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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE
MESTRADO
Pesquisa e Clínica em Psicanálise
VALÉRIA CRISTINA CARDOSO GLIOCHE
A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE NA ADOLESCÊNCIA SOB A ÓTICA DA
PSICANÁLISE E DO DIREITO
Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2007
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ii
A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE NA ADOLESCÊNCIA SOB A ÓTICA DA
PSICANÁLISE E DO DIREITO
VALÉRIA CRISTINA CARDOSO GLIOCHE
“DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE
DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO
DO TÍTULO DE MESTRE EM PSICANÁLISE”
ORIENTADOR: LUCIANO ELIA
RIO DE JANEIRO, SETEMBRO DE 2007
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iii
A meus falecidos avós
Angelo Geraldo Glioche e Ondina Moreira Glioche por
tudo o que foram na minha vida.
A meus filhos amados
Gabriella, Bernardo e Sofia.
A meu marido Ronaldo
Companheiro desta jornada...
iv
Agradecimentos:
- a meu marido Ronaldo, pelo auxílio, pela paciência, pelo
companheirismo, pelo amor;
- a minhas primas Patrícia, Lucia e Angélica pelas dicas,
orientações e indicações de livros na área do Direito;
- a minhas amigas Patrícia Schmid e Patrícia Alves pelo
constante incentivo e amizade;
- a Paula Kleve, pela Vorstellungen;
- a Luciano Elia, por ter aceitado me orientar;
- a meus pais, pelos Züge.
Agradecimentos especiais a todo corpo docente do mestrado em
Psicanálise da UERJ, pela disposição com a qual se dedicam à
difícil tarefa da transmissão.
v
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo pesquisar a
questão da responsabilidade na adolescência, tendo em vista
que para o Direito o adolescente é penalmente irresponsável
(inimputável). Buscamos compreender quem é este sujeito que
transgride, utilizando os conceitos de Freud e Lacan.
A partir do atendimento a adolescentes em conflito com a
lei, analisamos os efeitos da inimputabilidade no
comportamento destes jovens. Por fim, apontamos a diferença
existente entre punir e responsabilizar ressaltando que a
punição não necessariamente implica na responsabilização do
sujeito pelo ato cometido.
ABSTRACT
This study investigates the issue of responsibility in
adolescence, considering the fact that law in Brazil
conceives adolescents as not legally responsible for their
criminal actions. Through the work developed directly with
youth who had broken the law, the author discusses the impact
of not being legally responsible on these adolescents’
behaviors. The theoretical framework developed by Freud and
Lacan is presented as the basis of this study.
The author also discusses the difference between
punishment and responsibility, highlighting that to be
punished not necessarily leads to take responsibility for
your action.
vi
SUMÁRIO
Introdução...................................................
................... 1
Capítulo 1: A responsabilidade Penal
........................................10
Capítulo 2: O sujeito da Psicanálise
........................................ 24
2.1 - O surgimento do sujeito na história
.......................... 24
2.2 - A realidade é psíquica
......................................... 32
2.3 - O surgimento do sujeito
....................................... 35
2.4 - Para além do princípio de prazer
............................. 41
2.5 - O falo
........................................................
.. 46
2.6 - Uma nova ação psíquica
........................................ 50
2.7 – Começa a se delinear o eu
..................................... 55
2.8 - A agressividade
.................................................59
Capítulo 3: Casos
.............................................................
62
3.1 – O marginal
.......................................................62
vii
3.2 – A viciada
.........................................................68
Considerações Finais
..........................................................73
Sobre a responsabilidade
..............................................81
Bibliografia.................................................
....................86
viii
INTRODUÇÃO
O adolescente transgressor traz grandes
dificuldades tanto para os profissionais do campo da Justiça
quanto para os do campo da Saúde. Por possuir ainda um
“desenvolvimento mental incompleto”,
1
a legislação que os
rege compreende particularidades que visam a garantia de um
crescimento físico, mental e social adequado. É justamente na
interseção entre o que a Justiça e a Saúde consideram um
adequado desenvolvimento mental ou psíquico que os problemas
se dão. É freqüente vermos adolescentes transgressores sendo
tratados pelo aparelho judiciário como portadores de uma
deficiência qualquer que precisa ser “consertada”; com
medicação específica ou com terapêutica comportamental. Como
se, fazendo os ajustes necessários em uma máquina que vem
funcionando mal ou ainda extirpando variáveis exteriores
2
àquele sujeito, garantimos uma “adequação” deste à vida em
sociedade. O objetivo é “reformar” o sujeito, como se ele
tivesse “erros” que podem ser consertados por nós.
1
Expressão utilizada em nosso “Código Penal” artigo 26.
2
Exteriores como aquilo que o sujeito não pode controlar, alheio à sua
vontade
ix
Eis aqui o grande desafio para o psicanalista que atende
esses jovens, já que trabalhamos com um sujeito que comete um
ato que é de sua autoria e não de outrem, e que pode se
responsabilizar por suas escolhas, ações e, por que não
dizer, pelo seu sintoma. E é assim que tomamos os atos
agressivos, infracionais e transgressores destes sujeitos
que, cada vez mais, chegam aos serviços de saúde mental: como
um sintoma que fala sobre a verdade daquele sujeito.
Apesar de no Estatuto da Criança e do Adolescente estar
prevista a aplicação de medidas sócio-educativas caso tenha
existido a prática de ato infracional,
3
o que observamos
acontecer é a existência de uma lógica confusa entre a
história pregressa daquele indivíduo, - por exemplo o estado
de pobreza destas pessoas -, com o fato de necessitarem
responder pelos seus atos. Como se, por aquele indivíduo
possuir história de abandono pelos pais, ou viver em precária
situação social, ou ainda ser órfão, isto por si só
“justificaria” seu ato, relevando-se assim o motivo de suas
ações e sendo encaminhados para tratamento. Além da
necessidade de questionarmos porque jovens que cometem atos
infracionais indispensavelmente precisam de tratamento, não
entendíamos porque não deviam prestar conta de seu ato. Assim
podemos entender porque em 1999 as enfermarias do Hospital
Vicente Resende
4
viviam com seus 40 leitos destinados a
adolescentes em grave crise psiquiátrica, preenchidos mês
após mês.
5
3
As medidas sócio-educativas podem ser: advertência verbal, obrigação de
reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
inserção em regime de semi-liberdade, ou internação em estabelecimento
educacional.
4
Este hospital faz parte do Instituto Municipal Nise da Silveira.
5
Após longo trabalho no sentido da desinstitucionalização de crianças e
adolescentes que, muitas vezes, passavam meses internados em enfermaria
psiquiátrica, conseguimos reduzir o número de leitos para 12 (doze) o que
implicou em trabalho mais rigoroso nas indicações para internação e em
x
Este hospital tem como principal característica ser o
único recurso público de todo o Estado a possuir internação
psiquiátrica para crianças e adolescentes em grave sofrimento
psíquico. O hospital possui três modalidades de atendimento:
(a) internação - para pacientes em grave crise psiquiátrica,
onde o recurso da atenção diária não se mostra suficiente;
(b) centro de atenção diária - tem como objetivo o trabalho
intensivo com a clientela em grave sofrimento psíquico,
possibilitando a queda no número e na freqüência de
internações, propiciando inclusive que muitos adolescentes
não experimentem este recurso, já que funciona em caráter
diário e integral no formato de oficinas terapêuticas; (c) o
ambulatório - serviço com importante papel na rede de
serviços de saúde mental do Estado por realizar uma interface
entre a alta da enfermaria e seu posterior encaminhamento
para a rede de saúde do Estado/Município, além de ser a
principal referência da zona norte da cidade do Rio de
Janeiro. Minha função neste serviço consistia em coordenar e
supervisionar a equipe de profissionais: psiquiatras,
psicólogos, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e
funcionários que faziam a recepção do serviço, além de
possuir uma agenda com atendimento semanal neste ambulatório.
Dos atendimentos realizados, alguns adolescentes encontravam-
se em conflito com a lei, tendo eles fornecido a semente que
desencadeou este trabalho.
Nestes últimos anos trabalhando com pacientes com grave
sofrimento psíquico, nos espantava a quantidade de
adolescentes sem sintomatologia psiquiátrica que se
encontravam internados. É corriqueiro inclusive se dizer, nos
maior interlocução com as Varas da Infância e Juventude. Informações
colhidas no Núcleo de Informações Gerenciais (NIG) do Instituto Municipal
Nise da Silveira.
xi
serviços de saúde mental, que este serviço – a enfermaria –
era o “fim da linha”, devido a ser um recurso extremo que
serviria como freio, como recurso último para impedir
determinado comportamento. Tal situação se devia ao fato da
Justiça ordenar a internação por interpretar que “atos
infracionais” eram motivo de internação, ou melhor, que
aqueles adolescentes por cometerem tais atos, não poderiam
estar “em perfeito juízo”. Esta atitude por parte dos
representantes da Justiça nos aponta uma forma de concepção
da infância e adolescência como uma etapa primorosa e sem
problemas da vida e qualquer desajuste nesta fase, a
responsabilidade é do biológico (deficiência mental,
disfunções orgânicas, etc.), da deficiente educação dos pais
ou da total falta dela. Outra constatação que pudemos fazer
nas interlocuções que tais casos propiciaram era um grande
sentimento de “culpa” dos representantes da Justiça pelo
estado atual daquele adolescente, tendo em vista a
impossibilidade de se fazer cumprir o que preconiza o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Era como se a
internação servisse como alternativa possível naqueles casos,
uma forma de “compensação” não os tratando como infratores
6
,
mas como doentes. Além de estas internações acontecerem por
mandado judicial, ou seja, não passarem por avaliação da
equipe do hospital,
7
tínhamos enorme dificuldade no
encaminhamento daqueles pacientes após a alta, já que muitos
não possuíam mais vínculos familiares ou não eram mais
aceitos por estes. Os abrigos da rede de assistência social,
alternativa existente justamente para estes casos, tinham
enorme dificuldade em receber esta clientela, alegando “falta
6
No sentido daquele que comete um ato infracional.
7
O juiz assina uma determinação judicial para internação que não pode
ser contestada, independente da concordância ou não da equipe de saúde
mental.
xii
de vaga”, o que acarretava em meses de reclusão/internação.
Mesmo estando com alta médica, por serem adolescentes,
estavam sob “nossa responsabilidade” juridicamente, devendo
nós, como instituição, responder pela guarda e cuidados
daqueles jovens.
Esta configuração, - lugar de tratar ser o mesmo lugar
onde se prende - já trazia por si só muitos complicadores
possíveis.
8
Porém, a decisão de elaborar esta pesquisa só
nasceu a partir de uma situação vivida com a Justiça em
relação a uma paciente adolescente. Silvia, como vou chamá-
la,
9
era moradora de um município do Estado do Rio de Janeiro
e tinha inúmeras internações em nosso hospital, todas
ocasionadas por seu comportamento agressivo. Em sua primeira
infância, foi retirada do convívio familiar por denúncia de
maus-tratos feita pelos vizinhos. Sua mãe era alcoólatra e
seu padrasto era acusado por ela de abuso sexual. Esta
paciente era uma dos que passavam longos períodos de tempo
internados, pela dificuldade de se encontrar um abrigo que a
aceitasse. Nestes longos períodos que passava internada fez
um forte vínculo com alguns membros da equipe. Era atendida
por uma psicanalista, mas por ser muito demandante, “sem
limites” (expressão que já virou jargão em muitas equipes) e
agressiva, também outros profissionais se dispunham a ouvi-
la, sendo eu uma destas. Silvia não desconhecia a
responsabilidade do hospital perante ela e por isso, inúmeras
vezes ensaiava fugas. Numa destas, pulou as grades do
8
O paciente estava em tratamento e deveria ter os profissionais de saúde
como seus aliados, porém, como se encontravam com sua liberdade tolhida,
passavam sua estadia ali dizendo já estarem melhores (independentes de
estarem ou não) e solicitando insistentemente sua alta. Desta forma,
tentavam mascarar seus sintomas e desconfiavam dos profissionais,
receosos de que suas ações pudessem ser interpretadas como se devessem
permanecer por mais tempo internados.
9
Os nomes deste trabalho foram trocados, com o intuito de preservar a
privacidade das pessoas.
xiii
hospital sendo seguida por um guarda e pela diretora da
instituição e foi para o meio da rua, fazendo com que um
ônibus parasse abruptamente a centímetros de seu corpo. Ria,
olhando para os técnicos do outro lado da grade. Este
acontecimento nos fez não mais tentar impedi-la de fugir.
Poderia ir se quisesse, o que, é claro, ocasionou a
interrupção das fugas, indo muitas vezes embora calmamente,
mas voltando algumas horas depois. Após inúmeros atos
agressivos com os técnicos do hospital e com as outras
pacientes internadas (se aprazia em socar a barriga de uma
adolescente grávida) e tendo quebrado o carro de uma das
técnicas, resolvemos, após muitas discussões em equipe,
encaminhá-la para a delegacia de menores, DPCA, para que
respondesse por seus atos. Visávamos a que a Lei, encarnada,
pudesse produzir algum efeito para aquela paciente. Porém, os
técnicos da justiça (promotores, assistentes sociais e
psicólogos) interpretaram nossa atitude como “irresponsável”,
já que a adolescente era “inimputável”, não só por sua idade,
mas também pelo fato de estar em tratamento. A promotora de
justiça da Vara da Infância e Juventude, segundo sua própria
avaliação, ou seja, sem escutar nenhum profissional que
atendia Silvia, aplicou a remissão do ato praticado e
encaminhou-a para uma clínica particular fora do Estado,
devendo o Município onde a adolescente residia custear o
tratamento.
Consultando um pouco mais o Estatuto da Criança e do
Adolescente, no capítulo V, onde se trata da remissão,
encontramos o seguinte:
ART. 126Antes de iniciado o procedimento
judicial para apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a
xiv
remissão, como forma de exclusão do processo,
atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato,
ao contexto social, bem como à personalidade do
adolescente e sua maior ou menor participação no ato
infracional.
PARÁGRAFO ÚNICO – Iniciado o procedimento, a
concessão da remissão pela autoridade judiciária
importará na suspensão ou extinção do processo.
10
Ou seja, os Promotores de Justiça em atuação na Vara de
Infância e Juventude, em seu próprio arbítrio, interpretando
o ocorrido como não suficiente para se chamar aquele sujeito
a responder por ele, podem conceder a remissão o que
ocasionará na suspensão ou extinção do processo. Foi
exatamente o que aconteceu no caso mencionado, não havendo a
necessidade da parte que sofreu o dolo e promoveu a notícia
do fato ser ouvida. Não é de se espantar o aumento assustador
de crianças e adolescentes que vem sendo utilizados em crimes
e no tráfico de entorpecentes...
Foi então, a partir deste posicionamento dos técnicos da
Justiça, sobre esta “inimputabilidade” na infância e na
adolescência, que me vi convocada para este tema. Perguntava-
me então, como conjugar o atendimento psicanalítico que,
dentre outras coisas, visa à implicação e a responsabilização
do sujeito pelos seus atos, com a afirmação da Justiça,
instituição que encarna a lei e determina direitos e deveres
dos cidadãos, de que aquele sujeito não pode se
responsabilizar?
O desafio que percebo é como incluí-los em uma lei, às
restrições e renúncias que a vida civilizada impõe, quando
todo ato jurídico, nesta etapa da vida, visa o não-encontro,
a não-responsabilização, uma proteção que exclui o sujeito
10
Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990:46 (o grifo é meu).
xv
enquanto aquele que age porque fez uma escolha (consciente ou
não) e não por falta de “maturidade”.
Qual então pode ser a direção de um trabalho com estes
adolescentes, sem concebê-los como “defeituosos”, tomando
suas ações como um posicionamento singular de um sujeito?
Como responsabilizá-los quando a Justiça os toma como
irresponsáveis? Qual seria a direção a tomar com adolescentes
transgressores quando convocam com seus atos a aplicação da
lei e esta os exclui como exceções? Quando a suposta
benevolência em poupá-los de se responsabilizarem por seus
atos se transforma em ato que os exclui como sujeitos?
Uma explicação sobre o tema se faz necessária. Nossa
intenção de compreender a responsabilidade na adolescência
requer, no momento em que vivemos, um esclarecimento. Não
desconhecemos que atualmente vem sendo discutida
enfaticamente a redução da maioridade penal. Sabemos que os
atos criminosos em qualquer faixa etária representam um
perigo para a sociedade e seu maior interesse é torná-los
inócuos, estabelecendo com o castigo, um exemplo intimidante.
Também reconhecemos que toda sentença pressupõe a compreensão
psicológica de quem a executou, ou seja, a justa ponderação
de seus motivos. A pessoa que pratica o mesmo fato pode,
segundo sua motivação, ser condenado ou absolvido. Matar um
homem, se este é um inimigo de guerra, é digno de elogio; se
a morte é de um agressor em defesa própria, considera-se
legítima defesa; o crime passional é motivo de controvérsias,
algumas vezes sendo perdoado; mas o assassinato para roubar é
condenado unanimemente. Todos os casos citados são o mesmo
fato, mas valorizamos de maneira distinta as diferentes metas
do autor e suas diferentes motivações. Sem o conhecimento dos
motivos que levam alguém a cometer um crime, não é possível
avaliar com exatidão seu ato.
xvi
Sabemos também que um trabalho como este, em que se
discute a responsabilidade na adolescência, deve instigar a
sociedade, visto que, atualmente este assunto vem sendo
amplamente discutido nos meios de comunicação. O estudo
teórico deste tema vem sendo recebido como um bálsamo que
poderia vir a resolver os problemas relativos a adolescentes
que se portam como inimigos da sociedade. Esclarecemos que
nosso objetivo não é “proteger” o adolescente da sociedade, e
nem o inverso, mas discutirmos tema tão caro para a
psicanálise como a responsabilidade.
Nosso estudo não tem como objetivo definir qual a idade
adequada para que um jovem possa responder por seus atos, mas
teorizar e apontar quais as conseqüências, positivas ou
negativas, da impossibilidade de um sujeito poder responder
por um ato seu, cometido em seu nome. Da mesma forma, não
preconizamos com estas indagações o aumento da repressão, na
forma simplória “fez, deve pagar”, mas sim o questionamento
dos supostos benefícios e/ou malefícios que tal interpretação
possa ocasionar aos jovens em conflito com a lei. Também
sabemos que alguns setores da sociedade defendem a redução da
maioridade penal como solução para a delinqüência juvenil,
porém não nos iludimos que tal atitude não solucionaria o
problema da transgressão, pelo contrário, atenderia apenas a
interesses políticos retrógrados, preconceituosos e
maniqueístas.
Para dissertarmos sobre o tema pretendemos uma
investigação sobre o porquê da irresponsabilidade da criança
e do adolescente à luz do Direito, quais as bases teóricas
para esta assertiva, fazendo um contra-ponto com a
necessidade da implicação dos menores e seu reconhecimento
como sujeito.
xvii
No primeiro capítulo visamos estudar o conceito de
inimputabilidade e responsabilidade para o Direito e quais as
teorias que sustentam a inimputabilidade para os menores de
18 anos. Neste capítulo citaremos alguns autores do Direito e
suas posições frente ao tema da inimputabilidade. No capítulo
2 desenvolveremos o conceito de sujeito para a psicanálise.
Quem é este que nomeamos “eu”? Quem é este que age em nós?
Pretendemos, conhecendo como se estrutura o sujeito,
compreender a assunção da responsabilidade. No terceiro
capítulo, buscaremos estudar, através do exame de
adolescentes em conflito com a lei atendidos por nós, qual a
importância da questão da responsabilidade no tratamento
destes jovens. No capítulo final, em posse do conceito de
responsabilidade para o Direito e elaborada a questão de quem
é o sujeito, sinalizamos reflexões para as questões
levantadas.
