Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTORIA SOCIAL
NÍVEA SILVA VIEIRA
CIDADES POSSÍVEIS:
UMA ANÁLISE DOS DEBATES DOS PROJETOS DE LEIS SOBRE
CONTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE CASAS PARTICULARES NA
CAPITAL FEDERAL
(1892-1906)
Rio de Janeiro
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
NIÍVEA SILVA VIEIRA
CIDADES POSSÍVEIS:
UMA ANÁLISE DOS DEBATES DOS PROJETOS DE LEIS SOBRE
CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE CASAS PARTICULARES NA
CAPITAL FEDERAL
(1892-1906)
Dissertação apresentada
ao Programa de Pós-
Graduação em História
Social da Universidade
Federal do Rio de
Janeiro requisito para
obtenção de título de
Mestre em História.
Área de Concentração:
História Social. Setor
temático: História do
Brasil
Orientação: Profª. Doutora Maia Paula Araújo do Nascimento
Rio de Janeiro
2008
ads:
3
NÍVEA SILVA VIEIRA
CIDADES POSSÍVEIS:
UMA ANÁLISE DOS DEBATES DOS PROJETOS DE LEI SOBRE CONSTRUÇÃO
E RECONSTRUÇÃO DE CASAS PARTICULARES NA CAPITAL FEDERAL(1892-
1906)
Dissertação apresentada
ao Programa de Pós-
Graduação em História
Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
requisito para obtenção de
título de Mestre em
História.
Área de Concentração:
História Social. Setor
temático: História do
Brasil
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Maria Paula do Nascimento Araújo Orientadora)
Prof. Dr. Marcelo de Souza Magalhães ( UERJ/FFP)
Prof. Dr.Marcos Luiz Bretas (UFRJ)
______________________________________________________________________
4
Aqueles que tornaram
este sonho possível:
Meus pais.
5
Agradecimentos
A todos que compartilharam este misto de angustia e euforia, com palavras de
apoio devo o mais sincero agradecimento.
À Vanessa Albuquerque, amiga da UERJ FFP que se dispôs tão gentilmente a
ler o meu projeto para seleção de Mestrado.
Aos amigos que fiz na UFRJ, em especial à Maria Aparecida (Cida), baiana de
São Salvador, pelos animados dias de pesquisa na Biblioteca Nacional.
Ao meu amigo Tiago Costa por sempre lembrar-me dos prazos.
Ao Amigo Thiago Reis pela tradução para o Inglês do Resumo de meu trabalho.
À minha Orientadora, por toda confiança que depositou em mim.
A CAPES por financiar parte da pesquisa, através de seu programa de bolsa.
Aos Funcionários da ALERJ, pela atenção que recebi durante longos meses de
pesquisa.
A minha mãe por todos os dias de dedicação.
Ao meu pai que nunca se cansa em me ajudar.
Ao meu companheiro, Rodrigo, pelo amor, compreensão, pelas doces palavras e
um por mais um pouco.
6
SUMARIO
Primeiras Considerações....................................................................................................10
Capítulo 1- A cidade não para, a cidade só cresce............................................................21
1.1-Um breve passeio pelo Rio de na Virada do Século XIX para o XX
............................................................................................................................................21
1.2-A Cidade e a Lei: o diálogo entre a cidade os projetos e a leis....................................27
1.3-Mas afinal quem estava dentro e quem estava fora dos limites da
cidade?................................................................................................................................34
1.4-Os Limites da Lei de Construção e as delimitações dos poderes sobre a
cidade.................................................................................................................................36
1.5-A eminência do subúrbio virar arrabalde.....................................................................47
1.6-Quando os limites da cidade e do subúrbio passaram a se confundir
............................................................................................................................................52
Considerações finais............................................................................................................57
Capítulo-2 A Flexibilização da lei Geral: A extensão do benefício da livre construção
..........................................................................................................................................58
2.1-Vox Populi: O medo de uma explosão socialista.......................................................60
2.2-Ai de ti Copacabana................................................................................................... 62
2.3-Copacabana: a “Teresópolis do Rio de Janeiro”: a conquista do benefício da livre
construção .........................................................................................................................70
2.4 Copacabana: A futura “Nice brasileira”: A livre construção como um problema para os
novos bairros......................................................................................................................75
Considerações Finais .........................................................................................................83
Capítulo 3 Se essa rua fosse minha
3.1-Desapropriação por utilidade pública: primeiras questões.........................................85
3.2-Quem não tem dinheiro não faz casa luxuosa.............................................................93
3.3-E o que diziam os defensores do Recuo....................................................................111
3.4-Recuo na Zona rural..................................................................................................113
Considerações finais........................................................................................................116
Conclusão
.......................................................................................................119
Bibliografia......................................................................................................................124
Anexo............................................................................................................................. 128.
7
Resumo
Este trabalho tem como objeto de análise os debates realizados entre as instituições
político-administrativas do Distrito Federal entre os anos de 1892 e 1906, a respeito dos
projetos de lei sobre regras essências de construção e reconstrução de casas particulares
na cidade.
Seu objetivo é evidenciar a dinâmica política do Distrito Federal e avaliar de perto o
conflito e a negociação de propostas pontuais de mudança para cidade, dando atenção
especial a duas perspectivas distintas produzidas pelas mesmas leis urbanísticas: de um
lado, a “livre construção”, ou seja, a determinação de uma área livre do domínio da lei
de edificações, e do outro, a intervenção do Estado na propriedade privada.
8
Abstract
This work has as its analysis aim, the debates accomplished among the political-
administrative institutions of the Federal District [Capital] between the years of 1892
and 1906, concerning the law projects about essentials buildings and re-buildings rules
of private houses in the city.
Its purpose is to become clear the political dynamic of the Federal District [Capital] and
make a close evaluation of the struggle and negotiation of punctual proposals of
changing to the city, paying special attention to two different perspectives created by
the same urbanistic laws: the “free building”, the determination of a area free of the law
building; and, by the other hand, the State intervention in the private property.
9
Primeiras considerações
Admiro a ousadia dos técnicos atuais do urbanismo que, quando
aplicam esta ciência a uma cidade, consideram antes de tudo a
aparência das coisas, como se a consideração dos habitantes que
formam a cidade não se impusesse previamente. É através destes que a
cidade precisa ser vista, ao invés de ser observada simplesmente do
ponto de vista dos espaços cheios e vazios que ela forma sobre o solo.
Para compreender uma cidade é preciso conhecer seus habitantes; uma
cidade é um conjunto de almas.”
Marcel Poète (1866- 1950)
1
A cidade é um tema recorrente em músicas, textos literários e trabalhos acadêmicos
fundamentados sob diversas perspectivas. Com olhares sobre o sentido da modernidade; da
democracia ou de seu mau uso; da instituição ou desrespeito dos direitos civis e políticos;
marcado por análises que abarcam transformações materiais, econômicas, sociais e políticas;
estudos empiristas com bases estatísticas e pesquisas sociológicas; trabalhos sobre o impacto
tecnológico; produções voltadas para os costumes de seus habitantes, enfim discursos e
olhares distintos, que não se hierarquizam, se completam dando a cidade o lugar de
centralidade de múltiplas relações.
2
Em matéria de legislação brasileira, até a Constituição de 1988, as políticas voltadas
para o controle do crescimento das cidades eram pouco sistêmicas e estavam envoltas de
controvérsias de várias ordens, principalmente no que diz respeito ao papel dos Municípios
em matérias urbanísticas e ambientais.
3
Entre outras determinações da Constituição brasileira de 1988, definiu-se a necessidade
de criação de um Plano Diretor com durabilidade de dez anos, para cada cidade brasileira
com 20.000 habitantes. De acordo com a Constituição este plano consiste em “um
instrumento básico da política de desenvolvimento da expansão urbana” ( Art. 182,§1º.
Constituição de 1988).
1
Marcel Poète foi professor de “História de Paris” da Bibliothèque de la ville de Paris (1903) e
posteriormente da École dês Hautes, criou em 1906 o Instituto de História, Geografia e economia Urbana
e participou da fundação do Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris em 1924. In: CHOAY,
Françoise. O Urbanismo, utopias e realidades uma antologia, 3ª edição Coleção estudos, editora
Perspectiva, São Paulo.1992. P 280
2
PESAVENTO , Sandra Jatay.O Imaginário da cidade:Visões literárias do urbano, Paris, Rio de
Janeiro, Porto Alegre.Rio Grande do Sul:ed:UFRGS,1999.
3
10
Após doze anos de tramitação no Congresso foi aprovado em julho de 2001 o Estatuto
das Cidades, que regulamenta os instrumentos da política Urbana que devem ser aplicados
pela União, pelos Estados, e principalmente, pelos Municípios.
Outra iniciativa da União, para repensar o crescimento da cidade foi a criação do
Ministério das Cidades, em 1º de janeiro de 2003, com a finalidade de tratar da política de
desenvolvimento urbano, das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental,
transporte urbano e trânsito.
Na página da internet do Governo Federal justifica-se a criação do Ministério das
Cidades pela a necessidade de transformar a realidade das cidades brasileiras, marcada por
um crescimento desordenado e desigual.
As cidades brasileiras abrigavam a menos de um século 10% da
população nacional, Atualmente são 82% . Incharam, num processo
perverso de exclusão e desigualdade. Como resultado, 6,6 milhões de
famílias não possuem moradias, 11% dos domicílios urbanos não têm
acesso ao sistema de abastecimento de água potável e quase 50% não
estão ligados a redes coletoras de esgotamento sanitário. Em
municípios de todos os portes, multiplicam-se favelas. A evidente
prioridade conferida ao transporte individual em detrimento do
coletivo tem resultado em cidades congestionadas de tráfego e
prejuízos estimados em centenas de milhões de reais.
4
Na cidade do Rio de Janeiro existe muita polêmica acerca da política de urbanização
aplicada pelo prefeito César Maia. Entre os muitos impasses desta política, uma questão em
especial chamou minha atenção: a Área de Proteção do Ambiente Cultural, a APAC.
Segundo César Maia, a APAC não representa um tombamento do imóvel. O
proprietário tem direito de demoli-lo depois de pedir licença a Prefeitura, mas não pode
fazer obras de acréscimo vertical e nem horizontal.
Para o prefeito, a medida é conveniente porque o mercado imobiliário explora o bairro
com grandes construções, até que seja desvalorizado, para em seguida partir para outro
bairro, como ocorreu com os bairros da Glória, Catete, Flamengo, Botafogo, Copacabana,
Ipanema e Leblon.
De acordo com César Maia, se a APAC não entrasse no Leblon o bairro continuaria
crescendo verticalmente. Teria taxas de lucros muito altas para os construtores e depois
declinaria.
Já para o economista Rodrigo Constantino, morador da cidade, as APACs representam
um autoritarismo estatal, ao suprir a liberdade dos proprietários sem justificativas razoáveis.
4
Ministério das cidades. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/>. Acesso em: 1 de mar. 2008
11
A propriedade tem dono, e estes respeitam normas gerais e
igualmente válidas para todos, deve ter a liberdade de muda-la se
assim quiser. Se nem mesmo a maioria deve ter o direito de condenar
um imóvel particular a manter sua velha fachada o que dizer de um
prefeito sozinho, via decreto?
5
Em 2006 o vereador Sirkis escreveu um artigo em sua pagina na internet, mostrando-
se preocupado com a articulação de alguns vereadores na Câmara Municipal do Rio de
Janeiro para acabar com as APACs, sob o pretexto de que foram criadas por decreto. Nas
palavras do vereador: “Tenho informações de que haverá emendas, neste sentido de
vereadores representando interesse de alguns proprietários e construtores”.
6
Prefeito de um lado; moradores de outro; vereadores divididos entre o apoio aos
proprietários e ao prefeito; justificativas para combater o crescimento desenfreado das
construções; reclamações contra a intervenção do Estado na propriedade privada. Embates
como estes estão longe de serem exclusividades dos dias atuais.
Mesmo sem a sistematização de um “Plano Diretor”, em finais do século XIX, a
cidade do Rio de Janeiro repensava a reorganização de seu espaço, através de leis esparsas
como as que regulamentaram a construção de casas; a abertura de ruas e praças; a
construção de pontes,
7
antes mesmos da primeira grande reforma de vulto, vulgarmente
conhecida como Reforma Passos.
Na virada do século XIX para o XX, a cidade possuía uma população em torno de 500
mil habitantes e ocupava lugar de destaque na vida política, econômica e social do país. A
partir da proclamação da República, a cidade do Rio de Janeiro, escolhido como sede da
Capital do país, precisou cumprir o papel de centro administrativo do país, além de
responder aos imperativos de ser vitrine da nação e ser um espaço de representação de seus
habitantes.
8
Para Ângela Moulins Simões e Marly Silva da Motta, nesse acelerado processo de
urbanização, muito mais intenso que o da industrialização, o poder público foi chamado a
5
CONSTANTINO, Rodrigo. O Prefeito autoritário.Rio de Janeiro, 2006. Disponovel em:
<Http://rodrigoconstantino>. Acesso em 3 mar 2008
6
SIRKIS, Alfredo. Plano Diretor: Ameaça as APACS na Câmara dos Vereadores. Rio de Janeiro,
2006. Disponível em: <http://www.sirkis.com.br
>. Acesso em 1 marc 2088.
7
O primeiro plano de sistematização do espaço urbano foi elaborado durante o Império em 1875, mas
não logrou grandes êxitos. A primeira grande reforma urbana planificada que a cidade vivenciou, com a
construção de aterros e largas avenidas, ocorreu durante a gestão Rodrigues Alves/ Pereira Passos, com
destaque para a construção da Avenida Central, em 1905.
8
MOTTA, Marly Silva da. Rio de Janeiro: de cidade capital a Estado da Guanabara. Rio de Janeiro:
editora:FGV, 2000.
12
intervir na estrutura urbana, submetendo a ordem liberal e individualista às necessidades de
reprodução da cidade.
Para as autoras, a legitimidade da intervenção estatal foi colocada em cheque e somente
pôde evoluir no que diz respeito ao planejamento urbano porque esse foi defendido não
como uma necessidade da nova ordem social e econômica, mas sim como decorrência das
doenças que eram facilmente disseminadas nos espaços densamente povoados.
9
Jaime Benchimol lembra que o primeiro plano urbanístico da cidade do Rio de
Janeiro foi elaborado na década de 70 do século XIX e coincidiu com os anos mais
prósperos e mais epidêmicos do Segundo Reinado.
Ao mesmo tempo em que esta década foi marcada pelo auge das possibilidades de
expansão da cidade, com o progresso da lavoura cafeeira do Vale do Paraíba, uma grave
epidemia assolou a Capital.
10
O relatório do Plano elaborado pela Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio
de Janeiro, concluído em 1875, dizia o seguinte:
Cumpria-nos designar a largura das calçadas e passeios laterais
nas novas ruas e praças, e a abertura das arcadas ou pórticos contínuos
no caso de haver vantagens em cobrir os passeios com estas
construções, indicar quais as ruas que devem desde já ser abertas ou
alargadas e retificadas, e aquelas cujo alargamento e retificação devem
ser feitos à medida que se reedificam os prédios existentes afim de
que tais reedificações fiquem subordinados aos novos alinhamentos
adotados; finalmente todos os melhoramentos que possam interessar a
salubridade pública (...) ocupando-nos especialmente do dessecamento
dos terrenos e aterros dos pântanos e indicando as regras essenciais
que devem ser observadas nas construções das habitações.
11
O relatório defendia também a necessidade de criação de regras essenciais para a
construção de edifícios particulares, mas para os relatores, estas regras essenciais não
deveriam fixar um tipo pré-determinado de fachada para os edifícios.
Durante os primeiros anos da República, as regras essenciais para construção de
casas no Distrito Federal eram bem conhecidas. O Conselho Municipal, órgão legislativo da
9
SANTOS, Ângela Moulins Simões; MOTTA, Marly Silva da. O “bota- a- baixo” revisitado: O
Executivo Municipal e as reformas urbanas do Rio de Janeiro (1903-2002). In Revista do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, n 10, p.11-34, maio-agosto de 2003. p 22.
10
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos um Haussman tropical: A renovação urbana da cidade
do Rio de Janeiro no inicio do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e
Esporte, Departamento Geral de Documentação, Informação Cultura, Divisão de editoração 1992. p 138
11
Idem. p 140
13
cidade, apresentou a Prefeitura, neste período, inúmeras resoluções com extensas listas de
exigências técnicas e burocráticas a serem seguidas pelos interessados na construção civil.
Muitas destas resoluções, estabelecendo as regras gerais de construção para a cidade,
ou as regras de exceção, colocaram o Conselho Municipal em pé de guerra com o Executivo
local. E entre um dos pontos de maior conflito foi autorizar a liberdade de construir, sem a
observância das regras gerais, em oito freguesias consideradas fora dos limites da cidade; a
extensão deste benefício aos bairros de Copacabana, Villa Ipanema e Leblon e a exigência
do recuo.
Com o corte temporal utilizado aqui, cujo marco inicial é a criação do Conselho
Municipal do Distrito Federal, em 1892, e o final é o último ano de gestão do mais célebre
prefeito deste período, Francisco Pereira Passos, em 1906, observei de perto a disputa entre
as instituições do poder público municipal pelo controle da cidade, e pude entender a relação
deste processo com as constantes mudanças no desenho político institucional do Distrito
Federal.
Para que não haja confusão a respeito do objetivo de meu estudo, começarei a delinear
minha pesquisa explicando a escolha do título desta dissertação: Cidades possíveis: uma
análise dos projetos de lei de construção e reconstrução de casas particulares no
Distrito Federal (1892- 1906).
A cidade que me preocupo em desvendar não diz respeito à cidade materialmente
construída e nem a cidade legal -- alicerçada na legislação elaborada pelos gestores do
município. As “possibilidades” de cidades que me refiro, baseiam-se nas disputas de
propostas de cidades que permaneceram em negociação dentro e fora das esferas políticas,
tanto antes de serem fixadas enquanto posturas, quanto em momento posterior, em que
percebi a grande dificuldade de execução das normas que esbarravam sempre em mudanças
da lei..
Quando dei início à análise desta cidade construída e fundamentada no debate político,
com a participação de sujeitos com interesses e perspectivas distintas, tinha em mente o
estudo de projetos de leis que versavam sobre melhoramentos urbanos, como obras de
saneamento; criação de regras para abertura de ruas; discussões acerca da cobrança de
imposto predial, da desapropriação por utilidade pública e de projetos de construção e
reconstrução de casas particulares.
Tinha também a preocupação de identificar cada um dos sujeitos envolvidos nesta
“negociação” e dar aos moradores da cidade um papel de destaque, em relação aos outros
atores já mencionados.
14
Contudo, a inviabilidade de construir tamanha pesquisa no curto período de dois anos,
dedicados intensamente a este trabalho, obrigou-me a reduzir o foco de análise para um
destes temas - os projetos de construção e reconstrução de moradias - e ao mesmo tempo
conduziu-me a uma seleção maior dos partícipes desta dinâmica da cidade.
Se por um lado minha “janela” de observação teve suas dimensões reduzidas, por outro
tive a possibilidade de acompanhar mais de perto as ricas discussões travadas dentro do
Conselho Municipal do Distrito Federal, as discussões com a Prefeitura e com o Senado
Federal, em virtude da grande quantidade de material organizado por estas instituições.
A partir da análise desta documentação e com o apoio de outros importantes
trabalhos sobre o papel das instituições envolvidas na administração da cidade, pude
entender melhor esta dinâmica política do Distrito Federal em sua prática cotidiana.
A Lei Orgânica nº. 85, de 20 de setembro de 1892, criou o Conselho de Municipal do
Distrito Federal, em substituição ao Conselho de Intendência Municipal, e deu a esta
instituição um total de 37 atribuições, como: a alçada de cuidar da compra de imóveis, do
número de funcionários municipais, do orçamento, dos impostos, dos empréstimos, do
patrimônio, posturas municipais, das obras etc. Com tantas atribuições dadas ao Conselho, o
Executivo Municipal – também criado pela Lei Orgânica - acabou por tornar-se dependente.
12
No entanto, o número de Intendentes, o tempo de seus mandatos, o papel do
Conselho na administração da cidade, foram alvos de constantes mudanças nestes primeiros
anos do Distrito Federal, em que a figura do prefeito foi ganhando papel central na
administração do Município e os grupos políticos locais sofreram sérias restrições.
A preocupação de se evitar o predomínio das populações suburbanas sobre a urbana
na representação da casa legislativa ou mesmo salvaguardar a Capital da República destes
grupos políticos locais, nortearam a maior parte das mudanças nas instituições político-
administrativas da cidade. E estas mudanças se refletiram diretamente no poder destes
homens em manter a prerrogativa da livre construção em determinadas freguesias da cidade.
13
Para compreender as discussões acerca da legislação sobre construções no Distrito
Federal, que na maior parte dos casos desencadearam um conflito direto entre as principais
12
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ecos da Política: a capital federal 1892-1902. 2004. 228f. Tese
de Doutorado(Historia Social) - PPGH UFF, Niterói. p 21.
13 13
FREIRE, Américo. Uma Capital para a Republica: poder Federal e forças políticas locais no Rio
de Janeiro na viradas do século XIX para o XX (1889-1906). 290f.1998. Tese de Doutorado (em
História). Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro Freire 83
15
instituições da cidade, usei como base de apoio a teoria desenvolvida por E. P. Thompson,
em seu livro Senhores e caçadores: A origem da Lei Negra, onde tratou da legitimidade das
regras escritas pelo poder oficial. De acordo com este autor, a lei não pode ser
manifestadamente parcial e injusta na medida em que não pode mascarar, nem legitimar a
hegemonia de classe alguma, sendo necessária que pareça justa , mantendo lógica e critérios
próprios de igualdade.
14
Para que os membros da comunidade reconheçam o código normatizador, os condutores
do processo não podem impor as regras pela simples coerção, caso o fizessem, destituiriam
os códigos legais de qualquer valor, e estes não teriam qualquer significado para a
sociedade. Assim, a possibilidade de utilização deste mecanismo - da instituição de regras -
deve ser entendida e se tornar válida para todos os agentes envolvidos.
Desta forma, as constantes revisões nas regras para construção civil também podem ser
encaradas como a tentativa dos agentes “condutores do processo” - neste caso, os
Intendentes Municipais - de adequarem tais normas à necessidade dos citadinos.
Embora, inúmeras pesquisas tenham enfatizado a política de destituição das moradias
populares do centro da cidade em nome de uma Capital mais moderna, higiênica e segura,
não podemos deixar de levar em conta que a iniciativa do Conselho Municipal de defender
regras mais brandas e mais baratas ou a liberdade de construção em algumas freguesias, que
além de beneficiar grandes proprietários e construtores, deu a muitos trabalhadores a
possibilidade de construírem casas dentro da legalidade.
Outro elemento chave na compreensão de meu objeto foi a percepção do papel do
Estado. Assim como no caso das Leis, o Estado não pode ser identificado apenas como
objeto, nem tão pouco como instrumento de coerção e violência ou ocultação ideológica em
prol de uma classe dominante.
Para Gramsci, o Estado, integrado pela sociedade civil e pela sociedade política, tem
outra dimensão além da força: a cultura, que corresponde ao conjunto das visões de mundo –
valores, crença e auto - percepção de seu lugar na sociedade. Como nem sempre certos
grupos conseguem desenvolver sua própria visão de mundo, adotam visões de mundo
desenvolvidas por outros grupos, quase sempre o dominante. Este princípio é definido por
ele como hegemonia. Partindo desta premissa, Gramsci entende que o Estado
14
THOMPSON., E. P. Senhores e caçadores: A origem da Lei Negra: Trad. Denise Battman. 2ª
edição. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997. p 334
16
contemporâneo deve ser pensado como uma relação social em si mesma, tendo como
peculiar o fato de guardar um espaço de consenso e não só de violência.
15
Com base na orientação de Sonia Regina Mendonça, que compartilha da visão de
Estado desenvolvida por Gramsci, pude entender que a abordagem de documentações como
as utilizadas em minha pesquisa, com características tão especificas, relatórios, anais e
demais publicações do gênero deve ser feita a partir da definição precisa do que se entende
por Estado. Desta forma, a autora entende ser possível:
a) relativizar a fala oficial – e não ratifica-la enquanto a “realidade”; b)
perceber certas modalidades de fontes oficiais enquanto um gênero, que tem
destinatário específicos e, portanto, todo um lexo e linguagem adequadas a
mobilizar e envolvê-lo no(s) projeto(s) que o(s) grupo(s) aparelhado(s) quer
(em) perpetrar; c) ter condições de perceber através do tom supostamente
monocórdio e repetitivo da documentação oriunda de agências do Estado, as
nuanças dos conflitos que as atravessam, uma vez que estes conflitos intra-
burocráticos jamais estão deslocados do processo histórico, e, das tensões
existentes dentro da sociedade civil.
16
Com este aporte teórico metodológico, consegui perceber algumas nuanças deste
processo dado em um período de vultosas transformações para a cidade. No que tange a
linguagem da documentação, percebi através da leitura inicial dos jornais de grande
circulações da época, que os debates registrados nos Anais da casa legislativa e os atos da
Prefeitura, eram neles publicados diariamente. Assim, em tons claros, os representantes da
cidade, eleitos pelos citadinos aptos a votar, procuravam enfatizar seu compromisso com os
interesses de seus representados.
Em relação aos conflitos intra-burocráticos, observei a disputa pelo controle da cidade e
percebi que muitas mudanças na Lei Orgânica do Município mudaram a dinâmica destes
conflitos, mas não puderam neutralizá-los.
Como o leitor irá perceber a opção que fiz pelo estudo da cidade sob o vetor da história
política não significa um retorno à simples narrativa, ao factual, a história ideal e elitista, tão
criticada pelo movimento dos Annales e pelo Marxismo.
A história política mudou seus métodos e ampliou seus objetivos. O novo tratamento dado
aos objetos clássicos, empresta novo sentido a essa história que por muito tempo esteve
legada ao campo da memória. De acordo com René Remond,
15
MENDONÇA, Sonia R. de. Agricultura, Poder e Estado no Brasil: um projeto contra-hegemonico na
Primeira República. In: MENDONÇA, Sonia, MOTTA, Márcia. (org). Nação e poder: As dimensões da
Historia. 1ª edição. Niterói, ed.UFF, 1998, v.1, p.93-154. p.121.
16
Idem, p. 28.
17
O desenvolvimento das políticas públicas sugeriu que a relação
entre economia e política pública não é uma via de mão única. Se não
há dúvida de que pressões dos interesses organizados as vezes alteram
a condução dos negócios políticos, a recíproca também é verdadeira: a
decisão política pode mudar o rumo da economia para melhor ou para
pior.
17
Desta maneira, posso também justificar a opção pelo estudo da “cidade do Rio de
Janeiro”. A grande concentração demográfica, o papel que já tinha no cenário nacional e o
grau de complexidade que envolvia sua política, são elementos que marcaram toda a
dinâmica da cidade.
Como assegurou Américo Freire, a República terminou por fixar-se no Rio de Janeiro,
implantando um modelo de capital que deveria ser capaz de dar segurança aos poderes
centrais e ao mesmo tempo assegurar os direitos de municipalidade da cidade. Sendo assim
o Executivo Municipal nomeado pela União governava em conjunto com o Conselho
Municipal, escolhido pela população, e o Senado Federal que se encarregou da função de
supervisor da Capital.
18
A cidade do Rio de Janeiro, além de pano de fundo de muitas histórias, já foi objeto de
estudo de trabalhos importantíssimos. Muitos destes estudos sobre a cidade nos primeiros
anos da República deram ênfase as intensas transformações vividas no campo econômico,
material, social, cultural e político.
Sobre as grandes transformações da cidade, decorrentes da transição sociedade
brasileira para o capitalismo, o trabalho de Lia de Aquino Carvalho se destaca.
Contribuições ao estudo das habitações populares – Rio de Janeiro 1886 -1906 foi
originalmente apresentada como dissertação de mestrado na Universidade Federal
Fluminense em 1980 e, posteriormente, transformado em livro. A obra tem como foco o
aumento da demanda por habitações na cidade, provocado pelo desenvolvimento industrial.
Utilizando como fontes manuscritas da série “Casas operárias para classes pobres” e o
Relatório de Everaldo Beckheuser sobre habitações populares, apresentado ao Ministério da
Justiça em 1906, a autora define a Reforma Passos como um ponto decisivo para expulsão
dos trabalhadores dos grandes centros urbanos, uma vez que consegue limitar a zona onde as
construções seriam permitidas e proibir a remodelação das já existentes.
17
REMOND, René. Por uma historia política. 2ªedição. Rio de janeiro, ed: FGV, 2003 p23.
18
FREIRE, Américo Oscar Guichard. Uma Capital para República: Forças locais no Campo Político
carioca (1889- 1906). 1998. Tese de doutorado (em Historia) – PPGHIS -Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
18
Outra pesquisa, apresentada nesta mesma época, em 1983, também como dissertação de
Mestrado na Universidade Federal Fluminense, foi o trabalho de Oswaldo Porto Rocha,
intitulado A Era das Demolições, que privilegia o estudo da transformação do espaço da
cidade colonial para uma cidade capitalista.
Ao analisar o desenvolvimento da cidade associado ao desenvolvimento dos transportes,
o autor enfatiza a separação dos bairros da burguesia e os bairros da classe operária. E
dedica atenção especial à gestão de Pereira Passos, responsável por um grande número de
demolições de habitações no centro da cidade.
Jaime Benchimol também tratou indiretamente da crise habitacional da cidade. Com
um amplo recorte temporal, o autor procurou abordar aspectos gerais da cidade desde o fim
do período colonial até os anos posteriores a Reforma Passos.
Assim como os trabalhos de Lia de Aquino e de Oswaldo Porto Rocha, “Pereira Passos
um Haussmann tropical” foi fruto de uma pesquisa de mestrado, apresentada em 1982 no
Programa de Planejamento Urbano e Regional da COPPE/UFRJ. Também destacou os
males enfrentados pela classe trabalhadora, provocados pelas “obras de melhoramentos
destinadas a modernização da Capital do país.
Baseados no clássico: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra de Frederich
Engels, estes pesquisadores trabalharam com a idéia de que a remodelação do espaço urbano
foi um mecanismo de controle da burguesia sobre a cidade.
Na década de 1990 Sidnei Chalhoub, escreveu o clássico Cidade febril: cortiços e
epidemias na corte imperial, em que retrocedeu um pouco no tempo, até as ultimas décadas
do Império, para explicar os caminhos que desembocaram no episódio conhecido como
Revolta da Vacina ocorrido em 1904.
O autor se preocupou em entender as práticas da administração pública através da
construção da ideologia da higiene, além de dar ênfase à resistência da população à
intervenção do estado em seu cotidiano, através de tradições populares.
Neste trabalho, Chalhoub faz uma revisão do papel da população mediante as políticas
oficiais. Diferente dos outros trabalhos citados acima, a população ganha um papel ativo,
deixando o lugar de mero espectador, reagindo ao que era extrínseco ao seu cotidiano.
Sobre o particularismo político da Capital, uma grande referência para os estudos da
cidade é o trabalho do historiador José Murilo de Carvalho: Os Bestializados: O Rio de
Janeiro e a República que não foi. Ao analisar as relações políticas dos primeiros anos do
regime republicano o autor conclui que:
19
A cidade não era uma comunidade no sentido político, não havia
sentimento de pertencer a uma entidade coletiva. A participação que
existia era de natureza religiosa e social e era fragmentada. Podia ser
encontrada nas grandes festas populares, como as da Penha e da
Glória, no entrudo, concretizava-se em pequenas comunidades étnicas,
locais, ou mesmo habitacionais, um pouco mais tarde aparecia nas
associações operarios anarquistas.
19
Para José Murilo de Carvalho o Rio de Janeiro assumiu o papel de Cartão Postal do
país e o governo municipal esteve ligado apenas às questões administrativas. Segundo o
autor os verdadeiros cidadãos mantinham-se afastados do governo da cidade e do país.
Outros trabalhos importantes sobre a administração municipal da capital do país,
trouxeram a luz o conflito e a negociação dentro destas instituições políticas. Um exemplo
deles é a pesquisa de Américo Freire sobre a formação do Rio de Janeiro enquanto Capital
da nação. Em sua Tese de Doutorado, também transformada em livro: Uma Capital para a
República: forças locais no campo da política carioca, além de analisar os paradigmas de
Capital, discutidos durante os debates para consolidação do Distrito Federal, Freire trata da
formação do Conselho Municipal em 1892, e todas as mudanças em seu desenho político-
institucional, definidas pelo Congresso Nacional.
O ponto auto da discussão de Américo Freire é a autonomia do Conselho Municipal que
devido a seu grande número de atribuições, era permitido entrar em confronto com o
Prefeito, e este por sua vez, também podia administrar o município sem responder
diretamente aos ditames do Presidente da República.
O autor considera que mesmo com algumas reformas na política institucional do
município do Rio de Janeiro, implementadas durante as presidências de Campos Sales e
Rodrigues Alves, que limitaram bastante o raio de ação do Conselho Municipal e do Senado,
os Intendentes Municipais não deixaram de exercer influência sobre a Capital do país.
Marcelo de Souza Magalhães também analisou a cidade pautando-se na idéia de
negociação entre os citadinos e os representantes do poder público. Em sua tese: Ecos da
Política: A Capital Federal: 1992 -1902 Magalhães se preocupou com o significado do
“fazer política”, destacando a relação do Conselho Municipal com a cidade.
Através da análise das mensagens dos Prefeitos aos Intendentes, da coluna do Jornal do
Brazil Queixas do Povo e do estudo da representação da política municipal através do humor
19
CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987. p 38
20
da Revista Illustrada, o autor conseguiu traçar um perfil geral das resoluções e projetos de
leis, votados no Conselho Municipal, ao mesmo tempo em que demonstrou uma associação
destes com a demanda dos moradores.
Desta feita, devo lembrar ao leitor que minha pesquisa vem ao encontro destes estudos
sobre a cidade do Rio de Janeiro e principalmente sobre a política municipal da Capital do
país, acrescentando mais um capítulo a esta história.
Passando rapidamente pela organização do trabalho, a dissertação foi dividida em três
capítulos. No Capítulo I acompanho as discussões acerca das regras gerais de edificações
para todo Distrito, dando ênfase ao polêmico parágrafo único do art. 1º, presente em alguns
dos projetos de leis gerais de construção civil, que garantiu por alguns anos a liberdade de
construção de oito freguesias da cidade: Inhaúma, Irajá, Campo Grande, Guaratiba, Santa
Cruz, Jacarepaguá e Ilhas de Paquetá e do Governador.
No Capítulo II, meu olhar está focado na flexibilização da Lei Geral de Construção e
Reconstrução. Procuro dar relevo às tentativas de ampliação do parágrafo único supracitado,
para beneficiar proprietários e construtores das localidades de Copacabana e Villa Ipanema,
Leblon e Estrada da Gávea. Ao mesmo tempo em que abordo as árduas discussões sobre a
extensão do beneficio, trato do desenvolvimento destes novos bairros.
No terceiro e último capítulo, optei por analisar apenas um Projeto de Lei, discutido no
Conselho Municipal durante o ano de 1895. Este Projeto também diz respeito a mudança de
um parágrafo da lei geral, neste caso a eliminação da exigência do recuo das casas, para
alargamento das vias públicas.
A dedicação de um capítulo inteiro a este Projeto de Lei se justifica pela grande
polêmica gerada na sociedade carioca do período, preocupada com a questão das
indenizações de parte de seus terrenos perdidos em nome da utilidade pública.
Este projeto amplamente debatido no Conselho e nos principais jornais da Capital traz a
tona um importante problema da Reforma Urbana: a quebra de um dos principais preceitos
do liberalismo - o direito a propriedade privada.
Depois de toda esta apresentação, proponho um passeio pelo Distrito Federal dos
primeiros anos republicanos, indo além de sua reconstrução material, vista já em muitas
abordagens sobre o tema.
Convido o leitor a um passeio sobre esta cidade negociada ponto a ponto em seu
cotidiano, partindo dos acalorados debates de dentro, e por vezes de fora, das instituições
envolvidas diretamente na administração política do município.
21
Capítulo 1
A cidade não para a cidade só cresce:
Considerações sobre os debates para definição de regras de construção civil (1892-
1906)
1.1- Um breve passeio pela cidade do Rio de Janeiro na virada do
século XIX para o XX
O proprietário: - Bem como eu não sou um estabelecimento
legalmente autorizado, dou uma indicação por três-mil-rés.
Mota: - Guarde-a.
Vieira: - Dispense-o
A Senhora: - Aqui tem os três –mil- rés. A necessidade é tanta que
me submeto a todas as patifarias.
O proprietário (muito calmo) - Patifaria é forte demais... Como a
Senhora paga...
A senhora: - Vamos.
O Proprietário: - A minha casa é na Praia da Formosa.
Mota e Vieira: - Que horror.
O proprietário: - é um sobrado com janelas de peitoril. Os cômodos
de baixos estão ocupados por açougues.
A Senhora: - Oh! Deve haver mosquitos
O proprietário: - Mosquitos há em toda a parte. Sala, três quartos,
sala de jantar, dispensa, latrina na cozinha, água, gás, tanque para
lavar galinheiro.
A Senhora: - Tem banheiro?
O proprietário: - Terá se o inquilino fizer
A casa foi pintada e forrada há dez anos, está muito suja. Aluguel
duzentos mil rés por mês (...)
A Senhora: - Com os três mil rés que me roubou, compre uma corda
e enforque-se.
