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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC - SP
Programa de estudos pós-graduados em Psicologia Social
Vanessa Abdo França
Da aldeia à favela:
estudo da identidade de índios Pankararu no
Real Parque
Mestrado em Psicologia Social
São Paulo
2008
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC - SP
Programa de estudos pós-graduados em Psicologia Social
Vanessa Abdo França
Da aldeia à favela:
estudo da identidade de índios Pankararu no
Real Parque
Mestrado em Psicologia Social
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do grau de
MESTRE em Psicologia Social pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
sob orientação do
Prof. Dr. Salvador Antonio Mireles Sandoval
São Paulo
2008
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ii
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
iii
Agradecimentos
___________________________________________________________________
Ao finalizar mais esta etapa profissional fica evidente a quantidade de
pessoas que formam o caleidoscópio da nossa vida. São pessoas vindas de
diferentes lugares que vão dando forma e cor às coisas que acreditamos.
A peça mais colorida e importante é minha mãe (aquela a quem imito até nos
defeitos) responsável por grande parte da minha própria identidade.
Outra, é minha Maninha que sempre inspira a certeza de um mundo mais
justo e que logo cedo, me presenteou com outras duas pecinhas fundamentais:
Paulinho (o ser mais sensato e iluminado) e Pedro (o mais carinhoso e querido).
E como não agradecer por não ter uma, mas duas mães?! Assim, tia Lou,
obrigada pelas soluções e prontidão.
Ao Gui, responsável pela completude do meu próprio ser, nem só da forma
poética, mas de forma literal. Aquele que me fez assumir em mim mesma porções
até então negadas.
À Patrícia Rzezak, por ter ouvidos e bocas nas horas certas.
À Ana Cecília Moraes, por (também) acreditar em um mundo mais justo.
iv
À Ilana Berenstein, pela parceria de tantos anos.
Às pirilampas que iluminam meu caminho com sabedorias em diferentes
estilos. À Syl, que facilitou a conclusão do mestrado e mais do que isso, pratica a
construção de um mundo mais tolerante com o diferente.
Ao Ricardo, amigo de todas as horas, que sempre que ameacei desanimar,
me chacoalhou. Então, obrigada pelas chacoalhadas que invariavelmente viraram
abraços apertados.
Ao Juracy Almeida, amigo de tantos anos, por ser o primeiro a me apresentar
aos estudos da Psicologia Social, e assim, me incentivar a trilhar este caminho.
Ao Antonio Ciampa (professor, autor, inspirador) pelos ensinamentos.
Ao Salvador Sandoval, por seu conhecimento, capacidade de ensinar, bom
humor e principalmente, pelo entusiasmo com que defende tudo o que acredita.
E finalmente, aos Pankararu “paulistanos” por quem as palavras sobram:
inspiração, emoção, luta e perseverança!
v
Resumo
_________________________________________________________________
Vanessa Abdo França
Da aldeia à favela: estudo da identidade de índios Pankararu no
Real Parque
Apesar deste trabalho tratar de uma população indígena originalmente
pernambucana, este tem como pano de fundo a cidade de São Paulo e suas
idiossincrasias enquanto zona urbana, metropolitana e com graves desigualdades
sociais. O objetivo foi realizar um estudo da Identidade de índios Pankararu
residentes na Favela do Real Parque em São Paulo. Para abordar esse assunto foi
realizada uma entrevista analisada de forma qualitativa, partindo do pressuposto de
que são portadores de um discurso social. A análise do material foi feita à luz da
Psicologia Social. Neste trabalho pode - se perceber que para os entrevistados, o
que define ser índio Pankararu é a ascendência, que o local de nascimento não
interfere na condição de ser índio, nem as características fenotípicas. Em relação
aos não – índios moradores da favela, ora há reconhecimento com a condição de
“morador de favela”, ora há distanciamento dessa situação e uma total identificação
com a etnia de origem. A identificação com a situação de “morar em favela” esta
principalmente relacionada aos problemas enfrentados. Assim, a identidade indígena
é importante para ir contra a naturalização da pobreza principalmente porque a
condição de morador de favela – enquanto identidade é armadilha que facilita a
desconstrução da identidade Pankararu.
Palavras – chave: Índios Pankararu – Identidade – Favela Real Parque
vi
Abstract
___________________________________________________________________
Vanessa Abdo França
Da aldeia à favela: estudo da identidade de índios Pankararu no
Real Parque
In spite of the fact that this study focuses on an indian population originally
from Permambuco, the background of this research is the city of São Paulo and its
idiosincries as an urban, metropolitan region with its serious social inequalities. Our
objective was to conduct a study about the identity of the Pankararu Indians residing
in the Real Parque Favela in the city of São Paulo. In order to do this, interview data
was analyzed in a qualitative manner, with the supposition that the interviewees are
carriers of a social discourse. The data was done within a social psychological
framework. In the study one can see that for the interviewees, the notion of
Pankararu Indian is defined by descendence from a location that attributes the
condition of being Indian and not the phenotypical characteristics. In relation to the
non-indian residents of the favela, there is at the same time a recognition of being a
member of the favela while feeling a certain distance from that situation and a total
identification with their ethnic origins. The identification with the situation of residing in
the favela is primarily related to the problems they confront. In this way, Indian
identity is important in order to go against the naturalization of poverty principally
because the condition of being a resident of the favela is a trap that may deconstruct
the identity of the Pankaraus.
Key words, Pankarau Indians, identity, Real Parque favela
Sumário
___________________________________________________________________
Introdução 2
Capítulo I – Favela Real Parque 10
Capítulo II – Organização Pankararu 17
Capítulo III – Identidade 29
Capítulo IV – Metodologia 42
Capítulo V – Narração e Análise 46
Considerações Finais 63
Referência Bibliográfica 70
Anexos 72
2
Introdução
___________________________________________________________________
Logo que entrei na faculdade, não tinha intenção de trabalhar com a
população indígena, mas sempre tive curiosidade sobre as questões relacionadas à
maior participação política, desenvolvimento econômico e de preservação
cultural/ambiental de comunidades.
No primeiro ano da faculdade ingressei no PET (Programa de Educação
Tutorial)
1
e desenvolvemos um projeto com sem-terras de Pontal do
Paranapanema, interior de São Paulo. O PET era responsável pelas oficinas sobre
sexualidade.
Em outro momento, entrei no NTC (Núcleo de Trabalhos Comunitários)
2
em
um projeto de intervenção com pré-adolescentes da favela do Jardim Pantanal, em
Diadema, esta favela é uma das mais violentas da capital, conhecida pelo seqüestro
e assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Realizávamos oficinas de
teatro para trabalhar questões relacionadas à cidadania.
Pela primeira vez, em 2002, tive contato com a população indígena
profissionalmente, participando da organização do evento “Xavante: Uma Imersão
Cultural”, cujos objetivos, eram a divulgação dessa cultura indígena, bem como
1
Programa de Ensino Tutorial, grupo de pesquisa, ensino e extensão financiado pela
Secretaria de Ensino Superior, SESu, no qual o aluno bolsista pode entrar no primeiro ano e
permanecer até o último.
2
2 Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP, desenvolve projetos com alunos da
universidade para comunidades carentes de diversas regiões do Brasil.
3
geração de renda. Entretanto, naquela época, não tive a pretensão de me
aprofundar nesses estudos.
Em 2003 e 2004, voltei a trabalhar como educadora social pelo NTC, mas
desta vez, como sensibilizadora do pensamento Paulo Freire para professores
alfabetizadores da rede pública da região norte do Brasil (Pará e Rondônia), no
Projeto BB Educar do Banco do Brasil.
Em 2005, já graduada, iniciei em conjunto com um grupo de estudantes e
professores da Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, um projeto de
desenvolvimento e consolidação de uma rede de promoção de autonomia
comunitária na Favela do Real Parque, em São Paulo.
Este projeto resultou na fundação da Organização Não-Governamental
denominada Ninhos – Gestão de projetos educacionais e sociais. Minha função no
grupo era auxiliar na organização institucional e na execução de ações específicas
envolvendo as diversas entidades locais.
No início desta proposta foi realizado um processo de mapeamento da favela
para reconhecimento das entidades locais.
4
Padilha (2006) apresenta-as:
Entidade Objetivos
Associação de Moradores
Interlocução entre a comunidade e
agentes externos
SOS Juventude
Desenvolvimento de oficinas lúdicas,
esportivas e referentes à cidadania.
Creche Pássaro Azul Atendimento às crianças
Ação Cultural Indígena Pankararu
Preservação da cultura e dos valores
Pankararu
Juntas, compunham um fórum de discussão - denominado Barco - com outras
entidades parceiras (Casulo/ICE, União de Moradores do Jardim Panorama, Instituto
Ninhos). Consolidando uma base integrada, voltada para ações conjuntas e sociais.
Assim, com esta pequena e diversificada experiência profissional, surgiu a
vontade de fazer este trabalho levando em consideração a comunidade do Real
Parque (que será descrita no capítulo II), bem como, suas organizações.
Como tive bastante contato com a população indígena local, pude perceber os
enormes problemas por eles enfrentados visto que fazem parte não apenas de uma
5
minoria oprimida, mas de várias outras: são índios (as) urbanos (as), “favelados
(as)”.
Isso despertou minha curiosidade a respeito de seus costumes e
principalmente para entender como eles próprios se vêem.
Qual é a identidade deste grupo? Como eles se representam? Como se
reconhecem?
Por conta do trabalho no Real Parque, me aproximei das lideranças
comunitárias, mais precisamente do presidente da ONG Ação Cultural Indígena
Pankararu, Dimas.
Assim, ocorre uma maior facilidade de atuação (já que minha participação na
comunidade já é rotineira e apoiada pelos moradores) e de uma inserção mais
orgânica, visto a aproximação e vinculação com esta população.
No Real Parque, pude acompanhar de perto, alguns dos muitos problemas
enfrentados por esta parte da comunidade mais precisamente.
Um episódio específico chamou minha atenção. Há um grande incentivo por
parte da ONG Ação Cultural Indígena Pankararu em apresentar seus artesanatos
como forma de divulgação da sua cultura e para geração de renda.
Assim, em um importante edifício paulistano, onde freqüentemente ocorrem
exposições diferenciadas, acompanhei o desenrolar de uma negociação para
6
apresentação dos artesanatos indígenas realizados principalmente pelas mulheres
do Real Parque.
O presidente da ONG, que é negro, foi apresentar um conjunto de produtos
como, colares, anéis, panos de prato, etc. feitos pela comunidade para serem
vendidos no dia. A organizadora do evento perguntou a respeito dos cocares, arcos
e flechas.
Ela parecia bastante desconfiada do presidente. Quando informada que o
artesanato deles não era este, não permitiu a realização do evento alegando que
não se parecia com artefatos indígenas, e que, portanto, não despertava sua
curiosidade, o que frustrou a todos na comunidade que alegavam ser sim, esta a
origem.
Ou seja, a expectativa da organizadora do evento em relação à população
indígena não correspondeu à realidade dos Pankararu
3
residentes na cidade de São
Paulo.
A esteriotipia em relação aos índios impossibilita o reconhecimento deles fora
do ambiente esperado.
Segundo Goffman (1975): “ser uma determinada espécie de pessoa por
conseguinte não consiste meramente em possuir os atributos necessários, mas
3
A não-flexão do plural na denominação de etnias indígenas ancora-se na justificativa de que
acrescentar um s resultaria em hibridismo. Além do mais, há a possibilidade das palavras já estarem
no plural, ou, ainda, de que a própria forma plural não exista nas línguas indígenas correspondentes.
7
também em manter os padrões de conduta e aparência que o grupo social do
individuo associa a ela”. (p. 74).
Este episódio demonstra a dificuldade de ser índio em São Paulo, onde o
estigma sobre o tema é de tal força, que dificulta a auto-definição deles como índios,
pois não têm as vestimentas e costumes esperados pelos “civilizados”.
Neste sentido, a importância do reconhecimento do “outro” não - indígena,
enquanto o “eu” indígena, não é apenas uma questão isolada, mas trata de legitimar
o direito deste grupo perante os não - índios.
Como pode ser visto em Guareschi (2003):
Existe uma grande tendência em aceitarmos a hipótese simplista
de que somos oriundos de apenas três raças: negros, índios e
brancos. Porém, o Brasil é constituído por diversas raças e a
maior ou menor miscigenação entre elas resulta em novas raças.
Por outro lado, devido à ausência de estudos com dados
qualitativos, dentre outros motivos, as diferenças raciais estiveram
descaracterizadas em função dessa miscigenação, vindo, dessa
forma, a fortalecer o mito da democracia racial. Os movimentos
sociais têm um papel importante no sentido de criarem a
necessidade de se pensar em termos de raça, visto que a
emergência dessa categoria aponta a tentativa de determinados
grupos terem acesso aos bens sociais. (p. 149).
8
Este trabalho, a meu ver, tem relevância no sentido em que trata da questão
indígena de forma a diminuir os estigmas, desmistificar o índio e principalmente para
chamar a atenção para este tipo de exclusão.
Em Guareschi (2003), há um importante trecho, que apesar de referir-se ao
negro, pode ser aplicado à diversidade temática indígena:
O mito da democracia racial, ou seja, a ilusão de que questões
raciais não constituem um fator de exclusão, persiste, pois ao
mesmo tempo em que práticas sociais incluíram a raça como
marcador identitário – no momento em que se utilizam desses
marcadores como regras pelas quais um objeto pode ser incluído
ou excluído dos regimes de verdade impostos – as relações
sociais engendradas nessas práticas excluem o negro. (p.149).
Percebe-se a exclusão do índio Inclusive no meio acadêmico.
