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Patrícia Aparecida Baumgratz de Paula
ACESSO AOS MEDICAMENTOS: direito ou privilégio?
Juiz de Fora
2008
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Patrícia Aparecida Baumgratz de Paula
ACESSO AOS MEDICAMENTOS: direito ou privilégio?
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação
em Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social,
Universidade Federal de Juiz de Fora,
área de concentração Políticas Sociais e Gestão Pública,
como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Drª. Auta Iselina Stephan de Souza.
Juiz de Fora
2008
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Patrícia Aparecida Baumgratz de Paula
ACESSO AOS MEDICAMENTOS: direito ou privilégio?
Dissertação de conclusão de curso submetida à Faculdade de
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Serviço Social e aprovada pela seguinte banca
examinadora:
Profª.Drª. Auta Iselina Stephan de Souza (Orientadora)
Universidade Federal de Juiz de Fora
Profª. Drª. Vera Lúcia Luíza
Escola Nacional de Saúde Pública
Profª. Drª. Rita de Cássia Alves Pádula Vieira
Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof.Dr. José Augusto Barros
Universidade Federal de Juiz de Fora
Juiz de Fora
28/03/2008
Dedico este trabalho aos profissionais de
saúde, que com respeito e ética constroem uma
saúde pública de qualidade para os cidadãos
brasileiros.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Pedro e Nadyr e ao Leandro por tudo que fizeram para que este sonho fosse
realizado.
À minha irmã de coração Júlia Francisca da Silva, pelo carinho.
À prima-irmã Leila Baumgratz Delgado Yacoub, pela amizade, carinho e apoio.
Às tias Naura e Norma Baumgratz Delgado e à prima Raquel Baumgratz Delgado, pelo
carinho e incentivo.
À minha orientadora e amiga Auta Iselina Stephan de Souza, pela tranqüilidade, dedicação e
ética com que conduziu nosso trabalho. Agradeço também, por estar presente no início da
minha caminhada, a partir da especialização em Saúde Coletiva, introduzindo-me nas
discussões dessa área.
À Rita de Cássia Pádula Vieira, minha co-orientadora e amiga, pelo carinho, disponibilidade e
opinião. Agradeço também, por me ensinar que é possível exercer a nossa profissão com
dignidade e ética.
À Professora Doutora Vera Lúcia Luíza, pela ajuda e disponibilidade.
Ao Professor Doutor José Cabral de Barros, pelas leituras e sugestões.
À Denise Barbosa de Castro, enfermeira, pela ajuda e receptividade.
À Regina Fagundes, assistente social, pelo carinho e colaboração.
À minha cunhada, Vera Lúcia Kepler de Oliveira, pelo carinho, dedicação e correção
gramatical da língua inglesa.
Aos professores do mestrado em Serviço Social pelo carinho, ajuda e receptividade.
Às colegas de trabalho Isaura, Dodora e Moniquinha pelo carinho e ajuda.
À Celma Regina Pinto, Celmi, que com carinho e dedicação, cuida de minha família.
A todos que acreditaram em mim.
Enquanto qualquer do povo, pelo só fato de ser
cidadão, não puder receber adequada
assistência em saúde quando dela necessite o
sistema de saúde não terá cumprido o seu
papel e o Estado continuará devedor da
Sociedade.
CARVALHO E SANTOS
RESUMO
O presente trabalho enfatiza a questão do acesso aos medicamentos visto como direito social
assegurado na constituição do Sistema Único de Saúde. Para tanto, abordar-se-á o processo de
medicalização vivenciado pela sociedade brasileira contemporânea, bem como, a política
nacional de medicamentos e seus entraves. Também irá se buscar a apreensão da categoria
acesso aos medicamentos, a partir das dimensões do acesso aos serviços de saúde. Todas estas
categorias consideradas indissociáveis na busca pelo acesso universal e eqüinâme aos
medicamentos. Nessa perspectiva, a partir da pesquisa qualitativa, foram realizados grupos
focais com os usuários das unidades básicas de saúde (UBS) de Juiz de Fora – Minas Gerais,
para buscar compreender o entendimento da problemática inerente ao acesso aos
medicamentos como direito social, isto é, se esses usuários sentem-se como portadores de
direitos ou como privilegiados ao obterem tal acesso. Esse estudo indicou que a maioria dos
usuários das UBS não se considera como portadores de direitos, mostrando que o acesso aos
medicamentos como direito social garantido constitucionalmente está longe de ser efetivado
no cotidiano do serviço público de saúde brasileiro na contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: medicalização; política nacional de medicamentos; acesso aos
serviços de saúde; acesso aos medicamentos e direitos sociais.
ABSTRACT
The present work emphasizes the question of access to medicine as a social right assured by
the constitution of Health Public System. For that, it has been approached the process of
medicalization experienced by the Brazilian society nowadays, as well as, the national
medicines politics and its obstacles. It is also aimed to search for the apprehension of the
access category to medicines, from the access dimension to the health services. All these
categories considered inseparable in the search for universal and equanimous access to
medicines. In this perspective, from the qualitative research, it has been realized foccuss
groups with the users of the health basic unities (HBU) from the Juiz de Fora – Minas Gerais,
to look forward to comprehend the understanding of the problematic inherent to access to
medicines as a social right, that is, if these users feel themselves as porters of rights or as
priviledged ones to obtain this access. This study has indicated that the majority of the HBU
users do not consider themselves as porters of the rights, showing that access to medicines as
a social right assured constitutionally is far from being daily effected in the Brazilian public
health service in the contemporaneity.
KEYS-WORDS: medicalization; national medicines politics; access to health services;
access to medicines and social rights.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Tabela das unidades básicas de saúde (UBS) de Juiz de Fora (JF) ------------------ 56.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 1
2 MEDICALIZAÇÃO DA SAÚDE ----------------------------------------------------------- 7
3 POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS ---------------------------------------- 15
4 ACESSO AOS MEDICAMENTOS ----------------------------------------------------------- 26
4.1 Acesso aos serviços de saúde --------------------------------------------------------------------- 26
4.2 Acesso aos medicamentos ------------------------------------------------------------------------ 38
4.3 Acesso aos medicamentos como direito social ------------------------------------------------- 44
5 OBJETIVOS -------------------------------------------------------------------------------------- 51
5.1 Objetivo geral --------------------------------------------------------------------------------------- 51
5.2 Objetivo específico -------------------------------------------------------------------------------- 51
6 PERCURSO METODOLÓGICO ------------------------------------------------------------ 51
6.1 As unidades básicas de saúde --------------------------------------------------------------------- 51
6.2 Coleta de dados ------------------------------------------------------------------------------------- 54
6.3 Ambientes em que a pesquisa foi desenvolvida ------------------------------------------------ 55
7 ANÁLISES DOS DADOS/ DISCUSSÃO --------------------------------------------------- 61
7.1 Significação das doenças ------------------------------------------------------------------------- 61
7.2 Poder médico --------------------------------------------------------------------------------------- 66
7.3 Concepção do medicamento -------------------------------------------------------------------- 68
7.4 Visão do acesso aos medicamentos ------------------------------------------------------------- 71
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------------ 88
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------------- 91
1 INTRODUÇÃO
O direito à saúde, um dos direitos humanos fundamentais, foi efetivamente reconhecido
com o surgimento do Estado de Bem Estar Social
1
nos países centrais, manifestando o caráter
coletivo que as relações sociais foram assumindo na sociedade contemporânea. Nesse modelo
de estado, a cidadania encontra-se relacionada à justiça social, devendo o Estado garantir
condições de igualdade a fim de corrigir as distorções sócio-econômicas e políticas.
No Brasil, essa noção de direito chegou tardiamente, tendo início com a Constituição
Federal de 1988, período em que ocorreu a crise do Estado Keynesiano nos países centrais.
Segundo Bahia (2006), o Sistema Único de Saúde (SUS) foi pensado na “contracorrente da
crise do Welfare State”. Esse período de instabilidade econômica proporcionou o esgotamento
de um ciclo da economia capitalista, gerando uma baixa na arrecadação de recursos pelo
Estado e a redução dos investimentos nas políticas sociais. Tal situação, entre outros fatores,
dificultou a implementação do SUS no país, uma vez que o Estado, sendo o principal
financiador deste sistema, não conseguia mais atender às necessidades crescentes da demanda.
Apesar da problemática inerente ao momento do surgimento do SUS, este representou
um avanço no campo da saúde brasileira. Por meio dele, os usuários dos serviços públicos de
saúde passaram a ser reconhecidos como sujeitos portadores de direitos. Anteriormente a esse,
o acesso à saúde era caracterizado pela benesse e pelas relações contratuais, isto é,
estabelecida por meio da contribuição à previdência social, situação que caracteriza o que
Santos (1994) denomina de “cidadania regulada”. Nessa perspectiva, os direitos sociais
relacionavam-se apenas à forma institucional, não se vinculando aos ideais de justiça social.
Estes foram apresentados à sociedade como benefícios, associados a contratos, restritos a
profissões. Logo, o empenho das demandas não se caracterizava por uma luta por direitos,
mas por privilégios. Essa situação propiciava a cidadania incompleta, condição em que os
indivíduos estão submetidos em uma sociedade, onde estes não conseguem se expressar como
sujeitos sociais, ou “cidadania de baixa intensidade”, Bahia (2006).
Na contemporaneidade, a política neoliberal
2
, ao preconizar a cidadania como algo
legitimado e vinculado ao direito mínimo, aponta para a satisfação mínima das necessidades
1
Estado de Bem Estar Social (Welfare State, Estado Keynesiano): caracterizava-se por tentar conciliar
democracia e capitalismo. O Estado atuava como protetor e interventor em todas as áreas da sociedade.
2
Política neoliberal: foi implementada nas décadas finais XX em vigor, na América Latina. Tinha como
objetivos principais: a privatização do setor público, a redução do papel do Estado, a liberação comercial e o
desmonte de políticas públicas estratégicas. Nessa perspectiva, privilegiava a eficiência econômica e o aumento
básicas da população. Ela também aborda a igualdade e a diferença fundamentadas no
mínimo, proposto através de arranjos sociais com a finalidade de proporcionar um equilíbrio
da situação, não ameaçando a coesão social. Nessa perspectiva, a diferença se afirma como
um meio de se obter privilégios e de gerar mais desigualdades.
Essa política também faz referência à inclusão, associando-a ao acesso ao consumo,
estimulando a competitividade e o individualismo nas relações sociais em detrimento do
caráter coletivo. No campo da saúde, tal processo pode ser evidenciado pela medicalização e
pelo acesso desigual aos serviços de saúde e aos medicamentos, entraves à consolidação do
SUS. Tal situação aponta para a destituição do direito à saúde atinente aos usuários, como
cidadãos brasileiros. Compreende-se que a concepção de cidadania que está sendo construída
na sociedade contemporânea é despolitizada, ela reafirma práticas passadas de privilégios, de
assistencialismo, de troca de favores e de ações focalizadas, contrariando a noção de
cidadania proposta por Marshall (1977) com enfoque na igualdade.
Como aponta Telles (1999), a discussão dos direitos sociais deve ser fundamentada nas
contradições vivenciadas pelo Brasil e pelo mundo contemporâneo. Ela se torna de extrema
importância numa sociedade como a brasileira, marcada por desigualdades e influenciada pela
política neoliberal, que propõe uma redução do papel do Estado em relação às políticas
sociais, colocando a população em uma situação de não pertencimento à questão pública.
Nesse contexto se discutirá, neste trabalho, o acesso aos medicamentos no Brasil, como
um dos componentes para se fazer valer o direito à saúde assegurado na constituição do
sistema de saúde brasileiro. Entende-se que a garantia do acesso universal e equinâme aos
medicamentos seja a expressão concreta do exercício da cidadania, construída em um espaço
aberto, como a área de saúde, fruto de lutas coletivas.
No primeiro capítulo, será abordada a medicalização da saúde brasileira e a inter-relação
desta com a questão dos medicamentos e do acesso a eles, ou seja, como o uso excessivo das
tecnologias e dos medicamentos pode influenciar na desigualdade de acesso. No segundo
capítulo, dar-se-á ênfase à política nacional de medicamentos, mostrando como esta pode
atuar no sentido de minimizar o processo de medicalização que a sociedade brasileira
contemporânea vivencia, favorecendo o acesso igualitário aos medicamentos dos usuários do
SUS. No terceiro capítulo, discutir-se-á o acesso aos medicamentos. Irá se buscar, num
primeiro momento, o entendimento do acesso aos serviços de saúde, o que é de suma
importância para a discussão do acesso aos medicamentos, por permitir avaliar como as
da produtividade em benefício dos países desenvolvidos, ampliando a dependência para com os países centrais e
proporcionando taxas de desemprego e a precarização dos serviços essenciais.
dimensões do acesso aos serviços de saúde podem influenciar no acesso a tais produtos,
sobretudo enfatizando o acesso a estes na saúde brasileira como uma questão de direito social.
Este estudo é justificado pelo fato de que, no Brasil contemporâneo, o acesso aos
serviços de saúde e aos medicamentos tem sido objeto de estudos que apontam os limites da
operacionalidade da política do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente no tocante aos
recursos restritos pelo financiamento. Essa política é influenciada por fatores econômicos
referenciados no neoliberalismo, fundado nas leis de mercado, propondo políticas públicas
com características reducionistas e focalizadas. Portanto, a competência do Estado,
estabelecida constitucionalmente, de garantir o acesso universal aos bens e serviços públicos
transforma-se em atendimento mínimo frente às necessidades básicas trazidas pela população.
A expressão maior dessa questão no setor de saúde pode ser evidenciada, por um lado,
pelo não acesso a um atendimento médico-assistencial, incluindo os medicamentos e, por
outro, pelo processo de medicalização que a sociedade brasileira vem vivenciando. Illich
(1975) foi um dos primeiros teóricos a utilizar esse conceito para descrever a invasão da
medicina e do aparato tecnológico na vida das pessoas, ao longo do tempo. Nessa perspectiva,
as etapas da vida individual de uma população passam a ser alvo de cuidados e estratégias
intervencionistas específicas, independente da existência concreta de sinais ou sintomas
patológicos.
Esse processo fundamenta-se no modelo biomédico, que propõe uma visão mecânica do
corpo humano, reduzindo-o a um amontoado de partes e sugerindo a interpretação da doença
com base na correlação de causa-efeito, sem levar em consideração os demais fatores
inerentes ao processo de adoecimento. A medicalização, ao estimular o uso de novas
tecnologias, transforma a saúde em mercadoria passível de ser consumida pela população.
Portanto, contribui para atender à necessidade da população consumidora de bens e serviços
de saúde, visando aos interesses do mercado, sem levar em conta os excessos alimentados
pela indução da compra e do uso exagerados dos bens e dos serviços. Nesse contexto, os
usuários dos serviços de saúde são vistos como potenciais consumidores de bens e serviços de
saúde e não como cidadãos portadores de direitos. Tal fato contribui para que a efetivação do
direito à saúde, enquanto direito social alicerçado na igualdade, torne-se ameaçada. Isto é, o
direito à saúde, passa a ser interpretado tomando como base critérios de exclusão, propiciando
a reposição de privilégios e comprometendo a consolidação do SUS.
De acordo com a experiência vivenciada no cotidiano profissional na Farmácia de uma
Unidade Básica de Saúde (UBS) de um município mineiro com aproximadamente 17 mil
habitantes, foi possível à pesquisadora comprovar as dificuldades inerentes à obtenção de
medicamentos. Tal situação conduziu a uma reflexão sobre essa questão no Brasil, definindo-
a como objeto de estudo, ao se considerar que esses problemas podem estar reproduzidos em
outros espaços com algumas características diferenciadas do município vivenciado.
A opção pelo programa de hipertensão arterial e diabetes mellitus deve-se ao perfil da
morbi-mortalidade ocupado por estas doenças no mundo e no Brasil, acrescido do elevado
custo médico-social que ambas apresentam. São doenças que levam a altas taxas de óbito, de
internações e de aposentadorias precoces. Elas também podem gerar outras complicações
conjugadas, como o acidente vascular cerebral (AVC), as doenças renais crônicas (DRC) e as
doenças cardiovasculares (DCV), que representam 31% do total de óbitos provenientes de
causas conhecidas no país (BRASIL, 2005). Nessa perspectiva, o problema do acesso ao
medicamentos reveste-se de extrema relevância, para a efetivação do SUS, pois a situação
mundial, no tocante ao acesso aos medicamentos essenciais, mostra que 1,7 bilhões de
pessoas não têm acesso regular a esses insumos, sendo que 80% destas residem nos países
pobres. (BRASIL, 2006 b).
Quando se leva em consideração a hipertensão arterial e o diabetes mellitus, esta
problemática agrava-se. De acordo com a estimativa do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006
a), dos 16,8 milhões de brasileiros que sofrem de hipertensão arterial, somente 7,7 milhões
estão cadastrados no SUS. Em relação ao diabetes, de aproximadamente 5 milhões portadores
desta doença, 2,6 milhões são pacientes do SUS. Logo, o acesso aos medicamentos usados
para tratar tais enfermidades fica comprometido, uma vez que, em muitos casos, apesar de
estar garantido constitucionalmente, nem todos os pacientes têm esse acesso viabilizado.
Além disso, essas doenças fazem parte do Plano de Reorganização da Atenção à
Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus (PRAHADM), criado em 2001 pelo Ministério da
Saúde (MS). Esse plano tem como finalidade principal o tratamento e o acompanhamento dos
usuários das UBS do SUS, feitos por meio de um sistema de cadastro informatizado,
disponibilizado pelo DATASUS, denominado Cadastro e Acompanhamento de Hipertensos
e/ou Diabéticos – Hiperdia, sistema integrado ao Cartão Nacional de Saúde (CNS). O
Hiperdia propicia as informações necessárias em relação à aquisição, à dispensação e à
distribuição dos medicamentos usados para o tratamento da hipertensão arterial e do diabetes
mellitus, de modo regular e sistemático aos usuários das UBS cadastrados.
Dentro desse plano, foi lançado em 2002, o Programa Nacional de Assistência
Farmacêutica para hipertensão arterial e o diabetes mellitus, que discorria sobre a
organização, a assistência, a prevenção, a promoção à saúde, a vinculação dos usuários à rede
básica de saúde do SUS e sobre a implementação de programas de educação permanente em
hipertensão arterial e em diabetes mellitus, e para os demais fatores de risco para a DCV.
Um dos objetivos desse programa consiste no repasse dos medicamentos aos portadores
de hipertensão arterial e de diabetes mellitus. Logo, este estudo considera importante analisar
as dificuldades encontradas pelos usuários das UBS em relação ao acesso a tais insumos.
Os medicamentos utilizados para o tratamento da hipertensão arterial e da diabetes
mellitus distribuídos pelo SUS, são: Captopril 25 mg, Hidroclorotiazida 25 mg e Cloridrato de
Propanolol 40 mg (anti-hipertensivos); Insulina NPH-100, Glibenclamida 5 mg e Metformina
850 mg (diabetes). O processo de aquisição e de envio desses insumos para as UBS é baseado
na estimativa dessas doenças, bem como no esquema terapêutico proposto. Tal política foi
adotada com vistas à complementação da estratégia já existente de Incentivo à Assistência
Farmacêutica e seu financiamento baseia-se no repasse fundo a fundo dos recursos financeiros
somados ao Piso de Atenção Básica (PAB), pós pactuação tripartite, para a aquisição de
medicamentos para a atenção básica feita pelo gestor municipal. Além disso, pode ocorrer o
envio de medicamentos por meio da Farmácia Popular, consistindo de uma cesta de tais
produtos destinados às áreas atendidas pelo Programa de Saúde da Família (PSF)
(CACHOEIRA, 2003.).
No município de Juiz de Fora, a implantação do hiperdia ocorreu em março de 2003,
sendo vinculada ao Serviço de Controle da Hipertensão Arterial, do Diabetes Mellitus e da
Obesidade (SCHDO), da Secretaria Municipal de Saúde, Saneamento e de Desenvolvimento
Ambiental (SSSDA). Nesta cidade, existem aproximadamente 33.000 pacientes cadastrados
pelo hiperdia no ano de 2006, devendo-se acrescentar a este total 25% dos portadores, que são
da iniciativa privada (JUIZ DE FORA, 2006). Para receber os medicamentos do programa
hiperdia, os pacientes devem estar cadastrados junto ao Sistema de Informação da
Hipertensão e Diabetes (SISHIPERDIA). Em relação aos critérios de provisão e de
dispensação dos medicamentos, a coordenadoria do SCHDO recebe das UBS uma planilha
com a quantidade necessária de medicamentos para o atendimento dos usuários, faz uma
análise dessa listagem e realiza a confecção do pedido para o almoxarifado. Em julho de
2007, o SCHDO recebeu a seguinte quantidade de medicamentos do hiperdia: Captopril 25
mg, 250.000 comprimidos; Hidroclorotiazida 25 mg, 35.000 comprimidos; Cloridrato de
Propanolol 40 mg, 64.000 comprimidos; Metformina 850 mg, 60.000 comprimidos;
Glibenclamida 5 mg, 28.000 comprimidos; e Insulina NPH, 42.000 frascos. Esses
medicamentos são recebidos pelo almoxarifado para posterior distribuição (JUIZ DE FORA,
2007 a). Entretanto, a provisão dos medicamentos torna-se dificultada por vários fatores
dentre eles, cita-se a demora no prazo de entrega destes insumos pelo Ministério da Saúde e
pela Secretaria Estadual de Saúde, proporcionando dificuldades na obtenção dos
medicamentos essenciais em Juiz de Fora.
Portanto, a relevância deste estudo está na análise da percepção dos usuários sobre o
acesso aos medicamentos. Pergunta-se: de que modo ocorre o acesso aos medicamentos para
o tratamento da hipertensão arterial e do diabetes melittus?; como os usuários do SUS,
hipertensos e diabéticos, percebem e compreendem o acesso aos medicamentos?; o que levou
esses usuários a se cadastrarem no hiperdia?; as suas necessidades em relação a esses insumos
estão sendo satisfeitas?; o que representa para os usuários a possibilidade de recebê-los?; qual
a postura dos usuários quando há falta desses produtos? ; a quem eles recorrem quando são
excluídos desse acesso?. Nesse sentido, acredita-se que o entendimento da categoria “acesso
aos medicamentos” propiciará compreender o usuário como um cidadão portador de direitos e
não como um simples cliente dos serviços de saúde.
2 MEDICALIZAÇÃO DA SAÚDE
Há três décadas, Illich (1975) no clássico “A expropriação da saúde: nêmesis da
medicina” criticou a medicina moderna e os fatores políticos, econômicos, sociais e culturais
que a influenciavam. Para tanto, o autor fez uso do termo medicalização para descrever a
dominação da medicina e de suas referências tecnológicas, dominação que abrangeu um
grande número de pessoas e de condições e que vai se tornando mais elaborada ao longo do
tempo. Por conseguinte, as esferas da vida individual ou as suas fases (recém nascidos,
crianças, mulheres gestantes ou que chegaram à menopausa e idosos) passam a ser alvo de
cuidados e de interferências estratégicas e específicas, independente da existência concreta
dos fatores causadores da doença.
Na expressão de Illich (1975, p.10):
[...] a medicalização da vida é malsã por três motivos: primeiro, a
intervenção técnica no organismo, acima de determinado nível, retira dos
pacientes características comumente designadas pela palavra saúde;
segundo, a organização necessária para sustentar essa intervenção
transforma-se em máscara sanitária de uma sociedade destrutiva, e terceiro,
o aparelho biomédico do sistema industrial, ao tomar a seu cargo o
indivíduo, tira-lhe todo o poder de cidadão para controlar politicamente tal
sistema. A medicina passa a ser uma oficina de reparos e manutenção,
destinada a conservar em funcionamento o homem usado como produto não
humano. Ele próprio deve solicitar o consumo da medicina para poder
continuar se fazendo explorado.
Boltanski (1979) em “As classes sociais e o corpo” também contribui para o
entendimento do processo de medicalização, ao abordar a relação estabelecida entre o médico,
o paciente e a distância social, enfatizando a submissão dos pacientes das classes populares ao
conhecimento médico.
Conforme Boltanski (1979, p. 37):
[...] como o médico atualmente é ao mesmo tempo o principal agente de
difusão dos conhecimentos médicos e aquele que – ao afirmar a legitimidade
de seus atos e discursos – limita sua reprodução, a relação que os membros
das classes populares mantêm com o universo estranho da doença e da
medicina aparece totalmente na relação com o médico, como único
representante da ciência legítima que eles amiúde podem freqüentar.
A medicalização fundamenta-se no modelo biomédico, que propõe uma visão mecânica
do corpo humano, apresentando-o como um amontoado de partes. Esse modelo sugere que a
interpretação da doença seja baseada na correlação de causa-efeito, sem levar em
consideração os fatores políticos, sociais, econômicos e ambientais inerentes a esse processo.
Afirma Marques (2005, p.43):
[...] considera-se a saúde como conseqüência direta e imediata das condições
gerais de vida e trabalho e um resultado do padrão de organização da infra-
estrutura básica de serviços a ela destinada, ou seja, serviços médicos
voltados aos indivíduos e serviços de saúde pública voltados às coletividades
e ao meio ambiente.
Todavia, a saúde vista somente como sendo a ausência de doenças é fruto de uma
concepção reducionista que coloca a doença como algo inevitável, fatal. Logo, a solução para
evitá-la e obter a sáude, é a utilização excessiva de tecnologias e de medicamentos. Nessa
perspectiva, o processo saúde/doença é trabalhado levando-se em conta somente seus aspectos
técnicos, científicos e biológicos em detrimento do caráter social.
[...] é provável que a expressão mais acabada das distorções e conseqüências
concretas do modelo biomédico, reducionista, de abordagem da saúde e da
doença na vida dos indivíduos resida no que se convencionou designar como
medicalização
(BARROS, 2004, p. 50).
Nesse sentido, entende-se que a medicalização contribui para reforçar a legitimidade do
conhecimento médico e, conseqüentemente, do controle social que a medicina moderna
exerce sobre os corpos. Alguns autores denominam esse processo de medicalização social.
Segundo Tesser (2006, p. 62), “[...] o processo de medicalização social pode ser visto
como a expansão progressiva do campo de intervenção da biomedicina por meio da
redefinição de experiências e comportamentos humanos como se fossem problemas médicos”.
Portanto, a medicalização da saúde consiste em práticas que proporcionam o aumento da
utilização dos medicamentos e dos equipamentos em detrimento das ações preventivas em
saúde. Esta, ao estimular o uso de novas tecnologias, transforma a saúde em um bem a ser
consumido pela população. Nessa perspectiva, a saúde como mercadoria é entendida a partir
do pensamento marxista.
[...] t
odas as sociedades humanas têm de produzir suas próprias condições
materiais de existência. A mercadoria é a forma que os produtos tomam
quando essa produção é organizada por meio da troca. Nesse sistema, uma
vez criados, os produtos são de propriedade de agentes particulares que têm
o poder de dispor deles transferindo-os a outros agentes. Os agentes que são
donos de produtos diferentes confrontam-se num processo de barganha pelo
qual trocam seus produtos. Nesse processo, uma quantidade definida de um
produto troca de lugar com uma quantidade definida de outro. A mercadoria
tem, portanto, duas características: pode satisfazer a alguma necessidade
humana, isto é, tem aquilo que Adam Smith chamou de VALOR DE USO; e
pode obter outras mercadorias em troca, poder de permutabilidade que Marx
chamou de VALOR. Como as mercadorias são trocadas umas pelas outras
em proporções quantitativas definidas, pode-se considerar que cada
mercadoria tem um certo valor. Toda a massa de mercadorias produzida num
período pode ser vista como uma massa homogênea de valor, embora, vista
de outro ângulo, seja uma coleção heterogênea de valores de uso diferentes e
incomparáveis. Como valores, as mercadorias são qualitativamente iguais e
só diferem quantitativamente no montante de valor que encerram. Como
valores de uso, as mercadorias são qualitativamente diferentes, já que cada
produto é específico e não pode ser comparado a outro. (
BOTTOMORE,
2001, p. 265, 266)
Na contemporaneidade, a saúde configura-se como mercadoria porque os
medicamentos, uma outra mercadoria, podem tornar-se instrumentos úteis na busca pela
saúde. “A Saúde aparece, hegemonicamente, na prática, como uma mercadoria. Ou melhor,
ela toma a forma, no modo de produção capitalista e em nosso país, de mercadorias
propiciadoras de saúde [...]”. (LEFÉVRE, 1991, p.20). Todavia, os medicamentos,
substâncias terapêuticas, podem propiciar o restabelecimento da saúde quando utilizados de
modo adequado. Nesse sentido, eles funcionam como um bem social a serviço de uma
coletividade. Esse entendimento em relação aos medicamentos torna-se ameaçado pelo
processo de medicalização vigente na sociedade.
Desse modo, a medicalização contribuiu para atender a necessidade da população
consumidora de bens e serviços de saúde, visando aos interesses do mercado, sem levar em
conta os excessos alimentados pela indução da compra e do uso exagerados destes bens e
serviços.
Para Barros (2002, p.7):
[...] essa intromissão desmesurada da tecnologia médica passa a considerar
como doença problemas os mais diversos (situações fisiológicas, problemas
cuja determinação são, em última análise, fundamentalmente, de natureza
econômico-social), como tal demandando, para sua solução, procedimentos
médicos.
A medicalização da saúde também pode ser compreendida como o aumento exagerado
dos procedimentos em saúde, utilizando para este fim a tecnologia dura em detrimento da
tecnologia leve-dura e da leve. Como afirma Merhy (2004, p.32), “[...] entendo tecnologia
dura como os equipamentos e máquinas, leve-dura como os saberes tecnológicos clínicos e
epidemiológicos e, leve os modos relacionais de agir na produção dos atos de saúde”. A
utilização em excesso da tecnologia dura, conseqüentemente, aumenta o consumo de
medicamentos e de equipamentos de saúde.
Segundo Joncheere (1997, p.51) “[...] é importante assinalar uma crescente
‘medicalização’, ou seja, cada dia existe mais aspectos da vida diária que são classificados
como problemas médicos e assim podem ser tratados com medicamentos”.
Muitas vezes, esse processo é influenciado pela mídia e pelo mercado que induz
diretamente ou indiretamente a população a se automedicar a fim de que se possa alcançar
bons níveis de saúde. Essa procura pela saúde é proporcionada pela propaganda maciça sobre
o uso de medicamentos, favorecida pela adequação à política neoliberal de redução dos gastos
públicos, privatização e abertura incondicional às leis de mercado.
Afirma Barros (2004 p 53):
[...] não será demasiado enfatizar o papel da propaganda, em suas diversas
formas de expressão, contribuindo para reforçar a medicalização e ajudando
sobremaneira a despolitizar a compreensão do processo saúde/doença e da
sua determinação social.
Nesse sentido, a política neoliberal através da ampliação do mercado induz a população
ao uso desnecessário de medicamentos e concomitantemente reduz o investimento público,
deixando de adquirir muitos insumos considerados essenciais à melhoria da saúde e da
qualidade de vida da população. Logo, eles passam a ser vistos como um objeto de consumo,
como uma mercadoria que precisa ser consumida, sem que o usuário tenha acesso às
informações necessárias quanto aos riscos e às conseqüências do uso indiscriminado dos
medicamentos.
Na expressão de Tesser (2006, p. 66):
[...] sem matriz cultural ou conhecimento que propiciem outra saída, os
pacientes aprendem a conceber sua própria dor ou adoecimento como fato
clínico objetivo, que pode ser submetido a tratamento “estandardizado”.
Cresce, assim, um processo cíclico em que o indivíduo aprende a se ver
como consumidor de anestesias, sintomáticos, quimioterápicos e cirurgias.
Por outro lado, e coerentemente, a “saúde” passa a ser encarada como
obrigação, em termos de comportamentos prescritos por profissionais da
área, screenings periódicos especializados, gestão profissionalizada e,
mesmo, quimioterápica dos riscos; uma obsessão do cidadão moderno
transformado em consumidor de especialistas, personal trainers, academias
e, mais recentemente, “estatinas”
3
.
Dentro desse contexto, inserem-se a complexa questão dos medicamentos. Conforme
Dupim e Righi (1997, p. 138):
3
Classe de fármacos industrializados, usados para reduzir os níveis de lipídios sangüíneos.
[...] a questão dos medicamentos no mundo moderno pode ser analisada
historicamente a partir do final do século passado, quando se inicia o
processo de síntese de fármacos e a opção pela alopatia em detrimento da
homeopatia.
Esse cenário propiciou o surgimento das grandes indústrias farmacêuticas e,
consequentemente, o aparecimento de uma medicina centralizada no modelo biomédico e na
saúde como sendo somente a ausência de doenças. Esses autores utilizam o termo ‘explosão
farmacológica’, a fim de demonstrar a grande oferta de produtos farmacêuticos, na metade do
século passado. Para eles, “num contexto político mais amplo passou-se a considerar a grande
oferta de produtos farmacêuticos como compensação de uma estratégia sanitária deficiente”.
Isso significa que, nesse cenário, os medicamentos são inseridos no mercado, reforçando o
processo de medicalização, em detrimento de uma política de saúde fundamentada na
universalidade e eqüidade de ações.
Machado-dos-Santos (2001, p.2) afirma que:
[...] os medicamentos são bens adquiríveis no mercado e, como tal, sujeitos à
dinâmica competitiva e aos interesses que norteiam o mesmo. Por outro lado,
também são insumos básicos e essenciais aos cuidados de saúde e, dessa
forma de interresse social, determinando um importante papel e
responsabilidade a ser desempenhado pelo poder público, visto que a ética
coletiva deve suplantar a ‘ética’ ou interesses individuais nesse setor.
Os medicamentos, insumos básicos de saúde, apresentam características bastante
peculiares que, muitas vezes, identifica-os como bens de consumo.
Na expressão de Dupim e Righi (1997, p. 139):
[...] num mercado com um fluxo ilimitado de produtos farmacêuticos, pode
ocorrer uma inadequada utilização de medicamentos e, em conseqüência, um
desperdício de recursos, riscos desnecessários e a criação de uma falsa base
para a prática médica.
Na sociedade brasileira contemporânea, os medicamentos podem apresentar-se como
agente quimioterápico, como mercadoria e como símbolo, todas estas funções consideradas
indissociáveis, principalmente quando se leva em consideração o processo de medicalização
vivenciado por esta sociedade.
[...] entender o objeto medicamento, localizando-o em regiões mais críticas
do tecido social das formações sociais capitalistas como a brasileira, o que
implica em entendê-lo como uma mercadoria, que traduz um processo de
reificação da saúde; como um agente quimioterápico, que funciona
aliviando, curando e controlando processos mórbidos ao nível do organismo
e como símbolo, que permite que a Saúde (ou mais precisamente, a Sáude
“biologizada”) esteja representada no medicamento.
LEFÈVRE (1991, P.
19).
Logo, os medicamentos passam a ocupar uma posição contraditória, ao mesmo tempo
em que, proporcionam benefícios para a saúde, também podem trazer malefícios. Para Abajo
(2001), o medicamento tanto pode ser a solução dos problemas em saúde pública, como
também constituir um problema.
Se eles forem utilizados corretamente, podem vir a impedir os gastos com futuras
internações hospitalares, trazendo uma relação custo-benefício satisfatória. Desse modo, eles
atendem aos interesses da saúde pública.
Porém, o seu uso indiscriminado e a facilidade de obtenção pelos usuários, propiciada
pela automedicação e pela ‘empurroterapia’ exercida nos balcões das farmácias e das
drogarias privadas, fazem com que os medicamentos sejam também considerados como uma
mercadoria especial e altamente lucrativa, atendendo à lógica do mercado. Essa utilização
abusiva ou pouco controlada de tais insumos pode provocar danos muitas vezes irreparáveis à
saúde de uma população, por meio de reações adversas, conduzindo a um aumento da
iatrogenia medicamentosa, entendida como a manifestação de efeitos indesejáveis surgidos
após a administração de uma dose de medicamento. Tal situação acarreta vários problemas
para a saúde pública.
Conforme Luíza (2003, p. 28):
[...] os medicamentos constituem a intervenção terapêutica mais
freqüentemente empregada e o tratamento correto e oportuno de uma série
de doenças pode prevenir internações mais caras mais adiante. Por outro
lado, o uso inadequado pode acarretar efeitos adversos e desperdício de
recursos. Tem, assim, o apelo da ‘bala mágica’, que salva vidas e alivia
incômodo. Dentre os insumos da saúde, guardam a peculiaridade de poder
ser usados pela decisão autônoma do consumidor, para quem, as razões da
eficácia são muitas vezes um mistério ou compreendidas de forma
distorcida.
Nesse cenário, o uso dos medicamentos colabora para o aumento do processo de
medicalização, pois ocorre um reforço da concepção de que o consumo possa proporcionar e
resguardar a saúde. Logo, a função de mercadoria do medicamento confunde-se com a
simbólica. Segundo Lefèvre (1991, p. 53), “[...] O medicamento é um simbolizante que
aparece como permitindo, ao ser consumido, a realização ou materialização de um
simbolizado: a Saúde”. Tal situação propicia o surgimento de uma verdadeira ‘cultura da
pílula’, nos dizeres de Barros (2004).
Ao ser considerado como solução para os problemas decorrentes do processo saúde-
doença, o medicamento perde seu caráter social e reforça o processo de medicalização que a
sociedade brasileira vem vivenciando. Logo, o medicamento é visto como uma mercadoria,
pois através da compra, pode-se ter acesso a uma solução encantadora para todos os
problemas relacionados à saúde dos usuários.
Todavia, a apreensão dos medicamentos deve ser centrada no conceito ampliado de
saúde, vista como algo concreto, produto de uma determinada formação social e política. A
concepção de saúde deve se fundamentar em todos os fatores associados à saúde e à doença,
pois o entendimento da saúde reduzida à ausência de doenças, e da doença como um fato
orgânico, suscita o medicamento como uma mercadoria, que precisa ser consumida para se
alcançar a saúde. Levèfre, em 1991, no clássico “O medicamento como mercadoria
simbólica”, reitera a prática hegemônica em nossa sociedade, de transformar a saúde em um
bem de consumo.
Portanto, os medicamentos devem ser compreendidos como um bem social, atendendo
aos anseios de uma coletividade e não se prestando à produção e a reprodução da ideologia
capitalista. Para Zubioli (1997, p.66), “[...] como instrumento imprescindível e de crescente
relevância na atenção da saúde, o medicamento tem características próprias e distintas que é
preciso destacar e por isso não lhe são aplicáveis às regras de jogo imperantes no livre
mercado”.
Nessa perspectiva, torna-se de suma importância o entendimento da representação social
do medicamento. O autor também afirma que:
[...] nunca se questionou que o medicamento ‘não é uma mercadoria’ e
muitas vezes, não obstante, foi definido como um bem social; hoje se deve
reconhecer que se fez muito pouco para compreender que de fato o
medicamento é um bem social, e que se investe muito para que o
medicamento se torne uma mercadoria.
Ao ser considerado como uma mercadoria, o medicamento deixa de exercer o papel
central na política de saúde brasileira, baseada nos princípios e nas diretrizes do SUS,
reforçando a dominação da saúde pública pelos interesses do mercado. Na expressão de
Marin et al (2003, p. 130):
[...] considerado como bem de consumo e não como insumo básico de saúde,
o medicamento passa a ser um objeto desvirtuado no Sistema de Saúde,
inviabilizando o desenvolvimento de um enfoque que priorize o cuidado
com a terapêutica medicamentosa, envolvendo nessa concepção a formação
de profissionais, o processo de educação continuada, a orientação à
população e o acompanhamento do uso adequado e racional dos
medicamentos.
Como um bem social inserido na atenção em saúde, o medicamento requer uma
regulação das leis da oferta e da procura do mercado farmacêutico, resultando em uma
política pública, centralizada no papel do Estado como agente formulador e regulador. Na
afirmativa de Zubioli (1997, p.66):
[...] o medicamento é um bem social que requer uma indelegável intervenção
do Estado para garantir o cumprimento das normas legais e as ações de
atenta vigilância que resguardem a segurança e eficácia em sua utilização,
mas não basta dizer que o medicamento é um bem social, é preciso atuar
com firmeza para que isso se traduza em realidade.
Dentro desse contexto, torna-se necessária uma política de medicamentos fundamentada
na universalidade de ações e no acesso igualitário a estes insumos sob o enfoque dos direitos
sociais. Conforme Machado-dos-Santos (2001, p.13):
[...] apesar da hegemonia da dimensão “mercadoria”, o medicamento deve
receber um tratamento diferenciado por se tratar de um bem de natureza
social, essencial e estreitamente relacionado com o direito do cidadão à
saúde. Por conseguinte, não deve estar sujeito apenas às leis de mercado,
pois estas não são capazes de ajustar a disponibilidade dos medicamentos a
todas as necessidades existentes [...].
Essa política deverá contemplar as peculiaridades inerentes aos medicamentos e à
indústria farmacêutica que, nos dizeres do autor, tem uma estreita interdependência com os
mercados de saúde. Logo, supõe-se que o medicamento visto como bem social a serviço de
uma coletividade poderá propiciar a diminuição do processo de medicalização que a
sociedade brasileira contemporânea vivencia, tendo extrema importância na política pública
de saúde com enfoque no acesso universal e igualitário aos medicamentos.
3 POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS
O medicamento, produto farmacêutico com finalidade profilática, curativa, paliativa ou
para fins de diagnóstico (BRASIL, 2001, p.36), nas últimas décadas tem se destacado como
instrumento terapêutico utilizado para aliviar o sofrimento causado por uma doença ou
mesmo, curá-la. Todavia, a sua utilização indiscriminada pode provocar danos, muitas vezes,
irreparáveis à saúde de uma população, conduzindo a um aumento da iatrogenia
medicamentosa.
Nesse contexto, muitos foram os motivos que levaram o Ministério da Saúde
à elaboração da Política Nacional de Medicamentos (PNM), em 1998.
Em relação aos fatores estruturais ou antecedentes, à criação dessa política cabe citar a
institucionalização do SUS, que se fundamenta nos seguintes princípios: descentralização,
controle social e universalidade e nas diretrizes básicas que englobam a universalização, a
integralidade, a descentralização, a participação popular, a regionalização e a eqüidade
(CARVALHO; SANTOS, 1995).
Estes princípios e estas diretrizes pretendem contribuir para a ampliação do acesso dos
usuários do SUS aos medicamentos essenciais
4
, reforçando a necessidade de uma nova
formulação da referida política e a explicitação do papel do Estado, diante do cenário
desfavorável que o setor de saúde brasileiro vem vivenciando.
Bermudez (1997, p.72) afirma:
[...] se, por um lado, entendemos que a política de medicamentos deve
considerar três dimensões distintas mas permanentemente interagindo, que
são o Estado, a própria indústria e a sociedade, por outro, também fica claro
que a política de medicamentos envolve aspectos relacionados com a política
de saúde e a política industrial. Estas políticas se encontram baseadas em
diretrizes nem sempre compatíveis, mas em muitas oportunidades
conflitantes entre si.
Na contemporaneidade, a saúde dos brasileiros é ainda precária e o SUS, devido à
complexidade dos problemas sanitários e à distribuição pouco igualitária de recursos, tem
dificuldades em assegurar o direito à saúde, principalmente, no que se refere ao recebimento
dos medicamentos necessários pelos usuários e às informações pertinentes ao seu uso correto.
4
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p.13), seguindo a definição da OMS, conceitua medicamentos
essenciais como aqueles produtos básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da
população. Esses produtos devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles
necessitem nas formas farmacêuticas apropriadas.
Na década de 70, todas as ações em relação aos medicamentos foram centralizadas em
nível federal, através da criação da Central de Medicamentos (CEME) em 1971. À CEME
cabia a responsabilidade quanto à aquisição e à distribuição dos medicamentos e, também, à
elaboração da Relação de Medicamentos Básicos (RMB). Em 1980, esta relação sofreu
adequações para atender as exigências atuais do serviço público de saúde, abrangendo mais
especialidades farmacêuticas, sendo, então, denominada Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais (RENAME).
Conforme Joncheere (1997, p.54):
[...] em razão do poder de compra do povo ser limitado, o setor privado
limitou-se a promover medicamentos para as classes médias e alta urbanas e
o estado assumiu a responsabilidade de adquirir, distribuir e dispensar os
medicamentos pela Central de Medicamentos (Ceme), para o restante da
população. Ao longo dos anos, a Ceme não cumpriu seu papel apresentando
grandes problemas de ineficiência, liquidez, corrupção, incapacidade
gerencial etc.
Em 1997, devido a inúmeros problemas de ordem técnico-administrativas, ocorreu a
extinção da CEME e a criação do Programa Farmácia Básica (PFB) pelo Ministério da Saúde.
Esse programa se propunha a fornecer os medicamentos para a atenção básica, possibilitando
o desenvolvimento dos laboratórios farmacêuticos oficiais. Dentre eles citam-se: o Instituto de
Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, o
Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (LAFEPE), a Fundação para o Remédio Popular
(FURP) de São Paulo e a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) de Minas Gerais, entre outros.
Com a extinção da CEME, surgiram ações fragmentadas e desarticuladas em relação à
assistência farmacêutica em nível federal, cabendo aos diversos órgãos do Ministério da
Saúde a execução dessas ações. Essa desativação também propiciou uma ruptura na
responsabilidade da oferta de alguns produtos básicos, pois não houve um planejamento
adequado para o processo de descentralização do financiamento e para a gestão da assistência
farmacêutica. No mesmo ano, também ocorreu a criação do PFB pelo Ministério da Saúde,
programa que consistia na distribuição trimestral, para os municípios que possuíssem até
21mil habitantes, de um conjunto fixo de 32 produtos farmacêuticos. Entretanto, o
desenvolvimento desse programa não considerou algumas bases do processo saúde-doença,
tais como: as distintas classificações das doenças e as diferenças estruturais de um país de
dimensões continentais, a baixa cobertura terapêutica horizontal do conjunto de fármacos, os
programas em realização pelos governos estaduais e a importância da população dos
municípios com mais de 21 mil habitantes, entre outros. (SANTOS, 2002).
Os fatores conjunturais que levaram à elaboração de uma política de medicamentos no
Brasil são: o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a modificação do perfil
epidemiológico (morbidade e mortalidade) e a elevação da demanda por parte dos usuários do
serviço público de saúde.
Conforme Gestão ... (2001, p. 143, 144):
[...] a despeito do volume dos serviços prestados pelo sistema de saúde
brasileiro, constatava-se que havia parcelas significativas da população
desprovidas de qualquer tipo de atenção. Além disso, observava-se que havia
uma alteração significativa no perfil epidemiológico de nossa população,
coexistindo doenças típicas de países em desenvolvimento com agravos
característicos de países desenvolvidos.
Outro fator de destaque dizia respeito às doenças que atualmente acometem as pessoas
com mais de 60 anos, consideradas idosas. O envelhecimento populacional gerou demandas
por medicamentos, em especial de uso contínuo, para o tratamento das patologias afins desse
grupo. Somado a isso, constatava-se um aumento considerável da demanda de insumos,
também pelo fato de, por causa de ações pontuais de governo, ter havido um aumento da
população como um todo, em face da crescente redução dos indicadores de morbi-
mortalidade.
Dentre outros fatores conjunturais que propiciaram a formulação de uma nova política
de medicamentos no Brasil, a questão da nova conformação da saúde pública do país torna-se
de extrema importância. Essa é fundamentada nos ideais da política neoliberal, que propõe
uma limitação das ações do Estado. A ele cabe assegurar as condições mínimas para garantir a
coesão social, deixando o mercado livre para atuar no que lhe for rentável, contrapondo-se aos
princípios e diretrizes do SUS.
Na expressão de Carlos (1997, p. 107):
[...] os medicamentos e os insumos farmacêuticos representam, em todos os
países, um aspecto crucial das políticas de saúde e são responsáveis em
grande parte pela capacidade resolutiva dos serviços prestados. A situação
econômica de muitos países dificulta a disponibilidade destes produtos,
gerando uma crise profunda nos sistemas de abastecimento de
medicamentos, pelos ajustes macroeconômicos que tendem a reduzir o
deficit e o orçamento destinado à saúde pública.
Nessa perspectiva, a política neoliberal, ao propor a redução dos gastos públicos, ao
estimular a privatização e a abertura incondicional às leis de mercado, incentivou a vinda para
o país de grandes indústrias, dentre elas, as farmacêuticas. Estas realizaram investimentos em
propagandas, favorecendo a ampliação do consumo de medicamentos e trazendo
conseqüências graves ao processo de adoecimento da população, em prejuízo a uma política
de saúde universalista e igualitária.
Portanto, essa política exerce influência no novo rearranjo da saúde pública do país,
trabalhando de forma discordante a uma política de Estado que visa à universalidade e à
afirmação do direito à saúde. Ela é uma política dúbia, que recebe os reflexos da chamada
política de americanização perversa, que se caracteriza pela aplicação de sistemas
diferenciados de seguridade social, a partir das distinções entre as classes, como acontece em
outros países. Alguns autores como Giovanella e Fleury (1996) dão preferência à
denominação de ‘universalização excludente’, significando tanto a impossibilidade de
atendimento universal à demanda, como também o incentivo à migração dos setores médios e
altos para os planos privados de saúde, que, por sua vez, são financiados pelo Estado através
da renúncia fiscal (isenção de pagamento à Receita Federal).
Tal situação também é decorrência da potica de ajuste neoliberal, que propõe a
reestruturação dos serviços públicos de saúde, com ênfase na abertura destes ao mercado e na
redução do papel do Estado. Acredita-se que este contexto propicia as condições necessárias
para o estabelecimento da dicotomia entre o público e o privado, que se revela através de
várias práticas, entre elas, o investimento, de modo ainda insatisfatório, no setor público e a
limitação e diminuição dos recursos destinados aos serviços públicos. Isso gera uma condição
de desqualificação deste setor em relação ao privado, levando muitos de seus usuários a
utilizarem o privado. Afirmam Giovanella e Fleury (1996), que os interesses privados ainda
persistem preponderantes aos interesses públicos na sociedade brasileira, reproduzindo
desigualdades, re-segmentando clientelas e originando novos mix público/privado.
Nesse cenário, também se percebe muito a presença do mercado, além da sobreposição
dos papéis desempenhados pelo Estado e pelo mercado, ou seja, não existe uma delimitação
clara do espaço do setor público e do privado no sistema de saúde brasileiro. A expressão
maior disso pode ser compreendida pela introdução no setor público de procedimentos de
mercado, como a utilização de contratos de prestação de serviços e a vinculação entre o
pagamento e o desempenho das funções realizadas. Conforme Joncheere (1997, p.53):
[...] uma política no campo dos medicamentos é fundamental para se
coordenar as diferentes ações e interferências do Estado e do setor privado,
com o propósito de conseguir que o povo tenha acesso aos medicamentos a
um preço justo e razoável.
A adoção de política de medicamentos no país requer como fundamento principal o
acesso gratuito, universal e igualitário aos medicamentos por toda a população, com ênfase
nos critérios de cidadania e de justiça social, sendo esse acesso orientado segundo as reais
necessidades dos medicamentos pela população atendida no serviço público de saúde.
Todavia, supõe-se que, na contemporaneidade, a política de saúde brasileira não consegue
conciliar a restrição do financiamento e o aumento da demanda desse serviço, impedindo a
realização da satisfação das necessidades da população. Segundo Bonfim (1997, p. 29), “[...]
o primeiro momento de uma política nacional de medicamentos é a análise da necessidade de
medicamentos, e não da demanda do mercado”.
Logo, a política econômica contribui para o agravamento do processo de medicalização
que a sociedade brasileira tem vivenciado nas últimas décadas de modo desordenado. Esse
processo, ao estimular a compra desordenada de serviços de saúde e de medicamentos,
influencia diretamente no acesso a esses insumos e constitui um outro fator conjuntural que
reforçou a nova formulação da política para este setor. Afirma Barros (2002, p.9):
[...] um problema adicional significativo diz respeito aos custos envolvidos
nas novas tecnologias médicas para cujo enfrentamento os indivíduos ou
serviço público de saúde se sentem cada vez mais impotentes. (...) a lógica
de mercado e os interesses envolvidos quando tudo foi transformado em
mercadoria desempenha um papel extremamente importante nessa ampliação
de gastos, na medida em que tudo é feito sob a égide da ânsia pela ampliação
sem limites dos lucros, muitas vezes com pouco ou nenhum controle por
parte do Estado ou de outros instrumentos que atuem em defesa dos
interesses dos usuários dos serviços de saúde.
Um outro problema de ordem conjuntural que levou a uma nova formulação da política
de medicamentos no Brasil foi o sucateamento do serviço público de saúde brasileiro
promovido pela política neoliberal. Esse sucateamento, decorrente do investimento
insuficiente nesse setor, levou a uma desqualificação dos serviços públicos de saúde e a uma
qualificação dos serviços privados. Tal situação é gerada por meio de vários artifícios, como a
não disponibilidade de pessoal e de recursos e a não apreciação destes quando já existem nos
serviços. Isso assegura uma condição de ineficiência do setor público, estimulando o aumento
da demanda no setor privado, sob a alegação da eficiência deste. Como exemplos, cita-se a
questão dos medicamentos nos serviço público de saúde. Muitas vezes, nos serviços de
atenção básica à saúde, ocorre uma insuficiente distribuição e/ou a ausência dos
medicamentos. Conforme Bermudez (1997, p.73), “[...] a provisão de medicamentos no setor
público é um elemento fundamental de apoio às ações de saúde”. No entanto, não se tem a
presença do farmacêutico no local: profissional que detém os conhecimentos técnicos e
científicos em relação aos medicamentos – o que compromete a qualidade do serviço prestado
ao usuário do setor público.
Afirma Joncheere (1997, p.53): “[...] uma política capaz de garantir a disponibilidade de
medicamentos nas unidades básicas de saúde, obviamente, aumenta a credibilidade dos
serviços e permite um melhor atendimento curativo e preventivo”.
No tocante aos outros fatores conjunturais que levaram à nova formulação da política de
medicamentos, cita-se a assistência farmacêutica:
[...] fatores conjunturais como a desarticulação da Assistência Farmacêutica
no âmbito dos serviços de saúde e a necessidade de reorganizá-la, bem como
a falta de uma relação de medicamentos essenciais padronizada, atualizada,
que refletisse a real necessidade da população, somados a uma irregularidade
no abastecimento de medicamentos no nível ambulatorial, contribuíram
decididamente para a urgência na elaboração de uma nova Política Nacional
de Medicamentos (PNM) para o Brasil.
(GESTÃO ... , 2001, p. 144).
Questões culturais, que muitas vezes se confundem com os fatores conjunturais, também
incentivaram o surgimento de uma política de medicamentos para o país. São inúmeros os
fatores conjunturais que alimentam a cultura na sociedade brasileira da automedicação
5
e do
uso irracional de medicamentos
6
, levando a uma elevação da demanda por esses produtos.
Dentre eles, destacam-se os fatores relacionados ao comércio de produtos farmacêuticos,
como relevantes para a criação da referida política.
Conforme Gestão ... (2001, p. 144):
[...] havia um número expressivo de farmácias comerciais (superior a
50.000) e um consumo significativo de medicamentos que faziam do
mercado brasileiro um dos cinco maiores do mundo. Daí a necessidade de se
garantir a qualidade dos medicamentos comercializados.
Nesse sentido, para garantir a amplitude do acesso igualitário a medicamentos eficazes,
seguros e orientados para o atendimento das necessidades básicas da população, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou aos países a criação de uma Política
Nacional de Medicamentos fundamentada na concepção de medicamentos essenciais.
5
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p. 35), automedicação é o “uso de medicamentos sem a
prescrição, a orientação e/ou o acompanhamento do médico ou dentista”.
6
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p. 38), o uso racional de medicamentos é o “processo que
compreende a prescrição apropriada; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em
condições adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado
de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade”.
Portanto, em 1998, houve a aprovação da Portaria GM nº 3.916/98, que estabelece uma
política nacional de medicamentos. Esta passou a integrar a Política Nacional de Saúde
(PNS), sendo um dos elementos centrais para a efetivação da política de assistência à saúde
no Brasil. Essa política fundamenta-se nos princípios e nas diretrizes básicas do SUS,
contribuindo para a ampliação do acesso dos usuários dos serviços públicos de saúde aos
medicamentos e para a promoção da atenção em saúde. A adoção da PNM propiciou um
modelo de gestão descentralizador, com a participação das três esferas de governo,
objetivando assegurar o acesso dos usuários do SUS a medicamentos com segurança, eficácia
e qualidade comprovadas.
As diretrizes adotadas por essa política são: adoção da relação de medicamentos
essenciais; regulamentação sanitária de medicamentos; reorientação da assistência
farmacêutica; promoção do uso racional de medicamentos; desenvolvimento científico e
tecnológico; promoção da produção de medicamentos; garantia da segurança, eficácia e
qualidade dos medicamentos; desenvolvimento e capacitação de recursos humanos.
A adoção da relação de medicamentos essenciais deve ser usada como fundamento para a
organização das listas estaduais e municipais de medicamentos, possibilitando a
descentralização, além da orientação e do direcionamento da produção farmacêutica e do
desenvolvimento técnico-científico do Brasil. Todavia, apesar de constituir um dos pilares de
sustentação da PNM, essa relação não é suficiente para a garantia do êxito da política,
demandando também outras ações.
A regulamentação sanitária de medicamentos constitui um processo de descentralização
da vigilância sanitária, dando ênfase à promoção do uso de medicamentos genéricos
7
através
da aprovação da Lei dos Medicamentos Genéricos em 1999.
A promoção do uso racional de medicamentos envolve as etapas de produção,
comercialização, prescrição e a utilização de medicamentos genéricos, através de ações
intersetoriais. Ela também propicia o acesso às informações que dizem respeito às
repercussões sociais e econômicas do receituário médico, enfatizando a educação dos usuários
no tocante aos riscos da automedicação, da interrupção ou da troca da medicação prescrita.
Além disso, essa promoção possibilita a adequação dos currículos dos cursos de formação dos
7
Medicamento genérico é o que não possui marca. Contém o mesmo P.A., na mesma forma farmacêutica, via de
administração e dosagem que o medicamento de marca ou referência. É pesquisado e desenvolvido por outro
laboratório farmacêutico, que a patente (concessão) ou outros direitos de exclusividade já tenham vencidos. Tem
que ter testes de bioequivalência (relaciona as quantidades e velocidades de absorção do medicamento referência
e do teste) e biodisponibilidade (relaciona a velocidade e a extensão de absorção de um fármaco no seu sítio de
ação). Tem que ser uma cópia fiel do medicamento de marca.
profissionais de saúde à nova regulamentação da propaganda dos produtos farmacêuticos para
os médicos, para o comércio de produtos farmacêuticos e para a população leiga.
O desenvolvimento científico-tecnológico consiste no desenvolvimento da produção de
fármacos, de modo especial, dos presentes na RENAME.
A promoção da produção de medicamentos ênfase à importância dos laboratórios
oficiais brasileiros em relação à produção estratégica dos medicamentos essenciais. Ela
também atua no sentido de monitorar os preços dos medicamentos no mercado brasileiro e de
eliminar a dependência do processo produtivo desses medicamentos, através da modernização
dos sistemas de produção, promovendo o aumento da eficiência.
A garantia da segurança, da eficácia e da qualidade dos medicamentos é feita por meio
do cumprimento da regulamentação sanitária estabelecida pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA).
O desenvolvimento e a capacitação de recursos humanos propiciam a articulação
intersetorial e, conseqüentemente, a operacionalização da PNM.
Em relação à reorientação da assistência farmacêutica, esta não pode ser restrita ao ato
de adquirir e de distribuir os medicamentos, pois a assistência farmacêutica consiste em um
conjunto de atividades relacionadas aos medicamentos (seleção, programação, aquisição
armazenamento, distribuição e dispensação), dando sustento às ações de saúde requeridas pela
população, promovendo o uso racional de medicamentos. (BRASIL, 2001).
Neste sentido, a proposta implícita na assistência farmacêutica é a de oferecer uma
atenção de qualidade que garanta ao usuário o acesso às tecnologias (leve, leve-dura e dura),
recebendo simultaneamente as informações corretas referentes aos diferentes procedimentos,
diagnósticos e prognósticos do seu estado de saúde.
O Ministério da Saúde (BRASIL, 1999, p.34) define a assistência farmacêutica como:
[...] grupo de atividades relacionadas com os fármacos, para apoiar as ações
de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de
produtos em todas e em cada uma de suas etapas, a conservação e o controle
de qualidade, a segurança e a eficácia terapêutica dos medicamentos, o
acompanhamento e a avaliação da utilização, a obtenção e a difusão de
informações sobre fármacos e a educação permanente dos profissionais de
saúde, do paciente e da comunidade para assegurar o uso racional de
fármacos.
Portanto, quando não se restringe somente à aquisição e à distribuição dos
medicamentos, a assistência farmacêutica promove o acesso da população aos medicamentos
essenciais, destacando-se dentre seus componentes a atenção farmacêutica. Esta consiste no
acompanhamento dos pacientes com vistas a sua orientação quanto ao uso racional dos
medicamentos e quanto à automedicação. A atenção farmacêutica é a única etapa da
assistência farmacêutica que é uma atividade específica do profissional farmacêutico, ela não
consiste apenas na entrega dos medicamentos.
Ao realizar a identificação, a correção, a prevenção ou a redução dos possíveis agravos
ocorridos devido à má utilização dos medicamentos, o farmacêutico pode estabelecer um
vínculo maior com os usuários do sistema. Isso possibilita o resgate do papel do farmacêutico
como profissional do medicamento a serviço da coletividade e não favor do mercado. Para
Lopez (1997, p.155), “[...] O farmacêutico não é mais considerado como um ‘entregador’ de
medicamentos, mas sim um ‘dispensador’ de atenção à saúde, na qual o gasto de
medicamentos é apenas um dos componentes”.
8
Porém, em muitos casos, o medicamento atende aos anseios da lógica de mercado,
transformando-se em objeto de consumo, e o farmacêutico, sendo o elo de ligação da cadeia
produção-consumo, vive a contradição entre atender ao mercado, regular o consumo e
oferecer adequadamente o insumo suficiente para resgatar a saúde da população. Isso, em
muitos casos, ocorre devido à formação a que o farmacêutico foi submetido durante a
graduação, ou seja, uma formação com ênfase nas leis de mercado, em detrimento da ética
coletiva.
As outras etapas da assistência farmacêutica podem ser realizadas por outros
profissionais da área de saúde, o que compromete a qualidade do serviço prestado aos
usuários, podendo ocasionar agravos a sua saúde. Isso ocorre devido principalmente ao
processo pouco criterioso de compras, possibilitando a aquisição e oferecimento de
medicamentos com prazo de vencimento ultrapassados. Também se deve ao armazenamento
inadequado de medicamentos e à distribuição destes segundo critérios questionáveis, entre
outros.
Na expressão de Vieira (2004, p.20, 21):
[...] o farmacêutico vem buscando sua integração com a chamada equipe de
saúde e um maior contato direto com o paciente. De acordo com cada
realidade em que se insere, esse profissional deve procurar flexibilizar sua
atuação para adaptar a assistência farmacêutica às possibilidades oferecidas,
sempre procurando uma farmacoterapia racional e custo-efetiva para o
paciente e o sistema de saúde. Deve ficar claro que a proposta não é o
exercício do diagnóstico ou da prescrição de medicamentos,
responsabilidades do médico, mas, sim, a garantia de que os medicamentos
8
Livre tradução da autora. “El farmacéutico no es mas considerado um “despachador” de medicamentos, sino un
“dispensador de atención sanitaria” em la cual el expendio de medicamentos es solo um componente”.
prescritos venham a ser aviados corretamente, usados racionalmente e,
portanto, úteis na solução ou alívio dos problemas de saúde do usuário,
garantindo, entre outros benefícios, a adesão à terapêutica.
Neste contexto, apesar da institucionalização do SUS e da criação da Política Nacional
de Medicamentos sob o enfoque da universalidade e eqüidade de ações, a questão dos
medicamentos no Brasil ainda permanece contraditória.
Conforme Marques (2005, p. 76):
[...] a Carta Magna de 1988 tornou um dever de Estado garantir o acesso aos
medicamentos, via políticas e programas de saúde, para o que é
indispensável assegurar uma assistência farmacêutica com disponibilidade e
gratuidade. Nessa matéria, porém, a realidade tem sido frustrante e o
exemplo quase exclusivo de uma boa política de assistência farmacêutica é o
controle do HIV/AIDS.
Logo, o país tornou-se referência na atenção à saúde para algumas nações no tocante à
assistência farmacêutica. Entretanto, ainda permanecem inúmeras denúncias referentes ao
excesso e à falta de medicamentos nos serviços públicos de saúde, acrescida, muitas vezes, do
seu uso irracional.
[...] o país desenvolve modelos bastante particulares quando considerado o
cenário mundial, como é o caso da garantia de assistência terapêutica
integral, incluindo a farmacêutica, como postulado legal (Lei Federal
8080/1990) da distribuição universal e gratuita de medicamentos no setor
público, com especial sucesso quanto à distribuição de antiretrovirais para o
Programa da Aids, atualmente tido como modelo para os países em
desenvolvimento [...]. Outrossim, são freqüentes na mídia as denúncias tanto
de excesso de medicamentos, levando à imobilização de capital e à perda por
vencimento, quanto de escassez, culminando sempre com a desassistência
aos usuários e a interrupção de tratamentos, comprometendo a
resolutividadde das ações de saúde. Somam-se a estes problemas aqueles
ligados ao uso não racional de medicamentos, que além de contribuir
sinergicamente para o desperdício, pode causar sérios problemas tanto no
nível individual como no coletivo, como é o caso da emergência de cepas de
microrganismos resistentes aos antibióticos disponíveis.
(LUÍZA, 2003,
p.3).
Desse modo, percebe-se que ainda existem muitos desafios a serem enfrentados pela
política de medicamentos brasileira, dentre os quais, cita-se a garantia, a toda a população, de
acesso universal e eqüinâme aos medicamentos essenciais e à assistência farmacêutica.
[...] o acesso aos produtos ocorre de maneira iníqua, comprometendo a
resolução nos sistemas de atenção à saúde e constituindo-se em dos
principais desafios a serem superados pelas políticas públicas, em especial
por uma política de fármacos que tenha como princípio providências que
visem à melhoria da eqüidade para esse passo.
SANTOS (2002, P. 357).
Em relação ao acesso aos medicamentos, este deve ser ampliado no sentido de
contemplar não somente a garantia do acesso igualitário e universal da população brasileira
aos medicamentos essenciais, mas também o acesso aos demais medicamentos como uma
questão de direito social legitimado na constituição do SUS. Para tanto, o Estado deve ter
papel central nesse processo, atuando juntamente com os demais atores sociais, entre eles os
usuários, os prescritores e os dispensadores de medicamentos, bem como aqueles que se
relacionam ao comércio, à distribuição e à venda dos insumos. Além disso, o acesso aos
medicamentos também envolve outras questões.
Como afirma Santos (2002, p. 357- 358):
[...] verifica-se, no campo farmacêutico, que tão importante quanto a
eqüidade no acesso aos remédios, é a qualidade desses produtos e a
qualidade de sua utilização. No primeiro aspecto, para que se obtenham os
resultados terapêuticos almejados, é de vital importância a garantia de que os
produtos farmacêuticos disponíveis à população sejam eficazes e seguros,
produzidos e conservados de acordo com os padrões adequados de
qualidade.
Quanto ao segundo aspecto, compreende-se como utilização de fármacos as
atividades de prescrição, dispensação e consumo. Traz-se embutido nessa
concepção, a visão de que, mais do que apenas promover a eqüidade no
acesso a produtos eficazes, seguros e de qualidade, é de relevância que o
remédio esteja em contexto e sob sistematização ampliada, qual seja, a de
uma assistência farmacêutica. [...]
O autor conclui, apontando outros limites a serem colocados à Política Nacional de
Medicamentos que são:
[...] numa visão verticalizada ressaltam-se o desafio da superação da
iniqüidade no acesso, e o desafio da garantia da qualidade em suas dimensões
– a qualidade dos produtos e a qualidade da utilização deles. Numa visão
horizontalizada acentua-se o desafio da inserção da política de fármacos como
um dos componentes relevantes e prioritários da política de saúde.
Torna-se, portanto, de suma importância a discussão do acesso aos medicamentos como
uma questão de direito social. Entretanto, para que essa compreensão seja abrangente, deve-se
discutir primeiramente o acesso aos serviços de saúde, por estar diretamente relacionado à
política pública de saúde e, dentro dela, à política de medicamentos.
4 ACESSO AOS MEDICAMENTOS
4.1 Acesso aos serviços de saúde
A preocupação com o acesso tem sido o centro das discussões na área de saúde coletiva,
propiciando o surgimento de inúmeros trabalhos sobre a temática. Entretanto, alguns estudos
não apresentam o conceito de acesso de forma clara. Isso leva a um entendimento parcial
dessa categoria, comprometendo, muitas vezes, a análise das políticas públicas de saúde e a
gestão destas, uma vez que, esse conceito é central para tal análise.
A apreensão da categoria acesso nos serviços de saúde torna-se de fundamental
importância no entendimento da saúde enquanto totalidade. Esta é a expressão dos múltiplos
fatores (políticos, sociais, econômicos e ambientais) condicionantes da saúde, os quais
influenciam diretamente no acesso, necessitando serem abordados.
Segundo Fleury e Giovanella (1996, p.189):
[...] é na unidade de relação do usuário com os serviços que devem ser
centradas as análises que busquem conhecer como o direito á saúde se
expressa concretamente no cotidiano das pessoas. A categoria central para
análise dessas inter-relações é o acesso.
Ao se fazer um resgate histórico do estudo do acesso, percebe-se que este é
compreendido em perspectivas analíticas distintas, por diversos autores.
Em muitas abordagens, o acesso é estudado sob o enfoque dos diferentes fatores que
podem influenciar a entrada e o uso dos serviços de saúde pelos usuários. Um desses fatores é
o espacial/geográfico, que diz respeito à distância física estabelecida entre a população, os
serviços de saúde e os seus recursos, na busca pela utilização dos serviços de saúde. Nesse
sentido, deve se considerar o conjunto de barreiras dessa ordem que podem impedir a entrada
dos usuários.
Como afirmam Shannon et al. (1969), se a preocupação primordial de uma pesquisa é
com o acesso aos serviços de saúde, então, há que se fazer uma análise espacial como parte
integrante da pesquisa. Essa posição também é sustentada por outros estudiosos, ao proporem
que o estudo da acessibilidade deve levar em consideração uma análise geográfica dos
recursos médicos disponíveis para os usuários dos serviços de saúde.
O fato é que:
[...] o problema da acessibilidade é particularmente agudo na oferta da
atenção primária, onde a qualidade do cuidado comunitário é claramente
dependente da acessibilidade física de médicos para os pacientes, onde a
natureza e a magnitude da carga horária dos mesmos é inversamente
dependente da dispersão geográfica relativa dos pacientes. (KNOX, 1979, p.
160)
9
Uma outra contribuição também enfatiza os caracteres distintos dos recursos e da
população ao conceituar a acessibilidade, fundamentando-se nas características financeiras e
físicas na tentativa de compreender o acesso aos serviços de saúde.
Como lembra Salkever (1976), a acessibilidade é multidimensional, isto quer dizer que a
entrada no sistema de saúde pode ser dificultada por inúmeros fatores, tais como: as barreiras
financeiras, a não disponibilidade dos recursos médicos e do tempo, o longo tempo de espera
para receber o atendimento e os obstáculos de atitudes, como a ignorância dos usuários quanto
à eficácia do serviço. Todavia, existem apreensões diferenciadas quanto ao acesso financeiro,
alguns autores enfatizam as características individuais e outros, as coletivas. Salkever (1976)
já apontava essa situação ao utilizar o termo acessibilidade financeira, para se referir à
capacidade individual de dar conta dos custos monetários da atenção médica. O autor
fundamenta-se em Davis (1974) apud Salkever (1976), a fim definir a acessibilidade física,
como sendo o transporte, o tempo e os custos demandados para obter o serviço de saúde.
Outros autores estudam de que modo a variável tempo pode interferir na obtenção do
acesso. Chen (1978), baseado nos parâmetros estabelecidos pelo Conselho de Planejamento
de Saúde dos Estados Unidos da América (EUA), apresenta um índice de acesso em atenção
primária sob o enfoque dos indicadores quantitativos de tempo. Eles são: tempo percorrido até
a origem do serviço de saúde, tempo de espera pelo atendimento e tempo de espera no
consultório. Todos esses indicadores influenciam no acesso da população aos serviços de
saúde.
Percebe-se que todos os autores citados trabalham a acessibilidade como um sinônimo
de acesso aos serviços, vinculado-a à disponibilidade da oferta desses serviços e à localização
espacial. Entretanto, o acesso deve ser entendido como um fenômeno que está relacionado à
acessibilidade (financeira, física e espacial) e esta como uma característica dos recursos
disponíveis para atenção à saúde.
9
Livre tradução da autora. “The problem of acessibility is particularly acute in the provision of the primary care,
where the quality of community care is clearly dependent on the physical accessibility of doctors to patients,
where the nature and magnitude of the doctor’s workload is, conversely, dependent on the relative geographical
dsipersion of the patients. (Knox, 1979, p.160)
Um outro tratamento dado à categoria acesso trabalha o conceito sob a perspectiva da
entrada e do uso dos serviços de saúde, enfatizando as características, tanto do sistema quanto
do usuário, que podem propiciar um aumento ou uma diminuição dessa entrada.
Conforme Donabedian (1972, p.111):
[...] a prova do acesso é o uso do serviço, não a simples presença deste.
Assim sendo, o acesso, pode ser medido pelo nível do uso em relação à
‘necessidade’. Deve-se reconhecer, no entanto, que os usuários e os
profissionais avaliam a ‘necessidade’ diferentemente. Além disso, caberia
distinguir dois componentes no uso do serviço: ‘iniciação’ e ‘continuação’.
Isto em virtude de diferentes fatores que influenciam cada um desses
aspectos, embora possa haver uma influência recíproca. É de todo necessário
enfatizar que as barreiras para o acesso não são somente financeiras, mas
também, psicológicas, informacionais, sociais, organizacionais, espaciais,
temporais, entre outras.
10
Outra abordagem importante da categoria acesso a compreende como não dissociada do
contexto político, ou seja, o acesso depende do cenário onde as políticas são aplicadas.
A política de saúde pode ser caracterizada tomando como ponto de partida o
entendimento do acesso. Tal compreensão poderá ser feita através de uma estrutura básica das
variáveis envolvidas no estudo do acesso, tendo como objetivo propiciar a melhoria do acesso
aos serviços de saúde. As variáveis envolvidas apresentam-se inter-relacionadas e são as
seguintes: Em relação à política de saúde: financiamento, educação, força de trabalho e
organização; no tocante às características da distribuição dos serviços de saúde: recursos
(volume e distribuição), organização (entrada e estrutura); no que diz respeito à utilização
dos serviços de saúde: tipo, local, proposta e intervalo de tempo; em relação às
características da população de risco: predisposição (mutabilidade e imutabilidade),
capacidade (mutabilidade e imutabilidade), necessidade (percebida e avaliada) e no que
se relaciona à satisfação do usuário: comodidade, custos, coordenação, atendimento,
informação e qualidade. (ADAY; ANDERSEN, 1974).
Uma outra contribuição à temática do acesso aos serviços de saúde é defendida por estes
autores. Eles especificam os indicadores do processo ou as variáveis possíveis que podem
10
Livre tradução da autora. The proof of acess is use of service, not simply the presence of a facility. Acess can,
accordingly, be measured by the level of use in relation to ‘need’. One should recognize, however, that clients
and professionals evaluate ‘need’ differently. Further, one must distinguish two components in use of service:
‘iniciation’ and ‘continuation'. This is because different factors influence each, though any factor may influence
both. It is hardly necessary to emphasize that barriers to acess are not only finacial but also psychological,
informational, social, organizational, spatial, temporal and so on. Donabedian (1972, p.111)
determinar o uso dos serviços de saúde, ou seja, sugerem os caminhos para que se possa
realizar a eqüidade nos serviços de saúde.
Segundo Andersen e Aday (1978, p. 534), “apesar do consenso emergente que a
eqüidade no acesso para o cuidado médico é um objetivo societário apropriado não há um
consenso de como mensurar o cumprimento deste objetivo”.
11
Nesse sentido, eles afirmam que o acesso deve ser compreendido levando em
consideração a disponibilidade da oferta dos serviços de saúde e do pessoal, assim como os
custos nela envolvidos, além do uso de fato e relativo desses serviços.
[...] enquanto todas as abordagens são importantes para compreender o
acesso ao cuidado médico, ratificamos a opinião de que o acesso em si
mesmo é mais bem mensurado através das observações do comportamento
das pessoas, isto é, do uso de fato por parte delas dos serviços de saúde, e
que a eqüidade deste acesso é mais apropriadamente julgada ao examinar a
utilização concreta relacionada a alguns indicadores que possam medir a
morbidade vivenciada.
(ANDERSEN; ADAY, 1978, p. 534).
12
Essa concepção sobre o acesso explicita os obstáculos na tentativa de entendê-lo sob
uma perspectiva política igualitária, não o relacionando apenas a uma idéia operacional.
Todavia, ainda se nota nos autores citados uma tendência de se definir o acesso baseando-se
apenas nas características da facilidade para obtenção dos recursos, sem levar em conta a
amplitude do conceito de acessibilidade que agrega outros elementos (físicos, econômicos
entre outros) imprescindíveis à sua compreensão.
Uma outra proposta compreende o grau de acesso estabelecido entre os clientes
(usuários) e os serviços de saúde, descrevendo as dimensões específicas desse processo, que
são: a disponibilidade, a acessibilidade, a acomodação, a capacidade financeira e a
aceitabilidade.
Na expressão de Penchansky e Thomas (1981, p.128):
[...] o acesso é visto como um conceito geral que resume um conjunto de
áreas mais específicas entre o acesso, os usuários e o serviço de saúde. As
áreas específicas e as dimensões de acesso são as seguintes: -
Disponibilidade: é a relação entre o volume e o tipo dos serviços existentes
(e dos recursos) e os tipos e volume das necessidades dos usuários (...). -
11
Livre tradução da autora. “Despite the emerging consensus that equity in acess to medical care is an
appropriate societal goal there is no consensus as to how to measure attainment of the goal”.
12
Livre tradução da autora. “While all of these approaches are important for understanding the potential for
obtaining access to medical care, we subscribe to the view that access itself is best measured through
observations of people’s behavior, that is, their actual use of health services, and that the equity of that access is
most appropriately julged by examining their actual utilization relative to some measure of the illness they
experience.
Acessibilidade: é a relação entre a localização dos serviços oferecidos e a
localização dos usuários, levando em conta os recursos com transporte de
clientes e o tempo de viagem, a distância e o custo, hospedagem e a relação
entre a forma como os serviços são organizados para receber os clientes (...)
e a capacidade dos mesmos (incluindo os serviços encontrados, as horas de
operação, as facilidades de locomoção, os serviços de telefone) e a
habilidade dos usuários para se ajustar a esses fatores e a percepção dos
usuários dessa adequação - Capacidade Financeira: é a relação dos preços
dos serviços e dos profissionais dos seguros ou dos depósitos exigidos em
relação à renda dos usuários, isto é, capacidade para pagar bem como a
existência do seguro saúde; - Aceitabilidade: é a relação entre as atitudes
esperadas pelos usuários para com as características pessoais e das práticas
concretas detectadas nos profissionais bem como para com as atitudes do
profissional frente às características que venham a ser aceitáveis de parte dos
usuários.
13
Ao considerar que o domínio de acessibilidade limita-se ao ato de buscar e receber a
atenção, outros estudiosos propõem uma diferenciação dos conceitos de acesso e de
acessibilidade.
Segundo Frenk (1985, p. 441- 442), “O conceito de ‘acessibilidade’ é simplesmente um
recurso mental para aprender a essência de uma realidade que em si mesma é uma totalidade
completa e indivisível”.
14
A categoria acesso é apreendida como a busca e a obtenção de atenção nos serviços de
saúde por parte dos usuários deste. O autor afirma ainda, “O acesso denota a capacidade de
um cliente ou grupo de clientes para buscar e obter atenção. Assim, acesso se refere a uma
característica da população de usuários potenciais ou reais dos serviços”.
15
A partir dessa
concepção de acesso, Frenk (1985) classifica os obstáculos que interferem na busca e na
obtenção da atenção, em três categorias: obstáculos ecológicos, relacionados à localização
13
Livre tradução da autora. “Acess is viewed as the general concept which summarizes a set of more
specific areas of fit between the patient and the health care system. The specif areas, the dimensions of
access, are as follows: Availability: the relationship of the volume and type of existing services (and
resources) to the clients’ volume e and types of needs; (…) Accessibility: the relationship between the
location of supply and the location of clients, taking account of client transportation resources and
travel time, distance and cost; accommodation, the relationship between the manner in which the
supply resources are organized to accept clients (…) and the clients’ ability to accommodate to these
factors and the clients’ perception of their appropriateness; Affordability: the relationship of prices of
services and providers’ insurance or deposit requirements to the clients’ income, ability to pay, and
existing health insurance; (…) Acceptability: the relationship of clients’ attitudes about personal and
practice characteristics of providers, to the actual characteristics of existing providers as well as to
provider attitudes about acceptable personal characteristics of clients.
14
Livre tradução da autora. “El concepto de ‘acessibilidad’ es simplemente um recurso mental para aprehender
la esencia de uma realidad que em si misma es uma totalidad compleja e indivisible”.
15
Livre tradução da autora. “o ‘acceso’ denota la capacidad de um cliente o grupo de clientes para
buscar y obtener atención. Así, ‘acceso’ se refiere a una característica de la población de usuarios
potenciales o reales de los servicios”.
das fontes de atenção à saúde, com repercussões de distância e tempo de transporte;
obstáculos financeiros, relacionados aos preços cobrados pelo provedor; e obstáculos
organizativos, relacionados aos modos de organização dos recursos da atenção em saúde.
Estes se subdividem em obstáculos referentes à entrada no serviço de saúde (por exemplo, a
demora para receber o atendimento) e obstáculos que ocorrem dentro deste serviço
(dificuldade em obter os serviços de laboratórios).
Esse autor também discute que a importância relativa de cada obstáculo terá variação de
acordo com o modo de organização do sistema de saúde, citando, a título de exemplos, os
obstáculos financeiros e ecológicos. Ele afirma que em sistema de saúde de livre mercado, os
obstáculos financeiros são de extrema importância, ao passo que, em sistema de saúde
universal, estes obstáculos ocupam um segundo plano. Em relação aos obstáculos ecológicos,
o autor conclui que, em um sistema de saúde regionalizado, estes obstáculos não possuem
tanta importância. No tocante ao Brasil, percebe-se que todos os obstáculos são de extrema
importância para a discussão do acesso aos serviços de saúde, porém os financeiros se
sobressaem. Estes são elementos centrais, que podem tanto promover ou impossibilitar a
obtenção do acesso, pois, apesar do acesso a tais serviços estar assegurado
constitucionalmente a toda população brasileira, como um direito pertencente a ela, a prática,
às vezes, revela situações que conduzem à garantia do acesso por meio do pagamento do
‘seguro-saúde’, propiciada pelo setor privado.
Em resumo, a apreensão da ‘acessibilidade’ engloba a noção de ‘grau de ajuste’, que
relaciona as características dos recursos de saúde e as características correspondentes da
população usuária envolvidas no processo de busca e obtenção dos serviços de saúde. Na
tentativa de trazer a discussão sobre o acesso para a contemporaneidade, percebe-se uma
preocupação em conceituar tal categoria, sob o enfoque das políticas públicas de saúde,
fundamentadas nos princípios da eqüidade e da universalidade de ações nos serviços de saúde.
Para alcançar este objetivo, alguns autores propõem o estudo do acesso através de um
modelo que enfatiza os determinantes primários em saúde (as características da população, os
serviços de saúde e o ambiente externo), os componentes da prática em saúde (a exemplo das
práticas pessoais e o uso dos serviços) e os resultados obtidos no nível de saúde alcançado,
(por exemplo, as condições de saúde percebida e avaliada, a satisfação do usuário) podendo
vir a influenciar na busca pelo acesso.
Segundo Andersen (1995, p.4), “[...] o acesso é uma medida relativamente complexa da
política de saúde e penso, que pode ser razoavelmente definida em termos multidimensionais
usando os conceitos do modelo comportamental”.
16
A definição do acesso é, portanto, compreendida por meio da capacidade deste de ser
possível e de ser real. Dentro desse contexto, também é apreendido de que modo ocorre a
eqüidade e a não eqüidade ao acesso.
Conforme Andersen (1995, p.4):
[...] o acesso potencial é simplesmente definido como a presença dos
recursos disponíveis. Mais recursos disponíveis fornecem os meios para o
uso e aumentam a probabilidade que o mesmo efetivamente ocorra. O acesso
concreto é, de fato, o uso dos serviços. O acesso eqüitativo e o não eqüitativo
são definidos de acordo com as características predominantes do acesso. Os
julgamentos de valor sobre que componentes do modelo deveriam explicar a
utilização em um serviço de saúde eqüitativo são cruciais para a definição.
Isto é, a eqüidade aos olhos de quem usa os serviços de saúde. [....]. O acesso
não eqüitativo ocorre quando a estrutura social (por exemplo, a etnia), as
crenças a respeito do que vem a ser saúde e os recursos disponíveis (por
exemplo, a renda) determinam quem recebe o serviço de saúde.
17
Porém, alguns autores defendem a questão do acesso vinculado às políticas de mercado,
isto é, sob o enfoque do mercado dos serviços de saúde. Para Cold (1998), os conceitos
tradicionais relativos ao acesso permanecem relevantes para assegurá-lo. Entretanto, não são
os mais adequados para direcionar toda a política pública, ante as mudanças atuais de
mercado. As tendências do mercado dos serviços de saúde atualmente estão centradas no
acesso para além da preocupação com a cobertura, com a entrada e com o uso dos sistemas.
Além do interesse em saber quais serviços estão disponíveis e se estes possuem cobertura
financeira, existe também uma grande preocupação em conhecer algumas situações em
relação ao acesso aos serviços de saúde, tais como: de que modo os benefícios são cobertos,
como os serviços são definidos, como o acesso a eles é determinado, e em que medida os
resultados refletem o uso efetivo e correto dos serviços de saúde e o aperfeiçoamento recente
da saúde.
16
Livre tradução da autora. “The access is a relatively complex health policy measure and, I think, can be
reasonably defined in multidimensional terms using concepts from the behavioral model”.
17
Livre tradução da autora. “Potencial access is simply defined as the presence of enabling resources. More
enabling resources provide the means for use, and increase the likelihood that use will take place. Realized
access is the actual use of services. Equitable and inequitable access are defined according to which predictors of
realized access are dominant. Value judgments about which components of the model should explain utilization
in an equitable health care system are crucial to the definition. Equity is in the eyes of the beholder. (…)
Inequitable access occurs when social structure (e. g., ethnicity), health beliefs, and enabling recourses (e. g.,
income) determine who gets medical care”.
Outros autores também abordam a categoria acesso inserido nas políticas públicas.
Hortale et al. (2000, p. 232) afirma que “[...] o acesso deve funcionar no modelo como uma
categoria-valor, ou seja, uma referência a ser atingida em qualquer serviço e ser o orientador
de todas as políticas”. Para tanto a autora operacionaliza a categoria acesso levando em
consideração três subsistemas. No subsistema de decisão, o valor acesso relaciona-se ao
controle social (participação real da população na administração dos serviços, associada à
gestão técnica e interna). No subsistema de operação de serviços, o acesso avalia a eqüidade
(universalidade, globalidade e acessibilidade regional, social e organizacional); avalia a
igualdade nos serviços baseada em prioridades de áreas, em problemas e em grupos e
população; e avalia a qualidade e a eficácia, de decisão. No subsistema de informação, o
acesso é avaliado pela ação retroativa de todo o processo, levando-se em consideração a
prestação de contas, a democratização dos resultados do ensino, da pesquisa e dos serviços,
assim como a realização de atividades educacionais entre outros aspectos.
Uma outra contribuição para o entendimento do acesso vinculado às políticas públicas,
reforça a importância da eqüidade do acesso aos serviços de saúde.
Na expressão de Campbell et al. (2000, p.1617-1618):
[...] nós definimos a eqüidade como um sub-componente de relevância do
acesso para a estrutura e o processo, definindo-a como a extensão até onde
todos os indivíduos em uma população tenham acesso ao cuidado médico
que necessitem . [....]. Em essência, os serviços deveriam ser disponíveis em
uma base eqüitativa de acordo com a necessidade. Assim como o cuidado
com os usuários individuais, a condição de saúde e a avaliação dos usuários
dos serviços de saúde são indicadores-chave do acesso para as populações, e
que vem
somar-se à eqüidade. Entretanto, o acesso eqüitativo não é
automaticamente traduzido como eficácia eqüitativa.
18
Dessa forma, a compreensão da categoria acesso de modo ampliado e fundamentado na
perspectiva igualitária e universal, torna-se imprescindível quando se busca a construção e a
efetivação de uma política pública de saúde que vise à eqüidade nos serviços de saúde.
Para Cohn et al. (1991), o acesso aos serviços de saúde é, em muitos casos,
compreendido a partir das características técnicas desses serviços, trabalha-se com a
acessibilidade e com a disponibilidade a fim de explicar o acesso propriamente dito. Em tal
18
Livre tradução da autora. “(....) we define equity as sub-component of access relevant to structure and process;
it is defined as the extent to which all individuals in a population access the care they need.... In essence,
services should be available on an equitable basis according to need. As with care for individual patients, health
status and user evaluation are key outcomes of access for populations, in addition to equity. However, equitable
access does not automatically translate into equitable effectiveness”.
perspectiva analítica, o acesso é visto sob o enfoque das condições estruturais que podem
tornar viável a utilização dos serviços e não como uma questão de cidadania.
Na tentativa de se apreender o acesso universal e eqüinâme aos serviços de saúde, como
uma categoria central no campo da saúde coletiva brasileira, torna-se de fundamental
importância entender o acesso como uma questão de direito social atinente à população por
estar inserida na sociedade.
Portanto, é necessário vincular o acesso ao processo vivido pelos usuários dos sistemas
públicos de saúde com a finalidade de entrar e de usar os seus serviços, almejando a busca e o
alcance da atenção em saúde como uma forma de justiça social.
Segundo Costa e Augusto (1995, p. 98), “[...] A universalização do acesso aos serviços
de saúde aponta para a construção de uma sociedade de cidadania generalizada”.
No tocante à universalização do acesso aos serviços de saúde, esta não se pode resumir a
uma simples universalidade da assistência médica, propiciando a cidadania incompleta.
Entende-se por cidadania incompleta a condição em que os indivíduos estão submetidos em
uma sociedade, onde não conseguem se expressar como sujeitos sociais. Tal situação
compromete a consolidação e a efetivação das políticas públicas de saúde com vistas à
eqüidade e à universalização do acesso, uma vez que permanecem as práticas que propiciam a
reposição de privilégios e a não universalização dos direitos sociais.
Conforme Costa e Augusto (1995, p. 99), “[...] a universalização da assistência médica
direta ou indiretamente financiada pelo Estado, principal característica da medicalização em
processo na sociedade brasileira, contribui para que o direito à saúde seja entendido como
direito à assistência médica”.
Outros autores também discutem como a medicalização presente na sociedade brasileira
pode influenciar na busca pelo acesso universal e equinâme, transformando-o em uma procura
pelo acesso ao consumo.
Afirma Barros (2004, p.53):
[...] paralelamente às influências do mecanicismo e à extrapolação de seu
raciocínio do mundo físico, do universo, para o mundo dos seres vivos, a
medicalização sofre o impacto, a partir da revolução industrial que instaura o
capitalismo, da transformação de tudo em mercadoria, em princípio
destinada a produzir lucros. Está aberto o campo para a gestação do
‘complexo-médico-industrial’ e para a mais ampla possível mercantilização
da medicina, com todos os malefícios daí decorrentes, especialmente no
acesso não equânime e universal aos serviços médico-assistenciais, inclusive
aos essenciais e o que é mais grave, ainda, nas sociedades, como a nossa,
marcada por cruel concentração da renda e, a partir daí, de todos os bens e
serviços.
[...] na medida em que o acesso ao consumo foi convertido no objetivo
principal para o desfrute de níveis satisfatórios de bem-estar, bons níveis de
saúde passaram a ser vistos como possíveis na estreita dependência do
acesso a tecnologias diagnóstico-terapêuticas.
Esse processo de medicalização que a sociedade brasileira tem vivenciado, acrescido de
uma “nova conformação” da saúde pública do país, fundamentado nos ideais do
neoliberalismo, com ênfase na dicotomia do público e do privado, interfere diretamente no
acesso aos serviços públicos de saúde.
Na expressão de Assis et al. (2003, p. 822):
[...] o sustentáculo sobre o qual se desenvolveu a ideologia neoliberal no
campo da saúde foi gestado na própria conformação organizativa do sistema
de saúde brasileiro que sempre impôs à sociedade uma cidadania restrita e
regulada, criando condições para se reproduzir na prática uma estrutura de
serviços que prioriza a privatização em dissonância com a legislação
sanitária.
Estes autores também concordam que:
[...] no cenário nacional convivemos com acessos seletivos, excludentes e
focalizados que se complementam e se justapõem nos diferentes serviços
públicos e privados, havendo, portanto, um descompasso entre a legislação e
a legitimidade social.
(ASSIS et al., 2003, p. 816).
Para Giovanella e Fleury (1996), o acesso seletivo está relacionado com a desigualdade
de acesso e com a distribuição de benefícios baseadas no poder de compra dos usuários.
O acesso excludente é fundamentado na lógica do mercado, vinculando o direito à
assistência universal ao racionamento dos gastos com a saúde, propiciando a piora da
qualidade da atenção concedida nos serviços públicos de saúde e excluindo, portanto, parte da
sociedade que tem um maior poder financeiro e de organização. Também o acesso é
considerado focalizado quando limita o atendimento do usuário a determinados serviços ou
programas, gerando uma universalização da atenção desarticulada e segmentada. (ASSIS et
al., 2003).
Nessa perspectiva, a entrada e o uso dos serviços de saúde são vistos pelos usuários não
como uma questão de um direito seu enquanto cidadão, mas como um acesso ao mercado de
saúde, regido pelas leis da oferta e da procura, do qual os usuários só poderão fazer parte
mediante o pagamento por tais serviços e pela comprovação de carência.
Afirma Barros (2004, p.171):
[...] os fatos concretos nos levam, pois, a concluir que as reformas
econômicas de feição neoliberal implementadas em vários países da América
Latina, incluindo, obviamente, as ocorridas no setor saúde, tiveram
repercussões negativas no acesso aos serviços de saúde e, em conseqüência,
na assistência farmacêutica.
Nesse sentido, considerando as diretrizes do SUS brasileiro, entendemos que a
universalidade do acesso significa que toda a população deve ter acesso aos serviços de saúde,
sendo a eqüidade do mesmo entendida como o tratamento igual recebido pela população nos
serviços de saúde.
Conforme Stephan-Souza (2001), a análise da questão do acesso implica dimensioná-la
junto à inclusão e exclusão aos direitos à saúde, universalização e focalização, financiamento,
controle social, articulação entre os níveis do sistema público de saúde, todos considerados
indissociáveis, principalmente no tocante ao uso dos medicamentos e de tecnologias
essenciais.
Nessa perspectiva de análise, a compreensão do acesso aos serviços de saúde, e
conseqüentemente, aos medicamentos tamm requer o entendimento das dimensões da
universalidade e excludência e de como estas convivem, muitas vezes, de maneira conflituosa
no cotidiano dos usuários do SUS. “A universalidade é definida como princípio básico do
SUS que assegura o direito de toda a população brasileira a ter acesso à saúde. A excludência
significa a recusa, a privação e a impossibilidade de receber atendimento” (STEPHAN-
SOUZA, 2001, p.10).
Todavia, o acesso igualitário aos serviços de saúde não é sinônimo da eqüidade de
acesso à saúde.
[...] as desigualdades em saúde refletem, dominantemente, as desigualdades
sociais, e, em função da relativa efetividade das ações de saúde, a igualdade
no uso de serviços de saúde é condição importante, porém não suficiente,
para diminuir as desigualdades existentes entre os grupos sociais no adoecer
e no morrer.
TRAVASSOS (1997, P.326).
Essa situação tende a se agravar no âmbito do setor saúde brasileiro, principalmente
devido à escassez dos recursos destinados à saúde e à escassez dos medicamentos utilizados
para o tratamento das doenças.
Nesse contexto, as pessoas que possuem recursos, conseguem satisfazer suas
necessidades, buscando o desfrute de boas condições de saúde por meio do consumo
exagerado de procedimentos e de medicamentos.
Na expressão de Barros (2004, p.54):
[...] se é verdadeira a assertiva de que no Brasil há um intensivo processo de
medicalização, também é verdade que um grande contingente da população
continua à margem do consumo de medicamentos, muitos deles
supostamente essenciais, o que se dá, paralelamente, a um uso de produtos
desnecessários ou supérfluos para o que contribuem valores que passam a
erigir-se como fundamentais para a vida saudável.
Isso reforça a idéia de que o acesso aos medicamentos também tem sido orientado
seguindo-se as leis do mercado, favorecendo o forte capital e restringindo sua aquisição
potencial por parte da população, sem, ao contrário, contribuir para assegurar a saúde.
De acordo com a Constituição Federal, artigo 2º, (CARVALHO e SANTOS, 1995, p.
55), “[...] a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. O direito à saúde não se resume somente ao
acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos essenciais, incluem-se nele também os
fatores determinantes e condicionantes da saúde: alimentação, habitação, educação, lazer,
trabalho, renda, transporte, meio ambiente e cultura, entre outros. Esse entendimento
ampliado da saúde, enquanto direito social, possibilita aos usuários do SUS o exercício da
cidadania.
Conforme Giovanella e Fleury (1996, p. 188):
[...] a legalidade de uma proposta não garante, em si, a sua implementação.
Não se muda a sociedade, por decreto ou lei. A correlação de forças, acordos
e negociações necessários à promulgação de uma lei não são suficientes ou
idênticos àqueles que possibilitem a sua execução. A sociedade brasileira,
altamente segmentada, criou formas de manter e traduzir esta segmentação
no interior de um sistema legal e administrativamente unificado e
universalizado, diferenciando o acesso e a qualidade da atenção.
Nessa perspectiva, os medicamentos são compreendidos como um componente
estratégico da política de saúde, a qual deve incluir a política de medicamentos. Como
afirmam Miralles e Kimberlin (1998, p.345):
[...] os assuntos centrais da utilização de medicamentos nos países em
desenvolvimento giram em torno de dois fatores relacionados ao acesso aos
medicamentos: a “falta” dos medicamentos essenciais (acesso restrito) e o
amplo espectro de medicamentos prescritos e não prescritos (acesso
supervisionado). (...) O acesso aos medicamentos tem sido uma questão de
interesse público no que diz respeito ao Brasil e aumentará provavelmente
como prioridade econômica e política.
19
19
Livre tradução da autora. “The central issues of medication use in developing countries revolve around two
related concerns about access to medicines: the scarcity of “essential medicines” (restricted access, and the
popular use of a broad spectrum of prescription and non-prescription medications outside the purview of medical
4.2 Acesso aos medicamentos
Apesar do acesso aos medicamentos estar assegurado como direito social, a maioria da
população do país permanece privada desse acesso no cotidiano dos serviços de saúde.
[...] a saúde da população não depende somente dos serviços de saúde, e
menos do uso dos medicamentos. É sabido que muitos fatores incidem no
estado de saúde, como boa moradia, água potável, nutrição e educação,
especialmente dirigida às mulheres. No entanto, na prática, a prestação de
serviços de saúde absorve uma grande parte dos investimentos da sociedade
em saúde. Os medicamentos, hoje, ocupam um lugar dominante no sistema
de saúde e no tratamento das doenças. A porcentagem que os sistemas de
saúde dedicam à utilização dos medicamentos varia de 8% em alguns países
desenvolvidos, até 40% para alguns países em desenvolvimento.
JONCHEERE (1997, P.49).
Essa afirmativa confirma o grande interesse na discussão sobre o uso indiscriminado
dos medicamentos e das tecnologias. Por outro lado, sabe-se que uma grande parcela da
população brasileira não tem acesso aos medicamentos, apesar de serem imprescindíveis para
o tratamento das doenças. Diante de tal situação, quemo tem condições para comprar os
medicamentos fica sujeito à sua distribuição pouco eqüitativa, o que pode gerar uma condição
de exclusão dos bens e serviços de saúde. Nesse cenário, o acesso, assegurado como direito,
transforma-se em troca de favores, em escolhas trágicas, ou seja, em escolhas subjetivas e sem
critérios explicáveis, atendendo somente uma parcela dos usuários.
De acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) (2005, p.31):
[...] a situação mundial do acesso a medicamentos essenciais é ainda
considerada crítica. Embora o acesso à saúde seja um direito fundamental,
no qual está incluído o acesso a medicamentos essenciais, estima-se que
cerca de dois bilhões de pessoas (1/3 da população mundial) não têm acesso
regular a esses medicamentos.
Conforme Bennett et al (1997, p. 26), “O reconhecimento da saúde como um direito
fundamental implica na responsabilidade do Estado em assegurar o acesso aos serviços de
saúde, incluindo aos medicamentos essenciais”.
20
No tocante à compreensão da categoria
acesso aos medicamentos esta deve ser fundamentada na complexidade do campo da saúde e
nas particularidades que envolvem os medicamentos.
supervision (unsupervised access). (…)Access to medications has been a matter of public concern in Brazil and
will likely increase as political and economic priority.
20
Livre tradução da autora. “Recognition of health as a fundamental human right brings with it the responsibility
of the state to ensure access to health care, including essential drugs.
Afirma Luíza (2003, p. 21):
[...] o acesso aos medicamentos é uma questão que se insere no acesso aos
cuidados de saúde. Estes constituem uma prestação de serviços, que se
consuma no momento em que é realizado, delimitando assim, de forma
bastante clara, o momento da utilização ao qual corresponde o acesso que se
pretenda estudar.
Dentro desse contexto, a OMS (2000) estabeleceu os objetivos a serem atingidos para
aumentar e garantir o acesso aos medicamentos: seleção racional, preços acessíveis,
financiamento sustentável e sistemas de saúde e de abastecimentos confiáveis. A seleção
racional consiste no desenvolvimento de uma lista nacional contendo os medicamentos
essenciais e os procedimentos de tratamento. No tocante aos preços dos medicamentos
essenciais, estes devem ser de fácil acesso para os governos, para os provedores dos serviços
de saúde e para os usuários. Em relação ao financiamento sustentável, este pode ser obtido
através de mecanismos de financiamento eqüitativos, como recursos financeiros públicos e
políticas públicas de saúde. Os sistemas de saúde e de abastecimentos confiáveis devem
incluir um acordo dos serviços de fornecimentos dos setores públicos e privados.
Percebe-se, portanto, que apreensão do acesso aos medicamentos deve levar em
consideração o cenário sócio-econômico e político em que se encontram os serviços de saúde.
Esse cenário envolve, em muitos casos, a participação de atores sociais com posições
conflitantes, uma vez que os medicamentos tanto podem ser usados para atender à lógica de
mercado, como também podem ser utilizados a favor de uma coletividade.
Conforme a OMS (2000), para o usuário, ter acesso aos medicamentos essenciais
significa que estes podem ser obtidos dentro de uma distância de deslocamento razoável
(acesso geográfico) e com facilidade nos serviços de saúde (acesso físico) e com preços mais
baixos (acesso econômico).
Portanto, o entendimento da categoria acesso aos medicamentos deve ser realizado a
partir das dimensões abordadas para o acesso aos serviços de saúde, trabalhando-se os
obstáculos que podem dificultar o acesso aos medicamentos, bem como as condições que
podem torná-lo mais fácil.
Na expressão de Luíza (2003, p.24):
[...] o estudo do acesso deve ser dirigido de forma a substanciar ou monitorar
as intervenções realizadas, de forma que deverá estar mais preocupado em
identificar as barreiras de acesso e as características da população usuária,
onde interessará saber tanto as imutáveis, às quais o sistema prestador deve
procurar se adaptar para atender, quanto as mutáveis e passíveis de alteração
pela ação das intervenções. Amplificado pelo aspecto de mercadoria do
medicamento, muitos dos determinantes que modulam as barreiras ao seu
acesso estão fora do sistema de saúde e do alcance direto das políticas
exclusivas desta área.
Ao se trabalhar a categoria acesso aos medicamentos vinculado ao contexto econômico,
deve-se considerar a capacidade de compra dos usuários e o custo do atendimento nos
serviços de saúde, englobando uma das dimensões do acesso, a capacidade financeira.
[...] o poder de compra é certamente a mais nevrálgica questão do acesso aos
medicamentos, ponto central de boa parte do debate atual sobre o tema. As
políticas nesta área podem ter o objetivo de reduzir o preço dos
medicamentos ou atuar nos mecanismos de financiamento. Os países têm
adotado diferentes formas de financiamento e provisão dos cuidados em
saúde, incluindo os medicamentos.
LUÍZA (2003, P.24).
No Brasil, o financiamento da ude, a partir da constituição do SUS (BRASIL, 1988),
foi garantido pelo Estado, por meio do orçamento da seguridade social. Depois de
transcorridos aproximadamente cinco anos da institucionalização desse sistema, a coerência
do financiamento da saúde foi suprimida, isto quer dizer que não competia mais à previdência
social o custeio da saúde. Tal situação agravou ainda mais a disponibilidade de recursos para
a saúde, principalmente em relação à aquisição de medicamentos que, muitas vezes, passou a
ser realizada por meio da esfera privada.
Nos países em desenvolvimento, grande parte (de 50 a 90%) dos gastos com produtos
farmacêuticos ainda é financiada pelo setor privado. (VELÁSQUEZ et al., 1999). Para Luíza
(2003, p. 25), “[...] Isto significa que exatamente as populações mais pobres são as que mais
arcam diretamente com as despesas dos medicamentos que consomem”.
O Brasil se insere nesse cenário, principalmente quando se leva em consideração a
distribuição de renda e a capacidade de adquirir determinados bens e serviços de saúde,
incluindo os medicamentos.
Como afirmam Marin et al. (2003, p. 118):
[...] convivendo com um dos piores níveis de distribuição de renda do
mundo, a iniqüidade quanto às condições de vida se reflete também no
acesso aos medicamentos, seguindo o mesmo comportamento apresentado
pelo acesso a outros insumos básicos no país. O mercado brasileiro está
seguramente entre os dez maiores do mundo na atualidade. Apesar disso,
somente 1/5 da população é consumidora regular de medicamentos.
Nessa perspectiva, percebe-se que a população brasileira permanece estratificada, no
que se refere ao modo de obtenção do medicamento de que necessita, mesmo sendo este
garantido constitucionalmente como um direito universal à saúde.
Na expressão de Fischer-Pühler (2002), baseando-se na capacidade de aquisição
financeira, a população brasileira pode ser divida em três faixas econômicas (renda baixa,
média e alta). Para a população de baixa renda, que possui baixo poder aquisitivo, o acesso
aos medicamentos ocorre através da distribuição gratuita dos medicamentos componentes dos
programas do Ministério da Saúde (Farmácia Básica, Farmácia Popular, Farmácia Mulher,
Farmácia Hipertensão Arterial, Farmácia Diabetes Mellitus, Medicamentos Estratégicos,
Excepcionais e de Saúde Mental) pelos serviços públicos de saúde. Para a população de
renda média e alta, este acesso ocorre baseado na possibilidade de comprar os medicamentos
em drogarias e/ou em farmácias privadas. Além disso, estas faixas também podem obtê-los na
rede pública, por meio dos programas disponibilizados.
Conforme Machado-dos-Santos (2001), 15% da população brasileira que possui uma
renda superior a dez salários mínimos, consome 48% do mercado total de medicamentos, ao
passo que 51% da população, que tem uma renda abaixo de quatro salários mínimos, é
responsável somente por 16% do consumo deste mercado.
[...] evidenciam-se, então, dois aspectos preocupantes no tocante à
assistência farmacêutica: de um lado, observa-se uma pequena parcela da
população consumindo em excesso, enquanto, num outro extremo, existe
uma maioria sem acesso adequado aos medicamentos necessários. Isso, por
sua vez, associado à escassez de recursos, impõe o grande desafio de
promover a melhoria da eqüidade no acesso [...].
(MACHADO-DOS-
SANTOS, 2001, p.6).
Uma outra dimensão do acesso aos serviços de saúde de grande interesse, quando se
busca a compreensão do acesso aos medicamentos, é a disponibilidade. Esta faz referência ao
fornecimento de profissionais e de serviços de saúde, Penchansky e Thomas (1981). Porém, o
entendimento dessa dimensão pode ser ampliado no sentido de contemplar também o
provimento dos medicamentos, por serem insumos básicos de saúde. Luíza (2003) afirma que
a garantia do acesso aos medicamentos requer, além da análise do poder de compra dos
medicamentos e do financiamento, que o medicamento seja disponibilizado para os usuários
no instante em que eles precisem usá-lo, com a preservação de sua qualidade e da quantidade.
Logo, entende-se que a disponibilidade está intrinsecamente relacionada a dois outros
fatores: disposição (oferta) e procura (demanda). Nos serviços públicos de atenção básica em
saúde, essa disposição caracteriza-se pela necessidade dos medicamentos por parte dos
usuários, que representam a demanda. Nesses serviços, em muitos casos, a oferta de
medicamentos é insatisfatória em relação à demanda, o que compromete a qualidade dos
serviços prestados e, conseqüentemente, do tratamento prescrito. Segundo Bermudez (1997,
p. 73), “[...] A provisão de medicamentos no setor público é um elemento fundamental de
apoio às ações de saúde”.
Na expressão de Machado-dos-Santos (2001), a disponibilidade dos medicamentos e dos
serviços farmacêuticos são fatores-chave, para que se tenha uma boa credibilidade na atenção
à saúde. Os medicamentos propiciam uma maior adesão e participação da comunidade aos
programas desenvolvidos para a prevenção de doenças e para a promoção da saúde.
Conforme Luíza (2003, p.25):
[...] a disponibilidade é assim outra importante dimensão do acesso e
dependerá da demanda e da oferta e seus respectivos determinantes, para que
concorrem, do ponto de vista da demanda, todas as variáveis do modelo de
Aday y Andersen (1974) relativas à necessidade (morbidade real e
percebida), predisposição (sócio demográficas, crenças e atitudes em relação
à saúde e ao uso de medicamentos) e capacidade (habilidade de lidar com as
barreiras de acesso) de uso de medicamentos que caracterizam a população
usuária. A disponibilidade dos medicamentos nos serviços de dispensação
dependerá, inicialmente, do ponto de vista da oferta, da disponibilidade dos
produtos num mercado específico, para o que concorrem uma série de
aspectos como a qualidade do sistema de registro, a existência de produção
nacional, o sistema de importação e o sistema de captação de doações.
Na apreensão da categoria acesso aos medicamentos, a dimensão acessibilidade
geográfica também deve ser considerada de suma importância. A partir desta dimensão poder-
se-á fazer uma análise das características espaciais que podem dificultar ou promover o acesso
aos medicamentos, como a localização dos serviços de saúde dentro de uma determinada
localidade, e os recursos médicos disponíveis para os usuários dos serviços de saúde,
inclusive os medicamentos.
[...] a acessibilidade geográfica dos serviços que realizam a provisão de
medicamentos aos usuários é outro fator importante. Tendo em vista que
podem coexistir diferentes mecanismos de financiamento e provisão, é
importante que cada um deles seja acessível à sua clientela alvo.
(LUÍZA,
2003, p.26).
Também no tocante à acessibilidade geográfica aos medicamentos, Bennett et al. (1997,
p.26) afirmam que:
[...] a acessibilidade geográfica de medicamentos essenciais pode ser
promovida através do setor público e ou do setor privado.
Independentemente da estratégia ou da combinação de estratégias
escolhidas, o governo deveria assegurar a disponibilidade de medicamentos
no serviço público de saúde. Sem tais medicamentos, a credibilidade do setor
público sofre danos, outros insumos como os recursos pessoais são
desperdiçados e os modelos inadequados de consumo de medicamentos
podem ser incentivados.
21
Quando se analisa o acesso aos medicamentos nos serviços de saúde, uma outra
dimensão proposta por Penchansky e Thomas (1981) para o estudo do acesso nestes serviços
pode ser importante, a aceitabilidade. Esta consiste em relacionar as atitudes esperadas pelos
usuários com as características pessoais, com as práticas concretas percebidas nos
profissionais de saúde e com as posturas destes perante às características que venham a ser
reconhecidas de parte dos usuários.
Nesse sentido, a aceitabilidade está vinculada à satisfação das necessidades dos usuários
dos serviços de saúde, ao tempo aguardado para receber os medicamentos e à orientação
quanto ao seu uso correto. Segundo Luíza, (2003, p.26), “[...] cabe considerar a adequação de
produtos e serviços oferecidos às características, necessidades e expectativas do usuário,
assim como a adequação aos padrões técnicos de funcionamento”. Essa autora prefere a
substituição do termo aceitabilidade por adequação, pois entende a aceitabilidade como o
resultado e não como uma dimensão do acesso.
Portanto, após a apreensão das dimensões que englobam o acesso aos medicamentos nos
serviços de saúde, opta-se pela definição do acesso aos medicamentos como sendo:
[...] a relação entre a necessidade de medicamentos e sua oferta, na qual a
necessidade é satisfeita no momento e no lugar requerido pelo paciente/
consumidor, com a garantia de qualidade e de informação suficientes para o
seu uso adequado.
(LUÍZA, 2002, p.4).
Nessa perspectiva, pode-se compreender que o acesso aos medicamentos se traduz no
real atendimento do usuário. Conforme Luíza (2003, p. 21), “[...] os principais resultados
desejados do acesso aos medicamentos são a utilização racional e a satisfação do usuário”. No
tocante ao uso racional dos medicamentos, deve-se levar em consideração os vários fatores,
dentre eles a efetividade dos medicamentos.
Como afirmam Pécoul et al. (1999, p.361):
21
Livre tradução da autora. “Geografical accessibility of essential drugs may be promoted through the public
and/ or private sector. Regardless of the strategy or mix of the strategies chosen, government should ensure the
availability of essential drugs in public health care facilities. Without such drugs the credibility of the public
sector is damaged, other inputs such as staff time are wasted and inappropriate drug consumption patterns may
be encouraged”.
[...] a efetividade dos medicamentos depende de uma longa cadeia de
fatores: pesquisa e desenvolvimento (P&D) de um apropriado agente
farmacêutico, produção, controle de qualidade, distribuição, controle de
produção, informações confiáveis para os profissionais de saúde e para o
publico em geral, diagnóstico, prescrição, acessibilidade financeira,
dispensação de medicamentos, adesão ao tratamento e farmacovigilância.
Em cada nível, aqueles envolvidos podem ter conflitos de interesse, e as
populações pobres são as primeiras a sofrer os efeitos da quebra dos frágeis
elos desta longa cadeia. Atualmente, em populações inteiras falta o acesso
para medicamentos essenciais de qualidade, e a situação parece estar
deteriorando-se mais com a marginalização de uma grande parte da
população mundial.
22
Em relação à satisfação das necessidades dos usuários do sistema público de saúde em
relação aos medicamentos, entende-se que esta só se realizará completamente, quando o
acesso se encontrar plenamente materializado como direito social no interior de uma
sociedade menos desigual.
4.3 Acesso aos medicamentos como direito social
A discussão sobre o acesso aos medicamentos sob o enfoque dos direitos sociais, centra-
se no pressuposto de que as diretrizes do SUS estão legitimadas como política de Estado, mas
não se encontram completamente materializadas no interior da sociedade brasileira devido às
formas de aplicação de financiamento em saúde.
Segundo Velásquez e Boulet (1999, p. 25), “[...] os medicamentos têm um papel social
significativo, em que eles são parte integrante da realização do direito fundamental humano –
o direito à saúde”
23
. Percebe-se que o acesso aos medicamentos somente poderá ser obtido
através das tentativas de equacionar a equidade social e a justiça social. Conforme Bennett et
al (1997, p.3):
[...] a equidade do acesso significa que os medicamentos essenciais são
passíveis de serem adquiridos (ou pagos) e estariam para a população inteira.
No mercado livre o acesso poderá ser fundamentado na capacidade das
22
Livre tradução da autora. “The effectiveness of drugs depends on a long chain of factors: research and
development (R&D) of an appropriate pharmaceutical agent, production, quality control, distribution, inventory
control, reliable information for health care professionals and the general public, diagnosis, prescription,
financial accessibility, drug dispensing, observance, and pharmacovigilance. At each level, those involved may
have conflicting interests, and poor populations are the first to suffer the effects of frail links in this long chain.
Today, entire populations lack access to essential quality drugs, and situation appears to be deteriorating, further
marginalizing much of the world’s population.
23
Livre tradução da autora. “Drugs play a significant social role in that they are an integral part of the
realization of fundamental human right – the right to health”.
pessoas e na boa vontade em pagar os medicamentos, não nas suas
necessidades por eles [...].
24
Segundo Pécoul et al. (1999, p.361), “[...] a falta do acesso aos medicamentos essenciais
ou vacinas por causa de razões econômicas, levanta novas questões em relação aos direitos
humanos em um mundo que permanece dividido entre países ricos, países em
desenvolvimento, e o resto do mundo [...]”
25
.
Estes autores afirmam que “o acesso aos medicamentos essenciais é um direito básico
humano freqüentemente negado às pessoas em países pobres [...]” (PÉCOUL et al., 1999,
p.367)
26
.
Portanto, compreende-se que, para assegurar efetivamente o acesso aos serviços de
saúde, aos medicamentos e à assistência farmacêutica é preciso que esse acesso seja
apreendido sob o enfoque dos direitos sociais e não sob a perspectiva da política neoliberal
vigente na sociedade brasileira.
Na expressão de Silva (2000, p.118):
[...] o princípio fundamental que deve nortear o setor de saúde, aí incluída a
assistência farmacêutica, é o direito de todas as pessoas. A eqüidade na
saúde é um direito de todos os cidadãos e está na Constituição. Os ajustes
econômicos têm sido priorizados sobre as necessidades da população, entre
elas a eqüidade e o acesso a medicamentos. Portanto, aumentar esse acesso é
essencial para se obter melhores resultados no setor de saúde.
Entretanto, para que ocorra uma assistência farmacêutica efetiva de acordo com os
princípios e com as diretrizes do SUS, é necessário que os usuários deste sistema, tenham o
acesso aos medicamentos materializados e não somente legitimados.
Afirma Bonfim (1997, p.23):
[...] é claro que, no Brasil, os extensos contingentes depauperados e os
usuários do sistema público de saúde devem receber gratuitamente os
medicamentos, condição sine qua non de assistência farmacêutica integral
prevista no Sistema Único de Saúde.
24
Livre tradução da autora. “Equity of access means that essential drugs are affordable and available to the entire
population. In a free market access will be based on people’s ability and willingness to pay for drugs, not on
their need for drugs (…)”.
25
Livre tradução da autora. “The lack of access to essencial drugs or vaccines because of economic
reasons raises new human rights issues in a world that remains divided among wealthy counries,
developing countries, and the rest f the world (...)”.
26
Livre tradução da autora. “Access to essential drugs is a basic human right often denied to people in poor
countries (...)”.
Dentro desse cenário desfavorável em que ocorre o acesso aos serviços de saúde e aos
medicamentos, torna-se de suma importância a compreensão dos conceitos de saúde e de
direito, ambos são complexos e orientam os critérios para a obtenção de tal acesso.
O conceito ampliado de saúde não se resume apenas à ausência de doenças, deve-se
levar em consideração as características físicas, psíquicas e sociais inerentes ao processo. Tal
conceito possibilita a introdução da saúde no cenário do direito, pois esta passa a ser
interpretada como um direito social, devendo ser assegurada pelo Estado democrático.
Todavia, o entendimento do conceito de direito possui vários enfoques, de acordo com o
cenário em que se insere. Conforme Dallari (1988, p.4):
[...] a palavra direito refere-se a um ramo do conhecimento humano – a
ciência do direito -, ao mesmo tempo em que esclarece seu objeto de estudo:
o direito, um sistema de normas que regulam o comportamento dos homens
em sociedade. Muitas vezes, se emprega a palavra direito em sentido
axiológico como sinônimo de justiça e, muitas outras em sentido subjetivo, é
o meu direito [...].
Uma outra apreensão do direito propõe que este não pode ser desvinculado das
transformações ocorridas na sociedade.
[...] colocados na ótica da sociedade, os direitos não dizem respeito apenas
às garantias formais inscritas nas leis e instituições. Não se trata, longe disso,
de negar a importância legal da armadura institucional garantidora da
cidadania e da democracia. A questão é outra. O que se está aqui propondo é
pensar os direitos em um outro registro. Pois, pelo ângulo da dinâmica
societária, os direitos dizem respeito, antes de mais nada, ao modo como as
relações estruturais se relacionam.
TELLES (1999, P. 137, 138)
Ao trabalhar o direito sob o enfoque dos direitos humanos, Bobbio (2004) afirma que
estes são coisas desejáveis, fins que merecem ser perseguidos e que, apesar disto, ainda não
foram todos eles reconhecidos. Além disso, segundo esse autor, esses direitos se modificam
de acordo com as mudanças das condições históricas, isto é, de acordo com as necessidades,
com os interesses, com as classes que detêm o poder e com os recursos disponíveis para a
realização dos mesmos e das transformações técnicas.
No tocante aos direitos sociais, uma outra perspectiva de análise entende-os a partir das
transformações societárias, vivenciadas em um espaço coletivo, por meio da expressão de
lutas, ou seja, compreendem que os direitos sociais devem ser trabalhados a partir das
relações concretas estabelecidas no interior da sociedade.
Segundo Nogueira e Pires (2004, p.755):
[...] os direitos sociais não devem ser entendidos como uma ficção jurídica, o
que favorece o obscurecimento das críticas sobre sua não-garantia,
reduzindo seu potencial político de transformação sócio etária. É preciso
afastar-se da visão de um ideal de direito social que não se realiza no plano
concreto. É preciso considerar a universalidade e a igualdade em sua
expressão plena, evidenciando as formas de relações sociais estabelecidas e
transitando entre o plano dos valores e da materialidade efetiva [...].
Dentro dos direitos sociais, torna-se necessário diferenciar o direito sanitário do direito à
saúde, delimitando seus espaços de atuação. O direito sanitário refere-se mais às normas a
serem aplicadas judicialmente para proteger a saúde da população.
Na expressão de Dallari (1988, p. 9):
[...] o ensino do direito sanitário, compreendida a evolução conceitual da
saúde, implicará seu exame enquanto direito individual, enfatizando, por
exemplo, as regras do contrato entre o médico e o paciente, não se
esquecendo, contudo, de examiná-la enquanto direito coletivo. Dever-se-á,
portanto, estudar as normas que disciplinam a proteção da saúde da
comunidade, assim como as medidas de caráter particular que possibilitam
tal proteção (a vacinação, o isolamento, o tratamento compulsórios) [...].
Em relação ao direito à saúde, a autora considera suas múltiplas expressões:
[...] o termo é empregado com seu sentido de direito subjetivo na
reivindicação do ‘direito à saúde’. [...]. Observado como direito individual, o
direito à saúde privilegia a liberdade em sua mais ampla acepção. [...].
Examinado, por outro lado, em seus aspectos sociais, o direito à saúde
privilegia a igualdade. [...]. Enquanto direito coletivo, a saúde depende
igualmente do estágio de desenvolvimento do Estado. (DALLARI, 1988,
p.4).
Outros autores diferenciam os planos de atuação do direito à saúde. Como afirmam
Nogueira e Pires (2004, p.756):
[...] no plano jurídico, outra distinção é a contraposição entre o direito
individual e o coletivo. No plano individual, a garantia do direito à saúde
envolve a liberdade em várias situações, como, por exemplo, o tipo de
tratamento, a relação com o meio ambiente e as condições de trabalho. A
liberdade individual, assim, implicaria escolhas entre distintas alternativas.
No plano social, o direito à saúde pode ser avaliado em duas vertentes: na
primeira, as exigências aos indivíduos face às necessidades coletivas, que é o
que os obriga a submeterem-se às normas jurídicas, como à vacinação, ao
tratamento, ao isolamento em casos de algumas doenças infecto-contagiosas,
à destruição de produtos impróprios para o consumo, ao controle do meio
ambiente e do ambiente de trabalho; e, a segunda diz respeito a garantia da
oferta de cuidados da saúde a todos que deles necessitam, o que corresponde
ao ideal de igualdade, e que, por sua vez, se submete ao pleno
desenvolvimento do Estado democrático de direito.
Portanto, a interpretação do direito à saúde deve ser pautada na relação estabelecida
entre a universalidade e a igualdade, sob os critérios de justiça defendidos por Marshall
(1977), admitindo os usuários dos serviços de saúde como cidadãos portadores de direitos.
Nesse sentido, o direito à saúde deve ser pensado como uma questão de justiça social e não
como um direito institucionalizado.
Entretanto, na sociedade brasileira, o reconhecimento universal do direito à saúde
ocorreu de modo tardio, somente em 1988, por meio da Carta Magna. Anteriormente a esta,
os direitos sociais, entre eles o direito à saúde, apresentavam-se como benefícios e não como
um direito propriamente dito. Possuíam características restritivas, eram vinculados ao
pagamento de contribuições pelos profissionais à previdência social, propiciando uma
condição de “cidadania regulada”, segundo Santos (1994).
De acordo com a Constituição Federal (BRASIL, 1998), no capítulo ll, na seção ll - Da
Saúde, no artigo 196:
[...] a saúde é direito de todos de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Na contemporaneidade, está ocorrendo uma inversão na interpretação do direito à saúde,
universal e eqüinâme, devido às políticas neoliberais, com tendências a ajustes estruturais, que
estão influenciando a concepção do acesso à saúde.
[...] ainda em relação ao Brasil, a proteção social à saúde foi,
tradicionalmente, conformada com base num modelo bismarkiano
corporativo, do tipo seguro social. Com a consagração do direito à saúde, na
Constituição de 1988, procurou-se a aplicação de um modelo beveridgeano
universalista, por meio da criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas na
década de 1990, o que se observou foi a consolidação de um terceiro
modelo, com dois subsistemas de acesso à atenção à saúde: o SUS e o da
Assistência Médica Suplementar, caracterizando uma dicotomia entre o
público e o particular.
Percebe-se, claramente, a contraposição entre duas concepções de saúde. De
um lado, apresenta-se a concepção de saúde como um direito. E como tal
origina a defesa de sistemas de seguridade social orientados pelos princípios
da universalidade, integralidade, equidade e solidariedade, com vistas em
prover os devidos cuidados de saúde. Inclui-se aí a assistência farmacêutica,
a todas as pessoas, em razão de suas necessidades, independentemente das
condições sociais, econômicas, de emprego ou de localidade geográfica.
De outro lado, apresenta-se uma concepção de saúde objetiva e expropriada
de sua condição humana natural, por meio de lento processo habitual, para
ser apenas recuperada ou recuperável num mercado de bens de consumo (o
fármaco é um deles), e, como tal, jamais sujeita de realizar-se plenamente
ante os característicos da sociedade de consumo moderna. MACHADO-
DOS-SANTOS (2002, P.355).
Nesse contexto, a igualdade passa a ser vinculada à busca do mínimo de acesso.
Desaparece a noção igualdade enquanto justiça social, também ocorre uma isenção da
participação do Estado na garantia efetiva dos direitos, o que o torna um Estado de direito
mínimo.
Na expressão de Nogueira e Pires (2004, p.758):
[...] vem ocorrendo uma mudança na hegemonia do paradigma da eqüidade
em saúde, que vinha sendo defendida pela OMS e suas agências regionais,
em direção a um paradigma de eqüidade em saúde com focalização. Esta
mudança indica que a apreensão do direito à saúde, desde um ideal de
igualdade eqüidade em saúde, está mudando para um entendimento de que o
direito social á saúde incorpora outros critérios distributivos, nomeadamente
o da situação de pobreza e vulnerabilidade social. A forma de financiamento
e a operacionalização das políticas sanitárias aponta para a articulação
público-privado, eximindo-se o Estado de seu papel de garantidor de
direitos.
Nesta perspectiva, entende-se que, apesar do direito à saúde ser reconhecido na década
de 80, ele ainda não se encontra completamente materializado no interior da sociedade
brasileira.
Afirma Dallari (1988, p.5):
[...] fica evidente a dificuldade que existe para a garantia do direito quando
se considera a amplitude da significação do termo saúde e a complexidade
do direito à saúde que depende daquele frágil equilíbrio entre a liberdade e a
igualdade, permeado pela necessidade de reconhecimento do direito do
Estado ao desenvolvimento. Encontrar o meio de garantir efetivamente o
direito à saúde é a tarefa que se impõe de modo ineludível aos atuais
constituintes brasileiros. Não basta apenas declarar que todos têm direito à
saúde; é indispensável que a Constituição organize os poderes do Estado e a
vida social de forma a assegurar a cada pessoa o seu direito.
Percebe-se que existe uma lacuna entre o direito à saúde regulamentado na Constituição
e sua aplicação prática na realidade em que se encontra o setor de saúde brasileiro.
a
firmou-se constitucionalmente o direito de todos ao acesso universal e
igualitário aos cuidados de saúde, fórmula que revela a recepção da justiça
social. Necessita-se, entretanto, de meios materiais para que todos possam
efetivar seu direito à saúde.
DALLARI (1995, P.93).
Para que o direito à saúde seja viabilizado na prática cotidiana dos usuários do SUS, é
preciso que ocorram mudanças estruturais na sociedade brasileira, que devem ser
fundamentadas na relação público-privado, sob o enfoque da universalidade e da igualdade.
Conforme Barros (2004, p.113):
[...] o efetivo usufruto de níveis de saúde, essencial para que um dos direitos
fundamentais do ser humano viabilize-se, inclusive como parte da cidadania
plena, dependerá, em grande medida, de mudanças profundas no modelo
econômico-político dominante.
Portanto, entende-se que o direito à saúde como uma questão de cidadania plena poderá
ser materializado no interior desta sociedade, somente através de uma política social orientada
pelos critérios da universalidade e da eqüidade, que almeje a coesão social, através de ações
do Estado no setor específico da saúde.
Segundo Bobbio (2004, p.43), “[...] o problema fundamental em relação aos direitos do
homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema
não filosófico, mas político”.
Nessa perspectiva compreende-se que para assegurar a população brasileira o acesso à
saúde e consequentemente, aos medicamentos e à assistência farmacêutica como uma questão
de direitos e de justiça social é indispensável a presença do Estado, como agente formulador e
financiador da política pública de saúde articulado com a sociedade civil, deixando este de ser
mínimo e paternalista. Como afirma Luíza (2002, p.4):
[...] o Estado deve assegurar quatro questões essenciais para garantir este
acesso: implantar uma política nacional de medicamentos, assegurar padrões
profissionais para a sua utilização, garantir a disponibilização dos
medicamentos essenciais e implantar políticas voltadas para o uso racional.
Portanto, a reflexão sobre o acesso aos medicamentos é uma categoria central e
indispensável à política de saúde brasileira, principalmente à política nacional de
medicamentos. Esse entendimento propicia a ampliação do conceito de saúde, através da
compreensão da área de saúde como um espaço, onde a cidadania possa ser alcançada de
forma plena, focalizando o cidadão, como sujeito social, portador de direitos e elemento
central das políticas sociais.
5 OBJETVOS
5.1 Objetivo Geral:
- Compreender de que modo ocorre o acesso dos usuários do SUS aos medicamentos
para o tratamento da hipertensão arterial e do diabetes mellitus no município de Juiz de Fora,
sob o enfoque dos direitos sociais.
5.2 Objetivos Específicos:
- Analisar o acesso aos medicamentos fundamentado no conceito de universalidade, o
que significa a extensão do acesso a toda a população.
- Verificar como ocorre o acesso aos medicamentos pelos usuários do SUS diante do
cenário adverso da medicalização em que se encontra a sociedade brasileira.
6 PERCURSO METODOLÓGICO
Com a finalidade de compreender de que modo ocorre o acesso dos usuários do SUS aos
medicamentos para o tratamento da Hipertensão Arterial e do Diabetes Melittus no município
de Juiz de Fora, sob o olhar do usuário e sob o enfoque dos direito sociais, se utilizará como
fundamento metodológico, a pesquisa qualitativa. Os dados a serem interpretados foram
recolhidos nas unidades básicas de saúde (UBS) deste município, por entender que este local é
o cenário adequado para a realização do estudo pretendido, pois permite o contato direto com
os usuários.
6.1 As unidades básicas de saúde
Ao decidir pesquisar como os usuários do SUS compreendem o acesso aos
medicamentos para o tratamento da hipertensão arterial e do diabetes mellitus, optou-se por
realizar uma investigação qualitativa. Essa escolha ocorreu devido à preocupação de se
estabelecer um contato direto com os usuários e funcionários das UBS no dia-a-dia, a fim de
encontrar as respostas para as questões colocadas, privilegiando a interação entre os sujeitos a
serem pesquisados e o pesquisador. Desse modo, estabeleceu-se um processo dialógico e
reflexivo com base na intersubjetividade.
Como afirmam Bogdan e Biklen (1994), a ‘Investigação Qualitativa’ é um tipo de
abordagem cuja metodologia de investigação tem ênfase na descrição, na indução e nos
estudos das percepções pessoais. Por não trabalhar com variáveis, com hipóteses previamente
definidas a serem testadas e com dados possíveis de serem quantificados, a pesquisa
qualitativa busca a construção de interpretações dos fenômenos sociais, partindo do olhar dos
sujeitos envolvidos na investigação.
Na pesquisa qualitativa, os ‘dados’ adquirem um significado central a partir da
interpretação, ou seja, não interessa nesse tipo de abordagem a quantidade dos ‘dados’
obtidos, mas sim a qualidade destes. Portanto, esta investigação busca compreender o
fenômeno em foco através da interpretação de dados obtidos num primeiro momento na
observação de campo e no segundo em gravações em áudio dos grupos focais. Os dados
foram analisados a partir da representação social.
Segundo Minayo (1998, p. 173), “[...] as Representações Sociais enquanto censo
comum, idéias, imagens, concepções e visão de mundo que os atores sociais possuem sobre a
realidade, são um material importante para a pesquisa [...]”.
Conforme Bogdan e Biklen (1994, p. 16):
[...] ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa possam vir a
selecionar questões específicas à medida que recolhem os dados, a
abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a questões
prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam, essencialmente, a compreensão
dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação.
A partir desse referencial metodológico e, por acreditar que a pesquisa qualitativa daria
os subsídios necessários para a compreensão das indagações, num campo em que há o
predomínio de pesquisas quantitativas, a pesquisadora inseriu-se internamente nas unidades
básicas de saúde de Juiz de Fora. Neste ambiente natural dos usuários do SUS em busca de
atenção primária, ela estabeleceu um contato direto com estes e com os profissionais de saúde.
Esse primeiro momento da pesquisa foi de suma importância, uma vez que, no percurso
feito para as UBS de carro ou de ônibus, pode-se observar as condições de moradia, a forma
como se vestiam os moradores, a infra-estrutura dos bairros, as condições de acesso às
unidades básicas de saúde, entre outros fatos indispensáveis para a construção do olhar
qualitativo. Essa interação cotidiana revelou uma amplitude de dados, que foram coletados ao
acaso, propiciando a entrada da pesquisadora para o universo diário dos usuários das UBS.
Portanto, a partir desse período deu-se início à técnica de observação de campo.
A observação de campo é um tipo de instrumento usado por investigadores qualitativos
com a finalidade de recolher os dados, através do encontro com os sujeitos a serem
pesquisados no campo, ambiente natural, onde os sujeitos realizam suas atividades quotidianas
(BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Durante os meses de maio a outubro de 2007, em diferentes períodos de horas e de turnos
de funcionamento (manhã ou tarde), a pesquisadora esteve presente diariamente nas UBS,
enfrentando filas, aguardando sentada ou em pé na sala de espera, ou esperando no balcão,
como se fosse um usuário do SUS demandando atendimento. Primeiramente, se observou os
aspectos físicos, os objetos e todos os acontecimentos que envolviam aquele espaço. Também
se observou a postura dos profissionais de saúde em relação aos usuários, assim como as
atitudes, as falas, os gestos, os olhares e as expressões faciais e corporais dos usuários que
estavam à espera de atendimento.
Na expressão de Turato (2005, p. 32):
[...] o investigador qualitativo, quando vai para o campo estudar “as coisas”,
não é a elas em si que ele vai se ater. Em se tratando de pesquisa qualitativa,
as “coisas” são as pessoas ou as comunidades em sua fala e em seu
comportamento. E mais é sempre no setting natural que ocorre o estudo, e
nunca em um ambiente reprodutor de situações, como laboratórios,
gabinetes, etc. Mas, se não é a coisa que lhe interessa, o alvo do interesse do
estudioso é, por outro lado, o significado que essas coisas ganham, ou
melhor, as significações que um indivíduo em particular ou um grupo
determinado atribuem aos fenômenos que lhes dizem respeito ou vivenciam.
Num segundo momento da investigação, houve o acompanhamento dos grupos de
hipertensos e de diabéticos das UBS, nos dias agendados para o atendimento ambulatorial.
Sendo assim, pode-se notar as expectativas e frustrações dos inúmeros usuários das unidades
básicas de saúde de Juiz de Fora, em relação ao acesso à saúde.
Para tanto, utilizou-se como instrumento o ‘caderno de campo’, desde o início das
observações, no qual se realizou as anotações, que mais tarde foram transformadas em ‘notas
expandidas’ ou ‘notas de campo’, para serem utilizadas posteriormente, a fim de subsidiar as
análises dos dados.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.150), notas de campo são o relato escrito daquilo
que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os
dados de um estudo qualitativo”.
Após este período do estudo qualitativo, optou-se pela utilização da técnica de grupos
focais, de modo a complementar os dados obtidos anteriormente com a observação de campo.
Para Kitzinger (2006), os grupos focais consistem no desenvolvimento de um tipo
especial de entrevista, a entrevista em grupo, na qual se valoriza a comunicação entre os
participantes da pesquisa para que se possa produzir dados.
Essa técnica utiliza a interação do grupo para captar diferentes tipos de dados. Ou seja,
os participantes do grupo são incentivados a falar uns com os outros, a fazerem perguntas, a
trocarem histórias e a tecerem comentários sobre as experiências e os pontos de vista uns dos
outros. Ela não utiliza roteiros pré-definidos e sim trabalha com elementos temáticos que, aos
poucos, vão sendo ampliados com base na experiência dos grupos focalizados.
Nessa perspectiva, se utilizou os grupos focais com a finalidade de estimular os usuários
das UBS a trocarem opiniões sobre os seguintes elementos temáticos: convivência com a
doença, percepção dos medicamentos e compreensão acerca do acesso ao medicamento
como direito ou como benesse. Portanto, o grupo focal busca focalizar as atitudes, as
prioridades, os valores, a linguagem e a estrutura de compreensão dos participantes.
Essa técnica foi aplicada pela pesquisadora a um grupo de aproximadamente 10 (dez)
usuários que fazem parte do programa Hiperdia em cada uma das 6 (seis) UBS, totalizando 60
usuários. Os usuários desse programa, portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes
mellitus, foram convidados a participar dos grupos focais, antes da realização do atendimento
médico, assinando o termo de consentimento. A escolha das UBS obedeceu ao seguinte
critério: presença do Programa Saúde da Família (PSF) com ou sem residência em saúde da
família nas áreas de enfermagem, medicina e serviço social nas unidades. A opção pelas UBS
que possuíam o PSF e a residência em saúde da família deveu-se à presença de uma equipe
multiprofissional, que recebe orientação dos preceptores de cada uma das respectivas áreas. A
partir de informações obtidas por colegas, profissionais de saúde atuantes na atenção primária
de Juiz de Fora, foram escolhidas 3 (três) UBS que possuem o PSF com o programa de
residentes em saúde da família e 3 (três) UBS que possuem somente o PSF. Os grupos focais
tiveram a duração de aproximadamente 40 (quarenta) minutos e o gravador foi utilizado como
instrumento de coleta de dados.
Após a realização dos grupos, se realizou as transcrições das falas dos participantes e,
logo a seguir, iniciou-se a construção das categorias apontadas, para posterior análise e
apresentação das discussões sobre os resultados. Todos os depoimentos referem-se aos
pacientes do programa hiperdia, membros dos grupos focais realizados nas UBS, e aos
pacientes, fruto da observação de campo.
6.2 Coleta de dados
A partir do referencial teórico da pesquisa qualitativa e do conhecimento obtido através
das aulas de metodologia de pesquisa científica no Curso de Mestrado em Serviço Social da
UFJF, a pesquisadora procurou coletar, organizar e arquivar os dados observados alcançados
por meio da inserção no cotidiano das unidades básicas de saúde.
Para tanto, necessitou-se aproximadamente, de seis meses de trabalho, período
compreendido entre maio e outubro de 2007. Durante a primeira etapa da pesquisa, que se
constitui na observação das UBS e dos grupos de hipertensos e de diabéticos (hiperdia). Isto
é, da observação de campo e da expansão das notas de campo, ela procurou interpretar o
contexto em que se realizou a investigação, sempre fundamentada na literatura selecionada.
Depois de ocorrida a liberação do Comitê de Ética da UFJF (protocolo: 982028/07,
parecer: 039/07) para a realização dos grupos focais, iniciou-se a segunda etapa da pesquisa.
Por meio da análise do material obtido dessa técnica, começou-se a construção das categorias,
sempre procurando fazer um intercâmbio das informações obtidas através da observação de
campo, dos grupos focais e das análises. Logo, dentro deste contexto, a pesquisadora pode
encontrar as respostas para suas as inquietações.
6.3 Ambientes em que a pesquisa foi desenvolvida
Escolheu-se centralizar a pesquisa na atenção primária, por acreditar que esta possui as
condições necessárias para viabilizar a concretização do acesso à saúde e aos medicamentos
pelos usuários do SUS. Para tanto, a pesquisadora trabalhou com 6 (seis) UBS de Juiz de
Fora, devido à possibilidade de obtenção de uma variedade de olhares sobre o tema escolhido.
Ela procurou se inserir nos espaços internos nos quais se desenvolveu a pesquisa que foram os
seguintes: 3 (três) unidades básicas de saúde que possuem o PSF com o programa de
residentes em saúde da família e 3 (três) UBS que possuem somente o PSF, situadas em
diferentes bairros da zona urbana do município de Juiz de Fora.
A partir dessa escolha, se identificou as UBS por cores
27
: Unidades Básicas de Saúde
Amarela, Vermelha, Verde, Branca, Laranja l e Laranja ll, de modo que fosse preservado o
sigilo das informações obtidas, impedindo o seu reconhecimento.
Desse modo, as UBS escolhidas foram as seguintes: UBS VERDE, UBS AMARELA,
UBS LARANJA l, UBS LARANJA ll, UBS BRANCA e UBS VERMELHA.
27
A escolha por cores deve à garantia do anonimato das UBS.
Observações:
- UBS VERDE: A UBS oferece estágio para os alunos da Faculdade de
Enfermagem da UFJF. Ela possui uma grande área física externa e tem estrutura horizontal.
Situa-se no centro do bairro, em uma rua com pouco morro, próxima ao ponto do ônibus,
possui rampa de acesso e escadas. Todos esses fatores tornam fácil o acesso físico à UBS.
Em relação às dependências internas: as salas de atendimento e os consultórios médicos têm
um bom tamanho, são claros e ventilados, adequados para as funções exercidas. A sala de
espera é ampla e possui muitas cadeiras. Neste espaço, também se encontram a secretaria e a
“farmácia”, além de um balcão grande para atendimento.
Apesar desta UBS não possuir residência em saúde da família, o que permite a
integralidade das práticas profissionais a serem desenvolvidas, nela os profissionais
conseguem planejar as atividades a serem desenvolvidas de modo satisfatório. Percebeu-se
um entrosamento da equipe, principalmente em relação aos grupos desenvolvidos (direitos
reprodutivos, serviço de assistência à criança desnutrida (SAD), grupo de gestantes, de
hipertensos e diabéticos). Na UBS também são realizadas atividades físicas com os pacientes
do hiperdia, orientadas por uma professora de educação física diplomada pela UFJF e cedida
pela SME.
Também se pode notar a atenção e o carinho da médica responsável pelo
acompanhamento dos pacientes do hiperdia. Entretanto, percebeu-se o despreparo de uma
auxiliar de enfermagem, ao atender principalmente os pacientes mais idosos no balcão. Ela
entrega os remédios, em um ato mecânico. Isto é, lê a receita rapidamente, pega aqueles
medicamentos que são fornecidos pela UBS e não explica nada ao usuário em relação ao
medicamento. Nesta UBS, todos os usuários reclamaram do tempo esperado pelo
atendimento.
- UBS AMARELA: A UBS possui uma área física externa de tamanho médio, sua
construção desta é horizontal. Ela não se localiza no centro do bairro, situa-se um morro, em
uma rua estreita, perto de terrenos baldios e com mato. É de difícil acesso físico, ficando
longe do ponto do ônibus. No tocante à área interna: a sala de espera é improvisada em uma
varanda coberta, localizada na lateral do prédio, possui bancos de alvenaria e um pequeno
balcão para atendimento. A “farmácia” localiza-se dentro da UBS, sem ventilação e sem
iluminação, é pequena, assim como os consultórios médicos e as demais salas destinadas ao
atendimento. Pode-se perceber, nesta UBS, a precariedade das instalações físicas.
A UBS possui residência em saúde da família, permitindo a integralidade das práticas
profissionais a serem desenvolvidas. No tocante ao modo como os profissionais planejam as
atividades dentro da UBS, percebeu-se um bom entrosamento da equipe. Nessa UBS, notou-
se a realização do acolhimento aos usuários e também a atenção e o carinho dos profissionais
ao atenderem os pacientes.
Pode se perceber o despreparo dos atendentes da secretaria ao entregarem os remédios,
um ato mecânico. Isto é, eles lêem a receita rapidamente, pegam aqueles medicamentos que
são fornecidos pela UBS e não explicam nada ao usuário em relação ao medicamento. Nessa
UBS, todos os usuários reclamaram do tempo esperado pelo atendimento.
- UBS LARANJA l: A área física externa da UBS é menor, sendo a estrutura
desta vertical. A UBS não se localiza no centro do bairro, situa-se no alto de um morro.
Apesar de possuir ponto de ônibus próximo, o acesso físico torna-se difícil para os usuários
que vem a pé. Ela possui rampas de acesso e escadas.
Em relação às dependências internas: no primeiro andar ficam algumas salas destinadas
ao atendimento, que possuem um bom tamanho, são claras e ventiladas, adequadas para as
funções exercidas. A sala de espera também se localiza neste andar, sendo pequena e com
poucas cadeiras para acomodar os usuários, que muitas vezes ficam em pé à espera do
atendimento. Nessa sala, também se localiza a secretaria da UBS e a “farmácia”. No segundo
andar, situam-se os consultórios médicos destinados ao atendimento, sendo arejados e
iluminados, adequados para as funções exercidas. Também se encontra neste andar uma outra
sala de espera pequena, com alguns bancos.
Essa UBS possui residência em saúde da família, permitindo a integralidade das práticas
profissionais a serem desenvolvidas. No tocante ao modo como os profissionais planejam as
atividades dentro da UBS, se percebeu um bom entrosamento da equipe. Nessa UBS, também
se realizam atividades físicas com os pacientes, elas são orientadas por uma professora de
educação física, cedida pela secretaria municipal de educação (SME) do município.
Pode-se notar o vínculo estabelecido entre os profissionais, principalmente entre os
técnicos de enfermagem e os usuários. Em relação aos pacientes do hiperdia, eles elogiaram o
atendimento médico. Entretanto, os usuários reclamaram do tempo de espera pelo
atendimento e da troca de médicos. Percebeu-se o despreparo dos atendentes da secretaria ao
entregarem os remédios, em um ato mecânico. Isto é, eles lêem a receita rapidamente, pegam
aqueles medicamentos que são fornecidos pela UBS e não explicam nada ao usuário em
relação ao medicamento.
- UBS LARANJA ll: Essa UBS possui uma grande área física externa.
Entretanto, esse espaço é mal cuidado, sem varrição e sem capina. Ela possui uma estrutura
horizontal, localizando-se no centro do bairro, numa rua plana e próxima ao ponto de ônibus,
sendo de fácil acesso físico. Em relação à área interna, esta também é ampla e nela se situam:
uma sala de espera grande (porém as cadeiras são poucas e mal distribuídas); a secretaria com
um balcão grande para atendimento e a “farmácia”. As salas para o atendimento e os
consultórios médicos são de tamanho mediano, iluminados, adequados para as funções
exercidas. Torna-se importante salientar que a UBS não possui computadores, o que dificulta
o registro das informações.
Essa UBS não possui residência em saúde da família, o que dificulta a integralidade das
práticas profissionais a serem desenvolvidas, porém os profissionais conseguem planejar bem
as atividades a serem desenvolvidas. Percebeu-se um entrosamento da equipe, principalmente
em relação aos grupos desenvolvidos (direitos, reprodutivos, serviço de assistência à criança
desnutrida (SAD), grupo de gestantes, de hipertensos e diabéticos).
Entretanto, notou-se que o gestor da UBS exerce um “poder” de decisão sobre os demais
profissionais. Também se pode perceber a atenção e o carinho da médica responsável pelo
atendimento dos pacientes do hiperdia, mas notou-se que alguns médicos entram na sala de
espera sem cumprimentar os usuários, demonstrando certo ar de autoridade, de superioridade.
Percebeu-se, também, o preparo e a paciência de uma auxiliar de enfermagem, ao atender aos
pacientes. Todavia, em relação à entrega dos remédios, esta se constitui em um ato mecânico.
Isto é, a atendente lê a receita rapidamente, pega aqueles medicamentos que são fornecidos
pela UBS e não explica nada ao usuário em relação ao medicamento. Também nessa UBS,
todos os usuários reclamaram do tempo esperado pelo atendimento. A UBS oferece
tratamento odontológico, porém o dentista não faz parte da equipe do PSF. Essa UBS
funciona à noite como UBS tradicional.
- UBS BRANCA: A UBS tem uma grande área externa física e a construção é
horizontal. Ela possui fácil acesso físico, uma vez que se situa na parte baixa do bairro, em
uma rua plana, próxima do ponto do ônibus. Quanto ao espaço interno, tem-se uma sala de
espera espaçosa, com poucas cadeiras e a secretaria com um grande balcão para atendimento.
Também, neste local, se localiza a “farmácia”. Os consultórios médicos e as salas destinadas
ao atendimento dos pacientes são espaçosos, ventilados, bem iluminados, adequados para as
funções exercidas.
Essa UBS não possui residência em saúde da família, o que dificulta a integralidade das
práticas profissionais a serem ali desenvolvidas. Percebeu-se que, apesar dos profissionais
conseguirem planejar bem as atividades a serem desenvolvidas, muitas vezes, este
planejamento é focalizado na presença do médico e do enfermeiro, pois a UBS ficou muito
tempo e ainda continua sem a presença do assistente social. Entretanto, essa equipe consegue
obter o apoio da comunidade, para a realização das atividades. Os grupos do hiperdia são
realizados no centro comunitário, um excelente espaço, que possui auditório com data show,
biblioteca e uma área para exposições. Além disso, a UBS mantém um convênio com uma
professora de educação física, cedida pela SME, que realiza as atividades físicas no clube do
bairro, o qual cobra, de quem pode pagar uma quantia irrisória para realizar a manutenção das
dependências. Os pacientes elogiaram o atendimento médico, mas também reclamaram do
tempo esperado pelo atendimento. Também, notou-se o despreparo das atendentes ao
entregarem os remédios. Isto é, elas lêem a receita rapidamente, pegam aqueles medicamentos
que são fornecidos pela UBS e não explicam nada ao usuário em relação ao medicamento. A
UBS oferece tratamento odontológico, porém o dentista não faz parte da equipe do PSF.
- UBS VERMELHA: Esta não se localiza no centro do bairro, situa-se no alto do
morro, próxima ao ponto de ônibus. Portanto, o acesso físico torna-se difícil para aqueles
usuários que vêm a pé. A estrutura da UBS é horizontal, sua área física externa é ampla e
possui muito mato. Na área interna, tem-se uma pequena sala de espera, com muitas cadeiras,
além da secretaria com um balcão pequeno para atendimento. As salas para atendimento e os
consultórios médicos possuem um tamanho médio, assim como a “farmácia”.
Esta UBS possui residência em saúde da família, permitindo a integralidade das práticas
profissionais a serem desenvolvidas. No tocante, ao modo como os profissionais planejam as
atividades dentro da UBS, percebeu-se um ótimo entrosamento da equipe, e desta com a
comunidade. Os grupos do hiperdia são realizados no centro comunitário. Também se pode
notar a realização do acolhimento dos usuários e a atenção e o carinho dos profissionais ao
atenderem os pacientes. Os pacientes elogiaram a atuação da gestora da UBS, mas
reclamaram do tempo esperado pelo atendimento e da troca de médicos. Em relação à entrega
de remédios, esta também se constitui em um ato mecânico. Isto é, a atendente do balcão lê a
receita rapidamente, pega aqueles medicamentos que são fornecidos pela UBS e não explica
nada ao usuário em relação ao medicamento.
7 ANÁLISES DOS DADOS/ DISCUSSÃO
A análise dos dados permitiu localizar nos depoimentos colhidos as seguintes
categorias: significação da doença, poder médico, concepção do medicamento e visão do
acesso aos medicamentos.
7.1 Significação da doença
O conceito de saúde e de doença sofreu mudanças desde a antiguidade até a
contemporaneidade, sendo submetido a vários tipos de interpretações. Scliar (2007) afirma
que a definição de saúde e de doença reproduz a conjuntura política, social, econômica e
cultural de uma sociedade.
Na antiguidade, a doença era abordada tendo como referencial a magia e a religiosidade.
A medicina grega, fundamentada no pensamento de Hipócrates, acreditava que a saúde
poderia ser obtida através do equilíbrio dos fluidos corporais: bile amarela, bile negra, fleuma
e sangue, sendo a doença considerada como uma desordem desse equilíbrio. Para Galeno, a
doença era vista a partir de uma causa endógena, inerente ao próprio organismo humano. A
medicina oriental, por outro lado, estudava a saúde e a doença por meio do funcionamento das
forças vitais existentes no corpo. Na saúde essas forças funcionavam de modo harmônico e,
na doença, estavam em desarmonia. Na Europa medieval, volta a ser defendida pelo
cristianismo a concepção de doença baseada no pecado e de saúde obtida por meio da fé.
Uma outra contribuição para a interpretação do fenômeno saúde-doença foi oferecida
por Paracelsus, que afirmava ser a enfermidade provocada por agentes exógenos ao
organismo. Os conceitos de saúde e de doença passaram a ser apreendidos de várias formas,
dentre elas merece destaque a visão de Pasteur, que descobriu que a doença poderia ser
causada por microorganismos.
Na década de 40, a OMS introduziu o conceito de saúde como sendo o bem-estar físico,
mental e social, não a vinculando somente à ausência de enfermidades. É esse conceito que
norteia a abordagem da saúde e da doença neste estudo, destacando-se que não existe um
conceito fechado de saúde e doença e que ambas possuem significados diferentes, porém
indissociáveis.
Lefèvre (2007) sustenta que a saúde não pode ser definida de forma substantiva, mas
sim de modo indireto, baseado em discursos e práticas coletivas. A saúde não pode ser
somente resumida a uma visão mecânica do corpo e à presença ou ausência do agente
biológico no organismo dos indivíduos, o que seria um contra-senso. Czeresnia (2004)
defende que tanto a saúde como a doença são formas através das quais a vida se expressa.
Nessa perspectiva, o corpo pode adquirir significados diferentes de acordo com o
contexto social em que está inserido. Ferreira (1994) sugere que o corpo reflete a sociedade.
Logo, a concepção do processo saúde-doença, na sociedade brasileira contemporânea,
deve levar em consideração os fatores políticos, sociais, econômicos, ambientais e
psicológicos, inerentes a esses fenômenos. Dentro dessa abordagem, estão presentes dois
enfoques diferenciados em relação à saúde e à doença, que conduzem à apreensão desses
conceitos para direções opostas e conflitantes.
Quando se leva em consideração a definição de saúde como sendo a ausência de
doenças, percebe-se uma tendência reducionista, em que a doença é vista como algo
inevitável, fatal. Portanto, o discurso hegemônico presente nesse contexto, propõe que o único
modo de evitá-la e de obter a saúde é através da utilização excessiva de tecnologias e de
medicamentos, isto é, por meio da mercantilização ou, como Lefèvre (2007) indica, pela via
da “solução tecnológica”.
Todavia, a sáude se constitui em uma totalidade, não podendo ser restrita a um
entendimento simplificado e fragmentado. Ela deve ser apreendida a partir das transformações
societárias, buscando-se, dessa maneira, o enfretamento das causas das doenças.
Lefèvre (2007), ao trabalhar com as questões relacionadas ao processo saúde-doença,
destaca que o discurso hegemônico produz uma compreensão da doença centralizada no
doente, consumidor de tecnologias, de medicamentos e de serviços de saúde. Em
contrapartida, no modelo contra-hegemônico, o entendimento da doença tem o foco desviado
do doente para a doença, vista como um símbolo.
Entretanto, percebe-se que a sociedade brasileira na contemporaneidade, ao incentivar a
medicalização, por meio de estímulo crescente à utilização das tecnologias brutas nos serviços
de saúde em detrimento do uso das tecnologias leve-bruta e leve, isto é, dos modos
relacionais, estimula a reprodução da visão do processo saúde-doença centralizada nos
aspectos biológicos do mesmo.
O processo de medicalização fundamenta-se no modelo biomédico e apresenta
características reducionistas para a interpretação dos fenômenos inerentes à saúde e à doença.
Inúmeros estudos realizados em diferentes momentos históricos, por Illich (1975), Boltanski
(1979) e Barros (2004) entre outros, apontam na mesma direção, ao sugerirem que tal situação
conduz a um entendimento mecânico do processo saúde-doença, onde os corpos dos
indivíduos são vistos como um amontoado de partes.
Esse cenário torna-se favorável para uma concepção equivocada do modo de interpretar
a relação da saúde-doença, gerando o desconhecimento das doenças pelos pacientes,
principalmente pelos das classes mais populares. Isso pode ser evidenciado através dos relatos
colhidos ao longo da pesquisa.
Muitos dos usuários das UBS não sabem nem sequer o nome da doença (hipertensão
arterial) que possuem.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã
28
.
“Eu tenho pressão alta”, disse HH.
29
Os depoimentos abaixo expressam essa situação em relação à hipertensão arterial e ao
diabetes.
UBS VERMELHA, 06/07/07, sexta-feira, pela manhã.
“Os médicos falam que não tem nada a ver. É difícil você ter um problema
e não saber o que é, não ter explicação”, disse uma usuária hipertensa do hiperdia, que
gostaria de saber o porquê do surgimento da hipertensão arterial nela, após a menopausa, ao
esperar pelo atendimento médico.
UBS AMARELA, 23/08/07, quinta-feira à tarde.
“Tem gente que fala que isso aí é sistema nervoso, não tem explicação,
entendeu”?, disse HH.
“Eles nunca chegaram a explicar o porquê, eu olhando assim pra mim,
estou aceitando que pode ser de família, sendo que, minha mãe era hipertensa, minha tia era
hipertensa, meu pai eu nunca soube por que ele morreu novo e eu era bem menina. Mas,
minha mãe era hipertensa e diabética, quando ela fez dez anos que era diabética ela teve
cinco AVC, segundo os médicos, ela não teve seqüela igual quando ela teve o quarto, por que
não era diabética, então, diz que pressão e colesterol, tudo anda junto, devido o quê? Não
explica”, disse MH.
UBS LARANJA ll, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Não entendo por que se leva susto a pressão sobe e, se fica nervosa a
pressão sobe. Sei que tem limites na alimentação, isso eu sei, mas de onde vem, como vem
isso eu não sei não”, disse MH.
“Deve ser porque a gente trabalhou muito não é?”, disse MH.
28
As “Notas de Campo” serão identificadas da seguinte forma: no início constará o nome da UBS, seguido da
data, ambos sublinhados. Minhas observações estarão em letras normais, as falas dos usuários estarão em itálico.
29
Legenda: HH: homem hipertenso; HD: homem diabético; HHD: homem hipertenso e diabético; MH: mulher
hipertensa; MD: mulher diabética e MHD: mulher hipertensa e diabética.
A visão da saúde e da doença como sendo um processo construído socialmente produz
diferentes interpretações, significações e leituras dependendo do cenário em que se encontra.
Afirma Ferreira (1994) que as sensações corporais conhecidas pelos pacientes e as
interpretações médicas dessas sensações são baseadas em códigos específicos pertencentes a
esses dois grupos.
Portanto, os profissionais da área de saúde, entre eles os médicos, devem atentar para tal
situação ao realizarem a consulta dos pacientes. Esses profissionais devem mostrar-se abertos
para a compreensão das diferentes leituras existentes, pois, ao se fundamentarem somente no
saber científico, muitos o tomam como verdade única e inabalável.
Camargo Jr. (2003) atenta para o fato de que estar doente não significa perder as
faculdades da razão. Para o autor esse princípio não é levado em consideração pelos médicos,
em suas práticas cotidianas. Dentro desse contexto, as indagações não se calam na mente dos
usuários dos serviços de saúde, contribuindo para a criação de significações próprias a
respeito do processo saúde-doença a que estão submetidos. Boltanski (1979) ressalta, em seu
estudo, que a recusa dos médicos em fornecer ao paciente o mínimo de informações sobre o
corpo e a doença faz com que este construa um discurso próprio, ‘com os recursos de bordo’
pertencentes a ele.
Os depoimentos abaixo coincidem com o disposto na literatura, elucidando o significado
que o diabetes e a hipertensão assumem no imaginário dos pacientes.
UBS VERDE, 17/05/07, quinta-feira, à tarde.
“Diabetes é açúcar no sangue”, disse MD.
Essa concepção do diabetes indica uma relação, no imaginário dos pacientes, entre a
diminuição das taxas de glicose sangüínea e a redução da ingestão de doces (açucares).
Todavia, essa doença está associada a inúmeros fatores como obesidade, alimentação rica em
carboidratos e hereditariedade. O diabetes melittus consiste em uma disfunção do pâncreas
que não produz insulina, hormônio hipoglicemiante, ou a produz em quantidades
insuficientes. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia (2007), o diabetes
melittus se subdivide em Tipo l (Diabetes Mellitus Insulino Dependente), de etiologia
genética, onde os primeiros sintomas geralmente aparecem na puberdade, e Tipo ll (Diabetes
Mellitus Insulino Não Dependente), que é o tipo mais comum, observado em 90% dos
pacientes. Esse tipo de diabetes acomete os indivíduos após 40 anos de idade, atualmente
atingem faixas etárias mais jovens.
UBS AMARELA, 28/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“Tenho gordura no sangue”, disse MH.
Essa fala sugere a associação da hipertensão arterial à predisposição aos fatores
alimentares, dentre eles o colesterol (gordura). Conforme a Sociedade Brasileira de
Hipertensão Arterial (2007), a hipertensão arterial consiste na elevação da pressão arterial,
sendo uma doença multifatorial, isto é, existem vários fatores que podem desencadeá-la, entre
eles cita-se: sexo, etnia, álcool, obesidade, sedentarismo, alimentação (excesso de sal) e os
fatores socioeconômicos: existe uma maior prevalência da doença nas classes baixas.
A hipertensão é uma doença silenciosa, isto é, em muitos casos, ela não apresenta os
sintomas claramente definidos, que podem ser confundidos com os de outras enfermidades. O
relato a seguir demonstra tal situação:
UBS AMARELA, 21/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“Não sentia nada e aí começou uma batedeira no coração” (fez um gesto
com mão indicando que a blusa levantava), disse MH.
Todavia, a hipertensão arterial é uma doença controlável, representando uma ameaça
real ao paciente, se não for feito o devido controle. Levèfre (1991) indica que a hipertensão é
uma ameaça grave, porém essa não é direta.
Essa situação de perigo iminente, demonstrado pela visão de medo, de prolongamento e
de durabilidade da doença, mesmo que os seus sintomas ainda não tenham se manifestado
concretamente no dia-a-dia dos pacientes, foi revelada nos depoimentos a seguir.
UBS VERDE, 21/06/07, quinta-feira, à tarde.
“Esta doença mata”, disse MH.
UBS VERMELHA, 29/06/07, sexta-feira, pela manhã.
“A pressão é doença para toda vida”, disse MH.
UBS VERMELHA, 06/07/07, sexta-feira, pela manhã.
“Se bobear a pressão derruba a gente”, disse HH.
Nesse contexto, as doenças também podem ser vistas como algo sujo, como impuro.
Esse tipo de concepção reafirma o lado negativo da doença, prática hegemônica na sociedade
brasileira, propiciando a visão da saúde como mercadoria. Levèfre (1991) enfatiza que a
saúde somente adquire sentido, em uma sociedade de mercado, quando se associa à dor, ao
desprazer, à fraqueza, à doença ou à ameaça de morte.
O relato abaixo sugere essa compreensão em relação à hipertensão arterial e ao diabetes
melittus:
UBS LARANJA ll, 18/05/07, sexta-feira, pela manhã.
“Eu tenho estas imundices”, disse MHD.
7.2 Poder médico
A interpretação do processo saúde-doença fundamentada no modelo biológico contribui
para que a supremacia da autoridade médica seja consolidada. Os autores Camargo Jr. (2003)
e Czeresnia (2004), conforme se discutiu anteriormente, em diferentes estudos realizados,
apontam nessa direção.
O poder exercido pelos médicos sobre os pacientes pode ser também evidenciado
quando se leva em consideração o desconhecimento das enfermidades pelos pacientes.
Nesse cenário, a relação médico-paciente torna-se conflituosa, pois, de um lado, tem-se
a figura centralizadora do médico, detentor do saber, já que teve acesso a uma formação
técnico-científica adequada e, conseqüentemente, retém a autoridade sobre os corpos dos
pacientes. Levèfre (1991) coloca que, na sociedade brasileira, o paciente, ao ficar doente,
perde a posse de seu corpo, entregando-a ao médico.
Na direção oposta, estão os pacientes, trazendo consigo todas as inquietações referentes
ao processo saúde-doença. Boltanski (1979) trabalha essa questão da superioridade médica
em seu estudo. Tal situação foi evidenciada durante a pesquisa, como demonstra o seguinte
depoimento:
UBS LARANJA l, 21/05/07, segunda-feira à tarde.
“Primeiro é Deus, segundo são os médicos. Deus deposita suas mãos nos
médicos”, disse MH.
Essa concepção da superioridade dica, expressa, em grande parte dos casos, por meio
de palavras, de movimentos empregados pelos médicos, e mesmo de por meio de suas roupas,
sinaliza uma distância e um poder que exerce influencia no não conhecimento das doenças
pelos pacientes. Eles, muitas vezes, sentem-se inibidos, envergonhados e/ou amedrontados
perante a presença médica, retornando para os lares cheios de dúvidas em relação às
enfermidades que possuem. Camargo Jr. (2003) sugere que o ritual da consulta médica tem
importância simbólica. Esses relatos confirmam tal concepção:
UBS VERDE, 26/07/07, quinta-feira, à tarde.
“Às vezes, a gente tem assim um certo receio, eu pelo menos, que a gente
não tem muito estudo e a gente fica meio apreensiva”, disse MH.
“Às vezes, a gente fica inibida, tem que parar com isso. A gente fica
preocupada...”, disse MH.
UBS LARANJA ll, 30/08/07, quinta-feira, à tarde.
“Seria muito bom se você fosse ao médico e ele explicasse o que leva”,
disse MH.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
Nós estamos em Juiz de Fora, por que as outras cidades de fora não são
assim, nós estamos em Juiz de Fora. No Rio de Janeiro você vai morrer mesmo, agora, aqui
tem palestra com você, você é uma universitária, farmacêutica, você tem curso universitário,
então você é igual uma médica. Então, a gente não consegue falar com o médico, alguns dão
essa prioridade e atende a gente, essa liberdade, mas os médicos não dão os médicos antigos
principalmente, você não pode nem demorar”... “O médico consulta a gente muito rápido,
não sei se o sistema não deixa, mas o médico deveria conversar mais com a gente”, disse
HHD.
“Se a gente for cego de um olho eles nem vê que a gente é cego de um
olho”, disse HH.
Nesse sentido, os médicos, ao prescreverem de modo correto uma receita, reafirmam a
autoridade sobre os corpos dos pacientes, uma vez que se tornam responsáveis por
proporcionar a cura. Sob esse aspecto, Levèfre (1991) sugere que o poder exercido pelo
médico sobre o paciente torna-se efetivo através do medicamento, que oferece a garantia de
cura ou a possibilidade desta. Logo, o medicamento configura-se para o médico, como um
poderoso objeto à sua disposição para exercer o poder sobre os pacientes.
Essa concepção reforça o processo de medicalização que a sociedade brasileira
contemporânea vivencia, uma vez que, em muitos casos, a classe médica prefere dar primazia
ao ato de prescrever os medicamentos em detrimento da escuta, do acolhimento, isto é, dos
modos relacionais. Os depoimentos a seguir ilustram essa situação:
UBS BRANCA,17/05/07, quinta-feira pela manhã.
“Tô levando uma farmácia para a casa”, disse uma usuária ao deixar a
UBS, com várias cartelas de medicamentos nas mãos.
UBS VERMELHA, 22/06/07, sexta-feira pela manhã.
“Peguei uma remedaria danada, ainda bem que trouxe uma sacola, parece
uma cesta básica”, disse uma usuária ao deixar a UBS.
7.3 Concepção do medicamento
As discussões em torno da medicalização da sociedade brasileira, assim como das
categorias sob análise no decorrer da realização dos grupos focais - significação de saúde-
doença e do poder médico - estão intrinsecamente relacionadas ao caráter simbólico que o
medicamento adquire nesse cenário.
No Brasil, o medicamento é, muitas vezes, usado como símbolo da saúde propriamente
dita. Ao se levar em consideração a semântica da palavra “símbolo”, como alguma coisa que
pode ser representar uma outra, tem-se a apreensão da função exercida pelos medicamentos
no imaginário dos usuários. O medicamento é visto por estes como algo concreto que tem o
poder de restabelecer e de oferecer a saúde. Levèfre (1983, 1987 e 1991) enfatiza em seus
estudos essa dimensão simbólica dos medicamentos.
Tal situação conduz à utilização excessiva dos medicamentos, tendo como fundamento o
discurso biológico e a visão mecanicista do processo saúde-doença. Dentro desse contexto,
percebe-se que o papel desempenhado pelos medicamentos na saúde da população brasileira
reveste-se de suma importância. O medicamento, instrumento terapêutico, apresenta
características peculiares que o tornam um produto diferenciado. Logo, a discussão da questão
do medicamento deve abranger três dimensões inerentes a ele, a quimioterápica, a de mercado
e a simbólica.
O entendimento do medicamento como agente quimioterápico, como produto
tecnológico, testado empiricamente, encerra o princípio ativo, nas mais diversas formas
farmacêuticas (comprimidos, xaropes e outras), nas quantidades necessárias para se obter o
feito desejado, isto é, resguardar ou proporcionar a saúde.
Quando o medicamento atende aos interesses das indústrias farmacêuticas, que
movimentam uma quantia de bilhões de dólares em investimentos e vendas no país, torna-se
um bem material, sujeito ao consumo. Nessa perspectiva, o medicamento torna-se cercado de
simbologia. Em contrapartida, o medicamento pode expressar os interesses coletivos, sendo
considerado um bem social.
Muitos depoimentos ilustram essa concepção do medicamento, que associa o seu uso à
obtenção da saúde. O medicamento é, em muitos casos, considerado como a solução para
todos os problemas relacionados à saúde dos indivíduos. Merecem destaque as seguintes
anotações:
UBS AMARELA, 14/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“O remédio para mim é igual a carne do dia”, disse HH.
UBS LARANJA ll, 23/08/07, quinta-feira à tarde.
Se eu parar de tomar eu morro”, disse MH.
Portanto, o medicamento, ao ser utilizado diariamente pelo paciente pode representar
uma necessidade, como também evidenciou Levèfre (1991), ao também trabalhar com
pacientes crônicos. O relato a seguir demonstra isso:
UBS VERMELHA, 29/06/07, sexta-feira, pela manhã.
“O remédio é uma necessidade”, disse HH.
Todavia, o uso regular do medicamento pode remeter a uma situação de obrigação para
os pacientes, como expressam os depoimentos abaixo:
UBS VERDE, 17/05/07, quinta-feira, à tarde.
“Estou cansado de tomar muito remédio para a pressão”, disse HH.
UBS VERDE, 21/05/07, segunda-feira, à tarde.
“A gente passa o dia inteiro tomando remédio, se bobear a noite a gente
também toma”, disse MH.
UBS AMARELA, 14/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“Será que eu vou ter quer tomar o remédio pelo resto da vida”?, perguntou
uma paciente hipertensa do hiperdia enquanto aguardava atendimento médico.
UBS LARANJA ll, 30/08/07, quinta-feira à tarde.
“Eu tenho que tomar o remédio senão fica pior”, disse MH.
UBS LARANJA ll, 23/08/07, quinta-feira à tarde.
“É um remédio que praticamente você tem que tomar para o resto da vida
esse de pressão, por exemplo, tem que tomar porque se não a tomar a pressão sobe”, disse.
HH.
Além de ser considerado por muitos como o próprio símbolo de saúde, os medicamentos
apresentam-se revestidos de significações no imaginário dos usuários dos serviços de saúde.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“O remédio de diabete é pra queimar açúcar e o de pressão eu não
entendo”, disse HHD.
UBS VERMELHA, 22/06/07, sexta-feira pela manhã.
“Me sentia seca, parece que o remédio tira o líquido do sangue”, disse
MH.
Em relação à concepção que associa o uso do medicamento à cura das doenças e ao
controle das mesmas, entende-se que, ao administrar um medicamento, os pacientes o fazem
com o intuito de restabelecer a saúde perdida ou ‘saúde imediata’, segundo Levèfre (1991).
Esse autor também utiliza os conceitos de eficiência e eficácia simbólicas para explicar o
processo de cura e o controle das enfermidades.
Nesse sentido, o autor afirma que a obtenção de um alto grau de eficiência simbólica
acontece quando ocorre a cura, quando existe a saúde definitiva. Em contrapartida, com o
controle, existe um baixo grau de eficiência simbólica, isto é, a saúde tem que ser
reconquistada permanentemente. Os relatos abaixo demonstram que os pacientes hipertensos
têm consciência de que não existe cura para esta doença, mas somente um controle.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Eu penso que ele representa não a cura, mas representa um controle que
ele não pode ser paralisado com o tratamento”, disse HH.
“O remédio controla, mas eu já cheguei à conclusão, porque eu tenho
pressão alta há mais de vinte anos, eu acho que não cura não, não tem cura não. Eu já tomei
alguns remédios e não curei, não tem cura”, disse MH.
UBS LARANJA ll, 23/08/07, quinta-feira à tarde.
“Sem o remédio eu não tenho como controlar isso aí”, disse HH.
Em alguns casos, de acordo com o contexto em que está inserido, o medicamento pode
ter sentido ambíguo, não simbolizando a obtenção da saúde propriamente dita, mas sendo
visto como algo ruim para o organismo. Sabe-se que todo medicamento pode ser benéfico ou
maléfico para saúde, dependendo da dose a ser usada e da forma de administração.
UBS AMARELA, 14/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“Aí eu levanto para tomar o veneno (remédio)”, disse MH.
Do mesmo modo que as classes populares possuem uma concepção pessoal do processo
saúde-doença, demonstrando, em muitas situações, desconhecimento, elas também têm uma
visão do medicamento e, muitas vezes, não conhecem o medicamento que usam, empregando
uma linguagem própria para descrevê-los e identificá-los. Nesse sentido, Boltansky (1979)
aponta para o fato de que os remédios são apresentados às classes baixas por meio de uma
linguagem inacessível, isto é, uma linguagem cuja chave elas não têm.
Tal situação foi observada durante a pesquisa. Como possuem dificuldade em
pronunciar os nomes dos medicamentos, os usuários do SUS utilizam cores e tamanhos
diversos para identificá-los. Os relatos que seguem ilustram esse comportamento:
UBS LARANJA l, 21/05/07, segunda-feira à tarde.
“O vermelhinho me fez mal, parei de tomar por conta própria. O médico
tinha me passado ele para não precisar de tomar Lo... (Losartan), mas eu passei mal e preferi
voltar a comprar e não passar mal”, disse MH.
UBS LARANJA ll, 18/05/07, sexta-feira pela manhã.
“Tomo dois vermelhinhos por dia”, disse MH.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Eu tomo Nicotiazina (não sei falar direito não)”, disse uma paciente
hipertensa do hiperdia, participante do grupo focal, ao fazer referência ao medicamento anti-
hipertensivo hidroclorotiazida.
“Uns comprimidinhos pequenos. Tem um nome comprido também”, disse
HH.
“Aí eu entro com Aldamed e já entro com Meticormina”, disse uma
paciente hipertensa e diabética do hiperdia, participante do grupo focal, ao fazer referência
aos medicamentos Aldomet (metildopa) anti-hipertensivo e Metiformina, hipoglicemiante.
7.4 Visão do acesso aos medicamentos
A partir desse cenário medicalizado e simbólico em que se encontra a saúde brasileira,
comprometendo o acesso aos serviços de saúde, será abordado, o acesso aos medicamentos.
Penchansky e Thomas (1981) abordam o acesso aos serviços de saúde como uma
definição geral, englobando áreas específicas: acesso, usuários e serviços de saúde. Nesse
sentido, definem a disponibilidade como sendo a adequação da quantidade de profissionais
existentes e dos programas disponíveis. A acessibilidade refere-se à localização dos serviços
oferecidos em relação à localização dos usuários. No tocante à capacidade financeira, os
autores indicam que esta se relaciona à capacidade de pagamento pelos serviços, e a
aceitabilidade faz referência à aceitação pelos usuários dos serviços que lhes são fornecidos.
Por estar inserido no acesso à saúde, a discussão do acesso aos medicamentos também
deve contemplar os fatores políticos, sociais e econômicos implicados na busca de
medicamentos realizada pelos usuários dos serviços de saúde. Nessa perspectiva, Luíza
(2003) ressalta que o acesso aos medicamentos abrange uma rede de atores, públicos e
privados.
Nesse sentido, o acesso aos medicamentos ocupa uma posição de destaque no campo da
saúde brasileira, principalmente quando se atenta para as características peculiares dos
mesmos. Se o medicamento for visto como um bem de consumo, o acesso a este poderá ficar
restrito a uma pequena parcela da população que possui situação financeira para arcar com o
tratamento prescrito. Entretanto, se o medicamento for considerado um bem social, o acesso a
ele poderá ser garantido mediante uma política pública de saúde, financiada pelo Estado, com
características universalista e igualitária.
Quando se leva em consideração os medicamentos essenciais distribuídos pelo governo
federal, por meio dos programas preconizados pelo Ministério da Saúde, percebe-se que os
usuários do programa hiperdia nas UBS de Juiz de Fora estão satisfeitos em relação à
possibilidade de obter tais medicamentos nesses locais. Essa postura é justificada pela baixa
condição sócio-econômica de que eles desfrutam. Pode-se observar nos depoimentos colhidos
durante a realização dos grupos focais, essa situação.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Olha, isso ajuda a gente, porque eu sou uma pessoa de classe assim, nem
média e nem social entendeu? Então, eu sou do lar, então isso ajuda a gente e muito porque
nem sempre tem dinheiro pra comprar ou muitas das vezes você tem que pedir um
empréstimo... Mesma coisa, você está bem e, de repente, se sente mal e aí você vai ao médico
ele passa a receita e aí você vem no posto e não tem aí você tem que comprar, se você quer
melhorar tem que comprar... Não tem outro jeito de não comprar medicação e, como é de uso
contínuo, se não tiver... Você tem que comprar, você pensa assim que se não tomar vai sentir
mal, quero dizer, tendo ou não você tem que comprar, o hipertenso, o diabético..”, disse MH.
Melhor né. Não precisa tirar o dinheirinho pra pagar. Do dinheirinho do
leite que está caro pra caramba. Eu sempre ganho aqui o... eu sempre ganho. Agora, o outro
não tem, só quando tem amostra grátis”, disse MH.
“Para mim é ótimo por que tudo que vem além da... Como se diz... De
graça pra gente é melhor, porque o que a gente ganha não é suficiente pra tudo e comprar
remédio que está num preço absurdo... Esse, por exemplo, que eu tomo não é muito caro, mas
se eu posso ganhar por que eu vou comprar? Meu salário é pouca coisa mesmo, então eu
acho muito bom”, disse HH.
UBS LARANJA l, 23/07/07, segunda-feira à tarde.
“O remédio do posto ajuda porque, às vezes, o salário da pessoa está
pouco, está pouco não, é difícil ter um salário bom, a maioria, a grande maioria da
população do mundo está com o salário baixo. Então, é muita coisa pra pagar e juntando um
com o outro não dá dez”, disse HH.
UBS VERDE, 19/07/07, quinta-feira, à tarde.
E sobre o remédio do SUS foi uma benção esse remédio, eu gastava com
ela (esposa) por mês quinhentos reais de remédio e hoje estou gastando só cem, por que é um
remédio que não tem aí, é mais pesado eu compro, mas me ajudou muito”, disse HH.
- Acesso financeiro
Penchansky e Thomas (1981) relacionam a capacidade financeira ao seguro saúde, ou
seja, os usuários que podem contribuir, pagando pelos serviços e pelos profissionais dos
serviços de saúde, terão acesso à saúde.
Como o que ocorre na discussão do acesso aos serviços de saúde, o acesso aos
medicamentos também requer a análise, dentre outros fatores, do poder financeiro, isto é, da
habilidade de pagamento dos usuários dos serviços de saúde por esses insumos.
Frenk (1985) indica que os obstáculos financeiros relacionam-se aos preços exigidos por
aqueles que provêem os serviços de saúde, enfatizando que, de acordo com o tipo de sistema
de saúde adotado pelos países, tais obstáculos podem a vir se tornar de extrema importância.
Para esse autor, em sistema de saúde de livre mercado, os obstáculos financeiros são
relevantes, ao passo que, em um sistema de saúde universal, essas barreiras ocupam um lugar
secundário.
Ao se levar em consideração o sistema de saúde brasileiro, essa situação torna-se
incoerente. Desde a adoção do SUS, em 1988, o sistema de saúde é do tipo universal,
assegurando a saúde a todos os cidadãos por meio do Estado. Porém, nesta constituição não
existe uma delimitação clara do papel desempenhado pelo mercado, logo, ele também exerce
uma influência no sistema. Nessa perspectiva, as barreiras financeiras podem tornar-se, em
muitos casos, um fator limitante do acesso aos medicamentos principalmente para os usuários
do SUS.
Existem várias situações que exemplificam como o poder aquisitivo da população
usuária pode se tornar um obstáculo financeiro para o acesso aos medicamentos,
principalmente no programa hiperdia. Dentre elas, cita-se, como exemplo, a insuficiência, em
alguns casos, do fornecimento dos medicamentos distribuídos pelo hiperdia. Além disso, tem-
se também o não acesso dos usuários a um grande número de medicamentos que são
prescritos para as complicações associadas à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus, tais
como doenças cardiovasculares e dislipemias. Essa situação foi observada nos seguintes
depoimentos:
UBS LARANJA l, 21/05/07, segunda-feira à tarde.
“Se a médica passar o remédio caro (sinvastatina, para colesterol), vou
chorar, não tenho dinheiro para comprar. A última vez custou R$ 50,00”, disse MH.
UBS LARANJA ll, 23/08/07, quinta-feira à tarde.
“No meu caso eu tomo Omeprazol, porque vem quatorze comprimidos e
está vinte e nove reais, tem que tomar todo dia se não tomar o estômago fica ruim e aí não
tem jeito. Você escolhe, com dinheiro no bolso e com dor ou então você fica duro sem dor”,
disse HH.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Infelizmente, o remédio mais caro também você não consegue”, disse HH.
Por que o remédio que é mais caro eles sempre falam: - Ah, esse aqui não
temos. Aí a gente vai à outra farmácia e também não tem”, disse MH.
UBS BRANCA, 27/08/07, segunda-feira à tarde.
“Porque eles mandam só os mais baratos e os caros mesmos eles não
mandam”, disse MH.
Os pacientes do hiperdia, na maioria das vezes, assalariados ou aposentados, utilizam
diversos artifícios para sanar a dificuldade em obter os medicamentos, uma vez que
necessitam deles diariamente, pois a hipertensão arterial e o diabetes são doenças crônicas.
Para tanto, eles recorrem aos vizinhos, aos amigos, aos parentes e ao fiado na farmácia, a fim
de adquirirem meios para comprá-los. Também uma outra prática comum, entre os usuários é
o recebimento de amostras grátis ou de doações. Como demonstram os relatos dos seguintes
grupos focais:
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Eu tenho crédito na farmácia e quando faltar compro lá. Porque nem
todos têm”, disse HH.
“A minha filha que está pagando pra mim. O meu marido trabalha por
conta própria e tem dia que tem dinheiro e tem dia que não tem”, disse MH.
“Eu sempre comprei depois que eu fiquei encostado aí eu passei a pegar
remédio aqui porque eu faço controle aqui e quando eu vinha aqui tinha vez que não tinha e
aí eu sempre comprei o Captropil e o..., ganhava alguns... Minha filha arrumava pra mim.
Amostra grátis”, disse HH.
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Quando falta o remédio compra, peço até dinheiro emprestado, mas não
pode ficar sem o remédio, sinto quase obrigado a comprar”, disse HH.
UBS BRANCA, 27/08/07, segunda-feira à tarde.
“A gente apela pra um filho”, disse MH.
Em alguns casos, quando ocorre a falta de medicamentos, os pacientes ficam sem
utilizá-los, por não terem condições financeiras de comprá-los, ou encontram outras soluções.
Os depoimentos a seguir demonstram esta situação:
UBS AMARELA, 23/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Às vezes, quando não tem eu espero e aí vai chegar tal dia e nesse dia eu
volto e pego. Fico sem remédio, fico. Agora, quase não está faltando, graças a Deus. Mas,
antes faltava, demorava, disse HH.
UBS LARANJA l, 23/07/07, segunda-feira à tarde.
“E aí eu fiquei sem porque no dia que eu consultei acabou. Não recorri a
ninguém, fiquei tomando só o Mediformin. Eu não comprei não”, disse MD.
“Eu tomo o de pressão porque o pagamento não saiu ainda [...]”, disse
HH.
UBS LARANJA ll, 23/07/07, quinta-feira à tarde.
“Teve um determinado período aí passado que estava difícil, no meu caso,
por exemplo, tomando dois comprimidos por dia até passei a tomar um só e falei com o
médico. Falei com o médico que a minha situação não estava dando para comprar e se eu
continuasse tomando os dois ia faltar, então é preferível eu tomar menos, mas direto. O
médico falou que não, mediu a pressão e tudo e até então eu continuo tomando um só.
Quando pode a gente compra, divide. Eu, por exemplo, tomava dois comprimidos por dia, um
de manhã e um à tarde, e o que estava tomando estava bem, ele não era muito caro, mas
também pra gente aposentado, ganhando uma mixaria aí você já viu não é?! Onde eu passei
tomar um só e aliviou”, disse HH.
Ao se atentar para o fato de que a indústria farmacêutica mundial mobiliza um mercado
de bilhões de dólares e, ao se estabelecer uma relação entre o consumo de medicamentos e a
distribuição da população no mundo, verifica-se que ocorre uma ineqüidade no acesso aos
medicamentos. Oliveira el al (2007) mostra que 18% da população dos países desenvolvidos
consumem 80% da produção de medicamentos.
No Brasil, uma das alternativas encontradas pelo governo federal para solucionar essa
problemática do acesso aos medicamentos foi a adoção da Política Nacional de
Medicamentos. Esta recomenda, entre outras diretrizes, o uso racional de medicamentos e a
utilização de medicamentos genéricos. Fischer-Pühler (2002) ressalta que os medicamentos
genéricos representam uma tranqüilidade para a população que precisa adquirir regularmente
remédios.
O medicamento genérico não tem marca, nele está incluído o mesmo princípio ativo, a
mesma forma farmacêutica e via de administração, ele também requer a mesma dosagem que
o medicamento de marca ou referência. Logo, esse tipo de medicamento, com qualidade
assegurada por testes laboratoriais, torna-se uma opção viável para promover o acesso da
população brasileira aos medicamentos.
Entretanto, na maioria das vezes, no cotidiano dos serviços públicos de saúde, ainda
permanecem práticas que inviabilizam o uso do medicamento genérico pelos pacientes. Entre
elas, cita-se a ausência do farmacêutico nas UBS. Esse profissional, ao deter os
conhecimentos técnicos e científicos sobre o medicamento, proporciona o uso racional de
medicamentos, criando vínculos com os usuários do SUS.
Uma outra prática a ser abordada seria o papel exercido pelo marketing das indústrias
farmacêuticas sobre a classe médica. Determinados laboratórios farmacêuticos induzem os
médicos a prescreverem os produtos por eles fabricados. Para tanto, eles utilizam-se de vários
artifícios: promovem a distribuição de amostras grátis, patrocinam congressos, estabelecem
prêmios em dinheiro ou em viagens, entre outros, como aponta Vieira (2004), ao trabalhar
com essa questão em seu estudo.
Dentro desse contexto, a orientação do médico quanto ao uso do medicamento genérico
revela-se de extrema importância. Por exercer certo fascínio e poder no imaginário dos
pacientes, esse profissional pode instigar a desconfiança e o preconceito em relação a tal
medicamento, reforçando, em muitos casos, o desconhecimento do usuário. Isso pode
comprometer o acesso aos medicamentos pela população de baixa renda, como demonstram
os relatos abaixo:
UBS VERDE, 26/07/07, quinta-feira, à tarde.
“Uma vez comprei o genérico e não gostei, parece que a pessoa acostuma
com o remédio e se você mudar o nome você acha que aquele remédio não é o mesmo. A
Novalgina pra mim faz um efeito, eu tomo Novalgina de manhã, o dia inteiro não tenho nada.
Estou tomando dipirona e acho que não está valendo de nada”, disse HH.
UBS BRANCA, 27/08/07, segunda-feira à tarde.
“Se é igual mesmo a gente não sabe, mas eu não compro não”, disse MH.
UBS VERDE, 10/05/07, quinta-feira, à tarde.
“Meu o antigo médico que não é da UBS, não gosta de remédio genérico e
não acredita nos genéricos. Eu queria perguntar a doutora da UBS que atende o que ela
acha do genérico e se poderia passar genéricos para mim, pois o remédio tá muito caro. Não
recebo os medicamentos na UBS”, disse MH.
UBS VERMELHA, 08/06/07, sexta-feira, pela manhã.
“[...] não gosto do genérico. É leve”, disse HH.
“Se for preciso comprar não compra os genéricos, eles não valem nada,
não fazem efeito para mim”, disse MH.
O depoimento a seguir ilustra também a situação vivenciada pelos pacientes em relação
ao medicamento genérico.
UBS LARANJA l, 04/06/07, segunda-feira à tarde.
Uma paciente hipertensa do hiperdia, ao aguardar o atendimento médico,
relatou que a médica da mãe dela disse que o remédio genérico é falso, esfarela, o outro
remédio é bom, é verdadeiro. Então a paciente disse para mãe dela que os remédios eram
iguais, mas ela não acreditou, preferiu acreditar na médica.
Portanto, alguns usuários do SUS, quando optam pela utilização do medicamento
genérico, o fazem levando em consideração o critério econômico e não a qualidade desse
medicamento. Pode-se perceber isto durante a realização dos grupos focais.
UBS LARANJA l, 23 /07/07, segunda-feira à tarde.
“Compro o genérico que é mais barato”, disse HH.
UBS VERDE, 26/07/07, quinta-feira, à tarde.
“Tem vezes que compro genérico. Porque o genérico é mais barato”, disse.
MH.
Por conseguinte, no tocante ao acesso aos medicamentos, a barreira financeira pode vir a
comprometer a qualidade dos serviços públicos de saúde prestados, pois a obtenção de tais
insumos se constitui num dos pontos centrais do cuidado em saúde, principalmente quando se
leva em consideração que a concretização desse acesso está associada ao uso efetivo dos
medicamentos e, conseqüentemente, à satisfação dos usuários, representando, muitas vezes, o
último vínculo destes com os serviços.
- Acesso aos medicamentos como direito social
Cohn et al. (1991) indica que o acesso aos serviços de saúde é, em muitos casos,
compreendido a partir das características técnicas desses serviços, entre elas, a acessibilidade
e a disponibilidade, de modo a explicar o acesso propriamente dito. Para essa autora, nesse
tipo de análise, abordam-se as condições estruturais do acesso, sem que este seja visto como
uma questão de cidadania.
Todavia, a abordagem do acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos deve
abranger, além das dimensões propostas por Penchansky e Thomas (1981) (disponibilidade,
acessibilidade, capacidade financeira e aceitabilidade), o enfoque dos direitos sociais.
Ao se levar em consideração o cenário medicalizado em que se encontra a saúde
brasileira, assim como as condições de acesso à saúde e, conseqüentemente, aos
medicamentos a que a população está submetida, percebe-se uma lacuna entre o SUS legal e
aquele que existe de fato no cotidiano dos serviços públicos de saúde.
Em relação ao acesso aos medicamentos, essa distância torna-se aumentada pelos
obstáculos financeiros, que propiciam um acesso desigual, principalmente para as pessoas de
baixa renda. Logo, o acesso aos medicamentos configura-se como um privilégio de alguns, os
quais possuem condições materiais de obtê-lo. Aos muitos usuários dos serviços de saúde que
são excluídos desse acesso, cabe, como meio de assegurá-lo, a procura pelos programas do
Ministério da Saúde, que disponibilizam certos medicamentos ou a busca por meio da justiça,
haja vista os mandados impetrados judicialmente para permitir o acesso dos usuários aos
medicamentos essenciais. Tal situação é trabalhada por Messeder et al (2005) em seu estudo.
O município de Juiz de Fora também se insere nesse contexto. No período
compreendido entre janeiro a dezembro de 2006, de aproximadamente 862 mandados de
segurança interpostos para o acesso à saúde, 306 são para obtenção de remédios (35%), sendo
que 47 (15%) referem-se aos medicamentos essenciais, muitos deles constantes do programa
hiperdia (JUIZ DE FORA, 2007b). Diante desse fato, acredita-se que o município não consiga
satisfazer a demanda por medicamentos.
Essa situação suscita várias questões, dentre elas, a problemática referente ao modo de
financiamento e de distribuição de medicamentos pelo Estado, evidenciando, mais uma vez,
que as barreiras financeiras influenciam de modo decisivo na busca por tais insumos. Além
disso, esses usuários, ao usar a justiça para assegurar o acesso, demonstram ter consciência
dos seus direitos. Logo, percebe-se que o acesso universal e eqüinâme à saúde e aos
medicamentos, garantido pela Constituição Federal de 1998, torna-se, em muitos casos,
viabilizado somente sob via judicial.
Nessa perspectiva, Stephan-Souza (2001) enfatiza que análise do acesso aos serviços de
saúde deve levar em consideração as categorias inclusão/exclusão,
universalização/focalização, financiamento/controle social, articulação público/privado,
cidadania/direitos sociais, todas indissociáveis, permitindo a ampliação desse entendimento
para o acesso aos medicamentos. Essa autora entende a universalidade como sendo o
princípio fundamental do SUS, o qual garante o direito dos brasileiros de ter acesso à saúde,
enquanto a excludência quer dizer a recusa, a privação e a impossibilidade de receber
atendimento.
A universalização do acesso aos medicamentos refere-se à garantia de toda a população
brasileira em obter os diversos tipos de medicamentos necessários com qualidade. Todavia,
essa situação não ocorre no cotidiano dos serviços públicos de saúde, pois, na maioria das
vezes, os usuários desses serviços somente têm acesso aos medicamentos considerados
essenciais, conforme demonstram os relatos. A focalização no cenário do acesso aos
medicamentos pode ser entendida como ações realizadas de modo fragmentado destinadas a
uma determinada clientela, citam-se, como exemplos, os programas (saúde mental, saúde da
mulher, hiperdia, farmácia popular) adotados pelo Ministério da Saúde para distribuir os
medicamentos essenciais. Estes são destinados a um público alvo, o qual tem acesso garantido
a tais insumos somente mediante uma inscrição prévia. Em relação ao programa farmácia
popular, que disponibiliza para a população brasileira remédios com preços acessíveis,
acredita-se que, se o governo federal investisse mais recursos em pesquisas, em pessoal
qualificado e no aparelhamento dos laboratórios oficiais, não haveria necessidade da
existência deste programa.
A inclusão para o acesso aos medicamentos pode ser compreendida como a inserção de
todos os brasileiros na obtenção de tais insumos, e a exclusão significa a expulsão dos
cidadãos do ato de obter medicamentos. Na sociedade brasileira, essa situação torna-se visível
nas classes populares que, muitas vezes, não possuem condições financeiras para se
responsabilizar pelo tratamento médico prescrito, ficando sujeitos às práticas benevolentes ou
ao uso dos mandados judiciais, a fim de obter os medicamentos.
O financiamento e o controle social devem ser pensados a partir das diretrizes
preconizadas pelo Estado de Bem Estar Social de origem beveridgiana, ou seja, tomando
como fundamento a atuação do Estado aberto para a universalidade do atendimento. Ele é o
agente responsável pela criação de políticas públicas capazes de regular e proteger a
sociedade, de maneira a garantir a coesão social. Em relação ao acesso aos medicamentos,
isso significa a garantia efetiva dos medicamentos pelo Estado, sem nenhum ônus adicional
para os pacientes.
A discussão do público e do privado está intrinsecamente relacionada ao modo de
financiamento da saúde. Até a década 80, no Brasil, a assistência à saúde era vinculada ao
movimento econômico e ao crescimento das empresas, tendo como base o contrato, quem não
possuísse esta relação contratual ficava sujeito às práticas benevolentes. A partir de 1988 com
a criação do SUS, a saúde passou a ser financiada com o orçamento público, custeado com
recursos fiscais provenientes da sociedade, ocorrendo a universalização do atendimento.
Entretanto, o Estado, devido a inúmeros fatores de ordem conjuntural e estrutural, dentre eles
a limitação dos investimentos nos serviços públicos e a abertura destes serviços ao mercado,
propostas pela política neoliberal, não conseguiu administrar sozinho essa situação. Sem
recursos para financiar todas as ações em saúde, o Estado acabou por recorrer ao mercado a
fim de minimizar tal problemática.
Nesse sentido, supõe-se que o setor privado foi se introduzindo no público. Todavia, o
Estado não delimitou o nível de atuação do mercado nesse sistema, tornando-se permissivo
com essa situação.
Na questão do acesso aos medicamentos, a relação público/privado pode ser
exemplificada por meio do investimento ainda não satisfatório do governo federal em
pesquisas de novos fármacos, em tecnologia e em pessoal qualificado nos laboratórios
oficiais. Tal fato propicia o desabastecimento de produtos farmacêuticos para serem
distribuídos pelo governo federal, uma vez que esses laboratórios não conseguem dar conta da
produção. Em muitos casos, a alternativa encontrada pelo Estado para sanar essa problemática
do acesso aos medicamentos é a aquisição de alguns medicamentos provenientes de indústrias
farmacêuticas privadas. Nesse cenário, os medicamentos genéricos, conforme já se avaliou,
representam um avanço do Estado no sentido de assegurar o acesso universal e eqüinâme a
todos os usuários do SUS, visando à garantia de qualidade, ao uso racional e ao controle do
mercado.
Em relação à cidadania e aos direitos sociais, torna-se de suma importância vincular o
acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos como forma de obtenção da justiça social.
Nesse sentido, entende-se que isso somente poderá ser alcançado através de políticas públicas
universais e equinâmes, pois tanto a exclusão como a focalização tornam favorável a
reposição de privilégios e a não universalização dos direitos sociais.
A partir dessa compreensão, discutir-se-á a concepção que os usuários dos serviços
públicos de saúde possuem sobre o acesso aos medicamentos como direito social.
A definição formal dos direitos sociais, entre eles do direito à saúde, ampara-se na sua
base legal, representando um conjunto de normas responsáveis pela regulação dos
comportamentos sociais, requerendo a ação do Estado como meio de afirmá-lo através das
políticas públicas. Dallari (1991), ao trabalhar com questões relacionadas ao direito social,
destaca que, antes de tratar da responsabilidade do Estado em matéria de saúde, é preciso
compreender o conceito de direito.
No Brasil, a admissão do direito à saúde ocorreu tardiamente, exigindo para tornar-se
efetivo, a compreensão do direito assim como a instituição e a delimitação dos deveres. Tal
situação foi enfatizada por Dallari (1995).
Outros estudos realizados sobre direitos sociais indicam que a apreensão desses deve
perpassar pelo cenário público, como sustenta Telles (1999). Nesse sentido, os direitos sociais
também podem ser entendidos como resultados das lutas, dos conflitos expressos em um
espaço coletivo, isto é, a partir da dinâmica societária.
Dentro desse contexto, considera-se o campo da saúde como o local para a expressão
concreta desses direitos, pois é através da obtenção do acesso aos serviços de saúde e aos
medicamentos que os usuários têm efetivamente o direito à saúde reconhecido. Como lembra
Stephan-Souza (2001), o estudo do acesso tende a tornar mais sólida a posição dos usuários
dos serviços de saúde, enquanto sujeitos de direito, elemento central na afirmação da
cidadania.
No tocante ao acesso aos medicamentos, percebe-se em alguns usuários o não
conhecimento do direito à saúde, muitos não têm clara consciência dos princípios vigentes no
país ou das idéias de justiça social preconizadas na constituição do SUS, na década de 80,
como revelam os depoimentos a seguir:
UBS AMARELA, 30/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Eu tenho pouco conhecimento, mas eu acho que isso o Governo é tudo
um convênio que ele faz que a gente paga imposto, porque todo brasileiro paga imposto,
então, acho que isso vem através de troca por troca, a gente paga o imposto e ele dá a
contribuição com remédio. Mas, tem que lutar um pouquinho por ele, mas a gente acaba
pagando, está pago, é uma contribuição. Tudo que a gente vai pagar tem imposto, tudo que a
gente vai pagar não, tudo que a gente usa tem imposto embutido. Inclusive, o pessoal da
bebida, do cigarro que é bastante, que paga imposto muito alto”, disse HH.
Tal situação torna-se agravada, quando se observa que uma pequena parcela dos
usuários não consegue visualizar o acesso aos medicamentos como direito à saúde. Eles,
muitas vezes, não conseguem distinguir a concepção de direito da visão de benesse. Esses
usuários percebem-se como beneficiários, sendo gratos ao governo por proporcionar a
distribuição desses produtos. Isso pode ser evidenciado pelo agradecimento dos usuários às
atendentes da “farmácia”, ao receberem os medicamentos, e pelos seguintes relatos:
UBS VERDE, 26/07/07, quinta-feira, à tarde.
“Eu acho que é um direito da gente, mas ele apóia, tem que agradecer a ele
também porque ele apóia, tem que agradecer o Presidente”, disse HH.
“É um direito da pessoa que é pensionista ter em casa e ainda ajuda a
pessoa que não é pensionista, que tem direito do remédio e ele está ajudando um pouco
porque nós não tínhamos isso, essa regalia”, disse HH.
UBS AMARELA, 21/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“Graças a Deus que tem pra dar, muita gente usa”, disse MH.
UBS BRANCA, 27/08/07, segunda-feira à tarde.
“Eu acho que ele está sendo caridoso, ele tem que olhar para os pobres
que a vida é difícil, o dinheiro é pouco”, disse uma paciente hipertensa do hiperdia
participante do grupo focal, que possui 88 anos.
UBS LARANJA ll, 30/08/07, quinta-feira à tarde.
“Em estar dando pra gente. Ainda hoje, eu escutei no rádio uma dona
falando que tem ajudado muito com essa distribuição”, disse uma paciente hipertensa do
hiperdia participante do grupo focal, que possui 75 anos.
Essa concepção pode ser justificada pelo histórico da política de saúde do país,
fundamentada, primeiramente, na benesse e depois na contratualidade, ou seja, quem
contribuía com a previdência social conseguia ter o ingresso assegurado nos serviços públicos
de saúde, acrescida da noção tardia de direito social a que a população brasileira teve acesso.
Nos países europeus centrais, os direitos sociais, dentre eles o direito à saúde,
vincularam-se ao surgimento do Estado de Bem Estar Social na década de 30, que entrou em
crise nos anos 70. Todavia, no Brasil esse direito foi somente reconhecido a partir da
Constituição Federal em 1988. Tal situação influenciou a percepção dos usuários em relação
ao acesso à saúde como direito social. Além disso, muitos usuários, principalmente com idade
mais avançada, vivenciaram esse contexto. Logo, muitas vezes, ao demandarem por
atendimento, estes usuários sentem-se como indo ao encontro da satisfação das necessidades
básicas e não como se fossem à procura do reconhecimento do direito à saúde, que lhes
pertence.
Uma minoria dos usuários do SUS reconhece a busca por medicamentos como direito à
saúde pertencente a eles por serem cidadãos brasileiros. Eles justificam essa concepção
através dos baixos salários recebidos, das altas taxas de impostos a que são submetidos, das
obrigações de campanha e dos aumentos abusivos dos salários do executivo e do legislativo.
Entretanto, eles não conseguem entender o sentido de possuir direitos, não argumentando
sobre o direito à saúde, expresso na constituição do SUS. Os relatos a seguir demonstram que
os usuários, apesar de terem a sensibilidade do direito, não sabem politicamente o que
representa esse direito, eles apenas reproduzem alguns jargões.
UBS LARANJA l, 30/07/07, segunda-feira, à tarde.
“Começou com os políticos, porque todo político candidato a qualquer coisa
– eu vou dar saúde, segurança e educação. Porque todo brasileiro tem direito a essas três
coisas, porque um pacote de arroz que a gente compra, qualquer coisa que a gente compra
está embutido tanto por cento de imposto pra isso. Então, o político não está sendo bonzinho
em dar segurança, educação e saúde não, nós temos o direito e temos que cobrar isso mais”,
disse HH.
UBS VERDE, 26/07/07, quinta-feira, à tarde.
“Acho que é um direito que a gente tem em alguma coisa, os menos
favorecidos, os que ganham menos eu acho que é uma coisa muito boa quando consegue”,
disse HH.
UBS AMARELA, 30/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Eu acho que é direito. Por mim, eu acho que é um direito, que eles
deveriam fazer mesmo. Não é caridade nenhuma deles nem nada não. Porque eles sabem que
o que a gente ganha é pouco, então, é uma ajuda que ele está dando a gente por fora... Eu
acho que é até uma obrigação deles ajudar, porque eles pregam muito dinheiro pra isso e,
então, eu acho que o certo mesmo são eles ajudarem o lado da gente também. Isso aí a gente
contribuiu pra gente poder pegar agora, e é por isso que eu acho que tem mais é que ajudar
mesmo. Chega na hora de dar um aumentinho pra gente é aquela“brigaiada” lá dentro e pra
eles. Fora o rombo que eles fazem com o dinheiro da gente”, disse HH.
Eu acho que a gente já... Olha, não é caridoso não, é um direito da gente
sim porque a gente contribui tanto. Você viu a paulada que eles deram? Eles iam aumentar o
salário deles, aí foi muita polêmica veio o padre e interferiu, quando o Papa veio, eles
esperaram as pessoas esquecerem e nem piscou. Agora vai falar o quê? Para o bolso deles
não tem rombo na previdência não tem nada, agora, para o pobre trabalhador já vai dá
rombo ali, não sei o que aqui e acha que está muito bom, e os impostos que paga? Aluguel?”,
disse HH.
UBS LARANJA ll, 23/08/07, quinta-feira, à tarde.
“Acho que é direito. Porque se a gente cumpre a parte da gente ele tem
obrigação com a gente. Porque se a gente paga imposto e procura fazer tudo direitinho,
então, a partir do momento que a gente está cumprindo a parte da gente ele tem a obrigação
de cumprir a dele também. Fazer o papel dele, ele está lá para isso, para ajudar a população.
Porque chega na hora da eleição de pedir voto vem tudo com cara de bonzinho, aperta a mão
de todo mundo, pega criança no colo, beija e depois chega em casa e deve lavar a boca até
com gasolina. Aí a gente vai e acredita e dá o voto da gente pra ele, então, se ele prometeu
tem que cumprir a parte dele”, disse HH.
Em alguns casos, os usuários das UBS se apóiam na Constituição de 1998, a fim de
fundamentar a concepção de direitos que possuem, como demonstram os relatos a seguir:
UBS AMARELA, 30/07/07, segunda-feira, pela manhã.
Está lá na constituição”, disse MH.
“Ele não está fazendo favor nenhum, ele está fazendo uma obrigação do
Executivo, Legislativo e Judiciário a visão deles tem que ter isso, educação, saúde, moradia e
isso é obrigação dele fazer isso não é favor não. Não é bonzinho não, ele não ganhou a
segunda vez porque é bonzinho não, nada disso. Isso aí é um dever de todos, não só dele, mas
de toda pessoa que elegeu, porque ele foi eleito pra isso”, disse HH.
UBS VERMELHA, 27/07/07, sexta-feira, pela manhã.
“Porque é um direito adquirido, primeiro que todo cidadão tem direito a
saúde, educação, como qualquer coisa”, disse MH.
Logo, ao demandarem por acesso aos medicamentos, esses usuários sentem-se como
cidadãos possuidores de direitos, lutando para que estes sejam reconhecidos de modo efetivo.
Todavia, alguns usuários das UBS, apesar de conhecerem o direito que assiste a eles, no
tocante ao acesso à saúde e aos medicamentos, são contrários à entrada na justiça para tê-lo
reconhecido. O relato abaixo demonstra isso.
UBS VERMELHA, 29/06/07, sexta-feira, pela manhã.
Uma paciente hipertensa do hiperdia tem uma filha deficiente, que toma os
remédios fornecidos do programa de saúde mental (carbamazepina, rivotril). Apesar de achar
que é direito dela receber tais medicamentos, ela não os pega. Ela prefere deixar os remédios
para quem não tem como comprar, pois recebe duas pensões da menina que dá para comprar
os remédios. A paciente acha que apesar de ser direito de receber os remédios, é um absurdo
muitas vezes ter que entrar na justiça para fazer valer o direito.
Nesse contexto desfavorável em que se encontra a saúde brasileira, muitas vezes, a
utilização de mandados judiciais pelos usuários do SUS, a fim de conseguirem assegurar o
direito à saúde, incluindo aos medicamentos, garantido pela Lei 8080, mostra a contradição
expressa entre o SUS legal e o SUS real.
Nesse sentido, ainda persistem situações que propiciam a exclusão dos usuários do SUS
aos serviços de saúde e aos medicamentos, comprometendo a efetivação do direito à saúde.
Os depoimentos a seguir indicam isto:
UBS BRANCA 28/05/07, segunda-feira à tarde.
“Se tiver médico, eles estão dormindo, nunca vi demorar tanto para
atender”, disse uma paciente enquanto aguardava atendimento médico.
UBS LARANJA l 21/05/07, segunda-feira à tarde.
“Adorei a médica, ela não deixa nada pra trás, pena que na próxima
consulta, volta a ser o médico”, disse uma paciente enquanto aguardava atendimento médico.
UBS LARANJA l 21/05/07, segunda-feira à tarde.
“O pobre tem que esperar a vez dele” (consultar, medir a pressão), disse
MH.
UBS AMARELA, 21/05/07, segunda-feira pela manhã.
“A gente que precisa, tem que esperar”, disse MH.
UBS BRANCA 17/05/07, quinta-feira pela manhã.
“O rico está sempre cercado de tudo, de médicos, o pobre não, ele sofre
desde que nasce”. A solução (o remédio) depois de uma certa idade é estricnina (veneno)”,
disse um paciente que ficou cego dos dois olhos devido a um erro médico, enquanto
aguardava para ser atendido.
Em relação ao acesso aos medicamentos, essa situação tende ao agravamento. Os
depoimentos abaixo demonstram isso.
UBS LARANJA ll 30/08/07, segunda-feira à tarde.
“Tem de vir mais remédios. Porque geralmente muitos pacientes ficam
sem. Vamos supor, se a distribuição for na quarta, geralmente é na quarta, aí se você vem
cedo você consegue, agora se você deixa pra vir mais tarde já não consegue. Se você vier
outro dia pode ter o remédio, mas como é pra outra área eles não dão porque é de outra
área. Eu trabalho e meu pai trabalha também, se a minha mãe não puder vir porque ela tem
a minha sobrinha que ela toma conta, a gente fica sem. Se você vem depois ela já não dá
aquela quantidade que está na receita, te dá menos”, disse MH.
UBS VERMELHA, 21/06/07, sexta-feira pela manhã.
Tinha o remédio e ela não queria entregar. Estava com a receita. Falei
com ela que“pra mim não tem, mas pra levar pra casa você tem que eu vi””, disse um
paciente hipertenso do hiperdia participante do grupo focal, ao exemplificar uma situação
vivenciada por ele ao tentar receber os medicamentos na UBS.
Quando eu saio lá da IMEPEN, que desço com a receita de lá e vou lá (no
PAM- MARECHAL), não tem. Não tem por quê? Se tem pra fulano tem que ter pra mim,
quem estava na minha frente ela deu o remédio e por que pra mim não? Aí eu fui lá ao
coordenador. Doutor? Por que não posso pegar esse remédio na farmácia? Quem falou para
o senhor que não tem? (perguntou o coordenador). A atendente lá embaixo, já até esqueci o
nome dela. Aí ele escreve um bilhete e tudo bem, meu patrão cria vergonha nessa cara. Eles
não gostam muito de dar remédio pra gente com a receita do IMEPEN não”.
30
“Eles falam que quem consulta que pode pegar o remédio”,disse uma
paciente hipertensa do hiperdia participante do grupo focal, ao se referir à tentativa de pegar
os remédios no PAM-Marechal.
Diante de tais situações, muitos dos usuários sentem-se revoltados ao serem excluídos
do acesso aos serviços de saúde. Os relatos seguintes demonstram a insatisfação e a
desesperança dos usuários em relação a essa situação vivenciada no cotidiano dos serviços
públicos de saúde.
UBS AMARELA, 21/05/07, segunda-feira, pela manhã.
“O governo é sem vergonha, tem hora que tem remédio para todos, tem
hora que falta para todos”, disse HH.
UBS AMARELA, 30/07/07, segunda-feira, pela manhã.
“Falta, falta muito, está muito longe de ser um Brasil... Não tem mais jeito
não... Não tem prática, só falam, lá só está escrito...”, disse HH.
UBS VERMELHA, 27/07/07, sexta-feira, pela manhã.
Eu como um aposentado, trabalhei setenta anos quase, eu estou sendo
humilhado. Quando eles aparecem na televisão eu saio da sala ou desligo a televisão, por
que é um safado, um traidor porque o que ele prometeu para os pobres? Salário razoável, um
salário bom, agora, esse salário de fome, Deus que me perdoe. Enquanto você ganha
trezentos e oitenta, eles estão roubando milhões lá e diz que não tem como aumentar o
salário dos aposentados. Ele falou: - “Eu como Presidente quem manda no Brasil sou eu””,
disse HH.
30
Disse o mesmo paciente acima citado, ao exemplificar uma outra situação vivenciada por ele ao tentar receber
os medicamentos no PAM-Marechal, com a receita da fundação IMIPEN (Instituto Mineiro de Pesquisas
Nefrológicas), vinculada à UFJF e ao SUS.
Os depoimentos analisados permitem afirmar que se torna necessário repensar o papel
do Estado, enquanto agente responsável pela implementação de uma política pública de saúde
fundamentada nos critérios de universalidade e eqüidade. Só assim, o cenário da saúde será
concretamente um espaço de cidadania.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se ater à interrogação “Acesso aos medicamentos: direito ou privilégio?”, título do
estudo proposto, pretendeu-se focar, neste trabalho, a discussão em torno do modo pelo qual
ocorre o acesso dos usuários do SUS aos medicamentos para o tratamento da hipertensão
arterial e do diabetes melittus no município de Juiz de Fora, sob o enfoque dos direitos
sociais. Ao se retomar as inquietações do início desta pesquisa, em relação às dificuldades
inerentes à obtenção de medicamentos para essas doenças, pode-se perceber, na prática, o
abismo existente entre o SUS legal e o real, isto é, o quanto se torna difícil assegurar o direito
à saúde, garantido pela constituição, aos usuários deste sistema.
Durante o percurso realizado entre as UBS e a sua residência, a pesquisadora conviveu
com várias situações, as quais ela imaginava que somente poderiam ser vivenciadas nos
grandes centros do país, como a questão das drogas. Nos arredores de duas UBS, localizadas
na zona leste de Juiz de Fora, ela presenciou o uso e o tráfico de drogas, enquanto aguardava,
juntamente com os demais moradores, o ônibus para o centro da cidade. Diante dessa
situação, a pesquisadora ficou indignada e revoltada ao perceber como pessoas idôneas são
obrigadas a conviver diariamente com tal problemática, como se fosse algo natural e normal,
sem a devida noção de cidadania.
Nesse cenário, onde o exercício da cidadania torna-se ameaçado pelas leis do tráfico,
outras questões foram surgindo como expressões da destituição dos direitos, principalmente
no tocante ao direito à saúde. No cotidiano das UBS, algumas práticas apontam para essa
situação, dentre elas a superioridade da classe médica em relação aos demais profissionais. Os
médicos são considerados como detentores do saber, como a autoridade máxima nos assuntos
técnico-científicos. Isso impede a consolidação da equipe multiprofissional, impossibilitando
a integralidade das ações em saúde e comprometendo a qualidade do serviço público prestado.
Um outro problema notado refere-se ao poder exercido por alguns gestores dentro das
UBS, os quais, apesar de não possuírem, qualificação para o exercício das funções, ao
imporem ordens para os demais funcionários, se sentem como proprietários desses locais.
Essa situação aponta para práticas passadas de patrimonialismo, ou seja, a apropriação do
patrimônio público, e de clientelismo, neste caso, demonstrado pela ocupação dos cargos
públicos de chefia por indicação política. Uma outra questão, também de suma importância,
são as práticas benevolentes dentro das UBS. Pode-se perceber, em uma delas, a propaganda
de um vereador oferecendo transporte da residência até a UBS aos usuários com dificuldade
de locomoção. Tais situações proporcionam um retrocesso das ações desenvolvidas na área de
saúde na contemporaneidade, comprometendo o acesso aos serviços públicos de saúde e à
efetivação do SUS.
Em relação ao acesso à saúde, aos serviços de saúde e aos medicamentos, a existência de
longas filas para a marcação de consultas e para o recebimento dos remédios, a demora em
obter o atendimento e a ausência de vínculos dos profissionais com os usuários,
comprometem a qualidade dos serviços desempenhados. Tal fato demonstra que, apesar dos
esforços para a efetivação nos serviços públicos de saúde, de práticas com enfoque na
universalidade, na integralidade e na inclusão, ainda persistem ações que inviabilizam esses
objetivos e impedem a construção de uma cidadania pautada na concepção de direito a possuir
direitos.
Nessa perspectiva, acredita-se que a cidadania é uma idéia em constante disputa. Ela não
apresenta uma definição própria, tendo diferentes conotações de acordo com o contexto
societário em que se encontra. Para a política neoliberal, a cidadania relaciona-se ao mínimo,
ou seja, trata-se de assegurar o mínimo possível, criando privilégios para minimizar as
diferenças. Todavia, para o Estado Democrático, a cidadania é a expressão das lutas das
demandas pelo reconhecimento e afirmação dos direitos. Nesse sentido, supõe-se que a área
da saúde, espaço público, proporcione as condições necessárias para que a cidadania
ultrapasse os limites institucionais e se efetive como responsabilidade pública.
Contudo, percebe-se no dia-a-dia das UBS que o direito à saúde, garantido à população
brasileira constitucionalmente, não ocorre como se fosse um direito atinente a esta, ou seja,
como exercício de cidadania.
A maioria dos usuários destes locais sente-se alheia a esse direito, demonstrando
gratificação, conformismo e passividade diante do que lhes é oferecido. Isso conduz a uma
situação de destituição de direito, de não pertencimento à sociedade. Essa situação pode ser
observada através das expressões e das falas dos usuários, ao saírem dos consultórios após o
atendimento médico e ao conseguirem ter acesso à medicação prescrita, evidenciada pelo
sorriso nos lábios e pelo agradecimento à atendente da farmácia. Quando os usuários não
conseguem obter alguns dos medicamentos contidos na receita, eles deixam a UBS com um
olhar perdido e sem rumo. Porém, em nenhum momento, os usuários questionam o motivo
pelo qual não receberam o remédio, mostrando o desconhecimento do direito pertencente a
eles.
Compreende-se que uma minoria dos usuários dos serviços públicos de saúde se
consideram sujeitos portadores de direitos. Uma grande parte percebe-se como beneficiária,
isto é, apreende o acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos como benesse, como um
privilégio. Tal situação aponta para a construção de uma cidadania do mínimo, de ações
focalizadas, onde a inclusão social ocorre pela defesa do acesso ao consumo. No campo da
saúde, esse acesso é evidenciado pelo poder de compra de alguns usuários, no que diz respeito
à saúde e aos medicamentos, beneficiando o processo de medicalização e acesso desigual aos
serviços de sáude e aos medicamentos na sociedade brasileira contemporânea.
No Brasil, o acesso aos medicamentos configura-se como uma vantagem concedida a
alguns usuários, proporcionando a exclusão de outros, ou seja, como um privilégio de alguns
por estarem inseridos num determinado programa de saúde. Logo, entende-se que, apesar do
avanço ocorrido no setor da saúde propiciado pela criação do SUS, a concepção de acesso aos
medicamentos na sociedade brasileira, como direito social, ainda está longe de ser efetivada
no cotidiano dos serviços públicos de saúde, principalmente quando se leva em consideração
a limitação econômica e política do governo federal para a garantia desse direito.
Portanto, o Estado brasileiro precisa equacionar os problemas advindos principalmente
da política econômica, a qual tem colocado limites à operacionalidade da política de
medicamentos e de seguridade social - previdência, assistência e saúde - encontrando-se
distante de oferecer as respostas à questão social no que concerne à desigualdade, ao
desemprego e à destituição de direitos. Esses elementos comprometem diretamente o acesso
universal e eqüinâme aos medicamentos, favorecendo a medicalização.
Nesse sentido, uma reflexão mais aprofundada sobre o tema requer a continuidade e
ampliação dos estudos sobre as dificuldades em conciliar o financiamento e a garantia da
universalidade e da igualdade de acesso aos medicamentos, dentro do preconizado pelo SUS e
pela Política Nacional de Medicamentos, acrescida da discussão sobre a retomada do papel do
farmacêutico, como profissional do medicamento, a serviço da coletividade. Tais ponderações
tornam-se indispensáveis para que o campo da saúde se efetive como espaço de afirmação e
de reconhecimento dos direitos sociais, como espaço de cidadania.
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