20
O diálogo descrito acima corresponde à cena II do quadro segundo da Revista O
Tribofe, de propriedade de Arthur Azevedo, inaugurada em junho de 1892. A revista que se
20
Citado por: BARBOSA. J.L. Olhos para ver, ouvidos para ouvir: os ambientes malsãos da Capital da
Republica. In:ABREU, Mauricio (org). Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. 1 ed. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura, 1992, v.1.(p.31-329). P. 219
22
propunha a trocar a sátira eterna pelas pilhérias modernas, abordava em 12 quadros as
aventuras de uma família do interior a procura do noivo desaparecido da filha na Capital
Federal.
Esta cena, em especial, focaliza um dos principais problemas vivido pelos citadinos, ou
mesmo por visitantes da Capital do país, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX:
o desequilíbrio entre o número de habitantes e o número de casas disponíveis na cidade.
Como se vê nas entrelinhas desta sátira, a escassez de moradias na cidade do Rio de
Janeiro não afetava apenas as camadas empobrecidas da população, embora este setor fosse o
maior prejudicado por esta crise. As camadas médias da sociedade, como as personagens
descritas neste quadro, também enfrentavam problemas com a alta dos aluguéis e casas mal
conservadas a mercê da especulação imobiliária.
Apesar de a narrativa descrever uma casa com grandes dimensões, com três quartos,
sala de jantar e cozinha, nota-se a precariedade das instalações reconhecida na fala do
proprietário que também admite a inexistência de banheiro na residência.
Casas com este perfil e em piores condições de salubridade e estética multiplicavam-se
pelas freguesias da cidade. A partir da segunda metade do século XIX, a grande concentração
demográfica no centro da cidade e o grande número de casas, consideradas anti-higiênica,
foram apontados pelo discurso médico como os principais elementos propagadores de
epidemias que assolaram os verões cariocas.
A população urbana do Rio de Janeiro, que vinha crescendo desde a chegada da Família
Real e de sua Corte, quase duplicou entre os anos de 1872 e 1890, passando de 226 mil para
522 mil habitantes.
21
A disputa por um espaço habitável na cidade gerou a subdivisão de antigos palácios da
área central; a construção de casebres com dimensões extremamente reduzidas; construções
contíguas, sem o espaço necessário entre as casas e a invasão de logradouros públicos.
Até o início do século XIX a cidade do Rio de Janeiro tinha dimensões modestas,
ocupando o espaço entre os morros do Castelo, de Santo Antônio, de São Bento e da
Conceição. O primeiro movimento de expansão da cidade foi realizado a partir da conquista de
barreiras naturais, por meio de aterros e drenagens de pântanos e mangues. Como foi o caso do
aterro e drenagem do Saco de São Diogo, que resultou na criação da Cidade Nova.
Ao longo dos anos, com o aumento da população agravado pela transformação da
cidade em sede dos poderes da nação, a construção e a reforma de habitações coletivas foram
21
Idem, p31
23
proibidas em muitas áreas da cidade e muitos cortiços foram derrubados para alargamento de
ruas e construções de largas de avenidas.
Ao mesmo tempo em que medidas como estas foram adotadas sob a justificativa de se
combater a disseminação de doença, desafogar o centro da cidade ou de contribuir para
modernização da Capital, propostas para construção de casas higiênicas, de vilas operárias
22
e
incentivos às construções para além dos limites da cidade foram debatidas nas esferas da
Administração Municipal.
Em 1905, durante a administração Pereira Passos, foi criada uma Comissão para
investigar a crise habitacional do Rio de Janeiro, nomeada pelo Ministro do Interior e Justiça,
J. Seabra. A Comissão constatou o crescimento da favela dos morros da Providência e do
Castelo e apresentou como uma possível sugestão para o fim da crise o barateamento dos
transportes ou mesmo a gratuidade para os operários.
23
Moralles de Los Rios assegura que antes da chegada da Família Real e sua Corte ao Rio
de Janeiro havia poucas construções, com exceção das construções religiosas e uma ou outra de
caráter público.
Esta situação permaneceu como problema por alguns anos, na medida em que os gastos
com aposentadoria de todos os que chegaram da Europa, não permitiu a construção de novos
edifícios como a cidade exigia. Essas dificuldades aliada as barreiras naturais tornavam-se
grandes obstáculos para o desenvolvimento das construções de casas neste período.
24
Três anos após a chegada da Família Real e sua Corte, o Rei assinou um decreto em 26
de abril de 1811 concedendo, durante dez anos, a isenção do pagamento da décima urbana, às
casas de dois pavimentos e de menos de cinco portas e durante vinte anos, às casas que
possuíssem mais de dois pavimentos ou de cinco ou mais janelas, o objetivo deste decreto era
desenvolver a região da Cidade Nova.
Em 1817, um alvará obrigava o proprietário de terrenos não edificados, apenas cercados
por muros, a fazerem nestes, vão de portas e janelas. A resposta de Los Rios sobre a finalidade
desta lei é de que sua intenção era dar ao transeunte a impressão de uma cidade mais edificada.
25
Com o passar dos anos, o problema deixou de ser a falta de edificações e passou a ser o
controle sobre a maneira de se construir. Segundo Jaime Benchimol, possivelmente a primeira
22
RIOS, Adolfo Morales de Los. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: ed. UNIVERSICADE, 2ª
edição, 2000. p 151
23
LOBO, Eulália Lobo; CARVALHO, Lia de Aquino e STANLEY. Questão habitacional e o
movimento operário . Rio de Janeiro: ed.UFRJ,198978
24
Opus citatum. Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial ...p 151
25
idem
24
proposta de normatização das construções, que foi além dos simples incentivos aos
proprietários proposto nos alvarás mencionados, foi um projeto de postura do médico Vereador
José Pereira Rego, apresentado a Câmara em 1866, visando impedir o crescimento do número
de cortiços nos limites da “Cidade Velha” e suas adjacências e submeter às construções e
reconstruções da capital a um rigoroso controle, padronizando sua fisionomia arquitetônica.
26
Se para as freguesias da cidade já se nota a tentativa de um controle mais eficaz sobre as
construções, na área rural ou suburbana, o que se observa é um incentivo a sua ocupação.Por
esta mesma época, classificados de importantes jornais publicavam leilões destas terras
afastadas da cidade, que aos poucos deixavam de ser uma área voltada apenas para produção
agrícola para transformarem-se em zonas residenciais:
“Grande leilão dia 6/5/ 1869, dos mais ricos e importantes
terrenos no Engenho Novo, a 5 minutos da estação. Chácara conhecida
pelo nome de chácara do Conselheiro Ferras (Barão de Uruguaiana) ....
Roberto Grey, honrado com a confiança da Ilma. E Exma. Sra.
Baronesa de Uruguaiana, acha-se autorizado a vender em leilão
público ... 120 prazos mais ou menos, dos mais ricos e importantes
terrenos que até agora se tem vendido no Engenho Novo, todos muito
bem divididos e arruados.
27
Com o desenvolvimento dos transportes foi possível, a partir do final da década de 50
do século XIX, a fundação de vários núcleos urbanos as margens da ferrovia e a ocupação de
freguesias consideradas longe da área central da cidade. Assim, a construções das estações
ferroviárias foram de grande importância para o comércio imobiliário da região.
28
A expansão da malha urbana do Rio de Janeiro foi impulsionada tanto pela
construção das linhas férreas, que ampliaram o raio de ação da cidade em direção aos
26
Opus citatum. - BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos um Haussman tropica... p. 131
Em agosto de 1855 foi apresentado a Câmara Municipal um projeto de Postura versando unicamente
sobre cortiços de autoria do fiscal da freguesia de Santa Rita. Argumentando interesse em garantir a
“facilidade da existência dos pobres” o fiscal de Santa Rita propôs uma serie de medidas a fim de impedir
que os cortiços tornassem “foco de Vícios” ou de transgressões “da moralidade dos costumes”. A
proposta obrigava os proprietários a efetuarem todos os reparos e melhoramentos que fossem exigidos
pelo Delegado da Junta de Higiene Pública da freguesia respectiva. Entre outras exigências, previa a
construção em lugares apropriados para as latrinas, calçamento e iluminação dos pátios. A Câmara não
adotou nenhuma das medidas mencionadas no projeto, acatou apenas o item nove do documento que
previa a necessidade de Licença da Câmara para construção de novos cortiços na cidade. Citado por:
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia
das letras, 1996. p 32.
27
SANTOS, Joaquim Justino de Moura dos. Contribuição ao estudo da história do subúrbio do Rio de
Janeiro: freguesia de Inhaúma de 1743 a 1920. 1987.413f. Tese de Doutorado ( em História)_ Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.P 146
28
idem
25
subúrbios, como pela atuação dos bondes, que atuaram em parte da zona norte e na zona sul
da cidade.
29
Segundo Pereira da Silva, a articulação das empresas de bondes com o capital
imobiliário foi traço característico deste momento da urbanização. Nos contratos de concessões
das empresas de bondes costuma-se encontrar o que mais tarde se denominou “privilegio de
zona”, ou seja, os direitos que as concessionárias adquiriam quanto à prioridade sobre os
trechos da cidade onde assentaram seus trilhos.
30
No final do século XIX, cabiam as empresas
de bondes a tarefa de promover melhorias nas localidades que atendiam. Segundo os decretos
de concessão competia a elas a realização de obras como alargamento de ruas, calçamentos,
aterros de mangues e construção de pontes.
As famílias de maior poder aquisitivo se distanciaram do centro da cidade, construindo
seus solares na Glória, no Catete, em Botafogo, Vila Isabel, Tijuca.
Já para um grande número de trabalhadores, que podiam pagar o preço de deslocamento de sua
residência até o seu local de trabalho, o subúrbio foi uma boa alternativa para moradia, longe
de seu trabalho, mas em contrapartida, fora dos cortiços aglomerados.
Alguns trabalhos focalizam a expulsão dos trabalhadores do centro para os subúrbios,
sobre tudo a partir das Reformas Urbanas de Rodrigues Alves/ Pereira Passos, período
conhecido pelas grandes obras no centro da cidade e derrubado de inúmeras casas. Outros
consideram que a municipalidade, abandonou os subúrbios no que tange a fiscalização das
construções de residências.
A partir da análise da documentação reunida pelo Conselho Municipal do Distrito
Federal (1892-1906) e pela Prefeitura (1892-1906) pude observar que a normatização das
construções foi tema de embates intensos entre as esferas da administração municipal e entre
os citadinos.
Ao se discutir as regras essenciais de construção, discutiu-se também a necessidade de
considerar a zona rural da cidade como uma área especial, defesa das regras válidas para o
restante da cidade, sob o argumento de se incentivar a ocupação desta parte da Capital.
Esta concepção vitoriosa em quase todos os debates do Conselho Municipal pode ser
vista no parágrafo único, do art. 1º da postura 417, de 1893, que vigorou por 7 anos no Distrito
Federal, em que se prescreveu a isenção de oito freguesias do Distrito Federal do pedido de
licença à prefeitura e do pagamento dos emolumentos aos cofres municipais. Também pode ser
29
ABREU, Mauricio. A evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto de
Urbanismo Pereira Passos, 2006.
30
Citado em: FREIRE. Américo G. A guerras de posição na Metrópole: a prefeitura e as
empresas de ônibus no Rio de Janeiro (1906-1948). Rio de Janeiro: ALERJ: FGV,2001. p 23
26
vista em projetos de lei e no capítulo de uma destas posturas que estipulou regras diferenciadas
para construção em Inhaúma e Irajá – consideradas por muito tempo, área rural da cidade.
O argumento de facilitar as construções fora dos limites da cidade para incentivar a
ocupação destas áreas e descongestionar as freguesias centrais não foi aceito pelos prefeitos
que analisaram estas resoluções do Conselho. Nas redações de justificativa pelos vetos
enviados ao Senado a “liberdade de construção” nos subúrbios foi sempre apontada como um
grave risco para a cidade, para os cofres municipais, para segurança e como uma tentativa do
Conselho Municipal esvaziar o poder do Prefeito sobre a cidade.
Todas essas discussões, além de preocupações com a higiene e a estética das casas e
com desenho da cidade, apontados nos discursos dos legisladores municipais e dos prefeitos
revelam uma intensa disputa de poderes sobre a cidade.
Devo esclarecer mais uma vez, que tanto a crise habitacional vivida pela cidade, antes e
durante a primeira reforma de vulto do Rio de Janeiro, quanto os debates para definição de
normas de construção e fiscalização das obras nos distritos da cidade, foram os pontos de
partidas para uma observação mais detalhada do campo de ação da municipalidade, com
destaque para a relação entre os intendentes e os prefeitos e entre os intendentes e os citadinos.
Esta dinâmica que envolvia intendentes, prefeitos, senadores e citadinos, já foi
analisada em outros trabalhos sob perspectivas mais amplas, com estudo sobre o lugar de cada
uma destas instituições na administração da cidade; análises sobre a relação do Conselho com
os citadinos; pesquisas sobre o papel do Distrito Federal no jogo da política nacional e etc.
·.31
Com a intenção de acrescentar mais um capítulo a esta história, parti da leitura dos
debates travados dentro das instâncias onde aconteciam a política oficial para observar esta
relação em sua prática cotidiana.
Desta maneira, me proponho apresentar neste primeiro capítulo a cidade construída e
negociada ponto a ponto, dando foco ao polêmico ponto da “livre construção” nos distritos fora
dos limites da cidade.
31
27
1.2- A Cidade e a lei: o dialogo entre a cidade , os projetos e as leis
Pegando de empréstimo o título do livro de Raquel Rolnik “A cidade e a lei:
legislação, política urbana e território na cidade de São Paulo”, dei o nome a esta parte do
capítulo, não para ratificar a tese defendida pela autora, mas para enfatizar a idéia da
necessidade da lei dialogar com a realidade da cidade.
Rolnik adota a idéia de separação entre o nível legal e o real do urbano. Baseando-se
na legislação da cidade de São Paulo, acerca de sua urbanização, a autora conclui que as
instituições políticas, na Primeira República, não eram espaço de representação dos seus
citadinos. Defende que as restrições eleitorais acabavam excluindo a população da
participação das decisões tomadas nos espaços da política oficial.
32
A autora partilha da tese defendida por José Murilo de Carvalho em seu livro Os
Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, em que aponta as limitação das
ações dos administradores da primeira República, enfatizando o distanciamento da
população dos canais institucionais da política oficial.
33
Embora a complexa discussão sobre cidadania na Primeira República vá muito além
das pretensões de meu trabalho, a análise dos debates travados nas esferas da administração
municipal do Rio de Janeiro apontou para a construção de uma cidade alicerçada em debates
margeados por diferentes interesses e por distintos sujeitos.
A criação de regras para edificação na cidade não deve ser encarada apenas como um
ato autoritário, nem como uma simples resposta ao puro interesse econômico - da
especulação imobiliária e do capitalismo em desenvolvimento
.
A administração municipal,
que esteve em constante disputa acerca dos poderes sobre a cidade, estava ciente de que a
lei não poderia estar acima de seus citadinos.
As constantes mudanças na legislação de obras e o benefício de construir em
algumas freguesias sem licença e pagamento de emolumentos à prefeitura podem ser
encarados como respostas a pressões do capital imobiliário; das empresas de transporte; dos
proprietários organizados ou não; dos eleitores sobre seus representantes e também como
fruto da necessidade de expandir a cidade incentivando as construções para além das
aglomeradas freguesias do centro, assoladas por doenças.
32
ROLNIK, Raquel. A cidade e a Lei: Legislação política , urbana e território na cidade de São Paulo.
São Paulo:FAPESP: Studio Nobel,1997
33
CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: e a República que não foi. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987.
28
A pesquisa feita por Marcelo de Sousa Magalhães aponta para uma relação entre os
temas dos projetos de leis discutidos pelo Conselho Municipal do Distrito Federal e as
demandas dos moradores presentes na imprensa, em abaixo-assinados, requerimentos,
representações e petições. Para ele, esta interferência dos citadinos, no dia a dia do
Conselho, permite relativizar à interpretação de que o mesmo estava dissociado da vida da
cidade.
34
Segundo o autor, muitos requerimentos apresentados à casa por munícipes, após
serem encaminhados à Comissão responsável pelo assunto, transformaram-se em projetos de
lei, ganhando a assinatura da Comissão que emitiu seu parecer.
Isso implica dizer que demandas formais,
encaminhadas por pessoas da cidade (individual ou coletivamente),
podiam ser respondidas positivamente pelos membros do Conselho
pelo meio mais próprio de atuação de uma instituição legislativa, que
consiste na produção de uma lei.
35
Por ser uma cidade diferente das outras cidades do país, capital da República com
direito a representação própria no Congresso Nacional, além do direito garantido as outras
unidades da Federação de uma Casa Legislativa e um Poder Executivo, a forma plural de sua
construção merece atenção especial.
O território da cidade do Rio de Janeiro havia sido desmembrado da província de
mesmo nome pelo Ato Adicional de 1834. Por este Ato deu-se a organização do Município
Neutro, estabelecendo-se a subordinação das decisões da Câmara Municipal da cidade -
criada em 1830- à apreciação do Ministério do Império.
Com a Proclamação da República, o território da cidade do Rio de Janeiro passou à
tutela do Governo Provisório, constituindo a sede dos altos poderes da Nação. O Decreto
que definiu a cidade como sede dos poderes, também mudou seu nome de Município Neutro
para Distrito Federal.
Antes da aprovação da Constituição da República e da criação da Lei Orgânica do
Município, o Governo Provisório criou o Conselho de Intendência Municipal, igualmente de
caráter provisório, que deveria ser substituído assim a que fosse estabelecida a organização
definitiva da administração local.
34
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ecos da Política: A Capital Federal (1892-1902). 2004.228f. Tese
de Doutorado. (em Historia)- Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro p 156
35
Idem, 158
29
A presidência deste Conselho provisório ficou nas mãos de Candido Barata Ribeiro,
homem de grande destaque no governo do Presidente Floriano Peixoto, e que,
posteriormente, foi indicado para o cargo de prefeito da cidade.
Votada a Constituição Federal em 1891, deliberou-se que, salvas as restrições
especificadas nas Leis Federais, o Distrito Federal seria administrado pelas autoridades
municipais, incumbindo exclusivamente ao Município as despesas de caráter local
(Constituição 1891, Titulo II. Art. 67)
36
Em 20 de setembro de 1892, foi promulgada Lei Orgânica do Distrito Federal, foi
criado um órgão Legislativo para a cidade: o Conselho Municipal, com 27 intendentes
eleitos pelos citadinos aptos à votar, e um Executivo: o Prefeito, indicado pelo Presidente da
República. A Lei Orgânica do Município também deu ao Senado Federal o direito de validar
o nome do Prefeito, e avaliar suas decisões em caso de veto.
Cinco dias antes da promulgação desta lei, Barata Ribeiro, a frente do Conselho
Provisório - Conselho de Intendência Municipal - havia aprovado a postura de 15 de
setembro de 1892, exigindo a solicitação de licença para construção e reconstrução de casas
particulares dentro e “fora dos limites da cidade” [grifo meu]
37
. Logo no primeiro mês em
que o novo Conselho entrou em funcionamento, esta postura foi contestada.
Veja a seguir este acalorado debate para mudança desta lei aprovada por Barata Ribeiro.
O Conselho Municipal resolve: sobrestar a postura relativa às construções
em vigor e manda vigorar uma nova.
Criação e discussão do projeto 38 de 1893,
sancionado em 17 de julho de 1893 (Decreto 417)
Em 9 de janeiro de 1893 a Comissão de Viação e Obras Públicas do Conselho
Municipal, formada pelo engenheiro civil João Batista Maia de Lacerda, pelo médico Lino
Teixeira, e pelo funcionário municipal Duarte José Teixeira, apresentou ao plenário da Casa
o primeiro projeto sobre edificações a ser discutido pela nova instituição, mandando sustar a
postura de construções e reconstruções de prédios sancionada, meses antes, por Barata
Ribeiro e mandando entrar em vigor nova postura.
As considerações apresentadas pela Comissão para justificar a utilidade do projeto
foram comuns a muitos outros projetos com esta temática, apresentados nesta e em outras
36
SANTOS Noronha. Chorografia do Distrito Federal (rio de Janeiro). Rio de Janeiro: Benjamim de
Aguiar, 1913.p. 181
37
Esta lei também estipulava a exigência de recuo das construções e será analisada no capitulo 3.
30
legislaturas que se seguiram. Entre as necessidades de criação desta nova lei, apontou-se
para a urgência em sanar o problema da falta de moradias da capital, a partir do
“derramamento” das construções pela cidade e o controle dos preços dos alugueis, uma vez
que a lei de regulamentação dos aluguéis só poderia vigorar com o aumento das habitações
disponíveis.
Este projeto de número 38, de 1893, possuía 30 artigos delimitando normas técnicas e
burocráticas que deveriam orientar proprietários e construtores interessados em edificar ou
reconstruir prédios para habitações em toda cidade.
Diferente da postura aprovada por Barata Ribeiro, o projeto da Comissão isentava as
construções de fora dos limites da cidade das regras válidas para o restante do Distrito. No
parágrafo único do art. 1º, oito freguesias ficaram isentas de cumprirem as normas descritas
na Postura: Jacarepaguá, Inhaúma, Irajá, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba, Ilhas do
Governador e Paquetá.
Para qualquer construção ou reconstrução de edificações, com exceção das freguesias
supracitadas, o proprietário deveria requerer licença a Prefeitura, e fazer o pedido de
arruação e nivelamento do terreno. Por sua vez, a Prefeitura não poderia negar a licença se o
projeto apresentado pelo requerente respeitasse as normas presentes na postura municipal.
No artigo 30, determinava-se revogação das disposições contrárias ao projeto, até que se
fizessem o levantamento, a confecção e a aceitação da planta cadastral do Município, cuja
comissão ainda deveria ser contratada pelo prefeito.
O projeto não foi bem aceito por todos os membros do Conselho, o intendente
Augusto de Vasconcellos, médico de profissão e representante do distrito de Campo Grande,
apesar de não apresentar emendas, se opôs aos diversos pontos, defendendo um meio termo
entre o projeto da Comissão e a Postura até então em vigor - de 15 de setembro de 1892.
Na 3ª discussão, além de apresentar as falhas na redação da futura postura, o
Intendente justificou seu voto contra, alegando que o projeto embaraçava todos os
melhoramentos das construções e das viações públicas, uma vez que permitiria a construção
no alinhamento de ruas estreitas.
A cidade possuía muitas ruas de dimensões reduzidas. Segundo os próprios
Intendentes, o alinhamento de grande parte dessas ruas do centro da Capital seguia o
primeiro plano de sistematização das construções, elaborado ainda no Império em 1874.
O intendente de Campo Grande foi Delegado de Higiene durante o Império e com o
advento da República foi nomeado para o Conselho provisório (Conselho de Intendência
Municipal) e posteriormente eleito para o Conselho Municipal.
31
Para ele, os melhoramentos sanitários do Distrito Federal, como o alargamento das
ruas, poderiam ser comprometidos pelo projeto da Comissão de Viação e Obras Públicas:
Já não quero Sr. Presidente que se façam demolições, que se
obrigue os proprietários a recuar os seus prédios, mas o que quero é
que não se façam novas construções nos alinhamento das ruas
estreitas, porque isso importa em acumular dificuldades a
melhoramentos instantaneamente reclamados. E é esta razão que voto
contra o projeto.
38
O porta-voz da Comissão e autor do projeto, Maia de Lacerda, procurou demonstrar aos
colegas que o mesmo não feria de morte as pretensões do Conselho de construir uma cidade
bela. Respondeu a crítica de Augusto de Vasconcellos a respeito de construções no
alinhamento de ruas estreitas, ressaltando o art. 2º do projeto que previa necessidade do
construtor requerer junto a Prefeitura a licença, o arruamento e o nivelamento do terreno:
ora desde que o individuo requeira arruação, a autoridade municipal por intermédio da
repartição competente, determinará o arruamento a que deve obedecer o edifício a
construir.”
39
A resposta do signatário do projeto não convenceu Augusto de Vasconcellos. O
intendente de Campo Grande levantou uma questão que se tornou concreta após a
transformação do projeto em lei: a impossibilidade do prefeito negar licença a qualquer
construção que obedecesse a postura não livrou a cidade de novas construções feitas no
antigo alinhamento de ruas estreitas.
Diante desta constatação, Augusto de Vasconcellos insistiu em registrar nos Anais do
Legislativo Municipal sua oposição ao que considerou um arrocho contra o governo
Municipal.
Maia de Lacerda, mais uma vez, combateu a crítica do colega:
V.Ex. sabe, Sr. Presidente que nesta cidade todas as ruas da
parte central estão edificada literalmente, conseguintemente o projeto
de construção só vai ter efeito nas freguesias suburbanas. Sendo
assim, e sendo que a licença esteja de acordo com o alinhamento.
(...)
O meio para alargamento da rua não será a demolição de uma
ou outra casa para o futuro porque isso levaria um milhão de ano para
que uma rua se alargasse. Devemos alargar as ruas, máxime aquelas
que são estreitas, no interesse do embelezamento da cidade, mas os
meios a empregar são outros.
38
Augusto Vasconcellos. 8/03/1893. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal, 1892/1894. p. 44
39
Idem, p 45
32
Ninguém mais pedindo a palavra a discussão foi encerrada, todos os artigos foram
aprovados e encaminhados a Comissão de Redação que concluiu seu trabalho em 9 de março
de 1893 e o encaminhou a Prefeitura do Distrito Federal no dia 16 do mesmo mês.
Como já foi dito, com a Lei Orgânica de 20 de setembro de 1892, a dinâmica política
da cidade passou a ser dividida entre o Conselho Municipal, eleito pelo voto dos citadinos
aptos a votar; o Prefeito, indicado pelo Presidente da República, e os Senadores, a quem
coube a palavra final sobre as resoluções não aprovadas pelo Prefeito.
Desta forma a resolução do Conselho Municipal precisava passar pela segunda etapa: a
avaliação do Prefeito.
O Prefeito responde: “em todas as grandes capitais, como no Rio de Janeiro o que
hoje é arrabalde, amanhã será centro, o que é subúrbio será arrabalde pela força expansiva
de uma população que cresce rapidamente e independentemente”
Nas mãos de Barata Ribeiro, primeiro homem nomeado para o cargo de Prefeito
do Distrito Federal, o projeto foi vetado. O prefeito era contrário ao parágrafo único do
projeto que previa a liberdade de construção para as freguesias consideradas fora dos limites
da cidade.
Para Ribeiro o Conselho excluía da alçada da prefeitura o exame, a autorização e a
inspeção de todas as construções e reconstruções que tivessem de se efetuar nas
mencionadas freguesias. O dispositivo da lei além de limitar o poder do Prefeito sobre
determinada área da cidade, contribuiria para o sacrifício de toda a viação do Distrito
Federal, o desprezo de todas as regras arquitetônicas e a falta de segurança das construções
na cidade.
Apesar de ocupar por pouco tempo a cadeira do Executivo Municipal, Barata Ribeiro
tornou-se conhecido por sua política de erradicação dos cortiços do centro da cidade,
considerando-os como redutos das doenças que assolavam a capital. Em pouco tempo o
prefeito se tornou impopular também entre os proprietários.
O nome de Barata Ribeiro foi rejeitado pelo Senado, em 22 de março de 1893, por
haver participado do Conselho de Intendência Municipal, o que por si só representava um
impedimento legal para ocupar o cargo de Prefeito
Seis dias após sua exoneração, a Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários
de Prédios da Capital, que reunia quase todos os proprietários da cidade do Rio de Janeiro,
33
dirigiu ao Senado Federal, por meio dos senadores Saldanha Marinho e Coelho Rodrigues,
uma representação parabenizando a casa pelo ato heróico e patriótico de rejeição ao nome
de Barata Ribeiro. Assim dizia a representação:
Digníssimos Senhores Senadores: A Sociedade União dos
Proprietários e Arrendatário de Prédios não pode e nem deve calar-se
ante ao procedimento altamente patriótico que tiveste na sessão do
corrente, negando vossa aprovação a nomeação do Dr. Candido
Barata Ribeiro, para o cargo de Prefeito do Distrito Federal.
Cumpriste o vosso dever por atender as queixas do povo de
que sois mandatários e representantes e fizeste triunfar a lei- de cuja
fiel observância dependem essencialmente a ordem. Segurança, e
estabilidades publica-elementos de todo o progresso.
[...]
Interpretando por tanto os sentimentos dos munícipes desta
capital - em sua quase totalidade - a Sociedade União dos
Proprietários e Arrendatários de Prédios, vem oferecer-vos as mais
sinceras congratulações e mais entusiásticos aplausos- confiando em
que para o futuro continuem sempre os vossos atos pautados pela lei
e ditados pela Opinião pública- único sustento legitimo dos governos
bem constituídos e bem intencionados.
40
Rio de Janeiro, 26 de maio de 1893, João
Teixeira de Abreu- Presidente- Antonio Moreira da Costa-Vice
Presidente, Francisco Alves soares Bastos Soares, 1º Secretario,
Antonio Alves do Valle- 2º Diretor, Antonio José Alexandre Castro-
Tesoureiro, Daniel Ferreira dos santos – Geraldo da Gama Bentes,
Leão Teixeira, Bernardo C.A. Leão, Dr João Marques, José Campelo
de Oliveira- Domingos José Coelho.
Esta representação dos proprietários da cidade é um sinal de desaprovação de medidas
impopulares tomadas pelo prefeito, sobretudo a partir de seu veto a livre construção fora dos
limites da cidade.
O Conselho Municipal, em sua Resolução, alegou a necessidade de desafogar o centro
da cidade da aglomeração de casas e defendeu esta nova postura como um incentivo aos
construtores para edificarem moradias na zona rural, isentando estas freguesias das licenças
e das regras gerais de construção e reconstrução. Já o prefeito encarou a Resolução do
Conselho como uma invasão as atribuições do Executivo, uma vez que a Lei excluía de sua
alçada o controle destas oito freguesias. Já o Senado Federal...
40
Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de Prédios, Representação. 5/06/1893. Anais do
Senado Federal. Rio de Janeiro. P 267
34
O Senado rejeita o Veto
A Comissão de Justiça e Legislação do Senado examinou o veto de Barata Ribeiro e
considerou que a Resolução do Conselho não feria em nenhuma medida o regulamento do
Distrito Federal, e assim o derrubou em 6 de julho de 1893.
41
Derrubado o veto, no dia 17 de julho, do mesmo ano, o Presidente do Conselho
Municipal, Antonio Dias Ferreira, médico e representante da paróquia da Gávea, ocupando
interinamente o cargo de Prefeito, transformou a resolução do Conselho no Decreto 417
regulando as construções de prédios particulares em toda área da cidade.
42
1.3-Mas afinal quem estava dentro e quem estava fora dos limites da
cidade?
O crescimento demográfico do Rio de janeiro fez com que a concepção de subúrbio ou
zona rural, modificasse ao longo dos anos.Veja o quadro abaixo:
41
42
Para facilitar a compreensão dos debates, esta lei está redigida integralmente nos anexos da
dissertação.
35
Evolução do número das freguesias do Rio de Janeiro 1799- 1890
CIDADE
1799 1821 1838 1849 1856 1870 1872 1890
Sacramento Sacramento Sacramento Sacramento Sacramento Sacramento
Candelária Candelária Candelária Candelária Candelária Candelária Candelária Candelária
S. José S. José S. José S. José S. José S. José S. José S. José
S. Rita S. Rita S. Rita S. Rita S. Rita S. Rita S. Rita S. Rita
Sant’Anna Sant’Anna Sant’Anna Sant’Anna Sant’Anna Sant’Anna Santa’Anna
Lagoa Lagoa Lagoa Lagoa Lagoa Lagoa
Gloria Gloria Gloria Gloria Gloria Gloria
Engenho Velho Eng. Velho Eng. Velho Eng. Velho E. Velho E. Velho
S. Antonio S. Antonio S. Antonio S. Antonio
S.Cristóvão S. Cristóvão S. Cristóvão S. Cristóvão
E. Santo E. Santo E. Santo E. Santo
Gávea
Eng. Novo
SUBURBIO
1799 1821 1838 1849 1856 1870 1872 1890
Eng. Velho Eng. Velho Irajá Irajá Irajá Irajá Irajá Irajá
Lagoa Lagoa Jacarepaguá Jacarepaguá Jacarepaguá Jacarepaguá Jacarepaguá Jacarepaguá
Irajá Irajá Campo Gran
Campo Gra
n
Campo Grand
e
Campo Gran
d
Campo Gran
Campo Grande
Jacarepaguá Jacarepaguá Inhaúma Inhaúma Inhaúma Inhaúma Inhaúma Inhaúma
Campo Gran
Campo Gran
Guaratiba Guaratiba Guaratiba Guaratiba Guaratiba Guaratiba
Inhaúma Inhaúma Santa Cruz Santa Cruz Santa Cruz Santa Cruz Santa Cruz Santa Cruz
Guaratiba Guaratiba I.Governador I.Governad
o
I Governador I,Governador I.Governador I.Governador
I Governador I Governador I. de Paquetá I. Paquetá I. Paquetá I. Paquetá I. Paquetá I. Paquetá
I Paquetá I. Paquetá
FONTE: Rio de Janeiro. Recenseamento do Rio de Janeiro (Distrito Federal) realizado em 20 de setembro de
1906 (População). Rio de Janeiro: Oficina de Estatística, 1907, p.26.
43
43
SANTOS, Joaquim Justino de Moura. Contribuição ao estudo da história dos subúrbios do Rio de
Janeiro... opus citatum
30
SANTOS, Noronha. Chorografia do Distrito Federal..... opus citatum
36
Freguesias como a da Lagoa e do Engenho Velho que até 1821 estavam enquadradas
na categoria de subúrbio, foram integradas a área da cidade teve suas dimensões ampliadas
em conseqüência do domínio da natureza como aterros e drenagens de pântanos e mangues
e, posteriormente pelo desenvolvimento dos meios de transporte.
De acordo com Noronha Santos, no período colonial a cidade subdividia-se em:
recôncavo da cidade, zona da cidade e zona do campo. Em 15 de outubro de 1808, um
decreto limitou a cidade para pagamento da décima urbana; por um lado pelo rio das
Laranjeiras, e por outro pelo rio Comprido.
44
O Código de Posturas de 1838, a lei nº 152 de 1842, a lei nº409 de 1845, entendia que
a zona da cidade urbana estendia-se até a freguesia do Engenho Novo e a rural, ou fora dos
limites para cobrança de impostos as freguesias, de Inhaúma até a ilha de Paquetá.
Como assegura Noronha Santos, a divisão territorial, política e administrativa, foi
durante muito tempo as mesmas das freguesias antigas da cidade, se subdividindo em cinco
regiões ou zonas: cidade velha, cidade nova, bairros, subúrbios, ou distritos rurais e
ilhas.
45
Faziam parte da Cidade Velha os seguintes distritos urbanos: Candelária, Santa Rita,
Sacramento, São José, Santo Antônio e um trecho da Gambôa. A Cidade Nova também
possuía uma parte urbana da cidade: Sant’Anna e alguns logradouros do Espíritos Santo e
Gambôa. Aos Bairros pertenciam: parte do Espírito Santo, Engenho Velho, Glória, Santa
Tereza, Lagoa, São Cristóvão, Tijuca, Andaraí e Engenho Novo, também considerados parte
urbana da cidade. Já os Subúrbios ou Zona Rural, compreendiam as localidades de Inhaúma,
Irajá, Jacarepaguá, Campo Grande, Guaratiba, Santa Cruz, e Ilhas do Governador e de
Paquetá.
46
O Decreto nº. 434, de 16 de julho de 1903, reavaliou a divisão do território do Distrito
Federal subdividindo-o desta vez em vinte e cinco distritos. Para Jaime Benchimol, esta
nova divisão da cidade se deu por razões fiscais, e nas palavras do próprio prefeito Pereira
Passos: “a divisão em vigor já não correspondia mais à necessidade pública, pela maior
expansão da população, desenvolvimento do comércio e indústria e aumento das edificações
em certas zonas.” Fundiram-se dois distritos de São José e de Campo Grande, Guaratiba e
Ilhas do Governador e Paquetá, e criaram-se dois novos distritos: Santa Tereza, destacados
44
45
Idem,p 189
46
Idem , p. 191 Noronha santos
37
dos distritos da Glória, São José, Santo Antônio e Espírito Santo: e Tijuca desmembrado dos
do Engenho Velho, Gávea e Jacarepaguá
47
.
Meses depois da aprovação da nova divisão territorial, durante a gestão de Pereira
Passos, as freguesias de Inhaúma e Irajá também perderam a prerrogativa de construir casas
com leis especiais, mas isto é assunto para mais tarde.
1.4- Os limites da lei de construção e a delimitação dos poderes sobre a
cidade
Continuaram a chegar com freqüência a Prefeitura e ao Conselho Municipal denuncias
de proprietários invadindo o alinhamento das ruas, sobretudo nos subúrbios, e de
funcionários exigindo licenças de construção fora dos limites da cidade, o que pela nova lei
417 estava proibido.
Apesar da vitória da Resolução do Conselho no Senado, as novas regras não
resolveram o problema das construções na capital. Se por um lado os debates travados
dentro da administração municipal, e as disputas entre os órgãos da Prefeitura e os
proprietários mostram que a lei não dava conta da realidade, por outro revelam a constante
tentativa destes sujeitos em hegemonizar o crescimento desta cidade.
Maurício Abreu afirma que até meados da década de 1880 o processo de ocupação de
terras da “zona suburbana” da cidade era comandado principalmente pelo pequeno
proprietário de terras que retalhava sua chácara em pequenos lotes vendidos em leilões.