No caso da Psicologia Social, Silveira (2002) observa:
A quase inexistência de estudos, na Psicologia Social brasileira,
voltados para as sociedades indígenas e sua assimilação pela
sociedade hegemônica, torna premente a realização de pesquisas
nessa área, principalmente quanto à importância de (re)conhecer
aspectos que continuam presentes – embora negados – na
formação da identidade do povo brasileiro. (p.11).
Levando–se em consideração os poucos estudos encontrados na área e
principalmente devido a grande importância da temática, o objetivo deste trabalho
9
é realizar um estudo da Identidade de índios Pankararu residentes na Favela
do Real Parque em São Paulo.
Sendo assim, segue a estrutura que fundamenta esta pesquisa teórica,
enfatizando que a escolha de desenvolvê-la sob a ótica da Psicologia Social vai de
encontro à idéia de que por trás das ações está a transformação pela igualdade de
condições, e não na omissão das diferenças.
O Capítulo I – A favela do Real Parque – mostra o cenário em que o
trabalho é desenvolvido. O Capítulo II – Os Pankararu – apresenta quem são os
Pankararu. Começa descrevendo brevemente a origem da aldeia, seus costumes,
como foi e é a migração para São Paulo e como eles se organizam no Real Parque.
O Capítulo III – Identidade – trata brevemente do conceito de Identidade que
fundamenta a presente pesquisa. O Capítulo IV – Metodologia de pesquisa
apresenta a metodologia a ser desenvolvida para realização deste. O Capitulo V –
Narração e Análise – apresenta os participantes e analisa os dados.
10
Capítulo I – Favela Real Parque
_________________________________________________________________
Favela
Nem sol, nem chuva
nem a lei da gravidade
abalam a firme estrutura
desta pseudocidade.
Marcelo Lopes
Apesar deste trabalho tratar de uma população indígena originalmente
pernambucana, este tem como pano de fundo a cidade de São Paulo e suas
idiossincrasias enquanto zona urbana, metropolitana e com graves desigualdades
sociais.
Sendo assim, este capítulo, tem como objetivo fazer a contextualização
ambiental e socioeconômica da morada urbana destes índios.
Para compreensão da favela de forma mais completa, é fundamental
entender o processo que a constituiu, ou seja, seu início.
A favela Real Parque, segundo o antropólogo Athias (2003), começou a ser
formada em 1956, quando os índios Pankararu decidiram sair de Pernambuco para
procurar emprego em São Paulo, devido à grande seca que atingia a região
nordeste do país.
Naquela época, obras de grande porte estavam sendo construídas na região
do Morumbi - como o estádio de futebol e o Palácio dos Bandeirantes - e os índios
11
decidiram fixar moradia nas proximidades trouxeram mulher e familiares,
constituindo família.
Atualmente vivem cerca de 500 índios, entre descendentes dos primeiros
Pankararu e os que vieram para São Paulo depois de 1956.
Localização:
Margeando o rio Pinheiros, a Favela do Real Parque situa-se no bairro de
mesmo nome compondo uma área maior denominada Morumbi na região sudoeste
da cidade de São Paulo.
Segundo Padilha (2006):
Com a intensificação do processo de urbanização e de
verticalização, o bairro passou por gradativo adensamento
demográfico. Ainda devido ao processo de verticalização, como
reflexo das características que compõe a urbanização excludente
da metrópole, as sobras dos loteamentos regulares
4
, passaram a
ser ocupadas por populações de baixa renda. (p.61).
A região é um retrato da desigualdade sócio-econômica de São Paulo.
Segundo o Censo 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a região do Morumbi tem a maior renda média da cidade de São Paulo – o
chefe de família ganha, em média, R$ 6.498,82 por mês.
4
Áreas destinadas pelo loteador, por lei, para espaços de lazer e equipamentos públicos.
12
O local tem enormes condomínios de alto padrão; prédios de luxo convivem
lado a lado com favelas, ocorrendo pressão por parte da especulação imobiliária nas
áreas ocupadas e não-urbanizadas.
Principais problemas sócio-econômicos:
A região possui comunidades de baixa renda vivendo em condições
precárias.
Uma pesquisa realizada pelos jovens do Observatório Social do Projeto
Casulo, em 2003 e 2004, revelou que a comunidade de baixa renda do Real Parque,
mora em aproximadamente 840 barracos e no Cingapura há 489 unidades
habitacionais.
A divisão percentual dos tipos de moradias na Favela do Real Parque pode
ser vista na tabela abaixo:
Tipo de moradia Porcentagem
Conjunto habitacional 36
Barraco 59
Alojamento 5
Como pode ser visto na tabela, além do Conjunto Habitacional e dos
barracos, há ainda, um alojamento tido em 2002, como provisório, nas adjacências
13
da favela. Isso porque, em outubro daquele ano, um grave incêndio tomou conta de
diversos barracos, deixando alguns moradores feridos e muitos desabrigados.
Durante o período das obras do Cingapura, as famílias que hoje residem no
Conjunto Habitacional, moraram temporariamente no local. Na época do incêndio, a
Associação de Moradores do Real Parque o ocupou para alojar as famílias
vitimizadas.
Até hoje, o terreno é alvo de grande especulação, tanto do ponto de vista
imobiliário, quanto por parte dos próprios moradores. Há, entre as pessoas da
favela, o boato de que haveria a possibilidade de construção de um centro
comunitário.
Por enquanto não há nenhuma comprovação destas especulações, mas o
risco de incêndios ainda é bastante real uma vez que a fiação elétrica da favela é em
grande parte irregular, ligada clandestinamente à rede pública em um emaranhado
de fios, ação esta conhecida popularmente por “gato”.
Além da questão elétrica inapropriada, como as vielas são muitas vezes
estreitas dificulta o acesso ao interior da comunidade (o que impede a pronta ação
do corpo de bombeiros) e ainda existem alguns barracos construídos com madeira e
forrados com papelão, que facilitam a propagação do fogo de forma rápida e
impiedosa.
A estrutura física da favela, evidentemente não é a única questão relevante
enfrentada.
14
A tabela a seguir, foi construída a partir dos dados coletados na pesquisa
realizada pelo Projeto Casulo e mostra os principais problemas enfrentados pelos
moradores:
Principais problemas Número de respostas em %
Emprego 17
Drogas 15
Segurança 11
Saúde 10
Limpeza pública 09
Habitação 09
Álcool 08
Lazer 08
Transporte 06
Escola 06
Pode–se perceber que o desemprego esta no topo do rol dos problemas
apontados pelos entrevistados. Vale lembrar, que muitos moradores da favela,
trabalham principalmente nos prédios dos arredores da comunidade, como faxineira,
babá, porteiro e pedreiro, entretanto, a demanda por trabalho não é suprida.
Abaixo, a tabela apresenta a condição do chefe de família quanto à situação
profissional:
15
Situação ocupacional do responsável pelo domicilio (em %)
Trabalhando 63
Não trabalhando 37
Apesar de não ter sido apontado prioritariamente como um problema, chama
a atenção os dados referentes à educação.
Segundo essa pesquisa, a população total da favela é de 4.314 habitantes,
sendo 1.230 jovens. Da população local, 39% estudaram até a 4ª série do ensino
fundamental e 33% até a 8ª série, 16% não são alfabetizados e apenas 1% possui
nível universitário.
Como pode ser visto no gráfico abaixo:
Fonte: Projeto Casulo
Fundamental I
Fundamental II
Não alfabetizado
Médio
Universitário
16
A inexistência de uma Escola de Ensino Médio, e o número reduzido de
creches conveniadas com a prefeitura é insuficiente para atender o número de
crianças e adolescentes em idade escolar, o que colabora para manter os resultados
acima.
Alem dos problemas relacionados ao transporte público que dificulta o acesso
a outros pontos da cidade, como escolas e inclusive postos de saúde.
Todas as características da favela são compartilhadas por índios e não –
índios em um contexto que muitas vezes vela as distinções entre os grupos.
Com as características supracitadas, a favela do Real Parque foi escolhida
como o cenário deste trabalho por conta de ser a moradia da grande maioria dos
índios Pankararu residente nesta capital.
17
Capítulo II – Organização Pankararu
__________________________________________________________________
Pernambucanamente
Quero dançar com os índios Kapinawá,
Pankararu, Xucuru, Truxá
Quero viver em Pernambuco
Quero me pernambucar
Miguel Carneiro
Este capítulo tratará da organização Pankararu. Para tanto, apresentará um
breve retrato da área de aldeamento do sertão pernambucano e da favela do Real
Parque em São Paulo.
De acordo com a Fundação Nacional da Saúde - FUNASA (2005), a
população indígena brasileira é estimada em mais de 400.000 pessoas,
pertencentes à cerca de 220 povos, falantes de 180 línguas identificadas
.
Os Pankararu são aproximadamente 5.880, divididos, principalmente, entre o
sertão pernambucano e São Paulo. Em ambos a língua falada é o Português.
Os Pankararu aparecem nas fontes históricas dos séculos XVII e XVIII,
designados como "Pancararu", "Brancararu", "Pancaru" ou "Caruru".
Originários da aldeia Brejo dos Padres, eles foram aldeados à margem do
São Francisco por missionários jesuítas, franciscanos e capuchinhos, a partir do final
do século XVII.
18
A exemplo de quase todos os grupos indígenas do Nordeste brasileiro, a
história Pankararu remete a políticas públicas e ações missionárias implementadas
desde o início da colonização portuguesa, que incluíam deslocamentos e
aldeamentos forçados, impondo a convivência e a posterior indiferenciação de
diversas etnias na região.
Até hoje, é como se houvesse uma forma de reconhecimento de um único
grupo denominado índio, indiscriminadamente.
De acordo com Fausto (1999):
Na realidade o termo índio é definido em oposição ao branco. O
índio genérico não existe: existem povos distintos, com
identidades próprias. (P 12).
Além de passarem por estas indiferenciações, a população indígena
Pankararu remanescente se tornou alvo de pressões coloniais, sobretudo de
pecuaristas interessados nas terras mais férteis à margem do rio, de onde foi
forçada a migrar, buscando locais de refúgio e resistência.
A terra indígena Pankararu, homologada em 1987, está localizada entre os
atuais municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, próximo ao rio São Francisco.
Arrutti (2005) afirma que no trabalho de demarcação na década de 1930, nos
primeiros registros do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que deu origem à FUNAI, o
19
funcionário responsável reduziu os mais de 14.000 ha. reivindicados pelos índios,
nos 8.100 ha. oficialmente reconhecidos.
Os Pankararu intensificaram então os conflitos fundiários com posseiros não-
indígenas até 1984, quando foi organizado um Grupo de Trabalho da FUNAI para
realizar uma revisão no tamanho da área Pankararu. Em 2004 foi oficializada a
posse permanente da população indígena da nova extensão.
Marcada por uma pecuária ultra-extensiva e articulada, até meados do século
XX, há uma agricultura de subsistência pouco expressiva.
Na seção central da área indígena, encontra-se uma terra bastante úmida e
escura; rica em árvores frutíferas, como mangueiras, goiabeiras e pinhas. A
qualidade do solo é alta, podendo-se plantar milho e diferentes tipos de feijão que
podem complementar a renda familiar de seus moradores em épocas menos secas.
Há ainda a cana de açúcar (utilizada na fabricação de "mel", garapa e
rapadura) introduzida no início do século XIX.
Ao sul, a terra é muitas vezes pedregosa, mas em uma pequena parte
regada, planta-se feijão, milho e mandioca. Esta área é de reserva de madeira, e
também onde floresce o umbu, fruta natural da região, considerada pelos índios um
símbolo da sua representatividade étnica.
20
Associado a essa falta de terrenos de plantio, é nessa seção que mora a
grande maioria dos índios que trabalham nas cidades próximas como diaristas ou
rendeiros de outros índios, dos posseiros, ou de proprietários vizinhos à área.
O Toré como emblema de indianidade
Nos rituais do Toré, as pessoas dançam em círculos tocando o maracá
(chocalho) e fumam o campiô (cachimbo em forma de cone). Usam também o praiá
(vestimenta de palha e corda) que simboliza o deus dos Pankararu. Tudo regado a
muita rapadura e potes de garapa.
O toré tem passos ritmados e ao som de flauta, exige muita concentração: só
vestem a roupa aqueles "puros de espírito", que não mantiveram relações sexuais
há pelo menos três dias, e o nome do índio que veste a roupa é ocultado dos demais
participantes.
Frente ao avanço das conquistas dos direitos indígenas, o SPI instituiu a
desempenho do Toré como critério básico do reconhecimento da remanescência
indígena, tornado então, expressão obrigatória da indianidade no Nordeste.
Sendo assim, algumas lideranças peregrinas assumem um papel político na
sua comunidade e passam a transitar informações sobre os direitos conquistados.
São estas lideranças que fazem a ponte entre os grandes centros e as
comunidades; e assim, passam a atuar como agentes disseminadores das regras da
expressão obrigatória da indianidade.
21
O ritual é transformado em pressuposto da conquista de direitos, mas está
ligado também ao isolamento, descontextualização e padronização de seus rituais.
Viagens
Historicamente, os grupos das margens do São Francisco sempre mantiveram
forte resistência ao assentamento em um único local, de forma que lhe fosse tolhida
a perambulação por entre aldeias e grupos vizinhos. Os colonizadores levaram muito
tempo para reduzir esta mobilidade.
O fato de terem sido reunidos em aldeamentos comuns, adaptados à cultura
agrícola e introduzidos numa estrutura fixa, não significou a extinção das viagens.
Estas podem ser divididas em três tipos: as viagens rituais, de fuga e de
direito, como descritas abaixo.
As viagens rituais
:
Consistiam no trânsito temporário de pessoas e famílias entre as
comunidades, marcado por eventos religiosos, que podem corresponder ou não a
um calendário anual.
As viagens de fuga:
22
Migrações de grupos familiares em função das perseguições, das secas ou da
escassez de terras para trabalho.
As viagens de direito:
Antes da construção das usinas hidrelétricas que bloquearam o canal de fluxo
de pessoas, os Pankararu, tinham o costume de viajarem curtas distâncias até
grupos que moravam próximos, como os Tuxá, os Jeripancó, os Fulni-ô e os
Kambiwá.
A relação com os Pankararé era ainda mais estreita, em função da memória
de uma origem comum.
Dessa forma, as viagens ligavam grupos diferentes por laços de afinidade e
parentesco. Esse intercâmbio proporcionava trocas de informação, tornava a cultura
mais abrangente e em constante expansão.
No fim do século XIX e início do século XX, as viagens passam a ter outro
caráter.
Lideres indígenas vão ao Recife e até mesmo ao Rio de Janeiro, em busca de
direitos e passam a ser uma marca da luta indígena.
No século XIX, as reivindicações, deixam de ser pedidos de missionários, e
passam a ser dos índios em seu próprio nome, por meio de petições ao Imperador
ou de excursões que realizavam a fim de vê-lo pessoalmente.
23
As comunidades indígenas passam a ver nas idas aos grandes centros, a
possibilidade de conectarem-se aos poderes extra-locais, e como o único recurso
para a conquista ou garantia de seus domínios territoriais.
E assim, a partir de 1950, os Pankararu, começaram a migrar para São Paulo,
fugindo da seca, da fome, e dos conflitos com posseiros de terra.
Em pouco tempo, São Paulo tornou-se uma referência para todo o grupo.
Inicialmente era um fluxo apenas de homens, que saíam da área indígena para
trabalhar curtos períodos na grande metrópole, como forma de re-equilíbrio do
orçamento doméstico em ano de seca ou em situações emergenciais.
Nesse período não se integravam à cidade, voltando sempre que as
necessidades imediatas já tivessem sido sanadas.
A partir da segunda geração de Pankararu trabalhadores em São Paulo, as
mulheres intensificaram suas viagens e passaram a servir de base para
permanências mais estáveis.
A cada núcleo familiar instalado em São Paulo, tornava-se mais fácil e
provável que novos jovens percorressem o mesmo caminho, fazendo com que essas
viagens assumissem um caráter sistemático e familiar.
24
O fato de construírem uma base espacial relativamente homogênea, logrando
reproduzir uma organização política e ritual, diminuiu os custos materiais e afetivos
dessas migrações, permitindo uma efetiva reterritorialização.
Nos períodos críticos de seca e fome, é muito comum que grupos indígenas
saiam de seu local de origem em busca de melhores condições nos grandes centros.
De acordo com Fausto (1999):
Os membros dessas comunidades [indígenas] saem para prestar
pequenos serviços e fazer biscates, tal como toda população
pobre do país. São favelas indígenas que também existem em
outros estados, no nordeste e no sul. (p.35).
Para contornar tais dificuldades, em 2003, na favela do Real Parque, um
grupo desta etnia tomou a iniciativa de constituir uma Organização Não-
Governamental para alavancar projetos visando atender as demandas da
comunidade indígena, preservando raízes, usos e costumes de um conhecimento
milenar diferenciado.
Além disso, os índios criaram um grupo de dança que apresenta o toré em
festas e solenidades. Nem sempre a festa é bem-vinda. Às vezes surgem
reclamações ou mal-entendidos.
De acordo com Nascimento (2000):
25
Certa vez, estavam em um dos barracos durante um ritual quando
os policiais chegaram com sirenes ligadas, causando grande
alvoroço. Os policiais militares foram chamados por causa da
suspeita de que os índios estavam fumando maconha. O pivô da
confusão foi uma ingênua folha de arara (planta da aldeia)
colocada no campiô e cujo cheiro lembra a maconha. (p. 53).
É claro que a dificuldade de manter os costumes tradicionais é apenas um
dos enormes problemas estruturais enfrentados.
Com a depredação dos recursos e a diminuição de suas terras, os povos
indígenas passam a enfrentar outras experiências: o desemprego, a fome e a falta
de opções para suprir as necessidades básicas de subsistência.
De acordo com Fausto (1999): Esse é o caso das comunidades guarani que
vivem nos arredores de São Paulo, em lotes nos quais é impossível produzir
alimento suficiente para a comunidade. (p. 76).
Apesar de alguns avanços mais recentes, os índios continuam sendo pouco
conhecidos e são muitos os esteriótipos veiculados ao seu respeito. As comunidades
que vivem em condições precárias do ponto de vista social, econômico e político,
segundo Fausto (1999): “mais uma vez fazem vir a tona o preconceito do índio
preguiçoso, responsabilizando-o por não trabalhar”. (p. 89).
A situação é ainda pior para os índios que vivem em favelas, isso porque, em
geral, quando estão nessa situação já não são considerados índios.
26
Para Fausto (1999):
Mas eles, por sua vez, sabem que são índios e lutam para
preservar sua identidade. Mantêm na medida do possível seus
padrões tradicionais, que só conseguem reproduzir de forma
extremamente empobrecida. (p. 88).
Essas situações de extrema pobreza evidenciam que, ao perder o controle e
o acesso à terra, os índios só ocupam o mercado de trabalho em condições
inferiores, reiterando inclusive várias formas de trabalho escravo.
Ainda segundo Fausto (1999):
No Acre, índios seringueiros ainda têm nos braços as marcas de
ferro impostas pelos patrões seringalistas. Em vários outros
estados do sul, os índios trabalham como bóias-frias, uma versão
moderna do trabalho escravo. (p.88).
Outro reflexo do problema do desemprego para populações indígenas está
relacionado à forma de socialização dos não–índios, muitas vezes individualistas.
Os povos indígenas quando socialmente marginalizados reivindicam
insistentemente uma assistência que lhes garanta a sobrevivência comunitária. Sem
contar com formas oficiais de atendimento, os membros dessas comunidades com
freqüência buscam soluções individuais.
Fausto (1999):
27
Alguns conseguem entrar no mercado de trabalho e adquirir bens
básicos, mas insuficientes para todos. Dessa forma são
introduzidas formas individualizadas de trabalho e propriedade,
contribuindo para desarticular a vida comunitária. (p. 89).
O sentido comunitário versus individual é mais um dos questionamentos
impostos aos índios Pankararu. Historicamente foram involuntariamente misturados
a outros grupos indígenas, depois aos não–indígenas até chegarem à cidade de São
Paulo. Lutaram por terras e por reconhecimento.
A pergunta que este trabalho pretende responder é com qual identidade este
grupo Pankararu, morador da favela do Real Parque, se reconhece.
28
29
Capítulo III – Identidade
_________________________________________________________________
Identidade
Que povo eu sou
se não sou um
mas muitos nós?
Hideraldo Montenegro
O conceito de identidade foi amplamente discutido e por ser um tema
abrangente e multifacetado, encontrou pesquisadores das mais diferentes áreas do
saber, tornou-se assim, um conceito transdisciplinar.
Este capítulo pretende apresentar algumas reflexões sobre o termo.
Para o psicanalista Erik Erikson, o desenvolvimento humano, do nascimento à
morte, é determinado por interações sociais. O indivíduo agindo sobre o meio,
modificando-o, e vive-versa.
Na International Encyclopedia of Social Sciences, Erikson (1972) discute o
termo Identidade:
Quando pretendemos estabelecer a identidade de uma pessoa, nós
perguntamos qual o seu nome e que posição ela ocupa em sua
comunidade. Identidade pessoal significa mais: inclui um sentimento
subjetivo de continuidade da existência e uma memória coerente. A
Identidade Psicossocial possui características mais elusivas, ao
mesmo tempo subjetivas e objetivas, individuais e sociais. (p.196).
30
Tal consideração é importante à medida que transcende a um conceito
simplista que relega a identidade ao sinônimo de “EU”. Ela confere o valor que a
experiência subjetiva adquire na construção da Identidade Pessoal, e as inúmeras
formas de relações interpessoais.
Para Erikson, o processo de construção da identidade está sempre mudando
e evoluindo sendo um processo de crescente diferenciação à medida que o indivíduo
vai ganhando mais consciência de espaços significativos e cada vez mais ampliados
– desde a pessoa materna até a humanidade.
Em um primeiro momento, o indivíduo seria apenas um organismo biológico.
Entretanto, em um processo histórico articulado através do contato social e da
interação com outros indivíduos, somados às diversas experiências, forma-se a
Identidade.
Para Ciampa (1987), identidade “é construção, reconstrução e desconstrução
constantes, no dia-a-dia do convívio social, na multiplicidade das experiências
vividas”.
É importante ressaltar que a identidade não pode ser definida através da
semelhança entre indivíduos, nem tampouco pelas diferenças entre eles, mas sim,
desta articulação.
Ainda segundo o autor:
31
Cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma
identidade pessoal. Uma história de vida. Um projeto de vida.
Uma vida que nem sempre – é – vivida, no emaranhado das
relações sociais. (p. 127).
Para o autor a identidade se expressa empiricamente através de
personagens, e a articulação dessas personagens é que vai compor a identidade do
indivíduo.
Como é óbvio, as personagens são vividas pelos autores que as
encarnam e que se transformam à medida que vivem suas
personagens. Enquanto atores, estamos sempre em busca de
nossas personagens; quando novas não são possíveis, repetimos
as mesmas; quando se tornam impossíveis tanto novas, como
velhas personagens, o ator caminha para a morte, simbólica ou
biológica. (p.157).
Logo, para Ciampa, é impossível viver sem personagens:
Em cada momento, é impossível expressar a totalidade de mim;
posso falar por mim, agir por mim, mas sempre estou sendo o
representante de mim mesmo. O mesmo pode ser dito do outro
frente ao qual compareço (e que comparece frente a mim).
(p.170).
É um jogo de interação complexo.
Neste sentido, a representação necessita não somente do ator, ou quem
executa a cena, mas também do observador.
32
Segundo Goffman (1975):
Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente
solicita de seus observadores que levem a sério a impressão
sustentada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o
personagem que vêem no momento possui os atributos que
aparenta possuir, que o papel que representa terá as
conseqüências implicitamente pretendidas por ele e que, de um
modo geral, as coisas são o que parecem ser. (p.25).
Ciampa explica que existe a necessidade de normatização de determinadas
personagens, que por outro lado, servem para conservar as identidades produzidas.
Um fenômeno que funciona por meio da re-posição que pode ser tanto positivo
quanto negativo, na medida em que possibilitam um sentido de direção para os
indivíduos (primeiro caso), ou ainda, podem reduzir o indivíduo a uma única
personagem acabando assim com a articulação da igualdade e da diferença.
Segundo Mouffe (1993):
Não existe qualquer posição de sujeito cujas ligações com as
outras estejam devidamente asseguradas, e assim, não existe
qualquer identidade social que possa ser completa e
permanentemente adquirida. (p.106).
Este trabalho pretende analisar a Identidade de índios Pankararu residentes
no Real Parque. Como a Identidade não pode ser estudada fora do contexto do
33
grupo onde o indivíduo está inserido, é importante salientar aspectos relacionados à
coletividade.
De acordo com Mouffe (1993), entende-se que todas as identidades são:
Relacionadas e que a condição de existência de qualquer
identidade é a firmação de uma diferença, determinação de um
‘outro’ que desempenhará o papel de ‘elemento externo
constitutivo’ (p.13).
A identidade está associada a um processo que precisa não apenas concluir
o difícil caminho de sua construção, mas principalmente de sua manutenção, já que
é constituída dos fatores internos e pessoais, em conflito aos externos e coletivos.
Para Melucci (2002):
A identidade coletiva é interativa e compartilhada, vários
indivíduos produzem a cerca das orientações da ação e campo de
oportunidade e de vínculos no qual ela se coloca: interativa e
compartilhada significa construída e negociada através de um
processo repetido de ativação das relações que ligam os atores.
(p. 69).
A identidade coletiva vai além do eu, é a construção do nós, e há ainda a
identificação de um eles, como afirma Mouffe (1993):
No domínio das identificações coletivas, onde o que está em
causa é a criação de um ‘nós‘ pela delimitação de um ‘eles‘, existe
sempre a possibilidade de esta relação nós/eles se transformar
34
numa relação amigo/inimigo; por outras palavras, pode-se sempre
tornar-se política, (...). Isto pode acontecer quando o outro, que
até aí só era considerado sob o prisma da diferença, começa a
ser compreendido como negando a nossa própria identidade,
como pondo em causa a nossa própria existência. Desse
momento em diante, qualquer relação do tipo nós/eles, seja
religiosa, nacional, econômica ou outra, torna-se centro de um
antagonismo político. (p.13).
Sendo assim, é importante salientar que os índios Pankararu residentes na
favela do Real Parque, muitas vezes são invisíveis, uma vez que negados. Muitos
moradores da comunidade e dos arredores ignoram a existência desses índios, o
que os impede de colocar na prática seus rituais e costumes.
Paradoxalmente, a cidade recebeu pessoas de diversos países, mas as
etnias tradicionais são negadas e esteriotipadas. Os indos ainda são vistos morando
em aldeias afastadas e escondidas do olhar do não-índio.
Para Goffman (1975), existe uma fachada, que se impõe em cada indivíduo:
A ‘fachada pessoal’ é relativa aos itens de equipamento
expressivo, aqueles que de modo mais íntimo identificamos com o
próprio ator, e que naturalmente esperamos que o sigam onde
quer que vá. Entre as partes da fachada pessoal podemos incluir
os distintivos da função ou da categoria, vestuário, sexo, idade e
características raciais, altura e aparência, atitude, padrões de
linguagem, expressões faciais, gestos corporais e coisas
semelhantes. (p. 31).
Então, é como se houvesse uma forma de ser índio, e que os Pankararu do
Real Parque não coincidissem com tal maneira, nem representassem o esperado.
35
Podemos fazer um recorte ainda maior, para tratar de grupos com
características ou objetivos semelhantes, denominada, identidade coletiva étnica. Tal
conceito ajudará a compreender as relações dos índios e não–índios do Real
Parque.
Ciampa (2002) vai nos dizer que, “uma identidade coletiva é quase sempre
referida a uma personagem: nos exemplos, fala-se no singular de ‘negro’,
‘trabalhador’, ‘mulher’, ‘sem-terra’, ‘gay’ etc., cada um correspondendo a um ou mais
movimentos.” (p. 141).
Esses movimentos servem à formação e manutenção dessas identidades, e
podem ser tanto emancipatórias quanto regulatórias.
Emancipatórias quando ampliam a possibilidade de existência na sociedade,
garantindo direitos para os indivíduos; ou regulatórias, quando criam regras
normativas que muitas vezes impedem que o indivíduo consiga sua diferenciação.
A idéia de identidade coletiva, não deve negar a experiência individual
trabalhando com a falsa idéia de heteronomia do indivíduo, atribuindo um sentido a
priori que pode ser uma experiência “não eu”.
Quando os indivíduos criam uma concepção de identidade para si mesmo,
podem em um primeiro momento se reconhecerem apenas como um grupo, sem
36
diferenciação para fazer valer seus direitos e num segundo momento encontrando
novas possibilidades de reconhecimento.
Ciampa (1987):
(...) a realidade, sendo sempre síntese do subjetivo e do objetivo,
determina que os conflitos sempre se expressem (e sempre sejam
decididos) sob formas historicamente dadas, levando-nos a
recusar o modelo biológico da filosofia da história (passando
então a ser importante explicitar o que queremos dizer quando
falamos em sociedade ou em cultura). (p. 209).
Ciampa apud Lima (2005) afirma que “compreender a identidade é
compreender a relação indivíduo-sociedade” (p. 79).
Os Pankararu residentes do Real Parque têm características urbanas
acentuadas, entretanto, lutam para manter seus costumes e tradições mesmo
distantes da aldeia em Pernambuco.
Para Melucci (2002):
O pertencimento étnico se impõe como um dos critérios de
definição da identidade nas sociedades complexas (...) Um grupo
étnico se define por um conjunto de elementos biológico-
hereditários e por uma tradição histórico-cultural: por certos traços
somáticos e raciais, como por uma cultura e por formas
específicas de organização das relações sociais e por auto-
afirmação destas diferenças. (p.109).
37
Estas características podem ser observadas neste grupo Pankararu: existe
forte evidência de mobilização entre estes índios na tentativa de manter seus
costumes, seja por meio do artesanato ou pelos rituais, embora eles tenham
diversas dificuldades de praticarem suas danças por falta de espaço físico, mantém
o grupo unido por meio de duas ONGs, no Real Parque.
Segundo Silveira (2002):
Questiona-se a possibilidade de se responder às questões que se
apliquem a um sentimento de perda ou não de identidade do ser
índio longe da aldeia, onde o contraste e os valores passam a ser
confrontados diante não só do modo de vida urbano, mas
principalmente, de inserção na sociedade nesse processo de
‘integração’. Como se talvez houvesse ‘um lugar ‘ a ser ocupado
pelo índio na sociedade urbano / hegemônica – o lugar real, da
favela e periferias; e o lugar interno, que foi assimilado pela
história, daquele que é incapaz, indolente, infantil e, portanto,
precisa ser tutelado. (p.17).
Para Melucci (2002):
Um aspecto relevante dessas lutas é a defesa e a reivindicação
de uma autonomia cultural. A reafirmação de um patrimônio
cultural feito de língua, costumes, tradições, próprias do grupo
étnico, foi o instrumento com o qual as minorias se opuseram ao
monopólio cultural e lingüístico dos grupos dominantes, à
integração forçada nos códigos simbólicos impostos. (p.110).
38
Silveira (2002), afirma ainda, que como a tradição é um elo entre o passado e
o futuro, permite traçar considerações a respeito da possível manutenção da
identidade indígena mesmo em meios miseráveis, contrários à sua existência
“natural”.
Ainda segundo a autora:
Ser branco, sendo ainda índio. Fazer com que a identidade não
torne ainda mais difícil viver sob a tutela do colonizador, mas ao
mesmo tempo, lutar para que ela não seja uma construção,
símbolos e condutas que negue a memória da origem tribal.
(p.133).
Ao mesmo tempo, os antropólogos passaram a empregar a idéia de
identidade associada à etnicidade, cujo conceito, Identidade Étnica, trabalhado por
Carlos Brandão (1985):
As identidades são representações inevitavelmente marcadas
pelo confronto com o outro; por se ter de estar em contato, por ser
obrigado a se opor, a dominar ou ser dominado, a tornar-se mais
ou menos livre, a poder ou não construir por conta própria o seu
mundo de símbolos e, no seu interior, aqueles que qualificam e
identificam a pessoa, a minoria, a raça, o povo. Identidades são
mais do que isto, não apenas o produto inevitável da oposição por
contraste, mas o próprio reconhecimento social da diferença. A
construção das imagens com que os sujeitos e povos se
percebem passa pelo emaranhado de suas cultura, nos pontos de
intersecção com as vidas individuais. (p.42).
E sendo assim, mesmo a negação significa afirmação da diferença.
39
Brandão (1985) considera grupo étnico como um tipo organizacional peculiar
culturalmente diferenciado de outros.
O contato entre grupos indígenas, sociedades tribais, índios –
nomes com que os designamos como uma categoria social – e
frentes pioneiras de colonização, a sociedade regional (brasileira),
brancos – nomes com que, por oposição, designamos categorias
nossas e de segmentos nosso “mundo”. Aqui, tanto os tipos de
relações sociais quanto os tipos de nomes e idéias a respeito do
que acontece ganham novos adjetivos. Diferenças biológicas (cor
da pele, tipo de olhos ou cabelos) e diferenças culturais (forma de
organização do trabalho comunitário, regras de casamento,
códigos de orientação do comportamento, crenças religiosas) até
algum tempo atrás qualificadas como diferenças raciais, podem
ser pensadas como diferenças étnicas. Um grupo diferenciado
através de critérios desta natureza é um grupo étnico (como
ciganos, lapões, ou índios Tapirapé), o terreno que se pisa é o da
etnicidade, da etnia.
No caso da favela do Real Parque, como existem além dos índios, os não-
índios, há encontro de etnicidades, assim definidos pelo autor:
O encontro entre esses grupos e outras tribos, outras minorias
étnicas ou brancos colonizadores pode ser chamado de contato
interétnico. O sistema de relações sociais e simbólicas entre duas
tribos, ou entre uma delas e os brancos, pode ser um sistema
interétnico, e um dos seus componentes é a identidade étnica.
(p.46).
40
Vale ressaltar que apesar desses Pankararu morarem em São Paulo, não
manterem todos os rituais e estarem afastados dos seus lugares de origem, ainda
assim existe algo que os liga enquanto índios. Segundo Brandão (1985):
Tudo indica que as transformações provocadas no interior do
sistema interétnico sobre as condições pré-contacto – de
sobrevivência física, de modo de vida primitivo e de organização
tribal – não destruíram plenamente uma espécie de sentimento
coletivo. Um sentimento de ser e permanecer índio e mais ainda:
Terena, Krahó, Assurini, Gavião ou Tukuna, em meio a um mundo
de trocas que se modifica e, às vezes, parece aos olhos do índio
que enlouquece. Seria possível falar aqui em consciência de
índio, da persistência do sentimento coletivo de um nós tribal.
Sugiro que tudo isso seja reunido sob o nome de identidade
étnica. (p.103).
A identidade étnica facilita a perpetuação de costumes e tradições sem as
quais muitas vezes os indivíduos são tomados por sentimentos de não
pertencimento. Para Giddens (2002), o abalo às tradições pode levar, à desestrutura
do eu:
Seja pessoal ou coletiva, a identidade pressupõe significado; mas
também pressupõe o processo constante de recapitulação e
reinterpretação observado anteriormente. A identidade é a criação
da constância através do tempo, a verdadeira união do passado
com um futuro antecipado. Em todas as sociedades, a
manutenção da identidade pessoal, e sua conexão com
identidades sociais mais amplas, é um requisito primordial de
segurança ontológica. Esta preocupação psicológica é uma das
41
principais forças que permitem às tradições criarem ligações
emocionais tão fortes por parte do ‘crente’. As ameaças à
integridade das tradições são, muito freqüentemente, se não
universalmente, experimentadas como ameaças à integridade do
eu. (p.19).
Segundo Silveira (2002), a construção da identidade coletiva do índio está
além da aldeia, do lugar físico:
Questiona-se sobre a possibilidade de se responder às questões
que se apliquem a um sentimento de perda ou não de identidade do
ser índio longe da aldeia, onde o contraste e os valores passam a
ser confrontados diante não só do modo de vida urbano, mas
principalmente, de inserção na sociedade nesse processo de
‘integração’. Como se talvez houvesse ‘um lugar ‘ a ser ocupado
pelo índio na sociedade urbana /hegemônica – o lugar real, da favela
e periferias; e o lugar interno, que foi assimilado pela história,
daquele que é incapaz, indolente, infantil e, portanto, precisa ser
tutelado. (p.17).
Sendo assim, a mudança física dos Pankararu para São Paulo, mais
precisamente para a favela, reforça esteriótipos e dificulta a manutenção da sua
identidade indígena, forçando - os a uma falsa integração no contexto não –
indígena e a dificuldade em manter seus costumes.
Mesmo contrariando os costumes e impedidos de praticar seus rituais pelo
contexto atual, há, nesses índios uma Identidade Pankararu. Ver como ela se
apresenta é a proposta deste.
42
Capítulo IV – Metodologia
___________________________________________________________________
O cio da terra
Debulhar o trigo
Remover cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Milton Nascimento e Chico Buarque
Foi escolhida para este uma análise qualitativa na tentativa de vislumbrar o
fenômeno complexo e multifacetado que é a situação do índio urbanizado da favela
do Real Parque, buscando apreender os fatores objetivos e subjetivos, sociais e
individuais, antigos e atuais, presentes nesta população indígena.
Deve-se, assim, ressaltar que como as relações sociais ultrapassam o caráter
objetivo, ou seja, é imprescindível que atentemos para sua influência nos fenômenos
humanos que estão impregnados e podem ser transformados de acordo com o
momento histórico em que eles ocorrem.
Amostra:
A população indígena do Real Parque corresponde a 10% (dez por cento) do
total de habitantes da favela, ou seja, aproximadamente 500 índios. Para facção
deste, foi entrevistado um grupo pertence à ONG Ação Cultural Indígena Pankararu.
Este grupo conta hoje com dez membros em sua direção, que realiza
trabalhos voltados à geração de renda com vendas de artesanato Pankararu, e
43
organização política a fim de garantir a manutenção dos direitos e da cultura
indígena.
Para a realização deste, os entrevistados foram escolhidos principalmente
pelo tempo de residência na favela, porem houve interesse em manter diversidade
de gênero, variedade de tipos de moradia (Conjunto Habitacional - Cingapura e
barracos) e de funções exercidas na comunidade.
Assim, em uma reunião com a diretoria da ONG Ação Cultural Indígena
Pankararu, foi pedida a indicação de três pessoas. A primeira deveria residir no Real
Parque por volta de 20 anos, a segunda 10 anos e a terceira menos de 3 anos.
A diretoria, então indicou os três indivíduos abaixo descritos:
Sujeitos Descrição
Tempo de residência no
Real Parque
1
Silas, líder comunitário masculino, 40
anos
25 anos
2 Tita, moradora, 30 anos 10 anos
3 Mick,estudante masculino, 19 anos 2 anos
44
Na análise e interpretação dos dados, foi levada em consideração que o
material carrega, em si, um significado inerente ao contexto, sendo os depoentes
porta-vozes da realidade por eles vivida.
Nesse sentido, o material coletado foi analisado levando em conta que a
experiência de cada indivíduo está impregnada de características particulares e ao
mesmo tempo expressam o caráter histórico e cultural de dada época.
Segundo Minayo (1994), para não ficarmos presos às palavras escritas, mas,
sim, buscarmos um significado destas, dentro do contexto vivido, há necessidades
de categorias de análise. Neste estudo, de acordo com o objetivo traçado, foram
selecionadas as seguintes categorias descritas abaixo:
o Conceito (o que é ser Pankararu): trata da definição do que é ser
Pankararu, quais as características descritas pelos depoentes que os
identificam com a etnia Pankararu.
o Relação com o outro: leva em consideração as relações interpessoais,
tanto do contato com outros índios Pankararu, como com os outros
moradores da favela.
o Direito de propriedade no Real Parque: apresenta a relação com o
território da favela do Real Parque e suas implicações no cotidiano
indígena.
o Cultura e religiosidade: versa sobre as relações culturais e de fé
religiosa presentes na aldeia e na favela, e que contribui com a
formação da Identidade Pankararu.
o Dificuldades: quais são as dificuldades enfrentadas no Real Parque.
45
o Perspectivas: quais são as perspectivas de futuro individual e coletiva
na visão do depoente, em relação aos Pankararu.
46
Capítulo V – Narração e Análise
_________________________________________________________________
Este capítulo apresentará a fala dos próprios entrevistados para ilustrar o que
pensam de si e do grupo Pankararu em que estão inseridos. A partir das entrevistas
foi possível fazer uma análise à luz do conceito de Identidade apresentado até aqui.
A opção por anexar todo o material produzido pelos depoentes deve-se à
riqueza de dados que aparecem nas entrevistas. Neste capitulo foram selecionados
trechos que melhor ilustram a proposta de pesquisa.
Os nomes foram trocados para manter sigilo sobre as informações aqui
expostas.
47
Apresentando Mick
Mick tem 19 anos, é estudante de Ensino Médio, mora com sua mãe no Real
Parque há três anos, reside na área dos barracos afastado do asfalto. Foi criado
pela avó na aldeia em Pernambuco; tem três irmãos, o pai constituiu outra família na
própria aldeia. Mudou-se para São Paulo para terminar os estudos. Solteiro e sem
filhos.
Conceito (o que é ser Pankararu)
Para Mick, a definição do que é ser Pankararu é diferente em São Paulo e na
aldeia. Aqui ele sente-se destacado na sua condição indígena, enquanto que na
aldeia, segundo ele, não fazia diferença. Como pode ser visto no trecho abaixo:
Eu gosto mais de ser índio aqui. Lá todo mundo é índio, não faz
diferença.
Em Pernambuco, ninguém tinha curiosidade para saber se eu
andava nu, ou como eu morava, todo mundo era igual a mim.
Ninguém me perguntava sobre ser índio.
Para Mick, no que diz respeito aos Pankararu, a ascendência é a
característica fundamental para definir o pertencimento étnico.
Eu sou índio, meu sangue é índio. Meu sangue é que está dentro
dele [filho], então ele é índio.
48
Relação com o outro
Mick diz nunca ter sofrido preconceito direto pelo fato de ser índio, entretanto,
descreve uma cena em foi estereotipado indiretamente e descreve sua reação.
Uma vez eu estava passando na rua com um amigo meu; e um
cara, que nem sabia que eu também era índio, gritou: “olha o
índio africano!”.
É porque nós não somos como os Guarani: cabelo bom e olho
puxado.
V: E o que você sentiu?
Eu comecei a rir.
V: Rir?
É, rir. Depois a gente que ainda está na idade da pedra. Essa
pessoa nem sabe quantos tipos de índios que existem por esse
Brasil tão grande.
Só sabe sobre um tipo de índio e então acha que só existe esse
tipo.
Não é porque os Guarani são assim de olho puxado que são mais
índios do que eu. Eu sou Pankararu. Pan – ka – ra – ru. (risos).
Pode – se perceber na fala de Mick, que apesar de não ser reconhecido pela
aparência como índio, ele não credita ao fenótipo a identificação com a população
indígena. Ao contrario, ainda ridiculariza quem tem essa opinião.
Direito de propriedade no Real Parque
Segundo Mick, as terras no Real Parque não são Pankararu, e isso, para ele,
os impulsionam a voltar para suas terras na aldeia.
49
Todo mundo quer ficar nas suas terras, aqui não é a terra deles,
nem minha, é terra de branco.
Cultura e religiosidade
Para Mick, a cultura só pode ser mantida através da prática das festas, tanto
na aldeia quanto em São Paulo, para ele o que mantém a unidade cultural e religiosa
em ambos os lugares é a fé.
Se não fizermos estas festas, acaba nossa cultura.
V: E aqui, é importante a realização desses rituais?
É. Mesmo que aconteça às vezes, é muito importante.
V: Por quê?
Fé. A mesma fé que a gente tem lá, tem aqui. É a mesma.
Dificuldades
Mick, acostumado às margens do Rio São Francisco, ao mudar-se para a
Marginal do Rio Pinheiros, foi enfático ao descrever o principal problema do Real
Parque:
O pior é o cheiro... Esse esgoto a céu aberto fede de mais.
Outro problema enfrentado pela população Pankararu, tanto em Pernambuco,
quanto em São Paulo, de acordo com Mick, é o desemprego. Em Pernambuco, o
trabalho principal, que é na área agrícola, fica impedido por conta da seca, já em
50
São Paulo, apesar de não ser apontado como um problema exclusivo dos
Pankararu, também existe.
Nós Pankararu precisamos de trabalho. Falta emprego aqui em
São Paulo, mas é pra todo mundo...
V: E lá na aldeia, quais as necessidades?
A seca faz as pessoas passarem fome e falta emprego fora da
roça.
Perspectivas
Sobre as perspectivas de futuro, Mick mostrou certa incoerência no discurso:
V: Como você se vê daqui a 10 (dez) anos?
Aqui em São Paulo.
V: Não pensa em voltar para a aldeia?
Não.
V: Por quê?
Me acostumei aqui, vou arrumar emprego aqui, fazer dinheiro e
ajudar o povo lá, se as coisas melhorarem, bem, ai eu volto daqui
a uns 20 (vinte) anos. (risos).
A primeira resposta dele, ao ser questionado sobre a possibilidade de volta,
foi diretamente negativa, entretanto, depois de refletir, respondeu que talvez haja a
possibilidade de retorno, indicando uma percepção idealizada sobre uma possível
volta.
Essa idealização também pode ser notada no discurso sobre como estarão os
Pankararu da aldeia daqui a dez anos
51
V: Como você acha que vão estar os Pankararu da aldeia
daqui a 10 (dez) anos?
Eu desejo mais escola e menos seca.
V: Como você acha que isso vai ser possível?
Através de projetos e trabalhos.
V: De quem?
De todos juntos.
Percebe-se um discurso idealizado, sem perspectivas concretas. Já sobre os
Pankararu do Real Parque o prognóstico é enfático.
V: E os Pankararu do Real Parque. Como eles estarão daqui a
10 (dez) anos?
Muitos voltando para a aldeia, talvez todos.
Revistando a fala de Mick:
Como afirma Goffman, ao desempenhar um papel, o individuo espera que os
observadores acreditem no personagem. Na fala de Mick percebe-se, que o fato dos
não – índios não o reconhecer fisicamente como índio, não faz com que ele sinta-se
menos qualificado para exercer tal personagem, ao contrário, ele credita esse não
reconhecimento aa ignorância dos não – índios sobre a quantidade de etnias no
Brasil.
Na fala de Mick percebe-se que a identidade indígena com a qual ele se
reconhece, ficou mais evidenciada pelo contato com o diferente, com os não –
52
índios. Ele afirma valorizar mais a sua condição indígena em São Paulo, uma vez
que em Pernambuco os demais também são índios.
O contato interétnico na favela do Real Parque (índios e não – índios) para
Mick foi importante no sentido que ele reconheceu não apenas um eu, mas um nós
Pankararu e ainda um eles não – índios.
Não se pode afirmar que este reconhecimento não ocorreria na aldeia, mas não
se pode negar que para Mick, o contato com o diferente no Real Parque foi um
catalisador nesse processo.
53
Apresentando Silas
Silas tem 40 anos, há 25 mora no Real Parque, quando saiu da aldeia sua
namorada estava prestes a ter sua primeira filha, a quem Silas manda dinheiro todo
mês. Casado com uma índia, há 20 anos, tem mais dois filhos paulistanos. Líder
comunitário, mora em um barraco no asfalto.
Conceito (o que é ser Pankararu)
Para Silas, alem do orgulho, ele cita a cultura como alicerce, e credita a ela o
reconhecimento enquanto Pankararu.
Ser Pankararu, para mim, é um motivo de orgulho, pela raiz, pela
cultura que a gente tem. É honrar o que você é. Na realidade, a
gente honra isso com todo orgulho, é ter uma cultura da gente
realmente. Acho que sem ela, não diríamos que somos
Pankararu.
Para ele, o contato direto da comunidade, principalmente das crianças com a
aldeia é fundamental para o reconhecimento enquanto índio Pankararu.
As crianças de 6, 7 anos têm vontade de voltar pra aldeia porque
gostaram muito do estilo do lugar. Assim a gente sente que eles
honram o que são. E não vão dizer: “não quero ser isso aí”.
A definição do que é ser índio Pankararu, para Silas, está diretamente
relacionado com o que é previsto em lei, ou seja, filhos de índio são índios, as
esposas e os maridos também, porém apenas enquanto forem casados:
54
V: (...) um índio que case com uma mulher não índia. Essa
mulher é índia?
Não, não é. Ela só tem os direitos até o momento em que ele
convive com ela, no momento em que eles se separam, ela não
tem mais esse direito.
Como Silas é líder comunitário, percebe-se um discurso sobre o coletivo
nessa fala, não a opinião individual dele. Ou seja, seu próprio reconhecimento é
político.
Relação com o outro
Como líder comunitário, Silas, vê as relações interpessoais cortadas pela
relação de direitos, em outras palavras, ele percebe-se com relacionamentos
positivos ou negativos se houver ou não respeito às conquistas do grupo étnico a
que pertence.
A gente quer ter nossos direitos garantidos aqui em São Paulo, a
gente sabe que é uma selva de pedra. Foi difícil, mas hoje, com
toda essa luta, que a gente começou em 95, temos os nossos
espaços para praticar os rituais.
Hoje tenho muito orgulho dos espaços conquistados.
Silas relembra que anos atrás, a convivência com os não – índios, não era tão
harmoniosa como hoje:
55
Tinha rivalidade em um monte de coisas, nosso povo teve que
“botar a cara a tapa” e se apresentar para ter realmente os nossos
direitos garantidos.
Direito de propriedade no Real Parque
Para Silas o Real Parque não pode ser considerado propriedade Pankararu, e
parece nem haver interesse nesse aspecto, entretanto, o direito de posse de terra,
não está limitado à aldeia, podendo haver espaços fora de Pernambuco para
moradia e práticas dos rituais.
Eu considero que o Real Parque é uma passagem provisória. A
gente tem interesse de ter um espaço nosso para ter mais
liberdade.
Cultura e religiosidade
Para Silas, apesar de praticar alguns rituais, não são eles que definem o
reconhecimento enquanto índio. Apesar da fé, ele não é praticante de todas as
manifestações culturais.
V: E você pratica os rituais?
Alguns. Eu pratico meus rituais em casa, faço as promessas para
os encantados, mas não faço apresentações das danças. Eu não
sou menos índio se eu não dançar o Toré.
Dificuldades
56
Para Silas, as dificuldades mais complexas parecem ter sido superadas,
atualmente, a manutenção dos espaços e direitos conquistados são os principais
desafios.
O mais difícil é conseguir um espaço, a gente sabe que não e
fácil. Uma coisa é você ser índio na aldeia, quando você sai da
aldeia, tem que conquistar o espaço.
Perspectivas
O discurso de Silas sobre o futuro é relacionado à luta de conquistas e
reconhecimentos de direitos e terras.
Vale lembrar, que como líder comunitário a fala dele está relacionada ao
coletivo e à luta política:
V: Como você se vê daqui a dez anos?
Na aldeia. Mas é difícil, então acho que vamos conseguir umas
terras aqui em São Paulo mesmo. Lá tem muita seca.
V: Como você vê os outros Pankararu do Real Parque daqui a
dez anos?
Ou na aldeia em Pernambuco ou nessas terras que, se Deus
quiser, vamos ter.
Entretanto, ao fazer uma análise sobre a aldeia daqui a dez anos, o discurso
parece deixar de ser coletivo e político e passa parecer um devaneio, descolado do
papel que ele exerce, mais individual.
57
V: E como você vê os Pankararu de Pernambuco?
[Risos]. Vanessa, lá nada muda. Nada. Alguns vão ter vindo pra
São Paulo, mas muitos já vão ter voltado para a aldeia.
Revisitando a fala de Silas
Silas, por ser líder comunitário, tem um papel de representação da
comunidade, quando ele narra episódios de anos atrás fica evidente as
mudanças que ocorreram na relação entre os Pankararu e os não – índios do
Real Parque.
A relação antigamente, era vista como amigo / inimigo. A invisibilidade
com que eram tratados ameaçava a integridade física e psicológica dos
índios.
O discurso de Silas mostra que no passado, o antagonismo político
com os demais moradores da favela era causado pela falta de
reconhecimento dos direitos indígenas, muitas vezes inclusive por parte dos
próprios Pankararu.
58
Apresentando Tita
Tita tem 30 anos, mora há 10 anos no Real Parque, é casada com um índio,
tem um filho de 9 e outro de 7 anos. Mora no Conjunto Habitacional - Cingapura,
trabalha como auxiliar de limpeza no Posto de Saúde do bairro e estuda para ser
auxiliar de enfermagem.
Conceito (o que é ser Pankararu)
Para Tita, ser Pankararu é motivo de muito orgulho e paradoxalmente de
sofrimento:
Ser pankararu, principalmente lá na aldeia, é muito sofrido. A
maioria corre aqui para São Paulo, para fugir desse sofrimento,
mas mesmo assim, eu sinto muito orgulho de ter o nome de
Pankararu.
Para ela, o que define ser ou não ser Pankararu é a ascendência, ou seja, a
origem dos pais e não o local de nascimento nem a aparência física.
(...) os que nascem aqui, apesar de não terem nascido lá,
também são Pankararu.
Que nem meus dois filhos, eles nasceram aqui, mas são meus
filhos, então os dois são Pankararu.
(...)
As pessoas esperam que índio esteja pelado (risos), mas
principalmente que tenha aquela cor vermelha. Sabe?!
Eu sou branca e sou Pankararu. Meu marido é “escurinho” e
também é.
59
Relação com o outro
Para Tita, no Real Parque não tem diferenciação entre os moradores índios e
não – índios.
Eu trato bem todo mundo, todo mundo me trata bem. Temos
bastante convivência. Vou às festinhas.
Eu trabalho ali no postinho, ninguém nunca me destratou aqui em
São Paulo, nadinha.
Direito de propriedade no Real Parque
Para Tita, o Real Parque não é terra Pankararu, mas é necessária para a
sobrevivência.
Aqui a gente está ocupando uma terra que não é nossa. E as
pessoas daqui têm todo o direito de reclamar. Eles podem pensar:
“se não fossem os Pankararu, o PSF [Programa Saúde da
Família] podia ser da gente”, né?!
A gente só ocupou um espaço que não é nosso para sobreviver...
Lá em Pernambuco, ou a roça ou nada, e com a seca que está...
Todo mundo corre pra cá.
Como pode ser visto no trecho acima, apesar de nunca ter percebido
nenhuma insatisfação nesse sentido, de acordo com Tita, alguns direitos indígenas
poderiam suscitar descontentamento por parte dos não - índios.
60
Cultura e religiosidade
Para Tita a cultura e religiosidade são manifestadas na aldeia pelas festas
anuais e pelos rituais.
Todo ano tem a corrida do umbu, tem o menino do rancho, o toré,
as promessas.
Ela própria manifesta sua fé Pankararu com as promessas aos encantados e
para ela, isso também a define como uma Pankararu.
Tenho muita fé nos encantados também; faço minhas promessas
para eles para conseguir as minhas coisas...
Quando eu consigo o que eu peço para eles eu preparo as
oferendas aqui em casa para pagar, normalmente eu preparo um
belo prato de pirão com carne.
E é assim a vida dos Pankararu.
Por outro lado, Tita sente-se menos protegida pelos encantados no Real
Parque do que na aldeia. A justificativa é que os encantados preferem viver “no
mato” (sic), longe da violência.
Aqui eles [os encantados] não têm como [proteger]. Eles gostam
mais do mato, vivem no mato, aqui não tem como [aponta para a
Marginal do Rio Pinheiros].
Alem disso, eles não gostam da violência...
Dificuldades
61
A principal dificuldade apontada por Tita é a violência urbana, complementada
pelo receio do envolvimento dos filhos na criminalidade.
Essa violência. Tenho muito medo dos meus filhos se envolverem
também, aonde você vai, dá de cara com a violência. Você nunca
fica a vontade, eu acho muito triste.
A segunda dificuldade apontada por Tita é o desemprego e suas
conseqüências.
Muitos não têm trabalho, vivem na casa de irmão, sem moradia,
sem comida.
Perspectivas
Tita acredita que voltará para a aldeia com toda a sua família, e para ela,
esse não é um movimento individual, mas sim coletivo.
(...) não vai sobrar um. Você só ouve gente falando que vai
embora. Eu não fico!
Quando perguntada sobre as perspectivas daqui a dez anos na aldeia, ela foi
categórica:
62
Lá não muda. Morrem os mais velhos, os mais novos seguem as
tradições. Lá nada muda: o toré não muda, o jeito de conviver não
muda, as rezas não mudam.
Revisitando a fala de Tita
Tita parece valorizar muito os costumes e rituais de seu povo, e parecem ser
a fonte de continuidade da sua condição indígena apesar da distância de
Pernambuco.
No caso de Tita as tradições evidenciam a manutenção da identidade
indígena, são elas que formam um elo entre a aldeia e a favela e perpetuam a
memória dos antepassados.
63
Considerações Finais
_________________________________________________________________
Tendo finalizado a trajetória dessa pesquisa, este capítulo apresenta os
aspectos que são comuns e diferentes nas falas dos três entrevistados. Vale
ressaltar que a principal discrepância entre eles é o tempo em que residem no Real
Parque.
Conceito (o que é ser Pankararu)
Para os entrevistados, há unanimidade na definição do que é ser índio
Pankararu: tem que ser filho de pai e/ou mãe Pankararu, ou seja, o que define é a
ascendência.
Ser índio Pankararu não está relacionado ao local de nascimento, indifere se
a criança nasce na aldeia ou fora dela; alem disso, não está relacionado ao fenótipo,
ou seja, às características aparentes. Segundo Tita:
As pessoas esperam que índio esteja pelado (risos), mas
principalmente que tenha aquela cor vermelha. Sabe?!
Eu sou branca e sou Pankararu. Meu marido é “escurinho” e
também é.
E ainda, segundo Mick:
Não é porque os Guarani são assim de olho puxado que são mais
índios do que eu. Eu sou Pankararu. Pan – ka – ra – ru. (risos).
64
Para Melucci, alem dos fatores biológicos – hereditários, o que define um
grupo étnico é também uma tradição histórico – cultural. Nesse sentido, os
entrevistados mostraram manter rituais religiosos (como as promessas para os
encantados) e nas práticas culturais de dança (mesmo que apenas como
expectadores). Para Silas:
Acho que sem ela [cultura], não diríamos que somos Pankararu.
Relação com o outro
Alem das auto - definições sobre o que é ser Pankararu, o encontro com não
– índios no Real Parque é também uma questão importante.
Para Tita a relação com os demais moradores é amigável, ela freqüenta
festas, estuda e trabalha com não índios, e afirma nunca ter sofrido nenhuma
discriminação.
Já para Mick, a importância da relação com os outros moradores do Real
Parque e arredores, está relacionada com o próprio reconhecimento da sua
condição indígena. Enquanto ele estava na aldeia com outros índios, não valorizava
tanto a sua cultura.
65
O conceito de identidade, como foi apresentado no Capitulo III, não é definido
pelas semelhanças entre os indivíduos e tampouco pelas diferenças entre eles.
Nesse caso especifico, da população Pankararu no Real Parque essa articulação
fica evidenciada.
Ora há reconhecimento com a condição de “morador de favela”, ora há
distanciamento dessa situação e uma total identificação com a etnia de origem.
A identificação com a situação de “morar em favela” esta principalmente
relacionada aos problemas enfrentados. Nas entrevistas só houve identificação com
a situação dos “favelados” no que diz respeito ao desemprego. Situação vivida pelos
dois grupos.
No Real Parque, o desemprego é a intersecção do grupo de índios e não –
índios, como na fala de Mick:
Nós Pankararu precisamos de trabalho. Falta emprego aqui em
São Paulo, mas é pra todo mundo...
Direito de propriedade
Quanto às da terra do Real Parque, todos concordam que não têm direito à
propriedade.
Para Mick, o fato de não serem proprietários da terra, impulsionam os
Pankararu a voltarem para a aldeia.
66
Tita, afirma que não são terras Pankararu, mas são necessárias para a
sobrevivência dos Pankararu.
Já Silas, apesar de concordar que não têm propriedade sobre o Real Parque,
podem vir a ter sobre outras terras - mesmo que afastadas da aldeia. Para ele, o
espaço físico é importante tanto para a moradia quanto para a prática dos rituais.
Cultura e religiosidade
A cultura é a responsável pela unidade entre os índios do Real Parque e da
aldeia, para Mick, ela é quem dá a unidade entre os lugares.
De acordo com Tita, entretanto, há diferenças religiosas entre São Paulo e
Pernambuco. De acordo com ela, os seres que protegem os Pankararu, os
encantados, não gostam de violência e nem da destruição da natureza dos grandes
centros, ou seja, ela se sente menos protegida por eles em São Paulo, por acreditar
que eles preferem ficar na aldeia.
Para Silas, há distinção entre cultura e rituais. Embora seja a cultura que
defina os índios Pankararu, a pratica de rituais não é fundamental para sua
definição. Para ele, o fato dele não dançar o Toré, por exemplo, não minimiza sua
condição indígena.
67
Dificuldades
Para Mick, que mora a menos tempo no Real Parque, ao ser questionado
sobre o principal problema do Real Parque, não exitou em dizer que era o cheiro.
Isso pode se dar ao fato da maior proximidade com a natureza preservada de
Pernambuco.
Segundo Tita, a violência urbana é o principal problema do Real Parque,
seguido, pelo desemprego e suas conseqüências (falta de moradia e fome).
Os três citam o desemprego como um grave problema do Real Parque –
como já foi dito anteriormente. Para Tita e Mick, que moram a menos tempo no Real
Parque, não foi exposto nenhuma dificuldade exclusiva da população indígena.
Entretanto, para o morador entrevistado mais antigo, Silas, haviam muitos
problemas específicos da população indígena anos atrás:
Tinha rivalidade em um monte de coisas, nosso povo teve que
“botar a cara a tapa” e se apresentar para ter realmente os nossos
direitos garantidos.
Em outro momento, Silas narra os assassinatos de Pankararu em São Paulo,
ele credita as mortes não ao fato de serem índios, mas a não articulação do
movimento indígena em São Paulo:
68
Aconteceram algumas ocorrências com alguns parentes da gente.
Eles foram assassinados. Nesse momento a gente se rebelou. Foi
quando nós nos organizamos.
Silas, depois dos episódios trágicos, descreve a necessidade de ter um grupo
organizado. O papel desses grupos, em geral, é a formação e/ou a manutenção de
identidades.
Como pode ser visto no Capitulo III, para Ciampa, essa manutenção pode ser
emancipatória ou regulatória; no caso dos Pankararu do Real Parque, como facilita a
existência e promove direitos, poderia ser considerada emancipatória, entretanto, em
alguns momentos as falas são pouco reflexivas transparecendo certa indiferenciação
do indivíduo no grupo, podendo ser então, considerada também regulatória.
Este movimento contraditório pode ser considerado parte de um processo de
construção de identidade. Primeiramente se reconhecem apenas no grupo, para
depois se diferenciarem individualmente.
Sendo assim, a importância do discurso e da presença de lideranças
indígenas no Real Parque é fundamental para evitar a assimilação total da
população indígena.
Outra dificuldade é articular índio e “favelado”, uma vez que a presença do
grupo indígena provoca ruptura na identidade coletiva dos não – índios. No discurso
de Tita, apesar dela afirmar que nunca houve discriminação, pode – se perceber a
diferenciação entre os grupos:
69
Aqui a gente está ocupando uma terra que não é nossa. E as
pessoas daqui têm todo o direito de reclamar. Eles podem pensar:
“se não fossem os Pankararu, o PSF [Programa Saúde da
Família] podia ser da gente”, né?!
Perspectiva
Para os entrevistados, quando pensam sobre os próximos dez anos, o futuro
será na aldeia, junto com os demais Pankararu.
Vale ressaltar, entretanto, que para Mick e Tita esse discurso se assemelha a
concretização de um desejo, não de um plano, ou seja, não há estratégias que
facilitem a ida para Pernambuco.
Para Silas, o líder comunitário, há no discurso a perspectiva de luta por terras
próximas à São Paulo, porem há o desejo de voltar para Pernambuco, assim como
nos outros dois entrevistados.
Concluindo, em se tratando de uma população indígena que mora fora da
aldeia, a identidade indígena é importante para ir contra a naturalização da pobreza
principalmente porque a condição de morador de favela – enquanto identidade – é
armadilha que facilita a desconstrução da identidade Pankararu.
Pela ausência de pesquisas realizadas nessa área e pela importância do
tema, este é um campo importante de trabalhos futuros.
70
Referência Bibliográfica
_________________________________________________________________
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SILVEIRA, M. Identidade em mulheres índias: Um estudo sobre processos de
transformação. Mestrado – USP. São Paulo, 2002.
72
Anexos
___________________________________________________________________
Entrevista Mike
Vanessa: Para você, o que é ser Pankararu?
Aqui é um orgulho. Você de fato se sente índio.
V: Por que você diz que aqui é um orgulho?
Porque lá todo mundo é índio (risos).
V: Por que você se considera um Pankararu?
Porque eu nasci na aldeia, sou filho de índia com índio... Mesmo aqui em São
Paulo ou em qualquer lugar do mundo eu sou um Pankararu.
V: Como é ser Pankararu aqui em São Paulo?
É bom, muito bom. Tenho mais orgulho. Lá na aldeia você nem liga se é ou
não é índio. Ninguém exige sua carterinha de índio, não exigem nada porque lá todo
mundo é índio. Aqui como você é índio você tem mais oportunidade. Entende?
Por outro lado, você também pode ser mais discriminado...
V: Você já foi discriminado?
Fui.
V: Como?
Já me falaram que índio não sabe nada. Que ainda estamos no “tempo da
pedra”.
V: E o que você sentiu?
Normalmente eu tenho muito paciência com essas pessoas. Deve ser por que
eles acham que a gente tem vantagens aqui em São Paulo.
V: E quais as vantagens de ser índio aqui em São Paulo?
73
Tem muita. Meus amigos da escola têm curiosidade sobre a aldeia, querem
saber como é ser índio. Isso eu acho muito bom! Essa curiosidade. Ficam me
perguntando tudo sobre a aldeia. Tudo.
V: O que eles perguntam?
Se andamos nu lá. (risos).
Ai, eu simplesmente digo que não, nu não.
V: E como você se sente?
Sinto orgulho. Acho muito boa essa curiosidade toda sobre os nossos
costumes; depois que eles perguntam sobre a minha vida, acaba a discriminação.
V: O que era pra você ser índio lá em Pernambuco?
Todo mundo é índio, nem pensava sobre isso lá. É uma coisa que nem
passava pela minha cabeça.
V: Então é diferente ser índio lá e aqui em São Paulo?
Eu gosto mais de ser índio aqui. Lá todo mundo é índio, não faz diferença.
Em Pernambuco, ninguém tinha curiosidade para saber se eu andava nu, ou
como eu morava, todo mundo era igual a mim. Ninguém me perguntava sobre ser
índio.
V: Como é a relação dos Pankararu daqui, com os outros moradores do
Real Parque?
Eu nem me envolvo com nada disso.
V: Me explica melhor.
Eles têm o grupo deles. O cacique daqui, como se diz? O cabeça, aqui do
Real Parque, tem o grupo dele. Nunca participei das festas deles...
V: Mas você convive com eles. Como é?
Normal. Tudo bem...
V: Você já sofreu alguma discriminação aqui dentro do Real Parque?
74
Eu não...
V: E você já soube de alguém que sofreu?
Uma vez eu estava passando na rua com um amigo meu; e um cara, que nem
sabia que eu também era índio, gritou: “olha o índio africano!”
É porque nós não somos como os Guarani: cabelo bom e olho puxado.
V: E o que você sentiu?
Eu comecei a rir.
V: Rir?
É, rir. Depois a gente que ainda está na idade da pedra. Essa pessoa nem
sabe quantos tipos de índios que existem por esse Brasil tão grande.
Só sabe sobre um tipo de índio e então acha que só existe esse tipo.
Não é porque os Guarani são assim de olho puxado que são mais índios do
que eu. Eu sou Pankararu. Pan – ka – ra – ru. (risos).
V: E como é a sua relação com os outros Pankararu aqui do Real
Parque?
É boa. Saímos todos juntos, conheço todo mundo, jogo bola com eles. É
ótima.
V: E com os Pankararu lá da aldeia?
Depende. Índio também tem amigo e inimigo. Tem gente na aldeia de quem
eu gosto, tem gente que eu desgosto. Normal.
V: Você conversa com eles?
Você diz assim, ou pelo computador ou pelo telefone?
V: É.
Converso um pouco.
V: Você veio para São Paulo com quem?
Com a minha mãe.
75
V: E por quê?
Eu tinha parado de estudar e precisava voltar pra escola e arrumar um
emprego, nós dois achamos que vai ser mais fácil eu arrumar alguma coisa por
esses lados.
V: Em Pernambuco você morava com quem?
Com a minha avó. Minha mãe morava aqui e mandava dinheiro para lá.
V: Quantos irmãos você tem?
Tenho 3. E eles já moravam aqui em São Paulo com a minha mãe.
V: Você já voltou para a aldeia?
Não ainda. É muito cara a passagem tanto de avião quanto de ônibus, e de
ônibus ainda demora muito.
V: Você se considera diferente das outras pessoas da comunidade do
Real Parque?
Não. Se eu moro aqui na comunidade do Real Parque, eu sou da
comunidade.
V: E você acha que as outras pessoas da comunidade te acham
diferente?
Acho que não. Eles já se acostumaram com esse monte de índio andando por
aqui (risos).
V: Você acha que os Pankararu aqui do Real Parque mantêm a cultura?
Acho que sim, um pouco, mas sim.
V: Como?
Fazendo as festas...
V: Quais?
Tem o dia do índio, que serve para mostrar para os brancos nossas raízes e
tradições; nesse dia, dançam toré.
76
Tem o ritual de fumar cachimbo, mas esse acontece dentro das casas, sem
branco; mas o principal que eu vejo é a fé nos encantados. Mesmo aqui nessa
poluição, o pessoal tem fé neles, fazem as promessas e pagam as oferendas.
V: E na aldeia tem os rituais?
Direto! Quase todo fim de semana. No mês de fevereiro tem a principal de
todas.
V: Qual?
A festa do Umbu, a corrida mesmo. São quatro domingos de festa, começa no
sábado, e vai embora até domingo. Muito bonita, muita emoção.
Se não fizermos estas festas, acaba nossa cultura.
V: E aqui, é importante a realização desses rituais?
É. Mesmo que aconteça às vezes, é muito importante.
V: Por quê?
Fé. A mesma fé que a gente tem lá, tem aqui. É a mesma.
V: Quais os problemas do Real Parque?
O pior é o cheiro... Esse esgoto a céu aberto fede de mais.
V: E vocês enfrentam quais problemas?
Nós Pankararu precisamos de trabalho. Falta emprego aqui em São Paulo,
mas é pra todo mundo...
V: E lá na aldeia, quais as necessidades?
A seca faz as pessoas passarem fome e falta emprego fora da roça.
V: Como está a questão agrária, vocês têm problema com a demarcação
de terras?
Já tivemos, minha avó contava, hoje em dia tem terra demarcada, direitos
reconhecidos. Mas a seca é brava, por isso o povo vem pra cá. Se você perguntar,
77
todo mundo vai dizer que quer um tiquinho de terra pra plantar suas coisas. Nós
somos da terra, não do asfalto, cheiro ruim, poluição...
V: Como você se vê daqui a 10 anos?
Aqui em São Paulo.
V: Não pensa em voltar para a aldeia?
Não.
V: Por quê?
Me acostumei aqui, vou arrumar emprego aqui, fazer dinheiro e ajudar o povo
lá, se as coisas melhorarem, bem, ai eu volto daqui a uns 20 (vinte) anos. (risos).
V: Como você acha que vão estar os Pankararu da aldeia daqui a 10
anos?
Eu desejo mais escola e menos seca.
V: Como você acha que isso vai ser possível?
Através de projetos e trabalhos.
V: De quem?
De todos juntos.
V: E os Pankararu do Real Parque. Como eles estarão daqui a 10 anos?
Muitos voltando para a aldeia, talvez todos.
V: Por que você acha que eles vão voltar?
Todo mundo quer ficar nas suas terras, aqui não é a terra deles, nem minha,
é terra de branco.
Se lá tiver mais escola, não vai acontecer como comigo. Eu parei de estudar
porque eu tinha que trabalhar, mas eu me arrependo.
V: Por quê?
78
Eu perdi oportunidades, eu podia ter um emprego, agora eu não tenho
trabalho nenhum, mas quando eu tiver, vou ter que conciliar o trabalho com o
estudo.
V: A escola em que você estudava era na aldeia?
É. A escola municipal é só para nós índios, a estadual tem não – índio
também.
V: E agora que você está estudando com não – índio. Como está sendo
pra você?
É uma oportunidade única deles me conhecerem e para perceberem que eu
sou normal, uso roupa e mesmo assim continuo sendo Pankararu. E eu falo isso
para eles, para eles saberem, e para eu mostrar o que é ser Pankararu.
V: Me explica melhor o que é “mostrar o que é ser Pankararu”?
A sensação está aqui dentro [aponta para o peito] é diferente. A sensação é
boa. Por isso eu não entendo a discriminação.
V: E quando você percebe que está sendo discriminado, como você
reage?
Eu explico, eu mostro que eu sou normal. E tem dado certo (risos) depois que
eu explico que mesmo de roupa eu sou índio, as pessoas me respeitam, ou pelo
menos não fazem mais piadas.
V: Quem nasce no Real Parque é Pankararu?
Depende.
V: Do que?
É difícil ser índio aqui, mas depende muito da família.
V: O que você acha que define o que é ser um Pankararu?
É gostar e valorizar a cultura Pankararu.
79
V: Se uma pessoa, aqui do Real Parque, que não é índia, vai para a aldeia
e gosta da cultura, ela pode ser considerada índia?
Ah não... Não. Só se ela casar com um índio.
V: Se você casar com uma mulher não – índia ela vai ser considerada
índia?
Depende. Se ela gostar e praticar os rituais sim. Se não, não.
V: E o filho de vocês?
Esse vai ser índio!
V: Por quê?
Eu sou índio, meu sangue é índio. Meu sangue é que está dentro dele, então
ele é índio.
V: Você gostaria de falar mais alguma coisa?
Se um Pankararu não valorizar a própria cultura, ele não vai ser ninguém. Se
você tiver vergonha, ninguém te respeita. Eu tenho orgulho e ponto final.
80
Silas
Vanessa: O que e ser Pankararu?
Ser Pankararu, para mim, é um motivo de orgulho, pela raiz, pela cultura que
a gente tem. E honrar o que você é. Na realidade, a gente honra isso com todo
orgulho, é ter uma cultura da gente realmente. Acho que sem ela, não diríamos que
somos Pankararu.
Uma vez que você nasce índio, você tem que honrar o que você é. Ser
Pankararu de nascimento, de pai e de mãe... Isso pra mim já é um motivo muito
grande de orgulho.
V: Então, no seu caso, o que te define como Pankararu?
O que me define? O que me define como Pankararu é saber que nasci
Pankararu, lá na aldeia mesmo! Primeiro, quando se nasce Pankararu, tem que
honrar que é Pankararu.
Independentemente do povo, tem que carregar o nome da etnia e a origem
com orgulho. Porque eu tenho uma cultura diferenciada de outros povos. No Brasil a
gente sabe que são diversas culturas diferentes. No meu caso, o que me torna
Pankararu é ter uma cultura diferenciada das outras etnias indígenas.
V: E você pratica os rituais?
Alguns. Eu pratico meus rituais em casa, faço as promessas para os
encantados, mas não faço apresentações das danças. Eu não sou menos índio se
eu não dançar o Toré.
V: O lugar de nascimento é o que define ser Pankararu?
Não, não acho que seria o lugar de nascimento. Sou Pankararu em
Pernambuco, sou Pankararu em qualquer lugar. Eu assumo essa identidade como
índio. Em qualquer lugar que eu esteja eu sou.
V: Os índios da aldeia te consideram índio?
81
Consideram. Têm muita consideração por mim. Hoje eu represento a
comunidade indígena aqui em São Paulo.
Quando eu vim de lá, as pessoas daqui só conheciam o índio dentro da aldeia
e hoje não. Nós somos reconhecidos por diversas instituições.
Eu viajo com político e com liderança de diferentes lugares. Eu tenho
reconhecimento tanto dentro na aldeia quanto fora.
Eu fui para Pernambuco há dois meses e fui recebido, mais uma vez, por
todas as lideranças da aldeia, fizemos uma reunião muito grande, convoquei todos
eles, para saberem qual trabalho que eu estava fazendo. Fui, graças a Deus, bem
respeitado e considerado pelo trabalho que eu to fazendo.
Agora no final do ano, eu recebi umas lideranças que vieram para Brasília e
de lá vieram aqui. Tivemos em reunião aqui muito produtiva para planejarmos as
ações em 2008.
Então, isso é graças a um trabalho sério que eu venho fazendo com um
grupo; começamos em 95 aqui em São Paulo. Somos respeitados tanto na aldeia
como fora.
V: E o que é ser Pankararu aqui em São Paulo?
O mais difícil é conseguir um espaço, a gente sabe que não e fácil. Uma coisa
é você ser índio na aldeia, quando você sai da aldeia, tem que conquistar o espaço.
Esse espaço a gente foi conseguindo em “riba” da nossa força política. Nada foi
conseguido de graça.
A gente quer ter nossos direitos garantidos aqui em São Paulo, a gente sabe
que é uma selva de pedra. Foi difícil, mas hoje, com toda essa luta, que a gente
começou em 95, temos os nossos espaços para praticar os rituais.
Hoje tenho muito orgulho dos espaços conquistados.
82
V: Como é a relação dos Pankararu daqui de São Paulo com outras
etnias?
Essa convivência é muito boa porque já tivemos diversos encontros e fomos
bem recebidos por eles, tanto nas aldeias, como aqui também.
V: Tem outras etnias que moram aqui em São Paulo muito parecidas
historicamente. O que difere vocês Pankararu dessas outras?
É assim, eu acho o que difere hoje, é que os Pankararu atingiram o que
outros não atingiram até agora.
A nossa história de luta é longa, dos anos 50. E também, nosso grupo é mais
mobilizado pra correr atrás dos seus objetivos. As outras etnias não são
organizadas, né? No entanto, em “riba” dos direitos, que a gente abriu as portas,
muitos entraram até na faculdade. Mas fomos nós os primeiros que conseguimos.
V: E o que é ser Pankararu lá em Pernambuco?
Ser Pankararu lá, é ser nascido e criado dentro da aldeia e manter suas
culturas de origem e tradição. Nós da etnia temos uma cultura muito linda e
tradicional da região de Pernambuco.
As nossas festas são as mais respeitadas, viaja gente de toda a região da
Bahia e de Alagoas. Toda a cidade vai presenciar a nossa festa com todo respeito à
cultura, então isso é um motivo de realmente muito orgulho.
V: Você acha que os filhos de índios Pankararu que estão nascendo no
Real Parque são índios?
São índios sim! Semana passada saiu um ônibus lotado para a festa na nossa
aldeia; as mães levam os filhos nascidos aqui, vai toda a família.
A gente já vê que eles já aprenderam a gostar e a honrar a cultura. As
crianças de 6, 7 anos têm vontade de voltar pra aldeia porque gostaram muito do
83
estilo do lugar. Assim a gente sente que eles honram o que são. E não vão dizer:
“não quero ser isso aí”.
V: E, por exemplo, um índio que case com uma mulher não índia. Essa
mulher é índia?
Não, não é. Ela só tem os direitos até o momento em que ele convive com
ela, no momento em que eles se separam, ela não tem mais esse direito.
V: Como é a relação dos Pankararu com os outros moradores daqui do
Real Parque?
Já foi muito complicado. Hoje a gente conquistou esse espaço de direito e
igualdade de morar em uma comunidade sabendo que somos diferenciados.
Eles sabem que nós somos índios e que temos uma cultura diferente.
Atualmente, eles gostam. Respeitam os nossos direitos.
V: Como era antes deles respeitarem?
A gente sabia que era a minoria, mas por outro lado, não queríamos ter
aquele medo de não ser respeitado nos nossos direitos de índio. De repente, você
quer fazer um ritual de dança e não tem o espaço desejado ou garantido; a gente
tinha medo.
Tinha rivalidade em um monte de coisas, nosso povo teve que “botar a cara a
tapa” e se apresentar para ter realmente os nossos direitos garantidos.
Aconteceram algumas ocorrências com alguns parentes da gente. Eles foram
assassinados. Nesse momento a gente se rebelou. Foi quando nós nos
organizamos.
V: Eles foram mortos aqui?
Foram.
V: Aqui no Real Parque?
84
Aqui no Real Parque. Que eu me lembro foram 2,3,4. Parece que foram
quatro assassinados.
V: Eles foram mortos porque eram índios?
Não. Estavam no lugar errado. Um lugar que realmente ninguém respeitava
ninguém. Diversos tipos de violência... Ninguém considerava ninguém. Em um lugar
que eu acho que não seria nosso lugar; então é aquela história: você está no lugar
errado, na hora errada, no momento errado.
Depois que tudo isso ocorreu a gente reconheceu que uma comunidade unida
é mais respeitada.
V: Você disse que acha que o Real Parque não é o lugar de vocês?
Eu não considero. Eu considero que o Real Parque é uma passagem
provisória. A gente tem interesse de ter um espaço nosso para ter mais liberdade.
V: Aqui em São Paulo?
Pode ser aqui em São Paulo. Um lugar para ter liberdade de fazer nossas
danças, nossos rituais e praticar nossa cultura. Dormir com as portas abertas como
na aldeia.
V: E como é a sua relação com os Pankararu de Pernambuco?
A saudade é muito grande. Cada vez que eu volto pra aldeia, parece que é
como voltar a nascer de novo.
V: Como você se vê daqui a dez anos?
Na aldeia. Mas é difícil, então acho que vamos conseguir umas terras aqui em
São Paulo mesmo. Lá tem muita seca.
V: Como você vê os outros Pankararu do Real Parque daqui a dez anos?
Ou na aldeia em Pernambuco ou nessas terras que, se Deus quiser, vamos
ter.
V: E como você vê os Pankararu de Pernambuco?
85
[Risos]. Vanessa, lá nada muda. Nada. Alguns vão ter vindo pra São Paulo,
mas muitos já vão ter voltado para a aldeia.
V: Você quer me contar alguma coisa que eu não tenha perguntado?
Não. Só quero que você escreva ai. Os índios Pankararu são muito
guerreiros! São brasileiros e não desistem nunca! [risos].
86
TITA
Vanessa: Pra você, o que é ser Pankararu?
A: Eu sinto muito orgulho das tradições, da tribo, das festas.
Ser pankararu, principalmente lá na aldeia, é muito sofrido. A maioria corre
aqui para São Paulo, para fugir desse sofrimento, mas mesmo assim, eu sinto muito
orgulho de ter o nome de Pankararu.
Eu só resolvi vir para cá, para conseguir ter coisas que lá eu não conseguia e
criar meus filhos. Mas mesmo longe, eu tenho muito orgulho da minha gente.
V: Você se considera uma Pankararu?
Eu me considero; só não danço porque eu não fui criada bem no centro do
terreno lá na aldeia; mas eu freqüento o toré, as rezas. Tenho muita fé nos
encantados também; faço minhas promessas para eles para conseguir as minhas
coisas...
Quando eu consigo o que eu peço para eles eu preparo as oferendas aqui em
casa para pagar, normalmente eu preparo um belo prato de pirão com carne.
E é assim a vida dos Pankararu.
V: E você acha que os índios lá da aldeia em Pernambuco te consideram
Pankararu?
Claro!
V: Por quê?
Porque eu nasci lá e porque eu sou Pankararu, né?!
V: Você acha que o que define ser Pankararu é ter nascido na aldeia?
Não, não é ter nascido na aldeia. É ser filho de Pankararu. Porque os que
nascem aqui, apesar de não terem nascido lá, também são Pankararu.
Que nem meus dois filhos, eles nasceram aqui, mas são meus filhos, então
os dois são Pankararu.
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V: E seus pais? Os dois são Pankararu?
São, moram lá na aldeia, se conheciam desde pequenos...
V: E o seu marido?
Também é.
V: E se o seu marido não fosse Pankararu, seus filhos continuariam
sendo índios?
Seriam, porque eu sou Pankararu.
V: Então, tanto faz se é filho de homem ou de mulher. Sempre o filho de
um Pankararu é Pankararu?
Claro, independente se é o pai ou a mãe.
V: E o que é ser Pankararu aqui em São Paulo?
Aqui em São Paulo? Aqui em São Paulo não da muito pra ser Pankararu.
V: Por quê?
Ah, é diferente da aldeia.
V: Por quê?
Pra começar, lá é uma aldeia, aqui você mora em prédio lá em casas, tudo é
diferente. Lá não tem violência que nem tem aqui. Isso já é coisa de branco. Lá até
tem, mas não é que nem aqui.
Aqui por causa dessa violência, eu me sinto muito mal. Violência...
V: E como você acha que é ser Pankararu lá em Pernambuco?
Tudo. Lá você está na terra, você pisa e diz com orgulho: “eu estou na minha
terra; minha aldeia”.
Você olha e tudinho em volta é serra, parece que você fica protegida pelos
encantados.
Então lá sim você sente que está protegida, que está na sua aldeia.
É assim, na aldeia você está protegida, aqui desprotegida.
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V: Você acha que os encantados protegem mais os índios da aldeia?
Protegem... [abaixa a cabeça]
V: Mais lá do que aqui?
Protegem, porque lá a é a terra nascente deles. Eles vivem lá.
Aqui eles não têm como. Eles gostam mais do mato, vivem no mato, aqui não
tem como [aponta para a Marginal do Rio Pinheiros].
Alem disso, eles não gostam da violência...
V: E como é a relação dos Pankararu com os outros moradores do Real
Parque?
Normal. Ninguém tem preconceito. Todo mundo convive junto. Normal.
V: E a sua relação com os outros moradores?
Normal também.
Eu trato bem todo mundo, todo mundo me trata bem. Temos bastante
convivência. Vou a festinhas.
Eu trabalho ali no postinho, ninguém nunca me destratou aqui em São Paulo,
nadinha.
V: Você nunca sofreu nenhum preconceito?
Não. Bom, não sei se é porque eu também sou branca...
V: Você acha que as pessoas não sabem que você é índia porque você é
branca?
As pessoas esperam que índio esteja pelado (risos), mas principalmente que
tenha aquela cor vermelha. Sabe?!
Eu sou branca e sou Pankararu. Meu marido é “escurinho” e também é.
Ficam meio confusos (risos).
V: E você acha que tem diferença mesmo, entre índios brancos,
“escurinhos” ou vermelhos?
89
Não sei as outras etnias, mas nós Pankararu somos assim, bem diferentes
uns dos outros e somos todos Pankararu.
V: Você disse que muita gente não sabe que você é índia porque você é
branca, você fala para as pessoas?
Eita! Mas claro! Ah, eu digo. Todo lugar que eu vou eu digo. È o meu maior
orgulho!
Eu trabalho de auxiliar de limpeza no postinho de saúde e faço um curso de
auxiliar de enfermagem ali no Butantã. Todo mundo que me conhece sabe que eu
sou índia, eu faço questão (risos).
V: Você gosta de contar...
Sabe uma coisa que te dá orgulho?! Esse é o meu.
O povo acha que os Pankararu conseguem isso, conseguem aquilo. Sabe por
que a gente consegue?! Porque a gente corre atrás.
Que nem, no posto de saúde tem um PSF só para Pankararu, o povo fala que
a gente consegue tudo, claro, tem que correr atrás dos direitos.
V: E você acha que os Pankararu têm mais direito mesmo que as outras
pessoas da comunidade?
Não, não temos mais direito, mas precisamos mais.
Aqui nem estamos na nossa terra, estamos nas terras dos outros.
V: Então você acha que o Real Parque não é terra dos Pankararu?
Não, não é.
V: E a aldeia?
A aldeia é. É terra Pankararu. Aqui a gente está ocupando uma terra que não
é nossa. E as pessoas daqui têm todo o direito de reclamar. Eles podem pensar: “se
não fossem os Pankararu, o PSF podia ser da gente”, né?!
A gente só ocupou um espaço que não é nosso para sobreviver...
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Lá em Pernambuco, ou a roça ou nada, e com a seca que está... Todo mundo
corre pra cá.
V: E como é a sua relação com os outros Pankararu?
Aqui ou na aldeia?
V: pode ser aqui primeiro...
Normal. Quando tem festinha a gente está junto. Quando preciso de alguma
coisa corro atrás deles e vice-versa.
V: E com os Pankararu da aldeia?
A mesma coisa. Converso com a minha família, tenho um monte de amigas
que estão lá... Tem meu cunhado com quem a gente fala sempre.
V: Você costuma ir para lá?
Faz dois anos que eu fui. Meu marido vai todo ano.
Mas lá não muda não. Eu moro aqui, fico um tempo sem ir lá, quando chego é
a mesma coisa, nada muda, parece que saí de lá ontem. A energia sempre boa,
sempre me sinto em casa.
V: E como os outros moradores do Real Parque vêem os Pankararu?
Acho que para eles não faz diferença. Eu nunca ouvi comentário.
V: Os Pankararu aqui do Real Parque mantém a cultura?
Mantém.
V: Como?
Todo ano, ali no casulo, os caciques daqui organizam uma umbuzada, tem
toré...
Alem disso tem as rezadeiras. Sempre que tem alguém doente, chamam
essas mulheres para rezarem, fazerem promessas. E pagam com oferenda de prato,
igual na aldeia. Igualzinho, a mesma tradição.
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Tem o toré também, dançam aqui na frente [aponta pela janela para um
campinho], quer dizer, agora nem dá mais. Puseram arame farpado porque a
meninada ia bater bola e eles não queriam.
Sinceramente, não sei como vão fazer com o toré. Quando o pessoal que
está para a aldeia voltar...
Te falei que foi um ônibus pra lá?! Foi semana passada, eles voltam daqui
uns dias.
Ah, outra tradição que a gente mantém é a do cachimbo. Meu marido tem; ele
fuma.
Vem lá do norte, uma plantinha pra diminuir o gosto forte.
V: E vocês já tiveram algum problema com o cachimbo?
Não. Ninguém nunca reclamou...
V: Como mantém a cultura Pankararu lá em Pernambuco?
Todo ano tem a corrida do umbu, tem o menino do rancho, o toré, as
promessas.
A corrida do umbu começa em fevereiro, é aos domingos, o mês todo. Da
aldeia, eles vão para outro lugar onde fica o mestre dos encantados. Nesse lugar
eles encerram a corrida, ai começa o menino do rancho, quem tem filho leva a
meninada toda.
V: Seus filhos já estiveram lá?
Só quando eram pequenos.
V: Quais os problemas do Real Parque?
Essa violência. Tenho muito medo dos meus filhos se envolverem também,
aonde você vai, dá de cara com a violência. Você nunca fica a vontade, eu acho
muito triste.
A violência faz com que eu perca a vontade de morar aqui...
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Se meus filhos fossem se envolver com violência seria em qualquer lugar,
aqui ou até na aldeia, mas lá a chance é bem menor.
Outra coisa, lá a molecada pode trabalhar desde cedo, aqui só quando é “de
maior”. Aqui quando o menino não está na escola, está na rua.
Não dá pra prender todo mundo dentro de casa, lá todo mundo é livre e sem
violência,
V: Quais as necessidades específicas dos Pankararu aqui em São
Paulo?
Muitos não têm trabalho, vivem na casa de irmão, sem moradia, sem comida.
Eles vêm atrás de dinheiro para mandar para a mulher e os filhos.
V: Vocês mandam dinheiro para lá?
Mando para minha mãe que está doente. Minha irmã cuida dela, então eu
ajudo com o que posso. Meu irmão morava aqui, naquele terreno que pegou fogo.
V: Ele não foi para o alojamento?
Não, está morando na casa de um colega. Ele, minha cunhada e meu
sobrinho. Eles estão juntando dinheiro para voltar para a aldeia, não dá para morar
na casa dos outros.
Aqui não tem mais lugar para construir. O que meu irmão mais queria na vida
era um pedaço de chão.
Os caciques daqui estavam tentando conseguir terras para a gente fazer uma
casinha e ter uma roça aqui mesmo. Mas não tem como, já está muito cheio.
Meu maior sonho seria uma casa e na frente uma roça. Aqui quem tem sua
casinha fica, quem não tem vai embora.
V: Como você se vê daqui a dez anos?
93
Lá em Pernambuco na aldeia (risos). Assim que eu terminar meu curso, com
fé nos encantados, eu vou embora. Minha cunhada, irmã do meu marido, foi há 15
dias, ela dançava e cantava, não agüentou ficar aqui.
V: Como você vê os Pankararu de Pernambuco daqui a 10 anos?
Lá não muda. Morrem os mais velhos, os mais novos seguem as tradições.
Lá nada muda: o toré não muda, o jeito de conviver não muda, as rezas não mudam.
Faz 10 anos, que estou aqui e não mudou nada. Eu chego lá e é a mesma
rotina.
V: Como você vê os Pankararu do Real Parque daqui a 10 anos?
Todo mundo indo embora, não vai sobrar um. Você só ouve gente falando
que vai embora. Eu não fico!
V: Como você acha que vai viver lá?
Vamos voltar para roça. Todo mundo na roça. Juntamos o dinheiro que
guardamos aqui e ficamos lá. Eu acho que não sobra um.
V: Tem alguma coisa que você quer me contar.
Não, acho que já falei tudo. Ser índio é difícil, mas é bom.
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