Adiantamos que o que será exposto aqui não esgota a
questão. Este trabalho será complementado posteriormente com
entrevistas a adolescentes em conflito com a lei, o que já
nos foi disponibilizado por um contato no Ministério Público.
Julgamos que tais entrevistas poderão nos fornecer dados
importantes de como estes jovens lidam com a lei e com os
ideais.
xviii
1 - A Responsabilidade Penal
Encontramos a seguinte definição de responsabilidade no
dicionário: “obrigação de responder pelos seus atos ou de
outrem”. Para responsável: “que responde pelos seus atos ou
pelos de outrem; que tem compromissos; pessoa que deve
cumprir certas obrigações”.
11
O Direito Penal toma a responsabilidade e
imputabilidade
12
como conceitos similares, tornando
indiferente o emprego de um ou outro.
13
Portanto, inimputável
é o indivíduo considerado não responsável pelos seus atos
para o Direito Penal. Nelson Hungria conceitua a
responsabilidade penal para o Direito da seguinte forma:
A responsabilidade pressupõe no agente,
contemporaneamente à ação ou omissão, a capacidade de
entender o caráter criminoso do fato e a capacidade de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Pode,
então, definir-se a responsabilidade como a existência
dos pressupostos psíquicos pelos quais alguém é
chamado a responder penalmente pelo crime que
praticou.
14
Em nosso Código Penal encontramos nos artigos 26 e 27 os
casos em que o sujeito é considerado irresponsável.
11
Bueno, F. S. - Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro,
MEC/FENAME, 1979, 11ª edição/2ª tiragem
12
Para a definição de imputabilidade, remeto o leitor à página 14.
13
Hungria, N. - Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Edição
Revista Forense, 1955, 3ª edição, vol. I, tomo 2°, arts. 11 a 27, p. 314.
14
Idem, ibidem. O grifo é meu.
xix
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso
do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Art. 27. Os menores de dezoito anos são penalmente
irresponsáveis, ficando sujeitos às normas
estabelecidas na legislação especial.
De acordo com o Código Penal, os menores de dezoito anos
e os loucos são, previamente, excluídos de qualquer
possibilidade de se responsabilizar por seus atos. No caso
dos loucos o juiz deve solicitar laudo psiquiátrico para que
se constate a existência da doença mental. Com os menores de
dezoito anos a causa biológica (imaturidade) é suficiente
para que não seja atribuída a responsabilidade penal, não
havendo necessidade de nenhuma indagação psicológica ou
psiquiátrica. Este critério é utilizado, segundo Nelson
Hungria, por estar de acordo com uma política criminal e
predomina sobre o artigo 156 do antigo Código Civil que
dizia: “o menor entre 16 e 21 anos, equipara-se ao maior
quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for
culpado”. O Novo Código Civil traz uma inovação. Nele
independe a idade do menor: todos
são considerados
responsáveis como consta no artigo 928:
O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as
pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de
fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo,
que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do
necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem.”
15
15
Novo Código Civil: Exposição de Motivos e Texto Sancionado. Brasília:
Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002.
xx
Portanto independe se o menor é responsável civilmente,
ainda assim, é considerado penalmente inimputável.
A política criminal a que se refere Hungria contém os
seguintes princípios:
Ao invés de assinalar o adolescente transviado com o
ferrete de uma condenação penal, que arruinará, talvez
irremediavelmente, sua existência inteira, é
preferível, sem dúvida, tentar corrigi-lo por métodos
pedagógicos,
prevenindo a sua recaída no malefício. O
delinqüente juvenil é, na grande maioria dos casos, um
corolário do menor socialmente abandonado, e a
sociedade, perdoando-o e procurando, no mesmo passo,
reabilitá-lo para a vida, resgata o que é, em elevada
proporção, sua própria culpa. (...) A defesa dos
pequenos homens, notadamente contra o seu abandono
moral, assumiu o mais alto relevo, desde que se
compreendeu que estava aí, em grande parte, a solução
de um dos mais graves problemas sociais, qual seja o
da prevenção da delinqüência.
16
Hungria
17
afirma que “toda criança é boa por natureza” e
se refere a Freud por suas descobertas sobre a sexualidade
infantil como “denegridor da espécie humana”. Corrobora suas
afirmações citando algumas pesquisas e diversos autores,
dentre eles um juiz de menores
18
em Barcelona que afirma que a
assistência material e moral do Estado tem o poder de anular
a influência nociva adquirida no convívio familiar.
Retomando o artigo 26 do Código Penal, o que seria
determinar-se de acordo com o entendimento do caráter
criminoso do fato? (o grifo é meu) Alguns pensadores do
16
Hungria, N. - Comentários ao Código Penal , p. 353-354, grifo meu.
17
Nelson Hungria foi ministro do Supremo Tribunal Federal, Membro da
Comissão Revisora do Anteprojeto do Código Penal e da Comissão
Elaboradora dos Anteprojetos da Lei das Contravenções Penais.
18
Cuello Calón.
xxi
Direito
19
, conscientes do embaraço que tal frase promove,
defendem a idéia de que a vontade psicológica não deve ter
relevância jurídica. Argumentam:
O nexo de responsabilidade se estabelece porque assim
o exige a norma jurídica, desde que não acontece o que
ela mandava que acontecesse. Pouco importa que o
agente tenha ou não capacidade de querer. Ao invés de
dizer-se: há pena porque há culpa, deve-se dizer: há
culpa porque há pena.
20
De maior consenso porém no Direito Penal, o elemento
“vontade”, apesar do reconhecimento de ser suscetível à
diversas interpretações, é de fundamental importância para a
imputação da responsabilidade, assim como a análise de todas
as variáveis que levaram o sujeito ao crime e,
conseqüentemente, a imputação da pena, afinal, argumentam,
“para atribuir-se a alguém uma obrigação como conseqüência de
um ato ilícito, são indispensáveis requisitos ulteriores à
disposição da norma, e precisamente eles é que constituem as
condições fundamentalmente psicológicas da responsabilidade
jurídica.
21
Desta forma o Direito Penal adota a posição que
todo o indivíduo é moralmente responsável (exceto aqueles
citados no artigo 26 e 27), ou seja, capaz de escolher dentre
as ações possíveis, aquela que julga mais adequada conforme
os preceitos de sua cultura.
Zaffaroni conceitua a culpabilidade como
a reprovabilidade do injusto ao autor, que só é
possível quando revela que o autor atuou com uma
disposição interna contrária à norma violada. Ao não
19
Podemos citar Kelsen, Gareis e Scarano.
20
Hungria, N. - Comentários ao Código Penal , n.r.p. 320.
21
Idem, ibidem, n.r.p. 320.
xxii
ser motivado pela norma, quando podia e era exigível
que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna
contrária ao Direito.
22
O conceito de culpabilidade foi também amplamente
descrito por Álvaro Mayrink
23
através de um estudo histórico
onde analisa as diversas etapas que foram necessárias para a
construção do conceito até chegarmos ao que é utilizado
atualmente:
1°) etapa psicológica; a culpabilidade tinha seu enfoque
direcionado para a atribuição psicológica de uma ação.
2°) etapa psicológica normativa; a culpabilidade se
baseava sobre a reprovabilidade do autor por tal ação.
3°) etapa normativa pura, conceito estritamente
normativo utilizada hoje (1984), considera a vontade separada
da ação.
24
Álvaro Mayrink defende a tese de que o cidadão não tem
nenhuma outra obrigação senão a de obedecer as leis. O que
passa a ser reprovável ao autor do ato ilícito, onde será
averiguada a culpabilidade, é o fato dele ter realizado um
ato “injusto”
25
quando podia eximir-se de fazê-lo. O que está
agora em questão não é mais o autor do ato e sim o ato do
autor.
Para o Direito Penal a responsabilidade não prevê
variações: ou se é responsável ou se é irresponsável. O que
varia e será mensurável caso o autor do crime seja
22
Zaffaroni, Manual de Direito Penal Brasileiro, RT, 2ª ed., 1999,
345,601, apud Costa, A. M. - Direito Penal, Rio de Janeiro, Editora
Forense, 2005, parte geral, vol. II, p. 1092.
23
Advogado criminal, desembargador do Tribunal de Justiça do RJ,
presidente do Fórum Permanente da Execução Penal.
24
Costa, A. M. Direito Penal, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2005,
Parte Geral, vol. II, 7ª edição, p. 1103.
25
Expressão utilizada nos livros de Direito. Refere-se ao ato ilícito,
contra as leis.
xxiii
considerado responsável é a “culpabilidade”, como medida da
gravidade do crime e para a imputação da pena. A
imputabilidade seria “a capacidade psíquica de ser sujeito da
reprovação de compreender o injusto do fato e de determinar-
se conforme esse entendimento”
26
. Para que possa ser atribuído
ao autor “culpabilidade” é preciso primeiro que seja
imputável. O conceito de inimputabilidade no caso do art. 26
é definido pela incapacidade psíquica de culpabilidade do
autor do injusto penal.
27
Passemos portanto à discussão sobre a inimputabilidade
na infância e adolescência. Em nosso Código Penal os menores
de 18 anos são penalmente inimputáveis e estão sujeitos à
legislação específica
28
. O Código Penal francês de 1994 no
art. 122-8 determina condições para que sejam aplicadas penas
contra menores com mais de treze anos. O SGtB de 1998, § 19,
prevê a isenção de responsabilidade a quem no momento da ação
não tenha catorze anos. Nosso código de 1890, art. 27, § 1°,
estabelecia a inimputabilidade até os nove anos de idade.
Entre os nove anos e os 14, o juiz estaria incumbido de
verificar discernimento quando na realização do ato
infracional. Somente em 1921 esta lei foi revogada
29
,
substituindo-a pela que dispunha que qualquer menor de 14
anos, autor de fato punível, não seria submetido a qualquer
ação penal. A Consolidação das Leis Penais, art. 27, § 1°,
diz que “não são criminosos os menores de 14 anos” e de 14 a
18 anos deveriam ser submetidos a processo especial, podendo
ser internados em escola de reforma, pelo prazo mínimo de
três anos e máximo de sete anos. Será em 1940 e 1984 com o
atual Código Penal que os menores de 18 anos se tornarão
26
Costa, A. M. - Direito Penal , p. 1120.
27
Idem, ibidem, p.1123.
28
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
29
Lei n° 4242 de 5 de janeiro de 1921, art. 16, § 3°.
xxiv
inimputáveis, não sendo admitida nenhuma justificativa ou
consideração em contrário
30
.
31
O Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação
específica destinada aos menores de 18 anos, prevê a
“proteção integral à criança e ao adolescente”
32
, colocando a
criança como prioridade absoluta, sendo dever da família, da
sociedade e do Estado, protegê-la. As medidas sócio-
educativas, que prevê o Estatuto, são aplicáveis apenas aos
adolescentes que praticam atos infracionais
33
. O infrator com
menos de 12 anos estará sujeito às medidas protetivas
estabelecidas pelo art. 101 do ECA.
O menor infrator de 12 a 18 anos, após seu ato
infracional ter sido analisado quanto à gravidade, pode ser
destinado a internação
34
em local adequado. Tal medida não tem
como objetivo a punição, como é o sentido da pena para
maiores de 18 anos, mas sim o de uma assistência educativa.
As unidades de internação da Funabem e Febens foram
concebidas de acordo com o modelo desenvolvido por Winnicott
35
para crianças órfãs em razão da Segunda Guerra Mundial. Após
o sistema educacional brasileiro ter sido afetado pela
Doutrina de Segurança Nacional, estas unidades passam a
adotar conceitos do militarismo, enfatizando a obediência,
segurança e disciplina. Na segunda metade da década de 80,
com a discussão dos direitos humanos, impulsionada pelo
repúdio ao regime militar, é promulgada a Constituição
Federal de 1988, que objetivava entre outras coisas,
30
Hoje também na Constituição Federal, art. 228.
31
Costa, A. – op. cit., p. 1125-6.
32
Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 1°.
33
Com idade entre 12 e 18 anos
34
Consiste em medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. ECA, art. 121.
35
Winnicott, D. W., Privação e Delinqüência, São Paulo, Editora Martins
Fontes, 2005, 4ª edição.
xxv
assegurar ao cidadão que ele não seria vítima do Estado e dos
Governos. Finalmente em 1990 é aprovado o Estatuto da Criança
e do Adolescente, assegurando os direitos da criança e do
adolescente. Passamos a compreender de forma diferenciada o
ECA, assim como a Constituição, após analisá-los em sua
conjuntura histórica, ou seja, tributários de um intenso
sentimento de rechaço ao regime militar. Desta forma, o ECA
também tinha como objetivo colocar limites às ações dos
atores que circundam as crianças e adolescentes, como juízes,
polícia, instituições e mesmo os próprios pais.
36
Alguns autores do Direito discutem a questão da
inimputabilidade na infância e adolescência. Heloísa Tavares,
advogada e professora de Direito Penal, no texto Idade Penal
(maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até
o código de 1969 após exposição da evolução do direito de
menores no Brasil, conclui dizendo: “... Os menores passaram
por exaustivos sacrifícios, inclusive tendo que pagar com a
própria vida, até alcançarem a garantia de seus direitos
fundamentais.
37
Francisco de Assis Toledo,
38
ressalta que o fato da
maioridade penal ser fixada em 18 anos não indica que essa
idade seja o momento preciso que o sujeito possa discernir
claramente entre o certo e o errado e se auto-determinar
segundo sua compreensão. Considera, entretanto,
36
Silva, R. , 300 anos de construção das políticas públicas para crianças
e adolescentes in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 2000, ano 8, n° 30 – abril-junho.
37
Tavares, H. G. M. Idade Penal (maioridade) na legislação brasileira
desde a colonização até o código de 1969 (2004) in Boletim do IBCCRIM,
São Paulo, Ameruso Artes Gráficas, ano 12, n° 144, grifo meu.
38
Foi ministro do Superior Tribunal de Justiça, Membro e coordenador das
Comissões de Reforma Penal de 1984 e professor visitante da Universidade
de Brasília.
xxvi
um limite razoável de tolerância recomendado pelo
Seminário Europeu de Assistência Social das Nações
Unidas de 1949, em Paris, tanto que podemos afirmar
ser o limite de 18 anos praticamente regra
internacional, sendo adotado pela maioria dos países,
ou com pequenas variações para mais ou para menos.
39
No primeiro grifo observamos a visão romantizada dos
menores que são classificados como exceções para o Direito.
Viveram sacrifícios até obterem a garantia de seus direitos
fundamentais. Por acaso está dentro destes direitos
excepcionais a possibilidade de matar ou ferir? Sabemos que
não, no entanto, para tratarmos de questão tão complexa,
precisamos transpor tanto uma visão romântica da juventude
quanto a posição extrema: de rechaço, rigidez ou
simploriamente punitiva. A argumentação dos autores prevê que
a “não responsabilização” nesta etapa da vida lhes
permitiria, com a ajuda educativa do Estado, uma reforma
interna para que tivessem possibilidade de se ajustar. Para
fundamentar este argumento precisamos entender porque o
adolescente teria esta possibilidade e um adulto não. Por que
razão acredita-se que durante esta fase o menor tem mais
chances de se redimir ou não cometer o mesmo ato
posteriormente e outro indivíduo, maior de 18 anos, não teria
esta possibilidade? O que quer dizer o “limite razoável de
tolerância que se refere o segundo artigo? Ter tolerância
aos crimes nesta idade resultaria na diminuição ou extinção
destes posteriormente?
Percorrendo os autores do Direito na tentativa de
compreender a relevância do artigo 27 do Código Penal,
esbarramos em Karyna Sposato. A autora associa agressividade
à pobreza e argumenta que uma suposta “diminuição da
maioridade penal” teria como conseqüência apenas o
39
Toledo, F. A. - Princípios Básicos de Direito Penal, (1999), São Paulo,
Editora Saraiva, 1999, 5ª edição, p.320, grifo meu.
xxvii
“incremento” do número de presos, em vez de se trabalhar no
sentido contrário.
Parece-me que muitos dos dilemas nesta questão do
jovem infrator reside nesse aspecto da
responsabilidade e do objetivo da medida
socioeducativa prevista pelo estatuto. (...) Em
primeiro lugar, cabe uma reflexão mais apurada acerca
do que significa responsabilizar diferentemente um
jovem de 17 anos e outro de 18 anos por atos
praticamente idênticos do ponto de vista da tipicidade
penal. Trata-se, a meu ver, de uma opção de política
criminal consistente, que ao estabelecer um limite
para a imputação penal, oferece uma oportunidade
diferenciada para a juventude delinqüente.
O critério de 18 anos para a imputabilidade penal não
se relaciona com a capacidade ou incapacidade de
entendimento dos jovens abaixo dessa idade, e sim como
uma opção acerca da conveniência em não submetê-los ao
sistema reservado aos adultos como forma mais
eficiente para prevenir essa modalidade de
criminalidade.
40
Neste texto, a autora aponta algumas justificativas para
a não responsabilização dos adolescentes pelos seus atos.
Cito alguns deles: 1) apenas 8,6% dos crimes praticados por
adolescentes serem contra a vida; 2) a prisão ser um dos
maiores mecanismos de propulsão da criminalidade,
reproduzindo e aumentando a violência. 3) remeter os 10% de
adolescentes infratores ao sistema penitenciário implicar no
aumento da lista de presos que aguardam vaga nos presídios.
41
Toda sua argumentação tem em vista o que estabelece o
“Estatuto da Criança e do Adolescente”, apontando que o mesmo
40
Sposato, K. - O jovem: conflitos com a lei. A lei: conflitos com a
prática (2000) in Revista Brasileira e Ciências Criminais (Publicação
Oficial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 2000, ano 8, n. 30, abril-junho, p.
110, grifo meu.
41
Idem, ibidem.
xxviii
ainda não pôde ser efetivamente colocado em prática. A autora
discorda da prisão como medida socioeducativa, apontando que
países que optaram por uma política de aprisionamento não só
não resolveram o problema da violência, como a ampliaram.
Esta argumentação merece nossa atenção, pois a autora
discorda da medida aplicada àqueles que cometem atos
infracionais, independente se são adultos ou adolescentes.
Sua reflexão não está relacionada à categoria adolescente e
na especificidade deste momento da vida. Seu argumento sobre
os adolescentes infratores visa que eles possam ser poupados,
pelo menos até a idade de 18 anos, deste modelo carcerário
42
,
modelo este que defende não ser o mais adequado como pena,
produtor inclusive, de aumento da criminalidade.
Conclui dizendo:
Fica demonstrado que, muitas vezes no contexto da
infração, o Estado terá a possibilidade de suprir e
corrigir suas próprias falhas e omissões, do contrário
estaremos e por que não dizer, estamos, diante da
criminalização da pobreza, da prisionização e da
formação de uma identidade criminosa nos jovens
brasileiros.
43
Esta argumentação, bastante corriqueira no meio
jurídico, se apóia na convicção de que o sistema
penitenciário não “reforma” ninguém e, na maioria das vezes,
acaba por reforçar o sujeito no lugar de criminoso.
Estas questões nos lançam a pergunta do porquê do crime.
Terá o homem tendências ao crime? Lombroso vê o homem como
essencialmente mau e pronto para a delinqüência, sendo a
42
Grifo meu.
43
Sposato, K. - O jovem: conflitos com a lei. A lei: conflitos com a
prática , op. cit.
xxix
criança um pequeno criminoso.