48
Fania Fridman endossa esta afirmação, constatando que os grandes loteamentos da zona
rural, nos contornos da linha férrea entre 1870 e 1890 foi fruto do empreendimento de seus
proprietários, sem a intermediação do Estado e a presença de concessionárias do serviço
público.
49
De acordo com Maurício Abreu diversos bancos e companhias nacionais e estrangeiras
logo adquiriram grandes áreas, convertendo-as em lotes à medida que as ferrovias iam sendo
inauguradas ou melhoravam seu trafego. Desta forma vendiam bairros inteiros e vendiam os
lotes a prazo.
47
BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos um Haussmann tropical ....opos citatum, p . 226
48
ABREU, Mauricio. Da Habitação ao Habitat: a questão da habitação popular no Rio de Janeiro e
sua evolução. In: Revista Rio de Janeiro, 10, p. 161-177, maio –agosto 2003. p 171
49
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em nome do Rei: uma historia fundiária da cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: J. Zahar: Garamond, 1999.
38
“O resultado foi a inundação do mercado pela oferta e consequentemente a queda
relativa do preço da habitação, que viabilizou para muitos e antes mesmo da Reforma
Passos as moradias fora da área central da cidade”
50
Para Abreu, “Sem grandes empecilhos por parte do Governo Municipal, o subúrbio se
adensava por meio de dois processos construtivos: a edificação de residências por terceiros e
a autoconstrução”.
51
Embora, a expressão de Abreu “sem grandes empecilhos” possa dar a idéia
despreocupação da “administração municipal” em relação às construções no subúrbio, as atas
das sessões do Conselho e sobretudo os vetos dos diferentes prefeitos, do período abordado
nesta pesquisa, revelam exatamente o contrário. A liberdade de construção nos subúrbios foi
tema de grandes conflitos entre a administração municipal.
Apenas dois meses após a criação da lei 417, o Conselho Municipal também percebeu
que a nova lei estava longe de neutralizar as barreiras reclamadas pelos construtores e
proprietários da capital federal.
Por meio da imprensa e de representações enviadas diretamente ao Conselho,
munícipes, interessados na construção de casas denunciavam o desrespeito a Lei 417 por
parte dos agentes da prefeitura e, principalmente do Diretor Geral de Obras Vieira Souto.
No mês de dezembro de 1893, a Coluna Gazetilha, do Jornal do Commercio,
publicou um ofício de Vieira Souto, em que o Diretor de Obras dava explicações ao Prefeito
do Distrito Federal sobre as reclamações dos Intendentes a respeito das infrações à Lei.
Vieira Souto também fez referências à violação da lei por parte de construtores que
estavam avançando nos logradouros públicos e defendeu seus funcionários das criticas dos
Intendentes, dos citadinos e da imprensa.
Como a exigência de arruação, não havia sido introduzida pela Postura de 17 de julho
de 1893 (Lei 417), uma vez que esta exigência já existia na Postura de 11 de setembro de
1838, nos editais de 29 de abril de 1854 e 20 de novembro de 1860, Vieira Souto apoiou-se
nesta legislação antiga para defender que exigência de arruação deveria se dar também nos
distritos isentos de licença pela postura em vigor. Desta forma o Diretor Geral justificou que
a contradição entre a lei e postura de seus agentes era apenas aparente:
50
ABREU, Mauricio opus citatum .. p 171
51
Idem, p 173
39
As edificações, hoje em andamento no Distrito Federal, fora
dos limites da cidade, foram iniciadas sobre o regime de três leis
diferentes, conforme data do começo da obra a se saber.
O Código de Posturas de 11 de setembro de 1838, que vigorou
até setembro de 1892, a presidência de 15 de setembro de 1892 e de
17 de julho do corrente ano (Decreto 417) . O regime destas Posturas é
muito diferente, exigindo-se em um as licenças do caso em questão
em ouros não.
52
Mais adiante Vieira Souto lançou mão de uma dura crítica à interpretação do Conselho
Municipal sobre a liberdade de construção nos subúrbios da capital do país. Assegurou que a
Prefeitura e seus agentes estavam agindo de conformidade com a postura nº 417,
interpretando a lei como julgavam mais racional, se empenhando em salvar os subúrbios e
arrabaldes de estragos que poderiam assolar a cidade.
E concluiu seu ofício com uma provocação ao Conselho Municipal, afirmando que se
este entendesse que os proprietários dos subúrbios estavam livres de construir como
quisessem sem sujeição a qualquer postura, então deveriam redigir nova lei.
Confirmada tal hipótese a Prefeitura, Vieira Souto e seus funcionários se eximiriam de
qualquer responsabilidade, caso “a construção no subúrbio tiver retrogrado nos primitivos
tipos de habitações dos povos menos civilizados impossíveis de tratar de qualquer plano de
viação...”.
Embora a Lei de 17 de julho de 1893 (Lei 417) tenha sido respaldada pelo Senado
Federal com a derrubada do veto de Barata Ribeiro, sua aplicação dependia exclusivamente
dos agentes da Prefeitura e do Diretor de Obras indicado pelo prefeito.
É relevante a estratégia utilizada por Vieira Souto para o não cumprimento do
parágrafo que liberava as oito freguesias da exigência de licença. Com a expressão “uso
racional da lei”, e com a menção de leis anteriores, em vigor no suposto início das
construções, Vieira Souto transformou o que estava sendo considerado como ato de
transgressão de seus funcionários em uma interpretação diferente da mesma lei. Este recurso
para validar a atuação de seus agentes, aponta para uma disputa de poder sobre a cidade
dentro dos marcos do jogo político.
O historiador Giovanni Levi, oferece um excelente argumento para apoiar esta
observação, a idéia de que nenhum sistema normativo é de fato estruturado o bastante para
52
Dr. Luiz Rafael Vieira Souto. Construções suburbanas. Coluna Gazetilha. 7/12/1893,Jornal do
Commercio nº 339
40
eliminar toda a possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou de interpretação das
regras por parte dos indivíduos
53
Embora o Diretor considerasse inaceitável a hipótese do Legislador consentir que na
maior parte do Distrito Federal os proprietários gozassem da liberdade de construir, este
homem, responsável pela fiscalização da lei, não negou sua validade.
O Conselho ponderou que havia a necessidade de criação de uma nova lei que evitasse
este tipo de manipulação. Como pudemos notar a partir da análise do ofício de Vieira Souto,
as principais questões a serem resolvidas ainda eram a liberdade de construção fora dos
limites da cidade e o alinhamento das ruas que ainda não estavam definidos.
Em setembro de 1893, instauro-se um novo debate para criação de novas regras que
evitassem estes embaraços e incentivasse os proprietários e construtores a empregar seus
capitais na construção de habitações. Desta vez o debate durou cinco meses e foi marcado
pelo embate de quatro projetos. Veja a seguir o seu desenvolvimento:
A primeira proposta de mudança da lei foi apresentada pelo Intendente da Candelária,
Julio de Oliveira. O projeto pedia a revogação da lei de 17 de julho de 1893( ou lei 417) e a
revogação da lei de 15 de setembro de 1892- votada pelo Conselho de Intendência
Municipal durante a presidência de Barata Ribeiro - curiosamente posta em desuso pela
aprovação da Lei 41J.
O primeiro grande obstáculo do projeto de Julio de Oliveira foi a apresentação de um
substitutivo, elaborado pelos membros da Comissão de Viação e Obras Públicas formada por
Maia de Lacerda, Duarte Teixeira e Lino Teixeira - os mesmos Intendentes que redigiram o
projeto que deu origem a Lei 417.
Apesar de sofrer críticas a respeito da complexidade de sua redação da extensa lista de
exigências técnicas e da atenção demasiada a assuntos não referentes à questão da
construção, o projeto formulado pela Comissão não chegou a ter um debate formal, o
presidente da casa logo anunciou sua invalidade, tendo em vista as regras do Regimento
Interno, que não permitia a apresentação de substitutivo em 1ª discussão.
Com o prosseguimento das discussões, o projeto de Julio de Oliveira sofreu uma nova
oposição. Depois de muito persistir, o intendente do Engenho Novo, Lins de Vasconcellos,
conseguiu apresentar, na 3ª discussão, um projeto substitutivo.
53
PINTO, Surama Conde de Sá. Elites políticas cariocas e o jogo poder na cidade do Rio de Janeiro
(1909-1922). -2002 308f. Tese de Doutorado(em Historia). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. p p 10
41
A 3ª discussão se prorrogou por muitos meses, sendo apresentadas diversas emendas
com assinaturas de quase todos os membros do Conselho. Por este motivo, darei atenção
especial a este momento do debate do projeto nº. 186 , de 1893.
O substitutivo de Lins de Vasconcellos foi assinado também por Luis Bustamante,
Coronel e capitalista, representante do Engenho Velho e Henrique Germarck Possolo,
negociante e despachante da Alfândega do Rio de Janeiro, eleito como representante geral.
O texto trazia disposições sobre licença para obras e construções; condições para obras
e edificações; condições do solo, alicerces e porões; exigência de arruação; sistema de
esgoto e abastecimento de água; fechamento de terrenos; materiais admitidos nas
construções; normas para casas coletivas, comerciais e industriais; processos de infração da
lei; descarga de materiais nas ruas; além de tabelas anexas de emolumentos e condições das
saliências dos edifícios.Sem dúvida um dos pontos de maior controvérsia foi a definição dos
limites da cidade. O projeto começava assim:
TÍTULO I
Licença para obras
Obras que necessitam de licença
Art.1º. Nenhuma obra de construção, reconstrução, reparação
ou modificação de prédio se fará dentro dos limites da cidade ou dos
subúrbios, sem prévia licença da Prefeitura.
§1ºEntende-se por “cidade” para todos os efeitos dessa postura,
os territórios dos distritos da Candelária, São José, Sacramento, Santo
Antonio, Santa Rita, Santa’Ana e Espírito Santo. Do mesmo modo
entende-se por “arrabalde ou subúrbio” (sinônimo na postura) os
territórios do distrito da Lagoa, São Cristóvão, Engenho Velho e uma
certa zona do Engenho Novo, Gávea, Inhaúma, Santa Cruz e etc.
circunscrevendo as povoações
§2º.O Conselho fixará em sua primeira reunião quais sejam as
povoações e zonas suburbanas correspondentes a que se referem a
essa postura, devendo para esse fim o Prefeito apresentar as bases para
essa discriminação, que servirá ipso fato para precisar a zona rural do
Distrito federal.
Enquanto isto não se der, os distritos do Engenho Novo, Gávea
e Inhaúma ficarão compreendidos inteiramente na zona suburbana.
54
A demarcação dos limites da cidade, neste momento, ainda seguia a definição
antiga, onde subúrbio e zona rural eram entendidos como sinônimos. No projeto de Lins de
Vasconcellos se propôs uma mudança na concepção da zona suburbana, uma vez que o
número de construções nestas freguesias e o encurtamento da distancia dos centros urbanos,
com o desenvolvimento dos meios de transporte, davam as estas localidades as mesmas
54
Projeto de lei nº 186 de 1893. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1892/1894. p
163
42
condições de desenvolvimento das freguesias do perímetro urbano. Desta forma, o
Intendente da Candelária passou a defender seu enquadramento na categoria de arrabalde
(lugar externo a um povoado).
55
O artigo supracitado prescreveu também a região onde a licença para construção
deveria ser cobrada: a área da cidade e os subúrbios. E deixava em aberto à situação das
freguesias rurais. É importante perceber que mesmo que o próximo Conselho não tardasse
em definir as freguesias rurais da cidade, estes distritos permaneceriam em situação
indeterminada, por não haver nesta proposta nenhum artigo que o definisse como zona
especial.
Outro ponto polêmico do projeto foi à demanda da arruação. Entendia-se por arruação
o alinhamento e o nivelamento da via pública em frente ao terreno a ser construído. De
acordo com o projeto, a arruação seria dada com a assistência de um fiscal, baseado em
planos fixados pela Prefeitura e, em falta destes, pelo alinhamento existente e pelo nível
marcado pelo arquiteto indicado.
56
O plano de melhoramento ainda não havia sido elaborado. Para Vasconcellos o plano
deveria ficar a cargo da Diretoria de Obras e Viação. Quando a Diretoria julgasse necessário
o alargamento de uma via pública ou a retificação de seu alinhamento, ou nivelamento, faria
um anti-projeto do melhoramento no qual atenderia não só a viação geral da zona, como a
planta topográfica e ao cadastro das propriedades adjacentes a rua que se pretendesse
alargar.
Se o projeto de Lins de Vasconcelos fosse aprovado, o processo de alargamento das
ruas promoveria uma paralisação das construções na cidade e sua efetivação se prolongaria
por décadas, pois o plano de melhoramento não previa desapropriação imediata do imóvel,
mas prescrevia sua aplicação em caso de pedido de licença para construção e obras.
A forma de indenização que a municipalidade deveria adotar para pagar a parte dos
imóveis “cedidos” em nome da utilidade pública seria a isenção do imposto predial
correspondente a dois anos por cada metro de fundo que o proprietário perdesse. Frações
inferiores a 1 metro não seriam indenizadas.
57
Em janeiro de 1894, começaram a apresentação das emendas. As críticas mais duras ao
projeto foram feitas pelo médico de Campo Grande Augusto de Vasconcellos. Campo
55
Definição do dicionário escolar da língua português Fename Rio de Janeiro 1980
56
Projeto nº186 de 1893. Titulo III art. 34. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1892/1894,
p.166.
57
A perda de 1 metro do terreno sem indenização da municipalidade foi outra grande polêmica acerca do tema
e por este motivo será abordada em seus pormenores no capítulo 3.
43
Grande era uma das freguesias consideradas fora dos limites da cidade, e ficando com a
situação indeterminada com a aprovação da presente proposta de postura.
Nesta freguesia também já havia povoações com ruas bastante desenvolvidas, que
correriam o risco de serem incluídas na zona onde a lei geral deveria ser aplicada
dependendo apenas da decisão do prefeito.
Augusto de Vasconcellos defendeu a inclusão das freguesias da Glória e da Lagoa na
zona definida como cidade e pediu a supressão da parte do artigo que previa a indicação pela
Prefeitura das povoações que ficariam inclusas na área suburbana.Para solucionar a questão
das freguesias rurais, o intendente de Campo Grande defendeu a seguinte emenda:
Acrescente-se onde couber
Nas freguesias rurais, não compreendidas no Art. 1º as
construções não dependerão de licença, não podendo, porém se
construir de maneira que a fachada fique a menos de 8, 50 afastado da
via publica.
58
Lins de Vasconcellos concordou em incluir a Glória na zona da cidade, mas no caso da
Lagoa, preferiu manter o artigo por considerar que esta freguesia não comportava exigências
tão pesadas.
Sobre a isenção de licença para as construções na zona rural, o Intendente retrucou:
Entendo que o colega não tem razão e o colega sabe talvez
melhor do que eu, que é justamente para esse lado que a cidade tende
a estender-se, por isso que é para que abundam as construções.
E se não estabelecermos desde já leis que regulem e facilitem
estas construções, teremos de lutar dentro de pouco tempo, com
maiores dificuldades do que as que atualmente nos assoberbam em
relação a cidade velha.
59
O autor do projeto não manteve apenas sua proposta sobre o alinhamento das ruas, fez
uma clara defesa do recuo das construções para retificação das estradas antigas:
Como já expliquei a intenção foi esta: nos arrabaldes e nos
subúrbios, onde como acontece mesmo na freguesia que o colega
muito dignamente representa aqui, já não há simplesmente um
povoado; por isso que já se encontra aí edificações regulares e uma
58
Emenda ao projeto de lei nº. 186.10/01/1894. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal. P 248.
59
Lins de Vasconcellos, sobre o projeto de lei nº.186. Anais do Conselho Municipal do Distrito
Federal 1892/1894. p.251
44
vida bastante animada será justo que se exija alguma coisa que
melhore as edificações e ruas aí existentes.
60
Com o retorno a Casa de Maia de Lacerda, afastado por motivos de saúde, a definição
dos limites da cidade voltou a ocupar o lugar central da discussão. Embora tenha
demonstrado simpatia ao projeto, apontou críticas a diversos pontos que considerou obscuro.
Entre outras observações, o engenheiro apontou para necessidade de se fazer uma
definição melhor sobre as zonas da cidade, e uma distinção entre as obras de reconstrução,
reparo e simples modificação. Todas as obras necessitariam de licença, mas no caso de
reparo ou simples modificação, o proprietário deveria ser isentado de apresentar planta e
pagar o emolumento.
Apesar das inúmeras críticas aos artigos do projeto, Maia de Lacerda apresentou
apenas uma emenda assinada por Antônio Cunha e Souza, proprietário e representante da
Glória, e Oscar Godoy, médico, intendente eleito por São José:
EMENDA
Ao art.1º:
Nenhuma construção ou reconstrução de prédios se fará na
cidade ou aos subúrbios sem previa licença da Prefeitura.
§1º. Fora dos limites da cidade e dos subúrbios as licenças
serão isentas dos emolumentos respectivos .
§2º. Entende-se por cidade os territórios do distrito da
Candelária, S. José, Glória, Santo Antônio, Sacramento, Santa Rita,
Santa ‘Anna e Espírito Santo e por subúrbios ou arrabaldes as zonas
povoados pelo Distritos da Gávea, Lagoa, São Cristóvão, Engenho
Velho, Engenho Novo, Inhaúma, Irajá, Jacarepaguá, Campo Grande,
Santa Cruz, Guaratiba, Ilha do Governador, e Paquetá – E por zona
rural todo o resto do território do Distrito Federal.
Descriminada de tal arte os subúrbios, além de justificada a
necessidade e existência das autoridades municipais nesses distritos,
ficava ipso facto, discriminada desde logo a zona rural.
Lacerda- Cunha e Souza – Oscar Godoy
Na emenda apresentada ao projeto de Lins de Vasconcellos, embora tenha mantido
sua opinião de que a zona rural era um caso especial, Maia de Lacerda passou a defender a
integração destas freguesias na lei geral.
Apesar da longa discussão, um novo projeto foi apresentado na casa contendo todas as
emendas propostas por Augusto de Vasconcellos, incluindo a discriminação das oitos
freguesias - explicitadas na lei 417, de 17 de julho de 1893, como zona rural.
60
Idem.
45
Este novo substitutivo, que surpreendeu muitos intendentes, foi assinado pelo
representante de São Cristóvão, João Pereira Lopes. E em menos de três dias o projeto foi
aprovado pelo Conselho, sem discussão e encaminhado a Prefeitura.
Da mesma forma que a Lei 417, vetada por Barata Ribeiro, o prefeito Henrique
Valladares também rejeitou esta resolução do Conselho.Para Valladares esta Resolução se
sancionada por ele ameaçaria de morte as 35 posturas ou editais de obras construídos pelo
trabalho e experiência de pelo menos cinco décadas.
O prefeito destacou também a precipitação com que o projeto de Pereira Lopes foi
aprovado pelo Conselho. Apesar do longo período em que o assunto foi pauta no Conselho,
somando-se cinco meses de discussões, o trabalho de José Pereira Lopes havia sido
apresentado e aprovado em apenas 3 dias, sem ser emendado e sem que sua redação final
fosse publicada na casa.
Se para o Prefeito o andamento deste substitutivo representava a precipitação dos
Intendentes com conseqüências graves para a cidade, na imprensa foi reverenciado como
sinal de amadurecimento do Conselho.
Em justificativa ao Senado pelo veto dado a esta Resolução do Legislativo Municipal,
Henrique Valladares apontou diversas lacunas, que sob seu ponto de vista não preencheriam
os requisitos reclamados pela população da Capital. Seus argumentos se assemelham
bastante ao de seu antecessor Barata Ribeiro, principalmente no que diz respeito à isenção de
licença em oito freguesias do Distrito Federal:
Se uma muralha em construção represar as águas de um rio de
maneira a provocar inundações e solapar a base de um morro, dando
causas a desmoronamentos, se um grande estabelecimento fabril, pela
espécie dos materiais empregados e a má colocação dos morros e
chaminés, facilitar um pavoroso incêndio, se uma casa para habitação
for construída com dois metros de altura, sem ar, sem luz, sem respeitar
nenhuma das regras de higiene, sem atender a nenhum dos mais
elementares princípios da arquitetura e da arte de construir, com os
mais frágeis matérias e de modo a ameaçar a segurança publica, o Poder
Executivo municipal terá de cruzar os braços e assistir impassível a
produção de todos os males que a sua fiscalização poderia e tem o dever
de conjurar.
61
Sua oposição também se deu à diversas normas técnicas exigidas pela pretensa
postura, como imposição de aparelhos antigos de latrinas, em contradição com o
regulamento da Diretoria de Higiene; às disposições que versavam sobre a altura máxima
61
Veto do Prefeito Henrique Valadares em 12/04/1894. Boletim de Intendência Municipal 1894
46
dos prédios em relação a largura das ruas, que impediria a construção de prédios de dois
pavimentos em determinadas ruas; o tempo de 48 horas para deposito de materiais de grande
peso ou volume nas ruas, entre outras. Segundo o Prefeito, a resolução também não seria
capaz de atender aos problemas do alinhamento das ruas, uma vez que exigia que a arruação
fosse feita a partir do alinhamento já existente.
No que tange as oito freguesias definidas na resolução como zona rural, além da
isenção da licença prévia para obras e construção, estas também estariam salvas da exigência
de arruação, com exceção apenas dos prédios afastados de pelo menos de 3 metros do
alinhamento da viação pública.
Para Valladares, essa era justamente a área do Distrito Federal que mais carecia da
arruação, devido ao grande número de ruas sem nenhum “plano racional”, e se construtores e
proprietários destas localidades tivessem o direito de se eximir da necessidade de requerer o
nivelamento e arruação, exigida em todas as cidades de países civilizados, aconteceria com
esta região a mesma desordem que assolava os arrabaldes da cidade.
Em toda explanação do prefeito a liberdade de construção nas freguesias consideradas
fora dos limites da cidade foi o ponto mais destacado. O temor do Executivo Municipal em
perder o controle desta zona foi expresso em tons de garridos: “não posso e não devo tomar
sobre meus ombros a responsabilidade de sancionar um ato do Conselho que anula a ação
do Poder Executivo em matéria importantíssima e que posto em vigor que prejudicaria os
mais vitais interesses do município.” Desta vez a oposição do Prefeito à Resolução do
Conselho foi aprovada pelo Senado.
Este debate confirma o argumento de Marcelo de Souza Magalhães a respeito da
relação entre o Conselho e a cidade o Conselho Municipal era sensível às demandas dos
moradores.
62
Neste caso, em que o Conselho se concentrou na tentativa de modificação de uma lei
votada e aprovada por esta mesma legislatura, alguns meses antes, mesmo não sendo um
projeto com origem em um requerimento formal enviado por moradores da cidade, pode ser
encarados como o reflexo do debate na sociedade carioca.
Na imprensa muitas reclamações de proprietários e construtores contra a Diretoria de
Obras, depositava no Conselho esperanças de solução para o conflito entre os moradores e
os agentes da Prefeitura e direcionavam ao mesmo a responsabilidade de produzir uma
legislação mais clara. Em seu trabalho, Marcelo Magalhães afirma que o Conselho
62
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ecos da política; a Capital Federal..... opos citatatum
47
Municipal podia ser encarado pelos citadinos como lugar de recursos ao que consideravam
uma atitude discricionária do Poder Executivo e ao mesmo tempo um lugar de defesa contra
a atuação da Prefeitura.
63
Analisando um caso de pedido de anulação da sanção do prefeito Furquim Werneck,
transformado em projeto de lei pelo Conselho Municipal, o autor considerou também que o
fato de recorrer primeiro ao Conselho, ao invés de bater as portas do judiciário talvez tivesse
relação direta com a avaliação de ser este o caminho mais rápido para alcançar o que se
queria.
As oposições dos diferentes prefeitos às resoluções do Conselho Municipal sobre
regras essenciais de edificações válidas para todo o Distrito Federal, que em diferentes
legislaturas mantiveram, na regra geral, uma área defesa destas normas, é um forte indicativo
de que o conflito estava relacionado à disputa de poderes sobre a cidade, entre as esferas da
administração municipal. Na medida em que Conselho Municipal liberava as oito freguesias
da licença e fiscalização da Prefeitura determinava também os limites de atuação do prefeito
sobre a cidade. Em outras palavras, a não exigência de licença para edificação ou obra
representava uma restrição do poder de controle do prefeito sobre oito das vinte e uma
freguesias que compunham o Distrito Federal.
É interessante sublinhar que um outro elemento emerge desta observação da
conquista e manutenção – temporária do direito à liberdade de construção nas oito freguesias
da zona rural: o crescimento das forças políticas suburbanas.A crescente influência destas
forças políticas gerou a preocupação nas instituições políticas federais de que essas forças
políticas locais ameaçassem as forças nacionais em sua própria casa. Desta forma, o
desenho político institucional sofreu muitas alterações ao longo de sua primeira quinzena.
A seguir alguns traços do crescimento da cidade; o rápido desenvolvimento das
freguesias do subúrbio e algumas das mais significativas mudanças na legislação político-
administrativa do município, que caminharam lado a lado com as mudanças na concepção
sobre os limites do espaço urbano e rural.
63
idem
48
1.5 A eminência de o arrabalde virar centro e do subúrbio virar
arrabalde:
o crescimento das freguesias do subúrbio e a força do “Triangulo” Carioca.
Faz-se oportuno o retorno da discussão sobre o crescimento da cidade e de seus limites
para que o leitor perceba a conjuntura em que as freguesias de Inhaúma e Irajá deixaram de
ser consideradas rurais e passaram a ser incluídas na zona da cidade.
O crescimento demográfico da capital foi um elemento importante para redefinição
das regras gerais de construção do Distrito Federal, mas não o único. O número de
habitantes do Rio de Janeiro crescia em todos os sentindo e também em direção a zona rural.
Fania Fridman em seu livro Donos do Rio, chega a comentar sobre uma possível crise
habitacional vivenciada também nesta parte da cidade
64
Como foi dito anteriormente, até a chegada da Família Real, o Rio de Janeiro tinha
dimensões bastante reduzidas, tendo sua ocupação restringida basicamente às freguesias da
Candelária, São José, Sacramento. Santa Rita, e Santana.
De acordo com Maurício de Abreu, no final da primeira metade do século XIX,
com incentivos do poder público, que abriu estradas e caminhos em direção aos arrabaldes
da cidade, as famílias mais abastadas, únicas com poder de mobilidade na cidade, puderam
se deslocar dos antigos centros congestionados em direção a Lapa, o Catete e a Glória
(freguesias do Gloria), Botafogo (freguesia da Lagoa) e São Cristóvão (freguesia do
Engenho Velho)
65
A partir de 1850, a cidade passou por um novo período de expansão, com a
incorporação de novos sítios à área urbana, em virtude do aterro de mangues e a
intensificação da ocupação da freguesia da Lagoa.
66
A partir de 1858, com a inauguração
do primeiro trecho da Estrada de Ferro D. Pedro I (hoje Central do Brasil), houve um
processo mais intensivo de ocupação das freguesias rurais atravessadas pelos trilhos desta
estrada de ferro.
Com a sanção do Decreto 417, de 17 junho de 1893, a administração municipal
passou a reconhecer legalmente as construções e obras realizadas nestas freguesias de fora
dos limites da cidade, sem licença e sem a observância de quase todas as normas válidas
para o restante da cidade. Embora este Decreto não deva ser considerado isoladamente como
64
FRIDMANA, Fania. Os Donos do Rio..... opus citatum
65
ABREU. Mauricio de. Evolução urbana do Rio de Janeiro.... opus citatum. p38
66
Idem.
49
responsável pelo aumento do número de domicílios na região, uma vez que este tipo de
construção se dava, e se dá ainda hoje, mesmo sem a anuência da lei, ele sem dúvida pode
ser considerado um grande atrativo para construtoras que atuaram nesta região e para um
número de trabalhadores que puderam pagar o preço da “casa própria”. Veja a seguir a
tabela com informações sobre o aumento do número domicílios na cidade e nos subúrbios:
CRESCIMENTO DOMINCILIAR – 1890/ 1906
Freguesias 1890 1906 Diferença
Candelária 575 695 20,9
São José 4.083 2.335 - 42,8
Santa Rita 4.514 2.521 -35,5
Sacramento 5.400 2.919 -46,0
Santo Antônio 6.536 3.489 -46,6
Sant’Anna 10.345 6.510 -37,1
Espírito Santo 6.051 6342 4,8
Engenho Velho 5.594 10.128 74, 8
Lagoa/Gávea 4.225 6.659 57,6
São Cristóvão 3.309 4.085 23,4
Engenho Novo 4.008 7.229 80,4
Irajá 1.704 4.201 194,0
Jacarepaguá 1.429 1.947 36,2
Inhaúma 2.421 9.140 488,0
Guaratiba 1.378 2.868 108,1
Campo Grande 2.021 3.095 93,3
Santa Cruz 1.303 1.844 41,5
Ilha do Governador 614 827 36,3
Ilha de Paquetá 318 306 3,8
TOTAL 71. 807 83.686 16,5
Fonte: Censo de 1906
67
Os dados do censo de 1906 demonstram o número de casas particulares distribuídas
pelo Distrito Federal. Embora este não possa ser encarado como expressão do número real de
casas existentes na capital, uma vez que trabalha apenas com os domicílios registrados pela
67
LOBO, Eulália e AQUINO, Lia. Questão Habitacional e o Movimento Operário .... opus citatum.
P.154.
50
Prefeitura, nota-se uma queda no número de habitações nas freguesias centrais e um
considerável aumento nas freguesias suburbanas, sobretudo em Inhaúma, com um aumento de
6.108 domicílios.
Joaquim Justino de Moura dos Santos, em seu estudo sobre os subúrbios do Rio de
Janeiro descreve a nova situação desta freguesia:
“...Apesar de manter uma pequena parcela de sua população na
atividade agrícola, perdera definitivamente seu caráter rural para
adquirir características tipicamente urbanas. Novamente as
transformações ocorridas no centro da cidade, dessa vez o acelerado
processo de industrialização e de urbanização que nele se davam,
traziam profundas alterações na função econômica e social de
Inhaúma e nas relações de dependência que mantinham entre si.”
68
Também é possível observar o grande crescimento das habitações na freguesia do
Engenho Velho, da qual foram desmembradas as freguesias da Tijuca e grande parte da
freguesia do Andaraí em 1903. Diferentemente de Inhaúma, que já nesta época apresentava
uma grande concentração de operários, a freguesia do Engenho Velho transformava-se ao
mesmo tempo em uma área industrial e residencial, para uma população rica e também para
proletários, que em grande parte trabalhavam nesta região.
69
Outra freguesia que chama atenção pelo aumento de moradias é Irajá. De forma
semelhante ao que ocorreu em Inhaúma, Irajá teve seu crescimento acelerado com um
grande aumento de trabalhadores ligados à indústria, iniciando também a transição de sua
antiga economia rural para uma nova economia urbana, e começando a se destacar como
importante área residencial proletária no Distrito Federal.
70
Embora as freguesias rurais ainda fossem pequenas em número e em eleitorado,
comparadas às urbanas, tinham um peso considerável na escolha de seus representantes.
Como ressalta Américo Freire, nas eleições municipais de outubro de 1892, por exemplo,
Augusto de Vasconcells, de Campo Grande, foi o intendente mais votado da Capital.
71
68
SANTOS, Joaquim Justino de Moura. Contribuição ao estudo da historia do subúrbio....
opus citatum. p 235
69
Idem, p.239
70
É
preciso ser feita uma ressalva, Justino dos Santos adverte que os trabalhadores secundários residentes em Irajá
em 1906, em sua grande maioria deslocavam-se diariamente para outras freguesias, principalmente as centrais,
tendo em vista o reduzido do número de industrias na região – que reduziu de 3 para 2 neste período.
71
FREIRE, Américo G. Uma Capital para a Republica..... opus citatum. p 243 nota 402
51
Como a 1ª eleição acompanhou a antiga distribuição por freguesias advinda do
Império, com 21 Intendentes eleitos por distrito e mais seis eleitos pelo voto geral, houve
certo temor dos senadores e do presidente da República, Prudente de Morais, de que o
campo político da capital ficasse restrito aos grupos locais.
72
Desta forma, foram
promovidas algumas reformas no sistema eleitoral do município, que entrou em vigor já na
eleição para o Conselho de 1895.
Além do fim do voto paroquial, foram introduzidas mudanças na legislação que
passou a impedir a eleição de delegados de higiene e inspetores escolares, duas funções
típicas de políticos locais da cidade do Rio de Janeiro.
73
Como atesta Freire, esta interdição,
sugerida por deputados cariocas de áreas urbanas durante os debates no Congresso Nacional
para a definição das novas regras para as eleições municipais, era reflexo de um outro
fenômeno que começava aparecer com força no campo político carioca e que mais tarde se
tornou um fato inquestionável: “a grande capacidade de arregimentação político eleitoral
dos grupos políticos rurais em comparação com a enorme dificuldade que os grupos
urbanos possuíam de assegurar clientela cativa”.
74
Marcos Guedes Veneu sugere, como um caso de exceção a regra, que no Distrito
Federal havia áreas que seguiam bem de perto os modelos coronelistas, como as freguesias
rurais de Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba conhecida por “triangulo
75
”. Porem, para
Américo Freire:
Durante a República, a influência deste grupo só se fez
crescer, talvez pelo fato de naquelas isoladas freguesias do Oeste do
Distrito Federal, os líderes do triângulo não só exerciam o papel de
chefes políticos em suas relações pessoais com seus “clientes”, como
também possivelmente deveriam manter forte influência na
intermediação entre os serviços públicos e a população. Dessa forma
processava-se um cruzamento entre o poder privado e o público,
dando margem à constituição de um padrão híbrido, complexo, típico
do que o historiador Fernando Farelo denominou “clientelismo de
transição”....
76
72
Idem. p 116
73
Américo Freire em um breve levantamento destacou pelo menos três delegados de higiene entre os intendentes
da legislatura de 1892: Augusto de Vasconcellos e Raul Barbosa das paróquias de Campo Grande e Santa Cruz e
Oscar Godoy da paróquia urbana de São José. FREIRE, Américo. p 117
74
Idem, p. 117
75
Citado por FREIRE, Américo. Uma Capital para a Republica.... opus citatum. p248
76
Para este autor citado por Freire, ao lado dos “patronos tradicionais “ em geral proprietários agrícolas surgiam
novos “mediadores especializados” (notários, médicos e professores) cujo vinculo de patrocinato eram mais
instáveis e pragmáticos que no passado. In FREIRE p. 250
52
As sucessivas vitórias deste grupo denominado por “triangulo”, chamou a atenção da
Imprensa principalmente por sua capacidade de arregimentação política do eleitorado,
diferentemente do que ocorria no resto da capital em que predominava um grande número de
absenteísmo.
77
É interessante a observação feita por Marcelo Magalhães a este respeito. Mesmo com
reforma na legislação que mudou o sistema eleitoral do Distrito Federal, em que a eleição
deixou de se dar pelo voto paroquial para o distrital, na 3ª eleição do Conselho Municipal
todos os cinco candidatos do 3º distrito conseguiram se eleger em1º turno. Diferentemente dos
candidatos do 1º e 2º distritos, que em ambos os casos, apenas um dos quatro candidatos
consegui eleger-se em 1º turno.
78
Em 1898, a legislação do Distrito Federal sofreu novas alterações, sancionadas pelo
presidente da República Campos Sales. Com a nova lei o prefeito passou a ter mais liberdade
de atuação frente ao Conselho Municipal e passou a ter um maior controle sobre as finanças e
o orçamento da cidade. Mas ao mesmo tempo em que a figura do prefeito ganhou destaque na
administração da cidade, o presidente abriu a possibilidade de demiti-lo sob qualquer
circunstancia e em qualquer momento. Já o Conselho continuou a deliberar sobre o
orçamento, mas não pôde mais criar despesas, nem criar empregos.
Com as novas restrições, impostas pela nova legislação político-administrativa do
Distrito Federal, os intendentes acabaram perdendo uma importante moeda de troca que
tinham com os seus eleitores: a criação de novos empregos. Mas ainda possuíam uma outra
ponte de dialogo com os citadinos, comum a outros municípios: a prerrogativa de se legislar
sobre regras de construções e reconstrução.
Mais uma vez a municipalidade deu inicio a discussão de novas regras para as
edificações e novamente consegui preservar o parágrafo com as freguesias defesas da lei
geral. Assim, em 1899, na 4ª Legislatura do Conselho Municipal, devido a um grande
número de leis que regulavam as construções e reconstruções de casas na capital, o Conselho
debateu a reunião de todas em uma única lei.
O engenheiro Smith de Vasconcellos - homem de invejável currículo, formado pela
Escola Politécnica, auxiliar da Estrada de Ferro Central do Brasil, entre outras importantes
77
Idem. p 241
78
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. A Encenação da questão da Higiene: O Conselho Municipal como
teatro (rio de Janeiro 1892-1902). Niterói: PPGH-UFF,1999, dissertação de mestrado. p 94
O 1º distrito eleitoral compreendia as freguesias: Gávea, Lagoa Gloria, Candelária e Santa Rita. O 2º
distrito eleitoral: São José, Santana, Santo Antônio, Espírito Santo e São Cristóvão. O 3º distrito Federal:
Engenho Velho, Engenho Novo, Inhaúma, Irajá, Jacarepaguá, Campo Grande, Guaratiba, Santa Cruz, Ilha de
Paquetá e Ilha do Governador
53
funções na urbanização da cidade do Rio de Janeiro, foi o responsável pela apresentação do
projeto de lei fundido todos as disposições então em vigor e pedindo a revogação de todas as
leis que até o momento regulavam as construções e reconstruções no Distrito Federal, dentre
elas, a Lei Geral nº .417 de 17 de julho de 1893 e a lei de 15 de setembro de 1892,
sancionada por Barata Ribeiro durante sua presidência no Conselho de Intendência
Municipal, conhecida como lei do recuo.
