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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIEDADE E
CULTURA NA AMAZÔNIA
A EDUCOMUNICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE
PROMOÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO AMAZONAS
ENEIDA MARLY MARQUES CACHEADO
MANAUS
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIEDADE E
CULTURA NA AMAZÔNIA
ENEIDA MARLY MARQUES CACHEADO
A EDUCOMUNICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE
PROMOÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO AMAZONAS
Dissertação apresentada junto ao Programa de
Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na
Amazônia, da Universidade Federal do
Amazonas, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Sociedade e
Cultura na Amazônia, Linha de Pesquisa I:
Linguagem, Comunicação e Cultura na
Amazônia.
ORIENTADOR: PROFº. DR. NARCISO JÚLIO FREIRE LOBO
MANAUS
2007
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Ficha Catalográfica
Catalogação na fonte pela Biblioteca Central da
Universidade Federal do Amazonas
CACHEADO, Eneida Marly Marques.
A Educomunicação como estratégia de promoção dos direitos de crianças e
adolescentes no Amazonas/ Eneida Marly Marques Cacheado – Manaus, UFAM, 2007.
Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia).Universidade
Federal do Amazonas.
287p.
1. Educomunicação 2. Direitos de crianças e adolescentes – UFAM.
I. Título
4
ENEIDA MARLY MARQUES CACHEADO
A EDUCOMUNICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE
PROMOÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO AMAZONAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia,
da Universidade Federal do Amazonas, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia,
Linha de Pesquisa I: Linguagem, Comunicação e
Cultura na Amazônia.
Aprovada em 31 de agosto de 2007.
BANCA EXAMINADORA
Profº. Dr. Narciso Júlio Freire Lobo, Presidente
Universidade Federal do Amazonas
Profª. Dr ª. Heloisa Lara Campos da Costa, Membro
Universidade Federal do Amazonas
Profª. Drª. Maria Inês Gasparetto Higuchi, Membro
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
5
DEDICATÓRIA
Ao meu companheiro Henry, pelo
apoio incondicional à realização
deste trabalho; aos meus filhos
Pedro e Lara, pela compreensão
aos inúmeros momentos de
ausência; e aos fundadores da
Agência Uga-Uga de
Comunicação, pela oportunidade
de construirmos juntos esta
história.
6
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar as práticas comunicacionais e
participativas utilizadas pela organização não-governamental Agência Uga-Uga de
Comunicação como estratégia de promoção dos direitos de crianças e adolescentes no
Amazonas. Seus principais desafios são compreender, analisar e sistematizar estes métodos, a
fim de sustentá-los teórica e conceitualmente; e de propor ou consolidar metodologias que
possam contribuir com a melhoria do trabalho da organização.
Para esta análise escolhemos como método de investigação o Estudo de Caso, de tipo
Etnográfico, aplicado à Agência Uga-Uga com ênfase nos seus projetos focados nos campos
da comunicação, educação e participação. A descrição etnográfica permite ao pesquisador
ingressar no universo conceitual onde vive seus sujeitos, dialogar com eles, numa tentativa de
manter a análise das formas simbólicas.
O objetivo deste estudo de caso é, portanto, reunir elementos, conhecer e analisar as
contribuições culturais ou científicas do tema em questão para teorizar ou conceituar, além de
consolidar uma prática. Por isso, reconstituímos a trajetória da organização utilizando técnicas
tradicionalmente originadas na etnografia como a observação participante e análise de
documentos, com o objetivo de interpretar as atividades realizadas, por meio dos registros
disponíveis nos projetos, bem como em outros documentos como relatórios e materiais
didático-pedagógicos.
Como resultados, apontamos as teorias da Ação Comunicativa e da Ação Dialógica,
como um caminho pedagógico para promover o Diálogo na Escola, considerando sua
resistência em desenvolver projetos ou ações que envolvam comunicação e participação; a
Educomunicação como suporte teórico e metodológico para as atividades da organização que
utilizam as tecnologias da informação e da comunicação no ensino; e por fim, a Participação
Juvenil como direito civil e político básico de crianças e adolescentes, com ênfase no
protagonismo juvenil.
Também descrevemos, explicamos e analisamos cada projeto da organização e suas
fases de execução. Este recorte propiciou identificarmos os pontos fortes e frágeis dos
projetos, possibilitando a indicação de caminhos pedagógicos que podem contribuir para a
concretização do uso da educomunicação e da participação na escola e em outros processos
educativos.
Ao concluirmos, sustentamos nossa hipótese de que a comunicação, com interface na
educação, aliada à participação, consolida um eficaz campo de intervenção social nos espaços
de aprendizagem. Embora esta análise aponte entraves no rendimento dos projetos - causados
por deficiências de ordem metodológica, na organização; e estrutural, relativas ao sistema
escolar e às redes públicas de ensino -, também confirma a eficácia dos métodos considerando
os bons resultados dos projetos e as teorias e conceitos que os fundamentam.
Palavras Chave: Comunicação, Educação, Participação, Direitos, Crianças,
Adolescentes.
7
ABSTRACTS
This research has as main purpose analyze the communicative and participative
practices used by non-governmental organization Agência Uga-Uga de Comunicação as
strategy for child and youthful rights promotion in the state of Amazonas. Their main
challenges are comprehend, analyze and systematize those methods in order to support them
conceptually and theoretically; and also propose or consolidate methodologies that might
contribute with improvements in the organization work.
To do this analyze we choose as investigation method the case study, of ethnographic
type, applied to Agência Uga-Uga with emphasis in their projects focused in communication,
education and participation fields. The ethnographic description allows researcher to join the
conceptual universe where the individual live, talk to them, trying to keep a symbolical forms
analysis.
The purpose of this study case, is, therefore, to assemble elements, to know and to
analyze all cultural or scientifically contributions of the topic in question to theorize or to
concept, beyond to consolidate a practice. That is why we recreate the organization
trajectory, using traditionally technique originated on ethnography as participative
observation and documental analyze, with a purpose to interpret the happened activities, by
means of available records in the projects and also in other type of documents as didactic and
pedagogic material.
As results, we point the theories of communicative action and of dialog action as a
pedagogic way to promote the school dialog, taking its resistance to develop projects or
actions that involve communication and participation; the Educomunication as theoretically
and methodologically support for the organization activities that uses information and
communication technology for teach; and at last the youthful participation as a civil and
politic right basic for child and youthful, with emphasis in youthful as a protagonist.
We also describe, explain and analyze every single project and their execution steps.
This cropping propitiates us to identify the stronger and weak points in the projects, allowing
the indication of a pedagogic way that might contribute for the use concretization for the use
of Educomunication and for participation in the school and in many others learning spaces.
In the conclusion, we sustain our hypotheses that the communication, with interface on
education, associated to participation, consolidates an effective social intervention field on
learning spaces. Although this analysis point some obstacles in the projects income caused
by methodological imperfections, in the ONG; and structural, related to school system and
public teach -, also confirms the methods effective considering the good results of the projects
and the theories and concepts that well founded them.
Key words: Communication, Education, Participation, Rights, Children, Youthful.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - NOVOS CAMINHOS PARA A CIDADANIA
10
· Justificativa
13
· Fundamentação Teórica
15
· Objetivos geral e específicos
17
· Hipótese de Trabalho
18
· Metodologia
18
CAPÍTULO I - COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
SOCIAL
23
1.1 A Comunicação na perspectiva da Teoria da Ação Comunicativa de
Jürgen Habermas
26
1.1.1 O desenvolvimento teórico – A intersubjetividade comunicativa ou do
entendimento lingüístico
26
1.1.2 A ação comunicativa – Natureza lingüística e consenso 30
1.1.3 O mundo da vida e seus critérios de verdade 33
1.1.4 Interesse, poder e esfera pública 35
1.2 A Teoria da Educação Libertadora de Paulo Freire
39
1.2.1 Dialogicidade – Ação, Reflexão e Palavra 39
1.2.2 A concepção “Bancária” da Educação 44
1.2.3 A concepção Problematizadora e Libertadora 47
1.3 Educomunicação – Em busca de um novo lugar social dos Media
50
1.3.1 A inter-relação Comunicação e Educação 50
1.3.2 As áreas de intervenção social da Educomunicação 54
1.4 Direitos e Cidadania de Crianças e Adolescentes
58
1.4.1 Cidadania: direito de criar, reivindicar e obter direitos 58
1.4.2 Esclarecendo o Estatuto da Criança e do Adolescente 60
1.4.3 O direito à Educação 63
1.4.4 O direito à Participação 67
CAPÍTULO II - AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO:
TRAJETÓRIA E ATUAÇÃO PEDAGÓGICA
71
2.1 Anos 90 – Um cenário favorável à integração de crianças e
adolescentes à cidadania
73
2.2 Os projetos que culminaram com a fundação da ONG: Jornal na
Escola/Jornal Uga-Uga e Núcleos de Mobilização Social
84
2.2.1 O processo de construção do Projeto Jornal na Escola 88
2.2.2 A experiência se replica gerando novos projetos 99
2.2.3 Núcleos de Mobilização Social – Participação Juvenil e Fanzines na
Escola
104
2.2.4 Foco na Escola – Núcleos de Mobilização Social/Escola Cidadã 119
9
2.3 A fundação da Agência Uga-Uga de Comunicação e sua integração à
Rede ANDI Brasil
126
2.3.1 Mobilização da Mídia para a promoção dos direitos infanto-juvenis 133
CAPÍTULO III - SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS - TRAÇANDO NOVOS CAMINHOS
140
3.1 Aprender fazendo – Entre erros e acertos
142
3.1.1 Quadro de análise do projeto Jornal Uga-Uga 146
3.1.2 Quadro de análise dos projetos Núcleos de Mobilização Social e Escola
Cidadã
147
3.1.3 Entraves na disseminação da educomunicação e participação 148
3.2 Diálogo e Consenso como facilitadores da comunicação na Escola
155
3.3 Comunicação na Educação ou Educomunicação
162
3.4 Participação e Protagonismo Juvenil para o exercício da cidadania
168
CONCLUSÃO
173
REFERÊNCIAS
178
ANEXOS
182
10
INTRODUÇÃO
NOVOS CAMINHOS PARA A CIDADANIA
11
NOVOS CAMINHOS PARA A CIDADANIA
A progressiva incorporação da abordagem dos direitos humanos de crianças e
adolescentes na legislação – como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de julho
de 1990 e nas políticas públicas brasileiras é um resultado direto da massiva mobilização da
sociedade civil, nas últimas duas décadas, em torno dessa causa.
A Agência Uga-Uga de Comunicação, organização não governamental, sem fins
lucrativos, fundada em abril de 2000, resultou desse cenário e tornou-se, pelo seu trabalho
com e pelo publico infanto-juvenil, através de metodologias comunicacionais e participativas,
um dos principais agentes de conscientização, qualificação e mobilização na área dos direitos
da criança e do adolescente no Amazonas.
A partir da percepção de que a comunicação é um instrumento fundamental no
processo de formação de uma sociedade, a Agência foi criada com o objetivo de contribuir
para a formação cidadã de crianças e adolescentes da rede pública de ensino do estado do
Amazonas por meio de estratégias de comunicação e de processos participativos. Desde
então, vem desenvolvendo metodologias para concretizar essa missão através de três eixos
estratégicos: comunicação, educação e participação juvenil.
Com o foco de atuação voltado para a promoção integral dos direitos infanto-juvenis,
o público preferencial da organização para a implementação de suas ações tem sido as
crianças, adolescentes e jovens; os professores; as fontes de informação da sociedade civil
(atores sociais), os jornalistas e os veículos de comunicação.
Considerando que a influência e o impacto da informação e da comunicação de massa
sobre a sociedade são cada vez mais intensos e profundos, a Agência passou a desenvolver no
eixo “Educação para e pela Comunicação” linguagens do que está convencionando-se chamar
Educomunicação. De natureza interdisciplinar, esse novo campo de intervenção social
favorece o protagonismo juvenil, o trabalho em grupo e a troca de informações. Coloca os
12
jovens, a escola e a comunidade em contato com o mundo e propõe aprender comunicando e
comunicar aprendendo.
Trata-se de uma nova maneira de ver, compreender e de agir diante da juventude,
propondo potencializar seu poder de mobilização para a transformação da sociedade. Por
outro lado, estimula a comunidade adulta a adotar uma postura mais pró-ativa e consciente em
relação às questões de interesse da juventude. A partir desta prática, a Agência oportuniza aos
adolescentes e jovens a produção de sua própria mídia (jornal, fanzine e rádio), numa relação
horizontal entre adolescentes, sendo o processo e não o produto a etapa mais importante do
aprendizado.
No campo da Participação direito assegurado na Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança, assinada em 1989, no pilar Condição Social de Direitos – os adolescentes
retomam a condição de sujeito e agente do seu direito à opinião, à voz e à participação.
Passam também a contribuir para o desenvolvimento de relações de equidade entre os adultos
e as crianças e adolescentes, para uma presença e inclusão maiores na escola e organizações
comunitárias e, principalmente, para a formação no exercício de sua cidadania e liderança.
Além de estar transversalizada em todos os projetos da organização com público-alvo
adolescente, esta prática também sustenta duas redes de adolescentes apoiadas pela Agência:
Rede Sou de Atitude e Rede de Experiências em Comunicação, Educação e Participação
Rede CEP.
O eixo Mobilização Social, embora seja também uma prática transversal em todas as
ações da ONG, sustenta com maior ênfase as estratégias voltadas à sensibilização da mídia
para uma cultura que favoreça a publicização e o destaque aos direitos da criança e do
adolescente, por meio das atividades da Rede ANDI Brasil.
Diante destas colocações, apontamos a necessidade de reflexão e estudo das
experiências descritas com ênfase na comunicação, educação e participação, na perspectiva de
13
conferir-lhes referenciais teóricos e conceituais consistentes e, conseqüentemente, de
fortalecer e consolidar seus objetivos fins, que é a promoção e defesa dos direitos de crianças
e adolescentes por meio da participação e do uso das tecnologias da comunicação e da
informação nos espaços de aprendizagem.
Justificativa
O tema em estudo, “A Educomunicação como estratégia de promoção dos direitos de
crianças e adolescentes no Amazonas”, tem por objeto a consolidação das práticas
pedagógicas focadas nos campos da comunicação, educação e participação juvenil, adotadas
pela organização não-governamental Agência Uga-Uga de Comunicação em seus projetos
educativos. Seus principais desafios são compreender, analisar e sistematizar estes métodos, a
fim de sustentá-los teórica e conceitualmente; e de propor ou consolidar metodologias que
possam contribuir com a melhoria do trabalho da organização.
A realização desta dissertação está associada a três principais motivações: o nosso
envolvimento pessoal com a referida ONG, a necessidade institucional de compreender seus
métodos comunicacionais e participativos aplicados na aprendizagem, e a carência da escola
pública na utilização de ações educacionais que contribuam para a formação dos jovens como
sujeitos plenos, capazes de exercitar seus direitos e corresponder com seus deveres na
sociedade.
O nosso interesse acadêmico pelo tema está intrinsecamente relacionado à trajetória da
Agência Uga-Uga de Comunicação. Além de termos participado diretamente de sua fundação,
em abril de 2000, e do processo de gestão institucional durante quase oito anos, vivenciamos
momentos ricos dessa caminhada, tanto no aspecto das políticas públicas relacionadas à
infância e adolescência, quanto no que se refere ao nosso crescimento profissional enquanto
agente social.
14
Pela primeira vez, na história da rede municipal de ensino de Manaus, um projeto
social deu voz aos adolescentes da periferia da cidade e adotou a comunicação, por meio do
jornal impresso, como um recurso para a educação. E também, pela primeira vez, enquanto
jornalista e/ou comunicadora, passamos a perceber a comunicação com uma função além da
lógica da comunicação de massa. Compreendíamos que este campo poderia igualmente
intervir e, conseqüentemente, contribuir com o desenvolvimento pessoal e social de crianças e
adolescentes aprendizes.
Mas, na mesma medida em que crescia a experiência da Agência Uga-Uga em utilizar
as práticas de comunicação e participação em ações educativas com adolescentes e jovens,
também crescia a necessidade de traduzir esses métodos, de sustentá-los teórica e
conceitualmente e de sistematizá-los em seus aspectos pedagógicos. Tornava-se fundamental
sua legitimação como proposta de transformação social.
Junto a essas necessidades, a ONG enfrentava também problemas externos, de caráter
estrutural, provocados pelo modus operandis da gestão pública da rede de ensino e da
própria escola - para onde estão direcionadas a maioria das ações da Agência.
Os desafios estruturais identificados na escola estão relacionados ao modelo de
educação “bancária” que a escola insiste em praticar – as práticas de educomunicação e
participação estão à margem de seu fazer pedagógico e são consideradas “ação
complementar” ou projeto “extracurricular”; aos educadores e professores que não
apresentam competência e repertório adequados em metodologias nesses campos; à
descontinuidade de projetos sociais nas escolas quando assume um novo grupo político no
Governo; e às questões relacionadas ao emprego e renda dos jovens.
Ou seja, são questões externas à organização, mas que contribuem para o sucesso ou
fracasso das atividades da organização realizadas dentro da escola. Daí, a necessidade de
serem discutidas e analisadas.
15
Fundamentação Teórica
Para a fundamentação teórica e conceitual dos três campos de atuação da organização
(comunicação, educação e participação), optamos por promover a interface das teorias da
ação comunicativa e da ação dialógica, sustentadas por Habermas (1981) e Freire (1995); a
inter-relação comunicação e educação ou Educomunicação, sugerida por Soares (2001); e a
Participação Juvenil, com ênfase no protagonismo, como direito civil e político básico de
crianças e adolescentes.
Por meio da ação comunicativa e dialógica, indicamos o componente do Diálogo na
Escola, entre pais, alunos e professores, como estratégia para promover a comunicação e,
conseqüentemente, o desenvolvimento de ões focadas na educomunicação e participação.
Segundo Habermas e Freire, trata-se da criação de um discurso ideal que permita “a
comunicação emancipadora entre os seres humanos”.
Ambos convergem para a utilização de novas formas de comunicação, como as
dialogais e argumentativas; e defendem a emancipação social, a expansão da democracia e da
cidadania a partir da idéia da construção do conhecimento em bases comunicacionais.
Na inter-relação comunicação e educação apontamos a Educomunicação como novo
campo de intervenção social, associado aos “estudos culturais aplicados à comunicação”, cuja
proposta é analisar a comunicação segundo as mediações que a envolvem e não somente
através de seus meios. Este campo está intrinsecamente relacionado às ações da Agência Uga-
Uga de Comunicação, realizadas dentro e fora do espaço escolar, que utilizam as tecnologias
da informação e da comunicação em processos de aprendizagem.
A Educomunicação é sistematizada neste estudo a partir de quatro sub-áreas:
Educação para a Comunicação, Mediação Tecnológica na Educação, Gestão Comunicativa e
Reflexão Epistemológica.
16
São áreas que se relacionam aos projetos destinados à formação de receptores
autônomos e críticos frente aos meios; aos procedimentos e reflexões em torno da presença e
dos múltiplos usos das tecnologias da informação na educação; ao planejamento, execução e
realização de processos e procedimentos que se articulam em torno da comunicação, cultura e
educação; e às regras de produção da existência deste novo campo.
A proposta de Educomunicação aqui defendida resulta das pesquisas do Núcleo de
Comunicação e Educação (NCE) da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo (UCA/USP). Nossa intenção é também evidenciar que este novo campo pressupõe a
criação de políticas públicas educacionais e que a Escola é o espaço legítimo para a execução
de ações desta natureza.
Um exemplo de projeto que atua na perspectiva de políticas blicas é o
Educomunicação nas Ondas do Rádio (ou Educom.Radio), do NCE/USP, que já alcançou boa
parte da rede municipal de ensino de São Paulo. O projeto contribui na formação de
profissionais da educação e membros da comunidade escolar (educomunicadores), de modo a
capacitá-los para explorar e multiplicar as possibilidades de utilização das tecnologias e
linguagens da mídia como instrumentos de produção da cidadania e melhoria do ensino.
Nas abordagens mais gerais ao campo da comunicação, nos apoiamos em teorias de
autores contemporâneos como: Martín-Barbero, Juan Bordenave, Guillermo Gomez, Leilah
Landim, Cicília Peruzzo, Aparecida Baccega, Mauro Wilton Souza, entre outros.
No campo da Participação Juvenil, nos valemos das teorias de Costa (2000) e de Hart
(2000), que sustentam uma participação decisória, planejadora, operacional e avaliadora dos
jovens. Ou seja, os jovens participando de todos os processos de decisão, planejamento ,
execução e avaliação dos resultados dos projetos. Uma proposta que rechaça a participação
manipulada, decorativa e simbólica.
17
Também damos ênfase à participação focada no protagonismo juvenil como espaço de
descoberta e experimentação essenciais para a transição do adolescente para o mundo adulto e
para o desenvolvimento de sua consciência ética e do seu compromisso cidadão.
Falamos de uma participação protagônica que, conforme Cussianóvich (2002), se
evidencia como uma questão de poder e de exercício do poder, isto é, “como parte das
dinâmicas do tecido social, da relação da sociedade civil, do Estado, dos agentes sociais”.
Entretanto,
Não se pode reduzir a participação como protagonista a seu conteúdo político; ela
exige ser admitida como expressão do estatuto social e jurídico da infância e
expressa seu modo de vida, sua identidade pessoal e social, sua espiritualidade, ou
seja, o sentido da sua dignidade, da sua sensibilidade e sentimento sociais, dos seus
mitos e imaginários (CUSSIANÓVICH, 2002, p. 6).
Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei federal 8.069/1990) quanto a
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) que também fundamentam
esta área na dissertação –, trazem a perspectiva de direito associado a um conceito de não-
discriminação, de participação; à condição de sujeito social de direitos; e ao interesse superior
de crianças e adolescentes.
Objetivos Geral e Específicos
Este trabalho tem por objetivo geral analisar as práticas comunicacionais e
participativas utilizadas pela organização não-governamental Agência Uga-Uga de
Comunicação como estratégia de promoção dos direitos de crianças e adolescentes no
Amazonas.
Seus objetivos específicos são: discutir os métodos da organização focados no tripé
comunicação, educação e participação; descrever, analisar e compreender as práticas
educomunicacionais e participativas da Agência Uga-Uga de Comunicação com base em seus
projetos; e sistematizar essas práticas visando consolidar metodologias de trabalho.
18
Hipótese de Trabalho
Este trabalho parte do princípio de que a comunicação deve e pode exercer uma
função além da lógica da comunicação de massa, estritamente funcional, comercial, tecnicista
e alienadora. Sua questão é: se a comunicação é eficaz em mudar comportamentos, introduzir
novos hábitos e valores, porque não utilizá-la para a promoção do desenvolvimento social das
novas gerações?
Acreditamos, portanto, na hipótese de que a comunicação, aliada à educação e à
participação, é um eficaz e eficiente meio de desenvolvimento cidadão, o que a torna uma
poderosa estratégia educativa se utilizada em espaços de aprendizagem.
Metodologia
A presente pesquisa foi desenvolvida a partir de um Estudo de Caso, que tem como
unidade de análise as práticas pedagógicas da organização não-governamental Agência Uga-
Uga de Comunicação focadas na comunicação, educação e participação.
É importante destacar que o Estudo de Caso reúne informações detalhadas e
numerosas com vista à totalidade de uma situação. A riqueza das informações detalhadas
auxilia num maior conhecimento. Conforme Yin (2002), além de compreender fenômenos
sociais complexos, o estudo de caso
Permite uma investigação para se preservar as características holísticas e
significativas dos eventos da vida real tais como ciclos de vida individuais,
processos organizacionais, administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas,
relações internacionais e a maturação de alguns setores (YIN, 2002, p.21).
Entretanto, pelo fato de relacionar-se a um único objeto ou fenômeno, constitui-se em
uma limitação, uma vez que seus resultados não podem ser generalizáveis a outros objetos ou
fenômenos. Daí a importância de ser agregado à pesquisa bibliográfica, dando-lhe novo
sentido e gerando outras possibilidades.
19
Utilizamos, portanto, a aplicação do Estudo de Caso do tipo Etnográfico. Trata-se de
um método que desempenha um papel central na antropologia contemporânea e em suas
interfaces com os estudos da Comunicação.
De acordo com Geertz (1989), compreender a antropologia interpretativa significa
desvendar a prática etnográfica, definida pelo autor como “uma descrição densa”. “É uma
análise e interpretação de estruturas superpostas de inferências e implicações em busca de seu
significado, com o objetivo de alargar o conhecimento humano” (GEERTZ, 1989, p. 23).
Três características são identificadas por Geertz na descrição etnográfica: é
interpretativa, interpreta o fluxo do discurso social, e a interpretação tem o objetivo de
preservar esse discurso e fixá-lo em formas pesquisáveis. Esta abordagem permite ao
pesquisador ingressar no universo conceitual onde vive seus sujeitos, dialogar com eles, numa
tentativa de manter a análise das formas simbólicas ligadas aos acontecimentos sociais.
André (1995) atenta para o fato de que um trabalho, para ser reconhecido como um
estudo de caso etnográfico precisa, antes de tudo, preencher requisitos da etnografia e, junto a
isso, que seja um sistema bem delimitado, isto é, “uma unidade com limites bem definidos, tal
como uma pessoa, um programa, uma instituição ou um grupo social”.
Os estudos de caso de tipo etnográfico necessitam possuir as seguintes características,
conforme André,
Em primeiro lugar, ele faz uso das técnicas que tradicionalmente são associadas à
etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de
documentos.
A observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o
pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e
sendo por ela afetado. As entrevistas m a finalidade de aprofundar as questões e
esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de
contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar
as informações coletadas através de outras fontes.
Subjacente ao uso dessas técnicas etnográficas existe o princípio da interação
constante entre pesquisador e o objeto pesquisado princípio esse que determina
fortemente a segunda característica da pesquisa do tipo etnográfico, ou seja, que o
pesquisador é o instrumento principal na coleta e na análise dos dados. Os dados são
mediados pelo instrumento humano, o pesquisador. O fato de ser uma pessoa a e
numa posição bem diferente de outros tipos de instrumentos, porque permite que ele
20
responda ativamente às circunstâncias que o cercam, modificando técnicas de coleta,
se necessário, revendo questões que orientam a pesquisa, localizando novos sujeitos,
revendo toda a metodologia ainda durante o desenrolar do trabalho.
Outra característica importante da etnografia é a preocupação com o significado,
com a maneira própria com que as pessoas vêem a si mesmas, as suas experiências e
o mundo que as cerca. O pesquisador deve tentar apreender e retratar essa visão
pessoal dos participantes.
A quinta característica da pesquisa etnográfica é que ela envolve um trabalho de
campo. O pesquisador aproxima-se de pessoas, situações, locais, eventos, mantendo
com eles um contato direto e prolongado.
Finalmente a pesquisa etnográfica busca a formulação de hipóteses, conceitos,
abstrações, teorias e não sua testagem. Para isso faz uso de um plano de trabalho
aberto e flexível, em que os focos da investigação vão sendo constantemente
revistos, as técnicas de coleta reavaliadas, os instrumentos reformulados e os
fundamentos teóricos repensados. O que esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de
novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade
(ANDRÉ, 1995, p. 28-30).
No aspecto metodológico, o objetivo deste projeto não foi recolher informações e
conhecimentos a cerca de um problema para o qual se procura resposta ou a cerca de uma
hipótese que se quer experimentar. Seu objeto foi reunir elementos, conhecer e analisar as
contribuições culturais ou científicas do tema em questão para teorizar ou conceituar, além de
consolidar uma prática.
Para isso, também nos valemos da observação participante e da pesquisa documental,
histórica e bibliográfica. Por meio destas podemos documentar os encontros e desencontros
do objeto em estudo, descrevendo as ações e representações de seus atores sociais com vistas
a construir valores e significados para o emprego da educomunicação e participação no
desenvolvimento cidadão de crianças e adolescentes do Amazonas.
O Campo de abrangência desta pesquisa foi: a) a organização não-governamental
Agência Uga-Uga de Comunicação; b) os projetos sociais que originaram a ONG,
fundamentados na comunicação, educação e participação; c) o público preferencial dos
projetos: crianças, adolescentes e jovens; professores e educadores.
Os instrumentos de coleta de dados, por sua vez, foram a observação sistemática, as
entrevistas não estruturadas e a documentação.
21
A observação consiste em ver, ouvir e examinar os fatos ou fenômenos em
investigação e contribui para o pesquisador obter a comprovação dos dados sobre os
indivíduos observados. O formato sistemático tem a função de tornar os dados da pesquisa
mais detalhados e precisos. Ela pressupõe controle da situação, propósitos pré-estabelecidos e
requer um plano. Neste estudo se aplica a todo o universo da amostra a partir do caso
específico.
A entrevista tem a função de obter informações por meio de perguntas formuladas
pessoalmente pelo investigador às pessoas ou grupos com o objetivo de obter dados
necessários para responder à questão estudada.
Aqui, tem formato não estruturado, que permite ao entrevistado a liberdade de
desenvolver cada situação na direção que considerar mais adequada. Neste trabalho
substituímos as perguntas abertas por depoimentos de adolescentes aprendizes e professores,
colhidos ao longo da execução dos projetos da organização. Entendemos que o conteúdo dos
depoimentos, bem como os resultados das ações, respondem às questões em estudo.
As pesquisas documental, histórica e bibliográfica são valiosas fontes de coleta de
dados. Além de agilizar os processos investigativos, o irrefutáveis em algumas situações; e
inerentes a todas as etapas de investigação.
Neste estudo, a pesquisa bibliográfica estrutura todo o primeiro capítulo, onde
apresentamos as vertentes teóricas que explicam as áreas de investigação (comunicação,
educação e participação) centrando nosso foco na interface entre comunicação e educação e
no direito à participação de crianças e adolescentes com ênfase no protagonismo juvenil.
As pesquisas documental e histórica estruturam o capítulo dois, que resgata as ações e
os agentes que constituíram os projetos da Agência relativos as áreas investigadas. Esse
resgate possibilitou a análise dos projetos com vistas aos pontos fortes e fracos e aos
resultados.
22
E por fim, no capítulo três, buscamos a sistematização das metodologias, consolidando
teoricamente e conceitualmente os métodos já utilizados e criando novos a partir dos
resultados apontados nas análises dos capítulos dois e três.
No aspecto da estrutura geral a dissertação ficou assim distribuída:
1. Introdução - assinalamos a relação desta pesquisadora com seu objeto de estudo, bem
como justificamos nosso tema e apresentamos nossos referenciais teóricos, objetivos,
hipóteses e métodos de pesquisa;
2. Primeiro capítulo apresentamos vertentes teóricas que perpassam as áreas de
investigação e, portanto, fundamentam as práticas pedagógicas utilizadas pelos
projetos da organização, com ênfase na inter-relação comunicação e educação e na
participação juvenil como direito social básico;
3. Capítulo dois resgatamos as ações e os agentes que contribuíram para a construção
das práticas pedagógicas utilizadas pela ONG nos campos da comunicação, educação
e participação, apontando falhas e bons resultados das atividades;
4. Capítulo três analisamos os pontos fortes e fracos e os resultados de cada projeto, e
sistematizamos as práticas utilizadas, consolidando métodos e também propondo
novos caminhos;
5. Conclusão retomamos os principais pontos deste estudo e apontamos para a
consolidação de novos caminhos pedagógicos a partir do Diálogo na Escola, da
Educomunicação e da Participação Juvenil como direito. Caminhos que não colocam
um ponto final neste estudo, mas que levantam pontos para futuros aprofundamentos.
Portanto, iniciamos este estudo colocando em questão: a comunicação, aliada à
educação e à participação é uma eficaz e eficiente estratégia educativa?
23
CAPÍTULO I
COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL
24
Razão comunicativa, educação libertadora e educomunicação. Estas três vertentes do
pensamento contemporâneo das ciências humanas, produzidas e difundidas respectivamente
por Jürgen Habermas
1
, Paulo Freire
2
e Ismar Soares
3
(no Brasil), são as teorias que norteiam
este capítulo. Trata-se de um tripé teórico fundamentado na concepção de uma sociedade
socialmente emancipada, ética, progressista e democrática; e, especialmente, de uma
aprendizagem em que o indivíduo sinta-se tocado, envolvido, conectado, por meio da
utilização das novas tecnologias na educação.
Nos referimos a um ambiente mediado por tecnologias, voltado para a gestão da
comunicação e da informação em espaços educativos, tendo como objetivos a criação e o
desenvolvimento de ecossistemas comunicativos
4
(MARTÍN-BARBERO apud SOARES,
2001, p.37).
E são estas bases teóricas que estamos buscando, de maneira que tragam contribuições
ao objeto deste trabalho, que é a consolidação das práticas de comunicação, educação e
participação empregadas pela organização não-governamental Agência Uga-Uga de
Comunicação, cujo objetivo é a promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes,
por meio do uso de práticas comunicacionais na educação.
É também essencial, ao abordarmos os direitos e a cidadania de meninos e meninas,
dar ênfase ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei federal 8.069, de 13 de julho
de 1990, que substitui o antigo Código de Menores, e que atende ao disposto no artigo 227 da
1
Jürgen Habermas é um dos maiores filósofos vivos da atualidade. Nasceu em junho de 1929, em Düsseldorf.
Estudou Filosofia, História, Psicologia, Economia e Literatura alemã nas universidades de Göttingen, Zurique e
Bonn. Seu nome está intimamente ligado à escola de Frankfut. É considerado o último representante da Teoria
Crítica da Sociedade.
2
Paulo Freire é considerado um dos grandes pedagogos da atualidade e é respeitado mundialmente. Nasceu em
Recife (PE) em 1921 e faleceu em 1997. Suas principais obras são: Educação como Prática da Liberdade,
Pedagogia do Oprimido, Cartas à Guiné Bissau, Vivendo e Aprendendo, A importância do ato de ler e Pedagogia
da Autonomia.
3
Ismar de Oliveira Soares, Professor Doutor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,
Professor visitante da Marquete Uninersity, Milwaukee, EUA e Coordenador do Núcleo de Comunicação e
Educação da ECA/USP.
4
O conceito de ecossistema comunicativo, segundo SOARES (2001), designa a organização do ambiente, a
disponibilização dos recursos, o modus faciendi dos sujeitos envolvidos e o conjunto das ações que caracterizam
determinado tipo de ação comunicacional.
25
Constituição Federal. O grande mérito do Estatuto foi a criação de regras para que se
respeitem a criança e o adolescente como cidadãos sujeitos de direitos e deveres, conferindo-
lhes prioridade absoluta, sobretudo na elaboração e implementação de políticas públicas. Esta
temática é esplanada ao longo da parte cinco deste capítulo.
As obras de Habermas e Freire convergem principalmente pela via do horizonte da
emancipação social e de uma ética da responsabilidade universal. Habermas defende uma
esfera pública livre e democrática e um discurso ideal enquanto Freire prega uma educação
libertadora e uma conscientização que levem a uma sociedade democrática e eticizada.
São pensadores que se aproximam na idéia da construção do conhecimento, em bases
comunicacionais, promovendo a ligação entre preocupações morais, políticas e pedagógicas.
“Movimentam-se livremente em várias correntes de pensamento partilhando compromissos
com o desenvolvimento de uma produção teórica que contribua para a emancipação social”
(POLLI, 2005, p.58).
A teorização de Habermas e Freire busca fundamentos para o agir e elementos
comunicativos intersubjetivos para a superação da dominação. Buscam, em comum, novos
horizontes de racionalidade, fundados na dialogicidade.
O diálogo, que seria a base para a elaboração de um novo modo de se pensar e viver
em sociedade, está contaminado por impurezas – ideologias e interesses – que
afetam o consenso. Diante dos conflitos, ambos propõem um diálogo tolerante como
dispositivo pedagógico, que pode contribuir para a construção de uma esfera
pública, palco livre de debates entre iguais (POLLI, 2005, p. 64).
Habermas e Freire pensam novas formas de comunicação e criticam os mecanismos
que as inviabilizam. Ambos acreditam que as formas produzidas pela estrutura sistêmica
visam a instrumentalização; as formas dialogais e argumentativas estabelecem mecanismos
de entendimento possíveis provisórios sobre o mundo.
De forma convergente, eles defendem: uma teoria democrática da sociedade; a
experiência vivida dos sujeitos; a conversa democrática como mecanismo fundamental para a
26
construção do conhecimento; uma educação que forme para a emancipação e para a expansão
da democracia e da cidadania; e ainda os campos das teorias cognitivas e do desenvolvimento
moral, com ênfase para o papel da subjetividade nas relações de poder. No caso de Freire
(2003), este último é o tema central da pedagogia crítica, que analisa as relações de poder
como produtoras da transmissão do conhecimento.
Acreditamos que estes fundamentos, convergentes no pensamento habermasiano e
freiriano, podem contribuir para o desenvolvimento social de crianças, adolescentes e jovens,
seja no ambiente escolar, na comunidade ou em outros espaços públicos considerados
legítimos do homem na sua tarefa de agir e interagir com liberdade e autonomia.
1.1. A comunicação na perspectiva da Teoria da Ação Comunicativa de
Jürgen Habermas
1.1.1 O desenvolvimento teórico A intersubjetividade comunicativa ou do
entendimento lingüístico
É por meio da obra Conhecimento e Interesse
5
que Habermas (1968) distingue a ação
racional com orientação utilitária da ação comunicativa, distinção esta que aponta o
desenvolvimento de uma teoria da comunicação.
Conforme nos orienta Cerdá (2004), deve-se considerar que uma crítica da ciência não
está imune aos “enganos” do positivismo; e que o caráter interessado” desta crítica deve ser
admitido, levando em conta que não existe conhecimento neutro. Aqui são apontados três
interesses científicos: o técnico, das ciências empíricas; o prático, orientador da ação por sua
compreensão de sentidos; e o emancipador, da teoria crítica da sociedade. Cada uma destas
formas de interesse cognitivo dá lugar a três dimensões da existência social humana: o
trabalho, a interação humana e o poder, respectivamente.
5
Publicada pela primeira vez em 1968, segundo R. Bernstein “uma futura analise científica e crítica da
sociedade” (BERNSTEIN Apud CERDÁ, 2004, p. 153).
27
O interesse técnico do trabalho é estudado pelas ciências analítico-empíricas e surge
do desejo de domínio e controle da natureza; o interesse prático da interação ou comunicação
humana é conhecido pelas ciências do espírito (ciências humanas e culturais), às vezes
agrupadas pelas disciplinas hermenêutico-históricas; e o interesse emancipativo ou libertador
do poder, próprio da reflexão, são conhecidos pelas ciências propriamente críticas, tanto
empíricas como interpretativas (CERDÁ, 2004, p. 153). O quadro abaixo demonstra esta
sistematização:
CONHECIMENTO E INTERESSE
INTERESSE
COGNITIVO
SABER MEIO: DIMENSÃO
DA EXISTÊNCIA
HUMANA
CIÊNCIA:
DISCIPLINA QUE O
CARACTERIZA
TÉCNICO
Instrumental
Trabalho
Ciência analítico-
empírica ou naturais
PRÁTICO
Prático (entendimento)
Interação
humana/linguagem
Hermenêutica histórica
ou “interpretativas”
EMANCIPATIVO OU
EMANCIPATÓRIO
Emancipatório
(Reflexão)
Poder
Ciências críticas ou
criticamente orientadas
Quadro 1 – Conhecimento e Interesse
FONTE: MILLÁN apud CERDÁ, 2004.
Na teoria crítica tradicional, Habermas (1981) afirma que existe uma racionalidade dos
fins e que a ciência social deve se preocupar com a resolução de problemas práticos. Todo
conhecimento obedece a um interesse, porém, enquanto as ciências naturais têm interesse em
controlar a natureza, as ciências sociais têm interesse na emancipação das pessoas a despeito
de qualquer forma de coação (BRIONES,1999).
Em Conhecimento e Interesse Habermas (1982) faz a seguinte interpretação:
O interesse pela autoconservação não pode ser definido de maneira independente das
condições culturais: o trabalho, a linguagem, a dominação. O interesse pela
autoconservação não pode ter como meta a reprodução da vida da espécie já que
essa espécie, abaixo das condições culturais de existência, tem que começar
interpretando que é o que entende por vida. Estas interpretações se orientam, por sua
vez, segundo as idéias de “vida boa”. “O bom” não é nem convenção nem essência,
é algo fantasiado com a exatidão como para satisfazer e dar articulação a um
interesse fundamental: o interesse pela medida da emancipação que, historicamente,
tanto nas condições dadas como nas que podem ser objeto de manipulação, é
objetivamente possível (HABERMAS, 1982, p. 284).
28
Nesta etapa de desenvolvimento da Teoria da Ação Comunicativa Habermas
direciona-se dentro do marco de uma filosofia da consciência e da filosofia do sujeito
autoconsciente. O caminho para se entender a mudança desta Teoria é o “giro lingüístico”.
Segundo Millán (2000), ao sair do marco original e inspirar-se na filosofia da linguagem
(como oposição à filosofia do sujeito e da consciência), concretamente na teoria do ato de
fala, Habermas modifica e refina significativamente esta perspectiva, porque se conta de
que o âmbito das interações comunicativas é mais extenso que os atos de fala explícitos.
“Enfocando a comunicação desde a perspectiva da fala, se pode alcançar uma compreensão
dos aspectos distintos da comunicação” (AUSTIN MILLÁN, 2000, p. 2).
Em uma segunda fase de estudos da Teoria da ão Comunicativa Habermas foca-se
no campo da racionalidade, colocando questões como: que tipo de racionalidade corresponde
às ciências sociais? em que sentido da modernização da sociedade pode ser considerada como
um processo de racionalização? Todos estes temas passam a ser abordados na obra de 1981
(Teoria de la acción comunicativa, I). Para Cerdá (2004) trata-se de uma obra sociológica,
uma teoria global da sociedade em que Habermas analisa a origem, a evolução e as patologias
da sociedade.
A partir deste momento Habermas (1987) abandona a proposta da filosofia da
consciência e do sujeito e se dedica a intersubjetividade comunicativa ou do entendimento
lingüístico. Por meio deste ponto de vista considera que o modelo segundo o qual se deve
pensar a ação social não é o de uma ação subjetiva, orientada por fins egoístas de sujeitos
individuais, mas, sim de uma ação orientada ao entendimento na qual os sujeitos coordenam
seus planos de ação sobre a base de acordos motivados racionalmente, a partir da aceitação de
pretensões.
29
A racionalidade da ação comunicativa consiste em obter a compreensão comunicativa,
o mútuo entendimento, mediante o uso da linguagem.
As ações dos agentes implicados nela (na ação comunicativa) se coordenam não
mediante cálculos egocêntricos do êxito, sim mediante atos para alcançar a
compreensão. Na ação comunicativa os participantes não se orientam principalmente
por seu êxito; perseguem suas metas individuais com a condição de que são capazes
de harmonizar seus planos de ação sobre a base de definições comuns das situações
(HABERMAS, 1987, p. 286).
No entendimento habermasiano, o desenvolvimento da sociedade não consiste em um
novo sistema de produção, e sim num sistema de maior racionalidade no qual se tenham
suprimido todas as barreiras que impedem e distanciam a comunicação das idéias que se
discutem livremente.
Neste contexto, os fatores que impedem o consenso devem ser removidos para
alcançar a sociedade ideal. Os que definem o que é verdade e válido são os melhores
argumentos que surgem do discurso, e não estão determinados pela força do poder
(BRIONES, 1999).
A ação comunicativa é definida por Habermas da seguinte maneira:
Este conceito de racionalidade comunicativa encerra conotações que, em sua
essência, se fundam na experiência central do discurso argumentativo que produz a
união sem coação e cria o consenso, processo no qual os diversos participantes
conseguem deixar para trás suas crenças, primeiramente as subjetivas e, graças à
experiência comum do convencimento motivado racionalmente adquirem a certeza,
simultânea, da unidade do mundo objetivo e da intersubjetividade do contexto em
que desenvolvem suas vidas (HABERMAS, 1987, p. 28).
A teoria da linguagem desenvolvida por Habermas abre um caminho para sua
aspiração de universalidade, ressalta Cerdá (2004). Neste aspecto a linguagem está a serviço
da coordenação social, salvando a barreiras culturais e as crenças individuais ou de grupos.
Quando o filósofo conecta o conceito de linguagem com o de sociedade, e este com o
mundo da vida como seu horizonte contextualizador, abre-se a possibilidade de uma teoria da
linguagem que concilia ação com interpretação.
30
Aqui pretende-se que a noção de racionalidade comunicativa esteja contida
implicitamente na estrutura da fala humana como tal. Aquele que compreende a relação
interna entre os requisitos de validez e o compromisso respectivo de dar e receber argumentos
está se comportando racionalmente.
1.1.2 A ação comunicativa – Natureza lingüística e consenso
O conceito de ação comunicativa é extraído por Habermas (1987) da estrutura
dialógica da linguagem, utilizada como fundamento do conhecimento e da ação. Esse
conceito resulta do chamado “giro lingüístico” (na filosofia), em que a racionalidade está dada
pela capacidade de entendimento entre “sujeitos capazes de linguagem e ação”, mediante atos
de fala cujo pano de fundo é o “mundo da vida”, de crenças e interesses não explícitos e
acriticamente aceitos pelas comunidades de comunicação.
A Teoria da ação Comunicativa é para Habermas “o princípio explicativo de uma
teoria da sociedade fundada em uma teoria da linguagem e na análise das estruturas gerais da
ação” (CERDÁ, 2004, p. 159). O traço característico dos seres humanos é a “racionalidade
manifestada objetivamente na linguagem”. A ação, por sua vez, tem como fundamento as
normas ou regras obrigatórias de ação que definem formas recíprocas de conduta e devem ser
entendidas e reconhecidas intersubjetivamente.
Em Teoría de la acción comunicativa, I Habermas (1981) distingue a ação
comunicativa das demais. Somente nas ações o sujeito segue “regras de ação”. Em situações
como movimentos corporais e atividades do cotidiano ir ao banco sacar dinheiro ou pagar
contas -, não se tem regras de ação, mas, infraestruturas da ação. Ou seja, a ação existe
quando o sujeito sabe que segue uma regra e que nas circunstâncias apropriadas está em
condições de decidir que regra está seguindo. Para o autor “atuar” significaria “mudar algo no
mundo: as ações intervêm no mundo” (HABERMAS, 1989, p.234).
31
Nessa obra o conceito de ação comunicativa é definido como um meio lingüístico em
que se refletem as relações do ator com o mundo. O entendimento lingüístico deve ser
compreendido aqui como um mecanismo de coordenação da ação. A ação comunicativa
pressupõe a linguagem com o um meio de entendimento sem mais delongas, em que falantes
e ouvintes se referem, desde o horizonte pré-interpretado que seu mundo da vida representa,
simultaneamente a algo do mundo objetivo, do mundo social e do mundo subjetivo, para
negociar definições da situação que podem ser compartilhadas por todos.
Ao destacar quatro tipos de ação que podem intervir na teoria social a ação
teleológica, a ação regulada por normas, a ação dramatúrgica, e a ação comunicativa -,
Habermas critica, principalmente, as teleológicas, denominando-as “ações orientadas ao
êxito”. Ele as subdivide em “ações instrumentais” (se não são sociais) e “estratégicas” (se são
sociais). Em contraponto, as ações comunicativas são aquelas “orientadas ao consenso”, onde
os sujeitos capazes de “linguagem e ação” iniciam uma relação interpessoal.
A ação estratégica (subdivisão da teleológica) formula-se de modo que as ações dos
participantes da interação, governadas através de cálculos egocêntricos de utilidade e
coordenadas mediante interesses, venham mediadas por atos de fala. Nos casos de ação
regulada por normas e de ação dramatúrgica - explicadas a seguir -, pode-se considerar a
formação de um consenso, de natureza lingüística, entre os participantes da comunicação.
Porém, estes modelos de ação e linguagem são concebidos unilateralmente, pois cada um
deles detém somente alguns aspectos que a linguagem oferece.
Habermas (1981) explica cada um dos modelos de ação que, embora tenham relação
com a ação comunicativa, trazem características unilaterais:
O modelo teleológico, que concebe a linguagem como um meio, mas, através do
qual os falantes, que se orientam por seu próprio êxito, podem influir uns sobre os
outros com o fim de mover o oponente a formar suas opiniões e a conceber as
intenções que lhe convém para seus propósitos;
O modelo normativo de ação que concebe a linguagem como um meio que
transmite valores culturais e que é portador de um consenso que simplesmente
termina ratificado com cada novo ato de entendimento. Este conceito é mais
32
difundido na Antropologia Cultural e nas ciências da linguagem que se interessam
pelos aspectos nela contidos;
O modelo da ação dramatúrgica pressupõe a linguagem como meio em que tem
lugar a auto-encenação, o significado cognitivo dos componentes proposicionais e o
significado dos componentes ilocucionários caem em favor de suas funções
expressivas. A linguagem é assimilada a formas estilísticas e estéticas de expressão
(HABERMAS, 1981, p. 135).
A unilateralidade destes conceitos de linguagem, segundo o autor, se manifesta no tipo
de comunicação que cada um deles privilegia, o que pode ser entendido como um caso limite
de ação comunicativa. Os três modelos são resumidos da seguinte maneira: no primeiro, como
entendimento indireto daqueles que estão presentes na realização de seus próprios fins; no
segundo, como ação consensual daqueles que se limitam a atualizar um acordo normativo
existente; e o terceiro como auto-encenação destinada a espectadores.
Em cada um destes três casos se manifesta uma função da linguagem: a provocação
de efeitos perlocucionários, o estabelecimento de relações interpessoais e a expressão de
vivências. O modelo de ação comunicativa, ao contrario, apresenta todas as funções da
linguagem,
O modelo comunicativo de ação, que define as tradições da ciência social e que
partem do interacionismo simbólico de Mead, do conceito de jogos de linguagem de
Wittgenstein, da teoria dos atos de fala de Austin e da hermenêutica de Gadamer,
tem em conta todas as funções da linguagem. Como se nos pensamentos
etnometodológicos e nos pensamentos da hermenêutica filosófica, o risco radicado
aqui é que a ação social se veja reduzida as operações interpretativas dos
participantes na interação, em que atuar se assemelha a falar e interação à
“conversação”. Na realidade o entendimento lingüístico é somente o mecanismo de
coordenação da ação, que ajusta os planos de ação e das atividades teleológicas dos
participantes para que possam constituir uma interação (HABERMAS, 1981, p.138).
Alerta Cerdá (2004) que os atos de fala se distinguem das ações não verbais não
pelo traço reflexivo consistente em explicar-se a si mesmo, mas também pelo tipo de metas
que se pretende e pelo tipo de êxitos que se pode alcançar falando.
Em um plano geral, todas as ações, sendo ou não lingüísticas, podem entender-se
como um fazer dirigido a consecução dos fins. Porém, como o que se pretende é a
distinção entre atividade teleológica e ação orientada, os conceitos básicos de
perseguir um fim, obter êxitos e conseguir resultados de uma ação tem para
Habermas um sentido distinto na teoria da linguagem e na teoria da ação, e
assegurar que os mesmo conceitos básicos são interpretados de outra maneira
(CERDÁ, 2004, p. 160).
33
Os atos de fala se distinguem das ações, principalmente, por duas características,
conforme Habermas (1990): 1) as ações comunicativas se interpretam a si mesmas e tem uma
estrutura reflexiva; 2) se dirigem a fins ilocucionários que não tem propósitos a realizar no
mundo objetivo, mas sim pela cooperação e pelo sentimento do ouvinte, e que podem
explicar-se recorrendo ao conceito de entendimento imanente ao próprio meio lingüístico.
1.1.3. O Mundo da vida e seus critérios de verdade
O conceito de Mundo da Vida, na teoria da ação comunicativa de Habermas, está
associada à sociologia fenomenológica de Alfred Schütz, além das idéias de George Mead
focadas no conceito de “ato” e “símbolo” presentes no interacionismo simbólico, conforme
Haber (apud CERDÁ, 2004).
Mas, Millán (2000) alerta que não se deve confundir sociedade com mundo da vida.
Na interpretação de Habermas sociedade não é equivalente ao mundo da vida, dado que a
sociedade é, por sua vez, mundo da vida e sistema.
O mundo da vida e a ação comunicativa são conceitos complementares. A ação
comunicativa é considerada como algo que ocorre dentro do mundo da vida. Trata-se de um
lugar “transcendental” onde se encontram falantes e ouvintes, que de modo recíproco
reclamam que suas suposições encaram o mundo; e também, onde podem confirmar a validez
das pretensões, porém em ordem de suas discrepâncias e chegar a acordos (HABERMAS,
1987, p. 26).
O mundo da vida constitui uma perspectiva modeladora e contextual dos processos,
por meio dos quais se alcança a compreensão mediante a ação comunicativa. Bernstein (apud
CERDÁ, 2004), sugere que Habermas quer fazer justiça à integridade do mundo vital e aos
34
sistemas sociais e demonstrar como cada um pressupõe o outro; além de demonstrar que não
se pode compreender o mundo da vida sem compreender os sistemas sociais e vice-versa.
Outra maneira de compreender esta “polaridade sociológica” é mediante o conceito de
racionalidade, considerando que “mundo virtual” e “sistema” representam duas formas
distintas de racionalidade. A preocupação de Habermas é com a racionalização do mundo da
vida. Ele acredita que quanto mais racional é o mundo da vida, mais chances terá a interação
de ser controlada por uma “compreensão mútua motivada racionalmente”. Esta compreensão,
o método racional para alcançar consenso, segundo propõe Ritzer (1993), se baseia em ultima
instância na “autoridade do melhor argumento” (RITZER, 1993, p. 508).
Habermas (1981) entende que a racionalização do mundo da vida implica na
diferenciação progressiva de seus diversos elementos. Com base nisso, supõe que na teoria da
ação comunicativa existem três mundos (conforme quadro abaixo) que formam,
conjuntamente, “um sistema de referência e pautas interpretativas que os falantes supõem em
comum nos processos de comunicação”. Estamos falando de três mundos: do externo, que
leva ao mundo objetivo e ao mundo social; e do interno, que leva ao mundo subjetivo.
O mundo objetivo refere-se à cultura e sua influência sobre a ação que implica em
possíveis enunciados verdadeiros; o mundo social está relacionado à sociedade e suas
demandas de relações sociais, além das relações interpessoais legitimamente reguladas; e o
mundo subjetivo que trata da personalidade e do modo de ser e de agir das pessoas a partir da
própria vivência que cada uma tem, e onde o falante pode manifestar-se “verazmente” ao
público.
35
OS TRÊS MUNDOS E SEUS CRITÉRIOS DE VERDADE
CULTURA
(MUNDO OBJETIVO)
SOCIEDADE
(MUNDO SOCIAL)
PERSONALIDADE
(MUNDO SUBJETIVO)
Totalidade das entidades sobre
possíveis enunciados verdadeiros
Totalidade das relações
interpessoais legitimamente
reguladas
Totalidade das próprias vivências
que cada um tem e que os falantes
podem manifestar-se verazmente
CRITÉRIOS DE VERDADE
Verdade Retitude Veracidade
Quadro 2 – Os três mundos e seus critérios de verdade
FONTE: AUSTIN MILLÁN, 2004.
Cerdá (2004) comenta que neste ambiente o falante e o ouvinte se entendem desde e a
partir do mundo da vida que lhes é comum, “porque está simbolicamente estruturado sobre
algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo”. Portanto, a ação
comunicativa está baseada no consenso simbólico.
Na concepção de Millán (2000), não se sugere que todo ato de fala seja ou deva ser
“verdadeiro, reto, veraz, adequado e inteligível”, mas sim que todo ato de fala pressuponha
estas pretensões. Pois, quando alguma delas resulta problematizada, transforma-se em uma
forma específica de comunicação, que é o “discurso argumentativo”. Sua função é
restabelecer a ação comunicativa entre os falantes, resolvendo o questionamento de uma
determinada pretensão de validez (MILLÁN, 2000, p. 5).
1.1.4. Interesse, poder e esfera pública
Na abordagem à Teoria da Competência Comunicativa de Habermas, é importante
enfatizar, por meio de uma rápida revisão, três temáticas que perpassam por essa teoria e que,
em nosso entendimento, são fundamentais para a compreensão da ação comunicativa: a teoria
dos interesses cognitivos, ideologia e poder, e a esfera pública.
36
Numa perspectiva epistemológica, onde fundamenta a sua teoria dos interesses
cognitivos, Habermas demonstra que a neutralidade das ciências é uma exigência que não
resiste ao exame crítico das condições do conhecimento como tal (FREITAG e ROUANET,
1980, p. 13).
Este conhecimento está arraigado em determinados interesses tanto para as ciências
naturais quanto para as históricas-hermenêuticas - que chamam para si a função de a prioris
do conhecimento. A neutralidade aparente das ciências naturais cai por terra quando se revela
o “interesse” que orienta o processo do conhecimento dessas ciências como o interesse
técnico de dominação da natureza.
Em contraponto, Habermas aponta a comunicação como o interesse que orienta o
processo de conhecimento das ciências históricas-hermenêuticas,
O interesse técnico se enraíza nas estruturas da ação instrumental, baseada em regras
técnicas, pelas quais o homem se relaciona com a natureza, submetendo-a ao seu
controle. O interesse comunicativo se enraíza nas estruturas da ão comunicativa,
pela qual os homens se relacionam entre si, por meio de normas lingüisticamente
articuladas, e cujo objetivo é o entendimento mútuo. Ambas as formas de
conhecimento, geradas pelos respectivos interesses, servem a um interesse mais
fundamental: o da emancipação da espécie (FREITAG e ROUANET, 1980, p. 13).
O conhecimento instrumental e o conhecimento comunicativo estão a serviço da
emancipação na medida em que o primeiro ao homem oportunidades de atender suas
necessidades ajudando-o a libertar-se da natureza exterior (por meio da produção) e o segundo
o leva a emancipar-se de todas as formas de repressão social.
Habermas considera que a teoria crítica percebe as demais ciências e a si própria como
interessadas. E que, somente por meio da crítica, compreendida como “auto-reflexão e
autoquestionamento, é que os momentos reprimidos, ocultos, distorcidos pelo processo
histórico do conhecimento, podem ser recuperados, reelaborados e conscientizados,
permitindo redescobrir o interesse fundamental, o da emancipação” (FREITAG e ROUANET,
1980, p. 13).
37
Ao enfocar a crítica do Estado e da sociedade, numa perspectiva político-cultural,
Jürgen Habermas aborda como tema central o capitalismo tardio. As sociedades fruto deste
modelo conseguem sobreviver se houver uma crescente intervenção do Estado na estrutura
econômica. Isto acontece por meio da manutenção e da ampliação da infra-estrutura material
e social, dos investimentos diretos em empresas de alto custo e baixo rendimento, além da
criação de grandes centros de pesquisas estatais, que são fundamentais para a manutenção e o
crescimento da reprodução ampliada.
Se, nesta perspectiva, a ciência e a tecnologia assumiram o papel de verdadeiras forças
produtivas sem elas o crescimento econômico não poderia ser mantido , significa que o
Estado torna-se o próprio promotor do progresso e do bem-estar coletivo, na medida em que
“controla, manipula e promove estas forças produtivas”.
Também, na medida em que estas forças produtivas - a ciência e a técnica - têm êxito,
promovendo o crescimento econômico, o Estado encontra uma nova forma de legitimação.
Ou seja, a ideologia que legitimava a existência do Estado liberal é abandonada em favor da
ciência e da técnica, assumindo assim também o papel de ideologia.
“Toda ideologia tem como função impedir a tematização dos fundamentos do poder”,
destacam Freitag e Rouanet (1980, p. 15). As normas estabelecidas, ao longo da história, não
são discutidas porque são apresentadas à sociedade como legítimas pelas diferentes visões do
mundo. A ideologia tecnocrática é uma delas, pois partilha com as demais ideologias as
propriedades que tentam impedir a problematização do poder existente. Esta se distingue
totalmente das outras ideologias porque é a única que visa esse resultado, não através da
legitimação das normas, mas através da sua supressão.
O poder não é legítimo por obedecer a normas legítimas, e sim por obedecer a regras
técnicas, das quais não se exige que sejam justas, e sim eficazes. Se os fundamentos
do poder não precisam ser tematizados não é porque repousam sobre uma
normatividade legítima, e sim porque não existe, a rigor, o que legitimar: a gica
das coisas, sendo o que é, não pode ser alterada por decisões políticas (FREITAG E
ROUANET, 1980, p. 16).
38
A ideologia tecnocrática é tão mais maléfica que as do passado porque nega a própria
estrutura da ação comunicativa, na medida em que a assimila à ação instrumental. Enquanto a
primeira se baseia em uma intersubjetividade fundada em normas, que necessitam ser
justificadas, a segunda se baseia em regras, que não exigem qualquer justificação. Para os
autores existe aqui uma tentativa clara de sabotar a própria estrutura de interesse da espécie.
Para Habermas e H. Arendt (apud FREITAG e ROUANET, 1980) “o poder é
legítimo quando resulta de um consenso”. O poder é concebido como “aquela capacidade
humana não somente de agir ou fazer algo, como de unir-se a outros e atuar em concordância
com eles”, segundo Arendt (1970). Seu entendimento é de que o poder que emana de leis e
instituições é decorrente do apoio integral da comunidade e que isto pressupõe um consenso
original que confere poder.
Habermas defende que todo poder efetivo precisa ter como fundamento o consenso
universal. Ou seja, toda a sociedade deve participar do discurso, mesmo que
“tendencialmente”.
Ao propor a institucionalização dos princípios normativos da racionalidade
comunicativa no sistema político das sociedades modernas, Habermas traz o conflito existente
entre Estado e mercado e as estruturas interativas do mundo da vida. A esfera pública é o foco
central de sua teoria como local de formação da vontade coletiva, é o espaço do debate
público, do embate dos diversos atores da sociedade (VIEIRA, 2001).
Estamos falando de um espaço público autônomo que apresenta duas dimensões: cria
processos democráticos, tanto de opinião pública quanto da vontade política coletiva;
contribui para uma “práxis democrática radical”, em que a sociedade civil transforma-se em
instância deliberativa e legitimadora do poder político, podendo os cidadãos exercerem seus
direitos.
39
Para Habermas a reconstrução do espaço público se dentro de uma perspectiva
emancipatória, que contempla procedimentos racionais, discursivos, participativos e
pluralistas, permitindo um consenso comunicativo e uma auto-regulação.
Nem o espaço doméstico nem o espaço de produção contêm este potencial
democrático. A autonomia do espaço público participativo valoriza o primado da
comunidade e da solidariedade, possibilitando a libertação da sociedade civil dos
imperativos sistêmicos, isto é, dos controles burocráticos do Estado e das
imposições econômicas do mercado (VIEIRA, 2001, p. 87).
Habermas defende a esfera pública como uma instância geradora de decisões coletivas
e legitimadoras da democracia. Nesse espaço, devem ser desenvolvidos debates públicos em
torno dos interesses coletivos, possibilitando uma ação comum a partir do princípio do
discurso.
1.2. A Teoria da Educação Libertadora de Paulo Freire
1.2.1. Dialogicidade – Ação, Reflexão e Palavra
Uma teoria de educação fundamentada na idéia da formação política dos cidadãos e
sua autocompreensão como sujeitos da história. Assim podemos definir os princípios da
proposta de pedagogia de Paulo Freire, na perspectiva da libertação e emancipação dos
sujeitos.
Por meio da hermenêutica, da teoria psicanalítica e da linguagem como instrumento de
compreensão da realidade, Freire (2005) sugere a superação da dominação por meio do que
chama de atitude dialógica ou teoria da ação dialógica. À dialogicidade o educador atribui a
essência da educação como prática de liberdade.
Trata-se de um método de alfabetização que se baseia nas experiências vividas, com
ênfase num referencial de razão fundado na cooperação e na busca de um entendimento
intersubjetivo. Fundamenta-se em características de colaboração, união, organização e a
40
síntese cultural, tendo a finalidade de promover a conscientização coletiva, a libertação das
consciências oprimidas.
Segundo Polli (2005), a pedagogia libertadora freiriana foi pensada a partir das bases
de uma filosofia da libertação e do pensamento teológico da libertação, inscritas nas lutas e
movimentos emancipacionistas da América Latina e “ressalta o humanismo pedagógico,
colocando na autonomia do sujeito e na sua relação de diálogo com os outros o meio para a
sua realização pessoal e para a tomada de consciência frente ao mundo”. Freire imaginava um
diálogo que levasse em conta toda a produção cultural da humanidade e a cultura localizada,
dita popular, pois em suas próprias palavras Ninguém se conscientiza separadamente dos
demais” (POLLI, 2005, p. 56).
Quando aborda o diálogo como fenômeno humano, Paulo Freire aponta a “palavra”
como sendo o próprio diálogo. Entretanto, na análise do diálogo a palavra aparece com um
significado maior que um meio para que ele aconteça. Ou seja, seus elementos constitutivos,
localizados em duas dimensões: ação e reflexão.
Estas duas dimensões se relacionam de “tal forma solidárias, em uma interação tão
radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas se ressente, imediatamente, a outra”
(FREIRE, 2005, p. 89). Em sua concepção, não há palavra verdadeira que não seja práxis, daí
afirmar que a palavra verdadeira seja transformar o mundo. O educador expressa essa relação
da palavra com a práxis por meio das seguintes ilustrações:
(ação)
Palavra = Práxis
(reflexão)
(da ação) = palavreria, verbalismo, blábláblá.
Sacrifício
(de reflexão) = ativismo
Ilustração 1 – Palavra e Práxis
FONTE: FREIRE, 1967.
41
Se a palavra for esgotada e sacrificada de sua dimensão de ação, automaticamente a
reflexão também se transforma em “palavreria, verbalismo, blábláblá”. Torna-se alienada,
alienante e oca, pois dela não se espera mais a denúncia do mundo considerando que a
denúncia verdadeira ocorre se houver compromisso de transformação e ação. Se ao
contrário, se enfatiza ou exclusiviza a ação, sacrificando a reflexão, a palavra se transforma
em ativismo. Este, por sua vez, que é ação pela ação, na medida que reduz a reflexão, também
nega a práxis verdadeira e impossibilita o diálogo.
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode
nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modifica-lo.
O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silêncio que os homens se
fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão (FREIRE, 1995, p. 90).
Fiori (1995) denomina a palavra, no método de Paulo Freire, como palavra e ação.
“Não é o termo que assinala arbitrariamente um pensamento que, por sua vez, discorre
separado da existência. É significação produzida pela práxis, palavra cuja discursividade flui
da historicidade palavra viva e dinâmica, não categoria inerte, exânime. Palavra que diz e
transforma o mundo” (FIORI, 1995, p. 21).
Na concepção de Freire, a palavra expressa e elabora o mundo, em comunicação e
colaboração. O diálogo autêntico reconhecimento do outro e reconhecimento de si, no outro
é decisão e compromisso do homem de colaborar na construção do mundo comum, pois,
“não consciências vazias; por isto os homens não se humanizam, senão humanizando o
mundo”, interpreta Fiori (1995, p. 32).
Outro fator que é essencial à palavra é o “dizer a palavra”, ou seja, que esta palavra
não seja privilégio de alguns, mas, um direito de todos os homens. Portanto, por este motivo,
ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dize-las para os outros como ato de
prescrição. “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para
pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 2005, p. 91).
42
Para Freire (2005) o diálogo é uma exigência existencial. Por isso, não pode reduzir-se
a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem também tornar-se uma simples troca
de idéias a serem consumidas entre eles. Não se trata de “discussão guerreira, polêmica, entre
sujeitos que não aspiram a comprometer-se com a pronúncia do mundo”. Ele sugere um ato
de criação, um encontro de homens que pronunciam o mundo e não doação do “pronunciar de
uns a outros”.
Numa análise mais concreta, Freire (2005) também condiciona o diálogo a seis
fundamentos que viabilizam a pronúncia do mundo: amor, humildade, fé, confiança,
esperança e pensar crítico.
O educador considera que se não existe um “profundo amor” ao mundo e aos homens,
não diálogo. Coloca a relação de dominação entre os homens como principal situação de
desamor. Nesta relação sadismo em quem domina e masoquismo nos dominados. O amor,
ao contrario, é um ato de coragem, de compromisso com os homens. Acredita que onde quer
que estejam os oprimidos, o ato de amor deve estar em comprometer-se com sua causa, a
causa de sua libertação, “mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico”.
Por outro lado, a pronúncia do mundo, não pode ser um ato arrogante, na medida em
que não diálogo se não humildade. A falta de humildade implica em: ver a ignorância
sempre no outro e nunca em si; em reconhecer as diferenças e as virtudes próprias sem nunca
reconhece-las nos outro; considerar-se homem puro, dono da verdade e do saber, enquanto os
outros são “essa gente” ou “nativos inferiores; partir do princípio de que a pronúncia do
mundo é tarefa de homens seletos; fechar-se à contribuição dos outros, que jamais reconhece,
e sentir-se ofendido com ela; e temer a superação e sofrer com essa possibilidade. “A auto-
suficiência é incompatível com o diálogo” (FREIRE, 2005, p. 93).
Se não uma intensa nos homens, no seu poder de fazer e refazer, de criar e
recriar, de ser mais – que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos dos homens -, não há
43
também diálogo. O educador crê que a nos homens “é um dado a priori do diálogo”.
Entretanto, defende uma não ingênua. Ou seja, que o sujeito crítico e dialógico, sabendo
que é um poder dos homens fazer, criar e transformar. Deve saber também que, em uma
situação de alienação, pode ter este poder prejudicado.
Para Freire, sem nos homens o diálogo é uma farsa e que, na melhor das hipóteses,
transforma-se em “manipulação adocicadamente paternalista”.
Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma
relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia.
Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse
este clima de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na
antidialogicidade da concepção bancária da educação (FREIRE, 2005, p. 94).
A confiança se instaura com o próprio diálogo. Ela vai fazendo os sujeitos dialógicos
cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Se a confiança falha é porque falharam
as condições discutidas anteriormente. Para Freire, a confiança sugere o testemunho que um
sujeito dá aos outros sobre suas reais intenções. Se a palavra dita não condiz com os atos; e se
uma coisa foi dita quando se fez outra, não levando a palavra a sério, então não pode haver
confiança. E ressalta: “Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa.
Falar em humanismo e negar os homens é uma mentira” (FREIRE, 2005, p. 94).
O educador não acredita em diálogo sem esperança. Entende que a esperança está
implícita na própria essência da imperfeição dos homens e que isto os leva a uma eterna
busca. Algo que não se faz no isolamento, mas, na comunicação entre os sujeitos. Porém, não
se trata de uma esperança que cruza os braços e espera. Mas, de um movimentar-se na
esperança enquanto há luta.
Freire argumenta que se o diálogo “é o encontro do homem para ser mais, não pode
fazer-se na desesperança” e que se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu que fazer,
então já não pode haver diálogo. “O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso”.
44
Por fim, Paulo Freire determina que não diálogo verdadeiro se não nos seus
sujeitos um pensar verdadeiro, um pensar crítico; que percebe a realidade como processo,
como algo em movimento e não estático.
Trata-se de um pensar que se opõe ao ingênuo. Para o pensar ingênuo, o importante é a
acomodação a uma situação normalizada; para o crítico, é a transformação permanente da
realidade, buscando a permanente humanização dos homens. Freire cita Pierre Furter (2005) a
respeito do pensar crítico:
A meta não será mais eliminar os riscos da temporalidade, agarrando-se ao espaço
garantido, mas temporalizar o espaço. O universo não se revela a mim no espaço,
impondo-me uma presença maciça a que só posso me adaptar, mas como um campo,
um domínio, que vai tomando forma na medida de minha ação (FURTER, 1966
apud FREIRE, 2005, p. 97).
Portanto, um pensar crítico somente pode ser gerado se houver diálogo. Sem diálogo,
não há comunicação e sem esta, não há educação verdadeira.
1.2.2. A concepção “Bancária” da Educação
As relações educador-educandos, seja na escola ou fora dela, apresentam um caráter
que Paulo Freire chama de “especial e marcante”, por serem, eminentemente, narradoras e
dissertadoras. Aqui nasce a crítica de Paulo Freire à concepção “bancária” da educação.
Uma concepção em que a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir
valores e conhecimentos, sem, no entanto, desenvolver a consciência crítica do sujeito, que
resultaria a sua inserção no mundo.
Nesse ambiente, fala-se da realidade como algo estático, compartimentado e bem-
comportado, ou ainda, disserta-se sobre coisas completamente alheias à experiência
existencial dos educandos. Nessa educação, “o educador aparece como seu indiscutível
agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos dos
conteúdos de sua narração” (FREIRE, 2005, p. 65).
45
Neste modelo, as palavras perdem-se e transformam-se em verbosidade alienada e
alienante, daí ter como característica o som da palavra e não sua força transformadora. Na
narração o educador é o sujeito e conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo
narrado. Transforma-os em “vasilhas”, em “recipientes” que são cheios pelo educador.
Desta maneira a educação se torna um ato de depositar, onde os educandos são
depositários e o educador o depositante, explica Freire (2005),
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí
a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece
aos educandos é a de receberem os depósitos, guarda-los e arquivá-los. Margem para
serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os
grandes arquivados são os homens, nesta (melhor das hipóteses) equivocada
concepção “bancária” da educação (FREIRE, 2005, p. 66).
Nesta equivocada visão da educação, não há criatividade, ação, transformação ou
saber. Pois só existe saber “na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente,
permanente que os homens fazem no mundo, com o mundo e com outros”. O saber, nesta
visão, é considerado uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam que nada sabem.
Trata-se de uma manifestação instrumental da ideologia da opressão que, na visão de Freire, é
a absolutização da ignorância ou alienação da ignorância que, por acaso, está sempre no outro.
Na educação “bancária” o educador reconhece na absoluta ignorância dos educandos a
razão de sua existência. Os educandos, por sua vez, estão alienados à maneira do escravo na
“dialética hegeliana”. Ou seja, reconhecem em sua ignorância a razão da existência do
educador, mas sequer chegam ao modo do escravo naquela dialética (FREIRE, 2003, p. 67)
No quadro abaixo, explicamos as contradições características da educação “bancária”
na relação entre o educador e os educandos:
46
O EDUCADOR OS EDUCANDOS
É o que educa Os que são educados
É o que sabe Os que não sabem
É o que diz a palavra Os que a escutam docilmente
É o que disciplina Os que são disciplinados
É o que opta e prescreve sua opção Os que seguem a prescrição
É o que atua Têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador
É o que escolhe o conteúdo programático Jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele
Identifica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, que opõe antagonicamente à liberdade
dos educandos
Devem adaptar-se às determinações do educador
É o sujeito do processo Meros objetos
Quadro 3 – Relação educador-educando
FONTE: FREIRE, 2003.
Na visão “bancária”, quanto mais se anula ou minimiza o poder criador dos
educandos, estimulando sua ingenuidade em detrimento à sua criticidade, mais satisfaz os
interesses dos opressores. O mais importante para estes, não é a transformação do mundo,
mas, a preservação da situação de que são beneficiários.
O que os opressores pretendem, segundo Freire, é “transformar a mentalidade dos
oprimidos e não a situação que os oprime”, isto para que melhor sejam dominados. Juntam à
concepção e prática “bancárias” da educação uma ação social de caráter paternalista em que
os oprimidos são denominados “assistidos”, os mesmos marginalizados que destoam da
fisionomia geral da sociedade.
Para ele, a solução para os chamados marginalizados não está em “integrar-se ou
incorporar-se” a estrutura que os oprime, mas em transformar essa estrutura para que possam
fazer-se “seres para si”. A questão está em que pensar autenticamente é perigoso. O estranho
humanismo desta concepção bancária se reduz à tentativa de fazer os homens o seu contrário
– o autômato, que é a negação de sua ontológica vocação de ser mais” (FREIRE, 2003, p. 70).
47
1.2.3. A Concepção Problematizadora e Libertadora
Em oposição à educação “bancária” Paulo Freire propõe uma educação
problematizadora, que rompe com os esquemas verticais, próprios da educação bancária, e
realiza-se como prática da liberdade, afirmando a dialogicidade.
A primeira contradição que a concepção problematizadora da educação precisa superar
é entre o educador e os educandos. Agora, temos um novo termo: o educador-educando com
educando-educador. Desta forma, se educam, ambos tornam-se sujeitos do processo em que
crescem juntos. “Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa se
educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”, afirma
Freire (2005, p. 73).
A prática problematizadora, ao contrário da bancária, não distingue os momentos do
que fazer do educador-educando e não é sujeito cognoscente em um, e sujeito narrador do
conteúdo conhecido em outro. É sempre um sujeito cognoscente quando se prepara ou quando
se encontra em diálogo com os educandos. Estes, por sua vez, são agora investigadores
críticos, em diálogo com o educador, que também investigador crítico. Freire (2005) ilustra
que:
Enquanto a prática bancária, como enfatizamos, implica uma espécie de anestesia,
inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter
autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A
primeira pretende manter a imersão; a segunda busca, pelo contrário, busca a
emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade (FREIRE,
2005, p. 80).
Quanto mais os educandos são problematizados, como “seres no mundo e com o
mundo”, mais se sentirão desafiados e mais estimulados a responder ao desafio. Na medida
em que são desafiados, não só compreendem o desafio por meio da execução da ação, como a
compreensão tende a ser mais crítica e desalienada.
A educação como prática da liberdade, ao contrário da que é prática da dominação,
implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo. Também nega o
48
mundo como uma realidade ausente dos homens. Quanto mais os homens refletem sobre si e
sobre o mundo, mais aumentam seu campo de percepção e começam a perceber o que, até
então, estava à margem. São as “visões de fundo”, conforme Freire (2005).
Ele esclarece que nas suas visões de fundo” o homem vai destacando “percebidos” e
voltando suas reflexões sobre eles. Passa a se destacar o que antes existia como
subjetividade, mas o era percebido em suas implicações mais profundas. E assim assume o
caráter de problemas tornando-se desafios.
Na prática problematizadora os educandos passam a desenvolver o seu poder de
captação e de compreensão do mundo não mais como uma realidade estática, mas, como uma
realidade de transformação, em processo. Da tendência de ambos, educador-educando e
educando-educador, estabelecerem uma forma autêntica de pensar e atuar. Significa para
Freire (2005, p. 86) “pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar
este pensar da ação”.
Neste aspecto do “pensar o homem no mundo”, os modelos mais uma vez são
antagônicos. A bancária oculta as razões que explicam a maneira como estão sendo os
homens no mundo por meio da mistificação da realidade. Enquanto a problematizadora,
comprometida com a libertação, “se empenha na desmistificação”. Por esses motivos, a
primeira nega o diálogo; a segunda tem nele o desvelador da realidade. Freire as diferencia
ainda sob o caráter histórico e da historicidade dos homens:
A primeira assistencializa”; a segunda, criticiza. A primeira, na medida em que,
servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda que não podendo matar a
intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mundo, a “domestica”,
nega os homens na sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se. A segunda,
na medida em que, servindo à libertação, se funda na criatividade e estimula a
reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre a realidade, responde à sua vocação,
como seres que não podem autenticar-se fora da busca e da transformação criadora
(FREIRE, 2005, p. 83).
Para a educação problematizadora o mais importante é que os homens submetidos á
dominação, lutem por sua emancipação. Esta educação, onde educadores e educandos se
49
apropriam do mundo e se fazem sujeitos de seu processo, ao superar o intelectualismo
alienante e o autoritarismo do educador “bancário”, supera também a falsa consciência do
mundo.
Um outro aspecto desse modelo de educação está relacionado ao homem como um ser
inconcluso, consciente de sua inconclusão. Ele os reconhece como seres que estão sendo, e
ainda em e com uma realidade em fase de conclusão, pois sendo história também é
inacabada. Freire acredita que é no fato de o homem ter consciência de sua inconclusão que se
encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana.
A educação tem um que fazer permanente, daí ter que se refazer constantemente na
práxis. Sua “duração”, como processo, segundo Freire (2005), está relacionada aos contrários
permanência-mudança. Enquanto a concepção bancária dá ênfase à permanência, a concepção
problematizadora reforça a mudança.
Esse modelo em sua percepção é “futuridade revolucionária”, daí ser profética e
esperançosa. A ela pode-se atribuir que: corresponde à condição dos homens como seres
históricos e à sua historicidade; identifica-se com eles como “projetos”, que caminham e
olham para frente; o imobilismo ameaça de morte; voltar para trás para conhecer o que está
sendo para construir o futuro; e por fim, que se identifica com o movimento permanente em
que se acham inscritos os homens, como seres inconclusos.
Na interpretação de Freire (2003) como não homens sem mundo, sem realidade, o
movimento parte das relações homem-mundo. “Daí que este ponto de partida esteja sempre
nos homens no seu aqui e no seu agora que constituem a situação em que se encontram, ora
imersos, ora emersos, ora insertados” (FREIRE, 2003, p. 85).
50
1.3. Educomunicação – em busca de um novo lugar social dos media
1.3.1. A inter-relação Comunicação e Educação
As pesquisas atuais em torno da análise do processo da comunicação na sociedade,
segundo Souza (2001), têm se voltado para buscar compreender os movimentos internos
vivenciados pela sociedade no final do século 20; e identificar as relações criadas com os
media
6
, e também da comunicação mais como processo social do que apenas
instrumentalidade tecnológica. Mas, essas discussões sobre o lugar social dos media trazem
um conflito de ordem social, que é o de reforçar ou não o modelo de sociedade então em
vigor.
A rejeição da escola aos media, tanto quanto de outras instituições sociais
vinculadas ao modelo de modernidade, ontem como hoje, passa menos pelos meios
de comunicação e pela dificuldade de domínio de sua gramática de produção e mais
pela crise de representações que traduz. O saber escolar não é o mesmo da
comunicação mediática, um se sustenta nos códigos de escrita, outro na pluralidade
de códigos a partir também da imagem; um busca o controle possível, outro é a
própria impossibilidade de controle. A noção de imagem, desde Platão, sempre foi
vinculada ao verdadeiro e ao falso, ao visível e ao invisível: a imagem televisiva
reflete de forma intensa esse conflito e seu significado ameaçador para um modelo
de sociedade baseado em projeto de controle do tempo social coletivo. Media e
sociedade, por esse modelo da modernidade sempre foram matrizes de conflito
(SOUZA, 2001, p.28).
Na busca por novos caminhos para identificar o lugar social dos media, a cultura vem
sendo tomada como uma ruptura diante daqueles até agora percorridos. Martín-Barbero
(1995) expressa essa ruptura, por meio de sua célebre expressão: “a) A comunicação é
questão de culturas, e o de ideologias; b) A comunicação é questão de sujeitos, atores e
não só de aparatos e estruturas; c) A comunicação é questão de produção e não só de
reprodução” (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 50).
Na interpretação de Souza (2001), nesta expressão estão implícitas diversas questões.
Entre elas: a recusa da análise da comunicação somente a partir do emissor em detrimento à
busca de novas formas de relação que resgatem o lugar do receptor como ator social; a recusa
à unilateralidade do olhar apenas a partir das estruturas e dos sistemas mais amplos que
6
Em inglês, língua de conceituação do termo.
51
sustentam a vida social, em contraponto da importância das práticas sociais e culturais, onde
se objetiva a construção diária do sentido da vida individual e social; e o resgate da autonomia
da cultura vista por outro olhar, “não mais como serva da ideologia, mas como campo em que
sua autonomia pode se revelar na sua capacidade criativa, ressignificadora e determinante da
vida cotidiana”.
Trata-se de uma percepção da comunicação estreitamente relacionada ao cotidiano da
vida social, com um olhar para o processo da comunicação não através do emissor, mas
também do receptor; não através da ideologia, mas também das práticas culturais. Uma
vertente que vem sendo denominada de “estudos culturais aplicados à comunicação” e que
propõe que a comunicação deva ser analisada segundo as mediações que a envolvem, e não
somente através de seus meios.
É nesta perspectiva de processos interativos e da possibilidade da construção de um
novo modo de ser social que a comunicação pode gerar, que inserimos neste estudo a inter-
relação comunicação/tecnologias da informação/educação. São áreas da comunicação como
“educação para a comunicação”, o “uso das tecnologias na educação” e “gestão
comunicativa” que vêm se consolidando no espaço latino-americano como objeto de políticas
educacionais, sob a denominação de Educomunicação.
Na América Latina e no Brasil, respectivamente, são considerados marcos na
definição das teorias que aproximam comunicação e educação o Seminário Internacional
sobre Comunicação e Educação, realizado em 1999, em Bogotá, Colômbia, que resultou no
livro Comunicación-educación, coordinadas, abordajes y travesías, coordenado por Carlos
Eduardo Valderrama; e o Fórum sobre Mídia e Educação, promovido pelo Ministério da
Educação em novembro de 1999, em São Paulo.
O evento brasileiro concluiu que “O desenvolvimento tecnológico criou novos campos
de atuação e espaços de convergência de saberes... nesse sentido, reconhecemos a inter-
52
relação entre comunicação e educação como um novo campo de intervenção social e de
atuação profissional, considerando que a informação é um fator fundamental para a educação”
(MEC, 2000 apud SOARES, 2001, p. 36).
Um das pesquisas mais importantes no Brasil, que defende a tese de que um novo
campo de intervenção social vem se consolidando na interface comunicação/educação, é a do
Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da
USP, intitulada “A Inter-relação Comunicação e Educação no âmbito da Cultura Latino
Americano o perfil dos pesquisadores e dos especialistas na área”, realizada entre 1997 e
1999. A pesquisa utilizou uma amostragem de 172 especialistas de 12 países da América
Latina. Entre 1999 e 2000 a Marquette University (Milwaukee, Wisconsin), dos Estados
Unidos realizou outra pesquisa, com o mesmo fim, confirmando a hipótese sustentada pelos
estudos latino-americanos.
A pesquisa da USP, coordenada pelo professor doutor Ismar de Oliveira Soares
(1979), apontou para a consolidação de um novo campo de intervenção social, fundamentada
na inter-relação Comunicação/Educação, ou simplesmente Educomunicação que, superando
as áreas tradicionalmente constituídas como a Educação e a Comunicação, inaugurava um
novo paradigma discursivo transverso, constituído por conceitos transdisciplinares com novas
categorias analíticas (ALVES, 2002).
Para Soares (2001), Educomunicação é o conjunto das ações inerentes ao
planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a
criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais
(escolas, centros culturais, emissoras de TV e rádio educativos, centros produtores de
materiais educativos e analógicos e digitais, centros coordenadores de educação à distância, e
outros), assim como a melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo as
relacionadas ao uso dos recursos da informação no processo de aprendizagem.
53
Segundo o pesquisador, o conceito de ecossistema comunicacional definido pelo
teórico colombiano Jésus Martín-Barbero (1999) designa a organização do ambiente, a
disponibilização dos recursos, o modus faciendi dos sujeitos envolvidos e o conjunto das
ações que caracterizam determinado tipo de ação comunicacional. A família, a comunidade
educativa ou uma emissora de rádio criam, respectivamente, ecossistemas comunicacionais.
Os indivíduos e as instituições podem pertencer e atuar, simultaneamente, em distintos
ecossistemas comunicacionais exercendo influências sobre os outros (Nota de rodapé 18,
apud. ALVES, 2002, p. 14).
Esse novo campo, com base nas pesquisas realizadas pelo NCE, adota quatro áreas
concretas de intervenção social, definidas abaixo por Patrícia Horta Alves (2002), em sua
dissertação de mestrado “Educomunicação: a experiência do Núcleo de Comunicação e
Educação – ECA/USP”:
a) a área da educação para a comunicação, constituída pelas reflexões em torno das
relações entre os pólos vivos do processo de comunicação (Estudos de Recepção), assim
como, no campo pedagógico, pelos programas de formação de receptores autônomos e
críticos frente aos meios (Educação para a Comunicação, Media Education ou Media
Literacy);
b) a área da mediação tecnológica na educação, compreendendo os procedimentos e
as reflexões em torno da presença e dos múltiplos usos das tecnologias da informação na
educação;
c) a área da gestão comunicativa, propriamente dita, voltada para o planejamento,
execução e realização dos processos e procedimentos que articulam-se no âmbito da
Comunicação/Cultura/Educação e, finalmente;
54
d) a área da reflexão epistemológica sobre a inter-relação Comunicação/Educação
como fenômeno cultural emergente, o que, no campo da academia, corresponde ao conjunto
dos estudos sobre a natureza do próprio fenômeno constituído por essa inter-relação.
A pesquisa do NCE defende que cada uma destas áreas e seu conjunto sejam pensados
e promovidos a partir das perspectivas da Educomunicação. Ou seja, que o novo campo (a
Educomunicação) seja compreendido pela aproximação destas áreas, visando produzir e
desenvolver ecossistemas comunicativos, por meio de atividades educativas e formativas.
1.3.2. As áreas de intervenção social da Educomunicação
Conforme as pesquisas de SOARES (1999), nos Estados Unidos, o campo da
Educomunicação está relacionado a duas áreas de intervenção sociopolítico-cultural: as
mediações tecnológicas nos espaços educativos (information literacy), que se voltam para a
necessidade de preparar professores e alunos para a utilização dos novos recursos e de forma
adequada, tanto nos processos de ensino-aprendizagem quanto nas atividades que ampliam o
campo da expressividade dos jovens; e a educação frente aos meios de comunicação (media
literacy), preocupada com o impacto causado pelo sistema de meios sobre crianças e
adolescentes.
Quando se fala, nos Estados Unidos, sobre a relação entre comunicação, tecnologias
da informação e educação, duas ordens de problemas afloram de imediato: uma de
natureza operacional, com profundas implicações culturais e econômicas sobre os
modos como as políticas públicas, as práticas empresariais e os vários modelos
pedagógicos vêm incorporando as tecnologias nos espaços educativos: e outra, de
natureza eminentemente antropo-cultural, decorrente da convivência da infância e da
juventude com um sistema de meios de informação e comunicação que nem sempre
se pautam pelos mesmos diapasões culturais e éticos defendidos pelo sistema
educacional formal. (SOARES, 2001, p. 36-37).
Na América Latina, entretanto, além das duas áreas mencionadas, tem se destacado
um terceiro conceito: “a gestão da comunicação em espaços educativos”, relacionada a um
conjunto de procedimentos voltados a criar o que Martín-Barbero chama de “ecossistemas
comunicativos”. A seguir, fazemos um apanhado do significado de cada uma destas três
subáreas, além de uma quarta identificada na pesquisa do NCE como relativa aos “estudos
55
epistemológicos sobre a inter-relação Comunicação e Educação”. Todas elas estão
interligadas ao campo da Educomunicação.
A “Mediação Tecnológica na Educação” (information literacy) é a subárea que mais
se evidencia na América Latina. Ela contempla os estudos do impacto das inovações
tecnológicas sobre a sociedade e o uso das ferramentas da informação nos processos
educativos, presenciais ou à distância.
Ao introduzir o conceito de “ecossistema comunicativo” no debate em torno de uma
perspectiva menos tecnicista para a abordagem das “tecnologias educacionais”, Martín-
Barbero instaura um ambiente favorável para se pensar sobre as sociedades mediatizadas
tecnologicamente, segundo SOARES (2001).
Afirma Martín-Barbero que, para enfrentar o desafio tecnológico, devemos estar
conscientes de dois tipos de dinâmica que movem as mudanças na sociedade: a
incidência dos meios tradicionais e o impacto das novas tecnologias na vida em
sociedade, garantindo, contudo, que “num primeiro movimento, o que parece como
estratégico, mais que a intervenção dos meios, é a aparição de um ecossistema
comunicativo que está convertendo em algo tão vital como o ecossistema verde,
ambiental”. Para o autor, a primeira manifestação e materialização do ecossistema
comunicativo é a relação das novas tecnologias “desde o cartão magnético que
substitui ou acesso ao dinheiro até as grandes rodovias da internet gerando
sensibilidades novas, muito mais claramente visíveis entre os jovens” (SOARES,
2001, p. 38).
Ou seja, a partir do momento em que esta perspectiva prevê um discurso sobre o
cenário e o ambiente em que atuam, promove-se o âmbito de mediações” dos debates e não
somente o da “instrumentalidade tecnológica”. Daí o conceito de mediações tecnológicas. E o
campo da aprendizagem, segundo os pesquisadores, tem se tornado o mais adequado para a
promoção das mediações tecnológicas. Entretanto, adverte Soares (2001), a aprendizagem não
deve ser analisada unicamente a partir da perspectiva educativa, se não, “cai-se normalmente
no erro de se pensar que as tecnologias representariam uma panacéia, responsáveis, por si só,
por mudanças significativas no campo da educação”.
A “Educação para a Comunicação” (media literacy) é a subárea voltada para os
“estudos da recepção” e para as reflexões em torno da relação entre os produtores, o processo
56
produtivo e a recepção das mensagens, bem como, no campo pedagógico, para os programas
destinados à promoção de ações educativas frente à ão e/ou ao impacto dos meios de
comunicação na transformação da cultura ou mesmo sobre o comportamento dos indivíduos
(ALVES, 2002). Em síntese, na área pedagógica, está relacionada a “programas de formação
de receptores autônomos e críticos frente aos meios”.
No mundo ibero-americano, ganhou denominações como: Educação para a Televisão,
Leitura Crítica dos meios de Comunicação e, finalmente, Educação para a Comunicação.
Nessa área existem tendências distintas, com profundas raízes ideológicas: moralista,
culturalista e dialética.
Na área específica do que se denominou tradicionalmente como “educação para os
meios”, uma análise dos programas em curso, no continente, ao longo dos últimos
trinta anos, aponta na verdade para três tendências, a saber: a vertente moralista
(que parte da defesa contra o impacto negativo dos meios), a vertente culturalista
(que busca garantir aos educandos os conhecimentos necessários para que os
mesmos adquiram o hábito de interesse pela forma adequada às mensagens dos
meios), e a vertente dialética (que parte do estudo das relações entre os receptores e
os meios de comunicação, a partir de uma reflexão que leva em conta o lugar
sociopolítico-cultural em que se encontram os receptores e os produtores)
(SOARES, 2001, p. 40).
As práticas de educação para a comunicação na América Latina, segundo Soares
(2001), estiveram tradicionalmente atreladas às propostas de comunicação alternativa e aos
projetos de resistência cultural dos anos 70 e 80, em sua maioria vinculados a organizações
católicas de comunicação, universidades, centros de educação popular e organizações não-
governamentais. Essas instituições buscaram referenciais teóricos e metodológicos comuns,
mas também tiveram a influência de grandes pensadores como Paulo Freire e Célestin Freinet.
Atualmente, no Brasil, embora a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996) tenha aberto espaços para a introdução da educação para a comunicação nos
currículos, por meio dos Parâmetros Curriculares, a Escola ainda enfrenta dificuldades em
transformá-la em prática decorrente da falta de preparo dos professores. “As faculdades de
57
educação desconhecem o tema, o que leva os planejadores educacionais a desconsiderarem o
assunto”, destaca Soares (2001, p. 43).
A área da “Gestão da Comunicação nos Espaços Educativos”, por sua vez, está
relacionada a um campo voltado para o planejamento e a execução de políticas de
comunicação educativa, cujo objetivo é a criação e o desenvolvimento de ecossistemas
comunicativos mediados pelos processos de comunicação e por suas tecnologias.
A gestão da comunicação nos espaços educativos é produzida tanto em ambientes
voltados para programas escolares formais, quanto naqueles dedicados ao desenvolvimento de
ações não formais de educação, como nas emissoras de televisão e rádio educativas, centros
produtores de material didático, centros culturais, entre outros. Para Alves (2002, p.111), “o
que caracteriza a gestão é a costura que alcança produzir, através da ação prática, entre as
várias vertentes que aproximam a Comunicação e a Educação; é o componente pragmático do
processo explicado teoricamente pela reflexão epistemológica”.
As práticas relacionadas a essa área convergem para a busca de um objetivo maior,
que é ampliar o coeficiente comunicativo das ações humanas, conforme analisa Soares
(2001).
Para tanto, supõe uma teoria da ação comunicativa que privilegie o conceito de
comunicação dialógica, uma ética da responsabilidade social para os produtores
culturais; uma recepção ativa e criativa por parte das audiências; uma política de uso
dos recursos da informação de acordo com os interesses dos pólos envolvidos no
processo de comunicação (produtores, instituições mediadoras e consumidores da
informação), o que culmina com a ampliação dos espaços de expressão (SOARES,
2001, p. 43).
A área da “Reflexão Epistemológica”, por fim, determina regras de produção da
existência de um Campo Acadêmico de inter-relação entre a Comunicação e a Educação,
construindo teorias e metodologias de explicação da área. Pertencem a esta área tanto um
projeto de pesquisa voltado para o entendimento e a legitimação do novo campo, quanto todos
os programas de investigação sobre cada uma das vertentes que compõem a inter-relação
58
comunicação/educação. Trata-se da reflexão acadêmica, metodologicamente conduzida, que
garantirá unidade às práticas da Educomunicação (ALVES, 2001, p.111).
No final da década de 90 ocorreu uma profusão de “estudos epistemológicos” em
torno da inter-relação comunicação e educação que provocou o debate sobre a existência deste
novo campo.
No universo acadêmico, são cada vez mais freqüentes os estudos epistemológicos
sobre a natureza do fenômeno constituído pela inter-relação em análise, com a
produção de teses e ensaios sobre o tema, desenvolvidos por especialistas como
Jesús Martín-Barbero, na Colômbia; Guillermo Orozco, no México; José Martinez
de Toda y Terrero, na Venezuela; Maria Teresa Quiroz, no Peru; Daniel Pietro, na
Argentina; Mário Kaplun, no Uruguai; José Manoel Morán, Maria Felisminda de
Rezende Fusari e o próprio coordenador desta pesquisa no Brasil. A fase
exploratória da pesquisa nos levou a Espanha, onde foi encontrado, e agregado ao
Universo da pesquisa, um razoável e significativo grupo de estudiosos do fenômeno
em questão, formado por especialistas como Roberto Aparici, da Universidad
Nacional de Educación a Distancia, de Madrid e Manuel Pérez Tornero, da
Universidad Autônoma de Barcelona (SOARES, 1997 apud ALVES, 2002, p. 100).
Foram, portanto, estes estudos, balizados pelas quatro subáreas acima descritas, fruto
da pesquisa do NCE, que ao longo dos últimos dez anos vieram aprofundando as discussões
teórico-metodológicas relacionadas ao campo da inter-relação Comunicação e Educação.
Teorias e métodos que estarão contribuindo com o Capítulo III deste projeto, no processo de
sistematização das práticas de Comunicação, Educação e Participação, utilizadas pela
Agência Uga-Uga de Comunicação.
1.4. Direitos e Cidadania de Crianças e Adolescentes
1.4.1. Cidadania: direito de criar, reivindicar e obter direitos
é regra, quando se fala em cidadania, pensar imediatamente no “direito de ter
direitos”. Ou seja, quem é cidadão de um país usufrui de todas as garantias e direitos
assegurados formalmente na sua Constituição Federal e nas legislações complementares. Aqui
reside um equívoco considerando que esta visão resulta de uma redução do conceito de
cidadania à formalidade das leis. Podemos dizer, numa perspectiva mais ampla, que cidadania
59
é mais do que simplesmente ter direitos. É o direito de produzir a cada dia novos direitos, de
reivindica-los e obtê-los de maneira concreta, no dia a dia.
É nesta perspectiva de cidadania que estaremos abordando os direitos infanto-juvenis
com ênfase no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei federal 8.069, de 13 de julho
de 1990, que substitui o antigo Código de Menores e que atende ao disposto no artigo 227 da
Constituição Federal
7
. Trata-se de um dos mais importantes textos jurídicos brasileiros depois
da Constituição de 1988.
Mais do que a consolidação de direitos e deveres da criança e do adolescente, o
Estatuto expressa, principalmente, o anseio político e social de integrar a infância e a
juventude à cidadania, criando bases para a construção de um país mais comprometido com a
inclusão e com o desenvolvimento social.
Além de ter tido o grande mérito de criar regras para que se respeitem a criança e o
adolescente como cidadãos sujeitos de direitos e deveres, conferindo-lhes prioridade absoluta,
sobretudo na elaboração e implementação de políticas públicas, o ECA está totalmente
adequado à Convenção dos Direitos da Criança das Organizações das Nações Unidas (ONU),
adotada pelo Brasil em 1989. Embora sua aplicação, hoje, no Brasil, ainda seja limitada pela
pouca divulgação que se a seus conteúdos, é uma legislação reconhecida
internacionalmente como uma das mais avançadas em termos de proteção social à infância.
Esses avanços são atribuídos a três motivos: o Estatuto traz princípios inovadores;
amplia e divide a responsabilidade da família, do Estado e da Sociedade na proteção integral
de crianças e adolescentes; e determina um sistema participativo de formulação, controle e
fiscalização das políticas públicas entre o Estado e a sociedade civil.
7
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Artigo 227 da Constituição Federal.
60
A abordagem ao Estatuto que realizamos a seguir é baseada na sistematização do
Manual de Imprensa e de Mídia do Estatuto da Criança e do Adolescente, de autoria da
jornalista Ivanéa Pastorelli (2001). De forma objetiva, explanamos os principais avanços que
essa nova legislação trouxe, inclusive comparando-a com o antigo Código de Menores.
Entretanto, considerando o foco de nossa pesquisa, daremos maior ênfase a dois dos direitos
básicos de crianças e adolescentes: Educação e Participação.
1.4.2. Esclarecendo o Estatuto da Criança e do Adolescente
Como dissemos anteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente substitui o
Código de Menores (criado em 1979) que ditou regras e normas durante 10 anos. Sua
presença cultural ainda é marcante no país, contribuindo para que a sociedade ainda não
reconheça os direitos infanto-juvenis.
O Estatuto é composto por 267 artigos e garante os direitos e deveres de cidadania a
crianças e adolescentes, determinando à família, à sociedade, à comunidade e ao Estado a co-
responsabilidade pela proteção integral desses meninos e meninas antes tarefa exclusiva do
antigo juiz de menores. Também define um sistema participativo de formulação, controle e
fiscalização das políticas públicas entre Estado e Sociedade Civil.
O mais importante nesta nova legislação tem hoje, apenas, 16 anos é que não se
resume a um conjunto de leis isoladas. Sua proposta é mais ampla. Prevê uma rede de
atendimento caracterizada por ações integradas, da qual fazem parte as organizações
governamentais e não-governamentais, os movimentos sociais, comunidades locais, grupos
religiosos, entidades nacionais, organismos internacionais, categoria de trabalhadores e a
própria população (PASTORELLI, 2001, p. 26).
Para a criação desta rede de atendimento, o ECA determina a implantação, em cada
município brasileiro, de três órgãos que têm a responsabilidade de assegurar o cumprimento
61
das políticas públicas voltas à infância e adolescência: o Conselho Municipal de Direitos da
Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares e as delegacias especializadas.
Estes órgãos têm atribuições diferenciadas. Além de atuar de acordo com suas
competências, devem também operar em concordância com o Juiz da Infância e da Juventude
e com o Ministério Público. É importante ressaltar que, a partir do Estatuto, o Juiz deixou de
ser autoridade única e máxima no tocante às questões referentes à criança e ao adolescente.
De forma democrática, a lei proporcionou a divisão de poder e também de idéias, de trabalho,
de iniciativas e de responsabilidades.
A mudança mais significativa proporcionada pelo Estatuto foi o novo “contexto
jurídico” dado à criança e ao adolescente: o reconhecimento como cidadãos sujeitos de
direitos e deveres, com liberdade de ir e vir.
O princípio constitucional (artigo 227 da Constituição Federal) afirma que é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. Ou seja, são obrigações amplas, previstas em lei que a sociedade
(incluindo o Pode Público – União, Estados e Municípios) deve conhecer e buscar sua
aplicação.
Os direitos e deveres da criança e do adolescente passam a ter, a partir do Estatuto,
prioridade absoluta e é dever da família, da sociedade e do Estado promove-los e protege-los.
Há, hoje, na sociedade uma visão equivocada de que existem direitos e não deveres
de crianças e adolescentes. Segundo Pastorelli (2001), para entender essas avanços, é
importante comparar as diferenças existentes entre o antigo Código de Menores e as atuais
regras do Estatuto. O quadro abaixo demonstra essas diferenças:
62
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE X CÓDIGO DE MENORES
ECA CÓDIGO DE MENORES
Crianças e adolescentes tornam-se sujeitos de
direitos e deveres civis, humanos e sociais previstos
na Constituição e em outras leis. Passam a ser
considerados cidadãos em desenvolvimento, tendo
o seu universo protegido (doutrina da proteção
integral).
Crianças e adolescentes eram tratados pela
legislação como seres inferiores”, objetos
tutelados pela lei e pela justiça. Na prática, o
Código de Menores dispunha sobre a assistência,
proteção e vigilância da criança e/ou do adolescente
(doutrina da situação irregular) que se encontrasse
abandonado, exposto, carente, ou que apresentasse
desvio de conduta.
Distinguiu a criança (0 a 12 anos incompletos) do
adolescente (12 a 18 anos).
Não havia distinção entre crianças e adolescentes.
Todo indivíduo com idade inferior a 18 anos era
considerado “menor” e, portanto, sujeito ao Código
de Menores.
Estabeleceu os direitos referentes à saúde, à
educação, à alimentação, à informação, ao lazer, ao
esporte, entre outros. Determinou a obrigatoriedade
de pais e responsáveis matricularem seus filhos e
acompanharem sua freqüência e desenvolvimento
escolar. Ampliou e dividiu a responsabilidade pelo
cumprimento de direitos e deveres entre a família, a
sociedade e o Estado, tornando-os co-responsáveis.
O bem-estar de crianças e adolescentes era reduzido
aos serviços sociais prestados por entidades
públicas ou privadas. Determinava que todas as
atividades que os atingissem seriam regradas,
entretanto, não os caracterizava como sujeitos de
direitos.
Exigiu a efetivação de políticas públicas que
permitissem o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso da criança e do adolescente e
definiu seu atendimento por intermédio de um
conjunto de ações governamentais e não-
governamentais, da União, dos Estados e dos
Municípios. Para tanto, estabeleceu um sistema
participativo de formulação, controle e fiscalização
dessas políticas, dividindo as responsabilidades
entre o juiz e outros setores da sociedade. Foram
criados, para tanto, os Conselhos Tutelares,
Municipal, Estadual e Nacional de Direitos da
Criança e do Adolescente, além das delegacias
especializadas, que devem atuar de forma integrada.
O Poder Judiciário era a única instância que
controlava as omissões e abusos. Cabia ao juiz de
menores atuar em vários segmentos da sociedade
caso constatasse a existência de situação que
pudesse causar dano ao “menor”. A criança ou
adolescente era considerado portador de desvio de
conduta de acordo com o entendimento do juiz e,
neste caso, poderia ser submetido a tratamento
educacional em instituições. Na prática, a saída para
aquele que se encontrava em situação irregular
(abandono material, vítima de maus-tratos, autor de
infração penal, etc.), era privação de sua liberdade
de ir e vir e a perda dos vínculos com a família.
Estabeleceu o conceito e a aplicação de medidas
sócio-educativas quando a criança ou o adolescente
comete ato infracional (crime, delito ou roubo)
contra a lei criminal vigente. No caso da criança,
esta prática a sujeita a medidas de orientação e
acompanhamento. para os adolescentes, a
possibilidade de medidas que vão desde a
advertência até a internação (em última hipótese).
De acordo com o Estatuto, a intervenção tanto da
polícia quanto da justiça passou a ser permitida
somente em situações em que ocorre ato infracional
contra a lei criminal. Também ficou impossibilitada
a privação de liberdade do adolescente sem o
devido processo legal. No caso da prática de ato
infracional por adolescentes portadores de
deficiência mental, o Estatuto pre tratamento
individual especializado, em local adequado.
Uma vez infrator, a criança ou o adolescente não
possuía mais condições de permanecer junto à
família e/ou sociedade, passando a ser assumido
pelo Estado. Presumia-se que desta forma, a criança
ou o adolescente seria mais bem protegido, visto
que o seu ambiente de origem o predispunha à
situação de marginalidade. Era permitido à polícia e
à Justiça intervir diante de qualquer ato cometido
pela criança ou pelo adolescente que infringisse
uma convenção social, como, por exemplo, nos
casos referentes à etiqueta, aos costumes e à
religião. O “menor” autor de infração penal podia
ser detido fora do flagrante e sem ordem escrita da
autoridade judicial. Neste caso, não havia garantias
aos direitos dos excepcionais. O único direito da
criança e do adolescente era o da assistência
religiosa.
63
O Estatuto passou a atribuir a condição de filho ao
adotado, proporcionando-lhe os mesmos direitos e
deveres dos filhos naturais. Também determinou
medidas mais rígidas para adoção, visando
salvaguardar o direito das crianças e adolescentes e
coibir o tráfico internacional de jovens brasileiros.
Maiores de 21 anos, independentemente de seu
estado civil, tornaram-se aptos a adotar, desde que o
adotante tenha 16 anos a mais que o adotado.
O adotado não possuía expressamente os mesmos
direitos e deveres, incluindo os sucessórios, dos
filhos naturais. Havia a possibilidade de o adotado
herdar dos pais biológicos e/ou receber pensão
alimentícia. o havia critérios tão rígidos
referentes à adoção internacional. Somente aos
maiores de 30 anos, com no mínimo 5 anos de
casados, era permitida a adoção.
Estabeleceu tipos penais aos atos praticados contra
crianças e adolescentes, por ão ou omissão, e
determinou medidas específicas aplicáveis a pais ou
responsáveis na hipótese de maus-tratos, opressão
ou abuso sexual.
Não existiam medidas específicas aplicáveis a pais
ou responsáveis em situações de maus-tratos,
opressão ou abuso sexual.
Quadro 4 – Estatuto da Criança e do Adolescente e Código de Menores
FONTE: PASTORELLI, 2001.
1.4.3. O direito à Educação
Antes de destacar as profundas transformações que o Estatuto da Criança e do
Adolescente trouxe ao direito à educação, é importante ressaltar que nesta abordagem não
estamos nos referindo a uma escolarização pura e simples. Mas, à formação para a vida, de
sujeitos plenos, capazes de exercitar seus direitos e corresponder com seus deveres na
sociedade que integram como cidadãos.
Estamos nos referindo a um conjunto de conhecimentos necessários que um indivíduo
precisa ter para participar da vida pública e enfrentar as dificuldades impostas pelos processos
das diferentes formas de globalização.
O artigo 205 da Constituição Federal trata do direito à educação nos seguintes termos:
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Ou seja, é um texto que contempla essa perspectiva mais holística. Não fala de
ensino, mas, de educação, de algo além da instrução pública e privada, um conceito de maior
64
significado e abrangência. Determina também que é uma política social básica, um direito de
todos. Sendo uma política universal, significa que nenhuma criança, adolescente ou adulto
pode ser privado desse direito.
Quando o artigo ressalta, por exemplo, “preparo para o exercício da cidadania”,
pressupõe uma formação da pessoa para a esfera pública, ou seja, no âmbito das relações
sociais, no trato com a questão do bem comum e, principalmente, uma escola que estimule no
jovem o pensamento crítico, o debate, as descobertas, os desafios intelectuais.
Para exercitar a cidadania, crianças e adolescentes precisam e devem participar. E a
escola é um dos espaços mais apropriados para a realização de atividades que possam oferecer
oportunidades de expressão verbal de seus sentimentos e posicionamentos.
De acordo com o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
Situação da Adolescência Brasileira (2002), a garantia do direito à participação é mais que um
exercício complementar na escola. “Na verdade, os processo participativos da gestão, do
processo pedagógico e das relações entre educador e educando têm muito a ver com o desafio
de melhoria da qualidade do ensino, baseada no aprimoramento dos processos de ensino e
aprendizagem” (UNICEF, 2002, p. 26).
O direito à educação, de todos os cidadãos brasileiros, está assegurado na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB (lei 9394/96), segundo a Constituição
Federal, garantindo prioridade absoluta a crianças e adolescentes, de acordo com o artigo 53
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A partir do ECA, os estabelecimentos de ensino deixam de ser os únicos responsáveis
pelas decisões sobre a educação, mas, passaram a ter um outro papel: de “centros de formação
de cidadãos”, onde se ensina e se pratica a cidadania. Pastorelli (2001) ilustra como essa
relação se dá:
65
De forma participativa, a família, os estudantes e a própria comunidade têm o direito
e o dever de se envolver no processo educacional, dividindo a responsabilidade e
interagindo no processo de educação e de formação intelectual das crianças e dos
adolescentes (PASTORELLI , 2001, p. 39).
Essa interação é caracterizada nos artigos 53 e 55 do ECA. Neles, ao mesmo tempo
em que se determina a obrigatoriedade de pais ou responsáveis matricularem seus filhos na
rede regular de ensino (art. 55), lhes é facultado o direito de ter ciência do processo
pedagógico, além de participar da definição de propostas educacionais (art.53).
As crianças e os adolescentes também têm a possibilidade de contestar critérios
avaliativos por si mesmos ou por meio dos pais -, de se organizar e de participar de
entidades estudantis. Os artigos 53 e 58 também lhes garantem igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola e o direito de serem respeitados pelos educadores em seus
valores culturais, artísticos e históricos.
Um outro direito agregado pelo Estatuto e de grande relevância é o direito à cultura, ao
esporte e ao lazer, como elementos fundamentais para o desenvolvimento sócio-educacional
de crianças e adolescentes.
Considerando que a partir do ECA as responsabilidades do processo educacional de
crianças e adolescentes passaram a ser divididas, cabendo à família, ao estudante, à
comunidade e ao Poder Público o seu pleno cumprimento, apresentamos no esquema abaixo
as competências e os atores sociais responsáveis por cada uma delas:
Cabe ao Poder Público:
§ Garantir o ingresso na escola pública e gratuita o mais próximo possível da residência dos alunos. O
não oferecimento do ensino obrigatório por parte do Poder Público (estados e municípios) ou sua oferta
irregular configura desrespeito a um direito constitucional e implica responsabilidade da autoridade
competente.
É dever do Estado:
§ Assegurar o Ensino Fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio (obrigatório aos
adolescentes). Cabe a ele, definir com os municípios, formas de colaboração na oferta do ensino
fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo
66
com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do
Poder Público (artigos 4, 9 e 10 da LDB);
§ Assegurar o ingresso ao ensino fundamental, obrigatório, gratuito e especializado aos portadores de
deficiência (preferencialmente na rede regular de ensino), acesso aos níveis mais elevados de ensino e
oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente que trabalha;
§ Criar e manter programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde a crianças e adolescentes na impossibilidade de acesso à escola pública e gratuita
próxima à residência do aluno; e fornecer o seu transporte até o estabelecimento de ensino;
§ Oferecer o acesso à pesquisa e à criação artística; bem como ao lazer, ao esporte e à cultura, a crianças e
adolescentes freqüentadores da rede pública de ensino.
É dever do Município:
§ Oferecer a educação infantil em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 6 anos), priorizando o ensino
fundamental (artigo 11, inciso V da LDB). é permitida sua atuação em outros níveis de ensino, caso
estejam atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência. Vale ressaltar que cabe aos
pais a decisão da matrícula de crianças na educação infantil. O mesmo não se aplica ao ensino
fundamental, que é obrigatório a crianças e adolescentes;
§ É dever dos municípios, com o apoio dos estados e da União, estimular e facilitar a destinação de
recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para crianças e
adolescentes;
§ Todo município ter possuir um Conselho de Educação (CME), criado pela Câmara dos Vereadores por
meio da Lei Orgânica Municipal. Os membros do Conselho devem representar os vários segmentos da
sociedade: pais, professores, alunos, funcionários e Poder Público.
Cabe à Escola:
§ A direção da escola é obrigada a comunicar ao Conselho Tutelar casos de suspeita ou confirmação de
maus-tratos envolvendo alunos, reiteração de faltas injustificadas, de evasão escolar (esgotados os
recursos escolares) e elevados níveis de repetência;
§ Observar a conduta de seus alunos e das famílias. A omissão dos educadores, nestes casos, deve ser
penalizada;
§ O processo educacional deve respeitar os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto
social da criança e do adolescente. Portanto, os indivíduos provenientes de comunidades étnicas e de
populações indígenas têm direito de viver dentro de sua própria cultura e de praticar sua religião e
língua específica.
Cabe aos pais e aos estudantes:
§ A criança ou o adolescente deve cumprir o regulamento da escola. Casos de agressão, quando muito
graves (sendo portanto atos infracionais) devem ser levados à autoridade encarregada da Segurança
Pública: a polícia;
§ O dever de educar crianças e adolescentes é dos pais ou responsáveis (pátrio poder). Quando este deixa
de assegurar a presença dos filhos à escola, estão cometendo crime e abandono intelectual e podem ser
detidos por um período de 15 a 30 dias ou receber multa (art.246 do Código Penal), ou multa de três a
20 salários (art.249);
§ A falta de recursos materiais não justifica a evasão escolar nem exime os pais da obrigatoriedade da
matrícula de crianças e adolescente na rede regular de ensino.
Ilustração 2 - Competências e Atores Sociais responsáveis pelo cumprimento dos direitos
FONTE: PASTORELLI, 2001.
Existem ainda dois conceitos básicos do Estatuto em relação á educação e que estão
associados às questões de maus tratos: quem submeter crianças ou adolescentes a vexame ou
67
constrangimento, estará sujeito à detenção de seis meses a dois anos; a tortura de crianças
abrigadas em creche pode resultar em reclusão de um a cinco anos. Caso o ato resulte em
morte, a pena prevista é de reclusão de 15 a 30 anos (art.223 do ECA).
Um das questões mais recorrentes de desvio de interpretação do Estatuto, na área da
educação, é quanto à “autoridade” dos professores sobre seus alunos. O ECA não retirou essa
autoridade, ou seja, a lei não impede a tomada de qualquer medida de caráter disciplinar para
coibir abusos praticados pelos alunos. Entretanto, na relação professor-aluno o Estatuto foi
bem claro: estabeleceu que crianças e adolescentes têm o direito de ser respeitado por seus
educadores (art. 53, Inciso II).
Segundo Pastorelli (2001), o objetivo do Estatuto, neste caso, é de apenas reforçar a
idéia de que crianças e adolescentes, na condição de cidadãos, precisam ser respeitados, em
especial por aqueles encarregados de sua educação.
1.4.4. O direito à Participação
Além do artigo 205 da Constituição Federal que ao tratar do direito à educação
pressupõe o preparo da pessoa para o exercício da cidadania, a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança (aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1989) é o documento
que assegura um dos direitos mais essenciais ao desenvolvimento cidadão de crianças e
adolescentes: o direito à participação.
O artigo 12 da Convenção determina que os Estados-partes deverão assegurar à
criança (a Convenção considera criança todo ser humano menor de 18 anos), capaz de formar
seus próprios pontos de vista, o direito de “exprimir suas opiniões livremente sobre todas as
matérias atinentes à criança”, levando em conta sua opinião conforme a idade e maturidade; e
também a oportunidade de ser ouvida em qualquer procedimento judicial ou administrativo
que lhe diga respeito.
68
Os artigos 13 e 14 prevêem um conjunto de direitos relacionados à liberdade de
expressão e pensamento:
1) A criança terá o direito à liberdade de expressão; este direito incluirá a
liberdade de buscar, receber e transmitir informações e idéias de todos os
tipos, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa,
por meio das artes ou por qualquer outro meio da escolha da criança;
2) O exercício desse direito poderá sujeitar-se a certas restrições, que serão
somente as previstas em lei e consideradas necessárias: a) ao respeito dos
direitos e da reputação de outrem; b) à proteção da segurança nacional ou da
ordem pública, ou da saúde e moral públicas.
3) Os Estados-partes respeitarão os direitos da criança à liberdade de
pensamento, de consciência e de crença;
4) Os Estados-partes respeitarão os direitos e deveres dos pais e, quando for o
caso, dos representantes legais, de orientar a criança no exercício do seu
direito de modo consistente com a evolução de sua capacidade.
Conforme Cussiánovich (2002), embora crianças e adolescentes tenham assegurado o
direito de participar é importante reforçar que o Brasil é signatário da Convenção –, o
enfoque dos direitos infanto-juvenis requer a construção de representações alternativas que
apresentem crianças e adolescentes como sujeito, como portador de direitos e
responsabilidades sociais. No entanto, reconstruir representações, significa também
reconstruir “sentidos, desejos, expectativas, sentimentos e formas de agir”.
O enfoque das crianças e adolescentes como sujeitos com direitos, segundo
Cussiánovich, constitui algumas rupturas de paradigmas.
Ruptura epistemológica, na medida em que nos dá outro lugar social, geracional,
afetivo, humano para olhar o mundo em seu conjunto e os outros seres humanos e, a
partir daí, ter uma outra visão sobre nós mesmos. A epistemologia é entendida não
apenas como uma conceitualização diferente, mas também como uma ruptura com
69
sentimentos, com desejos e com sentidos diferentes daqueles que a nossa visão
anterior acompanhava.
Ruptura antropológica, na medida em que nos coloca diante do desafio de
reconstruir e construir novas relações sociais entre adultos e crianças; na medida em
que se apresenta a partir do modo como as culturas estabelecem o status da sua
infância, a condição e o papel social que lhes atribuem, ou na medida em que
permitem e reconhecem tais culturas. Trata-se de uma nova abordagem do otimismo
antropológico, que sustenta a nossa aposta para a educabilidade de todo ser humano.
Ruptura ideológico-cultural, no sentido em que o discurso dos direitos da criança
como sujeito com direitos evoca um eixo ideológico e cultural que preconiza um
enfoque doutrinário alternativo àquele que reduz a criança, como indivíduo e
coletivamente, a mero objeto.
Ruptura ético-política, ao enfatizar a criança como sujeito, como agente e não como
apenas executor; criança vista como produtora, construtora;criança como cidadão e
não como mero súdito; criança como sujeito político de direitos e sujeito com
direitos políticos (CUSSIANÓVICH, 2002, p.2-3).
São rupturas, portanto, que interpelam a democracia e intimam a sociedade a pensar
no futuro. Um enfoque que obriga a sociedade a repensar as relações sociais e de poder; que
remete à democracia, não apenas como sistema em sua dimensão social e institucional, mas
como cultura centrada no sujeito, no valor do sujeito.
Por fim, Cussiánovich ressalta que o enfoque dos direitos da criança torna evidente a
sua participação como um direito e não como uma concessão ou uma dádiva. “A criança goza
do direito à participação”, ressalta, lembrando que por se tratar de um direito que coloca o
desafio e a inclusão ativa no centro dos discursos sobre democracia, liberdade e sociedades de
direitos, resulta em um direito polêmico e vulnerável ideológica e politicamente.
No aspecto do protagonismo, o direito à participação não é mera adjetivação, segundo
Cussianóvich (2002), mas reforça o sentido substantivo dessa participação, colocando
crianças e adolescentes como agentes sociais e não como simples executores e consentidores
de alguma coisa. Como paradigma conceitual o protagonismo orienta para a “ressignificação
da globalidade das coordenadas familiares, comunitárias e institucionais”.
A participação protagônica se evidencia como uma questão de poder e de exercício do
poder, isto é, “como parte das dinâmicas do tecido social, da relação da sociedade civil, do
Estado, dos agentes sociais”. Entretanto,
70
Não se pode reduzir a participação como protagonista a seu conteúdo político; ela
exige ser admitida como expressão do estatuto social e jurídico da infância e
expressa seu modo de vida, sua identidade pessoal e social, sua espiritualidade, ou
seja, o sentido da sua dignidade, da sua sensibilidade e sentimento sociais, dos seus
mitos e imaginários (CUSSIANÓVICH, 2002, p. 6).
Portanto, a participação de crianças e adolescentes como protagonistas passa a fazer
parte de uma nova cultura da infância e adolescência e também a constituir um eixo que
articula e reproduz novas formas de estabelecer relações sociais das pessoas entre si e com seu
entorno.
Do ponto de vista da Comunicação e Desenvolvimento Social, são estas quatro áreas
assinaladas ao longo deste capítulo Teoria da Ação Comunicativa, Teoria da Educação
Libertadora, Educomunicação e Direitos de Crianças e Adolescentes que norteiam o
presente estudo e que servem de “guarda-chuva” para a discussão, descrição, análise e
compreensão; e em seguida, a sistematização das práticas educomunicativas e participativas
da Agência Uga-Uga de Comunicação, conforme o objetivo geral do projeto.
No capítulo seguinte, descrevemos e analisamos o processo de criação da organização,
bem como os projetos nos campos da comunicação, educação e participação que a originaram.
71
CAPÍTULO II
AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO:
TRAJETÓRIA E ATUAÇÃO PEDAGÓGICA
72
Na primeira parte deste estudo (Capítulo I), buscamos evidenciar referências teóricas
que norteiam esta pesquisa, fundamentados nas teorias da Ação Comunicativa, de Jürgen
Habermas, da Educação Libertadora, de Paulo Freire, e na Educomunicação, novo campo da
comunicação que se define como o conjunto de ações inerentes ao planejamento,
implementação e avaliação de processos, programas e produtos que criam e fortalecem
ecossistemas comunicativos.
Em nosso entendimento estas teorias convergem nos caminhos de aproximação entre
Comunicação e Educação, na perspectiva do desenvolvimento social humano, em especial de
crianças, adolescentes e jovens, dando sustentação às práticas pedagógicas utilizadas pela
Agência Uga-Uga nesses respectivos campos.
Também resgatamos os direitos de cidadania de crianças e adolescentes, tendo como
base o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU), dando ênfase a
dois direitos básicos: educação e participação. Direitos que também estão no cerne das
práticas formativas da instituição.
No presente capítulo, nossa intenção é resgatar a trajetória da ONG Agência Uga-Uga
de Comunicação e seus projetos educomunicacionais – objeto deste trabalho – que utilizam o
tripé comunicação, educação e participação.
Contemplamos desde as ações que a conceberam, os agentes e atores sociais e
culturais que atuaram e contribuíram para sua criação, as instituições envolvidas Secretaria
Municipal de Educação de Manaus (Semed) e Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) –, até os adolescentes e jovens que participaram de forma protagonista da fundação
da organização e dos processos de construção de suas metodologias de trabalho relacionadas à
utilização da comunicação no ensino.
73
Para isso, optamos por pontuar a trajetória cronológica
8
de criação e concretização da
Agência Uga-Uga por meio de três fases:
1) O cenário da cada de 90, relacionado aos três campos predominantes de sua
atuação, que favorece o desenvolvimento de ações de comunicação, educação e participação
para a cidadania de crianças e adolescentes;
2) A descrição dos projetos que culminaram com a fundação da ONG: Jornal Uga-Uga
e Núcleos de Mobilização Social;
3) O processo de fundação da ONG e sua integração à Rede ANDI Brasil , por meio
do projeto Núcleo de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Nas duas últimas fases, além da descrição dos projetos, abordamos seus impactos
positivos e negativos na vida do público envolvido.
2.1. Anos 90 Um cenário Favorável à Integração de Crianças e Adolescentes à
Cidadania
A década de 90 significou um marco legal e político na história da cidadania de
crianças e adolescentes brasileiras. Em julho de 1990, com a criação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (lei federal 8.069), meninos e meninas passaram à condição de sujeitos de
direitos e deveres, com liberdade de ir e vir e com prioridade absoluta na elaboração e
implementação de políticas públicas. Também tiveram assegurados pela Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, no ano anterior, os direitos a não-discriminação; à
informação e à participação, com garantias de opinião, voz, protagonismo integral, além de
uma concepção de vida em sociedade.
É importante ressaltar, no entanto, que o movimento em torno da proteção social á
infância e juventude no Brasil é resultado da luta pela democratização da sociedade brasileira,
8
Entendemos por “trajetória cronológica” da Agência Uga-Uga de Comunicação todo o processo de articulação,
criação e execução dos projetos que culminaram com a sua fundação. Consideramos que a atuação da ONG não
inicia a partir de sua criação, mas, a partir dos projetos sociais que promoveram sua concepção.
74
que ocorreu em maior escala a partir dos anos 80, na luta pelas eleições diretas e pelo Estado
de Direito, trazendo a reforma democrática do Estado e o fim do autoritarismo.
Em meados da década de 80, nasceram e consolidaram-se no país importantes
instituições envolvidas com a defesa e promoção dos direitos infanto-juvenis, entre elas o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, o Projeto Axé e o Fórum Nacional
Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Fórum DCA), que recolheu mais de seis milhões de assinaturas e conseguiu
definir os Direitos das Crianças e dos Adolescentes como “prioridade absoluta” na
Constituição Federal de 1988 (ANDI e REDE ANDI, 2005). Ou seja, foi esta articulação da
sociedade que possibilitou a definição desses direitos na então nova Constituição (artigos 227
e 228).
Na coordenação desta agenda pela infância teve papel central o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef). Entre 1994 e 1996, tivemos conquistas importantes como a
criação do Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, na esfera governamental a
implementação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e a participação do
Brasil no I Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes, realizado em Estocolmo, na Suécia.
Em nível internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989
pela Assembléia Geral das Nações Unidas, também contribuiu e tornou-se referência para a
elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Adotada por todos os países da América
Latina, inclusive pelo Brasil, a Convenção reconhece as crianças (entende por crianças todo
ser humano menor de 18 anos de idade – artigo I) como sujeitos de direitos e define princípios
e normas universais relativas à sua condição jurídica com ênfase na liberdade e nos direitos
humanos fundamentais.
75
A Convenção considera, pela primeira vez, a específica necessidade de assistência e
proteção às crianças, em razão de sua vulnerabilidade e assegura um dos direitos mais
essenciais ao desenvolvimento cidadão de crianças e adolescentes: o direito à participação.
Segundo Cussianóvick (2002), sem dúvidas, o enfoque dos direitos da criança torna evidente
sua participação como um direito e não como uma concessão ou uma dádiva.
A criança goza do direito à participação. Possivelmente, este direito seja o de maior
impacto cultural, o de maior força histórica, pois coloca o desafio e a inclusão ativa,
própria de todos os seus membros sem exclusão alguma, sem discriminação alguma,
no próprio coração dos discursos sobre democracia, liberdade e sociedade de
direitos. Por isso, na prática, o direito resulta mais polêmico e mais vulnerável
ideológica e politicamente, sendo objeto de múltiplos e antagônicos apetites de
cooptação (CUSSIÁNOVICK, 2002, p.3).
Em seu artigo 17, a Convenção também reconhece “a importante função exercida
pelos meios de comunicação de massa” e assegura que crianças e adolescentes tenham acesso
às informações e dados de fontes nacionais e internacionais, relacionadas à promoção de seu
bem estar social, espiritual e moral, e à sua saúde física e mental.
Com esse fim, o artigo faz seis recomendações, relacionadas: à difusão de informações
e dados sobre crianças pelos meios de comunicação; à cooperação internacional para o
intercâmbio dessas informações; a produção e difusão de livros infanto-juvenis; a atenção às
diferenças lingüísticas das crianças em minoria, pelos órgãos de comunicação; e a criação de
diretrizes de proteção contra informações e dados prejudiciais ao bem-estar de meninos e
meninas.
No entanto, esse novo momento do Brasil, marcado pela materialização do Estatuto,
não significou apenas a criação e aprovação de uma lei que consolida os direitos e deveres da
criança e do adolescente no país, mas, a concretização do anseio político e social de diversos
segmentos da sociedade (participaram do processo de construção do Estatuto representantes
do setor jurídico, das políticas públicas e dos movimentos sociais) de integrar a infância e a
juventude à cidadania.
76
Para Silva e Motti (2001), por se tratar de uma lei de proteção integral aos direitos
infanto-juvenis, o Estatuto deve ser percebido como um projeto de sociedade, marcado pela
igualdade de direitos e de condições de acesso a esses direitos,
O Estatuto da Criança e do Adolescente é o reflexo, no direito brasileiro, dos
avanços obtidos na ordem internacional, em favor da infância e da juventude. Ele
representa uma parte importante do esforço de uma Nação, recém saída de uma
ditadura de duas décadas, para acertar o passo com a comunidade internacional em
termos de direitos humanos. As idas e vindas, os altos e baixos, os caminhos e
descaminhos de sua implementação nos o uma boa imagem de como, enquanto
Estado e sociedade civil, estamos nos saindo no esforço de democratizar nossa
democracia reconquistada em 1985 (SILVA e MOTTI, 2001, p. 6).
A Educação, nesse período, também trouxe avanços significativos, além dos
previstos no Estatuto. É aprovada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDB (lei 9.394, de dezembro de 1996) que, baseada na Constituição Federal, traz uma
perspectiva não-reducionista da definição de educação.
Em seu artigo deixa claro um conceito mais ampliado de educação: “A educação
abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Ou seja, além de transcender a
perspectiva da educação escolar, vincula a educação ao mundo do trabalho e à prática social.
O artigo da LDB trata dos princípios e fins da educação nacional e destaca as bases
para o desenvolvimento da pessoa, do cidadão e do trabalhador. Também determina
princípios inspiradores dessa educação, que o os princípios de liberdade e os ideais de
solidariedade.
Segundo Costa (2000), estes princípios são os dois valores maiores que constituem o
eixo central da concepção sustentadora da educação nacional e que devem inspirar e servir de
estímulo ao pensamento e à ação de todos os que atuam na área da educação.
Tais princípios transcendem o marco da política educacional e inscrevem-se no
plano mais elevado da ética. Como diz Norberto Bobbio, “tudo é política, mas a
política não é tudo”. Acima da política deve existir alguma coisa capaz de colocar
limites na luta dos homens pela conquista, manutenção e ampliação do poder
econômico, político e social. Essa “alguma coisa” é, precisamente, a ética. Moldar o
77
processo educativo segundo esses valores, mais do que uma questão de vontade
política, é uma questão de compromisso ético (COSTA, 2000, p.38).
O educador destaca ainda que mais do que nunca - parafraseando Paulo Freire -, é
preciso que a pedagogia seja entendida como a teoria que implique os fins e os meios da ação
educativa. Indagar acerca dos fins da educação é perguntar: Que tipo de homens queremos
formar? Que tipo de sociedade queremos construir com a realização do nosso trabalho?”
(COSTA, 2000).
Freire (1995) sugere, por meio de sua pedagogia libertadora - como expusemos no
capítulo anterior a formação de um homem autônomo, dialógico, ético e sujeito de sua
história. Costa (2000) se alimenta dessa perspectiva e aponta um homem autônomo e
solidário, considerando os ideais de liberdade do ocidente e os ideais de solidariedade que
inspiraram o mundo socialista posicionamentos que se coadunam com a nova legislação da
educação nacional.
Faz-se necessário lembrar que a LDB também abriu espaço para a introdução da
educação para a comunicação nos currículos escolares. Soares (2001) comenta que os
parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental deixam evidente a necessidade
de uma aproximação da educação ao universo da comunicação.
Também estabelecem, nas normas para a reforma do ensino médio, que quase um
terço do conteúdo dos currículos que vierem a ser elaborados levem em conta a presença das
tecnologias de informação e dos meios de comunicação na sociedade na educação.
Apesar da boa vontade da lei, permanece a dificuldade decorrente da falta de
preparo dos docentes, levando em conta que as faculdades de educação ainda
desconhecem o tema, o que leva os planejadores educacionais a desconsiderarem o
assunto. Daí a constatação de que os projetos em voga permanecem, na maioria das
vezes, como atividades extracurriculares ou dependem de ação isolada de ativistas,
em geral no âmbito das organizações não-governamentais (SOARES, 2001, p.42).
Ainda nessa década, além da aprovação da nova LDB, priorizou-se o Ensino
Fundamental, visando a inclusão de todas as crianças e adolescentes (dos 7 aos 14 anos) na
escola; foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Fundamental e de
78
Valorização do Magistério - Fundef, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, com seus
Temas Transversais; o desenvolvimento de complexos sistemas de avaliação associados às
políticas educacionais, entre outros avanços.
A criação dos Parâmetros Curriculares e dos Temas Transversais determinados pelo
Plano Decenal de Educação e pela LDB - marcou o ensino fundamental desse final de século,
inserindo na escola o contexto das demandas sociais. Pela primeira vez o sistema educacional
brasileiro concebe diretrizes que norteiam os currículos e conteúdos escolares na perspectiva
de assegurar uma formação básica comum para todas as regiões brasileiras. Sua proposta não
é apresentar um currículo mínimo comum ou um conjunto de conteúdos obrigatórios de
ensino, mas, sim, valorizar a capacidade de utilização crítica e criativa dos conhecimentos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos educacionais que
propõem quanto na conceitualização do significado das áreas de ensino e dos temas
da vida social contemporânea que devem atravessá-las, buscam apontar caminhos
para enfrentar os problemas do ensino no Brasil, adotando como eixo o
desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os conteúdos
curriculares atuam não com fins em si mesmos, mas como meio para a aquisição e
desenvolvimento dessas capacidades. Assim, o que se tem em vista, nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, é que o aluno possa ser sujeito de sua própria formação, em
um complexo processo interativo em que intervêm alunos, professores e
conhecimento (MEC, 1998, p. 51).
Os Temas Transversais, por sua vez, foram integrados à proposta educacional dos
PCNs pela necessidade cada vez mais premente da escola ter que tratar das questões sociais
que interferem na vida dos alunos. Os temas que compõem os Parâmetros são: Ética, Saúde,
Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo. Trata-se de
um conjunto de documentos que discute a necessidade de a escola se posicionar em relação a
valores como a dignidade da pessoa, a igualdade de direitos, a participação e a co-
responsabilidade de trabalhar pela efetivação do direito de todos á cidadania.
A transversalidade pressupõe um tratamento integrado das áreas e um compromisso
com as relações interpessoais no âmbito da escola, pois os valores que se quer
transmitir, os experimentados na vivência escolar e a coerência entre eles devem ser
claros para desenvolver a capacidade dos alunos de intervir na realidade e
transformá-la, tendo essa capacidade relação direta com o acesso ao conhecimento
acumulado pela humanidade (MEC, 1998, p. 65).
79
No campo da Comunicação, os avanços nessa década foram ainda maiores. A
popularização do vídeo, o advento da Internet, o sistema de telefonia celular e outros
instrumentos de mediação tecnológica, com seu desenvolvimento e expansão, passam a mudar
as relações humanas e a transformar o mundo na era da informação e da comunicação. Por
conta do “mar de informações” a que, diariamente, as pessoas são submetidas, é cada vez
maior a influência da mídia nas relações interpessoais e nas formas destas pessoas se
relacionarem com o mundo.
A globalização e as inovações tecnológicas provocam transformações nas esferas
social, política, econômica e cultural, gerando novas concepções de espaço público e privado.
Segundo Ianni (1995), um processo de globalização que nasce com a retomada do
crescimento do capitalismo (pós II Guerra Mundial), na qual sobressaem a
internacionalização do capital, a expansão do processo produtivo e alterações na configuração
dos Estados Nacionais, com o surgimento de empresas que extrapolam os limites geográficos
de uma nação, fortalecendo-se em agências supranacionais.
Em decorrência das tecnologias oriundas da eletrônica e da informática, os meios de
comunicação adquirem maiores recursos, mais dinamismo, alcances muito mais
distantes. Os meios de comunicação de massa, potenciados por essas tecnologias,
rompem ou ultrapassam fronteiras, culturas, idiomas, religiões, regimes políticos,
diversidades e desigualdades sócio-econômicas e hierarquias raciais, de sexo e
idade. Em poucos anos, na segunda metade do século XX, a indústria cultural
revoluciona o mundo da cultura, transforma radicalmente o imaginário de todo o
mundo (IANNI, 1995, p. 94).
Esse cenário transformou a mídia num agente capaz de transmitir visões de um mundo
real em tempo real, ocupando um lugar privilegiado na vida das pessoas e na sociedade.
“Produto e produtora, roteiriza um espetáculo de imagens, sons e cores, ao mesmo tempo em
que proporciona o surgimento de complexas e interativas redes, nas quais a informação virtual
transita em larga escala, aparecendo novas linguagens como também novas formas de
compreender” (ALVES, 2002, p. 26).
Mas, o poder dessas novas tecnologias da informação e da comunicação, trouxe efeitos
positivos e negativos. Na mesma medida em que contribuiu para o desenvolvimento de
80
milhões de pessoas, por meio do maior acesso à ciência, à tecnologia, à arte, e à cultura;
também “induziu a um conceito de que comunicar é fazer o que os meios de massa fazem,
isto é, informar, persuadir para vender e divertir” (BORDENAVE, 2002, p.34).
Até agora a comunicação tem sido utilizada muito mais para legitimar e manter uma
ordem social caracterizada pela exploração das maiorias, pela verticalidade e o
autoritarismo das relações, pela demagogia e o apelo às emoções fáceis. O potencial
verdadeiro da comunicação está ainda longe de ter sido aproveitado para apoiar o
surgimento de uma nova civilização e de um homem novo (BORDENAVE, 2002, p.
34-35).
E foi esse poder “disfuncional” da mídia, ou seja, as conseqüências indesejáveis das
novas tecnologias - principalmente do sentido do conteúdo produzido e divulgado por ela -,
que passou a ser motivo de preocupação no Brasil, tanto para os cientistas da comunicação,
quanto para os atores sociais, sobretudo, os envolvidos com a promoção do desenvolvimento
social de crianças, adolescentes e jovens – estes, os mais expostos a esses meios.
A própria escola começou a perceber que os alunos passam mais tempo diante da TV
do que no ambiente escolar e que as informações recebidas por esse veículo são mais
poderosas que o trabalho pedagógico escolar, colocando em risco a relação de aprendizagem
da escola, tamanho o poder de sedução da mídia.
Segundo Maria Cristina Castilho Costa (2001), foi na área da educação que os
cientistas da comunicação passaram a buscar o suporte teórico para uma política de defesa do
cidadão contra a hegemonia dos meios de comunicação de massa. Educar o público, torná-lo
consciente do poder e do efeito das informações e fazê-lo capaz de manter uma atitude crítica
diante da mídia, passaram a ser alguns dos principais focos das pesquisas.
A proposta da ciência da comunicação é voltar-se para a educação e nela buscar “um
espaço de relações pessoais no qual possa trabalhar com os aspectos cognitivos, críticos e
comportamentais do blico e onde prevaleça, por sobre os interesses comerciais e
econômicos, uma postura formativa e libertadora” (COSTA, 2001, p. 48).
81
Foi, portanto, a partir desta perspectiva de romper com o caráter instrumental da
comunicação, que surgiram inúmeras iniciativas em toda a América Latina, inclusive no
Brasil, centradas no receptor, com enfoque na recepção, nos estudos culturais, nas mediações,
etc. São projetos cuja ênfase tem sido sempre a de ampliar o grau de participação das pessoas
– em especial crianças, adolescentes e jovens – nos processos de comunicação, seja na área da
educação para os meios ou da educação através dos meios (comunicação educativa).
Conforme explicaremos no próximo capítulo, os projetos da Agência Uga-Uga de
Comunicação que utilizam o tripé conceitual comunicação, educação e participação têm
utilizado como prática pedagógica os dois métodos: a educação para os meios e a educação
através dos meios.
Entende-se por educação para os meios ou para a comunicação (media literacy),
conforme define Soares (2001), a área que compreende os estudos da Recepção e do
desenvolvimento de projetos pedagógicos voltados para a leitura crítica dos meios de
comunicação tanto na educação formal quanto na não formal; e educação através dos meios
ou mediação tecnológica (information literacy), o uso dos meios de comunicação para o
ensino, seja ele formal ou não-formal, abrangendo entidades governamentais ou não-
governamentais que desenvolvem programas educativos.
Devemos ressaltar também, que nessa década – especificamente no final dos anos 90 -,
foi sendo incorporada a noção de acesso aos meios de comunicação como um “direito de
cidadania”. Segundo Peruzzo (2005), as manifestações em torno do direito à comunicação
têm seu cerne marcado pela campanha CRIS Direito à Comunicação na Sociedade
Informacional (em inglês: Communication Rigthts in the Information Society), lançada em
2001, que reivindica além do acesso ás tecnologias da informação e comunicação, o
cumprimento de todos os direitos humanos.
82
A Campanha CRIS é um movimento liderado por organizações não-governamentais
do campo da comunicação e dos direitos humanos, de diversos países, cujos fins são discutir a
democratização das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) e promover um fórum
mundial alternativo ao CMSI (Cumbre Mundial de la Sociedade de la Información)
(PERUZZO, 2004, p. 90).
As organizações não governamentais – que tiveram um boom de crescimento na
década de 1990, no Brasil -, por intermédio do chamado Terceiro Setor, também exerceram
importante papel no processo de proliferação de estudos e ações com enfoque na
comunicação, educação e participação. Surgiram nesse período núcleos de pesquisa,
fundações, institutos e associações comunitárias desenvolvendo atividades diversas com
crianças e adolescentes nesses campos, além de redes de instituições que, por meio do
desenvolvimento de práticas comuns nessas áreas, fortaleceram um movimento que hoje já se
consolida no país: a questão da infância e adolescência junto à mídia.
Dentre elas, a Rede ANDI Brasil de Comunicadores pelos Direitos da Criança e do
Adolescente, concebida pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância - ANDI (criada em
1990), que congrega atualmente 11 organizações brasileiras - entre as quais, a Agência Uga-
Uga de Comunicação; a Rede CEP Comunicação, Educação e Participação (criada mais
recentemente, em 2004), que envolve 13 instituições da área duas delas, o MOC -
Comunicação e Cultura e Movimento de Organização Comunitária; e o Núcleo de
Comunicação e Educação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
(NCE/ECA/USP), ambas fundadas nos anos 90.
Novos atores sociais, integrados ao chamado Terceiro Setor, ingressam na agenda
social: grupos, institutos e fundações, em sua maioria, oriundos das empresas privadas. Entre
eles, a Fundação Abrinq, Fundação Kellog, Instituto Airton Senna, Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
83
(GIFE), Instituto ETHOS de Responsabilidade Social e outros. Passam a ser incorporados
pelas empresas nacionais conceitos como voluntariado, responsabilidade empresarial e
investimento social privado, criando diferentes formas de participação social.
Entre os organismos internacionais, destacam-se a Unesco, que tem patrocinado
pesquisas, publicações e eventos sobre as temáticas relacionadas à comunicação e educação
“sempre defendendo uma postura construtivista que leve as crianças e jovens a promoverem
uma análise crítica dos meios, especialmente a partir de seu manuseio” (SOARES, 2001, p.
42); bem como o Unicef , que apóia efetivamente, desde o início dos anos 90, projetos e
experiências nesses campos, com ênfase na participação e no protagonismo juvenil.
O Unicef se pautou, ao longo desse período, no artigo 17 da Convenção sobre os
Direitos da Criança, que garante o acesso à informação como um direito de cada criança e
adolescente. Embora, muitas vezes esse direito tenha sido entendido de forma equivocada, ou
seja, apenas como o direito de meninas e meninos a serem receptores de mensagens, para o
Unicef (2005), o direito à informação de crianças e adolescentes é, sobretudo, o direito de
demandar, produzir, e disseminar conhecimentos.
Entre 1997 e 1999 o Unicef Brasil intensificou seu apoio a atividades de proteção,
promoção e garantia dos diretos humanos de crianças e adolescentes e contribuiu para a
sustentabilidade, no longo prazo, dessas atividades. As principais ações apoiadas foram: as de
erradicação do trabalho infantil, o desenvolvimento de metodologias de melhoria da qualidade
da educação básica, a promoção de atividades complementares à escola, apoio a organizações
tais como a União nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), e a melhoria
do sistema de garantia de direitos.
Continuaram a ser apoiadas as iniciativas para o aumento da participação de jovens em
ações comunitárias e para a formulação de políticas públicas e programas que tinham como
alvo esse segmento. E foi neste contexto, por meio do “Programa Cultura pela Cidadania da
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Criança”, que o Escritório do Unicef para a Amazônia apoiou os projetos Jornal Uga-Uga,
Núcleos de Mobilização Social e, mais à frente, a criação da ONG Agência Uga-Uga de
Comunicação. O Relatório de Atividades do Unicef de 1999, no item “Principais Resultados”,
diz que,
Na Amazônia, o UNICEF apóia dois projetos direcionados aos jovens e suas
comunidades. Um deles, o Uga-Uga, reúne adolescentes das periferias de Manaus
dentro de um projeto de comunicação com oficinas e debates sobre educação,
sexualidade, família, emprego. Os jovens produzem também um jornal, distribuído
para 15 mil estudantes da rede pública de ensino. A experiência tem sido tão rica
que o Uga-Uga agora se transforma em uma agência de notícias, dirigida pelos
próprios adolescentes (UNICEF, 1999 – Relatório Técnico).
As principais dificuldades do Programa Cultura pela Cidadania da Criança, segundo o
Unicef, estavam associadas às enormes diferenças sociais, econômicas e culturais e de avanço
democrático nos meios de comunicação, nas diferentes regiões do país. E especialmente na
Amazônia, as disparidades e os diferentes desafios eram e são inúmeros, exigindo uma grande
sensibilidade para detecta-los e contribuir na perspectiva de “mudar conhecimentos, práticas e
atitudes no que diz respeito aos direitos das crianças e adolescentes” (UNICEF, 1999).
2.2. Os projetos que culminaram com a fundação da ONG: Jornal na
Escola/Jornal Uga-Uga e Núcleos de Mobilização Social
A Agência Uga-Uga de Comunicação, organização não-governamental sem fins
lucrativos - fundada em Manaus em abril de 2000 -, nasceu de uma experiência de
participação juvenil que marcaria para sempre a vida de 20 adolescentes, estudantes da escola
pública, moradores da zona leste de Manaus. Pela primeira vez na história da sociedade civil
manauara se dava oportunidade de voz aos adolescentes da periferia, assegurando-lhes a
garantia de poder exercitar o direito à participação política e social na sociedade; e de se
apropriar da comunicação como um meio democrático para a transformação social.
O ano era 1997. A rede municipal de ensino de Manaus, no conjunto, apresentava um
quadro com bons indicadores educacionais. A taxa de inclusão de crianças e adolescentes
85
entre 7 e 14 anos na escola chegava a 94%; a matrícula totalizava 127 mil alunos, dos quais
92.588 eram do Ensino Fundamental (1ª a séries); detinha uma rede física de qualidade,
equipada e crescente, com 255 prédios escolares e cerca de 1.493 salas de aula; o número de
professores da rede - em torno de 4 mil -, dava boa cobertura à demanda, numa relação aluno-
docente de 32 alunos para cada professor. O percentual de alunos aprovados aumentou de
68,6% em 1996 para 70,6% nesse ano (SEDUC/COPLAN/NEPE, 1994).
Entretanto, os índices de abandono, repetência e distorção idade/série (15,3%, 14,1% e
81,6%, respectivamente), ainda eram preocupantes. Mantinha-se o turno intermediário; e o
modelo pedagógico de ensino, embora sendo adequado à nova LDB, ainda não
demonstrava uma mudança. Isto é, meninos e meninas continuavam “depositários” de
conhecimentos sustentava-se ainda a concepção “bancária” da educação nas escolas
públicas municipais.
No campo da participação, a escola não dava sinais de que estaria fomentando esse
direito entre os alunos, mesmo estando estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Alguns grêmios estudantis, em sua maioria funcionando precariamente; e isoladas atividades
artístico-culturais como grupos de teatro, dança e capoeira, eram as únicas referências de
participação democrática dos alunos nos espaços escolares. Portanto, faltava muito para o
exercício desse direito ser absorvido pela escola e praticado por seus alunos.
Foi nesse contexto da rede de ensino da capital, gerenciada pela Secretaria Municipal
de Educação (Semed), que nasceu o Projeto Jornal na Escola, que mais tarde originaria o
Jornal Uga-Uga, o primeiro tablóide produzido no Amazonas por e para adolescentes, tendo
como fundamentos a comunicação horizontal, a mediação tecnológica na educação (ou
comunicação educativa) e o protagonismo e participação juvenil – iniciativa que seria o
embrião da Agência Uga-Uga de Comunicação.
86
A proposta inicial dessa ação foi feita pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a
Infância escritório sediado em Belém do Pará, que dava cobertura para toda a Amazônia) à
Semed, em 1997. A idéia do Unicef era propor a um grupo de adolescentes a criação de um
veículo ou meio de comunicação escolar (jornal, fanzine, programa de rádio ou TV,
fotografia, história em quadrinhos, entre outros) que seria produzido por e para adolescentes.
Ou seja, que todo o processo de concepção, criação, implementação e gerenciamento
do meio fosse protagonizado por um grupo de adolescentes e jovens; que os “receptores” do
veículo fossem o mesmo público adolescentes e jovens; e que esse processo de construção
favorecesse o desenvolvimento de valores, atitudes, habilidades e capacidades para o
exercício da cidadania dos participantes, além de seu rendimento escolar. A proposta foi
aceita pela Secretaria originando a parceria Unicef/Semed.
É importante destacarmos que termos como “comunicação horizontal”, “mediação
tecnológica na educação” e “protagonismo juvenil”, embora estivessem sendo difundidos
em outras regiões do país, eram, até então, desconhecidos na área da educação local. A grande
maioria dos atores sociais envolvidos (professores, técnicos, pedagogos), no máximo, tinha
“ouvido falar”. Entretanto, era fato que algumas escolas e alguns professores já utilizavam em
suas atividades escolares práticas que se assemelhavam aos fundamentos desses métodos,
embora desconhecessem seus significados teóricos.
Na estrutura do Projeto Jornal na Escola a comunicação horizontal, ou seja, a
“comunicação de jovem para jovem”, foi adotada por estar associada a uma das características
mais importantes a ser respeitada e considerada na compreensão do desenvolvimento dos
adolescentes: a vida em grupo, a necessidade vital de convívio com os amigos. Essas relações
tornam-se um forte canal de influência entre os jovens, superando, em algumas vezes, a
influência dos próprios pais. O relatório do Unicef “Situação da Adolescência Brasileira”
(2002, p. 24) sugere, inclusive, que “o grupo de pares e a rede de amigos devem ser
87
reconhecidos no processo educativo e de socialização do jovem como uma excelente
possibilidade pedagógica e organizativa”.
a perspectiva de “mediação tecnológica na educação” se inseriu no projeto como
prática pedagógica considerando a importância do uso de ferramentas da informação em
processos educativos. Em contraponto à visão instrumental das tecnologias, foi se
fortalecendo no campo da comunicação o debate no âmbito das “mediações” e não apenas no
da “instrumentalidade tecnológica” (MORENO,1999), daí o conceito de mediação
tecnológica nos espaços educativos (information literacy).
Segundo Soares (2001), as mediações “apontam para a necessidade de preparar
professores e estudantes para usufruir dos novos recursos e usa-los adequadamente, tanto nos
processos de ensino-aprendizagem, quanto nas atividades voltadas a ampliar o campo da
expressividade das novas gerações”.
A idéia de comunicação comunitária, que ao longo dos anos 90 veio se desenhando no
contexto dos movimentos populares, também influenciou a base metodológica do projeto.
Falamos de uma comunicação sem fins lucrativos, que se alicerça nos princípios de
comunidade, segundo Peruzzo (2005). São princípios que,
Implica na participação ativa, horizontal e democrática dos cidadãos; na propriedade
coletiva; no sentido de pertença que desenvolve entre os membros; na co-
responsabilidade pelos conteúdos emitidos; na gestão partilhada; na capacidade de
conseguir identificação com a cultura e interesses locais; no poder de contribuir para
a democratização do conhecimento e da cultura. Portanto, é uma comunicação que
se compromete, acima de tudo, com os interesses das “comunidades” onde se
localiza e visa contribuir na ampliação dos direitos e deveres de cidadania
(PERUZZO, 2005, p. 89).
O protagonismo juvenil, por sua vez, na definição de Gomes da Costa (2000), significa
a participação do adolescente em quaisquer atividades que estão além da esfera de seus
interesses individuais e familiares, tendo como palco a escola, a vida comunitária (nas igrejas,
clubes e associações), e até mesmo a sociedade em sentido mais amplo, por meio de
campanhas, movimentos e outras formas de mobilização que transcendem os limites de seu
entorno sócio-comunitário.
88
Participar, para o adolescente, é influir, através de palavras e atos, nos
acontecimentos que afetam a sua vida e a vida de todos aqueles em relação aos quais
ele assumiu uma atitude de não indiferença, uma atitude de valoração positiva.
A participação autêntica dos jovens pressupõe sempre um compromisso com a
democracia. Conquistar, fortalecer e ampliar a experiência democrática na vida das
pessoas, das comunidades e dos povos é e será sempre o objetivo maior de todo
protagonismo juvenil autêntico. Trata-se, para o adolescente, de uma oportunidade
de vivência cidadã concreta, como etapa imprescindível do processo de
desenvolvimento pessoal e social pleno (COSTA, 2000, p.176).
Cabe reforçar até porque nos propusemos neste estudo a apontar as deficiências do
projeto que cada significado destas linhas de atuação era, a princípio, desconhecido dos
educadores do projeto, então uma jornalista, um professor e uma pedagoga. Por esse motivo,
no início da ação, optou-se pela técnica do aprender fazendo”, prática que em projetos de
comunicação, educação e participação exige, no entanto, testagem, avaliação e inovação
constantes.
Para Rossetti (2005), boa parte dos projetos analisados na pesquisa que produziu para
o Unicef “Mídia e Escola perspectivas para políticas públicas”, construiu sua metodologia
de trabalho de forma experimental e somente depois buscou sustentação teórica e conceitual
para sistematizar sua prática pedagógica. E a maior riqueza do aprendizado dos jovens nessas
experiências é exatamente o resultado do seu envolvimento nos processos de aprender
fazendo.
2.2.1. O processo de construção do Projeto Jornal na Escola
Considerando que o protagonismo juvenil pressupõe-se um novo “modelo” na relação
do mundo adulto com os jovens, baseado na “não-imposição” de idéias e ideais, mas, ao
contrário, a partir de regras básicas de convívio democrático, a proposta de criação do veículo
ou meio de comunicação foi apresentada a um grupo de 20 alunos, estudantes do ensino
fundamental da a séries, na faixa etária entre 12 e 19 anos, de duas escolas da rede
municipal: Júlia Barjona Labre e Themístocles Pinheiro Gadelha, localizadas nos bairros de
89
São José I e Jorge Teixeira, respectivamente – zona leste da cidade de Manaus. Todo o grupo
residia na periferia.
A escolha dessas duas escolas levou em conta a alta taxa de matrícula e a localização
geográfica, cuja região apresentava um dos piores indicadores sócio-econômicos:
superpopulação (quase 254 mil habitantes) – era considerada bolsão de pobreza, altas taxas de
desemprego e de crianças fora da escola, além da alta incidência de outros problemas graves
como violência, drogas, gravidez precoce e exploração sexual infanto-juvenil. O grupo de
adolescentes foi selecionado atendendo a critérios como: interesse nas temáticas
(comunicação e participação) e histórico de participação em atividades escolares.
O grupo optou por produzir um jornal impresso. E foi neste momento que se iniciou o
“processo de construção”, pelos adolescentes, da proposta do jornal, tendo a orientação de
facilitadores da Semed e do Unicef. Além de uma identidade, eles discutiram e definiram
formato, linha editorial e um cronograma de oficinas que lhes daria formação nas áreas afins à
produção de um jornal escolar. Mas, toda essa discussão deveria ser registrada e transformada
em projeto. Considerando que os adolescentes não sabiam “elaborar um projeto”, este foi o
tema da primeira capacitação do grupo denominada Oficina de Planejamento. O quadro
abaixo apresenta o primeiro projeto construído pelo grupo:
O quadro abaixo apresenta um resumo dos principais trechos do Projeto elaborado
pelo grupo, em agosto de 1997.
90
Introdução
O projeto Jornal na Escola, proposto pelo Unicef, vai impulsionar uma das metas da Secretaria
Municipal de Educação (Semed) que é o fortalecimento à integração aluno/escola/comunidade, através de
canais mais dinâmicos de comunicação que estimulem a participação e a autonomia dos jovens.
O Projeto visa a elaboração de um jornal, com distribuição para toda a rede municipal de ensino
constituída hoje por 255 escolas, entre conveniadas e próprias da Prefeitura, incluindo Zona Rural. O jornal
será elaborado pelos próprios alunos, que receberão aulas e estágio para exercerem a função de jornalistas
escolares”.
A idéia central do projeto é dar protagonismo aos alunos, transforma-los em autores de todas as
ações. Partindo desse princípio, a proposta foi elaborada por 20 alunos das escolas municipais Júlia Barjona
Labre e Temístocles Pinheiro Gadelha (localizadas na zona Leste da cidade), em oficinas de Planejamento,
realizadas nos dias 31 de julho e 11 de agosto, promovidas pela Semed com assessoria técnica do Unicef.
O grupo, formado por 20 alunos da e séries e ex-alunos, na faixa etária dos 13 aos 19 anos,
demonstrou capacidade, discernimento e vontade de desenvolver o Projeto.
De acordo com o Planejamento o Projeto terá três fases: aulas em dois períodos, nos meses de
agosto/setembro e novembro (o segundo será um reforço); estágio em áreas afins à produção de um jornal;
produção de quatro edições do jornal, paralelamente às aulas e estágio; e um encontro de avaliação no final
do ano.
Metas
§ Produzir quatro jornais no período de setembro a dezembro de 97, com tiragem de 3 mil
exemplares, para circular em 255 escolas, incluindo as da zona rural
§ Formar um grupo de jornalistas escolares, composto de pelo menos 20 alunos das duas
escolas municipais
Antecedentes
A cidade de Manaus, que tem uma população urbana de 1,4 milhão de habitantes, é dividida em
seis zonas geográficas, todas com realidades sociais e culturais distintas.
A Zona Leste da cidade, talvez por ser a mais populosa 253.434 habitantes -, consegue reunir
sérios problemas, principalmente os de ordem econômico-social. Considerada “bolsão de miséria”, a Zona
Leste tem o mais alto índice de desemprego da área urbana de Manaus; de crianças em idade escolar fora da
sala de aula; de evasão e repetência escolar (16% e 15,3%, respectivamente), além de agravantes como
violência, drogas e prostituição.
Pelo fato de ser superpopulosa, a Zona Leste tem também o maior número de escolas municipais
entre as zonas (67 prédios) e 56.431 alunos matriculados. As escolas municipais Júlia Barjona Labre e
Themístocles Gadelha reúnem características adequadas para sediar o Projeto. Têm matriculados quase 10%
dos alunos da região, tradição participativa e de alunos e professores e diretores comprometidos com a
comunidade escolar.
Finalidade/Objetivos
§ Elaborar um jornal
§ Dar protagonismo aos jovens
§ Criar um meio de comunicação dos próprios alunos da rede municipal de ensino
§ Tornar o processo de aprendizagem mais prazeroso e com isso reduzir índices de evasão
§ Estimular o trabalho em equipe
§ Dar noções de gerenciamento Realizar 14 aulas, no período agosto/setembro (05 aulas em
agosto e 02 em setembro) e novembro (07 aulas ao longo do mês); e estágios nos meses
de setembro e outubro com todos os 20 alunos
§ Realizar um encontro de avaliação na primeira quinzena de dezembro.
91
Localização
A redação do jornal será instalada em uma sala do CDC (Centro de Desenvolvimento
Comunitário) Zezão, que funciona ao lado da Escola Júlia Barjona. A proposta é abranger, através da
distribuição, todos os 127.383 alunos da rede municipal de ensino.
Público Alvo
Nesta primeira fase – agosto a dezembro de 1997 – o Projeto tem como público alvo toda
a clientela escolar da rede, além de professores, diretores escolares e comunitários.
Profissionais da área de jornalismo, editoração gráfica, ilustração, gerenciamento e distribuição,
que ministrarão aulas aos alunos; e veículos de comunicação que vão auxiliar nos estágios, serão parceiros
nos projetos.
Estratégias
Para alavancar os objetivos e metas serão desenvolvidas as seguintes estratégias:
§ Onze aulas em períodos dos meses de agosto/setembro e novembro, com duração de 06 horas,
nas áreas de edição, redação jornalísticas, fotografia, gerenciamento e distribuição; e de 30
horas na área de editoração gráfica e ilustração.
§ Estágio com duração de um dia para cada aluno em áreas afins à produção do jornal (pauta,
captação de matérias, redação, fotografia, impressão, etc.).
§ Encontro de avaliação previsto para a primeira quinzena de dezembro, com a participação de
alunos, professores, coordenadores e supervisores.
Atividades
O Projeto pretende atingir seus objetivos através de aulas e estágio, que darão subsídios aos alunos
para a produção de um jornal, de tamanho tablóide, de 08 páginas, quatro cores, em papel off-set (alta
alvura, 90 gramas) e com dezesseis fotos por edição (cerca de duas por página). O jornal terá periodicidade
mensal, com quatro edições até o final do ano.
Marco Institucional
Alunos, professores e colaboradores da Semed, além do Unicef, estarão envolvidos na execução
deste projeto.
Aos alunos caberá a produção do jornal, através da elaboração de pautas e matérias, edição,
diagramação (nos dois primeiros números com acompanhamento de um profissional da área) e distribuição.
À Semed caberá a coordenação do Projeto, com acompanhamento em todas fases de produção,
além da infra-estrutura (sala, equipamentos, móveis, etc.) para a execução das ações.
Os colaboradores estarão encarregados das aulas e de orientações durante o estágio.
A supervisão do Projeto ficará sob a responsabilidade do Unicef, bem como de despesas correntes,
de material de consumo e de impressão do jornal.
Possíveis dificuldades
Situações favoráveis/desfavoráveis
Empolgação e bom nível de conscientização dos alunos participantes
Comprometimento dos diretores e professores
Tradição participativa das escolas
Proposta envolvente (o aluno fazer seu próprio jornal)
Atividade prevista pela Semed
Escassez de recursos
Tempo limitado para a preparação dos alunos
Do Projeto acima constavam ainda os itens: Cronograma Físico, Orçamento, Sistema de avaliação
(foram previstas ferramentas como relatórios de acompanhamento e de resultados, reuniões periódicas e
encontro de avaliação), e depoimentos dos alunos sobre a experiência na oficina de Planejamento. E
também a relação com os nomes e idade dos “repórteres escolares” que estavam em formação, conforme
lista abaixo:
92
Quadro 5 – Projeto Jornal na Escola –1997
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
O primeiro momento de especial riqueza no processo de construção da proposta foi a
realização da oficina de Planejamento, ministrada pela Oficial de Comunicação do Unicef,
jornalista Ofélia Silva, onde os adolescente puderam, pela primeira vez, ter noções de como se
elabora um projeto, desde título, objetivos, metas, justificativa, até a escolha dos facilitadores,
temas que gostariam de abordar no jornal e o significado da proposta o que pensavam a
respeito do que estavam construindo. Também, pela primeira vez em sua recente vida escolar,
ouviram falar de “protagonismo e participação juvenil”. Abaixo, depoimentos dos
adolescentes (colhidos no final da oficina) sobre alguns desses itens:
Objetivos do Projeto
Fazer um jornal que possa levar informações de interesse da classe estudantil. Mas para chegarmos a
essa “festa” precisamos nos preparar.
Fazer com o jornal seja um meio de comunicação entre os estudantes e a comunidade, para que assim
haja uma melhor interação entre ambos.
Em primeiro lugar o que devemos fazer é a elaboração do jornal, ou seja, as pautas e as matérias e com
isso editar um jornal de boa qualidade para o leitor.
Trabalhar num projeto com o objetivo de trazer novas notícias aos alunos.
Fazer um jornal para manter alerta a população sobre o que está acontecendo, e saber como nós
podemos ajudar.
Incentivar também os alunos e pessoas de nossa comunidade a colaborar com nosso projeto e com a
melhoria de nossa educação em geral.
Com o interesse de desenvolver nosso conhecimento, para que o aluno ou qualquer outra pessoa que
possa ler tenha o mesmo interesse que nós tivemos e tente fazer também.
Metas – onde queremos chegar
Conscientizar os adolescentes dos assuntos abordados no jornal e incentivar a cultura.
Diminuir a evasão escolar, incentivar a leitura e manter os alunos informados do que acontece na
escola.
Queremos, através do jornal, levar a classe estudantil e a comunidade em geral à conscientização dos
problemas enfrentados pelas instituições educacionais, bem como os benefícios que elas proporcionam
à comunidade.
O projeto visa incentivar os alunos a demonstrar sua capacidade de realizar trabalhos e expor suas
críticas a respeito de assuntos importantes que ocorrem em nossa sociedade.
Alertar as pessoas (jovens, adultos, etc.) do que está acontecendo dentro e fora do colégio.
Botar em prática os nossos talentos
Incentivar os alunos a se habituar com a leitura.
Da Escola Júlia Barjona: Regiane Campos, 19 anos; Francisco Nery, 17 anos; Adriana Ribeiro, 15
anos; Ruth, 14 anos; Bárbara, 14 anos; Thatiani, 14 anos; Karla, 13 anos; Aline, 13 anos; e Érika, 12 anos.
Da Escola Themístocles Gadelha: Neire Souza, 19 anos; Ivete Azevedo, 19 anos; Daniel, 19 anos;
Helena, 19 anos; Graça Medeiros, 19 anos; Antônio, 18 anos; Cleudomar Viana, 18 anos; Luciano Roberto,
18 anos; Jamilson, 17 anos; Valter Moraes, 16 anos; e Aline Silva, 15 anos.
93
Alertar a população dos fatos importantes que estão ocorrendo no Brasil.
Praticar nossas capacidades
Falar para os leitores o que acontece dentro e fora da escola e dar incentivo aos alunos.
Justificativa
Através desse meio de comunicação podemos levar com facilidade assuntos de interesse para as massas
em geral.
Percebemos que há uma carência de troca de informações entre os estudantes e a sociedade.
Temáticas que gostaria de abordar no Jornal
Gravidez na adolescência, drogas, preconceitos, racismo, política, marginalização, cultura, etc.
Drogas, gravidez, prostituição, índice de evasão escolar, cultura (música, artesanato, teatro e outros),
violência, política, educação, etc.
Criar uma coluna sobre talentos para permitir que os alunos apresentem sua capacidade de criar e
mostrar sua arte.
Criar um espaço de recados para pessoas que estão apaixonadas ou para amigos queridos.
Colocar matérias divertidas que possam interessar a todos (crianças, adolescentes, etc.).
Falar sobre doenças sexualmente transmissíveis (modos de se prevenir contra a Aids), mostrar pesquisa
do Brasil e do mundo sobre o assunto para que a juventude fique mais informada sobre terríveis males
como as drogas e a aids.
Dar espaço no jornal para ajudar ao próximo, informando para as outras pessoas a verdadeira situação
dos mais carentes, sobre os meninos de rua, os idosos, a violência contra a mulher. Queremos a
oportunidade de fazer algo pelo nosso país.
Significado da proposta (para si)
Para mim, conseguir desenvolver meus pensamento, comunicação e diálogo.
Uma oportunidade de colocar em prática o que podemos “mudar” com nossas capacidades.
Ficar sabendo o que acontece nas escolas e poder passar para os outros estudantes; ter a oportunidade de
colocar o conhecimento que adquirimos em prática e, principalmente, manter o estudante informado. A
proposta tem muito a ver comigo.
Significa muito porque esse trabalho é importante não para mim, mas para todas as pessoas do grupo.
Esse tipo de proposta vai ser inovadora e benéfica para o conhecimento de muitas aprendizagens.
Significa esperança e preocupação com o desenvolvimento intelectual da classe, ou seja, visa novas
ideologias que podem modificar as escolas tradicionais. Não as escolas, mas, toda a comunidade,
pois acredito que “palavras e idéias podem revolucionar o mundo”. Então 100% para a proposta feita
pela Semed e Unicef. Espero que seja um jornal em prol da massa.
É uma boa proposta ta porque tem tudo a ver com o que quero fazer futuramente. Como surgiu esta
oportunidade agora, farei o possível para obter o máximo de conhecimentos, explorando tudo de bom
que o jornal tem a oferecer. Gostei muito da idéia. É um grande trabalho que a Semed e o Unicef estão
desenvolvendo na rede municipal de ensino (AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO, Projeto
Jornal na Escola, 1997).
As falas dos adolescentes deram uma demonstração de que, ao contrario do que se
“estigmatizou” a respeito deles de que são problemáticos, apáticos e não-participantes -,
estão “ligados” e preocupados com todas as questões relacionadas ao seu universo. Com base
nos depoimentos, percebemos:
a) Que valorizam a informação, a notícia e os meios de comunicação; e que atribuem a
eles um canal importante de interação, tanto com seus pares, quanto com a escola e com a
comunidade;
94
b) Que reconhecem na proposta um meio a mais de adquirir conhecimentos;
c) Que os estudantes (adolescentes e jovens) não têm voz na sociedade, ou seja, não são
ouvidos pelos “adultos”;
d) Que se preocupam tanto com os problemas sociais graves que assolam a juventude
como drogas, violência, aids, gravidez precoce, exploração sexual, quanto com questões
relativas ao seu desenvolvimento intelectual como cultura, leitura, evasão e reprovação
escolar, educação, política e artes.
Um outro dado importante dos depoimentos é o interesse por contribuir, ou seja, ter
oportunidade de “fazer algo”, de intervir, de “mudar”, de se expressar. No aspecto da
“intervenção”, sugerem que o projeto possa contribuir para “modificar a escola tradicional”.
Isto demonstra a percepção das deficiências da escola e a insatisfação com o modelo vigente.
O segundo passo dessa grande aventura foi o processo de capacitação dos adolescentes
na área de jornalismo escolar, gerenciamento e distribuição. As oficinas (de Redação
Jornalística, Captação de Notícias, Edição de Texto, Fotografia, Editoração Gráfica e
Ilustração, Gerenciamento e Distribuição), foram realizadas no período previsto (agosto a
outubro de 97), com boa participação do grupo e com uma adesão surpreende dos
profissionais convidados das áreas específicas do jornalismo para serem facilitadores das
oficinas. Tivemos a participação dos jornalistas: Sérgio Bartholo e Eneida Marques (então
assessora de comunicação da Semed); do fotógrafo Carlos Dias; do designer Alexandre
Fontoura; e da educadora Maria Lúcia Gaspar, consultora do Unicef.
Concluído o treinamento, os repórteres escolares estavam prontos para “meter a mão
na massa”. Dividiram a equipe (entre editor, repórteres, pauteiro e diagramador), produziram
as pautas e definiram um projeto gráfico para o jornal (basicamente, um editorial, um artigo,
matérias especiais e uma coluna cultural). Iniciou-se, então, a etapa que significou o primeiro
95
grande desafio do Projeto Jornal na Escola: meninos e meninas, estudantes do ensino
fundamental da escola pública de Manaus, produzirem matérias para seu jornal escolar.
Praticamente todo o grupo teve dificuldade tanto de fazer a “captação” da notícia,
quanto de escrever o texto das matérias. Resultado: o grupo conseguiu produzir uma única
edição do jornal ao invés das três edições mensais planejadas.
Avaliamos que a carga horária das oficinas, principalmente as de Redação Jornalística
e Captação da Notícia, não foi suficiente para o aprendizado aqui se identificou a primeira
falha do processo de capacitação dos alunos. Entretanto, o motivo maior da limitação dos
jovens repórteres estava relacionado a um problema de ordem estrutural do sistema de ensino:
a deficiência dos alunos na leitura, na escrita, na expressão verbal - dar lógica a um
pensamento, a uma idéia, era uma tarefa difícil para eles.
Considerando que a filosofia da proposta estava mais focada no “processo” (de
aprendizagem) do que no produto (o jornal), demos um passo para trás. Tanto as entrevistas
eram refeitas, quanto vezes fossem necessárias, quanto os textos das matérias. Isso não apenas
desmotivava o grupo como também mexia com sua auto-estima a ponto de alguns desejarem
desistir. Mas, também, na medida em que conseguiam estruturar um bom lead
9
, resgatavam o
prazer de produzir seu jornal.
Contudo, se por um lado, as limitações dos adolescentes significavam um “atraso” nas
atividades planejadas e, principalmente, deixavam expostas as deficiências do ensino público;
por outro, criaram uma oportunidade concreta de que esta ação de produção de um meio de
comunicação pudesse contribuir com a melhoria de sua aprendizagem na escola, de seu
relacionamento com familiares e amigos em com sua relação com o mundo.