44
Já Rousseau “atribuía à
sociedade a responsabilidade pela origem do mal” traçando em
seu ensaio pedagógico “Emílio”, as condutas a serem seguidas
para que a criança viesse a ser um adulto bom. Tal pensamento
parte da premissa fundamental de que o homem é um ser
“naturalmente” bom. Este filósofo enfatizava que a educação
era o elemento primordial para a prevenção dos crimes. Seus
princípios sobre liberdade e igualdade política influenciaram
o regime republicano e as teorias políticas do idealismo
alemão
45
e seu pensamento de valorizar os sentimentos, - a
parte mais “natural”
46
do homem -, deixando o intelecto em
segundo plano, vigora até os dias atuais sob a forma de um
movimento romântico.
47
E a finalidade da pena, qual seria? Para que o sujeito
simplesmente pague pelo seu ato, não visando nenhum outro
objetivo? Kant, filósofo do séc. XVIII, vê a obediência às
leis como um princípio fundamental, única possibilidade de
que todos os homens possam gozar de liberdade. Considera o
agente de uma ação contrária à lei imputável, caso tenha tido
conhecimento prévio daquela lei. Resume a lei universal de
direito como: “age exteriormente de modo que o livre uso de
teu arbítrio possa se conciliar com a liberdade de todos,
segundo uma lei universal”. Para que o Direito possa ser
efetivo, não pode estar separado da faculdade de obrigar, de
fazer valer seus preceitos. A pena jurídica deve ser aplicada
contra o autor do ato injusto “pela única razão de que
delinqüiu”, já que a lei penal deve ser um imperativo
44
Garcia, J. A. – Psicopatologia Forense (1979), Rio de Janeiro, Editora
Forense, 1979, 3ª edição
.
45
Século XIX.
46
Ligada à natureza.
47
Rousseau, J. J., Do Contrato Social – Ensaio sobre a Origem das
Línguas, 1999 in Coleção Os Pensadores, vol. I, São Paulo, Editora Nova
Cultural.
xxx
categórico. Assim é o direito de talião, o mal que faço a
outro, devo sofrer em mim mesmo.
48
O imperativo Categórico de Kant é associado por Freud ao
herdeiro do Complexo de Édipo
49
, o supereu, instância
repressora de nosso psiquismo, cuja “função consiste em
manter a vigilância sobre as ações e as intenções do ego e
julgá-las, exercendo sua censura”.
50
Essa concepção foi
trabalhada por Freud em 1913 quando explica a origem da
civilização a partir do assassinato do pai e a posterior
instauração de sua lei, conseqüência do remorso e da culpa
por sua morte.
No texto Totem e Tabu Freud constrói um mito que trata
do nascimento da civilização, momento verdadeiramente
inumano, onde a vontade do mais forte, de um pai tirânico,
sempre preponderava sobre a do mais fraco. Esse pai primitivo
“guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos
na medida que crescem”.
51
Impunha aos filhos uma lei sem estar
submetido a ela. Os filhos banidos se revoltam e matam o pai.
Curiosamente este ato não permite aos filhos o acesso ao
gozo.
52
“O obstáculo sendo exterminado sob a forma do
assassinato, nem por isso o gozo deixa de permanecer
interditado, e ainda mais, essa interdição é reforçada”.
53
Apenas após a construção das leis que regem a vida em
sociedade é permitido a todos o acesso ao gozo, desde que
este não avance sobre os direitos dos outros, estabelecido
pelas leis. A existência da lei se faz necessária porque
48
Kant, E. - Doutrina do Direito, São Paulo, Editora Ícone, 1993.
49
Freud, S. - O Problema econômico do masoquismo (1924) in ESB, Rio de
Janeiro, Imago Editora, vol. XIX, 1990, p. 209.
50
Freud, S. - O Mal Estar na Civilização, (1930), in ESB, vol. XXI,
p.160.
51
Idem, Totem e Tabu (1913[1912]), ESB, vol. XIII, p. 169
52
Sobre o conceito de gozo remeto o leitor às págs. 42 a 45.
53
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, a Ética da Psicanálise (1959-60), Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1995, p. 216. O grifo é meu.
xxxi
“apenas proíbe os homens de fazer aquilo a que seus instintos
os inclinam”.
54
Desta forma, gozo e lei estão intimamente
interligados. A lei impõe limite
ao gozo e aponta que
transgredir é gozar.
55
Freud é brilhante ao observar que “não há necessidade de
se proibir algo que ninguém deseja fazer e uma coisa que é
proibida com a maior ênfase deve ser algo que é desejado”.
56
Esta citação nos permite dizer que a propensão ao crime, a
transgressão, não é exclusiva de personalidades patológicas,
57
de camadas sociais inferiores ou qualquer outra
classificação. O desejo de transgredir existe em todo
sujeito. Tal observação é de importância fundamental em nosso
estudo pois vários autores tentaram e ainda tentam encontrar
a “fórmula” da criminalidade. Não desconhecemos por exemplo,
o medo que os “loucos” provocam nas pessoas, particularmente
por serem associados a pessoas agressivas e violentas.
Entendemos, portanto, porque Freud em O Mal estar na
Civilização diz que: “A primeira exigência da civilização,
portanto, é a da justiça, ou seja, a garantia de que uma lei,
uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo”.
58
Porém, a existência da justiça, ou das leis, por si só, não
implica que os atos transgressores do homem serão extirpados,
mas sua existência se faz necessária justamente porque se
reconhece nele este desejo, incompatível com a vida em
sociedade.
Ainda, para acrescentar ao nosso estudo, Freud alerta em
uma nota de rodapé que:
54
Freud, S. - Totem e Tabu (1913[1912]), op. cit., p. 150.
55
Lacan, J. - O Seminário, livro 7. Op. cit., p. 217, grifo meu.
56
Freud, S. - Totem e Tabu (1913[1912]), op. cit., p. 91.
57
Nelson Hungria em Comentários ao Código Penal, cita algumas destas
personalidades que tem mais propensão ao crime que outras. Op. cit.
58
Freud, S. - O Mal Estar na Civilização (1930), op. cit., p.116.
xxxii
É o ‘pai indevidamente fraco e indulgente’ que
constitui a causa de as crianças formarem um superego
excessivamente severo, porque, sob a impressão do amor
que recebem, não possuem outro escoadouro para sua
agressividade que não seja voltá-la para dentro.
59
Vemos então, Freud nos mostrar que o permissivo também
não é uma saída, e mais ainda: torna propensa a criação de um
supereu ainda mais feroz.
Voltaremos a estas questões no capítulo final de nosso
trabalho.
59
Idem, ibidem. p.154.
xxxiii
2. O SUJEITO DA PSICANÁLISE
O que assim pensa em meu lugar
será, pois, um outro eu? Acaso a
descoberta de Freud representa a
confirmação, no nível da
experiência psicológica, do
maniqueísmo?
Nenhuma confusão é possível, com
efeito: a investigação de Freud
não nos introduziu a casos mais ou
menos curiosos de uma segunda
personalidade.
60
2.1 – O SURGIMENTO DO SUJEITO NA HISTÓRIA
Para chegarmos ao conceito de responsabilidade para a
psicanálise, precisamos, em princípio, saber quem é este que
pensa, age, sofre, se emociona, sonha, transgride. A
categoria de sujeito
61
é trabalhada de forma diversa pelas
diferentes disciplinas – Filosofia, Medicina, Psicologia -
que estudam e discutem o comportamento humano. A forma como
cada uma concebe e define o sujeito implicará,
conseqüentemente, em diferentes posturas e interpretações em
relação aos atos daquele que age.
A teoria do sujeito remonta ao século XVII com
Descartes
62
. O século XVI foi vivido como um marco importante
na história, onde as certezas, os alicerces e valores da
Idade Média foram colocados em xeque. Pensadores como Agripa
60
Lacan, J. - A Instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud
(1957) in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998, p. 257-8.
61
Maior desenvolvimento sobre esse tema pode ser encontrado em Elia, L.,
O conceito de sujeito, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004.
62
Isso não quer dizer que os filósofos daquela época já falavam em
“sujeito”. Esta designação encontramos em Lacan. Apesar de Freud também
não a utilizar, não quer dizer que não trabalhava com esta categoria.
xxxiv
de Nettesheim, Francisco Sanchez e Michel de Montaigne passam
a discutir a incerteza das ciências, o valor da dúvida como
método de investigação e o fanatismo das opiniões sem
sustentação racional. Estas questões propiciarão terreno
profícuo para o pensamento moderno que caracterizará o século
XVII. Será Descartes que, utilizando a dúvida como recurso
metodológico, inaugurará o racionalismo moderno, ou seja, a
ciência moderna.
63
Toda esta mudança não ocorreu de forma tranqüila.
Descartes elabora um tratado sobre a física o Traité du Monde
et de la Lumière (Tratado do Mundo e da Luz), quando recebe a
notícia de que Galileu havia sido condenado pela Igreja por
sua tese sobre o movimento da Terra. Com prudência, desiste
de publicar sua obra e passa a se apresentar como um
“filósofo mascarado”, passando a escrever de forma que o
sentido de suas palavras pudessem ter várias interpretações,
prevenindo-se desta forma, de um ataque por parte da Igreja.
Em 1637, desiste da idéia de nada mais publicar e edita
três tratados em francês, inovando portanto, já que todo
tratado científico era escrito em latim até então. Sete anos
depois, época em que seu nome já era reconhecido
internacionalmente, publica os Princípios da Filosofia, tendo
como objetivo alicerçar as certezas científicas. Sua tese era
a de que a ciência não poderia basear suas leis na metafísica
ou em hipóteses sem sustentação teórica. Passa então a
rejeitar tudo que é da ordem da intuição para só aceitar o
que é da ordem da razão. Tudo o que encontramos pelos
sentidos deveria ser descartado, pois estes são enganadores.
Passa a colocar em dúvida tudo ao seu redor, o que sente, vê
e ouve. Ao duvidar da existência de tudo, chega a uma
63
Descartes – Descartes – Vida e Obra in Coleção Os Pensadores, São
Paulo, Editora Nova Cultural, (1999).
xxxv
certeza. As dúvidas só existem porque existe o pensamento, e
daí retira sua máxima “se duvido, penso”, pois só se duvida,
se a dúvida puder ser pensada.
Assim Descartes retira da mais completa incerteza, uma
certeza primeira: “penso”. Apesar desta certeza estar
relacionada à subjetividade, não garantindo nada à respeito
da realidade externa, ela, como um embrião, permite a
inauguração de uma cadeia de certezas a partir dela. Ora se o
pensamento existe e posso afirmar que estou pensando, também
posso afirmar minha existência. Esta certeza levará ao cogito
cartesiano: “penso, logo sou” (cogito ergo sum). A certeza
sobre a atividade do pensamento leva, para Descartes, à
conclusão da existência: “se deixasse de pensar, deixaria
totalmente de existir”.
64
A “atividade de pensamento” era o
que deveria ser considerado de valor fundamental e não o que
se pensa, pois o que pensamos, para ele, encontrava-se nas
armadilhas da percepção, ou seja, da ilusão.
Para Descartes o sujeito não existe fora do pensamento.
Mas, quem pode garantir que a atividade de pensar é a
atividade de ser? Para Descartes, a resposta é Deus. “Só
existindo realmente Deus (causa) pode-se explicar a
existência de um ser finito e imperfeito – o eu pensante –
porém dotado da idéia de infinito e de perfeição (efeito)”.
65
A idéia de Deus é a única de que não se poderia duvidar.
Naquela época a Igreja, instituição que representava o
poder divino, com mãos de ferro, bania qualquer explicação
que não tivesse sua origem em Deus. Galileu, outro filósofo
que contestava a explicação dos fenômenos da natureza pela
Igreja, ao descobrir manchas no Sol, através do
aperfeiçoamento do primeiro telescópio inventado, é duramente
64
Descartes – Descartes – Vida e Obra, op. cit., p.21.
65
Idem, ibidem, p.23.
xxxvi
criticado e combatido pela Igreja, que via em suas
descobertas a negação dos textos bíblicos que falavam da
perfeição dos céus e dos astros. Quando, em 1623 no Diálogo
sobre os Dois Maiores Sistemas, rechaça as idéias de Ptolomeu
sobre o fato da Terra ser estática, é condenado por um
tribunal do Santo Ofício em junho de 1633. É coagido a
renunciar às suas teses ou então ser queimado por heresia,
escolhendo viver.
66
A maior contribuição de Galileu está relacionada ao
método científico, a observação dos fenômenos, tal como se
apresentam, descartando qualquer pressuposto metafísico ou
religioso. Com as demonstrações que revela no campo da
física “põe de lado o finalismo aristotélico e escolástico,
segundo o qual tudo aquilo que ocorre na natureza ocorre para
cumprir desígnios superiores; e mostra que a natureza é
fundamentalmente um conjunto de fenômenos mecânicos, tal como
afirmara Demócrito na Antiguidade”.
67
Os fenômenos da
natureza, segundo Galileu, podem ser explicados pela
matemática.
As observações destes pensadores, Descartes no campo da
filosofia e Galileu no campo da física-matemática, propiciam
que, pela primeira vez na história, a natureza possa ser
pensada de uma forma diferente. Há uma ruptura, um
distanciamento, entre sujeito e objeto. Até esse momento,
teorizar era olhar para as coisas e revelá-las como marcas de
Deus. A relação entre o sujeito que olha e o objeto que é
olhado era direta, sem a marca subjetiva daquele que olha. A
partir daqui temos uma nova forma de se pensar a ciência, o
início da ciência moderna.
66
Galileu – Galileu – Vida e Obra in Coleção Os Pensadores, São Paulo,
Editora Nova Cultural, 1999.
67
Idem, ibidem, p. 9.
xxxvii
Lacan se refere à saída encontrada por Descartes para
não entrar em choque com os valores da Igreja como “um dos
mais extraordinários lances de esgrima que jamais foi trazido
à história do espírito”.
68
Ao separar o que é da ordem do
divino, chamado por ele “verdades eternas”, do que é da ordem
do humano, revela que não há como existir competição entre
dois eixos completamente diferentes, pois a Deus cabem as
verdades eternas e aos homens as verdades imperfeitas. Para o
nascimento da ciência, Descartes precisou separar os dois
campos: o de Deus, relacionado ao infinito, a tudo o que é
perfeito, e o dos homens, que relaciona-se com tudo que é de
segunda ordem, imperfeito. Portanto, seguindo seu pensamento,
existindo um Deus perfeito, que sabe tudo, cabe aos homens
pesquisarem o que a eles é possível saber, embora sabendo que
este saber é finito.
No século XVII tanto sujeito quanto objeto podem ser
subjetivados, pensados, analisados. Passamos a ter o símbolo
matemático, o discurso, a letra, a linguagem entre sujeito e
objeto, entre o sujeito e a natureza. Desta forma
compreendemos a frase de Lacan em A Ciência e a Verdade “O
sujeito sobre o qual a psicanálise opera, é o sujeito da
ciência”
69
, pois só podemos pensar o sujeito da psicanálise a
partir do aparecimento da ciência moderna, deste momento em
que o sujeito só existe a partir do que ele pensa, a partir
de Descartes. Portanto, não poderíamos pensar na psicanálise
ou na teoria do sujeito na época de Sócrates ou na Idade
Média.
Dois séculos mais tarde, Freud, com a descoberta do
inconsciente, revela outro cogito, onde o pensamento não
68
Lacan, J. - O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise (1964), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1995, p.213.
69
Lacan, J. A Ciência e a Verdade (1960) in Escritos, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Editor, 1998.
xxxviii
garante nada a respeito do ser, pelo contrário, o pensar gera
dúvida. Em A Interpretação dos Sonhos percebe que os sonhos
são pensamentos e que, portanto, existem pensamentos que são
estranhos à consciência de si, como também o são o chiste e
os atos falhos. Não só existem pensamentos que são
inconscientes, mas estes são investidos pulsionalmente, fazem
pressão em nosso psiquismo, irrompendo alheios à nossa
vontade. Freud se dá conta também que o pensamento não é
controlável e é regido pelo inconsciente
70
. Começa a se
delinear um sujeito desconhecido, que não se reconhece em seu
sonho, em seu ato falho, em seu sintoma, porém, estes
pensamentos inconscientes fazem parte do sujeito, o pressiona
a cometer atos contra a sua vontade, faz com que acorde
angustiado após um sonho, o impele a repetir incessantemente
o mesmo ato que repele. Até Freud, o psiquismo, o “eu”,
equivalia-se à consciência. Porém, com a descoberta do
inconsciente, descobre-se que o “eu é um outro”.
71
“(...)
todos os atos e manifestações que noto em mim mesmo e que não
sei como ligar ao resto de minha vida mental, devem ser
julgados como se pertencessem a outrem; devem ser explicados
por uma vida mental atribuída a essa outra pessoa”.
72
Para a
psicanálise, é exatamente aqui onde o sujeito se localiza,
neste que ele não reconhece, mas que fala e age por ele.
73
“Quanto mais procuramos encontrar nosso caminho para uma
concepção metapsicológica da vida mental, mais devemos
70
Não é a toa que numa análise se trabalha com a associação livre, ou
seja, pede-se ao analisante que diga o que lhe vier à cabeça,
independente da censura de que o que pensou é importante ou não.
71
Lacan, J. O Seminário, livro 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise (1954 -1955), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p.14.
72
Freud, O Inconsciente (1915), in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora,
vol. XIV, 1990, p.195.
73
O grifo é meu.
xxxix
aprender a nos emancipar da importância do sistema de ‘ser
consciente’”.
74
Esta concepção não é a mesma compartilhada pelas outras
disciplinas que estudam o sujeito, podemos dizer até mesmo
que são incompatíveis, já que para a Psicanálise não é no
pensamento que está o sujeito, pelo contrário, quando ele
pensa, está fora de seu ser. Lacan aponta para a existência
de dois lugares diferentes: o lugar do “penso” e o lugar do
“sou”. Temos então o sujeito de um lado e pensamento de
outro, ou o sujeito do inconsciente de um lado e a
consciência, o eu, do outro. Quando pensamos sobre algo,
estamos produzindo significações, estamos no campo do
sentido. Porém o sentido, o significante, é aquilo mesmo que
eclipsa o sujeito, pois contigencialmente e
irremediavelmente, o congela em um significado. Quando
afirmamos algo sobre nossa existência, como “eu sou
toxicômano”, promove-se um apagamento, um “não querer saber
sobre aquilo que o causa. O “eu sou” implica em um “não
penso”, pois fecha a questão sobre o que o determina.
Lacan chama a esta operação, onde o sujeito desaparece
sob um significante, de alienação.
75
Esta operação merecerá
nossa atenção especial no presente trabalho, pois ouvimos com
freqüência sujeitos justificarem seus atos porque são
adictos, deprimidos, órfãos, etc. Esta forma de se
representar os impelem a não se responsabilizarem por seus
atos. Voltaremos a discutir esta operação mais adiante.
76
Lacan aponta que se foi Descartes quem apresentou o
sujeito ao mundo, foi Freud quem descobriu que o sujeito não
74
Idem, ibidem, p. 221.
75
Lacan, J. - O Seminário, livro 11, op. cit., p. 200.
76
Págs. 51 e 52 adiante.
xl
está na consciência de si e sim no inconsciente.
77
Se para
Descartes o sujeito só existe pelo pensamento, para a
Psicanálise o sujeito é sem substância, não pode ser
coisificado. Freud anuncia o sujeito em sua célebre frase Wo
es war, soll Ich werden
78
, traduzida por Lacan “Lá onde o Isso
estava, lá, como sujeito, devo [eu] advir”.
79
Ali, onde para o
sujeito existe o puro desconhecimento, a surpresa, o espanto,
Freud encontra o sujeito do inconsciente. Reconhece-o
constituído por pensamentos que foram recusados pela
consciência. Esta foi a inigualável e devastadora descoberta
de Freud no campo do conhecimento do homem: o homem não tem
controle sobre seus pensamentos, como afirmou Descartes. O
próprio Freud propõe estar na linha daqueles que produziram
uma quebra no chamado orgulho humano, se alinhando ao lado de
Copérnico e Darwin.
80
Copérnico quando descobriu que a Terra
não era o centro do universo e Darwin quando encontrou no
homem uma ascendência animal. O golpe de Freud refere-se a
descoberta de que o homem não é senhor de sua própria mente.
Há algo que escapa à representação, à consciência, ao mesmo
tempo em que clama por ela. O inconsciente, este
desconhecido, é regido por suas próprias leis e estas não
dependem e nem se subordinam à vontade humana. Encontramos um
estranho entre o ato de pensar e a ação propriamente dita.
Esta concepção é que norteará a clínica ou a escuta do
sujeito, pois se fundamenta na distinção entre o eu e o
sujeito.
77
Idem, ibidem, p. 47.
78
Freud, S. - Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise -
Conferência XXXI (1933[1932]), in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora,
vol. XXII, 1990.
79
Lacan, J. - A Ciência e a Verdade, op. cit., p. 878.
80
Freud, S. - Uma dificuldade no caminho da psicanálise (1917) in ESB,
Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. XVII, 1990.
xli
O sujeito freudiano não tem relação com qualquer
concepção do sujeito tomada pela psicologia, enfatiza Lacan
em 1960 para sua platéia, a maior parte composta por
filósofos. Não se trata de maneira alguma de um sujeito uno,
de um sujeito do conhecimento, tal como elaborado pela
filosofia, e menos ainda aquele que apareceria pelas
experiências ditas profundas, tais como aquelas obtidas pelo
uso de alucinógenos, ou de experiências místicas, de
meditação transcendental, ou qualquer concepção do gênero.
Entre o hipnotismo, para levar a histérica ao transe e
acessar às ditas profundezas, Freud prefere o discurso, a
fala da histérica.
81
Não é preciso procurar pelo sujeito
freudiano, ele pode ser apreendido no discurso, na fala do
sujeito.
2.2 - A REALIDADE É PSÍQUICA
Que uma coisa exista realmente ou não,
pouco importa. Ela pode perfeitamente
existir no sentido pleno do termo
mesmo que não exista realmente. Toda
existência tem, por definição, algo de
tão improvável que, com efeito, a
gente fica perpetuamente se
interrogando sobre sua realidade.
82
81
Lacan, J. - Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente
Freudiano (1960) in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998,
p. 810.
82
Lacan, J. - O Seminário, livro 2, op. cit., p. 288.
xlii
Comumente, nos referimos a ‘realidade’ como aquilo que
acontece em nossas vidas efetivamente.
83
Acreditamos que tal
‘realidade’ é compartilhada por todos de forma única, sem
equívocos. Porém, não raro, percebemos que aquilo que
pensávamos ser de opinião geral, é colocado em discussão por
outras pessoas e nos damos conta de que nossas certezas são
mancas.
Freud, escutando suas histéricas, descobre que a
realidade não é a mesma para cada sujeito. Chega a esta
conclusão ao descobrir que as cenas infantis de sedução que
ouvia de seus pacientes neuróticos, até então consideradas
por ele como fatos que haviam acontecido na infância daqueles
sujeitos,
84
não passavam de fantasias e não tinham qualquer
relação com a realidade externa.
85
A esta nova concepção da realidade chamou de realidade
psíquica. “O inconsciente é a verdadeira realidade
psíquica”.
86
“As fantasias possuem realidade psíquica, em
contraste com a realidade material, e gradualmente aprendemos
a entender que, no mundo das neuroses, a realidade psíquica é
a realidade decisiva”.
87
Freud faz a desconcertante descoberta que “no
inconsciente não há indicações de realidade, de modo que não
se consegue distinguir entre a verdade e a imaginação que
83
No dicionário temos a seguinte definição para realidade: verdade;
qualidade do que é real; o que existe efetivamente. (grifo meu)
84
No Rascunho K (vol. I, p. 307) Freud demonstra que as precondições da
neurose estão vinculadas a sexualidade (enquanto traumática) e na Carta
46 (vol. I, p. 320) diz ocorrer na infância a cena traumática que
acarreta a neurose.
85
Freud, S. - Um estudo autobiográfico (1925[1924]) in ESB, Rio de
Janeiro, Imago Editora, vol XX, p. 48.
86
Idem, A Interpretação dos Sonhos (1900-01) in ESB, Rio de Janeiro,
Imago Editora, vol. V, p. 554.
87
Freud, S. - Os caminhos da formação dos sintomas – “Conferências
Introdutórias sobre Psicanálise” (1915-1917), in ESB, Rio de Janeiro,
Imago Editora, vol. XVI, p. 430.
xliii
está catexizada com afeto”.
88
Suas histéricas portanto, não
objetivavam com seus relatos de sedução “mentir” para Freud,
porém não lhes era possível discernir verdade e fantasia
porque ambas haviam sido investidas com afeto.
Este conceito, realidade psíquica, fundamental para o
desenvolvimento da psicanálise, não é o mesmo que encontramos
por exemplo, na filosofia. Após Freud vemos surgir um novo
conceito de realidade, onde toda a noção de interior e
exterior se modifica completamente. No texto Sobre o
Narcisismo de 1914 faz uma revelação que até hoje produz
inquietação, discordância e mal-entendidos. Não só os
parafrênicos (psicóticos) perdem sua relação com a
realidade,
89
mas esta perda é constitutiva, está para todo
sujeito humano.
90
O que nos permite a diferenciação entre as
estruturas clínicas (neurose, psicose e perversão) é a
modalidade de investimento libidinal. Na neurose ocorre a
substituição da realidade (objetos reais) pela fantasia
(objetos imaginários fornecidos pela memória).
(...) também na neurose não faltam tentativas de
substituir uma realidade desagradável por outra que
esteja mais de acordo com os desejos do indivíduo.
Isso é possibilitado pela existência de um mundo de
fantasia, de um domínio que ficou separado do mundo
externo real na época da introdução do princípio de
realidade.
91
88
Idem, Carta 69 - Extratos dos documentos dirigidos a Fliess, 1950
(1892-1899) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. I, p. 358.
89
Maiores informações sobre a diferença entre a perda da realidade na
neurose e psicose podem ser encontradas nos textos freudianos “Sobre o
Narcisismo: uma Introdução” e “A perda da realidade na neurose e
psicose”.
90
Idem, Sobre o Narcisismo: uma Introdução (1914) in ESB, Rio de
Janeiro, Imago Editora, vol. XIV, p. 90.
91
Freud, S. - A perda da realidade na neurose e na psicose (1924), in
ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. XIX.
xliv
Na psicose não há substituição da realidade por objetos
na esfera da fantasia, restando a esses sujeitos o
investimento libidinal em seu próprio eu. Freud menciona que,
quando ocorre alguma substituição nestes casos, constitui
“parte de uma tentativa de recuperação, destinada a conduzir
a libido de volta a objetos”.
92
O interessante a observarmos é que esta realidade
psíquica também não podemos afirmar ser “subjetiva”,
“interna”, como se poderia conceber corriqueiramente. Interno
e externo se mesclam por já não podermos diferenciar o que é
de dentro daquilo que é de fora. Tal situação é consequência
da clivagem daquilo que foi vivido pelo sujeito em sua tenra
infância como hostil (da ordem do trauma), sem possibilidade
de simbolização e portanto afastado, daquilo que é
considerado interno. A noção de trauma, devemos compreender
como a invasão de uma quantidade de excitação excessiva da
qual o aparelho psíquico não tem recursos para se defender de
forma eficiente.
Sobre o pano de fundo do desamparo e do próximo
(nebenmensch),
93
se inscreve no ser falante uma marca, a marca
mnêmica, a “vorstellung”, que instaura uma nova realidade, a
realidade psíquica. Não menos material do que outras, esta
nova realidade porém, não se reduz a critérios meramente
utilitaristas ou empíricos. Não se trata da marca mnêmica de
um objeto da realidade, como pensado pela filosofia; mas esta
marca, em si mesma, é objeto de desejo.
Vejamos que marcas são estas e como o psiquismo se
constitui a partir delas.
92
Idem, ibidem.
93
Idem, Projeto para uma Psicologia Científica (1895) in ESB, Rio de
Janeiro, Imago Editora, vol I., p. 448.
xlv
2.3 - O SURGIMENTO DO SUJEITO
O homem nasce em uma situação de desamparo fundamental.
Sem a “ação específica”
94
de um outro que o provê de cuidados,
o bebê humano não tem como sobreviver. Ao nascer, o bebê é
assaltado com uma quantidade de tensão desprazerosa
proveniente do interior de seu corpo (fome, frio, dor) que,
elevada a um grau insuportável, o impele a uma tentativa de
descarga (o choro, o grito). Esta solução é proveniente da
função primária do aparelho psíquico que é a descarga de
tensão, ou seja, manter a tensão dentro do organismo o mais
baixo possível, lei nomeada por Freud como princípio do
prazer. A ação de um outro, ao ouvir aquele grito e o
interpretar como uma mensagem,
95
ou seja, atribuindo um
significado àquele grito é o que permite ao ser a entrada no
mundo simbólico. A partir deste momento, o segundo grito do
bebê já tem endereçamento pois houve a incidência de uma
interpretação. A tradução que vem do outro como “Você tem
fome”, permite ao bebê se reconhecer como aquele que tem
fome. Freud salienta a importância que essa via de descarga
adquire, “a importantíssima função secundária da comunicação,
e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial
de todos os motivos morais”.
96
A noção freudiana de “desamparo fundamental” tem
importância primordial na obra de Freud, já que representa a
construção de Lacan da mãe como Outro simbólico primordial.
94
Expressão utilizada por Freud no texto Projeto para uma Psicologia
Científica, vol. I.
95
A criança “está com fome”, “está com cólica”, “está com frio”.
96
Freud, S. - Projeto para uma Psicologia Científica, p. 431.
xlvi
Neste momento mítico, guiado pelo desamparo que o
constitui e imerso em um aumento de tensão insuportável no
interior de seu organismo, o grito do ”infans” será
interpretado pelo outro como demanda, e a partir deste
momento, o que não passava de descarga motora, puro ato
reflexo, sem nenhuma significação, será capturado pelo outro
e transformado em apelo. O que era da ordem da pura
necessidade e que poderíamos remeter a uma relação “natural
97
do homem, fica irremediavelmente perdido e o pequeno ser
passa a habitar o simbólico. A relação do sujeito com aquele
que o provê de cuidados
98
não porta nenhuma característica
instintual como na vida animal, por isso o seu caráter
desviante. Neste sentido, a fala tenta preencher uma
distância entre o sujeito e o outro, tenta fazer suplência a
uma relação instintual, natural, que não existe.
Após a ação específica do Outro, o interior do organismo
do pequeno ser retorna momentaneamente a um equilíbrio. O
bebê vivencia sua primeira experiência de satisfação, que se
inscreverá no seu psiquismo através de uma marca mnêmica. A
satisfação obtida naquele encontro porém, fica perdida para
sempre. O psiquismo poderá reativar a marca mnêmica quando um
novo estado de urgência ou desejo acontecer.
O estado de desejo resulta numa atração positiva para
o objeto desejado, ou mais precisamente, por sua
imagem mnêmica; a experiência da dor leva à repulsa, à
aversão por manter catexizada a imagem mnêmica hostil.
Eis aqui a atração de desejo primária e a defesa
[repúdio] primária.
99
97
No sentido do que ocorre na natureza, ou o instinto que rege a vida
animal.
98
Denominado por Lacan como o Outro, escrito com letra maiúscula porque é
aquele que introduz o sujeito na linguagem.
99
Freud, S. - Projeto para uma Psicologia Científica, p. 436.
xlvii
O interessante a ser observado é que esta marca só é
possível porque, anteriormente a ela, existiu uma outra que
apontava para a dor, para uma situação experimentada pelo
sujeito como traumática (desamparo).
O outro portanto, não é só um objeto que gerou prazer
ao sujeito, também representa um objeto hostil, estranho ao
sujeito, não assimilável. “Em conseqüência, os complexos
perceptuais se dividem em uma parte constante e
incompreendida — a coisa
100
— e outra variável, compreensível
— os atributos ou movimentos da coisa”.
101
A invasão de excitação proveniente da parte hostil do
próximo, não assimilável, é, como já foi descrito, definida
por Freud como trauma. Esta experiência deixa uma marca
simbólica que Freud chamou de representação intolerável.
102
Esta representação intolerável é expulsa da consciência
(recalque)
103
e irá compor o centro do qual o inconsciente
passará a se ordenar.
Passamos a ter a marca do objeto de desejo,
104
objeto
este que será sempre buscado, sem jamais ser encontrado, e a
construção do inconsciente, onde aquilo que foi experimentado
como desprazer, dor, da ordem do trauma, é expulso do
100
Coisa é a tradução em português para o termo alemão das Ding,
utilizado por Lacan em seus textos e de valor fundamental dentro da
teoria psicanalítica.
101
Idem, ibidem, p. 513.
102
Nos textos originais em alemão Freud utiliza as palavras
“Unvertraeglich” (incompatível) e “Unertraeglich” (intolerável). Aqui
preferimos a tradução como “intolerável”.
103
Devido aos problemas originados pela tradução da Edição Standard
Brasileira para os termos verdrängung e trieb por “repressão” e
“instinto”, decidimos utilizar automaticamente as traduções “recalque” e
“pulsão” respectivamente.
104
Freud chama o objeto de desejo de “objeto perdido” e Lacan de “objeto
causa de desejo”.
xlviii
psiquismo, recalcado.
105
Quando o organismo não consegue
defender-se ou livrar-se de uma determinada quantidade de
excitação, “transforma-se em trauma psíquico toda impressão
que o sistema nervoso tem dificuldade em abolir por meio do
pensamento associativo ou da reação motora”.
106
O fato deste Outro poder responder ou não aos apelos do
sujeito introduz a presença-ausência do Outro como
fundamental e promove uma nova “necessidade”, tão exigente e
imperiosa quanto a necessidade biológica: a demanda. Eis o
efeito do significante sobre a necessidade. Aprisionado pela
linguagem, o sujeito tem a necessidade transformada por este
Outro, o que acarreta na perda da especificidade do objeto.
A ação específica deste outro exterior ao sujeito produz
uma marca que funda o sujeito como demandante, aquele a quem
falta algo e esse outro, será aquele a quem o sujeito passará
a dirigir seus apelos (Outro). Quando novamente se instalar
uma situação de desprazer, o pequeno ser já terá em seu
psiquismo a memória do traço que outrora o aliviou em sua
tensão. Contudo, apenas o investimento em um traço de
memória, a alucinação, não é suficiente para suprir a
necessidade do corpo vivo, algo mais é necessário.
Freud em 1920 vai dizer que o aparelho psíquico não é
dominado pelo princípio de prazer, pois frente “às
dificuldades do mundo externo ele é, desde o início, ineficaz
e até mesmo altamente perigoso”.
107
A dominação absoluta do
princípio do prazer levaria à extinção absoluta do sujeito,
porque a modalidade de satisfação pulsional do princípio do
105
O recalcamento acontece na estrutura neurótica. Nas outras estruturas
(psicose e perversão) o sujeito se utiliza de outros recursos para lidar
com esta representação intolerável. Neste trabalho privilegiaremos o que
acontece na neurose.
106
Freud, S. - Esboços para a Comunicação Preliminar de 1893 (1892) in
ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol I, p. 222.
107
Idem, Mais Além do Princípio de Prazer (1920) in ESB, Rio de Janeiro,
Imago Editora, vol. XVIII, p. 20.
xlix
prazer é a alucinação de desejo, não sendo necessário a
presença real do objeto para a satisfação. “(...) o objeto
não é real, mas está presente apenas como idéia
imaginária”.
108
É aqui que vai aparecer o princípio de
realidade, “sob a influência dos instintos [pulsão] de
autopreservação do ego [eu], o princípio de prazer é
substituído pelo princípio de realidade”,
109
obrigando o
sujeito a buscar satisfação fora. Freud porém nos alerta que:
Contudo, o princípio de prazer persiste por longo
tempo como o método de funcionamento empregado pelos
instintos sexuais, que são difíceis de ‘educar’, e,
partindo desses instintos, ou do próprio ego, com
freqüência consegue vencer o princípio de realidade,
em detrimento do organismo como um todo.
110
O sujeito precisa então buscar outros caminhos que o
levem à satisfação. Por isso é que o Princípio de Realidade
advém do fracasso do Princípio do Prazer, sem no entanto
substituí-lo. Essa busca que o Princípio da Realidade
introduz não se resume apenas em encontrar a representação na
realidade e sim de reencontrá-la,
111
ou seja, não se trata de
simplesmente conferir o que está fora com o que está dentro
para verificar a adequação do traço de memória (percepção)
com a realidade, mas privilegiadamente, a tentativa de um
reencontro que será sempre faltoso, pois o sujeito vai tentar
reencontrar aquilo do objeto de satisfação que não houve
108
Freud, S. - Projeto para uma Psicologia Científica (1895), op. cit.,
p. 439.
109
Idem, Mais Além do Princípio de Prazer (1920),op. cit. A palavra entre
colchetes é de minha responsabilidade.
110
Idem, ibidem.
111
Idem, A Negativa (1925) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol.
XIX, p. 298.
l
possibilidade de ser representado e ficará buscando, tentando
reencontrar aquilo que foi perdido
112
.
113
O mundo freudiano, ou seja, o da nossa experiência
comporta que é esse objeto, das Ding, enquanto o Outro
absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar.
Reencontramo-lo no máximo como saudade. Não é ele que
reencontramos, mas suas coordenadas de prazer, é nesse
estado de ansiar por ele e de esperá-lo que se
buscada, em nome do princípio do prazer, a tensão
ótima abaixo da qual não há mais nem percepção nem
esforço.
114
Este movimento do sujeito de buscar um objeto que o
satisfez, está no âmago do que a psicanálise chama de desejo.
O desejo é aquilo que resta do efeito do significante sobre a
necessidade. Desta forma, o sujeito passa a buscar, de forma
alienada, o objeto que o marcou e o fundou, em busca de uma
satisfação total que nunca é alcançada. Porém o que ele
desconhece, é que este objeto está perdido para sempre, assim
como a satisfação obtida naquele encontro, o que é muito bom,
pois caso contrário o organismo entraria no zero de tensão,
que implicaria na morte do sujeito. Portanto, a condição para
que o aparelho psíquico possa se constituir é que o objeto da
satisfação esteja perdido, pois em cada reinvestimento, ele
não é encontrado. O sujeito passa a procurar pelo objeto e
nesta busca, vai privilegiando certos trilhamentos
significantes que o possam levar à satisfação pulsional,
112
Este objeto vai ser conceituado por Lacan no Seminário 10, “A
Angústia” como ‘objeto a’.
113
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, op. cit., p. 76.
114
Idem, ibidem, p. 69.
li
buscando uma semelhança entre o objeto que encontra e aquele
que foi perdido.
115
Lacan, no Seminário A Ética da Psicanálise, vai dizer
que é a pulsão de morte que não se satisfaz na alucinação,
116
fundando o simbólico e levando o sujeito para além do
princípio de prazer, criando novos caminhos que o levem à
satisfação.
2.4 – PARA ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER
O que Freud será levado a apresentar, ao contrário do
que escreveu em 1911? Não se trata de que o inconsciente não
obedece ao princípio de prazer e passe a ser reprimido pelo
princípio de realidade, mas ao contrário, o inconsciente é o
que transgride fundamentalmente o princípio de prazer. Não é
pela emergência de um prazer que se manifesta o inconsciente,
mas antes pelo sofrimento.
Somente em 1920 com o texto Mais Além do Princípio do
Prazer, Freud encontra a compulsão à repetição e a descreve
economicamente, como tensão que não cessa, o resto que
insiste.
117
Vamos ter então que o inconsciente passa a ser
visto como o que não consegue ser reabsorvido pela homeostase
de prazer.
Surge então uma face escura, formulada por Freud como
pulsão de morte. não se trata mais da oposição entre as
pulsões de auto-conservação e as pulsões eróticas, que foi o
primeiro dualismo, nem tampouco como em Sobre o Narcisismo:
115
Freud, S. - Projeto para uma Psicologia Científica, op. cit., vol I.
116
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, op. cit.
117
Freud já havia se referido a esta tensão que não desaparece no texto
do Projeto para uma psicologia Científica de 1895.
lii
uma Introdução em que o dualismo é apresentado pela separação
de libido do eu e libido do objeto, ou seja, em que ele vai
fazer uma repartição em relação ao objeto no qual a pulsão é
investida. Ele passa a marcar a oposição entre pulsão de vida
e pulsão de morte. Encontra um conceito totalmente diferente
daquele encontrado no princípio de prazer.
Freud vai dizer que o inconsciente desobedece aquilo que
é a característica fundamental do princípio de prazer, já que
sua constituição se dá pela via do sofrimento e não de um
prazer. Descobre a existência de um resto que persiste no
psiquismo, levando o sujeito a repetir uma experiência
desprazerosa compulsivamente (compulsão a repetição). Este
resto, sua fonte provém da pulsão de morte. O sujeito
portanto, só se liberta da tirania do princípio do prazer a
partir de uma fusão de Eros, pulsões de vida, com a pulsão de
morte. O que permite o ir e vir do sujeito, em um movimento
dialético, ampliando ou não sua própria realidade, é a
mistura do sim e do não, de Eros e Tanatos, da pulsão de vida
e pulsão de morte. Será a operação da Metáfora Paterna
118
que
permitirá que o sujeito tempere suas relações com a realidade
na base do sim e do não.
A representação intolerável, traumática, que funda o
inconsciente, diz respeito à castração do outro materno,
portanto o que se trata de negar é o significante que aponta
para essa castração. A dialética do sim e do não é fruto do
recalque, que ao saber sobre a castração do outro, recalca
este significante, porém ele continua produzindo efeitos,
embora banido para o inconsciente.
A operação da Metáfora paterna promove, segundo Lacan, a
“transformação do corpo num deserto de gozo”, que é um
118
Veremos esta operação adiante.
liii
esvaziamento da pulsão de morte e a concentração da vida
erótica do sujeito nas chamadas zonas erógenas reguladas pelo
valor fálico. No Seminário A Ética da Psicanálise adverte que
o gozo é um mal,
119
pois se relaciona ao mal do próximo,
criando conseqüentemente, a total desarmonia nas relações
sociais entre os homens, já apontada por Freud em O Mal-estar
na Civilização. Este resto de gozo é o que sobra da operação
da metáfora paterna, evidenciado na compulsão a repetição. Em
outras palavras, esta operação é sempre falha, no intuito de
mesclar a libido adequadamente à pulsão de morte.
A noção de gozo permite uma conexão fundamental entre
libido e pulsão de morte. Ao tratar da libido e da agressão
relacionada à pulsão de morte, não como forças em oposição,
mas como um nó que constitui uma clivagem interna, o conceito
de gozo nos permite pensar um certo “arrastar” da libido para
a inércia – para o caminho da morte. Entendido como um
conceito único, esta clivagem interna Lacan equivale ao que
Freud descobriu na economia do masoquismo, quer dizer, uma
patologia do prazer no desprazer.
120
A operação da Metáfora Paterna é responsável pela junção
do gozo ao significante, esvaziando esse gozo do excesso de
pulsão de morte. O significante liga o gozo aos objetos para
que o sujeito invista neles e goze deles. Aquilo que era pura
inundação de dor, de pulsão de morte, vai ganhando
significado e se esvaziando.
A compulsão à repetição portanto, faz parte do
psiquismo, como tensão que insiste, movida pela perda do
objeto e a tentativa de seu reencontro. A operação de
recalque não consegue fazer desaparecer por completo o resto
traumático, deixando-nos a nu a própria divisão do sujeito.
119
Lacan, J., O Seminário, livro 7, op. cit., p. 225.
120
Freud, S. - O Problema econômico do masoquismo (1924), op. cit.
liv
Eis aqui o sujeito da psicanálise, irremediavelmente
cindido em si mesmo. Aquilo que o perturba, aflige e lhe
causa mal a nível de seu eu, é justamente aquilo que lhe traz
prazer a nível inconsciente.
O conceito de gozo portanto encontra-se intrinsicamente
ligado ao conceito de repetição e nos fornece uma indicação
fundamental para a clínica: aonde o sujeito diz sofrer, é
onde ele mais goza.
É por isso que o freudismo, por mais incompreendido
que tenha sido e por mais confusas que sejam suas
conseqüências, afigura-se, ante qualquer olhar capaz
de entrever as mudanças que vivemos em nossa própria
vida, como constituindo uma revolução inapreensível,
mas radical. Acumular os depoimentos é desnecessário:
tudo o que interessa não apenas às ciências humanas,
mas ao destino do homem, à política, à metafísica, à
literatura, às artes, à publicidade, à propaganda e,
através delas, à economia, foi afetado por ela.
121
Enquanto Lacan instala a pulsão de morte no centro de
sua teoria e faz do masoquismo um estatuto fundamental do
sujeito, o que vemos nos outros tipos de pensamento,
psicológicos, psiquiátricos e até mesmo alguns que se dizem
psicanalíticos, é uma não aceitação, um rechaço do conceito
de pulsão de morte. Diversos autores consideravam que Freud
estaria especulando ou se contradizendo. Outros atribuem a
criação deste conceito, ao momento pelo qual Freud passava.
Estaria doente, podendo estar deprimido, ligando a questão
teórica a uma questão pessoal de Freud.
Apostar numa harmonia possível, num bom encontro, na
possibilidade de um sujeito vir a superar seus distúrbios e
121
Lacan, J. - A Instância da letra no inconsciente ou a razão desde
Freud, op. cit., p. 531.
lv
suprimir as neuroses, implica na exclusão do conceito de
pulsão de morte. Algo bem diferente de pensar que algo da
ordem interna impede o sujeito de encontrá-la, algo
fundamental que é seu próprio gozo. No caminho de seu gozo,
necessariamente, o sujeito esbarra no sofrimento. Seu
imperativo opõe-se à propensão à felicidade. Encarado como
aquilo que faz o sujeito destruir a si mesmo, o gozo é o que
o afasta de toda moderação e bem-estar. Lacan menciona em seu
seminário A Ética da Psicanálise, que o gozo prejudica não
apenas a homeostase do sujeito mas também o laço social,
resistindo à moderação do princípio de prazer.
122
O erro é partir da idéia de que existem a linha e a
agulha, a moça e o rapaz, e entre um e outro uma
harmonia pré-estabelecida, primitiva, de tal
maneira que se alguma dificuldade se manifesta, só
pode ser por alguma desordem secundária, algum
processo de defesa, algum acontecimento puramente
acidental e contingente (...) Não se trata em
absoluto de um encontro, a que fariam obstáculo
apenas os acidentes que pudessem sobrevir na
estrada .
123
Podemos dizer que a intuição primordial de Lacan foi
marcar a divisão do sujeito contra ele mesmo, opondo-a
inclusive à filosofia que o vê como uno. Introduz-se então,
uma questão ligada a ética: o que fazer a um sujeito que se
agarra a um bem que não é, de modo algum, seu bem-estar? O
que fazer frente a um sujeito marcado por um corte, uma
divisão, que faz com o que diz sentir como um desprazer a
nível do eu, a nível do inconsciente é o que o satisfaz?
122
Lacan, J., - O Seminário, livro 7, op. cit.
123
Idem, O Seminário, livro 4 – A relação de objeto (1956-1957), Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1995, p. 48.
lvi
Lacan descreve o gozo como o momento que não se pode
dizer, um ponto que não se pode localizar. Talvez o gozo, ele
mesmo, esteja bem próximo do horror. O gozo nada tem a ver
com o prazer. Afinal, o gozo, isso não engana. Enquanto
prazer e dor vão e vem sem que se encontre nada que seja de
fato uma marca, o gozo é para cada um, mesmo que o ignore,
uma certeza.
2.5 - O FALO
Os cuidados essenciais à preservação da vida do pequeno
ser, comumente realizados pela mãe, são cuidados carregados
de significação. A criança já nasce “banhada pela linguagem”,
pois antes mesmo de nascer, já porta um significado para seus
pais. Estas significações são denominadas de fálicas, porque
exprimem que algo falta ao Outro. Naturalmente, para que o
sujeito sobreviva, já que nasce desamparado e dependente
deste Outro, - o complexo Nebenmensch -, ele precisa
significar algo de valor, pois caso contrário, morrerá
124
porque é incapaz de sobreviver por si mesmo. Esse
significado, fálico portanto, nos dado por aquele que nos
toma em cuidados (Outro), só é possível porque para nossa
mãe, nos constituímos como um significante (falo) que para
ela representou o que lhe faltava. O falo, portanto, é um
significante que tem como função tampar, recobrir, nomear a
falta, porém, em si, ele é inominável. Toda vez que o
nomeamos: filho, dinheiro, saber, poder, família, ele desliza
124
Não é incomum ouvirmos falar de mães que jogam seus filhos fora, no
lixo, no rio, enrolados em sacos plásticos, ou os deixam na porta de
pessoas.
lvii
para outro, pois não se prende a nenhum significante.
Representa portanto, aquilo que o sujeito deseja.
A posição do falo está sempre velada. Ele apenas
aparece em phanies, como relâmpagos, por seu reflexo a
nível do objeto. Trata-se para o sujeito, bem
entendido, de tê-lo ou não. Mas a posição radical do
sujeito no nível da privação, do sujeito enquanto
sujeito do desejo é de não sê-lo. O sujeito é ele
mesmo, se posso dizer, um objeto negativo.
125
Até aqui temos três elementos: a criança, a mãe e a
significação que a mãe dá a criança, o falo. A mãe então
ocupa esta função de introduzir o ser na linguagem, que em
psicanálise chamamos o lugar do Outro. Contudo, Freud diz que
o trauma diz respeito ao pai. É ele que marca a inexistência
da complementaridade, da completude, entre mãe e filho. A
significação que a criança vai ter para esta mulher está
remetida ao pai, a um homem, já que nenhuma criança vem ao
mundo sem a intervenção deste outro elemento. Portanto, na
constituição do sujeito, temos quatro elementos: a criança, a
mãe, o falo e o pai,
126
que é o elemento que introduz no
sujeito a questão do desejo.
127
Eis a operação da metáfora
paterna.
Este sujeito veio ao mundo porque um homem desejou uma
mulher. A criança dará a sua versão para este desejo de seu
pai, que também responde aos mesmos parâmetros da
constituição do sujeito, ou seja, está remetido às
significações mais infantis de sua vida. A versão que o
sujeito dá ao desejo que o gerou também é o que lhe permite
125
Lacan, J., - Hamlet por Lacan, Campinas, Editora Escuta, 1986, p. 85.
126
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, op. cit. , p.85.
127
Novamente lembramos que esta equação é exclusiva da estrutura
neurótica, não acontecendo desta forma na psicose e na perversão.
lviii
saber que o Outro é faltoso, que deseja para além dele,
portanto, que não é ele que completa o Outro. Esta
interpretação é fundamental porque permite que o sujeito não
esteja na posição de objeto do Outro.
De importância essencial a ser ressaltado é que esta
interpretação é realizada pelo próprio sujeito e independe
das vicissitudes de sua vida. Este ponto é crucial para o
posterior desenvolvimento da noção de responsabilidade, pois
se descartamos que esta interpretação de sua localização no
desejo do Outro é realizada pelo próprio sujeito,
necessariamente cairemos na interpretação do sujeito como
vítima do Outro, o que vemos freqüentemente acontecer em
diversos meios: os pais como determinantes da estrutura
psíquica dos filhos. Mesmo um sujeito imerso em uma
organização familiar caótica, ou que não tenha tido uma
significação fálica, ou seja, independente de como era sua
mãe e seu pai, ainda assim a ele é possível fazer um jogo de
positivo e negativo, oscilando entre o falo que seria e o
falo que não é.
Cada sujeito constrói uma história sobre o desejo que o
gerou. Esta versão se torna sua verdade mais visceral, pois é
ela que lhe diz como ser amado pelo Outro. Cada escolha sua,
amorosa ou profissional, vai estar remetida a esta história,
que chamamos de fantasia fundamental. Na Carta 71, Freud diz
que a história construída por cada sujeito neurótico, tem uma
estrutura que segue coordenadas simbólicas imutáveis. Ele
diz:
Verifiquei, também no meu caso, a paixão pela mãe e o
ciúme do pai, e agora considero isso como um evento
universal do início da infância, (...) Sendo assim,
podemos entender a força avassaladora de Oedipus Rex,
lix
apesar de todas as objeções levantadas pela razão
contra a sua pressuposição do destino; (...) Mas a
lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa
reconhece porque sente sua presença dentro de si
mesma. Cada pessoa da platéia foi, um dia, em germe ou
na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada
qual recua, horrorizada, diante da realização de sonho
aqui transposta para a realidade, com toda a carga de
recalcamento que separa seu estado infantil do seu
estado atual.
128
Esta estrutura, localizada por Freud na tragédia de
Sófocles, Édipo-Rei, é encontrada na versão que todo sujeito
neurótico dá, cada um com suas características peculiares, a
sua novela familiar. A versão que o sujeito dá ao mistério de
sua existência encontra-se submetida a esta estrutura
simbólica que Freud encontra com precisão no mito de Édipo.
Édipo é considerado um herói ao contrário, pois sua
história não fala de grandes feitos ou de uma ascendência
divina. O mito edipiano fala do homem cotidiano, um homem
fragmentado, “condenado a compreender que sua situação é
precária e nada poderá fazer para remediar esse dano
fundamental de sua existência”.
129
Édipo, após ser proclamado
rei de Tebas por desvendar o enigma da Esfinge, parte para
descobrir o motivo de recair sobre sua cidade uma terrível
peste. Descobre qual era o lugar dele no desejo do Outro
através de uma pista, – marcas em seus tornozelos - fornecida
pelo mensageiro que o recebeu de um pastor.
130
O Outro queria
sua morte. Sem saber, assassinara Laio, seu pai, e casara com
sua mãe, Jocasta. Sua mãe, ao saber de tal tragédia, se
enforca nua e Édipo fura seus próprios olhos com o broche de
128
Freud, S. - Carta 71 (1897) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora,
vol I.
129
Enciclopédia de Mitologia, São Paulo, Abril Cultural, vol. III, 1976.
130
Sófocles - A Trilogia Tebana, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1997, p.72.
lx
sua mãe.
131
Freud interpreta o autocegamento de Édipo como o
equivalente da castração
132
.
133
O preço a ser pago por se ter
acesso ao gozo da mãe é a castração. Voltaremos a tragédia de
Sófocles no último capítulo de nosso trabalho.
2.6 – UMA NOVA AÇÃO PSÍQUICA
A subjetividade vai se organizar a partir da
identificação àquilo que falta ao Outro, como vimos, o falo.
Esta identificação é de importância fundamental na
constituição do sujeito, pois esta marca, chamada por Lacan
de traço unário é responsável pela entrada do sujeito no
vasto universo das representações simbólicas.
Tomem apenas um significante como insígnia dessa
onipotência, ou seja, desse nascimento da
possibilidade, e vocês terão o traço unário, que, por
preencher a marca invisível que o sujeito recebe do
significante, aliena esse sujeito na identificação
primeira que forma o ideal do eu.
134
131
Idem, ibidem, p.86.
132
A interdição ao gozo é representada pela castração.
133
Freud, S. - O Estranho (1919) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora,
vol. XVII.
134
Lacan, J. - Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no inconsciente
freudiano, op. cit., p.822.
lxi
Este primeiro significante é o que permitirá ao sujeito
se alienar no campo do Outro. “O sujeito nasce no que, no
campo do Outro, surge o significante. Mas por este fato
mesmo, isto – que antes não era nada senão sujeito por vir
se coagula em significante”.
135
Freud nos chama a atenção de que a identificação é
anterior a qualquer investimento objetal. O sujeito precisa
se identificar a um significante para somente depois passar a
investir nos objetos. Esta identificação primeira é o que
possibilita o sujeito agrupar aquilo que era vivido por ele
como puro caos. A fase anterior, desorganizada, mais
primitiva do desenvolvimento sexual, é chamada por Freud de
auto-erotismo e caracteriza-se pelo indivíduo obter
satisfação em seu próprio corpo e estar subordinada ao
domínio do princípio de prazer.
136
A principal fonte de prazer sexual infantil é a
excitação apropriada de determinadas partes do corpo
particularmente excitáveis, além dos órgãos genitais,
como sejam os orifícios da boca, ânus e uretra e
também a pele e outras superfícies sensoriais. (...)
Zonas erógenas denominam-se os lugares do corpo que
proporcionam o prazer sexual. O prazer de chupar o
dedo, o gozo da sucção, é um bom exemplo de tal
satisfação auto-erótica partida de uma zona erógena.
137
A operação que permite o atravessamento do auto-erotismo
é chamada de identificação. Sem um significante que possa
representá-lo, o sujeito precisa tomar do Outro um
significante para se identificar. Neste momento ganha um
135
Idem, O Seminário, livro 11, op. cit., p.187.
136
Freud, S. - Formulações sobre os dois princípios do funcionamento
mental (1911) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1990, vol XII.
137
Idem, Cinco Lições de Psicanálise (1909) in ESB, Rio de Janeiro, Imago
Editora, 1990, vol XI.
lxii
sentido, porém às custas do seu desaparecimento sob um
significante que veio do Outro. As pulsões parciais, auto-
eróticas, desorganizadas, se dirigirão a um objeto
privilegiado, o eu, a imagem do sujeito, que passará a ser
constituído a partir da imagem do outro. O eu passa a ser o
objeto das pulsões, possibilitando a construção de uma
imagem. Essa imagem do eu será constituída pelas coordenadas
dada pelo grande Outro e promove a entrada do sujeito no
narcisismo.
Esta operação que funda o sujeito não ocorre sem que ele
pague um preço. Neste momento, identificado a um significante
que falta ao Outro, ele sofre um apagamento, um
desaparecimento. Todo sujeito humano, independente de sua
estrutura, vive esta operação, chamada alienação.
Ora, mas o que é um significante?
(...) um significante é o que representa um sujeito
para outro significante. Mas ele só funciona como
significante reduzindo o sujeito em instância a não
ser mais do que um significante, petrificando-o pelo
mesmo movimento com que o chama a funcionar, a falar,
como sujeito.
138
Se, por um lado o significante o coloca dentro de um
sentido, por outro lado este sentido também provoca um
apagamento.
139
Na medida que o sujeito recebe seu nome
próprio, é mortificado por este significante. O significante
promove um apagamento, porém, por outro lado, nos eterniza.
138
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, op. cit., p.197.
139
Idem, ibidem, p. 199.
lxiii
Essa é a margem para além da vida a que Lacan se refere em
1960 que nos é dada pelo significante.
140
O nosso sujeito então, sujeito do inconsciente, só vai
aparecer no intervalo entre os significantes, na sua
enunciação. A enunciação é justamente aquilo que não aparece
nos ditos, no enunciado, na história bem organizada que o
sujeito conta; vai aparecer no jeito, na forma que se diz,
nos lapsos. “Bem, os lapsos, os buracos, as contensões, as
repetições do sujeito, exprimem também, mas agora
espontaneamente, inocentemente, a maneira pela qual seu
discurso se organiza. E é o que temos que ler”.
141
Esta é a
diferença radical entre a clínica da psicanálise e a clínica
da psicologia ou psiquiatria. O sujeito não está no
significante que o representa, mas quando ele aparece fora
desta determinação. A alienação que se refere Lacan é
portanto a alienação ao significante, que confunde o sujeito
quanto a seu ser.
A alienação consiste nesse vel que – se a palavra
condenado não suscita objeções da parte de vocês, eu a
retomo – condena o sujeito a só aparecer nessa divisão
que venho, me parece, de articular suficientemente ao
dizer que se ele aparece de um lado como sentido,
produzido pelo significante, do outro ele aparece como
afânise.
142
Porém, esta é a única forma de se estar no mundo, não
importa a estrutura: neurótico, psicótico ou perverso. Lacan
vai dizer que ser representado por um significante é uma
140
Idem, Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no inconsciente
freudiano, op. cit., p. 817.
141
Idem, O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud (1954), Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994, p. 278.
142
Lacan, J. - O Seminário, livro 11, op. cit., p.199.
lxiv
escolha forçada. Ou o sujeito se representa assim, ou não é
sujeito. Ele nos exemplifica essa escolha com o exemplo da
“bolsa ou a vida”.
143
Entregamos a bolsa ou a vida? Ora, se
precisarmos escolher entre um ou outro, é óbvio que só
poderemos escolher entregar a bolsa, já que se escolhemos a
vida, perdemos a bolsa e a vida, não tem saída. Essa é a
escolha forçada do sujeito, não há como não escolher o
significante, assim é porque somos todos condenados. No
entanto, Lacan adverte que a escolha pela vida carrega um
fator letal ,
144
pois o significante traz consigo a morte,
pois só morre aquele que está vivo. Também nesta escolha, a
morte está presente.
Em um segundo momento, chamado por Lacan de operação de
separação, o sujeito tenta dar um significado para o objeto
que foi o desejo do Outro. “É no que seu desejo está para
além ou para aquém no que ela [mãe] diz, do que ela intima,
do que ela faz surgir como sentido, é no que seu desejo é
desconhecido, é nesse ponto de falta que se constitui o
desejo do sujeito”.
145
O sujeito precisa encontrar um novo
lugar para ocupar, pois tanto o Outro quanto ele estão
descompletados, falta-lhes um objeto que os completaria. A
operação de separação só se apresenta se um outro
significante (Nome-do-pai) possa substituir aquele que
promovia o desaparecimento do sujeito (Desejo da mãe) e o
colava no lugar de objeto do desejo do Outro. Ao reconhecer
que algo falta ao Outro, o sujeito tenta com a fantasia
fundamental recuperar o objeto, que supostamente uniria o
sujeito ao Outro, porém este objeto está perdido para sempre.
143
Idem, ibidem, p.201.
144
Idem, ibidem.
145
Lacan, J. - O Seminário livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise, op. cit. p. 207. A palavra entre colchetes é de minha
responsabilidade.
lxv
Lacan então vai dizer: “O primeiro objeto que ele propõe a
esse desejo parental cujo objeto é desconhecido, é sua
própria perda – Pode ele me perder”?
146
O sujeito, em sua
fantasia, acredita que o Outro não pode viver sem ele, que
ele completa o Outro, daí a pergunta sobre sua perda.
Elucidadas as duas operações de causação do sujeito,
passemos a construção do eu.
2.7 – COMEÇA A SE DELINEAR O EU
147
O sujeito não sabe o que diz, e
pelas mais válidas razões,
porque não sabe o que é.
148
Freud, em sua obra original escrita no alemão, ao falar
do eu, utiliza a palavra Ich que possui dupla tradução,
149
o
que provoca grandes mal-entendidos, pois esta palavra foi
utilizada para falar do sujeito do inconsciente, como também
para falar do eu, como objeto de amor narcísico. Lacan,
utilizando o fato de na língua francesa existir duas palavras
146
Idem, ibidem, p. 203.
147
Na tradução em português das obras de Freud é utilizada a palavra ego.
Neste trabalho, contudo, optamos por utilizar “eu”.
148
Lacan, J. - O Seminário, livro 2, op. cit., p.309.
149
Da mesma forma que a palavra manga pode significar tanto uma fruta
quanto a parte de uma roupa.
lxvi
para traduzir o eu: o Je e o Moi, propõe a seguinte
utilização: o Je é aquele que fala, o sujeito da enunciação,
sujeito do inconsciente e o Moi é aquele que é falado,
sujeito do enunciado, objeto. Quando lemos a palavra “ego”
150
na tradução em português portanto temos que discernir se
Freud está se referindo ao sujeito do inconsciente ou a essa
instância imaginária, o eu, já que ambos foram traduzidos
pela mesma palavra em português, ego.
A distinção entre o eu e sujeito do inconsciente é
essencial, pois designa que sujeito devemos escutar numa
análise, já que, para a psicanálise, o sujeito propriamente
dito, o sujeito que devemos escutar, é o sujeito do
inconsciente. Esta concepção implica em uma ruptura da
psicanálise com todas as outras disciplinas que estudam o
sujeito humano, na medida que estas confundem o sujeito com o
eu. Esta é a diferença fundamental entre as psicoterapias,
psicologias e a psiquiatria que cuidam das patologias
psíquicas do homem, pois em uma psicanálise, interessa-se
escutar o sujeito do inconsciente e este, manifesta-se nas
lacunas, nos sonhos, nos lapsos, no sintoma, nas interrupções
da fala do sujeito e não prioritariamente na história que o
sujeito descreve com meticulosidade.
151
“(...) o que é o
sujeito?, na medida em que é, tecnicamente, no sentido
freudiano do termo, o sujeito inconsciente, e daí,
essencialmente o sujeito que fala. (...) o sujeito que fala
está para além do ego”.
152
Mas que distinção é essa? Onde está
a disjunção entre sujeito e eu? Passemos a entender como
surge o eu.
150
Optamos por utilizar a palavra “eu”, ao invés da palavra “ego”.
151
O “blá, blá, blá” do sujeito é o discurso do eu, que resiste e faz
barreira à verdade do sujeito.
152
Lacan, J. - O Seminário, livro 2, op. cit., p.221.
lxvii
Quando lemos o “Projeto” o eu (ego) é o sujeito
primitivo, sem nenhum traço de ego, de imaginário e dirigido
pelo princípio de prazer. É o eu-prazer, sujeito de prazer,
chamado por Freud de Lust-Ich. Como este eu não dá conta das
exigências do organismo, instala-se o eu-realidade
153
, sujeito
realidade, Real-Ich, que possibilita a sobrevivência do eu-
prazer. Na vigência do Lust-Ich e do Real-Ich, anteriores à
instauração do Moi, do eu, temos as pulsões desorganizadas.
Com a instalação do Ich, eu, Moi, essas pulsões vão se
dirigir todas para a imagem, promovendo a constituição do eu
como imagem especular e objeto de amor para o sujeito.
Lacan se refere a este momento como ‘estádio do
espelho’
154
que é a releitura que ele faz de "Introdução ao
Narcisismo", quando aponta para o descompasso que há da
experiência física da criança, em relação ao seu corpo. A
criança não tem ainda o domínio efetivo de suas funções
motoras, porém, “já toma consciência do seu corpo como
totalidade”.
155
Neste momento ainda se confunde com seu
semelhante.
Freud em seu texto de 1914, estabelece que toda relação
do sujeito com o mundo se dá através do amor, do investimento
libidinal, da capacidade do sujeito investir nos objetos
(amar) e ser investido por eles (ser amado). Expõe as duas
formas possíveis para o sujeito eleger um objeto de amor: a
anaclítica, onde o sujeito busca no outro as referências
daqueles que cuidaram dele e o protegeram; e a forma
narcisista, onde o sujeito procura no outro aquilo que ele é,
153
Concomitante a instauração do princípio de realidade, já falado
anteriormente.
154
Maiores detalhes sobre este momento no Seminário 1 “Os escritos
técnicos de Freud”. Lacan explica de forma pormenorizada o reconhecimento
desta imagem nos capítulos A Tópica do Imaginário, com o experimento do
buquê invertido, e Ideal do eu e eu-ideal, com o esquema simplificado dos
dois espelhos.
155
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, op. cit., p.96.
lxviii
foi ou gostaria de ser.
156
Temos portanto, que as escolhas
realizadas pelo sujeito estão sempre relacionadas ao ‘eu’ do
sujeito aos outros.
“A imagem da forma do outro é assumida pelo sujeito”,
157
constituindo o eu ideal, instância puramente imaginária. Esse
eu ideal provém do amor dos pais, “nada mais é senão o
narcisismo dos pais renascido, o qual, transformado em amor
objetal, inequivocamente, revela a sua natureza anterior”.
158
O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a
esse novo eu ideal, o qual, como o eu infantil, se
acha possuído de toda perfeição de valor. Como
acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma
vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma
satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está
disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua
infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas
admoestações de terceiros e pelo despertar de seu
próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder
reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a nova
forma do ideal do eu (Ich Ideal). O que ele projeta
diante de si como sendo seu ideal é o substituto do
narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o
seu próprio ideal.
159
A criança toma do outro, daquele que cuida e a auxilia
em seu desamparo, os traços que irão constituí-la. Uma
escolha forçada que promove a organização de um ser – um ser
que existe sempre relativo a outro ser. Daqui surge as
experiências tanto de amor, quanto de ódio.
156
Freud, S. - Sobre o Narcisismo: uma Introdução, op. cit., vol. XIV, p.
107.
157
Lacan, J. - O Seminário, livro 1, op. cit., p.197.
158
Freud, S. - Sobre o Narcisismo: uma Introdução, op. cit., p. 108.
159
Idem, ibidem.
lxix
O Outro reconhece o pequeno ser como imagem no espelho e
este reconhecimento
160
propiciará a constituição de uma imagem
integrada. Este reconhecimento de si como imagem unificada
está um passo à frente do sujeito e provoca um pulo para
outro registro, o simbólico.
O reconhecimento de sua própria imagem como objeto de
amor vai estar na dependência da relação do sujeito com os
significantes proveniente do Outro. A imagem, passa a ser
reconhecida como digna de amor, na medida em que um
significante que veio do Outro sustente esta imagem.
Portanto, a estabilidade da imagem está na dependência da
operação da metáfora paterna.
Contudo, como vimos, algo resta desta operação e
desestabiliza o ser. Daquilo que imaginávamos “ser” (eu
ideal), passamos a querer ser (ideal do eu).
Lacan vai dizer que o ideal do eu (registro simbólico) é
que vai propiciar que o sujeito possa se ver amado pelo
outro, aquele que tem aquilo que é preciso para ser amado.
Este significante sustentará a imagem do próprio eu, enquanto
eu ideal (imaginário). “É o seu próprio eu que se ama no
amor, o seu próprio eu realizado ao nível imaginário”.
161
Freud no último parágrafo de seu texto de 1914 aponta a
importância do ideal do eu para o desenvolvimento de nosso
tema.
O ideal do eu desvenda um importante panorama para a
compreensão da psicologia de grupo. Além do seu
aspecto individual, esse ideal tem seu aspecto social;
constitui também o ideal comum de uma família, uma
classe ou uma nação. (...) A falta de satisfação que
brota da não realização desse ideal libera a libido
160
Lugar no desejo familiar
161
Lacan, J. - O Seminário, livro 1, op. cit., p.167.
lxx
homossexual, sendo esta transformada em sentimento de
culpa (ansiedade social). Originalmente esse
sentimento de culpa era o temor de punição pelos pais,
ou, mais corretamente, o medo de perder o seu amor;
mais tarde, os pais são substituídos por um número
indefinido de pessoas.
162
2.8 - A AGRESSIVIDADE
O sujeito se reconhece como imagem integrada a partir da
imagem do outro e também seu desejo só é encontrado no outro.
Na origem, antes da linguagem, o desejo só existe no
plano da relação imaginária do estado especular,
projetado, alienado no outro. A tensão que ele provoca
é então desprovida de saída. Quer dizer não tem outra
saída – Hegel no-lo ensina – senão a destruição do
outro.
O desejo do sujeito só pode, nesta relação, se
confirmar através de uma concorrência, de uma
rivalidade absoluta com o outro, quanto ao objeto para
o qual tende. E cada vez que nos aproximamos, num
sujeito, dessa alienação primordial, se engendra a
mais radical agressividade – o desejo do
desaparecimento do outro enquanto suporte do desejo do
sujeito.
163
Hegel na Dialética do Senhor e do Escravo é citado por
Lacan para ilustrar como a agressividade está inserida na
própria constituição do sujeito. Hegel afirmava que “o ser e
o nada são uma só e mesma coisa”.
164
Se o homem tem
consciência de si, ou seja, só existe como entidade
reconhecida, isso só acontece na sua relação com o outro.
162
Freud, S. - Sobre o Narcisismo: uma Introdução, op. cit., p. 119.
163
Idem, ibidem, p.197-8.
164
Hegel, F. – Hegel – Vida e Obra in Coleção Os Pensadores, São Paulo,
Editora Nova Cultural, 1999, p.15.
lxxi
Para saber de si ele precisa do outro. Quando cada um quer o
reconhecimento há uma luta mortal, uma rivalidade imaginária
até o momento em que um cede e o outro não. Ocorre então uma
dissimetria, ou seja, o senhor tem uma consciência de si, ou
reconhecimento de si, mas o escravo fica numa posição de
coisa, sem reconhecimento de si. Em Hegel, meu desejo depende
do outro como desejante e há uma luta de prestígio, ou seja,
o outro é um rival imaginário.
Essa dialética vai servir a Lacan quando ele diz que o
desejo do homem é o desejo do Outro. O meu desejo precisa ser
primeiramente reconhecido pelo Outro para que possa então ser
nomeado.
Mas, graças a Deus, o sujeito está no mundo do
símbolo, quer dizer, num mundo de outros que falam. É
por isso que seu desejo é suscetível da mediação do
reconhecimento. Sem o que toda função humana só
poderia esgotar-se na aspiração indefinida da
destruição do outro como tal.
165
Temos ainda o exemplo de Lacan de uma menininha que se
aprazia em jogar uma pedra na cabeça de uma outra criança,
que certamente, era alvo de identificação por parte dela.
Esta cena, marca a estrutura de todo ser humano que implica
em destruir aquele que, tomado na identificação do sujeito,
acaba promovendo a alienação deste.
166
Eis o cerne da
agressividade, que faz parte da própria estrutura do eu.
“(...) os desejos da criança passam inicialmente pelo outro
especular. É aí que são aprovados ou reprovados, aceitos ou
165
Lacan, J. - O Seminário, livro 1, op. cit., p.198.
166
Idem, ibidem, p.199.
lxxii
recusados. E é por aí que a criança faz o aprendizado da
ordem simbólica e acede ao seu fundamento, que é a lei”.
167
Freud no texto Totem e Tabu, descreve que, após o
assassinato do pai, resta aos irmãos a rivalidade entre eles,
fazendo-se necessário uma ação que anule o conflito. Ocorre
então a identificação edipiana, que possibilitará ao sujeito
“transcender a agressividade constitutiva da primeira
individuação subjetiva”
168
e a construção de um lugar
simbólico, o ideal do eu, instância que permite a ligação com
o que é da ordem do cultural. Passam então a construir leis
(simbólico) com fins a reger a relação entre eles e superar a
agressividade que pertence a todo sujeito. Portanto, as leis
servem para frear a agressividade inerente a todo sujeito
humano.
O entendimento da agressividade dentro da constituição
do sujeito se faz necessário, tendo em vista a existência da
correlação corriqueira entre agressividade e fatores
relacionados à vida social e/ou econômica das pessoas.
167
Lacan, J. - O Seminário, livro 1, op. cit., p. 207.
168
Lacan, J. - A agressividade em psicanálise (1948) in Escritos, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998, p.120.
lxxiii
3 - CASOS
Mas será que a não responsabilização na adolescência
realmente os beneficia de alguma forma? Foi a pergunta
necessária a ser feita no caso que passaremos a discutir.
3.1 - O MARGINAL
Carlos, adolescente de 13 anos, já era conhecido por
seus atos agressivos tanto em nossa instituição quanto nas
Varas da Infância e Juventude. Em espaços curtos de tempo era
trazido por policiais com determinação judicial para
internação, apesar de não notarmos sintomatologia para isto.
Como alguns outros casos, por já ter sido internado uma vez,
parecia que os técnicos da justiça já consideravam o caminho
da internação como o caminho correto e inevitável naquele
caso. Não raras vezes tentavam argumentar que casos como
aquele deveriam permanecer dentro do hospício e não em
abrigos.
169
Comecei a atendê-lo após já ter sido internado
inúmeras vezes. Carlos só havia sido atendido por psiquiatras
até então, sendo seu tratamento (quando reaparecia) até
aquele momento, apenas medicamentoso. Havia, por parte dos
técnicos, um repúdio explícito a ele, sendo visto na
instituição como “psicopata”. Porém, o fato de algumas vezes
“pular para dentro” do pronto-socorro daquele hospital
169
Os abrigos são destinados a crianças e adolescentes sem família, ou
com os laços familiares fragilizados, em vias de rompimento. No caso do
paciente em questão, seu pai não o aceitava em casa e ameaçava
“desaparecer” caso fosse obrigado a recebê-lo.
lxxiv
suscitou uma pergunta acerca do que ele queria ali. Assim
comecei a atendê-lo.
Apesar de possuir um currículo invejável
170
nas Varas de
Infância e Juventude e a equipe do hospital já estar
descrente na possibilidade de ocorrer modificações no
comportamento do adolescente, Carlos faz um vínculo
importante com sua analista. Após conseguirmos um abrigo que
o recebesse
171
e ele evadir apenas alguns dias depois,
172
continuava comparecendo aos atendimentos, apesar de estar
dormindo na rua. Era visível sua dificuldade no convívio com
outros adolescentes. Tinha história de evasão após permanecer
por poucos dias na grande maioria dos abrigos. Também quando
se encontrava internado em nossa enfermaria, arrumava brigas,
incitava uns contra os outros e provocava os técnicos da
instituição. Sua história se repetia da seguinte forma:
cometia atos infracionais (quebrava objetos de diferentes
instituições, agredia seriamente técnicos) e era, quase que
automaticamente, encaminhado para internação.
Carlos, com seus atos, parecia desafiar a morte. Com o
desenrolar dos atendimentos, pudemos perceber que não
conseguia se sustentar de forma diferente daquela designada
por seu pai, que o considerava “um nada, sem futuro”. Seu pai
não havia o registrado como filho, possuindo apenas o nome da
mulher que o criou, que foi a mesma que criou seu pai.
173
Esta
senhora o abandonou aos nove anos, enquanto encontrava-se
internado, mudando de endereço para que não pudesse ser mais
localizada. Passa então a viver nas ruas, o que o levava,
170
Vários processos.
171
Era um desses jovens que passavam longos períodos internados por não
haver abrigo que o recebesse, justamente por já ser conhecido no
município.
172
Após 24 horas de evasão, o menor não pode retornar para o mesmo
abrigo.
173
Também o pai de Carlos havia sido abandonado na infância.
lxxv
inúmeras vezes a ser internado, sempre por agressões. Seu
pai, por sua vez, afirmava que se assim era chamado por
Carlos, o permitia por caridade, mas que não o era
verdadeiramente, negando inclusive a semelhança física
incontestável que existia entre os dois. Não poupava esforços
em dizer ao filho que ele era uma nulidade e que não tinha
mais jeito. O jovem por sua vez, narrava repetidamente as
lembranças dos espancamentos que sofria e da total
arbitrariedade destes. Este pai era para ele a única pessoa
que respeitava e temia. Sua agressividade parecia ser o elo
que o unia a seu pai. Identificado ao significante
‘marginal’, permanecia alienado ao discurso do Outro, de que
ele nada valia. Desfazer-se desta imagem implicaria em
abdicar na crença do pai que tudo podia.
Passa a investir muito em seus atendimentos,
comparecendo rigorosamente nos horários marcados, reclamando
dos atrasos de sua analista, mesmo fazendo da rua sua
moradia. Certa vez, após ter ensaiado atear fogo nos cabelos
da mãe de um paciente do ambulatório, foi encaminhado para o
diretor geral daquele hospital que lhe disse que na próxima
vez seria expulso, suspendendo-o de toda atividade naquela
instituição, exceto seu atendimento individual. O que se
verificou foram os efeitos deste ato para aquele paciente, ou
seja, como a introdução de alguém em função de Lei barrou a
repetição e possibilitou uma virada nos atendimentos. Carlos
dizia: “- Dr. Sérgio
174
gosta de mim, por isso me repreende e
me impõe castigo, coisa que meu pai nunca fez, todos os
motivos eram iguais para ele me espancar”, passando a nutrir
um profundo respeito e admiração pelo diretor daquele
hospital.
174
Diretor-geral daquele Instituto.
lxxvi
Em seus atendimentos fala de numerosas perdas: sua mãe
biológica que o abandonou aos dois anos, seu pai que o
entregou para ser cuidado por uma mulher, que ele passou a
chamar de mãe. Carlos, ao contar sua história, passa,
paulatinamente, a sair da posição de criança abandonada para
a de responsável por ela. Diz ter sido uma criança muito
“revoltada”, que sua mãe era uma excelente pessoa, mas que a
afrontava diariamente. Lembra ter uma vez a enganado, fazendo
com que bebesse sua urina, ou quando quebrou toda a sua casa.
Conta que passou a receber presentes para que se comportasse
adequadamente, o que acabou acarretando o efeito inverso:
passa a chantagear, dizendo que se não ganhasse o que queria,
quebraria os objetos.
Pede à analista que o ajude a escrever sua história,
ditando-a. Diz que quando acabar irá vendê-la naquele mesmo
hospital. Relata as lembranças dos momentos muito
angustiantes que viveu, quando ficava pelas ruas, o medo que
sentia, o que durou anos.
Vez ou outra a analista era chamada a comparecer em
diversos lugares para discutir o comportamento do rapaz.
Havia ateado fogo em um dos pacientes do setor de moradia, o
que acarretou em novamente longo tempo suspenso do
hospital.
175
Outra vez tentou agredir um dos vigilantes da
instituição acarretando em nova suspensão. Todas as vezes era
ouvido pelo diretor geral do hospital sobre os motivos de
seus atos. O vigilante, segundo ele, já vinha lhe provocando
há algum tempo. No caso do paciente queimado,
176
este havia
colocado álcool em seu próprio corpo e pago uma quantia a
Carlos para que ele apenas riscasse o fósforo. Justificativas
175
Carlos almoçava e lanchava no hospital, o que também foi suspenso
nesta época.
176
Paciente psicótico grave daquele hospital.
lxxvii
tomadas como insuficientes, necessitava então pagar pelos
seus danos, o que o deixava inconsolável e revoltado em um
primeiro momento. Nestas situações, pedia que a analista o
atendesse mais vezes pois precisava falar sobre o que sentia.
Os atendimentos assim decorriam. Passava algum tempo
tranqüilo e de repente novas denúncias: Carlos havia invadido
um setor da instituição no horário noturno para pernoitar!
Deveria consertar a porta danificada. Carlos quebrou um dos
ventiladores do serviço! Deveria comprar outro para repor o
danificado.
177
Todos estes episódios acarretavam em pedidos de
atendimentos “extra” onde Carlos precisava falar sobre o que
lhe acontecia. Sempre inicialmente com muita raiva e depois,
paulatinamente, passava a reconhecer seu erro e suas
dificuldades.
Todos estes momentos eram muito difíceis de serem
contornados. As equipes dos diversos setores do hospital
encontravam-se extremamente desgastadas com o comportamento
de Carlos, duvidando de qualquer possibilidade de melhora e,
muitas vezes, colocando em xeque o trabalho que vinha sendo
realizado com o rapaz. Uma vez, logo no início dos
atendimentos, três profissionais se reuniram e redigiram um
laudo sobre Carlos dizendo que todos os esforços já haviam
sido realizados naquele caso e que o jovem deveria ser
internado como medida socioeducativa.
178
Nesta época, sua
analista precisou entrar em contato com o juiz do município
onde o pai de Carlos residia e, após exposição do caso,
conseguimos frear a ida de Carlos para aquela instituição,
nos comprometendo a enviar relatórios sobre a evolução do
caso.
177
Nesta época Carlos já trabalhava em uma ONG que funcionava naquele
hospital.
178
Encaminhado para o Educandário Padre Severino.
lxxviii
Houve um episódio marcante em seus atendimentos. Em um
desses dias, final de expediente, entrou na recepção do
ambulatório e abriu a geladeira. Olhou o que tinha dentro e
achou um pão doce e fez que ia comê-lo. Disse-lhe que aquilo
não o pertencia e que por isso ele não poderia pegá-lo.
Insisti com ele e tentei impedi-lo que comesse, porém ele
quis usar de força, me afastando, o que fiz, pois senão
precisaria entrar em luta corporal com ele. Apenas o olhei e
disse que estava bastante irritada e que iria embora. Ficou
gritando o meu nome, pedindo que retornasse. Reafirmei minha
irritação e disse que não falaria mais com ele naquele
momento e fui embora. Depois desse episódio, Carlos não mais
burlou as regras. No dia seguinte, disse-me que eu tinha
brigado com ele por causa de apenas um pão doce. Respondi-
lhe que ele é que havia me desrespeitado apenas por causa de
um pão doce. Tentou ainda se explicar dizendo que por estar
dormindo na rua, estava ficando sem jantar, então sentia
fome, por isso tinha feito aquilo. Não aceitei sua
explicação dizendo que havia outras formas de se conseguir
alimento que não aquela que ele usou. Acaba por reconhecer
seu erro e me diz que temeu muito que eu não quisesse mais
atendê-lo.
Este e outros atos semelhantes vão, pouco a pouco, sendo
substituídos. O tratamento possibilita que Carlos possa
substituir os atos impulsivos por palavras que dirige a sua
analista.
Carlos prossegue construindo, ora escrevendo sua
história, ora criando batalhas de deuses poderosos que lutam
entre o bem e o mal. A esperança de amor que a relação com
sua analista propiciava fazia com que Carlos retornasse todos
os dias.
lxxix
Aos poucos, sai do lugar de vítima, de excluído, para
tentar se situar como desejante. Do lugar de resto, sem
valor, passa a se importar com seu nome, que era o mesmo de
um famoso escritor. Ditava suas histórias e passa a se
orgulhar de seu nome no final delas. Resolve retornar aos
estudos, quer um dia comprar uma moto e ter uma namorada.
Começa a fazer planos de como será sua vida e como criará seu
filho. Passa a freqüentar a igreja assiduamente, transferindo
para Jesus sua paternidade. Através do hospital faz um curso
de informática (era apaixonado por computadores) e consegue
um emprego. Na igreja que freqüenta, oferecem-lhe um quarto
para morar, deixando de dormir pelas ruas.
Depois de anos de análise,
179
Carlos ri de seu jeito
“esquentado” do passado, impressionando-se de como era. Ter
se responsabilizado por sua vida, por sua história, trouxe-
lhe frutos que desconhecia poder usufruir. Porém, o mesmo não
acontece com todos que experimentam um tratamento como
apontaremos com o caso de Vera.
3.2 - A VICIADA
Quando Vera, 15 anos, chegou para ser avaliada por mim,
o pedido da equipe e dos técnicos da Justiça era o de saber
se tinha diagnóstico de psicose. Essa suspeita existia pela
postura de Vera diante dos técnicos: diante de qualquer
pergunta, apenas ria. Inicialmente, assim também se comportou
em minha presença, porém depois de algum tempo resolveu
179
Até o momento foram seis anos de tratamento.
lxxx
contar-me sua história, fato fundamental para que fosse
tomada em atendimento.
Conta-me que seus pais morreram de overdose. Sua mãe, em
seu colo, quando tinha apenas 6 anos. Lembra-se que sua mãe
chegou em casa, pediu-lhe que lhe trouxesse um copo com água
e depois deitou em seu colo, morrendo nesta posição. Após
três meses, a mesma morte trágica acontece com seu pai. Vera
e seus três irmãos são criados por sua avó paterna, de origem
espanhola. Esta senhora me conta que seu filho, pai de Vera,
era desenhista formado e que passou a se envolver com drogas
quando conheceu a mãe de Vera. Repetidamente me relata nas
entrevistas que Vera é igual à mãe. Vera se irrita quando sua
avó diz que sua mãe não prestava e era culpada pelo uso de
drogas e morte de seu filho. O que traz Vera a atendimento é
o abuso de drogas, já tendo sido internada com parada
cardíaca após o uso.
A jovem, apesar de nitidamente afeiçoar-se a sua
analista, a cada atendimento se despede, dizendo que não
voltará mais. A mesma cena se repete a cada atendimento: Vera
se despede sorrindo, dizendo não mais voltar. E retorna no
próximo atendimento. Aos poucos percebo que este era um
movimento necessário a Vera: dizia-me que não mais voltaria,
que fugiria, que a analista era ‘chata’, que não queria mais
viver, mas fazia tudo ao contrário. Certa vez, em um dos
atendimentos digo-lhe que já aprendi que quando dizia não,
queria dizer sim, o que faz a jovem gargalhar alto, como que
flagrada em uma peraltice.
Vera me conta que já teve inúmeros psicólogos, de
diversas instituições diferentes mas que a analista não era
igual a nenhum dos que já tivera, o que marcava sem dúvidas a
relação transferencial. Apesar de suas repetidas despedidas,
comparecia regularmente aos atendimentos, não necessitando
lxxxi
que ninguém a levasse. Porém, meses após o tratamento se
iniciar, a analista tira férias, já marcadas com bastante
antecedência. Sabendo quão delicado seria aquele afastamento
para Vera, insiste em lhe dizer que retornará após um mês e
que os atendimentos continuarão. Após o término de suas
férias, tenta marcar com Vera seu retorno, mas a jovem havia
desaparecido. Sua avó conta que a neta tentou agredi-la após
uma discussão entre as duas e que chamou a polícia para ela.
É encaminhada para um abrigo, depois para outro e evade do
último. Após vários meses de afastamento recebo um telefonema
de que Vera encontra-se em atendimento no CAPSad
180
, porém que
pedia incessantemente para retornar os atendimentos comigo.
Havia sido encaminhada a este CAPS para atendimento pela 1ª
Vara da Infância e Juventude com muitas recomendações,
demonstrando ser uma adolescente “especial”. Apesar de seus
pedidos para retornar para sua analista,
181
os profissionais
daquele serviço insistem em atendê-la, culminando em Vera
cortar seus braços com vidro. Após este incidente, resolvem
ouvir a adolescente e entram em contato com sua analista, que
retoma os atendimentos de Vera.
Acontece que o panorama que ronda Vera está
completamente modificado. Os profissionais que se
encarregaram do caso da jovem decidem não investir mais em um
trabalho com sua avó, o que acarreta em que Vera passe agora
a morar em abrigos. Também dirigem a Vera um olhar
diferenciado ao de outras adolescentes. De fato, a jovem era
muito bonita, pele alva, muito inteligente (freqüentou a
escola bastante tempo) e de nível sócio-econômico
diferenciado das outras adolescentes abrigadas, a maioria
180
CAPSad é a sigla para Centro de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e drogas.
181
Este serviço é fisicamente vizinho ao serviço infanto-juvenil, no qual
trabalho.
lxxxii
pobres e negras. Além do que, recebia mensalmente pensão de
seu pai, o que a fazia portar celulares modernos e utilizar
boas roupas. O tratamento dado a Vera se diferenciava a tal
ponto nos abrigos que muitas jovens a odiavam, o que
acarretava em repetidas brigas, enquanto outras buscavam sua
amizade para também poderem usufruir de suas vantagens.
Por sua vez, o que rondava a cabeça dos profissionais
responsáveis por seu caso era um afã incontrolável de lhe
ajudar. Não raras vezes ouvíamos a frase “Ela podia ser minha
filha”, além do que, sua história verdadeiramente trágica,
impulsionava os técnicos a lhe cobrirem de mimos,
interpretando que a “falta de amor” era o motivo pelo qual
Vera se drogava. Uma destas profissionais inclusive, de
grande posicionamento na instituição, levava Vera para
passear nos finais de semana e lhe dava presentes
constantemente.
Tal nova configuração acarretava que Vera passava a ter
todos os cuidados: médicos, psiquiatras (passa a tomar
medicação), assistentes sociais e técnicos que a levavam e a
buscavam do tratamento. Tantos cuidados passam a sufocá-la em
relação ao saber sobre si mesma, o que se refletia em seus
atendimentos, onde a jovem passa a não ter mais nada a dizer
sobre si, passando apenas a desenhar. Seus desenhos se
repetiam de forma rotineira: ou desenhava uma casa, sol, uma
árvore com frutos e algumas flores, ou um coração para a
analista sempre com as seguintes palavras: “Vc é d+. Nunca
mais vou te abandonar.” Importante salientar que Vera passa
da posição de alguém que no início de seu tratamento não ia
mais voltar (e voltava!), ou em outras palavras, alguém que
podia abandonar o outro para alguém que não podia mais
abandonar (e como veremos abandona).
lxxxiii
Tantos cuidados especiais no intuito de lhe prover
aquilo que interpretavam ser o que lhe faltava, acarretou na
mudança desastrosa do rumo do caso. O olhar que debruçavam
sobre Vera a impossibilitava de qualquer saber. De imediato
podemos perceber que tomando o sujeito pelo viés do déficit,
de algo que lhe falta, automaticamente nos posicionamos de
forma a ter que atender suas demandas, de supri-los,
compensá-los: da falta de amor, da falta de dinheiro, da
falta de um lar, etc. Esta forma de conceber o sujeito
acarreta tanto em uma posição assistencialista, quanto no seu
oposto: a segregação.
182
Em um dos atendimentos, questionada por seus atos,
explica de forma mecânica e repetida que não podia ser
responsável pelo que fazia. Ensinava-me, - como tentando me
fazer entender algo que lhe foi explicado e que eu
desconhecia -, que por ser adolescente não tinha ainda como
entender certas atitudes que tomava. Em outro momento me
dizia, apesar de sua fala não demonstrar nenhuma emoção ou
convicção, que o acontecimento com seus pais acabou deixando-
a daquela forma. Tal situação tinha como conseqüência impelir
Vera a determinados comportamentos, pois acabava se
identificando a este lugar. Durante os atendimentos, não quer
mais falar, querendo apenas desenhar. Satisfeita em seu gozo,
atendida em suas demandas, não necessita mais se interrogar,
o que inviabiliza qualquer tratamento clínico.
Passa a se colocar sempre no sentido de uma recusa a
saber algo sobre si. Dizia: “Não sei porque faço isso”, “Não
sei porque me corto”, “Não sei porque agrido as pessoas”,
“Não sei responder estas suas perguntas”. Certa vez contou-
me, categoricamente: “Sabe, os doutores me disseram que eu
182
Como vimos acontecer durante anos com os pacientes psiquiátricos, os
“loucos”.
lxxxiv
sofri muito, por isso sou assim. Você devia conversar com
eles. Eles entendem bem porque sou assim.” Vera, desta forma,
atribuía aos “doutores” um saber sobre si. “Liga para eles,
eles sabem sobre mim”. Identificada e acorrentada ao lugar
que lhe supunham, perde sua palavra e o sentido que ela pode
produzir.
Repetidamente utilizava o significante “viciada”, como
se ele pudesse explicar toda sua existência. Questionada
sobre o porquê do vício, nada tinha a dizer, como que
assolada por um desígnio alheio à sua vontade. A jovem não
consegue perceber o que seus atos possuem de relação com seu
ser, mostrando compreendê-los como desvinculados de sua vida,
sem sentido, como vítima de um capricho do acaso. Sobre sua
posição no mundo (“viciada”), o tempo todo era-lhe ensinado
como deveria se comportar, o que deveria fazer e não fazer,
como se sentia, etc. Não é à toa que passa a me dizer que não
mais me abandonaria, o contrário do que fazia na fase inicial
de seu tratamento, quando dizia que não mais retornaria.
Quando pensa estar sabendo fazer
183
é quando está no maior
desconhecimento de seu ser.
184
Quando nada sabia, podia
avançar e questionar seus atos.
Vera passa a faltar seus atendimentos com freqüência
cada vez maior, até sumir por completo.
183
De acordo com o que lhe diziam que devia fazer.
184
Remeto o leitor as págs. 29 e 30 onde Lacan discute a existência de
dois lugares: o lugar do pensamento e o lugar do ser. “Penso, onde não
sou” e “sou, onde não penso”.
lxxxv
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(...) a crença na ‘bondade’
da natureza humana é uma dessas
perniciosas ilusões com as quais a
humanidade espera seja sua vida
embelezada e facilitada, enquanto,
na realidade, só causam prejuízo.
185
Aprendemos, com Freud, que o homem não é bom por
natureza e que isto não tem nenhuma relação com credo,
cultura ou classe social. O preço a se pagar para viver na
civilização é a renúncia às pulsões e esta renúncia nunca é
plena e sem conseqüências, daí o mal-estar, título da
surpreendente obra de Freud de 1930.
186
Qual seria a possibilidade de domesticar a pulsão?
Segundo Freud “(...) Não é fácil entender como pode ser
possível privar de satisfação um instinto [pulsão]. Não se
faz isso impunemente. Se a perda não for economicamente
compensada, pode-se ficar certo de que sérios distúrbios
decorrerão disso”.
187
A agressividade precisa ser inibida para que não destrua
com a civilização. Esta dominação acontece na infância com a
instauração do superego [supereu], instância que herda os
imperativos parentais.
188
A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso
desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o,
185
Freud,S. - Ansiedade e Vida instintual – Novas Conferências
Introdutórias sobre Psicanálise - Conferência XXXII (1933[1932]) in ESB,
Imago Editora, vol. XXII, p. 130.
186
Idem, O Mal estar na Civilização (1930 [1929]), op. cit..
187
Idem, ibidem, p. 118. A palavra entre colchetes é de minha
responsabilidade.
188
A palavra entre colchetes é de minha responsabilidade.
lxxxvi
desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente
para cuidar dele [supereu], como uma guarnição numa
cidade conquistada.
189
Porém, há algo que escapa ao controle, insistindo na
satisfação da pulsão, ocasionando as transgressões. O sujeito
quer mais do que pode ter acesso – ir na direção de uma
satisfação que se liga à pulsão: ao gozo.
190
É um paradoxo, o
homem querer buscar o gozo e este ser um mal,
191
porém a
Psicanálise nos mostra que é impossível não ir ao gozo. “Nada
força ninguém a gozar, senão o superego [supereu]. O superego
[supereu] é o imperativo do gozo – Goza!
192
Ocorre que o
supereu
193
é um imperativo que age a favor da lei, mas que,
devido a ser cego e tirano, acaba por lhe ser contrário.
194
É
assim que “todo aquele que se aplica em submeter-se à lei
moral sempre vê reforçarem-se as exigências, sempre mais
minuciosas, mais cruéis de seu supereu”.
195
E, se “todo
exercício de gozo comporta algo que se inscreve no livro da
dívida na Lei”,
196
o supereu permanece cobrando pela sua
transgressão.
197
Deste modo, a transgressão faz parte de todo ser
humano.
198
Mesmo a criança não é um ser bom. O livro O senhor
189
Freud,S., O Mal estar na Civilização (1930 [1929]), op. cit., p. 146.
A palavra entre colchetes é de minha responsabilidade.
190
Lacan, J. - O Seminário, livro 7, op. cit.
191
Ver ps. 43, 44 e 45 acima.
192
Idem, O Seminário, livro 20, Mais Ainda, 1972-1973. Rio de Janeiro RJ,
Jorge Zahar Editor, p. 11. As palavras entre colchetes são de minha
responsabilidade.
193
Observamos que o supereu da lei e do gozo não são o mesmo. Maiores
informações sobre esta questão podem ser encontradas em Gerez-Ambertín
(2003).
194
Idem, O Seminário, livro 1, op. cit.
195
Idem, O Seminário, livro 7, op. cit., p. 216.
196
Idem, ibidem.
197
Para um exame mais detalhado desta questão ver Dóris Rinaldi (1996).
198
Não podemos esquecer que sonegar impostos, avançar sinal, fazer cópia
“pirata” de cd ou dvd, etc., também constituem transgressões.
lxxxvii
das moscas
199
nos dá um excelente exemplo da agressividade do
homem, presente desde a infância. A história gira em torno de
um grupo de crianças que, após um acidente de avião,
encontram-se sozinhas numa ilha e precisam buscar formas para
sobreviver. Elegem um líder entre eles, regras que devem ser
cumpridas por todos e estabelecem tarefas para o grupo. Uma
das crianças do grupo porém rebela-se e passa a impor sua
própria lei, mediante grande agressividade. Neste momento, as
regras passam a deixar de valer e o que prevalece é a lei do
mais forte.
O interessante a destacar neste livro para nosso estudo
é que, não estando as crianças sob a coerção dos adultos,
aflora a agressividade existente nelas. O grupo, identificado
ao líder agressivo e necessitando de sua proteção, matam,
humilham, segregam.
O que dizer sobre a crença em encontrar “personalidades
degeneradas”, ou “disposições hereditárias” para o crime,
tentativa que vemos persistir tanto em alguns setores da
Psicologia quanto do Direito? Os “criminosos” não são seres
inferiores, criaturas brutais e que perderam sua dimensão
humana, necessitando da piedade, compaixão e investimento dos
homens de bem. Aqueles que cometem crimes não são diferentes
de nós, apesar do desejo narcísico daqueles que insistem em
querer se diferenciar destas pessoas, como que acreditando
fazerem parte de uma raça distinta e superior. Os chamados
“criminosos” não são, nem biologicamente e nem em sua
estrutura psicológica, distintos do homem honrado normal.
Todo homem é estruturalmente capaz de ser um criminoso, um
inadaptado e conserva em sua plenitude esta tendência durante
os primeiros anos de sua vida. A adaptação do sujeito às
199
Golding, W., O senhor das Moscas, Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira, 2006.
lxxxviii
renúncias impostas pela vida em sociedade começa apenas após
o período de latência,
200
descrito por Freud, e termina na
adolescência. Acontece que algumas pessoas, durante este
período, reprimem as genuínas tendências agressivas e
dirigem-nas em um sentido socialmente aceito, quando outras
pessoas parecem fracassar neste momento. O homem que
conseguiu reprimir sua agressividade porém, continua
manifestando-a nos sonhos, no sintoma e também as satisfaz em
atividades como: lutas, disputas, jogos agressivos, filmes
violentos e, por último, as terríveis guerras.
Podemos agora compreender a instigante frase de Lacan em
seu seminário O avesso da Psicanálise: “Só conheço uma única
origem da fraternidade (...), é a segregação”.
201
Interessante
Lacan apontar que a fraternidade só pode existir ao preço de
que alguns, - aqueles que não consideramos como nossos irmãos
– sejam excluídos. É o mesmo que Freud já nos havia apontado
em O Mal estar na Civilização quando diz: “É sempre possível
unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto
sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de
sua agressividade”.
202
Essa necessidade de segregação se torna evidente quando
vemos a comoção que acontece na sociedade contra aqueles que
cometeram crimes. O homem passa a dirigir seu ódio (e, como
vimos, ele precisa deste escoadouro) para aqueles que julga
diferente dele. Vemos estas cenas acontecerem diariamente nos
jornais: policiais batendo de forma covarde em traficantes,
os crimes cometidos nas guerras, a disputa existente entre
times e gangues rivais, o desejo da população de linchar
200
Freud S. - Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) in ESB,
Rio de Janeiro, Imago Editora, 1990, vol VII.
201
Lacan, J. - O Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise (1969 -
1970), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994, p. 107.
202
Freud, S. - O Mal estar na Civilização, op. cit., p. 136.
lxxxix
aqueles que cometeram crimes hediondos, etc. “Espera-se
impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por
si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os
criminosos (...)”.
203
Cada pessoa isoladamente sente como uma ofensa própria o
mal infligido injustamente a qualquer outra pessoa,
principalmente se esta for do seu mesmo nível social. Este
efeito psicológico, o sentimento de injustiça vivido pelas
massas se funda no conceito de identificação que podemos
formular da seguinte forma: A cada um de nós, poderia ocorrer
o mesmo.
Já aprendemos que a renúncia à satisfação da pulsão se
baseia no temor do desprazer ou na esperança do prazer e
significa a adaptação das exigências da pulsão aos dados da
realidade. Portanto, renuncia-se a determinadas satisfações
da pulsão porque a satisfação não é possível ou porque
resultaria em mais desprazer do que a renúncia representa.
Freud chamou a isto “a substituição do princípio de prazer
pelo princípio de realidade”.
204
Toda a educação se baseia neste princípio, já que
representa uma adaptação dirigida sistematicamente às
exigências primitivamente anti-sociais das crianças. O
castigo promove na criança uma vivência de desprazer,
enquanto o carinho das pessoas amadas a auxiliam na inibição
das pulsões. O temor do castigo e a esperança do carinho
representam deste modo, os centros de atração que regulam a
vida das crianças.
205
Esta troca entre amor e renúncia começa no período da
infância mais remota. Posteriormente, o eu, que penosamente
203
Idem, ibidem, p. 134.
204
Ver págs. 39 e 40 acima.
205
Para um exame mais detalhado desta questão ver os textos de Freud, O
ego e o Id (vol. XIX) e Inibições, Sintoma e Ansiedade (vol. XIX).
xc
inibe suas exigências pulsionais, oferece este sacrifício à
sociedade, na espera de prestações recíprocas, segundo o
mecanismo que já conhecemos, a mesma que o sujeito tinha com
seus entes queridos. Neste momento, a sociedade entra no
lugar das pessoas que foram importantes na infância do
sujeito e suas emanações são o reconhecimento, o respeito e
todas as escalas de liberdade que se concede ao cidadão,
desde as garantias individuais até outras mais elevadas, que
são verdadeiras prestações que ajudam o sujeito a suportar as
limitações que lhe são infligidas.
A Psicanálise mostra como uma pessoa pode ser querida
conscientemente e odiada inconscientemente, ou vice-versa. Da
mesma forma, pode se assassinar por ódio e por amor ao mesmo
tempo; cometer um furto por razões lucrativas e ao mesmo
tempo, por impulsos inconscientes de prazer, que não tem
nenhuma relação com o lucro. Tais fatos não são privativos de
ações criminosas. Esta diversidade de motivações se dá também
com ações perfeitamente lícitas. O capataz sádico que nas
colônias açoita os índios, tem, para sua conduta, um
fundamento racional, de que para transformar o selvagem em
civilizado é necessário uma severa disciplina. Nas pessoas
dedicadas a ensinar se pode dar um fenômeno semelhante, a de
concorrerem tendências opostas: uma consciente, a função
social do educador, e outra inconsciente, o impulso agressivo
de dominação. A dureza do carcereiro, a destreza do
cirurgião, ou a obediência ao dever do policial, todas
possuem as duas tendências contrárias, das quais somente uma,
a que representa um fator social transparece. A outra,
permanece obscurecida no inconsciente, produzindo seus
efeitos de forma clandestina.
Quanto à educação, Freud não é otimista em sua
utilização na prevenção dos crimes. Relata que a tarefa de
xci
educar, é uma das profissões impossíveis.
206
Impossível por
que? Porque a pulsão de morte não é passível de educação. E
os educadores estão sempre esbarrando com essa parte de gozo
que insiste no sujeito. Na relação entre professores e
alunos, a transmissão possível é apenas aquela que está
ligada à pulsão de vida, Eros. Tanto a educação quanto a
civilização trabalham no sentido que os sujeitos possam
renunciar a seus impulsos egoístas. As lutas contra as
transgressões, contra o gozo desmedido, precisarão ser
constantemente repudiadas, para que a civilização permaneça.
Os homens, segundo Freud,
(...) não são criaturas gentis que desejam ser amadas
e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas;
pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes
instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota
de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é
para ele, não apenas um ajudante potencial ou um
objeto sexual, mas também alguém que os tenta a
satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar
sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo
sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de
sua posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento,
torturá-lo e matá-lo. O homem é o lobo do homem.
207
A agressividade faz parte deste desejo de posse do
outro, momento que, como já estudamos, faz parte da
constituição do sujeito. Este é o motivo pelo qual Freud não
concordava com a posição dos comunistas de que abolindo a
propriedade privada, a agressividade deixaria de existir.
208
Além do que, que dizermos sobre as injustiças provenientes da
própria natureza (defeitos físicos, inteligência, beleza)?
“... a natureza, por dotar os indivíduos com atributos
206
Idem, Prefácio a Juventude Desorientada, de Aichhorn (1925), in ESB,
Rio de Janeiro, Imago Editora, 1990, vol. XIX, p. 341.
207
Idem, O Mal estar na Civilização, op. cit., p. 133.
208
Idem, ibidem, p. 135.
xcii
físicos e capacidades mentais extremamente desiguais,
introduziu injustiças contra as quais não há remédio”.
209
De acordo com o que desenvolvemos até aqui, estaríamos
afirmando que qualquer tipo de organização social acarretaria
as mesmas conseqüências? Tanto faz vivermos numa ditadura ou
em um modelo democrático? Já que a agressividade é de
estrutura e não há como preveni-la, uma vida miserável e
oprimida seria equivalente à outra com oportunidades?
Obviamente que não! Necessitamos de um Estado que
propicie crescimento e desenvolvimento para todos para que
cada pessoa possa despertar toda sua potencialidade. Freud em
um de seus textos, faz uma crítica ao fato da psicanálise ser
exclusiva das classes mais abastadas e que o Estado deveria
poder disponibilizá-la também para as classes populares.
(...) mais cedo ou mais tarde, a consciência da
sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre
tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua
mente, (...) e de que as neuroses ameaçam a saúde
pública não menos do que a tuberculose, (...) de modo
que homens que de outra forma cederiam à bebida,
mulheres que praticamente sucumbiriam ao seu fardo de
privações, crianças para as quais não existe escolha a
não ser o embrutecimento ou a neurose, possam tornar-
se capazes, pela análise, de resistência e de trabalho
eficiente. Tais tratamentos serão gratuitos. Pode ser
que passe um longo tempo antes que o Estado chegue a
compreender como são urgentes esses deveres
210
.
Dessa forma, não desconsideramos os efeitos da
existência da miséria, da pobreza, do abandono e das
precárias condições de vida que vive uma grande parte da
209
Idem, ibidem, n.r. p.135.
210
Idem, Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica (1919[1918]) in
ESB, Imago Editora, vol. XVII.
xciii
população. Porém, nosso trabalho visa discutir qual a origem
das transgressões sem transformá-la em uma visão simplista do
problema, como por exemplo, reduzi-la ao contexto social do
sujeito. O que a psicanálise tem a contribuir na interlocução
com a Justiça é que existe outro registro, inconsciente, que
impele o sujeito ao ato. Este reconhecimento pelo sujeito do
que nele o impele a algo independente de sua vontade é um
passo importante para que o sujeito se responsabilize e, a
partir daí, possa escolher outra forma de se expressar. Caso
contrário, estaríamos dizendo que os atos infracionais, as
transgressões são decorrentes da falta de alimentação
adequada, educação ou precárias condições de vida (baixos
salários). Os crimes seriam exclusividade apenas das classes
populares. Quando sabemos a enorme incidência de crimes nas
classes média e alta, porém que, muitas vezes, não chegam até
os bancos dos réus.
SOBRE A RESPONSABILIDADE
Vimos, com Descartes, que ao homem é possível arcar com
sua própria sorte, sem se reconhecer apenas como marionete de
um destino impiedoso e inexorável. Este é o sentido do que
Lacan chamou de “momento inaugural do surgimento do
sujeito”,
211
ou seja, o surgimento da idéia de que o homem
pode se responsabilizar pelo que lhe ocorre.
Com Édipo,
212
perguntamos que “culpa” tinha ele,
efetivamente? Poderia não ser considerado responsável por ter
matado seu pai e casado com sua mãe, já que não sabia quem
211
Idem, O Seminário, livro 11, op. cit., p. 211.
212
Ver págs. 48 e 49 acima.
xciv
eram? Se, para ter culpa, é necessário aderir conscientemente
à prática do mal, Édipo não era culpado. Poderíamos atribuir
a responsabilidade ao destino ou a uma vontade caprichosa dos
deuses? Não é o que Sófocles pretende nos fazer entender
quando diz: ‘Tu estás lutando em vão contra a tua
responsabilidade, e estás declarando em vão o que fizeste em
oposição a essas intenções criminosas. És culpado por não
teres conseguido destruí-las; elas ainda persistem em ti,
inconscientemente’.
213
A responsabilidade supõe então o reconhecimento do
sujeito, deste desejo “desconhecido” que o habita e,
conseqüentemente, também os atos que comete. No caso de
Carlos podemos verificar que o jovem passa a modificar suas
atitudes após se responsabilizar por seus atos, o que não
ocorre no caso de Vera.
Nos perguntamos então: existindo este “estranho” em nós,
que não controlamos, isso pode nos servir para que não nos
responsabilizemos por nossos atos? Seríamos vítimas do
inconsciente, esse “louco” em nós? Ou melhor, seria o
sujeito, vítima de si mesmo?
Segundo Freud o homem é responsável por seus sonhos,
referindo-se aos desejos inconscientes que o habitam. Ante a
dúvida sobre a responsabilidade do que sonhamos ele diz:
Obviamente, temos de nos considerar responsáveis pelos
impulsos maus dos próprios sonhos. Que mais se pode
fazer com eles? A menos que o conteúdo do sonho
(corretamente entendido) seja inspirado por espíritos
estranhos, ele faz parte de seu próprio ser. (...) o
213
Freud S. - Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise -
Conferência XXI, (1916-1917[1915-1917]) in ESB, Rio de Janeiro, Imago
Editora, vol. XVI, p. 387.
xcv
que estou repudiando não apenas ‘está’ em mim, mas vez
e outra ‘age’ também desde mim para fora.
214
Aquilo que desconheço em mim e, mesmo assim, em mim
produz efeitos, é chamado por Freud de “desejo inconsciente”.
Porém, ser responsável por seu desejo inconsciente não quer
dizer que devemos ser “castigados” por eles. Freud cita, como
exemplo, o erro cometido por um imperador romano que mandou
matar seu súdito por este ter sonhado que matava o
governador.
215
São os atos, e não os pensamentos ou desejos,
que devem ser considerados nestes casos.
Se somos responsáveis pelos nossos desejos
inconscientes, que dizermos de um ato criminal?
Freud inclusive aponta a “escolha da neurose”,
216
deixando claro que o sujeito é responsável até por sua
estrutura subjetiva,
217
pois caso contrário, só resta-lhe ser
joguete do Outro. Apesar de sabermos que os significantes que
o sujeito recebe vem do Outro, não podemos esquecer que é o
sujeito que interpreta.
O sujeito é determinado inconscientemente em relação às
suas escolhas e ações no mundo. A diferença principal e
crucial entre a determinação inconsciente e a determinação
em que a ciência acredita
218
(questões genéticas ou
hereditárias, por exemplo) é que a última exclui por completo
a responsabilidade do sujeito. Como citado no segundo
214
Idem, Algumas notas adicionais sobre a interpretação de sonhos como um
todo (1925) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. XIX, p. 165.
215
Idem, A Interpretação dos Sonhos, op. cit., p. 560.
216
Idem, A disposição à neurose obsessiva - Uma contribuição ao problema
da escolha da neurose (1913) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora,
vol.
XII.
217
As estruturas subjetivas em psicanálise são: neurose, psicose e
perversão.
218
Por exemplo, a crença que os psicofármacos podem responder e resolver
o mal-estar do sujeito.
xcvi
capítulo de nosso trabalho,
219
algumas nomeações como: “eu sou
toxicômano” ou “eu sou deprimido”, tendem a
desresponsabilizar o sujeito por sua posição, - que foi sua
escolha [inconsciente] - no mundo.
Nos casos citados percebemos que apenas quando o sujeito
reconhece em seus atos algo que se relaciona com seu ser
podemos pensar em alguma modificação posterior de suas
atitudes. É quando o sujeito se torna capaz de dizer “Eu devo
de alguma forma, ser responsável por isso”. Essa virada,
promove no sujeito uma responsabilização do que lhe ocorre,
deixando de queixar-se dos outros e passando a reconhecer em
si a responsabilidade por sua vida. Lacan chamou de
retificação subjetiva
220
o momento numa análise em que o
sujeito se implica em seu sintoma.
Podemos aferir então que ser responsável não é, de forma
alguma, equivalente a ser punido, equivalência que vemos
existir para o Direito Penal. Estaria aí a chave para nosso
problema? Punir, não necessariamente promove no sujeito a
responsabilização por seu ato. Muitas vezes inclusive, punir
é atender a demanda do sujeito, dando-lhe um objeto: a
punição, a carceragem. O sujeito pode até acreditar que seu
ato está “quitado”, sem contudo, obter alguma implicação ou
responsabilidade no mesmo. Uma punição pode até mesmo ser
justa, mas isso não implica na responsabilização do sujeito
pelo seu ato. Como responsabilizar o sujeito por seu ato?
Esta pergunta, se respondida, resolveria muitos dos
problemas que vivemos atualmente, contudo, sabê-la de antemão
seria excluir o conceito de pulsão de morte e tornar o mundo
219
Pág. 30 acima.
220
Miller, J-A. - Introdução ao Inconsciente in Lacan Elucidado, Rio de
Janeiro, 1997, p. 255.
xcvii
um lugar bem previsível. Esta é a pretensão da ciência, não a
da psicanálise.
Qual seria então a diferença entre um adolescente e um
adulto? O sujeito é outro na adolescência? Para a psicanálise
não. Tanto “criança”, quanto “adolescente” são categorias
sociológicas. São conceitos muito recentes, remontando ao
Século das Luzes.
221
A diferença entre adulto e adolescente
não é estrutural, visto que todos são sujeitos.
Se o adolescente não é responsável por seu ato, quem o
seria?
A única forma de concebermos o sujeito como
responsável, na contramão que a psicanálise impôs à
ideologia psicojurídica do século XIX, é atribuirmos a
ele a responsabilidade, exemplarmente pleiteada por
Althusser, pela escolha de seu pathos.
222
Em contrapartida, não se trata de acreditar que o
adolescente se responsabilizando por seus atos significa a
solução para a criminalidade infanto-juvenil. Novamente, os
problemas são do humano e não da idade. Este repúdio ao que
há de agressivo no homem deverá exercer sua pressão de forma
constante pois não há como existir satisfação da pulsão e
vida em sociedade concomitantemente.
221
Para um exame mais detalhado desta questão ver o livro de Philippe
Áries “História Social da Criança e da Família”.
222
Alberti, S. - O adolescente, o discurso do mestre e o discurso do
analista in Revista Marraio 1- Da infância à adolescência - Formações
Clínicas do Campo Lacaniano – Rio de Janeiro, 2001, p. 49.
xcviii
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