Este projeto de nº 107, de 1899, manteve a exigência de licença para as construções e
reconstruções nas freguesias da Candelária, Santa Rita, Sacramento, Santo Antônio,
Sant’Anna, Glória, Lagoa, Gávea, Espírito Santo, São Cristóvão, Engenho Velho e Engenho
Novo. E estabeleceu que as demais freguesias ficassem sujeitas apenas ao pagamento da
arruação, previamente solicitado a Prefeitura, e ao preparo do solo para drenagem e aterro de
modo a receberem os alicerces.
As freguesias de Inhaúma e Irajá foram mantidas como áreas especiais, dedicando-se a
elas um capítulo em que se permitiam a construções de edifícios com o pé direito de 4
metros e paredes externas de frontal ou estuques.
Em Inhaúma, Irajá, Jacarepaguá, Campo Grande as construções seriam feitas a 9 m da
rua de modo ficar o logradouro público com a largura de 18, metros. Nos morros e na praia de
Copacabana, a exigência também seria mais branda que nas demais, a altura dos edifícios
seriam de 4 metros. A postura versava também sobre habitações coletivas, definidas como
casas “que abrigam dentro da mesma propriedade indivíduos de família diversas com
economias independentes”.
Estas construções só seriam permitidas nas freguesias da Gávea, Engenho Velho,
Inhaúma e Irajá e nas freguesas isentas da exigência de licença. Na outra parte da cidade,
defesa destas construções, não seria permitida obra alguma, concerto ou reparação que
garantisse sua segurança.
Nas ruas edificadas e de larguras uniformes, seguir-se-ia o alinhamento existente. No
caso de ruas edificadas, com pequenas irregularidades nos alinhamentos, a Prefeitura faria o
proprietário recuar ou avançar a construção pagando-se a respectiva indenização, após a
avaliação de três engenheiros da Diretoria de Obras ou cobrando a respectiva investidura.
Diante das tentativas de se reduzir a influência de grupos políticos locais e de
neutralizar a atuação do Conselho por meio das reformas na legislação político-administrativa
do município, os intendentes municipais estavam cientes da necessidade de se evitar o
desgaste político com os proprietários desta parte da cidade e mantiveram as condições de
54
excepcionalidade para Inhaúma, Irajá e Copacabana, além das regras diferenciadas também
para as demais freguesias do subúrbios.
A proposta de Smith de Vasconcelos, depois de algumas emendas sobre normas técnicas e
burocráticas, foi aprovada, sem maiores objeções de seus colegas e foi encaminhada a
Prefeitura, sancionada em 1º de julho de 1900, por Antônio Coelho Rodrigues (Decreto 762
de 1º de julho de 1900).
1.6- Quando os limites da cidade e os limites do subúrbio passaram a se
confundir
“ de 1889 para cá, Inhaúma começou a progredir dia a dia,
edificando-se em vários pontos da vasta e populosa freguesia
confortáveis prédios, que podem competir com os melhores das
freguesias urbanas. Foram retalhados os terrenos das antigas fazendas
que ainda existiam; bem poucos vestígios ficaram daqueles tempos em
que o braço escravo era cooperador valioso da fortuna pública e
particular”.
79
Em 1902 o desenho político institucional sofreu mais uma mudança. Com a campanha
eleitoral voltada para o saneamento da cidade do Rio de Janeiro, o presidente da República
eleito, Rodrigues Alves, logo após sua posse tomou uma série de medidas que mudaram
drasticamente a política e a administração da capital.
Dentre essas medidas, a nova lei reduziu o número de intendentes de 15 para 10; deu
margem a eleição de candidatos que não necessariamente possuíssem bases fincadas em
localidades ou corporações na capital, o que acabou afetando a posição política de grupos de
perfil local presente nos partidos cariocas; manteve o mandato de apenas dois anos para os
intendentes e, entre muitas outras medidas, retirou do Senado a anuência sobre a escolha do
prefeito. Entre as disposições transitórias da lei, fixou o adiamento do pleito e o recesso de
seis meses do Conselho, assegurando ainda plenos poderes ao prefeito.
80
Neste novo quadro, Rodrigues Alves resolveu nomear alguém fora do circulo
político republicano, o engenheiro Francisco Pereira Passos, dando carta branca para
governar a cidade por meio de decretos. A nomeação foi justificada por Rodrigues
79
Citado por: ABREU, Mauricio. A evolução urbana do Rio ...opus citatum
80
FREIRE, Américo G. Uma Capital para a República... opus citatum
55
Alves pela intenção de transformar a prefeitura em um órgão distante dos embates
políticos partidários e voltados para questões de natureza técnica e administrativa.
Com o Conselho fechado, Pereira Passos em 10 de fevereiro de 1903 derrubou a lei 7762
de 1º de julho de 1900 e sancionou um decreto com novas regras essenciais de construção
para todo o Distrito Federal, (Decreto de nº. 39). Pela nova postura, as freguesias de
Inhaúma e Irajá finalmente foram incluídas na área em que a licença para as obras deveria ser
exigida.
Muitas disposições da Lei 762, de 1º de julho de 1900, foram alteradas e outras foram
mantidas. Manteve-se a proibição em uma parte da cidade de construções na forma de chalés
ou qualquer tipo de construção rural e ampliaram-se as ruas e freguesias defesas destes tipos
de construção. - acrescentou-se as ruas da Glória, do Catete, rua Marques de Abranches,
Senador Vergueiro e Praias do Flamengo, Russel e Botafogo. Foram liberadas as Ruas da
Saúde, São Bento e Conselheiro Saraiva. Desta vez o capítulo inteiro que concedia regras
especiais para construções em Irajá e Inhaúma foi suprimido.
A sanção deste decreto, realizada durante o fechamento do Conselho Municipal, pela
primeira vez, conseguiu derrubar o parágrafo de exceção - e neste caso o capítulo com regras
mais brandas para freguesias da zona rural.E este fato é um forte indicativo de que só com a
neutralização da casa legislativa o prefeito pôde revogar as regalias previstas pela lei geral de
construção, para área rural da cidade, questionada por quase todos os prefeitos nestes dez anos
de existência do Conselho e de Prefeitura no Distrito Federal. A prorrogação da ditadura do
prefeito chegou a ser discutida pela Câmara dos Deputados. Mas para surpresa de todos, dois
dias após a votação do projeto na Câmara, as eleições municipais foram realizadas. Para O
Paiz, a reviravolta ocorreu em função de um acordo político entre o Ministro da Justiça, J.J
Seabra, e os deputados cariocas para a retirada do projeto, em troca de um nova proposição
para que as reformas empreendidas por Passos seguissem adiante com o Conselho aberto.
81
De acordo com Américo Freire, neste mesmo encontro foi tirada uma chapa oficial
para composição do novo Conselho. E comparando os nomes desta lista com os candidatos
eleitos, Freire observou que o Conselho ficou dividido entre representantes que mantinham
proximidade com a política do Governo Federal e os que seguiam as diretrizes do Partido
Republicano do Distrito Federal, liderado pelo ex-prefeito e no momento, senador Barata
Ribeiro.
82
81
Idem, 177
82
idem
56
Em junho de 1903, um mês antes das eleições para o Conselho Municipal, Passos
estabeleceu a nova divisão territorial da cidade, indicando ao próximo Conselho a importância
de repensar a caracterização da freguesia de Inhaúma e de parte do distrito da Tijuca,
consideradas suburbanos:
Como uma parte desse novo distrito é suburbana,
compete ao Conselho torná-la urbana para regularidade da
percepção dos impostos, também converter, para todos os
efeitos o distrito de Inhaúma que pela sua área edificada e pela
condensação de sua população já não pode ser considerado
rural.
83
Mas o Conselho Municipal parece não ter concordado com a visão de Passos. E mesmo
após a mais dura restrição a autonomia do Conselho assinada por Rodrigues Alves, o
Legislativo Municipal ainda tinha a alternativa de não acatar o decreto do prefeito.
A reação do Conselho à revogação do capítulo da lei geral, com regras especiais para
Irajá e Inhaúma, se deu em 29 de outubro de 1903, com o envio de um projeto de exceção a
regra geral:
Art. 1º. Os prédios construídos nos distritos de Inhaúma e
Irajá poderão ser térreos e ter o pé direito de quatro metros e paredes
externas de frontal ou de estuque,
Art. 2º. As salas e aposentos terão no mínimo a área de nove
metros quadrados e a cozinha de seis metros quadrados.
Art.3º. As portas, janelas e mezaninos poderão ter quadros de
madeira, quando forem prédios recuados de onze metros do eixo da
rua e devem ter no mínimo uma área a ventilar, com exceção da área
externa que terão no mínimo dois metros e sessenta centímetros por
um metro e vinte centímetros.
Art. 4º. Quando térreas as construções serão isoladas do solo
por uma camada de concreto ou moinho de carvão, da espessura
mínima de vinte e cinco centímetros.
Parágrafo único: quando afastado cinco metros da rua e cinco
dos prédios ou terrenos vizinhos, poderá a construção ser de madeira.
Art. 5º. Deverão ter um quintal no mínimo com vinte metros
quadrados de superfície, onde será construída a competente fossa e
latrina.
Parágrafo único. A licença e a arruação sem emolumentos ou
braçagens de qualquer espécie, serão dadas dentro de oito dias úteis,
podendo o proprietário ou construtor encertar a obra se vencidos os
dias úteis, não tiver obtido a licença.
Nesta hipótese, o recibo do prédio servirá de licença.
Art. 6º. Revogam-se as disposições em contrario.
83
BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos um Hassmann tropical ..... opus citatum, p.266
57
Sala das sessões, em 29 de outubro de 1903_ Dr. A. de Paula
Freitas, Presidente.- Enéas Mario de Sá Freire, 1º Secretario. _
Manuel da Motta Monteiro Lopes, 2º Secretario
Dias antes de o Conselho enviar a Pereira Passos esta resolução, A. Freire do Amaral,
nomeado como chefe de uma Comissão encarregada de fiscalizar negócios em vários
distritos, como comércio ambulantes, matrículas de cães, loterias negócios que sem licença,
assim se referiu a situação de Inhaúma:
É de todo conveniente que se realize, o quanto antes, (...) a
aprovação de Inhaúma, para todos os efeitos, em distrito urbano. A
isto, é certo se tem oposto sempre os interesses da política partidária, e
já tramaram neste momento para que se volte ao sistema antigo de
liberdade de construção no distrito e de dispensa de pagamento dos
respectivos emolumentos. O tal Conselho demonstrará se a tal respeito
participa das idéias acanhadas e retrogradas que professavam no
assunto os anteriores.
84
Como já era de se imaginar, o prefeito opôs veto a resolução ratificando seu decreto
assinado a portas fechadas. E como quase todos os prefeitos que o antecederam também
alegou ameaça a saúde da cidade e os prejuízos aos cofres municipais.
“A resolução do Conselho Municipal que dispõe sobre
construção e reconstrução de prédios no distritos de Inhaúma e Irajá ,
revogando, quanto as estes dois distritos o decreto n 391 de 1903,
atenta contra a higiene e segurança das habitações naqueles dois
distritos e ainda contra as finanças municipais.”
85
Para Ferreira da Rosa, arquiteto contemporâneo de Pereira Passos, o desenvolvimento
destas freguesias trazia embaraços sobre os limites da cidade.:
A continuidade da cidade propriamente dita é tal que, grande
parte se torna impossível estabelecer limites entre as grandes
paróquias urbanas e chamadas suburbanas. Todo o percurso da
Estrada de Ferro Central do Brasil, até alem da estação de Cascadura,
é marginado de habitações, formando sem quebra de continuidade
inúmeras ruas, que a freqüência incorporam naturalmente a cidade. O
84
Idem, p 267
85
Veto do Prefeito Pereira Passos. Boletim da Intendência Municipal 1903 p.88
58
mesmo se da com a vasta planície servidas pelas linhas suburbanas
do Norte, da melhoramentos do Brasil e da Rio do Ouro .
86
O prefeito defendeu que não poderia se dispensar o pagamento de emolumento em
zona onde “já muito depende mantendo um contrato para conservação das estradas, tendo
turma de trabalhadores ocupados na reparação de ruas, e onde ainda a pouco despendeu-se
em concerto de bueiro e pontilhões.”
E assim completou mais adiante::
A isenção dos emolumentos que ora se pretende se estabelecer,
sem nenhum fundamento, na vasta área do distrito de Inhaúma e Irajá
pode ser amanhã estendida às freguesias do Engenho Novo, do
Engenho Velho e outras com sacrifícios das rendas da Prefeitura que
se verá na impossibilidade de custear os seus mais urgentes serviços.
87
Américo Freire aponta que nas eleições de 1905, o conflito entre as instituições da
Administração Municipal foi atenuado por um acordo tácito entre os Intendentes e o Prefeito.
Em troca de apoio às iniciativas do Governo Municipal, o Prefeito daria maior atenção às
zonas suburbanas.
Este momento de “trégua” destacado por Freire, pode ser elucidado por esta mensagem
de Pereira Passos ao Conselho Municipal:
Com a adoção de medidas legislativas votadas por este ilustre
Conselho nas sessões ordinárias e extraordinária do corrente ano e que
hoje são leis municipais, prestastes, Srs. Intendentes, assinalados
serviços a este Distrito, (...) já resolvendo com grande elevação de
vistas, problemas administrativos de suma relevância, revogando
odiosas leis de exceção, que concediam favores injustificados, com
detrimento da coletividade, e abolindo outros abusos, verdadeiros
entraves à execução do plano de melhoramentos da cidade, já
atendendo com patriótica solicitude, as suas mais palpitantes
necessidades, quer no que se refere aos recursos com que habilitaste o
Executivo a dar andamento a obras inadiáveis e imprescindíveis, como
sejam a reconstrução do péssimo calçamento, a Construção do Teatro
Municipal , o prolongamento e conclusão do Palácio da Prefeitura, o
embelezamento do Campo de São Cristóvão e a iluminação elétrica do
Matadouro e do povoado de Santa Cruz.
88
86
Veto do Prefeito Pereira Passos. Boletim da Intendência Municipal 1903, p 88SANTOS, Joaquim
Justino de Moura. Contribuições ao estudo da historia dos subúrbios..... opus citatum. p 243
87
Idem
88
Mensagem do Prefeito pág 17 In: FREIRE, Américo G. Uma Capital para a Republica.... opus citatum
p 205
59
Apesar da perda do privilégio garantido pela lei geral, de se construir livre dos
emolumentos, da licença de construção e reconstrução e de grande parte das normas gerais
exigidas para o restante da cidade ou das regras mais brandas e mais baratas, o novo Conselho
Municipal e Prefeitura negociaram um apoio mútuo. A partir daí os privilégios para
construção foram substituídas por investimentos públicos nas freguesias do subúrbio, como
pavimentação de ruas, construção de pontes e de calçadas etc. e a Prefeitura pôde dar cabo de
seu programa de “melhoramentos da cidade”.
Considerações finais
Ao analisar os debates entre as esferas da administração municipal sobre as regras
gerais de construção e obras residenciais na cidade do Rio de Janeiro entre 1892 e 1906
privilegiei um ponto que considerei central em todos os debates que observei. E a partir deste
ponto, pude definir as diretrizes do presente capítulo.
A questão que me refiro também foi considerada central por todos os prefeitos que
opuseram veto as diferentes Resoluções do Conselho enviadas a Prefeitura sobre normas para
edificações na cidade. Trata-se do tema da “livre construção”, ou seja, permissão prevista na
lei geral para que oito freguesias do Distrito Federal pudessem construir sem o envio do
pedido de licença à Prefeitura e sem a observância das regras válidas para o restante do
Distrito Federal.
O parágrafo único que determinava as oito freguesias defesas da lei esteve presente
em todas as regras gerais de construção e obras redigidas desde 1893, vigorou até o momento
em que Pereira Passos foi nomeado Prefeito e revogou a prerrogativa com a assinatura de um
novo decreto durante o período conhecido como ditadura do Prefeito, em que o Conselho foi
fechado e o Prefeito pode governar a cidade através de decretos. Numa análise mais global, é
possível delinear as posições das instituições municipais diante desta polêmica. De um lado
esteve o Conselho Municipal, discutindo inúmeras normas técnicas e burocráticas para as
construções de casas particulares na cidade, negociando entre seus pares a inserção e
manutenção da prerrogativa da livre construção para os edifícios fora dos limites da cidade,
colocando se sempre em defesa da manutenção deste direito dos proprietários. De outro a
Prefeitura, opondo-se a limitação de seus poderes, tendo em vista que a não exigência de
licença para além dos riscos apontados contra a estética, a higiene e o prejuízo aos cofres
60
municipais, representava a perda do poder de controle do Executivo sobre esta parte da
cidade. Por fim, o Senado Federal, atuando como árbitro dos conflitos entre estas duas esferas
da administração, ora decidindo em favor do Conselho e ora em favor da Prefeitura.
No meio do fogo cruzado, os citadinos sujeitos às constantes mudanças das leis, as
vezes liberados da exigências burocráticas e fiscais, as vezes pressionados a assinarem termo
de compromisso com a municipalidade, outras sendo multados e tendo suas obras embargadas.
Observando de perto toda esta dinâmica, percebi que este polêmico parágrafo de
exceção dentro da postura definidora das regras gerais de construção e obras para o restante do
Distrito Federal, caminhou lado a lado das mudanças de concepção sobre os limites da cidade e
das constantes reformas no desenho político institucional da capital da República. Nesta
conjuntura, há de se destacar a importância do Conselho frente aos principais problemas de
seus moradores e seu reconhecimento como órgão capaz de defender os interesses dos
citadinos.
61
Capítulo 2
A flexibilização da lei geral: A extensão do beneficio da livre construção
No capítulo 1 o leitor acompanhou os debates para definição de regras gerais de
construção e obras residenciais e pôde observar a grande polêmica em torno do parágrafo que
garantiu a oito freguesias da cidade o benefício de se construir sem regras, ou com regras
mais brandas e mais baratas. A partir da percepção de que estas discussões foram margeadas
por disputas entre as instituições municipais - sobretudo no que diz respeito aos limites de
poderes sobre a cidade - foi possível compreender os marcos do conflito e da negociação
travado pelo poder público municipal e pela sociedade em geral, que caminharam lado a lado
com constantes mudanças do desenho político institucional do Distrito Federal.
No presente capítulo, privilegiei o estudo de tentativas e vitórias na flexibilização da lei
geral, colocando em evidência as tentativas de extensão do benefício de se construir
independente das regras gerais para as freguesias da zona sul da cidade. Lugares não
incluídos na categoria de subúrbio, mas de difíceis condições climáticas e carentes de infra-
estrutura, de acordo com as ponderações dos autores dos projetos.
Marcelo de Souza Magalhães, analisando os projetos apresentados no Conselho entre
os anos de 1892 a 1902, observou que os projetos de lei referentes a impostos e taxas
diversas tinham origem, em sua maioria, em requerimentos de grupos organizados da cidade
e dividiam-se em dois grupos: os que eram regra, válidas para toda cidade, e os que eram
exceção, beneficiando alguma instituição com o não pagamento de impostos ou taxas. O
autor constatou também que os projetos de exceção à regra geravam grandes conflitos entre a
chefia do Executivo Municipal e os intendentes e chamou atenção para isto, como um
indicativo de que o Conselho Municipal era sensível as demandas encaminhadas pelos
citadinos.
89
Embora tenha privilegiado uma perspectiva qualitativa na análise das fontes, pude
observar características semelhantes às apontadas pelo autor. Em grande parte dos projetos
de exceção à regra no campo da construção e reconstrução de casas particulares as
representações enviadas por associações de proprietário marcaram o início dos debates na
89
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ecos da Política: A Capital Federal (1892-1903). 2004.
228f. Tese de Doutorado (em Historia). PPGH-UFF, Niterói.
62
casa legislativa e deflagraram grandes conflitos entre as instituições envolvidas na
administração municipal.
O capítulo tratará apenas de alguns dos debates para flexibilização da lei geral de
edificações. Além de focar toda a dinâmica política necessária para aprovação ou não dos
projetos no Conselho e na Prefeitura, lançará luz sobre o processo de desenvolvimento
destas freguesias da zona sul da cidade, que para alguns diretores da Companhia Ferro Carril
Jardim Botânico, no final do século XIX, não passavam de desertos arenosos.
2.1 VOX POPULI: O medo de uma explosão socialista
Na ocasião do veto, do então prefeito Barata Ribeiro, à resolução do Conselho -
transformada meses mais tarde no Decreto 417 de 17 de julho de 1893 - o intendente geral
Maia de Lacerda chamou a atenção do plenário para o importante detalhe de que a postura
geral de construção e obras seria aplicada apenas para as edificações da cidade. Para a área
contida no parágrafo de exceção seria preciso a criação de regras especiais que não
refreassem o processo de construção nestas zonas.
Como vimos, o Conselho, em sua grande maioria, enfatizou em vários debates a
necessidade de se incentivar as construções fora dos limites da cidade com exigências mais
brandas, de modo a desafogar o centro da cidade da aglomeração de casas populares e dos
cortiços.
A coluna A Pedidos, do Jornal do Commércio, de 16 de outubro de 1894, publicou
um artigo dirigido aos intendentes municipais sob o título: A Intendência Municipal, a
Copacabana e outros subúrbios. Seu autor, que assinou o artigo com o pseudônimo de Vox
Populi, também deu destaque a necessidade de criação de leis especiais que incentivassem
construtores e proprietários a edificarem nos subúrbios:
Não se trata de interesse mesquinho transitório, mas de
interesses monumentosos e permanentes que entendem com a ordem
social e com as questões econômicas, que nos tempos atuais ameaçam
o trabalho, o capital e a propriedade, porque as necessidades, que
martirizam as classes pobres, ou as que vivem do salário, devem
preocupar o espírito dos homens pensadores e principalmente
daqueles que estavam investidos de funções da administração pública.
90
90
VOX Populi. A Intendência Municipal, a Copacabana e outros subúrbios. Coluna Gazeilha,
Jornal do Commercio, 16/10/1894 nº.287. p 4.
63
Neste artigo de “Vox Populi” a preocupação ia além dos princípios da estética e da
higiene da cidade. Para o autor o exorbitante preço dos aluguéis e as más condições de vida
dos trabalhadores poderiam gerar conseqüências gravíssimas para toda a sociedade
brasileira.
No mesmo momento em que a administração municipal estava às voltas com a crise
habitacional na cidade do Rio de Janeiro, as grandes cidades da Europa enfrentavam diversas
insubordinações do proletariado, manifestas em mobilizações por melhores salários e
reivindicações por melhores condições de trabalho e moradia. O operariado mostrava seu
poder de mobilização levantando bandeiras contra a exploração do capital, os partidos de
esquerda ganhavam cada vez mais adesão nos grandes centros urbanos e pensadores
socialistas e anarquistas tornavam-se referências nas principais fábricas.
No Brasil, as organizações socialistas e anarquistas também ganhavam espaço. A
recém criada República, vivenciando um período de experimentação, sentiu a força dos
trabalhadores por meio da organização de diversas greves, como a greve dos cocheiros, dos
operários da Estrada de Ferro e dos açougueiros que ameaçavam deixar a Capital privada de
seus recursos. O artigo de “Vox Populi”, assim definiu seu temor:
As greves são um dos sintomas reveladores dos efeitos geradores do
socialismo, que provam a possibilidade de manifestar-se a luta dadas certas
condições.
É fato ter havido greves entre nós, não é, portanto impossível
arrebentar entre nós a mesma luta do socialismo que convulsiona na Europa.
91
Os interesses sociais e os fenômenos econômicos formam uma
cadeia, cujos elos se prendem, por exemplo, é saliente a influência funesta
das excessiva oscilações do cambio entre o preço de todas as coisas, sobre o
retraimento dos capitais, sobre a escassez do trabalho e etc etc e daí provém
grande soma de sofrimento, angustia que afligem a população e lhe torna a
vida um fato doloroso e terrível.
92
O medo de que o Brasil seguisse a Europa nesta etapa de “desenvolvimento” fez com
que o autor apontasse a falta de habitações na cidade e as péssimas condições de moradia
como uma centelha capaz de gerar uma explosão socialista no Brasil:
Só um espírito leviano perguntará que diabo tem a edificação de pequenas casas de
terrenos dos subúrbios de Copacabana, ou do Leblon com a questão social, o que os economistas
91
Idem
92
Idem
64
da cátedra da Alemanha, (como denomina o ilustre L. de Lavoleye) agitam que os Ravochol e
cazeiro executam?
Simplesmente uma coisa a miséria das classes pobres e operarias simplesmente a luta entre
o salário e o operário.
[...]
É evidentemente a conexão de todas essas causas que o critério de qualquer homem de
senso comum pode avaliar perfeita e cabalmente, é evidente que a questão social que na Europa
origina-se dos sofrimentos e da miséria pode nascer destas mesmas causas no Brasil, que é certo há
de passar por todas as fases da evolução humana, no momento aprazado e só a providencia e a
sabedoria conseguiram lhes naturalizar os efeitos cruéis.
93
E assim, o autor chamou a atenção dos intendentes para a importância de se ampliar o
benefício da livre construção:
Agora presuma-se que a Intendência Municipal seguinte as boas idéias em que se
inspiram os Srs. Intendentes Alfredo Barcellos e Maia de Lacerda ou resolva que a
execução da Lei de 16 de março
94
abrange os subúrbios pela mesma razão que se dão nas
freguesias suburbanas- ou decrete nova lei ampliativa; assim uma ou outra coisa sendo
posta em execução prática pela Prefeitura- compenetrada na mesma idéia- teremos de ver
em breve os subúrbios de Copacabana e do Arpoador, ou do Leblon povoados pelas classes
que não podem pagar pesados alugueis do cento da cidade
No Conselho, a importância de se ocupar os arrabaldes da cidade, em principio, com
construções modestas, marcou o tom do debate durante os primeiros anos de seu
funcionamento. Mas este ponto de vista passou a ser questionado, à medida que as
localidades foram assistidas com grandes obras públicas e privadas.
Das freguesias da zona sul da cidade, consideradas como novos bairros em franco
desenvolvimento, Copacabana foi a pioneira, por este motivo darei ênfase ao seu
desenvolvimento, para que o leitor possa acompanhar o processo da decretação e revogação
do direito de livre construção destinados também as construções da Estrada da Gávea, Villa
Ipanema e Leblon.
2.2 Ai de ti Copacabana
O Sr Alfredo Barcellos: _ Tive a palavra para enviar à Mesa um projeto de lei, que
se me afigura, encarado de qualquer face que se queira, de urgente necessidade para os
destinos da população desta Capital.
93
Idem
94
A lei 417 ou 17 de julho de 1893, também era conhecida por Lei de 16 de março, que refere-se a
data em que a resolução foi aprovada pelo Conselho
65
Desde que iniciamos os nossos trabalhos temos ouvido constantemente um clamor
público e geral sobre a necessidade de se construírem em larga escala, novas habitações
para a população que começa a aumentar, dia a dia, de modo espantoso. Quer as classes
abastadas, quer as medianas, quer o proletariado, não encontram com facilidade prédios
dois quais façam suas habitações.
É por isso que vemos grande parcela da população da Capital, acomodada em
verdadeiros antros, vivendo muitas vezes em nocivas promiscuidades de condições, sexo,
idades, e etc. é por isso que vemos a carestia enorme dos alugueis, à vista, em parte da lei
econômica de que, quanto maior é a procura, maior é o peço. Assim toda a lei que o
Conselho fizer neste sentido será uma lei benéfica que merecerá os louvores da população.
95
Com estas considerações o intendente da Lagoa subiu a tribuna do Conselho para
apresentar o projeto com o pedido de concessão das mesmas regalias previstas na lei geral
417, de 1893, aos lugares considerados fora dos limites da cidade, para os prédios localizados
na Gávea além do ponto terminal da Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico, no Arpoador e em
Copacabana.
Neste discurso de apresentação, Alfredo Barcellos sublinhou um elemento importante: a
carência de prédios habitáveis que atingia tanto o proletariado quanto os indivíduos
remediados. Para Barcellos, as leis para a área rural e para os novos bairros deveriam ser mais
flexíveis que as aplicadas no centro da cidade, a fim de darem oportunidade ao proletariado e
aos indivíduos remediados de construírem suas casas.
Apesar de enfatizar a escassez de moradias na cidade para justificar a necessidade de
criação da lei, as previsões para estas freguesias não eram as mesmas apontadas para a zona
rural. De acordo com o autor do projeto, o objetivo do relaxamento da regra geral seria atrair,
num primeiro momento, as construções mais modestas, para posteriormente atrair os grandes
proprietários.
Quem irá construir palácio nas áreas de Copacabana e do Arpoador, onde falta água,
a luz e os principais meios de conforto para a existência? Quem irá edificar soberbos
prédios em Guaratiba e Jacarepaguá, etc.?
Sejamos lógicos: Deixemos o proletariado e os indivíduos remediados levantarem
suas choupanas e suas casinhas modestas, mais ou menos como puderem, sem as altas
exigências naturais alias nos grandes centros povoados que constitui o núcleo da cidade.
Estes modestos povoadores de uma localidade serão focos de atração dos grandes
proprietários, que só depois de desbravado o terreno começaram a procurá-lo. Nesta
ocasião sim procure-se exigir melhores edificações compatíveis com o desenvolvimento
que forem tendo os diversos povoados.
96
95
Alfredo Barcelos. Debate do projeto de lei 128 de 1894.Anais do Conselho Municipal do
Distrito Federal 1892/1894. Outubro de 1894, p. 193
96
Idem, p 193
66
Neste ínterim, a reforma urbana implementada na cidade de Buenos Aires era um
grande referencial. Lá, como assegurou Barcellos, nos bairros novos e na zona rural as
edificações ficaram a cargo da incitativa dos pobres e remediados que levantaram suas
construções como melhor puderam.
Além da importância de se incentivar as construções nesta parte da cidade e da
necessidade de não se impor as mesmas normas de construção aplicadas na área central, em
virtude de estas localidades carecerem de infra-estrutura, outro elemento marcou a distinção
destes bairros perante os outros do Distrito Federal: as condições climáticas. De acordo com o
engenheiro e intendente Maia de Lacerda, os fortes ventos da praia dificultariam a construção
das casas de 5m de altura, entre outras normas, consideradas inexeqüível, previstas na regra
geral pelos intendentes. A este respeito Barcellos completou:
As ventanias são ali tão fortes, que as portas e janelas do comprimento exigidos pela
lei, não resistem devido em grande parte a falta de prédios que se abriguem uns aos outros.
As portas da altura em que ficam precisam ser cortadas quase ao terço para formarem uma
enorme bandeira para que os trincos possam resistir a impetuosidade das ventanias.
97
Durante as discussões do projeto, o intente de Inhaúma Duarte Teixeira aproveitou o
momento para apresentar à casa a denúncia de que nas freguesias rurais a fiscalização não
estava sendo executada em conformidade com a lei geral 417. Esta lei estabelecia que as
construções da área rural ficassem isentas de licença e da necessidade do recuo, mas os
agentes da prefeitura exigiam dos proprietários de prédios, a serem levantados, que
assinassem um termo comprometendo-se a recuar suas edificações além de outras exigências
não previstas pela lei.
98
Duarte Teixeira propôs então uma emenda ao projeto de Barcellos, pedindo a revogação
de três parágrafos da “lei do recuo” e que as construções fossem feitas, em todo o Distrito
Federal, de acordo com os alinhamentos existentes.
Alfredo Barcellos não concordou com a proposição de seu colega, pois apesar de
defender a máxima liberdade de construção para os novos bairros, o intendente da Lagoa
defendia a rigidez da municipalidade em relação às novas ruas. E sobre a exigência do recuo,
Barcellos entendia ser este direito da municipalidade.
97
Alfredo Bacellos, opus citatum.... Outubro de 1894. p 194
98
Este debate sobre acerca do recuo das edificações será abordado no próximo capitulo.
67
Não tenho bem presente Sr, Presidente o art.6º §§1º, 2º e 3º cuja
revogação se pede na emenda do Sr. Duarte Teixeira, mas se é o que me
consta isto é a obrigatoriedade do proprietário ceder um, dois, ou três metros
do terreno em que está edificada sua casa, quando haja de reconstruí-la para
benefício público e sem indenização ou acordo com a Municipalidade, isto
seria antes uma questão a ser dirimida perante aos tribunais do que perante ao
Conselho, tanto mais quanto me parece que nas repartições da Prefeitura
devem haver bastante escrúpulo em respeitar-se acima de tudo a Constituição
que manda respeitar o direito de propriedade.
99
Para Barcellos a solução para este tipo de impasse, entre a municipalidade e os
proprietários e construtores estava na concessão mútua, ou, em último caso, na
desapropriação de faixa de terreno, quando o proprietário se recusasse a aceitar qualquer
concessão compensadora por parte da municipalidade.
Desta forma, apresentou uma subemenda à emenda do intendente de Inhaúma,
ressalvando o direito da municipalidade de proceder legalmente ao alargamento das ruas
respeitando o direito à propriedade privada. Mesmo sob protesto de Duarte Teixeira, o
projeto, a emenda e a subemenda de Alfredo de Barcellos foram aprovados pelo Conselho. E
assim foi enviado à prefeitura:
O Conselho Municipal resolve:
Art. 1º Para construção e reconstrução de prédios na Gávea,
alem do ponto terminal da ferro - carril Jardim Botânico, no Leblon,
no Arpoador e Copacabana, ficam tais lugares considerados fora dos
limites da cidade, gozando das mesmas regalias que as concedidas
pela lei de 16 de março de 1893, promulgada a 17 de julho do mesmo
ano, às freguesias de Jacarepaguá, Inhaúma, Irajá, Campo Grande
Santa Cruz, Guaratiba, Ilha do Governador e Paquetá.
Parágrafo Único: o proprietário, ou interessado que nessas
localidades quiser proceder a construção, bastará participar a Diretoria
de Obras que vai proceder a tais obras, comprometendo-se respeitar o
alinhamento existente e que houver sido determinado nas ruas novas,
aprovadas e aceitas pela municipalidade, compromisso que será
devidamente fiscalizado.
Art. 2º ficam revogados o art. 6º e §§ 1º, 2º e 3º do mesmo art.
da postura de 15 de setembro de 1892.
§1º As edificações nos limites da cidade, fixadas pela postura
de 17 de julho de 1893 e pela presente lei, serão feitas segundo os
alinhamentos existentes, só exigindo o recuo dos prédios ou muro a
construir-se quando fizer saliência em relação aos contíguos.
§2º. As disposições deste artigo no seu § 1º vigorarão até que
aprovada pelo Conselho Municipal, um plano geral de viação, este
delibere sobre os meios práticos, mais legais e constitucionais, de
obter o alargamento necessário das ruas travessas, praças públicas,
respeitando o direito de propriedade e estabelecendo seu acordo com
os interesses do Município.
99
Idem, Alfredo Barcellos 26 de outubro de 1894.
68
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario
Sala das Sessões, 29 de outubro de 1894
·.
Para o prefeito Henrique Valladares os preceitos estabelecidos nesta resolução do
Conselho eram os mesmos que o levaram a opor veto a Resolução do Conselho de 12 de
abril de 1894, visto no capítulo 1. Pela segunda vez ressaltou a incapacidade do Governo
Municipal em agir em casos de acidentes provocados pelas novas construções nos subúrbios
protegidas pela lei em discussão, de qualquer restrição por parte da Prefeitura e apontou
novamente para o perigo de liberar esta zona da cidade, mesmo que temporariamente, da
exigência de arruação. Acusou o Conselho de tentar reviver as mesmas deliberações vetadas
por ele e pelo Senado três meses antes.
De acordo com Valladares, ainda sob o ponto de vista da arruação, a postura não
poderia ser aprovada porque tentava desmembrar para o Poder Legislativo Municipal
atribuições que por lei pertenciam ao Executivo Municipal.
Valladares finalizou sua justificativa destacando com veemência que em casos em que
nenhuma rua tivesse sido anteriormente traçada ou aceita pela Municipalidade, como ocorria
justamente ruas das localidades descritas nesta Resolução de 29 de outubro de 1894, cada
construtor orientaria a fachada de seu prédio na direção que lhe conviesse e assim os novos
bairros apresentaria no futuro uma viação em zig-zags, mais irregulares que algumas ruas do
centro da cidade.
Os protestos a oposição do prefeito à Resolução do Conselho não tardaram a aparecer
na Imprensa, seis dias após o veto, encaminhado ao Senado em 5 de novembro de 1894, a
Sociedade União dos Proprietários publicou um artigo criticando o veto na coluna A Pedidos
do Jornal do Commercio.
No artigo, o representante desta sociedade chamou a atenção para as três hipóteses
levantadas por Valladares para oposição da Resolução. A primeira delas era o receio do
prefeito de alguma muralha ou construção feita sem autorização represar algum rio da capital,
a segunda era de que algum estabelecimento fabril provocasse incêndio devido a alguma
chaminé ou forno mal instalado e a terceira era a hipótese de que fossem construídas nesta
localidade casas com 2 m de altura sem ar, sem luz, sem estilo estético, com materiais frágeis
que ameaçassem a segurança pública. Nas palavras do autor do artigo:
69
Ora sejamos franco, não nos parece sério este modo de
argumentar. Não é com argumento deste jaez que se nega
cumprimento da vontade do povo expressa pelo órgão de seus
representantes diretos, como são os Intendentes Municipais.
Em primeiro lugar os exemplos formulados pelo Sr. Prefeito
são absolutamente gratuitos.