Ou seja, naquele momento deixava de ser importante para o grupo a data prevista para
a conclusão do jornal. O mais fundamental era aprender a escrever o texto, a captar
9
Termo jornalístico que designa o primeiro parágrafo de uma notícia, geralmente em destaque, e que fornece ao
leitor as informações básicas sobre o tema. De origem inglesa, significa “guia” ou “o que vem à frente”
(www.google.com.br, 2007).
96
informações, a abordar adequadamente as fontes de informação durante a entrevista, a tirar o
título da matéria de dentro do texto; e nesse aprendizado social, se perceber como parte da
sociedade, como sujeito de direitos, como protagonista de sua história, sem importar o tempo
que esse “processo” tomaria.
Durante essa primeira fase de aventura pedagógica, os repórteres escolares, chegaram,
finalmente, a um nome para seu jornal. O veículo foi batizado como “Jornal Uga-Uga”. A
inspiração ao nome não veio de nenhum estudo antropológico, mas, de um simples e
“poderoso” personagem de desenho animado da TV, dos estúdios Hanna Barbera: o “Capitão
Caverna”, um sujeito primitivo um homem das cavernas que usava uma clava para se
defender dos bandidos, era engraçado, algumas vezes atrapalhado, totalmente do bem e usava
um grito de guerra denominado “Uga Buga”. Para não imitar o Capitão por completo, os
adolescentes optaram por “Uga-Uga” com hífem e tornaram sua aparência mais moderninha.
Sua figura passou a ser uma espécie de “mascote” do jornal.
Na persistência, em dezembro de 1997, dois meses após a capacitação, os meninos e
meninas lançavam a primeira edição de seu jornal, com uma tiragem de três mil exemplares.
Para eles, este momento não significou apenas a conclusão do primeiro número, mas, o
alcance de uma meta distante e trabalhosa, conforme o depoimento de três adolescentes
integrantes do grupo: Francisco Nery, 17 anos; Ivete Azevedo, 18; e Adriana Ribeiro, 15
anos:
Depois de muita luta e dificuldades, uma de nossas metas já estava concluída: o jornal. Sucesso obtido!
Agora o pensamento era outro: como seria aceito o jornal pelos estudantes da rede pública de ensino.
Mas, logo a ansiedade passou. A cada escola que passávamos distribuindo o jornal, os estudantes
reagiam de maneira diferente. Uns queriam entrar no projeto porque achavam as matérias legais, outros
questionavam o jornal, outros questionavam os temas abordados. E nisso houve uma troca de
experiências entre os participantes do projeto e os leitores. Esse entrosamento serviu de indicador de
novos temas que seriam abordados. Aalém de educativo, o jornal leva à comunidade informações que
contribuem para melhorar a qualidade de vida dos adolescentes e da sociedade em geral (AGÊNCIA
UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO, Projeto Jornal Uga-Uga, 1998).
Ao longo do ano de 1998 o grupo dos 20 foi, aos poucos, reduzindo. Os motivos: por
serem de famílias de baixíssima renda, os mais velhos (da faixa dos 17 aos 19 anos)
97
precisavam trabalhar, ter uma renda para ajudar nos custos da família havia uma pressão
serrada da família quanto a essa questão; outros, os pais desautorizaram a participação
alegando tratar-se de uma atividade “fora da escola” e que “não dava nada” aos adolescentes.
Detectamos neste momento mais duas falhas do projeto: é incompatível com a
realidade social dos adolescentes - principalmente, aqueles acima dos 16 anos -, em sua
maioria de baixíssima renda, incluí-los em atividades sócio-culturais, sem, no entanto,
oferecer-lhes possibilidades de emprego e renda, contribuindo com sua sustentabilidade;
embora a proposta tenha sido apresentada aos pais de todos os alunos envolvidos, em reunião
realizada durante as oficinas, a mobilização das famílias em torno do projeto foi ineficaz os
pais não foram devidamente sensibilizados sobre os resultados que esse tipo de atividade
agrega aos conhecimentos de seus filhos e que todo o processo de aprendizagem pelo qual
passam os prepara para a vida (na escola, na comunidade, na família, etc.).
Com a diminuição do número de integrantes, além das dificuldades no processo de
produção das matérias, ao invés de bimestral, o Uga-Uga conseguiu ser trimestral,
fechando 98 com quatro edições - as duas primeiras com tiragem de três mil exemplares e as
duas últimas com seis mil. Mesmo assim, tanto o grupo de adolescentes quanto seu jornal
começavam a ter visibilidade local e em outros estados brasileiros, a ponto de serem
convidados a participar de vários eventos nacionais que discutiam participação juvenil,
comunicação e políticas públicas da juventude. Entre eles, o encontro “Conversa Afiada ao
Vivo”, em São Paulo; o Vem ser Cidadão, em Faxinal do Céu, no Paraná; e o Juventude e
Cidadania, em Macapá, no Amapá.
Por reivindicação da coordenação do projeto, ainda nesse ano a Semed passou a
disponibilizar uma bolsa-escola no valor de R$ 150,00 que facilitou muito a participação e
manutenção dos meninos e meninas nas atividades do Jornal. No início do repasse, apenas
seis recebiam as bolsas, mas, gradualmente os outros foram sendo incorporados.
98
Em 1999, o grupo se manteve (cerca de 10 membros) e conseguiu produzir mais três
edições e ampliar de seis para 10 mil o número de exemplares. Apesar do número de edições
não ser ainda o planejado, o grupo se fortalecia político e socialmente a cada dia. E crescia
também sua participação em encontros, fóruns, seminários e outros eventos nacionais e locais
ligados à juventude. Os “meninos do Jornal Uga-Uga” começavam a ser referência de
protagonismo e participação juvenil em sua cidade.
O professor Raimundo Rodrigues dos Santos Filho, da Escola Municipal Themístocles
Gadelha - supervisor do Projeto na escola -, em depoimento, ressalta o impacto dessa ação na
vida escolar dos alunos, naquele período:
Participar do Jornal Uga-Uga, segundo os meninos envolvidos, é estar convivendo com a realidade dos
adolescentes e enfrentando desafios jamais realizados em meio à classe estudantil manauara. Eles
consideram o jornal um meio de comunicação juvenil de grande importância ao esclarecimento de
questões sócio-culturais e outras informações essenciais à vida das crianças, adolescentes e jovens.
Em recente reportagem feita pela TV Cultura sobre o jornal Uga-Uga, onde a questão principal
levantada para os alunos foi o “porque de gostarem de ler o jornal”, alguns alunos fizeram questão de
frisar que o Uga-Uga fala sobre a nossa vida”, deixa o adolescente “bem informado e alerta” sobre
diversos assuntos como violência, drogas, gravidez, sexo e outros assuntos importantes.
O projeto alcançou um bom nível de repercussão nas escolas e novos alunos procuraram a redação do
jornal com o objetivo de participar dos trabalhos até então desenvolvidos. A chegada desses novos
alunos foi um estímulo aos componentes do projeto, pois perceberam o quanto ele era importante.
A vida cotidiana de cada um dos meninos sofreu alterações interessantes, pois agora tinha uma
ocupação diferente que causou um certo orgulho em seus familiares. Na escola, começaram a ser
indagados pelos colegas a respeito do projeto. O aumento de suas atividades na vida cotidiana por causa
do projeto não influiu negativamente no rendimento escolar. Ao contrário, melhorou
consideravelmente, pois o processo de aprendizagem parece ter sofrido alterações positivas (PROJETO
AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO, 1999).
Nos depoimentos dos próprios meninos e meninas registrados no Projeto Agência
Uga-Uga de Comunicação (1999) –, integrantes do projeto, percebia-se também o impacto da
experiência em suas vidas: no modo de pensar e agir, na aprendizagem na escola e no
relacionamento comunitário e familiar:
Quando eu soube que a gente ia ter uma sede “pra” gente, eu fique feliz porque iríamos ter nosso
espaço, sem ter que estar pedindo emprestada uma sala para discutirmos o projeto. Eu passei um tempo
sem comparecer ao Uga-Uga, e quando voltei vi a sala toda equipada com computador para digitarmos
as nossas matérias, armários para guardar documentos, mesa, cadeiras, bebedouro. Eu e todos os
integrantes aprendemos muito nesse projeto e pretendemos aprender mais.
Tive um pequeno problema porque logo no começo o projeto ocupou muito o nosso tempo e minha avó
dizia que eu não estava ganhando nada com isso e que eu poderia estar trabalhando. Eu dizia que estava
ganhando sabedoria. Agora ela não fala mais nada. Ela quer que eu aprenda e siga a carreira. Na
escola, me interessei mais pelos estudos. Parece que clareou mais um pouco as idéia. Aprendi mais,
comecei a ter mais noção da vida adulta. É um conhecimento que eu devo ao Uga-Uga e quero aprender
99
mais e passar adiante para os colegas e adolescentes problemáticos - Adriana Ribeiro, 17 anos, aluna
da 8ª série, da Escola Municipal Júlia Barjona.
A conquista da casa do Uga-Uga foi um dos passos mais alongados que demos. Foi a conquista de um
local nosso, onde mandamos e desmandamos. É onde temos a liberdade, onde meditamos e nos
inspiramos para fazer as matérias. Os equipamentos que utilizamos na redação facilitaram, na prática, o
aperfeiçoamento do jornal. Com a inserção de novos alunos na redação, as experiências foram
aparecendo, as idéias foram trocadas e eles aprenderam com a gente e nós com eles.
O Jornal Uga-Uga trouxe, para mim, mudanças radicais. Estar participando desse projeto é deixar de
perder tempo na rua, é deixar de ficar em casa sem fazer nada. O projeto trouxe um ânimo para a minha
aprendizagem. Quando falei do projeto para meus pais, logo de imediato eles me apoiaram, deram a
maior força. Acharam que iam ter um jornalista na família. A relação com a minha família melhorou
muito.
Na escola, comecei a me preocupar mais com os estudos, passei a tirar mais proveito das aulas, o
rendimento melhorou e também comecei a fazer mais amigos.
O impacto na aprendizagem começou com as oficinas. Sentimos na pele como é produzir um jornal,
fazer uma pauta, matérias, enfim, é demais... o jornal trouxe uma oportunidade única aos participantes.
Várias atividades locais foram realizadas, sem falar nos encontros fora do Estado. Foram bem
aproveitados, conhecemos outros locais, vários amigos. O grandioso foi fazer matérias cada uma melhor
que a outra, fotos para as matérias e tudo o que se ia fazer era discutido pela família Uga-Uga, até
chegar na forma ideal do jornal - Francisco Nery, 18 anos, aluno da 8ª série da Escola Municipal Júlia
Barjona.
Podemos dizer que o Uga-Uga se tornou referência de protagonismo juvenil na região Norte. Isso se
concretizou quando o jornal passou a ser publicado por adolescentes da rede pública de ensino de
Manaus. E, a partir daí, não só os jovens das escolas, mas também de vários estados brasileiros
começaram a se corresponder com o Uga-Uga para a troca de experiências e informações. A estudante
Marcela Moraes, da revista estudantil Solidariedade, de São Paulo, por exemplo, achou interessante a
proposta e solicitou mais exemplares e informações sobre como produzimos o jornal e se os assuntos
abordados eram extraídos da realidade dos jovens do Amazonas.
Um outro aspecto importante é que o Uga-Uga é um dos únicos jornais produzidos por jovens, que
aborda assuntos de interesse jovem e é consumido por eles. Com linguagem clara e objetiva o jornal
conseguiu a apreciação de alunos, educadores e artistas regionais como o grupo Raízes Caboclas, o
diretor de teatro Luís Vitali e o escritor manauara Carlos Costa - Graça Medeiros, 20 anos, aluna do 3º
ano do ensino médio da Escola Municipal Themístocles Gadelha (PROJETO AGÊNCIA UGA-UGA
DE COMUNICAÇÃO, 1999).
2.2.2. A experiência se replica gerando novos projetos
Na medida em que a metodologia do projeto se mostrava eficaz, tanto na perspectiva
da participação, quanto no rendimento escolar dos adolescentes, crescia entre os educadores e
jovens o incômodo de que apenas um pequeno número de alunos estava incluído na proposta.
E havia também uma demanda da própria escola na medida em que o jornal Uga-Uga era
distribuído e chegava às mãos dos adolescentes. Os leitores do Uga (como o jornal era
carinhosamente conhecido), queriam também fazer parte – escrever matérias, publicar cartas e
recados, contar histórias, etc.
100
Por esses motivos, no início desse ano, o grupo deu um passo importantíssimo ao
criar, ainda na Semed, um segundo projeto: os “Núcleos de Mobilização Social” (item 2.2.3.
p. 33, deste capítulo) que teriam, entre coisas, a missão de incluir mais adolescentes e jovens
em atividades que utilizassem a comunicação como um instrumento de promoção de direitos e
de desenvolvimento cidadão.
Esse ano marcou também o que seria um “divisor de águas” na história do grupo do
Jornal Uga-Uga e Núcleos de Mobilização Social: o processo de discussão, esboço e
elaboração da proposta de fundação da Agência Uga-Uga de Comunicação, uma organização
não-governamental que pudesse agregar os dois projetos em execução e criar outros. A
equipe conseguiria, no ano seguinte, conquistar o sonho de criar sua própria ONG e ainda
integrar-se à Rede ANDI Brasil de comunicadores pelos direitos da criança e do adolescente
(item 2.3. p. 55, deste capítulo).
Em 2000 o jornal passou a circular com uma tiragem de 15 mil exemplares. O grupo
foi fortalecido com a entrada de outros jovens. Nesse ano a equipe de repórteres teve uma
segunda capacitação na área de jornalismo escolar. Desta vez, com três jornalistas
facilitadores, um especialista na área de direitos de crianças e adolescentes, carga horária
ampliada e conteúdos focados nas principais deficiências dos repórteres: a captação da notícia
e a redação dos textos.
Com a equipe mais qualificada, inclusive na área de editoração gráfica - nesse ano o
jornal passou a ser diagramado no computador por um dos adolescentes - e com a divisão do
grupão por projetos (Jornal e Núcleos de Mobilização Social) -, o Jornal Uga-Uga se
consolidou e passou a ser referência de protagonismo juvenil na região Norte. Em abril desse
ano, adolescentes, jovens e educadores dos dois projetos, com o apoio financeiro do Unicef e
da Semed, fundavam a Agência Uga-Uga de Comunicação.
101
Com a tiragem de 15 mil exemplares era possível chegar em muito mais escolas (cerca
de 174) e alunos e isso repercutiu em uma grata surpresa, em 2001: além de veículo de
comunicação produzido por e para estudantes, o jornal passou a ser também utilizado por
professores em sala de aula - suas matérias eram trabalhadas como temas transversais nas
aulas de Português, História e Literatura. Ou seja, o Jornal transformou-se em ferramenta
pedagógica. Nesse período, a equipe identificou em torno de 20 escolas da rede utilizando o
jornal durante as aulas.
O ano de 2002 foi especialmente marcante. Pela primeira vez a equipe atingia a meta
inicial de produzir uma edição por bimestre, ou seja, seis números do jornal ao longo do ano.
Nesse período, por conta de todas as mudanças, o Projeto também ganhou nova versão e
conseguiu financiamento para mais dois anos (2002/2004), por meio de convênio entre a
Agência e a Secretaria Municipal de Educação.
Essa nova versão manteve o objetivo geral da primeira proposta Contribuir para a
melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem de jovens e adolescentes da rede
pública de ensino de Manaus, por meio da publicação e manutenção do Jornal Uga-Uga -,
acrescentando apenas a palavra “manutenção”, considerando a dificuldade de sustentabilidade
do jornal em função de seu alto custo (uma edição de 15 mil exemplares custava em torno de
R$ 14 mil nesse período).
Mas, ampliou o público envolvido, incluindo professores, pais e comunitários;
estendeu a proposta para tornar-se também “um mecanismo de contribuição ao
desenvolvimento pessoal e social dos adolescentes e jovens”; e um canal para gerar
discussões e debates sobre temas importantes para os jovens” e “sensibilizar, conscientizar e
motivar a comunidade escolar, principalmente pais e comunitários, a se envolverem com a
escola, buscando apóia-la e melhora-la cada vez mais”.
102
Entre os objetivos específicos, propôs: Dar continuidade ao processo informativo e de
formação para cidadania dos jovens estudantes da rede pública de ensino de Manaus;
Solidificar o protagonismo juvenil e ampliar a cobertura do Jornal Uga-Uga para atingir além
das escolas municipais, escolas estaduais, o meio rural do Estado do Amazonas, a
comunidade em geral, outros parceiros governamentais e o governamentais do estado, da
região e do país; Aumentar a tiragem do Jornal Uga-Uga para a escola, a família e a
comunidade; Divulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente para contribuir na defesa dos
seus direitos; Prevenir adolescentes e jovens sobre Drogas, DST’s e Aids.
Para legitimar-se como um veículo de participação que voz aos adolescentes de
Manaus, o projeto criou um “Conselho de Pautas” formado por representantes dos Núcleos de
Mobilização Social, de grêmios estudantis e de organizações governamentais e não-
governamentais que, além de sugerir pautas, contribuiria com a troca de informações e
experiências, com sugestões e críticas.
Nessa nova fase o Jornal Uga-Uga continuou a ser produzido por adolescentes e
jovens, oriundos das escolas da rede pública de Manaus, entretanto, dando preferência aos que
tivessem participado e obtido melhor desempenho nas oficinas de formação em cidadania e
produção de Fanzines, nos Núcleos de Mobilização. O projeto inovou também no foco de
atuação. Passou a agregar ao seu discurso político termos como “veículo de formação e
informação”, “desenvolvimento do senso crítico da comunidade estudantil” e “despertar e
sensibilizar a classe estudantil para uma leitura mais dinâmica e critica da sociedade”.
As escolas também passaram a ser geradoras de notícias, por meio de pesquisas
aplicadas nas diversas áreas de estudo, orientadas pelos professores de língua portuguesa. No
campo da avaliação e monitoramento, planejou-se a realização de uma pesquisa anual, com o
objetivo de medir o impacto do projeto junto aos leitores e a aceitação do veículo. Por meio
103
da pesquisa, buscou-se a melhoria da qualidade do jornal, a partir dos pontos positivos e
negativos observados por seus leitores.
Com exceção do objetivo de ampliar a cobertura do jornal para as escolas da rede
estadual (incluindo meio rural), todos os outros foram alcançados ao longo de 2003. Seis
edições do jornal foram produzidas; mais professores passaram a aderir a proposta de utilizar
o jornal em sala de aula; a distribuição chegava à comunidade; as pautas passaram a dar
ênfase aos direitos infanto-juvenis, às questões relacionadas à sexualidade e à Aids e DSTs; e
o jornal consolidava-se a cada dia como referência de participação juvenil.
No ano seguinte (2004), com a mudança de gestão na Prefeitura de Manaus, o
Convênio foi interrompido este é um dos grandes gargalos das parcerias entre ONGs e
poder público. Por esse motivo, apenas mais uma edição do jornal foi produzida,
comprometendo um trabalho de quase seis anos, envolvendo milhares de alunos e professores.
O jornal Uga-Uga chegou a publicar um total de 19 edições, a última, em abril de 2004.
A descontinuidade dos projetos da gestão anterior, quando um novo grupo político
assume o Executivo, ainda é um desafio estrutural sério nas políticas públicas da área social
de todo o país. No Amazonas, essa questão é recorrente, tanto na esfera municipal quanto na
estadual. Segundo Rossetti (2005), isso ocorre porque a educação é um processo, cujos
resultados só aparecem a longo prazo, levando as mudanças políticas que ocorrem no topo das
redes interferirem intensamente nesses procedimentos.
Redes com grande circulação de secretários da educação, cada um com seu pacote
de reformas, tendem a ficar confusas, sem foco nem prioridades bem definidas.
Como as empresas que se envolvem no Terceiro Setor, os políticos precisam de
visibilidade (uns para reforçar sua marca, outros para se eleger), por isso é grande a
tendência a promover mais eventos do que processos mesmo nas políticas
públicas. É socialmente mais impactante a curto prazo construir escolas do que
investir nos salários e formação continuada dos professores.
Idealmente, a educação deveria ter uma burocracia (no sentido weberiano do termo,
ou seja, numa organização eficiente por excelência, capaz de prever e planejar suas
ações) que garantisse continuidade aos processos e alinhasse os diversos projetos em
desenvolvimento nas redes de ensino. Mudanças de gestor na secretaria ou no
ministério não deveriam representar uma ameaça às escolas. Porém representam; e
aos poucos as redes que conseguem ter políticas públicas contínuas e consistentes
em sua administração têm colhido bons frutos em termos de melhoria de ensino
(ROSSETTI, 2005, p.69).
104
Por outro lado, além da falta de comprometimento do parceiro financiador,
observamos um outro problema no projeto, que é recorrente nas ONGs e que contribuiu para a
interrupção do trabalho: a dificuldade de sustentabilidade financeira, principalmente, quando
só se conta com uma única fonte de recursos, o que era o caso do projeto Jornal Uga-Uga.
Entretanto, deixava-se naquele momento “apenas” de executar um projeto e não de
abrir mão de um trabalho inédito, construído com a participação direta e efetiva dos
adolescentes da periferia de Manaus. A metodologia utilizada, fundamentada em práticas
participativas e comunicacionais na educação e focada no desenvolvimento da cidadania dos
jovens havia sido replicada para os Núcleos de Mobilização Social e passava a formatar o
DNA da Agência Uga-Uga de Comunicação.
2.2.3. Núcleos de Mobilização Social – Participação Juvenil e Fanzines na
Escola
Durante os dois anos de experiência com o Jornal Uga-Uga, consolidamos a crença de
que a comunicação é um poderoso aliado nas ações de caráter educativo, focadas no
desenvolvimento sócio-cultural de adolescentes e jovens. E se associarmos a esses dois
campos (Comunicação e Educação) um terceiro, a Participação, na perspectiva dos direitos e
cidadania, a intervenção social na vida dos meninos e meninas torna-se mais viável.
Essas práticas, para Gomes da Costa (2000), nos dão a exata percepção de que “a
escola é o espaço privilegiado para o aprendizado da cidadania, e a adolescência é o momento
ideal para os educandos exercitarem – através de seu envolvimento na resolução de problemas
reais os conhecimentos, os valores, as habilidades e atitudes requeridas ao exercício pleno
dessa cidadania”. Nessa fase, defende o educador, as novas gerações devem desprender-se dos
problemas particulares (pessoais, familiares e escolares) para também se envolverem com as
questões sociais e políticas de seu tempo e de sua realidade. “O protagonismo juvenil é por
105
isso mesmo, uma importante estratégia de educação para a cidadania” (COSTA, 2000, p.
153).
Portanto, considerando que o projeto Jornal tinha em seu processo de produção a
participação direta de um grupo pequeno de adolescentes, e que buscar a capilaridade dessa
intervenção tornava-se cada vez mais premente, a equipe, com o apoio técnico do Unicef,
esboçou um novo projeto cujas idéias principais eram: ampliar a proposta do Jornal Uga-Uga
para um número maior de adolescentes e jovens; e organizar, em núcleos, grupos de alunos
que produziriam sua própria mídia, de acordo com os problemas demandados por sua
comunidade.
Foi criado, então, em janeiro de 1999, o Projeto Núcleos de Mobilização Social, com
objetivo de oferecer oportunidades para que jovens e adolescentes exercessem o protagonismo
juvenil em ações que permitissem a reflexão sobre sua real situação e a busca de melhores
condições de vida. Propunha também o estreitamento de laços com a família e outros
adolescentes, estimulando a melhoria da auto-estima e, conseqüentemente, do rendimento
escolar.
Como instrumento pedagógico e de mobilização social, optou-se por utilizar a
produção de Fanzines
10
, pequenos jornais alternativos, produzidos de forma artesanal. Além
do baixo custo financeiro - seriam impressos em copiadoras -, este tipo de publicação
apresenta um leque de possibilidades de produção dos textos, de ilustração e formato. O
Projeto seria semelhante ao Jornal Uga-Uga somente em alguns aspectos: no uso do jornal
impresso e, portanto, na formação dos adolescentes em técnicas de comunicação; e nos
objetivos maiores de dar protagonismo aos adolescentes e jovens e de melhorar seu
rendimento escolar. Entretanto, na forma teve outra estrutura.
10
Publicação alternativa, de caráter amador, em formato de jornal ou revista, produzida sem intenção de lucro,
pela simples paixão pelo assunto. O nome vem da contração de duas palavras inglesas (fanatic magazine) e
significa literalmente “revista do fã” (KPLUS LITERATURA, www.google. com.br).
106
Ao contrário do Uga-Uga cujas atividades eram todas realizadas na sede do Projeto, os
Núcleos funcionavam diretamente na escola, com a orientação de cinco jovens repórteres do
Jornal - que passaram a ser replicadores da experiência na área de jornalismo escolar - e com
a supervisão de um professor; abriam um leque de possibilidades de expressão dos
adolescentes (além de fanzines, poderiam fazer jornal mural, mostras culturais, entre outros);
e estimulavam o trabalho parceiro entre alunos e professores.
Para Rossetti (2005), aprender a lidar com as diversas mídias tornou-se essencial para
as pessoas exercerem, de fato, sua cidadania. E a melhor maneira de ensinar essas muitas
linguagens da mídia é envolver os jovens na produção de comunicação como a elaboração de
vídeos, a criação de programas para rádio, o desenvolvimento de sites, de histórias em
quadrinhos, de reportagens para jornais e fanzines.
Quem edita um vídeo assume para sempre uma posição mais ativa e crítica diante da
televisão. Fazer um jornal desenvolve habilidades e competências que são
necessárias em qualquer profissão de destaque atualmente. As rádios têm o poder de
fortalecer a identidade de uma comunidade (ROSSETTI, 2005, p. 7).
Aos conteúdos de formação foi acrescentada a oficina “Mobilização
Social/Participação Juvenil”, que abordava as duas temáticas ao mesmo tempo. Percebemos
que esta ação teria na Mobilização Social um forte mecanismo de sustentação, levando em
conta que se tratava de uma atividade dentro da escola e o mais nos espaços do Projeto.
Essa mudança iria requerer mais autonomia do grupo de adolescentes e pleno domínio quanto
aos propósitos dos Núcleos o que, estrategicamente, poderia ser feito por meio de um
estruturado processo de mobilização.
Na área de comunicação, o procedimento de formação acrescentou um enfoque
histórico com Tipos de Mídia Impressa e História do Fanzine (jornal alternativo); e manteve
os temas já utilizados na formação dos repórteres do Jornal Uga-Uga como: tipos de textos
jornalísticos (matéria, reportagem, boxes, nota, artigo, editorial e manchete), técnica
jornalística (lead, sublead e elementos da notícia), métodos para produção de matérias (pauta,
107
captação e entrevista), estruturação de texto, influência da mídia no comportamento do jovem
e ética no jornalismo comunitário.
O Projeto envolveu a princípio 180 adolescentes e jovens (da mesma faixa etária do
Jornal, entre 12 e 19 anos, cursando entre a e séries), alunos de 18 escolas municipais
(em média 10 alunos por escola), que foram organizados em seis núcleos de mobilização
um núcleo em cada zona geográfica de Manaus. A Zona Leste, por comportar o maior número
de escolas e alunos, chegou a ter dois núcleos funcionando a partir de 2000, o que elevou o
número de escolas para 23 e o número de alunos para cerca de 230.
Entre os anos de 1999 e 2002, os Núcleos de Mobilização mantiveram suas
características próprias de criação, em virtude das diferentes necessidades de cada zona
geográfica da cidade.O mais surpreendente nesta experiência foi a forma que os adolescentes
encontraram para dar consistência política e social à ação dentro da escola. Na medida em que
eram criados, os Núcleos se organizavam numa perspectiva de movimento social - uma
espécie de “pacto pela comunicação”. As equipes criavam nomes, produziam, imprimiam e
distribuíam seus jornais. Nesses três anos consolidaram-se sete grupos e os seus pequenos
jornais, conforme o quadro abaixo:
NÚCLEOS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL (1999/2002)
Movimento Cara Limpa
Localizado na Zona Centro-Oeste, o Núcleo era formado por 20 alunos das escolas Rodolpho Valle e Domingos
Sávio e optou por realizar um trabalho de combate ao uso de drogas, denominado "Cara Limpa". Produziram o
Fanzine "Bungapop", informando sobre a temática, registrando experiências escolares e
construindo novas opiniões de forma criativa e bem humorada. Tinha tiragem de 1.000 exemplares.
Movimento Albatroz
Formado por 20 alunos das escolas municipais Maria do Carmo Rebello e Raimundo Almeida, da Zona Leste, o
Núcleo produzia o Fanzine "Albatroz". Suas matérias abordavam assuntos diversos sobre a classe estudantil, a
comunidade e assuntos discutidos nas rodas de debates realizadas pelos adolescentes e jovens. Sua tiragem era
de 1.000 exemplares.
Movimento Pirueta
Localizado também na Zona Leste, era o Núcleo mais recente (criado no final de 2000) e surgiu em razão do
grande número de alunos dessa região. Éra formado por 20 estudantes das escolas Themístocles Gadelha e
Edinir Teles que produziam o Fanzine "Impacto", com tiragem de 1.000 exemplares.
Movimento Força Jovem
Participavam deste grupo 20 alunos das escolas municipais Graziela Ribeiro e São Lázaro. Localizado na Zona
Sul de Manaus, o Núcleo realizava palestras nas escolas com o objetivo de informar adolescentes e jovens sobre
sexualidade, drogas e cidadania; e também rodas de debates sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
108
ECA e produziam o Fanzine "Radar", com 1.000 exemplares.
Movimento Nova Geração
Composto por 20 alunos das escolas municipais Marly Garganta e Dom Milton, o movimento situado na Zona
Norte desenvolvia atividades culturais e esportivas, buscando a integração escola/comunidade. Produziam o
Fanzine "Gazeta Jovem", com 1.000 exemplares.
Movimento Pegadas
Núcleo da Zona Oeste de Manaus formado por 20 alunos das escolas municipais Carlos Gomes e Sebastião
Norões. O grupo produzia o Fanzine "Pegadas", abordando questões mais comportamentais como a auto-estima
dos adolescentes e seu interesse pelos problemas sociais da comunidade. Tinha tiragem de 1.000 exemplares. O
Núcleo realizava também eventos sócio-culturais como oficinas, fóruns, festivais, seminários e encontros.
Quadro 6 – Projeto Núcleos de Mobilização Social, 1999.
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
O Projeto Núcleos de Mobilização Social, assim como o Jornal Uga-Uga, também
utilizou nos seus primeiros anos de existência o método de “aprender fazendo”, embora
tivesse disponível uma pequena bagagem acumulada da experiência anterior com os
adolescentes. O grande desafio, agora, era “multiplicar a proposta” para as escolas, alunos e
professores. Ou seja, utilizar uma eficiente estratégia de sensibilização e mobilização que os
fizesse compreender o alcance social da proposta.
A utilização do conceito de mobilização social, nesta proposta, sempre esteve
associado à perspectiva de participação. Para Toro (2003) a mobilização social está intrínseca
à participação e é, ao mesmo tempo, meta e meio. Mas, não é só isso.
Não podemos falar de participação apenas como pressuposto, como condição
intrínseca e essencial de um processo de mobilização. Ela de fato o é. Mas ela cresce em
abrangência e profundidade ao longo do processo, o que faz destas duas qualidades
(abrangência e profundidade) um resultado desejado.
Toda ordem social é construída pelos homens e mulheres que formam a sociedade. A
ordem social não é natural e cada sociedade é que constrói sua ordem social. Porque ela não é
natural é possível falar em mudanças.
Segundo Toro, quando a sociedade começa a entender que é ela que constrói a ordem
social, vai adquirindo a capacidade de autofundar a ordem social, de construir a ordem
desejada, vai superando o fatalismo e percebendo a participação, a diferença e a deliberação
de conflitos como recursos fundamentais para a construção da sociedade. A participação deixa
109
de ser uma estratégia para converter-se em ação rotineira, essencial. Neste sentido, a
participação é o modo de vida da democracia (TORO, 2003, p. 3).
Um remédio à “desesperança” ou falta de mobilização das pessoas, na concepção de
Toro (2003), é trabalhar o conceito de cidadania, que aumenta a segurança, desperta a
capacidade empreendedora coletiva e faz com que as pessoas se sintam poderosas para
promover mudanças. Um sentimento que se fortalece a partir dos primeiros resultados. E
foram estes sentimentos que o projeto passou a suscitar nos adolescentes, por meio da
mobilização social.
Com a fundação da Agência Uga-Uga de Comunicação, em 2000, a equipe que até
então estava envolvida somente com as atividades do Jornal Uga-Uga foi reestruturada e
ampliada. Cada projeto passou a ter sua própria equipe e coordenador. Isso facilitou a
dinamicidade das atividades na medida em que o grupo deixava para trás o velho hábito de
“todos fazerem tudo, ao mesmo tempo”. Mas, também gerou conflitos, pois quando se
identidade jurídica a um projeto, ou seja, quando ele passa a se institucionalizar, requer uma
postura mais profissional da equipe e um foco mais forte nos resultados e na qualidade das
ações.
No contexto da mobilização, a comunicação horizontal - de jovens para outros jovens -
foi fundamental. Ao invés de professores, diretores ou técnicos das escolas, os próprios jovens
educadores (ex-repórteres escolares do Jornal Uga-Uga) realizavam desde a apresentação do
projeto na escola até a formação dos adolescentes em comunicação e participação para a
produção dos fanzines.
Essa relação entre os jovens educadores e os alunos das escolas foi bastante
construtiva, principalmente, nos aspectos do acerto e do erro (ambos têm valor positivo em
projetos de protagonismo juvenil); do fortalecimento dos vínculos entre os membros do
110
grupo; e da capacidade de proporcionar aos adolescentes a oportunidade de pensar e agir
livremente.
Porém, mesmo na metodologia do “aprender fazendo” é fundamental a capacitação
contínua dos educadores; e o planejamento, monitoramento e avaliação das atividades do
projeto. Percebemos que, após a fase experimental, estes processos necessitam de
sistematização.
A inexperiência da equipe do projeto em sistematizar esses processos, o tempo
escasso, além do número pequeno de educadores para tantas atividades envolvendo 230
alunos e sete professores (um professor/facilitador por Núcleo), foram fatores que
contribuíram para emperrar o projeto em alguns Núcleos. Outros dois problemas de caráter
estrutural foram identificados: a resistência das escolas em “aceitar” a intervenção de ações
focadas na comunicação, educação e participação no seu modo de ensino e aprendizagem; e a
gritante dificuldade dos professores em apenas facilitar processos – quase todos tinham
atitude de tutela em relação aos grupos de adolescentes.
Percebemos também que quanto mais se pulveriza a ação, ou se busca a capilaridade,
mais se perde a qualidade dos resultados. Por um lado, a escola não estava preparada para
desenvolver uma ação relacionando educação com meios de comunicação. E se a escola não
percebe que “a condição de educar é própria da natureza desses meios, cada vez mais
tecnologicamente desenvolvidos, o que lhes permite estar em muitos espaços ao mesmo
tempo” (BACCEGA, 1997, p. 8), então o aluno também não estará apto a perceber o lugar
privilegiado que os meios ocupam no seu processo educacional. Por outro, está o projeto,
tocado por uma ONG unidade externa à escola -, que não tem poder institucional para
executá-lo sozinha.
Durante três anos, mesmo com todos os percalços, as atividades dos Núcleos
viabilizaram significativas melhoras no âmbito escolar, familiar e social dos adolescentes
111
participantes. Contribuíram, principalmente, para torna-los jovens cidadãos mais informados e
mais atuantes no seu meio social. Esta constatação foi feita pelos próprios diretores das
escolas envolvidas no projeto que, por meio de checagem no rendimento escolar, concluíram
que 98% dos alunos foram aprovados com notas acima da média. Comprovaram também que
os adolescentes tornaram-se mais participativos nas atividades promovidas pelas escolas. Em
depoimentos, eles confirmam esses resultados:
Com a participação no projeto eu fiquei mais popular na escola, mais sociável e durante o ano todo fui
tirando proveito de todas as coisas, das oficinas de fanzines, das rodas de debate, do Encontro Papo
Aberto e dos próprios fanzines que produzimos. Aprendi mais coisas. Foi uma experiência legal -
Rafael Horohiaque da Silva - Escola Municipal Fábio Lucena 7ª A .
No principio meus familiares aceitavam, mas não apoiavam muito. A partir do momento em que fui
ficando mais responsável, eles passaram a acreditar mais no Projeto. O Projeto me ajudou a melhorar
como pessoa, passei a ser mais comunicativa, pude conhecer e trocar experiências com outros
adolescentes. veio acrescentar coisas boas na minha vida - Tayana Pinheiro de Castro - Escola
Municipal Fábio Lucena – 6ª B.
No projeto temos a oportunidade de ser ouvidos e somos verdadeiros protagonista nas discussões de
temas importantes - Rosinha Rocha -Escola Municipal Fábio Lucena - 7ª B.
Eu gostei muito de entrar para o projeto da Uga-Uga porque fiquei menos tímida. Agora consigo
participar das discussões em sala de aula e isso melhorou meu desempenho. Antes eu não conseguia
participar da aula porque tinha vergonha de falar algo errado. Agora não tenho mais medo - Joice
Matos Lilvio - Escola Municipal Fábio Lucena - A (AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO,
Relatório de Atividades, 2002).
Na opinião dos professores, a proposta foi bastante positiva na Escola, conforme seus
depoimentos:
Foi muito bom conhecer o projeto. Alguns alunos meus tiveram uma melhora significativa depois que
entraram pro Núcleo. Espero que eles continuem participando este ano e eu também - Edmar de Souza,
professor de Inglês da Escola Municipal Fábio Lucena.
Ao meu ver, o Projeto Uga-Uga teve um ponto positivo que pude observar em meus alunos: nos
trabalhos de expressão oral, eles conseguiam ter uma linha de raciocínio lógico e expressavam-se sem
inibição ou insegurança, debatendo sobre temas relacionados à sua vida e cotidiano, o que torna o
projeto viável para o bom desenvolvimento dos educandos- Jucilene M. de Souza, professora de
Língua Potuguesa da Escola Municipal Rodolpho Valle.
Senti melhora dos meninos na forma de escrever e apresentar seus trabalhos escolares. Eles tornaram-se
mais questionadores e participativos na sala de aula. Alguns, mais responsáveis e maduros. Lembro de
um aluno, o Thiago, que adquiriu interesse por atividades sociais, melhorou a forma de se expressar
verbalmente e sua escrita melhorou sensivelmente. Ele deixou de expressar “eu”, “meu” para falar
“nos, nosso”, ou seja aprendeu a socializar suas ações, alem de desenvolver uma liderança em relação
aos seus colegas - Natividade Barbosa, professora de História da Escola Municipal Maria do Carmo
Rebello de Souza (AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO, Relatório de Atividades, 2002).
112
No ano de 2003, foi elaborada uma nova versão do projeto Núcleos de Mobilização
considerando todas as dificuldades encontradas nos anos anteriores - as de ordem estrutural
das escolas e as relacionadas às limitações de gestão da equipe do projeto. Diante da
resistência das escolas em envolverem-se no projeto, optamos por utilizar o critério da adesão.
Permaneceriam nos Núcleos as escolas que já estivessem empenhadas ou que realmente
quisessem realizar a proposta isto reduziu o número de escolas de 23 para 14, e de alunos
participantes de 230 para 140. Com a redução na abrangência de escolas e alunos, buscava-se
a qualidade das ações.
Os professores-facilitadores não foram mantidos nesse ano, embora fossem
considerados atores essenciais no processo de integração aluno-escola e na melhoria da
relação aluno-professor. Concluímos que a participação de professores seria positiva no
Projeto se passassem por uma formação nas áreas de participação juvenil e educomunicação.
Em relação à rotatividade dos adolescentes integrantes dos Núcleos, decidimos por mobilizar
adolescentes mais novos, que estivessem cursando entre e séries isso significaria, em
tese, que passariam pelo menos mais dois anos estudando naquela escola.
As deficiências de gestão do projeto, tanto da coordenação quanto da equipe, foram
superadas em parte, por meio de uma capacitação na área de gestão; e da sistematização da
proposta de produção de fanzines nas escolas focada na participação juvenil e na utilização de
ferramentas da comunicação na educação, que gerou uma importante publicação da Agência
Uga-Uga de Comunicação: o Manual do Fanzine, publicado em 2003, com apoio da
Petrobrás, do Unicef e do Instituto C&A, parceiros financiadores do projeto Núcleos de
Mobilização Social.
No Manual foi possível inserir as técnicas de jornalismo escolar e as práticas
artesanais utilizadas para a produção dos fanzines; os conceitos das áreas que dão sustentação
113
metodológica ao Projeto participação, mobilização e educação pela comunicação; dicas de
gramática; e os direitos preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.
Trata-se de um guia para adolescentes e jovens protagonistas que queiram produzir sua
própria mídia, ou para professores, como ferramenta pedagógica no processo de formação em
cidadania dos adolescentes. Ressalta que a proposta não pressupõe apenas a criação de um
produto de comunicação, mas, “principalmente, construir um conhecimento e vivenciar uma
experiência que favoreçam ao aluno-comunicador um olhar mais crítico sobre a mídia e a
realidade cotidiana, e o seu desenvolvimento no nível pessoal, social e profissional”
(MARQUES, 2003, p. 2).
A publicação demonstra, na abordagem à participação juvenil e à educação pela
comunicação na perspectiva da intervenção social, respectivamente, o posicionamento
político e social da Agência Uga-Uga, naquele momento, em relação às crianças e aos
adolescentes:
A Agência Uga-Uga tem se pautado, nestes três anos de trabalho, no caminho da
autonomia dos adolescentes e jovens. Primeiro, estabelecendo uma relação de
confiança; segundo, propondo uma atividade prazerosa (linguagens da comunicação,
por exemplo) que ofereça espaços de interatividade; e terceiro, compartilhando
numa parceria de brothere de iguais todo um arsenal de informações conceitos e
práticas de cidadania, visando seu empoderamento social.
A proposta é aparentemente simples: colocar a comunicação a serviço da educação.
Mas, é muito mais do que isso. Para fazer um produto de comunicação, seja jornal,
revista, vídeo, web site, rádio ou história em quadrinhos, os jovens desenvolvem as
competências e habilidades necessárias para terem sucesso na vida e no trabalho.
Escrita, informática, comunicação interpessoal, ética capacidade de expressão e de
crítica. Várias são as áreas trabalhadas ao mesmo tempo e de forma transdisciplinar.
Os resultados são a melhoria da educação e o desenvolvimento social dos jovens,
que adquirem gosto pela construção do conhecimento e pela intervenção na
sociedade. Os próprios produtos desse trabalho um fanzine, um filme, um ensaio
fotográfico colocam os jovens e a escola em contato com uma comunidade mais
ampla.
A educação pela comunicação é um instrumento que permite ao jovem e também ao
educador ler e compreender seus mundos, para poder atuar de forma integral na
sociedade da informação (MARQUES, 2003, p. 16).
Do ponto de vista da consolidação da metodologia alicerçada no tripé comunicação,
educação e participação, o Projeto deu um salto de qualidade e foco nesse período. O discurso
amadurecia e tornava-se mais consistente, conforme resumo do texto de apresentação do
Projeto, na versão 2003:
114
Quadro 7 – Projeto Núcleos de Mobilização Social, 2003.
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
Essa versão que, em parte foi executada em 2003, demonstra um projeto mais claro e
definido em suas áreas, principalmente, no “fazer” pedagógico, e também o amadurecimento
da equipe no aspecto da gestão, muito provavelmente influenciado pela estrutura institucional
da ONG que também se fortalecia a cada dia. O corpo do texto apresenta, por exemplo, três
componentes de suma importância para os adolescentes integrantes dessa ação: o
Mobilizador, o Formador e o Participativo; e explica cada um deles, conforme o quadro:
APRESENTAÇÃO
Por saber que somente a informação pura e simples não tem poder de mudar o comportamento de
um grupo social, a Agência Uga-Uga de Comunicação alia aos seus produtos informativos os componentes
Mobilizador-Formador e Participativo. Esta ênfase é o fundamento do trabalho de mobilização social com
os adolescentes na medida em que se busca o protagonismo integral dos jovens um protagonismo que
permita a retomada de sua condição de sujeito e agente do seu direito à opinião, a ter voz e a participar de
tudo o que lhe diz respeito.
Os Núcleos de Mobilização Social utilizam como mecanismo de sensibilização dos adolescentes
oficinas de Fanzines (pequenos jornais produzidos de forma artesanal). O domínio de técnicas e
linguagens da comunicação democratiza o processo de produção, disseminação e acesso à informação,
possibilitando ao indivíduo comum expressar idéias e sentimentos, criar sua própria mídia e despertar o
interesse pelos assuntos relacionados aos seus direitos, assim como conhecimentos necessários para uma
cultura de participação ativa na sociedade.
Durante as oficinas, os adolescentes passam a conhecer o universo jornalístico e, ao mesmo tempo,
valores de cidadania, desenvolvendo sua capacidade de se relacionar positivamente com outros jovens, com
sua família, na escola e na comunidade; de expressar sentimentos e idéias; de perceber sua realidade e de
desenvolver seu senso crítico.
A partir da experiência em jornalismo escolar, os adolescentes têm a oportunidade também de
confeccionar o seu próprio veículo de comunicação, sendo eles executores de todo o processo, que vai
desde a produção da pauta até a distribuição dos informativos. Os temas das matérias a serem abordadas
são sugeridos pelos próprios adolescentes, visando contribuir para a formação e informação de outros
jovens.
A proposta trabalha, portanto, o crescimento de adolescentes e jovens como cidadãos e agentes
sociais, especialmente a partir do universo escolar, criando mecanismos de atuação, tanto na escola quanto
na comunidade onde vivem, possibilitando o intercâmbio de experiências e expectativas e mobilizando a
sociedade para a discussão de problemas da juventude.
115
Quadro 8 – Projeto Núcleos de Mobilização Social, 2003.
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
COMPONENTE MOBILIZADOR
Mobilização dos adolescentes - O processo de mobilização para novos grupos de adolescentes é
realizado no início do ano letivo. Os procedimentos metodológicos são: reunião de sensibilização com diretor,
professores e técnicos da escola por meio da apresentação do projeto e palestra sobre protagonismo juvenil;
seleção dos alunos pelo corpo técnico da escola tendo como critério a articulação do adolescente em sala de
aula, na escola e na comunidade e seu interesse em participar.
O corpo técnico da escola fica encarregado de repassar aos alunos as linhas gerais da proposta e de
convidá-los a participar do primeiro encontro com o mobilizador/educador que vai apresentar o projeto
detalhadamente. Depois de definido o grupo que vai participar do projeto, é realizado o contato com os pais
de todo o grupo, a fim de informar-lhes sobre os horários em que os adolescentes estarão desenvolvendo as
atividades do projeto.
Cada grupo, por escola, reúne-se uma vez por semana e o Núcleo (duas escolas por zona) a cada 15
dias. O encontro do grupão” é acompanhado pelo educador/mobilizador que media o andamento das
discussões entre os adolescentes, possibilitando um clima de descontração e confiança para o
desenvolvimento das atividades. Com o intuito de incentivar a prática de liderança juvenil o
educador/mobilizador não interfere nas decisões dos adolescentes.
Além das atividades voltadas para a produção dos fanzines, os adolescentes realizam “Rodas de d
Debates”. Os meninos e meninas definem um tema e com o apoio do educador/mobilizador convidam
especialistas no assunto para participarem da atividade. As Rodas de Debates acontecem normalmente nas
escolas e são mediadas pelos próprios adolescentes. Em média são realizadas três Rodas por ano em cada
Núcleo.
A partir desta etapa serão inseridas no conteúdo programático do projeto atividades específicas de
formação em protagonismo/participação juvenil para os adolescentes.
Mobilização dos atores sociais - Desenvolver atividades voltadas para a participação dos
adolescentes nas esferas de discussão sobre seus direitos demanda dos “adultos” um grande esforço, tempo e,
principalmente, uma ampla revisão de conceitos e preconceitos. “Esse novo desafio coloca em questão
séculos de uma mentalidade política conservadora e uma visão social sobre crianças e adolescentes como
depositários de ensinamentos e como seres moldáveis conforme a vontade das instituições adultas” (Cáritas
Brasileira).
Para que os atores sociais que estarão trabalhando junto aos adolescentes estejam preparados para
aceitar, conviver e contribuir no processo de participação juvenil é necessário que passem por um processo
dee formação, objetivando:
Incentivar a melhoria do relacionamento das instituições de direito com a comunidade juvenil;
Incentivar a integração dos Conselhos Tutelares com a comunidade, principalmente, nas atividades
institucionais e de divulgação do ECA;
Aproximar os representantes dos Conselhos de Direito da comunidade para discutir com os adolescentes
as políticas voltadas para a juventude;
Motivar os conselheiros tutelares e representes dos conselhos de direitos a estarem juntos com os
adolescentes desenvolvendo ações que possibilitem a comunidade juvenil participar da efetivação seus
direitos.
Motivar a parceria das escolas com os conselhos de direitos a fim de garantir que o ECA seja discutido
com os alunos das escolas envolvidas no projeto;
Divulgar junto aos pais, professores e diretores as atividades referentes ao ECA.
Esses mecanismos de sensibilização propiciarão aos adolescentes um contato mais direto com as
instituições responsáveis pelas garantia de seus direitos.
116
Quadro 9 – Projeto Núcleos de Mobilização Social, 2003.
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
COMPONENTE FORMADOR
Para adolescentes - Durante o processo de mobilização - especificamente nas reuniões das escolas -
temas como Protagonismo Juvenil, Direitos Infanto-Juvenis (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA,
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares), Ser Adolescente, Sexualidade, Relacionamento com os Pais e a
Influência da Mídia no Comportamento dos Jovens são discutidos em forma de bate-papo entre os adolescentes e
o mobilizador/educador. Este procedimento significa uma introdução às Oficinas de Fanzine, método pelo qual os
adolescentes, até então, recebiam formação em cidadania.
Com o propósito de melhorar a capacitação dos adolescentes no processo de produção de Fanzines e de
fortalecer a formação em cidadania, o Projeto Núcleos de Mobilização Social pretende, a partir desta etapa, criará
a Escola de Fanzine, meio pelo qual vai qualificar os adolescentes na área de Jornalismo Comunitário.
A Escola terá o objetivo de dar formação em cidadania aos adolescentes e jovens por meio de oficinas de
comunicação comunitária que contribuam para o desenvolvimento de sua sensibilidade, responsabilidade e
socialização de conhecimentos e experiências.
Na capacitação estão inseridas cinco oficinas: Jornalismo comunitário, Ser Adolescente, Direitos e
Responsabilidades (ECA) e Informática Básica. Cada oficina terá o seguinte conteúdo programático:
Jornalismo Comunitário Tipos de mídia impressa, história do Fanzine (Jornal alternativo), tipos de
textos jornalísticos (matéria, reportagem, boxes, nota, artigo, editorial e manchete), técnica jornalística (lead,
sublead e elementos da notícia), procedimentos para produção de matérias (pauta, captação e entrevista),
estruturação de texto, influência da mídia no comportamento do jovem e ética no jornalismo comunitário.
Ser adolescente - O que é ser adolescente, se descobrir como pessoa em processo de formação, como
lidar com a sexualidade e relacionamento com a família.
Direitos e Responsabilidades Histórico do Estatuto da Criança e do Adolescente, seus artigos e como
trabalhar as noções de direitos e responsabilidades.
Informática básica – Windows, Word, Power Point e noções básicas de Internet.
A Escola oferecerá a infra-estrutura necessária para os adolescentes freqüentarem as oficinas como
vale transporte, material didático, equipamentos e espaço físico. Com exceção das oficinas de Fotografia, Fanzine
e Informática Básica, todas as outras poderão ser realizadas em outros espaços como universidades, conselhos
tutelares e de direitos e escolas integrantes dos Núcleos. O período de capacitação terá duração total de 146 horas,
com turmas nos dois períodos (manhã e tarde). É meta da Escola para este primeiro ano dar formação para 140
adolescentes.
117
Quadro 10 – Projeto Núcleos de Mobilização Social, 2003.
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
Esta proposta difere da primeira versão, sobretudo, no aspecto da inserção social dos
adolescentes em outros espaços de participação. Ela sugere, por exemplo, a inserção dos
jovens em fóruns que discutam políticas públicas voltadas para seus direitos e
responsabilidades. A idéia era criar estratégias que legitimassem a participação dos
adolescentes em espaços de discussão como conferências estaduais e municipais de Direitos,
Educação, Saúde e Meio Ambiente, por meio de voz e voto, além de promover sua integração
COMPONENTE PARTICIPATIVO
Além do processo de Mobilização, que sensibiliza os adolescentes para ocuparem seus espaços s
participação - direito que deve ser reconhecido -, e da etapa de Formação, que prepara os jovens para
exercercitarem seus direitos, é fundamental que os espaços institucionalizados entendam e percebam porque a
Participação Juvenil é importante para a sociedade e imprescindível para o crescimentos dos adolescentes
como cidadãos, como agentes sociais.
É preciso desmistificar perante os “adultos” que ações de participação e protagonismo não
significam mais um trabalho escolar ou apenas mais uma atividade que vai mantê-los ocupados para que não
roubem, usem drogas ou ganhem as ruas. Mas que trata-se de agentes sociais que querem intervir e impactar
através de suas ações. E que, para tanto, precisam reconhecer-se e serem reconhecidos como agentes sociais.
Partindo dessas premissas e do princípio de que o sentimento de pertinência gera nos adolescentes auto-
confiança e reforça a construção de sua identidade, o Projeto propõe, neste componente, desenvolver
atividades em que os jovens interajam diretamente em espaços institucionalizados como conselhos de
direitos, conselhos tutelares, conselhos de saúde e educação e conferências municipais e estaduais de direitos,
saúde e educação. A proposta é que os adolescente utilizem estratégias que combinem nucleação e
comunicação social, sempre com a perspectiva de inserção social, tais como:
· Organização de miniconferências na comunidade com membros dos conselhos de direitos e tutelares
para discutir temas que estão sendo debatidos nos conselhos – antes das conferências maiores;
· Organização de abaixo assinados com reivindicações da comunidade para serem apresentadas ao
poder público;
· Convocação da imprensa e Jornalistas Amigos da Criança (JACAs) para observarem problemas
sociais específicos dos bairros;
· Envio de notícias para os jornais e para a Agência Uga-Uga (boletim Prioridade Absoluta) sobre o
que os conselhos estão fazendo ou deixando de fazer;
· Envio de fazines aos conselhos tutelares produzidos nos Núcleos;
· Realização de eventos com outros jovens de outras comunidades e cidades – trazer jovens de outras
comunidades para participarem das miniconferências;
· Capacitação de adolescentes e jovens , por meio de oficinas de participação e protagonismo juvenil,
para que possam obter conhecimentos e oportunidades de participar dos eventos relacionados a
seus direitos ( conferências , foruns e encontros);
· Incentivo aos adolecentes a participarem das reuniões dos conselhos de educação,meio ambiente,
saúde e direitos;
· Estímulo aos próprios adolescentes a estarem divulgando a outros adolescentes o ECA, utilizando
sua própria linguagem.
118
com a comunidade através de ações de protagonismo desenvolvidas em parceria com
instituições como Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares.
O entendimento era de que, além da escola, os adolescentes e jovens têm assegurado o
direito de participar de todas as discussões que lhes dizem respeito e em todos os setores:
governamental, sociedade civil, terceiro setor, etc. Participação essa que pode garantir o
cumprimento dos demais direitos e a vigência do princípio do interesse superior da infância e
adolescência.
Contudo, pela falta de recursos financeiros, ao longo de 2003 não foi possível executar
todas as ações previstas. Dentre elas, as relacionadas à Mobilização de atores sociais -
especificamente de conselheiros de direitos e tutelares - para a questão da participação
juvenil; e as da Escola de Fanzine. Duas grandes atividades que demandavam, além de
recursos financeiros, tempo – pelo menos, mais um ano – e uma equipe maior de educadores.
Em meio às ações realizadas, a equipe não alcançou quantidade, mas, qualidade e
impacto. Foram executadas todas as concernentes à Mobilização dos adolescentes nas escolas
para a etapa das oficinas; à Formação, como as oficinas de fanzine, com inserção das
temáticas referentes aos direitos, protagonismo, conselhos tutelares e de direitos, sexualidade,
relacionamento com os pais e a influência da mídia na formação dos jovens; e à Mobilização
de atores sociais, por meio da capacitação em Participação Juvenil de 12 educadores de 20
instituições com atuação na área de proteção á infância e adolescência.
No componente Participativo, o Projeto capacitou um grupo de mais de 100
adolescentes para atuarem como delegados nas conferências municipal e estadual de direitos;
e realizou a I Conferência Municipal Infanto-Juvenil de Direitos - que precedeu a IV
Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente -, com a participação de
adolescentes e jovens dos Núcleos de Mobilização e de entidades governamentais e não-
governamentais, atuantes na área da infância e adolescência de Manaus.
119
Além do ineditismo da pré-conferência, adolescentes e jovens conseguiram pela
primeira vez na história da região Norte ocupar um espaço que até então era exclusivo dos
adultos. Conquistaram 20 vagas de delegados na conferência municipal e 11 vagas na
estadual. Nesse mesmo ano, também participaram do II Encontro Juvenil Papo Aberto, que
reuniu 180 adolescentes de diversas organizações e cujo tema foi Violência Sexual Não
deixe esse crime acontecer. Dos Núcleos de Mobilização participaram 60 adolescentes.
Em atividades de articulação política nacional, alguns adolescentes do Projeto tiveram
a oportunidade de representar a Agencia Uga-Uga em eventos fora do estado como: Fórum de
Políticas Públicas para a Juventude, no estado do Acre; Exposição Amazônia BR, em São
Paulo; Lançamento da Rede Sou de Atitude, no Distrito Federal e Encontro de Criação da
Rede de Adolescentes da Amazônia, no estado do Pará.
Em 2004, participaram da Oficina sobre Discriminação e Preconceito em Belém (PA)
e do Encontro Latino Americano de Crianças e Adolescentes no Equador, preparatório para a
participação na IV Cúpula Mundial de Mídia Adolescente, no Rio de Janeiro (RJ), na qual
também estivemos presentes.
2.2.4. Foco na Escola – Núcleos de Mobilização Social / Escola Cidadã
No planejamento estratégico do projeto para 2004, a equipe reavaliou os focos da ação
e percebeu que chegava o momento de direcionar as atividades de comunicação na educação
somente para a escola, considerando a intenção da Agência Uga-Uga em transformar essa
metodologia em política pública. A idéia era que os conteúdos de educomunicação fossem
agregados ao currículo escolar.
Por outro lado, focar o projeto nessa direção, significava que algumas ações dos
Núcleos de Mobilização como fortalecimento de lideranças juvenis, articulação dos grupos de
adolescentes com conselhos de direitos e tutelares e participação política dos adolescentes na
120
fiscalização das políticas públicas direcionadas à infância e à adolescência, teriam que ser
desmembradas do projeto. Por esse motivo, se optou por fazer uma espécie de reedição do
projeto, inclusive, dando novo nome à ação: Escola Cidadã. Uma estratégia que seria
replicada por professores para alunos da escola pública.
Este novo perfil se configurava por dois motivos: o fato de a escola ser o principal
espaço de participação dos adolescentes; e do professor ser o ator social indicado para
intermediar e interagir com os alunos nos processos de construção de propostas educativas -
neste caso, a partir de linguagens de comunicação.
A proposta do projeto Escola Cidadã era, então, capacitar na metodologia de
participação e educomunicação 28 professores das disciplinas História, Geografia, Artes e
Língua Portuguesa, de 14 escolas da rede pública de ensino de Manaus; e também 224
adolescentes, alunos desses professores. Juntos (alunos e professores) construiriam projetos
educativos adotando linguagens de comunicação nas áreas de: jornal impresso (fanzine), rádio
e história em quadrinhos. Ação que seria executada em dois anos (2004 e 2005).
Além de ser um trabalho de formação e informação por meio da educomunicação e da
participação, o projeto buscava ser um mecanismo de integração entre os atores educacionais
(professores, diretores, técnicos, pedagogos, etc.) na contribuição ao desenvolvimento pessoal
e social dos adolescentes e jovens, visando sempre sua aprendizagem e formação cidadã.
Destaque importante no texto de apresentação do projeto refere-se á participação juvenil
como um direito assegurado e como processo metodológico essencial “ao desenvolvimento de
relações de equidade entre os adultos e as crianças e adolescentes, para uma presença e
inclusão maiores na escola e organizações comunitárias e, principalmente, para a formação no
exercício de sua cidadania e liderança”.
O objetivo geral do projeto passou a ser: Mobilizar e sensibilizar adolescentes e jovens
para que possam criar uma cultura de participação direta na sociedade, desenvolvendo ações
121
que visem a melhoria de sua realidade escolar e comunitária. E os objetivos específicos:
Capacitar professores multiplicadores para utilizar ferramentas da comunicação no
desenvolvimento de metodologias mais eficazes para a melhoria do ensino-aprendizagem;
Elaborar e implementar projetos educativos que envolvam professores e alunos na produção
de ferramentas de comunicação; e Capacitar adolescentes e jovens por meio de Oficinas de
Comunicação para que contribuam para o desenvolvimento da sensibilidade, responsabilidade
e socialização de conhecimentos e experiências.
Ou seja, nem o objetivo geral e nem os específicos ficaram fora do foco do projeto
original dos Núcleos de Mobilização Social; e o público preferencial era basicamente o
mesmo: 28 professores e 224 alunos na faixa etária de 12 a 19 anos, de 14 escolas públicas
municipais. Contudo, passou a ter no professor o ator social mais importante na orientação
dessa mediação entre os meios de comunicação e os estudantes. Para Gómez (1997), o
professor deve assumir um papel muito mais inteligente, ativo e propositivo como “agentes
mediadores”.
É necessário exercer explicitamente uma mediação que oriente a aprendizagem dos
estudantes fora da aula, que permita recontextualizá-la, sanciona-la sob diversos
critérios éticos e sociais, permitindo aproveitar o que de positivo oferecem os meios
de comunicação de massa, capitalizando para a escola a informação e as demais
possibilidades que esses meios trazem.
Para dize-lo de maneira simples ao meio que mais dores de cabeça nos causa, a TV:
de professores repressores (mas com pouca eficácia) dos alunos por ver tanta TV,
que se passar a ser professores mediadores das distintas experiências como
telespectador (GOMEZ, 1997, p.63).
Apostamos, portanto, nesta ação, considerando que a partir do momento em que o
professor entendesse a educação como prática social transformadora passaria a trabalhar
conteúdos pedagógicos que assegurassem a aprendizagem efetiva de seus alunos e que
agregassem qualidade a seus processos de ensino. Nesse contexto, o projeto destacava: “cada
professor tem uma característica e uma forma de atuar. Daí a importância de, num esforço
122
coletivo, construir junto com seus próprios alunos prováveis e possíveis maneiras de
utilização de novas ferramentas pedagógicas”.
A escola, por sua vez, seria estimulada a incorporar essas práticas, buscando um
aprendizado mais atraente e prazeroso e conseqüentemente um ensino de mais qualidade,
conforme ressalta o projeto:
Por meio dessa metodologia os professores poderiam contribuir para que os
alunos/adolescentes pudessem criar seus próprios esquemas de aquisição da
aprendizagem, utilizando linguagens da comunicação como: fanzines (jornal
impresso), rádio e história em quadrinhos, além de outras atividades que os levem a
se desprender dos conteúdos ministrados em sala de aula, envolvendo-os numa
atitude investigadora, criativa e inovadora, em busca de novos conhecimentos.
Além de atividades de capacitação na área de educomunicação, os professores eram
estimulados, durante o trabalho a ampliar suas práticas pedagógicas e consciência
social/política. Foram convidados a participar de uma Rede de Informações
Permanente sobre a Participação Juvenil e Educomunicação, na qual se valorizaria o
trabalho coletivo e o acompanhamento das metodologias de educomunicação que a
escola optasse por desenvolver (AGÊNCIA UGA-UGA DE COMUNICAÇÃO,
Projeto Núcleos de Mobilização Social/Escola Cidadã, 2004).
Para os alunos, a dimensão do aprendizado torna-se possível à medida que o
conhecimento passa a ser aplicado e reeditado por eles em diferentes situações, ampliando sua
compreensão a respeito da sociedade. Nesta proposta, o trabalho com os adolescentes foi
voltado, portanto, para a formação do indivíduo mais participativo e atuante na sociedade,
criando e proporcionando espaços de trocas de informações que favoreçam o
desenvolvimento da sociabilidade, cooperação e respeito mútuo, facilitando uma
aprendizagem mais significativa.
Com base nestes enfoques, o Projeto Escola Cidadã previu cinco fases de atividades
envolvendo professores e alunos: mobilização e seleção, formação, construção do Projeto
Educativo, execução do Projeto Educativo e monitoramento. Após a fase de monitoramento
das ações, a intenção era que o grupo de professores e alunos alcançasse autonomia para dar
continuidade à ação sem a intervenção dos educadores da organização. No quadro abaixo,
explicamos cada uma destas fases:
123
Mobilização e Seleção - Com os professores (no mínimo, dois por escola), esse processo utilizou
como principais critérios: a adesão à proposta; a identificação do professor com a proposta e o interesse em
participar; e a disponibilidade da escola e do professor em negociar o tempo necessário para as atividades,
considerando a carga horária de sala de aula. Após o processo de seleção, os professores participaram de
uma entrevista e de uma reunião de grupo focal, abordando respectivamente duas questões importantes: suas
expectativas e intenções em relação ao projeto; e a identificação do seu vel de conhecimento nas áreas de
participação, direitos da criança e do adolescente e educomunicação.
Com os alunos/adolescentes cerca de 224 no total, 16 por turma a mobilização, a princípio,
seria feita pelo professor, em sala de aula, considerando que efetivamente teriam que integrar as turmas em
que este professor estivesse atuando. Sua atribuição era repassar aos alunos as linhas gerais da proposta e
convidá-los a participar do encontro de sua apresentação a ser feita pela equipe da Uga-Uga.
Formação/ Capacitação Para os 28 professores, o Projeto previu uma carga horária de 103
horas, distribuídas entre três oficinas durante quatro meses. Além dos conteúdos temáticos e técnicas da
comunicação, as oficinas incluiriam dinâmicas de grupo, materiais didáticos (textos, vídeos, Manual do
Fanzine, etc.) e pedagógicos das áreas de participação juvenil, direito, cidadania e construção do
conhecimento; e atenderiam ao seguinte formato:
· Oficina 1 - Participação Juvenil com ênfase nos direitos e cidadania
Conteúdo: Conceitos e Práticas de Participação Juvenil, reflexões sobre Direito e Cidadania / ECA; Ser
professor - a importância do educador para a sociedade, a interação com os alunos, postura, valores e a
prática pedagógica – 20 horas;
· Oficina 2 - Conceitos e práticas de Educomunicação
Conteúdo: Introdução às ferramentas da Comunicação, conceitos e práticas – 20 horas; Como fazer /
produzir: Programa de Rádio – 15horas; História em Quadrinhos – 15horas; e
Fanzine / Jornal impresso 25horas. Após a introdução às Ferramentas da Comunicação Conceitos e
Práticas, professores e alunos já começam a ser capacitados na linguagem de comunicação específica,
definida pelo grupo;
· Oficina 3 - Elaboração de Projetos Pedagógicos
Conteúdo: Utilização de linguagens de comunicação como ferramenta didático-pedagógica em sala de aula
– 8 horas.
Além de capacitar os professores, as oficinas tinham a finalidade de incentivar o trabalho coletivo
entre os professores, propiciando discussões, reflexões e a cooperação entre eles.
A formação dos adolescentes/alunos (16 alunos por escola) se assemelharia a dos professores, com
exceção do aspecto multiplicador. Por meio de oficinas, foram abordadas as temáticas: Participação Juvenil
e Direitos e Cidadania; Ser Adolescente um processo de formação; Informática Básica; Introdução às
Ferramentas de Comunicação (rádio, fanzine e história em quadrinhos); e Elaboração de Projetos
Pedagógicos utilizando estratégias de educomunicação como ferramenta didática em sala de aula.
O conteúdo programático e carga horária foram:
· Oficina 1 - Ser Adolescente
Conteúdo: Reflexão sobre a construção da subjetividade do adolescente, comportamentos, atitudes, valores,
ética, sentimentos e emoções - 9horas.
· Oficina 2 - Participação Juvenil
Conteúdo: Reflexão sobre formas de atuação em processos participativos. O que é preciso para promover a
participação, trabalhando as questões de comportamento, atitudes, respeito e valorização do outro 18
horas.
· Oficina 3 - Informática e Internet
Conteúdo: Utilização da Informática, Office, Internet e Website como meio de educação e inclusão
digital – 21 horas.
· Oficina 4 - Formação na Área da Educação pela Comunicação
Conteúdo: Vivência em processos de produção de: jornal impresso/fanzine 24 horas; Rádio 15
horas; História em Quadrinhos 15 horas; e Reflexão sobre os meios de comunicação como espaço de
construção e socialização do conhecimento – 15 horas.
124
Quadro 11 – Projeto Escola Cidadã, 2003/2004.
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
O calendário engessado das escolas trouxe o primeiro grande desafio do projeto: que
tempo os professores teriam disponível para desenvolver uma ação que não faz parte do
calendário oficial da escola. Por sugestão dos próprios professores as oficinas foram
programadas para serem ministradas nos dias dedicados às Horas de Trabalho Pedagógico
(HTP), que em comum acordo com a escola, passaram a ser destinadas as atividades do
projeto.
Um segundo desafio, de ordem estrutural, mas recorrente na rede: a entrada de uma
nova gestão executiva. Pelo fato de a ONG não estar conveniada formalmente com a Semed
para a execução do Projeto, suas atividades anteriores não foram reconhecidas pelo órgão
como uma ação complementar à escola. Isso comprometeu todo o calendário de 2006,
construído em parceria com as escolas.
Durante os dois anos (2004 e 2005) de atividades da versão experimental do Projeto
Escola Cidadã, tivemos a participação de 22 professores de 13 escolas da 5ª a 8ª séries da rede
§ Oficina 5 - Elaboração de Projetos Pedagógicos
Conteúdo: Estratégias de educomunicação como nova ferramenta didática em sala de aula 8
horas.
Todas as oficinas incluiriam atividades diversas como dinâmicas de grupo, vivências, exercícios de
criatividade, leitura, interpretação e produção de texto em diferentes estilos.
Construção e execução do Projeto Educativo A partir desta fase se inicia o trabalho em
parceria entre professores e alunos. Trata-se de uma ação conjunta, parceira e democrática entre professores,
alunos e corpo técnico da escola, alicerçado no discurso da participação, que coloca os alunos como agentes
sociais e não como simples executores de tarefas. Esta etapa é facilitada e monitorada, de maneira contínua,
por um educador da Agência Uga-Uga.
Durante a execução dos projetos, cada grupo de adolescente, por escola, tem reunião com o
educador/facilitador uma vez por semana e a cada quinze dias com o seu professor - este encontro é
acompanhado pelo educador/facilitador que tem um papel de mediador das discussões, possibilitando um
clima de descontração e confiança para o desenvolvimento das atividades. Nessa etapa, a Agência também
suporte técnico direto, orientando, acompanhando, discutindo, planejando e avaliando junto com os
professores e adolescentes/alunos as atividades desenvolvidas em cada escola.
Monitoramento – O monitoramento é realizado durante cinco meses, por meio de encontros
presenciais, a cada quinze dias, com professores, com alunos e entre professores e alunos. Após o período
de testagem, os professores devem estar preparados para dar continuidade ao processo educativo de forma
autônoma, recebendo apoio mais indireto da equipe da Agência Uga-Uga. A partir deste período os
encontros passam a acontecer uma vez por mês.
125
municipal de ensino de Manaus; além de 140 alunos/adolescentes com idade entre 12 e 19
anos. E como resultados, durante o período: professores mais sensibilizados para incentivar a
participação dos alunos nos processos de construção da cidadania; professores com idéias
novas que possam contribuir para o processo de ensino aprendizagem; professores dispostos a
construir e desenvolver juntos com seus alunos projetos educativos. Alguns relatos dos
professores produzidos no decorrer do trabalho confirmam essas mudanças:
Acredito que a mudança para o novo parte de cada um, na tentativa de evoluir como
agente social.
Estamos tendo a oportunidade de fazer a diferença na educação.
Através da prática diária, é nosso compromisso despertar no aluno uma consciência
crítica, transformadora, capaz de recriar sua própria realidade.
Dialogar e fazer com que o aluno perceba que são cidadãos, construtores e
participativos. Essa é a nossa missão.
O projeto Uga-Uga é um dos melhores que será implantado na escola nos dias de
hoje. Vai incentivar a comunidade a participar mais da educação de seus filhos,
tornando-os mais responsáveis e livres para caminhar com suas próprias idéias.
Esse novo universo (nova porta) é grandioso, pois mesmo que seja apenas 15
minutos no ar é uma grande responsabilidade. O que se sucederá só o caminhar pode
nos mostrar...se houver falha ou algo parecido nos servirá para aprimorar.
Implantar uma Rádio Escolar é de grande importância, vai motivar alunos e mudar
até mesmo o sistema da própria escola (AGÊNCIA UGA-UGA DE
COMUNICAÇÃO, Relatório de Atividades, 2005).
Abaixo, citamos trecho do texto de avaliação do aproveitamento dos professores
durante as oficinas, produzido pela consultora pedagógica da organização Flávia Carvalho:
No decorrer das atividades percebemos que existia um distanciamento entre o
discurso teórico e a valorização do jovem como sujeito ativo para desenvolver uma
prática no espaço do cotidiano escolar. Nos relatos percebemos as dificuldades em
encontrar estratégias que possibilitem a relação de construção entre o aluno e o
professor de forma a propor uma relação dialógica em que confirma como
inquietação e curiosidade na construção de um conhecimento coletivamente
construído. Identificamos que o professor está sedento de como operacionalizar sua
ação partilhada,tendo clareza em alguns momentos desta necessidade (Relatório
Técnico, 1995).
O Projeto escola Cidadã, atualmente, está em negociação com a Secretaria Municipal
de Educação, na perspectiva de ser retomado nas escolas da rede, ainda este ano (2007). A
estrutura é a mesma. Mas, discute-se a possibilidade de a metodologia ser transversalizada na
grade curricular da 5ª a 8ª séries da rede municipal de ensino de Manaus.
126
2. 3. A fundação da Agência Uga-Uga de Comunicação e sua integração à
Rede ANDI Brasil
A massiva mobilização da sociedade civil, nas últimas duas décadas, resultou na
incorporação progressiva da abordagem dos direitos humanos de crianças e adolescentes na
legislação e nas políticas públicas brasileiras. A inserção de políticas públicas de proteção à
infância e adolescência na Constituição Federal de 1988, bem como a criação do Estatuto da
Criança e do Adolescente dois anos depois, são decorrentes desse processo.
Segundo Peruzzo (2005), vivemos no Brasil uma democracia consolidada e que se
fortalece progressivamente. E no contexto da sociedade civil percebe-se uma prontidão em
contribuir para a ampliação dos direitos e deveres de cidadania, “refletida no crescente
número de ONGs (Organizações Não-Governamentais), associações e movimentos
organizativos de toda a espécie” (PERUZZO, 2005, p. 88). Um movimento que tem história
em torno dos direitos sociais e políticos, inclusive agregando a essas lutas a busca pelo acesso
aos meios de comunicação como “direito de exercer a liberdade de expressão tanto em nível
individual como coletivo”.
A Agência Uga-Uga de Comunicação, organização não-governamental, sem fins
lucrativos, instituída em abril de 2000, resultou desse cenário, inaugurando no movimento da
sociedade civil de Manaus um modelo de organização com fim público, desassociado da
filantropia e do assistencialismo; focado na prevenção das situações de risco social de
meninos e meninas; e na criação de uma cultura efetiva de participação protagônica de
crianças, adolescentes e jovens como agentes sociais na escola, na família e na comunidade; e
de uso da comunicação para o desenvolvimento social.
As características que dão identidade à Agência não têm semelhança com os tipos
predominantes de entidades da sociedade civil comuns nas décadas de 60 e 70. Com base na
127
publicação “Da árvore à Floresta”, que conta a história da Rede ANDI Brasil, as diferenças
entre essas entidades são de caráter político e estratégico:
Enquanto as mais antigas eram caracterizadas por certas polaridades ou, para usar
um termo da época, por questões dialéticas (esquerda-direita, capitalismo-
comunismo, capital-trabalho, etc), as organizações s-queda do Muro de Berlim
(1989) passam a adotar agendas ainda mais complexas, que exigem também
discussões de maior profundidade e abrangência, nas quais o tema do extrato social
surge como um dos aspectos em foco. Esse é o quadro verificado, por exemplo, em
áreas como meio ambiente, educação e, no caso em pauta, dos direitos das crianças e
dos adolescentes (ANDI e Rede ANDI Brasil, 2005, p.20).
O grande diferencial destas novas ONGs está relacionado, sobretudo, ao momento de
sua implantação, ou seja, durante a expansão do que veio a ser chamado no Brasil de Terceiro
Setor um universo de organizações que entre 1996 e 2002 gerou 500 mil novos empregos,
de acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Associação
Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG); mas que também trouxe o
dilema de uma outra “lógica”, a lógica privatista e de minimalismo estatal de cunho neoliberal
(LANDIM, 2002).
A Uga-Uga nasceu de uma associação entre jovens protagonistas e educadores que
tinham um propósito comum: contribuir para a melhoria da qualidade de vida de crianças,
adolescentes e jovens amazonenses por meio de práticas de participação juvenil e da
utilização de ferramentas da comunicação na educação. Experiência que vinham testando
desde 1997, em escolas públicas de Manaus com a participação de adolescentes da periferia,
por meio de dois projetos: Jornal Uga-Uga e Núcleos de Mobilização Social.
A primeira idéia - sugerida pelo Unicef -, era criar uma agência de notícias, cujos
gestores seriam os próprios adolescentes e jovens. O grupo chegou a visitar duas agências a
Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), em Brasília; e a Agência Emaús de
Notícias, em Belém, no Pará -, como atividade de intercâmbio. Porém, embora os dois
projetos em execução estivessem alicerçados no campo da comunicação, não se configuravam
politicamente somente como “produtores de notícias”. Também estavam fundamentados em
outras áreas essenciais ao desenvolvimento cidadão dos adolescentes como participação
128
juvenil, fortalecimento de lideranças juvenis, mobilização social, replicação do método na
escola e políticas públicas de educação.
Por outro lado, tínhamos também a proposta da ANDI em fundar uma rede de
comunicadores pelos direitos da criança e do adolescente, cujos membros seriam
organizações da sociedade civil brasileira que tivessem uma vivência no campo da
comunicação, infância e adolescência. A proposta da Rede seria replicar em agências
regionais as tecnologias e métodos de qualificação e mobilização da ANDI testados oito
anos, com o objetivo de mobilizar a mídia local.
Mas, esse trabalho apresentava uma gica diferenciada das ações até então
vivenciadas pelo grupo, sobretudo pelos adolescentes. Teria que ser feito por jornalistas
profissionais e estagiários, estudantes de jornalismo; a proposta chegava com um pacote de
ações sistematizadas; e requeria, para integrar a Rede, uma organização não-governamental
formalizada, ou seja, com identidade jurídica consolidada. De antemão, não cabia, por
exemplo, a participação direta dos adolescentes na execução das atividades.
A concepção da Agência, desde a elaboração do Estatuto Social, do Regimento Interno
e outras regras de funcionamento, foi feita a partir dos mesmos processos até então utilizados
pelo grupo: estudos, discussões e decisões coletivas e participativas. No entanto, era fato que
o grupo fundador - entre jovens e educadores -, em 1999, não tinha conhecimento e
experiência nessa área e isso significou um “processo” de longo prazo cerca de um ano
para que conseguisse chegar ao nível de registrar em cartório o Estatuto e a Ata de fundação
da organização.
Primeiro era necessário conhecer toda a legislação vigente, inclusive, optar por
Associação ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) optamos por
Associação; segundo, criar um Estatuto que refletisse a identidade social da Agência -
organização cujos membros, em sua maioria, estavam em fase de amadurecimento pessoal,
129
social e político -, mas, também, que priorizasse uma atuação mais profissional com vistas à
sua autonomia e fortalecimento institucional. Isso causou, nos primeiros anos, muitos
conflitos e desacertos na forma de condução da instituição.
O primeiro deles referiu-se exatamente à gestão. Enquanto parte do grupo acreditava
que a direção executiva da ONG deveria ser ocupada por um dos jovens ou adolescentes, a
outra parte entendia que caberia a um adulto o cargo de direção geral da organização. Por
meio de assembléia, a maioria decidiu pela gestão de um adulto a então coordenadora dos
projetos na Secretaria, jornalista Eneida Marques -, considerando a experiência, a maturidade
e qualificação na área de comunicação. Mas, também, decidiram por uma gestão participativa,
em que os membros da ONG, em especial, os gestores de projetos, estariam engajados nos
processos de decisão.
O segundo grande conflito foi relativo à integração da Agência Uga-Uga à Rede
ANDI Rede de Comunicadores pelos Direitos da Infância (atualmente, Rede ANDI Brasil
de Comunicadores pelos Direitos da Criança e do Adolescente), uma proposta que, como
dissemos anteriormente, chegava sistematizada, com etapas, atividades e conteúdos
organizados.
O grupo de adolescentes questionava o formato do projeto, um “pacote” de ações,
baseado nas metodologias desenvolvidas pela ANDI ao longo de oito anos, que estava
pronto para ser executado. Ou seja, o grupo havia enraizado a cultura do método “aprender
fazendo”, do construtivismo coletivo e não se sentia confortável com uma atividade que não
tinha essas características e, tampouco, espaço para práticas de participação juvenil.
Apesar desse posicionamento dos jovens ter coerência, do ponto de vista do
sentimento de autoria que os projetos de comunicação, educação e participação devem gerar e
preservar nos jovens participantes, a Agência Uga-Uga, agora uma organização da sociedade
civil institucionalizada, por uma questão de sobrevivência política não poderia se fechar para
130
ações da natureza da Rede ANDI e tampouco para outros projetos que pudessem agregar
valor à sua missão, mesmo não tendo o seu DNA.
Integrar uma rede nacional de comunicadores pelos direitos infanto-juvenis,
significava para a Agência, naquele momento de recém-fundação uma oportunidade única e
estratégica de dar visibilidade local e nacional à organização - o nome ANDI trazia uma
chancela importante de credibilidade e articulação política -, além de fazer parte de um grupo
de ONGs que estaria realizando um trabalho pioneiro no Brasil de mobilização da mídia em
torno da promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Em março de 2000, em Brasília, quatro organizações não-governamentais
ANDI/DF, Cipó/BA e Agência Uga-Uga/AM fundavam a Rede ANDI (atualmente
composta por 11 ONGs). Mas, a Agência Uga-Uga de Comunicação ficaria formalmente
constituída no mês seguinte, no dia 26 de abril. A partir de sua fundação, em comum acordo
com a Secretaria Municipal de Educação - SEMED e com o apoio do UNICEF, os projetos
Jornal Uga-Uga e Núcleos de Mobilização Social passaram a fazer parte da ONG, assim como
o Projeto Núcleo de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente, criado
exclusivamente para desenvolver em Manaus as ações da Rede ANDI Brasil.
Contudo, se por um lado a conquista do sonho, pelo grupo, de fundar uma organização
não-governamental para tocar seus próprios projetos sem a tutela da Secretaria Municipal de
Educação, significava um passo a frente em busca de autonomia; por outro, demandava auto-
suficiência financeira, gestão administrativa e financeira básicas, maior foco nos resultados,
importância da qualidade do produto e não do processo e, principalmente, uma postura
mais profissional dos jovens da instituição, agora integrados, por equipe, aos projetos.
Este foi um fator de grande dificuldade para a Agência, considerando que nem a
equipe estava preparada para adotar essa nova postura, e nem a gestora para “administrar” o
processo de amadurecimento do quadro de colaboradores. É que a partir daquele momento o
131
grupo precisava considerar que, para o parceiro financiador, o projeto apoiado tem que
cumprir o cronograma, ter resultados qualitativos e quantitativos e impactar o público
preferencial.
Manter a sobrevivência de uma ONG, da área social, com foco na infância e
adolescência, na Amazônia, não é tarefa cil, dizia a jornalista Ofélia Ferreira, oficial de
Comunicação do Unicef que, em 2000, apoiou a fundação da Agência. O tempo viria
confirmar essa observação. Primeiro porque em organizações com esse perfil, precisamos
captar recursos permanentemente para manter a infra-estrutura institucional (aluguel, energia,
telefone, internet, assinatura de jornais, faxina semanal, transporte, material de escritório e
limpeza, etc.), os projetos meio, e os salários do corpo administrativo (diretor, coordenador de
administração e finanças e assistente).
Segundo: ONGs como esta não dependem financeiramente de recursos públicos,
como a maioria das organizações da sociedade civil local, que atua na área do atendimento a
crianças e adolescentes. Nossas fontes de recursos têm sido, normalmente: fundações,
institutos, organismos internacionais e FIA (Fundo Municipal da Infância). As empresas
privadas locais ainda não adquiriram a cultura de apoiar projetos de intervenção social de
médio e longo prazo – fazem doações pontuais e campanhas para arrecadar alimentos, roupas,
etc. para instituições de abrigo e assistência.
E terceiro: por conta dos motivos acima, que geram instabilidade financeira nesta
“banda pobre” do chamado Terceiro Setor, temos dificuldade de contratar e manter quadros
qualificados de profissionais na organização. A maior dificuldade neste campo é manter o
profissional, considerando que quando termina o recurso financeiro do projeto, a instituição
não tem como continuar pagando seu salário. Ou seja, ou a ONG preventivamente captou
recursos para manter por mais tempo a ação, ou perde o profissional que na maioria das
vezes já está qualificado e experiente na função que exercia.
132
De qualquer forma, o “fazer pedagógico” diferenciado que a Agência Uga-Uga veio
empreendendo ao longo de sua trajetória, sempre foi um ponto positivo. Isso, em vários
momentos, chamou a atenção de instituições financiadoras de projetos voltados para a
promoção da cidadania de crianças e adolescentes. Além do Unicef, a ONG teve parceiros
importantes como Petrobrás, Save the Children-Suécia, União Européia, Fundação Kellog,
Fundação Avina e Novib/Missão Criança (estes quatro últimos apoiaram a Rede ANDI).
Em 2002, a Agência foi convidada pelo Instituto WCF Brasil (mantido no país pela
rainha Silvia, da Suécia) a elaborar uma proposta de enfrentamento à violência sexual Infanto-
juvenil no Amazonas. O grupo aceitou o desafio criando o seu quarto projeto: o Projeto
Apoena, que passou a desenvolver atividades de combate à violência sexual contra meninos e
meninas, tanto na capital, quanto no interior do Estado.
Em Manaus, capacitou 62 professores da rede municipal de ensino e produziu um
manual de orientação para educadores; realizou oficinas de sensibilização para jornalistas,
criando também o Guia para jornalistas na cobertura de casos de Violência Sexual; e no
interior, além de mobilizar atores sociais e operadores dos direitos, elaborou, junto com a
comunidade, o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil de
quatro municípios: Coari, Parintins, Tabatinga e Tefé.
Desse período até 2005, a Agência conquistou mais dois parceiros cuja contribuição
financeira foi fundamental para o seu fortalecimento institucional: a Fundação Avina (órgão
financiado por empresários suíços), que apóia lideranças sociais em todo o Brasil; e o Instituto
C&A, que investe fortemente em ações que envolvem comunicação, educação e participação.
Na área de articulação política junto a outras organizações da sociedade civil com
enfoque na infância e adolescência, a Agência Uga-Uga de Comunicação trilhou, nestes seis
anos de atuação, um caminho de credibilidade institucional e de qualidade de serviços,
tornando-se referência no Amazonas nas áreas de participação e mobilização juvenil;
133
comunicação pela promoção dos direitos de crianças e adolescentes; e mobilização da mídia.
No Amazonas a organização passou a integrar: o Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente (FEDCA-AM), o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA), e o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Combate ao
Abuso e Exploração Sexual (PAIR).
Na esfera nacional, além da Rede ANDI, a Agência está associada à Rede de
experiências em Comunicação, Educação e Participação (Rede CEP), que congrega treze
organizações (entre ONGs, OGs, universidades e fundações) que têm como proposta central
inserir práticas comunicativas no ensino. A meta principal desta Rede é construir uma
proposta abrangente de política pública envolvendo mídia e escola.
Atualmente, a missão institucional da Agência Uga-Uga está vinculada à promoção de
políticas públicas de incentivo à formação cidadã de crianças, adolescentes e jovens do
Amazonas, por meio de estratégias de educação, comunicação, participação e mobilização
social, que respeitem a sociodiversidade, a etnodiversidade e a diversidade cultural.
2. 3.1. Mobilização da Mídia para a Promoção dos Direitos Infanto-Juvenis
Os indicadores sociais relativos ao universo da infância e adolescência tantos os
nacionais quanto os do Amazonas -, demonstram que a sociedade brasileira ainda não está
suficientemente mobilizada para as devidas pressões por políticas públicas e para busca de
soluções que alterem esses números.
Para a Rede ANDI Brasil de Comunicadores pelos Direitos da Criança e do
Adolescente o atual quadro social demanda uma atitude de co-responsabilidade dos
profissionais da comunicação e dos atores sociais e operadores dos direitos infanto-juvenis.
Esta mobilização passa, necessariamente, pela co-responsabilidade dos profissionais
de comunicação e fontes de informação na construção de um jornalismo que
investigue a realidade da infância e adolescência, com ênfase na organização de
134
ações e investigações comunicacionais e jornalísticas que priorizem o entendimento
público e o atendimento pelas políticas públicas e ações a elas complementares
(inclusive as intersetoriais) das necessidades da infância e adolescência, sempre
sob a ótica do combate à desigualdade, na promoção da equidade social e de uma
cultura nacional de solidariedade e tolerância (AGÊNCIA UGA-UGA DE
COMUNICAÇÃO, Projeto Núcleo de Notícias dos Direitos da Criança e do
Adolescente, 2005).
É fato que a mídia tem forte influência na formação da opinião de diversos segmentos
da sociedade e fica evidenciada a necessidade de sua participação nas atividades de
conscientização e mobilização de jovens, pais, educadores, e sociedade como um todo. Nessa
perspectiva, os comunicadores podem cumprir um papel importante, tanto como orientadores
quanto como facilitadores do processo de formação para a cidadania.
No entanto, é necessário que se faça um trabalho de sensibilização destes
profissionais, para que possam aprimorar o interesse e a responsabilidade social na divulgação
das matérias que envolvem crianças e adolescentes. E foi com este fim que a Agência Uga-
Uga criou o Projeto cleo de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente para a
execução das ações da Rede ANDI.
A trajetória do Núcleo, criado em abril de 2000 praticamente no mesmo período de
fundação da Agência para desenvolver no Amazonas a metodologia da ANDI de
monitoramento e análise da dia, confunde-se com a própria história do projeto Rede ANDI
Brasil, no aspecto das ações focadas no tripé conceitual: monitoramento de mídia e estatística;
mobilização; e qualificação e análise de mídia.
A proposta da Rede, por meio das organizações que a integram e seus respectivos
projetos (núcleo ou agência de notícias), é colaborar com os meios de comunicação para
estimular uma cultura jornalística de compromisso social baseada nos direitos humanos e na
defesa e proteção dos direitos da criança e do adolescente. Portanto, esta também é a
finalidade do Núcleo de Notícias junto à mídia, atores sociais, estudantes e professores
universitários locais.
135
Os principais objetivos do Núcleo são: a organização e qualificação do diálogo entre
atores sociais e organizações que produzem e difundem informações; ampliação da
capacidade de investigação de pautas e dados referentes à situação da infância e adolescência
no Amazonas; a capacitação de estudantes universitários e jornalistas para atuar como
lideranças e agentes de comunicação e mobilização social; e o estímulo a uma cultura de
comunicação entre as organizações do Terceiro Setor.
O Núcleo de Notícias desenvolve um conjunto de produtos e ações de mobilização de
jornalistas e fontes de informação para a qualificação da cobertura das temáticas ligadas ao
universo infanto-juvenil, além de monitoramento dos jornais do Estado. Estão assim
sistematizados no quadro a seguir:
Monitoramento de Mídia e Estatística
· Clipagem e classificação da produção jornalística sobre infância e adolescência dos seis jornais
amazonenses (A Crítica, Diário do Amazonas, Amazonas em Tempo, Jornal do Commercio, O
Estado do Amazonas e Correio Amazonense).
· Edição diária do Clipping AM A Criança e o Adolescente na Mídia com o resumo das principais
notícias veiculadas sobre o universo infanto-juvenil nos jornais, enviado para profissionais dos
meios de comunicação, estudantes e professores do curso de Comunicação Social, e organizações
governamentais e não governamentais.
Mobilização de jornalistas e fontes de informação
· Visitas a redações de jornais, rádios e TVs.
· Apoio às agendas das organizações sociais e construção de pontes entre elas e os profissionais de
comunicação.
· Banco de Projetos Sociais e Fontes, disponível por meio de link do site da Rede ANDI, que oferece
ao jornalista bancos de projetos de todos os estados do Brasil, e cerca de duas mil fontes com dados
de contato de especialistas em diversos temas.
· Preparação de pautas especiais.
· Atendimento diário às demandas dos jornalistas no desenvolvimento de suas reportagens.
· Envio da agenda semanal Prioridade Absoluta com os principais acontecimentos relacionados com
os direitos da população infanto-juvenil e sugestões de pauta.
Qualificação de jornalistas, fontes de informação e estudantes universitários
· Edição da pesquisa “A Criança e o Adolescente na Mídia do Amazonas”, que atualmente destaca
uma análise quantitativa e qualitativa do comportamento editorial dos jornais amazonenses diante
dos assuntos ligados à área.
· Realização de Oficinas de Interação com a participação de jornalistas e fontes de informação para
discussão de caminhos para o aprimoramento da cobertura de determinadas temáticas.
· Aprofundamentos temáticos nas redações de jornais, rádios e televisões.
· Inclusão de temáticas relativas a jornalismo e infância nas atividades de ensino, pesquisa e
extensão universitárias por meio de palestras, debates e projetos em parceria com as universidades.
· Realização do Programa de Formação em Comunicação e Mobilização Social para estudantes
universitários, desenvolvido por todas as agências.
· Atendimento diário às demandas de estudantes universitários no desenvolvimento de seus trabalhos
acadêmicos.
136
Quadro 12 – Projeto Núcleo de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente/Rede ANDI
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
Os quatro principais produtos de comunicação que fazem parte do pacote básico das
ações desenvolvidas pela Rede, assim como as ações de mobilização, têm uma metodologia
sistematizada. Por ser uma proposta de disseminação das tecnologias de comunicação da
ANDI, trouxe um formato enxuto e estruturado que, durante seis anos, foi se consolidando
nas ONGs integrantes da Rede ANDI. O processo de produção desses produtos reflete o
cuidado com a qualidade e, conseqüentemente, com sua eficácia no cumprimento dos
objetivos. No quadro a seguir, os quatro produtos do pacote básico da Rede:
Quadro 13 – Projeto Núcleo de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente/Rede ANDI
FONTE: Agência Uga-Uga de Comunicação, 2006.
1. Clipping AM - A Criança e o Adolescente na Mídia - É realizado, diariamente, a partir
da clipagem e seleção de todas as matérias veiculadas sobre crianças e adolescentes nos cinco jornais
impressos locais. Dentre as matérias selecionadas, de três a quatro são resumidas e enviadas pela internet
para cerca de 700 pessoas (mailing list atual), entre profissionais dos meios de comunicação, estudantes e
professores do curso de Comunicação Social, e organizações governamentais e não governamentais ligados
à área da infância e da adolescência.
Essa estratégia tem por finalidade circular/democratizar a informação, ampliar a visão
sobre a mídia, e prestigiar as boas matérias, dando visibilidade ao trabalho dos jornalistas que tratam
questões da infância e adolescência com mais sensibilidade. É uma forma de divulgar as boas notícias e
também os comunicadores que se esforçam para promover os direitos do público infanto-juvenil.
2. Agenda Prioridade Absoluta - Boletim semanal que tem como objetivo sugerir pautas
e sensibilizar jornalistas para as atividades do terceiro setor relacionadas aos temas da criança e
adolescência; de contribuir com o acesso do terceiro setor à grande mídia; e de ser ainda um canal entre a
mídia e as crianças e adolescentes. O objetivo do Prioridade é estimular comunicadores a produzirem
reportagens cujo foco seja oblico infanto-juvenil.
3. Pesquisa A Criança e o Adolescente na Mídia do Amazonas - Análise quantitativa e
qualitativa da cobertura da mídia impressa sobre os temas relacionados à criança e ao adolescente. Analisa
também os vícios e linhas editoriais; as fontes de informação mais consultadas e o equilíbrio entre as
matérias que apontam denúncias e as que divulgam experiências e projetos bem sucedidos na área. A cada
edição (anual), a pesquisa traz duas análises especiais sobre dois temas distintos. O tema principal é
trabalhado por todas as agências da Rede ANDI. O tema secundário é escolhido por cada agência de acordo
com a realidade da mídia de cada estado. A produção das duas análises conta com a participação de
consultores (especialistas), que são convidados a analisar a cobertura da mídia sobre os temas destacados.
4. Banco de Projetos Sociais/Guia de Fontes - Apresenta a listagem dos projetos
desenvolvidos por entidades da sociedade civil, de órgãos governamentais e não governamentais, voltados
para crianças e adolescentes, assim como a listagem dos principais especialistas na área da infância e
adolescência. Hoje, o Banco conta com mais de cem projetos cadastrados e está disponível no site da Rede
ANDI.
137
Com base nos dados obtidos pela realização da pesquisa A Criança e o Adolescente na
Mídia do Amazonas foram produzidas seis edições entre 2000 e 2005 é possível avaliar o
impacto da ação da Rede no Amazonas.
No ano em que a Agência Uga-Uga de Comunicação iniciou as atividades da Rede
ANDI (2000), foram publicadas 3.177 matérias sobre crianças e adolescentes pelos jornais
impressos de Manaus. Em 2004, esse número chegou a 8.449 notícias. Em quatro anos de
atuação do Núcleo de Notícias tivemos um aumento de 166% do número de matérias, ou seja,
as notícias quase triplicaram.
Em 2004, o Núcleo de Notícias produziu e distribuiu 240 edições do Clipping AM – A
Criança e o Adolescente na Mídia para um mailing list de aproximadamente 700 pessoas,
entre veículos e profissionais de comunicação; estudantes e professores de Comunicação
Social, órgãos governamentais e não governamentais. Também produziu e distribuiu 47
edições da Prioridade Absoluta (agenda semanal com os principais acontecimentos na área da
infância) para a mesma listagem.
Nesse ano foram enviadas para os veículos de comunicação 44 sugestões de pauta e 16
pautas especiais, que geraram 138 matérias e 51 notas originadas das sugestões de pautas
enviadas aos jornais. Na área de apoio foram realizados 63 atendimentos, por telefone e
presenciais, a solicitações de informações de jornalistas, estudantes, professores e órgãos
governamentais.
Participamos como palestrantes da Semana de Comunicação do Centro
Universitário do Norte; e divulgamos a edição da pesquisa A Criança e o Adolescente na
Mídia do Amazonas nos jornais A Crítica, Diário do Amazonas e Jornal do Commercio, e nos
cursos de jornalismo do Centro Universitário Nilton Lins e da Universidade Federal do
Amazonas.
138
A pesquisa teve maciça distribuição nessa edição: 380 exemplares para profissionais
da mídia amazonense (rádio, TV e jornal) da capital e do interior; 250 exemplares na
Universidade Federal do Amazonas, durante reunião do SBPC (Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência); 300 exemplares na Semana de Comunicação do Centro
Universitário do Norte; 120 exemplares no Centro Universitário Nilton Lins; 130 exemplares
para órgãos governamentais e não governamentais; 200 exemplares em eventos.
Em 2005, todas as atividades do cleo, assim como das outras agências da Rede,
estiveram focadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 15 anos. Num
processo de produção coletiva, as agências publicaram pesquisas contendo análises e artigos
sobre a abordagem da mídia ao Estatuto durante esse período. A Uga-Uga publicou a pesquisa
O Estatuto da Criança e do Adolescente na dia Impressa Amazonense um olhar sobre a
cobertura do ECA nas notícias publicadas em 2004.
Além da metodologia sistematizada, o projeto Núcleo de Notícias planeja
semanalmente suas atividades e monitora e avalia resultados. O plano de trabalho possibilita
uma melhor distribuição das tarefas e um melhor aproveitamento do tempo. A equipe registra
todas as atividades executadas como: número de clippings, boletins Prioridade Absoluta,
pautas especiais, atendimentos, participações em eventos externos, realização de visitas e
palestras em redações e universidades.
O Núcleo também acompanha, por meio da clipagem dos jornais, o número de
matérias geradas sobre os projetos da Agência e pelas sugestões de pauta enviadas aos
jornalistas. Mensalmente, produz um relatório, com o registro das atividades desempenhadas
e os resultados alcançados.
Todo esse trabalho focado na mobilização da mídia amazonense para as questões da
infância e adolescência tem se fortalecido porque é uma ão em rede, ou seja, uma força
social que se consolida por causa do poder de articulação de rias organizações em torno de
139
uma metodologia e de propósitos compartilhados. Para a Rede ANDI, a principal vantagem
do trabalho em rede está relacionada “à possibilidade de colocar em prática uma atuação mais
estratégica frente a algumas temáticas emergentes, o que contribui e muito – para o
aprimoramento de políticas públicas e dos mecanismos de controle social” (ANDI e REDE
ANDI, 2005).
A Rede ANDI é uma aliança que congrega onze organizações não-governamentais de
diferentes regiões geográficas do Brasil: ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(Brasília - DF), Oficina de Imagens (Belo Horizonte - MG), Auçuba – Comunicação e
Educação (Recife - PE), Cipó Comunicação Interativa (Salvador - BA), Ciranda Central
de Notícias dos Direitos da Infância (Curitiba - PR), Agência Uga-Uga de Comunicação
(Manaus - AM), Associação Companhia TerrAmar (Natal - RN), Girassolidário Agência de
Notícias em Defesa da Infância (Campo Grande -MS), Missão Criança (Aracaju – SE),
Catavento Comunicação e Educação Ambiental (Fortaleza CE) e Matraca Agência de
Notícias da Infância (São Luís – MA).
140
CAPÍTULO III
SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS –
TRAÇANDO NOVOS CAMINHOS
141
Nos capítulos anteriores discutimos e transcrevemos, respectivamente, teorias e
práticas que contribuíram para a consolidação das atividades da organização não-
governamental Agência Uga-Uga de Comunicação que inter-relacionam comunicação,
educação e participação. Apontamos para os esforços de reunir referências teóricas que
fundamentam os três campos em questão e de traduzir as experiências vivenciadas pela ONG
nessas áreas, por meio da descrição e análise dos projetos que a originaram.
No presente capítulo estaremos realizando um esforço de sistematização das teorias e
práticas na perspectiva de propor metodologias que possam contribuir com a melhoria e
qualidade do trabalho da organização e, conseqüentemente, com o avanço do funcionamento
da Escola, considerando que as atividades da Agência estão voltadas a essa instituição.
Para isso, inter-relacionaremos as teorias da Ação Comunicativa e Ação Dialógica; e
os campos da Comunicação e Educação, por meio da Educomunicação ou Uso dos Meios e
Recursos da Comunicação no ensino (fala, escrita, rádio, jornal, cartazes, fotografia, televisão,
internet, etc.). A área da Participação estará associada aos direitos de crianças e adolescentes
de participar e de serem protagonistas de suas ações.
Através da ação comunicativa e dialógica, apostamos no componente do Diálogo na
Escola, entre pais, alunos e professores. Ou seja, que a Escola se torne um espaço possível de
diálogo entre as pessoas, buscando permanentemente a ética da solidariedade humana.
Estamos nos referindo à ética freiriana e habermasiana, da responsabilidade universal, da
solidariedade, através de uma ciência educacional crítica.
Optamos por mais esse caminho por considerarmos que um dos pontos “nevrálgicos”
da Escola e que dificulta o desenvolvimento de ações focadas na comunicação, educação e
participação está associado, sobretudo, à falta de comunicação entre os vários grupos que
compõem a comunidade escolar. Para Habermas e Freire, segundo Polli (2005), trata-se da
142
criação de um discurso ideal que permita a “comunicação emancipadora entre os seres
humanos”.
É importante destacar que todas as possibilidades metodológicas recomendadas,
inclusive as de cunho dialógico, estão afinadas aos resultados de uma análise apresentada a
seguir –, baseada nos pontos fracos ou a serem melhorados (erros) e fortes (acertos), nos
resultados e nas dificuldades de caráter estrutural dos projetos Jornal Uga-Uga, Núcleos de
Mobilização Social e Escola Cidadã (grifo nosso).
Conforme a análise, as fases de execução dos projetos têm relação político-
institucional diferenciada, o que interfere nos resultados das ações. Na primeira fase, havia a
relação Unicef, Semed e Escolas, sendo os projetos de responsabilidade da Secretaria; e na
segunda e terceira, ONG, Unicef e Semed/Escolas, quando os projetos já integravam a
estrutura da organização.
3.1. Aprender fazendo – Entre erros e acertos
Os projetos da Agência Uga-Uga de Comunicação envolvendo comunicação,
educação e participação tiveram suas metodologias de trabalho construídas de forma
experimental, focadas na técnica do “aprender fazendo” - método de aprendizagem que
ênfase maior ao “processo” de formação dos jovens em detrimento da qualidade do produto
(jornal, fanzine, rádio, etc.). Segundo Rossetti (2005) essa característica é premissa das
experiências nesse campo, porém, é uma metodologia que requer reflexão e avaliação
constantes para ser legitimada como verdadeira proposta de transformação.
A complexidade deste método reside no fato de que, se por um lado o aprender
fazendo promove o envolvimento e a participação social dos alunos (aprendizes), eleva a
auto-estima e contribui com o desenvolvimento de habilidades e competências, por outro,
pode gerar uma lacuna no aspecto pedagógico, considerando a ausência de sustentação teórica
e conceitual, caso seja este o processo central de aprendizagem utilizado no projeto. Por esse
143
motivo o método do aprender fazendo se apresenta, ao mesmo tempo, como ponto fraco e
forte nos quadros abaixo, que analisam “erros” e “acertos” dos projetos da organização.
Um dos grandes desafios da ONG, desde sua origem, está relacionado à deficiência de
sustentação teórica e conceitual das suas práticas pedagógicas. Portanto, a falta de uma
proposta pedagógica consistente e a necessidade de sistematização dessas práticas o pontos
a serem melhorados (pontos fracos) nos projetos, segundo aponta a análise.
Outra falha detectada e que tem relação com o aprender fazendo é a questão do foco
no produto ou no processo. A princípio, a proposta do Jornal Uga-Uga focou no produto, ou
seja, na qualidade do jornal (papel, cores, textos bem escritos, fotos profissionais, etc.). Mas,
o aprendizado do dia a dia, marcado pelo envolvimento dos adolescentes, fez perceber que o
“processo” de formação era mais rico, impactava mais na vida dos adolescentes (aprendizes) e
que, deste modo, precisava ser valorizado. Rossetti (2005) observa que,
Em alguns casos, os adultos chegam a interferir fortemente na finalização do
produto para garantir sua qualidade. Para outros, é apenas o processo que importa,
ou seja, a vivência de relações de produção mais participativas e democráticas, o
trabalho com os conteúdos de forma contextualizada e prática valeria mais, em
termos pedagógicos, do que a qualidade final do produto de comunicação que for
criado. Entre esses dois extremos, a tendência mais ampla defende que os projetos se
preocupem em planejar tanto o processo pedagógico como o produto de
comunicação, com graus variados de ênfase no primeiro e no segundo (ROSSETTI,
2005, p. 89).
A partir do momento em que se compreendeu a importância do processo pedagógico
na elaboração de produtos de comunicação, os outros projetos da organização como os
Núcleos de Mobilização Social e o Escola Cidadã passaram a adotar a prática do aprender
fazendo. Um exemplo de ênfase nesse processo de aprendizagem é a produção de fanzines
pelos adolescentes no projeto Núcleos de Mobilização. Pelas suas característica de mídia
alternativa, elaborada de forma artesanal e com baixíssimo custo financeiro, seria improvável
dar maior enfoque à qualidade do produto. Portanto, a natureza pedagógica desta proposta é,
essencialmente, processual.
144
A falta de qualificação e capacitação dos alunos e educadores, o escasso planejamento
e a ausência de ferramentas de avaliação de resultados também são pontos comuns que
dificultaram o sucesso dos projetos. Embora em etapas posteriores estas áreas tenham sido
fortalecidas, a ação não foi suficiente considerando a permanente necessidade de avaliação e
acompanhamento que as propostas de comunicação, educação e participação exigem.
Entre os “pontos fortes” comuns dos projetos apontamos a adoção das metodologias:
da comunicação horizontal, da participação e protagonismo juvenil e da comunicação
educativa; o processo de construção conjunta dos projetos; o uso do método “aprender
fazendo” cuja ênfase maior está no processo de aprendizagem; o reforço na capacitação, no
planejamento e na gestão de projetos; e a replicação da experiência por meio dos repórteres
escolares.
Nos resultados, os projetos alcançaram importantes avanços, especialmente, os de
caráter social, que impactaram na vida dos adolescentes participantes; bem como na área de
gestão institucional:
· Conquista do direito à participação e ao protagonismo no espaço escolar; de
participação em outros espaços sociais e com outros jovens; e de se organizar com o
propósito de fundar uma ONG;
· Melhoria do rendimento escolar e do relacionamento com a família, amigos e
sociedade - tornaram-se mais informados e mais atuantes no seu meio social;
· Visibilidade do trabalho, tornando-se referência de protagonismo juvenil e,
conseqüentemente, melhorando a auto-estima dos jovens;
· Transformação do “produto” (jornal) em ferramenta pedagógica para professores;
· Ampliação do discurso político, agregando: formação e informação, desenvolvimento
do senso crítico e sensibilização dos estudantes para uma leitura crítica e dinâmica da
sociedade;
145
· Fortalecimento das relações entre os jovens educadores e os adolescentes aprendizes,
sustentando a comunicação horizontal;
· Relação construtiva no aspecto dos “erros” e “acertos” - ambos têm valor positivo em
projetos de protagonismo juvenil;
· Reconhecimento de algumas escolas e professores da melhoria do desempenho dos
alunos;
· Sistematização da primeira versão da proposta de produção de fanzines na Escola, por
meio do “Manual do Fanzine”;
· Avanço na consistência da proposta pedagógica a partir de novos conteúdos
experimentados;
· Capacitação de 100 adolescentes para atuarem como delegados nas conferências
municipal e estadual de direitos de crianças e adolescentes;
· Conquista efetiva dos adolescentes dos projetos do direito de participar das
conferências municipal e estadual de direitos de crianças e adolescentes;
· Ampliação da articulação política dos jovens para o âmbito nacional;
· Professores mais qualificados e sensibilizados para incentivar a participação e
trabalhar em parceria com os alunos; e contribuir no processo ensino-aprendizagem
com novas idéias.
As deficiências de cunho estrutural observadas nos projetos, relativas ao sistema
escolar e às redes públicas de ensino, que impedem a disseminação da comunicação, educação
e participação na Escola, estão listadas no final dos quadros de análise e são comentadas a
seguir.
146
3.1.1. Quadro de análise do Projeto Jornal Uga-Uga
Projeto Jornal Uga-Uga
Período de Execução: 1997 a 2004
PONTOS FRACOS PONTOS FORTES RESULTADOS
· Falta de qualificação dos
educadores em áreas fins
do projeto (protagonismo
juvenil, comunicação
horizontal, mediação
tecnológica);
· Capacitação deficiente
dos alunos - conteúdos e
carga horária
inadequadas;
· Falta de proposta
pedagógica Mediação
tecnológica, por exemplo,
foi se consolidando por
considerarmos a
importância do uso de
ferramentas da
informação em processos
educativos; Comunicação
Comunitária integra a
proposta pedagógica, mas
não foi identificada e
devidamente abordada:
Protagonismo e
Participação foram
colocadas como filosofia
da proposta, mas,
abordadas de forma
fragmentada;
· Falta de planejamento
metas comprometidas
como: periodicidade do
jornal, público alvo,
marco institucional, etc.;
· Ênfase maior na técnica
do “aprender fazendo”.
No início, mais foco no
produto;
· Falta de ferramentas de
avaliação de resultados,
principalmente, em
relação ao rendimento
escolar dos alunos;
· Proposta colocada na
escola de “cima para
baixo”, de Secretaria para
Diretor. A comunidade
escolar não foi envolvida.
· Proposta fundamentada na:
v Comunicação Horizontal - de
jovem para jovem, jornal
tablóide produzido por e para
adolescentes;
v Participação e Protagonismo
Juvenil;
v Comunicação Educativa
(mediação tecnológica)
comunicação como estratégia
para a educação;
· Construção conjunta do
projeto/trabalho em grupo;
· Uso do método “aprender
fazendo”;
· Oficina de planejamento;
· Foco no processo, depois de
se perceber que mais
sentido à aprendizagem.
Mas, é importante focar nos
dois: processo e produto;
· fase Reforço na
capacitação, carga horária e
conteúdos focados nas
deficiências;
· Inclusão de professores, pais
e comunitários no “público
alvo”;
· Ampliação de objetivos:
contribuir com o
desenvolvimento pessoal e
social dos jovens; gerar
discussões e debates
importantes; sensibilizar,
conscientizar e motivar a
comunidade escolar a se
envolver com a escola,
buscando apóia-la e melhora-
la;
· Criação do Conselho de
Pautas do Jornal Uga-Uga,
legitimando o veículo como
espaço de participação que
dá voz aos adolescentes.
· Oportunidade de
participação e
protagonismo no
espaço escolar;
· Melhoria da
aprendizagem na
escola, do
relacionamento com a
família, amigos e com o
mundo; aprendizado
social;
· Visibilidade do
trabalho do grupo,
melhorando a auto-
estima;
· Oportunidades de
participação em outros
espaços com outros
jovens;
· Alcance de objetivos
o projeto tornou-se
referência de
protagonismo juvenil;
· O adolescente se
perceber na proposta e
apropriar-se dela;
· 2ª fase Oportunidade
dos jovens de se
organizar e fundar uma
ONG;
· O “produto” (jornal)
transformar-se em
ferramenta pedagógica
para professores;
· Ampliação do discurso
político, agregando:
formação e informação,
desenvolvimento do
senso crítico e
sensibilização dos
estudantes para uma
leitura crítica e
dinâmica da sociedade;
· Alcance dos objetivos
específicos propostos.
147
Dificuldades Estruturais
1. Limitação/deficiência dos alunos na leitura, escrita e expressão verbal;
2. Pressão da família para a questão do trabalho e renda. Necessidade de remuneração para os
adolescentes considerando que todos são de famílias de baixa renda;
3. Resistência das famílias em reconhecer a atividade de seus filhos como educativa;
4. Descontinuidade dos projetos sociais quando assume um novo grupo político no Governo;
5. Sustentabilidade financeira, especialmente, quando a única fonte de recurso é o Governo;
6. Alcance da capilaridade da proposta (universalização) devido ao não envolvimento da escola. O
ideal seria inserir a proposta na grade curricular.
Quadro 14 – Análise do Projeto Jornal Uga-Uga
Fonte: Pesquisa documental
3.1.2. Quadro de análise dos projetos Núcleos de Mobilização Social e Escola
Cidadã
Projetos Núcleos de Mobilização Social e Escola Cidadã
Período de Execução: 1999 a 2006
PONTOS FRACOS PONTOS FORTES RESULTADOS
1ª Fase
· Falta de proposta
pedagógica concreta e
de sistematização das
práticas;
· Utilização do método
“aprender fazendo”;
· Sensibilização e
mobilização da
comunidade escolar
para o alcance social da
proposta;
· Falta de qualificação e
de experiência dos
jovens educadores (ex-
repórteres escolares),
em especial, no aspecto
da replicação;
· Deficiência no
planejamento,
monitoramento e
avaliação de
atividades;
· Inclusão de professores
como facilitadores dos
núcleos falta de
qualificação na área de
participação e
protagonismo juvenil;
2ª fase
· Proposta pedagógica
inconsistente. O campo
1ª Fase
· Continuidade do enfoque
pedagógico do projeto:
v Comunicação para fins
educativos e
v Participação e protagonismo
para a cidadania;
· Funcionamento da proposta
diretamente na Escola;
· Organização de grupos de
alunos em Núcleos;
· Utilização de fanzines como
produto;
· Replicação da experiência
através dos repórteres
escolares do Jornal Uga-Uga
– comunicação horizontal;
· Inserção do conceito de
mobilização social, associado
à perspectiva de participação,
nos conteúdos de formação;
· Sistematização, mesmo que
de forma parcial, da proposta
de comunicação, educação e
participação.
2ª fase
· Fortalecimento da equipe de
gestão do projeto;
· Sistematização do passo a
passo da técnica de produção
de fanzines;
1ª Fase
· Fortalecimento das
relações entre os jovens
educadores e os alunos
das escolas;
· Relação construtiva no
aspecto dos “erros” e
“acertos” (ambos têm
valor positivo em projetos
de protagonismo juvenil);
· Alunos produzindo sua
própria mídia;
· Fortalecimento dos
participantes dos núcleos
no âmbito escolar,
familiar e social
tornaram-se mais
informados e mais
atuantes no seu meio
social;
· Bom rendimento escolar
dos alunos, conforme os
diretores;
· Professores reconhecem a
melhoria do desempenho
dos alunos;
· Agência publica o
Manual do Fanzine
primeira tentativa de
sistematizar a proposta de
produção de fanzines na
Escola.
148
da educomunicação
não foi inserido na
segunda versão do
projeto;
· Sistematização parcial
da proposta dos
fanzines. No Manual
do Fanzine, os focos da
sistematização foram
as oficinas. Os campos
que fundamentam a
proposta foram apenas
conceituados;
3ª fase – Escola Cidadã
· Desmembramento da
estrutura do projeto
ações de articulação,
mobilização e
participação política
dos adolescentes.
3ª fase – Escola Cidadã
· Direcionamento das
atividades de comunicação
na educação e participação
somente para a escola Foco
para a Política Pública;
· Articulação para que as
metodologias agregassem o
currículo escolar;
· Capacitação de professores
nas metodologias de
comunicação na educação e
participação;
· Inserção de professores como
ator social importante na
mediação entre a
comunicação e os estudantes;
· Utilização das Horas de
Trabalho Pedagógico (HTP)
dos professores para a
realização das oficinas de
capacitação.
2ª fase
· Proposta pedagógica mais
consistente;
· São capacitados mais de
100 adolescentes para
atuarem como delegados
nas conferências
municipal e estadual de
direitos de C&A;
· Os adolescentes do
projeto conquistam o
direito de participar das
conferências municipal e
estadual de direitos de
C&A;
· Ampliação da articulação
política dos jovens para o
âmbito nacional
inclusão em outros
espaços de participação;
3ª fase – Escola Cidadã
· Professores mais
sensibilizados para
incentivar a participação
dos alunos; com novas
idéias para contribuir no
processo ensino-
aprendizagem; mais
dispostos a trabalhar em
parceria com os alunos.
Dificuldades Estruturais
1. Despreparo e resistência da escola no desenvolvimento de ações que utilizam a comunicação e
participação juvenil no ensino;
1. Perda da qualidade dos resultados na medida em que se pulveriza a ação - busca de capilaridade;
2. As Ongs são unidades “externas à escola”, daí não terem poder institucional para executar,
isoladamente, projetos com escolas;
3. Integração dos professores à proposta; necessidade de qualifica-los para isso;
4. Inserção das atividades do projeto no calendário oficial escolar – ponto pacífico para o projeto;
5. Exigência da nova gestão executiva da Semed de convênio formal com a ONG;
6. Nova gestão da Semed não reconhece as atividades do projeto como ação complementar à escola.
Quadro 15 – Análise dos projetos Núcleos de Mobilização Social e Escola Cidadã
Fonte: Pesquisa documental
3.1.3. Entraves na disseminação da educomunicação e participação na escola
Conforme explicamos no capítulo dois, os principais desafios dos projetos de
comunicação, educação e participação, implementados pela Agência Uga-Uga de
Comunicação, não estão relacionados à participação dos adolescentes ou às metodologias
149
utilizadas nos processos de aprendizagem. Mas, a questões de caráter estrutural, provocadas
pelo modus operandis da escola e, sobretudo, da gestão pública das grandes redes de ensino.
São, portanto, desafios estruturais identificados nos projetos, associados: ao modelo de
educação “bancária” que a escola ainda insiste em praticar, colocando, por exemplo, as
práticas de educomunicação e participação à margem de seu fazer pedagógico, considerando-
as “ação complementar” ou projeto “extracurricular”; aos educadores e professores que não
apresentam competência e repertório adequados em metodologias educomunicativas e
participativas; à descontinuidade de projetos sociais nas escolas quando assume um novo
grupo político no Governo; e também, a questões sociais como as relacionadas ao emprego e
renda dos jovens.
Quando apontamos as deficiências dos alunos na leitura, escrita e expressão verbal
como um destes desafios, percebemos o grande cuo deixado pela educação pública,
considerando que o domínio da leitura e escrita deve ser consolidado logo nas primeiras séries
do ensino fundamental. Aprender a ler e a escrever com desenvoltura, segundo Toro (1998),
é essencial para que crianças e adolescentes possam participar ativa e produtivamente da vida
social. Portanto, a questão que aqui se coloca é: como crianças e jovens poderão atuar como
cidadãos quando não têm formação e informação adequadas?
Para transmitir valores às novas gerações, segundo Costa (2000), a escola não pode se
limitar à dimensão dos conteúdos intelectuais transmitidos através da docência. Deve ir além
e transmitir e vivenciar valores por meio de práticas educativas; se fazer presente na vida dos
educandos, de forma construtiva, emancipadora e solidária; e principalmente, “criar espaços
para que o educando possa compreender ele próprio a construção do seu ser, ou seja, a
realização de suas potencialidades em termos pessoais e sociais” (COSTA, 2000, p. 47).
Mas, a escola não somente tem deixado de cumprir o seu papel social como também
rechaça outras formas de aprendizagem, como se a educação fosse um processo privativo da
150
escola. Exemplos deste pensamento reducionista é a falta de preparo e resistência da escola
para o desenvolvimento de ações que utilizam o tripé comunicação, educação e participação;
a dificuldade de inserir tais atividades no calendário oficial e grade curricular da escola; e a
resistência dos pais em reconhecer como educativas atividades que estejam fora do ambiente
escolar.
Para Baccega (1997), os agentes do processo educacional são todos os que participam
de uma determinada comunidade, que vivem no tempo e espaço de uma dada sociedade, que
recebem e reconfiguram permanentemente a realidade. Hoje, uma realidade atravessada pela
presença dos meios de comunicação. Portanto, formar cidadãos críticos significa preocupar-se
com as relações que a escola será capaz de estabelecer com os meios. Isto significa que,
Buscar compreender seus mecanismos possibilitará a cada um de nós, a nossos
alunos, a todos os que educamos e somos permanentemente educados que
consigamos, a partir do que nos chega editado, selecionar o mais adequado para a
elaboração do novo, tanto no que se refere à atribuição de importância maior ou
menor aos fatos que nos apresentam quanto à crítica do ponto de vista a partir do
qual cada fato é apresentado.
Uma das bases para essa relação com os meios se efetive é o conhecimento da
realidade em que vivemos. É ele que possibilitará estabelecer as inter-relações entre
os fatos, ao invés de percebe-los como capítulos de mais uma novela (BACCEGA,
1997, p.8).
Desta maneira, podemos constatar que comunicação e educação são campos que
podem caminhar juntos ou até formar um único campo, para onde podem convergir as
diversas áreas do conhecimento.
Na atual realidade escolar, mesmo nas escolas mais abertas a novas aprendizagens, os
projetos de comunicação, educação e participação ainda são colocados à margem de seu fazer
pedagógico, ou seja, algumas vezes são extra-curriculares, funcionando na escola mas sem
integrar a grade curricular; em outras são ação complementar, ocorrendo fora do ambiente
escolar, normalmente com pouco contato com as escolas dos estudantes que participam dos
projetos.
Mas, este enfoque equivocado da escola somente para o aprendizado da sala de aula
traz ao ensino e principalmente aos educadores um novo desafio: ou eles fazem dos meios
151
aliados ou os meios de comunicação seguirão sendo inimigos e competindo com a escola
deslealmente. Para Orozco (1997), isto vai significar a perda de relevância na educação das
novas gerações, deixando os educadores e a própria escola “marginalizados de seu
desenvolvimento educativo real, ou seja, esse que se dá fora do espaço da escola”.
Orozco refuta o pensamento de John Dewey de que, se o aprendizado de crianças,
adolescentes e jovens fora da sala de aula é extremamente relevante para a sua aprendizagem
dentro da escola, então é obrigação dos educadores levar em conta essa aprendizagem.
Pode-se seguir tratando de desacreditar as aprendizagens realizadas fora da escola:
pode-se deslegitimar os meios de comunicação como fontes reais de aprendizagem
dos alunos; pode-se negar ou relativizar a influência deles, minimizá-la na fantasia e
no discurso, e pode-se pretender ser mais “poderoso” que eles; pode-se, enfim,
repreender os alunos e seus pais por serem telespectadores tão adeptos e satanizar a
TV, mas cabe perguntar-se se esta é a estratégia adequada para recuperar o lugar
privilegiado (perdido?) na educação das nossas crianças e jovens (OROZCO, 1997,
p. 63).
Com certeza, podemos afirmar que esta resistência da escola e de seus educadores a
novas aprendizagens, especialmente as que envolvem os meios de comunicação, também se
reflete nas famílias dos alunos. Ou seja, as famílias, igualmente, passam a entender que a
escola é a única instituição legítima para educar.
Isto se porque: os professores são “profissionais” da educação, a sociedade
depositou na escola a responsabilidade de educar as novas gerações, e os objetivos da escola
são mais “nobres e legítimos” em comparação com as outras instituições. Entretanto, a escola
não pode mais se omitir diante de tantas fontes externas de aprendizagem, principalmente, as
relacionadas às tecnologias da informação, que fazem parte de forma contundente do atual
cenário cultural.
Quando a escola aprender a coexistir com este novo cenário, inteiramente midiatizado,
também perceberá a necessidade de qualificar seus educadores nos campos da comunicação,
educação e participação. Além de pesquisas que apontam para o surgimento de um novo
profissional dessa área o educomunicador –, inúmeros projetos sociais estão formando
152
profissionais cuja missão é colocar na prática em sala de aula os conhecimentos adquiridos
com as teorias da educação e os pressupostos e estratégias da comunicação.
O educomunicador, segundo Maria Cristina Costa (2001), tem a missão de criar
estratégias que possibilitem aos professores o uso didático das tecnologias da informação
como o rádio, a TV, o cinema e o jornal impresso.
A esse profissional cabe capacitar o professor a usar as tecnologias (computador,
câmera de vídeo, máquina fotográfica, Internet, etc.) para elaborar seus próprios materiais
pedagógicos; estimular os alunos a se apropriarem das mídias e das tecnologias da
comunicação para produzir seus veículos e desenvolver suas formas de expressão; promover a
comunicação interna no espaço educativo, criando canais de troca de informações; e ainda
gerenciar informações, criar grupos ou centros de pesquisa e promover a integração entre as
disciplinas e os planos de investimento em tecnologia nas escolas.
Um outro desafio estrutural que também está condicionado à mudança de função da
escola ou à sua relocalização frente a este cenário informatizado é a perspectiva de
universalização das propostas de educomunicação e participação na escola, ou seja, as
possibilidades de transformá-las em políticas públicas.
Mas, temos neste tema uma situação paradoxal: se por um lado vivenciamos um
cenário cultural plural, que exige uma escola mais eficiente e preparada, principalmente para
conviver com os meios; por outro, na medida em que se pulveriza a proposta de
educomunicação e participação na escola - com sua disseminação para um universo maior de
alunos participantes -, mais se perde a qualidade dos resultados, ou seja, é menor o impacto na
vida de cada estudante e menos elaborado torna-se o produto de comunicação criado por eles.
Trata-se de uma questão difícil de resolver, segundo Rosseti (2005), por estar
relacionada à formação de profissionais das redes de ensino público do país, ainda amarrada a
uma grade curricular e carga horária engessadas, a conteúdos fragmentados, a um modelo de
153
gestão semelhante ao de uma linha de produção e ainda ao modelo bancário de aulas
expositivas. Portanto, o caminho mais adequado é oferecer boa formação aos educadores,
dando mais consistência à estruturação e aos processos de formação e de acompanhamento; e
de preferência, articulada aos programas de formação dos professores das redes de ensino.
Esta articulação dos projetos escolares de comunicação, educação e participação com a
rede pública de ensino, na verdade, é fundamental para o êxito das ações. Se ela não existir,
conforme a experiência dos projetos da Agência Uga-Uga de Comunicação, cria-se um
descompasso de atividades.
Primeiro porque as Ongs, mesmo em situação de parceria, são unidades externas à
escola, portanto, não têm poder institucional para executar de forma isolada projetos
escolares; e segundo, porque a grande maioria das escolas públicas ainda tem uma relação de
subserviência à Secretaria Municipal de Educação. Ou seja, a escola não tem autonomia para
realizar atividades que não estejam inseridas na grade da rede municipal de ensino porque
grande parte dos assuntos pertinentes à escola não é discutido e nem decidido por ela e sim
pela rede de ensino.
Um outro problema verificado na rede municipal de ensino de Manaus e que tem se
mostrado como uma tendência nas demais redes públicas de ensino é a descontinuidade dos
projetos sociais em andamento quando um novo grupo político assume o Governo. Isto
significa, em situações menos radicais, ter que começar a ação do zero mesmo que o projeto
tenha alguns anos de execução. Em outros casos, a nova gestão da rede simplesmente
ignora o projeto porque não faz parte de seu planejamento.
As grandes redes de educação, atenta Rosseti (2005), tendem a “promover mais
eventos do que processos”, mesmo nas políticas públicas. E isto se porque os gestores da
macropolítica educacional políticos ou integrantes de um grupo político buscam
visibilidade para reforçar sua marca ou para se eleger, o que é muito mais tangível através de
154
uma educação aparente, traduzida em pequenos eventos. Para esse gestor “é socialmente mais
impactante em curto prazo construir escolas do que investir nos salários e na formação
continuada dos professores” (ROSSETI, 2005, p. 69).
Idealmente, a educação deveria ter uma burocracia (no sentido weberiano do termo,
ou seja, numa organização eficiente por excelência, capaz de prever e planejar suas
ações) que garantisse continuidade aos processos e alinhasse os diversos projetos em
desenvolvimento nas redes de ensino. Mudanças de gestor principal na secretaria ou
no ministério não deveriam representar uma ameaça às escolas. Porém, representam;
e as poucas redes que conseguem ter políticas públicas contínuas e consistentes em
sua administração têm colhido bons frutos em termos de melhoria de ensino
(ROSSETI, 2005, p.69).
Por fim, detectamos também nos projetos da Agência Uga-Uga um problema de
ordem social, que compromete a participação efetiva dos adolescentes especialmente dos
que estão acima dos 15 anos nas atividades dos projetos sociais na escola: a questão do
emprego e renda. Isto é, da falta deles. Nessa faixa etária, mesmo os adolescentes mais
engajados e comprometidos com o projeto, apresentam reais necessidades de remuneração ou
bolsa de trabalho.
A dificuldade que se coloca neste tema é a situação econômica e social dos
adolescentes e jovens estudantes da escola pública: em sua grande maioria são de baixa renda
- integram famílias cuja renda per capita é de até meio salário mínimo -, e encontram-se em
situação de risco e vulnerabilidade social.
Isto significa que, atualmente, todo e qualquer projeto voltado para o desenvolvimento
pessoal e social dos adolescentes e jovens deve estar atento para esta necessidade e
contemplar seu acesso ao trabalho por meio de qualificação e profissionalização.
Para contribuir na melhoria dos pontos “fracos” e dificuldades estruturais apontadas
nos projetos em análise, apresentamos a seguir propostas metodológicas focadas em três
áreas: diálogo, educomunicação e participação juvenil. São propostas baseadas nas teorias
apresentadas no capítulo um desta pesquisa.
155
3.2. Diálogo e Consenso como facilitadores da comunicação na escola
Segundo apontamos no capítulo dois deste trabalho, no item “As ações que
culminaram com a fundação da ONG: Projeto Jornal na Escola/Jornal Uga-Uga e Núcleos de
Mobilização Social”, a escola pública de Manaus ainda sustenta a concepção “bancária” da
educação.
Um modelo que segundo Freire (2005) é marcado pelo ato de depositar, transferir e
transmitir valores e conhecimentos sem, no entanto, desenvolver a consciência crítica do
sujeito. Estamos falando de uma estrutura escolar autoritária, que não dá voz aos seus alunos e
que não interage com a comunidade; é fragmentada em seu sistema curricular e destituída de
vinculação com a vida e com os problemas da sociedade.
Também demonstramos na análise dos projetos de comunicação, educação e
participação que originaram a ONG Agência Uga-Uga, as dificuldades da Escola quanto ao
fluxo de informações entre os vários níveis hierárquicos normalmente, esse fluxo acontece
de “cima para baixo”, ou seja, da instância superior de gestão (neste caso, a Secretaria
Municipal de Educação) para a inferior (o gestor escolar). E dentro da escola a tendência
maior é quase sempre de concentração de poder na figura do gestor/diretor.
A resistência da Escola em desenvolver projetos ou ações que envolvam comunicação
e participação, é outro fator diagnosticado na análise. Tanto diretores quanto professores não
reconhecem ainda a comunicação como um processo intrínseco à educação e nem as
tecnologias da informação como um grande aliado desse processo. Daí, a ausência de pais e
comunitários interagindo com a Escola e, conseqüentemente, com ações que possam advir
dela; e a falta de apropriação da “comunidade escolar” aos projetos educativos que estão fora
da sala de aula.
Frente a este cenário, entendemos que as teorias de Habermas e Freire oferecem
possibilidades de nortear ações educativas na escola voltadas ao Diálogo, considerando que
156
ambas fornecem mecanismos para uma comunicação que visa o entendimento mútuo e a
tomada de consciência.
Ao elegermos as obras de Habermas e Freire Teoria da Ação Comunicativa e Teoria
da Educação Libertadora, respectivamente – para estruturar parte deste estudo, quisemos
demonstrar os pontos convergentes entre eles no que concerne à emancipação social,
principalmente, na idéia da construção do conhecimento, em bases comunicacionais.
Ambos pensam novas formas de comunicação, como as dialogais e argumentativas
que estabelecem mecanismos de entendimento possíveis sobre o mundo. Defendem uma
educação que forme para a emancipação e para a expansão da democracia e da cidadania. Em
comum, buscam novos horizontes de racionalidade, fundados na dialogicidade.
São fundamentos que, se desenvolvidos sistematicamente, se afinam aos objetivos de
uma educação que visa a formação de indivíduos críticos e participativos; e que podem,
portanto, contribuir para o desenvolvimento social de crianças, adolescentes e jovens, em
quaisquer ambientes ou espaços legítimos de aprendizagem, especialmente, na Escola.
A teoria da Ação Comunicativa de Habermas (1981) está focada para uma ação social
orientada ao entendimento na qual os sujeitos coordenam seus planos de ação sobre a base de
acordos motivados racionalmente, a partir da aceitação de pretensões.
Ou seja, uma ação que consista em obter a “compreensão comunicativa, o mútuo
entendimento” mediante o uso da linguagem; que suprima todas as barreiras que impedem e
distanciam a comunicação das idéias; e que remova os fatores que possam impedir o consenso
para alcançar a sociedade ideal.
A comunicação que os sujeitos estabelecem entre si, mediadas por atos de fala, dizem
respeito sempre a três mundos, segundo essa teoria. As relações com os três mundos estão
presentes, ainda que não na mesma medida, em todas as interações sociais. A cada um desses
157
mundos correspondem diferentes pretensões de validade, conforme explicam Freitag e
Rouanet (1980), no esquema abaixo:
· O mundo objetivo das coisas: as pessoas, ao interagirem, coordenam suas ações. Do conhecimento que
elas partilham do mundo objetivo depende o sucesso ou o insucesso de suas ações conjuntas, sendo que
a violação das regras técnicas conduz ao fracasso. A este mundo correspondem pretensões de validade
referentes à verdade das afirmações feitas pelos participantes no processo comunicativo;
· O mundo social das normas e instituições: as pessoas interagem orientando-se segundo normas sociais
que já existem previamente ou que são produzidas durante a interação. Essas normas definem
expectativas recíprocas de comportamento, sobre as quais todos os participantes m conhecimento. Ao
mundo social correspondem pretensões de validade referentes à correção e à adequação das normas;
· O mundo subjetivo das vivências e dos sentimentos: em todas as interações as pessoas revelam algo de
suas vivências, intenções, necessidades, de seus temores, etc., de tal modo que deixam transparecer sua
interioridade. Embora as pessoas em maior ou menor grau possam controlar as manifestações de suas
vivências subjetivas, das suas ações podem-se tirar conclusões a respeito de sua veracidade. A este
mundo correspondem pretensões de veracidade, o que significa que os participantes do diálogo estejam
sendo sinceros na expressão dos seus sentimentos.
Isto significa que uma ação educativa fundamentada na Teoria da Ação Comunicativa
deve ter como base: a) a busca do Consenso visando a compreensão comunicativa, o mútuo
entendimento mediante o uso da linguagem; b) o acordo em torno das três Pretensões de
Validade para suas manifestações: que o enunciado seja verdadeiro (verdade); que a
manifestação seja correta em relação ao sistema de normas vigente ou que o próprio contexto
normativo seja legítimo (legitimidade ou retidão); e que a intenção expressa coincida com a
intenção do falante (veracidade).
Freire (2005), por sua vez, ao sustentar a Teoria da Educação Libertadora, sugere a
superação da dominação por meio do que denomina de atitude dialógica ou teoria da ação
dialógica. A essa dialogicidade ele atribui a essência da educação como prática de liberdade,
método que se baseia nas experiências vividas das pessoas, com ênfase num referencial de
razão, cooperação e na busca de um entendimento intersubjetivo.
A teoria da ação dialógica freiriana tem como características a colaboração, a união, a
organização e a síntese cultural, tendo como finalidade promover a conscientização coletiva e
a libertação das consciências oprimidas. Trata-se de uma pedagogia que ênfase ao
“humanismo pedagógico”, colocando na autonomia do sujeito e na relação de diálogo com os
158
outros o meio para a sua realização pessoal e para a tomada de consciência frente ao mundo.
Um diálogo que leve em conta toda a produção cultural da humanidade e a cultura localizada
(cultura popular).
O método de aprendizagem do “aprender fazendo”, utilizado nos projetos de
comunicação, educação e participação da ONG, por exemplo, tem larga similaridade com a
teoria da ação dialógica freiriana. Na medida em que os jovens se envolvem nas experiências,
o processo de aprendizagem torna-se mais consistente. Processo que confere autonomia ao
“sujeito” participante e valoriza o seu repertório cultural.
Outra característica dos projetos que se afina à ação dialógica é a perspectiva de
construção conjunta, da parceria e do trabalho em grupo. São fazeres inerentes à colaboração,
união e organização, que contribuem para ampliar o repertório cultural, as habilidades de
comunicação e o desempenho escolar dos jovens.
Na abordagem ao diálogo como fenômeno humano, a palavra expressa elabora o
mundo, em comunicação e colaboração. Ou seja, no diálogo autêntico, onde o
reconhecimento do outro e o reconhecimento de si no outro, é decisão e compromisso do
homem de colaborar na construção do mundo comum. E é essencial à palavra, “dizer a
palavra”, e que esta não seja privilégio de alguns, mas, um direito de todos os homens.
Uma ação dialógica baseada na Teoria da Educação Libertadora de Freire tem como
fundamentos, portanto:
a) As experiências vividas das pessoas, com ênfase na razão, cooperação e na busca de
um entendimento intersubjetivo;
b) A colaboração, a união, a organização e a síntese cultural, tendo como fim
promover a conscientização coletiva e a libertação das consciências;
c) A autonomia do sujeito e a relação de diálogo com os outros como meio para a
realização pessoal e tomada de consciência frente ao mundo;
159
d) A produção cultural da humanidade e a cultura localizada (cultura popular);
e) A palavra, sendo dita sem privilégios, como um direito de todos os homens.
Considerando então que as duas teorias acima da ação comunicativa e da educação
libertadora/ação dialógica apresentam bases para nortear projetos ou ações educativas
interdisciplinares na Escola, voltadas ao Diálogo, sugerimos o desenvolvimento de uma
proposta que envolva professores, alunos, pais e comunitários.
Segundo Gonçalves (1996), estas possibilidades têm demonstrado um valor
pedagógico que pode se constituir em base de fundamentação para a definição de “objetivos
educacionais que situam a capacidade de diálogo no centro das decisões comunitárias”. Em
seu artigo “Teoria da ação comunicativa de Habermas: Possibilidades de uma ação educativa
de cunho interdisciplinar na escola” propõe uma ação educativa, de cunho interdisciplinar,
fundamentada num processo de “interação comunicativa”.
A proposta sugere que os professores, conjuntamente, coordenem e justifiquem ações
pedagógicas por meio da troca de conhecimentos e enfoques, referentes às diferentes
disciplinas, partilhando e planejando experiências integradas (GONÇALVES, 1999). O
objetivo da proposta seria possibilitar aos alunos experiências em que possam integrar
diferentes enfoques disciplinares, contribuindo e enriquecendo sua compreensão da realidade
que o cerca.
Tomando como base essa possibilidade, propomos uma ação educativa, também de
cunho interdisciplinar, baseada num processo de interação, porém, entre professores e alunos,
tendo efetivamente a participação de pais e comunitários, cujo objetivo seria criar ações
pedagógicas (ou projetos educativos) que possam contribuir para a melhoria:
a) Do fluxo de informações dentro da escola;
b) Da percepção da comunidade escolar – especialmente gestores e professores – para
a importância pedagógica da comunicação e participação;
160
c) Da relação professor-aluno e, conseqüentemente, do diálogo e do trabalho em
parceria entre eles;
d) Da interação escola e comunidade.
No quadro abaixo formulamos um passo a passo que pode orientar professores, alunos
e comunitários na consecução de uma ação educativa fundamentada nas teorias da ação
comunicativa e dialógica:
Proposta para uma Ação Comunicativa e Dialógica
· 1º passo: Criar grupos, entre professores e alunos, pais e comunitários, buscando a organização
social. No modelo de ação comunicativa e dialógica as pessoas interagem e, através da utilização da
linguagem, organizam-se socialmente, buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação
externa e interna;
· 2º passo: Buscar Participação e Consenso no grupo. Um processo de ação comunicativa e dialógica
deve ter em seu bojo um princípio de não-dominação, na medida em que se buscam a participação
de todos os elementos do grupo e o consenso em relação às próprias regras que vão orientar as
discussões;
· É fundamental buscar o consenso sobre questões de cunho filosófico e pedagógico (como
significados de educação, comunicação e participação), que estão na base de uma ão
comunicativa de cunho interdisciplinar. É importante que os participantes partilhem de concepções
básicas comuns;
· A colaboração, a união, a organização e a síntese cultural, tendo como fim promover a
conscientização coletiva e a libertação das consciências são características desta ação.
· 3º passo: Estabelecer acordos acerca das pretensões de validade das manifestações dos
participantes. Ou seja, que reconheçam as pretensões de validade com que se colocam diante dos
outros; e que suas manifestações sejam orientadas por elas, fazendo com que:
· O enunciado seja verdadeiro (verdade)
· A manifestação seja correta em relação ao sistema de normas vigente ou que o próprio contexto
normativo seja legítimo (legitimidade ou retidão);
· A intenção expressa coincida com a intenção do falante (veracidade).
· 4º passo: Criar regras que vão orientar a discussão, a argumentação e a participação dos membros
do grupo. Todas devem ser fundamentadas e justificadas. Um dos fundamentos pressupõe as
experiências vividas das pessoas e a ênfase na razão, cooperação e na busca de um entendimento
intersubjetivo;
· 5º passo: Criar situações de discussões entre os participantes do grupo com o objetivo de encontrar
caminhos comuns e articulados para o diálogo. As discussões se aproximam da situação ideal da
fala, tornando a autonomia do sujeito e a relação de diálogo com os outros meio para a realização
pessoal e tomada de consciência frente ao mundo.
· Estas discussões ou “sessões de comunicação e diálogo” - segundo denomina Gonçalves (1999) -,
significariam o principal objetivo da ação. Teriam a finalidade de buscar alternativas que promovam
o diálogo entre professores, alunos, pais e comunitários, visando o pensar crítico, a percepção da
161
realidade como processo e sua transformação permanente, a participação ativa e a busca da
compreensão desalienada e da emancipação;
· 6º passo: Fomentar o Discurso entre os integrantes do grupo. O discurso apresenta a situação
lingüística ideal e é uma das formas da comunicação ou da fala que tem a pretensão de fundamentar
as pretensões de validade das opiniões e normas.
· O discurso baseia-se no agir comunicativo” ou “interação”. Portanto, pressupõe a interação, isto é,
a participação de atores que se comunicam livremente e em situação de simetria. Ou seja, a palavra,
sendo dita sem privilégios, como um direito de todos os homens;
· 7º passo: Elevar o nível de argumentação dos participantes, o que é imperativo para o
desenvolvimento da competência comunicativa, considerando a produção cultural da humanidade e
a cultura localizada (cultura popular), conforme a ação dialógica freiriana;
· 8º passo: Analisar, avaliar e interpretar os processos. Nesta fase é imprescindível a participação
efetiva dos participantes da ação comunicativa, não somente no direcionamento do processo, mas
também na interpretação e na avaliação do seu desenvolvimento.
· A análise do desenvolvimento desse processo é feita a partir dos atos de fala, ou seja, do processo
interativo e argumentativo que se manifesta nesses atos.
Quadro 16 – Proposta para uma ação comunicativa e dialógica
Fonte: Pesquisa documental
O agir comunicativo ou a interação estabelece uma metodologia comprometida com
uma intervenção social e política baseada na ética de uma responsabilidade universal onde
todos os participantes das discussões têm a mesma chance de:
a) Se comunicar por meio de atos de fala, argumentando, questionando e respondendo às
questões;
b) Apresentar interpretações, opiniões, recomendações, declarações e justificativas e de
problematizar sua validade, fundamentar ou rebater, de tal modo que nenhuma idéia
preconcebida seja ignorada no ato da discussão;
c) Expressar atitudes, sentimentos e desejos referentes à sua subjetividade, sendo
verdadeiros nas suas manifestações, significando que assim se colocam perante si
mesmos e deixam transparecer sua interioridade;
d) Empregar atos regulativos, isto é, ordenar e rebelar-se, permitir ou proibir, prometer e
aceitar promessas, dar explicações e solicitá-las. As expectativas de comportamento
são recíprocas e os privilégios, afastados.
162
São valores éticos, portanto, fundamentados na participação do sujeito que aprende,
numa relação de diálogo entre diferentes (não entre antagônicos) e num processo cooperativo
de aprendizagem. Á primeira vista são elementos que podem nos parecer utópicos,
considerando as condições desfavoráveis da Escola. No entanto, tornam-se possíveis, na
medida em que, conforme Freire, a lógica da utopia que pode “vir a ser” está implícita na
dialogicidade, na comunicação efetiva e no potencial comunicativo entre os homens.
3.3. Comunicação na Educação ou Educomunicação
A inter-relação entre comunicação e educação ou Educomunicação como um novo
campo de intervenção social segundo apontamos no capítulo um está associada a uma
vertente denominada “estudos culturais aplicados à comunicação”, cuja proposta é analisar a
comunicação segundo as mediações que a envolvem, e não somente através de seus meios.
Estamos falando de um novo olhar para o processo comunicacional, através do emissor, do
receptor e também das práticas culturais (grifo nosso).
É nesta perspectiva que apontamos a Educomunicação, a partir de suas quatro
subáreas - Educação para a Comunicação, Mediação Tecnológica na Educação, Gestão
Comunicativa e Reflexão Epistemológica -, como suporte teórico e metodológico para ações
educacionais. A idéia, neste estudo, é gerar novas possibilidades de ensino, mas também,
consolidar procedimentos que a Agência Uga-Uga de Comunicação utilizava por meio de
seus projetos focados na comunicação, educação e participação.
A Educomunicação, segundo Soares (2001), é o conjunto das ações inerentes ao
planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a
criar e fortalecer ecossistemas comunicativos
11
em espaços educativos presenciais ou virtuais;
11
Segundo Martín-Barbero (1995), significa a organização do ambiente, a disponibilização dos recursos, o
modus faciendi dos sujeitos envolvidos e o conjunto das ações que caracterizam determinado tipo de ação
comunicacional. A família, a comunidade educativa ou uma emissora de rádio criam, respectivamente,
ecossistemas comunicacionais.
163
e também a melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo as
relacionadas ao uso dos recursos da informação no processo de aprendizagem.
Entendemos que a abrangência deste conceito pode atender às deficiências de caráter
gerencial (gestão dos projetos) e pedagógico detectadas nos projetos da Agência, referentes:
ao processo de aprendizagem dos adolescentes, com ênfase maior no aprender fazendo” em
detrimento ao produto; à qualificação de educadores e adolescentes; ao planejamento das
atividades; e ao aspecto da sustentação teórica e conceitual das práticas.
A área da Educação para a Comunicação (Media Education ou Media Literacy) que,
além dos estudos da Recepção, envolve projetos destinados à formação de receptores
autônomos e críticos frente aos meios, oferece sustentação teórico-pedagógica para as
atividades desenvolvidas nos três projetos da Agência Uga-Uga em estudo: Jornal Uga-Uga,
Núcleos de Mobilização Social e Escola Cidadã
12
.
Isto ocorre porque todas as três propostas empregam práticas de educação para a
comunicação, através do envolvimento de adolescentes e jovens em ações que produzem
comunicação nos referentes projetos, produtos como jornal tablóide, fanzines e rádio
escolar.
São atividades que proporcionam aos adolescentes e jovens meios para acessar
importantes direitos e aprendizados. Por meio da produção de sua própria mídia os jovens têm
a oportunidade, por exemplo, de desenvolver habilidades e competências, de adotar um
posicionamento mais ativo e crítico em relação aos meios e, principalmente, de participar
efetivamente da concepção e realização do produto de comunicação, em cujo processo se a
aprendizagem social.
Junto à criação de ações pedagógicas que formem receptores autônomos e críticos
frente aos meios – função da Educação para a Comunicação –, propomos, com base na
12
É importante ressaltar que o Projeto Núcleos de Mobilização Social, após quatro anos de execução, foi
reeditado como Projeto Escola Cidadã exatamente pela necessidade de inserir professores na proposta e de
qualifica-los nas áreas inerentes à educomunicação.
164
experiência da Agência Uga-Uga, agregar duas estratégias relacionadas à aprendizagem dos
adolescentes: a ênfase no método aprender fazendo” e a comunicação horizontal de jovem
para jovem.
Nesta subárea, os projetos podem adotar propostas pedagógicas semelhantes,
considerando que a Educação para a Comunicação abrange todas as ações educativas frente à
ação dos meios e/ou ao impacto dos meios de comunicação na transformação da cultura ou
no comportamento das pessoas. Neste caso, dos adolescentes e jovens.
Vale ressaltar também que as atividades da Agência Uga-Uga estiveram mais focadas
para a leitura crítica dos meios, considerando o comportamento dos jovens frente a esses
meios. Somente dois anos, por meio do Projeto Escola Cidadã, passou a empregar o uso
dos recursos da comunicação em espaços educativos (tecnologias educacionais).
A área da Mediação Tecnológica na Educação (Information Literacy) serve-se dos
procedimentos e das reflexões em torno da presença e dos múltiplos usos das tecnologias da
informação na educação. Deste modo, nos espaços educativos, está voltada para a necessidade
de preparar professores e alunos para a utilização dos novos recursos (tecnologias da
comunicação) de forma adequada, tanto nos processos de ensino-aprendizagem quanto nas
atividades que ampliam o campo da expressividade dos jovens.
Entendemos que a área da Mediação pode dar sustentação teórica e conceitual à
proposta pedagógica do projeto Escola Cidadã, na medida em que adota produtos da
comunicação no ensino (rádio e fanzine) e a participação de professores no processo de
formação dos jovens.
A área da Gestão Comunicativa, por sua vez, está voltada para o planejamento,
execução e realização dos processos e procedimentos que se articulam no âmbito da
Comunicação, Cultura e Educação. Também está relacionada a um conjunto de
165
procedimentos voltados a criar o que Martín-Barbero chama de “ecossistemas
comunicativos”, mediados pelos processos de comunicação e por suas tecnologias.
Deste modo, pode sustentar a necessidade de planejamento detectada nos projetos da
Agência. Ou seja, numa atividade prática na escola, o processo de Gestão Comunicativa vai
determinar a organização do espaço, a disponibilização dos recursos, a maneira de fazer dos
sujeitos envolvidos e o conjunto de ações que caracterizam a ação comunicacional.
Para Alves (2002) o que caracteriza a gestão “é a costura que alcança produzir, através
da ação prática, entre as várias vertentes que aproximam a Comunicação e a Educação; é o
componente pragmático do processo explicado teoricamente pela reflexão epistemológica”.
Conforme Soares (2001), as práticas relacionadas a essa área convergem para a busca
de um objetivo maior, que é ampliar o coeficiente comunicativo das ações humanas. Para isso,
sugere uma teoria da ação comunicativa que privilegie o conceito de comunicação dialógica
o que converge com a proposta do item 3.2. deste estudo (pág. 133); uma ética da
responsabilidade social para os produtores culturais, uma recepção ativa e criativa por parte
das audiências, uma política de uso dos recursos da informação de acordo com os interesses
dos pólos envolvidos no processo de comunicação (produtores, instituições mediadoras e
consumidores da informação), o que culmina com a ampliação dos espaços de expressão.
A área da Reflexão Epistemológica determina regras de produção da existência de um
campo acadêmico de interface entre a Comunicação e a Educação, construindo teorias e
metodologias de explicação da área. Pertencem a esta área tanto um projeto de pesquisa
voltado para o entendimento e a legitimação do novo campo, quanto todos os programas de
investigação sobre cada uma das vertentes que compõem a inter-relação
comunicação/educação. O presente estudo é um exemplo desta área.
166
Entendemos que este campo atende às deficiências no processo de sustentação teórica
e conceitual das práticas de educomunicação utilizadas nos projetos de comunicação,
educação e participação da Agência Uga-Uga.
Nela estão concentrados os estudos epistemológicos sobre a natureza da inter-relação
comunicação e educação. Para este campo, sugerimos a criação de um núcleo permanente de
estudos das práticas de educomunicação, com a participação efetiva dos educadores, dos
adolescentes aprendizes, dos técnicos das escolas, dos gestores, além de pais e comunitários.
Neste processo de estudos permanente é essencial a articulação com as universidades e
centros de pesquisa da área.
Levando em conta os conceitos que inter-relacionam comunicação e educação,
esboçamos no quadro abaixo uma proposta pedagógica abrangendo as quatro subáreas da
Educomunicação com foco para as necessidades (deficiências) diagnosticadas nos projetos da
Agência como: a aprendizagem dos adolescentes, a qualificação de educadores e
adolescentes, o planejamento de atividades, e a sustentação teórica e conceitual das práticas.
Proposta pedagógica com enfoque na Educomunicação
Subáreas da
Educomunicação
Procedimentos
Educação para a Comunicação
Deficiência: Aprendizagem dos
adolescentes
Objetivo:
Criar ações pedagógicas que formem receptores autônomos e críticos
frente à ação dos meios e/ou ao impacto dos meios de comunicação
na transformação da cultura ou no comportamento dos adolescentes e
jovens.
Propostas:
1. Promover o acesso dos adolescentes e jovens à produção das
diversas mídias;
2. Fomentar a aprendizagem dos adolescentes com ênfase no
método do “aprender fazendo”;
3. Adotar a comunicação horizontal entre os jovens no processo
de aprendizagem;
4. Inserir, neste campo, de maneira transversal, práticas de
participação e protagonismo juvenil.
Objetivo:
Preparar professores e alunos para a utilização dos novos recursos e de
forma adequada, tanto nos processos de ensino-aprendizagem quanto
nas atividades que ampliam o campo da expressividade dos jovens.
167
Mediação Tecnológica na
Educação
Deficiência: Qualificação de
educadores e Adolescentes
Propostas:
1. Capacitar educadores nas seguintes temáticas:
· Conceitos e Práticas da Educomunicação/
Educomunicação e suas quatro subáreas;
· Introdução às ferramentas da comunicação/Como
produzir programas de rádio, história em quadrinhos,
jornal impresso e fanzines;
· Participação e protagonismo juvenil como direitos;
· Elaboração de projetos pedagógicos.
2. Capacitar adolescentes e jovens (aprendizes) nas seguintes
temáticas:
· Conceitos e Práticas da Educomunicação/
Educomunicação e suas quatro subáreas;
· Introdução às ferramentas da comunicação/Como
produzir programas de rádio, história em quadrinhos,
jornal impresso e fanzines;
· Elaboração de projetos pedagógicos.
Gestão Comunicativa
Deficiência: Planejamento das
Atividades
Objetivo:
Promover o planejamento, execução e realização dos processos e
procedimentos que se articulam no âmbito da Comunicação, Cultura e
Educação. Tais procedimentos estão voltados aos “ecossistemas
comunicativos”, mediados pelos processos de comunicação e por suas
tecnologias.
Propostas:
1. Elaborar, em conjunto com os alunos, projetos pedagógicos
para todas as atividades da escola envolvendo comunicação e
educação, dando ênfase aos processos de planejamento,
monitoramento e avaliação de resultados;
2. Promover em todos os processos de planejamento a
costura/articulação entre as subáreas da educomunicação;
3. Contar com o apoio de um educador/interlocutor experiente
nas áreas de mediação tecnológica, relação professor/aluno e
planejamento;
4. Incentivar a continuidades das ações educativas de forma
autônoma.
Reflexão Epistemológica
Deficiência: Sustentação teórica e
conceitual das práticas
Objetivo:
Buscar/construir, permanentemente, teorias e metodologias de
explicação da interface entre educação e comunicação; e/ou o
entendimento e legitimação do novo campo.
Propostas:
1. Criar um núcleo permanente de estudos das práticas de
educomunicação, tendo a participação de educadores,
adolescentes aprendizes, técnicos e gestores escolares, além
de pais e comunitários;
2. Oferecer ao Núcleo orientação e suporte técnico-pedagógico;
3. Promover a articulação com as universidades e centros de
pesquisa da área para a implantação e funcionamento do
núcleo.
Quadro17 – Proposta pedagógica com enfoque na educomunicação
Fonte: Pesquisa documental
168
3.4. Participação e Protagonismo Juvenil para o exercício da cidadania
Desde a implantação dos projetos que originaram a Agência Uga-Uga de
Comunicação Jornal Uga-Uga e os Núcleos de Mobilização Social, respectivamente –, o
campo da Participação Juvenil tem sido empregado nas atividades da ONG como um valor
social, como discurso na perspectiva dos direitos humanos e, especificamente, dos direitos da
infância e adolescência. A presença e participação efetivas de adolescentes e jovens nos
projetos contribuíram para que esse campo tivesse, no contexto do tripé conceitual
(comunicação, educação e participação), maior ênfase, principalmente no aspecto pedagógico.
A proposta de participação juvenil praticada pela organização aponta para o
desenvolvimento da cidadania dos jovens e para o exercício da participação como um direito
civil e político básico. Participar, para o adolescente, conforme Costa (2000), é influenciar por
meio de palavras e atos nos “acontecimentos que afetam a sua vida e a vida de todos aqueles
em relação aos quais ele assumiu uma atitude de o-indiferença, uma atitude de valoração
positiva”.
No aspecto da cidadania, tem se focado no protagonismo juvenil, envolvendo os
adolescentes e jovens na discussão e resolução de problemas concretos do seu cotidiano,
assim como nas questões de interesse coletivo, incentivando sua participação em associações
e em movimentos sociais. São espaços de descoberta e experimentação essenciais para a
transição do adolescente para o mundo adulto e também para o desenvolvimento da sua
consciência ética e do seu compromisso cidadão, segundo Serrão e Baleeiro (2000).
Conforme trecho do Projeto Jornal Uga-Uga, a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança, traz o termo “direito” associado a um conceito cujos pilares são a não-
discriminação, a participação, a condição de sujeito social de direitos e o interesse superior da
criança. Ou seja, reforça os direitos de crianças e adolescentes a participarem de tudo o que
169
lhes diz respeito como a chave para assegurar o cumprimento dos demais direitos e garantir a
vigência do princípio do interesse superior da infância.
E é esta perspectiva de cidadania juvenil que se converte na filosofia do Protagonismo
Juvenil, ou seja, permitindo retomar a condição de sujeito e agente da criança e do
adolescente do seu direito à opinião, à voz e à participação. Um protagonismo que deve
constituir um modo de vida, um estilo, uma concepção da vida em sociedade e das relações
que nelas se estabelecem.
Na prática da Agência Uga-Uga este exercício tem se dado por meio do que
denominou-se chamar participação decisória , planejadora, operacional e avaliadora, cujo
significado é: os jovens participando da decisão, do planejamento, da execução e da avaliação
dos resultados dos projetos. Trata-se de uma proposta que rechaça a participação manipulada,
decorativa e simbólica e, especialmente, a relação de tutela que os “adultos” geralmente tem
ou querem ter com crianças e adolescentes.
A participação manipulada é o nível mais baixo de participação. Às vezes os adultos
pensam que os fins justificam os meios. Essas ações derivam da falta de
compreensão dos adultos acerca do que são verdadeiramente capazes as crianças e
os adolescentes. Isso os leva a fazer ou dizer coisas previamente determinadas por
esses adultos. A participação é decorativa quando os jovens estão ali somente por
um lanche, um passeio, um espetáculo e tentam fazer crer que sua presença significa
adesão a determinada causa. O simbolismo ocorre quando, em conferências e
eventos de adultos, alguns jovens são chamados a dizer alguma coisa que não terá,
no final das contas, qualquer importância real no curso do evento (HART, 2000,
pág. 30).
Isto significa, conforme Hart (1993), que o desenvolvimento da autonomia dos jovens
depende, fundamentalmente, das relações sociais que eles forem capazes de estabelecer.
Portanto, a participação não pode ser vista somente “como um enfoque para se obter uma
adolescência socialmente mais responsável e mais cooperativa”, mas, também, como o
caminho para o “desenvolvimento de uma pessoa socialmente sã” (HART, 2000, pág. 29).
Assim, para uma participação genuína, é importante levar em conta as relações de poder e a
luta pela igualdade de direitos.
170
A participação e o protagonismo juvenil como exercício da cidadania, na concepção
de Cussiánovich e Márquez (2002), devem contribuir para o desenvolvimento pessoal -
sobretudo, nos aspectos do poder subjetivo e nas inter-relações construtivas - e social de
crianças e adolescentes.
No aspecto pessoal a participação deve impactar: no desenvolvimento de melhores
níveis de auto-estima, segurança, autonomia, domínio de habilidades sociais e da capacidade
de expressão de sentimentos e idéias; na inter-relação pessoal, no diálogo com o adulto, no
tratamento de conflitos, na elaboração de propostas, na percepção da sua realidade e no senso
crítico. E por fim, reforça os níveis de integração social das crianças e adolescentes, o
desenvolvimento de habilidades para assumir responsabilidades e um maior conhecimento
sobre seus direitos.
No campo social espera-se que a participação contribua para as relações de eqüidade
entre os adultos e os jovens, na medida em que estes adquirem maior visibilidade social e
reconhecimento como sujeitos sociais; influencie na visão e atitude dos adultos e das próprias
crianças e adolescentes; e crie condições de uma presença e inclusão maiores de crianças e
adolescentes nas organizações comunitárias. Também gera um maior apoio governamental às
iniciativas infanto-juvenis, forma estes jovens para o exercício de sua cidadania e liderança,
melhora o seu nível de influência sobre as esferas que definem políticas públicas e contribui
para o desenvolvimento de mecanismos que garantam a voz e opinião dos meninos e meninas.
Na prática da Participação Juvenil, entre as estratégias utilizadas pela Agência Uga-
Uga de Comunicação durante a execução dos projetos, duas destacaram-se com êxito: as
Rodas de Debates e a Participação efetiva dos adolescentes em fóruns de políticas públicas.
Nas rodas de debates as atividades consistem na discussão de um tema escolhido em
consenso pelo grupo, com a participação de um especialista. Nessa ação, além de exercitarem
171
o protagonismo, os adolescentes interagem com outros alunos da escola e com professores e
adquirem uma compreensão melhor dos problemas do seu entorno social.
A participação dos adolescentes em fóruns que discutam políticas públicas voltadas
para seus direitos e responsabilidades, por sua vez, tem como proposta criar estratégias que
legitimem a participação e protagonismo dos adolescentes em espaços de discussão como
conferências estaduais e municipais de direitos, educação, saúde, meio ambiente e outros, por
meio de voz e voto, além de promover sua integração com a comunidade através de ações em
parceria com os conselhos de direitos e tutelares, entre outras entidades.
Com base nos conceitos de participação e protagonismo juvenil assinalados e
considerando estas duas estratégias, sugerimos no quadro a seguir um enfoque para as
oficinas de qualificação dos adolescentes aprendizes nesse campo. A proposta de capacitação
de professores nessa área é sugerida no campo da educomunicação subárea da mediação
tecnológica na educação.
Proposta pedagógica com enfoque na Participação Juvenil
Oficinas Procedimentos
Na área do Desenvolvimento
Pessoal
Objetivo: Desenvolver os níveis de auto-estima, autonomia,
expressividade e senso crítico dos jovens, bem como reforçar sua
integração social, o desenvolvimento de habilidades e os
conhecimentos sobre seus direitos.
Propostas:
1.
Promover o autoconhecimento e a construção da
Subjetividade dos adolescentes;
2. Propiciar o acesso dos jovens aos seus Direitos e
Responsabilidades;
3. Conhecer e exercitar práticas de participação e protagonismo
juvenil.
· Rodas de Debates (proposta testada pela Agência Uga-Uga)
Objetivo: Exercitar a participação e o protagonismo dos adolescentes
por meio da interação com outros alunos da escola e com professores;
e da aquisição de uma compreensão melhor dos problemas do seu
entorno social.
Como fazer: Em roda, discutir um tema escolhido em consenso pelo
grupo com a participação de um especialista.
172
Na área do Desenvolvimento
Social
Objetivo:
Propostas:
1. Melhorar as relações de equidade entre jovens e adultos
promovendo seu reconhecimento como sujeito social;
2. Garantir maior presença, inclusão, voz e opinião dos jovens
na comunidade.
3. Fortalecer o nível de influência dos jovens sobre as esferas
de políticas públicas e o apoio governamental às suas
iniciativas.
· Participação em conferencias municipal e estadual dos
direitos d crianças e adolescentes (proposta testada pela
Agência Uga-Uga)
Objetivo: Promover a participação dos adolescentes e jovens em
fóruns de políticas públicas.
Como fazer: Realizar evento preparatório que legitime a participação
dos jovens nas conferências.
Quadro 18 – Proposta pedagógica com enfoque na Participação Juvenil
Fonte: Pesquisa documental
Acreditamos que estas três propostas metodológicas, focadas no diálogo, na
educomunicação e na participação juvenil, podem contribuir para impulsionar as atividades e
estratégias da Agência Uga-Uga de Comunicação nos campos em estudo, mas também, de
outras organizações e da própria escola pública.
Nossa intenção, ao sistematizar estas práticas, é de apenas apontar “possibilidades” ,
indicar caminhos com base em uma experiência e - a partir deste estudo - em teorias e
conceitos afins. Não se trata de “receitas”, mas, apenas de algumas contribuições que podem
ser aprimoradas e continuadas.
173
CONCLUSÃO
Ao longo deste estudo, buscamos discutir, transcrever e sistematizar teorias e práticas
que possam contribuir para a consolidação e aperfeiçoamento do trabalho da organização
não-governamental Agência Uga-Uga de Comunicação, focado na inter-relação comunicação
e educação e na participação juvenil.
Partimos da hipótese de que a comunicação, aliada à educação e à participação, é um
eficaz e eficiente instrumento de formação cidadã - especialmente dos jovens -, o que a torna
uma poderosa estratégia se utilizada em espaços de aprendizagem. Acreditamos que os
referenciais teóricos relacionados ao Diálogo, à Educomunicação e à Participação Juvenil
sustentam as práticas pedagógicas testadas pela organização e, portanto, norteiam para a
confirmação dessa suposição.
Para isto, nos valemos do estudo de caso de tipo etnográfico, aplicado a ONG, com
ênfase nos dois projetos que a originaram: Jornal na Escola/Jornal Uga-Uga e Núcleos de
Mobilização Social. Reconstituímos a trajetória da organização utilizando técnicas
tradicionalmente originadas na etnografia como a observação participante e análise de
documentos, com o objetivo de interpretar as atividades realizadas, por meio dos registros
disponíveis nos projetos, bem como em outros documentos como relatórios e materiais
didático-pedagógicos.
No primeiro capítulo, nos orientamos por teorias que compreendem os processos
comunicacionais com fins educativos, e os participativos como aliados e transversalizantes.
Demonstramos os pontos convergentes entre Habermas (1981) e Freire (2005) no que diz
respeito à emancipação social, sobretudo, na idéia da construção do conhecimento, em bases
comunicacionais.
Ambos defendem uma educação que forme para a emancipação e para a expansão da
democracia e da cidadania e que vise o desenvolvimento de indivíduos críticos e
174
participativos. Fundamentos que contribuem para o desenvolvimento cidadão de crianças,
adolescentes e jovens, em quaisquer ambientes ou espaços legítimos de aprendizagem; e que
se afinam, portanto, aos objetivos da Agência Uga-Uga de contribuir para a formação cida
das novas gerações.
Habermas e Freire nos mostram também o caminho do Díalogo como possibilidade
pedagógica para a quebra de um paradigma na Escola: a resistência em desenvolver projetos
ou ações que envolvam comunicação e participação. Daí propormos uma Ação Comunicativa
e Dialógica para a escola, de cunho interdisciplinar, baseada num processo de interação entre
professores, alunos, pais e comunitários.
Conforme salientamos no capítulo três, esta proposta pode contribuir para a melhoria:
do fluxo de informações dentro da escola, da percepção da comunidade escolar para a
importância pedagógica da comunicação e participação, da relação professor-aluno e do
diálogo e trabalho entre eles, além da interação escola e comunidade.
No aspecto do uso das tecnologias da informação e da comunicação para fins
educativos, encontramos na Educomunicação suporte teórico e metodológico para as
atividades da Agência Uga-Uga focadas nessas áreas.
Trata-se, segundo Soares (2001), de um conjunto de ações inerentes ao planejamento,
implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e fortalecer
ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais; e também a
melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo as relacionadas ao uso
dos recursos da informação no processo de aprendizagem.
A Educomunicação sugere quatro sub-áreas que se afinam aos projetos da Agência
focados na utilização da comunicação na educação: a Educação para a Comunicação, a
Mediação Tecnológica na Educação, a Gestão Comunicativa e a Reflexão Epistemológica.
175
Respectivamente, sustentam teórica e pedagogicamente as atividades dos projetos:
Jornal Uga-Uga; Núcleos de Mobilização Social e Escola Cidadã, que envolvem adolescentes
nas ações de comunicação; o projeto Escola Cidadã, que utiliza rádio e fanzine na escola, com
a participação efetiva de professores; as falhas de planejamento das ações dos projetos; e as
deficiências de sustentação teórica e conceitual das práticas de educomunicação utilizadas,
bem como de unidades de pesquisa da área em questão.
No campo da Participação Juvenil, além da evidência na participação como um direito
civil e político básico, direcionamos o foco do estudo para o protagonismo juvenil, numa
perspectiva de cidadania que permite aos jovens retomar sua condição de sujeito e agente do
seu direito à opinião, à voz e à participação; um espaço de descoberta e experimentação,
segundo Serrão e Baleeiro (2000), essenciais para a transição do adolescente para o mundo
adulto e também para o desenvolvimento da sua consciência ética e do seu compromisso
cidadão.
Portanto, uma filosofia de participação que ratifica a proposta de participação juvenil
praticada pela Agência Uga-Uga, no trato com adolescentes e jovens participantes dos
projetos. Nos referimos a uma prática que rechaça a participação manipuladora, decorativa e
simbólica, dando lugar a uma participação em que os jovens decidem, planejam, executam e
avaliam.
No capítulo dois, esboçamos um cenário social e político das três áreas de atuação da
Agência Uga-Uga (comunicação, educação e participação), identificando avanços e refluxos.
No campo da comunicação tivemos a globalização e as inovações tecnológicas que
provocaram transformações nas esferas política, social, econômica e cultural, com efeitos nem
sempre positivos. Na mesma medida em que contribuiu para o desenvolvimento de milhões
de pessoas, também induziu a um conceito, segundo Bordenave (2002), de que comunicar “é
fazer o que os meios de massa fazem, isto é, informar, persuadir para vender e divertir”.
176
Também descrevemos e explicamos cada projeto e suas fases de execução, recorte que
tornou-se necessário, segundo nossos objetivos. Primeiro porque as análises dos projetos
demonstram seus pontos frágeis, tanto no aspecto da fundamentação teórica quanto na
aplicação pedagógica das áreas de atuação. E segundo, porque a partir desses pontos foi
possível propormos alguns caminhos pedagógicos que podem contribuir para a concretização
do uso da educomunicação e da participação na escola e outros espaços de aprendizagem.
No terceiro capítulo, cujo propósito foi sistematizar teorias e práticas na perspectiva de
propor novas metodologias e/ou consolidar as utilizadas pela organização, demonstramos
por meio de análise os erros, acertos e resultados das ações dos projetos; e com base nelas,
propomos metodologias focadas nas áreas da comunicação, educação e participação.
Concluímos, com base nas análises que dois tipos de dificuldades provocaram
entraves no rendimento dos projetos, tanto na Agência, quanto na escola: a) as dificuldades
de cunho metodológico, cujas bases foram construídas de forma experimental, focadas na
técnica do “aprender fazendo”, sem consistência teórica e conceitual e sem sistematização,
além das falhas na qualificação dos educadores e dos alunos aprendizes; b) e as dificuldades
de caráter estrutural, relativas ao sistema escolar e às redes públicas de ensino.
A partir desses resultados, apontamos para a sistematização de propostas pedagógicas
com ênfase no Diálogo na escola, sustentado pelas teorias da Ação Comunicativa e Ação
Libertadora, de Habermas e Freire, respectivamente; na Educomunicação, a partir das quatro
subáreas de intervenção, indicadas por Soares; e na Participação Juvenil como direito e chave
para assegurar o cumprimento dos demais direitos.
Por meio deste exercício, concluímos que a comunicação, com interface na educação,
denominada Educomunicação, aliada à participação juvenil, consolida um eficaz campo de
intervenção social nos espaços de aprendizagem. Trata-se de mais uma possibilidade
pedagógica que pode contribuir com a melhoria dos processos educativos e com o campo da
177
expressividade dos jovens, tanto na escola, quanto em outros ambientes de educação formal
ou informal.
Este trabalho registra mais uma contribuição aos campos da Comunicação Social, da
Educação e da Participação e, da mesma forma, em torno da Educomunicação como novo
campo de intervenção social, autônomo e socialmente legitimado. São abordagens que podem
gerar novas vertentes de pesquisa, mas, também, estão expostas a críticas, ao aprimoramento e
à continuidade.
178
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182
ANEXOS
1) Projetos da Agência Uga-Uga de Comunicação
2) Jornal Uga-Uga
3) Fanzines
4) Manual do Fanzine
5) Pesquisa de análise de mídia
6) Folder institucional
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