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cerceamento da liberdade, tornando-se a imagem de seu tempo; o segundo é educado
na e para a liberdade para atender suas próprias necessidades, tornando-se, assim
homem.
Com Rousseau o centro de gravidade da reflexão política se
desloca da esfera do saber para a do poder, ou da Razão para a
paixão, ou ainda do Discurso para a da Força. As vontades, as paixões,
mesmo os direitos reivindicados remetem a uma Econômica ou uma
Dinâmica onde se opõem proprietários e despossuídos, fortes e fracos,
dominantes e dominados. Não se trata mais de difundir o saber, mas de
organizar forças dadas, ou de neutralizar um conflito existente desde
sempre, contando apenas com forças (demasiado humanas)
disponíveis. É a diferença social que vem finalmente à tona, tornando
necessária a determinação dos meios de supri-la. O que há de racional
ou intolerável na organização social não lhe advém, como que de fora,
de uma administração desamparada pela razão e obscurecida pela
ignorância. Advém-lhe, sim, de seu próprio coração ou de sua natureza
íntima, já que as instituições ou as sociedades políticas nasceram
justamente da necessidade de legitimar e de garantir a permanência da
desigualdade que terminou por emergir nas sociedades pré-políticas
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.
Para nosso autor, o homem é um ser universal, e por natureza livre, de modo
que, onde quer que tenha nascido, nasceu para ser homem e não escravo ou rei.
Dessa maneira, a crítica elaborada por ele em seus Discursos e no Emílio em especial
se volta para as educações que pretendem se adequar num determinado tempo e
numa determinada sociedade, em particular o século XVIII e os séculos que o
antecedem, para determinado fim. Isso implica, segundo o que se entende a partir de
então, que o indivíduo exposto a essa educação formadora, não seja homem no final do
processo, pois, em constante conflito entre suas inclinações naturais e os deveres
impostos pela sociedade não passará de uma imagem de homem. Daí, que a única
possibilidade de formar homens que nasceram para serem livres, em indivíduos servis,
seja através da educação. Afinal, de que outro modo, que não a força física, poder-se-ia
obrigar indivíduos a submeter-se a um modo de vida desigual, se não através de
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JÚNIOR, B. Prado. Prefácio in Discurso sobre a Economia Política e Do Contrato Social, Petrópolis:
Vozes, 1996, p.11-12.