De feito, qual o rio existente no Distrito Federal que represado
poderia solapar um morro?
[...]
O exemplo da fábrica também não procede porquanto se ela,
pela natureza de seu trabalho, empregara materiais inflamáveis, não
será a licença da prefeitura que vitornar inofensivos esses materiais.
Demais vigora a postura que proíbe o funcionamento de certas
fábricas em determinados espaços da cidade
E quanto a casa de 2 m de altura, construídas com materiais
fragilíssimo, em que poderá coisa tão insignificante, pequena e leve
ameaçar a segurança pública? Para esmagar qualquer transeunte é
pequena e para dar-se uma topada é um pouco grande.
100
No Senado, a Comissão de Legislação e Justiça asseverou que a Resolução em questão
na deveria ser confundida com a Resolução de 12 de abril, também vetada por Valladares.
Para a Comissão o veto não poderia ser justificado porque a Resolução, longe de infringir a
Constituição e as leis (caso único de veto), vinha em apoio da disposição Constitucional
garantidora do direito de propriedade, visto que seu Art. 2º § 3º derrogava o Art. 6º §2º da
Resolução de 15 de setembro de 1892, que obrigava o proprietário à cessão não indenizada
de terreno até a extensão de 1 metro, quando a municipalidade exigisse em nome do
embelezamento ou da ampliação da rua.
Desta forma a Comissão Legislação e Justiça do Senado entendeu que em casos de
cessão, o indivíduo deveria receber indenização da municipalidade, fosse de 1 metro ou
mais, pois: “O terreno pode ser pequeno mas não deixa de ser propriedade e a Constituição
não permite que fiquem sem indenização as desapropriações de faixa de terra de menos de
1metro de largura.
101
Considerando não ter o prefeito apresentado razão que caracterizassem a Resolução do
Conselho como infração à Constituição, a Comissão rejeitou o veto. Contudo, ao ser
colocado para apreciação do plenário do Senado, por uma diferença ínfima na votação, o
veto do prefeito mais uma vez foi mantido.
Como já foi dito no capítulo anterior, a expansão da malha urbana motivada pelo
desenvolvimento das ferrovias em direção aos subúrbios e dos bondes em direção a Zona Sul
100
Sociedade União dos Proprietários. XVIII. Coluna A PEDIDOA, Jornal do
Commercio,11/12/1895.nº.813.p.5
101
Comissão de Legislação e Justiça do Senado. Parecer 217 de 1894, Boletim do Senado Federal
1894 p.30
70
e Zona Norte contou com o apoio da municipalidade em diversos sentidos, como a criação
de leis especiais para facilitar as construções de casas nesta parte da cidade; construção de
pontes e túneis, calçamento de ruas etc.
Mas como assegura Oswaldo Porto Rocha, ao apresentar um breve panorama do
desenvolvimento dos meios de transportes no Rio de Janeiro, nos anos 70 do século XIX,
obras como estas, ficaram a cargo da iniciativa particular, o que acabava aumentando as
dificuldades quer para as empresas construtoras - também responsáveis pela drenagem e
aterros dos terrenos - quer para as empresas de transporte.
102
Mas apesar das dificuldades das empresas particulares, seis meses antes da
apresentação desta Resolução do Conselho sobre a facilitação das construções para os
prédios na Estrada da Gávea, além do ponto terminal da Cia. J. Botânico, a Cia. Jardim
Botânico, conseguiu inaugurar, em abril de 1894, o ramal de Igrejinha (atual Posto 6) e
Ipanema. Na assembléia geral da companhia os diretores apresentaram o seguinte relatório:
É incontestável que as duas praias de Copacabana e Arpoador
são dotadas de um clima esplendido e salubre, beijada constantemente
pelas brisas do Oceano, constituindo dois verdadeiros sanatórios e por
onde pode respiras a largo a população desta Capital na estação
calmosa, em que é infelizmente dizimada por epidemias periódicas e
mortíferas. Elas já tiveram a consagração da medicina oficial e dos
higienistas, estabelecendo aí o Governo dois grandes hospitais. À
exceção de um ou outro prédio bom, os demais são, na verdade,
pequenas e pobres choupanas. É um bairro a criar-se.Agora é que vão
tendo começo as edificações, as melhores casas se levantam depois do
lotes de terreno par este fim. Já se acha organizada uma Companhia,
com capital suficiente para edificar um clube de esportes e uma
grande casa bancaria que, brevemente, dará começo as obras.
Dentro de um lustro, aqueles desertos do Saara, como os
qualificaram, se converteram em grandes povoações, para onde aflui
de preferência, a população desta cidade, na estação calmosa, devido a
salubridade e amenidade de seu clima e a excelência dos banhos de
mar, como se pratica nas cidades balneárias da Europa.
Não podemos duvidar da ação civilizadora dos nossos
tramways (bondes), que tem levado aos bairros afastados e desertos o
gosto e o conforto na edificação de prédios, com o aumento da renda..
103
Apesar de o relatório dos Diretores enaltecer as condições climáticas da região, como
área privilegiada para refúgio das epidemias que assolavam a cidade, alguns acionistas da
102
ROCHA,Oswaldo Porto, A era das demolições : Cidade do Rio de Janeiro 1870-1920. Rio de
Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural.
p 32
103
ROCHA, Oswaldo Porto. A era das demolições: a cidade do Rio de Janeiro 1870-1920. Rio de
Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Geral,
1986.p. 35
71
companhia continuavam a protestar contra o ramal, pois a região ainda carecia de infra-
estrutura para atrair moradores.
Afora a iniciativa do Conselho Municipal em incentivar as construções nesta parte do
Distrito, a Companhia de Ferro Carril Jardim Botânico resolveu oferecer condução gratuita, no
ano da inaugurarão desta linha, a fim de promover a venda de terrenos no bairro mais “chique”
da cidade, enquanto os loteadores, nos anúncios publicados, prometiam “um estilo de vida
moderno” e ressaltavam seus ares de salubridades vindo do mar.
104
A proposta de expansão da cidade rumo às praias do Atlântico não foi inaugurada com a
República. Em 1882, os vereadores Malvino da Silva Reis, Henrique Hermeto, Antônio T.
Quartin e Chaves Faria haviam enviado à Câmara Municipal um projeto falando da
importância do prolongamento dos trilhos à Copacabana e ao Leblon.
Alguns acionistas da empresa Cia. Jardim Botânico manifestaram-se contra a expansão
das linhas, por acreditar que a ocupação de Copacabana e Ipanema se daria de forma muito
lenta, tendo em vista que não passavam de um “deserto arenoso”.
“Deserto arenoso” ou “verdadeiro sanatório”, pequenas divergências à parte, o fato é que
a Companhia Ferro Carril Jardim Botânico, empresa de maior capital da época, havia se
envolvido, anos antes, em uma longa disputa com a Empresa Copacabana (criada em 1874 e
liquidada em 1880) em torno do estabelecimento de linhas para Copacabana.
Na década de 1890, a empresa demonstrou interesse na construção de ramais para o
Leme e Igrejinha. A estratégia deu certo, mesmo não tendo sido aceita por alguns acionistas foi
reproduzida no início do século XX em direção a Ipanema.Com efeito, a estratégia de
pr
eparar a zona sul para posterior revenda tinha se revelado bem sucedida, e não havia razão
para se duvidar do sucesso do empreendimento. Só faltava o Leblon que seria incorporado na
segunda década do século atual.” [século XX]
105
Como atesta Américo Freire, a expansão da cidade seguiu os caminhos dos novos meios
coletivos. Para o autor, nestes primeiros anos de República, a cidade vivia uma época de
florescimento econômico a despeito do acentuado declínio do café do estado do Rio de Janeiro.
106
Freire lembra das considerações feitas por Luiz César de Queiroz a respeito do capital
imobiliário na cidade, em que afirma que o investimento no espaço urbano, naquele momento,
104
BENCHIMOL. J.L..Pereira Passos: Um Hausmmann Tropical: A renovação urbana do Rio de
Janeiro no inicio do século XX. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte,
Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de editoração, 1992. p 260
105
FREIRE. Américo G. Guerra de posição na Metrópole: a Prefeitura e as empresas de ônibus
no Rio de Janeiro (1906-1948). Rio de Janeiro: ALERJ: FGV, 2001. p 24. e ABREU, Mauricio de.
Evolução Urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira
Passos,2006. p 48
106
Idem 26
72
foi o principal sentido do deslocamento do capital mercantil. Apenas na década de 1890 foram
criadas as empresas: Cia. Melhoramentos dos Subúrbios, com o capital de 5:000§000; a
Empresa de Construção Civil, com capital de 15:000§000; e a Companhia de Construção e
Melhoramentos, com o capital de 700:000§000, grande parte dos acionistas destas empresas
eram autoridades governamentais e bancos.
107
Desta forma, é possível afirmar que os meios de transporte foram beneficiados pelas
reformas urbanas do período.
108
O alargamento de ruas e a construção de grandes avenidas
como a avenida Beira Mar, por exemplo - dirigida por Pereira Passos com o propósito de “dar
satisfação ao grande trafego entre a cidade e os arrabaldes do sul e criar um ameno e pitoresco
passeio marítimo”
109
, fez parte do reconhecido
programa de obras implementados por
Rodrigues Alves e Pereira Passos.
Como a primeira proposta de extensão do benefício da liberdade de construção não foi
aprovada pela Prefeitura nem pelo Senado, o segundo Conselho pensou em uma nova regalia
para os proprietários desta localidade.
2.2 Copacabana: a “Teresópolis do Rio de Janeiro” - a conquista do
benefício da livre construção.
No 2º Conselho Municipal, a tentativa de ampliação do parágrafo que deliberava a
liberdade de construção foi substituída, momentaneamente, pela idéia de redução das
exigências para construção de prédios na Gávea, Arpoador, Copacabana e Leblon. Em
Janeiro de 1896, o Conselho deu início a um debate para definição de regras mais brandas
para estas localidades. A idéia de que Copacabana poderia se tornar um grande pólo de
atração de ricos proprietários e até de estrangeiros também foi destacada na apresentação do
projeto:
Revela notar que nenhum lugar mais do que em Copacabana
pode ser procurada pela população da Capital Federal, principalmente
pelos estrangeiros, visto que está situado em zona completamente
arenosa,, barra -fora pelo que é constantemente ventilado, podendo-se
por assim dizer que é a Teresópolis da cidade do Rio de Janeiro.
110
107
Idem 24
108
Freire transportes p 29
109
Melhoramentos da cidade projetados pelo Prefeito do Distrito Federal. 1903
110
Heredia de Sá, Debate do Projeto16 de 1896- 31/01/1896. Anais do Conselho Municipal do
Distrito Federal 1896 p 6.
73
As localidades beneficiadas pelas regras módicas seriam: Copacabana, Villa Ipanema,
Leblon, praia do Pinto, Largo da Memória, praia da Gávea, ilhas e morros nas partes que não
dessem imediatamente os logradouros públicos da parte plena da cidade e principalmente do
comércio. Nestas zonas as casas poderiam ter 4,00m de pé direito e suas portas poderiam ter
as dimensões 1,20 m por 3,00 m e a janela de 1,00m por 2,00m.
Assinaram o projeto 10 dos 15 intendentes. Heredia de Sá, Domingues Ferreira,
Antunes de Campus, Luis Alves, Silva e Souza, Rodrigues Alves, Julio de Carmo, Sá Freire,
Honório Gurgel e Vieira Fazenda.
Com exceção de uma emenda apresentada por Heredia de Sá, autor do projeto, pedindo
a inclusão de algumas ruas na postura e uma mudança no dispositivo sobre portas e janelas,
o projeto não sofreu grandes criticas. Foi sancionado pelo prefeito, Francisco Furquim
Werneck, em 26 de fevereiro de 1896.
Na terceira legislatura, em 1898, o debate sobre a ampliação do parágrafo que liberava
parte da cidade das regras gerais voltou à tona, inicialmente com o pedido de inclusão ao
parágrafo apenas da Estrada da Gávea. O debate se polarizou entre os intendentes Sabino
Pessoa, engenheiro eleito pelo 1º distrito, e Alfredo Magioli, médico representante do 3º
distrito. Sabino Pessoa, signatário do projeto, propôs a liberação das regras gerais para as
construções e reconstruções a se realizarem na Estrada da Gávea, descrita por ele como uma
localidade habitada apenas por pescadores e carente de infra-estrutura básica. Em
contrapartida, Magioli defendeu que a ampliação dessa prerrogativa só aumentaria os males
da cidade causados pela Lei 417, tendo em vista o grande número de ruas nos subúrbios da
cidade construídas com apenas 6 m de largura.
O intendente ainda lançou uma provocação ao autor do projeto, engenheiro de
profissão, afirmando que esperava do mesmo, um projeto de supressão do parágrafo que
permitia a liberdade de construção e não a sua ampliação.
De acordo com Sabino Pessoa, a lei em vigor beneficiava proprietário de localidades
com vida bastante desenvolvida, como as freguesias de Campo Grande, Inhaúma e Irajá,
iluminadas e servidas por linhas férreas, e desta forma acreditava ser justo que este benefício
fosse estendido a Estrada da Gávea, onde havia menos construções.
Sobre o perigo de se construírem novas ruas com 6 m de largura, Sabino Pessoa
lembrou ao Conselho que a Estrada da Gávea já havia recebido o arruamento da
Municipalidade, mas para Magioli este argumento era uma comprovação de que esta localidade
não era tão desprovida de assistência como ressaltou o defensor da proposta.
74
Sem emendas, a redação do projeto foi aprovada no Conselho em 18 de março de 1898
e sancionada por Joaquim José da Rosa, prefeito interino, em 28 do mesmo mês e ano. (Lei
514, de 28 de março de 1898).
Na mesma data em que o prefeito sancionou a liberdade de construção para a Estrada da
Gávea – 28 de março de 1898 –, as Comissões do Conselho Municipal de Legislação e Justiça,
Orçamento e Obras, após analisar um abaixo-assinado enviado a casa pelos proprietários de
Villa Ipanema, anunciaram ao plenário seu parecer favorável ao pedido de liberdade de
construção no bairro por um período de cinco anos. Pediam os proprietários:
“Cidadão Presidente e mais membros do Conselho Municipal
da Intendência Municipal do Rio de Janeiro.
Os abaixo-assinados proprietários de terrenos na Villa
Ipanema (antigo Arpoador) vêm solicita a Vossa ilustre atenção para
uma medida que, parecendo ser do interesse dos suplicantes, entende
largamente como interesse público.
Referem-se os abaixo-assinados a conveniência de, por uma
lei especial desse ilustre Conselho, ser permitida a liberdade de
construção neste bairro, durante o prazo de tempo de cinco anos,
respeitadas rigorosamente as condições de alinhamento das ruas e
praças e preceitos de higiene, mas dispensando o ônus de
apresentação de planta, despesas de licença, direito de andaimes e
outros quais estão sujeitas as construções urbanas em geral.
111
Os proprietários usavam como justificativa para esta reivindicação o fato do
bairro não gozar da vantagem de nenhum serviço municipal, destacando a falta de
policiamento ou regularização do leito de ruas e praças, o que tornava bastante oneroso
os transportes para quem se dispusesse a construir nesta localidade.
A conveniência desta medida será facilitar o povoamento do
bairro recomendado, tão somente pela sua salubridade.
Nem calcula este Conselho quanto o preenchimento destas
formalidades necessárias a construção de um prédio, por mais
insignificante que seja dificulta o desenvolvimento das construções.
O regime de liberdade de construção, por um período limitado
como pedimos, despertava a iniciativa dos proprietários e a
Intendência teria no aumento da renda do imposto predial, que é uma
contribuição perene, larga compensação à renda que deixasse de
perceber pela concessão das licenças, que constituem uma
contribuição acidental.
112
111
Moradores de Villa Ipanema. Abaixo-assinado: apresentado ao Conselho Municipal do Distrito
Federal. 4/05/1898. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal. p.59 ,
112
Idem,
75
O abaixo-assinado reuniu a assinatura de 13 proprietários, dentre eles o ex-intendente
Heredia de Sá, membro do Conselho anterior e autor da lei que estipulou regras mais brandas
para Copacabana, Ipanema, Leblon, etc. A representação transformou-se em projeto e foi
assinado pelos intendentes Sabino Pessoa, Tertuliano Coelho, dentista representante do 1º
distrito, Lobo Junior, funcionário público do 2º distrito, Correa de Mello, major e proprietário
também eleito pelo 2º distrito, Henrique Lagden médico, igualmente representante do 2º
distrito.
Nas considerações sobre a utilidade da lei, as Comissões reunidas destacaram as
mesmas necessidades e vantagens apresentadas pelos proprietários: promover o
desenvolvimento das construções nos bairros afastados; promover a baixa no preço dos
aluguéis e aumentar as rendas municipais de forma indireta, com a cobrança de imposto
predial.
O projeto não sofreu oposição nem dentro do Conselho nem da Prefeitura. Foi
sancionado em 6 de maio de 1898 pelo prefeito interino Joaquim José da Rosa, por meio do
Decreto 540, de 6 de maio de 1898.
Dez meses após a promulgação do Decreto 540, de 6 de maio de 1898, em março de
1899, o novo Conselho eleito debateu a extensão da prerrogativa de construir livre de licença e
dos demais encargos para uma parte do bairro de Copacabana. O projeto apresentado em 13 de
março de 1899 pelo intendente Leite Borges, capitão e proprietário, pleiteava os favores para
os bairros situados entre o Leme e a Igrejinha.
Em sua apresentação o intendente considerou os mesmos pontos da resolução vista
anteriormente: a falta de calçamentos, esgoto e iluminação de qualquer espécie na região; a
presença de grande número de pescadores e a carestia dos transportes.
De acordo com o projeto primitivo, o benefício cessaria assim que o bairro fosse
provido dos melhoramentos necessários ou então dois anos depois, contados a partir da data da
promulgação da lei, mesmo que os melhoramentos não fossem feitos.
Dos 17 intendentes, 7 assinaram o projeto. Foram eles: Leite Borges, Figueiredo Rocha,
Smith de Vasconcellos, Leite Ribeiro, Rodrigues Alves, Azevedo Lima, Leôncio Albuquerque.
Em 23 de março foi apresentada uma emenda ao projeto suprindo o artigo 2º, que
previa a cessão do beneficio em caso de melhoramentos. Dos 7 intendentes proponentes, 6
assinam a emenda, a exceção de Leite Ribeiro, somando-se as assinaturas de Numa Vieira e
Pereira Braga.
A redação final foi aprovada pelo Conselho em 24 de março de 1899. Desta vez a
resolução do Conselho não foi sancionada pelo prefeito, que assim argumentou: “A falta de
76
melhoramentos na cidade não justifica em absoluto a liberdade concedida pela resolução, pois
a alta de preço dos terrenos demonstra justamente o contrário”.
113
O Conselho Municipal justificou a necessidade de aprovação da postura baseando-se no
grande número de pescadores da região, já o prefeito José Cesário de Faria Alvim pautou-se na
idéia que o perigo de desvalorização de grandes propriedades poderia se dar como
conseqüência da “construção de barracões toscos e sem higiene ao lado de seus prédios”.
Diferentemente de seu antecessor, que deixou ao presidente do Conselho a
responsabilidade de sancionar o decreto dando liberdade de construção aos proprietários e
construtores de Villa Ipanema, Cesário Alvim opôs veto a resolução considerando, entre outras
observações, que a mesma restringia o poder do Executivo Municipal de decidir sobre as
construções apenas de parte da capital federal.
A dispensa de licença para construir, principalmente nos bairros novos, traria como
conseqüência o sacrifício da viação, com a multiplicidade de alinhamentos irregulares, o
desprezo das regras arquitetônicas e a falta de higiene das construções, além de prejudicar a
receita que possivelmente teria sido calculada sobre a hipótese de não haver qualquer desfalque
em sua verba.
O prefeito delineou ainda uma série de melhoramentos promovidos pela administração
municipal, colocando por terra o argumento de que a localidade estava carente de assistência:
A abertura do túnel da Real Grandeza, a ligação do bairro de
Copacabana à cidade pela linha de bondes da Companhia FC Jardim
Botânico, o prolongamento das linhas desta companhia até a
Igrejinha, a retificação e alargamento de ruas antigas, o plano geral de
viação compreendendo a abertura de novas ruas largas e extensas, e
ainda ultimamente o ramal da linha de bondes, bitola larga, para o
leme, são melhoramentos de não pequeno valor, principalmente
tratando-se de uma zona que a poucos anos tudo estava por fazer.
Os proprietários de Copacabana sofreram a primeira derrota no que tange à liberdade de
edificarem sem a observância da regra geral, mas Villa Ipanema ainda conseguira ampliar seu
prazo para liberdade de construção.
Quatro anos após a sanção do Decreto 540, que beneficiou os proprietários e construtores
de Villa Ipanema com a ampla liberdade de construção, o intendente Pereira Braga, apresentou
113
Redação Final, Projeto nº. 8 de 1899, 24/03/1899Anais do.Conselho Municipal do Distrito
Federal 1899. p.82
77
a casa, em setembro de 1902, um pedido de prorrogação da lei, tendo em vista que o direito
cessaria em 1 ano.
O Conselho não se opôs a proposição. Na terceira discussão apenas o intendente Honório
Gurgel pediu a extensão dos favores ao bairro de Copacabana, argumentando que:
Se a Villa Ipanema, bairro mas afastado do mar, menos
sujeitos aos rigores dos ventos, podem ter prédios cuja a dimensão
não estão de acordo com as dimensões das leis gerais sobre
construção, com mais forte razão os prédios levantados em
Copacabana podem também escapar aos rigores da lei que vai
favorecer ao seu irmão gêmeo, a Villa Ipanema.
114
Para o vice-presidente do Conselho Pereira Braga, a emenda de Honório Gurgel,
presidente do Conselho, não caberia em seu projeto, em virtude de Copacabana já estar
incluída em outra lei votada pelo Conselho. Apesar da desaprovação de Pereira Braga a
redação foi aprovada em 17 de outubro de 1902, com a inclusão de Copacabana, e
transformada em lei, sancionada pelo Decreto 922, em 17 de outubro de 1902. Mas em
setembro do ano seguinte, o Conselho discutiria sua revogação.
2.4 Copacabana, a “futura Nice do Atlântico”: livre construção vista
como um problema para os novos bairros
De 1892 a 1906 muitas obras públicas e privadas foram realizadas nos bairros situados
na zona sul da cidade. Copacabana, que até a abertura do Túnel Alaôr Prata, o “Túnel Velho”,
inaugurado em julho de 1892, tinha como única forma de acesso a caminhada nos morros que
cercavam a região, passou por muitas transformações durante estes 14 anos que dividem a
criação do Conselho Municipal do Distrito Federal e o fim da gestão do Prefeito Pereira
Passos. Em 1906, foram inauguradas duas importantes obras no novo bairro: o “Túnel Novo” e
a Avenida Atlântica, com apenas 6 metros de larguras, projetada inicialmente para passeio dos
pedestres.
O bairro de Ipanema, fundado em abril de 1894, pelo segundo Barão de Ipanema, que
junto ao seu sócio Antônio José da Silva promoveu sua urbanização, já nasceu com quinze ruas
114
Veto do Prefeito Cesário Alvim, 29/03/1899. Boletim da Intendência Municipal 1899. p.229.
78
e duas praças, a Marechal Floriano Peixoto (General Osório) e a Coronel Henrique Valladares
(Nossa Senhora da Paz). Já em 1901, o bairro recebeu a luz elétrica.
É interessante chamar atenção que a chegada da Família Real em 1808 introduziu novos
costumes entre os moradores da cidade, como a atração por lugares longes do centro mais
aprazíveis, perto de praias ou de montanhas. As chácaras que eram usadas para descanso de
final de semana, logo passaram a ser usadas como residências pelas elites.
115
Inicialmente,
carecendo de infra-estrutura para sua ocupação, a municipalidade decidiu-se por liberar
temporariamente os novos bairros à livre construção, afim de atrair a população em geral, para
finalmente atrair os grandes proprietários. Após diversas benfeitorias realizadas nestas
localidades, os debates ente o Conselho e a Prefeitura demonstram que a construção das casas
modestas deixou de ser interessantes para o bairro.
O engenheiro Backhauser, em 1905, assim se pronunciou contra a liberdade de
construção no bairro de Copacabana:
Urgia uma solução.
A primeira que surge que se aventa, que se desfralda, é a construção
livre, isto é construir sem regras para povoar, para encher de casas os lugares
ermos ou nascentes, salpicando-os ao acaso com a imprevidência do passado.
É o caso de Copacabana. Copacabana é por certo o mais recente bairro
da cidade (...) tinha diante de si um futuro brilhante se facilmente se
povoasse. E como é óbice eram as exigências sanitárias da engenharia
municipal, que entravava este rápido progredir exigindo que toda construção
obedecesse a um conjunto salutar de preceitos higiênicos editados pela
prática e pela teoria, claro foi que se procurou furtar o proprietário de
Copacabana a essas exigências. O resultado foi o povoamento é verdade, mas
o povoamento desordenado, em que já as ruas são tortas, em que já há até
cortiços.
Felizmente o Sr. Dr. Pereira Passos obteve do Conselho lei proibindo
esse incrível abuso.
Este foi o modo por que se fez o Rio cuja reforma tanto nos está
custando. Esse é o modo por que se vão fazendo as cidades por esse Brasil
em fora. (...). Não se precisa ir muito longe, na cidade de Niterói, só há nove
meses, graças ao benemérito Dr. Paulo Alves, há uma regulamentação de
obras, prescrevendo regras e moldes gerais a que devem obedecer às novas
construções e os concertos das antigas. E contra essa salutar medida se
insurgiram os proprietários! Isto se dá em uma cidade, Capital de um Estado,
a vinte minutos daqui, da influência ouvidoriana, cidade que já pensa em
avenida à beira mar e outros embelezamentos de monta. Que dizer das muitas
outras que se afastam cada vez mais do Rio e, portanto da influência
intelectual que a cidade exerce (...), Assim, pois retirar o cutelo dos
regulamentos ou leis de obras de sobre as cabeças dos proprietários e
construtores é fazer-lhes talvez um beneficio duvidoso, é causar por certo um
prejuízo grande aos moradores e ao progresso futuro da cidade.
116
115
AIZEN, Mario. Zona Sul. Disponível em: <http://:museudapessoa.net/>. Acessado em 1º de
maio de 2008.
116
BACKHAUSER. Apud: BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos .....opos citatum p.263.
79
O texto de Backhauser é uma clara condenação ao desordenamento provocado pela
máxima liberdade de construção. A lei a que se refere ao elogiar o prefeito Pereira Passos por
proibir o “incrível abuso” é o decreto nº 391, de 10 de fevereiro de 1903, que, entre outras
normas, reviu o princípio da livre construção em Copacabana, Irajá e Inhaúma, sancionado
no período em que o prefeito atuou sobre a administração municipal do Distrito Federal com
o Conselho Municipal fechado.
Nesta nova conjuntura, o intendente Walfrido Figueiredo apresentou ao Conselho um
projeto de suspensão da livre construção nestes bairros. O projeto n° 11, de 1903,
apresentado ao plenário em 13 de setembro, discorria:
Projeto
Considerando que o bairro de Copacabana (Leme e Ipanema)
não tem tido o desenvolvimento que era de se esperar com a liberdade
de construção;
Considerando que dessa liberdade podem resultar sérios danos
para a saúde pública, construindo cada um como lhe aprouver;
Considerando, finalmente, que é por todos os motivos, perigosa
a edificação livre;
O Conselho Municipal resolve:
Art.1º ficam revogados os Decretos ns. 540 de 6 de maio de
1898, e o 922 de 17 de outubro de 1902, e sujeitas as construções nos
bairros de Copacabana (Leme e Ipanema) às determinações do
Decreto nº 392 de 10 de fevereiro de 1903.
Art.2° Revogam-se as disposições em contrário.
Sala das Sessões, 13 de setembro de 1903. Walfrido da Cunha
de Figueiredo
A Comissão de Obras, Viação e Higiene argumentou em favor da derrogação:
A Comissão de Obras, Viação e Higiene:
Atendendo que o projeto nº 11, de 1903, propõe a revogação
dos Decretos nº 540, de 6 de maio de 1898, e 922, de 17 de outubro de
190, que estabelecem: o primeiro: a liberdade de construção no bairro
denominados Ipanema, durante cinco anos, e o segundo, de dez anos
tornando extensivo os mesmos favores a todo o bairro de Copacabana;
Atendendo que não existe razão que fundamente a
permanência desse ato legislativo porquanto:
a) Os bairros aludidos devem estar sujeitos quanto à construção aos
decretos n. 391, de 10 de fevereiro de 1903, visto como para
embelezamento da cidade, condições de construção, a tabela da
municipalidade evita vícios e defeitos;
b) Os meios de comunicação a importância dos bairros exigem
que nas construções sejam observados os dispositivos do Decreto
nº392;
Atendendo, finalmente, que a zona suburbana da cidade, desde
Cascadura para cima não está nas mesmas condições do bairro de
Ipanema e todo o Bairro de Copacabana;
80
É a Comissão de parecer que seja aprovado o projeto, devendo
antes ser ouvida a Comissão de Legislação e Justiça quanto aos efeitos
dos decretos cuja revogação se propõe, reservando-se a apresentar
emendas durante a discussão do dito projeto, relativa a zona
suburbana da cidade.
Sala das Comissões, 21 de setembro de 1903- Enéas Mario de
Sá Freire, relator. _ Álvaro Alberto, Presidente. _ Monteiro Lopes.
Já a Comissão de Legislação e Justiça, representada pelas palavras de seu redator Julio
de Oliveira, intendente que atuou na 1ª legislatura como representante da Candelária,
reconhecia que tanto os fundamentos do projeto quanto os fundamentos da Comissão de Obras,
Viação e Higiene, estavam baseados em razões de utilidade pública que não poderiam ser
contestadas. Para Julio de Oliveira, era fato admirável a facilidade com que o Conselho
anterior aprovara e o prefeito sancionara a liberdade de construção que a seu ver não poderia
mais ser admitida nem no mais remoto subúrbio.
Por outro lado, o relator da Comissão de Legislação e Justiça, ponderava a situação de
proprietários que adquiriam terrenos nestas localidades confiando na liberdade garantida pela
lei de 922, votada em 1902.
Para contemporizar a delicada situação, a Comissão de Legislação e Justiça defendeu
uma emenda ao art.1º do projeto sobre a revogação do direito de liberdade de construção:
Ficam dispensadas dos impostos e despesas a que estão
sujeitos as construções urbanas em geral as que forem feitas nos
bairros de Copacabana (Leme e Ipanema) dentro do prazo limitado
pelo decreto n. 922, de 17 de outubro de 1902.
Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1903. _ Julio de Oliveira,
Relator.
Na mesma sessão de 30 de outubro de 1903, também foi lido o parecer do intendente
Teixeira Sampaio, com argumentos que endossavam a emenda da Comissão de Legislação e
Justiça. Enfatizou a necessidade de se garantir a inviolabilidade dos direitos particulares.
Mesmo considerando a medida como de alta conveniência por uniformizar as regras nas
edificações ainda por serem feitas naquela localidade, Teixeira Sampaio chamava atenção para
o fato de que a localidade era considerada de alta salubridade e, portanto, uma área propícia
para a “disseminação” dos moradores da cidade.
Para o intendente ainda era necessário incentivar o movimento das construções:
81
Animar o desenvolvimento da construção sem prejuízo do
aformoseamento dos bairros de Copacabana e principalmente a sua
salubridade deve ser o empenho do atual legislador municipal
Da mesma sorte não é lícito esquecer os direitos individuais
que eventualmente possa ofender o projeto uma vez convertido em lei.
O interesse social exige que a autoridade da lei e a confiança
que deve ela inspirar aos cidadãos não sejam instituídas pelo receio de
que uma mudança de legislação uma hora para outra, venha
transformar, ou mesmo modificar o seu direito.
Na contramão do projeto de revogação da lei, Teixeira Sampaio apontou para os
inconvenientes da nova lei do ponto de vista moral e econômico, por trazer alterações no
patrimônio particular, transformando ou modificando sua feição. E chamou atenção de seus
colegas para várias derrotas da municipalidade perante os tribunais, com relação a leis que
derrogavam direitos dos munícipes. Deste modo, Sampaio, conclui seu parecer:
O Direito adquirido, portanto que não pode ser cassado aos
proprietários dos terrenos nos bairros citados é o de construir sem
pagar impostos ou despesas a que estão sujeitas as construções
urbanas em geral e a quaisquer exigências pecuniárias.
Isto posto me parece que o projeto pode ser aceito, porém
com o aditivo proposto, o qual adoto pelos fundamentos da presente
exposição.
Sala das Sessões, 29 de setembro de 1903.
117·.
Teixeira Sampaio lançou mão de inúmeras fotografias durante sua explanação para
provar a seus colegas que a livre construção não impedira de se edificarem modernos prédios
nos bairros beneficiados pela lei. Citou o caso de uma sentença julgada pela Junta de
contravenções em favor de um proprietário que iniciou suas obras de construção sem pedido
de licença à Prefeitura, direito garantido pela lei 922, que regulava as edificações naquela
localidade.
Embora este projeto tenha sido derrotado no próprio Conselho, sua análise se faz
pertinente por evidenciar elementos importantes. O primeiro deles diz respeito a sua origem.
O projeto apresentado pelo intendente Walfrido da Cunha Figueiredo, era, na verdade, de
autoria do próprio prefeito Pereira Passos, um ótimo exemplo de que a relação entre os
membros do Conselho Municipal e a Prefeitura nem sempre foram pautadas pelo conflito.
Walfredo Figueiredo justificou seu apoio à iniciativa do prefeito que está registrada desta
forma nos Anais do Conselho:
117
Projeto de lei n°11, de 1903. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1903. p 168.
82
Apoiando, franca, leal e decididamente a administração do Dr.
Prefeito, porque o considera Honestíssimo, profícua e útil ao
Município, nem outra podia ser a sua posição que o orador espera
poder manter e com isso se honra, porque acompanha o Sr.
Presidente da República , a imprensa em geral e a opinião pública.
Rodrigues Alves e Pereira Passos estavam promovendo neste momento o célebre
programa de obras na cidade, com a modernização do porto do Rio de Janeiro e a
abertura de largas ruas e grandes avenidas inspiradas na reforma de Haussmann em Paris.
Muitos jornais elogiaram a escolha de Pereira Passos para ocupar o cargo de prefeito e
sua atuação à frente da Prefeitura. A opinião pública, contudo, dividia-se entre os elogios
à modernização da cidade e as criticas ao grande número de demolições de residências.
O segundo ponto merecedor de destaque no debate foi justamente a sentença
judicial e seus desdobramentos, destacada por Teixeira Sampaio, sobre o caso de
embargo de uma construção por parte da Prefeitura. De acordo com a sentença:
A Sentença. Depois de levantada a preliminar
inconstitucionalidade do Decreto 391 de 10 de fevereiro de 1903,
que fora aventada pela lei, e depois de ter resolvido pela negativa,
por isso que a função de legislar foi expressamente conferida ao
Prefeito pelo art.2º do Capitulo 5º da lei 939, de 29 de dezembro de
1902, lei essa que nada é ofensiva a Constituição Federal, pois que
segundo o art. 7 da mesma Constituição o Distrito Federal é
administrada pelas autoridades municipais, salve as restrições
especificadas na Constituição e leis federais, uma das quais
precisamente é a lei 939 de 1902
118
, proferindo a sentença
absolvendo o contraventor da multa que lhe foi imposta, pois a
construção do Prédio no Bairro de Copacabana não é sujeita a
formalidade da licença durante o prazo estabelecido na postura 540
de maio de 1898 e 922 de outubro de 1903, leis estas que sendo
especiais não podiam ter sido revogadas pelo citado decreto de n.
391 de 10 de fevereiro de 1903, que além de ser lei geral, não se
refere expressamente a Constituição no aludido bairro e condenam a
Fazenda Municipal as custas.
119
Os procuradores da Fazenda apelaram da decisão e o caso ainda permanecia pendente.
Contudo mesmo tendo a sentença judicial considerado à obra do proprietário como legal, tendo
em vista que a construção estava sendo realizada em área protegida por lei especial, o prefeito
Pereira Passos mandou embargar a obra no dia seguinte. Desta forma, Teixeira Sampaio
denunciou a retaliação à obra feita pela Prefeitura:
118
Lei sancionada por Rodrigues Alves autorizando Pereira Passos administrar a cidade com plenos
poderes.
119
Teixeira Sampaio.debate a respeito do projeto de lei nº de 1905. Anais do Conselho Municipal
1905.p 214
83
Mas lamentável é o que o prédio, está concluído e até hoje sem
água, isso porque a Prefeitura não lhe deu a numeração especial,
condição essencial para tal fim, mandando que guardasse
oportunidade, insubordinando-se por esse modo contra o decreto e
muito menos a primeira autoridade do Distrito Federal.
120
Não era só a municipalidade que apontava para os perigos da “livre construção” nos
novos bairros. Em junho de 1905, o morador Otto Simon enviou ao Conselho um
requerimento com uma série de possíveis normas técnicas e higiênicas para as construções
do bairro de Copacabana. As regras sugeridas retirariam do bairro a prerrogativa de
liberdade de construção, mas lhe asseguravam a condição de zona especial. A Comissão de
Legislação e Justiça decidiu indeferir o requerimento, e assim justificou sua decisão:
Parecer n. 15
A Comissão de Legislação e Justiça, tendo estudado
matéria do requerimento apresentado ao Conselho Municipal
por Otto Simon e outros relativo a liberdade de construção em
Copacabana, considerando de vantagem para o Distrito
Federal a revogação dos Decretos nº. 540 de 6 de maio de
1898 e 922 de 17 de outubro de 1902, Considerando que o
Conselho Municipal pode revogar as leis municipais e
conseguintemente pode revogar as que menciona o
requerimento, objeto deste parecer, considerando que a
declaração dos peticionários relativa as condições técnicas e
higiênicas, as quais se submetem, é o reconhecimento que o
Conselho tem de legislar sobre o assunto, direito que
prevalece tanto para essas condições quanto para abolir a
execução de impostos, considerando iníquo regime de
exceção que vigora para o bairro de Copacabana, regime que
não justifica por motivo de interesse público, e que em boa fé
poderia ser reclamado, por outro bairro do Distrito Federal,
que aliás não gozam das mesmas vantagens de fácil
locomoção e proximidade dos centros populosos do mesmo
distrito como se verifica no bairro favorecido. São de parecer
que seja indeferido o requerimento acima aludido.
Sala das Comissões 26 de junho de 1905. Tertuliano
Coelho Presidente (vencido), Honório Pimentel, Bittencourt
Filho, Eduardo Raboiro (vencido).
Dos quatro intendentes integrantes da Comissão, dois assinaram o parecer assinalando
sua posição de vencido no documento. No dia seguinte a apresentação do parecer,
Bittencourt Filho, integrante da Comissão que emitiu o parecer sobre o requerimento do
120
idem
84
morador Otto Simon, apresentou a casa um novo projeto de suspensão da lei de “livre
construção”.
Há quase oito anos já que os grandes proprietários de
terrenos em Copacabana, Ipanema e Leme disputam as
vantagens decorrentes dos favores constantes dos decretos n.
540, de 6 de maio de 1898 e 922 de 17 de julho, favores esses
que pretende por termo o projeto em discussão.
[...]
Admitindo-se porém, que em 1898 se tivesse
manifestado a necessidade de tais disposições protecionistas
para os proprietários de terrenos e para os impulsionamentos
das construções nos referidos bairros, o gozo daquela
concessão durante quase oito anos produziu os efeitos que
esteve em vista daquela época.
121
Campos Sobrinho, autor do discurso acima, argumentando em favor do projeto contra
a “livre construção” em Copacabana, baseou-se na defesa dos cofres municipais e no
princípio da igualdade asseverando que a lei beneficiava apenas os proprietários desta zona,
considerada por ele, bem mais desenvolvida que outras localidades da cidade. Outro ponto
interessante destacado pelo intendente é a constatação de que o bairro não atraia as camadas
empobrecidas da população:
O Sr. Campos Sobrinho. Em segundo lugar V. Ex. Sr. Presidente
todos os meus honrados colegas devem reconhecer que os aludidos bairros
não são os mais procurados pela população menos abastecida da fortuna e
para qual devem voltar, com maior interesse as nossas vistas , porquanto o
preço....
Um Sr. Intendente. Não apoiado. Há população pobre nesses bairros.
O Sr. Campos Sobrinho. Porquanto o preço dos transportes entre
eles e a cidade, centro do trabalho. Faz com que não sejam preferidos, visto
eles não serem acessíveis a esta parte de nossa população.
122
Eduardo Raboiero foi o intendente que mais se destacou na defesa dos proprietários
do bairro de Copacabana e Villa Ipanema. De acordo com Raboiro sua intenção não era
tornar o benefício da “livre construção” em uma lei permanente, era apenas reivindicar que a
municipalidade respeitasse o prazo estipulado no decreto que cessaria em 1908.
Se os proprietários de Copacabana se acham no gozo dos favores de
uma lei votada pelo Conselho, suprimir esses valores é violar o direito no
gozo do qual eles se acham.
121
Bithencourt Filho. Anais do Conselho ...... opus citatum
122
Campos Sobrinho, Anais do Conselho .... opus citatum p 14
85
Portanto, não haverá igualdade de direito com a supressão há antes a
violação do direito e para que a justiça seja feita, como S. Ex. quer,
distribuída igualdade por todos os habitantes, pensa o orador que se terá de
observar os direitos de favores concedidos e de não suprimir os de uns para
iguala-los os de outro.
123
Eduardo Raboiro lançou mão de um relatório do delegado de saúde Dr. Eduardo
Oliveira enviado ao Diretor Geral de Saúde, para defender a tese de que o bairro de
Copacabana ainda não possuía a infra-estrutura necessária para se transformar na “Nice do
Atlântico”. Vale a pena acompanhar este relatório por trazer a luz as condições higiênicas de
Copacabana deste início do século XX.
Diz o delegado de saúde no relatório do Sr. Diretor Geral de Saúde
Pública:
O bairro de Copacabana precisa ter assegurado seu futuro sanitário.
Convêm remover portanto as várias causas de insalubridade que de longa
data fazem perigar a saúde e a vida de seus habitantes.
O atual sistema de despejos públicos, o regime seguido nas
construções dos prédios e dos barracões, o desigual nivelamento dos
terrenos, o traje irregular das valas, dessecamento dos pântanos, a remoção
do lixo, a retirada de areia, o corte das matas, devem determinar entre outros
assuntos medidas corretoras, para cuja adoção se faz mister acordo das
autoridades municipais e federais.
Não convém tolerar mais os clássicos sumidouros, onde são
recolhidos os produtos da necessidade humana.
[...]
Em Ipanema o lixo deixa de ser retirado porque a lei não exige aí o
pagamento da taxa sanitária.
Em Copacabana, propriamente dita, e no Leme não obstante a
exigência daquele imposto municipal, a remoção só se da nas ruas
calçadas.
124
Neste relatório o Delegado de Higiene destacou a necessidade da união entre
municipalidade e o governo Federal para estabelecer o alinhamento dos terrenos, evitar o
corte das matas, a retirada das areias em certos pontos, e a obstrução das valas que
percorriam ruas e fundos de vários terrenos em Copacabana.
Após a apresentação do relatório Eduardo Raboiro, propôs uma emenda ao projeto de
Bittencourt Filho estabelecendo que a revogação dos decretos não obrigasse os proprietários
das localidades beneficiada por eles de pagarem os mesmos impostos estabelecidos para as
construções urbanas.
123
Eduardo Raboiro. Anais do Conselho Municipal .... opus citatum.p 14
124
Idem. p. 23
86
A emenda assinada por Eduardo Raboiro, Tertuliano Coelho e Mario Machado foi
rejeitada e a redação do projeto foi enviada a Prefeitura em 12 de outubro de 1905, com o
mesmo texto proposto por Bittencourt Filho. E com a aprovação deste projeto proposto ao
Conselho por ele mesmo, Pereira Passos baniu a livre construção de todas as leis do Município.
Considerações finais:
Estes primeiros anos de regime republicano, em que o Rio de Janeiro foi escolhido para
sediar a capital do país, com uma administração autônoma, aos poucos cerceada de muitas de
suas atribuições, foram tempos de muitas discussões e experimentações sobre formas de
melhor administrar a cidade.
Ao lado das dificuldades de adequar cada instituição ao seu papel na direção das
políticas públicas para esta cidade, na capital do país em franco crescimento, existiu uma
questão relacionada diretamente a crise habitacional vivida pelo Distrito Federal: a má
distribuição de sua população. A livre construção, em algumas freguesias delimitadas pela lei,
foi apontada em muitos debates como uma alternativa para a crise habitacional, beneficiando,
num primeiro momento, apenas as freguesias consideradas fora da área considerada como
cidade.
Paralelamente às discussões sobre a manutenção ou não do direito de “livre
construção”, previsto pela lei geral para as freguesias que aos poucos foram deixando de ser
consideradas zona rural da cidade, se deram as discussões da extensão do benefício para zonas
já atendidas pelos meios de transporte mais modernos do período: os bondes. Os discursos dos
primeiros intendentes a se pronunciarem em defesa da extensão do benefício a estas
localidades, apesar de marcados pelo interesse inicial de atrair os pequenos proprietários,
sugerem que a perspectiva para estas localidades era de se tornarem pólos de grandes
propriedades, como os balneários europeus.
Hoje, a municipalidade também adota políticas diferenciadas para incentivar o
desenvolvimento dos bairros da cidade. Talvez seja possível comparar, com todas as ressalvas,
a questão da “livre construção” com a questão da incorporação da moradia ilegal na cidade
formal. Na década de 1980 esta política urbana passou a ser adotada em caráter federal,
estadual e municipal.
125
Com o Estatuto da cidade houve uma flexibilização na legislação
125
Sobre definições de ilegalidade ver: LAGO, Luciana Corrêa .Favela –Loteamento:
reconceituando os termos de ilegalidade e segregação urbana. X Encontro Nacional da ANPUR.
Disponível em:http://www.observatoriodametropole.ufrj.br/
. Acesso em 29/04/2008
87
urbanística (lei 6766), que possibilita padrões diferenciados de infra-estrutura urbana. Em
outras palavras, hoje em certas zonas da cidade mudaram-se os parâmetros de ilegalidade.
Luciana Corrêa do Lago considera também que este problema da política de
“flexibilização” da legislação urbana para inclusão da moradia ilegal e prevenção da
ilegalidade para as camadas de baixa renda acaba dinamizando a produção ilegal para classe
média.
Em pesquisa sobre a irregularidade fundiária urbanística no município do Rio de
Janeiro, Adauto Cardoso definiu formas distintas de irregularidades e constatou que a principal
irregularidade do ponto de vista urbanístico hoje é “a ausência de licença das construções”, que
caracterizou cerca de 70% dos processos analisados. Para o autor:
A perda de legitimidade da lei se constitui como um processo
de retro-alimentação. Ou seja a lei é desconhecida e desrespeitada em
massa, a Prefeitura não privilegia a sua atualização e simplificação e
não dispõe de mecanismo de enforcement , os técnicos se sentem
deslegitimado pela falta de suporte institucional e reafirmam a
deslegitimação em sua prática. O resultado no caso do Rio de
Janeiro, segundo as palavras de um técnico é que “é mais fácil
regular depois de pronto do que regular antes de fazer”. Ou seja
existem vários procedimentos – formais e informais- de facilitação
dos processos de regularização, mesmo em casos de irregularidades
substantivas, enquanto o licenciamento tradicional permanece
obscuro, lento, complexo e caro.
126
Desta feita, devo chamar a atenção do leitor para o fato de que, embora estejamos
tratando de cidades distintas, divididas não pela geografia, mas pelo tempo de mais de um
século e pela complexidade de suas estruturas, a cidade de hoje possui algumas similaridades
com a cidade do alvorecer do século XX. E apesar de a cidade contemporânea possuir uma
complexa legislação urbanística, suas leis ainda são bastante questionadas quanto a sua
aplicabilidade.
No final do século XIX e início do século XX a ausência de licença foi prevista em lei
para algumas localidades da cidade de modo a incentivar e facilitar suas construções, hoje os
mecanismos apontados por Lago e Cardoso de incorporação de moradias ilegais e os padrões
urbanísticos diferenciados para determinadas zonas refletem a necessidade de diálogo entre a
cidade legal e a cidade real.
126
CARDOSO, Lucio Adauto. Ilegalidade Urbanística: questionando algumas hipóteses. p. 4.
Disponível em: http://www.cidades.gov.br
. Acessado em: 29/04/2008.
88
Capitulo 3
Se essa rua fosse minha...
3.1 Desapropriação por utilidade pública: primeiras questões
O Prefeito Autoritário
O direito de propriedade privada já bastante combatido nas
terras brasileiras experimentou ao menos uma vitória importante nos
últimos dias. A justiça concedeu liminar aos APACATA do Leblon,
derrotando o Decreto do Prefeito César Maia que criara a Área de
Proteção do Ambiente Cultural. As conhecidas APACS representam
um autoritarismo estatal assustador suprimindo a liberdade dos
proprietários sem justificativas razoáveis sob o pretexto de pensar os
interesses dos moradores e a ambiência urbana, um prefeito acaba, via
canetada com o direito de vários proprietários. Somente uma
mentalidade estadista, contra a liberdade dos indivíduos pode
considerar aceitável tanta intervenção do governo na vida dos
cidadãos.
127
Rodrigo Constantino
Nas considerações iniciais deste trabalho apontei este conflito hodierno entre os
moradores da cidade do Rio de Janeiro e a política de urbanização das APACS – Áreas
de Proteção do Ambiente Cultural –, adotada em alguns bairros do Rio de Janeiro pelo
prefeito César Maia.
Como bem ilustra este artigo escrito por um morador da cidade, o nó górdio deste
problema é a intervenção do Estado na propriedade privada, embora não se trate
propriamente de um caso de desapropriação de imóvel. Rodrigo Constantino acredita
que a APAC representa um autoritarismo estatal por suprir a liberdade dos proprietários
de modificarem seus imóveis, já o prefeito César Maia defende que “Uma APAC pode
incomodar 100 pessoas, mas valoriza o patrimônio de 5000.”.
127
Rodrigo Constantino é economista e morador da cidade do Rio de Janeiro. In: CONSTANTINO,
Rodrigo. O Prefeito autoritário. Rio de Janeiro 16/11/2006. Disponível em;
http://www.rodrigoconstantino.blogspot.com.br
. Acesso em:29/03/2008
89
O urbanista Luiz Alberto Souza observa que existem inúmeras controvérsias
constitucionais relacionadas ao direito de propriedade que permanecem como barreiras na
aplicação e na aceitação da condição de direito coletivo de natureza social.
128
De acordo com Souza, o principal marco conceitual desta questão se inicia no século
XVIII com a Revolução Francesa (1789). Com a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, que a Assembléia Nacional Constituinte da França proclamou em 20 de agosto de
1789, o direito a propriedade passou a ser visto como um direito natural e imprescritível do
homem: “A propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado a
não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob
condição de justa e prévia indenização.”
129·.
Nos Estados Unidos da América a Declaração de Independência de 1776 estabeleceu
alguns direitos que passaram a ser considerados inalienáveis, como os direitos “a vida, a
liberdade e a busca da felicidade”. Onze anos mais tarde, com a promulgação da “Quinta
Emenda” à Constituição em 1787, a redação passou a garantir que nenhum cidadão poderia
ser privado da liberdade ou de seus bens sem existir um processo legal e nem a propriedade
privada poderia ser expropriada para uso público sem justa indenização. Assim, sob a
influência do sistema anglo-saxão “rule of law” o direito a propriedade passou a ser visto
como algo absoluto, inatingível, tese essa que se expandiu rapidamente por todo mundo
ocidental
130
Holston James ao comentar a reforma urbana realizada em Paris, em meados do
século XIX, cita duas leis que foram promulgadas na França – a lei sobre obras públicas de
1841 e a lei sobre habitações precárias de 1850 – que deram ao Conselho Municipal de Paris
a autoridade necessária para desapropriações.
Dirigida para empreendimento de obras públicas e para
demolições de cortiços essas leis foram emendadas em 1852, para dar
as instituições do poder executivo o poder de desapropriar sem o
consentimento dos tribunais. Foi este conjunto de regulamentações,
sobretudo o que dava ao Executivo o direito de desapropriações, que
permitiu o Barão Haussmann realizar nas duas décadas seguintes uma
profunda transformação em Paris.
131
128
SOUZA, Luis Alberto. A função social da propriedade e da cidade: entre a cidade do Direito e
o direito da cidade.2005. 181f. Tese de Doutorado (em Urbanismo) Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e regional,Universidade Federal do Rio de Janeiro,. Rio de Janeiro. p 42
129
Declaração do direito do homem. In: SOUZA, Luiz Alberto. A função social da propriedade
privada .... opous citatum
130
Idem p43
131
JAMES, Halston. Utopias arquitetônica: In A cidade Modernista : Uma critica a Brasília e sua
Utopia. Cia das Letras, SP 1993 p 37 a 67.
90
A França não foi o único país da Europa a reformar sua legislação para reformar a
sua capital. Na Bélgica, na Austrália, na Espanha, na Itália e na Inglaterra, leis similares
foram aprovadas dando ao Estado poderes para colocar em prática projetos urbanísticos em
larga escala.
A partir desses poderes produziu-se uma avalanche de enormes
obras públicas que transformaram as Capitais Européias. Envolveram
demolições e construções em massa em Paris (1853-69), em Bruxelas
( 1867-71), em Barcelona (a partir de 1859) e Florença (1864 – 77), a
construção da Rinstrasse em Vienna (a partir de 1857) e a instalação
de um sistema central de esgoto e a fundação de linhas de metrô em
Londres (a partir de 1840).
132
No Brasil, por esta mesma época, o então Diretor de Obras do Município Neutro
Blauepaire Rohan, escreveu um ousado relatório, datado de 20 de setembro de 1843 com a
proposta de atender a dois objetivos: “a salubridade públicas o aformoseamento do
município e cômodo de seus habitantes”.
Neste relatório, o Diretor de Obras, alegando que um dos principais defeitos da
cidade vinha da falta de um plano para reconstrução, considerou necessária a demolição de
5.657 casas das 14.105 existentes, cerca de 40% do total, para construir novas casas a partir
de critérios estabelecidos em seu relatório, como a largura de ruas, a altura das casas, a
extensão de quarteirões etc.
133
Até a elaboração da primeira Constituição brasileira em 1824, as Ordenações
Filipinas promulgadas em 1603, garantia ao Rei de Portugal o direito absoluto sobre todas as
terras do Brasil. Foi a Constituição outorgada por D.Pedro I, que definiu no Art. 177. §22 o
direito do brasileiro a propriedade particular.
É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude se o bem
público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade
do cidadão será ele indenizado do valor dela. A lei marcará os casos
em que terá esta única exceção, e dará as regras para se determinar a
indenização.
A regulamentação dos casos considerados de utilidade pública se deu pela carta-lei
de 9 de setembro de 1826, em que foram estabelecidas as formalidades que deveriam
preceder:
132
Idem.
133
Rio Estudos nº 211. Um modelo de plano urbanístico para o Rio. Rio de Janeiro, julho de
2006.
91
Art. 1° . A única exceção feita a plenitude do direito de propriedade
conforme a constituição do Império Tit 8°, ar. 179§22 terá lugar
quando o bem público exigir uso ou emprego da propriedade do
cidadão nos casos seguintes:
1º Defesa do Estado
2°Segurança pública
3° Socorro público em tempo de fome, ou outra extraordinariedade.
Art2° Terá lugar a mesma Exceção quando o bem público exigir uso
ou emprego da propriedade do cidadão por utilidade previamente
verificada por ato do poder legislativo nos casos seguintes:
1° Instituição de caridade
2° Fundação de casas para instituição de mocidade
3° Comodidade Geral
4° Decoração Pública.
134
Em 1828, um aviso exigiu que fosse posta em prática a Ordenação que obrigava
restituir ao público as servidões usurpadas por particulares. Neste mesmo ano uma outra lei
foi promulgada autorizando a desapropriação por utilidade pública dos terrenos e benfeitorias
indispensáveis à execução de obras para estradas, pontes, aquedutos, navegação dos rios e
abertura de canais.
135
No ano de 1845 um novo decreto incluiu no caso de necessidade pública a construção
de edifícios e estabelecimentos públicos de qualquer natureza, a fundação de povoações,
hospitais e casas de caridade ou de instrução, a abertura de ruas e o prolongamento de
estradas e a construção de qualquer estabelecimento destinado a comodidade ou servidão
pública ou obras destinadas a decoração ou salubridade pública.
136
Por ocasião da construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil, um
novo decreto, assinado em 1855, estabeleceu um processo para desapropriação de prédios e
terrenos que fossem necessários para construção das obras e demais serviços pertencentes a
essa e as demais estradas de ferro do Brasil, estabelecendo também as regras para
indenização dos proprietários.
137
Como enfatiza Sidney Chalhoub, à época do Império o
pacto liberal colocava limites claros a intervenção na propriedade privada. Mesmo no caso
dos cortiços, considerados foco de doenças pelos higienistas, sobretudo a partir de 1850,
134
Referencia deste documento “ carta lei 26 de setembro de 1826. SOUZA, Luiz Alberto. A
função da propriedade privada ... opus citatum. p 47
135
MORALES DE LOS RIOS, Adolfo. O Rio de Janeiro Imperial
136
SANHUDO IDEM
137
Este decreto nº 816 de 10 de julho de 155 não revogou o Decreto anterior de 12 de julho de
1845, pois ele dispunha especificamente dos terrenos necessários a construção da Estrada de Ferro.
92
muitos mandatos judiciais garantiram o direito dos corticeiros à inviolabilidade de suas
propriedades.
138
Jaime Benchimol destaca, em uma nota de seu trabalho, a opinião de um dos maiores
financistas do Império e, posteriormente, da República, acerca das medidas necessárias ao
saneamento da cidade.
139
Enviada em 1876 à Comissão de Melhoramentos da Cidade do
Rio de Janeiro, a carta de José Bento da Cunha Figueiredo, o Visconde de Figueiredo, pedia
a adoção de medidas administrativas como as aplicadas na Europa para a abertura de ruas,
afim de “armarem os poderes públicos” e dar-lhes atribuições consideradas indispensáveis
em relação à propriedade privada, tanto para penetrar no seio das habitações como para
melhorá-las e demoli-las em caso de necessidade:
A Bélgica acaba de tomar disposição larga a este respeito. A
Lei de 15 de novembro de 1867 consagra (...) o direito de
desapropriação pública de todos os imóveis suscetíveis de criar perigo
a saúde pública. O que faz a importância prática dessa lei é que se
aplica não somente a casas reconhecidas individualmente insalubres
ou mesmo aos terrenos exigidos para ruas para o saneamento, mas
ainda a superfícies inteiras abraçadas pelo plano geral de reconstrução
dos antigos quarteirões ou de criação de novos. As autoridades
comunais podem assim fazer desaparecer de um golpe todas as casas
onde a acumulação de habitantes, a má disposição das construções ou
qualquer outra causa parecia constituir um Estado de coisas contrário
a higiene pública.
140
Antes de assumir a Prefeitura da Capital Federal, ainda no Império, Pereira Passos
participou da supracitada Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro em
1875. Nesta época os planos da Comissão de realização de uma cirurgia urbana no centro da
cidade Imperial não puderam ser executados devido ao enfrentamento dos interesses dos
proprietários imobiliários
141
.
Francisco Pereira Passos, prefeito do Distrito Federal entre dez. de 1902 e nov. de
1906, talvez tenha sido o prefeito mais lembrado no tocante à intervenção do Estado no
ordenamento urbano da cidade do Rio de Janeiro durante a Primeira República. Suas obras de
138
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial, São Paulo,
Companhia das letras, 1996.
139
BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos um Haussmann Tropical: a renovação urbana da cidade
do Rio de Janeiro no inicio do século XX, Rio de Janeiro SMC, 1992
140
BENCHIMOL J.L. Pereira Passos um Haussmann Tropical .... opus citatum nota 2. p 137
141
SANTOS, Ângela Moulins Simões ; MOTTA, Marly Silva da. O “ bota –a –baixo”
revisitado: O Executivo Municipal e as reformas urbanas no Rio de Janeiro. Revista rio de Janeiro,
n10, p11-34, maio-agosto de 2003 p .22
93
“melhoramentos da cidade”, juntamente com as obras implementadas pelo presidente
Rodrigues Alves, são consideradas um amadurecimento do relatório produzido pela Comissão
de 1875.
142
A historiografia já tratou incansavelmente das conseqüências desta primeira reforma
de vulto da capital federal. Quarteirões inteiros arrasados, muitas casas demolidas – o que
agravou ainda mais a crise habitacional da cidade – e um grande número de trabalhadores e de
pequenos comerciantes compelidos a se deslocarem para as freguesias do subúrbio.
Já é consenso entre os historiadores que esta reforma urbana teve como referência as
políticas urbanas adotadas por Haussmann, que, quando prefeito de Paris, durante o segundo
Império, reduziu quarteirões populares e um grande número de ruas estreitas e tortuosas que,
desde 1789 até a sublevação proletária de 1848, constituíam o legendário campo de batalha
das guerras de barricadas dos trabalhadores parisiense.
143
Durante a administração Rodrigues Alves/Pereira Passos, devido ao grande número de
demolições necessárias a reforma urbana do Rio de Janeiro, a lei sobre desapropriações foi
modificada. Na Mensagem ao Congresso de 3 de maio de 1903, Rodrigues Alves advertiu:
Urge regular matéria das desapropriações simplificando o
processo e estabelecendo-se para as avaliações bases mais razoáveis.
Como as leis atuais, não há empreendimento material, por mais útil
que seja, que não possa ser demorado na execução pelos mais
impertinentes embaraços.
144
Até aquele momento as indenizações dos imóveis desapropriados correspondiam a
vinte vezes o valor locativo anual do prédio. Após muitas discussões parlamentares foi
aprovada em 1º de agosto de 1903 uma nova lei estabelecendo que a indenização do
proprietário não seria inferior a 10 e nem superior a 15 vezes o valor locativo, deduzida
previamente a importância do imposto predial e tendo por base este imposto lançado no ano
anterior ao da decretação da desapropriação
145
.
Para abertura de novas ruas, o proprietário podia aceitar um acordo com a Prefeitura,
uma indenização na forma de aquisição de terrenos nas novas vias, em que seria fixado o
preço mínimo sem concorrência.
142
Rio Estudos. Nº 249 e 250. Planos do Governo Rodrigues Alves /Pereira Passos (1902-1906).
Rio de Janeiro, 21/03/2007. Disponível em: < http://www.armazemdedados.rio.gov.br
>. Acesso em: 30/
03/2008
143
SUTCLIFF. In: O “bota- a – baixo”revisitado ... opus citatum p 22.
144
BENCHIMOL, J.L. Pereira Passos ... opus citatum p 247
145
Idem
94
No que tange aos locatários, a lei mencionava 5% da indenização sobre o valor
calculado, mas assegurava que este valor não poderia ser computado da indenização do
proprietário. Como ressalta Benchimol:
As pendências entre proprietários e locatários não impediam
a desapropriação, ficando a indenização depositada até que as partes
chegassem a um acordo. Por fim, o arbitramento de seu valor seria
feito por três representantes, nomeados respectivamente, pelo
governo, pelo juiz e pelo proprietário.
146
Esta lei também falava de exclusão de indenização dos prédios considerados
ruinosos. Para Benchimol esse dispositivo permitiu uma ampla margem de manobra ao
prefeito, na medida em que pode enquadrar parte considerável dos velhos prédios coloniais,
ocupados por oficinas e pequenos estabelecimentos comerciais ou transformados em casas
de cômodos e cortiços.
147
No relatório de Pereira Passos sobre os melhoramentos necessários à cidade foram
apontadas uma série de medidas para redução do custo da desapropriação, como, por
exemplo, o simples recuo, mediante módica indenização, desde que consultados os
interesses dos proprietários e locatários; a aquisição por simples permuta, cedendo aos
proprietários os fundos dos prédios vizinhos já adquiridos em troca da frente dos seus.
148
Para Ângela Moulins Simões Penalva Santos e Marly Silva da Motta, a reforma
urbana promovida por Pereira Passos foi um grande marco porque renovou a cidade
adaptando-a a sua condição de capital da República, em um contexto em que a renda nacional
ainda era dependente da agro-exportação, além de mudar a relação entre Estado e sociedade,
no âmbito das quais a intervenção estatal no ordenamento do espaço passou a ser considerada
cada vez mais legítima. Assim, as autoras concluem que:
A partir daí, foi um longo percurso em direção à perspectiva de
que a cidade fosse considerada um bem coletivo, e nesse sentido, a
propriedade urbana estivesse submetida aos interesses de reprodução
social da cidade, como veio a ser a partir da entrada em vigor da
Constituição Federal de 1988.
149
146
Idem
147
Idem p. 248
148
Rio Estudos nº249 e 250..... opus citatum
149
SANTOS, Ângela Moulis Simões; MOTTA, Marly Silva da . O “bota – a -abaixo revisitado ....
opus citatum p 25.
95
No ano de 1895, antes da reforma de Passos, setores da sociedade carioca, a imprensa,
a Prefeitura, o Conselho Municipal e o Senado Federal, estiveram envolvidos em um grande
debate sobre a propriedade privada, motivado pela busca de definição das regras essenciais
para construir e reconstruir na cidade, em que a intervenção do Poder Executivo Municipal
sobre a propriedade foi o ponto nevrálgico.
O debate, que se estendeu por longos meses, não dizia respeito às desapropriações de
imóveis ou de terrenos inteiros. Seu ponto de partida foi o conflito vivido entre agentes da
Prefeitura e moradores da cidade em relação à exigência da municipalidade de recuo das
edificações, em virtude da necessidade de alargamento da viação pública sem a prévia
indenização dos proprietários.
150
Por recuo entende-se: incorporar ao logradouro público uma área de terreno
pertencente à propriedade particular, visando alinhar ou modificar o alinhamento aprovado
pelo governo do Estado.
151
A lei em que esta exigência aparece data de 15 de setembro de
1892 e foi sancionada por Barata Ribeiro, durante a presidência do Conselho de Intendência
Municipal. Esta mesma Lei, duramente combatida pelo 1º Conselho Municipal, estipulava
também exigência de licença para construção e obras dentro e fora dos limites da cidade.
Muitos requerimentos e representações foram enviados ao Conselho Municipal por
munícipes pedindo a revogação da lei, muitas cartas contra a Prefeitura foram publicadas nos
grandes jornais da cidade e muitos proprietários acionaram o judiciário para defender o direito
à indenização pelas faixas de terrenos desapropriadas.
Ao ler os Anais do Conselho Municipal, percebi que alguns proprietários se
adiantavam a esta situação de conflito com a municipalidade oferecendo a venda seus prédios
e terrenos para o alargamento da viação pública. Como o requerimento enviado ao Conselho
pela proprietária D. Rosa Cândida Velho Bittencourt, em dezembro de 1892:
Requerimento
Cidadão Presidente e mais membros do Conselho Municipal: - D. Rosa Candido Velho
Bithencourt proprietárias dos prédios do largo da Estácio de Sá n. 86, esquina da Rua Machado
Coelho, e dos prédios ns. 75 e 77 das ruas de Machado Coelho e terrenos contíguos , oferece os
oito prédios e a parte do terreno necessária para o alargamento da rua, pela quantia de 600$ o
metro do terreno edificado e não edificado, preço porque vendeu o terreno contíguo, não edificado,
no dia 29 de outubro de 1892 no tabelião Evaristo. Propõe vender todo o terreno que possui na
Rua de Machado Coelho edificado eo, edificado a 600$ o metro corrido.
Rio de Janeiro 29 de dezembro de 1892- D. Rosa Candido Velho de Bitencourt.
150
Esta lei sancionada por Barata Ribeiro em 1892, que legalmente deveria estar em desuso com a
aprovação da lei de 17 de junho de 1893- vista no primeiro capitulo.
151
Disponível em: http://www.basimovel.com.br/dicionarioxls.
96
Como o ano de 1895 traz o mais fervoroso debate, com inúmeros sujeitos se
pronunciando sobre o assunto, em virtude da apresentação de um projeto de lei na casa
legislativa pedindo a revogação da “lei do recuo”, optei por deter minha atenção nesta
contenda, sem excluir alguns debates anteriores, em que as mesmas idéias já haviam sido
apontadas.
A dedicação de um capítulo a este debate se fez pertinente por reunir e evidenciar
algumas das preocupações centrais desta dissertação: como a compreensão da importância do
Conselho Municipal na perspectiva dos moradores da cidade; a compreensão de que os
projetos para o reordenamento da cidade eram disputados de forma intensa tanto pelos
homens envolvidos diretamente na administração municipal quanto pelos citadinos; e a idéia
de inserção dos moradores no mundo da política oficial, tendo em vista o fato de o projeto
de lei ter origem em uma representação enviada por uma associação de proprietários da
capital.
3.2 “Quem não tem dinheiro não faz casa luxuosa”
152
: a opinião dos
defensores
da supressão da lei do recuo
A rua
Não havendo um plano prévio de urbanização da cidade, a
trilha, o atalho, o caminho ou a estrada constituíram as vias de
comunicação que deram origem a rua. A trilha era antiga passagem
indígena; o atalho encurtava caminhadas; o caminho ou a estrada, dando
passagem a animais e veículos, ia, com o tempo, alargando-se,
melhorando. E tanto o simples caminho como a estrada povoavam-se de
casas. Eis como surgia a rua.
[...] E como não se arruava com método, o loteamento dos
terrenos também não era feito com ordem, o que acarretava a abertura de
caminhos e de ruas em terrenos particulares e as conseqüentes disputas e
questões entre os respectivos proprietários e a câmara.
153
O arquiteto Morales de Los Rios, ao escrever breves considerações acerca da origem
da viação pública no Rio de Janeiro, em uma passagem do livro O Rio de Janeiro Imperial,
destacou que não faltaram editais, posturas, avisos, alvarás e decretos versando sobre a
152
153
MORALES DE LOS RIOS, Adolfo. O Rio de Janeiro Imperial .... opus citatum p. 94.
97
regularidade técnica de ruas e praças, contudo, a observância destas regras é que ficou a
desejar.
O 1º Conselho Municipal, eleito em 1892, com 27 intendentes, munidos de 37
atribuições, dentre as quais a de criar as posturas municipais, tinha em suas mãos a
responsabilidade de pensar e legislar sobre regras para o desenho desta tão importante cidade
do país. Ao mesmo tempo em que debateu sobre a regulamentação da construção civil, o
Conselho avaliou projetos de lei versando sobre regras para aberturas de ruas na cidade.
Nestas discussões, foram comuns acusações de tentativa de esvaziamento do poder do
Conselho e de desrespeito ao direito de propriedade.
No projeto de nº 65, apresentado em 1892, que sequer chegou a ser enviado ao prefeito,
estava prescrito que nenhuma rua poderia ser aberta, alargada ou prolongada na capital sem a
autorização da Prefeitura. Previa-se também a necessidade de um plano aprovado pela
Comissão técnica da Prefeitura e, posteriormente, pelo prefeito, e não estabelecia que este
plano geral passasse pelo crivo do Conselho Municipal. O intendente Maia de Lacerda usou a
expressão “círculo de ferro” para classificar esta centralização dos poderes na figura do
prefeito.
154
No que tange à desapropriação por utilidade pública, Maia de Lacerda indagou a
seus colegas:
Qual o proprietário que se poderá considerar seguro no dia de
amanhã? Aquele que tiver conseguido a custa de muito trabalho fazer
o seu casebre, onde deve estar tranqüilo, garantido, podendo dizer
com segurança esta casa é minha, porque à custa do meu suor e a
Constituição me garante, e ninguém me arrebatará, abroquelado
como estou pelas leis, salvo se a utilidade geral assim exigir, estes
ficará por estes artigos sem garantia nenhuma.
155
Os proponentes do projeto argumentavam que sua aprovação viria facilitar a
comunicação viária da cidade, facilitaria o desenvolvimento das rendas municipais e o
desenvolvimento indireto das construções levantadas nestes terrenos.
Querelas à parte, a análise deste debate mostra que o embate não dizia respeito à
definição de regras para criação ou prolongamento da viação pública, o problema residia em
quem teria o poder de definir quais as propriedades deveriam ser enquadradas na categoria de
necessária a utilidade pública. O que estava em jogo era a elaboração de um plano geral de
melhoramentos para a cidade e quem teria a palvra final sobre ele. Nos anos iniciais da
154
Maia de Lacerda, debate do projeto nº 65 de 1892. Anais do Conselho Municipal do Distrito
Federal 1892/1894. fevereiro de 1893. p 46
155
Idem
98
República e sendo a primeira experiência de autonomia municipal, o Conselho, em muitas
discussões de projetos de lei, adotou um tom de preocupação com a possibilidade de alienar
suas atribuições ao prefeito.
No ano seguinte, o Conselho enviou ao prefeito Henrique Valladares, substituto de
Barata Ribeiro, duas resoluções, em 12 de abril e em 29 de outubro de 1984, ambas tratando,
entre outras questões, da revisão da lei de exigência de recuo das edificações, que, como foi
dito acima, dizia respeito à desapropriação de um faixa de terreno particular para alargamento
ou reconstrução da via pública. As resoluções foram vetadas por Valladares e os vetos foram
mantidos pelo Senado Federal.
Na resolução de 12 de abril de 1894, o Conselho propôs, no Capítulo IV Art. 1º, que a
arruação fosse feita de acordo com os alinhamentos
156
gerais existentes, devendo-se recuar ou
avançar os prédios, conforme necessidade. Porém, previa, no Art. 3º do mesmo Capítulo, que
nenhuma desapropriação seria feita para alargamentos parciais das vias públicas. Os
melhoramentos da cidade deveriam ocorrer, ao menos, em quarteirões inteiros e os seus planos
deveriam ser submetidos previamente ao Conselho, a fim de que este pudesse providenciar as
verbas e os meios necessários à sua execução. A esta proposição Henrique Valladares
respondeu:
O que existe. Srs. Senadores em uma infinidade de ruas desta
Capital não é o alinhamento, mas o desalinhamento e ordenar que
estes sejam adotados para as novas construções é perpetuar os males
que nos afligem e que derivam exatamente da funesta liberdade ,
outrora concedida, de construir sem alinhamento, ou pelo alinhamento
que cada um traçara como lhe convinha, é deixar que fiquem a mercê
do interesse privado o saneamento da cidade seu embelezamento, sua
comodidade e as suas necessidades de viação.
Mesmo com a manutenção dos vetos pelo Senado Federal, a exigência do recuo das
edificações sem a existência de um plano geral de melhoramentos para a cidade e sem a
prévia indenização de seus proprietários continuou a ser tema de embates entre os
proprietários e os agentes da prefeitura.
Em 28 de agosto de 1894, a Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de
Prédios da capital escreveu um artigo na coluna A Pedidos, do Jornal do Commércio,
conclamando seus sócios a não cumprirem a “lei do recuo” por considerá-la inconstitucional e
entendê-la como um ato de prepotência do diretor de obras da prefeitura.
156
Alinhamento é a linha que separa a via pública da propriedade limítrofe.
99
O artigo 59 da Constituição Republicana de 1891 estatuía a resistência a ordens
ilegais, nas quais estariam incluídas as que emanassem de leis cuja validade poderia ser
contestada face às deposições constitucionais. Foi com este argumento que Francisco Alves
Soares defendeu a resistência à “lei do recuo”:
O direito de propriedade mantém-se em toda sua plenitude,
salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública mediante
indenização prévia.
No exame deste artigo da Constituição [Art. 72, Constituição
de 1891] nos detivemos por algum tempo, por quanto a matéria é
digna de estudo e de meditação máxima neste fim de século em que as
tendências anarquistas convergem para o aniquilamento da
propriedade individual.
Pelo que expendemos nossos associados ficaram cônscios do
direito que lhes assiste e grande é a força do indivíduo ciente e
consciente de seu direito.
157
Como o leitor pode perceber, o motivo desta contenda era a não indenização das
desapropriações de faixas de terreno inferiores a um metro de extensão. Dois meses depois, a
sociedade dos proprietários publicou uma série de artigos sobre abusos da municipalidade
contra o direito dos proprietários. Dentre os artigos, divulgou uma representação, enviada à
mesa do Conselho Municipal, em que tratou especificamente da questão do recuo e das ações
do diretor de obras do Distrito Federal Vieira Solto. No artigo anterior à publicação da
representação, o secretário da Sociedade dos Proprietários da capital declarou a confiança de
seus membros na “hombridade e na justiça do honrado Conselho”.
Somente o Conselho poderá nos dar remédio eficiente para os
males que nos tem acarretado o gênio arbitrário e prepotente do
Diretor de Obras, só depende nossa segurança e estabilidade do
patrimônio de nossos filhos, acumulado durante tantos e tantos anos e
argamassado com honesto suor do nosso rosto.
Aguardamos os acontecimentos e eles justificar-se-ão a
esperança que a Sociedade União dos Proprietários deposita no Poder
Legislativo Municipal.
158
O texto da representação é marcado por denúncias contra o que a sociedade dos
proprietários considerou como prática do diretor de obras: a exigência feita aos indivíduos
interessados na licença para construção, da assinatura de um termo comprometendo-se a doar
um metro à municipalidade a preço vil. De acordo com esta associação, após a assinatura do
157
Sociedade União dos Proprietários. Coluna A Pedidos, Jornal do Commercio 28/08/1894de 1894
nº238 p 4
158
Sociedade União dos Proprietários. Coluna A Pedidos, Jornal do Commercio. 24/09/1894. nº
295 p 41
100
termo, as dificuldades para expedição das licenças desapareciam e estas eram concedidas com
prontidão.
A representação dizia também que muitos proprietários haviam encaminhado diversos
recursos ao Judiciário, mas reconhecia que pela morosidade do direito processual o problema
não se extinguia, uma vez que muitas obras tinham caráter emergencial e os custos
processuais equivaliam, muitas vezes, ao valor dos terrenos que o proprietário era obrigado a
ceder gratuitamente à municipalidade. Desta maneira, os proprietários afirmavam depositar no
Conselho a esperança de pôr limites aos funcionários do Executivo Municipal:
Pois bem, Senhores membros do Conselho Municipal, apesar
da interposição de vossa autoridade, os proprietários do Distrito
Federal ainda não começaram a usufruir dos benefícios da lei.
Acham-se ainda sobre a pressão da onipotente Diretoria de
Obras que parodiando o “crê ou morre” dos fanáticos muçulmanos,
declara desassombrosamente: ou assinares o termo de cessão gratuita
ou não obtereis licença.
Mas este estado de coisas não deve e não pode continuar
porque ele constitui uma violação as garantias constitucionais e
afronta as nossas atribuições legislativas.
Cumpre-vos providenciar a respeito, cabe-vos restringir os
diversos funcionários ao exercício estrito de seus deveres, cumpre-vos
dar remédios que hora pede a Sociedade União dos proprietários.
Ela acredita inteiramente em sua sabedoria e acredita e tudo
espera de Vossa justiça.
159
O Conselho respondeu a esta representação com o projeto de lei apresentado à
Prefeitura em 29 de outubro de 1894, também vetado por Henrique Valladares. Nesta
resolução, o Conselho foi mais incisivo, pedindo a revogação do artigo da lei de 15 de
setembro de 1892, em que a exigência do recuo estava prescrita:
Art. 2° fica revogado o art. 6º e §§ 1º, 2º e 3º do mesmo artigo
da Postura de 15 de setembro de 1892.
§1º as edificações nos limites da cidade fixadas pela postura de
17 de julho de 1893 e pela presente serão feitas segundo o
alinhamento existente, só exigindo o recuo do prédio ou muro a
construir se quando fizer saliência em relação ao contíguo.
§2º as disposições deste artigo vigorarão em seu §1º até que
aprovado pelo Conselho um plano geral de viação, este delibere sobre
os meios práticos, mas legais e constitucionais de obter-se o
alargamento necessário das ruas, travessas e praças públicas,
respeitando o direito de propriedade e estabelecendo os acordos com
os interesses municipais.
160
159
Sociedade União dos Proprietários. Coluna Apedidos, Jornal do Commercio, 2510/1894. nº296
p .4
160
Boletim de Intendência Municipal veto a resolução do Conselho de 29 de outubro de 1894.
101
O prefeito Henrique Valladares assegurava que o Plano Geral da cidade estava traçado
e garantia que as construções em andamento, ou realizadas desde o ano anterior, haviam
recebido a arruação de acordo com os mesmos. Valladares justificava o fato de não ter
enviado o plano a sujeição do Conselho Municipal, argumentado que o traçado das ruas era
competência exclusiva do prefeito e de seus funcionários especializados.
A Sociedade União dos Proprietários, discordando do prefeito sobre a existência dos
planos gerais de melhoramentos, aconselhou seus sócios, de forma irônica, a fazerem suas
casas de madeiras com rodas, de modo a estarem sempre prontos a atenderem a exigências
dos prefeitos e dos diretores de obras que se sucedessem.
161
As esperanças depositadas no Conselho de se “estabelecer os meios práticos, mas
legais e constitucionais para se obter alargamento das ruas, travessas e praças públicas, sem a
violação do direito de propriedade dos citadinos”, acabou se estendendo aos intendentes do 2º
Conselho. Percorrendo-se as primeiras páginas dos jornais de grande circulação do Rio de
Janeiro, no primeiro semestre do ano de 1895, pode-se observar a reincidência quase diária do
tema, sob o título: “A questão do recuo”.
162
Com a apresentação do projeto de lei na casa legislativa, motivado pela representação
da Sociedade União dos Proprietários Arrendatários de Prédios pedindo a revogação da lei
de exigência de recuo, o 2º Conselho Municipal foi acusado de tentar reviver uma decisão
tomada pelo prefeito anterior e pelos senadores.
Para os defensores da revogação da exigência do recuo, além da reclamação dos
citadinos contra a desapropriação sem prévia indenização expressa nestes artigos veiculados
pelo Jornal do Commercio, havia outras polêmicas. No tocante à legislação municipal,
contava o fato de coexistirem duas leis contraditórias em sua natureza, a lei geral 417,
sancionada pelo prefeito interino em 17 de julho de 1893
163
, e a lei de 15 de setembro de
1892. Em relação à Constituição havia a contradição entre a exigência do recuo e o direito de
indenização por desapropriação por utilidade pública.
161
Secretaria da Sociedade União dos Proprietários 14 de novembro de 1894
162
Dentre os jornais que tive a oportunidade de foliar: Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias,
Jornal do Brasil e Jornal O Paiz, pude notar a presença diária de colunas dedicadas à publicação das atas
das reuniões do Conselho Municipal do Distrito Federal e dos atos da Prefeitura, e percebi também que os
assuntos municipais nem sempre ocupavam as primeiras páginas, figurando muitas vezes nas colunas
pagas, como a coluna A Pedidos do Jornal do Commercio. Mas no ano de 1895, a lei sancionada por
Barata Ribeiro em 1892 que também versava afastamento das construções do alinhamento das ruas voltou
a ser questionada e teve lugar de destaque em todos os periódicos da cidade.
163
A Lei está no anexo do trabalho
102
Nas palavras do articulista do Jornal do Commercio, a coexistência das duas leis na
legislação municipal fazia com que as leis de construção de casas no Distrito Federal
funcionassem como “cara para uns e coroa para outros”.
164
:
Sim dizemos e temos caras de razão, trata-se do celebre recuo
que não sabemos se é lei ou se é bacalhau com nabos, ou se é letra
morta para quem pode dispor de um ou dois ou três descontos e olho
bem aberto para quem dispõe porque não tem.
Porque razão, perguntemos nós se está edificando um prédio na Rua
do Ouvidor entre as da Assembléia e a Sete de setembro em puxadinhos a
frente, estando um outro próximo, em iguais condições, já construído sem ter
preciso recuar e na mesma rua próximo a de São José um proprietário
trabalhe em vão afim de obterem licença para construção de seu prédio?
Recue... Senão... Não será porque este quarteirão seja estreitamente agudo e
outro não.
165
Eleitos em 6 de janeiro de 1895 e empossados em 4 de março, os intendentes logo
deram início às discussões sobre a validade ou não de tal exigência. “Dr. Galhetas”, o mesmo
autor do artigo supracitado, saudou a iniciativa dos membros deste Conselho:
Agora vamos saber se tal lei do recuo está em vigor ou está
enterrada! Vamos saber se estamos a mercê dos caprichos dos Srs.
Agentes e engenheiros de distrito ou se efetivamente estamos
obedecendo a lei, porque se assim for ninguém mais do que nós saberá
respeitar e acatar, uma vez que ela não tenha duas faces sem
parcialidade e retidão.
166
O “Dr. Galhetas” comemorava a leitura da representação dos proprietários pelos
intendentes e a transformação da mesma em um projeto de lei, apresentado a casa pelo
intendente José Vieira Fazenda, representante do 2º Distrito, já no primeiro mês de
funcionamento do 2º Conselho.
167
Ao subiu a tribuna, Vieira Fazenda ressaltou o dispositivo da lei de 17 de julho de 1893,
que dizia que os construtores das freguesias da cidade, para obterem licença, deveriam requerer
da Prefeitura a arruação e o nivelamento do terreno e, em contrapartida, o prefeito não poderia
negar licença aos construtores que tivessem feito o requerimento de acordo com a postura.
Pediu também a revogação dos §§1º e 2º do Art. 6º da lei de 15 de setembro de 1892, que
164
Dr. Galhetos. Intendência Municipal e ao Prefeito. Coluna A Pedidos, Jornal do Commercio,
18/03/1895 nº 77 p. 3.
165
Idem
166
Dr. Galhetos. O Recuo. Coluna A Pedidos, Jornal do Commercio, 22/03/1894, nº81, p. 4.
167
Não encontrei registro do projeto primitivo nos Anais do Conselho Municipal.
103
prescrevia exigência de recuo das construções em virtude do alargamento das vias públicas.
Durante a defesa do projeto, Vieira Fazenda chamou a atenção para a incompatibilidade da
exigência do recuo com os preceitos da Constituição Federal:
É principio indiscutível que a Municipalidade cabe prover
sobre a abertura, direção, largura dos logradouros, arruamento,
construção de edifícios, seu alinhamento, tendo em vista os interesses
da viação e embelezamento da cidade, higiene das edificações e
habitações e etc.
[...]
Não há duvida, portanto, que a Municipalidade pode no
exercício de tais atribuições, exigir o afastamento ou o recuo dos
prédios quando isso for necessário para o alargamento das ruas e a
proporção que for verificada sua utilidade.
Por outro lado também é incontestável que nosso código
político garante aos nacionais e estrangeiros o direito de propriedade
em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por utilidade pública ,
mediante indenização previa ( constituição Federal art. 72 § 17)
168
A primeira emenda assinada por 12 dos 16 intendentes, sinalizou o início deste longo
debate.
Emenda
Ao Art. 1º substitua-se pelo seguinte:
Art. 1º As licenças para construções em qualquer das zonas do
distrito federal serão dadas sem a exigência de recuo.
Sala das Sessões , em 2 de abril de 1895 – Honório Gurgel –
Vieira Fazenda – C. Magalhães - - Domingos Ferreira - - Antunes
Campos – Rodrigues Alves – Heredia de Sá- Cesário Machado- Dr.
Luis Alves – Silva e Souza- Julio Carmo e Sá Freire.
Vieira Fazenda foi o primeiro a sair em defesa da emenda, na sessão do dia 2 de abril
de 1895. Em sua explanação atacou o artigo de Candido Barata Ribeiro, publicado pelo
Jornal do Commércio, onde o ex-prefeito defendeu com veemência a necessidade de recuo
das construções na cidade. Para Vieira Fazenda, o recuo feria de morte um dos princípios da
Constituição de 1891: o direito a propriedade privada. Exigir dos munícipes a cessão de parte
de seu terreno, sem indenização, como medida de interesse público, representava “extorsão”,
“roubo”, “confisco” (mesmo que a parte exigida fosse inferior a 1 metro).
169
168
Parecer dos procuradores da Fazenda Municipal. Anais do Conselho Municipal do Distrito
Federal 1895. p 119
169
Vieira Fazenda. Anais do Conselho Municipal 1895 p. 117
104
A qualificação da postura de 15 de setembro de 1892 como um ato de usurpação da
propriedade privada pela municipalidade não foi propalada apenas pelos intendentes. Vários
jornalistas, críticos e pensadores se pronunciaram na imprensa contra a aplicação desta
postura, que deveria ter sido posta em desuso pela Lei 417, de 17 de Julho.
O intendente Honório Gurgel, eleito pelo 3º distrito, como estratégia de defesa de sua
emenda, pediu que a casa publicasse em seus Anais, o ofício do novo diretor de obras
Adolpho José Del Vecchio, enviado à Prefeitura em 19 de janeiro de 1895.
No requerimento, o diretor de obras criticou as prefeituras passadas que adotaram
como norma não permitir construções novas ou mesmo reconstruções nas ruas sem que os
proprietários seguissem o novo alinhamento traçado num plano parcial de alargamento das
ruas da capital.
Como já foi destacado aqui, no artigo da Sociedade União dos Proprietários e
Arrendatários de prédios, publicado pelo Jornal do Commercio, a Prefeitura, até aquela
data, exigia que os proprietários, interessados em construir ou reformar seus imóveis,
assinassem na repartição de obras um termo comprometendo-se a desistir, em favor da
municipalidade, de parte de seu terreno absorvida para o novo alinhamento. Este
compromisso, no entanto, não previa indenização alguma ao proprietário. Para Del-Vecchio,
as construções e obras da capital minguavam, naquele momento, devido a esta exigência de
cessão de parte do terreno, o que por vezes inutilizava toda a propriedade.
Entre as conseqüências desta diminuição das obras estavam: a diminuição das
habitações disponíveis para a população, que aumentava a cada dia; a diminuição das rendas
municipais e o comprometimento da estética e da higiene das construções do Distrito
Federal. Desta feita, o diretor de obras terminava seu requerimento com três perguntas ao
prefeito:
1º- Promulgada a Postura de 17 de julho de 1893, regulando a
construção e reconstrução de prédios no Distrito Federal, pode ser
aplicada em alguns de seus parágrafos a Postura de 15 de setembro de
1892, regendo o mesmo assunto?
2º- O parágrafo 2º do Art.2º da Postura de 17 de julho de 1893
que reza:
“A licença não poderá ser negada, uma vez que tenha sido
requerida de acordo com esta Postura” traz ou não a revogação de
todas as leis que anteriormente as construções e reconstruções de
prédios?
3º - Na hipótese mesmo de não estar revogada a Postura de 15
de setembro de 1892, pode seu Art. 6º com os seus parágrafos e
105
sobretudo o §2º ter aplicação sem violação do §17 do art. 72 da
Constituição da Republica?
170
A posição dos Procuradores dos Feitos da Fazenda Municipal e de mais três
Conselheiros, também foi publicada nos Anais do Conselho.
Os Procuradores da Fazenda Municipal concluíram que:
O recuo de edifícios situados em logradouros públicos de largura
inferior a 13, 20 metros, para alargamento desses logradouros, não poderá ser
exigido, senão de acordo com o plano futuro da cidade com previa indenização
dos proprietários de qualquer parte, por mínima que seja, dos terrenos e
edificações que marginarem os ditos logradouros e por ele for ocupado.
Ao Ilm. Sr. Dr, Adolpho José Del Vecchio Diretor de Obras e Viação
Municipal: J.C. de Souza Bandeira – José de Siqueira Álvares Borgerth –
Frederico de Almeida.
Antonio Ferreira Viana, que havia sido promotor público da Corte em 1857,
deputado em cinco legislaturas, ministro da Justiça em 1888 e ministro do Império em
1889
171
, respondeu ao oficio de Del-Vecchio que quaisquer que fossem as disposições
municipais, revogadas ou não, seriam consideradas nulas desde que excedessem os limites
do Poder Legislativo local e violassem os princípios consagrados pela Constituição, que
mantinha em toda sua plenitude, o direito a propriedade, salvo as indenizações por utilidade
pública mediante indenização prévia.
O conselheiro afirmou neste parecer, datado de 22 de janeiro de 1895, que caso a
postura municipal estivesse obrigando os proprietários a recuarem suas construções do
alinhamento anterior, cedendo a porção respectiva ao domínio municipal sem indenização
alguma, estava sendo configurada o atentado de confisco, enriquecendo-se a municipalidade
pelo aumento do seu domínio e empobrecendo os proprietários municipais pela usurpação. E
acrescentou que o “confisco” decretado pela postura de 15 de setembro de 1892 havia sido
revogado pela postura então em vigor, aprovada em 17 de julho de 1893.
Outro conselheiro consultado foi Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de
Ouro Preto, que presidiu o último gabinete do Império, identificado como Gabinete 7 de
julho de 1888.
172
A interpretação da lei pelo Visconde de Ouro Preto, que também possuía
formação jurídica, era semelhante a de Ferreira Vianna: a lei de 15 de setembro de 1892
170
Requerimento Del Vecchio oficio 77
171
172
Visconde de Ouro preto foi exilado e retornou ao Brasil em 1891
106
jamais poderia ser aplicada, uma vez que havia sido revogada pela lei de 17 de julho de 1893
( lei 417).
Para a 2ª pergunta de Del-Vecchio a respeito da validade do §2º da postura de 17 de
julho de 1893 e da revogação ou não das posturas anteriores sobre construção, o Visconde de
Ouro Preto respondeu como afirmativa. Sim, nenhuma licença poderia ser negada pelo
prefeito, desde que estivesse de acordo com os preceitos da postura em vigor, e todas as
outras posturas e disposições contrárias deveriam ser consideradas abolidas.
No caso da 3ª pergunta, para o Visconde, mesmo que não tivesse sido revogada a
postura de 15 de setembro de 1892, não poderia ser aplicada sem o ferimento da
constituição: “A aplicação daquelas disposições, ofensivas do direito de Propriedade,
suscitaria necessariamente reclamação dos proprietários, perante a Justiça Federal
fundada no art. 60 Letra A da citada Constituição de 24 de fevereiro”.
173
A opinião do Dr. Baptista Pereira também foi ouvida. Da mesma forma que os outros
conselheiros, acreditava que o recuo sem indenização era uma medida inconstitucional, e
igualmente ao Visconde de Ouro Preto afirmou que se a lei de 15 de setembro de 1892 não
tivesse sido revogada, não poderia e nem deveria ser mantida porque representaria um
obstáculo à construção predial do Distrito Federal.
174
De acordo com os autores, o projeto não visava à eliminação total do recuo e sim a
revisão da forma com que esta exigência estava sendo aplicada. Para Honório Gurgel, o
embelezamento da cidade não poderia ser feito à custa dos proprietários, com a cessão de
uma fatia de seu terreno que na zona da cidade valia muito. O intendente sublinhou algumas
alternativas para indenização:
...
Seria melhor que a municipalidade criasse um imposto
especial para alargamento das ruas, que aumentasse por exemplo o
imposto da décima, declarando que o produto do aumento deve ser
aplicado ao alargamento das ruas.
Se ela dispõe de crédito, faça como procedeu a municipalidade
de Paris, levantado empréstimo para aplicá-lo na derrocada de
quarteirões como fez Haussmann.
175
Honório Gurgel denunciava que mesmo tendo sido aplicada até aquele momento a
“lei do recuo” sem indenização, no orçamento das Intendências anteriores havia verbas
173
Visconde de Ouro Preto, 28/01/1895. Anais do Conselho Municipal do Distrito Fedral, 1895, p.
135.
174
Dr. Batista Pereira, idem.
175
Idem.
107
destinadas a este fim. Como o principal argumento dos opositores do projeto era de que sua
aprovação iria prejudicar as pretensões de melhoramentos da cidade, Honório Gurgel, que
também era relator da Comissão de Orçamento do Conselho Municipal, garantia que o
déficit orçamentário já inviabilizaria tais melhoramentos.
Além da cobrança de novos impostos, também foi mencionada a possibilidade de
alargamento das ruas, não pelo recuo das casas a construir ou a serem reformadas, mas pelo
aterro do mar. Todavia, o próprio Honório Gurgel mostrou-se temerário a esta alternativa em
virtude dos males que provocaria à Bahia de Guanabara.
Outra sugestão de indenização apontada nos debates foi a troca de terrenos que se
deu nos tempos da chegada de D. João e sua Corte ao Rio de Janeiro. Como relatou Vieira
Fazenda, algumas permutas foram realizadas pelo príncipe regente com moradores e
instituições religiosas alocadas na cidade. Entre os exemplos apontados por Vieira Fazenda,
o que chama atenção é que estas formas de indenizações ocorriam com poucos recursos da
Câmara Municipal e com a ausência de uma lei garantidora do direito de propriedade, tendo
em vista que neste momento as terras brasileiras estavam sob domínio da Coroa Portuguesa,
sob o regime das Ordenações Filipinas.
Um destes casos foi a indenização paga à moradora D. Anna da Costa pela derrubada
de parte de um muro de sua propriedade a mando do Príncipe D. João. Em 1817, D. João,
em cumprimento de uma promessa que havia feito a Santa Luzia, por motivo de doença nos
olhos do infante D. Sebastião, teve suas suntuosas carruagens impedidas de passarem na Rua
da Valla, hoje Rua Uruguaiana, por conta de um muro construído na propriedade de D. Anna
Costa. O Príncipe, então, pediu o consentimento de D. Anna para por abaixo seu muro. O
consentimento foi dado com a condição de o príncipe reconstruir o muro mediante
indenização. D. João, vendo que a Câmara não podia suprir aquela despesa e ciente de que o
muro havia sido derrubado por interesse particular, mandou-lhe pagar 800§, soma que
somente o príncipe poderia dar em conseqüência da desvalorização dos terrenos desta rua
naquela época.
176
Apesar de exemplos como estes, de indenizações pagas aos proprietários pela Coroa
Portuguesa, já é sabido que esta não foi uma prática constante nas terras brasileiras. Muitos
estudos e relatos sobre a chegada da Família Real e sua Corte assinalam as desapropriações
feitas em nome do Rei sem indenização para acomodação dos recém-chegados de Portugal.
176
Vieira Fazenda, Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1895. p 185
108
No que tange ao plano geral de melhoramentos da cidade, embora o ex-prefeito
Henrique Valladares tenha garantido em sua justificativa de veto que os planos estivessem
prontos, a informação obtida pelos intendentes, por meio dos membros da repartição da
Prefeitura, era diferente. O Conselho Municipal não tinha conhecimento dos planos parciais
e nem tão pouco votado às verbas necessárias para execução dos mesmos. De acordo com
Honório Gurgel
Sr Presidente, com,que o projeto quer acabar é com a
licença parcial de recuo, que a pretexto de melhoramento se
tem feito. O que o projeto agora quer é que quando se tiver de
fazer um melhoramento este melhoramento seja estudado, mas
que seja submetido ao Conselho o respectivo plano, por que só
ele é que pode dispor do dinheiro dos munícipes.
177
Sob a administração de Barata Ribeiro, procedeu- se ao levantamento da Carta
Cadastral da Cidade, com direção do professor da Escola Politécnica Manuel Pereira Reis,
em que foi descrito o arruamento, o relevo e a vegetação da cidade. Esta carta representa um
dos primeiros esforços da municipalidade em registrar o seu espaço, mas apenas uma parte
do trabalho foi concluída.
No projeto para o levantamento da Carta Cadastral, de autoria do próprio
professor,
178
apresentado no Conselho, a importância da confecção da Carta foi justificada
como “base necessária à solução das diversas questões que se referem à propriedade,
patrimônio municipal e os melhoramentos da Capital a muito tempo reclamados.”
179
No Conselho de 1892 as discussões a respeito da autorização do levantamento da
Carta Cadastral da cidade também foram marcadas por acusações de centralização do poder
do prefeito, tendo em vista que no projeto primitivo a escolha dos membros da Comissão se
daria apenas pelo prefeito, sem concorrência ou aval do Conselho.
É interessante ressaltar que na fala dos intendentes signatários do projeto de
revogação da “lei do recuo”, nas cartas dos representantes da Sociedade União dos
Proprietários, na opinião dos conselheiros publicadas nos Anais do Conselho, assim como
nos artigos dos redatores do Jornal do Commercio era consensual a idéia de que não havia
planos concretos para melhoramentos da cidade e que, mesmo sem estes planos, alguns
177
Honório Gurgel, Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1895. p 172.
178
O projeto de autorização da carta cadastral sofreu forte oposição na Casa por ser apresentado a
Casa da mesma maneira que foi redigido por Manuel Pereira Reis, que não era um membro do Conselho
Municipal e por não prever concorrência entre empresários interessados em sua confecção.
179
Projeto 22 de 1892. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1893. p 102
109
proprietários estavam sendo obrigados a assinarem acordos para reconstruir ou começar uma
nova edificação em algumas ruas da cidade. Esta distinção feita de maneira parcial
acarretava prejuízos graves tanto para os proprietários obrigados a ceder a municipalidade
parte de seu terreno em caso de construção ou reconstrução, aos citadinos em geral que
enfrentavam a escassez de habitações na cidade e a municipalidade por perder os tributos
pagos com a emissão de licenças para obras e construções.
Após as três etapas de discussão que passou o projeto do intendente Vieira Fazenda,
prevista no Regimento Interno do Conselho Municipal, um outro projeto foi apresentado a
casa e a idéia de revogação da “lei do recuo” foi substituída por uma proposta de
reformulação. O debate assim ganhou mais um capítulo.
3.3 E o que diziam os defensores da reforma da lei do recuo
O ex-prefeito Barata Ribeiro também figura como protagonista nesta história. Por ter
assinado a lei de 15 de setembro de 1892, aparecia nos jornais como um dos principais
defensores da lei do recuo. Segundo a Sociedade União dos proprietários, o ex-prefeito
chegou a sugerir na coluna Várias, do Jornal do Commercio, que a lei do recuo era fruto de
uma vasta discussão e que fora aplaudida unanimemente por toda a sociedade. Mas para os
advogados desta associação:
Realmente dizer que a sociedade aprovou a postura sobre o recuo é
inverdade que revolta ainda aqueles que nas veias tem sangue de
barata e que são calmos por temperamento.
Temos a vista todos os arquivos da sociedade e podemos afirmar com
a inexatidão do que alega o Sr. Barata Ribeiro.
Para provar que nunca estiveram de acordo com a lei sancionada por Barata Ribeiro,
os representantes da sociedade dos proprietários reescreveram um trecho de uma carta
publicada em agosto de 1894 pelo Jornal do Commercio, que dizia o seguinte:
Corre por aí uma coisa com o nome de postura que não pode
ter execução por não ter vida jurídica; referimo-nos a celebre postura
de recuamento dos prédios no caso de reconstrução, postura que pela
maneira que está sendo posta em vigor constitui uma das maiores
violência que se tem perpetrado nesta Capital e mostra a que devem
convergir todos os esforços e todas as resistências dos proprietários. A
pretexto de embelezar a cidade resolveu a municipalidade alargar as
ruas a proporção que as casas fossem sendo edificadas.
Em tese nada temos a opor esta medida, que aliás tem sido
posta em prática em todas as grandes capitais, edificadas sem método,
110
como foi infelizmente a nossa o foi. Mas assim como imitamos o bom
exemplo das capitais européias deveríamos adotar o “modus faciend”,
porque a não ser assim as melhores intenções correm o risco de ir para
o inferno, atapetar o pavimento. Recue-se a linha de edificações, se
for necessária porém, jamais se pretenda esses pretexto alçar o direito
de propriedade.
180
No Conselho, o substitutivo ao projeto 21 A, de revogação da exigência do recuo, foi
apresentado na 3ª discussão e assinado pelo médico João Pizarro Gabizo, pelo funcionário
público Julio Henrique do Carmo e por Manuel Rodrigues Alves, todos representantes
eleitos pelo 2º distrito. Sua redação dizia que a indenização seria dada por meio de isenção
da décima urbana por tempo proporcional ao número de metros recuados.
Pizarro Gabizo dizia acreditar que o direito de propriedade deveria ser respeitado
com a indenização prévia, mas defendia que as indenizações deveriam cobrir apenas os
casos de cessão de mais de um metro do terreno. Sobre os planos gerais, argumentava que os
mesmos não poderiam ser obra de um só homem, nem de um só conselho e defendia a
execução dos trabalhos levantados pela Carta Cadastral, pelo menos da parte do plano que a
Comissão havia concluído. Em relação às verbas destinadas a desapropriação, Gabizo
argumentava:
Será relativamente pequena para não onerar grandemente os
nossos orçamentos. E se nós não pudermos assistir ao espetáculo da
transformação material do Rio de Janeiro, pelo menos vê-la-ão as
gerações que nos sucederem.
[...] já disse que quero um benefício para a capital federal, que
se me afigura resultar necessariamente da realização do que dispõe a
postura de 15 de setembro de 1892.
181
Nesta perspectiva defendida por Gabizo, Carmo e Alves, o recuo das edificações era
visto como uma alternativa lenta, suave e gradual de melhoramento para a cidade. A situação
em que se encontravam os cofres municipais não permitiria a execução de grandes obras no
sistema viário da cidade. A execução de um plano mais complexo só foi possível durante a
Presidência de Rodrigues Alves, com a estabilização política e econômica do país. Entre as
exigências impostas por um plano como este, estavam o alargamento das ruas da cidade, a
criação e a abertura de largas vias de comunicação, o que naquele momento era algo
impraticável.
180
Sociedade União dos Proprietários. Coluna a Pedidos. Jornal do Commercio. 3/04/ 1895 p4.
181
Gabizo Pizarr, Apêndice. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal 1895 p 10.
111
As grandes avenidas as praças ostentosas onde a arte requinta
em obras admiráveis, aquilo que forma o encanto das velhas capitais
européias não podem infelizmente, a menos que algum fato
extraordinário venha fazer cair uma chuva de ouro sobre o Distrito
Federal, não pode, digo ser uma realidade, talvez em nossos dias, não
nos meus porque serão poucos, mas nos dos mais moços de vós.
182
Nas grandes capitais da Europa, como a Paris de Haussmann, além da reformulação na
legislação que deu ao Executivo respaldo para promover a derrubada de casas em nome da
melhoria da cidade, a municipalidade recebeu dos citadinos consideráveis fortunas que
garantiram aberturas dos grandes boulevards.
Para os signatários do substitutivo, o pedido de revogação da “lei do recuo”
representava uma anarquia administrativa. Mas para aqueles que defendiam o fim da
exigência do recuo ele agora aparecia disfarçado com o nome de planos de melhoramentos
que ninguém conhecia.
183
Antes de apresentar emenda ao substitutivo do intendente Gabizo, o 1º Secretário
Honório Gurgel enviou à Prefeitura mais uma vez, em 20 de abril de 1895, o projeto
primitivo, pedindo a revogação da lei de exigência do recuo e o projeto substitutivo ao diretor
de obras José Adolpho Del-Vecchio, a fim de que apresentasse suas considerações sobre os
projetos. A resposta foi enviada ao Conselho em 30 de abril do mesmo ano.
Del-Vecchio, que foi um grande nome da engenharia do país, havia ocupado o cargo
de diretor de obras do Ministério da Fazenda durante o Império e tinha em seu currículo o
projeto do Palácio da Ilha Fiscal, projeto este medalha de ouro na exposição da Escola
Imperial de Belas Artes.
Nos primeiros dias de funcionamento do 2º Conselho, Del-Vecchio havia se
pronunciado sobre o recuo, respondendo ao requerimento de Honório Gurgel, como foi
mostrado aqui, no início do capítulo. Durante os debates, os defensores do projeto de
revogação da “lei do recuo”, usaram várias vezes o nome de Del-Vecchio, como simpatizante
da idéia.
Neste segundo parecer, Del-Vecchio procurou retificar sua posição:
Pelo modo com que se acha concebida esta lei depende-se
conquanto não me pareça ser esta a intenção da maioria do Conselho,
que da data de sua promulgação em diante, deverão as novas
182
Idem, p. 20.
183
Honório Gurgel, idem, p. 181.
112
construções que se houver de fazer em qualquer ponto do Distrito
Federal, cingir-se estritamente nos alinhamentos atuais das ruas, sem
que a municipalidade possa de forma alguma lançar mão do direito
que lhe assiste de alterar esses alinhamentos, pelo menos por um certo
espaço de tempo que não é delimitado pela mesma lei, o que nestes
termos equivale de fato a abolição completa do recuo por prazo
indeterminado.
Permita-me ainda que vos lembre que esta Diretoria, na
exposição de motivos que vos apresentou logo nos primeiros dias de
vossa administração, não cogitou de forma alguma da necessidade de
suprimir o recuo, nem deu entender, por menos clareza de qualquer de
suas frases, a falsa compreensão de que era pensamento seu pôr em
duvida ou dispensar o direito que assiste a Municipalidade de
determinar novos alinhamentos, alterando os existentes, como se tem
procurado, apesar de tudo fazer crer nas discussões havidas pela
imprensa sobre este assunto; antes, pelo contrario, manifestando-os
algumas idéias sobre seu modo de ver relativamente à solução
relativamente a solução do importante problema da viação julgou ele
ter bastante salientado a indispensabilidade que tem esta prefeitura de
lançar mão de tão poderoso meio de ação, como seja o recuo, para
poder efetuar qualquer melhoramento da capital, que sem tão valioso
auxilio, seria de todo irrealizável.
Del-Vecchio dizia ter apenas criticado o modo inadequado com que a municipalidade
passada estava agindo com relação aos proprietários e, para ressaltar sua opinião sobre o
recuo, afirmou ter utilizado o recurso do recuo das construções do alinhamento em diversos
terrenos situados nos arrabaldes da cidade, por meio de acordos amigáveis com os
proprietários, gastando apenas o valor 1:000$ em indenizações, cujos proprietários, em
virtude de suas condições precárias ou de outros motivos, não quiseram ceder gratuitamente
as faixas de seus terrenos.
Sobre o projeto substitutivo, o diretor de obras também teceu críticas severas.
Analisando ponto a ponto o projeto 21B, Del Vecchio considerou algumas falhas na redação
e alguns dispositivos inexeqüíveis, como a imposição feita a Prefeitura de efetivar as
desapropriações de prédios a construir ou reconstruir tendo em vista as condições dos cofres
municipais nem sempre equilibrados.
Outro problema sobre esta questão dizia respeito aos limites de poder do prefeito, já
que, de acordo com a Lei Orgânica do Município, a prerrogativa de declarar um prédio
necessário à utilidade pública era exclusiva do Conselho.
Sobre as indenizações de faixa de terreno com a isenção da décima urbana
proporcional ao tamanho da área desapropriada o diretor de obras considerava um erro
igualar todas os terrenos do Distrito Federal, do subúrbio, arrabalde ou da cidade, além de
não mensurar a testada, que poderia ser de 1 ou 30 metros.
113
Sobre os planos de melhoramentos da cidade existentes, Del-Vecchio também
considerava-os escassos e inadequados, pois não cumpriam os requisitos legais, com
alinhamentos projetados apenas de um lado, com ruas de largura inferior a 13, 20 mentos.
Assim, Del-Vecchio concluiu que o projeto era: “deficiente, ilegal e não resolve de
forma alguma a questão”.
O presidente do Conselho, Xavier da Silveira, o 1º Secretário, Honório Gurgel, e o
intendente Sá Freire se reuniram para uma última tentativa de garantir a indenização pelas
desapropriações, apresentando uma ementa ao substitutivo de Gabizo, no dia 1º de agosto de
1895:
EMENDA
Art.1 As despesas com indenização só poderão ser efetuadas
com os meios ordinários do orçamento, ou dada a insuficiência deste,
mediante operação de crédito, do que tudo dará ao Conselho
Municipal.
Art.2 Dada a falta de meios orçamentários ou a
impraticabilidade de operação de crédito, as licenças para construção e
reconstruções nas zonas urbanas e suburbanas serão dadas de acordo
com a postura de 17 de julho de 1893.
Logo após a apresentação desta emenda, o Conselho votou tanto a emenda quanto o
projeto (21 B) e pela diferença de 1 voto a emenda foi derrubada e o projeto 21 B foi
encaminhado à Comissão de Redação e, posteriormente, à Prefeitura para apreciação.
Votaram em favor do projeto 21B apresentado por Gabizo e contra a emenda
apresentada por Xavier da Silveira os intendentes Julio Carmo, Luis Alves, Domingues
Ferreira, Dias Nogueira, Antunes de Campos, Rodrigues Alves (8 intendentes). Votaram
contra o projeto 21 B e em favor da emenda Xavier da Silveira, Honório Gurgel, Silva e
Souza, Vieira Fazenda, Cesário Machado e Sá Freire (7 intendentes).
Na resolução apresentada à Prefeitura, em 3 de agosto de 1895, ficou estabelecido que
toda e qualquer construção de prédio inteiro, de um muro ou um simples cercado deveria se
iniciar depois de fornecida a arruação pela Prefeitura, arruação esta que deveria ser dada de
acordo com os planos parciais de melhoramentos que, posteriormente, seriam arquivados
como planos para a cidade.
A elaboração deste plano levaria em conta a viação geral da zona, a planta topográfica
e o cadastro das propriedades adjacentes e seria acompanhado por um outro documento
114
chamado memória descritiva, em que seriam indicados as vantagens e o valor aproximado das
indenizações das faixas de terrenos expropriadas. Depois de confeccionados os planos
parciais e a memória descritiva, estes seriam expostos na Diretoria de Obras por 10 dias e nos
jornais que publicassem os expedientes da Prefeitura ou nos jornais de grande circulação.
Passado o prazo, a Diretoria de Obras faria um relatório e anexaria ao mesmo as reclamações
dos citadinos para apreciação do prefeito. Se aprovado pelo prefeito, o projeto seria
encaminhado ao Conselho Municipal, que resolveria sobre a aprovação do plano e sobre as
desapropriações por utilidade pública das zonas necessárias ao recuo de prédios.
Os planos deveriam estabelecer a largura de 13,20 metros para as ruas já edificadas e
para as ruas arborizadas, a largura de 20 metros. Nas ruas secundárias e nos morros a largura
poderia ser de 10 metros. Para os proprietários que quisessem fazer “amigavelmente” a
cessão da faixa de seu terreno, poder-se-ia fazer um acordo com a municipalidade de isenção
da décima urbana por período proporcional à faixa de terreno desapropriada. Em caso de
necessidade de avanço do alinhamento a Prefeitura faria cessão da faixa de terreno ao
proprietário, que ficaria obrigado a trazer sua fachada de prédio ou muro ao alinhamento.
Independente de construção ou reconstrução, o processo de desapropriação também
poderia ser estabelecido em virtude de se alargar imediatamente ruas ou estradas. Enquanto
os planos não tivessem sido organizados pela Diretoria de Obras a arruação seria dada pelos
planos existentes, quanto por estes planos já tivessem sido definidas a arruação, ou seguiriam
o alinhamento existente no caso das ruas da zona urbana, nas suburbanas se seguiria a largura
exigida pelo Código de Postura de 1838 e na zona rural deveriam seguir as servidões antigas.
A lei valia para os proprietários tanto da cidade quanto do subúrbio, em que se
enquadraria também a zona rural. Estas áreas seriam discriminadas pelo prefeito e,
posteriormente, aprovadas pelo Conselho, considerando-se a população, o desenvolvimento
das edificações e a natureza do comércio e das indústrias locais. Entre outras disposições, a
resolução condenava a demolição dos prédios, muros ou cercas que invadissem o logradouro
público e o pagamento de multa de 200§.
O prefeito Furquim Werneck se opôs a esta resolução. Embora o veto possa ser
encarado como um momento de conflito direto entre o Conselho Municipal e a Prefeitura da
Cidade, pode-se perceber aqui mais do que um simples embate entre as esferas da
administração municipal. Uma das chaves para esta interpretação está na observação das
disputas vistas no debate que levou à polarização do Conselho Municipal em dois blocos –
com a diferença de 1 voto apenas para a aprovação da resolução – o que marca o grau de
115
complexidade do assunto e o pertencimento do prefeito Furquim Werneck aos quadros da
elite política carioca.
Furquim Werneck, que também era morador da cidade e um dos próceres do PRF,
partido fundado no ano anterior e que na eleição de janeiro de 1895 do Conselho Municipal,
venceu com folga o pleito nas áreas rurais, negou sanção a esta resolução, argumentando que
além de levar a paralisação das construções na cidade e prejuízo aos cofres municipais
representava uma contradição com as próprias leis municipais em vigor.
O prefeito concordava com os intendentes que diziam que planos de melhoramentos
da cidade eram escassos e resolviam à situação de poucas ruas e acrescentava outro
problema:
Além disso, considerando-se o modo porque se pretendia por
em prática os melhoramentos projetados, modo que era repelido pelos
princípios que regem o direito de propriedade, as arruações não se
mantiveram uniformes, de modo que em diminutíssimo número são os
planos organizados pela Diretoria de Obras nos termos do §1º art. 11.
Esta fala do prefeito corresponde à informação dos proprietários, publicadas na Coluna
A Pedidos, do Jornal do Commercio, e dos próprios intendentes durante os debates no
Conselho de que a justiça havia dado ganho de causa a muitos proprietários intimados a
entregar a faixa de seus terrenos para alargamento da viação. Devido ao embargo da justiça a
arruação (alinhamento e nivelamento) de muitas ruas da cidade não seguia os planos definidos
pela Diretoria de Obras.
Quando se referiu à contradição entre a Lei Orgânica do Município, de 20 de setembro
de 1892, o prefeito se colocou em defesa de uma atribuição do Conselho Municipal. Diferente
dos outros prefeitos, que analisei também em situação de veto, Werneck afirmou que o
Conselho não pode delegar sua atribuição a qualquer pessoa estranha ou não à
municipalidade:
O §3º do art. 11, que autoriza o prefeito a fazer alterações no
alinhamento existente necessárias à sua ratificação, quando o avanço
ou recuo não exceder do 0,50 entrando para isso em acordo com o
proprietário, importa investir-se a Prefeitura de poderes, quer para
aquisição de imóveis exigidos para utilidade pública, quer para
cessão da parte disponível do logradouro para a utilidade pública,
quer da cessão da parte disponível do logradouro público para onde
tiverem de avançar os prédios.
Ora, sobre a aquisição, só o Conselho pode deliberar, art. 15§
10 da Lei n. 85, de 20 de setembro, e sua atribuição ele não pode
116
delegar a qualquer pessoa estranha ou não ao Município, art. 16 da
citada lei n. 85; o sobre a cessão, o Conselho não pode transferir
faculdades que ele próprio não te, como precedentemente
demonstrei.
184
Embora na primeira mensagem do presidente da República ao Congresso Nacional,
em maio de 1895, Prudente de Moraes tenha abordado os problemas sanitários da capital
federal e assinalado a necessidade de aparelhar a municipalidade “para iniciar os grandes
melhoramentos sanitários reclamados pela Capital da República”, o prefeito não tinha
poderes para ceder, nem tampouco desapropriar faixa de terreno, mesmo que esta fosse
inferior a 1m de extensão.
Sobre as desapropriações havia outra questão, o projeto destinava como recurso para
as indenizações das faixas de terreno superiores a 1m, a isenção do imposto da décima
urbana, mas as verbas deste imposto já haviam sido comprometidas como garantia de
pagamento de um empréstimo autorizado pelo próprio Conselho. Ao submeter essas
considerações ao Senado, o veto do prefeito foi mais uma vez ratificado.
3.4 O recuo na zona rural
Sr. Presidente, o projeto teve exatamente por fim estabelecer
normas fixas em relação as freguesias rurais, porque tem sido uma
serie de conflitos quase que diários as questões havidas na Diretoria
de Obras que entende que a postura de 17 de julho de 1893 não está
em vigor, por sua alta recreação deixa de executar a lei votada pelo
Conselho e votada pelo Sr. Prefeito e a coloca abaixo de si dando
lugar a que a Municipalidade tenha sido vencida nos tribunais, que
tem declarado que a lei de 17 de julho está em vigor e nos distritos
rurais a exigência da Diretoria de Obras são descabidas e ilegais
Honório Gurgel
185
Paralelamente às discussão sobre eliminação e reformulação da lei de exigência
do recuo de edifícios a se construir ou reconstruir na capital, em virtude do alinhamento
das ruas do Distrito Federal, o intendente Honório Gurgel também apresentou ao
Conselho o projeto 16 de 1895, estabelecendo que nas freguesias rurais de Irajá,
Inhaúma, Campo Grande, Guaratiba, Jacarepaguá, Santa Cruz e Ilha do Governador as
construções fossem feitas independentes de arruação e licença.
184
Veto do Prefeito Furquim Werneck. Boletim da Intendência Municipal 1895. p 412
185
Honório Gurgel. Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal. 1895 .p 31
117
A justificativa de necessidade e utilidade do projeto foi bem semelhante à justificativa
dos projetos de lei geral analisados no capítulo 1: facilitar as construções em pontos onde a
intendência não precisava se preocupar com a dimensão das casas, sua situação e etc.
De acordo com o primeiro secretário, Honório Gurgel, a Intendência não se
preocuparia nem com a construção e nem com a arruação e ganharia com o aumento do
imposto predial, além de concorrer para o desenvolvimento das freguesias rurais.
Como uma parte da freguesia de Inhaúma já apresentava um considerável grau de
desenvolvimento, devido ao grande número de construções e de comércio, os intendentes
Honório Gurgel, Sá Freire e Cesário Machado apresentaram uma emenda excluindo esta parte
da freguesia do projeto:
Emenda
Ao Art. 1º. - Onde convier, acrescente-se Inhaúma à exceção
de uma zona de cem metros para ambos os lados, paralela a Estrada
de Ferro Central, e da parte da rua do Campinho, compreendida entre
o largo do mesmo nome e o de Cascadura e o povoado de nome igual
que serão considerados urbanas
Sala das Sessões, 25 de março de 1895- Honório Gurgel,
Cesário Machado e Sá Freire.
Na 3ª discussão, Domingues Ferreira, representante do 1º distrito, apresentou
outra emenda, também assinada por Heredia de Sá e Antunes Campos, pedindo a
inclusão das freguesias de Paquetá, Gávea e Lagoa no parágrafo que determinava as áreas
que seriam beneficiadas pela lei.
Emenda
Art. 1º Onde diz – e Ilha do Governador, diga-se Ilha do
Governador e Paquetá.
Ao mesmo artigo – onde diz –se no de Inhaúma, acrescenta-se
Copacabana, praias do Arpoador, Leblon, Pinto, Vidigal e da Gávea
até o ponto terminal dos bondes da Companhia Ferro Carril Jardim
Botânico.
Na mesma emenda, sugeriram que as construções desta área deveriam seguir o
arruamento existente, em caso de não existência de ruas ou de ruas estreitas demais. Logo, as
construções deveriam recuar 3 metros para dentro do alinhamento.
Acrescente-se o seguinte:
§1º Nos centros de povoado a que se refere o Art. 1º as
construções a fazerem-se, respeitaram o arruamento existente, já
aprovado pela municipalidade.
118
§ 2º Nas vias públicas, onde não houver ruas, ou nas ruas de
menos de 17 metros de largura, os prédios só poderão ser construídos
três metros para dentro do alinhamento da via pública, ou do
alinhamento correspondente da respectiva rua.
O parágrafo único passará a ser §3º.
O mais como o projeto
Sala das Sessões, 27 de março de 1895 - Domingos Ferreira,
Heredia de Sá, Antunes Campos.
186
Em 9 de abril de 1895, apresentada a redação do projeto, o intendente Cesário
Machado requereu, e o Conselho consentiu, levar o projeto a uma 4ª discussão tendo em vista
contradições e irregularidades por ele apontadas.
As contradições diziam respeito ao recuo. De acordo com Machado, no momento em
que o projeto estava na 3ª discussão, o Conselho queria fazer desaparecer da legislação
municipal o recuo, depois decidiu-se por aprová-lo, sendo posteriormente vetado pelo
prefeito.
Honório Gurgel, refletindo melhor sobre o recuo de 3 metros para dentro do terreno,
proposto na emenda apresentada por Domingos Freire, considerou esta emenda
despropositada, porque nesta parte da cidade as ruas abertas nunca eram inferiores a 17
metros. Sendo assim, pediu a supressão do §2º que continha esta exigência. Assinaram esta
emenda Honório Gurgel, Cesário Machado, C. Magalhães, Antunes Campos, Heredia de Sá.
A redação foi apresentada à mesa em 9 de setembro de 1895 e enviada à Prefeitura.
Para Furquim Werneck, este projeto versava sobre o mesmo assunto vetado por ele no mês
anterior.
A resolução do Conselho era uma tentativa de reviver “a questão do desalinhamento
das construções” nesta parte da cidade, que mais carecia de observância da fiscalização. O
prefeito apelou, em sua justificativa do veto, para a decisão do Senado sobre as duas
resoluções anteriores, acerca da construção e reconstrução de casas particulares, relembrando a
decisão “patriótica” dos senadores de ratificar por duas vezes a decisão de Henrique
Valladares, de garantir por meio do veto a regularidade da viação pública e a salubridade das
casas.
Considerando já ser de conhecimento público as conseqüências desastrosas, como as
inundações, os desmoronamentos e os incêndios listados por seu antecessor, Furquim Werneck
enumerou os prejuízos para o progresso da cidade e para os cofres municipais. O Artigo 1º da
resolução foi identificado como o mais lesivo para a viação pública. Incluía, entre as
freguesias liberadas de licença e arruação, algumas sujeitas à décima urbana, que, por este
186
119
motivo, reclamavam muitas benfeitorias e oneravam os cofres municipais. No parágrafo único
do artigo, os agentes da Prefeitura seriam responsabilizados pelas invasões dos logradouros
públicos, das construções feitas sem arruação.
No que tange aos problemas com os recursos municipais, a inclusão das freguesias da
Gávea e da Lagoa na área isenta de pagar os emolumentos das licenças, não previstas na lei de
17 de julho de 1893, agravaria muito o desequilíbrio orçamentário do município. Somado a
este problema havia a distinção de uma área do curato de Santa Cruz excetuada no projeto de
lei, se contrapondo a todo resto do curato em que a lei teria validade. Este embaraço poderia
ocasionar um conflito futuro ente o Legislativo e o Executivo, conforme a interpretação que
ambos dessem à lei.
E conclui a justificativa de vetar a resolução do Conselho sob a alegação de concorrer
para o desenvolvimento desta extensa zona do Distrito Federal, que, em futuro muito próximo,
se seus interesses fossem devidamente zelados, poderiam dar origem a uma cidade, capaz de
“pelas suas condições de salubridade e de viação, fazer de alguma forma esquecer as
qualidades contrárias e as acanhadas vielas quase impróprias ao trânsito e de difícil
dispendioso melhorias, que caracterizam a parte comercial desta Capital”.
187
Seria oportuno, neste momento, fazer uma breve visita aos princípios de legalidade da
sociedade contemporânea, a fim de observar a permanência deste tipo de conflito entre
municipalidade e citadinos.
No código de obras dos municípios, em que estão estabelecidas as regras para as
edificações da cidade, em geral é definida também a exigência, em algumas ruas, de que seja
mantida a distância do alinhamento (de, por exemplo, 3 metros).
José Afonso da Silva, professor de Direito Constitucional, assegura que o objetivo
deste afastamento está em garantir adequadas condições de aeração e iluminação e aponta que
a exigência de recuo constitui restrição ao direito de construir, impondo a reserva de área sem
que o proprietário tenha direito a qualquer ressarcimento.
188
Já Hely Lopes Meirelles, autor de livros sobre Direito Administrativo no Brasil,
entende que o recuo é um tipo de limitação administrativa que impõe um afastamento
mínimo da edificação em relação à via pública ou ao vizinho, mas que a área resultante do
187
Veto do Prefeito Furquim Werneck 21/10/1896. Boletim De Intendência Municipal 1895 p 417
188
Informações disponíveis em ; http://WWW.afaerj.org.br.
120
recuo permanece integrada ao lote, apenas com o impedimento de ser edificada. Sendo assim,
o afastamento da edificação como recuo não é indenizável.
189
No caso de mudança do alinhamento, como duplicação de estradas, por exemplo, a
legislação contemporânea define que o proprietário deve ser indenizado pela municipalidade
em virtude da desapropriação parcial de seu terreno utilizado no alargamento da via pública.
Na análise dos debates de 1895 foram abordados alguns conflitos inerentes à questão
do recuo e foi apontado como prática da Prefeitura a assinatura de termo de compromisso
pelos proprietários, garantindo a cessão ou venda da faixa de terreno destinada ao recuo a
preços irrisórios.
Hoje, estudos da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro definiram
como parte das operações urbanísticas aplicadas na cidade, uma série de acordos entre o
poder público, a iniciativa privada e os munícipes, defendendo, entre outros “contratos”, o
acordo que chamou de obrigações dos particulares – a “obrigação relativa à questão do
recuo”. Esta obrigação também consiste em um termo de compromisso entre a
municipalidade e os proprietários de terrenos sujeitos ao recuo decorrente de normas para
novos alinhamentos.
190
Fazem parte deste tipo de contrato: os termos de doação de recuo,
que garantem a implantação dos novos alinhamentos sem ônus para a municipalidade; o
termo de utilização de título precário de área de recuo já doada; o termo de restituição de
área já doada; e, por último, o termo exonerando o município de responsabilidade em áreas
atingidas pelos novos alinhamentos, em caso de desapropriação para implementação dos
mesmos.
191
De acordo com o jurista José Maria Pinheiro Madeira, o proprietário pode entrar com
uma ação pedindo um projeto de alinhamento mais adequado, argumentando que este será
oneroso aos cofres municipais sem bons resultados, ou que propriedades de familiares do
prefeito ou de outras autoridades foram poupadas do recuo. Mas no que diz respeito a
desapropriações, a contestação só pode se vista à luz da indenização.
192
Desta feita, tanto a análise do debate de 1895, quanto a observação da legislação
urbanística da cidade do Rio de Janeiro do presente, apontam para o fato de que a questão do
189
idem
190
Diversas cidades do país como o Rio de Janeiro vêm adotando, já algumas décadas, a chamadas Operações
Urbanas ou Operações Urbanísticas, que consiste numa espécie de parceria entre o poder público e privado, a
fim de definir ou realizar a intervenção do espaço urbano pela administração local, onde a maior parte dos
recursos é de origem pública.
191
A Secretaria reconhece neste artigo a insuficiência do instrumento de doação do recuo para
construção dos novos alinhamentos.
192
http://jus2.uol.com.br/Doutrina /texto.asp p 3
121
recuo das edificações ainda hoje é um campo permeado por conflitos. As tentativas de se
dirimir este tipo de contenda são similares, ora por meio de acordos, ora por meio de
sentenças judiciais. Ambos colocam em evidência as contradições de uma sociedade pautada
nos preceitos do liberalismo.
122
Conclusão
É chegado o momento de fechar as janelas abertas durante a passagem dos capítulos. E
nesta hora cabe uma análise mais global, com ênfase nos pontos elementares que nortearam a
dissertação.
O estudo da cidade do Rio de Janeiro pelo viés da história política foi capaz de revelar
outra face da cidade e das reformas na legislação municipal, neste período de intensas
transformações em que a definição de urbano e rural foi tornando-se cada vez mais elástica.
Embora o ponto chave de minha pesquisa tenha sido os debates em torno das leis de
regulamentação de construção e reconstrução de edificações e não uma reforma urbana
planificada, como a que aconteceu durante a gestão de Rodrigues Alves e Pereira Passos,
pude observar de perto a pluralidade dos discursos, os esforços, os conflitos e as negociações
para a construção de posturas municipais, num período em que as instituições envolvidas na
administração do município estavam em fase de experimentação, com poucos recursos e
passando por constantes mudanças em seu desenho político-institucional.
Com a Proclamação da República, o Rio de Janeiro se transformou em um eixo de
irradiação e caixa de ressonância das grandes transformações em marcha pelo mundo.
193
Como a cidade parecia mal preparada para acomodar sua população que crescia dia-a-dia e
mal estruturada para suas novas funções econômicas, uma vez que se tornara um grande
centro cosmopolita ligado à produção e ao comércio europeu e americano,
194
a necessidade
de intervenção pública no espaço da cidade foi colocada em pauta.
Afora as discussões sobre a necessidade das grandes obras públicas para o saneamento
e embelezamento da cidade, outros temas relacionados aos problemas municipais foram
debatidos na administração municipal, como a crise habitacional na cidade, a necessidade de
alargamento das ruas, a construção de pontes etc.
Alguns autores ressaltam que os novos tempos foram marcados por uma concepção de
ordem apoiada na idéia de um “processo civilizador”, em que a população urbana deveria
passar por enquadramento das novas concepções sociais e onde a aparência da ordem deveria
se sobrepor à desordem
195
.
193
SEVCENKO, Nicolau. História da Vida Privada no Brasil República da Belle Époque à era do
radio. 1988. p55
194
SEVSENKO , Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação na Primeira
Republica.
195
PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente viagiadas: o detetive e o urbanista. Rio de
Janeiro : Casa da Palavra 2002. 40
123
Este projeto para a “construção” de uma cidade moderna, com imposição de um novo
ethos aos seus citadinos, pode ser identificado na leitura de teses defendidas na Academia de
Medicina, nos debates e revistas produzidos pelo Clube de Engenharia, nos folhetins
publicados nos grandes jornais e na própria legislação municipal do Distrito Federal.
Contudo, é preciso relativizar a força deste “processo civilizador”. Ao mesmo tempo
em que se observa a criação de uma grande quantidade de leis, regulando tanto os aspectos
materiais da cidade, quanto os hábitos de seus moradores, percebe-se também a existência de
brechas que abrem aos citadinos espaço de ação, para além da mera observância da lei.
Ao analisar os debates acerca das normas de construção residenciais, deparei-me com a
questão da livre construção nos subúrbios, com o problema da ampliação desta prerrogativa
para os novos bairros e com o conflito entre os citadinos e a municipalidade em torno da
exigência do recuo das edificações. Percebi, ainda, constantes discussões acaloradas que me
fizeram questionar esta idéia de um Estado monocórdio, imbuído de pretensões higienistas e
modernizadoras, disposto a ordenar o seu espaço dividindo-o entre a cidade legal, ordenada e
saneada pelas grandes obras públicas, para o deleite da elite dominante, e a cidade do
subúrbio, destinada à classe trabalhadora e abandonada a própria sorte.
Em primeiro lugar, é preciso levar-se em conta que muitas das grandes reformas postas
em prática no período republicado foram fruto de discussões, investimentos e mesmo de leis
urbanas pensadas e postas em execução durante o regime imperial. O próprio programa de
obras executado por Rodrigues Alves e Pereira Passos é considerado fruto do
amadurecimento do relatório da “Comissão de Melhoramentos”, nomeada pelo ministro do
Império e da qual o próprio Pereira Passos fez parte.
196
É digno de nota que o desenvolvimento dos transportes, na segunda metade do século
XIX, foi um dos principais impulsionadores da expansão da malha urbana para os arrabaldes
e para fora dos limites da cidade.
A legislação sobre edificações, com as regras essenciais para construção, também não
teve origem na República. Alguns decretos com incentivos a um formato predeterminado de
construção datam da presença de D. João e sua Corte.
Talvez a principal diferença entre a concepção dos legisladores da lei municipal do
Império e dos legisladores da República tenha sido a percepção sobre os limites da cidade.
Em todos os decretos que tive a oportunidade de ler, redigidos no Império, as normas
técnicas e burocráticas definiam apenas os padrões de residências para os perímetros da
196
Rio Estudos
124
cidade. Já durante a República, e a partir da criação do Conselho de Intendência Municipal
órgão provisório anterior ao Conselho Municipal, Barata Ribeiro sancionou uma lei
definindo rígidas exigências que deveriam ser aplicadas nas construções e obras dentro e fora
dos limites da cidade.
Meses após sua promulgação, o novo Conselho Municipal, criado pela lei orgânica de
20 de setembro de 1892, deu início a um debate revogando esta lei e criando uma outra onde
foi estabelecido que as construções de dentro e fora da cidade passariam a seguir diferentes
parâmetros de construção. Desta forma, oito freguesias da cidade ficaram isentas de
obrigação de envio de pedido de licença e da observância de quase todas as regras.
A aplicação de diferentes parâmetros entre o espaço urbano e a zona rural foi um dos
temas de maior controvérsia sobre o assunto de construções e obras em todo o período
abordado pela pesquisa.
A observação dos debates sobre este tema, de capital importância para a cidade,
explicitou também a participação dos citadinos durante os processos de elaboração das leis,
através tanto da Imprensa, quanto de representações e requerimentos enviados diretamente ao
Conselho Municipal.
As representações, requerimentos e artigos analisados neste trabalho foram redigidos
por uma associação de proprietários da capital, a Sociedade União dos Proprietários e
Arrendatários de Prédios, e por pequenos grupos de proprietários descontentes com o não
cumprimento das leis elaboradas pelo Conselho e por parte dos agentes da Prefeitura, tanto
no que dizia respeito à “liberdade de construção”, quanto na exigência de recuo das
edificações.
O fato de esta entidade formada por proprietários recorrer ao Conselho Municipal para
mudança da legislação é um indício de que estes citadinos acreditavam no poder de atuação
da casa legislativa do município.
Um acontecimento de notória relevância para esta afirmação ocorreu durante a vigência
do Conselho de Intendência Municipal, criado durante o Governo Provisório da República.
Esta mesma associação de proprietários, insatisfeita com o rígido código de posturas
decretado por este órgão, recorreu de imediato não ao Conselho de Intendência, mas ao
Presidente da República, que suspendeu o código e baixou um novo decreto reduzindo a
autonomia deste conselho provisório. A mudança de comportamento desta entidade, após a
criação do novo Conselho, corrobora a tese de que o Conselho era visto pelos citadinos como
um lugar apropriado para suas reivindicações.
125
Face ao exposto, é possível relativizar concepções, como: o governo municipal ficou
limitado à ação administrativa, o Conselho de Intendentes, mesmo eleito, tinha poucas
condições de se opor ao prefeito nomeado: os intendentes estavam dissociados da
representação de seus cidadãos, e a interpretação de que ninguém respeitava as posturas
municipais.
197
O veto dado a muitas resoluções do Conselho sobre as normas de construção na cidade
elucida um momento de confronto aberto entre os membros do Conselho, eleitos pelos
citadinos aptos a votar, e o prefeito, indicado pelo presidente da República.
Diferente da percepção de que a imprensa era o lugar de reclamação de pessoas
relacionadas à burocracia do Estado e de que o conteúdo das reclamações girava em torno de
problemas elementares como segurança individual, limpeza pública e transporte, não
revelando oposição ao Estado,
198
a análise dos grandes jornais e dos registros do poder
público demonstram que as reivindicações também se davam a partir de noções políticas de
interesse geral e de direito reconhecido em lei.
Para os proprietários, a observância das regras era importante, porque em muitos casos
era o único instrumento de defesa contra a onipotência de alguns agentes da Prefeitura. Isto
explica a insistência dos moradores e intendentes para que o parágrafo único que definiu a
livre construção contasse na lei geral, quando poderia simplesmente ignorar as posturas
municipais.
199
É claro que os interesses das empresas construtoras, dos citadinos proprietários e dos
não-proprietários eram muitas vezes antagônicos, mas como tais direitos eram amplos e
válidos para todos, é provável que muitos moradores tenham tomado partido destes
proprietários neste tipo de pendência com a municipalidade.
200
Como o direito à propriedade é um dos principais preceitos do Estado liberal, a
municipalidade sempre encontrou grandes dificuldades em revogar direitos de proprietários e
executar desapropriações em nome da utilidade pública. E na esteira das concessões feitas a
197
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi.
Cia das Letras, 3ª edição 2002.
198
Idem p 146.
199
Juliana de Souza Teixeira faz semelhante observação para explicar a importância da lei
Para os proprietários das casas de apostas quando o governo do Império lançou mão de uma lei
proibitiva contra os jogos de azar. TEIXEIRA. Souza. Cesse as apostas: normatização e controle no Rio
de Janeiro do Período Imperial através de um estudo sobre jogos de azar no Rio Janeiro. Dissertação de
Mestrado (em Historia) 2002. 116f.Universidade Federal do Rio de Janeiro.
200
Thompson a mão Negra p. 61 tese defendida por Thompson ao tratar dos interesses de
agricultores e de sem senhores THOMPSON. E. P.. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: paz e terra, 1997.
126
proprietários das freguesias rurais, o direito também foi estendido aos proprietários dos
novos bairros.
Em todas as representações e requerimentos enviados ao Conselho Municipal pelos
proprietários e nos artigos publicados nos jornais contra abusos dos agentes da Prefeitura, as
reivindicações foram fundamentadas nos parâmetros legais, recorrendo-se em muitos casos a
carta máxima da nação.
Do outro lado, os agentes da Prefeitura, mesmo quando faziam uso abusivo de sua
autoridade, exigindo mais do que era estabelecido nas posturas, também recorriam a
legislação do município, aproveitando-se, não raras vezes, das constantes mudanças da lei,
que aconteciam mais rápido que o término das construções.
O uso deste corpo documental possibilitou algo muito além da análise da ação dos
legisladores e dos executores das leis. Por meio da observação deste arquivo foi possível
perceber estas instituições como espaço de conflito e negociação de interesses, não tão fáceis
de serem negligenciados com uma simples canetada.
127
Obras citadas
1-Publicações Oficiais
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Anais do Conselho Municipal do Distrito Federal (1892-1906)
Anais do Senado Federal(!893, 1894, 1898)
Boletim da Intendência Municipal do Distrito Federal (1892-1906)
2-Periódicos
Biblioteca Nacional – Microfilme PRc – SPR0001
Jornal do Commercio (1892-19898)
3- Livros ,Artigos e teses
ABREU, Maurício de Almeida. Da habitação ao hábitat: a questão da habitação
popular no Rio de Janeiro e sua evolução. in: Revista Rio de Janeiro, nº 10,p,161-177, maio
agosto de 2003.
____________. Evolução Urbana no Rio de Janeiro.Rio de Janeiro. Instituto
Municipal de Urbanismo Pereira Passos. , 2000
AZEVEDO, André Nunes. A reforma Pereira Passos uma tentativa de integração
urbana. Revista do Rio de Janeiro, nº 10,p35-64, maio agosto de 2003. p.36.
BARBOSA, Marialva.Imprensa, Poder e Público: Os Diários do Rio de Janeiro,
1880-1920.1996, Tese de Doutorado em História – IFCH,UFF, Niterói, 1996.
_____________. Os Donos do Rio: imprensa, poder e publico. Rio de Janeiro: Vicio
de Leitura, 2000.
BEENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: em Haussmann Tropical: A renovação
Urbana da Cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: {s.n], 1992.vol
11. Coleção Biblioteca Carioca.
128
BONNEWITZ, Patrice. Primeiras Lições sobre a sociologia de Pierre. Bourdieu.
Petrópolis: Editora Vozes. 2003.
CARDOSO, Lucio Adauto. Ilegalidade Urbanística: questionando algumas hipóteses.
X Encontro Nacional da ANPUR. Disponível em: http://www.cidades.gov.br>. Acesso em
:29 /04/2008.
CARVALHO, José Murilo: Os Bestializados: Rio de Janeiro e a república que foi.
São Paulo, Cia das Letras 1987.
_____________. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
_____________. A formação das almas: o imaginário da Republica no Brasil. São
Paulo: Compahia das Letras, 1990
CARVALHO, Lia de Aquino. Habitações Populares. 2ª edição. Rio de Janeiro [s
n]. 1995. vol 1, Coleção Biblioteca Carioca.
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. “ ‘Governar por retas’: engenheiros na Belle
Époque carioca”. In _______________. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras,
1984.
CERASOLI. Josiane Francia. Modernização no plural: obras públicas, tensões
sociais e cidadania em São Paulo na passagem do século XIX para o XX. 2004. 423 f. Tese
de Doutorado em (História). Universidade Estadual de Campinas.
CHALHOUB. Sidney. Trabalho Lar e Botequim. O cotidiano dos trabalhadores do
Rio de Janeiro da bélle époque. 2ª edição. São Paulo: ed Unicamp, 2001.
___________________. Cidade Febril: Cortiços e epidemias na Corte imperial: São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FLAMORION. Ciro: VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: Ensaios de Teoria
e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus,1997. p. 380.
FREIRE. Américo. A fabricação do prefeito da capital: estudo sobra a construção de
Pereira Passos. In _______________. Revista Rio de Janeiro, n.10, p 113-124, maio-agosto
de 2003.
______________. Uma capital para a República: poder federal e forças políticas
locais no campo político carioca. Rio de Janeiro: PPGHIS – UFRJ, 1998, tese de doutorado.
________________ Guerra de Posição na Metrópole: A Prefeitura e as empresas de
ônibus no Rio de Janeiro (1906- 1948). Rio de Janeiro: ALERJ. FGV,2001
GANTOS, Marcelo Carlos. Processo e crise urbana: A Comissão de Melhoramentos
da cidade do Rio de Janeiro (1870 - 1876).
129
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em nome do Rei: Uma história fundamentada na
cidade.
JAMES, Halston. Utopias arquitetônicas: In: A cidade Modernista: Uma critica a
Brasília e sua Utopia. São Paulo, Cia das LETRAS,1993. pp. 37 a 67
LAGO, Luciana Correa. Favela loteamento: reconstruindo os termos da ilegalidade e
segregação urbana. X Encontro Nacional da ANPUR. Disponível em
http://obeservatoriodametropole.ufrj.br. Acesso em: 29/04/2007
LESSA, Renato. A invenção republicana: Campos Sales, as bases e a decadência da
primeira republica brasileira. 1ª ed.1998. Rio de Janeiro: Topbooks, 2ª edição , 1999.
LOBO, Eulália MARIA l. Correspondência do Comerciante Português Antonio Dias
Leite, residente do Rio no período de Pereira Passos (1903-1906). In Revista Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, n 10, p 101-106, maio-agosto de 2003.
____________; CARVALHO, Lia de Aquino e STANLEY, Mirian. Questão
habitacional e Movimento Operário. Rio de Janeiro: ed. UFRJ, 1989.
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ecos da política: a Capital Federal, 1892 – 1902.
Niterói, PPGH-UFF, Tese de doutorado.
_____________A encenação da questão da higiene: O Conselho Municipal como
teatro (Rio de Janeiro 1892-1902). Dissertação de Mestrado (em historia). Niterói, PPGH-
UFF.
MENDONÇA, Sonia R de. Agricultura, Poder e Estado no Brasil: um projeto contra-
hegemônico na primeira República. In: Mendonça, Sonia; MOTTA, Márcia (org). Nação e
poder: As dimensões da História.
MOTTA, Marly Silva da. Rio de Janeiro: de cidade – capital a Estado da Guanabara.
Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
PECHMAN. Roberto Morses. Cidades estreitamente vigiadas: O detetive e o
urbanista. Rio de Janeiro, Casa da Palavra 2002.
PESAVENTO. Sandra Jatahy. O imaginário das cidades: visões literárias do urbano.
Paris /rio de Janeiro, Porto Alegre: editora universidade UFRGS, 1999.
PINHEIRO, Paulo Sérgio, HALL, Michael M, A classe operária no Brasil: 1889-1930. São
Paulo: Brasiliense, 1981.
PINTO, Surama Conde de Sá. Elites Políticas e o jogo de poder na cidade do Rio de
Janeiro (1900- 1922). Rio de Janeiro: PPGHIS – UFRJ, 2002, tese de doutorado.
REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus prefeitos. Rio de Janeiro: Prefeitura da
cidade do Rio de Janeiro, 1977.
130
Rio Estudos nº211. Um Modelo de plano Urbanístico para o Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, julho de 2006.
Rio Estudos nº249 e 250. Plano do Governo Rodrigues Alves/Pereira Passos (1902-
1906). Disponível em: http://www..armazemdedadosriogov.br.
ROCHA. Oswaldo Porto. A Era das Demolições: idade do Rio de Janeiro; 1870-1920
2ª edição. Rio de Janeiro: [s.n.], 1995. vol 11, Coleção Biblioteca Carioca.
ROLNIK. Raquel. A Cidade e a Lei: legislação política urbana e território na cidade
de São Paulo. Col.Cidade aberta. São Paulo: Studio Nobel – Fapesp, 1997.
SALGADO, Manoel Luis. Micro-historia: reconstruindo o campo de possibilidades .
Topoi, Rio de Janeiro nº 1pp217-22
SANTOS, Ângela M. Penalva; MOTTA Marly Silva da. O “bota -a- baixo” revistado:
o Executivo e as reformas urbanas no Rio de Janeiro, n 10, p 11-34, maio-agosto de 2003.
SANTOS, Joaquim Justino Moura dos. Contribuição ao Estudo da Habitação do
subúrbio do Rio de Janeiro. Freguesia de Inhaúma de 1743 a 1920. 1987. 413f Tese de
Doutorado (em Historia ) PPGHS- UFRJ. Rio de Janeiro.
SANTOS, Noronha. Chorografia do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Benjamim de
Aguiar,1913.
SEVCENKO. Nicolau. Literatura como missão. São Paulo. Brasiliense – 1999.
SILVA, Eduardo. As queixas do povo. Rio de Janeiro ; Paz e Terra 1988.
SIQUEIRA, Carla. A Construção da Memória história da Imprensa Carioca no início
da República. In: História e Imprensa: Homenagem a Barbosa Lima Sobrinho – 100 anos, C7
19, 1998, Rio de Janeiro, Anais do Colóquio. Rio de Janeiro; UERJ/IFCH, 1998.
SIRINELLI, Jean-François. Os Intelectuais. In René Remond (org). Por uma História
Política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996.
SOUZA, Luiz Alberto. Função social da propriedade privada; entre a cidade do
direito e o direito da cidade. 2005. 181f. Tese de Doutorado (em Urbanismo) IPPUR UFRJ
THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: a origem da lei Negra; Tradução Denise
Buttman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo