classe social, assim como a análise da
ação deve tomar o lugar da análise das situações” (Touraine: 1994, p.258).
Um movimento social não é uma corrente de opinião, uma vez que questiona uma
relação de poder que se inscreve muito concretamente nas instituições e organizações,
mas ele é o alvo de orientações culturais através das relações de poder e das relações
de desigualdade. É um papel importante das ciências sociais, principalmente depois de
Marx, o de reencontrar as relações sociais atrás das categorias impessoais da análise
econômica, administrativa ou mesmo teórica, mais importante ainda nos dias de hoje
que na época em que nascia a sociedade industrial (Touraine: 1994, p. 258).
As conclusões de Alain Touraine foram extremamente importantes para o estudo
do MOAB e dos movimentos sociais correlatos a ele, uma vez que permitiram entender
os novos atores sociais. Ou seja, a partir das análises de Touraine, constatamos estar
diante de novos movimentos sociais, pois, se utilizássemos explicações do ponto de vista
classista (ou da lutas de classe) junto ao MOAB, não conseguiríamos explicar de maneira
satisfatória a complexidade das relações ali encontradas.
Os quilombolas organizados através do MOAB mostram uma pluralidade de
bandeiras, seja a questão étnica, de gênero ou mesmo a ecológica, anseios organizados
dentro da perspectiva do campo cultural, como destacou Touraine. Portanto para
78
entendermos a articulação e mesmo as ações desses atores, temos de reencontrar as
relações sociais, por trás das categorias impessoais das relações ecomicas e ou
administrativas.
Passaremos agora a fazer a análise do conceito movimentos sociais, dentro do
contexto brasileiro, e ver como o MOAB se encaixa dentro deste.
Movimentos sociais: O MOAB e a interpretação dos movimentos sociais no contexto
brasileiro
No Brasil, os estudos dos movimentos populares, causaram várias correntes
interpretativas. Ana Maria Doimo destaca que, os movimentos pós-70
6
,o tendo ainda
seus objetivos ligados às questões do campo cultural, como colocava Touraine, a reflexão
teórica originada polarizou-se a partir de questões abrangentes relacionadas à natureza
dos movimentos, quais as suas possibilidades de sobrevivência e continuidade, bem
como quais os limites e o poder da eficácia de suas práticas.
Inúmeros estudos e ensaios foram feitos percorrendo diferentes caminhos
teórico-metodológicos e várias proposições analíticas tomaram lugar, ora
intercambiando seus termos, ora excluindo-se radicalmente entre si, configurando um
bloco matizado com fronteiras dificilmente discerníveis” (Doimo: 1994, p. 47).
Nos estudos brasileiros sobre movimentos sociais, foi possível observar a
presença de três matrizes interpretativas: uma que analisava a inflexão estrutural-
autonomista, a segunda, de inflexão cultural-autonomista, e a terceira de enfoque
institucional.
A inflexão estrutural-autonomista foi baseada em duas determinantes distintas. A
primeira que analisava como as contradições urbanas (aqui coloco também as
contradições rurais), impulsionavam os conflitos da sociedade capitalista, e a segunda
determinante que analisava a vio de um “caráter “classista” do Estado, visto que este
financia a reprodução do capital em detrimento da garantia de reprodução da força de
trabalho” (Doimo: 1995, p. 47). Dependendo da impulsão realizada por essas
6
Os movimentos no Brasil pós-70, segundo Doimo, estavam ligados mais a queses de carências
imediatas, “aqui a maioria dos movimentos incide sobre carências de sobrevivência imediata” (Doimo:
1994, p. 46), não estavam inseridos ainda na visão de campo cultural.
79
contradições, tal linha interpretativa, em sua segunda determinante, pregava que a
sociedade civil tnha, em si mesma, “uma capacidade ativa no sentido de organizar-se
“autonomamente” contra a tradição política autoritária, especialmente o regime
autoritário” (Doimo: 1995, p. 47).
A junção das duas determinantes, contradições urbanas e rurais, dentro de um
Estado autoritário, voltado aos interesses apenas do mercado, insurgiria “as
potencialidades” inatas da sociedade civil a organizar-se contra tais poticas autoritárias,
fazendo aparecer “novos movimentos sociais”, “novos sujeitos coletivos”, independentes
e autônomos. Essa vertente se desenvolveu com tanta força que a própria noção de
movimento social ficou marcada como sinônimo de movimentos urbanos e rurais.
Sua força, porém, não foi maior que a dos ventos culturalistas soprados pela crise
interna do próprio marxismo. Ventos que, após terem varrido o pensamento europeu,
o tardaram a chegar trazendo a revalorização da cultura como campo significativo
dos conflitos sociais, bem como a noção thompsoniana de “experiência”, nascida da
crítica metodológica ao marxismo reducionista e economicista (Doimo: 1994, p. 47).
A segunda matriz explicativa, cultural-autonomista, nasceu criticando o ângulo
reducionista do modelo anterior, “saiu em busca do sentido dessas práticas no campo de
sua “experiência”, recusou a iia de um sujeito único, “O Movimento, O Partido”,
etc.”, começou a ganhar força, entre os anos 1982-1983. Além disso, negou a premissa
que estabelecia por antecipação a “homogeneidade da classe”, em que as existências de
movimentos dependiam de “condições materiais objetivas”. Esta matriz acreditou na
pluralidade de sujeitos e em vários novos significados criados a partir da própria
existência, mas não acreditou na eficácia de ideologias externas à própria ação. Nessa
corrente estava presente a inflncia das idéias de Alain Touraine sobre os sujeitos-atores
e os “novos movimentos sociais”. Tanto que Doimo diz:
Mais uma vez, porém, e agora negligeciando-se o real peso dos aportes institucionais,
a maioria proveniente de instituições não fundadas sobre conceitos políticos, estes
movimentos foram saudados em sua espontaneidade, como “novos sujeitos políticos”
portadores de uma “nova identidade sócio-cultural”, com contornos de projeto político
80
voltado para a “transformação cultural” e a “radical renovação” da vida política
(Doimo: 1994, p. 48).
A duas matrizes explicativas, embora tivessem algumas divergências, ainda
estavam situadas no universo marxista, pois carregavam nas suas visões um sentido
tico-transformador, uma vez que enxergavam nos movimentos sociais a chave para
uma mudança ourevolução radical da vida política” (Doimo: 1994, p.48). Também
acreditavam que os elementos formados nestes movimentos seriam capazes de forjar
novos sujeitos capazes “de provocar a ruptura da estrutura capitalista, por suas
promessas de “democracia de base” ou “direta” e de “autonomia” em relação ao
Estado e “independência” dos partidos políticos”. Essas idéias, segundo a autora, foram
dominantes na reflexão acadêmica da época e também ocuparam lugar dentro dos
discursos e desejos dos próprios atores dos movimentos.
A pulverização das iias da segunda matriz foi tão grande que estas ganharam
corporeidade, não só nas práticas reivindicativas das periferias dos grandes e médios
centros urbanos do país, mas também nos movimentos rurais. Tanto que no final da
década de 1970, do século passado, muitos acreditaram na possibilidade de uma grande
virada, mas completa a autora:
No entanto, em vez de transformações abruptas e profundas conduzidas por
essas forças, deu-se, na passagem da década, uma transição conservadora ruma
a democratização, através de um pacto entre as elites políticas, em condições
“fortemente favoráveis à continuidade de mecanismos e de orientações da
velha ordem” (Moisés: 1989, p. 148 apud Doimo: 1994, p. 48).
A terceira vertente explicativa contrariou as anteriores, mostrando que os
movimentos sociais no Brasil, em determinada região
7
, não tinham um caráter tão anti-
Estado ou contra-Estado como acreditavam as linhas de pensamento da matriz estrutural-
autonomista. O que acontecia era que, no jogo das reivindicações, alianças eram
estabelecidas nos processos de negociação entre os movimentos e o Estado. O Estado
poderia figurar como “amigo” ou “inimigo”, dependendo dos interesses em jogo e da
7
Doimo usa como parâmetro o estudo de três movimentos urbanos no Rio de Janeiro.
81
ótica cultural pela qual era reconhecido” (Doimo: 1995, p. 49). A esta matriz explicativa
se convencionou chamar de enfoque institucional.
Desenvolvendo a reflexão de que a natureza dessas novas formas de participação
reside menos nas relações de classe do que no crescimento e ampliação das funções
do Estado sobre a sociedade, esses autores remam contra à maré e concluíram pela sua
inexorável fragmentação interna, razão pela qual seu alcance estaria circunscrito à
ampliação dos direitos de cidadania, em vez das radicias mudanças estruturais das
relações capitalistas, como até então se imaginaria (Doimo: 1995, p. 49).
As três matrizes, segundo Doimo, resultaram em inúmeros estudos e contribuíram
com diversas análises sobre a questão dos movimentos sociais, mas nenhuma delas
conseguiu se estabelecer como hegemônica. Para a autora, este fato resultou em uma
crise paradigmática do conceito de movimento social.
Aplicando as matrizes interpretativas ao MOAB, vimos que ele tem elementos
que se aproximam da segunda matriz explicativa (cultural-autonomista), pois suasões
são baseadas no campo da experiência, ou seja, longe da atuação de sujeitos únicos como
partidos e sindicatos.
Nas análises dos históricos de lutas e dos projetos de prestões de conta, e das
entrevistas com lideranças, foi verificada a inexistência de elementos que formam um
discurso de classe. No entanto, as relações étnicas e de gênero têm grande destaque,
assim a autonomia do MOAB foi criada a partir do campo cultural.
A matriz cultural-autonomista é a que melhor se aplica aos dados apresentados
pelo MOAB, mas também foi observado um pouco das outras matrizes, como a
estrutural-autonomista, por exemplo, no seu relacionamento com o Estado. Sendo assim,
o Estado em determinados momentos assume um “papel classista”; incentivando e
concedendo autorizações para a construção das UHEs e barragens; desconsiderando os
interesses das comunidades, e apoiando as ações dos grandes empresários. Isso faz com
que o MOAB se posicione contra o Estado e ganhe autonomia em relação a este. Por
meio dessas atitudes do MOAB, é possível perceber a tentativa da criação de um
movimento o mais autônomo possível.
82
Porém, a autonomia não acontece de forma ideal no MOAB, uma vez que
aspectos ressaltados na terceira matriz explicativa, ou seja, o enfoque institucional,
também está presente nas suas ações. As comunidades participantes do MOAB
estabelecem várias alianças com o Estado, tanto no nível federal como no estadual. E
através das lutas, necessitam do Estado para o cumprimento de reivindicações que só este
tem envergadura para atender, como a construção de estradas em áreas de proteção
permanente, a construção de balsas para transporte de pessoas e mercadorias, etc.
Um exemplo “positivo” dessa relação é relatado pela irmã Sueli, quando ela fala
da relação do MOAB com o Estado e cita o trabalho junto ao Ministério Público Federal,
s sempre tivemos no Ministério Público Federal, na questão das lutas dos quilombos,
bom relacionamento, boa parceria. Alguns procuradores, a gente percebe, estão bem
mais sensíveis, porque além do problema de lutar contra as barragens, têm todo o
problema fundiário”.
Mas para estudar qualquer movimento social, seja no Brasil, ou em qualquer lugar
do mundo, é necessário conhecer a conjuntura potica do país de origem destes
movimentos. No caso brasileiro, os movimentos sociais surgem dentro de características
históricas definidas.
Características históricas da formação do Estado Capitalista Brasileiro
Em países de industrialização recente ou de “capitalismo tardio”, como o
nosso, o Estado não só cresceu desmesuradamente como criou, (...), uma base própria
de acumulação, antes mesmo da consolidação de instituições democráticas estáveis e
da oligopolização do processo produtivo. A desenvoltura do Estado e a expansão de
seu aparelho sempre foramo acentuadas que este, além de se tornar um ator
estruturante das relações sócio-econômicas, colocou-se também como gestor do
desenvolvimento e produtor direto, imprimindo à sociedade brasileira uma dinâmica
muito mais movida por políticas públicas resultantes de decisões de poder do que
conduzidas por conflitos de classe. Resultado: uma burocracia forte e poderosa e uma
sociedade marcada pela desarticulação social e pela dissociação entre as relações de
produção e as relações de reprodução (Doimo: 1995, p. 56).
83
A citação acima resume como ocorreu o processo de formação do capitalismo no
Brasil e consequentemente como se deu a criação do Estado Brasileiro. Outras
explicações pormenorizadas existem, a própria Domo cita em seu estudo embates em
torno do tema, e das diferenças existentes na formação (e crise) do welfare state, em
países europeus e na América do Norte, mas o que nos interressou aqui, e verificamos
isso na citação, foi o crescimento desmesurado do Estado brasileiro. Esse crescimento
criou uma “jaula de ferro”, para usar uma expressão weberiana, que limitou a
participação potica de alguns segmentos sociais.
Na verdade, a cultura política brasileira, erigida sobre uma concepção hierárquica do
mundo, imprimiu relações clientelistas tão profundas em detrimento da cidadania
política que jamais conseguiu consolidar verdadeira esfera pública. (...) o welfare state
brasileiro desenvolveu-se através de uma extrema centralização política e financeira
no nível federal, aliada a uma formidável fragmentação no plano institucional,
caracterizando um quadro de privatização do fundo público e de exclusão da
participação social e política da população nos processos de decisão (Doimo: 1995, p.
57).
A “cultura potica brasileira”, fruto da formação típica de “industrialização
recente” ou “capitalismo tardio”, cunha fortes marcas na participação potica dos
movimentos sociais brasileiros. Esse fato nos levou às questões relativas a uma
privatização do Estado Brasileiro. As relações poticas inseridas nessa perspectiva de
privatização jogavam as decisões do Estado junto aos interesses do sistema capitalista, ou
seja, crião de novas formas de acumulação, fato que gerou um verdadeiro “apartheid”
social e criou desigualdades econômicas e a má distribuição de renda.
O caráter nefasto dessa mentalidade potica levou à perda de noção de um
espaço realmente público” e a um ambíguo acesso ao “fundo público” que também
estava de certa forma privatizado no que tange a este acesso. Esses fatos imprimiram
fortes características no modo de agir dos movimentos sociais.Estamos diante, enfim,
de um novo tipo de participação – a participação movimentalista – que além de se
proliferar fragmentada e diversamente, é regida por uma dinâmica distinta daquela que
instaurou a moderna concepção de participação política(Doimo: 1995, p. 59).
84
Doimo destacou que os movimentos no Brasil, assim como em países com
formação potica e ecomica semelhante, têm uma lógica participativa baseada no
consenso e na solidariedade (consensual-solidarística), diferentemente de outros países
com processos democráticos mais consolidados onde a lógica de participação de seus
movimentos é baseada na lógica racional e competitiva. A diferença entre estas duas
lógicas reside que na primeira, consensual-solidarística, encontramos uma participação
potica que gera estados de mobilização e recursos de pressão, enquanto que na segunda
as ações estão pautadas em critérios precisos e voltadas à eficácia decisória.
Em outros termos, enquanto a participação institucional pauta-se, em princípios, por
critérios mensuráveis de representação e por regras universalistas de procedimentos,
os envolvidos na participação movimentalista (consensual-solidarística) valem-se de
critérios ad hoc para “tirar a representação e de regras valorativas e particulares para
qualificar a participação. Por isso sua interlocão com o Estado tende a se dar numa
espécie de vácuo regimental, com visíveis dificuldades para o diálogo político
decisório (Doimo: 1995, p. 59 grifo meu).
No Brasil, então, embora a classe média contribua com, como diz Doimo, “seus
radicais engajados”, a grande base dos novos conflitos sociais é composta pelos
segmentos de baixa renda, e trazem a público temas ligados a sua sobrevivência imediata:
saúde pública, moradia, transporte coletivo, saneamento, e por que não dizer, a questão
da propriedade da terra.
Mas a fragilidade da lógica consensual-solidarística agregada a esta base social,
apresenta, segundo Doimo, uma ambiidade fundamental e um caráter virtualmente
pendular e volátil, posto que:
(...) a) ora o Estado é contestado em rao das dificuldades de acesso ao sistema de
decisões, ora é legitimado porque dele se espera função provedora; b) ora a
acumulação privada e o mercado são contestados por seu perfil excludente, ora são
requeridos para que irriguem o fundo público, do qual dependem para o atendimento
de suas carências. Ademais, por estar sujeita a agenciamentos de toda a ordem,
inclusive por instituições que se estruturam por valores morais ou mesmo privatistas,
ora pode integrar movimentos virtuosos, estabelecidos pelo diálogo com a cultura da
igualdade e dos direitos de cidadania, ora pode dar origem a organizações perversas
85
que se estabelecem na interação com o mundo da violência e da intolerância (Doimo:
1995, p. 62).
O caráter ambíguo dificulta o estudo do movimento e os seus modos de atuação,
uma vez que “o inimigo” não é bem definido. A ação-direta dos movimentos sociais
pode levar a uma série de caminhos em direção das reivindicações e demandas. Por meio
de uma forma pacífica vinda, “de campos que veiculam valores altruístas e humanitários,
reivindicando acesso ao fundo público e direitos de cidadania (...)”, ou por meio da
criação de mecanismos violentos, como a criação de “poderes paralelos”, redes
perversas que, através de ações-diretas, substituem a política pela violência” (Doimo:
1995, p. 61).
Os dois caminhos, segundo Doimo, podiam dar um caráter volátil aos
movimentos, e podendo resultar em diversos tipos de manifestações. Desde o
esvaziamento do movimento e o esgotamento das propostas reivindicadas, ou seja, à
medida que as solicitações vão sendo acatadas pelo Estado (num caso de contenda contra
este), o movimento vai perdendo pessoas e consequentemente poder político, uma vez
que os que conseguiram seus objetivos saem do mesmo não vendo mais razão de luta
8
.
Mas também muitos movimentos ganham lego e passam a marcar presea
constante no espaço público. Quando isto acontece, Doimo diz que não estamos
falando mais de meras ações-diretas, mas, “de campos ético-políticos ou redes sociais
que criam energias sócio-políticas e recursos de poder, capazes de influir nos padrões
culturais e nas formas de convivência política(Doimo: 1995, p. 66).
Esse ponto da reflexão de Doimo foi muito importante para o nosso trabalho, pois
verificamos no Vale do Ribeira, junto aos arquivos do Moab, a tendência de formação
desse tipo de rede. Ou seja, a formação de um campo ético-potico por dois fatores. Um
deles é a longevidade das reivindicações, uma vez que não é só impedir as barragens ou
mesmo ter a titularidade das terras; do ponto de vista cultural e ambiental, é a proteção de
um espaço ímpar. O outro fator é a presença de vários diálogos existentes entre o MOAB,
as comunidades, e as diversas Ongs ambientalistas e sociais. Como destacou Doimo:
8
Exemplos disso podem ser vistos nos movimentos por emprego, nos movimentos de moradia urbana, pois
uma vez que os indiduoso contemplados com o emprego e a casa, saem da luta sem ao menos ver que
ainda existe uma série de pessoas a serem contempladas.
86
Também no Brasil, (...), extensas redes sociais desenharam-se, entre os anos 1975-
1990, um expressivo campo ético-político à base de movimentos reivindicativos de
ação-direta, auto-reconhecido como movimento popular, mediante apoio de
significativos setores da Igreja Católica, do ecumenismo, de segmentos da academia
científica e grupamentos de esquerda, estes quase sempre inseridos nas chamadas
ONGs, organizações não-governamentais (Doimo: 1995, p.67).
De acordo com Doimo, muitas análises agregaram a constatação dessas redes
como sendo uma suposta organização espontânea dos “novos movimentos sociais”, essa
interpretação é errônea, porque às redes agregam os interesses do movimento e das
instituições que se aproximam dos movimentos (Ongs, Sindicatos, Igreja, etc.). É
posvel observar que muitos interesses reivindicativos surgiram de um plano apolítico,
baseado em valores morais, para um plano eminentemente potico, e vice-versa:
Ora, a própria natureza dos conflitos de ação-direta, ao prescindir do sistema de
representação política, abre terreno fértil para o florescimento de valores morais em
substituição aos conceitos políticos, quanto para a entrada de grupos e instituições
que, embora não tenham a política como seu fundamento institucional, são
visivelmente interessadas nas “coisas” da política (...) (Doimo: 1995, p. 67).
Segundo Doimo, dentro desta perspectiva, quando falarmos em “novos
movimentos sociais” estamos lançando mão de uma categoria euroia com um perfil de
condutas coletivas e de conexões ativas entre diversos agenciamentos e que, nos anos
s-70 do século passado, “passaram a girar em torno da crise do padrão assistencial-
previdenciário do welfare state e das transformações da própria sociedade industrial
(Doimo: 1995, p. 67).
Aqui a autora fez uma separação conceitual importante, pois para ela quando
falamos da América Latina, falamos em “movimento popular”. Expressão esta cunhada
emtempos de autoritarismo político pela confluência de outros tantos agenciamentos,
para referir-se a uma vasta gama de movimentos reivindicativos referidos ao Estado do
“mal-estar social”” (Doimo: 1995, p. 68).
87
Embora diferentes em suas trajetórias de formação histórica, os “novos
movimentos sociais e o “movimento popular” não deixaram de ser baseados em
condutas de ação-direta. Essas condutas interferiram nos sistemas de decisão,e
respeitadas às diferenças e as especificidades conjunturais, inscrevem-se na categoria de
campos ético-políticos já que, para além das reivindicações locais e pontuais, influíram
nos padrões de convivência política” (Doimo: 1995, pp. 67-68).
Assim, enquanto os conflitos de ação-direta podem ser refletidos em altos graus de
abstração no âmbito de determinadas coordenadas estruturais (...) -, os campos ético-
políticos são fenômenos conjunturais que devem ser analisados caso a caso,
observando-se as diversas combinações dos termos da dupla face dos movimentos
reivindicativos de ação-direta: a face expressivo-disruptiva, pela qual se manifestam
valores morais ou apelos ético-políticos tendentes a deslegitimar a autoridadeblica
e a estabelecer fronteiras intergrupos, e a face integrativo-corporativista, pela qual se
buscam conquistar maiores níveis de integração social pelo acesso a bens e serviços,
não sem disputas intergrupos e a interpelação direta aos oponentes (Doimo: 1995, p.
69).
De acordo com Doimo, é necessário um “mergulho” profundo no movimento a
ser estudado, além de desvendar e mapear as interações firmadas com outros grupos,
captar qual lugar (ethos) é importante dentro do conjunto das reivindicações e se estas
dão ao movimento potencial de duração.Descobrir as redes movimentalistas, pois é
através delas que circulam as intencionalidades, os bens simbólicos e as informações
num meio social não-estruturado” (Doimo: 1995, p. 69).
O MOAB nasceu dentro dessas características históricas, ou seja, é fruto dos
conflitos criados com o crescimento do capitalismo na sociedade brasileira, uma vez que
congrega populações excluídas das poticas públicas ou até mesmo, no caso dos
quilombolas, por exemplo, congregam populações que não conheceram as poticas de
bem-estar social. A partir da ameaça de perda de suas terras passaram a se organizaram,
não só para proteger suas terras, mas tamm adquirir status de cidadãos, a partir de uma
bandeira de lutas, acabam por elencar outras.
Além disso, o MOAB é um movimento que trabalha dentro da lógica consensual-
solidarística, pois sua participação potica gera estados de mobilização e recursos de
88
preso. Assim, ele constitui uma central de movimentos sociais, aciona elementos
culturais, sociais, de gênero e étnicos, e organiza as populações em verdadeiros
movimentos sociais.
Essa organização forma um campo ético-potico ou de redes sociais, como o
destacado por Doimo acima, que se enquadra dentro dos termos de um novo movimento
social. Para entendermos melhor essa central de movimentos sociais, é necessário
conhecer uma categoria presente no estudo dos novos movimentos sociais, a das redes de
movimento sociais.
Redes de Movimentos Sociais
No presente estudo, a “rede de movimentos sociais” foi analisada por meio dos
textos de Ilse Sherer-Warren. Segundo a pesquisadora, as “redes de movimentos”
pretendem ser a expressão de uma trajetória e de uma opção,é uma tentativa de retratar
aspectos relevantes da trajetória histórica das formas de organização da sociedade civil
na América Latina, e em particular no Brasil, principalmente daquelas denominadas de
movimentos sociais” (Sherer-Warren: 2005, p. 9).
Sherer-Warren relata que para a construção da noção de rede, os movimentos
sociais e seus articuladores, na América Latina e no Brasil, passaram por várias
transformações nas últimas décadas, que foram da valorização das organizações de base,
denominadasgrassroots organizations”, para mais recentemente, a valorização de
outras formas de organização. Com isso, os movimentos e seus mediadores passaram a
reconhecer a importância das articulações, intercâmbios e da formão de redes temáticas
e organizacionais, denominada de network organizations (...) tendo-se em vista que a
realidade dos movimentos sociais é multifacetária, sabe-se também que será cenário
para uma diversidade de investigações e perspectivas analíticas. Analisar este cenário
em termos de “redes de movimentos” é, pois, uma opção” (Sherer-Warren: 2005, p. 9).
Essa opção se mostrou coerente com o foi analisado neste estudo, uma vez que os
quilombos, o MOAB, e as diversas organizações existentes no Vale do Ribeira agem em
redes”.
89
Mas segundo Sherer-Warren, a idéia de rede nos leva a pensar, do ponto de vista
epistemológico, na possibilidade de uma “integração de diversidade”. Como vimos em
Doimo, os movimentos sociais (os “novos movimentos sociais”), encerram em si uma
série de características, organizacionais e de ações práticas, que devem ser consideradas
durante uma análise.
A análise em termos de “redes de movimentos” implica buscar formas de articulação
entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas
interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Enfim, trata-se de buscar
os significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais
como independente, intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de
movimentos de caráter transnacional, como os de direitos humanos, pela paz,
ecologistas, feministas, étnicos e outros (Sherer-Warren: 2005, p. 10).
É uma opção metodológica, uma opção de análise, fundada segundo a autora em
uma “ética-humanística”, cujo compromisso é valorizar a comunicação, a articulação, o
intercâmbio e a solidariedade entre os diversos atores que integrar o movimento social.
No livro de Sherer-Warren, “Redes de Movimentos Sociais”, encontramos
detalhadamente o percurso dessa opção metodológica e analítica e em alguns momentos
constatamos muitos pontos em comum com a obra de Ana Maria Doimo, no que tange a
construção da categoria movimento social.
Sherer-Warren conceitualizou o que vêm a ser movimento social, e enxergou no
caráter controverso da categoria problemas para uma utilização “limpa” do conceito.
Relatou também que, mesmo depois de todas as discussões realizadas, não se chegou a
um acordo sobre o conceito de movimentos sociais, “para alguns, toda a ação coletiva
com caráter reivindicativo ou protesto é movimento social, independente do alcance ou
do significado político ou cultural da luta” (Sherer-Warren: 2005, p.18). Sua conclusão
de atribuir a qualquer conduta coletiva empírica a pecha de movimento social, sem
destacar a centralidade do ator, o alcance das lutas, o condicionamento das ações, a
consciência, a ideologia, o projeto social e potico, fragmentou a produção e dificultou a
construção de conceitos genéricos e de categorias teóricas.
90
Ainda segundo Sherer-Warren, no Brasil essa tendência se manifestou na
constituição de guetos temáticos, ou seja, o estudo de movimentos específicos.
Um grande número de resenhas bibliográficas temáticas retrata esta situação sobre
Movimentos Sociais Urbanos, Movimentos Sociais Rurais, Movimento de Mulheres,
etc. (...) A estes recortes temáticos também corresponde a recorrência a paradigmas
específicos. O caso mais notável é os dos estudos dos movimentos sociais urbanos
seguindo fundamentalmente as teorias de Castells, Borja e Lojkine. Neste caso, as
análises sobre as contradições urbanas e a relação entre movimento e Estado,
realizadas em países desenvolvidos, serviram como modelos para pensar a realidade
latino-americana. As limitações desta transposição já foram avaliadas, todavia, por
vários cientistas da área temática (...) (Sherer-Warren: 2005, p. 18).
Noutro extremo, a pesquisadora mostrou a existência de um outro enfoque, que
considerava movimento social apenas um número muito limitado de ações coletivas de
conflito, “aquelas que atuam na produção da sociedade ou seguem orientações globais
tendo em vista a passagem de um tipo de sociedade a outro” (Sherer-Warren: 2005, p.
18). A maior referência teórica desse enfoque estaria na produção de Alain Touraine.
Para Touraine, movimento social é aquele que atua no interior de um tipo de sociedade,
lutando pela direção de seu modelo de investimento, de conhecimento ou cultura.
Sob esta perspectiva, retomamos a crítica feita por Touraine que destacamos em
Doimo, de que não existiriam movimentos sociais na América Latina. Crítica considerada
precipitada, uma vez que na obra de Sherer-Warren, encontramos uma outra análise de
Touraine que dizia haver na América Latina, “movimentos históricos que lutam pela
mudança de um tipo de sociedade em outro, como movimentos nacional-populares que
marcariam alguma presença em países latino-americanos (Touraine, 1989 apud Sherer-
Warren: 2005, p.19).
Mas, segundo Sherer-Warren, a utilização das contribuições teóricas de Touraine,
não teve tanta influência na alise de ações coletivas consideradas setorialmente. Suas
contribuições assim como as de outros: Laclau, Melucci, Offe, Habermas, Castoriadis,
Guattari
9
, buscaram apreender a formação de novas identidades, novas formas de
9
Para este debate Ilse Sherer-Warren incl as seguintes obras na bibliografia do capítulo 1: Laclau, Ernest.
Política e Ideologia na Teoria Marxista: capitalismo, fascismo e populismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
91
sociabilidade e, acima de tudo, ver novas transformações na cultura potica. Ou seja,
relembrando mais uma vez Doimo, há a necessidade de olhar os movimentos sociais
latino-americanos, com outros olhos, dentro de determinados contextos históricos,
sociais, políticos e culturais.
Sherer-Warren, assim como Doimo, fez uma periodização dos estudos sobre
movimentos sociais, e encontrou quatro: 1º) Dos meados do século XX até a década de
70; 2º) Os Anos 70; 3º) Os Anos 80 e 4º) A perspectiva para os anos 90.
Na primeira fase, meados do século XX até a década de 1970 do século passado,
Sherer-Warren destacou, assim como Doimo, duas correntes marxistas, a histórico-
estrutural e a funcionalista. A primeira baseada nas questões do desenvolvimento e da
dependência e a segunda na questão da modernidade. Na segunda fase, relativa aos anos
1970, destacou como marco de uma reflexão teórica importante, o Seminário de Mérida,
no México, sobre “As Classes Sociais na América Latina”. E viu nesse período a
introdução de novas considerações paradigmáticas para a discussão, como as análises “do
macro e do micro, do geral ao particular, da determinação econômica à multiplicidade
dos fatores, da ênfase na sociedade política para a atenção na sociedade civil, das lutas
de classe para os movimentos sociais” (Sherer-Warren: 2005, p.15).
Foi nessa fase, segundo Sherer-Warren, que Touraine estabeleceu uma relação
teórica entre as categorias de classe e movimentos sociais, “e, em substituição a uma
sociologia das contradições, pretende constituir uma sociologia do conflito” (Sherer-
Warren: 2005, p.15).
Já no terceiro período, da década de 1980 do século passado, principalmente na
primeira metade, a categoria “movimento social” foi a referência central e originou um
grande número de pesquisas e estudos de caso, principalmente na América Latina.
Tratava-se, “na maioria dos casos, de substituir as análises em termos de processos
históricos globais, por estudos mais intensivos de grupos específicos organizados, ou das
“identidades restritas” (...)” (Sherer-Warren: 2005, p. 17).
1978; Melucci, Alberto. Um objeto para os Movimentos Sociais? Lua Nova, CEDEC, jun. 89, n.17, p. 49-
66;
92
Essa substituição nas análises significou também, como abordou Sherer-Warren,
uma nova postura diante das manifestações e ações das classes populares, uma “nova
lente” foi inserida:
Tanto as análises funcionalistas da modernização, como as estruturalistas do
desenvolvimento, consideravam a cultura popular brasileira como arcaica. (...) os
políticos liberais viam esta cultura como ilógica e irracional, os marxistas como
alienadas e falsa consciência e outros cientistas sociais como particularista e
ascriptiva. nos anos 80, os cientistas sociais buscaram na cultura popular os
aspectos políticos positivos de sua espontaneidade, autenticidade e comunitarismo. A
religião e o lazer dos pobres passam a ser vistos como lutas tácitas contra as injustiças
das oligarquias tradicionais e do capitalismo moderno (Sherer-Warren: 2005, p.17).
A categoria de sujeito popular, para alguns pesquisadores, ou de ator social, para
outros, substituiu a categoria classe social, a própria noção de movimento popular e/ou
movimento social fez contraponto, substituindo em muitos casos, a de luta de classe,
significando que em lugar da tomada revolucionária do poder, poder-se-ia pensar em
transformações culturais e poticas substantivas a partir da cotidianidade dos atores
envolvidos (Sherer-Warren: 2005, p. 17).
Buscou-se este potencial em sujeitos múltiplos, seja nos movimentos urbanos, nas
comunidades eclesiais de base, nas lutas pela terra, moradia, etc., nas mulheres, nos
ecologistas, nos grupos jovens, nos sindicatos, nos movimentos de defesa dos direitos
humanos e de defesa étnica e noutros. Mas, sem dúvida, estas múltiplas formas de
protesto político ocuparam muito a atenção dos pesquisadores latino-americanos
porque se proliferaram também na prática social dos fins da década de 70 e início de
80 (Sherer-Warren: 2005, pp. 17-18).
O MOAB dentro da perspectiva para os anos 1990: As redes de movimentos (Networks)
Já a quarta perspectiva, nos anos 1990, a pesquisadora destacou cinco novas
orientações existentes no interior das práticas coletivas estudadas na América Latina e
que estão presentes nos estudos dos chamados novos movimentos sociais (NMS) e das
redes de movimento social. As orientações são: 1. democracia; 2. valorização da
93
diversidade societal; 3. busca de formas de cooperação, de autogestão ou co-gestão da
economia diante da crise; 4. emergência de novos valores de solidariedade, reciprocidade
e comunitarismo; 5. autonomia diante de partidos e Estado.
As principais orientações (...) têm dado caráter de “novo” a estes movimentos sociais.
Justamente, com fins heurísticos de contrapor orientações emergentes às formas
tradicionais do agir político, frequentemente estas ações coletivas contemporâneas
têm sido denominadas “novos movimentos sociais” (Sherer-Warren: 2005, pp. 19-20).
É nesta perspectiva que se encontram as análises da atuação do MOAB e de seus
movimentos correlatos, uma vez que encontramos características similares às cinco
orientações elencadas acima.
No estudo, deste escritório de articulação, percebemos em suas ações uma
valorização da (1) democracia, ou seja, busca de saídas paficas e de entendimento com
a construção de ferramentas de luta que reconhecem o sujeito e os atores como detentores
de direitos assegurados por lei, e uma (2) valorização da diversidade societal, onde
mulheres e homens quilombolas, que passam a conhecer sua história, a se reconhecer
enquanto grupo (quilombos) e pertencer a uma comunidade.
Esses fatores levaram a formulação de (3) formas de cooperação, de autogestão
ou co-gestão da economia diante da crise, pois as comunidades passam a se ver enquanto
agentes ecomicos, e depositam na terra (titulada, reconhecida, ou futuramente, uma
coisa ou outra) o seu maior bem de sobrevivência.
O MOAB, ainda, auxilia na formação de associações e enfatiza o caráter comunal
do uso das terras. Este último fato, também aparece na (4) emergência de novos valores
de solidariedade, reciprocidade e comunitarismo, pois formada a associação, os
indivíduos passam a se reconhecer mais como uma comunidade, passam também a
conversar com outras associações. E como acontece também em outros movimentos
sociais, no MOAB temos a construção de certa (5) autonomia diante de partidos e
Estado, com lutas e ações livres de inflncia destes mediadores.
Ainda segundo Sherer-Warren, dentro da perspectiva para os anos 1990, no que
diz respeito ao estudo dos movimentos sociais quanto à organização da sociedade civil os
movimentos sociais latino-americanos se enquadram dentro de duas visões. A primeira é
94
de uma linha de estudos que não atribui tanta importância aos movimentos sociais,
mesmo aqueles que tenham ocorrido num período anterior. A atenção estaria voltada para
os processos de desorganização social, que m ocorrendo, sobretudo, devido ao
crescimento desenfreado dos processos de exclusão, no campo e na cidade.
Então, a partir desses processos de exclusão, alguns pesquisadores, que se
dedicavam anteriormente ao estudo dos movimentos sociais, passaram a defender a
necessidade do entendimento das condutas de crise, e a valorizar os “antimovimentos”:
Pode-se, pois, determinar como perspectiva para os anos 90, a necessidade de
entender como, nos interstícios de modernização (e, para alguns, às vezes até da pós-
modernização) de países latino-americanos, ocorre a desmodernização, a exclusão, a
pobreza crescente, a desordem e a escalada da violência organizada. Em outras
palavras, o “desmovimento” (seja desmobilização, imobilismo ou antimovimento)
(Sherer-Warren: 2005, p. 21).
A segunda visão é aquela que, a partir da avaliação crítica das interpretações
sobre os movimentos sociais dos períodos anteriores, pretende encaminhar novas
perspectivas de estudo dos movimentos sociais para os anos 90” (Sherer-Warren: 2005,
p. 21). Ou seja, não nega as crises que se operam na sociedade civil, mas quer entender
como essas crises, transformadas em ações pelos movimentos, se deram e como
funcionaram, criando meios para se entender os significados poticos e culturais destes.
As duas visões não são mero fruto de repensar trico. Segundo Sherer-Warren,
elas estão inseridas em mudanças de realidades internas e externas dos pses latino-
americanos, ou seja, estão inseridas no processo de democratização potica e reformas
institucionais. Como vimos em Doimo, no âmbito externo, por exemplo, as
transformações no socialismo real trouxeram perplexidades em relação às utopias nos
movimentos populares na América Latina (Sherer-Warren: 2005, p.22).
Dessa forma o nosso estudo sobre o MOAB estaria ligado à segunda visão, pois
não podemos analisar tal movimento sem uma avaliação crítica do período anterior a este.
Já que o Vale do Ribeira é uma região repleta de contradições e de problemas estruturais
que a colocam como a região mais pobre do Estado. Essa situação propiciou ali o
aparecimento de outros movimentos sociais, sejam eles de cunho ecológico (atuação de
95
ONGs ambientalistas) ou social (movimentos por emprego, desenvolvimento,
saneamento etc.). O MOAB nasceu de uma ameaça, a construção de UHEs e barragens, e
esta se associou aos outros problemas que já existiam.
Procuramos entender ainda, dentro da segunda visão destacada por Sherer-
Warren, como o MOAB desenvolveu sua tentativa de organizar a sociedade civil do Vale
do Ribeira, a partir de um único tema (Não às barragens!), para um complexo conjunto de
temas, ou seja, como as atuações políticas dos grupos (com destaque para os
quilombolas) conseguiram propor novos temas como, a organização em comunidades
remanescentes de quilombo faz o debate de gênero e da questão étnica, entre outros.
Sherer-Warren destacou quatro elementos teóricos, que precisaram ser estudados
ao se repensar as teorias sobre movimentos sociais, principalmente, quando estudamos
um movimento de tipo novo como o MOAB, são eles:
1º) Discussão do micro e macro – Como vimos nos dois períodos iniciais
(décadas de 50/60 e 70), a prioridade era a macroanálise do social, já no terceiro (década
de 80) houve uma mudança no sentido de analisar as microtransformações. No âmbito do
quarto período (anos 90), a idéia foi avaliar a junção destes dois tipos, ou seja, as próprias
noções de macro e microrrealidade passaram por (re) definições.
O macro, concebido enquanto totalidade estruturada e com determinações racionais,
cede cada vez mais lugar às interpretações que concebem a realidade enquanto
multifacetada e complexa, sem determinações fixas ou historicamente necessárias. E,
assim sendo, o mais relevante dentro desta perspectiva metodológica não é tanto o
entendimento dos movimentos enquanto partes estruturadas ou estruturantes da
realidade, mas enquanto processos de ação política, enquanto práticas sociais em
construção, enquanto movimento propriamente dito (Sherer-Warren: 2005, p. 22).
A junção destas dimensões buscou entender os significados e os alcances poticos
e culturais dos movimentos sociais. Como destacou Sherer-Warren, isso já era feito em
análises microssociológicas ou antropológicas das comunidades locais. O novo foi o
surgimento de práticas políticas articulatórias, das ações localizadas, de redes e
movimento (networks) e na busca de metodologias que permitam entendê-las” (Sherer-
Warren: 2005, p. 22). As interconexões de sentido entre o local (comunitário) e o global
96
(supranacional, transnacional), foram compreendidas. Não os pesquisadores dos
movimentos sociais vinham enfatizando as múltiplas facetas do fenômeno. Isso em
termos de cultura potica levou muitos líderes e grupos organizados a mudarem
substancialmente sua atuação, pois tiveram que alargar seus campos de visão, deixar de
lado práticas sectaristas e centralizadoras, e criar várias ramificações no sentido de uma
nova ética.
De acordo com esta abordagem, trata-se de passar da análise das organizações sociais
espeficas, fragmentadas, para a compreensão do movimento real que ocorre na
articulação destas organizações, nas redes de movimento (i. é, from grassroots to
networks). Na América Latina, os estudos do significado destas articulações, em
termos de redes, ainda são bastante emergentes, principalmente quando se considera o
grande número de redes de movimentos que se vêm organizados (Sherer-Warren:
2005, p. 23).
No nosso caso, os movimentos sociais ligados a ameaças ou mesmo de atingidos
por barragens se espalham por todo o país e também por todo o mundo. A discussão no
Moab, portanto, não é apenas uma questão localizada. Parte do local, mas troca
informações com outros movimentos. Na entrevista com José Rodrigues, primeiro
presidente do MOAB e um dos articuladores do Movimento dos Atingidos por Barragem
(MAB), organização de nível nacional, foi relatado que a organização do MOAB foi
fundamental na troca de informações e na própria fundação do movimento a nível
nacional:
José Rodrigues: “No início dos trabalhos do MOAB, começamos um trabalho de
visitas a outras regiões do Estado, do país. Nós visitamos grupos de atingidos por
barragem, e vimos de perto, como é a problemática das barragens e o que acontece
depois de uma barragem. Constatamos muito pontos negativos e os impactos que as
barragens causam na área social, cultural, ambiental. E isso reforçou demais a nossa
luta, então começamos a nos articular nos municípios, e Vale do Ribeira. Foi aqui,
nessa época, (1991) que fundamos o MAB, fundamos o movimento nacional, pois
nessa época a luta estava isolada, cada Estado tinha a sua luta, o povo brigava
contra, ou por reassentamento, contra as obras. Na verdade a questão energética no
país significa o quê? A expulsão do pessoal que mora na beira do rio para a cidade e
97
nós tivemos uma pesquisa feita pelo movimento e por outras entidades que 70% das
barragens que existem no Brasil hoje, o povo atingido não foi ressarcido, então tudo
isso a gente conheceu e reforçou mais a nossa luta aqui.
Dessa forma, a temática local do MOAB (micro) se transformou em uma
discussão nacional (macro). Em abril de 1989 foi realizado o primeiro Encontro Nacional
de Trabalhadores Atingidos por Barragens, com a participação de representantes de
rias regiões do país. Segundo as informações contidas no Caderno “MAB: Uma
história de Lutas, Desafios e Conquistas”, neste momento foi realizado um levantamento
global das lutas e experiências dos atingidos em todo o país, foi então decidido
constituir uma organização mais forte a nível nacional para fazer frente aos planos de
construção de barragens no Brasil”. Ainda segundo as informações encontradas no
caderno, dois anos depois do primeiro encontro foi realizado o I Congresso dos Atingidos
de todo o Brasil, em março de 1991, onde foi decidido que o MAB, “deve ser um
movimento nacional, popular e autônomo, que deve organizar e articular as ações contra
as barragens a partir das realidades locais a luz dos princípios deliberados pelo
congresso. O dia 14 de março é instituído como o Dia Nacional de Luta Contra as
Barragens”. (MAB: Caderno 7, p. 7).
O caráter internacional (macro) do discurso do MOAB também foi comprovado
na participação em de 1997, de 11 à 14, na cidade de Curitiba, do “I Encontro
Internacional de Povos Atingidos por Barragens”, onde atingidos de 18 países estiveram
presentes protestando contra as construções de barragens. O MOAB levou 05 ônibus
fretados e participou de uma passeata nas ruas centrais de Curitiba até o Palácio Iguaçu,
onde uma comitiva foi recebida pelo chefe de Gabinete do governador e durante a
audiência foi entregue o documento final do encontro.
Outro ponto marcante nas passagens das discussões locais para as nacionais e
internacionais foi o estabelecimento de parcerias abrangentes e que ajudem nessa
passagem, tanto do ponto de vista potico (troca de experiências de luta), quanto do
ponto de vista econômico no que tange o financiamento do escritório de organização.
2º) Divisão heurística entre novos e velhos movimentos sociais – para Sherer-
Waren a divisão feita pelos pesquisadores que classificaram os movimentos sociais em
“velhos” (tradicionais) e “novos”, reforçou as análises das realidades empíricas de forma
98
muito positiva, pois o que se tentava na América Latina era ver nessas realidades como a
sociedade civil se portava diante dos Estados de repressão que predominavam nesta
região.
Entretanto, no momento atual, os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade
de buscar os vestígios das formas tradicionais de fazer política (clientelismo,
paternalismo, autoritarismo populista ou estalinista) nos novos movimentos sociais
(NMS), bem como de buscar os novos estilos de fazer potica nos sindicatos, partidos
e instituições governamentais (Sherer-Warren: 2005, pp. 23-24).
Foi importante compreender, dentro dos movimentos sociais, quais as tensões
existentes entre as novas e velhas orientações políticas, uma vez que por mais novo que
seja o movimento, tanto no sentido cronológico, como na atualidade de seu tema,
encontramos na sua atuação práticas consideradas tradicionais, além de novas práticas
dentro do campo da cultura potica. Mas como destacou Sherer-Warren, e de certa forma
também Doimo, mais importante do que a classificação dos movimentos sociais como
velhos” ou “novos” é:
(...) analisar os novos elementos culturais emergentes nos movimentos, tanto nas
formas tradicionais (sindicatos etc.) como nos surgidos recentemente (ecológicos, de
gênero, étnicos etc.) Entre estes elementos têm sido destacados elementos étnicos e de
cultura política os quais freqüentemente se apresentam interconectados na utopia dos
movimentos: a sua natureza cívica e pacifista, o comprometimento com a
descentralização e autonomia, a tolerância pluralística fundada na diversidade cultural
e humana, paz com justiça social e respeito à natureza, democracia mais participativa
e direta (Sherer-Warren: 2005, p. 24).
Destacamos, na citação acima, quando Sherer-Warren cita os elementos culturais
emergentes e fala dos elementos étnicos e de gênero, dois pontos que estão presentes nas
discussões feitas no MOAB, como por exemplo, a organização das mulheres quilombolas
e a construção da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Quilombolas e
Negras do Vale do Ribeira (EAACONE).
99
Apesar de o MOAB estar dentro da perspectiva de novo movimento social,
verificamos a existência de muitas formas tradicionais vigoram na sua organização, como
por exemplo, a constituição de associações com hierarquia tradicional (presidente,
secretário, tesoureiro, etc.), as reuniões com sindicatos e partidos e a organização de
passeatas. Sendo assim, o MOAB é um movimento novo no aspecto dos temas
discutidos, mas encerra práticas e ações tradicionais, essa junção reforça ainda mais seu
caráter de novo movimento.
3º) Relação movimento social e Estado (ou sistema institucional) – foi
necessário investigar essa relação com novos parâmetros, pois ela também sofreu
mudanças com o passar do tempo, pois, “(...) no primeiro e no segundo período
mencionados, sobreestimou-se o papel do Estado para a modernização econômica e no
terceiro o papel dos movimentos sociais para a modernização política, concebendo-se o
movimento como o lugar de libertação e o Estado como lugar de repressão” (Sherer-
Warren: 2005, p. 24).
Foi preciso, ir além dessa concepção, investigar profundamente em que medida
um influencia dentro das práticas do outro, ou seja, como e quais são as relações
estabelecidas com o Estado e como elas são refletidas nas políticas institucionais; e como
as medidas estatais influenciam as ações práticas dos movimentos. É importante destacar,
como já vimos em outra parte do texto, qual é a relação do movimento com o Estado,
pois em muitos casos, nem sempre essa relação é só conflituosa, pode ser harmônica e até
dependente, ou seja, o Estado não configura o papel do “vilão” ou “inimigo”, mas, as
vezes, trabalha em parceria com o movimento. Sendo assim, devemos entender o Estado
como um amplo campo de interesses e interações de diversas ordens.
Sherer-Warren destacou também que existem novas concepções sobre o espaço de
poder da sociedade civil perante o Estado, e que a participação potica está cada vez mais
diversificada, “(...) os cidadãos ordinários querem opinar e participar dos atos de quem
os governa e assim começam a fazê-lo através de referendos, tribunas populares,
audiências públicas etc. A busca destes novos espaços e formas de representação através
dos movimentos sociais pode ser também sintoma da crise dos velhos sistemas de
representação através dos partidos” (Sherer-Warren: 2005, p. 24).
100
Como vimos em Doimo, quando discutimos as matrizes explicativas dos
movimentos sociais no Brasil, e enquadramos o MOAB na vertente cultural-autonomista,
mas com características de enfoque institucional, sua relação com o Estado é de certa
forma dependente”, ou seja, depende deste para a realização de muitas de suas
reivindicações. Assim é autônomo deste em relação a sua organização, ou seja, quando o
Estado assume uma posição contrária aos seus interesses (apóia e dá concessão para
construção de UHEs, por exemplo), o movimento tem condições de reunir elementos, a
mesmo dentro da própria máquina do Estado (quando aciona revisões do IBAMA,
Ministério Público Federal, etc.), para barrar tais projetos. Dessa forma, a interação com
o Estado é diversa e caminha lado a lado com os interesses de ambas as partes.
4º) Papel das Tecnologias, Meios de comunicação de massao quarto e último
elemento teórico é a análise do impacto que as tecnologias e meios de comunicação de
massa exercem sobre a organização da sociedade civil. Esse impacto deve ser verificado,
tanto nos meios de comunicação de massa como na imprensa alternativa, os espaços de
massificação, de uniformização, de consolidação de ideologias dominantes versus
espaços de contestação das formas de dominação ou discriminação, de difusão de
propostas alternativas de vida social, de novos valores universalizáveis (Sherer-Warren:
2005, p. 21), pois atualmente tal influência é marcante em momentos decisórios e
organizacionais. Os meios de comunicação de massa, agregados também ao aumento da
velocidade de locomoção de pessoas e bens, atuam de forma direta nos movimentos
sociais no que tange sua organização e também nas ideologias e discursos criados e
divulgados.
Sobre o papel das tecnologias e meios de comunicação de massa percebemos no
MOAB além da utilização da internet para a comunicação diária, redige o jornal
trimestral oMOAB – Boletim Informativo”. Além disso, através de suas manifestações e
atos públicos, o MOAB consegue boa exposição nos jornais locais do Vale do Ribeira e
também em jornais de grande circulação nacional, como Folha de São Paulo, o Estado de
São Paulo, Diário de São Paulo.
10
Entramos em contato também com artigos retirados da internet. Neles as lutas e
participações do MOAB foram relatadas, bem como em vários cadernos, revistas,
10
Nos anexos essa informação pode ser verificada na nossa lista de fontes.
101
manuais de circulação nacional publicados pelo MAB. Os manuais do MAB têm o
objetivo de divulgar suas idéias e lemas, o principal deles: “Águas para Vida não Para a
Morte”.
Percebemos, também, campanhas fixas na internet, como por exemplo, “Contra as
Barragens no Ribeira”, cuja manutenção é realizada pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Nos arquivos do MOAB também tivemos acesso a vários vídeos (DVDs), que
continham documentários sobre a questão das barragens no Brasil, gravações de Atos
Públicos e participações em Audiências Públicas. Esses DVDs são frequentemente
exibidos em palestras e também para os participantes do movimento.
Elencado estes elementos teóricos, foi possível verificar que o MOAB apresenta
em sua trajetória características pelas quais podemos classificá-lo como um novo
movimento social, utilizando as explicações teóricas de Doimo e Sherer-Warren. No
entanto, o MOAB possui uma característica particular, os movimentos que congrega são
movimentos sociais rurais.
Movimento Social no Campo: algumas considerações
Sherer-Warren visualizou três peodos históricos para o estudo dos movimentos
sociais no campo no Brasil. Os que surgiram até o golpe de 64, um segundo peodo de
refluxo, durante a repressão militar a tais manifestações e uma retomada destes a partir da
2ª metade da década de 70 do século passado. Para observar que havia de novo nesses
movimentos, a pesquisadora separou movimentos sociais rurais entre “velhos” e “novos”
os, sendo os “velhos” relativos ao primeiro peodo e osnovos”, ao último período,não
há dúvida de que, nos casos empíricos particularmente, há traços dos velhos movimentos
que ressurgem com maior ou menor intensidade nos movimentos sociais organizados
mais recentemente” (Sherer-Warren: 2005, p. 66).
Mais uma vez podemos afirmar que o MOAB aparece elencado entre os “novos”
movimentos sociais no campo, pois segundo a pesquisadora, entre as novas formas de
organização camponesa, surgidas na última década destacaram-se:
102
a. Movimentos das Barragens: a partir de 1976, com Sobradinho e Itaparica, no
Nordeste; 1978, com Itaipu Binacional; na década de 80, na Bacia do Uruguai, nos
Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Tucuruí, no Norte, dentre outras.
b. Movimentos dos Sem-Terra: a partir de 1979, sendo particularmente forte no sul e
sudoeste do Brasil, chegando ao seu apogeu em 1985, quando da realização
simultânea de vários acampamentos coletivos, enquanto forma de luta.
c. Movimento de Mulheres Agricultoras: a partir de 1981, as quais além de suas lutas
espeficas têm também lutado pela questão da terra, vindo a fortalecer os
movimentos das Barragens e dos Sem-Terra (Sherer-Warren: 2005, p. 66).
Os movimentos a e b muito nos interessam, pois estão no centro das discussões do
nosso trabalho e aparecem dentro das articulações das comunidades quilombolas junto ao
MOAB.
De forma resumida podemos dizer que quando analisamos a organização dos
“velhos” movimentos notamos que estes incorporavam, sobretudo, formas clientesticas
e paternalísticas de fazer potica, ainda segundo Sherer-Warren. Tais formas vinham
ocasionalmente acompanhadas de práticas e instrumentos da democracia representativa, e
não exclam o uso dos recursos da violência. É bom lembrar que essa não é uma análise
genérica, pois essas formas de organização variam de movimento para movimento.
os “novos” movimentos sociais no campo valorizam novas formas de
organização, ou seja, valorizam a participação mais ampliada das bases, sempre que
possível se utilizam da democracia direta e, “opõem-se, pelo menos no nível ideológico,
ao autoritarismo, à centralização do poder e ao uso da violência física” (Sherer-Warren:
2005, pp. 67-68). Fatos estes verificados também no MOAB, pois depois de ler todo o
histórico do mesmo, não encontramos nenhum embate violento, nem nenhum tipo de
incidente que utilizou a violência física.
Quando analisamos o conteúdo das lutas dos dois tipos de movimento no campo,
vemos que tanto os “novos”, como os “velhos” possuem demandas específicas e
defendem utopias de transformação sociais mais gerais,o que há de inovador é a luta
pela ampliação do espaço de cidadania, incluindo a busca de modificações das relações
sociais cotidianas. Pelo menos alguns destes grupos pretendem modificar a historicidade
e o sistema de relações de poder e, neste sentido, são verdadeiros Movimentos Sociais
(no sentido dado por Touraine, 1987)” (Apud Sherer-Warren: 2005, p. 68).
103
O contdo das lutas, segundo Sherer-Warren, influencia de modo direto, tanto no
campo como na cidade, o surgimento de um novo sindicalismo” ousindicalismo
combativo”, é resultado dessa mudança e da ação dos próprios movimentos, quando estes
passaram passam a cobrar novas posturas do sindicalismo rural e urbano no sentido de se
agregarem às lutas.
Continuando a linha de alise de Sherer-Warren sobre os novos movimentos
sociais no campo, vemos que ela destaca alguns pré-requisitos para a formão destes no
cenário rural, e depois ilustra o alcance e os limites dos movimentos camponeses.
MOAB, a articulação de um movimento social no campo: Pré-requisitos
Para Sherer-Warren, existem três pré-requisitos para a formão de verdadeiros
novos movimentos sociais no campo: a) reconhecimento coletivo de um direito e a
formação de identidades; b) O desenvolvimento de uma sociabilidade potica e c) A
construção de um projeto de transformação.
O primeiro deles, reconhecimento coletivo de um direto e formação de
identidades, é um fator objetivo, pois a simples situação de miséria, de discriminação ou
mesmo de exploração não significa que de modo automático se produza um
reconhecimento coletivo a um direito, ou mesmo a necessidade coletiva de lutar por este.
É fundamentala existência de um fator subjetivo, ou seja, o reconhecimento de sua
dignidade humana, que sempre foi solapada nas classes subalternas e tem raízes no
sistema escravizadocrata e colonial”. Assim, a pesquisadora destacou que o despertar
dessa “consciência”, muitas vezes, é realizado por mediadores externos.
No caso do MOAB, a origem da mediação externa está baseada nos trabalhos da
Teologia da Libertação e suas respectivas pastorais, “cria-se, assim, a consciência não
apenas do direito, mas o direito e o dever de lutar por este direito e de participar em seu
próprio destino” (Sherer-Warren: 2005, p.69). Este fato é pré-requisito fundamental para
o nosso trabalho, pois o nascimento do MOAB teve ligação direta com o papel de
mediação e de despertar de consciências.
O segundo pré-requisito, segundo Sherer-Warren, de certa forma, relacionado ao
primeiro, é o desenvolvimento de uma sociabilidade potica, Sem sociabilidade política
104
não há MS nem projeto coletivo em torno do qual lutar” (Sherer-Warren: 2005, p. 71),
diz a pesquisadora.
A sociabilidade é a participação direta das bases camponesas, em grupos de
reflexão e em assembléias deliberativas, conforme tem sido estimulado, sobretudo, pelo
trabalho de mediação das pastorais, dos agentes das Igrejas progressistas e dos
sindicatos “combativos” (...)” (Sherer-Warren: 2005, p. 71). Isto permite que os
participantes dos movimentos sociais aprendam como se unir (descubram e reconheçam o
direito coletivo e formem identidade), organizar, participar, negociar e lutar, ou seja,
criem uma apreensão crítica de seu mundo e de suas práticas políticas, sociais e culturais.
O último pré-requisito destacado está relacionado com a construção de um projeto
de transformação. Esse projeto, segundo Sherer-Warren, nos novos movimentos sociais
no campo, está sendo constrdo em torno de duas perspectivas. Uma está em torno do
objetivo pelo qual se luta e a outra em torno da utopia de construção de uma nova
sociedade.
Nos NMS no campo este projeto está sendo construído em torno de duas perspectivas:
uma é o objetivo específico em torno do qual se trava a luta (p. ex: a posse da terra, ou
a não-desapropriação da terra ou desapropriação justa, os direitos de trabalhadora
rural etc.) Se o MS limita-se a isto, tende a terminar uma vez atingido o objetivo. A
outra perspectiva é a utopia de construção de uma nova sociedade, a qual é concebida
como um processo em que novas relações comunitárias e societárias vão sendo
constituídas. Surge daí a noção de “caminhada” (inspirados na Igreja), no sentido de
se transformar a partir de um processo gradual (Sherer-Warren: 2005, p. 72).
Em nosso trabalho de campo, esse pré-requisito foi encontrado em vários
documentos. Num dos primeiros documentos do MOAB, “Terra Sim, Barragens Não”,
datado de 31 de agosto de 1991, e enviado ao governador do Estado de São Paulo
encontramos as seguintes propostas:o à construção de barragens na bacia do rio
Ribeira de Iguape, reordenação fundiária, titulação urgente das terras discriminadas,
consolidação ecomica da agricultura familiar, reconhecimento das tecnologias
pratimoniais, reconhecimento da cultura e das terras ocupadas pelas comunidades de
quilombos, entre outras. Muitas dessas propostas continuam na pauta do movimento, e se
105
tivessem sido aprovadas, uma substancial mudança na vida das populações quilombolas
do Vale do Ribeira já teria ocorrido.
De acordo com o pré-requisito, a luta social no Vale do Ribeira (quilombolas
ameaçados por barragens), tem mais de uma dimensão (cidadania, gênero e étnica), ou
seja, eles têm inúmeros objetivos para ser atingir (preservação das terras, cidadania e
reconhecimento social e cultural, para citar alguns), e estes são fundados em uma utopia
transformadora, a criação de um Vale do Ribeira preservado e com condições melhores
de vida.
Sherer-Warren ressaltou ainda que o que há de novo nos movimentos sociais no
campo é a centralidade da luta por uma cidadania “integral”, o que concorda com o
trabalho de campo realizado, pois esse fator apareceu em documentos e discursos
estudados. Segundo ela isto se expressa,
(...) através da utopia de construção de uma nova sociedade: mais justa do ponto de
vista social, na qual o direito à terra para quem nela trabalha e vive, entre outros
(cidadania social), seja respeitado; mais participativa e democrática, na qual os
trabalhadores tenham suas organizações e formas de representação reconhecidas e
consideradas (cidadania política); e na qual haja respeito à diversidade cultural (modo
de vida camponês) ou de gênero (mulher camponesa) (Sherer-Warren: 2005, p. 72).
Antes de passarmos ao limites dos novos movimentos sociais no campo, é
necessário entender o papel da Igreja Católica enquanto mediadora e articuladora na
história do MOAB. Uma vez compreendida esta ligação entenderemos melhor como ele
nasceu e tem se desenvolvido nesses quase de vinte anos de existência. Para isso temos
que compreender o que vem a ser a Teologia da Libertação, sua origem e sua atuação
junto aos movimentos sociais na América Latina.
As Irmãs Pastorinhas: a gênese do MOAB e a Teologia da Libertação
Como vimos em Doimo e em Sherer-Warren, os movimentos sociais,
principalmente os emergentes pós década de 70 do século passado, foram na maioria das
106
vezes, articulados por entidades externas. No MOAB, issoo foi diferente. O seu
surgimento está umbilicalmente ligado à atuação da Igreja Católica na região.
As condições geradas pelo processo de redemocratização no país fizeram emergir
entidades civis que puderam encaminhar novas problemáticas à sociedade brasileira.
Por outro lado, foi no contexto de crise e renovação dos seus paradigmas, que alguns
membros da Igreja Católica se colocaram ao lado dos movimentos sociais. Essas
entidades, com suas diferentes origens e lugares de gestação puderam, então visualizar
a nova realidade emergida (Carril: 1995, p. 143).
Esta atuação da Igreja, segundo Ilse Sherer-Warren, está sendo relacionada a uma
utopia, ou modo de trabalho, que foi criado no seio da mesma, e que visa modificar sua
atuação na América Latina. Ainda segundo Sherer-Warren e Doimo, a Teologia da
Libertação, nasceu e se desenvolveu com vistas à realidade dos problemas sociais da
América Latina, ou seja, com o desejo de transcendê-los através da criação de uma
sociedade mais justa e igualitária. Trata-se do encaminhamento de uma nova visão para
o papel da Igreja, da prática cristã e do pensar teológico, até então apoiado numa
teologia feita a partir da realidade exógena européia” (Sherer-Warren: 2005, p. 33).
Essa nova forma de atuação da Igreja tem valorizado o seu compromisso com a
realidade histórica. Esse compromisso implicou numa avaliação das condições gerais da
maioria da população. Com isso, a Igreja passou a analisar a situação social da América
Latina, e enxergou que a maioria do povo se encontrava sob o jugo da miséria, ou
enfrentava situações de opressão.
Então, essa teologia continua tendo como meta ajudar, criar e desenvolver
mecanismos que possibilitem a libertação destas formas de opressão. “Portanto, o
princípio orientador básico, ou seja, a utopia da teologia da libertação é de, através de
sua opção preferencial pelos empobrecidos
11
e engajamento nas lutas contra as variadas
formas de opressão, desencadear um processo histórico de libertação dos povos latino-
americanos” (Sherer-Warren: 2005, p. 33).
11
Da mesma forma que utilizamos a categoria escravizados, utilizaremos aqui a categoria empobrecidos,
pois tal situação é também um processo, ou seja, ser pobre faz parte de um processo social.
107
Essa “libertação” parte do princípio de que o homem deve ser o sujeito de seu
destino pessoal e de sua história. Ou seja, o “cristão”, participando dos movimentos
sociais, se engajando nas lutas sindicais contra as condições deteriorantes de vida e
lutando por questões ou valores universais, faz seu caminho para a reconstrução de sua
dignidade, muitas vezes desprezada em seu cotidiano, pela opressão social, potica,
econômica ou cultural.
A libertação histórica, através dos movimentos sociais, é a condição necessária para
que os povos oprimidos da América Latina caminhem em direção de uma libertação
integral. Ou seja, concebe-se a libertação integral (ou libertação cristã) como
resultante da superação das servidões temporais e das injustiças sociais (libertação
econômica, social, política, cultural etc.) relacionada com a salvação (libertação do
pecado). Libertação é, pois, a salvação que se dá na história (Sherer-Warren: 2005, p.
33).
Para entendermos um pouco do nascimento desta teologia no seio da Igreja,
devemos olhar quatro aspectos históricos: o primeiro tem relação com mudanças
realizadas dentro da ppria Igreja Católica. É o Documento do Conselho Vaticano II o
primeiro documento oficial da Igreja, que permitiu uma leitura de orientação para este
tipo de teologia que nasceu nos anos 60. O documento recomenda uma doutrina
socialmente orientada, o que ocasiona mudanças no ativismo católico. “Reconheceu a
validade dos valores temporais, das experiências da vida diária e da mudança. (...) “O
ponto de partida aqui é o social, não o religioso.” Além disso, a encíclica Populorum
Progressio, do Papa Paulo VI, foi dirigida especificamente à América Latina para
superar a miséria e a injustiça” (Sherer-Warren: 2005, p. 34).
Dentro deste contexto histórico, tivemos também a criação do CELAM (Conselho
Episcopal Latino-Americano), em 1955, que proporcionou aos bispos da América Latina
um novo fórum de discussões. Essa radicalização da Igreja Latino-americana culminou
na Segunda Conferência do Episcopado Latino-americano, em Medellín, Colômbia, em
1968. “Embora durante a década seguinte as forças conservadoras da Igreja tenham
resistido à divulgação da Teologia da Libertação, a Terceira Conferência do Episcopado
108
Latino-Americano em Puebla, México, em 1979, teve êxito em reafirmar os princípios
básicos de uma Igreja comprometida com os oprimidos” (Sherer-Warren: 2005, p. 34).
O segundo aspecto histórico destacado foi a forte presença de jovens teólogos
progressistas, dos seminários de Lovain, Frankfurt e de outras universidades da Europa e
dos Estados Unidos, que pensaram uma utopia de libertação para a América Latina, que
utilizaram os conhecimentos das ciências sociais para a criação de uma teologia adequada
às necessidades do povo oprimido.
O terceiro ponto é o despertar de consciência dos padres sobre as contradições
existentes no sistema social latino-americano, ou seja, a não compatibilidade das medidas
poticas e econômicas propostas. As ditaduras, o desenvolvimento capitalista desigual, e
poticas populistas serviram apenas para aumentar a miséria do povo latino-americano e
criaram uma verdadeira violência institucionalizada.
O quarto aspecto é a infra-estrutura pastoral dos países latino-americanos, pois na
América Latina havia uma escassez de padres para servir o campo e as periferias urbanas
pobres. No Brasil, já havia a existência de organizações cristãs de base, ou movimentos
de educação de base (Sherer-Warren: 2005, p. 35), organizações estas que inspiraram a
criação das comunidades eclesiais de base (CEBs), “com a participação também de
leigos e religiosas. Aqui, o método educacional do brasileiro Paulo Freire, que advoga a
necessidade do desenvolvimento de uma consciência crítica em relação ao processo de
libertação, teve uma influência considerável” (Sherer-Warren: 2005, p. 35).
A atuação da Igreja Católica na América Latina sem dúvida foi marcante nos
movimentos sociais brasileiros. Nas palavras de Sherer-Warren, uma cobertura
protetora para as organizações populares, como sindicatos operários e as federações
dos camponeses, que de outra forma sucumbiriam à repressão” (Sherer-Warren: 2005, p.
35).
O grande número de comunidades eclesiais de base (CEB) espalhadas por todo
terririo nacional possibilitou a inserção da Teologia da Libertação nos movimentos
sociais urbanos e do campo. Cada CEB era formada por um grupo de quinze a vinte
famílias, que se reuniam uma ou duas vezes por semana para escutar a palavra de Deus e
compartilhar seus problemas.
109
Mas, o nosso principal interesse é destacar a atuação da Igreja na formação do
MOAB. A história desse escritório de articulação se iniciou com o trabalho pastoral da
Congregação das Irmãs de Jesus do Bom Pastor que, como vimos na formulação dessa
nova atuação da Igreja, também optou pela defesa dos empobrecidos e oprimidos. Esse
fato foi relatado pelas irmãs Sueli Berlanga e Ângela Biagione, fundadoras do MOAB,
em entrevista cedida na sede do mesmo no dia 12 de dezembro de 2006:
Irmã Ângela Biagione: A Congregação das Irmãs de Jesus do Bom Pastor é
conhecida popularmente como Pastorinhas, nos dedicamos de modo especial ao
trabalho junto às comunidades, e dizem as nossas constituições que nós somos as
irmãs para trabalhar naqueles lugares onde outras pessoas não querem, por serem
lugares difíceis, de muita pobreza, miséria. Onde de fato estão os excluídos da nossa
sociedade, nossa congregação foi fundada pelo padre Thiago Alberione e tem sede
geral na Itália, e a regional em São Paulo”.
Irmã Sueli Berlanga: É na verdade uma associação, um grupo de mulheres, que se
reuniu em torno de um objetivo de querer trabalhar na edificação da Igreja entre os
pobres”.
A primeira irmã a chegar ao Vale do Ribeira foi Sueli Berlanga em 1986. Ela
tinha por objetivo trabalhar na formação religiosa das lideranças locais e, segundo ela, as
visitas às comunidades duraram quatro anos: “Eu ficava muito nas casas das pessoas,
devido ao transporte precário na região, isso estabeleceu uma maior confiança, que
ajudou muito, depois no trabalho dentro do MOAB”.
Já a irÂngela Biagione, chegou ao Vale do Ribeira em 1990, também com o
objetivo de trabalhar na pastoral e nas comunidades de quilombo que, como ela mesma
destaca, não se tratavam de “comunidades” na época de sua chegada: também vim para
me dedicar ao trabalho da pastoral, mas logo que cheguei aqui, assumi as pastorais da
paróquia, e também o trabalho com as comunidades remanescentes de quilombo, e o
MOAB. Na verdade, esses dois movimentos ainda não existiam com esses nomes, mas
existia o trabalho que vinha sendo desenvolvido”.
Segundo Lourdes de Fátima Carril, as atividades das duas irmãs podem ser
qualificadas dentro do escopo de atuação da Teologia da Libertação, “A atuação das
110
irmãs e da CPT encontra-se nos marcos de uma ação pastoral matizada pela Teologia da
Libertação definida a partir do Concílio do Vaticano II (1962-1965)” (Carril: 1995, p.
149). Dentro do aspecto progressista de atuação da Igreja, como coloca Sherer-Warren.
(...) advogam uma sociedade pluralística, na qual todos os grupos sociais devem estar
integrados e devem defender seu direito de igualdade de condições. Eles recomendam
a formação de grupos cristãos, objetivando dar sua ajuda a programas de
desenvolvimento comunitário (educação, organização de cooperativas e outros)
(Sherer-Warren: 2005, pp. 35-36).
A Teologia da Libertação em linhas gerais rompeu a velha aliança entre a Igreja
Católica, o Estado e as classes dominantes da América Latina. Logicamente, não a Igreja
como um todo. Mas no número crescente de padres, freiras e leigos que, em práticas
sociais como a das irmãs Sueli e Ângela, direcionaram seus trabalhos às pessoas
oprimidas, aos empobrecidos, às mulheres, às crianças e jovens, aos negros e aos índios.
O primeiro trabalho das irs no Vale do Ribeira, foi organizar as mulheres
camponesas para que elas pudessem lutar por seus direitos, como fala a irmã Sueli
Berlanga:
Irmã Sueli Berlanga: “O primeiro trabalho a ser desenvolvido foi com as mulheres,
organizando e depois com as comunidades, de forma especial dentro do estudo
bíblico. Estudar a Bíblia na ótica das mulheres, estudando as mulheres na Bíblia e a
gente estudava nas comunidades a questão do povo da Bíblia na busca da terra”.
Como veremos a seguir, a organização desse primeiro movimento foi muito
importante na criação do MOAB, mas antes é necessário destacar que dentro da Teologia
da Libertação, as lutas continuam sendo organizadas a partir da conscientização, e
seguem alguns aspectos gerais. Esses aspectos também foram encontramos na história do
MOAB:
A) O MOAB nasceu da ameaça da construção de barragens e UHEs, e também da
atuação das Irmãs Pastorinhas. Uma vez que um dos aspectos organizacionais dentro da
filosofia de trabalho da Teologia da Libertação é reunião das pessoas que sofrem a
111
mesma opressão, com objetivo de desenvolver sua identidade grupal” (Sherer-Warren:
2005, p. 38);
B) Promoção da redescoberta da dignidade dos integrantes do MOAB, através do
trabalho das pastorais, com conversas e a leitura da Bíblia.
C) Criação de condições para o aumento da confiança dos grupos, mostrando que
este era capaz de transformar coletivamente ou pessoalmente a sua sociedade (Sherer-
Warren: 2005, p. 38). NoBreve Resumo Histórico - do Grupo de Mulheres de
Eldorado”, foi possível verificar esse último aspecto, no aumento da confiança das
mulheres quilomblas.Até então as mulheres não tinham a oportunidade de se expressar
e falar publicamente. Com este 1º Encontro (I Encontro de Mulheres que aconteceu em
22/03/1992), elas tomaram o microfone nas mãos e deixaram vir à tona o que estava
preso em suas gargantas” (p. 1).
O trabalho das irmãs Sueli Berlanga e Ângela Biagione, atuou no sentido de
reunir pessoas que sofressem o mesmo tipo de opressão, no caso as mulheres negras e
quilombolas, e por meio dessas reuniões, lhes davam voz, ou seja, dignidade para se
expressar e para mostrar que elas eram capazes de interferir na sociedade:
rias conquistas, tais como: telefone público, água encanada nos bairros rurais,
melhoria de estradas, transporte de alunos, participação de decisões comunitárias,
participação das mulheres em reuniões, encontros fora de suas comunidades e, neste
ano (1996), o lançamento de uma mulher negra e mãe solteira, como candidata à
vereadora (p.5).
Portanto, o modo de trabalho da Teologia da Libertação, no Vale do Ribeira e no
MOAB, é de extrema importância e deixa suas marcas muito bem definidas:
A novidade deste trabalho pastoral, seguindo a Teologia da Libertação, não é apenas a
existência de um profundo conteúdo simbólico e de uma mensagem de libertação.
Esses dois aspectos são inerentes à religiosidade popular latino-americana,
principalmente dentro da tradição messiânica. Diferente aqui é o valor dado à luta
humana através de movimentos sociais para a realização desta utopia de libertação e
o através da dependência da chegada a uma “terra prometida”, como acontece nos
movimentos messiânicos. Significa que o ponto de partida é a libertação da pessoa
112
humana, a descoberta da sua dignidade, a redefinição do seu status de cidadão, a
libertação imediata de diversas formas de opressão (econômica, política, legal, racial,
sexual, exploração estrangeira, etc.) (Sherer-Warren: 2005, p. 39).
A prática da Teologia da Libertação, como vimos, é antes uma opção pelos
empobrecidos, e uma luta comprometida contra todas as formas de opressão. Num
segundo patamar, temos um trabalho pastoral que visa mudar valores, e isso ocorre no
estímulo à reunião e ao debate, “na base de discussões grupais e interpretações
renovadas da Bíblia, principalmente do Evangelho, relacionando-as à vida cotidiana
(Sherer-Warren: 2005, p. 40).
Segundo a irmã Sueli Berlanga esta prática também está presente no MOAB, pois
todo o trabalho pastoral está fundamentado numa nova leitura dos textos bíblicos, no caso
do movimento das mulheres, por exemplo, ela fala que o estudo da Bíblia é realizado sob
uma nova ótica, ou seja, aproximam-se as histórias das mulheres bíblicas das histórias de
vida das mulheres do movimento.
O terceiro e último patamar da prática social da Teologia da Libertação tem a ver
com o nível de intervenção potica, resultado da participação de membros de grupos de
reflexão em movimentos sociais, organizados na sociedade civil” (Sherer-Warren: 2005,
p. 40). É de fato o momento em que as discussões, as leituras, transformam-se em
atuação e estão, no caso do MOAB, materializados nos encontros, caminhadas,
documentos, etc.
Estes três níveis organizacionais relacionados, segundo Sherer-Warren, mostram a
pluralidade de atuação da Teologia da Libertação na América Latina. No nosso caso
específico, notamos que o trabalho das irmãs Pastorinhas funcionam da mesma forma das
CEBs, pois encorajam os participantes, os quilombolas, a terem um compromisso político
ativo, e estimulando ainda a organização de associações de moradores, comises de
defesa de direitos étnicos e movimento de mulheres camponesas. Dirigindo a luta por
mudanças mais radicais no sistema político e mudanças na estrutura de repartição das
terras na região.
Colocada a importância da Igreja Católica, atuando dentro da filosofia da
Teologia da Libertação, no MOAB, veremos agora quais os alcances e limites dos novos
113
movimentos sociais no campo, propostos por Ilse Sherer-Warren, trazendo mais dados
recolhidos no trabalho de campo junto aos arquivos do movimento.
Alcances e Limites dos MS Camponeses
É necessário agora delimitar quais são os alcances e limites destes novos
movimentos sociais no campo. Para Sherer-Warren, tais movimentosm introduzindo
inovações e tendo avanços nos modos de se fazer potica, mas também encontram
dificuldades na tarefa de se opor aos contra-movimentos, e também na sua relação com o
Estado, que de certa forma sempre cria impasses.
Destaca três aspectos que precisam ser vistos para que se analisem os alcances e
limites deste tipo de movimento. O primeiro é com relação ao próprio movimento, ou
seja, deve-se observar o fortalecimento das relações comunitárias e a reapropriação
potica do sentido destas relações, “por exemplo, nos acampamentos coletivos, tanto do
Movimento dos Sem-Terra como do Movimento das Barragens (inicialmente em Itaipu),
as relações comunitárias, com ênfase na solidariedade e na cooperação, desenvolveram-
se enquanto um novo modo de vida e enquanto forma de luta” (Sherer-Warren: 2005, p.
73).
Os novos movimentos sociais no campo, como o MOAB, têm criado novas
relações societárias, seja, no nosso caso, no modo de se ver/ser quilombola, seja na
democratização das escolhas de diretorias de associações ou mesmo numa certa
autonomia dos movimentos rurais com relação ao Estado e aos partidos.
Sherer-Warren ainda destaca que quanto às formas de luta, “estas têm se
caracterizado como resistência ativa não-violenta. Os acampamentos e outros atos de
desobediência civil atuam nesta direção. Trabalha-se também para a formação de uma
opinião pública favorável através de grandes manifestações como as Romarias da
Terra” (Sherer-Warren: 2005, pp. 73-74).
No MOAB, como vimos, a atuação da Igreja associada a outras parcerias, ONGs,
Sindicatos Rurais, Ministério Público, etc., trabalham no sentido de fortalecer as relações
comunitárias, mas um dos maiores avanços nesse sentido comunitário, que gera ainda
muitas discussões em algumas comunidades, mas que de certa forma foi adotado por
114
todas aquelas que optaram por montar associações, é o caráter comunal da terra. Ou seja,
as terras de quilombos passaram a serem vistas não como lotes individuais, mas sim
como uma terra coletiva. E isso ajudou muito, por que na questão da terra os indivíduos
ficassem mais unidos em torno de um projeto.
Esse processo é similar ao apontado por Eliane J. Godoy de Vasconcelos e Paulo
J. Krischke, no livro “Terra de habitação versus terra de espoliação”, no capítulo III,
Igreja, Motivações e Organização dos Moradores em Loteamentos Clandestinos”, que
trata do trabalho das CEBs junto à movimentos sociais de bairros em loteamentos
clandestinos, onde os moradores só passaram a obter vitórias significativas depois que
começaram a perceber, através do trabalho da Igreja, que em vez de pleitear o terreno
individualmente, fato que os dividia, passaram a pleitear os lotes coletivamente. Como
dizem os autores, e isso também aconteceu no Vale (ainda acontece), a prática de levar a
luta para o plano individual, ou seja, comprador e vendedor são comuns entre aqueles que
querem manter a dominação política e ecomica.
O tratamento do problema dos loteamentos como questão individual, entre comprador
e vendedor, é a estratégia habitualmente empregada de dominação econômica e
política, que está nas bases mesmas em que se origina o problema. A estratégia de
individualização e fragmentação segue em curso quando os moradores tratam de
negociar coletivamente. (...), p. ex.: “Como sabiam que não poderiam despejar ao
mesmo tempo cinco mil famílias, disseram “só queremos 200 casas, desta rua até
aquela rua”, e os moradores fora destas ruas dizem que não têm nada a ver com o
despejo” (Vasconcelos & Krischke: 1984, p.63).
No caso do Vale do Ribeira, ou nas lutas do campo em todo o Brasil, a atuação
dos grileiros, grandes e médios proprietários, é de tentar negociar individualmente com os
posseiros, comprando terras e dificultando uma integração mais coletiva. Mas tal prática
vai se torna mais difícil quando as comunidades, principalmente as quilombolas, criam
suas associações e tornam as terras comunais, ou seja, a venda de alguma parte desta só
pode ser feita com a concordância da assembléia de moradores
12
.
12
Não queremos aqui reduzir essa questão, pois as discussões sobre a posse coletiva são longas, tanto no
plano jurídico como no político. O exemplo dado tem como função exemplificar uma característica
organizacional, dentro de um novo movimento social no campo.
115
O segundo aspecto, diz respeito à capacidade de enfrentar os contra-movimentos.
O exemplo, dado pela pesquisadora, é o MST, que nasce em um período onde se
contestava o Estado autoritário (ditadura), e depois passa, a partir de 1986, a enfrentar
uma nova instituição, a UDR (União Democrática Ruralista). Instituição essa que,
enquanto contramovimento, procura aumentar seu poder ideológico e potico, no sentido
de barrar a Reforma Agrária e obtêm na Constituinte algumas vitórias para a manutenção
dos latifúndios. Sem contar na criação de grupos paramilitares que entram em choque
diretamente contra as ações do movimento.
O exemplo mostra que a mudança histórica, passagem de um momento de repressão
para um momento democtico, tende a levar os movimentos, tanto no campo, como na
cidade, a rever suas ações e ajustar seus posicionamentos com relação aos contra-
movimentos, ou seja, uma constante na luta.
Outro fator relativo deste aspecto é com relação à mentalidade de alguns líderes e
mediadores dos movimentos que, nessas mudanças históricas, não conseguem mudar
pontos de vista e orientações, mantendo às vezes posicionamentos sectários. A saída
proposta por Sherer-Warren é analisar como os movimentos estão conversando entre si, e
quais as articulações que estão sendo constrdas.
O desafio que se impõe aos MS no campo, na conjuntura atual, é de como, dado a
existência de contradições internas resultantes de sua não-homogeneização, vencer o
sectarismo interno de certas lideranças e mediadores, a fim de conseguir certa unidade
de encaminhamento político, ainda que com respeito às diferenças. Neste sentido falta
também explorar os potenciais de articulação destes MS com outros NMS (ou com
determinadas tendências destes), como o Ecológico, o Feminista, os Étnicos etc. a
partir da convergência de certos valores e com possibilidade de fortalecimento da
representatividade parlamentar. Apresenta-se assim a questão da relação entre
movimento e sistema potico institucional (Sherer-Warren: 2005, p. 75).
Para o MOAB, o contra-movimento em questão é a organização dos
empreendedores dos projetos das hidrelétricas que, através de propagandas na televisão, e
com apoio de alguns setores favoráveis às construções (prefeituras, deputados estaduais e
federais, câmaras de comércio, etc.), tentam conseguir o apoio da opinião pública para os
seus empreendimentos.
116
Recentemente, a campanha televisiva da Companhia Brasileira de Alumínio
(CBA) trouxe o tema “A CBA acredita e Faz”, aludindo ao caráter de que toda a energia
utilizada por esta é produzida por ela mesma, ou seja, sem ônus para a população em
geral. Os empreendedores também estão organizados através de um instituto, o Instituto
Acende Brasil, com uma página na internet (www.acendebrasil.com.br), onde mostram
os déficits energéticos brasileiros. E com tabelas, gráficos e animações, alegam que não
podemos pensar no desenvolvimento econômico do país se não tivermos energia, ou seja,
que a construção das UHEs é de extrema necessidade para o crescimento nacional.
A contra-partida do MOAB é baseada na busca de parcerias com outros
movimentos e instituições, e caminha no sentido de esclarecer a sociedade civil sobre o
lado nefasto dos empreendimentos. Essa conscientização esbarra nos complicados
meandros técnicos das documentações do setor energético, mas a tarefa do MOAB é
traduzir estas informações da melhor maneira, como relata a irmã Sueli Berlanga:
Irmã Sueli Berlanga: Da sociedade civil local (apoio aos empreendimentos), é
muito pela falta de informação. Os documentos da área energética são muito
técnicos, difícil você traduzir para uma linguagem, ninguém se dispõe a ficar lendo,
então os interresados no empreendimento, divulgam que isso vai trazer
desenvolvimento, progresso e emprego. Pegam duas bandeiras que são anseios da
população daqui, a contenção das cheias e a questão do emprego. Mas as duas coisas
não se sustentam, não confrontam, com o documento deles mesmos, mas como
ninguém lê! Cabe ao movimento estão, estar batendo (informando), como diz o
ditado, água mole em pedra dura, bate, bate até que fura. E estamos batendo não é?
(grifos meus).
O terceiro e último aspecto a ser visto é a relação do novo movimento social com
o Estado, relão já comentada e bastante complexa, pois se na década de 1970 doculo
passado, os movimentos viam o Estado como autoritário e excludente, sendo assim, seu
principal opositor, essa relação muda com o passar do tempo:
A partir do momento de transição democrática, quando as regras do jogo
“democrático” no parlamento passam a ser legitimadas pela sociedade civil, a fraca
representatividade destes movimentos junto ao Estado passa a dificultar as
117
possibilidades de avanços reais em relação aos projetos de Reforma Agria ou de
construção de grandes hidrelétricas” (Sherer-Warren: 2005, p. 75).
A partir dessa situação, os movimentos sociais, dentro da sociedade civil,
precisaram buscar certa legitimidade. Mas, a figura de “vilão” do Estado, mesmo em
períodos democráticos, não estava afastada por completo. Aparecia agora sua face
tecnoburocrata. Os movimentos passaram a lidar com técnicos e planejadores, que atuam
na maioria dos casos em lógicas diferenciadas das dos movimentos sociais.
Por parte do Estado e de seus técnicos predomina uma racionalidade
instrumental/economicista, tanto para justificar as grandes obras ou determinados
tipos de política agria, como para pensar os custos sociais da desapropriação de
camponeses para a construção de hidrelétricas, apenas em termos monetários. Do lado
dos camponeses, a racionalidade política vem associada ao valor simbólico atribuído a
vários aspectos de seu cotidiano e de suas tradições (bens culturais, comunitários,
religiosos etc.). Todos estes elementos são partes fundamentais de seus projetos de
vida, ao lado do valor atribuído à terra. Estes elementos simbólicos são de difícil (ou
impossível) mensuração moneria, quando de sua fragmentação em face da migração
forçada, mas nem por isso deveriam ser negligenciados (Sherer-Warren: 2005, pp. 75-
76).
Como vimos à relação do MOAB com o Estado tem caráter de enfoque
institucional, mas com autonomia relativa. Ou seja, interage com esse para conseguir suas
reivindicações, mas atua contra suas posturas tecnocratas e não depende deste do ponto
de vista organizacional.
Analisados estes três limites e alcances dos novos movimentos sociais no campo,
constatamos que o MOAB é ao mesmo tempo um articulador de movimentos sociais, e
uma central de movimentos sociais. E quando observamos as suas lutas e reivindicações
com certa distância, podemos confundi-lo com o movimento social, já que o MOAB
incentiva a criação de novas relações societárias, valoriza as práticas de democratização
internas, organiza a capacidade de enfrentamento dos movimentos, seja ele de mulheres
ou de comunidades negras, e sustenta certa autonomia dos mesmos perante o Estado e
outros movimentos sociais (partidos, sindicatos, Ongs, etc.).
118
Agora, analisaremos como o MOAB incorporou outras bandeiras, como ele achou
na Constituição de 1988 e nos quilombos, a “arma secreta” para estimular e formar um
movimento social mais coeso e como ele tem reunido vitórias contra a construção das
barragens. Além disso, explicitaremos como funciona a rede de movimentos sociais que
nasceu nesta organização.
119
O Movimento dos Ameaçados por Barragem do Vale do Ribeira (MOAB) e a sua rede
de movimentos sociais
Uma luta social é um amplo leque de determinações, é a vontade expressa de
preservação e conquista de direitos, é um encontrar de identidades e a resignificação de
bens adquiridos com o passar dos séculos. Essa definição de luta social foi nosso ponto
de partida para ingressarmos na história do MOAB, cujos atores e sujeitos sociais têm se
reunido frente a uma ameaça e têm se organizado para evitá-la. Uma “trama”, voltando à
metáfora do teatro, com início mais ainda não vislumbrando um fim, pois tanto a luta
quanto a ameaça, continuam sendo a tônica das vidas dessas populações.
No capítulo 1, vimos que o conceito de quilombo atravessou a história sempre
associado à resistência dos escravizados contra a escravidão. O que dava a este femeno
histórico a característica principal de contra a ordem. Essa resistência, sempre constante e
geral, ia além da forma quilombo, sendo manifestada de inúmeras maneiras, durante todo
o período escravista.
Embora a resistência negra desse período não tivesse criado um projeto único, ou
seja, os escravizados não tivessem constituído um projeto que visasse o fim da escravidão
nós vimos que isso não desmereceu as lutas de resistência. E que na forma de resistência
quilombola, tais atores puderam mostrar organização, senso de identidade, e de interação
com a sociedade que os rodeava, uma vez que o isolamento dos quilombos era muito
relativo e em alguns casos existiu por muito pouco tempo ou em situações especiais (de
guerras, por exemplo).
As considerações que fizemos até aqui podem ser constatadas na história do
Quilombo de Palmares, por exemplo. Nela pudemos observar que a organização era
heterogênea, com uma liderança potico-militar, e que atuavam de forma direta na
economia local qual pertenciam.
Os quilombolas, os negros alforriados (no campo e nas cidades), os brancos
pobres, os escravizados urbanos, se analisados dentro da perspectiva da “história dos
vencidos”, participaram como agentes e atores, de forma decisiva na história do país,
como explicitou Cvis Moura, nos levantes, nas insurreições e nas guerrilhas, embora o
que movia os escravizados para tais lutas fosse o status da “liberdade”.
120
Atualmente, quando falamos de quilombos, ou como está na Constituição Federal,
remanescente de quilombos”, afirmamos sem preconceitos que estas, “comunidades
hoje, continuam sendo quilombos. Independente de sua origem e formação (por fuga,
ocupação, herança, etc.), os quilombos representaram lugares onde às populações negras
brasileiras rurais e urbanas
13
puderam e podem se manter enquanto grupos sociais de
resistência.
Muito se discute sobre o conceito de quilombo, se ele é igual ou diferente às
formas do passado, uma discussão que não pretendemos empreender, pois podemos
afirmar que igual a sua forma pretérita ele com certeza não é. Mas, devemos destacar o
fato de que, se o conceito quilombo continua sendo discutido, é porque ainda consegue
aglutinar fatores organizacionais e de interesses, residindo aí a sua atualidade.
Isso sem considerar, a experiência empírica de ir a uma comunidade e notar que
essas pessoas são reais e têm um modo de vida peculiar.
Ao aprofundarmos a noção política do termo “quilombo” ou “remanescente de
quilombo”, marcos que atualmente têm um caráter aglutinador e são capazes de expressar
um projeto político.
É importante considerar que o termo quilombola não surgiu do nada, nem foi fruto de
imediatismo políticos. Ele decorre das discussões lançadas pela Frente Negra
Brasileira, nos anos 1930, sufocada pela ditadura de Vargas, reaparece nos
movimentos que antecederam o golpe militar de 1964 e emerge novamente da/na
pressão social pós-ditadura militar, na fase da redemocratização e no bojo dos
movimentos sociais de 1970 e 1980. Relançado por militantes e intelectuais afro-
descendentes, tornou-se pouco a pouco um fato político, ao alcançar visibilidade e a
interagir com diversos setores progressistas que tinham voz e voto na Assembléia
Constituinte (Fiabani: 2005, p. 399).
Ou seja, politicamente falando, e querendo levar a discussão para a questão dos
movimentos sociais, o termo “quilombo” não é mais apenas uma especulão histórica, é
13
Algumas comunidades urbanas (bairros negros) estão reivindicando a posse de terras por se considerarem
também quilombos. Os exemplos são os Quilombos urbanos de Brotas em Itatiba, já reconhecido, e o
Quilombo urbano de Tamandaré emo Paulo, em fase de reconhecimento, este último além de sua
população negra tem em uma manifestação cultural, o jongo, sua ligação ancestral.
121
uma forma organizacional. Um termo construído politicamente e que vêm ganhando
força nas discussões por terra, cidadania, relações étnicas, de gênero, etc.
O que veremos é como, no Vale do Ribeira, este “termo politicamente
construído”, ou seja, “ser quilombola”, chega às práticas poticas desses mesmos
quilombolas (ou de muitos que se descobriram quilombolas).
Para isso temos que voltar ao ano de 1988, quando a Companhia Brasileira de
Alumínio (CBA), pertencente ao Grupo Votorantim, uma das maiores empresas do
Brasil, consegueu uma outorga de concessão de uso para o aproveitamento de energia
hidráulica de um trecho do rio Ribeira de Iguape. Para tal, pretende construir nesse trecho
a Usina Hidroelétrica Tijuco Alto (UHE Tijuco Alto), que terá como função aumentar a
energia elétrica da CBA, localizada na cidade de Alumínio-SP.
Outorgas deste tipo são comuns, principalmente para empresas do porte da
Votorantin, uma vez que a potica energética no Brasil ainda é de cunho
desenvolvimentista e de certa forma não leva em conta, de maneira séria, a situação dos
atingidos. A mesma empresa já controla outras hidrelétricas no país, pois, segundo a
mesma, sua política é produzir sua própria energia e assim o pressionar a rede
nacional:
A CBA - Companhia Brasileira de Alumínio – é a segundo maior produtora brasileira
de alumínio e sempre baseou seu desenvolvimento na capacidade de produzir no
mínimo 50% da energia necessária para o abastecimento de sua Usina Metalúrgica.
Essa política é condição indispenvel para que a CBA possa manter e ampliar sua
capacidade produtiva, pois ao produzir sua própria energia, ela não precisa comprá-la
no mercado, deixando de pressionar o sistema nacional de geração e distribuição de
energia [Documento – Apontamentos – Relatório de Impacto Ambiental RIMA
Usina Hidrelétrica Tijuco Alto – Companhia Brasileira de Alumínio (CBA)o
Paulo 2005 Introdução, p. 9].
Segundo relatório de atividades doPrograma de Organização e Assessoria aos
Atingidos pelas Barragens no Vale do Ribeira”, “A área da inundação para a formação
do lago será de 51,8 quilômetros quadrados, o equivalente a 11 mil campos de futebol. A
obra compreende a construção de uma barragem de concreto, do tipo arco-gravidade,
122
com altura de 150 metros, ou seja, três vezes, a altura de um prédio de 15 andares
(Relatório feito no dia 04 de abril de 2006, p. 02).
Mas a UHE Tijuco Alto, não viria sozinha, pois faz parte de um conjunto de
quatro outras barragens ao longo do rio, estabelecidas pela Companhia Energética do
Estado de São Paulo (CESP): UHE Itaóca, UHE Funil e UHE Batatal.
Adiantamos que é desnecessário, neste trabalho, entrar nos pormenores técnicos
relativos aos prós e contras das UHEs e barragens, pois entraremos num emaranhado de
Relatórios de Impacto Ambiental apresentados tanto pelas empresas interessadas (CBA e
CESP) como por contra-relatórios apresentados pelo MOAB, e também por Organizações
não Governamentais atuantes na região. O que vale destacar é que tais projetos mudariam
por completo a situação social do Vale do Ribeira, com o alagamento de regiões
importantes tanto do ponto de vista cultural, ecológico e social.
O MOAB nasceu com o intuito de fazer frente a estes empreendimentos. A região
do Vale do Ribeira, mesmo antes dos projetos de UHEs e barragens, sempre apresentou
movimentos sociais, tanto no sentido ecológico, com a atuação da Fundação S.O.S Mata
Atlântica, entre outras, quanto no que tange a proteção social dos posseiros, indígenas,
caiçaras e quilombolas.
A Constituição de 1988 é um marco para muitos movimentos sociais no Brasil,
pois é a materialização da passagem para a democracia e para reformulação na atuação
potica, antes voltada contra o autoritarismo e agora com a tarefa de reorganizar a
sociedade civil dentro dos marcos regulatórios das instituições democráticas.
Situações de conflito de atingidos por barragens foram comuns durante o período
de ditadura: “a problemática dos “afogados” por lagos de barragens foi, durante o
período autoritário, tratada com estratégias autoritárias, como a negação de
informações sobre as obras, as políticas de indenização que dividiam as pessoas
atingidas, os pagamentos individuais e transferências de um lugar para outro sem
consulta” (Carril: 1995, p. 144). Para citar um exemplo, o dos índios Parakanã, Guajajara
e Krikati no Pará, atingido pela UHE Tucuruí, os Ofaié, atingidos pela construção da
UHE Porto Primavera no Mato Grosso.
Tais exemplos sinalizaram o risco para as famílias que moram às margens do rio
Ribeira de Iguape, pois tais populações indígenas foram expulsas de seus territórios
123
tradicionais e perderam sua auto-estima e sua autonomia, vivendo marginalizadas. O
mesmo poderá acontecer com as populações de quilombo e ribeirinhas do Vale do
Ribeira. Já nesse momento (1988-1989), antes mesmo da fundação do MOAB, começou
uma interlocução com outras regiões atingidas ou ameaçadas por barragens.
O destaque da Constituição Federal de 1988 para o nosso trabalho é a inclusão da
categoria “remanescente de quilombos”, no artigo 68 do Ato das Disposições
Transitórias, pois, foi partir dessa resolução que nasceu de fato a união dos quilombos e
do MOAB enquanto movimento. Como podemos ver nas palavras da irmã Sueli
Berlanga:
Irmã Sueli Berlanga: “A luta das barragens, foi uma das primeiras organizações. As
primeiras discussões sobre as conseqüências desses projetos aconteceram com as
comunidades quilombolas, que nem eram assim denominadas. Então, quando saiu a
Constituição de 1988, com o artigo 68 ADCT, já havia um mínimo de organização em
relação às barragens, daí dentro da discussão, então se falava, e a gente nem via
tanta importância de ser reconhecido enquanto quilombo, a questão quilombola
entrou ai como uma ferramenta de luta contra as barragens (...)”.
As discuses sobre os impactos negativos das UHEs e barragens se tornaram um
primeiro fato aglutinador. Mas, como constatamos no trabalho de campo, tais discussões
no Vale do Ribeira são anteriores às discussões sobre “remanescentes de quilombos”.
Estas últimas ganharam corpo dentro do movimento contra as barragens apenas quando
apareceram na Constituição. Vale lembrar que as discussões sobre a manutenção de terras
de quilombos ocorrem em todo o Brasil, sendo na maioria dos lugares independentes das
questões de UHEs e barragens. No Vale do Ribeira a discussão sobre quilombos e
UHEs/barragens, ganha lugar, pelo grande número de comunidades deste tipo localizadas
ali e também porque estas acabam se tornando um novo instrumento de luta.
A inclusão deste tema na Constituição Federal de 1988, no artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), e dos artigos 215 e 216, foi resultado
de pressões e do ativismo potico dos movimentos negros brasileiros junto aos
constituintes.
124
Com a criação do MOAB, o intuito de articular os quilombos em “comunidades”,
melhor dizendo em “comunidades remanescentes de quilombos”, se tornou, como disse a
irmã Sueli Berlanga, uma “ferramenta de luta contra as barragens”. Mas a questão vai
além, e a discussão de ser ou não uma comunidade de quilombo ganhou importância
dentro da luta:
Irmã Sueli Berlanga: Isso depois foi mudando (discussão sobre comunidades
quilombolas), de imediato e de início, a busca de reconhecimento como quilombola
era para impedir as barragens. Hoje já mudou completamente, por ser quilombos não
queremos barragens. Daí vem a questão da “caminhada”, você vai ampliando sua
experiência as margens das condições. A questão de ser quilombo não é só a questão
da terra, é também uma questão cultural e de identidade. Nosso ponto de partida, se
ampliou na luta contra as barragens.
A dissertação de mestrado de Lourdes de Fátima Bezerra Carril, Terras Negras
no Vale do Ribeira: Territorialidade e Resistência”, que abordou a questão de resistência
e de terririo com focos específicos em três comunidades quilombolas do Vale do
Ribeira, Pilões, Sapatu e Ivaporunduva. Mostra como se deu a formação dessa ferramenta
de luta contra as barragens.
A busca dos marcos que originaram essas terras de negros veio a se constituir em
Ivaporunduva e Sapatu através do trabalho efetuado pela Comissão Pastoral da Terra e
pelo Movimento dos Ameaçados por Barragens, junto às lideranças das comunidades.
A meria se constitui em fator de união grupal, que os ligou à manutenção no
território por mais de um século e se tornou, hoje, uma estratégia de luta contra o
perigo eminente de perda da base essencial sobre a qual o grupo se manteve (Carril:
1995, p. 139).
Segundo Carril, essa organização remonta da década de oitenta, “A luta começou
quando as notícias sobre os projetos de barragens se espalharam pela região. A forma
como essas notícias foram sendo passadas aos membros das comunidades negras está
ligada aos mediadores que, então, participavam dessa luta” (Carril: 1995, p. 143). E
como também destacamos, fala da importância do trabalho das irmãs Pastorinhas,Com
a chegada das religiosas da Congregação Jesus do Bom Pastor, as irmãs Maria Sueli
125
Berlanga e Ângela Biagioni em Eldorado, a partir de 1985, se articularam as
informações envolvendo barragens, desapropriação de camponeses e terras de negros
(Carril: 1995, p. 143).
Vemos ai a constituição de um movimento de ameaçados por barragens, mas com
um diferencial, ou seja, um movimento contra barragens quase que especificamente
centralizado (ou organizado) em torno de terras de negros, remanescente de quilombos.
Uma conflncia de fatos históricos que marcam essas ações práticas no Vale do Ribeira,
como mostra bem Carril:
A confluência desses fatos históricos, a ação pastoral libertária e a existência da
possibilidade do reconhecimento das terras de negros pela lei, levou a concretização
desse movimento social. Os vários impactos sobre as comunidades negras, tornaram a
luta pela sobrevivência uma necessidade constante. No entanto, os projetos de
barragens tornaram-se o eixo central em torno do qual os grupos agregaram-se junto a
seus mediadores (Carril: 1995, p. 155).
A especificidade do movimento de ameaçados por barragens do Vale do Ribeira,
traz uma discussão central, que é a discussão da questão racial. Questão essa que aparece
no aspecto de valorização da resistência negra. Uma discussão que encerra dois
parâmetros fundamentais; a) Por serem camponeses refletem uma condição de
subalternidade na sociedade brasileira,onde os modos, a fala, o vestir contradizem o
homem urbano, ao mesmo tempo, em que economicamente predomina a sua subsunção
em relação à sociedade industrial” (Carril: 1995, p. 163); b) Do outro lado, por serem
populações predominantemente de negros (não podemos esquecer que estas populações
o heterogêneas), esses sujeitos ganham um duplo sentido de exclusão” (Carril: 1995,
p. 163). Ou seja, a sua resistência deve levar em conta a enorme carga da experiência
histórica do preconceito racial, que segundo Carril, é “vivenciado por essas comunidades
na região”, e que de certa forma faz com que muitas comunidades, no início das
discussões e até os dias de hoje, conservemainda o receio de assumir essa condição
étnica” (Carril: 1995, p. 163-164).
O trabalho do então, recém criado MOAB no início da década de 90 do século
passado, esbarrou na questão da identidade étnica. Apareceram então questionamentos
126
sobre preconceito racial e sobre certas práticas culturais que foram banidas das
comunidades.
Nesse sentido, o MOAB nasceu “novo”, entre os movimentos sociais, pois é
um centro de articulação, na medida em que existe um elo entre a Igreja Católica, na
figura das irmãs, e os remanescentes de quilombo que desde a Constituição Federal (e
antes) passaram a se organizar paulatinamente como movimento social, e diferentemente
dos “velhos” movimentos, não prega uma só bandeira, ou mesmo tem um foco classista.
O MOAB tem como objetivo inicial de luta impedir a construção das UHEs/Barragens, e
se organizam para tal refazendo discussões importantes como a questão de gênero (Grupo
de Mulheres de Eldorado) e a questão étnica, quando cria a “Organização das
Comunidades Negras do Vale do Ribeira”.
Essa organização, segundo o documento, “Histórico da Organização das
Comunidades Negras do Vale do Ribeira”, começa a atuar a partir de 1991, e
explicitam no seu discurso a criação de uma nova ferramenta de lutas, “As comunidades
negras descobrem que ser reconhecidas remanescentes de quilombos é um instrumento a
mais, na luta contra a construção das hidrelétricas no Rio Ribeira de Iguape” (p. VII).
O trabalho do MOAB está focado em duas frentes, a organização das mulheres
negras camponesas e das comunidades de quilombo. O resultado desse trabalho é
materializado nos Encontros das Comunidades Negras do Vale do Ribeira. Para se ter
uma idéia no I Encontro, realizado em 19 e 20 de maio de 1992, em Ivaporunduva
(Eldorado), o documento apontou que o evento,trouxe para os participantes a história
de luta, organização e resistência dos Negros no decorrer desses cinco séculos de
história do Brasil”, e segue dizendo,Essa verdadeira história foi sempre negada em
todos os segmentos da sociedade (p.VII).
Nesse encontro, o palestrante convidado foi Frei David Raimundo dos Santos,
divulgador e colaborador do movimento negro brasileiro. Temas como a Constituão
brasileira de 1824, a Lei de Terras (1850), a Guerra do Paraguai (1864-1870), a Lei do
Ventre Livre (1871), Lei do Sexagenário (1885) e o Decreto das Imigrações Européias
(1890), foram discutidos nesse encontro. E uma das conclusões desse encontro foi
reveladora, “Esta foi a primeira vez que os Negros da região ouvem este relato histórico.
127
Ficam perplexos! A história é dolorosa, mas não podemos negá-la a quem é de direito
conhecê-la. O grupo trabalhou muito bem a questão emocional” (p.VIII).
Anteriormente a este trabalho com as comunidades negras em geral, iniciou-se
primeiro a organização das mulheres negras quilombola, nos vários bairros de Eldorado e
região. Tal grupo também realizou uma série de Encontros (nos Anexos fixaremos um
histórico com os principais eventos realizados pelo MOAB), sendo que o I Encontro de
Mulheres ocorreu em 1992, no dia 22 de março, com o tema, “A Mulher na Bíblia”,
tendo como palestrante Maria Marlene do Nascimento, ativista negra do Movimento
Negro de São Paulo e do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI). Vimos no
histórico que, ainda existiu um segundo tema, “Acorda Mulher” com a expressiva
participação de 270 mulheres da região.
As duas organizações, comunidades negras e de mulheres, além de suas bandeiras
específicas, têm agregado a sua pauta a questão das UHEs/barragens. Percebemos, então,
que a função do MOAB, enquanto central de movimentos é a de, a partir da organização
dos grupos, fazer com que os quilombolas visualizem que sem a terra garantida e
preservada, não se pode dar seqüência às discussões de gênero e étnicas, e que sem estas
discussões não é possível qualificar e embasar a luta pela terra e contra os projetos.
Ou seja, o trabalho está baseado na conscientização dos papeis reais dessas
comunidades e suas atuações, e também de toda a sociedade civil. Pois, como vimos na
fala da irmã Sueli Berlanga, quando analisamos a atuação do MOAB em relação aos
contramovimentos, vemos que existem segmentos locais e regionais favoráveis aos
empreendimentos, acreditando muitas vezes, que estes trarão para região
desenvolvimento e empregos, e que as barragens serão capazes de conter as cheias, tão
comuns no Vale do Ribeira.
Quando perguntamos as irmãs como o MOAB lida com estes grupos favoráveis às
barragens e UHEs, as irmãs explicaram que, nesses quase 20 anos de existência do
movimento, as lutas estão sendo baseadas na coragem de intervir e colocar seus pontos de
vista, ou seja, no enfrentamento de idéias e também no saber conversar com segmentos
do próprio Estado e sociedade civil que comungam com as idéias do MOAB (Ministério
Público, por exemplo). As irmãs destacaram também que a questão agrária é um
importante viés a ser enfrentado:
128
Irmã Ângela Biagione: “Tanto com o poder público como com a sociedade civil que
é a favor das barragens, nunca tivemos uma relação tranqüila, tivemos sim vários
confrontos, tanto com deputados, como com o Governador Mário Covas, e o
governador Geraldo Alckmin, que estiveram aqui no Vale do Ribeira. Muitos embates
assim cara a cara, muitos abaixo-assinados, muitas audiências. Com a sociedade
civil é o que a gente enfrenta, sempre nestes 20 anos, muita gente contra nós e que
acha que as barragens vão trazer desenvolvimento para o Vale do Ribeira. Fato
então, que contradiz justamente com aquilo que é proposto pelo MOAB. A nossa
postura é enfrentar, e o movimento enfrenta essas pessoas, esse grupo que se
manifestam contra nós, já teve reunião do Comitê de Bacias onde existiam grupos
preparados para nos enfrentar. Construímos estragias para enfrentar essas
oposições (...)”.
Irmã Sueli Berlanga: “Mas depende da área (do Governo), nos temos o Ministério
Público Federal na questão das lutas dos quilombos, sempre tivemos bom
relacionamento, boa parceria. Alguns procuradores, a gente percebe, estão bem mais
sensíveis, porque am do problema de lutar contra as barragens, têm todo o
problema fundiário, que também está aqui no MOAB, a luta pela terra. É, temos
enfrentado bastante ocupação de terras por terceiros, inclusive de terras tituladas,
temos ações judiciais que o juiz reconhece o direito de posse do terceiro dentro de
uma área já titulada de quilombo, isso por que? Falta de vontade política de resolver
a situação fundiária. No Estado de São Paulo que o preço do hectare de terra é caro,
não é?”.
Mas para operar esta conscientização e esse enfrentamento de iias, o MOAB
realiza uma série de eventos. Os mais significativos são as caminhadas, os muties, os
encontros temáticos e a participação em eventos organizados pelos poderes locais, ou
mesmo estaduais e federais, sobre formas de desenvolvimento do Vale do Ribeira. Esta
conscientização não é uma tarefa fácil e nem pode ser feita sem algum tipo de
financiamento ou mesmo sem a ajuda de outras instituições. É necessário analisar como o
MOAB se mantém, ou seja, qual é a origem de seu financiamento, e quais são os seus
principais parceiros na luta contra as barragens. E, para finalizar este capítulo, vamos
visualizar como se dá a rede de movimentos sociais construída pelo MOAB, e depois
partir para nossas considerações finais.
129
MOAB: seus financiadores e suas parcerias
O MOAB, segundo as irmãs Sueli Berlanga e Ângela Biagione, não é uma
entidade juridicamente constituída. Quem na verdade dá suporte jurídico para o
movimento é a Mitra Diocesana de Registro. Através desta, o MOAB consegue realizar
parcerias financeiras com outras instituições:
Irmã Ângela Biagione: “Como nosso trabalho é muito extenso, temos muita
dificuldade para conseguir recursos, sobretudo aqui no Vale do Ribeira, então
através da Mitra Diocesana de Registro fizemos uma parceria com a Caritás
Francesa, via Caritás Brasileira, regional de São Paulo, depois com a MISEREOR”.
As duas principais fontes de renda do MOAB, excluindo a ajuda jurídica e
também financeira da Mitra Diocesana de Registro, são de caráter internacional. A
Cáritas Internationalis é uma rede com sede em Roma e que possui várias Cáritas
nacionais, incluindo a Brasileira. Está presente em 160 países e tem sua organização
subdividida em 7 regiões: América Latina e Caribe, África, Europa, Oceania, Ásia,
América do Norte e MONA (Oriente Médio e Norte da África).
Sua atuação segue os mesmos princípios da Teologia da Libertação analisados por
nós, ou seja, atua com abertura ecumênica, estabelecendo parcerias com organismos
nacionais e internacionais pelo resgate dos direitos humanos. A Caritas Internationalis é
reconhecida pelo Conselho Socioeconômico da ONU como de "status consultivo
geral"”.
14
A Cáritas Brasileira é um organismo ligado a Conferência Nacional dos Bispos do
BrasilCNBB, e também associada ao setor Pastoral Social. Criada em 12 de novembro
de 1956, é uma sociedade civil sem fins lucrativos. Embora os recursos obtidos pelo
MOAB venham da Cáritas Francesa, vale ressaltar alguns pontos dessa organização no
Brasil e sua atuação, lembrando que tal atuação segue um padrão mundial.
Para o quadriênio 2004-2007 a Cáritas Brasileira elegeu quatro linhas de ação:
Linha 1: defesa e promoção de direitos da população em situação de exclusão social;
14
Todas as informações relativas à Cáritas e a MISEREOR foram retiradas de seus sites na internet:
www.caritas.org.br
e www.misereor.org.
130
Linha 2: mobilizações cidadãs e conquista de relações democráticas; Linha 3:
desenvolvimento solidário e sustentável e Linha 4: sustentabilidade, fortalecimento e
organização da Cáritas.
Na sua primeira linha de atuação vemos os seguintes indicativos de programas:
Defesa e proteção de grupos em situação de risco e vítimas de catástrofes:
famílias, favelados, sem-terra, sem tetos, índios, quilombolas, (Vale do Ribeira e
outros) população de rua e pessoas portadoras de deficiência;
• Defesa e proteção de direitos de crianças, adolescentes, jovens idosos e mulheres;
• Priorizar a articulação e a participação no Mutirão de superação da fome e da
miséria;
• Apoio e prevenção aos portadores de HIV/AIDs e de dependência química. (Grifo
meu)
Ou seja, esses dados mostram que não no Vale do Ribeira encontramos a
atuação de setores da Igreja e suas redes trabalhando com os quilombolas.
A segunda parceria de recursos do MOAB é a MISEREOR, uma organização
católica alemã, fundada em 1958, que nasceu com o intuito de combater “a fome e a
doença no mundo”.
Na sua função de agência de desenvolvimento da Igreja Católica da Alemanha
MISEREOR oferece uma cooperação em espírito de parceria a todos os homens de
boa vontade para combater a pobreza a nível mundial, abolir estruturas de injustiça,
promover a solidariedade com os pobres e perseguidos e contribuir para a construção
de "UM MUNDO" (um único mundo, sem as divisões ricos, pobres, primeiro mundo,
terceiro mundo, etc.).
Segundo as informações do seu site, a MISEREOR recebeu da Igreja Católica da
Alemanha uma série de missões. Vale destacar o combate às causas da miséria que se
manifestam em forma de fome, doença e pobreza, com ênfase nos países da Ásia, da
África e da América Latina. O objetivo da MISEREOR e possibilitar às pessoas atingidas
uma vida digna e promover a justiça, a liberdade, a reconciliação e a paz no mundo.
131
Vemos aqui que esta rede de financiamento católica opera, como nos movimentos
sociais, em busca de uma utopia, através de financiamentos de projetos que incentivam e
promovam a auto-ajuda dos beneficiários, ou seja, proporcionam um melhoramento
duradouro e sustentável das condições de vida a todos os que sofram necessidades, sem
distinção de raça, sexo, religião ou nacionalidade.
Os recursos da MISEREOR são angariados junto aos católicos e não-católicos
alemães, sobretudo durante a sua campanha anual de Quaresma, como também através de
numerosas doações provenientes de toda a sociedade alemã, e com fundos dos
orçamentos diocesanos que lhe são colocados à disposição pela Associação das Dioceses
da Alemanha, “apelamos aos católicos e a toda a população alemã a não fechar os olhos
perante a pobreza e a miséria existentes no mundo, mas sim a ver o mundo da
perspectiva dos mais pobres e oprimidos, a sentir e sofrer com eles”.
A cooperação da Igreja Católica Alemã para o desenvolvimento é apoiada
também por fundos públicos do Governo alemão e da União Européia. Estes fundos são
aplicados pela Katholische Zentralstelle für Entwicklungshilfe e.V. (KZE). A maior parte
do trabalho administrativo da KZE, porém, é executada na sede de MISEREOR. A
MISEREOR é também, segundo seu site, uma ação, um “movimento” na Alemanha que
procura parceiros, amigos e companheiros na luta contra a pobreza.
Diferente da Cáritas, que tem uma agenda mais social do ponto de vista potico, a
MISEREOR atua com mais ênfase nas questões de gênero. Isso fica claro quando
analisamos os seus temas de trabalho: gênero, divisão do trabalho de acordo com a
perspectiva de gênero, acesso igualitário a recursos; participação equiparada de homens e
mulheres, paz e gestão civil de conflitos, violência doméstica e sexual, gênero e saúde,
HIV/AIDS, segurança alimentar, micro-financiamento, tecnologia apropriada, formação
profissional e energia e pobreza.
O último tema, juntamente com a ênfase na questão de gênero enquadra-se dentro
dos temas propostos pelo MOAB. Com relação ao tema energia e pobreza, a MISEREOR
ressalta de que, no mundo, dois bilhões de pessoas não têm acesso à energia elétrica (não
só elétrica, mas de outras origens, como petróleo e seus derivados). Problema esse crucial
para o desenvolvimento e combate à pobreza no mundo. Tal rede prega ainda, um melhor
132
equacionamento nessa distribuição energética. Ou seja, constatamos que não é por acaso
que tal rede está associada ao MOAB.
A prestação de contas, tanto para a MISEREOR, quanto para a Cáritas é realizada
através de relatórios anuais, em que são descritas todas as atividades realizadas com os
recursos repassados. No relatório de atividades de maio de 2005 a janeiro de 2006,
enviado a MISEREOR e que tivemos acesso nos arquivos do MOAB, foi possível
constatar que as verbas recebidas financiaram seis atividades nesse período: os trabalhos
do MOAB no que tange à continuação do trabalho de fortalecimento da organização,
conscientização e expansão da luta contra os projetos de UHEs e barragens; a
intensificação dos trabalhos de conscientização das comunidades remanescentes de
quilombos, com o intuito de iniciar o processo de organização pelo reconhecimento e
titulação de suas terras e a formação de associações; assessoria aos quilombos
titulados; despertar e articular as comunidades negras do Vale do Ribeira na
ressignificação de sua cultura, valorização de sua história e titulação de suas terras;
continuação da organização do Grupo de Mulheres, com realização de reuniões e
planejamento de ações e, por último, a implantação de cursos pré-vestibulares para
afrodescendentes e carentes.
Quanto ao tamanho dos aportes financeiros, preferimos, por queses éticas, não
publicar os números nesse trabalho, uma vez que nossos interesses foram apenas nas
ações que estes financiamentos proporcionaram ao MOAB.
Os financiamentos internacionais reforçam ainda mais a característica de novo
movimento social na qual classificamos o MOAB, uma vez que dá a este um caráter de
transnacionalidade, típico dos novos movimentos sociais, os (novos) movimentos
(sociais) (...), ou os movimentos de direitos humanos têm participado de redes
transnacionais de informação e solidariedade ou como mecanismo de pressão
institucional e cultural” (Sherer-Warren: 2005, p.120) (Grifos meus).
Mas essa característica, geralmente não vem isolada, pois além dos aportes
financeiros internacionais, os novos movimentos sociais, estejam eles na cidade ou no
campo, contam também com a parceria de inúmeras instituições. O mesmo acontece no
MOAB, que além do MAB, movimento nacional, conta com a colaboração e trabalho
133
conjunto de ONGs, fundações, sindicatos, centrais sindicais, entre outros. Como relatou
a ir Sueli Berlanga :
Irmã Sueli Berlanga:Nós temos alguns parceiros nas lutas contra as barragens,
mas estas parcerias dependem muito da época e da natureza das bandeiras. Já faz
vinte anos que nós estamos nessa luta contra as barragens, então no momento as
entidades que mais se destacam em termos de parceira são as Associações de
Quilombo, não só de Eldorado, mas de todo o Vale do Ribeira e de outros quilombos
no Estado e fora do Estado de São Paulo, o Instituto SocioAmbiental , a Fundação
S.O.S Mata Atlântica, a Rede Cidadã de Cajati, todas as paróquias da diocese de
Registro, que estão sempre na luta conosco, as pastorais sociais da diocese, e alguns
ambientalistas, lembrando que estes últimos, estão conosco na questão das
barragens, pois quando a questão é sobre os parques que incidem sobre o território
de quilombos, eles não são tão mais parceiros assim”.
Sobre a última fala da ir, vale lembrar que, em muitos momentos, dependendo
do tipo e da radicalidade do movimento ambientalista, não se firmaram parcerias ou
mesmo um discurso único entre o MOAB e estes. Pois, para alguns ambientalistas mais
radicais, a presença de populações, mesmo as tradicionais, representa perigo para as
unidades de preservação. Ainda, na nossa consulta aos arquivos, podemos constatar a
presença de parcerias com a ONGs Vitae Civilis, com a Fundação Ford e com a World
Wild Foundations (WWF).
Mas a lista de parceiros é bem mais extensa e variou muito com o passar dos
anos. Para se ter uma idéia, o documento “Terra Sim, Barragens Não”, foi assinado por
29 instituições, sendo: 09 associações de moradores e pequenos produtores, 03 comissões
pastorais (02 da Terra e 01 Pró-Índio), 05 movimentos sociais, 02 sindicatos e 02
sociedades, além da Escola Livre de Agricultura Ecológica, do Fraterno Auxílio Cristão,
do Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná, do Instituto de Antropologia e Meio
Ambiente e do Programa da Terra.
No entanto, o importante é que tanto o financiamento internacional quanto o
grande número de parcerias (nacionais e internacionais) propiciaram ao MOAB, criar e
também pertencer a uma rede de movimentos que partilham uma série de bandeiras
comuns e até conflitantes em certos momentos, como o caso do ambientalismo. Mas
134
mesmo com divergências, tal rede (ou redes) segue uma tendência, destacada por Ilse
Sherer-Warren, na transformação dos movimentos sociais no Brasil e no mundo:
Se os movimentos sociais da década de 70 e início dos anos 80 tiveram sua relevância
na constituição de novos atores sociais e na redefinição dos espaços de cidadania
(social e política), as redes de movimentos tendem a atuar no sentido da formação de
novos sistemas de valores, sobretudo em relação ao binômio Liberdade (e
democracia) e Sobrevivência (com direito a uma vida digna e ecologicamente
saudável). Esta dimensão ética se expressa através do apelo a uma sensibilidade
coletiva (em nome da paz, da democracia e da vida e contra a fome, a miséria, a
discriminação) e por uma responsabilidade pessoal em relação ao futuro coletivo em
nível local, nacional e planetário (Sherer-Warren: 2005, pp.121-122).
É claro que tudo isto colocado acima opera num plano simbólico, e que pode não
estar acontecendo plenamente na rede de movimentos na qual o MOAB está inserido.
Mas muitas das bandeiras colocadas lado a lado diante da ameaça das barragens
estabeleceram novos diálogos. A questão entre ambientalistas e MOAB é um exemplo
disso, pois partiram de um não-diálogo para trabalhos concretos de atuação na luta contra
um inimigo comum, as barragens.
(...) a atuação destas redes de movimento não se restringem à sua atuação no nível
simbólico. Atuam, por um lado, tendo em vista a transformação da opinião pública,
mas, por outro, almejam constituir-se em forças de pressão ao sistema institucional e
aos padrões dominantes contrários e estes princípios. Desta maneira, as redes se
caracterizam como fontes de pressão, sobretudo no campo cultural e no campo
político (Sherer-Warren: 2005, p.122)
De acordo com um artigo recente de Ilse Sherer-Warren, vemos como podemos
exemplificar tal noção de rede de movimentos sociais, utilizando um movimento
emergente, o Movimento Nacional Quilombola, criado em 1996. Esse movimento está
ligado também ao MOAB, uma vez que as discussões com as comunidades de
quilombos, articuladas por este, criaram a Equipe de Articulação e Assessoria à
Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE). E também com participação da
EAACONE fundou o Conselho Estadual das Comunidades de Quilombo. Dessa forma
135
temos em torno das comunidades quilombolas uma estrutura política, que poderíamos
chamar de uma rede política. Para Sherer-Warren:
Do ponto de vista organizacional, inclui várias redes de redes, (...) , até as
organizações das comunidades locais de “mocambos”, “quilombos”, “comunidades
negras rurais” e “terras de preto”, que são várias expressões de uma mesma herança
cultural e social, e ONGs e associações que se identificam com a causa. Do ponto de
vista da ação movimentalista, apresenta as várias dimensões definidoras de um
movimento social (identidade, adversário e projeto): unem-se pela força de uma
identidade étnica (negra) e de classe (camponeses pobres) – a identidade; para
combater o legado colonialista, o racismo e a expropriação – o adversário; na luta pela
manutenção de um território que vive sob constante ameaça de invasão, ou seja, pelo
direito à terra comunitária herdada – o projeto. Nesse momento, unem-se também ao
Movimento Nacional pela Reforma Agrária na luta pela terra, mas mantendo sua
especificidade, isto é, pela legalização da posse das terras coletivas (Scherer-Warren:
2006, pp. 114-115).
Temos então, no caso do MOAB, uma central de movimentos sociais de tipo
novo, cuja pluralidade de bandeiras e de lutas se ramifica em redes de movimentos
sociais. Se olharmos do ponto de vista ecológico, por exemplo, veremos que o MOAB
também participa de poticas e de discussões sobre o meio ambiente. Quando analisamos
as discussões de gênero, vemos na Organização das Mulheres, que a participação do
MOAB em qualquer fórum deste tipo é possível. E quando a questão é a discussão étnica,
percorremos uma gama de possibilidades: organização das comunidades rurais negras,
formação de associações de remanescentes de quilombo visando o reconhecimento e
titulação das terras e nas discussões sobre a valorização e crescimento da resistência das
populações negras.
Tentaremos condensar nas considerações finais, algumas preocupações e formular
mais algumas questões.
136
Considerações Finais
Quilombos, resistência negra e o MOAB: Uma rede de novos movimentos sociais
A história do MOAB é vasta. O presente trabalho de dissertação teve como
objetivo estabelecer algumas questões de cunho sociológico e não perfazer
completamente toda a história deste importante movimento.
Mas, depois de todas as análises foi considerado importante, mais destacar que
unir duas categorias: quilombos e movimentos sociais é uma tarefa complexa. Para
melhor aproximar estas duas categorias utilizamos um ponto comum o MOAB, e
verificamos que os quilombos fazem parte de um movimento social que atua dentro de
uma continuidade histórica.
Continuidade esta que podemos conferir nos estudos sobre os quilombos no
Brasil. Vimos que este femeno histórico segue determinados padrões e que mesmo não
tendo um projeto único contra o regime escravocrata, ele interferiu e modificou de forma
latente a realidade local na qual atuava. O mesmo se pode falar dos movimentos sociais
que, com bandeiras diferentes, conversam entre si em alguns casos, mas não estão unidos
a ponto de produzir uma mudança radical da sociedade ou do sistema ecomico e
político no qual vivemos. Embora muitos movimentos atuais tenham em si uma utopia a
conquistar, esta funciona mais como um motor a impulsionar as mentes e ações, do que
como um projeto amplo e aplicável.
Ou seja, os movimentos buscam uma convivência melhor, uma cidadania plena
com direitos iguais, e que a conquista de algum de seus objetivos não encerra a luta, pois
a manutenção destes movimentos continua sendo importante. No caso dos quilombos,
muitos conquistaram a tão almejada liberdade, mas mesmo assim tiveram que lutar para
mantê-la.
Vimos que os quilombos, como os movimentos sociais, tiveram uma organização.
Em Palmares, observou-se que a organização teve uma liderança social, potica e militar.
O mesmo tem ocorrido nos movimentos sociais, sendo eles velhos ou novos, a presença
de lideranças e de direções é fundamental.
137
No MOAB, por exemplo, o trabalho permanente das irmãs Sueli Berlanga e
Ângela Biagione tem sido de extrema importância, pois no dia-a-dia desta central de
movimentos, são elas, com a ajuda de duas funcionárias e alguns colaboradores, que
fazem os atendimentos, enviam os e-mails, agendam as reuniões, etc. Em nosso trabalho
de campo, tivemos a oportunidade de conviver um pouco com esse cotidiano e perceber
que, além dos trabalhos burocráticos, a figura de liderança das irmãs tem sido
fundamental.
Além de seu trabalho pastoral, a irmã Sueli Berlanga, formada em Direito,
também acompanha os processos judiciais das questões das terras e ajuda os quilombolas
e trabalhadores rurais idosos nos seus pedidos de aposentadoria. Assim, verificamos que
a função do MOAB extrapola os limites de atuação dos movimentos sociais, que às
vezes, são vistos apenas como defensores dos interesses coletivos.
A aproximação das duas categorias, quilombos e movimentos sociais, ocorre
também quando consideramos que o isolamento dos quilombos foi relativo, pois estes se
relacionavam com as cidades próximas, com as senzalas e com outros quilombos. Ou
seja, da mesma forma que ocorre nos movimentos sociais, os quilombos interagiam na
sua localidade e por isso representavam perigo aos interesses dos escravizadores e tinham
de ser suprimidos. O mesmo acontece, atualmente com alguns movimentos sociais, que
por representarem ameaça a interesses econômicos e poticos de elites locais ou
regionais, têm seus líderes presos ou mortos
15
.
Os dois conceitos confundem-se em muitos pontos, principalmente sobre o ponto
de vista de constituírem fenômenos contra determinada ordem. Mas são também
diferentes, pois no caso dos quilombos, eles não representavam a todo o momento um
caráter coletivo ou um espaço de discussão, mas muitas vezes eram construídos de forma
individual e compulsória. Além disso, os quilombos eram exemplos para os escravizados
das senzalas, no entanto,o trabalhavam no intuito de conscientizar novos adeptos.
Muitos escravizados eram levados à força para os quilombos, as mulheres, por exemplo,
por sua escassez nestes grupos. Diferentemente dos movimentos sociais, onde a entrada
15
Temos exemplo desses também no Vale do Ribeira, como mostra Wongtschowski: “A comunidade de
São Pedro enfrentou sérios conflitos fundiários, principalmente nas décadas de 70 e 80, quando estes
culminaram, em 03 de julho de 1982, com a morte de um morador local, Carlito. Morto por jagunços do
fazendeiro Tibúrcio, que reivindicava terra e tentava expulsar os moradores, Carlito é hoje símbolo e
mártir dessa luta, ainda aos olhos da comunidade, não terminada” (Wongtschowski: 2002, p.6)
138
de um indivíduo não é obrigatória, mas é impulsionada por algum fator reivindicativo ou
de direito.
Sabemos que as duas categorias foram cunhadas em momentos históricos
diferentes, mas atualmente aproximá-las é entender onde as populações negras deste país
participaram da história. Autores com Clóvis Moura e Décio Freitas, por exemplo,
fizeram este exercício com êxito, e constataram que, com ou sem quilombos, a populão
escravizada, ou a população negra liberta, das cidades e do campo, participaram das
guerrilhas, das revoltas e dos levantes.
Quando passamos a analisar a categoria movimento social, que nasceu de uma
visão classista, ou seja, das relações capitalistas de produção, e depois passamos para o
estudo dos novos movimentos sociais, vimos que foi possível juntar a trajetória dos
quilombos com a dos movimentos sociais.
Atualmente os quilombos não podem mais ser vistos apenas como uma
reminiscência arqueológica, devem ser vistos como um grupo de resistência potico-
cultural, que tem seus direitos assegurados. Eles não constituem classes, no sentido
clássico do conceito, mas apresentam algumas características desta. Porém, a utilização
desse conceito (classe) não é suficiente para explicá-los enquanto movimento social, pois
eles têm em sua trajetória mais elementos que os definem. Eder Sader ilustra esta
condição: “no caso dos novos movimentos sociais eles se dão no solo da condição
proletária, mas esta é elaborada de um modo tal que os contornos classistas se diluem
(Sader: 1988, p.49).
Foi atras da luta do movimento negro brasileiro junto aos constituintes na
Constituição Federal de 1988 que surgiu um novo entendimento sobre a questão do ser
quilombo ou quilombola.
A possibilidade de reconhecimento como remanescente de quilombos vem
significando uma alternativa estratégica para assegurar, não a terra, mas a
continuidade, ainda que transformada, de um modo de vida, posteriormente ao
fracasso das últimas tentativas governamentais de promover a regularização fundiária
e a reforma agrária, que de resto, na prática quase não chegaram a incidir sobre essas
“terras de preto” especificamente (Paoliello: 1999, p. 37).
139
Não somente a partir de 1988, mas a partir de momento de se verem
representados no documento que representa a lei máxima de um país, a Carta Magna,
esse segmento da população negra, pode com maior projeção, criar uma organização mais
contundente no sentido da formação de um movimento social. E esse papel no Vale do
Ribeira, coube ao MOAB. Pode-se, assim:
(...) supor que, diante de uma impossibilidade de ativar estratégias possessórias e
hereditárias que aliviem as preses internas sobre as situações existentes, por meio da
expansão dos apossamentos, devido a pressões e limitações externas diversificadas
sobre o estoque de terras disponíveis, tais como a presença crescente de média
propriedade, no entorno, e as (...) restrições ambientais incluindo as divisas dos
parques, bem como a falta de reconhecimento institucional do direito possessório, a
alternativa de reivindicar a condição de remanescente de quilombo, aberta pela lei,
torna-se a única propícia à defesa e a reconstrução do direito à terra (Paoliello: 1999,
p. 37).
A reconstrução do direito à terra concedida aos remanescentes de quilombo, não
se restringiu apenas à luta pela terra, como já analisamos, mas formou outras discussões e
novas bandeiras de lutas. No Vale do Ribeira outros temas levaram os quilombolas a se
organizar como movimentos sociais, por exemplo, a questão ambiental (Parques e Áreas
de Proteção), a questão étnica e de gênero, a questão das barragens e também a questão
de uma cidadania plena, respeitando seu modo de vida.
Anteriormente à existência do MOAB, os quilombos já tinham uma organização,
mecanismos próprios de ocupação de seu território, e práticas poticas e de
sobrevivência. No entanto, a organização em movimentos sociais, a formação de redes,
como vimos nas análises de Ana Maria Doimo e Ilse Sherer-Warren, é um fato recente e
talvez decisivo na longa história dessas populações.
A formação do MOAB abriu novas perspectivas e lançou muitas comunidades em
uma nova forma de ver a vida comunitária. A importância da terra coletiva, por exemplo,
fez com que uma nova forma de identidade, ou mesmo, a ressignificação, de uma
identidade já existente, surgisse também como ferramenta de luta; da negritude, fator que
se tornou essencial nas lutas dentro da perspectiva quilombola.
140
O movimento social que se organizou com base em terras de negros, vem
extrapolando os seus limites em busca de alianças que lhes possibilitem garantir o
território. A consciência de que assumir a negritude é condição fundamental, amplia-
se não só da necessidade de conquista de direito ao reconhecimento das terras, mas
principalmente, pela reflexão sobre a alteridade, permitindo recompor a autonomia
frente aos dominantes e a dignidade em defesa de seus valores culturais (Carril: 1995,
p. 178).
Tivemos na verdade, um femeno histórico, o quilombo, apropriando-se de uma
forma organizativa, ou seja, transformando suas demandas, suas lutas, seus problemas e
identidades em um movimento social. Com isso houve a passagem de uma categoria para
a outra, e essa passagem foi importante, pois abriu possibilidades mais amplas de luta.
Podemos dizer que a luta pela manutenção do território das comunidades negras no
Vale do Ribeira traz a público a problemática desse segmento étnico. Enquanto na
modernidade busca-se cada vez mais nesse final de século a homogeneização do
espaço e do tempo, ela reflete na mesma proporção as suas várias faces contraditórias.
Os camponeses negros do Vale do Ribeira desmentem essa homogeneização e lutam
pelo reconhecimento da alteridade de que são portadores para a afirmação e
manutenção do modo de vida camponês (Carril: 1995, p.193).
Atualmente, para muitas comunidades tornar-se quilombo, não é apenas
subterfúgio potico, ou mesmo uma invenção histórica, mas é a chance de fugir de uma
homogeneização e de encontrar no próprio modo de vida sua alteridade.
Aqui, vale abrir um parêntese, e ressaltar a montagem de uma importante equipe,
a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Quilombolas e Negras do Vale do
Ribeira (EAACONE), que foi criada com uma série de objetivos, sendo o principal, o de
articular e assessorar as Comunidades negras e quilombolas do Vale do Ribeira. É
importante fazer a distinção entre quilombolas e negras, uma vez que muitas
comunidades ainda o se organizaram enquanto comunidades quilombolas e, portanto,
através do trabalho da EAACONE, elas se identificam inicialmente como comunidades
negras e depois como comunidades quilombolas.
141
A EEACONE ainda presta assistência jurídica para as comunidades, estimula os
trabalhos em mutirão e patrocina projetos que aumentam a produtividade das atividades
econômicas das mesmas. Fazem parte desta equipe, como foi verificado no documento de
apresentação da EAACONE (Documento de apresentação EAACONE),um número
ilimitado de sócios”, e estes devem ter,um trabalho concreto nas comunidades negras e
quilombolas ou em algum movimento popular do Vale do Ribeira, por mais de um ano,
que possa ser comprovado ou aferível e que se identifiquem com os objetivos definidos
(...)”. A atual diretoria está composta de vários presidentes e diretores de associações de
quilombos, e têm como primeira secretária a irmã Sueli Berlanga.
Por que destacamos nesse momento a EAACONE? A resposta é que sua criação
reforçou ainda mais a noção de rede de movimentos sociais, pois nos documentos
analisados, vimos que a personalidade jurídica do MOAB, depois da Mitra Diocesana de
Registro, que ajuda no financiamento e apoio, é a EAACONE quem responde
juridicamente pelo movimento. Este fato é de suma importância, pois consolida as
comunidades quilombolas e negras, enquanto instrumentos de luta.
O MOAB e a Energia: uma questão para o futuro
O presente trabalho teve por objetivo analisar duas categorias, quilombos e
movimentos sociais, através do MOAB, mas nos documentos analisados, percebemos que
um fator muito importante segue paralelo a essas categorias: a questão energética.
A luta do MOAB, por mais que congregue outras bandeiras, é de fato uma luta contra as
barragens e UHEs. Por ser uma central ativa o MOAB passou a fazer parte da vida dos
habitantes do Vale do Ribeira, sejam eles quilombolas ou não. E por meio das orientações
transmitidas à sociedade civil e dos debates realizados sobre os projetos de construções
de barragens e UHEs, o MOAB tem promovido e participado de seminários de
desenvolvimento, de eventos internacionais, tem mantido constantes negociações com os
governos e, juntamente com deputados federais e estaduais, Ministério Público Federal,
ambientalistas, professores universitários, vem conseguindo evitar a construção da
primeira de uma série de hidrelétricas, a UHE de Tijuco Alto.
142
Os projetos para construção de UHEs no Vale do Ribeira estão apenas
paralisados, pois, os processos e litígios ainda continuam, e as obras podem ser iniciadas
a qualquer momento. Esse fato tem desencadeado uma discussão maior, e que precisa ser
feita, ou até mesmo refeita no Brasil: Para quem e para quê se produz a energia?
Enquanto isso, o MOAB continua tendo como um dos seus objetivos o cancelamento,
ou pelo menos, a prorrogação do início dessas construções. Mas uma pergunta fica no ar:
até quando?
A questão energética abre também um campo para o debate político ao se considerar
os procedimentos que estruturam e sustentam o processo de decisão. É preciso que se
abra uma discussão extremamente atual e oportuna para a natureza das decisões de
empreendimentos energéticos que são tomadas, e legitimadas, pelo critério da decio
majoritária pretensamente democrática, quando a natureza da questão energética deve
levar necessariamente à construção de consensos (Bermann: 2001, p. 11).
Analisar a questão energética é avaliar a própria democracia em que vivemos.
Quando falamos em desenvolvimento, em crescimento econômico, no linguajar dos ditos
países emergentes, perfil esse atribuído ao Brasil, devemos perguntar como se dá por aqui
o processo de decisão e repartição dessa energia? E qual o recorte social da mesma?
Como ressaltamos, o MOAB, enquanto novo movimento social ajuda as
populações do Vale do Ribeira, principalmente as quilombolas, a reconhecer os seus
direitos coletivos, a formar suas identidades e a construir projetos de transformação mas,
para isso, é necessário também incluir nessas prerrogativas a decisão sobre os recursos
energéticos. Qual é o direito ou a necessidades das populações do Vale do Ribeira para
com a extração dessa energia? Será que, para o crescimento econômico nacional, a
potencialidade energética do Vale do Ribeira deve ser explorada? Muitas outras
perguntas podem ser feitas e suas respostas contribuiriam para delinear o que poderá ser a
luta do MOAB no futuro. Deixo aqui essas questões e adianto que elas serão os objetivos
de nossos pximos trabalhos.
Fechamos agora nossas cortinas, sabendo que esta trama ainda está longe terminar
que os atores sociais aqui relatados ainda estão encenando seus papéis duros de realidade.
Deixo, ainda, uma frase extraída de um DVD assistido na sede do MOAB, e que de certa
143
forma exemplifica de modotido a luta que se desenrola no Vale do Ribeira, e pelo qual
o MOAB briga para que não aconteça, “Se me tirarem da minha lavoura, eu sei que
morro logo”.
16
16
Fala de Dona Angelita Borges dos Santos, quilombola, no documentário sobre as questões das barragens
no Vale do Ribeira, “Os Sem-Rio”, exibido no Jornal da Câmara em 05 de agosto de 1999.
144
ANEXOS
145
Breve histórico MOAB – A luta contra as UHEs e barragens no Vale do Ribeira
17
Para melhor visualização das lutas e ações realizadas pelo MOAB nesses 17 anos
de existência, formulamos um pequeno histórico, com os momentos que entendemos
importantes dentro de nossa análise e que ilustram como se dá a articulação desta rede de
movimentos sociais no Vale do Ribeira:
Ano 1988
Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) consegue outorga da concessão de uso
para o aproveitamento de energia hidráulica de um trecho do rio Ribeira de
Iguape, para instalação da UHE Tijuco Alto (decreto federal nº 96.746 de 21 de
setembro de 1988);
Ano 1989
CBA inicia o processo de licenciamento ambiental nos dois estados cortados pelo
rio Ribeira de Iguape, São Paulo e Paraná, ignorando a legislação ambiental, pois
tal licenciamento só pode ser efetuado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), uma vez que o rio é federal (corta
dois estados da federação);
Neste mesmo ano a CBA apresenta seu Estudo de Impacto Ambiental e o
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da UHE de Tijuco Alto, as
Secretarias do Meio Ambiente dos Estados do Paraná e São Paulo;
Em dezembro de 1989, último dia do governo do presidente José Sarney, o
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) concede a CBA a
17
Este hisrico é um resumo do Histórico da Luta contra as barragens no Vale do Ribeira, que encontramos
nos arquivos do MOAB juntamente com cópia do documento “Terras Sim, Barragens Não”, de autoria das
Irmãs Ângela Biagione e Sueli Berlanga. Ele descreve resumidamente algumas ações da entidade do ano de
1988, antes da fundação oficial do MOAB, até o ano de 2004.
146
autorização de exploração dos recursos energéticos do rio Ribeira de Iguape
(Tijuco Alto) sem consulta aos governos deo Paulo e Paraná.
Ano de 1990
Em julho a Fundação SOS Mata Atlântica protocola ofício na Secretaria de Meio
Ambiente de São Paulo, pedindo uma audiência pública para discussão do
EIA/RIMA da UHE de Tijuco Alto na cidade de São Paulo, devido os possíveis
grandes impactos da obra;
Em setembro de 1990 – As irmãs Sueli Berlanga e Ângela Biagione elaboram o
primeiro Projeto em nome da Mitra Diocesana de Registro, para Cáritas: “Em
defesa de 2 mil famílias ameaçadas de perderem suas terras e de outras 100 mil
pessoas que sofrerão conseqüências pelas hidrelétricas no Vale do Ribeira – São
Paulo – Brasil”. O projeto teve apoio de Dom Aparecido Dias, Bispo da diocese
de Registro.
Ano de 1991
Em 21 de abril deste ano os ameaçados por barragens do Vale do Ribeira fundam
o MOAB, com o objetivo de organizar a resistência contra a construção das UHEs
e barragens na bacia do rio Ribeira de Iguape, nos estados de São Paulo e Paraná;
Encontro das Comunidades Rurais e Urbanas, realizada na cidade de Eldorado-
SP, contou com a participação do Bispo de Juazeiro, Dom José Rodrigues que
relatou as conseqüências das usinas hidrelétricas construídas na sua região. O
encontro contou com a participação de 300 pessoas;
Em junho de 1991 – O MOAB e a Comissão Pastoral da Terra (CPT-Registro)
organizam manifestação contra a construção de barragens no Vale do Ribeira na
cidade de Registro-SP;
147
Em agosto, o deputado federal Fábio Feldmann (PSDB-SP), faz requerimento
junto ao Ministro da Infraestrutura, através do DNAEE, pedindo informações
sobre a outorga de concessão para aproveitamento dos recursos energéticos do
Rio Ribeira de Iguape, na mesma linha o MOAB encaminha abaixo-assinados
para as Secretarias do Meio Ambiente de São Paulo e Paraná, solicitando
informações sobre os projetos;
Também em agosto, o MOAB juntamente com 32 organizações promove o
Encontro de Trabalho: “As Hidrelétricas e o Desenvolvimento do Vale do
Ribeira” e elabora o documento “Terra Sim, Barragem Não!”, divulgado na
imprensa e para diversos óros de governo dos dois estados;
Em setembro, durante o IV Encontro de Entidades Ambientalistas do Estado do
Paraná e o II Encontro Estadual Pró-ECO 92, realizado em Foz do Iguaçu (PR),
com a presença de 25 entidades ambientalistas, é aprovada a moção de apoio ao
documento “Terra Sim, Barragem Não!”;
No mês de dezembro, o MOAB realiza o Seminário sobre “As Barragens no Vale
do Ribeira”, na cidade de Iporanga-SP, com a participação de 400 pessoas, em sua
maioria das comunidades rurais. A convite do MOAB, o diretor de engenharia da
CESP, Dr. Antonio Carlos Bonini, participa deste evento e presta informações
sobre as barragens planejadas pela companhia no Vale do Ribeira.
Ano de 1992
Maio o MOAB organiza um novo seminário: “As Barragens no Vale do Ribeira”,
na cidade de Eldorado, com a participação de 210 pessoas das comunidades rurais
de Eldorado e Iporanga no mesmo mês, a CESP entrega cópias do EIA/RIMA da
UHE Funil aos políticos locais e o MOAB não é convidado;
148
No mês de julho o MOAB juntamente com o Fraterno Auxílio Cristão (FAC),
CPT-Registro e a Sociedade de Amigos do Bairro do Sapatu, organizam o
Seminário: “A Hidrelétrica de Funil”, no bairro João Sura, no município de
Adrianópolis – PR, com a participação de 350 pessoas;
Em agosto é realizada a IV Romaria da Terra, organizada pela Diocese de
Registro, com o tema “Barragens”, conta com a participação de centenas de
pessoas, no mesmos o MOAB busca apoio político na Assembia Legislativa
de São Paulo com a entrega de uma carta aos deputados pedindo a não construção
das barragens;
Outubro o MOAB participa de seminário sobre as barragens da CESP, em Três
Lagoas – Mato Grosso do Sul, e toma conhecimento dos problemas gerados pelas
barragens que estão sem solução, desde 1987, naquela região;
Em dezembro, o MOAB participa do seminário “Potica Estadual de Recursos
dricos, realizado na Escola Policnica da Universidade deo Paulo (USP),
organizado por órgãos estaduais, Cosema e Fundação SOS Mata Atlântica.
Ano 1993
Fevereiro, o Promotor de Justiça do Estado de São Paulo encaminha o processo
contra a CESP, por desmatamento no município de Iporanga, ao Conselho
Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, com pedido de
arquivamento do processo. O processo foi constitdo por denúncias feitas pela
Fundação SOS Mata Atl6antica, em junho de 1991;
Em março de 1993, o MOAB apoiado por várias organizações da sociedade civil,
organiza manifestações de protesto contra projetos e construção de barragens no
Vale do Ribeira, em frente as Centrais Elétricas de São Paulo (CESP). Uma
delegação do MOAB é recebida pelo presidente da CESP Dr. Antonio Carlos
149
Bonini. (sic) Na ocasião, Dr. Bonini humilha as lideranças do MOAB e
desconsidera as reivindicações apresentadas;
Neste ano é realizado o Encontro de Mulheres de Eldorado, que discute o tema
“Mulheres Defendendo a Vida Contra as Barragens”, com a participação de 400
mulheres da área rural;
O MOAB participa de audiência pública sobre as barragens no Vale do Ribeira,
realizada na Assembléia Legislativa de São Paulo, convocada pelo deputado Ivan
Valente (PT-SP). Na ocasião, questionam novamente o Dr. Antônio Carlos
Bonini, presidente da CESP, sobre a real necessidade de construção de barragens
no Vale;
MOAB recebe visita de representante da Organização das Nações Unidas (ONU),
em viagem ao Brasil, para avaliar a questão do desmatamento das florestas
tropicais.
Ano 1994
Em janeiro, é realizada a audiência pública sobre o EIA/RIMA da UHE Tijuco
Alto, no município de Cerro Azul-PR. Com a presença de poticos e da
população da região, levados de ônibus fretados pelo empresário Antonio Errio
de Moraes, praticamente impediram os ameaçados por barragens e os
ambientalistas presentes de se manifestarem;
Fevereiro, o governado do Para, na ocasião, Roberto Requião, concede licea
prévia ao projeto da hidrelétrica de Tijuco Alto. MOAB e diversas organizações
manifestam-se junto ao governador solicitando a revogação da licença, neste
mesmo mês, o MOAB e mais 34 organizações protocolam ocio na Secretaria de
Meio Ambiente de São Paulo pedindo a realização de uma audiência pública
sobre o EIA/RIMA da UHE Tijuco Alto, na cidade de São Paulo;
150
A Rede de Cidadania Ativa, Physis e Movimento Humanista, acionam as
entidades ambientalistas “Cidadãos para Salvar a Atmosfera e a Terra”, com sede
em Osaka-Japão, para se manifestarem contra a construção das barragens, pois as
obras aguardam financiamento japonês;
Março, deputado Fábio Feldmann solicita ao Ministro do Meio Ambiente e
Amazônia Legal, que submeta ao Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) a apreciação dos EIA/RIMAs dos aproveitamentos hídricos
propostos para o rio Ribeira de Iguape, nos estados de São Paulo e Paraná,
sugerindo inclusive a crião de uma comissão especial para tratar do assunto;
Em junho, apesar de todos os pontos críticos apontados pela comissão especial do
COSEMA, e também de serem necessários mais de 80 estudos complementares a
Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo concede licença prévia para a UHE
Tijuco Alto.
Agosto, o Ministério Público Federal emo Paulo e Paraná ingressam comão
Civil Pública pedindo a declaração de nulidade das licenças ambientais
outorgadas pelos óros ambientais dos estados, por ser o licenciamento da obra
de competência exclusiva do IBAMA, obra realizada em rio federal e com
impacto em mais de um estado. Concedida liminar que suspende o processo de
licenciamento nos estados.
Ano 1995
De 04 a 05 de novembro, acontece o I Encontro das Comunidades Negras da
Diocese de Registro, com o objetivo de celebrar os 300 anos da morte do líder
negro Zumbi. Neste encontro é criada a Equipe de Articulação das Comunidades
Negras da Diocese de Registro (EAACONE);
151
No dia 02 de dezembro, o MOAB começa a fazer parte do Comitê da Bacia
Hidrográfica do rio Ribeira de Iguape (CBH-RB) como membro titular.
Ano 1996
De 14 a 15 de março, é realizado em São Paulo-SP, na Assembléia Legislativa a
Audiência com o Secretário de Minas e Energia, a Procuradoria da República e
deputados estaduais, com o assunto, “Não a Construção das Barragens no Rio
Ribeira de Iguape”;
No dia 21 de abril é realizado o V Encontro das Mulheres de Eldorado com a
participação de cerca de 500 mulheres, o tema central foi: “Os Direitos da
Mulher”, dando ênfase à Mulher Negra, no mesmo encontro foi proposto também
um dia de protesto contra a construção de barragens no rio Ribeira. As mulheres
enviaram ao Governo Estadual, a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, ao
Ministro do Minas e Energia e ao Presidente da República, um manifesto contra
as barragens no rio Ribeira.
Ano 1997
Fevereiro, A CBA reconhece a competência do IBAMA e inicia as negociações
com o instituto;
Em março, o IBAMA cria um grupo técnico para analisar o EIA/RIMA
apresentado pela CBA. O grupo analisa o EIA e, considerando-o fraco, pede
novos estudos complementares (Parecer técnico IBAMA 01/97). No mesmo mês
de 11 à 14, foi realizado na cidade de Curitiba o “I Encontro Internacional de
Povos Atingidos por Barragens, atingidos de 18 países estiveram presentes
protestando contra as construções de barragens que matam a vida de povos do
mundo inteiro. O MOAB esteve presente ao evento e levou 05 ônibus fretados e
ainda participou de uma passeata nas ruas centrais de Curitiba até o Palácio
152
Iguaçu, onde uma comitiva foi recebida pelo chefe de Gabinete do governador,
durante esta audiência foi entregue o documento final do encontro;
Novembro, de 03 a 07, foi realizado em Brasília-DF, o “II Congresso Latino
Americano de Organização do Campo”, com a presença de 19 países. O MOAB
participa com os delegados José Rodrigues da Silva e Oriel Rodrigues, moradores
do Quilombo de Ivaporunduva, que levaram as reivindicações do Vale do Ribeira
para o encontro.
Ano 1998
No dia 17 de maio, é realizada a primeira Romaria das Comunidades Negras do
Vale do Ribeira, em Aparecida do Norte-SP. O MOAB e as Comunidades
Quilombolas organizaram esta romaria que contou com a participação de
lideranças de todo o estado de São Paulo. O Ato Público e a Celebração
Eucarística foram os momentos de manifestar o repúdio do povo do Vale do
Ribeira, em relação aos projetos das barragens, participaram também autoridades
do governo estadual e federal.
Ano 1999
No dia 13 de março, em Eldorado acontece o evento “Noite Cultural Afro”, em
comemoração aos 10 anos de luta do MOAB. A presença das comunidades de
quilombo foi maciça. Participaram também várias autoridades locias;
Em agosto, nos dia 12 e 13, foi realizado no Centro de Convenções Rebouças, em
São Paulo, um grande debate sobre os problemas causados pelas construções de
grandes barragens no mundo promovido pela Comissão Mundial de Barragens,
com o tema: “Grandes represas e suas alternativas para a América: experiências e
lições na prática”. O MOAB participa levando 15 ônibus com lideranças de nove
municípios do Vale do Ribeira. Todos os representantes nacionais e 11
153
internacionais fizeram uso da palavra, denunciando os problemas causados pelas
barragens.
Ano 2000
Em março é realizado pelo Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do
Vale do Ribeira (CODIVAR), Comitê da Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape
e Litoral Sul e União dos Vereadores do Vale do Ribeira (UVEVAR), na cidade
de Registro, o “Fórum de Desenvolvimento do Vale do Ribeira”. O MOAB e
mais 22 entidades da sociedade civil organizada do Vale estiveram presentes no
evento, mas foram proibidas de participarem dos debates com o governador Mário
Covas, diante da proibição o MOAB e as entidades munidos de um carro de som,
improvisaram um fórum paralelo. Mesmo barrados o MOAB consegue entregar
para o governador, o seu documento contendo propostas de desenvolvimento, foi
entregue também uma carta aberta assinada por todas as entidades da sociedade
civil;
Ano 2001
Em julho, na Mitra Diocesana de Registro, chega à primeira parcela do recurso
financeiro da Cáritas Francesa;
No dia 10 de outubro em Eldorado-SP aconteceu a audiência pública, solicitada
pelo Ministério Público Federal, na pessoa da Dra. Débora Stucci, antropóloga do
Ministério Público Federal e da antropóloga do IBAMA, Niviene Maciel. As
antropólogas fizeram um relato da vistoria realizada nas comunidades que serão
atingidas pelo projeto de construção das quatro barragens no rio Ribeira de
Iguape;
Em novembro, no dia 10, o MOAB organizou a seminário “Águas do Ribeira”, na
cidade de Ribeira-SP, assessorado pela Dra. Maria Luiza Grabner do Ministério
154
Público Federal, João Paulo Capobianco do Instituto Socioambiental (ISA), Hélio
Meca do MAB, Dra. Michael Mary Nolan, advogada das comunidades
remanescentes de quilombos e muitos membros das comunidades que moram na
área onde está projetada a barragem Tijuco Alto.
Ano 2002
Em fevereiro de 2002, o Ministério Público Federal de São Paulo, através da
procuradora Dra. Maria Luiza Grabner, emite parecer acerca do procedimento de
licenciamento da UHE de Tijuco Alto e neste documento conclui que a
construção das barragens no Rio Ribeira de Iguape é praticamente inviável;
Setembro, o MOAB participa ativamente na organização da “Campanha Nacional
Contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)”, por um milênio sem
dívidas e exclusão.
Ano 2003
No dia 30 de maio é realizada a audnciablica na Assembia Legislativa do
Estado de São Paulo, com o tema: “Onde estamos, Aonde Vamos”, com a
participação de representantes de todos os quilombos do estado de São Paulo,
convocada pelos deputados estaduais Luiz Eduardo Greenhralgh e Renato
Simões, com o objetivo de discutir e tomar as medidas cabíveis em relação a
Titulação das Terras dos Quilombos, o desenvolvimento dessas comunidades e os
projetos de construção das barragens;
Em julho, de 09 a 13 em Brasília-DF, foi realizado o Encontro Nacional dos
Atingidos, com mais de 1300 lideranças de 17 estados da federação. O MOAB
levou 48 lideranças, representando quilombolas dos municípios de Itaóca,
Iporanga, Iguape e Eldorado. Foi realizada uma análise da conjuntura potica
155
nacional e da situação do setor elétrico brasileiro, desta análise foi produzido um
documento intitulado “Carta de Brasília”, enviado a diversas autoridades.
No dia 25 de setembro, o IBAMA indefere os EIA/RIMA da barragem de Tijuco
Alto, apresentado pela CBA. O indeferimento acontece porque o IBAMA ao
analisar os estudos verifica que já estão defasados e não correspondem a realidade
atual e exige um estudo de toda a bacia do Rio Ribeira de Iguape, e o apenas da
área atingida pela barragem de Tijuco Alto.
Ano 2004
Em maio, no dia 08, acontece em Registro-SP a 42ª Assembléia Pública Ordinária
do Comitê de Bacias do Rio Ribeira de Iguape – CBH- RB, nessa reunião também
é aprovada a composição do novo quadro de membros do comitê;
No dia 21 de maio, o MOAB e a EAACONE, o ISA, a Fundação SOS Mata
Atlântica e a Mitra Diocesana, promoveram um seminário com o objetivo de dar
continuidade à Campanha da Fraternidade de 2004, “Água Fonte de Vida”. A
proposta de trabalho formulada teve o seguinte título: “Campanha de Conservação
e Recuparação da Mata Ciliar do Rio Ribeira de Iguape e seus Afluentes”, o
MOAB e demais entidades tinham como objetivo ampliar a discussão envolvendo
os diversos segmentos do setor público e privado na efetivação desta campanha;
Em junho de 2004, na cidade de Iporanga-SP, aconteceu a reunião com todos
representantes das comunidades de quilombo, o MOAB, as advogadas dos
quilombolas Michael Mary Nolan e Maria Sueli Berlanga, ISA e EAACONE,
para discutir que posição tomar diante das visitas e entrevistas que a CBA estava
planejando fazer as comunidades. A decisão foi unânime: Não aceitar a visita da
CBA e não dar nenhuma entrevista no que se refere aos projetos de barragens.
156
Tabela 01:
157
Tabela 02:
(Todas as tabelas foram retiradas do ensaio - Vale do Ribeira: um ensaio para o
desenvolvimento das comunidades rurais / Devancyr A. Romão organizador. – Brasília :
Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
Rural, 2006. – (NEAD Debate ; 11) - 212 p. ; 16 x 23 cm. Vários autores.)
158
MAPA 01
159
Legenda - Mapa 01:
! Áreas de Quilombo
/ Barragem
Fonte: Tijuco Alto – Saiba por que ela não interessa ao Vale do Ribeira
(informativo do Instituto SocioAmbiental, novembro de 2002).
Figura 01:
160
Figura 02:
161
Fontes
Jornais
A Tribuna do Ribeira – 01/12/1990 – “Batatal se levanta contra a barragem”.
A Tribuna do Ribeira – 24/11/1990 – “Comunidade ameaça Cesp”.
Tribuna da Imprensa – 06/07/1990 – “Usinas ameaçam maior rio da Mata Atlântica”.
A Tribuna do Ribeira – 20/04/1991 – “Construção de barragens será discutida amanhã”.
A Tribuna do Ribeira – 25/04/1991 – MOAB decide: ‘Barragens no Rio Ribeira,
jamais’”.
A Tribuna do Ribeira – 29/06/ 1991 – “CPT promove passeata de protesto”.
A Tribuna do Ribeira – 20/08/1991 – “Barragens: encontro reúne especialistas”.
O Estado de São Paulo – 22/08/1991 – “Ecologistas discutem riscos de barragens no
Ribeira”.
Jornal “Na Hora” – 21/11/1992 – “As barragens e o desenvolvimento do Vale do
Ribeira”.
A Tribuna – 16/01/1993 – “Projeto de barragens no Rio Ribeira é visto como ameaça à
reprodução marinha”.
Diário Popular – 15/04/1993 – “Projeto de usinas causa protesto na Assembléia”.
162
Jornal “Na Hora” – 22/05/1993 – “Representante da ONU visitaram o Vale do Ribeira”.
Jornal Regional – 12/11/1993 – “Mutirão combate barragens”.
Jornal “Na Hora” – 21/11/1993 – “Seminário discute barragens e desenvolvimento do
Vale”.
Leite, Marcelo - Folha de São Paulo – 26/05/1994 – “Conselho deve autorizar hoje 1ª
hidrelétrica no rio Ribeira”.
O Estado de São Paulo – 27/05/1994 – “Protesto dificulta decisão sobre futuro do Rio
Iguape”.
Pinto, Paulo da Silva - Folha de São Paulo – 28/05/1994 – “Conselho aprova
hidrelétrica no rio Ribeira”.
Notícias do Vale – 28/05/1994 – “Consema aprova Barragens no Ribeira”.
Jornal “O São Paulo” – s/d (1994) – “Atingidos por barragens protestam em São
Paulo”.
Jornal da Tarde – 16/09/1994 – “Hidrelétrica suspensa – Juíza suspende barragem no
alto Ribeira”.
Folha da Tarde – 16/09/1994 –Tijuco Alto suspenso”.
Jornal Regional – 23/09/1994 – “Justiça suspende barragens no Ribeira”.
Notícias do Vale – 29/04/1995 – “OIT investiga denúncia da MOAB”.
Folha de São Paulo – 30/03/1997 – “Hidrelétrica ameaça terras”.
163
Estado de São Paulo – 14/03/1997 – “Estado dará R$ 95 milhões para o Vale do
Ribeira”.
Diário Popular – 13/03/2001 – “Protesto tenta impedir construções de represas”.
O Estado de São Paulo – 13/03/2001 – “Protesto contra usina pára rua em São Paulo”.
O Estado de São Paulo – 6/11/2001 – “Estudos mostram contaminação por metais no
Ribeira”.
Lacerda, Jairo e Pereira, Ananias Gonçalves - Apiaí Diz – 19/02/2002 – “Finalmente o
que pensa o Ministério Público sobre o assunto”.
Jornal em Revista – 5/02/2003 – “Alckmin defende barragem do Tijuco Alto”.
Jornal Regional – 07/02/2003 – “Alckmin defende construção de Tijuco Alto para
conter enchentes no Rio Ribeira”.
Jornal Regional – 14/02/2003 – “Samuel diz que vai lutar por duplicação da BR,
liberação do Fudesvar e construção de barragens”.
Jornal Regional – 14/02/2003 – “Estudos constam que a água do Ribeira é boa, mas
barragem pode liberar metais tóxicos dos sedimentos”.
Jornal Regional – 21/02/2003 – “Bispo, padres e freiras protestam contra barragem”.
Jornal Regional – 24/10/2003 – Ibama nega pedido de licenciamento ambiental da
Barragem do Tijuco Alto”.
164
Jornal em Revista – 25/09/2003 – “Ibama indefere pedido de licenciamento para a
construção da barragem do Tijuco Alto”.
O Estado de São Paulo – 04/06/2004 – “Discurso de Dilma Roussef é criticado na
Alemanha”.
O Guia – s/d (2005) – “Comunidades promovem Ato Público em defesa da terra”.
Notícias do Vale – 24/11/2005 – “Comunidades quilombolas e indígenas comemoram
Dia da Consciência Negra”.
Jornal Regional – 25/11/2005 – “Indígenas e quilombolas realizam encontro para
incentivar organização das comunidades”.
O Sopro – Jornal Diocesano de Registro-SP – novembro (2005) – “Comunidades
promovem Ato Público em defesa da terra”.
Jornal Regional (suplemento – Jornal Agrícola) – 25/11/2005 – “Titulação de terras e
possível construção de barragens preocupam remanescentes”.
Revistas
O Valor dos Nossos Símbolos – Cadernos de formação – nº 3 – Movimento dos
Atingidos por Barragem (MAB), maio de 2001.
Tijuco Alto – Saiba por que ela não interessa ao Vale do Ribeira – (informativo do
Instituto SocioAmbiental, novembro de 2002).
A organização do Movimento dos Atingidos por Barragens – Cadernos de formão -
nº 5 - MAB, segunda edição, agosto de 2004.
165
MAB: Uma história de Lutas, Desafios e Conquistas – Caderno nº 7 – MAB, 1999.
Boletins
MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens – Boletim Informativo – ano XI
– maio de 2005 – Eldorado – SP.
18
MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens – Boletim Informativo – ano XI
– Agosto 2005 – Eldorado – SP.
MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens – Boletim Informativo – ano XI
– outubro de 2005 – Eldorado – SP.
MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens – Boletim Informativo – ano XI
– dezembro de 2005 – Eldorado – SP.
Documentos
Documento de Apresentação – MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens do
- Vale do Ribeira – Página única.
Documento de Apresentação – EAACONE – Equipe de Articulação e Assessoria às
Comunidades Quilombolas e Negras do Vale do Ribeira – Duas páginas
19
.
Documento ao Governador do Estado de São Paulo – elaborado durante o encontro:
As hidrelétricas e o desenvolvimento do Vale do Ribeira – Registro-SP, de 30 a 31 de
agosto de 1991.
18
Tivemos acesso a um muitos boletins informativos do MOAB, apenas citamos aqui os lidos e incluídos
nos documentos foto copiados, todos relativos ao ano de 2005.
19
Os dois documentos de apresentação, do MOAB e da EAACONE, são como cartões de visita, foram
confeccionados pelos funcionários da entidade para explicar resumidamente aos visitantes o que vem a ser
as duas organizações, não contém data e nem autoria.
166
Dossiê – MOAB – Vale do Ribeira – São Paulo – Brasiljulho de 2004.
Histórico da Luta contra as Barragens no Vale do Ribeira – MOAB – 2004.
Prestação de Contas – MISEREOR – Período de maio de 2005 a janeiro de 2006
(Projeto de refencia: 233-223/1001) – MOAB.
Berlanga, Maria Sueli e Biagioni, Ângela – Dossiê - Grupo de Mulheres de Eldorado
– Breve Resumo Histórico – Eldorado-SP – julho de 1996.
Berlanga, Maria Sueli e Biagioni, Ângela – Dossiê – Organização das Comunidades
Negras do Vale do Ribeira – Breve Resumo Histórico – Eldorado-SP – julho de 1996.
Relatórios
Relatório Audiência Pública – Projeto: Hidrelétrica Tijuco Alto – (MOAB) – Cerro
Azul – PR, janeiro de 1994.
CESPAproveitamento e Usos Múltiplos dos Recursos hídricos do Vale do Ribeira
– Relatório CESP ao COSEMA – Março de 1997.
Secretaria de Recursos hídricos, Saneamento e Obras – Departamento de Águas e
Energia Elétrica – Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape – Plano de Ação para
o controle das inundações e diretrizes para o desenvolvimento do Vale – outubro de
1998.
Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – Usina Hidrelétrica Tijuco Alto –
Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) - Estudo Socioeconômico – socióloga
Maria Aparecida de Carvalho/ Antropóloga Sonia da Silva Lorenz; Estudo Patrimônio
Histórico Cultural – sociólogo Carlos Eduardo Caldarelli – São Paulo, 2005.
167
Relatório da visita realizada nos municípios de Ribeira-SP e Adrianópolis-PR
(MOAB) – 21 e 22 de junho de 2005.
Relatório da Reunião da Coordenação da “Equipe de Articulação e Assessoria as
comunidades negras do Vale do Ribeira” – Registro-SP – agosto de 2005.
Relatório Audiência Pública do CBH-VR – (MOAB) – Hotel Valle Sul, Registro, 27
de agosto de 2005.
Companhia Brasileira de Alumínio (CBA)Relatório de Aproveitamento e Usos
Múltiplos da Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape s/d.
168
Bibliografia:
ANDRADE, Tânia, PEREIRA. 2000. Carlos Alberto Claro, ANDRADE, Márcia Regina
de Oliveira. Negro do Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2ª edição
– São Paulo: ITESP: Páginas & Letras – Editora Gráfica (Cadernos ITESP, 3).
BALANDIER, Georges. 1982. O Poder em Cena. Tradução de Luiz Tupy Caldas de
Moura. Brasília – Editora Universidade de Brasília – Coleção Pensamento Potico.
BANDEIRA, Maria de Lourdes. 1988. Território Negro em Espaço Branco. São Paulo:
Brasiliense.
BASTIDE, Roger. 1974. As Américas negras: as civilizações africanas no Novo Mundo.
São Paulo: DIFEL/EDUSP.
BERMANN, Célio. 2001. Energia no Brasil: para que? Para quem? Crise e alternativas
para um país sustentável. – São Paulo: Livraria da Física: FASE.
CARNEIRO, Edison. 1988. O quilombo de Palmares.o Paulo: Editora Nacional,
Brasiliana; v. 302.
CARRIL, Lourdes de Fátima Bezerra. 1995. Terras de negros no Vale do Ribeira:
territorialidade e resistênciaDissertação de mestrado – Universidade de São Paulo
Faculdade de Ciências Humanas – Departamento de História. São Paulo.
CARVALHO, José Jorge de (ORG.). 1995. O quilombo do Rio das Rãs: histórias,
tradições e lutas. Organizado por José Jorge de Carvalho, Silvia Zambrottiria e
Adolfo Neves de Oliveira Jr. – Salvador: EDUFBA.
_________________________________. 1997. “Quilombos: símbolos da luta pela terra
e pela liberdade”. Cultua Vozes. Nº 5, setembro/outubro.
169
CAVALCANTE, José Luiz. 2005. A Lei de Terras de 1850 e a Reafirmação do Poder
Básico do Estado sobre a Terra. Artigos dos colaboradores do Arquivo Histórico do
Estado de São Paulo.
DOIMO, Ana Maria. 1995. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação
política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Duma: ANPOCS.
DURHAN, Eunice. 1984. Movimentos Sociais: a construção da cidadania. In: Novos
Estudos CEBRAP, n. 10.
FIABANI, Adelmir. 2005. Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão às
comunidades remanescentes (1532-2004). Primeira edição. São Paulo: Expressão
Popular.
FONSECA, Dagoberto José. 2000. Negros Corpos (I) Maculados: Mulher, Catolicismo e
Testemunho – Tese de Doutoramento – Pontifica Universidade Católica (PUC) – São
Paulo.
_______________________. 2006. A Terra e os desterrados: o negro em movimento
(MIMEO).
FREITAS, Décio. 1982. O escravismo brasileiro. Segunda edição. Porto Alegre,
Mercado Aberto.
FREYRE, Gilberto. 1998. Sobrados e mucambos: introdução à história da sociedade
patriarcal no Brasil. 10ª edição. Rio de Janeiro: Recorde.
GOMES, Flávio dos Santos. 1996. Ainda sobre os quilombos: repensando a construção
de símbolos de identidade étnica no Brasil. In REIS, Elisa, ALMEIDA, Maria Hermínia
Tavares, e FRY, Peter (Orgs.). Política e Cultura – Visões do passado e perspectivas
contemporâneas, HUCITEC, São Paulo.
170
GORENDER, Jacob. 1978. O escravismo colonial. 6ª edição. São Paulo: Ática.
_________________. 1991. A Escravidão Reabilitada. 2ª edição. São Paulo: Ática.
GOULART, José Alípio. 1972. Da fuga ao suicídio: aspectos da rebeldia dos
escravizados no Brasil. Rio de Janeiro: Conquista/MEC.
LEITE, Ilka Boaventura. 2002. O legado do testamento: a comunidade da Casca em
perícia. Florianópolis: NUER/UFSC.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. 1999. A ideologia Alemã (Feurbach), 11ª edição,
Editora Hucitec, São Paulo.
MOURA, Clóvis. 1988. Rebeliões da senzala, 4ª edição, Mercado Aberto, Porto Alegre.
O’DWYER, Eliane Canarino (Org.). 2002. Quilombo: identidade étnica e
territorialidade. Rio de Janeiro. EDFGV.
PAOLIELLO, Renata Medeiros. 1999. As Tramas da Herança: da reprodução
camponesa às atualizações dos sentidos da transmissão da terra. São Paulo.
FFLCH/USP, pp. 500, tese de doutoramento em antropologia social.
___________________________. 2006. Direito à terra entre remanescentes de
Quilombos no Vale do Ribeira de Iguape: dinâmicas territoriais e sociais em face de
políticas ambientais e projetos de barragens. In: 1º Encontro da Rede Rural, 2006,
Niterói-RJ. CD Rom do 1º Encontro da Rede de Estudos Rurais. Niterói-RJ:
Universidade Federal Fluminense, v. 1.
QUEIROZ, Renato S. 1983. Caipiras negros no Vale do Ribeira: um estudo de
Antropologia econômica – Dissertação de mestrado – FFLCH/USP.
171
RAMOS, Arthur. 1988. O negro brasileiro: etnografia religiosa e psicanálise; 2ª edição
prefácio de René Ribeiro. – Recife: FUNDAJ, Editora Massangana.
RODRIGUES, Nina. 1976. Os Africanos no Brasil; revisão e prefácio de Homero Pires;
notas bibliográficas de Fernando Sales. 4ª edição. São Paulo, Editora Nacional; Brasília,
INL, (Brasiliana, v. 9).
ROMÃO, Devancyr A. 2006. (Org.). Vale do Ribeira: um ensaio para o
desenvolvimento das comunidades rurais / – Brasília: Ministério do Desenvolvimento
Agrário, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. – (NEAD Debate ; 11) -
212 p. ; 16 x 23 cm. Vários autores.
SHERER-WARREN, Ilse. 1987. Movimentos sociais: um ensaio de interpretação
sociológica. Florianópolis: Editora da UFSC, – 2ª edição.
____________________________. 1999. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na
era da Globalização/ Ilse Scherer-Warren. – São Paulo: Hucitec.
____________________________. 2002. Transformações sociais e dilemas da
globalização: um diálogo Brasil/Portugual/ Ilse Sherer-Warren, José Maria Carvalho
Ferreira, (orgs.) –o Paulo: Cortez.
____________________________. 2005. Redes de Movimentos Sociais. Edições
Loyola, 3ª ed. São Paulo,
____________________________. 2006. Das mobilizações às redes de Movimentos
Sociais Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr.
172
SIGAUD, Lygia. 1992. O efeito das tecnologias sobre as comunidades rurais: o caso
das grandes barragens. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 18, ano 7, fevereiro,
Dumará.
TOURAINE, Alain. 1994. Crítica da Modernidade/Alain Touraine; tradução Elia
Ferreira Edel. – Petrópolis, RJ: Vozes.
VASCONCELOS, Eliane J. Godoy de. & KRISCHKE, Paulo J. 1984. Igreja,
Motivações e Organização dos Moradores em Loteamentos Clandestinos. In Terra de
habitação versus terra de espoliação – Paulo J. Krischke (Org.). São Paulo: Cortez.
WONGTSCHOWSKI, Mariana. 2002. Síntese de tese de mestrado - Wageningen
University, Holanda, – Curso (Maks – Management of Agricultural Knoledge Systems
Original em inglês.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo